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ENCICLOPÉDIA SIMPOZIO.
APRESENTAÇÃO INTRODUTÓRIA.
1 - Idéia interna da Enciclopédia Simpozio.
2 - Informação técnica sobre a Enclopédia Simpozio.
3- Índices
ENCICLOPÉDIA DE FILOSOFIA.
ENCICLOPÉDIA DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA.
ENCICLOPÉDIA DE CIÊNCIAS HUMANAS.
ENCICLOPÉDIA DE ARTES, LÍNGUAS, LITERATURA.
ENCICLOPÉDIA DE REGIÕES:
- Enciclopédia de Santa Catarina.
FILOSOFIA:
Megaestética (conjunto):
Megaética (conjunto):
CIÊNCIAS HUMANAS:
Megahistória das religiões (conjunto):
E
NCICLOPÉDIA DE EGIÕES: R
ENCICLOPÉDIA DE SANTA CATARINA
Apresentação e introdução.
MEGAESTÉTICA
9. Estética psicológica.1965y000.
TRATADO DO BELO
Evaldo Pauli .
18. Desde a antiguidade grega muito e sempre se escreveu sobre todos os aspectos do belo, mas
principalmente sobre as propriedades do belo, como proporção e harmonia, bem como de sua
ação estética.
O objetivo prático evidentemente prevalecia, no sentido do fazer belas as coisas, quer as
simplesmente úteis, quer as de expressão artística, o que equivalia dar-lhes correta proporção e
harmonia.
A metafísica do belo foi tema apreciado dos grandes filósofos clássicos, e assim também dos
grandes nomes da filosofia moderna.
A bem da verdade, os tratados do belo poderiam ser mais breves, se não houvessem ocorrido
tantos acidentes de percurso. Assim sendo, o tratado do belo ficou sendo uma espécie de tratado
de exercício de coisas intrincadas. A história apresenta quais foram estes acidentes de percurso.
19. Platão (427-347 a.C.) ocupou-se com a arte e o belo nos diálogos menores Ion e Fedro; nos
maiores, em algumas passagens de República e Leis.
Situou Platão o belo no ser metafísico, concebido por ele sobretudo como idéias reais arquétipas.
O mais era sombra. Tornou-se famosa a sua invectiva contra a arte. Interpretando-a como
expressão sensível, achava dever preteri-la em favor da contemplação das idéias reais
transcendentes. Aliás por razões análogas, no futuro, Hegel fará da arte apenas um estágio da
dialética do Espírito, a ser superado por um momento superior seguinte.
Quanto ao belo em si mesmo, a doutrina de Platão sobre os arquétipos contém em embrião a
essência de todos os sistemas de metafísica do belo. Inclusive Kant, apesar do seu apriorismo
sem objeto real, fez do belo uma noção que se diz das coisas em relativo, enquanto estas se
dizem perfeitas em função a um tipo arquétipo ideal ao qual em seu ser se ajustam.
20. Aristóteles (384-322 a.C.), criou uma metafísica racionalista moderada favorável ao
desenvolvimento de uma consistente filosofia do belo. Todavia não se ocupou muito com a
questão. Havendo introduzido a distinção entre predicação unívoca (de estratos entre si isolados,
como nas categorias do ser) e predicação analógica (observada em ser, uno, verdade, bom, belo),
introduziu ordem sistemática na classificações dos conceitos.
Com este trabalho abriu caminho para caracterizar futuramente com mais detalhes o belo, uma
das noções transcendentais derivada das transcendentais fundamentais.
Ainda que Aristóteles, contra Platão, negue o realismo dos arquétipos platônicos, conserva
contudo um fundamento ontológico dos universais nas coisas individuais. Somente as coisas
singulares são reais, todavia obedientes à universais nelas mesmas fundadas, como leis que lhes
são imanentes. Para Aristóteles há, pois, essências, ou leis, sem que estejam fora das coisas.
Tais doutrinas as enunciou nos tratados conhecidos depois por Órganon e Metafísica.
Sobre a arte foi Aristóteles mais específico em Retórica e em Poética, onde discute noções sobre
o belo e seus efeitos estéticos. Finalmente emÉtica a Nicômaco estudou a felicidade que resulta
do saber, o que constitui aproximação com a estética, a qual não é senão o prazer ocasionado
pela expressão da arte.
21. No período helênico-romano desenvolveu-se o estudo da estética literária, juntamente com a
gramática. São apreciáveis os escritos teóricos de Cícero (106-43 a. C.), Horácio (65- 8 a.C.),
autor de uma Poética, ou Epistola aos pisões
Quintiliano (35-96) é um notável autor antigo de uma Instituição oratória, que entretanto passou
a ter influência sobretudo a partir da redescoberta deste escrito em 1415.
30. Conhecer e estudar sistematicamente o belo resulta em vantagens, e que se situam em vários
planos.
Primeiramente, vale o princípio geral que todo o conhecimento é em si mesmo valioso, enquanto
nos agrada o conhecer. Agrada-nos sobremodo conhecer os objetos mais significativos e valiosos.
Neste caso se encontra o belo, por ser qualidade aperfeiçoativa. Como já advertiu Aristóteles,
obelo é o preferido. Em decorrência direta destaca-se o valor do Tratado do Belo, pois atenta
para o belo e alarga o conhecimento sobre o mesmo.
Ainda que o belo não fosse valioso em si mesmo, bastaria, para determinar sua importância, a
atração que exerce. A curiosidade pelas coisas belas e a afetividade estética produzida induzem a
fazer dele uma indagação.
Enfim, todo o saber vale por si mesmo. É bom saber. E por isso é bom saber algo sobre o belo. É
mesmo bom conhecer o seu contrário, o feio, porquanto destaca, pelo contraste, ao belo.
31. O belo pré-artístico. Antes que surgisse a arte, o belo já existia. Muito antes de aparecer o
homem sobre a face da terra para produzir a arte, já resplandecia o belo na luz dos astros, no
colorido das auroras, no azul da abóbada celeste, nas noites estreladas, nas nuvens vagando no
espaço, nas montanhas sinuosas, nas florestas verdejantes, nas flores coloridas, no zumbido dos
insetos e canto dos pássaros, nos brutos das campinas, no rolar das ondas do mar. Imenso sempre
foi o número das coisas belas, antes que a primeira obra de arte surgisse.
Mesmo na arte, o som já pode ser belo, harmonioso, agradável antes de se transformar em
música expressiva. Por isso, há na música muito do belo pré-artístico, antes da expressão musical
propriamente dita.
O mesmo pode acontecer com os materiais da arquitetura e da escultura, sempre capazes de
serem belos em si mesmos, independentemente da expressão que passam a assumir. Sobretudo as
cores são belas, mesmo quando nada expressam.
A arte literária, sobretudo a poesia, também explora o belo da cadência dos sons e das rimas.
Portanto, por toda a parte reina o belo nas coisas, mesmo antes que a arte as transforme em novas
maravilhas.
32. O belo como tema preferido da arte. Cresceu o belo da natureza ao surgir a arte. É a arte um
esforço de expressão, em que umas coisas se tornam a representação de outras. E esta
representação busca ser perfeita, ao mesmo tempo que prefere os temas perfeitos, isto é belos. É
por si mesmo evidente, que a expressão artística busque ser perfeita e que prefira expressar o
temas perfeitos, ainda que as circunstâncias à obriguem à universalidade dos temas.
Sem ser ela mesma o belo, foi a arte sempre amiga do belo: tanto ela busca o belo na função do
expressar com perfeição, como também o busca nos temas belos.
Por causa desta dupla possibilidade de beleza da arte, acontece que o mais degradante dos temas,
ainda que como tema possa não ser o belo, passa contudo a ter uma expressão bela, porque ao
menos perfeita como expressão.
33. Importa ainda conhecer o belo como um dos ideais de construção do homem, seja do homem
como belo corpo, seja do homem como bela pessoa.
Neste contexto surge o belo como um dos objetivos gerais da educação. A filosofia da educação,
ao tratar dos objetivos gerais da educação, advertirá sobre este aspecto.
A tendência do artista não é apenas o expressar belamente, mas expressar um bom tema. E este
poderá ser um tema instrutivo, um tema capaz de divertir, um tema curioso pela sua
originalidade, enfim poderá ser um tema belo. Acontecerá então uma seletividade temática,
desde os mais úteis até os mais belos. Ainda que o artista se preocupe em funcionalmente
expressar-se belamente, o que verdadeiramente lhe importa é o tema.
34. A arte pela arte é uma situação abstrata. Ninguém fala simplesmente para falar; fala-se para
dizer algo de interesse temático. A arte pela arte, como simples virtuosismo funcional do bem
expressar, é apenas um momento abstrato, tomado a um todo maior; cuida somente da arte pela
arte o apreciador que faz a ciência da arte, a crítica da arte, a história da arte, porquanto cada
ciência toma em conta um ponto de vista a parte.
Pode a arte pela arte ser uma preferência de quem a aprecia; mas nunca é toda a arte.
Aparentemente o cientista da arte, o seu crítico e historiador parecem conduzidos à indiferença
moral; todavia, o estado deles é apenas o da abstração, porque na verdade simplesmente por
definição não lhes cabe diretamente cuidar do conteúdo simplesmente em si mesmo; este já
pertence a um outro setor, o da filosofia moral da arte.
Conclui-se que, apesar da distinção entre o belo e a arte, é na arte, que,- ao mesmo tempo que
busca ser bela, - muito se valoriza o belo.
35. Quando se trata do belo e da arte como valiosos à educação, importa primeiramente o
conteúdo belo e o conteúdo expresso pela arte; surge então o belo como a perfeição em destaque
e a expressão artística como mensagem direta do tema. Não obstante, a expressão enquanto bela
expressão também educa, porquanto excita o sentimento estético, em si mesmo apreciável e
elevado.
Schiller aborda a questão do belo como fator de educação, em sua 10-a carta Sobre a educação
estética da humanidade (1795). Merece ser lido:
"É verdade que já ouvimos, até o cansaço, a afirmação de que o sentimento educado da beleza
refina os costumes, de modo que parecem desnecessárias novas provas.
O apoio é dado pela experiência cotidiana, que mostra o bom gosto quase sempre acompanhado
por clareza do entendimento, vivacidade no sentir, liberalismo, mesmo dignidade, enquanto o
gosto inculto se apresenta de ordinário ligado a qualidades opostas.
O apelo é feito, com toda a segurança, à mais educada das noções da antiguidade, na qual o
sentimento da beleza alcançava sua evolução mais alta, e é feito, por outro lado, ao exemplo
oposto, dos povos selvagens ou bárbaros, que pagam sua insensibilidade para o belo com seu
caráter rude ou austero.
Ainda assim, boas cabeças por vezes se lembram de negar o fato ou de questionar a justeza das
conclusões tiradas. Não pensam tanto mal da selvageria de que se acusa os povos incultos, nem
tanto bem do refinamento louvado nos cultos. Já na antiguidade havia homens que nada viam
menos benéfico do que a bela cultura, inclinados, por isto, a vedar as artes imaginativas o acesso
à República" (Schiller, Cartas, 10, p. 61, trad. R. Schwartz, ed. Herder 1963).
Não desconhece Schiller o problema que se levanta por causa distinção entre o gozo pela beleza
da forma e o conteúdo expresso:
"Existem vozes dignas de atenção que se declaram contra os efeitos da beleza, armadas de
atenção que se declaram contra os efeitos da beleza, armadas pela experiência terrível.
É inegável, dizem elas, que os encantos da beleza, em boas mãos podem servir a fins louváveis;
não lhes contradiz a essência, entretanto, quando, em mãos danosas, fizeram justamente o
inverso, utilizando sua fascinação sobre as almas em favor do engano e da injustiça.
O gosto atenta apenas na forma e nunca no conteúdo, e por isso conduz a ama ao perigoso
pendor de negligenciar a realidade em geral e de sacrificar a verdade e a moralidade em favor de
um vestimenta encantadora" (Ibidem, p. 62).
36. Nem ignora Schiller a objeção do fato de que o florescimento das mais belas artes ocorreu
por vezes em períodos de decadência.
"Não temos um exemplo que seja de coexistência amistosa em um mesmo povo entre o alto grau
de cultura estética generalizada e a liberdade política ou virtude cívica, entre os belos e bons
costumes, entre a polidez do comportamento e sua sinceridade... O nosso olhar, onde quer que
perscrute o mundo passado, verá sempre que gosto e liberdade se evitam e que a beleza funda
seu domínio somente no crepúsculo das virtudes heróicas" (Ibidem, p. 63).
Mas conclui otimista: "E ainda assim, esta energia de caráter, com cujo empenho se obtém a
cultura estética, é justamente a mola com cujo empenho se obtém a cultura estética, é justamente
a mola maior de tudo, quanto é grande e excelente no homem, cuja falta nenhuma outra virtude,
por grande que fosse, poderia suprir" (Ibidem, p. 63-64).
40. Um nome antecipa noções. Se ele ao menos aponta para o objeto, dele será um nome próprio,
diferenciando-o das coisas denominadas por outro nome.
O que ordinariamente leva a criar um nome para determinada coisa é uma característica ligada a
ela e que a descreve.
Advertiu-o já Aristóteles: "na maior parte dos casos, e mesmo quase sempre, o nome das coisas
qualificadas é derivado da qualidade" (Categorias 10a 30).
Por isso, conhecer um nome representa um início de informação. Tentemos, pois, acessar a
noção do belo pela via de seus nomes.
42. Pulcher, -chra, -chrum é o adjetivo usual do latim para significar o que é belo. O substantivo
é pulchritas, -atis, e também pulchritudo, -inis.
Apresenta uma origem visual, portanto fácil para a transformação semântica. Deriva de perk-,
raiz indo-européia com o sentido genérico de salpicado.
No latim o vocábulo tomou a direção de belo, passando pelas formas perkros e perkr-, resultou
em pulcher (= belo).
No grego a radical indo-européia per- rumou para perkos = salpicado de preto), no alemão para
Farbe (= cor, tinta), no russo para (krasotá) (= belo, beleza).
De origem visual, portanto teorética, o termo latino pulcher se distancia bastante do de bellus (vd
43. No latim também ocorre bellus. Em outros tempos pouco usado, este nome passou contudo a
ser o preferido nos idiomas neolatinos. Similar é o nome bonito.
Belo e bonito, para significarem beleza, tiveram sua origem, na esteticidade afetiva e não na
teoreticidade falante do belo. De dwenos saiu o latino bonus (= bom). Através de dwenollos
chegou-se a bellus (= belo), menos usado que pulcher. Em português formou-se bonito, através
de bom. O processo, em virtude do qual bonito saiu de bom, apresenta-se paralelo àquele em que
bellus derivou de dwenollos e este de dwenos.
Termo latino de obscura origem, faz com que estas denominações belo e bonito, tão frequentes
na área dos povos latinos, não representem contudo valor semântico no restante vasto mundo
cultural indo-europeu. Sem equivalentes na mesma linha etimológica, belo e bonito não
possibilitam tradução espiritual perfeita aos idiomas fora da área das línguas neolatinas.
O Esperanto aproveitou a raiz latina, para formar o adjetivo bela (= belo, bela) Dada a
flexibilidade gramatical do Esperanto, o termo se tornou de uso eficiente para todos os fins da
área em que deve oferecer significado, quer como adjetivo, quer como substantivo, quer como
verbo e advérbio.
No latim vulgar, derivando da mesma raiz, se formou bellitia, nas neolatinas belleza (italiano),
belleza (antigo provençal), beleza (português).
O curioso desta evolução semântica a partir de dwenos, dwenollos, bonus, belus, bellitia, é seu
ponto de partida estético e mais do que isto, de um sentimento genérico, como é o de bom.
Interpretamos o belo como um bem teorético da inteligência, enquanto a vontade assim o aprecia
em favor daquela faculdade. Ora, sendo um bem, importava sob este pondo de vista denominá-lo
a partir do mesmo vocábulo. Diante disto, a semântica nos está a sugerir que o belo, em virtude
do mesmo nome, é um bem... E como se trata de um bem muito especial, passou a ter um nome
distinto, - belo.
Diante disto ainda, o belo se traduz, aproximativamente, por estético; pois dizemos estético
aquele específico sentimento que o apetite exerce diante de um objeto que a vontade aprecia
como um bem da inteligência. Entretanto, estético se apresenta mais universal, porque se diz
tanto do estético-artístico, como do estético-especulativo, segundo o qual todo o conhecimento
agrada, sobretudo do belo. Na verdade, o belo, do qual agora cuidamos, é o perfeito em destaque,
nesta condição mais agradando que os demais objetos.
44. São ainda nomes do belo, com nuances: decoro, decoração, ornamento, Ornato, enfeite.
Todos indicam o belo de maneira peculiar e conhecida.
Os nomes até aqui citados , - belo e similares, - têm o sentido semântico definitivamente firmado;
ainda que originariamente possam sugerir outras qualidades, significam hoje o que diretamente
entendemos por beleza.
45. Outros vocábulos latinos indicam o belo apenas de modo genérico, cabendo ao contexto fixar
a acepção exata. Referimo-nos às denominações como: elegância, brilho, esplendor, perfeição,
fulgor, claridade, clareza, distinção, nitidez, evidência, integridade, perfeição, as vezes até
inteligibilidade.
Algumas das qualificações mencionadas se dizem também do conhecimento, que pode ser claro,
evidente, distinto, nítido, esplêndido, brilhante. Sobre a análise etimológica destes qualificativos
veja-se um tratado de gnosiologia (nosso Que é pensar? n. 105 ss).
Há nomes que dizem belo só dentro de uma determinada área. Por exemplo, artístico para coisas
bem feitas.
46. Perfeição por si só não indica o belo. Está, todavia, como que na posição de gênero para a
sua espécie. O sentido etimológico de perfeito (do latim per-fectum), derivado de perfazer,
encontra-se ainda evidente. Sugere o acabamento, cuja feitura foi conduzida até ao fim, até a
integridade. Lembra portanto a verdade ontológica, a idéia exemplar, portanto ao modelo
arquétipo em função ao qual uma realização completa se subordina.
A evolução semântica do termo, admite hoje que o perfeito não somente se diga da obra que se
faz, ou se cria, mas também de um ser que se realiza dentro de um conceito absoluto. Neste
sentido, o perfeito também se diz de Deus.
O belo não diz respeito diretamente à noção do fazer. Por isso, o que já existe, embora não tenha
sido feito, pode ser belo independentemente da noção do fazer.
O belo é a perfeição enquanto se destaca do que é menos perfeito. Há, pois, uma distinção entre
o perfeito e o belo.
47. Elegância é um termo que realça precisamente a elevação do perfeito por entre o que o é
menos. Diz respeito particularmente ao modo de portar-se das pessoas, de sua maneira de andar,
de fazer gestos e da índole peculiar de se exprimir.
O termo elegância toma origem na radical grega e latina leg-, com o sentido fundamental de
colher, escolher, palavras estas que se formaram com a mesma raiz.
A partir do mencionado leg- se forma o importante verbo grego 8 X ( T , e que exerce dois
sentidos, primeiramente o de juntar e escolher, depois o de dizer. Dali procede 8 ` ( @ l (=
palavra), que progride em direção inteletual, como logiké (= lógica). Neste mesmo contexto de
leg- (= escolher) se insere o latim legere (= ler). Evoluiu a velha raiz para o sentido de interpretar
e selecionar, como na latim legio (= escolha, legião) e elegans (= elegante).
Dai resultou que elegância exerce o sentido fundamental de escolha, seleção, superioridade,
perfeição. Combina-se, portanto, com muita propriedade com a noção de beleza. Elegância e
beleza andam pois de mãos dadas.
A evolução semântica do termo elegância na direção da beleza se encontra muito mas avançada
que a de perfeição; mais depressa identificamos o belo e a elegância como sendo um o outro, do
que o belo e a perfeição. Há, entretanto, para a elegância uma certa linha de incidência
restringida ao comportamento humano, ao passo que a perfeição se pode dizer de qualquer ser
universalmente.
48. Íntegro, - enquanto indica a qualidade de um ser como estando de posse de quanto lhe
pertence, com a negação expressa de haver sido tocado, - constitui termo bastante próximo do de
beleza.
Quase como um gênero, como já sucedia com a perfeição, integridade assume o significado
equivalente ao de beleza, quando um especificativo o faz exercer a intocabilidade precisamente
como um realce de sua perfeição. A integridade diz posse efetiva das partes; o ser mutilado não é
íntegro, e sob este ponto de vista não se realça como perfeito; mas o ser íntegro, frente ao
mutilado, se exerce com realce, portanto com beleza.
No original latino, tag- significa tocar; a partir desta raiz se formam palavras como tato, tangível,
contingente, acontecer. Na forma negativa formularam-se integer (= íntegro), através de -in-
tagros, e intactus (= intacto).
A evolução semântica levou o sentido de integridade para o de completo em suas partes
enquanto que o significado primigênio é o de intocável; este sentido originário se aproxima
certamente muito mais do de beleza.
49. Indicam também a perfeição com realce, e por conseguinte o belo a seu modo, os termos
fulgor e fulgurante, esplendor e claridade, nitidez e distinção, evidência e inteligibilidade.
Aliam os mencionados termos uma circunstância subjetiva, fazendo denominar o objeto em
função ao seu revelar-se ao indivíduo.
O fulgurante é fúlgido em si mesmo, ao mesmo tempo que o é para a vista. É frequente a
expressão "fugor da forma"; indica a forma perfeita em si mesma, e ao mesmo tempo fulgindo
diante de quem a contempla.
O mesmo ocorre com esplendor; sugere a perfeição objetiva, simultaneamente sua manifestação.
50. Para os gregos, o belo se anuncia como J Î 6 " 8 ` < (tò kalón).
Em grego 6 " 8 ` < é o termo dominante para indicar o belo. O termo é usado em Homero para a
indicação de belezas físicas (Ilíada, 3, 392; Odisséia 6, 237). Autores gregos mais recentes usam
também o vocábulo para a beleza moral da virtude.
A raiz só existe no círculo helênico e significa fundamentalmente belo, nobre, vigoroso. Contudo,
do grego o vocábulo passou à denominações eruditas e técnicas, como em kaleidoscópio,
caligrafia, ou em nomes próprios, como em Calixto (= muito belo).
51. Para os alemães belo se diz Das Schoene. O termo deriva do indo-europeu kew-, com o
sentido fundamental de prestar atenção e tomar cuidado, havendo evoluído para duas direções
epistemológicas, - uma para o ouvido, outra para a vista. Dali as formas alemãs hoeren (= ouvir),
schauen (= olhar), e finalmente schoen (= belo).
Fundamentalmente, portanto, o belo em Schoene significa o chamar a atenção, particularmente
da vista.
No grego anotamos a modalidade • 6 @ b T (= ouvir), de onde, através já do latim, se formou
acústica; trata-se de um prestar a atenção por meio do ouvido.
Diante do exposto, Schoene possui origem teorética, ao contrário de belo, de proveniência
estética. Enquanto o termo germânico recorda a visão e a contemplação, o vocábulo latino sugere
a afetividade do belo como um bem em que nos aquietamos. Isto nos pode sugerir o
temperamento mais sentimental dos latinos, a tendência contemplativa dos germanos.
52. Importaria também uma investigação sobre os nomes do tratado do belo? Nós o usamos aqui
no sentido o mais amplo possível, como equivalente de metafísica do belo.
Multiplicam-se os nomes do tratado do belo, pelo uso do mesmo nome fundamental, pela própria
multiplicação dos diferentes pontos de vista abordados. Então resultam as denominações: tratado
metafísico do belo, tratado psicológico do belo, tratado sociológico do belo, tratado do belo na
arte, tratado do embelezamento, e assim por diante.
53. Estética do belo, eis uma denominação com a qual nos devemos acautelar. Ela poderá
significar esteticidade do belo, no sentido de que o belo agrada.
Quando Baumgarten introduziu o nome Estética não quis apenas o adjetivo. O termo devia
também significar uma ciência.
Plotino tratou do belo sem dar um nome específico para seu pequeno tratado, o qual é
denominado simplesmente Peri tou kalou (= Sobre o belo) (Eneadas I,6). Diderot se limitou ao
título Tratado do belo, ao tempo em que Baumgarten usou o de Estética.
54. Filosofia da arte é nome que tem a vantagem de definir o campo ao qual se restringe, - a
expressão em obra sensível. Não envolve filosofia da arte diretamente o belo. Ainda que o belo
possa ser um dos objetivos da arte, ele ocorre também fora do campo da arte; por sua vez, a arte
tem um objetivo essencial que não se confunde com o belo.
Comparando estética e filosofia da arte, importa dizer que o campo da estética é mais amplo por
incluir mais vastamente o belo não artístico, por exemplo, o belo da natureza. Tão só por um
arranjo semântico um nome poderá ser tomado pelo outro, conforme sucede em alguns autores.
O mesmo acontece com o uso da palavra belo, que alguns, por exemplo Baumgarten e Hegel,
definem de maneira muito particular.
58. O belo metafísico, sobre o qual estamos concluindo o ponto de vista meramente lógico, é
abordável, no que se refere ao conteúdo, pela seguinte ordem, em capítulos:
1-o. Como se conhece o belo. Ou o belo como objeto que se dá a conhecer. Adequadamente a
abordagem gnosiológica do belo se faz primeiramente pela sua mesma manifestação de ser ao
nosso conhecimento.
Neste particular o presente primeiro capitulo é uma gnosiologia do belo; mais exatamente, uma
gnosiologia fundamental do belo, porque nos retemos sobretudo no que é do início; outros
detalhes gnosiológicos são possíveis de se determinar, como por exemplo se o belo é real ou
apenas fenomênico (vd cap. 5-o).
Mas é ainda fundamental o detalhe,- anterior a questão do realismo e idealismo, - a pergunta se a
manifestação do belo ao nosso conhecimento é teorético (lógica), ou se é alógica. Assim
decidindo, a estética se institui como logicista e não como alogicista.
2-o. 0 belo essencialmente como esplendor da forma (ou, o que o belo fundamentalmente é. Ou
ainda, o que o belo formalmente é).
Definir e provar o belo como esplendor da forma equivale a dizer, como depois se esclarecerá e
se tratará de provar, que o belo é a verdade ontológica eminente das coisas.
Ou ainda: o belo como qualidade, perfeição e realce dos seres. Como qualidade, o belo é
determinação de um objeto; como determinação, o belo se diz em função a um arquétipo; enfim,
como esplendor, ou eminência, ou realce, esta qualidade se apresenta conduzida ao máximo, de
sorte a superar as coisas que não são dotadas de beleza.
Anote-se que o belo passou a ser estudado como algo em si e já não em função a nós, como na
teoreticidade. Em contraste com o primeiro capitulo (Gnosiologia do belo), o presente é
uma Ontologia do Belo, mais exatamente, uma ontologia fundamental do belo, porque não
tratamos logo de todos os detalhes. Todavia incluímos ainda no capitulo as generalidades sobre
as propriedades do belo, como sen parágrafo final: 0 belo e seu contrário (o feio) e ainda seus
graus e similares. Situado o belo como uma qualidade, apresenta, enquanto qualidade, um seu
contrário (o feio), graus de intensidade e semelhantes.
3-o Como o belo está nas coisas (ou, o belo materialmente, para dizer que coisas são belas, quais
são as categorias de ser e belo).
4-o A Esteticidade do belo. Este é um capitulo da Estética psicológica, e que acrescentamos ao
Tratado metafísico do belo, em virtude de sua (intima ligação com alguns dos seus temas; a
inteligência e a vontade, embora Faculdades distintas, são também complementares. 0 tema
contudo é tratado apenas em termos de psicologia e não de metafísica; por sua vez mais no piano
da psicologia racional, que da psicologia experimental.
5-o. 0 belo na ordem real. Aqui se retoma uma detalhe do aspecto gnosiológico do belo. Decide-
se sobre o que o belo é e não é do ponto de vista da existência. Conduz-se ao fim a querela de
idealistas e realistas, de positivistas e racionalistas.
6-o. 0 que o belo não é. Este capitulo, um tanto repetitiva, é um arrastão de vários pontos de vista,
que achamos não constituírem o belo, mas que poderão ter sido a opinião de autores de renome.
0 ponto de vista é o da essência.
59. Uma fenomenologia. Na visão introdutória oferecida sobre o tratado do belo, todos os
capítulos a serem desdobrados se mantém constantemente na visão explicita dos dados que se
mostram. A investigação se mantém continuamente na área das evidências explicitas.
Anda-se de abstração em abstração, sem nunca sair do piano meramente fenomenológico. É, pois,
o Tratado do Belo um ensaio de fenomenologia do belo, e não uma teoria do belo.
CAP. 1-o
O BELO COMO OBJETO QUE SE DÁ A CONHECER. 0764y060.
(Gnosiologia do belo).
61. Pressupostos gnosiológicos. Como é que o belo bate às portas de nossa inteligência,
e se apresenta? De primeiro intuito ele se apresenta como um ser, cujos aspectos são de
objeto teorético, lógico, preferido, real.
Seria mesmo assim que o belo se apresenta? Este é o modo como o admite a gnosiologia
racionalista. Já não pensam assim os da gnosiologia empirista, que o reduzem a algo
muito mais simples, situado fora do plano do ser, sem qualquer intrinsecidade, como
apenas uma relação extrínseca resultante de um estado de agrado.
62. Devemos ter sempre em conta que o Tratado do Belo é parte de um todo maior, de
que ele mesmo não é a parte inicial. Mas não pode estar desatento aos fundamento
coletivo do todo maior.
Não podemos didaticamente voltar cada vez à totalidade dos fundamentos, quando se
passa ao tratamento de um novo tema. Mas temos de ter consciência dessa dependência
em relação à mencionada base remota.
E por que não podemos principiar cada vez ab imis fundamentis , temos ao menos que
mencionar esta dependência e proceder coerentemente com os pressupostos admitidos.
Finalmente a gnosiologia pergunta se o belo é algo real?. Este outro tema sobre o belo
como ser poderá ser tratado em separado (no cap. 6-o), porque de imediato não oferece
implicações muito fortes na conceituação do belo.
64. A divisão acima em várias questões está bem atenta ao questionamento de toda e
qualquer filosofia, dependente do ponto de vista bastante fundamental em filosofia, e que
divide os filósofos em racionalistas, - que admitem como objeto específico alcançado
pela inteligência, o ser, intrinsecamente apreendido, como conteúdo a partir de onde se
constrói a filosofia, - em empiristas (ou positivistas), os quais se limitam à experiência,
deixando o mais como um sem-sentido.
Uma vez admitido o ser como conteúdo do pensamento, importa ao momento
gnosiológico provar esta posição, e desenvolvê-la adequadamente ainda dentro do plano
gnosiológico. É quando o belo, como ser, é mostrado ainda como teorético, - algo que se
faz conhecer; como apreendido logicamente, - algo entendido racionalmente; como
algo preferido, - sem deixar a inteligência indiferente; como algo real, - algo efetivo,
independente do sujeito conhecedor.
As perspectivas, embora muitas, se concentram na mesma noção oferecida pelo belo
enquanto se apresenta como característica intrínseca ou imanente ao ser.
O ponto de vista teorético específico da mente superior é o do ser. Para a mente tudo se
formula em termos de verbo ser: o objeto é... Portanto, além da teoreticidade cognoscente,
ocorre uma maneira peculiar, em virtude da qual a inteligência se distingue dos sentidos.
Não há verdadeira teoreticidade nas perspectivas que dizem "emoção", "vontade", "bem",
"instinto", "prazer". Tais regiões operacionais e das coisas são atingíveis somente através
da teoreticidade; elas em si mesmas são opacas ao conhecimento, porquanto elas mesmas
não são o conhecimento. Revelando-se sob prismas que não são propriamente os delas,
são contudo facilmente confundidas com elas, dali nascendo as equivocadas teorias
alógicas do conhecimento. Estas outras perspectivas, chamadas alógicas, efetivamente
são lógicas, isto é, teoréticas, e não práticas (vd art. 2).
68. E o conceito de teoreticidade no belo? Em se revelando prontamente como algo
cristalino, pensado diretamente como objeto, ele é portanto teorético. Não é algo evasivo,
alcançado por vias confusas. Ainda que o belo possa ser visto também como
um bonum, ele é primeiramente entendido como um objeto.
O belo, ainda se diga as vezes inefável, por ser subtil e difícil de apreender em sua
totalidade, continua sendo teorético. Ele continua sendo essencialmente algo falável, e
que com mais atenção se faz atingir. Do belo inefável se fala, e não se cala, porque não se
oculta de todo no inefável. Quando o objeto belo assume dimensões muito grandes, se
diz sublime, em vez de inefável; todavia continua ainda perfeitamente teorético, até
porque foi possível equacioná-lo como sendo de objeto muito grande.
A teoreticidade do belo, é afirmada, por outras maneiras de se expressar, por todos os que
tratam do belo como algo que se contempla, que se admira, que agrada ao
ser visto ou ouvido, porque estas expressões se referem ao exercício do conhecimento.
Ainda que agrade, o belo precisa primeiramente ser visto, portanto encarado
teoreticamente.
Tomás de Aquino fez uma distinção com expressa subtileza, quando diferenciou o bem e
o belo: "O bem diz respeito apropriadamente (proprie) ao apetite... O belo, porém, diz
respeito à potencialidade cognoscitiva (Summa theologica, P. I, Q. 5, a. 4, ad primum).
Platão insiste em que o belo absoluto (a idéia real do belo) atrai muito mais nosso amor,
do que o belo das coisas terrestres (imitação do belo absoluto e arquétipo); mas "a beleza
é visível em todo o seu esplendor" (Fedro 250 c); esta e outras expressões mostram
sempre a implícita afirmação da teoreticidade do belo, como coisa que se contempla,
antes de tudo.
Nos que fazem como Baumgarten e Hegel, do belo algo sensível, encontramos uma
espécie de meia teoreticidade. Fazendo do belo um objeto sensível, um "pensamento
confuso" (como diziam do sensível), pretendem que ele não se mostre cristalino como a
verdade do puro pensamento; não obstante esta interpretação sensível do belo, o mantém
como algo que é atingido no plano do conhecer.
A metafísica, como já advertido, é a única ciência à qual é imposto provar seu próprio
objeto, começando pois por uma metafísica do conhecimento (ou gnosiologia), a qual
exploramos aqui com vistas a um objeto especial, o belo.
70. Pelo exposto, - devendo a metafísica provar seu próprio objeto e ficando a depender
do que neste sentido resolveu o tratadista, - os pressupostos metafísicos se refletem
profundamente no Tratado do Belo. Enquanto outras ciências principiam com o fato
simplesmente posto, a metafísica tem de pôr o fato e depender de como o pôs,
justificando pois o fato simplesmente como fato.
Somente é válida, pois, a metafísica fundada em dados concretos por ela mesma
diretamente justificados como certos, por mais que a seguir se estenda para afirmações
transcendentes.
Vamos dividir a prova, primeiramente para o ser em geral, depois para o ser como se
apresenta no belo. Uma prova é continuação da outra. E em ambos os casos é uma prova
meramente fenomenológica.
71. Prova do ser como objeto do pensamento. Tudo começa no instante em que
fazemos a pergunta de base: que é que por primeiro conhecemos?
Por isso nosso conhecer se dá em termos de verbo ser. O que conhecemos, o conhecemos
com uma certeza inicial imediata.
Mas haveria um pensamento sem ser? O verbo ser aparece sempre como essencial ao
pensamento. Assim sendo, o empirismo somente seria afirmável usando ao mesmo tempo
o que ele nega. Muito antes o paradoxo acontecia ao ceticismo, que é impossível de
estabelecer, sem ao mesmo tempo admitir o contrário. Agora se repete o paradoxo: não é
possível estabelecer o empirismo, sem ao mesmo tempo ser racionalista.
72. Subindo para o geral, sem jamais se desprender do ponto de partida, a ascensão
metafísica é similar ao papagaio de papel a subir sempre mais sem desprender-se do
cordel de quem o puxa; somente sobe porque está preso à terra. O metafísico, homem
pequenino a puxar pelo cordel de suas idéias, atira o seu pensamento para as alturas; com
as idéias intencionalmente nas nuvens, subirá sempre mais, à medida que der impulso a
partir dos dados primitivos de sua própria metafísica.
73. Racionalismo radical. Há metafísicas racionalistas que principiam simplesmente a
partir de cima, situando-se desde logo em idéias gerais (isto é, universais), atingidas
diretamente, sem qualquer dependência da singularidade empírica. Elas surgiriam como
iluminação pura e simples, ou seriam mesmo inatas ao indivíduo pensante. O
conhecimento sensível, embora ocorra, é dispensável, até mesmo porque pode funcionar
como sombra a obscurecer o pensamento puro. Encontra-se ali a base de ascetismos de
desligamento deste mundo.
Platão principia com idéias universais inatas. Sua ideogenia inclui a tese, de que as idéias
universais inatas correspondem à realidades universais, válidas acima das realidades
individuais. As almas teriam tido conhecimento de ditas realidades universais em suas
vidas separadas, antes de assumirem corpos. As coisas concretas individuais deste mundo
produzem idéias singulares sobre coisas que também são singulares, e assim também
sobre o belo singular das coisas; mas, ainda despertam as idéias universais inatas
existentes na mente humana, que seriam, pois, nada mais que recordação do
conhecimento tido em vida anterior, quando teriam alcançado as realidades universais,
inclusive o belo universal real.
Uma vez que o ser geral é estabelecido como absoluto, os parâmetros gerais se firmam, e
a filosofia escapa do relativismo.
75. Prova aplicada ao belo. Que é mesmo que fundamentalmente se pensa, ao nos
advertir para o belo, que se apresenta? Tudo vem imediatamente ligado ao mesmo ser, o
qual a primeira intuição alcançou.
Não é fácil de entender a pergunta sobre o fato fundamental da apreensão do belo e
combiná-lo claramente com o ser e respectiva teoreticidade. Todavia, algo imediatamente
já se mostra. Mas precisamos chegar até lá com toda a plenitude. Trata-se de uma questão
de gnosiologia, anterior à ontologia, mas intimamente conectadas, porquanto de uma se
vai imediatamente para a outra.
Trata-se de uma situação fenomenológica, do mesmo caráter como quando dizemos que
pensamos diretamente o ser, a coisa, a verdade, o bem. Não pensamos primeiramente
algo, a partir do qual vamos ao ser. Assim também acontece com as noções de coisa,
verdade, bem, diretamente alcançadas como originárias. Igualmente o belo surge como
um acontecimento originário.
Importa advertir que nem toda a análise é um caminhar do explícito ao implícito; pela
análise também se caminha do explícita para o explícito. Este é o caso da abstração total
(vd...), que abstrai uma noção geral, desligando-a de seus sujeitos individuais. Neste
sentido passamos do belo concreto (ou de vários belos concretos individualizados) para a
noção do belo em geral. Esta progressão jamais é cursiva e não é por este caminho que
vamos ao belo, porque já antes nos encontrávamos no fato mesmo do belo e depois de
fazermos dita análise pela abstração total continuamos no mesmo nível de evidência
explícita. Portanto, quer digamos teoreticidade do belo concreto, quer teoreticidade do
belo em geral, sempre nos encontramos no estado de evidência explícita.
76. A respeito do método fenomenologia na gnosiologia e ontologia do belo. Na
investigação uns aspectos são intuitivos e se revelam de pronto, não dependendo de
cursividades interdependentes, e por isso são chamados fenomenológicos; outros são
dependentes de cursividade, e por isso denominados teóricos. Estes resultados teóricos
são mais difíceis; uns são mais simples e seguros, porque são apenas implícitos aos dados
fenomenológicos, bastando explicitá-los, obtendo-os por simples inferência; outros
dependem de raciocínios (indutivos e dedutivos), estando apenas potencialmente nos
antecedentes.
Numa nova etapa é possível teorizar sobre o belo. Por exemplo, para postulá-lo como
norma na construção do homem, tanto de seu corpo, como de sua pessoa. Ora por
inferência, ora por raciocínio, seguindo para bem mais longe, seja raciocinando
dedutivamente, seja indutivamente. No caso da inferência os resultados estão
formalmente no antecedente; este é o caso da ponderação, por exemplo, quando se afirma
que o belo é o preferido. No caso do raciocínio os resultados estão contidos no
antecedente apenas virtualmente (ou potencialmente), decorrendo como efeito, pois não
estavam formalmente nos juízos usados como antecedentes (ou seja, como premissas).
Esta outra etapa, a raciocinativa, é a que se usa para recomendar, por exemplo, o belo
como ideal moral e mesmo como ideal artístico, embora não como o único; usa-se um
raciocínio para fundamentar a recomendação.
Para chegar até às primeiras importantes noções abstratas sobre o belo não requer a
filosofia, como já adiantamos, desenvolver um raciocínio pleno com premissas e
conclusões. Basta-lhe, por abstração, caminhar da individuação concreta para o que os
indivíduos têm como noção comum, e desdobrar cada vez mais esta noção originária de
sua intuição. Caminhando a filosofia por simples análise abstrativa e sem ainda apelar à
cursividade teórica (por inferência ou por raciocínio), nada ela inventa até esta altura dos
seus procedimentos. Apenas revela, por dissociação, aquilo que os dados concretos desde
o primeiro instante já conheciam como evidência explícita. O Tratado do Belo, ao menos
nos seus primeiros instantes, é apenas uma fenomenologia. Mostra o belo e insiste em
mostrá-lo sempre diretamente, como característica do mesmo ser e como noção de
evidência tão imediata quanto a evidência do próprio ser. Assim sendo, o Tratado do belo
nada mais é do que uma metafísica fundamental ( gnosiologia fundamental e ontologia
fundamental), ou seja, uma parte dos primeiros capítulos da gnosiologia e da ontologia. O
Tratado do Belo dissocia o belo concreto em estratos sucessivos, como o espaço matutino
desdobra a luz nos festivos dedos da aurora.
Contudo, depois de mais algumas análises, uma coisa simples pode passar a apresentar
problemas, e até mesmo paradoxos.
78. Dificuldades no campo do metafísico. Situam-se estas dificuldades primeiramente
no plano mesmo da metafísica, onde a noção do belo surge como uma das propriedades
transcendentais do ente. Logo depois, como mais adiante cuidaremos de também analisar,
acontece um envolvimento tríplice do belo com a arte, o que ainda mais complica todo o
afazer com a noção do belo.
Na metafísica os impasses surgem desde as coisas mais simples, como a da certeza sobre
si mesmo, e se faz a pergunta se tenho certeza de que eu mesmo exista; então, ainda que
ninguém duvide de que exista, dever-se-á, em boa filosofia, mostrar porque não duvida.
Quanto ao belo (que é nosso tema), ocorrem nele implicações metafísicas que escapam à
perspeciência espontânea do espírito. E quando não nos escapam, não conseguimos
perceber de pronto como se compõem na estrutura sistemática do todo. Encontramos ali a
razão por que se faz mister o Tratado do Belo, como ordenador integral de todo o
fenômeno da beleza.
Como se explica que quase todos os homens estejam de acordo em que existe um belo;
que entre eles tantos haja que o sentem vivamente onde se acha, e que tão poucos saibam
o que é?" (Tratado do belo).
O problema fundamental metafísico, sobre o que é o belo, do qual aqui
falamos introdutoriamente como sendo difícil de determinar, o devemos encarar logo nos
primeiros capítulos do Tratado do Belo, determinando-o gnosiologicamente como um
objeto. Depois na ontologia aparecerá como um transcendental do ser.
Situa-se a teoreticidade do belo no plano inteletual. Não vêem os sentidos o belo, senão
materialmente a coisa bela; escapa aos sentidos a perspectiva exata em função do qual se
dizem belas as cores, as formas, os sons. Por essa razão, para os animais o mundo não é
belo, por que não o percebem sob este prisma.
Na medida que o homem é atrasado, não aprecia a beleza. Ainda que diante de seus olhos,
a beleza praticamente não se manifesta ao estulto, porque é muito pouco capaz de
perceber a perfeição em destaque. O bruto simplesmente não o percebe, por ser incapaz
de operar juízos de comparação; mas se o fosse, também ele perceberia o belo.
Efetivamente, sem se confundir com a arte, o belo costuma estar presente nela. A arte,
para ser bela, o poderá conseguir por três vias.
Primeiramente, a arte é expressão, e então o belo da arte poderá estar no seu belo
expressar, isto é, no seu perfeito modo de expressar.
Em segundo lugar, o tema que a expressão exprime, poderá ser um tema belo, e mais uma
vez a arte é bela.
Em terceiro lugar, a arte usa algo material, como a cor e o som, para exercer nele a sua
expressão, e este material, podendo ser belo (como belo pré-artístico), faz com que, por
um terceiro motivo, a arte seja bela.
81. Importa insistir primeiramente que a arte é expressão e não simplesmente um coisa
que nada exprime.
Há os que não se advertem que a arte é expressão de algo, ou seja de um tema, para o
qual adverte intencionalisticamente. Vêem a arte apenas como uma coisa física, a qual
não passaria de uma criação prática. Então somente ocorre a diferença, pela qual a
natureza já se encontra ali, enquanto a obra de arte é coisa criada pelo homem.
Para os fisicistas, a arte é apenas criação na ordem prática; cria simplesmente objetos
novos, como se faz na indústria, sem que os artefatos devam significar algo; e, se
eventualmente significam algo, não é por isso que se tornam arte. Então estes novos
objetos assumem por ideal geralmente a beleza. Não expressam a beleza, mas são belos
simplesmente.
Todavia, na concepção practicista não fica excluída a expressão quando ela por
acréscimo se fizer; por isso, a referida teoria sobre a arte não é senão um alargamento do
seu conceito a tudo o que o homem faz, seja com expressão, seja sem expressão. Em
tempos idos prevaleceu a concepção practicista da arte, acontecendo então que
vagamente se confundia o artístico com o belo.
Para os intencionalistas a arte é expressão de algo, e que por isso se chama tema, ou
simplesmente objeto significado. Tal como a idéia da mente, ou o pensamento, exprime
assuntos, também a arte os exprime. O pensamento está na mente (neste sentido é
consciente de si mesmo). Diferentemente a obra de arte está no mundo exterior, onde
exprime objetivamente, sem estar consciente de si mesma. Não se distinguem como
expressão, mas por estarem uma no interior, a outra no exterior.
Nestas condições a obra de arte não é apenas uma coisa; tal como acontece com a
expressão mental, que transcende à si mesma, para falar de objetos, assim também a
expressão artística adverte para algo fora dela mesma, sobre a qual informa. Ainda que
haja diferenças entre a expressão interna (o pensamento) e a expressão externa (a arte),
no essencial conferem entre si, e que consiste em ambas serem expressão de algo, de
outro objeto, ao qual, portanto, têm como tema expresso.
82. Um segundo problema do belo, por causa da arte, diz respeito ao seu tema, se este é o
próprio belo.
Neste caso importa distinguir entre expressar o belo abstratamente, como a assim
chamada arte abstrata exprime qualquer outro tema abstrato (por exemplo, a riqueza, a
nobreza, o terror, o pavor, a fome, a felicidade) , e exprimir o belo concretamente (por
exemplo, como a arte figurativa apresenta o belo em seu estado de natureza, nos
panoramas, nas flores, nas mulheres, nas modas, nos tecidos).
Advirta-se, entretanto, que a arte, tanto a abstrata como a figurativa, não precisam
expressar o tema do belo, nem o abstrato, nem o concreto. Também o feio, quer abstrato,
quer o concreto, podem ser tema de arte. É que a arte em primeiro lugar é uma operação
para expressar. Seja qual for seu tema, em todos os casos ela continua sendo o que
essencialmente a define como expressão.
Assim sendo, a arte expressa também o feio da natureza, e não somente o que contém de
belo; e ainda a arte pode expressar-se feiamente, por deficiência de expressão. Neste
último caso, o da arte feia, por deficiência da expressão, acontece o não desejado. Então,
mesmo querendo expressar o belo da natureza, a arte o expressa mal.
83. A arte ainda pode ser bela em virtude do material belo utilizado. Neste belo pré-
artístico poderão ocorrer desatenções, que, em última instância vão provocar confusões
na percepção da noção geral do belo.
Aqui a superação do problema se consegue, atendendo para o fato de que as cores já são
belas, antes de passarem ao uso da arte.
O mesmo poderá acontecer com as formas. Estas são contêm uma beleza pré-artística já
na própria natureza.
Com a distinção entre o belo e a arte, não se diminui ao mesmo belo, predicado sempre
tão louvado. Não se apeia o belo do pedestal em que se ergue, de onde brilha, acendendo
a formosura brilhante das cores onipresentes. A arte segue o seu caminho, sem com isso
prejudicar a estrada real de Vênus. Como a divindade que tudo contém, a beleza é
anterior e nada tem a pedir à arte. Mas esta, quando além de ser arte ainda quer ser bela,
tem de pedir o importante predicado ao ente em geral, onde está o belo como a perfeição
em destaque.
85. Diferenças teóricas e pragmáticas distinguem os dois temas, ainda que por vezes se
aproximem.
Na vida ordinária nos ocupamos mais com o estudo da arte, que com a filosofia do belo.
A razão talvez seja porque seja mais útil a arte e mais fácil entendê-la. O belo, ainda que
nos preocupe, o usufruímos, sem todavia especular sobre ele. E se o quisermos entender,
logo esbarramos com dificuldades metafísicas. Não obstante ficamos ao menos a
contemplá-lo.
86. Pode-se todavia discutir, sobre se é mais fácil a arte ou mais fácil o belo. A arte, para
que seja arte, basta que consiga exprimir. Diferentemente, o belo importa em alcançar a
perfeição com destaque.
Muito depressa construímos a arte; difícil é para a arte chegar a ser bela, isto é, perfeita
com destaque. Diante do belo, se não o entendemos, continuamos satisfeitos; já diante da
arte que não entendemos, fica esta uma inutilidade para nós.
Mesmo quando a arte é difícil, o seu caráter pragmático e útil leva a praticá-la com
esforço. Proliferam os estudos sobre a arte, certamente muito mais que sobre o belo,
porque na ordem prática mais importa a arte que o belo.
Quando a arte se apresenta difícil, o é geralmente por um motivo acidental. Isto pode
acontecer por causa do tema difícil, que por vezes tem de expressar. Então, embora em si
mesma seja um exercício fácil, poderá ser atropelada pelo tema em si mesmo abstruso.
Aliás, é o caso agora; é difícil falar sobre o belo, em si mesmo difícil, ainda que o falar,
pelo falar, seja fácil
A arte pode eventualmente tornar-se difícil por erro, por falta de sabedoria na escolha dos
seus recursos. Este é o caso evidente da linguagem, que costuma basear-se num sistema
de equivalentes convencionais estabelecidos muito empiricamente e não por uma
comissão de sábios cientistas.
As línguas nacionais não foram inventadas com as melhores regras; são produto da
sabedoria popular, e por isso são línguas folclóricas, mais complexas e difíceis do que
precisariam ser; as línguas planificadas ou artificialmente criadas são mais fáceis, além
de mais eficientes. Por estas e outras razões da sem sabedoria humana, podem as artes
eventualmente se tornar mais difíceis do que a construção do belo.
Já dizia velho provérbio, citado pelo divino Platão - "Difíceis são as belas coisas"! Não
obstante, o belo, que todos os dias desfila diante de nós, costuma ser de algum modo
reconhecível.
Sobretudo as mulheres são de ordinário muito atentas ao belo. Ainda que os homens
também apreciem o belo, não raro consultam às mulheres, sobre se um roupa lhes cabe
bem. Trata-se de uma diferença de atenção: a dos homens vai geralmente para o que é
mais eficaz, mais eficiente, mais produtivo, mais capaz de dar poder; por isso o homem
tende a ser um administrador, e as mulheres acreditam mais no comando de um homem,
que no de uma outra mulher, como inversamente os homens acreditam mais nas
ponderações estéticas de uma mulher, que nas de um outro homem.
Nesta área tudo parece difícil de tratar, desde o momento em que procuramos equacionar
o questionamento. É preciso então descer aos fundamentos mesmos da natureza do
conhecimento, opondo sua interpretação intencionalista (que a nós parece óbvia), com a
interpretação psicologista (que somente por equívoco domina aos desatentos).
A insistência sobre a questão nos envolve na repetitividade, para advertir, ora para um
aspecto, ora para outro. Importa reexaminar até se pensar é pensar objetos (como quer o
intencionalismo), ou se pensar é apenas uma ação sem a representação de um objeto.
Quando a dúvida nos arrebata até o fim, todos os objetos do pensamento se dissolvem.
Em profunda perspiciência inquirimos então a própria maneira de pensar. É quando nos
vemos colocados diante de uma situação meramente ;formal, a inquirir se há
representação de algum conteúdo.
Sempre que pensamos, surgem dois termos ligados entre si pela conexão de sujeito e
objeto. Seria mesmo este o modelo fundamental do pensamento? Importa saber colocar a
posição inversa, para compará-la com a anterior, a intencionalista, e decidir. A relação
intencional poderia ser mera construção ulterior do pensamento, cuja fase inicial seria um
pensar sem sujeito e objeto, portanto um psicologismo anti-intencionalista.
Eis que nos colocamos diante da pergunta mais radical que a filosofia pode fazer. Todas
as demais questões, enquanto pressupõem a divisão em sujeito e objeto, lhe são
posteriores. Havendo descido até ao fundo do Oceano das inumeráveis situações da
consciência, encontramo-nos agora diante do próprio oceano das inumeráveis situações
da consciência, encontramo-nos diante do próprio oceano, a perguntar se ele é feito de
água, ou não. Assim também inquirimos, se o pensamento (atualmente sujeito
intencionalizado na direção do objeto) é mesmo fundamentalmente constituído de sujeito
e objeto, ou não.
Nos sistemas clássicos de Platão e Aristóteles, bem ainda nos racionalismos modernos de
Descartes e Kant, estes subrepticiamente psicologizados, o conhecimento se interpreta
como relação intencional. A tendência da racionalização total segue o seu caminho
natural. O belo e o sentimento estético vão passando logo para um fundo transparente. O
gênio artístico, que aos primeiros poderia parecer um impulso cego, passa a erguer-se
como o próprio ápice da inteligência.
95. Importam algumas considerações mais sobre a alegação dos que se referem a um
"sentimento" especial do belo e da arte. Não se trata senão de situações falsamente
interpretadas sobre o inefável do sentimento e do processamento da associatividade das
imagens.
97. Aquilo que se denomina por vezes mistério da criação artística e do belo em geral se
reduz aos procedimentos da simples combinação de imagens e comparação de juízos. O
fazer é orientado pela imagem. Inclusive os animais operam de acordo com as imagens
que previam têm. Certas combinações felizes dos grandes artistas provocam a pergunta,
sobre o como se formou neles a inspiração. Fundamentalmente a inspiração artística
como a criação do belo em geral decorre somente da capacidade da inteligência em
comparar e eleger.
A inteligência forma juízos comparando termos, para finalmente afirmar uns dos outros.
Aqueles termos aos quais se faz uma atribuição, ficam na função de sujeitos, aqueles que
foram atribuídos, ficam na de predicado. Enquanto se processa a comparação entre os
termos, há o momento em que a inteligência percebe haver, ou não haver a conexão;
consiste a inspiração naquela percepção, e nada mais. Evidentemente a capacidade para
este fim muito varia de homem para homem.
A intuição de Bergson não ocorre apenas na arte, mas é um processo largamente usado
em sua filosofia.
Omar Argerami também descreveu a intuição poética como conhecimento afetivo: "Esta
experiência não é uma percepção em sentido estrito (não é consciente); não constitui um
ato inteletual, não é um arrazoar. É fundamentalmente uma atitude de simpatia, um
conhecimento afetivo dessa realidade fora do comum. E é um conhecimento imediato,
direto, alcançado; em uma atitude puramente contemplativa; em uma palavra, uma
intuição. Por isso, podemos denominá-la sem temor intuição poética" (Sapientia, 1964,
out. n. 74, p. 254).
101. A estética sem objeto de Kant se apresenta como um caso muito especial e que não
se deve confundir com uma Estética sem objeto em sentido alogicista e psicologista
radical.
O belo não pertence a este campo do objeto, e por isso não é objeto neste sentido. Há,
entretanto, uma outra espécie de noções, exercidas por uma faculdade específica,
denominada por Kant juízo, e que ainda afirma "sem objeto", a que se reduz a noção do
belo.
Ora, Kant, ao considerar a questão com referência ao belo, anotou que as beleza se
apresentava como uma noção predicada da coisa vista como um todo, sem pôr novas
partes constitutivas em sua essência. Há certamente alguma diferença entre o ponto de
vista aristotélico, em que apesar de tudo o belo e a verdade se consideram como
determinações do objeto, e o ponto de vistas de Kant, até porque neste tudo é a priori, até
mesmo o belo.
Entretanto, o que agora nos interessa, não é este apriorismo, e sim a noção kantiana do
belo como sendo "sem objeto", e que este modo de falar não se reduz ao modo de falar
alogicista dos sistemas gnosiológicos anti-intelectualistas. Pelo contrário, muito se
aproxima a noção kantiana do belo, da noção de Aristóteles e dos escolásticos.
106. Suposto o belo como objeto da inteligência, passamos a considerá-lo num novo
tempo, como seu objeto preferido.
Todo objeto, enquanto objeto que se apresenta e se manifesta, atrai. Sobretudo o belo
estimula poderosamente a curiosidade da mente.
Ainda que os sentidos por si sós não consigam alcançar o belo, pode-se falar da
curiosidade dos sentidos, principalmente da curiosidade dos olhos, enquanto são
fornecedores de material para a mente, que imediatamente os interpreta do ponto de vista
do belo, isto é, como perfeições em destaque.
a) A abundância de aspectos que a beleza nos oferece, conduz-nos a sair ao seu encontro.
Saímos a ver o belo pelas avenidas, pelas alamedas, pelos jardins em flor. Buscamos a
beleza nos campos, nas campinas, no beira-mar. Levantamos a vista, giramo-la em toda a
volta do horizonte, anelando a beleza. No sol, na lua nas estrelas continuamos a procurar
o belo. Fabricamos o belo, para que exista em abundância. Belas hão de ser as vestes;
belo deverá ser o penteado; elegante a maneiras de gesticular; bem composto o modo de
andar e conviver na sociedade. Também o artista, na escolha dos temas formais, prefere a
beleza. Faz belas formas para delas transcender na direção do belo como tema a apreciar.
Também haverá de ser bela a cidade, a construção das casas e de seu arranjo interno.
Quanto ao grande Aristóteles, fez a sua afirmação sobre o belo como "o preferido "em
um sentido que parece envolver a ambas as faculdades, à mente e à apetição (Arte
retórica I, c. 9,3), por conseguinte, tanto no sentido de preferência teorética, como no de
preferência estética.
A razão porque o inteleto incide fortemente no interesse pela beleza está em que a
verdade ontológica é maior nos objetos perfeitos. Na medida que a perfeição ocorre,
aumenta o volume de ser, e com isso a preferência cresce.
O belo em si mesmo é sempre a verdade que encanta o espírito. Hegel, embora dentro do
contexto de sua filosofia, alegava que o artístico apresentava uma expressão de idéia,
todavia de maneira incipiente, incoativa. Certamente tinha razão, porque a arte somente
começa a ser arte quando exprime algo. Mas, ao insistir que o belo da natureza se
apresentava inferior ao artístico, porque faltava idéia à beleza natural, poderá ter-se
enganado, porque a verdade ontológica domina todo o ser.
Na arte acontece não somente o belo artístico, que se encontra na mensagem da expressão.
A arte utiliza a matéria, a qual em si mesma também opera sobre o apreciador. Há na arte
sempre dois quadros de beleza: a pré-artística (do objeto simplesmente em si) e a beleza
da expressa (propriamente artística). Algumas artes, como a música, vastamente
exploram os elementos pré-artísticos, e por acréscimo introduzem nos sons a mensagem.
As alianças na arte se podem dar entre as mesmas artes, como no teatro a figura e a fala, e
ainda com os materiais, que, em seus instantes pré-artísticos já podem em si mesmos ser
teoréticos e estéticos.
112. Nas coisas, quando comparadas entre si, ocorre também uma preferência.
Ordinariamente preferimos a cor ao som. Em conjunto estes dois "sensíveis próprios"
(cor e som) os preferimos aos "sensíveis comuns" (movimento e quantidade). Finalmente,
acontece uma preferência por todos os sensíveis (sejam próprios, sejam comuns) aos
objetos abstratos.
Os "sensíveis próprios", em conjunto, superam os "sensíveis comuns"; por isso, nas flores,
apreciamos primeiramente as cores, e depois as suas formas. O mesmo sucede cm os
vestuários e os objetos em geral. O vulgo, incapaz de maiores abstrações, aprecia quase
somente as cores ao considerar as estatuetas de santos. Por isso também são mais
frequentes as flores nas casas dos simples; nas residências de pessoas evoluídas, capazes
de apreciar por acréscimo elementos menos concretos, ocorrem também as folhagens, as
esculturas, a arte abstrata.
Observe-se quem folheia um livro. Sempre que segue para uma nova página,
primeiramente olha as figuras, passando a seguir à leitura, por causa da força de maior
atração que o intuitivo exerce. O maior volume teorético capta para junto de si a atenção.
É a ação do objeto que nos faz conhecê-lo, apesar de haver uma ação de nossa parte de
querer possuir o conhecimento do mesmo. Ao alcançá-lo, dizemos que o possuímos, e
efetivamente assim é. Mas, depende do objeto podermos possuí-lo. E assim também a
preferência depende dele e de nós. Quanto mais significativo ele é, portanto, quanto mais
belo ele é, mais consegue se impor e atrair. De outra parte, também nós assim o queremos,
e portanto preferimos o objeto mais significativo, preferimos o belo.
Importa compreender o belo. Devemos ser capazes de o apreender. Senão ele desfila e
passa por despercebido. "Compreender a beleza significa possuí-la"(W. Lübke). Por isso,
as grandes belezas, naturais e humanas, como também as grandes obras de arte, vão
sendo cada vez mais possuídas na proporção que continuamos na contemplação das
mesmas, e descobrimos sempre mais o que contém.
CAP. 2-o
(O belo essencialmente)
116. Tema de ontologia. Que seria o belo em si mesmo? Já não perguntamos, ao modo
da gnosiologia, pela sua manifestação teorética à inteligência; passamos agora à pergunta
pelo belo em si mesmo, ao modo como se faz na ontologia.
Indagamos agora pela sua natureza, tanto pela sua natureza essencial, como pelas suas
propriedades intrínsecas.
121. Posição. Uma vaga e ampla concordância leva aos filósofos a admitir que todas as
coisas são ser e que todas coisas em principio se possam de alguma maneira dizer belas.
E por isso, o ser e o belo são transcendentais, e não conceitos unívocos.
Existe a nobreza rural (a dos barões) e a nobreza da corte (a dos príncipes). Depois que o
belo for visto como um transcendental, encontradiço em tudo o que se possa denominar
ser, fica identificado como sendo da mesma corte do ser, e não apenas uma nobreza
como a da flor do campo.
Em contraste, uma categoria somente se pode de outra de outra categoria num sentido
impróprio, ou metafórico. Por exemplo, há o que se diz plúmbeo em sentido próprio
(porque verdadeiramente é chumbo), e o que o é apenas em sentido impróprio,
como plúmbeo em céu plúmbeo. Não é assim que o belo se diz de todo o ser, porque em
todo o ser é sempre propriamente belo.
Temos dado estes exemplos de transcendental, para enfim dizer que também o belo é um
transcendental, porque tudo o que se possa imaginar como sendo algo, é, de algum modo
belo. Esta afirmativa gera evidentemente, à primeira vista dúvidas, porquanto equivale a
dizer que até o Diabo é bonito! Destas dificuldades cuidaremos oportunamente.
Com algumas pequenas divergências entre os autores, são mais lembradas como modos
supremos do ser as seguintes noções transcendentais:
coisa (res);
algo (aliquid);
verdadeiro (verum);
bom (bonum) (vd. n....).
O exemplo de uma noção transcendental por subdivisão, que agora nos interessa, porque
posto como tema em discussão, é o belo. Portanto, o belo é um transcendental, porque se
diz de todas as coisas em um sentido próprio, tal como os demais transcendentais se
dizem de todas as coisa; e o belo é ainda um transcendental por subdivisão, porque
participa, à maneira de parte, de outro transcendental.
124. Voltamos a insistir, que os transcendentais são noções sempre analógicas (vd n 122).
Se assim não fossem, não poderiam predicar-se de maneira própria de todas as coisas.
Esta maneira de predicar foi sobretudo desenvolvida por Aristóteles, com ela pondo
ordem nova na filosofia, destacando aos transcendentais como analógicos e às categorias
como de predicação unívoca, cada qual estanque em relação à outra.
Entretanto, não se predica do mesmo modo unívoco o belo, pois cada qual é belo ao seu
modo: Pedro como Pedro, Paulo como Paulo, e assim também é belo o boi como boi, o
cavalo como cavalo, a cobra como cobra, o sapo como sapo.
Isto parece sugerir, como já se adiantou, que o Diabo seria belo como Diabo; certamente
importa distinguir: o Diabo como ser, e não o Diabo enquanto lhe falta a generosidade
para ser bom. Do mesmo modo, o sapo, ainda que seja belo como sapo, não é belo
enquanto inferior ao cavalo. Finalmente assim as bestas não são belas enquanto inferiores
ao ser humano; mas todas, em seu devido lugar, são belas.
125. Indiferentemente o belo caminha por entre todas as categorias, porque não está preso
a nenhum estrato de nenhuma delas. Em parte igual e em parte não, vai o belo, - através
do expediente da analogia,- ornando aos objetos, não apenas exteriormente, como se
fosse uma camada distinta do seu interior, mas intrinsecamente, atravessando por todos
os extratos do ser.
Por isso o belo está onipresente, conforme afirmamos de início, mas já agora com melhor
capacidade de compreensão; nas colinas , nos regatos, nas encostas, nas flores, nas pedras
preciosas, nas nuvens e no sol, nas porcelanas e nas vestes, na mocidade elegante, em
tudo o que de algum modo for positivamente ser, por toda a parte como louvor universal.
Colocadas as noções supremas dos transcendentais, - ser, algo, coisa, verdadeiro, bom
(vd n 123), - à qual delas se reduz o belo? Não ao ser, não à coisa, não à algo, não ao bom,
mas ao verdadeiro, ou seja, ao verum. E no campo interno do verum se diferencia, como
este mesmo verum em destaque.
130. Saber que o belo é um transcendental do ser em muito explica o fenômeno do belo.
Enveredando agora pela noção da verdade ontológica, mais elementos vão ser
descobertos para clarear e estender os conhecimentos sobre o fenômeno da beleza, que
encanta e enche de admiração.
Aristóteles passou os arquétipos para a natureza intrínseca das coisas, como uma espécie
de lei metafísica. Para o estagirita nada há fora da realidade individual; todavia dentro
desta realidade havia algo a governá-la.
Tratou Aristóteles do uno, da verdade e do bem como noções transcendentais, não lhes
tendo dado o mesmo desenvolvimento classificatório como com sucesso fez com as 10
categorias de predicação unívoca.
Os filósofos árabes, embora no tratamento aos transcendentais não tenham dado novos
desenvolvimentos apreciáveis no que se refere aos arquétipos, transmitiram contudo estas
especulações aos escolásticos do século 13.
132. Para efeito do esclarecimento do belo, o que importava era atingir uma classificação
dos transcendentais supremos, destacando a verdade ontológica, tanto em si, como em
suas relações com as demais noções, a fim de finalmente bem situar o belo.
133. Para decidir sobre as noções transcendentais e obter uma classificação assegurada
como definitiva, importa um critério intrínseco de ordenação.
Tomás de Aquino fez uma primeira tentativa de classificação orgânica mais abrangente
dos transcendentais. Ultrapassando a mera numeração, dispõem as noções
transcendentais em função a pontos de vista que as ordenam. O texto básico se encontra
em Questiones disputatae (I, De veritate, Q. I, art. 1, Respondeo). Sua ordem de citação
dos 6 transcendentais é: ens, res, unum, aliquid, bonum, verum,
Importantíssima esta maneira de dispor de Tomás de Aquino. Ela põe ordem orgânica em
todos os transcendentais do ser e geram luz para as derivações.
No futuro se falará muito em valor, ou valores. Neste sentido poder-se-ia juntar as noções
de verum e bonum, sob um título só, diminuindo a lista dos transcendentais, da seguinte
forma: ens, res, unum, valor (somando verum e bonum), aliquid.
SER (ens):
1) Ser simplesmente, ou ser como tal (ens ut sic)
2) Ser segundo certo ponto de vista (secundum quid):
1) absolutamente:
1) afirmando em função
a) à essência: = aliquid. b) à existência: = res.
2) negando em função
a) à essência: = unum.
b) à existência = contrário do nada.
2) relativamente:
1) afirmando (= valor) em função
a) à essência = verum. b) à existência = bonum.
2) negando (= dever )
a) à essência = coerência.
b) à existência = dever moral.
135. Ser como tal. Primeiramente o ser se apresenta simplesmente (simplíciter), sem
restrições de qualquer ponto de vista. Considerado assim, o ser se restringe à perspectiva
de ser como tal (= ens ut sic, ou ens qua talis). Este ser como tal resultou de
uma abstração formal, aquela que separa formas às formas, isolando um ponto de vista,
contra outros pontos de vista. Não se trata de uma abstração total, aquela que separa um
ser apenas dos indivíduos, como quando dizemos ser geral, ou ente comum (o latino ens
communis).
136. O ser segundo certo ponto de vistas e em absoluto. A seguir, apondo um certo
ponto de vista, portanto um certo secundum quid ( = segundo algo), e já não simpliciter, o
ser admite considerações, que são os demais modos transcendentais do ser. Já não são o
ser transcendental, mas as propriedades transcendentais do mesmo.
Coincidindo com o ser, as propriedades lhe estão implícitas (melhor confusamente), e
agora são tomadas em separado e expressamente afirmadas como aspectos de seu ser.
137. Em "absoluto e afirmando", em função à essência, o ser é algo (aliquid); como algo,
o ser tem um modo de ser na ordem da essência, não lhe sendo possível ser senão deste
ou daquele modo; é o que as vezes se diz natureza da coisa. Ser algo, responde à
pergunta, pelo que o ser é.
Ainda em "absoluto e afirmando", mas desta vez sob o ponto de vista da existência, o ser
se diz coisa (res); como coisa o ser está sendo visto sob a perspectiva da existência, não
lhe sendo possível estabelecer-se senão como um existente.
138. Ainda no plano dos transcendentais do absoluto, se dá o unum (= uno), que é sua
forma em negando.
Significa unum simplesmente que o ser tem uma unidade, pela qual não se une com o seu
contrário.
Não se une, nem com o contrário do seu existir (o nada), nem com o contrário de sua
essência (que o define contra outros).
138. O ser segundo certo ponto de vista e em relativo. Passando aos modos
transcendentais do ser em "relativo", o quadro se desenvolve paralelamente ao anterior,
todavia com características mais sensacionais, sendo onde vamos encontrar uma faceta,
que se denomina o belo.
Kant, ao estabelecer o belo como uma noção em relativo, o declarou "sem objeto", "sem
conceito". Com isso destacava ao belo como não sendo uma noção em absoluto, como se
fosse algo de que se constitui o objeto, mas como fazendo um julgamento em função a
algo em relativo. Efetivamente, o belo não é constitutivo, como o algo, a coisa, nem
como a maioria das categorias de ser, e que Kant também dizia conceitos. Por isso,
advertia que o belo é sem objeto, sem conceito (vd...).
O valor se diz, ora em função à essência, e então, se trata do valor verum (= verdadeiro);
ora em função à existência, e então o valor é o bonum (= o bom). Chegamos agora ao
continente onde habita o belo, porque dito em relativo. Mas, no continente importa ainda
o que pertence ao país do verum, onde efetivamente mora o belo, e o que ao bonum.
140. Importa advertir de que o transcendental verum não é a verdade lógica e sim
a verdade ontológica, em virtude da qual o ser se realiza como deva ser. Por exemplo, um
automóvel é um verdadeiro automóvel se coincide com a idéia de um efetivo automóvel.
O que está fora do alinhamento com seu padrão arquétipo, é um falso ser; no exemplo
citado, seria um falso automóvel. Em decorrência, quando se diz que o belo é a verdade,
se pensa na verdade ontológica. Se esta verdade é vista como plenamente realizada, ela
está em destaque frente à que não é.
O verum indica a conformidade perfeita com termo arquétipo ao qual realiza; este termo
na linguagem empírica surge sob designativos os mais diversos, como ideal, idéia
arquétipa, essência absoluta, essência possível, modelo, universal
metafísico, molde, idéia exemplar. Quando conforme ao seu modelo, o ser se
diz ontologicamente verdadeiro, porque efetivamente realiza este padrão. Neste sentido
ontológico dizemos homem verdadeiro, máquina verdadeira, documento autêntico,
música genuína e equivalentes.
O fato de haver um nome coletivo para verum e bonum, - valor, - merece um comentário.
O mesmo não tínhamos para o caso paralelo de res e aliquid. De outra parte, valor se diz
com mais ênfase para designar bonum, d que verum; contudo, o termo é adequado para
ambos os modos em relativo, quer para verum, quer para bonum. Uma vez admitido o
nome de valor indistintamente para o verum e para o bonum, o belo fica integrado como
um valor. No caso, qualquer seja seu posicionalmente, quer como a verdade, quer como o
bem, é correto dizê-lo um valor. Mas, se situássemos o valor apenas no plano do bem, e o
belo no do verdadeiro, já seria inadequado situar o belo no quadro do valor.
141. E o que seria o ser segundo certo ponto de vista, em relativo, negando? Aqui a
questão dos modos de ser ingressa em temas como o dever ser da essência, que importa
em coerência, e o dever ser da existência, cujo contrário é o mal. Agora os caminhos já
estão muito além do campo do belo, e são cada vez mais difíceis de trilhar.
142. Constatado o belo como perfeição em destaque (ou em realce, ou esplendor), onde
se situaria o belo no quadro geral dos modos transcendentais? A noção de perfeição está
obviamente na área da essência, isto é, na maneira do existir, e não no mesmo existir.
Mas precisamos decidir ainda, se como modo dito em absoluto, ou se como modo dito em
relativo
É evidente, que, para haver destaque, é preciso um termo de comparação. Sem arquétipo,
em função do qual se compare e se qualifique, nada se destaca, nada se diz belo.
Situado o belo no círculo da verdade ontológica, ele terá o caráter do que é dito em
relativo, como acontece com a referida verdade ontológica e também com bondade
ontológica, e não o caráter do que é dito em absoluto, como acontece com res e aliquid.
Neste sentido o belo não é constitutivo, como se resultasse diretamente de componentes,
porque noção dita em relação a algo extrínseco a ele mesmo, e que é seu arquétipo.
Não obstante, o belo não coincide simplesmente com o verdadeiro (verum).Não é tão
vasto quanto o verdadeiro, mas se reduz a uma de suas instâncias. Todo o belo é
verdadeiro; nem todo o verdadeiro se destaca como belo. Teorético como o verum, o belo
é um ponto de vista do verum. Este ponto de vista é a verdade ontológica enquanto realce.
Neste sentido, o belo é o esplendor da verdade, ou seja, do realce da verdade ontológica
realizada pela coisa. Não sendo o verum simplesmente, supõe o verum, porque é o verum,
quando este está bem realizado. O belo é a verdade, quando esta resplandece. O belo não
é algo chulo e trivial; é a manifestação metafísica do ser, a maneira de face onipresente,
perfeita e bela, embora tenha graus.
Apesar de se distinguir do verum, o belo não se desconecta dele, porquanto algo sempre
há nele e que está em realce. E porque, tal como o ser, o verum existe por toda a parte,
também o belo igualmente existe em tudo.
143. O juízo do belo. Importa fazer um juízo, quando se verifica o belo. No juízo há
termos de comparação, e que a afirmação une como predicado e sujeito.
144. Requer o juízo do belo um certa capacidade, e que se denomina gosto. Kant definiu
o gosto como "a capacidade de julgar do belo".
Quis também Kant que a capacidade de julgar o belo fosse uma faculdade
especial: Urtheilskraft (= Faculdade do Juízo). Teria por objeto específico enunciar as
coisas em função a um termo arquétipo exterior.
Para a filosofia do belo como conteúdo não importa muito se o gosto é uma operação da
faculdade geral de julgar, ou se de uma especial. No ponto de vista aristotélico uma só é a
faculdade de julgar, porque, em última instância, se trata apenas de afirmar ou negar pelo
mesmo verbo ser.
145. Até aqui já advertimos que o belo se predica à maneira de transcendental e que se
integra no transcendental do verum ontológico. Resta demorar-nos no conceito
denominado de realce, de que são nomes equivalentes, destaque, esplendor e
similares. Neste exame continuamos sempre no plano meramente fenomenológico da
observação direta do que se mostra, sem ingressar em argumentação cursiva.
O realce é apenas uma relação de superioridade sobre o inferior. Estas superioridade tem
a sua motivação na perfeição do ser, no sentido de verdade ontológica frente aos
arquétipos. O mais perfeito se realça diante do menos perfeito. A perfeição em si mesma
não diz diretamente a superioridade. Uma perspectiva, que quase se confunde com ela,
passa a ser declarada em separado; então se julga a perfeição como sendo bela. Quando
percebemos o perfeito, já estamos próximos de conhecer o belo. Percebida a
superioridade da perfeição, expressamente como superior, esta nova perspectiva, eis o
belo que se mostrou.
A verdade apenas separa a verdade da não verdade; ela pode dizer que o vale não é o
monte, e que o monte não é o vale. O belo, além de separar a verdade da não verdade,
ainda atende às distâncias, graus de diferença. A verdade tem como contrário o erro; o
belo tem como contrário o feio.
Importa ainda advertir que no caso dos seres compostos, o belo assume características
particulares, como harmonia, integridade, proporção. Tais denominações ajudam a
entender o que seja o belo, pois mostram, como na multiplicidade ocorre o destaque.
Tais noções sobre o belo na multiplicidade deverão ser usadas com a devida cautela,
porquanto não se dizem de maneira própria para os seres simples. Harmonia somente se
diz da harmonia de partes. E assim também se fala de integridade e proporção, com
propriedade, somente onde ocorre a distribuição em partes.
146. Como verdade ontológica, o belo se aproxima da noção de glória. De certas maneira
o belo é glorioso. A glória é a manifestação ativa da perfeição, a qual se manifesta
particularmente quando se realça. Por ser ativa, a glória se aproxima do conceito de culto.
Como manifestação, a glória é dita um certo brilho. Enquanto o belo indica sem mais a
superioridade em realce, a gloria ativamente enaltece o realce, atribuindo tal perfeição
como mérito do seu portador. O belo é estático; a gloria é ativa. O belo é próprio para ser
conhecido e ser contemplado. A glória ativamente conhece e exalta. O belo é louvado. A
glória é louvor.
147. Considerando a variedade de nuances nas opiniões dos que definem e opinam sobre
o que mais essencialmente é o belo, convém ouvir mesmo as vozes dos que tentaram
dizer grandes autores. As vezes nos confundem, porque não fazem mais que descrever o
belo em casos particulares. Mas, no fundo sempre se subentende que, naqueles casos
particulares, o que faz o belo ser belo, é o realce.
148. Na antiguidade, Aristóteles: "O belo é o que, sendo preferível por si, é digno de
louvor, ou o que, sendo bom, é agradável pelo fato de ser bom; se o belo corresponde a
esta definição, a virtude é necessariamente bela" (Arte retórica I, c. 9, 3).
Para Horácio, o belo é a "ordem reluzente" (lucidus ordo) (em Ars poetica, 41).Texto
completo:
"Sumite materiam vestris, qui scribitis, aequam
Viribus, et versate diu quid ferre recusent,
Quid valeant humeri. Cui lecta potenter erit res,
Nec facundia deseret hunc, nec lucidus ordo.
Ordinis haec virtus erit et venus, aut ego fallor,
Ut jam nunc dicat jam hunc debentia dici,
Pleraque differat, et praesens in tempus omittat"
(Horatius, Ars poetica 38-44)
149. Na Idade Média, Tomás de Aquino aponta como belas as coisas perfeitas, no sentido
de completas, devendo ser proporcionais as suas partes dentro do todo; enfim, hão de
realçar-se, o que ele chama de claridade (esplendor). Na primeira indicação, em que fala
de perfeição, e mais na segunda, apresenta o que é genérico na beleza; também a
proporção é um caso de perfeição, para os seres compostos. No terceiro elemento se
completa a especificidade do belo, pela indicação do seu realce. O texto:
150. João Duns Scotus (1266-1308), também da Idade Média, diz: "A beleza não é uma
qualidade absoluta no corpo belo, mas é a soma de tudo o que convém a tal corpo
(aggregatio omnium convenientium tali corpori), como da grandeza da figura e da cor, e
a soma de tudo o que respeita a estes corpos e a eles entre si. Assim a bondade moral do
ato é quase um certo decoro daquele ato, incluindo a agregação da devida proporção a
tudo o que o ato deve se proporcionar, por exemplo, à potência, ao objeto, ao fim, ao
tempo, ao lugar, ao modo; e isto especialmente para que tais coisas se digam dever convir
à reta razão" (Oxon., q. 17, a. 3., n. 13).
No texto de Duns Scotus se retoma a doutrina do belo como perfeição levada ao destaque,
tendo um referencial arquétipo, em função do qual é concebido como verdade ontológica.
Além disto, Duns Scotus se refere às coisas em que o belo se materializa, sem deixar de
mencionar a categoria da ação, onde o exemplo dado é o do ato moral. Ao estabelecer o
belo como uma qualidade que diz respeito a um termo ideal, revelou ao mesmo tempo
que o belo se constitui da soma de tudo o que lhe convém e que consequentemente é a
perfeição.
151. Nos modernos continua a mesma convicção de que o belo se caracteriza como realce.
Dizem também muito sobre o belo e que acreditamos que ele não seja. Destacamos agora
o que dizem do belo como realce, deixando para outra oportunidade o que dizem, sem
que ele o seja (vd cap. 5-o).
Hegel adverte para o belo como para algo superior. Cuidando ainda de hierarquizá-lo,
colocou acima do belo da natureza, o belo da arte, porque esta contém elementos que lhe
vieram do espírito. Em graduando os diferentes belos, joga exatamente com conceitos de
realce. Não importa se é válida ou não a assertiva de já maior presença do espírito na arte,
que na natureza; o que agora vale, é o princípio de Hegel, de que maior é o espírito e de
que em consequência desta superioridade de perfeição, nele acontece maior volume de
beleza.
154. Os que muito se afastam da noção do belo como verdade ontológica em destaque,
não têm problemas para distinguir entre o belo e a referida verdade ontológica. Mas, os
que colocam o belo como verdade ontológica em realce, podem sentir dificuldades para
distinguir um e outro. Dali vem que alguns, apesar de manterem a interpretação
fundamental do belo como verdade ontológica em destaque, procuram algumas
aproximações do belo com o bonum da vontade, alegando a esteticidade, ou agrado do
belo.
A redução do belo ao bem, em vez de à verdade, foi sempre uma tentação do platonismo.
Deve-se amar o belo; em amar o belo está toda a sabedoria (Banquete, 210).
Lemos em Plotino (205-270), o maior dos neoplatônicos: "Todo o homem começará por
fazer-se belo e divino para obter a visão do belo da divindade. Assim se elevará primeiro
até a Inteligência (Logos), na que contemplará a beleza de todas as formas, e proclamará
que todas esta beleza reside nas idéias. Com efeito, tudo é belo nelas, toda a vez que são
filhas e a essência mesma da Inteligência. Por cima destas encontrará Aquele a quem
chamamos natureza do Bem, e que faz irradiar em torno a si a Beleza; de sorte que, em
resumo, o primeiro que se apresenta é o Belo. Se se quiser estabelecer uma distinção
entre os inteligíveis, ter-se-á que dizer que o Belo inteligível é o lugar das idéias; que o
bem, situado por cima do Belo, é sua fonte e princípio. Posto o Bem e o Belo como um
só princípio, este fica sendo antes de tudo o Bem, e somente em segundo lugar o Belo"
(Ennéada I, 6, 9, conclusão).
155. Alguns escolásticos modernos, para distinguir o belo e a verdade, têm-se inclinado a
ligar o belo com a vontade, ou seja com o bonum. E o que apontam como essencial, não é
senão a propriedade que o belo apresenta como produtor de sentimento estético. Neste
caso não se faz necessário insistir na diferença entre o belo e a verdade ontológica da
coisa bela. Mas, se assim fosse, o conhecimento, como explicar que também o
conhecimento produz agrado?
A mais frágil das formas de arquétipo é a da filosofia empirista. É belo o que agrada para
se conhecer, seja para se ver ou ouvir, seja para de algum modo imaginar ou pensar.
As filosofias, ditas dos valores e similares ditas alogicistas, também concebem um termo
de referência a seu modo, em função do que operam suas doutrinas sobre o belo.
A essência arquétipa absoluta nada tem acima de si para se comparar e adquirir relação
de perfeição. Mas, esta essência suprema se compara consigo mesma, tomando-se a si em
função apenas aos graus de plenitude; comparam-se os graus a partir de um primeiro, do
qual seguem para o infinito. Sendo por definição o grau máximo, sua mesma definição já
aponta que o termo de comparação está para baixo e não para cima.
Também a essência divina se diz perfeita em função aos graus inferiores; estes, os graus,
se encontram aliás contidos eminenter no grau superior e absoluto.
"... este homem verá bruscamente certa beleza, de um natureza maravilhosa. Verá um ser
que, em primeiro lugar, é eterno, que não nasce, nem morre, que não aumenta e nem
diminui, que além disso não é em parte belo e em parte feio, agora belo e depois feio,
belo em comparação com isto e feio em comparação com aquilo, belo aqui e feio acolá,
belo para uns e feio para outros. Conhecerá a beleza que não se apresenta com rosto ou
com mãos ou qualquer outras coisa corporal. Beleza, ao contrário, que existe em si
mesma e por si mesma e por si mesma sempre idêntica, e da qual participam todas as
demais coisas belas. Estas coisas belas individuais, que participam da beleza mesma
suprema, ora nascem, ora morrem, mas essa beleza jamais aumenta ou diminui, nem
sofre alteração de qualquer espécie" (Banquete 210 e -211 a).
161. Uma conhecida propriedade do belo é a sua esteticidade, pela qual se diz que o belo
agrada. Esta é uma propriedade extrínseca, no sentido de que o belo atua sobre as
faculdades apetitivas do homem. Desta propriedade do belo trata a estética psicológica
(vd cap. 3-o). O belo apresenta também propriedades intrínsecas. Definido
essencialmente como uma qualidade do ente, o belo tem como propriedades intrínsecas, -
e portanto de primeiro plano, - aquelas que são peculiares a todo e qualquer qualidade.
Por esta via, o belo tem a propriedade de ter contrário, - o feio; a propriedade de ter graus,
- o mais belo, o menos belo; e ainda a propriedade de ter semelhante, referidos pelos
termos que significam com proximidade da palavra belo, entre outros, glória, majestade,
fulgor, fama.
Advertiu Aristóteles para estas três propriedades da qualidade, pensando mais no modo
categorial da qualidade. Sem prejudicar sua posição, é possível aplicar a mesma divisão
às propriedades dos modos transcendentais. Assim, por exemplo, a verdade tem seu
contrário no erro; o belo tem seu contrário no feio.
163. Em virtude da propriedade que possui a qualidade de poder admitir o seu contrário,
tem o belo, como qualidade que é, um seu contrário, - o feio. Classificar o belo e o feio
como duas determinações que possam ocorrer em uma qualidade, constitui ponto de vista
radicalmente distinto daquele outro que classifica o belo, ou o feio na linha do mais e do
menos, do aumento e da diminuição, que resulta em graus. Ambos os temas confluem
pela circunstância de afetarem formalmente o belo e não apenas a matéria em que este
corre; mas diferem pelo ponto de vista em questão. O que agora simplesmente nos ocupa
é apenas a contrariedade: o belo, enquanto contrário do feio, e o feio, enquanto contrário
do belo. Mas não o belo e o feio enquanto possam constitui-se como graus, porque isto
não o são. Afirmou Platão expressamente serem o belo e o feio contrários ( Fedon, 70b;
I Fedro, 246e).
Forneceu-nos Aristóteles a conceituação geral sobre o assunto: "A contrariedade pertence
também à qualidade; por exemplo, a justiça é o contrário da injustiça, o preto da brancura,
e assim por diante... Tal, porém, não é sempre o caso; o vermelho, o amarelo e as cores
do gênero não têm contrário, embora sejam qualidade. Além disto, se um dos dois
contrários é uma qualidade, o outro será igualmente uma qualidade. Isto se mostra
evidente desde que apliquemos (aos nossos exemplos) as outras categorias; assim, se a
justiça é uma qualidade, a injustiça será também uma qualidade; nenhuma outra categoria,
com efeito, se comporá com a injustiça, nem a quantidade, nem a relação, nem o lugar,
nem, de um modo geral, nada que não a qualidade. O mesmo vale para todos os demais
contrários encontrados sob a qualidade" (Arist., Categorias, 10b 12-25).
Poderia, ao que diz Aristóteles, uma qualidade não ter o seu contrário, como o amarelo
que de fato não o manifesta possuir. Se o belo tem o feio como seu contrário
necessariamente, contudo não resulta esta situação simplesmente da circunstância de se
constituir o belo como qualidade, porquanto há qualidades que também não o têm.
Além disto, se um dos contrários é uma qualidade, o outro termo, quando existe, também
será necessariamente de natureza qualitativa. Suposto, portanto, que o belo seja uma
qualidade, admitido que o feio se configure como seu contrário, o feio se constitui como
qualidade e não como quantidade, ou relação, ou lugar, ou qualquer outra categoria de ser.
Não se deve confundir a questão do belo e do feio com as oposições do estético e anti-
estético; tais duas outras propriedades dizem ;respeito simplesmente à consequências
afetivas de que o belo e o feio são capazes. Apenas materialmente o belo e o estético
poderão coincidir.
165. Pelo aspecto estético, a questão do belo e do feio oferece considerações muito
específicas; não tem faltado o interesse de alguns autores neste sentido.
Karl Rosenkranz, 1867, publicou a primeira vez uma Estética do feio (Aesthetic des
Haesslichen, Koenigsberg). Depois não decresceu o interesse em torno assunto.
a). A teoreticidade, no belo, significa o objeto enquanto se presta a ser contemplado pelo
inteleto. Assim, o feio se configura como algo que se apresenta à percepção cognoscitiva.
A teoreticidade distingue o feio como distinto do imoral, porque este diz respeito à ordem
prática; enquanto o feio não é apreciado para ser visto, o imoral não o é, para ser
praticado. A mente não busca o feio, a vontade não quer o mal.
168. Que seria o feio em si mesmo, sob o ponto de vista da essência? Também aqui o feio
se desdobra em noções idênticas às do belo, porém numa direção inversa. Apresenta-se o
belo como um ajuste entre concreta e o seu arquétipo absoluto; o feio é o desajuste da
coisa com o seu arquétipo absoluto. Tanto no belo, o ajuste ocorre por exigência do ser,
como no feio o desajuste violenta esta exigência; por isso ainda no feio falta
precisamente algo que é devido. O feio é o ser privado de uma beleza devida; sabe-se que
é devida, em virtude de se conhecer a norma ou essência exemplar que deveria preencher
para alcançar sua linha ontológica conveniente.
O feio não está nos elementos faltosos; estes simplesmente não existem. Não coincide o
feio com os elementos que subsistem. Estes, enquanto subsistentes, são belos. Mas
apenas enquanto vistos pelo lado que lhes falta, são ditos feios.
169. Em assim sendo, não se pode dizer que o feio é a beleza menor comparada com a
maior. Já um antigo afirmou, que o mais belo dos macacos é feio diante do mais belo
dentre os homens. Esta assertiva estabelece algo que não coere com a nossa afirmação.
Contudo, tomada ao modo pretendido pelos ancestrais, ela mantém o seu valor. É
pretendia apenas destacar diferenças.
Não é exato dizer que os graus do belo principiam no feio. Ainda que os graus do belo
iniciassem num ponto zero, para dali avançar até o grau máximo, continuaria falsa a
afirmação de que belo principia no feio. Diz-se o feio de um objeto em desproporção de
seu arquétipo. Isto se apresenta com outra figura. Não resulta o feio de uma graduação
inferior. Cada grau é legítimo, desde o ponto zero. O feio é a ausência de uma perfeição
devida, em qualquer grau de perfeição que isto ocorra.
Quanto à distinção em graus de beleza, já é outro aspecto. Mas também aqui ocorre a
lista paralela de graus de feiura, como nojento e asqueroso, esquisito e extravagante.
171. O mais e o menos, que se faculta à qualidade, permite ao belo graduar-se, a começar
de um mínimo, até alcançar um máximo de perfeição; ao mesmo tempo ocasiona a
possibilidade de progressão, progredindo de um para outro, de sorte a aumentar o volume
de beleza.
A regressão pelo embotamento, pelo envelhecer, pela destruição, eis a prova inversa de
que a beleza pode crescer e diminuir. Estes são os fatos. ;A filosofia procura conceituá-
los, mostrando que o mais e o menos, o aumentar e o diminuir são propriedades cabíveis
na qualidade em geral, embora não necessariamente; além disto, outras categorias são
capazes do mais e do menos, do crescer e do diminuir.
Platão, ao tratar dos graus do belo, descreveu o belo do mundo sensível como sendo
sombra do belo arquétipo.
Aristóteles tratou dos graus mais sistematicamente, Fazendo considerações valiosas:
"As qualidades admitem também o mais e o menos. Uma coisa branca, com efeito, é dita
mais ou menos branca que uma outra, e uma coisa justa mais ou menos que uma outra.
Além disto, a qualidade em si mesma recebe o crescimento: o que é branco pode tornar-
se mais branco. Esta propriedade não pertence, contudo, a todas as qualidades, mas
somente à maior parte. Sustentar que a justiça aceita o mais e o menos não se admite sem
dificuldade; alguns o contestam e pretendem que não se pode absolutamente dizer que a
justiça é susceptível do mais e do menos, e igualmente com referência à saúde. Tudo o
que se pode dizer, é que uma pessoa possui menos saúde que uma outra ou menos justiça
que uma outra, e o mesmo vale para a gramática e outras disposições... (depois de mais
algumas considerações conclui). Todas as qualidades não admitem pois o mais e o
menos" (Arist., Categorias, 10b 25 - 11a 15).
E o belo, como qualidade, admitiria graus do mais e do menos? Não o afirma Aristóteles
no texto referido, mas o admite em seu tratado de Retórica, ainda que não coloque a
questão diretamente em função a esta peculiaridade referente à qualidade em geral. A
ocorrência dos graus na beleza, como arrolamos os fatos anteriormente, é incontestável.
172. Os graus de beleza pelos seus nomes. Os graus de beleza recebem seus nomes,
pelos quais se fazem conhecer.
Humorístico, chistoso, ingênuo, indicam o belo ao mesmo tempo que certo desequilíbrio;
com as normas sociais (especialmente no caso do humorístico), ou desequilíbrio pelo
choque de desencontros de idéias e imagens (no chistoso), ou desequilíbrio no
amadurecimento mental (no ingênuo).
Mas, o estilo é antes de tudo um termo do círculo da arte. Ora, o artístico se refere à
expressão sensível, à mensagem, ao que se põe em obra. Portanto, estilo não significa
diretamente o pondo de vias da beleza, que é o de realce da perfeição. Por isso não se
incorre em tautologia ao se falar em belos estilos, dado que o estilo não diz
necessariamente o belo.
Como se pode ver, o sentido originário de estilo é aquele ainda conservado em estilete,
objeto pontiagudo para picar e escreve. Considerando que as formas da ação de picar,
resultam do instrumento, estilo passou a indicar a forma em si mesma. A capacidade de
um mesmo autor se restringe naturalmente a; um certo; tipo de escrever, como se observa
na caligrafia peculiar em cada um de nós. Espontaneamente se foi firmando a acepção de
estilo com modalidade de escrever, de pintar, de construir.
174. No plano da arte, que é estilo? Vagamente, estilo é um modo peculiar de escrever,
de construir, de pintar, de compor a música, de fazer teatro e ballet.
Com mais precisão, estilo é a maneira de realizar a obra de arte em seus aspectos
acidentais, com uma repetência de certos modelos, de sorte a se estabelecer certa , que
faça distinguir grupos de indivíduos dentro da mesma espécie. Assim sendo, o estilo é o
acidental, que se tornou uma frequência, sem que chegue a alterar a espécie.
Também nas espécies naturais ocorrem elementos que se repetem, sem que afetem
essencialmente os indivíduos da mesma espécie, e nem cheguem a ser propriedades
decorrentes necessariamente da respectiva natureza. O ser branco, moreno, preto, louro,
alto, mediano, é peculiar a certas etnias. Apenas não é hábito denominar estilo às
variantes acidentais frequentes na natureza. Além disto não se comportam igualmente os
estilos das artes e os "estilos da natureza".
Estilo é a qualidade em que uma obra se determina por ter sido realizada dentro de certas
características individualizantes.
175. Cada estilo suporta um certo grau de variantes em relação ao seu denominador
principal. O de maior variação é estilo eclético; o de variação mínima é estilo puro. O de
variação média, é estilo no sentido como ordinariamente é praticado.
Enfim há padrões abstratos que orientam as obras em geral, e que então se dizem de um
certo estilo, por exemplo, clássico, barroco, romântico, moderno.
Na arquitetura um certo padrão orienta a abertura das janelas, o lançamento dos arcos, a
expansão das abóbadas, o desenvolvimento das linhas, a ordem nas sucessões, o
comportamento dos volumes e das faces expostas.
O estilo arquitetônico barroco, desde logo prestigiado em Roma, no século 16, com o
paradigma na igreja de Gesù (dos jesuítas e traçada por Vignola), constrói entumecendo
os volumes, distorcendo linhas, arrebentando arcos e planos, dali resultando volutas e
decorações.
O clássico, constrói com elementos bem calculados. É sempre lógico, absoluto, à medida
que foge do individual.
Ora funcionando o estile como técnica uniformizadora, ora o algodão ensopado em tinta,
- por si só a técnica já garante um estilo, evitando a dispersividade despersonalizadora.
Sob o ponto de vista estético-belo, os estilos belos são aqueles que escolhem esquemas
aceitáveis. E assim há estilos belos e menos belos.
177. Moda, estilo, beleza. A moda é necessariamente um estilo, porque padroniza certo
tipo de elementos acidentais, com o afastamento de outros.
Ainda como o artístico, a moda não é necessariamente bela, ainda que faça do belo um
dos seus principais recursos. Mas, enquanto o motivo antropológico do estilo é facilitar a
apreensão, o da moda é o de chamar a atenção, sendo o belo um dos instrumentos deste
objetivo. A moda tem o falar como um seu objetivo direto; por este lado, a moda está
mais próxima da arte, que da beleza.
Se a moda estivesse antes de tudo próxima do belo, não se sentiria necessidade de mudá-
la tão depressa.
"Que é a moda? Do ponto de vista artístico, é correntemente uma forma de fealdade tão
intolerável, que nos vemos obrigados a mudá-la cada seis meses"(Oscar Wilde).
Neste modo de conceituar acontece algum exagero, porque na verdade a moda sempre
tende a ser bonita. O que na verdade a moda procura é aproveitar-se das vantagens da
variedade. O que a boa moda principalmente faz, é pôr um ritmo temporal a longo prazo,
como o outro ritmo faz a curto tempo.
Na acepção direta, a originalidade não se confunde com o estético, e nem sequer com o
artístico, embora dela muito se preocupem os artistas.
É a originalidade aquela qualidade que uma obra de arte associal pela circunstância de se
ter originado como algo inteiramente novo.
A imitação produz o belo, sem a originalidade. Não obstante, o que reprodução reproduz
conserva o mesmo valor na escala absoluta do belo. Neste sentido, a beleza e a
originalidade não se identificam e nem precisam estar juntas.
O Palácio do Congresso Nacional do Brasil se apresenta certamente original. Não decorre
dali que ele seja estético.
Escutando a voz da subjetividade artística, rompem-se muitas vezes os laços dos artistas
com escolas a que pertenciam e que estavam em voga. Os estilos são uma necessidade
antropológica, porque necessita o homem de uma certa ordenação rítmica de
manifestação e assimilação; mas a escolha entre os estilos não se impõe
antropologicamente; dentro de cada estilo, as manifestações também se conservam da
livre inspiração do artista. Nas escolhas, eis onde o artista se mostra autêntico; escolhe
em função a uma necessidade íntima e não por simples laço exterior de escola e
convenções reinantes.
179. Comparadas as belezas, ocorre uma evidente preferência pelas que se sobrepõem em
grau. Isto ocorre tanto dentro de uma espécie, em que os indivíduos satisfazem
diferentemente à sua essência específica, como também ocorre de essência para essência,
até alcançar a máxima, a divina beleza.
Entre os jovens, preferimos o melhor conformado, assim também com as jovens, com as
crianças, com os animais, com as plantas, com as flores. Entre as essências, preferimos a
beleza espiritual sobre a corpórea, a beleza divina sobre a criada. Apenas a ilusão induz a
outro comportamento estético.
Mostra Platão que a sabedoria está em vislumbrar o belo absoluto através das belezas
concretas dos indivíduos e das essências inferiores. Observa ainda que o belo absoluto
merece todo o nosso amor.
A insinuante doutrina de Platão sobre a estima à beleza, a apresenta ele mesmo belamente,
em forma de discurso admirável, pela boca de Diotima, sacerdotisa de Mantinea, falando
a Sócrates. Neste discurso sobre a metafísica do amor, se refere ainda aos mistérios de
Elêusis, - os ritos praticados pelos adeptos, que se iniciavam em todos os graus de
perfeição até o mais elevado.
"É possível, caro Sócrates, que tenhas acesso a este grau de iniciação na doutrina do amor.
Não sei todavia se poderás atingir ao grau superior, o da revelação que é o fim a que irão
ter todos os que praticam a boa via. Não sei se ela está ao teu alcance. Todo aquele que
deseja atingir esta meta, praticando acertadamente o amor, deve começar em sua
mocidade por dirigir a atenção para os belos corpos, e, antes de tudo, deve amar um só
corpo belo, e, inspirado por ele, dar origem a belas palavras.
Mas, a seguir, deve observar que a beleza existente em determinado corpo é irmã da
beleza que existe em outro, - e que, desde que se deve procurar a beleza da forma, seria
grande mestra da insensatez não considerar como sendo uma única e mesma coisa a
beleza que se encontra em todos os corpos. Quando estiver convencido desta verdade,
amará todos os belos corpos, passando a desprezar e ter como coisa sem importância o
violento amor que se encaminha unicamente para um só corpo.
Em seguida, considerará a beleza das almas como muito mais amável da que o dos
corpos, e destarte será conduzido por alguém que possua uma bela alma, embora
localizada num corpo despido de encantos, e a amará, zelando por sua felicidade, e
inspirando-lhe belos pensamentos capazes de tornar os jovens melhores. O amante
contemplará desse modo a beleza que há nos costumes e nas leis morais, notando que a
beleza está relacionada com todas as coisas e considerará a beleza corpórea como pouco
estimável.
180. Avaliação dos graus de beleza e estilo. A propriedade que exerce a categoria da
qualidade, se estabelece com graus, o que permite tomar como legítimos todos os graus
de beleza.
Eis o que se pergunta, quando se requer um absoluto para a avaliação ou medida dos
graus entre si comparados.
Nas cinco vias, ou cinco provas da existência de Deus, que Tomás de Aquino deu como
as únicas provas válidas , está arrolada como quarta via a que se fundamenta no princípio
de que os graus de perfeição requerem um grau máximo. Ora, há efetivamente graus de
perfeição; logo, existe o grau máximo, a saber, Deus (S. Tomás, Summa Theologica, I, q.
2, art. 3, corpus).
Uma vez aceito o valor absoluto de comparação, a marmita, de que se ocupa um diálogo
de Platão, não é bela antes de tudo porque mais perfeita entre outras marmitas singulares
da mesma espécie; é bela a marmita enquanto comparada com um termo absoluto, ao
qual realiza pelo menos em parte. Nem a donzela, ou virgem, é bela apenas enquanto
comparada com o símio, e feia quando a comparação se faz com a deusa.
Há uma inferioridade da donzela diante da deusa. Mas neste caso ocorre um outro modo
de comparação, a dos dois termos absolutos, o da virgem como tal e o da deusa como tal.
Efetivamente, pode uma virgem ser perfeita, como "esta" virgem... E uma deusa poderia
ser imperfeita como "esta" deusa. Em tal outra hipótese a virgem satisfaz ao seu termo
absoluto de comparação e a deusa não ao seu respectivo.
No diálogo Hípias maior, de Platão, se manipulam pontos de vista, ora absolutos, ora
relativos, de maneira a ocorrerem os sofismas que lá o mestre da Academia procurou
desfazer, derrocando o contendor,.
Há, portanto, uma perfeição que se diferencia de essência para essência e outra que se
diferencia nos indivíduos dentro de uma essência. A diferenciação, que vai de uma
essência para outra, ocorre, como quando comparamos, por exemplo, a essência de
macaco e a essência de homem. Nesta hipótese o mais belo dos símios é sempre inferior a;
qualquer indivíduo humano. Entretanto, no interior do quadro de uma essência, podem
ocorrer realizações desde o indivíduo menos acabado, até aquele que exaure as formas de
sua respectiva essência arquétipa. Neste sentido definiu Aristóteles:
"Chama-se perfeito, o que nada pode superar em seu gênero (Met. , 1021b 12).
182. Estética absoluta e estética relativista. A questão dos graus de perfeição nos leva a
discutir e ter que decidir entre uma estética absoluta, com um termo arquétipo máximo, e
uma estética relativista, sem outra referência, que a eventualidade.
Não houvesse um termo máximo, os graus não se poderiam fixar de maneira definitiva
em seu valor. Nada teria um padrão absoluto para nele se medir. Algo que fosse belo, o
seria apenas porque superior a um grau anterior. Ainda assim não se poderia estabelecer
como belo senão de maneira muito relativa. Pela mesma razão que fosse belo, por
ultrapassar um ser inferior, poderia ser feio, enquanto ultrapassado por um ser superior. E
assim nada seria verdadeiramente belo e nem feio mas tudo relativo.
O ponto alto das grandes filosofias está ali onde conseguem explicar como o singular se
coordena sob o universal e absoluto. O relativismo, produto do empirismo, não vê liames
a unir os seres particulares entre si; quando os parece enxergar, como sucede com o
positivista, não faz senão filosofia incoerente a um autêntico empirismo. Por isso não
pode ir além de uma estética relativista.
Aristóteles, Tomás de Aquino, e depois ainda continua nos modernos Descartes e Leibniz,
admite princípios universalmente válidos, a comandarem com anterioridade a
constituição das coisas concretas contingentes. Tudo quanto surge, somente aparece
dentro dos esquemas impositivos das essências absolutas e imutáveis.
Tais doutrinas supremas repercutem imediatamente para dentro da estética do belo. Nada
seria belo apenas porque eventualmente se realça com maior volume sobre outros graus
de ser inferior. Antes desta comparação algo já é belo enquanto se realiza dentro de um
esquema absoluto, em que os graus de realce não se medem primeiramente entre si, mas
em função de sua aproximação com o termo arquétipo absoluto.
Em função ao que expúnhamos, quando tratamos do belo como verdade ontológica (vd),
o ideal absoluto existe.
183. Não podendo os graus do belo oscilar desde que ocorra um termo absoluto de
comparação, a diversidade das apreciações feitas pelos humanos, se deve atribuir à
subjetividade dos manifestantes.
Há ainda uma subjetividade direta e desejada, a artística. Neste sentido, adverte-se que a
arte é manifestação em obra sensível, a partir da qual exprime seu objeto. Transformou-se
então aquele material sensível de acordo com o que lhe foi dado exprimir; a função que
recebeu para exercer poderá não coincidir com a mais bela entre as formas. É por isso
que a obra poderá ser eminentemente perfeita como arte, e não ainda como simples
entidade absoluta de matéria. Pode a arte inclusive buscar a representação do feio.
184. O belo também se limita quando algo se exerce como parte dentro de um todo, ao
qual obedece. As partes enquanto se proporcionam e se ordenam em um todo, devem
comportar-se em função à totalidade, o que resulta em limitações para as partes em si
mesmas. Um porta se subordina ao todo da sala. Um cantor se coordena ao coral. Um
tambor isolado talvez não valha o que representa integrado em uma banda de música.
Como a grandeza de um exército sob comando se mede pela despersonalização do
soldado, o todo belo se realiza plenamente com as partes perfeitamente subordinadas ao
conjunto. Então as partes se limitam necessariamente e de modo justificado.
E assim asseveram alguns filósofos que até o mal concorre para o realce do bem, como o
feio do belo. Não obstante, o fim não justifica os meios. Não se permite o mal e o feio
para destacar o bem e o belo. O destaque que dão ao bem e ao belo, o dão apenas
acidentalmente. Além disto o dão apenas nos casos particulares. Como um todo, o bem
absoluto e integral é superior ao bem ao qual adere algum mal. Igualmente como um todo,
o belo absoluto e integral é superior ao belo ao qual polui alguma coisa feia.
185. Avaliação subjetiva e histórica dos estilos. Variam os gostos, apesar da ordem
objetiva imutável. É que a apreensão do apreciador se concentra em distintos aspectos,
com a consequente diferença de gostos, porque baseados em motivos também distintos.
Assim sendo, todos apreciadores têm subjetivamente razão, ao se diferenciarem nas
opiniões e gostos. Aparentemente pelo menos, a razão está mesmo com Protágoras,
quando dizia ser o "homem a medida de todas as coisas".
O hieratismo da estatuária egípcia talvez fosse acertado até um momento de sua história,
porque a preocupação se concentrava antes na majestade da dimensão. Na Grécia clássica
a mesma tradição estatuária se transformou imediatamente em expressão de vida e graça,
atenta certamente a outros ideais.
Através da história se fixaram certos tipos fundamentais de estilo, marcando que, apesar
das ;divergências, ocorrem denominadores comuns na apreciação. A filosofia poderá, por
obra do esforço especulativo, determinar estilos e graus de beleza ainda não realizados.
Pela filosofia todos os graus são determináveis, como a numeração indefinida. A história
apenas fixa aquelas formas que se fixaram como preferidas. É também possível que o
mais perfeito dos estilos não tenha ainda podido se manifestar integralmente.
186. Alternância cronológica dos estilos. As realizações históricas dos estilos se têm
processado com alguma oscilação. De maneira geral, as oscilações marcaram, ora
preferência pelo equilíbrio harmônico, ora pelas modalidades bruscas das formas. Se
dermos ao clássico o sentido amplo de harmônico e absoluto, ao romântico a acepção de
forma brusca e individual, podemos dizer que o clássico e o romântico são aquelas duas
maneiras fundamentais da oscilação dos estilos.
O clássico domina no 4-o século a.C. entre os gregos, inaugurando a primeira grande
manifestação da arte, sem precedentes até então.
Mais uma vez, na volta de 1800, surge o clássico, sob a denominação, sob a denominação
de neoclassicismo e derivações chamadas acadêmicas.
O estilo gótico dos medievais representa uma das formas mais peculiares da fuga da linha
harmônica. O linearismo favoreceu a expressão da energia da virtude cristã e da ascensão
mística.
Não acontece depois do romantismo uma alternação para classicismo bem definido, ainda
que se viesse a falar em estilos acadêmicos. Sem sair essencialmente do romantismo,
formaram-se diferentes estilos chamados modernos, que vão desde o realismo e o
naturalismo, inclusive parnasianismo e simbolismo, impressionismo e cubismo, até as
extravagâncias do expressionismo, futurismo, surrealismo, abstraccionismo.
Numa tela poderia haver bom desenho, má combinação de cores. Poderia o desenho
realizar-se bem como forma, e contudo não alcançar expressão.
Na música, os sons isoladamente podem ser belos. Sua ordenação rítmica temporal não
depende apenas desta circunstância. Assim também os tons, que sobem e descem na
escala, poderão, independentemente da qualidade dos sons e do ritmo temporal, compor-
se segundo as leis da harmonia.
O escultor poderá atender ao que deseja figurar e esquecer a perfeição meramente formal
dos volumes.
Assim também o literato. Ora atende ao ritmo dos sons articulados, ora ao ritmo das
idéias. Ora faz dos termos a expressão convencional direta de; um pensamento (como na
prosa). Outra vez suas palavras figuram ;imagens e estas vão por sua vez indicar
escultoricamente, por associatividade, as idéias por meio de imagens que se atraem
poeticamente.
O que acontece na arte, ocorre também nas manifestações da natureza. A combinação das
cores se apresenta geralmente muito cuidada nas flores. Mas, em detrimento parecem
menos realçadas nos desenhos, porque excessivamente simétricas.
O fenômeno da simetria da natureza ocorre em geral por causa do binarismo das forças,
quando em equilíbrio. Todo o prevalecimento de um elemento sobre outro, incorre em
movimento, mas que tende a um novo reequilíbrio. Nos conjuntos maiores,
fundamentalmente sempre binários, estabelecem-se algumas assimetrias, por causa
de interferências nos reequilíbrios.
Nos todos morais a relação entre as partes é menor, ocorrendo então um afrouxamento da
relação de ordem e proporção. É o que acontece na sociedade e também na composição
artística.
O mesmo fenômeno do todo moral, com desatenção a certos elementos naturais, ocorre
na arte por equivalentes convencionais. Na linguagem, que é um sistema de equivalentes
convencionais, vale em princípio a convenção, esquecida praticamente a sonoridade
musical da voz.
No plano arquitetônico, estilo funcional é aquele que se ocupa tão somente com as
formas necessárias, conduzindo às demais a um instante neutro. Mas nem aqui deixa de
ocorrer o todo moral, embora alguns elementos sejam desconsiderados.
Seja relembrado o texto de Aristóteles: "Enquanto que nenhum dos caracteres que
vínhamos mencionando é exclusivo da qualidade, o semelhante e o dissemelhante se
dizem unicamente da qualidade. Uma coisa é semelhante a uma outra por nada diferente
do que por aquilo em virtude de que ela é qualificada. Disto resulta que o próprio da
qualidade será de se ver atribuir o semelhante e o dissemelhante" (Categorias, 11a 15).
As coisas belas se assemelham às coisas belas, e se desassemelham das que não o são,
isto é, das que são feias, por motivo de algo que se encontra nelas.
A relação entre a qualidade e a sua semelhança se diz de causa formal e de efeito formal.
Isto quer dizer que o efeito, ao ser produzido se mantém na própria causa como uma sua
perfeição. Não tem o efeito formal o aspecto dos efeitos na ordem da causa eficiente, que
se distanciam da causa.
A qualidade atua diretamente no sentido de diferenciar as coisas entre si. Ela faz que a
coisa seja uma qual e qual coisa. Aliás, neste sentido, toda a essência é
fundamentalmente uma qualidade, enquanto vista como diferenciadora das coisas entre si.
Mas, uma coisa pode ter a qualidade de ter quantidade. Ou ter a qualidade de ter
qualquer das outras categorias de ente.
191. Todo o processo cognoscitivo, como já se tem dito, opera por meio de relações de
semelhança. Os assemelhados se acusam. Na mente a idéia, como assemelhado do objeto
exterior, o acusa conscientemente. Na obra de arte, a forma, enquanto assemelhada com o
tema (quer tema abstrato, quer tema concreto) não alcança consciência do que acontece;
contudo o assemelhado o acusa objetivamente, em razão do que o observador externo (o
artista, ou o consumidor da arte), poderá interpretar aquela expressão objetiva.
No teatro, por mais que o ator personifique o personagem, não o faz senão objetivamente.
Somente Deus, enquanto conceituado como forma não individualizada dentro de uma
espécie, é a expressão de todas as coisas. Em consequência Deus, por natureza, é o
universal conhecimento de tudo. Deus é, - como disse Aristóteles, - pensamento de
pensamento.
Importa ainda advertir que a qualidade se reduz ao plano da essência, e não da existência.
Este, - o fato empírico é confuso, apesar da nitidez aparente do sentidos, porque o fato diz
respeito quase só à existência. O conhecimento empírico se mantém praticamente no fato
como existência, e somente adquire significado pleno quando combinado com a
inteligência que o penetra como essência.
192. A teoreticidade é uma importante propriedade que o belo apresenta enquanto capaz
de se exercer como objeto de conhecimento.
Aliás todo ser é cognoscível, porque admite alguma semelhança, ainda que parca e
analógica. O belo, porém, não é dos aspectos do ser, que sejam dos menos aquinhoados.
Fosse o belo algo que não fosse qualidade, não teríamos dele uma aproximação tão
significativa. O belo se mostra sempre claro e contundente. Basta que exista, para que o
percebamos prontamente.
Ainda como qualidade, é qualidade eminente. Por esta razão, ou seja, pelo seu volume
ontológico, o belo atrai a atenção da mente, resultando em instrumento de curiosidade.
Não têm fundamento as orientações estéticas que põem mistérios na percepção da beleza.
Objeto sempre claro, o belo se apresenta algo eminentemente teorético.
Sempre em disponibilidade para se deixar ver, o belo não usa vestido. O belo não é como
uma dama esquiva. O olhar da beleza não é melindroso. Mas aberto como o da donzela
franca e perfeita. O belo não é apenas a deusa venusta. O belo também é Apolo.
193. A esteticidade do belo decorre da teoreticidade, a qual por sua vez decorre da sua
condição de ser qualidade e ter semelhança.
O que é próprio para ser contemplado pelo inteleto, a vontade o aprecia como um bem
em favor daquela faculdade; enquanto assim aprecia o belo como um bem teorético da
inteligência, a vontade se aquieta sentimentalmente. Neste estado psíquico consiste a
esteticidade como estado psíquico.
Importa atender o significado do bem, como sendo o que convém do ponto de vista de
entidade como existência.
Observando as coisas concretas e que sejam belas, assemelham-se, ao mesmo tempo que
se desassemelham, enquanto estão mais próximas ou mais distantes do belo ideal.
Também poderá ocorrer a semelhança para fora da área do belo. Em sendo uma noção
analógica, o belo se predica de algum modo de todos os seres, enquanto eles são entes.
São os demais modos gerais do ser, mas sobretudo o modo denominado verdade
ontológica (o verum), do qual diretamente deriva o belo.
Por isso, embora por analogia, poder-se-á dizer enfaticamente, - o belo é a verdade.
A seguir, igualmente por analogia, dir-se-á, referindo-se aos demais modos gerais do ente,
- o belo é o bem, o belo é a unidade. Nesta direção se encontra o sentido da expressão de
Santo Agostinho, - "a unidade é a forma de toda a beleza" (De vera religione, c. 41).
Por analogia de atribuição, em função às causas e condicionamentos que dão origem à
situações belas, admite-se finalmente dizer, - o belo é a saúde, o belo é a riqueza, o belo é
a juventude.
Pelos seus efeitos, o belo ainda se define descritivamente, - o belo é a esteticidade, o belo
é a doçura, o belo é a alegria, o belo é o preferido.
Pelos objetos em que se encontra, diz-se, - o belo é a natureza, belo é a consciência moral
dentro de mim (Kant), o belo é o céu estrelado sobre mim (Kant), o belo é o verdadeiro
Deus, pensamento de pensamento (Aristóteles).
CAP. 3-o
O BELO NAS COISAS. 0764y195.
(O belo materialmente)
196. Mais agradável é conhecer as coisas que são belas, do que indagar pela mesma
essência do belo e entendê-lo.
Efetivamente nos é fácil e muito agradável ver coisas belas, como o ouro, a flor, a mulher
elegante, as nuvens em manhãs jubilosas, ou o sol surgindo vitorioso após a tempestade,
ou ainda o céu estrelado e a consciência ornada com a lei moral.
Indagar, porque as coisas são belas, é tema dos eruditos, os quais se ocupam em escrever
tratados. Vê-las, é próprio de todos, mesmo dos homens simples.
Não obstante, o saber erudito sobre o que o belo é, também ajuda a ver cada vez melhor o
belo e a apreciá-lo sempre mais.
A nova perspectiva colocada sob exame, - o belo nas coisas, ou seja, as coisas que se
exercem como belas,- é uma perspectiva material, porque já não se ocupa com o aspecto
formal, isto é, da especificidade ou essência em si mesma do belo.
Havendo tratado anteriormente o ponto de vista formal do belo (de que acabou de se
ocupar o 2-o capítulo), passamos ao ponto de vista material. Usualmente o oposto
de formal se diz material.
Ainda que material se possa dizer oposto à espiritual, também admite semanticamente o
sentido de complementar à formal.
Paradoxalmente, quando se trata do belo materialmente, inclui-se o belo do espírito.
Neste modo de conceituar, as coisas espirituais, quando vistas sob a perspetivas de
portadoras do belo, se dizem paradoxalmente matéria, frente à forma determinante.
Cuidando agora da matéria em que está a beleza, tratamos quase mais das coisas mesmas,
do que daquilo que as torna belas.
197. Didaticamente, importa uma certa ordem sequencial no tratamento do belo nas
coisas. Em vista de estar o belo de algum modo em todas as coisas, podemos considerá-lo
pelas diferentes categorias de ser a que elas pertencem.
Neste sentido importa primeiramente uma preliminar sobre as categorias de ser (Art.1-o).
A seguir passa-se ao exame do belo na categoria da qualidade por tratar-se da que é mais
atingida pela questão do belo nas coisas (Art. 2-o). Finalmente há a examinar o belo nas
demais categorias de ser como o belo na substância, o belo na quantidade, o belo no lugar,
o belo no tempo, o belo na ação, etc. (Art. 3-o).
198. Invade o belo todas as categoria de ser. Por isso passamos a arrolar todas elas, para
determinar de que modo por toda a parte a beleza se distribui, como que estabelecendo
seu jardim de variedades.
Para apreciar sistematicamente esta variedade material de seres atingidos pelo belo,
importa atender à existência de um quadro de categorias, como ainda considerar que as
categorias superiores se instalam como arquétipos das inferiores, e estas dos seus
indivíduos.
Ordenada toda a parafernália dos conceitos, o belo nas coisas também passa a poder ser
visto por ordem.
Quer sejam 10 as categorias supremas, quer sejam12, conforme Kant, importa examinar
dentro de uma ordem destas o belo materialmente. Temos, no caso de seguirmos
Aristóteles, que considerar por ordem: o belo na substância, o belo na quantidade, o belo
na qualidade, o belo na relação, o belo no tempo, o belo no lugar, o belo na posição, o
belo na ação, o belo na paixão, o belo na posse.
200. A maneira de haver o belo nas categorias. Não indicam as categorias diretamente
o belo, mas as respectivas diferenciações pelas quais um se diferenciam umas das outras.
Além disto, o belo surge através da qualidade (vd 205). Um ser, além de ser quantificado,
tem a qualidade de estar quantificado. Esta qualidade pode destacar-se, e então, a
quantidade também passa a dizer-se bela.
O belo poderá estabelecer-se nos indivíduos concretos, bem como nas denominações
abstratas, como as de espécie, gênero, gêneros subalternos, gênero supremo.
Ocorre, portanto, uma beleza nos indivíduos chamados Pedro, João, José, ou nas
senhorinhas denominadas Marina, Leila e Blumenita.
E ainda uma beleza nas espécies, como em planta, animal, homem, bem como nos
gêneros, gêneros subalternos, gêneros supremos, como substância, quantidade, qualidade,
relação, tempo, lugar, posição, ação, paixão, posse.
201. Arquétipos. As espécies e gêneros são os assim arquétipos, em função dos quais os
indivíduos concretos se dizem belos, à medida que os realizam como modelos; mas, os
arquétipos não são apenas arquétipos, pois vistos em si mesmos, são algo de expressivo e
capaz de se denominar também de belo, em função a um arquétipo ainda mais alto,
portanto, materialmente, o belo o podemos buscar nos indivíduos concretos e nas noções
gerais. Os artistas, ao tomarem por tema o belo, escolhem por vezes o belo
individualizado, outras vezes o belo do tipo arquétipo.
Os arquétipos, que estão como gêneros subalternos, poderão tomar seus elementos
genéricos aos superiores. Mas, em tudo o mais, a fixação deverá ser direta, dependendo
da descoberta empírica.
Tal parece ocorrer com o modelo estético clássico de Leonardo da Vinci, no qual "a
largura do espaço compreendido entre os braços do homem é igual a sua altura". Em
torno se poderia traçar o círculo, mostrando o homem como integrado no universo.
A espécie, em absoluto, já está fixada; resta descobri-la. Mas, não será a partir de
deduções de arquétipos superiores, que ela se manifestará, pois que os superiores
apresentam apenas aquilo que não é específico à espécie. Apenas a indução nos pode
fazer descobrir um arquétipo. Por meio de tal processo, descobria Sócrates o conceito das
coisas; ainda foi por simples indução que Aristóteles estabeleceu as dez categorias
(predicamentos) do ser: Substância, quantidade, qualidade, etc...
Dr. H. V. Heller cria uma Tábua de Proporções, em que o método foi empírico-indutivo
com milhares de fotografias e de medidas, em que atende inclusive ao esqueleto (H. V.
Heller, Proportionstafeln Gestalt, Viena, A. Schroll; Dürer, Tratado das
proporções; Vignola, Tratado da perspectiva; Daniel Bárbaro, Idem; Fra Luca Paccioli
di Borgo, De divina proportione; Jay Hambidge, Dynamic Symmetry; The greek
vase; Matila C. Ghyka, Esthétiques des proportions dans la nature et dans les arts; Le
Corbisier, Modulor). Hambidge (+1924) encarregou-se de verificar as mesmas
proporções nos desenhos dos vasos gregos inclusive dos egípcios, com vistas a criar uma
classificação material dos seres belos.
ART. 2-o. O BELO NA CATEGORIA DA QUALIDADE. 0764y204.
205. O mesmo belo é uma qualidade, porém transcendental. Ocorrem outras qualidades,
que se reúnem sob o gênero chamado categoria da qualidade; chamam-se
também qualidades predicamentais, visto que em Latim se diz predicamento, o que em
grego leva o nome de categoria.
Qualquer qualidade, quer categorial, quer transcendental, se define como aquilo que
introduz no ser um quale, que o faz estabelecer-se como uma tal e qual coisa. Enquanto
assim o faz, a qualidade é aperfeiçoativa.
Entende-se por perfeição, aquilo que acrescenta e completa; ora, a qualidade indica
expressamente esta perspectiva.
Acrescenta porém que ainda há outras qualidades, mas que estas são as mais frequentes
(ibidem 10 a 25).
Com finura, precisamos estar continuamente atentos para não confundir a qualidade e as
categorias que a oferecem.
"Haec videtur probabillior explicatio in re tam occulta et varia, sicut qualitas est"
(Cursus Philosophicus, logica, p. 10b).
Todavia o filósofo português se houve com maestria no assunto, ainda que não houvesse
conseguido ordenar as muitas espécies de qualidade em uma fórmula aceitável. Colocou
ele as quatro espécies de qualidade como subespecificações, à maneira de árvore
porfiriana.
Difere o estado, da disposição, nisto que ela tem mais duração e estabilidade.
Efetivamente, a ciência parece estar bem no número das coisas que permanecem estáveis,
e são difíceis de mover, mesmo que se tenha uma fraca aquisição, a menos que uma
grande mudança se produza em nós após uma doença ou por qualquer outra causa desta
índole.
E assim também a virtude, por exemplo, a justiça, a temperança e toda a qualidade desta
espécie não parece poder facilmente ser movida, nem mudada.
Os hábitos são ao mesmo tempo disposições, mas as disposições não são necessariamente
hábitos" (Categorias, 8, 8 b 25- 9 a 10).
Já como arquétipos, os estados e disposições, - tais como ciência, bondade, doçura, saúde,
doença, - se mostram como apreciáveis ou depreciáveis. Sob estas perspectiva são belos
ou feios.
Mas sobretudo os seres que exercem tais qualidades se dirão belos e feios. O Homem,
como ser vivo, requer a saúde e por isso a beleza se realça quanto mais a tiver, como
também declina na direção do feio à medida que não a possuir.
A beleza temática de Rubens, o grande pintor barroco flamengo do século 17, está
precisamente na saúde dos seus personagens. Luz, energia, movimento, vitalidade,
profundeza de alma, força e titanismo, numa só palavra saúde, eis o belo nos temas de
Rubens.
Até mesmo a atraente Betsabé junto à fonte recebendo a carta de Davi, o santo rei
sedutor, se desenvolve em clima de saúde; reconhece-se a fisionomia de Helena
Fourment, com quem teve núpcias.
Três graças, de Rubens, não é senão a evocação de suas três sucessivas esposas,
vigorosas e salutares.
O estado interior, como qualidade permanente, é visado pelos grandes retratistas, mesmo
pelos fotógrafos mas sobretudo pintores.
O sorriso transitório e superficial (que é disposição e não estado) não importa como
temática de grande pintura e grande arte fotográfica.
A distribuição das partes no espaço resulta em uma qualidade que leva o nome de forma;
não há forma, sem haver partes que se dispõem no espaço.
Mas, enquanto as partes se colocam uma por fora da outra, aquele ser se diz ter
quantidade, que se realiza num espaço.
Quando esta disposição assume caráter estável, dita natural, se diz figura.
220. O belo na forma e figura, como já se advertiu de começo, se diz quando forma e
figura se exercem como algo perfeito, participando por conseguinte como uma
determinação do ser. Em tal condição, belas é a forma, porque enriquece o ser com as
suas disposições no espaço, e bela é a figura, porque, além das disposições no espaço, as
dispõem de maneira estável.
221. A multiplicidade das partes, na forma, exige uma ordem e proporção. As coisas que
obedecem à ordem e à proporção se dizem belas, na medida que esta determinação
constitui perfeição.
A proporção e a ordem em si mesmas não são o belo, mas o são, como advertimos,
enquanto dizem perfeição.
Afasta-se com esta advertência a afirmativa estóica e positivista em geral (vd 223), de
que o belo seja a ordem a proporção. Não se pode confundir a matéria do belo, com o
mesmo belo. As coisas são belas, mas não enquanto são tais coisas. Nem o ouro é o belo,
nem a virgem, como já se dizia nos diálogos de Platão. E assim também a ordem e a
proporção constituem a coisa bela, e não o mesmo belo.
222. Considerando que a ordem e a proporção se dizem apenas dos seres compostos, que
obedecem consequentemente a uma disposição de partes, deve-se admitir que o belo não
se define como ordem e proporção, senão sob esta perspectiva particular do ser composto.
Por outra via ingressa a beleza na ordem e na proporção; uma nova determinação, que
não se confunde com a mesma ordem proporção, vai fazer que a ordem e a proporção
sejam belas. A ordem enquanto perfeita, diz-se uma ordem perfeita. E assim também a
proporção, enquanto perfeita, se diz uma proporção perfeita. A ordem e a proporção, ao
se realçarem, por motivo da perfeição, se dizem, então, belas. Por conseguinte, o belo
surge na ordem e na proporção sob a mesma perspectiva de como aparece nas demais
qualidades e seres.
É bem claro que o belo não se define, nos seres simples, como ordem e proporção.
Também nos seres compostos, onde há vez para a ordem e a proporção dos elementos,
esta ordem e proporção constituem qualidades categoriais, que em si mesmas ainda não
são o belo.
Também nos compostos, o belo não se define como ordem e proporção das partes. Em
sendo noções categoriais (predicamentais) não podem definir a beleza. Mas o belo está na
ordem e na proporção, quando perfeitas e em realce, portanto sem se identificar com a
mesma ordem e proporção.
223. A ordem e a proporção como essência do belo, foi própria das definições dos
estóicos, como se vê em Cícero (Tusculanas 4,3).
"Todos afirmam por assim dizer, que o belo é a simetria das partes, uma em relação às
outras e em relação ao conjunto; a esta simetria se ajuntam as tintas; a beleza nos seres,
como de resto em todos os seres, é a sua simetria e sua medida" (Enéada I, 6 Do Belo 1,
20-22).
Ato contínuo tece a crítica, mostrando que a definição atinge apenas o caso particular dos
seres compostos:
"Para quem pensa assim, o ser belo não seria um ser simples, mas somente e
necessariamente um ser composto; além disso o todo deste ser seria belo; e suas partes
não seriam belas cada uma por si só, mas em se combinando para que seu conjunto seja
belo.
Contudo, se o conjunto é belo, faz-se necessário que suas partes o sejam também;
certamente uma bela coisa não é feita com partes feias e tudo o que ela contém é belo.
Além disso as cores que são belas, como a luz solar estariam nesta opinião fora da beleza,
visto que são simples e não obtêm sua beleza da simetria das partes.
E o ouro, como seria ele belo? O clarão que vemos brilhar dentro da noite que o faz belo?
Conservando embora as mesmas proporções, o mesmo rosto, ora se apresenta belo, ora
feio; como não dizer que a beleza que está nestas proporções é outra coisa e que é por
outra coisa que o rosto bem proporcionado é belo" (Enéada 1, 6, 1, 25-40).
Em afirmando que o belo já deve preexistir nas partes, prenuncia também a nossa
interpretação racional do ritmo, que põe o belo nas partes individualmente consideradas,
antes que no todo, e que o ritmo somente se desenvolve como ritmo desde que as partes
individualmentes se manifestem. Isto não obsta a que os todos, como no acorde,
adquiram novos valores.
A ordem é uma necessidade em um todo constituído de partes; eis porque a ordem se faz
um elemento de perfeição, a partir de onde progride para significar beleza.
Efetivamente, há de haver uma relação das partes para o todo, sem o que as mesmas
partes não chegariam a determinar-se como partes, nem o todo como um todo. A fim de
que o todo se faça, é mister que as partes se ordenem para realizar o todo.
A ordem das partes para o todo é uma propriedade (um proprium) e não uma situação
meramente acidental. E uma vez que a ordem das partes para o todo se impõe na
qualidade de proprium converte-se, por isso mesmo, em elementos de perfeição, no
sentido exato de perfeição entendida como norma, idéia absoluta, essência eterna.
"No seu lugar próprio, tudo está bem, tudo é bom, tudo é grande" (Alphonse de
Lamartine, Meditations poétiques, II,v. 56). No seu lugar certo, tudo é ordem, tudo é
perfeito, tudo se destaca, tudo é belo.
227. Função. A ordem das partes para o todo suscita a função. Esta se diz sempre de
uma finalidade que a parte tem a exercer no todo.
Geralmente se diz dos todos acidentais, como os que resultam da obra humana, como da
porta em uma casa, da caneta na mão de quem escreve, da roda no eixo de um carro.
Também, no todo natural se diz que as partes exercem função. Diz-se particularmente
quando estas funções se exercem com especificidade; assim, o estômago tem a função de
digerir, a inteligência a de pensar. Menos usual é chamar de função o exercício
meramente constitutivo, como o pé de mesa é parte da mesa.
É próprio de um todo constituído da partes ser uno e não disperso. Sem o uno não haveria
o todo. Por conseguinte, o unidade é a perfeição.
Plotino mostra como a unidade resulta da forma; o ser material ao receber a forma,
assume unidade e dali alcança a beleza.
"Ao unir-se à matéria, a forma coordena as diversas partes que devem compor a unidade,
as combina e graças à harmonia das mesmas, produz algo que é uno. Posto que é uno,
aquilo a que dá forma há de ser também uno, tanto quanto um objeto composto possa sê-
lo. Quando este objeto tiver chegado à unidade, a beleza reside nele e se comunica assim
às partes como ao conjunto. Quando a beleza encontra um todo cujas partes são
perfeitamente semelhantes, estende-se uniformemente por ele...desta sorte, os corpos
possam a ser belos graças a sua participação em uma razão que lhes vem de Deus"
(Enéada, I, 6, 2 no fim).
"A unidade é a forma de toda a beleza" (De vera religione, c. 41). Não se deve entender,
porém, o uno formalmente como uno, mas como perfeição realçada; só neste sentido o
uno é belo.
Evidentemente a unidade, mesmo como perfeição, não pode indicar a essência de toda a
beleza, senão de certa categoria de coisas, a saber dos seres dotados de partes, os seres
criados, pois somente tais são capazes de realizar a unidade das partes. Entretanto, não
ocorre impedimento que se considere o uno no sentido transcendental. Neste caso, todo e
qualquer ser é uno, inclusive Deus.
Para o gótico, pelo contrário, a torre vem completar e realçar o sentido geral da
construção. A beleza estética das construções renascentistas de antes de 1500 está nas
decorações, ao passo que a das obras clássicas, que se seguem (Bramante, Miguel
Ângelo),está nas mesmas estruturas.
A proporção se diz das partes em relação ao todo (gênero, em que coincide com a ordem)
mas enquanto faz caber a cada parte sua especial função como parte (diferença específica,
que distingue entre si a ordem e a proporção).
Dali nasceu ratio, com o sentido de conta, e que depois evoluiu ratio no sentido de razão
A função das partes no todo pode ocorrer em muitas ordens categoriais, portanto segundo
a quantidade, qualidade, tempo, lugar, posição, ação, paixão, hábito, com todas as
variante dos gêneros, sub-gêneros, espécies e graus. De acordo com isto se estabelecem
as partes proporcionalmente com maior ou menor quantidade individual, volume, peso,
qualidade, cor, posição, tempo, etc., como enfim vemos ocorrer nas obras de arte. A
ocorrência de tantas ordens categoriais deriva não só na multiplicação empírica de nomes,
mas efetivamente em conceitos distanciados entre si.
231. Regularidade é o termo para indicar a proporção das partes entre si, quando estas
partes se proporcionam como igualdades rigorosamente exatas.
"A regularidade como tal consiste geralmente na igualdade exterior, ou, com maior
precisão, na repetição de uma só e mesma figura determinada que confere à forma a
unidade determinante" (Hegel, Estética, I, c. 2, item 1,b).
É que os elementos em sucessão variam apenas em parte, e por isso o elemento posterior
em parte já está conhecido. Por causa desta função facilitadora dos elementos, o ritmo se
torna agradável.
Exerce a regularidade uma função personificadora nos estilos. Para evitar o excesso de
novidade que a mudança constante dos elementos provoca sobre o comportamento
estético do indivíduo, se requer o retorno frequente de motivos a se repetir, quase como
uma tônica.
232. Simetria é a proporção das partes entre si, de modo a ajustar convenientemente a
igualdade e a desigualdade. "A igualdade associa-se à desigualdade, e a diferença
irrompe através da vazia identidade. Assim nasce a simetria. Consiste ela, não na
repetição de uma só e mesma forma abstrata mas na alternância desta forma com uma
outra que também se repetia; esta, considerada em si mesma, é também determinada e
sempre a mesma, mas desigual da primeira a que se acha sempre associada:
(Hegel, Estética, c. 2., item 1 b.).
"Quando, por exemplo, a fachada de uma casa tem três janelas com as mesmas
dimensões e à mesma distância umas das outras; depois três ou quatro janelas mais altas e
separadas por intervalos maiores ou menores, e por fim três janelas semelhantes às
primeiras nas dimensões que as separam, temos diante de nós o aspecto de um conjunto
simétrico. Assim, a repetição e a uniformidade de uma só e mesma determinação bastam
para criar a simetria que exige diferenças de grandeza, de situação, de forma, de cor, de
som, e outras uniformemente" (Hegel, Estética, I, c. 2, item 1 b).
233. Harmonia, na acepção atual do termo, assume o sentido de proporção das partes,
porém numa plasticidade que indica não somente proporções quantitativas, mas também
qualitativas. Indicamos com este vocábulo as harmonias dos sons, das cores, dos
significados dos termos, tão bem quanto a harmonia das dimensões das formas
arquitetônicas e das linhas do desenho. A plasticidade do termo lhe imprime um caráter
de universalidade abstrata e de delicadeza.
Hegel estabeleceu que "a harmonia resulta da relação entre diferenças qualitativas"
(Estética, I, c. 2., item 1, d).
Ainda que a harmonia tenha o qualitativo como seu peculiar, não parece excluir
inteiramente a relação entre diferenças quantitativas.
234. Uma série de outros designativos se aponta ainda como capaz de servir à indicação
do belo nos seres compostos.
Equilíbrio lembra antes de tudo a igualdade dos pesos das massas como dos elementos
arquitetônicos no espaço. O termo permite também expressar o que se entende
por equilíbrio das cores.
Mas nunca artístico equivale ao belo, quando indica expressão sensível de algo, como
tema expresso. Hoje, arte é expressão de algo, não simplesmente o belo. Apenas o seu
adjetivo artístico, em certos contextos pode significar "bem feito", no sentido de belo.
Entende-se por substância aquele ser cuja determinação essencial consiste em substituir
em si, como em seu sujeito, de sorte a ser ele sujeito de si mesmo e não inerir em outro.
Assim se diz substância uma pedra, um elemento químico qualquer, mas não algo que lhe
adere, como a cor e a forma.
Nenhuma substância se faz conhecer diretamente, nem como intuição sensível nem como
mental. Apenas por cálculo raciocinativo calculamos que deva haver substância sob os
acidentes.
Para a filosofia racionalista ele tem validade, porque fundado em última instância na
intuição do ser.
Na pergunta que fazemos, se a substância é bela, não importa se ela de fato existe. Basta
que a substância, quer como arquétipo, quer como substância individual concreta, seja
objeto de conhecimento. A esta altura ainda, das discussões, os assuntos independem da
querela realismo versus fenomenismo (vd 303).
241. Seria mesmo bela a substância? Distingamos entre a substância como arquétipo e a
substância como ser concreto, individualizado.
A substância concreta será bela à medida que executa em si o seu arquétipo "substância".
Ainda que a intuição sensível não atinja a substância, o raciocínio que a calcula, não pode
deixar de também admitir sua beleza.
Também o arquétipo, enquanto estrato que de algum modo participa do ser, marca uma
beleza. A superioridade evidente da substância sobre os acidentes reside em ter em si, o
seu sujeito. Ora, certamente que exercer-se como sujeito, é algo superior e eminente.
Portanto, a substância é bela, enquanto sobressai sobre as limitações dos acidentes, sendo
mais bela que a cor, o som, etc.
Nas plantas ocorre um primeiro progresso, porque é fonte imanente de ação. Nos animais
se exerce um conhecimento de "Intenção direta". Finalmente, no ser racional, a intenção
direta se faz acompanhar de uma "intenção reflexa", pela qual se revela o sujeito
expressamente como sujeito de suas atividades.
Comparadas entre si as substâncias, a beleza da pessoa se levanta muito alto acima dos
animais, plantas e seres inanimados em geral.
Em Deus, por definição, há somente substância, visto que nele nada há limitado,
Consequentemente, o belo em Deus é necessariamente substancial.
Nossa conceituação está sendo elaborada dentro do esquema que define o belo como
realce da perfeição. Em tais condições a tese da beleza da substância não pode oferecer
dificuldades. Todavia, para a interpretação baumgarteniana, que faz da beleza um objeto
sensível e verdade confusa, não poderia haver o belo senão no sensível, jamais na
substância, em hipótese alguma em Deus. O que, entretanto, continua sempre inegável é a
superioridade da substância sobre os acidentes e de Deus sobre as criaturas.
243. Quanto à beleza da substância corpórea se manifesta ao mesmo tempo, ainda que
indiretamente, que a forma espacial.
O estilo moderno (século 20) mais uma vez valoriza a estrutura substancial do edifício
tornando-se todavia mui diverso do ponto de vista do estilo, por causa, principalmente,
dos novos materiais e do gosto pela linha indefinida (não clássica).
"Procuro orientar meus projetos caracterizando-os sempre que possível pela própria
estrutura. Nunca baseado nas imposições radicais do funcionalismo. Mas sim na procura
de soluções novas e variadas. Se possível dentro do sistema estático. E isso sem temer as
contradições de forma com a técnica e a função. Certo que permanecem unicamente as
soluções belas, inesperadas e harmoniosas com esse objetivo. Aceito todos os artifícios.
Todos os compromissos. Convicto de que a arquitetura não constitui uma simples questão
de engenharia. Mas uma manifestação do espírito, da imaginação e da poesia" (Oscar
Niemayer).
A beleza física dos corpos humanos ocorre em termos de substância, quando, através dos
elementos acidentais, se revela o específico. O homem se pode apreciar no David, de
Miguelangelo; outra vez a substância do chefe está na cabeça do Moisés do mesmo
Miguel Ângelo. A mulher está em Diana Caçadora (cópia romana de um original do
século 4-o a.C., Louvre), ou também em Nascimento de Vênus, de Botticelli.
O ser espiritual se caracteriza por não se determinar com partes fora das partes,
encontrando-se todo inteiro em cada lugar em que se ponha.
247. Ergue-se agora a pergunta: Seria bela a quantidade? A iniciação se pode deslocar
para as quantidades contínuas e discretas. E num segundo plano, para qualidades
dependentes da quantidade, como forma e figura, ordem e proporção.
Isolemos agora a quantidade, como arquétipo. Então, tomada como perspectiva do ser, a
quantidade é, em si mesma, bela. Ainda que a quantidade limite o ser, para poder
dispersá-lo em partes, que se excluem, apresenta um certo grau positivo de ser; em tais
condições se realça, acima do que é o nada. Em tal condição oferece oportunidade a todas
as belezas corporais, também se realça a quantidade acima de certas outras categorias do
ser, como o lugar, a posição, o tempo; sob tal perspectiva poderá ser dita outra vez bela.
251. Relação é aquela determinação em virtude da qual um ser se diz estar para outro.
Ocorrem três espécies de relações: de origem, como de pai para filhos; de igualdade,
como entre duas quantidades que se comparam sendo uma igual ou menor maior que
outras; de semelhança, como entre duas qualidade que se aproximam ou divergem.
255. Seria belo o tempo? As coisas que duram segundo o tempo que lhes é próprio, bem
como o próprio tempo em si mesmo, certamente que são belas. É bom ter duração e a ter
tido sempre, ou pelo menos desde muito tempo. Mais perfeito é ser velho (no sentido de
antigo no tempo) que ser novo (no sentido de haver existido pouco). Velho não é o
mesmo que envelhecido, embora isto quase sempre aconteça.
Como duração, portanto como resistência ao nada e como afirmação na ordem do existir,
é o tempo uma das categorias que mais se aproxima de Deus. O tempo não é uma
percepção empírica. Não conhecemos diretamente o tempo, mas as coisas enquanto se
movem; por isso, mal captamos longinquamente aquilo que mais perto fala de Deus, que
é a mesma duração.
Colocai-vos a sentir as coisas que se movem, mas não o movimento em si mesmo, e sim
as coisas, que, enquanto se movem, revelam que duram.
Pensai na duração como existência que permanece, e não como modo de ser.
Ora entusiástico, ora piedoso, o ritmo sempre fala ao metafísico e ao poeta, da beleza e da
eternidade, se estes (o metafísico e o poeta), forem capazes de ultrapassar a
individualidade dos elementos, tudo concebendo no todo da realidade.
De maneira geral, o ritmo, sob as mais diversas modalidades, se configura como um dos
mais poderosos expedientes da arte.
Por toda a parte é a organização rítmica das coisas que torna a realidade eficiente e
funcional. Ora como arte, ora como beleza, todos os ritmos encantam e arrebatam.
Como determinação da mesma coisa, o lugar não é um vazio para dentro do qual é
empurrada a coisa que passa a ocupá-lo.
Dizemos "exercer presença como lugar", porque nada se coloca em um lugar, mas exerce
o seu lugar. Não é o lugar um algo substantivo, mas determinação da coisa que o exerce.
Nada houvesse, não haveria lugar. Cada coisa carrega o seu lugar, e se for aniquilada,
também se aniquila com ela o seu lugar.
Se nos lançássemos num plano metafísico, de certo modo imaginoso, poderíamos dizer a
propósito do mundo e de Deus: o mundo está dentro de Deus. Ainda: Deus está no
mundo, porque ao mesmo tempo um está no outro, mesmo quando concebidos como
realmente distintos.
Semelhantemente usamos dizer: o mundo está fora e acima do nada. Ou : Deus tirou o
mundo do nada.
As coisas vistas em função do arquétipo lugar, dizem-se belas enquanto se exercem como
tendo lugar. Tê-lo com realce, é possuí-lo em quantidade maior. Ter mais lugar ou
mesmo estar em todo lugar é mais perfeito.
A quantidade material tem as suas partes ao lado das partes e se excluindo mutuamente.
Por isso, mais perfeito é o modo do espírito, que em todo lugar que se encontra, ali está
todo inteiro.
No sistema dualista, difunde-se a alma pelo corpo, estando inteira em cada um de seus
lugares. Deus, por definição perfeito, estaria de modo eminente a exercer sua presença
como lugar.
Consiste a situação na determinação assumida por uma coisa em função da outra, sob o
ponto de vista do modo de se haverem as partes de um objeto em relação às partes de
outro. Em relação ao solo, estou de pé, ou deitado. O livro, está aberto, ou fechado. A flor
foi lançada ao solo pela ventania, ou a flor continua pendendo.
A disposição das partes no espaço é a mais notável das situações e que vem dar origem às
qualidades de "forma" e "figura".
Grande apreço damos à situação dos objetos em uma sala, ao modo de se comporem.
Muitas modalidades se permitem às partes de uma coisa em relação às de outra. Dali as
variadas oportunidades que se oferecem para a composição da beleza.
Grande apreço damos à situação dos objetos em uma sala, ao modo de se comporem as
muitas flores em um vaso, à maneira de se situarem os elementos de um edifício
arquitetônico.
Os estilos estão sempre atentos à disposição das partes uma em relação à outra.
O ritmo, que é antes de tudo temporal, atende outrossim à disposição das partes.
É belo ter situação, forma, figura, enquanto isto redunda em perfeição e realce sobre as
coisas que, embora tendo partes, não as tivessem situadas.
262. A ação, como realidade categorial, se diz da determinação em que incorre o ser que
age.
A espontaneidade da ação reta, perfeita e portanto bela, se diz virtude. Bela é, pois, a
virtude como ação desenvolvida de acordo com o respectivo arquétipo.
O elogio e a censura se prendem àquilo que depende da ação, quer o elogio e a censura se
digam da verdade, quer da bondade. Elogia-se, em tais condições, a verdade ontológica,
sobretudo quando bela; ação é bela, quando realiza sua verdade ontológica de ação; é boa,
quando realiza a mesma verdade, sob o ponto de vista da bondade.
"Após o que fica dito, tratemos da virtude e do vício, do belo e do disforme, já que são
estes os fins que tem em vista aquele que elogia ou censura" (Retórica I, c.9, 1).
