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Versão em Português do original em Esperanto

© Copyright 1997 Evaldo Pauli

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LINKS DA
ENCICLOPÉDIA SIMPOZIO.
APRESENTAÇÃO INTRODUTÓRIA.
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2 - Informação técnica sobre a Enclopédia Simpozio.
3- Índices

ENCICLOPÉDIA DE FILOSOFIA.
ENCICLOPÉDIA DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA.
ENCICLOPÉDIA DE CIÊNCIAS HUMANAS.
ENCICLOPÉDIA DE ARTES, LÍNGUAS, LITERATURA.
ENCICLOPÉDIA DE REGIÕES:
- Enciclopédia de Santa Catarina.

Filozofia Revuo Simpozio (Revista de Filozofia Simpozio) (E).

FILOSOFIA:

Megaestética (conjunto):

- Tratado do belo. 0764y000.


- Inspiração artística. 2022y000.
- Filosofia geral da arte. 0531y000.
- Estética literária. 4515y000.
- Estética das cores. 3911y000.
- Estética das formas. 2283y000.

Megafilosofia geral (conjunto):

- Filosofia da religião. 7270y000.

Megaética (conjunto):

Filosofia social (conjunto):


- Filosofia política. 6417y000.

Hípermicro Enc. de Filosofia:

- O que todos devem saber da filosofia. 2211y000.


HISTÓRIA DA FILOSOFIA:

Megahistória da filosofia (conjunto):


- Como pensavam os Primeiros Filósofos. 0335y000.
- A sabedoria no tempo dos sofistas e Sócrates. 8310y000.
- O Divino Platão. 6316y000.
- O Grande Aristóteles. 0485y000.
- Legado Filosófico Helênico-Romano.
- Escolástica de Ouro. 8171y000.
- Descartes fundador da filosofia moderna. 3686y000.

Microhistória da filosofia. 2216y000.

CIÊNCIAS HUMANAS:
Megahistória das religiões (conjunto):

- Fundação do cristianismo. 4251y000.

ARTES, LÍNGUAS, LITERATURA:


Gramáticas (conjunto):
- Esperanto Básico (gramática). 1946y000.

E
NCICLOPÉDIA DE EGIÕES: R
ENCICLOPÉDIA DE SANTA CATARINA
Apresentação e introdução.

Efemérides de Santa Catarina. 0000sc00.

9y-mega - Hípermega Enciclopédia de Santa Catarina:


Megahistória de Santa Catarina (conjunto 91sc0000).

- História de SC Colonial. 91sc0000.

Fontes da História Catarinense (conjunto 92sc0000).


- Arcipreste Joaquim Gomes de Oliveira Paiva. 92sc1848.
- Carta de Luiz Ramirez (1528). 92sc1528.
- Notícia de 1765. 92sc1765.
- Memória histórica sobre a Colônia Alemã de São Pedro de Alcântara (1848).
- Memória Política sobre a Capitania de Santa Catarina. 92sc1816.
- Relação da Viagem do Capitão de Gonneville (1503-1505). 92sc1505.
- Roteiro de Juan Diaz de Solís (1515/1516). 92sc1516.
- Viagem ao Brasil, Hans Staden. 92sc1549.
ENCICLOPÉDIA SIMPOZIO
(Versão em Português do original em Esperanto)
© Copyright 1997 Evaldo Pauli

MEGAESTÉTICA

(conjunto em 10 subunidades, no sistema 1y-mega):

1. Estética geral. 1963y000.

2. Tratado do belo. 0764y000.

3. Inspiração artística. 2022y000.

4. Filosofia geral da arte. 0531y000.

5. Estética literária. 4515y000.

6. Estética das cores. 3911y000.

7. Estética das formas. 2283y000.

8. Estética musical. 5287y000.

9. Estética psicológica.1965y000.

10. Metalinguística. 4933y000.

TRATADO DO BELO

APRESENTAÇÃO TÉCNICA DO TEXTO. 0764y003.

3. Na estrutura geral da Enciclopédia Simpozio o Tratado do Belo figura como parte do


conjunto Megaestética.
Do ponto de vista da forma o Tratado do Belo é um texto híper, porque reúne pela ordem
sistemática diferentes artigos atômicos relacionados com um mesmo tema, - o belo.
Do ponto de vista da dimensão o Tratado do Belo, é um texto mega, porque está em
dimensão maior, tendo um correspondente em dimensão micro.

4. A numeração em 8 dígitos, peculiar aos textos híper, se divide em dois campos,


separados pela letra y.
No primeiro campo está o número básico do texto híper, e que foi tomado ao artigo sobre o
belo 0764, como consta na Enciclopédia atômica de filosofia.
Acrescido agora dos artigos afins, passa a ter três números divisionários no segundo campo
da numeração.
Para uso interno do Tratado do Belo bastam os três números divisionários.
Os 8 dígitos são todavia sempre necessários nas citações a partir de fora, ou seja, a partir de
outras áreas da Enciclopédia Simpozio.

INTRODUÇÃO AO TRATADO DO BELO. 0764y005.

6. "O belo desfila todos os dias diante de nós.


Ele nos seduz nas colinas quando coroadas pelo sol matutino.
Está nos trêfegos regatos a descer das encostas.
Habita nas flores.
Brilha nas pedras preciosas.
Ornamenta as porcelanas.
Aviva as vestes festivas.
O belo vive também na mocidade elegante que sai a passeio e ingressa nos salões.
Este desfilar das coisas belas nos diz que também a vida é bela."

Evaldo Pauli .

7. O filósofo e o cientista experimental estendem e aprofundam sistematicamente a


contemplação do belo. Não somente se limitam a observar e apreciar o belo, mas ainda se
aplicam a esclarecer o que ele é. Dilata-se, então, o significado do belo para noções
progressivamente mais amplas, até ao espaço imponderável da metafísica, onde muito se
expande o saber, ainda que pouca seja a segurança de vôo nesses espaços imponderáveis aos
quais nos aventuramos.
Que seria o belo em si mesmo? Uma tentativa metafísica (ou seja, uma das hipóteses), reza o
seguinte: o belo é o ser enquanto se destaca como perfeição.
Equivale, em outras palavras a dizer: o belo é a perfeição em destaque.
Ou, com alguma nuance: o belo é o esplendor da forma.
Então a palavra forma equivale à essência, e já dizemos: o belo é o esplendor da essência da
coisa.

ART. 1-o. OBJETO OU TEMA DO TRATADO DO BELO. 0764y008

9. Método. Mas, antes de estender e aprofundar tão extraordinariamente a contemplação sobre o


belo, importa determinar como se fazem a extensão e o aprofundamento. Importa, antes de tratar
da coisa em si mesma, cuidar de uma preliminar meramente formal, com uma introdução à
ciência que há a fazer.
Esta consideração meramente formal, antes de passar à investigação em si mesma, se destina
precisamente a informar sobre o próprio investigar.
Então se garante a sistematicidade da referida contemplação do belo. Este cuidado prévio com a
lógica da investigação se denomina Introdução ao Tratado do belo, olhando-o como que
primeiramente a partir de fora.
Na introdução se antecipam todas as questões, principalmente sobre o objeto estudado, para bem
entendê-las, sem ainda decidir sobre elas.
Para cada ciência há uma introdução, e todas são feitas pela lógica, de que o método é uma parte
importante.
A lógica é a ciência das ciências, porque as ordena internamente, definindo o objeto de que trata,
orientando suas divisões e classificações, mostrando como se prova.
Paradoxalmente, pois, a introdução não pertence à ciência à que introduz; diz simplesmente o
que à ciência, em que introduz, cabe fazer e como há de fazer este fazer. Trata, pois, de qualquer
ciência, todavia só de maneira meramente formal.
10. A Introdução nos leva de pronto a uma terminologia sofisticada, que, por meio de abstrações
sucessivas distingue entre objeto material (ou concreto) e objeto formal (ou ponto de vista
abstrato, colhido para ser examinado como objeto específico de uma ciência).
Há, por exemplo, a coisa concreta bela, ou seja o belo concretizado e individualizado (aqui se
trata do objeto material). Este objeto material ainda não está desvestido de nada, que a abstração
lhe retire. É o belo como desfila todos os dias diante de nós: o belo das flores dos jardins, o belo
das aves do céu, o belo da juventude que passeia.
Uma primeira abstração chamada total, separa o belo de suas individuações, passando do
individual ao universal; temos então o belo enquanto tal(ou o belo em geral), porque a abstração
total o separou da totalidade dos seus indivíduos. Podemos dizer que nesta primeira abstração, - a
total, - o belo já deixou de ser concreto.
Contudo, depois desta primeira abstração (chamada total), continuamos ainda no plano do objeto
material, embora já com o título de objeto geral; neste sentido se diz que a ciência cuida do
universal, por exemplo, da planta em geral, e não desta ou daquela planta. Portanto, o Tratado do
belo trata do belo universal.
Uma segunda modalidade de abstração, denominada formal (ou essencial), subdivide o objeto
universal em perspectivas internas ao mesmo universal, podendo cada perspectiva ser objeto
formal de distinta ciência.
Dividir internamente um objeto, pela abstração formal, significa redividir a forma universal (que
já está sem sujeito). Separando umas formas de outras, resultam diferentes perspectivas. As mais
gerais se denominam objetos de ciências específicas, e as menos gerais constituem partes destas
ciências.
Nosso objetivo agora é determinar sob que perspectiva específica se pergunta pelo belo, como
tema abordado pela metafísica, enquanto distinto das perspectivas que outras ciências buscam no
mesmo belo. A pergunta da metafísica do belo não é, por exemplo, a mesma da psicologia do
belo.
11. Ciências do belo. Observando as belezas concretas, as ciências ampliam, portanto, a visão,
desvinculando-se primeiramente das individuações (pela abstração total) e a seguir, detalhando o
seu exame (por meio da abstração formal), indagam separadamente todos os aspectos específicos
que o objeto belo apresenta:
— metafísico (Tratado metafísico, ou gnosiologia e ontologia do belo);
— psicológico (Tratado psicológico do belo ou Estética psicológica do belo);
— moral (Tratado moral do belo);
— educacional (Tratado educacional do belo);
— cultural (Tratado cultural do belo);
— social (Tratado social do belo);
— sociológico (Tratado sociológico do belo);
— artístico (Tratado artístico do belo, ou o belo na arte);
— técnico (Tratado técnico do belo);
— industrial (Tratado industrial do belo)
E outros mais aspectos, como o belo no folclore, na moda, no arranjo pessoal, inclusive salão de
beleza, com os respectivos Tratados. Como depois se insistirá, a metafísica do belo trata do belo
como um aspecto entitativo do ser, e não apenas como algo cujo efeito é ser agradável.
Convertidas a filosofia, a ciência experimental e a técnica em instrumentos de clarificação do
belo, nos seus mais variados aspectos, tornam-se belas a própria filosofia, ciência e técnica.
12. Uma disciplina de saber. O estudo do belo não é um tratado no sentido de ciência autônoma.
Ele é parte integrante de uma ciência maior, ou de várias ciências maiores, da qual ou das quais é
recortado, em virtude da importância do tema. Então se torna uma disciplina de saber, em vista
de se dar um desenvolvimento maior, com uma organização didática particular. O mesmo
acontece com outros temas da filosofia e ciência, os quais, pela sua importância se desenvolvem
didaticamente como disciplina.
Estudado o belo do ponto de vista meramente metafísico, a respectiva disciplina se diz
adequadamente Metafísica do belo. Dividida a metafísica em gnosiologia e ontologia, vale
também dizer Gnosiologia e ontologia do belo.
13. Por ênfase, chamamos sobretudo à metafísica do belo, pela expressão Tratado do belo. A
rigor, também as outras disciplinas sobre o belo são denomináveis Tratados do belo. Mas dentre
todas assume particular destaque a Metafísica do belo, que por isso é enfaticamente O tratado do
belo.
Eventualmente, no texto presente cuidamos, mas somente de trânsito, também da psicologia do
belo, ou seja, do belo enquanto se apresenta como esteticidade. Mais amplamente a Estética
psicológica (vd 1965y000) trata de todo e qualquer sentimento estético, de que o do belo não é
senão um detalhe.
A esteticidade do belo não é um elemento da essência do belo, todavia uma sua propriedade
muito peculiar. A unidade ocorre apenas através do mesmo objeto material, - o belo, - e não do
ponto de vista, que, num caso é metafísico, noutro é psicológico.
Pelo visto, da sistematizada contemplação do belo resulta um desdobramento abstrativo, que
deixa à cada ciência específica o seu ponto de vista. Neste caso ocorre um único objeto material,
todavia uma pluralidade de objetos formais, ou seja essencialmente específicos.
Há um único ponto de partida concreto, denominado o objeto material, - que não é senão aquele
belo que desfila todos os dias diante de nós como realidade nas mais diversas coisas. Mas os
objetos formais são muitos, de acordo com a perspectiva específica de cada ciência a se ocupar
com o belo. O objeto do qual queremos particularmente nos ocupar neste Tratado do Belo, é
metafísico (dito também ontológico).
14. O ser do belo. Em principio, a metafísica trata do aspecto de ser das coisas. Não há
metafísica sem ser. Portanto, perguntamos, que é o belo como ser? Seria um elemento de
essência do ser, ou seria apenas um propriedade, ainda que intrínseca?
A pergunta está na mesma direção de quem indaga, que é o bem? que é a verdade? que é ser uno?
que é existir? Portanto, a Metafísica do belo tem como objeto a natureza do belo simplesmente
como sendo aquela coisa que assim se apresenta e nos desperta a pergunta.
15. Acaso existe um ser das coisas, para que a metafísica pergunte por ele e por suas
propriedades?
Eis o problema que divide racionalistas e empiristas.
O ser, ainda que seja alcançado pela experiência empírica, não o é diretamente como ser, - dizem
uns. Outros, - Aristóteles, por exemplo, - asseveram que a própria experiência alcança o ser,
ainda que seja apenas o ser do sensível, a partir do qual a inteligência toma o caminho para o ser
em geral, ainda que a este apenas. Enfim, os racionalistas mais radicais, - Platão, Agostinho,
Descartes, - querem ter alcançado diretamente o ser em geral. Como provar, esta ou aquela
posição?
É a metafísica a única ciência que deve provar seu próprio objeto. Por isso a metafísica principia
pela gnosiologia. Somente depois, de acordo com o que tiver provado na gnosiologia, poderá a
metafísica continuar, fazendo uma ontologia.
Pelo visto, a tarefa do Tratado do belo passa por momentos dramáticos, nos quais importa muita
capacidade dos filosofantes. A gnosiologia decide sobre a ontologia e ao mesmo tempo sobre a
metafísica do belo.
16. O tema gnosiológico, em que apenas nos introduzimos, constitui o eixo central do primeiro
capítulo do presente Tratado do belo. Para lá também transferimos vários elementos meramente
introdutórios à gnosiologia do belo.
Atentos de imediato à redivisão da metafísica em gnosiologia e ontologia, primeiramente há a
justificar as condições gnosiológicas do belo como objeto de conhecimento; depois de realizado
este suporte gnosiológico do acesso ao ser, inclusive do ser do belo, poderemos seguir em frente,
situando-nos no ponto de vista do ser em si mesmo, e portanto do belo em si mesmo. Portanto,
como parte da metafísica (ou ontologia), o Tratado do Belo é cativo da metafísica em que o
tratadista se situa.
Segundo Kant, mas que tudo não passe de apriorismos mentais, importa estudar a estes, para
entender como se dá toda esta parafernália dos procedimentos mentais. Quer as coisas do belo
existam na coisa real em si, quer seja apenas um apriorismo, em qualquer dos casos ele pertence
à condição humana.

ART 2-o UM POUCO DE HISTÓRIA DO TRATADO DO BELO. 0764y017.

18. Desde a antiguidade grega muito e sempre se escreveu sobre todos os aspectos do belo, mas
principalmente sobre as propriedades do belo, como proporção e harmonia, bem como de sua
ação estética.
O objetivo prático evidentemente prevalecia, no sentido do fazer belas as coisas, quer as
simplesmente úteis, quer as de expressão artística, o que equivalia dar-lhes correta proporção e
harmonia.
A metafísica do belo foi tema apreciado dos grandes filósofos clássicos, e assim também dos
grandes nomes da filosofia moderna.
A bem da verdade, os tratados do belo poderiam ser mais breves, se não houvessem ocorrido
tantos acidentes de percurso. Assim sendo, o tratado do belo ficou sendo uma espécie de tratado
de exercício de coisas intrincadas. A história apresenta quais foram estes acidentes de percurso.
19. Platão (427-347 a.C.) ocupou-se com a arte e o belo nos diálogos menores Ion e Fedro; nos
maiores, em algumas passagens de República e Leis.
Situou Platão o belo no ser metafísico, concebido por ele sobretudo como idéias reais arquétipas.
O mais era sombra. Tornou-se famosa a sua invectiva contra a arte. Interpretando-a como
expressão sensível, achava dever preteri-la em favor da contemplação das idéias reais
transcendentes. Aliás por razões análogas, no futuro, Hegel fará da arte apenas um estágio da
dialética do Espírito, a ser superado por um momento superior seguinte.
Quanto ao belo em si mesmo, a doutrina de Platão sobre os arquétipos contém em embrião a
essência de todos os sistemas de metafísica do belo. Inclusive Kant, apesar do seu apriorismo
sem objeto real, fez do belo uma noção que se diz das coisas em relativo, enquanto estas se
dizem perfeitas em função a um tipo arquétipo ideal ao qual em seu ser se ajustam.
20. Aristóteles (384-322 a.C.), criou uma metafísica racionalista moderada favorável ao
desenvolvimento de uma consistente filosofia do belo. Todavia não se ocupou muito com a
questão. Havendo introduzido a distinção entre predicação unívoca (de estratos entre si isolados,
como nas categorias do ser) e predicação analógica (observada em ser, uno, verdade, bom, belo),
introduziu ordem sistemática na classificações dos conceitos.
Com este trabalho abriu caminho para caracterizar futuramente com mais detalhes o belo, uma
das noções transcendentais derivada das transcendentais fundamentais.
Ainda que Aristóteles, contra Platão, negue o realismo dos arquétipos platônicos, conserva
contudo um fundamento ontológico dos universais nas coisas individuais. Somente as coisas
singulares são reais, todavia obedientes à universais nelas mesmas fundadas, como leis que lhes
são imanentes. Para Aristóteles há, pois, essências, ou leis, sem que estejam fora das coisas.
Tais doutrinas as enunciou nos tratados conhecidos depois por Órganon e Metafísica.
Sobre a arte foi Aristóteles mais específico em Retórica e em Poética, onde discute noções sobre
o belo e seus efeitos estéticos. Finalmente emÉtica a Nicômaco estudou a felicidade que resulta
do saber, o que constitui aproximação com a estética, a qual não é senão o prazer ocasionado
pela expressão da arte.
21. No período helênico-romano desenvolveu-se o estudo da estética literária, juntamente com a
gramática. São apreciáveis os escritos teóricos de Cícero (106-43 a. C.), Horácio (65- 8 a.C.),
autor de uma Poética, ou Epistola aos pisões
Quintiliano (35-96) é um notável autor antigo de uma Instituição oratória, que entretanto passou
a ter influência sobretudo a partir da redescoberta deste escrito em 1415.

Plotino (205-270), já adentrado no período helênico-romano, é um eminente metafísico


neoplatônico, havendo escrito um Tratado do Belo (arrolado nas Enneadas I, 6). Em sua visão
monista coloca no alto o Uno supremo, partir do qual emanam o logos, a alma do mundo, as
almas individuais, finalmente a matéria, prevalecendo o exemplarismo do superior sobre o
inferior.
Longino (213-273) escreveu um Tratado do sublime (traduzido ao francês por Boileau).
22.Os primeiros filósofos cristãos, até o final do século 12, se imbuem das idéias platônicas e
neoplatônicas, consequentemente de alguns de seus conceitos sobre o belo.
Agostinho de Hipona (364-430), primeiramente um retórico, fez ponderações apreciáveis sobre
o belo.
Dionisio (o Pseudo Dionisio Agreopagita) (sec. 6-o), autor consagrado de Sobre os nomes
divinos (original em grego), contribuiu para o mesmo fim.
23. Na Idade Média o desenvolvimento da metafísica ensejou o clima próprio para o estudo do
belo, ainda que não o tenha exaurido (Cf. Edgard de Bruyne, Études d'Esthétique médiévale,
Bruge, 1946, ed. esp. Gedos, Madrid, 1958). Este clima se estabeleceu, porque então se deu
particular importância à classificação e estudo das noções transcendentais, constituídas pelo ente
e suas propriedades mais fundamentais.
Felipe o Chanceler (Philipus Chancelarius) (c. 1170-1236) arrolou a primeira vez uma lista de
quatro transcendentais: ens, unum, verum, bonum. O que em Aristóteles já fora tratado
dispersivamente, ganhou agora organicidade.
O belo como transcendental encontrou um dos seus principais pontos de partida em Guilherme
de Auxerre. Este, por volta de 1220, escreveu: idem est in substantia eius bonitas et eius
pulchritudo (Summa Aurea II,9,4).
De Alberto Magno (1206-1289) cita-se importante opúsculo: De pulchro et bono. Nele trata do
belo em si mesmo e de seus "oito modos".
Tomás de Aquino (1225-1274), em seu De veritate (I,1) criou uma sistemática das noções
transcendentais, as quais, segundo ele, seriam: ens, res, unum, aliquid, verum, bonum.
Oportunamente deveremos voltar a esta questão, porque nela se inserta a questão do belo.
Embora Tomás de Aquino se refira em variadas ocasiões, ainda não insistiu em sua natureza,
senão ligeiramente. Sua posição inteletualista e que, em última instância faz reduzir o belo
ao verum se encontra na frase em que assevera que "o bem diz respeito apropriadamente ao
apetite... O belo, porém, à potência cognoscitiva" (Suma Theologica I; q. 5, a. 4., ad 1).
24. No fim da Idade Média e Renascença aconteceu o desenvolvimento das artes e estudo das
línguas clássicas, além das modernas, ao mesmo tempo que o surgimento do classicismo.
Avolumou-se a literatura que trata do estético artístico e do belo em si mesmo. Continua,
entretanto, o acento na direção do belo artístico e não do belo simplesmente.
O classicismo do final da Idade Média, da Renascença e dos primeiros séculos modernos
(cartesianos) produziu uma estética, que teve por ideal o tipo da espécie e não o indivíduo, ainda
que se trate de tipos humanos.
Tais são as Poéticas de Scalígero (1484-1558), Castelvetro (1505-1571), Patrizzi (1529-1597),
que inspiraram o classicismo italiano.
Sobremaneira se destacou o poeta Nicolas Boileau (1636-1711), que ao mesmo tempo foi o
teórico do classicismo francês, através de sua Arte poética (1674).
25. Os primeiros modernos a versarem de um modo novo os temas do belo são os moralistas
ingleses.
Citam-se Shaftesbuy (1661-1713), autor dos Characteristics (5-a ed. 1732); Hutcheson (1694-
1746); Hogart (1697-1764), autor de Philosophical inquiry into the origin of our ideas on the
sublime and beautiful (1756), traduzido por Lessing ao alemão em 1773.
De uma parte, não cedendo embora às tendências empiristas, e de outra não aderindo aos
excessos racionalistas, mantém-se numa linha de centro, de acordo com uma velha tradição
platônica medieval, resistindo mesmo ao aristotelismo tomista. Abrem caminho pelo que
denominam de bom senso (ou senso comum), quer para garantir e explicar a moral, quer para
esclarecer sobre a natureza do belo.
Distinguem geralmente entre o belo e o sublime, colocando a este último acima do primeiro.
Influirão sobre a estética alemã.
26. Com a expansão da filosofia alemã no século 18, surgem também inovações para a filosofia
do belo e da arte, inspirando todo o período romântico.
Primeiramente se fez notar Alexandre Baumgarten (1614-1762), marcando uma nova orientação
em filosofia, ao interpretar o belo como sensível. Aliás, foi neste contexto do sensível, que
Baumgarten inventou o nome Estética. Publicou Meditationes philosophi de nonnullis ad poema
pertinentibus (1735) e Aesthetica sive theoria iberalium artium (1750-58). Foi esta última
republicada em fac-símile (1961, Hildesheim).
Emanuel Kant (1724-1804), depois de haver publicado a Crítica da razão pura (1781) e
a Crítica da razão prática (1788), veio ainda com uma Crítica do juízo (1790), visando tratar
dos juízos que enunciam algo sobre os objetos vistos como um todo, entre os quais situa os
juízos estéticos. Mantido o caráter fundamentalmente sensível do belo (como em Baumgarten),
discute o valor dos arquétipos, em função dos quais verdadeiramente algo se diz belo.
Hegel (1770-1831) mais uma vez introduz novidades no estudo do belo, com sua
volumosa Estética (póstuma). Mas agora se ocupa especialmente da arte, quando em Kant o
centro fora o belo.
27. Ora cá, ora lá, continuam as especulações metafísicas dos modernos sobre o belo, acrescidas
ainda das experimentais e histórias da arte.
A tendência positivista do final do século 19 reteve-se nos aspectos empíricos do belo, como os
efeitos de satisfação por ele criado. Então o belo já não é determinado como sendo tal, senão
pelos seus efeitos. Os conteúdos metafísicos do belo são refutados como sem sentido. Com o
afastamento da metafísica dos meios positivistas, ou neopositivistas, ficou lugar apenas para a
estética psicológica do belo (compreendida a psicológica experimental) e a estética do artístico
(de novo a experimental).
Em princípio, a psicologia experimental é por si mesma um saber válido, independentemente de
se admitir ou não a psicologia especulativa e a metafísica.
28. Mas, enquanto o empirismo criou seu campo de praticantes, também se mantiveram firmes as
demais correntes filosóficas, sejam as do tipo intuicionista, filosofia dos valores, filosofias
fenomenológicas e existencialistas, sejam as do velho modelo ontológico aristotélico e platônico,
ou escolástico renovado.
O contemporâneo é sempre muito movediço (veja-se Raymond Bayer, L'Ésthétique mondiale au
XX-e siècle, PUF, Paris 1961).

ART. 3-o. VALOR DO TRATADO DO BELO. 0764y030.

30. Conhecer e estudar sistematicamente o belo resulta em vantagens, e que se situam em vários
planos.
Primeiramente, vale o princípio geral que todo o conhecimento é em si mesmo valioso, enquanto
nos agrada o conhecer. Agrada-nos sobremodo conhecer os objetos mais significativos e valiosos.
Neste caso se encontra o belo, por ser qualidade aperfeiçoativa. Como já advertiu Aristóteles,
obelo é o preferido. Em decorrência direta destaca-se o valor do Tratado do Belo, pois atenta
para o belo e alarga o conhecimento sobre o mesmo.

Ainda que o belo não fosse valioso em si mesmo, bastaria, para determinar sua importância, a
atração que exerce. A curiosidade pelas coisas belas e a afetividade estética produzida induzem a
fazer dele uma indagação.

Enfim, todo o saber vale por si mesmo. É bom saber. E por isso é bom saber algo sobre o belo. É
mesmo bom conhecer o seu contrário, o feio, porquanto destaca, pelo contraste, ao belo.

31. O belo pré-artístico. Antes que surgisse a arte, o belo já existia. Muito antes de aparecer o
homem sobre a face da terra para produzir a arte, já resplandecia o belo na luz dos astros, no
colorido das auroras, no azul da abóbada celeste, nas noites estreladas, nas nuvens vagando no
espaço, nas montanhas sinuosas, nas florestas verdejantes, nas flores coloridas, no zumbido dos
insetos e canto dos pássaros, nos brutos das campinas, no rolar das ondas do mar. Imenso sempre
foi o número das coisas belas, antes que a primeira obra de arte surgisse.

Mesmo na arte, o som já pode ser belo, harmonioso, agradável antes de se transformar em
música expressiva. Por isso, há na música muito do belo pré-artístico, antes da expressão musical
propriamente dita.
O mesmo pode acontecer com os materiais da arquitetura e da escultura, sempre capazes de
serem belos em si mesmos, independentemente da expressão que passam a assumir. Sobretudo as
cores são belas, mesmo quando nada expressam.

A arte literária, sobretudo a poesia, também explora o belo da cadência dos sons e das rimas.

Portanto, por toda a parte reina o belo nas coisas, mesmo antes que a arte as transforme em novas
maravilhas.

32. O belo como tema preferido da arte. Cresceu o belo da natureza ao surgir a arte. É a arte um
esforço de expressão, em que umas coisas se tornam a representação de outras. E esta
representação busca ser perfeita, ao mesmo tempo que prefere os temas perfeitos, isto é belos. É
por si mesmo evidente, que a expressão artística busque ser perfeita e que prefira expressar o
temas perfeitos, ainda que as circunstâncias à obriguem à universalidade dos temas.

Sem ser ela mesma o belo, foi a arte sempre amiga do belo: tanto ela busca o belo na função do
expressar com perfeição, como também o busca nos temas belos.

Por causa desta dupla possibilidade de beleza da arte, acontece que o mais degradante dos temas,
ainda que como tema possa não ser o belo, passa contudo a ter uma expressão bela, porque ao
menos perfeita como expressão.

33. Importa ainda conhecer o belo como um dos ideais de construção do homem, seja do homem
como belo corpo, seja do homem como bela pessoa.

Neste contexto surge o belo como um dos objetivos gerais da educação. A filosofia da educação,
ao tratar dos objetivos gerais da educação, advertirá sobre este aspecto.

Quando se toma alguma beleza em separado, esquecidas as outras, pode eventualmente


acontecer que o belo, sobretudo na arte, por vezes conduz ao mau caminho. Então já não se trata
da beleza artística por ser artística, e sim do tema que foi mau, e foi introduzido pela palavra, ou
pela música, ou pelas artes visuais. Se entretanto abstrairmos do tema, aquela expressão poderá
ter sido artisticamente perfeita. Se porém o próprio tema for bom, teremos a aliança do belo
temático com o belo artístico. Se dentre os bons temas o próprio tema belo, a aliança havida será
de beleza com beleza, isto é, do belo expressar e do tema belo.

A tendência do artista não é apenas o expressar belamente, mas expressar um bom tema. E este
poderá ser um tema instrutivo, um tema capaz de divertir, um tema curioso pela sua
originalidade, enfim poderá ser um tema belo. Acontecerá então uma seletividade temática,
desde os mais úteis até os mais belos. Ainda que o artista se preocupe em funcionalmente
expressar-se belamente, o que verdadeiramente lhe importa é o tema.

34. A arte pela arte é uma situação abstrata. Ninguém fala simplesmente para falar; fala-se para
dizer algo de interesse temático. A arte pela arte, como simples virtuosismo funcional do bem
expressar, é apenas um momento abstrato, tomado a um todo maior; cuida somente da arte pela
arte o apreciador que faz a ciência da arte, a crítica da arte, a história da arte, porquanto cada
ciência toma em conta um ponto de vista a parte.
Pode a arte pela arte ser uma preferência de quem a aprecia; mas nunca é toda a arte.
Aparentemente o cientista da arte, o seu crítico e historiador parecem conduzidos à indiferença
moral; todavia, o estado deles é apenas o da abstração, porque na verdade simplesmente por
definição não lhes cabe diretamente cuidar do conteúdo simplesmente em si mesmo; este já
pertence a um outro setor, o da filosofia moral da arte.

Conclui-se que, apesar da distinção entre o belo e a arte, é na arte, que,- ao mesmo tempo que
busca ser bela, - muito se valoriza o belo.

35. Quando se trata do belo e da arte como valiosos à educação, importa primeiramente o
conteúdo belo e o conteúdo expresso pela arte; surge então o belo como a perfeição em destaque
e a expressão artística como mensagem direta do tema. Não obstante, a expressão enquanto bela
expressão também educa, porquanto excita o sentimento estético, em si mesmo apreciável e
elevado.

Schiller aborda a questão do belo como fator de educação, em sua 10-a carta Sobre a educação
estética da humanidade (1795). Merece ser lido:

"É verdade que já ouvimos, até o cansaço, a afirmação de que o sentimento educado da beleza
refina os costumes, de modo que parecem desnecessárias novas provas.

O apoio é dado pela experiência cotidiana, que mostra o bom gosto quase sempre acompanhado
por clareza do entendimento, vivacidade no sentir, liberalismo, mesmo dignidade, enquanto o
gosto inculto se apresenta de ordinário ligado a qualidades opostas.

O apelo é feito, com toda a segurança, à mais educada das noções da antiguidade, na qual o
sentimento da beleza alcançava sua evolução mais alta, e é feito, por outro lado, ao exemplo
oposto, dos povos selvagens ou bárbaros, que pagam sua insensibilidade para o belo com seu
caráter rude ou austero.

Ainda assim, boas cabeças por vezes se lembram de negar o fato ou de questionar a justeza das
conclusões tiradas. Não pensam tanto mal da selvageria de que se acusa os povos incultos, nem
tanto bem do refinamento louvado nos cultos. Já na antiguidade havia homens que nada viam
menos benéfico do que a bela cultura, inclinados, por isto, a vedar as artes imaginativas o acesso
à República" (Schiller, Cartas, 10, p. 61, trad. R. Schwartz, ed. Herder 1963).

Não desconhece Schiller o problema que se levanta por causa distinção entre o gozo pela beleza
da forma e o conteúdo expresso:

"Existem vozes dignas de atenção que se declaram contra os efeitos da beleza, armadas de
atenção que se declaram contra os efeitos da beleza, armadas pela experiência terrível.
É inegável, dizem elas, que os encantos da beleza, em boas mãos podem servir a fins louváveis;
não lhes contradiz a essência, entretanto, quando, em mãos danosas, fizeram justamente o
inverso, utilizando sua fascinação sobre as almas em favor do engano e da injustiça.

O gosto atenta apenas na forma e nunca no conteúdo, e por isso conduz a ama ao perigoso
pendor de negligenciar a realidade em geral e de sacrificar a verdade e a moralidade em favor de
um vestimenta encantadora" (Ibidem, p. 62).

36. Nem ignora Schiller a objeção do fato de que o florescimento das mais belas artes ocorreu
por vezes em períodos de decadência.

"Não temos um exemplo que seja de coexistência amistosa em um mesmo povo entre o alto grau
de cultura estética generalizada e a liberdade política ou virtude cívica, entre os belos e bons
costumes, entre a polidez do comportamento e sua sinceridade... O nosso olhar, onde quer que
perscrute o mundo passado, verá sempre que gosto e liberdade se evitam e que a beleza funda
seu domínio somente no crepúsculo das virtudes heróicas" (Ibidem, p. 63).

Mas conclui otimista: "E ainda assim, esta energia de caráter, com cujo empenho se obtém a
cultura estética, é justamente a mola com cujo empenho se obtém a cultura estética, é justamente
a mola maior de tudo, quanto é grande e excelente no homem, cuja falta nenhuma outra virtude,
por grande que fosse, poderia suprir" (Ibidem, p. 63-64).

ART. 4-o. OS NOMES DO BELO E DO TRATADO DO BELO. 0764y040.

40. Um nome antecipa noções. Se ele ao menos aponta para o objeto, dele será um nome próprio,
diferenciando-o das coisas denominadas por outro nome.
O que ordinariamente leva a criar um nome para determinada coisa é uma característica ligada a
ela e que a descreve.
Advertiu-o já Aristóteles: "na maior parte dos casos, e mesmo quase sempre, o nome das coisas
qualificadas é derivado da qualidade" (Categorias 10a 30).
Por isso, conhecer um nome representa um início de informação. Tentemos, pois, acessar a
noção do belo pela via de seus nomes.

§1-o. Nomes do belo. 0764y041.


41. O belo tem muitos nomes. Conhecer a todos abre um leque de sugestões sobre sua natureza.
Mas o fato mesmo de ter o belo muitos nomes nos adverte, que ele é um fenômeno de caráter
bastante genérico. Efetivamente o belo participa de outras e outras noções. Tanto importa
conhecer estas relações, quanto não confundi-lo com elas.
Além disto, importa não perder de vista a advertência de Aristóteles, de que os nomes costumam
derivar de qualidades ou propriedades mais evidentes, e não do que é essencial ao objeto
denominado; por isso, ao colhermos a informação vinda através do nome, não devemos logo
identificá-la simplesmente com o essencial da coisa denominada.
O belo, não obstante à costumeira superficialidade dos nomes, costuma ter contudo bons nomes.
Essencialmente o belo é perfeição em realce; ora este caráter é quase sempre sugerido em seus
nomes.

42. Pulcher, -chra, -chrum é o adjetivo usual do latim para significar o que é belo. O substantivo
é pulchritas, -atis, e também pulchritudo, -inis.
Apresenta uma origem visual, portanto fácil para a transformação semântica. Deriva de perk-,
raiz indo-européia com o sentido genérico de salpicado.
No latim o vocábulo tomou a direção de belo, passando pelas formas perkros e perkr-, resultou
em pulcher (= belo).
No grego a radical indo-européia per- rumou para perkos = salpicado de preto), no alemão para
Farbe (= cor, tinta), no russo para (krasotá) (= belo, beleza).
De origem visual, portanto teorética, o termo latino pulcher se distancia bastante do de bellus (vd

43), derivado de um nome que significa relação estética de bem.

43. No latim também ocorre bellus. Em outros tempos pouco usado, este nome passou contudo a
ser o preferido nos idiomas neolatinos. Similar é o nome bonito.
Belo e bonito, para significarem beleza, tiveram sua origem, na esteticidade afetiva e não na
teoreticidade falante do belo. De dwenos saiu o latino bonus (= bom). Através de dwenollos
chegou-se a bellus (= belo), menos usado que pulcher. Em português formou-se bonito, através
de bom. O processo, em virtude do qual bonito saiu de bom, apresenta-se paralelo àquele em que
bellus derivou de dwenollos e este de dwenos.

Termo latino de obscura origem, faz com que estas denominações belo e bonito, tão frequentes
na área dos povos latinos, não representem contudo valor semântico no restante vasto mundo
cultural indo-europeu. Sem equivalentes na mesma linha etimológica, belo e bonito não
possibilitam tradução espiritual perfeita aos idiomas fora da área das línguas neolatinas.