Os elementos que acompanham a virtude participam de sua beleza. Tais elementos são os
mais variados, desde a referência de posse (a pessoa que possui a virtude) passando pelas
circunstâncias, até as consequências, como a glória e a recompensa. Visando diretamente
apontar esta participação na beleza da virtude, escreveu Aristóteles uma página admirável,
em sua Retórica, ao mostrar em que coisas devia tocar o orador para demonstrar fazendo
elogio ou censura:
"Tudo o que produz a virtude é necessariamente belo, disto não há que duvidar, - porque
tudo isto tende para a virtude, do mesmo que tudo quanto procede da virtude.
Visto que os sinais e aquilo que se lhes assemelha, enquanto obras ou caracteres morais
da virtude, são belos, necessariamente se segue que todas as obras de coragem, ou todos
os sinais de coragem, ou ainda todos os atos executados corajosamente são belos, como
também o que é justo e cumprido justamente.
Outro tanto não se dá com aquele que daí retira sofrimento. A justiça é a única virtude
que carece desta particularidade: nem sempre é belo o que é executado justamente,
porque, quando somos punidos, um castigo justo é mais vergonhoso que um castigo
injusto. O mesmo sucede com as demais virtudes.
São belas as ações que têm como recompensa a honra; como o são as que trazem mais
honra que dinheiro, ou as que não são praticadas com a mira no interesse próprio.
O mesmo se diga de tudo quanto é bom em geral, por exemplo de tudo o que se faz pela
pátria em detrimento do interesse próprio, e de tudo o que é bom por natureza, com a
condição de não ser reservado ao indivíduo, de contrário este só teria em vista seu
interesse particular.
O mesmo se diga daquilo que se pode obter após a morte, mais do que em vida, pois o
que se refere ao homem em vida apresenta antes caráter interesseiro.
Ajuntemos: Tudo o que fazemos em atenção aos outros, porque neste caso menos nos
preocupamos com nossos interesses privados; os êxitos, que têm por beneficiários os
outros e não o próprio agente; o que restituímos a nossos benfeitores, porque é um ato de
justiça; os serviços prestados, por não ser aquele que os presta quem lucra com eles.
São belas as coisas contrárias ao que nos faz corar; pois coramos, quando dizemos ou
fazemos ou nos propomos fazer coisas vergonhosas. Temos um exemplo nos versos de
Safo a Alceu, quando este dizia:
Desejaria dizer-te alguma coisa, mas o pudor me retém e Safo lhe responde:
Não receemos aquilo que em nós gera inquietação; pois os bens que conduzem à glória,
criam essa disposição no espírito.
São mais belas as virtudes e as obras das pessoas mais distintas por natureza; as dos
homens são-no mais que as das mulheres e também aquelas de que os outros retiram
maior proveito que nós; daí provém a beleza das coisas justas e da justiça.
É preferível vingar-se dos inimigos, do que reconciliar-se com eles, visto ser justo pagar
na mesma medida, e uma vez que o justo é belo e compete ao homem corajoso não se
deixar vencer.
São belos igualmente os usos peculiares a cada povo e tudo quanto manifesta as práticas
estimadas no seio de cada comunidade; por exemplo, em Lacedemônia, é belo deixar
crescer o cabelo: É esse o distintivo de um homem livre, pois não é fácil a um homem de
cabelo comprido entregar-se a um mister servil.
É belo não exercer nenhum mister, porque um homem livre não deve viver para servir a
outrem" (Retórica I, c. 9, 14-27).
265. Enfim, hábito é a determinação resultante de uma posse (habere, habitum = ter, tido
quer por justaposição, como o Brasil tem ao sul o Uruguai, quer por função, como quem
está vestido, armado, de chapéu, com enfeite, decorado, etc... No arranjo das coisas, o
belo foi sempre um ingrediente.
Ter é mais perfeito que o não ter. Mais belo é aquele que muito tem. Mais feio é aquele
que nada têm, sobretudo aquele que não tem o que devia ter. Neste sentido, o mal é a
ausência do bem devido. O mal é o mais feio.
CAP. 4-o
ESTETICIDADE DO BELO. 0764y268.
269. O belo também é estético. Eis o que se oferece mais imediatamente como sendo uma
característica peculiar do belo. Com este novo tema passamos a uma área de
conhecimentos, que já não pertence à metafísica do belo, mas à sua psicologia.
Aqui, no tratado do belo, ainda que o ponto de vista principal seja a natureza metafísica
do belo, a abordagem do seu lado estético visa, não somente complementar o texto, mas
ainda destacar o próprio belo enquanto capaz de gerá-lo. Também é pelos seus efeitos,
que o belo se faz conhecer.
272. O belo agrada, deleita, compraz, alegra. Produz satisfação, dá prazer, felicita. Em
casos especiais conduz ao entusiasmo e ao delírio.
Dentre os dados sempre evidentes, a esteticidade do belo se mostra como uma de suas
propriedades mais contundentes. É algo tão incontestável que não precisamos sair a fazer
esforços para prová-lo.
Tese defendida, - a esteticidade se diferencia dos demais sentimentos apenas pela sua
divisão material; portanto, apenas pelo seu objeto, o belo.
Os outros sentimentos diferem tão somente, porque outro é o seu objeto. Não se trata, por
conseguinte, de uma distinção resultante pela forma, ou seja pela maneira interna de se
dar o sentimento. Neste particular da forma, todos os sentimentos são iguais.
274. No que se refere à faculdade do sentimento, esta faculdade não é especifica; ela é
senão a vontade, considerada em estado psíquico peculiar.
Contra nós, acreditam outros, como Tetens e Kant, que há uma faculdade específica
apenas para o sentimento.
Num primeiro instante se exerce a simples inclinação para o objeto. Neste instante o
estado afetivo se denomina "inclinação", mais usualmente "amor". Geralmente se reserva
"amor" para os objetos de mais elevada categoria, como o de amor a pessoas.
Há, por exemplo, a partir dos objetos, prazeres esportivos, satisfações gástricas, alegrias
infantis, gozos espirituais. Este repouso em objetos distintos diferencia os sentimentos
materialmente.
A distinção entre prazeres estéticos e prazeres comuns é uma distinção material; no caso
do sentimento estético, o objeto é o conhecimento do belo e no caso dos sentimentos
comuns o objeto é constituído por outras sorte de bens.
No caso da arte a presença material do belo ocorre em três áreas, de que duas são
especificamente artísticas, e uma pré-artística, tornando a questão da esteticidade artística
muito complexa:
1) o belo ocorre no tema expresso (que poderá ser um tema o belo, tanto concreto como
abstrato);
Neste plano material do objeto ocorre a distinção dos sentimentos em comuns e estéticos,
porque o objeto em ambos é distinto.
Sobretudo a grande arte nos coloca em estado estético, exatamente porque ela muito no
tem a dizer.
Contrasta com o prazer estético o prazer comum, produzido por todos os outros gêneros
de objeto. Não há somente a faculdade de conhecimento a atender mas também outras
potências. E é que se situam os demais prazeres, os quais se dizem comuns, em relação
ao prazer especial estético.
A distinção entre prazer estético e prazer comum, apesar de existir, não é muito profunda,
sendo apenas material, dependente do objeto. Quanto à forma, todos os prazeres são um
estado psíquico de agrado, e são conscientes, além de costumeiramente estarem juntos.
279. O prazer estético não se encontra no âmbito da inteligência. Por isso não se pode
falar em sentimentos da inteligência. Admite-se dizer, ainda que um tanto
inadequadamente, sentimentos inteletuais, porque ligados à inteligência; assim também
não se diz sentimentos da razão, mas sentimentos racionais. A inteligência, por ser em si
mesma essencialmente uma faculdade de entender e não de querer, não deseja e nem se
aquieta em sentimentos; não repousa à maneira da posse apetitiva dos objetos. Sua
função se restringe ao ver mental; este é um repouso intencionalístico nos objetos
conhecidos.
Por isso, caso não existisse outra faculdade, com o fim de apetecer e possuir objetos, não
ocorreria sentimento algum. O belo seria apenas contemplado teoreticamente, sem
qualquer repercussão afetiva.
280. Importa atender não somente à distinção, mas também à proximidade entre
inteligência e vontade, - se tivermos em vista separar da inteligência o sentimento
estético, para situá-lo na vontade. Cabe à inteligência o entender, e não o querer e ter
prazer. Mas o objeto entendido pela inteligência é tido, por parte da vontade, como um
bem da outra faculdade. Isto é possível, porque inteligência e vontade operam
conjuntamente, quase como se fossem uma só faculdade. Ocorre o sentimento estético
quando a vontade se satisfaz ao ter a inteligência o seu respectivo objeto.
Considere-se que é a vontade que move a inteligência, enquanto esta se comporta como
entidade. Nestas condições a vontade impera à inteligência a que se esforce a pensar. Não
pensa a vontade; esta apenas exerce o querer.
Mas não se isola a vontade como um simples querer. Há uma concomitância com a
inteligência. Enquanto a vontade quer que a inteligência pense, acontece ao mesmo
tempo que a inteligência pensa a serviço da vontade. Quando a vontade conseguiu que a
inteligência tenha pensado, ela sente a satisfação de o haver conseguido, e sente
satisfação pela forma que conseguiu; e então, o fato mesmo de a inteligência ter realizado
seu objetivo teorético de conhecer, sobre de conhecer o objeto belo, repercute na vontade
como sentimento estético.
281. Uma vez que todo o saber resultante da apreciação da vontade em favor da
inteligência produz sentimento estético, resulta haver esteticidade com a ciência, com a
arte e sobretudo com o belo, - como já adiantamos em outros lugares. Mas, em virtude da
preponderância do belo na capacidade de excitação do estético, poderá este denominar-se
"o sentimento estético por excelência". Do mesmo modo "o sentimento artístico" é um
gênero entre os sentimentos estéticos.
Considerando que tais sentimentos se diferenciam por causa dos objetos materiais, é
correto denominá-los pelos seus objetos específicos, como em "sentimento estético belo",
"sentimento estético artístico", "sentimento estético musical", "sentimento estético
literário", ou ainda como em "sentimento estético do sublime".
282. Por fim importa destacar o sentimento estético belo como sendo racional, isto é, da
vontade racional, acima dos sentimentos sensíveis inferiores.
Ainda que todo o conhecimento produza satisfação, e até os animais se sintam satisfeitos
ao verem e ouvirem, ao terem gosto e olfato, bem como o tato (podendo-se neste sentido
dizer que os animais sentem a esteticidade), somente a razão é capaz de perceber o belo
em sua condição específica de perfeição em destaque.
Em sendo a arte uma expressão em objeto sensível, o qual tanto o animal como o homem
percebem, apenas a inteligência tem competência para interpretá-lo.
Ao se apontar ao cachorro o dedo, para que vá para a rua, ele vê o dedo, mas não percebe
inteletualmente o sentido do sinal. Ele poderá ir para a rua por efeito de algum reflexo
condicionado, e não porque tenha competência para entender um signo. Os animais não
têm portanto esteticidade artística racional.
§ 2-o. Estéticas inteletualistas e estéticas anti-inteletualistas. 0764y283.
Algumas destas estéticas são mais inteletualistas, outras menos, sendo, portanto estéticas
anti-inteletualistas.
Aristóteles insiste mui claramente no valor dos sentimentos que têm relação com o objeto
da inteligência.
Não importa que em Baumgarten e Hegel o belo seja objeto sensível, enquanto em outros
seja objeto inteletivo, desde que em um e outro caso o belo se situe no plano de objeto do
conhecimento.
No plano da estética, uma fusão sem limites claros funde o belo como objeto de
conhecimento e o belo como esteticidade.
285. Platão, no dialogo Hipias Maior (302 d) aponta diversas vezes para a distinção entre
vários tipos de sentimento, mas sem ultrapassar descrições exteriores. O mesmo acontece
quando no Fedro aponta para a afetividade estética e a comum.
Distinguiu primeiramente 4 gêneros de delírio: o profético, como o da profetiza de Delfos
e dos adivinhos, "estado em que prestam grandes serviços às pessoas e aos Estados da
Grécia" (Fedro, 244 b); o segundo, que levou a descobrir as cerimônias expiatórias,
purificações, e ritos ;misteriosos, "que preservam dos males presentes e futuros" (244 e);
o terceiro, é o poético, no qual, sem os recursos da razão, as Musas "transportam a alma
para um mundo novo e lhe inspiram odes e outros poemas, que celebram as façanhas dos
antigos e que servem de ensinamento às gerações" (244 e); o quarto e último delírio é
quando alguém, através da beleza sensível, se eleva à contemplação da beleza como tal,
"sendo que de todos os delírios este é o melhor" (249 e).
286. Aristóteles, na última secção da Ética à Nicômaco, insistiu, com análises exaustivas,
que a felicidade do homem está na plenitude do conhecimento, o que implica na tese, de
que há um sentimento que tem por objeto o conhecimento:
"Que em consequência à toda sensação se produza um prazer, claro está: dizemos que as
sensações da vista e do ouvido são aprazíveis. Mas será óbvio que o prazer existe em
sumo grau quando o sentido seja ótimo e aja em relação a um objeto ótimo... Certas
coisas nos alegram, porque nos são novas, e precisamente por isso, não o fazem
igualmente mais tarde " (Ética a N. 10,4. 1174b 28ss.).
"Os atos diferentes pela espécie se aperfeiçoam por coisas pela espécie diferente. Os atos
do pensamento diferem dos que encabeçam os sentidos...
E portanto assim deve ser também nos prazeres que lhes dão a perfeição.
Isto se deve ver igualmente no fato de ser todo prazer conatural ao ato que aperfeiçoa.
Pois que o prazer acresce juntamente a atividade de que é próprio.
Aqueles que agem com o prazer, julgam melhor, e mais exatamente conduzem a termo
cada coisa: assim sucede que se tornam bons geômetras aqueles que se deleitam com a
geometria, os quais, se houver ocasião, com ela mais e mais se familiarizam;
semelhantemente, aqueles que amam a música, ou a arte de construir, ou outro gênero de
obras, naquela que lhes é própria, progridem mercê do deleite que elas lhes proporcionam.
Os prazeres crescem juntamente com a atividade: mas as coisas que crescem juntas são
conaturais. Logo, aquelas conaturais às coisas diferentes de espécie são também de
espécie diferente" (Ética a N., 10,5. 1175a 25ss).
Finalmente, pôs Aristóteles a felicidade na contemplação da verdade, porque a atividade
mental é a atividade própria do homem:
"Se a felicidade é atividade conforme à virtude, é bem razoável que seja conforme à
virtude mais excelente, esta será a virtude daquilo que em nós há de melhor. Logo seja
isto o pensamento, ou outra coisa, que pareça por natureza ordenar e guiar, e tenha
inteligência das coisas divinas - quer porque divina ela própria, quer porque das coisas
que estão em nós seja a mais divina - a sua atividade, conforme à virtude que lhe é
própria, será a felicidade perfeita. Que tal seja a contemplativa, já dissemos... Ela é a
atividade mais excelente. De fato, o pensamento é o que em nós há mais excelente, e,
dentre as coisas cognoscíveis, as mais excelentes são aquelas em torno das quais existe o
pensamento. Além disso, é a mais ininterrupta: podemos contemplar sem interrupção
muito mais do que operar o que quer que seja" (Ética a N. 10,6. 1177a 13 ss).
288. Modernamente se passou a insistir que o belo é um sentimento que não envolve o
interesse, ou o útil, nisto o diferenciando dos demais sentimentos, os comuns. Esta
indicação começa por entrar no caminho certo, apontando para a teoreticidade do belo.
Contudo não é exato dizer que a afetividade estética se apresenta como desinteressada;
melhor é afirmar que o interesse se diferencia no sentimento estético e no sentimento
comum.
É preciso mostrar em que está a diferença. Sem mostrar onde a diferença dos interesses
ocorre, não teremos passado de uma descrição exterior; teríamos verificado apenas o fato,
sem mostrar a razão. Para argumentar simplesmente com o fato, é suficiente mostrar
como efetivamente ocorre a diferenciação. Mostra-se por exemplo como um agricultor
contempla sua plantação com uma satisfação que se exerce acompanhada de um interesse
marcado pela previsão dos futuros rendimentos, ao passo que o esteta admira na mesma
seara um objeto de contemplação desinteressada.
Diferentes pela espécie, estão contudo no mesmo gênero. Em consequência se espera que
as propriedades, embora específicas, reencontrem contudo aproximações no plano
genérico.
Há, pois, a contrariar alguns aspectos afirmados com insistência pelos românticos em
geral, de que o belo é sem interesse. Ainda que o belo em si mesmo seja um objeto, que a
inteligência apreende como o perfeito em destaque, pode ao mesmo tempo ser apreciado
como um bem, nesta condição provocando o sentimento estético. Enquanto buscado pela
vontade como objeto próprio e eminentemente adequado à contemplação inteletual,
comparece por isso mesmo o belo como algo benéfico e apreciado como de interesse.
Em cada faculdade o belo atua a seu modo: a inteligência o apreende como verdade, a
vontade como bem.
289. Com uma acepção muito especial e inteiramente técnica, afirmou Emanuel Kant
constituir-se o belo em algo "sem interesse".
Ao afirmar Kant que o belo é sem interesse, queria dizer que o belo não tinha a
constituição dos objetos estruturados pelas categorias a priori do entendimento.
O belo não se definiria, por exemplo, como o homem se diz composto de animalidade e
racionalidade. Este mesmo objeto, visto sob um outro ponto de vista, pode realizar-se
com maior ou menor grau de perfeição; um modelo, por exemplo a espécie humana,
serve de exemplar arquétipo, em função do qual o objeto se dirá perfeito. Então resulta
em ser, ou não belo.
Ora, afirma Kant, dizer que algo é belo, não é definir sobre o interesse constitutivo do
objeto, mas julgar sobre o seu acabamento. Neste caso, o belo não se define diretamente
como objeto; não é um conceito de objeto. Posto o objeto como constitutivamente
acabado, dele apenas afirma algo em função à sua "finalidade formal", isto é, em função
da espécie a realizar.
Como dali se depreende, a afirmação kantiana de que o belo é sem interesse está em um
contexto daquele no qual o belo é visto como efetivamente de interesse da mente, como
seu bem preferido.
A divisão destas duas faculdades já vinha de Tetens, recebendo agora sua consagração no
sistema kantiano.
Todavia, é inútil insistir nesta divisão. Interpretando a esteticidade como um interesse de
ordem muito especial, distinguindo-a do interesse comum, sem todavia distinguir o
interesse, não ocorre necessidade de apelo a novas faculdades.
Tal como o inteleto se capacita para operações muito diversas (operando idéias, juízos,
raciocínios), também a vontade opera em campos mui diversificados, sem que tais
operações possam ser ditas um desmantelamento em família de novas faculdades. É
inegável que a vontade opera conjuntamente com a inteligência; nesta concomitância o
belo surge como objeto teorético para a inteligência, como esteticidade para a vontade.
Em Kant, porém, ocorrem nesta área três faculdades: o entendimento, o juízo, a razão
(pura e prática).
No plano volitivo e afetivo racional também reduz Aristóteles todas as funções a uma só
faculdade, a volitiva, da qual o sentimento é apenas um estado da ação. Kant, entretanto,
separa a vontade e o sentimento, em duas faculdades específicas, em vez de distinguir
duas operações da mesma faculdade. Sobre a questão, quase que repetindo, retornaremos
oportunamente, quando insistirmos sobre o que o belo não é (cap. 6-o).
Aristóteles apenas não chegou a dar ao sentimento estético uma análise ampla. Mas,
coerentemente com o pouco que disse e com o que seu sistema implica, o sentimento
estético não poderá ser senão um estado de satisfação na vontade, enquanto aprecia o
belo como objeto preferido da inteligência.
293. Tal como ocorria uma teoreticidade preferencial, ocorre também uma esteticidade
preferencial.
De vez que não é o belo o único objeto que produz sentimento estético, passamos a
determinar uma diferença importante, que destaca esta esteticidade como a preferencial.
Atendendo às obras de arte, ainda que a arte como expressão conduza qualquer
mensagem, apreciamos sobretudo as que exprimem com perfeição e as que oferecem
como tema o mais perfeito; se o tema da expressão for ciência, preferimos a ciência mais
perfeita. Surge pois sempre a preferibilidade estética do belo.
Além da prova fenomenológica dos fatos, a preferibilidade do sentimento estético belo
sobre os demais sentimentos se pode inferir a priori, em virtude do paralelismo entre o
inteleto e a vontade. O que encontra referência mental, também encontra preferência no
plano volitivo. Posto o belo como preferido do conhecimento, passa a ser igualmente
querido pela vontade; assim, passa a ser amado, desejado, apetecido.
Na arte a grande força motriz tem sido o entusiasmo pelo belo, ainda que o prazer lúdico
de exprimir tenha sido também um dos seus motores.
O entusiasmo pelo belo, sempre o preferido, tem sido a força atuante de todos os
instrumentos produtores de beleza . Por si sós a vaidade, a curiosidade pela originalidade
não explicam a finura e o bom gosto, que são formas do constante entusiasmo e delírio
estético, que se manifesta no modo de vestir e comportamento social elegante, na
arrumação dispendiosa das moradias e dispêndio público no embelezamento das cidades.
296. Uma hierarquia acontece nas coisas belas. Não discutimos agora ainda qual seja.
Referimo-nos a ela, porque o entusiasmo pelo belo pode graduar-se em função destas
hierarquia dos objetos belos.
Platão, situado no contexto de que há um belo absoluto, de que o belo singular é uma
cópia individualizada, distingue entre um e outro delírio.
O amor pelo absoluto, é o assim chamado amor platônico. Fala Platão dos que, em vendo
os corpos belos, não ultrapassam o círculo da beleza singular; em vez de subirem para o
belo absoluto, derivam para a matéria em que a beleza inere.
297. Descreveu Platão a oscilante formação do sentimento estético, criando para este fim
um notável alegoria. Para sua compreensão importa atender ao contexto filosófico do
platonismo, segundo o qual as idéias universais (dentre as quais o belo) são inatas e
despertam ao contato do mundo sensível. Supõe que as almas tiveram uma vida anterior,
quando tiveram oportunidade de contemplar os arquétipos eternos e formaram tais idéias
universais.
Reportando-se a este contexto, criou Platão imagens literárias, pondo estas figuras em
movimento, sem que elas, no avançar da alegoria, percam a função do que devem
exprimir, - a inclinação oscilante e esforçada do inteleto na contemplação da beleza, a
começar do belo sensível.
Fala Platão:
De todos os entusiasmos este é o melhor e o da mais perfeita origem; saudável para quem
o possui e dele participa. Quem é atingido por este delírio, ama o que é belo e chama-se
amante.
Como já disse, a alma humana, dada a sua própria natureza, contemplou o ser verdadeiro.
De outro modo nunca poderia entrar num corpo humano. Mas lembranças desta
contemplação não se acordam em todas as almas com a mesma facilidade. Uma apenas
entreviu o ser verdadeiro; outra, após a sua queda, foi impelida pela injustiça e esqueceu
os mistérios sagrados que um dia contemplou. Portanto, são poucas as almas cuja
recordação é bastante clara.
Quanto à beleza, ela brilhava entre todas aquelas idéias puras e na nossa estada na terra
ela ainda ofusca, com o seu brilho, todas as outras coisas. A visão é ainda o mais sutil de
todos os nossos sentidos. Mas não poderia perceber a sabedoria. Despertaria amores
veementes, se oferecesse uma imagem tão clara e distinta quanto aquelas que podíamos
contemplar para além do céu.
Somente a beleza tem esta ventura de ser a coisa mais perceptível e elevadora. Aquele
que não foi recentemente iniciado ou que se corrompeu, não se alça com ardor para o
além, para a beleza em si mesma. Apenas conhece o que aqui se chama belo, e ao que vê
não adora. Como um quadrúpede, dedica-se ao prazer sensual, tratando de unir-se
sexualmente e de procriar filhos. Estando afeito à intemperança, não tem medo nem
vergonha de. Se entregar aos prazeres contra a natureza.
O que foi iniciado há pouco, e que outrora muito contemplou, ao ver um rosto divino ou
um corpo que bem reproduz a beleza, sente certa estranheza, e um pouco de emoção de
outrora e volta, pois, a olhar este belo corpo, adora-o do mesmo modo que a um Deus. E
se tivesse receio de ser considerado monomaníaco, ofereceria sacrifícios ao objeto do seu
amor como a um Deus. Quando contempla o seu amor, apodera-se do amante uma crise
semelhante à febre; modificam-se-lhe os traços do rosto, o suor aparece em sua fronte e
um calor não conhecido corre pelas suas veias. Logo que recebe, através dos olhos a
emanação da beleza, sente esse doce calor que alimenta as asas da alma. Esse calor funde
o que impedia a expansão da vitalidade, aquilo que, sob a ação do endurecimento,
impedia a germinação. O afluxo do alimento produz uma espécie de intumescência, um
ímpeto de crescimento no caule das asas. Esse ímpeto vai se espalhar por toda a alma.
Essa, quando as asas começam a desenvolver-se, ferve, infla e sofre da mesma maneira
como padecem as crianças que, ao receberem novos dentes, sentem pruridos e irritação
nas gengivas. Também a alma fermenta, padece e sente dores, ao lhe crescerem as asas.
Quanto contempla a beleza de um belo objeto e daí provém corpúsculos que dele saem e
se separam - de onde se deriva a vaga de desejo (hímeros), a alma encontra então o alívio
para as dores e a alegria.
Mas, quando está separada do amado, fenece. E as aberturas pelas quais saem as asas,
também murcham e, fechando-se, impedem a germinação da asa, que, presa no interior
juntamente com a vaga do desejo palpitando nas artérias, faz pressão em cada saída sem
abrir caminho. Deste modo a alma toda, atormentada por todos os lados sofre e padece, e
no seu frenesi não encontra mais repouso.
Impelida pela paixão, ela se lança à procura da beleza. A alma respira novamente e já
então não sente o aguilhão da dor e goza, nesses poucos instantes, da mais deliciosa
volúpia. Por isso não a abandona voluntariamente. Nada tem mais valor para ela do que a
beleza. Esquece mãe, irmãos e todos os amigos. Nem se preocupa com a fortuna perdida,
nem respeita as leis e os bons costumes; e está a ser escravizada pelo amado e ao seu lado
dorme tão próximo quanto o permitirem os outros. Ela adora aquilo que possui beleza,
pois nela encontrou o remédio às maiores doenças" (Fedro, 249 e - 252 a. Trad. Paleikat).
CAP. 5-o
O BELO COMO
DETERMINAÇÃO OBJETIVA REAL DAS COISAS.
0764y300.
301. "Entre as maiores antíteses existentes na filosofia se encontra ainda hoje a antítese
baseada nos opostos pontos de vista, que se designa como idealismo e realismo" (Max
Scheler). Eis uma questão gnosiológica, a qual em seus últimos detalhes se vai refletir na
questão do belo.
- a estética realista.
Quando chegada aos detalhes, a pergunta passa a ser, - se o belo, uma vez estabelecido
como uma determinação realçante dos objetos, se efetiva apenas como atribuição
subjetiva que se aplicaria aos objetos, ou se também como independente.
O clima desta questão é bem sugerido pela advertência que, de gostos e cores não se
discute, - de gustibus et coloribus non est discutendum.
Talvez fossem reais as pétalas das flores, mas não aquilo que as faz serem coloridas;
também seria possível que as mesmas pétalas não fossem reais, então nada mais sobraria
de real. Discutindo as cores, como determinações sensíveis, não importa levantar a
questão mesma da realidade do sujeito portador , porquanto poderia ser real, e contudo as
cores subjetivas, como modos de se manifestar o objeto às faculdades perceptivas.
Mui diversamente algumas filosofias destacam de tal modo a existência, que a essência
resta apenas como forma da mente ou qualquer coisa parecida.
Para o existencialismo, o ser é somente o existir; o ser se define portanto como "posição
pura" de existência. A essência não passa de uma captação em separado de perspectivas
da existência. Não tem, pois, a essência uma verdadeira onticidade; não passa de uma
instrumentalização para tornar possível pensar as coisas que existem; a essência seria
algo de posterior à existência, um como que "mundo" criado pelo ser pensante. Como
real ou ideal.
304. A acepção exata de quem diz "realidade", requer ser definida. Como entendemos
agora o termo, algo é real quando o ocorre pelo lado exterior do círculo da consciência.
Aqui a palavra consciência coincide como o próprio exercício do conhecimento; a
realidade está para além do conhecimento, não se confundindo, nem com a sensação,
nem com a idéia.
Estamos aqui em uma área na qual a perspiciência mental pouco consegue, pois os
elementos para decidir não se mostram com insistência. Se defendemos uma posição
realista, fazemo-lo com humildade, sabedores de que muito pouco vamos decidir.
Aristóteles sempre tão cauteloso, se vivesse em nossos dias, escutando prós e contras,
certamente vacilaria muito, antes de voltar a optar por sua posição realista.
A questão "idealismo o realismo" não pode neste instante ser tratada substancialmente,
mas apenas recordada como um pressuposto (vd 61) que afeta o conceito definitivo do
belo.
Kant, em sua crítica do juízo, onde expõe um sistema estético, se ocupa diretamente do
aspecto gnosiológico oferecido pela questão da realidade da coisa em si; esta atitude
explica-se porque seu objetivo era em primeiro lugar o problema crítico do conhecimento,
de sorte a examinar os juízos estéticos do ponto de vista gnosiológico. Schiller, ao
retomar o sistema estético de Kant, em suas Cartas para a educação estética da
humanidade, encarou apenas o aspecto ontológico de conteúdo, não cuidando do
problema gnosiológico em si mesmo.
Entretanto, aquilo que faz o belo não está no termo de referência arquétipa; encontra-se
na coisa mesma que se ergue, realizando-se a si mesma, de acordo com dito termo de
comparação. Haveria tal determinação nas coisas? Ou seria apenas uma projeção mental?
306. Três posições marcam as convicções a propósito dos arquétipos. Aliás, de maneira
geral, três são as teses defensáveis a respeito dos universais, todas com efeito sobre a
objetividade do belo:
- nominalismo;
- realismo ontológico;
- conceptualismo.
Nesta posição situou-se claramente Hume, para quem só há fenômenos individuais; até
mesmo o princípio de causalidade não seria outra coisa que o hábito de atribuir a relação
de causa e efeito aos fenômenos postos em sucessão.
Ainda que só os indivíduos sejam reais, eles se regem por princípios válidos no mesmo
plano em que se situam, independentemente de nós que os conhecemos. Não seríamos
nós que os enquadraríamos dentro de esquemas de essência e os manipularíamos
mediante leis de comportamento.
As validades ontológicas sobrepondo-se aos mesmo indivíduos, valem pelo lado de fora
do círculo da consciência.
À meio caminho se situam os conceptualistas que não negando os universais, não lhes
dão todavia validade ontológica. Em não os negando, os libertam da arbitrariedade da
consciência. Para o conceptualismo os universais são formas pertencentes à estrutura do
exercício de pensar; estas estruturas são todavia inalteráveis e por isso sempre com o
mesmo modo de se impor.
Enfim aparece a chamada filosofia dos valores de Scheler, N. Hartmann e outros, que
estabelecem os ditos valores como algo absolutamente, isto é, inarredavelmente válido.
Porém, esta validade depende da estrutura do sujeito, não chegando a ser uma validade
inteiramente objetiva. Em última instância, reduz-se esta posição ao gênero das que
denominamos conceptualistas.
Uma vez que indagamos pelo válido no mundo exterior ao processo cognoscitivo, esta
redução importa muito.
311. Para Kant o belo é sensível. Mas, não diz respeito ao sensível constitutivamente,
porém enquanto o objeto sensível obedece ao esquema arquétipo, em função do qual
poderá dizer-se perfeito. Neste sentido, para Kant o belo é o perfeito.
Ao estabelecer que os arquétipos têm valor universal, porém a priori, abriu duas
fronteiras de luta: contra o nominalismo, como o de Hume, e contra o realismo das
validades ontológicas.
Admitindo o caráter vazio dos fenômenos, era o caso de apenas ficar nisto, como o fez
Hume e como o farão ainda positivistas e relativistas. Entretanto, pretendeu Kant que as
formas absolutas se impõem como um fato; no espírito mostram-se como estrutura
incontornável da faculdade de conhecimento. Esta imposição no vazio, num céu
voltigeante da consciência, sem contato com a terra, semelhante às idéias de Platão, é o
que admite Kant como um fato a se impor.
Não seria nada mais que uma ilusão? Nesta hipótese, o sistema de Kant não passaria de
um castelo de marfim, a viajar como linda nave cósmica. Ocupou-se Kant mais em traçar
o seu castelo, em desenhos em geral difíceis e complexos, do que em provar o a
priori que o sustenta.
312. Para compreender em detalhes a estética apriorista de Kant e as que lhe sucederam,
é necessário termos em conta o sistema filosófico integral em que se desenvolveu. Depois
de reduzido tudo à mera formalidade apriorística, principiou a construção a partir dos
fenômenos, mas não de elementos extraídos ao mesmo fenômeno.
O encadeamento progressivo da construção do objeto, principia, pois, num instante zero,
onde se situa o dado primitivo. Esta primeira manifestação, exatamente porque apenas se
mostra, se denomina fenômeno, do étimo grego N " \ < T (faíno = mostrar). Trata-se de
algo que se apresenta diretamente; por isso, é uma intuição.
"Não se pode duvidar de que todo o nosso conhecimento começa com a experiência;
com efeito, como haveria de excitar-se a faculdade do conhecimento, se não fosse pelos
objetos que, excitando os nossos sentidos, de uma parte, produzem por si mesmos
representações sensíveis e de outra parte, impulsionam a nossa inteligência a compará-las
entre si, a reuni-las ou separá-las, e deste modo à elaboração da matéria informe das
impressões sensíveis formar esse conhecimento das coisas que se denomina experiência?
No tempo, pois, nenhum conhecimento precede à experiência, todos começam por ela"
(Crítica da razão pura, intr. I)
313. Dá-se, pois, a construção do objeto, a partir do fenômeno mas sem nada extrair do
mesmo. Exatamente porque nada extrai do fenômeno, principia a divergência com a
velha filosofia aristotélica. Além de haver reduzido o fenômeno a uma inconsistência
fenomenal, sem qualquer conteúdo real, não encontra mais nada nele, com que prosseguir
uma construção.
Tem certa razão, o opinar de Kant. Um vez que esvaziou o fenômeno, nada contém para
retirar; se o converteu em fenomenalidade, não pode conter estruturas ontológicas.
Recaiu Kant nos defeitos capciosos da dúvida metódica de Descartes.
Não errou Kant ao duvidar metodicamente. Mas poderá ter errado ao ter conduzido a
dúvida a separar e distinguir entre a realidade e a fenomenalidade, entre o lógico e o
ontológico. Esta divisão poderá ser meramente de razão. E então, poderá a divisão
inexistir como efetiva. Neste caso a solução do problema crítico seria mesmo o do
realismo, afastado qualquer fenomenalismo.
Mas, uma vez usado o expediente, e postado o duvidante num plano meramente
fenomenal, ou, lógico, não tem como sair deste vazio, para um plano real; seria marchar
do menos para o mais, como aconteceu no realismo mediato de Descartes.
Mais coerente, Kant, depois de estabelecer que o fenômeno é apenas fenômeno, fechou-
se nele. Nada poderia extrair para construir um objeto real; foi coerente na continuação,
pelo menos na Crítica da razão pura.
Mas, tudo que a razão se calcula, não tem qualquer base ontológica; não passa de uma
teia imaginosa. Sem intuição inicial da realidade exterior, apresenta-se impossível
qualquer metafísica do ser, ou ontologia. Parece-nos que Kant tem razão. O mesmo
princípio vale em Aristóteles; este não faz metafísica só com as idéias, mas a partir de
realidades sensíveis. Como o papagaio de papel, preso ao cordel, por mais que suba não
se desprende a metafísica aristotélica da realidade intuída no exterior da mente; rejeita
tudo quanto Platão afirma por conta da simples análise e raciocínio no plano das idéias
captadas apenas no mundo da razão.
Contudo a inteligência humana constrói, diz Kant, porém com simples soma de
elementos apriorísticos, portanto não extraídos do fenômeno. Eis o construtivismo
kantiano em marcha.
A edificação do objeto progride em vários tempos, a que precisamos atender, visto que
um dos deles vai ser o do belo.
Por obra dos sentidos impõe-se a forma apriorística sensível do espaço, que é como que
um estofo sobre o qual recebem-se os fenômenos, que são as cores, o olfato, enfim todos
os sensíveis externos, e a forma apriorística sensível do tempo, que é própria do sentido
interno, ou seja da imaginação.
As doze categorias do entendimento foram arroladas, por Kant, a partir das diferentes
espécies de juízos em que comparecem.
Ora, os juízos agrupam-se, classificando-se pelos seguintes pontos de vista:
- segundo a qualidade, pelo modo de compor e dividir da cópula, que junta ou separa
sujeito e predicado;
Dali resultam:
Pareceu a muitos que não poderia adotar um critério de classificação lógica dos juízos,
para organizar categorias de conteúdo.
Além disto, dever-se-ia examinar com subtileza se entre as categorias de Kant, algumas
deveriam ser removidas para o plano dos modos transcendentais (no sentido escolástico).
315. O construtivismo de Kant segue para novos empreendimentos, desta vez para a
criação de "idéias" (no sentido de idealismo). A faculdade do entendimento produziria
"conceitos", que são parte do juízo. Entra agora em ação a faculdade da razão,
primeiramente como pura, depois como prática. Ordenando os juízos em argumentos,
obtém conclusões, cuja denominação técnica, que os distingue dos conceitos, é o
de idéias.
Sob os fenômenos sensíveis, calcula a razão existir uma realidade; mas esta realidade é
apenas uma idealidade. A idéia mais geral, neste plano é a do mundo.
Para Kant o termo "Transcendental", leva aqui o significado muito específico de "forma
apriorística", de consistência meramente subjetiva.
Ora, se as peças do raciocínio são apenas de papel, não podem produzir outro material de
maior consistência. O transcendental somente poderia resultar em conclusões meramente
ideais; por isso, o mundo, a alma, Deus, não passam de idéias, quando resultam de um
raciocínio que opera com juízos meramente formais.
E ainda poderá haver mais surpresas com muitas varinhas, pois nos falta ver o vai
acontecer nas faculdades do juízo e do sentimento, que Kant foi descobrir em época
tardia na florestas mágica do idealismo.
316. Qual seria o valor, na ordem real, daquelas noções que os escolásticos denominam
transcendentais, como o verum, bonum, o belo e outras? Kant situou o belo como uma
noção somente alcançável por uma faculdade de ordem muito especial, que
designou Faculdade do juízo.
Esta determinação que o objeto adquire, segundo a qual se diz belo, que valor teria sob o
ponto de vista de seu conteúdo na ordem real?
Eis onde novamente Kant atribui mais esta noção à atividade construtivista da mente.
Nada busca no fenômeno sensível, nos sons, no tato. Ainda nada contém os objetos do
entendimento nem as idéias da razão; agora, nem sequer valor concede às afirmações da
faculdade do juízo.
O belo cai no vazio, como afirmação pura, porque os arquétipos, em função do qual um
objeto se diz ajustado, não se configura senão como outras tantas construções
apriorísticas. A faculdade do juízo lança por sobre a variedade dos objetos as finalidades
formais, como os gêneros e as espécies. Organizando tudo, de sorte a termos a impressão
que ditas coisas são belas, porque se ajustam às finalidades formais, não o são contudo na
ordem efetiva; é que os próprios arquétipos não se constituem em módulos de valor
ontológico.
E assim o belo, que chegara a constituir-se na beleza por um ajuste com uma forma
arquétipa de consistência apriorística, tombou no interior vazio de um mundo irreal.
No racionalismo de Kant, o homem tornou-se "a medida de todas as coisas" até no campo
da metafísica.
As coisas se dizem belas enquanto se ajustam nas medidas dentro das quais as podemos
receber.
O belo adquire feições antropológicas, com outros olhos e com outros ouvidos e
particularmente com outra faculdade do juízo, seriam também outras as belezas que
haveríamos de apreciar.
317. Que faz uma indução, senão revelar uma forma absoluta? Mas, os dados empíricos
que uma indução arrola, para inferir uma conclusão absoluta, não contém esta afirmação.
É que os dados não encerram senão sua fenomenalidade; mostram-se simplesmente e não
contém a forma que devam ser, não se encontra neles o fim a que devam subordinar-se
como idéia exemplar. Eis porque, para Kant, embora admita o absoluto, este não se
impõe senão como uma forma a priori.
Os gêneros e as espécies, que a indução empírica, por arrolamento vai inferindo, não
encontram por conseguinte fundamento nos próprios fenômenos; resultam como
dispositivos a priori.
Para Plotino, o uno supremo, concebido como o maximamente simples, não poderia por
definição admitir uma dualidade como pareceria ocorrer no processo cognoscitivo; este
se mostra essencialmente discursivo, opondo-se nele sujeito e objeto.
Deus, - ainda segundo Plotino, - apesar de maximamente Uno é o sumo Bem, cujo caráter
é o de expandir sua bondade; cria, portanto, necessariamente. Dali vem que de Deus
procede o Logos, deste a Alma do Mundo, ainda por meio deste as almas individuais,
enfim a matéria.
Em Hegel ocorre algo de semelhante: Deus, num primeiro instante, isoladamente em sua
noção, não seria pensamento.
Em Plotino Deus está no início como o maximamente perfeito, pelo menos em tese; o
restante é criação por superabundância, sem ter uma distinção do mesmo Deus, à maneira
do panteísmo.
Depois se constrói a si mesmo como uma expansão atômica universal (comparação que
todavia não é de Hegel), produzindo-se como espaço imenso.
Em Plotino encontra-se como equívoco não ter conseguido ver que o intelecto poderia
estar em Deus; e ainda não compreende que a criação necessitante não se coordenaria
com a liberdade divina.
320. Para Hegel, todo ideal é real, porque somente existe o ideal. E assim se encaminha
também a idealidade do belo.
Imagina Hegel a totalidade das coisas como uma alma imensa, que passa a ter
consciência a começar de um núcleo central e inicial. Dali vai progredindo, por oposições
dialéticas e respectivas sínteses, avançando sempre na direção exterior, até completar a
geral conscientização.
Cada momento desta marcha assume nome diferente e exprime uma parte do todo. O
primeiro instante é a noção abstrata e quase vazia do ser; a totalidade , depois de
completado o movimento de tomada de consciência, é o espírito Absoluto.
Também se pode progredir do centro para fora, seguindo a marcha de uma espiral que, a
medida que vai dando volta, segue sempre mais para a face exterior. Na espiral ocorre a
importante característica de que é uma única peça a progredir; ao passo que nos círculos
concêntricos são diferentes camadas simplesmente sobrepostas. Para Hegel, o espírito
Absoluto que é a totalidade, não se distingue do primeiro instante; é a mesma grande
realidade, que em diferentes posições, exerce graus de consciência limitada.
O sistema de Hegel também se pode comparar como o novelo de linha, que vem de um
eixo inicial, enrolando sempre até completar-se na última volta exterior. As muitas coisas,
que se nos oferecem dentro da consciência e fora dela no mundo concreto da natureza,
não passam de chispas da mesma luz que é o espírito absoluto, a afirmação sintética total.
321. Dali resulta que a lógica do pensamento, a filosofia da natureza, a arte, a religião, a
filosofia se constituem como momentos abstratos de um mesmo pensar. Isolamos
momentos que não se constituem como partes individuais; todos os momentos, o são de
uma só grande idéia, o espírito absoluto. Portanto, nada é real mas tudo ideal como o
espírito absoluto. O belo, em qualquer concepção que se o conceba, é sempre ideal,
nunca real e concreto.
A famosa dialética de Hegel empresta uma característica muito especial ao seu sistema.
Não visamos entretanto isto em primeiro lugar aqui. Mas seu idealismo evolutivo, que vai
de um momento inicial até um último, em que cada idéia é apenas um momento abstrato
do todo ideal. Por isso também o belo e a arte se reduzem apenas a momentos da idéia.
322. A marcha dialética principia com a noção a mais geral de ser como tal; neste plano
se exercem todos os passos dialéticos da lógica. Como um todo, a lógica é uma tese.
Do outro lado, como antítese e oposta à tese, surge a natureza, o mundo exterior.
Também aqui se exerce todo um complexo interno de teses e antíteses, com as
respectivas sínteses.
Tudo se dá, pois, em cerrada progressão dialética, em que cada momento é seguido de
outro, ora negando (por antítese), ora afirmando (por síntese).
Restritos agora ao espírito absoluto, onde se situa o artístico, passamos a dizer que este
espírito absoluto, se manifesta primeiramente nas obras de arte, como mensagens que são
de um pensamento do artista. A conscientização é evidente, embora limitada pela matéria.
A manifestação da idéia não se procede por igual nas diferentes artes; estas princípio é
aproveitado por Hegel para uma classificação, no tope da qual situa a poesia.
O belo é o sensível naquele instante em que é visto como etapa dialética do espírito
absoluto.
Na religião, antítese da arte, a idéia se interioriza. Não alcança, ainda a religião plena luz,
ofuscada que se conserva em símbolos e sentimentos cegos. Num salto imenso e final,
ocorre a afirmação sintética total, com a filosofia. Eis, então, chegada a conscientização
do espírito absoluto. Diante do exposto, o pensamento é história; toda a marcha da
consciência é a "história da filosofia", em que cada momento era uma verdade parcial; a
filosofia é o termo final da história.
323. Definida a arte como "expressão do pensamento", que faz da obra um instrumento
de mensagem, a definição de Hegel, nos parece efetivamente certa.
Além de interpretar a obra de arte como manifestação teorética do pensamento, via nesta
expressão a primeira manifestação do espírito absoluto. Este aspecto novo, em que a arte
exerce uma posição sistemática de ordem metafísica, não altera o conceito que Hegel
exercia a propósito da arte como expressão sensível de uma idéia.
Mas que era a referida manifestação do espírito absoluto? Para Hegel, como vimos, a
realidade total não é senão um só grande Espírito, cujo momento inicial é de um mínimo
de consciência e que passa a uma evolução constante.
Depois de conhecer a natureza exterior como parte do seu próprio espírito, subitamente
passa a perceber esta peculiaridade; a obra de arte, embora sensível, começa a falar,
transmite mensagem, diz algo, eis que isto representa um primeiro instante da
manifestação do espírito absoluto.
A arquitetura não é apenas natureza; fala como um símbolo; assim também fala a música;
principalmente transmite mensagem a poesia que se configura portanto como a mais
elevada manifestação do espírito no plano sensível das artes.
O que, por conseguinte, Hegel acrescentava à natureza da arte era uma interpretação
metafísica, que não alterava ao conceito em si mesmo da arte. Esta, sob o ponto de vista
metafísico, seria a conscientização do espírito absoluto em plena marcha, superando a
matéria no instante em que impunha à matéria a expressão de cada idéia.
Nada perdeu a conceito de arte de Hegel, ao asseverar que a religião, em seu momento
dialético, fala de modo mais desenvolvido e amplo que a arte.
Nem fica prejudicado seu conceito de arte, quando ao final diz que a filosofia constitui a
conscientização máxima do espírito.
Na verdade a expressão artística não passa de uma sensível maneira de manifestar a idéia,
que na religião e na filosofia se alçam à plenitude.
326. Por algum tempo foi notória a publicidade e influência de Benedetto Croce (1866-
1952) em assuntos atinentes à filosofia da arte, especialmente à estética literária. O que,
entretanto, nos faz aludir agora ao mentor do hegelianismo italiano é sua nova
modalidade de idealismo dialético, na qual também ocupa seu espaço o belo.
Ao escrever seu famoso tratado O vivo e o morto na filosofia de Hegel (1909), podou,
porque os julgava inaceitáveis, alguns aspectos do hegelianismo.
Se em Hegel os novos graus iam depreciando os anteriores, em Croce eles como que se
justapõem. Enquanto o dialeticismo hegeliano transitava da arte para a religião, desta
para a filosofia, a nova concepção dos graus distintos desenvolve-se à maneira de leque.
Se em Hegel os graus anteriores são como que momentos abstratos, em que se
movimenta o pensar, até alcançar o todo concreto do Espírito Absoluto, em Croce os
diversos graus se constituem como situações efetivas, e não como simples abstrações.
Mas, para Croce, como em Hegel, tudo é espírito, tudo idealidade. Apenas alterou
detalhes do idealismo, cujo fundamento epistemológico continua o mesmo. Antes de tudo
importa decidir, se o idealismo se pode manter como verdade.
Não se pode, pois, confundir a série dos distintos, com os contrários" (Croce, O vivo e o
morto em Hegel, item 1, p. 16-17).
Cedeu Croce ao fato, ainda que isto fosse uma diminuição do logicismo da unicidade.
Efetivamente há manifestações que não se apresentam como contrárias, mas são apenas
distintas. Foi um recuar em relação a Hegel e um aproximar-se a Aristóteles.
Em Croce o belo se mantém como o contrário do feio. Mas, nem tudo se opõe ao belo
como seu contrário. Por isso, ao lado do belo ocorrem elementos que dele se distinguem e
que por isso não se eliminam com a afirmação do belo. Já ocorreria em Hegel esta
possibilidade, visto que fazia oporem-se entre si os conceitos; a arte era superada pelo
religião, esta pela filosofia.
Tudo isto, apesar de se constituir como grau distinto (e não como contrário) é idealidade,
simples elemento composto do Espírito Absoluto.
Para Croce, conforme se viu, o belo surge como contrário do feio; neste ponto ocorre
ainda a manutenção de Hegel.
Contudo, o belo não se pode definir em função ao contrário, apesar de possuir um seu
contrário. O possuir um contrário é propriedade do belo, nunca, porém, essência
constitutiva de algo.
329. Avaliação. De maneira geral, toda a questiúncula de Hegel e Croce referente aos
contrários e aos graus distintos é de ordem superficial, porque divide o ser em função às
propriedades. Ora, em sendo propriedades, estas não derivam de todos os seres. Têm os
diversos seres propriedades. Uma destas propriedades é a de terem graus; outra é a de
terem contrário; outra ainda é a de terem semelhantes.
Como aliquid, como contrário portanto do nada, como ex-sistência, os objetos atingidos
pela intencionalidade emotiva, se constituem apenas como o a priori do emocional.
Por vezes não sabemos ao certo o que os filósofos dos valores efetivamente pretendem
afirmar.
Teria Max Scheler defendido uma tese transcendentalista para ambos os elementos, para
a coisa e para o valor? Como tudo apresentou, pode-se acreditar que sim.
Distinguindo entre coisa e valor, para Scheler estes valores não se encontram nas coisas,
mas na pessoa que as realiza. A coisa, aliás, é um objeto sem conteúdo real. Não se
poderia esperar conteúdo ontológico para valores que vão morar em um objeto imanente.
Localizando o valor na pessoa, a respeito desta desenvolveu uma teoria muito peculiar.
Interpretando-a embora de maneira imanente e sem conteúdo real, no sentido aristotélico,
não tomou contudo a direção do panteísmo generalizado, nem do associacionismo
empírico.
336. O realismo e as validades ontológicas em geral vêm sendo mantidas por uma
pertinaz corrente de pensadores aristotélicos, sob as mais diversas tintas, geralmente
escolásticas.
Eis o espírito da metafísica do belo, em termos realistas, como poderiam caber no sistema
de Aristóteles e Tomás de Aquino.
Até certo ponto este também é o espírito de Platão; mas geralmente o platonismo tende,
nos seus sucessores, para o racionalismo dos arquétipos, até que na filosofia moderna vai
ao conceptualismo puro.
338. Como se prova o realismo, e com isso criando as bases do belo como determinação
de algo real? Admitem uns a realidade como apreensão imediata, bastando portanto a
fenomenologia. Outros querem estabelecer a realidade como de evidência mediata,
importando por conseguinte uma prova cursiva.
Existencialistas, como Sartre, insistem que não se pode fazer legitimamente a distinção
entre fenômeno e realidade; o fenômeno seria a mesma realidade.
"L’être d’un existant, c’est précisément ce qu’il parait. Ainsi parvenon-nous à l’idée
de phénomène, telle qu’on peut la rencontrer par exemple, dans la "phénomélogie" de
Husserl ou de Heidegger, le phénomène ou le relatif-absolu. Relatif, le phénomène le
demeure car le "paraitre" suppose par esence quelqu’un à qui paraitre. Mais il n’a pas la
double relativité de l’Erscheinung kantienne. Il n’indique pas, par-dessus son épaule, un
être veritable qui serait, lui, l’absolu. Ce quíl est, il l’est absolument, car il se
devoile comme il est. Le phénomène peut être êtudié et décrit en tant que tel, car il
est absolument indicatif de lui-même" (Sartre, L’être et le neant, Intr. 1, p., 12).
Pela abstração total dispensam-se os sujeitos, para se reter a forma; seria como quando
abstraímos a forma planta, de seus sujeitos portadores, de sorte a ficar apenas a planta em
geral. Nestas mesmas condições nasce a noção de ser em geral.
Que valor teriam tais noções no plano ontológico? Uma vez admitida a realidade dos
dados singulares sensíveis de que foram abstraídas as noções, dependem radicalmente
dos referidos dados singulares sensíveis. Se os dados fossem fenomenais (imanentes) não
poderiam os subprodutos abstrativos ser menos imanentes. Mas, se forem reais, resta
apenas apurar se, com a abstração, conservaram a característica real, isto é, ôntica.
Destas maneira salvam-se, como ontologicamente válidos, pelo lado exterior do processo
cognoscitivo, os gêneros supremos dos seres e que funcionam como arquétipos, em
função dos quais as coisas podem ser ditas belas.
341. Haveria conceitos absolutos, essências eternas, modelos imutáveis que uma vez
realizados pelos seres individuais, faria haver coisas perfeitas? Sem um termo absoluto de
referência, - e que já encaminhamos antes (vd 238), - não poderia haver situações que se
pudessem dizer mais perfeitas e menos perfeitas com validade também absoluta.
342. A eternidade das essências é negada por aqueles que entendem que tal circunstância
limitaria a liberdade divina; Deus seria o autor da própria formulação das essências, de
onde resultaria que por sua determinação tais são as atuais noções de ser, de bem, de
verdade, de beleza, de numeração como dois mais dois são quatro.
Este voluntarismo foi defendido por Duns Scotus (1266-1308). Foi também o
pensamento de René Descartes (1596-1650) e Leibniz (1646-1716), os dois principais
representantes da primeira fase do racionalismo moderno.
343. A última razão das essências repousa na natureza divina e não em sua vontade
onipotente.
A essência absoluta é Deus; por isso, em última instância, a imutabilidade das essências
repousa na concreta imutabilidade da essência divina. Como a montanha assenta
inabalável sobre seus fundamentos, a totalidade indefinida das essências, as mais diversas,
assenta na imutável essência divina. Deus não age contra as essências, porque seria uma
ação contra si mesmo. Sua vontade em última instância, também se identifica com a
natureza eterna. Deus quer livremente existir necessariamente... Ocorre um círculo, mas
semelhante àquele que define a linha reata como aquela sequencia de ponto cujo raio se
situa infinitamente distante, no infinito, a reta e o círculo conferem.
O demiurgo, como que postado comodamente de um lado dos céus, via de outro as idéias
reais, brilhantes, perfeitas e belas. Como essências intocáveis. Fazia jorrar a luz destas
mesmas idéias sobre o caos imenso do mundo ascendendo as formas sublimes das
montanhas, despertando o colorido das pétalas das flores, dando brilho ao mar em
jogando a luz sobre as ondas. Reduzindo, entretanto, tudo isto a uma formulação poética,
filósofos posteriores fundiram no mesmo ser absoluto, as essências eternas e o Demiurgo.
344. Concluindo mais um capítulo, este foi o que conduziu ao detalhe a questão penosa e
fundamental do belo como um aliquid, portando do belo enquanto surge como objeto e se
nos antepõe.
Para uns se antepõe apenas como coisa ideal, não existindo para além do espaço mental.
Para outros, existe também como coisa em si, não dependendo só da consciência.
CAP. 6-o
O QUE O BELO NÃO É. 0764y345.
Posições históricas sobre o belo hão de ser examinadas, porque apresentam muito de
contrárias entre si, ao mesmo tempo que de próximas. Não podemos ir ao exame de todas
as opiniões, quando numerosas e complexas. Todavia, devemos alargar-nos bastante
nesta tarefa.
Alguns, como Kant, trataram mais do belo, que do artístico; outros, como Croce, mais do
artístico, que do belo. Ainda que devamos conhecer bem as posições históricas, o que
mesmo importa aqui é discutir teses. A repetitividade, já peculiar à didática,
evidentemente irá acontecer, ao se discutir o que o belo não é. De outra parte, esta
repetividade concorre para a precisão de diferentes aspectos oferecidos na rediscussão.
347. Que seria, pois, o que o belo não é? Importa uma certa ordem no trabalho
eliminatório. Primeiramente destacamos que o belo não é nenhuma das categorias, por
ser, ao em vez, um transcendental do ser (Art. 1-o).
Depois advertimos que o belo não se limita somente ao sensível (Art.2-o), mas
propriedade de todo o ser, também espiritual, como a bela ação, o belo pensamento.
Ocorrem aquelas posições que, embora ninguém as defenda e que aparecem apenas como
perguntas de simples problematização, contudo se prestam para estabelecer
enfaticamente certas perspectivas de uma noção tomada por certa. Apenas o vulgo e
filósofos superficiais poderiam estabelecer aquelas posições contundentemente falsas,
que todavia vão servir aos poetas e à representações simbólicas, inclusive míticas.
Para os gregos clássicos, que amavam a beleza física, obviamente tinha algum sentido
perguntar, se acaso o belo seria a mulher jovem, a donzela, a virgem, a deusa. Amavam
também o belo animal de montaria, bem como estimavam a música, especialmente a lira,
com que acompanhavam a declamação poética.
Dali veio que, ao estabelecer Platão a discussão sobre o belo, Hípias indagasse de
maneira peculiarmente contundente, - "se o belo é uma mulher jovem, ou uma égua, ou
uma lira".
350. Se o belo é a substância. Comecemos por aquelas concepções que fariam do belo
uma substância, O conceito de substância, como gênero supremo, ou categoria
(predicamento) reúne, como sendo seus inferiores os gêneros subalternos de substância
corpórea e espiritual, corpórea vegetal, corpórea animal. Enfim, aflorando quase para a
região do concreto, ocorre a noção de espécie, como homem (animal racional). Sob
espécie se arrolam os indivíduos concretos, como Pedro, João, Paulo... Também as outras
substâncias apresentam espécies, como ouro, prata, cobre, lira, planta, cavalo...
Acaso se poderia cogitar que o belo se reduz à substância? Ou a alguma das substâncias
mais representativas na escala dos valores? Isto somente é possível materialmente. Então
a substância seria o suporte material do belo. Assim, determinada substância, poderá ser
bela. Materialmente se incorre, então, em dizer que dita substância é o belo. O ouro
usualmente é belo; por conseguinte, materialmente falando, o belo é o ouro.
Com a mesma direção de pensar, - porém pela inversa, - dizem-se feia a coisa nociva.
Então, o feio é o macaco, feia é a cobra.
A flor, como eflorescência sexual colorida das plantas, é considerada bela, ao passo que a
mesma coisa bela na pessoa humana costuma ser dita feia. Então, a flor é o belo; o penis
é o feio e vergonhoso.
A origem psicológica da materialização do conceito do belo se encontra na circunstância
antropológica de que principiamos por conhecer as essências absolutas a começar do
conhecimento das coisas concretas.
Primeiramente o belo se apresenta nas coisas singulares, como na flor, nas plantas, nas
pedras preciosas, no brilho da luz, na harmonia dos sons, etc.
351. A não substancialização do belo se prova mostrando o equívoco que a ela conduzira.
"O que vem a ser o belo, hei de lhe responder, e não arrisco jamais de ser contestado.
Com efeito, se é preciso falar com franqueza, uma virgem, saiba-o bem, Sócrates, eis o
que é o belo" (Hípias Maior, 287 e).
Contestando a afirmação, o autor do diálogo põe Sócrates a conduzir a noção do belo a
um elemento que não coincide com o objeto materialmente, comparando a beleza na
virgem, no jumento, na lira, na panela.
"Sócrates: diz-se, então, que uma bela marmita é também uma bela coisa?
Hípias: creio que sim... quando é um belo trabalho. De maneira geral, porém, não pode
ser julgada uma bela coisa, quando comparada com um jumento, ou uma virgem, nem a
tudo o que se pode chamar belo.
"Já estás agora de acordo que o belo, quando não é senão o belo, graças ao qual todas as
outras coisas recebem seu enfeite e manifestam sua beleza ao se lhes ajuntar esta
propriedade, seja uma virgem, um jumento, uma lira?
Hípias: Nada é mais fácil responder, do que o que é a beleza, graças à qual todo o
restante recebe seu enfeite e por cujo acréscimo se torna belo" (289 d).
353. Seria o belo a ordem, proporção, simetria? Nem se pode definir,- como queriam os
estóicos, - o belo pelas qualidades que digam ordem, proporção, simitria ou qualquer
outra qualificação que relaciona os seres entre si.
A tese dos estóicos está, por exemplo em Cícero (Tusculanas, 4,3), autor latino. A tese
foi contestada por Plotino, que embora escrevesse em grego, lecionou em Roma (Enéada
\, 6 Do belo I, 20-22).
Volta a doutrina dos estóicos com o enciclopedista Denis Diderot (1713-1784), e os
positivistas em geral.
De uma parte, todavia, fez bem Diderot ao deslocar a noção do belo na direção das
relações, afastando-a da de substância, ou de qualquer uma de suas espécies; mas ao
chegar às relações, para explicar o que entende com elas, não chegou a fazer a nova
distinção entre relações predicamentais (categoriais) e relações transcendentais, que se
predicam analogicamente.
"Belo é um termo que aplicamos a uma infinidade de seres; mas seja qual for a diferença
entre esses seres, por força que, ou fazemos uma falsa aplicação do termo belo, ou em
todos esses seres existe uma qualidade de que o termo belo é o sinal. Essa qualidade não
pode pertencer ao número daquelas que constituem a diferença específica de tais seres;
porque então não haveria mais do que um ser belo, ou quando muito uma única espécie
bela de artes" (Tratado do belo, em Enciclopédia Francesa, II vol.).
Na verdade, a consequência ocorreria para uma única espécie de ser belo. Aquilo que faz
as diferenças específicas se situa no plano substância. Ora, as substâncias têm em si o seu
sujeito; em tal condição, se isolam. Se o belo fosse algo assim como uma espécie de
verniz, tal como verniz, se destacaria, sem nunca verdadeiramente se confundir com as
demais coisas. Se fosse como ouro, não serviria senão para ornar à maneira de aplicações,
que se manteriam como camadas distintas. Não chegaria nunca a ser uma qualidade
transcendental.
Percebe Diderot que o belo se funde mais intimamente com os seres. Transita, então, para
as qualidades que dizem relação. Efetivamente, qualquer entidade de caráter acidental,
mesmo quando se trata de determinações necessitantes, chamadas propriedades, não se
isola com sujeito próprio, à maneira de substância; então sempre "em outro", no qual
encontram o seu sujeito. Não é possível isolar inteiramente a quantidade, a qualidade, a
relação, o tempo, o lugar, a posição, a ação, a paixão, a posse, e nem qualquer de suas
variedades específicas subalternas (pelas quais cada categoria suprema coordena as
noções em forma de árvore porfiriana). Por isso, nem a relação, nem as qualidades ditas
em função à relação, como a ordem e a proporção se isolam. Estão sempre em outro, de
sorte a se diluírem, exatamente como pretende Diderot, ao observar que o belo não
poderia ser algo como uma espécie de substância a se isolar como única espécie entre
outras.
Diz mais Diderot sobre as relações que envolve o conceito de belo:
"Chamo belo fora de mim tudo o que contém em si a capacidade de despertar em meu
entendimento a idéia de relação; e belo com relação a mim, tudo o que desperta essa
idéia...".
"O belo resultante da percepção de uma única relação é menos comum, que o belo
resultante da percepção de várias relações... ".
"A beleza consiste sempre nas relações...". "O belo é o que consiste na percepção das
relações... ".
"Mas, dentre as qualidades comuns a todos os seres que chamamos belos, qual delas
escolheremos para aplicar às coisas de que o termo belo é o sinal? Afigura-se-me
evidente não poder deixar de ser aquela cuja presença os faz a todos belos; cuja
frequência ou raridade, os faz mais ou menos belos; cuja ausência lhes retira a faculdade
de serem belos; que não pode mudar de natureza sem fazer mudar de espécie o belo, e
cuja qualidade contrária tornaria os mais belos desagradáveis e feios; numa palavra,
aquela pela qual a beleza começa, aumenta, varia ao infinito, declina e desaparece. Ora,
capaz destes efeitos, só a noção de relações. Chamo portanto belo fora de mim a tudo o
que contém em si a possibilidade despertar no meu entendimento a idéia de relações; o
belo em relação a mim tudo o que desperta essa idéia" (Ibidem).
Atento à diversidade dos juízos, alega, aliás, que uma das fontes está no número de
relações percebidas. "Entre as relações pode-se distinguir uma infinidade de espécies: há
as que se fortificam, se enfraquecem e se temperam mutuamente. Que diferença, a cerca
do que se pense da beleza de um objeto, consoante se apreendam todas ao apenas uma
parte". Há relações que têm mais valor e outras menos. E há ainda as que se acentuam
com os interesses, paixões, ignorância, governos, etc..
O que mais importa, neste instante, é julgar da natureza do belo, como a estabeleceu
Diderot e que repercutia no positivismo em geral.
O belo, porém, incute uma determinação aperfeiçoativa transcendental nos seres, que não
é da mesma índole da que fornecem as determinações estratificadas estanques da
qualidade predicamental. Aperfeiçoa o belo aos seres, tomando-os como um todo,
atingindo de algum modo a qualquer de suas partes. Diferentemente, as
qualidades predicamentais se isolam em camadas, visto que são noções unívocas. Se o
belo fosse algo como relações de ordem e proporção, isolar-se-ia o belo como
determinação estratificada, à maneira de um predicamento (categoria) e não gozaria da
maneira ampla de envolver o objeto de todas as maneiras, como se exerce o
transcendental.
O belo, como noção em relativo e a alcançar o objeto como um todo (conforme insistirá
com razão Kant) (vd 367), não se pode reduzir a uma qualidade predicamental.
355. Quanto à matéria (em que o belo ocorre), não acontece apenas no sensível.
Achamos que a beleza é atributo universal, próprio de todo o ser, quer espiritual, quer
sensível. Portanto, implicitamente, a tese assim verificada, exclui as doutrinas que
restringem o belo ao sensível, como fez Baumgarten, e em alguns aspectos também
fizeram Kant, Schiller, Hegel.
Não importa que falem da perfeição do sensível, como sendo o belo. Não parecem ter
razão ao limitarem o belo ao sensível. Semelhante, na área das restrições, é a doutrina
que cerca a área da beleza em torno de valores e projeções sentimentais.
Ainda o mesmo dizia dos sentimentos: "Os prazeres dos sentidos se reduzem a prazeres
intelectuais, confusamente conhecidos" (Leibniz, Princípios na natureza, nr. 7).
Tivesse Leibniz, em profunda perspiciência, notado que os sentidos nada manifestam que
indique o conhecimento da perfeição ou do belo, não lançaria a hipótese de que o
conhecimento sensível pudesse constituir-se como um conhecimento sensível do belo.
Nada ocorre nos sentidos que admita a confusa e longínqua percepção da beleza.
"Estética, teoria das artes liberais, gnosiologia inferior, arte de pensar belamente, arte da
razão análoga) é a ciência do conhecimento sensível. (No texto latino "Aesthetica
(theoria liberalium artium, gnoseologia inferior, ar pulchre cogitandi, ars analogi rationis)
est scientia cognitionis sensitivae" (Aesthetica §1).
No contexto baumgarteniano logo se vê, que a Estética reúne o conhecimento sensível e
a arte. As aproximações efetivamente ocorrem, porque a arte opera mediante expressão.
Efetivamente o livro de Baumgarten não faz senão uma filosofia da arte. Trata de
apreender o belo na arte, como perfeita maneira de expressar os temas e perfeitamente
maneira de fazer uma obra.
Para Baumgarten o belo se diz do sensível, quando este é perfeito: "O fim da estética é a
perfeição, enquanto tal. Ora, esta é beleza" (§ 14).
Que dizer do belo interpretado como o mundo do sensível? Ainda que não pareça poder-
se isolar o belo no sensível, é um campo em que ele se encontra muito presente. Mas este
fato por si só não lhe dá a exclusividade.
359. A natureza sempre sensível da arte concorre para a opinião de que o belo também o
seja. Mas o instrumento da arte também inclui a capacidade da inteligência como
intérprete da expressão artística; assim também o belo, que, embora exista também no
sensível, importa em algo superior.
Hegel foi notável pela sua insistência de que a arte se constitui em manifestação do
Espírito. As obras de arte, - ainda que construídas em cor, forma, som, - falam à mente. A
arte, embora sempre sensível, não é apenas um processo sensível, porquanto portador de
mensagem de nível supra sensível.
Por isso a ave não distingue entre o falso ovo e o verdadeiro, e o peixe se deixa atrair
também pela falsa isca, quando esta em tudo equivale à natural. Pessoas obtusas pouco
apreciam o belo, exatamente porque ele implica na capacidade mental de diferenciar
entre o que se realça e o que não atinge graus de mais valor.
Sem conhecer com profundidade a filosofia de seus antecessores clássicos, Kant muitas
vezes agiu como se estivesse a tratar assunto inteiramente novo, de sorte a parecer
instituir um tratado metafísico do belo inteiramente novo e de certo modo em conflito
com o passado, o que efetivamente só acontecia em tudo. Para um pensador platônico e
mesmo aristotélico, muitos aspectos são conciliáveis e se ilustram mutuamente. Para
conceituar o belo não importa no primeiro instante a questão da realidade dos objetos e
dos arquétipos ideais a que se ajustam para serem ditos perfeitos e belos. A questão da
realidade ou idealidade do belo também há de ser tratada, sendo todavia logicamente
posterior (vd...).
Retém Kant os conceitos e princípios universais da metafísica; não os reduz à
generalizações, como faz o nominalismo empirista, ou positivista. Apenas nega o valor
ontológico dos mesmos, reduzindo-os ora a meras análises, ora a sínteses a priori.
365. Kant começa por descobrir a diferença que vai entre dois modos de predicar, o
unívoco das categorias e o dos transcendentais". Em vez de seguir por ordem, adianta
assuntos isoladamente com o belo. Ao mesmo tempo que distingue entre si as
predicações categoriais e as predicações transcendentais, subdistingue as transcendentais.
Sem conhecer a totalidade dos transcendentais, veio Kant a tratar do belo como qualquer
coisa isolada, quando na verdade pertence a uma família ampla de noções.
A nova "família" de noções que Kant descobriu, mas que não viu em toda a sua
amplidão, como os escolásticos expunham as transcendentais em número de seis, foi por
ele isolada como objeto tratado por uma faculdade especifica, a Faculdade do juízo
(Urtheilskraft).
Com facilidade Kant multiplicava, como se vê mais uma vez aqui, as faculdades. Em
criando nova faculdade, distanciou-se dos clássicos, que põem as noções de qualquer
índole, numa só faculdade. Todavia esta circunstância é secundária; o importante é que
Kant houvesse percebido que as noções categoriais não eram idênticas àquelas ditas
transcendentais.
366. Visto como um todo, o sistema estético de Kant faz do belo algo sensível, ainda que
o belo não seja o sensível expressamente como sensível.
É que para Kant, o núcleo inicial de todos os conteúdos, que a forma reveste, é o
fenômeno sensível. As primeiras formas a fazer revestimentos são as de espaço e tempo,
seguindo-se as doze do "Entendimento". Por último, os objetos assim criados, são
comparados com "arquétipos"; o perfeito ajustamento destes objetos com os modelos
ideais arquétipicos, faz deles objetos belos.
Para Kant, por conseguinte, um objeto sensível (intuição) é belo quando se coloca de
acordo com o arquétipo; a este chama de "fim formal". Perceber tal coincidência é função
de uma faculdade especial, que recebeu o nome de "Faculdade do Juízo"; esta enuncia os
juízos estéticos. A capacidade de emitir os juízos estéticos também se denomina "gosto".
O prazer estético resulta dos juízos pronunciados sobre o objeto, quando como um todo, é
comparado com sua finalidade formal. Os juízos do entendimento, pronunciados sobre a
estrutura do objeto, ou seja sobre o que Kant chama de conceitos de que se constrói o
objeto, não resultam em prazer estético. Mas apenas em prazer prático, chamados o
agradável e o bom.
Aprecie-se agora um texto kantiano, em que a doutrina supra vem resumida. Atenda-se
aos tecnicismos: Intuição (= objeto sensível); conceito (= estrutura do objeto); juízo
reflexivo (= comparação do objeto como um todo, com o seu arquétipo); finalidade
subjetiva e formal do objeto (= arquétipo).
"Quando o prazer é proporcionado mediante a simples apreensão (aprehensio) da forma
de um objeto dirigido para um conhecimento determinado, a representação não fica
relacionada com o objeto, mas unicamente com o sujeito; e o prazer não pode exprimir
outra coisa senão o acordo do objeto com a faculdade cognoscitiva que está em jogo no
juízo reflexivo e enquanto o está, ou seja unicamente por ser uma finalidade subjetiva e
formal do objeto.
Semelhante juízo é um juízo estético sobre a finalidade do objeto, que não se funda
sobre nenhum seu conceito atual nem por si mesmo o cria. A forma de tal objeto embora
não a matéria de sua representação como sensação é julgada por simples reflexão (sem o
escopo de obter um conceito de objeto), como fundamento de um prazer derivado da
representação de tal objeto, julgando-se que a representação esteja necessariamente unida
ao prazer, e consequentemente que o prazer não existe somente para o sujeito que aprecia
a forma, mas para todos os que em geral a julgam.
De tal objeto se diz então que é belo, e a faculdade de emitir juízos segundo o prazer
proporcionado por ele ( também com valor universal) chama-se gosto" (Cr. do juízo, Intr.
VII).
Schiller tomará as duas noções de matéria e forma, retendo-as no plano sensível, e assim
mais uma vez, o belo se mostrará sempre algo sensível.
Por último, em Hegel (mas no seu contexto idealista), o belo artístico consistirá de novo
em algo essencialmente sensível; a forma, na arte, é o espírito visto em seu momento
dialético sensível.
Postos estes aspectos gerais da estética kantiana, seguimos para detalhes visando
principalmente aqueles que mais interessam ao plano de um Tratado do Belo.
368. Que é que Kant admitia como dado? Importa estas pergunta, antes de qualquer
explicação mais profunda e de que resulta um sistema estético. Ao mesmo tempo que
escrevera a Crítica da Razão Pura e a Crítica da Razão Prática supunha que o dado
estético fosse apenas empírico. Invectivou mesmo a Baumgarten por haver pretendido
estabelecer leis universais para o gosto estético.
Descobriu depois, que o dado estético se prende a uma situação especial. Esta situação
especial produziria um sentimento peculiar e que seria o estético. Ora, parece que Kant
não atendeu à exata situação em que tal sentimento ocorria. E foi onde Herder (1744-
1803) se lhe opôs.
Acreditamos que Kant descreve com relativa exatidão o que seja o belo - o ajuste de um
objeto (tomado como um todo) com o seu fim formal (arquétipo ou gênero ideal). O que
entretanto não parece verdadeiro é ter reduzido o sentimento estético apenas a este objeto,
isto é , quando o juízo percebe o objeto como belo. Excluía do estético o sentimento que
poderia produzir o conhecimento da estrutura interna de um objeto.
Determinou Kant as propriedades do belo; ainda que não usasse os mesmos termos, estas
propriedades eram a teoreticidade (o belo é assunto que se conhece) e a esteticidade (o
belo agrada). Estes são dados.
370. O belo se apresenta, ainda para Kant, como propriedade teorética. Não usa este
vocábulo, mas é o que efetivamente estabelece. A faculdade do Juízo, que vê o belo,
contempla o objeto e o julga em função a um arquétipo, ou "causa final formal", em
função do qual se diz belo. E assim o belo se constitui evidentemente num plano teorético,
nitidamente contemplativo.
Mas esta contemplação não se dirige tampouco a conceitos, uma vez que o juízo de
gosto não é um juízo de conhecimento (nem teórico, nem prático) e por conseguinte não
se baseia em conceito, nem os tem por finalidade.
O agradável, o belo e o bom indicam três relações diferentes das representações com o
sentimento de prazer e desgosto, referidos aos quais nós distinguimos os objetos uns dos
outros, ou os seus modos de representação. Também as expressões adequadas com que se
designam nos três casos os sentimentos de agrado não são as mesmas. Ao que deleita, se
chama agradável; ao que simplesmente apraz, se chama belo; o que é apreciado se diz
bom. É bom o aprovado, isto é , aquilo a que se empresta valor objetivo.
O agradável vale também para os animais irracionais; mas o belo somente para os
homens, não só pela sua qualidade de serem animais, mas por o serem racionais, ainda
que não só por isso (como também o seriam por exemplo, os espíritos) mas pelo fato
mesmo de serem ao mesmo tempo animais e racionais. Porém o bom é considerado bom,
mediante a simples condição de que o ser razoavelmente seja ser. Estas proposição só
mais adiante poderá receber sua completa justificação e esclarecimento. Pode-se enfim
dizer que das três maneiras apresentadas como capazes de gerar satisfação, a relativa à
apreciação da beleza é a única desinteressada e livre, pois não há nenhum interesse capaz
de arrancar-lhe aplauso, quer seja interesse dos sentidos, quer do entendimento" (Cr. do
Juízo., § 5, trad. W. Gola).
O caráter livre e desinteressante do juízo estético, fez ser comparado com o jogo,
característica explorada depois amplamente por Schiller.
371. O belo, em Kant, ainda apresenta a propriedade estética, ou seja a de produzir um
prazer que não é o prazer comum. É o prazer estético de ordem muito especial, diferente
da satisfação comum fundada apenas no interesse.
"O conceito de complacência desinteressada pelo que há de belo na natureza e na arte não
representa de um posto de vista puramente intrínseco, uma tendência perfeitamente nova
no desenvolvimento da Estética. Aparece já elaborado em Plotino e foi desenvolvido
substantivamente nos tempos modernos por Shaftesbury, Moses Mendelson e Karl
Philipp Moritz, este em sua obra Sobre a imitação plástica do belo. Não obstante, só
poderia chegar a adquirir sua verdadeira importância mediante a posição sistemática que
este conceito ocupa na teoria de Kant; só assim sobre a essência e a origem do espiritual,
frente à filosofia e à preceptiva literária da época da ilustração" (Ernst Cassirer, Kant,
vida e doutrina VI, 4, p. 381, ed. F.C. E. ).
Insistiu Kant notoriamente na parte negativa desta propriedade, mostrando mais o que
ela não é, do que efetivamente é em si mesma. Revela como a satisfação comum se
processa com interesse, ao passo que o belo produz agrado sem interesse.
Que significa "sem interesse"?
O que ingressa como elemento constitutivo de algo, como aspectos de que se compõe,
"interessa" a este objeto; por isso, é bom para ele; a vontade deseja tal coisa em favor
deste objeto; procura criar o que falta, pondo-o na ordem da existência efetiva e real.
Conseguir algo neste plano, produz "satisfação", de uma espécie que se pode denominar
"satisfação comum", ou prazer da faculdade do desejar, a vontade. O mesmo ocorre
quando a vontade aprecia os alimentos como bem do corpo humano, o remédio como
meio de recuperação da saúde, o dinheiro como instrumento da aquisição; em todos estes
casos, em última instância se trata do aspecto estrutural dos seres. Procurar com interesse,
significa pois apreciar a constituição de um objeto e querer sua realização objetiva.
Não ocorre exatamente o mesmo a propósito do belo, diz Kant.
Este seu ponto de vista é próximo ao da filosofia clássica, quando esta reduz o belo a
uma noção transcendental. O belo diz ajuste da coisa com um modelo arquétipo;
simplesmente sob este ponto de vista, que é da ordem do verum, a beleza somente
poderia influenciar a inteligência. Sendo o verum noção de ordem intelectual, é então
natural que sirva como objeto apropriado da contemplação intelectual. A vontade, que
aprecia as coisas apenas sob um ponto de vista de bonum, se apraz em apreciando o belo
em favor da inteligência; eis onde se forma o prazer estético muito diferente do prazer
comum. Entretanto, não explicou Kant o prazer estético com este detalhe que o liga à
inteligência; ocupou-se simplesmente em mostrar o aspecto negativo: o prazer estético
não é o prazer brotado do aspecto negativo: o prazer estético não é como o prazer brotado
do interesse; o prazer estético resulta do belo, concebido como ajuste da coisa com o seu
arquétipo, sendo este prazer localizado em uma faculdade específica, denominada
"faculdade do sentimento"
Faltou a Kant perspiciência para ajuntar o prazer estético e o prazer comum, embora
estados distintos, em uma só faculdade; não viu como apesar de tudo, o prazer estético
surge, na própria vontade que se emociona enquanto aprecia o belo como um bem da
inteligência, apesar de não ser objeto como os demais que entram na constituição das
coisas.
372. A leitura atenta dos vários textos kantianos que aludem ao prazer estético, nos
convence de que nenhuma vez Kant analisou profundamente a constituição intrínseca do
prazer estético, ocupando-se apenas em distingui-lo exteriormente da satisfação
resultante do interesse.
"O agradável e o bom tem ambos uma relação com a faculdade de desejar e, enquanto a
tem, levam consigo aquela satisfação patológico-condicionada (mediante estímulos) e
este uma satisfação pura prática. Esta satisfação se determina não só pela representação
do objeto, senão, ao mesmo tempo, pelo enlace representado pelo sujeito com a
existência daquele. Não só o objeto apraz, senão também sua existência.
Subentendendo-se o "conceito" como "fim objetivo", isto é, fim objetivado pela vontade.
Este fim objetivo apenas produz a satisfação do interesse.
Pouco depois: "Em realidade, se na coincidência das percepções com as leis, segundo
conceitos gerais da natureza ( as categorias), não encontramos, nem podemos encontrar, o
menor efeito sobre o sentimento do prazer em nós, porque o entendimento, nisto, procede
sem intenção alguma necessariamente, segundo sua natureza, por outra parte, em troca, a
possibilidade descoberta de unir duas ou mais leis empíricas e heterogêneas da natureza
sob um princípio, que as compreende a ambas, é o fundamento de um prazer muito
notável, a miúdo até de uma admiração, inclusive de uma tal admiração, que não cessa,
ainda que já se esteja bastante familiarizado com o objeto da mesma" (Crítica da Juízo,
Intr.VI).
A seguir dá o exemplo concreto dos que apreciavam em Paris as coisas apenas pelo lado
do interesse e por nada se impressionavam:
"Se alguém me pergunta, se acho formoso o palácio que tenho ante meus olhos, posso
contestar: Não me agradam as coisas que são feitas apenas para admira-las de boca aberta.
Ou responder como aquele iroquês, que nada em Paris lhe agradava senão as pastelarias".
Os exemplos de Kant não progridem na explicação; equivalem aos mitos de Platão,
porque simplesmente exemplificam e nada mais. A contemplação especulativa do belo,
produz o prazer. Mas não chegou Kant a perceber que este prazer pode ser exercido pela
vontade enquanto aprecia o belo com objeto adequado da mente. Admitiu simplesmente o
prazer estético, como propriedade do belo, sem maior explicação sobre a natureza da
próprio prazer estético. Uma perspiciência mais profunda manda reunir sob um
denominador comum ambos os prazeres, diferenciando-os apenas pelo objeto. Kant viu a
diferença dos objetos, mas não o denominador comum que aproxima os dois prazeres.
Talvez por isso adotou a desnecessária divisão das duas faculdades emotivas, a do prazer
da vontade e a do sentimento.
Refere-se também Kant aos organismos dos seres vivos, em que a finalidade interna se
evidencia mui claramente.
Achamos, entretanto que a arte não só agrada como obra eventualmente perfeita; a arte
exerc e também uma função teorética, porque como expressão fala ao entendimento. Ser
expressão, eis o que o apetite pode apreciar como um bem, passando dali a ser algo
apreciável, ou seja, estético. Enquanto o intelecto atende à mensagem de expressão,
exerce um conhecimento, alcança o objeto como verum. A vontade, em apreciando dito
bem da inteligência, goza de um sentimento, que se distingue dos sentimentos comuns;
tal sentimento, resultante de um objeto do círculo mental, produz um sentimento
específico, que chamamos estético-artístico.
375. Pretendeu Kant que nos objetos do "entendimento" não encontramos e nem
podemos encontrar o menor efeito sobre o sentimento do prazer em nós.
E a segunda de que o próprio belo pressupõe tais conhecimentos, de sorte a exigir uma
certa representação constitutiva dos objetos oferecidos pelo "entendimento".
Tais objetos, obtidos pela faculdade do entendimento, ainda que falem apenas da
estrutura das coisas, isto é do "interesse", contêm contudo aspecto informativo e por isso
também produzem sentimento estético.
O que efetivamente produz o agrado estético não está substancialmente naquilo que se
conhece; não importa então, que o objeto conhecido nos fale do belo ou do feio, das
comparações com o arquétipo ou dos elementos constitutivos de interesse. O saber,
simplesmente pelo saber, nos agrada; não importa que este saber seja de "interesse", ou
"sem interesse"; em ambos os casos este saber atualiza uma faculdade de conhecimento.
Ainda que o conteúdo do conhecimento nos possa desagradar, o simples saber agrada.
Não é por ser belo, mas por ser teorético que o belo provoca o sentimento estético, mas
por ser belo, poderá um objeto constituir-se como eminentemente teorético, como objeto
o mais apreciado; teríamos, então o sentimento estético-belo. Quanto à expressão
artística, em virtude de sua poderosa maneira teorética de falar ao intelecto, produz, por
isso mesmo, forte sentimento estético, mas por ser teorético; no caso teríamos um
sentimento estético-artístico. Assim também com qualquer outro conhecimento teríamos
um sentimento estético; não resultaria da circunstância de ser uma noção algébrica, ou
química, ou filosófica, mas em virtude da teoreticidade. Desde que o intelecto possa
conhecer algo, obteve como seu objetivo o verum; a vontade aprecia tal bem em
benefício do intelecto, e se aquieta num sentimento estético.
Em assim sendo, não nos parece aceitável o ponto de vista kantiano de que não produzam
sentimento estético os conceitos formados pelo "entendimento": Unidade, pluralidade,
totalidade, realidade, negação, limitação, substância e acidente, causa e efeito, ação e
paixão, possibilidade e impossibilidade, existência e não existência, necessidade e
contingência. Também tais coisas nos oferecem um prazer muito especial ao serem
conhecidas.
377. A outra observação a fazer é a de que o próprio belo pressupõe as representações
constitutivas de objeto, de que se ocupa o entendimento. Ainda que o belo seja um
conceito em função a um arquétipo, materialmente aquilo que é posto em função ao
arquétipo tem de ser algo em si, quer seja finito, quer infinito. Sobretudo as coisas finitas
são muitas, e todas poderão ser belas. Não fossem as coisas belas algo em si, não
poderiam diferir entre si.
Quando as coisas nos agradam, ocorrem duas perspectivas, que se fazem conhecer: o
conhecimento da coisa em si, cuja representação constitutiva há de ser conhecida
previamente, e o conhecimento de sua perfeição em realce.
Herder, Ziehen, Volkelt, Kainz insistem na representação constitutiva como elemento
participante do belo.
"A estética kantiana padece do vício fundamental de não atender no campo do puramente
estético às representações de significado. Kant passa por alto, ao proceder assim, um fato
tão simples como o de que, para poder sentir complacência estética por uma coisa, é
necessário, antes de tudo, saber algo a seu respeito (isto é ter uma representação de seu
significado): a concepção de todo objeto pressupõe o conhecimento dele. Ademais a
argumentação kantiana peca de inconsequente. Se um cavalo, para agradar-nos, tem
necessariamente de aparecer vinculado à representação de significado correspondente;
tampouco um pássaro exótico ou um caracol podem exercer uma impressão estética em
nós, se prescindirmos do que eles são, ao contemplarmos este objetos. Kant se deixou
induzir ao erro de que para que uma flor nos agrade, não necessitamos de ter o conceito
científico dela, concluindo dali que ante objetos como flor, o colibri e o caracol poderiam
considerar- se também supérfluos e até prejudiciais a simples representações do
significado. Herder (Kalligone, c. 1, parte IV), o contraditor de Kant, via com mais
clareza este ponto. Segundo ele, para poder apreciar a beleza peculiar dos seres e da vida,
das forças e qualidades das diferentes espécies vegetais e animais, necessitamos ter uma
certa representação deles. No que a estética metafísica chamava as idéias das coisas vai
incluída a representação de seu significado" (F. Kainz, Estética, p. 62, ed. Esp. , 1952).
E seria verdade que as noções que se dizem em relativo, nada contêm de constitutivo
Além disto, algumas delas, - ser, algo, coisa, - se dizem simplesmente em absoluto; em
relativo estão outras, - verdade, bem, belo, - e que não são todas, e supõem as anteriores.
380. Para Kant o belo, em última instância, lembra perfeição, - conforme já advertido. O
belo é o objeto sob a perspectiva da situado dentro do "fim formal", ou gênero ideal a que
pertence.
Enquanto o belo assim se estabelece, não se reduz a um "conceito", que diz algo do
objeto em si mesmo quando visto em seus componentes. Mas refere uma noção que situa
o objeto em função a um termo exterior.
382. O ato que a potência aspira, ou o modelo a que o individual se subordina, assume o
caráter de fim, ou seja, de "fim formal". Isto quer dizer, assume o caráter de forma, ou
segundo a qual se plasma o indivíduo, ou segundo a qual a potência se atualiza.
É a forma interior que orienta o plasmamento da obra que se realiza. Como um Logos a
animar a ação do movimento, a forma dirige o crescimento da planta e do animal. Assim
também o arquétipo, de modo geral, é o fim formal que plasma todos os seres.
"O juízo tem pois também um princípio a priori para a possibilidade da natureza, porém
só em relação subjetiva, em si, por meio do qual prescreve uma lei, não à natureza (como
autonomia) senão a si mesmo (como heautonomia) para a reflexão sobre aquela e pode
chamar-se lei da especificação da natureza em consideração de suas leis empíricas e esta
lei não a conhece ela a priori na natureza, senão que a admite para uma ordenação da
mesma, cognoscível para o nosso entendimento, na divisão que ela faz de suas leis gerais,
querendo subordinar a estas uma diversidade do particular" (Crítica do Juízo, Intr. IV).
384. Como já se observa, vai finalmente Kant descendo de suas transcendentes alturas
platônicas, para o reino das coisas concretas dos dados empíricos.
Kant valorizou muito mais o empírico do que Platão; este se desliga da matéria,
influenciado pelo orfismo catártico dos pitagóricos e que retransmitiu para todo o
neoplatonismo sempre caracterizadamente ascético.
Grande era a seriação das dozes categorias , entretanto se fechava num certo setor de
determinações que não abarcava a ordem que ainda se observava no mundo dos dados
empíricos a obedecer arquétipos, gêneros e espécies, leis e finalismos em geral.
Não determinavam as categorias porque algo devesse se subordinar a tal ou tal gênero ou
espécie, seguir tais ou tais normas de perfeição a realizar. Não explicavam as categorias
porque a devesse ser b ou c. É uma questão que se denominou de ordem qualitativa,
própria do juízo, diferente da quantitativa e estrutural, que as categorias do entendimento
determinavam.
385. É possível atender ao andar da doutrina dos transcendentais, mostrando como Kant
adere à mesma, ora bem, ora mal, ora omisso.
Num quarto momento, há a insistir contra Kant, que as noções transcendentais, embora
não determinem o objeto do mesmo modo como as categorias, o determinam contudo
também ab intríseco, como noções formalmente contidas, embora implicitamente, em
todo ser.
Com este plano se pode proceder a uma análise da doutrina do belo de Kant, sem se
deixar dirigir por ele mesmo, para não se deixar isolar em considerações extemporâneas
ao tema.
Kant próximo à noção aristotélica e escolástica do transcendental. 0764y387.
388. Aquilo que Kant sempre descreve como "sem interesse" e que se diz coisa tomada
como um todo, é nada mais do que uma exposição confusa da doutrina aristotélica dos
transcendentais.
Já explicamos diversas vezes o que significa "sem interesse", para diferenciar esta família
de noções de uma outra. O objeto construído pelo "entendimento", assume as
peculiaridades nítidas da predicação "categorial", em que cada elemento distingue-se do
outro realmente e nenhum inclui, portanto ao outro diretamente; as categorias são
camadas estanques, que constróem o edifício da realidade, como tijolos que se
sobrepõem.
Mas observa Kant a ocorrência de noções que não se dizem do objeto com a mesma
ordem de predicação; envereda então pela predicação transcendental no sentido clássico.
Uma destas noções que aponta é a da beleza. Já temos explicado muitas vezes, como
Kant mantém a noção clássica do belo, que se diz de algo enquanto se ajusta ao arquétipo.
Agora, já não visamos diretamente a noção do belo enquanto belo, mas sua índole
transcendental.
É evidente que uma qualidade que se predica de uma coisa, enquanto estas se ajusta a
um arquétipo, não é simplesmente categorial. A nova determinação assume as
características dos modos transcendentais. Está mesmo prevista na relação clássica destes
modos. Evidencia-se, portanto, uma aproximação de Kant com a noção aristotélica e
escolástica dos transcendentais.
Depois o ser é considerado segundo um certo ponto de vista (secundum quid). Agora a
consideração passa a ocorrer em absoluto, e então afirmando, temos o ser considerado
como res (coisa ou essência) e negando temos o ser considerado como unum (unidade
indivisa em si). Ocorrendo a consideração em sentido relativo, temos novamente o ser
considerado, ao afirmar, como verum e bonum; ao negar, como aliquid (o contrário do
nada, como existência).
Todas estas noções se apresentam inegavelmente como transcendentais; de nenhuma
sorte se reduzem às categorias, porque consideram o objeto sempre como um todo
constituído.
Ora, Kant, ao considerar o objeto como um todo, como pretendeu, não devia limitar-se a
noções isoladas, como por exemplo a do belo. Um desenvolvimento sistemático tem de
considerar não apenas as "finalidades formais", o que é situar-se no círculo do verum
apenas, mas a todas as noções desta índole.
Nada mais completo do que o quadro de Santo Tomás, em que o objeto, considerado
como um todo, ora é considerado simplesmente, ora secundum quid; este ora em absoluto,
ora relativamente; o absoluto ora afirmando, , ora negando; o relativo, também ora
afirmando, ora negando. As instâncias estão completas; o esquema, portanto, se fecha
como integralizado.
390. Dentro, porém, da noção isolada do belo, Kant desenvolve esta noção com nítida
consciência de que se trata de um transcendental. É o que sempre fica muito claro quando
afirma que o juízo estético opina sobre o objeto tomado como um todo; sem afirmar dele
qualquer determinação categorial, o julga em função a um arquétipo e pelas propriedades
que dali decorrem, como a esteticidade.
O que o belo não é para Kant? Em sua terminologia técnica, se pode dizer:
- O belo não é natureza; porque a natureza é o objeto construído pelas doze categorias.
- O belo não é objeto; porque o objeto se diz antes de tudo das partes que constróem o
todo categorial.
- Enfim, o belo como afirmação não é um juízo lógico, porque a afirmação lógica é a que
afirma partes constitutivas e estruturais do objeto, como o faz o entendimento.
391. Leiamos um texto típico de Kant, em que tanto se observa um tecnicismo evidente,
como a ocorrência de sua noção do belo como transcendental:
" Para decidir se alguma coisa é bela, ou não, referimos a representação, não pela
compreensão do objeto de cognição mas pela imaginação (talvez em conjunção com o
entendimento) do indivíduo e a sua sensação se prazer e dor. O juízo de gosto não é , pois
um juízo de conhecimento; portanto, não é lógico, senão estético, entendendo por isto
aquele cuja base determinante não pode ser mais que subjetiva. Toda a relação das
representações, inclusive às das sensações, pode porém, ser objetiva (e ela significa então
o real de uma representação empírica) mas não a relação com o sentimento do prazer e
dor, mediante a qual nada é designado no objeto, senão que nela o sujeito sente de que
modo é afetado pela representação " (Kant, Crítica do juízo, § 1).
"Para encontrar que algo é bom tenho que saber sempre que classe de coisa deva ser o
objeto, isto é, ter um conceito do mesmo: para encontrar nele beleza não tenho
necessidade disso" (Ibidem). E agora um texto de Cassirer, da escola neokantiana da
Magdeburgo, e interpretando Kant:
Eis as definições que ele expôs ao fim dos parágrafos em que as defendia:
394. Na primeira definição (a partir da qualidade) define Kant o belo alegando sua
propriedade estética; o sentimento estético é um sentimento diverso daquele que resulta
de um interesse. Está certo , como definição que indica a essência a partir da propriedade,
mas não é a mesma essência. Não foi, portanto, Kant à essência do belo, aqui.
Como método, na verdade o caminho que nos conduz à essência é a propriedade. Tem o
belo como propriedade um sentimento, sem interesse. Quando na segunda definição sob
o ponto de vista da quantidade, atribui ao belo a índole da aprazer universalmente,
pretende afiançar que o juízo de interesse poderá não ser universal. Dever-se-ia, pois,
dizer que "o vinho das Canárias me é agradável" e não simplesmente "o vinho das
Canárias é agradável". Depois afirma: "com o belo ocorre algo mui diferente. Seria
(exatamente ao revés) ridículo que alguém, que se julgasse possuir algum gosto,
adiantasse estas palavras: este objeto (o edifício, o traje, o concerto, que ouvimos, a
poesia) é belo para mim" (Crítica do juízo, 7).
A observação de que o juízo do interesse poderá não ser universal, não é aduzida com
acerto. Enquanto interesse, a noção se reduz ao bonum; o interesse como tal é também
universal. Quanto aos casos particulares, em que o bonum se aplica estes certamente
poderão oscilar. Também o belo nos casos particulares, admite a mesma restrição. O
vinho das Canárias, simpliciter é sempre bom... E assim, uma flor simpliciter é sempre
bela... Se entretanto cabe dizer o vinho é bom para mim, este "para mim" é próprio do
falar a respeito do bonum; a noção do bonum, exatamente por ser interesse, se firma
como interesse para alguém; no caso singular apontado, o interesse era em meu favor.
Para individualizar a flor, usamos a expressão esta flor. Poderá esta flor não ser contudo
bela, apesar de a flor simpliciter, como noção, sempre associar a noção de beleza.
Portanto, também o interesse ou bonum, é um transcendental.
396. Ao mesmo tempo que Kant distingue o belo, como algo "sem interesse" e os
elementos indicados pelas categorias como algo "com interesse", distingue enter o belo e
o bonum ontológico. Se reduzirmos o belo ao círculo do verum ontológico, temos a dizer
que separou entre verum e bonum. Por que? Kant não esclarece , mas resulta nisto. E
é onde sua interpretação do belo vai notoriamente com a dos clássicos. Estes fixam o
bonum como aquilo que convém; o verum como aquilo que se ajusta ao arquétipo,
reduzido enfim o belo ao verum e não ao bonum.
Kant não parece ter examinado inteiramente em separado o "interesse" como noção
transcendental, equivalente ao bonum do aristotelismo; era a mesma coisa. Afirmava que
as categorias como um todo, eram do interesse do objeto, mas não observava que o
interesse em si mesmo ocorria ao mesmo tempo como uma determinação qualificadora.
Viu esta situação a propósito do belo; diz o belo algo do objeto, tomado como um todo
diante do arquétipo. Assim o mesmo objeto, constituído como um todo, era algo de
interesse diante de si mesmo. E por isso o objeto apresentava-se como um bonum;
também as categorias que o constituíam, cada uma, enquanto era um interesse para este
todo, se determinava como um bonum, ou seja como um interesse.
398. O belo e o verum envolvem a questão do arquétipo. Distinguindo-se por este lado
em comum do bonum. Prosseguiremos a exposição mostrando como Kant apresenta a
questão do arquétipo. Aqui não nos interessa ainda o conteúdo meramente apriorístico,
que pretendeu dar a esta noção, mas simplesmente a noção enquanto exprime uma
essência; sob esta ponto de vista apenas, ocorre uma notável aproximação com as
posições clássicas.
Observou Kant ser difícil e penoso encontrar os arquétipos, leis gerais da natureza, os
gêneros, enfim os princípios formais. A mesma dificuldade não ocorre no plano
categorial; os conceitos se mostram prontamente, sendo logo enunciado o particular sob
universal; o juízo determinante do "entendimento" subsume espontaneamente os dados
empíricos sob o universal. "O juízo em geral, é a faculdade de pensar o particular como
contido no universal. Se o universal ( a regra, o princípio, a lei) é dado, o juízo que
subsume nele o particular (inclusive quando como juízo transcendental põe a priori as
condições dentro das quais somente pode subsumir-se no geral) é determinante" (crítica
do juízo, Intr. IV).
400. A finalidade seria o exato princípio a impor a unidade absoluta aos dados empíricos
dispersos. Dali resultaria que os indivíduos devessem realizar-se dentro de certas normas
de essência fixas; estas coincidiriam, em parte, com outras, fazendo em conjunto o
gênero. Cada essência estabelece-se com algumas propriedades que lhe são absolutas,
nascem com isso, as leis, que se descobrem empiricamente, mas que são absolutos.
Entendida a finalidade como certa norma absoluta a ser realizada pelos indivíduos, vê-se
logo que em Kant a noção de finalidade conserva aquele sentido amplo que exerce nos
clássicos. Neste sentido lembramos que Aristóteles dividira a constituição dos seres em
quatro causas fundamentais; duas eram constitutivas intrínsecos do ser (causa material e
formal) duas constitutivas extrínsecos (causa eficiente e final).
Ora, no sentido corrente e normal, até na classificação aristotélica, a causa final seria
sempre extrínseca; ambas as partes distanciar-se-iam e movimentar-se-iam como que
mecanicamente para uma aproximação. Semelhante é o sentido em que se dizem
finalidades apenas os objetivos a serem alcançados pela operação da vontade. Assim, o
alimento é um fim buscado em benefício do corpo; é também deste plano, o chamado
"fim último" do homem. A crítica da razão prática ocupa-se de tais fins; a eles os
denominou Kant fins objetivos.
As formas são fins, porque na verdade servem de ponto de chegada para a potência, cuja
determinação vem da forma. E ainda reduzem-se a tais fins subjetivos, aos fins objetivos,
porque a potência não pode por si buscá-los; uma causa exterior ao que é potencial, deve
intervir para fazer passar a potência ao seu ato. Por isso, a um tempo, a potência busca a
forma como fim formal, a causa eficiente a procura como seu objetivo.
Depois de comparar fim objetivo e fim subjetivo, vai concluindo Kant: "representar-se
uma finalidade formal objetiva, porém sem fim, isto é, a mera forma de uma perfeição -
sem matéria alguma nem conceito com que concordar-se, ainda que fosse somente a idéia
de uma conformidade a leis, em geral - é uma verdadeira contradição". "Assim, mediante
a beleza, como finalidade formal subjetiva, não é pensado de modo algum uma perfeição
do objeto como finalidade suposta formal, porém sem embargo, objetiva; e vã é aquela
distinção enter o conceito do belo e do bem que considera a ambos como distintos
somente pela forma lógica, e segundo a qual, o primeiro seria um conceito confuso, o
segundo um conceito claro da perfeição, idênticos, além disto, em seu conteúdo e origem,
pois, então entre eles não haveria diferença específica alguma, senão que o juízo de gosto
seria um juízo de conhecimento, igualmente que o juízo mediante o qual uma coisa é
declarada boa".
404. Seria verdadeira a afirmação kantiana de que a noção do belo nada diz da estrutura
ou constituição do objeto? Não convence a afirmação de que o belo é "sem conceito". Se
de uma parte tem Kant muita razão em apontar o modo diferenciado com que o belo se
predica das coisas, modo este que não se identifica com a maneira de se predicarem as
categorias, não tem contudo razão ao dizer simplesmente que o belo nada diz do objeto
constitutivamente. Os transcendentais também afirmam algo de intrínseco ao objeto,
embora de outra maneira. Na conceituação aristotélica e escolástica, a doutrina mui subtil
dos transcendentais adquiriu feições bastante definidas, de sorte a ser possível a discussão
clara e com uma terminologia técnica inconfundível. O mesmo não ocorre no kantismo;
assume a discussão o aspecto penoso de um inquirição às vezes impenetrável.
405. A circunstância de havermos tomado o objeto como um todo não resulta em que não
tenhamos dito nada de constitutivo; ocorre exatamente o inverso, porque afirmamos uma
constituição total.
Para Kant ocorre, entretanto, uma situação muito especial. Ele constrói o objeto mediante
formas apriorísticas, nada surge a começar de dentro; os dados são apenas fenômenos e
tudo o mais vem por acréscimo. E assim, poderia parecer que o belo, ao ser predicado do
objeto como um todo, resultasse em nada dizer do objeto, exatamente porque resulta de
uma forma acrescido.
Contra esta observação temos a dizer que também o entendimento acresce as formas das
categorias, criando o objeto; deveríamos então observar que também as categorias nada
afirmam de constitutivo do objeto; recebendo o fenômeno como um todo, o entendimento
o reveste de formas. Mas, o objeto não se diz do fenômeno envolvido mas do resultado,
este se constitui pelas formas com que foi construído. Desta sorte, também o belo
envolve o objeto aprontado pelo entendimento; o novo resultado, também é objeto, tal
qual como quando o entendimento tomava o fenômeno sensível e o revestia para criar um
objeto.
Concluindo sobre Kant e a essência do belo, o que resultou é que sua análise se apresenta
muito apreciável. O belo não fora sequer estudado como transcendental pelos próprios
medievais; estes que se haviam ocupado tão amplamente de outros aspectos dos
transcendentais, não enveredam contudo pela região do belo como transcendental. O que
em Tomás de Aquino é pouco mais do que implícito, em Kant, sob terminologia
inteiramente diversa, amplifica-se; embora não ganhe ainda a clareza que os
transcendentais podem adquirir, o belo, teve em Kant um adiantamento considerável.
Todavia Kant, nunca progride sem neblina e entraves tecnicistas.
A beleza é sensível, pois ela ocorre como união da forma e da matéria. Portanto, o belo é
a perfeição da matéria sensível. Estão aqui os ecos de Baumgarten, para quem a beleza é
objeto dos sentidos e a verdade da inteligência. Há, naturalmente, em Schiller o aspecto
kantiano, de que a perfeição da matéria ocorre enquanto exerce-se em função ao
arquétipo, esquecida a perspectiva do interesse.
Leiamos Schiller: "a beleza, seguramente, é obra da livre contemplação, e com ela do
sensível, como o deixaríamos para o conhecimento da verdade. Esta é o puro produto da
separação de tudo que é material e contingente. Objeto puro no qual não deve subsistir
limitação alguma do sujeito, pura espontaneidade sem mescla de atitude passiva. "E bem
verdade que mesmo da mais alta abstração existe regresso à sensibilidade, pois o
pensamento afeta o sentido interior e a representação da unidade lógica ou moral torna-se
num sentimento de harmonia sensível. Quando nos comprazemos no conhecimento,
entretanto, distinguimos muitos claramente nossa representação de nossa sensação, e
vemos nesta última algo de contingente que poderia faltar sem que o conhecimento
cessasse e a verdade deixasse de ser verdade. Seria um empreendimento vão, entretanto,
separar da representação da beleza esta relação com a faculdade sensível; por ser
insuficiente pensar uma efeito da outra, é necessário pensar as duas a um tempo, como
causa e como efeito recíprocos "
"O objeto do impulso sensível, expresso num conceito geral, chama-se vida em seu
significado mais amplo; um conceito que significa todo o ser material e toda presença
imediata nos sentidos. O objeto do impulso formal, expresso por um conceito geral, é a
forma (figura), tanto em seu significado próprio como metafórico; um conceito que
compreende todas as disposições formais dos objetos e todas as suas relações com as
forças do pensamento. O objeto do impulso lúdico, representado num esquema geral, é a
forma (figura) viva; um conceito que denomina todas as disposições dos fenômenos, tudo
que entendemos no mais amplo sentido por beleza"
Um pouco à frente: "o homem, sabemos, não é exclusivamente matéria nem apenas
espírito. A beleza, portanto, consumação de sua humanidade, não pode ser exclusiva e
meramente vida, como quiseram observadores argutos que se ativeram com excesso ao
testemunho da experiência, solicitados pelo gosto do tempo; nem ode ser mera figura,
como julgaram sábios especulativos, demasiado distantes da experiência, e artistas
filósofos, que se deixaram conduzir em excesso pelas exigências da arte para explicá-la:
ela é um objeto comum de ambos os impulsos, e portanto do impulso lúdico. Este nome é
plenamente justificado pela linguagem corrente, que costumam chamar de jogo tudo
aquilo que não sendo subjetiva, nem objetivamente contingente, ainda assim não tem
necessidade interior nem exterior. Se o espírito encontra, ao intuir o belo, um feliz
compromisso entre a lei e a necessidade, é por repartir-se entre os dois, furtando-se ao
império material como as do impulso formal tem validez e seriedade plenas, pois, que no
conhecimento, um se refere à realidade das coisas e o outro à sua necessidade, pois que
na ação, o primeiro visa a manutenção da vida e o segundo a da dignidade, visando os
dois, portanto, a verdade e a perfeição" (Ibidem). É importante notar que a doutrina da
"forma viva" de que trata Schiller, insinua a concepção do belo e da arte como projeção
sentimental (empatia, Einfühlung), de maneira geral, como processo de associação de
imagens, que se atraem. Posto um objeto material, sobre ele projeta o espírito um
"mundo"; este projetar, eis que consiste o belo para Schiller. De maneira geral, a "forma"
que Kant sobrepôs à matéria, sugere tal doutrina empática, visto que, para este filósofo, a
forma exerce-se como a priori. Ainda que se julgue o objeto em função a um arquétipo,
dizendo-se belo o objeto que está concorde a ele, esta beleza se mostra como que
projetada, por que também o arquétipo não é senão, no contexto de Kant, um a priori. E
assim, a doutrina da forma, de Kant, sugere a doutrina do Einfühlung.
Em Hegel, a forma tornar-se-á eminentemente ativa, porque ela será o mesmo Espírito. A
dialética, marchando sempre para o seu contrário, põe o Eu a marchar e a se projetar para
dentro do objeto, que se lhe opõe. E assim o mundo, bem como a beleza do mundo, não
seria senão uma projeção do Espírito. Aliás, disse o próprio Hegel: "O fim do homem, na
arte é encontrar nos objetos exteriores seu próprio Eu".
É possível que haja exagero em colocar toda a arte apenas nesta região empática; é
todavia, importante para a arte atender a ela, pois que não opera apenas com mimese
(prosa) mas também com evocação associativa de imagens (poesia. Embora ainda não
mui claramente era o que começava a ser visto pelo olhar de filósofo de Schiller. Via-o
sobretudo quando descrevia o estado estético surgindo como "maravilhosa comoção para
qual o entendimento não tem conceito e a linguagem não tem nome" (carta, XV, no final).
Leia-se in totum a carta 25, para se apreciar nela a concepção schilleriana do belo como
algo sensível, enquanto recebe a projeção do espírito, que nela deposita um mundo, a
forma, ao mesmo tempo que com isto lembra a evocação poética e as doutrinas estéticas,
como de Lipps e Heidegger, que fazem da arte uma projeção e evocação (Citamos
sempre a tradução de Robert Schwartz das 27 Cartas e intérprete experimentado da
Estética alemã).
411. Em páginas imortais realçou Schiller o caráter livre e sem interesse da contemplação
estética. Comparando esta peculiaridade do belo com o jogo, não quer isto dizer que
confundisse pura e simplesmente uma o outra coisa. Não cuidando o jogo senão da forma
lúdica, sem atender à realidade em si mesma, há nisto uma comparação como o belo, que
se diz da forma enquanto se harmoniza um termo ideal e não da matéria em si mesma
como uma estrutura real.
413. A Estética hegeliana é conhecida particularmente por sua obra póstuma, Estética, em
vários volumes, e em que têm parte os discípulos (Citações pela tradução portuguesa de
Orlando Vitorino, Guimarães Editores, Lisboa, 1959 . Começa Hegel: "Esta obra é
dedicada a estética, quer dizer: à filosofia, à ciência do belo, e mais precisamente do belo
artístico, pois dela exclui-se o belo natural" ,Estética, Intr. C. 1. Seção 1,1 pag. 11).
O belo diz-se do sensível, porém, como sensível que realiza uma certa perfeição. Em
Hegel, a perfeição resulta da presença da idéia. Mas o que faz a idéia estabelecer-se como
perfeita é superioridade intrínseca à mesma idéia.
O que chama por primeiro a atenção na concepção hegeliana do belo está no mesmo
particular que também ocorre em Baumgarten, Kant e Schiller: o caráter sensível do belo.
Ainda que a inteligência procure entender, mediante conceito, o belo, este é sempre algo
sensível. Jamais o belo mostra-se como luz plena, à maneira da verdade. Mantém a
concepção hegeliana do belo a oposição entre sensibilidade do belo e verdade da idéia.
Encontra-se ali o eco remoto de Baumgarten, atribuindo ao pensamento a verdade, aos
sentidos o belo.
A perfeição, para que haja o belo e a superioridade da idéia, eis outro elemento que
precisa se anotado, pois lembra os arquétipos. Sem um termo de comparação, é
impossível falar em perfeição maior e menor. Tomado, pois, um objeto como um todo,
julga-se-o em função a algo que lhe é extrínseco.
414. Distingue Hegel entre o belo natural e o belo artístico. Não se trata de uma rigorosa
especificidade, porque dá a ambos a qualificação de belos em virtude da presença da
idéia, em grau mínimo no belo natural, deixa a este inferiorizado diante do belo artístico,
em que a idéia encontra-se em maior escala. "O belo artístico é superior ao belo natural
ser um produto do espírito que , superior à natureza, comunica estas superioridade aos
seus produtos e por conseguinte à arte, por isso é o belo estético superior ao belo natural.
A pior das idéias que perpassa pelo espírito de um homem, é melhor e mais elevada do
que a mais grandiosa produção da natureza, é melhor e mais elevada do que a mais
grandiosa produção da natureza - justamente porque essa idéia participa do espírito,
porque o espiritual é superior ao natural" (Hegel, Estética, Intr., c. 1, 1-a sec., 1 p. 12).
Depois frisa os graus de participação na verdade, que está apenas adequadamente na idéia
e não nos sentidos: "A superioridade do belo artístico provém da participação no espírito
e portanto na verdade se bem que aquilo que existe só exista pelo que lhe é superior, e só
graças a esse superior é o que é possui o que possui. Só o espírito é verdade. Só enquanto
espiritualidade existe o que existe. O belo natural será assim um reflexo do espírito, pois
só é belo enquanto participante do espírito e dever-se-á conceber como um modo
imperfeito do espírito, como um modo contido no espírito, como um modo privado de
independência e subordinado ao espírito" (Ibidem, p. 13).
415. Ainda que o belo seja sensível, deixa-se alcançar pela apreensão mental. Entende-se
esta particularidade, em função à estrutura dialética do sistema da realidade que progride
por tempos sucessivos e envolventes. "Conviria rapidamente que numerosos são aqueles
que pensam que o belo em geral, precisamente por ser o belo, se não deixa encerrar em
conceitos e constitui, por este motivo, um objeto que o pensamento é incapaz de
apreender. Responderemos a esta maneira de ver, dizendo que, embora a verdade seja
ainda hoje, considerada como inconcebível e só, portanto, as temporais finitude e
ocasionalidade do fenômeno se ofereçam à conceptualização, nós pensamos, pelo
contrário, que só a verdade é concebível pois só ela se funda no conceito absoluto, e mais
exatamente na idéia. Ora, sendo a beleza um certo modo de exteriorização e
representação da verdade, por todas as suas faces oferece-se ela ao pensamento
conceitual quando este possua verdadeiramente o poder de formar conceitos...A beleza,
como já mostramos, não constitui uma abstração do intelecto, mas sim o conceito em si,
concreto e absoluto, ou seja a idéia absoluta" (Ibidem, p. 199, 200).
416. Para o panteísmo dialético de Hegel, que faz de tudo fazes da Idéia, é possível falar
em idéia por toda a parte, inclusive na sensação e na matéria. A beleza é sensível; mas
como o sensível é idéia , a beleza é idéia...sem ficarmos atentos a esta modalidade de
conceber, as frases de Hegel poderão confundir. Na verdade, para Hegel é sensível; a
interpretação metafísica do belo, apesar de sensível, o faz ser idéia, porque afinal tudo
tem de ser reduzido, de algum modo em idéia. Sob este prisma, o sensível é , ao mesmo
tempo, idéia; portanto, o belo ao mesmo tempo que é sensível, é algo que se pode dizer
idéia. Não senso o belo (sensível) a idéia clara, como na verdade, é uma representação
exteriorizada da verdade. A idéia, quando diretamente pensada, é verdade; a idéia,
quando no seu instante sensível, é a beleza.
417. Na dialética de Hegel uma idéia atrai outra, de sorte a ocorrer um progressivo
movimento de soma, que vai desde a noção mais simples, até a totalidade concreta do ser
absoluto (espírito Absoluto). A atração faz-se pela invocação dos contrários; por exemplo,
finito lembrando o infinito, o subjetivo, o objetivo; desta maneira, a contradição vai
trazendo novas caracterizações do ser. Em si mesmo, o ser concreto é um só; mas ao
ingressar a pensar a si mesmo, começa de um instante inicial simples e vago, a partir do
qual progride, pensando sempre, até completar toda a cascata de noções que se vão
atraindo como contrários da noção precedente. Desta maneira, altera-se alógica
tradicional, pois Aristóteles progredia por progressões lógicas, como por exemplo, pelas
relações que há entre o todo e as partes (o juízo é a declaração de que algo cabe no sujeito,
ou não).
418. Reunidas todas as oposições, em esquema maiores, elas resultam em três partes de
um grande sistema: lógica, filosofia da natureza, filosofia do espírito. Trata-se de
perspectivas tomadas a uma só grande idéia.
Em sendo a idéia uma representação de objeto, a lógica trata da idéia apenas sob a
perspectiva de ser em si-para-si. Não cuida do mundo exterior, de que a idéia fala (como
em Kant, também para Hegel, todo o saber começa no fenômeno, que se mostra).
Concentrando-se a lógica apenas no pensamento enquanto interesse a si mesmo (em si e
para si), estuda-o enquanto principia pensando em termos de ser, essência, conceito, com
as suas demais peculiaridades.
Tomando agora o objeto exterior, ao qual o pensamento revela, a perspectiva estudada
fica sendo a das idéias quanto à sua alteridade, fora de si; apresenta-se como nova
importante parte do sistema, a filosofia natural, subdividida, segundo Hegel, em
mecânica, Física, orgânica. DO ponto de vista dialético, trata-se sempre de novas
perspectivas, que aparecem como contrários ao exterior. Em conjunto, a natureza opõe-se
à idéia em si e para si tratada pela lógica. Mas, em ambos os casos, sempre se trata da
idéia, uma vez tratada em si em para si, somente como interessa ao ponto de vista
meramente formal da lógica, outra vez tratada como aquilo que a idéia representa, a
natureza.
Ocorre o Espírito subjetivo no instante finito, que é o instante em que o Espírito Absoluto
se opõe a natureza exterior. Então vemos a alma opondo-se ao mundo dos corpos. Nestas
condições, situam-se o corpo e o Espírito lado a lado. Desenvolve-se o Espírito subjetivo
em três sucessões dialéticas ricas: Antropologia (relações com o clima, raça,
temperamento), Fenomenologia (sentimento, consciência, razão), Psicologia (inteligência,
vontade, moralidade).
420. A síntese suprema, invoca, por sobre o espírito subjetivo e objetivo, o espírito
Absoluto. "O espírito absoluto é identidade, que é tanto eternamente em si, quanto deve
tornar e é tornada em si; é a única e universal substância como substância espiritual; a
divisão ( o juízo) em si e em um saber, para o qual ela é como a substância" (Hegel,
Enciclopédia das ciências § 554).
Depois mostra como a idéia aparece no primeiro grande instante dialético em si e para si
(Lógica). A seguir como surge no instante do espírito subjetivo, oposto ao objeto da
natureza. Mas como espírito subjetivo, este Espirito restringe-se a uma subárea, que tem
acima de si o espírito absoluto, onde se inserta a arte. Atentos a estas linhas gerais.
Leiamos agora a Estética de Hegel, neste passo difícil e básico.
"Para darmos da idéia uma definição mais rigorosa, diremos que, enquanto existente em
si e para si, a idéia é também a verdade em si, é o que participa do espírito de um modo
geral, o que é o espiritual universal, o espírito absoluto. O espírito absoluto é o espírito
enquanto universal e não enquanto particular e finito. Determina-se como o que recebe a
verdade de uma verdade universal. É certo que estamos habituados a colocar o espírito ao
lado da natureza como se esta o igualasse em dignidade, como se as relações entre o
espírito e a natureza fossem as de igual para igual, reciprocamente independentes. Ora,
nós postulamos aqui, a oposição de espírito e natureza. O espírito que separando-se da
natureza, se opõe a ela, não é o espírito absoluto, mas o espírito finito que recebe a
verdade do espírito absoluto onde a natureza se situa, de um modo ideal. Ele se diferencia
por virtude das suas imanentes atividades e se decompõe em termos opostos - a natureza
e o espírito finito - termos que embora representem a idéia total, apenas a representam
sem constituírem a verídica forma dele" (Hegel, Estetica I, c. 1,1. Citamos a trad. De
Orlando Vitorino, Guimarães Editores, Lisboa, 1959, p. 200-201.)
Segue-se uma consideração em separado para a Natureza e outra para o espírito subjetivo,
como membros dialéticos da idéia, ora unida a natureza ora à subjetividade do indivíduos.
Quando mostra a subjetividade, como contrariedade à natureza, parece ouvirmos a
Schiller, quando define os impulsos da forma contrariando os sensíveis inferiores; do
equilíbrio, pretende Schiller estabelecer um todo ativo, a chamada forma viva.
A arte, enquanto é expressão sensível, é beleza. Sobre a arte desenvolve ainda Croce
princípios peculiares, de que não pretendemos agora nos ocupar, visto que atendemos ao
belo simplesmente ( Veja-se nosso Filosofia Geral da Arte. Cf. O.N. Derisi, La Filosofia
del Espiritu de B. Croce, Madrid, 1947. Uma vasta literatura se desenvolve em torno das
idéias da Croce).
Uma vez que o belo é sensível, sem o objeto sensível não existe o belo. Não se origina
portanto, o belo em função a alguma consideração mental.
Tal como Plotino reabilitou o arte no sistema de Platão, agora Croce lhe cria um lugar ao
sol no sistema dialético de Hegel.
Como distintos se apresentam os conceitos de coisas que não se opõem, mas também não
se confundem nem se identificam. Os contrários são os que se opõem. "Na investigação
da realidade nosso pensamento se exerce em presença não só de conceitos distintos, mas
também de conceitos contrários, os que não podem ser identificados como casos
especiais daqueles, i.é., como uma classe de conceitos distintos. Uma coisa é a categoria
lógica da distinção e muito outra a categoria da oposição. Dois conceitos distintos, como
já se tem dito, unem-se entre si, ainda que em sua própria distinção; dois conceitos
contrários parecem excluir-se: onde aparece um o outro desaparece totalmente...Exemplo
de conceitos distintos são os já mencionados de imaginação e intelecto e muitos outros
que poderiam agregar-se. Como ser, direito, moralidade e infinidade de conceitos
semelhantes. No que diz respeito aos exemplos de conceitos contrários, pode-se extraí-los
de numerosas associações de palavras que tanto abundam em nossa linguagem e que não
constituem, por certo, associações pacíficas e amistosas. São, por exemplo, os termos
antitéticos de verdadeiro e falso; de bem e mal, de belo e feio; de valor e desvalor; de
prazer e dor; de atividade e passividade; de positivo e negativo; de vida e morte; de ser e
nada; etc... não se pode, pois confundir a série dos distintos com os contrários" (Croce, o
vivo e morto em Hegel, item 1, pp. 16-17).
Numa filosofia da arte deveríamos agora expor o grau distinto inicial, referente à intuição
artística.
Tudo isto, apesar de se constituir como grau distinto ( e não como contrário) é idealidade,
simples elemento composto de Espírito Absoluto. A diferença entre Hegel e Croce
apenas ocorre, no que concerne ao idealismo, em que para o filósofo alemão o Espírito se
manifesta só com oposições; para o italiano, também, em graus distintos sem oposição.
Quanto ao belo, ainda que sensível, também este seria inteiramente ideal, qualquer grau
distinto ou grau de contrários seja posto. Para Croce, conforme vimos, o belo surge como
contrário do feio; neste posto ocorre ainda a manutenção de Hegel. contudo, o belo não se
pode definir em função ao contrário, apesar de possuir um seu contrário. O possuir em
contrário é propriedade, nunca, porém, essência constitutiva de algo.
425. De maneira geral, toda a questiúncula de Hegel e Croce referente aos contrários e
aos graus distintos é de ordem superficial, porque divide o ser em função a propriedades;
em sendo propriedades, não derivam de todos os seres. Tem os diversos seres
propriedades, não derivam de todos seres. Tem os diversos seres propriedades como as de
terem graus , de terem graus, de terem seu contrário, de possuírem semelhantes. Frisou
Aristóteles que somente a categoria da qualidade possuía a propriedade de ter
semelhantes. A Propriedade de possuir graus e contrários ocorre também na categoria da
qualidade, mas não em todas as qualidades individualmente. Observam também
sutilmente os aristotélicos que algumas propriedades dizem-se de várias categorias de ser,
outras não; estas propriedades que alcançam várias, foram denominadas pós-
predicamentos. De maneira geral não podem constituir questão decisiva na organização
fundamental dos seres.
§5. O belo não é evocação, nem empatia. 0764y428.
Se vivemos em um velha casa, ainda que dela nos afastemos há muito, basta rever a casa
afim de que despertem muitas outras imagens. A poesia aproveita esta particularidade,
enunciando aqueles objetos que são capazes de despertar as muitas outras imagens, que o
poeta tem em vista.
De maneira geral, no mundo das imagens que se evocam e das imagens que se infundem
empaticamente ocorre uma evidente facilidade de encontrar a beleza e a arte.. Dali vem
que facilmente poderia alguém confundir a própria bela e a arte com ditas imagens,
quando se associam e se infundem. Ainda que a grande arte opere com as mesmas,
criando a poesia, elas não são a mesma arte, porém um recurso da mesma. Igualmente, o
belo, que tais processos engrandecem, não se confunde com as mesmas imagens.
430. Na história da Estética, desde Schiller, vem tal interpretação ganhando corpo.
Expúnhamos, anteriormente, à propósito de Schiller, sua teoria da "forma viva", em que
fazia consistir a beleza. "O objeto do impulso lúdico, representado num esquema geral é a
forma (Gestalt) viva; um conceito que denomina todas as disposições dos fenômenos,
tudo o que entendemos no mais amplo sentido por beleza. Continua: " Um bloco de
mármore, embora inerte, mesmo assim pode tornar- se forma viva através do arquiteto e
do escultor; um homem, conquanto viva e tenha forma, nem por isso é forma
viva. Somente quando sua forma vive em nossa sensação e sua vida se forma em nosso
entendimento ele é configuração viva e isto será sempre o caso quando o julgarmos belo"
(carta 15).
Desta maneira cria-se a atmosfera para todas as Estéticas que fazem dos elementos
associativos, evocativos, sugestivos, poéticos a definição da beleza.
435. A filosofia dos valores de Max Scheler (1875-1929) tem a preocupação de manter
como valor absoluto o que talvez se pudesse reter como realidade. Assim são salvos
como elementos absolutos, o moral, o estético, o religioso, o cultural, etc... Ocorre aqui
uma situação idêntica à de Kant, que na ordem da essência conservou as antigas e
clássicas afirmações, esvaziou o pensamento só de seu conteúdo ontológico. Por isso, em
tudo quanto dizem os filósofos dos valores, no plano meramente axiológico, é possível
uma certa aproximação com as filosofias clássicas.
A distinção entre o aspecto que diz essência e o que afirma realidade é admissível; a
essência situa-se no plano da res (coisa); a realidade coloca-se no plano do aliquid ( o ser
como contrário do nada como anteposição, como existência). Aspectos distintos, são
tratáveis, até um limite dado, separadamente. E assim sob a filosofia dos valores
consegue manipular afirmações absolutas, ou valores, sem ainda comprometer
diretamente a questão da realidade. Aliás, Nicolai Hartmann (1882-1550) o mais
expressivo e percuciente dos filósofos dos valores também distingue entre o Dasein ( o
fato de cada ser) e o Sosein ( ser-assim).
436. Os valores ingressam, porém, por via alógica; geralmente diz-se através do
sentimento. Já em Kant, as afirmações absolutas, de ordem não categorial, se faziam
através da faculdade do juízo; as noções, como o belo, que viam o objeto como um todo,
a maneira dos transcendentais aristotélicos, resultavam assim de uma feitura inteiramente
inteligível. Na filosofia dos valores, porém, o ingresso se faz pela via alógica do "vale"
que se impõe; em vez de uma intencionalidade lógica ocorreria uma intencionalidade
emocional.
Ocorre, portanto, na filosofia dos valores uma transferência das tarefas da faculdade do
Juízo para a da razão prática. Conforme Kant, certas determinações apriorísticas eram
impostas à faculdade da razão, como uma "determinação prática" como modalidade de
raciocinar que se impunha naturalmente; eu devo (Ich soll), - é a voz da consciência
prática. E assim se impunham valores morais. Desenvolvendo e ampliando estas área da
razão prática, a escola kantiana de Baden deu origem a uma série de filosofias dos
valores; enquanto isto a escola kantiana de Magdeburgo ficava fiel às formulações do
Mestre em tudo aquilo que representava restrições ao mundo ontológico. Scheler nega o
construtivismo apriorístico da faculdade do entendimento de Kant. Reformula a doutrina
da inteligência e amplia a seu lado uma "ordem do coração" a priori.
Na formulação aristotélica, a vontade dirige-se ao objeto que a razão lhe aponta; não
haveria um caminhar cego para os objetos; a volição seria o matrimônio de duas
atividades específicas e complementares, do intelecto que vê, da vontade que caminha
para o objeto visto.
Agora, para os filósofos dos valores, não se "pensa" o valor. Ele se impõe como
determinação sempre válida à ação. Na sua direção encaminha-se a intencionalidade
emocional. Revelam-se sem necessitar do intelecto.
Pelo que se observa, o intencionalismo irracional não é fenômeno isolado. Contudo não
devemos exagerar o radicalismo das correntes anti-intelectualistas; a intuição, que
defendem contra o "conhecimento por meio de imagens "pode também exercer-se pela
razão, embora de fato possa não existir tal intuição. A intuição é irracional, quando
concebida como intencionalidade emotiva, mas não quando exercida como processo
mental. De qualquer forma, porém, a referida constelação de autores, em contribuindo
para desprestigiar os processos representativos da inteligência, criou o clima próprio para
os sistemas de intencionalidade emotiva; ao mesmo tempo que isto se dava, abria-se a
oportunidade para as estéticas do mesmo caráter emotivo e para as interpretações da arte
à base do mistério, do impulso subconsciente, do sentir profundo do gênio.
Não há somente valores. Por isso, ocorre a distinção entre coisa e valor. "Os valores são
independentes, em seu ver, de seus depositários" (Scheler, Ética, p. 45). "Em
conseqüência, é claro que as qualidades valiosas não variam com as coisas". Os valores
em si mesmos são absolutos, imutáveis; combatia Scheler o nominalismo com insistência;
insistiu contra toda a espécie de relativismos, particularmente da ética. A relatividade não
está nos valores, mas pode encontrar-se em nosso conhecimento dos mesmos. Neste
outro particular podemos apontar para uma efetiva variação do sentimento dos valores
(Ethos) e variação no juízo dos valores (Ethik); a oscilação ainda observa-se no
comportamento humano pragmático, nos costumes e nas tradições. Mas em si mesmos,
os valores firmam-se em essências invariáveis.
439. Conforme ao ponto de vista tomado, tem classificado Scheler de diversas maneiras
os valores; há valores positivos e outros negativos; valores superiores; valores de pessoa
e valores de coisa; enfim, os valores podem classificar-se em:
Temos, por conseguinte, o belo classificado como valor espiritual. Alcançar-se- ia, pois,
o belo como termo de um intencionalidade emocional. É sabido que Max Scheler fez do
Einfühlung um instrumento de captação de valor. Nesta hipótese não se pode cogitar em
uma estética intelectualizada, em que o paralelismo do conhecimento e da aquietação
apetitiva andem juntos; o belo resulta de uma descoberta mental nem seria por obra da
descoberta mental que surgiria o prazer estético.
Todavia como valor espiritual, o valor estético mantém num alto nível, numa camada
superior ao da mera sensação empírica; o belo apresenta-se num plano eminente, fora da
contingência, firmado no absoluto.
Que é valor em N. Hartmann? Define como valor o que está subtraído da aprovação do
sujeito. Não seria, portanto, valor o que resultasse das ponderações da razão, mesmo da
razão prática.
"Entre os antigos ocupa a idéia o lugar do valor (a idéia da justiça, da valentia, do bem
em geral); porém o verdadeiro caráter do valor só ressalta nela no conteúdo, não estando
destacado da maneira de ser, patentemente distinta, dos princípios ônticos (como, por
exemplo, a unidade, a oposição, a forma, a matéria).
Kant, pelo contrário, destacou mui precisa e belamente dos princípios do objeto (por
exemplo, as categorias) a lei moral - mediante o conceito de dever ser. Pôs porém a fonte
do dever ser na razão, e com isto surge uma nova dificuldade.
Pois esta razão - entendida como prática é a mesma à qual toca decidir livremente pró ou
contra a lei moral. Tem, portanto, que prescrever, por um lado, um espaço livre para
opor-se exatamente a esta lei. Se não possuísse este espaço, estaria submetida à lei "como
uma lei natural; seria, por conseguinte, infalível em sua atividade , porém a infalibilidade
não seria seu valor moral. Kant uniu, portanto, na razão prática duas autonomias
heterogêneas, a da lei do dever ser e a da decisão frente à lei 0 o que, assim, não é,
patentemente, sustentável (N. Hartmann, Ontologia, Intr. 13).
"O subtraído à aprovação do sujeito existe "em si". Nem por isso requer ser real. A
realidade tão pouco entra para nada na consideração do que diz respeito à maneira de ser
dos valores, pois estes existem com patente independência de que se os realize no mundo,
nem da medida em que se os realiza, e só assim é possível que os valores morais tenham
um caráter do dever ser e se exercem frente ao homem como exigências.
Nisto não estariam sem dúvida sós. Há até leis e essências que tem um mero "ser ideal";
desde Platão se tem aduzido em apoio deste fato as relações matemáticas. Porém, nem se
aclarou que maneira de ser tem estas relações - justamente hoje volta vivamente a
discussão em torno disto - nem pode sua maneira de ser meramente idêntica a dos valores.
Pois é patente que não têm caráter de dever ser e que dominam o real, na medida em que
se referem a ele, sem resistência, como leis naturais.
De outra maneira, quaisquer que fossem suas dimensões, as leis matemáticas da natureza
seriam coisa impossível.
O ser ideal dos valores há de ter ainda, pois, uma espécie de ser distinta, que nem se
sustente no sujeito, nem seja idêntica à das outras essências. Semelhante espécie é fácil
de admitir, porém não de mostrar diretamente, em de caracterizar com precisão
ontologicamente (N. Hartmann, Ontologia, ).
441. Na apreciação das coisas haveria, portanto, sempre duas perspectivas, que poderão
ser consideradas separadamente. O que se conhece de uma coisa e o que nela se
contempla como valor são distintas considerações. Referindo-se a contemplação do belo
em uma paisagem, adverte Hartmann. "A paisagem geográfica não é o contemplado
esteticamente. Aquela existe em si, ainda sem contemplador; o segundo está só para este
último, é o que é só como visto, só sob um determinado ponto de vista; lhe são essenciais
a perspectiva especial, os termos dentro do campo visual, a luz especial.
"Já um exemplo tão simples mostra que a maneira de ser do objeto estético é uma
maneira peculiar, uma maneira fundamentalmente distinta da maneira do objeto teorético.
E contudo não se esgota no mero ser para o contemplador. Pois, sem a presença real do
campo efetivo, não surge tampouco a paisagem estética. O conjunto tem, pois, dois
estratos, um real e que forma a base, o outro irreal, puro fenômeno, que se erige sobre o
anterior. E contudo estão ambos tão entrelaçados, que se trata pura e exclusivamente de
um objeto único" ( Ibidem).
O belo surge como um valor. Ainda que a reflexão raciocinativa lógica posteriormente
cria reflexões, o ponto de partidas foi o do valor originário.
"Uma estética, diz N. Hartmann, não se escreve para o criador nem tampouco para o
observador do belo, mas exclusivamente para o pensador a quem "o fazer", a ação, a
tarefa, e a postura, o procedimento de ambos se torna um enigma. Ao homem pensante,
contemplativo, só pode perturbar o pensamento; ao artista só pode aborrecer o
descontentar quando o pensamento procura entender o que seja seu fazer e o que seja o
objeto de sua contemplação. A ambos arranca-os de sua postura visionária, apesar de se
encontrar perto de ambos a percepção do enigmático, tão perto que faz parte de sua
posição diante da Estética. A ambos é uma evidência essa sua posição; eles sabem de
uma necessidade íntima e nisso não erram. Mas eles a aceitam beatificamente como uma
dádiva, um dom do céu, e essa "aceitação", esse "aceitar" é essência própria de sua
posição contemplativa" (Aesthetik, p.1).
Dali decorre uma estética, em que as indicações sobre o belo não se prendem a conexões
judicativas, que unem partes na todo, ou dissolvem o todo em partes, outra é a índole do
que se oferece sobre o belo, que vai sendo observado como valor.
"As leis do belo são altamente qualificativas, especializadas; são, na origem , diferentes
para cada objeto. Isso significa que elas são leis individuais.
Por sobre essas haverá também leis generalizadoras, portanto, que referem todos os
objetos estéticos, em parte, e doutro lado pelo menos classes, categorias completas.
Seria isto talvez o motivo, porque a estética possa dizer em princípio, o que seja o belo,
com menção de suas espécies e degraus inclusive as pressupostas generalizadas destas,
mas não pode ensinar praticamente o que é belo, ou porque justamente a configuração de
uma figura - é uma configuração bela.
442. Para decidir sobre a legitimidade da estética da Filosofia dos valores se deve voltar à
mesma observação fenomenológica.
A partir da observação direta, do que efetivamente acontece nos dados que se apresentam
à evidência imediata, não nos parece que possam confirmar o conhecimento do belo
como uma situação como a pretendem os filósofos do Valor. O belo implica sempre em
perspiciência profundamente intelectual.
Surgiu diante de nós o belo como "esplendor da forma" (splendor formae) por
conseguinte como uma qualidade "em relativo" que diz haver uma certa perfeição nos
seres, em virtude da qual se realçam. Assim estabelecida, a tese defendida já vem da
antiguidade clássica de Platão e Aristóteles; apenas cuidamos de desenvolvê-la mais
amplamente.
Ao mesmo tempo afastamos as posições que fazem do belo algo "em absoluto"
geralmente objeto dos sentidos. Nisto há algo de verdade. Mas, conforme vimos, não é
toda a verdade sobre o belo.
E. Pauli.
INSPIRAÇÃO ARTÍSTICA
Pela cifra 1, está lotado na primeira unidade geral, - Enciclopédia de filosofia pura.
Pela letra y, se diz que o texto está redigido na forma híper, o que quer dizer reunindo
todos os artigos da enciclopédia atômica (artigos por ordem alfabética), que digam algo
sobre o mesmo tema, dali resultando o aspecto de ensaio, ou livro.
Os 8 dígitos são todavia sempre necessários nas citações a partir de fora deste texto, ou
seja a partir de outras áreas da Enciclopédia Simpozio.
Na escola, é aquele dia em o aluno começa a deixar de ser aluno. Atingiu então o estágio,
em que já não atende às tarefas como se fossem meros exercícios. Entra para a dedicação
entusiasmada, com a intenção de produzir algo objetivamente válido, seja no campo da
expressão artística, seja na do fazer técnico em geral.
Há, pois, o dia em que o escritor, passa a expressar algo de definitivo. Acontece o mesmo
com o artista plástico, o músico ou qualquer outra modalidade de artista e técnico. Não se
limitando a meros exercícios, todos produzem para valer.
Para o escritor este clima começa a ocorrer no final do curso médio, quando passa a
escrever uns primeiros ensaios literários, não pensando apenas na tarefa solicitada pelo
professor. A partir dali nasce um primeiro livro, ainda que mais tarde receba notáveis
melhorias.
Também então podem ocorrer os primeiros ensaios em outras artes, bem como criações
técnicas.
7. Definição prévia da inspiração artística. Não é a inspiração artística a mesma arte.
Surge a inspiração na mente do artista, ao passo que a obra de arte se situa exteriormente.
Acontece a inspiração no instante anterior, quando o artista, por meio de sua capacidade
de julgar, opera comparações diversas sobre como expressar, elegendo a forma que se
apresenta adequada. A inspiração acontece no instante em que a comparação das diversas
opções se converte em uma eleição.
É, pois, a inspiração um juízo. Eis a hipótese da qual partimos para prová-la, esclarecê-la
e permitir que se desenvolva conscientemente. Assim sendo, a inspiração faz parte de
nossa comum capacidade de julgar e de nosso desenvolvimento orientado.
Enfim, mais uma vez se distinguem as mentes, quando em alguns artistas elas tendem
para a inspiração literária, em outros para a inspiração em pintura, em escultura, em
música, em artes cênicas, em outras e outras modalidades de expressão.
Situados, pois, no instante anterior à mesma obra de arte, não vamos ainda à filosofia e à
ciência da arte em si. Estas são tarefas distintas, ainda que as devamos tomar em conta
para entender a inspiração.
Tais outras tarefas envolvem títulos como Filosofia em geral da arte (vd 0531y000 ) e as
suas divisões em Estética literária (vd 4515y000), Estética das cores (vd
3911y000), Estética das formas (2283y000), Estética musical (5287y000). Nem mesmo
cuidamos da Estética do belo (vd 0764y000), da Estética psicológica (1963y000), dos
gêneros artísticos, do estilo e coisas tais.
Retemo-nos no aspecto dinâmico do homem como criador, que por primeiro busca bem
saber, - através da inspiração, - o que depois irá fazer.
8. Método para o estudo da inspiração artística. Embora distinguindo entre a inspiração
artística e tudo o mais sobre a arte, não há como fugir do fato de que, em concreto, quase
tudo acontece ao mesmo tempo. Em consequência, em cada uma das diferentes
disciplinas sobre a arte ocorre a repetência de alguns temas.
O método, portanto, deve determinar como agir em cada disciplina sobre a arte, a fim de
evitar que esta repetência se torne excessiva.
O que dividir? A inspiração artística, eis o que haverá de ser dividido em momentos
distintos.
Importa nos dois primeiros capítulos proceder o exame em duas frentes, - aquilo que a
inspiração cria e aquilo que a mesma inspiração é como operação.
O que a inspiração cria é o modelo de acordo com o qual se deverá gerar a obra de arte;
considerando o tema, determina como será expresso artisticamente (vd) . Até aqui o
primeiro capítulo.
Mas, enquanto a inspiração cria o modelo, ela é uma operação mental, - um juízo, com
certa espontaneidade. Eis o segundo capítulo, onde se completa o que há de mais
essencial a dizer sobre a inspiração artística.
Dado o valor da inspiração, - que o artista profissional e a sociedade têm em alto grau, -
também determinado o porque do artista.
10. Pressuposições vindas da filosofia geral da arte. Não é possível isolar inteiramente a
questão da inspiração artística, sem referi-la a outros temas da filosofia da arte, e nem
mesmo da ciência positiva da arte.
Dali vem porque ocorre uma certa repetitividade ao se tratar das diferentes disciplinas
sobre a arte. Além da repetitividade sistêmica, ainda ocorre a repetitividade didática,
facilitadora da exposição.
Ao se estabelecer uma inspiração artística, acontece haver na mente do artista uma noção
sobre a mesma arte, sem o que não poderia eleger a inspiração do artista eleger a
expressão adequada
Quem busca ser artista, deverá, pois, aprender o que querer; terá de saber o que é a arte.
Ora, a arte é, em primeiro lugar, aquilo que lhe é essencial, - ser expressão. Por acréscimo,
a arte é tudo o mais que se lhe acrescenta como propriedade, - ser comunicação, ser
estética, ser lúdica, ser diversão, ser ordenadora da mente.
Decidir sobre esta maneira de definir a arte, é da função da filosofia geral da arte (vd
0531y000). No tratado sobre a inspiração artística, a referência sobre a natureza da arte
aparece apenas como sendo aquilo, que importa ao artista saber sobre ela.
11. Em vista da variedade das artes, a linguagem ordinária de cada uma tende a se
distanciar da outra.
Entretanto, há algo de comum entre todas as artes, sendo pois necessário encontrar os
conceitos comuns, mesmo quando diverge a linguagem.
Encontrada uma vez uma conceituação comum para todas as artes, está aberto o caminho
para as hipóteses explicativas gerais e para a argumentação comum da justificação.
Como método, a posição final surge desde o inicio como hipótese, e que comandará o
roteiro da conceituação e argumentação.
CAP. 1-o.
INSPIRAÇÃO ARTÍSTICA PELO SEU CONTEÚDO. 2022y012.
13. Introdução ao capítulo. Tem a obra de arte por objetivo expressar um tema, e por sua
vez a inspiração artística tem por objetivo a mesma obra de arte fazendo-a portadora do
referido tema.
Destacando a fase prévia da inspiração temática, se diz também estudo do tema. Somente
a seguir ocorre o estudo da expressão artística, a qual queremos manter bem distinta, para
tanto mais depois bem tratá-la.
A inspiração temática outra coisa não é senão o poder de conhecer da inteligência a partir
de sua própria capacidade. Ela é que investiga, observa, descobre, encontra, entende,
explica, elaborando tudo através das operações mentais de conceituar, julgar, raciocinar.
18. Nomes vários, como tema, objeto, assunto, designam o que a arte expressa.
Tema, do étimo grego 2 X : " (= o que se coloca, tema de discurso), indica diretamente
aquilo que está posto para tratar.
Objeto, do latim ob-jectum (= posto diante como obstáculo) significa de maneira mais
vaga e ampla tudo o que se oferece a conhecer e a tratar.
As coisas em geral são objeto de ocupação humana.
O objeto não é o sujeito, mas o que está em função do sujeito que o conhece e sobre ele
age.
Assunto, do verbo latino assumere (receber, tomar para si ) significa de maneira precisa o
tema ou o objeto escolhido para ser examinado pelo que pensa, ou para ser expresso,
quando dele se ocupa o artista, sobretudo quando mais detalhadamente e por mais tempo.
Por mais espetacular que pareça a arte exprime diretamente os objetos. Mesmo em se
tratando da arte da palavra, ela exprime objetos e não as idéias correspondentes. Tão bem
como se diz que os pensamentos exprimem objetos, se diz que a arte exprime objetos.
Usa-se mesmo dizer "expressar nossas idéias, nossos julgamentos, nossos raciocínios".
Entretanto esta maneira de dizer, tão frequente, - e até admissível semanticamente, - não
passa de um modo abreviado de dizer o que efetivamente acontece.
De fato a obra de arte independe, em seu fundamento, do indivíduo que pensa. Ela
contém uma semelhança com o objeto, ou uma convenção pela qual fica como
equivalente do objeto. Portanto, a arte não exprime diretamente o pensamento sobre um
objeto, mas diretamente ao mesmo objeto.
Quando um desenho imita, por exemplo, a figura de um animal, a expressão acontece por
que o artista instituiu uma semelhança objetiva entre as linhas do desenho e a figura do
animal. Aquela imitação objetiva produz a expressão, a qual portanto não se pode dizer
uma expressão da "idéia" do referido animal.
Em qualquer arte acontece a mesma semelhança objetiva, entre o que a obra de arte
objetivamente é, e o objeto expresso. Na linguagem as palavras, ainda que convencionais,
representam os objetos e não as idéias sobre os objetos.
Tudo pensado em função à inspiração artística,- ela se situa exatamente neste campo,
onde importa descobrir as relações entre a obra e o objeto a exprimir diretamente. Por
mais variados sejam os recursos da expressão artística, tudo começa ali, onde a matéria
utilizada como significante portador do significado, deve emitir um primeiro
relacionamento direto com o objeto a significar.
20. Entretanto, os objetos chegam até nós primeiramente através das faculdades de
conhecimento, ou seja, através dos sentidos externos, sentidos internos (imaginação e
memória) e inteligência (que opera com conceitos, juízos, raciocínios).
Alguns temas contam com recursos mais adequados na língua, outros mais adequados nas
artes plásticas e enfim outros na música.
É aliás diversidade de recursos a razão, por que umas artes se reúnem às outras, num
concretismo que as torna mais capazes.
A obra de arte não depende do tema, considerado este pelo seu respectivo valor. A
expressão em si mesma não se confunde com o valor do tema expresso. Mesmo
expressando o erro e o mal, continua a arte sendo sempre a arte.
A essência da arte é poder expressar, não importa o que exprima. Os temas diferenciam
apenas os gêneros de arte. Consequentemente, a arte poderá ser influenciada pelo valor
do tema apenas extrinsecamente.
A expressão dos temas concretos, episódicos e fictícios, como o fazem a maioria dos que
se preocupam em ser literatos perfeitos, não é maior arte que a de expressão (aliás mais
difícil) de temas abstratos, científicos e filosóficos; o que poderá estar acontecendo é uma
displicência literária dos cientistas e filósofos, em virtude de sua concentração no tema
em si mesmo. A arte é sempre arte, desde de que seja expressão, deve a arte estender-se,
por isso mesmo a todos os temas, a fim de que a universalidade dos assuntos goze das
vantagens deste instrumento de comunicação.
23. Posta a advertência sobre a universalidade temática, verifica-se contudo que é maior a
preocupação literária entre os que transmitem temas episódicos e concretos, do que entre
os que são verdadeiramente sábios. Dali decorre fazer algumas análises.
O real motivo da exaltação literária dos episódicos e dos ficcionistas poderá estar em que
não costumam dispor de alto conteúdo, razão porque ficam limitados ao meramente
estético. E ficam tão preocupados com este lado estético, que se dão somente eles como
sendo estetas, ou literatos.
24. Tema de grande conteúdo. Ainda que ocorra a legitimidade de todos os temas,
ocorre todavia que muitos difíceis de alcançar, entre ele alguns são de grande conteúdo e
valor, merecendo estar entre as preferências temáticas do escritor e dos artistas em geral,
se forem sábios.
Ao não sábio resta ficar na menor importância do trivial. Este aliás é o campo da
sabedoria popular, ou seja do folclore. Mas, em vista da universalidade temática, tudo
merece a atenção do escritor, o trivial e o valioso.
Do ponto de vista dos temas axiológicos qualifica-se como sendo bela ou feia, boa ou má,
individualista ou social, religiosa ou anti-religiosa, e assim por diante.
Para distinguir as duas respectivas temáticas mencionadas, seja lembrado que um objeto
pode ser considerado em absoluto (apenas em si mesmo, pela sua constituição) e em
relativo (com vistas a um termo arquétipo exterior, idéia modelo segundo o qual se
realiza).
Os assuntos, que explicam como as coisas são em absoluto, interessam a todos nós, ainda
que não despertem graves polêmicas. Tanto os temas concretos, como os abstratos
ocupam aos escritores e artistas em geral, quando das coisas as mais diversas, das pedras,
das montanhas, das florestas, das nuvens, das tempestades, dos oceanos, dos astros, e
assim ainda da gente, da cultura, da civilização, da história, da ciência e das especulações
filosóficas.
Tais assuntos, enquanto apenas dizem o que as coisas são, mantêm-se indiferentes do
ponto de vista valorativo, ou axiológico, ou ético.
Sob esta condição axiológica, os entes são ditos úteis, belos, bons, inúteis, de validade
social, política, religiosa, econômica, etc. Há coisas que se dizem estar na moda.
Valorizam-se objetos como sagrados. Ocorrem atitudes denominadas progressistas.
Neste outro plano, o axiológico, ocorrem mais insistências e por isso maiores são as
polêmicas, inclusive para influenciar a arte.
Considerando que as transformações morais e sociais, educacionais e políticas se
processam tendo em vista a anteposição de modelos, ou diretivas, os gêneros literários
mais em evidência são os que se constituem dos mencionados temas axiológicos.
Ao tratar dos grandes temas, - quer no plano das coisas absolutas, meramente teóricas,
quer no plano axiológico, - a literatura e a arte em geral tendem a ser transformantes e
raramente conservadoras.
Isto assim acontece, porque ocorre um esforço temático constante, por parte dos homens,
para entender sempre melhor a realidade e as suas normas, com vistas a transformar a
realidade para mais um degrau na direção do ótimo.
Graças às novas inspirações, a ciência e a filosofia expressas pela arte de cada novo dia
tende a ser melhor, que a do dia anterior. As obras perenes, ainda que existam, são raras.
Não fosse a capacidade de inovar e melhorar a inspiração temática, deveríamos
simplesmente copiar o passado. O bom não é ponto de repouso, é ponto de partida para
novos resultados.
A filosofia escolástica quer tudo ser criado dentro de idéias exemplares de Deus e que se
antepõem à moral humana, como leis divinas a cumprir.
A filosofia positivista, ainda que admita a unidade da natureza e a norma ética dos
costumes sociais, tudo concebe de maneira mais relativista e sujeita à alternativas
transformantes.
Similar é o modo de ver das filosofias culturalistas, historicistas.
Cria-se pois, a arte, sobretudo a literária, de acordo com as filosofias, que orientam sua
inspiração temática.
27. Há dois campos de valores, - verum e bonum, - a partir dos quais se classificam os
demais e se derivam os diferentes princípios.
O valor verum está na ordem da essência (ou seja dos esquemas em que se enquadram as
coisas). No plano de valor verum, que também se diz verdade ontológica. Neste mesmo
plano se discute a arte clássica, visto que dita arte imprime ao tema o tratamento de
idealização, segundo a verdade ontológica.
Eis questões a que o escritor e o artista em geral não pode ficar alheio, envolvendo
inclusiva a direção de sua inspiração, a qual não poder por fora dos parâmetros
previamente consolidados. Precisa tomar posição. A fim de que se defina com
clarividência, muito terá de pensar.
Esta maneira de tratar o tema é, até certo ponto, válida para quem admite os arquétipos
ideais. Se todos os temas podem ser expressos, é claro que nesta lista universal se
incluem também os tipos ideais.
É preciso, portanto, que o escritor saiba colocar sua obra de arte, em acordo com suas
convicções gerais sobre a normatividade, tornando-a coerente com o esquema geral de
sua filosofia. Por esta diretriz se orientará para decidir sobre sua inspiração.
28. O valor bonum é seguramente o mais discutido em arte. Em vista da liberdade, - sem
dúvida um grande bem, - a imposição do valor bonum parece diminuir as alternativas de
escolha do artista.
De outra parte importa considerar o valor, pelo simples fato de o ser, merece a atenção do
artista. O valor não diminui a arte que o serve; pelo contrário, o valor engrandece a tarefa
da arte que o realiza.
A não apreciação da igualdade dos homens faz com que socialmente se deformem os
valores sociais em favor de classes privilegiadas. Houve o tempo dos privilégios da
nobreza e do clero, em prejuízo dos plebeus e leigos. Continua a haver privilégios em
função à distorções da economia.
Depois, levando adiante a idéia de fraternidade, a literatura teve ainda, o tema social
pleno, como situação mais ativa na obra comum dos homens.
30. O saber espontâneo pode ser expresso e já conter um tema útil. Melhor é estudá-lo
previamente para que maior seja a mensagem.
Houve um momento em que nada sabíamos do tema. Houve depois aquele instante em
que aconteceu o primeiro conhecimento. Cada novo objeto atingido é mais um
conhecimento, que se torna cada vez mais sofisticado. Sobretudo esta novidade maior
constitui a inspiração temática, em sentido nobre.
Algo pode ser eminente como expressão artística (arte pela arte) e sem importância do
ponto de vista do conteúdo temático. Pode acontecer que a arte religiosa, por exemplo a
arte pagã dos gregos, apresente, quando vista pelo cristão, como sendo de conteúdo falso,
isto é, mitológico, mas como arte seja extraordinária.
Foi grande parte da arte grega destruída pelo fanatismo cristão. Não devia ter sido a arte
religiosa grega destruída pelos cristãos, apenas por não concordarem com o seu conteúdo,
já que tinha alto valor como arte pela arte. Esta calamidade aconteceu particularmente
após o decreto de 381, do Imperador cristão Teodósio, que mandou destruir os templos
pagãos e suas belas estátuas.
O mesmo não devem fazer os que contestam hoje o conteúdo temático da arte cristã,
maometana, budista, e de outros cultos. O que do ponto de vista da arte pela arte é
considerado válido, deve ser conservado pelo menos em museus.
Há homens que apenas sabem formalmente como se escreve, como se pinta, como se
procede em qualquer arte. Não possuem, entretanto o que expressar. Ainda que sejam
inteligentes e até mesmo eruditos, não lhes ocorre nada quando se propõem a criar
artisticamente. Se conhecem as leis da arte, podem pelo menos comportar-se como
críticos de arte, ou seja, da arte que não sabem realizar.
A palavra inspiração evoca um quê de informação interior, vinda por revelação recebida
de outro ser, o qual, como que sopraria para dentro de nosso espírito o que este ignora.
Na arte não há a inspiração neste sentido de receptação. Os poetas inspiram-se com as
musas, - dirão. Mas este inspirar-se com as musas não passa de uma linguagem
mitológica.
A arte pela arte, isto é, a arte sem atenção ao conteúdo do tema, só tem sentido como
consideração em abstrato. E esta consideração em abstrato é também válida. Neste caso
abstrato não se avalia a importância da arte pelo nível do seu tema. Abstrai-se uma coisa
da outra e se julga a cada uma em separado.
Os sentidos externos simplesmente contatam os objetos, que são a cor para a vista, os
sons para os ouvidos, o olfato, o gosto, o tato para os demais. Estes conhecimentos não
ultrapassam o instante intuitivo.
Por vezes se comparam muitos termos, sem que um só se revele atribuível. Num agitar
constante das asas do pensamento, as comparações se vão fazendo, até que aconteça a
descoberta. Então chamamos a isto de inspiração. Houve um instante de percepção, que
denominamos melhor de perspiciência.
Também na operação mental do conceito ocorre a inspiração, enquanto este forma ainda
que ao mesmo tempo seja posicionado dentro do juízo, ora como sujeito ora como
predicado. O conceito de árvore, por exemplo, significa a noção da mesma, enquanto sua
posição de sujeito ou predicado ao mesmo tempo a faz dizer-se, ou sujeito de um juízo,
como em a árvore é verde, ou como predicado, como em isto é uma árvore.
Os conceitos são os mais diversos, devendo ser buscados um a um, a partir do poder do
pensamento para conceber e idear. As classificações aristotélicas, - de futuro
aperfeiçoadas, - distribuem os conceitos, pelo conteúdo (ou matéria), em 10 categorias
supremas (modos especiais), - como substância, relação, qualidade, quantidade, tempo,
etc, - e em várias noções transcendentais também supremas (modos especiais), - como
ser, verdade, bondade e outras.
O conhecimento das diferentes formas das operações do raciocínio,- ora indutivo, ora
dedutivo, - mais uma vez oferece oportunidades de controle da inspiração temática.
33. Controle metodológico da Inspiração temática. A inspiração temática deve ser posta
sob controle e conduzida por meio de método a sua plenitude. O método já é praticado no
conceito e no juízo, mas se amplifica no plano do raciocínio.
Neste sentido a reflexão faz a crítica do que as pesquisas anteriores fixaram, para definir
o que não fizeram e precisa ser feito.
A hipótese não se ergue ao azar. Alguns indícios orientam esse trabalho. A estratégia da
hipótese está nisto, que procuramos investigar onde é mais provável encontrar a solução.
Não se perde tempo, então, na investigação onde menos provavelmente a mencionada
solução se encontre.
Pelos dados novos se testa a hipótese anteriormente escolhida. Muitas técnicas podem ser
seguidas neste caminho final, como testes, entrevistas, formulários, fichas, catalogação,
estatística, etc.
Do ponto de vista temático, a pesquisa é conduzida, como se mostrou, por uma ordem
metodológica, com a qual se torna eficiente e pela qual a inspiração temática se põe sob o
controle de escritor e dos artistas em geral.
Até mesmo um romancista precisa pesquisar, pois sua criação deve ser um relato da
realidade, ainda que por meios fictícios. Ninguém está eximido, portanto, da metodologia
da pesquisa, desde que tenha objetivos sérios. Escritor sem seriedade temática vende sua
mercadoria sem contribuir para o progresso mental de sua comunidade. O escritor sério
em cada livro ou artigo traz uma contribuição a mais, com que se exerce com um
elemento socialmente benéfico.
A pesquisa busca diretamente o contato com os objetos a conhecer. Começa pela simples
observação dos dados. Depois aplica os demais operações da mente.
35. A inspiração se pode obter, indiretamente por informação recebida de outro, como do
professor, do livro, e dos mais diversos instrumentos de comunicação.
Inversamente, algo poderá não ter boa elaboração temática e sim ter disposição literária
sugestiva.
Se nós mesmos não tivermos maturidade crítica, ainda não estaremos na fase de ler tudo
e nem de nos guiarmos sozinhos. Depois de um certo ponto, cada qual deve ter atingido
este estágio de desenvolvimento, de sorte a ler tudo e colocar cada coisa no seu devido
lugar de aproveitamento.
É claro que devemos possuir uma sabedoria prática, através da qual nos colocamos de
pronto diante das obras mais significativas, como ainda tê-las logo de inicio classificadas,
umas como de interesse artístico, outras de valia temática. Neste sentido nos informam
analiticamente as histórias da filosofia, as histórias da literatura, as histórias da ciência,
etc..
A visão rápida do índice dos livros, também nos auxilia. O mesmo acontece ao lermos as
resenhas bibliográficas que se encontram em revistas especializadas. As fontes de
informação, em nossos dias são muitas. Por, isso, de tudo somos capazes de obter
notícias rápidas, a fim de tomar iniciativas práticas seletivas. Depende mais de nós
mesmos, que dos livros, que saibamos aproveitá-los. Não obstante, há livros que de
nenhum ponto de vista são aproveitáveis. Estes facilmente se deixam reconhecer, até por
que os livros bons também são frequentes.
Um conhecimento é crítico quando sua alternativa falsa também é conhecida. Não basta
conhecer porque a coisa é tal; deve-se saber também porque seu contrário não é
verdadeiro. Uma tese está perfeitamente provada só quando se afastam "as dificuldades
contra ela".
O espírito crítico é peculiar ao bom escritor, cujos temas são por ele apresentados tanto
pelo assim, como pelo não, pelo que ele mesmo pensa, pelo que opinam os que
discordam.
O mesmo deve acontecer com os demais artistas, não pintando, nem esculpindo senão
dando como real o que efetivamente é real, e como fantasia o tem este nível.
37. Concluindo sobre a inspiração temática parece-nos claro que a arte perfeita, mas sem
conteúdo, é como belo pomar sem bons frutos. Há os que cursam letras e adquirem
excelente estilo, mas nada têm de importante para dizer.
Infere-se que todo o aluno de letras, bem como de qualquer outra arte, deve escolher uma
disciplina de conteúdo, de preferência de ciências humanas, como história, ou sociologia,
ou psicologia, ou política, ou geografia, para ter um conteúdo sobre o qual possa
expressar-se com espírito verdadeiramente científico.
Importa ao artista captar a realidade com profundidade, para que sua expressão contenha
algo de importante. O tema deve ser uma preocupação constante de quem se comunica
por profissão.
O escritor capta a realidade e a transpõe para as palavras, não só em boa forma artística,
mas também competentemente no que concerne ao conteúdo.
O mesmo fará todo e qualquer outro artista. Todos os que se expressam deverão portanto
cuidar, portanto, da inspiração temática, em virtude da qual o tema é atingido
adequadamente.
O mais, - como por exemplo, o seu tema em si mesmo, - poderá interessar também ao
artista, que o aliará à inspiração artística. Mas não se confunde a inspiração artística com
a inspiração temática, mesmo quando se trata de ficção.
Para determinar, pois, os objetivos a serem realizados pela inspiração artística, importa
determinar a natureza da arte, mostrando o que ela é: mais especificamente como
expressão, e menos especificamente como tendo ainda propriedades e acidentes de estilo.
O elemento material da arte é algo sensível aos olhos, aos ouvidos, ao tato, ao gosto, ao
olfato. Preexiste o elemento material àquilo que, por acréscimo, permite atender a algo a
maneira de tema significado.
O pensamento tem consciência de que é pensamento. A arte não tem consciência, de que
ela exprime algo (vd 33).
A arte é expressão capaz, todavia, de ser exteriormente interpretada por outros. O mesmo
não acontece com o pensamento; precisa este expressar-se primeiramente na obra de arte,
depois do que se torna perceptível aos outros.
Por isso, há uma lógica do pensamento, como também uma lógica da arte; uma
gnosiologia do pensamento e uma gnosiologia da arte; uma psicologia do pensamento e
uma psicologia da arte.
Está na expressão a essência da arte, sendo que a comunicação é apenas uma sua
propriedade.
Pode-se expressar sem intenção de comunicar. Isso acontece com mais frequência na
música, sendo comum notar-se o músico se expressando com o toque solitário de sons,
ou mesmo com o cantar solitário sem intencionar a comunicação.
Em todas as artes é possível a expressão pura, sem a intenção de comunicar algo a quem
quer que seja. Isto vem mostrar que a obra de arte se apresenta primeiramente como
significação, nisto já se considerando completa.
Apenas num segundo tempo, já como propriedade útil, passa a arte a servir como
instrumento de comunicação entre os homens. Decorre a propriedade como efeito formal
(vd 32) da essência, sem ser a mesma essência.
O artista que apenas se expressa, faz o principal. Todavia, a natureza social do homem
precisa também da comunicação. Por isso o homem se aproveita da expressão e a usa
como comunicação, estabelecendo a socialização da vida. Comunicando-se, conseguem
os homens passar também a agir em conjunto. Então a propriedade da comunicação se
adiciona com a propriedade da ação comum, sobretudo a social.
44. Artes de comunicação. Certas artes são peculiarmente desenvolvidas para a função
instrumental de comunicação e ação social; por isso quase se definem pela sua função.
Mas a função comunicadora da arte, apesar de sua importância, não passa de uma
propriedade da expressão.
Tendo em conta sua natureza eminentemente funcional, usa-se definir a linguagem pela
combinação de sua definição essencial e de sua definição descritiva, portanto como
expressão e comunicação.
Esta marca, admite ser considerada sob dois aspectos; primeiramente é um novo ente
criado de acordo com o modelo da mão, e desta maneira é expressão entitativa da mão;
mas, além de ser expressão entitativa; é também uma expressão significadora (ou
comunicativa, ou ainda teorética) da mão, enquanto fala dela.
46. Arte em sentido amplo e arte em sentido estrito. No uso habitual da língua, a palavra
arte veicula dois significados, que o contexto usa distinguir suficientemente.
A inspiração artística visa portanto não só a expressão, mas esta expressão conduzida ao
sentido nobre da arte como bem feita.
Um artigo industrial, porque realizado segundo um modelo, seria já só por isso uma obra
de arte no sentido amplo. Seria arte qualquer produto artesanal simplesmente porque
saído da inteligência do artesão.
Com arte se criam objetos gratuitos, apenas porque são esteticamente agradáveis.
Enfim, também sons agradáveis, embora sem significado, são arte musical no sentido
amplo.
Note-se, aliás, que grande parte da música é produzida como sequência agradável de sons,
sem que por isso algo signifiquem. Mesmo quando os sons passam a significar, não
perdem aquele instante pré-artístico de sons estéticos.
47. As duas dimensões de arte, - ampla e estrita - não se hostilizam entre si. O bom
gosto dos homens faz com que aconteçam estarem quase sempre de mãos dadas. É o que
ordinariamente se observa na música e nas assim chamadas belas artes (sobretudo
arquitetura).
O mesmo acontece com a arquitetura, a qual usa acrescer às suas belas formas e cores
algum simbolismo.
Kant entendeu a arte como um fazer coisas belas, agradáveis aos olhos e ao ouvido.
Tudo isto poderá acontecer na arte em sentido estrito, mas não se confunde com ela.
A expressão da arte é teorética, porque equivale à informação, notícia, comunicação,
mensagem, linguagem. Nesta condição é que se define a arte, em sentido estrito, como
não sendo apenas um objeto, mas também exercendo uma função significadora.
49. A arte é semântica, no mesmo sentido pelo qual se diz que ela é portadora de
significado.
Este modo de falar, a partir do étimo grego E : " (= sinal), equivale à teorético.
Simplesmente repete a definição de arte como expressão significadora.
Do mesmo modo que se diz da arte que ela é semântica, também pode ser
dita mensagem, notícia, fala, etc.
50. Prova da arte como expressão intencionalística. Cabe à filosofia geral da arte (0531-
000) determinar o que a arte em sentido estrito efetivamente é. Questionada a definição
de arte em sentido estrito, como sendo expressão intencionalística, e passando a examinar
o que efetivamente ocorre, determina-se desde logo que este é o fato. O exame de um
fato constitui a fenomenologia. Há pois a proceder a fenomenologia da arte.
Esta fenomenologia da arte principia desde o momento em que se iniciou o exame de seu
conceito e de suas múltiplas possibilidades de manifestação.
que há uma arte de sentido amplo, que é apenas a criação de objetos gratuitos ou mesmo
úteis, que não se definem como expressão significadora;
Sendo fenômenos distintos, mesmo com igualdade de denominação, não se reduzem uma
e outra arte ao mesmo conceito, e poderiam mesmo ter nomes totalmente distintos.
Mesmo quando a arte em sentido estrito se ocupa do belo, não é para construí-lo, mas
para significá-lo.
Portanto, a arte como ela acontece possui função semântica (vd 23). Esta é outra maneira
de nos referir ao mesmo fato da arte revelada como expressão significadora, todavia
agora como sinal de algo, na base do étimo grego. Efetivamente, a arte é um sinal que
denuncia intenções nossas.
O praticante da arte tem a vontade deliberada, de que ela seja o sinal de algo. Este
exercício semântico está sempre em função de uma mensagem e não apenas de uma obra
meramente entitativa. A arte é portadora de notícia. Quanto mais significados contém
uma obra, maior arte ela é. Em especial a linguagem falada é uma obra semântica. Mas
também são semânticas todas as demais artes: a música, a pintura e a escultura.
O homem fala por meio de palavras e também por intermédio da melodia, das cores e das
formas. Eis um fato incontestável, que prova fenomenologicamente, - pela constatação
direta, sem explicitação de implícitos e sem argumentos silogísticos, - ser a arte obra com
significação.
Assim sendo, é na área da mimese, que por primeiro ocorre a inspiração artística.
Deve-se dar aqui não somente a compreensão do fenômeno da inspiração, como ainda
neste plano se deverá desenvolver o processo de aperfeiçoamento correspondente.
A diferença entre a expressão mental e a artística está em que, a mental usa qualidades
psíquicas, enquanto a arte opera com qualidades sensíveis do mundo concreto.
Efetivamente a arte utiliza as cores, que afetam aos olhos; os sons, que tocam os ouvidos.
Menos eficiente para o uso da arte são as qualidades sensíveis apresentadas pelo olfato,
gosto e tato. Até aqui as qualidades mencionadas se qualificam como sensíveis próprios,
porque cada qual é objeto de sentido específico.
Também a forma espacializada (ou simplesmente forma) é uma qualidade; pelas suas
características é denominada sensível comum, assim chamada porque perceptível, a seu
modo, por todos os sentidos.
Há, pois, sensíveis próprios a cada sentido, como a cor e o som. E há sensíveis comuns a
todos os sentidos, dentre os quais se destaca a forma.
55. Mesmo nas artes que operam por convenção, - como sucede com os símbolos
sobretudo com a linguagem, - acontece fundamentalmente o mesmo princípio, o de que o
semelhante acusa o assemelhado. Ser um equivalente por convenção é nada mais que ser
um semelhante, como quem diz faz de conta que seja semelhante.
A segunda vantagem da língua é a sua emissão por reflexo condicionado, que agiliza a
produção das palavras.
Não está ainda a essência da língua na capacidade humana de produzir sons. Como em
qualquer arte, a expressão depende da competência interpretativa da expressão. Mas é
esta capacidade geradora o fator que imprime à língua uma especial vantagem sobre as
demais expressões artísticas.
Na linguagem, o motivo evocador é indicado por uma palavra; então se observa haver
uma palavra estímulo. Nas outras artes, os estímulos são exercidos, ora por cores, ora por
sons musicais, ora por formas no espaço.
Basta, portanto, ao artista (sobretudo ao poeta) apontar para um objeto com o qual outras
imagens foram vivenciadas, e sua expressão se tornará mais forte.
Um velho cajueiro, mesmo sem importância objetiva, pode, por conseguinte, expressar,
por associação, a infância do poeta, se ele se criou à sua sombra. Ao poeta não importa
em primeiro lugar o cajueiro em si mesmo, porém o cajueiro como objeto de estímulo de
imagens, as quais, embora apareçam só num segundo tempo, são o objetivo principal de
sua expressão. Tendo, pois, o fundo estético do cajueiro, a poesia apresenta o principal
pela mensagem emergida por evocação.
57. A segura distinção, entre o objeto que estimula e a imagem excitada, oferece ao
artista a oportunidade de uma consciente produção da poesia. Na intenção direta o autor
da poesia atende à evocação produzida, e na intenção reflexa cuida ao modo como se
produziu a evocação. E assim, ao mesmo tempo o poeta produz e é um autocrítico (vd
2025y045).
Em dois tempos expressa a poesia o seu tema, eis ao que o poeta autocrítico deve estar
bem atento e deve treinar.
Num primeiro indica ao objeto estímulo, o qual em si mesmo não constitui o interesse
principal. Num segundo tempo, como objetivo último, atende as imagens estimuladas, ou
seja associadas, evocadas.
Se a poesia se refere à lua, esta, num primeiro tempo (como na prosa) é apenas um
objeto-estímulo, mas que deverá expressar, como caminho obrigatório. A poesia pura
atende apenas ao segundo tempo, enquanto a prosa pura apenas ao primeiro.
Na prática não costuma haver prosa pura, nem poesia pura. É que a prosa aproveita
alguns elementos da poesia; e esta, a poesia, alguns da prosa. Dali as expressões prosa
poética e poesia prosaica.
Não há boa teoria da poesia, sem prévio conhecimento das leis da associação das imagens,
que o poeta auto-crítico deve bem conhecer.
Também não há boa teoria da arte sem um prévio saber sobre os processos gnosiológicos
do conhecer em geral.
Saber, - que é arte, - implica em preliminares sobre o que é pensar, que é a sensação, que
é conhecer. Sem isto, os tratados da arte e poesia permanecerão num clima de espírito
vulgar.
58. A arte uma operação por efeito formal. A relação de causa e efeito entre a semelhança
e a expressão é de efeito formal e não de efeito gerativo na ordem da causa eficiente.
Não depende a expressão do fato de haver sido criada como efeito na ordem da causa
eficiente. Ainda que seja uma criação, não é por isso, que ela se torna arte. Sua índole
falante independente de sua criação como efeito na ordem da causa eficiente. Este é
apenas um fato que dá origem ao ente que, a seguir, por efeito formal de sua semelhança
com o objeto, vai falar deste. O mesmo falar não é o fluir existencial do entrar na
existência entitativa.
Portanto, - voltamos a insistir, - a arte, para significar, não depende de haver começado.
Uma estátua eterna (ou natural) exprime tão bem quanto a que agora se faça.
Possui a arte:
Ocorrem casos muito especiais, como no teatro, em que a obra (o ator) está consciente do
seu papel artístico. Entretanto, por parte do apreciador, isto não se faz mister. O ator
poderia ser um robô, ainda que este receba programação a partir do exterior.
A inconsciência ocorre também nos aparelhos eletrônicos produtores de imagem humana
e de linguagem. Aquelas figuras e respectivos sons exprimem sem terem a consciência do
que mostram e dizem.
Ora, todas as qualidades podem juntar-se num mesmo suporte material mais fundamental.
Este fato permite a aliança de várias ou mesmo de todas as artes em uma só obra. Uma
estátua, por exemplo, exprime pelas suas formas; todavia também pode exprimir pela cor.
Eis mais um campo onde a inspiração artística tem muito a operar, dependendo de suas
eleições o sucesso final do todo.
Na aliança das artes, continuam todas operando a partir de si mesmas, todavia todas, -
como se adiantou, - montadas no mesmo suporte concreto.
Como movimento histórico, não passa o concretismo de uma ênfase do que já é natural
no campo das artes. A especificidade do concretismo, como movimento histórico, foi
também o radicalismo com que a composição foi praticada pelos seus porta-vozes.
Circunstâncias eventuais podem mandar preferir, ora a aliança, ora a radicalização da arte
única.
Normalmente, uma estátua erigida ao ar livre das cidades não admite uma pintura
expressiva. Materiais homogêneos, do tipo bronze, facilitam a criação da estátua sem
pintura.
O contrário pode acontecer nos interiores das casas, dos templos, dos palácios, dos
grandes edifícios.
O teatro reúne um grande número de variações que servem de base material das
expressões oferecidas.
Sobre o quanto cabe à arte principal e quanto às demais subordinativamente, cabe muito à
inspiração artística decidir sobre o que em cada instante eleger.
63. O movimento na arte. Não é o movimento uma nova qualidade, como se fosse
matéria portadora de mais uma arte específica, mas admite estar presente em todas as
artes. O movimento é uma sequência de graus de determinação, que se alternam.
Em si mesmo, o movimento não é nada. São as coisas que se movem. Apenas por
abstração e imaginação é possível conceber o movimento em separado.
Considere-se que as qualidades podem variar em grau e mesmo ser removidas em parte,
ou até substituídas. Dali resulta o movimento da expressão. Por sua vez, a expressão em
movimento pode expressar as coisas que se movem.
O movimento é um desejo universal de toda a arte, por causa dos seus efeitos estéticos.
Não é entretanto fácil de praticá-lo. É quando a inspiração artística entra com o esforço
de inventá-lo, quer como movimento real, quer subtilmente como movimento psicológico.
Outras artes, operando com materiais mais dinâmicos, exprimem com as qualidades em
movimento de substituição.
A música é uma arte que opera com o som em movimento; não há expressão artística
com o som estático, porquanto nestas condições o som muito pouco oferece.
64. A denominação da arte a partir de uma predominância. Atentos à lei do ritmo e ordem
das partes, nesta composição concretista ocorre ordinariamente a preponderância de uma
das artes, a partir da qual se dá a denominação ao todo.
Do mesmo modo também será a escultura concreta, será em primeiro lugar escultura se
as formas predominam no todo concreto.
E assim ainda a pintura concreta, será primeiramente pintura, se a cor predominar sobre a
forma e outros elementos aliados.
A poesia concreta se diz literária, quando a palavra figura como principal fator entre os
demais, como a forma e a cor, ainda que este outros aspectos aliados sejam mui enfáticos.
65. A linguagem, como fala do homem que utiliza flexões sonoras, se reduz
especificamente ao gênero dos símbolos, antes que se alie à outras artes; qualquer
qualidade admite ser tomada como símbolo, desde de que se lhe aplique uma convenção,
que lhe dê a significação.
Dentre estes outros gêneros, novamente pela ordem, o som é o elemento concretista mais
próximo e que mais de perto se une ao todo concreto da linguagem falada.
A língua ou idioma, é antes de tudo algo sonoro, apenas com posterioridade se pode
estabelecer a grafia alfabética, em espaços e cores.
Por isso, antes que ao espaço e à cor, a linguagem se une aos elementos concretistas de
natureza métrica e de rima.
Por último, a aliança se exerce com os mesmos recursos havidos na cor e na forma
espacial, oferecidos pela grafia, que as palavras sonoras admitem. Esta ainda se pode dar
idiograficamente, à maneira da escrita chinesa e egípcia antiga, ou através da grafia
simbólicas dos sons do alfabeto.
Os concretismos, na área interna dos signos, se complexificam mais uma vez, quando
entram a entender a variada função que os signos exercem, ora como palavras isoladas,
ora como membros de uma frase: as palavras isoladas, ora como substantivos, ora como
adjetivos, ora como verbos.
O linearismo fraseológico traz para o texto poético uma presença maciça da logicidade
do pensamento; contra isto reage o concretismo dos mais radicais, que adotam a arranjo
no plano da folha como um todo.
De outra parte, o linearismo ajuda a manter uma ordem sequencial dos pensamentos.
Surgem estes muito explosivamente, e vão adquirindo ordem ao longo das palavras que
se alinham.
67. Quando a expressão literária concretista também se une a elementos de espaço e cor,
se reforça com o figurativo e o psicodinâmico.
Grafismo é o nome que se tem dado ao expediente que ordena as letras segundo a forma
figurativa dos objetos e temas expressos. Poderá o expediente incluir as cores.
O texto ilustrado, mediante figuras e mapas, como habitualmente se encontra nos livros,
é também um concretismo literário, desde sempre praticado, ainda que sem este nome.
Pode-se dar como prosa e como poesia.
A inspiração no texto ilustrado tem um campo muito vasto para desenvolver resultados.
Para estabelecer-se especificamente como poesia não importa que sua mensagem seja
medíocre ou apreciável; entretanto, para que mereça ser levada em consideração, ela
precisa alcançar um certo valor, na capacidade evocativa e no conteúdo temático. Em se
tratando de aliança de variados recursos em um todo concreto, semelhante poesia tende a
tornar-se expressiva, ao mesmo tempo que difícil.
71. Efetivamente acontece a poesia, - eis o principal na crítica da poesia, e por onde ela
principia.. A primeira preocupação do crítico ao se aproximar de uma poesia, é a de
verificar se nela efetivamente funciona a forma evocativa da expressão. Quando o crítico
da poesia é o próprio poeta, ele está efetivamente atento à sua mesma inspiração, cujo
resultado poderá inclusive remodelar (vd 35).
Qualquer crítico, - seja outro, seja o mesmo poeta autor, - deverá começar distinguindo os
dois tempos da poesia, - o do objeto-estímulo e o das imagens evocadas.
O objeto estímulo é apresentado em prosa, ainda que seu objetivo no segundo tempo seja
estimular imagens. Portanto, a crítica deverá advertir se o poeta, no seu primeiro tempo
seguiu os caminhos da organização lógica da frase em prosa. Eis onde por primeiro se
determinará se o poeta é perfeito, ou se foi deficiente.
A inspiração poética importa mesmo no segundo tempo. É bom poeta aquele que em sua
inspiração conseguir encontrar objetos estímulos verdadeiramente capazes de associar
imagens, precisamente aquelas que importam mais.
Com referência ao apreciador da poesia, deverá também possuir capacidade para atingir
as imagens que o poeta exprime associativamente.
Se isto não acontecer, o suposto apreciador da poesia será como os pássaros que pousam
sobre as estátuas, sem saber o que elas verdadeiramente são. Ele entende as palavras da
poesia pelos objetos que exprimem no seu primeiro tempo, mas não se apercebe das
evocações que também são capazes exprimir. Se o apreciador incapaz ouve falar em
bananais e laranjeiras do tempo da infância, sabe o que são bananais e laranjeiras, mas
não atinge o que o poeta queria despertar associativamente na imaginação.
Uma crítica de inexperiente não verá o que é essencial julgar na poesia. Até poderá
limitar sua missão, exercendo-se como crítico de linguagem em prosa. Subverterá os
valores, porquanto julgará tudo apenas do ponto de vista das aglutinações raciocinativas;
dará valor ao primeiro tempo das imagens, sem pôr a atenção nas que, num segundo
tempo, magicamente associam.
Se se tratar de um grande poeta espontâneo, mas sem preparo para a autocrítica, poderá
prejudicar sua própria inspiração ao querer aperfeiçoá-la.
72. Equilíbrio interno das artes aliançadas. Outras particularidades, - ainda no campo da
expressão especificamente poética, - hão de ser levadas em conta pela crítica e por todo
aquele artista que quiser sujeitar os resultados de sua inspiração a uma rigoroso controle.
Trata-se, agora, sobretudo das alianças concretistas, que reúnem várias expressões num
corpo material. Então uma expressão prevalecerá sobre a outra, de sorte a respeitar o
ritmo das composições complexas, para que a atenção caminhe de um elemento para o
outro, sem tumultos, nem distorções, nem mesmo redundâncias, a não ser que os
referidos tumultos, distorções e redundâncias façam parte dos efeitos a serem
conseguidos.
Importa, entretanto, nos advertir contra extremismos. Embora não seja necessária a
ordenação métrica, - abandonada por alguns modernistas, - não se vá deixar seu uso por
se lhe negar a capacidade de gerar evocação poética.
De outra parte, não se deve admitir a poesia somente onde há evocação métrica
tradicional.
73. O tema do poeta. Nem mesmo o conteúdo temático desinteressa ao crítico da poesia.
Depois de se haver interessado pela especificidade da expressão poética, mostrando se ela
ocorre, ou não, na obra artística examinada, segue para o exame crítico do conteúdo (vd
51). Tanto importa o conteúdo dos objetos evocadores, como o conteúdo das imagens
evocadas.
Deve-se todavia distinguir entre o conteúdo, que serve de estímulo à evocação pelo
referido estímulo. Não importa em primeiro lugar que o estímulo seja um objeto banal;
ainda que seja recomendável que o próprio objeto estímulo tenha um alto valor, o que em
princípio mais importa é o que ele consegue evocar.
Não há tolices que os poetas, mesmo os bons, já não tenham escrito, que os cantores já
não tenham cantado alto e bom som, ou que os pintores e escultores tenham posto em
caprichosas cores e formas plásticas elegantes. Mas, o que em si mesmo pode ser banal,
assume todavia o papel de espírito evocador.
74. Acontece haver poetas banais tanto em seus instrumentos de evocação, como em seus
resultados de imagens evocadas.
O fenômeno da poesia banal ocorre principalmente nos poetas novos. Tratam do amor
pessoal, sem conseguir elevar-se ao amor universal como uma das leis do ser.
O que engrandeceu a Gioconda, de Leonardo Da Vinci, foi haver posto, nos seus lábios, a
expressão substancial e permanente da interioridade sentimental, e não um insignificante
tema, como esses dos sorrisos de retratos banais.
Por conseguinte, o tema de mais valia, engrandece também a poesia. Deverá i crítico
saber anotá-lo. Não pode por exemplo referir-se à dor da poesia de Cruz e Souza, sem
anotar de que se trata da dor universal, aquela da condição humana.
75. A crítica e os gêneros poéticos. Como acabamento final, a crítica se ocupará também
dos gêneros poéticos, nos quais a expressão se adapta para cada tipo de tema. Afinal, não
exprime do mesmo modo o que é lírico (vd) e o que é épico (vd).
Todavia esta diferença de recursos de expressão é acidental, e não retira à arte seu caráter
de expressar de algum modo e imediatamente aos seus objetos.
Cada espécie de arte, - ainda que possa ocupar-se de algum modo com todos os temas, -
prefere aos temas aos quais mais adequadamente exprime e deixa os outros. Em
consequência o mesmo gênero artístico assume diferenças em cada arte, e orienta a
inspiração a seu modo, em cada espécie artística.
Varia, portanto, a inspiração com a diversidade mesma dos gêneros artísticos e dos
recursos próprios a cada espécie de arte.
O gênero artístico é a expressão quando adequada aos detalhes de tipo de objeto (tema ou
assunto). No plural, gêneros artísticos designa a totalidade das variantes de expressão
temática.
A classificação dos gêneros artísticos se faz por critérios variados, em que das diferentes
categorias de ser são os mais adequados.
Todavia, alguns critérios extrínsecos podem manifestar-se úteis, como os que se colocam
de acordo com as três operações mentais, - conceitos, juízos, raciocínios. A importância
destes critérios está em que eles se dizem do pensamento, o qual influenciam
profundamente a nossa maneira de tratar aos objetos.
São, por exemplo, gêneros literários, em função às operações mentais: a conceituação (no
plano da primeira operação mental), a descrição, conto, novela, romance, carta (no da
segunda), a argumentação, tese, discurso (no da terceira). Mais complexos são os gêneros
quando ingressa o elemento associativo.
- gênero de conceituação,
- gênero descritivo,
- gênero argumentativo.
Esses são gêneros elementares, dos quais os outros, como novela, romance, tese, não
passam de complexificações.
As diferenciações do que cada uma das três operações mentais apresenta, assim aparecem
plenamente só nas expressões da faculdade do pensamento. O mesmo não acontece na
expressão artística.
O raciocínio por uma sequência de premissas e de uma conclusão, cujo todo é o discurso.
Acontece o mesmo no apreciador de tais obras de arte, porque, enquanto as aprecia, vai
sendo despertado, - conforme já se referiu, - para formar conceitos, juízos, raciocínios.
Por isso, mesmo quando a expressão artística expressa os temas como eles se oferecem
por uma só das operações mentais, a do conceito, as demais operações mentais
espontaneamente encaminham os juízos e os raciocínios, garantindo a qualquer das
espécies de arte o poder de expressar amplamente seus temas.
82. O método de operar o tema a ser expresso influencia a mesma expressão e diferencia
seus gêneros. Já que o método de operar influencia a expressão e seus gêneros, o artista
há de haver-se com versatilidade neste campo. Por isso mesmo, um excelente preparo
mental costuma haver por trás dos grandes artistas.
Método é a maneira de operar os elementos em fluxo, podendo variar pela forma e pela
matéria operada.
Ainda que as operações mentais, - conceito, juízo, raciocínio, - pareçam formas de pensar
(e de fato cada operação opera por uma forma diferente), elas também se distinguem pelo
conteúdo, portanto pela matéria.
A ordem no fluxo da expressão dos objetos oferecidos, importa em uma coerência interna
da exposição, o que tudo começa pela reta divisão dos temas e pela boa estrutura das
classificações.
85. Conceitos concretos e conceitos abstratos são quadros classificatórios a que o artista,
particularmente o escritor, deverá estar atento com frequência.
Nota-se que a divisão, pela qual se criam os conceitos abstratos, se apresenta como um
dos procedimentos mais espontâneos da inteligência. Ela é tão espontânea, que se
apresenta praticamente como uma inspiração temática instantânea.
Homens existem que se ocupam das coisas como dados concretos; assim quase sempre as
crianças e os adultos menos instruídos. Também o escritor se poderia limitar aos entes
concretos; isto ocorre em um grande número de casos. As crônicas, as notícias, as
novelas e romances, se retêm dominantemente no plano concreto.
O tema abstrato é peculiar aos que escrevem ciência e filosofia. Estas disciplinas do saber
procuram ir mais longe, induzindo de dados concretos as noções mais abstratas, ao
mesmo tempo que avançando por meio da síntese para resultados progressivamente
maiores.
Sem esta divisão não seria mesmo possível a operação do juízo, em que uns conceitos se
afirmam de outros. Os conteúdos representados pelo sujeito e pelo predicado não se
dividem concretamente; em abstrato se separam, para, ato contínuo, se afirmarem um do
outro.
Por exemplo, "a porta está fechada", é uma afirmação em que "fechada" concretamente
pertence à porta.
Outros conceitos são ainda mais abstratos. Há conceitos eminentemente gerais; por
exemplo, o ser bom, ou o ser se divide em existência e essência. Em consequência o
concreto e o abstrato se encontram presentes em todos os níveis do pensamento, ou seja,
em todos os gêneros literários.
87. Na pintura e escultura o tema concreto dá origem à arte figurativa e o abstrato à arte
abstrata (ou meramente formal). Adequadamente se diz que tais artes plásticas são
figurativas, por que as coisas concretas apresentadas por elas têm uma figura.
Admite-se dizer literatura episódica, visto que o episódio versa em geral em torno de
objetos concretos. Ou ainda literatura de tema concreto.
Quanto à literatura abstrata não é exato reduzi-la toda a uma literatura dominada
científica e filosófica. Um conceito, sem estar estruturado ao modo de ser sistemático do
científico e do filosófico, também pode ser abstrato. O processo da inspiração poderá,
contudo, elevar os conceitos não científicos e não filósofos ao nível destes.
Além disto, a própria ciência e filosofia se ocupam igualmente dos seres concretos, como
pontos de partida; a ciência faz descrições dos achados; a filosofia também descreve
quando faz a fenomelogia dos dados de evidência sempre explícita e pré-teórica.
Se, por exemplo, vemos uma porta, esta imagem concreta apresenta todos os aspectos
unidos num só todo; o juízo afirma em termos de síntese tudo o que ali se constata. Tal
afirmação poderá apresentar o seguinte sequencial de juízos, todos sintéticos:
- isto é porta;
- a porta está fechada,
- a porta é branca, etc.
Mas também se pode, por extensão, falar, por exemplo, de descrição de conhecimentos
abstratos, afirmando o que eles são.
A ordem de elementos descritos é importante. Ela poderá ser lógica, por exemplo na
sequência da essência, propriedade, acedente; ou na sequência cronológica, em que o
acidental e a propriedade aparecem antes do essencial; ou na sequência do mais evidente
antes do menos evidente, ou ainda na ordem do estático e dinâmico, passado, presente e
futuro.
Literalmente, a ordem na descrição importa para a clareza e eficácia da comunicação.
Mas se a descrição tem outras intenções, por exemplo, o estético ou catártico, ou a
diversão, estes outros objetivos marcarão a ordem da descrição.
A ordem também importa para destacar a coesão entre os elementos que compõem o todo.
No caso, por exemplo, de uma tela (desenho ou pintura) deverá haver um centro principal
de atenção, ao qual obedecem os demais elementos.
90. A narrativa, - de que as variantes muito conhecidas são o conto, a novela, o romance,
- é uma importante modalidade da descrição; ela se diz da descrição do objeto em
movimento. Portanto dos dados em transformação.
Respectivamente, o consequente deve limitar-se ao que foi gerado, e não ser maior e nem
mais seguro.
Assim é que bons escritores e bons oradores provam o que afirmam, e o fazem com
clareza.
Os autores das demais artes também buscam assim argumentar, o que entretanto para eles
é mais difícil, sendo-lhes necessária grande capacidade de inspiração temática, além da
artística.
Também são de ordem secundária inserções que visam agradar ao ouvinte (ou leitor),
predispondo-o a acreditar na argumentação.
Pelo visto, o discurso não é uma narrativa, nem só uma conceituação, ainda que possa
conter a ambos como elementos secundários.
O raciocínio indutivo começa por colher fatos particulares. Por meio de análise separa os
elementos particulares de cada fato e tenta descobrir os aspectos gerais. Estes aspectos
gerais são finalmente afirmados expressamente, por generalização conclusiva, a propósito
de todos os fatos particulares. Enquanto não se der nada em contrário, mantém-se esta
indução como definitiva.
Como se viu, o método da indução foi o da análise. Esta análise pode apelar a mais
métodos auxiliares. O mais comum destes métodos é o apelo da indução à hipótese (vd
90). Com ela a indução adianta o aspecto geral a ser obtido na conclusão, por imaginação;
a seguir procura confirmar o que foi adiantado. Se a confirmação for conseguida, a
hipótese passa a se estabelecer como conclusão.
O raciocínio dedutivo opera por meio de juízos, na base do princípio, de que duas coisas
iguais a uma terceira, são iguais entre si. Os juízos assim comparados se denominam
premissas. Para que o procedimento seja válido, ao menos uma premissa deve ser geral.
Assim sendo, acontece que, sob a premissa geral estão sintetizados fatos menos gerais,
para as quais fluem, por síntese, as consequências.
Por exemplo:
- se todos os doentes com os sintomas de uma determinada moléstia se curam com determinado
remédio (premissa geral),
- se este indivíduo doente, de nome Pedro, oferece os mesmos sintomas da moléstia assim
determinada (premissa menos geral),
- decorre que ele será curado pelo referido remédio, que então se lhe receitará (conclusão).
Assim costuma acontecer nas ações práticas. Por exemplo, o médico primeiramente
aprende a medicina, que se constitui de induções, e depois usa estas induções como
premissas no momento de dar a receita.
A técnica da expressão artística é melhor aprendida por indução, do que por dedução,
porquanto se exerce a partir de observações. Mas, a seguir a dedução importa para fazer
importantes aplicações. É um caso idêntico ao do médico, que primeiramente aprende seu
saber por indução, mas, depois, receita por dedução.
CAP. 2-o.
INSPIRAÇÃO ARTÍSTICA OPERACIONALMENTE. 2022y095.
De outra parte, porém, não é a inspiração artística mais do que o exercício do pensamento
em uma de suas tantas áreas de operação; nestas condições cada um de nós exerce a
inspiração artística, embora cada um a seu modo e limites.
Este é o sentido da expressão latina recta ratio factibilium, - um juízo prático para o
fazer.
Não é a inspiração artística de natureza opaca e ininteligível. A mente vê como deverá ser
a expressão artística, e o afirma em termos claros de juízo. Se é que há mistérios na
inspiração artística, eles são os mesmos mistérios de todos os demais conhecimentos.
Mesmo quem caminha enquanto sonha, procede de acordo com as imagens do seu sonho.
A imagem da mente acontece nas ações do agir e no fazer, que a referida imagem
acompanha e ilumina. Sendo a arte um fazer da expressão artística, esta expressão na
obra é acompanhada e iluminada precisamente por aquilo que se denomina inspiração
artística.
O exame deste fato nos ocupará agora, com vistas a determinar os detalhes em que
acontece e se desenvolve.
99. A inspiração artística como um juízo. Desde logo observamos que a imagem guia
da expressão artística se apresenta como tendo sido uma eleição entre diversas idéias
possíveis, escolhendo a artística que lhe parece mais adequada; continua depois a retocá-
la, e o crítico se ocupa em dizer o quanto o artista foi capaz de escolher o melhor.
O que nos ocupa sobre a inspiração artística em si mesma não é o que lá fora faz a arte
ser expressão e nem qual é o tema que expressa. Pergunta-se pela inspiração artística no
sentido de eleição da imagem mais adequada para guiar a ação criadora; procura-se saber
como acontece o juízo prático que surge na mente para guiar a obra a criar.
Quando constatamos que alguém foi feliz no seu modo de expressar, - porque usou as
palavras certas, que descobriu exatamente como dizer, ou ainda como pintar, como
esculpir, como fazer a música, - tudo isto aconteceu como inspiração. Um momento
houve, quando aquilo lhe veio à cabeça. Foi a inspiração. Dito mais adequadamente, foi a
inspiração artística.
Podemos pensar menos bem, mas também muito bem durante uma inspiração. De acordo
com o menos bem e o muito bem, a nossa inspiração admite graus, podendo ser menos ou
mais perfeita. A inspiração poderá ser aperfeiçoada no sentido de ser educável. A partir
dali se organiza a escola da arte.
Também o intérprete da arte tem um momento em que ele percebe o que foi expressão.
Se pudéssemos por a linguagem em marcha lenta ouviríamos primeiramente os sons
articulados simplesmente como entidades físicas; depois num novo perceber,
entenderíamos o que eles exprimem.
100. A inspiração como perspiciência. Com mais precisão, a nossa hipótese sobre a
natureza da inspiração artística é a de que ela consiste num momento do juízo
chamado perspiciência.
Com esta interpretação da inspiração artística encaminhamos sua definição para um plano
racional. Não a reduzimos a um mistério inexplicável. Nem entendemos que o gênio
artístico seja uma faculdade a parte. A inspiração artística é, como qualquer juízo sobre
outro assunto, apenas um juízo, e neste centraliza sua perspiciência.
De outra parte, o juízo nasce por etapas, em que a perspiciência é o instante mais
significativo da criatividade. E então a inspiração surge como instante da perspiciência,
criador do juízo que determina qual a expressão a ser criada no exterior para exprimir o
tema em questão.
101. É possível apresentar mais detalhes sobre a inspiração artística interpretada como
um momento de perspiciência do juízo.
Neste sentido lembremo-nos sempre que o juízo é a afirmação que une um predicado a
um sujeito, decidindo da conveniência, ou não, de um conceito visto em sua função; que
é peculiar ao juízo compor; que ele compõe, ao unir o conceito ao sujeito. Também se
pode dizer, que o juízo divide, ao negar o conceito ao sujeito; em última instância, está
ainda compondo, porque compõe o sujeito como uma negação. Ao se afirmar que Pedro
não é branco, melhor se diria que Pedro é um não branco.
Lembremo-nos mais que o conceito não passa de ser uma determinação qualquer do
sujeito. Suponha-se que Pedro é alto; o ser alto é então uma determinação de Pedro; esta
determinação é colhida por um conceito; num novo instante, esta determinação
conceptualizada se predica de Pedro, criando-se então o juízo que compõe o conceito de
altura, com o sujeito Pedro.
A semelhança entre a obra de arte e o tema é percebida pelo mesmo sistema, no qual a
mente funciona percebendo um conceito e o aplicando a um sujeito.
A palavra é conhecida como um sujeito; num segundo tempo é julgada como sendo a
palavra exata para indicar o tema.
Na pintura, a cor é conhecida com anterioridade; num segundo tempo é julgada como
sendo apta a designar o tema em questão.
Num segundo tempo, faz a comparação, buscando ver em que se podem compor e em
que não os elementos comparados.
Num terceiro tempo, o intelecto descobre o nexo, exatamente aquilo em que os elementos
se compõem e não se compõe, descoberta que se denomina a perspiciência. Finalmente o
juízo faz a afirmação do nexo encontrado. Se ainda se trata de agir, é neste instante da
afirmação, que a ação se faz acompanhar.
A seguir se faz a comparação, a fim de se determinar qual a obra sensível que poderá
melhor expressar o tema.
Depois, descobre-se qual a obra capaz de manter o nexo com o tema, - eis quando ocorre,
nesta perspiciência, a inspiração...
Por último, afirma-se a dita composição e se realiza na ordem prática, pela criação da
obra, que passa a expressar o tema.
Ali temos a análise do processo criador da expressão artística. Mui variadas poderão ser
as obras de arte, em virtude da multiplicidade dos temas. Todavia, todas se criam dentro
deste processo.
Mas o que se encontra na mente serve de modelo para o que será realizado fora dela.
Portanto, a inspiração artística cria um modelo mental (ou idéia exemplar) para guiar a
realização exterior da expressão - língua, música, pintura, escultura.
Antes que a obra se crie, deverá ser prevista por uma idéia diretriz, a qual surge como
simples inspiração. Aliás todos os demais fazeres do homem, ao serem exercidos
conscientemente, vão precedidos de uma idéia modelo. Ainda que ela se apresente por
vezes como um fazer muito espontâneo, como acontece principalmente na linguagem do
dia a dia e no canto do repentista, sempre se dá mediante algo que passa pela mente.
A inspiração artística nasce como um juízo, pois este indica como a idéia exemplar será.
Entretanto, o que se realiza no exterior imita apenas o predicado deste juízo, portanto a
idéia.
105. A mente, para criar a idéia exemplar que servirá de guia para a obra, precisa
conhecer previamente as condições objetivas que constituem a expressão. Esta se cria
principalmente por meio da imitação, pois o semelhante informa sobre o assemelhado.
Igualmente ainda conhecerá a mente que a convenção alarga o espaço dos recursos de
expressão artística; por convenção uma articulação da voz humana equivale a um
significado, e assim outras e outras articulações significam novos significados, até se
formar uma linguagem completa.
Já cuidamos de esclarecer como tais condições objetivas definem a arte (cap. 1-o) (vd
2022y12). Levamo-las agora em conta, para dizer que a inspiração artística é o instante
em que a perspiciência mental percebe os modelos para cada tema a expressar.
Como por sua vez a imaginação é condicionada pelos sentidos externos, é claro que o
poder destes condiciona poderosamente a inspiração artística.
Mas não basta a sensação, para que a obra de arte se faça. A função principal compete
à perspiciência mental, que elege, entre os elementos comparados, aqueles que se
conectam entre si, e os encaminha à afirmação definitiva da inspiração artística. Resulta,
portanto, como verdadeira a jocosa constatação de que "o sangue quente não faz o artista",
e sim sua capacidade crítica de julgar qual a expressão mais certa para cada tema a
expressar.
Dada a mencionada participação dos sentidos externos na criação da idéia exemplar guia
da expressão artística exterior, também a psicologia destas faculdades deverá ser
examinada, para determinar com precisão a influência exercida e para assegurar
racionalmente sua utilização.
No mesmo momento que a vontade age, ela o faz conscientemente. Este agir consciente é
mais um juízo, chamado prático-prático. Pode ser formulado - eu faço. Ou mais
concretamente - eu falo, eu escrevo, eu pinto, eu canto, etc. Distingue-se do juízo
especulativo prático (ou exemplar), que o precede, e é a inspiração artística declarando o
que há a fazer.
Tudo começa, pois, pelo exercício de uma função da inteligência e que tem o aspecto
de modelo exemplar, enunciado como afirmação judicativa, isto é, como juízo
especulativo-prático.
A esta função de inteligência deve cultivar o homem antes de qualquer exercício da
vontade e das habilidades artísticas das mãos, da boca emissora de sons, de técnicas
eletrônicas, dos reflexos condicionados auxiliares.
Ser artista não consiste em primeiro lugar na posse de habilidades. Estas são
subordinativas e são condições para bem executar o que é ditado pelo juízo especulativo-
prático, ou seja pela inspiração artística. A formação do artista é mais do que isto; ela
consiste no preparo do intelecto a fim de capacitá-lo para a formulação do juízo
especulativo-prático, que propõe os modelos exemplares para dirigir o fazer da obra.
Quanto à formação dos sentidos do artista, ela se faz diretamente necessária enquanto os
sentidos fornecem o ser ao intelecto de acordo com Aristóteles, que faz o inteligível uma
abstração ao sensível. Mas ainda se apresenta acidentalmente necessária esta formação,
enquanto os sentidos vêem, embora acidentalmente, o objeto, e condicionam por muitos
modos a ação dos indivíduos, suas apetições, afetividades e hábitos.
Em virtude da conaturalidade artística, a alma do artista como que se desloca para dentro
de sua obra, o que se dá em virtude do juízo especulativo-prático que necessariamente
precede e ilumina a criação. Diante disto, conhecer o artista, também contribui para a
compreensão de sua arte.
Vista em conjunto, a arte de um povo, representa a alma deste mesmo povo, com suas
características de temperamento, preferências e intenções, elevação de espírito. Por isso a
arte de uma época é indicadora de seu estado de alma.
Com referência ao artístico, mais uma vez os desenvolvimentos divergem, porque uns
desenvolvem as operações mentais em direção à linguagem, outros em direção à música,
outros em direção às artes plásticas.
111. A oscilação do gosto artístico é também condicionada por situações culturais. Uma
atenção menor ou maior do artista às características de um tema resultam em
diferenciações na maneira de o expressar.
O artista bem formado não julga sobre os modelos exemplares e nem executa sua obra
exterior à maneira do homem comum.
Este artista retém o tempo conveniente para o primeiro esboço de um juízo especulativo
prático; atende às partes segundo sua ordem e sua proporção sempre melhor; completa o
que está íntegro, ajusta o que não está harmônico.
À medida que o artista se aplica, o esplendor da obra vai surgindo. Tenta um primeiro
ensaio em material provisório; são os "estudos". E enfim, após muita aplicação, alcança
um resultado que torna definitivo.
A prova da influência que a atenção e a educação exercem sobre o esteta e o artista, está
em que ele evolui através dos anos. Com o passar dos anos, chega mesmos à convicção
de que o estudo exerce uma influência notável: por isso é que os artistas usam demorar-se
mais tempo em suas obras e alcançam mais sucesso.
Como se vê, o esforço, embora não altere a capacidade ingênita do indivíduo, forma-a de
tal modo que interfere na qualidade dos gostos e resulta na relatividade da inspiração. O
artístico, embora objetivamente um só, em relação ao indivíduo se torna relativo,
consagrando o dito dos clássicos - de gustibus nos est disputandum.
Numa época como a helênica, quando o cultivo do corpo se fazia sistematicamente, ainda
que em equilíbrio com o da mente, e em que a robustez física era o ideal de segurança
nacional e o caminho para os sucessos olímpicos, era natural que a estatuária se
desenvolvesse segundo os conceitos da harmonia arquitetônica dos corpos nus.
Épocas conturbadas e cruéis terão outras sugestões para os seus artistas e que os críticos
de arte exigirão deles. À arte corresponde expressar o terror e a tragédia, com o
consequente desvanecimento do ideal da doce harmonia.
Exatamente porque são extrínsecas e nada têm a ver com a arte e a inspiração em si
mesmas, estas influências não são diretamente tratadas pela filosofia da arte, mas apenas
como possíveis condicionantes, sem serem essenciais. Como fato, o condicionamento
pertence à ciência positiva, especialmente história e psicologia.
Os que divergem em opinião podem todos ter alguma razão, porquanto diante da mesma
coisa a viram igual.
Tem, pois, uma certa razão o sofista grego, de nome Protágoras, ao asseverar que "o
homem é a medida de todas as coisas". Não resultaria, pois, a diversidade dos gestos
artísticos, de um diversidade do gosto em si mesmo, porém de objetos abstratos distintos,
formado diante do mesmo objeto concreto.
O hieratismo da estatuária egípcia talvez fosse acertado até um certo momento de sua
história, porque a preocupação se concentrava antes na majestade da dimensão. Na
Grécia a estatuária egípcia imediatamente se transformou em expressão de vida e graça,
atenta por conseguinte a outros ideais.
É que a arte, enquanto expressão sensível, que põe em obra um pensamento, não se
preocupa diretamente com o belo, mas com a função que tem de manifestar uma idéia.
Através da história se puderam fixar certos tipos fundamentais de estilo, marcando que,
apesar das divergências, ocorrem denominadores comuns na apreciação.
A filosofia poderá, por obra do esforço especulativo, determinar estilos e graus de beleza
ainda não realizados. Pela filosofia todos os graus são determináveis, com a numeração
indefinida.
114. A história apenas fixa aquelas formas artísticas que se realizaram como preferidas; é
também possível que o mais perfeito dos estilos não se tenha ainda podido manifestar.
Ocupa-se a história da arte em primeiro lugar das obras de arte como estas são. Apenas
em segundo plano ela se refere a ação criadora do artista na fase mental quando se
formulava o juízo especulativo-prático para guiar com este modelo exemplar a criação da
obra.
Efetivamente, a obra vale pelo que objetivamente tiver podido expressar. Todavia, ela se
fará compreender melhor, tanto em suas perfeições e defeitos, se a história revelar como
tiver sido concebida, em todo o seu contexto cultural e subjetivo. Importa principalmente
revelar detalhes da inspiração se ela trata de conotações associativas de vivência.
Hipólito Taine, francês do século 19, com um livro denominado Filosofia da Arte (1865-
1869), insistiu na relatividade da arte, alegando fatos positivos. Certamente fez mais
ciência positiva da arte, do que filosofia da arte.
117. As exigências de uma obra de arte não se limitam aos resultados de uma criação
fortuita. O repentista é admirável pela sua espontaneidade, mas não pelo acabamento
final de seu trabalho.
Entretanto, a melhoria que se procura dar à inspiração artística não é propriamente um
novo ato criador, a continuidade do primeiro elan retomado. Não se trata de uma
atividade paralela que se lhe soma. A inspiração é uma criação mental, que se reestimula,
ao se tentar sua clarificação e ordenação autocrítica.
O artista, no exercício consciente de sua inspiração, como que a retoma todos os dias, até
concluir de todo a sua obra. Sendo a inspiração um juízo, é possível comparar este juízo
com outras alternativas de juízos para a mesma obra a executar.
Ela opera pela semelhança, que anuncia o assemelhado, e pela associação de imagens, em
que uma imagem estimula a outra, fazendo-a conhecer.
Como, porém, obter semelhanças figurativas para temas abstratos? No caso da linguagem
somente há semelhanças convencionais. Eis outro problema. O literato é um constante
coletador de palavras adequadas e manipulador das funções gramaticais. Entre muitas
alternativas deverá escolher, para atingir portanto a uma decisão crítica. Eis a inspiração
elevada ao nível de pensamento crítico.
Também é preciso aprender a ler poesia com consciência crítica no que se refere a sua
essência. Não de pode lê-la como se os objetos de estímulo fossem o sentido principal em
mira. O que a poesia quer é a evocação como objetivo principal da expressão. A
referência, por exemplo, a uma flor, não visa flor em si mesma, porém ao que ela, como
objeto estímulo, é capaz de sugerir.
Ora, deve a arte se exercer como comunicação, esteticidade, catarse, diversão. De acordo
com as funções a serem dadas à obra de arte, importa à ela, ora mais a esta propriedade,
ora mais àquela.
De acordo com o acento a ser dado, varia a expressão para o mesmo objeto. Em cada
caso ainda uma atitude crítica precisa atender as muitas alternativas e eleger sabiamente.
Por exemplo, a expressão eleita para ser comunicadora requer alta precisão, devendo
portanto atender às propriedades gnosiológicas, - evidência, verdade, certeza.
Uma inspiração por perspiciência simples se satisfaz com a primeira percepção mental,
sem comparações com demais alternativas que objetivem a eliminação de modelos
inferiores.
Temos ali a confirmação de que a simples imitação da natureza pode também constituir-
se em arte desde que a natureza em si mesma ofereça à humana perspiciência uma
inspiração. Certamente algo de valioso e impressionante ocorre na natureza, que satisfaz
a perspiciência e a alimenta.
"Sem reflexão, sem escolha, sem comparações, o artista é incapaz de dominar o conteúdo
que pretende tratar; é um erro pensar que o verdadeiro artista não sabe o que faz. Nunca
poderá ele dispensar concentração de alma" (Hegel, Estética, II C item I, a, pág. 235).
Há neste esforço uma constante eliminação do menos perfeito, de sorte a haver uma
espécie de inspiração crítica.
Cada vez o processo inicia do começo, separando os dois termos, comparando, fixando o
nexo mais perfeito, finalmente afirmando e fazendo.
O escritor escreve em páginas soltas, que ora dispõe de um modo, ora de outro; estuda e
escreve um trecho; depois retorna a estudar outro tópico; e assim de folha em folha vai
compondo o seu escrito. O improviso perfeito raramente sai de sua caneta, ou dos dedos
que digitam o teclado.
Aqueles que seguem apenas modelos já conhecidos, são os assim chamados discípulos,
ou seguidores de um escola artística, ou de um estilo. Os primeiros são os criadores de
nova arte e fundadores de escola.
Também se presta para a função de modelo uma realização artística anterior. É por este
caminho que o discípulo, de pouco em pouco, supera ao mestre. Ocorre o mesmo
fenômeno quando o artista retoca suas próprias telas.
Aliás, a evolução histórica das artes tem por base dinâmica na possibilidade que os
grandes artistas posteriores exercem de poderem imitar superando. O orador busca falar
sempre melhor que seu modelo. O pintor sempre melhor que seu antecessor. A imitação,
em si mesma, não é, já por definição, uma diminuição. Só o artista incapaz de imitar,
deforma ao imitar: mas então, a deficiência não é da imitação, e sim de não saber imitar.
Contesta-se que a imitação é arte sem originalidade. Não resta dúvida, que a
originalidade é um valor, porquanto traz sempre coisas novas, - mas este é outro assunto...
Esta questão já foge ao conceito de arte. Não se confunde a arte com a originalidade.
As reproduções aos milhares que as modernas aparelhagens são capazes de realizar, não
mudam em nada o valor de cada novo exemplar idêntico ao anterior. Falamos com a
língua vernácula de sempre, e todos somos artistas da língua, ainda que sem originalidade.
O mesmo acontece com os cantores e músicos que apenas reinterpretam um plano inicial.
A inspiração aperfeiçoada pelo processo raciocinativo oferece, pois, uma índole mui
diferente daquela que deriva por mera perspiciência judicativa. Mas, qualquer seja a
conclusão de um raciocínio, ele também se enuncia na forma de um juízo,
chamado conclusão.
Se tomarmos como princípio geral, que a sequência de um ritmo suave agrada, podemos
concluir dedutivamente que é válido criar tais movimentos de formas, cores, sons, se
partirmos de um esquema clássico dos acordes de sons coordenando-se em função à
tônica da escala, a seguir pela dominante e depois pela subdominante, podemos concluir
dedutivamente em favor de disposições as mais diversas dentre desta figura melódica,
resultando sempre em sons relativamente agradáveis.
E assim, a língua, como técnica de comunicação e expressão, deverá ser estudada pela
linguística, não apenas como um acontecer, mas ainda como algo capaz de novos
aperfeiçoamentos e transformações revolucionárias.
Pela superação do primitivismo linguístico, vai sendo criado um sistema de língua mais
eficaz. A eficácia consiste na perfeição de expressão e comunicação.
Por acréscimo, a língua mais eficaz poderá também ser mais fácil; a facilidade liberta a
humanidade de um ônus social muito grande, qual é o da aprendizagem de línguas
estrangeiras.
Além disto, uma língua planejada poderá adaptar-se melhor aos temas internacionais
independentizando-se dos elementos característicos das línguas étnicas, as quais serão
todavia mantidas em seus limites territoriais em que se formaram.
O escritor, portanto, pratique duas línguas como suas, - a língua étnica, que lhe é
característica como cidadão de uma nação, e a língua internacional, que também lhe é
característica como cidadão do mundo.
A melhor forma para que isto se faça é aceitar no plano nacional uma língua étnica e no
internacional uma língua planejada.
Logrou difundir-se mais do que outros projetos surgidos antes e depois. É uma língua de
regras, com a intenção serem as melhores possíveis, e estas sem exceções, por isso lógica
e fácil, além de língua neutra.
No fundamento do Esperanto se encontra a idéia de que as palavras têm uma raiz, a qual
permite ser acrescida de terminações que a adatam à mesma raiz, às diferentes funções
gramaticais, por terminações inconfundíveis, para o substantivo, adjetivo, adverbio,
verbo.
Mais uma vez, distingue destas terminações os sufixos, os quais alteram apenas o sentido
básico das radicais. Uma vez posto o sufixos, estes passam a admitir de novo todas as
terminações gramaticais.
Dali resulta, primeiramente a plasticidade da língua, ao mesmo tempo que assegura a sua
alta capacidade de expressar com nitidez os objetos e temas os mais diversos.
Ainda resulta que a função do sufixo se mantém inconfundível frente às terminações
gramaticais.
126. Virtude e hábito. A arte pode desenvolver-se como uma atividade espontânea.
Neste sentido a arte se diz também uma virtude ou hábito.
Sobre a arte entendida como espontaneidade há a considerar em que aspecto isto melhor
se diz, pois a arte apresenta várias operações; e como se adquire esta espontaneidade.
O tema é apenas uma condição; por si só ele não é constitutivo da arte, mas apenas seu
motivo.
Quanto à obra exterior, ela já é elemento essencial, porque seu acabamento final. Todavia,
esta obra é posterior à inspiração da expressão exemplar. Por conseguinte, o hábito da
arte é em primeiro lugar dito da inspiração artística.
127. A prioridade a ser dada ao elemento inspirativo não exclui os demais ingredientes. O
tema a ser expresso não pode evidentemente ser apresentado sem as peculiaridades
próprias de perfeito conhecimento, mesmo quando subordinado aos objetivos da didática
e da pedagogia. Importa, por conseguinte um desenvolvimento temático, representado
por uma necessária erudição do artista. Nesta erudição, vai incluída a vivência do artista a
propósito dos temas de que se ocupa. Finalmente, a formação do hábito artístico não
exclui a versatilidade da execução, ainda que a da inspiração se situe sempre em primeiro
lugar.
Aplicando este princípio, - o de que o hábito se forma desde o primeiro ato, - fica desde
logo firme, de que a educação artística já começa no mesmo exercício da inspiração
artística.
128. A educação artística é antes de tudo atividade inteletual, visto que a inspiração
fundamentalmente é um juízo.
Assim como é possível criar uma "lógica natural" do pensamento teórico, também é
possível desenvolver uma inspiração espontânea dos juízos teórico-práticos do fazer,
tanto do fazer artístico, como do fazer técnico de qualquer outra atividade.
Na verdade é o que se verifica, tanto nos artistas como nos técnicos em geral, que depois
do exercício frequente em sua profissão, criam e operam espontaneamente. A língua, que
é uma arte por todos exercida, prova sobejamente, quanto a prática constante a torna
espontânea, e que a prática bem orientada a faz muito mais perfeita.
Mas distingamos sempre os diversos hábitos que se desenvolvem dentro da mesma arte.
Há na arte:
- um primeiro hábito, que é a inspiração espontânea do tema (inspiração temática);
- um segundo hábito, que é a fácil escolha da expressão (inspiração artística), que acabamos de
indicar como principal qualidade a ser adquirida para a formação do hábito da arte e que se situa
no plano da mente e da "lógica natural";
- um terceiro hábito, que é a execução espontânea da obra exterior, e que no caso da língua
consiste na enunciação sonora dos sons articulados portadores dos significados.
129. Fazer exercícios, para desenvolver a capacidade de criar o juízo especulativo-prático
com vistas a fornecer à vontade o modelo exemplar, fica sendo pois o método de
desenvolvimento da arte. O repetir para criar o hábito sempre foi o método da educação.
Exercido um primeiro ato, o segundo já se repete mais facilmente.
Por conseguinte, o escritor deve escrever, e escrever sempre; quanto mais escreve, tanto
mais seguirá avante, no seu aperfeiçoamento. A progressão será tanto maior se se fizer
com um acompanhamento crítico.
Primeiramente escreva cada um para si, sem intenção imediata de publicação. Depois
antes de editar, crie um indefinido pequeno público, que aprecie e opine. Por último,
escreva para editar. O grande público opinará também; os louvores confirmam; as críticas
orientam para novos aperfeiçoamentos.
O contato com o público cria novos compromissos, e nesta emulação o escritor aplica-se
com seriedade e afinco. Na tensão dali resultante, as suas faculdades se vão aguçando.
Em meio ao perigo, a vitalidade se intensifica e produz resultados que em estados
normais, não se logram.
O que se diz do escritor, vale também para o pintor, o músico, o ator, o dançarino, o
arquiteto, o escultor.
Cada qual, no exercício permanente de sua arte, alcança finalmente um virtuosismo, que
somente a prática tornou possível e o público aprovou.
132. Na sequência, após a criação mental da idéia exemplar, vem a ação e o fazer, como
duas operações que tratam da execução da mencionada idéia exemplar, convertendo-a em
obra exterior e autônoma.
Pelo fazer, as demais faculdade, cumprindo o império da vontade, executam esta ordem.
A psicologia tem dificuldade para explicar como ocorre este atuar de uma faculdade para
outra. Esta dificuldade é tanto maior para as filosofias que estabelecem uma diferença
substancial entre corpo e alma.
Como atuariam entre si substâncias totalmente distintas? Descartes, um dos mais radicais
nesta distinção, fala de uma união muito íntima, sem todavia com isso dar uma resposta,
porquanto apenas admite um fato.
Outros, como Aristóteles, aceitando embora uma distinção substancial, querem uma
composição substancial, em que corpo e alma se uniriam como substâncias incompletas.
É uma especulação que facilitaria a explicação do mútuo relacionamento, mas que carece
de provas definitivas.
133. A execução pelas faculdades executoras da obra de arte envolve ainda tarefas
concomitantes, como por exemplo trabalho manual, mistura de cores, escrita, datilografia,
manejo de instrumentos emissores de sons e de imagens, etc.
Em todas estas operações há sempre uma última ordenação pela qual tudo obedece à
execução determinada pela vontade, para que a idéia exemplar da inspiração artística se
execute.
133. É possível separar fisicamente a ação e a execução artística, sempre que a ordem de
execução for transmissível por um instrumento intermediário de comunicação.
Por exemplo, o músico cria a expressão musical exemplar e a comunica pela notação
musical. Em tempo seguinte, o maestro e seus músicos instrumentistas reinterpretam a
notação musical, executando a obra.
O mesmo processo ocorre na linguagem, onde o escritor transfere ao papel o que o leitor
reinterpreta, executando a obra.
Assim também acontece com a partitura musical, quando alguém a examina apenas com
os olhos; imaginativamente ela é apreciada em função aos sons possíveis.
Há, porém, uma diferença: o artigo a produzir não é uma obra de arte, mas apenas uma
utilidade. Todavia o desenho como desenho foi uma criação artística, mas do gênero que
chamamos arte intermédia.
O mesmo se diga das plantas arquitetônicas e demais engenharias que utilizam recursos
similares, inclusive de linguagem.
Quem discursa repetidas vezes e assume funções em que deva os fazer a cada dia,
adquire o hábito de os praticar espontaneamente.
CAP. 3-o.
A PERSONALIDADE DO ESCRITOR E DO ARTISTA EM GERAL. 2022y136.
137. Introdução. Certamente não é para qualquer um a tarefa de escritor, ainda que a
veleidade de sê-lo ocorra na mente de muitos.
Neste particular não basta desejar sê-lo. É preciso ter uma personalidade forte, além de
peculiar. A tarefa de produzir literariamente algo de válido é mais difícil do que
ordinariamente se supõe.
Há aquele que chega a ser não mais que meio escritor. Assim acontece, ou porque lhe
falta a energia, ou porque não possui as qualidades próprias. Quando lhe falta a energia
não chega a fazer da função o eixo principal de sua vida, de sorte que os resultados por
ele conseguidos mantém-se limitados.
Também quando não possui as qualidades do escritor, não chega a sê-lo, ainda que se
dedique sempre à tarefa. Em um e outro caso, se trata de um meio-escritor. Produz um,
ou poucos livros. Por vezes alguns artigos ou discursos, que depois enfeixa em volume o
qual lhe dá um ligeiro ar de escritor.
Mas queremos nos ocupar principalmente daquele escritor com pesquisa de ponta, ou seja
daquele que trata dos assuntos exaustivamente e na forma de livro, e que se ocupe dele
como iniciativa de labor permanente. Todavia as considerações neste campo certamente
também aproveitarão aos que labutam em gêneros a parte, porque na essência têm a
mesma base da expressão linguística.
Estes constitutivos se encontram atrás da criação artística como suas causas eficientes,
sem as quais não se faria possível.
Umas são causas essenciais, outras apenas condicionantes, mas todas são da ordem da
causa eficiente.
Depois veremos que ainda ocorrem as causas finais, que as eficientes têm por objetivo.
Conscientizar-se como sujeito é como nadificar-se. O sujeito recebe tudo do todo. Por
isso, a personalidade resulta da natureza conquistada pela pessoa. Quanto mais cresce a
natureza, mais importante se torna o sujeito possuidor e sua personalidade.
E agora, que é pessoa? Ela é uma espécie de sujeito. Nem todos os sujeitos são pessoas.
Pessoa não é qualquer dos sujeitos possuidores. É o sujeito com determinado nível de
posse, o da natureza racional. Os sujeitos, possuidores de uma natureza exclusivamente
não racional, não são portanto denominados pessoas. A personalidade depende da posse
da racionalidade e cresce a personalidade com o desenvolvimento desta racionalidade.
"pessoa é uma substância individual de natureza racional" (Livro sobre a pessoa e sobre
as duas naturezas contra Eutíquio).
Tratava-se nos primeiros séculos cristãos de criar um arranjo raciocinativo para entender
filosoficamente de que maneira os cristãos poderiam conceber um Deus com três pessoas,
doutrina que parece ter origem no pensamento platônico.
A doutrina sobre as três pessoas divinas, às quais se atribua uma só natureza foi ocasião
de discussões eruditas. Por ocasião das discussões sobre o conceito de pessoa, se
procurou dar-lhe uma definição, notabilizando-se a de Boécio.
Também há sujeitos nos objetos físicos, nas plantas, nos animais, dos quais se predicam
as determinações que os qualificam. Todavia, tais sujeitos não gozam da racionalidade.
No instante que um sujeito for racional, ele é capaz de considerar muitas opções,
decidindo-se de modo livre por uma delas.
A pessoa humana antes de ser um sujeito racional já se condiciona por uma estrutura
biológica; a esta podemos denominar de constituição biológica da personalidade.
Com o progresso da idade, regride a força física, mas nem sempre a capacidade mental
do homem, compensando-se sobre tudo na experiência adquirida. A atividade inteletual
contribui para a conservação do cérebro.
Tal como o educando é levado a respeitar a vida e a melhorá-la, assim o escritor deverá
induzir a si mesmo a conservar a saúde. Neste sentido deve:
Tudo isto o fará com orientação científica e não apenas segundo práticas empíricas.
O escritor normal deve conduzir sua vida biológica intensamente tanto quanto a vida do
espírito. Como um todo ecológico, corpo e espírito trabalharão eficazmente.
Conhecem-se casos de artistas com situações desarmônicas, ao mesmo tempo que foram
capazes de criações de excepcional qualidade. Todavia foram exceções. De outra parte
estas mesmas criações podem conter, juntamente com o genial, elementos medíocres.
Eles foram gênios, e por isso realizaram grandes criações. E se fossem melhor formados,
não teriam perdido sua genialidade; tê-la-iam aproveitado melhor.
Os epilépticos, não raro inteligentes, são visionários, têm êxtases, criam mesmo religiões,
para as quais deixam curiosos textos, que os seus admiradores chamam sagrados. Outros
deixaram doutrinas apreciáveis transcritas por seus discípulos.
Importa, por conseguinte, analisar o que efetivamente acontece com tais figuras
maravilhosas.
Os tísicos, ou tuberculosos, estão sob excitação, em que são capazes de grande inspiração
poética e mensagens em prosa. São exemplos deste fenômeno o poeta simbolista Cruz e
Sousa, o místico São João da Cruz (de quem o primeiro tem o nome) , Terezinha do
Menino Jesus.
Conhecer é um atender intencional. Isto significa que um sujeito (psicológico) põe sua
atenção em um objeto.
Em qualquer posição que o sujeito se encontre, ele tem a posição de atendente com
relação ao objeto.
Frente aos conceitos acima, que é o escritor? É um sujeito (psicológico, isto é, um Eu)
preocupado com o ente, ao qual converte em objeto de sua intencionalidade, e o exprime
em palavras.
Este aspecto temático da preocupação com o ente, convertido em objeto de sua atenção e
expressão verbal, varia entretanto em cada Eu. Os constitutivos psicológicos variam.
Além da variação dos constitutivos biológicos, temos agora mais os psicológicos para
somar como constitutivo da personalidade.
Por causa das variações psicológicas, uns atendem ao ente convertido maximamente em
objeto de conhecimento, entendido portanto com profundidade, enquanto outros
permanecem na preocupação superficial.
Dentre os que atendem ao máximo, alguns se concentram na observação dos fatos, são os
cientistas da constatação experimental da ciência positiva.
Agora cuidamos do lado psicológico deste processo. Portanto nos referimos, por exemplo,
à inspiração artística do ponto de vista psicológico e não a seus aspectos gnosiológicos de
conteúdo, nem de expressão.
Todavia, como as faculdades do espírito operam em conjunto, cada uma exerce uma parte
na criação artística. Sob esta perspectiva todas se denominam "faculdades artísticas".
Mais especificamente faculdades literárias, faculdades musicais, faculdades de expressão
plástica.
O elenco das faculdades artística começa pela inteligência, porque a ela cabe em primeiro
lugar a inspiração artística (ou literária, ou musical, ou de expressão plástica).
E então, a inspiração artística não é senão a parte que compete a cada uma, a saber, à
inteligência o principal e às restantes o secundário, por ordem.
Caberia sob este ponto de vista psicológico examinar a circunstância que faz a uns
propensos no sentido de certas inspirações e não de outras; o mesmo seria perguntar,
porque uns têm grandes inspirações e outros nenhuma.
Ao mesmo esquema psicológico pertence tratar do gênio artístico; ainda que se possa
entender por gênio artístico uma faculdade especial (o que viria a ser uma questão
gnosiológica), o volume da genialidade é assunto psicológico.
149. Nenhum objeto concreto se apresenta ao nosso conhecimento por porta única.
O objeto como que se desdobra em abstrações para entrar por faculdades diferentes de
nosso conhecimento.
Estas aparições dos objetos aos sentidos externos são como que furtivas, porque se
apagam com o afastamento deles.
Os sentido internos não somente criam e conservam ditas imagens, mas ainda as operam.
Dividem e recompõem de outra maneira as referidas imagens e ainda as associam de
variada maneira, por vivência, semelhança, contraste, de sorte a possibilitarem a
evocação poética.
Num plano totalmente novo, chamado racional, ocorre a inteligência, capaz de apreender
os objetos concretos sob mais um aspecto, o do ser. Agora as operações do conhecimento
se revelam muito criativas, gerando conceitos, juízos raciocínios, cada operação
permitindo análises e sínteses.
Uma estrutura psicológica tão complexa e ativa que vai dos sentidos externos, passando
pelos internos, até alcançar a inteligência, reclama esforço, para atingir pleno
desenvolvimento.
150. A importância das faculdades sensíveis, ou seja - da vista, ouvido, tato, gosto e
olfato, - decorre da função inicial que as mesmas exercem em todo o processo
cognoscitivo.
Nada conhece a mente senão a partir dos dados sensíveis; tal é a doutrina vigente de
Aristóteles, Kant e dos empiristas em geral. Somente as filosofias radicalmente
racionalistas, como as platônicas, agostinianas e cartesianas, admitem idéias surgindo
isoladamente no espírito.
Considerando a origem sensível de todas idéias, o conceito da cor, é precedido pelo dado
da cor oferecidos pelos olhos.
E assim também nada se pensa na área dos sons, tato, gosto e olfato, sem que o dado
sensível se faça preceder.
Os três aspectos indicados se ligam aos sentidos, que por isso são elementos constitutivos
da personalidade do artista.
151. A importância dos sentidos na personalidade do artista se apoia no fato mesmo da
obra que é sempre sensível. O artista não operará adequadamente sem estar dotado de
sensibilidade.
Cada detalhe da cor, assemelha-se a seu modo com os objetos dotados deste detalhe. E
assim já se começa a entender a importância de possuir o artista a sensação perfeita da
cor e das suas variações. O mesmo se diga de cada peculiaridade do som; em cada uma
pode vir indicado uma semelhança com o objeto a ser sugerido como tema. Eis porque,
nem o pintor e nem o músico, não o poderão ser, sem uma sensibilidade subtil e perfeita.
As cores, os sons, os gostos, os tatos, os olfatos. Pela ciência da física passam a ser
expressos em obra de arte. Os dados sensíveis expressam como tema aos próprios dados
sensíveis. Com as cores o pintor expressa a cor como tema; esta pintura se diz meramente
formal.
Também os sensíveis comuns, como as formas (linhas, áreas, volumes) são tematizáveis.
De novo acontece uma arte meramente formal (plasticismo puro). Neste tipo de arte, o
tema é o mesmo dado sensível e não outros aspectos dos objetos.
Uma descrição literária poderá ser colorida se se referir às cores dos objetos. Também
poderá ser musical, não somente pela sonoridade das palavras, mas ainda pela referência
à sonoridade ambiente.
A descrição da paisagem não somente se ocupa dos objetos naturais, como pedras,
árvores, montanhas, casas, homens e animais, mas também do meramente formal das
cores e formas.
Mas, se o escritor não tiver sensibilidade, suas descrições tenderão a omitir-se em relação
ao mundo das cores e sons. Pouco ou nada conseguirá o escritor expressar sobre o tema
dos sentidos, se não estiver atento aos referidos sentidos, educando-os e desenvolvendo-
os. Aliás o mesmo se dará para o consumidor da arte; se não tiver sensibilidade, não lhe
interessará nada do que a arte lhe oferece no campo dos sentidos.
Como poderia criar o artista, uma expressão sensível se ao olhar para a vida e o mundo,
nada enxergasse? Um indivíduo sem percuciência, pouco recebe das muitas diferenças e
detalhes que a natureza oferece.
Os olhos do artista hão de estar abertos para a beleza das flores, para o encanto da
alvorada, para o brilho esfuziante da luz, para a complexidade do reino animal e vegetal,
para a produtividade do agricultor, para a expansão das searas, para o movimento das
ondas, as transformações do tempo em dia ensolarado e dia nublado, para a primavera e
outono, inverno e verão.
E quem tem ouvidos? O artista que tem o dom de ouvir, escuta a natureza, percebe os
pássaros, atende aos gemidos da mata, impressiona-se com o barulho do mar, exulta com
o canto dos jovens!
E se o tato e outros sentidos lhe funcionam é espontâneo em sentir o calor da vida, a força
do movimento, o carinho das mãos; também ele afagará com vista ao diálogo dos que
mutuamente se acariciam e amam.
O artista não pode compor os elementos de sua inspiração sem que os sentidos comecem
por fornecer-lhe a quantidade imensa dos materiais da intuição.
Eis porque os homens que já muito viveram, quer vencendo, quer sofrendo, podem
produzir obras admiráveis de ação teorética, porque possuem objeto para compor a obra
em que tem de depositar mensagem.
"O artista não só deve ter experiência do mundo em todas as suas manifestações
extrínsecas e intrínsecas, como ainda é preciso que haja padecido grandes sentimentos,
que o seu coração e o seu espírito tenham sido profundamente emocionados e comovidos,
que muito tenha jubilado e penado, para se achar em estado de exprimir em formas
concretas as profundidades insondáveis da vida. É por isso que o gênio desabrocha
durante a juventude como aconteceu, por exemplo, com Goethe e Schiller, mas só os
homens formados pela idade são capazes de imprimir na obra de arte o sinal da
maturação" (Hegel, Estética, C, item I, a pág. 236).
Se os escritores, pintores e artistas em geral tendem a retratar sua época, isto vem
novamente explicar a tese da vivência a influenciar a inspiração.
O artista se educa nos padrões do seu ambiente; vivendo-o, adota-o como matéria de sua
arte.
Governa então, por obra dos hábitos conscientemente adquiridos, a percuciência intuitiva
dos seus olhos, da sua vista, do seu tato.
Poderá sentir como os de sua época; mas também poderá sentir como os de sua época não
sabem, vendo melhor, ouvindo com perfeição, tendo tato preciso. Este é o grande artista,
com capacidade para a intemporalidade e para a sobrevivência no tempo.
§ 2-o. A imaginação do escritor. 2022y154.
Não há apenas sentidos exteriores. Estes se dizem exteriores não só porque se informam
sobre objetos distintos de nós. São exteriores porque por detrás deles operam outros
sentidos - a imaginação e a memória -, sem contato com os referidos objetos. Por isso
estes se dizem sentidos internos.
156. Criadas as imagens pela imaginação e conservadas pela memória, elas não se
mantém estáticas, como se constituíssem um museu de representações intocáveis e
expostas a uma simples apreciação. A imaginação é dinâmica, exercendo-se através de
duas operações principais - a fantasia e a evocação.
Por meio destas operações aumenta o mundo do espírito e é nele que atua o escritor.
Deve o escritor familiarizar-se com ele, informando-se com detalhes como funciona.
Estas podem simplesmente somar-se. Por exemplo, o rei, ao qual nos referimos, pode
combinar-se com a imagem do palácio.
Podem também dividir-se as imagens, para formar em seguida combinações de partes,
que na realidade exterior sempre estão unidas, para agora criar imagens com outros
esquemas; por exemplo, o cavalo alado, que une ao cavalo as asas de grande ave.
Há ficções que unem apenas imagens verídicas, como em geral ocorre nos romances,
novelas e contos ocupados com a realidade humana. Não acontece o mesmo com alguns
tipos de ficção relacionados com a mitologia e a ficção científica.
Imaginação criadora é uma expressão frequente para nos referir à operação pela qual a
imaginação conecta imagens, ou ainda as divide e recompõe em novas unidades.
Acentua-se nesta expressão o caráter dinâmico da imaginação. Mas não se adverte que a
criação no caso não se refere à formação inicial da imagem a partir dos sentidos
exteriores, e que marca a essência da faculdade.
Por exemplo, o símio lembra ao homem, - pela fisionomia geral; a flor, à mulher pelo
colorido, beleza e função.
Por exemplo, certos lugares lembram aos filhos os seus extintos pais. A vivência é o mais
frequente recurso da operação associativa da imaginação, e portanto a forma preferida da
poesia, sobretudo da mais humana.
160. Ainda que se distingam a fantasia (ou imaginação criadora) e a evocação (ou
associatividade) elas se podem pôr em sucessão, de modo a se sobreporem, tendo como
resultado um maior brilho.
Então a imaginação primeiramente compõe uma nova imagem, por exemplo, uma
expressão figurativa. Num segundo tempo a nova imagem deve ainda exercer a operação
evocativa. Esta evocação sobreposta não resulta pois de um simples objeto-estímulo, mas
de uma criação imaginativa especial.
A poesia ocorre apenas na evocação; no caso, apenas do segundo tempo.
Em versos do romântico Castro Alves sobre os saltos d'água de Paulo Afonso, se verifica
a sobreposição de figuras imaginativas (produtos da imaginação criadora, ou fantasia) e a
evocação poética (resultante da associatividade ocorrida após):
Não se pode falar aqui de exacerbação poética. O que há de grande não é apenas a poesia,
mas sobretudo a imaginação criadora. Esta é muito outra coisa, ainda que algo de
parecido com a evocação.
As imagens auditivas deixam tilintando no mundo interior a variedade dos sons, pelo seu
timbre, altura na escala e volume de intensidade; especialmente interessam aos músicos.
Quanto ao escritor, que diferentemente dos outros artistas, opera mediante simbolização
de palavras, interessam-lhe vagamente todas as imagens, tanto como elemento artístico,
quanto como tema.
No primeiro caso, a ocorrência das imagens sonoras está evidente no material sonoro dos
vocábulos; a presença conjunta dos sons permite ordená-los esteticamente; ainda podem
os sons se exercer com associatividade, exatamente por causa das imagens, que permitem
à memória associá-los, como no caso da rima, em que as significações se atraem pelo
encontro da semelhança sonora.
Quem opera com a linguagem rigorosa filosofia poderá despercebidamente não mais
atender ao processo associativo alógico das imagens.
A mente integral, tanto opera com o raciocínio perfeito, como ainda atende às operações
restantes das faculdades de conhecimento.
Leia os poetas; aprenda a julgá-los do ponto de vista associativo; separe o que nas suas
obras é evocação e portanto poesia, do que é aliança de idéias lógicas.
O mesmo exercício faça cada qual com a prosa, lendo aqueles prosadores que aliam às
suas afirmações lógicas, elementos associativos, imagens brilhantes, pela semelhança,
pelo contraste, pela vivência.
Descubra pelo menos uma brilhante imagem e a coloque no texto. Se disto não for capaz,
auxilie-se com um dicionário de citações, até obter uma sugestão adequada. E assim, de
exercício em exercício, aprenderá o escritor a fazer de sua memória e de sua estrutura
associativa um instrumento útil para a sua composição literária.
166. Ao escritor importa uma boa memória, para que tenha como bem prover sua cabeça;
não pode escrever se nada tem guardado para transmitir.
Dali se induz que o escritor e os artistas em geral estão, do ponto de vista da memória,
bastante condicionados pela sua idade, saúde e intensidade de trabalho.
Por isso, o escritor leva sempre algo de sua terra natal e que o caracteriza como um tal
escritor regional.
Em função a estas imagens profundas retornamos sempre à nossa terra natal, à residência
dos pais, ao ambiente das diversões juvenis.
Até mesmo os animais mantêm, por causa destas primeiras imagens uma certa fixidez de
moradia.
169. Repetição. Ainda se aprofunda a fixação das imagens, pela repetição. De um dia
para o outro a intensidade das imagens do dia anterior, cai quase a zero; mas se as
renovarmos, elas se reacenderão com aprofundamento.
Não deveríamos transitar de uma página a outra, ao lermos um livro, sem uma revisão
rápida; de novo ao final do capítulo, uma olhadela retroativa; ainda no término do livro,
mais outra sobre todo ele, e então, as imagens ter-se-ão aprofundado, com o proveito que
a fixação das mesmas nos confere.
Entretanto uma certa tendência à comodidade, induz a não nos dispormos à aconselhada
repetição. É que a repetição nada traz de novo... A tendência é seguir em frente, para
novas e novas informações, em virtude da alegria que a novidade proporciona.
Resistir à curiosidade e aos seus enleios, implica em dispor-se a uma certa disciplina
intelectual. Conseguida esta disciplina, como hábito, ela já não se torna tão desagradável.
Sobretudo se nos convencermos da inutilidade desta mastigação precipitada e sem
ruminação, portanto ilógica, sentimo-nos estimulados a repetir. A logicidade de uma
atitude, favorece a disposição de a assumir.
Com referência à função pela qual a memória conserva as imagens, ela quase se confunde
com a da simples fixação, na medida que se procura fixar, garante-se a conservação.
Por vezes procuramos recordar algo, e não o conseguimos. Chegamos a pôr a mão na
cabeça, como que a forçando, para que a imagem conservada no subconsciente retorne ao
nível da consciência. Este procedimento sugere que há algum expediente para provocar
recordação, ao qual tentamos pôr em ação.
Uma imagem guardada no subconsciente, ou na memória, se desperta primeiramente pela
presença real do objeto. Este é o estímulo principal.; mas isto acontece apenas quando o
objeto se apresenta de novo. Podemos criar a respectiva nova imagem, e dispensar a
anterior.
Mas a nova presença de um objeto nem sempre é possível. Como recordamos, então, as
imagens que reaparecem sem a presença dos objetos que serviram anteriormente para
criá-las?
Variam os estados da imagem de acordo com as vivências tidas por cada um.
Por isso também as conotações ligadas a uma palavra não acontecem de igual modo para
cada indivíduo.
171. Nem tudo pode ser guardado pela memória, apesar dos exercícios. Em vista disto, o
escritor apela a técnica das notas e esquemas (ou rascunhos).
As notas apenas fixam elementos de informação, que a memória não é capaz de reter.
Cada qual tem o seu modo preferido de anotar, que depende de uma série de
circunstâncias.
Para uns são fichas, para outros apenas indicações à beira da margem do livro.
Não importa como e com quantos meios cada qual se vale para auxiliar a memória. O que
verdadeiramente deve entender, é que precisa de auxiliares para a mesma, a fim de
manter uma certa eficiência.
Com os elementos fundamentais sempre vivos na memória, poderá operar sem perda de
tempo em consultas.
O artista, pela sua inteligência, precisa brilhar quando trata do tema e quando oferece o
modelo segundo o qual o referido tema deva ser expresso.
O gênio artístico é aquele que apresenta uma inteligência notoriamente capaz, tanto em
relação ao tema, como em relação ao modelo de expressão a ser realizado.
Com exercício constante das operações lógicas - conceito, juízo, raciocínio, estabelece-se
a naturalidade fácil do pensamento.
- espírito lógico,
- espírito crítico,
- espírito sistemático,
177. O espírito perfeito também é crítico, isto é, atento às alternativas que as questões a
resolver oferecem.
Mais perfeita, porém, é a assertiva que se estabelece em si mesma, e de outra parte afasta
ainda as demais. O espírito crítico é aquele, portanto, que conhece o que é verdadeiro, ao
mesmo tempo o que não é verdadeiro, e sim falso.
Considerando que muitos se encontram primeiramente com a falsidade, que tomam por
verdade, o espírito crítico poderá finalmente reconduzir à verdade.
O caos domina o espírito humano. Somente um espírito crítico crescente colocará a longo
prazo a inteligência humana no reto caminho.
Eis a ordem procurada pela ciência. O espírito de sistema equivale pois ao de espírito
científico.
A ordem lógica se diz apenas das conexões lógicas, por exemplo o menos geral dentro do
mais geral.
178. A sistemática do pensamento pode ainda ser didática e pedagógica. Também esta
ordem deverá ser buscada pelo escritor, cujo estilo fluirá sem tumultos e aglomerações.
O ritmo das sequências fornecerá, por partes que se sucederão, o alimento à faculdade
cognoscitiva. E assim por partes, a assimilação se irá fazendo.
O mesmo não acontece nas demais artes. Todavia também elas dispõem do que se
denomina composição, mediante a qual dispõem os elementos comunidades dentro de
uma certa ordem.
179. Haveria também um espírito específico chamado gênio superior aos níveis
ordinários da inteligência? Alguns exigem para a criação de uma arte verdadeiramente
significativa. Existiria este tal gênio artístico?
Além disto, o inteleto varia em frente ao objeto que capta, desenvolvendo-se alguns
indivíduos mais na captação do teórico, outros mais do prático. Tanto o inteleto
especulativo como o inteleto prático decidem fundamentalmente à vista da verdade do ser,
objeto formal comum da inteligência, em contraste com o objeto formal dos sentidos,
restritos estas às qualidades sensíveis.
Talento e gênio poderão interpretar-se, portanto, em sentido ordinário, não como terceira
faculdade própria apenas dos artistas, mas como superior desenvolvimento do inteleto.
Nessa acepção o talento e o gênio cabem aos artistas, como também aos grandes reis e
filósofos, políticos e homens da ciência, graças ao alto nível de suas inteligências.
"A produção artística aparece como um estado que recebe o nome de inspiração. O gênio
poderia alcançar este estado quer por vontade própria, quer por qualquer uma influência
estranha (a propósito da qual se não deixou de lembrar os bons serviços que poderá
prestar uma garrafa de champanhe). Prevaleceu esta opinião durante o período chamado
da genialidade, iniciado na Alemanha pelas primeiras obras de Goethe e Schiller.
Começou a atividade destes poetas por derrubar todas as regras então dominantes. Com
toda intencionalidade, adotaram, nas suas primeiras obras, uma atitude hostil a todas
essas regras" (Estética, I, cap. 2, sec. 1, item 1, pág. 82-83).
Aos poemas épicos, souberam os gregos dar uma forma magnífica, bem como atingiram
a perfeição na escultura. Já os romanos não possuíram uma arte própria... De um modo
geral, é a poesia mais cultivada de todas as artes, porque emprega materiais sensíveis de
menor exigência e relativamente fáceis de trabalhar" (Hegel, Estética II, item ib, pág.
238).
182. O gênio se caracteriza essencialmente pela profunda e subtil perspiciência, por parte
da mente, e pela ampla capacidade de compor imagens por parte da fantasia; pela
agudeza intuitiva dos sentidos exteriores - vista, ouvidos, tato
especialmente. Acidentalmente, gênio se caracteriza pela impressionante espontaneidade
mental, imaginativa e sensitiva.
183. São raros os gênios integrais. Ocorrem pintores excelentes, que foram maus
escritores. Notáveis escritores em prosa, péssimos em poesia. Grandes poetas, insensíveis
à música. Espetaculares músicos, fracassados dramaturgos.
O gênio secundum quid (segundo certo ponto de vista) incomoda aos que o rodeiam e por
isso facilmente passa por incompreendido. Os estranhos, que só lhes vêem os produtos
artísticos, abstraídos da visão diária de suas extravagâncias, têm melhor oportunidade de
lhe dar apreço.
Por isso, post mortem, o gênio passa à gloria, porquanto fica sendo visto apenas
pelo secundum quid.
O gênio secundum quid merece em vida ser educado naquilo em que é gênio, e também
naquilo em que não o é, para que se torne homem íntegro e feliz.
Guindado em suas obras, ergue-se nos píncaros da glória. Os da sua nação nele se
gloriam e se engrandecem diante dos outros povos. Luz de seu povo, é farol para a
humanidade, que toda aproveita da ação teorética de sua grande arte.
O gênio integral, continua sempre lembrado tanto pela sua obra, como pelos demais
aspectos de sua vida.
184. Por parte do artista poderão ocorrer situações acidentais. Dali resultam
eventualmente bons resultados.
A excitação narcótica concentra a atenção para determinados elementos. Cria, então este
artista, com dedicação especial, movido por tais estímulos.
A tuberculose, que foi mais frequente no curso do século 19, cria uma excitação especial.
E ela explica o caráter da poesia dos últimos anos dos poetas falecidos precocemente por
este mal.
Normalmente, porém, o grande artista é aquele capaz de criar como situação ordinária.
"a arte não é mais que a razão reta, de acordo com a qual fazemos certas obras" (S. Theol.
I-II, q. 57, a.3, c).
185. Os defeitos do conhecimento inteletivo, e que deverão ser evitados pelo treino das
operações lógicas do conceito, juízo e raciocínio, acontecem por desatenção às diferentes
fases destas funções.
O bom pintor é aquele que sabe ver, advertindo-se de todos os detalhes, inclusive das
relações de proporção.
Assim também o bom apreciador da pintura é aquele que aprendeu a ver, e não faz como
o comum dos homens, os quais não se apercebem senão de 10 por cento do que têm
diante dos olhos.
De novo assim acontecerá também com o escritor e o seu leitor, com o músico e
apreciadores, enfim, com toda a espécie de artistas e respectivos consumidores.
Do ponto de vista psicológico uma inteligência pode não inclinar-se para a perfeita
verdade, por causa de uma desatenção habitual.
Se há quem deva ter uma inteligência bem feita, será o escritor; aliás, como o preceptor
(educador e professor), de que fala Montaigne, pelas mesmas razões.
É que ambos , - escritor e preceptor, - atuam sobre a inteligência alheia. Seria mesmo um
triste espetáculo, se a terra não pudesse contar com bons escritores e ótimos preceptores,
porquanto tudo acabaria por se deformar.
Nesta categoria de inteligência bem feita se incluem também aos demais artistas quando
produzem para o público. Em outras palavras, tudo isto implica em capacidade de
inspiração artística.
187. O espírito falso é aquele que se preocupa em julgar as coisas, porém não tem o
senso da verdade objetiva. Um prejulgamento como que lhe está a frente.
Não chega o espírito falso a ter preconceito, porque este supõe uma disposição prévia
contra a verdade objetiva.
Falta ao espírito falso a cautela de promover a comparação dos termos, de que se compõe
o juízo. O instante do conselho, em que o juízo como que se opõe a examinar em tribunal,
se os termos se compõem ou se se dividem, é tratado com descuido.
Sob este ponto de vista ele se cura através da experiência dos anos, do embate com a
realidade, da advertência dos que os corrigem. Aprendendo a ver como as coisas devem
ser vistas, atento à objetividade das mesmas, atinge finalmente um juízo perfeito, na
ordem da verdade.
O escritor, e o artista em geral, porque deve exatamente afirmar e decidir sobre algo,
incorre em falsidade, isto é, em erro, por causa da desatenção que lhe ocorre porque
escreve sem o cuidado das longas meditações. Sobretudo quando jovem, ele filtra os fatos
através de fáceis generalizações do seu idealismo, ou pessimismo conforme o caso.
Também não atende que a identidade e a analogia não conferem. De novo julga com
superficialidade. É o caso em que os indivíduos de uma classe são julgados simplesmente
como iguais, quando na verdade todos não podem ser julgados bons, ou maus, por alguns
ou pela maioria.
Similar é ainda o caso que confunde as relações de causa e efeito com a simples sucessão
(o equívoco do post hoc, propter hoc). Por esta via nascem as superstições; suponha-se
que algo aconteceu depois de se haver visto passar o esquife de um defunto, então este é
visto como causa; o mesmo sucede ao ocorrer uma desgraça física, imediatamente após
um mal moral, sendo logo este olhado como se tivesse sido castigado.
O estudo amplia a capacidade de raciocínio, o que mais uma vez contribui para a
descoberta das grandes relações causais entre os seres. Elimina-se então a preocupação
com interferências atribuídas à fatalidade da sorte e à uma divindade caprichosa.
Ainda que deva escrever pedagogicamente e didaticamente para crianças, não poderá
estabelecer afirmações superficiais, isto é, em analogias tratadas como igualdades.
Os que escrevem para o público menos esclarecido, especialmente os que discursam, são
tentados ao uso do argumento por analogia; não acreditam nele, mas conhecem que
funciona junto dos simples, pois estes pensam as coisas semelhantes, como se fossem
iguais, confundem a maioria com o todo, tomam a sucessão como ordenada em termos de
causa e efeito.
A verdade, ainda que difícil de discernir, é um valor, que nem a didática, nem a
circunstância pedagógica, nem mesmo uma situação sociológica de subdesenvolvimento
mental justifica ser sacrificada. Ditas limitações deverão ser superadas de outro modo,
sem incursão na superficialidade.
Em geral (ainda que nem sempre), os escritores, que reúnem "Ensaios" em volume, para
terem um livro, incorrem em superficialidade. Não sendo capazes de coisa melhor,
reduzem-se aos ensaios, quando o melhor seria o tratado, em que os temas se
desenvolvem em sistema cerrado.
190. O espírito estreito é aquele que se fixa em uns poucos critérios e os acha suficientes
para julgar a todos os acontecimentos. É acrítico, porque não considera cada uma das
alternativas a apreciar. Agride aos que discordam. É alarmista, quando os eventos sociais
ou econômicos, culturais ou religiosos não caminham ao modo dos seus rijos pontos de
vista. Chega a ser bem intencionado e ativo trabalhador, heróico batalhador, com se vê
nos políticos fanáticos e nos chefes religiosos eminentemente missionários.
No afã de realizar suas poucas e pequenas idéias, o espírito estreito vai ao ponto de ser
reacionário.
Em alguns casos o espírito estreito não chega a prejudicar, porque sua tarefa exclusiva
coincide com algo urgente, como por exemplo, zelar pelos pobres, o que ele faz sem se
aperceber que é preciso zelar também pelo combate às causas da miséria.
O espírito estreito ocorre com frequência nos políticos demagogos e as vezes até em todo
o programa de uma Partido.
As causas que geram o espírito estreito são várias, desde a incapacidade de melhor pensar,
como a falta de tempo para pensar, em virtude da dedicação às tarefas de ordem prática,
até a especialização dos estudos levada ao excesso.
Tal não pode ser a atitude do intelectual, sobretudo quando se ocupa com a ciência e a
filosofia. Estas, a filosofia e a ciência, são essencialmente questionantes, com igual
oportunidade para as posições opostas. Ao se estabelecer a problematização, exatamente
se inquire por qual das opções de uma hipótese é preciso seguir.
Sendo estreitos por inclinação ingênita, corrigem-se estes espíritos, adotando um pouco
do espírito questionante.
Um vago ceticismo é uma atitude prudente, a que todos nos devemos submeter.
Admitamos sempre um instante para levar em conta as opiniões contrárias; atendamos
para as perspectivas diversas em que os outros se apoiam. Admitamos, por instantes,
olhar pelos olhos alheios. Só depois disto, passemos a tentar uma opinião própria, que
será menos estreita e mais crítica.
O espírito geométrico se prende a uma linha absoluta, julgando coisas complexas com
conceitos simples.
O espírito geométrico tende à supervalorização das normas expedidas exteriormente,
enquanto o espírito de fineza apela ao juízo do indivíduo ao qual cabe decidir como
melhor proceder.
Nos templos religiosos mede os comprimentos das mangas e dos vestidos por exatos
centímetros. Acontece o mesmo na rígida censura policial dos bons costumes, dos trajes
de banho, das cenas artísticas mais livres.
Mas o difícil não é estabelecer isto. O difícil está em libertar-se da tendência na direção
do espírito geométrico.
Não há quem não focalize a sua visão do mundo através de prismas de certa limitação e
fortemente concentrados em uns poucos princípios de vida... O escritor também é tentado
a isto.
Chega até a se julgar um super-homem, de sorte que a sua profissão vem a ser de tal
maneira auto-valorada, que as demais parecem de pouca significação. Defende
privilégios para a sua classe, muito mais que outros pleiteiam para a sua respectiva. Se se
tratar de um patriota, exaltará sua nação, inclusive elogiando valentias bélicas contrárias
ao direito dos demais povos e etnias.
193. O espírito irrealista é aquele que opera com conceitos e hipóteses, descuidado em
testá-los com a realidade dos fatos.
Do ponto de vista da metodologia, todo o saber começa com os dados sensíveis; a partir
destes se induzem os conceitos gerais; sempre que se ergue uma hipótese, esta
conceituação geral tem a função de instrumento de trabalho, com o objetivo geral de
testá-la com a realidade concreta dos dados. Entretanto, o que assim se requer, não usa
ocorrer por tendência de certos espíritos, os quais, por isso mesmo são denominados
irrealistas.
O irrealista não percebe que então já deixaram de ser leis. A verdadeira lei é a que brota
por efeito formal, ou propriedade da realidade; encontra-se, aliás, a justificativa da
revolução a qual consiste em derrubar, ainda que sem violar direitos fundamentais da
pessoa humana, uma situação legal vigente, mas em conflito com a realidade.
O toque da realidade dos fatos, deve ser uma preocupação constante da inteligência bem
formada, do líder social e religioso. Especialmente, tudo isto compete ao intelectual,
portanto também ao escritor, ao artista em geral.
194. Espírito maledicente é aquele que se aguça em perceber o lado defeituoso das
ações, sem generosidade para reconhecer os aspectos bons.
Geralmente é de agudo discernimento, em vista do mal que percebe nas melhores ações.
Não importa em falsidade e sim em omissão. Tende para o combate e para a destruição.
Escapa-lhe a idéia de que, pela construção do bem, se elimina o mal. Em um copo de
água incompleto, vê o que está vazio e não o que se encontra cheio. Não luta para encher,
mas para denunciar simplesmente o não estar cheio.
Nas lutas de opção de encargos, quando derrota os do poder, como por exemplo o partido
que exerce o governo, é incapaz de assumir a administração. No escritor algo de similar
ocorre quando exerce a crítica negativa; mostra o erro, o defeito, o vício, sem se ocupar
com maior profundidade na indicação da alternativa certa, verdadeira, justa. Quando o
faz, procede como o espírito irrealista, ou mesmo como o espírito estreito, sendo até
como o espírito falso.
195. Não é possível ocupar-nos simplesmente com o mal, com o não ser, com a ausência,
como é próprio do espírito maledicente. O negativo se conhece a partir do positivo. Até
mesmo os espíritos maledicentes conhecem algo do bem, ainda que seu gosto seja
ocupar-se com o mal. O que os torna maledicentes, é a despreocupação do bem em vista
de logo atenderem para o seu oposto. Quem critica o tanto vazio do copo, certamente que
também observa o tanto cheio, ainda que isto não lhe importe.
Como a sombra, que é mais nítida quando o sol bate de cheio contra os objetos, a clareza
do positivo, destaca o negativo. Aprendam, pois, os intelectuais a repelir o erro
mostrando em primeiro lugar o próprio sol da verdade.
Mas não cuidemos contudo apenas do bem. Também o mal precisa de abordagem direta.
Ainda que uma ausência, o mal é uma situação real. Ocupar-nos com ele contribui para
mais cedo alcançarmos o bem.
Sem ser maledicente, o escritor se ocupará também do mal. E assim também do erro.
Como espírito certo, ao lado do mal e do erro, perceberá o bem e a verdade. Igualmente,
por isso, o pintor retrata o mal, a miséria, o pecado, a morte, como provocação contra tais
negações.
196. A superação dos espíritos deficientes se processa não só pela correção psicológica
das tendências. O espírito pleno se firma pelo ingresso do uso perfeitamente funcional
das operações mentais.
No plano da existência, as faculdade operam no sentido de fazerem que algo exista, e que
exista em volume sempre maior. O homem dispõe de certas faculdades, em virtude das
quais consegue realizar algo na ordem da existência e que são o instinto e a vontade.
Não há movimento dos impulsos sem presença de objeto; mas o objeto apresentado pelos
sentidos comparece apenas como imagem (sem juízo) e nesta condição excita
simplesmente, de sorte a mover o impulso deterministicamente, com necessidade e
fatalidade, vindo sempre o efeito espontaneamente, desde que não encontre um impecílio
extrínseco.
O mesmo não acontece com o impulso racional, cujo objeto se apresenta em termos de
juízo, com alternativa; nesta apresentação, o objeto limitado se apresenta como um bem,
mas não como um bem necessário e único, porquanto admite alternativa; em
consequência, o impulso é eletivo, ou seja, livre.
Importa um certo cuidado com as palavras tendência, impulso, instinto, que se cruzam
com subtilidades semânticas.
Tendência, tanto pode indicar tendência cognoscitiva, como tendência impulsiva. Mas é
sobretudo aos impulsos sensíveis (instintos), que se dá a denominação de tendências.
Os impulsos instintivos poderão ser examinados pela sua índole geral, enquanto variam
de indivíduo para indivíduo, chamando-se a este fato temperamento e depois cada um em
separado
O mesmo se poderá fazer em relação aos impulsos racionais; tendem para certas
características, que variam de indivíduo para indivíduo, o que se denomina caráter; e
depois se estuda a vontade simplesmente, como impulso que tem as peculiaridades
próprias do seu tipo racional.
O horizonte de tais estudos será sempre o do artista, enquanto este cria sua obra, com
uma inspiração sob a influência da personalidade de que for dotado.
200. O homem não é apenas um espírito que contempla o mundo, mas também o
transforma por meio dos impulsos guiados pelas imagens do conhecimento.
Mais importa o impulso livre da vontade, que envolve o caráter. É pela determinação da
vontade que os desejos se convertem em decisões e que a sequência das ações assume a
metodológica do planejamento.
Os impulsos oferecem ainda uma faceta peculiar, que é o de estado sentimental, por
vezes dito também estado de espírito, estado de alma, afetividade, emoção. Os
sentimentos são classificáveis de diversas maneiras.
Destaca-se o sentimento estético e a catarse como sendo muito apreciáveis por aqueles
que se ocupam com a expressão artística. Os elementos sentimentais devem ser
examinados; todavia, eles já não são constitutivos da personalidade; em vez de causas
eficientes, eles são efeitos finais. Estes são, portanto, buscados como fins dessas causas
(vd cap. 4-o).
Por isso, as classificações dali resultantes não são essenciais, ainda que sejam valiosas e
práticas. Delas se ocupam amplamente os psicólogos, que se dividem atém em escolas,
por exemplo a alemã, a francesa, a italiana e outras, antigas e modernas.
Da diversidade temperamental também resulta que o artista, situado uma vez num certo
tipo de temperamento, produz de acordo com a tal tendência. Uma forte disciplina mental
permitir-lhe-á obter os proveitos dos aspectos positivos, sem os defeitos que os
acompanham.
Igualmente o crítico literário muito entenderá do autor que analisa, quando previamente
lhe conhece a tendência temperamental.
O leitor participará com maior justeza da mensagem do texto que lê, se o autor lhe for
conhecido por leituras anteriores, especialmente se estiver capacitado de o ver sob um
prisma psicológico de temperamento. Aliás, considerando que os iguais se gostam, os
leitores tendem a ler os autores de seu próprio temperamento, por seleção quase
inconsciente. Isto apenas não acontecerá com o leitor eminentemente esclarecido, capaz
de diferenciar os temperamentos e auferir proveito de cada qual, a seu respectivo modo.
Manifesta-se apenas quando esta for a real conveniência. Fala e ri, com cálculo. Corrige
com oportunidade. Não é, enfim, governado pelas circunstâncias do momento, mas se
rege pela totalidade das circunstâncias.
É claro que o escritor precisa de um domínio sobre si mesmo, quer quando se refere a si
mesmo, quer quando se exprime para o público. Com equilíbrio e autocontrole se
manifestará sobre coisas capazes de criar susceptibilidade. Com cuidado se manifestará
sobre temas dependentes de pesquisa, ou de reflexão filosófica não concluída. Fanatismos
religiosos e políticos deverão manter o escritor sempre muito acautelado.
Sendo próprio do artista manifestar-se em obras e palavras sobre o que lhe vai na
imanência de suas faculdade, -- tem certamente grande lucro se for dotado de fortes
impulsos, mas com grande maturidade emocional, para aproveitá-los adequadamente. A
retenção de que o homem maduro é capaz, lhe garante tempo para o exame crítico das
alternativas de manifestação e ação.
203. A classificação dos temperamentos tem sido tentada pelos psicólogos. Certamente
as diferenciações temperamentais ocorrem e a classificação ajudaria a entender melhor
tais diferenciações.
Uma primeira classificação dos temperamentos se difundiu de tal maneira, que passou já
na antiguidade ao domínio literário. Fundamentando-se na influência biológica sobre os
temperamentos, Hipócrates distinguiu quatro humores (dali o modo de falar em bom e
mau humor) e a partir deles quatro temperamentos:
- sanguíneo (predomínio do sangue),
206. Na realização de algo importa sempre destacar como fator central o poder de criar.
No homem este poder é a vontade. Opera a vontade primeiramente pela decisão em si
mesma, a qual determina o que haverá de ser feito. Esta decisão tem a forma de um juízo
denominado "prático-prático" e usualmente se expressa exteriormente por palavras como
"faça-se", "quero".
Todavia a decisão volitiva em si mesma não é tudo. Ela tem antes de si a ação das
faculdades de conhecimento, principalmente da inteligência, que fornece a idéia
exemplar (obtida na forma de juízo especulativo-prático), pela qual se orienta a ação; e
tem depois de si a execução exterior da obra. A vontade, situada cronologicamente no
meio, ordena à inteligência o trabalho, com o qual se cria o modelo exemplar da ação, e
ordena aos instrumentos exteriores (por exemplo às mãos) a execução da obra.
Pelo visto, o quadro em que opera a vontade do artista é complexo. Não somente
acontece a decisão em si mesma da vontade por força do seu juízo prático; ocorre
também a ação anterior e posterior sobre outras faculdades. Portanto, por dois caminhos a
vontade do artista influi a expressão artística: através de seu mesmo juízo prático-prático
(ou decisão) e através de seu poder sobre as demais faculdades como sentidos,
inteligência, memória, imaginação, impulsos, sensíveis e instrumentos de execução
material.
Há aquele instante interno da vontade em que ela decide criar a obra de arte. Quando já
se encontra pronto o juízo especulativo-prático da inteligência a propósito de como fazer
falta apenas que a vontade decida. O instante anterior do juízo especulativo-prático não
pertence ainda à decisão mesma da vontade; aquele instante anterior compete só à
inteligência. Cabe apenas à inteligência a inspiração artística, que guiará a obra, como
seu modelo exemplar. Antes da vontade decidir, a inteligência pondera, criando o juízo
especulativo prático. Anotamos ainda que este instante anterior se denomina
também deliberação. Não é a mesma decisão e pertence à inteligência. Mas por ela a
ação da vontade se torna racional.
A execução, ainda que realizada sobre terceiras faculdades, se chama ato imperado.
- a execução (que é um fazer determinado pelo ato impensado da vontade, realizado por
outro sob a obediência desse império).
Mas pode ocorrer que em uns indivíduos se desenvolva apenas a força de decisão, em
outros apenas a coordenação, em outros todos os procedimentos; somente nestes últimos
se encontra a perfeição do desenvolvimento da atividade artística.
Cada uma das três sucessivas operações - a da mente, a da vontade, a da execução, -
incorrem em detalhes importantes.
209. Antes, pois, de se decidir e imperar a execução de uma obra artística, inclusive um
trabalho escrito, a vontade deverá aguardar o esforço de deliberação da inteligência.
Enquanto a deliberação demorar e a inspiração não vier, fica a vontade em estado de
indecisão.
E assim também os escritores longamente ensaiam por meio de notas e redações que
corrigem e alteram. Valem-se também de bibliografias e autores do passado.
Este esperar pelo trabalho deliberativo da inteligência, até que ela formule
adequadamente o juízo especulativo-prático sobre o modelo exemplar para guiar a
decisão da vontade, é uma atitude que demanda uma certa paciência e prudência, a que os
artistas novatos ou os escritores desejosos de se expressar não se subordinam facilmente.
Mas o sucesso dos que se demoram no estudo da expressão, como também o fracasso dos
que se apressam, cedo ensina a estes últimos a serem mais cautelosos.
Exige-se para o intelectual uma certa disposição da vontade como um entusiasmo pelo
saber e pelo arrastamento das dificuldades que ele impõe. Mas estas disposições
impulsivas não coincidem com as disposições para a criação da expressão exterior do
artista ou escritor, que ainda requer as disposições para a criação da expressão exterior.
A disposição de querer ser um intelectual é, pois, uma preliminar importante para formar
um artista. Sem espírito de trabalho não se faz um escritor, como também não se cria o
músico, ou outro qualquer artista.
Compreende o espírito de trabalho sobretudo o ardor da investigação. Consiste num certo
zelo, que se aplica voluntariosamente a tudo conhecer e sempre questionar, com o
objetivo de tirar todas as dúvidas sistematicamente, atingir pleno espírito crítico.
211. Quanto à decisão, pela qual a vontade aceita um modelo de expressão, deverá ser
tomada firmemente. Se a vontade resta indiferente diante do que está claro, ela jamais
realizará a obra, seja literária, seja outra qualquer.
Há intelectuais, por vezes professores indolentes, que muito sabem sobre o tema e sobre
o modelo artístico. Isto o mostram quando eventualmente se exprimem; e também o
exprimem quando fazem a crítica às expressões artísticas de outros.
Falta-lhes disposição suficientemente forte para se decidirem à criação efetiva. São antes
consumidores da arte de outros; apenas lêem, ou apreciam música, ou outra qualquer arte.
Ainda que indolentes, estes intelectuais sem produção situam-se, contudo, mais alto que
os incultos.
Todavia há os inteletuais que não escrevem, porque lhes falta a vocação. Estes poderão
ter vocação para outra modalidade de arte. Ordinariamente todos possuem a prenda para
alguma modalidade artística, ainda que só para fazer bons discursos ou excelentes
preleções.
O normal seria que todos descobrissem uma arte para se expressar criativamente, e por
acréscimo consumir adequadamente as demais. O homem integral liga-se a todas as artes,
ainda que a uma só profissionalmente.
Escritor será aquele que, tendo as disposições para a expressão literária, possui a vontade
firme da decisão de o ser.
À primeira vista parece que a inteligência decide; de fato porém a inteligência apenas cria
o modelo, deliberando entre diversas possibilidades. Eleger o modelo adequado não é o
mesmo que decidir a ação que manda executá-lo.
A vontade decide todavia duas vezes. Uma primeira decisão da vontade impera à
inteligência que crie o modelo; então a inteligência cria o juízo especulativo, deliberando
sobre o qual o melhor exemplar (inspiração artística).
Em outra iniciativa, a vontade decide efetivar o modelo criado pela inteligência, à qual
cabe a inspiração. A segunda iniciativa é a decisão propriamente dita da vontade, pela
qual o cria a obra, tendo o modelo exemplar como orientação; este é o juízo prático-
prático da expressão eleita.
Finalmente a vontade também impera ao executor da obra; este é um juízo imperativo da
mesma espécie que ocorreu quando imperou que a inteligência criasse um juízo
especulativo-prático; só que o juízo imperativo da execução é agora dado às faculdades
executoras, às quais realizam o fazer.
A vontade foi apenas ação decisória. Ação é algo imanente; fazer é algo exterior, que se
realiza autonomizando-se como obra a parte.
214. O exercício cria o hábito e o caráter. Convém o exercício ao gênio e ao que não o
é. Embora o gênio realize muito sem o exercício, realizará muito mais com ele.
O gênio não precisa de esforço para a aquisição das técnicas comuns e que para os outros
demandariam constante aplicação. Mas não se deve comparar com os medíocres e sim
por-se atento ao seu gênio em absoluto; este, muito alcançará, se puser em exercício as
próprias virtualidades.
Do verdadeiro pintor se poderá dizer que, antes de qualquer exercício, é levado por
tendência natural a dar cor a tudo o que sente; é o seu gênio ou talento. Mas esta
tendência o esforço e o hábito a poderão levar a uma produtividade e perfeição máxima e
acima da tendência espontânea inicial.
216. As classificações de caráter são diversas, conforma o ponto de vista adotado, que
uns consideram mais fundamentais e outros menos. As tipologias do caráter se
apresentam assim, quando vistas de um ponto de vista psicológico:
Não há quem não tenha um caráter. O que pode acontecer é não ter bom caráter.
217. Que seria de um escritor se fosse apático? Talvez escrevesse pouco e sem dar
importância aos valores.
CAP. 4-o.
PARA QUÊ O ESCRITOR? PARA QUÊ OS ARTISTAS? 2022y220.
221. Introdução à finalidade em arte. Quem escreve tem algo em vista. Certamente os
objetivos são muitos. Quando alguém escreve ou pratica outra arte qualquer, ora atende a
uns, ora a outros destes objetivos, ou fins.
Há uma ordem nestes fins. Há sempre um fim imediato, ao qual se juntam fins próximos
e últimos. Uns e outros fins são estimulantes, e podem ser até úteis à comunidade.
Pela simples sequência, que já mencionamos, os fins são imediatos, próximos, últimos.
Pela dependência, os fins são iniciais intermediários, terminais.
Pela espécie de relação com o objeto que exerce os fins, os fins são internos e externos.
Todas estas modalidades de fins podem ocorrer numa obra de arte. Consciente ou
inconscientemente, o escritor está ligado a eles.
Em sendo a obra de arte uma estrutura complexa de elementos, os fins se ligam a ela por
diferentes caminhos.
As operações são dadas geralmente como três fundamentos - conhecer, agir, fazer.
A operação do agir, entendido como ação imanente, termina no mesmo ato; as ações
podem ocorrer no instinto e na vontade, que terminam nos respectivos atos, em que os
terminais dos instintos se podem chamar emoção ou paixão, os da vontade volições.
Finalmente, a operação do fazer, entendida como operação que termina fora de si, em
obra autônoma do operante, termina nesta obra exterior ao mesmo fazer.
O fazer apresenta várias espécies, entre as quais uma é a obra de arte. Em todos os
exemplos enunciados, o fim imediato é aquele em que a operação especificamente
termina.
O fim imediato de uma operação é sempre interno, porquanto coincide com a natureza da
coisa realizada. Trata-se do não existente, que entre a existir, e se constitui apenas
daquilo que passou a existir.
Neste sentido cada ser tem em si mesmo seu fim interno; busca necessariamente a si
mesmo; não pode ser contra si; tende a defender-se e não a destruir-se. O amor de si
mesmo é o maior amor, o mais essencial, o mais necessário. O amor aos outros não pode
ser maior que o amor próprio e é aceitável só quando em equilíbrio com ele.
Definir a natureza da arte é o mesmo que ocupar-se de seu fim interno. O objetivo
primeiro do artista é a obra a atingir.
Todavia este fim imediato nos faz erguer a pergunta em negativo, se a arte poderia ser
praticada apenas como arte pela arte, isto é apenas pelo seu fim imediato (de obra que se
faz) sem outros fins (os externos, sejam próximos, sejam remotos)?.
Neste caso, se respondêssemos que sim, teríamos uma arte sem qualquer outro fim que o
interno, uma arte principalmente sem ética, sem compromisso com a sociedade, sem
consideração para com a educação do homem, com o bem comum, com a estrutura
política, etc.
Ao problema da arte pela arte, não se responde diretamente pela finalidade imediata e sim
pelo exame das outra finalidades propostas. Estas outras finalidades deverão ser
discutidas; se elas em si mesmas se validarem, decorrerá que a arte pela arte não existe,
senão abstratamente; a arte pela arte seria todavia uma tese certa, se as outras finalidades
(externas) não se consolidassem.
Subdivide-se, pois, o fim imediato da arte em muitos fins imediatos, em que eles
divergem entre si apenas pela categoria de ser a que pertencem, portanto ora pela sua
essência, ora pelas suas propriedades, ora mesmo pelos acidentes.
A catarse é própria sobretudo da música, mas não deixa de acontecer nas demais artes.
A diversão, ludicidade, distração ocorre com frequência como objetivo da obra literária,
principalmente no teatro, canto, anedota, apresentações as mais diversas.
Quem não toma notas para organizar seus pensamentos? E assim qualquer redação
ordena o pensamento; em si mesmo bastante rápido e dispersivo, o pensamento é domado
pela disposição espacial e temporal das expressões verbais, em sons, palavras escritas.
Tudo o que arrolamos se constitui de fins imediatos da arte - a expressão (fim essencial),
a comunicação, a esteticidade, a catarse, a ludicidade, a ordenação do pensamento (fins
com aspecto de propriedade, acompanhados de acidentalidades).
225. Os fins não imediatos e não internos à obra de arte ocorrem com certa distância da
obra em si mesma. Tais fins se caracterizam como sendo relações de que a obra, depois
de pronta, poderá exercer para fora. Uns se podem denominar próximos e outros últimos,
uns intermédios e outros terminais; também uns primários e outros secundários.
Os fins próximos se dizem principalmente da obra como um todo concreto; por exemplo,
criar a obra com o fim de vendê-la e obter fins econômicos. Os fins últimos se dizem da
obra de arte principalmente no que se refere ao seu conteúdo temático, que pode ter
efeitos éticos, sociais, educativos, políticos, etc.
Tudo o que arrolamos constitui o que se entende por fins imediatos da arte - a expressão
(fim essencial), a comunicação, a esteticidade, a catarse, a ludicidade, a ordenação do
pensamento (fins com aspecto de propriedades da referida expressão).
228. Terminada a obra de arte em si mesma, ela poderá ser orientada para novos fins ou
objetivos, e que lhe são externos. Estes outros objetivos não são evidentemente imediatos,
porque não fazem parte da estrutura da arte, com a qual apenas estabelecem relações.
Podem mesmo não ser previstos. Mas, geralmente o são e em função a eles até mesmo se
orienta a inspiração artística.
O fim próximo mais frequente nas intenções do artista, inclusive do escritor, é o ganho de
dinheiro. Há escritores que simplesmente decidem escrever somente se lhes pagar. Nisto
há certamente um exagero de ênfase.
Mas em tudo, seja na economia, que por exemplo produz alimentos, seja na civilização,
que fabrica por exemplo automóveis, o objetivo principal é sempre colocar a matéria a
serviço do homem.
Porque a ciência também conduz ao domínio sobre a matéria, por vezes incluímos no
conceito de civilização a própria ciência.
A maior parte dos homens trabalha diretamente na transformação da matéria posta a seu
serviço. Aqueles, que não se ocupam diretamente disto, apelam à troca de seus outros
serviços por vantagens materiais. Seja o artista, seja o mestre escola, seja o político, seja
o prestador de serviços religiosos todos reclamam direitos de subsistência e
desenvolvimento; a moeda é a maneira mais fácil de o fazer e é por meio dela que se fixa
o salário.
230. Não há inconveniente ético na venda de obra de arte, mesmo de escritos ideológicos,
desde que não se perca de vista o caráter de fim próximo. Vender a expressão não é o fim
último da arte. Mas sempre assim pensam os homens.
231. Caberia pagar mais alto salário pelo que é mais nobre?
Dada a nobreza da arte por ser portadora de expressão, caberia ao artista postular maior
salário que ao consumidor.
Outro princípio para determinar o índice de pagamento do salário seria o dos custos.
Então, a água por exemplo, custaria menos que a maioria dos alimentos, apesar de muito
importante.
O ar, ainda mais significativo que a água, custaria praticamente nada, senão o ônus social
da não poluição do ambiente.
As profissões que exigissem curso universitário, receberiam maiores níveis salariais, que
as de nível menos custoso.
Também os escritores ganhariam conforme o custo. Ainda que os custos pareçam difíceis
de calcular, eles parecem constituir um elemento básico para os direitos de salário.
Todavia, elementos acidentais deverão certamente alterar estes direitos; há aqueles custos
que não conseguem transferir-se ao produto, por torná-los impraticáveis. Isto acontece
facilmente com a obra do escritor.
Se sua obra de arte for indispensável, a sociedade poderá subsidiá-la, como faz também
com outros produtos de custo impraticável.
Haveria como uma superioridade nas atividades menos ligadas à matéria? E assim cabe a
pergunta se há alguma nobreza na tarefa do escritor, pelo simples fato de se ocupar
principalmente da expressão de um conteúdo mental?
Também as tarefas que se ocupam com a matéria usam a mente. Há apenas níveis -
elementar, médio e superior - que decorre tão somente do desenvolvimento mental
atingido pelo indivíduo. Hoje a cibernética é um altíssimo modo de se ocupar com as
coisas materiais. Bem trabalhar a matéria exige grande saber, principalmente matemático,
físico, químico, biológico, técnico.
De outro lado, a arte sempre se ocupa com a matéria, por que trata de colocar a expressão
ideal da mente em expressão sensível, que ato contínuo serve como técnica de
comunicação.
Todavia, não resta dúvida que o centro principal da arte continua do lado da mente. Ela
nasce na mente e continua a serviço da mente. A diferença entre um artigo industrial e
uma obra de arte está nisto, que o artigo industrial é apenas uma coisa, ao passo que a
obra de arte é portadora de uma mensagem. Uma pintura nos diz algo. O mesmo acontece
com a linguagem; ela não é apenas uma sequência de sons articulados, e sim um discurso
de idéias.
Se não bastasse dizer que o centro principal da arte se encontra do lado da mente,
poderíamos ainda alegar que o lado material da mesma permite ser executado por outros
a mandado do artista.
O compositor da música não toca o instrumento que produz o som. O escultor não se
cansa com o martelo. O escritor não imprime; por vezes nem datilografa; no rádio outro
locutor lê por ele; na televisão outro se apresenta por ele; assim também outros fabricam
caneta e papel por ele.
Nisso tudo não vai apenas o planejamento pelo qual se distribuem as tarefas mas, também
a tendência de reservar para si o que é considerado mais nobre, cômodo e capaz de
marcar status.
235. O fim último da obra de arte é geralmente de caráter bastante estável e elevado.
Envolve o tema da arte e não a obra como um todo, conforme acontece quando ela é
vendida.
Pode o fim último variar e depender da eleição do agente. Para agentes diversos haveria
também muitos fins últimos. No caso da arte os fins últimos podem ser, por exemplo, a
difusão da ciência e filosofia, da moral e educação, da ideologia política e religiosa, etc.
Quando a ficção se omite sobre este seu fim último usual, ela busca pelo menos distrair;
então já se encontra no plano dos fins imediatos da arte pela arte.
O fim da arte que distrai, certamente se coordena a novos fins próximos (por exemplo o
dinheiro) e últimos (por exemplo a felicidade em geral).
236. Através do tema, a arte assume o mesmo fim último do saber em geral, inclusive da
ciência, seja filosófica, seja positiva. Tudo a arte exprime, principalmente através da
língua falada e escrita.
Todavia, o saber pelo saber não é toda a função do saber. Pela orientação do saber, a
vontade e demais faculdades do fazer transformam as coisas.
Pelo saber educa-se o homem. Por meio do saber desenvolve-se a economia. Usando o
saber, criam-se as vantagens da civilização.
Haja pois escritores e artistas de toda a espécie. Que eles assumam a missão de
transformar o mundo para o homem e, finalmente aperfeiçoem a este mesmo homem.
E. Pauli.
0531y003.
Finalmente as três cifras finais redividem os artigos, com opções de 000 até 999.
No curso interno do texto mega os três dígitos finais podem ser citados sem os dígitos
precedentes. Mas, sempre que forem citados a partir de fora deste texto, hão de estar
todos os dígitos.
INTRODUÇÃO GERAL À
0531y008.
Há muito de comum entre filosofia geral da arte e teoria geral do conhecimento, até
mesmo no que se refere às dificuldades oferecidas por ambos os temas (vd 404).
Com vistas a contornar as dificuldades intrínsecas da temática, o texto de Filosofia geral
da arte recorreu muitas vezes à repetividade.
10. Ordenamento didático. Como disciplina de saber, a filosofia da arte dispõe de uma
ordem no seu desenvolvimento e que a introdução faz conhecer antes de ingressar na
mesma.
Dali decorre o seguinte ordenamento didático dos temas, em 5 artigos, a tratar numa
introdução à filosofia geral da arte:
Nos artigos maiores poderá ocorrer a redivisão em parágrafos, e estes em itens indicados
por números romanos.
Esta ordenação em artigos, parágrafos e itens poderá ocorrer em todos os 7 capítulos que
se seguirão á presente introdução geral.
0531y013.
14. A filosofia da arte pergunta pelo ser da arte como expressão material de algo.
A arte se apresenta como expressão material de algo. A pintura é matéria que exprime
algo. A estátua é matéria que exprime algo. O som é material e exprime algo. A
linguagem é material e exprime algo.
É o mesmo que dizer, que a arte é uma coisa que significa outra coisa.
Eis um fenômeno relativamente simples, mas que muito importa ao ser humano, razão
porque se torna objeto de estudo.
15. Objeto material e objeto formal. Cada ciência tem o seu ponto de vista específico,
que a distingue de outra. O ponto de vista de uma ciência é dito seu objeto formal; este
ponto de vista é o ser da coisa estudada.
Num sentido bastante técnico se diz objeto material o que é visto como um todo ainda
não submetido à abstração. Em contraste, se diz objeto formal, o que é tomada em
abstrato, sem os demais aspectos que a mesma coisa concreta admite considerar. O objeto
formal é dito também objeto específico e objeto essencial, quando é dito do ponto de
vista tratado por uma ciência.
A arte, enquanto expressão material, é objeto material de muitas ciências. Mas, desde que
se diferenciarem os diversos pontos de vista, que nela se podem considerar, distinguem-
se as ciências que tratam da arte.
Colocada como um gênero de ciências, a filosofia não é apenas uma só ciência filosófica.
A rigor, a filosofia não é uma ciência, mas um gênero delas, - todas as que operam como
racionais.
E assim há uma gnosiologia da arte, uma psicologia racional da arte, uma ética da arte;
em conjunto se chamam filosofia da arte.
Por sua vez, também a ciência positiva (geralmente denominada simplesmente a ciência)
não é uma só ciência; mas é um gênero delas, todas operando com a experiência.
E assim há uma ciência natural da arte, uma história da arte, uma psicologia
experimental da arte, uma sociologia da arte; em conjunto formam o
gênero ciência (positiva) da arte.
17. Filosofia geral da arte e filosofias especiais da arte. Com vistas a administrar a
vastidão de uma ciência, ela divide dimensionalmente a imensidão do seu temário
em parte geral e em partes especiais (vd 66).
Esta divisão se diz material, porque não afeta seu objeto formal, que continua o mesmo.
Primeiramente, sob o mesmo ponto de vista se trata o que é mais geral no campo das
artes; depois se trata dos campos específicos de cada uma das referidas artes (ou partes da
arte). Não muda o ponto de vista geral, que passa a ser progressivamente particularizado.
Dali resulta o esquema abaixo, e que assume por vezes nomes diferenciados e que
sobretudo operam com a palavra estética, em cada caso com oscilações semânticas:
A arte começa, para nós, como um algo que se apresenta, um fato, um acontecimento,
um dado fenomenológico, o qual precisa ser justificado gnosiologicamente.
Eis uma perspectiva bem definida, e que a lógica (quando faz a introdução à filosofia da
arte) assim mostra, para estabelecer ser este o trabalho da gnosiologia da
arte ou metafísica da arte, ou ainda da filosofia geral da arte.
19. Continua difícil descrever a filosofia da arte, como uma ciência teórica do ser da
expressão. Neste plano ela é efetivamente uma gnosiologia e uma metafísica da
arte, porque estuda o significado como um ser, e que se encontra no significante sensível.
Certamente, a filosofia natural, distinta da metafísica da arte tem também algo a dizer
sobre a arte. Todavia não é fácil determinar o que lhe cabe esclarecer, porquanto sua
tarefa se aproxima da metafísica.
Pode-se mesmo duvidar que ocorra uma distinção específica entre metafísica e filosofia
natural. Alguns modernos, - como Chr. Wolff, - passaram mesmo a interpretar
a metafísica, como sendo uma filosofia geral, enquanto que a filosofia natural seria
apenas uma filosofia especial; neste caso, uma se preocuparia do ente geral, outra do ente
particularizado, portanto ambas sob a mesma perspectiva de ente.
Mas, - se a diferença que se dá entre metafísica e filosofia da natureza não for a mesma
que se tem em vista, quando se divide uma ciência do ente em geral e a do ente em
especial, - se mantém a especificidade das duas ciências filosóficas mencionadas.
A metafísica estuda a arte a partir de princípios derivados dos princípios gerais. Quando
os princípios são derivados, eles mantêm o caráter metafísico. Explicar, por exemplo, a
partir da semelhança a acusar o semelhante, - por que a arte exprime?, - é tema da
metafísica da arte (vd 19).
As implicações sociais da arte se dão sobre tudo através de sua condição de comunicação.
A arte importa à sociedade desde o momento do pacto social. Não é possível chegar ao
pacto social, sem um código convencional de linguagem.
Todos os povos, por igual têm direito ao estabelecimento do código comum da língua
internacional. Em princípio não pode um só povo impor colonialisticamente sua língua
nacional. Isto entretanto acontece por motivos culturais, em virtude do desenvolvimento
maior de uns grupos e menor de outros.
Há, pois, um tema político social da arte, sobretudo no caso das artes dependentes de um
código de convenções.
Menos fácil é a interpretação da arte abstrata, como na pintura moderna mais avançada.
No artista, a interpretação tem como paralelo a consciência daquilo que ele procura
expressar. Por isso, o artista é, por assim dizer, o primeiro intérprete de sua obra; antes
mesmo que outro o interprete, ele pode saber o que outro poderá entender por ela.
Quem escreve, ou conta, ou pinta, ou esculpe, ao mesmo tempo sabe o que escreve, ou
conta, ou pinta, ou esculpe. Isto que o artista sabe a este respeito, é sua interpretação
através da qual acompanha conscientemente o que faz, entendendo o efeito futuro de sua
ação sobre os demais intérpretes.
A arte, em qualquer circunstância, é expressão apenas objetiva. Ela mesma não sabe o
que está apresentando à interpretação.
Oferecendo condições para uma interpretação, a arte não contém a mensagem feita. Ela
vai nascer na mente do intérprete, que a capta interpretativamente (vd 258).
Ainda supõe a condição subjetiva segundo a qual cada uma faça a crítica dentro dos
parâmetros dele conhecidos; decorre, que uns estão em condições para a crítica da arte
em função aos princípios teóricos provenientes da filosofia, enquanto outros estarão
capacitados para a crítica em função às normas determinadas pela tecnologia da arte.
Há, pois, várias espécies de crítica da arte e variações na capacidade crítica por parte
daqueles que a exercem.
24. A crítica se converte em auto-crítica, quando realizada pelo próprio artista. Este,
depois de haver realizado sua obra, procura determinar, se a sua realização obedeceu ao
modelo proposto.
De fato, porém, os artistas sempre a fazem, até que dão a obra por concluída. Todo
homem possui a atenção direta e a reflexa. Pela direita o artista acompanha a criação de
sua obra; pela reflexa compara a expressão e o objeto expresso. Acompanhando tudo pela
intenção reflexa, pode reavaliar e melhorar a obra.
O conjunto destes atos seletivos no curso da criação artística não é nada mais do que
aquilo, que se usa denominar inspiração artística (vd...).
Não faltam os que asseveram não ser bom artista aquele que opera com auto-crítica, mas
aquele que simplesmente cria.
Há um pouco de verdade nisto, porque primeiramente hão de surgir os elementos
comparativos do juízo, e estes dependem do poder inicial do conhecimento. Mas, depois
poderão, pela comparação crítica aperfeiçoar-se, com o afastamento das alternativas
menos perfeitas.
É preciso ter primeiramente imagens para depois podar aqui e ali. Esta podagem todavia
pode ser conduzida com objetivo de aperfeiçoar o já eleito, de sorte a haver vantagem na
auto-crítica.
Uma péssima autocrítica faz piorar o produto original. A boa autocrítica sempre resulta
em melhorias.
25. História da arte. Eis uma das muitas partes especiais em que se divide e redivide
materialmente a grande ciência da história.
Trata a história da arte de como a criação artística se desenvolveu através dos tempos e
em cada povo. Revela como a arte progrediu em qualidade de expressão e em recursos
materiais até os tempos contemporâneos.
28. O nome arte deriva diretamente do étimo latino artus, com o sentido de bem
feito, bem arranjado, bem ajustado.
Não indica o nome arte diretamente a natureza da coisa, mas uma sua propriedade, qual
seja a da perfeição. Por isso há uma coerência semântica, quando se usa o nome da arte
para designar qualquer coisa bem feita.
Mas isto aconteceu, porque a arte de exprimir importa sempre em alguma perfeição, para
que a expressão se torne eficaz.
29. Com mais detalhe, o termo arte deriva do indo-europeu ar- , com o sentido geral
de arranjo, ajustamento, harmonização.
Também dali procedem os termos latinos ars (= maneira de ser), artus (= bem
ajustado), artare (= apertar), artifex (= artífice). Nos idiomas neolatinos ainda as
formas artista e artístico.
Similar é a raiz ag- , no indo-europeu, com sentido geral de empurrar para a frente. Dali o
grego – ( T (ago = conduzir). Os termos latinos agere (agir), agilis (= ágil), actio (= ação).
As sugestões aproximam esta raiz à de ar- (= arranjo), como seu deu em arte.
30. Mas desde o instante em que passamos a entender a arte como portadora de
significados, o termo não mais recebe do seu étimo a precisão requerida. E então
"artístico" somente passa a exercer o sentido que a convenção lhe acresceu
semanticamente.
Na acepção moderna, - que fez o produto artístico se difundir como instrumento teorético,
isto é, que transmite mensagens, - é evidente que tal sentido não vem sugerido pelo
próprio termo, e sim pela mencionada evolução semântica.
No latim, - o idioma que tanto influenciou as línguas modernas, -arte exprimiu sempre
todas as criações artesanais e nunca representou apenas a arte como criação teórica no
sentido moderno.
Lembramos que, por isso mesmo, distinguiam os romanos entre artes servis e
artes liberais, colocando entre estas últimas algumas das artes propriamente ditas como
hoje as entendemos.
Até mesmo a lógica era chamada arte, por causa da habilidade que exigia. Neste sentido,
a lógica era descrita como arte de bem pensar.
Em fins do século dezoito, uma distinção entre artes úteis e belas artes resultou num
definitivo encaminhamento para a acepção exclusiva da arte, simplesmente como belas
artes.
31. Técnica. Importa saber como denominavam os gregos o que hoje entendemos por
arte, uma vez que não tinham a nossa palavra e nem um correspondente etimológico.
O termo da gloriosa Grécia, - onde as artes tanto floresceram, - foi techne, como ocorre no
tratado de Aristóteles A,DÂ B@0J46 H (= Da arte poética).
Techne, no sentido etimológico inicial, associa noção de habilidade no fazer, tal como
hoje, no Ocidente, se diz técnica.
32. Kunst. A expressão alemã Kunst (= arte) é notoriamente feliz sob o ponto de vista
etimológico.
Repete-se no grupo das línguas germânicas o mesmo fenômeno, no inglês can (saber e
poder), know (conhecer) e no gótico Kun-nam (conhecer), Kannjan (fazer conhecer).
Em alemão Kunst também significa destreza e habilidade; todavia, estas qualidades têm a
carga semântica do elemento que deriva do saber.
33. Não obstante seja vasto o modo de nos referir à arte, poucos, pelo que se vê, são os
termos que significam arte: - um na área helênica, techne; - um na latina, ars; - um na
germânica: Kunst.
A arte se realiza no plano concreto, - eis onde está a razão. E as coisas concretas tendem
a ser denominadas de maneira singular.
Muitos são efetivamente os nomes para a arte, todavia em setores estanques. Ali estão as
suas espécies: música, escultura, pintura, letras. Este fato resulta em que as pessoas
teorizem em separado cada arte e pouco se ocupem com a filosofia geral da arte.
Novamente cada espécie se encontra servida por uma constelação interna de outros tantos
nomes setoriais.
E assim também as demais artes operam com seu dicionário de nomes subalternos paras
os seus gêneros.
Se, depois de tantas obras concretas e tão variadas, subirmos a uma denominação geral,
teremos de operar numerosas abstrações, sempre mais difíceis, de sorte a não estimular a
criação de outros tantos nomes para o gênero supremo.
Por analogia passaram os nomes de um campo para o outro. As imagens mentais também
são expressão representacional.
Diz-se que a arte é expressão, tal como também se diz expressão mental. A arte é
representação, igualmente como se diz que o conhecimento é representação.
O paralelismo dos nomes continua. A arte contém significação, tal como o conhecimento.
e outros nomes.
0531y036.
37. Primeiramente sobre o nome filosofia da arte. É filosofia da arte um nome composto.
Nenhum nome de palavra única foi criado a partir de arte, para a filosofia que dela
tratasse (vd 47).
Resta senão ficar com o referido nome de termos múltiplos, sobre o qual importam
algumas considerações.
Terminologicamente, filosofia da arte é de significado firme e inequívoco, sempre que se
alarga para a totalidade das perspectivas racionais, isto é filosóficas, sobre a arte.
- técnicas da arte,
- sociologia da arte,
- história da arte.
- ciência da arte em sentido estrito (somente a principal das ciência da arte, suas
técnicas).
Aqui e agora primeiramente nos importa a filosofia da arte em sentido estrito, conforme
já citado acima, e que consiste na metafísica, ou gnosiologia da arte.
Esta filosofia da arte em sentido estrito se refere à perspectiva mais essencial, que é a da
arte como expressão, ou como portadora de um significado, e dotada das propriedades de
evidência, verdade, certeza, bem como de estilo.