O Esperanto aproveitou a raiz latina, para formar o adjetivo bela (= belo, bela) Dada a
flexibilidade gramatical do Esperanto, o termo se tornou de uso eficiente para todos os fins da
área em que deve oferecer significado, quer como adjetivo, quer como substantivo, quer como
verbo e advérbio.

No latim vulgar, derivando da mesma raiz, se formou bellitia, nas neolatinas belleza (italiano),
belleza (antigo provençal), beleza (português).

O curioso desta evolução semântica a partir de dwenos, dwenollos, bonus, belus, bellitia, é seu
ponto de partida estético e mais do que isto, de um sentimento genérico, como é o de bom.
Interpretamos o belo como um bem teorético da inteligência, enquanto a vontade assim o aprecia
em favor daquela faculdade. Ora, sendo um bem, importava sob este pondo de vista denominá-lo
a partir do mesmo vocábulo. Diante disto, a semântica nos está a sugerir que o belo, em virtude
do mesmo nome, é um bem... E como se trata de um bem muito especial, passou a ter um nome
distinto, - belo.

Diante disto ainda, o belo se traduz, aproximativamente, por estético; pois dizemos estético
aquele específico sentimento que o apetite exerce diante de um objeto que a vontade aprecia
como um bem da inteligência. Entretanto, estético se apresenta mais universal, porque se diz
tanto do estético-artístico, como do estético-especulativo, segundo o qual todo o conhecimento
agrada, sobretudo do belo. Na verdade, o belo, do qual agora cuidamos, é o perfeito em destaque,
nesta condição mais agradando que os demais objetos.

44. São ainda nomes do belo, com nuances: decoro, decoração, ornamento, Ornato, enfeite.
Todos indicam o belo de maneira peculiar e conhecida.

Os nomes até aqui citados , - belo e similares, - têm o sentido semântico definitivamente firmado;
ainda que originariamente possam sugerir outras qualidades, significam hoje o que diretamente
entendemos por beleza.

45. Outros vocábulos latinos indicam o belo apenas de modo genérico, cabendo ao contexto fixar
a acepção exata. Referimo-nos às denominações como: elegância, brilho, esplendor, perfeição,
fulgor, claridade, clareza, distinção, nitidez, evidência, integridade, perfeição, as vezes até
inteligibilidade.
Algumas das qualificações mencionadas se dizem também do conhecimento, que pode ser claro,
evidente, distinto, nítido, esplêndido, brilhante. Sobre a análise etimológica destes qualificativos
veja-se um tratado de gnosiologia (nosso Que é pensar? n. 105 ss).
Há nomes que dizem belo só dentro de uma determinada área. Por exemplo, artístico para coisas
bem feitas.

46. Perfeição por si só não indica o belo. Está, todavia, como que na posição de gênero para a
sua espécie. O sentido etimológico de perfeito (do latim per-fectum), derivado de perfazer,
encontra-se ainda evidente. Sugere o acabamento, cuja feitura foi conduzida até ao fim, até a
integridade. Lembra portanto a verdade ontológica, a idéia exemplar, portanto ao modelo
arquétipo em função ao qual uma realização completa se subordina.
A evolução semântica do termo, admite hoje que o perfeito não somente se diga da obra que se
faz, ou se cria, mas também de um ser que se realiza dentro de um conceito absoluto. Neste
sentido, o perfeito também se diz de Deus.
O belo não diz respeito diretamente à noção do fazer. Por isso, o que já existe, embora não tenha
sido feito, pode ser belo independentemente da noção do fazer.
O belo é a perfeição enquanto se destaca do que é menos perfeito. Há, pois, uma distinção entre
o perfeito e o belo.

47. Elegância é um termo que realça precisamente a elevação do perfeito por entre o que o é
menos. Diz respeito particularmente ao modo de portar-se das pessoas, de sua maneira de andar,
de fazer gestos e da índole peculiar de se exprimir.
O termo elegância toma origem na radical grega e latina leg-, com o sentido fundamental de
colher, escolher, palavras estas que se formaram com a mesma raiz.
A partir do mencionado leg- se forma o importante verbo grego 8 X ( T , e que exerce dois
sentidos, primeiramente o de juntar e escolher, depois o de dizer. Dali procede 8 ` ( @ l (=
palavra), que progride em direção inteletual, como logiké (= lógica). Neste mesmo contexto de
leg- (= escolher) se insere o latim legere (= ler). Evoluiu a velha raiz para o sentido de interpretar
e selecionar, como na latim legio (= escolha, legião) e elegans (= elegante).
Dai resultou que elegância exerce o sentido fundamental de escolha, seleção, superioridade,
perfeição. Combina-se, portanto, com muita propriedade com a noção de beleza. Elegância e
beleza andam pois de mãos dadas.
A evolução semântica do termo elegância na direção da beleza se encontra muito mas avançada
que a de perfeição; mais depressa identificamos o belo e a elegância como sendo um o outro, do
que o belo e a perfeição. Há, entretanto, para a elegância uma certa linha de incidência
restringida ao comportamento humano, ao passo que a perfeição se pode dizer de qualquer ser
universalmente.

48. Íntegro, - enquanto indica a qualidade de um ser como estando de posse de quanto lhe
pertence, com a negação expressa de haver sido tocado, - constitui termo bastante próximo do de
beleza.
Quase como um gênero, como já sucedia com a perfeição, integridade assume o significado
equivalente ao de beleza, quando um especificativo o faz exercer a intocabilidade precisamente
como um realce de sua perfeição. A integridade diz posse efetiva das partes; o ser mutilado não é
íntegro, e sob este ponto de vista não se realça como perfeito; mas o ser íntegro, frente ao
mutilado, se exerce com realce, portanto com beleza.
No original latino, tag- significa tocar; a partir desta raiz se formam palavras como tato, tangível,
contingente, acontecer. Na forma negativa formularam-se integer (= íntegro), através de -in-
tagros, e intactus (= intacto).
A evolução semântica levou o sentido de integridade para o de completo em suas partes
enquanto que o significado primigênio é o de intocável; este sentido originário se aproxima
certamente muito mais do de beleza.

49. Indicam também a perfeição com realce, e por conseguinte o belo a seu modo, os termos
fulgor e fulgurante, esplendor e claridade, nitidez e distinção, evidência e inteligibilidade.
Aliam os mencionados termos uma circunstância subjetiva, fazendo denominar o objeto em
função ao seu revelar-se ao indivíduo.
O fulgurante é fúlgido em si mesmo, ao mesmo tempo que o é para a vista. É frequente a
expressão "fugor da forma"; indica a forma perfeita em si mesma, e ao mesmo tempo fulgindo
diante de quem a contempla.
O mesmo ocorre com esplendor; sugere a perfeição objetiva, simultaneamente sua manifestação.

Nitidez, distinção, evidência e inteligibilidade resultam sempre da constituição perfeita da coisa;


o belo, em virtude de sua ordem interna, se caracteriza pela inteligibilidade; aliás o belo tem
como uma de suas propriedades eminentes a teoreticidade. Em assim sendo, qualquer expressão
ligada ao conhecimento o poderá sugerir; tais são todos os vocábulos referidos antes: fugor e
fulgurante, esplendor e claridade, nitidez e distinção, evidência e inteligibilidade.

50. Para os gregos, o belo se anuncia como J Î 6 " 8 ` < (tò kalón).
Em grego 6 " 8 ` < é o termo dominante para indicar o belo. O termo é usado em Homero para a
indicação de belezas físicas (Ilíada, 3, 392; Odisséia 6, 237). Autores gregos mais recentes usam
também o vocábulo para a beleza moral da virtude.
A raiz só existe no círculo helênico e significa fundamentalmente belo, nobre, vigoroso. Contudo,
do grego o vocábulo passou à denominações eruditas e técnicas, como em kaleidoscópio,
caligrafia, ou em nomes próprios, como em Calixto (= muito belo).

51. Para os alemães belo se diz Das Schoene. O termo deriva do indo-europeu kew-, com o
sentido fundamental de prestar atenção e tomar cuidado, havendo evoluído para duas direções
epistemológicas, - uma para o ouvido, outra para a vista. Dali as formas alemãs hoeren (= ouvir),
schauen (= olhar), e finalmente schoen (= belo).
Fundamentalmente, portanto, o belo em Schoene significa o chamar a atenção, particularmente
da vista.
No grego anotamos a modalidade • 6 @ b T (= ouvir), de onde, através já do latim, se formou
acústica; trata-se de um prestar a atenção por meio do ouvido.
Diante do exposto, Schoene possui origem teorética, ao contrário de belo, de proveniência
estética. Enquanto o termo germânico recorda a visão e a contemplação, o vocábulo latino sugere
a afetividade do belo como um bem em que nos aquietamos. Isto nos pode sugerir o
temperamento mais sentimental dos latinos, a tendência contemplativa dos germanos.

§2-o. Nomes do Tratado do belo. 0764y052.

52. Importaria também uma investigação sobre os nomes do tratado do belo? Nós o usamos aqui
no sentido o mais amplo possível, como equivalente de metafísica do belo.
Multiplicam-se os nomes do tratado do belo, pelo uso do mesmo nome fundamental, pela própria
multiplicação dos diferentes pontos de vista abordados. Então resultam as denominações: tratado
metafísico do belo, tratado psicológico do belo, tratado sociológico do belo, tratado do belo na
arte, tratado do embelezamento, e assim por diante.

53. Estética do belo, eis uma denominação com a qual nos devemos acautelar. Ela poderá
significar esteticidade do belo, no sentido de que o belo agrada.
Quando Baumgarten introduziu o nome Estética não quis apenas o adjetivo. O termo devia
também significar uma ciência.
Plotino tratou do belo sem dar um nome específico para seu pequeno tratado, o qual é
denominado simplesmente Peri tou kalou (= Sobre o belo) (Eneadas I,6). Diderot se limitou ao
título Tratado do belo, ao tempo em que Baumgarten usou o de Estética.

54. Filosofia da arte é nome que tem a vantagem de definir o campo ao qual se restringe, - a
expressão em obra sensível. Não envolve filosofia da arte diretamente o belo. Ainda que o belo
possa ser um dos objetivos da arte, ele ocorre também fora do campo da arte; por sua vez, a arte
tem um objetivo essencial que não se confunde com o belo.
Comparando estética e filosofia da arte, importa dizer que o campo da estética é mais amplo por
incluir mais vastamente o belo não artístico, por exemplo, o belo da natureza. Tão só por um
arranjo semântico um nome poderá ser tomado pelo outro, conforme sucede em alguns autores.
O mesmo acontece com o uso da palavra belo, que alguns, por exemplo Baumgarten e Hegel,
definem de maneira muito particular.

55. Os nomes Estética de conteúdo e Estética psicológica apresentam a vantagem de distinguir


nitidamente dois campos: a de conteúdo examina o objeto capaz de agradar (entre eles o belo e o
artístico), a psicológica examina o sentimento estético em si mesmo. Com referência ao conteúdo
que pode agradar, diferenciam-se muito nitidamente o conteúdo belo e o conteúdo artístico.
Agrada o belo simplesmente por ser belo; agrada o conteúdo artístico, porque havendo na
expressão artística uma informação, esta agrada, na acepção de que agrada saber algo.
Combinado com o nome de arte, sobretudo em suas espécies, o contexto da palavra estética
sempre se torna mais ou menos claro, de que se trata de uma arte; por exemplo, estética literária,
estética musical, estética das cores (ou da pintura), estética das formas (ou da escultura).
Mas se se tratar da estética conjunta de todas as artes, mais claras ficam as expressões: filosofia
geral da arte, ciência geral da arte, inspiração artística, gêneros artísticos, estilos da arte.

ART. 5-o. DIVISÃO DO TRATADO DO BELO. 0764y057.

58. O belo metafísico, sobre o qual estamos concluindo o ponto de vista meramente lógico, é
abordável, no que se refere ao conteúdo, pela seguinte ordem, em capítulos:

1-o. Como se conhece o belo. Ou o belo como objeto que se dá a conhecer. Adequadamente a
abordagem gnosiológica do belo se faz primeiramente pela sua mesma manifestação de ser ao
nosso conhecimento.
Neste particular o presente primeiro capitulo é uma gnosiologia do belo; mais exatamente, uma
gnosiologia fundamental do belo, porque nos retemos sobretudo no que é do início; outros
detalhes gnosiológicos são possíveis de se determinar, como por exemplo se o belo é real ou
apenas fenomênico (vd cap. 5-o).
Mas é ainda fundamental o detalhe,- anterior a questão do realismo e idealismo, - a pergunta se a
manifestação do belo ao nosso conhecimento é teorético (lógica), ou se é alógica. Assim
decidindo, a estética se institui como logicista e não como alogicista.

2-o. 0 belo essencialmente como esplendor da forma (ou, o que o belo fundamentalmente é. Ou
ainda, o que o belo formalmente é).
Definir e provar o belo como esplendor da forma equivale a dizer, como depois se esclarecerá e
se tratará de provar, que o belo é a verdade ontológica eminente das coisas.

Ou ainda: o belo como qualidade, perfeição e realce dos seres. Como qualidade, o belo é
determinação de um objeto; como determinação, o belo se diz em função a um arquétipo; enfim,
como esplendor, ou eminência, ou realce, esta qualidade se apresenta conduzida ao máximo, de
sorte a superar as coisas que não são dotadas de beleza.

Anote-se que o belo passou a ser estudado como algo em si e já não em função a nós, como na
teoreticidade. Em contraste com o primeiro capitulo (Gnosiologia do belo), o presente é
uma Ontologia do Belo, mais exatamente, uma ontologia fundamental do belo, porque não
tratamos logo de todos os detalhes. Todavia incluímos ainda no capitulo as generalidades sobre
as propriedades do belo, como sen parágrafo final: 0 belo e seu contrário (o feio) e ainda seus
graus e similares. Situado o belo como uma qualidade, apresenta, enquanto qualidade, um seu
contrário (o feio), graus de intensidade e semelhantes.

3-o Como o belo está nas coisas (ou, o belo materialmente, para dizer que coisas são belas, quais
são as categorias de ser e belo).
4-o A Esteticidade do belo. Este é um capitulo da Estética psicológica, e que acrescentamos ao
Tratado metafísico do belo, em virtude de sua (intima ligação com alguns dos seus temas; a
inteligência e a vontade, embora Faculdades distintas, são também complementares. 0 tema
contudo é tratado apenas em termos de psicologia e não de metafísica; por sua vez mais no piano
da psicologia racional, que da psicologia experimental.
5-o. 0 belo na ordem real. Aqui se retoma uma detalhe do aspecto gnosiológico do belo. Decide-
se sobre o que o belo é e não é do ponto de vista da existência. Conduz-se ao fim a querela de
idealistas e realistas, de positivistas e racionalistas.
6-o. 0 que o belo não é. Este capitulo, um tanto repetitiva, é um arrastão de vários pontos de vista,
que achamos não constituírem o belo, mas que poderão ter sido a opinião de autores de renome.
0 ponto de vista é o da essência.

59. Uma fenomenologia. Na visão introdutória oferecida sobre o tratado do belo, todos os
capítulos a serem desdobrados se mantém constantemente na visão explicita dos dados que se
mostram. A investigação se mantém continuamente na área das evidências explicitas.

Não ha um caminhar do explicito para o implícito e virtual, como acontece na teoria.

Anda-se de abstração em abstração, sem nunca sair do piano meramente fenomenológico. É, pois,
o Tratado do Belo um ensaio de fenomenologia do belo, e não uma teoria do belo.

CAP. 1-o
O BELO COMO OBJETO QUE SE DÁ A CONHECER. 0764y060.

(Gnosiologia do belo).

61. Pressupostos gnosiológicos. Como é que o belo bate às portas de nossa inteligência,
e se apresenta? De primeiro intuito ele se apresenta como um ser, cujos aspectos são de
objeto teorético, lógico, preferido, real.

Seria mesmo assim que o belo se apresenta? Este é o modo como o admite a gnosiologia
racionalista. Já não pensam assim os da gnosiologia empirista, que o reduzem a algo
muito mais simples, situado fora do plano do ser, sem qualquer intrinsecidade, como
apenas uma relação extrínseca resultante de um estado de agrado.

Já se vê que o Tratado do Belo, - como parte da metafísica, - é cativo da metafísica em


que o tratadista se situa, desde sua fundamentação gnosiológica. Importa determinar, pois,
a gnosiologia na qual o Tratado do belo se apoia, e como a partir dali coerentemente
continua a explanação do sistema em andamento.

62. Devemos ter sempre em conta que o Tratado do Belo é parte de um todo maior, de
que ele mesmo não é a parte inicial. Mas não pode estar desatento aos fundamento
coletivo do todo maior.
Não podemos didaticamente voltar cada vez à totalidade dos fundamentos, quando se
passa ao tratamento de um novo tema. Mas temos de ter consciência dessa dependência
em relação à mencionada base remota.

E por que não podemos principiar cada vez ab imis fundamentis , temos ao menos que
mencionar esta dependência e proceder coerentemente com os pressupostos admitidos.

Didaticamente, se costuma repetir a exposição dos pressupostos mais decisivos,


advertindo então mais intensivamente para as conexões de sistema.
63. Divisão das questões gnosiológicas do Tratado do Belo. Há considerar
introdutoriamente a questão gnosiológica fundamental, - se o belo se faz conhecer como
ser, ou como de qualquer outra maneira. Eis a estética racionalista versus a estética
empirista.

Neste plano inicial se apresentam as seguintes perspectivas gnosiológicas:


- O belo é teorético (Art. 1-o);
- O belo é lógico (Art. 2-o);
- O belo é o preferido (Art. 3-o).

Finalmente a gnosiologia pergunta se o belo é algo real?. Este outro tema sobre o belo
como ser poderá ser tratado em separado (no cap. 6-o), porque de imediato não oferece
implicações muito fortes na conceituação do belo.

64. A divisão acima em várias questões está bem atenta ao questionamento de toda e
qualquer filosofia, dependente do ponto de vista bastante fundamental em filosofia, e que
divide os filósofos em racionalistas, - que admitem como objeto específico alcançado
pela inteligência, o ser, intrinsecamente apreendido, como conteúdo a partir de onde se
constrói a filosofia, - em empiristas (ou positivistas), os quais se limitam à experiência,
deixando o mais como um sem-sentido.
Uma vez admitido o ser como conteúdo do pensamento, importa ao momento
gnosiológico provar esta posição, e desenvolvê-la adequadamente ainda dentro do plano
gnosiológico. É quando o belo, como ser, é mostrado ainda como teorético, - algo que se
faz conhecer; como apreendido logicamente, - algo entendido racionalmente; como
algo preferido, - sem deixar a inteligência indiferente; como algo real, - algo efetivo,
independente do sujeito conhecedor.
As perspectivas, embora muitas, se concentram na mesma noção oferecida pelo belo
enquanto se apresenta como característica intrínseca ou imanente ao ser.

ART. 1. O BELO É TEORÉTICO. O764y063.


65. Atentos de imediato à redivisão da metafísica, - conforme já advertido, - em
gnosiologia e ontologia, primeiramente há a justificar as condições gnosiológicas do
belo como objeto de conhecimento (tema da gnosiologia do belo); somente depois de
vencido este ponto de vista gnosiológico do belo enquanto se apresenta, iremos ao
ontológico. Garantida uma perfeita visão gnosiológica, estaremos depois seguros de bem
prosseguir.
Neste esforço metafísico de observação temos que conseguir que belo se vá revelando,
como algo intrínseco ao ser. Se isto não for conseguido, o belo restará mesmo sendo
apenas uma circunstância extrínseca, como quer a filosofia empirista, segundo a qual a
experiência estética não é senão uma relação de prazer ao se manifestar daquele modo
um objeto.
66. Que seria com exatidão a teoreticidade? O nome talvez ofereça alguma dificuldade,
porque usado aqui numa acepção muito especial, ainda que dentro de limites semânticos
compreensíveis.

Algo é teorético ao se manifestar sob o prisma de objeto de conhecimento. Para cada


espécie de faculdade de conhecimento ocorre uma teoreticidade específica: cor diz
respeito aos olhos, som aos ouvidos, verdade do ser ao inteleto.

De um modo geral, portanto, teoreticidade significa estabelecer-se como um objeto do


conhecimento. Algo é objeto de conhecimento ao se apresentar sob a perspectiva
adequada para se fazer conhecer.

Teoreticidade, como objeto, significa ser "assunto". A expressão "mulher é assunto"


sugere exatamente que ela apresenta novidades para se fazerem conhecer. Em tais
condições, o belo como assunto, é algo a conhecer.
67. A teoreticidade, de maneira especial, diverge de faculdade para faculdade, dando-se
diferentemente nos sentidos e na inteligência. Ainda que em ambos os níveis se trate de
teoreticidade, ela se diz hoje sobretudo da teoreticidade mental.

O ponto de vista teorético específico da mente superior é o do ser. Para a mente tudo se
formula em termos de verbo ser: o objeto é... Portanto, além da teoreticidade cognoscente,
ocorre uma maneira peculiar, em virtude da qual a inteligência se distingue dos sentidos.

Não há verdadeira teoreticidade nas perspectivas que dizem "emoção", "vontade", "bem",
"instinto", "prazer". Tais regiões operacionais e das coisas são atingíveis somente através
da teoreticidade; elas em si mesmas são opacas ao conhecimento, porquanto elas mesmas
não são o conhecimento. Revelando-se sob prismas que não são propriamente os delas,
são contudo facilmente confundidas com elas, dali nascendo as equivocadas teorias
alógicas do conhecimento. Estas outras perspectivas, chamadas alógicas, efetivamente
são lógicas, isto é, teoréticas, e não práticas (vd art. 2).
68. E o conceito de teoreticidade no belo? Em se revelando prontamente como algo
cristalino, pensado diretamente como objeto, ele é portanto teorético. Não é algo evasivo,
alcançado por vias confusas. Ainda que o belo possa ser visto também como
um bonum, ele é primeiramente entendido como um objeto.

O belo, ainda se diga as vezes inefável, por ser subtil e difícil de apreender em sua
totalidade, continua sendo teorético. Ele continua sendo essencialmente algo falável, e
que com mais atenção se faz atingir. Do belo inefável se fala, e não se cala, porque não se
oculta de todo no inefável. Quando o objeto belo assume dimensões muito grandes, se
diz sublime, em vez de inefável; todavia continua ainda perfeitamente teorético, até
porque foi possível equacioná-lo como sendo de objeto muito grande.
A teoreticidade do belo, é afirmada, por outras maneiras de se expressar, por todos os que
tratam do belo como algo que se contempla, que se admira, que agrada ao
ser visto ou ouvido, porque estas expressões se referem ao exercício do conhecimento.
Ainda que agrade, o belo precisa primeiramente ser visto, portanto encarado
teoreticamente.

Tomás de Aquino fez uma distinção com expressa subtileza, quando diferenciou o bem e
o belo: "O bem diz respeito apropriadamente (proprie) ao apetite... O belo, porém, diz
respeito à potencialidade cognoscitiva (Summa theologica, P. I, Q. 5, a. 4, ad primum).

Platão insiste em que o belo absoluto (a idéia real do belo) atrai muito mais nosso amor,
do que o belo das coisas terrestres (imitação do belo absoluto e arquétipo); mas "a beleza
é visível em todo o seu esplendor" (Fedro 250 c); esta e outras expressões mostram
sempre a implícita afirmação da teoreticidade do belo, como coisa que se contempla,
antes de tudo.

O mesmo implicitamente referem as expressões de Aristóteles ao dar o belo como "o


preferido" para ser conhecido, supõe por conseguinte tratar-se de objeto do conhecimento.

Nos que fazem como Baumgarten e Hegel, do belo algo sensível, encontramos uma
espécie de meia teoreticidade. Fazendo do belo um objeto sensível, um "pensamento
confuso" (como diziam do sensível), pretendem que ele não se mostre cristalino como a
verdade do puro pensamento; não obstante esta interpretação sensível do belo, o mantém
como algo que é atingido no plano do conhecer.

Mesmo os empiristas se contradizem, quando reduzem o belo a um fenômeno de agrado.


Importa primeiro que o objeto seja conhecido, A partir dele algo há, sem o que não pode
agradar.
69. Neste primeiro artigo, no qual cuidamos da teoreticidade em geral, o conflito entre
racionalismo e empirismo terá de chegar a uma decisão.

A metafísica, como já advertido, é a única ciência à qual é imposto provar seu próprio
objeto, começando pois por uma metafísica do conhecimento (ou gnosiologia), a qual
exploramos aqui com vistas a um objeto especial, o belo.

No caso de uma opção pelo racionalismo, o objeto do conhecimento terá sempre


um emporte intrínseco, chamado ser, como intuição fundamental; o belo então é também
visto como uma determinação intrínseca do ser. Dever-se-á ainda definir, se estes rumos
racionalistas procedem conforme o racionalismo mais radical, como o de Platão e
Descartes; ou se conforme o raciocinalismo moderado, como o de Aristóteles e Tomás
de Aquino, ou ainda se conforme o racionalismo apriorista e idealista de Kant e Hegel.
Se entretanto os rumos forem empiristas, tudo estará em direção inversa, nos caminhos
limitados que não admitem sentido e validade do que oferece o racionalismo. O
experimental, se lhe for retirado o ser, fica praticamente vazio. O belo já não pode ser
considerado um aspecto onipresente do ser. Tudo, - o ser e o belo metafísicos, restam um
sem sentido; apenas será possível falar do belo como uma determinação extrínseca ligada
ao agrado experimentalmente verificado, e não muito mais.

70. Pelo exposto, - devendo a metafísica provar seu próprio objeto e ficando a depender
do que neste sentido resolveu o tratadista, - os pressupostos metafísicos se refletem
profundamente no Tratado do Belo. Enquanto outras ciências principiam com o fato
simplesmente posto, a metafísica tem de pôr o fato e depender de como o pôs,
justificando pois o fato simplesmente como fato.

Somente é válida, pois, a metafísica fundada em dados concretos por ela mesma
diretamente justificados como certos, por mais que a seguir se estenda para afirmações
transcendentes.

Vamos dividir a prova, primeiramente para o ser em geral, depois para o ser como se
apresenta no belo. Uma prova é continuação da outra. E em ambos os casos é uma prova
meramente fenomenológica.
71. Prova do ser como objeto do pensamento. Tudo começa no instante em que
fazemos a pergunta de base: que é que por primeiro conhecemos?

Advertimo-nos do seguinte originário incontestável: conhecer é conhecer um objeto, e


este objeto primeiro é o ser.

Por isso nosso conhecer se dá em termos de verbo ser. O que conhecemos, o conhecemos
com uma certeza inicial imediata.

A gnosiologia empirista quer que o pensamento seja fundamentalmente uma experiência,


em que não vale o ser e toda uma sua filosofia.

Mas haveria um pensamento sem ser? O verbo ser aparece sempre como essencial ao
pensamento. Assim sendo, o empirismo somente seria afirmável usando ao mesmo tempo
o que ele nega. Muito antes o paradoxo acontecia ao ceticismo, que é impossível de
estabelecer, sem ao mesmo tempo admitir o contrário. Agora se repete o paradoxo: não é
possível estabelecer o empirismo, sem ao mesmo tempo ser racionalista.

72. Subindo para o geral, sem jamais se desprender do ponto de partida, a ascensão
metafísica é similar ao papagaio de papel a subir sempre mais sem desprender-se do
cordel de quem o puxa; somente sobe porque está preso à terra. O metafísico, homem
pequenino a puxar pelo cordel de suas idéias, atira o seu pensamento para as alturas; com
as idéias intencionalmente nas nuvens, subirá sempre mais, à medida que der impulso a
partir dos dados primitivos de sua própria metafísica.
73. Racionalismo radical. Há metafísicas racionalistas que principiam simplesmente a
partir de cima, situando-se desde logo em idéias gerais (isto é, universais), atingidas
diretamente, sem qualquer dependência da singularidade empírica. Elas surgiriam como
iluminação pura e simples, ou seriam mesmo inatas ao indivíduo pensante. O
conhecimento sensível, embora ocorra, é dispensável, até mesmo porque pode funcionar
como sombra a obscurecer o pensamento puro. Encontra-se ali a base de ascetismos de
desligamento deste mundo.

Platão principia com idéias universais inatas. Sua ideogenia inclui a tese, de que as idéias
universais inatas correspondem à realidades universais, válidas acima das realidades
individuais. As almas teriam tido conhecimento de ditas realidades universais em suas
vidas separadas, antes de assumirem corpos. As coisas concretas individuais deste mundo
produzem idéias singulares sobre coisas que também são singulares, e assim também
sobre o belo singular das coisas; mas, ainda despertam as idéias universais inatas
existentes na mente humana, que seriam, pois, nada mais que recordação do
conhecimento tido em vida anterior, quando teriam alcançado as realidades universais,
inclusive o belo universal real.

Agostinho de Hipona, um neoplatônico, dizia não poderem idéias universais surgir a


partir de experiências singulares, e por isso admitia uma iluminação natural própria à
inteligência, que a tem a partir de Deus. Paralelamente ainda poderia acontecer uma
iluminação sobrenatural extraordinária, que seria a graça divina, uma revelação, como a
que teria acontecido aos autores bíblicos. Estava evidentemente sob influência do
platonismo de sua época.

O racionalismo de Descartes também considera as idéias universais como um fato inato


permanente da inteligência humana. A filosofia cartesiana é, pois, eminentemente
racionalista e foi cultivada também por Spinoza e Leibniz, até que Kant a converteu no
mais puro apriorismo mental, que alimentou toda a filosofia idealista. Em todas estas
formas de racionalismo o tratamento do belo se encaminha num quadro igualmente
racionalizado.
74. Racionalismo moderado. Uma outra metafísica racionalista, chamada moderada,
desenvolvida sobretudo por Aristóteles, o ser é dado como empiricamente alcançado;
esta primeira intuição do ser é explorada sem desligar-se de seu conteúdo originário, de
sorte que todo outro ser se alcança por analogia com este primeiro. Esta fica sendo a
índole de todas as noções crescentemente abstratas, de natureza analítica, resultantes de
simples dissociações, em categorias cada vez mais amplas e modos gerais de ser, até
chegarem às noções de "ser geral" e "ser como tal", onde também se manipula com as
noções sobre o belo.

Uma vez que o ser geral é estabelecido como absoluto, os parâmetros gerais se firmam, e
a filosofia escapa do relativismo.
75. Prova aplicada ao belo. Que é mesmo que fundamentalmente se pensa, ao nos
advertir para o belo, que se apresenta? Tudo vem imediatamente ligado ao mesmo ser, o
qual a primeira intuição alcançou.
Não é fácil de entender a pergunta sobre o fato fundamental da apreensão do belo e
combiná-lo claramente com o ser e respectiva teoreticidade. Todavia, algo imediatamente
já se mostra. Mas precisamos chegar até lá com toda a plenitude. Trata-se de uma questão
de gnosiologia, anterior à ontologia, mas intimamente conectadas, porquanto de uma se
vai imediatamente para a outra.

Encontramo-nos no campo do mais fundamental do objeto de conhecimento. Segundo o


racionalismo, não pensamos senão pensando ser. E achamos, que ao pensarmos belo,
estamos ao mesmo tempo pensando-o como ser, como este mesmo ser enquanto em
destaque. Então é impossível pensar belo sem muito de imediato estarmos atendendo à
uma só grande questão.

Prova-se a teoreticidade do belo pela simples alegação do fato, de evidência explícita.


Diretamente se verifica o fato, sem necessidade de descobri-lo como implícito, nem
como virtual. Sem qualquer cursividade, a prova é direta, fenomenológica.

Trata-se de uma situação fenomenológica, do mesmo caráter como quando dizemos que
pensamos diretamente o ser, a coisa, a verdade, o bem. Não pensamos primeiramente
algo, a partir do qual vamos ao ser. Assim também acontece com as noções de coisa,
verdade, bem, diretamente alcançadas como originárias. Igualmente o belo surge como
um acontecimento originário.

Diferentemente sucede com as noções implícitas, por exemplo, com o princípio de


contradição, afirmando dever ser o que é enquanto é. Também é implícita a afirmativa
do dever ser bom; suposto o bem, a partir deste encontramos ser implícito que o ente, ao
agir dever agir bem.

A verdade em si mesma surge primeiramente como um dado. Poderá, ao ser analisada,


conter implícitos. Mas antes que os implícitos se apresentem, foi preciso haver o explícito.
E assim finalmente o belo poderá conter implícitos, mas antes que revele tais implícitos,
ele mesmo já existe como fato explícito.

Importa advertir que nem toda a análise é um caminhar do explícito ao implícito; pela
análise também se caminha do explícita para o explícito. Este é o caso da abstração total
(vd...), que abstrai uma noção geral, desligando-a de seus sujeitos individuais. Neste
sentido passamos do belo concreto (ou de vários belos concretos individualizados) para a
noção do belo em geral. Esta progressão jamais é cursiva e não é por este caminho que
vamos ao belo, porque já antes nos encontrávamos no fato mesmo do belo e depois de
fazermos dita análise pela abstração total continuamos no mesmo nível de evidência
explícita. Portanto, quer digamos teoreticidade do belo concreto, quer teoreticidade do
belo em geral, sempre nos encontramos no estado de evidência explícita.
76. A respeito do método fenomenologia na gnosiologia e ontologia do belo. Na
investigação uns aspectos são intuitivos e se revelam de pronto, não dependendo de
cursividades interdependentes, e por isso são chamados fenomenológicos; outros são
dependentes de cursividade, e por isso denominados teóricos. Estes resultados teóricos
são mais difíceis; uns são mais simples e seguros, porque são apenas implícitos aos dados
fenomenológicos, bastando explicitá-los, obtendo-os por simples inferência; outros
dependem de raciocínios (indutivos e dedutivos), estando apenas potencialmente nos
antecedentes.

Na extensão e aprofundamento da elaboração do saber ocorrem, portanto, etapas


sucessivas, em que a primeira etapa acontece no espaço que não ultrapassa o
fenomenológico. Insistimos nesta primeira etapa, porque nela se situa principalmente o
Tratado do Belo. Os primeiros juízos, emitidos sobre os dados, são de evidência explícita,
intuitiva, fenomenológica.

Numa nova etapa é possível teorizar sobre o belo. Por exemplo, para postulá-lo como
norma na construção do homem, tanto de seu corpo, como de sua pessoa. Ora por
inferência, ora por raciocínio, seguindo para bem mais longe, seja raciocinando
dedutivamente, seja indutivamente. No caso da inferência os resultados estão
formalmente no antecedente; este é o caso da ponderação, por exemplo, quando se afirma
que o belo é o preferido. No caso do raciocínio os resultados estão contidos no
antecedente apenas virtualmente (ou potencialmente), decorrendo como efeito, pois não
estavam formalmente nos juízos usados como antecedentes (ou seja, como premissas).
Esta outra etapa, a raciocinativa, é a que se usa para recomendar, por exemplo, o belo
como ideal moral e mesmo como ideal artístico, embora não como o único; usa-se um
raciocínio para fundamentar a recomendação.

Para chegar até às primeiras importantes noções abstratas sobre o belo não requer a
filosofia, como já adiantamos, desenvolver um raciocínio pleno com premissas e
conclusões. Basta-lhe, por abstração, caminhar da individuação concreta para o que os
indivíduos têm como noção comum, e desdobrar cada vez mais esta noção originária de
sua intuição. Caminhando a filosofia por simples análise abstrativa e sem ainda apelar à
cursividade teórica (por inferência ou por raciocínio), nada ela inventa até esta altura dos
seus procedimentos. Apenas revela, por dissociação, aquilo que os dados concretos desde
o primeiro instante já conheciam como evidência explícita. O Tratado do Belo, ao menos
nos seus primeiros instantes, é apenas uma fenomenologia. Mostra o belo e insiste em
mostrá-lo sempre diretamente, como característica do mesmo ser e como noção de
evidência tão imediata quanto a evidência do próprio ser. Assim sendo, o Tratado do belo
nada mais é do que uma metafísica fundamental ( gnosiologia fundamental e ontologia
fundamental), ou seja, uma parte dos primeiros capítulos da gnosiologia e da ontologia. O
Tratado do Belo dissocia o belo concreto em estratos sucessivos, como o espaço matutino
desdobra a luz nos festivos dedos da aurora.

Os primeiros elementos da ponderação filosófica são em princípio mais seguros que as


sistematizações raciocinativas posteriores. Contudo podem oferecer dificuldades; desde
logo desatenções a aspectos importantes provocam desvios de repercussão definitiva em
todo o restante dos resultados. Seria também este o caso exatamente da questão do belo?
Pelo menos gostaríamos que o belo como objeto de estudo do Tratado do Belo surgisse
desde logo com mais clareza.
77. Dificuldade, mesmo na fenomenologia do belo. Ao que parece, há no belo algo de
manifestação tão contundente, que por isso não importaria em uma longa ciência ou
volumoso tratado filosófico para o esclarecer.

Nisto o belo se assemelha ao espetáculo oferecido pelas flores; convencem antes de


qualquer demonstração. Por isso, todos conseguimos falar do belo, sem que precisemos
de apelar a um penoso processo raciocinativo como acontece em um grande número de
outras questões. As flores, qualquer posição que se lhes dê no vaso, apresentam-se belas;
contudo, há aquelas composições mais capazes de exercer impressão. Eis o que acontece
com a beleza em geral. Todos a verificamos; por isso não há quem não fale do belo.

Contudo, depois de mais algumas análises, uma coisa simples pode passar a apresentar
problemas, e até mesmo paradoxos.
78. Dificuldades no campo do metafísico. Situam-se estas dificuldades primeiramente
no plano mesmo da metafísica, onde a noção do belo surge como uma das propriedades
transcendentais do ente. Logo depois, como mais adiante cuidaremos de também analisar,
acontece um envolvimento tríplice do belo com a arte, o que ainda mais complica todo o
afazer com a noção do belo.

Na metafísica os impasses surgem desde as coisas mais simples, como a da certeza sobre
si mesmo, e se faz a pergunta se tenho certeza de que eu mesmo exista; então, ainda que
ninguém duvide de que exista, dever-se-á, em boa filosofia, mostrar porque não duvida.
Quanto ao belo (que é nosso tema), ocorrem nele implicações metafísicas que escapam à
perspeciência espontânea do espírito. E quando não nos escapam, não conseguimos
perceber de pronto como se compõem na estrutura sistemática do todo. Encontramos ali a
razão por que se faz mister o Tratado do Belo, como ordenador integral de todo o
fenômeno da beleza.