E ainda mostra com que propriedades tudo isto acontece, sobretudo em relação às
propriedades gnosiológicas da evidência, verdade, certeza da expressão artística, além do
ornamento final do estilo.
39. Outros nomes, para indicar a ciência da arte, ocorrem sobretudo em espécies
setoriais da mesma. Tais outros nomes acontecem sobretudo no plano da ciência empírica
e menos no da filosofia.
A gramática é a ciência de uma certa arte, a de uma língua determinada. Isto quer dizer
que é uma ciência positiva.
Ainda que usando analogicamente o termo, há também uma gramática para as demais
artes. Também estas outras outras gramáticas se estabelecem sempre como ciência
positiva.
40. Haveria um nome simples para filosofia da arte? Não há esta denominação
formulada partir do nome de arte. Estes outros nomes são em princípio possíveis. De fato
eles ocorrem, até certo ponto, - como estética, - mas se mantêm com caráter impreciso.
A maioria dos nomes indicadores de ciência se formam pela aplicação do sufixo logia ao
nome do objeto estudado. Assim poderíamos tentar dizer a partir do
grego artiologia (artios = ajustado, logia = ciência). Mas esta denominação até agora não
teve curso. Próximo a este se encontra tecnologia, o qual entretanto passou a ter outro
desenvolvimento semântico.
41. De novo sobre técnica e tecnologia. É tecnologia um bom termo para as obras do
fazer em geral.
Todavia diz respeito não só à tecnologia da expressão artística, como das demais
tecnologias, sobretudo destas outras.
Os gregos se referiam à arte como técnica. Mas também denominavam outras atividades
pelo nome técnica (vd 31). O mesmo aconteceria com os clássicos latinos ao
denominarem qualquer produto como sendo arte (vd 30).
Técnica (vd 31) sempre foi nome um tanto adequado para a arte. Efetivamente, a arte é
uma técnica, ou seja, um fazer coisas. Antes que passem a ser portadoras de significado,
as coisas têm de ser feitas. Há pois uma tecnologia da arte, tão bem como uma
tecnologia para o fazer das demais coisas.
Como nome de ciência, tecnologia se restringiu mais ainda, porque se junta ao gênero
das ciências positivas, as quais apelam à experimentação. Por isso, tecnologia da
arte cuida do fazer artístico a partir da experimentação. Exclui as considerações
puramente racionais. Não equivale, pois, a tecnologia à filosofia da arte.
42. Estética como nome do estudo da arte foi criação moderna de Alexandre
Baumgarten (1714-1762), a partir do grego Ç F 2 0 F 4 H (aísthesis = sensação). Enfatiza
o aspecto sensível, mas não expressamente a arte.
Afirma Kant que as sensações (cor, som, etc.), alem de serem apenas fenômenos sem
realidade, se amparam em formas apriorísticas, ou transcendentais, de espaço e tempo.
Em Kant, pois, o estudo destas formas transcendentais se denomina Estética
transcendental.
É pois esta ciência que deve construir a primeira parte da teoria transcendental dos
elementos, por oposição àquela que contém os princípios do pensamento puro e que se
denominará lógica transcendental.
44. Para Alexandre Baumgarten, o belo é sensível, e não uma noção intelectual.
Consequentemente, o estudo da sensação e da beleza não se distanciam. Estabeleceu
a verdade como objeto da inteligência, a beleza como objeto da sensação.
O mesmo Kant, em sua Crítica do juízo (1790), adota o uso de Estética, também como
indicador do sentimento.
Agora, estética indica que a arte utiliza instrumento sensível. Toma desta circunstância o
seu nome de estética (de aisthesis = sensação). O que o nome por si só não indica, a
convenção o supre. E isso lhe foi atribuído pelo criador do termo.
Sob este nome teve Baumgarten a intenção de reunir o estudo do belo, do conhecimento
sensível e da arte; certamente que via no belo sempre algo sensível, de sorte que não
ampliava a área da estética para além do mundo sensível.
1) Eam nimis late patere, quam ut uno libello, una acroasi possit exhauriri.
Resp. a) est etiam critica logica. b) quaedam critices species est pars aesthetices, c) huic
praenotio quaedam aesthetices reliquae paene necessaria est, nisi velit in diiudicandis
pulcre cogitatis, dictis, scriptis disputare de meris gustibus" (§51).
"Aesthetica (theoria liberalium artium, gnosiologia inferior, ars pulcre cogitandi, ars
analogi rationis), est scientia cognitionis sensitivae" (Aesthetica, §11).
Nesta nova acepção não há referências ao efeito estético, mas ao sensível (estético)
simplesmente. A arte se diz uma estética, porque é obra sensível.
Contudo, esta obra sensível poderá ter, num segundo tempo, a propriedade de produzir o
sentimento estético. Então, a arte assume a propriedade psicológica da esteticidade. É
uma estética, enquanto obra sensível, e é estética, enquanto exerce esteticidade, isto é,
enquanto produz sentimento estético.
A filosofia da arte se ocupa da arte como uma estética, isto é, como uma obra sensível e
não apenas como produtora de sentimento estético. Quanto à esteticidade, constitui ela
apenas uma propriedade da arte; nestas condições a filosofia da arte cuida da esteticidade
no capítulo de suas propriedades psicológicas.
47. Que nome preferir? filosofia da arte? ou estética (no sentido da filosofia da arte)?
Já não é tão segura esta delimitação em "estética dos sons", "estética das cores", "estética
das formas", porque se refere simplesmente a objetos e não a artes. Então, apenas um
contexto mais geral poderá definitivamente revelar, se a acepção é simplesmente a do
sentimento estético, ou se mais restritamente a da arte.
Prefere-se "filosofia da arte" quando se quiser situar com precisão no estudo da arte; por
isso escrevemos em nosso título "filosofia geral da arte".
Ao se ingressar no exame detalhado das diferentes artes, se pode adotar com vantagem a
indicação de estética; por isso se encontra o uso "estética literária", estética da música",
"estética da pintura", "estética da escultura", lembrando sempre a arte que se exerce nas
respectivas áreas, com o respectivo apreço ao sentimento.
Com referências às expressões bem sonoras de "estética das formas" e "estética das
cores" somente se usam na acepção de arte, quando um contexto maior o permitir.
Definida a arte como expressão em obra sensível, de um tema, é óbvio que se possa
admitir dizer, estética da expressão, sem confundi-la com a expressão mental. Seria então
a estética da expressão o estudo da expressão artística.
51. Há um valor, que é o da mesma arte, e um valor da filosofia da arte para melhor
aproveitá-la.
Com referência ao valor da mesma arte, ela é incontestável, bem como seu apreço marca
nossos dias, quando cresce cada vez mais o ardor pela pintura, o interesse pela música, a
ânsia pela leitura, o entusiasmo perante as telas luminosas do cinema e da televisão.
Este valor da mesma arte se situa em vários planos. Primeiramente, a arte no seu plano
essencial é uma expressão, que informa, instrui, dá erudição e cultura. No seu plano útil a
arte, sobretudo a linguagem, é comunicação (vd 378). Aditivamente, a arte é ainda
organizadora da mente (vd 373) e por isso mesmo pedagógica (vd 53).
Com referência ao valor da filosofia da arte está em que a mesma arte passará a ser
melhor vivida. Para um efetivo aproveitamento da arte, a filosofia pode desenvolver
objetivos gerais, sempre presentes, e objetivos específicos, ou particulares, que ocorrem
eventualmente.
52. São objetivos gerais da filosofia da arte oferecer aquelas noções que hão de estar
sempre presentes, quer na sua produção, no seu consumo.
O artista, - uma vez esclarecido sobre a arte, seja sobre a literatura e a música, ou sobre
outra modalidade qualquer de arte, - consegue produzir sua expressão em obra sensível
mais adequadamente.
Ainda que a poesia seja uma sequência alógica de operações, ela flui com autenticidade,
para aquele que a conhece teoricamente; ao passo que o poeta ignorante de sua atividade,
não consegue identificar com segurança quando faz poesia e quando prosa.
Não nos basta a alfabetização que dá o acesso ao uso da linguagem literária. Importa
aprender a respeito de todas as artes, aliando por conseguinte ao saber literário também o
da música, pintura, escultura.
Entretanto, numerosa gente atravessa os parques sem condições para apreciar a escultura.
Vê a pictoricidade das telas, que não compreende adequadamente. Ouve a grande música,
preferindo-a em favor de banalidades. Poderá a filosofia da arte recuperar o interesse pela
expressão de maior qualidade e despertar para a totalidade das artes.
53. Os objetivos específicos da filosofia da arte são aquelas vantagens que ela pode
oferecer eventualmente, muitas vezes segundo a escolha dos caminhos de cada um.
O saber tem, entre outras funções, a de guiar a ação e o fazer, com vistas a transformar a
realidade.
Um dos objetivos específicos poderá ser o de profissionalmente exercer uma arte. Eleita
esta arte, para ela há uma filosofia específica, que poderá ser a estética das formas, ou das
cores, ou dos sons musicais, ou da linguagem.
54. Um valor pedagógico e didático é também possível ver nos objetivos específicos da
filosofia da arte.
0531y056.
57. O exercício da arte possui uma história longa, porque ela vem sendo exercida
intensivamente por todos e desde a mais remota antiguidade.
Mas exercer a arte não é o mesmo que exercer a filosofia da arte. Também não é o
mesmo a história da arte e a história da filosofia da arte.
Todavia, só mais recentemente se encaminhou estas história da filosofia da arte para uma
sistemática totalizante.
58. Fez-se a filosofia de uma arte, e de outra arte, mas pouco da arte em geral.
E mesmo neste campo do geral, por muito tempo a estética se limitou quase somente ao
estudo do sentimento chamado estético; portanto, a preocupação tem sido o da estética
psicológica, e não o da estética gnosiológica, a qual deveria também inquirir pela
natureza da expressão.
"O psicologismo imperou na estética alemã durante vários decênios, com um domínio
quase exclusivo.
Konrad Fiedler já havia preconizado uma teoria da arte assim concebida. Meumann
combateu a estética psicológica.
Dessoir traçou valentemente o programa da ciência geral da arte. Utiz estudou a fundo
seus princípios e suas fronteiras com a estética" (M. Geiger, Problemática da estética. ed.
port., Bahia, 1958, p.69).
59. Não obstante, já na antiguidade se ofereceram algumas noções de filosofia da arte no
campo mesmo de sua essência como expressão. Esclareceu-se já então que a arte é uma
criação sensível. É o que lemos em Platão e Aristóteles, repetindo-se esta conceituação
através dos tempos. Vai-se encontrá-la também em Kant, ainda agora, sem maiores
desenvolvimentos sobre a arte simplesmente como expressão.
60. Aristóteles escreveu uma Poética, em que as análises são bem desenvolvidas.
Também sua Retórica atinge notável desenvolvimento sobre a arte de falar e argumentar.
61. O estudo teórico das artes plásticas não ganhou quase nada de importante na
antiguidade, senão de Vitrúvio para a arquitetura.
62. A música desenvolveu suas teorias bastante independentemente das outras artes.
Rudimentar entre os antigos, iniciou no século décimo um progressivo adiantamento que,
sem interrupções, atingia no final do século XVIII, com Beethoven, uma situação
respeitável.
Em cada uma destas formas de expressão em prosa e poesia acontece o fenômeno dos
gêneros artísticos.
Assim, pois, fica claro que no presente ensaio de filosofia geral da arte cuidamos apenas
daquilo que se oferece à primeira parte em que se usa dividir a filosofia da arte, deixando
a segunda parte, a das artes em espécie, para outro, ou outros tratados..
67. Começa a subdivisão da filosofia geral da arte pelos dois temas mais
característicos, e que constituem a essência mesma da filosofia geral da arte:
CAP. 1
72. Introdução. Em filosofia geral da arte, como sempre em metafísica, tudo começa
pelo mais difícil, - pelo seu momento gnosiológico, quando precisa provar seu mesmo
objeto.
Importa inicialmente decidir sobre a alternativa fundamental, - se a arte é significação
intencionalística de algo, ou se é apenas um simples entidade absoluta como qualquer
outro ente.
Só depois de provado que a arte é significado, pode a filosofia da arte prosseguir nesta
mesma linha; e podem as demais disciplinas sobre a arte estudar a esta como um processo
de significações.
Entretanto, se outra for a decisão gnosiológica fundamental, tudo irá por caminho
diferente.
Se, por exemplo, a arte for estabelecida apenas como um objeto, - seja um objeto belo,
seja um objeto simplesmente novo, - então a filosofia da arte estudará apenas o que isto
constitui. A arte já não será uma expressão significadora, mas apenas o produto do fazer
coisas. Pelo mesmo caminho practicista seguirão as demais ciências sobre a arte.
Tem, pois, a filosofia da arte que decidir sobre esta questão fundamental imediatamente.
Este é, por isso, o tema do primeiro capítulo.
ART. 1o
76. Como se adiantou, ocorrem duas alternativas fundamentais sobre o que seja a arte, - a
enticista, que fastamos, e a intencionalista, que defendemos.
A questão oferece em três momentos, em que a dificuldade não se encontra na prova, que
se apresenta com bastante obviedade, mas no ordenamento sistemático dos conceitos.
A segunda questão diz respeito à prova da arte como intencionalidade cognoscitiva, que
deverá ser estabelecida, com todo o detalhe, desde o método, - no caso fenomenológico, -
até o elenco de observações que a apóiam .
Somente com este penoso caminho a céu aberto da fenomenologia, será possível instalar
um fundamento perfeito para a filosofia geral da arte, e que depois se desdobrará nas
filosofias especiais de cada espécie de arte, - em cor, em forma, em linguagem, em
música.
§1- As duas alternativas fundamentais em arte.
0531y078.
79. Sobre o que seja a arte essencialmente hão de ser colocadas frente à frente as
alternativas, já porque esta é uma exigência do pensamento crítico.
Nenhum conhecimento é perfeito sem ser crítico, ou seja sem alcançar o estado
de evidência clara e distinta.
É crítico o pensamento que atinge aquela evidência, na qual tanto é clara a evidência a
respeito do que se estabelece, e distinto o que se exclui. Conhecer perfeitamente uma
essência, significa, tanto conhecê-la em si mesma, quanto conhecê-la enquanto exclui a
outra.
Na mesma linha de interpretação, com outras palavras, a arte se diz uma expressão com
intencionalidade; ou expressão intencionalística.
De novo podemos variar, dizendo que a intencionalidade busca a informação a respeito
do objeto. Então definimos a arte como sendo informação, ou ainda a arte como
sendo expressão temática.
Ainda podemos dizer que a arte é expressão teorética, isto é, que a arte está no contexto
de conhecimento.
Todos os vocábulos acima deverão ser analisados, com vistas a ajustá-los ao tema que
aqui devem significar.
Ela reduz a arte somente à criação de um novo ente apenas, - um ente absoluto, eliminada
a função gnosiológica de significar algo.
82. Posição ecleticista sobre a interpretação da arte. Tanto uma, como outra, das
alternativas na interpretação fundamental da arte admite variações, destacando-se
a eclética.
Por exemplo, a linguagem seria expressão com significação; diferentemente as outras
artes seriam enticistas; portanto, porque suas criações seriam objetos sem significação.
- o significado, ou expressão.
- propriedades pré-artísticas.
Nem estas e nem aquelas hão de ser confundidas com a mesma essência da arte como
expressão intencionalística.
Admiráveis são as cores ainda que o artista não as tenha convertido em instrumento de
mensagem sobre a tela.
As flexões dos sons admitem disposições mais agradáveis, outras menos agradáveis,
conforme a capacidade do locutor e escritor de fazer o arranjo das palavras.
Tendo embora seu lugar oportuno para serem tratadas, estas propriedades são lembradas
aqui apenas para determinar sua distinção da essência mesma da arte.
Elas não são a arte, mas decorrem dela.
Equivocam-se, por exemplo, aqueles que definem a linguagem como comunicação; antes
que seja comunicação, importa que seja expressão significadora.
Há uma clara oposição entre uma e outra definição da arte, porque a palavra arte pode
significar, ora de maneira estrita, ora de maneira ampla. Arte denomina, ora o que a seu
respeito definem os intencionalistas, ora os onticistas.
88. Uns primeiros onticistas iniciam por serem ecléticos. Admitem o caráter
essencialmente intencionalístico da arte da linguagem; esta seria sempre um dizer algo,
finalmente um instrumento de comunicação.
Então a arte plástica não passaria senão de uma criação meramente entitativa de objetos.
Todas as artes, quando significam algo, teriam este significado como uma propriedade e
não como um elemento seu essencial primeiro.
Para os onticistas é possível distinguir entre artes com a propriedade de significar algo e
artes sem esta propriedade.
Aquelas que têm a propriedade de significar algo, têm todavia esta condição apenas como
propriedade, não como elemento primeiro de sua essência.
As artes sem a propriedade de significar algo seriam apenas objetos absolutos,- por
exemplo, simplesmente objetos belos, - nunca feitos para serem instrumentos de
conhecimento. Com isso se abre o caminho para o conceito de belas artes.
E é bom que isto aconteça, porque o mesmo homem usufruirá o edifício como espaço
organizado, tanto para o seu uso útil, como para seu interesse de conhecimentos.
Para a interpretação meramente entitativa da arte, a arquitetura não requer ser portadora
de significado para ser definida como arte.
Importa apenas ser considerada como um objeto absoluto. Criado dentro das condições
da arte como novo ente, o edifício é apreciado entitativamente, mesmo que nesta
apreciação nada se encontre como significação trazida por um significante.
90. Os onticistas advertem sobretudo que a arte se diferencia apenas por ser criação do
homem, e não da natureza. E, como criação do homem, é guiada por uma idéia do artista;
portanto ainda de uma inspiração.
Vão ao extremo da criatividade, os onticistas que dão como a arte a que apenas cria
objetos de ficção. O artista criaria então, objetos que não existem. Deus teria sido o
primeiro artista, porque fez coisas novas; não pensou criar significações, nem imitar o
pré-existente.
Todavia outra é a ficção quando entendida como tema; então a arte já é intencionalista e
não onticista.
A concepção onticista da arte definida como objeto novo, a define pela causa eficiente. O
mesmo objeto é arte, se for criado pelo homem, e não o é, se for algo de natureza.
Para os clássicos, a arte seria a recta ratio factibilium (= o reto fazer as coisas).
Interpretada mais amenamente a definição, a arte seria o fazer de acordo com uma certa
razão, ainda que seja nos da livre razão. Em ambos os casos, em clássicos e em não
clássicos, tudo se pode definir a nível do fazer coisas, e não de criar significantes
portadores de significado.
91. Alguns onticistas defendem posições, cujo destaque se encontra no objeto pelos seus
efeitos.
Há os que limitam a arte a objetos estéticos. Nem todo o objeto criado seria arte, mas
apenas aquele capaz de provocar este agradável sentimento.
Acrescentam alguns, que os objetos estéticos são gratuitos, não necessários, não úteis.
O que ocorria na filosofia antiga da arte era destacar o lado criativo da obra por fazer.
Não negando embora a função significadora havida em algumas artes, acreditava que a
razão principal da arte era sua entidade, de cuja beleza objetiva cuidava.
Ainda que abordem a arte com preocupações as mais diversas, e nem sempre dêem
desenvolvimento sistemático à análise de sua natureza, - o clima, em que conduzem as
considerações, pressupõe uma conceituação da arte como expressão gnosiológica de
temas, embora por vezes resvalando para definições ecleticistas.
Para Leon Tolstoi "a arte é um dos meios de que dispõe os homens para comunicar-se
entre si... Por meio da palavra, o homem transmite ao próximo seus pensamentos: por
meio da arte, lhe transmite seus sentimentos e suas emoções... A arte não é um prazer,
senão um meio de união entre os homens" (L.Tolstoi, Que é a arte? c.4).
A etimologia de poesia (do grego poiéo = fazer, fabricar, produzir) contribuiu certamente
para firmar o interpretação practicista da arte.
Ainda no grego a palavra poíema (= poema), de raiz idêntica, significa obra, coisa feita.
Similarmente o correspondente grego para indicar a arte é também téchne (de technáo =
fabricar habilidosamente), de onde em nossa língua a palavra técnica, de sentido
visivelmente practicista.
95. Platão (427 - 348 a. C.) conceitua a arte como obra feita segundo modelo que o
artista tem na mente.
Este caráter que aprecia a arte como simples entidade, sem incluir necessariamente a
expressão temática, - Platão o tem claramente na sua doutrina da idéias arquétipas.
Imaginou que todas as coisas desse mundo foram feitas pelo Demiurgo (= artista), o
construtor supremo do universo. Este teria tomado a matéria eterna, moldando-a, tendo
por modelo as idéias eternas. Reduplicou, pois, na matéria, as idéias reais. Ora, este
Demiurgo trabalhou como o artista.
Mas o artista terrestre toma como modelo de suas estátuas os exemplares encontrados na
natureza. Ora, estes exemplares já são reduplicação dos exemplares arquétipos supremos.
Por isso, para Platão os seres da natureza são inferiores ao arquétipo; por sua vez, os
seres da arte, ao imitarem a natureza, criam algo inferior à mesma natureza. Dali a
conclusão, de que melhor é procurar a natureza, do que a arte. Enquanto a natureza é
sombra do arquétipo, a arte é a sombra da sombra.
Ou, como dirá depois Dante, - a arte é neta de Deus, ao passo que a natureza é filha de
Deus.
E assim resultou que Platão expulsasse a arte da sua concepção de República. Ainda
assim, entre as artes Platão preferiu a música, em vista de certa espiritualidade.
Em Aristóteles o modelo da arte não precisa ser um arquétipo, mas qualquer idéia pré-
estabelecida pelo artista.
Através dos tempos as filosofias da arte vão oscilando para modelos mais ideais (como
na arte idealista, ou clássica) e menos ideais (como na arte helênica, barroca, romântica,
modernista).
Não obstante estas oscilações, a conceituação básica da arte pode continuar sendo
practicista, ou seja, como sendo criação de obra antes de tudo entitativa, sem
preocupação intencionalística a expressar temas.
96. Aristóteles (384 - 322 a. C.), ao distinguir entre a ação e o fazer da arte, mostra que a
ação é imanente (permanecendo seu efeito no indivíduo), ao passo que a arte é produto
exterior à ação (situando-se fora do indivíduo que a produz). E enquanto esclarece tais
diferenças se conserva no contexto de que a arte é expressão entitativa e não afirma
diretamente que ela seja uma expressão com objetivo temático ou intencionalístico.
"Sendo diverso o produzir e o agir, não há dúvida que a arte visa ao produzir, não ao
agir" (Ética a Nicômaco, 6, 4. 1140 a 7).
"Logo, como se disse, a arte é certo hábito produtivo com razão verdadeira; e, ao invés, a
carência da arte é um hábito com razão falsa à cerca daquelas coisas que podem ser
diferentemente" (Aristóteles, Ética à Nicômaco, 6, 4. 1140a 9 - 11).
Contudo, a arte que Aristóteles define como um fazer, pode ser entendida como um fazer
algo, que a seguir vai servir como expressão significadora. Efetivamente, a arte sempre é
precedida pelo fazer uma obra material, à qual se destina ao expressar.
97. O neoplatônico Plotino (205 - 270) retificou a Platão no atinente à idéia diretriz da
produção artística. Em vez de imitar a natureza, o artista olha diretamente para as idéias
universais transcendentes. Dali a assertiva do filósofo neoplatônico:
"As artes não imitam diretamente os objetos visíveis, mas remontam às razões de onde se
origina o objeto natural" (Plotino, Enéada, V, 8, 1).
Agora, também os modelos são criados pela mente, e o que surge na obra já ultrapassa,
quer a fisionomia dos arquétipos eternos e idealizados, quer dos objetos da natureza.
O novo contexto, por causa de sua mesma subjetividade, tende para a expressão
intencionalística. Com a subjetividade, o artista passou a querer manifestar o que de novo
entrou a pensar e a sentir. Em consequência, a arte passou a ser entendida cada vez mais
como intencionalidade, e cada vez menos como um fazer coisas. A velha arte era ambas
as coisas, - fazer simplesmente coisas e fazer coisas que exprimem temas. A nova arte
passou a ser somente o fazer coisas que exprimem temas.
99. O belo e a arte segundo Baumgarten. Num primeiro momento da filosofia moderna
ocorre a influência de Descartes (1596-1648), o qual considerou os sentidos como se
fossem idéias confusas. Estabeleceu que as próprias idéias são imagens autônomas em
relação aos objetos reais, devendo-se ainda provar que eles correspondem àquelas
imagens. É a gnosiologia do realismo mediato, que proliferou também no campo do
empirismo.
Competia à arte criar esta beleza sensível. Desta formulação resultou a criação do
nome Estética (vd 42), do grego aísthesis (= sensação), para equivaler à filosofia da arte
100. O belo e a arte segundo Kant (1724-1804). Um segundo período foi criado na
filosofia moderna por Emanuel Kant que desenvolveu uma nova estética, ainda que
influenciado pelos seus antecessores apenas mencionados.
O fazer coisas belas, como arte, assume, como se vê, novas direções, mas principalmente
cresce como potencialidade no campo temático da expressão.
Para Kant o belo é o que está conforme o arquétipo da espécie. Todavia, o arquétipo não
passa de uma forma a priori da faculdade do juízo. O belo, ainda que seja um objeto
sensível, deve, como um todo realizar-se de acordo com o arquétipo. Ocorre, então, a
presença da razão na obra de arte, pois é a razão que conduz o artista na criação de obras
em tais condições.
A distinção entre o belo natural e o belo artístico está em que o natural se cria sem uma
prévia concepção racional e livre, ao passo que o da arte resulta de uma concepção
exemplar anteriormente pensada e livremente executada. A concepção artística de Kant é,
pois, um practicismo apriorista.
Fiche, figura central do idealismo romântico, desenvolveu uma filosofia da arte dentro de
conceituações practicistas com as peculiaridades do panteísmo idealista. No seu caso
ocorre a imagem muito razoável de que toda a natureza é viva, ainda que não sempre
manifesta.
Neste vasto contexto, a atividade que produz os objetos da natureza é a mesma que gera
os da arte, com a diferença que esta tem uma participação mais consciente do trabalho do
espírito.
"O mundo objetivo é a primitiva e todavia inconsciente poesia do espírito; o órgão
universal da filosofia, e a clave de abóbada de todo seu arco, é a filosofia da arte"
(Schelling, Obras, III, 349).
102. O belo e a arte segundo Hegel (1770 - 1831). Também este viu na arte uma obra,
enquanto criada pela infusão de uma idéia na natureza sensível. Arte, então, é a obra feita
sob a diretriz de uma idéia.
"O belo artístico é superior ao belo natural por ser um produto do espírito que, superior à
natureza, comunica esta superioridade aos seus produtos e, por conseguinte, à arte; por
isso é o belo artístico superior ao belo natural; não é uma simples diferença quantitativa.
A superioridade do belo artístico provém da participação do espírito...
O belo natural será, assim, um reflexo do espírito, pois só é belo enquanto participante do
espírito, e dever-se-à conceber como um modo imperfeito do espírito, como um modo
privado de independência e subordinação ao espírito" (Hegel, Estética, Intr. cap. 3,1).
103. As outras modalidades de arte que surgiram no curso do século 19 e 20, por
mais revolucionárias, tendem agora a admitir uma conceituação intencionalística.
Uma vez que para Baumgarten o belo se situa apenas no sensível, e sendo o belo um dos
temas preferidos da arte, cabia-lhe dar o nome de estética, para a ciência da arte. Definia,
aliás,
"A estética (theoria liberalium artium, gnoseologia inferior, ars pulcre cogitandi, ars
analogia rationis), est sciencognitionis sensitivae..." (Estética, § 11).
Ainda que para muitos (também para nós) a arte ingresse também na região superior ao
espírito, nada obsta que a palavra estética sirva, por dilatação semântica, para se dizer
"conhecimento". Então diríamos "concepção estética da arte", para significar "concepção
teoreticista".
Contudo a expressão "estética" assume hoje uma firme tendência para indicar
"sentimento estético". Enveredando por este tecnicismo, já não convém insistir em criar a
outra direção, a "concepção da estética da arte" no sentido de "concepção teoreticista".
A melhor denominação é "concepção teorética da arte". Com isso, o termo vai se opor
diretamente à concepção practicista da arte como entidade e nada mais. Este prático,
derivado do grego praxis (= ação do fazer), é o contrário de conhecimento (theorein =
conhecer, contemplar).
0531y105.
106. Introdução à prova. Há algo mais na arte do que a simples matéria sensível das
formas, cores e sons. Este algo mais é o significado; é o que está expresso. Dito em
abstrato, o algo mais é a significação; é a expressão.
0531y107.
108. Na determinação do que seja essencial na arte como significado, precisamos ir com
cuidado, para que, no momento da prova, não aconteça uma quebra de sequência no
sistema cursivo do conhecimento.
A significação que se deseja atribuir à arte, contra os onticistas que a negam, deverá
primeiramente ser constatada como um fato, ainda que diretamente este fato seja
constatado só pela consciência do intérprete.
109. O fato como existência e o fato como essência. Já que a abstração pode redividir o
fenomenológico, como poderíamos ordenar o estudo da significação constatada na obra
de arte, sem sairmos dessa significação constatada fenomenologicamente?
Para obter uma ordem sequencial podemos distinguir entre o existir do fato e
sua essência, ou seja, em seu modo de ser como uma informação. Estes dois momentos
fenomenológicos se poderão formular assim:
O importante é determinar com toda segurança o fato, como constatação que passou a
existir. Este é o primeiro momento do fato em sua ordem sequencial, em que ele antes de
tudo tem se mostrar como existindo.
Mas, ao mesmo tempo que o fato se dá como fato, ele também é compreendido, pelo
menos em parte,
O que assim se oferece, não é nada mais e nada menos que a distinção fundamental do
ser em existência (primeira perspectiva do fato) e essência (esta entendida aqui
como modo da existência, que comparece como segunda perspectiva do fato, e sempre
com evidência explícita).
Na mente ocorre uma inversão, porque ela atende primeiramente à essência do fato, isto é,
ao seu modo de existir; ato contínuo passa a atender ao fato como um fato simplesmente
como existência.
A mente cuida primeiramente da essência, porque ela não é senão um efeito desta
essência, quando levada à autoconsciência. A expressão é sempre um modo de existir,
tanto do modo próprio de existir, como do modo de existir do objeto ao qual exprime.
Entretanto, mantemos firme, que, pela ordem ontológica das coisas, a existência é
anterior ao seu modo de ser, ou à sua essência.
Não há como definir adequadamente a existência, porque ela é o fato em seu primeiro
momento, sem o modo de ser, que ao mesmo tempo assume.
0531y112.
113. Para provar que a arte é essencialmente uma expressão intencionalística, se começa
atendendo aos fatos. Estes nos mostram que há casos de obras em que ocorre uma
expressão intencionalística.
Depois da coleta desses fatos sobre a arte como expressão intencionalística, um novo
passo prossegue para a classificação e indução. Este procedimento analítico, é que nos dá
a posição definitiva sobre a natureza da arte em geral.
O fato é um juízo sintético, porque atribui algo a algo. No caso da arte a constatação diz
que a obra é um portador de significado. Quem quer que esteja diante de uma obra de arte,
este emite juízo sintético, através do qual ele apreende o seu significado.
Uma vez isolado o conceito de arte em classe definida, passa a se distinguir de outras
classes de conceitos. Surge, pois, a noção de arte como categoria específica de conceito.
A indução coordena juízos, dos quais, por análise, induz nova afirmação mais ampla. Por
exemplo, de muitas verificações de obras artísticas portadoras de significação, a indução
induz a afirmação mais geral, de que a arte é simplesmente um portador de significados;
ou seja, que a natureza da arte é ser uma expressão intencionalística em direção do objeto
significado.
Supõe a indução o princípio de que, havendo nos fatos individuais algo individual e
acima do individual algo comum sucessivamente verificado, este algo comum pode ser
afirmado como natureza mesma destes fatos individuais.
O que importa, portanto, é haver em cada fato algo comum, além do individual. Não há
portanto problema com o individual, ao qual se conhece desde logo. A operação analítica
se põe em busca do geral. Planejando esta busca, se levanta uma hipótese com base em
alguns primeiros dados, e se continua colecionando fatos, a fim de conseguir a
confirmação.
Mais rigorosamente, na intencionalidade artística algo é sempre individual e que
distingue cada obra de outras obras. Não haveria apenas uma distinção decorrente do
portador material (forma, cor, som), mas também da intencionalidade gerada por cada
portador. Além desta intencionalidade diferenciada para cada obra de arte, algo sempre
ocorre de comum, em virtude da qual todas as intencionalidades são o que são: uma
intencionalidade, especificamente distinta daquilo que não é intencionalidade.
Também por motivo de rigor, deve-se ter em conta que o raciocínio indutivo oferece
limitações. Ele somente é válido se não houver nenhum caso em contrário. Nunca
sabemos de todos os casos possíveis.
Classificamos quando reunimos sob uma classe todos os conceitos da mesma espécie,
excluindo os que não cabem. Pela classificação, o conceito passa a se distingüir dos
conceitos sob outra classificação.
115. Com referência ao intencionalismo da arte, ele passa a ser determinado como
uma classificação. Neste caso, colecionamos todas aquelas obras de arte que contêm
significado.
Haveria a classificação das que significam e das que não significam. Chamaríamos, então,
arte apenas aquelas obras de classificação que contêm significado? Se assim pudéssemos
proceder, as demais obras, por vezes denominadas artísticas, não o seriam em sentido
próprio; seriam denominadas apenas em um sentido lato (não específico).
Encontramo-nos agora, diante de uma problema semântico, e que leva a distinguir entre
arte em sentido lato e arte em sentido próprio (ou estrito).
Na verdade, umas coisas são denominadas pelo nome de arte no sentido lato, apenas
porque são perfeitamente ajustadas ao modelo ideal que devem realizar.
Outras coisas seriam arte em sentido próprio, porque signifam algo. Este é o caso da
linguagem, porque é imediatamente reconhecida como portadora de significado.
Será portanto a linguagem uma arte em sentido próprio (estrito).
Outro objeto, por exemplo, um brinco, por ser belo (ou seja elaborado segundo um certo
modelo ideal), não se revela como portador de um significado; é apenas um objeto
perfeitamente ajustado ao seu modelo de perfeição, dizendo-se artístico a este título
apenas, e que não é o mesmo do da linguagem.
Por que caminho seguirá a prova, que estabelece a arte como intencionalidade? A arte
seria intencional apenas no sentido de uma classificação? Ou ainda por efeito de uma
indução?
116. O elenco dos fatos constatados. A constatação dos fatos que revelam a natureza
intencionalística da arte pode fazer-se por ordem, repassando sucessivamente as várias
expressões de portador, a sabe:
- formas,
- cores,
- sons.
- linguagem.
117. A arte em formas, de que a escultura é a espécie mais notória, como é que se
apresentaram?
Cada estátua, que observemos, nos fala de algo, por exemplo de um herói, de uma
personalidade marcante, de um homem, ou de uma mulher, de uma planta ou de um
animal.
No mesmo plano das formas plásticas acontece o balé; também ali as formas que se
movimentam nos dizem algo.
A música não se limita à mera criação entitativa do ser sonoro para efeitos estéticos.
Também a intencionalidade se expressa no fluxo sonoro, sempre que a música entra a nos
dizer algo.
Podemos buscar a música por ambos os motivos. Nada impede que busquemos a
sequência musical sem preocupação com os significados; ocupamo-nos, então com os
elementos não artísticos, chamados pré-artísticos; estes não fazem da música uma arte
em sentido estrito, ou próprio mas apenas em sentido lato.
Somente ocorre a arte musical em sentido estrito quando ela exprime algo
intencionalísticamente.
120. E o que é que observamos na linguagem? Cada palavra, além de sua entidade
sensível, oferece um significado. O mesmo acontece com cada frase. Não se abre a boca
para falar nomes sem significado. A linguagem não tem razão de ser se não tiver
significado.
Apenas mui secundariamente nos ocupamos com o fluxo meramente vocal da linguagem,
como no caso da cadência métrica da poesia. Também cuidamos ligeiramente da
sonoridade e tonidade quando falamos em prosa.
121. Conclusão. Feitas as sucessivas observações nas obras de arte das espécies
fundamentais, - plásticas, pictoricas, musicais e de linguagem, - e verificada a constância
do significado como seu elemento comum, pode-se induzir que a arte é obra sensível
portadora de significado.
0531y123.
125. Os erros como hipóteses possíveis, eis como o pensamento crítico observa o outro
lado, assim examinando, pois, as possiveis outras concepções de arte.
Embora se trate apenas de erros e equívocos, eles surgem de começo como hipótese
possíveis. Por meio da pesquisa dos fatos vão sendo progressivamente afastadas tais
alternativas, testando-se, consequentemente a hipótese mais provável, a de que a arte é
expressão intencionalística.
Em geral outras alternativas pelas quais se define a arte erroneamente, são aspéctos
também importantes, mas que não podem ser colocados como específicos. Quase todas
são enticistas, porque colocam na entidade da obra o fundamento principal,
acrescentando a essa entidade aspectos como a origem humana da obra, a beleza, a
esteticidade, a gratuidade.
Certamente a maioria das alternativas errôneas faz também parte do contexto da arte; mas
sem a definirem essencialmente. Enquanto isto não aparecer claro, estas outras
alternativas deverão ser examinadas como dificuldades a afastar.
A comunicação decorre da expressão. Portanto, é apenas uma sua propriedade, mas não é
a sua mesma essência.
Primeiramente precisa a arte ser expressão de algo, para que, a seguir, um outro indivíduo
a possa interpretar, acolhendo-a aditivamente como mensagem.
127. No culto aos heróis e no culto a Deus ocorre a expressão simplesmente, sem
mensagem no sentido de comunicação. Expressa-se o culto sem preocupação com a
transmissão do conteúdo expresso, e que contudo pode acontecer.
Essencialmente o culto é mental, consistindo em uma atitude frente a algo maior. Esta
atitude mental pode expressar-se exteriormente, ainda que não necessariamente. O
individuo, sobretudo o mais primitivo e em concepção antropomórfica a respeito da
divindade, imagina-se também em estado de diálogo com Deus.
Agora já não se trata apenas de expressão como no instante essencial do culto, e sim
também de comunicação.
A liturgia e os ritos contêm elementos de comunicação, mas antes disto importam em ser
expressão.
128. É a comunicação uma importante propriedade da arte, e que também deverá ser
examinada, ainda que oportunamente.
Com referência às artes plásticas, operando com formas no espaço e cores, haveria
criações artísticas sem se revestir de significados temáticos para os quais a mente do
apreciador fosse remetida intencionalísticamente. Tal ocorreria com a escultura,
arquitetura, pintura. E ainda com a música.
Trata-se de um sem-sentido, porquanto a diferença entre umas e outras artes se encontra
apenas em que umas recorrem a equivalentes convencionais e outras aproveitam mais os
recursos naturais de expressão.
Ora, tudo isto ocorre na escultura, arquitetura, pintura, música, tão bem quanto nas artes
que operam mediante signos convencionais.
Sempre que a deixam tornam-se algo inteiramente diverso; mas então já se encontram
num plano que não é visado pela arte. Sempre que o pintor apenas pinta para só produzir
telas de efeito estético, ele já não faz arte em sentido estrito. Então ele é apenas um
esteticista como qualquer bom pintor de paredes de uma casa nova.
130. O ecletismo, que define a literatura como teorética e as demais artes como expressão
meramente intitativa, é assunto em que não há posição clara dos que abordam a questão.
Jean Paul Sartre (1905-1981), ao definir a literatura como processo sígnico, está dentro
da definição da arte como expressão intencionalística. Entretanto, ao diferenciá-la das
artes que operam fora do campo das convenções, parece atribuir à pintura, à escultura, à
música e mesmo à poesia o caráter de expressões meramente entitativas. Se tal fosse
verdadeiramente seu objetivo, sua posição seria exatamente um ecletismo teoreticista-
practicista.
O que entretanto ocorre é a força mais enfática da função sígnica da arte da linguagem. O
que falta ao signo natural, a convenção acrescenta. Como mostra a Gramática
especulativa, a linguagem possui a capacidade de expressar o modo de entender (modus
inteligendi), como o modo substantivo, o modo adjetivo, o modo verbal, etc, o que não
conseguem igualmente as outras artes, e por isso ela se torna muito eficaz para comunicar.
Não obstante, esta comunicação é apenas uma propriedade.
O caráter de objeto meramente entitativo é, de outra parte, mais frisante nas artes
plásticas; estas, além da significação, podem explorar a beleza entitativa útil, inclusive de
prazer de tais objetos.
Seja o exemplo do balé humano; ele é arte, ao mesmo tempo que excitante direto da
eroticidade. Não obstante às validades destes outros objetivos lúdicos, deles se distingue
o aspecto especificamente artístico da expressão.
"As notas, as cores e as formas não são signos, não são coisas que remetem a nada que
lhes seja exterior. Para o artísta, a cor, o aroma, são coisas em grau supremo; se se detém
na qualidade do som ou da forma, volve a ela sem cessar e obtém dela satisfações íntimas;
é esta cor-objeto o que vai trasladar para sua tela e a única modificação que lhe fará
experimentar é que o transformará em objeto imaginário.
É, pois, ele que mais dista de considerar as cores e os sons como linguagem. O pintor não
quer traçar signos em sua tabela, senão que quer criar uma coisa, e, se põe vermelho,
amarelo e verdade em conjunto, não há nenhum motivo para que o conjunto possua uma
significação definível, isto é, a remessa concreta a outro objeto".
Mais adiante:
"O grito de dor é o signo da dor que o provoca. Porém um canto de dor é por sua vez a
dor mesma e uma coisa distinta. Ou, se se quiser adotar o vocabulário existencialista, é
uma dor que já não existe, que é.
Vocês dirão, e se o pintor faz casas? Pois bem precisamente, faz casa, isto é, cria uma
casa imaginária na tela e não um signo de casa. E a casa que assim se manifesta conserva
toda a ambigüidade das casas reais".
Em nota ainda frisou: "A grandeza e o erro de Klee estribam em seu intento de fazer uma
pintura que seja ao mesmo tempo signo e objeto" (Sartre, Que é a literatura? I, p. 45 e 47,
ed. espanhola).
131. Arte e artefato. Definir-se-ia a arte pela origem? Nesta condição tudo o que o
homem criasse teria a condição de arte, mesmo que fosse apenas uma criação meramente
entitativa.
Eis, aliás, a significação que se atribui à palavra arte, quando tomada em sentido amplo, e
que então o fazer universalmente, desde o simples artefato até a criação universal.
O mundo, na concepção criacionista, - que o faz derivar diretamente de Deus, - seria uma
obra de arte. Assim foi descrito, - como uma obra de seis dia, - na primeira página da
Bíblia. Apenas não seria arte o que não tivesse origem e fosse eterno.
Esta definição de arte, pela origem, faz do artista como que um outro Deus. Então, tudo o
que o homem faz é arte, sobretudo o que faz de belo e útil.
Num sentido ligeiramente mais restritivo, as coisas da natureza, enquanto se destinguem
das criadas pelo homem, não seriam arte. Denomina-se arte a obra do homem, enquanto
cria. Arte e natureza constituem-se em dois gêneros em que se ordenam as coisas em
nosso redor.
Em sentido mais estrito, a relação de origem não define a arte, senão extrinsecamente.
Ela é algo em sí, antes de tudo. A relação de origem é muito secundária. Mesmo sem ter
origem, uma obra de arte não deixaria de se exercer como tal.
As crianças pintam com as mais variadas cores e formas, que por vezes despertam
admiração. Mas o que geralmente fazem não é arte, porque tais composições pictóricas
nada significam a maneira de signo.
Também os artístas por vezes criam belos arranjos de cores e de alto efeito estético. De
novo não se trata de arte no sentido estrito de expressões sígnicas, são apenas produtos
artesanais de intenção meramente entitativa, que não se estabelecem como significantes,
isto é, como portadores de um significado.
Quem recorta folhas de papel, com a intenção de criar bandeirinhas para um festival
folclórico, não faz arte, porque aquelas folhinhas são apenas entidades absolutas e não
signos de outras bandeirinhas.
Todavia se fosse possível pintar casas apenas para fazer casas pintadas, estas não seriam
obra de arte no sentido estrito, mas apenas criações meramente entitativas, isto é, arte no
sentido amplo.
132. A arquitetura costumeiramente não é arte no sentido estrito, porquanto apenas trata
da organização do espaço a serviço do homem, sem intenção de dar aos materias uma
expressão significadora. Neste caso é apenas uma criação entitativa.
Se, por acréscimo, a construção arquitetônica oferecer significados, então a arte em
sentido estrito aparece.
Uma torre para sustentar um sino em adequada altura, ainda não é arte em sentido estrito.
Mas, se esta torre ainda puder ser o símbolo de um templo elevando-se ao eterno,
imaginado estar nas alturas, - eis quando passará a ser, por aceréscimo, uma obra de arte
em sentido estrito, porque efetivamente passou a esprimir algo (vd 567).
133. A música é arte no sentido estrito, porque usualmente esprime algo, ainda que
ordinariamente cultive também a sonoridade meramente estética.
Se a música se ocupasse também com criações meramente sonoras, para efeito de pura
esteticidade, então seria apenas uma criação meramente entitativa, e já não seria arte no
sentido estrito.
É arte em sentido estrito somente aquela música que exprime algo como objeto para o
qual adverte, portanto com intencionalídade.
134. A arte e o objeto belo. Seria a arte a criação de objetos belos? Eis uma definição
frequente de arte, que todavia pode ter dois sentidos, - um no campo da arte em sentido
amplo, e que portanto continua ainda no plano meramente entitativo, - outro já no plano
da arte no sentido estrito, exercendo-se como significado.
Quer criando simplesmente objetos (no sentido de entidades absolutas), quer gerando
expressões intencionalísticas (no sentido de entidades portadoras de significado), o que
faria a arte ser arte, seria a beleza com que se revestem os referidos objetos, tanto os
absolutos, como os intencionalísticos.
A definição de arte como criação bela, - seja no sentido amplo, seja no sentido estrito, -
introduz o conceito de arte no sentido nobre. Ela apenas define a arte mais digna de ter
este nome. Efetivamente, a arte mal feita não merece o nome. Todavia, também é uma
arte, - apesar de tudo!
Todavia, não é claro à primeira vista em que sentido algo está em destaque. Diz-se-á que
é em função à sua perfeição como ser. Mas, então, que significa perfeição? Para que algo
seja perfeito, deverá realizar-se de acordo com um parâmetro, ao qual realiza como seu
modelo exemplar (modelo tipo, ou modelo arquétipo).
A isto tudo podemos avaliar, ponderando que a essência de algo (como a arte
imediatamente revela pela constatação dos fatos) não depende de um parâmetro exterior à
obra mesma. O belo, consequentemente, surge apenas como uma propriedade, inclusive
muito apreciável. Esta apreciabilidade do belo o torna muito presente nas artes, ao ponto
de ocorrer o equívoco, de que o belo define a arte.
A expressão "belas artes", frequente para indicar a arquitetura, por vezes incluída a
pintura, sugere mesmo que a arte seja a obra bela. Neste caso, porém, a arte se diz em
sentido amplo como qualquer objeto produzido pelo homem.
135. Arte e empatia. Seria a arte um fazer coisas, em que estas se modelam já não
segundo as coisas naturais, e sim de acordo com intenções empáticas do mesmo homem?
Por exemplo, o animista, que vive o objeto ajuntando-lhes características superiores,
criaria obras de arte com as referidas peculiaridades. Surgem novos objetos, os da arte.
Em última instância, a arte continuaria a ser entitativa, porque somente criadora de
objetos ainda que muito especiais.
Este mundo interior seria o modelo, portanto, para a criação de uma obra exterior
correspondente. Não se construiria a obra de arte com os velhos modelos ideais, como
pretendia o racionalismo artístico de Platão, Aristóteles e seus sucessores modernos.
A necessidade de dar curso à vida anímica, com suas diversas modalidades, leva o
homem a criar os respectivos objetos exteriormente. Já então uma pedra não é apenas a
pedra do geólogo, mas a pedra com as infusões sentimentais com que o indivíduo a
encara.
Os objetos da arte não se apresentam como na natureza, mas de acordo com a vida
anímica do homem.
0531y138.
0531y140.
Alguns conceitos e nomes com que nos referimos à arte vêm da área mental, cuja
expressão é análoga à expressão artística.
As denominações utilizadas para referir as expressões da área mental poderão ter vindo
dos objetos dos sentidos exteriores; da área mental retornaram (obliquamente) para a obra
sensível da arte. Por exemplo, idéia clara primeiramente se disse de som claro.
Importa por conseguinte uma sequência de cuidados com os conceitos e nomes com os
quais nos referimos à arte.
As palavras que hoje mais se dizem do conhecimento, continuam se prestando para
indicar aspectos da expressão artística, conforme já adiantamos, em virtude da analogia
entre ambas as categorias de operações.
Admite-se mesmo dizer, ainda que com alguma vulgaridade, que a arte é falação.
Por uma de suas funções úteis, a arte se diz mensagem, comunicação, transmissão.
Foi o termo utilizado para significar a marcha intencional da mente para o objeto. Neste
sentido se opuseram as duas concessões fundamentais do conhecimento, -
intencionalismo (o conhecimento como atenção a um objeto) e psicologismo (o
conhecimento simplesmente como entidade).
Paralelamente, na arte se opõem onticismo e intencionalismo artístico.
Finalmente, há conceitos sobre a arte, que se ordenam pelo conteúdo atingido nesta
mesma arte. Uns são mais globais, como arte, signo, informação, conteúdo, tema, - todos,
se referindo à dinâmica da significação, ora do ponto de partida, ora ao de chegada.
143. Atentos ainda ao nome arte, voltamos a advertir sobre sua etimologia.
Arte, - como já se adiantou (vd 28), - deriva do radical indo-europeu ar -, com a idéia
geral de arranjo, ajuntamente, composição, harmonização. Assim o radical aparece em
arma, armário, artigo, arranjo, Arm (= abraço, em alemão)... finalmente em arte artificial,
artefato, artista, artesão.
Globalmente, o arranjo artístico tem a função de exercer algo. Esta função poderá ser de
ordem entitativa, como se adverte com frequência. Mas não exclui a função significadora,
como sempre na linguagem, na música, na pintura, e às vezes na arquitetura. Tais
arranjos, em qualquer hipótese se apóiam em elementos materiais, quer quando com
vistas a uma função entitativa, quando a uma função significadora intencionalística.
Na arte se indica a forma sem a origem do que se faz; indica diretamente apenas o arranjo
da articulação, que junta ou compõe os elementos do todo gerado.
Em resumo, expressão indica mais a origem; arte, mais a função em si mesma. Dali
porque as duas palavras não chegam a ser tautológicas, em locuções como expressão
artística ou em arte da expressão.
Arte conota ainda o sentido de perfeição. Esta conotação ocorre no vocábulo grego
ártios (= bem ajustado) e no latino artus (= bem ajustado). Sob este fundo semântico se
usa a palavra arte sempre que por ela se entenda criação de obra perfeita, tanto de
expressão entitativa, como de expressão significante.
A raiz ag-, também do indo-europeu, com a acepção geral de empurrar para a frente, é
alegada por alguns ao esclarecer o significado do termo arte. Dali procedem ago (=
conduzir, em grego) e agere (= agir, no latim). Então a arte significaria produto.
144. Signo, quer por sua definição nominal, quer por sua definição real, é um termo
dos mais significativos usados no tratamento da arte. Tem por variáveis significar,
significante, significado, significador, significação.
Do ponto de vista meramente nominal, deriva da raiz indo-européia sek- (com o sentido
de cortar, para assinalar), através da composição com outra raiz indo-européia nom- (que
significa nome), de onde sek-nom- (que resultou finalmente no signum do latim,
do signo do português).
Diante dessa análise filológica, signo é como que uma incisão feita para ser nome de algo.
Pela sua definição real, signo é um ente com a função de indicar algo outro. Desta sorte,
o signo adverte a atenção para um outro ente. O signo é sempre de acepção
intencionalística e jamais assume um sentido onticista. Nunca deixa de ser
intencionalístico para fechar-se sobre si mesmo apenas como um ente absoluto.
Pode o signo ser consciente de seu caráter intencionalístico, mas isto não é essencial a ele.
Nas faculdades de conhecimento os signos são conscientes, não na arte. O pensamento é
consciente de si mesmo, e possui até dupla consciência, - a de conhecer o objeto
assinalado (em atenção direta) e a de saber que ele mesmo sabe (em atenção reflexa);
possui pois uma consciência direta (sobre o objeto) e uma consciência indireta (sobre si
mesmo). Os sentidos têm apenas consciência direta, não refletindo sobre si mesmos.
O signo da arte não possui consciência sobre o seu significar (nem atenção direta, nem
atenção reflexa); apenas um intérprete exterior sabe tratar-se de um signo. Não sabe a
estátua, o que ela representa, mas é entendida pelo intérprete.
Curiosamente, quem fala, pode saber o que fala; todavia a mesma fala não sabe, que ela é
uma fala!
Significante é o signo enquanto visto como um ente que exerce a função de significar,
mas não é o mesmo significar, sendo todavia o portador deste significar. Significante é,
pois, o signo como ente significante (ou como ser significante).
Significado é o conteúdo expresso no signo. Nesta função se diz que o signo tem um
significado. O significado é, pois, o conteúdo significado. Também aqui, ora colocamos
significado como substantivo, ora como objeto.
O significante é o signo sem o significado; ora, este aspecto há de ser examinado, a fim
de que se conheça o signo como um ente sui gêneris (de seu gênero), como um ente
distinto dos demais entes, com natureza específica e mui peculiar.
As mesmas distinções verbais de significar para verbos similares. E então temos o quadro
seguinte:
O instante ativo cessa, mas fica o passivo. Só este faz, verdadeiramente, parte da obra, e
se estabelece como sua forma. É, pois, a impressão uma forma que determina ao sujeito
potencial, receptor da mesma.
Tem de haver entre o modelo que se imprime e o objeto a ser expresso uma semelhança.
Não houvesse a semelhança, não poderia expressá-lo.
O artista tem como modelo a imagem que se encontra em sua fantasia. Mesmo quando
cogita em objetos encontrados no mundo concreto assume-os previamente em sua mente,
para a seguir, tomá-los como modelos.
Na impressão inconsciente exercida, também se pode falar em modelo, mas tão só como
lei natural do instinto, cujo modo de agir obedece a uma forma determinística. E assim
também acontece em qualquer outro produzir natural.
Apesar de ser usada a palavra expressão para indicar que o conhecimento e a arte são
portadores de significado, o sentido original é um produto na ordem entitativa. A marca
que a pressão de um objeto deixa sobre outro, é primeiramente só aquela marca; se
aditivamente ela é semelhante ao objeto decalcado, esta é uma nova qualidade. Assim,
além do caráter meramente entitativo, a marca ainda é um semelhante, capaz de produzir
a intencionalidade de uma expressão de ordem cognoscitiva, assumindo o que é
exatamente a arte.
Expressão deriva de premere, raiz latina com significação de premer, premir, calcar, pisar.
Dali pressus (= premido), pressio (pressão).
Há uma relação de causa e efeito entre impressão e expressão, e que vai servir para
entender o que é a mencionada expressão. Como causa eficiente o objeto causa a
impressão. Inverte-se a seguir a direção, porque a impressão, em sendo semelhante ao
objeto impressor, torna-se expressão do objeto. Passa então à condição de causa eficiente,
ao de causa formal. Ou seja, o conhecimento resultante o é por efeito formal.
A feição da impressão, - que a faz estabelecer-se como uma expressão - diz respeito
sobretudo ao modelo. Aquilo que se imprime, é o modelo, que orienta a ação de imprimir.
Então, se diz que a impressão realiza uma expressão do modelo. O artista imprime,
expressando algo.
Como justificar a noção oferecida de expressão, se a palavra exprimir lembra fazer sair?
Facilmente entendemos que imprimir é fazer entrar uma feição de objeto. Mas, exprimir,
como um fazer sair, não parece tão claro.
Ainda que se trate de expremer algo como o suco da laranja ou a água da esponja, sempre
se pode dizer que o líquido exprimido mantém uma semelhança, em vista de haver estado
dentro do objeto exprimido. E assim, o anel decalcado sobre a cera passa a significar o
anel que produziu o decalque.
Mas esta semelhança pode dar-se segundo relações diversas, que podem ser as de modelo
(expressão entitativa) e as de significação (expressão intencionalística), conforme
também se poderá esclarecer.
Uma ressalva ainda oferece a palavra expressão, ao ser usada na modalidade histórica
do expressionismo.
Para garantir pois uma separação intencionalística estrita da palavra expressão, requer-se
usá-la com adjetivação.
Tudo isto opõe-se à expressão entitativa, expressão modelo, expressão ideal, etc...
Entre expressão e expressividade ocorre uma distinção a que convém atender.
149. Tema (do grego thema = o que se coloca), do verbo tithemi (= pôr) se diz em
primeiro lugar do termo intencional extrínseco da expressão.
II - Natureza da intencionalidade.
0531y151.
Nestes dois termos se processa o conhecimento, que ora atende a si mesmo, ora ao que
ele representa exteriormente.
Este termo está no próprio signo. Constitui a reduplicação, pela qual o objeto exterior
(Termo II) se exprime no interior do próprio conhecimento, ou no interior da obra de arte.
Ao termo interior também se pode denominar objeto, mas agora no sentido de objeto
expresso internamente.
No caso das doutrinas fenomenistas e idealistas, também ocorre a distinção entre termo
expresso e termo intencional exterior, sendo que este último é apenas um "como se" fosse
real. Seria apenas, um noúmeno, isto é, uma entidade apenas elaborada pelo mente, que o
situa mais além.
No caso da arte, o objeto inexistente se diz ficção. Há então um Termo I expresso na obra
de arte, e um termo II, como termo intencional externo, embora irreal.
Esta distinção entre o Termo I e o Termo II alcança muito pouco a filosofia da arte.
Quando a filosofia da arte se ocupa do referente exterior, pouco se adverte, se a realidade
se reduz ao fenômeno, ou se inclui uma efetiva realidade ao modo como a entendem os
realistas.
154. Depois de estabelecida a distinção entre referente interno (que está no mesmo signo)
e referente externo (seja fictício, seja real), importa advertir que a teoria geral do
conhecimento (ou metafísica do conhecimento) e a filosofia geral da arte (ou metafísica
da arte) se ocupam principalmente do referente interno, cuja natureza indagam. O termo
exterior é tema de outras ciências filosóficas ciências positivas.
O termo exterior (isto é, exterior à obra de arte) é o que se encontra em algum lugar
(realmente ou ficcionalmente); é o que não coincide com a mesma obra de arte.
Trata-se de muitos nomes, diferenciados apenas por nuances, para os termos intencionais
do processo cognoscente.
Mas, considerando que os termos intencionais podem ser dois: - imanente e extrínseco, -
pergunta-se, a qual deles a nossa mente se dirige mais espontaneamente?
Seja ainda o caso do sonho. Este acontece para nós como se os objetos fossem reais.
Somente depois vamos nos advertir que eram apenas imagens projetadas do nosso
subconsciente.
Toda a arte é para nós um mundo de objetos em estado de Termo II. Somente advertidos
passamos ao Termo I, distinguindo entre a expressão interior, e sua exterioridade, esta
por vezes real, e por vezes fictícia.
Não se isola o movimento formal; por isso não há o movimento puro, como se fosse algo
absoluto. Assim também não espaço puro, sem a coisa que se espacializa.
157. Até que ponto se aplicam também à arte estas diferenças bem percebidas na mente?
Desde que interpretada intencionalisticamente, também a arte deverá ter um expressar e
uma expressão. É difícil mostrar esta particularidade, mas ela começa a se clarear desde o
instante em que atendemos à distinção entre intencionalidade objetiva e intencionalidade
formal (consciente).
Na obra de arte apenas se oferece fundamento para a distinção, ou seja , para o expressar
e a expressão acabada. Na mente do intérprete funciona o expressar, no instante em que a
interpretação se exerce em estado ativo; ao concluir-se, também a obra está sendo
interpretada no instante de expressão objetiva. É, pois, a arte, um expressar e uma
expressão.
Como termo acabado, a expressão é uma situação imanente. Não sai de si, porquanto se
estabelece como algo simplesmente. Em tais condições, a expressão é aperfeiçoativa de
quem a exerce.
O caráter entitativo do termo imanente é todavia peculiar; não tem a índole de um ente
real, porém o de um ente de razão. É um quase nada de ente, porque surge com o
exercício intencional.
Quem está a ouvir música, - embora estas não tenha consciência do que exprime, - entra
no exercício intencional, com que ativamente vai aferindo os sons como sendo um
expressar. Ocorre, então, a passagem da expressão objetiva para a consciente, mas
somente na cabeça do intérprete.
Esclarece-se, pois, cada vez mais que a arte é essencialmente expressão, e que como tal
se define.
159. Exercendo a palavra expressão dois sentidos, sendo um usado pelos practicistas e
outro pelos teoreticistas em arte, não basta dizer que um certo filósofo, - por exemplo,
Veron, - tenha definido a arte como expressão. Importa saber o que entendeu
por expressão.
Como já se advertiu, a expressão poderá ser apenas um reproduzir onticamente o modelo.
Nasce então um novo ser e nada mais. Ele será a expressão prática do modelo, que lhe
serviu de orientação.
A expressão se torna teorética, ao estabelecer uma relação peculiar com o modelo, com o
fim de o acusar gnosiologicamente.
160. Concluindo: o ser intencional é uma espécie de nada. Diz-se um ser de razão.
Distingue-se do ser real. Não é propriamente entitativo. Diferem, consequentemente, de
maneira radical, as concepções entitativas e intencionais da arte.
Uma vez que o ser intencional foge ao entitativo real, admite modalidades que invocam o
contrário do ser.
O verbo ser, tanto afirma, como nega. Este aspecto da intencionalidade é radicalizado por
Heidegger (Ser e tempo, 1927) e Sartre (O ser e o nada, 1943). A questão do nada pode
ser levada para dentro da arte.
161. Termos intencionais intrínseco e extrínseco. Objeto (do latim ob-jectum = situado
em frente), refere o termo intencional extrínseco. Sugere algo distinto
do sujeito (psicológico), enquanto este exerce o conhecimento do objeto.
O sujeito é ao mesmo tempo sujeito e objeto, ainda que de pontos de vista distintos. No
sujeito está a expressão do objeto; por isso, o sujeito é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto.
Mas este objeto expresso é ao mesmo tempo significação do outro objeto.
Tão só termo poderá ser utilizado indiferentemente para termo intencional imanente
(expressão) e termo intencional extrínseco.
162. Evidência, verdade, certeza na arte. Advertida a distinção entre termo imanente e
termo extrínseco da expressão, começa-se também a ter elementos para melhor
compreensão da evidência, verdade e certeza, quer na arte, quer no conhecimento mental.
ART. 2o
165. Introdução ao tema. Uma vez estabelecida a arte como expressão de algo, importa,
- depois desta fase de verificação meramente fenomenológica do fato, - seguir para um
novo momento, qual seja o de uma teoria explicativa da arte, visando esclarecer porque a
referida expressão se torna capaz de advertir intencionalisticamente ao seu objeto.
Não fica uma teoria apenas na superfície fenomenológica do fato. Ela tenta mostrar
uma relação dinâmica de causa formal e de efeito formal, de tal maneira que uma explica
a outra como seu produto.
Está posto o quadro geral da teoria explicativa da expressão artística, e que passamos a
expor em detalhe.
0531y167.
168. Apresenta-se como teoria explicativa fundamental da expressão artística um fator
essencial, a mimese.
Explica-se pela mimese, que a arte é um procedimento, que, por meio do semelhante
exprime o assemelhado.
Chama-se prosa (vd) a expressão fundamental, quando se estabelece apenas pela via da
mimese, portanto sem ainda o acréscimo dos recursos da evocação associativa poética.
0531y170.
171. Mimese (do grego mímesis) traduz usualmente imitação, imagem, representação
teatral. Em nosso idioma português existe mímica (substantivo) e mímico (adjetivo).
Apresenta as variantes: miméomai (= imitar); mimelós (= que imita); mímema (=
imitação); mimetés (= imitador, poeta ator); mimetikós (= hábil em imitar); mimetikós (=
imitável).
Como expressão erudita, mimese significa a figura retórica que consiste no uso do
discurso direto, ou seja na citação e imitação das palavras de outrem pela voz e gestos.
Imitação , ainda que na mesma linha grega de mímesis, formou-se através do étimo
latino im - com idéia de imitação. Dali as palavras imitari, (= imitar), imitatio (=
imitação), imago (= imagem).
172. Outros nomes. Desdobra-se mimese em um leque de outros conceitos e nomes, que
destacam nuanças da mesma idéia fundamental.
Semelhança deriva do étimo indo-europeu, que exprime pelo número "um" no sentido de
identidade. Nasceram dali as formas latinas semel (= uma vez ), semper (= sempre, uma
vez por todas), similis (= semelhante, de sem ilis), similitudo (= semelhança) simulare (=
imitar, simular), simulacrum (= simulacro
Com a idéia de produto de uma atividade: opes (= riqueza), copia, abreviação de co-
opia (= abundância, copiosidade). Dali, no francês copie, copier, copieuse. No
inglês copy. No português, cópia.
Por esta etimologia, cópia significa produto de uma atividade. Não indica expressamente
que esta cópia deva ser rigorosamente figurativa. Significa mais reprodução no sentido de
multiplicação, do que no de imitação, ainda que implicitamente isto vá acontecer.
173. Quanto à palavra figura, ela tem sentido originário de fisionomia modelada.
Depois evoluiu para a acepção de figura natural, em oposição à figura artificial.
174. Historicamente, a explicação da arte pela mimese vem desde a antiguidade grega.
O mesmo acontece com a explicação do conhecimento. Mas só paulatinamente
progrediram os conceitos a respeito.
Do ponto de vista temático, Sócrates não quer apenas a cópia servil do modelo, mas sua
idealização. Também quer a expressão da vida e da emoção (Xenofonte, Memoráveis, L.
III). O pressuposto desta discussão é a arte como uma correspondência exata com os
objetos.
175. A arte como sombra da sombra. Platão (427-347 a.C.) defendeu um dualismo
radical para o corpo e o espírito, e outro ainda para as idéias. Haveria idéias singulares
colhidas na experiência do mundo empírico, e idéias inteiramente universais, com origem
em uma vida anterior, quando as almas teria contemplado realidades superiores, às quais
deu o nome de idéias reais.
Por isso é melhor ir ao homem real, do que dele fazer uma estátua, a qual seria apenas a
sombra da sombra. Também por isso Platão expulsou as artes de sua República ideal.
Advertiu ele que as qualidades (como forma, cor, som) têm a propriedade de terem
semelhante. Assim sendo, colocava o princípio explicativo da arte pela mimese.
Poderiam então as qualidades exercer diretamente a função de serem portadoras de
expressão, por geração a partir das semelhanças de que são capazes.
1) a mimese como ocorre na criação prática do puro fazer coisas, as quais reproduzem as
idéias exemplares, que os operadores criam antes do fazer aquelas coisas;
"A epopéia e a poesia trágica e também a comédia, a poesia ditirâmbica, a maior parte da
aulética e da citarística, consideradas em geral, todas se enquadram nas artes da
imitação... nas artes acima indicadas, a imitação é produzida por meio do ritmo, da
linguagem e da harmonia, empregados separadamente ou em conjunto... É por atitudes
rítmicas que o dançarino exprime os caracteres, as ações... Tais são as diferenças entre as
artes que se propõem a imitação" (Poética, c.1,2-6).
"Os seres humanos... sentem prazer em olhar estas imitações, cuja vista os instrui e os
induz a discorrer sobre cada uma e a discernir ali fulano e sicrano" (Ibidem, c. 4, 5).
178. Minimiza-se a mimese como teoria explicadora da arte, na medida que se tenta
reduzí-la aos complexos fenômenos da conotação de imagens e reflexo condicionado.
0531y181.
Nos sentidos não chega a haver a dupla conscientização reflexa, mas apenas intenção
direta.
Por isso, os olhos vêem, mas não sabem, que vêem. Importa que a inteligência complete a
operação.
Se o boi não tiver alguma inteligência, mas apenas sentidos, ele verá o capim, mas não
saberá que está vendo capim.
É possível que os animais tenham alguma inteligência, porque são capazes de discernir
em algumas alternativas, escolhendo a que lhes convém.
Na arte a conscientização simplesmente não existe na mesma obra, porquanto ela mesma
não sabe de sua semelhança com o outro objeto. Nada sabe a arte, nem como atenção
direta, como acontece nos sentidos, nem como intenção reflexa, como na inteligência.
Contudo ocorre a semelhança objetiva (real) entre a obra de arte e o objeto expresso.
Nunca é possível eliminar da arte seu fator mais importante, o da mimese, o qual sempre
supõe a inteligência interpretadora.
O processo associativo, ainda que importante fator complementar da mimese (vd 220),
não explica por si só o conhecimento e nem a arte. A associatividade já supõe o
conhecimento pela mimese, para criação das imagens. Depois de criadas as imagens, elas
passam a se associar.
O mesmo não acontece com outras propriedades. As quantidades iguais não expressam
umas às outras. Nem as relações de origem fazem com que o produto represente a causa.
Para que a representação intencionalística ocorra, mister se faz que haja uma semelhança,
isto é, elementos coincidentes e que se reclamam mutuamente.
Os seres, enquanto existem, nada contêm que os diferencie; deveriam todos se comprimir,
como se fossem um só ser. Mais fácil é entender que o ser seja uno, do que multiplicado
em muitos.
Ou, - dito melhor, - Deus é existência cuja essência é a própria existência. Esta, portanto,
está liberada ao infinito. Os demais seres, enquanto são uma tal e qual coisa, estão
limitados aos seus esquemas. As falsas noções de Deus o conceituam como tal e tal.
Por obra do elemento igual, existente em todos os seres, todos eles se expressam de
algum modo ao outro.
185. Só as qualidades se prestam para a criação da arte. Qualidades são a cor, o som,
a forma plástica, o símbolo. Efetivamente, as artes operam apenas com estes recursos.
Todavia todos os seres possuem a propriedade pela qual são de algum modo semelhantes.
Este outro poderá ser um objeto fictício, ou poderá ser um objeto real.
Agora, num novo momento, importa decidir, o que efetivamente ocorre com este outro.
Eis o que a teoria do conhecimento (ou metafísica do conhecimento deverá decidir).
Se vejo uma pintura qualquer de casa, isto basta para dizer que ela significa uma casa;
entretanto, ainda não basta para dizer que aquela casa realmente existe.
Ora, o mesmo acontece com a imagem mental mental, que pode surgir com um
significado, que talvez não exista.
Os visionários vêem coisas fantásticas, e que não passam de objetos fictícios, embora eles
as considerem reais.
O realismo mediato tenta um salto impossível, porquanto do menos para o mais. De outra
parte porém importa aceitar também uma grande margem de subjetividade, até porque a
subjetividade é também uma riqueza
0531y190.
192. O efeito formal se diz formal, quando brota da forma (ou seja, da essência), e nela
continua, como sua qualidade, ou propriedade.
É, portanto, efeito formal aquele que resulta como consequência de uma determinada
forma de ser.
A essência e a qualidade, enquanto fazem um ser se determinar como tal e qual ser, têm
como consequência formal o separarem os seres entre si, no que se refere à forma.
Havendo qualificado e posto cada coisa em devido termo, a consequência formal poderia
ser esta somente, a de separar entre si tudo o que assim foi afetado.
193. Depois de separados entre si, uma nova consequência formal ocorre, que é a de se
estabelecerem os seres, ao mesmo tempo, como diferentes e como assemelhados.
A arte esquece o artista, por que este é apenas sua causa eficiente. Mas a obra e a
semelhança que a faz ser tal obra não se separam e nem se esquecem. Na medida que
uma qualidade sensível assume ser semelhante a algo, exprimindo-o, mantém em si esta
expressão e com isto se aperfeiçoa.
194. O saltar intencional é produzido pelo mesmo semelhante, enquanto se faz conhecer.
Ele não se deixa apreender como semelhante, sem incluir o assemelhado. Quanto mais se
deixa perceber como semelhante, mais ele remete para o assemelhado.
Mas, este sujeito se mostra num segundo, quando a relação retorna sobre si, por efeito
de reflexão. Tal constitui já um acabamento maior. E se verifica na mente quando
conhece a si como um eu que pensa.
Outro caminho não há e que ponha em marcha uma intencionalidade, senão este gerado
pela semelhança, ou mimese. Efetivamente no que se refere ao mais essencial, nada
encontramos na mente e nem na arte, que de certo modo não seja um assemelhar-se com
os objetos pensados, ou artisticamente representados.
Ainda quando, como na poesia, ocorre a associação de imagens (ou evocação) esta
associação pressupõe mimese, em virtude da qual existem as imagens.
195. Por afastadas que pareçam da mimese, as criações mais extravagantes da arte
moderna, apenas falam através de algum elemento imitativo. Quer se trate de Mondrian,
quer de Lipchitz, há sempre um apelo à semelhança.
Não importa que a semelhança se força com a pele, como na arte inteiramente naturalista,
ou com as partes internas do corpo, ou com as figuras extravagantes da imaginação, ou
mesmo com as analogias do pensamento abstrato através de sugestões, - em qualquer
hipótese imaginável, a arte jamais pode fugir à mimese como sendo sua
instrumentalização básica.
0531y197.
Tal também sucede na relação intencional artística; a arte pressupõe a obra como base
absoluta, da qual brota a relação acusadora do objeto noticiado. A expressão, quer a
mental, quer a artística, é sempre uma relação essencial, a qual precisamos pois examinar.
200. As relações acidentais (segundo o ser) o são segundo a totalidade do seu ser.
Distinguindo-se do seu fundamento, enquanto relações, são relações segundo todo o seu
ser (secundum esse).
O mesmo não acontece com as relações essenciais (vd 80). Desde que ocorra o
fundamento, brotam necessariamente, - portanto por causação formal, - da forma em que
se apóiam. Eis porque um ser, depois de estabelecido dentro de determinada área, incorre
necessariamente em certas relações, as quais brotam dele necessariamente.
De um triângulo (essencialmente constituído de três ângulos), brota necessariamente a
propriedade de ter 180 graus. Para que não brotem, necessário seria mudar sua forma. Por
exemplo, o triângulo teria que passar a ser um quadrado. Deste quadrado brotariam outras
propriedades.
201. A arte não pode mentir, desde que a relação intencional brote de dentro de sua forma,
daquela forma dada pelo artista à obra. A circunstância de algo ser maior e menor, que
outro objeto, é separável realmente; não mais existindo o outro objeto, desaparece a
relação, que, portanto, foi predicamental (acidental).
Na arte, mesmo que o objeto significado desapareça do campo da realidade, ele continua
sendo significado. Com isso, a arte pode exprimir a ficção, visto que independe da
existência real do objeto ao qual significa.
Implica este fato na tese, de que não basta haver um conhecimento, para que o objeto
exista. O conhecimento é uma referência a um objeto, mas uma referência intencional
pura e simples, sem qualquer dependência do exterior.
0531y203.
Formal é aquele signo que deriva da forma de seu portador como uma propriedade
necessária. Neste sentido, é necessário que o semelhante leve ao seu assemelhado.
205. Distinção entre signo formal e signo instrumental. Ocorrem outras relações entre
os objetos e que podem criar as respectivas espécies de signos. Então será possível
caracterizar melhor o signo formal, diferenciando-o destes outros.
Vários signos têm por base as relações de causa e efeito, no plano da existência. Há
efetivamente uma diferença entre causa causa formal (com o respectivo efeito formal) e
causa eficiente (com o respectivo efeito na ordem da causa eficiente, ou seja da
existência).
No signo formal, este não é o efeito do objeto assinalado. A relação entre o signo formal
e o objeto assinalado é outra. O signo formal se exerce mesmo como causa formal da
acusação que revela o outro, objeto; o signo acusa o outro, enquanto se assemelha com
este outro, de sorte que a semelhança é o motivo pelo qual ele se exerce como signo.
Também o signo meramente convencional é formal. A atenção se remete desde logo para
o objeto. Observamo-lo ao exercermos a leitura; como estamos despreocupados com as
letras, cuidando apenas do significado, visto que não se trata de uma interpretação
instrumental de signos instrumentais.
Fica, portanto firme, que é próprio do signo instrumental o dever ser conhecido antes do
objeto para o qual remete. Como procedimento discursivo quem conhece por meio dele,
primeiramente caminha para o ser do signo e somente depois para o objeto seguinte, do
qual ele é o signo instrumental.
206. A rigor, o signo instrumental não é verdadeira representação do objeto, porque não
se relaciona com ele em virtude de uma semelhança. Não é em função de uma
semelhança que dito objeto se faz diretamente conhecer.
Na verdade, uma desproporção muito grande pode ocorrer quando um pequenino efeito
deriva de uma causa enorme.
Que relação haveria entre os efeitos secundários e a causa profunda? Sobretudo agora os
efeitos pouco dizem de suas causas.
A convulsão da corrente elétrica ao nos passar pelo corpo bem exemplifica o caso de um
signo instrumental revelador da eletricidade, sem que isto nos manifeste algo importante
sobre a referida eletricidade. Sendo a convulsão apenas um efeito na ordem da causa
eficiente, não é verdadeira representação da causa. A representação somente se encontra
nos signos formais, resultantes da semelhança.
Havendo alguma proporção entre causa eficiente e seu efeito, um revela ao outro, ainda
que a seu modo. É preciso apenas não confundir esta espécie de signo com a outra. A arte,
por exemplo, não é em primeira instância um signo instrumental, porque exprime pela via
da mimese, ora pela via da semelhança natural, como na escultura e pintura, ora pela
semelhanças de equivalência convencional, como na linguagem.
As relações de causa e efeito podem gerar símbolos. Por exemplo, a cobra que produz
veneno aproveitado pela medicina para produzir saúde, simboliza a medicina.
Mas, o símbolo, apesar de sua origem nas relações de causa e efeito, é todavia
estabelecido em última instância ao modo do símbolo formal. Uma convenção o
estabelece (vd 215).
A arte, ainda que não seja um signo instrumental, aproveita esta outra modalidade de
conhecimento, mas em um segundo tempo. Operando primeiramente por signos formais,
a seguir, por meio destes indica aos instrumentais.
Com isso se estabelece na arte amplamente a discursividade, até mesmo o raciocínio. Não
se pode negar que a arte opere discursivamente, por esses meios e outros mais.
Depois que o signo formal indique o efeito na ordem da causa eficiente, dali, num
segundo tempo, se lança o caminho para a interpretação discursiva que caminha do efeito
na direção da causa.
O aproveitamento dos signos instrumentais oferece recursos que embelezam a arte. Uma
referência às lágrimas, conduz o pensar no sofrimento.
Num primeiro tempo é preciso expressar ao modo comum da prosa pela mimese, a
imagem que servirá de estímulo associativo, no segundo tempo das demais imagens.
Posta a primeira imagem pela expressão em prosa, ela passa a despertar associativamente
outras imagens mais e que constituem a poesia.
Uma palavra estímulo, desperta imagens específicas; da mesma sorte, cada cor, cada som,
cada variação de forma suscita imagens que lhe estão ligadas. Importa muito atender a
este fenômeno aditivo para compreensão total da arte, especialmente da poesia (vd 94).
209. Max Bense (n. 1910) tem usado "signo de algo", para indicar por exemplo o silvo
como signo da locomotiva; portanto, "signo de", seria outro nome para o signo
instrumental. Em vez, "signo para algo", seria, por exemplo, a cifra para o número, o
retrato para a pessoa.
No signo instrumental ocorre a nítida diferença entre o designatum e o objeto para o qual
este remete, como um denotatum.
"Todas as vezes que, numa experiência, o estímulo produzido no organismo por um dado
objeto se vincula à recorrência dessa experiência, diz-se que o estímulo em causa (ou o
objeto) funciona como um sinal.
Daí decorrem alguns corolários, cuja retenção é valiosa. O sinal é apenas uma parte da
experiência, parte que, ferindo de novo a atenção do organismo, deflagra o mesmo efeito
que a experiência completa outrora provocara.
A fim de que um objeto se converta em sinal, é imperioso que haja efetivado, no mínimo,
duas aparições. É raríssimo, quando não impossível, verificar-se identidade absoluta entre
as várias manifestações de um objeto já revestido do status de sinal, não guardando elas
mais do que certa similitude entre si. Essa semelhança, todavia, é básica para reprodução
(mental, ou não) da experiência.
O estímulo, em sua nova investidura, acha-se estruturado numa cadeia cujos elos
indissociáveis são: o intérprete, o interpretante, o veículo-sinal e o designatum.
O processo em questão recebe o nome de semiosis e exibe, pois, como caráter distintivo,
a correlação operacional entre os seus elementos integrantes.
Designatum é tudo aquilo de que se toma conhecimento graças à mediação do sinal. Não
é compulsória a referência a objetos por meio de sinais, mas só há designata se houver tal
referência. Quando aquilo a que a gente se refere, existe, de fato, o alvo da referência, às
vezes, se efetua na base de simples presunção, como ao afirmamos que uma coisa está
num lugar e, vai-se ver, não está lá ( Osvaldino Marques, Teoria dos sinais, em Revista
do Livro, jun. 1958, p.41).
210. Nem se pode fundar a expressão artística em uma relação de igualdade quantitativa,
entre quantidades que se reproduzem nas mesmas dimensões.
Uma estátua pode ser maior, ou menor que o indivíduo representado; não depende sua
expressão, conforme já se percebe, da relação de grandeza e sim das formas, ou seja de
qualidades.
Uma vez que a qualidade deve ser entendida como tal, isto é, como exercendo uma certa
determinação, resulta que a intencionalidade é eminentemente ligada à compreensão,
sendo pois, algo claro e não alógico.
Ainda que ocorram os procedimentos associativos de imagens, - como acontece na
linguagem dita literária e sobretudo na da poesia, - a expressão artística é
fundamentalmente lógica, porque decorrente antes de tudo do efeito formal da
semelhança que adverte para o assemelhado.
Na base da arte está a mimese. O mais é eflorescência. Por mais exuberante que possa ser
a eflorescência em arte, ela surge primeiramente por obra da logicidade de um efeito
formal. E tanto maior poderá ser a florescência, quanto mais gerador conseguir ser
o logos que lhe dá o impulso inicial.
0531y214.
A fim de que um signo convencional funcione à maneira de signo formal, deve remeter a
atenção diretamente para o objeto.
216. A fim de que os signos convencionais funcionem, importa que cada signo se
diferencie do outro. Criados os signos, diferencialmente, convertem-se em instrumentos
de expressão artística de alta precisão.
Todas as línguas costumam ter suficiente diferenciação em seus recursos, para poderem
funcionar. Entretanto, uma língua planejada, como por exemplo o Esperanto, atinge
maior precisão e eficácia, porque seus equivalentes convencionais são mais
adequadamente organizados.
A facilidade com que a articulação da voz humana enuncia vocábulos distintos, oferece a
oportunidade de uma simbologia falada de um rendimento incontestável. Esse é um dos
motivos, porque a linguagem é a mais importante modalidade artística em símbolo.
As artes por semelhança natural exprimem melhor as figuras dos objetos do que a
linguagem convencional; todavia esta ganha de todas quando se trata de significar os
modos de entender.
217. Quatro são as artes de maior eficiência para a expressão, operando todas pela via
da mimese, ainda que uma apenas pela via convencional:
- arte em cor,
Contudo estas outras qualidades sensíveis materiais, ainda que consideradas inferiores,
são muito mais mencionadas pelos equivalentes convencionais da linguagem, do que
pelas que superiormente operam em cor, sonoridade musica e plasticidade de formas.
Fala-se, por exemplo, em perfumes, gostos e sensações tácteis, com uma frequência que
não têm paralelo nas demais artes, que apenas as exprimem com vagas sugestões, como
aquele quadro que apresenta um comedor de melancia.
0531y220.
221. Em arte nem tudo é explicável pela teoria da mimese. Não é só pela mimese que
o artista se expressa, mas também pelos recursos oferecidos pela associação das imagens
que lhe ocorrem no subconsciente.
A expressão com recursos associativos oferece muitas facetas de estudo, começando pela
diversidade dos nomes, como evocação, sugestão, denotação, poesia.
Neste instante o que nos importa é apenas advertir que a associatividade também
participa da explicação teórica de como se exerce uma expressão artística. Tudo o mais
sobre a poesia será tema de um capítulo mais exaustivo (vd).
A poesia, num primeiro tempo exprime o objeto estimulativo, sem interesse neste objeto,
passando a atender às imagens associativas, que surgem no segundo tempo. Se, por
exemplo, o poeta menciona um laranjal, não busca diretamente tais frutíferas, mas o que
elas eventualmente lhe evocam.
222. Poesia prosaica e prosa poética. A expressão mista é geralmente a regra, mas com
predomínio de um dos elementos.
Se o centro de interesse se coloca nas imagens evocadas, mas com alguma atenção no
objeto estímulo, ela é uma poesia prosaica.
223. O processo associativo é a regra geral do mundo das imagens. Mas nem tudo
campo é desde logo poesia artística, embora de fato seja evocativo. Este campo interior é
mais amplo que o círculo particular da arte poética.
Apenas ocorre a verdadeira poesia artística interior quando esta "poesia interior" tem
seu objeto estímulo expresso exteriormente, e então este estimula a geração das imagens
evocadas é transferida para uma expressão exterior.
Ainda se situa fora do plano da poesia artística a constatação de objetos associativos. Por
exemplo, a montanha pode associar a grandeza, os pássaros, a alegria, o mar, a nostalgia
de lugar distante de onde veio alguém. A poesia artística ocorre quando estas mesmas
imagens associadas são exteriorizadas em uma expressão. O elemento expressão exterior
é essencial à arte.
224. É possível criar objetos com a especial intenção de usufruir a evocação de que forem
capazes.
O músico poderá criar sons apenas como sequência estética, e não com intenção de
expressar algo; e assim também poderá criar sons capazes de gerar associações
interessantes.
É legítimo que se crie este tipo de associatividade, junto à obra de arte propriamente dita,
porque o concreto é o somatório de tudo. Mas é preciso compreender e distinguir cada
função, para não confundir o meramente estético e associativo com o especificamente
artístico e poético.
É, entretanto, melhor substabelecer que o autor indique de algum modo sua intenção.
Esta é uma propriedade em virtude da qual a expressão adquire sua condição
gnosiológica de evidência, verdade, certeza.
225. Há pois, uma distinção entre o círculo maior do processo associativo e o círculo que
recorta dentro deste todo a poesia artística.
A associação das imagens pode dar-se pela real presença de objeto estímulo sensível. A
flor, que os olhos vêem, estimula imagens, sem que haja presença mental.
Também os animais associam ao que vêem, ora a água com um certo caminho, ora o
alimento com um certo patrão, ora o estímulo para o trabalho com a presença de um
aguilhão, ora o aviso para comparecer ao portão com o ouvir o chamado pelo nome.
Tais associações também as exerce o homem, à vista do que vê, ou ouve, e depois
combina com o verdadeiro processo da arte como expressão.
Diversa é a maneira que ocorre na arte, quando esta, na poesia, expressa os estímulos, e
com eles as imagens associadas. A poesia não ocorre quando à vista da flor se estimulam
as imagens. Na arte, a flor é enunciada primeiramente na obra, para, a partir da obra
artística, expressar as imagens estimuladas.
Não basta ao poeta literário simplesmente tomar a flor em suas mãos e mostrá-la a quem
desejar ter as respectivas associações. É preciso que diga, - flor...
O animal, ao ouvir flor, não entende a palavra... e por isso, para ele o objeto de estímulo
das imagens não surge, neste caso, através da expressão.
Contudo, o animal, ao ver a flor real, associa imagens; mas agora não ocorreu arte, porém
um processo comum de conhecimento, pelo sentido exterior cujo objeto estimulou as
imagens do sentido interior. Tudo o que aconteceu ao animal também sucede ao homem,
todavia a poesia artística vem após isto, como por acréscimo, ao estabelecer-se a
expressão.
226. A poesia é antecedida pela prosa, porque não há poesia sem objeto estímulo. Ora,
este se oferece mediante a prosa. Num primeiro instante, a prosa apresenta o objeto
estímulo, para que, num segundo tempo, surjam as imagens, que a ele se associam.
Embora, na poesia pura o objeto estímulo não interesse quanto ao seu conteúdo, ele é
indispensável como estímulo. Não há poesia, como se advertiu, sem um instante prosaico.
O processo associativo não desperta sem o objeto estímulo, o qual somente se exprime
por mimese.
O literato poeta,. ao erguer as imagens em torno da lua dos namorados não pode começar
a fazê-lo sem que comece por falar diretamente da lua.
O pintor, ao fazer poesia com a mesma lua, começa por figurá-la diretamente ( por
mimese), para, num segundo momento, evocar as restantes imagens.
Também assim acontece na poesia musical que deve ser antecedida pelo som
expressando em prosa, ou aos sons dos animais da floresta, ou ao ruído das ondas, etc.,
com vistas a estabelecer o objeto estímulo, das imagens que virão a seguir.
227. Leis da associatividade. O despertar associativo das imagens obedece a leis, apesar
de seu aspecto um tanto anárquico. Não fosse esta ordem, ficaria o poeta sem poder
calcular os efeitos desejados dos objetos estímulos. E porque elas existem, torna-se
possível melhorar a poesia, como também a prosa poética e a poesia prosaica.
Aristóteles apontou para três leis associativas: associação por semelhança, associação
por contraste, associação por vivência.
Dali resulta haver também a possibilidade de variação nos modos poéticos, por eleição,
ora de um processo, ora de outro e outro, ora de todos conjuntamente.
228. A associatividade por semelhança (ou mimese, ou ainda por analogia) (vd 825) dá-
se quando algo lembra a imagem de outro objeto, por simples aproximação.
229. A associatividade por contraste (vd 830) evoca pela viva diferenciação.
Pode ser contiguidade de tempo e de lugar. Tempos atuais evocam outros. Lugares que
voltamos a visitar, relembram pessoas que em outra oportunidade ali estavam.
231. Há a distinguir entre dois usos da mimese, - a mimese da arte em geral, como a
prosa (que se dá por efeito formal), e a mimese da poesia (que se dá por associatividade
de imagens).
Em tal condição, a mimese se institui como teoria fundamental da arte e mesmo de todo o
conhecimento.
- a segunda mimese faz ao objeto estímulo despertar as imagens que lhe são semelhantes
(mimese do instante poético).
0531y235.
236. Certamente ocorrem limitações na expressão artística, mas que por muitos
expedientes se procura superar, garantindo-se assim a universalidade temática.
Por causa desta universalidade temática, treinamos, para obter o melhor rendimento
possível em qualquer arte, - na linguagem, pintura e música.
Ainda com este objetivo, combinamos as artes em todos maiores, criando a expressão
mista, através da aliança das diferentes artes (vd 509), unindo por exemplo formas e
cores , música e linguagem, o que acontece sobretudo no teatro, cinema, televisão.
237. Há limitações na prosa, em virtude da qual umas expressões são próprias e portanto
mais adequadas para se aproximar de seus temas; outras são impróprias, todavia capazes
de algum modo se referir aos seus temas.
238. A diferente capacidade de expressar aos objetos provoca uma diferença na expressão
dos objetos, na medida que estes variam.
As cores, de outra parte, exprimem o aspecto apagado das gotas da chuva, o brilho dos
relâmpagos, o colorido das borboletas.
As figuras do escultor quase que se confundem com as formas da natureza. Conta-se até
que Parrassio e Xeuxis pintavam tão bem frutas e cortinas ao ponto de pássaros e homens
se terem enganado por as haverem tomado como reais. Também no teatro se procura algo
semelhante, exigindo-se do ator que se identifique ao máximo com o seu personagem.
Temas abstratos somente se expressam de maneira imprópria pela arte que é um recurso
material. A importância do tema abstrato torna, sob este ponto de vista, a arte abstrata
superior à arte figurativa. Ela, - a arte abstrata, - lhe é todavia inferior do ponto de vista
de seu instrumental técnico.
Há semelhanças muito próximas, e que vão se alargando até as mais distantes. Mais
próximas são as semelhanças entre seres da mesma categoria.
As duas modalidades de abstração ainda se cruzam entre si. A primeira, a abstração total,
se processa por graus de abstração formal, como se verá.
240. No plano da abstração total (vd 686) os temas se desfazem sucessivamente de seus
sujeitos de atribuição. Retida a forma, por exemplo, de planta, o que resta não é mais esta
planta individualizada, mas a planta como tal.
São ainda exemplos deste da abstração total, as obras que expressam o movimento, o
bem, a prudência, a justiça, a virtude, etc. Todas estas entidades existem em concreto, e
foram agora abstraídas de seus sujeitos, onde eram este movimento, este bem, esta
prudência, esta justiça, esta virtude, etc.
Expressar um objeto com este início de abstração, já é mais difícil do que expressá-lo
como caso singular concreto, ou seja no estágio anterior a toda e qualquer abstração.
De outra parte, porém, é a mais fácil das artes abstratas, porquanto as abstrações serão
ainda mais difíceis de serem expressas.
241. No plano da abstração formal (vd 688), isto é, da divisão das formas já sem sujeito,
os conceitos se tornam eminentemente abstratos. Assim se distinguem conceitos como
essência e existência, coisa e algo, verdade e erro, bem e mal, belo e feio.
O primeiro grau de abstração formal permanece ainda no plano das formas sensíveis.
Depois de isolada a forma, que fica sem o sujeito individidualizante, -até aqui tudo por
efeito da abstração total, - resta prosseguir, redividindo a forma, pela abstração formal.
Então é possível imaginar que, na etapa inicial, no plano zero, estejamos num primeiro
grau de abstração formal, ao qual importa aqui atender, antes de partir para as novos
degraus da redivisão.
Este primeiro grau de abstração é aquele grau de abstração em que a arte se ocupa com os
objetos da natureza, ainda que não individualizadamente. É quando se ocupa da planta, e
não desta planta; da dor, e não desta dor.
Agora a arte já se ressente das semelhanças precisas. A distância entre o concreto das
quantidades e o abstrato é maior, de maneira que as semelhanças não se acusam com a
mesma facilidade e contundência.
A arte, no segundo grau de abstração formal, ocupando-se embora das linhas, figuras e
espaços concretos, remete contudo intencionalmente para a linha em abstrato, para a
figura em abstrato, para o espaço em abstrato, que são sempre criações imaginárias do
espírito, capazes até de se distenderem ao infinito. Esta imensidade não se exprime tão
facilmente com as semelhanças concretas, porque a todo o momento elas raptam a
atenção para a sua mesma concretitude.
Por isso, a arte prossegue no seu dissociamento, cada vez mais separada da semelhança
que mantém com o tema. No plano altíssimo da metafísica as noções de ser como tal, de
belo como tal, de bem como tal resistem consideravelmente à representação artística pura.
Esta resistência ocorre sobretudo nas artes que operam por meio de semelhanças naturais,
como sejam a música, a pintura, a arquitetura.
O mais abstrato dos temas é o ser, tanto na via da abstração total, como na formal. Como
noção a mais genérica, o ser tudo perpassa.
Ainda que nem todos admitam esta universalidade acontecendo pelo lado do ser,
admitem ao menos que, pelo lado do pensamento, o ser signifique a noção mais universal.
244. Evolução semântica dos signos instrumentais na direção dos formais. Há uma
progressão semântica dos signos instrumentais na direção dos signos formais, sobretudo
no dos convencionais.
O que é efeito e por isso se exerce como signo instrumental da causa, passa
progressivamente a ser visto como signo convencional. Ora, o signo convencional é signo
formal e por isso remete prontamente para o objeto, já sem atender à índole de "efeito"
próprio do signo instrumental.
A fumaça, enquanto efeito do fogo, é efetivamente é o respectivo signo instrumental.
Entretanto, quem vê a fumaça poderá não atender diretamente ã sua posição de efeito do
fogo, e prontamente observá-la como signo convencional do fogo.
Geralmente os símbolos, embora signos formais, tiveram origem instrumental. Por que
seria a espada o símbolo da justiça? Porque serve de instrumento causante. Esquecida a
sua posição de causa, passou a servir como símbolo puro da justiça.
Os nomes dos objetos derivam em alguns casos dos efeitos que são capazes de produzir.
Ora, se o efeito se tornou o signo convencional da causa, isto somente foi possível no
instante em que já não se via no efeito um signo instrumental, ma signo formal.
245. Ocorre também uma evolução semântica interna nos signos formais. Com
frequência, os nomes das qualidades, e até de acidentes, se transferem para as naturezas à
que pertencem. O fenômeno já foi anotado por Aristóteles. Os exemplos proliferam: os
nórdicos..., os negros..., os iluminados...
E por que seria? As qualidades são efeitos formais, que brotam das naturezas respectivas.
Funcionando o efeito como signo da causa, bem depressa tal efeito dá o nome à causa.
A semântica dos signos é influenciada pelas leis de associação das imagens: contiguidade,
contraste, semelhança.
Assim, a causa, além de sua relação de causa, pode associar o seu efeito por associação,
na base da lei da associação por contiguidade.
Nesta linha se encontra a expressão embarque (relação com o barco), ao servir para
mencionar a viagem em veículo terrestre.
§4 - A inspiração artística.
0531y248.
249. A inspiração como sendo um juízo. A criação artística percorre o caminho inverso
da obra pronta para a apreciação. Consiste em conhecer previamente um tema e dali
partir para a descoberta de um outro objeto, o qual deverá ser sensível, para torná-lo
portador do tema, por meio de uma relação objetiva mimética ou associativa com o
referido tema.
Situa-se a inspiração artística mais precisamente na comparação dos termos, que deverão
estar em relação. Diz-se também que deverão ter uma proporção, isto é, uma semelhança
suficiente, ou uma conotação qualquer.
O juízo sempre é uma comparação de termos, com o objetivo final de descobrir uma
relação, que permita afirmar um do outro. Isto acontece também na inspiração artística,
ao se proceder à comparação entre a expressão adequada e o objeto a ser expresso.
250. A inspiração artística como um juízo prático. Por se tratar de julgar para orientar
o fazer a obra, a inspiração artística é um juízo prático, e não um juízo meramente teórico.
Este, o teórico, apenas diz como uma coisa é.
No caso da expressão artística, este como fazer equivale a perguntar, -que semelhança
construir?, - para que dita obra consiga expressar o tema.
O crítico da arte ocupa-se com ambas as inspirações, mas apenas a crítica à inspiração
criadora da obra, cabe o nome propriamente dito de crítica da arte. Existem grandes
romances no que se refere ao conteúdo, mas sem valor literário. E assim também
romances sem valor ficcional, todavia bem escritos.
ART. 3o
0531y254.
Neste sequencial didático, tudo inicia pela advertência principal e que consiste
na determinação do caráter objetivo inconsciente da expressão artística.
Mostra-se a seguir que na arte importa uma interpretação da arte, e que esta
interpretação é de iniciativa da inteligência.
0531y257.
Observe-se uma estátua. Ela é morta e não sabe a seu mesmo respeito. É
expressão e não se conscientiza disso. Não usufrui a relação intencional de que
é portadora de algo. Não sabe o que diz e de que fala. Pousam os pássaros
sobre a cabeça da estátua e ela não reclama.
O mesmo acontece com as palavras, tão versáteis e tão abundantes. Para elas
mesmas, são apenas sons, porque de seu significado não têm consciência.
Que dizer dos atores, tão vivos sobre o palco? Também eles, embora
conscientes, não expressam a arte enquanto vivem, mas pelas formas que
executam e pelas palavra que enunciam. Tanto isso é verdade, que os filmes
tomam suas imagens e sons, para ulteriormente projetar tudo de novo sobre a
tela. E ali, tudo se repete, mas , sem consciência; todavia o mesmo efeito ocorre
da parte do apreciador.
O que surge na mente do intérprete não é a mesma arte, mas a interpretação que
ela oferece. Por isso, não se pode dizer que a arte se encontra na mente de
quem a aprecia. A arte é aquilo que está na obra física e sensível exterior.
Embora inconsciente, a arte é só isto. E assim permanece materializada, à
disposição dos seus possíveis intérpretes. Apenas por extensão afirmamos que a
arte é a obra e a apreciação.
Não será por uma eventual dádiva, e sim por algo interior a ela mesma, e de
que seja o efeito formal.
E por que a obra de arte não se conscientiza a partir de si mesma? Algo
acontece para que uma coisa material não saiba de si mesma e nem dos outros.
Como foi dito, - a arte é só isto: expressão material que, embora incapaz de
uma auto-conscientização do seu conteúdo, é interpretada exteriormente, por
quem a aprecia.
Não sabendo a obra de arte de que ela está a dizer algo, não há a rigor um
termo intencional imanente, como conhecimento acabado, à maneira do que
ocorre no pensamento, que termina em uma expressão (espécie expressa).
Apenas um sujeito extrínseco poderá, por interpretação, completar a
conscientização da referência intencional que fisicamente existe naquela obra
sensível. Surge assim a intencionalidade interpretativa.
Quanto a Deus, quando concebido como perfeito, somente assim exerce seu
conhecimento sobre o pensamento dos homens.
Com mais detalhe, a tese do idealismo artístico assevera, que a arte é a mesma
interpretação, seja do artista criador, seja do apreciador. Por conseguinte, a arte
não é a expressão objetiva inconsciente, mas:
Ambas as posições aceitam tudo o que a outra estabelece, mas lhe imprimem
uma ótica inversa.
Foi este idealismo retomado por seus seguidores em países diversos, por
exemplo, por Romano Galeffi (n. 1915), italiano transferido à cidade de
Salvador (Bahia, Brasil).
Para o idealismo artístico mencionado a obra exterior não seria pois a principal
em arte, mas aquilo que ocorre na inteligência , imaginação e sentimentos,
desde que tais situações resultam da obra artística.
A música cifrar-se-ia nas notas escritas, mas não estaria essencialmente nelas e
nem nos sons fisicamente considerados.
"A arte é visão ou intuição. O artista produz uma imagem ou fantasia; aquele
que aprecia a arte volta os olhos para o ponto que o artista lhe indicou, e
olhando pela fresta que ele lhe atribui, reproduz, em si mesmo, aquela imagem.
"Ela nega, antes de tudo, que a arte seja um fato físico: por exemplo, certas
determinadas cores, certas determinadas formas de corpos, certos determinados
sons ou relações de sons, certos fenômenos de calor ou de eletricidade, em
suma, qualquer coisa que seja designada como física" (Croce, ibidem, 15).
267. Não se pode confundir a reinterpretação da expressão artística, com a
própria expressão artística, a qual efetivamente não passa de ser somente uma
expressão objetiva. Esta expressão objetiva já é por si só uma entidade própria,
de seu gênero (sui generis).
Ela, a arte, não é apenas uma fisicidade absoluta; ela também é expressão
significante, com fundamento nas semelhanças realmente existentes entre a
obra e o tema expresso.
O artista, antes de criar a obra, tem uma idéia do que vai fazer. Esta idéia não é
ainda a obra de arte. Precisa que na mesma obra estabeleça algo que, por sua
virtude intrínseca, seja capaz de expressar a idéia exemplar tida na mente do
artista.
O contemplador da obra de arte deverá encontrar na mesma elementos
objetivos e que lhe possam fazer sugestões para uma interpretação. Estes
elementos deverão estar na obra. O que surgir na mente do contemplador não é
a arte, mas efeitos de sua interpretação.
0531y290.
O que surge de dentro das palavras são pensamentos, tais como idéias, juízos,
raciocínios. Por exemplo, da palavra montanha surge a idéia de montanha e não
a visão sensível dela. Com as interpretações da inteligência poderão associar-se
os elementos sensíveis, mas sempre a partir da inteligência.
Para o boi denominado "Barroso", chamá-lo por esse nome não passa de
intimá-lo por uma série de sons, que, para ele, não expressam o seu nome. Se
reagir, não fará senão por associação de imagens, que poderão lembrar seu
dono e os alimentos.
293. A poesia artística também depende de uma interpretação da inteligência. A
obra poética principia por indicar inteligentemente objetos estímulos, os quais
são postos em obra, seja de cores, seja de formas, seja de sons, seja de
equivalentes convencionais.
Mas os animais, que não contam com o primeiro tempo, e portanto, não
chegam a exercer o segundo, não vivem a poesia criada pela arte.
Porém até agora a arte tinha que ver com o belo e a beleza e não com a
verdade" (Heidegger, Origem da Arte, p. 50 ed. Esp.F.C.E.).
0531y297.
- ou, como quer a teoria ideativa da arte, a expressão artística faz atender aos
objetos de outra expressão, a mental (e então seria expressão de expressão),
fazendo portanto atender primeiramente às idéias, juízos e raciocínios, que por
sua encaminharia a pensar no objeto concreto,
- ou, como quer a teoria não ideativa da arte, a expressão artística faz atender
aos mesmos objetos concretos, como eles ocorrem na natureza.
Poder-se-ia acreditar que a teoria ideativa valha apenas para a arte que opera
mediante convenção, tal como acontece principalmente com a linguagem. Cada
idéia, cada juízo, cada raciocínio seriam expressos na linguagem tais como eles
fluem no pensamento.
299. Apesar das aparências, nem as artes plásticas, nem a música, nem mesmo
a língua são expressão material da expressão mental.
Transpor uma expressão para outra, não é, pois, o mesmo que expressar outra
expressão. A arte pode transpor (traduzir, transcodificar ) a expressão mental,
sem que seja uma expressão da expressão mental como queria Locke.
A mimese natural ocorre nas demais artes - na pintura, escultura, música -, que,
por causa deste caráter natural da mimese, representam o objeto como existe na
sua realidade concreta.
0531y303.
304. A arte quando opera com material em movimento desaparece com o cessar
da ação. Também desaparece a arte quando utiliza expedientes frágeis ou subtis
como os sons.
Este fato cria algumas dificuldades, pois a permanência ou estabilidade é
importante. Por isso importa criar expedientes de permanência da expressão
artística, de que os mais conhecidos são a repetição e a reinterpretação.
O disco com agulha foi primeiro importante recurso de repetição para música e
a palavra.
Ainda se diz que a arte anterior é arte-objeto, por que objeto da arte seguinte.
0531y311.
313. A face subjetiva não está na mesma obra de arte. Ela se encontra no artista
e no apreciador.
A obra fala objetivamente do seu objeto; eis o que o homem intérprete descobre
dentro da obra material da arte.
Por sua vez, ao se dirigir ao objeto, para o qual a obra objetivamente remete, a
este exterior o intérprete apreende também com conceitos, juízos e raciocínios.
A obra de arte não depende das condições subjetivas do apreciador, mas este
não consegue ser apreciador, sem que sua mente conheça previamente aquele
objeto..
0531y316.
317. Considerando que a expressão artística não se cria sem ser por imitação do
tema, o artista precisa conhecer os detalhes do tema para criar a respectiva
expressão. Precis, pois, aprender a ver e aprender a ouvir, como também
aprender os equivalentes convencionais da linguagem.
Na arte figurativa e visual isto se representa logo muito claro ao desenhista.
Não há nada que se não consiga desenhar, desde que se saiba ver.
Inversamente, quem tudo vê, com os detalhes das proporções, desenha com
exatidão.
Situado o bom desenhista diante de uma casa, busca saber se a casa é mais alta
que larga; depois de conhecida esta relação, já possui um ponto de partida. Mas,
quem não é capaz de perceber esta relação, poderá desenhar mais largo, o que
de fato é mais estreito.
Acontece assim que a arte plástica principia com um saber ver; equivale a
dizer, saber ver o tema; visto este, o artista consegue reproduzi-lo.
Não poderia o músico repetir o som do cuco, sem antes saber exatamente que
som emite.
Agora se trata de ver e ouvir analogias. Quem percebe analogias entre a linha
reta e o infinito, consegue prontamente desenhar a reta e com isto expressar sua
idéia de infinitude.
A concepção do artista não é senão aquilo que ele viu e ouviu do tema, quer
seja este concreto, quer abstrato.
ART. 4o
0531y322.
Distingue-se entre efeito formal (vd 190), como propriedade, e efeito na ordem
da causa eficiente.
A propriedade, como efeito formal, não se separa de sua causa formal. O efeito
na ordem da coisa eficiente, se separa, como a fumaça, distinta do fogo, que
por este foi causada.
A essência da arte é ser expressão; esta já se supõe, para que possa converter-se
em comunicação. Definir algo pela indicação de suas propriedades constitui
apenas uma definição descritiva, que nos ajuda a reconhecê-las, mas que ainda
não é sua essência ou natureza profunda.
Assim também há propriedades psicodinâmicas nas cores, que não passam por
despercebidas do artista e do consumidor da arte.
0531y327.
0531y330.
O contexto opera com a lógica interna dos objetos. As partes se reclamam umas
às outras. No caso do objeto abstrato resta mesmo alguma semelhança com as
outras partes. Afinal tudo é ser.
Nas artes por mimese natural é mais difícil isolar o aspecto abstrato; mas se
consegue por displicência dos demais. Por isso, a arte abstrata costuma operar
por meio de deformação ou ênfase. Deforma, porque omite algo; enfatiza,
porque insiste no aspecto eleito para expressão.
As evocações por semelhança e contraste não se operam por igual com todos
os objetos, em vista da variedade das semelhanças e contrastes.
Quanto à evocação por vivência, também ela se apresenta insegura, porque não
ocorre a mesma vivência em todos os indivíduos.
II - A evidência da expressão artística.
0531y336.
337. Situar-se diante de uma obra de arte e não ter como descobrir o que ela
efetivamente expressa constitui um problema de evidência.
Devendo expressar um tema, a boa arte deve conter elementos suficientes, que
possam despertar um rumo para a atenção do apreciador e lhe facultar descobrir
o seu significado.
Importa a evidência, porque sem ela a obra de arte fica reduzida ao estado
como se ela não fosse tal.
Para que haja evidência na expressão artística, importa que o primeiro, o objeto
expresso, possua a condição de indicar intencionalisticamente o objeto exterior.
Estas características são mais enfáticas. Por isso funcionam como adjetivação.
Dali falarmos em evidência clara, evidência distinta, evidência nítida e assim
por diante, sem que ocorra tautologia e redundância.
Conota o prefixo e- a noção ver bem. Além disto, passou evidência ao uso
do ver mental, porque a vista é o sentido mais capaz no ser humano.
Sem esta evidência de objeto, a música não surge ao ouvido como arte (em
sentido estrito), mas se ocupa tão só em criar sentimentos pré-artísticos,
resultantes do som material sem conter significados.
340. Na medida que ocorrer uma falta dos ajustes entre a expressão e os objetos
que se propõe significar, a expressão se dilui e obscurece. Desaparecida toda a
evidência, cessa a arte, porque nada mais se exprime.
O grande artista possui idéias maiores do que os recursos de que dispõe para
expressar; fica insatisfeito ao término do seu trabalho, por verificar que nele
nem tudo ficou com evidência, clareza e distinção.
0531y342.
Não há expressão, quando algo simplesmente nada significa; algo não é arte se
lhe falta capacidade de expressar um tema.
A obra de arte, ao expressar o tema com firme ajuste, faz irromper a mensagem
decididamente de seu interior. Este grau de perfeição a torna brilhante e
cristalina, sem mistérios.
Num esforço infindo o bom artista vai sempre a novas maneiras de expressão,
porque, apesar de tudo, são muitos graus que a mesma qualidade oferece como
bons, até porque variam as circunstâncias, os objetivos e os gostos.
345. A proporção reclamada pela verdade, bem como seus graus de firmeza,
ajuste e ênfase, requerem uma dimensão exata. Esta consideração sob o ponto
de vista da qualidade dá à expressão a qualidade da precisão.
Jamais alguém adatará com perfeição suas próprias mãos aos objetos. O
problema ocorre também com a arte. A articulação perfeita é impossível.
Neste sentido amplo, as artes não literárias obedecem a um contexto, que então
significa a circunstância em que se encontram seus objetos expressos.
A barata é um animal.
A flor é barata.
A conversa barata.
Também podem não ter igual sentido figuras deixadas pelo homem antigo, e
que também são criadas pelo homem de hoje.
IV - Certeza na arte.
0531y350.
0531y355.
0531y357.
Sempre que as ciências produzem conhecimentos, por mais diversos que estes
sejam, resultam em esteticidade.
Com esta teoria também esclarece, porque a música é a mais estética entre
todas as artes. Sumamente agradável, a música é a mais agradável das
expressões artísticas. "Mais agradável, que a música, só mesmo o silêncio"
(Dante Veoleci).
Assim acontece na arte cênica, a qual depois de toda a intriga, parte para uma
solução.
0531y365.
366. Há uma dinâmica interna dos estados psíquicos, em virtude da qual o ser
humano desenrola um crescendo de tendências, que finalmente encontra seu
desfecho numa expressão exterior. Esta expressão exterior é um fenômeno
artístico, pois diz algo, seja em palavras, seja em pintura, seja em escultura,
seja em música.
Efetivamente a arte outra coisa não é, do que expressão de algo. Neste caso, ela
é sobretudo a expressão exterior dos estados psíquicos, que desta forma se
descarregam.
Aliás, é notório que certos grandes artistas fazem sobretudo isto, - expressar o
seu interior, que em alguns é tumultuado, em outros é sublime.
0531y369.
Exprimir é, pois, uma atividade, que, pelo seu simples exercício, agrada.
Permanecer parado, sem ação, é um não viver. A ludicidade é este exercício
constante da ação pela ação, do fazer pelo fazer, do movimento pelo
movimento, que se dá no jogo, aparentemente sem finalidade definida. Nesta
acepção particular, não é sem sentido a prática da arte pela arte.
371. Agradável diversão. É inegável que a arte é um frequente passatempo, de
que sobretudo são prova os programas divertidos do teatro e da televisão. Mas
também pode acontecer o mesmo com a leitura e a arte em geral.
Por vias diversas a arte contribui para a diversão. Ainda que a arte seja
essencialmente expressão, é sobretudo através de sua utilidade
como comunicação, que ela atinge os resultados da diversão.
0531y373.
Embora a arte seja a expressão dos objetos (vd 297) e não das operações
mentais, estas influenciam o que se conhece dos referidos objetos. Assim
acontece que os equivalentes vocabulares correspondem às idéias, que por sua
vez permitem criar as frases na mesma ordem dos juízos e dos raciocínios.
Nas artes por mimese natural (pintura, escultura, música) não acontece tão
estreitamente tal ligação com as expressões mentais. Estas outras artes
representam naturalisticamente ao objeto, ainda que muito deixem por conta do
contexto, a ser interpretado pela mente.
Não é portanto, sem razão que os mestres mais sábios reclamam do declínio
havido na linguagem da juventude moderna de alguns setores. Os candidatos
deveriam ingressar na universidade somente depois que demonstrassem boa
ordem mental em testes de linguagem.
0531y378.
Sendo expressão em significante sensível, a arte pode ser criada por uns e
apreciada por outros que a interpretam. Em decorrência, a arte se torna
instrumento ou técnica de comunicação entre os artistas, - todos somos artistas,
pelo menos da palavra.
Todo aquele que emite uma palavra é artista; quem a ouve é o interprete, que
recebe com isso a comunicação. O mesmo acontece com quem pinta ou esculpe
ou canta; este é o artista, ao passo que aquele que atende ao que foi pintado,
esculpido ou cantado, recebe a comunicação. Com a inversão, ocorre o diálogo.
"A arte é um dos meios de que dispõe os homens para comunicar-se entre si...
Por meio da palavra o homem transmite ao próximo seus pensamentos: por
meio da arte, lhe transmite seus sentimentos e suas emoções... A arte não é um
prazer, senão um meio de união entre os homens" (Leon Tolstói).
- transmissor ou artista;
- receptor ou intérprete;
- signo ou significante;
- mensagem ou significação.
- quem?
- diz o que?
A análise das condições da arte mostra, e especialmente, mais uma vez que ela
pode servir para instrumento de comunicação. Como signo sensível, a obra de
arte fica ao alcance de quem possui sentidos para perceber.
Nas artes abstratas esta semelhança é mais vaga e por isso nem sempre se
reconhece no primeiro intuito. Isto sempre prova que a expressão é o centro da
arte e é pressuposto como essência. O restante, como a comunicabilidade e a
esteticidade, resta apenas como propriedade.
0531y391.
Antes de ser constituída como expressão, a obra de arte já era material, como
pedra, mármore, tinta, som, etc. Em tal condição é possível tratar o material,
escolhendo-o em função de uma série de propriedades pré-artísticas, anteriores
às propriedades propriamente artísticas a lhes sobrevirem com a expressão de
que vão ser portadoras.
O homem primitivo quase somente conseguia modulações com sua mesma voz,
ao passo que seus instrumentos eram apenas de percussão. Os povos menos
desenvolvidos de hoje ainda podem estar dominados pela expressividade da
percussão, ainda que aperfeiçoada.
CAP. 2
- alcance temático das artes a partir da matéria geradora (Art. 5-o) (vd 0531y533).
ART. 1o
0531y399.
0531y402.
A noção se apresenta simples, de sorte que não se pode definir por uma
indicação composta, de gênero e diferença específica. Devemos procurar
entendê-la diretamente.
Ainda que não soubéssemos definir a qualidade, não teríamos dúvida em dizer
que as qualidades são o que mais conhecemos; delas nos interessam sobremodo
as sensíveis, como a cor e o som, parecem as mais notáveis.
Trata-se de uma referência à Porfírio, o Fenício (c. 322 – c. 304), que criou esta
visualização didática das categorias aristotélicas.
A arte opera por conseguinte com as qualidade sensíveis. Apenas estas são
tomadas como instrumento de expressão artística, conforme se constata na
pintura, escultura, música, linguagem.
405. Espécies de qualidades sensíveis. São mais conhecidas, para uso da arte,
as qualidades sensíveis: forma, cor, som.
Seu uso preferencial decorre da alta flexibilidade de que dispõem. Cada uma
destas flexões se pode também denominar qualidade sensível, ou mesmo
qualidade sensível subalterna.
0531y412.
- ora sob o ponto de vista da expressão (ou seja de sua forma essencial),
dividindo-a, por exemplo, em prosa e poesia.
Além disto, há aqueles que preferem uma das mencionadas espécies materiais
da arte, aqueles que outra e outra.
As qualidades são determinações que na ordem real (ou concreta) vão unidas à
outras categorias, por exemplo, às substâncias (mármore, bronze, etc.) , ao
espaço (dimensão e número), ação (ritmo do movimento), etc. Não pois
qualidades absolutas, mas qualidades que inerem em outras categorias.
Consolida-se, pois, que a classificação material das artes a partir das qualidades
sensíveis, ocorre com dois gêneros maiores, que colocamos como itens a
examinar:
0531y416.
417. Do ponto de vista da matéria própria, ou próxima, portadora da expressão
artística, as artes se classificam em tantos gêneros e espécies, quantas
qualidades sensíveis genéricas e específicas for possível arrolar e utilizar, sem
sair do campo próprio da referida categoria de qualidade.
Ocorre uma grande disparidade na utilização das qualidades sensíveis pela arte,
que a classificação pragmática se torna ordinariamente mais usada. E então se
têm as mais conhecidas grandes classes:
Aqui podemos notar a tendência nítida para distinguir entre a arte em volume e
a arte em desenho. Fundamentalmente, porém, se unem sob o título de artes da
forma.
Então há, como subalternos mais gerais, o símbolo em som, o símbolo em cor,
o símbolo em forma.
0531y423.
Outro exemplo: arte antiga, arte medieval, arte moderna são referências
à categoria de tempo (vd 428).
Importa entender todos estes esquemas, mostrando como se distinguem
daquelas outras classificações situadas no campo mesmo da arte, ou seja no
campo das qualidades sensíveis.
Sem podermos trazer para aqui tal discussão, tomamos a lista das 10 categorias
de Aristóteles (vd 402), apenas para termos uma sequência didática. São elas,
conforme já mencionadas: substância, quantidade, qualidade (própria da arte),
relação, tempo, lugar, posição, ação, paixão, hábito.
Por isso, o mármore e o bronze, ainda que substâncias, se aproveitam para arte,
apenas enquanto oferecem qualidades como cor e formas no espaço visual. Os
artistas ainda que pesem como substâncias, operam no palco apenas como
formas em movimento e palavras que soam, revestidas de significação
convencional. Também as tintas, enquanto ingredientes químicos, se exercem
como substâncias; todavia apenas se prestam como expediente artístico pelas
suas qualidades sensíveis de cor.
426. Do ponto de vista da quantidade, que a matéria admite, podem-se fazer
classificações como artes maiores e artes menores. Também em função à
quantidade, a obra de arte se multiplica numericamente.
429. Em função à origem causal, uma arte é grega, romana, francesa, indígena,
etc. ...
430. Artes liberais e artes servis. Embora ainda em função da origem, mas
das condições sociais da criação, as artes se dividem em liberais (belas artes)
e servis (úteis), conforme o caráter livre ou escravo de seus executores.
Continua-se a fazer ainda hoje a distinção entre carreiras liberais, que mais
apelam ao concurso da inteligência, como as da medicina, direito, engenharia,
magistério; e profissões servis próprias dos servos, aos quais se atribuía o
trabalho manual.
431. Trivio e quadrívio. Boécio e Cassiodoro ( sec. VI), consagram, para toda
a Idade Média a divisão das artes em sete, subdividida em:
Também aqui o contexto das mesmas denominações, ainda que claro, admite
outra acepção, a de conteúdo temático. Mas o ponto de vista temático já não se
diz da matéria portadora e sim da expressão, de que não se trata agora.
A classificação das artes pelos sentidos não pode ser considerada uma
classificação fundamental, porque atende às faculdades e não às qualidades em
si mesmas. A cor, o som, a pressão táctil são situações qualitativas; em tais
condições se convertem em instrumentos objetivos de expressão. As faculdades
não são tais instrumentos, mas apenas por onde se manifestam tais qualidades
com as respectivas artes.
ART. 2o
0531y435.
- ter graus,
- ter contrário.
0531y438.
Por exemplo, seriam graus já as espécies de cor (vermelho, azul, amarelo, etc.) ,
e não apenas as diferenças acidentais de intensidade de uma mesma cor.
Tudo isto quer dizer que o artista, ao expressar o objeto por assemelhamento,
pode também acompanhar as diferenças de grau, desde as graduações do
gênero e espécie, até as nuanças de acidente.
A mais exata das aproximações no plano das espécies é a que distingue apenas
numericamente.
A aproximação entre os distintos se pode dar nos graus da espécie e nos graus
de intensidade individual.
Quer se trate de essências, quer de acidentes (como cor e som), estas duas
modalidades de aproximação assemelham os seres em escalas as mais variadas.
A advertência, sobre o que coincide e sobre o que diferencia, tem por objetivo
mostrar, que ali está a explicação, porque algo serve como portador material da
expressão artística.
Tudo perpassa em tudo, ao mesmo tempo que nada chega a ser igual.
As analogias transcendentais permitem até a conversão recíproca entre os
assemelhados:
Em tais condições, as categorias são estanques entre si; em cada nova espécie
subalterna, cria-se nova determinação sem contato com a precedente. As
noções predicamentais são portanto unívocas na sua maneira de predicar ao
sujeito.
0531y445.
0531y448.
449. Da cor em si mesma. Por si só a cor ainda não é a pintura como arte em
sentido estrito. Uma sequência meramente estética de cores admite o nome de
arte apenas no sentido lato da coisa sem expressão significadora.
Para que se torne possível assumir um significado, a cor deverá possuir certas
propriedades, como a de ter semelhante, graus e contrários, com vistas a imitar
ao objeto a ser expresso.
A cor é dita objeto formal da vista. É o mesmo que dizer objeto específico, ou
objeto essencial, objeto próprio.
A cor surge portanto como resposta subjetiva e não como resposta objetiva. As
cores existem, mas como subjetividade. Não existem cores reais, independentes
do sujeito conhecedor.
451. Algo físico há atrás das cores, apesar delas mesmas serem impressão
subjetiva. Do mesmo modo se diz real, corpóreo, material o que está pelo lado
de lá do subjetivo. O que é aquilo, não sabemos exatamente.
A cor se prende à luz. Na ausência de luz não se revelam as cores. Com isso já
nos advertimos que as cores poderão dizer respeito à luz e não aos objetos.
Estes apenas refletem a luz. E a luz é constituída de corpúsculos,
os fótons. Incidindo estes sobre a vista, a reação se processa como cor.
Cada cambiante cromática poderá ter uma denominação própria, e até sugestiva
dos seus efeitos psicológicos, ou mesmo estéticos.
Entre o vermelho frio (com mais preto) e o vermelho quente há uma diferença
de cambiantes muito apreciada. O vermelho cor de rosa ( com mistura de
branco), opondo-se diretamente ao vermelho frio oferece outras e outras
possibilidades de formulação da expressão artística.
É a intensidade uma propriedade da cor que a arte utiliza, e que por isso
importa conhecer previamente.
Decresce a saturação, à medida que se opera a mistura, com alguma outra cor,
para a criação das espécies de cores secundárias, terciárias.
Neste jogo opera também o artista. Ora ele altera a cor no plano dos graus de
saturação, ora nos plano dos graus da intensidade.
0531y454.
Para que numa forma ocorra a arte em sentido estrito, importa ainda que a
forma plástica seja portadora de uma expressão, em virtude da qual signifique
algo. É o que efetivamente ocorre numa estátua, ou mesmo na arquitetura
quando ela ao menos contém sugestões significadoras.
Por sua vez, a forma plástica se divide em espécies de formas e estas admitem
graus.
Primeiramente firmamos a forma plástica como qualidade distinta de outras ao
seu mesmo plano, como a cor e o som.
Toda a forma contém os referidos três elementos (linha, área, volume). Toma-
se, ora apenas a linha, ora apenas a área; ora apenas o volume. É possível
entender o volume como contendo todos os elementos indicados; mas então
volume equivale à forma; todavia, como espécie de forma, o volume tem de ser
considerado em abstrato, enquanto se distingue da área e da linha.
457. Flexão é um nome que, no uso comum, lembra tão só as variações de uma
linha.
Do ponto de vista dos graus, qualquer modalidade de linha poderá ser pequena,
ou grande; o mesmo acontece com as áreas e volumes, que também podem ser,
do ponto de vista dos graus, pequenas e grandes.
Portanto, além das flexões mencionadas, que são espécies essenciais da forma,
esta poderá ter graus de intensidade, e que se podem denominar grandezas.
Sem alterar essencialmente a forma (linha, área, volume), esta forma poderá ser
maior e menor. Preferencialmente se diz intensidade da cor e grandeza da
forma.
Sua condição de sensível comum, permite que a forma seja percebida ao mesmo
tempo que a cor (sensível próprio da vista), que o som (sensível próprio do
ouvido), que o tato (sensível próprio do tato).
Assim sendo, por toda a parte a forma plástica se combina com as demais
qualidades sensíveis com que opera a arte. E o artista finalmente cria
expressões altamente sofisticadas pela sua complexidade, com que articula sua
obra com o tema a ser expresso.
Também nas outras artes, inclusive na pintura, ocorre a constante presença das
dimensões da forma.
0531y462.
463. O som é uma qualidade sensível, tão bem quanto a cor e a forma plástica,
mas se apresenta muito diferente, quer na apreciação meramente estética, quer
no aproveitamento para a expressão artística.
É o som, quando visto como espécie, parte de um subgênero,
denominado qualidade sensível, o qual por sua vez é parte do gênero maior,
denominado simplesmente qualidade.
Na ordem real não existe o som como se apresenta na psique, senão a vibração
física que o provoca. Somente há sons subjetivos, como resposta de natureza
psíquica, diferente daquilo que o gera.
464. Redividem-se os sons em espécies, as quais recebem a denominação
de tons. Conforme a maneira de reagir às diferenças de intensidade das
vibrações, formam-se os tons, os quais constituem portanto as espécies em que
o som se subdivide.
O lado físico do som está nas vibrações, sendo pois os diferentes sons
indicáveis por meio do número dessas vibrações.
Em sucessão, os tons de uma escala se denominam: dó, ré, mi, fá, sol, lá, si.
Dó contra profundo;
Dó profundo;
Dó grave;
Dó médio;
Dó alto;
Dó agudo;
Dó sobre-agudo;
Dó agudíssimo;
Dó sobre-agudíssimo.
Dó maior;
ré maior;
mi maior;
fá maior;
sol maior;
lá maior.
Há, pois duas modalidades de ritmos, o ritmo essencialmente sonoro dos tons
na escala e o ritmo acidental de intensidade física dos sons. Mas um e outro dos
ritmos é aproveitado na expressão artística.
0531y473.
Vale ainda o mesmo princípio explicador da arte, a qual exprime por via
da semelhança (vd 176), porque o equivalente convencional é efetivamente uma
espécie de semelhança, e somente por isto consegue exprimir.
Quanto ao nome, símbolo e equivalentes convencionais dizem praticamente o
mesmo.
Sempre que o símbolo é escolhido por causa de uma semelhança parcial, ele
pode provocar equívocos. Importa por isso algum cuidado.
Efetivamente o branco não é exatamente o mesmo que puro. Nem Deus é como
a luz, ainda que os visionários tenham dito o haverem visto assim.
0531y479.
0531y482.
483. Não existe uma coisa que se diga arte do movimento, como se este
pudesse ser portador de expressão artística, e ser pois um significante.
Portanto, não existe uma coisa que se possa dizer arte do movimento, e que
possa ter a função direta de portadora de expressão artística.
Diz-se movimento local para aquele em que o movente muda apenas de lugar.
Ordinariamente é a esta alteração que se dá simplesmente o nome
de movimento. Na verdade é o movimento local aquele que mais nos afeta.
Também o ouvido atende a uns sons antes, que outros; mesmo que a orquestra
produza enormidade de sons, eles são apreendidos como um todo uníssono,
este uníssono segue para novas variantes de uníssonos. Por causa do ritmo
psicológico de apreensão dos sons se dá a preferência determinada por certas
composições sonoras, quer na intensidade da emissão dos sons, quer nas
diferenciações cromáticas dos mesmos.
Este último criara em 1961 uma obra representativa cinetista denominada Foco
de tensão.
§2 - Ritmo do movimento.
0531y491.
0531y493.
- ou variado.
Considerações similares são as que dizem respeito à medida. Para cada tempo a
expressão limita os informes capazes de terem trânsito. A quantidade é uma das
mais importantes categorias, razão porque se alia ao tempo.
O ritmo longo se chama por vezes ciclo, sobretudo quando não bem definido,
embora efetivo. São por exemplo, ciclos, as estações do ano.
Como já citado, o ritmo é real (ou físico), se ocorre objetivamente nas coisas.
Há diferenças de ritmo material entre o das cores, das formas, do som musical.
No campo mesmo dos sons, há um ritmo especificamente musical, e outro que
se restringe à sequência articulatória da linguagem, ou à sequência pura e
simples da percussão.
Os olhos saltitam com um certo vagar de uma cor para a outra, de uma forma
para outras forma, de um para outro símbolo. Ainda que a capacidade dos
indivíduos seja desigual, acontece contudo certa medida, dentro da qual opera
ordinalmente o artista.
Ainda é possível ritmar os versos pela modalidade dos sons, ou seja pelas rimas.
0531y503.
O ritmo sempre agrada, onde quer que esteja, conquanto ajustado à capacidade
de absorção das faculdades humanas de percepção.
Cada elemento produz certo efeito. O ritmo ordena estes efeitos, de sorte a
tornar sua apreensão mais eficiente. Os elementos são levados a apreciação por
um instante e já se retiram para dar lugar aos outros e assim sucessivamente.
Sob medida, cada elemento oferece uma contribuição. Globalmente, o agrado
terá a dimensão da soma deles todos.
É tão frequente o ritmo na arte que quase se pode descrever a esta, como sendo
uma expressão com ritmo. Pratica-se a arte tão só com ritmo, isto é, com ordem
na apresentação de suas partes, adequadamente proporcionais à capacidade
humana de apreensão.
ART. 4o
(ARTES MISTAS).
0531y509.
510. As artes tendem a confluir num mesmo portador, e então ocorre a aliança
material das artes, reforçando seu poder de expressão. O orador, por exemplo,
fala pelas suas palavras, mas também pelos gestos, que alia a elas.
Importa conhecer com mais profundidade a aliança material das artes, com
vistas a melhor compreender o fenômeno e utilizá-lo como recurso da
expressão artística.
O ordenamento didático se apresenta simples, em dois parágrafos:
0531y511.
512. A aliança material das artes se define como sendo o fenômeno resultante
da presença de muitas qualidades sensíveis no mesmo objeto concreto, de tal
maneira que cada uma das referidas qualidades executa uma expressão distinta,
ainda que todas se coordenando num objetivo comum.
Mas se o desenho e a escultura também utilizam a cor, alia-se mais uma espécie
de expressão - a pictórica. A arte é, portanto, mista, quando no mesmo objeto
material ocorrem várias qualidades sensíveis e que se tornam portadoras de
expressão.
Isto se dá, por exemplo, com a cor e a forma plástica do desenho e da escultura,
ou com o som e as demais qualidades da matéria que produz, ou com os
símbolos da linguagem falada que não podem evadir-se do fato de serem ao
mesmo tempo um som. O escultor, por exemplo, poderá usar a forma plástica
do material, sem atender à sua cor, mas não tem como eliminar esta cor, ainda
que não a aproveita na expressão.
Tal acontece, por exemplo, no ser humano que, - como um todo resultante de
matérias múltiplas, - dispõe de diversas possibilidades de expressão
coordenadas entre si. O discurso, por exemplo, se fez com palavras,
procedentes da boca, e com gestos, exercidos pelos braços.
514. Nomenclatura das artes mistas. Algumas formas de arte mista possuem
nomes consagrados e estrutura definidas pelo uso vigente.
Ainda que possam exercer-se como artes simples, fazem-se conhecer pela
forma composta, e que são balé, teatro, cinema, televisão, arte concreta, a qual
por sua vez formas como caligrama, palavra montagem, etc.
Há que não confundir nomes de artes mistas com os gêneros artísticos (vd).
Referem-se as artes mistas aos materiais portadores da expressão, enquanto os
gêneros artísticos aos temas expressos. Dada, porém, a polissemia, uns nomes
permitem ser tomados pelos outros.
515. O balé (vd 593) se exerce basicamente como arte de formas plásticas. Por
acréscimo às formas plásticas se usa acrescer a música e as cores.
516. O teatro (vd 589) se funda em primeiro lugar na forma plástica. O ator
comparece com a forma plástica do seu corpo, que serve de matéria portadora
principal da expressão.
As cores, inerentes às formas, são obviamente também apreciáveis no teatro.
Forma e cor constituem matéria portadora unitária.
No teatro a matéria portadora também é múltipla. Por esta outra via acrescenta-
se como primeiro associado do teatro a linguagem. O ator, além de forma e cor,
dispõe também da boca, e por meio desta falta e canta.
Importa muito a forma plástica do ator, ao ponto de se admitir que a ação deva
predominar sobre o texto.
517. O cinema (vd 592), como arte mista, tem muito de comum com o teatro, -
o predomínio da ação sobre a linguagem.
Com referência à música, ela pode ser ambiental, reforçando com sugestões
sonoras a ação.
518. A televisão (vd 592) representa a maior revolução nas técnicas da arte
mista, por causa dos recursos da transmissão eletrônica. Sua matéria portadora
principal é a forma da imagem, que reúne à forma plástica ainda os recursos da
cor. Até aqui se trata de matéria unitária.
519. O canto (vd 594) é inegavelmente uma arte mista, composta de música e
texto literário.
Certamente muito importa o texto. Na verdade, não há canto sem texto, o qual
inclusive se pode isolar e apreciar separadamente.
Quando a música do canto se exerce com muita personalidade, pode-se isolá-la.
Então o texto não passa de um motivo para a criação do elenco musical.
520. O concretismo se situa na área das alianças da arte. Leva consigo a carga
polêmica das realizações históricas do movimento. Mas, fundamentalmente
significa apenas a aliança das artes, desde sempre praticado, e agora mais
amplamente.
522. Das tentativas mais conhecidas pela poesia em linguagem falada (pois
também há poesia em outras artes e nelas também se pode fazer concretismo),
são marcantes as seguintes:
0531y524.
Ergue-se então a pergunta sobre qual deva ser a arte dominante. Ainda que
ocorra a liberdade do artista na escolha da arte dominante, o todo resultante
poderá mudar de nome, de acordo com a eleição feita.
Todavia certas composições deixam logo entrever qual das artes do todo misto
irá prevalecer, dadas as possibilidades naturais de uns componentes sobre os
outros. Na estátua colorida, a tendência é para a forma. No espaço plano da tela,
a pintura ganha força.
Quando ocorre a presença da linguagem a dúvida pode ocorrer, sobre qual dos
elementos portadores deva prevalecer com sua respectiva expressão.
Um discurso a uma platéia acrescenta gestos e ênfase de voz. Mas ele continua
essencialmente discurso sem a ênfase de voz e sem os gestos, porque o discurso
antes de tudo é argumento, o qual tem de ser completo, isto é, conclusivo.
O que a cor expressa com propriedade, a forma plástica indica de outro modo, a
linguagem ainda de outro, em virtude do alcance próprio de que cada qualidade
sensível é capaz.
528. Ainda que teoricamente se possa eleger a dominância preferida nas artes
mistas, são as circunstâncias objetivas que vão determinar o melhor caminho.
Pratica-se com maior atenção a arte que no momento interessa.
Cada modelo de composição de artes possui uma peculiar vantagem, e por isso
não se pode arbitrariamente alterá-lo.
530. A ênfase de uma arte sobre a outra se consegue pela neutralização dos
elementos excessivos encontrados no todo concreto com que se opera. Não
haveria então um esquecimento, mas calculada ausência.
Uma sala de aula, por exemplo, não pode conter figurações nas paredes, senão
aquelas que contribuem para o desenvolvimento didático das lições. Todas as
demais figurações, inclusive do homenageado que dá nome à sala, são
desrecomendadas.
Estas, as figurativas, têm uma linguagem muito poderosa e, por isso, tendem a
destruir a ênfase da arte abstrata.
ART. 5o
0531y533.
0531y536.
0531y542.
543. Há temas que dispõem de expressão própria (ou adequada) e outros que
possuem apenas a expressão imprópria (ou inadequada).
Próprio, do latim pro-privus (abreviado em pro-prius) significa
originariamente a título privativo.
Por sua vez os sons expressam adequadamente coisas sonoras, mas não as
coisas coloridas e as formas plásticas; a eloquência dos sons representa com
propriedade o burburinho da vida, o chiar do vento e da chuva.
0531y547.
548. O homem loquaz de tudo fala. O pintor experiente põe tudo na tela. O
músico sempre encontra uma combinação de sons para sugerir qualquer tema.
O que quer que seja é expressável nas arestas materiais e sensíveis das formas
plásticas, das cores, dos sons, das convenções sobretudo da palavra.
Além disto, a vivência englobante em que todas as coisas são colhidas pelo
homem, mais uma vez permitem associá-las conotativamente. E assim não há o
que possa escapar à expressão da arte. Nem mesmo escapam as coisas
inivisíveis e abstratas, como os sentimentos e o espírito.
Até Deus não escapa das tentativas de expressão do artista, que o representa,
ora com as imagens antropomórficas dos simples, ora com as imagens daquelas
analogias mais próximas dele, como o sutil da luz.
O filósofo sabe entretanto, a todo o tempo, que Deus não é nenhuma daquelas
imagens antropomórficas, e que nem é a luz, nem mesmo a luz da luz. Está
consciente que se trata apenas de uma analogia.
Pela inversa, o sonoro não estimula tão somente outras sonoridades, mas
conduz ainda às regiões vizinhas de outro modo impenetráveis.
0531y553.
0531y555.
556. Os temas, que uma arte exprime com recurso próprio, são de sua
preferibilidade e tendência. Ficam fora de sua tendência aqueles aos quais
somente consegue com expressão imprópria.
A pintura tem como próprio a cor e por isso prefere expressar o tema que for
colorido. Apresenta paisagens, flores, seres humanos em seu dia a dia.
e assim mesmo que os signos, que se sucedem no tempo, não podem senão
expressar objetos sucessivos ou objetos de partes sucessivas.
Os objetos, ou suas partes, que se sucedem uns aos outros, se chamam em geral
ações; por conseguinte, as ações são os objetos próprios da poesia".
O objeto expresso está sendo visto como concreto, quando dizemos: este
volume, esta cor, esta linha, esta área, esta pedra, esta árvore, Manuel, Joaquim,
etc. ...
A consideração abstrata começa a ocorrer quando, por abstração total, os
objetos são tomados sem o sujeito a que pertencem. Passa então o volume
enquanto volume, a cor enquanto cor, a árvore enquanto árvore, e ainda o amor
enquanto amor, o belo enquanto belo, e assim por diante.
Na arte pictórica abstrata, a cor, - destituída dos sujeitos e ainda redividida sua
forma em muitas perspectivas, de que ela se predica como propriedade, - entra
a ser considerada apenas como foco de vibração cromática, com modulações,
ritmos, harmonias, calor ou frieza, tensão ou serenidade, leveza ou peso.
Na arte musical abstrata, o som é operado como tema simplesmente como som
em geral e não como este ou aquele som concreto de sujeitos sonoros.
Apreciado em sua sonoridade impessoal, - sem sujeitos que o façam ser este e
não aquele som (até aqui uma abstração total), - e sem forma natural, - porque
redividido em suas variadas possibilidades formais, ora destacando a harmonia,
ora a potência das tonalidades, ora a finura dos pianos (até aqui também uma
asbtração da forma em novas formas), - o som da arte abstrata vibra advertindo
para os temas resultantes do mesmo som convertido em um leque de temas.
Justifica-se a criação desses objetos estéticos. Mas são úteis, como os brincos,
os penteados, as roupas dentro da moda, as cores bem constituídas. Outros não
apresentam utilidade, sendo somente estéticos, como no caso de certas
sequências sonoras, composições de cores, arranjos plásticos de formas dos
artefatos industriais, das vestes, dos edifícios.
Mozart (1756-1791), em suas formas sonoras, explorou por vezes nada mais
que a própria sonoridade como tema.
A música pura, sem o canto, encontra dificuldades de fazer exatamente o
contrário.
0531y561.
564. Mais raras, nas artes plásticas, são as representações paisagísticas puras.
Os animais e os objetos participam da vida humana e só nesta condição
ingressam no interesse da arte plástica. Mas, como se vê, a razão é de origem
extrínseca.
565. A arte abstrata, sobretudo da visão meramente formal da cor e das formas,
se situa fora do cotidiano das cenas humanas, e exige algum esforço.
Não obstante, a arte abstrata é legítima e nem é tão desumana quanto se disse.
Ela ocupa uma posição dentro do todo.
Além disto, há uma arte abstrata popular e outra mais erudita. Como as grandes
centrais elétricas existem por causa da alimentação às correntes de baixa tensão,
o enredo dos artistas "desumanos" também se faz mistér.
0531y567.
568. Tudo que o homem faz com funções as mais diversas, pode receber por
acréscimo a expressão artística, se ele assim o quiser.
Eis o que costuma ele costuma fazer ao praticar a arquitetura e não raro ao
produzir artefatos industriais.
569. A função aparece por duas vias na obra de arte: a função da mesma
expressão, enquanto, como expressão significadora é utilizada para instrumento
de comunicação do pensamento (nesta condição a arte tem a função de se
exercer como expressão e comunicação ); e a função útil que é exercida pela
matéria, independentemente da expressão artística.
Tem o homem uma intenção funcional preponderante para tudo o que ele faz.
Esta preponderância do funcional domina a arquitetura. Sem esta função não há
porquê construir a casa residencial, o estabelecimento comercial, a fábrica, o
templo, a ponte, a estrada, a cidade, o automóvel, o avião, o navio, os artigos
industriais, etc.
"Os olhos são feitos para ver as formas em luz: cubos, cones, esferas, cilindros
ou pirâmides são as grandes formas primárias".
"A arquitetura vai além das necessidades utilitárias... A paixão pode criar o
drama na pedra inerte".
Sobretudo a forma figurativa não costuma se adaptar aos edifícios, sem lhes
retirar a funcionalidade.
F. L. Wright "fez muitas casas parecessem mais em casa em seu local, do que o
morador em sua casa" (Virgil Aldrich).
A casa que ele construiu para Hélene De Mondrot, em Le Pradet, na França, era
uma simples coisa retangular, parcialmente construída com pedras do lugar, por
operários da aldeia local, sem os pilotis de suporte que o tornaram famosos.
Desse modo havia uma ligação íntima da casa com o ambiente natural e social.
Talvez com esta ele tivesse cedido demais à humanidade comum, reagindo
contra o princípio da desumanização na arte pura.
0531y575.
576. Com base nos recursos próprios ao material sonoro,
a sentimentalidade constitui a tendência temática da música. O lirismo popular
é a prova disto.
"A música é o único prazer sensual que não é um vício" (Samuel Johnson).
"A música é uma revelação mais excelsa que toda a sabedoria e a filosofia"
( Ludwig von Beethoven).
Até mesmo nas artes mistas, em que a música entra apenas como participante,
sua função dominante é a de entretenimento alegre, com o objetivo de despertar
simpatia e adesão.
578. Esteticamente, pois, mais intensa que a cor, a sonoridade é de uma notória
vantagem na expressão artística. Um intenso agrado nos despertam os sons
harmoniosos. Por isso, mesmo a música abstrata, operando apenas com os sons
considerados formalmente, agrada muito.
De outra parte, faltando aos sons a precisão figurativa das cores, não
conseguem, como estes, expressar, as figuras dos objetos e das pessoas. Por
isso mesmo hão de recuar desta tarefa.
Então basta oferecer tais situações sonoras, para que prontamente despertem no
subconsciente as respectivas emoções. O alegre e o triste, o dolente e amoroso,
o prazenteiro e saudoso, - cada qual destes e de outros sentimentos estão
combinados subtilmente com o mover do ritmo das sequências sonoras.
V - Tendências temáticas da linguagem.
0531y580.
O que a arte expressa na área dos objetos do pensamento, como mesmo dos
objetos mais abstratos da ciência e da filosofia, o faz através da literatura.
582. Há, pois, uma diferença radical entre os temas preferidos pelas artes que
operam com mimese natural (pintura, escultura, música) e os temas que
utilizam equivalentes convencionais (como a linguagem e outras do gênero).
Para que só descrever o mar? Digamos, sim, algo de sua ação de suas
oportunidades, de suas tragédias.
Para quem nunca viu o mar? Não serão palavras que o farão pensar melhor do
mar, descritivamente; as perguntas deste homem interiorano se satisfazem
visualmente com a representação plástica e, o que mais quiser saber, serão
perspectivas de ordem mental, como de ação, de tempo, de tragédia, às quais,
em alguns aspectos, a linguagem atende melhor que a arte plástica.
584. A poesia tem na literatura também uma vasta oportunidade, por causa
da relativa facilidade com que a linguagem enuncia o objeto estímulo das
conotações associativas. Ampliam-se as áreas da poesia, desde que se possa
indicar um objeto capaz de enunciar imagens; ora, isto está ao alcance fácil da
linguagem.
Acontece porém que na linguagem o objeto não é indicado com a ênfase das
expressões mais intuitivas da pintura, escultura ou música.
0531y587.
De outra parte, porém, a capacidade maior para tudo exprimir, não as retêm
numa preferibilidades temática muito limitada.
589. No teatro (vd 516) domina a ação, de que o texto é apenas um auxiliar.
Opera o teatro com personagens dentro de um cenário. Dispõe
consequentemente de um instrumental plástico de expressão, que são, além do
cenário, as pessoas, e a linguagem destas.
591. O teatro revista é uma arte mista, que se desenvolve ainda como gênero
colateral da arte cênica. Sua tendência temática é a dos assuntos leves e
populares, com sequências de canto, danças, anedotas, alegorias, etc.
A estrutura versátil do teatro revista é dominada pela diversão lúdica, uma das
grandes finalidades da arte.
592. O cinema (vd 517) e a televisão (vd 518) se desenvolvem vastamente como
expressão mista, capacitando-se para um grande número de preferências
temáticas, alargando-se para a reportagem e o documentário.
594. O canto (vd 519), como arte mista, soma o texto literário e a música, tendo
como executante principal a voz humana.
0531y597.
598. Temas imaginativos. As tendências da poesia decorrem dos recursos
associativos, essencialmente limitados ao campo da fantasia.
Do ponto de vista da origem, a poesia pode não ser autêntica e pode ser
anacrônica.
E pode ser anacrônica, se está no modo de sentir das vivências de uma outra
época, tal ocorre por influência de leituras da poesia do passado com
transposição de modos de expressar já sem poder evocativo, porquanto tais
objetos estímulos não mais se associam às imagens de um subconsciente
contemporâneo.
A vivência está ligada também aos objetos em torno de nós, e é por meio das
imagens destes que se expressa a poesia na pintura, nas formas plásticas, na
música. Alem disto, qualquer idioma ao referir estes objetos cria a
associatividade.
"A língua materna imprimiu-se em nós primeiro e nos mais tenros anos,
quando através de palavras colecionamos na alma o mundo de idéias e imagens
que se tornam um cofre de tesouros para o poeta...
Mas o problema não é tão profundo para que o homem de língua nacional não
possa comportar-se emocionalmente como um cidadão do mundo
independentemente de seu balbuciar idiomático.
A língua nacional, ainda que nacional, não pode estar em oposição direta ao
espírito global de humanidade. Patriotismo autêntico não pode ser considerado
como uma adversidade aos demais.
0531y602.
603. Natureza de uma transposição de arte para outra arte. Uma arte se
transpõe, ou traduz, para outra, no sentido de que se troca o significante (ou
matéria portadora) e não o significado (ou a significação).
Dada certamente alguma defasagem, qual a primeira das dias expressões, e que
portanto seria a verdadeira?
E assim também se pergunta pela validade das traduções, quando o texto mais
antigo já não existe.
Se esta linearidade ocorresse, já não seria de uma arte para outra e sem mera
alteração dentro da mesma espécie. Tal pode ocorrer, até certo ponto, entre
as traduções de uma língua para outra. Mas aqui já não se trata de mudança de
uma arte para arte, mas apenas de mudança de código dentro da mesma arte da
linguagem.
Dali podem vir inconveniências, pois o mesmo não é dizer que as pessoas
estavam nuas, do que pintá-las assim (vd 479), porquanto esta outra expressão,
para a qual se fez a transposição, pode estar dizendo muito mais, e portanto
alterando o conteúdo da precedente..
Este tratamento inclui mesmo alguma alteração no todo, mas como acréscimo
linear, e não em contradição com o anterior.
O mesmo vale dizer do Guarani da ópera de Carlos Gomes, o qual não destaca
os mesmos motivos que se verificam no romance do mesmo nome.