Semelhantemente ponderou Diderot, o da Enciclopédia Francesa:

"Antes de entrar na difícil investigação do belo , começarei por escrever, à semelhança de


todos os autores que escreveram sobre a matéria em causa, que, por uma espécie de
fatalidade, as coisas de que mais se fala entre os homens são de ordinário aquelas que
menos se conhecem; como muitas outras está neste caso a natureza do belo; admiram-no
nas obras da natureza; exigem-no na produção das artes; a todo o momento concedem ou
recusam esta qualidade; no entanto, se se perguntar aos homens de gosto mais seguro e
requintado qual a sua origem, a sua natureza, a sua noção precisa, o seu verdadeiro
conceito, a sua exata definição; se é alguma coisa de absoluto ou de relativo; se existe um
belo eterno, imutável, regra e modelo do belo subalterno, ou se com a beleza se passa o
mesmo que com as modas, logo se verifica que os sentimentos divergem, e que uns
confessam a sua ignorância, outros se refugiam no ceticismo.

Como se explica que quase todos os homens estejam de acordo em que existe um belo;
que entre eles tantos haja que o sentem vivamente onde se acha, e que tão poucos saibam
o que é?" (Tratado do belo).
O problema fundamental metafísico, sobre o que é o belo, do qual aqui
falamos introdutoriamente como sendo difícil de determinar, o devemos encarar logo nos
primeiros capítulos do Tratado do Belo, determinando-o gnosiologicamente como um
objeto. Depois na ontologia aparecerá como um transcendental do ser.

79. Remotamente, em última instância, a teoreticidade do belo se prende à verdade


ontológica ( vd cap. 2-o), quando se esclarecerá melhor o fenômeno. Comparado com o
seu arquétipo, o belo da coisa se mostrará no seu instante de realce (o belo em tais
condições se define como o esplendor da forma). Esta conexão entre a teoreticidade e a
verdade ontológica lança luz sobre o porque da cristalinidade do belo que se dilata
prontamente diante de nós.

Situa-se a teoreticidade do belo no plano inteletual. Não vêem os sentidos o belo, senão
materialmente a coisa bela; escapa aos sentidos a perspectiva exata em função do qual se
dizem belas as cores, as formas, os sons. Por essa razão, para os animais o mundo não é
belo, por que não o percebem sob este prisma.

Na medida que o homem é atrasado, não aprecia a beleza. Ainda que diante de seus olhos,
a beleza praticamente não se manifesta ao estulto, porque é muito pouco capaz de
perceber a perfeição em destaque. O bruto simplesmente não o percebe, por ser incapaz
de operar juízos de comparação; mas se o fosse, também ele perceberia o belo.

No animal o prazer estético não se deve ao conhecimento do belo, mas ao exercício


lúdico do conhecimento; basta o exercício do conhecimento para que haja prazer estético,
pois agrada o simples conhecer, ainda que este não reconheça o belo como o perfeito em
destaque
80. Dificuldades no campo da arte. A outra grande dificuldade para o estabelecimento
exaustivo da noção do belo se encontra no seu relacionamento tríplice com a arte, sem
contudo ser a arte. Contudo por causa deste seu relacionamento com a arte, pode com ela
confundir-se. Para não embaralhar o belo em si mesmo com o que respectivamente é a
arte em si mesma, importa preliminarmente clarear o que essencialmente a arte é e como
se envolve com o belo.

Efetivamente, sem se confundir com a arte, o belo costuma estar presente nela. A arte,
para ser bela, o poderá conseguir por três vias.

Primeiramente, a arte é expressão, e então o belo da arte poderá estar no seu belo
expressar, isto é, no seu perfeito modo de expressar.

Em segundo lugar, o tema que a expressão exprime, poderá ser um tema belo, e mais uma
vez a arte é bela.
Em terceiro lugar, a arte usa algo material, como a cor e o som, para exercer nele a sua
expressão, e este material, podendo ser belo (como belo pré-artístico), faz com que, por
um terceiro motivo, a arte seja bela.

81. Importa insistir primeiramente que a arte é expressão e não simplesmente um coisa
que nada exprime.

Há os que não se advertem que a arte é expressão de algo, ou seja de um tema, para o
qual adverte intencionalisticamente. Vêem a arte apenas como uma coisa física, a qual
não passaria de uma criação prática. Então somente ocorre a diferença, pela qual a
natureza já se encontra ali, enquanto a obra de arte é coisa criada pelo homem.

Historicamente, dividem-se as concepções sobre a arte em duas posições


fundamentais: fisicista (practicista), que consideramos falsa, e intencionalista (a arte
como expressão teorética), que consideramos certa.

Para os fisicistas, a arte é apenas criação na ordem prática; cria simplesmente objetos
novos, como se faz na indústria, sem que os artefatos devam significar algo; e, se
eventualmente significam algo, não é por isso que se tornam arte. Então estes novos
objetos assumem por ideal geralmente a beleza. Não expressam a beleza, mas são belos
simplesmente.

Todavia, na concepção practicista não fica excluída a expressão quando ela por
acréscimo se fizer; por isso, a referida teoria sobre a arte não é senão um alargamento do
seu conceito a tudo o que o homem faz, seja com expressão, seja sem expressão. Em
tempos idos prevaleceu a concepção practicista da arte, acontecendo então que
vagamente se confundia o artístico com o belo.

Para os intencionalistas a arte é expressão de algo, e que por isso se chama tema, ou
simplesmente objeto significado. Tal como a idéia da mente, ou o pensamento, exprime
assuntos, também a arte os exprime. O pensamento está na mente (neste sentido é
consciente de si mesmo). Diferentemente a obra de arte está no mundo exterior, onde
exprime objetivamente, sem estar consciente de si mesma. Não se distinguem como
expressão, mas por estarem uma no interior, a outra no exterior.

Nestas condições a obra de arte não é apenas uma coisa; tal como acontece com a
expressão mental, que transcende à si mesma, para falar de objetos, assim também a
expressão artística adverte para algo fora dela mesma, sobre a qual informa. Ainda que
haja diferenças entre a expressão interna (o pensamento) e a expressão externa (a arte),
no essencial conferem entre si, e que consiste em ambas serem expressão de algo, de
outro objeto, ao qual, portanto, têm como tema expresso.
82. Um segundo problema do belo, por causa da arte, diz respeito ao seu tema, se este é o
próprio belo.

Neste caso importa distinguir entre expressar o belo abstratamente, como a assim
chamada arte abstrata exprime qualquer outro tema abstrato (por exemplo, a riqueza, a
nobreza, o terror, o pavor, a fome, a felicidade) , e exprimir o belo concretamente (por
exemplo, como a arte figurativa apresenta o belo em seu estado de natureza, nos
panoramas, nas flores, nas mulheres, nas modas, nos tecidos).

Advirta-se, entretanto, que a arte, tanto a abstrata como a figurativa, não precisam
expressar o tema do belo, nem o abstrato, nem o concreto. Também o feio, quer abstrato,
quer o concreto, podem ser tema de arte. É que a arte em primeiro lugar é uma operação
para expressar. Seja qual for seu tema, em todos os casos ela continua sendo o que
essencialmente a define como expressão.

Assim sendo, a arte expressa também o feio da natureza, e não somente o que contém de
belo; e ainda a arte pode expressar-se feiamente, por deficiência de expressão. Neste
último caso, o da arte feia, por deficiência da expressão, acontece o não desejado. Então,
mesmo querendo expressar o belo da natureza, a arte o expressa mal.

83. A arte ainda pode ser bela em virtude do material belo utilizado. Neste belo pré-
artístico poderão ocorrer desatenções, que, em última instância vão provocar confusões
na percepção da noção geral do belo.

Aqui a superação do problema se consegue, atendendo para o fato de que as cores já são
belas, antes de passarem ao uso da arte.

O mesmo poderá acontecer com as formas. Estas são contêm uma beleza pré-artística já
na própria natureza.

Sobretudo se explora a beleza pré-artística na música. Em si mesmo o som é de pouca


capacidade para expressar temas, tanto como expressão direta (em prosa), como por
expressão indireta associativa das imagens (em poesia). Mas o som em si mesmo admite
uma dinâmica de harmonias, com efeitos estéticos apreciáveis, e que o músico
sabiamente explora, criando arranjos estéticos especiais sem serem portadores de uma
significado.
84. Conclusão sobre as relações entre o belo e a arte. Diante da arte caracterizada
como expressão fica patente, que ela em si mesma não é o belo. Ainda que a arte possa
ser bela, do mesmo modo como o pensamento também poderá ser belo, - tanto pela sua
perfeição em exprimir, como pelos temas que oferece, ou o material usado,- nem a arte e
nem o pensamento se confundem com o mesmo belo. Como se determinará
oportunamente, há no pensamento e na arte um elemento transcendental que os determina
como belos, e é neste elemento transcendental que se encontra o belo.

Com a distinção entre o belo e a arte, não se diminui ao mesmo belo, predicado sempre
tão louvado. Não se apeia o belo do pedestal em que se ergue, de onde brilha, acendendo
a formosura brilhante das cores onipresentes. A arte segue o seu caminho, sem com isso
prejudicar a estrada real de Vênus. Como a divindade que tudo contém, a beleza é
anterior e nada tem a pedir à arte. Mas esta, quando além de ser arte ainda quer ser bela,
tem de pedir o importante predicado ao ente em geral, onde está o belo como a perfeição
em destaque.

O Tratado do belo continua, portanto, com os velhos merecimentos. Assuntos distintos,


ambos, o artístico e o belo, se justificam como objetos de investigação. A filosofia, que
tudo exaure, estuda, tanto o belo, como o artístico, mas em disciplinas separadas.

85. Diferenças teóricas e pragmáticas distinguem os dois temas, ainda que por vezes se
aproximem.

Na vida ordinária nos ocupamos mais com o estudo da arte, que com a filosofia do belo.
A razão talvez seja porque seja mais útil a arte e mais fácil entendê-la. O belo, ainda que
nos preocupe, o usufruímos, sem todavia especular sobre ele. E se o quisermos entender,
logo esbarramos com dificuldades metafísicas. Não obstante ficamos ao menos a
contemplá-lo.

86. Pode-se todavia discutir, sobre se é mais fácil a arte ou mais fácil o belo. A arte, para
que seja arte, basta que consiga exprimir. Diferentemente, o belo importa em alcançar a
perfeição com destaque.

Muito depressa construímos a arte; difícil é para a arte chegar a ser bela, isto é, perfeita
com destaque. Diante do belo, se não o entendemos, continuamos satisfeitos; já diante da
arte que não entendemos, fica esta uma inutilidade para nós.

Mesmo quando a arte é difícil, o seu caráter pragmático e útil leva a praticá-la com
esforço. Proliferam os estudos sobre a arte, certamente muito mais que sobre o belo,
porque na ordem prática mais importa a arte que o belo.

Quando a arte se apresenta difícil, o é geralmente por um motivo acidental. Isto pode
acontecer por causa do tema difícil, que por vezes tem de expressar. Então, embora em si
mesma seja um exercício fácil, poderá ser atropelada pelo tema em si mesmo abstruso.
Aliás, é o caso agora; é difícil falar sobre o belo, em si mesmo difícil, ainda que o falar,
pelo falar, seja fácil
A arte pode eventualmente tornar-se difícil por erro, por falta de sabedoria na escolha dos
seus recursos. Este é o caso evidente da linguagem, que costuma basear-se num sistema
de equivalentes convencionais estabelecidos muito empiricamente e não por uma
comissão de sábios cientistas.

As línguas nacionais não foram inventadas com as melhores regras; são produto da
sabedoria popular, e por isso são línguas folclóricas, mais complexas e difíceis do que
precisariam ser; as línguas planificadas ou artificialmente criadas são mais fáceis, além
de mais eficientes. Por estas e outras razões da sem sabedoria humana, podem as artes
eventualmente se tornar mais difíceis do que a construção do belo.

Já dizia velho provérbio, citado pelo divino Platão - "Difíceis são as belas coisas"! Não
obstante, o belo, que todos os dias desfila diante de nós, costuma ser de algum modo
reconhecível.

Sobretudo as mulheres são de ordinário muito atentas ao belo. Ainda que os homens
também apreciem o belo, não raro consultam às mulheres, sobre se um roupa lhes cabe
bem. Trata-se de uma diferença de atenção: a dos homens vai geralmente para o que é
mais eficaz, mais eficiente, mais produtivo, mais capaz de dar poder; por isso o homem
tende a ser um administrador, e as mulheres acreditam mais no comando de um homem,
que no de uma outra mulher, como inversamente os homens acreditam mais nas
ponderações estéticas de uma mulher, que nas de um outro homem.

É claro que as afirmações acima não podem ser radicalizadas.

Certamente todavia elas são indicadoras de uma diferença de comportamento mental


entre mulheres e homens no que se refere ao belo.

ART. 2-o. O BELO É LÓGICO. 0764y090.


(Estética logicista, versus estética alogicista).

ESTÉTICAS DE OBJETO E ESTÉTICAS SEM OBJETO.


ESTÉTICAS LOGICISTAS E ESTÉTICAS ALOGICISTAS.
ESTÉTICAS INTELETUALISTAS E ESTÉTICAS IRRACIOALISTAS,
INTUICIONISTAS E OUTRAS.

91. A confusão é inimiga do belo. A ordem, a proporção, a harmonia se mostram sempre


presentes onde há o belo. Em suma, o belo é lógico, não é alógico.
Podem acontecer limitações na capacidade de apreender os objetos, e então se trata de
uma limitação da mesma logicidade, e não do belo propriamente dito. É conhecido que o
ritmo agrada (vd). Este ritmo não é o belo, mas a ordem da apreensão do conhecimento
das partes, e portanto também a ordem das coisas belas.
92. Enquanto certas áreas do pensamento se apresentam perfeitamente lógicas, com a
clara presença de sujeito e objeto conhecido, outras se mostram mais confusas e difíceis.

Em consequência, não faltam aqueles que se imaginam outra modalidades de


conhecimento, cujas denominações são as mais variadas, como conhecimento místico,
alógico, irracional, intuitivo (com interpretação especial deste nome), voz do coração,
filosofia dos valores, etc.

Os reflexos para o campo do belo e da arte, sobretudo da poesia, se dão imediatamente, e


se tornam muito do gosto de certas pessoas impressionáveis e que se sentem bem com o
misterioso e confuso.

Nesta área tudo parece difícil de tratar, desde o momento em que procuramos equacionar
o questionamento. É preciso então descer aos fundamentos mesmos da natureza do
conhecimento, opondo sua interpretação intencionalista (que a nós parece óbvia), com a
interpretação psicologista (que somente por equívoco domina aos desatentos).

A insistência sobre a questão nos envolve na repetitividade, para advertir, ora para um
aspecto, ora para outro. Importa reexaminar até se pensar é pensar objetos (como quer o
intencionalismo), ou se pensar é apenas uma ação sem a representação de um objeto.

Como provar a intencionalidade e com ela encaminhar os fundamentos da estética


inteletualista? Principiando pela tentativa de duvidar, a fim de determinar se é possível
duvidar; por conseguinte, antes de irmos à prova, devemos bem entender como duvidar e
como nos encaminhar para uma solução.

Quando a dúvida nos arrebata até o fim, todos os objetos do pensamento se dissolvem.
Em profunda perspiciência inquirimos então a própria maneira de pensar. É quando nos
vemos colocados diante de uma situação meramente ;formal, a inquirir se há
representação de algum conteúdo.

Sempre que pensamos, surgem dois termos ligados entre si pela conexão de sujeito e
objeto. Seria mesmo este o modelo fundamental do pensamento? Importa saber colocar a
posição inversa, para compará-la com a anterior, a intencionalista, e decidir. A relação
intencional poderia ser mera construção ulterior do pensamento, cuja fase inicial seria um
pensar sem sujeito e objeto, portanto um psicologismo anti-intencionalista.
Eis que nos colocamos diante da pergunta mais radical que a filosofia pode fazer. Todas
as demais questões, enquanto pressupõem a divisão em sujeito e objeto, lhe são
posteriores. Havendo descido até ao fundo do Oceano das inumeráveis situações da
consciência, encontramo-nos agora diante do próprio oceano das inumeráveis situações
da consciência, encontramo-nos diante do próprio oceano, a perguntar se ele é feito de
água, ou não. Assim também inquirimos, se o pensamento (atualmente sujeito
intencionalizado na direção do objeto) é mesmo fundamentalmente constituído de sujeito
e objeto, ou não.

94. Parece-nos impossível duvidar da natureza intencional do pensamento; uma


verificação fenomenológica nos aponta esta circunstância frontalmente, como
constitutivo manifesto à própria intuição mental, ao mesmo tempo que reflexiona.

Contudo a hipótese contrária pode ser levantada, como já advertimos quando


equacionávamos o problema, à semelhança como se fala em geometrias não-euclidianas.
Não pensamos termos de sujeito e objeto, diz o psicologista; haveria então somente atos
absolutos, sem qualquer intencionalidade cognoscitiva.

Afastadas as posições psicologistas radicais, restam ainda as ecléticas. Tais são as


colocações dos que admitem dois modelos de conhecimento, o lógico e o alógico (ou
intuicionista). Então sobretudo dão como exemplo o conhecimento do belo e a vivência
artística. Como enfrentar estes ecletismos? Só há um caminho: mostrar que o
conhecimento do belo e toda a atividade artísticas se esclarecem unicamente pelo
conhecimento lógico. Neste esforço há a mostrar que não há mistérios, nem na apreensão
do belo, nem na expressão artística. Este trabalho é longo, mas longo para uns como para
outros.

Nos sistemas clássicos de Platão e Aristóteles, bem ainda nos racionalismos modernos de
Descartes e Kant, estes subrepticiamente psicologizados, o conhecimento se interpreta
como relação intencional. A tendência da racionalização total segue o seu caminho
natural. O belo e o sentimento estético vão passando logo para um fundo transparente. O
gênio artístico, que aos primeiros poderia parecer um impulso cego, passa a erguer-se
como o próprio ápice da inteligência.

O pensamento (a teoreticidade), como a gnosiologia, conforme o exposto, a estuda,


oferece subtilidades que fogem à observação superficial. Importa muito que nos
advertimos da intencionalidade como sendo essencial ao conhecimento. Consiste a
intencionalidade em um certo movimento, não um movimento físico, mas um movimento
da atenção para fora do sujeito na direção do objeto. Que é verdadeiramente saber,
conhecer, pensar? Na interpretação intencionalista do conhecimento conhecer é conhecer
objetos. Isto quer dizer que não acontece um conhecimento sem a marcha na direção de
um objeto. Não há conhecimento sem uma atenção, esta atenção tem a forma de um
caminhar para fora de si como sujeito, para algo que tem como que defronte de si. No
mundo físico, o este "como que de fronte de si" pode significar uma distância; mas, no
conhecimento este estar de fronte é de mera intencionalidade da atenção para o referido
objeto, não importando se há, ou não há distância física. Quando o sujeito conhece a si
mesmo, como que se posiciona diante de si, mas só intencionalisticamente.

Conclusão, o belo, como um objeto do conhecimento, o qual o alcança


intencionalisticamente, é uma noção apenas teorética, como acontece com todos os
demais objetos, sem haver sido alcançado por nenhuma faculdade alógica especial.

95. Importam algumas considerações mais sobre a alegação dos que se referem a um
"sentimento" especial do belo e da arte. Não se trata senão de situações falsamente
interpretadas sobre o inefável do sentimento e do processamento da associatividade das
imagens.

Ainda que o sentimento não se confunda com as representações cognoscitivas (pois na


verdade o sentimento é um dado originário, enquanto que o conhecimento também o é),
não podemos negar que o sentimento está em função a objetos, e estes finalmente do
conhecimento. Por isso, tudo se resolve com o sistema intencionalista, ou lógico, do
conhecimento. Embora em si mesmo inefável e sem imagem, o sentimento está em
função a objetos, os quais permitem entender ao mesmo sentimento. Nada acrescenta o
sentimento ao objeto, para que este acréscimo seja dito um conhecimento alógico
especial.

Em virtude da inefabilidade do sentimento, porque se situa na faculdade apetitiva e não


no plano do conhecimento, o campo da estética se prestou para confusão fácil e propício
para as tentativas de irracionalização. A estética inteletualista mostra que o sentimento,
embora inefável, é posterior ao conhecimento dos objetos, oscilando em intensidade com
a própria intensificação do conhecimento. Nada de novo nos oferecem os sentimentos a
fim de que nos possam apresenta conhecimentos peculiares e alógicos, mais além e acima
dos operados pelos sentidos e pela inteligência. As complexas combinações de ritmos nos
oferecem um exemplo do que pode o paralelismo do conhecimento e do sentimento, que
correm sempre em paralela. Apenas uma observação superficial poderia não ver isto, para
asseverar, como o fez por exemplo Schelling, ao pretender colocar o ritmo entre as coisas
misteriosas da natureza (Schelling, Filosofia da arte, § 75)
96. Outro caso que tem conduzido a interpretações estéticas irracionalistas é o
da associação de imagens, que ocorre principalmente na expressão poética e na música
de um modo generalizado.

Não se trata senão de leis da memória, ou subconsciente. Criadas as imagens estas


possuem uma lei para despertar, por estimulação mútua. Imagens semelhantes despertam
as que se lhes assemelham. Principalmente se atraem as imagens contíguas no tempo e no
espaço. É óbvio que coisas vistas em conjunto se fixem em uma grande imagem conjunta.
Posteriormente, despertada uma das imagens, ou seja parte da imagem conjunto, volte à
tona da consciência todo o conjunto. O poeta, ao referir-se a uma das imagens, consegue
evocar as demais. Por isso toma como técnica expressar coisas, cujas imagens estejam
associadas com outras.
Assim explicada a poesia, não importa em uma operação alógica de caráter inteiramente
especial, por fora do pensamento lógico. Ainda que as leis da associatividade sejam
alógicas, elas não dão origem a uma estética alogicista, irracionalista. Acrescente-se
ainda que as imagens alogicamente evocadas, tiveram contudo nascimento, em seu
primeiro instante, diretamente como objetos fixados pelos sentidos, os quais também
operam intencionalisticamente.

97. Aquilo que se denomina por vezes mistério da criação artística e do belo em geral se
reduz aos procedimentos da simples combinação de imagens e comparação de juízos. O
fazer é orientado pela imagem. Inclusive os animais operam de acordo com as imagens
que previam têm. Certas combinações felizes dos grandes artistas provocam a pergunta,
sobre o como se formou neles a inspiração. Fundamentalmente a inspiração artística
como a criação do belo em geral decorre somente da capacidade da inteligência em
comparar e eleger.

A inteligência forma juízos comparando termos, para finalmente afirmar uns dos outros.
Aqueles termos aos quais se faz uma atribuição, ficam na função de sujeitos, aqueles que
foram atribuídos, ficam na de predicado. Enquanto se processa a comparação entre os
termos, há o momento em que a inteligência percebe haver, ou não haver a conexão;
consiste a inspiração naquela percepção, e nada mais. Evidentemente a capacidade para
este fim muito varia de homem para homem.

No caso da poesia, a inspiração propriamente artística se encontra no instante em que se


seleciona a imagem capaz de associar o objeto em vista como tema.

No caso da arte podemos distinguir ente a inspiração temática (ou de conteúdo) e a


inspiração dos meios de expressão. Uns têm muito a dizer e não dispõem de capacidade
de expressão; inversamente outros possuem o virtuosismo da expressão, mas pouca
inspiração temática.
98. H. Bergson (1859-1941) tratou particularmente do belo e da arte como atividade da
intuição, que ele interpretava como operação distinta e superior ao da inteligência; a
intuição seria uma espécie de amenização da inteligência, ou mesmo uma espécie de
simpatia para com o objeto alcançado. Ainda que no uso comum da filosofia intuição se
dissesse de qualquer conhecimento imediato do objeto, agora este caráter imediato é
conservado, todavia elevado a um processo alógico.

A intuição de Bergson não ocorre apenas na arte, mas é um processo largamente usado
em sua filosofia.

"O objeto da arte é adormecer as potências ativas ou antes resistentes de nossa


personalidade e levar-nos assim a um estado de perfeita docilidade em que realizamos a
idéia que nos é sugerida e em que simpatizamos com o sentimento expresso. Nos
processos da arte nos encontramos sob forma atenuada requintados e como que
espiritualizados os processos pelo quais se obtém geralmente o estado simpático... Assim
a arte visa imprimir em nós sentimentos, mais do que exprimi-los. Sugerindo-os e
prescindindo da imitação da natureza quando encontra meios mais eficazes" (Essai sur
les données immédiates de la conscience, 1888, p. 11).

100. Bergson não era novo no empreendimento de um processo de conhecimento alógico.


Os primeiros remotos sinais se encontram na doutrina "senso comum" dos moralistas
ingleses, como Shastesbury (1671-1713) e os estetas do tempo. Na França Maine de
Biran (1766-1824) faz do esforço voluntário "um expediente gnosiológico, para
distinguir a experiência interna e a externa, provando alogicamente a realidade do mundo
exterior. Bergson se situa no ápice de um movimento intuicionista para o qual criou um
sistema vasto e embelezado pelo estilo de imagens brilhantes. Por isso mesmo iludiu a
muitos desatentos.

O conhecimento alógico, ou afetivo, foi também uma peculiaridade da Filosofia dos


Valores, de Scheler e Nicolai Hatmann.

Omar Argerami também descreveu a intuição poética como conhecimento afetivo: "Esta
experiência não é uma percepção em sentido estrito (não é consciente); não constitui um
ato inteletual, não é um arrazoar. É fundamentalmente uma atitude de simpatia, um
conhecimento afetivo dessa realidade fora do comum. E é um conhecimento imediato,
direto, alcançado; em uma atitude puramente contemplativa; em uma palavra, uma
intuição. Por isso, podemos denominá-la sem temor intuição poética" (Sapientia, 1964,
out. n. 74, p. 254).
101. A estética sem objeto de Kant se apresenta como um caso muito especial e que não
se deve confundir com uma Estética sem objeto em sentido alogicista e psicologista
radical.

Conforme oportunamente veremos, o que o filósofo da antiga Koenigsberg denomina


"objeto", se restringe a um grupo de noções, semelhante às categorias aristotélicas; tais
noções dizem respeito à constituição estrutural do objeto, e por isso se predicam como
conceitos que dizem algo do objeto como em si mesmo é. As noções pertencem á área do
"entendimento", na qual, segundo Kant, são formas a priori, com as quais o objeto é
construído.

O belo não pertence a este campo do objeto, e por isso não é objeto neste sentido. Há,
entretanto, uma outra espécie de noções, exercidas por uma faculdade específica,
denominada por Kant juízo, e que ainda afirma "sem objeto", a que se reduz a noção do
belo.

Em termos de filosofia aristotélica estas outras noções correspondem mais ou menos ao


que se denomina "modos transcendentais",
como coisa (ou res), verdade (ou verum), verdade (ou verum), belo (ou pulchrum). Estas
noções se predicam do objeto como um todo já constituído. Não se distinguem entre si,
do mesmo modo como entre si se separam as categorias (que são estanques umas em
relação às outras). As noções transcendentais se envolvem umas nas outras, contendo-se
formalmente. Quando se diz, por exemplo, que o ser é verdadeiro, que é coisa, que
é belo, mal se pode dizer, que tais noções ponham alguma coisa de novo na estrutura do
ser; elas não lhe advém como novos componentes categorias, porque de certo modo já se
encontravam nele, havendo sido apenas explicitados a partir da noção do mesmo ser.

Ora, Kant, ao considerar a questão com referência ao belo, anotou que as beleza se
apresentava como uma noção predicada da coisa vista como um todo, sem pôr novas
partes constitutivas em sua essência. Há certamente alguma diferença entre o ponto de
vista aristotélico, em que apesar de tudo o belo e a verdade se consideram como
determinações do objeto, e o ponto de vistas de Kant, até porque neste tudo é a priori, até
mesmo o belo.

Entretanto, o que agora nos interessa, não é este apriorismo, e sim a noção kantiana do
belo como sendo "sem objeto", e que este modo de falar não se reduz ao modo de falar
alogicista dos sistemas gnosiológicos anti-intelectualistas. Pelo contrário, muito se
aproxima a noção kantiana do belo, da noção de Aristóteles e dos escolásticos.

Pretendeu Kant limitar a denominação "objeto" para as noções do entendimento,


enquanto estas dizem respeito aos constitutivos do objeto. Não denominando pelo mesmo
nome de "objeto" as noções da faculdade do juízo, onde o belo é afirmado, resulta dali
que o belo se define como "sem objeto". Considerando ainda que Kant denomina
conceitos somente às noções categoriais do entendimento, fica o belo algo que não é
conceito.

102. Uma vez situados em uma interpretação inteletualista do conhecimento, e não em


uma alogicista, o belo passa a ser interpretado teoreticamente, como algo do campo
límpido do ser. Libertos da apreensão confusa das gnosiologias alogicistas, místicas,
intuicionistas, etc., passamos a perguntar diretamente, o que é o belo?, esperando uma
resposta sem obscuridades e sem mistérios. Firmada a estética de objeto, ou estética
intencionalista, ou intelectualista, ou teoreticista, a progressão do Tratado do belo se
desenvolve sem acidentes de percurso, em estrada franca, por entre arborização ordenada,
rumo sempre à vista, com dados sempre penetráveis pela perspiciência mental.

ART. 3-o. TEORETICIDADE PREFERENCIAL DO BELO. 0764y105.

106. Suposto o belo como objeto da inteligência, passamos a considerá-lo num novo
tempo, como seu objeto preferido.

A teoreticidade do belo se apresenta preferencial e até mesmo uma curiosidade.

Todo objeto, enquanto objeto que se apresenta e se manifesta, atrai. Sobretudo o belo
estimula poderosamente a curiosidade da mente.
Ainda que os sentidos por si sós não consigam alcançar o belo, pode-se falar da
curiosidade dos sentidos, principalmente da curiosidade dos olhos, enquanto são
fornecedores de material para a mente, que imediatamente os interpreta do ponto de vista
do belo, isto é, como perfeições em destaque.

107. A prova da teoreticidade preferencial do belo é fenomenológica, tão bem como a do


belo em geral e a de todo o ser. Como fato simplesmente fenomenológico, imediatamente
evidente, não depende de provas de explicitação, muito menos de provas cursivas
raciocinativas.

O que resta fazer é apenas descrever minuciosamente como a preferibilidade se dá.


Colocando uma ordem nesta indagação da preferibilidade do belo, cabe considerar
primeiramente seu fundamento ontológico; por exemplo, onde há mais ser, ocorre mais
belo, mais preferibilidade. Restam considerações importantes, a preferibilidade do artista,
pelo belo. No plano psicológico é evidente a preferibilidade das mulheres pelo belo,
enquanto os homens se concentram no eficaz. No plano social ou sociológico, o belo atua
como importante fator na interação das relações humanas.
108. Uma outra divisão do tema da preferibilidade, considera a curiosidade pelo belo,
primeiro simplesmente como objeto de curiosidade; depois, como a maior
das curiosidades, portanto como, dentre de todos os objetos, o preferido.

a) A abundância de aspectos que a beleza nos oferece, conduz-nos a sair ao seu encontro.
Saímos a ver o belo pelas avenidas, pelas alamedas, pelos jardins em flor. Buscamos a
beleza nos campos, nas campinas, no beira-mar. Levantamos a vista, giramo-la em toda a
volta do horizonte, anelando a beleza. No sol, na lua nas estrelas continuamos a procurar
o belo. Fabricamos o belo, para que exista em abundância. Belas hão de ser as vestes;
belo deverá ser o penteado; elegante a maneiras de gesticular; bem composto o modo de
andar e conviver na sociedade. Também o artista, na escolha dos temas formais, prefere a
beleza. Faz belas formas para delas transcender na direção do belo como tema a apreciar.
Também haverá de ser bela a cidade, a construção das casas e de seu arranjo interno.

Uma sede universal nos consome, conduzindo-nos a oferecer constantemente objetos à


curiosidade mental. Entre os que se oferecem, como o de mais brilho e atração, o belo,
prova de que é eminentemente teorético, peculiaríssimo para satisfazer a sede de saber.

b) Enquanto se estabelece nas preferências da curiosidade mental, o belo ainda é o


"preferido". Esta índole foi anotada por Platão e Aristóteles, não somente para uma
preferência apetitiva, mas também para a inteletiva. Contudo, a preocupação do Mestre
da Academia mais se ocupa da apetência volitiva (Fedro 249). Com ênfase descreve o
sentimento estético, mostrando que poderá ir ao delírio e ao entusiasmo.

Quanto ao grande Aristóteles, fez a sua afirmação sobre o belo como "o preferido "em
um sentido que parece envolver a ambas as faculdades, à mente e à apetição (Arte
retórica I, c. 9,3), por conseguinte, tanto no sentido de preferência teorética, como no de
preferência estética.

A razão porque o inteleto incide fortemente no interesse pela beleza está em que a
verdade ontológica é maior nos objetos perfeitos. Na medida que a perfeição ocorre,
aumenta o volume de ser, e com isso a preferência cresce.

110. Comparando, a preferência do inteleto pela beleza se sobrepõe a tudo, inclusive à


arte. Esta sempre fala ao espírito, porque é uma expressão, veiculando uma mensagem;
neste sentido capta o interesse do inteleto que a entende. Mas o belo continua na
preferência do espírito; por isso mesmo, o espírito reclama que a arte seja perfeita, e neste
sentido bela. E não a arte não é apenas apreciada como expressão, mas como bela. Se o
tema da arte for o próprio belo (seja o belo abstrato, como na arte abstrata, seja o belo
concreto como na arte figurativa), então sempre a arte será apreciada.

O belo em si mesmo é sempre a verdade que encanta o espírito. Hegel, embora dentro do
contexto de sua filosofia, alegava que o artístico apresentava uma expressão de idéia,
todavia de maneira incipiente, incoativa. Certamente tinha razão, porque a arte somente
começa a ser arte quando exprime algo. Mas, ao insistir que o belo da natureza se
apresentava inferior ao artístico, porque faltava idéia à beleza natural, poderá ter-se
enganado, porque a verdade ontológica domina todo o ser.

Na arte acontece não somente o belo artístico, que se encontra na mensagem da expressão.
A arte utiliza a matéria, a qual em si mesma também opera sobre o apreciador. Há na arte
sempre dois quadros de beleza: a pré-artística (do objeto simplesmente em si) e a beleza
da expressa (propriamente artística). Algumas artes, como a música, vastamente
exploram os elementos pré-artísticos, e por acréscimo introduzem nos sons a mensagem.
As alianças na arte se podem dar entre as mesmas artes, como no teatro a figura e a fala, e
ainda com os materiais, que, em seus instantes pré-artísticos já podem em si mesmos ser
teoréticos e estéticos.

112. Nas coisas, quando comparadas entre si, ocorre também uma preferência.
Ordinariamente preferimos a cor ao som. Em conjunto estes dois "sensíveis próprios"
(cor e som) os preferimos aos "sensíveis comuns" (movimento e quantidade). Finalmente,
acontece uma preferência por todos os sensíveis (sejam próprios, sejam comuns) aos
objetos abstratos.

Funda-se esta preferência no conteúdo do objeto. Neste sentido considere-se a distinção


que diz "compreensão" do objeto e "extensão" do objeto. Diz-se a compreensão a respeito
do conteúdo revelado pelo conhecimento; a extensão do número de indivíduos aos quais
se atribui determinada compreensão. Ora, nos sensíveis próprios (a cor, o som) ocorre um
máximo de compreensão; o objeto é alcançado intuitivamente, diretamente, tal qual é;
por isso a cor e o som se apresentam de maneira muito insistente.
Sobretudo a cor, objeto da vista, revela nitidamente os detalhes e as precisões; por esta
razão é a vista o mais apreciado dos sentidos. Sendo o que mais precisões nos oferece, o
que nos mostra o maior número de detalhes, é a vista o sentido que, ao ser perdido pela
cegueira, mais nos aflige na desgraça. Em assim sendo, particularmente belas hão de ser
as coisas que vemos. Dali porque afirmamos com ênfase que belas são "as coisas, que,
vistas, agradam" (quae visa placent - S. Tomás). Também são belos os sons; mas, por
antonomásia, são belas sobretudo as coisas próprias à vistas, particularmente as cores.

Os "sensíveis próprios", em conjunto, superam os "sensíveis comuns"; por isso, nas flores,
apreciamos primeiramente as cores, e depois as suas formas. O mesmo sucede cm os
vestuários e os objetos em geral. O vulgo, incapaz de maiores abstrações, aprecia quase
somente as cores ao considerar as estatuetas de santos. Por isso também são mais
frequentes as flores nas casas dos simples; nas residências de pessoas evoluídas, capazes
de apreciar por acréscimo elementos menos concretos, ocorrem também as folhagens, as
esculturas, a arte abstrata.

Observe-se quem folheia um livro. Sempre que segue para uma nova página,
primeiramente olha as figuras, passando a seguir à leitura, por causa da força de maior
atração que o intuitivo exerce. O maior volume teorético capta para junto de si a atenção.

É a ação do objeto que nos faz conhecê-lo, apesar de haver uma ação de nossa parte de
querer possuir o conhecimento do mesmo. Ao alcançá-lo, dizemos que o possuímos, e
efetivamente assim é. Mas, depende do objeto podermos possuí-lo. E assim também a
preferência depende dele e de nós. Quanto mais significativo ele é, portanto, quanto mais
belo ele é, mais consegue se impor e atrair. De outra parte, também nós assim o queremos,
e portanto preferimos o objeto mais significativo, preferimos o belo.

Importa compreender o belo. Devemos ser capazes de o apreender. Senão ele desfila e
passa por despercebido. "Compreender a beleza significa possuí-la"(W. Lübke). Por isso,
as grandes belezas, naturais e humanas, como também as grandes obras de arte, vão
sendo cada vez mais possuídas na proporção que continuamos na contemplação das
mesmas, e descobrimos sempre mais o que contém.

113. Tem a qualidade a importante propriedade de se exercer com termos contrários:


perfeito, imperfeito; verdade, erro; belo, feio.