"O primeiro, que comparou entre si a pintura e a poesia, foi uma pessoa de
gosto delicado, que sentia o que estas duas artes produziam, nele, uma
impressão analógica. Sentia que ambas representam as coisas ausentes como se
estivessem à vista, e a experiência qual se fosse realidade; que as duas, enfim,
nos agradam enganando-se.
CAP. 3
Redividindo mais uma vez, passamos aos gêneros de prosa e aos gêneros de
poesia.
No capítulo sobre a prosa, por onde tudo recomeça, os temas vão ser tratados
em dois artigos:
ART. 1o
NATUREZA DA PROSA.
0531y612.
0531y614.
615. Uma definição nominal de prosa a define apenas pelo seu aspecto
exterior.
Prosa (do adjetivo latino prosus, -a, -um) significa oração solta, no sentido
contrário de poesia, que é uma operação presa ao metro, obrigada ao retorno.
Ainda que hoje se possa distinguir entre prosa solta e prosa metrificada, a prosa
não é originariamente metrificada. Este jogo de palavras se faz em virtude do
significado duplo que as palavras por vezes admitem.
O metro se supõe poético; então a prosa não é metrificada, porquanto não é
poesia. Ela seria metrificada apenas no sentido de subordinação ao retorno
rítmico sem associatividade poética, tendo em vista apenas a beleza estrutural
do fluxo material da expressão.
Mas a essência de seu sentido ocorre também nas demais espécies de expressão
artística, porque também nelas se dá o fenômeno da mimese e da
associatividade de imagens.
Desta sorte, por transposição do seu uso, há uma prosa na pintura, uma prosa na
escultura e arquitetura, finalmente uma prosa na música.
Importa sempre ter em conta, que as operações artísticas, que conectam entre si
a obra e o tema, são exercidas primeiramente por mimese. Esta operação é
fundamental à expressão, e quando se retém tão só nesta modalidade
operacional, sem acrescer a forma associativa da poesia, se chama prosa.
Equivale a dizer, que a prosa é uma expressão por representação direta,
simplesmente pela conexão mimética estabelecida entre o semelhante e o
assemelhado.
Ainda que a índole geral da poesia seja complementar à prosa, ela contudo
poderá isolar-se, e ter objetivos próprios, aos quais subordina a prosa. Neste
caso ocorre o que efetivamente se costuma denominar poesia. Então o objeto
estímulo diretamente expresso pela prosa deixa de ser levado em conta como
objetivo principal e último da atenção. Vai a atenção última atender à evocação
resultante.
Assim interpretada a poesia, ela não dispensa a prosa; dela precisa para
expressar objetos, os quais, num segundo tempo, despertam por associatividade
novos objetos, ou imagens, ditas poéticas.
O que a prosa poética, por meio de sua expressão direta não foi capaz de
esclarecer, complementa-se pela associação das imagens, sem contudo lhe
ceder o primado na operação.
A luz do sol que entra pela janela e bate diretamente no piso da casa, eis como
é a prosa, que ilumina tão só aquela área do chão. Assim quando a prosa diz
"flor", entende apenas flor.
Complementarmente, rebrilha a luz em reflexos difusos por toda a sala,
revelando mais objetos; eis quando, por acrescentamento, se exerce a função
complementar da poesia, que, como um halo de luz, completa a expressão em
prosa. Então, a flor da prosa já não é apenas uma flor, mas um jardim de
imagens que se erguem perfumosas na atmosfera de seu torno.
Quando, por conseguinte, nos interessa primeiro que tudo o objeto da prosa e
não tanto o brilho evocativo, dizemos "prosa prosaica".
Não consiste a arte naquilo que separa entre si a prosa e a poesia, mas em algo
que se encontra no fundamento de ambas, a saber, sua capacidade de exprimir
algo, seja por mimese, seja por associatividade.
Nos tratados, como por exemplo este sobre filosofia geral da arte, a secura é
sentida de quando em quando. É sobretudo nestes textos mais gerais, que a luta
contra a racionalidade pura do texto é uma constante. Nem sempre, na prosa
pura é vencível, sem apelo a redundâncias e recursos didáticos extravagantes.
§2 - Propriedades da prosa.
0531y622.
- a logicidade;
627. A prosa literária deve, pois, sua perfeição ao sistema convencional em que
se funda. A linguagem possui uma gramática longa, para diferenciar não só as
palavras, mas até a morfologia, adatando-as segundo a função na frase.
De outra parte não se deve esquecer que cada forma de arte possui seus
recursos específicos. Neste seu campo específico nenhuma arte poderá ser
vencida, por definição. Nada melhor que informar sobre a cor, mediante a
própria cor, o som mediante o som, a forma mediante a forma plástica.
ART. 2o
0531y631.
Assim como há uma lógica das operações mentais, existe uma lógica das
operações artísticas.
Uma distinção segundo a forma, no caso das operações mentais é a que divide
entre operação conceito, operação do juízo, operação do raciocínio.
0531y637.
Os objetos a serem expressos são muito diversificados, e por isso importa que o
assemelhamento a ser obtido seja examinado, a fim de que a obra de arte se
articule ao objeto ao qual quer significar.
0531y639.
640. Não é o movimento a rigor uma qualidade específica, mas uma alteração
dela. Por isso, o movimento aparece na arte apenas como uma operação
artística, sem ser matéria portadora de uma arte específica (vd).
Tal ocorre nas articulações que seccionam, por exemplo, integralmente um som,
passando ao momento de outro som; ou ainda, retorno deste outro ao primeiro.
Então cada momento poderá ser portador de um novo significado, ou de uma
sequência de significados.
0531y642.
645. A escultura varia as formas, que em cada ponto de uma estátua são outras.
Aliás, consiste a forma, como qualidade, na disposição das partes de um todo
quantitativo. Conforme a disposição adquirida, resulta nova modalidade
específica de de forma.
0531y648.
0531y651.
- articulações artísticas das artes, que operam com semelhança naturais, com os
objetos das operações mentais (vd 653),
0531y653.
654. As artes que operam mediante semelhanças naturais, - como
principalmente acontece com a pintura e a escultura, - não conseguem
expressar diretamente a afirmativa operada pelo juízo, nem a conclusão
derivada de um raciocínio.
Ao nos colocarmos diante de uma obra de arte, as idéias nos vão saltando, ora
soltas, ora em forma de juízos, ora com raciocínios, até mesmo em forma de
evocação.
Isto acontece assim porque a expressão por mimese natural não ordena o
pensamento segundo as operações lógicas como acontece na arte da linguagem,
em que o código determina tudo com precisão. No concreto está o ser por
inteiro, sem a dissolução em aspectos abstratos. O apreciador está na liberdade
de atender ora a isto, ora a aquilo.
Mas esta ordenação é muito exterior e indireta. Consiste em criar, por exemplo,
na tela um centro, a partir do qual oferecem ordenadamente as demais
sugestões. É o que se chama coesão do quadro. Esta ordem se verifica
sobretudo nos pintores acadêmicos.
656. A articulação da obra de arte com o seu tema, principalmente com o
conceito, oscila ao longo de uma escala de graus, medida pela semelhança que
vai de um mínimo de afinidade a um máximo de igualdade, com o objetivo
expresso.
A semelhança justa cria uma expressão própria; aponta com incidência direta e
precisa feição do tema, de sorte a se articular com ajuste.
Depois que a pintura passa a atender ao que o objeto figurado exerce, continua
a se desdobrar em narrativa. Representa, então, o enredo que tal pessoa ou
coisa exerce; neste caso temos a pintura de episódio. Os detalhes da arte
mediante cores já pertencem à estética especial (vd Estética das cores 3911y000).
0531y661.
Se A é B,
e se B é C,
segue que A é C.
Segue, pois, a prosa caminhos muito diferentes quando se trata da prosa das
artes por mimese natural e quando da prosa da arte da linguagem. Ainda em
virtude dos mesmo motivos, de novo se separam claramente a prosa e a poesia
da linguagem, quando nas demais artes separam muito pouco.
Ainda que a convenção indique vagamente o sentido das palavras, - pois não
chega a linguagem a ser intuitiva nas mesmas dimensões da arte figurativa da
pintura, - esta desvantagem é vastamente compensada pela precisão direcional
com que as palavras apontam em cada momento para os seus respectivos temas,
como surgem no conceito, no juízo, no raciocínio.
CAP. 4
Esta posição ativa do objeto, operando a partir de fora sobre o sujeito, se torna
ainda mais destacada ao se tratar dos gêneros artísticos.
Os temas passam ao interesse do apreciador da arte, e vão dar nome aos assim
chamados gêneros artísticos. Eis para onde passamos agora, com vistas a
concluir o que há a dizer sobre a expressão em prosa, esclarecendo sobre os
seus gêneros, e mais adiante também sobre os gêneros da poesia (vd 696).
0531y672.
0531y676.
Importa uma diretriz para chegar a um bom resultado classificatório. Até certo
ponto o gênero artístico se subordina ao tema. Assim também até certo ponto as
classificações dos temas condiciona a classificação dos gêneros. Por
conseguinte, devemos atender primeiramente a uma classificação exaustiva dos
conceitos, para depois determinar até aonde esta classificação dos conceitos
determina o surgimento de gêneros artísticos conceituais.
Além disto, a classe conceitos de coisas reais e de coisas fictícias reaparece nos
juízos e respectivos gêneros artísticos.
0531y680.
Tem a arte figurativa a sua oposta na arte abstrata (vd 685), que é dissociadora
do objeto concreto.
O mesmo tema pode apresentar-se, ora com perspectiva concreta, ora com
abstrata. Por exemplo, a tela Primeira missa do Brasil, de Victor Meirelles,
apresenta o fato concreto, portanto como pintura figurativa. Santa Ceia de
Portinari contém um instante expressivo e abstrato, com uma indicação mística.
682. O nome de arte figurativa merece alguns reparos. Este outro gênero de
arte, a abstrata possui denominação mais substancial, porque diretamente indica
o objeto que a define.
Já não acontece o mesmo com a arte figurativa, a qual tem como constitutivo
essencial o tema concreto, denominando-o todavia por uma de suas
propriedades, a figura. Seu nome substancial seria arte concreta. Mas não se
usa esta denominação.
A denominação que diz arte figurativa se usa de preferência nas artes plásticas
da pintura e escultura; portanto em algumas espécies de arte, não em outras, por
exemplo não na música e literatura. Operando mediante mimese natural das
cores e formas especializadas a arte figurativa em destaque as figuras, ou
formas das coisas.
Não é adequado o nome para a música e nem para a linguagem falada; o som
musical não insiste na apresentação da figura; o mesmo acontece com a
linguagem, cujos símbolos destacam as operações mentais do conceito, juízo,
raciocínio.
Neste sentido, nem Deus seria concreto, por não ser material ou corporal.
A arte figurativa usa ser entendida como aquela que apresenta assuntos
concretos materiais. Neste sentido, a arte de temas concretos (no primeiro
sentido) seria mais ampla que a arte figurativa (de temas concretos materiais).
Ocupar-se das coisas imanentes, sem introduzir abstrações, também é arte não
abstrata e portanto concreta.
Seja por exemplo a visão do sol nascente -Impresions, soleil levant (Paris, 1874)
-, numa das primeiras telas do movimento, da autoria do francês Claude Monet
(1840-1928).
De novo, a arte é dita abstrata sobretudo no plano das artes plásticas, porque
particularmente elas contrastam pela sua maneira de expressar estes dois
distintos temas.
Tal é o procedimento das ciências, as quais não estudam este ou aquele sujeito,
mas a natureza em geral, por exemplo, o homem como tal, a planta com tal, o
corpo com tal, a sociedade como tal. Assim também resultam por abstração
total conceitos de cor como tal, de forma plástica como tal, de som como tal, de
símbolo como tal.
688. A abstração formal (vd 241) é uma redivisão da forma, da qual se toma
uma das partes.
Agora o objeto é alcançado nos seus graus metafísicos, também chamados
modos. Estes podem divergem pela maneira de se predicarem, em:
As noções categoriais, por serem de predicação unívoca, são estanques entre si,
de tal maneira que uma das noções não invade o campo da outra.
Já se percebe que a arte, ao operar como gênero abstrato desdobra este gênero
nos mais variados subgêneros.
0531y690.
Para o mundo exterior encontra recursos mais adequados, ao passo que para o
mundo interior não há formas plásticas, nem cores, nem sons que o possam
diretamente expressar.
Mas a linguagem consegue fugir algum tanto das diferenças entre o texto que
se refere a uma coisa concreta exterior e o texto sobre a vida que flui na
interioridade sujeito.
Entretanto é preciso anotar que a diferença entre o mundo exterior e interior já
se reflete na expressão mental, e por isso não há como eliminar, nem sequer na
linguagem por equivalentes convencionais, a diferença nas respectivas
expressões.
Por exemplo, o espírito, embora não seja como um sopro, assim é imaginado.
Deus, embora não seja como a luz, é pensado mais ou menos como a luz. Dali a
expressão que O denomina, Luz da luz. Os visionários equivocadamente
acreditam haverem visto a Deus, ao qual descrevem como se fosse uma luz
extraordinária. E finalmente eles mesmos se consideram iluminados.
Nem a abstração e nem o espírito são objetos sensíveis. Um e outro tema estão
impedidos de serem expressos adequadamente por uma representação própria.
A impropriedade, todavia é de natureza diferente.
De outra parte não se deve exagerar ao ponto de supor que a temática da arte se
reduza ao mundo interior. É o tema de maior representatividade para a arte de
hoje, mas não exclui definitivamente a expressão figurativa das coisas
concretas exteriores.
Por mais diversos assuntos que expresse o artista, envolve-os com alguns
elementos afetivos, não se deixando ficar apenas em logicidades. Em vez de se
limitar a afirmar a conexão puramente lógica, enfeita-a de flores e perfumes
emotivos.
Com emotividade:
Escreveu R. G. Collingwood:
"Nenhuma arte é representativa; em todo caso este é o ponto de vista da
maioria dos artistas e os críticos cuja opinião vale a pena considerar"
(Collingwood, R. G. Os princípios da arte. III, §2, p. 48. Ed. Esp.).
"Nada poderia ser mais inteiramente um lugar comum que dizer, que o artista
expressa as emoções" (VI, §2, p. 107).
Charles Bally:
Em outro passo:
Pouco adiante:
"O mais humilde cantor popular, quando iluminado por um raio de humanidade,
é poesia e pode defrontar-se com qualquer outra sublime poesia" (Ibidem, p.
16).
0531y700.
Não importa essencialmente à arte que o tema seja real e natural, ou que se crie
inteiramente novo.
Define-se a arte pela sua função de expressar o quer que seja, e não pela
espécie natural ou nova da temática. Esta dá origem apenas às diferenças de
gênero artístico.
702. Ficção literária. Na literatura a ficção é praticada desde a antiguidade. As
histórias são inventadas, tendo em vista a ação em desenvolvimento.
A mesma inventividade não ocorreu nas artes plásticas. Ainda que as artes
plásticas também se ocupassem com os mitos, visões e contos, estes eram tidos
como acontecimentos efetivos.
Mas como já dissemos, a nova figuração (ainda que em última instância seja
imaginativa) consiste em dar aos objetos figurações diversas daquelas que
usam ter na realidade; não consiste apenas em imaginar coisas inexistentes.
Podem divergir a partir das figuras naturais, que vão sendo trabalhadas em
novas direções; ou serem figuras inteiramente novas.
Ser real e ser não-real é uma perspectiva conceptual. Por isso do ponto de vista
de gênero artístico a expressão do tema real e a expressão do tema ficção são
classificados como gêneros conceptuais.
Algo similar ocorre com a ciência, quer filosófica, quer experimental. Como
conceituação universalização, a ciência não apresenta temas singulares e
concretos. Não existe como temática real. Mas só ficticiamente.
Por uma ampliação material da tarefa, exigimos que um ficcionista deva criar
bem a sua ficção. Não se encontra, todavia, ali aquele elemento que o torna o
grande artista. A arte sempre se coloca na expressão exterior.
Mas o grande artista deve ser não só o artista, mas também um grande criador
do tema, quer de ficção, quer de ciência, quer de outra qualquer informação.
0531y706.
559. Por sua vez, já no mesmo plano artístico, ocorre uma preponderância do
gênero narrativo sobre a descrição.
O bom narrador começa por ter conceitos claros, ainda que estes sempre se
situem dentro de um juízo.
Por exemplo, na pintura de uma casa alta estão claras as imagens de casa e
de altura. Restou a afirmação por conta do contexto, para ser feita pelo
apreciador, com apoio em alguma sugestão inserida na expressão.
Como já advertimos várias vezes, a consequência da diferença dos recursos
narrativos faz com que nas artes plásticas se acentuem os gêneros conceptuais,
em vez do gêneros narrativos, deixando-se estes para linguagem.
I - O gênero descrição.
0531y712.
716. A boa descrição tem de ser precisa, pois tem por objetivo informar como
a coisa é. Neste sentido a descrição requer boa fé, rigor de definições, ordem
natural (ou lógica interna).
A descrição arrola fatos, e por isso deverá apresentar-se com boa fé. Do
contrário, o não acontecido é dado como fato, e o verdadeiro fato é ocultado.
Deve, pois, a ordem natural não ser violada pela desordenação das sequências
dentro de uma estrutura, quer interna, quer externa.
II - O gênero narrativa.
0531y718.
De novo o desfecho, como último instante da ação será breve, ou até apenas
sugerido. Este desfecho deverá impressionar apenas como um todo. Um
desdobramento do desfecho poderá aparentar ser o inicio de uma nova narrativa.
Para manter a tensão peculiar á sucessão das causas que geram a ação em
sequência, não convém ao desfecho ser diretamente previsível.
720. As propriedades da narrativa perfeita merecem especial atenção.
Consistem na:
- coerência;
Sem coerência, o nexo das ações perde vigor e sentido. Ordinariamente o crime
não pode vencer, porque seria um absurdo.
Se alguém do tempo de Júlio César (100-44 a. C.) houver dito que em Roma
havia um determinado templo, poderá ser acreditado. Mas se disser que viu o
Diabo, poderemos duvidar e dizer que era um visionário que, em sua
inconsciente anormalidade, apenas projetou do seu subconsciente esta imagem.
Mesmo nos diferentes níveis de ação podem alguns ser ficcionais, outros reais,
ou próximos da realidade. Um apólogo, que apresenta a ação falante dos
animais, é uma dessas ações, em que parte dela é evidente irreal.
Por isso, após apreciarmos uma narrativa ficcional, dizemos para nós mesmos:
Essa é a realidade!!
Pela sua extensão, a narrativa ficcional é mais ampla quando mais setores do
mundo da ação passam a ser por ela explorados.
Espera-se quase sempre que o mesmo homem crie ambas as coisas, - a ficção
mental e a respectiva obra de expressão exterior. Sobretudo isto acontece
quando o tema é ficcional narrativo.
0531y728.
Portanto, o objeto surge agora como provado, ao passo que no conceito surgia
apenas como imagem e no juízo apenas como afirmado.
730. Todas as artes são de algum modo capazes de expressar aos objetos como
são apresentados pelo raciocínio.
Todavia mais de perto os exprimem a arte da linguagem, porque esta é capaz de
indicar melhor as partes do raciocínio, revelando passo por passo como do
antecedente decorre o consequente.
Por exemplo:
Nada integra legitimamente o tratado, o artigo, a tese sem ser provado ou sem
ser suposto provado. O rigor da argumentação do tratado, do artigo, da tese são
o que mais caracterizam estes gêneros.
736. Todavia, do ponto de vista didático, nem tudo pode ser provado
sistematicamente desde o fundamento, em um tratado, artigo ou tese.
Por exemplo, para o físico está pressuposta a matemática, para o geômetra, está
pressuposta a assertativa metafísica (totalmente geral) do princípio da não
contradição do ser (= o que é, e o que não é, o que é, não pode ao mesmo
tempo ser e não ser).
Mas um exemplo pode ser apresentado com inúmeros detalhes e desta forma se
apresentar como obra suficientemente externa para ocupar o consumidor da
arte.
CAP. 5
Resta fazer o mesmo sobre a poesia como forma associativa de expressão (cap.
5-o, aqui e agora) , com os seus gêneros (cap.6-o, logo a seguir) (vd 0531y881).
ART. 1o
NATUREZA DA POESIA.
0531y743.
744. No primeiro instante a natureza da poesia pode surpreender por causa dos
seus procedimentos alógicos, e por isso mesmo dela se tem falado tão
variadamente, parecendo que cada qual a define a seu modo.
Em última instância, porém, todos estão dizendo a mesma coisa, ainda que
inadequadamente, porquanto uns a definem mais pela essência, enquanto outros
ficam em suas propriedades e mesmo em seus acidentes.
- depois tratar das propriedades da poesia (vd 788), que costumamos admitir
serem a alogicidade e a subjetividade.
Feito isto, ter-se-á dado uma definição mais ou menos exaustiva da poesia.
O metro ou verso são apenas recursos evocativos, mas não todos os recursos
poéticos.
Alem disto, o metro poderá ser conduzido de tal maneira a não provocar
evocação, mas somente a sensação estética.
A ciência e a filosofia, quando expostas com rigor, evitam algum tanto o uso
proposital da associatividade. Não obstante, de espaço em espaço, não deixam
de colher vantagens com alguma frase de efeito emocional e capaz de
conotações.
"Há lágrimas que correm pela face e outras que rolam pelo coração"
(Guilherme de Almeida).
(Schopenhauer).
"Nosso ideal devemos colocá-lo nas estrelas, ainda que fiquemos no meio do
caminho" (Tolstoi).
Sempre que há uma frase com o verbo ser, a afirmar ou negar, esta participação
do juízo é prosaica.
Todavia o uso da poesia no texto científico, ainda que moderado, pode aliviar o
peso lógico da frase e facilitar a exposição didática, bem como comunicação
com o mundo dos cientistas.
"Transportei então esta força da minha natureza, subindo por degraus até
aquele que me criou.
Quando lá entro, mando comparecer diante de mim todas as imagens que quero.
Umas apresentam-se imediatamente. Outras fazem-se esperar por mais tempo,
até serem extraídas, por assim dizer, de certos receptáculos ainda mais
recônditos. Outras irrompem aos turbilhões e, enquanto se pede, se procura
uma outra, saltam para o meio, como que a dizerem:
- Não seremos nós?
O literato quando escreve, ou faz prosa, ou faz poesia. Quando o seu texto é
prosa poética, o efeito geral é nitidamente de prosa. Quando seu texto é poesia
prosaica, o efeito é nitidamente de poesia.
Nas demais espécies de arte, as quais operam com semelhanças naturais, não
acontece a mesma diferenciação entre a prosa e a poesia. Nelas se encontram
praticamente sempre na mesma obra.
O pintor, ao praticar sua arte, a faz ser ora mais poética, ora menos. Não pinta
uma Lua, para dizê-la uma Lua em prosa, e não pinta uma outra, para dizê-la
uma Lua em poesia.
Não obstante a aliança fácil da música e da poesia literária, pode haver o canto
poético, o qual, por obra do texto amplifica o aspecto especificamente poético
da referida música.
755. Há, pois, diferença na poesia exercida pelas diferentes artes, e que
passamos a mostrar com mais alguns detalhes.
O gracioso, eis outro exemplo fácil que nos mostra a diferença da poesia nas
diferentes modalidades de expressão artística.
Na música, o gracioso aparece nos sons ligeiros e altos.
Importa não confundir na sua definição o que lhe é essencial, com suas mais
importantes propriedades (vd 788). O que propomos aqui como definição, será
tentado provar (vd 772), depois de expor as opiniões em parte divergentes
(vd 582).
Pelo visto, a poesia não exprime seu objeto pela mimese prosaica. Ela precisa
de um segundo tempo em sua expressão, e que é o da associação de imagens,
dita também evocação, conotação.
Seja mais um exemplo. Para a poesia a expressão que diz flor (objeto estímulo),
deve, num segundo tempo, despertar associações, por exemplo, de beleza, de
feminidade, de delicadeza, de fragilidade, etc. Como se viu, enquanto a prosa
atende apenas ao primeiro tempo (a flor, como esta flor ali), a poesia se ocupa
com o segundo (a beleza, a feminidade, a fragilidade, etc).
Isto raramente pode acontecer com uma velha casa em que residem os pais do
poeta. Um cajueiro também vale pouco em si mesmo; todavia pode servir de
objeto estímulo.
Não importa, pois, a verdade da acusação de que não há tolice a qual já não
tenha encontrado um poeta para a cantar.
Todavia, o que o poeta fez não foi destacar aquela tolice, e sim o que ela
poderia lembrar associativamente, portanto como poesia.
Além disto, os que confundem a poesia com o que produz efeito estético,
podem estar colocando a poesia em qualquer coisa sensível, que provoca a
esteticidade.
Enfim, há os que colocam a poesia em toda e qualquer coisa que provoca esta
esteticidade. Então a dimensão da poesia dependeria apenas da aceitação maior
ou menor do espaço das coisas que geram esteticidade.
761. Que dizer das teorias esteticistas da poesia? Não é a poesia apenas uma
coisa que provoca a esteticidade. Alguns objetos são de um efeito
extraordinário do ponto de vista estético, e estes, quando apresentados, não são
contudo a poesia.
"As musas transportam a alma para um mundo novo e lhe inspiram odes e
outros poemas, que celebram as façanhas dos antigos e que servem de
ensinamento às gerações" (Fedro, 240 e).
1) representações sensíveis;
2) o nexo destes;
3) as palavras ou sons articulados que são representados pelas letras que por
sua vez, nos manifestam seus signos" (Ibidem §6).
"Entendemos por discurso sensível perfeito aquele cujas várias partes tendem
ao conhecimento de representações sensíveis" (Ibidem §7).
Possui, agora, Baumgarten a definição dos elementos que comparecem em sua
concepção de poesia:
Quanto ao ser perfeito, o discurso apenas adquire uma qualidade, ao que parece.
"As imagens são menos claras que as impressões sensíveis e, portanto, menos
poéticas" (17 (Meditationes, §29).
"As representações dos sonhos são imagens, e portanto poéticas" (Ibidem, §7).
Por conseguinte, um poema e uma pintura são coisas muito semelhantes, §30.
A poesia será como uma pintura (Ut pictura poesis erit Horácio. A. P.., 36)"
(Meditationes, §39).
Por exemplo: Com a refutação se prova o erro alheio, pois ninguém terá
refutado a outro sem mostrar antes seu erro. Quem deva provar algo, é
conveniente que possua estudos de lógica e, por conseguinte, se não é lógico,
não fará uma devida refutação, segundo dito a princípio.
Dificilmente se admitirá que estes versos são perfeitos, ainda que se ignore
quiçá porque motivo devam ser rechaçados considerando-os em efeitos corretos,
tanto em sua forma como em sua matéria.
Porém esta é a principal razão pela que se reconhecerá que a filosofia e a poesia
dificilmente poderão conviver alguma vez na mesma morada, aquela
acompanhando singularmente a distinção conceptual, distinção que, sem
embargo, a poesia não procura no que se situa fora do seu círculo"
(Meditationes §14).
Esta estará "na força que age duma maneira divina e inaprendida, além e acima
da consciência" no dizer de Schiller (1759-1805).
Tal maneira de ver inspira-se também na visão panteísta, exposta nas filosofias
de Fichte (1762-1814) e Schelling (1775-1854), este último sobretudo
considerado o filósofo do romantismo.
768. Na banda dos filósofos existencialistas, mais uma vez a poesia recebeu
interpretações de caráter intuitivo.
Mais adiante:
"Dir-se-ia que o poeta está compondo sua frase; porém isto é mais que
aparência; está criando um objeto.
772. A prova dá-se pela observação direta. Trata-se, pois, de uma prova
fenomenológica, ou seja pela constatação sem intermediários, do caráter
especificamente associativo da poesia, a qual se dá a partir de um objeto-
estímulo.
Ora, é o que de fato os poetas fazem ao criarem poesia, tendo por principal
objetivo, não o objeto-estímulo, mas as imagens por ele evocadas.
E por que fazem assim? Exatamente, porque tais objetos atuam como estímulo
no subconsciente, ali levantando uma poesia de imagens, que reacendem os
prístinos anos da vida. Não é a velha casa que o poeta busca, mas sua infância;
mas, ela a casa, a evoca.
A associação das imagens pode dar-se pela real presença de objetos da natureza,
como a flor, que os olhos vêem no jardim. Até aqui ainda não ocorre a arte,
porque os estímulos se deram com a presença natural das coisas.
Nem por isso se trata de defeito, porque no texto da poesia também se admitem
elementos não poéticos, tanto pelo conteúdo, como pelo ordenamento que
podem dar à evocações. O que não se pode fazer é denominar poético, o que
efetivamente é apenas prosaico.
Diz-se terem boa memória aqueles que despertam com facilidade o que eles
depositaram no subconsciente.
Não basta pois definir a poesia como expressão sensível. Deve-se acrescer o
elemento diferenciador, e declarar que a poesia é expressão sensível associativa.
777. A poesia não é definida pela temática sensível. Não é correto definir a
poesia pelo tema, ainda que sensível. A poesia toma sua diferenciação da
maneira operacional como opera ao enunciar o conteúdo, ou tema. Ainda que
alcance melhor certos temas, que outros, sua definição depende de maneira
associativa como os alcança.
Poderá, pois, haver duas orientações gerais na definição da poesia: a que define
a partir da forma da expressão, operada como processo associativo (como
acabamos de fazer), e a que a define a partir do tema (como a definem os que a
fazem simplesmente tratar da coisa sensível, principalmente do sentimento,
enquanto capazes de gerar esteticidade (vd 582).
Importa estarmos atentos, que certos objetos estímulos da poesia podem estar
ao mesmo tempo combinados como reflexos condicionados; outros poderão
não estar.
A poesia, ao mencionar objetos estímulos com reflexo condicionado é diferente
da poesia que menciona objetos estímulos sem reflexo condicionado.
O verde pode sugerir a mata, sem que tenha como resposta um reflexo.
O toque sobre os terminais nervosos dos órgãos genitais, conduzida pelo nervo
erótico à espinha dorsal, traz dali a resposta necessária (ou reflexo
incondicionado) na forma de obstrução sanguínea, que provoca a ereção e o
orgasmo. Até aqui vai a operação do reflexo incondicionado.
Se, com frequência, e ao mesmo tempo que se faz o toque sobre as área capazes
de ereção, ocorrem outras sensações e situações, - por exemplo, ver a pessoa
nua, fazer afagos e carícias de ordem mais geral, observar cores do ambiente,
ouvir música peculiar, - tais outras sensações e situações poderão fixar reflexos
condicionados.
Portanto, o poeta que faz poesia erótica não precisa mencionar, o processo do
gerador dos reflexos incondicionados. Basta que mencione objetos que
possuem eventualmente a mesma resposta de prazer sexual por via dos reflexos
condicionados. Este outro procedimento, pela via dos reflexos condicionados,
permite que a poesia erótica se faça com índole mais delicada e insinuante.
780. A métrica dos sons na poesia. Enquanto medida dos tons fortes e fracos,
a métrica tem efeitos estéticos e associativos.
781. O símbolo por si mesmo não é a poesia, mas poderá ser utilizado
eficazmente como despertador de imagens poéticas.
Outras vezes dá-se o inverso: o leitor vai pensando em termos de prosa, quando
o objeto já deveria ser considerado apenas estímulo de imagens.
Na música, a mais evocativa das artes, o crítico sabe que a evocação poética
específica se fará através do mesmo som. Secundariamente, apenas, se exercerá
pelo verso literário.
"Se para criar a beleza é preciso ter recebido do céu alma de artista, também se
a requer proporcionalmente para compreendê-la. E ai do autêntico poema que
cai em mãos de quem, desprovido dessa alma, quer submetê-lo a uma análise
lógica para o que ele não foi feito" (O. N. Derisi, O eterno e o temporal na arte,
p.151).
Antes de exercer sua função, o crítico deve efetivamente entender a obra, a qual
se propõe avaliar. Não aprendendo a poesia do ponto de vista evocativo, não
exerce nem as condições preliminares para o julgamento.
Não basta ainda evocar com perfeição as imagens. Este virtuosismo já é algo
apreciável.
Todavia, que vale a perfeita evocação de imagens sem maior valor
conteudístico? Acontece então apenas a poesia pela poesia, isto é, o formalismo
poético desintegrado com a realidade.
Em princípio não se pode reprovar este dia dia do amor, porque a eroticidade
constitui a constante alegria dos seres humanos, sem a qual não há normalidade.
Todavia, não se chame grande poesia aquela que mal é suficiente para o
consumo diário do animal racional mais encontradiço.
789. Uma propriedade não é a essência mesma da coisa, mas decorre dela. Ora,
sendo a poesia um procedimento que opera com imagens sensíveis, não pode
ter as mesmas propriedades que a prosa, cujo procedimento é tipicamente
intelectual.
- a alogicidade,
É, aliás, comum afirmar-se que a poesia é alógica e subjetiva. Sobre isto não há
pois a discutir, porque tudo se mostra como fato evidente. Mas importa ordenar
as noções a respeito.
I - Alogicidade da poesia.
0531y791.
792 Leis que não são as da lógica. As imagens sensíveis operam dentro de leis,
que não são as mesmas das operações mentais.
Conectam –se as imagens sensíveis por simples operação somatória, - que por
isso se diz associatividade, - ao contrário do pensamento, cuja progressão se
faz pelas operações mentais, que seguem os caminhos racionais do verbo ser,
afirmando e negando, deduzindo e induzindo, analisando e sintetizando.
Para o poeta as palavras e frases são atiradas soltas, visto que não há objetivo
de encadeamento raciocinativo, mas de simples oportunidade de criação de
estímulos.
793. Dois usos da palavra associação. Não obstante às diferenças, ocorrem
analogias entre entre o sensível e o inteletivo, pois ambos são procedimentos
cognoscitivos e em ambos as representações se ordenam entre si.
E as idéias, estariam elas também na memória? Parece que não. Elas renascem
espontaneamente a propósito das imagens, quando elas se apresentam.
Qualquer seja a interpretação, a poesia opera com as imagens, dentro das leis
associativas dessas, e que não se confundem com a leis lógicas do pensamento.
São lembradas aqui as três espécies de leis associativas, não para analisá-las em
si mesmas, e nem ainda para revelar os detalhes dos seus respectivos processos
de articulação com os objetos aos quais evocam (vd 633); o que importa aqui
dizer, é que todos os três procedimentos são alógicos, apenas modalizando a
alogicidade da poesia.
Mais uma vez se mostra ali um processo alógico, cujo desenvolvimento não se
faz por conexões de afirmação lógica.
A experiência mostra que até mesmo o animal parece associar imagens diante
de objetos quase iguais.
Conclui-se, pois, pelo caráter alógico da poesia, até porque cada uma das três
espécies de associatividade assim o manifesta.
Veneramur cernui
et antiquum documentum;
Seja o texto:
"Lua feminina, que ora te escondes sugestiva entre nuvens vaporosas, que ora
te apresentas decididamente nua, deixa que as nuvens voem sempre mais
depressa".
Uma palavra na língua da tradução poderá ser mais brilhante: então ajuda, não
prejudica.
As evocações caem como a chuva ou orvalho, como coisas soltas, que o céu
graciosamente oferece, quase como a luz com que o relâmpago dá sem custeio.
Assim o poeta tradutor: produzirá como que uma nova poesia, frente ao que é
intraduzível diretamente.
"Cajueiro pequenino,
carregadinho de flor,
acompanhado somente
cajueiro pequenino,
carregadinho de flor.
Tu és um sonho querido
cajueiro pequenino,
Mas ocorre ainda o caso em que a prosa auxilia à poesia, sem lhe tirar o lugar.
A poesia pura é aquela em que a presença ordenada do pensamento comparece
vagamente apenas para ordenar a progressão do despertar das evocações.
Fizemos ali frases lógicas, atendendo porém ao que evocam. Eis como ocorre a
presença lógica sem contudo fazer parte do conteúdo diretamente visado.
A arte contribui também para este ordenamento mental (vd), e que ocorre
sobretudo na linguagem por equivalentes convencionais.
A sucessão já é uma ordem; mas, a sucessão não é a poesia. Eis, pois, uma
ordem espontânea, e que poderá ser eleita e aprovada pela inteligência racional,
com vistas a desenvolvê-la como uma regra racionalizadora externa à mesma
poesia poesia.
É possível continuar pelo ordenamento lógico. Na linguagem, as frases que se
sucedem organicamente, vão, ao mesmo tempo, à maneira de varal, conduzindo
por ordem e despertar evocativo das imagens. Mas, - relembramos, - não é a
ordem lógica, a poesia. Ela aqui está a seu serviço.
O soneto, duas vezes agrupando 4 versos, depois encerrando com mais dois
grupos de três versos, - eis uma curiosa organização exterior do espaço da
composição poética, quando de determinado tema.
Cada tema é um outro tema, e assim sobre cada tema poderá haver outra poesia.
E enquanto a composição poética passa a ter uma cursividade de temas, estes
vão permitindo uma ordem dos referidos temas.
II - Subjetividade da poesia.
0531y805.
"O autor na sua obra deve ser como um Deus no universo, presente por toda a
parte e visível em nenhuma parte" (citado por V. Junesco, La personalité du
génie artiste, Paris, 1930, p. 271; tb. por Nedoncelle).
As vivências do apreciador resultam das que ele mesmo possui a propósito dos
elementos objetivos da expressão. Para ele, por exemplo, o assunto expresso
objetivamente, em uma poesia, poderá ainda associar situações mui singulares.
Entretanto existe também a arte que se dirige para determinadas pessoas. Então,
a levada em conta da situação subjetiva faz nascer a arte pedagógica e didática,
em prosa, como em poesia.
ART. 2o
812. Pela sua forma de operar, a poesia é uma operação multilinear, porque
diversas são as suas espécies de operações associativas, - a saber, pela vivência,
semelhança, contraste.
- semelhança ,
- contraste.
Situações que se viveram em outro tempo, estão diferenciadas hoje; mas, por
terem sido naquele outro tempo vividas em contiguidade, podem hoje lembrar-
se mutuamente; aquela que subsiste recorda, por associação, a imagem daquela
que já desapareceu.
O poeta, que torna a seu torrão natal relembra, por estímulo das poucas coisas
restantes, as antigas, aquelas do tempo de sua infância.
Por exemplo, brilho das cores e flores, associa mais rapidamente as mulheres,
que os marujos de um navio.
O azul do céu poderá ser lembrado pelo azul do teto das casas ou das abóbadas
dos palácios.
Um objeto qualquer, que tenha sido vivido em contiguidade com outro, poderá
conotá-lo, despertando sua imagem na lembrança (ou no subconsciente).
Certas imagens de presente, como casas velhas, ruas antigas, panoramas, etc...
podem lembrar os dias passados, quando estas mesmas casas, ruas e panoramas
estiverem presentes com aquilo, que já passou (infância, pessoas queridas,
sofrimentos, labutas), mas puderam criar suas imagens juntamente com as
coisas que permanecem; tais coisas que permanecem reacendem as imagens
das coisas já desaparecidas.
"Um galo que canta, um cavalo que bate os cascos, um gato que entra: Aurora!
Um lírio que se inclina, um limão que cai, uma árvore que estala: Tarde!
No texto acima a evocação é declarada no final das frases. Todavia não faz
mister que a expressão sempre o declare. Mesmo ao fazê-lo, em seu torno
trepidiam muitas outras imagens. A enunciação de uma, como que reforça o
clima poético.
Do ritmo temos muita vivência. Dele temos muita experiência, inclusive sexual,
como anotou Webler na lista dos ritmos:
"A idéia do ritmo é uma das noções que nos são mais familiares. A sucessão
dos dias e das noites, das estações quentes e das estações frias, dos períodos de
intensidade da vida vegetal e da morte aparente dos vegetais, a alteração do
trabalho e do repouso, da vigília e do sonho... até o funcionamento de nossos
órgãos mais essenciais subministram perpetuamente exemplos de movimento
rítmico" (L.Webber, O Ritmo do Progresso, c. 4, p. 105).
826. A associação por semelhança (ou mimese, ou ainda por analogia ) dá-se
por simples aproximação. Dali as expressões braços do sono, braços da árvore.
Uma poesia alemã permite tradução para o português e vice-versa, desde que
opere mediante semelhanças. E assim também a velha poesia grega deste
procedimento ainda hoje exerce a sua associatividade.
827. Eis evocações por estímulos fundados na semelhança entre o objeto
estímulo e as imagens despertadas:
(Múcio Teixeira).
828. O ritmo, ao mesmo tempo que opera por vivência, também estimula as
imagens por semelhança. Há uma semelhança entre o ritmo da vida e dos sons
que a música ordena. Existe sucessão dos dias e das noites, do frio e do calor,
das diferentes fases de uma tarefa.
a diferença da sorte:
(Olavo Bilac).
"Quando partimos, no vigor dos anos,
(Gonçalves Dias).
835. A aliança poética. Muitas artes podem aliar-se na mesma obra, e cada
uma poderá, com os recursos que são são próprios, gerar a evocação poética.
É possível também ocorrer a aliança de muitas artes, sendo que apenas uma
opere a evocação poética.
No primeiro caso acontece uma aliança não somente de artes, como ainda de
evocações poéticas.
O tumulto em si mesmo não se deve buscar senão, se também a ele for dada
uma função, pela qual coordene esta situação tumultuada a um todo maior.
O importante não é qual a arte escolhida para predominar.
A alogicidade (vd) de que se fala em poesia não é outra coisa do que a atração
das imagens mediante estímulos expressos na obra de arte.
Há literatos poetas e literatos prosadores; mas não se diz haver músicos poetas
e músicos prosadores, pintores poetas e pintores prosadores.
Não obstante se aproveitam estas outras artes para fins didáticos. Eis quando se
aproximam bastante da prosa, e menos da poesia.
Uma vez que o literato se ocupa da poesia pura, mais que os outros artistas,
cabe sobretudo à estética literária erguer mais amplamente a explicação da
natureza da poesia. Também na filosofia geral da arte se exemplifica a poesia
de preferência, com a poesia literária. Consequentemente a poesia literária,
costuma ser transferida para a respectiva estética especial, ou seja para
a Estética literária (vd 4515y000).
845. Também na pintura há prosa e poesia, ainda que de modo diferente que na
literatura.
849. A poesia nas formas está no interesse das artes em geral, porque se
funda em um sensível comum (vd).
850. Poesia pré-artística das formas. Dá-se também uma poesia das coisas da
natureza antes que passem a ser portadoras da expressão artística. A natureza
em si mesma não se exerce como expressão, mas desde logo produz evocação.
Na poesia com formas plásticas ocorre uma forte tendência para a primeira, em
virtude da força visual das formas. Todavia em cima delas cabe também a
segunda.
851. O lirismo puro das formas se exerce quando a escultura não atende ao
significado direto (nem abstrato e nem concreto).
A poesia na arte das formas plásticas não se autonomiza da prosa com a mesma
frequência, que na arte da linguagem. Contudo ela acontece.
Um vago lirismo puro se observa com relativa frequência nas vestes e nos
penteados, sobretudo das mulheres.
Outra forma de lirismo puro das formas é encontrado nas formas do artesanato,
nos artigos industriais, na construção dos edifícios, na espontaneidade
equilibrada da natureza em geral. O interesse pela ecologia é um sentimento
espontâneo do ser humano.
Como usa ser praticado, o balé evoca com notável poesia a beleza erótica da
vida.
O que se vê neste campo é, não raro, ingênuo, pouco profundo e banal, por
vezes quase somente decorativo. Outras vezes as montagens concretistas são
altamente evocativas.
Uma capa de livro é outro caso de concretismo em prosa e que usa ser muito
eficiente. Ele é concretismo em prosa porque a expressão indica diretamente o
tema.
854. Detalhes sobre as evocações elementares na poesia em formas. As
operações poéticas das formas plásticas seguem os mesmos procedimentos das
operações poéticas de qualquer outra modalidade de arte.
O linearismo foi uma das marcas da arte bizantina e gótica. Todavia foi no
linearismo clássico de Botticelli (1445-1510) que as sinuosidades das linhas se
tornaram prenhes de evocação.
Varia a evocação das linhas sinuosas com a espécie de sinuosidade. Observa-se
por exemplo, que as linhas sinuosas em espiral sugerem movimento, poder,
excitação.
Pelo exposto, as linhas são evocadoras, em virtude das vivências adquiridas por
nós na vida cotidiana.
858. As áreas também sugerem por vivência, o que facilmente pode ser
observado.
O círculo é monótono, por falta de novidade. O quadrado é estático. O
retângulo é sólido e agradável. A figura oval é interessante. O triângulo é de
interesse limitado.
Sua faces iguais não criam tensões, de sorte a manterem as partes em sua
posição estável. em conexão com a estabilidade estão os sentimentos de força e
unidade, que os retângulos também sugerem.
___
|___|___
|___|___|___
|___|___|___|
Neste campo são apreciáveis as linhas e áreas arquitetônicas. Aqui podem ser
lembradas as figurações da cidade de Brasília.
&& 99999 0 0 0 0 0 0
861. As formas e a evocação por contraste. Por causa de sua exatidão as formas
são capazes de oferecer, vivos contrastes e, a partir dali, exercer evocações. A
nitidez dos contrastes se observa entre o linear e o curvilíneo, entre o redondo e
o quebrado, entre a esfera e o curvo, ainda entre o alto e o baixo, o longo e o
curto, o vertical e o horizontal, o aclive e o declive.
862. Composição artística maior das formas. A evocação das formas, por
qualquer de suas operações elementares, - vivência, semelhança, contraste, -
admite um desenvolvimento maior pela reunião de várias evocações em um
todo maior, - a composição artística.
865. Conclui-se, pois, pela existência de uma arte poética em formas plásticas.
Efetivamente há poesia na escultura e nas artes mistas de que a plástica
participa..
Aplicado ao som musical uma expressão (ou significação), eis quando se torna
verdadeiramente uma arte, quer como prosa, quer ainda como poesia.
868. Não fixar no seu instante pré-artístico a essência da música, não quer dizer
ainda menosprezar este momento. Em arte muito importa o portador, ainda que
não possa ser confundido com a mesma expressão.
Nem tudo conseguem os sons expressar diretamente, em prosa pura, mas por
associação evocativa logram porém os sons alargar esta primeira expressão..
Consequentemente a música como expressão artística é pouco prosaica, todavia
bastante poética.
O pouco que os sons dizem de maneira obvia ao ouvido, e portanto como prosa,
vai servir contudo como objeto-estímulo para evocar no subconsciente novas
imagens.
Percutindo embora muito pouco como prosa, este muito pouco vai contudo
tilintar na memória, ou subconsciente, despertando representações adormecidas,
que emergem como poesia.
Em tudo isto vale a lei da associação das imagens, cujo encadeamento não é o
das conexões lógicas do pensamento, mas do despertar por simples excitação,
que se fazem por semelhança, contraste e contiguidade. À menor presença de
um estímulo sonoro prontamente saltitam as imagens ligadas à eles. Disto se
aproveita o músico ao criar sua poesia sonora.
870. O som e visualização dos objetos. A direção evocativa dos sons caminha
para as imagens visuais, na maior parte das vezes. Apóia-se este fato na
circunstância de que cerca de 87% das atividades humanas se concentram em
objetos visto; apenas 7% cabem ao ouvido, 6% aos restantes sentidos, tato,
gosto, olfato.
O que o gosto nos recorda a respeito do mar é apenas uma vaga sensação de
água salgada; entretanto, a imaginação visual nos diz da vastidão do seu espaço,
da dinâmica de suas ondas, da crispação das águas ao vento, dos navios e
barcos que singram, das cores verdes e azuis do mar ao sol, plúmbeo à sombra
das nuvens, assim por diante.
A música ao evocar, mediante sons, caminham na direção das imagens visuais,
criando um mundo vasto e colorido. As descrições que os músicos fazem de
suas criações de dirigirem prontamente para estas imagens de natureza visual.
O mesmo fazem os intérpretes e críticos ao desdobrarem e julgarem as peças
musicais.
871. Som e mundo interior. Uma direção menos visual, que a evocação
musical tem conseguido explorar, é a dos sentimentos.
Ainda que a linguagem se exerça por meio de símbolos, não pode fugir a uma
certa ordem de flexões, porque as diferentes ordens de flexões provocam
evocações.
Ao mesmo tempo que o ouvido percebe o som com espaço, associa as imagens
cor e espaço, da vista.
O larghetto (movimento menor que o largo, maior que adágio, entre os quais
se encontra) sugere uma afetividade característica intermediária com a
severidade e os tons alegres.
Pelo visto, a semelhança pode ocorrer tão somente como expressão em prosa, e
não ser ainda o aspecto especificamente poético.
879. A seguir indicamos alguns sons naturais que transportam a atenção para
outros objetos, tanto pela semelhança natural e prosaica, como pela associação
poética.
O canto dos pássaros, cujo som o instrumento orquestral imita por meio do
timbre, tons e variação de intensidade, que pode significa?
O zumbido dos insetos, reproduzido pela orquestra, que mais poderia a parte
ainda poderia evocar?
Eis que o grande compositor Haydn também surge no espaço, com as notas
zigue-zagueantes de sua composição musical A criação.
CAP. 6
Pode uma divisão do gênero artístico ser feita simplesmente do ponto de vista
da matéria (ou do tema), e ser neste caso essencial, e do ponto de vista
da forma (ou da maneira de fazer a poesia), e não ser essencial para o caso da
divisão dos gêneros.
E também:
A ação poderá ser mais intensa e menos intensa; inclusive o sentimento, poderá
ser mais intenso e nos intenso.
Pelo visto, o gênero dramático não surge como uma divisão desde o
fundamento. Ela contudo é principalmente lembrada, por causa de sua grande
importância na vida humana.
Mas, a introdução da linguagem direta, que põe o herói a falar, pode aproximar
o épico do lírico. Usando o herói do pronome pessoal, sua expressão passa a ser
efetivamente lírica.
Cada qual dos subgêneros citados se ocupa com uma classe de objetos ou
imagens, que, por variarem entre si, requerem uma expressão distinta, quer na
linguagem, quer na música, quer em outra qualquer forma de arte.
895. O gênero épico, do grego epos (= palavra, notícia, oráculo) toma como
tema a exaltação no mais alto estilo poético, por exemplo, de um
acontecimento heróico, de uma revolução social, de um empreendimento bem
sucedido (fundação de uma cidade, descoberta de um continente).
A epopéia têm de ser objetiva, como toda a notícia. Não pode ser em primeiro
lugar um lirismo subjetivo. Pode-se todavia colocar o subjetivismo nos
personagens, onde está à conta deles.
CAP. 7
ESTILO.
0531y900.
Embora acidental, o estilo é o que torna a arte atraente. Por isso, o interesse
pela arte costuma principiar pelo estilo.
Num texto de filosofia geral da arte o estilo é abordado apenas em suas grandes
linhas sistemáticas.
No estudo de cada arte em especial conclui-se finalmente ali tudo, o que há de
mais particular sobre o estilo.
ART. 1o
904. Acidental, com referencial exterior. Por muitos lados se aborda o estilo,
porque, sendo algo acidental, não obedece um esquema interno a ele mesmo, e
sim a algo exterior, a partir onde também se fazem as classificações (vd 922).
A proximidade entre propriedades da arte e estilo faz com que não raro se use o
termo estilo para significar uma e outra coisa.
906. A estilística, na semântica usual, visa objetivos, como por exemplo, dar,
por meio dos acidentes, mais rendimento ao que é essencial à expressão, bem
como dar mais destaque às propriedades da referida expressão.
E então, a estilística passa a ser definida, já não pela definição essencial, e sim
pela definição descritiva de um dos seus objetivos.
Foi todavia no setor da arte da língua que a estilística teórica evoluiu mais cedo.
Já antiguidade clássica se escreveram tratados, que ainda se lêem, como
aqueles de Aristóteles sobre poética e retórica.
O nome estilística apareceu com Novalis, no fim do século 18, referindo-se aos
recursos retóricos.
Caracteriza-se o acidental pela sua não necessidade; é o que está junto, mas
poderia dispensar-se. O acidental é eventual.
Mas, é indispensável, por exemplo, que a expressão atinja tais ou tais graus de
perfeição. Quer imite bem, quer imite mal, quer seja muito ou pouco evidente,
verdadeira, certa, quer seja muito capaz ou pouco em sua função de comunicar
e de exercer agrado, - a arte sempre continua sendo arte, pois tais condições
ocorrem apenas como eventualidade e não como necessidade.
Por sua vez, toda a qualidade tem grau, e ter graus é algo acidental. Cada nível
de qualidade é um novo acidente; no caso da expressão, é um novo estilo.
Geralmente o estilo é apenas um nível de perfeição de uma expressão.
911. Estilo como apenas mais um nome. Uma definição admite ser enunciada
com outras e outras palavras. Em vez de definir o estilo como forma acidental
da expressão, podemos dizer: o estilo é o modo acidental como a expressão
artística se processa. O modo também se diz: maneira, modalidade.
Desde que não se envolvam a forma essencial da expressa e suas propriedades,
tudo o mais que se diga da forma da arte é estilo.
Portanto, estilo não é senão mais um nome, e que se tornou tecnicista, para
indicar os aspectos acidentais da expressão, ou seja, seus modos, maneiras,
modalidades, graus eventuais de perfeição.
912. O termo estilo deriva de estilete, do latim stilus (= vareta), com que se
picavam os caracteres ideográficos nas tabuinhas de cera e nos materiais
sólidos em geral.
Dali o significado evoluiu para o modo adquirido pelos sinais e depois para a
índole geral da expressão.
Por último alargou-se o significado de estilo para qualquer modo de fazer e agir.
Neste sentido lato se diz: estilo de vida, estilo de trabalho, estilo de jogo, estilo
de remar, estilo da moda.
"Les ouvrages bien écrites seront les seuls que passeront à la postérité.
Nunca se poderá dizer que um autor não tenha estilo, ainda que ocorram
deficiências.
"Cada um tem sua maneira de manejar o estilo, como cada um de nós tem sua
escritura. O estilo é a individualidade e o movimento do espírito visíveis na
eleição das palavras, das imagens, mais ainda, na construção da frase, do
período no arabesco caprichoso, que traça o pensamento no seu curso" (Séailles,
G., Le génie dans l’art, c. VI, p. 215).
ART. 2o
Não obstante aos indicativos estabelecidos para a classificação dos estilos, tem-
se tido alguma pragmaticidade em fazê-la, em vista de outras e outras razões,
inclusive o seu desenvolvimento histórico.
Cada estilo mencionado importa ainda em detalhes, que não dizem respeito
quadro geral como aqui todos são equacionados.
Nem tudo existiu sempre, e há estilos que, embora possíveis, ainda não se
manifestaram no tempo.
Embora se alegue que clareza e distinção importam sempre, e que por isso o
estilo gnosiológico é o mais importante, há um engano. Se a clareza e a
distinção importam sempre, já não se trata de uma questão de estilo, mas de
propriedade. O estilo apenas se diz do grau de clareza, e não da clareza
simplesmente.
Não obstante, a palavra estilo é oscilante. Se por vezes é usada com o sentido
que inclui a propriedade (necessária), aqui todavia a estamos aproveitando
apenas no sentido de grau eventual da propriedade.
Para uma distribuição didática dos estilos, destaca-se a divisão dicotômica em:
Resta ainda aquilo que pertence à mesma história das artes, e que se expõe no
subunidade maior 4, da Enciclopédia Simpozio, e que leva a
denominação Artes, línguas e literatura.
931. A verdade muito reclamada (vd 259), com todas as suas variantes de
grau, é uma das peculiaridades de estilo mais reclamada.
Deve a expressão falar com verdade, pois esta é uma de suas mais importantes
propriedades.
Devendo a expressão informar sobre o tema, é natural que deva haver uma
relação de ajuste entre ambos os termos. Decorre dali a justeza. Em tais
condições a arte se dirá justa, isto é, verdadeira, adequada, autêntica, precisa,
própria, exata, proporcional.
Esta poderá ocorrer por ausência, quando faltam na obra elementos que a
tornam capaz de exprimir mensagem, e por excedência, quando na obra se
põem caracteres que tumultuam a expressão e até a desviam.
Para alguns a expressão pode ser sintética, enquanto para outros deverá ser
analítica e dividida, porquanto não têm ainda o domínio de todos os conceitos
envolvidos.
Numa relação entre dois termos, há um outro termo e mais a relação; a todos os
três elementos se atenderá, pois ali então sem que possamos dispensá-los. Ora,
desatender à situação subjetiva do sujeito seria esquecer um dos elementos sem
o qual não existiria a relação.
O grau de certeza alcançado basta ser aquele considerado suficiente. Resta uma
considerável margem de segurança que permite muitas opções de estilo e até da
polissemia. O jogo do contexto e da associatividade permitem uma largo leque
de estilos, sem que mude o tema.
0531y933.
Por ordem didática 3 são os itens a examinar:
935. Clássico como nome. Ainda que o estilo clássico fosse próprio da
antiguidade grega, este nome é contudo recente.
Classicismo firmou-se como uma significação bem definida, para dizer o que
em todas as épocas tem sido a arte de tendência idealizadora.
O mesmo não aconteceu com a dispersividade anticlássica e que por isso não se
consegue reunir sob uma designação coletiva. Resta denominar-se ao modo
de anti-, ou seja, definindo-se pelo que não é e combate.
Por algum tempo, romantismo era o nome que abarcava relativamente bastante
o que se pretendia como anticlassicismo. Não demorou, e o romantismo foi
sendo restringido como denominação da expressa emotiva ou sentimental duma
época.
A arte simbólica seria, por sua vez aquela em que houvesse desproporção, com
o tema inferior.
938. Arte boa, em duas acepções. Duas são as acepções, quando se diz arte
boa (arte perfeita), e também duas, quando se diz arte má (arte ruim, arte
imperfeita).
Uma das acepções é gnosiológica, a outra é axiológica, a qual por sua vez pode
ser axiológica ôntica e axiológica moral.
Não obstante o seu caráter axiológico, o tema age sobre a arte apenas
acidentalmente, e tudo permanece no campo do estilo.
Diz-se, pois, estilo axiológico, aquele que leva em conta o caráter do objeto.
Em função a este modo de abordar o valor, ele se diz uma imposição axiológica.
O estudo do valor, enquanto se impõe à ação, se diz então, Axiologia.
É claro que, se o universal existir, ele será um tema preferido. A arte passaria a
ser antes de tudo o gênero da expressão idealizada. O estilo seria o modo de
apresentar esta idealização.
Se não existir aquele universal ontológico, ele já não será uma obrigação, ainda
que possa realizar-se como um formalismo de mera coerência interna.
A arte, como imitação das coisas deste mundo, seria apenas a sombra da
sombra, e por isso algo de muito pouco apreço e inútil.
Contudo, a arte, uma vez que é criada, importa em ser uma imitação ao menos
indireta do mundo ideal. Entre elas, a poesia e a música são mais elevadas,
porque melhor relacionadas com o espírito.
946. O realismo moderado de Aristóteles (384-322 a.C.) substituiu as idéias
reais do mundo transcendente por uma validade intrínseca aos indivíduos.
Ainda que todos os indivíduos sejam distintos uns dos outros, obedecem a uma
lei, que é intrínseca à sua essência.
Desta sorte, a essência de homem, como universalmente válida, não existe fora
do indivíduo. O conceito universal da mente consiste em apreender a essência,
sem as suas individualizações.
Tomás de Aquino (1225-1474) tornou mais rija a unidade dos entes, fazendo-os
reduplicações, ainda que variadas, do mesmo único ente divino. Com isto
aproximou o aristotelismo do platonismo arquétipo.
Mas, como esclarecer agora que em um ser único haja transformações? Ainda
que tudo se transforme e nada pereça, esta situação implica em limitações
inconvenientes em um ser único, ao que parece. Tentaram-se explicações
contornantes. Mas, ... convenceriam?
Para este tipo de artista o ideal ainda continua importante, mas já tem um
tendência para o idealismo romântico, isto é, subjetivo, como de fato aconteceu
à época de Kant e de seus sucessores.
Não obstante, todo este idealismo, em tudo acontece uma grande ordem,
porquanto todas as estruturas do pensamento, quer científico, quer filosófico,
funcionam coerentemente, e tudo fica explicado.
O período clássico propriamente dito, de 470 a 322 a.C., foi marcado por
grandes conquistas, especialmente na escultura.
O Dorífero, estátua de Polícleto e que marca um cânon de proporções do corpo
humano, é de um físico idealizado e viril, com nenhum movimento paralelo,
mas todos equilibradamente próximos, de maneira a evidenciarem a
espontaneidade e a serenidade ideal.
"A arte, como imitadora da natureza, deve buscar sempre o natural para
plasmar a beleza, e há de evitar, no possível, todo o violento, porquanto a
mesma beleza na vida desgosta, se cai em gestos carentes de naturalidade" (dos
escritos de Winckelmann).
"O que ultimamente te disse com respeito à pintura põe também perfeitamente
aplicar-se à poesia. Com efeito, de que se trata? De encontrar o que é
verdadeiramente belo e saber exprimi-lo; é isto em verdade, dizer muito em
poucas palavras" (Goethe, Werter, 30 de maio).
Nisto está toda a moralidade do ser humano, - colher livremente seu próprio
destino, ou seja, seu próprio modo de ser, com total responsabilidade. O que ele
realiza não é atualização de potências e de obrigações. É total conquista. É
apenas acréscimo ao que já é.
E assim por diante, também o estilo na arte não passa de uma escolha.
959. O anticlassicismo tem uma história. Sem ser tão definida e nem tão
antiga quanto a do classicismo, é muito variada e cobre vastamente o período
contemporâneo das artes.
963. Os modelos não conflitam com os graus de estilo. O que dera origem à
idealização dos temas expressos pela arte foi a convicção de que existiam
modelos universais e bem acabados, segundo os quais deveriam desenvolver-se
os seres individuais. Mas, ainda que estes modelos existam, nada obsta que as
realizações se façam em diferentes graus de crescimento.
Diretamente, todo o tema pode ser expresso, qualquer seja a sua posição na
escala das perfeições, desde a mínima, até a plena. E assim também as
contraditórias, a negativa e a afirmativa, podem ser temas diretamente
expressos. A expressão artística tudo pode apresentar.
Isoladamente, nada é em si mesmo um grau, ou uma contraditória. Portanto, na
arte, tudo aparece como tema a ser informado, isto é, significado. Nenhuma
perspectiva abstrata, ou isolada, do tema, quer idealizado, quer não, é excluída
de ser expressa artisticamente.
Postas as coisas sob esta distinção de dupla perspectiva, pode-se não ser
artística clássico, sem contudo deixar de admitir valores. Estes são inteiramente
expressos apenas como objetivo final último.
É possível praticar a arte pela arte e ao mesmo tempo cuidar de todos os outros
seus resultados.
Não ne se pratica a arte pela arte, quando nela se buscam outros objetivos, seja
o bem, seja o mal, ou outro qualquer resultado, sem atender a ela em si mesma
como expressão.
A visão integral da arte idealizada propõe cuidar tanto da arte como expressão,
como da arte pelos seus resultados.
Neste caso não se pode praticar a arte pela arte, e ficar indiferente à tudo o mais,
ainda que a arte não deixe de ser arte por causa desta indiferença. Importa o
estilo, mas ele nunca é essencial.
"É necessária a religião pela religião, a moral pela moral, a arte pela arte".
Esclarecia, que uma função não serve primeiramente à uma outra função, mas
tem valor natural próprio.
A tendência para baixo, para a terra, nos acomete em tudo, até mesma na arte.
"Tendemos sempre para o proibido e desejamos o que nos é negado"
(Ovídio, Dos amores, 3,17).
972. Platão é o chefe dos moralistas em arte. Não somente achou inútil a arte,
porque cria apenas simulacros, como ainda pretendeu que só ofereça
apresentações idealizadas do ponto de vista moral.
"Se acaso imitarem alguma coisa, imitem então as que são condizentes a tal fim:
o valor, a temperança, a santidade, a magnanimidade e as demais virtudes.
Não façam, porém, nada de vergonhoso ou vil, nem sequer possuam o dom de
imitá-lo, não suceda que pela imitação se tornem semelhantes aos que tais
coisas praticam.
Perfeitamente. Não consintamos, pois, que os que estão sob nossos cuidados, e
a quem impomos a obrigação de ser virtuosos, se divirtam, homens que são, em
arremedar uma mulher, moça ou velha, ora injuriando o marido, ora nivelando-
se com os deuses, quando se têm por feliz, ora entregando-se a queixas e
lamentos, porque se julga desgraçada.
Muito menos ainda toleremos que a representem enferma, ou amorosa, ou em
trabalho de parto" (República, III, 395b-395 a).
A música, ainda que não mereça tamanha restrição, é também condenada por
Platão ao ingressar en certas modalidades de ritmos (República, II, 398b).
"A essência do método dialético, de fato, está exatamente em que para ele o
absoluto formam uma unidade indestrutível... Nem a ciência, nem os seus
diversos ramos, nem a arte, possuem uma história autônoma, imanente, que
resulte exclusivamente da sua dialética interior...
É claro que esta concepção de Marx e Engels, que contradiz francamente tantos
preconceitos modernos, não comporta uma interpretação mecanicista, como a
que costumam fazer numerosos pseudo-marxistas vulgares.
Tolstoi (1828-1910):
"Agora, quando já temos uma definição prévia, devo esclarecer meu ponto de
vista sobre a arte. Direi sem receios que considero a arte, como todos os demais
fenômenos sociais, a partir do ponto de vista da interpretação materialista da
história" (Cartas, 1-a., quase no começo).
Passou, então J. Plekanov a investigar, como Darwin e Taine, a arte nas fases
iniciais da formação da sociedade, chegando todavia a uma conclusão marxista.
A arte primitiva dependeria diretamente da economia. Depois nos movimentos
de libertação, outra vez estaria a arte a postos. Resulta a refutação da tese da
arte pela are, em favor da missão social da arte.
"Se nossa literatura soviética é tendenciosa, e isto nos orgulha, porque nossa
tendência está em que queremos libertar aos trabalhadores e aos homens do
jugo da escravidão capitalista" (A. Jdanov, Sobre a literatura, a filosofia e a
música, ed. Paris, 1950, p.12).
O ser humano, reduzido à sua situação, elege sem pressão de normas. Não tem
a atender à potencialidades metafísicas. Apenas se realiza por conquista.
"O escritor tem uma situação em sua época; cada palavra sua repercute. E cada
silêncio também. Considero a Flaubert e a Goncourt responsáveis da repressão
que seguiu à comuna, porque não escreveram uma só palavra para impedí-la"
(Que é a literatura, p. 10).
"Em cada época o homem decide de si mesmo frente aos demais, ao amor, à
morte, ao mundo ... Ao tomar partido na singularidade de nossa época, nos
unimos finalmente ao eterno, e nossa tarefa de escritores consiste em fazer
entrever os valores de eternidade que estão implicados nesses debates sociais
ou políticos.
Não vamos, porém, buscá-los em um céu invisível; são valores que têm
unicamente interesse em sua envoltura atual. Longe de ser relativistas,
afirmamos profundamente que o homem é um absoluto. É-o, porém, em sua
hora, em seu meio, sobre sua terra... Em resumo, nossa intenção é contribuir a
que se produzam certas alterações na sociedade que nos rodeia" (Ibidem, p.12)
Dali resulta que, nesta questão de moralidade da arte, importa distinguir dois
tempos na tarefa. Primeiramente há a provar a moralidade em geral, e depois
mostrar que poderá haver um lugar ao sol, para os diferentes graus, portanto
para uma idealização de estilo clássico, e um lugar para o estilo não clássico,
sobretudo do realismo.
Já é possível perceber que a arte pode ser moralista de dois modos, -um ao
modo da idealização moral, como modelos sempre impecáveis, e outro, ao
modo da não idealização moral dos temas, ainda que em última instância
busque a moralidade.
Dali vem que se torna difícil decidir sobre uma posição no que se refere à
bondade moral e social na arte. Assim acontece que uns simplesmente omitem
a questão da bondade; outros a estabelecem subdividindo-se em aqueles da
idealização moral dos temas e em aqueles da idealização moral dos temas e em
aqueles da não idealização imediata dos temas.
985. Um lugar ao sol para o não clássico em estilo moral. Mais uma vez
acontece o paralelismo entre o clássico e não clássico ôntico e o clássico e não
clássico no campo da ação moral.
O palco não precisa ser um santo dos santos, como o tabernáculo encortinado
do antigo templo de Jerusalém. A representação selecionada de episódios
impecáveis poder ser uma falsa estrutura de teatro.
E assim toda a arte, qualquer seja a sua espécie, ainda que seja moral, não é por
isso mesmo uma idealização moral. O ser social não se restringe ao ufanismo, à
apologética, ao elogio, à exaltação.
Numa concepção liberal do Estado, este não toma o lugar dos cidadãos,
defendendo todavia as iniciativas individuais e à elas dando o desenvolvimento
sustentado. Somente o cidadão é produtor. Por isso mesmo pode criar capital
produtivo e pode propor contrato de trabalho a operários. Inversamente, todos
tem o direito de vender seu trabalho e ter este direito protegido pelo Estado.
Chegados até aqui, entramos para o plano que mais imediatamente interessa às
considerações sobre a filosofia geral da arte.
989. A arte das massas. No passado, nem mesmo a alfabetização, -que está no
início de todo acesso à arte, - fora vista como necessidade comum.
Uma arte que não for das massas, não cumpre integralmente o finalismo social
da mesma.
Sobretudo a arte da palavra, quando bem dirigida, é eficaz. Por obra da arte, os
oradores conduzem as multidões ao heroísmo.
Teria a arte alguma vez pervertido alguém? Acidentalmente é possível que sim,
como também acidentalmente pela via do conhecimento se praticar o mal.
A arte, que ensina os povos, os conduz aos seus altos destinos, mais do que
para a sua ruína e destruição moral.
991. A questão dos direitos autorais. Criada a obra, até onde poderia haver
sobre ela direitos autorais, em termos de monopólio?
O prêmio também precisa ser levado em conta. A arte têm destas, não
aproveitando ao artista, mas aos que adquirem seus direitos autorais, ou aos
pósteros que a herdaram. O mesmo já se disse do saber, - "a sabedoria é muitas
vezes mais útil aos outros do que àquele que a possui" (Eclesiastes, 11).
Nessa consideração filosófica geral sobre a arte, ela foi examinada desde seus
dois componentes básicos, - significado e significante, - até os aspectos
exteriores, denominados propriedades e estilos.
Estética da música;
Estética literária.
Evaldo Pauli
ESTÉTICA LITERÁRIA
6. As citações no curso interno do texto híper se fazem apenas com os três dígitos
finais, de 000 a 999. Feita a citação a partir de fora, são necessários todos os oito
dígitos.
4515y007.
14. A língua é objeto de estudo de várias ciências. Umas são do gênero das
ciências filosóficas, outras do gênero das ciências positivas.
Ficamos aqui dominantemente no gênero das ciências filosóficas.
Portanto, esta estética literária é, dominantemente, uma filosofia da língua (vd 18),
ainda que com frequência se alargue para todos os seus problemas.
O conhecimento que a ciência consegue sobre a lingua chega a ser tal, que se torna
capaz não somente de melhorar o uso das línguas já existentes, como ainda de
inventar novas, mais perfeitas.
A ciência, em revelando a natureza da língua torna o seu uso um processo mais
consciente.
16. Filosofia geral da arte. É a língua uma das muitas artes. Infere-se, que muitos dos
seus aspectos já vêm tratados de um saber mais geral, o da filosofia geral da
arte (vd 0531y000).
E assim há também para cada arte, uma lógica, uma gnosiologia, uma psicologia
racional, uma ética, bem como uma filosofia política; tudo junto, finalmente, é uma
filosofia da arte.
Como facilmente se pode imaginar, a estética literária se coordena ao quadro maior
da filosofia da arte, como uma de suas subdivisões. Sendo uma arte ao lado da arte da
pintura, da escultura, da música, obedece aos conceitos, e até mesmo à terminologia,
da geral da arte.
17. Sendo várias as ciências que têm a linguagem como objeto de estudo, importa
tratar a especificidade de cada uma das referidas ciências sem misturar, sem confundir
os respectivos pontos de vista. Esta ordem é uma condição da sistematicidade das
ciências.
A ordem didática admite porém ser realizada de diversas maneiras. Ou tratamos
sucessivamente todas as ciências; ou as tratamos simultaneamente, mas atentos à
distinção. Qualquer seja o modo, a distinção entre as ciências deve ser uma
preocupação constante.
18. A filosofia da língua estuda o falar humano sob o ponto de vista da explicação
meramente inteligível, como é próprio da filosofia.
O significado, por exemplo, não é empiricamente constatável, senão indiretamente
(pelos seus efeitos). Por isso o significado em si mesmo é tema da filosofia da língua,
e não da linguística, que é uma ciência experimental. Não há como explicar por meios
meramente empíricos o fenômeno da linguagem do ser humano inteligente.
O portador do significado, enquanto distinto deste significado, não só admite
considerações filosóficas, mas também experimentais. Já estas considerações
experimentais pertencem à linguística (vd 31), gramática (vd 37), etimologia (vd 35),
semântica (vd 34), - que todas são ciências positivas da linguagem, que examinam o
significante em relação ao significado.
A linguística com seu método experimental atinge o significado, - conforme já
advertido, - apenas indiretamente, isto é, não em si mesmo, e sim pelos efeitos
empíricos provocados através do significante.
O significado, ou elemento transportado, é diretamente apenas percebido pelo
entendimento, o qual tem a competência para interpretá-lo diretamente. Esta
capacidade ocorre tanto nas expressões por mimese natural, como por convenção.
22. A fala. Um grupo de palavras eruditas e mesmo vulgares deriva da raiz indo-
européia bha-, cujo sentido básico é falar.
No grego assumiu a forma phemi (=dizer), que repercute em eufemismo(expressão
elegante, que substitui formas vulgares), phoné (=voz, palavra), phonetikós =
fonética).
No latim: fari (falar), facundia (=eloquência), fábula (=récita), affabilis (=afável),
ineffabilis (=inexprimível), prefácio (=preâmbulo), fama (= fama, renome), professio
(=promessa, profissão), que todas se refletem nas demais línguas.
No francês, entre outras formas: fable (=fábula).
No italiano: favola (=fabula).
No espanhol: habla (= linguagem), hablar (=falar).
No português: falar que , pelo visto, se aproxima da forma espanhola hablar e da
italiana favola.
No Esperanto são palavras pertencentes ao grupo etimológico mencionado acima:
fonemo, fonetiko, fonetismo, afabla, famo.
23. Palavra deriva da raiz grega bal-, com o significado fundamental de lançar, atirar,
como em ballo (=lançar, atirar).
Dali os termos diabolos (=diabo), com o sentido de caluniador, parabolé (=parábola),
comparação; symbolon (=símbolo), sinal de reconhecimento.
Através de parabolé veio às línguas latinas parábola, que deu no francês parole e
parler; no espanhol palabra e parlar; no português palavra, palavrear, parlar, parolar;
finalmente no Esperanto paroli (= falar).
Os termos palavra e fala (vd 22) significam uma enunciação ativa da linguagem.
Neste sentido palavra e fala são atividade (no grego enérgeia = energia, força), ao
passo que língua é passividade (no grego érgon = obra, coisa realizada).
Dito melhor: a língua é o produto da fala ou de quem enuncia palavras. Tudo começa
por uma ação, execução, desempenho, performance e termina em um resultado. Os
nomes ora se referem a uma das nuances, ora à outra.
24. Verbo, com o sentido amplo de palavra e com o sentido mais freqüente de ação
verbal, deriva do indo-europeu werdh-, com significação fundamental de palavra
(vd 23). É a raiz comum de palavras importantes.
No grego erô (através de wer) (=direi); rhêtôr ( através de wretôr) = retor, orador.
No latim ver-bum (= palavra); proverbium (=provérbio).
No germânico: no inglês word (=palavra); no alemão Wort (=palavra). No Esperanto:
vorto (=palavra), verbo (no sentido de ação gramatical).
25. Voz é um termo a partir de cuja raiz etimológica se formam também outras
denominações significativas, que convém esclarecer. Trata-se do grupo de termos que
deriva do indo-europeu wek- com o sentido fundamental de emissão da voz.
Dali o grego épos (através de wepos) (= palavra) de onde finalmente épico e epopéia.
No latim: vox (=voz), vocalis (=sonoro), vocabulum (=nome).
Chegamos assim ao que em português é vocábulo; este, portanto, tem o sentido
básico de voz emitida.
Ainda no latim: vocare (=chamar) e evocare (= chamar, com em alistamento de
tropas).
No Esperanto: voæo (sono elblovita el al pulmoj), voki (per alvoko turni al si ies
atenton).
A língua é uma espécie dentro do gênero de expressão chamada arte; mas sob a
denominação de língua ocorrem muitas línguas, no sentido de muitos
sistemasgramaticais. Então cada qual tem um nome, como língua portuguesa,
espanhola, francesa, inglesa, lingua Internacional Esperanto.
Não se diz do mesmo modo muitas pinturas, muitas esculturas, muitas músicas.
Do ponto de vista da individuação e da espécie aos quais os indivíduos pertencem, é
possível entender por língua cada uma das diferentes línguas, enquanto cada uma é
língua numericamente distinta de outra; e é possível entender por língua a espécie a
qual todas as linguas individuais pertencem, e na qual, como um todo se distinguem
de outras espécies de expressão, como a escultura, pintura, música.
Situações várias nos podem deixar perplexos. Tanto se pode, por exemplo, dizer
língua científica (ou língua da ciência), como linguagem científica, mas em ambos os
usos ocorre uma nuance.
Língua científica (ou língua da ciência) é a que efetivamente se destaca à maneira de
uma espécie, como palavras especializadas, ou mesmo com formulações peculiares
como na matemática, química, lógica simbólica. Linguagem científica é a nuance que
a língua assume ao ser utilizada pela ciência, em que um destaque é a precisão dos
seus termos.
O contexto pode admitir a troca dos termos língua e linguagem, o que entretanto não
se aconselha. Mas sobretudo língua, mais universal que linguagem, admite
normalmente a posição de linguagem.
A distinção entre língua e linguagem vem sendo feita mais insistentemente a partir de
Saussure, mas nem sempre com segurança.
27. Idioma (do grego idíoma = particularidade, qualidade particular) se diz da
linguagem enquanto se exerce de maneira própria a cada povo. Pela maneira de falar
usam diferenciar-se os povos.
Lembre-se ainda o termo idiotismo (do grego ídios = particular), que indica a
linguagem própria de um indivíduo ou de um caso muito peculiar. Dali também
idiota( do grego idiotes = simples), com o significado de indivíduo simplório.
Em função à origem do termo idioma, admite-se dizer "idioma nacional". Diga- se,
por exemplo, que o inglês é um "idioma nacional", ainda que internacionalmente
falado por muitos.
Do Esperanto se diz simplesmente que foi criado para ser uma "língua internacional".
Por causa do seu caráter neutro e universal fica pouco adequado dizer "idioma
esperanto", por se tratar de língua que não traduz a caracterização de nenhum povo
isoladamente. Mas seria possível "idioma humano", enquanto contrasta com o idioma
dos animais.
28. Arte literária, letras, literatura. Eis uma sequência de nomes que significa a
linguagem, todavia em conotação com a técnica de sua fixação em sinais gráficos.
Pela sua índole, os sinais gráficos podem ser ideográficos, como aconteceu com a
grafia inicial egípcia e com a grafia até hoje conservada do chinês e mais línguas
orientais.
Cerca do ano 1000 a.C., os fenícios criaram o atual alfabeto a partir dos sinais
idiográficos egípcios; por exemplo A é a primeira de Apis (= boi), cuja figura aos
poucos se inverteu, pois o A é nada mais que uma cabeça de boi com chifres fincados
para baixo; B é a primeira letra de Bet (= casa), cuja figura de dois pavimentos
também continua reconhecível.
Por restrição, literatura pode significar apenas o gênero ficção e poesia; ou qualquer
outro gênero, desde que o objetivo seja mais o estético e emocional, do que o de
conteúdo. Um poema épico, por exemplo, apesar da verdade do conteúdo, tem em
mira a emoção heróica, e por isso é literatura no sentido estrito indicado.
Letras, no plural, expressa a linguagem escrita, com a nuance de "bem escrita". Este é
o sentido que a palavra vinha formando desde a antiguidade latina, quando littera
(letras) já significava carta e gramática (scientia litterae) em lugar de literatura.
Arte literária é uma formulação com adjetivo, sem correspondente substantivo direto;
significa muito bem a língua como expressão e que se fixa em letras.
Na mesma linha se encontra estética literária.
29. Em busca de um nome próprio adequado para a arte da língua. São tantos os
nomes a referir-se ao mesmo plano de expressão, que se fica a perguntar sobre qual o
mais adequado.
- Haveria acaso um nome próprio adequado para a arte da língua, como o há bem
definido para a pintura, para a escultura e para a música?
- E haveria um nome para a respectiva ciência da língua?
É necessário distinguir entre a arte da língua e a ciência respectiva (vd 30). Não se
requer de pronto nomes diferentes para coisas próximas, porque a sintaxe poderia
conduzir a mente aos respectivos significados. Contudo, nomes distintos, mesmo para
pequenas distinções, podem ser muito úteis.
30. Um nome para o estudo sobre a língua. Qual seria o nome mais adequado para
para o estudo da língua pela ciência positiva? E qual o nome da disciplina filosófica
ocupada com a mesma lingua?
Tem a ciência positiva da língua um nome simples, que é linguística.Perguntamos
agora se é possível achar um nome também para a filosofia da arte da língua?
Referida por uma denominação composta, ela se denomina, - como vimos fazendo, -
"filosofia da arte da língua".
Não se trata agora de um nome para a lingua como arte, mas de um nome para a
disciplina que trata dela, e que esteja ao mesmo nível de denominações como lógica,
ontologia, etc.
31. A linguística. Diversas abrangências deste nome. Como ciência positiva, à base da
experimentação, o estudo da linguagem possui nomes específicos. Alguns são
abrangentes, outros são apenas partes do todo. Mais abrangente é linguística. Menos
abrangente são gramática, semântica, filologia, história das línguas, história da
literatura (ou história literária).
Não insistimos nas distinções, porque só nos interessa separá-las globalmente frente à
filosofia da língua.
Num outro contexto, critérios mais circunstanciais, dividem a linguística ramos, com
base em ciências distintas, em:
- antropologia linguística, que investiga o modelo humano de lingua;
- sociologia linguística, que observa as interações das línguas;
- linguística histórica (a partir de Jakob Grimm) que investiga a evolução de diversas
línguas a partir de um mesmo tronco;
- linguística comparada (também filologia comparada), que mostra as afinidades de
diferentes línguas e busca a reconstrução de um esquema primitivo do qual teriam
derivado.
33. Filologia (no grego, amor à ciência, ou à palavra) é o estudo crítico dos principais
textos documentais de uma língua para sua reta interpretação. Considerando que as
línguas evoluem e têm mesmo alterações em sua estrutura convencional, a etimologia
é, na prática, um estudo do estado histórico dos significados de uma língua.
É possível, do ponto de vista dimensional, imaginar-se uma filologia geral, que
trataria da linguagem como um todo oscilante, e uma filologia especial, que se
ocuparia, como fez até agora, das diferentes línguas. Neste último caso,
desenvolveram-se ramos, como filologia clássica (grega, latina), filologia romântica
(francesa, italiana, espanhola, portuguesa), filologia eslávica etc.
34. Semântica é o estudo do sentido dado aos significantes. É parte da lingüística, que
estuda o significado das palavras. O significado de uma palavra pode, por exemplo,
multiplicar-se fixando-se no contexto, por deslocação, restrição, extensão. A
denominação é recente, criada que foi em 1897 por Michel Bréal (autor de Essai de
semantique), derivando-a do grego semantikós (=significativo), por sua vez derivado
de sema (=significado, sinal).
Antes e depois criaram-se nomes similares, com aceitação menor, como semiologia,
semasiologia, sematologia, semiótica; segundo a intenção dos criadores, podem ter
algumas diferenças de nuance.
O estudo da significação sempre existiu, mas a semântica, ao se organizar a partir do
século 19, lhe emprestou uma sistemática empírica e descriptivista, com técnicas
próprias, que finalmente lhe deram um amplo desenvolvimento.
35. A etimologia, como parte da linguística, procura a origem dos atuais significados
das palavras, remontando-as ao significado anterior e de onde derivam por
transformação.
Há uma etimologia muito a nível de uma dada língua, e uma outro que transcende às
línguas dadas.
Estuda, pois, a etimologia as relações de origem das palavras de uma língua, quer
dentro da mesma língua, quer para fora com palavras de outras línguas a partir das
quais se formaram, ou teoricamente se poderiam ter formado.
Ideologicamente, os defensores da linguagem natural supõem ter havido um
significado originário, ao qual a etimologia teria a função de procurar. Foi pensando
assim que anomalistas (vd 54) os estóicos (vd 62) deram desenvolvimento já na
antiguidade à filologia e etimologia.
36. História da literatura é uma ciência positiva, tal como toda história, tendo aqui
como objeto a expressão literária.
Há uma história da arte em geral, uma história da arte da linguagem, finalmente uma
história da literatura como linguagem escrita (literatura de ficção, literatura filosófica,
etc). No contexto comum, história da literatura se diz principalmente do gênero ficção
em prosa e de todos os gêneros em poesia.
A história é também ciência positiva quando se trata de história da filosofia, história
da filosofia da arte, história da filosofia da língua, história da filosofia da literatura.
37. Gramática, do grego, gramma (= letra), por sua vez de grápho (= risco) é o estudo
do sistema de uma língua determinada.
Exclui ordinariamente o léxico (das palavras, que formam o dicionário) e a fonologia
(sistema de sons de uma língua); mas em sentido amplo, tudo poderá ser incluído.
Pode-se dizer que a gramática é o código de convenções, que institui uma língua
(excetuando o léxico e o sistema de sons).
Importa não perder de vista o caráter tecnológico da língua, tratando-se como uma
técnica (como um fluxo de elementos), e não teoricamente (como a coisa é). Portanto,
o gramático vê a língua como um sistema que deve conduzir a um resultado, à
significação.
39. Títulos dos ensaios sobre filosofia da língua. Não obstante ser metalinguística um
bom nome (vd 32), foi eleito para o presente texto, integrado no conjunto
Megaestética, o de Estética literária, com vistas a manter o paralelismo com outras
estéticas, como das cores, das formas e da musical.
Eventualmente, acontece que o nome estética não somente se diz do estudo dos
efeitos psicológicos estéticos, mas, - desde o século 18, por iniciativa de Alexandre
Baumgarten, - também do estudo da arte como um todo.
Estética literária pode ainda estar advertindo para uma das mais apreciadas
propriedades da expressão falada, como de qualquer arte, que é a de produzir
sentimento estético.
De outra parte, dizer estética literária, mencionando a linguagem escrita, lembra que
a linguagem escrita é a mais cuidada pelos estudiosos da língua.
Ainda que na arte importe em primeiro lugar o principal - a expressão-, a tendência
final é usufruí-la pelo seu lado estético. Também o mel, apesar de ser em primeiro
lugar um alimento, é buscado por causa de sua doçura; assim a arte, embora
essencialmente expressão, é muito apreciada pelo prazer estético que dá.
4515y042.
43. A arte literária tem sido uma constante na história do espírito humano.
Ela principia no choro da criança, ao descobrir que por este meio consegue avisar,
que é hora de mamar.
Importa distinguir que há uma distinção entre exercer a arte de falar, que logo se
destacou, e sua teorização, havendo esta evoluído mais devagar. Todavia também esta
evoluiu mais depressa que as outras teorizações da arte.
4515y046.
Sócrates (469-399 a. C.) todavia se fez um contestador dos sofistas. Este pregava nas
praças. Atendia também em sua casa, sendo isto um incômodo para Xantipa, a mais
rabugenta de suas duas esposas. Exercendo Sócrates a profissão de escultor e tendo
envolvimentos políticos havendo sido até Senador, compreende- se que pudesse
subsistir como pregador sem salário.
Nenhum livro sobrou do tempo dos primeiros filósofos e sofistas. Fragmentos todavia
ficaram na obra de Platão, Aristóteles e outros que os citaram e discutiram.
50. Platão (427-347 a. C.), nascido em Atenas, fundador da Academia (cerca do ano
387 a. C.), escreveu um diálogo em que, entre outras questões, abordou a origem da
língua. Intitulando-o Crátilo (vd 55), em homenagem a um dos interlocutores, é um
primeiro importante documento sobre a ciência da língua e em particular de sua
origem. Platão também se referiu à lingua em Íon, Fedro, República, Leis.
Aristóteles (384-322 a. C.) foi mais sistemático que seu mestre Platão. Escreveu os
tratados conhecidos como Retórica e Poética, além de importantes referências à
linguagem nos livros do Órganon e Metafísica.
Aprofundou Aristóteles o princípio de que "o semelhante é conhecido pelo
assemelhado" (Da alma I, 2. 405 b 15), como teoria explicativa do conhecimento. Este
principio se aplica à explicação da arte. Tratou também Aristóteles do caráter
convencional da linguagem (vd 57).
Após este período clássico da filosofia grega serão mais profusos os trabalhos dos
filósofos e gramáticos, dentre os quais se destacarão no futuro próximo Dionísio da
Trácia e Apolônio Díscolo (gramáticos gregos)( vd 62), Donato e Prisciano
(gramáticos latinos) (vd 70).
51. As questões linguísticas dos antigos. Quais as primeiras perguntas importantes
sobre a língua e que a história registra?
Certamente já havia antigas considerações sobre a língua, porque elas surgem
obviamente, por causa da diversidade com que falam crianças e adultos, indivíduos
mais inteligentes e outros mais estúpidos, representantes do povo, variações de textos
mais antigos e mais recentes.
Importa eleger os questionamentos mais significativos sobre a língua em geral, e
mostrar para cada questionamento significativo seu início histórico e seu
desdobramento através do tempo.
Finalmente é o mesmo Platão (427 - 347 a. C.), autor do Cratilo, que assume a
posição convencionalista da língua, que é defendida pela boca de Sócrates, principal
dialogante, frente aos demais, Hermógenes (convencionalista) e Cratilo (naturalista).
Nesta mesma linha ingênua navegam os linguistas das "línguas naturais", que não
admitem a viabilidade de um código inteiramente artificial (como no Esperanto); para
eles a língua é possível como produto da sociedade que a cria num jogo permanente
de eventualidades.
Outros, ainda, condicionam a língua a um paralelismo bastante rigoroso com a
expressão mental do pensamento. Acentuam o lado cultural da língua. Não sabem que,
em última instância, a língua não expressa pensamentos, mas os objetos do
pensamento (vd 56).
Postas as diferentes variáveis de uma teoria da língua como expressão natural,
podemos, com mais precisão de conceitos, determinar as posições históricas de sua
evolução.
55. Crátilo de Atenas (séc. V. a. C.), já mencionado (vd 48), foi o primeiro a defender
o caráter natural da língua. Ligado ao pensamento naturalista da Escola Jônica a que
pertenceram Tales de Mileto e Heráclito de Éfeso, tendeu a procurar na mesma
natureza a língua, por vezes até ao ponto de explorar a semelhança das letras com o
objeto, com vistas a interpretar a capacidade de expressão da palavra, do mesmo
modo como por simples imitação as cores e formas exprimem na pintura e escultura.
Platão, que fora inicialmente discípulo de Crátilo, conhecia a nova teoria da língua.
Em torno dela montou o diálogo, a que deu o título de Crátilo. Os interlocutores são o
mesmo Crátilo (da língua natural) e Hermógenes (da língua convencional).
Entre os dois é introduzido Sócrates que nos diálogos de Platão representa as idéias
do mesmo Platão, que, no caso argumenta contra a teoria da linguagem natural.
Hermógenes, no diálogo, se dirige ao outro lado, apresentando Sócrates, quando
também resume a teoria da língua natural, de seu contendor:
"Hermógenes. Ó Sócrates, eis aqui Crátilo, que pretende que cada coisa tenha um
nome, pertencente por natureza à cada realidade; que não é um nome aquele, de que
se valem alguns, depois de o haverem posto, por acordo, para servir-se dele; e que um
nome com tais condições só consiste em uma certa articulação da voz; que existe um
sentido de denominação originária tanto para os gregos como para os bárbaros"
(Crátilo 183 a. C.).
Mais tarde os gramáticos da escola de Pérgamo (Ásia Menor) e os gramáticos
estóicos defenderão uma variante do naturalismo linguístico inaugurado por Crátilo de
Atenas.
56. A discussão sobre o caráter natural ou convencional da língua, - tão cedo ocorrida
na história da linguística, - incidiu sobre uma das questões mais graves da língua,
ainda que não essencial como é a mesma expressão.
Ainda que seja mais fundamental tratar da língua como expressão, onde se encontra a
sua essência, ganha imediatamente após importância a pergunta, - se a expressão é
natural, ou se é apenas convencional.
Ainda que a língua não seja a tradução direta do pensamento, mas dos objetos, estes
objetos todavia aparecem através da mente.
Por isso, a língua não expressa as coisas concretas tais quais são, mas ao modo como
são mentalizadas, sobretudo na forma de juízo. Esta sequência, já notada por
Aristóteles, é sua característica.
Não faziam ainda os gregos clara distinção entre o que se apoiava em considerações
racionais da filosofia e o que em constatações empíricas ao modo do método das
ciências positivas.
Por isso os resultados por eles obtidos, interessam hoje, ora ao filósofo, ora ao
linguista.
Quando os dados simplesmente apontam para elementos concretos da linguagem,
eles se situam na fase preliminar, chamada do objeto material; este é idêntico para
todas as ciências, as quais apenas se vão distinguir no objeto formal, isto é, no ponto
de vista abordado.
59. Só aos poucos os gregos foram apontando para os diferentes fatos da língua: o
nome, o verbo, a conjugação, etc.
Platão destacou na linguagem a sentença, como a unidade que compõe o discurso.
Na sentença apontou a distinção entre o nome (ónoma) e o componente verbal (rema).
A partir dali se desenvolveu posteriormente a análise sintática e a classificação dos
vocábulos.
62. Os estóicos foram os que mais se ocuparam com os estudos da gramática. Embora
os escritos dos primeiros estóicos sobre gramática se tenham perdido, ficaram todavia
alguns dos seus resultados conhecidos por informações de terceiros.
Em geral anomalistas, os estóicos defenderam o caráter natural da língua. Apontando
para suas irregularidades, contestavam aos analogistas.
A gramática dos estóicos oferece quatro classes das palavras: nome, verbo, conjunção,
artigo. Nesta classificação os adjetivos são citados entre os nomes.
Dividindo posteriormente entre nomes próprios e comuns, passaram os estóicos a
referir-se a cinco classes de palavras.
63. Continuam os anomalistas (vd 54), em confronto aos analogistas (vd 53). A
ocorrência das exceções na língua foi um segundo importante questionamento
específico linguístico já tratado pelos antigos, sobretudo a partir do 2-o século a. C. A
discussão sobre a forma da palavra em relação ao seu significado foi finalmente
concentrar-se no fato de haver exceções.
Enquanto a maioria das palavras seguia um modelo (paradigma, no grego), verifica-se
uma grande frequência das exceções.
Dali resultaram as denominações das duas diretrizes já citadas sobre a origem da
língua: a dos anomalistas (ou da língua natural) a que pertencem sobretudo os
filósofos estóicos e os gramáticos da escola de Pérgamo; e a dos analogistas (ou da
língua convencional), dos gramáticos de Alexandria, sobretudo Dionísio da Trácia e
Apolônio Díscolo.
65. Continuam também os analogistas (vd 61). Desde o 3-o século os analogistas de
Alexandria cultivaram a gramática, desenvolvendo amplamente o estudo das
diferenças, inclusive as entre o grego contemporâneo e o clássico (de Homero), com
glossários para facilitar a leitura deste.
Apesar de haver dominado a corrente convencionalista (ou analogista) da linguagem,
continuou a persistir fortemente a imagem da língua natural.
Não haveria tão cedo uma tentativa de língua criada por convenção expressa.
Continuou a linguística de dois milênios limitada ao estudo meramente antropológico
de línguas preexistentes, seja nos seus aspectos sincrônicos, seja nos diacrônicos ou
históricos, como se a linguística consistisse apenas em um compreender e conservar
máquinas velhas, sem inventar novas e mais adequadas aos interesses da sociedade.
Já era 1887 quando apareceu um primeiro projeto válido, o Esperanto (vd 85).
Com referência à distinção entre língua escrita e falada, - onde os gregos se haviam
ocupado com os textos clássicos em vez da língua popular, - agora também os
gramáticos romanos trataram do Latim erudito, como o de Vergílio e de Cícero, e não
do Latim vulgar efetivamente praticado pela massa.
67. São autores latinos a nível de estética e filosofia da arte:
- Cícero (106-43 a. C.) com De Oratore;
- Horácio (65-8 a. C.), com a Arte poética, ou Epístola aos Pisões;
- Quintiliano (42-117), com Instituições retóricas.
4515y068.
68. Latim e linguas nacionais na Idade Média. Deixou o grego de ser falado no
Ocidente europeu, onde na antiguidade romana fora praticado ao mesmo tempo que o
Latim.
Depois da queda do império romano do Ocidente (476), as novas nações passaram a
usar o Latim juntamente com suas línguas nacionais. Com a penetração dos
germânicos alterou-se a estrutura demográfica e política, o que tudo influenciou a
formação de novas línguas, ao mesmo tempo que o latim manteve sua posição de
instrumento diplomático e cultural.
Na Itália do Norte se haviam estabelecido ostrogodos e lombardos; na Bretanha, os
anglossaxões; na França, os francos; em Portugal, os suevos; na Espanha, os visigodos.
Na Europa central continuaram os germânicos. Sobreveio ainda a presença árabe na
península Ibérica na África latina. A língua italiana foi a que se conservou mais
próxima do velho Latim.
Com o esquecimento do grego, em que antes eram lidas no Ocidente latino romano as
obras dos grandes sábios, e foi preciso agora fazer a tradução para o Latim das
grandes obras antigas. Curiosamente o Latim medieva passou a ser culturalmente
mais significativo, quanto houvera sido ao tempo do Império Romano, quando fora
seu tempo próprio.
Com raras exceções também na Idade Média, há aqueles que ultrapassaram o campo
meramente morfológico dos modistas. Entre outros, destaca-se Tomás de Erfurt
(século 13), que colocou em primeiro plano na gramática a sintaxe. Nome e verbo são
fundamentais na oração, cujos termos são sujeito (suppositum) e predicado
(appositum).
Os modistas definiram o substantivo e o adjetivo, apontando para a independência
sintática do primeiro, dependência sintática do segundo.
A questão dos universais. Destacou-se na Idade Média o estudo dos termos, com o seu
paralelo lógico e gnosiológico da questão dos conceitos universais. Sobretudo a estes
últimos, - os univeersais, - preocupavam os filósofos.
4515y070.
Destacaram-se como gramáticas latinas, apesar de não conterem muitas coisas novas,
a de Júlio Césare Scalígerus, italiano (1484-1558), e a de seu filho francês Giusepe
Giusto Scalígerus (1540-1609), ambos filósofos.
Outros gramáticos das novas línguas: Lodovico Castelvetro (autor de Poética
d'Aristotele vulgarizzata e esposta, 1570); Francisco Sánchez (1550-1623); Francesco
Patrizi (1529-1597), todos reconceituadores da teoria geral da poesia.
Segue-se, não muito depois, Nicolás Boileau (1636-1711), teórico do classicismo
francês, além de poeta e crítico.
Dá-se mais destaque, dentre os citados, aos gramáticos Júlio Césare Scalígerus, autor
de Sobre questão da língua latina (De causis língua latina e, 1540), e Francisco
Sánchez, autor de Minerva ou comentários sobre questões de língua latina (Minerva
seu de causis linguae latinae commentarii, 1587).
71. Gramática geral e língua universal. Com o racionalismo, de que os principais
representantes foram o filósofo francês René Descartes (1596-1650) e o alemão
Gotfried Willhelm Leibniz (1646-1716), desenvolveu-se o clima para as idéias de
uma gramática geral e de uma língua universal.
Descartes chegou mesmo a opinar em favor da criação desta língua universal, em
carta de 20 de novembro de 1629, a Mersenne. O mesmo dirão J. A. Komenius (1592-
1670) e Leibniz, sem que então ainda alguém tomasse a si a difícil tarefa (vd 90) de a
criar.
72. Na teoria que faz a língua obedecer à estrutura geral do pensamento, ao qual
traduz em expressão oral, língua mais perfeita seria a que melhor obedecesse à
referida estrutura geral do pensamento. Em consequência , a língua perfeita se
condiciona à estrutura que uma determinada filosofia desse ao pensamento.
Ora, os cartesianos crêem num pensamento universal, eterno, imutável, inato.
Puseram-se, então, a procurar esta língua universal. Com isso entendiam em primeiro
lugar encontrar a língua perfeita. Esta seria universal, tal como universal é o
pensamento. Assim como há um só pensamento verdadeiro, uma só seria a língua
verdadeira.
Dali concluíram alguns cartesianos para a necessidade de um magistério primitivo
pelo qual Deus teria comunicado aos homens a palavra juntamente com o pensamento.
A tradição que nos transmite esta linguagem seria consequentemente a depositária da
verdade.
73. De novo origem divina da língua. O jesuíta e filósofo escolástico italiano Matteus
Liberatore (1810-1892) fez a distinção entre o fato e a possibilidade absoluta e
abstrata. O homem, dotado da faculdade da fala, com que Deus o dotou, poderia por si
formar a linguagem. Na realidade e de fato assim não sucedeu, e foi de Deus que ele
recebeu a linguagem já formada (Liberatore, Institutiones philosophicae, Lógica, P.I.).
É certo que o pensamento se faz acompanhar sempre da imagem sensível. Enquanto
pensa, tem o ser sensível concreto como seu objeto próprio; mas isto ainda não é o
mesmo que fazer acompanhar-se de palavras.
Quanto à Bíblia, não obsta à verdade religiosa, haver nela erros científicos, mesmo
históricos. As sugestões que nela se encontram sobre a origem divina da língua e
sobre sua posterior diversificação pertencem a estes erros científicos e históricos.
Também outras mitologias se referem à origem divina da língua. Tais doutrinas estão
alinhadas com a antiga teoria dos anomalistas (vd 54).
O que mais se deve admirar é como um espanhol, considerado um dos mais ilustres
clérigos de então, pudesse argumentar com tanto primarismo!
Os linguistas conservadores, contrários ao desenvolvimento tecnológico da língua
através de idiomas planejados, - como por exemplo, o Esperanto, - muito têm de
comum com os defensores da tese ingênua da origem divina da língua humana. Eles
consideram a língua um fenômeno humano-natural, incapaz de ser atingido por uma
iniciativa do técnico de comunicação.
Finalmente, criado o Esperanto, despertou este também uma tal admiração, que não
faltaram os que o interpretassem como uma revelação dos espíritos a Ludovico Lázaro
Zamenof!
Com isto se dilatou o estudo das línguas principalmente ao Sânscrito (vd 74), que se
revelou a mais antiga língua documentada do grupo indo-europeu.
Para a fundação da gramática comparativa e o reconhecimento do grupo indo-
europeu de línguas se apontam fatos significativos alcançados pelos linguistas.
77. O Sânscrito, ao ser conhecido no Ocidente, foi o ponto de partida dos grandes
resultados da gramática comparada.
Ofereceu ainda o Sânscrito a vantagem de possuir uma tradição própria e muito antiga
de estudos gramaticais, entrando assim de corpo inteiro na tradição ocidental.
Aliás, Sânscrito quer dizer pura, polida, em oposição Prácrito (= vulgar, comum),
nome com que se denominam os dialetos ou línguas em que derivou ao longo dos
tempos.
Panini, nascido cerca do ano 500 a. C., é autor da gramática mais antiga conservada
do Sânscrito, e que remonta ao menos ao ano 400 a. C. Intitulada Doutrina das
Palavras (Sabdanusasana ou Astadhyayi), a gramática, de oito volumes com quatro
mil aforismos (Sutra), menciona os mestres que o antecederam e que representam uma
tradição de pelo menos 1000 anos a. C.
Calcula-se que pelos anos 1500 a.C. os arianos haviam entrado na India. Reordenando
e sintetizando sob nova forma doutrinas esparsas dos mestres brâmanes, alguns depois
totalmente perdidos, Panini formulou as regras gerais do Sânscrito.
78. Apesar de haverem os gramáticos hindus precedido aos gregos nos estudos da
língua, mantiveram tradição científica autônoma, sem influência para fora do seu
meio. Foram finalmente, pouco antes de 1800, descobertos pelos linguistas do
Ocidente, os quais finalmente estabeleceram uma nova e maior síntese geral,
explicativa de todo o contexto das línguas hindeuropéias.
82. O Círculo linguístico de Praga, fundado em 1926 por Wilhelm Mathesius, marcou
uma coordenação e inovação no esforço linguístico tão peculiar ao século 20. Sua
atuação foi duradoura. Os mais atuantes do grupo foram os linguísticas russos, Nicolai
Trubetzkoy e Roman Jakobson.
Ainda que o círculo fosse dominantemente eslavo, participaram também outros
linguistas, como o francês André Martinet (1908- ) e o filósofo e psicólogo alemão
Karl Buhler (1879- ). O grupo foi atuante em congressos internacionais, fez
publicações de trabalhos, geralmente na linha estruturalista, inspirando-se também em
Saussure.
A fonética é distinguida da fonologia com ênfase desta última. A nova tese, defendida
pela maioria no Círculo de Praga, encontrou resistência em outros linguistas. A
fonética diz respeito mais à palavra individual, a fonologia à língua em geral. O
círculo de Praga destacou o valor semiótico do fonema, ou seja, de sua capacidade de
estabelecer diferenças de significados.
A análise dos fatos da língua é antes de tudo sincrônica, ainda que não se exclua a
diacrônica (história). O círculo foi, portanto, estruturalista. Os fatos atuais
(sincrônicos) se apresentam como material completo e sempre à disposição.
A língua é um sistema funcional, ou seja de meios, voltado para um fim.
85. Esperanto e hebraico moderno. A criação das línguas artificiais, isto é, com
codificações escolhidas conscientemente, como que em laboratório, constitui
iniciativa revolucionária da linguística moderna, e que começou a acontecer no final
do século 19.
O fato de haver o Esperanto (vd 26) conseguido funcionar como instrumento de
expressão e comunicação, estética e ocupação lúcida de muitos, é um fato linguístico
novo e único na história.
É próprio de todo cientista conhecer algo das ciências vizinhas, que cruzam com o seu
campo. Por exemplo, cada ciência deverá ser definida; é o que se usa fazer nas
introduções dos manuais; ora, esta parte é sempre uma logica especial, e que se ocupa
também da metodologia. Cada ciência experimental (não cada ciência filosófica)
necessita da matemática. Desta mesma sorte, o linguista contacta a filosofia da língua
e o filósofo da língua contacta a linguística, com distinção crítica dos conceitos e
harminação metodológica do todo.
Mas, sempre que um cientista faça ciência do outro, ou mesmo dela, corre o risco de
não acertar. Os linguistas, que se ocuparam da filosofia da língua, consciente ou
inconscientemente, poderão ter criado apenas uma ideologia de apoio para suas idéias
linguísticas.
Nesta ideologia de apoio poderão chegar até a negar diretamente a existência de uma
filosofia da língua. Se se limitassem simplesmente a esquecê-la, não seria tão grave;
todavia para diretamente negá-la têm de filosofar, o que não podem fazer em nome da
ciência positiva da linguística.
Se o fizerem em nome da filosofia, deverão fazê-lo criticamente. Linguistas, como
Chomsky e Sapir, foram certamente mais cuidadosos que outros em distinguir os dois
campos, ao mesmo tempo que se definiam em ambos.
De outra parte, Gilson revela que sua iniciativa de filosofar procede por influência dos
mesmos linguistas, advertindo que, neste particular, eles tentavam uma filosofia,
ainda que não bem sucedidos na tentativa.
"O que provocou o nascimento do livro e o orientou neste sentido é a liberdade que
numerosos linguistas se tomam de filosofar por sua conta e de apresentar sua filosofia
como se fosse coisa que pertence à ciência. Físicos e biólogos tão pouco se privam de
adotar igual atitude".
Finalmente aponta o erro ideológico em que muitas vezes caem os linguistas:
"E não haveria que preocupar-se com isso se a filosofia, que se oferece assim, sob o
título de ciência, não consistisse muitas vezes em negar posições filosóficas aceitas
por aqueles que têm por ofício filosofar".
Até onde irá a filosofia da língua? Etienne Gilson, apesar de seus longos comentários,
diz:
"A reflexão filosófica sobre a língua pode que não conduza a grande coisa; porém, a
menos que se tenha a todos os filósofos por insensatos, na realidade a linguagem, tal
como ela é, tem que ter algo que convide a filosofar" (ibidem).
Há certamente um caminho difícil a trilhar.
90. O desenvolvimento rápido das letras se deve antes a seu alto valor funcional que à
sua facilidade.
Não se apresenta certamente a língua como a mais fácil entre as artes.
De maneira geral, todas as artes visuais, que compreendem a pintura, escultura e
arquitetura, se mostram mais praticáveis em virtude do alto rendimento do sentido da
vista. Note-se que a vista, pela capacidade de distinguir a nitidez das formas, fornece
elevado número de conhecimentos de que o ouvido não é capaz, menos ainda os
demais sentidos inferiores. A música, essencialmente auditiva, resulta
conseqüentemente mui difícil; sua história pouco evolutiva o comprova.
Se a língua se apresenta mais fácil que a música, obedece todavia a uma estrutura
eminentemente complexa, o que obriga aos que a utilizam, a um notável esforço. E se
este vem a ser feito, deve-se à utilidade que o idioma também oferece.
Induzidos todos nós pela necessidade e não só pelo gosto estético, dedicamo- nos ao
exercício da língua até sermos capazes de exercer um falar eminentemente complexo,
que causa admiração. Exercitados desde pequeninos, adaptamo-nos de tal maneira ao
esquematismo do idioma em que nascemos, que já não somos capazes de nos integrar
perfeitamente nos demais; em última instância, isto vem provar o processo difícil da
arte da língua. Dependendo embora essencialmente apenas de um código, em que se
determinam os equivalentes, seu uso todavia requer uma acumulação enorme de
reflexos condicionados e associações de imagens.
Atentos a esta natureza difícil, é de se suspeitar que, apesar dos desenvolvimentos
teóricos conquistados pelos antigos e desenvolvidos por muitos dos modernos,
continua ainda a haver bastante para esclarecer. Prossegue, pois, a necessidade de
pesquisas sobre a língua, sobretudo no que concerne às línguas planejadas.
4515y091.
92. Divisão em estética literária geral e estética literária especial. Habitualmente uma
ciência se divide primeiramente do ponto de vista dimensional, em geral e especial.
Em se tratando de uma divisão meramente dimensional, ela é uma divisão material.
Por isso, a redivisão formal se fará por igual, tanto na geral como na especial (vd 93).
Na estética literária geral se trata primeiramente dos aspectos que atingem todos os
materiais de estudo.
Depois, na estética literária especial, o mesmo tema passa a ser tratado por setores
particularizados.
A estética literária já é uma estética especial, porquanto se diz uma espécie de arte,
entre outras artes, como a pintura (estética das cores), escultura (estética das formas
plásticas), música (estética do som).
Em conjunto, tais estéticas especiais formam a estética geral (ou filosofia geral da
arte).
Mas, o que é especial admite novas e sucessivas subdivisões materiais, em espécies
cada vez menores. Então de novo a estética literária se subdivide em:
- estética literária geral (a que aqui se está tratando de fazer);
- estéticas literárias especiais (desta ou daquela língua em espécie), como estética da
língua portuguesa, estética da língua internacional, estética da língua latina, etc...
A estética geral da linguagem examina, pois, tudo o que se diz da língua
simplesmente como língua e não com tal e tal sistema linguístico.
Mas, o que é que se pode dizer da língua simplesmente como língua, e do ponto de
vista filosófico?
Começaremos pela língua como significação, ou seja pela língua como expressão.
Todavia, mais uma vez queremos subdividir, começando pela língua simplesmente
como expressão (cap. 1-o, vd 96).
É que, antes de seguir para detalhes da expressão, como prosa e poesia, gêneros de
prosa e de poesia, estilo literário, queremos não sem demora abordar o significante
(ou portador da expressão), em vista da grande proximidade entre significado e
significante.
A importância deste portador está em que ele condiciona a capacidade com que a
mimese causa a expressão significadora. Nem todos os materiais são capazes de serem
portadores de significado, senão aqueles que são qualidades, pois só as qualidades têm
semelhante. Seguindo, portanto, por partes, há a examinar:
-o significante como qualidade, isto é, como som (art 1-o);
- as propriedades do som, e o seu movimento de que resultam as flexões como
principais instrumentos portadores da língua (art. 2-o);
- o ritmo da linguagem (art. 3-o);
- as alianças da língua com outras matérias portadoras de expressão de que o
canto e o gesto são as formas mais freqüentes (art. 4-o).
Portanto, depois de tratar da expressão (cap. 1-o), se cuida de dar algum tratamento ao
significante (cap. 2-o), redividindo e retomando:
Existe também uma ética, bem como uma filosofia social e política da arte.
Usualmente não se incluem estes títulos no contexto sistemático da estética literária.
CAP. 1-o.
Se digo casa, penso numa construção habitada pelo homem, e não nos sons
desta palavra. É da expressão que se cuida agora, e não de seu portador.
4515y097
4515y099.
Não se demonstra, portanto, pela via argumentativa, que a língua seja uma
expressão significadora; tudo é verificado diretamente, portanto por uma prova
fenomenológica, anterior à prova argumentativa.
Então tudo, em filosofia da língua, começará pela constatação direta deste fato,
examinando-o, portanto, fenomenologicamente, antes de qualquer
desenvolvimento teórico ulterior.
Quando, por indução, se passa dos dados singulares para o universal, este
último é um novo conhecimento, dito de evidência virtual, porque gerada pelos
antecedentes analisados; o mesmo acontece com os conhecimentos gerados
pelas premissas do raciocínio dedutivo.
Os dados são muitos, todos autênticos; mas inicialmente não sabemos qual
deles o mais representativo e finalmente indicador do essencial, sem o qual a
coisa não seria aquilo que é.
Mas seria a comunicação entre pessoas algo essencial à língua? E não suporia a
comunicação a expressão?
Ocorre uma estrutura com três elementos: o ponto de partida, a relação para
fora, o termo de chegada. Sobre todos os três termos, aparentemente óbvios, há
muito a dizer.
A complicação está naquele algo, dito pela expressão. Nele está em primeiro
lugar, o sujeito da expressão.
Na obra de arte ocorre apenas o sujeito portador da expressão, o qual não está
consciente de si mesmo; o sujeito consciente é apenas o apreciador, que a
interpreta. Mas na mente a expressão é, ao mesmo tempo, sujeito portador e
sujeito consciente.
- transcendentalidade,
- intencionalidade,
- referencialidade.
Cabe à filosofia da arte mostrar as diferenças que ocorrem de arte para arte.
Por exemplo, nas artes da pintura, escultura e música a operação relacional para
fora se faz mediante semelhança natural, enquanto que na língua ela acontece
por semelhança de convenção.
Na fase da criação o artista começa por ter na mente a idéia da obra a ser
criada onticamente. No segundo tempo, esta obra deverá intencionalísticamente
expressar um tema.
Não há significação, nem signo, nem sinal no caso da expressão ôntica, mas
apenas onticidade, entidade, coisa, produto, resultado. Se adicionalmente a
coisa passa a significar algo, este novo elemento é distinto do primeiro.
Neste sentido pode-se deduzir que o sentido primitivo da palavra expressão era
o ôntico, o praticista, o industrial.
Pelo visto, não basta definir a arte como expressão, sem que o contexto afaste
a polissemia. Importa garantir o significado de expressão na acepção de
significação de algo, de intencionalidade, de transcendência, de denotação, de
tematicidade, de assuntação.
Seria a língua apenas uma obra entre outras obras? Mais fácil é assim pensar
da pintura e da escultura, não usadas tanto quanto a língua para a comunicação.
Mas é sobretudo no campo das assim denominadas belas artes, com destaque
na arquitetura, que o praticismo é mais fácil de ser veiculado como definição
essencial da arte.
Na arquitetura importa examinar a possibilidade de estarem ocorrendo dois
sentidos de arte, - o de produção bem feita e o de expressão intencionalística,
que se lhe pode eventualmente acrescer.
"As notas, as cores e as formas não são signos, não são coisas que remetem a
nada que lhes seja exterior.
O pintor não quer traçar signos em sua tela, senão que quer criar uma coisa, e,
se põe vermelho, amarelo e verde em conjunto, não há nenhum motivo para
que o conjunto possua uma significação definível, isto é, a remessa concreta a
outro objeto" (Que é literatura? I, p. 45, ed. Esp.).
Mais adiante: "O grito de dor é o signo da dor que o provoca. Porém um canto
de dor é por sua vez a dor mesma e uma coisa distinta. Ou, se se quiser adotar o
vocabulário existencialista, é uma dor que já não existe, que é.
Vocês dirão e se o pintor faz casas? Pois bem, precisamente, faz casas, isto é,
cria uma casa imaginária na tela e não um signo de casa. E a casa que assim se
manifesta conserva toda a ambiguidade das coisas reais" (Ibidem, I, p.47).
Ainda quando a prova parece óbvia, ela deve ser trabalhada com todo o detalhe
pela fenomenologia, com vistas à compreensão perfeita do fato verificado, e
ainda com vistas a afastar elementos raciocinativos que por engano se hajam
introduzido.
O que observamos em cada momento na língua é que ela nos fala como
expressão intencionalizada, fazendo atender aos objetos significados. Para o
observador de cada caso não há linguagem quando falta a significação a
denotar algo.
A música, não obstante agradar pelas suas qualidade estéticas, exprime algo.
A voz do papagaio, ainda que para ele mesmo seja apenas uma voz similar à
que ele ouve e imita, poderá, para nós outros, significar eventualmente o
conteúdo de uma palavra humana, e neste sentido transposto participar do
conceito de arte. O mesmo aliás acontece com animais que participam no teatro.
Fundamentalmente, pois, as artes conferem entre si, sendo por isso chamadas
artes em sentido unívoco, e não somente por analogia. Em tudo o mais as artes
conferem entre si, como significadoras de um tema. A língua versa assuntos, do
mesmo modo essencial que a música, a pintura, a escultura, ainda que com as
peculiaridades respectivas.
Importa não confundir esta primeira cursividade indutiva com uma outra, mais
caracterizadamente teórica, na qual se explica o porque do fato. Dentre estes
explicativos muito se destaca, por exemplo, a explicação da arte pela mimese
(vd 122).
Dificuldade similar ocorre na arte concretista. Não se pode dizer que a arte
concretista é uma arte sem objeto (sem tema). A literatura concretista não é
apenas um conglomerado visual de palavras. Elas em última instância dizem
algo.
"Uma das peculiaridades substanciais das palavras é que, tão logo cunhadas, se
aferram irrevogavelmente a um referente...
Advertindo contra a crítica que junta as críticas todas, observou A.S. Amora:
"Este conceito, apesar de seu evidente defeito, foi perfilhado por vários críticos
do século passado[dezenove]. No domínio da literatura em língua portuguesa
sobreviveram-no historiadores como Teófilo Braga (em Portugal): veja- se à
título de confirmação, a extensão das histórias da literatura brasileira destes
críticos, mais historiadores da cultura espiritual de Portugal e do Brasil, que
propriamente historiadores da literatura" (A. S. Amora, Teoria Literária, p. 23).
4515y120.
121. Por que é que uma expressão falada é capaz de significar? Nas
artes por semelhança natural, aquela semelhança tudo logo explica, em função
ao princípio de que o semelhante acusa ao seu assemelhado. Mas, o que
acontece na linguagem para que, apesar da ausência de semelhanças naturais,
ela contudo é capaz de significar?
Já não se trata de fazer uma constatação pura e simples, de que a língua é uma
expressão capaz de significar, porque remete a atenção na direção de um objeto;
trata-se agora de penetrar a natureza desta expressão, para entender, do porque
de sua capacidade.
122. Tese: a língua (do ponto de vista da causa formal) é expressão mediante
equivalentes convencionais.
Mesmo o que é convencional, não exprime pelo fato de ser criado pela
convenção, mas porque a convenção se comporta como causa formal; então,
posta a convenção, o efeito é o de significar algo. Assim também a expressão
natural procedida pela pintura, escultura, música, não exprime por ser natural,
mas por efeito formal. O princípio formal é sempre o mesmo, - o semelhante
acusa o assemelhado.
A semelhança é uma propriedade que os seres têm e que os aproxima uns dos
outros. Em virtude da semelhança, que aproxima uns seres dos outros, fazem-
se de conhecer uns pelos outros, na medida que se de aproximam. É o acontece
na expressão, em que é criada uma semelhança para expressar o que se lhe
assemelha.
Além disto, a qualidade tem graus e contrário, que permitem criar as flexões,
também peculiares da arte.
É a qualidade (nome derivado de qualis = qual) aquilo que faz uma coisa ser
uma tal-e-qual coisa. Em consequência de cada coisa ser uma tal e qual coisa,
ela se de distingue da outra coisa ao seu lado.
126. Aproximações entre qualidade e essência. Mais fundamentalmente, a
qualidade é o que se denomina essência, porque é pela essência que uma coisa
se distingue de outra. É pois a essência o modo de ser do existir.
A mesma coisa pode ser vista, ora como outra categoria de ser, ora como
qualidade. Por exemplo, a quantidade não é qualidade; todavia, um ser pode ter
a qualidade de ser quantificado.
Neste sentido, a qualidade é a única categoria de ser que invade todas as outras.
Ela invade as categorias de noções unívocas, como ainda aos modos
transcendentais de ser.
A emelhança entre os seres ocorre, quando eles conferem entre si pelas suas
qualificações. Eles se tornam então equivalentes. Na medida que umas
determinações conferem e outras diferem, as coisas se assemelham ou se
diferenciam.
E por que somente pode exercer-se como símbolo o ser enquanto se diferencia?
São as qualidades que os diferenciam e lhes dão condições de poderem assumir
as funções de símbolos. Devem os símbolos distinguir-se entre si; ora, aquilo
que distingue os seres sensíveis, aproveitando-os como símbolos, se deve à
qualidade, que os faz ser de tal ou tal cor, ou de tal ou tal forma.
Posta a distinção real entre essência e existência, esta fica sendo atingida
apenas indiretamente. A qualidade e a essência (qualidade fundamental) são o
modo de existir da existência. Se conhecemos os modos de existir, não
conhecemos diretamente o mesmo existir. Só pelas determinações distinguimos
as diversas coisas e só assim as conhecemos.
129. O poder significador como efeito formal. Há uma relação de causa e efeito
entre a expressão e a significação produzida. A mesma relação causal acontece
entre a expressão mental e o conhecimento do objeto.
130. Símbolo e língua. Mais vasto em seu sentido, não é o símbolo sinônimo de
língua. Símbolo é o gênero maior de artes, sob o qual se classifica a língua
como uma de suas espécies.
131. Símbolo do invisível. Código. Rito. Evoluiu o nome símbolo para indicar
sobretudo o invisível mediante o visível. Por exemplo, o coração visível
expressa o amor, algo em si mesmo invisível.
Para os egípcios a alma dos mortos era simbolizada por um pássaro com rosto
humano, porque a imaginavam como algo voando em torno da múmia. A
âncora simboliza a segurança. O verde, a esperança. A cruz, para os cristãos, a
fé.
São também símbolos, com algum apoio exterior, os gestos que acompanham
a linguagem quando os homens se relacionam socialmente.
4515y132.
A interferência dos fatores antropológicos é de tal ordem, que não raro se fala
em língua natural. E assim houve até os que simplesmente negaram a
convencionalidade da língua, reduzindo-a a um produto da natureza. As
mitologias atribuíram mesmo a Deus, ou aos deuses, a origem da linguagem.
I - Convencionalidade da língua.
4515y134.
Ainda que a expressão opere com relações de efeito formal, não deixa de haver
ordinariamente também a presença do efeito na ordem da causa eficiente. Não
acontece o efeito na ordem da causa eficiente quando o objeto existe desde
sempre; costuma-se de dizer então que o objeto já existe por natureza.
Também o pintor cria primeiramente a cor, com vistas a usá-la; até aqui está
como causa eficiente. Depois de fazê-la existir adequadamente sobre a tela, a
cor passa a ter o efeito formal de significar o objeto com que se de assemelha.
Não há sequer uma sucessão real de tempo, mas apenas uma sucessão lógica,
porquanto, ao mesmo tempo que a cor é criada sobre a tela, contém
necessariamente uma forma, da qual resulta (por efeito formal) a significação.
Na mente pensante ocorre a mesma sequência de causa eficiente e de causa
formal: o objeto exterior atua, provocando, isto é, criando uma expressão
semelhanteàquele objeto.
Depois de expresso na mente, o mesmo objeto poderá ser expresso pela arte, e
então, através da arte, por exemplo da palavra, o pensamento se faz conhecer
aos demais.
136. A fragilidade da opinião dos anomalistas (vd 64) é tão evidente como a
dos símbolos não é natural. Não obstante, alegam que, se a língua fosse
produto da razão, ela seria inteiramente racional, sem excessões. E já que as
excessões existem, ela não foi criada pela razão.
4515y138.
Com referência à língua artificial, ela poderá ser planejada para um povo
só, para vários povos de um continente, ou mesmo para o mundo globalmente.
O Esperanto, fundado no indo-europeu, sobretudo nas raízes latinas, não é
apenas uma língua planejada, mas foi planejada com vistas à universalidade. O
hebraico moderno já o foi para uso de um país.
141. Instabilidade das línguas. Com referência à origem das línguas étnicas, ou
nacionais, não restaram notícias de detalhe como tudo começou em épocas
remotas. Elas já vieram diferenciadas do fundo da barbárie do passado,
desenvolvendo-se com o progresso dos grupos que as falaram.
4515y143.
Além disto, nada impede que no futuro haja diversas línguas internacionais.
Enquanto as pequenas línguas vão desaparecendo, as grandes vão ganhando
espaços.
A associação das imagens se processa pelo menos por três formas, todas
atuando na geração da língua:
- semelhança,
- contraste.
Em parte, é certo que a criança aprende a falar do mesmo modo, que o animal
aprende a sair do labirinto, isto é, retendo os sons que surtem efeito, ao
reclamar o seio da mãe, os alimentos, os brinquedos. Um certo chorar
reclamante das crianças é retido no subconsciente, quando surte efeito. Se os
pais não atendem, a criança abandona esta modalidade de choro reclamante,
descobrindo depois melhores instrumentos. E assim aos poucos se estabelece a
língua. Mas é evidente que a criança junta ao processo alguns elementos de
inteligência, com que julga e elege.
Tudo isto também ocorre, mas não basta; o relincho e o canto natural oferecem
apenas ocasião para que se escolha esta modalidade de sons e articulações para
revesti-los de preferência como palavras de efeito convencional.
153. Um sinal pode ser meramente associativo, antes que venha a se comportar
como signo convencional. O associativo existe no mundo da sensação.
Nos animais, na medida que se os considere sem inteligência, não existe senão
a linguagem dos signos associativos. Ainda que os homens convencionem entre
si de chamar a este boi pelo nome "Barroso", o referido boi Barroso atende ao
chamado "Barroso" apenas por associatividade. Pela mesma via ocorrem as
demais conversas dos homens com os animais.
O mesmo ocorre, em parte, na linguagem humana, porque sempre aliada com
os reflexos condicionados. Ainda que a convenção houvesse escolhido
denominar de "Barroso" a um dito boi, ao ouvirmos falar no boi Barroso,
ergue-se no subconsciente a imagem do boi Barroso por efeito do signo
associativo e não apenas por causa do signo convencional, e ainda por reflexo
condicionado pronunciamos seu nome.
Pode-se imaginar que tudo houvesse começado pela simples interjeição, a mais
sintética das categorias gramaticais. A presença constante da interjeição,
mesmo na linguagem do homem evoluído, mostra sua característica de
linguagem fundamental.
156. A interjeição como frase. Não é a interjeição apenas uma palavra. Ela é
uma frase, no sentido de expressar uma afirmação.
Por isso pode também aqui ocorrer uma interferência racionalizante. Ou, para
cada detalhe se cria uma nova palavra, - o que efetivamente não usa acontecer
senão em pequena escala, - ou, se aproveitam as mesmas palavras, com alguns
modificadores, como partículas, terminações, declinações, conjugações,
sufixos e prefixos, etc.
Ambos os recursos são eficazes, e podem ser usados, dependo das línguas
escolher, ou um deles, ou outro, ou ambos. O defeito das línguas poderá estar
no uso exclusivo, ora de um, ora de outro recurso. Além disto, importe que o
sistema seja instalado com suficiente perfeição, evitando a excessiva
complexidade, ao ponto de gerar dificuldades em vez de recursos de expressão.
Predominam as declinações na fase primitiva da evolução das
línguas. Contêm as declinações um resto do caráter sintético da interjeição.
Aos poucos se desprendem as línguas espontâneas do excesso de suas formas
declinativas, além de criarem um melhor sistema de preposições. Esta, as
preposições, ao modalizarem as palavras com partículas autômas, deixam
intocáveis as palavras postas em relação com outras palavras.
O Esperanto foi planejado para usar, ora o caso acusativo, ora a preposição
sem acusativo simultâneo (sem as dificuldades desnecessárias da regência).
Além disto, o uso destes recursos é universal, de sorte que a mesma radical
pode ser usada, ora como substantivo, ora como adjetivo, ora como advérbio e
assim por diante, com as modalizações que ainda são possibilitadas pelos
sufixos e prefixos, conforme determinar a necessidade da expressão dos temas.
4515y164.
165. Quando a língua se torna viva? Ainda que a língua seja convencional,
ela não está toda inventada no instante anterior de ser falada. Ocorre algo
semelhante com o alfabeto; ele já existe, mas passa a ser composto
adequadamente enquanto se escrevem as palavras.
Como um dominó, que vai ser posto em movimento, a língua não é apenas o
seu código. Fazê-la ser falada, é outra coisa, que a sua simples essência.
Importa ainda aquilo em virtude do que se torna viva, com os sons no ar, e cada
som em sua forma adequada.
Mas estes novos níveis não são inteiramente arbitrários, porque obedecem a
regras, que pertencem também à convenção fundamental.
Se a palavra é polissêmica, esta polissemia também preexiste ao uso da
referida palavra. Então o usuário da palavra também a coloca dentro de um
contexto requerido.
Repetindo e insistindo, - para a língua humana há como que situações que são
níveis gerativos anteriores, aos quais se sucedem os novos níveis gerativos.
O artista da palavra já não cria a palavra, mas cria seu aproveitamento. Não
cria a gramática e nem o dicionário da língua, mas obedece à gramática e retira
do dicionário as palavras, como o artista do mosaico seleciona uma por uma as
pedrinhas coloridas para a formação das cores das figuras.
Nas outras artes também ocorrem níveis gerativos, ainda que em graus
diferentes daqueles da língua.
A passagem do projeto para a realidade pode ocorrer por etapas. Eis quando a
geratividade da língua e da arte em geral aparece mais evidente, porque a
efetivação do significante importa em partes que se colocam aos poucos.
O pintor opera gerativamente com pincéis e tintas, para cujo uso se habilita
com exercícios vários, coordenando seus reflexos. Aos poucos os traços vão
gerando a significação, e permanecerão significando na medida que durarem
através do tempo.
4515y174.
Por exemplo, a informação de que faz sol, resulta em um contexto de dia claro.
A referência de que o país tem um rei, implica ordinariamente em entender que
sua casa é um palácio.
4515y179.
Colocada uma imagem, ela arrasta consigo outras e outras imagens, as quais se
dizem associadas e evocadas. Por exemplo, a imagem da flor, além de
expressar a flor, costuma estar associada a outras flores, bem como ainda às
folhas do seu em torno, as vezes ainda ao perfume e às pessoas mais afeiçoadas
a elas, como as crianças e as mulheres.
182. Dada a distinção que separa prosa e poesia, elas são tratadas em
desenvolvimentos específicos.
Neste momento, o que importa é dizer que a linguagem não é apenas explicada
pela expressão em prosa, mas também pela irradiação associativa, que em torno
de todo o objeto prosaicamente expresso institui um halo contextual poético.
4514y184.
O texto da palavra escrita importa em ser lido. Mesmo o que fala, ao modo de
um aparato eletrônico, deverá ser entendido por quem o ouve. Também as
palavras de um ser humano são entendidas, não porque sejam enunciadas por
um ser inteligente, mas porque aquele que as ouve as interpreta.
A estátua não sabe que ela exprime algo. Somente o sabe o intérprete que se
lhe põe diante.
Mesmo o ator no palco, ainda que ele seja consciente de si mesmo, o que de
corpo inteiro exprime importa em ser interpretado. Se possível fosse, poderia
ele ser substituído por um robot perfeito; sem que os espectadores o soubessem,
funcionaria com a mesma capacidade de expressão. É o que efetivamente
acontece no mundo virtual do cinema e da televisão, porque ali não mais se
encontra o ator, mas algo que o substitui eletronicamente.
Poderão surgir muitos intérpretes, podendo cada qual formar distintamente seu
tema interpretado. As vezes todos obtêm o mesmo resultado de interpretação,
outras vezes, uns atendem a um aspecto, outros a outro.
Ora, é exatamente isto, - como já se de tem advertido, - que a arte não é, nem
mesmo a arte da língua. A obra de arte opera por meio de semelhanças
objetivas, mesmo no caso dos equivalentes convencionais.
Por isso é que o homem simples expressa coisas simples e ao modo do seu
simplismo. Deus é como um robusto avô. Os anjos são como jovens bem
vestidos, ou como meninos gorduchinhos, parecendo belas meninas. O
indivíduo piedoso olha para cima quando invoca a Deus, como se ele estivesse
mais lá, do que aqui junto de nós. O homem de erudição plena se de exprime de
maneira mais abrangente sobre todas as coisas.
Mais distantes do objeto como este se apresenta à mente estão as artes por
mimese natural. Diante de uma pintura é possível pensar conceituando,
julgando, raciocinando, ainda que a pintura não consiga tão de perto expressar
o modo como os objetos chegam até nós.
4515y190.
4515y192.
Quando escrita, a expressão literária ainda se une aos efeitos do espaço visual,
que apresenta forma e cor, além da sequência linear. Destas propriedades pré-
artísticas se valem os concretistas (vd 299) para diferentes combinações da
palavra com outras artes.
4515y196.
4515y199.
O belo é mais ser; por isso mais agrada. O belo é a perfeição em destaque. A
ordem e a proporção das partes são elementos perfectivos do ser composto, e
por isso são próprios do ser, que por este através agrada. A arte agrada na
medida que produz conhecimento. Por isso agrada a linguagem com bom
conteúdo, ordem e proporção, beleza em destaque.
Pela ordem das faculdades, tudo começa pelo tato. Agrada o tato, enquanto
informação de presença, seja dos objetos exteriores, seja dos efeitos resultantes
das respostas reflexas incondicionadas. São mais de 200 os reflexos
incondicionados, todos para o bem do organismo. Pelo prazer mais forte
destacam- se os efeitos da ereção sexual, que fundamentalmente se encontra no
plano do tato, que acusa a pressão sanguínea nos vasos entumescidos.
Agrada a percepção dos objetos que se acusam de bom sabor e de bom odor.
A língua admite, pois, ser estética, ora pela excelente disposição sonora dos
elementos materiais da palavra (portanto do significante), ora pelo virtuosismo
perfeito do uso das palavras para significar (portanto do significado). Neste
caso, o do significado, agrada pelo volume do conteúdo significado, sobretudo
de coisas grandes, belas, com ordem e proporção em harmonia.
O poeta sofredor verseja lamuriando sobre a vida. Quando o poeta sabe cantar,
seus versos passam a ser lamúria sonora. Então os versos lhe fazem muito bem,
ou seja, lhe fazem a catarse dos males pessoais, que não raro são os de todos
nós. Sem intenção de transmitir mensagem, o poeta cantor usualmente
simplesmente pranteia a sua aflição, e, enquanto faz esta expressão,
desencadeia o processo catártico purificador.
A dor do poeta, ora é apenas a sua, - uma dor episódica. Ora é a da condição
humana como tal, - uma dor universal. Quando trata desta dor universal, o
poeta atinge a grandeza, passando a ser verdadeiramente útil, porque serve à
catarse da dor resultante da limitação ingênita às coisas em si mesmas.
Da ludicidade muito necessita a criança, que por causa dela se ocupa e aprende
sem o perceber.
Quem, por exemplo, escreve sobre uma folha de papel, tem um caminho a
andar, ao longo do qual vai alinhando as idéias, juízos e raciocínios. O
resultado é um ordenamento mental como consequência da expressão artística.
Quem ouve uma conferência ou assiste uma aula, tomando notas, este ao final
as poderá reler. Assim poderá ainda melhor reordenar tudo o que entendeu
enquanto anotava. Já desde a anotação podia selencionar as assertivas centrais,
estimulando-se depois a organizar o pensamento em novas formas evolutivas.
A arte literária, melhor que outra, organiza o pensamento, porque possui
símbolos próprios para expressar distintamente as idéias e maneiras próprias
para expressar juízos e raciocínios, sobre os objetos.
4515y207.
208. a língua é um fenômeno social, muito mais que as outras artes. Ainda
que a língua seja antes de tudo uma expressão, sua utilidade para as
comunicações é tal, que praticamente se define como instrumento de
comunicação e em função desta fixa as convenções.
Depois, finalmente, este escrito poderá seguir para a leitura de outros, os quais
se comunicam com o comunicador.
Mas estes outros também poderão ler o escrito simplesmente como expressão;
é o que acontece, se um escrito é lido simplesmente.
Os escritos em geral não são lidos como comunicação, mas apenas como
expressão de algo. Ainda que outros os tenham produzido, eles não são lidos
com vistas a descobrir o que outros pensaram, mas são lidos simplesmente pelo
que eles contêm.
CAP. 2-o.
213. O som na música e o som na linguagem. Há duas artes importantes que utilizam
o som para servir de portador da expressão, - a música e a linguagem. Portanto, de
novo se tem de distinguir. Aqui se trata do som como ocorre na linguagem, e não
como o utiliza a música.
Com referência à música, ela aproveita o som sobretudo como tonalidade, a qual se
organiza em tonalidades, que sobem e descem em um escala. Os instrumentos
musicais e os cantores operam as mencionadas escalas de tons de maneira
maravilhosa, sendo capazes de criar uma arte muito apreciada e que enche a todos nós
de admiração.
Diferentemente, o que interessa à expressão falada é o som como flexão, dito também
fonema. Portanto, ao se falar em som, no curso da estética literária, está-se restrito ao
plano meramente flexional dos fenomenas.
Define-se o fonema como o som, que, embora ainda não contenha significado
convencionado, é tratado como elemento que irá construir o semantema e o morfema.
Este já se encontra integrado na língua como expressão.
O fonema supõe uma articulação do som, diferenciando um do outro, para efeito de
linguagem. Não corresponde o fonema necessariamente às letras da grafia usual,
podendo exigir uma transcrição fonética especial.
O morfema dá o aspecto gramatical ao semantema, relacionando-o à função
significadora a exercer na oração. Semantema é o elemento básico do significado de
uma palavra, que pode ordinariamente assumir detalhes de função pelo acréscimo de
morfema. Por exemplo terr-a, -enal, -eno, -ígeno.
214. Divisão. Há uma ordem a ser seguida no exame do som, enquanto serve à
linguagem, que é a seguinte:
- o som como qualidade (art. 1-o) (vd 215);
- o som pelas suas espécies flexionais, ou linguísticas (art. 2-o) (vd 233);
- o som pelas suas propriedades pré-artísticas (art. 3-o) (vd 272);
- o som em aliança com outras qualidades, o que resulta em união de artes, ou seja,
no concretismo (art. 4-o) (vd 295);
- o som na multiplicação material da mesma expressão (art.5-o) (vd 342).
4515y217.
218. O som como vibração de um corpo. Para a condição humana o som é algo
subtil para o ouvido, e não atingido pelos demais sentidos, de sorte a ser invisível para
os olhos, intocável para o tato, finalmente sem gosto e sem perfume.
Pelo sensível comum, o som é percebido como tendo uma direção, isto é, como tendo
uma fonte de proveniência. Recursos técnicos permitem, como que visualizar
indiretamente os sons, pela ampliação manifestativa das vibrações.
220. Comparado com os materiais, que servem como portadores em outras artes, o
som oral leva algumas vantagens, ainda que não todas.
Certamente os símbolos visuais gozam da vantagem de precisão que o sentido da
vista oferece. Mais ou menos 90 por cento da atenção humana é absorvida pela visão.
A seguir vem o ouvido. Mas tudo o que o ouvido oferece de eficiente gira em torno
do som oral, de facílima produção e flexibilidade. O barulho do falar humano é uma
constante, que permanece mesmo quando para a vista a noite ou o espaço fechado
tudo fez desaparecer.
A vantagem da simbolização oral se encontra em quatro fatores:
- a direção universal dos sons,
- a espontaneidade
- a variação dos sons,
- a fácil aliança do som com os materiais de outras artes.
225. Fator variedade do som oral. A terceira vantagem, em virtude da qual o som oral
se avantaja sobre os demais sistemas de simbolização, é a capacidade de oferta para a
multiplicação dos símbolos linguísticos.
A multiplicidade, por meio de flexões dos fonemas, morfemas, palavras, frases é
enorme. Disto são prova os longos dicionários, a variação interna das línguas, enfim a
multiplicação destas em milhares de idiomas e dialetos, bem como as línguas
artificiais.
226. A variedade dos sons orais não é todavia absoluta. Constata a linguística qual é a
variedade antropologicamente admita por uma língua. Mantém-se então dentro de
uma certa multiplicidade, além da qual não mais ocorre a espontaneidade. A este
limite antropológico respeitam as línguas criadas espontaneamente, como são
ordinariamente os idiomas nacionais, e devem respeitar as linguas criadas por prévio
planejamento.
Aliás acontece o mesmo em outras artes, onde o excesso não contribui para a
expressão.
Trata-se ainda do mesmo fenômeno que torna o ritmo agradável quando dentro dos
limites da capacidade espontânea da atenção humana (vd 227).
Cada língua contém um certo número de palavras, bem como um certo número de
morfemas. Finalmente dali resulta a lei da analogia, segundo a qual as novidades
introduzidas na língua passam a obedecer espontaneamente ao modelo vigente.
227. Aliança fácil do som oral. É notória a presença da linguagem nas composições de
várias artes (vd 295).
Ao mesmo tempo que se fala, pode-se também cantar. Eis uma aliança frequente da
linguagem com a música.
O gesto acompanha facilmente a palavra. Agora a aliança se processa com a arte das
formas. É o que também pratica o ator. Similarmente no cinema e televisão a
linguagem usualmente está presente nas demais formas de expressão.
A linguagem escrita mais uma vez pode aliar-se, como se vê junto aos desenhos,
estátuas, monumentos, cartazes de propaganda.
4515y229.
230. A língua antes de tudo como arte auditiva. É a língua uma expressão artística
do gênero sensível, na espécie auditiva, embora gerativamente se diga arte oral.
Portanto, é a língua arte sensível, não em primeiro lugar por ser oral, com os sons
nascidos na boca. E sim por ser auditiva.
O aspecto oral da língua, - como se disse, - é meramente gerativo, o que não é um seu
elemento essencial. O som pode nascer também de outro instrumento. Ainda que em
alguns casos tenha remotamente a origem oral, o som em estado atual dos aparelhos
eletrônicos (disco, rádio, televisão, telefone) não é a rigor oral. E contudo ocorre a
expressão sensível auditiva.
Ainda que a linguística se concentre no aspecto oral da língua, ela contudo não se
define por esta via gerativa. Mas importa muito levar em conta que a fonte oral da
língua a subordina aos limites antropológicos desta fonte, bem como às suas possíveis
evoluções.
Como a orquestra que evolui pela criação de novos instrumentos, o mesmo pode
acontecer com a boca humana através das longas eras do tempo. É possível que os
primeiros seres humanos há mais de um milhão de anos tivessem condicionamentos
neurológicos diferentes e por isso uma linguagem também diferente, em relação ao
estágio evolutivo de hoje. E assim, poderão os seres humanos do futuro, após mais
outro milhão de anos ter novos recursos que os atuais.
Suposta a ressurreição dos mortos, que língua falariam no céu? A do primitivo Adão?
Ou a do homem hoje? Ou do homem de evolução máxima do futuro distante?
A separação dos dois fenômenos, - tônica e tonalidade, - não ocorre em sua totalidade,
misturando-se espontaneamente. Dali resulta o fenômeno do timbre da voz.
O timbre é um exemplo de interferências sonoras múltiplas, que interessa sobretudo à
arte musical, sendo todavia algo próximo ao que acontece às flexões de qualidade
sonora acontecidas nas flexões da linguagem, quando se fala em sonoro, surdo, e
similares.
Também se podem denominar os sons pela sua origem, ou fonte de produção. Dali
dizer-se de haver sons orais, sons instrumentais, sons eletrônicos, sons naturais.
Em princípio, a origem não altera o som. Mas a diversidade de capacidade destas
causas, resulta em que eles acabam se diversificando.
4515y236.
237. A linguagem aproveita mais as flexões dos sons, do que suas espécies de tom,
sendo portanto mais flexional, do que tonal.
Por sua vez, dentre as propriedades, são mais aproveitadas pela linguagem as flexões
simplesmente, do que os timbres, rimas e ritmo.
Cerca de 20 a 30 modalidades de flexões, - chamadas letras, - se mostram suficientes
para criar o vocabulário de uma língua. Quando grafadas sobre o papel, as flexões
correspondem ao que se denomina alfabeto.
Timbres, rimas e ritmo se aproveitam principalmente para dar à linguagem aspecto
estético, mas também para fenômenos como final de frase, pergunta e resposta, poesia.
238. A referida preferência das linguas pelas flexões e pelo seu número entre 20 e 30
constitui uma preferência antropológica.
É que o ser humano tem alta capacidade de flexionar os sons, e associar os mesmos
com detalhes de expressão.
Já não tão universal é a capacidade de diferenciar e controlar os tons. Por isso mesmo,
o músico é quase sempre uma exceção no grupo.
241. Graus de flexão. Os graus sonoros são determinados pela intensidade vibratória,
dentro do mesmo tom. Não se trata da altura tonal, porque esta já é uma diferença de
espécie, mais sofisticada exercida pela música. A força da emissão consiste apenas no
grau de quantidade de energia na mesma vibração. Poderá ser mais fraca antes, mais
forte depois, finalmente fortíssima.
Cria-se o grau da flexão pelo processo de interferência, ora na origem do movimento
do jato sonoro, ora no desempenho do mesmo, ora na sucessão da interrupção.
Uma das alterações poderá ser tonal, pela troca das vibrações. Outra é a de simples
alteração interna do mesmo tom, sujeito a mais intensidade de fluxo, menos, inclusive
com interferências nos diversos momentos dos graus de fluxo sonoro.
O timbre se constitui de um feixe de fluxos tonais, interagindo entre si, ao ponto de
dar ao som um certo colorido. Este fenômeno ocorre por natureza e não é aproveitado
na linguagem (vd 234)
Ritmo é organização temporal das variações, quaisquer sejam, e que periodicamente
se repetem. Todavia no ritmo se dá mais atenção à tonicidade, e portanto ao lado
operacional ou gerativo do som.
Rima é qualidade de sons, que se de repetem, dentro da mesma qualidade, em tempos
iguais. Mesmo quando na rima se atende à tonicidade, o que em primeiro lugar se usa
colocar é a qualidade do som.
4515y243.
4515y245.
246. Ainda que o fluxo sonoro seja concretamente um contínuo, é tratado como se
fosse dividido, em vogais, consoantes, sílabas, fonemas, morfemas, semantemase
similares.
247. Vogais e consoantes. Variam as flexões pela maneira como atingem o fluxo
sonoro.
As vogais interferem no fluxo sonoro à maneira de primeiro instante, sem pressupor
flexões anteriores.
São vogais: a, e, i, o, u.
Pequenas variantes multiplicam as cinco vogais mencionadas: a, â; ê, é; ô, ó; u, ö, ü.
O ditongo se forma pela combinação de vogais sucessivas, deixando o acento apenas
em uma. Exemplos: au; oi.
As consoantes interferem no jato sonoro ao mesmo tempo que uma vogal, sendo que
esta assume a posição principal.
São consoantes mais conhecidas: b, c, d, f, g, h, j, k, l, m, n, p, q, r, s, t, v, z. Variantes
geralmente não dispõem de grafia própria, e então se grafam por meio de acentos
diacríticos, ou ainda por duas consoantes. Exemplos: lh, rr, ss, th. a grafia por duas
consoantes pode gerar dificuldades de leitura.
A grafia independe, em princípio, da característica mesma das flexões. Por exemplo,
a letra j poderá ser usada para o ditongo na forma. Tal acontece no latim, no alemão,
no latim, no Esperanto. Por exemplo, Jesus pronunciado Iêsus.
250. Diferenças flexionais dos idiomas. Em função às três áreas do aparelho fonador,
podem diferenciar-se os idiomas em virtude da tendência dos seus falantes, ora para a
primeira (cordas vocais), ora para a segunda (canal bucal), ora para a terceira (ponto
de articulação).
E dentro de cada área ainda são possíveis variantes notórias. Considerando que todas
as línguas usam as três áreas, e em cada uma à sua maneira, elas dispõem de um
quadro muito grande de variação, mais do que o necessário para um a língua.
Esta exuberante disponibilidade,- em princípio boa, - prejudicou eventualmente o
sistema humano de comunicação, porque veio provocar o excessivo número de
línguas durante o período de isolamente dos povos.
O acento na primeira modalidade de flexão (que se de dá nas cordas vocais) torna as
línguas surdas, isto é, guturais, - como acontece com as línguas semíticas (árabe,
hebraica).
O contrário torna as línguas sonoras, - como mostra ser sobretudo a lingua italiana.
As línguas que acentuam as interferências das articulações, seja do canal bucal, seja
no ponto de articulação, se tornam visivelmente consonânticas (como as línguas
anglo-germânicas); as que, pelo contrário, não acentuam as interferências
mencionadas, se retêm no nível vocálico (como as línguas neolatinas e várias do
Oriente).
O Internacional Esperanto é sonoro e vocálico, o que se de pode atribuir, entre outras
circunstâncias, ao ouvido musical do seu fundador, Dr. Lázaro Ludovico Zamenhof
(1859-1917), dotado pessoalmente de ouvido musical e tendência para a poesia.