Os pólos em que se situam os contrários, logicamente se apresentam preferíveis, uns;


indesejáveis outros. Evidentemente que o positivo se mostra como sendo o preferido.

A assertiva de que o belo é o preferido se prende à questão dos contrários. Comporta-se o


feio, exatamente como o não preferido.
Se a preferibilidade nos conduziu ao belo, como um contrário do feio, o belo referido se
situou numa posição positiva, a de perfeição e nobreza.

CAP. 2-o

O BELO COMO ESPLENDOR DA FORMA. 0764y115.

(O belo essencialmente)

116. Tema de ontologia. Que seria o belo em si mesmo? Já não perguntamos, ao modo
da gnosiologia, pela sua manifestação teorética à inteligência; passamos agora à pergunta
pelo belo em si mesmo, ao modo como se faz na ontologia.
Indagamos agora pela sua natureza, tanto pela sua natureza essencial, como pelas suas
propriedades intrínsecas.

117. Divisão do estudo do belo simplesmente pela sua forma. O sequencial da


ontologia do belo, nos aspectos mais significativos e sua natureza, obedecem ao seguinte
esquema de questionamentos:
- O belo como modo transcendental do ser (Art. 1-o);

- O belo como verdade ontológica em destaque, ou seja, como esplendor da forma, ou


ainda, como perfeição em realce (Art. 2-o);

- O belo e suas propriedades intrínsecas (decorrentes de sua natureza), ou seja


ter contrário (o feio), graus e semelhantes (Art. 3-o). Fica para capítulo a parte, a
propriedade extrínseca, dita esteticidade.

118. Caminhando por partes, chegaremos a estabelecer simplesmente o que o belo é.

Não temos outro método senão o da fenomenologia, observando diretamente o que se


apresenta como dado. Em sendo tudo fenomenológico, no que se refere à evidência
sempre imediata, nada há a demonstrar por meio de exaustivos argumentos, porque tudo
já se encontra dado desde o primeiro momento. Contudo, apesar deste caráter de tudo
dado sobre o belo desde o primeiro instante, a atenção humana, por ser limitada, precisa
de advertências continuadas para ver mais e melhor o que desde sempre está posto.

ART. 1-o. O BELO COMO UM TRANSCENDENTAL DO SER. 0764y120.

121. Posição. Uma vaga e ampla concordância leva aos filósofos a admitir que todas as
coisas são ser e que todas coisas em principio se possam de alguma maneira dizer belas.
E por isso, o ser e o belo são transcendentais, e não conceitos unívocos.

Mas, conforme anteriormente advertimos, os empiristas metem muitas restrições neste


conceito geral, e assim também os racionalistas idealistas.
Quem se situar uma vez numa posição racionalista (anti-empirista) e realista (anti-
idealista), precisa operar coerentemente com o pressuposto adotado, ainda que com
cautela. Apresentado o belo como uma propriedade metafísica do ente, tudo fica
condicionado ao valor gnosiológico desta metafísica.

122. Caracterizada a predicação do belo como sendo transcendental, importa esclarecer


este modo de predicar, para com isto lançar mais luz sobre o que o belo é. Já então o belo
não fica apenas na posição de simples destaque de uma coisa, porque passa a ser
considerado como um modo do ser como tal, e portanto como um transcendental a
atingir o ser universalmente, ainda que por analogia (vd n. 124).

Existe a nobreza rural (a dos barões) e a nobreza da corte (a dos príncipes). Depois que o
belo for visto como um transcendental, encontradiço em tudo o que se possa denominar
ser, fica identificado como sendo da mesma corte do ser, e não apenas uma nobreza
como a da flor do campo.

Transcendental se distingue de categorial. Trata-se de dois modos fundamentais de ser.


Ao transcendental também se diz modo geral. Ao categoria, modo especial.

É transcendental o modo de ser que se predica de maneira própria a todos os seres,


independentemente de sua diversificação em categorias. Assim, por exemplo, ser é um
transcendental, porque tudo o que se puder imaginar existir, é, de algum modo ser em
sentido próprio. Outro exemplo claro de transcendental é coisa; não há o que não se
possa denominar uma coisa. O mesmo não se dá com as noções categoriais.

Em contraste, uma categoria somente se pode de outra de outra categoria num sentido
impróprio, ou metafórico. Por exemplo, há o que se diz plúmbeo em sentido próprio
(porque verdadeiramente é chumbo), e o que o é apenas em sentido impróprio,
como plúmbeo em céu plúmbeo. Não é assim que o belo se diz de todo o ser, porque em
todo o ser é sempre propriamente belo.

Temos dado estes exemplos de transcendental, para enfim dizer que também o belo é um
transcendental, porque tudo o que se possa imaginar como sendo algo, é, de algum modo
belo. Esta afirmativa gera evidentemente, à primeira vista dúvidas, porquanto equivale a
dizer que até o Diabo é bonito! Destas dificuldades cuidaremos oportunamente.

123. Transcendentais supremos. Há uma hierarquia nos transcendentais (vd. n ...).


Umas noções transcendentais são eminentemente supremas, ou totalmente gerais.

Com algumas pequenas divergências entre os autores, são mais lembradas como modos
supremos do ser as seguintes noções transcendentais:

o ser (quando dito ser como tal, ou ens ut sic);

coisa (res);

algo (aliquid);

verdadeiro (verum);
bom (bonum) (vd. n....).

Sob os modos transcendentais supremos se encontram as demais noções transcendentais,


resultantes de abstrações formais, ou de subdivisões em perspectivas. Mas todas
conservam a propriedade de poderem predicar-se em sentido próprio das mais variadas
categorias de ser. Importa firmar o que advertimos, que as subdivisões de um
transcendental sempre conservam o seu sentido transcendental, isto é, predicam-se de
maneira própria, de qualquer categoria de objeto.

O exemplo de uma noção transcendental por subdivisão, que agora nos interessa, porque
posto como tema em discussão, é o belo. Portanto, o belo é um transcendental, porque se
diz de todas as coisas em um sentido próprio, tal como os demais transcendentais se
dizem de todas as coisa; e o belo é ainda um transcendental por subdivisão, porque
participa, à maneira de parte, de outro transcendental.

Qual é o outro transcendental, do qual participa o belo? Depois (§ 2-o) mostraremos


enquadrar-se o belo no campo do transcendental verum (= verdadeiro).

124. Voltamos a insistir, que os transcendentais são noções sempre analógicas (vd n 122).
Se assim não fossem, não poderiam predicar-se de maneira própria de todas as coisas.
Esta maneira de predicar foi sobretudo desenvolvida por Aristóteles, com ela pondo
ordem nova na filosofia, destacando aos transcendentais como analógicos e às categorias
como de predicação unívoca, cada qual estanque em relação à outra.

Comentou Heidegger sobre o significado da analogia na filosofia do ser: "Com este


descobrimento (a analogia), apesar de toda sua dependência respeito à maneira de fazer
Platão a pergunta ontológica, pôs Aristóteles o problema do ser sobre uma base nova"
(Heidegger, Ser e tempo § 1-o).

O transcendental se predica, portanto, dos seres simpliciter e não apenas de estratos


incomunicáveis de ser. Define-se também a analogia como sendo aquela predicação que
se diz dos seus inferiores em parte igual e em parte não; alcançando a tudo em todos, em
cada um se aplica de algum modo igual e não igual. De muitas coisas se pode dizer que
são belas em sentido próprio; entretanto, em cada uma a beleza se diz à sua maneira.

Diferentemente, a predicação unívoca, acontecida nas categorias de ser, se faz


inteiramente igual em cada camada de ser. Pedro e Paulo se dizem animais pela mesma
razão pela qual são animais o boi e o cavalo, a cobra e o sapo, ainda que Pedro e Paulo,
além de serem animais sejam também homens.

Entretanto, não se predica do mesmo modo unívoco o belo, pois cada qual é belo ao seu
modo: Pedro como Pedro, Paulo como Paulo, e assim também é belo o boi como boi, o
cavalo como cavalo, a cobra como cobra, o sapo como sapo.

Isto parece sugerir, como já se adiantou, que o Diabo seria belo como Diabo; certamente
importa distinguir: o Diabo como ser, e não o Diabo enquanto lhe falta a generosidade
para ser bom. Do mesmo modo, o sapo, ainda que seja belo como sapo, não é belo
enquanto inferior ao cavalo. Finalmente assim as bestas não são belas enquanto inferiores
ao ser humano; mas todas, em seu devido lugar, são belas.

125. Indiferentemente o belo caminha por entre todas as categorias, porque não está preso
a nenhum estrato de nenhuma delas. Em parte igual e em parte não, vai o belo, - através
do expediente da analogia,- ornando aos objetos, não apenas exteriormente, como se
fosse uma camada distinta do seu interior, mas intrinsecamente, atravessando por todos
os extratos do ser.

Por isso o belo está onipresente, conforme afirmamos de início, mas já agora com melhor
capacidade de compreensão; nas colinas , nos regatos, nas encostas, nas flores, nas pedras
preciosas, nas nuvens e no sol, nas porcelanas e nas vestes, na mocidade elegante, em
tudo o que de algum modo for positivamente ser, por toda a parte como louvor universal.

ART. 2-o O BELO COMO VERDADE ONTOLÓGICA EM DESTAQUE. 0764y127.

128. O belo é um modo de ser transcendental em relativo, enquadrado no campo


do verum, e que supõe arquétipos (vd...). Tudo isto está contido desde o início na
revelação do belo, mas não é de pronto percebido. Importa à fenomenologia do belo fazer
mais um sequencial de advertências.

Colocadas as noções supremas dos transcendentais, - ser, algo, coisa, verdadeiro, bom
(vd n 123), - à qual delas se reduz o belo? Não ao ser, não à coisa, não à algo, não ao bom,
mas ao verdadeiro, ou seja, ao verum. E no campo interno do verum se diferencia, como
este mesmo verum em destaque.

Em decorrência dois serão os parágrafos a seguir.

§ 1. O belo como verdade ontológica. 0764y129.

130. Saber que o belo é um transcendental do ser em muito explica o fenômeno do belo.
Enveredando agora pela noção da verdade ontológica, mais elementos vão ser
descobertos para clarear e estender os conhecimentos sobre o fenômeno da beleza, que
encanta e enche de admiração.

Mas, o que é a verdade ontológica? Na linguagem da filosofia empirista, positivista,


neopositivista é uma noção de pouco sentido, ou até de um sem sentido. Admitida uma
vez a ontologia, ela será útil para ampliar a visão, instituindo uma ordem integralizadora
em tudo.

131. Que disseram os grandes filósofos sobre a verdade ontológica?

Os pitagóricos e Platão interpretaram todas as coisas como sendo formadas de acordo


com arquétipos, ou seja, de acordo com modelos exemplares. Estes eram vistos como
bastante extrínsecos, e por isso denominados números reais, ou idéias reais, ou mesmo
arquétipos reais, ou seja tipos primeiros em função à realidade deste nosso mundo de
coisas.

Aristóteles passou os arquétipos para a natureza intrínseca das coisas, como uma espécie
de lei metafísica. Para o estagirita nada há fora da realidade individual; todavia dentro
desta realidade havia algo a governá-la.

Tratou Aristóteles do uno, da verdade e do bem como noções transcendentais, não lhes
tendo dado o mesmo desenvolvimento classificatório como com sucesso fez com as 10
categorias de predicação unívoca.

Os filósofos árabes, embora no tratamento aos transcendentais não tenham dado novos
desenvolvimentos apreciáveis no que se refere aos arquétipos, transmitiram contudo estas
especulações aos escolásticos do século 13.

132. Para efeito do esclarecimento do belo, o que importava era atingir uma classificação
dos transcendentais supremos, destacando a verdade ontológica, tanto em si, como em
suas relações com as demais noções, a fim de finalmente bem situar o belo.

Felipe, o Chanceler (c. 1170-1236) é autor de uma primeira enumeração conhecida, de


quatro termos: ser, unidade, verdade, bondade. "Dicendum est quod sunt tres conditiones
concomitantes esse: unitas, veritas, bonitas".

Ainda no século 13 fez-se o acréscimo de res (= coisa) e aliquid (= algo), perfazendo o


número de 6 transcendentais. Quanto ao pulchrum (= belo) jamais foi colocado como
transcendental supremo, mas sempre reduzido a algum deles, ora ao verum (= verdadeiro),
ora ao bonum (= bom).

Quanto a avaliação dos transcendentais supremos ocorreram discordâncias. Uns


estabelecem numero maior, como Tomás de Aquino (1225-1274), outros menor, como
Francisco Suarez (1548-1617).

Modernamente, a filosofia dos valores (H. Lotze, W. Windelband, M. Scheler, N.


Hartmann) diverge bastante na classificação de noções supremas. Mas isto acontece,
porque tratam a questão seguindo desde o início por caminhos diversos do contexto da
metafísica anterior.

133. Para decidir sobre as noções transcendentais e obter uma classificação assegurada
como definitiva, importa um critério intrínseco de ordenação.

A regra da boa divisão é a dicotomia e pontos de vista fundamentais, as que dividem


entre o simplesmente (simpliciter) e o segundo algo (secundum quid); entre o em
absoluto (absolute) e o em relativo (relative); entre essência e existência (divisão
fundamental do ser); entre o afirmando e o negando. Acreditamos que o belo consiste em
mais uma opção, da qual cuidaremos depois.

Tomás de Aquino fez uma primeira tentativa de classificação orgânica mais abrangente
dos transcendentais. Ultrapassando a mera numeração, dispõem as noções
transcendentais em função a pontos de vista que as ordenam. O texto básico se encontra
em Questiones disputatae (I, De veritate, Q. I, art. 1, Respondeo). Sua ordem de citação
dos 6 transcendentais é: ens, res, unum, aliquid, bonum, verum,

A classificação de Tomás de Aquino subdivide as noções transcendentais, mostrando que


umas se dizem em absoluto, outras em relativo (a um termo exterior). Em cada opção,
umas noções se dizem em afirmando e outras em negando.

Importantíssima esta maneira de dispor de Tomás de Aquino. Ela põe ordem orgânica em
todos os transcendentais do ser e geram luz para as derivações.

No futuro se falará muito em valor, ou valores. Neste sentido poder-se-ia juntar as noções
de verum e bonum, sob um título só, diminuindo a lista dos transcendentais, da seguinte
forma: ens, res, unum, valor (somando verum e bonum), aliquid.

134 Sistema dos transcendentais. Sistematizando dicotomicamente, passa a ser o


seguinte o quadro dos transcendentais (alterado em relação à 1-a edição de nosso Tratado
do Belo, p.83):

SER (ens):
1) Ser simplesmente, ou ser como tal (ens ut sic)
2) Ser segundo certo ponto de vista (secundum quid):
1) absolutamente:
1) afirmando em função
a) à essência: = aliquid. b) à existência: = res.
2) negando em função
a) à essência: = unum.
b) à existência = contrário do nada.
2) relativamente:
1) afirmando (= valor) em função
a) à essência = verum. b) à existência = bonum.
2) negando (= dever )
a) à essência = coerência.
b) à existência = dever moral.

135. Ser como tal. Primeiramente o ser se apresenta simplesmente (simplíciter), sem
restrições de qualquer ponto de vista. Considerado assim, o ser se restringe à perspectiva
de ser como tal (= ens ut sic, ou ens qua talis). Este ser como tal resultou de
uma abstração formal, aquela que separa formas às formas, isolando um ponto de vista,
contra outros pontos de vista. Não se trata de uma abstração total, aquela que separa um
ser apenas dos indivíduos, como quando dizemos ser geral, ou ente comum (o latino ens
communis).

136. O ser segundo certo ponto de vistas e em absoluto. A seguir, apondo um certo
ponto de vista, portanto um certo secundum quid ( = segundo algo), e já não simpliciter, o
ser admite considerações, que são os demais modos transcendentais do ser. Já não são o
ser transcendental, mas as propriedades transcendentais do mesmo.
Coincidindo com o ser, as propriedades lhe estão implícitas (melhor confusamente), e
agora são tomadas em separado e expressamente afirmadas como aspectos de seu ser.

137. Em "absoluto e afirmando", em função à essência, o ser é algo (aliquid); como algo,
o ser tem um modo de ser na ordem da essência, não lhe sendo possível ser senão deste
ou daquele modo; é o que as vezes se diz natureza da coisa. Ser algo, responde à
pergunta, pelo que o ser é.

Ainda em "absoluto e afirmando", mas desta vez sob o ponto de vista da existência, o ser
se diz coisa (res); como coisa o ser está sendo visto sob a perspectiva da existência, não
lhe sendo possível estabelecer-se senão como um existente.

Na linguagem ordinária usamos quase indiferentemente os nomes algo e coisa, porque


efetivamente tudo tem efetivamente ambos os modos transcendentais de ser. Mas,
subtilmente, quando perguntamos, se há alguma coisa, em um determinado lugar,
pensamos no que lá poderia existir, ou não existir. Se qualificamos, por exemplo, a
filosofia, falamos diferente, pensando na ordem da essência; então podemos dizer: a
filosofia é algo abstrato.

138. Ainda no plano dos transcendentais do absoluto, se dá o unum (= uno), que é sua
forma em negando.

Significa unum simplesmente que o ser tem uma unidade, pela qual não se une com o seu
contrário.

Não se une, nem com o contrário do seu existir (o nada), nem com o contrário de sua
essência (que o define contra outros).

138. O ser segundo certo ponto de vista e em relativo. Passando aos modos
transcendentais do ser em "relativo", o quadro se desenvolve paralelamente ao anterior,
todavia com características mais sensacionais, sendo onde vamos encontrar uma faceta,
que se denomina o belo.

Agora se trata de referências para o exterior, e por conseguinte para arquétipos.


Prosseguindo por esta via estamos a caminho do belo, o qual requer, por causa da
referência em relativo, a consideração sobre os arquétipos.

139. Em consequência do caráter complexo das noções transcendentais em relativo,


importa atender aos muitos aspectos que estas noções em relativo oferecem , bem como à
terminologia.

Kant, ao estabelecer o belo como uma noção em relativo, o declarou "sem objeto", "sem
conceito". Com isso destacava ao belo como não sendo uma noção em absoluto, como se
fosse algo de que se constitui o objeto, mas como fazendo um julgamento em função a
algo em relativo. Efetivamente, o belo não é constitutivo, como o algo, a coisa, nem
como a maioria das categorias de ser, e que Kant também dizia conceitos. Por isso,
advertia que o belo é sem objeto, sem conceito (vd...).

Em "relativo e afirmando", o ser se diz valor. Trata-se de um valor ontológico, no sentido


de que a partir de dentro de si o ser se realiza como valor, ainda que este valor obedeça
um arquétipo exterior.

O valor se diz, ora em função à essência, e então, se trata do valor verum (= verdadeiro);
ora em função à existência, e então o valor é o bonum (= o bom). Chegamos agora ao
continente onde habita o belo, porque dito em relativo. Mas, no continente importa ainda
o que pertence ao país do verum, onde efetivamente mora o belo, e o que ao bonum.

140. Importa advertir de que o transcendental verum não é a verdade lógica e sim
a verdade ontológica, em virtude da qual o ser se realiza como deva ser. Por exemplo, um
automóvel é um verdadeiro automóvel se coincide com a idéia de um efetivo automóvel.
O que está fora do alinhamento com seu padrão arquétipo, é um falso ser; no exemplo
citado, seria um falso automóvel. Em decorrência, quando se diz que o belo é a verdade,
se pensa na verdade ontológica. Se esta verdade é vista como plenamente realizada, ela
está em destaque frente à que não é.

O verum indica a conformidade perfeita com termo arquétipo ao qual realiza; este termo
na linguagem empírica surge sob designativos os mais diversos, como ideal, idéia
arquétipa, essência absoluta, essência possível, modelo, universal
metafísico, molde, idéia exemplar. Quando conforme ao seu modelo, o ser se
diz ontologicamente verdadeiro, porque efetivamente realiza este padrão. Neste sentido
ontológico dizemos homem verdadeiro, máquina verdadeira, documento autêntico,
música genuína e equivalentes.

O fato de haver um nome coletivo para verum e bonum, - valor, - merece um comentário.
O mesmo não tínhamos para o caso paralelo de res e aliquid. De outra parte, valor se diz
com mais ênfase para designar bonum, d que verum; contudo, o termo é adequado para
ambos os modos em relativo, quer para verum, quer para bonum. Uma vez admitido o
nome de valor indistintamente para o verum e para o bonum, o belo fica integrado como
um valor. No caso, qualquer seja seu posicionalmente, quer como a verdade, quer como o
bem, é correto dizê-lo um valor. Mas, se situássemos o valor apenas no plano do bem, e o
belo no do verdadeiro, já seria inadequado situar o belo no quadro do valor.

141. E o que seria o ser segundo certo ponto de vista, em relativo, negando? Aqui a
questão dos modos de ser ingressa em temas como o dever ser da essência, que importa
em coerência, e o dever ser da existência, cujo contrário é o mal. Agora os caminhos já
estão muito além do campo do belo, e são cada vez mais difíceis de trilhar.

O belo no mesmo plano da verdade ontológica.

142. Constatado o belo como perfeição em destaque (ou em realce, ou esplendor), onde
se situaria o belo no quadro geral dos modos transcendentais? A noção de perfeição está
obviamente na área da essência, isto é, na maneira do existir, e não no mesmo existir.
Mas precisamos decidir ainda, se como modo dito em absoluto, ou se como modo dito em
relativo

São modos transcendentais ligados à essência: algo,- dito em absoluto; e verdadeiro,-


dito em relativo. Dali a dupla pergunta:

- Seria o belo simplesmente um algo, que é dito em função à essência em absoluto?

- ou seria o belo um verdadeiro, que é dito em função à essência em relativo?

Resposta: - O belo é um verdadeiro.

É evidente, que, para haver destaque, é preciso um termo de comparação. Sem arquétipo,
em função do qual se compare e se qualifique, nada se destaca, nada se diz belo.

Situado o belo no círculo da verdade ontológica, ele terá o caráter do que é dito em
relativo, como acontece com a referida verdade ontológica e também com bondade
ontológica, e não o caráter do que é dito em absoluto, como acontece com res e aliquid.
Neste sentido o belo não é constitutivo, como se resultasse diretamente de componentes,
porque noção dita em relação a algo extrínseco a ele mesmo, e que é seu arquétipo.

Não obstante, o belo não coincide simplesmente com o verdadeiro (verum).Não é tão
vasto quanto o verdadeiro, mas se reduz a uma de suas instâncias. Todo o belo é
verdadeiro; nem todo o verdadeiro se destaca como belo. Teorético como o verum, o belo
é um ponto de vista do verum. Este ponto de vista é a verdade ontológica enquanto realce.
Neste sentido, o belo é o esplendor da verdade, ou seja, do realce da verdade ontológica
realizada pela coisa. Não sendo o verum simplesmente, supõe o verum, porque é o verum,
quando este está bem realizado. O belo é a verdade, quando esta resplandece. O belo não
é algo chulo e trivial; é a manifestação metafísica do ser, a maneira de face onipresente,
perfeita e bela, embora tenha graus.

Apesar de se distinguir do verum, o belo não se desconecta dele, porquanto algo sempre
há nele e que está em realce. E porque, tal como o ser, o verum existe por toda a parte,
também o belo igualmente existe em tudo.

143. O juízo do belo. Importa fazer um juízo, quando se verifica o belo. No juízo há
termos de comparação, e que a afirmação une como predicado e sujeito.

O juízo do belo não é o de qualquer união de predicado e sujeito ao qual se atribui. No


juízo do belo se afirma um predicado com características especiais, e que sempre se diz
em comparação com um arquétipo.

144. Requer o juízo do belo um certa capacidade, e que se denomina gosto. Kant definiu
o gosto como "a capacidade de julgar do belo".

Quis também Kant que a capacidade de julgar o belo fosse uma faculdade
especial: Urtheilskraft (= Faculdade do Juízo). Teria por objeto específico enunciar as
coisas em função a um termo arquétipo exterior.
Para a filosofia do belo como conteúdo não importa muito se o gosto é uma operação da
faculdade geral de julgar, ou se de uma especial. No ponto de vista aristotélico uma só é a
faculdade de julgar, porque, em última instância, se trata apenas de afirmar ou negar pelo
mesmo verbo ser.

§ 2-o. O belo como realce. 0764y145.

145. Até aqui já advertimos que o belo se predica à maneira de transcendental e que se
integra no transcendental do verum ontológico. Resta demorar-nos no conceito
denominado de realce, de que são nomes equivalentes, destaque, esplendor e
similares. Neste exame continuamos sempre no plano meramente fenomenológico da
observação direta do que se mostra, sem ingressar em argumentação cursiva.

O realce é apenas uma relação de superioridade sobre o inferior. Estas superioridade tem
a sua motivação na perfeição do ser, no sentido de verdade ontológica frente aos
arquétipos. O mais perfeito se realça diante do menos perfeito. A perfeição em si mesma
não diz diretamente a superioridade. Uma perspectiva, que quase se confunde com ela,
passa a ser declarada em separado; então se julga a perfeição como sendo bela. Quando
percebemos o perfeito, já estamos próximos de conhecer o belo. Percebida a
superioridade da perfeição, expressamente como superior, esta nova perspectiva, eis o
belo que se mostrou.

A verdade apenas separa a verdade da não verdade; ela pode dizer que o vale não é o
monte, e que o monte não é o vale. O belo, além de separar a verdade da não verdade,
ainda atende às distâncias, graus de diferença. A verdade tem como contrário o erro; o
belo tem como contrário o feio.

Similar ao conceito de realce é o de elegância. No sentido etimológico quer dizer eleição


entre vários. Observação similar ocorre em torno do conceito de grau; o belo é a
conformidade perfeita a sobressair como grau superior frente ao termo inferior.

Importa ainda advertir que no caso dos seres compostos, o belo assume características
particulares, como harmonia, integridade, proporção. Tais denominações ajudam a
entender o que seja o belo, pois mostram, como na multiplicidade ocorre o destaque.

Tais noções sobre o belo na multiplicidade deverão ser usadas com a devida cautela,
porquanto não se dizem de maneira própria para os seres simples. Harmonia somente se
diz da harmonia de partes. E assim também se fala de integridade e proporção, com
propriedade, somente onde ocorre a distribuição em partes.

146. Como verdade ontológica, o belo se aproxima da noção de glória. De certas maneira
o belo é glorioso. A glória é a manifestação ativa da perfeição, a qual se manifesta
particularmente quando se realça. Por ser ativa, a glória se aproxima do conceito de culto.

Como manifestação, a glória é dita um certo brilho. Enquanto o belo indica sem mais a
superioridade em realce, a gloria ativamente enaltece o realce, atribuindo tal perfeição
como mérito do seu portador. O belo é estático; a gloria é ativa. O belo é próprio para ser
conhecido e ser contemplado. A glória ativamente conhece e exalta. O belo é louvado. A
glória é louvor.

A glória é objetiva, quando quem a exerce, quando manifesta apenas ontologicamente


pelo seu ser perfeito, o realce atingido.

É formal a glória exercida conscientemente.

147. Considerando a variedade de nuances nas opiniões dos que definem e opinam sobre
o que mais essencialmente é o belo, convém ouvir mesmo as vozes dos que tentaram
dizer grandes autores. As vezes nos confundem, porque não fazem mais que descrever o
belo em casos particulares. Mas, no fundo sempre se subentende que, naqueles casos
particulares, o que faz o belo ser belo, é o realce.

148. Na antiguidade, Aristóteles: "O belo é o que, sendo preferível por si, é digno de
louvor, ou o que, sendo bom, é agradável pelo fato de ser bom; se o belo corresponde a
esta definição, a virtude é necessariamente bela" (Arte retórica I, c. 9, 3).

Para Horácio, o belo é a "ordem reluzente" (lucidus ordo) (em Ars poetica, 41).Texto
completo:
"Sumite materiam vestris, qui scribitis, aequam
Viribus, et versate diu quid ferre recusent,
Quid valeant humeri. Cui lecta potenter erit res,
Nec facundia deseret hunc, nec lucidus ordo.
Ordinis haec virtus erit et venus, aut ego fallor,
Ut jam nunc dicat jam hunc debentia dici,
Pleraque differat, et praesens in tempus omittat"
(Horatius, Ars poetica 38-44)

149. Na Idade Média, Tomás de Aquino aponta como belas as coisas perfeitas, no sentido
de completas, devendo ser proporcionais as suas partes dentro do todo; enfim, hão de
realçar-se, o que ele chama de claridade (esplendor). Na primeira indicação, em que fala
de perfeição, e mais na segunda, apresenta o que é genérico na beleza; também a
proporção é um caso de perfeição, para os seres compostos. No terceiro elemento se
completa a especificidade do belo, pela indicação do seu realce. O texto:

"Três condições exige a beleza. Primeiro, a integridade ou perfeição (integritas, sive


perfectio); donde vem que coisas mesquinhas são por isso mesmo feias (quae enim
diminuta sunt, hoc ipso turpia sunt). Segundo, a proporção devida ou consonância
(debitas proportio sive consonantia). E por fim, o esplendor (Et iterum claritas), que nos
leva a chamarmos belas às coisas de colorido brilhante" (Suma teológica I, Q. 39 a.
8, corpus, trad. de Alexandre Corrêa, à qual entremeamos alguns termos latinos, para
garantia da acepção original). A integridade tem como seu contrário o incompleto, que
portanto é algo diminuído; o latino diminuta traduzido por "coisas mesquinhas" há de ser
entendido portanto primeiramente como incompleto.
Aliás, perfeição e imperfeição exercem o mesmo sentido originário de completo e
incompleto.

Integridade ( ou perfeição) não significa expressamente a superioridade do realce.


Também diminuído (diminutum) tem a acepção direta de que lhe foi tirado algo; não
indica prontamente inferioridade amesquinhadora, como contrário de realce. Uma vez
que Tomás de Aquino aponta em separado a claridade (ou esplendor), esta terceira nota
do belo adverte que o belo não é apenas a verdade ontológica (o verum), mas um seu
aspecto, quando esta verdade adquire destaque, realce, esplendor, que, em sua
formulação latina, deu como claritas.

Quanto à segunda nota, ela como que é uma redundância, ou um encaminhamento da


terceira. Dizer "proporção devida ou consonância" não é mais que estabelecer um detalhe
da primeira nota (a perfeição), que se refere aos seres constituídos de partes. Num ser
composto, requer-se para sua perfeição, a ordem entre as partes. Insistia já Plotino, contra
os estóicos, que o belo não se podia definir como ordem e proporção das partes, porque
esta maneira de o definir pressupunha a composição dos seres, quando a beleza já devia
poder ser definida para o instante simples da entidade. A segunda condição do belo
descrita por Tomás de Aquino importa em ser reduzida à primeira ou terceira.

150. João Duns Scotus (1266-1308), também da Idade Média, diz: "A beleza não é uma
qualidade absoluta no corpo belo, mas é a soma de tudo o que convém a tal corpo
(aggregatio omnium convenientium tali corpori), como da grandeza da figura e da cor, e
a soma de tudo o que respeita a estes corpos e a eles entre si. Assim a bondade moral do
ato é quase um certo decoro daquele ato, incluindo a agregação da devida proporção a
tudo o que o ato deve se proporcionar, por exemplo, à potência, ao objeto, ao fim, ao
tempo, ao lugar, ao modo; e isto especialmente para que tais coisas se digam dever convir
à reta razão" (Oxon., q. 17, a. 3., n. 13).

No texto de Duns Scotus se retoma a doutrina do belo como perfeição levada ao destaque,
tendo um referencial arquétipo, em função do qual é concebido como verdade ontológica.
Além disto, Duns Scotus se refere às coisas em que o belo se materializa, sem deixar de
mencionar a categoria da ação, onde o exemplo dado é o do ato moral. Ao estabelecer o
belo como uma qualidade que diz respeito a um termo ideal, revelou ao mesmo tempo
que o belo se constitui da soma de tudo o que lhe convém e que consequentemente é a
perfeição.

151. Nos modernos continua a mesma convicção de que o belo se caracteriza como realce.
Dizem também muito sobre o belo e que acreditamos que ele não seja. Destacamos agora
o que dizem do belo como realce, deixando para outra oportunidade o que dizem, sem
que ele o seja (vd cap. 5-o).

Alexandre Baumgarten (1714-1762), em colocando o belo como objeto específico das


sensações, chama de belos sobretudo os objetos sensíveis perfeitos. Ainda que se possa
contestar a Baumgarten o caráter essencialmente sensível do belo, não se lhe contesta o
haver posto a perfeição como um seu caráter essencial.
Emanuel Kant (1704-1804), ao fazer do belo um ajuste do objeto à finalidade formal, ou
seja aos gêneros e espécies, ainda que estes não passem de apriorismos, implicitamente
estabeleceu o belo como algo nobilitante, que aperfeiçoa e honra as coisas.

Hegel adverte para o belo como para algo superior. Cuidando ainda de hierarquizá-lo,
colocou acima do belo da natureza, o belo da arte, porque esta contém elementos que lhe
vieram do espírito. Em graduando os diferentes belos, joga exatamente com conceitos de
realce. Não importa se é válida ou não a assertiva de já maior presença do espírito na arte,
que na natureza; o que agora vale, é o princípio de Hegel, de que maior é o espírito e de
que em consequência desta superioridade de perfeição, nele acontece maior volume de
beleza.

154. Os que muito se afastam da noção do belo como verdade ontológica em destaque,
não têm problemas para distinguir entre o belo e a referida verdade ontológica. Mas, os
que colocam o belo como verdade ontológica em realce, podem sentir dificuldades para
distinguir um e outro. Dali vem que alguns, apesar de manterem a interpretação
fundamental do belo como verdade ontológica em destaque, procuram algumas
aproximações do belo com o bonum da vontade, alegando a esteticidade, ou agrado do
belo.

A redução do belo ao bem, em vez de à verdade, foi sempre uma tentação do platonismo.
Deve-se amar o belo; em amar o belo está toda a sabedoria (Banquete, 210).

Lemos em Plotino (205-270), o maior dos neoplatônicos: "Todo o homem começará por
fazer-se belo e divino para obter a visão do belo da divindade. Assim se elevará primeiro
até a Inteligência (Logos), na que contemplará a beleza de todas as formas, e proclamará
que todas esta beleza reside nas idéias. Com efeito, tudo é belo nelas, toda a vez que são
filhas e a essência mesma da Inteligência. Por cima destas encontrará Aquele a quem
chamamos natureza do Bem, e que faz irradiar em torno a si a Beleza; de sorte que, em
resumo, o primeiro que se apresenta é o Belo. Se se quiser estabelecer uma distinção
entre os inteligíveis, ter-se-á que dizer que o Belo inteligível é o lugar das idéias; que o
bem, situado por cima do Belo, é sua fonte e princípio. Posto o Bem e o Belo como um
só princípio, este fica sendo antes de tudo o Bem, e somente em segundo lugar o Belo"
(Ennéada I, 6, 9, conclusão).

155. Alguns escolásticos modernos, para distinguir o belo e a verdade, têm-se inclinado a
ligar o belo com a vontade, ou seja com o bonum. E o que apontam como essencial, não é
senão a propriedade que o belo apresenta como produtor de sentimento estético. Neste
caso não se faz necessário insistir na diferença entre o belo e a verdade ontológica da
coisa bela. Mas, se assim fosse, o conhecimento, como explicar que também o
conhecimento produz agrado?

F.-X. Maquart, eminente tomista francês, depois de contestar a J. Gredt e a I. Webert O.


P., que afirmavam serem apenas propriedades do belo a satisfação e o amor que este
produzia na vontade, argumentou em favor de sua posição pessoal: "Se assim fosse, não
haveria diferença essencial entre verum, que aquieta o apetite natural do inteleto, e o belo.
Além disso o verum permanece verum nem se torna belo mesmo que a complacência do
apetite natural do inteleto redundasse à maneira de propriedade no seu respectivo apetite
elícito. Portanto, deve-se manter o seguinte: a) Com J. Gredt, que o belo tem uma relação
imediata com o apetite racional; b) mas que incide no apetite elícito, de maneira porém
que a relação para o apetite elícito seja a mesma essência do belo; c) e que assim o belo
se diferencia, tanto do bonum, que tem relação imediata com o apetite elícito, quanto
do verum, que tem relação essencial somente para o apetite natural da potência
cognoscitiva" (Elementa philosophiae, III-II p. 127, Paris, 1938).

Conforme já insistimos, nem o belo e o verum ontológico se distinguem tão


profundamente; nem pode Maquart insistir que o verum não produz satisfação, pois
conhecer também agrada, ainda que este agrado ocorra na vontade.

156.Os arquétipos. É possível discordar sobre o que sejam os arquétipos da verdade e do


belo, mas não é possível pensar o belo sem eles. Sendo o belo um juízo em relativo,
importa em um termo de comparação.

A mais frágil das formas de arquétipo é a da filosofia empirista. É belo o que agrada para
se conhecer, seja para se ver ou ouvir, seja para de algum modo imaginar ou pensar.

Os racionalismos idealistas estabelecem qualquer referência apriori ou subjetiva, em


função da qual se conceitua o belo.

As filosofias, ditas dos valores e similares ditas alogicistas, também concebem um termo
de referência a seu modo, em função do que operam suas doutrinas sobre o belo.

Finalmente, as filosofias da metafísica do ser, estabelecem a este como um dado


definitivo, de cuja análise passam a construir o sistema, no qual os arquétipos são a base
de toda uma ontologia, em que também o belo tem sua vez.

A essência arquétipa absoluta nada tem acima de si para se comparar e adquirir relação
de perfeição. Mas, esta essência suprema se compara consigo mesma, tomando-se a si em
função apenas aos graus de plenitude; comparam-se os graus a partir de um primeiro, do
qual seguem para o infinito. Sendo por definição o grau máximo, sua mesma definição já
aponta que o termo de comparação está para baixo e não para cima.

Também a essência divina se diz perfeita em função aos graus inferiores; estes, os graus,
se encontram aliás contidos eminenter no grau superior e absoluto.

O arquétipo, ao se comparar com os graus inferiores, os considera em abstrato. Não se


diz maximamente belo em função a este ou àquele indivíduo belo, mas simplesmente
como grau máximo de todos os graus inferiores tomados simplesmente. E assim, como
bem expressa Platão, o arquétipo não varia com os termos concretos limitados.

"... este homem verá bruscamente certa beleza, de um natureza maravilhosa. Verá um ser
que, em primeiro lugar, é eterno, que não nasce, nem morre, que não aumenta e nem
diminui, que além disso não é em parte belo e em parte feio, agora belo e depois feio,
belo em comparação com isto e feio em comparação com aquilo, belo aqui e feio acolá,
belo para uns e feio para outros. Conhecerá a beleza que não se apresenta com rosto ou
com mãos ou qualquer outras coisa corporal. Beleza, ao contrário, que existe em si
mesma e por si mesma e por si mesma sempre idêntica, e da qual participam todas as
demais coisas belas. Estas coisas belas individuais, que participam da beleza mesma
suprema, ora nascem, ora morrem, mas essa beleza jamais aumenta ou diminui, nem
sofre alteração de qualquer espécie" (Banquete 210 e -211 a).

ART. 3-o. PROPRIEDADES DO BELO: O SEU CONTRÁRIO,


O FEIO, E AINDA SEUS GRAUS E SIMILARES. 0764y160.

161. Uma conhecida propriedade do belo é a sua esteticidade, pela qual se diz que o belo
agrada. Esta é uma propriedade extrínseca, no sentido de que o belo atua sobre as
faculdades apetitivas do homem. Desta propriedade do belo trata a estética psicológica
(vd cap. 3-o). O belo apresenta também propriedades intrínsecas. Definido
essencialmente como uma qualidade do ente, o belo tem como propriedades intrínsecas, -
e portanto de primeiro plano, - aquelas que são peculiares a todo e qualquer qualidade.
Por esta via, o belo tem a propriedade de ter contrário, - o feio; a propriedade de ter graus,
- o mais belo, o menos belo; e ainda a propriedade de ter semelhante, referidos pelos
termos que significam com proximidade da palavra belo, entre outros, glória, majestade,
fulgor, fama.

Advertiu Aristóteles para estas três propriedades da qualidade, pensando mais no modo
categorial da qualidade. Sem prejudicar sua posição, é possível aplicar a mesma divisão
às propriedades dos modos transcendentais. Assim, por exemplo, a verdade tem seu
contrário no erro; o belo tem seu contrário no feio.

Ocorrem, segundo o Estagirita, três propriedades irredutíveis na qualidade: 1) Tem a


qualidade um seu contrário; 2) é suscetível de mais e menos, de crescimento e diminuição;
3) admite o semelhante e o dissemelhante, sendo que esta última qualidade acontece
apenas na qualidade (Categorias, 10b 12 - 12a 35).

§ 1-o. O belo e o feio como contrários. 0764y162.

163. Em virtude da propriedade que possui a qualidade de poder admitir o seu contrário,
tem o belo, como qualidade que é, um seu contrário, - o feio. Classificar o belo e o feio
como duas determinações que possam ocorrer em uma qualidade, constitui ponto de vista
radicalmente distinto daquele outro que classifica o belo, ou o feio na linha do mais e do
menos, do aumento e da diminuição, que resulta em graus. Ambos os temas confluem
pela circunstância de afetarem formalmente o belo e não apenas a matéria em que este
corre; mas diferem pelo ponto de vista em questão. O que agora simplesmente nos ocupa
é apenas a contrariedade: o belo, enquanto contrário do feio, e o feio, enquanto contrário
do belo. Mas não o belo e o feio enquanto possam constitui-se como graus, porque isto
não o são. Afirmou Platão expressamente serem o belo e o feio contrários ( Fedon, 70b;
I Fedro, 246e).
Forneceu-nos Aristóteles a conceituação geral sobre o assunto: "A contrariedade pertence
também à qualidade; por exemplo, a justiça é o contrário da injustiça, o preto da brancura,
e assim por diante... Tal, porém, não é sempre o caso; o vermelho, o amarelo e as cores
do gênero não têm contrário, embora sejam qualidade. Além disto, se um dos dois
contrários é uma qualidade, o outro será igualmente uma qualidade. Isto se mostra
evidente desde que apliquemos (aos nossos exemplos) as outras categorias; assim, se a
justiça é uma qualidade, a injustiça será também uma qualidade; nenhuma outra categoria,
com efeito, se comporá com a injustiça, nem a quantidade, nem a relação, nem o lugar,
nem, de um modo geral, nada que não a qualidade. O mesmo vale para todos os demais
contrários encontrados sob a qualidade" (Arist., Categorias, 10b 12-25).

164. Prontamente nos vêm algumas observações a propósito do belo e do feio.

Poderia, ao que diz Aristóteles, uma qualidade não ter o seu contrário, como o amarelo
que de fato não o manifesta possuir. Se o belo tem o feio como seu contrário
necessariamente, contudo não resulta esta situação simplesmente da circunstância de se
constituir o belo como qualidade, porquanto há qualidades que também não o têm.

Além disto, se um dos contrários é uma qualidade, o outro termo, quando existe, também
será necessariamente de natureza qualitativa. Suposto, portanto, que o belo seja uma
qualidade, admitido que o feio se configure como seu contrário, o feio se constitui como
qualidade e não como quantidade, ou relação, ou lugar, ou qualquer outra categoria de ser.

Não se deve confundir a questão do belo e do feio com as oposições do estético e anti-
estético; tais duas outras propriedades dizem ;respeito simplesmente à consequências
afetivas de que o belo e o feio são capazes. Apenas materialmente o belo e o estético
poderão coincidir.

165. Pelo aspecto estético, a questão do belo e do feio oferece considerações muito
específicas; não tem faltado o interesse de alguns autores neste sentido.

Karl Rosenkranz, 1867, publicou a primeira vez uma Estética do feio (Aesthetic des
Haesslichen, Koenigsberg). Depois não decresceu o interesse em torno assunto.

Levam ainda os nossos dias a peculiaridade muito especial de haverem permitido o


ingresso amplo do feio no campo da arte. É que o artístico, interpretado hoje como
mensagem não envolve diretamente a questão do belo e do feio. O artístico se opões ao
não artístico, mas não ao feio. Realçada a função a função da arte ;como expressão
sensível de uma idéia que se põe na obra, resultou que a arte moderna seguiu por veredas
antes não conhecidas, desenvolvendo-se ora pelas formas elegantes do belo, ora pelas
disformidades do feio, sobretudo quando se trata de atingir a singularidade (Cf. J. A.
Tobias, O feio, São Paulo, 1960).
166. O feio, como qualidade oposta ao belo, possui as mesmas propriedades do belo, mas
em direção inversa: a teoreticidade e a esteticidade. São as mesmas, porque se situam
num mesmo gênero, embora com inversão.

a). A teoreticidade, no belo, significa o objeto enquanto se presta a ser contemplado pelo
inteleto. Assim, o feio se configura como algo que se apresenta à percepção cognoscitiva.
A teoreticidade distingue o feio como distinto do imoral, porque este diz respeito à ordem
prática; enquanto o feio não é apreciado para ser visto, o imoral não o é, para ser
praticado. A mente não busca o feio, a vontade não quer o mal.

A teoreticidade do feio caminha na direção inversa da teoreticidade do belo. O feio faz o


objeto configurar-se como algo fora de um esquema que deveria ter valido. Ocupa-se,
então, o inteleto em reconhecer desproporção. Em conhecendo o objeto feio, anota o que
apresenta de positivo; e, por desconto, avalia também aquilo de que se encontra privado.

b). A esteticidade, como índole própria do belo, enquanto capaz de produzir um


sentimento de agrado, também ocorre no feio. É notável que o feio repercute na
faculdade apetite. Mas a direção é inversa; enquanto o belo promove a aquietação afetiva,
o feio retém o apetite em resistência. Por contraste, aumenta a esteticidade da beleza do
objeto colocado em direta oposição ao objeto feio.

167. A afetividade admite interferências no seu comportamento; destas circunstâncias se


ocupa a estética psicológica. Tanto isto ocorre com o belo como com o feio; ambos
repercutem no sentimento e se exercem com um comportamento cujas leis são
determináveis.

A propósito da propriedade estética do feio, precisamos ainda anotar que, embora o


termo estético aqui também se adote para os efeitos afetivo, costuma ordinariamente se
restringir para os resultados positivos do sentimento do belo. Para o uso normal é
chocante falar em esteticidade do feio; mas se subentende aqui; uma esteticidade, que
significa apenas a reação afetiva. Tal como o sentimento do prazer , que só se usa para o
efeito positivo, a afetividade indica somente o afeto positivo. Entretanto, tal como o
sentimento, que poderá ser ora o agradável, ora o desagradável, o estético passou a
permitir ambos os pólos.

168. Que seria o feio em si mesmo, sob o ponto de vista da essência? Também aqui o feio
se desdobra em noções idênticas às do belo, porém numa direção inversa. Apresenta-se o
belo como um ajuste entre concreta e o seu arquétipo absoluto; o feio é o desajuste da
coisa com o seu arquétipo absoluto. Tanto no belo, o ajuste ocorre por exigência do ser,
como no feio o desajuste violenta esta exigência; por isso ainda no feio falta
precisamente algo que é devido. O feio é o ser privado de uma beleza devida; sabe-se que
é devida, em virtude de se conhecer a norma ou essência exemplar que deveria preencher
para alcançar sua linha ontológica conveniente.

O feio não está nos elementos faltosos; estes simplesmente não existem. Não coincide o
feio com os elementos que subsistem. Estes, enquanto subsistentes, são belos. Mas
apenas enquanto vistos pelo lado que lhes falta, são ditos feios.

O fundamento do feio é real. Os objetos, embora em si mesmos belos, no referente ao


que são ser, encontram-se limitados. Em função desta limitação, dizem-se feios com
fundamento na coisa. Não existe o feio em si mesmo, como já se vê. Configura-se o feio
como um ser de razão, com fundamento real na coisa.

169. Em assim sendo, não se pode dizer que o feio é a beleza menor comparada com a
maior. Já um antigo afirmou, que o mais belo dos macacos é feio diante do mais belo
dentre os homens. Esta assertiva estabelece algo que não coere com a nossa afirmação.
Contudo, tomada ao modo pretendido pelos ancestrais, ela mantém o seu valor. É
pretendia apenas destacar diferenças.

Não é exato dizer que os graus do belo principiam no feio. Ainda que os graus do belo
iniciassem num ponto zero, para dali avançar até o grau máximo, continuaria falsa a
afirmação de que belo principia no feio. Diz-se o feio de um objeto em desproporção de
seu arquétipo. Isto se apresenta com outra figura. Não resulta o feio de uma graduação
inferior. Cada grau é legítimo, desde o ponto zero. O feio é a ausência de uma perfeição
devida, em qualquer grau de perfeição que isto ocorra.

Invocando as propriedades que Aristóteles via na qualidade, punha a justiça e a injustiça


como contrários, opostas por contrariedade. É isto que procuramos mostrar ocorrer entre
o belo e o feio.

Quanto à distinção em graus de beleza, já é outro aspecto. Mas também aqui ocorre a
lista paralela de graus de feiura, como nojento e asqueroso, esquisito e extravagante.

Ainda sempre em função à contrariedade, completamos enfim as noções: o belo é a


perfeição em realce; o feio é a imperfeição em realce.

§ 2-o. Graus de beleza e estilo. 0764y170.

171. O mais e o menos, que se faculta à qualidade, permite ao belo graduar-se, a começar
de um mínimo, até alcançar um máximo de perfeição; ao mesmo tempo ocasiona a
possibilidade de progressão, progredindo de um para outro, de sorte a aumentar o volume
de beleza.

A graduação da beleza é inegável. Todos os níveis de perfeição se observam na natureza,


nas obras humanas e nas concepções. Também é inegável uma progressão da beleza. No
botão da flor vemos como se desdobra, se amplia, desabrocha e finalmente exibe um
estado pleno, o qual é apreciado como belo. E assim também nos animais, nas pessoas,
em tudo que se move e se altera, a progressão da beleza ocupa estádios diversos de
intensidade.

A regressão pelo embotamento, pelo envelhecer, pela destruição, eis a prova inversa de
que a beleza pode crescer e diminuir. Estes são os fatos. ;A filosofia procura conceituá-
los, mostrando que o mais e o menos, o aumentar e o diminuir são propriedades cabíveis
na qualidade em geral, embora não necessariamente; além disto, outras categorias são
capazes do mais e do menos, do crescer e do diminuir.

Platão, ao tratar dos graus do belo, descreveu o belo do mundo sensível como sendo
sombra do belo arquétipo.
Aristóteles tratou dos graus mais sistematicamente, Fazendo considerações valiosas:

"As qualidades admitem também o mais e o menos. Uma coisa branca, com efeito, é dita
mais ou menos branca que uma outra, e uma coisa justa mais ou menos que uma outra.
Além disto, a qualidade em si mesma recebe o crescimento: o que é branco pode tornar-
se mais branco. Esta propriedade não pertence, contudo, a todas as qualidades, mas
somente à maior parte. Sustentar que a justiça aceita o mais e o menos não se admite sem
dificuldade; alguns o contestam e pretendem que não se pode absolutamente dizer que a
justiça é susceptível do mais e do menos, e igualmente com referência à saúde. Tudo o
que se pode dizer, é que uma pessoa possui menos saúde que uma outra ou menos justiça
que uma outra, e o mesmo vale para a gramática e outras disposições... (depois de mais
algumas considerações conclui). Todas as qualidades não admitem pois o mais e o
menos" (Arist., Categorias, 10b 25 - 11a 15).

E o belo, como qualidade, admitiria graus do mais e do menos? Não o afirma Aristóteles
no texto referido, mas o admite em seu tratado de Retórica, ainda que não coloque a
questão diretamente em função a esta peculiaridade referente à qualidade em geral. A
ocorrência dos graus na beleza, como arrolamos os fatos anteriormente, é incontestável.

172. Os graus de beleza pelos seus nomes. Os graus de beleza recebem seus nomes,
pelos quais se fazem conhecer.

Os nomes são todavia dados eventualmente e não expressam sistematicamente a


progressão dos graus. Então os muitos graus têm de ser estudados sem atenção imediata
aos respectivos nomes. Eles podem mesmo nos perturbar com sugestões etimológicas e
sedimentações semânticas, que mais indicam aspectos secundários, do que a medida justa
dos graus.

Além disto, em cada idioma, principalmente nos grupos idiomáticos inteiramente


isolados, variam os nomes e as sugestões. Até os nomes relativamente universais,
como belo e beleza, - que contudo se limitam quase só ao espaço das línguas latinas,- não
indicam os graus senão por meio de contexto. Diante disto, os graus de beleza são
denominados dispersivamente pelos seguintes
nomes: belo, lindo, elegante, formoso, Schoen (alemão), fein (alemão), fine (inglês), kras
otá (ruso), kalós (grego), pulcher (latim). Ingressando por especificações mais
caracterizadas, ocorrem ainda as denominações
como: sublime, excelso, humorístico, chistoso, ingênuo, etc.

Em geral belo e pulcro significam de maneira mais abstrata.

Elegância realça a importância do realce entre outros.

Formoso insiste no acabamento brilhante das formas.

Sublime e excelso ocorrem quando as dimensões metafísicas do bel ultrapassam o


ordinário e apelam particularmente ao espírito.

Humorístico, chistoso, ingênuo, indicam o belo ao mesmo tempo que certo desequilíbrio;
com as normas sociais (especialmente no caso do humorístico), ou desequilíbrio pelo
choque de desencontros de idéias e imagens (no chistoso), ou desequilíbrio no
amadurecimento mental (no ingênuo).

173. O estilo. Ao estilo se junta ordinariamente o significado de beleza. Variando os


estilos por meio de elementos que não mudam a essência da espécie, pode fazê-lo
também pelos graus de beleza, porquanto estes graus também não afetam a essência da
espécie. Então, graus de beleza e graus de estilo podem eventualmente equivaler-se.

Mas, o estilo é antes de tudo um termo do círculo da arte. Ora, o artístico se refere à
expressão sensível, à mensagem, ao que se põe em obra. Portanto, estilo não significa
diretamente o pondo de vias da beleza, que é o de realce da perfeição. Por isso não se
incorre em tautologia ao se falar em belos estilos, dado que o estilo não diz
necessariamente o belo.

Etimologicamente, estilo é indicador de origem. Tal circunstância se acomoda


perfeitamente à arte, visto que esta produção lembra efeitos de origem. Procede o termo
estilo da radica indo-européia steig-, com o sentido fundamental de picar. Dali derivam,
entre outros, os termos estigma, instigar, instinto, estímulo, estilo e seu
diminutivo estilete.

Como se pode ver, o sentido originário de estilo é aquele ainda conservado em estilete,
objeto pontiagudo para picar e escreve. Considerando que as formas da ação de picar,
resultam do instrumento, estilo passou a indicar a forma em si mesma. A capacidade de
um mesmo autor se restringe naturalmente a; um certo; tipo de escrever, como se observa
na caligrafia peculiar em cada um de nós. Espontaneamente se foi firmando a acepção de
estilo com modalidade de escrever, de pintar, de construir.

Diante do exposto, estilo e grau de beleza não se identificam. Em virtude, porém, da


aproximação dos empenhos do esteta e do artista, os termos irradiam semanticamente, de
sorte a poderem em circunstâncias especiais de contexto, significar uma e outra coisa.

174. No plano da arte, que é estilo? Vagamente, estilo é um modo peculiar de escrever,
de construir, de pintar, de compor a música, de fazer teatro e ballet.
Com mais precisão, estilo é a maneira de realizar a obra de arte em seus aspectos
acidentais, com uma repetência de certos modelos, de sorte a se estabelecer certa , que
faça distinguir grupos de indivíduos dentro da mesma espécie. Assim sendo, o estilo é o
acidental, que se tornou uma frequência, sem que chegue a alterar a espécie.
Também nas espécies naturais ocorrem elementos que se repetem, sem que afetem
essencialmente os indivíduos da mesma espécie, e nem cheguem a ser propriedades
decorrentes necessariamente da respectiva natureza. O ser branco, moreno, preto, louro,
alto, mediano, é peculiar a certas etnias. Apenas não é hábito denominar estilo às
variantes acidentais frequentes na natureza. Além disto não se comportam igualmente os
estilos das artes e os "estilos da natureza".

Estilo é a qualidade em que uma obra se determina por ter sido realizada dentro de certas
características individualizantes.
175. Cada estilo suporta um certo grau de variantes em relação ao seu denominador
principal. O de maior variação é estilo eclético; o de variação mínima é estilo puro. O de
variação média, é estilo no sentido como ordinariamente é praticado.

Dentro destes princípios de variação, com o fim de manter alguma individualização, se


aplica a cada obra de arte algum elemento somente seu. E assim também, cada artista,
apresenta alguns elementos peculiares às suas obras como um todo.

Enfim há padrões abstratos que orientam as obras em geral, e que então se dizem de um
certo estilo, por exemplo, clássico, barroco, romântico, moderno.

Na arquitetura um certo padrão orienta a abertura das janelas, o lançamento dos arcos, a
expansão das abóbadas, o desenvolvimento das linhas, a ordem nas sucessões, o
comportamento dos volumes e das faces expostas.

O estilo gótico, de origem conhecida, com desenvolvimento sobretudo na França, tendo


como paradigma a catedral de Saint-Denis, constrói segundo feições inegavelmente
próprias: arcos com ogivas, abóbadas típicas, janelas pontiagudas, gosto pela altura.

O estilo arquitetônico barroco, desde logo prestigiado em Roma, no século 16, com o
paradigma na igreja de Gesù (dos jesuítas e traçada por Vignola), constrói entumecendo
os volumes, distorcendo linhas, arrebentando arcos e planos, dali resultando volutas e
decorações.

O clássico, constrói com elementos bem calculados. É sempre lógico, absoluto, à medida
que foge do individual.

Analogicamente os mesmos princípios de variação de estilo valem nas restantes artes.

176. Psicologicamente, o estilo se reduza a um expediente antropológico de ritmo,


modelizado com recorrências, com o fim de facilitar a apreensão cognoscitiva e suavizar
o efeito sentimental.

De uma parte, a limitação antropológica das faculdades humanas do conhecimento nos


obriga a conhecer os objetos por partes que se fazem suceder; estas exigem certa
sequência em que a parte nova não constitua mudança inteira sobre a parte precedente;
por isso, não é qualquer ritmo que se proporciona aos processos inteletuais e sensitivos
do homem. Há, portanto, ritmos padrões para a sucessão dos movimentos mecânicos,
para a mudança das cores, para a sequência dos sons, das palavras, dos pensamentos, etc.

A consideração em separado do elemento que não; muda, possibilita a modalização do


ritmo, ou da sequência da ação, das cores, dos sons, das linhas, etc. Resultam dali a
recorrência, a rima, o acento, o motivo, a unidade de estilo e técnica.

O estilo é uma necessidade estética baseada na limitação antropológica do conhecimento;


humano. Este não se pode dispersar excessivamente e então, a ordem rítmica, com partes
iguais e partes diferentes, estas modalizando a sequência, amparam o conhecimento
subordinando-lhe objetos ajustados dentro de um certo tipo de formas assimiláveis. "O
estilo é a vida e o sangue mesmo do pensamento" (Flaubert, Pensées, 153).
Sob o ponto de vista estético-belo importaria que as formas escolhidas para serem postas
em sequência rítmica, fossem perfeitas e realçadas. Mas sob um ponto de vista
meramente estético-artístico tal não se requer; o objetivo é transmitir mensagem, e então
qualquer forma, desde que viável antropologicamente, funciona. Ainda que o estilo não
seja do gosto do artista, nem do eventual apreciador, basta que as linhas retornem
constantemente à mesma índole geral, para que ocorra a normal presença de um estilo.

Ora funcionando o estile como técnica uniformizadora, ora o algodão ensopado em tinta,
- por si só a técnica já garante um estilo, evitando a dispersividade despersonalizadora.
Sob o ponto de vista estético-belo, os estilos belos são aqueles que escolhem esquemas
aceitáveis. E assim há estilos belos e menos belos.

177. Moda, estilo, beleza. A moda é necessariamente um estilo, porque padroniza certo
tipo de elementos acidentais, com o afastamento de outros.

Como o estilo, não é a moda necessariamente artística, embora consiga eventualmente


por outras razões chegar a ser.

Ainda como o artístico, a moda não é necessariamente bela, ainda que faça do belo um
dos seus principais recursos. Mas, enquanto o motivo antropológico do estilo é facilitar a
apreensão, o da moda é o de chamar a atenção, sendo o belo um dos instrumentos deste
objetivo. A moda tem o falar como um seu objetivo direto; por este lado, a moda está
mais próxima da arte, que da beleza.

Se a moda estivesse antes de tudo próxima do belo, não se sentiria necessidade de mudá-
la tão depressa.

"Que é a moda? Do ponto de vista artístico, é correntemente uma forma de fealdade tão
intolerável, que nos vemos obrigados a mudá-la cada seis meses"(Oscar Wilde).

Neste modo de conceituar acontece algum exagero, porque na verdade a moda sempre
tende a ser bonita. O que na verdade a moda procura é aproveitar-se das vantagens da
variedade. O que a boa moda principalmente faz, é pôr um ritmo temporal a longo prazo,
como o outro ritmo faz a curto tempo.

178. Originalidade. Próxima ao estio e aos graus de beleza se encontra a originalidade.

Na acepção direta, a originalidade não se confunde com o estético, e nem sequer com o
artístico, embora dela muito se preocupem os artistas.

É a originalidade aquela qualidade que uma obra de arte associal pela circunstância de se
ter originado como algo inteiramente novo.

A imitação produz o belo, sem a originalidade. Não obstante, o que reprodução reproduz
conserva o mesmo valor na escala absoluta do belo. Neste sentido, a beleza e a
originalidade não se identificam e nem precisam estar juntas.
O Palácio do Congresso Nacional do Brasil se apresenta certamente original. Não decorre
dali que ele seja estético.

Em 4 de abril de 1961, - reportando-nos a primeira vez sobre Brasília arquitetônica, então


apenas inaugurada como capital federal, que fora no ano anterior, - escrevíamos:

"O Palácio do Congresso, pela localização e largura, alcança imponência considerável.


Dominando o panorama, parece tentar dizer que nesta Nação deve governar o Parlamento.
Mas, em troca de uma plástica massuda, ficou sem aberturas, numa terra de sol, onde
tudo sugeriria janelas. Esfinge faraônica, de ouvidos fechados, alheia ao barulho, tenta
decifrar os destinos da Pátria. Certamente é original. O Congresso é um exemplo em que
a originalidade não coincide com a estética; não falta a estética; mas certamente muito
maior é a originalidade" (A Gazeta, Florianópolis, 4-5-1961).

Pode a originalidade ser também interpretada como autenticidade: como coincidência da


obra sensível com a idéia exemplar concebida pelo autor. Quando ocorre a sinceridade, a
obra de arte necessariamente exprime a situação espiritual do artista; as obras de todos os
artistas, a situação de um povo.

Escutando a voz da subjetividade artística, rompem-se muitas vezes os laços dos artistas
com escolas a que pertenciam e que estavam em voga. Os estilos são uma necessidade
antropológica, porque necessita o homem de uma certa ordenação rítmica de
manifestação e assimilação; mas a escolha entre os estilos não se impõe
antropologicamente; dentro de cada estilo, as manifestações também se conservam da
livre inspiração do artista. Nas escolhas, eis onde o artista se mostra autêntico; escolhe
em função a uma necessidade íntima e não por simples laço exterior de escola e
convenções reinantes.

"Não consiste a originalidade na observância das leis do estilo, mas na inspiração


subjetiva que, em vez de se formar de uma certa maneira para sempre utilizada, escolhe
um assunto racional em si mesmo e o desenvolve escutando apenas a voz da
subjetividade artística" (Hegel, Estética, II, c. item 3 c. p. 255)

179. Comparadas as belezas, ocorre uma evidente preferência pelas que se sobrepõem em
grau. Isto ocorre tanto dentro de uma espécie, em que os indivíduos satisfazem
diferentemente à sua essência específica, como também ocorre de essência para essência,
até alcançar a máxima, a divina beleza.

Entre os jovens, preferimos o melhor conformado, assim também com as jovens, com as
crianças, com os animais, com as plantas, com as flores. Entre as essências, preferimos a
beleza espiritual sobre a corpórea, a beleza divina sobre a criada. Apenas a ilusão induz a
outro comportamento estético.

Mostra Platão que a sabedoria está em vislumbrar o belo absoluto através das belezas
concretas dos indivíduos e das essências inferiores. Observa ainda que o belo absoluto
merece todo o nosso amor.

A insinuante doutrina de Platão sobre a estima à beleza, a apresenta ele mesmo belamente,
em forma de discurso admirável, pela boca de Diotima, sacerdotisa de Mantinea, falando
a Sócrates. Neste discurso sobre a metafísica do amor, se refere ainda aos mistérios de
Elêusis, - os ritos praticados pelos adeptos, que se iniciavam em todos os graus de
perfeição até o mais elevado.

"É possível, caro Sócrates, que tenhas acesso a este grau de iniciação na doutrina do amor.
Não sei todavia se poderás atingir ao grau superior, o da revelação que é o fim a que irão
ter todos os que praticam a boa via. Não sei se ela está ao teu alcance. Todo aquele que
deseja atingir esta meta, praticando acertadamente o amor, deve começar em sua
mocidade por dirigir a atenção para os belos corpos, e, antes de tudo, deve amar um só
corpo belo, e, inspirado por ele, dar origem a belas palavras.

Mas, a seguir, deve observar que a beleza existente em determinado corpo é irmã da
beleza que existe em outro, - e que, desde que se deve procurar a beleza da forma, seria
grande mestra da insensatez não considerar como sendo uma única e mesma coisa a
beleza que se encontra em todos os corpos. Quando estiver convencido desta verdade,
amará todos os belos corpos, passando a desprezar e ter como coisa sem importância o
violento amor que se encaminha unicamente para um só corpo.

Em seguida, considerará a beleza das almas como muito mais amável da que o dos
corpos, e destarte será conduzido por alguém que possua uma bela alma, embora
localizada num corpo despido de encantos, e a amará, zelando por sua felicidade, e
inspirando-lhe belos pensamentos capazes de tornar os jovens melhores. O amante
contemplará desse modo a beleza que há nos costumes e nas leis morais, notando que a
beleza está relacionada com todas as coisas e considerará a beleza corpórea como pouco
estimável.

Depois destas considerações, é para os conhecimentos científicos que o guia dirigirá a


seu discípulo, afim de que ele possa agora perceber a beleza que existe nesses
conhecimentos. Lançando o seu olhar sobre a vasta região já ocupada pela beleza,
deixando de ligar, como um lacaio, a sua ternura uma única beleza, - a de uma jovem, a
de um homem, a uma única beleza, - o discípulo liberta-se desta escravidão, deixa de ser
ente miserável. Ao contrário, volver-se-á agora para o oceano da beleza e, contemplando-
o, dará à luz incansavelmente belos e esplêndidos discursos" (Simpósio 210 a-e, trad.
Paleikat).

180. Avaliação dos graus de beleza e estilo. A propriedade que exerce a categoria da
qualidade, se estabelece com graus, o que permite tomar como legítimos todos os graus
de beleza.

Duas perspectivas se apresentam para examinar: estabelecer o princípio de que há um


grau absoluto supremo, em função do qual se estabelecem graus, e determinar quais são
estes graus. Mais especificamente: estabelecer o princípio de que há um grau supremo do
belo, e determinar quais são os graus do belo.

Avaliar, ou valorar, é medir e comparar. Preocupa-nos agora medir os graus de beleza, o


que se faz comparando-os com um modelo admitido como absoluto.

Somos levados espontaneamente a fazer comparações quando os graus efetivamente se


apresentam. Mas por causa do fato de os graus afetam diferentemente aos gostos dos
indivíduos, nos deixa perplexos, e ficamos a perguntar se haveria mesmo um termo
absoluto, em função do qual se mediriam os diferentes graus. Suposto o metro (como
padrão absoluto de medida), as demais dimensões se denominam em função dele. Por
isso, as dimensões ficam sendo necessariamente, - ou iguais, ou menores, ou maiores.

Eis o que se pergunta, quando se requer um absoluto para a avaliação ou medida dos
graus entre si comparados.

Nas cinco vias, ou cinco provas da existência de Deus, que Tomás de Aquino deu como
as únicas provas válidas , está arrolada como quarta via a que se fundamenta no princípio
de que os graus de perfeição requerem um grau máximo. Ora, há efetivamente graus de
perfeição; logo, existe o grau máximo, a saber, Deus (S. Tomás, Summa Theologica, I, q.
2, art. 3, corpus).

O princípio de que os graus supõem um grau máximo, considerado importante para a


validade de uma das provas da existência de Deus, o é também para a estética, bem como
do tratado do belo em geral. Se o belo apresenta graus, há um grau absoluto de belo.

Uma vez aceito o valor absoluto de comparação, a marmita, de que se ocupa um diálogo
de Platão, não é bela antes de tudo porque mais perfeita entre outras marmitas singulares
da mesma espécie; é bela a marmita enquanto comparada com um termo absoluto, ao
qual realiza pelo menos em parte. Nem a donzela, ou virgem, é bela apenas enquanto
comparada com o símio, e feia quando a comparação se faz com a deusa.

Há uma inferioridade da donzela diante da deusa. Mas neste caso ocorre um outro modo
de comparação, a dos dois termos absolutos, o da virgem como tal e o da deusa como tal.
Efetivamente, pode uma virgem ser perfeita, como "esta" virgem... E uma deusa poderia
ser imperfeita como "esta" deusa. Em tal outra hipótese a virgem satisfaz ao seu termo
absoluto de comparação e a deusa não ao seu respectivo.

No diálogo Hípias maior, de Platão, se manipulam pontos de vista, ora absolutos, ora
relativos, de maneira a ocorrerem os sofismas que lá o mestre da Academia procurou
desfazer, derrocando o contendor,.

Há, portanto, uma perfeição que se diferencia de essência para essência e outra que se
diferencia nos indivíduos dentro de uma essência. A diferenciação, que vai de uma
essência para outra, ocorre, como quando comparamos, por exemplo, a essência de
macaco e a essência de homem. Nesta hipótese o mais belo dos símios é sempre inferior a;
qualquer indivíduo humano. Entretanto, no interior do quadro de uma essência, podem
ocorrer realizações desde o indivíduo menos acabado, até aquele que exaure as formas de
sua respectiva essência arquétipa. Neste sentido definiu Aristóteles:

"Chama-se perfeito, o que nada pode superar em seu gênero (Met. , 1021b 12).

182. Estética absoluta e estética relativista. A questão dos graus de perfeição nos leva a
discutir e ter que decidir entre uma estética absoluta, com um termo arquétipo máximo, e
uma estética relativista, sem outra referência, que a eventualidade.

Não houvesse um termo máximo, os graus não se poderiam fixar de maneira definitiva
em seu valor. Nada teria um padrão absoluto para nele se medir. Algo que fosse belo, o
seria apenas porque superior a um grau anterior. Ainda assim não se poderia estabelecer
como belo senão de maneira muito relativa. Pela mesma razão que fosse belo, por
ultrapassar um ser inferior, poderia ser feio, enquanto ultrapassado por um ser superior. E
assim nada seria verdadeiramente belo e nem feio mas tudo relativo.

O ponto alto das grandes filosofias está ali onde conseguem explicar como o singular se
coordena sob o universal e absoluto. O relativismo, produto do empirismo, não vê liames
a unir os seres particulares entre si; quando os parece enxergar, como sucede com o
positivista, não faz senão filosofia incoerente a um autêntico empirismo. Por isso não
pode ir além de uma estética relativista.

A filosofia clássica, como se formulou em Parmênides, Platão,

Aristóteles, Tomás de Aquino, e depois ainda continua nos modernos Descartes e Leibniz,
admite princípios universalmente válidos, a comandarem com anterioridade a
constituição das coisas concretas contingentes. Tudo quanto surge, somente aparece
dentro dos esquemas impositivos das essências absolutas e imutáveis.

Tais doutrinas supremas repercutem imediatamente para dentro da estética do belo. Nada
seria belo apenas porque eventualmente se realça com maior volume sobre outros graus
de ser inferior. Antes desta comparação algo já é belo enquanto se realiza dentro de um
esquema absoluto, em que os graus de realce não se medem primeiramente entre si, mas
em função de sua aproximação com o termo arquétipo absoluto.

Em função ao que expúnhamos, quando tratamos do belo como verdade ontológica (vd),
o ideal absoluto existe.

Suposto o absoluto, supostos os graus de beleza, ocorrem ainda detalhes sobre a


influência do absoluto na avaliação do belo nos graus que apresenta, os quais também
merecem ser considerados.

183. Não podendo os graus do belo oscilar desde que ocorra um termo absoluto de
comparação, a diversidade das apreciações feitas pelos humanos, se deve atribuir à
subjetividade dos manifestantes.

Há ainda uma subjetividade direta e desejada, a artística. Neste sentido, adverte-se que a
arte é manifestação em obra sensível, a partir da qual exprime seu objeto. Transformou-se
então aquele material sensível de acordo com o que lhe foi dado exprimir; a função que
recebeu para exercer poderá não coincidir com a mais bela entre as formas. É por isso
que a obra poderá ser eminentemente perfeita como arte, e não ainda como simples
entidade absoluta de matéria. Pode a arte inclusive buscar a representação do feio.

O belo da perfeição artística independe daquilo que representa e daquilo que é


representado.

184. O belo também se limita quando algo se exerce como parte dentro de um todo, ao
qual obedece. As partes enquanto se proporcionam e se ordenam em um todo, devem
comportar-se em função à totalidade, o que resulta em limitações para as partes em si
mesmas. Um porta se subordina ao todo da sala. Um cantor se coordena ao coral. Um
tambor isolado talvez não valha o que representa integrado em uma banda de música.
Como a grandeza de um exército sob comando se mede pela despersonalização do
soldado, o todo belo se realiza plenamente com as partes perfeitamente subordinadas ao
conjunto. Então as partes se limitam necessariamente e de modo justificado.

E assim asseveram alguns filósofos que até o mal concorre para o realce do bem, como o
feio do belo. Não obstante, o fim não justifica os meios. Não se permite o mal e o feio
para destacar o bem e o belo. O destaque que dão ao bem e ao belo, o dão apenas
acidentalmente. Além disto o dão apenas nos casos particulares. Como um todo, o bem
absoluto e integral é superior ao bem ao qual adere algum mal. Igualmente como um todo,
o belo absoluto e integral é superior ao belo ao qual polui alguma coisa feia.

185. Avaliação subjetiva e histórica dos estilos. Variam os gostos, apesar da ordem
objetiva imutável. É que a apreensão do apreciador se concentra em distintos aspectos,
com a consequente diferença de gostos, porque baseados em motivos também distintos.
Assim sendo, todos apreciadores têm subjetivamente razão, ao se diferenciarem nas
opiniões e gostos. Aparentemente pelo menos, a razão está mesmo com Protágoras,
quando dizia ser o "homem a medida de todas as coisas".

Mas se a atenção se tornar crítica, de sorte a se atender a todos os aspectos de um mesmo


objeto, os efeitos estéticos já não poderão diferenciar-se muito. A partir desta
consideração, a variedade dos gosto não resulta tanto da diversidade intrínseca da
estrutura psicológica dos indivíduos, mas de diferenciação de cultura, de educação.

A diversidade na apreciação parece mesmo fundar-se principalmente na atenção


diferenciada às coisas. Uma simples desatenção faz a mesma pessoa mudar de opinião e
apreço. O estudo aponta para novos aspectos subtis. O ignorante é incapaz de atender a
um grande número de elementos e se reduz ordinariamente às sensações mais evidentes,
como a cor em geral e não às suas cambiantes e sugestões. Mas eventualmente o
ignorante poderá subtilizar sua atenção no exercício de uma eventual profissão. O homem
selvagem tem audição acurada às necessidades da vida na floresta, e muito pouco sabe
cantar.

O hieratismo da estatuária egípcia talvez fosse acertado até um momento de sua história,
porque a preocupação se concentrava antes na majestade da dimensão. Na Grécia clássica
a mesma tradição estatuária se transformou imediatamente em expressão de vida e graça,
atenta certamente a outros ideais.