253. Redivisão das consoantes surdas e sonoras. Novos acidentes, sobretudo no ponto
de articulação, completam a diferenciação das consoantes entre si.
No campo das consoantes surdas, ao se fechar o canal da boca, para, a seguir, soltar
subitamente a consoante, de maneira explosiva, a ação resulta em:
- surdas oclusivas, como p, t, k;
-surdas constritivas, como f, s, z.
O mesmo ocorre no campo das consoantes sonoras, quando se lhes aplica a oclusão
explosiva, que resulta em:
- sonoras oclusivas, como l, d, g, f,
- sonoras constritivas, como v, z, r, rr, lh, n, m, nh.
As consoantes constritivas estreitam apenas levemente o canal bucal, modificando os
sons em interferências radicais de oclusão.
Uma vez que as constritivas procedem por estreitamento do canal, admitem por esta
via uma escala de modalidades. É assim que as constrições podem ser fricativas (com
as modalidades surdas e sonoras), vibrantes, laterais, nasais (estas três variedades
apenas como sonoras).
As nasais se produzem com uma parte do ar a sair pelo nariz, tão logo atravesse pela
glote.
O ponto em que se exercem as articulações completa a diferenciação das consoantes.
Os nomes já indicam as diferentes modalidades, a saber:
Bilabiais: p,b,m;
Lábiodentais: f, v;
Línguodentais: t, d;
Alveolares: da língua com os alvéolos dos dentes superiores): s, z, r, rr, l, n;
Palatais (contado da parte anterior da língua com o palato duro) : x, g, lh, nh.
Velares (contato da parte posterior da língua com o vê paladar): k (c, q), g.
256. Califonia, do grego kalós (= belo) e foné (= voz), é a arte de bem pronunciar
os sons da língua como arte de expressão.
A califonia interessa ao canto, ainda que a este seja essencial primeiramente a
tonalidade da escala de tons. É mais produtivo o canto, que, além de sua virtuosidade
musical, se de apresenta ainda inteligível do ponto de vista do texto.
Mas a califonia é em princípio de interesse da língua simplesmente. Havendo a
língua passado a um novo tempo, em que os veículos de comunicação a fizeram ser
ouvida por um maior número de pessoas, importa pronunciá-la cada vez melhor.
As afetações, como por exemplo as do gosto feminino, - embora apreciáveis no
modismo estético do dia a dia, e que variam muito de lugar para lugar, não podem
dilatar-se de ao vasto mundo. Tem-se de notado que as grandes apresentadoras da
televisão falam uma língua mais universal, de califonia límpida, mais apropriada
à globalização.
257. Califasia, do grego kalós (= belo) e foné (= voz), é a arte de colocar numa
palavra os sons exatos que lhe pertencem. Há, pois, uma distinção entre o pronunciar
bem e o falar direito.
A califasia, do interesse específico da língua, se esforça na colocação dos fonemas,
porque um erro fonêmico pode alterar a simbologia.
As pessoas menos letradas incorrem em defeitos califásicos como em p'lotão, em vez
de pelotão.
258. A fonética, que também estuda os sons sob um ponto de vista inteiramente
material e sem qualquer referência ao que devem significar, determina a
especificidade de cada um no que se diz respeito às flexões.
Solfejo é o paralelo musical das diferenciações de sons. Enquanto a fonética
diferencia os sons pelas articulações, o solfejo ensina e exercita a variação de
tonalidade dos tons.
4515y260.
O estético tanto pode ocorrer aleatoriamente, como por eleição artística do inventor
da língua. As flexões da língua obedecem a uma certa velocidade padrão, além da
qual a percepção humana se de dificulta.
Aqui temos de distinguir, entre a influência estética no selecionamento, e a
esteticidade mesma das flexões. Esta esteticidade é pré-artística, e em tal condição é
especialmente estudada; tanto ela influi no selecionamento das flexões, como ainda é
diretamente apreciada.
A elocução rápida limita a percepção e sua consequente afetividade.
Dali vem porque o canto alarga as flexões, valorizando os sons individualmente.
Também quando se de valoriza a frase, alonga-se de a pronúncia das palavras. Bem
sabem disso os que falam ao grande público, ou quando chamam alguém distante.
263. Comparadas as flexões, as vogais têm tudo para ordinariamente influenciar mais
a formação das línguas, do que as consoantes. É que as vogais se situam no instante
básico do som, ao passo que as consoantes se exercem a partir delas.
Entre si as vogais também se diferenciam esteticamente. Umas são graciosas, outras
fúnebres. Ainda que acompanhadas de uma consoante, permanece o efeito dominante
da voga. Aprecie-se de o fenômeno em: pá, pé, pi, pó, pu. Em consequência as línguas
permanecem sensíveis à formação vocálica de suas palavras.
Entre as consoantes sonoras a prioridade estética está, por sua vez, com as sonoras
constritivas laterais, - l, lh. No cantarolar espontâneo é exatamente o que acontece,
quando o maestro dá os tons aos cantores: lá..., lá..., lá....
Entre as surdas sobressaem esteticamente as surdas oclusivas - p, t, k, - contra as
surdas fricativas (f, s, x).
264. Mas importa advertir que em estética também vale o efeito dos contrastes, como
a sombra contrasta a luz. Deste sorte, a preferência pelas flexões mais estéticas não
elimina simplesmente as que o são menos.
Um idioma, do ponto de vista estético, se deixa influir, pelo que se esclareceu, pelos
sons mais estéticos, em que os demais deixem de ter função, contribuindo para o
contraste, as diferenças nítidas, os tons fortes e fracos do ritmo, a formação e destaque
das rimas.
Pelo visto, as inclinações estéticas se condicionam à interferências complexas. Isto
nos leva a ter prudência nas apreciações de valor estético das flexões e de um modo
geral no julgamento da beleza desta ou daquela língua, - tudo aliás de acordo os
princípios da psicologia da forma.
265. Para que o sistema de significantes de uma língua seja perfeito, importa que as
flexões sejam pronunciáveis, em suficiente número, limitadas ao necessário.
A pronunciabilidade é uma condição de viabilidade de uso. O suficiente número
importa porque a língua deve poder expressar tudo o que ordinariamente lhe cabe. O
limite ao necessário importa para evitar a sobrecarga de sons, bem como para facilitar
o controle sobre o tumulto da redundância, sobretudo da polissemia.
Dito em outras palavras, a língua deve buscar as melhores regras possíveis.
269. Grafia. Desde que se inventou a escrita, houve sempre dificuldade de uma grafia
que servisse a todas as línguas ao mesmo tempo.
Algumas dificuldades são meramente culturais, porque os povos tendem a resistir ao
globalizante, quando isto importa em deixar elementos nacionais.
Outras dificuldade são intrínsecas aos idiomas.
No estágio atual do alfabeto, o Esperanto teve de a adatar-se ao sistema latino vigente,
atribuindo todavia às letras uma só consoante. Assegurou assim a perfeição da leitura,
porque tudo se pronuncia como se escreve.
Todavia, crou letras a partir da figura de letras preexistentes, mediante acento
circunflexo, as quais representam duas consoantes ao mesmo tempo. Com isso
fez uma concessão à etimologia, ao mesmo tempo que diminui o comprimento da
palavra grafada.
Distinguiu o Esperanto as semivogais, distintas tanto das vogais propriamente ditas e
das consoantes.
270. Número ideal de morfemas. Com as melhores regras e sempre absolutas (sem
exceções), os morfemas podem organizar a gramática de maneira a tornar suas
categorias bem nítidas, resultando dali a firmeza dos significados.
Com algumas poucas regras fundamentais é possível determinar racionalmente todo o
sistema de uma língua, além de a tornar notoriamente mais fácil.
Mas tudo isto não acontece nas línguas étnicas, porque surgiram com aleatoriedade
das circunstâncias. Mas acontec com o Internacional Esperanto, como se verifica
facilmente em algumas de suas regras de sua gramática:
Constituem-se as palavras de radicais intocáveis, com um significado fundamental
exclusivo.
As modificações da palavra se procem por morfemas patronizados, de que
destacamos aqui as terminações:
Outros e outros detalhes seguem estas primeiras normas de base, em que logo aparece
a sistematicidade, que torna a mesma raiz fonte universal de muitas categorias
gramaticais e ainda mostra não ser necessária a generalizada anarquia das conjugações
dos verbos, bem como dos pronomes, advérbios, preposições, conjunções.
274. Com vista às propriedades pré-artísticas do som, nos concentramos naquelas que
importam sobretudo à linguagem. Há muitas outras ainda, e que são do cuidado da
Estética musical.
Importam à linguagem principalmente as propriedades pré-artísticas das flexões
sonoras, enquanto que à música interessa mais pelo campo dos tons da escala musical.
Quanto às flexões sonoras utilizadas pela linguagem, elas se dizem principalmente
das vogais, consoantes, fonemas, morfemas, semantemas, palavras, frases. Tais
flexões provocam fenômenos a serem agora examinados em parágrafos especiais,
como:
280. É notório que as vogais a... i... podem ter maior presença tônica, do que as outras,
sem prejudicar a esteticidade, ou mesmo a favorecendo (vd).
Sabe-se neste particular que as tônicas da língua portuguesa se encontram com maior
frequência em a...
Sugestões femininas caracterizam a vogal i.
No alemão -in é a terminação indicativa do feminino, sem contudo ter a tônica.
Na língua planejada Esperanto (vd 85) ocorre uma frequência notória da tônica em i...
Aproveitou o Esperanto o sufixo germânico para o feminino, todavia como tônica.
Ainda ocorre a vantagem de servir morfologicamente para as várias funções
gramaticais: -ino (substantivo feminino); - (adjetivo feminino); -ine (advérbio no
feminino), como em patrino (= mãe), virino (= mulher); patrina (maternal), virina (=
feminina); patrine (maternalmente), virine (= feminilmente).
No Esperanto a letra tônica -i também caracteriza o particípio passado. O uso do
particípio presente, traz a tendência tônica para a vogal a...
281. Serve ainda a tônica para enfatizar significados, que não raro também se
exprimem sob a forma de interjeição, bem como ainda se veiculam pela alteração de
tom.
A pergunta é um caso especial, em que se combinam a tônica e o tom, que se alteia.
4515y283.
288. A diversificação das rimas em espécies decorre, ou pela qualidade interna das
mesmas rimas, ou simplesmente pela sua colocação no espaço da frase, geralmente no
final de um verso, mas também é praticável no curso deste.
As rimas determinadas pela qualidade possuem sempre as suas contrárias, de acordo
com a advertência de Aristóteles, de que a qualidade tem como propriedade ter
semelhante, grau, contrário.
289. Rima pobre e comum; rima rica e clara. A esteticidade da rima é influenciada
pela qualidade morfológica da palavra.
Em primeiro lugar se cita a qualificação resultante das terminações morfológicas
determinadas pelas funções gramaticais (substantivo, adjetivo, verbo). Entre outras
razões, a frequência com que elas aparecem resulta em que tais rimas tenham pouco
efeito.
Rimas pobres e comuns se definem pois, como as que se criam com os morfemas
mais comuns da língua.
No português, tais morfemas são: -ado, -ido, -ente, -ar, ão, - ável, -ível... Em
palavras: amado, deixado, sentido, amar, amarão, amável, possível.
Rimas ricas e claras se obtêm pela construção substancial dos termos em quadros
efetivamente evidentes na estrutura da frase. Acontece entre flauta e nauta. Ocorre
também entre classes gramaticais distintas, como entre caminha e minha.
Os sons raros se caracterizam eminentemente quando recebem uma rima
correspondente. A esteticidade se deve então à raridade e novidade. Crie-se
por exemplo um verso rimado correspondente à Antônio Carlos (terminação rara), e
logo se verá o efeito. Também entre as vogais , o u tônico é pouco frequente na língua
portuguesa; por isso assume rara peculiaridade como rima.
290. Não obstante, qualquer das rimas pode receber função na língua, exatamente
porque se diferenciam.
O caráter das rimas comuns e pobres induz à suavidade. Por isso, em momento
adequado deverão ser exatamente as preferidas do texto evidentemente artístico.
Diferentemente, as rimas ricas, em virtude de sua índole inesperada, frisando
claramente a flexão, funcionam com insistência e imprimem vigor à sonoridade.
Mesmo na prosa não metrificada, a alternância das flexões claras convém estar sob
controle, para que não ocorram tumultos sonoros. Igual insistência não se requer com
as rimas pobres, resultantes das funções morfológicas gramaticais ordinárias.
291. Rimas toantes, rimas femininas, rimas masculinas. Ainda no quadro das rimas
fundadas na qualidade do som se arrolam outras curiosidades, a que os estetas
poderão estar atentos.
Rimas toantes são as que a identidade de som se limita apenas à última vogal
predominante, enquanto variam as consoantes. Exemplo, mito..., lira...
Rimas coroadas são as em que elas ocorrem entre palavras do mesmo verso. Exemplo:
"Rosa saudosa do gentil jardim".
4515y295
296. As artes se reforçam mutuamente, já desde o instante pré-artístico. Em concreto
o mesmo material portador da expressão poderá somar diversas expressões. Assim,
por exemplo, a palavra admite ser linguagem e ao mesmo tempo canto.
Também é possível aproximar expressões efetivamente distintas; o gesto do orador
está no mesmo indivíduo que fala. O mesmo acontece no ator, que reúne a plástica de
seu corpo à linguagem.
O fenômeno das artes que se unem pode denominar-se aliança das artes. Também é
denominável concretismo das artes, enquanto elas, ainda que formando expressões
distintas, concretamente se encontram juntas para um objetivo comum de expressão.
297. Divisão. Como tema, o concretismo artístico é tratado já pela filosofia geral da
arte (vd 0531y000). As mesmas noções importam aqui, apenas enquanto introduzem ao
concretismo literário.
4515y299.
302. Duas são as maneiras operacionais de aliança de uma arte com outras:
- A aliança mais imediata, por coincidência material do mesmo portador:
- e a aliança por justaposição de vários portadores.
Ocorre a aliança imediata, no caso da língua, quando no mesmo som oral se juntam a
convenção linguística e a sonoridade musical. No no canto se dá a um só tempo a
expressão linguística e a expressão musical.
Assim também na mesma pintura há cores expressando pictoricamente e espaços
coloridos expressando como formas.
Diferentemente, a aliança mediata ocorre pela mera justaposição de várias matérias
portadoras da expressão. A aliança se dá então com elementos efetivamente separados.
No orador, por exemplo, a linguagem está no jato sonoro, emitido pela boca; os
gestos estão distantes, na ponta dos braços
No teatro, com personagens e cenários, ocorre um grande número de materiais
distintos, todos expressando, sem que se consolidar-se em uma só unidade física.
304. Mais fácil é combinação concretista nos casos de aliança imediata, porque ocorre
mais proximidade entre a matéria portadora. Assim acontece na convenção linguística
e a sonoridade, e também na expressão em cor e seu desenho.
Alguma dificuldade que aconteça na expressão de aliança imediata, não se há de
atribuir à matéria, mas à criação da arte. Por exemplo, é fácil unir as palavras e o
canto, mas poderá haver dificuldade na capacidade mesma do indivíduo menos dotado
para de sua palavras fazer um canto.
308. Algumas artes concretas têm nome especial, porque são costumeiras. O cinema
e o teatro sempre são artes em que ocorre a aliança. Por isso têm nome próprio, -
cinem e teatro, - em vez de arte em cores e em formas.
Mas, quando uma arte eventualmente se alia a uma outra, como por exemplo a
pintura, recebendo um nome, não perde seu nome específico.
A literatura concretista é apenas literatura na parte literária. As figuras que se lhe
aponham como arte concretista, não fazem parte da mesma literatura. Caso ocorra o
uso deste novo sentido, dever-se-á acordar que mudou o sentido semântico da palavra
literatura. E porque o sentido semântico de literatura não mudou, tem-se de usar a
expressão em dois termos, - literatura concretista.
4515y311.
312. Ainda que o concretismo seja um fenômeno de todas as artes, ele acontece com
notória facilidade no exercício da língua.
Ao mesmo tempo que a voz oral assume a posição de equivalente convencional de
um significado, ela se comporta com alguma sonoridade musical.
Em progressão, a linguagem se alia facilmente à música, - primeiramente ao canto,
depois à música instrumental.
Mesmo que as convenções atinjam de preferência as flexões do jato sonoro,
aproveitam ligeiramente a sonoridade para indicar o começo e o fim das frases, como
ainda a diferença entre linguagem e interrogações e linguagem de exposição.
318. Importa aqui e agora o texto da língua, quando, embora se aliando à sonoridade
musical, nele predomina a mesma língua.
Em princípio, não importa qual das artes predomina, desde que já de início se defina
qual delas. Importa que uma predomina, para que haja um fio condutor do sistema das
artes em operação conjunta. Em consequência, ocorre a unidade e o ritmo paralelo das
partes. A ação axial da expressão principal determina o vigor e a clareza.
Acontece o domínio da expressão literária quando a sonoridade se limita à
manifestações mais simples, como por exemplo o ritmo das flexões e a rima das
repetições. Mas não podem estes elementos ser introduzidos até ao ponto de
prejudicar o elan axial da arte principal, a literária.
O canto, já mencionado diversas vezes como um plexo de duas partes, - literária e
musical, - é ordinariamente literário, em virtude do interesse da mensagem sempre
presente, conduzida dominantemente pelas palavras. Sobretudo este é o canto popular
e terá sido o canto grego em sua origem. Enquanto se mantiver a dominância, toda a
coesão se fará em torno do texto literário.
Tal é a dominância literária do canto, que, - quando não se o entende, - ocorre uma
vaga frustração por parte dos ouvintes. Esta frustração é menor, quando o texto já é do
conhecimento de quem o ouve cantar.
Não obstante às alternativas da arte, como instrumento artificial da livre expressão
humana por todos os expedientes viáveis, não é vedada a criação de um canto em que
as palavras são antes um pretexto para o fluxo da voz oral, do que um fim principal.
O mesmo texto poderá ser explorado, ora como dominantemente literário, ora como
dominantemente musical. Este encaminhamento para a dominância musical poderá
ocorrer até mesmo em vista das qualidades sonoras de um cantor. Acontece sobretudo
com a presença da grande orquestra, em especial das composições sinfônicas, em que
o cantor por vezes tão só inspira algumas de suas partes.
319. O som que imita no plano das flexões. O mesmo som, além de veicular uma
significação convencional, como em sussurrar, mugir, pipocar, pode aliar em si a
imitação do tema, por mimese natural. Em alguns casos com maior precisão, em
outros com menor, esta imitação se mostra possível. Eis onde ocorre uma aliança de
mimese na mesma obra de linguagem. Especificamente distintas, as duas artes se
unem na mesma obra material, - o som. Eleva-se, então, a palavra a uma expressão
duplamente incisiva.
Consigna-se a prevalência da língua (e não da música), quando os sons
onomatopaicos, além de onomatopaicos, já estão consagrados pela convenção, para
servirem como palavras literariamente estabelecidas.
A este princípio obedecem os nomes que atendem só vagamente à onomatopéia
(vd 152), como sussurrar do vento, mugir do boi, pipocar das metralhas.
A onomatopéia permite apreciáveis aplicações estéticas.
Os românticos e simbolistas aproximaram, por este modo, a poesia com o canto e
com a música.
"Todas as árvores
que moram na floresta
ficam surdas com tamanha festa
numa algazarra enorme os papagaios
endomingados em seus fraques verdes
gritam coisas absurdas!
Sapos, intanhas, pererecas, rãs e pipas
Tocam matracas, pararacas.
Uma araponga louca dá o sinal
para o começo do carnaval.
E eis que começa de improviso,
a dança do Tangará:
pula p'ra lá, pula p'ra cá
p'ra lá... p'ra cá,
pralápracá".
324. A distância entre língua e artes plásticas é maior que entre língua e arte
musical.
Uma primeira aproximação ocorre, quando a palavra sonora é representada pela
notação gráfica, ordinariamente chamada escrita.
A rigor, a notação gráfica já é do campo das artes plásticas. Mas não deixa de ser
uma aproximação muito grande, de que se vale o concretismo literário.
Uma segunda aproximação entre a linguagem e os recursos da arte plástica ocorre por
simples justaposição. No ator por exemplo, a voz lhe vem da boca, enquanto restante
é a sua figura plástica. Assim acontece também com o gesto do orador e seu discurso.
MERIDIONAL
327. É uma ilusão afirmar que a arte concretista se ocupa tão só da palavra e não da
sentença, e não do discurso raciocinativo. O concretismo também ocorre nestes
outros campos, importando saber entender como.
As artes plásticas expressam diretamente a coisa sempre como um todo, porque
operam com a mimese natural. Complementam pelo contexto tudo o mais, mesmo que
inadequadamente. Aquele que aprecia as artes plásticas e a música, vai criando os
conceitos, os juízos e os raciocínios.
Em qualquer arte, tudo depende da interpretação. Embora na linguagem pareça haver
a expressão direta dos conceitos, dos juízos, dos raciocínios, na verdade a expressão
indica os objetos. Mas como estes nos chegam através da mente, assumem o caráter
peculiar das opeerações mentais.
Acontece, entretanto, que a linguagem, em virtude de seu caráter convencional,
melhor consegue refletir este modo operacional da mente alcançar aos objetos. Ainda
que nas artes de mimese natural o objeto também é visto pela mente do intérprete
como conceito, juízo e raciocínio, este caráter operacional da mente não consegue se
fazer refletir tão bem na expressão.
Não resta dúvida que o espaço é expresso na poesia concretista, mas também este
espaço ingressa na mente como uma assertiva, e não apenas como um conceito.
328. Arte praxis. São variantes contemporâneas do concretismo a arte praxis, a arte
processo e similares.
Praxis, - termo grego internacionalmente usado já no latim, com o sentido de ação,
exercício, modo costumeiro de agir, - é a arte que expressa em estrutura de múltipla
alternativa, permitindo ao apreciador escolher a alternativa que no momento preferir.
Algo similar sempre existiu em certos joguinhos, em que os elementos permitem
construir diferentemente, ora casas, ora palacetes, enfim o que se de quiser.
Similarmente, as cartas de baralho admitem variados jogos. O mesmo
fundamentalmente permite o alfabeto, na construção de palavras. A grande
flexibilidade dos programas de computador possibilitou mais uma vez a alternância do
expressão com a manipulação dos mesmos elementos fundamentais.
329. Como movimento recente na arte moderna, a arte praxis procurou desenvolver
sistematicamente a multi-tematicidade. O que até aí se usava mais para a ludicidade, -
que é também uma das propriedades da arte, - passou agora ao objetivo mais
fundamental da arte, que é ser expressão, e ainda em prosa e poesia.
Em um Manifesto didático, Mário Chamie comentou um pós-fácio do seu livroLavra,
de 1962:
"Lá se expôs que o poema praxis é aquele que 'organiza e monta, esteticamente, uma
realidade situada, segundo três condições de ação: a) o ato de compor; b) a área de
levantamento da composição; c) o ato de consumir'. Recolocou-se, através desse livro,
a palavra numa tríplice e virtual função semiótica: semântica, sintática e pragmática"
(M. Chamie, Praxis: um quase balanço e perspectiva, na Rev. Convivium, numero
especial sobre poesia brasileira, Jul., 1965, p. 63-64).
Praxis foi também nome da revista brasileira do movimento, lançado em São Paulo,
no segundo semestre de 1962, por Mário Chamie, liderando um grupo jovem e de
esquerda.
Primeiras produções praxis brasileiras: Lavra Lavra (Mário Chamie, 1962), A
palavra (Armando Freitas Filho, 1963), A fala e a forma (Yone G. Fonseca, 1963),
Diadiário cotidiano (Antônio Carlos Cabral, 1964).
Em princípio, a praxis em si mesma não é a arte. A práxis é uma espécie de método
de a praticar pela multi-tematicidade. E então a arte é o que em cada momento
alternativo se produz. Portanto, a apreciação de valor pode incidir, na qualidade do
método praxis utilizado e na qualidade da expressão artística gerada.
330. A arte processo, como primeiramente surgiu com esta denominação, é uma
expressão de grande estrutura, em que o movimento permite a substituição de um
estrutura por outras em sucessão. Este movimento dá, portanto, origem a um processo.
O antecedente continua tendo relação com o subsequente, de maneira a formar um
todo, de cuja composição participam muitas expressões.
O princípio não é novo, mas teve novas formas de aplicação, as vezes tão variadas
que não se reúnem adequadamente na mesma definição.
O processo artístico apresenta-se com relativa facilidade na linguagem humana. Ela
não se mantém na primeira palavra, mas efetivamente é uma sucessão de palavras,
portanto um discurso, todo um tratado.
Similarmente, a música não emite apenas um primeiro som; em vez de mantê- lo
estático, segue logo para outros mais, criando composições sucessivas, cada vez mais
complexas.
Recursos técnicos poderão introduzir o processo também na expressão em cor e em
formas. O teatro, o cinema, a televisão conseguem realizar seu processo com a
mobilidade de suas figuras.
O processo é simples, quando opera com apenas uma qualidade sensível, - ou
somente com o som, ou somente com equivalentes convencionais, ou somente com a
cor, ou ainda apenas com a forma plástica.
O processo misto poderá ser simultâneo, como quando a cor e a forma plástica se de
movem simultaneamente. Ou sucessivo, como quando um texto literário é
interrompido para intercalações de ilustrações deste mesmo texto. O jornal, a revista
operam com tais maneiras processantes de expressar.
331. A arte processo, ainda que na essência cultive o que em arte sempre se se fez,
inovou pela criação de novas modalidades da mesma técnica, imprevistas, e até
radicalizadas.
Cultivando o pessimismo para com o palavra, os autores de uma nova arte processo
recomendaram outros caminhos.
No campo da simbolização a arte processo adotou o método do deslocamento de
situações, criando contextos novos, os quais passam a funcionar como símbolos sem
palavra. Ao mesmo tempo que move a estrutura da expressão, alterando-a pelo
deslocamento de uma simbolização para outra simbolização, vai criando símbolos.
Novas ideologias, sobretudo as mais radicais, podem facilitar a arte processo, porque
alteram subitamente símbolos que expressavam anteriormente outra maneira de
pensar.
Seja o número 1822, utilizado por um representante da arte processo.
Originariamente se trata de um signo matemático. Também é indicativo da
independência política do Brasil. Com sobreposições, tais como letreiros de indústrias
estrangeiras localizadas no Brasil, tudo passa a um processo que vai finalmente criar
outra simbolização, - aquela que o criador desta expressão tem na cabeça. No caso
citado exprime o nacionalismo exaltado e socialista, porque concebe o estrangeiro
como bandido, e a socialização como solução.
Novas religiões também conseguem criar facilmente uma arte processo, fazendo um
jogo por sobre as simbologias, - tão frequentes nas religiões tradicionais, - colocando-
as em choque com algum valor apresentado de maneira imprevista. Já na antiguidade,
a cruz passou a ser o símbolo dos cristãos.
Em princípio a arte processo é legítima e sempre foi praticada. Os novos
procedimentos chamaram todavia a atenção, porque passaram a ser utilizados com
mais consciência e ainda porque dela se serviram, - como se de advertiu, - as
ideologias.
333. O concretismo de gesto e linguagem. O gesto de quem fala é forma em
movimento, que acompanha a linguagem. Ocorre contudo certa distância material
entre o gesto e a linguagem, porque a aliança se dá em materiais distintos. O gesto é
do corpo, a linguagem é do som. Enquanto o gesto exprime através da forma do corpo,
a linguagem se exerce mediante simbolização sonora. O gesto fala aos olhos, ao passo
que a linguagem aos ouvidos.
O que aproxima gesto e linguagem não é apenas o paralelismo do movimento que
ocorre tanto nas formas, como nos símbolos. É também a circunstância da
coexistência no mesmo indivíduo que fala e gesticula. Ainda que não haja a mesma
coesão ocorrida no canto, que é uma aliança da música e do símbolo linguístico
(ambos são sons), a coesão de gestos e linguagem se processa contudo com notável
união.
336. Teatro e linguagem. Pelo étimo grego, teatro (de théatron) se prende ao sentido
fundamental de ver e apreciar. É este o sentido de theáomai (= ver, contemplar), de
onde deriva.
Dali se de induz que o teatro, até pelo seu nome, é uma arte visual, como
efetivamente continua a se de apresentar hoje, com formas plásticas e cores, tendo
como veículo pessoas, isto é, personagens.
Pode o teatro ser visto, ora como gênero, ora como aliança de artes.
Como gênero, o teatro se de define pelo tema, sobretudo pelo tema humano. Quanto
ainda ao gênero, ele se de redivide em vários subgêneros: drama, tragédia, comédia,
tragicomédia, autos religiosos, melodramas, ópera, teatro revista.
Entretanto o que aqui nos ocupa é o teatro como aliança concretista de artes. Esta
aliança é menor na dança, no bailado, no balé, combinados geralmente apenas com a
música. O teatro combina bastante com elementos literários.
337. O ator e o texto são essenciais ao teatro, além do público. Sempre se trata de um
todo concretista.
No ator se encontra o elemento principal, em virtude da plasticidade com que
concorre.
No texto está a arte aliada, que adere à expressão plástica principal. Sem o texto, o
teatro seria como um cenário em que atuassem apenas surdo-mudos.
Ou como no tempo do cinema mudo. O rendimento era mínimo.
No público se verifica o elemento interpretador e que sempre existe para qualquer
arte. Em sendo a arte uma expressão em objeto sensível, pode ser interpretada pelos
que a apreciam. Este intérprete extrínseco não é, todavia, essencial aos constitutivos
da arte, embora seja o motivo porque ela é criada pelo artista.
338. Importa uma certa coesão entre as muitas artes que confluem no teatro, de acordo
com a norma do concretismo em geral (vd 306). Dentre as artes convergentes uma
convém dominar, coordenando em seu torno as demais, conduzindo-as todas para o
objetivo comum.
Como convergência de muitas artes, o teatro é dominantemente uma expressão
plástica. Não é por demais insistir que no teatro tende a manter o domínio a forma
plástica, de que o eixo principal é o ator, ou personagem. As formas hão, portanto, de
expressar diretamente o enredo.
Não domina o texto literário, não obstante ser de grande valia para tornar inteligível a
ação do ator. Mas se acontece o isolamento do diálogo, inteletualiza-se o teatro,
desfigurando-se. Por mais que importe o diálogo, deverá sempre combinar- se com a
ação, - ou simultânea, ou pelo menos anterior ou posterior.
42515y342.
343. Uma expressão artística, seja de língua, seja de outra arte, sempre está
individualizada materialmente, porquanto é uma realização concreta. Há pois sempre
um original da expressão.
Todavia, o que especifica a obra artística não está no seu elemento meramente
material, e sim no elemento determinador. Neste sentido se diz reuniriem-se no ser
concreto, sua matéria e sua forma (dita neste caso maneira de ser).
Considerando que a matéria é o elemento individualizador, é possível multiplicar os
indivíduos, mantendo a mesma espécie. Assim sendo, a arte se multiplica, sem que
mude a arte multiplicada.
Posto portanto o primeiro original, os demais se multiplicam, sem que nada tenham
de inferior ao primeiro. Aquele primeiro exemplar é original apenas como indivíduo.
Por mais que se multipliquem os exemplares, multiplicaram-se os indivíduos, mas
não a espécie.
345. A reinterpretação é uma maneira mais complexa de fazer uma cópia de obra de
arte, através do processo de uma notação.
A expressão original em arte literária não está na palavra escrita, a qual ali se coloca
por meio de notações. Estas, - as notações, - constituem apenas um original virtual. O
original literário está real se encontra no som flexionado (quer emitido, quer
imaginado), o qual é portador, por convenção, dos significados. Este original literário
desaparece imediatamente, por causa da precariedade temporal dos sons da linguagem.
Numa segunda etapa, que já não é essencial, - o autor cifra seu original para um
escrito. Este também se usa denominar um original; todavia é apenas o original da
notação, ou seja, um original virtual. A leitura do original escrito é uma cópia, por
reinterpretação do texto original real transposto para a escrita.
Aliás o autor do original literário também o poderia ter transferido à tradição oral. Ou
a um gravador. Ou mesmo a um sistema eletrônico. A reinterpretaçãoocorre, toda a
vez que o original volta a se exercer como língua sonante, ou ao menos assim
imaginada. Então se individualiza como uma nova cópia do primeiríssimo original, já
inexistente.
Esta nova cópia poderá ser também um novo exemplar apenas do escrito; desta vez a
cópia é tão só do texto cifrado em palavras sobre o papel.
Semelhantemente, o original musical não está nas notações, e sim no que elas
representavam antes de serem cifradas para as referidas notações. Cada nova
reinterpretação, é como que uma nova cópia em relação ao original.
Já não se conservam as flexões daquele literato que as disse (ou imaginou dizer), nem
se conservam os sons (ou as imagens dos sons) do músico que as criou. A dinâmica
sonora é passageira, não se conservando como as formas da escultura e as cores da
pintura.
Resta senão apelar às notações, quer do livro do escritor, quer da partitura musical do
compositor. A luta então é pela reinterpretação.
A indústria melhorou notoriamente a capacidade da multiplicação dos produtos
literários e musicais.
ESTÉTICA LITERÁRIA
CAP. 3-o.
Ainda que a arte seja a expressão os objetos, e não das operações mentais, -
conceitos, juízos, raciocínios, - estas operações influenciam notoriamente o modo de
expressá-los.
Dali vem que a prosa, ao imitar os objetos (mesmo que seja só com equivalentes
convencionais) toma formas diferentes para expressar aos referidos objetos, ora à
maneira de conceitos, ora à maneira de juízos, ora à maneira de raciocínios.
Consequentemente, a divisão didática do capítulo sobre a prosa deveu tratar o
tema, ora indagando pela prosa em geral, ora pela prosa quando afetada pelas
operações mentais do conceito, juízo, raciocínio.
4515y353
354. Visualmente se usa perceber a diferença entre prosa e poesia, porque esta
última usa medir o verso, retornando ao começo da linha, ao passo que a prosa marcha
desimpedida.
Mas importa determinar com mais profundidade o que seja a natureza geral da
prosa:
- o que a prosa é essencialmente;
- quais são suas propriedades;
- o paralelismo da expressões mental e literária, bem como a tradução de umas
expressões em outras.
4515y356.
357. Etimologicamente prosa (do latim proversus) significa que o texto não está
em verso. Como dizem os étimos latinos pro (diante, por diante) e versus (vertido,
virado, tornado), a prosa é a expressão que segue "vertida para diante,"diferentemente
do verso (versus) que retorna.
A evolução morfológica do termo se deu sucessivamente de proversus para
prorsus = (direito, reto), prosus, prosa, tudo já ao tempo do latim clássico.
Não adverte a definição etimológica, ou nominal, da prosa para o que lhe é
essencial, mas apenas para uma das propriedades que a caracteriza, - a liberdade
morfológica do texto, - em contraste com as inibições do verso.
Ainda que todas as artes exprimam em prosa, o tecnicismo prosa pertence
originariamente à arte literária, onde ele nasceu.
Pela sua origem etimológica, opondo-se à marcha visual do verso, deveria a
denominação permanecer nesta área e não passar à linguagem das outras artes; de fato
pouco acontece usar-se prosa na linguagem teórica destas outras artes - pintura,
escultura, música, - mas não deixa de acontecer vez por outra.
Todavia, pelo seu conteúdo essencial, a prosa também existe nas referidas outras
artes, porquanto também nestas outra ocorre a expressão direta, como ainda a
expressão pela via indireta da associação das imagens.
O proversus (verter-se retamente para diante) admite ser entendido mais
generalizadamente como expressão direta; não é apenas diferente do verso, mas
também diferente da expressão da associação das imagens poéticas.
O motivo, porque o termo prosa não se generalizou nas demais artes, se funda no
fato de não ocorrer nestas outras a distinção clara entre o uso, ora da prosa, ora da
poesia, tal como na arte literária. Na pintura, escultura, música se combinam
usualmente a expressão mimética e a expressão associativa, reforçando-se uma na
outra. Com mais frequência se constata o termo poesia; por exemplo poesia da música,
poesia das cores, poesia das formas.
Todavia a palavra verso está totalmente fora de uso nestas outras artes, sendo
pois uma denominação exclusiva da poesia literária. Não se diz que a pintura faça
versos, tal como se admite dizer que a pintura possa ser poética.
359. Prosa poética, poesia prosaica. A prosa pura aponta seus objetivos pelos
expedientes específicos da mimese. Em contraste, a poesia pura indica apenas as
mensagens evocativas; ainda que deva haver indicação direta de imagens, estas não
têm outra função que não a de, em um segundo tempo, despertar as imagens poéticas.
Mas, suponhamos que interessem ambas as coisas, - a imagem diretamente
indicada e as associações que esta imagem evoca. Então podem ocorrer a prosa
poética e a poesia prosaica, de acordo com o maior interesse, ora da expressão direta,
ora da poética.
Se o principal se encontra na indicação direta, ocorre uma prosa poética (ou
simplesmente prosa literária); em tal hipótese, o conteúdo prosaico domina e tem em
seu arredor o halo poético suplementar.
Se, entretanto, a imagem poética for o centro da atenção, resulta haver poesia
prosaica (ou simplesmente poesia). Concentra-se a atenção na mensagem poética; os
elementos prosaicos terão servido apenas de ocasião e oportunidade.
Frase do tipo prosa poética:
É difícil que a frase, sobretudo a frase longa, opere apenas para efeitos
associativos; sempre resta alguma interesse no que elas significam diretamente. A
prosa está, pois, sempre oculta na poesia quer como prosa poética, quer como poesia
prosaica. Se um poeta menciona as castanheiras do tempo de sua infância, quer
principalmente as evocações, mas também um pouco diz das mesmas castanheiras que
então existiam.
360. Conceito de linguagem literária. Admite-se uma acepção restrita da
expressão linguagem literária. A linguagem é restritivamente literária quando a prosa
opera com os dois instrumentos de expressão, o denotativo e o conotativo.
Pelo denotativo a linguagem exprime o que consegue indicar com um símbolo
exato.
Pelo conotativo, alarga as áreas de expressão apelando aos recursos da evocação
associativa. Então a linguagem torna-se plena, porque usou todos os recursos e não se
limitou a alguns processos apenas. Linguagem literária indica, pois, um grau eminente
de perfeição nos recursos de expressão.
Não importa, na linguagem literária, o tema. Ainda que o apelo à linguagem
literária se exerça principalmente para certos temas, esta tendência se motiva em
razões extrínsecas.
A exposição filosófica tem razões para não usar a linguagem literária plena; não
está impedida contudo de recorrer, de quando em quando, ainda que cautelosamente,
às evocações associativas.
O estilo literário é mais frequente na exposição filosófica de Platão, que na de
Aristóteles.
Modernamente, foram bastante literários filósofos como Pascal, Nietzsche,
Bergson, Croce.
A prosa pura, sem evocação, nem por isso deixa de ser arte literária. Ela se
enquadra no conceito de arte, pois é obra sensível a veicular temas.
O que se denomina linguagem literária não é senão um grau maior da arte
literária, definida pelo recurso a todos os seus instrumentos, inclusive da
associatividade; além disto, a associatividade empresta à linguagem um grau de
esteticidade notoriamente maior.
Numa restrição ainda maior da expressão "linguagem literária", ela se diz
somente daquela linguagem que inclui a preocupação estética, no sentido de
expressão agradável.
Ela não é essencial à arte, porque apenas uma propriedade decorrente, mas que se
pode tomar em conta para uma qualificação da linguagem.
Certamente que todo artista, além da mensagem, aprecia o efeito de agrado que
ela produz. Ora, a linguagem que toma esta propriedade em conta, como objetivo a ser
alcançado, seria a linguagem literária, em sentido nobre, eminente e estritíssimo.
Por último, também se pode denominar linguagem literária toda e qualquer
espécie de poesia. Mas então o contexto já não é o mesmo, que quando chamamos a
prosa de linguagem literária; esta se denomina literária como qualificação eminente,
ao passo que em poesia, tudo é literário.
Ter tais propriedades, significa que a expressão, que na língua é por equivalentes
convencionais, se exerce com liberdade, logicidade, precisão, paralelismo com a
mente.
De outra parte afastam-se da prosa as propriedades típicas da poesia. Esta, a expressão
poética, não apresenta a liberdade de desenvoltura da prosa, deixando, em vez, lugar
ao brilho da associatividade; e por isso não segue somente os caminhos da lógica e
nem restringe a um círculo bem definido o conteúdo da evocação.
Uma propriedade decorre necessariamente da natureza do objeto ao qual portanto
pertence. E por isso mesmo a caracteriza. Onde estão ditas propriedades, ali de baixo,
ou atrás, ou dentro está a natureza, de que são afeito.
Efetivamente, não há separação real entre a propriedade e a natureza, da qual deriva.
A relação não é a mesma ocorrida entre causa eficiente e seu efeito. Ocorre apenas a
relação de causa formal e efeito formal, cuja característica é a presença de ambos os
elementos, ficando um o aperfeiçoamento do outro.
Quanto ao estilo, este é um elemento acidental e variável. Os graus oferecidos pelas
propriedades, eis onde está o campo principal do estilo. Não importa qual o grau em
que a propriedade se realiza; em todos os graus existe a propriedade, ainda que os
graus em si mesmos possam alternar-se. Mais liberdade no curso da expressão, ou
menos, eis uma questão de estilo. E assim também mais e menos logicidade, mais e
menos rigor, continuam sendo uma questão de estilo (vd cap. 7-o)
365. A prosa uma linguagem precisa, eis mais outra de suas propriedades,
completando a liberdade e a logicidade.
Dito mais amplamente, a prosa apresenta de modo eminente a propriedade
gnosiológica de toda expressão: ser evidente!
Como o conhecimento deve ser evidente, também a expressão da língua tem de sê-la,
com o que finalmente passa a ser precisa.
A evidência perfeita é clara em si, distinta de outra.
Reduzem-se a estas duas propriedades da evidência, - clareza e distinção, - algumas
de suas várias nuances: exatidão, rigor, precisão. Sobretudo a precisão se usa ao se
fazer advertência de que a prosa é precisa, em contraste com a poesia.
A evidência clara e distinta é o critério da verdade.
Pela evidência é possível saber, se a expressão é verdadeira, sobretudo pela evidência
clara e distinta.
Ser verdadeira significa estar na expressão anunciando aquilo que se encontra no
objeto do qual é expressão.
Todo este leque de propriedades também deve ocorrer na poesia, porquanto se trata de
expressão de algo; requer alguma evidência, sem o que nada dirá.
Todavia esta evidência não se destaca como exata; não é rigorosa, nem vigorosa,
sobretudo não é precisa. Tais nuances pertencem sobretudo à prosa. A poesia, apesar
de alguma evidência, não é peculiarmente uma evidência clara e distinta; ela aspira
ser clara e distinta, mas não consegue sê-lo como acontece com a prosa.
Por isso não se de atribui à poesia o mesmo grau de seriedade, que à prosa.
Por que esta maior precisão da prosa? Ela decorre da linearidade com que a expressão
encaminha a atenção diretamente para o objeto expresso, diferentemente da poesia
que encaminha esta atenção indiretamente através de um objeto estímulo de imagens a
associar.
A linearidade da expressão direta para o objeto é a mesma que gera a propriedade da
liberdade da prosa, antes mencionada (veja n. 202). Em vista da indicação direta das
coisas significadas, sem tumultuar-se com o sistema associativo da poesia, a prosa
tem também condições de conseguir expressar com precisão gnosiológica superior à
da poesia. E é o que se pode constatar de fato.
366. Comparada com a prosa em outras artes, a prosa literária é superior em várias
aspectos.
Esta superioridade relativa da prosa literária se deve ao fato de sua natureza
convencional, que permite a criação fácil de equivalentes para a universalidade dos
objetos.
Embora as artes de mimese natural, como a pintura e a escultura, disponham de
expressões rigorosamente iguais aos objetos expressos, porque cores e formas poderão
ser encontradas com perfeito paralelismo, tal mimese não ocorre senão em certa linha
de objetos, diminuindo progressivamente na expressão de outros.
Na língua os equivalentes convencionais são viáveis do mais concreto ao mais
abstrato. Com os recursos da língua nos ocupamos com os mais diversos ramos da
ciência de que a filosofia e a matemática são exemplos admiráveis e que não se
repetem nas demais artes.
A estrutura gramatical permite sistemas de expressão de acordo com as classes de
objetos. Uns termos exprimem à maneira de substantivos, enquanto outros como
pronomes, adjetivos, verbos, advérbios, preposições, conjunções, interjeições, além
das variações morfológicas para indicar tempo, número (singular, plural), como toda
uma gama de sufixos e prefixos.
Uma língua bem feita supera em muito as demais artes, no que se refere à expressão
em prosa. Se isto não bastasse, a língua ainda se pode aliar com versatilidade a
qualquer arte, como acontece no canto, teatro, cinema, televisão. A língua é, pois, o
instrumento por excelência da precisão de expressão.
374. Transposição de uma arte para outra arte. São menos espetaculares as
transposições que se procedem de uma arte para outra.
Pinta-se a guerra, põe-se a guerra em escultura, até mesmo a música indica o fragor da
batalha.
A estátua de Lacoonte exprimiu nas formas do mármore, o que a narrativa literária
expressou sobre Tróia sitiada. Discutiu Lessing qual das duas expressões foi a anterior
e qual a transposta.
As traduções de uma língua para outra são transposições frequentes, que bem
mostram como a significação se mantém, enquanto o significante, ou portador
material, é substituído. Resta sempre nas traduções a referência ao objeto, que não é o
pensamento subjetivamente, mas o pensamento enquanto conteudisticamente
encaminha a mente interpretadora àquele objeto.
Também os códigos são transponíveis de um ao outro, num processo denominado
transcodificação. Esta denominação é específica para a transposição de um código ao
outro. Mas, por analogia, podemos dizer que a tradução de uma língua à outra é uma
transcodificação.
Conforme convém advertir e sempre repetir, não é correto dizer que a transposição de
uma arte à outra é fazer uma arte expressar a outra arte. Então uma arte seria o objeto
da expressão da outra, como se disséssemos arte da arte, ou mesmo expressão da
expressão. Seria como se numa tradução de língua, disséssemos que fizemos a língua
da outra língua.
O correto é afirmar que a tradução expressa, por meio de uma nova espécie de código,
os objetos expressos pela referida outra arte.
375. A língua indica os objetos e não as idéias da mente (vd 368). Como estabelecer a
prova direta de que a expressão artística, portanto a língua inclusive, indica a objetos e
não as idéias da mente?
Para decidir a questão, começa-se estabelecendo, porque o paralelismo acontece e
como acontece. Este porque acontece deverá ser buscado na essência da expressão
como mimese.
A prova é fácil com referência às artes que operam como semelhanças naturais, como
a pintura, escultura, música e todas as formas mistas delas derivadas, como teatro,
cinema, televisão.
Aparentemente a prova é mais difícil em relação à língua. A semelhança remete para
o assemelhado, e este é um objeto. Eis tudo provado.
Se, por exemplo, se traçarem sobre a tela as linhas de uma ponte, estas linhas têm uma
semelhança natural objetiva com a referida ponte, o objeto com o qual as linhas se
assemelham.
É preciso má fé para dizer que tais linhas expressam apenas a idéia de ponte. A
semelhança natural das linhas do desenho encaminham por si só ao apreciador à
identificar a expressão da ponte.
Por vezes surgem linhas e formas em objetos da natureza, que o indivíduo interpreta
como expressão de objetos inusitados naquela circunstância. Por exemplo, um morro
que tenha a forma de um lombo de cachorro, poderá advertir ao apreciador a
simplesmente denominá-lo Lombo de Cachorro. A forma semelhante criada pelo
desenho não se criou como expressão de uma idéia. Ocorre uma semelhança natural
entre o referido monte e o lombo de cachorro. Não expressou o desenho uma idéia,
mas simplesmente o objeto.
Na língua é mais fácil imaginar erroneamente, que a expressão oral seja a expressão
de uma outra expressão, a mental, por isso denominável expressão- objeto. Qual a
razão dessa ilusão tão fácil e frequente?
A capacidade da língua para o estabelecimento de equivalentes para muitas
perspectivas do objeto, permite apresentar tanto o objeto concreto, como suas partes
abstratas. Todos os objetos apresentados pelos conceitos, a língua os pode expressar
pela simples criação de equivalentes, ou seja pela palavra.
Finalmente, a língua pode ordenar seu sistema de expressão mediante equivalentes,
criando uma ordem sintática das palavras, a fim de expressar os objetos, como surgem
através dos juízes e dos raciocínios.
Nada, pois, na língua é expressão direta da mente, mas sempre dos objetos, que a
mente permite encarar em partes.
376. Em resumo, a teoria da mimese, fundada no princípio de que as qualidades,
possuem semelhantes, graus e contrários, explica a expressão, e ainda prova que a
expressão indica diretamente objetos. Estes são precisamente aqueles objetos com os
quais a expressão se assemelha.
Para insistir mais ainda entre o paralelismo do pensamento e a língua voltamos a
lembrar a natureza da expressão como mimese. Qualquer seja a mimese, natural ou
convencional, a relação entre a expressão e o objeto se dá de maneira muito íntima, na
ordem da causa formal. Esta relação seria menos apertada se ocorresse na ordem da
causa eficiente (veja cap. 1-o).
Na ordem da causa eficiente, como na relação entre fogo e fumaça, os termos poderão
distanciar-se fisicamente um do outro e admitem serem muito diferenciados.
Todavia não é por este procedimento pela ordem da causa eficiente que uma
expressão opera. O significado não brota como se fosse o efeito de uma causa
eficiente.
Mas se fosse, poderíamos imaginar que a expressão mental e a expressão linguística
poderiam distanciar-se mais entre si.
Ocorrendo todavia uma relação na ordem da causa formal, os efeitos se prendem
intimamente às suas causas. Se, então, as expressões indicam o mesmo objeto,
deverão manter entre si um paralelismo. Se as expressões são semelhantes ao objeto,
deverão ser semelhantes entre si, portanto paralelas, aproximando entre si todas as
expressões artísticas e mesmo as mentais.
Poderíamos exagerar o paralelismo entre pensamento e língua?
Aristóteles e os lógicos medievais cuidaram da língua como algo muito paralelo ao
pensamento. Teriam exagerado?
Certamente não, se se tomar como ponto de partida que uma língua é definida como
expressão fundada na mimese, ainda que seja por convenção, como em um faz de
conta que... Então a língua expressa objetos, tal como a mente também expressa
objetos.
Mas, se se tomar como ponto de partida que a língua é apenas um sistema de reflexos
condicionados, ou seja como um comportamento (behavior). Então certamente não se
poderá aceitar um paralelismo mais profundo entre pensamento e língua. Não
funcionaria a língua como expressão com significados resultantes de uma
interpretação da mimese; já não se trataria de interpretar uma semelhança para dirigir
a atenção intencionalmente a um objeto, mas de reagir por associatividade de imagens,
ou muito menos, como nos reflexos condicionados. Para esta maneira de definir a
língua, o paralelismo entre pensamento e língua não seria mais que ocasional.
Conforme já estabelecido (cap. 1-o), há um real paralelismo entre a expressão mental
e a língua, sobre a qual não exageramos tão facilmente. Atentos a este paralelismo o
estudo progredirá por certo.
Por causa desse paralelismo se cria todo um sistema morfológico diacrítico, em que os
semantemas e morfemas ajustam a palavra às classes de conceitos. Mesmo quando a
polissemia diminui a número de palavras frente aos objetos conceituados, a própria
polissemia se justifica no paralelismo.
4515y380
384. Expressão das imagens sensíveis e conceituais. Com que recursos (instrumentos,
expedientes, técnicas), expressar oralmente aos diferentes objetos apresentados pelos
processos cognoscitivos, em particular pelos processos anteriores aos juízos e
raciocínios?
A mesma palavra costuma significar todos os níveis de conhecimento sensível externo,
interno, intelectual, quando se trata da imagem de um objeto específico. Por exemplo,
cor é nome para o mesmo objeto, apresentado três vezes, - como sensível externo,
sensível interno e inteligível conceitual. Não obstante pode ocorrer a abertura de um
leque de palavras para expressar nuances, decorrentes de tais diferenças de faculdades.
O que determina a escolha das palavras somente poderá ser a experiência, que testa o
sistema de elementos capazes de realizar a expressão oral referida. A verificação
experimental, - tem-se que advertir sempre, - é o método da linguística.
Importa destacar que a linguística não é uma filosofia, mas uma ciência positiva.
Precisa-se estar sempre atento a esta linha divisória, para que a sistemática
argumentativa das provas se faça com segurança. A língua é uma técnica, ora a
técnica é um fluxo de elementos que conduz a resultados. Só um teste experimental
pode determinar quando coisas materiais funcionam num sistema na ordem do fazer.
De outra parte, a linguística, como ciência experimental, não consegue determinar
tudo sobre a língua, porquanto a expressão como expressão escapa à experimentação
direta.
Enquanto a linguística pratica uma ciência experimental, poderão ocorrer elementos
filosóficos embutidos. Sobretudo a estes nos importam neste instante. Ainda que de
passagem se faça linguística, teorizando sobretudo sobre seus aspectos mais gerais,
onde se desenvolve em paralelismo com o pensamento tratado pela lógica, trata-se
diretamente dos conceitos em si mesmos, em especial suas classificações.
Ora, estes são assuntos filosóficos, em virtude de seu caráter não experimental.
Referimo-nos aos conceitos enquanto apresentam objetos, pois é a objetos que
qualquer expressão se refere.
E por que classificar conceitos? Ao se estabelecer uma morfologia diacrítica, o que
exatamente se tem em mira é referir aos objetos enquanto estão dentro de uma classe.
Ora, estabelecer estas classes não é função direta da linguística (ciência experimental
e técnica), mas da lógica (ciência filosófica).
385. Palavra e conceito são paralelos, começando tudo porém pelo conceito. A
palavra não expressa ao conceito,- importa advertir sempre, - mas ao objeto dado a
conhecer pelo conceito; este, o conceito já vinha antes combinado com os sentidos,
dos quais recebe os conteúdos para conceituar. Há uma transposição do conceito para
a palavra, porquanto o objeto é, cronologicamente, expresso primeiro pelo conceito.
Por isso, tem-se por trás das palavras, os conceitos.
Que é conceito precisamente? O conceito é o elemento mais simples do pensamento,
no qual comparece desde o início como parte do juízo.
O conceito é dinâmico, pois se exerce como uma ação, que tem um começo e se
estabelece finalmente como imagem acabada do objeto. Por isso, o conceito é dito
também uma operação mental. Igualmente, são operações mentais o juízo e o
raciocínio; no juízo os conceitos se afirmam e no raciocínio os juízos se coordenam
para produzir novos juízos. Mas, fiquemos concentrados agora apenas na natureza do
conceito.
Define-se o conceito como imagem mental do objeto, visto sob a perspectiva de ser.
As outras percepções e imagens são sensíveis, destacando-se a visual. O sensível é
sempre situado espacialmente; como que de fora, as imagens estão na fantasia e
memória (ou subconsciente). a imagem mental do conceito não tem caráter espacial.
Ela simplesmente enuncia o objeto em termos de verbo: ela é.
Não há conceitos isolados; estão sempre como elementos integrados no juízo, onde se
exercem, ou como predicado, ou como sujeito, e que se unem pela afirmação ou se
separam pela negação.
A rigor, negação é uma espécie de afirmação; afirma a negação o que não é.
394. Haveria classes pelo lado da realidade das coisas? Eis um tema difícil da
gnosiologia, a qual examina a verdade sobre o conteúdo dos objetos oferecidos ao
conhecimento.
O filósofo platônico, aristotélico, cartesiano defende que as coisas são reais e se
encontram em classes.
Inversamente, filósofos aprioristas e idealistas (Kant, Hegel) estabelecem a existência
de classes apenas pelo lado da estrutura mente.
Enfim há o filósofo nominalista negando, empirista, positivista, negando
simplesmente a classificação.
Mas todos admitem que um puro formalismo mental pode ordenar as coisas em
classes. Até mesmo o vulgo estabelece classes irreais, como o sexo mitológico das
coisas, umas de sexo masculino, outras de sexo feminino.
Para a língua não importa o que de fato acontece pelo lado das coisas. Ela
simplesmente traduz as classes como a mente as admite, seja por convicção, seja por
mero formalismo, seja por tolerância cultural.
Colocada esta multiplicidade das classes de objetos, abre-se o caminho para a
racionalização da palavra, ou seja dos semantemas e morfemas.
397. Em síntese, os objetos dos conceitos são expressos por meio de dois instrumentos:
a palavra, com sua morfologia, e o contexto, que usa de procedimentos como
identificação deste.
I - Do contexto em geral.
4515y398.
399. Palavra explícita e o contexto da palavra. Entende-se por palavra explícita o que
ela efetivamente diz por obra da convenção imediata do código línguístico.
O contexto é um encadeamento de significados que se dá a partir de um primeiro
objeto expresso, em função de cuja lógica interna se passa ao conhecimento de outros
objetos mais. Em virtude de uma certa estrutura do objeto em si mesmo, esta
objetividade interna permite calcular outros elementos com ele relacionados.
Há um contexto lógico, inteiramente objetivo, e um contexto associativo, em função à
imagens que se associam. Dito de outro modo, há um contexto prosaico e um contexto
poético.
Neste quadro, o contexto (vd 397) complementa a palavra, isto é, complementa ao
semantema e ao morfema.
Em síntese, os objetos dos conceitos são expressos por meio de dois instrumentos: a
palavra, com sua morfologia, e o contexto, que usa de procedimentos como
identificação negativa (vd 403), jogo de linguagem (vd 404), controle da polissemia
(vd 405).
Estes instrumentos diacríticos importam ser examinados primeiramente com vistas à
palavra e ao conceito. Depois (não neste parágrafo), com vistas à frase e ao juízo,
finalmente com vistas ao discurso e raciocínio.
406. O cuidado com a acepção que as palavras polissêmicas devam ter em cada
momento da frase é particularmente importante na narrativa, porque os mesmos
conceitos se repetem, enquanto a ação se desdobra.
Sobremaneira é importante a acepção no raciocínio. Não pode o termo médio, da
primeira premissa, mudar de acepção ao reaparecer na segunda premissa. Também os
termos maior e menor, ao reaparecerem na conclusão, devem conservar a mesma
acepção. Do contrário, muda o resultado, como acontece no seguinte exemplo: Cão é
uma constelação; ora, o cão late; logo, uma constelação late.
Material.
a) própria{ simples
formal{ singular.
personal{ disjuntiva.
particular{
comum{ disjunta.
coletiva
universal{ completa.
metafórica distributiva{
por sinédoque
por metonímia
Por hipérbole.
410. Expressões perfeitas são aquelas que se ajustam rigorosamente ao tema. Com
frequência ocorrem duas situações a evitar: a acepção excessiva em precisão e a
polissemia sem controle.
Um certo desajuste é inevitável entre a expressão e o tema expresso; dali resulta que o
conteúdo da expressão jamais coincide inteiramente com o tema visado.
A polissemia ocorre sempre quando se trata de uma expressão mediante semelhanças.
É que toda a qualidade, ao se exercer como semelhança de outra, admite graus. A
semelhança justa com um determinado tema, também é uma semelhança menos
ajustada com outros e outros temas. A mesma semelhança pode significar diversos
temas, ainda que a uns menos que adequadamente. Cabe ao poder imaginativo e
racional imediatamente suplementar o que falta e adivinhar o significado em vista.
O quanto se de deva complementar, é o que geralmente se consegue deixar por conta
do "contexto". Resulta que, ao menos por obra do contexto, as expressões se podem
ajustar rigorosamente ao tema e com isso tornar-se perfeitas.
Pelo contexto se articulam pois definitivamente a expressão e o tema. Por exemplo, a
palavra "céu", de tão variado matiz, assume significados mui diversos, dos quais um é
próprio, os demais apenas aproximativos, mas todos legítimos, quando
suficientemente determinados pelo contexto. Aprecie-se de: "estrelas do céu",
"pássaros do céu", "bem aventurados do céu", "o céu azul da vida", "céu aberto de
esperanças", "céu de brigadeiro", "céu da boca", "cair dos céus". Há ali mistura de
acepções próprias com impróprias, além de outros fenômenos linguísticos.
411. Que é uma acepção própria? É aquela que a palavra tem como em primeiro lugar
a sua. No seu instante inicial, um termo possui, por convenção, uma significação bem
determinada como fundamental. Esta acepção se diz própria, e que costuma ser
conhecida e sempre respeitada.
Na primeira alteração do sentido, a acepção passa se dizer imprópria. Portanto,
acepção imprópria é aquela significação que a palavra não possuía inicialmente e que
veio a ter eventualmente.
Por conseguinte, a acepção é própria ou imprópria, de acordo com o emprego do
vocábulo em seu sentido originário. Verifica-se em leão concebido como "certo
animal", ou em um novo sentido mas em função ao primeiro, como em o "leão de
Judá", o "leão do imposto de renda".
A acepção imprópria, considerada positivamente, recebe também a denominação
de "figura" ou "linguagem figurada". A índole escultural que a figura oferece na
imaginação, alia ao poder da mera convenção a força que a verdadeira mimese
contém. Por isso, a linguagem figurada não se de reduz apenas a um outro modo de
usar os nomes. Fortalece ainda a linguagem e transforma inteiramente a peculiaridade
do estilo, tornando-o fonte iluminadora do objeto, que passa erguer-se de colorido e
luminoso por sobre o horizonte da imaginação.
413. A acepção própria de um termo poderá ser, ora formal, ora material. Diz- se
material, a acepção que atende à palavra fisicamente, isto é, ao sinal e ao assimilado.
Assim comparece na análise morfológica, inquirindo-se ao aluno, - que é "leão"?, - ele
poderá responder, que "leão" é uma palavra de duas sílabas.
414. Acepção própria formal. A outra alternativa, a acepção formal, toma a palavra
pelo que convencionalmente deve significar. O "leão", em acepção formal, é o animal
que o nome indica.
Ainda se pode entender por acepção formal o conteúdo essencial de uma
natureza, como em "amarelo é a cor"; acepção material, como "o amarelo é enjoativo".
418. Acepção personal comum. Nos casos restantes, a acepção personal é comum.
419 Acepção formal particular. A acepção comum se subdistingue em comum
particular, quando recai sobre vários de um grupo, como em:
"alguns homens são ladrões".
426. Acepção personal comum particular disjunta. A disjunta deixa uma idéia
confusa a respeito de qual seja o indivíduo em questão:
"algum olho é necessário para ver" (pode ser o esquerdo ou o direito).
438. A sinédoque fomenta o vigor do estilo, por causa da concisão que lhe
empresta; produzindo a palavra muito mais do que a acepção ordinária lhe empresta, o
efeito estético decorrente se torna apreciável.
Requer-se, que a sinédoque seja facilmente reconhecível, porque do contrário
torna o texto enigmático, em vez de sugestivo e vigoroso.
Nas línguas étnicas são frequentes sinédoques que não funcionam a nível
internacional.
Este é um dos motivos porque a internacionalização de uma língua nacional é
pouco praticável. Recomenda-se uma língua internacional específica.
Expressões como "direitos da coroa" somente são adequadamente entendidas em
países que ainda não evoluíram para a república plena.
Também não deve laborar a sinédoque em excesso de concisão, para não incorrer
em laconismo. Um certo desdobramento se recomenda, para atender à capacidade
sempre limitada da apreensão humana.
439. A metáfora (do grego metáfora = transposição) indica um objeto pelo que
tem de semelhante em ou outro objeto; supõe dois objetos, de sorte a permitir a
transposição do nome de um para o de outro, com o auxílio do contexto.
Consequentemente o novo nome perde seu sentido próprio, tomando o do objeto
em vista.
Exemplo, "navio do deserto" (= camelo); "noite da alma" (= solidão da alma);
"divino platão" (= O sublime Platão).
Não precisa haver uma acepção maior que no termo do qual partiu a mudança,
como ocorre na sinédoque; a metáfora é simplesmente uma transposição de qualquer
natureza; todavia o resultado pode redundar em aumento de significação, o que aliás
torna a metáfora apreciável. Ekzemplo, "lábios de mel" diz certamente algo mais,
quando dito sobre a mulher.
441. Espécies de metáforas. Uma classificação se pode dar pela matéria (ou
conteúdo) e pela forma (ou pela maneira de se exercer).
442. Avaliam-se as metáforas pelo rendimento que possam dar à expressão, quer
essencialmente, pela capacidade de significar, como prosa e poesia, quer aditivamente,
pelo poder de comunicação e esteticidade.
Do ponto de vista analógico (da prosa) e evocativo (da poesia), as metáforas, que
transpõem de um plano material para outro material são menos rentáveis, porque em
ambos os planos, - de onde transpõem e para onde transpõem, -ocorre a direta
verificabilidade das acepções.
As referidas metáforas, que transpõem do material para o material, ocorrem, por
vezes, tão só por falta de um nome específico. Nascem também assim um grande
número de apelidos das pessoas e de objetos, fundads na analogia, como em "perna de
gente" e "perna de mesa" (vd 444).
Outra é a situação de rentatilidade da metáfora no plano meramente inteligível,
porque ali a metáfora se faz útil e por isso plenamente desejada. Lá onde somente a
analogia e a evocação alcançam chegar, a metáfora efetivamente exerce uma função
insubstituível.
A dilatação do conhecimento por analogia entre o material e o espiritual, eis o
campo em que acontece sobretudo a rentabilidade da metáfora. Ocorre o fenômeno
com aquelas qualidades sensíveis que se exercem também no espírito; então a "visão"
dos olhos passa a transpor-se para "visão intelectual". No grego, aliás, "idéia"
significava primitivamente "visão" dos olhos.
Também há uma transposição do sentido visual (sempre mais claro) para os
restantes sentidos. Exerce, então, a transposição metafórica a função de clarear
aquelas regiões; além de indicar as semelhanças ainda desperta imagens associativas.
Falamos em "som brilhante", ora, o brilhante é a vista e não do ouvido.
Mas, o que o ouvido tem de preciso se transpõe metaforicamente para a vista, tal
ocorre em "cores gritantes". Esta transposição poderá dar-se mesmo definitivamente,
como aconteceu em claro, que no antigo latim (clarus) significava primeiramente a
qualidade do som. Aliás, claro e gritante derivam da mesma raiz indo-européia kel -
com o sentido fundamental de gritar.
Do olfato, para a vista se transpõe o que é peculiar; aprecia-se "cores
perfumosas".
Com relação ao gosto, admite-se "cores gostosas", "perfumes doces", "cores
quentes".
Transposições para o tato: "cores quentes", "cores frias".
As metáforas indicadoras de afetos se reduzem às que transpõem do material
para o espiritual, quando apelam às qualidades sensíveis, anotadas pelos sentidos.
Particularmente os sentidos inferiores realçam a afetividade. Em "cores gostosas"
O ictus que a palavra "gostosa" indica é eminentemente afetivo e não apenas uma
indicação de natureza cognoscitiva.
As metáforas que apelam ao visual, insinuam ao mesmo tempo uma informação,
ao lado do elemento afetivo. O "rosa" indica situação feliz, o "negro", situação
irremediável, o "cinzento", situação triste. a expressão "tudo azul" (alles =blau, no
alemão) significa "tudo bem" (O.K. no inglês).
Sem ser ainda a poesia, a metáfora a cria facilmente, como mais uma de suas
eventuais utilidades. De maneira geral, as transposições metafóricas para o plano do
espírito funcionam acompanhadas de sugestão.
457. Entre abstração e divisão. Uma nuance distingue o termo abstração daquele
de divisão. Enquanto divisão se diz de qualquer separação em partes, abstração se usa
como termo peculiar à divisão procedida pela mente.
As divisões na mente não usam poder separar-se fisicamente ao modo como se
dividem os elementos químicos. Os "abstratos" que na essência são partes carregam
consigo a propriedade de não poderem se atomizar como coisas separadas de fato.
Além disto, a mente retira seus conceitos do mundo exterior concreto; constata
que pode dividir não só aspectos fisicamente separáveis, mas até considerar em
separado aspectos não separáveis ao modo físico.
A mente, - porque opera desde o início com o juízo, do qual os conceitos são
partes à maneira de sujeito e predicado, - começa sempre pela separação de aspectos
inseparáveis. Assim sendo, considera em separado o sujeito individual e sua forma
(abstração total) (vd 460), além de continuar pela redivisão da forma ou da natureza
(abstração formal) (vd 461).
Já se de vê, porque a abstração se diferencia com nuances frente ao termo divisão.
Com isto todavia não se afasta o denominador comum de serem ambas um processo
que separa partes para a classificação.
459. A abstração total é a que separa sujeito e forma (ou indivíduo e natureza). A
respectiva tradução linguística é a que se exprime pelo uso do pronome.
Pode ainda o pronome identificar o sexo. Mas este aspecto é secundário, porque
primeiro lugar o pronome indica ao sujeito.
Acontecem ainda mais fenômenos na abstração total, e que importa aprofundar.
A abstração que separa sujeito e forma é a primeira das abstrações, e se
denomina abstração total, no sentido de que separa a forma de seu sujeito. Diferente
da seguinte que separa somente formas às formas, e que por isso se denomina
abstração formal.
Começa, pois, o trabalho de dissociamento abstrativo pela separação de sujeito e
forma, e que acabamos de denominar abstração tota. Nesta as determinações
atribuídas ao sujeito são tomadas separadamente do sujeito, destruindo-se então a
unidade concreta. Em vez de dizermos "a planta", ficamos a pensar "planta"
simplesmente.
Com esta abstração, que é total, caminhamos para as primeiras abstrações e que
são as mais frequentes que nos ocupam. No dia a dia, ora consideramos as coisas
definidas, como um na espécie, ora sem esta determinação numérica.
Na linguagem prontamente se reflete a abstração total, pela criação de um
morfema denominado "artigo" e que tem a função de caracterizar o mais determinado
contra o menos determinado. Em "a planta" não se diz algo tão abstrato tanto como
quando se enuncia "planta" simplesmente.
O indefinido poderá, ser expresso negativamente, pela ausência do artigo
definido. Algumas línguas possuem artigo indefinido, além do expediente da
expressão negativa.
Compreende-se imediatamente que os nomes próprios não necessitam artigo,
porque, sendo concretos em qualquer hipótese, já se encontram suficientemente
caracterizados.
Dizer por exemplo "o Pedro" é redundante, se se fala apenas deste indivíduo.
Os nomes comuns, pelo contrário, ora indicam o mais determinado, ora o menos,
razão porque um morfema , ou ainda o contexto, precisam fixar a acepção exata em
que se exercem em cada instante.
É notório que o artigo funciona em palavras mui abstratas, como "o ser". Mas,
em qualquer nível em que esteja funcionando o morfema determinador, está, naquele
instante, fixando a noção em uma perspectiva mais determinada.
A determinação ocorre principalmente do lado do sujeito e menos no do
predicado (geralmente universal); por isso, o morfema determinador, ou artigo, se
estabelece particularmente junto do sujeito.
Pode o sujeito ser considerado em dois níveis o do substantivo (mais concreto) e
o do pronome (mais vago). Há um elemento comum, que se repete no substantivo e no
pronome. Por isso, um pode substituir o outro. O caráter vago do pronome faz com
que ele substitua um maior número de substantivos (vd a gramática Esperanto Básico
- 1946y000,- sobre o assunto ).
460. A abstração formal é a que dissolve as formas em novas formas. Por exemplo, a
noção de ser se divide em essência e existência; na noção do serocorrem também as
formas pelas quais o mesmo ser se dissolve várias formas, segundo as quais ele se diz
coisa, algo, verdade, bondade, - noções que se fizeram conhecidas como modos
transcendentais, ou modos gerais.
Numa outra sequência de abstração formal, dividindo formas sempre em novas
formas, encontram-se as categorias de ser: substância, quantidade, qualidade, relação,
tempo, lugar, posição, ação, paixão, hábito. Em contraste, com os modos gerais do ser,
as categorias se dizem modos especiais do ser.
Todos estes conceitos, - modos gerais e modos especiais, - apresentam a
modalidade pela qual se dizem abstratos pela divisão da forma da coisa em novas
formas. Ou seja, os conceitos são abstratos em virtude de uma abstração formal, e não
pelo procedimento da abstração total (de forma ao sujeito).
Nestes exemplos não se cuida do conteúdo dos conceitos; eles possuem também
conteúdo, mas não é sob esta perspectiva que os consideramos aqui, e sim sob a da
maneira pela qual são conceitos abstratos pelo processo da abstração formal.
Nesta linha de exploração há ainda muito a determinar. Vimos exemplos em
diversas direções, eis onde devemos prosseguir, pondo a descoberto detalhes
importantes referentes à maneira de conceituar os objetos, e se vão refletir na
linguagem, porque em cada caso podem exigir uma particular morfologia da palavra.
II - Expressão de conceitos analógicos e unívocos.
2515y461.
468. Reflexo na linguagem dos cinco modos gerais de predicar. Como é que os
cinco predicáveis, ou os conceitos unívocos, se refletem na linguagem diacrítica de
significados?
É notório o reflexo dos predicáveis sobre a língua. Não se exprimem do mesmo
modo um gênero, uma diferença específica, uma espécie, uma propriedade, um
acidente.
Todavia, os reflexos dos predicáveis sobre a língua se dão muito pouco na
morfologia, mais no contexto, o que torna o sistema um tanto complexo.
Antes mesmo que se atenda aos modos da predicação unívoca, tem-se de levar
em conta o caráter abstrato de todas as predicações.
Normalmente a morfologia da língua expressa os conceitos abstratos resultantes
da abstração total com expressões que indicam apenas o conteúdo e não pela maneira
como o conteúdo se predica.
Quando a língua utiliza o morfema da expressão abstrata, ela não distingue entre
conceitos análogos e unívocos; mas o morfema existe. Aparece, por exemplo, em
amizade, especificidade, humanidade, etc.
O morfema não costuma fazer distinção entre abstrato de qualquer espécie e o
que é propriedade. Por exemplo, racionalidade (diferença específica) e humanidade
(qualidade).
474. Em alguns casos a forte insistência na diferenciação dos sexos resultou até
na criação de nomes próprios para machos e fêmeas: homem e mulher, boi e vaca,
carneiro e ovelha, bode e cabra, cavalo e égua, cão e cadela.
Também pela composição se exprime morfologicamente o sexo: cobra-macho,
cobra-fêmea.
No Esperanto o sufixo -ino dá ocasião a composições como: in-câmpelo (=
chapéu de mulher), in-vesto (= roupa de mulher), in-kalsono (= calção de mulher), in-
kalsoneto (= calcinha de mulher).
A indicação indiscriminada dos sexos, ou seja de ambos numa só expressão, é
também possível mediante morfema próprio. No Esperanto se faz com o sufixo ge-
(pronuncie-se guê), com notável vantagem: gepatroj (= pai e mãe), gesinjoroj (=
senhores e senhoras) (pronuncie-se guepátroj, guessiniôroi).
O uso do plural, como acontece no português, requer uma complementação vinda
do contexto; observe-se a diferença: os pais de João (= pai e mãe), o dia dos pais é em
julho e o das mães em maio...
Ordinariamente, no idioma português, o sexo masculino é indicado
morfologicamente pela terminação o: Pedro (difere de pedra), galo (difere de
galinha)...
É comum determinar o sexo masculino por diferenciação negativa (vd 218); uma
vez determinado morfologicamente o sexo feminino, sabe-se de que a palavra paralela
sem esta determinação será masculina.
O sexo mitológico das coisas, ainda que culturalmente admissível em línguas
nacionais, não é recomendável em língua internacional. Conflita com situações
nacionais, em que um termo poderá ser masculino (como o sol nas línguas neolatinas)
e feminino (como mesmo sol, na língua alemã).
No sistema pronominal sempre se manifesta a conveniência de diferenciar os
sexos na terceira pessoa do singular: ele e ela. Não tão importante é a diferenciação no
plural; ela poderá ser realizada pelo contexto.
482. O ser é a noção de conteúdo mais geral dentro todos os conceitos, e é a que
mais se reflete na linguagem, por todas as formas do conhecidissimo verbo ser.
De outra parte, é a noção que se apresenta menos definida, o que é
verdadeiramente surpreendente.
É que o ser se predica universalmente, e em todas as coisas à maneira analógica,
não à maneira unívoca. Assim não fosse, o ser não chegaria a atingir a universalidade
frente às coisas, as quais, embora unívocas em tantos aspectos, em outros são
equívocas.
Portanto, o ser, - como analógico em seu predicar, - se diz em cada caso à sua
maneira e de nenhum ser particular ao modo em que o foi de outro.
Mas, se a alguma, - como a Aristóteles, - o ser se apresenta como analógico,
outros, todavia, não o querem assim. Estes outros, - advertindo para o aspecto de que
as coisas parecem opor-se umas às outras, - querem que o ser seja uma noção
equívoca, referindo-se às coisas, em cada caso, equivocamente. Assim de fato pensam
a respeito do ser alguns filósofos – os empiristas e existencialistas, - ainda que nem
sempre conscientemente.
494. O que não é substância pode ser apresentado como se o fosse. Isto decorre
da circunstância pela qual o conhecimento meramente empírico não distingue umas e
outras coisas como distintas. Somente pelo uso da razão compreendemos
adequadamente tais diferenças.
Em consequência, não corresponde substantivo ao conceito de substância, ainda
que deste obtenha sua noção básica.
Além disto, o substantivo não indica expressamente a individualidade, como faz
o pronome. Exemplo, fácil (adjetivo), o fácil (substantivo).
O substantivo também assume forma ativa, como no modal infinitivo do verbo.
Exemplos - amar, falar, dizer, não são apenas verbos; são também substantivos.
Paralelamente, o particípio se comporta como um adjetivo (vd).
502. O tempo, como categoria suprema é um conceito que se refere a algo que
não se reduz a outro mais simples.
Que é mesmo o tempo? É uma determinação muito próxima da de existência.
Existir quer dizer a determinação pela qual algo se estabelece como estando acima do
nada, e passa a durar. Este durar é o tempo. Trata-se de um conceito intuitivo, que se
tem de entender diretamente; quando se define a existência como algo distinto do
nada, estamos a defini-la pela negação do seu contrário.
Efetivamente a existência é a existência e nada mais. Mas, o que existe, enquanto
permanece na existência, é a propriedade pela qual contém a temporalidade. O tempo
é a duração (outro nome para o tempo). Parece pois, que a melhor definição de tempo
é a existência enquanto permanece. Ou a existência enquanto dura.
Esta permanência da existência, denominada tempo, finalmente tem aspecto de
propriedade, que decorre, e não se separa. Por isso, apesar do tempo ser imaginado
com algo separado, só existe dentro do ser. As coisas carregam consigo o seu tempo.
Imaginativamente se pode conceber o tempo com algo separado da coisa. Esta
não é todavia a noção real contida no conceito de tempo. Colocar-nos, entretanto, em
uma noção certa do tempo, é difícil.
A linguagem que expressa o tempo se pauta entretanto pelo modo imaginativo e
falseado do tempo.
503. Enquanto algo dura, a imaginação cria a imagem de uma linha que vem do
passado e vai para o futuro. Dali se poder dizer, por analogia, que o tempo é a Quarta
dimensão.
Assim como a dimensão é inerente à coisa, e não um espaço real, também o
tempo está contido concretamente na coisa, surge com ela e desaparece com ela ( caso
o surgimento e o desaparecimento sejam possíveis).
Distingue-se entre duração sem alteração (tempo eterno), duração com alterações
acidentais (= evo), duração com alterações substanciais, isto é, com cessações, que
deixam lugar ao surgimento de coisas inteiramente novas. Nesta última acepção se
procura por vezes localizar o sentido estrito de tempo. Em função a esta última
condição, o tempo se define como número das partes do movimento, por anterioridade
e posterioridade (Tomás de Aquino, Suma teológica P. I, q.10, a 1.).
Considerando que não percebemos diretamente o tempo (como nem a existência,
senão a essência, ou qualidade), mas as coisas que estão em movimento, por exemplo,
os ponteiros de um relógio, a noção que temos de tempo é imprópria, inadequada, e
está em função ao movimento (melhor, em função às coisas que se movem).
Imaginamo-nos o tempo como movimento anterior, movimento presente, movimento
a acontecer.
504. Por obra da abstração, o tempo pode ser expresso separadamente da coisa
que existe e dura. Além disto, esta expressão usa conter o lado imaginativo, que
substancializa o tempo abstrato.
Sem alteração o tempo se exprime juntamente com a coisa que dura. Assim
acontece poder conceber-se e expressar-se o tempo em dois níveis: o tempo puro e o
tempo cronológico.
Para o tempo puro a língua tem denominações como: segundo, minuto, hora, dia,
semana, mês, ano, século, milênio...
Para o tempo cronológico as denominações dizem: era, época, período, fase,
ontem, hoje, amanhã.
Mais precisões consegue a expressão do tempo cronológico referindo-se de
diretamente às suas individuações: época antiga, época medieval, época moderna,
períodos e fases de tais e tais épocas. O tempo puro admite ser ligado contextualmente
a um tempo cronológico: século 16 d. C.; dia 24 de fevereiro de 1925...
No verbo, o tempo também surge com peculiaridades linguísticas (vd 516).
Embora, ação e paixão sejam categorias distintas, elas são invadidas pela categoria do
tempo, e tão notoriamente, que o verbo, que as exprime linguisticamente, admite
morfemas, que situam a ação em tempos distintos, - presente, passado e futuro.
505. Lugar é categoria indicadora da determinação que diz o estar dentro ou fora
(conteúdo e continente).
Sua indicação em linguagem ocorre mediante morfemas, como em galinheiro,
dormitório, banheiro...
Adquirindo importância, os nomes se criam com semantemas próprios, como se
observa nas denominações geográficas: Florianópolis, Paris, Europa, África.
No planejamento linguístico do Esperanto, os sufixos -ujo, -io,- ejo exercem
várias das funções de lugar, que cabem à língua denominar.
Num sentido estrito, movimento é mudança de lugar (que é uma das muitas
ações).
Num sentido amplo, movimento é qualquer mudança.
Há uma ação imanente; é o agir que se exerce na imanência, como o pensar, o
querer, o exercício do instinto. O termo da ação imanente permanece no agente e o
aperfeiçoa com esta nova determinação.
Há uma ação que transcende ao círculo interno do agente; é o fazer, cujo
produto se independiza do agente, e não o aperfeiçoa.
A ação formalmente é apenas um termo de partida (terminus a quo), a caminhar
na direção de um terminal (terminus ad quem).
O movimento (ou ação), considerado formalmente, indica apenas um estado de
imperfeição ou tendência; nestas condições, o movimento não chega ainda a ser
determinação, e por conseguinte não se arrola entre as categorias, mas é apenas uma
sua propriedade, ou pos-predicamento (vd 490).
Como propriedade, o movimento pode ocorrer em várias categorias, pois se
movem as quantidades, mudam as qualidades, anda o tempo, passa a substância em
criação de um estado possível ao existente (movimento substancial).
A paixão (ou ação passiva) é, pela inversa da ação, uma determinação que indica
algo recebido. Em tais condições há uma paixão ao converter-se algo em
determinação de vermelho, de amarelo, de quente,de frio.
As qualidades em si mesmas não são a paixão. É a paixão o fato de terem sido
recebidas.
Também se de distingue entre paixão materialmente, quando se define como
conteúdo da categoria, e uma paixão formalmente, como movimento simplesmente.
Como categoria, a paixão é tratada materialmente, isto é, da coisa que "age" (ou sofre)
recebendo o resultado da ação.
513. Modais propriamente verbais do verbo são nuances dos modais a partir de
qualificações não especificamente verbais. Tais modais propriamente verbais são, -
conforme já adiantado, os modos indicativo, condicional, imperativo.
Nos modais propriamente verbais (o verbo funciona em sua condição plena como
vem definidas as categorias (ou predicamentos) de ação e paixão.
Portanto, nos modais propriamente verbais a ação e a paixão se desenrolam
materialmente, concretamente, efetivamente. A ação, em qualquer de suas vozes
(ativa, passiva, medial) se exprime com toda a propriedade de seu exercício.
515. A pessoa no verbo. A ação e a paixão (ou ação passiva) é exercida por um
sujeito, que por isso tende a se manifestar e a ser expresso juntamente com a
expressão do verbo.
A tendência para expressar a pessoa acontece sobretudo quando o verbo se
encontra no exercício da função modal propriamente verbal.
Não acontece o mesmo com o modal nominal, pois este não se ocupa
diretamente com as categorias da ação e paixão como coisas em mudança, mas as
ação e paixão como categoria de qualidade. Ainda que confusamente, ou
implicitamente, esteja contido um sujeito nos modais nominais, eles por si só já
constituem nome. Não é pois, importante conjugar os modos do infinito e do
particípio com um elenco de pronomes pessoais.
516. O plural interessa ao sujeito concreto da ação, mas não à esta em si mesma.
Por isso os pronomes poderão assumir formas próprias no singular e outras no plural,
sem que o verbo em si mesmo tenha uma forma para o singular e outra para o plural..
Em algumas línguas as terminações dos verbos se diferenciam no singular e no
plural; todavia é dispensável este oneroso sistema. O Esperanto foi planejado sem
estas diferenças morfológicas do verbo, porque dispensáveis.
520. Verbo e tempo. É o tempo (vd 502) uma categoria importante e que por isso
invade espontaneamente o campo da expressão das categorias de ação e paixão pelo
verbo.
O tempo em que se de exerce a ação é uma informação importante que o verbo
poderá exprimir, quer morfologicamente, quer contextualmente.
Importa o tempo sobretudo nos modais propriamente verbais, e aqui em
primeiro lugar no modo indicativo.
Neste modo indicativo da ação o tempo se de manifesta claro, em vista de se
tratar de um modo destituído de circunstâncias, e que por isso mesmo se concentra na
ação real, com a qual o elemento do tempo facilmente se associa.
A ação do modo indicativo possui uma transparência em virtude do que se
mostram duas coisas: em que parte do tempo a ação se encontra (presente, passado, ou
futuro) e em que situação se encontra sua realização no tempo fixado.
Restaria destas duas coisas um duplo presente, duplo passado, duplo futuro? Não
é necessário dupla morfologia, isto é, duas espécies de morfemas para indicar
separadamente as duas circunstâncias dentro de cada tempo. Seria oneroso criar dois
presentes, dois passados, dois futuros. Todavia é o que acontece em algumas línguas.
O estado da ação pode ser indicado por um sufixo, o qual por sua vez recebe as
terminações peculiares ao presente, passado, futuro.
No Esperanto o indicativo foi planejado de sorte a ter somente um morfema para
cada tempo: – as, no presente, – is, no passado, – os , no futuro. Aprecie-se: mi legas
(= eu leio), mi legis (= eu li), mi legos (= eu lerei).
Li estas amanta,
Li estas aminta,
Li estas amonta,
Li estis amanta,
Li estis aminta,
Li estis amonta,
Li estos amanta,
Li estos aminta,
Li estos amonta,
Li estas amata,
Li estas amita,
Li estas amota
Li estis amata,
Li estis amita,
Li estis amota,
Li estos amata,
Li estos amita,
Li estos amota
4515y526.
529. Uma exposição sobre os aspectos linguísticos da frase pode ser feita na
seguinte sequência:
- especificidade estrita da frase,
- terminologia específica da frase;
- recursos específicos da frase.
531. A frase como expressão oral. Define-se a frase como expressão oral, cujo
objeto é a coisa enquanto se une ou não se une a uma outra coisa. Por exemplo, a casa
é verde. Ali algo se une (o verde) à algo outro (a casa).
O elemento linguístico que une sujeito e predicado se denomina as vezes verbo
de ligação, ou simplesmente verbo ser (vd 535).
Diante desta simplicidade da essencialidade específica da frase, fica manifesta
sua condição apofântica, sem os modos de julgar. Também fica manifesta a sua
condição paralelista com o juízo.
532. Juízo apofântico e frase apofântica. A rigor são muito simples os juízos e
muito simples as frases, porque em princípio somente tratam de compor sujeito e
predicado.
Mas, os juízos, - e em decorrência também as frases, - podem incluir elementos
modalizantes, como acontece nos verbos (vd 509).
Sem as modalizações, sobretudo sem as emoções, o juízo puro se diz apofântico,
tendo como paralela a frase apofântica.
Já Aristóteles fizera a distinção entre o juízo apofântico, o qual essencialmente
apenas afirma, e o juízo emocional da assertiva retórica.
Este outro juízo não pertence à lógica, senão enquanto na base é apofântico.
O juízo enquanto afirma diz algo, ainda que esta não seja a verdade. A rigor, o
juízo somente afirma, ficando o restante nos conceitos (que estão como sujeito e
predicado).
O mesmo acontece na frase; esta, a rigor consiste na união das palavras que estão
como sujeito e como predicado; o restante está no sentido daquelas palavras.
533. O paralelismo entre a frase e o juízo é uma particularidade a que importa dar
importância, em vista das funções, que o juízo exerce na formação da frase.
De outra parte importa advirtir-se para a exata extensão do paralelismo. Se for
mal interpretado desorientará a compreensão geral da natureza da frase.
Ainda que se de tenha a tendência de dizer que a frase expressa um juízo, na
verdade não é assim exatamente. A frase se refere ao objeto, onde duas coisas se
unem. Por exemplo, a casa e o verde, que dela se afirma.
A frase e o juízo são portanto duas expressões paralelas.
Neste paralelismo, a prioridade está no juízo, no sentido de que a frase está sob
a sob a influência do juízo, pois o objeto é apenas conhecido como ele nos vêm
primeiramente até a mente. O inverso também pode acontecer, porque a linearidade
da frase ajuda ao juízo a ter uma organização exterior (vd).
534. Dá-se o paralelismo do juízo e da frase, tanto pelo lado do objeto, quanto pelo
lado da expressão.
Efetivamente, o juízo mental e a frase oral podem referir-se ao mesmo objeto: a
união e não-união entre coisas.
De novo acontece o paralelismo pelo lado da expressão, porque em ambos os
casos se dá por mimese. Na mente, se processa algo que exprime afirmação entre
sujeito e predicado. Na linguagem o mesmo processo se dá pelos equivalentes
convencionais, que dizem da união entre os dois termos da frase.
Comparado com o paralelismo das demais artes, com o juízo da mente, o
paralelismo da linguagem com o juízo da mente é muito mais acentuado. Sendo a
língua uma expressão mediante equivalentes convencionais, estes podem ser criados
para todos os níveis de objetos abstratos.
O mesmo não acontece com as artes que expressam mediante qualidades com
semelhança natural; a pintura, por exemplo, expressa com propriedade apenas coisas
que possuam também cor, sendo o mais inadequadamente, com inadequação
principalmente para os temas como os do juízo e raciocínio.
535. O verbo ser na frase. Para a afirmação, como centro do juízo, se estabelece mais
uma denominação peculiaríssima, o verbo ser, e que na linguagem se costuma
expressar oralmente.
Que é o verbo ser? Na frase se usa a partícula ser (cuja forma indicativa soa é)
para transpor à expressão oral a afirmação central do juízo.
A palavra ser é tão frequente, que a temos sempre na ponta da língua.
Todavia o juízo em si mesmo não usa palavras, nem mesmo o verbo ser. Na
mente acontece apenas um como que estalar da perspiciência, que súbito percebe a
união dos extremos (sujeito e predicado). Dissemos "como que um estalar", pois nem
um estalar acontece, porque a perspiciência é o momento primeiro da intelecção.
Na língua ocorrem denominações as mais diversas para indicar o centro da
afirmação, quando transposta para a frase oral: ser, verbo ser, verbo de ligação, verbo
de união, verbo auxiliar.
Não importa o nome, desde que o contexto seja percebido claramente. O uso
deste ou daquele nome, não altera o denominado. Por vezes a mudança das
denominações esconde a intenção de fugir ao problema.
Dizer "verbo de ligação" parece banalizar o que é o mais importante.
De outra parte, verbo de ligação pode estar diferenciando este verbo ser do verbo
de ação (como nas categorias de ação e paixão). Nestas categorias o verbo de ligação
se funde com o predicativo, para se de tornar um "predicado"; por exemplo, em vez
de O sol é brilhante se de diz O sol brilha (vd. 296).
536. O juízo, como operação intelectual, se compõe de conceitos ao nível da mente,
e não de sensações. Não há juízos com imagens sensíveis, mas há conceitos de objetos
sensíveis. A sensação está em paralelo. Na frase "isto é um livro", certamente "livro"
não é apenas uma percepção sensível dos olhos e uma imagem sensível da imaginação;
por cima da percepção sensível e da imagem se forma o conceito deste objeto sensível
(o livro).
A "composição" que se diz haver no juízo não é a composição passiva de uma
simples soma por simples justaposição.
Esta é a maneira associacionista, frequente entre filósofos empiristas e
positivistas de interpretar as operações do pensamento como se tudo não passasse de
um somatório químico de elementos.
Nas imagens sensíveis acontece este associacionismo, que explica inclusive a
poesia.
No juízo, entretanto, se dá algo mais: a combinação é afirmada ativamente,
começando pela perspiciência que percebe a ligação. Até mesmo somar é fazer um
juízo que ativamente assevera. Mas o somar dos associacionistas do pensamento não
chega a isto; é um somar de mera justaposição.
Efetivamente, se nos pusermos bem atentos, constatamos que o juízo é uma
perspiciência, em que a mente descobre a relação de conteúdo entre dois elementos; o
segundo é atribuído ao primeiro (sujeito), cabendo ao segundo (predicado) determinar
ao primeiro à maneira de sua forma.
A noção de "ser como tal" (ens ut sic), como aparece no verbo ser, é indicadora
expressa de totalidade; refere as partes enquanto cabem num todo maior.
Verdade é que o predicado usa estabelecer-se como universal; este universalismo
é apenas o da indiferença (universal metafísico). Mas, enquanto o predicado se
predica a um sujeito, supõe-se que o predicado possa caber no sujeito. Perceber esta
situação, eis o que faz o juízo e nada mais. Percebê-lo já é afirmá-lo. Isto é todo o
juízo.
Concluindo, o juízo não consiste na percepção separada, ora de sujeito e ora de
predicado, como se tratasse apenas de somar (no sentido de simples justaposição) dois
conceitos adquiridos anteriormente. A observação direta constata o seguinte: o juízo é
o instante simples da perspiciência mental que descobre o nexo entre conceitos,
entendendo ativamente que entre eles a relação é de predicado e sujeito.
Para garantir esta diferença, pode valer o contexto. Recomenda-se, pois, que ao
menos o contexto determine em que sentido se usam os nomes. Também vale
adicionar um adjetivo especificador, - mental, oral, - como em frase mental e frase
oral.
Importa atender ainda à acepção própria e imprópria dos nomes usados. Uns
nomes se dizem mais especificamente do juízo e outros de preferência da expressão
oral. Dada a diferença essencial entre a expressão mental e a expressão oral, um termo
poderá ser de acepção própria num destes planos, e imprópria no outro, ou
inversamente.
Ainda pode haver acontecido, no plano etimológico, a evolução semântica do
significado, de sorte que a acepção imprópria ter passado a ser própria.
540. Juízo como nome. Ordinariamente, juízo se diz da operação mental e não
da expressão oral paralela. Em consequência, juízo tem aspecto de nome de acepção
própria, para a expressão mental; de acepção imprópria para a correspondente
expressão oral.
Deriva o termo juízo de uma radical indo-européia, e que era uma fórmula
sagrada.
Nos textos védicos yóh se dizia para saudar.
No latim jus é o direito. Finalmente, combinado jus (= direito) com dicere (=
dizer) se chegou às expressões judicare (= julgar), judicium (= juízo).
Já se vê, de pronto, que pela etimologia "dizer o direito", o termo poderia ter
passado ao uso linguístico, e não apenas, como aconteceu, ao uso da mente, onde
serve hoje à lógica.
541. Proposição, como nome, se diz, tanto do juízo mental, como também da
expressão oral correspondente.
Etimologicamente, não há razão para limitar o uso de proposição para o uso
exclusivo da expressão oral.
No Latim propositio, termo composto de pro (= diante) e ponere (= pô r ,
colocar), já significava pôr diante, como quem propõe o tema no discurso.
Por sua vez ponere deriva de sinere (= situar) através de po- sinere, de onde
finalmente positio (= posição) e propositio (= proposição).
542. Enunciado, como nome, do latim enuntiatum, por sua vez de e- (partícula
expletiva) e nuntiatum (= anunciado), significa já no latim proposição máxima,
axioma.
Por conseguinte, desde sua origem, enunciado tem um significado similar ao de
juízo apofântico e de proposição, isto é, sem as significações modalizadas.
As vezes usado com liberalidade, o termo enunciado precisa não raro de apoio
externo, ou sintático, ou contextual, para garantir seu significado apofântico inicial.
544. Oração, como nome, do latim oratio (= oração), por sua vez de os, oris (=
boca, da boca),- de onde finalmente oral e orador, - tendeu, em virtude de sua
etimologia, a limitar-se ao sentido de linguagem.
Não é oração palavra de vocabulário filosófico. Por isso se estende facilmente à
qualquer expressão oral do juízo, inclusive à formas modalizadas.
Significa ordinariamente mais do que uma palavra isolada, quando esta se limita
ao âmbito do conceito como primeira operação mental. Ultrapassando ao conteúdo de
um conceito, oração, no plano da línguagem, diz tanto quanto um juízo, no da mente.
Quando uma palavra equivale a uma proposição, como por exemplo "chuva", ela
é evidentemente já uma oração.
545. Frase, como nome, deriva, através do Latim phrasis, do vocábulo grego
frásis (= frase), por sua vez de frásein (=assinalar).
É frase a denominação mais frequente e bem definida para significar a expressão
oral de objeto, quando apresentado como algo que se une a algo.
1) Não se usam, para a expressão oral dos objetos do juízo, os termos vocábulo e
palavra, que ficam restritos à expressão oral do objeto da primeira operação mental.
2) Pertencem à área de expressão oral do juízo denominações como proposição,
enunciado, frase, oração, mas sem definição rigorosa.
3) A tendência é usar proposição e enunciado quer para a expressão oral, quer
para a expressão mental do juízo; usar frase e oração apenas para a expressão oral do
juízo.
III - Recursos específicos da frase.
4515y548.
551. Dinâmica sintática interna da frase. Uma vez que são três os elementos
internos do juízo, pode a dinâmica se manifestar mais fortemente ora mais nos
extremos (sujeito e predicado), ora mais no verbo de ligação. Dali porque a sintaxe
assume dinâmicas divergentes, que se manifestam na ordem sintática dos termos e na
morfologia:
- dinânuca sintática centrífuga, operando a partir dos extremos, ora a partir do
extremo maior (predicativo), ora a partir do extremo menor (sujeito),
- dinâmica sintática centrípeta, atraindo para o verbo de ligação.
- dinâmica sintática de equilíbrio.
.
Ocorre o equilíbrio na dinâmica sintática, quando todos os elementos se
expressam claramente, com igual ênfase. Assim acontece em : a casa é verde; o sol é
brilhante.
Quando o sujeito e o predicado se destacam, ocorre a ação centrífuga para os
extremos da proposição. Esta ação centrífuga se deve, por sua vez, ora mais ao sujeito,
ora mais ao predicado.
A expressão frasal centrípeta expressa a partir da afirmação central, indicada
pelo verbo ser. Colocado este expressamente, aponta para os extremos, ligando-os a
maneira de predicativo e sujeito, atraindo-os portanto para o centro.
O procedimento centrípeta ocorre principalmente quando o predicativo é uma
ação (ativa, passiva, medial).
Por causa da ênfase da ação, tende ela a eliminar pela absorção a palavra
indicadora do predicado, transformando-a em verbo, fundindo-o com a partícula de
ligação.
Exemplo: o sol brilha (em vez de o sol é brilhante); a casa verdeja (em vez de a
casa é verde); Pedro trabalha (em vez de Pedro é, ou a está trabalhando).
A função centrípeta extremamente enfática ocorre nos verbos ditosimpessoais,
como em chove, troveja. Efetivamente estes verbos são pessoais, funcionando
aparentemente como se o não fossem.
Em princípio, o procedimento centrípeta sempre ocorre, ainda que seja mais
evidente no predicativo de ação.
554. O verbo ser como instrumento específico principal da frase. É dito também
verbo auxiliar e verbo de ligação.
Quando o verbo ser se funde com o predicado (predicativo), como em o sol
brilha passa a denominar-se simplesmente verbo.
556. O verbo, chamado predicado (não o verbo auxiliar), exprime a ação como a
categoria da ação (ativa e passiva).
Simplesmente como categoria (vd 507), a ação é apenas predicado, isto é, um dos
extremos da frase.
Mas o nome da ação ainda absorve a partícula que exprime a afirmação. Em vez,
por exemplo, de o sol é brilho, diz o sol brilha.
De uma parte, o verbo é apenas instrumento específico secundário; de outra é
também instrumento específico principal por conter a afirmação.
Pelo visto, há juízos diferenciados, que podem ser chamados juízos positivos (=
afirmativo-positivos) e juízos negativos (= afirmativo-negativos).
É importante ainda anotar que os juízos positivos e negativos não são paralelos,
mas sucessivos. Não já juízos negativos sem existirem seus correspondentes juízos
positivos. Esta sucessividade do afirmativo e negativo é fundada na ordem lógica.
Mas de maneira geral, não acontecem juízos simultâneos, nem mesmo simultâneos
afirmativos.
580. O juízo negativo da mente ao ser transposto à frase. Como fica o juízo
negativo da mente ao ser transposto para expressão linguística?
Na frase, que transpõe o juízo negativo, há um jogo de contexto: enuncia-se o
implícito, pela forma negativa, porque de fato se trata de uma negação, e se deixa para
o contexto a explicitação (que consiste em afirmar que o negativo não se dá).
588. A pergunta é um modo de expressão, que tem por objeto o estado potencial
que as coisas apresentam em relação ao sujeito conhecedor.
Em concreto as coisa são sempre o que são. Mas em relação a nós estão em
potencial de serem conhecidas. Este potencial é a pergunta, a qual essencialmente
assume a forma de juízo, e que finalmente possui também sua maneira de se expressar
linguisticamente.
Situa-se a pergunta em dois planos, no da mente (como juízo) e no da língua
(como frase).
Na mente a pergunta consiste na comparação de vários termos, com vistas a
determinar, - se eles se unem; ou, se eles não se unem. Dali resulta finalmente a
resposta, numa afirmação, ou numa negação definitivas. Mas, antes deste final é que
se situa a pergunta.
Na língua a pergunta é nada mais que a transposição da expressão do plano
mental, para a expressão do plano oral da frase. Não é a frase da pergunta uma
expressão oral do mesmo juízo, e sim a expressão dos termos comparados a respeito
dos quais se estabelece a comparação com vistas a se saber se se unem, ou não se
unem.
Todavia há ali aspectos abstratos, porque a comparação não é uma situação
concreta existente só por si. É um estado potencial.
Na frase, que pergunta, há um paralelismo com a expressão mental, ainda que
muito distante. Se é que há um paralelismo, ele deverá estar oculto, e é a este lado
oculto que precisamos chegar, para atingir a análise da frase que pergunta e
compreendê-la com profundidade.
A pergunta como frase é uma forma modal de expressão de difícil análise.
Decorre a dificuldade do afastamento notório em que se encontram as paralelas da
pergunta oral e da pergunta mental.
Pelo lado da mente as fontes de informação nos vêm da lógica, gnosiologia e
psicologia. É sobretudo a gnosiologia, também denominada metafísica do
conhecimento e teoria do conhecimento, que explora os momentos iniciais do
pensamento.
592. A pergunta, ao versar sobre a comparação dos termos, - que não sabemos
inicialmente, se se unirão, ou se se dividirão, - contém necessariamente dois juízos:
- ou os termos se unem?
- ou os termos se dividem?
Ocorre uma diferença modal. O juízo interrogativo, apesar de ser uma afirmação
apofântica, não exerce uma afirmação apofântica absoluta, pois não afirma e nem
nega simplesmente. Mantém-se a afirmação sob modalização indagatória, permitindo
ser afastada, ou mantida.
De certo modo, o juízo que já temos também não terá resposta, porquanto já está
respondido.
Mas é possível fingir como expediente didático, e perguntar sobre o que já se
sabe. Neste sentido não importa que o orador pergunte, mesmo que ele já conheça a
resposta; ele apenas pergunta didaticamente aos ouvintes, para provocar nestes o
desejo da resposta. Portanto, a pergunta supõe uma perspectiva de resposta, a qual
está portanto potencialmente contida na mesma pergunta. Este aspecto da resposta faz
parte da pergunta como juízo modal.
594. Direções da pergunta, - a si mesmo e a outro.
Na pergunta a si mesmo formulam-se simplesmente os juízos que expressam as
diferentes possibilidades resultantes da comparação dos termos a unir ou dividir.
Na pergunta a outros o contexto muda para alguns detalhes novos: a pergunta
pede a informação sobre o que o outro já sabe, e não o sabe o perguntador.
A frase na pergunta a outro se faz na forma bem comum: que? Quem? Quantos?
Onde? etc. Ou na forma comum com elevação simplesmente da voz, como em - Pedro
já veio?
O orador, por expediente didático, faz a pergunta, ora a si mesmo, ora aos outros.
Em ambos os casos ele mesmo depois responderá, após haver preparado o interesse a
respeito do tema que deseja transferir.
599. A língua, ao traduzir o juízo em frase, deve expressar com precisão esta
intencionalidade que relaciona predicado e sujeito, e tudo na dimensão com que este
relacionamento intencional ocorre.
Já agora não se trata da forma verbal com que a afirmação se faz, mas da forma
com que predicado e sujeito comparecem como extremos da frase.
O paralelismo entre conceitos (da mente) e palavras (da língua) se reflete de tal
maneira agora sobre o predicado e o sujeito, que neste caso se torna quase indiferente
usar as denominações de juízo e frase.
Por vezes é mais útil falar em juízos que em frases. É que a transposição
de uma expressão para outra se dá quase sem alterações. Pode-se usar as
denominações "proposição" e "enunciado", porque elas se dizem tanto do juízo como
da frase, conforme adverte claramente a primeira vez a Lógica de Port Royal (I.6).
609. O primeiro conteúdo expresso pelo juízo é a síntese dos extremos (sujeito e
predicado) e que por primeiro se manifestam nos fatos da experiência sensível.
Trata-se de uma síntese, em que o sujeito poderá ser expresso pela palavra "isto",
"aquilo", ou "este", "aquele"; o predicado expresso pela palavra que denomina o
elemento verificado, por exemplo, "cor", "árvore" "livro" etc. O juízo, enunciado
finalmente em proposição falada, ficará sendo: "isto é cor", "aquilo é árvore", ou "este
é elefante", "aquele é João".
Estes primeiros sujeitos são realidades singulares sensíveis. Por isso a maneira
adequada de se referir a eles é pelas palavras mencionadas, os pronomes "isso", "este",
"aquele" e similares.
Ato contínuo, a mente sintetiza novos predicados, passando o predicado anterior
para o lado do sujeito. Suponha-se que os novos predicados sejam "bonita", "alta",
"belo". Então as frases anteriormente mencionadas passarão a ser: "esta cor é bonita",
"esta árvore é alta", "este homem é elegante", "João é gentil".
Finalmente, é possível chegar a um sujeito universal: "O homem é animal".
Aqui a frase se apóia um tanto no contexto. Ela poderá exprimir com mais precisão a
universalidade, quando diz "todo homem é animal".
610. Não importa muito à língua como se alcançam as afirmações, ou seja como
se justificam gnosiologicamente. A tarefa pertence à gnosiologia.
Basta para a língua, que tenhamos ditas afirmações dos juízos, para que
simplesmente as exprima oralmente. O que importa à língua, em primeiro lugar, é
como expressar o objeto que se pensa, quer bem, quer mal. Indiretamente, mais que a
gnosiologia, importa a exterioridade lógica do pensamento.
Não há clareza gnosiológica de como possa a inteligência começar a pensar pela
via dos objetos sensíveis e nem há segurança na chegada aos sujeitos universais há
pouco mencionados. Divergem entre si filósofos empiristas e racionalistas, de novo
entre si filósofos racionalistas radicais (Platão, Agostinho, Descartes) e filósofos
racionalistas moderados (Aristóteles, Tomás de Aquino).
A radicação da inteligência e dos sentidos no mesmo sujeito parece uma
explicação teórica para o fato do conhecimento experimental. Enquanto o ouvido
escuta o apito do carro, a inteligência passa a pensar o apito. Quanto ao sujeito
universal, depende de uma indução raciocinativa insegura (vd.).
618. Duas são as espécies de raciocínio: dedutivo (ou silogismo) e indutivo (ou
inferência imediata).
Silogismo é uma denominação erudita, proveniente do grego, podendo ser usada
como sinônimo de dedução. Entretanto, costuma denominar a dedução somente
quando sistematicamente montada, com os termos bem caracterizados, conhecidos
como termo Maior, termo menor, termo médio, que montam as premissas (do
antecedente) e resultam na conclusão, - tudo conforme terminologia peculiar (vd 638).
Depende a dedução do princípio: duas coisas iguais a uma terceira, são iguais
entre si.
Tem o raciocínio como resultado novo a declaração de que algo menos geral
participa do geral.
Metodologicamente o raciocínio dedutivo é uma síntese, em que o geral ( já é
conhecido) se predica ( por conclusão raciocinativa) ao menos geral.
628. Limitações da indução. A soma dos dados para uma indução completa com
base empírica nunca se consegue integralmente, mas em dimensões consideráveis
poderá ser suficiente para uma indução relativamente segura.
Jamais a indução das ciências positivas chegará a ser totalmente segura, porque
admite a possibilidade teórica de algum dia aparecer uma exceção. Passa, então, a
haver uma revisão. Por isso, a verdade científica (fundada na indução) jamais se
apresenta como absoluta, ainda que cada vez mais segura.
O caráter sempre em aberto da indução afeta a totalidade dos conhecimentos
raciocinativos não só científicos como também morais, religiosos, filosóficos.
Todavia o vulgo não percebe isto, e passa a admitir certezas definitivas muito
depressa.
Nem as explicações que apelam aos milagres são definitivas, por não ter sido
excluída definitivamente uma explicação natural de fenômenos extraordinários.
A hipótese, nunca definitivamente provada, pesa constantemente sobre a cabeça
de todos. Mas é suficientemente razoável a hipótese em adiantado estado de
comprovação para que se possa tomá-la como guia, quando a ação não puder ser
protelada. A generalização afirmada pela indução é razoável, desde que a enumeração
dos fatos se tenha feito com o suficiente acúmulo de fatos analisados e se tenha
consciência de sua fragilidade, com vistas às devidas cautelas.
A título de comentário sobre a precariedade da indução, anotamos que
praticamente nada sabemos sobre o que é fundamentalmente a matéria.
Conhecemo-la através de algumas de suas manifestações energéticas como a
gravidade e a força magnética.
O que fica por detrás destas forças? Pouco sabemos, sobretudo pouco sabemos
do mais fundamental. E mesmo depois de aumentar a coleta de dados, ainda não
chegaremos a uma certeza absoluta.
A partir dali pode-se avaliar a ignorância arrogante dos que praticam a literatura,
maldizendo a matéria como má e criando fantasias sobre o imaterial. Não conhecendo
suficientemente a matéria, não podem distanciar dela o espírito, tanto quanto o fazem.
Deveriam permanecer mais prudentes não decidindo tão apressadamente sobre o
monismo e o dualismo.
A expressão da indução com partes ocultas deixa alguns dos seus elementos por
conta do contexto. Supondo-se que os elementos expressos tenham a condição de
orientarem a mente para as partes ocultas, pois é assim que o contexto funciona.
Dá-se a indução com partes ocultas, principalmente quando ato contínuo sua
generalização é aproveitada como premissa de uma dedução. Num raciocínio
indutivo-dedutivo (raciocínio complexo) dá-se uma forte concentração da linguagem,
porque também na parte dedutiva usa haver uma premissa oculta.
Seja um exemplo de expressão indutivo-dedutiva:
Pedro perverteu-se de andando em má companhia;
também tu te perverterás.
632. O raciocínio indutivo por analogia passa de casos particulares para casos
semelhantes. Esta modalidade de indução conduz apenas a alguma probabilidade.
Pode abrir o caminho para a indução definitiva.
Conclusão a fortiori , -
Conclusão a contrário, -
o jogo foi tão difícil, que só os mais treinados conseguiriam ganhar; logo, a
contrário, tu não ganharás.
As induções acima apresentam uma parte oculta, além de estarem
combinadas com a dedução, formando todos raciocinativos indutivo-dedutivos.
639. Leis do silogismo. Para ser reto, o silogismo há de obedecer a oito leis,
cuja demonstração cabe aos tratadistos de lógica:
Os termos comparados devem ser três.
Na conclusão não haja maior extensão.
O médio apareça apenas nas premissas,
E ao menos uma vez seja universal.
Duas premissas negativas não concluem.
Duas particulares também não concluem.
Duas afirmativas não concluem negando.
As premissas não podem ser ambas particulares.
João é justo;
logo, pagará o justo salário.
Desdobramente:
João é justo;
ora, o justo paga o salário justo;
logo, João pagará o salário justo.
643. As figuras do silogismo, eis outro aspecto curioso a estudar e que pertence a
lógica pura, mas que se deve refletir na expressão literária.
Define-se a figura do silogismo como sendo aquela colocação do termo médio
em relação aos extremos, apta para concluir.
Acontece a questão da colocação do termo médio, porque é sempre possível
inverter, em qualquer juízo, e também na frase, ora o sujeito pelo predicado, ou ainda
dar ao termo positivo a forma negativa.
Estas particularidades devem ser consideradas também pela filosofia da
linguagem, particularmente quando ocorrem na figura idiomática do silogismo.
O termo médio que só aparece no antecedente poderá ali ocupar quatro posições
diversas. A particularidade da disposição variada dos elementos que compõem uma
argumentação é estudada sob o título de "figuras do silogismo".
644. O número das figuras é determinado pelas possibilidades de colocação do
termo médio.
M–PP–M M–PP–M
S–MS–M M–SM–S
645. Modos do silogismo eis mais uma questão subtil que afeta o raciocínio
dedutivo, e que se transpõe também para a linguagem que o expressa.
Como é sabido, há termos universais e termos particulares. Nas leis do
silogismo e também da proposição eles são levados em conta. Também é sabido que
um juízo, embora na essência seja sempre positivo, pode contudo ser expresso em
proposições, cuja forma é negativa.
Recordados estes pontos, relativos às duas primeiras operações mentais, importa
atender ao reflexo deles sobre a argumentação e sobre como então se expressa
literariamente.
Modo de silogismo é a disposição das premissas segundo a qualidade e a
quantidade, enquanto aptas para concluir.
A quantidade pode variar numa "figura de silogismo" quatro vezes:
1) Premissas duas vezes universais.
2) Premissas duas vezes particulares.
3) Extremo maior universal, o menor particular.
4) Extremo maior particular, menor universal.
Ora, há quatro espécies de figuras, as 3 aristotélicas e a galênica, que agora se
multiplicam pelos modos de qualidade e quantidade. Donde um silogismo variar
quatro vezes de figura e quatro variações de modo, no plano da qualidade (4X4=16) e
quatro variações, no plano da quantidade (16x4=64), de onde um total de 64 modos.
Um logicista hábil inverte qualquer silogismo para todas as outras formas sem
lhe alterar o significado. Existe porém, um processo encontrado nos escritos do
escolástico francês, papa João XII (1249-1334, que consiste num jogo de letras,
cuja aplicação fornece a inversão segura dos silogismos. Seja o silogismo:
CAP. 4-o.
4515y651.
653. Nomes equivalentes de gênero literário. Uma vez que os gêneros literários são
determinados pelos objetos, vários nomes surgem neste sentido: objeto, tema, assunto,
motivo, e finalmente gênero.
Neste contexto, - ainda que com nuances, - pode-se dizer, por exemplo, temas
literários, ou assuntos literários, do mesmo modo que mais tecnicamente se diz
gêneros literários.
Por objeto (do latim objectum = coisa posta diante, para servir por exemplo de
obstáculo) entende-se o que está fisicamente diante de nós.
O termo passou também ao uso comum de qualquer coisa enquanto se faz
conhecida. Finalmente, objeto assumiu o significado de finalidade a ser atingida
naqueles objetos físicos e em todas as demais coisas menos físicas. Então objeto
passou a tomar morfologia própria como acontece em objetivo. O que a expressão
significa passou a ser denominado como um objeto. Não há expressão sem objeto.
Tema (do grego thema, que se repete no latim thema) é o objeto que se põe em
discussão.
Tem a mesma origem de tese (também do grego, em que se diz thesis). Ambas as
denominações derivam do verbo tithemi (= colocar, pôr).
"O que se vive em tradição própria, alheio à obra literária e que vai influenciar o
conteúdo dela, chama-se assunto.
O assunto está sempre ligado a determinadas figuras, contém um decurso no
tempo. Está pois mais ou menos fixado no tempo e no espaço. Até a expressão "era
uma vez..." dos contos populares é uma fixação no tempo. Segundo esta definição do
termo literário assunto, pode dizer-se que só têm assunto as obras em que se realizam
acontecimentos e aparecem figuras, isto é, dramas epopéias, romances, narrativas etc.
Neste sentido, uma poesia lírica não tem assunto.
O assunto pode existir da maneira mais variada, isto é, há as mais diversas
fontes de assunto. Até o século 18 predominam na literatura as fontes literárias" (W.
Kaiser, Análise e interpretação da obra literária. 2,1 p. 75, ed. Port.)
Obedece a ordem literária certo paralelismo com a mente, porque tanto no texto
como na mente acontece uma expressão. Não só; num e noutro plano os objetos são
os mesmos. Além disso, a composição requer ser feita com alguns propriedades, como
de evidência, verdade, certeza (propriedades gnosiológicas) propriedades como de
unidade de progressão, de ritmo e proporção (propriedade psicológica).
4515y662.
663. Através das imagens sensíveis e conceitos os objetos nos são apresentados
simplesmente. Nesta fase operacional anterior ao juízo não se afirma ainda que uns
objetos se unem a outros. Apesar da elementaridade dos objetos apresentados apenas
como imagens, estes objetos apresentam variedades muito grandes, em que até se
descobrem grupos que finalmente constituem os gêneros artísticos, em virtude da
diferente maneira grupal com que devem ser expressos.
São mais conhecidos os gêneros conceptuais de:
- arte figurativa e arte abstrata (1.o) (vd 667);
- arte de tema do mundo exterior, ou naturalístico, e gênero de arte do mundo
interior, ou expressionista (2.o) (vd 670);
- arte de tema real e arte ficção (3.o) (vd 675).
664. Algumas escolas de arte se fizeram destacar por que optaram, ora por este,
ora por aquele gênero. Em consequência acontece a polissemia das denominações,
pois a mesma poderá indicar simplesmente o gênero, como ainda uma escola que o
assumiu de preferência.
Expressionismo, por exemplo, pode significar o gênero de arte que tem por tema
o mundo interior a se manifestar em expressão exterior; mas pode também significar
uma escola moderna de pintura que assumiu de preferência o mundo interior como
seu objeto ou estilo.
665. Na denominação abstrata ocorre uma polissemia para qual é preciso ficar
atento ao tratar dos gêneros conceituais em prosa.
Abstrato, antes de tudo, é o contrário do que resulta por divisão do concreto.
Neste sentido, por exemplo, a matéria (que é um concreto) pode dividir-se em
perspectivas abstratas, como magnitude, durabilidade, temporalidade, validade,
substancialidade. Mas são concretas as matérias como pedra, ouro, farinha, sol, estrela.
Consequentemente, se um artista exprime em pintura ou em palavras a fragilidade, ou
mesmo a potência da matéria, sua expressão poderá estar na classe gênero abstrato.
668. A distinção em arte figurativa e arte abstrata (ou meramente formal) não
aconteceu com tanta profundidade na linguagem quanto nas artes plásticas. Na pintura,
por exemplo, se manifesta uma diversidade nos procedimentos da arte figurativa e da
abstrata. a primeira, a figurativa, imita naturalisticamente as formas dos objetos e
permite destacar-se sobretudo pela esteticidade da paisagem, das flores, do corpo
humano. a segunda abstrata, é com frequência, borrada, contorcida e fisicamente feia.
Por que isto? a linguagem opera com equivalentes convencionais e estes não
diferem senão por uma morfologia diacrítica. Um mesmo som para os franceses
significa pescoço (algo que pode ser elegante); para os alemães, a vaca (algo muito
trivial); para os portugueses, o terminal do intestino (algo que para a maioria é
muitíssimo pouco elegante); para os japoneses, bairro de cidade (um nome muito
frequente). Diferem apenas algumas letras quando se grafa o nome, sem que se altere
a pronúncia: cou, Kuh, cu, ku.
Em se tratando de palavra curta, portanto dentro das tendências antropológicas
da língua, ela se repete em milhares de línguas existentes e possíveis. Exemplos,
como este, se multiplicam e mostram que a diferença entre arte figurativa e arte
abstrata é de muita outra índole na linguagem que aquela ocorrida nas artes por
imitação natural.
Qualquer que seja a variante através da qual se expresse o sentimento, vai ele
sempre ligado ao objeto.
Na enunciação direta e lógica se transmite, por exemplo, uma ordem mediante
entonação: faça isto! Ali está indicado o objeto em "isto".
Na enunciação, por meio de interjeição, também se indica um objeto; por
exemplo, em: "Oh! Sim! Faça-o"
Uma frase que se enuncie, uma tela que se pinte, uma representação escultural
que se faça, - onde quer que se exerça a arte, nela costuma estar presente, em
simbiótica vivência, a comunicação de objeto e a do sentimento concomitante.
Por isso, em geral não há temas do sentimento, mas temas sentimentais, isto é
assuntos acompanhados de sentimento.
A literatura figurativa é a que se ocupa com temas concretos. Deles como que
apresenta a figura, já que os exprime como um todo concreto, sem passar a
considerações concretas. Esta literatura continua figurativa mesmo quando oferece
expressões sobre seres espirituais e ações imanentes, desde que não opere com
abstrações.
Por sua vez, a literatura abstrata, ou meramente formal, é a que trata dos objetos
atendidos apenas sob uma de suas perspectivas, deixadas as outras. Esta é a arte da
língua em função principalmente das ciências (experimentais inclusive) mas
sobretudo filosóficas. Não se trata de criar aquele saber abstrato, mas de expressá-lo.
4515y682.
Descrição, que sugere estarmos a escrever sobre algo, pode significar numa
primeira acepção, apenas uma sequência de frases e então ainda não é um gênero
literário.
Mas, prontamente, passa a significar gênero da descrição estética (de objetos
que não se movem), enquanto se distingue do gênero da descrição dinâmica (de
objetos que contêm ação).
Diante do quadro acima devemos tomar a descrição, ora num sentido mais
genérico, incluindo mesmo a narração, ora num sentido menos genérico, excluindo a
narração.
Então a descrição, em acepção menos genérica, é estática, ao passo que a
narração é dinâmica.
Por último, o reino mineral, desde as menores partículas, até suas grandes
estruturas, tais como as montanhas e os mares, até mesmo os astros, não desmerecem
de serem descritos, particularmente quando para eles se transfere a emoção humana.
Outro exemplo:
"Desde Laguna, Santa Catarina, até a Lagoa dos Patos, no Rio grande do Sul, as
areias desenrolam uma praia sem incidentes e mui larga. Paralelamente dunas de areia
movediça tecem um bordado de relevos, em sucessões plásticas. Lisas de um branco
virginal. Quando sopra o minuano apaixonado, os montículos, que de trecho em
trecho mais se elevam, arfam como seios da Mãe Natureza. Em insistindo a paixão do
vento, as pontas dos montículos soltam, à maneira de chaminé de branca fumaça, uma
poeira de cristais que maravilha aos olhos e é agradável de sentir. Mas eu não penso
em chaminés e sim de novo nos seios da mãe Natureza a espargir leite generoso" (E.
Pauli, Filhas de Tubarão p. 9-10).
Não funciona de igual maneira nas diversas artes a aliança do descritivo com o
narrativo do enredo. Enquanto a pintura mostra o cetro em visão simultânea, as
palavras o apresentam pela sucessão das partes.
Não consegue a palavra apreender adequadamente a simultaneidade das
diferentes partes de um mesmo objeto; obrigando-se à expressão sucessiva dos
elementos, a descrição demora-se num elenco demorado.
Por isso, a descrição literária, muito mais que a pictórica, alia-se a um enredo.
De outra parte, a linguagem dispõe de maiores recursos para o enredo, em vista de
adequar-se melhor às diferenças que o objeto assume como conceito e como juízo.
Consegue-se de um enredo, apelando ao expediente comum da origem do objeto.
Melhor ainda se torna a descrição, se se conseguir fazer com infusão anímica,
empática, dinamização ilusória. Na infusão empática inclui-se a humanização dos
objetos e dos animais, que despertam interesse à medida que interessam ao homem.
Acontece quando ocorrem as adjetivações afetivas, por exemplo: florzinha, pedrinha,
baratinha...
§2-o. Da narrativa.
4515y692.
I - Da narrativa em geral.
4515y694
695. Divide-se a narrativa em partes. Ainda que a ação como objeto seja simples,
ela apresenta dois termos, como era e como ficou sendo o ser em ação.
Imaginativamente é possível criar um terceiro termo: o próprio movimento.
Além disto muitas ações favorecem a imagem deste movimento absoluto, cujo
concatenamento assume o aspecto de enredo.
1). A descrição da situação inicial será, por várias razões, brevíssima. Ela se
destina a despertar o interesse do leitor, o qual deseja ser imediatamente atendido.
É desaconselhável a longa história ilustrativa, porque afasta a finalidade da
aplicação que há de vir. A parábola contém algo de descritivo da situação, e é por isso
breve, sobrevindo-lhe imediatamente a aplicação.
À medida que a descrição se torna precisa, afasta-se de generalidades, sobretudo
de idéias secundárias.
Se a ação houver de ser situada no passado, convém haver para este fim o verbo
em tempo imperfeito e o pretérito imperfeito.
Poderá ser formulado por simples morfema, ou por composição de dois termos,
um expressando o estado da ação e outro a mesma ação.
A ficção narrativa situa-se fora do tempo; ocupa-se com a ação sem atender à
realidade dos sujeitos que denominam a ação. É portanto intemporal.
Consequentemente o verbo situa-se como presente histórico. Resulta, por
conseguinte, o presente histórico como a modalidade própria para o romance, a novela,
o conto.
Poderia o narrador até mesmo participar da ação fictícia, fazendo empatia.
Maior presença fictícia ocorre ainda quando ele mesmo ingressa como
personagem.
701. A ação do ponto de vista dinâmico, é uma causa movente, que produz
efeitos. Não há causa sem esta gravidade interna que tende para um desenlace.
A causa movente, que perpassa o enredo, denomina-se sob este ponto de vista,
de motivo, as vezes também fim. A causa movente é o motivo que tudo aciona até ser
atingido o desfecho das forças em ação de descompressão.
Num enredo humano, o motivo aparece como intenção (finalidade) que os
personagens visam. É que, na ação livre, a finalidade é conhecida previamente; o fim
é o último na execução, mas o primeiro na intenção. Por isso os personagens sabem o
que querem e agem para conseguí-lo.
702. Variedade de espécie dos fins do enrredo. Pontos de vista, como ordem na
série, bem como ainda grau de valor, podem subdistinguir as espécies de fins e causas
de um enredo.
A ordenação de um maior ou menor número de ações com os mais diversos
motivos resulta em variações nos gêneros literários, sejam didáticos, sejam de ficção.
O romance coordena um maior número de motivos.
São sem conta as vantagens da expressão com enfoque direto, que por isso é
bastante explorada pelo narradores experientes. Em muito facilita a expressão da ação
dramática de grandes conflitos, das resoluções heróicas, das tragédias, principalmente
nos gêneros de ficção. Neste amplo leque de vantagens a narrativa em primeira pessoa
também favorece a expressão mais íntima e suave.
Sem a ação colocada em primeira pessoa, certos efeitos poderão ser expressos
apenas em descrição abstrata após o acontecido. A expressão direta anuncia com
antecipação a dramaticidade que se desenvolve e rapta a atenção.
Na literatura de ficção esta maneira direta de se aproximar pela primeira pessoa
é o caminho para garantir o sucesso de uma ficção.
Pode ainda o diálogo erudito ocultar o autor das idéias deixando-as por conta do
personagem, e que assim deixarão de criar problemas ao autor.
Tal foi certamente a intenção de Galileu Galilei ao apresentar em diálogo
algumas de suas teorias astronômicas nos tempos perigosos da Inquisição Romana, do
então Estado Pontifício. Contudo, acabou por ser metido em apuros.
§ 3. Da narrativa ficção
- Romance, Novela, conto, anedota.
4515y718
719. Podemos nos imaginar a ação valendo simplesmente pela conexão interna
de sua sequência. Então já não é necessário que os personagens sejam reais, nem suas
ações, mas seja realmente válido o processo em si mesmo, cuja lógica interna de
consequências serve de exemplo para tudo o mais que obedecer a este modelo. É
quando as histórias valem não pelo que são os personagens em causa, mas pela
coerência interna do enredo.
O mesmo se diga da história heróica das antigas nações e velhas religiões, plena
de episódios em cuja veracidade hoje não mais se acredita. Continuam entretanto
apreciáveis pelos seus enredos.
Já se percebe que a ficção narrativa contém uma validade maiore que transcende
ao seu conteúdo. Além disto contêm ainda apreciável esteticidade e ludicidade.
Por causa da esteticidade e ludicidade, apoiada ainda pela validade maior
daquilo que contém de verdade na coerência interna da ação, tende-se até a denominar
literatura em primeiro lugar a narrativa-ficção e a poesia (uma espécie de ficção). O
restante, não seria literatura no sentido nobre. Seria apenas literatura científica e
jornalística.
I - Da ficção em geral.
4515y720.
722. A arte de ficção torna visível o invisível (da fantasia) e não reproduz o
visível. a supra-realidade da ficção, enquanto se encontra existindo apenas como
imagem não é a arte; ela é a temática da expressão artística superveniente.
O artista ficcionista começa como intelectual, que no estágio pré-artístico se
ocupa em criar o objeto na imaginação, uma tarefa nada fácil. Somente num outro
momento passará a ser o artista, pela criação de uma expressão exterior. Constata- se
facilmente que um romancista primeiramente imagina o romance; depois o escreve.
Que diferença haveria entre ficção e ciência? A ficção apresenta objetos que
realmente não existem; está apenas na fantasia e no trabalho operacional da mente
(conceito, juízo, raciocínio). A ciência apresenta objetos que efetivamente existem,
sendo eles a realidade estudada; tem a ciência de semelhança com a ficção o fato de
também, como esta, estar instalada na mente. A diferença se encontra apenas no
objeto, que, num caso está "como se" estivesse no exterior, ao passo que noutro caso
está efetivamente como algo independente.
II - Ambiente e personagem.
4515y724.
A ficção útil é aquela que tem o cuidado sobre a eleição dos ambientes e
personagens. Sem esta escolha, a ficção se mantém no plano meramente lúdico e
estético, aliás também justificáveis. Mas, quando todos os objetivos forem possíveis,
não sejam esquecidos para maior validade da ficção.
Quando sem ambientes específicos e personagens autênticos, a ficção fica sem
utilidade maior. O literato deve ter algo que dizer e não se limitar a um esteticismo
indiferente à tensão da realidade em dialética desafiante e em geral cruel. O literato
útil não se retém na arte pela arte, como também o cientista útil não faz a ciência
apenas para sua contemplação.
733. Mesmo em se tratando de expressão ficcional, ela não pode fugir de tratar
os objetos a partir do conteúdo. Dizemos então que a ficção contém uma idéia, um fim,
uma tendência ideológica, uma lição moral, um objetivo social, uma preocupação
didática e pedagógica.
O conteúdo poderá ser, em termos concretos um drama, uma situação, um
problema social, conforme já se indicou. A partir deste conteúdo concreto, a narrativa
se desenvolve para avaliações como as fazem a ciência e a filosofia, explorando,como
pouco antes dizíamos, uma idéia, um fim, uma lição moral, uma tendência ideológica,
um objetivo social etc.
734. Muitas são expedientes para revelar as "idéias" que acompanham a ação. A
mais intelectual é a do contexto. Uma vez expressa a ação, o leitor simplesmente a
identifica.
Semelhante é a modalidade do entinema, em que o apreciador é encaminhado a
um silogismo, mediante premissa oculta, fácil de supor através do contexto. O enredo
lhe dá a premissa indicadora dos fatos; ele mesmo apõe a premissa geral e tira a
conclusão. Assim também, após a ação, o leitor tira a conclusão.
Há autores como Goethe e outros do século 19, que apuseram explicações aos
enredos que criaram, atribuindo-lhes idéias. Mas, nem sempre parece que a ação é
inspirada pelo que disseram por aposição.
E então, ou criaram obra falsa, que efetivamente não expressa o que
pretenderam, ou enganaram o leitor com uma falsa interpretação.
A obra de arte sempre é algo a expressar objetivamente; dela mesma deve brotar
a acusação do tema: ao apreciador cabe apenas interpretar, conscientizando-se do que
objetivamente se encontra expresso na obra. Não tem sentido esculpir uma estátua
humana e depois afirmar que é uma ponte. E assim também a narrativa há de
objetivamente expressar a idéia e dar fundamento a uma interpretação admissível.
O contexto do autor é válido, desde que efetivamente caiba dentro de uma área
oscilante que toda obra admite.
Sabemos que a semelhança entre a obra e o tema admite graus; por isso, a
mesma obra permite várias interpretações, portanto pode referir-se de a qualquer um
dos graus. Dentro desta linha de semelhança se admite uma fixação de sentido que
cabe ao contexto determinar, inclusive das intenções manifestadas ao lado pelo autor.
V. O Romance.
4515y736.
1) Romance de aventuras;
2) Romance de ação (de Guimarães Rosa, Grande Sertão);
3) Romance histórico (nosso Desafio aos olhos azuis);
4) Romance de personagem (de Machado de Assis, Helena, Yayá Garcia,
Memórias póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Essaú e Jacó,
Memórias de Aires);
5) Romance de época (de Manoel Antônio Antonino de Almeida Memórias de
um sargento de milícias; os romances de Marques Rabelo);
6) Romance de sociedade ( de Aluísio de Azevedo, O Cortiço; de Viana Moog,
O rio que imita o Reno);
7) Romance de tese;
8)Romance de costumes;
9) Romance psicológico;
10) Romance policial;
11) Romance regionalista.
Preocupa-se o romance com os antecedentes, isto quer dizer que as causas que
operam efeitos de enredo são apreendidas mais profundamente. Ainda ocorre, com
isso, que o romance não parte de uma situação oferecida por um movimento ilimitado;
a novela toma esta ação e simplesmente continua até um novo desfecho.
A multiplicidade da ação e progressão, relativamente autônoma dos personagens
do romance, resulta em uma aparente despreocupação com a unidade de tempo dos
episódios do primeiro plano; a ocupação com a profundidade das causas, como que
deixa os personagens parados, até que, após entendidas as causas, tenham licença de
desenvolver as ações que o novo trecho do romance vai narrar.
"Não admira que o autor, tendo concebido claramente o tema geral, comece o
romance sem saber o prosseguimento da história, sem ter uma fábula.
Assim fez, por exemplo, Thackeray com a sua obra-prima Vanity Pair. Deitou
mãos ao trabalho sem ter um caminho traçado, e sem se preocupar onde iria por fim
parar.
Theodor Fontane escolheu como fábula, para a sua obra Frau Jenny Treibel, uma
simples história de amor, que em verdade só põe em movimento algumas figuras
acessórias, mas lhe tornou possível realizar o seu verdadeiro propósito, a descrição da
vida da sociedade em Berlim no último quartel do século 19.
Eça de Queirós foi mais cuidadoso na elaboração das fábulas. A compreensão da
fábula contribui para tornar uma obra transparente e apreensível. Além disso, torna-se
de importante para os problemas da criação poética, da técnica literária, assim como,
finalmente dos gêneros literários" (W. Kayser, Análise e int. da O. literária. C. 2, 4 p.
115, ed. port.).
Seria, pois, falsear o juízo sobre um romance, julgá-lo à maneira de novela. E
assim também seria julgar deficientemente a novela apreciá-la como se fosse romance.
Um romance que tenha, por exemplo, como objetivo explorar uma situação
psicológica, isto é, de sentimentos, cuidará de dar uma evolução à situação efetiva de
cada um dos personagens.
Os conflitos de alma ou os sentimentos de júbilo não podem manter-se até o
final do enredo, como se encontravam no início; personagens iguais a si próprios no
começo e no final do livro não fizeram efetivamente um enredo, do ponto de vista
sentimental, emotivo, vivencial. Neste sentido é apreciável a progressão em "Esaú e
Jacó", de Machado de Assis.
Tensão e resolução, em um romance psicológico, devem marcar instantes
sucessivos e diversificados na índole da ação e de sua modalidade. A tensão dramática
deve ser plena de força e crispação, modificando a linguagem, que se torna compacta
e enérgica, veloz na enunciação de conteúdos inesperados. A resolução é marcada
pelo alargamento do ritmo diverso da narrativa.
VI - Novela.
4515y743.
Pelo objetivo definitivo a que pretende chegar como mensagem, a novela inspira
compaixão por certas situações pessoais, terror por outras; tudo isto, aliás, ocorre na
tragédia.
Com a televisão a novela teve um notável desenvolvimento, inaugurando uma
fase de grande influencia na transformação dos modos de pensar. O choque constante
de modos conservadores de pensar com as novas conceituações (o choque das
gerações) tem encontrado na novela seu desaguadouro com efeito benéfico de
desenvolver o espírito crítico até das espectadoras e espectadores mais simples.
746. O conto. Na história da literatura o conto é mais antigo que o romance e a
novela. Existe mesmo o conto popular, que se transmite oralmente.
Como forma literária ingressou na Europa, no século 14, sendo que na Espanha,
pelos Árabes, na Itália com o humanista Boccaccio.
747. A fábula opera com ação animal e mesmo com plantas. A ação obedece ao
esquema puro do enredo, sem introdução de particularidades estéticas auxiliares e
nem estudo de personagens, como no romance. Por isso, a fábula tem um
desenvolvimento rápido e leve.
O desfecho da fábula visa geralmente uma lição moral. Consequentemente usa
ter feição didática. É de fácil aceitação das crianças.
750. Piada e dizeres anônimos. Com pouco reflexo na literatura séria, a piada e
os dizeres anônimos têm grande presença na literatura oral popular. Situam-se a nivel
folclórico, porque não costuma ultrapassar o nível da sabedoria do vulgo.
A piada é semelhante à anedota. Com frequência alude a temas eróticos,
fazendo-se uma diversão agradável aos adultos.
Peculiar à literatura oral, a anedota e piada se veiculam também no teatro e
programas de televisão, ali havendo ganho um público maior.
4515y751.
755. Duas são as espécies de raciocínio (vd 618), devendo-se a distinção à maneira
como operam. A operação de uma é de síntese, e se denomina dedução.A operação de
outra é de análise, e se chama indução.
Apesar da importância desta distinção, entre dedutivo e indutivo, ela não usa
refletir-se na expressão raciocinativa para caracterizar dois gêneros distintos. É que no
tratamento do mesmo tema costuma haver apelo a ambas as formas de raciocínio.
Não obstante, uma e outra forma de raciocínio comparecem obedecendo aos
seus procedimentos específicos.
No raciocínio dedutivo as frases são colocadas como premissas conduzindo à
conclusão.
No raciocíonio indutivo as frases se referem dados que possam comprovar uma
hipótese.
756. A técnica literária dos raciocínios dedutivos pode adotar a discussão direta do
antecedente, sem predizer a conclusão a que deseja chegar.
Diferente é o caminho inverso da indução, porque estabelece primeiramente a
conclusão como hipótese a ser comprovada.
760 Historicamente o discurso sempre existiu, mas foi sobretudo a partir dos sábios
gregos, denominados sofistas, que a estrutura do discurso foi examinada e
aperfeiçoada.
Com mais profundidade, Aristóteles examinou em Retórica a índole raciocinativa do
discurso.
765. Ensaio é uma expressão mais livre que tratado, podendo variar muito em
qualidade. Quando se reúnem vários ensaios, o conjunto não obedece ao rigor do
tratado eminentemente sistemático.
Atribui-se ao francês Michel del Montaigne (1533-1592) o sentido atual de
Ensaio. Foi ele mesmo autor dos famosos Essais (1572), em que opina sobre os mais
variados assuntos morais e políticos, com um relativo pessimismo, havendo discutido
mais as premissas e criticado as conclusões dadas como certas, do que se importado
em criar um tratado sistemático.
Tem o ensaio uma função importante na história do saber humano, porque
embora não tenda para a sistematização, oferece eventualmente detalhes, nos quais o
autor pode ter conhecimentos específicos.
CAP. 5-o.
De acordo com o seu étimo, poesia se formou do grego poiein (= fazer). Neste
sentido é, como qualquer arte, uma obra criada exteriormente.
Mas o nome poesia ficou desde o início limitado à arte literária, e já neste campo
em oposição à prosa. Neste sentido, a poesia se constitui daqueles versos que se
encontram sobre o papel, e que se podem declamar.
Por extensão semântica, também se fala em poesia nas outras artes. Todavia o
nome continua pertencendo sobretudo à arte literária, do mesmo modo como seu
contrário, a prosa.
E, para complicar, importa ainda lembrar que existe a poesia pré-artística,
gerada diretamente pelas coisas, e uma poesia gerada pela expressão artística (vd 776).
4515y768.
769 Dado ser difícil determinar a natureza da poesia, não faltaram os que logo
passaram a dizê-la envolta em mistérios. Entretanto não é tanto assim, sendo
efetivamente possível estabelecer uma teorização da poesia. Este esforço já tem
história antiga (vd 778).
Mantém-se a poesia no campo da mente, enquanto opera com os procedimentos
associativos da imaginação, combinados com a expressões lógicas superiores da prosa.
Por cima de tudo isso, ou seja, por cima das sensaçes e respectivas imagens
sensíveis, há também os conceitos de cor; de som, de forma, de gosto, de olfato, de
pressão, de calor e frio, etc.
Suponhamos, contudo, que esta lei; não seja rigidamente válida; pelo menos
parece verdade que as imagens interiores, combinadas com as sensações exteriores,
se tornam mais poderosas e rapidamente evocam as demais. A visão de uma corda
pendurada na penumbra de um recinto, pode despertar, além da imagem da corda,
também a viva imagem da cobra. Esta segunda imagem é associativamente
despertada.
Pelo exposto, pode-se integrar a associação das imagens como sendo uma
função de memória e não da imaginação. Pressupõe a imagem. Seria, pois, a memória
um nome amplo, de que a associação seria uma área.
784. A poesia é alógica. Suas conexões se dão por simples atração das imagens,
sem que ocorra a necessidade de uma ligação lógica a maneira de verbo ser, o qual diz
se algo é, ou não.
Eventualmente podem ocorrer ambas as ligações entre as imagens, a lógica e a
alógica. Então acontece um duplo motivo de conexão. Duas coisas semelhantes
podem conotar-se por vivência, e ao mesmo tempo relacionar-se precisamente como
semelhança interpretada pela inteligência.
787. Ser estética, eis um notável propriedade da poesia. Ainda que a poesia seja
apreciada pelo acréscimo dado à expressão lógica dos objetos, ela ainda agrada tão
fortemente, que a torna tanto mais apreciada.
Em princípio agradam todas as imagens, enquanto informam e pela intensidade
com que informam.
ART. 2-o. PROCESSOS OPERATIVOS DA POESIA.
4515y789.
792. A poesia importa em muita inteligência, e não se cria como arte sem ela.
Cabe à inteligência eleger o objeto estímulo para criar a associação das imagens, e a
seguir ainda ordenar estas imagens, de sorte a se tornar uma poesia apreciável. Este
juízo da inteligência, pelo qual seleciona ao objeto estímulo, é portanto parte da
inspiração artística poética.
A participação auxiliar da inteligência na expressão poética se dá em três planos:
- na escolha do objeto estímulo (vd 801);
- na ordenação exterior das evocações (vd 803);
- na compreensão inteligente da própria imagem poética (vd 803).
I - a escolha do objeto-estímulo.
4515y793.
794. É pela escolha do objeto estímulo, - ao qual estão associadas imagens, - que
tudo começa na expressão em poesia. É onde principia o trabalho da inteligência na
construção da expressão poética. Sem a escolha do objeto-estímulo certeiro para o
objetivo a alcançar, não surgem as imagens adequadas pretendidas.
796. Para escolher o objeto-estímulo das evocações importa não somente conceituá-
lo, como se acabou de o fazer, mas ainda conhecer especificamente a que imagens se
liga. Que associações nos traz cada um dos objetos que as palavras nos indicam?
Em princípio, o dicionário poético pode ser adatado para as letras, para a pintura,
para a música, para as formas da escultura e da arquitetura.
Na arte da linguagem, o dicionário da poesia assume a ordem alfabética das
palavras estímulo. Estas indicam mui enfaticamente os objetivos, de sorte que quase
coincidem com os objetos simplesmente.
Mais difícil será um dicionário com vista às outras artes.
Somente a contiguidade pode fazer com que sons despertem imagens de cor.
Inversamente, cores podem despertar imagens sonoras. Eis o caso do barulho do
trovão a evocar o relâmpago. Ou do relâmpago a associar o estampido, ao qual
aguardamos que imediatamente ocorra.
A música, mediante sons geralmente associa imagens do mundo da vista, como
pessoas, movimentos, panoramas, céu reluzente, ondas espumantes, floridos
panoramas. Em consequência os críticos da música falam dos sons referindo-se ao
brilho da luz e à diversidade dos coloridos das coisas.
O mesmo acontece com as demais sensações. Por vivência, aromas associam
doçuras, frieza, calor, como ainda presença de pessoas, clima, ambientes os mais
diversos.
Pintores falam de coloridos perfumados, doces, quentes e frios por efeito da
associatividade.
No dia a dia do ser humano há ainda cores agradavelmente sensuais, formas e
perfumes eróticos.
"Um galo que canta, um cavalo que bate os cascos, um gato que entra: Aurora!
Um lírio que se inclina, um limão que cai, uma árvore que estala: Tarde!
As areias que escurecem, as fumaças que sobem, os amantes que se encontram:
Noite!"
(Francês Vincent Toussaint).
"Uberaba
Terra da estranha flor desta saudade,
Poema de silêncio e de lembrança...
816. Peculiar a toda a poesia literária, ainda que não essencial, pode o ritmo ser
examinado ainda em separado para cada processo associativo. Primeiramente, há um
ritmo de vivência, organizando todo um sistema de fenômenos.
Na música o ritmo é fortemente evocativo e dele participando a linguagem.
Vivenciamos o ritmo nas sucessões máximas e mínimas do nosso dia-a-dia. Curos são
os dias, mas repetitivos, aprofundando as marcas na estrada dos anos.
"A idéia do ritmo é uma das noções que nos são familiares. A sucessão dos dias
e das noites, das estações quentes e das estações frias, dos vegetais, a alternação do
trabalho e do repouso, da vigília e do sonho..., até o funcionamento de nossos órgãos
mais essenciais subministram perpetuamente exemplo de movimento rítmico" (L.
Weber, O ritmo do progresso, c.4, p. 105).
Distribuída a sequência das vivências, o poema literário como que as desdobra,
ao longo das palavras em verso. Além disto ocorre o ritmo pré-artístico das flexões
dos fonemas.
A estimulação evocativa por semelhança é mais segura nos seus efeitos, que a de
simples contiguidade dos elementos equívocos (vd 813). O poeta, ao ingressar por
esta via de recursos articulativos, consegue ser mais universalmente interpretado. A
evocação por semelhança cria uma escultura imaginosa com a força de precisão da
expressão figurativa real.
822. Os salmos dos semitas, de que são mais conhecidos os bíblicos, operam por
meio de um rimo temático, em que a progressão se faz por afirmações paralelas, ora
pelo método da simples repetição de semelhança, ora com algum contraste. Exemplo:
Humildes e poderosos,
tanto ricos como pobres.
Dirão os meus lábios palavras de sabedoria,
e o meu coração meditará pensamentos profundos"
(Início do Salmo 48, ou 49 Hebr.).
823. A rima opera com ritmo fonético e onomatopaico. Na poesia gera a rima
associações por semelhança, nas quais as imagens se conectam entre si, porque os
seus nomes rimam foneticamente e onomatopaicamente.
Nem todo "símbolo" usado pelos poetas denominados simbolistas, nem mesmo
todos os símbolos utilizados pelo grande poeta Dante, são necessariamente poéticos...
Apenas ocorre poesia quando circunstâncias especiais acrescem algo ao símbolo e que
seja de ordem evocativa.
José José
836. Sistemas de versos. A métrica conta com variados recursos para criar
tônicas e organizar a velocidade das flexões das palavras. Através dos milênios
fixaram-se diversos modelos de versificação, que os poetas costumam eleger,
conforme as evocações peculiares que desejam suscitar.
Ainda ocorre que a diversidade das línguas faz com que os versos em umas se
adaptem a um sistema e outras melhor a outro.
Já se vê que a versificação implica em uma ciência especial, que esclaresce
sobre princípios e sobre modelos.
No verso de uma breve e uma longa (verso binário) apresentam-se estas duas
combinações:
Jambo, na poesia grega e latina pé de verso constituído de uma sílaba breve,
seguida de longa;
Troqueu, iniciando com uma longa, seguida de outra breve.
No verso de duas breves como uma longa ocorrem estas outras possibilidades
mais conhecidas:
"Was frag ich nach der welt! Sie wird in flamen stehn" ( Andreas Gryphius).
Tal como a métrica interna do verso, também a estrófica admite uma ciência
particular de muitas peculiaridades. Uma estética especialíssima se ocupa com ela;
deverá, entretanto, obedecer às normas fundamentais acima estabelecidas.
Toda a questão da métrica e rima, enquanto se firma no som em si mesmo e não
no símbolo, está fora da área específica da linguagem; apenas é aliança da linguagem
com elementos vindos da região da música, ou seja do som, capaz de por si só
despertar sugestões evocativas e estados psicológicos.
843. A rima, sendo embora dispensável, contribui positivamente para
organização da estrofe, bem como para a evocação.
Não fora usual a rima entre os versificadores antigos. Apareceu primeiramente
nos hinos latinos do começo da Idade Média.
Com o neoclassicismo do século 18, a pretexto de retorno ao antigo, se deu
combate à rima, entretanto sem resultado.
844. Importa não confundir a tônica da sequência rítmica das palavras, com a
palavra de mais valor na frase.
A última palavra de um verso não é necessariamente a dominante, apesar de
possuir a tônica da sequência rítmica.