Através da história se fixaram certos tipos fundamentais de estilo, marcando que, apesar
das ;divergências, ocorrem denominadores comuns na apreciação. A filosofia poderá, por
obra do esforço especulativo, determinar estilos e graus de beleza ainda não realizados.
Pela filosofia todos os graus são determináveis, como a numeração indefinida. A história
apenas fixa aquelas formas que se fixaram como preferidas. É também possível que o
mais perfeito dos estilos não tenha ainda podido se manifestar integralmente.

186. Alternância cronológica dos estilos. As realizações históricas dos estilos se têm
processado com alguma oscilação. De maneira geral, as oscilações marcaram, ora
preferência pelo equilíbrio harmônico, ora pelas modalidades bruscas das formas. Se
dermos ao clássico o sentido amplo de harmônico e absoluto, ao romântico a acepção de
forma brusca e individual, podemos dizer que o clássico e o romântico são aquelas duas
maneiras fundamentais da oscilação dos estilos.

O clássico domina no 4-o século a.C. entre os gregos, inaugurando a primeira grande
manifestação da arte, sem precedentes até então.

Retorna o classicismo no auge do Império Romano ao tempo de César Augusto.

No 9-o século dos medievais encontra-se o classicismo novamente vivo no chamado


estilo românico, ainda que não se estabilize e nem alcance o antigo destaque.

Uma possante Renascença no curso dos séculos 15 e 16 marca um helenismo


humanístico em contraste com o ascetismo cristão.

Mais uma vez, na volta de 1800, surge o clássico, sob a denominação, sob a denominação
de neoclassicismo e derivações chamadas acadêmicas.

Por último, Um neoclassicismo também se pode notar em alguns ritmos da arquitetura


moderna, apesar de sua inspiração predominantemente romântica. A poesia parnasiana
foi também uma renovação classicista.

Nos entre-espaços ocorreram as mais diversas modalidades de estilos não clássicos, em


que o propósito consistia na fuga do universal e do absoluto, em troca do singular, do
eminentemente concreto, do brusco, do contingente, do histórico. Em tal contexto tinham
lugar particularmente os objetos sensíveis, os sentimentos, a imaginação.

Já na antiguidade pré-clássica dos gregos se podem observar diversas formas de estilo


desta outra natureza.

No período helênico, inaugurado por Alexandre Magno, prevalece um moderado


naturalismo e o realismo, que reproduzem a natureza e realidade, sem insistência nos
absolutos.

O estilo gótico dos medievais representa uma das formas mais peculiares da fuga da linha
harmônica. O linearismo favoreceu a expressão da energia da virtude cristã e da ascensão
mística.

Renova-se a vida na leveza da vegetalidade do barroco e na graciosidade do manierismo.


A ênfase deste estico aconteceu com o rococó de enfeites arbitrários.

Enfim, depois do neoclassicismo de 1800, o romantismo faz retornar os gostos para o


espontâneo, para as formas sentimentais, para um novo gótico medieval, para os
sentimentos nacionais.

Não acontece depois do romantismo uma alternação para classicismo bem definido, ainda
que se viesse a falar em estilos acadêmicos. Sem sair essencialmente do romantismo,
formaram-se diferentes estilos chamados modernos, que vão desde o realismo e o
naturalismo, inclusive parnasianismo e simbolismo, impressionismo e cubismo, até as
extravagâncias do expressionismo, futurismo, surrealismo, abstraccionismo.

Os estilos modernos tem como característica fundamental a distinção entre o estético e o


artístico. É o artístico caracterizado como mensagem infundida em obra sensível.
Cada estilo tem a sua filosofia da arte. Como algumas filosofias talvez não voltem a ter
encantos como no passado, os respectivos estilos talvez não voltem com o mesmo ímpeto.
Por exemplo, o simbolismo do final do século 19 estava apoiado na filosofia espiritualista
eclética, fundada em recursos especiais de conhecimento, como a intuição e similares,
com o que buscava ir mais além do positivismo, do cientificismo, do materialismo.

187. Combinação e composição. A multiplicidade de determinações que concorrem no


mesmo objeto, permite que se lhes dê um tratamento em separado, de sorte a influenciar
o grau de beleza do todo. Tanto isto pode ocorrer nos objetos da natureza, como nas
obras de arte.

Numa tela poderia haver bom desenho, má combinação de cores. Poderia o desenho
realizar-se bem como forma, e contudo não alcançar expressão.

Na música, os sons isoladamente podem ser belos. Sua ordenação rítmica temporal não
depende apenas desta circunstância. Assim também os tons, que sobem e descem na
escala, poderão, independentemente da qualidade dos sons e do ritmo temporal, compor-
se segundo as leis da harmonia.

O escultor poderá atender ao que deseja figurar e esquecer a perfeição meramente formal
dos volumes.

O arquiteto, atento ao principal, constrói no espaço, compondo linhas, planos e volumes,


em função à sua ocupação útil. Poderia não estar atento às cores.

Assim também o literato. Ora atende ao ritmo dos sons articulados, ora ao ritmo das
idéias. Ora faz dos termos a expressão convencional direta de; um pensamento (como na
prosa). Outra vez suas palavras figuram ;imagens e estas vão por sua vez indicar
escultoricamente, por associatividade, as idéias por meio de imagens que se atraem
poeticamente.

O que acontece na arte, ocorre também nas manifestações da natureza. A combinação das
cores se apresenta geralmente muito cuidada nas flores. Mas, em detrimento parecem
menos realçadas nos desenhos, porque excessivamente simétricas.

O corpo humano, de volumes bem formados em suas partes isoladamente consideradas,


também incorre em simetria notória, em que a cada parte da esquerda corresponde uma
outra à direita. Por este motivo os escultores quebram a simetria binarista da natureza,
fazendo avançar ora um pé mais que outro, ora curvando o busto para um dos lado, ora
inclinando a cabeça mais para a direito, ou mais para a esquerda.

188. Simetria e assimetria. Tende a natureza para a simetria e a esteticidade para a


assimetria, mas sem rigidez, nem num caso, nem noutro.

O fenômeno da simetria da natureza ocorre em geral por causa do binarismo das forças,
quando em equilíbrio. Todo o prevalecimento de um elemento sobre outro, incorre em
movimento, mas que tende a um novo reequilíbrio. Nos conjuntos maiores,
fundamentalmente sempre binários, estabelecem-se algumas assimetrias, por causa
de interferências nos reequilíbrios.

As células, em princípio redondas e formando com as primeiras redivisões indivíduos


arredondados, tendem a diferenciações. Um dos dedos da mão, o polegar, deixou de se
redividir, e por isso em vez de 6 dedos são apenas cinco. O corpo do ser vivo, se
redividiu, de sorte a ser igual à esquerda e à direita. Mas não se redividiu do mesmo
modo em baixo e em cima, ocorrendo pois a assimetria de baixo para cima.

A esteticidade é, portanto, favorecida pelos reequilíbrios diferenciados por obra de


interferências da natureza. Não fossem estas interferências, seriamos todos como formas
com a figura de bolas.

O índice desejado de diferenciação é de pelo menos de 1 para 1,50. Nos experimentos de


Fechner, as preferências são marcadas pela figura de 1x1,66cm. Parece, portanto, que a
natureza binarista criou a simetria, deixando à espontaneidade do indivíduo tomar as
posições estéticas. Mas coopera a natureza algum tanto com suas interferências.

Explica-se a interferência na simetria pelo fato de que a natureza não é apenas um


sistema binarista. Ela se constitui também num todo maior.

Vistos os elementos como partes de um todo maior, surge o princípio da ordem e


proporção. É pela ordem e proporção que as partes se tornam partes. Sem a ordem e a
proporção não seriam partes e viriam em detrimento do todo.

Nos todos morais a relação entre as partes é menor, ocorrendo então um afrouxamento da
relação de ordem e proporção. É o que acontece na sociedade e também na composição
artística.

Na arte abstraccionista a composição artística procede pela aparente desatenção a alguns


dos elementos, os quais estando compulsoriamente no todo moral, não devem ser levados
em conta.

O mesmo fenômeno do todo moral, com desatenção a certos elementos naturais, ocorre
na arte por equivalentes convencionais. Na linguagem, que é um sistema de equivalentes
convencionais, vale em princípio a convenção, esquecida praticamente a sonoridade
musical da voz.

No plano arquitetônico, estilo funcional é aquele que se ocupa tão somente com as
formas necessárias, conduzindo às demais a um instante neutro. Mas nem aqui deixa de
ocorrer o todo moral, embora alguns elementos sejam desconsiderados.

§ 3-o. O belo e os seus similares. 0764y189.

190. A terceira propriedade da qualidade é admitir a semelhança. Eis a característica, que


ocorre apenas com a qualidade. Admitido que o belo seja uma qualidade, resta a pergunta,
- quais os similares do belo? Sabedores que a qualidade possui similares, o belo deverá
consequentemente tê-los também.

Seja relembrado o texto de Aristóteles: "Enquanto que nenhum dos caracteres que
vínhamos mencionando é exclusivo da qualidade, o semelhante e o dissemelhante se
dizem unicamente da qualidade. Uma coisa é semelhante a uma outra por nada diferente
do que por aquilo em virtude de que ela é qualificada. Disto resulta que o próprio da
qualidade será de se ver atribuir o semelhante e o dissemelhante" (Categorias, 11a 15).

Dizemos que as coisas são semelhantes, quando conferem entre si em alguma


determinação, que se encontra em cada uma das mesmas.

As coisas belas se assemelham às coisas belas, e se desassemelham das que não o são,
isto é, das que são feias, por motivo de algo que se encontra nelas.

A relação entre a qualidade e a sua semelhança se diz de causa formal e de efeito formal.
Isto quer dizer que o efeito, ao ser produzido se mantém na própria causa como uma sua
perfeição. Não tem o efeito formal o aspecto dos efeitos na ordem da causa eficiente, que
se distanciam da causa.

A qualidade atua diretamente no sentido de diferenciar as coisas entre si. Ela faz que a
coisa seja uma qual e qual coisa. Aliás, neste sentido, toda a essência é
fundamentalmente uma qualidade, enquanto vista como diferenciadora das coisas entre si.

Ainda que as outras determinações categoriais, por exemplo de quantidade, sirvam de


base para a diferenciação dos seres entre si, estas outras determinações, enquanto
diretamente consideradas, não são qualidades.

Mas, uma coisa pode ter a qualidade de ter quantidade. Ou ter a qualidade de ter
qualquer das outras categorias de ente.

Efetivamente, um corpo, além de sua determinação quantitativa, tem a qualidade de ser


quantificado. Em função a esta qualidade é que se diz que uma quantidade é igual, ou que
difere de outra.

O belo, como qualidade do ser, redunda consequentemente em ter semelhante e


dissemelhante, exatamente como qualidade. Haverá portanto seres que se assemelham
pela beleza, ou por causa dela se desassemelham. As semelhanças e dissemelhanças
então ocorridas se atribuirão diretamente ao belo como qualidade e não ao belo por causa
de outras razões que nele haja simultaneamente.

191. Todo o processo cognoscitivo, como já se tem dito, opera por meio de relações de
semelhança. Os assemelhados se acusam. Na mente a idéia, como assemelhado do objeto
exterior, o acusa conscientemente. Na obra de arte, a forma, enquanto assemelhada com o
tema (quer tema abstrato, quer tema concreto) não alcança consciência do que acontece;
contudo o assemelhado o acusa objetivamente, em razão do que o observador externo (o
artista, ou o consumidor da arte), poderá interpretar aquela expressão objetiva.

Os indivíduos da mesma espécie exprimem-se mutuamente, na medida que se


assemelham. Não se exprimem naquilo em que diferem. Efetivamente diferem pela
individualidade. Por causa desta individualidade a expressão de um em relação ao outro
se dá apenas objetivamente.

No teatro, por mais que o ator personifique o personagem, não o faz senão objetivamente.

Somente Deus, enquanto conceituado como forma não individualizada dentro de uma
espécie, é a expressão de todas as coisas. Em consequência Deus, por natureza, é o
universal conhecimento de tudo. Deus é, - como disse Aristóteles, - pensamento de
pensamento.

As coisas belas exprimem-se mutuamente, na medida que as belezas forem iguais.

Na gnosiologia de Aristóteles o objeto próprio do pensamento é o ser sensível concreto,


apreendido embora abstratamente. É o ser da cor, o ser do som, o ser das plantas, e assim
por diante. O sentido vê a cor; a inteligência atinge o que a cor é (em termos de verbo
ser). E assim em qualquer coisa, há uma diferença no objeto formal atingido. Enquanto o
sentido vê, ouve, toca o belo, a inteligência atinge o que o belo é.

Tudo se dá no plano da qualidade, enquanto tem o seu semelhante.

Importa ainda advertir que a qualidade se reduz ao plano da essência, e não da existência.

O conhecimento se dá no plano da essência (qualidade fundamental) e não da existência.


Por isso, o pensamento atinge claramente as qualidades, confusamente a existência.

Claro é o belo. Confuso é o fato empírico.

Este, - o fato empírico é confuso, apesar da nitidez aparente do sentidos, porque o fato diz
respeito quase só à existência. O conhecimento empírico se mantém praticamente no fato
como existência, e somente adquire significado pleno quando combinado com a
inteligência que o penetra como essência.

192. A teoreticidade é uma importante propriedade que o belo apresenta enquanto capaz
de se exercer como objeto de conhecimento.

Aliás todo ser é cognoscível, porque admite alguma semelhança, ainda que parca e
analógica. O belo, porém, não é dos aspectos do ser, que sejam dos menos aquinhoados.

Fosse o belo algo que não fosse qualidade, não teríamos dele uma aproximação tão
significativa. O belo se mostra sempre claro e contundente. Basta que exista, para que o
percebamos prontamente.

Ainda como qualidade, é qualidade eminente. Por esta razão, ou seja, pelo seu volume
ontológico, o belo atrai a atenção da mente, resultando em instrumento de curiosidade.

Não têm fundamento as orientações estéticas que põem mistérios na percepção da beleza.
Objeto sempre claro, o belo se apresenta algo eminentemente teorético.
Sempre em disponibilidade para se deixar ver, o belo não usa vestido. O belo não é como
uma dama esquiva. O olhar da beleza não é melindroso. Mas aberto como o da donzela
franca e perfeita. O belo não é apenas a deusa venusta. O belo também é Apolo.

193. A esteticidade do belo decorre da teoreticidade, a qual por sua vez decorre da sua
condição de ser qualidade e ter semelhança.

É difícil entender a atividade conjunta da inteligência e vontade, porque em concreto


como que se confundem. Todavia os objetos são distintos, e por isso também distintas
são as duas faculdades.

O que é próprio para ser contemplado pelo inteleto, a vontade o aprecia como um bem
em favor daquela faculdade; enquanto assim aprecia o belo como um bem teorético da
inteligência, a vontade se aquieta sentimentalmente. Neste estado psíquico consiste a
esteticidade como estado psíquico.

Importa atender o significado do bem, como sendo o que convém do ponto de vista de
entidade como existência.

Ao entender o objeto, a inteligência se realiza especificamente como conhecedora; mas


ao mesmo tempo a inteligência se realiza como entidade, convindo-lhe pelo conhecer
realizar-se também como existência. Eis o que busca a vontade para a inteligência;
quando o consegue, o fato repercute como estado psíquico, ou afetividade, que agora
denominamos esteticidade.

A ciência em geral produz satisfação, enquanto teoreticamente atende à inteligência. Mas


sobretudo a beleza agrada ao ser conhecida, porque apresenta o objeto com mais ser,
portanto como ser em destaque.

194. A semelhança pode dar-se entre os graus de beleza. Então a semelhança e a


dissemelhança oscilam com a aproximação e o afastamento dos graus.

Observando as coisas concretas e que sejam belas, assemelham-se, ao mesmo tempo que
se desassemelham, enquanto estão mais próximas ou mais distantes do belo ideal.

Também poderá ocorrer a semelhança para fora da área do belo. Em sendo uma noção
analógica, o belo se predica de algum modo de todos os seres, enquanto eles são entes.

A partir do lado de fora do belo, que coisas mais se assemelham ao belo?

São os demais modos gerais do ser, mas sobretudo o modo denominado verdade
ontológica (o verum), do qual diretamente deriva o belo.

Por isso, embora por analogia, poder-se-á dizer enfaticamente, - o belo é a verdade.

A seguir, igualmente por analogia, dir-se-á, referindo-se aos demais modos gerais do ente,
- o belo é o bem, o belo é a unidade. Nesta direção se encontra o sentido da expressão de
Santo Agostinho, - "a unidade é a forma de toda a beleza" (De vera religione, c. 41).
Por analogia de atribuição, em função às causas e condicionamentos que dão origem à
situações belas, admite-se finalmente dizer, - o belo é a saúde, o belo é a riqueza, o belo é
a juventude.

Pelos seus efeitos, o belo ainda se define descritivamente, - o belo é a esteticidade, o belo
é a doçura, o belo é a alegria, o belo é o preferido.

Pelos objetos em que se encontra, diz-se, - o belo é a natureza, belo é a consciência moral
dentro de mim (Kant), o belo é o céu estrelado sobre mim (Kant), o belo é o verdadeiro
Deus, pensamento de pensamento (Aristóteles).

CAP. 3-o
O BELO NAS COISAS. 0764y195.

(O belo materialmente)

196. Mais agradável é conhecer as coisas que são belas, do que indagar pela mesma
essência do belo e entendê-lo.

Efetivamente nos é fácil e muito agradável ver coisas belas, como o ouro, a flor, a mulher
elegante, as nuvens em manhãs jubilosas, ou o sol surgindo vitorioso após a tempestade,
ou ainda o céu estrelado e a consciência ornada com a lei moral.

"Duas coisas enchem o ânimo de crescente admiração e respeito,


veneração sempre renovada,
quanto com mais frequência e aplicação,
delas se ocupa a reflexão:
por sobre nós o céu estrelado;
em mim a lei moral" (Emanoel Kant).

Indagar, porque as coisas são belas, é tema dos eruditos, os quais se ocupam em escrever
tratados. Vê-las, é próprio de todos, mesmo dos homens simples.

Não obstante, o saber erudito sobre o que o belo é, também ajuda a ver cada vez melhor o
belo e a apreciá-lo sempre mais.

Por isso importa ingressar neste estudo, para ultrapassar a simplicidade.

A nova perspectiva colocada sob exame, - o belo nas coisas, ou seja, as coisas que se
exercem como belas,- é uma perspectiva material, porque já não se ocupa com o aspecto
formal, isto é, da especificidade ou essência em si mesma do belo.

Havendo tratado anteriormente o ponto de vista formal do belo (de que acabou de se
ocupar o 2-o capítulo), passamos ao ponto de vista material. Usualmente o oposto
de formal se diz material.

Ainda que material se possa dizer oposto à espiritual, também admite semanticamente o
sentido de complementar à formal.
Paradoxalmente, quando se trata do belo materialmente, inclui-se o belo do espírito.
Neste modo de conceituar, as coisas espirituais, quando vistas sob a perspetivas de
portadoras do belo, se dizem paradoxalmente matéria, frente à forma determinante.

Semelhantemente, em outras áreas da especulação, falamos em movimento do ponto de


vista material, no sentido de as coisas que se movem; do ponto de vista formal, o
movimento não é a coisa que se move, mas uma determinação mui peculiar em virtude da
qual a coisa se desfaz de seu lugar e forma um novo lugar para si, aliás um fenômeno
difícil de esclarecer.

Cuidando agora da matéria em que está a beleza, tratamos quase mais das coisas mesmas,
do que daquilo que as torna belas.

197. Didaticamente, importa uma certa ordem sequencial no tratamento do belo nas
coisas. Em vista de estar o belo de algum modo em todas as coisas, podemos considerá-lo
pelas diferentes categorias de ser a que elas pertencem.

Neste sentido importa primeiramente uma preliminar sobre as categorias de ser (Art.1-o).

A seguir passa-se ao exame do belo na categoria da qualidade por tratar-se da que é mais
atingida pela questão do belo nas coisas (Art. 2-o). Finalmente há a examinar o belo nas
demais categorias de ser como o belo na substância, o belo na quantidade, o belo no lugar,
o belo no tempo, o belo na ação, etc. (Art. 3-o).

ART. 1-o. PRELIMINAR SOBRE O BELO NAS CATEGORIAS. 0764y197.

198. Invade o belo todas as categoria de ser. Por isso passamos a arrolar todas elas, para
determinar de que modo por toda a parte a beleza se distribui, como que estabelecendo
seu jardim de variedades.

Para apreciar sistematicamente esta variedade material de seres atingidos pelo belo,
importa atender à existência de um quadro de categorias, como ainda considerar que as
categorias superiores se instalam como arquétipos das inferiores, e estas dos seus
indivíduos.

199. As categorias. Em princípio, os seres concretos são indivíduos. Somente os


indivíduos são reais, já advertiu Aristóteles, contra Platão, que admitia universais reais,
fossem as noções de espécie e gênero, fossem noções eminentemente abstratas.

Tendo algo em comum, os indivíduos formam categorias, denominadas espécies, como


por exemplo homem.

De novo estas, - as espécies, - se coordenam em gêneros, como por exemplo, animal, em


relação à bruto e homem.
Continuam também estes a se ordenar ainda em subgêneros, e finalmente em gêneros
supremos irredutíveis. Sobretudo os gêneros supremos se denominam Categorias.

Esta sequência em pirâmide veio a ter o nome de Árvore Porfiriana. A denominação é


uma referência à Porfírio o Fenício, que examinou detalhadamente sua estrutura, em livro
que se fez conhecer por + Æ F " ( T ( Z (Eisagogé = Introdução), cujo título total
é Introdução às Categorias de Aristóteles.

Arrolou Aristóteles 10 categorias supremas, - substância, quantidade, qualidade, relação,


tempo, lugar, posição, ação, paixão, hábito, - tendo cada uma a respectiva árvore
porfiriana.

Ordenada toda a parafernália dos conceitos, o belo nas coisas também passa a poder ser
visto por ordem.

Quer sejam 10 as categorias supremas, quer sejam12, conforme Kant, importa examinar
dentro de uma ordem destas o belo materialmente. Temos, no caso de seguirmos
Aristóteles, que considerar por ordem: o belo na substância, o belo na quantidade, o belo
na qualidade, o belo na relação, o belo no tempo, o belo no lugar, o belo na posição, o
belo na ação, o belo na paixão, o belo na posse.

200. A maneira de haver o belo nas categorias. Não indicam as categorias diretamente
o belo, mas as respectivas diferenciações pelas quais um se diferenciam umas das outras.

Por exemplo, a quantidade diz primeiramente sua indicação quantificadora. Num


segundo momento, esta determinação,- ao ser considerada como uma perfeição, e que
eventualmente pode estar em destaque,- diz-se uma bela quantidade, uma bela proporção,
uma bela simetria, etc.

Além disto, o belo surge através da qualidade (vd 205). Um ser, além de ser quantificado,
tem a qualidade de estar quantificado. Esta qualidade pode destacar-se, e então, a
quantidade também passa a dizer-se bela.

O belo poderá estabelecer-se nos indivíduos concretos, bem como nas denominações
abstratas, como as de espécie, gênero, gêneros subalternos, gênero supremo.

Ocorre, portanto, uma beleza nos indivíduos chamados Pedro, João, José, ou nas
senhorinhas denominadas Marina, Leila e Blumenita.

E ainda uma beleza nas espécies, como em planta, animal, homem, bem como nos
gêneros, gêneros subalternos, gêneros supremos, como substância, quantidade, qualidade,
relação, tempo, lugar, posição, ação, paixão, posse.

201. Arquétipos. As espécies e gêneros são os assim arquétipos, em função dos quais os
indivíduos concretos se dizem belos, à medida que os realizam como modelos; mas, os
arquétipos não são apenas arquétipos, pois vistos em si mesmos, são algo de expressivo e
capaz de se denominar também de belo, em função a um arquétipo ainda mais alto,
portanto, materialmente, o belo o podemos buscar nos indivíduos concretos e nas noções
gerais. Os artistas, ao tomarem por tema o belo, escolhem por vezes o belo
individualizado, outras vezes o belo do tipo arquétipo.

202. Como descobrir as feições exatas de cada arquétipo?

Os escultores clássicos, que atendem ao ideal arquétipo, se tem preocupado


especialmente com o arquétipo do corpo humano. Polícleto, clássico grego, fixou um
cânon. Seu Dorífero, idealizado e viril, sem movimentos paralelos, mas todos próximos
dele, marcando serenidade ao mesmo tempo que vida espontânea, expressa o homem
arquétipo do cânon de Polícleto. Outros cânones surgiram a começar da Renascença e
continuam a aparecer, consciente e inconscientemente.

Os arquétipos, que estão como gêneros subalternos, poderão tomar seus elementos
genéricos aos superiores. Mas, em tudo o mais, a fixação deverá ser direta, dependendo
da descoberta empírica.

São, por exemplo, canonicamente superiores, ao homem, o aspecto matemático, as


relações sobretudo de proporção e ordem. Ainda se reduzem a esta área as considerações
a respeito do ritmo antropológico; os elementos bruscos e os monótonos não oferecem
condições estéticas, em virtude da situação antropológica peculiar do conhecimento
humano.

Tendem certamente à radicalização os cânones que insistem predominantemente a


subordinar os arquétipos subalternos aos superiores.

Tal parece ocorrer com o modelo estético clássico de Leonardo da Vinci, no qual "a
largura do espaço compreendido entre os braços do homem é igual a sua altura". Em
torno se poderia traçar o círculo, mostrando o homem como integrado no universo.

Mais equilibrada é a posição dos que admitem elementos de fixação empírica.


Exatamente, a espécie, naquilo que tem de específico, é autônoma. E como tal, tem de ser
descoberta a partir de dados empíricos.

A espécie, em absoluto, já está fixada; resta descobri-la. Mas, não será a partir de
deduções de arquétipos superiores, que ela se manifestará, pois que os superiores
apresentam apenas aquilo que não é específico à espécie. Apenas a indução nos pode
fazer descobrir um arquétipo. Por meio de tal processo, descobria Sócrates o conceito das
coisas; ainda foi por simples indução que Aristóteles estabeleceu as dez categorias
(predicamentos) do ser: Substância, quantidade, qualidade, etc...

Dr. H. V. Heller cria uma Tábua de Proporções, em que o método foi empírico-indutivo
com milhares de fotografias e de medidas, em que atende inclusive ao esqueleto (H. V.
Heller, Proportionstafeln Gestalt, Viena, A. Schroll; Dürer, Tratado das
proporções; Vignola, Tratado da perspectiva; Daniel Bárbaro, Idem; Fra Luca Paccioli
di Borgo, De divina proportione; Jay Hambidge, Dynamic Symmetry; The greek
vase; Matila C. Ghyka, Esthétiques des proportions dans la nature et dans les arts; Le
Corbisier, Modulor). Hambidge (+1924) encarregou-se de verificar as mesmas
proporções nos desenhos dos vasos gregos inclusive dos egípcios, com vistas a criar uma
classificação material dos seres belos.
ART. 2-o. O BELO NA CATEGORIA DA QUALIDADE. 0764y204.

205. O mesmo belo é uma qualidade, porém transcendental. Ocorrem outras qualidades,
que se reúnem sob o gênero chamado categoria da qualidade; chamam-se
também qualidades predicamentais, visto que em Latim se diz predicamento, o que em
grego leva o nome de categoria.

As qualidades predicamentais, enquanto predicamentais, são predicações unívocas e não


analógicas como ocorre com as predicações transcendentais.

Qualquer qualidade, quer categorial, quer transcendental, se define como aquilo que
introduz no ser um quale, que o faz estabelecer-se como uma tal e qual coisa. Enquanto
assim o faz, a qualidade é aperfeiçoativa.

Entende-se por perfeição, aquilo que acrescenta e completa; ora, a qualidade indica
expressamente esta perspectiva.

Apenas se diferenciam as maneiras de o fazer no transcendental (onde se situa o belo) e


no predicamental (onde se encontram as outras qualidades, pelas quais agora
perguntamos).

206. Classificam-se as qualidades, materialmente, segundo as mais diversas


determinações que forem possíveis arrolar. Qualquer determinação, ainda que não
indique diretamente uma qualidade, pode, sob outro ponto de vista ser considerado como
um acrescentamento, de sorte a surgir como qualidade.

A substância, enquanto expressamente diz substância, é um ser em si, como em seu


sujeito; mas sob outro ponto de vista esta situação admite considerar-se como
aperfeiçoativa; nasce, então, a qualidade de ser substância (a substancialidade).

E assim também a quantidade resulta na qualidade de ser quantidade (a quantificação). E


sucessivamente vão nascendo as qualidades de algo a se exercer como relação, tempo,
lugar, situação, ação, paixão, posse.

Aristóteles ao classificar algumas das qualidades, pôs em primeiro lugar "estado e


disposição", a seguir "potência e impotência", "alteração recebida" à maneira de paixão,
enfim "figura e forma"( Categorias, 8b 27-31).

Acrescenta porém que ainda há outras qualidades, mas que estas são as mais frequentes
(ibidem 10 a 25).

Uma revisão na classificação de Aristóteles deve tentar reduzir as qualidades indicadas às


diferentes categorias. Por exemplo, é claro que forma e figura estão em função à
categoria de "situação". Na verdade, em virtude da situação as partes se situam no espaço
e adquirem a qualidade de estarem situadas como forma e figura. Trata-se, contudo de
uma classificação material.

Sutilmente, penetra a qualidade por entre todas as categorias.

Com finura, precisamos estar continuamente atentos para não confundir a qualidade e as
categorias que a oferecem.

Depois de haver explicado o sentido da qualidade, exclamou exausto João de Santo


Tomás:

"Haec videtur probabillior explicatio in re tam occulta et varia, sicut qualitas est"
(Cursus Philosophicus, logica, p. 10b).

Todavia o filósofo português se houve com maestria no assunto, ainda que não houvesse
conseguido ordenar as muitas espécies de qualidade em uma fórmula aceitável. Colocou
ele as quatro espécies de qualidade como subespecificações, à maneira de árvore
porfiriana.

§1-o. O belo nas qualidades que dizem estado e disposição. 0764y207.

208. Como aperfeiçoativas e portanto belas, destacam-se entre as qualidades as que


levam o nome de estado e disposição, conforme já o advertiu Aristóteles:

"Uma primeira espécie de qualidade pode ser chamada estado e disposição.

Difere o estado, da disposição, nisto que ela tem mais duração e estabilidade.

São estados (hábitos), as ciências e as virtudes.

Efetivamente, a ciência parece estar bem no número das coisas que permanecem estáveis,
e são difíceis de mover, mesmo que se tenha uma fraca aquisição, a menos que uma
grande mudança se produza em nós após uma doença ou por qualquer outra causa desta
índole.

E assim também a virtude, por exemplo, a justiça, a temperança e toda a qualidade desta
espécie não parece poder facilmente ser movida, nem mudada.

Ao contrário, chamam-se disposições as qualidades que podem ser facilmente removidas


e rapidamente alteradas, tais como o calor e o frio, a doença e a saúde, e assim por
diante...

Os hábitos são ao mesmo tempo disposições, mas as disposições não são necessariamente
hábitos" (Categorias, 8, 8 b 25- 9 a 10).

Já como arquétipos, os estados e disposições, - tais como ciência, bondade, doçura, saúde,
doença, - se mostram como apreciáveis ou depreciáveis. Sob estas perspectiva são belos
ou feios.
Mas sobretudo os seres que exercem tais qualidades se dirão belos e feios. O Homem,
como ser vivo, requer a saúde e por isso a beleza se realça quanto mais a tiver, como
também declina na direção do feio à medida que não a possuir.

A beleza temática de Rubens, o grande pintor barroco flamengo do século 17, está
precisamente na saúde dos seus personagens. Luz, energia, movimento, vitalidade,
profundeza de alma, força e titanismo, numa só palavra saúde, eis o belo nos temas de
Rubens.

De Rubens, aprecie-se em Rapto das filhas de Leucipo o vigoroso redemoinho de formas


rolantes de volumes femininos, homens e cavalos.

Aprecie-se o mesmo em Golpe de Lança da crucificação, com as figuras titânicas


expressando uma grande luta de forças maiores.

Até mesmo a atraente Betsabé junto à fonte recebendo a carta de Davi, o santo rei
sedutor, se desenvolve em clima de saúde; reconhece-se a fisionomia de Helena
Fourment, com quem teve núpcias.

Três graças, de Rubens, não é senão a evocação de suas três sucessivas esposas,
vigorosas e salutares.

O estado interior, como qualidade permanente, é visado pelos grandes retratistas, mesmo
pelos fotógrafos mas sobretudo pintores.

O sorriso transitório e superficial (que é disposição e não estado) não importa como
temática de grande pintura e grande arte fotográfica.

Mundialmente famosa é Gioconda, de Leonardo da Vinci, do Renascimento Clássico.


Este retrato de Monalisa, realizado de 1501 a 1505, consegue expressar um estado
interior de peculiar doçura, mediante um ligeiro sorriso que os olhos acompanham.

Gioconda, pela sua adorável jucundidade feminina de mulher já estabilizada, é um


triunfo de expressão artística, sobretudo porque realizado com os métodos da temática
idealizada do estilo clássico, que por isso mesmo tem dificuldade de se libertar da frieza e
monotonia.

Principalmente é um triunfo temático, porque Leonardo da Vinci foi encontrar o tema


certo em uma qualidade de alma, que é estado e não mera disposição, indo encontrá-la no
instante da mais perfeita feminilidade da doçura da mulher. Ali temos, pois, mais um
exemplo de beleza, a saber, a beleza de uma qualidade estável de alma, no instante de
realce.

§2-o. O belo na forma e figura, na ordem e proporção das partes. 0764y209.


210. A forma e a figura se dizem belas, enquanto tais determinações forem vistas como
perfeição, sobretudo quando como operação em destaque. Mas, o que é mesmo a forma,
antes de ser dita belo, e o que é a figura, antes de ser igualmente dita bela?

Depois de haver partes (categorias da qualidade) depois de haver lugar (categoria de


lugar), depois de haver disposição das partes (categoria da posição), resulta haver forma
(categoria da qualidade, em função à posição).

A distribuição das partes no espaço resulta em uma qualidade que leva o nome de forma;
não há forma, sem haver partes que se dispõem no espaço.

Enquanto as partes se dispõem uma em relação à outra, as partes realizam a determinação


chamada "posição". Os seres constituídos de partes, têm por isso, uma posição.

Mas, enquanto as partes se colocam uma por fora da outra, aquele ser se diz ter
quantidade, que se realiza num espaço.

Enquanto as partes se dispõem simplesmente, sem atender as ainda às relações de posição


e de quantidade, assumem a condição chamada lugar.

Ocorre ainda uma distinção entre forma e figura.

Conforme já definido, forma é a disposição das partes no espaço.

Quando esta disposição assume caráter estável, dita natural, se diz figura.

Em sentido inteiramente vasto, forma significa qualquer determinação de elementos; é


quando pode significar até mesmo essência, porquanto esta se imagina ser uma
disposição de elementos, que constituem a coisa.

220. O belo na forma e figura, como já se advertiu de começo, se diz quando forma e
figura se exercem como algo perfeito, participando por conseguinte como uma
determinação do ser. Em tal condição, belas é a forma, porque enriquece o ser com as
suas disposições no espaço, e bela é a figura, porque, além das disposições no espaço, as
dispõem de maneira estável.

Como arquétipos, as formas e as figuras modelam as coisas cujas partes se hão de


distribuir no espaço. Informes e desfiguradas, as que não se modelam por eles, se
exercem como feias.

221. A multiplicidade das partes, na forma, exige uma ordem e proporção. As coisas que
obedecem à ordem e à proporção se dizem belas, na medida que esta determinação
constitui perfeição.

A proporção e a ordem em si mesmas não são o belo, mas o são, como advertimos,
enquanto dizem perfeição.
Afasta-se com esta advertência a afirmativa estóica e positivista em geral (vd 223), de
que o belo seja a ordem a proporção. Não se pode confundir a matéria do belo, com o
mesmo belo. As coisas são belas, mas não enquanto são tais coisas. Nem o ouro é o belo,
nem a virgem, como já se dizia nos diálogos de Platão. E assim também a ordem e a
proporção constituem a coisa bela, e não o mesmo belo.

222. Considerando que a ordem e a proporção se dizem apenas dos seres compostos, que
obedecem consequentemente a uma disposição de partes, deve-se admitir que o belo não
se define como ordem e proporção, senão sob esta perspectiva particular do ser composto.

Ainda aqui há uma restrição fundamental a fazer. A ordem e a proporção se definem


como determinações que se situam no plano das categorias; nestas condições trata-se de
noções estratificantes, que não se diluem para fora do conteúdo univocamente indicado.

Por outra via ingressa a beleza na ordem e na proporção; uma nova determinação, que
não se confunde com a mesma ordem proporção, vai fazer que a ordem e a proporção
sejam belas. A ordem enquanto perfeita, diz-se uma ordem perfeita. E assim também a
proporção, enquanto perfeita, se diz uma proporção perfeita. A ordem e a proporção, ao
se realçarem, por motivo da perfeição, se dizem, então, belas. Por conseguinte, o belo
surge na ordem e na proporção sob a mesma perspectiva de como aparece nas demais
qualidades e seres.

Explica-se porque facilmente se confundem o belo com a mesma ordem e proporção. É


que, sendo a ordem e a proporção duas qualidades mui visíveis, nelas sobretudo
resplandece a beleza. E então uma grosseira materialização nos faz confundir o belo com
a mesma ordem e proporção. Somente se admite dizer que o belo é o ordem e a
proporção se com esta definição pretendemos aquilo em que ele se materializa, sobretudo
em que mais vezes se manifesta.

É bem claro que o belo não se define, nos seres simples, como ordem e proporção.
Também nos seres compostos, onde há vez para a ordem e a proporção dos elementos,
esta ordem e proporção constituem qualidades categoriais, que em si mesmas ainda não
são o belo.

Também nos compostos, o belo não se define como ordem e proporção das partes. Em
sendo noções categoriais (predicamentais) não podem definir a beleza. Mas o belo está na
ordem e na proporção, quando perfeitas e em realce, portanto sem se identificar com a
mesma ordem e proporção.

223. A ordem e a proporção como essência do belo, foi própria das definições dos
estóicos, como se vê em Cícero (Tusculanas 4,3).

Plotino reagiu polemicamente, denunciando a definição:

"Todos afirmam por assim dizer, que o belo é a simetria das partes, uma em relação às
outras e em relação ao conjunto; a esta simetria se ajuntam as tintas; a beleza nos seres,
como de resto em todos os seres, é a sua simetria e sua medida" (Enéada I, 6 Do Belo 1,
20-22).

Ato contínuo tece a crítica, mostrando que a definição atinge apenas o caso particular dos
seres compostos:

"Para quem pensa assim, o ser belo não seria um ser simples, mas somente e
necessariamente um ser composto; além disso o todo deste ser seria belo; e suas partes
não seriam belas cada uma por si só, mas em se combinando para que seu conjunto seja
belo.

Contudo, se o conjunto é belo, faz-se necessário que suas partes o sejam também;
certamente uma bela coisa não é feita com partes feias e tudo o que ela contém é belo.

Além disso as cores que são belas, como a luz solar estariam nesta opinião fora da beleza,
visto que são simples e não obtêm sua beleza da simetria das partes.

E o ouro, como seria ele belo? O clarão que vemos brilhar dentro da noite que o faz belo?

O mesmo acontece com os sons; a beleza de um som simples se desvaneceria; e contudo


muitas vezes, cada um dos sons que faz parte dum belo conjunto, é bela por si só.

Conservando embora as mesmas proporções, o mesmo rosto, ora se apresenta belo, ora
feio; como não dizer que a beleza que está nestas proporções é outra coisa e que é por
outra coisa que o rosto bem proporcionado é belo" (Enéada 1, 6, 1, 25-40).

O importante, ao citarmos Plotino, não é apurar se acertou ao enunciar exemplos; o que


importa foi ter insistido na distinção entre o belo no ser simples e o belo no ser composto.

Em afirmando que o belo já deve preexistir nas partes, prenuncia também a nossa
interpretação racional do ritmo, que põe o belo nas partes individualmente consideradas,
antes que no todo, e que o ritmo somente se desenvolve como ritmo desde que as partes
individualmentes se manifestem. Isto não obsta a que os todos, como no acorde,
adquiram novos valores.

Para a compreensão integral do tema, precisamos também distinguir os todos que se


organizam desde a união da essência, como o ser humano, que reúne substancialmente
alma e corpo, e o todo que se cria por uma união meramente moral ou acidental.

Nesta última hipótese, o afrouxamento de união permite às partes uma notória


personalidade, o que tem de ser levado em conta, visto que então mais se requer a sua
beleza individual. Na música, por exemple, os sons exercem um valor próprio além da
função no todo da partitura. O mesmo ocorre na pintura, em que apreciamos também em
separado as cores e as linhas. Na linguagem elegante, além do sentido que temos em vista,
nos toca particularmente a sensibilidade, a beleza das flexões e da métrica.

§ 3-o. A ORDEM. 0764y225.


226. Ordem, na significação inicial do latim, indicava "pôr os fios na trama". Dali passou
a indicar a ordem em geral. Conserva-se ainda um resto do significado
em urdir e urdidura.

Os termos exórdio e primórdio ainda continuam a sugerir vagamente o início de uma


urdidura de fios e de coisas. Nas expressões ornar, ornamento, adorno também
remanescem delicadas sugestões indicativas da ordem existente no belo.

A ordem é uma necessidade em um todo constituído de partes; eis porque a ordem se faz
um elemento de perfeição, a partir de onde progride para significar beleza.

Efetivamente, há de haver uma relação das partes para o todo, sem o que as mesmas
partes não chegariam a determinar-se como partes, nem o todo como um todo. A fim de
que o todo se faça, é mister que as partes se ordenem para realizar o todo.

A ordem das partes para o todo é uma propriedade (um proprium) e não uma situação
meramente acidental. E uma vez que a ordem das partes para o todo se impõe na
qualidade de proprium converte-se, por isso mesmo, em elementos de perfeição, no
sentido exato de perfeição entendida como norma, idéia absoluta, essência eterna.

"No seu lugar próprio, tudo está bem, tudo é bom, tudo é grande" (Alphonse de
Lamartine, Meditations poétiques, II,v. 56). No seu lugar certo, tudo é ordem, tudo é
perfeito, tudo se destaca, tudo é belo.

227. Função. A ordem das partes para o todo suscita a função. Esta se diz sempre de
uma finalidade que a parte tem a exercer no todo.

Geralmente se diz dos todos acidentais, como os que resultam da obra humana, como da
porta em uma casa, da caneta na mão de quem escreve, da roda no eixo de um carro.

Também, no todo natural se diz que as partes exercem função. Diz-se particularmente
quando estas funções se exercem com especificidade; assim, o estômago tem a função de
digerir, a inteligência a de pensar. Menos usual é chamar de função o exercício
meramente constitutivo, como o pé de mesa é parte da mesa.

Etimologicamente, função origina-se de bhung - com o sentido fundamental indo-


europeu de completar. Dali procede em sânscrito bhungte (desempenhar-se de) e em
latim fungi, functus, functio (desempenhar-se, executar), defunctus (morto, que
completou a vida).

Próximo ao conceito de ordem está o de unidade. Efetivamente, a ordem é a unificação


das partes para constituir o todo.

É próprio de um todo constituído da partes ser uno e não disperso. Sem o uno não haveria
o todo. Por conseguinte, o unidade é a perfeição.

Já os antigos firmavam a função da unidade no acabamento do ser.

Plotino mostra como a unidade resulta da forma; o ser material ao receber a forma,
assume unidade e dali alcança a beleza.
"Ao unir-se à matéria, a forma coordena as diversas partes que devem compor a unidade,
as combina e graças à harmonia das mesmas, produz algo que é uno. Posto que é uno,
aquilo a que dá forma há de ser também uno, tanto quanto um objeto composto possa sê-
lo. Quando este objeto tiver chegado à unidade, a beleza reside nele e se comunica assim
às partes como ao conjunto. Quando a beleza encontra um todo cujas partes são
perfeitamente semelhantes, estende-se uniformemente por ele...desta sorte, os corpos
possam a ser belos graças a sua participação em uma razão que lhes vem de Deus"
(Enéada, I, 6, 2 no fim).

Procede também S. Agostinho por esta via quando define:

"A unidade é a forma de toda a beleza" (De vera religione, c. 41). Não se deve entender,
porém, o uno formalmente como uno, mas como perfeição realçada; só neste sentido o
uno é belo.

Evidentemente a unidade, mesmo como perfeição, não pode indicar a essência de toda a
beleza, senão de certa categoria de coisas, a saber dos seres dotados de partes, os seres
criados, pois somente tais são capazes de realizar a unidade das partes. Entretanto, não
ocorre impedimento que se considere o uno no sentido transcendental. Neste caso, todo e
qualquer ser é uno, inclusive Deus.

Embora sobretudo os escolásticos do século 13 desenvolvam o estudo das propriedades


transcendentais, começando por Felipe o Chanceler, já os gregos conheceram bem uma
delas como conversível com o ser, - a unidade.

Platão anota a unidade do ser.

Aristóteles sobretudo mostrou esta unidade.

Felipe, o Chanceler, mostrará esta peculiaridade do uno, havendo dado impulso à


investigação na filosofia escolástica medieval.

Passando ao campo das verificações, podemos julgar os estilos em função à ordem ou


unidade, a saber, das partes em relação ao todo.

Na igreja basilical, a torre se justapõe; na gótica ela nasce do mesmo organismo


arquitetônico do edifício; ocorre portanto uma ordenação mais acabada das partes para o
todo no gótico que no basilical. O feitio estirado e estático da basílica já por isso não se
presta para se lhe juntar uma torre; estas como não lhe pertence, e poderia mesmo
construir-se em separado e distante; por conseguinte sob o ponto de vista estético, não
devia tê-la.

Para o gótico, pelo contrário, a torre vem completar e realçar o sentido geral da
construção. A beleza estética das construções renascentistas de antes de 1500 está nas
decorações, ao passo que a das obras clássicas, que se seguem (Bramante, Miguel
Ângelo),está nas mesmas estruturas.

§ 4-o. A proporção. 0764y229.


230. A proporção, eis uma determinação qualitativa de importância para o acabamento
aperfeiçoativo das coisas. Esta qualidade categorial, vista sob mais outra perspectiva, a da
perfeição e realce, eleva a proporção a ser uma bela proporção .

Neste sentido, a proporção é um elemento de considerável influência na determinação da


beleza das coisas. Não basta a perfeita ordem para garantir a um ser o predicado das
coisas. A ordenação das partes em função ao todo requer ainda, - para que este ser
alcance perfeição, - a proporção perfeita das partes entre si.

É que as partes, quando entram na composição de um ser, exercem funções definidas.


Estas poderão ser idênticas para cada parte, outras vezes distintas e mesmo variáveis no
tempo. Em qualquer das hipóteses, as partes hão de exercer seu papel definido, sem o que
não serão proporcionais, em detrimento da perfeição e do belo. Por conseguinte, ocorre
uma distinção entre ordem e proporção; mas são conceitos que se realizam em tempos
sucessivos.

A proporção se diz das partes em relação ao todo (gênero, em que coincide com a ordem)
mas enquanto faz caber a cada parte sua especial função como parte (diferença específica,
que distingue entre si a ordem e a proporção).

Como termo, proporção deriva do étimo latino proportio, composto de pro-portione,


lembrando, pois, a distribuição das funções para as partes.

Portio, derivado do velho reri, significava primeiramente contar, depois julgar.

Dali nasceu ratio, com o sentido de conta, e que depois evoluiu ratio no sentido de razão

Também ratiocinare, significou primeiramente calcular, depois raciocinar no sentido


atual.

Enfim, em composição, através de pro-portione, resultou proportio, -onis, no sentido


atual de proporção, como relação medida entre as coisas.

A função das partes no todo pode ocorrer em muitas ordens categoriais, portanto segundo
a quantidade, qualidade, tempo, lugar, posição, ação, paixão, hábito, com todas as
variante dos gêneros, sub-gêneros, espécies e graus. De acordo com isto se estabelecem
as partes proporcionalmente com maior ou menor quantidade individual, volume, peso,
qualidade, cor, posição, tempo, etc., como enfim vemos ocorrer nas obras de arte. A
ocorrência de tantas ordens categoriais deriva não só na multiplicação empírica de nomes,
mas efetivamente em conceitos distanciados entre si.

231. Regularidade é o termo para indicar a proporção das partes entre si, quando estas
partes se proporcionam como igualdades rigorosamente exatas.

Na sua origem semântica, regularidade se diz particularmente da sequência das partes no


movimento retilíneo.

Aliás, a raiz indo-européia reg- exprime o movimento em linha reta.


Dali os termos latino regere (dirigir em linha reta), rectum (reto), regula (regra de onde
enfim procede regularitas (regularidade).

Opõe-se a regularidade à simetria, que, no proporcionamento das partes, coordena,


embora adequadamente, partes nem sempre iguais; a simetria opera geralmente com
dimensões pares, em que as partes de cada par conferem, mas não os diferentes pares.

"A regularidade como tal consiste geralmente na igualdade exterior, ou, com maior
precisão, na repetição de uma só e mesma figura determinada que confere à forma a
unidade determinante" (Hegel, Estética, I, c. 2, item 1,b).

No processo do ritmo (vd), a regularidade facilita o conhecimento das partes em sucessão.

É que os elementos em sucessão variam apenas em parte, e por isso o elemento posterior
em parte já está conhecido. Por causa desta função facilitadora dos elementos, o ritmo se
torna agradável.

Exerce a regularidade uma função personificadora nos estilos. Para evitar o excesso de
novidade que a mudança constante dos elementos provoca sobre o comportamento
estético do indivíduo, se requer o retorno frequente de motivos a se repetir, quase como
uma tônica.

Dali porque ocorre um compasso no movimento do ritmo a retornar constantemente


sobre si mesmo; um retorno de certas figuras musicais dominante (leit motiv); uma
repetição de certas linhas fundamentais no mesmo edifício arquitetônico. A regularidade,
portanto, exerce uma função definida na composição das partes

232. Simetria é a proporção das partes entre si, de modo a ajustar convenientemente a
igualdade e a desigualdade. "A igualdade associa-se à desigualdade, e a diferença
irrompe através da vazia identidade. Assim nasce a simetria. Consiste ela, não na
repetição de uma só e mesma forma abstrata mas na alternância desta forma com uma
outra que também se repetia; esta, considerada em si mesma, é também determinada e
sempre a mesma, mas desigual da primeira a que se acha sempre associada:
(Hegel, Estética, c. 2., item 1 b.).

Hegel encarregou-se também de exemplificar. Embora valha como exemplo, a figura


arquitetônica que se imaginou, não é de bom rendimento estético.

"Quando, por exemplo, a fachada de uma casa tem três janelas com as mesmas
dimensões e à mesma distância umas das outras; depois três ou quatro janelas mais altas e
separadas por intervalos maiores ou menores, e por fim três janelas semelhantes às
primeiras nas dimensões que as separam, temos diante de nós o aspecto de um conjunto
simétrico. Assim, a repetição e a uniformidade de uma só e mesma determinação bastam
para criar a simetria que exige diferenças de grandeza, de situação, de forma, de cor, de
som, e outras uniformemente" (Hegel, Estética, I, c. 2, item 1 b).

Semanticamente, simetria derivou da radical, indo-européia me-, com a idéia de medida;


dali, em grego, metron (metro) e de onde derivou symetros (simétrico). Semelhante
origem faz com que a denominação se empregue particularmente a propósito de volume e
linhas. Não nos referimos nunca a uma simetria de cores e de sons. Mas o fenômeno
também ocorre ali, e se usa outro termo.

Esteticamente, a simetria por si só produz um rendimento muito limitado; o retorno sobre


uma figura que já fora abandonada paralisa os movimentos em torno dos centros de
simetria. As fachadas dos edifícios clássicos gregos constituem exemplo típico de
paralisação da dinâmica do movimento das colunatas. O exemplo apresentado por Hegel
também é paralisador. Em letras teria esta configuração: ooo000ooo

233. Harmonia, na acepção atual do termo, assume o sentido de proporção das partes,
porém numa plasticidade que indica não somente proporções quantitativas, mas também
qualitativas. Indicamos com este vocábulo as harmonias dos sons, das cores, dos
significados dos termos, tão bem quanto a harmonia das dimensões das formas
arquitetônicas e das linhas do desenho. A plasticidade do termo lhe imprime um caráter
de universalidade abstrata e de delicadeza.

Etimologicamente, Harmonia deriva da radical indo-européia ar-, com o sentido


de juntar, arranjar. Através do seu sentido de arranjar, ou arranjamento procede a
famosa expressão latina ars (arte, maneira de ser). No grego esta radical toma a direção
do sentido de juntar: harmozo (juntar), harmonia (união, acordo, ordem harmonia).
Prontamente se percebe que harmonia possui origem notoriamente abstrata.

Hegel estabeleceu que "a harmonia resulta da relação entre diferenças qualitativas"
(Estética, I, c. 2., item 1, d).

Ainda que a harmonia tenha o qualitativo como seu peculiar, não parece excluir
inteiramente a relação entre diferenças quantitativas.

Aquilo que o termo harmonia geralmente significa é de ordem qualitativa. A harmonia


das partes quantitativas, enquanto harmonia, é uma determinação qualitativa, no sentido
de que as quantidades têm a qualidade de serem harmônicas.

234. Uma série de outros designativos se aponta ainda como capaz de servir à indicação
do belo nos seres compostos.

Equilíbrio lembra antes de tudo a igualdade dos pesos das massas como dos elementos
arquitetônicos no espaço. O termo permite também expressar o que se entende
por equilíbrio das cores.

No caso de consonância, o étimo ainda se mantém às claras. Lembra o acordo dos


elementos sonoros de um todo musical. Por apropriação diz-se também consonância de
dizeres, consonância das cores, consonância dos movimentos.

Concordância (acordo dos corações) já completou sua irradiação semântica, de sorte a


poder significar a harmonia em qualquer qualidade de proporções.

Quanto ao termo artístico, somente significa o belo quando o significado irradia


semanticamente nesta direção. Neste caso, artístico equivale à bem acabado, bem
ajustado, bem ordenado. Encontra-se então no campo do seu
similar harmonia. Interpretado por este caminho, o seu significado seria "arranjado com
perfeição".

Mas nunca artístico equivale ao belo, quando indica expressão sensível de algo, como
tema expresso. Hoje, arte é expressão de algo, não simplesmente o belo. Apenas o seu
adjetivo artístico, em certos contextos pode significar "bem feito", no sentido de belo.

ART. 3-o. O BELO NAS DEMAIS CATEGORIAS DE SER. 0764y236.

237. Independentemente de qualquer classificação adotada para as categorias do ser, e


independentemente do valor que se atribua aos seus conteúdos, importa uma certa
sequência em sua ordem de importância, ao tratar do belo nas mesmas.
Neste sentido, não pode haver dúvida de que tudo haverá de iniciar pela categoria
da substância, prosseguindo até a categoria muito simples que é do ter, ou posse.

§ 1-o. O belo na substância. 0764y238.

239. Seria bela a substância? Há que começar por conceituar a questão.

Entende-se por substância aquele ser cuja determinação essencial consiste em substituir
em si, como em seu sujeito, de sorte a ser ele sujeito de si mesmo e não inerir em outro.
Assim se diz substância uma pedra, um elemento químico qualquer, mas não algo que lhe
adere, como a cor e a forma.

O caráter absoluto é característico da substância, ao passo que as determinações que lhe


aderem serão tudo o mais, menos absolutas. Neste sentido as demais determinações se
denominam acidentes (de accidere = cair junto); dali vem a espacialização imaginosa
com que concebemos a substância (de sub-stare = estar sob). Na verdade, a substância é
apenas determinada pelos acidentes, mas ela mesma é, antes de tudo, algo em si, em
contraste com o que está em outro.

Ainda que as determinações acidentais não possam subsistir senão na substância, a


podem abandonar por supressão, bem como poderão novamente sobrevir. São as
alterações acidentais de quantidade, qualidade, relação, tempo, lugar, situação, ação,
paixão, posse. Em virtude desta substituibilidade, admite-se (no aristotelismo) a distinção
real entre a substância e os acidentes.

Nenhuma substância se faz conhecer diretamente, nem como intuição sensível nem como
mental. Apenas por cálculo raciocinativo calculamos que deva haver substância sob os
acidentes.

Na hipótese dualista, sob os fenômenos psíquicos haveria a substância alma, sob os


corpóreos a substância corpo. Na hipótese monista, uma só é a espécie de substância sob
ambos os fenômenos psíquicos e sob os corpóreos. Num e noutro caso ocorre a
substância.

Que valor tem este cálculo de pura razão?

Para a filosofia racionalista ele tem validade, porque fundado em última instância na
intuição do ser.

Para a filosofia empirista (positivista), somente é válido o que é empiricamente percebido,


e portanto a substância é algo que simplesmente não existe, não passando de um nome,
que serve para classificar.

No campo do racionalismo ocorre ainda a distinção entre realismo e idealismo. Para os


realistas, a idéia de substância corresponde a uma efetiva substância; para os idealistas se
trataria apenas de um conceito sem realidade, todavia não é apenas um nome como no
empirismo.

Na pergunta que fazemos, se a substância é bela, não importa se ela de fato existe. Basta
que a substância, quer como arquétipo, quer como substância individual concreta, seja
objeto de conhecimento. A esta altura ainda, das discussões, os assuntos independem da
querela realismo versus fenomenismo (vd 303).

241. Seria mesmo bela a substância? Distingamos entre a substância como arquétipo e a
substância como ser concreto, individualizado.

A substância concreta será bela à medida que executa em si o seu arquétipo "substância".
Ainda que a intuição sensível não atinja a substância, o raciocínio que a calcula, não pode
deixar de também admitir sua beleza.

Também o arquétipo, enquanto estrato que de algum modo participa do ser, marca uma
beleza. A superioridade evidente da substância sobre os acidentes reside em ter em si, o
seu sujeito. Ora, certamente que exercer-se como sujeito, é algo superior e eminente.
Portanto, a substância é bela, enquanto sobressai sobre as limitações dos acidentes, sendo
mais bela que a cor, o som, etc.

242. Materialmente, dividem-se as substâncias pela maneira como exercem a


prerrogativa de sujeito. Nos seres corpóreos (sem vida) não há qualquer consciência desta
subjetividade; trata-se de sujeitos meramente objetivos.

Nas plantas ocorre um primeiro progresso, porque é fonte imanente de ação. Nos animais
se exerce um conhecimento de "Intenção direta". Finalmente, no ser racional, a intenção
direta se faz acompanhar de uma "intenção reflexa", pela qual se revela o sujeito
expressamente como sujeito de suas atividades.

Neste instante, o sujeito ganha a denominação de "pessoa". Define-se, pois, a pessoa


como um "sujeito racional" (ou supósito racional, ou ainda hipóstase racional).

Comparadas entre si as substâncias, a beleza da pessoa se levanta muito alto acima dos
animais, plantas e seres inanimados em geral.
Em Deus, por definição, há somente substância, visto que nele nada há limitado,
Consequentemente, o belo em Deus é necessariamente substancial.

Nossa conceituação está sendo elaborada dentro do esquema que define o belo como
realce da perfeição. Em tais condições a tese da beleza da substância não pode oferecer
dificuldades. Todavia, para a interpretação baumgarteniana, que faz da beleza um objeto
sensível e verdade confusa, não poderia haver o belo senão no sensível, jamais na
substância, em hipótese alguma em Deus. O que, entretanto, continua sempre inegável é a
superioridade da substância sobre os acidentes e de Deus sobre as criaturas.

243. Quanto à beleza da substância corpórea se manifesta ao mesmo tempo, ainda que
indiretamente, que a forma espacial.

Na arquitetura, a substância aparece nas estruturas visíveis; em vez dos ornamentos


aplicados por aderência, o arquiteto artista busca manifestar sua mesma obra
substancialmente, evitando que o apreciador se desvie na ornamentação postiça.
Caracterizadamente ornamental foi a arquitetura do primeiro renascimento (século 15).
Novos rumos ocorrem, em 1503, quando Bramante constrói o Tempieto de San Pietro in
Montorio (Roma), em que o desenrolar das próprias estruturas é o tema da beleza.
Desaparece a muralha e seus respectivos ornamentos, dando lugar aos elementos de
sustentação, desenvolvendo-se de acordo com a lógica da construção, em colunas, arcos,
arquitraves, cúpula. A Basílica de São Pedro (1506 em diante), em que participam
Bramante e Miguel Ângelo (sendo deste a cúpula) também se desenvolve estruturalmente,
ainda que depois lhe aplicassem ornamentos, ao gosto barroco. É pois o Renascimento
Clássico do século 16, em Arquitetura, o realce da estrutura substancial do edifício. Neste
particular é o triunfo da beleza.

O estilo moderno (século 20) mais uma vez valoriza a estrutura substancial do edifício
tornando-se todavia mui diverso do ponto de vista do estilo, por causa, principalmente,
dos novos materiais e do gosto pela linha indefinida (não clássica).

Como estrutura, atenta ao substancial, a arquitetura moderna está em caminho autêntico.


Os elementos decorativos nascem das próprias estruturas. Os Arranha-céus, as linhas de
estrutura fazem também os ritmos de sucessões contínuas e as janelas os ritmos de
sucessões "discretas" (de espaços separados). Aprecie-se, entre outros, o edifício
"Avenida Central" (Rio de Janeiro).

"Procuro orientar meus projetos caracterizando-os sempre que possível pela própria
estrutura. Nunca baseado nas imposições radicais do funcionalismo. Mas sim na procura
de soluções novas e variadas. Se possível dentro do sistema estático. E isso sem temer as
contradições de forma com a técnica e a função. Certo que permanecem unicamente as
soluções belas, inesperadas e harmoniosas com esse objetivo. Aceito todos os artifícios.
Todos os compromissos. Convicto de que a arquitetura não constitui uma simples questão
de engenharia. Mas uma manifestação do espírito, da imaginação e da poesia" (Oscar
Niemayer).

A beleza física dos corpos humanos ocorre em termos de substância, quando, através dos
elementos acidentais, se revela o específico. O homem se pode apreciar no David, de
Miguelangelo; outra vez a substância do chefe está na cabeça do Moisés do mesmo
Miguel Ângelo. A mulher está em Diana Caçadora (cópia romana de um original do
século 4-o a.C., Louvre), ou também em Nascimento de Vênus, de Botticelli.

§ 2. O belo na quantidade. 0764y244.

245. É a quantidade aquela determinação em virtude da qual as partes de um ser se


distribuem uma ao lado da outra, ou uma fora da outra (partes extra partes) Quantidade é
"aquilo que é divisível em dois ou mais elementos integrantes, sendo cada um por
natureza uma coisa una e determinada " (Aristóteles, Met., 1020a 1227).

O ser espiritual se caracteriza por não se determinar com partes fora das partes,
encontrando-se todo inteiro em cada lugar em que se ponha.

São conhecidos os gêneros subalternos da quantidade; apresenta num primeiro plano a


divisão em partes contínuas (como linha, em que as partes se sucedem sem se
distanciarem) e em partes discretas (em que as partes se sucedem separadamente).

247. Ergue-se agora a pergunta: Seria bela a quantidade? A iniciação se pode deslocar
para as quantidades contínuas e discretas. E num segundo plano, para qualidades
dependentes da quantidade, como forma e figura, ordem e proporção.

Para responder à pergunta se a quantidade é bela, começamos por distinguir entre a


quantidade entre a quantidade como arquétipo e as coisas quantificadas.

É evidente que as coisas concretamente quantificadas serão belas à medida que


obedecerem ao arquétipo. Deverão ter quantidade efetiva, aquelas coisas cujo ideal é
serem quantidade.

Prontamente, a quantidade se combina com a proporção e a ordem. Coisa que for


excessivamente grande, em vez de bela se dirá monstruosa; as palavras deixam repercutir
esta situação como quando se diz homenzarrão, mulheraça, casarão. A pequenez resulta
em mediocridade. No meio está a perfeição (in medio stat virtus).

Isolemos agora a quantidade, como arquétipo. Então, tomada como perspectiva do ser, a
quantidade é, em si mesma, bela. Ainda que a quantidade limite o ser, para poder
dispersá-lo em partes, que se excluem, apresenta um certo grau positivo de ser; em tais
condições se realça, acima do que é o nada. Em tal condição oferece oportunidade a todas
as belezas corporais, também se realça a quantidade acima de certas outras categorias do
ser, como o lugar, a posição, o tempo; sob tal perspectiva poderá ser dita outra vez bela.

Note-se que as primeiras categorias do elenco de Aristóteles(substância, quantidade,


qualidade, relação) se dizem do ser como determinação que não depende diretamente de
uma situação exterior à esta categoria. Diante disto se realçam, em absoluto, sobre as
demais categorias; estas outras, como lugar, posição, tempo, ação, paixão, posse indicam
determinações que somente poderão subsistir enquanto estão para algo exterior a elas
mesmas. Por exemplo, o lugar é a determinação resultante pelo estar dentro ou fora de
algo. Oferece a quantidade a oportunidade para a ocorrência de outras categorias, que se
dizem com extrinsecidade; mas a mesma quantidade não é uma determinação que exija
uma referência para fora de si mesma, para se determinar como quantidade.

§ 3-o. O belo na relação. 0764y250.

251. Relação é aquela determinação em virtude da qual um ser se diz estar para outro.

Ocorrem três espécies de relações: de origem, como de pai para filhos; de igualdade,
como entre duas quantidades que se comparam sendo uma igual ou menor maior que
outras; de semelhança, como entre duas qualidade que se aproximam ou divergem.

Seriam belas as relações? Enquanto as coisas exercem relações, e as exercem com


perfeição e realce, são belas. Quer se trate de relações de origem, quer de tempo, quer de
lugar, quer de posse, estas relações aperfeiçoam e não diminuem a ninguém, mas o
engrandecem por sobre aqueles que as têm mal, ou têm nenhuma.

252. Particular interesse desperta a relação de posse, que se verifica em "pessoa".

A relação prescinde, ao que parece, da circunstância de se exercer como acidente ou


como substância. Em tais condições, no entender dos defensores da Trindade Divina, a
relação de pessoa (que possui a natureza) cabe também no ser perfeito, Deus.

Na relação de pessoa, na doutrina da Trindade Divina, há sutibilidades diversas para


serem atendidas. Como categoria, a relação se distingue realmente das categorias
restantes, mas em Deus não pode haver uma distinção desta particularidade.

Qualquer que seja a maneira de se estabelecer a relação, já se observa que, como


determinação do ser, apresenta aspectos apreciáveis, que a enaltecem e lhe conferem
beleza.

§ 4-o. O belo no tempo. 0764y253.


254. O tempo é a determinação que as coisas recebem enquanto duram. Revela-se a
duração na anterioridade do movimento das coisas que duram e cessam, das coisas que
inexistam e passam a durar. O trânsito de um estado ao outro, visto sem o aspecto da
duração, se denomina movimento; é pois, o movimento uma denominação abstrata de
um aspecto que ocorre em algo mais profundo, a duração.

O tempo e o movimento, à medida que se processam, tiram e põem objetos à


consideração de nossas faculdades cognoscitivas. Este processo provoca o ritmo no
conhecimento. Ocorrendo uma limitação de recebimento de apreensão, o ritmo do
andamento das faculdades se subordina a certos padrões, considerados por isso bons,
agradáveis, estéticos.

255. Seria belo o tempo? As coisas que duram segundo o tempo que lhes é próprio, bem
como o próprio tempo em si mesmo, certamente que são belas. É bom ter duração e a ter
tido sempre, ou pelo menos desde muito tempo. Mais perfeito é ser velho (no sentido de
antigo no tempo) que ser novo (no sentido de haver existido pouco). Velho não é o
mesmo que envelhecido, embora isto quase sempre aconteça.

Como duração, portanto como resistência ao nada e como afirmação na ordem do existir,
é o tempo uma das categorias que mais se aproxima de Deus. O tempo não é uma
percepção empírica. Não conhecemos diretamente o tempo, mas as coisas enquanto se
movem; por isso, mal captamos longinquamente aquilo que mais perto fala de Deus, que
é a mesma duração.

Determinação misteriosa, da qual possuímos vaga sensação através do movimento, é o


tempo a imagem sensível mais próxima de Deus. O tempo é apreendido vagamente como
modo de ser da coisa; é apreendido apenas confusamente como existência.

Quereis pensar em Deus e senti-lo mais perto?

Colocai-vos a sentir as coisas que se movem, mas não o movimento em si mesmo, e sim
as coisas, que, enquanto se movem, revelam que duram.

Pensai na duração como existência que permanece, e não como modo de ser.

Observai a trepidação da vida, que de alteração em alteração, prossegue durando; senti a


vibração do ritmo do tambor que não cessa enquanto conduz a marcha da tropa estrada
além; observai o sol e as estrelas em progressão constante, numa insistência que já vai
pelos bilhões de anos; depois também observai a vós mesmos, o bater do coração
incansável, a recuperação constante das energias, o pulsar incessante das idéias e da vida
em geral. Adverti-vos que a morte não é um desaparecer, mas apenas um recuo das forças,
que de todo não cessam, aguardando uma nova oportunidade de seguir pela estrada do
tempo, que dura. Assim pensando, tereis o mais impressionante elemento sensível que
vos diz o que é a duração, o que vem a ser a eternidade, o que é Deus, firmado como o
contrário do nada, precisamente porque dura sem cessar e plenamente, ainda que não
consigamos entender todo este mistério.
256. Tempo e ritmo. Os elementos em sucessão, a estes os conhecemos diretamente;
podem ser belos em si mesmos e realçados ainda na organização calculada do ritmo.

Portanto, os elementos em sucessão, além de nos revelarem indiretamente o tempo, são


em si mesmos capazes de se constituírem com beleza e agradável ritmo.

Ora entusiástico, ora piedoso, o ritmo sempre fala ao metafísico e ao poeta, da beleza e da
eternidade, se estes (o metafísico e o poeta), forem capazes de ultrapassar a
individualidade dos elementos, tudo concebendo no todo da realidade.

De maneira geral, o ritmo, sob as mais diversas modalidades, se configura como um dos
mais poderosos expedientes da arte.

Constroem-se ritmos os mais diversos: o ritmo de sucessões temporais ou puras,


sucessões qualitativas de sons, de cores, de linhas, de idéias, de juízos, de raciocínios, de
cenas de teatro, de figurações cinematográficas, de modos didáticos de expor, de
maneiras de viver.

As altas construções, particularmente os arranha-céus, proporcionam aos modernos o


espetáculo do ritmo das grandes linhas e o ritmo das sucessividades das janelas.

Por toda a parte é a organização rítmica das coisas que torna a realidade eficiente e
funcional. Ora como arte, ora como beleza, todos os ritmos encantam e arrebatam.

§ 5-o. O belo do lugar. 0764y257.

258. O lugar é a determinação em que a coisa incorre, sob o ponto de vista da


circunscrição em que fica em relação a um "continente". Ou a coisa está dentro, ou fora,
do continente. A moeda está dentro, ou fora da bolsa. Estou em casa, ou fora.

Como determinação da mesma coisa, o lugar não é um vazio para dentro do qual é
empurrada a coisa que passa a ocupá-lo.

Dizemos "exercer presença como lugar", porque nada se coloca em um lugar, mas exerce
o seu lugar. Não é o lugar um algo substantivo, mas determinação da coisa que o exerce.
Nada houvesse, não haveria lugar. Cada coisa carrega o seu lugar, e se for aniquilada,
também se aniquila com ela o seu lugar.

Apesar de definido como um conceito de relatividade, a categoria de lugar contém algo


de absoluto. As sim não fosse, teríamos que dizer, que o mundo não se encontra em lugar
algum.

Como totalidade, o todo não se exerce com nenhuma determinação diante de um


continente maior.

Se nos lançássemos num plano metafísico, de certo modo imaginoso, poderíamos dizer a
propósito do mundo e de Deus: o mundo está dentro de Deus. Ainda: Deus está no
mundo, porque ao mesmo tempo um está no outro, mesmo quando concebidos como
realmente distintos.

Semelhantemente usamos dizer: o mundo está fora e acima do nada. Ou : Deus tirou o
mundo do nada.

Haveria beleza na determinação chamada lugar? Seria belo ter lugar?

As coisas vistas em função do arquétipo lugar, dizem-se belas enquanto se exercem como
tendo lugar. Tê-lo com realce, é possuí-lo em quantidade maior. Ter mais lugar ou
mesmo estar em todo lugar é mais perfeito.

A quantidade material tem as suas partes ao lado das partes e se excluindo mutuamente.
Por isso, mais perfeito é o modo do espírito, que em todo lugar que se encontra, ali está
todo inteiro.

No sistema dualista, difunde-se a alma pelo corpo, estando inteira em cada um de seus
lugares. Deus, por definição perfeito, estaria de modo eminente a exercer sua presença
como lugar.

§ 6-o. O belo na situação. 0764y260.

261. A situação ou posição se assemelha a lugar e sempre a acompanha; metafisicamente


de menor importância, a "situação" permite contudo mais oportunidades para a
manifestação da ordem e por conseguinte da perfeição do belo.

Consiste a situação na determinação assumida por uma coisa em função da outra, sob o
ponto de vista do modo de se haverem as partes de um objeto em relação às partes de
outro. Em relação ao solo, estou de pé, ou deitado. O livro, está aberto, ou fechado. A flor
foi lançada ao solo pela ventania, ou a flor continua pendendo.

A disposição das partes no espaço é a mais notável das situações e que vem dar origem às
qualidades de "forma" e "figura".

Dentro destas, a ordem e a proporção.

Muitas modalidades se permitem às partes de uma coisa em relação às outras. Dali as


variadas oportunidades que se oferecem para a composição da beleza.

Grande apreço damos à situação dos objetos em uma sala, ao modo de se comporem.
Muitas modalidades se permitem às partes de uma coisa em relação às de outra. Dali as
variadas oportunidades que se oferecem para a composição da beleza.

Grande apreço damos à situação dos objetos em uma sala, ao modo de se comporem as
muitas flores em um vaso, à maneira de se situarem os elementos de um edifício
arquitetônico.

Os estilos estão sempre atentos à disposição das partes uma em relação à outra.
O ritmo, que é antes de tudo temporal, atende outrossim à disposição das partes.

É belo ter situação, forma, figura, enquanto isto redunda em perfeição e realce sobre as
coisas que, embora tendo partes, não as tivessem situadas.

§. 7-o. O belo na ação. 0764y262.

262. A ação, como realidade categorial, se diz da determinação em que incorre o ser que
age.

Complementarmente, a paixão é determinação em que uma coisa incorre por receber o


produto de uma ação.

As determinações resultantes de se ter agido, ou padecido, também são suscetíveis de se


qualificarem como perfeições e elementos portadores de beleza.

A espontaneidade da ação reta, perfeita e portanto bela, se diz virtude. Bela é, pois, a
virtude como ação desenvolvida de acordo com o respectivo arquétipo.

O elogio e a censura se prendem àquilo que depende da ação, quer o elogio e a censura se
digam da verdade, quer da bondade. Elogia-se, em tais condições, a verdade ontológica,
sobretudo quando bela; ação é bela, quando realiza sua verdade ontológica de ação; é boa,
quando realiza a mesma verdade, sob o ponto de vista da bondade.

263. Elogio da virtude, censura do vício. Tratando Aristóteles do gênero demonstrativo


em Retórica, apresenta como um dos objetivos da argumentação alcançar o elogio e a
censura, da virtude e do vício respectivamente.

"Após o que fica dito, tratemos da virtude e do vício, do belo e do disforme, já que são
estes os fins que tem em vista aquele que elogia ou censura" (Retórica I, c.9, 1).

Os elementos que acompanham a virtude participam de sua beleza. Tais elementos são os
mais variados, desde a referência de posse (a pessoa que possui a virtude) passando pelas
circunstâncias, até as consequências, como a glória e a recompensa. Visando diretamente
apontar esta participação na beleza da virtude, escreveu Aristóteles uma página admirável,
em sua Retórica, ao mostrar em que coisas devia tocar o orador para demonstrar fazendo
elogio ou censura:

"Tudo o que produz a virtude é necessariamente belo, disto não há que duvidar, - porque
tudo isto tende para a virtude, do mesmo que tudo quanto procede da virtude.