Ocorre que os leitores inexperientes facilmente confundem a tônica rítmica e a
palavra tônica.
A rítmica do verso não se cria para alterar o valor das palavras. Não retira a
espontaneidade da frase, porém a estabelece pela escolha dos vocábulos certos para
aquele quadro de medidas.
É algo difícil criar o ritmo das tônicas apenas mediante escolha de material
preexistente. Isto requer atenção e presença disponível de palavras; depois de criado,
deve o produto ser algo espontaneamente legível.
O mesmo acontece na composição musical; difícil de engendrar, contudo, depois
de criada, a sequência rítmica dos tons e dos tempos se comprova como afinada e
agradável, parecendo não se poder admitir outro modo.
As línguas não são contudo morfologicamente de todo rijas. A elisão é um
recurso, em virtude do qual se elimina, por exemplo, uma parte da palavra sem
alterar-lhe o valor semântico, mas que permite o encurtamento para acertar a
numeração do ritmo. Para, comprimido em p'rá é um exemplo de elisão frequente.
No Esperanto a raiz é notoriamente distinta das terminações gramaticais. Em
decorrência a palavra dispõe de plasticidade, que permite ser usada de duas formas no
verso, - ou integralmente, ou só pela raiz, com a elisão da terminação.
CAP. 6-o.
4515y851.
Pela forma, ou seja pela maneira, pela qual a poesia é praticada, se adverte
sobretudo a divisão em:
Pela matéria praticada na poesia, os gêneros poderão ser tantos quantos forem
os temas. Pode-se então apelar à classificação das categorias de ser para
enumerar a todas. Não é entretanto o que mais se usa fazer quando se
classificam materialmente os gêneros poéticos, porquanto é possível desde logo
advertir que, do ponto de vista da divisão material, a tendência antropológica
da poesia está direccionada para alguns temas dominantes. Tem-se então uma
classificação temática em aberto, que, se redivide e por vezes se sobrepõe:
Obviamente esta divisão material da poesia se pode discutir com mais detalhes.
- épico (objetivo),
- lírico (subjetivo),
- dramático ( objetivo-subjetivo).
No conceito não dialético a ação é uma categoria de ser, ao lado das demais
categorias de ser. Poderá então, a ação ser tratada, ora subjetivamente, ora
objetivamente. Neste caso não há um terceiro gênero. O dramático passa a ser
tratado, ora como épico, ora como lírico.
Uma vista de olhos, sobre o que os poetas expressam, nos faz ver, que a
maioria se ocupa com sentimentos, pondo o centro no coração humano, no
amor e no vício, nas vitórias exultantes e nos desenganos.
A limitação da maioria dos poetas aos temas sentimentais não passa todavia de
pobreza temática. Na medida que o poeta se agiliza, cresce em graus sucessivos
a altura dos seus temas.
Plantam-se de as flores não só por causa de suas cores, mas também por seu
perfume, senão até por causa do clima psicológico que introduzem no contorno
da casa, ou dentro dela. A plenitude poética ocorre quando dá nascimento a
todas as evocações, particularmente às grandes imagens; estas surgem como
corbelhas de flores nas grandes festas; ocupam o espírito com a majestade das
coisas maiores.
É que todas as abstrações conservam algum liame com o mundo sensível, pois
o objeto próprio do pensamento é o ser particular sensível. A partir deste ser
particular sensível, mas por analogia, são pensadas as coisas abstratas. Dada
esta semelhança, por analogia, entre todos os seres, a inteligência sobe por
todos os degraus, desde o sensível até ao máximo, o infinito. Pela mesma
analogia, acompanha a imaginação associativa os graus da inteligência.
4515y859.
860. O nome épico. Do grego épos (palavra, notícia, oráculo) e poiein ( fazer),
epopéia indica a exaltação, no mais alto estilo poético, de fato heróico e
maravilhoso, tal como a fundação de uma cidade, uma guerra de libertação, a
descoberta de novos continentes e vias de navegação, sucessos mitológicos,
revoluções sociais decididas pelo heroísmo popular ou pela coragem de alguns
poucos.
Por isso a epopéia, ligada à ação em desenvolvimento, poderá ser longa, já não
o soneto.
863. Há também uma épica popular, anônima e de fundo coletivo, as quais têm
servido para novas inspirações. Entre tais epopéias sobressaem:
No passado a lei fora do mais forte, do mais valente, do mais heróico. Isto
somente resta hoje nos grandes conflitos sociais, nas conturbações sobretudo
daquelas partes do mundo que ainda não evoluíram.
Até há pouco tempo ainda restava um certo "espírito de fronteira", formado ali
onde os povos se confrontam. Também resta ainda em algumas camadas
humanas, nas quais prevalece o crime.
De maneira geral as antigas epopéias foram cessando ali pelo século 18,
quando foi mudando também a concepção humana com o crescente liberalismo
do pensamento.
4515y865.
866. O nome lírico (de lira) se deve à circunstâncias de haverem sido cantadas
ao som da lira, na antiga Grécia, as composições sentimentais.
Não chegaram os gregos a conhecer a música instrumental inteiramente
desligada do canto. Dali porque somente cantavam composições poéticas.
Então musa poética e musa da música se identificavam.
868. A ode, - cujo sentido grego é canto, - era uma composição poética
apropriada para ser cantada. Seu estilo exaltado, conserva-se ainda hoje, mais
ou menos nesta forma.
Ode campestre:
"Aqui, onde ninguém nos escuta,
quero falar do meu amor.
Por abrigo terei esta gruta,
por enfeite terás esta flor.
Elegia de verão:
Os verões de antigamente!
Quando o Largo do Boticário
Ainda poderia ser tombado.
Carambolas ácidas, quentes de mormaço;
Água morna das caixas-d'água vermelhas de ferrugem;
Saibro cintilante...
870. O hino é originário da Grécia, onde era entoado em honra aos Deuses. É
hoje manifestação lírica subjetiva que também toma a direção de pessoas
humanas e acontecimentos a comemorar. Enuncia o sentimento com viva
emoção e patos.
A fim de que o hino não escape ao gênero lírico, deve manter o tratamento
subjetivo dos sentimentos. Se se desse um tratamento objetivo, já seria pequena
epopéia.
Brabaçone, - na Bélgica.
Lied, na Alemanha.
878. Finalmente, que dizer da poesia dramática? Ela é sobretudo a poesia lírica
desenvolvendo-se na área de objetos em conflito, com solução violenta.
CAP. 7-o.
Ainda que acidental, o estilo é o que torna a arte atraente. Por isso, não se pode
concluir nenhuma consideração sobre a arte, e em especial da arte da língua,
sem tratar do estilo, ou seja daquilo que,embora seja acidental e desnecessário,
é contudo atraente.
4515y882.
Mas, é dispensável, por exemplo, que a expressão atinja tais e tais graus de
perfeição. Quer imite bem, quer imite mal, quer seja muito ou pouco evidente,
quer seja muito capaz ou pouco em sua função de comunicar e de exercer
agrado, - a arte sempre continua sendo arte, pois tais condições ou graus
ocorrem apenas como eventualidade e não como necessidade.
Uma definição admite ser enunciada com outras palavras. Em vez de definir
o estilo como forma acidental da expressão, podemos dizer: o estilo é o
modoacidental como a expressão artística se processa. O modo também se diz:
maneira, modalidade. Desde que não se envolvam a forma essencial da
expressão e suas propriedades, tudo o mais que se diga da forma da arte é estilo.
Portanto, estilo não é senão mais um nome, e que se tornou tecnicista, para
indicar os aspectos acidentais da expressão.
"Les ouvrages bien écrites seront les seuls que passeront à la postérité. La
quantité des connaissances, la singularité des faits, la nouveauté même des
découverts, ne sont pas de sure garante de l'immortalité; se les ouvrages qui les
contiennent ne roulent que sur de petite objets, s'ils sont écrits sans gout, sans
noblesse et sans genie, ils périront, parce que les connaissances, les faits el les
découverts s'enlévent, se transportent et gagnent même à être mis en oeuvre par
des mains plus habiles: ces choses sont hors de l'homme, le style est l'homme,
style est l'homme même (Discurso de recepção na Academia Francesa em 25
de agosto de 1753).
Nunca se poderá dizer que um autor não tenha estilo; quer se trate de
expressão excelente, quer deficiente, o que acontece dá-se no plano da
acidentalidade.
"Cada um tem sua maneira de manejar o estilo, como cada um de nós tem sua
escritura. O estilo é a individualidade e o movimento do espírito visíveis na
eleição das palavras, das imagens, mais ainda, na construção da frase, do
período no arabesco caprichoso, que traça o pensamento no seu curso" (Séailles,
G., Le génie dans l' art, c. VI, p. 215).
4515y888.
889. Como acidentalidade o estilo não tem uma sistemática interna para ser
classificado apenas a partir de si mesmo.
Obedece todavia a uma sistemática que lhe é imposta a partir dos objetos
estilizados, podendo portanto ser classificado a partir do exterior. O estudo
classificatório dos estilos não se faz por conseguinte como uma sequência de
eventuais tendências internas a partir dele mesmo.
Estes estilos são complexos, porque ajustam aos objetivos funcionais os estilos
gnosiológicos, axiológicos, psicológicos e até mesmo os estilos pré- artísticos.
Tais estilos com frequência se internetram, e não podem ser tratados
inteiramente em separado.
- estilos funcionais,
- estilos históricos,
- estilos pré-artísticos.
Os sons musicais, por exemplo, poderão ser mais puros, como acontece nos
instrumentos chamados musicais, e menos puros, como nos instrumentos de
simples percussão. Ora, isto não diz respeito à expressão musical
especificamente, mas apenas ao seu portador, influenciando, entretanto, o estilo.
Não obstante, a palavra estilo é oscilante. Por vezes é usada com sentido que
inclui a propriedade (necessária). No rigor sistemático do estudo dos estilos,
deve significar apenas o grau eventual da propriedade.
Se há um estilo ao qual se possa dar ênfase, é o psicológico, porque ele
aumenta o grau de agrado, o que finalmente leva o apreciador da arte a apreciá-
la.
896. A verdade, com todas as suas variantes, é uma das peculiaridades de estilo
mais reclamadas. Além da verdade necessária, a expressão a desenvolve com
eventualidades diversas de alcance.
Há uma arte bela (clássica) e uma arte indiferente ao belo; há uma arte boa e
uma arte indiferente ao bem (arte pela arte).
Ainda que seja sobretudo em função ao arquétipo ideal que se conceitua a arte
clássica, como axiológica, também são axiológicos os estilos que obedecem a
um referencial arquétipo na ordem do agir.
O termo arte idealizada se diz habitualmente da arte quando idealiza o ser da
estrutura. Mas também se admite dizer estilo idealizado quando o arquétipo se
diz na ordem do agir. Nesta acepção, todas os estilos axiológicos são
efetivamente idealizados.
Nessa acepção hegeliana, seria clássica aquela arte em que houvesse perfeito
equilíbrio entre a forma e o conteúdo; tal ocorreria particularmente na escultura,
principalmente na grega. A arte simbólica seria aquela em que houvesse
desproporção, com o tema inferior; a romântica seria a desproporcionada, com
o tema superior (Cf. Hegel, Estética, Intr. C. 4).
I - Estilos axiológicos.
4515y905.
906. Redivisão dos estilos axiológicos. A idealização da expressão artística, -
com base nos conceitos anteriormente enunciados, - se processa na direção de
dois valores axiológicos fundamentais, que passam a ser tomados como
arquétipos da expressão artística:
908. Ainda que haja uma distinção perfeita entre o axiológico da idealização
na ordem da verdade ontológica e o bem ontológico, os dois temas em muito se
se aproximam, porque ambos têm mais no fundamento o mesmo ser. Por isso
algumas coisas que diretamente interessam ao esteticismo clássicos vão
adiantar temas do problema axiológico do bem na arte.
909. Se um ente é visto apenas na ordem de uma essência ideal, este ente se
diz verdadeiro ontologicamente; se na ordem da existência, ele se diz bom
ontologicamente.
Ainda sob a perspectiva dinâmica, o valor é visto como norma da ação; norma
sob o ponto de vista de verdade e norma sob o ponto de vista da bondade.
Outro nome é tipo; primeiro tipo, como é o caso do verum e do bonum, se diz
arquétipo (arché = primeiro).
910. Ainda como preliminar introdutória, insistimos na colocação exata da
questão, com vistas a entender que a verdade da arte clássica é a verdade
ontológica.
É claro que, se o universal existir, ele será um tema preferido. A arte passaria
a ser antes de tudo gênero da expressão idealizada. O estilo seria o modo de
apresentar esta idealização. Se não existir, poderá ser contudo estabelecido este
universal como um desejo, como um formalismo, uma hipótese, um sistema
axiomático de mera coerência interna.
A arte, como imitação das coisas deste mundo seria apenas a sombra da
sombra, e por isso algo de muito pouco apreço e inútil. Melhor, que apreciar
um simulacro (a sombra da sombra), seria atender logo ao objeto mundano
natural (a sombra); e ainda melhor que atender a este simulacro, seria, pôr a
atenção diretamente nas idéias universais reais, do mundo arquétipo, como faz
o filósofo.
Ainda que todos os indivíduos sejam distintos uns dos outros, obedecem a uma
lei ontológica, de onde resulta que a mesma essência é a de muitos, embora
individualmente distintos; desta sorte, a essência de homem, como
universalmente válida, não existe fora do indivíduo. O conceito universal da
mente consiste em apreender a essência, sem as suas individualizações.
O período clássico propriamente dito, de 470 a 322 a.C., foi marcado por
grandes conquistas, especialmente das obras de teatro como das de escultura. O
Dorífero, estátua de Polícleto e que marca um cânon de proporções do corpo
humano, é de um físico idealizado e viril, com nenhum movimento paralelo,
mas todos equilibradamente próximos, de maneira a evidenciarem a
espontaneidade e a serenidade ideal. O mesmo equilíbrio se pode anotar nos
textos literários.
"A arte, como imitadora da natureza, deve buscar sempre o natural para
plasmar a beleza, e há de evitar, no possível, todo o violento, porquanto a
mesma beleza na vida desgosta se e cai em gestos carentes de naturalidade"
(dos escritos de Winckelmann).
Nos anos de 1700 a fins de 1800, ressurgiu pois o clássico em todas as artes,
sob a sigla de neo-classicismo.
O que acontecera nas artes plásticas ocorreu também nas letras. O Sturm und
Drang (= tempestade e ímpeto), dos alemães, recuou de sua liberdade
romântica. Goethe, o maior poeta alemão do período, retornou ao classicismo.
Além de clássico, foi também um teórico do classicismo:
920. Se a arte deve obedecer a um padrão moral, que lhe serve de parâmetro,
ou arquétipo, o estilo resultante será diferente daquele praticado com todas as
alternativas.
921. Acontece uma frágil concordância generalizada de que arte tem alguma
função moral e social. Obediente a este parâmetro, a arte incorre em ter um
estilo moralista.
"É necessária a religião pela religião, a moral pela moral, a arte pela arte".
Esclarecia, que uma função não serve primeiramente à uma outra função, mas
tem valor natural próprio.
"Cultivar a arte pela arte mesma... Não propor-se habitualmente outro fim que
divertir o público" (Curso de filosofia positiva, VI, 167).
Mas, em outro contexto, "a arte pela arte" pode significar apenas a arte pela
arte, sem suas demais propriedades".
A tendência para baixo, para a terra, nos acontece em tudo, até mesmo na arte.
A imagem da realidade virtual, que foi facultada sobretudo pelo cinema e pela
televisão, possibilitou mais vastamente a apresentação explícita do crime, como
por exemplo, matar com tiros de revóver. Eis o imoral explícito, que o
expectador se acostumou a apreciar, parece ter alterado profundamente os
conceitos sobre a arte como didática do crime .
Já é possível perceber que a arte, quanto aos métodos, pode ser moralista de
dois modos, - um, ao modo da idealização moral, com modelos sempre
impecáveis; outro, ao modo da não idealização moral dos temas, combinado
com o pensamento crítico, através do qual, em última instância, se mostra o
imoral, com vistas a combatê-lo.
924. No plano literário a liberdade moral se ergue bastante explicitamente
também a propósito do juízo e do raciocínio.
926. Platão foi o chefe dos moralistas em arte. Não só achou inútil a arte,
porque cria apenas simulacros, como ainda pretendeu que só ofereça
apresentações idealizadas do ponto de vista moral.
A música, ainda que não mereça tamanha restrição, é também condenada por
Platão ao ingressar em certas modalidades de ritmos (República, II, 398b).
Prêmio também precisa ser levado em conta. A arte têm destas, não
aproveitando ao artista, mas aos que adquirem seus direitos autorais, ou aos
pósteros que a herdaram. O mesmo já se disse do saber, - "a sabedoria é muitas
vezes mais útil aos outros que àquele que a possui"( Eclisiastes, 11). Os mais
remunerados artistas têm sido aqueles que conseguiram comunicar-se com a
maioria. Agradar à maioria já é algo significativo, ainda que não seja uma
prova definitiva de superioridade artística.
931. O moralismo social da arte foi uma constante nos pensadores reformistas
russos.
Tolstoi (1828 - 1910): "a arte universal tem um critério interno definido e
indubitável: a consciência religiosa" (Tolstoi, Que é arte? Conclusão).
Passa, então a investigar, como Darwin e Taine, a arte nas fases iniciais da
formação da sociedade, chegando todavia a uma conclusão marxista. A arte
primitiva dependeria diretamente da economia. Depois nos movimentos de
libertação, outra vez estaria a arte a postos. Resulta a refutação da tese da arte
pela arte, em favor da missão social da arte.
No mesmo caminho está o Discurso de Andrei Jdanov no Primeiro Congresso
de Escritores Soviéticos, em 17 de agosto de 1934:
"Se nossa literatura soviética é tendenciosa, e isto nos orgulha, porque nossa
tendência está em que queremos libertar aos trabalhadores e aos homens do
jugo da escravidão capitalista" (A. Jdanov, Sobre a literatura, a filosofia e a
música, ed. Paris, 1950, p. 12).
"O escritor tem uma situação em sua época cada palavra sua repercute. E cada
silêncio também. Considero a Flaubert e a Goncourt responsáveis da repressão
que seguiu à comuna porque não escreveram uma só palavra para impedi-la"
(Que é a literatura, p. 10).
Em que firma Sartre os valores, que, ao seu modo, busca? "Em cada época O
homem decide de si mesmo frente aos demais, ao amor, à morte, ao mundo...
Ao tomar partido na singularidade de nossa época, nos unimos finalmente ao
eterno, e nossa tarefa de escritores consiste em fazer entrever os valores de
eternidade que estão implicados nesses debates sociais ou políticos. Não vamos,
porém, buscá-los em um céu invisível; são valores que têm unicamente
interesse em sua envoltura atual. Longe de ser relativistas, afirmamos
profundamente que O homem é um absoluto. É-O, porém, em sua hora, em seu
meio, sobre sua terra... Em resumo, nossa intenção é contribuir a que se de
produzam certas alterações na sociedade que nos rodeia" ( Ibidem p. 12).
Esta atitude, além do mais, concorda com a objetividade e a verdade das coisas,
poderá ser tendência psicológica de alguns e, até certo ponto, de todos. É o que
constatamos no uso diário da arte.
938. O anticlassicismo tem uma história, que não é tão definida, quanto a do
classicismo.
Cita-se de de Hamann:
"O que substitui em Homero o desenvolvimento das regras artísticas, depois
dele pensadas por Aristóteles? E o que substitui em Shakespeare o
desenvolvimento ou o desprezo das próprias leis críticas? Resposta: o gênio".
Surgiram então os mais variados estilos não clássicos, com as mais diversas
denominações tomadas às outras características, nem sempre denominadas
claramente, porque dependente de contextos históricos. Tais outros estilos
foram o romantismo, realismo, impressionismo, expressionismo, etc.
Todavia, mesmo não acreditando mais em modelos universais a se imporem à
realização individual, eles podem ser introduzidos como modelos meramente
formais. Este modernismo classicista sempre é possível como estilo.
Não seria possível idealizar, sem valores. Desta sorte, não poderiam jamais ser
clássicos os artistas que não contam com valores absolutos. Tal sucede em
muitas concepções filosóficas modernas, como as do positivismo, historicismo,
culturalismo, existencialismo, cujo fundo, do ponto de vista das essências
absolutas, é não aceitá-las, de maneira que cada coisa individual é apenas sua
situação.
Esta visão do mundo veio a ser significativa para o nosso tempo, de vez que
advertiu de quão larga é a subjetividade. Não só é subjetivo o sentimento,
explorado pelos românticos, como todo o processo do conhecimento.
2515y954.
955. Ainda que não exista a arte em geral, e sim apenas artes específicas, há
algo em comum em todas elas. Atentos a este algo em comum, melhor
conhecemos a cada uma. É o que sobretudo faz a filosofia da arte. Foi pois
assim que aqui tratamos da arte literária, cuidando de vê-la sobretudo sob as
perspectivas que ela tém com a arte em geral.
Foi o que sempre se destacou, mesmo que estas relações na arte literária se
façam por equivalentes convencionais. Assim sendo, a arte literária surgiu
diante de nós como um dos muitos integrantes do coral falante que as artes em
conjunto formam a benefício da comunidade humana.
E. Pauli.
ESTÉTICA DAS CORES.
Dada a afinidade da Estética das cores com outras estéticas, ele ainda se
integra no conjunto denominado Mega estética.
Importa anotar, que a 4-a subunidade é a que está dedicada às artes, línguas e
literatura, com a qual evidentemente também se relaciona a estética, embora
tratada esta como filosofia, ao passo que lá como ciência positiva.
5. A numeração dos artigos do texto híper Estética das cores está processada
em; 8 dígitos, com a letra y no meio do campo.
Finalmente as três cifras finais redividem os artigos, com opções de 000 até
999. O texto final denominado Estilos recentes apresenta uma numeração
independente da usada aqui em Estética das cores.
No curso interno do texto mega os três dígitos finais podem ser citados sem os
dígitos precedentes. Mas, sempre que forem citados a partir de fora deste texto,
hão de estar todos os dígitos.
INTRODUÇÃO GERAL À
10. A cor, por si só, ainda não é a arte da pintura. Há cores nos objetos, nas
plantas, no espectro, no arco-íris, nas latas de tinta expostas nos armazéns.
No seu instante estático, como a das tintas aplicadas à superfície de uma tela, a
expressão em cor se diz arte da pintura. Mas, suponhamos que as cores
ingressem em movimento de substituição, como sucede no cinema e na
televisão, continua a haver fundamentalmente uma arte da pintura, todavia em
aliança com outras artes.
11. Há uma filosofia geral da arte e uma filosofia especial da arte. Trata a
filosofia geral da arte os temas de interesse de todas as artes em conjunto, como
por exemplo do conceito mesmo da arte como expressão. Mostra ainda como as
diferentes matérias distinguem as artes em espécies, como pintura, escultura,
música, linguagem.
A filosofia geral da arte importa aqui apenas, enquanto fornece conceitos que
agora já não mais compete discutir, mas apenas relembrar, para com eles estar
coerentes. Divergências que lá tenham existido podem ser mencionadas, em
casos especiais, como alternativas, e de que deveremos estar conscientes.
A filosofia especial especial da arte trata uma a uma as diferentes artes. Neste
sentido estamos situados aqui em uma filosofia especial, a qual é a da arte que
exprime por meio de cores.
12. O instante material da cor. A estética da pintura como arte não se exerce a
respeito do instante material da cor, quando esta é apenas portadora, isto é,
apenas um significante. Contudo, é preciso estudar esta cor em si mesma, a fim
de, a partir dela criar a expressão. Importa situar-nos no momento antes que a
cor se converta em expressão, antes que ela transcenda transcenda a si mesma e
se converta em arte. Aprendamos a viver a cor nos instantes em que é apenas
cor.
Uma ciência da cor (ou teoria da cor) examina esta qualidade nos seus instantes
de determinação absoluta pré-artística, pré-estética. O mesmo acontece com o
som que se aproveita para a expressão musical; uma ciência do som (teoria do
som) se requer para o conhecimento preliminar do mesmo.
A ciência da cor reúne várias secções, das quais uma é a física da cor, a outra
a gnosiologia da cor, enfim, uma outra a psicologia da cor (inclusive
psicodinâmica da cor). Os esclarecimentos teóricos obtidos por tais ciências,
passam a ser colocados a serviço da expressão artística.
Semelhantemente, há uma física do som, uma gnosiologia do som, uma
psicologia do som (inclusive psicodinâmica do som). Aquilo que se denomina
vulgarmente de teoria musical, consiste quase integralmente em psicologia do
som; ainda que pragmaticamente esta teoria musical se destine ao músico, ela
não passa de uma preliminar à mesma música.
Neste sentido a arte é uma técnica, porque põe elementos em sistema para obter
a expressão. Consequentemente, uma boa arte, por exemplo, a pintura, requer o
conhecimento preliminar do material aproveitado, por exemplo, a cor.
13. Uma filosofia da arte da cor tem por objetivo primeiro esclarecer aquilo que
na arte pertence ao meramente inteligível, e que se encontra para além daquilo
que também se constata experimentalmente na obra. Sobretudo a expressão
reclama as explicações filosóficas.
A filosofia da arte vai desde o que a expressão tem de mais essencial, até as
distinções entre prosa e poesia, gêneros de expressão, propriedades, estilos.
Aliás, não exclui uma consideração filosófica sobre o material portador, porque
a partir dele mostra como a expressão nasce por efeito formal (isto é, essencial),
não ficando só na verificação empírica deste efeito. Assim por exemplo, por
efeito formal, o semelhante acusa o assemelhado. Este efeito é diverso daquele
que se dá na ordem da causa eficiente, onde o efeito se separa, como produto.
14. Entre filosofia e ciência positiva. Numa introdução importa desde logo
advertir para a diferença dos dois gêneros de ciências: filosóficas e positivas
(ou experimentais).
De outra parte, estudando uma após outra a cada uma de todas as espécies de
arte, adquire-se um pensamento bastante vasto sobre a arte como tal.
Caminham as espécies de arte com notório paralelismo, advertindo cada uma
finalmente para a já referida filosofia geral da arte.
15. Nomes da arte que expressa mediante cor. Considerando que a arte em cor
consegue, desde seu primeiro instante estático, notório poder de expressão, sem
precisar apelar ao movimento, adquire já neste instante um nome. É quando se
denomina pintura.
O mesmo já não ocorre com o som, pois este não exerce importância no
momento estático; o nome de música indica a expressão, no momento quando
os sons já se encontram em desenvolvimento dinâmico.
16. O nome pintura (do latim pictura) significa originariamente «untar com
pez». Prende-se, sobretudo na origem, a uma técnica, a saber a da aplicação de
tintas. A raiz indo-européia peik- significa «ornar», sentido que se encontra na
base de todos os seus derivados.
Atenda-se para estas outras palavras do gênero: picea (pinheiro alvar, árvore
resinosa), picaster (árvore de onde dimana o
pez), picatus (breado), piceatus (breado), piceus (de pez, negro como
pez), picare (brear, untar com pez), pictilis (pintado, ornado de
pintura), pictor (pintor), pictorius (que pertence à pintura), picturatus (pintado
com variedade de cores), pictus (pintado, também bordado, como em picta acu
chlamys = vestido bordado).
Pelo exposto, o nome pintura dos latinos se prende mais à técnica tomada ao
pez; o nome Malerei, dos alemães, diz respeito ao instrumento pictórico em si
mesmo, a cor, sobretudo a vermelha. Universalizou-se mais a forma latina, que
deu no inglês paint, no francês peintre, na língua internacional
Esperanto pentri (pintar).
20. Maior poder da cor. Entre as qualidades que servem como instrumento
artístico, é a cor a que oferece mais capacidade de expressão.
O mesmo não acontece com o som musical que pouco consegue expressar em
seus instantes mais simples. Os sons falam apenas depois de organizados em
complexas aglutinações, que se sucedem.
A estética das cores esclarece sobre a cor e sobretudo sobre a arte da cor.
Habilita-nos a operar com esclarecimento com uma das mais expressivas artes.
Diz-nos como tratar o tema, - se à maneira classicista, - ou se por outra maneira.
Diz-nos que propriedades regem a arte das artes. E ainda o que nela ocorre
apenas contingentemente como estilo.
Como se observa, por toda a parte ocorre um tilintar de razões que nos movem
a dar valor ao estudo da filosofia da arte da cor.
25. Há uma longa história das artes plásticas e de sua teorização. A história da
pintura lugar proeminente, mas não tanto a história de sua teorização.
26. Mais cedo evoluiu a teorização da arte da linguagem que a das outras. Na
antiguidade grega não se encontra a teorização sistemática da pintura, nas
proporções como Aristóteles escrevia tratados sobre retórica e poética, ou como
Vitrúvio discorreu sobre a arquitetura.
A arte da pintura, mais que as outras artes, depende da viva capacidade visual
do artista, que das peculiaridades inteletualizantes requeridas pela adiantada
expressão em letras, arquitetura e música.
A situação continua, hoje, com as mesmas dificuldades antigas. Geralmente os
que tratam teoricamente de estética da pintura, não conseguem ir muito além do
arrolamento concreto das criações artísticas.
É que a pintura consegue funcionar autônoma, sem aliar-se às outras artes; cria,
então, um mundo próprio, em que até a linguagem usualmente é apenas sua. As
outras artes, como a música e a literatura, andam geralmente de mãos dadas e
por isso se desenvolvem com padrões similares. No canto, une-se a poesia
literária à música; os mesmos nomes que denominam as composições poéticas,
transitam geralmente para as denominações musicais, pois dizemos hino para
uma certa composição de versos e também para um certo canto.
O filósofo Empédocles (c. 490-435 a. C.) opinou, que o quadro tem valor
estético, porque, pela graça e harmonia, deleita a vista:
O problema destas relações poéticas será mais tarde objeto de discussão por
parte de G. E. Lessing (Lacoonte, 1766) e Ed. Mueller (Geschichte der Theorie
der Kunst bei den Alten, Breslau, 1834).
Contudo, classificou Aristóteles sete cores principais, à maneira das sete notas
da escala musical. Distinguiu entre cores harmônicas e desarmônicas (De
sens. 3,349 b).
No início deste novo movimento está o florentino Giotto (1266-1337) (vd 833),
que deu fisionomia própria à pintura ocidental, libertando-a da tradição
linearista bizantina, para lhe devolver o humano.
30. Revolução na estética das cores. Também os conceitos de estética das cores
tomaram novos desenvolvimentos nos tempos modernos, sobretudo depois da
revolução industrial e do sucesso dos recursos eletrônicos.
Recursos técnicos eletrônicos permitiram o uso das cores fora das telas
tradicionais. Assim um novo tempo se abriu para a estética das cores. Criou-se
uma rica literatura sobre as cores e suas aplicações na expressão artística.
Didaticamente convém isolar nos dois capítulos iniciais indicados o que mais
essencialmente caracteriza ao significado e ao significante.
CAP. 1
A PINTURA COMO EXPRESSÃO SIGNIFICADORA. 3911y035.
- Estética das Cores -
36. Introdução à arte como expressão. Um estudo sobre a pintura como
expressão, oferece didaticamente o seguinte sequencial de temas:
- a arte pictórica essencialmente com expressão (art. 1°) (vd 3911y038);
- teoria memético-associativa da arte (art. 2-o) (vd 2911y055);
- a arte como expressão inconsciente (art. 3-o) (vd 3911y79);
- propriedades artísticas da expressão (art. 4-o) (vd 3911y86), tais como a
evidência, a esteticidade, a comunicação.
40. Aquele algo mais em virtude do qual a arte nos fala se denomina
significado, ou expressão. Significado é uma palavra de sentido bastante óbvio:
tem significado o que nos diz algo. Expressão contém mais polissemia. Tem
um sentido amplo, a ser agora afastado, e um sentido restrito.
Expressão deriva do étimo latino premere (= premer, premir, calcar, pisar), de
que pressus (= premido) é o adjetivo correspondente; dali os
derivados imprimir, exprimir, expressar. Percebe-se, pois, que expressão indica
um acrescentamento, que se impõe ativamente. O artista, com esforço, coloca
na matéria a expressão. A obra reproduz sua idéia, e portanto a obra é a
expressão da mesma.
Ainda que a pintura fale, não pretende o practicismo que ela seja arte pelo seu
falar de algo; isto ela o faria acidentalmente. A pintura seria arte, apenas
enquanto é obra física; ao ser criada, cuidaria o pintor de a realizar segundo as
leis da criação ontológica, fazendo-a algo positivo, existente, perfeito e
sobretudo belo.
Em tais condições, a pintura seria algo apreciável como coisa. Não se pintariam
pessoas, para significar outras pessoas, mas simplesmente se criariam estas
pessoas de tinta.
43. Não estamos impedidos de agir practicisticamente, e por isso fica sempre
no ar a tendência de produzir, simplesmente porque isto também pode ser um
objeto justificável.
Os músico com frequência produzem sons pelo fato de serem estéticos. Não
estão impedidos de o fazer. Mas seriam estes sons uma arte?
Pintam-se geralmente as casas e os ambientes com tintas de uma psicodinâmica
desejada. Mas, seria também isto a arte da pintura? Eis uma posição defensável,
mas talvez falsa, e que é contestada pelos teoreticistas.
Nesta concepção de arte como apenas produto arrolam-se, entre outras, as artes
agrícolas, medicinais, liberais. Mas agora parece que foi a palavra que mudou
de sentido, por uma ampliação qualquer de seu significado. Mas, se se mantiver
o mesmo sentido, objetos pintados seriam artísticos, no sentido de um belo
produto. Então o ser expressão de algo não é essencial à arte; este eventual
exercer a expressividade, não seria a essência da pintura como arte; o ser arte
consistiria apenas em ser um produto.
A arte se reduziria à produção de "novos objetos", ou "objetos especiais", ou
"objetos não naturais". Na concepção haveria arte nestes objetos inusitados,
mesmo que não fossem portadores de um significado.
Já começaria a haver arte, desde o instante em que um objeto fosse retirado de
sua função natural. Um simples deslocamento do prego para uma tela, seria
produção de um objeto especial.
Admite, evidentemente, uma tal concepção que haja coisas mais apreciáveis
que outras. Cria, então, de preferência as mais apreciáveis.
O pintor mostrará sua capacidade imaginosa para criar obras de tal natureza
mais apreciável. todavia, a arte continua com a mesma definição antitemática:
criar coisas para se perceber intuitivamente, pintura para se ver esta pintura
concreta, sons para se ouvir estes sons concretos.
Do mesmo modo o cozinheiro da boa arte de comer nada mais faz do que criar
objetos de melhor sabor.
48. Para a concepção teoreticista da arte, aqui defendida, a arte é expressão que
se refere a um objeto ao qual significa.
Na expressão há um referente interno, ou objeto interno, ou conteúdo, que está
impresso e expresso na mesma obra de arte. Este objeto interno referido é
a significação.
Na base deste referente interno, ou significação, está o significante, como
portador material.
Portanto, em si mesma, a obra de arte se compõe de uma significação e de um
significante.
E há na arte um referente externo, a saber, o objeto exterior à obra de arte.
Aquele referente externo como que preexiste à expressão artística, que é criada
para significá-lo.
Quanto ao referente externo, importa distinguir nele um ponto de partida, - que
o referente interno, e um ponto de chegada, ambos intencionais. Esta
intencionalidade é a atenção vista como um movimento mental (e não físico),
que parte do referente interno na direção do referente externo.
A base da intencionalidade se encontra no referente interno, e por isso não
importa que o referente externo seja real, ou fictício, concreto ou abstrato.
Como termo de chegada atingido pela expressão, o referente externo é sempre
exterior à expressão que o indica intencionalisticamente.
Não é exato definir as modernas artes plásticas como sendo arte sem objeto. O
pintor moderno nada mais fez que aprender a distinguir entre objeto figurativo
e objeto abstrato, e depois entre graus de objeto abstrato.
Primeiramente se fez sentir a luta contra a expressão figurativa; a representação
do objeto concreto é eminentemente objetiva, razão porque a luta começou
neste plano. Mas, a seguir o combate ao objeto passou aos diferentes níveis da
representação abstrata. Os primeiros níveis desta ainda continuam um tanto
figurativos e vão também ser combatidos.
O caminhar da arte figurativa para a abstrata, continuou da abstrata até o quase
nada de objeto; então parece que a representação do meramente formal não
haveria passado senão de um momento dialético da luta; primeiramente se
jogou o abstrato formal contra o figurativo; depois se fez também a destruição
do mesmo formal, a fim de chegar ao quase fisicismo puro da criação pura e
simples da obra sem representação de qualquer natureza. O que sobrou é ainda
um tema; isolado e sutil, o tema em tais condições se revela como nunca antes
houve na arte...
Ainda que todos os níveis sejam legítimos como temas da pintura, os abstratos
mais subtis se converteram em objetivo peculiar da pintura moderna.
60. Mimese figurativa e mimese abstrata. Imitando aos objetos, a obra de arte
os exprime. Tanto isto é verdade, que consegue acusá-los quase na mesma
proporção que os imita.
Para indicar um todo concreto individualizado, a imitação precisa integralizar-
se; ocorre isto na arte figurativa, que toma por tema as coisas concretas, como
pessoas, plantas, paisagens.
Há uma poesia interior, em que umas imagens atraem outras no mesmo mundo
interior; esta poesia interior não é ainda a arte exterior. A poesia da arte é
expressa no exterior, na mesma obra.
Ali no exterior, ora se exprime só a imagem que é objeto estímulo de outras
imagens. Ora se exprime a imagem estímulo juntamente com a imagem
estimulada. Ambas são a arte da poesia.
A imaginação (fantasia) a criar imagens, que a memória conserva no
subconsciente, e põe na superfície nos momentos adequados, engrandece a arte,
quando esta exprime este processo. Por isso, ter imaginação produtiva e
excelente memória conservadora, é dispor de recursos extraordinários para a
criação artística.
67. A poesia não pertence com exclusividade à literatura. Esta apenas insiste
mais em usar o nome, ao passo que os pintores se limitam por vezes a
expressões como evocação, atmosfera, sugestão.
É evidente que, em virtude da diferença dos recursos da matéria (cor, na pintura,
som na música e na linguagem, forma espacial na escultura e arquitetura), não
pode a poesia exercer-se de maneira igual nas diferentes circunstâncias.
Todavia, em substância, ela é sempre evocativa de imagens, portanto
essencialmente a mesma.
A analogia mais ampla é a do ser. Afinal tudo é ser. Desta sorte qualquer ser
contém alguma analogia com os outros seres. Todavia esta analogia do ser é
muito vaga, e por isso importa procurar novas e novas semelhanças; mas o ser é
o ponto de partida, que permite ultrapassar o simples plano da natureza material.
A expressão própria é a que representa diretamente o objeto, e por conseguinte
antes de qualquer recurso ao contexto.
A expressão imprópria utiliza os demais caminhos, em que a analogia é o mais
frequente. Ainda são notáveis as expressões impróprias que procedem pelas
relações, ora das relações de causa e efeito na ordem da causa eficiente (ou de
origem), ora das relações na ordem de causa formal e efeito formal.
81. A arte exprime objetos, e não pensamentos. A rigor, a arte não exprime
idéias, juízos, raciocínios. É inadequado dizer que a palavra exprime uma idéia.
Diga-se que exprime o objeto da idéia.
Também os pensamentos, no seu mundo imanente, somente exprimem objetos.
Mesmo quando pensamos ao próprio pensamento, este pensamento de
pensamento é pensado como um objeto.
Não temos noção dos objetos senão através das faculdades de conhecimento.
Há uma transcrição obrigatória, em que a expressão mental se antecipa. Esta
primeiramente conhece aos objetos. Sem a mente sequer saberíamos da
existência de objetos. Depois de conhecidos os objetos e criadas as respectivas
expressões mentais, ocorre a transcrição para as expressões artísticas. Não há
arte sem ser precedida por esta transcrição. Todavia o que as expressões
artísticas finalmente apresentam é o objeto, o mesmo objeto que está na posição
de objeto do conhecimento que precedeu à criação da expressão artística.
Pelo visto, a referência ao objeto da arte não é tão simples como a primeira
vista parecia.
A seguir acontece a interpretação; depois de criada a expressão artística, ela é
algo objetivo a se referir ao objeto exterior, e que o apreciador passa a
reinterpretar.
Agora, a reinterpretação faz nascer idéias, juízos, raciocínios, com base no que
está expresso na obra.
Completa-se um círculo em que tudo aparece duas vezes: objeto –
conhecimento – objeto expresso na arte – interpretação, com a volta ao
conhecimento do objeto.
87. São muitas as propriedades que a arte, sobretudo a das cores, pode oferecer,
importando desde logo uma classificação sistematizadora.
Considerando que na arte se apresentam dois elementos constitutivos – o
significado e o significante (ou portador), - decorrem dali dois gêneros de
propriedades – as propriedades propriamente artísticas, derivadas do
significado, e as propriedades pré-artísticas, ligadas ao portador material da
arte, quando, por exemplo, as cores já podem apresentar interesse antes que
passem a ter significação.
A pintura, na medida que imita e associa as cores dos objetos a serem expressos,
atinge a evidência de expressão, a clareza e a distinção. Na proporção que
diminui esta evidência do objeto, a evidência se afrouxa e se dilui até
desaparecer.
A pintura abstrata é imprecisa (não evidente) em relação à figura concreta não
desejada. Não consegue a evidência perfeita do objetivo abstrato, por falta do
recurso específico para o tema abstrato. Todavia seu ideal é aproximar-se o
mais possível da clareza e distinção.
Ora, a arte faz conhecer. Enquanto faz conhecer, provoca a satisfação estética.
Uma representação pictórica agrada pela informação que oferece. Mas não é
todavia só a informação artística que agrada. Também as cores em si mesmas,
já antes de servirem como portadoras da expressão artísticas provocam agrado
ao serem simplesmente conhecidas. E assim também os sons em si mesmos já
agradam, sem que ainda tenham sido aproveitados musicalmente.
Pelo que se observa o sentimento estético ultrapassa ao círculo da arte. E assim
também agradam o saber científico e filosófico. A solução de um problema, tal
como o de uma questão matemática, provoca satisfação. O belo, por ser um
objeto eminente é marcadamente estético.
Diante disto, a estética, como estado psíquico absoluto, não se identifica
necessariamente com o tema da esteticidade tratada pela filosofia da arte, onde
a esteticidade se limita a uma das propriedades desta.
O belo, além de estético, é mais estético que os objetos não belos. E assim
também os variados objetos poderão divergir pela sua força de esteticidade.
São, portanto, mais estéticas as artes que exprimem objetos de mais valor. O
pequeno costuma ser medíocre; o mesmo objeto em grande dimensão poderá
ser majestático. O trivial em arte não encanta. Isto se observa na ficção, em que
o artista, além de expressar o objeto, também o cria com a melhor qualidade
possível.
A diferença de esteticidade se manifesta peculiarmente de espécie para espécie
de arte, enquanto umas operam com a vista e outros com o ouvido, ou os
demais sentidos. Os sentidos inferiores são mais vivamente estéticos que os
superiores, porque se manifestam com mais violência. Mas os superiores se
destacam pelo maior número de detalhes mas que oferecem com serenidade.
Infere-se que as artes da vista (de maiores detalhes) se apresentam sob o ponto
de vista da intensidade menos estética, que as artes do ouvido (sentimento
inferior em relação à vista). Reagimos com fraca instância às coisas
visualmente feias. Mas repelimos fortemente aos sons dissonantes. Assim
somos também tocados menos intensivamente pelas coisas belas visuais, do
que pelos sons agradáveis. Estes prontamente nos raptam e cativam. Com esta
teoria explicamos por que a música é a mais estética entre as artes. Sumamente
agradável, a música é a mais agradável das expressões artísticas. "Mais
agradável que a música, só mesmo o silêncio." (Dante Veoleci).
De outra parte, porém, maior volume estético apresentam as artes exercidas
mediante cor. A variedade do colorido nos ocupa longo tempo, ao passo que o
som estático, por mais forte que seja, não encanta. É preciso pôr os sons em
movimento para que principiem a atrair. As cores em movimento, como na
televisão atraem inegavelmente a atenção pela sua variedade e capacidade de
expressão.
O belo como ser perfeito, ao ser objeto da arte, conta com possibilidade maior
de provocar o sentimento estético, e por isso é bastante visado pelos artistas e
pelos consumidores da arte.
O volume de ser do belo se apresenta maior e sua perfeição se encontra em
destaque. Por isso o conhecimento do dispõe de mais objeto a oferecer. Em
assim sendo, o belo se torna um objeto preferido, tanto fora, como dentro da
arte.
107. Uma certa ordem acontece em todo o quadro bem pintado. Esta sequência
obriga a mente a criar com ordem, e induz ao consumidor apreender a
mensagem também com ordem.
A ordem é peculiar sobretudo da expressão em forma plástica. Um desenhista,
por exemplo, mostra a sequência das ruas de uma cidade, as partes de um
edifício, a estrutura de um objeto industrial. A ordem da expressão plástica se
transfere logo à ordem das cores. Inversamente, as cores destacam a ordem
plástica. Finalmente, por todos os seus caminhos, a arte encaminha a
organização mental, pois antes que a mente imponha a sua organização, já
recebe organizados os temas que lhe são oferecidos.
110. A arte se presta para a comunicação. Por causa de sua feição sensível, a
expressão artística é percebida por muitos; em consequência o que o artista
expressa, poderá ser interpretado por outro indivíduo. Eis quando a expressão
além de sua especificidade, ainda se instrumentaliza como veículo
de comunicação.
Para o homem muito importa a função de mensagem, que a arte oferece. Por
isso, como Tolstoi, quase todos confundem a essência da arte como
instrumento de comunicação. Todavia é evidente que a arte somente conseguirá
ser comunicação se antes disso já houver sido expressão.
115. Concluído o principal sobre a arte em cor, tendo a seu respeito tratado da
expressão e de suas propriedades, muito ainda resta a expor. Antes de seguir
para a expressão em prosa e poesia, para os gêneros de expressão em prosa e
poesia importa didaticamente cuidar do aspecto material do portador da arte.
Neste tratado, sobre a cor materialmente.
CAP. 2
118. Introdução ao estudo das cores. Teoricamente, que é a cor, antes de ser
aproveitada como recurso técnico de expressão?
- alianças da arte da cor com outras artes (art. 6-o) (vd 3911y370).
Os últimos títulos são desdobramentos de propriedades físicas da cor, ao
mesmo tempo que anotando propriedades psicológicas para os referidos
detalhes desdobrados.
3911y120.
Na observação superficial parece que a cor está no objeto, não nos apercebendo
nós de que se prende à luz, constituída de corpúsculos. Na ausência de luz, os
objetos deixam de manifestar com cor, ainda que continuem sensíveis ao tato
da mão que os toca.
Com a luz o objeto se acende e se apaga. Quer observemos a luz, quer
observemos os corpos que a refletem, a cor se associa ao comportamento da luz.
Por isso, não se pode definir a cor como sendo apenas o elemento visual dos
corpos.
Einstein (1879-1955) desenvolveu a teoria dos fótons. Em 1950, com sua teoria
do campo unificado, insistiu que todas as formas da natureza eram regidas
pelas mesmas leis básicas.
Sobre as cores ainda outros trabalhos foram desenvolvidos por físicos, que por
isso mesmo se tornaram notáveis.
- medir as ondas;
- estabelecer as propriedades.
Ainda ocorre a separação, quando a fonte de produção das ondas emite apenas
certos comprimentos.
Consegue-se determinar que alguns animais, como os pássaros, vêem cores que
escapam aos homens. Induz-se que sobretudo as cores compostas serão mui
diferentes aos olhos destes animais.
Raios cósmicos
Raios de Radium
Raios X
ondas de rádio
– ultra curtas
– curtas
– médias
– longas
– de TV
A diferença das cores nos objetos da natureza não é mais que a diferente
capacidade que estes objetos têm se separar as cores. Trata-se do fenômeno da
absorção e refração por parte dos corpos. A constituição molecular dos corpos
é tal que, enquanto umas ondas penetram, sendo absorvidas ou deixadas até a
passar através, outras são rejeitadas. Com isso ocorre a separação e a
diferenciação das cores dos objetos.
Na verdade as cores pertencem à luz que retornou aos olhos do espectador. Não
há verdadeiramente cor nas coisas, mas na luz. Por atribuição, em função à luz,
dizem-se de tal ou tal outra cor. Quando um objeto se mostra amarelo, significa
apenas que refletiu as ondas amarelas e absorveu as verdes, azuis, violetas,
alaranjadas, vermelhas.
Sem entender que a cor pertence à luz e não aos objetos que a absorvem e
refratam, a inteligência vulgar não consegue entender a afirmativa de que as
coisas ditas coloridas efetivamente não têm cor alguma.
O artista age com a cor, como se ela estivesse nas tintas, mas, na verdade, ele
faz uma coisa muito mais complicada.
Diante disto se infere que as cores dos corpos dependem de modo de absorver e
refletir a luz.
Já se pode prever que um corpo difere de cor ao ser exposto à luz do sol e a
seguir apenas à luz elétrica, ou outra luz qualquer. Não há em todas as fontes de
luz o mesmo número de ondas e de dimensão.
140. Ainda sobre os comprimentos de onda de cada cor. São teoricamente bem
determinados os comprimentos de onda de cada cor. Distendem-se por áreas
vizinhas as impressões semelhantes, que em conjunto recebem o mesmo nome.
As limitações exatas obedecem, pois, a critérios subjetivos, oscilantes.
Violeta
Azul
4.000-5.000
Verde
5.000-6.000
Amarelo
5.000-7.000
Laranja
5.700-7.000
Vermelho
6.000-7.000
(vd Mirador)
141. O branco resulta da incidência da luz de todos os comprimentos de onda
simultaneamente. A luz dissociada é colorida; a integral é branca.
A fim de que a luz pareça branca, requer-se igual quantidade de todos os tipos
de onda. Tal acontece com a luz do sol. A lâmpada elétrica, contendo uma
predominância de onda de comprimento médio, emite uma luz amarela clara.
Qualquer cor, ao receber mistura de todas as demais ondas, tende a clarear. Isto
supõe que as ondas de diferente comprimento, ao se misturarem, não se anulam.
A mistura de ondas luminosas tende para o claro. Diferentemente, a mistura
de tintas não é fonte de ondas, mas de refração; tende a anular as cores. Cada
tinta é um pigmento que absorve um determinado tipo de onda e havendo todos
os pigmentos terminam por absorver todas as cores.
Neste contexto não são cores, nem o branco, que embaralha a todas, nem o
preto que impede o comparecimento delas. Mas também se admite dizer, que as
cores neutras ou acromáticas são o branco, cinzento e o preto, de índole
indefinida.
143. Tintas são corpos líquidos, à base de pigmentos, capazes de revestir com
novas cores a outros corpos, com vistas a lhes dar novo aspecto estético, ou
mesmo torná-los portadores de expressão artística.
Depois de ressequida, assume a tinta estado sólido, ainda que tão só como
superfície.
A evolução das técnicas industriais das tintas tem influído na própria evolução
da pintura como arte. A pintura a óleo, por exemplo, começou com a escola
flamenga (séc. XV). Até então, o afresco (sobre reboco fresco) era o expediente
mais utilizado, conhecido já pelos egípcios. Os gregos intentaram o encáustico
(cera quente).
- tintas à base de resinas, quer resinas naturais que transpiram das árvores,
inclusive o látex da borracha (pintura, deriva da palavra pez = resina), quer
resinas sintéticas, que entraram no uso com a invenção da borracha sintética,
desde quando se desenvolveu uma série de tintas vinículas, porque fabricadas
com acetato de polivinila.
Este elenco temático interessa bastante de perto à estética das cores. Para
expressar adequadamente, a pintura e todos os demais instrumentos de
expressão a uma pluralidade de pequenos expedientes.
A perspectiva exata sob a qual um objeto é atingido por uma faculdade se diz
objeto específico, ou objeto formal.
Eis quando se estabelece que a cor é o objeto específico da vista (ou seu objeto
formal).
152. Dentre todos os objetos próprios apresentados aos sentidos do ser humano,
- embora isto não aconteça com todos os animais, - é a cor o que nitidamente
melhor se apresenta. Mais de vinte variantes pictóricas distintas pertence à
linguagem comum, o mesmo não sucedendo com os demais sentidos.
Mais fácil é conhecer as preliminares sobre a cor (objeto da vista) do que sobre
os sons (objeto ouvido). O que pertence ao ouvido é sempre mais indefinido do
que, o que é da vista. As cores fundamentais e suas primeiras variantes são
perfeitamente reconhecíveis, como se advertiu. O mesmo número de tons não
se faz reconhecer com esta espontaneidade; é, aliás, frequente o indivíduo sem
ouvido musical, todavia capaz de distinguir cores.
Dos sons o vulgo não consegue denominá-los pelos distintos tons; deles mal os
distingue como fortes e fracos, altos e baixos. Aos odores se refere tão só como
agradáveis e repelentes. Aos gostos os taxa simplesmente doces, amargos,
picantes. O tato o diz ser duro e brando, quente e frio, dor e prazer.
Diferentemente, - as cores se manifestam insistentemente de variada espécie
modalidades intermediárias bem mais reconhecíveis.
153. Contudo as artes visuais não dominam até 87% sobre as demais artes. A
diminuição desta porcentagem não acontece no consumo das artes e sim na
produção. É que há alguma dificuldade para produzir a cor. Enquanto o som se
produz fácil, despertando por simples vibração do fundo de nossa garganta, ou
de um objeto capaz de agitar convenientemente o ar, as cores dependem do
manejamento difícil das tintas e da criação de luz, bem como da maneira de se
fazerem receber as ondas de luz.
O som no seu instante estático, muito pouco rendimento fornece; mas consegue
espontaneamente alterar-se, assumindo os vários tons; na linguagem se
fracciona e se articular de diferentes modos.
Todavia, a cor estática exerce já neste seu primeiro estágio poderosa força de
expressão, como se vê na pintura; mas, se, além disto ingressar em movimento,
como no cinema, é capaz de ampliar imensamente os recursos de expressão.
156. As cores não existem nas coisas, nem nos fótons da luz, mas são maneiras
subjetivas de reagir aos fótons da luz.
Portanto, ainda que possamos admitir a realidade dos corpos, eles são sem cor,
sem som, sem calor, sem frio, sem gosto, sem odor, mesmo sem ser e qualquer
das modalizações conceituadas do ser. Se existem, não sabemos a rigor o que
efetivamente são.
Ao incidir sobre a faculdade, o objeto cria nos olhos a reação de cor, nos
ouvidos a de som, no gosto a de saber, no tato a de calor ou frio, no olfato a de
perfume ou mau odor. Certamente a dor não está na coisa que nos pisa, e sim,
apenas em nós mesmos.
A cor, que agora nos ocupa, seria nada mais que a resposta psíquica peculiar de
uma região nervosa, chamada vista.
Para a teoria das cores importava esta consideração gnosiológica para uma sua
compreensão exaustiva.
157. Fontes da cor. Para a estética, o que interessa destacar é que a luz é fonte
da cor. Portanto, não das fontes da mesma luz, mas da luz enquanto fonte das
cores.
A fontação das cores pela luz varia contudo conforme as fontes luminosas, que
são de três grupos principais:
158. A partir da variação nas fontes de cor se explicam mais fenômenos, que
acontecem nas misturas de tintas.
- cor natural,
- cor induzida.
Cor natural, é a que se encontra nos objetos como eles existem na natureza.
São inúmeras, além do branco e do preto.
Cor aparente (ou acidental) é a que, não sendo a natural, apresenta formas
variáveis em função das condições de luz ambiente, ou de outras cores.
Conhece-se que uma luz vermelha empresta um colorido cor de rosa suave ao
que se encontra em torno.
Cor dióptrica é a que surge pela dispersão da luz sobre vários corpos, que por
sua vez a refletem de diferentes posições. Tal acontece no prisma, gotas de
chuva, orvalho, de chuva (arco-íris), lâminas finas, manchas de óleo sobre a
água.
Cor catóptrica é a que se forma nos corpos opacos, os quais absorvem umas
espécies e refletem com sua cor o restante.
Ambos os tipos de células nervosas fazem sinapse com células de uma grande
camada, chamadas células bipolares, a continuar de onde novos processos
conduzem a percepção em direção do cérebro.
As ondas mais além são acusadas pelo sentido térmico, mas não sob a
perspectiva de sensação de cor. O tato se excita ao infravermelho, de metragem
longa, aquém das 390 unidades A.
O cão e o boi são sensíveis apenas à luz e não às cores; para estes animais o
mundo é como cinema em preto e branco. A investida do touro ao vermelho se
deve à maior luminosidade do vermelho, mas não à cor em si, que ele não
parece ver. Considerando que em geral as mulheres usam cores mais luminosas,
poderão por isso ser atacadas preferencialmente por estes animais. Os bois
agem também diversamente diante de homens brancos e homens negros.
A criança até aos dois anos distingue vagamente as cores, reagindo antes à
luminosidade. Pouco reage ao azul, a menos luminosa das cores. Dali suas
preferências pelo amarelo e vermelho, nas vestes, nos brinquedos. Os aposentos
de criança são mais aceitos quando alegrados com estas cores mais vivas, ou
frisadas com elas.
Também há seres humanos patológicos que não vêem cores, mas apenas a
luminosidade em preto e branco.
A sensibilidade dos bastonetes e cones também obedece a níveis fora dos quais
a operação deixa de ocorrer.
O foco da vista é na fóvea, que no escuro não funciona. Mas por ser este o foco,
na penumbra vem-se melhor os objetos, se não forem fixados diretamente.
Os daltônicos com cegueira total de cores percebem apenas estímulos que nós
chamamos de cinza e que variam do claro ao escuro, conforme a cor.
Peculiar é a situação dos que são daltônicos de um olho só, perfeitos com o
outro; com um percebem os claros e escuros, com o outro as respectivas cores.
163. O impacto sobre a vista da luz se exerce dentro de limites ideais. Acima
destes limites tende a desagradar por excesso; abaixo, tende a produzir
sensação de falta.
Comecemos por referir que a vista atende em direções precisas, como que num
só eixo, portanto sem universalidade panorâmica. O ouvido escuta, pelo
contrário, sons que vêm de todas as direções.
Não ocorrendo o mesmo com os demais cones (azul e verde), ficam estes numa
outra situação e em disponibilidade, se então mudarmos a vista para um outro
campo, por exemplo branco, ou preto, só estes dois operam no primeiro
instante; na incidência combinada de azul e verde, tem-se então a impressão de
verde. Tão logo os demais cones retornem à espontaneidade natural,
desaparecerá o fenômeno. Verde é complementar de vermelho. A adaptação se
faz, portanto, com uma relação para a cor complementar.
Apresenta-se agora uma situação que admite dois tratamentos, que poderão
influir sobre o maior e o menor trabalho das células dos cones. Se o trânsito se
fizer para uma cor complementar do campo originário, retém-se algo da
situação originária; não se obriga o olho a uma atividade inteiramente nova e
cansativa. Na hipótese de se o não fazer, o trânsito obriga a um esforço maior.
Vem, pois, o uso da cor complementar, oposta a que se viu em área anterior
maior, ao encontro da vista. São, portanto, recomendáveis as harmonias
complementares. Utilizam-se, aliás, na pintura dos interiores. Realçam a cor
básica, ao mesmo tempo que apresentam sem cansaço a cor complementar (que
lhe é oposta no disco das cores). Vermelho tem a sua complementar no verde,
azul no laranja, amarelo no violeta.
Um disco branco sobre tela preta, parece maior do que na realidade é. Pela
inversa, um disco preto, sobre tela branca, é diminuído pela invasão
circundante.
Letras brancas ao lado de pretas parecem maiores que as suas companheiras.
De maneira geral, a cor sobre branco parece mais escura (menos valor); sobre
preto, mais clara.
Cor sobre cor, apresenta-se ainda menos intensa. Ponham-se três campos,
sucessivos, branco, cor azul, preto. A seguir, coloque-se em cada campo, o
mesmo vermelho. Observar-se-á que a cor vermelha aparecerá menos intensa
sobre a cor, um pouco mais intensa sobre o branco, enfim, com a maior
intensidade sobre o preto.
(desenhos)
Para as cores frias, a lente assume posição menos convexa, o que explicaria a
aparente diminuição de área desta cor. Pela ordem, a maior dimensão aparente
é do amarelo, seguida do vermelho. Verifica-se que o branco, ainda que de área
amplificada, vem após o amarelo e o vermelho.
173. Conclui-se a respeito da natureza fundamental da cor, - tanto do ponto de
vista físico, em que ela comparece ligada à luz, quanto do ponto de vista
gnosiológico, em que ela surpreendentemente se revela como subjetividade, -
que ela é um dos fenômenos mais curiosos, que afronta aos pesquisadores da
ciência física e da ciência filosófica.
Não obstante este desafio oferecido pela natureza fundamental da cor, ela se
apresenta ao uso ordinário de todos os seres. Estes mais se ocupam com as
cores em espécie, porquanto pelos seus graus de diferença, elas se tornam úteis,
inclusive na pintura.
3911y174.
178. A cor pode ser vista como um gênero, a reunir espécies de cor, por
exemplo, o vermelho, o amarelo, o azul, o verde, com diferentes comprimentos
de onda. Do mesmo modo o som, como gênero, contém sob sua denominação
várias espécies de sons, chamados tons, colocados em diferentes alturas da
escala musical.
182. O que importa fazer é determinar onde está a diferença específica que
separa as cores de outras cores. De, por exemplo, se classificar as espécies de
cor em primárias, secundárias, terciárias, quaternárias, se deve determinar onde,
além do gênero, se encontra a diferença específica.
Este assunto não é pacífico, como tem parecido. Também não é pacífico, como
determinar onde se encontram os denominadores comuns, em virtude de quais
cores especificamente distintas se reordenam em subgêneros progressivamente,
até encontrar o seu gênero supremo de cor.
A questão da especificidade de uma cor não pode ser determinada apenas pelo
comprimento de onda, ainda que o contexto possa determinar o restante da
noção. Esta definição de espécie de cor se reduz a uma definição genética, ou
operacional, porque na verdade somente menciona a espécie de onda luminosa
que vai estabelecer a reação fotoquímica no cone da visão.
A cor ainda não é nem mesmo esta reação posterior ao comprimento de onda.
A relação de comprimento de onda e a reação fotoquímica não passam de
referenciais com que se pode mencionar a espécie de cor.
Ainda que as línguas primitivas tenham poucos nomes para denominar cores, e
ainda que de ordinário o homem comum não cuide de aprender as diferencias
para denominar as muitas cores, só vagamente se apercebe que a variação
numérica das mesmas é muito grande.
Se a mistura, cada vez mais complexa, dos comprimentos de onda e das reações
fotoquímicas, gera sucessivamente tais outras cores, também estas outras cores
são subjetivas. São apenas a sensação, e não se confundem com a
complexidade progressiva de suas causas eletromagnéticas e fotoquímicas.
Apelando a uma analogia com a escala musical, que se repete sobre si mesma,
de oitava em oitava, poderiam as cores distribuir-se também em escalas
sucessivas. As escalas mais altas seriam as cores fundamentais; pela mistura
declinariam; as mais baixas seriam as cores terciárias. Haveria também escalas
nas cores não perceptivas pelo homem, isto é, no ultravioleta e no
infravermelho.
- azul,
- amarelo,
- vermelho.
Vermelho do latim vermilium, que significa vermelhão, cor postiça para o rosto.
Outros dizem que de vermiculus, vermículo. Quanto ao rubro, rojo, em
espanhol, corresponde ao latino ruber (= rubro), que finalmente faz parte da
raiz indo-européia rudh- ou reudh de onde red (= vermelho em
inglês), rot (vermelho em alemão), rubi pedra preciosa vermelha.
- verde (azul+amarelo),
- laranja (vermelho+amarelo),
- violeta (vermelho+azul).
As expressões cor gerada, cor derivada ou cor composta têm, conforme já
advertido, apenas sentido operacional, porque derivam por mistura das causas.
194. A mistura desigual de duas cores primárias, ou de uma primária com uma
secundária, resulta em cores secundárias intermédias.
As cores que resultam desta nova propagação admitem receber nomes. Valem,
pelo menos, pela aproximação, daquilo que em linguagem comum se conhece
como tal. Dali o esquema seguinte:
Turquesa (azul-verde.
Anil (azul-violeta).
Púrpura (vermelho-violeta).
Abóbora (vermelho-laranja).
Amarelo-ouro (amarelo-laranja).
195. Um relógio de 12 cores, umas femininas, outras masculinas. Combinadas
as cores primárias, secundárias e mais suas secundárias intermédias, resulta
haver doze cores bem definidas. Podemos chamá-las em conjunto de
cores femininas, porque sendo mais insistentes, são do agrado das mulheres,
mais sensíveis à cor.
O primeiro triângulo poderá ser traçado com linhas largas, o segundo com mais
finas, os restantes com tracinhos, para apontar sucessivamente para as cores
primárias, secundárias e as de meios tons.
Unem-se, com um traço, as doze pontas, de sorte a haver uma figura com doze
faces externas.
Para traçar as áreas das doze, divide-se primeiramente ao meio cada uma das
doze faces; destes pontos partem para fora, em ângulos retos, as linhas
divisórias das faixas das doze cores.
Também se pode traçar as divisas a partir das pontas, como na figura ao lado,
ficando as cores indicadas pelas faces esquerda e direita dos ângulos. Os pontos
do triângulo em linha grossa indicam as cores primárias da linha fina, as cores
secundárias, da linha picotada as cores terciárias.
As cores terciárias são obtidas pela mistura de cores binárias. Prevalece uma
cor primária, com 50%, porém amortecida pelas duas outras, cada uma com
25%.
A mistura de duas cores terciárias (que já contam com as três primárias) resulta
em uma redistribuição das porcentagens. Têm origem, agora, as
chamadas cores quaternárias. Elas são muito freqüentes na natureza. Nesta se
aproximam do verde, violeta e laranja (binários).
A cor quaternária também se obtém misturando uma primária com sua oposta,
que é sempre uma binária:
São mais raras as cores binárias (verde, violeta, laranja) e sobretudo bem raras
as cores fundamentais puras (vermelho, amarelo, azul), e que por isso
despertam a atenção quando ocorrem. Determinadas uma vez
aproximativamente, consegue-se localizar todas estas cores ao longo do
espectro, onde ocorrem sistematicamente.
Quando os nomes são obtidos por transposição semântica dos nomes de objetos
que possuem tais cores, possuem sugestões concretas relativamente seguras.
Mas, é possível não termos a oportunidade de conhecer ditos objetos. Outra vez
ocorre que tais objetos, sobretudo plantas e minerais, admitem variações
cromáticas; eis quando, apenas a convenção poderá dizer qual das variações
serve de ponto de referência.
"Os vermelhos que se distinguem por seus nomes de carmim, granza, alizarina,
carmesim, cochinilha, solferino etc., têm, em geral, a mesma base cromática,
ainda que a sua origem seja distinta.
Carmesim. Nome geral dos vermelhos que oscilam entre vermelhos azulados e
vermelho puro.
210. O azul com 50% de luminosidade, menos brilhante que o amarelo 70%,
encontra-se dificuldade para ser denominado em suas variações terciárias. Com
frequência leva os nomes das cores mais brilhantes, às quais empresta o matiz
azulado. Também os azuis são menos diferenciados entre si, de sorte que
oferecem menos atração e recebem nomes mais vagos.
"Nos azuis existe grande confusão e a definição corrente é pobre para expressar
a verdadeira cor.
Uns consideram como azuis as cores mais vizinhas ao verde e outros o violeta;
entre os primeiros se encontram os azuis de cobalto, Prússia, turquesa e cerúleo;
entre os segundos, o índigo e o ultramar.
As cores celestes, turquesa e cerúleo podem ser consideradas como azuis com
pouca saturação, ou degradados.
São também azuis o azul mineral, sálvia, esmalte, céu e cera; uns neutros e
outros degradados. O moderno azul de ftalocianina substitui o Prússia" (J.
Bamz, p. 19).
211. O azul, na natureza, se observa nas distâncias, por efeito do ar e dos
vapores de águas.
Azul de Borrel. Rico de azul. Corante do grupo das tiazinas. Obtém-se pela
ação do óxido de prata sobre o azul de metilena.
Azul celeste (referência ao céu claro). Brilhante. Dito também azul cerúleo.
Obtém-se o azul celeste com estanho de cálcio. Tinta fria.
Azul cobalto. Um azul próprio para pintar paisagens, por causa de sua
tendência ao verde. Claro. Brilhante, com 30% de luminosidade. Menos
profundo que o ultramar, este azul básico dos artistas e levemente violeta.
Azul Magdalena. Atraente e vivo. Mistura dos azuis turquesa (azul verde
intenso) e pavão.
Azul Zafiro (referência à pedra preciosa). Azul intenso, com leves matizes de
amarelo.
Ultramuz ou Tremoço (referência a uma leguminosa, das quais uma tem flor
azul). Um azul purpúreo.
Genciana (referência à flor desta família de plantas rasteiras, com belas flores,
de 400 variedades). Azul de pouco brilho e pouca saturação, levemente
avermelhado.
Gobelin (referência à família Gobeli, célebre família de tintureiros e fabricantes
de tapeçarias, de Paris). Um azul verde claro.
Íris (referência azul uma espécie de lírio, da família das iridáceas, de 200
variantes). Um azul avermelhado, pouco saturado.
A aureolina é algo mais brilhante que o cádmio claro, porém com a mesma
direção cromática.
216. A fonte mais frequente do amarelo, sobretudo para pintar paredes é o ocre
(ou ocra). Trata-se de terra argilosa, geralmente amarela, as vezes castanha ou
avermelhada.
O ocre se constitui de óxido de ferro, ora mais ora menos hidratado, óxido de
alumínio, anidrido silício (sílica) e óxido de cálcio (cal). A coloração é devida
ao óxido de ferro, as vezes aos óxidos de magnésio. O ocre, geralmente
amarelo, torna-se vermelho ao ser desidratado, queimando-o. Há, pois ocre
vermelho e amarelo.
Ocorrem ainda outras fontes minerais para a criação do amarelo. Assim, por
exemplo, o amarelo real, ou de cromo, constitui-se de cromato de chumbo;
o amarelo de Cassel, o de Turner, o de Verona, são oxicloretos de chumbo;
o amarelo de palha é sulfato básico de chumbo; o amarelo de Colônia, resulta
da mescla de sulfato e cromato de chumbo; o amarelo de Nápoles, procede do
antimoniato básico de chumbo; o amarelo de Steinbuhl se constitui de cromato
duplo de cálcio e potássio; amarelo citrino deriva do cromato básico de ferro,
por precipitação; o amarelo cobalto é um nitrato cobalto-potássio.
São de origem orgânica o amarelo indiano (jaunes indien, purrey) e Goma-
guta (da Índia). Em Bengala se obtém o amarelo indiano pela fermentação de
urina de vaca com folhas de manga.
Casca de ovo (Egg shell, referência à casca de ovo da galinha). Amarelo claro,
delicado. Ou bege claro.
Ocre (substância terrosa natural com variantes amarela, vermelha, parda). 60%
de luminosidade. Um amarelo neutro. Variantes: ocre amarelo (amarelo
apagado); ocre de ouro (amarelo mais intenso, na direção do amarelo e
cromo); ocre vermelho (matiz avermelhado, resultante da calcinação); ocre
tostado (amorenado, vermelho-ladrilho).
"O violeta, ou púrpura, é uma cor que falta no espectro e que está constituído
pela mescla de radiações vermelhas e azuis.
O rosa puro é mais bem uma gradação púrpura que de vermelho. São violetas
as cores heliótropo, lavanda, lilás, malva, pensamento, petúnia, púrpura real,
violeta mineral, etc.; violetas avermelhados, púrpura alizarina, beterraba
(remolacha), cereja, carmesim, granate, magenta, laca púrpura, framboesa, etc.,
e azulados o violeta cobalto, de Parma meia noite, violeta ultramar, etc" (J.
Bamz, Ibidem 18-19).
223. A lista das variantes de violeta não se faz sem invadir a das variantes de
vermelho (de uma parte) e a das variantes de azul (de outra parte). Uma vez
que fizemos com prioridade aquelas relações já nos antecipamos no
conhecimento de vários violetas. Vão ali os violetas, com mais algumas
variantes.
Violeta Magenta e violeta solferino. São lacas de anilina, muito belas, mas
prejudicam à pintura.
224. Outras denominações de violeta.
Beringela (referência à baga de cor escura a arroxada que tem este nome). Um
violeta escuro, intenso abundante.
Portanto, da combinação de amarelo e azul, - isto quer dizer que a mistura das
três cores fundamentais (azul, amarelo, vermelho), com predominância de azul
e amarelo, - resulta o verde quaternário.
Agrião (Berro, dos espanhóis, referência ao agrião tenro). Verde azul intenso.
Como laranjas se classificam o creme cálido, marfim antigo, caoba pardo, roble,
ocre romano, etc.
"O vermelho... equilibra-se com o verde, dando origem também ao cinza neutro.
E o branco e o preto nem necessitam de comentários. Branco, símbolo de
inocência e pureza, misturado com preto, de imediato forma o cinza. O que é
então o cinza neutro? Representa nesta série de considerações, o termo médio
entre todas as cores" (Ibidem 161-162).
Agora Bamz:
"O preto misturado com branco produz o gris neutro, salvo exceções das que já
falamos em outro lugar. Na prática não se obtém o gris neutro mesclando
quantidades iguais de branco e preto, senão aumentando a proporção deste
último. O gris de Payne é uma mescla de ocre, ultramar e preto de marfim por
preto de fumaça (negro humo se designa um negro cálido: o de marfim é algo
azulado" (Arte ciência da cor).
"Pardo. De cor entre branco e preto, quase escuro; mulato; mestiço. Gris,
cinzento-azulado; pardo; cinzento. Da cor de cinza".
É complementar de azul, isto é, sua oposta no círculo das cores, a cor laranja
(mistura das outras duas cores fundamentais, amarelo e vermelho); a fusão azul
e laranja, resulta em um pardo ou gris; esta fusão contém 50% de azul, 25% de
vermelho e 25% de amarelo.
Já se observa que o pardo, como cor, é sempre uma cor terciária. Distingue-se
das demais cores terciárias, porque o pardo mistura apenas aquelas cores que se
dispõem como complementares, de sorte a se equilibrarem.
Não fazendo contraste, harmoniza-se o pardo com todas as cores restantes. Por
isso, a natureza oferece um panorama notoriamente harmônico.
Pardo-dourado. Amarelado.
Pardo-zulu, esverdeado.
246. Define-se o branco como cor neutra, enquanto soma de todas elas. Em tais
condições se acha também o preto, ou o cinza.
Entre os neutros, distingue-se o branco como sendo o neutro mais claro. A luz
apresenta-se mais brilhante que o branco dos objetos e das tintas; neste
contraste, o branco aparenta sinais de gris. Dentre as cores, o amarelo pálido é
o que mantém maior número de afinidades com o branco; aproxima-se.
Além disto, estão próximos do branco os amarelos claros, por exemplo amarelo
creme.
248. O preto, por definição, é a ausência da luz e de cores. Resulta o preto nos
corpos pela absorção por parte de todos os raios luminosos, sem refletir
nenhum.
Misturada a tinta negra nas demais cores, tende a apagá-las. Faz perder sua
pureza e brilho.
Negro do latim niger, é o nome da raça de cor preta, e nesta condição é palavra
conotativa, inclusive quando significa cor. A negritude é provocada
pela melanina (do grego mélas = preto), substancia protetora, que a pele produz
em baixa quantidade nos indivíduos bronzeados e em grande quantidade nos
mais escuros.
Além disto, a cor é uma qualidade. Toda a qualidade tem a propriedade de ter
semelhante, o que possibilita a mimese e a expressão (vd 061). A qualidade tem
também a propriedade de ter graus. No caso da cor, estes graus se observam
em sua luminosidade e cromaticidade.
Ainda que as cores sejam mui diversas, não há cor, sem que esta propriedade, -
também mui variável, - nela ocorra. Importa, portanto, com referência às cores,
o seu colorístico de luminosidade.
Valor é o grau de luminosidade de uma cor, que pode ir desde o mais apagado e
escuro, até o mais aceso e claro.
- amarelo 70%,
- azul 50%.
- vermelho 17%,
Óxido de magnésio.....98%
Papel branco...............85%
Pérola claro.................84%
Marfim claro................84%
Folha de alumínio.......83%
Uma certa potência de luz se requer para acionar a vista. Sem atender a este
limiar, a vista não reage e fica em estado de escuridão.
§2. Intensidade cromática da cor.
3911y265.
Havendo várias cores primárias, - vermelho, amarelo, azul, - e que admitem ser
misturadas, pergunta-se pela intensidade de participação de cada uma, e que
poderá variar, desde a exclusividade de uma, até a presença igual de todas. Por
exemplo, amarelo intenso quer dizer, pois, que não há presença de outra cor
(nem azul, nem vermelho), como ainda não há presença de branco, nem de
preto.
Não ocorrendo isto, dir-se-á que ocorrem tons de tal ou tal cor, ou que a cor
é clara (presença de branco) ou que é escura (presença de preto).
A expressão vivo, como em vermelho vivo, pode ser restringida para indicar
intensidade (sem mistura de cor, nem de branco, ou preto).
Uma cor se diz saturada quando suas ondas se isolam inteiramente dos demais
comprimentos de onda. A cor brilha então, na sua inteira especificidade;
encontra-se assim na sua verdadeira intensidade.
Diz-se misturada, isto é, não saturada aquela cor que contém vários
comprimentos de onda. Se ocorre a presença de todas as ondas, a cor resultante
é a branca; se porém, ocorrer a presença de todas as ondas, mas com
predominância de uma, temos exatamente esta cor, - a predominante, - ainda
que esbranquiçada.
Tudo isto irá influir nas propriedades psicológicas, ou psicodinâmica das cores
(vd 278).
268. O valor luminoso de uma cor específica é variável, desde o seu quase
apagamento, próximo do preto, até o seu máximo de luz, próximo do branco,
mas sempre por efeito da mistura cromática.
Há os frios e os quentes da mesma cor: azul frio e azul quente vermelho frio e
vermelho quente, amarelo frio e amarelo quente.
Igual coisa poderá ocorrer com as cores compostas, que vão desde o
maximamente frio até o maximamente quente.
Na hipótese de um objeto, que não irradiasse, mas recebesse luz, o valor de sua
cor dependeria da intensidade com que refletisse: o azul, quando intensamente,
refletido, seria o azul-claro, quando fracamente, o azul-escuro; desta mesma
sorte haveria o vermelho claro e o vermelho escuro, o amarelo claro e o
amarelo escuro.
Mas não é o que acontece. O que faz o branco é a mistura de todas as ondas.
Por isso, uma cor específica clareia, quando recebe pequena mistura de todas as
ondas. Na medida que se equilibra a proporção ela clareia.
Cinza é a mistura de elementos que refletem luz e por isso são chamados
brancos, e de elementos que não refletem luz e por isso são chamados pretos.
Surge dali a aparência peculiar, que não é nem de preto e nem de branco, o que
se chama cinza.
A sombra, que seria? Há sombras que são ausência de luz. E as há que são
apenas diminuição de luz, esta seria portanto uma espécie de cinza, que não é
cor. Enfim, há a sombra que é apenas uma diminuição de luminosidade da cor,
portanto uma sombra colorida.
270. A cor na distância. É notório que a cor dos objetos não se manifesta com
igual valor a curta e longa distância. Na medida que se afastam os objetos
tendem a dissolver-se no azul. Não se trata de uma ilusão ótica, mas de
interferências do ar e elementos que nele se agitam.
271. Insistindo sobre um aspecto das tintas, advertimos de novo que tintas
misturadas resultam no enfraquecimento da luminosidade, porque os pigmentos
de cada uma absorvem alguma cor.
Em consequência, as tintas das cores primárias brilham mais que as tintas das
cores derivadas. Sobretudo brilham menos as cores de mistura de três
fundamentais, que as cores derivadas de duas fundamentais.
O branco, que pode brilhar mais de 90%, ao misturar-se com o vermelho de 17%
de brilho, para formar cor-de-rosa, resulta neste último em 60%, numa evidente
média todavia por baixo.
As misturas das três fundamentais (azul, amarelo, vermelho), dão preto, com
luminosidade mínima.
À primeira vista, as três cores nos deveriam dar o branco, porque a mistura das
ondas efetivamente fornece o branco; mas aqui o que ocorre é a mistura das
tintas e não das cores.
Dali nascem cores novas que não são novas espécies, mas variações dentro da
espécie de que o cor-de-rosa é um exemplo, a luz amarelada da lâmpada
elétrica um outro.
3911y275.
Ainda que a atração de cada cor específica seja desigual, a referida atração
sempre ocorre em algum grau. Isto resulta do fato mesmo de a cor ser o objeto
formal (isto é, específico, ou essencial) da visão; é a cor aquele objeto que dá a
forma essencial a esta espécie de conhecimento.
- como vai?
E segue a pronta resposta:
E por que usamos expressões, tais como: cores alegres? Cores vivas? Cores
quentes? Cores frias? Cores festivas? Cores de luto?
Usa cores, mas em contrastes fortes com o preto? Poderá ser do tipo dramático.
Gosta de cores frias claras, com o branco como contraste? Talvez seja um
conversador. Também poderá ser um conversador, se prefere o azul, ou mesmo
um introvertido.
Se for um homem e gosta de cores pastéis suaves, vezes usadas sozinhas, vezes
combinadas com escuras? É do tipo feminino, delicado e equilibrado, na
fronteira onde ambos os sexos se encontram e melhor se compreendem.
I - Cores quentes e frias; leves e pesadas; calmantes e excitantes.
3911y283.
284. Pelos efeitos psicológicos mais intensos, as cores provocam uma gama de
sentimentos, que podem receber a mesma classificação dos próprios
sentimentos como se processa na psicologia.
Não o são todas as compostas; sim, - quentes, - para os tons laranja (composta
de vermelho e amarelo); não para o verde (composto de amarelo e azul); não
para o violeta (composta de vermelho e azul).
286. Leves e pesadas. As cores pesadas e leves possuem disposição
ligeiramente diferente, visto que o vermelho se desloca para a região de pesado,
onde se coloca juntamente com o azul; em vez, o verde se eleva à região do
leve.
Seria a impressão térmica, no caso das cores quentes e frias apenas associativa?
Certamente há uma psicodinâmica de base. À esta se acrescenta a associativa
quando eventualmente ocorre.
Por associação inversa, o azul dos dias invernais, ou do céu fresco, produz a
sensação térmica fria. No caso acontece o contraste entre a luminosidade das
cores quentes e a pouca luminosidade dos objetos frios. Mesmo que a neve ou o
gelo brilhem, o que efetivamente produz o brilho é a luz.
Parece ainda que não é só. As cores brilhantes estão acima da capacidade
normal da vista. Por esta razão elas excitam, já antes de qualquer
associatividade.
289. A sábia escolha das cores. Frente à psicodinâmica das cores importa uma
certa sabedoria no uso das mesmas, tanto na arte, como no nosso
comportamento diário.
O mesmo ocorre nos demais sentidos; certo calor é admissível; abaixo, deseja-
se mais calor; acima, torna-se indesejável.
Ainda por causa desta situação, variam necessariamente os gostos. Aliás, não
se trata de gostos, mas de graus desejados ou indesejados de excitação.
294. Para tratar das psicologia de cada cor em espécie, a ordem adequada é
começar pelas fundamentais, denominadas primárias, seguindo depois pelas
secundárias, terciárias, quaternárias.
O amarelo simboliza o ouro, por causa de sua semelhança com este metal.
Nestas condições pode aparecer como cor nacional.
Desperta sensação térmica; por isso, o amarelo se diz cor quente. Dentre as
cores quentes, é todavia a menos quente. Poderá, entretanto, ser a mais leve.
Penetra o azul o plano sobre o qual se encontra. Por isso, alarga os ambientes.
Fogem os fundos, tal como também sucede por efeito do violeta e do verde. Os
recintos pintados de azul parecem grandes.
Apresenta contudo mais brilho o azul, que o verde e o violeta; por esta razão os
efeitos psicodinâmicos do azul são insistentes na direção das cores quentes,
mais do que os efeitos das cores frias, como o violeta e o verde.
Nas fábrica se recomenda para as paredes cores com tons azuis ou verde-claros.
Desrecomenda-se o amarelo, sobretudo em climas quentes.
301. O associativo do azul ocorre amplamente, por causa do céu azul, do mar
azul e das semelhanças psicodinâmicas entre as qualidades desta cor e várias
situações humanas.
É ainda o vermelho uma entrante (vd 172), vindo ao nosso encontro. Procede
dali sua capacidade para diminuir ambientes. O resultado final é sua alta
pomposidade.
Os frutos, na maior parte são verdes numa fase, alaranjada noutra; menos vezes
são vermelhos, como acontece contudo com o caqui e o tomate, a maçã e a
pitanga, que consequentemente passam a se destacar. Por isso, o vermelho, nas
vivências associativas, consegue feições mui bem determinadas, na natureza.
Enfim, por efeito do sangue a circular nas veia capilares da superfície do corpo,
avermelhando-o ligeiramente, este efeito cor de rosa influencia subtilmente a
psique humana. O referido fenômeno associa o vermelho com o sexo e a
expressividade geral dos corpos nus dos amantes.
O vermelho, com que se pinta o coração, se deve à cor natural do coração, mas
também a associação que o vermelho exerce com a paixão, o carinho e o amor,
mesmo do coração materno.
Pela sua intensidade e brilho, a cor laranja estimula e excita, obrigando os seus
apreciadores a maior ação. Por isso, o alaranjado é apenas utilizado como
decoração (área menor) nas superfícies de exposição permanente, a fim de não
cansar.
É cor que avança, ao mesmo tempo que brilha, de sorte a ser impositiva e
eloquente.
Por isso, a cor laranja é mais festiva, sem intenções segundas, como o vermelho.
É mais ingênuo e inocente.
310. Associatividade do laranja. As associações de imagens, além de sua
psicodinâmica, enriquecem a cor laranja.
É a mais escura das cores binárias, sendo pois vizinha do preto (ausência de cor
e de luz).
O violeta é, pois, uma cor negativa, embora ainda não como o preto. A
presença parca da cor empresta ao violeta uma significação peculiar de
moderação.
Geralmente a cor violeta é solene para as situações sérias. A solenidade lhe
advém exatamente porque apresenta alguma cor, que se oferece com
moderação de luminosidade. O preto é também frio, mas não exerce a
solenidade e as significações das cores frias.
Igualmente o azul é frio e solene; mas o violeta, mais frio, é de uma solenidade
mais profunda, que a solenidade um tanto eloquente do azul.
Agora avalie-se o uso do violeta no forro das vestimentas. Sempre será frio e
negativo, quando escuro; delicado, quando claro.
A pouca luminosidade e o pouco brilho, fazem do violeta uma cor fria e pesada,
envolvendo estas e outras conotações.
Também se associa a cor violeta com a saudade. É que algo se similar ocorre
entre o fluir do sentimento da saudade e o violeta sem ação.
O branco é também uma cor entrante (vd 172), que vem ao encontro de quem a
observa, ao contrário das cores profundas.
O branco participa desta sorte, à sua maneira, das qualidades das cores de
condições similares, portanto das qualidades do amarelo, vermelho, laranja.
Nas fábricas recomenda-se o chão claro. O teto em branco refletirá a luz com
intensidade. As paredes, embora claras deverão ser tomadas por tons azuis ou
verde-claros. Somente as máquinas terão destaque mediante cores mais vivas,
sobretudo nas partes mais perigosas.
Participa o branco na harmonia das cores; mas sobre a harmonia das cores
cuidaremos mais a frente (vd 333).
Como ausência de toda a luz, o preto não exerce, por definição, nem brilho,
nem intensidade, nem outra qualquer propriedade da luz. Em áreas menores,
em função à outras cores, o preto funciona com agrado, que diminui com o
crescimento da área.
A falta dos elementos oferecidos pela cor e pela luz, fazem do preto, por
ausência, algo negativo, opressivo, indesejável. Dali também resulta o medo, a
angústia, o pânico. As mulheres e as crianças, mais sensíveis, poderão chorar e
fugir.
A noite escura, apavora particularmente as pessoas impressionáveis e de pouca
estabilidade emocional.
Como ausência da luz o preto pode associar o vício, o pecado, o luto e a morte,
que também são ausências de algo. Por isso, nas religiões que operam com
simbolismos, o uso do preto está muito presente.
321. O cinza se coloca numa posição intermédia entre as cores É o meio termo
entre as cores complementares. Exerce uma posição intermédia particularmente
entre as qualidades do branco e do preto.
A qualidade moderadora do cinca se deve ao seu meio brilho, meio preto, meia
luz, quase meia cor.
Na mencionada condição de pouco brilho, o cinza produz a situação
psicológica da moderação, sobriedade, sossego, tranquilidade, distinção
(particularmente masculina), modéstia, humildade.
V - Cor e sexo.
3911y324.
O nu é altamente sexual, quando ele é visto apenas por ocasião do ato sexual.
Assim também as cores facilmente associadas a ele podem tornar-se muito
sexuais.
Por isso, os condicionamentos neste caso assumem mais direções, quer na visão
do nu, quer na visão das cores. Ainda que incluam a sexualidade, - pois não há
porque excluí-la, - desenvolvem um complexo de sensações psicodinâmicas
certamente mais rico.
Os artistas mais fantasiosos se imaginam que o céu dos justos e das virgens
será um festival espetacular de nudez, onde tudo será apreciado como
maravilha da criação divina, sem que ninguém perca a cabeça.
Voltando ao plano dos seres humanos, parece evidente que as mulheres tendem
notoriamente para o perfeito e o belo; aliás, o belo se define como a perfeição
em destaque. Tudo isto parece advertir que os homens mais cuidadosos de sua
aparência agradam mais às mulheres (vd 328).
Mas é preciso não exagerar. É inválida a antiga imagem dos sexos como
indivíduos simplesmente opostos, apenas complementares. Possuem ambos os
mesmos órgãos sexuais. As diferenças se dão apenas como leque que abre para
a direita ou para a esquerda, conforme as inibições e não inibições biológicas
que se deram nestes órgãos.
O homem é mais unitário; o que vale para uns poucos homens, vale geralmente
para a maioria deles. O homem é sexualmente muito ativo, raramente um
homem se faz rogado às solicitações femininas, porque praticamente todos são
igualmente muito eróticos e conquistadores.
O último terço das mulheres é de sexo frio, e acha até que a virtude está na
rejeição sexual. São as que em outros tempos enchiam os conventos, em vez de
se auto-estimularem na virtude própria da condição feminina.
O belo é o preferido, afirma Aristóteles. As cores são belas e podem atrair aos
homens. Sempre que a mulher procura atrair aos homens, o que mais a
preocupa é a cor, porque esta a identifica. Trata da cor dos cabelos, das faces,
dos lábios, das unhas, das vestes, dos sapatos. Sobretudo apela às cores cuja
psicodinâmica mais desperta a eroticidade, com o vermelho e o cor-de-rosa,
além de estar atenta às cores luminosas, quentes, excitantes.
Mas, aquele terço de mulheres, sexualmente frias, não deixa de ser sensível à
esteticidade geral das cores.
É necessário um motivo ideológico muito grande para que uma mulher rejeite
as cores em troca do preto. Isto pode explicar em parte o fenômeno da mulher
vestida inteiramente de preto. É este o caso da monja, que se considera morrida
para este mundo. Ou da mulher casada, morrida para os demais homens.
Há, pois, exibições femininas apenas estéticas, ao lado de outras que são a um
tempo estéticas e eróticas.
Os homens cuidem, - no seu relacionamento com as mulheres, - para, em cada
caso, identificar o que está acontecendo.
332. Conclui-se sobre a psicodinâmica das cores, que elas agem de maneira
expressiva e mui variada sobre a pique humana. Dado este variado potencial
das cores, - tudo isto deve ser considerado na arte da pintura.
As cores, tanto podem agradar esteticamente, como criar repulsa, ainda que
cada cor individualmente apresenta alguma beleza.
3911y333.
334. As cores também interagem, gerando harmonias, ora mais felizes, ora
menos, como ainda se movendo substituindo-se, criando então ritmos variados.
Dois são por conseguinte os temas que agora se apresentam, e que são dos mais
significativos para a estética das cores:
Num todo, cada cor, além de sua ação psicológica individual provoca atitudes
diferenciadas conforme a combinação criada.
As relações entre as cores se podem dar entre cores simultâneas, como tratamos
aqui, sob o título de harmonia das cores, e entre cores sucessivas no tempo, isto
é, em movimento, como logo a seguir (vd 354).
337. Tônicas e acordes. Tal como nos sons, também nas cores há uma escala,
com tônicas e acordes.
Na composição dos sons em uma escala, um dos sons se exerce como tônica,
em função ao qual se dispõem os demais.
É possível que a maneira de relacionar entre si as cores não seja igual, mas
apenas análoga a dos sons na escala. Parece que sons próximos desagradam, ao
passo que cores próximas apenas não se revelam insistentemente na
diferenciação; a pouca diferenciação as empobrece todavia.
Num "acorde" de cores as tônicas poderão ser determinadas pela cor que possui,
ou mais brilho; ou pela cor que possui mais área; ou por ambas as
peculiaridades ao mesmo tempo.
338. Quanto ao realce das cores, pela combinação de umas com outras, é
natural que o contraste reforça as especificidades de cada uma. Pela inversa,
cores semelhantes não realçam umas às outras; atrás de um sofá de tonalidade
verde, uma parede de cor aparentada como que se funde no mesmo todo. Se o
objetivo é destacar, as cores hão de divergir notoriamente; se for o de integrar,
hão de ser, pelo contrário do mesmo matiz.
Em uma sala verde, molduras com um tom verde se fundem com a parede. A
representação de uma tela, para não se opor violentamente, terá que assumir
como cores dominantes as complementares, em que se admitem também as
cores neutras. Quem, entretanto, procura outro efeito, por exemplo de violenta
ação, escolherá logo um quadro de predominância vermelha, contra uma parede
em cor suave.
b). Também deve haver uma tônica nas variantes internas do brilho (valor).
c). Deve haver uma tônica nas relações entre cores acromática, da cor com o
branco, cinza e preto .
A segunda cor, por sua vez, poderá ser dominante sobre a terceira.
Numa sala a harmonia tripla poderá fazer-se, aplicando-se ao recinto uma cor.
342. A harmonia tripla é a mais pictórica e impositiva. Ela manipula com todas
cores fundamentais, ou com todas as derivadas, de sorte a constituir uma
composição rica e cativante.
Funciona a harmonia tripla com três acordes; maior, médio, menor.
343. Os acordes em tripla podem também ser criados por cores compostas,
desde que fiquem à igual distância do disco das cores (vd 196).
Diz-se ainda harmonia oposta, porque no disco das cores o eixo das oposições
se colocam em oposição exata.
347. Comparada a harmonia dupla com a harmonia tripla (vd 340) , esta outra
brilha mais pelo efeito colorístico, porquanto manipula com todas as cores.
Mas, poderá a harmonia dupla (mesmo quando uma das duplas se subdivide)
ser mais aceitável, por ajustar-se melhor ao ritmo de apreensão por parte da
vista.
Nesta hipótese, cada uma das cores tem um dos seus brilhos dominado por seu
respectivo outro.
Mas, esta posição poderá ser alterada pela aumento de área da sua oponente. O
vermelho frio, em vasta área, domina ao cor-de-rosa (mais brilhante) em área
menor.
353. Preto, branco e cinza (cores neutras) não conflitam com qualquer cor.
Fazem harmonias com todas elas.
Ocorrendo neste quadro ainda uma cor, cabe à esta a posição de tônica.
Preferimos ver cor antes de tudo; por isso, a cor é sempre tônica, com
referência ao preto, branco, cinza.
Uma cor, à medida que se torna brilhante, é mais efetiva, quando oposta à luz
que se esfria em cinza, até o preto.
355. A cor não é apenas um fenômeno estático, mas também dinâmico, cujo
movimento e ritmo importa considerar. Neste sentido se oferecem dois itens:
Alguns movimentos soam mais ou menos espontâneos, como os dos sons que
se fazem suceder com notória facilidade. Outros movimentos, como das formas
plásticas variam muito. Movem-se a seu modo a máquina, os líquidos, a pessoa
que anda.
Mover imagens coloridas é algo difícil, certamente mais difícil que gerar sons
sucessivos. Em princípio, porém, a mobilidade da cor é a maior, porque
depende diretamente da luz. Nada mais veloz conhecemos que a luz, a qual
percorre 300 mil quilômetros por segundo.
Com a descoberta do raio lazer dominou até a fonte irradiação, cujos raios,
normalmente difusos em todas as direções, passam a manter uma direção única.
Esta sucessão saltitante, de cor para outras cores ao lado, difere da sucessão
objetiva de cores, quando estas são simplesmente substituídas pelo
desaparecimento das anteriores que dão lugar às novas, como no cinema e na
televisão.
O ritmo psicológico é aquele que se dá pelo redirecionamento constante do
eixo da vista para novos pontos, para os quais se desloca. Ela supõe várias
cores simultâneas, mas atingidas sucessivamente, e assim criando um
movimento psicológico.
Poderá ocorrer passando de uma espécie de cor para outra. E assim também de
uma intensidade de cor para o de outra, ou ainda variando pelos graus mais
frios ou mais quentes da cor.
Este ritmo enérgico acontece, por exemplo, quando o azul é substituído pelo
vermelho, depois o vermelho pelo amarelo, e assim por diante.
360. As fontes da variação do ritmo das cores são várias, ora variando as
espécies cromáticas, ora o valor do brilho, ora a intensidade cromática, ora o
espaço e a forma.
O ritmo das espécies cromáticas (ritmo cromático) faz suceder cores cada vez
especificamente distintas, ou só primárias, ou só secundárias ou só terciárias
(isto é, de tons); ou primária, seguida de secundária, terciária; ou de primária
seguida de terciária, e assim por diante, ora com espécies mais diferenciadas,
ora menos.
Mas o ritmo pode dar-se com variações de brilho. Então podem suceder-se
cores quentes e cores frias; ou espécies quentes com espécies frias (por
exemplo, vermelho quente, com amarelo frio).
Uma tabela sistemática bastante longa é o elenco total dos ritmos colorísticos
possíveis. Esta tabela impossível de ser mentalizada, é contudo computorizável,
com vistas a um desempenho maior do uso das cores.
Na mudança contínua das modas, há uma tônica nas cores preferidas pela
mulheres mais brilhantes, outra pelos homens (mais frios).
II - Ritmo da mensagem.
3911y361.
Entretanto, não é este tumulto de temas que o pintor procura, e nem é isto que
efetivamente suporta a vista, sem se cansar.
Outro, método para garantir a sequência situa a figura principal como termo de
um movimento. Uma flecha dinamiza o olhar do apreciador, colocando-o em
marcha, ainda que para um plano longínquo. O traçado de um caminho, ou
vereda, alcança efeito similar. Qualquer linha, aliás, obriga ao movimento
organizado.
É claro que, se as figuras revelam atender numa certa direção, que o apreciador
tenderá a concentrar tudo naquele núcleo. Também se compreende porque
o sfumato realça e unifica em torno da área brilhante e nítida.
Enfim, o tema, ao se impor pelo interesse, mais uma vez unifica a composição.
366. Há diferentes espécies de unidade, de acordo com o ponto de vista que a
comanda.
Objetos, que enchem áreas vazias, apenas com o intuito de ornamentar, não
devem contudo situar-se fora da unidade plástica; entretanto é o que facilmente
poderá ocorrer, sendo preferível então eliminar dito enfeite tumultuante.
367. Artistas há que foram de uma notória unidade moral dos elementos da
composição.
369.. Conclui-se que, - uma vez que as cores interagem, gerando harmonias,
ora mais felizes, ora menos, - convém estarmos sabiamente atentos, para tê-las
sempre que possível, na melhor combinação, quer no contexto do nosso dia a
dia, quer no da expressão em pintura.
Haja pois harmonias, ora a tripla, ora dupla, ou ainda a harmonia de valores de
intensidade, - tudo coordenado finalmente com tônicas variadamente escolhidas,
formando acordes colorísticos.
3911y370.
Ainda que mais distantes entre si, é também possível aproximar cor, som e
palavra.
384. Não há como isolar a cor e o espaço que ela ocupa. Ou seja, não há como
separar fisicamente cor e forma.
A expressão arte visual é mais ampla que arte da pintura, porque a visão atinge
a ambos os campos, ao da cor, como sensível próprio, e ao da forma, como
sensível comum. Ainda que diferenciadamente, - advertimos com insistência, -
a vista atinge à cor, como sensível próprio, e à forma como sensível comum.
É muito difícil discutir as relações entre espaço (ao qual pertence a forma) e cor,
porque, no caso do espaço o sensível é comum (isto é, alcançado por vários
sentidos). No caso da cor o sensível é próprio (isto é, específico) da vista. O
comum a todos os sentidos e o específico de um determinado sentido, ocorrem
ambos ao mesmo tempo.
Como é que a forma exprime ao objeto? Já se percebe, que o expressa imitando
a disposição de suas partes no espaço, todavia sem ao mesmo tempo deixar de
percebê-lo através da luz (branca, ou colorida).
388. Em três níveis a cor acompanha a forma no espaço: linha colorida, área
colorida, volume colorido.
Mas a maquilagem dos artistas, que hão de representar outras pessoas, por
exemplo no palco, no cinema, na televisão, já se encontra dentro da
especificidade da expressão. Em virtude do desenvolvimento destas artes
mistas, a maquilagem dos artistas, em que um dos recursos é a cor, mereceu
atenção dos que operam no desenvolvimento destes recursos de expressão.
389. Por onde começar o exercício da pintura; ou pela cor, ou pelo desenho das
formas plásticas? Certamente o objetivo principal do pintor desde o primeiro
instante é a cor. Mas a insistência inicial tem de estar no desenho.
Não obstante exigirem as cores acurada observação por parte do artista, muito
mais requer o desenho; além disto, as falhas do desenho repercutem mais sobre
o colorido, do que as falhas do colorido sobre o desenho.
390. Cópia e modelo ao vivo. A dificuldade do desenho faz com que alguns
tenham preferido começar pela cópia de outros desenhos. Nestes desenhos
prontos e colocados para a cópia já se encontram resolvidos os problemas de
perspectiva. A facilidade é tal que até se pode reproduzi-los com papel cópia.
Novo passo se consegue pela cópia livre sobre tela ao lado.
Para seu exercício entretanto, importa desde logo conhecer as práticas de fixar
a perspectiva. É preciso aprender a ver as diferenças e medi-las
imaginativamente, ou mesmo com auxílio de um lápis adequadamente
estendido à sua frente.
Neste ver também distinguir-se-á entre áreas mais iluminadas e outra menos.
Distinguir-se-á a sombra de que é produzida sobre o corpo, e da que é
produzida pelo corpo sobre outro espaço. Observar-se-á a partir de que lado o
objeto está sendo iluminado. Distinguir-se-á também entre sombra e reflexo.
391. Importa exercitar o desenho a partir dos modelos ao vivo mais fáceis. Há
modelos ao vivo de objeto inanimados e modelos ao vivo de objetos
efetivamente vivos.
Os modelos mais fáceis são o objeto inanimado e não o objeto vivo (ou modelo
vivo). Esta sequência se deve sempre à dificuldade do desenho. O modelo
inanimado, também chamado de natureza morta, é posto sobre a mesa, se se
trata de sala de aula, e ali permanece estático.
Pode também ser tomado diretamente na paisagem exterior, como uma casa,
portão, árvore, montanha, paisagem. Importa inicialmente que se possa
desenhar o modelo com relativa facilidade, a fim de exercitar os movimentos
fundamentais do desenho.
O som não está contido na cor e nem na forma, porém na vibração que pode
acompanhar as formas. E assim continuam bastante distintas, mas operando ao
mesmo tempo. Tal se processa na televisão, cinema, teatro, onde o pictóricos
não se funde com o som e a linguagem.
Verdadeiramente compulsória é a aliança que une a cor a um desenho. O
mesmo não acontece com a música e a linguagem, quando apensas se lhe
justapõem.
Uma parte, a aliança por justaposição fica longe de ser necessária. De outra
parte, porém, ela representa um notável expediente de reforço na arte, porque
soma recursos bastante distintos, cada qual aduzindo importantes conteúdos.
398. Conclusão sobre a a aliança das artes, ficou claro que a pintura
primeiramente produz seu rendimento específico, mas imediatamente faz
crescer este resultado com o reforço da arte das formas. A propósito deste
incontestável reforço já dissera Aristóteles:
"Se o artista espalhasse as cores, por mais sedutoras que fossem, como ao acaso,
não causaria prazer tão intenso como se apresentasse uma imagem de contornos
bem definidos" (Poética, c. 6, 20).
CAP. 3
403. As redivisões indicadas são evidentemente abstratas, ainda que com base
na realidade concreta. Muitas vezes não é possível tratar de um tema sem
invadir os demais.
Por motivo de facilidade didática, em estética das cores nos referimos mais à
arte da pintura, que às outras artes em cor; implicitamente, porém, estas outras
ficam inseridas, e são elas as artes em cor no teatro, cinema, televisão. A
aliança de muitas artes na mesma obra cria uma complexidade didática tal, que
nos obriga a uma cautela constante ao nos referirmos a elas.
3911y406.
3911y409.
410. Prosa é a expressão direta como primeira intenção. Ainda que possam
ocorrer imagens associadas (ou evocativas), elas não dizem a expressão, ainda
que a possam eventualmente reforçar.
Exemplifiquemos com a pintura de uma flor. Como prosa, ela representa a flor
apenas logicamente, sem outras intenções. Assim a observa um botânico,
quando ocupado ela em si mesma, isto é, como um fenômeno colorido da
natureza, constituída de pétalas, androceu, gineceu. Também o produtor de
flores, costuma assim apreciar os desenhos das mesmas, quando adquire as
respectivas sementes.
Dada sua maneira de ser criada, a pintura ultrapassa com mais frequência o
instante prosaico, rumo à poesia. É inegável a ocorrência deste fato. Por sobre
os rostos diretamente indicados, o pintor costuma fazer saltitar, em um segundo
tempo, as evocações, que falam de alegria, bondade, ternura, sentimentos os
mais diversos.
Ainda que os olhos vejam o panorama da campina tão só pelas suas cores
efetivas, na imaginação logo surgem, por associatividade poética, zumbidos de
insetos e perfumes das flores. O pintor sabe disto e compõe sua telas não só
com enunciados em prosa; quer também despertar, à partir das cores, o
zumbido deste insetos e o perfume destas flores.
Assim como o épico está nos Lusíadas de Camões, também estará nos pintores
épicos dos episódios do mesmo Lusíadas.
413. Sobre a definição essencial de prosa, falta destacar que esta forma do
expressar artístico fundamental se faz por mimese, não se confundindo com as
complementações aduzidas pela associatividade.
3911y415.
416. Liberdade, logicidade, exatidão. A prosa se carateriza, pela
sua liberdade desenvolta de caminhar em frente, de onde ainda
sua logicidade e exatidão.
417. A prosa é livre pelo fato mesmo de ser uma expressão direta. Não se
prende a outros expedientes, como por exemplo acontece à poesia, a qual
ocorre através de novos expedientes, e que têm a missão de gerar a evocação.
Na poesia literária a evocação se condiciona ordinariamente ao verso, de que a
prosa está livre.
Todavia, quando a pintura quer ser poética, expressando por meio de evocações,
ela fica presa a certas modalidades, através dos quais somente consegue
despertar as imagens evocadas. Acontece, então, como na poesia literária presa
ao verso para mediante este criar efeitos associativos. A pintura sem evocações
é livre, e neste sentido é uma prosa, isto é, um procedimento que segue em
frente no seu processo de imitação.
418. A prosa é lógica porque a relação entre o semelhante e o assemelhado é o
objetivo, admitindo senão uma estrita interpretação, sem depender de vivências
e quaisquer outras conotações exercidas pelo subconsciente ou memória. O
desenho imitando rigorosamente os contornos de um objeto o significa
prontamente tal qual é. E assim também a cor da arte pictórica à imitar a cor do
objeto expresso, o significa logicamente.
419. A prosa é gnosiologicamente exata. Isto que dizer que ela, na mesma
medida que imita o objeto, informa sobre ele realmente.
Tudo começa pela evidência. Deve a expressão ser evidente sem o que não se
torna reconhecível. É pois a evidência o critério da verdade e certeza. A
perfeita evidência é clara e distinta; pela clareza o objeto se mostra claramente
em si mesmo (não é obscuro); pela distinção o objeto se mostra separado dos
outros (não é confuso).
3911y422.
O que a mente pensa, conceitua, julga, raciocina, a arte de certo modo também
exprime.
Por sua vez o que a arte da pintura exprime, de certo modo a linguagem
também exprime e a música de algum modo também expressa.
426. Por lhe faltar conhecimento prévio adequado, um animal não se dispõe a
criar uma obra de arte; mesmo que por acaso a crie, não tem condições
posteriores de a entender.
Ora, ali está toda a arte, - a expressão objetiva de objetos, realizada pelo poder
da mimese. Mas tudo teria acontecido sem a capacidade de intenção artística do
jumento, e sem capacidade dele mesmo de interpretar as expressões objetivas
que criou.
É que faltam duas funções, para que o mesmo ;jumento tenha tido o exercício
da arte, como os indivíduos menos jumentescos a exercem. O ser inteligente
conhece ao objeto efetivo e sabe ainda quando este objeto efetivo está expresso
na obra que o representa.
Vemos a cor e entendemos a cor. Vemos um homem e o entendemos como
homem. Depois, num quadro de pintura, apresentamos a este mesmo homem.
Os objetos nos são apresentados dentro de certas condições, tanto aos sentidos,
como à inteligência.
Dali vem o aspecto operacional de toda a expressão, em que ora o objeto surge
como no conceito, ora como no juízo, ora como no raciocínio.
Sempre se trata de uma expressão direta do objeto, mas de um objeto que se fez
conhecer primeiramente através da expressão mental.
Por sua vez o portador da expressão artística varia de arte para arte. Algumas
artes expressam através da semelhança natural: a música pelo som, a escultura
pela forma espacial, a pintura pela cor.
Não importa que, por causa de sua maneira de ser criada, costume a pintura
ultrapassar com frequência o seu instante prosaico, rumo à poesia. Este
segundo tempo evocativo, embora a complemente, não tiram à prosa o seu
primado em pintura.
O pintor deve saber disto e compor sua tela, atento ao recurso específico da
prosa, qual seja a sua expressão através da imitação, ou mimese.
3911y432.
433. A prosa primeiramente atende ao objeto como é visto pela operação mais
simples da mente, que o apresenta como imagem, quer sensível, quer
conceptual.
3911y435.
436. As qualidades de que serve a arte para criar a expressão conseguem imitar
aos objetos até certo ponto. Neste plano mimético puro, as artes expressam
com propriedade aos seus objetos.
A cor, por exemplo, expressa alguns objetos com propriedade, e a outros com
impropriedade.
Na linguagem este fato permite a criação fácil das palavras, dividindo o corpo
morfológico delas em semantema (ou raiz) e morfema (ou terminação, sufixo,
prefixo).
A mimese natural das demais artes, - umas operando com as cores, outras com
as formas, outras ainda com sons musicas, - obedece a uma sistemática, em
também ocorre a morfologia em semantemas e morfemas.
438. Dada a íntima convivência das cores com o espaço, também atende o
artista da cor aos expedientes com que se exerce o desenho, onde igualmente
deverá haver semantemas e morfemas. São constitutivos do espaço a linha, a
área, o volume, em que ele se divide. São portanto, morfemas da arte da forma
a linha, a área, o volume.
O mais são variações que comparecem como morfemas, que o artista controla
para estabelecer a exata mimese dos objetos a serem expressos. A conquista do
espaço na pintura foi uma das grandes realizações dos pintores da Renascença.
Mas, de outra parte, a pintura moderna, como a cubista (vd 980), reagiu contra
este virtuosismo concentrado na mimese que expressava e organizava o espaço
real, com tanta segurança.
O espaço real também constitui um objeto a não ser esquecido. Mas terá de ser
esquecido, quando o objetivo é o objeto abstrato. Terá de ser esquecido o
espaço concreto e outra qualquer forma abstrata, quando o que haverá de ser
destacado é a cor.
Se, por exemplo, pinta a figura de um homem, esta figura única envolve os
objetos de conceitos, juízos e raciocínios. Na linguagem, - como se disse, - o
desdobramento se faz por vocábulos, frases, discursos, o que permite uma
diferenciação maior dos conteúdos expressos. Mas não acontece a mesma
facilidade na pintura.
Depois:
Entretanto, não pode haver juízo sem os prévios conceitos, que conceituam os
termos unidos à maneira de sujeito e predicado.
As cores expressam operando por meio de mimese, que permite significar por
assemelhamentos de espécie, de valor, de intensidade, de movimento.
3911y450.
I - Definição de contexto.
3911y452.
Portanto, o contexto está mais além dos semantemas e morfemas. Quando estes
já não dispõem de capacidade de maior fogo de expressão, apela-se ao contexto.
Então, o que diretamente não está expresso na obra de arte, assoma na mente. A
pintura, por exemplo, poderá colocar sobre a tela uma fortaleza, e a mente
prossegue, inferindo o mais a partir do conceito de fortaleza.
454. Com referência à poesia, que opera com a associação de imagens, é uma
procedimento distinto daquele do contexto, mas contém aproximações.
3911y455.
- o jogo do ultra-cotidiano,
No contexto o que importa é distinguir um objeto de outro, sempre que isto for
conveniente. Mas, sempre que possível, a diferenciação passa a um grau maio.
A arte que se expressa em cores está atenta a tudo isto quando tem de apelar ao
contexto, quer para identificar os objetos expressos, quer para dar mais vigor
contextual à expressão.
Os objetos pintados por Van Gogh assumem esta súbita realidade, que os faz se
revelarem na realidade maior que eles são como seres maiores do que o
cotidiano. Advertiu-o Heidegger muito bem ao comentar o quadro dos sapatos
da camponesa.
De outra parte, porém, não se pode definir a arte como sendo só isto. O ultra-
cotidiano é o triunfo da arte, que por seu através atinge o seu ápice, mas não é
só do ápice que consiste a montanha.
Por vezes a aliança com outra arte resolve o problema, ou ao menos cria o
contexto.
Há cores para o sol, para a luz, para a atmosfera, para os planos longínquos e
próximos, para as estações (inverno, verão, outono, primavera), para as árvores,
ramagens e frutos, campos e estradas, edifícios e rochas, pisos e chão de barro,
rios, lagos e oceanos, navios e barcos, pessoas e animais, natureza morta e em
decomposição.
3911y460.
461. O contexto na pintura figurativa, isto é, de temas concretos, atende à
regras. Podemos encontrá -las com frequência nas instruções dos mestres.
Eis alguns exemplos, em que estes são de tinta a óleo e de como devem
combinar-se.
2) Crepúsculos:
Céu:
Sobre a composição das tintas, no caso do céu em pleno meio dia mais ou
menos límpido, a observação cabível é a seguinte:
"O cobalto se pode substituir pelo ultramar; com o primeiro, sem dúvida, se
obtém tintas mais cheias de luz e de ambiente.
Por branco se entende sempre o branco de prata, a não ser que se o queira
substituir pelo de zinco.
"Estas tintas são próprias para as partes superiores do céu; para outras,
geralmente mais claras, que se encontram em proximidade do horizonte, podem
servir outras... " (J. Ronchetti, Ib., 43).
O sol tem muita influência sobre o tom das nuvens; de bordos das que se
encontram sob seus raios tomarão o tom da cor predominante; porém, neste
caso, há que aplicar as tintas e as meias tintas com suma cautela, porque o valor
deste tom depende da conformação e densidade das nuvens; algumas
aparecerão completamente iluminadas; outras devem oferecer meias tintas mais
ou menos diferentes; as muito densas, entretanto, nas partes escuras,
apresentarão uma sombra completa com reflexos vivos ou apagados, segundo
sua proximidade do sol.
As nuvens não devem nunca figurar como sobrepostas em uma superfície plana
continuada; devem fazer o efeito de outras tantas porções de camadas fugazes,
umas mais afastadas que outras; ademais, especificarão com claridade, não só
sua forma, senão o grau de vaporosidade, de densidade e sua altura,
caracterizando a espécie.
As nuvens como formadas por uma acumulação de vapores, cambiam até o
infinito de forma, devido tanto à sua posição respeito à altura, quanto à força e
influência do vento. Por causa da elevação, algumas apresentarão a aparência
de um véu delicado privado de sombra; outras mais baixas, semelharão imensas
massas sólidas, de formas sumamente variadas e iluminadas debilmente; outras,
enfim, serão tão ligeiras, tão vaporosas, que suas partes de sombra parecerão
confundir-se com o ar. Estas últimas se vêem mui a miúdo nos dias quentes de
verão; denominam-se geralmente nuvens de bom tempo.
3911y466.
Não obstante, mesmo a arte abstrata se exterioriza como qualquer outro objeto
concreto, e portanto com todas as perspectivas que o ser concreto contém.
Mesmo que a arte abstrata deseje eliminá-las, elas continuam ali.
Resta senão o recurso do contexto, por meio do qual a inteligência do
apreciador fica advertida, que deverá atender às perspectivas intencionadas pela
expressão, esquecidas as demais. A advertência consiste em não trabalhar as
perspectivas a serem esquecidas, enquanto que as de interesse o são.
A grande tela de Picasso Guernica, ainda que em preto e branco (isto é, sem
cores) é um quadro de luz e sombras, em que a própria ausência de cor
específica, dá ao todo um contexto. E assim também o jogo de luz do preto e
branco cria uma atmosfera, a qual direciona a interpretação geral em vista.
Embora a cena se refira a um bombardeio concreto sobre a cidade espanhola
eleita por Franco para ser bombardeada pela aviação de Hitler, seu aliado
nacionalista e anticomunista, a composição gera uma sequência de
considerações que vai além do fato singular.
- acepção imprópria.
Acepção própria
Na ordem objetiva, as acepções possíveis são várias, pois em cada grau desliza
a semelhança; se o artista não aponta o exato contexto, oscila a atenção do
apreciador para interpretações várias possíveis. O defeito poderá também
ocorrer por parte do contemplador, despreparado para perceber o contexto.
Nisto ainda com os recursos peculiares ao contexto, quando a razão opera com
a lógica interna dos objetos.
Conforme já foi advertido, muito do que se diz do conceito, poderá ser dito
também do juízo e do raciocínio, para onde devemos seguir agora, examinando
também ali a influência das operações mentais na formação da pintura em
prosa.
3911y479.
480. O tema central na prosa pictórica está em como operar um juízo mediante
cores. Neste sentido se consideram dois itens:
3911y482.
483. A frase pictórica é uma afirmação que é realizada por meio de cores.
Na arte da linguagem, o juízo, quando transformado em vocábulos, leva o
nome de frase. Por transposição, na pintura pode-se dizer "frase pictórica"; na
música, "frase musical"; na escultura, "frase escultórica".
A expressão pictórica não exterioriza este verbo ser, como o faz a linguagem. O
verbo ser exprime a união de predicado e sujeito por intermédio do contexto.
486. Distinga-se entre a expressão elementar da frase e aquela que põe a frase e
logo outra e outra, num desenvolvimento concatenado de muitas frases.
Fundamentalmente as novas frases não passam de repetição da estrutura da
primeira. Todavia elas deverão ordenar-se, de tal maneira, que a expressão
mesma diga ocorrer dita ordenação de uma para a outra. O contexto poderá
fazer isto. Na linguagem existe ainda o expediente das partículas denominadas
conjunções, das quais umas são simplesmente coordenativas, outras ainda
subordinativas. Como é que se dá isto tudo na ordenação das frase pictóricas?
Sempre, pois, que o intérprete encontra unidade em uma obra de arte, surge
nele o juízo; as artes são interpretadas como integrando-se umas nas outras;
nasce dali, portanto, o juízo.
3911y488.
Dos gêneros artísticos trataremos oportunamente (vd 520), mas aqui já devemos
nos referir à frase pictórica, que os referidos gêneros utilizam.
494. Fases narrativas. Num enredo narrativo, vai para a tela, ou a fase inicial
da ação, ou a fase em desenvolvimento, ou a fase final concluída.
Eleita uma das fases e posta na tela por indicação direta, eis o instante da prosa;
as restantes fases ficam por conta da evocação.
498. Concluindo sobre a prosa pictórica, o que nela mais importa, - como já se;
advertiu, - é a frase pictórica, através da qual as cores não se limitam à
apresentar a apenas a imagem frontal do objeto expresso, mas ainda o
acompanhando com uma afirmação.
Este passo importante da prosa pictórica é possível. A seu respeito não deve
haver não somente a capacidade técnica de o fazer, mas ainda a consciência de
que ela é um elemento importante de toda a pintura. Não pode a arte das cores
ficar reduzida ao estaticismo fotográfico; importa-lhe ainda ser uma afirmação.
3911y500.
501. Expressaria a prosa pictórica não somente objetos dos conceitos e juízos
mas também dos raciocínios?
Neste sentido se consideram dois itens:
3911y503.
A partir dos dados ou das premissas se vai saber, que lá adiante está ele, - o
objeto, - embora oculto à nossa apreensão intuitiva imediata.
O princípio é este, - dois termos iguais a um terceiro são iguais entre si; se
desiguais a um terceiro, são desiguais entre si.
Ainda que o raciocínio pictórico não alcance aqueles detalhes que somente a
expressão literária é capaz, por meio de preposições e conjunções, e consegue
todavia mais ênfase intuitiva na apresentação substantiva do conteúdo das
premissas, sobretudo quando se trata de coisas concretas.
Alguns raciocínios estão mais próximos da realidade concreta e por isso mais
acessíveis ao artista da cor. Este é o raciocínio que se compõe de uma premissa
particular; esta, como fato concreto poderá ser enfaticamente apresentada pela
composição pictórica. A outra premissa deverá ser sugerida, de tal sorte que a
mente a possa interpretar na apresentação do fato particular.
Pandora (c. 1548) de Poussin, como causa dos males que fluíram para a terra,
pousa a primeira mão no vaso que retinha os flagelos e a segunda no outro lado
sobre uma caveira; assim a sensação de causa e efeito flui pelos braços e
através dos corpo da formosa primeira mulher (do mito grego) até o mundo
vítima.
511. Num contexto mais amplo, o raciocínio busca provar um todo doutrinário,
ou ideológico. Neste caso, a conclusão, a que pretende chegar a arte
argumentativa, se denomina "tese". Para a mesma confluem as partes, não só
conceitos, mas também juízos, descritivos e narrativos.
3911y513.
Por isso é que ocorrem subtilidades semânticas que distinguem entre arte
doutrinário, ideológica, engajada, social, etc.
515. A arte doutrinária, na sua acepção mais geral, é a que está a serviço do
esforço de qualquer ciência ou filosofia.
Também são artes doutrinárias as que se diferenciam por setores, como arte
social, arte religiosa, arte nacionalista, arte ecológica.
CAP. 4
521. Universalidade dos gêneros artísticos. Uma vez que o gênero se define a
partir do objeto expresso, todas as artes têm os mesmos gêneros, e podem usar
as mesmas denominações.
Dali resulta uma ordem didática de temas, que orientou o estudo da prosa
pictórica em função às três operações mentais, e que mais uma vez orientará a
presente abordagem sobre os gêneros de prosa pictórica:
Na arte em aliança com outra arte, a execução do gênero pode ocorrer em uma
só das matérias portadoras de significado e não na outra. Por exemplo, embora
o essencial na pintura seja expressar em cor, o figurativo poderá ser exercido
principalmente pela forma plástica do desenho, e não pela cor. Não obstante, a
cor é o instrumento essencial da pintura; a forma não passa de um elemento
expressional que se aliou à pintura, sem dela fazer parte constitutiva.
ART. 1o. GÊNEROS CONCEITUAIS DE PINTURA.
3911y525.
3911y528.
529. Definido preliminarmente o gênero artístico pelo objeto que ele exprime
(vd 520), e considerado que as operações mentais caracterizam três grandes
gêneros artísticos, passamos a caracterizar o primeiro deles, - o
gênero conceitual, - e este no plano da pintura em prosa.
Por exemplo o gênero ficção pressupõe a arte de objeto real, que não se usa
assim denominar, embora exista e seja a maior parte da da pintura. Assim
também o gênero pintura axiológica (religiosa, moral, ideológica, política,
social, engajada, com prometida) supõe o gênero correspondente não
denominado; esta seria a pintura não axiológica (não religiosa, amoral, não
ideológica, apolítica, não social, não engajada, não comprometida).
O que no uso ordinário não se usa denominar por binômios tão opostos, a
teorização todavia não pode esquecer e nem deixará de examinar de algum
modo.
3911y534.
535. Uma pintura figurativa apresenta aos objetos naturalisticamente, - como a
representação de uma flor, de um animal, de uma pessoa humana.
I - Pintura figurativa.
3911y537.
Poder-se-ia dizer também pintura concreta, ainda que não esteja em uso esta
denominação.
Entende-se, pois, por pintura figurativa aquela que representa o objeto como
um todo concreto, e que portanto traz uma figura, que se transfere para a
expressão.
Certas formas eventuais têm contudo alguma estabilidade, e por isso também se
usam denominar figura. Em tal condição se diz a figura de uma casa. Todavia
restam elementos numa casa que são muito variáveis, e que por isso continuam
a denominar-se forma.
Num primeiro, que é seu sentido estrito, forma significa a maneira como as
partes de um corpo se distribuem no espaço. Neste sentido estrito se usa a
palavra, quando se define a escultura como arte da forma, distinta da pintura
como arte da cor.
Quando se diz pintura figurativa, não somente se faz referência a objetos com
figura natural e objetos com forma relativamente estável. Pintura figurativa se
refere a todo e qualquer objeto concreto, inclusive aos de forma eventual.
Todavia, a forma eventual fica entendida apenas na acepção de forma no
primeiro nível de acepção, qual seja o de distribuição material das partes no
espaço. Portanto, a representação de um monte de areia, qualquer seja a forma
que se lhe dê, é uma obra classificada como gênero figurativo. Eis-nos diante
de mais uma complicação semântica.
As expressões naturalismo artístico e arte naturalista são equivalentes de arte
figurativa. Na natureza as coisas são concretas. Apenas na mente do homem os
objetos assumem caráter abstrato.
540. A rigor, o ser concreto não é apenas o sensível; também o mundo interior,
a alma e Deus poderão ser concebidos como concretos, isto é, como não
dissociados em estratos por obra da abstração.
Definir a arte figurativa, como sendo a que se ocupa dos temas concretos,
atribui ao figurativo uma acepção movediça e ampla; permitiria então a
subdivisão em gênero figurativo exterior (naturalístico) e gênero
figurativo interior (expressionístico).
Definir a arte figurativa como sendo a que se ocupa com os temas exteriores, é
dar uma definição em sentido estritíssimo.
Importa mais a ênfase na distinção entre concreto e abstrato, do que entre
exterior e interior.
Uma vez que o homem comum não segue mais além, a arte figurativa apresenta
uma temática conveniente às sua possibilidades.
II - Pintura abstrata.
3911y543.
Por exemplo, num corpo, como a pedra, podemos encontrar perspectivas como
quantidade, qualidade, temporalidade, situação, posição, corporeidade, entidade,
coisa (coisidade), algo, unidade, bondade, verdade, beleza, limitação, força,
potência, etc. Num ser humano, podemos encontrar racionalidade, socialidade,
bondade, beleza, delicadeza, maldade, etc.
547. A diferença entre os objetos de abstração total (apenas abstração numérica
dos sujeitos) e os de abstração formal (abstração de formas às formas) e de tal
dimensão que as duas espécies de arte resultantes merecem denominações pelas
quais se possam indicar simplesmente.
Mas, nem o tema exterior e nem o interior, constituem ainda a arte meramente
formal abstrata. Esta se ocupa diretamente com a mensagem da cor em abstrato
e outros elementos do gênero formal.
3911y550.
551. Pintura expressionista. Há uma série de objetos, chamados do mundo
interior do homem, que ele mesmo espontaneamente exprime através de sua
fisionomia, que, consequentemente se converte em expressão dos mesmos.
Ainda que toda a arte seja uma expressão, esta palavra no uso ordinário se diz,
em primeiro lugar, da expressividade aflorada no rosto e do comportamento
geral do indivíduo. A arte que se ocupa da expressividade se denomina
arte expressionista.
552. Oferece a pintura expressionista vários enfoques, dos quais agora nos
interessa a do gênero de objeto a que ele pertence. O mundo interior do homem
se constitui de um complexo de objetos, dentre os quais se destacam para o
interesse da arte os estados psíquicos, denominados também estados de alma,
estados de espírito, sentimentos, paixões, emoções.
Aliás, a cor também é uma qualidade, que, por conseguinte oferece um número
interminável de variações, quer objetivas, quer psicodinâmicas e associativas,
através das quais se instrumentaliza a pintura para obter suas expressões do
mundo interior.
553. A expressividade pode vir aliada com a pintura figurativa dos objetos
exteriores, e pode também isolar-se inteiramente em seu mesmo objeto do
mundo interior. A escolha de uma e outra modalidade de pintura é apenas uma
questão de opção frente aos objetivos em vista.
Fosse válido definir a arte apenas pelo tema sensível, - nestas condições seria
claro que não se trata senão de uma limitação da palavra arte. A poesia opera
mediante imagens, que evocam outras; esta região evidentemente é apenas
sensível. Ora, limitar a arte a este processo redunda em dizer, - sem prová-lo, -
que seu tema é apenas o sensível.
3911y556.
Também a ação como categoria de ser se situa como objeto do conceito. Seu
desdobramento é que finalmente se expressa nos procedimentos próprios de
serem expressos pelo juízo. O que este afirma outra vez é um como se fosse
verdade, e portanto também é ficção.
560. Na ficção o artista cria o objeto, seja como simples imagem, seja como
enredo (conto, novela, romance, apólogo), seja como discurso argumentativo.
Mas, o contexto adverte em tempo que se trata de ficção. Este contexto está
embutido na própria imagem por ser irreal. Por exemplo, um cavalo com asas
prontamente é tido como fantasia.
561. A criação ficcional, ainda que ordinariamente seja trabalho do artista, não
é a mesma arte; depois de criada a ficção vem a função do artista que então cria
a expressão desta ficção.
Vale muito a arte, quando seu objeto também é valioso. Dali porque importa ao
artista criar a ficção de modo excelente, ainda que esta criação da ficção não
seja a arte em si mesma.
Os mitos, por exemplo, existem de longa data. Muitos deles se elevam ao nível
de verdade de fé, para os que assim os tomam.
Aliás, ficção como ficção é uma posição situada no plano do conceito; mas
internamente ação poderá ser posta em ação, e então o enredo decorrente passa
a ser de natureza judicativa, e que importa tratar a seguir.
3911y564.
3911y567.
568. Geralmente atendemos aos objetos como nos são apresentados pelo juízo,
num estágio mais desenvolvido que o das imagens dos sentidos e dos conceitos.
O gênero narrativo reúne os objetos que caracterizam a sua descrição pela alta
presença da ação, e que por isso se dizem narrativos.
570. Os recursos para expressão dos objetos que diferenciam os gêneros variam
de arte para arte. No caso dos gêneros judicativos a língua consegue diferenciar
melhor o que é conceptual, judicativo, raciocinativo.
Mas os gêneros não dependem diretamente dos recursos que uma arte dispõe.
Eles são condicionados pelos objetos.
3911y572.
Não sem razão, por falta então da arte fotográfica (inventada apenas em 1822),
o retrato renascentista se orientou para o realismo, extremando-se na perfeita
representação das fisionomias exteriores dos retratados
576. Hoje o retrato pintado somente tem sentido como expressão do mundo
interior. Somente este pode rivalizar com a excelente técnica dos grandes
posters.
Mas outra e outras razões explicam a maior frequência com que se retrata o nu
feminino.
A paisagem foi o gênero de pintura que melhor resistiu em sua forma figurativa
à avalanche expressionista que dominou os demais gêneros. Não obstante,
formas expressionistas de paisagem foram criadas.
580. A vista (veduta), como gênero de pintura, variante da paisagem, tem por
objeto perspectivas urbanas de interesse histórico, estético, arquitetônico,
peculiarmente originais e turisticamente deliciosos. Muito explorado pelo
cartão postal, a vista é também um objeto que a pintura pode expressar de
modo diferente do da simples fotografia.
Ainda hoje continua a vista a prestar seu serviço, quer pelo gosto que os artistas
mais sensíveis têm pelos valores culturais, quer porque advertem ao público
para valores esquecidos, que, entretanto, constituem a memória visual da
cidade.
581. Natureza morta como gênero de pintura não dista muito da paisagem e
da vista, sendo um recorte deles, de elementos ordenados em pequeno conjunto,
como vaso de flores, ou como bandeja com frutas, ou mesmo como animais de
pequeno porte.
A denominação é do holandês Houbreken, do século 18. Foi aliás na Holanda,
do século 17, que o gênero natureza morta refloresceu com Snyders, Heda, de
Heen, para estar no início da tradição ocidental atual deste objeto da pintura.
3911y583.
O ritmo real não acontece em uma tela. O contexto contudo poderá expressá-lo,
inclusive com a ajuda do ritmo subjetivo. Mas acontece o ritmo real na
sucessão das cores, ao modo feito pelo cinema e pela televisão.
Através dos textos chegou até nós o teatro de um longo passado, que remonta à
antiguidade grega, quando chegou a um elevado desenvolvimento.
591. Alguns gêneros narrativos, a nível de objeto real, merecem ser destacados:
pintura histórica, pintura de cenas familiares (pintura de gênero), pintura
religiosa (mitos e fatos), pintura moral e social (episódios ilustrativos).
O estilo teatral dos acadêmicos foi retido pelo realismo dos pintores
impressionistas, que passaram aos temas diretamente constatáveis no cenário
humano.
A melhoria social levando à massa recursos que antes serviam apenas à elite
contribuiu para o desenvolvimento da pintura de cenas familiares. Todavia este
lugar foi tomado sobretudo pela fotografia.
594. A pintura religiosa foi sempre uma constante como gênero artístico, com
particular desenvolvimento no plano da narrativa.
É todavia um gênero muito diversificado internamente, por causa da
diversidade mesma das concepções religiosas, geralmente muito deformadas.
De outra parte, a a ficção narrativa não vai ao plano mais complexo do mito.
Efetivamente, há uma diferença entre o gênero ficção e entre as ficções dos
mitos. Resultam os mitos de um esforço interpretativo com que os indivíduos
tratam assuntos religiosos e fenômenos extraordinários.
3911y600.
A propaganda é uma espécie de discurso, porque ela argumenta com razões que
levam ao convencimento e à adesão.
Pelo contexto, o cartaz apresenta os objetos não apenas como informação, mas
em contexto de argumentação. A simples criação da necessidade, que a
informação possa produzir, leva embutido o contexto da conclusão, - pois então
compre, ou pois vá ao espetáculo tal.
Tais são os gêneros de pintura moral e social. Estes gêneros são muito difíceis
do ponto de vista da prova filosófica dos seus objetos, que são todavia em geral
aceitos pragmaticamente, a partir deles orientando-se os indivíduos nos valores
a que obedece sua vida moral e social.
No passado o gênero moral se funde por vezes com o religioso, por causa da
visão do saber vulgar que concebe inadequadamente a Deus como um senhor
cuja função principal é atender e recompensar os bons, repudiar e danar os
maus, além de receber de todos eles muitas honras e aproveitar-se deles como
se fossem feitos principalmente para serem servos.
O artista tem de possuir uma cabeça certa, para não praticar o gênero moral
argumentando em favor de algo em si mesmo errado, ou pelo menos deficiente.
Há uma diferença entre pintar um trigal a partir dos olhos do dono e um trigal a
partir dos olhos de todos os trabalhadores.
CAP. 5
611. A poesia já foi tema, quando inicialmente (cap. 1-o, art. 2) (vd 55) se
explicou a arte como expressão por imitação mimética (ou prosa) (vd 58)
e expressão por associatividade (ou poesia) (vd 64).
3911y613.
614. A redivisão didática, do que se propõe neste primeiro artigo sobre a poesia,
é óbvia:
Importa esta distinção para que se defina a poesia pelo que lhe é efetivamente
essencial e não simplesmente se a defina apenas pela indicação de suas
propriedades.
§1. Natureza essencial da poesia pictórica.
3911y615.
Dessa poesia vamos agora tratar com detalhe e sequência sistemática em sua
abordagem. Já cuidamos da expressão em prosa. Completamos o estudo da
expressão, pelo exame também da expressão em poesia.
Em definição nominal, poesia (do étimo grego póiesis) significa uma obra.
Semanticamente, porém, queria-se entender uma obra em termos de linguagem,
e esta por sua vez metrificada.
O poeta exprime num primeiro tempo objetos capazes de, num segundo tempo,
associar imagens.
Sabe o poeta, que alguns objetos são mais evocativos e por isso, de preferência
ele os exprime no primeiro tempo de sua composição.
São objetos conhecidos como bastante associativos: sol, lua, estrela, noite,
nuvem, flor, perfume, mulher, criança, insetos, aves, árvores, choupana, mar,
noite, manhã, coração, namoro, desejo, prazer, frustração, dor, esperança,
objetos de nossa vivência, como um cajueiro, ou uma choupana, ou um sitio, ou
uma cidade, etc. Estes objetos têm na composição poética, - conforme já
advertido, - como segundo objetivo a evocação de imagens que tais objetos vão
despertar no subconsciente, aflorando à superfície, como um clima de novos
significados.
Eis o que é a poesia. Quem for capaz de praticar a arte desta maneira é poeta,
seja poeta pela palavra, ou música, seja poeta pela pintura, ou escultura.
Insistimos nos dois tempos sempre havidos na poesia. Num primeiro acontece a
expressão direta de um estímulo. Num segundo ocorre a resultância da
mensagem poética.
619. Não importando, pois na poesia, o objeto inicial, este pode até se banal,
desde que rico em capacidade associativa.
O mesmo não consegue a música; esta apresentará o ambiente sonoro típico das
crianças, que aliás não pudera ser expresso pelas cores da pintura.
Em tradução:
3911y626.
Devemos advertir que se tem dado três sentidos, ou acepções, à palavra alógico.
Nós aplicamos um ao definir a poesia como alógica. Um segundo não aplicado
por ninguém à poesia. O é um terceiro, como veremos.
Alógico, por sugestão do a privativo (do grego a-logikós) é o que não contém
palavra, que é sem razão. Nesta acepção se enquadra a expressão poética,
quando a interpretamos como algo cujo procedimento essencial o situamos nos
sentidos da imaginação e memória, portanto fora do campo lógico da
inteligência, porque lhe é anterior.
628. As outras duas acepções de alógico poderão ser usadas por equívoco na
definição de poesia.
Semanticamente, alógico tem o seu significado deslocado para o que lhe está
próximo. Então alógico passa a significar o ilógico, o irracional, o contraditório,
o incoerente.
Não é certamente nesta segunda acepção que se diz ser a poesia uma expressão
alógica. A poesia não contém nada de incoerente, mas apenas de factual,
conforme são as verificações dos sentidos, mesmo quando inesperadas,
paradoxais. Isto quer dizer que não são necessariamente calculáveis do ponto
de vista da lógica, podendo ser até incongruentes e não desejáveis, pelo fato de
estabelecerem conotações que a mente preferia fossem outras. Por isso é que a
mente, ao intervir, quer anteriormente, quer posteriormente, no elenco das
evocações, assume um comportamento seletivo, em função da qual melhora a
expressão poética.
Mas, fica a hipótese deste tipo de alogicismo para quem acreditar nele e por
meio dele desejar explicar a poesia.
Esta expressão em prosa se exerce como obra procedida pela razão, ao mesmo
modo como qualquer outra operação em prosa. Uma expressão em prosa opera
por meio de imitação (mimese), cuja interpretação é um trabalho mental.
Somente a inteligência sabe que uma estátua significa um outro objeto, por
exemplo, um herói. Os sentidos tão somente observam a estátua como algo
absoluto. Assim a consideram as aves que pousam sobre ela.
Também se pode dizer que a inspiração é uma seleção, neste sentido que rejeita
o que não funciona e escolhe o que finalmente serve.
Quanto aos medíocres, o desequilíbrio psíquico por vezes os excita de tal modo,
que nesta quase paranormalidade, criam obras inúmeras, em que eventualmente
no meio da palha surgem aquelas que se recolhem como apreciáveis. A fama
destas permite que vendam também as demais, principalmente para aqueles que,
pela sua burrice, têm vocação de comer capim.
Não pode uma temática integral manter seus limites ao que a experiência de
vidas mal vividas consegue expressar. Tais limitações são próprias de uma arte
vertida apenas situações subjetivas eventuais, sobretudo a destes homens, que
observam as coisas secundum quid, isto é, segundo as evocações de que são
capazes. Em vista de serem incapazes para uma temática integral, não
produzem uma arte verdadeiramente grande.
Somente o homem normal é artista pleno. Ainda que nem todo o homem
normal tenha os dotes para grande artista, é no circulo do homem normal que se
espera apareçam os maiores nomes da arte, o que o futuro relembrará como
protótipos de uma época.
3911y637.
- a semelhança,
- o contraste.
Dali decorrem três modelos operativos de poesia. A partir deles redividimos
didaticamente o presente artigo sobre as operações da poesia, em três
parágrafos; a eles convém acrescer mais outro sobre o ritmo operacional destas
mesmas operações:
Quando do estudo das cores do ponto de vista psicodinâmico ( cap. 2-o, art. 4),
foram adiantadas muitas considerações sobre a associatividade exercida por
cada uma, isto é, pelo azul, amarelo, verde, etc.
3911y641.
644. Os sentidos inferiores, pela sua índole menos definida, surpreendem pela
variedade consequente de suas conotações com a cor.
O paladar, ou seja o gosto, se deixa influenciar mui variadamente pela cor das
comidas, que podem ser amargas, azedas, salgadas, doces. O amargo se associa
mais ao amarelo e ao verde, mas ainda bastante ao preto, já muito menos ao
marrom e ao roxo.
Evita-se, pois, a associação com o amargo, enveredando para outras cores, que
não o amarelo, verde, preto, senão também o marrom e o roxo. É possível que o
amargo se associe por vivência com o verde por causa do verde da bílis e do
amargo das frutas verdes.
Na medida que as pessoas apuram seu paladar, ele se desprende das vivências
comuns, - mas não de todo, - para atender à psicodinâmica do gosto pura e
simplesmente; na mesma proporção associam as cores a gostos com
psicodinâmica correspondente. Esta tendência é perfeitamente compreensível e
é constatada pelas estatística.
Deverá estar atento sobretudo com as vivências, quando estas se dão com os
sentidos inferiores, como por exemplo com o do paladar.
3911y647.
Mas a semelhança também opera por associatividade. Eis quando ocorre uma
operação típica da poesia, e que amplia o leque de capacidade da expressão por
semelhança.
Pela via do desenho ordena-se todo o quadro, que se converte com ele, ora num
jardim de flores do qual evoluem conotações, ora numa roda de crianças do
qual estrugem as evocações como gritos de alegria, ora num panorama de
motivos da natureza do qual resplendem associações contundentes, ora num
cosmos de astros que no espaço silencioso perguntam pelo seu próprio mistério.
3911y652.
A seguir mais uma vez poderá haver um choque entre as imagens evocadas.
3911y656.
A pintura concretista (vd 370) é uma aliança de artes, em que a cor surge como
componente principal; exerce-se a expressão em cor em uma composição em
que participam também outras artes, principalmente a forma plástica (linha,
área, volume). Como se sabe, o concretismo foi apreciado também como estilo
(vd 978).
CAP. 6
3911y683.
684. Os gêneros de poesia são determinados pelos correspondentes gêneros de
objetos com os quais se ocupam.
Não obstante o que anda junto na realização concreta da arte, não se confunde
do ponto de vista essencial. Na mesma expressão há tanto o procedimento
meramente prosaico e com os seus gêneros, como o procedimento
especificamente poético, inclusive com os seus gêneros. Separar teoricamente o
que em concreto vem unido, importa em algum esforço para o qual nos
propomos agora.
Contudo, o pintor acentua, ora o lado prosaico, ora o poético, apesar de no todo
operar com ambas as formas de expressão. Quando isto acontece, há mais
facilidade de isolar prosa e poesia na composição.
Além disto, cada arte pode traduzir a outra a partir de seu objeto. Não expressa
uma arte a expressão de outra arte, mas o objeto da outra. E assim mais uma
vez ocorre o paralelismo que vai permitir que os mesmos gêneros aconteçam
em todas as artes. Consequentemente, todos os gêneros da literatura são
repetíveis na pintura, como todos os gêneros da pintura na literatura, ainda que
com as respectivas adatações. Estas respectivas adatações podem provocar
alterações nas denominações dos objetos, sem que mude essencialmente o tema
da mensagem.
687. A denominação dos gêneros poéticos de cada arte pode ser a mesma, ainda
que por vezes varie.
Há, entretanto, uma certa tradição dentro de cada arte no que se refere aos
gêneros cultivados. Apesar do paralelismo dos gêneros em todas as artes, eles
tem algo de próprio em cada arte. O Lacoonte da Ilíada não é exatamente o
mesmo na escultura, nem o mesmo na pintura.
As pombas que saem umas após outras, segundo a poesia do soneto literário
que as faz sair com um conotar evocativo, também deverão evocar
poeticamente a partida, na imagem ilustrativa que delas fizer um pintor.
3911y691.
692. Épico e lírico. Os muitos gêneros poéticos se classificam em gêneros
maiores. Usualmente todas as artes dão-se para a poesia como principais
gêneros maiores o lírico e o épico.
Como o advento da fotografia que substitui a pintura prosaica das cenas do dia
a dia, o lugar da pintura lírica deste mesmo gênero de objetos, contudo se
conservou. É que a associatividade postula certa seleção de elementos que a
fotografia não encontra, mas o pincel tem todavia como criar.
São gêneros líricos literários o hino, o soneto, o idílio, com réplica na pintura.
695. O hino é uma expressão de um estado de espírito gerado por uma situação,
seja do indivíduo, seja do grupo, seja dum movimento promocional. Tal
acontece em hinos de gratidão, hinos nacionais, hinos de agremiações, hinos de
movimentos de promoção.
699. A pintura histórica não raro assume caráter puramente poético na linha
do gênero épico. Ainda que se refira a um acontecimento histórico, o
tratamento é dominantemente evocativo.
700. Conclui-se aqui um conjunto de temas sobre a estética, ou a arte das cores,
que a explicam a partir da essência, - a cor como expressão, a cor como
portadora de expressão, as formas da expressão em prosa e poesia.
O que se concluiu foi o mais difícil, o que resta é o lado mais apreciado da
pintura. Todavia, não há como atingir adequadamente o mais apreciado, sem o
que se apresentou mais difícil.
CAP. 7
Considerando que estilo é um tema que ultrapassa os limites da arte, não cabe
aqui esgotá-lo. Assim também os estilos históricos não são aqui esgotados,
porque abordados apenas para ilustrar seu aspecto teórico.
3911y705.
3911y708.
Por último, estilo alargou seu uso para a maneira de se expressar de todas as
artes, passando-se a dizer também estilo de pintura, estilo de escultura, estilo
musical e arquitetônico. Alargando-se mais ainda, estilo também significa o
modo de qualquer fazer, como em estilo de remar, de jogar, de vestir. E ainda
modo de agir, como estilo de vida. Ou ainda, modo de pensar, como em estilo
de pensar.
Derivado do latim, como se acabou de mostrar, estilo não é um nome grego.
Mas os gregos já se referiam aos modos acidentais de se expressar, agir e fazer.
Entre outros nomes, usavam o de método. Mas veio dos gregos caligrafia,
como maneira bela de escrever.
710. Pela sua definição real, estilo é a maneira eventual com que a obra de
arte se apresenta. O estilo, ora acontece por eleição do artista; ora se impõe por
injunção de circunstâncias.
Mas o estilo sempre se define como algo, que não é, nem a natureza essencial
da arte, nem as propriedades a ela inerentes. Uma pintura, por exemplo, pode
ser mais rigorosa, enquanto outra é mais diluída; uma notoriamente idealizada,
enquanto outra é realista. Sempre se trata de opções de estilo.
O uso, por exemplo, de mais cores e menos cores, mais rigor no delineamento
das figuras e menos rigor, mais perspectiva e menos perspectiva na composição
geral, maior idealização em vez de mais realismo - tudo isto resulta em estilos
pictóricos.
Certas maneiras eventuais com que a arte se apresenta agradam mais que outras.
Os estilos, quando comparados entre si, não são igualmente estéticos, de onde
uma tendência em favor de uns estilos contra outros.
Não se deve a atração do estilo ao seu valor intrínseco, porque é por definição
algo acidental e portanto de presença eventual na expressão artística.
Não faltam os que apenas cuidam da arte enquanto estilo. Este comportamento
é contudo prejudicial ao desenvolvimento maior do artista. Importa manter as
coisas em seu lugar, colocando acima de tudo a arte como expressão.
3911y716.
Com facilidade nos referimos aos mais diversos estilos, sem todavia ordená-los.
Assim dizemos: estilo claro, severo, diluído, ou estilo estético, espontâneo, leve,
pesado, difícil, ou estilo clássico, romântico, realista, ou ainda estilo
impressionista, cubista, futurista, etc.
Acidente (do latim accido, -ere = cair junto de) é o que adere a outro, tendo
nele o sujeito de adesão; sem sujeito em si mesmo, o acidente como que se
define em função ao outro no qual adere. O estilo, como um acidente, se
classifica em decorrência desta sua condição em função àquilo de que é
acidente.
- estilos utilitários;
- estilos de comunicação;
- estilos didáticos;
- estilos pedagógicos.
Com referência aos estilos históricos, eles dizem respeito tanto àqueles estilos
formados a nível de significado e significante. História quer dizer apenas o fato
de algo começar a existir e permanecer, não importa o que existe e permanece,
seja no plano da matéria portadora, seja no da expressão portadora.
Como fato concreto não surge a obra de arte dentro de um só estilo
abstratamente denominado. Em concreto a obra de arte se reveste de todos os
acidentes que lhe cabem. Ainda que estes acidentes sejam opcionais, não é
possível fazer que a obra surja, sem que se tenha eleito todo um elenco deles.
(da expressão).
3911y724.
725. Passamos aqui a detalhes sobre a classificação que distinguiu entre estilo
propriamente artístico e estilo pré-artístico.
Passamos a considerar o que é de mais valor em estilo, ainda que outros valores
devam contudo não ser descurados.
Considerando que prosa e poesia podem andar juntas, em uma aliança muito
proveitosa, a escolha de uma e outra modalidade de expressão é algo eventual,
e portanto de estilo; o fato de se adotar a aliança, é um estilo, e o de não
praticá-la é outro estilo.
O que há são estilos menos poéticos (quase poéticos) e mais poéticos (quase
poéticos puros). O objeto estimulo das imagens poéticas, mesmo quando o
objeto é sem importância, contém, contudo, algo não desprezado.
Exprimir com perfeição de verdade, para que o objeto seja efetivamente aquele
e não um falso objeto.
Há, pois, um jogo entre o mais e menos na força da expressão, que decorre em
estilos claros e obscuros, conforme o nível de ênfase atingido.
Não obstante, acontece uma indefinição objetiva nos objetos, com que, por
exemplo; Leonardo da Vinci se ocupou mediante seu "claro-escuro", e os
impressionistas como os rompimentos provocados pelos raios de luz.
Dali resultam outras e outras propriedades decorrentes e que fazem o estilo ser
conciso, vigoroso, correto, em vez de redundante, frouxo, falseado.
A verdade da expressão importa sobretudo quando, alem de expressar, ainda
deve exercer a função de comunicar.
A expressão requer estar segura de si, para produzir certeza no apreciador dessa
expressão. A certeza é uma propriedade gnosiológica decorrente da evidência
clara e distinta. Mas a evidência clara e distinta está na expressão, ao passo que
a certeza se encontra no sujeito, como sendo um seu estado psíquico. Mas
decorrendo um do outro, há pois um estilo certo, desde que antes haja um estilo
claro e distinto.
A Grécia real dos artistas clássicos não teve certamente a beleza idealizada de
suas estátuas nuas e o equilíbrio emocional que revelam os heróis e as mulheres
assim representados.
734. A idealização parece algo difícil. Mas também a arte inversa incorre em
aspectos difíceis.
Foi dita clássica a arte grega do 5-o século a.C. (época de Péricles); a arte
helênica lhe pertence ainda como uma espécie de barroco moderado.
Nos espaços entre os clássicos os estilos são, ora mais anti-clássicos, ora menos,
mas sempre o suficientemente contrários, para marcarem uma divisa. A história
dos estilos se ocupa com este jogo dialético de afastamentos e aproximações
dos modelos ideais.
739. Estilo clássico e estilo projetivo. A existência dos modelos ideais poderá
ser considerada de dois modos:
Mas, desde o momento que o artista escolha manter uma certa unidade, ele
ingressa para a arte de modelo projetivo.
Por exemplo, o pintor que elege atribuir uma certa angulosidade às suas figuras,
ele se aproxima de um modelo clássico, ainda que livremente eleito. Torna-se
um pintor projetivo.
Mesmo a arte clássica tende a operar, tanto segundo o modelo do universal real,
quanto segundo o modelo projetivo. Isto é possível porque a criação faz-se a
partir do artista, e não a partir do objeto real. Para efeito do homem, somente
existe o que se manifesta e ele elege como verdade.
Para esculpir e pintar o ser humano, o estilo clássico criou módulos, ou regras,
ou cânones), que unificam o estilo de sua arte em função a padrões que
considera imutáveis.
740. O estilo denominado pelo objeto. O tema em si mesmo não decide sobre
a validade da arte. Todavia é importante, quer porque, pela sua diversidade,
resulta na formação de gêneros (vd 520), quer porque finalmente influencia o
estilo.
Não deixa a arte de se constituir como arte, ao ferir os valores, quer efetivos,
quer tão só projetivos. Uma coisa é a arte como expressão, o que lhe é essencial.
Outra é a arte obediente a um estilo, quer seja clássico, quer seja projetivo, que
tenha um estilo para cada produção.
A arte é deficiente ou mesmo falsa, se não satisfizer o que é essencial à
expressão.
Estas variações que a arte apresenta em função do tema, podem nem sempre
receber denominação expressa como sendo de estilo. Elas usualmente recebem
a denominação a partir do tema.
Eis o que diz por exemplo de certa arte arte, que ela é falsa, imoral, anti-social,
antipedagógica, irreligiosa, ou muito verdadeira, moral, social, pedagógica,
religiosa. Por redundância, a arte é falsa e má quanto ao tema, não todavia
necessariamente em sua expressão, que poderá ser perfeita, atingida embora
por eventualidades de estilo.
Se este mais não existe, elas o projetam. Ciência e filosofia, pintura e escultura,
linguagem e música, comparecem, então, no quadro do universo como
positividades e grandezas.
Uns vêem no objeto um símbolo de algo outro, tendo neste outro o seu
interesse. Dali resulta o formalismo com que se apresenta o primeiro objeto,
aquele que é apenas símbolo. Basta apresentá-lo apenas em sua espécie, e já
indica ao outro objeto, o simbolizado. E é recomendável que seja formalizado,
afim de não atrair a atenção sobre si mesmo. Os povos primitivos usando
símbolos com frequência, tendem para a arte formalista. O formalismo é a
marca da arte egípcia. O seu formalismo é geometrizante e formulado com
elegância.
Na arte egípcia se observa a firmeza dos contornos e pintura plana, isto é, sem
nuances.
Tal acontece nos gêneros ocupados com objetos reais, como no ensaio
científico e no jornalismo (no plano literário), no desenho industrial e didático.
Também não era centrada na estética a pintura medieval, mas sim aos objetivos
do culto e à narrativa dos episódios bíblicos.
3911y753.
O que efetivamente interessa na arte mediante cores, não está na tinta e nos
fotons da luz, mas na cor como qualidade sensível que afeta aos olhos. A arte
da pintura, no seu sentido essencial, independe de ser mediante tinta ou
mediante luz. Portanto, a distinção entre pintura, cinema e televisão, é apenas
de suporte e de estilo.
Não obstante, ficou a palavra pintura limitada ao estilo que opera com tinta.
Etimologicamente pintura significa arte de criar cores mediante resinas. A
partir do étimo pois, pintura não indica toda arte da cor. Mediante a cor em
forma de luz direta e mediante a cor em forma de tintas, dispõem-se hoje
modalidades muito distanciadas do estilo de arte da cor. O distanciamento
ocupa também diferenciadamente o interesse dos artistas e dos apreciadores da
arte, que levam a manter em separado os exames dos estilos da pintura
mediantes tintas.
"As obras mestras dos tempos antigos hão de ser uma fonte inesgotável de
cultura para o mundo. Para o artista, entretanto, que é chamado a coisas
grandes, devem ser um ponto de vista superado" (Konrad Fiedler, Escritos, 54).
757. Concluindo sobre a natureza teórica do estilo, deixamos claro que ele, -
embora uma situação acidental e eventual da arte, - não é tão insignificante
como possam ser outros acidentes.
3911y760.
Neste exame sobre os estilos, cuidamos por vezes também sobre a história da
arte em geral, para que tudo se possa ver mais integradamente.
762. Foi no dia a dia da criação artística que os estilos se foram estabelecendo.
Na repetição, ainda que se aperfeiçoando, a expressão se estabiliza em um
determinado estilo. Ocorrendo a aprendizagem, primeiramente por imitação, e
depois por estudo, os estilos se foram repetindo e fizeram história. Sobretudo
estes estilos que fizeram tradição apresentam importância no tempo. Contudo
cada estilo possui certa importância intrínseca, que por si só o faz ser objeto
interessante de estudo.
3911y764.
Foi o antigo Egito eminentemente conservador por todo o tempo que subsistiu
como país independente.
No curso do terceiro milênio a.C. inventou a escrita. Este fato certamente ainda
agravou o conservadorismo, porque permitiu transmitir intacta a ideologia do
passado. Por melhores que sejam os efeitos do conhecimento da escrita, ela
pode produzir um efeito inverso, - o de provocar a paralisia mental, sobretudo a
religiosa e a dos costumes.
A primeira capital faraônica foi Menfis, até o fim do Império Antigo (c. 2000
a.C.). Depois, sucessivamente, serão Tebas e Sais.
Principiou a época faraônica, ao se estabelecer pela volta de 3200 a união dos
dois reinos, tendo como primeiro rei da dinastia o Faraó Menes. Nasceu então
também a escrita que se tornou uma necessidade administrativa.
768. Dependendo a arte muito dos objetos aos quais expressa, dali aliás
surgindo os gêneros, esta dependência foi marcadamente uma característica da
arte egípcia. Trata-se, portanto, de uma dependência cuja forma eventual
assumiu, portanto, a qualificação de ser um estilo, o egípcio.
Não se consegue uma clara noção do estilo egípcio sem atenção à mentalidade
com que eram vistos os objetos que representavam. Não representava a arte
egípcia aos objetos dentro de todas as suas perspectivas, e sim apenas das
perspectivas consagradas pelo uso que então se fazia da arte. Neste sentido se
assevera que a arte egípcia foi utilitária (geralmente
materialista), hierática (sagrada, sobretudo funerária e a serviço dos
mortos), áulica (da corte e da elite).
A crença numa vida futura da alma, a qual requeria um corpo, por lhe ser
considerado natural, sugeriu e desenvolveu a mumificação, como ainda a
construção de pirâmides mortuárias, depois sepulturas no fundo da terra. As
múmias e estátuas dos mortos serviam de apoio físico das almas dos mortos.
Mais do que nos templos e palácios, conservou-se a arte egípcia da pintura nas
câmaras mortuárias e nos sarcófagos.
Pelo seu destino, a arte egípcia foi, sobretudo no começo, a arte para os áulicos,
para os alto funcionários, para os ricos proprietários das terras, para os
sacerdotes que compartilhavam com o poder.
769. Do ponto de vista da história da cultura, quer no plano das idéias, quer no
das artes, foram transmitidas aos povos mais recentes através dos gregos,
iniciando por Creta, e dos judeus, que reemigrando do Egito, trouxeram dali
costumes moralistas e conceitos religiosos, que, por sua vez retransmitiram aos
cristãos.
A partir dessas considerações se pode avaliar o que a pintura poderá ter como
objeto quando praticada dentro de tal ou tal visão do homem.
Hoje em virtude das escavações e redescoberta (no século 19) da escrita e das
artes egípcias, passamos a um contexto ainda maior com o Egito antigo.
Definitivamente ficamos sabendo que lá se encontram remotas raízes de várias
crenças e maneiras de pensar, que interpretações posteriores a uma revelação
divina.
770. Estilização formalista da arte egípcia. Quanto ao tratamento temático a
diretriz da arte egípcia é classicista. Portanto ela exprime sempre o tipo e não o
indivíduo. Idealização tema, em especial estilizando a forma e moralizando a
ação.
A arte egípcia é sobretudo formalista, o que não é exatamente o mesmo que ser
clássica. O formalismo esquece os detalhes naturais individualizantes das
figuras, tendo em vista uma outra verdade, da qual as figuras são apenas um
símbolo, ou sistema. Assim sendo, o aspecto naturalístico da figura não importa,
podendo ser reduzida às suas linhas essenciais suficientes, como se fosse uma
taquigrafia. No caso egípcio, a outra verdade é sempre a religiosa.
Povo ainda não saído de todo da primitividade, não deu apreço aos demais
valores humanos, como acontecerá depois com os gregos. Uma vez bastando
apenas a linha essencial das figuras, estas são desenhadas formalisticamente,
com uma liberdade que poderá simplesmente assumir o caráter estético das
linhas e volumes, estilizando a imagem do homem, dos animais, das flores.
Ainda que dos outros povos igualmente antigos do oriente próximo e mesmo
do período neolítico europeu se conservem alguns documentos pictóricos,
nenhum deles teve a sorte do egípcio, cujo acervo transferido até nós é
suficientemente grande, para definir variações de estilo, graças às câmaras
mortuárias, que tiveram a função conservatória de efetivos museus. Se daqueles
outros povos se estudam os monumentos arquitetônicos e as escultura, do
egípcio se examina especialmente a pintura.
Raras vezes uma figura se sobrepõe encobrindo parte de outra. Ainda a arte
bizantina e a gótica pintará as figuras lado a lado. Apenas no pré-renascimento
do século 14 com Giotto, começará a se desenvolver o tratamento do espaço.
774. O Novo Império (1555-1090 a.C.), ainda com capital em Tebas, marca o
período áureo da pintura egípcia. As novas modalidades de construção de
câmaras mortuárias terão também tornado a pintura mais fácil que a escultura
em relevo.
3911y777.
779. O mural, frequente na antiga Creta, foi sendo aos poucos abandonado,
ainda que não de todo, pelos pintores dos tempos clássicos e posteriores. Isto
veio dar destinos diversos a arte das cores.
780. A arte grega foi caracterizada profundamente pela índole de seu povo,
como já acontecera no Egito. Mas, a caracterização grega foi mais feliz, porque
se direcionou para o homem universal, tornando-se com isso capaz de inspirar
indefinidamente através da história a arte de todos os povos.
Exerceu-se a arte grega com motivação estética bem maior que a egípcia, que
foi antes mais utilitária. Por isso na arte grega se observa a frequência das
motivações meramente ornamentais. São variados os modelos conhecidos por
"gregas", que se apreciam sobretudo na decoração dos vasos e que também
aparecem no enfeite dos vestidos. Paralelamente, a ornamentação ocorre
outrossim na arquitetura, confirmando sempre a direção esteticista da arte grega.
Primaram pelas formas literárias, mais do que qualquer povo até então.
Apenas a música vinha com certo atraso em relação às outras artes. Todavia,
ainda esta alcançou importantes crescimentos na notação. Mas foi a música
sempre uma arte difícil para todos os povos, os quais na antiguidade forma
muito pouco além do canto monódico.
Do ponto de vista temático, foi a vida real a ocupação da arte grega. Ainda que
a arte egípcia fosse utilitária, este seu utilitarismo se direcionou para objetivos
de além túmulo, bem como para o simbolismo em geral. Apesar de
representarem com frequência a figura dos deuses, os gregos o fizeram a
maneira humana, como se os deuses participassem da realidade do dia a dia
terreno.
3911y783.
(séculos 5 e 4 a.C.).
3911y787.
O classicismo despe cada vez mais a figura humana, para pôr a atenção na
expressividade do corpo nu. Mas as deusas nuas aparecerão apenas mais tarde,
no período helênico.
Já não mais existem os quadros originais. Eles se reproduzem todavia nos vasos,
dentre os quais são logo do início da pintura clássica o Vaso Francois (Museu
do Louvre) e a Taça Sosias (Berlim), como o equilíbrio do estilo severo
clássico.
Deste tempo são também os nomes renomados de Zeuxis e Parrásio, que, sem
serem de Atenas, ali trabalharam.
Outro famoso é Aristofonte. Mas dele, como dos demais, sobrou senão a
notícia e a fama.
Também nada sobrou do eminente Polignoto de Tasos, de quem se sabe haver
criado representações inspiradas nos poemas homéricos, como as cenas da
tomada de Tróia. Mas estas foram transpostas para as pinturas de vasos, por
cujo através chegaram até nós. Entre outras se mencionam as da Cratera de
Orvieto, depois levada para Leningrado (São Petersburgo).
Nícias de Atenas (século 4 a.C.), que trabalhou para Praxíteles, teve a sorte de
permanecer numa cópia de Pompéia que se lhe atribui. Trata-se da Libertação
de Andrômeda por Perseu (Museu de Nápoles). A tradição é do 5-o século.
Utilizou a técnica do claro e do escuro. Os desenhos dos vasos mostram o
conhecimento da perspectiva e do espaço. Revelam expressão e graciosidade.
Pintada por Clissia, data de 550 a.C., no estilo de figuras negras, um tanto
severas, do tipo da cerâmica ática.
Os Infernos (370 a.C.) é uma cratera muito apreciável, decorada em estilo
apúleo, da Magna Grécia (sul da Itália), que imita o estilo ático, em graciosos
traços, floridas cores, com decorações que vão ao sobrecarregado pelo número
e pela maior variedade de cores.
No que diz respeito colorirem os gregos suas estátuas, não se guiaram por falso
caminho, porque a arte da cor não pertence apenas às superfícies planas. O
colorido das estátuas das igrejas cristãs remonta à antiguidade grega, como
também o colorido da arquitetura.
(323-31 a.C.).
3911y792.
Alexandre com aspecto mais escuro e tremendo, irrompe do lado esquerdo. Sua
lança comprida atravessa um cavaleiro persa, que ainda se interpõe e protege
Dario.
3911y798.
801. Datam as primeiras notícias sobre a pintura de Roma já do 3-o século a.C.,
mas os documentários são posteriores e já do tempo em que se iniciara o
funcionamento com a cultura grega, em vista da conquista em 148 a. C. da
Grécia e Macedônia. Com a opulência de Roma afluem os artistas gregos.
803. Comparada com a grega, a arte romana não supera a grega senão talvez
apenas no que se refere às construções arquitetônicas, que conquistaram a
organização de maior espaço pelo uso do arco e da cúpula. Com referência à
escultura e pintura mantém contudo importantes conquistas dos gregos.
O mosaico Vírgilio, ladeado por musas (século II ou III, Museu Bardp, Tunis),
apresenta uma musa de cada lado, cujos corpos são abrutalhados e assim
também as vestes sem composição artística adequada.
804. Ocorrem algumas criações valiosas da pintura romana do Império,
sobretudo do acervo de Pompéia, Herculano e Stabia, e que merecem algumas
considerações mais.
A cena da alcova do outro lado se compõe de jovens elegantes. Uma toca lira,
para o epitalêmio.
3911y807.
808. Introdução. A pintura medieval, sucedeu à helênico-romana, é
dominantemente cristã, acrescida da muçulmana no Oriente Médio, norte da
África e da Espanha árabe.
Após a queda de Roma (476) a arte cristã do ocidente tomou direção própria,
diferenciando-se progressivamente da cristã oriental, que passou a denominar-
se bizantina. Mais expressiva inicialmente, a arte bizantina cedeu aos poucos
em importância, frente à arte romântica do Ocidente. Mas também esta arte
romântica se transmuda no gótico, que foi ser o principal estilo da Idade Média
ocidental.
O utilitarismo também domina a arte cristã medieval, que não a cultiva por
motivos estéticos e sim pela função a exercer, predominando a do culto. A
Idade Média não cultivou a arte pela arte, ou seja simplesmente como
expressão e esteticidade.
Nem nos palácios dos reis e nobres chegou a pintura a ser um objetivo
decorativo.
I - Estilo bizantino.
3911y811.
Resistiu até 1453, quando caiu em poder dos turcos, passando à denominar-se
Istambul. Exerceu Constantinopla a importante função de transmissora da
cultura grega clássica aos tempos modernos.
Ainda que ele mesmo não fosse Cristão, Constantino não demorou em permitir
o prevalecimento político dos cristãos. Dali resultou formar-se um poder
teocrático através do qual o cristianismo, na forma oficial da Igreja Católica, se
impôs, inclusive com uma estrutura hierárquica que imita o Império Romano.
Em Roma, o anterior Pontífice passou a ser o bispo cristão, ou seja o Papa.
Neste novo estado de coisas, ganhou desenvolvimento a arte cristã, ao mesmo
tempo que se destruía sistematicamente a arte pagã.
Justiniano e sua Corte, mosaico da Igreja de São Vital, Ravena, Itália, séc. 6-o.
O painel histórico é de colorido brilhante, ambiente místico e abstrato. A área
aumentada com pedrinhas de mosaico acentua as linhas do desenho e do brilho
da composição.
Teodora e sua Corte, mosaico da Igreja de São Vital, Ravena, séc. 6-o.. De
colorido brilhante, muito requintado, feminino, aristocrático.
II - Estilo românico.
3911y817.
818. À medida que o Império Carolíngeo, criado em 800 por Carlos Magno, se
dissolve, se aprofundam as diferenças dos grupos nacionais. O latim deixou
paulatinamente lugar às línguas vulgares, às quais se deu o nome de românicas
(hoje neolatinas). A denominação que diz estilo românico é de origem posterior,
cerca de 1825.
O novo estilo, apesar das diferenças regionais, manteve técnicas comuns, como
o arco e a abóbada.
(1200-1400).
3911y821.
822. Como nome, estilo gótico é uma referência à gente da tribo germânica dos
godos (no caso dos visigodos), que se haviam estabelecido no sul da França e
na Espanha.
Não nasceu, pois, a pintura de estilo gótico em função a algum novo importante
princípio interno à mesma pintura. O linearismo em si mesmo já era uma
característica do estilo bizantino. No mais continua com os fundos dourados e a
distribuição das figuras.
823. Ocorreu uma evolução interna da antiga arquitetura gótica para o gótico
flamejante, mais gracioso em seu linearismo. Mais uma vez sofrerá a pintura o
efeito externo do gótico arquitetônico, tornando-se ela também mais graciosa e
versátil em suas linhas, como se observa na pintura de tendência linearista de
Fra Angélico e do renascentista de Botticelli, em que o gótico finalmente se
deixou superar.
O linearismo encontra seu campo próprio nas vestes, que, para o moralismo
cristão medieval deviam ser abundantes.
Os painéis do Palazzo Público de Siena, criados pela volta de 1337 e 1339, por
Ambrogio Lorenzetti, são de conteúdo político. Fazem-se também ilustrações
de tratados científicos e calendários com motivos clássicos tomados a Esopo e
Ovídio. Surge o retrato, de que um exemplo é o de João o Bom (1350-1364). O
novo gênero terá continuidade na Renascença, que o cultivou amplamente.
3911y826.
827. Introdução. O Renascimento é mais que um movimento artístico; é todo
um novo modo de pensar antimisticista a respeito do mundo exterior e do ser
humano, colocado agora como o centro da atividade pensante e dos objetivos
de realização.
Na figura humana medieval somente há um rosto e duas mãos. Uma nova visão
traz subitamente para primeiro plano da expressão artística o corpo humano.
Até o Jesus dos crucifixos é agora um ser mais natural. De outra parte, como
esta visão realidade já existira ao tempo de Grécia Clássica, sua retomada
passou a ser denominada adequadamente de Renascença.
Não havia uma suficiente ciência histórica para julgar sobre uma religião que
vinha de um longo passado. Em consequência as reformas religiosas foram
muito tumultuadas.
Não havia uma biologia, para obstacular doenças. E uma grande massa morreu
da sífilis que aparecera à época do Descobrimento da América. Desta catástrofe
nem mesmo escapou o rei Henrique VIII da Inglaterra.
Não havia uma ciência social, um direito internacional, e nem princípios claros
de um ética humanista; dali decorreu uma política das mais interesseiras,
movida por vezes por por homens sem caráter, por exemplo, Cesare Borgia
(filho do papa Alexandre VI) e doutrinadores como Maquiável. O mundo foi
dividido entre Espanha e Portugal pelo Tratado de Tordezilhas, pelo Papa
Alexandre VI, provocando a reação do Rei da França, que perguntou, se isto
estava escrito em algum lugar da Bíblia.
3911y831.
Cimabue (c. 1240-1302), ainda com ecos bizantinos e até góticos, aplica às
suas criações plasticidade nova, mais real e humana. O fundo amarelo dourado,
quando subsiste, começa a perder importância, dada a força nova das mesmas
figuras.
O espaço e a luz são tratados como nunca antes na Idade Média. Já não está ali
o fundo dourado das figuras, mas uma natureza verdadeira. A perspectiva, a
que dá uma atenção desconhecida de seus pares da pintura, é uma insistência
que será conduzida com crescente versatilidade de agora em diante, até que
alguém do século seguinte (século 15) lhe der a solução. Valorizando a luz,
diminuiu a importância dos contornos, que eram características da pintura
bizantina e gótica. Aumentou, por conseguinte, a pictoricidade pura das áreas
coloridas.
São Francisco recebendo os estigmas (afresco da capela Bardi) fixa uma clara
manhã, esbatendo luz contra uma barranca esguia e esbranquiçada, ao mesmo
tempo que atenua os contornos, quando o Poverelo foi alcançado pelo
fenômeno.
II - O Primeiro Renascimento
(1420-1500).
3911y835.
836. Um retorno retórico à antiguidade inspirou o Primeiro Renascimento que
decorreu no século 15. Ele foi decorativo, sem maior profundidade. Os ideais
desse Primeiro Renascimento conseguirão todavia desenvolver-se logo depois,
no Renascimento Clássico do século 16, mais estruturalista.
Na Adoração dos Magos (Pisa, 1426) ainda que haja a longa fila não se reduz
ela apenas ao conceito de fila, porque há figuras em todas as posições de
profundidade.
Prenunciou Botticelli os novos tempos do século 16, que ele aliás alcançou, nos
seus últimos 10 anos de vida.
Van Eyck, nascido às margens do Mosa, foi pintor de Felipe le Bon, duque de
Borgonha. Aperfeiçoou as tintas à óleo e as empregou na pintura. Desta sorte
criou uma nova fase técnica, a qual, sendo mais prática, do que a pintura mural
de afresco, relegou a esta ao paulatino esquecimento.
844. Roger Van der Weyden (c.1400-1464), como Van Eyck, foi seguro no
detalhe, e que se faz tradição na escola flamenga. Calcando as linhas do
desenho, parece revelar a intenção de atingir as formas as mais exatas.
No Retrato de jovem senhora (1455) mais uma vez é o desenho que conduz a
composição ao requinte, apesar das cores simples, quase lisas e sem reflexos de
luz.
3911y848.
O domínio pleno das formas artísticas, que então se obteve, e que define o
Renascimento clássico, alcançou uma situação inigualável, tanto em Roma,
como nos demais países.
Esta condição classicista ocorreu sobretudo nos anos de 1500 a 1520. Um tanto
decorativo, em especial na arquitetura, o anterior Primeiro
Renascimento (vd 835) foi superado pelo clássico, que agora se estabeleceu,
porque este passou a insistir nos elementos estruturais, tanto na arquitetura,
como na composição da pintura. A mesma orgânica da figura faz o ornamento,
que já não vem por acréscimo.
Mas, nem Leonardo, nem outro importante artista transpôs para a tela a
significativa lenda que consagra o eminente filósofo na conceituação popular.
Leonardo em Leda apresenta sugestivamente entre as meias partes de cascas de
ovo o nascimento de crianças. O claro-escuro destaca o reluzente nu de Leda,
contra o escuro difuso da rocha contígua.
Última Ceia, (pintada na ampla parede do refeitório do convento dominicano
de Santa Maria dele Grazzie, de Milão (1495-1497), ali se conserva ainda hoje,
graças a muitas restaurações. Por causa de sucessivas danificações resta pouco
do que era mesmo o original.
Outro artista, ao tomar uma cópia do original, desfez um dos grupos de três,
colocando Judas pelo lado da frente da mesa. Hoje, esta cópia é a mais
difundida.
Estes os olhos, que as fotografias não conseguem reproduzir quanto são vivos
no original, são algo de impressionante. Revelando um estado interior
permanente e não apenas uma situação instantânea, contém o que mais importa
num retrato. O permanente mostra integralmente a personalidade.
Nos muitos Retratos de sua autoria, Rafael conseguiu ser sóbrio e expressivo.
São talvez melhor qualificados que suas Madonas.
Estas, as madonas, são figuras suaves e adocicadas, e talvez por isso mesmo,
tenham alcançado apreço do grande público.
Tendo morrido cedo, aos 37 anos, talvez por isso mesmo Rafael não se tivesse
encaminhado para a criação de formas vigorosas, como ulteriormente fará
Miguel Ângelo.
Uma mulher, ao mesmo tempo que olha com firmeza de mãe advertida, com o
braço forte protege sua filha, é uma cena única nunca antes vista em outra obra.
Fosse para analisar todos os detalhes da obra de Miguel Ângelo em função a
este tipo de expressividade significativa, importaria em escrever um livro. Os
apreciadores, hoje principalmente os turistas, são ocupados horas pelos guias,
sem que esgotem as explicações de valor.
Algumas das vestes sumárias aplicadas às figuras nuas do Juízo Final foram
executadas por artista do Renascimento Tardio por incumbência do Papa. Esta
iniciativa foi interpretada de maneira vária.
Pelos princípios que contêm a arte de Miguel Ângelo, ela deu início ao
movimento que se lhe seguiu, o maneirismo, ou seja, a arte segundo uma nova
maneira, a de Miguel Ângelo, da qual finalmente resulta o barroco. Tendo
alcançado a longevidade, o próprio Miguel Ângelo inclina-se cada vez mais na
direção do movimento que se expandia. Desta sorte, ainda que represente o
período anterior do Renascimento Clássico, penetra no seguinte. Em potencial,
Miguel Ângelo é o maior maneirista e barroco, porque ele foi como que sua
semente.
3911y853.
(1520 - 1600).
3911y857.
Outras formas são indicadas simplesmente pelos nomes de seus países, onde o
renascimento adquiriu caracteres nacionais. Aliás, o maneirismo,
ou manierismo, chamado também italianismo.
I - Maneirismo, ou italianismo.
3911y860.
861. Não dominando embora o maneirismo o estilo de todos os artistas do
tempo, pois lhe saem um pouco pela tangente realistas como Holbein
e idealistas como Tiziano, há contudo em cada um algo que conota o seu
espírito. De um lado tentando reforçar expedientes de forte expressividade, de
outro lado tentando equilíbrios, o maneirismo não conseguiu de fato este
equilíbrio de tensões.
Porque uns queriam este equilíbrio mais para cá, outros mais para lá, derivou
finalmente o maneirismo para a exacerbação barroca. Nesta condição o
maneirismo é um estilo de transição. Em si mesmo tem seu sentido intrínseco,
que entretanto não conseguiu estabilizar e manter, como que caindo da corda
bamba, pelo lado de lá, enquanto outros desejariam que houvesse ficado pelo
lado de cá (de moderação classicista).
A este tempo vai começando a Renascença Francesa (século 16), com Jean
Cousin, que certamente tem aproximações com Ticiano. Também já se
manifesta o Renascimento na Alemanha, com Duerer, Holbein, Grüenwald,
Cranach, todos sob influencia italiana, ainda que não alcançados fortemente
pelo maneirismo.
Dentre as telas de Ticiano Alegoria das três idades da vida (Edimburgo, 1513),
é muito significativa, com sugestões que vem de Giorgione.
Os espaços vazios entre uma e outra figura os aproveitou para criar ritmo sem
apelo à linearidade; esta organização se observa nitidamente em Lava-
pés (1550). O mesmo acontece em José e a mulher de Putifar (c.1544).
866. Além dos três grandes nomes, Ticiano, Veronese, Tintoreto, um elenco de
outros se coletam por toda a Itália por uma ou outra forma se ligam ao
maneirismo.
867. El Grecco (Creta 1548 - Toledo 1614) pintor grego, que transitou fácil
para o Ocidente, porque a este tempo Creta estava sob jurisdição de Veneza,
para onde efetivamente veio. Transferiu-se depois para Toledo, então ainda
capital da Espanha.
(século 16).
3911y869.
871. Jean Cousin, o Pai (+1560), foi o mais o renascentista francês mais
expressivo da escola de Fontainebleau.
A sensação de causa e efeito flui de uma das mãos para a outra, através dos
braços e do corpo de Pandora, porque de um lado pousa a mão no vaso e no
outro se apóia na caveira. A concepção de Cousin não se reduz ao
superficialismo vulgar tão frequente nos nus femininos.
3911y873.
Com esses recursos Bosch criou uma pintura surrealista até então sem igual em
originalidade e composições imprevistas, havendo semeado sobre as telas uma
abundância enciclopédica de tais figuras.
Não há registro de datas nas criações de Bosch. Mas, pela análise interna e
destinatários se fixam sequências aproximativas. Uma das primeiras grandes
realizações terá sido Os sete pecados capitais; o rei Felipe II a fez pendurar em
seu quarto de dormir, conservando-se ainda hoje no Escorial.
Mas foi mesmo por causa dos temas fantasiosos que os modernos, sobretudo os
surrealistas, retiraram a Bosch do esquecimento em que caíra e se encontrava
ainda no século 19.
Foi mais vigoroso e monumental que Bosch. Foi mesmo o mais original dos
flamengos do século 16. Como maneirista praticou a técnica de alteração do
espaço, que, para os clássicos era apenas um espaço homogêneo.
IV - Renascimento na Alemanha.
3911y878.
Os nus eróticos aparecerão numa outra fase como as Vênus de Roma (Frankfurt,
1532) e Munique, e sua obra Ancião e uma cortesã.
Criou também o retrato de Lutero (1529). Assim também de A filha de Lutero (Paris)
e O julgamento de Páris (1529).
(1600 - 1710).
3911y885.
Não quer o homem barroco por objetivo final um puro vir a ser; também ele
aspira alcançar o repouso final. Todavia, este repouso ainda não chegou. A
verdade efetiva é o conflito, a oposição dialética dos opostos em luta.
Consequentemente a arte, quando reflete a realidade como seu significado, é
uma arte de tensões. O barroco está com um tema certo, que o define como
estilo.
Ela poderá ser emocional, como o caráter luxuoso do culto católico da contra-
reforma até a entrada do século 20.
3911y891.
892. Sem ter ainda este nome, a pintura barroca começou em Roma com a
tumultuada contestação de Caravaggio ali aparecido pela volta de 1590,
praticando um claro-escuro, que deu aos seus liderados a denominação
de tenebrosi (=os tenebrosos). A pratica então dominante em Roma era a do
maneirismo, equilibrando formas de Rafael e de Miguel Ângelo.
Ao mesmo tempo atuava em toda a Itália o prestigio manierista dos Carraci de
Bolonha, cuja Academia, entretanto, se inclinou logo também para a diretriz
barroca.
3911y895.
No Sul católico (Bélgica) a arte da pintura barroca teve seu expoente máximo
em Rubens (1577-1640), tendo por discípulos Van Dyck e Jordaens.
A frescura própria da idade dos onze ou doze anos aparece também no retrato
dos filhos Alberto e Nicolau (1625), de Rubens.
898. Rembrandt (1606-1669) holandês, inicialmente em sucedido com os
rendimentos de seu quadros, caiu na pobreza, porque foi um gênio
incompreendido pelos seus contemporâneos. Na verdade, porém, foi um dos
pintores mais admiráveis de todos os tempos, sobretudo no que diz respeito à
expressividade interior.
Foi sempre muito anotada a coesão moral e não apenas a forma das
composições de Rembrandt. A atenção concentrada une os Síndicos dos
tecelões (Museu de Amsterdam, 1661). O mesmo ocorre na Lição de anatomia,
que representa os olhos na direção do interesse da lição. O claro-escuro,
processo adotado por Rembrandt, foi, aliás, sempre um processo adequado para
eliminar os objetos e áreas que não participam da obra.
3911y900.
IV - O barroco na França.
3911y905.
(1720 - 1780).
3911y909.
Não está correto definir o rococó como o estilo do fútil em si mesmo. Mas
poderá ser um estilo da beleza leve e graciosa, que eventualmente pode estar
tanto no fútil como no sério. Assim concebido, o rococó é um estilo autêntico
de objeto perfeitamente formalizado.
O dia a dia está cheio destas coisas vazias. Elas podem ser vazias, mas são
suficientemente cheias para as um grande número das pessoas elegantes, que
transitam ostentando o fino do bem vestir e a expressividade corporal estudada,
até mesmo na maneira afetada de falar.
A música foi sempre antes de tudo apreciada pela esteticidade pura e simples
dos sons. Não acontece o mesmo com a pintura e a escultura, formas artísticas
que, além do significante material, tratam também da significação, expressando
conteudisticamente algo. Expressar graciosamente aos objetos, eis onde está o
estilo artístico rococó propriamente dito.
912. O rococó foi sobretudo o estilo da França do século 18, onde recebeu o
nome: estilo rocaille. Este nome lembra rocha (= roc) e incrustações de
conchas (= rocaille), o que sugere a origem do mesmo na arquitetura, dali
passando ao uso da escultura e pintura.
Também foi chamado estilo Luís XV, rei da França de 1715 a 1774. Ainda se
fez conhecer como estilo de regência, pois tendo Luís XV sido declarado rei
aos 5 anos, aconteceu uma regência, que durou de 1715 a 1723. Mas os
primeiros sinais do rococó já se manifestam na construção do palácio de
Versalhes pelo anterior rei Luís XIV, quer na arquitetura, quer na pintura.
Nas telas deu vida ao vestuário suntuoso da época. Neste particular sabia como
imprimir aquela ligeira desordem pela qual o corpo consegue deixar que
adivinhem sua graça.
3911y918.
Em pintura, o neoclassicismo foi logo adotado por Vouet, que tem por
discípulo Jaques-Louis David, o que por sua vez teve também um grande
discípulo em Jean-Auguste-Dominique Ingres. Estes artistas exploram a
imobilidade majestosa e deixando a mobilidade do rococó a título de ilusória.
Criou para a rainha Carolina, de Nápoles, uma obra prima: Grande odalisca
deitada (1814).
Mas, desde 1792 Goya estava surdo, o que contribuiu para o seu
ensimesmamento, exploração de temas expressionistas, crítica social, um certo
caráter doutrinário, aliás próprio do intelectualismo do neoclássico. É a partir
de sua surdez, 1792, que ingressou na fase de suas grandes telas. Mantém-se
reservado durante a ocupação da Espanha por Bonaparte. Restaurada a corte
em 1814 por Fernando VII, o qual restabeleceu também a Inquisição. Goya que
houvera pintado duas majas (=moças) - Maja vestida e Maja desnuda (1800-
1805) - teve de responder ao interrogatório inquisitorial do porquê daquela
moça despida.
O realismo de Goya não inclui a alegria da vida, mas a severidade, como nos
quadros históricos Dois de Maio e Três de Maio (Prado, 1814, fuzilamentos
dos patriotas espanhóis pelos franceses).
3911y928.
O clima agnóstico criado pelo empirismo levou a aqueles que por isso já não
acreditavam na indagação racional a buscar uma outra via de progressão, um
caminho alógico.
Este então se denominava senso comum (commom sense). A partir dali, o belo
passou a ser uma destas categorias não racionalizadas, conhecidas como senso
do belo (sens of beauty). Prepara-se consequentemente o ideário pré-romântico,
primeiramente a nível literário e logo também de pintura.
Para os europeus estas origens se prendem à Idade Média, que fica pois,
valorizada, inclusive sua arte gótica.
940. Eugéne Delacroix (1798-1863) foi o maior pintor romântico francês. Foi
talvez ainda o maior de todo o movimento romântico, pela superioridade
intelectual de conteúdo e pelo virtuosismo de sua expressão pictórica cheia de
emoção e energia.
Jovem ainda, foi bem sucedido no Salon de 1822 com Dante e Virgílio no
Inferno (Louvre).
3911y943.
Foi já na década de 1840 que fez suas primeiras conquistas de espaço. Depois
de viagens pelos Países Baixos, instalou-se definitivamente em Paris, a partir
de 1848, sempre em ativismo social, discursos republicanos nos cafés, ligado
também a Beaudelaire, Proudhon, Champfleury, Henri Murger.
Anos seguidos, ora é aceito, ora rejeitado, até que em 1855 instalou, em salão
próprio, 40 dos seus quadros. Acontece aqui um precedente do futuro Salon des
refusées instalado em circunstâncias semelhantes pelos impressionistas.
Em 1855 havia enviado 11 telas à Exposição Universal, que depois levou para
a exposição particular. Foi então recusado um seu enorme quadro O
atelier (Louvre), por ele denominado "alegoria real". Nele estão retratados os
personagens do contexto do autor, contra e a favor. Ele mesmo está
representado no centro, pintando uma paisagem. À sua direita está Beaudelaire,
o poeta realista. Um boneco pendurado atrás do cavalete significa as ridículas
convenções artísticas. Simbolizando seu desprezo ao romantismo estão atirados
ao chão um chapéu de mosqueteiro e um violão.
3911y947.
Esta técnica escura dos neoclássicos continuava ainda a haver nos realistas
Courbet e Daumier. O interesse de pintar ao ar livre dava oportunidade aos
impressionistas de determinar cuidadosamente a nova técnica, que inclusive
mostrava haver diferença na luminosidade dos objetos com a variação das
horas do dia e incidência da luz. A técnica de luz das paisagens foi a seguir
levada para a prática da pintura em geral, como retratos e interiores.
Aboliram a condição preta da sombra porque também ela contém alguma luz.
Escrevia Constable:
Manet pintou com rápidas pinceladas. Esta é uma técnica empregada pelo
impressionismo sem ser ainda todo o impressionismo. Ocupou-se com a
matização da luz e da atmosfera, com ressaltes cromáticos, de onde mais uma
vez partirão os impressionistas, avançando até a falta de forma.
Em 1886 há uma exposição bem sucedida em Nova Iorque, sob o título "Works
in oil and pastel by the impressionists".
Mas persistiu, contudo, o trabalho dos remanescentes até cerca de 1920, além
da expansão para outros países, onde obedeceu a diferentes cronologias.
954. Claude Monet (1840-1926), pintor francês 8 anos mais novo do que
Manet, todavia com uma vida muito mais longa, tendo sido o apoio
principalmente do impressionismo, a que sempre foi fiel. Desde cedo bem
relacionado com os pintores de cores claras de Paris, Pissaro na Academia
Suíça, Bazille, Renoir e Sisley no Atelier de Gleyre.
Seurat criou como primeira grande obra Cena de Banho (1883), recusada
pelo Salon de 1884. Teve grande destaque: Domingo de verão na ilha de
Grande Jatte – Une dimanche d’été à la Grande Jatte (Nova Iorque, 1884), de
notável magia.
Camile Pissarro, que foi pontilhista por algum tempo, se destacou pelas suas
paisagens de Rouen e Paris: Telhados vermelhos (Louvre), O chalé, a casa
rosa (Louvre), A colheita (Louvre, 1876), Banhista na floresta (Nova Iorque,
1896), Boulevar dos italianos (Washington, 1897).
§13. Expressionismo
(c. 1910-1930).
3911y961.
Passa a sequência pelo fauvismo (vd 965) de Gauguin e Matisse, para chegar à
forma definida de expressionismo, nos anos 1910, conhecidas por A
ponte (Dresden) e Cavaleiro azul (Munique).
Deve-se todavia entender o expressionismo de Van Gogh, - falecido
prematuramente, - como um fenômeno que, por algum tempo, foi apenas
individual. Sem que seu expressionismo tivesse interrupção, teve continuidade
imediata em uns poucos, até que se tornou o expressionismo como um
movimento de maior envergadura.
964. Vincent Van Gogh (1853-1890), antes de se dedicar à pintura, teve uma
experiência religiosa, como missionário numa região carvoeira da Bélgica.
Insucedido, abandonou aquela atividade, e se dedicou à pintura sob influencia
de Rubens, que é seu período holandês (1883-1885).
Tendo um irmão mais novo em Paris, veio para a capital francesa, onde passou
a trabalhar com os impressionistas, entre outros, Pissarro e Cézanne. Teve uma
grande produção, mas seus problemas psíquicos levaram-no finalmente ao
suicídio, em 1890.
Com Cézanne desenvolveu novas maneiras de tratar o espaço e por meio dar
cores exprimia o mundo interior: "procurei com o vermelho e o verde exprimir
as terríveis paixões humanas". As pinceladas rápidas, separadas, ondulantes e
como vírgulas, peculiares ao impressionismos foram conduzidas a um
virtuosismo extraordinário, não só expressando as impressões imediatas da luz,
mas também do mundo interior.
Tendo da escola impressionista o brilho e a luminosidade das cores, inaugurou
um expressionismo vigoroso, em que seu mundo interior encontrou
instrumento adequado para manifestar-se. Deixou as sensações para ocupar-se
com os sentimentos. Os pontinhos coloridos da técnica impressionista se
desdobram em raios impacientes, o desenho se torna flamejante. O desenho não
é calmo, obedecendo às curvas da expressão emotiva.
Desta sorte o desenho dos olhos e das contrações do rosto podem indicar, com
muita precisão, a calma, a tranquilidade, a tristeza, o espanto, o ciúme, o tédio,
a cólera, o horror, além de todos os conteúdos variados de um sorriso ou de um
choro.
Van Gogh nas variadas formas de seu expressionismo colorístico, na sua fase
colorida, deu uns primeiros sinais do fovismo ,que depois se definiria melhor.
O mesmo fenômeno fovista das cores planas acontecia em Gauguin.
Ainda sem nome, o movimento artístico do grupo comandado por Matisse, vai
recebê-lo por ocasião de sua segunda exposição em 1906 no Salão dos
Independentes.
Mas a não repetição da exposição dos fovistas dispersou o grupo, até porque
vários dos componentes tomaram outras direções. Matisse será o mais fiel.
Rouault, com o seu expressionismo místico, também se mantém próximo dele.
967. Henri Matisse (1869-1954), notável pintor francês, foi o líder principal
do movimento fovista, com vasta influência fora do seu país, sobretudo Estados
unidos e Rússia.
As cores escuras as tornou mais claras a partir de 1910, quando também passou
a preferir temas religiosos. O destaque do ódio dado às primeiras telas se
converteu no da piedade, sobretudo depois de 1932.
§14. Plasticismos:
3911y978.
Mas, não é por este eventual aspecto exterior que o cubismo se define, mas por
aquela extensão transvisual do objeto expresso.
984. Não principiou, pois, o cubismo com uma teoria geral, senão com algumas
assertivas bem definidas, como a de que o objeto visual poderia expressar mais
do que seu aparecer diante dos olhos.
Pouco antes dizia Cézanne (+1906), que a natureza deveria ser representada "a
partir do cilindro, da esfera, do cone, tudo posto em perspectiva, de modo que
cada lado de cada objeto, de cada plano, se dirija para um ponto central".
Ora, dele se fazia uma retrospectiva em outubro de 1907, ano em que aparece o
quadro de Picasso, que se aponta como ponto de partida do cubismo: As
donzelas de Avignon (Les demoiselles d’Avignon, Nova Iorque, 1907).
985. Pablo Picasso (1881-1973), pintor cubista espanhol, talento precoce com
passagem pelas Escolas de Belas-Artes de Barcelona e Madrid, estabeleceu-se
em Paris a partir de 1904, onde desde antes já estava em estreita colaboração
com George Braque, o coofundador do movimento cubista..
São deste período: Homenagem a J.-s. Bach (Paris, 1912, Clarinete (Nova
Iorque, 1913), Violão (Nova Iorque, 1914).
987. Futurismo (1909), como movimento artístico, foi literário e também das
artes plásticas.
A diferença de temática exercida pelo cubismo, fez com que este explorasse os
objetos estaticamente, ao passo que o futurismo o mesmo objeto
dinamicamente. Não é essencial ao cubismo ser estático; os temas que explorou
foram os estáticos, como por exemplo, a representação simultânea do dentro e
do fora do mesmo objeto. Essencialmente, o antes e o depois da temporalidade
do movimento constitui um tema tão mental, quanto os demais temas do
cubismo. Efetivamente, só a mente poderá imaginar que o movimento possui
dois tempos; no presente há somente uma só figura da coisa.
Poder-se-ia buscar uma denominação mais genérica e que possa integrar num
só conceito o cubismo histórico e o futurismo histórico a partir de um
significado semântico da palavra. Do ponto de vista meramente semântico,
cubismo indica a característica exterior que a expressão assume ao expressar o
transvisual. Por sua vez, futurismo, do ponto de vista semântico indica um dos
temas transvisuais mais significativos, o movimento. Por extensão semântica é
que um e outro termo vai significar a totalidade da envolvida. Note-se todavia
que o cubista Georges Braque nos seus últimos anos se ocupava com pintura de
pássaros voando, na série Oiseaux e em O Atelier.
"Sabeis que o esplendor do mundo se enriqueceu com uma coisa nona: a beleza
da velocidade. Um automóvel, com seu corpo ornado de tubos como serpentes
explosivas, um automóvel que ruge e parece correr sobre a metralha, é mais
belo que a Vitória de Samotrácia... cantaremos os motores, as multidões, as
vibrações noturnas dos arsenais, as fábricas, as pontes e os vapores aventureiros,
as locomotivas, o vôo dos aeroplanos".
No ano seguinte, 1910, foi lançado o Manifesto dos artistas plásticos da Itália,
proclamando uma renovação das artes, subscrito por Umberto Boccioni, Carlo
Carrá, Luigi Rossolo, Giacomo Balla, Gino Severini. Dizem os manifestantes:
"Nossa sede de verdade não se aplacará pela forma e pela cor tradicionais! Para
nós, um gesto não será mais um momento imobilizado dentro do dinamismo
universal: será definitivamente sensação dinâmica mesmo... Tudo se move,
tudo corre, tudo gira. Um rosto nunca está passivamente parado diante de nós,
mas aparece e desaparece incessantemente.
Gino Severini (1883-1966). Futurista italiano, em Paris desde 1916, onde atuou.
Seus quadros futuristas contêm elementos cubistas, e mais tarde se passou ao
neoclassicismo.
992. Nos Estados Unidos o futurismo teve presença com Marcel Duchamp (já;
citado) e influenciou as criações de Joseph Stella, Lyonel Feininger (1871-
1956), este a partir de 1920.
995. A Optical Art (Op Art) se caracterizou pela matéria utilizada como
instrumento de expressão: efeitos de luz no espaço
3911y996.
998. Concluindo sobre o estilo, mais uma vez advertimos que à filosofia cabe
principalmente a abordagem teórica do estilo (vd 703), definindo-o como
elemento constitutivo acidental da expressão artística e classificando sua
possíveis modalidades.
Todavia, como se tem constatado, de muito serve à filosofia a abordagem
experimental do estilo, em que uma das mais praticadas é a histórica sobre os
seus mais diversos estágios de formação.
Como se disse, a abordagem histórica dos estilos é muito útil, exatamente por
causa da característica da eventualidade que eles oferecem.
Evaldo Pauli.
ESTÉTICA DAS FORMAS.
Por sua vez Estética das formas se coordena com outros textos híper, para se
estabelecer como 4-a subunidade do grupo maior denominado Megaestética.
A numeração em 8 dígitos contém internamente a letra y para a seguir dar lugar
aos números divisionários.
Na versão original em Esperanto a referida letra y é substituída pelo traço - e
que é a única característica que distingue a versão internacional com a versão
em língua nacional, permitindo ao consulente alternar-se na preferência.
Para uso interno do texto, basta o número divisionário para fazer as referências.
As ilustrações visuais do texto terão um tratamento em separado, a ser inserido
de futuro.
6. Estética das formas é o estudo da arte, que tem a forma como portadora da
expressão artística. Por exemplo, a escultura e o desenho operam com formas,
sendo por isso objeto de estudo da estética das formas.
Em contraste com as formas estão as cores, que constituem a estética das cores;
os sons, constituindo a estética da música; os equivalentes convencionais, como
as palavras, constituindo finalmente a estética dos símbolos, de que a principal
é a estética literária, ou da linguagem.
A definição acima apresentada importa em análise dos termos usados, tanto do
de forma, como do de estética.
E mais do que estes termos, importa atender ao sentido da arte simplesmente.
Não se limita a arte à arte das formas; esta é apenas uma entre as várias
espécies de arte. Há, pois, a preceder pressupostos comuns a todas as artes;
embora não rediscutidos por ocasião das estéticas específicas, hão de ser
levados em conta, bem como de quando em quando lembrados, nos aspectos
solucionados diferentemente pela filosofia geral da arte (vd 0531y000).
Entretanto, didaticamente, sobre os pressupostos poderá ocasionalmente ser
retomada a discussão, sobretudo quando isto servir para mostrar a coerência
entre uma filosofia especial da arte, com a filosofia geral da mesma arte.
Quando isto acontecer, é preciso ter consciência de que os pressupostos são do
contexto geral, a fim de não romper a sistemática interna do todo do contexto
particular da filosofia especial da arte.
Por sua vez, também didaticamente, o texto de cada estética especial é
intencionalmente repetitivo em suas exposições.
O que ainda nos faz ocupar com a forma dos objetos é o fato de que ela pode
servir de portadora da expressão artística, como já adiantamos. Nesta condição,
uma forma, enquanto semelhante a uma outra forma, poderá ser utilizada para
significar ao objeto respectivo. Uns poucos traços, quando desenhados na
forma de uma ponte, imediatamente a expressam, levando a ela a atenção
daquele que observa e interpreta os referidos traços.
Ocorrem, portanto, dois momentos: forma como um absoluto pré-artístico,
enquanto é simplesmente ela mesma, e aquele outro, em que a forma remete
para o seu assemelhado, significando-o.
A estética das formas não trata das formas simplesmente, mas enquanto são
capazes de expressar algo. O proposto se restringe, pois, à arte das formas.
Todavia, não podemos exaurir o estudo da arte das formas sem examinar a
condição pré-artística das mesmas. Há uma dialética entre esses dois elementos:
a forma simplesmente como forma de certa matéria e a forma como expressão
de algo.
A forma, como distribuição das partes no espaço, é uma das
muitas qualidades dos corpos.
Mas ainda há outras qualidades nos corpos. Como qualidades especificamente
distintas da forma, estão ali a cor e o som. Também estas outras qualidades são
importantes para a criação de artes, de novo por assemelhamento.
No seu primeiro instante a forma é distribuição das partes no espaço, ora como
linhas, ora como áreas, ora como volumes.
Nesta condição de partes distribuídas no espaço, a forma se distingue da cor e
do som.
14. Subespecificam-se as artes que usam a forma como recurso; mas de todas
nos ocupamos agora, sob o título de estética das formas.
As denominações, ora são mais genéricas, como em artes plásticas, ora mais
específicas, como em escultura e arquitetura. Tais denominações já não
indicam a ciência que cuida destas artes, porque elas são apenas diretamente
indicadas. Para nos referir à ciência sobre as mesmas teremos de
apor: estética das artes plásticas, estética da escultura, estética da arquitetura.
Escultura (do latim sculptura, por sua vez do verbo sculpere) é um termo
ligado ao sentido fundamental de cortar desbastando, entalhando, conforme o
étimo indo-europeu kel- e skel-. O termo escultura manteve-se bastante estável
no seu significado, pouco derivando para outras nuances.
Sendo de origem latina, não era escultura o nome usado pelos gregos, que se
haviam mostrado os mestres insuperáveis desta arte. Na linguagem deles se
dizia ( 8 L N Z (= escultura), ( 8 L N , b H (= escultor); ( 8 b N T (= esculpir).
15. Arquitetura é um nome já antigo e nem sempre se situa no campo
específico da arte no sentido estrito de expressão de um tema.
No contexto geral dos idiomas indo-europeus, a raiz tek- apresenta o sentido
geral de fabricar. Tekton em grego é o carpinteiro, Tektaino é trabalhar em
madeiras. Arkitekton é o construtor principal. Evoluía depois arquitetura como
denominação das obras em pedra. Hoje inclui as obras nos mais diversos
materiais.
Recentemente introduziu-se também a denominação engenheiro, de formação
latina a partir de ingenium (= propriedade, entendimento, aparelho), de sentido
mais amplo que o de construtor de edifícios. A engenharia inclui também a
construção de estruturas móveis e produtoras de movimento, como máquinas,
veículos, motores, aparatos eletrônicos.
No latim ocorre ainda um derivado do grupo tekton que
diz texere (tecer), Textum (= texto), tela (= tela). No francês tela foi para toil e
dali toilete. Teríamos, então, na toilete de hoje uma espécie de "arquitetura" da
aparência estética do corpo humano e dos arranjos de vestir.
O conceito arquitetura não inclui necessariamente o de arte como expressão
significadora de algo. Mas é comum que a obra arquitetônica expresse algo
sugestivamente. Então já não é apenas algo belo, como no conceito de "bela
arte", mas ainda uma escultura significadora ao modo da arte em sentido estrito.
Só neste último sentido, - qual seja o de expressão temática, - cuidamos
diretamente da arquitetura neste ensaio sobre estética das formas.
17. Ainda que a arte das formas não possa concorrer com a da linguagem, no
que diz respeito à capacidade de comunicação, ela apresenta contudo certas
vantagens em função de particularidades que lhe são específicas.
Entre estas vantagens específicas da arte das formas se encontra a capacidade
de apresentar as mesmas formas físicas das coisas, em linha, área e volume.
Embora a linguagem muito explique, certas coisas melhor se representam
através de um desenho ou escultura. Dali vem que os textos literários,
sobretudo enciclopédias, costumam aduzir ao objeto que definem, ainda o
desenho ou a fotografia do mesmo. A este procedimento se
denomina ilustração de texto.
A linguagem é mais inteletual, porque opera mediante equivalentes
convencionais e estes podem sofisticar-se adatando-se às operações inteletuais
de conceitos, juízos e raciocínios, enquanto a arte das formas é mais sensível,
operando diretamente com as semelhanças corporais das linhas, áreas, volumes.
Outra peculiaridade da arte das formas, é o fato de que, na aliança já
mencionada entre as artes, ela participe com um sensível comum a todos os
sentidos (vd 42), enquanto as outras operam apenas com sensíveis próprios,
isto é, específicos a apenas um sentido.
A pintura, o som da música e a linguagem, em última instância, não podem
libertar-se do espaço.
Combina-se por exemplo a cor, com as formas que a espacializam na tela, ou
mesmo a colocam em terceira dimensão na escultura.
Também a linguagem, constituída de sons, se estrutura com as formas do gesto
do orador, com as formas na movimentação cênica do teatro, do cinema, da
televisão.
Até mesmo a música se espacializa e apresenta direções a partir de onde vem
até nós.
O resultado é que, no fenômeno da aliança das artes, a arte das formas ocupa
posição central, ou seja, é a arte através da qual todas as artes se aliam.
19. A psico-dinâmica das formas, ainda que bastante cedo praticada pelos
artistas na escultura e na arquitetura, não foi teoricamente muito bem conhecida
no passado. Entretanto esta ordem de conhecimentos deve encontrar-se no
fundamento de qualquer sistemática no campo da pré-estética das formas.
Em si mesma a psicodinâmica das formas constitui-se apenas um objetivo pré-
estético, a ser considerado já antes de receber a expressão que informa
intencionalisticamente sobre algo.
Todavia, num segundo momento, esta psicodinâmica das formas permite ser
aproveitada também como instrumento de expressão. Alcançada a expressão
fundamental através da mimese das formas, passa a receber por associatividade
as sugestões psicodinâmicas para evocativamente alcançar mais expressão.
20. A arte abstrata será possivelmente a glória dos modernos, que tanto a
praticam, como a teorizam até mesmo com insistência.
Ainda que até agora quase toda a arte moderna seja um lixo, quer pela
expressão deficiente, quer pela falta de conteúdo apreciável da mesma, este fato
não diminui a validade dos seus princípios.
Wassily Kandinsky (1866-1944) chamou a atenção para o atraso dos estudos
elementares, de que dependem as artes plásticas. E ele mesmo escreveu o
tratado Ponto e linha frente ao plano (1926), em que retomou alguns
elementos já conhecidos e desenvolveu uma ciência da arte em proporções
maiores.
"A opinião dominante até o dia de hoje, - segundo a qual seria fatal dissecar,
decompor a arte, porque tal decomposição conduziria indefectivelmente à
morte da arte, - se origina em uma ignorante sub-estimação daqueles elementos
postos a descoberto e de suas forças primárias.
A arquitetura ... a música ... possuem bases científicas e ninguém se
escandaliza por isso.
Se as outras artes se mantiveram mais ou menos atrasadas neste sentido, a
magnitude deste atraso corresponde ao grau de evolução de cada uma delas ...
A pintura, em especial, deu no curso dos últimos decênios um salto realmente
fabuloso ...
É um fato curioso aquele de que os impressionistas destruíram, em sua luta
contra o acadêmico, os últimos restos da teoria e que, não obstante sua
afirmação de que a natureza constitui a única teoria para a arte, tenham sido
eles quem, sem demora, ainda que inconscientemente, puseram a pedra
fundamental da nova ciência da arte " (Kandinsky, Ponto e linha frente ao
plano, Introd.).
A teorização sobre a arte se ocupou principalmente dos estilos (veja-se cap. 7º,
nrs. 226 a 308). Em filosofia da arte não é todavia o estilo o principal. Não
obstante, o aspecto histórico dos estilos oferece elementos consideráveis para a
compreensão mesma da arte, sobretudo da arte das formas, muito influenciada
pela descoberta de novas técnicas, como por exemplo a produção industrial dos
materiais utilizados e invenção dos recursos eletrônicos.
21. O estudo da estética das formas se divide obviamente nos dois elementos de
que se compõe qualquer obra de arte, o significado (ou expressão) e o
significante (ou portador da expressão). Temos, por conseguinte os títulos
abaixo :
CAP. 1-o.
A FORMA COMO EXPRESSÃO. 2283y022.
22. Diante de formas, como linhas, áreas e volumes, adequadamente operados
como arte, distinguimos de pronto entre o que tais formas são simplesmente
como formas (significante), e algo mais, pelo que dizemos ocorrer ali uma
expressão (significado).
Esta expressão precisa ser determinada em sua mesma natureza geral (Art. 1-o),
e depois explicada por uma teoria (Art. 2-o), com complementos sobre o seu
caráter de expressão objetiva interpretável (Art. 3-o) e propriedades (Art. 4-o).
Conceberia o artista seus objetos apenas como objetos absolutos, sem relação
intencionalística, como se fossem meramente entitativos, para se apreciar em si
mesmos, apenas como novos objetos acrescidos aos objetos já existentes?
Ou, pelo contrário, conceberia o artista aos seus objetos como instrumentos de
significação, que expressam intencionalisticamente, como sendo signos de
outros objetos?
Estes produtos artificiais são tipicamente humanos, porque são criados sob
orientação de uma idéia, ou imagem, guiando a ação. Até mesmo quando
sonhamos, a imagem pode guiar a ação, conforme se observa em alguns casos,
inclusive no dos sonâmbulos. Quando produzidos pelo homem guiado pela
razão, ou por imagem, os objetos se dizem artificiais frente aos naturais.
A grande diferença, pois, da obra humana, mesmo a não artística pela qual se
cria um artefato, é a presença de uma idéia exemplar, - a recta ratio
factribilium, - que ilumina a ação e a orienta. Por isso as obras do homem
assumem peculiaridades distintas das coisas achadas na natureza.
Não obstante, a própria natureza, enquanto vista como criação de Deus, admite
a mesma consideração; teria Deus operado, considerando uma idéia exemplar.
Ordinariamente, porém, não apreciamos as coisas da natureza como contendo
uma idéia, como acontece com a obra humana. Esta sempre se faz como
realização de uma idéia. Neste contexto, continua a diferença entre a obra da
natureza e a obras humana.
É possível sudistinguir os objetos artificiais em meramente entitativos, como os
artefatos, e os que são portadores de expressão, aos quais queremos nós
denominar como sendo unicamente as expressões artísticas.
Entretanto, não faltam aqueles que colocam como especificidade da arte outros
aspectos e que podem encontrar-se em objetos de produção meramente
entitativa.
Por isso, uma tela de arte pode ficar; simplesmente pendurada numa parede,
sem outro objetivo que não a de ser apreciada. Igualmente a música não
passaria de uma sequência estética de sons, sem outra finalidade senão a de se
fazer ouvir.
25. Contestando. Não nos parece que a arte seja apenas um criar novos objetos,
pois não basta serem artificiais, sejam produtos de uma razão, sejam para a
apreciação gratuita e fora de outra utilidade.
Todavia, não obsta que nos entreguemos a este tipo de atividade, desde que não
a confundamos com a mesma arte. Podemos criar objetos simplesmente
como novos objetos. Estes novos objetos seriam para efeito meramente estético
inclusive útil.
Assim, para efeito meramente estético, é possível lançar cores sobre as paredes
das casas simplesmente para que se possam ver as belas cores; é o que de fato
se usa fazer. Assim também se vestem belamente as pessoas e arrumam
internamente suas casas. Igualmente se pode criar sequências de sons sem nada
significar, senão para sentir a harmonia sonora. Nesta mesma direção está a
indústria quando cria seus manufaturados com formas agradáveis de se ver.
Mas não basta a idéia exemplar realizada para que uma obra de arte se diga tal.
A presença da idéia exemplar guiando a ação apenas distingue a ação da
natureza da ação inteligente do homem. Dali não resulta mais que a distinção
entre criação pela natureza e criação artificial pelo homem. Além destas idéia
exemplar, a obra de arte deve ser expressão significadora. Qualquer artefato
humano é guiado por uma idéia exemplar, sem com isso tornar-se uma
expressão significadora. Importa ainda a intenção de colocar algo na obra, que,
pela sua semelhança (natural, ou convencional) efetive uma significação.
Como se verifica, nos pressupostos da estética das formas estão questões que já
vêm discutidas desde a filosofia geral da arte (vd 0531y000) e que ali devem
ser resolvidas.
26. A arquitetura constrói de acordo com uma idéia prática, segundo a qual
organiza as formas de um espaço, para torná-lo útil ao uso do homem.
Até aqui a arquitetura é apenas uma obra fechada em sua entidade, sem
intenção de se tornar um objeto portador de significado. Ela se reduz ao mesmo
plano de todos os objetos artificiais, de caráter meramente entitativo.
A revelação que o objeto especial dá a seu mesmo respeito poderá ser contudo
interpretada a maneira da teoria teoreticista intencionalista. Ele pode ser
interpretado ao modo de significante e significado isto é como algo que
exprime algo.
"O uso do papel colado, da areia e de outros elementos poéticos e real e postos
dentro do quadro já indica a necessidade de substituir a ficção pela realidade.
Quando mais tarde o dadaísta Kurt Schwitters constrói o seu Merzbau - feito
com objetos ou fragmentos de objetos achados na rua -, ainda é a mesma
intenção que se amplia, já agora livre da moldura, no espaço real. Nesta altura,
a obra da arte e os objetos parecem se confundir.
A técnica do ready made foi também adotada pelos surrealistas. Ela consiste
em revelar o objeto deslocando-o de sua função ordinária e assim
estabelecendo entre ele e os demais objetos novas relações" (Ferreira
Gullar, Teoria do não-objeto, Jornal do Brasil, Supl.9-1950).
Não resta dúvida, porém, que a terminologia objeto especial se presta para a
interpretação não intencionalista da arte ainda que não importe necessariamente
nela.
A interpretação não intencionalistica admite a terminologia do "não-objeto", no
sentido de "não tema". Criar-se-ia a obra de arte com o fim em si mesma, de
sorte a não cuidar de um remeter intencional para um objeto intencionalmente
distinto dela mesma. Não fazendo representação de objeto, a arte seria uma arte
de não-objeto.
Se se disser de uma arte que ela é uma arte de "não objeto" apenas por que não
apresenta "objetos concretos", outra coisa não sucede do que estabelecer que
ela não é figurativa. Resta ainda lugar para que dita arte exprima de maneira
meramente formal; então, há também objetos, ainda que não concretos. Visados
estes objetos de maneira intencionalística pela obra de arte, esta se dirá
expressão, de acordo com a teoria não practicista.
Para que "arte de não objeto" indique uma interpretação não intencionalística,
requer-se que o "não objeto" exclua os objetos de toda a ordem, concretos e
abstratos; então esta arte se fixará apenas na obra, fazendo dela em si mesma o
fim da apreciação. A obra de arte se reduzirá à sua mesma aparência singular
sensível. Será apenas um novo ente. Não transmitirá a atenção, nem para o
figurativo, nem para o meramente formal, por que não significa nada.
A expressão não-objeto foi, por sugestão minha, adotada por Lygia Clark para
designar os seus últimos trabalhos que são construções feitas diretamente no
espaço. Mas no sentido de tal expressão não se restringe a ser o nome de
trabalho particulares, pois não-objetos são também as esculturas de Amilcar de
Castro e Franz Weissmann, as últimas obras de Hélio Oiticica, Aloísio Carvão
e Décio Vieira, bem como os livros-poemas dos poetas neoconcretos (Ferreira
Gullar, Ibidem).
Não podemos afirmar que ditos artistas criaram a arte de não-objeto; há quem
assim a interprete; de fato, parece-nos que também ocorre intencionalidade na
referida espécie de arte dita de não-objeto.
§ 2. Concepção intencionalista da arte. 2283y029.
Ocorre aqui uma clara distinção entre significante, que é o primeiro objeto na
função de portador, e expressão, situada ainda no primeiro objeto, a partir de
onde conduz ao segundo.
Esta concepção da arte não exclui a aliança de mesma arte com elementos não
artísticos. A geral integração das artes entre si e das artes com funções não
artísticas é um fenômeno normal (vd 157). A música, por exemplo, flui grande
parte senão como sonoridade estética, sem que nada signifique; como arte,
todavia, sua essência está em exprimir algo, por pouco que seja. Há na música
o momento pré-estético da sonoridade material, e o momento artístico
propriamente dito do significado. O mesmo acontece com a arte das formas,
que é estética como material e estética pelo significado de que é portadora.
Que é que nos faz aproximar de uma obra de arte? Sempre nos ocupa em saber
o que ela exprime. Portanto, a teoreticidade, ou seja, a expressão informante, é
o motivo da arte; a teoreticidade é sua significação central.
Que pretende um artista, ao criar sua obra? Ainda que faça como obra física,
que entra para a existência, ao modo de qualquer outra coisa concreta, o que
verdadeiramente leva o artista a criá-la é uma função teórica. Portanto, a arte
não é apenas o surgir de mais um ente ao lado de outros entes; é uma expressão
a transcender para fora de si mesma.
Não nos aproximamos de uma obra de arte, com a preocupação de atender à
sua criação na ordem prática existencial, pois ninguém faz do ponto de vista
meramente artístico perguntas como estas: existe a obra ? Resiste a obra a ação
do tempo ? É eterna a obra ? Tais preocupações pertencem à ordem existencial
prática e são da área da criação na ordem prática. Podem interessar ao
empacotador, ao transportador, ao guarda, e não ao consumidor da arte em si
mesma.
O orador não faz gestos apenas com reflexos entitativos de sua passionalidade,
seus gestos também querem representar algo. Quando aponta com o dedo, não
o faz que olhemos seu dedo simplesmente, mas para onde ele indica.
Tal acontece com a idéia, que não surge na mente como um acontecimento
meramente psíquico, mas como informação sobre algo, também a expressão
artística não se limita a ser um objeto que ocupa fisicamente um lugar; ela é um
dizer algo à maneira de mensagem.
Importar atender para a diferença entre efeito formal e efeito na ordem da causa
eficiente. Enquanto na causação formal o efeito permanece na mesma causa
formal, o efeito na ordem da causa eficiente se separa do causante, o que se
pode observar empiricamente.
Dali a teoria sobre a expressão mental, segundo a qual a idéia informa sobre o
objeto, por ser semelhante de algum modo a ele; do mesmo modo a arte
exprime ao seu respectivo objeto, por ter com ele alguma semelhança.
Ora, enquanto a qualidade distingue os seres entre si, estes começam por se
determinar como semelhantes e dissemelhantes, à medida que a distinção
diminui ou aumenta.
Passemos a aplicar tudo à forma de um corpo aproveitado pela arte. Esta forma,
como disposição das partes no espaço, é uma qualidade. Portanto, a forma, por
ser qualidade, tem semelhante. À medida que as formas de um e outro ser se
aproximam, estas formas se dizem mais semelhantes; à medida que se separam,
mais se dissemelham.
O artista, quando lança mão da forma espacial para expressar temas, não faz
senão amoldar as formas, cujas partes ajusta de maneira a se assemelharem às
partes das formas dos seres que visa indicar.
36. Signo formal. A expressão, - voltamos a insistir, - tem por efeito formal,
indicar o objeto. Operando, portanto, por um efeito situado na ordem da causa
formal, não é como um efeito na ordem da causa eficiente.
Entre o signo formal e o objeto assinalado ocorre uma coesão mais estreita que
a verificada entre o signo instrumental e seu respectivo assinalado. O signo
formal brota da relação de semelhança; o signo instrumental é sugerido pelas
relações de causa e efeito, como entre o fogo e a fumaça. O signo formal acusa
diretamente; de um dos assemelhados, a atenção salta prontamente para o outro;
tal ocorre na idéia, que fala de uma conteúdo; o mesmo acontece na arte, em
que a mimese existente entre expressão e a coisa expressada funciona
automaticamente. Não acontece o mesmo no processo pelo qual se conhece a
relação entre causa e efeito na ordem da causa eficiente. Seja o caso do signo
instrumental; nele se requer o conhecimento preliminar de ambos os termos,
um como causa eficiente e o outro como efeito; somente a seguir, toda vez que
vemos a fumaça, podemos calcular que esta fumaça tenha tido uma causa que
lhe deu origem.
37.O saber ver as formas, para imitá-las. Posto que a arte é exercida
mediante imitação e sugestão, precisa o artista conhecer aquilo que vai imitar e
sugerir. Não pode conscientemente imitar e sugerir aquilo que não conhece.
Portanto, a prévia condição de quem imita e sugere, com vistas a se expressar, é
conhecer com antecipação o tema.
Passamos a querer desenhar uma casa, que temos diante; se vemos que ela se
apresenta mais alta que larga, estamos em condições de desenhá-la com estas
proporções; mas, quem ainda não tiver o espírito de observação, para vê-la com
estas proporções, poderá, sem se aperceber, desenhá-la com outras proporções,
menos alta, que larga. Uma das primeiras preocupações do desenhista é ver as
proporções de largura e altura; com isso faz o enquadramento do objeto, isto é,
do tema. Procurando ver, passa a fazer o desenho; mas, quem não aprendeu a
ver, não poderá desenhar verdadeiramente.
Que devemos ver nele para desenhá-lo? Coloquemo-lo numa situação bem
especificada - a alça para um lado, o bico despejador para o outro.
Suponhamos que a largura seja mais ampla; então o enquadramento geral terá
mais largura. Ora, é que o observador comum não terá notado. Depois o
desenhista procurará ver as relações de cilindro. Ele poderá observar que a
largura é duas vezes e um quarto maior que a largura da base. Eis mais uma
relação da qual o indivíduo comum não se apercebe e que não poderá
certamente desenhar este bule com exatidão.
E assim por diante, o desenhista é o homem capaz de ver tudo, para tudo
desenhar com perfeita configuração dos objetos.
41. Ainda que a mimese explique a essência da arte, ela se completa com
recursos acidentais, em que se destacam sobretudo a associatividade, peculiar
às imagens, e o contexto (vd 44), operado pela razão. A arte não opera apenas
com a mimese, complementando-se notavelmente com os dois recursos
indicados.
O ajustamento das formas da expressão artística de tal maneira, que elas não só
exprimam por mimese, mas também por evocação, merece um aprofundamento.
Nesta articulação entre o significante e o significado, importa, por conseguinte
atender não só à mimese, pela qual a obra de arte exprime o seu objeto por
imitação; é preciso também estar atento ao que, por acréscimo, se exprime por
associatividade.
Há formas que facilmente imitam outras e por isso apontam seu objeto com
rigor lógico, peculiar à prosa; tais são os desenhos e esculturas figurativas.
Por isso, o que importa em primeiro lugar, é ser prosador. Mesmo o poeta
deverá bem saber como, pelos recursos da prosa, expressar o objeto estímulo.
Uma estátua por exemplo, ao apresentar uma certa posição peculiar ao homem
que pensa, permite, pelo contexto, expressar simplesmente o pensador,
sugerindo ainda o seu esforço mental e desligamento com o meio. Lembre-se
aqui exatamente uma estátua de A. Rodin (1840-1917).
Consequentemente, nenhuma arte fica limitada a um certo tema, ainda que cada
uma tenha aqueles para os quais melhor se destina.
Se o tema da arte é aquilo que puder objetivamente estar indicado na obra sobre
o tema, qualquer seja o expediente, já se pode prever a consequência desta
situação no que diz respeito à universalidade temática (vd ).
Não há sentido, então, limitar a arte à temas muito determinados, como só aos
sentimentais, ou só aos inteletuais.
A expressão, na obra de arte não é ideativa; isto quer dizer que ela exprime o
objeto, e não uma idéia do objeto, ainda que a idéia influencie o modo de o
exprimir. Em si mesma, a obra é algo inconsciente, sendo um objeto a imitar
outro objeto. A expressão é apenas expressão objetiva posta para ser
interpretada por outrem.
A arte para a infância e para os adolescentes deverá ser pedagógica, sob pena
de restar sem interpretação.
Para os adultos a arte deverá ser ao menos didática ao nível das diferentes
camadas sociais a que se destina.
Acontece, então, a arte popular, destinada ao povo, mesmo que criada pelo
grande artista.
A obra de arte exprime diretamente os objetos aos quais se refere, ainda que
sob a influência do modo como o pensamento e os sentidos os atingem. Não é
pois a obra de arte a expressão de uma idéia da mente a propósito do referido
objeto.
Uma escultura de homem, por exemplo, não exprime a idéia de homem, mas
efetivamente o homem. Do mesmo modo, - e muito paradoxalmente, - não é
exato dizer (embora este seja um uso consagrado), que a linguagem falada ou
escrita expressa conceitos, juízos, raciocínios, pensamentos em geral. Ainda
que o objeto expresso pela arte seja influenciado pelo conhecimento, o que
efetivamente a arte diretamente significa é o objeto em si mesmo.
Não se trata de uma arte passar a expressar a outra arte. O que se pinta, pode
também ser esculpido; não se trata entretanto de esculpir uma pintura, mas de
esculpir o objeto do qual se fez a pintura. O objeto é tão diretamente imitado
pela pintura, quanto a escultura passa a representar diretamente aquele mesmo
objeto da pintura.
Ao artista compete escolher qual o tema exato que pretende expressar em sua
obra. Há, então, uma intenção temática. Ainda que a expressão possa referir-se
a muitos objetos, um só é eleito, para ser pensado como tema.
51. A expressão objetiva não se manifesta por igual nas artes de mimese natural
e nas artes por convenção.
Pelo exposto, a expressão artística em formas não goza das vantagens das
expressões da linguagem. Não obstante, na arte das formas a mimese natural é
muito eficaz; pela abundância do concreto, a interpretação, apesar de aleatória
na escolha das idéias, juízos e raciocínios, os produz em grande abundância,
conforme se orientar a atenção. Embora um livro se leia sequencialmente, o
mesmo não acontece quando se observa uma escultura. Pode-se observá-la
todos os dias, cada vez com outra ordem sequencial ditada pela atenção e novos
interesses, que se mantêm ao longo dos anos. Diferentemente acontece com o
livro, o qual depois de lido costuma ser deixado por encerrado.
52. Uma estátua deve ser convincente, ao mesmo tempo que estética e
exercendo uma função de algum modo útil, além de ser um material em si
mesmo belo. Eis uma sequência de propriedades artísticas que devemos
examinar em sistema e de acordo com as propriedades da arte em geral.
Além de sua característica essencial de ser expressão, a arte contém
propriedades. Em sendo propriedades, não constituem o essencial, podendo
todavia ser muito importantes e por isso mesmo decisivas para o apreço à arte.
53. Varia a significação das propriedades artísticas entre esta e aquela arte. A
língua serve sobretudo por causa de sua capacidade maior de comunicação. A
música destaca-se pela esteticidade das propriedades pré-artísticas. A arte das
formas caracteriza-se pela frequência com que se combina com outras funções,
por exemplo, com as funções arquitetônicas e industriais. Está também presente
na pintura, cinema, televisão.
Ajustando a expressão ao tema que expressa, este objetivo pode ser alcançado
com maior ou menor plenitude e perfeição.
55. A evidência apresenta-se com nuances, e que se dizem com estes outros
termos: clareza, distinção, brilho, apodicticidade.
Considerando que a forma é uma disposição das partes no espaço, resulta que a
clareza na arte das formas se diz sobretudo da apresentação das relações
espaciais das partes de cada objeto (quer como linhas, quer como áreas, quer
como volumes), bem como das relações de diversos objetos entre si, de sorte a
articulá-los no espaço geral que ocupam.
A arte, por ser uma expressão que informa, poderá ter ditas decorrências
psicológicas e portanto ser apreciada como estética, catártica, lúdica. Eis o que
temos diante de nós para examinar, sobretudo frente à arte das formas.
I - Esteticidade da arte das formas. 2283y059.
A arte faz conhecer, ainda que através da interpretação da inteligência. Há, pois,
um sentimento estético artístico. Este sentimento estético não é sensível, é de
ordem superior; é um estado da razão.
O conhecimento produzido pelas obras de arte, por mais diverso que seja,
resulta em esteticidade. Mas, fundamentalmente, agrada por ser objeto que se
faz conhecer e não simplesmente por ser belo.
Os degraus inferiores do ser também são objeto, e por isso a escalada do saber
se compraz em subir por todos os degraus.
Com esta teoria explicamos porque a música é mais estética que as artes
visuais. Sumamente agradável, a música é a mais agradável das expressões
artísticas convencionais. Dali porque pôde dizer Dante Veoleci: "Mais
agradável que a música, só mesmo o silêncio".
61. Uma tensão acompanha o curso da atividade quando se cria uma expressão,
seja da mente, seja da arte. Ao concluir-se, o produtor sente como que um
alívio, com característica de catarse, isto é, de libertação e purificação.
No que tem de mais geral, a catarse é apenas uma das muitas formas que
assume a geral dinâmica interna das coisas. Tudo o que se move ou age tem de
chegar a um termo, em que a atividade se conclui e repousa. Por isso é que,
quando um objeto se faz conhecer à mente, uma cadeia de fenômenos continua
acontecendo, os quais são ações e fazeres que se guiam à luz daquele primeiro
conhecimento. Um dos termos finais do processo incontido dessa dinâmica
geral das coisas é a expressão exterior em palavra, pintura, arte e assim por
diante.
64. A diversão e a distração, que a arte também tem como uma de suas
propriedades poder provocar, é uma das formas mais frequentes da sua geral
ludicidade.
De outra parte, a linguagem recebe especial adatação para que sua função seja
perfeitamente viável.
68. Antes que chegue a ser expressão, a matéria existe e contém propriedades
que não desaparecem depois de utilizada, continuando a influir, não podendo o
fato ser desprezado.
Ora o mármore, ora o bronze, ora outro material são escolhidos pelo escultor,
porque os efeitos resultantes são outros e outros.
69. A conclusão sobre as propriedades da arte nos leva a crer, que é em virtude
delas que as artes em geral são tão apreciadas.
Outras artes, como a música, a pintura, escultura, são apreciadas mais pela
força estética, porquanto operam por mimese natural dos sons, das cores, das
formas.
CAP. 2-o.
A FORMA COMO SIGNIFICANTE. 2283y070.
Deve contudo ser a forma estudada neste seu instante absoluto, para sabermos
como melhor aplicar-lhe depois a expressão.
71. O mundo das formas apresenta-se no primeiro intuito como a coisa mais
normal e admissível. Entretanto, a pergunta pelas formas resulta em um
pandemônio de indagações filosóficas e num complicado enredo físico, que
desafia aos pesquisadores da ciência.
Contudo a questão das formas não se apresenta tão intrincada para os artistas,
ainda que não saibam bem dizer o que acontece. Entretanto, não se trata agora
apenas dos artistas, mas da filosofia da arte, a qual deverá pelo menos ordenar
alguns conceitos de fundamento, para compreender sobretudo o porque da
integração das artes entre si.
§ 1-o. A forma como sensível comum. 2283y072.
Não obstante, também o tato percebe o espacejamento das formas. E assim até
o ouvido percebe de que direção do espaço vem os sons.
Em princípio pode haver uma escultura feita só para o tato, outra só para o
ouvido, outra ainda só para a língua, ou mesmo só para o nariz. Do mesmo
modo, as pessoas namoram, ou só com a vista, ou só com o som, ou só com o
tato das mãos. A dança tem muito de visual, todavia também muito de tato,
sobretudo erótico.
Através da forma que os sentidos alcançam em comum (veja cap. 2, art. 4) (vd.
153 ss), processa-se amplamente a integração das artes (vd).
Também o número se consegue perceber pela vista e descobrir pelo tato. Mas
de nenhum sentido é objeto próprio.
Mas, se as qualidades sensíveis são, - ou não são reais, - tudo isto não interfere
nos conceitos mesmos da arte.
§ 2-o. Individuação e multiplicidade. 2283y073.
Na arte das formas, a fidelidade das reproduções é mais difícil quando se trata
de matéria pouco dúctil, como o bronze, a pedra e o mármore. Apresenta-se
mais sutil, quando se trata de gestos e manifestações teatrais. Nos modernos
recursos eletrônicos aconteceu uma revolução no domínio das imagens e suas
formas.
A substância é uma categoria que está sob as demais, - o que é dito pelo seu
próprio nome, - do latim sub stare (= estar sob). A quantidade é uma
determinação que advém à substância; por último as partes da quantidade a
organizam, dando-lhe a forma como um qual modo de ser quantificada.
Para Kant não existe a substância corpórea real, senão como um cálculo da
razão e que por isso é apenas um conceito, com a condição de forma a priori do
entendimento. Também não existe a quantidade, senão como uma forma a
priori dos sentidos externos. Não seriam, pois, a substância e a quantidade
nenhuma determinação real havida em coisas reais, ainda que na mente tenham
o aspecto de realidades.
De sua parte, não seriam as coisas mais que fenômenos sensíveis, como cor,
som etc... Surgiria primeiramente o fenômeno sensível; num segundo momento
seria fenômeno recebido, como que sobre um tecido, ou seja na forma a
priori do espaço; enfim, um cálculo raciocinativo estabeleceria a noção ideal de
substância.
O ser não quantificado seria aquele que tivesse as suas artes sem esta
distribuição. Estaria, pois, a alma, - quando entendida pela filosofia dualista
como separada do corpo, - toda inteira em qualquer espaço em que se
distendesse pelo corpo; assim também Deus, - quando entendido pela mesma
filosofia dualista como distinto do mundo, - estaria todo inteiro onde quer que
esteja nos espaços.
A situação das partes ao lado das partes cria também a possibilidade da divisão
dos corpos; parte-se, por exemplo, uma laranja, porque desde seu conceito
fundamental de ser uma realidade com partes ao lado das partes. Mas, não se
parte um espírito, se desde o início é conceituado como não tendo partes
distribuídas umas ao lado das outras.
Estas considerações se ligam à filosofia da arte das formas apenas como seus
remotos pressupostos. O conhecimento destes pressupostos os integra o
apreciador da arte das formas quando busca ir mais além que o nível do mundo
do cotidiano.
Já se percebe que a arte, ainda que se ocupe com elementos quantificativos, não
os toma sob a perspectiva direta de quantidade (partes ao lado das partes) nem
sob a de posição e disposição (lugar das partes) porém, como qualidade.
Por isso, a estátua não representa o herói porque lhe reproduzem o tamanho e
as disposições, porém, a qualidade que ele exerce de possuir tais determinações.
A forma não é apenas isso, porque diz respeito ainda à quantificação enquanto
determinação aperfeiçoadora.
79. Forma em sentido próprio. Também começa a ficar claro que a forma, no
seu sentido próprio, é sempre forma quantitativa.
Em sendo a forma a qualidade resultante da determinação em que incorrem os
corpos enquanto dispõem suas partes ao lado das partes, resulta que a forma é
quantitativa.
80. Forma e figura. Pela origem, formas em sentido estrito são aquelas que
ocorrem eventualmente nas coisas; formas em sentido natural são as que as
coisas já possuem por natureza.
A distinção entre forma e figura é mais por efeito semântico posterior, do que
pela sua etimologia. Figura, pelo seu étimo indo-europeu dheigh- (= moldar)
significa moldado a partir de barro, ou terra. Dali se formaram os termos latinos
e seus correspondentes neolatinos: figura (= figura), fingere (= fingir), fictio (=
criação, ficção), effigies (= efígie, imagem).
81. Variam as formas em espécies, pela maneira vária de colocar suas partes ao
lado das partes. Cada flexão é uma outra forma. Desta variedade, que a forma
tem a capacidade de adquirir, resultam as espécies de forma.
Este estudo pré-artístico das formas serve também para a estética em geral, por
exemplo da moda no bem vestir, do bem arranjar ambientes, edifícios, praças e
jardins. Tomaremos, contudo, os exemplos de preferência da arquitetura,
porque às suas formas é mais fácil de se referir.
83. Cada forma que qualifica a quantidade possui seu respectivo valor estético
e que a arte leva em conta para estabelecer expressões.
§ 1. Linhas. 2283y084.
- Encontro de direções.
86. Na linha reta a marcha sucessiva da apreensão das partes não oferece
dificuldades, conforme já foi adiantado. Embora a apreensão seja sucessiva,
devendo por isso o olho tender a começar de uma ponta, para ir sucessivamente
percorrendo o espaço linear, a marcha se exerce desimpedidamente e com
rapidez .
Ocorre até a possibilidade do cálculo raciocinativo. Sabendo a razão que a reta
sempre continua igual, saltita, alcançando prontamente a outra extremidade.
Por isso, a reta mostra-se eminentemente lógica. Mais uma vez apresenta-se
fácil e por isso original no seu desenrolar.
Além disso, as pequenas mudanças oferecem assunto sempre novo e com isso
atendem à natural curiosidade. Por isso, as curvas não são monótonas, o que
certamente poderá ocorrer com a linha reta, cuja facilidade a faz imediatamente
se esgotar.
89. Apesar de todas as vantagens estéticas do curvilíneo, esta linha não goza
contudo daquelas vantagens que são específicas da reta.
A impressão do infinito e, de modo geral, do solene, oferecida pela reta, apenas
são alcançadas de maneira limitada pela curvilínea. Mas, esta aproximação dá-
se na medida que a curvilínea se abre e se aproxima da reta.
A longitude das linhas das pirâmides dos faraós, outra vez sugerem algo maior
e que prossegue.
90. O esforço exigido para a apreensão das partes sucessivas da linha quebrada
e da linha violentamente curva dá origem a situações psicológicas, como de
resistência e cansaço.
91. A linha curvada violentamente oferece situações que mantêm a vista sob
forte insistência de atenção. Devendo a atenção fixar as sucessões em
progressiva alteração, assimiláveis pela atenção espontânea, ela se tumultua
com o restante da linha fortemente curvada. Isto não pode gerar satisfação.
94. As linhas exercem relações com o meio ambiente. Dali vêm as qualidades
das linhas horizontais, verticais, diagonais. Por si mesma, a quantidade não
exerce relações, mas enquanto a quantidade é vista como qualidade.
As relações exercidas pelas linhas com o ambiente são reforçadas ainda pelas
impressões cenestésicas de equilíbrio do corpo.
Num outro plano de associações, a linha horizontal lembra as cores frias, que
são as de mais peso.
A relação da horizontal com o descanso e o bem estar associa esta linha com o
verde, cor particularmente repousante.
97. A linha diagonal é dramática, por excelência. Suas relações com o meio
sugerem primeiramente o desequilíbrio cenestésico. Luta contra a gravidade,
pois não tem o equilíbrio energético da linha vertical. Há uma força violenta na
linha diagonal. Enquanto assim se comporta, como estado não definitivo, a
diagonal é dramaticidade, inquietação, esforço em busca de equilíbrio, situação
irresolvida em busca da solução. Contudo a linha inclinada perifericamente
sugere estabilidade.
A linha quebrada realiza em geral uma série de diagonais. Por esta razão,
muitas das qualidades da linha quebrada se devem às da diagonal. Estas
propriedades divergem, com três variantes:
Por idêntica razão, paredes de edifícios estreitos, dão mais impressão de altura,
que as de um largo. Ou uma torre estreita, que um arranha-céu largo de altura
correspondente. Ocorre o mesmo com os recintos ou espaços; estreitos e altos,
movem para cima. É o caso dos recintos góticos.
Colocada uma curva no final de uma reta, por onde principiaria o movimento
perceptivo?
A reta se faz conhecer por primeiro; mais inteligível, sobretudo quando ampla,
absorve primeiramente a atenção e move prontamente na direção da curva no
final. O mesmo acontece com outro acidente posto no final, como por exemplo
um capitel sobre o fuste de uma coluna; primeiramente sobe a percepção ao
longo de coluna.
Entretanto o gótico tem espírito de ascensão contínua, e por isso não prefere
capitéis.
101. As paralelas, como por exemplo na face das colunas, admitem acidentes
que organizam o movimento.
Além dos acidentes por alargamento das paralelas, outros mais podem influir a
marcha da direção. Os capitéis e os embasamentos oferecem tal efeito.
A coluna também se equilibra quando o seu fuste for mais largo à meia altura,
que em cima e em baixo; então as linhas movem-se para o acidente central.
Ocorre também uma lógica na linha do redondo e que facilita a sua apreensão,
mesmo de perto. O centro de equilíbrio se mostra evidente, pois está posto a
igual distância de toda a superfície. Para a inteligência a coluna redonda se
apresenta mais rapidamente compreensível.
Assim também se constata a redondeza quase sempre bem torneada nos troncos
das árvores e mesmo no aspecto geral da ramagem.
103.Aplicação dos recursos lineares. Dada uma vez à coluna e à pilastra uma
impressão ascensional ou descensional, resulta dali que os edifícios que fazem
substituir suas paredes por colunas ou que fazem as próprias paredes manifestar
suas funções de sustentação, apresentam mais organicidade, inteligibilidade e
vida.
107. O frontal organiza o encontro das linhas ascensionais. Ainda que haja
nascido como elemento funcional, a organização estética do frontal faz-se
também valer prontamente.
§ 2. Áreas. 2283y108.
Também as áreas exercem efeitos por si sós, como por exemplo de grandeza.
Mas estas particularidades das áreas se encontram também condicionadas pelas
linhas circundantes.
Igual sorte possuem certas linhas, que não podem estabelecer-se sem combinar-
se com uma área; as linhas circulares, ovais, triangulares, enfim as que
possuem muitos ângulos, todas em se fechando sobre si, redundam em
circunscreverem uma área.
As linhas sem área, de certo modo também participam da área, enquanto a
atravessam. Em última instância, quer as linhas, quer as áreas são abstrações
tomadas ao volume concreto.
Ainda que por definição a linha não ocupe o espaço de uma área, porque é
apenas uma sucessão contínua de pontos, não é possível traçar sobre o papel
uma linha, sem que tenha um mínimo de largura. Este mínimo de largura
reduz-se de fato a uma área.
Não é desta linha com um mínimo de largura que trata a estética, quando
diferencia abstratamente linha, área e volume.
109. O quadrado, pelas suas quatro linhas iguais, apresenta-se monótono, mas
não tanto quanto o círculo. Preferem-se por exemplo janelas quadradas, em vez
de redondas. Também a área interna do quadrado possui vantagens não
encontradas no disco.
Os ângulos do quadrado são duros. Todavia são lógicos e por isso aceitos sem
rejeição, ainda que não simpáticos.
111. O disco é a área circunscrita pelo círculo. Esta área admite alguma
variedade, pelos muitos centros de interesse que pode oferecer. Como área, o
disco não é apenas forma, pois admite ainda a aliança com a cor; por sua vez,
as cores aceitam outras e outras variações.
113. O retângulo, com duas faces de comprimento diverso ao das outras duas,
se apresenta-se por isso mesmo mais variado que o quadrado.
Todavia, o retângulo goza da preferência na arte das formas, como bem se pode
observar na arquitetura, no desenho dos móveis, na fabricação dos artigos
industriais em geral.
A área do retângulo pode receber a aliança das cores. Sua disposição poderá
mesmo influir sobre a impressão ótica das grandezas lineares.
114. O triângulo apresenta-se como uma das figuras esteticamente mais
difíceis. Se os três ângulos tiverem igual abertura, todos serão agudos;
sobretudo em tais condições manifestam-se difíceis para a apresentação cursiva
do olhar; também a área circunscrita conserva-se monótona por causa da
igualdade dos espaços.
Nas variações triangulares, dois lados estão sempre em diagonal. Esta situação
influencia substancialmente qualquer figura triangular, impondo-lhe
características inesperadas.
O enredo criado no triângulo poderá vir também por aliança de várias artes. É o
caso dos frontões com tímpanos adornados de esculturas.
§ 3. Volumes. 2283y115.
O mesmo ocorre com certas linhas e áreas de natureza reta, que se tratam
convenientemente em função à terceira dimensão.
Outras surgem como formas simplesmente. Entre estas poderá haver as que são
fixas por natureza, como as figuras do corpo humano e da planta; outras podem
simplesmente ser modeladas em disposição livremente escolhida.
Possui então três centros. Dois pertencem aos inícios de arco semicircular, de
cada lado; o terceiro à continuação achatada propriamente dita, que faz
superiormente a crista principal do arco.
Nos pés do arco ocorre o peso vertical, que é o objetivo sustentador do que lhe
fica em cima.
A ação invisível, que uma metade do arco exerce sobre a outra, mediante
pressão, influencia a apreensão de quem observa o arco.
Nem o peso vertical, nem a ação oculta de pressão das pontas se equilibrando
se confundem com o efeito cenestésico. A ação sustentadora é mais complexa,
ao passo que o equilíbrio cenestésico associa apenas a verticalidade, enquanto
se mantém por si só.
121. A ação mútua das duas partes do mesmo arco apresenta um encontro, em
que já não há elementos paralelos. Num arco de pedra, eis onde se coloca a
pedra chave.
A abóbada de arestas está presente nos estilos românico e gótico (vd 123).
c) Outras variantes:
Dita lanterna cria uma ação ascendente, provocada pela atração da luz. O novo
rendimento será particularmente grande se já a mesma abóbada for ampla, visto
que então a curvilineidade se alarga na direção da majestade da reta infinita.
O gosto por ela se manteve até o neoclássico do século 19, quando se encerra,
mas não de todo, uma fecunda geração de cúpulas grandiosas.
A apreciação equilibrada das formas humanas foi cultivada com sucesso pela
estatuária de inspiração clássica.
d) O ponto. 2283y128.
É do ponto, que nasce a linha. De certo modo é também do ponto, que se gera a
área, quando se alarga no mesmo plano. Ainda do ponto, como núcleo, se
desenvolve o volume, de o centro é o ponto principal.
129. Associações do ponto. No texto gráfico, ponto sugere o fim, e por isso foi
tomado como símbolo de final de frase, e como fim do quer que seja. Em
qualquer outra posição junto às figuras geométricas, ponto é uma advertência.
"O som do silêncio habitualmente associado com o ponto é tão alto que faz
calar as demais qualidades" (Kandinski).
131. Do ponto de vista estético, os grandes volumes das formas incidem com
mais contundência. A forma abundante se impõe manifestamente.
132. A quantidade de ser decide sobre o belo, o qual se define como sendo a
perfeição em destaque (vd Tratado do Belo).
"A nobreza de alma exige grandeza de ânimo, assim como a beleza exige um
corpo grande. As pessoas pequenas podem ser bonitas e simétricas, porém (sem
grandeza) não são belas" (Ética a Nicômaco, 7. 1123b).
"O belo usa existir onde o número e a extensão estão presentes; algo é
excelente por seu número, sua extensão e sua beleza" (Retórica, I,5). "A cidade,
que reúne a grandeza com a devida proporção, é a mais bela" (Política, 7,4.
1326 a 34).
"Corpos belos e organismos belos devem ter certo tamanho, porém devem ser
facilmente abarcáveis de um só golpe de vista; porque um ser muito pequeno,
visto em lapso de tempo muito curto, escapa à visão, e um demasiadamente
grande, não pode ser abarcado com um só olhar, com a consequência de que
desaparece a sensação da unidade" (Poética, VII. 1450b 36).
133. A intensidade admite uma organização métrica das formas. Tal como na
métrica musical e na métrica da linguagem, as tônicas mais intensas se
aglutinam com os instantes que o são menos. A atração para sobre as tônicas
põe ordem no seguimento.
O movimento não é portanto uma coisa, como a forma, a cor ou o som, e que
possa, como estas qualidades, servir como portador direto da expressão artística.
Não há por isso uma arte especifica denominada arte do movimento, do mesmo
modo como se diz arte das formas, arte da pintura, arte da música.
Por isso, como já advertimos, o movimento não é matéria para mais uma
espécie de arte, e sim um recurso interno de cada arte, ou seja da forma que se
move, da cor que se altera, do som que se transforma, das palavras
convencionais que se sucedem.
Temos como pressuposição o que a filosofia geral da arte (vd 0531y000) diz
sobre a questão, com vistas a todas as artes. Ali já se trata da questão
meramente formal do movimento, e por conseguinte também as modalidades
meramente formais do movimento, entre elas pois o ritmo em geral. Se de novo
nos referimos ao tema do movimento e do ritmo, o fazemos apenas com o
objetivo de aplicá-lo ao caso particular do movimento e do ritmo nas formas.
Tentaremos fixar alguns aspectos mais sobre o ritmo das formas, orientando-os
pela divisão em ritmos psicológicos (ou subjetivos) e ritmos físicos (ou
objetivos). Ainda que o ponto de vista subjetivo muito importe no ritmo, este
não subsiste sem o objetivo. O tratamento dos ritmos se interpenetra em todas
as classes materiais, também no das formas e nestas, sob a modalidade
subjetiva e objetiva.
138. Quer se trate de linhas, quer de áreas, quer de volumes em três dimensões,
a vista não incide com o eixo principal de sua atenção simultaneamente sobre a
totalidade dos pontos. Por isso deve caminhar, estabelecendo um movimento e
que obedece a um certo ritmo, similar ao físico, objetivo. Este movimento da
atenção não é físico, mas apresenta analogias com ele.
Dali se infere que há um ritmo padrão, por isso chamado estético. Fora deste
padrão antropológico, estão o ritmo monótono, por causa de sua morosidade em
substituir os elementos da sequência, e o ritmo de variedade excessiva, um e
outro apreciados como menos estéticos, ainda que em casos especiais tenham
também sua função.
Também varia o ritmo de acordo com a idade, um para a juventude, outro para
a alta idade.
139. Variação no ritmo. A experiência mostra que o ritmo padrão é aquele que,
no seu fluir, se exerce mantendo partes iguais, enquanto outras partes variam.
Este variar aos poucos pode contudo diferenciar-se de pessoa para pessoa, por
motivos de idade, índole e formação, conforme adiantamos.
Infere-se, portanto, que a diversidade de movimento nas linhas, nas áreas, nos
volumes não deve ser tal que se mantenha abaixo da espontaneidade da
apreensão e nem acima dela, senão quando se trata de obter precisamente os
efeitos especiais ordinariamente não desejados.
II
II
I I I I I I I I I I I ....
I I I I I I I I I I I ....
I I I I I I I I I I I ....
Nestas composições meramente formais não importa o que se põe em ritmo.
Mas em concreto, temos de escolher algum material.
Aqui a matéria ritmada foram formas. E entre as formas, estas poderão ser
linhas, áreas volumes.
Podemos também ritmar sons, cores, palavras, como ainda pensamentos. Em
cada caso ocorrem as mesmas possibilidades de variar os ritmos.
Com referência às formas em movimento, poderão estas ser dos mais variados
elementos, como pedra, madeira, materiais industriais, e ainda em
circunstâncias diversificadas, ora em arquitetura, ora em escultura, ora em
teatro, - sem que isto altere essencialmente o aspecto formal do ritmo em si
mesmo.
Uma classificação dos ritmos, que tenha como primeira divisão a perspectiva
que separa entre partes discretas e partes contínuas, leva em conta que os dois
modos se verificam sucessivamente nas linhas, nas áreas, nos volumes.
o¡D
oooo----IIII
oooo----IIII
oooo----IIII
Num espaço puro, sem acidentes, portanto sem nada que inutilmente atraia a
vista, a progressividade dos elementos ritmados se desenvolve
espontaneamente. Os efeitos gratuitos, a atraírem sobre si mesmos, atropelam a
marcha da atenção. As muitas aberturas de um alto edifício, por exemplo de 20
andares, oferecem excelentes oportunidades de seguimento rítmico; mas, uma
ornamentação pode atrair para outras direções, em prejuízo da dinâmica
estrutural (as aberturas são parte da estrutura de um edifício); por isso os
ornamentos em grandes espaços importam em uma certa sabedoria no trabalho
de composição geral.
Os espaços vazios entre um sistema de ritmo e outro sistema, contribuem para a
cristalização dinâmica dos ritmos. É o que bem se pode observar em planos
diferentes dum mesmo edifício.
As vestes são ordenadas, frequentes vezes, com base no ritmo. Seu uso, todavia,
é controlado pelo ritmo maior, que é o das sucessões da moda, variando de ano
para ano.
O atentado ao ritmo, tão comum nos balneários, se torna ainda mais evidente,
quando o tecido é fortemente colorido e trabalhado com elementos rebarbativos.
Formas em movimento físico. 2283y147.
Ao ritmo físico se reduz também a optical art; ainda que opere com a luz e as
cores, estas assumem formas no espaço e que se põem em movimento.
Chapas móveis...
Serpentinas...
Bóias decorativas...
Repuxos de água...
Formas que se iluminam pela luz fria; são cores, mas também formas. Em tais
condições as cidades modernas admitem uma ordenação artística à noite,
colorida e de formas expressivas, com reclames que se acendem e se apagam,
voltando a insistir.
§ 2-o. Ritmo da mensagem. 2283y151.
O cuidado com a coesão será maior com os elementos secundários, para que
não despertem a atenção do apreciador para fora do eixo principal do tema.
Inversamente, eles se tornam um poderoso elemento para advertir para o
mesmo. Na composição de um conjunto de pessoas poderá haver, por exemplo
um cachorrinho, mas atento ao grupo (veja n. 180).
ART. 5º. ALIANÇA DA ARTE DAS FORMAS COM OUTRAS ARTES E
FUNÇÕES. 2283y153.
153. A convivência das qualidades, - como forma, cor e som, que servem como
significantes materiais da arte, - permite aliar, num só conjunto, várias
expressões artísticas, bem como ainda combiná-las com funções úteis e
situações ambientais.
Pelo seu porte gigantesco em meio à pequena cidade medieval, a catedral era
por si só a expressão integrada total de uma sociedade sacral que em tudo vivia
para Deus. Ainda que possa haver nisto uma visão distorcida do próprio plano
divino, o que acontecia era um exemplo de integração de expressões e funções.
Dá-se a aliança com variadas maneiras, e que exigem alguma subtilidade para
serem percebidas.
Assim também acontece com o som, o qual se expressa no espaço, que pertence
à forma. O som revela sobretudo direção no espaço. O som também é visto
pelos olhos, ainda que indiretamente pelas coisas que vibram. Até mesmo há
expressões visuais como som claro, escala cromática de sons.
c) No arrolamento das diversas alianças, vem em último lugar a arte que se alia
a elementos de outra ordem, especialmente à funções úteis, como no edifício
arquitetônico e no objeto industrial. Então a aliança já não é de arte com arte,
mas de arte com a não arte.
Os sentidos inferiores, a saber olfato, gosto, tato, captam as formas através dos
seus respectivos modos de perceber.
Depois da invenção do cimento não houve mais razões para manter o velho
modo de construção, que passou a ser obsoleto.
Ocorre o figurativismo puro quando um templo oferece uma torre muito alta,
com tendência linearista para o infinito.
Ou, quando uma igreja cristã situa o batistério de maneira peculiar, de sorte a
simbolizar que ali começa a vida do cristão. A igreja de São Paulo em
Blumenau (Santa Catarina, Brasil) isola a torre, fazendo a escadaria ingressar
por ela; há nisto um símbolo, meramente arquitetônico, sem figurativismo.
Também o antigo Zigurat mesopotâmico, com o altar no topo, obedecia ao
figurativismo simbólico puro, atenta à imagem popular deficiente de que Deus
mora no alto.
CAP. 3-o.
A PROSA NA ARTE DAS FORMAS. 2283y161.
Nas artes por imitação natural, como na música, pintura, escultura, esta
distinção é menos visível, porque nelas prosa e poesia costumam andar juntas.
Não obstante devemos nos esforçar, a fim de conceituar distintamente o que na
verdade não se confunde.
Não é habitual utilizar o termo prosa para a expressão em artes plásticas. Este
alargamento semântico do termo é conveniente, em vista da falta de outro
equivalente.
Não importa o termo, mas aquilo que, dentro de um contexto definido, se busca
indicar com ele. O modo direto de significar, que na linguagem se denomina
prosa, se exerce identicamente nas demais expressões artísticas, se indica então
pela mesma palavra.
Distinguidas as artes pelo seu portador material, ocorrem em cada qual a prosa
e a poesia, a seu modo.
Assim há também uma prosa e poesia na música, bem como uma prosa e poesia
na pintura.
Outra vez há uma prosa e poesia em formas. Desta última trata a estética das
formas, evidentemente.
Existe prosa no desenho industrial, quando este for portador de expressão que o
referido desenho diretamente indica. O mesmo geralmente acontece nos
desenhos ilustrativos de livros didáticos.
A relação causal entre a natureza e sua propriedade (ou seja, entre uma
qualidade e seu semelhante) é de causa formal e de efeito formal. É o mesmo
que dizer entre causa essencial e efeito essencial.
Assim não acontece com a linguagem poética, seja da poesia pura, seja da
prosa poética, que por vezes pode até importunar a segurança do pensamento. É
o que efetivamente acontece em alguns textos de filósofos, como Platão e
Bergson, por causa de imagens e símbolos que usam.
Também, por causa do estilo poético, ficaram obscuras ou vagas muitas das
expressões de fundadores de religiões, profetas e místicos. Que significa, por
exemplo, o espírito de Deus pairava sobre as águas?; Eu sou o caminho, a
verdade e a vida? Adorar a Deus em espírito e verdade?
As lendas costumam ter uma primeira fase em expressão oral, dali passando à
expressão literária, a qual precede geralmente à expressão em pintura e
escultura, em canto e música.
169. A partir desta prioridade da expressão mental poderá surgir uma pergunta
nos seguintes termos:
A pergunta se faz com frequência na arte da linguagem, pois ali é evidente que
as expressões assumem diferenças claras, parecendo-nos que as palavras
exprimem idéias, e que as frases exprimem juízos e raciocínios.
A rigor isto não é verdade. Ocorre ali apenas um modo inadequado de dizer, o
qual podemos manter, com a condição de entendê-lo corretamente.
Com referência às artes que exprimem por mimese natural, como a escultura e
a pintura, é mais fácil perceber que a expressão se dirige diretamente ao objeto.
Ainda que num momento anterior devamos conhecer o objeto expresso, a obra
que aqui de novo o expressa precisa diretamente assemelhar-se com ele. Num
novo esforço de interpretação, a mente do apreciador caminha da obra para o
objeto, percebendo a semelhança entre esta obra e o objeto expresso.
Mas, o que afirmamos não significa contudo, que a expressão artística expressa
sensações e pensamentos. Ela expressa os objetos, ainda que a estes como os
apresentam os sentidos e a inteligência.
172. O que na arte se expressa não são os pensamentos, mas os objetos, ainda
que por vezes só por alguns dos seus lados.
Duas são as razões principais pelas quais uma expressão se torna imprópria:
2) o objeto pode ser abstrato, no sentido de apenas captado pela mente e não
por qualquer dos sentidos, então por natureza escapando da expressão própria
da qualquer arte.
O formalismo, - a cor pela cor, a forma pela forma, o som pelo som, - é um
caso especial de arte abstrata. Ainda que o objeto seja intuitivamente atingido
pelos sentidos, o ponto de vista é abstratamente considerado apenas pela
inteligência (vd 190 ss).
Ainda que não tão claramente, o pensamento se reflete também nas expressões
das demais artes.
Uma composição escultórica poderá ser algo como uma descrição e narrativa.
Sua apreciação desperta não apenas conceitos, mas também juízos. A estátua
do herói é mais do que sua figura; é também uma afirmação de reconhecimento
do seu valor. É isto que acontece em grandes composições escultóricas.
Quando a escultura apresenta episódios, por exemplo fatos históricos, o faz por
imagens; todavia o escultor sabe que o apreciador as irá apreender como
afirmações, em virtude da capacidade complementar da inteligência de assim as
interpretar.
Há uma coesão moral e uma coesão física. É moral a coesão em que ela se dá
através da atenção. por exemplo quando todas as pessoas figuradas na
composição olham numa só direção, seja para o leão a ser caçado, seja para o
inimigo a ser perseguido.
A escultura, apesar de não operar com luz, dispõe todavia da terceira dimensão,
facilitando o enredo.
A = B;
ora, B = C;
logo, A = C.
Habitualmente, sob cada romance está uma tese. Assim também todo o filme,
expressando-se em forma sensível, que fizer o espectador seguir para
conclusões, é, finalmente, um raciocínio. O mesmo acontece com o teatro.
Dado que os temas encenados costumam ser os humanos, a conclusão tirada
espontaneamente após o espetáculo usa traduzir-se pela expressão: Assim é a
vida !
O estulto não vê mais que esta imagem explícita das obras de arte. Não alcança
os caminhos de um entinema. Aquele, todavia, que tem poder raciocinativo
descobre tudo o mais, para o que obra abriu o caminho com vistas a ser
pensado, até mesmo raciocinado.
O grande artista não é somente aquele que expressa com perfeição o explícito,
mas aquele que também abre janelas para o implícito e virtual, atingível
analiticamente, indutivamente, dedutivamente.
CAP. 4-o.
GÊNEROS EM PROSA DA ARTE DAS FORMAS. 2283y184.
Dos gêneros em prosa, alguns são logo reconhecíveis pela própria denominação,
assim nos orientando diretamente para o significado de gênero artístico. Não
obstante estes nomes podem semanticamente envolver outros significados mais.
Por vezes uns incluem outros na abrangência.
- arte abstrata;
- arte figurativa;
- narração;
- descrição;
- discurso, etc.
Ainda que os nomes usados para os gêneros em uma espécie de arte não sejam
os aproveitados em outra, dizem todavia no fundo o mesmo e por isso se
podem transpor de uma a outra destas artes.
Esta classificação com base nas operações mentais não é intrínseca ao objeto.
Mas ao modo como este se apresenta, e por isso a classificação é apenas
próxima da essencial. Dali resultam:
Com mais precisão, num sentido que se diz lógico e gnosiológico, algo é
concreto, quando as determinações que o caracterizam são tomadas em
conjunto com o sujeito ao qual pertencem. Se digo este livro, não entendo
simplesmente a noção de livro, mas o sujeito livro, juntamente com as
determinações que o fazem ser livro. No momento que a forma livro se isolar
do seu sujeito, começa a noção abstrata, e já passamos a falar do livro como tal.
Concreto no sentido gnosiológico descrito faz dizer que são concretos também
o espírito, a alma, o anjo, Deus, o mundo interior, a consciência, enquanto neles
se consideram a individualidade juntamente com o que são como natureza.
Numa outra semântica do termo concreto, ele se diz do ser alcançado pelos
sentidos; só então se deixa de chamar concreto tudo o que somente a
inteligência alcança.
Posto o abstrato, este, por sua vez, se desenvolve em dois tempos, que se dizem
abstração total (da forma à individualidade) e abstração formal (da forma
redividida), conforme depois aprofundaremos (vd 190). Dada a observação que
a arte figurativa de certo modo invade o abstrato, o fenômeno acontece também
em dois tempos. No caso da abstração total ocorre a chamada arte figurativo-
abstrata (vd 189), enquanto na abstração formal, a arte fica sendo
um abstracionismo puro (vd 191).
Todavia se pode discutir sobre quando dar maior valor aos temas abstratos.
Eles certamente são mais profundos, porque resultam de uma elaboração maior
do espírito; só os homens cultos são verdadeiramente abstratos e neste campo
até sistêmicos.
O abstrato não o temos visível em lugar algum, de sorte a ser um tema a ser
muito postulado à arte, seja em formas, seja em cor, seja em música, seja em
palavras.
Geralmente o bom poeta não fala da dor deste, ou daquele, mas da dor em si
mesma, da dor universal. Tal poeta, o da dor universal, não é mais poeta, mas
melhor poeta, porque tematicamente é um poeta de maior capacidade.
O formalismo, quando opera com a abstração total, foi uma tendência da arte
do velho Egito, que traçava quase apenas as linhas essenciais dos objetos e
pessoas. Contudo não chegou a ser um formalismo total, porque o objetivo
principal foi ainda a arte figurativa, representando indivíduos bem
determinados.
Este formalismo de abstração total foi também quase o estilo dos clássicos,
quando representaram os indivíduos, mais pelo tipo ideal da espécie, do que
pela pessoa. Mesmo que visem uma pessoa bem individual, a vêem todavia
pelo que tem de mais essencial. Souberam então combinar ambas as coisas o
individual e o universal ideal da espécie.
Que dizer das representações de indivíduos dos quais não restaram informações
da respectiva fisionomia? Apesar da idealização praticada pelos artistas,
imaginam-se mais ou menos individuações, e passam a se constituir arte
figurativa e não abstrato-formais.
Neste caso, forma equivale a dizer natureza, ou ainda essência. Diz-se então
que a abstração formal divide a natureza ou a essência em suas partes, as quais
são em consequência abstrações.
Ainda assim, não é contudo sem sentido advertir que a arte não exprime
adequadamente o espiritual, porque opera com materiais sensíveis; neste caso,
porém, a expressão é apenas analógica, admissível também na arte figurativa.
Poderá o belo ser expresso pela arte figurativo, como expressão de individual
de coisas e pessoas belas; ainda pode ser expresso como figurativo-abstrato,
como acontece em a flor como tal, a donzela como tal, o homem belo como tal,
a mulher bela como tal, os desnudos belos como tais; finalmente, o belo poderá
ser expresso pura e simplesmente. Neste último caso certamente será difícil.
Seria, por exemplo, como a aurora de cinco dedos, sem se ter em vista a aurora
e nem os cinco dedos.
Tende a arte geométrica aos temas absolutos, como são aliás os das figuras
geométricas, combinando-os com significados simbólicos, estes também
bastante genéricos e abstratos, longe dos problemas da eventualidade do mundo
orgânico.
194. A escultura figurativa das coisas físicas inteiramente exteriores tem sido
útil para os objetos transitórios; em si mesmos fugazes, permanecem agora
estavelmente em sua nova representação. Em se tratando do físico humano,
como nos retratos e nos episódios, admitem também serem combinados com
estados interiores igualmente fugazes.
Nos temas chamados natureza morta, - como pedras, frutas, vaso de flores, -
raras vezes a escultura parece obter bons resultados; quando praticada, usa
combinar também o exterior com alguns elementos de projeção sentimental.
Pelo exposto se conclui que a distinção em mundo exterior e interior cria vários
problemas no campo da arte, e que aqui são tratados do ponto de vista de
distintos gêneros artísticos, e em particular no capo das artes em formas.
Em decorrência da divisão dos objetos em exteriores (sobretudo corpóreos) e
interiores (sobretudo psíquicos), decorrem duas alternativas em planos
correlatos: naturalismo versus expressionismo; objetivismo versus subjetivismo.
Os temas dos primitivos gregos (arte arcaica e pré-clássica) foram a caça, a luta
com os monstros marinhos e da terra, as aventuras, piratarias e também as
práticas de amor.
O expressionismo (vd 293) veio muito aos poucos conquistando seu espaço.
Este gênero de arte subjetiva, ou seja, do mundo interior, sempre deu muito a
discutir. Anteriormente já advertimos para a distinção entre expressionismo
sem abstracionismo e expressionismo abstrato (vd 193).
"A expressão de uma alma tão grande sobrepassa a arte de imitar simplesmente
a beleza natural; é preciso que o artista sinta em si mesmo a força de alma que
deve imprimir no mármore. A Grécia contou com homens sábios ao mesmo
tempo que artistas e teve mais que um Metrodoro (pintor e filósofo). A
sabedoria andava de braços com a arte e animava as figuras de uma alma
excepcional" (Da imitação das obras gregas em pintura e escultura, p. 21,
citado por Lessing, Lacoonte, 1).
"O fim da arte não consiste na imitação puramente formal daquilo que existe,
imitação de que só resultam artifícios técnicos, sem nada de comum com uma
obra de arte. A natureza, a realidade, são fontes que a arte não pode dispensar,
como não pode dispensar o ideal que não é algo de nebuloso, de geral, de
abstrato. Mas o fim da imitação consiste em reproduzir os objetos da natureza
tais como são em sua existência exterior e imediata, o que só é próprio para
satisfazer a lembrança. Ora, o que nós esperamos e exigimos, no apelo direto à
totalidade da vida, não é apenas a satisfação da lembrança, mas também a da
alma. Despertar a alma: este é, dizem-nos, o fim último da arte, e o efeito que
ela pretende provocar (Estética, I Introdução séc. 2, 1 pág. 59).
"De um modo geral, o fim da arte consiste em pôr ao alcance da intuição o que
existe no espírito do homem, a verdade que o homem guarda no seu espírito, o
que resolve o peito e agita o espírito humano. Isso é o que compete à arte
representar, e fá-lo ela mediante a aparência que, como tal, nos é indiferente
desde o momento em que sirva para acordar em nós o sentimento e a
consciência de algo mais elevado. Assim, a arte cultiva o humano no homem,
desperta sentimentos adormecidos, põe-nos em presença dos verdadeiros
interesses do espírito" (Estética, I, c. 1, secção 2, item 2 pág. 60, ed. port. ).
Dizia este que "a arte reproduzirá admiravelmente o artista". Entre os escultores
aprecie-se Archipenko (russo).
Quanto à escultura, ela não se deixou superar no que se refere à eternidade dos
seus materiais, assim permanecendo sobranceira nas grandes praças, quer como
representação figurativa, quer como expressão do mundo interior, quer ainda
como significadora de temas abstratos.
De outra parte, não é bom o mundo interior sem o exterior, pois este atua sobre
ele.
Ainda com referência aos valores, o mais valor não elimina em princípio o
menos valor. No valor existem graus, todos elegíveis. Apenas o não-valor
afasta o valor. Apesar das diferenças de valor, ambos os temas, interior e
exterior, são legitimamente tratados.
Aliás, nas outras artes ocorrem situações similares; as cores luminosas rompem
a superfície dos objetos. O que tem sido explorado pelos "impressionistas", é
evitado pela arte em expressão objetiva.
A atitude do escultor tende para a expressão objetiva, porque sua obra permite
ser apreciada por um maior número de ângulos. Por isso, o escultor recria os
objetos nas formas reais, independentemente da posição em que ele mesmo
esteja. Diferentemente, o pintor costuma respeitar a perspectiva, tal como
também acontece na fotografia.
201. Konrad Fiedler (1841-1895) apoiou a tendência que realça o objetivo das
coisas. Mediante alterações óticas, captar-se-ia o objeto verdadeiro, libertando
a vista dos defeitos óticos, da impressão. A arte seria então um fazer ver melhor.
Defendia este ponto de vista, quando na pintura se tentava o inverso, o
impressionismo.
Este princípio, isto é, que o mais alto fim das artes plásticas é elevar o mundo
visível, imperfeito quanto à maneira ordinária, à uma visibilidade perfeita, foi
primeiramente inferido por Fiedler de premissas teóricas e consideradas
artísticas.
203. No objeto ficção o criador é o próprio artista. Num primeiro tempo cria
ficção, num segundo expressa em obra de arte a sua ficção.
Assim acontece que para a arte das formas se cria aquela que mais se adata para
os efeitos nesta área de objetos. Complementares entre si, podem associar-se,
reforçando-se.
Considerando que não é o tema que faz a arte e sim a expressão, o artista, ao
expressar ficções preexistentes, cria essencialmente a obra de arte. Entretanto a
cria duas vezes, como tema e como obra, se o referido tema também for seu, no
todo ou em parte.
A reelaboração periódica de velhos temas se faz necessária, porque geralmente
contêm excessivas banalidades e ingenuidades para os estágios sucessivos da
evolução mental da massa humana.
205. Embora o tema da arte possa coincidir com a natureza, dificilmente haverá
quem o expresse com exatidão.
A arte de expressão inteiramente exata nunca existiu. Este problema
gnosiológico também acontece com as expressões mentais, que, apesar das
evidência, verdade e certeza alcançadas, são de uma precisão relativa.
Imitando este procedimento Paris também construiu sua coluna com uma
espiral escultórica.
Por exemplo:
se A é igual a B;
se B é igual a C;
então A é igual a C.
CAP. 5-o.
DA POESIA EM ARTE DAS FORMAS. 2283y211.
Se, pois, em situações anteriores foi fixada a imagem de um objeto, este foi
como que fotografado com os demais objetos, com os quais eventualmente
então se encontrava. Acontecido este fenômeno em qualquer tempo do nosso
longo passado, já poderemos nos imaginar o que acontecerá de futuro. Se for
lembrado um só detalhe dos objetos colhidos no passado pela memória, ou
subconsciente, este único detalhe poderá trazer consigo, para o consciente, as
demais imagens associadas.
Basta um objeto-estímulo adequado, e estará feito o clima poético. A obra
poética consiste em representar estes objetos estímulos, para que as imagens se
levantem para a superfície.
O grande poeta não é senão aquele que por palavras adequadas ou por figuras
adequadas cria um enredo de imagens por meio de evocações.
(Vd figuras).
A flor, por exemplo, não é apenas forma; é todo um contexto concreto, o qual
por sua vez se integra em contexto com outros objetos. E assim a imagem da
flor pode evocar outros e outros objetos. Por este caminho, pois, ampliam-se os
procedimentos da poesia em forma.
A logicidade da poesia quer ainda dizer, que ela não se processa na mente
como uma sequência de operações lógicas, de conceitos, juízos, raciocínios.
Não se trata de pensamentos, mas de imagens associadas, que o objeto-estímulo
evoca. Um texto, que literário, quer em formas plásticas, no qual ocorram
apenas afirmações lógicas, isto é, uma concatenação de pensamentos, não pode
evidentemente ser poético. Faltam nele os elementos associativos.
Por vezes o texto lógico no quadro de uma poesia é oportuno, com vistas a
organizar os elementos associativos que surgem desordenadamente.
Igualmente uma poesia em forma plástica, admite uma ordem de materiais que,
em última instância, favorece ao funcionamento do evocar poético.
Em vista de haver dois tempos na poesia, é fácil perceber que apenas o segundo
é evocativo e por só ele é isso alógico.
Este é um trabalho crítico, ao qual, como se vê, nenhum poeta prudente se furta,
para não expressar tolices e para fixar o que dispõe de melhor, como o outro
entre a palha. Escolhe as melhores imagens associadas e elege os objetos
estimulados mais adequados.
- vivência,
- semelhança,
- contraste.
Os elementos vividos juntos, quando, depois, separados, um recorda ao outro.
A obra poética simplesmente representa a um expressar por evocação ao outro.
Nesta operação consiste praticamente toda a poesia.
CAP. 6-o.
GÊNEROS POÉTICOS DA ARTE DAS FORMAS. 2283y222.
Mas esta é apenas uma maneira muito exterior de ordenar os objetos criadores
dos gêneros artísticos, os quais mais essencialmente se dividem por outras
categorias, mais profundamente que pelo modo como os objetos são tratados
subjetivamente e objetivamente. Como é sabido, entre os temas mais tratados
pela evocação poética estão o amor e a saudade.
223. Situados no plano da arte das formas, devemos nos advertir que neste
plano não é tão fácil, quanto no da literatura, determinar os gêneros poéticos.
O mesmo não usa acontecer nas outras artes, por exemplo na arte em formas
plásticas.
225. Os gêneros poéticos praticados pelo balé, dança e similares são bastante
condicionados e, ao mesmo tempo, favorecidos pelos recursos plásticos do
corpo humano. Estes recursos plásticos representam pelos caminhos próprios à
extensão em forma, que imita as formas do objeto expresso.
Esta capacidade de aliança das duas artes faz com que o balé ordinariamente
não se reduza apenas a uma dinamogenia lúdica visual, assumindo também os
temas da música. Assim o balé não se limita ao plasticismo da expressão visual,
estendendo-se aos recursos dos gêneros da música.
O tema do balé poderá ser uma figuração estética. Por isso só a beleza das
formas em movimento e da sonoridade concomitante é um elemento temático
digno de ser expresso. Mas o tema do balé progride facilmente em todas as
demais direções da preferência humana, em vista da alta associatividade do
corpo, seja do corpo em geral, dos braços, das pernas, do rosto.
Certamente a muito digna e desejada volúpia também se integra nos
movimentos do balé, expressando artisticamente a eroticidade, a alegria sensual,
o poder da reprodução. Por esta via, o balé se prende aos temas da raça, da
nacionalidade, da própria humanidade, sempre que conseguir avançar mais
além do individual da mencionada sensação de volúpia.
Mas o balé poderá ir muito mais longe em seus temas, graças às sugestões
psicodinâmicas das formas em movimento e das evocações embutidas pela
seqüência musical. E assim, outros e outros gêneros se vão definindo, de
acordo com os temas levados à expressão corporal.
Assim há, como gênero e não só estilo, um balé brasileiro, um balé eslavo
(russo, polonês, etc.), oriental (chinês, mongol, nipônico, etc.).
CAP. 7-o.
DO ESTILO DA ARTE DAS FORMAS. 2283y226.
226. Introdução. O estilo admite uma abordagem puramente teórica (Art 1º) e
uma outra histórica (Art. 2º).
O que efetivamente agora nos preocupa não é mesmo fazer uma história do
estilo especificamente como história. Aqui a preocupação é apenas didática.
Queremos apenas caminhar ao longo da história para, como quem coleta flores
ao longo de um caminho, ter a oportunidade de tomar conhecimento com os
estilos que efetivamente têm existido, com isso aprendendo a defini-los.
Para este nosso objetivo não importa que tudo entre neste nosso relato de
história sobre a arte das formas; sobretudo não cuidamos do que o último grito
propagandístico apresenta como sendo agora, neste instante, o melhor.
Em arte das formas, por exemplo, há estilos conhecidos como clássico, gótico,
romântico, barroco, rococó e outros. Todos estes estilos são modos eventuais
de expressão, que poderiam não ter acontecido, e podem voltar quando os
artistas o quiserem e os consumidores da arte o preferirem.
Um estilo poderá resultar de uma propriedade, quando esta, ainda que sempre
necessária à arte, é realizável em graus, em que todos estes graus são
permitidos, sendo portanto eventual sua eleição. Por exemplo, graus de
evidência da expressão, graus de verdade da expressão, graus de certeza da
expressão, graus de esteticidade da expressão, graus de capacidade de
comunicação da expressão.
Do ponto de vista material, os estilos podem ocorrer em qualquer dos
elementos da arte, e que fundamentalmente são o significante (o portador) e o
significado (a expressão).
Assim sendo, o estilo como que tudo invade, podendo acontecer em qualquer
dos elementos constitutivos da arte, quer nos mais essenciais, como o
significante e o significado, quer nos menos essenciais, como nas propriedades,
as quais admitindo graus, permitem uma acidentalidade muito vasta.
O estudo do estilo retoma, como que, todas as questões da arte, por causa da
acidentalidade que pode ocorrer em cada detalhe.
Até a história da arte é vastamente invadida pelo estilo. Não é o mesmo história
da arte e história do estilo, ainda que a questão do estilo mais atraia.
229. Clássico e não clássico. Um dos elementos que mais influi na formação
do estilo é a avaliação axiológica do objeto expresso. Querem uns enquadrar os
seres em padrões universais, em função dos quais se dizem belos, bons, etc.
Neste caso, os objetos se idealizam na medida que realizam o seu padrão dentro
da categoria, ou espécie, a que pertencem.
O estilo clássico é aquele que idealiza aos seus objetos, elevando-os pois à
perfeição em destaque, e que nada mais é, senão o belo.
Enfim o valor do critério histórico se impõe, porque os estilos não têm nascido
por causa de uma especulação inteiramente sistemática em torno das muitas
modalidades possíveis. Porém de inclinações e experiências. Por isso, por
exemplo, é que um clássico antigo não pode ser o mesmo clássico dos anos da
Renascença, cujas diferenças se devem principalmente a novos temas, como os
cristãos.
Ainda que se faça uma classificação sistemática dos estilos, convém, pois,
ainda conhecê-los sob uma perspectiva histórica. Sobretudo os estilos que
dependem de uma técnica superada por melhores recursos, somente existirão
em condições históricas, pois fora delas não seriam racionais. Hoje ninguém
construirá com a técnica gótica, ainda que no seu tempo fora um modo
excelente.
O bom estilo desperta prazer; quando não chega a tanto, pelo menos não
tumultua com o desprazer. Certos modos, com que a arte se apresenta, agradam
mais que outros.
232. Voltamos a advertir, que nesta abordagem dos estilos pela ordem histórica,
não cuidamos em primeiro lugar de fazer uma história (vd 226). Visamos um
arrolamento dos estilos, coletando-os ao longo do caminho do tempo, e sempre
com vistas à estética das formas.
Na eventualidade histórica das maneiras de expressar, a variação maior de
estilo acontece por causa da ênfase diferente que se dá aos elementos
constitutivos da arte: uns enfatizaram ao significante (ou portador), outros ao
significado (ou expressão), outros às propriedades (principalmente à
esteticidade e a utilidade, como o da comunicação), outros ao tema
(principalmente no que concerne à idealização e não idealização, e ao modo
objetivo ou subjetivo de enfocá-los).
Do ponto de vista temático, a arte egípcia foi dominada pelo sentido religioso
da realidade. São as pirâmides nada mais que mausoléus colossais destinados
aos reis. Para o culto construiu igualmente gigantescos templos, apesar dos
limitados recursos da época, em que a monumentalidade é o estilo.
O egípcio era também moralista, aspecto que não estimulou a escultura humana,
como aconteceria depois com a grega. O moralismo egípcio passou aos
israelitas; estes eram anteriormente mais tolerantes, como os mesopotâmios, a
cujo grupo étnico pertenciam.
Desapareceu a civilização egípcia com a conquista persa (525 a.C.), passando
depois aos gregos, sob Alexandre Magno (332 a.C.), mas não sem antes haver
transferido parte de seu legado cultural.
Continuará o Egito presente na história, mas sob o novo estilo dos helenos (vd
233 ss) e por último, desde 641, dos árabes.
Evoluiu com posterior introdução das colunas e mesmo da cúpula. Esta foi uma
significativa contribuição mesopotâmica no futuro desenvolvimento da
arquitetura.
Mais tarde a Mesopotâmia será helênica, romana, bizantina, árabe (hoje Iraque),
com sucessividade de estilos de construção, sem que tenha sobrado algo tão
significativo quanto no Egito.
235. Ainda que se perdesse quase toda a pintura do mundo helênico, muito
restou dos seus desenhos, escultura e arquitetura, para que se tenha dela não só
uma avaliação histórica, mas também ainda real proveito.
A Grécia clássica pela sua arte e sabedoria continua falando aos homens de
hoje.
Ainda que tenha recebido contribuições egípcias e mesopotâmicas, a influência
ecológica determinou uma direção nova na arquitetura grega. A presença da
floresta no Ocidente ofereceu a oportunidade de construir com madeira, de
sorte que, quando esta foi sendo substituída pela pedra, a construção manteve o
caráter leve da maneira anterior de construir. Aliás, arquitetura originariamente
significava carpintaria.
236. Arte minoica. Na fase mais antiga admiramos a arte minóica, de Creta, do
primeiro milênio a.C., anterior mesmo ao que depois se faria conhecer como
arte grega pré-clássica.
Esta primitiva arquitetura grega utilizou colunas estreitas na base, com peculiar
efeito estético. A escultura foi minuciosa e fantasista, o mesmo acontecendo
com os desenhos e pintura.
237. Da arte pré-clássica e clássica, em geral. De 700 a 470 a.C., quando da
vitória grega sobre os persas, progrediu a arte, depois denominada pré-clássica,
e que se desenvolveu em todos os campos, - escultura e arquitetura, pintura,
literatura, música, teatro, inclusive filosofia.
Prosperou o clássico, de 470 até 320 a.C. Trata-se, sob todos os pontos de vista,
- artístico e social, - do brilhante período que se fez conhecer como o Século de
Péricles.
Para os que vêem na arte clássica o ideal definitivo da criação artística, não
podem reconhecer nos outros estágios artísticos, anterior e posterior, senão a
preparação e a decadência do clássico.
Somente o século 5º, o chamado Século de Péricles (referência ao maior
arconte de Atenas) e parte do século 4º, teriam marcado grandeza.
Paralelamente, a arte da Idade Média teria sido uma preparação para o
Renascimento Clássico. São modos de ver, que influenciam a apreciação das
realizações histórica.
238. A arquitetura grega não merece ainda os mesmos encômios que teria a
escultura (vd 239). Do ponto de vista técnico, limita-se ao sistema de
sustentação simples, de colunas, ou paredes, que sustentam arquitraves. As
linhas verticais e horizontais dominam, consequentemente marcando o estilo.
Não obstante o estreito limite em que se situou a técnica clássica grega, sua
arquitetura foi conduzida a um refinamento inegável, de sorte a se definir como
um belo estilo.
Ponha-se atenção nas colunas gregas, já que exerciam então importante função.
Destacam-se primeiramente a ordem dórica (Grécia Continental e Peloponeso)
e ordem jônica (Ásia Menor), seguidas , no período helênico pela elegante
ordem coríntia (referência à Corinto, porto junto ao isto que liga o Peloponeso
à Grécia Central).
A coluna jônica apresenta um estilo mais gracioso pela delicadeza dos frisos e
menos grossura em relação ao comprido do fuste, capital trabalhando como
travesseiro dobrado em volutas, embasamento anular.
A coluna coríntia levou até ao fim a leveza graciosa das linhas e a exaltação
imaginosa, pela transformação do capital em cesto de flores.
239. As preocupações óticas são visíveis nos construtores gregos, das quais
algumas já vinham dos egípcios.
As vestes são postas em função ao corpo e das formas eventuais que este
assume; por conseguinte não se comportam isoladamente, mas em coesão.
Mas, esta espontaneidade da estatuária grega não atingiu ainda uma liberdade
exuberante de movimentos, como depois sucederá no curso do helenismo de
espírito barroco.
Note-se também que o grego clássico não foi imaginoso, prevalecendo nele o
inteletual. Quando busca o tipo ideal, o procura para as coisas naturais e
concretas. A fantasia Oriental não lhe é peculiar. Mesmo na evocação poética,
mostra-se moderado, nisto sendo amplamente vencido pelos clássicos do
Renascimento.
Não se deve confundir a arte com a história de um povo, se esta arte for a
clássica, porque o clássico expressa os tipos ideais, e não os indivíduos. Eis
porque a Grécia clássica não foi o que dizem as suas estátuas, sua poesia, suas
narrativas, nem todos os homens eram atletas.
Nem todas as mulheres constituíam protótipos de beleza e nem andavam
graciosamente nuas com a equilibrada inocência das fascinantes estátuas de
Vênus.
242. Artistas gregos clássicos. Algumas obras primas da escultura grega são
de autores cujos nomes se desconhecem ou são atribuídas especulativamente.
Hermes e Dionísio Criança, com leve inclinação geral da figura do Deus que
acaricia o pequeno, é algo inteiramente delicado do ponto de vista escultórico.
E assim também a mui leve inclinação de Vênus de Cnido faz dizer que a deusa
desnudada está prestes a ir banhar-se. De Praxíteles também é apreciável Apolo,
o deus grego que encarna o ideal da beleza.
O último grande clássico é Skopas (c. 420-350 a.C.), cuja beleza impessoal de
expressão já oferece elementos individualizantes.
Aliás, a civilização grega já acontecia muito antes em todo o sul da Itália, ali
denominada Magna Grécia, onde floresceu o Reino de Siracusa. Também nesta
Magna Grécia se desenvolveram as escolas filosóficas dos eleatas e dos
pitagóricos.
No Palatino, uma das sete colinas de Roma, estava o Capitólio (colina sagrada)
e o velho Fórum Romano, de cujas ruínas sobra quase nada. Ali foram
construídos lado a lado e sucessivamente os vários fóruns romanos, ou praças:
Fórum de Augusto, Fórum de Trajano ( de que resta a coluna de Trajano),
Fórum de Júlio, Fórum de Nerva.
No longo milênio dos Estados Pontifícios decaiu Roma até cerca de 50 mil
habitantes. Em virtude da falta de conservação e constante depredação perdeu-
se grande parte daquilo que chegara a ser o esplendor da antiga arte.
Foi a basílica de Santa Sofia o templo cristão maior da Idade Media, quando
todo o peregrino aspirava chegar até ele. A cúpula, com 31 metros de diâmetro
e 24 janelas em torno, se apoia sobre meias cúpulas menores; estas dão um
aspecto peculiar ao todo.
O Duomo de Pisa, de 100 metros e sua famosa torre inclinada (séc. 12-13), é a
principal expressão do românico italiano, ao mesmo tempo que revela todas as
influências, inclusive do clássico.
Uma vez quebrado o arco, avizinha-se cada metade do arco à sua vertical. Com
isto a pressão para fora ficava diminuída. Conservando, embora, as pilastras
com contrafortes e botaréus, já conhecidos dos românticos, os góticos
encontraram no arco quebrado o recurso que lhes permitiu a construção das
avantajadas catedrais medievais, que se multiplicaram sobretudo na França,
mas que marcaram então a Europa Ocidental de modo geral.
Aprecia-se este gótico nas catedrais de Saint-Denis, Seulis, Laon, Noyon, para
resultar no de Notre-Dame, de Paris
No gótico o festival das linhas toma conta do panejamento das vestes e até
mesmo das linhas do corpo e dos cabelos, dominando portanto as cores. O
contrário acontece na pintura clássica, ou classicista em geral. Uma vez
dispondo de áreas livres da linearidade, ela passa ao domínio luxuriante das
cores. Sem o linearismo, sobretudo as formas volumosas se convertem em
sensuais e excitantes de que as cores as revestem, seja na pintura, seja nas
estátuas, seja nos seres em geral. Inversamente no linearismo gótico nada disto
acontece.
259. Já antes do fim da Idade Média nascem muitas das idéias que farão surgir
um novo tempo. Este novo tempo, que se chamará época moderna, surge no
Ocidente sem qualquer grave rompimento político; as mesmas nações
anteriores passam a um novo estágio de desenvolvimento pela superação feliz
de seu estágio evolutivo anterior.
Ocorreu no Renascimento uma substituição de valores, pela retomada do
humanismo grego, do seu classicismo e também do seu plasticismo (vd 241).
O estudo do Renascimento clássico, feito por países, mostra quanto foi rico de
produção este período da arte.
Delorme (1515 -1570) construiu em Paris o Palácio real das Tulherias (1553),
junto ao recém iniciado do Louvre, e o castelo D'Anet; o portal deste foi
concebido como um arco de triunfo antigo. Nas Tulherias executou o pavilhão
central da ala ocidental.
O referido Palácio das Tulherias, que fora a residência dos reis da França
(junto do Palácio do Louvre), é marcante pelas colunas com tambores, arcadas
esbeltas, disposição fantasiosa dos tetos.
É o maior palácio antigo de Paris e está unido ao das Tulherias por uma galeria.
Desde 1793 (após a Revolução) passou a museu, afamado pelo acervo de obras,
particularmente clássicas, acumuladas facilmente durante o crescente
colonialismo francês. O edifício, êmulo do palácio da Chancelaria, obedeceu às
formas canônicas, tendo as colunas enquadradas com perfeito equilíbrio nas
fachadas, sem artificialidade e sem excessos.
Germain Pilon (1535 -1590), mais robusto e mais francês do que Goujon, é
autor da escultura funerária do rei Francisco I e da rainha Catarina de Medicis,
deitados justapostos (1583).
Difundido sobretudo pelos jesuítas, que da Europa, com o apoio dos governos
coloniais, enviam missionários para todas as direções, o estilo barroco ganhou
o mundo. Como referência ao então Brasil colônia o barroco respectivo passou
a denominar-se Estilo Colonial; por tendência era simplificado e sem cúpula.
268 À medida que se adentra o século 17 (o das Luzes), cresce a tendência para
o retorno ao clássico, ao mesmo tempo que o barroco tende para a exacerbação.
Na França levou o nome Rocaille. Também é conhecido por estilo Luís XV (rei
de França de 1715-1774). Ainda se chama estilo Regência, com vistas ao
regente de Luís XV (1715-1723).
No império Francês ocorrem frias reproduções antigas, que valem pelo menos
o mérito do virtuosismo. É o caso da igreja Madeleine, 1817, levantada em
Paris como cópia de um templo de Corínto.
Rude (1784-1855) foi o mais original. Sua Partida dos Voluntários, 1792, é
uma criação convincente, conhecida também como a Marselhesa de Pedra.
Passou-se também a construir em estilo gótico, tal como já havia feito com o
clássico. E assim, uma segunda vez na história, há um estilo gótico. Observe-se
neste sentido a Igreja Sainte-Clotilde, por Gau (1790-1853).
Ainda que sem criações inteiramente novas, o estilo gótico inglês do século 19
foi marcado pela capacidade de adaptação às novas funções.
A estes valores se juntou também o fator industrial, com seu novos materiais, e
que marcou um caminho totalmente novo para as possibilidades da realização
arquitetônica.
Com o estilo arquitetônico moderno uma nova estética tomou conta das cidades,
as quais passaram também a crescer verticalmente. Além disto as condições
sociais se alteraram profundamente, como decorrência da explosão industrial,
da ciência, da técnica, do aumento enorme da população.
282. Não obstante sua novidade, o estilo moderno herdou elementos universais
da estética, sobretudo aqueles referentes ao belo. Recebeu do clássico o
ritmo das partes em sequência, e do gótico, o andamento indefinido, quer das
partes, quer das linhas.
O clássico distribui as partes em distâncias calculadas. O movimento, porém,
tende a equilibrar-se, e o faz em campos menores. Diferentemente, o estilo
moderno, em vista dos seus recursos maiores, conduz o ritmo como se fosse
equilibrá-lo apenas no infinito. O andamento moderno é quase contínuo,
aspirando grandes distâncias, com uma velocidade típica da trepidação do
progresso.
Funcionalidade. 2283y285.
Quanto aos precursores, uns o foram para certos elementos, outros o foram
para outros. E assim começa por se tornar difícil apontar com quem principia a
novo estilo. A arquitetura moderna herdou, conforme já anotamos, elementos
do gótico e outro do clássico; então, iniciar o moderno consiste em abandonar
os elementos já impróprios e manter os que ainda se mantém dentro do novo
espírito, juntamente com os novos desenvolvimentos.
Além do nome genérico estilo moderno, proliferaram muitas outras
denominações e que passaram a caracterizar variantes.
John Root e Daniel Burnham projeção curva as janelas que sobem em coluna
saliente ao comprido do arranha-céu Monadnock Block (Chicago, 1891).
Josef Hoffmann insiste nos elementos verticais; começa já então, o novo modo
de construir ser denominado as vezes de estilo "vertical". A decoração interior
também passa a ser simplificada. As novas idéias são discutidas e amplamente
propagadas.
Richard Neutra (1892 - 1970), natural da Austrália e em 1923 emigrado para
os Estados Unidos da América, foi um dos arquitetos mais notáveis. Trabalhou
com o americano Frank Lloyd Wright e realizou trabalhos similares aos dos
europeus Le Corbusier e Mies Van der Rohe. Atendeu a funcionalidade da casa
de Gropius.
Introduziu Neutra nos Estados Unidos o Estilo Internacional nos anos 1930.
Notabilizou-se em construções de prédios para escritórios, moradias,
universidades, igrejas, centros culturais. Mencionam-se
especialmente: Kaufman Desert House (1949 - 1947) e Tremaine House, ambas
na Califórnia.
294. Na Itália Boito, Basile e Caetano Moretti são alguns dos nomes que mais
se destacam no primeiro impulso de renovação enlaçado com o estudo da Idade
Média" peculiar ao novo estilo moderno. Depois de 1900 difundem na Itália,
primeiramente como estilo floral, os arquitetos Raimondo d’Anonco (1857-
1932), Giuseppe Sommaruga (1867-1917).
Em 1900 Burnham construiu o Flat Iron Building, com 20 andares (no ângulo
da Broadway, New York). Em 1908 já se observa 45 andares, no Woolworth
Building. Uma floresta de tais edifícios passa a tomar conta das cidades novas e
progressistas. Sem o tumulto das decorações, mais uma forte insistência nas
funções de estrutura, fazem dos arranha-céus realizações típicas de um novo
estilo.
Hoje muitos países asiáticos, notadamente Japão e China, são exemplos no que
se refere ao estilo moderno em arquitetura e artes das formas em geral. O
mesmo há a dizer da Oceania, sobretudo da moderníssima Austrália. Claro está,
que a nostalgia do passado resta por toda a parte (vd 308).
Influenciaram sobre o Brasil Gropius (da Bauhaus), Mies van der Rohe, Franck
Lloyd Wright, Le Corbusier.
"O edifício A Noite pode ser considerado o marco que delimita a fase
experimental das estruturas adatadas a uma arquitetura avulsa, da fase
arquitetônica consciente de projetos já integrados à estrutura e que teria, depois,
como símbolo definitivo o edifício do Ministério da Educação e Saúde (Rio de
Janeiro). Significativamente, tanto uma como outra estrutura, foram calculadas
pelo mesmo engenheiro, Emílio Baumgart, cujo engenho, intuição e prática do
ofício, a princípio mal vistos pelos pensamentos catedrático dos doutos,
acabaram por consagrá-lo, tal como merecia, mestre dos novos engenheiros
especializados na técnica do concreto armado. O seu imenso escritório
instalado no próprio edifício da Praça Mauá, onde levas de engenheiros recém-
formados se exercitavam nos segredos das novas técnicas, capitalizando
precioso cabedal de conhecimentos, embora, por vezes, se presumissem lesados,
preencheu honrosamente as funções de uma verdadeira escola particular de
aperfeiçoamento" (Lúcio Costa, Arquitetura Brasileira, p. 28 - 29, Rio, 1952).
"A arte de Lissitzki tinha mais compromissos com as idéias vigentes na Europa
Ocidental e representava uma tentativa de conciliação entre os dois pólos. Sua
influência foi vasta, sobretudo nos grupos de vanguarda da Suíça e da
Alemanha, mas o lado mais importante, mais revolucionário da vanguarda
russa e que talvez seja um caminho para a arte contemporânea foi posto de lado.
Não é por acaso que o movimento neoconcreto, nascido no Brasil como uma
reação ao concretismo racionalista de formas escritamente ópticas, reaproxima-
se da vanguarda russa, particularmente das experiências de Malevitch e daquele
aspecto, a que nos refirimos, que se define por uma procura de um novo objeto
para a pintura. O concretismo brasileiro, derivado de Ulm, levou a
consequências extremas aquela tendência óptica induzida na Alemanha e na
Suíça por Lissitzki.
O mais destacado entre os irmãos Pevsner foi o escultor Naum Gabo (1890- ),
como se fez conhecer. Criou o monumento do Instituto de Matemática e
Ciências Físicas de Moscou. Com seu irmão Antoine Pevsner (1886-1962),
esteve por último na França, desde 1922. Esteve também algum tempo na
Alemanha com o pintor Kandinski até o advento do Nazismo. Em Paris
participou do grupo Abstraction-Création, 1932.
CONCLUSÃO. 2283y323.
323. Através dos tempos crescem os recursos da arte das formas, por evolução
dos materiais industriais e ultimamente por desenvolvimento da imagem
eletrônica, a qual ao mesmo tempo transmite as cores.
Superadas as limitações materiais do significante, importa a seguir desenvolver
com a mesma flexibilidade a expressão.