Visto que os sinais e aquilo que se lhes assemelha, enquanto obras ou caracteres morais
da virtude, são belos, necessariamente se segue que todas as obras de coragem, ou todos
os sinais de coragem, ou ainda todos os atos executados corajosamente são belos, como
também o que é justo e cumprido justamente.
Outro tanto não se dá com aquele que daí retira sofrimento. A justiça é a única virtude
que carece desta particularidade: nem sempre é belo o que é executado justamente,
porque, quando somos punidos, um castigo justo é mais vergonhoso que um castigo
injusto. O mesmo sucede com as demais virtudes.

São belas as ações que têm como recompensa a honra; como o são as que trazem mais
honra que dinheiro, ou as que não são praticadas com a mira no interesse próprio.

O mesmo se diga de tudo quanto é bom em geral, por exemplo de tudo o que se faz pela
pátria em detrimento do interesse próprio, e de tudo o que é bom por natureza, com a
condição de não ser reservado ao indivíduo, de contrário este só teria em vista seu
interesse particular.

O mesmo se diga daquilo que se pode obter após a morte, mais do que em vida, pois o
que se refere ao homem em vida apresenta antes caráter interesseiro.

Ajuntemos: Tudo o que fazemos em atenção aos outros, porque neste caso menos nos
preocupamos com nossos interesses privados; os êxitos, que têm por beneficiários os
outros e não o próprio agente; o que restituímos a nossos benfeitores, porque é um ato de
justiça; os serviços prestados, por não ser aquele que os presta quem lucra com eles.

São belas as coisas contrárias ao que nos faz corar; pois coramos, quando dizemos ou
fazemos ou nos propomos fazer coisas vergonhosas. Temos um exemplo nos versos de
Safo a Alceu, quando este dizia:

Desejaria dizer-te alguma coisa, mas o pudor me retém e Safo lhe responde:

Se o que desejas fosse bom e honesto

e tua língua não se perturbasse para disfarçar alguma inconveniência,

teus olhos não se envergonhariam,

mas expressariam francamente um justo desejo.

Não receemos aquilo que em nós gera inquietação; pois os bens que conduzem à glória,
criam essa disposição no espírito.

São mais belas as virtudes e as obras das pessoas mais distintas por natureza; as dos
homens são-no mais que as das mulheres e também aquelas de que os outros retiram
maior proveito que nós; daí provém a beleza das coisas justas e da justiça.

É preferível vingar-se dos inimigos, do que reconciliar-se com eles, visto ser justo pagar
na mesma medida, e uma vez que o justo é belo e compete ao homem corajoso não se
deixar vencer.

A vitória e as honras encontram-se igualmente no número das coisas belas; buscamo-las,


mesmo que delas nenhum proveito redunde em nosso favor e além disso mostram a
superioridade de nosso mérito. É belo ainda o que é memorável e quanto mais memorável,
forem as coisas tanto mais belas são. O que nos acompanha mesmo para além da morte; o
que é seguido de honrarias; o que é extraordinário. O que pertence a um só é mais belo,
porque é mais memorável. São mais honrosos os bens de que se não retira proveito,
porque são mais dignos de um homem livre.

São belos igualmente os usos peculiares a cada povo e tudo quanto manifesta as práticas
estimadas no seio de cada comunidade; por exemplo, em Lacedemônia, é belo deixar
crescer o cabelo: É esse o distintivo de um homem livre, pois não é fácil a um homem de
cabelo comprido entregar-se a um mister servil.

É belo não exercer nenhum mister, porque um homem livre não deve viver para servir a
outrem" (Retórica I, c. 9, 14-27).

§ 8-o. O belo no hábito, ou no ter, ou ainda na posse. 0764y264.

265. Enfim, hábito é a determinação resultante de uma posse (habere, habitum = ter, tido
quer por justaposição, como o Brasil tem ao sul o Uruguai, quer por função, como quem
está vestido, armado, de chapéu, com enfeite, decorado, etc... No arranjo das coisas, o
belo foi sempre um ingrediente.

Ter é mais perfeito que o não ter. Mais belo é aquele que muito tem. Mais feio é aquele
que nada têm, sobretudo aquele que não tem o que devia ter. Neste sentido, o mal é a
ausência do bem devido. O mal é o mais feio.

CAP. 4-o
ESTETICIDADE DO BELO. 0764y268.

(O belo para a vontade)

269. O belo também é estético. Eis o que se oferece mais imediatamente como sendo uma
característica peculiar do belo. Com este novo tema passamos a uma área de
conhecimentos, que já não pertence à metafísica do belo, mas à sua psicologia.

Tomado o sentimento estético sob a perspectiva psicológica, resulta em uma disciplina a


que se dá o nome de Estética psicológica (vd 1965y000), a qual trata da esteticidade em
todos os campos, seja do belo, seja da arte.

Aqui, no tratado do belo, ainda que o ponto de vista principal seja a natureza metafísica
do belo, a abordagem do seu lado estético visa, não somente complementar o texto, mas
ainda destacar o próprio belo enquanto capaz de gerá-lo. Também é pelos seus efeitos,
que o belo se faz conhecer.

Divisão. O estudo sistemático da esteticidade do belo se dá em dois momentos didáticos:

- o belo enquanto simplesmente produz sentimento estético (Art. 1-o);

- a preferibilidade estética do belo (Art. 2-o).


ART. 1-o DA ESTETICIDADE EM GERAL, DO BELO. 0764y270.

271. O sentimento de agrado que o belo tem a propriedade produzir se costuma


denominar estético. Antes que o nome surgisse com Alexandre Baumgarten, podia-se
apenas falar em agrado ou prazer do belo.

Restrito o estético como denominação específica do agrado resultante do conhecimento


do belo, infere-se logo que o estético não se diz de todo e qualquer agrado, prazer ou
deleite, gozo ou satisfação. Coloca-se de pronto a questão, sobre qual a especificidade do
estético.

Do ponto de vista puramente metodológico há a provar primeiramente que o sentimento


estético existe. Ainda que se reduza esta prova à constatação meramente fenomenológica,
esta situação tem de ser examinada.

272. O belo agrada, deleita, compraz, alegra. Produz satisfação, dá prazer, felicita. Em
casos especiais conduz ao entusiasmo e ao delírio.

Trata-se de uma verificação direta, verdade explicitamente evidente,


fenomenologicamente descriptível.

Dentre os dados sempre evidentes, a esteticidade do belo se mostra como uma de suas
propriedades mais contundentes. É algo tão incontestável que não precisamos sair a fazer
esforços para prová-lo.

Um panorama de cores esfuziantes e linhas notoriamente belas, conduz a uma alegre


euforia, em que o elemento belo contribui de maneira notável.

O feio se faz detestar e quanto maior a feiura, mais nos molesta.

O turismo aos lugares de grande beleza é a consagração da esteticidade do belo.

273. Depois de verificada a esteticidade do belo, a nova pergunta inquire pela


esteticidade em si mesma.

Não obstante à fenomenologia aparentemente fácil da esteticidade do belo, os detalhes


não se definem logo. Por exemplo, se perguntarmos, se os animais sentem o belo, a
resposta não nos vem logo clara.

Também nos confunde perguntar, se percebemos o belo com os olhos, ou com a


inteligência. Também não respondemos de pronto se a esteticidade é uma forma
específica de sentir, ou se a esteticidade decorre apenas de uma diferença material de
objeto. Mais se pergunta, - se a diferença da esteticidade decorre de uma faculdade
própria para sentir o belo, ou se a faculdade é a mesma para todos os sentimentos?
Importa equacionar estas questões e respondê-las por ordem, a fim de alcançar da
esteticidade uma noção quanto possível clara. Quando chegarmos ao fim do
questionamento, poderemos ter a impressão que a esteticidade do belo não é algo tão
complexo quanto as vezes se faz.

Tese defendida, - a esteticidade se diferencia dos demais sentimentos apenas pela sua
divisão material; portanto, apenas pelo seu objeto, o belo.

Os outros sentimentos diferem tão somente, porque outro é o seu objeto. Não se trata, por
conseguinte, de uma distinção resultante pela forma, ou seja pela maneira interna de se
dar o sentimento. Neste particular da forma, todos os sentimentos são iguais.

A tese defendida afasta complicadas interpretações da esteticidade, através de faculdades


próprias.

274. No que se refere à faculdade do sentimento, esta faculdade não é especifica; ela é
senão a vontade, considerada em estado psíquico peculiar.

Contra nós, acreditam outros, como Tetens e Kant, que há uma faculdade específica
apenas para o sentimento.

Estamos com Aristóteles, para o qual o sentimento como qualquer categoria de


sentimentos (ou emoções) é apenas um estado de acomodação das faculdades apetitivas.
No plano superior, haveria apenas duas faculdades, o inteleto (ou razão) e a vontade
(apetite racional), e não três. Na vontade, pois, se situaria o sentimento estético. Ali não
passaria de um estado psíquico da mesma vontade.

275. Os sentimentos, quanto à forma, se classificam de acordo com o estado da apetição


com referência à posse do objeto. Fundamentalmente, a apetição busca o objeto, de sorte
que, no percurso desta consecução poderá haver fases diversas e que distinguirão estados
afetivos específicos. Sucessivamente, ocorrem o amor, o desejo, o deleite. O sentimento
estético apresenta as mesmas formas: amor estético, desejo estético, deleite estético.

Num primeiro instante se exerce a simples inclinação para o objeto. Neste instante o
estado afetivo se denomina "inclinação", mais usualmente "amor". Geralmente se reserva
"amor" para os objetos de mais elevada categoria, como o de amor a pessoas.

No segundo instante, ao entrar o apetite em marcha, com decisão de efetivar a posse do


objeto, o estado afetivo é denominado "desejo". No desejo há mais que amor e menos que
efetiva posse do objeto.
Por último, a apetição repousa no objeto possuído. Este estado afetivo é o termo final da
inclinação apetitiva. Recebe nomes peculiares, como deleite, agrado, alegria, satisfação,
prazer, gozo. Ainda que cada nome leve um colorido próprio, fundamentalmente se
classificam como situação afetiva de posse repousante no objeto.

276. Materialmente, e já não quanto à forma, os sentimentos se diferenciam pelos objetos


que os produzem.

Se distinguirmos entre os objetos em que repousa a apetição, seguimos para distinções de


ordem meramente material, porque então a apetição, já antes que se distinga pela forma
como acontece, se distinguiu pelo objeto que a produz.

Há, por exemplo, a partir dos objetos, prazeres esportivos, satisfações gástricas, alegrias
infantis, gozos espirituais. Este repouso em objetos distintos diferencia os sentimentos
materialmente.

A distinção entre prazeres estéticos e prazeres comuns é uma distinção material; no caso
do sentimento estético, o objeto é o conhecimento do belo e no caso dos sentimentos
comuns o objeto é constituído por outras sorte de bens.

No caso da arte a presença material do belo ocorre em três áreas, de que duas são
especificamente artísticas, e uma pré-artística, tornando a questão da esteticidade artística
muito complexa:

1) o belo ocorre no tema expresso (que poderá ser um tema o belo, tanto concreto como
abstrato);

2) o belo ocorre na perfeição com que se expressa (a bela expressão);

3) o belo ocorre no material usado para expressão (o belo pré-artístico do significante).

Em consequência, o sentimento estético na arte pode ser classificado materialmente


(antes de ser classificado pela sua forma) a partir de três espécies de motivação.

Neste plano material do objeto ocorre a distinção dos sentimentos em comuns e estéticos,
porque o objeto em ambos é distinto.

Importa acentuar a especificidade deste sentimento estético, - o que se faz a partir do


objeto, - com mais alguns detalhes a seguir.

§ 1-o. O objeto do sentimento estético. 0764y277.

278. Qual a diferença de objeto entre sentimentos comuns e sentimentos estéticos?


O objeto do sentimento estético, como já antecipamos, é o saber. Efetivamente, o saber
produz agrado. Depois de resolvida uma questão matemática, sentimos prazer de
havermos alcançado a referida solução. Agrada-nos apreciar panoramas. Atendida uma
curiosidade, novamente sentimos prazer. Especialmente conhecer o belo produz agrado,
isto é, um sentimento estético. Também a arte produz sentimento estético, porque sendo
expressão de algo, nos leva a um conhecimento, o qual nos agrada.

Sobretudo a grande arte nos coloca em estado estético, exatamente porque ela muito no
tem a dizer.

Contrasta com o prazer estético o prazer comum, produzido por todos os outros gêneros
de objeto. Não há somente a faculdade de conhecimento a atender mas também outras
potências. E é que se situam os demais prazeres, os quais se dizem comuns, em relação
ao prazer especial estético.

A distinção entre prazer estético e prazer comum, apesar de existir, não é muito profunda,
sendo apenas material, dependente do objeto. Quanto à forma, todos os prazeres são um
estado psíquico de agrado, e são conscientes, além de costumeiramente estarem juntos.

279. O prazer estético não se encontra no âmbito da inteligência. Por isso não se pode
falar em sentimentos da inteligência. Admite-se dizer, ainda que um tanto
inadequadamente, sentimentos inteletuais, porque ligados à inteligência; assim também
não se diz sentimentos da razão, mas sentimentos racionais. A inteligência, por ser em si
mesma essencialmente uma faculdade de entender e não de querer, não deseja e nem se
aquieta em sentimentos; não repousa à maneira da posse apetitiva dos objetos. Sua
função se restringe ao ver mental; este é um repouso intencionalístico nos objetos
conhecidos.

Por isso, caso não existisse outra faculdade, com o fim de apetecer e possuir objetos, não
ocorreria sentimento algum. O belo seria apenas contemplado teoreticamente, sem
qualquer repercussão afetiva.

A rígida separação entre o plano cognoscitivo e o emotivo é característica dos sistemas


estéticos inteletualistas, como se verá em outro lugar.

280. Importa atender não somente à distinção, mas também à proximidade entre
inteligência e vontade, - se tivermos em vista separar da inteligência o sentimento
estético, para situá-lo na vontade. Cabe à inteligência o entender, e não o querer e ter
prazer. Mas o objeto entendido pela inteligência é tido, por parte da vontade, como um
bem da outra faculdade. Isto é possível, porque inteligência e vontade operam
conjuntamente, quase como se fossem uma só faculdade. Ocorre o sentimento estético
quando a vontade se satisfaz ao ter a inteligência o seu respectivo objeto.

Qual é o objeto da inteligência? Seu objeto é compreender em termos de verbo ser, as


coisas. Entre os objetos preferidos da inteligência está o ser enquanto perfeito, portanto
como belo. A presença dos objetos se faz na inteligência, como objetos que se entendem;
estes mesmos objetos repercutem na vontade como prazer estético.
Com referência ao prazer comum, ele de novo acontece âmbito da vontade, apenas pela
mudança de objeto. Por exemplo, na vontade ocorre satisfação ao ser considerado o
alimento em benefício do corpo.

Considere-se que é a vontade que move a inteligência, enquanto esta se comporta como
entidade. Nestas condições a vontade impera à inteligência a que se esforce a pensar. Não
pensa a vontade; esta apenas exerce o querer.

Mas não se isola a vontade como um simples querer. Há uma concomitância com a
inteligência. Enquanto a vontade quer que a inteligência pense, acontece ao mesmo
tempo que a inteligência pensa a serviço da vontade. Quando a vontade conseguiu que a
inteligência tenha pensado, ela sente a satisfação de o haver conseguido, e sente
satisfação pela forma que conseguiu; e então, o fato mesmo de a inteligência ter realizado
seu objetivo teorético de conhecer, sobre de conhecer o objeto belo, repercute na vontade
como sentimento estético.

281. Uma vez que todo o saber resultante da apreciação da vontade em favor da
inteligência produz sentimento estético, resulta haver esteticidade com a ciência, com a
arte e sobretudo com o belo, - como já adiantamos em outros lugares. Mas, em virtude da
preponderância do belo na capacidade de excitação do estético, poderá este denominar-se
"o sentimento estético por excelência". Do mesmo modo "o sentimento artístico" é um
gênero entre os sentimentos estéticos.

Considerando que tais sentimentos se diferenciam por causa dos objetos materiais, é
correto denominá-los pelos seus objetos específicos, como em "sentimento estético belo",
"sentimento estético artístico", "sentimento estético musical", "sentimento estético
literário", ou ainda como em "sentimento estético do sublime".

282. Por fim importa destacar o sentimento estético belo como sendo racional, isto é, da
vontade racional, acima dos sentimentos sensíveis inferiores.

Ainda que todo o conhecimento produza satisfação, e até os animais se sintam satisfeitos
ao verem e ouvirem, ao terem gosto e olfato, bem como o tato (podendo-se neste sentido
dizer que os animais sentem a esteticidade), somente a razão é capaz de perceber o belo
em sua condição específica de perfeição em destaque.

Perceber esta condição importa em capacidade de comparação e julgamento.


Consequentemente, só o ser racional é capaz de sentimento estético do belo. Somente o
ser racional possui a competência do belo.

Também o sentimento artístico está condicionado à razão.

Em sendo a arte uma expressão em objeto sensível, o qual tanto o animal como o homem
percebem, apenas a inteligência tem competência para interpretá-lo.

Ao se apontar ao cachorro o dedo, para que vá para a rua, ele vê o dedo, mas não percebe
inteletualmente o sentido do sinal. Ele poderá ir para a rua por efeito de algum reflexo
condicionado, e não porque tenha competência para entender um signo. Os animais não
têm portanto esteticidade artística racional.
§ 2-o. Estéticas inteletualistas e estéticas anti-inteletualistas. 0764y283.

284. Envolvendo a questão do sentimento estético elementos múltiplos, e portanto


complexos, só lentamente se foram definindo as posições sobre sua efetiva natureza. Uns
foram colocando a diferença apenas no objeto (por efeito apenas de uma divisão material
dos sentimentos); outros a diferença também na forma do sentimento (os quais portanto
teriam uma divisão também formal); outros enfim apelam a uma faculdade específica do
sentimento, ou para todos os sentimentos, ou somente para o sentimento estético.

Algumas destas estéticas são mais inteletualistas, outras menos, sendo, portanto estéticas
anti-inteletualistas.

Em Platão começa a conscientização de que o sentimento estético é específico, havendo


feito algumas descrições admiráveis sobre o delírio do belo (vd 285).

Aristóteles insiste mui claramente no valor dos sentimentos que têm relação com o objeto
da inteligência.

Tomás de Aquino lança claramente o princípio de que o deleite (prazer) é um repouso


apetitivo no objeto, com a advertência de que os diferentes objetos poderão diferenciar
materialmente o deleite, de sorte a se poder distinguir, com mais um passo, os
sentimentos comuns e os ligados ao conhecimento.

A estética inteletualista, em acepção ampla, como oposição ao irracionalismo estético, se


encontra no espírito da filosofia racionalista de Platão e Aristóteles, Kant e Hegel. Ela
separa nitidamente o cognoscitivo e o apetitivo.

Não importa que em Baumgarten e Hegel o belo seja objeto sensível, enquanto em outros
seja objeto inteletivo, desde que em um e outro caso o belo se situe no plano de objeto do
conhecimento.

Inversamente, os alogicistas querem fazer da própria emoção, ou sentimento, um


processo de conhecimento, de resultados especiais, especialmente no campo dos valores,
entre os quais os do belo.

A evocação poética, o ritmo, os sentimentos, - tudo estaria prenhe de um misticismo


singular. A intuição é interpretada como uma espécie de simpatia que leva ao âmago das
coisas.

No plano da estética, uma fusão sem limites claros funde o belo como objeto de
conhecimento e o belo como esteticidade.

285. Platão, no dialogo Hipias Maior (302 d) aponta diversas vezes para a distinção entre
vários tipos de sentimento, mas sem ultrapassar descrições exteriores. O mesmo acontece
quando no Fedro aponta para a afetividade estética e a comum.
Distinguiu primeiramente 4 gêneros de delírio: o profético, como o da profetiza de Delfos
e dos adivinhos, "estado em que prestam grandes serviços às pessoas e aos Estados da
Grécia" (Fedro, 244 b); o segundo, que levou a descobrir as cerimônias expiatórias,
purificações, e ritos ;misteriosos, "que preservam dos males presentes e futuros" (244 e);
o terceiro, é o poético, no qual, sem os recursos da razão, as Musas "transportam a alma
para um mundo novo e lhe inspiram odes e outros poemas, que celebram as façanhas dos
antigos e que servem de ensinamento às gerações" (244 e); o quarto e último delírio é
quando alguém, através da beleza sensível, se eleva à contemplação da beleza como tal,
"sendo que de todos os delírios este é o melhor" (249 e).

Mais adiante voltando ao assunto mais detalhadamente, citaremos o texto do delírio do


belo vd 297). Destacamos aqui que Platão se manteve numa descrição meramente
exterior; afirmou uma distinção entre os sentimentos comuns e os estéticos, sem insistir
numa diferença intrínseca. Quanto ao delírio por causa do belo, distinguiu dois
sentimentos estéticos: um que se retém apenas na contemplação do belo sensível singular,
como o de um corpo humano; outro, como noção absoluta. Preocupado embora em
distinguir dois tipos de sentimento estético, não advertiu com profundidade, em que, em
conjunto se diferenciam contra os sentimentos não estéticos.

286. Aristóteles, na última secção da Ética à Nicômaco, insistiu, com análises exaustivas,
que a felicidade do homem está na plenitude do conhecimento, o que implica na tese, de
que há um sentimento que tem por objeto o conhecimento:

"Que em consequência à toda sensação se produza um prazer, claro está: dizemos que as
sensações da vista e do ouvido são aprazíveis. Mas será óbvio que o prazer existe em
sumo grau quando o sentido seja ótimo e aja em relação a um objeto ótimo... Certas
coisas nos alegram, porque nos são novas, e precisamente por isso, não o fazem
igualmente mais tarde " (Ética a N. 10,4. 1174b 28ss.).

Pouco depois Aristóteles distinguiu os prazeres em função à diversidade das faculdades


de conhecimento beneficiadas, num contexto que supõe o prazer resultante do
conhecimento:

"Os atos diferentes pela espécie se aperfeiçoam por coisas pela espécie diferente. Os atos
do pensamento diferem dos que encabeçam os sentidos...

E portanto assim deve ser também nos prazeres que lhes dão a perfeição.

Isto se deve ver igualmente no fato de ser todo prazer conatural ao ato que aperfeiçoa.
Pois que o prazer acresce juntamente a atividade de que é próprio.

Aqueles que agem com o prazer, julgam melhor, e mais exatamente conduzem a termo
cada coisa: assim sucede que se tornam bons geômetras aqueles que se deleitam com a
geometria, os quais, se houver ocasião, com ela mais e mais se familiarizam;
semelhantemente, aqueles que amam a música, ou a arte de construir, ou outro gênero de
obras, naquela que lhes é própria, progridem mercê do deleite que elas lhes proporcionam.

Os prazeres crescem juntamente com a atividade: mas as coisas que crescem juntas são
conaturais. Logo, aquelas conaturais às coisas diferentes de espécie são também de
espécie diferente" (Ética a N., 10,5. 1175a 25ss).
Finalmente, pôs Aristóteles a felicidade na contemplação da verdade, porque a atividade
mental é a atividade própria do homem:

"Se a felicidade é atividade conforme à virtude, é bem razoável que seja conforme à
virtude mais excelente, esta será a virtude daquilo que em nós há de melhor. Logo seja
isto o pensamento, ou outra coisa, que pareça por natureza ordenar e guiar, e tenha
inteligência das coisas divinas - quer porque divina ela própria, quer porque das coisas
que estão em nós seja a mais divina - a sua atividade, conforme à virtude que lhe é
própria, será a felicidade perfeita. Que tal seja a contemplativa, já dissemos... Ela é a
atividade mais excelente. De fato, o pensamento é o que em nós há mais excelente, e,
dentre as coisas cognoscíveis, as mais excelentes são aquelas em torno das quais existe o
pensamento. Além disso, é a mais ininterrupta: podemos contemplar sem interrupção
muito mais do que operar o que quer que seja" (Ética a N. 10,6. 1177a 13 ss).

A superioridade do sentimento ligada às coisas do pensamento é portanto uma tese já


afirmada em Platão e que teve novos desenvolvimentos em Aristóteles.

§ 3-o. A questão do belo como desinteresse. A posição de Kant. 764y287.

288. Modernamente se passou a insistir que o belo é um sentimento que não envolve o
interesse, ou o útil, nisto o diferenciando dos demais sentimentos, os comuns. Esta
indicação começa por entrar no caminho certo, apontando para a teoreticidade do belo.

Contudo não é exato dizer que a afetividade estética se apresenta como desinteressada;
melhor é afirmar que o interesse se diferencia no sentimento estético e no sentimento
comum.

Também no estético ocorre o interesse, tanto que Platão descreve amplamente o


entusiasmo que o belo provoca e o afirma com fundamento nos fatos.

É preciso mostrar em que está a diferença. Sem mostrar onde a diferença dos interesses
ocorre, não teremos passado de uma descrição exterior; teríamos verificado apenas o fato,
sem mostrar a razão. Para argumentar simplesmente com o fato, é suficiente mostrar
como efetivamente ocorre a diferenciação. Mostra-se por exemplo como um agricultor
contempla sua plantação com uma satisfação que se exerce acompanhada de um interesse
marcado pela previsão dos futuros rendimentos, ao passo que o esteta admira na mesma
seara um objeto de contemplação desinteressada.

O que efetivamente sucede não é uma ausência de interesse na contemplação do belo. A


diferença de interesse ocorre porque já anteriormente se distinguem os dois sentimentos,
o estético e o comum. É que, diferenciados especificamente, suas propriedades também o
haveriam de ser

Diferentes pela espécie, estão contudo no mesmo gênero. Em consequência se espera que
as propriedades, embora específicas, reencontrem contudo aproximações no plano
genérico.
Há, pois, a contrariar alguns aspectos afirmados com insistência pelos românticos em
geral, de que o belo é sem interesse. Ainda que o belo em si mesmo seja um objeto, que a
inteligência apreende como o perfeito em destaque, pode ao mesmo tempo ser apreciado
como um bem, nesta condição provocando o sentimento estético. Enquanto buscado pela
vontade como objeto próprio e eminentemente adequado à contemplação inteletual,
comparece por isso mesmo o belo como algo benéfico e apreciado como de interesse.

Em cada faculdade o belo atua a seu modo: a inteligência o apreende como verdade, a
vontade como bem.

Antes de tudo teorética, a inteligência se ocupa em ver, descobrir, penetrar. Ora


penetrando como a luz nos cristais, ora deslizando pelas superfícies, por toda a parte
procura especialmente as perfeições. Sem parar, seguindo por todas as veredas, visitando
infindas paragens, e tendo como companheira a vontade, a inteligência proporciona à sua
amiga os sentimentos que o belo produz. A sublimidade do sentimento estético faz com
que a vontade o prefira àqueles outros modos de sentir que se realizam fora dos círculos
da especulação.

289. Com uma acepção muito especial e inteiramente técnica, afirmou Emanuel Kant
constituir-se o belo em algo "sem interesse".

Ao afirmar Kant que o belo é sem interesse, queria dizer que o belo não tinha a
constituição dos objetos estruturados pelas categorias a priori do entendimento.

O belo não se definiria, por exemplo, como o homem se diz composto de animalidade e
racionalidade. Este mesmo objeto, visto sob um outro ponto de vista, pode realizar-se
com maior ou menor grau de perfeição; um modelo, por exemplo a espécie humana,
serve de exemplar arquétipo, em função do qual o objeto se dirá perfeito. Então resulta
em ser, ou não belo.

Ora, afirma Kant, dizer que algo é belo, não é definir sobre o interesse constitutivo do
objeto, mas julgar sobre o seu acabamento. Neste caso, o belo não se define diretamente
como objeto; não é um conceito de objeto. Posto o objeto como constitutivamente
acabado, dele apenas afirma algo em função à sua "finalidade formal", isto é, em função
da espécie a realizar.

Como dali se depreende, a afirmação kantiana de que o belo é sem interesse está em um
contexto daquele no qual o belo é visto como efetivamente de interesse da mente, como
seu bem preferido.

290. Haveria uma faculdade do sentimento, especificamente distinta da vontade?


Estabeleceu Kant a especificidade da faculdade do sentimento, distinguindo-a da vontade.

A divisão destas duas faculdades já vinha de Tetens, recebendo agora sua consagração no
sistema kantiano.
Todavia, é inútil insistir nesta divisão. Interpretando a esteticidade como um interesse de
ordem muito especial, distinguindo-a do interesse comum, sem todavia distinguir o
interesse, não ocorre necessidade de apelo a novas faculdades.

Tal como o inteleto se capacita para operações muito diversas (operando idéias, juízos,
raciocínios), também a vontade opera em campos mui diversificados, sem que tais
operações possam ser ditas um desmantelamento em família de novas faculdades. É
inegável que a vontade opera conjuntamente com a inteligência; nesta concomitância o
belo surge como objeto teorético para a inteligência, como esteticidade para a vontade.

É uma característica da filosofia aristotélica não subdividir muito as faculdades e sim as


suas operações. No plano racional, uma só é a inteligência e diversas as suas operações,
tendo todas como objeto comum a verdade.

Em Kant, porém, ocorrem nesta área três faculdades: o entendimento, o juízo, a razão
(pura e prática).

No plano volitivo e afetivo racional também reduz Aristóteles todas as funções a uma só
faculdade, a volitiva, da qual o sentimento é apenas um estado da ação. Kant, entretanto,
separa a vontade e o sentimento, em duas faculdades específicas, em vez de distinguir
duas operações da mesma faculdade. Sobre a questão, quase que repetindo, retornaremos
oportunamente, quando insistirmos sobre o que o belo não é (cap. 6-o).

Aristóteles apenas não chegou a dar ao sentimento estético uma análise ampla. Mas,
coerentemente com o pouco que disse e com o que seu sistema implica, o sentimento
estético não poderá ser senão um estado de satisfação na vontade, enquanto aprecia o
belo como objeto preferido da inteligência.

ART. 2-o. ESTETICIDADE PREFERENCIAL DO BELO. 0764y292.

293. Tal como ocorria uma teoreticidade preferencial, ocorre também uma esteticidade
preferencial.

De vez que não é o belo o único objeto que produz sentimento estético, passamos a
determinar uma diferença importante, que destaca esta esteticidade como a preferencial.

Do ponto de vista das provas, a preferência pela esteticidade do belo se apresenta de


pronto como um fato. Um impulso incontido nos põe em busca das coisas que se realçam.
Subimos mesmo as árvores em busca das flores. As crianças se põem em riscos nos
despenhadeiros para obter o que apreciam como belo; as vezes se expõem a tal risco, que
parecem ter anjos da guarda que as protegem. As pessoas apreciam seu aspecto pessoal, e
se satisfazem quando são elogiadas.

Atendendo às obras de arte, ainda que a arte como expressão conduza qualquer
mensagem, apreciamos sobretudo as que exprimem com perfeição e as que oferecem
como tema o mais perfeito; se o tema da expressão for ciência, preferimos a ciência mais
perfeita. Surge pois sempre a preferibilidade estética do belo.
Além da prova fenomenológica dos fatos, a preferibilidade do sentimento estético belo
sobre os demais sentimentos se pode inferir a priori, em virtude do paralelismo entre o
inteleto e a vontade. O que encontra referência mental, também encontra preferência no
plano volitivo. Posto o belo como preferido do conhecimento, passa a ser igualmente
querido pela vontade; assim, passa a ser amado, desejado, apetecido.

O entusiasmo e o delírio estético. 0764y294.

295. O sentimento admite graus. A esteticidade do belo se apresenta com a propriedade


de uma notória força de sentimentalidade, que chega ao entusiasmo e ao delírio, como já
asseverava Platão.

Os amantes do belo se emocionam diante da natureza e ficam encantados com a beleza


que nela reluz.

Na arte a grande força motriz tem sido o entusiasmo pelo belo, ainda que o prazer lúdico
de exprimir tenha sido também um dos seus motores.

O entusiasmo pelo belo, sempre o preferido, tem sido a força atuante de todos os
instrumentos produtores de beleza . Por si sós a vaidade, a curiosidade pela originalidade
não explicam a finura e o bom gosto, que são formas do constante entusiasmo e delírio
estético, que se manifesta no modo de vestir e comportamento social elegante, na
arrumação dispendiosa das moradias e dispêndio público no embelezamento das cidades.

296. Uma hierarquia acontece nas coisas belas. Não discutimos agora ainda qual seja.
Referimo-nos a ela, porque o entusiasmo pelo belo pode graduar-se em função destas
hierarquia dos objetos belos.

Platão, situado no contexto de que há um belo absoluto, de que o belo singular é uma
cópia individualizada, distingue entre um e outro delírio.

O amor pelo absoluto, é o assim chamado amor platônico. Fala Platão dos que, em vendo
os corpos belos, não ultrapassam o círculo da beleza singular; em vez de subirem para o
belo absoluto, derivam para a matéria em que a beleza inere.

Os detalhes do comportamento estético constituem material difícil para a estética


psicológica. Quando predomina o sentimento estético? Quando não, deixando lugar aos
sentimentos comuns?

Em geral, no primeiro instante se impõe o sentimento sensitivo e só ato contínuo ganha


lugar o sentimento racional.

Esta circunstância não deriva da inferioridade do objeto da beleza; deve-se à uma


situação de limitação antropológica; os sentidos alcançam os objetos intuitivamente,
portanto com um máximo de "compreensão" conteudística e precisão, e por isso se
exercem com maior poder, sobretudo inicial.
O inteleto atinge maior "extensão" (o universal), todavia uma compreensão menor. Dali
vem que se requer um esforço recuperatório com o fim de repor a ordem das prioridades
de valor. O belo, sob o pondo de vista preciso de sua noção, é uma nota alcançada apenas
pelo inteleto; por isso, no primeiro instante, não se pode fazer sentir com a mesma
sentimentalidade que o afeto inferior.

Conclusão: o entusiasmo estético não é o mais poderoso dos sentimentos, embora


virtualmente seu objeto tenha conteúdo para tanto, conteúdo este que, entretanto, não nos
é facultado atingir integralmente. Nas escala dos valores "de todos os entusiasmos, este é
o melhor" (Platão), mas não o mais intenso esteticamente na ordem atual.

297. Descreveu Platão a oscilante formação do sentimento estético, criando para este fim
um notável alegoria. Para sua compreensão importa atender ao contexto filosófico do
platonismo, segundo o qual as idéias universais (dentre as quais o belo) são inatas e
despertam ao contato do mundo sensível. Supõe que as almas tiveram uma vida anterior,
quando tiveram oportunidade de contemplar os arquétipos eternos e formaram tais idéias
universais.

Reportando-se a este contexto, criou Platão imagens literárias, pondo estas figuras em
movimento, sem que elas, no avançar da alegoria, percam a função do que devem
exprimir, - a inclinação oscilante e esforçada do inteleto na contemplação da beleza, a
começar do belo sensível.

Imaginando-se escultoricamente a inclinação da alma para a contemplação e apreciação


afetiva do belo, mantém a figura alegórica até o final do enredo, explicando em imagens
sensíveis afirmativas abstratas.

Fala Platão:

"Chegamos à quarta espécie de delírio: é quando alguém neste mundo vê beleza.


Recorda-se então da beleza verdadeira; recebe asas e deseja voar para o alto; não o
podendo, porém, dirige o olhar para cima esquecendo os negócios terrenos, dando desta
maneira a impressão de delirante.

De todos os entusiasmos este é o melhor e o da mais perfeita origem; saudável para quem
o possui e dele participa. Quem é atingido por este delírio, ama o que é belo e chama-se
amante.

Como já disse, a alma humana, dada a sua própria natureza, contemplou o ser verdadeiro.
De outro modo nunca poderia entrar num corpo humano. Mas lembranças desta
contemplação não se acordam em todas as almas com a mesma facilidade. Uma apenas
entreviu o ser verdadeiro; outra, após a sua queda, foi impelida pela injustiça e esqueceu
os mistérios sagrados que um dia contemplou. Portanto, são poucas as almas cuja
recordação é bastante clara.

Quanto à beleza, ela brilhava entre todas aquelas idéias puras e na nossa estada na terra
ela ainda ofusca, com o seu brilho, todas as outras coisas. A visão é ainda o mais sutil de
todos os nossos sentidos. Mas não poderia perceber a sabedoria. Despertaria amores
veementes, se oferecesse uma imagem tão clara e distinta quanto aquelas que podíamos
contemplar para além do céu.

Somente a beleza tem esta ventura de ser a coisa mais perceptível e elevadora. Aquele
que não foi recentemente iniciado ou que se corrompeu, não se alça com ardor para o
além, para a beleza em si mesma. Apenas conhece o que aqui se chama belo, e ao que vê
não adora. Como um quadrúpede, dedica-se ao prazer sensual, tratando de unir-se
sexualmente e de procriar filhos. Estando afeito à intemperança, não tem medo nem
vergonha de. Se entregar aos prazeres contra a natureza.

O que foi iniciado há pouco, e que outrora muito contemplou, ao ver um rosto divino ou
um corpo que bem reproduz a beleza, sente certa estranheza, e um pouco de emoção de
outrora e volta, pois, a olhar este belo corpo, adora-o do mesmo modo que a um Deus. E
se tivesse receio de ser considerado monomaníaco, ofereceria sacrifícios ao objeto do seu
amor como a um Deus. Quando contempla o seu amor, apodera-se do amante uma crise
semelhante à febre; modificam-se-lhe os traços do rosto, o suor aparece em sua fronte e
um calor não conhecido corre pelas suas veias. Logo que recebe, através dos olhos a
emanação da beleza, sente esse doce calor que alimenta as asas da alma. Esse calor funde
o que impedia a expansão da vitalidade, aquilo que, sob a ação do endurecimento,
impedia a germinação. O afluxo do alimento produz uma espécie de intumescência, um
ímpeto de crescimento no caule das asas. Esse ímpeto vai se espalhar por toda a alma.

Essa, quando as asas começam a desenvolver-se, ferve, infla e sofre da mesma maneira
como padecem as crianças que, ao receberem novos dentes, sentem pruridos e irritação
nas gengivas. Também a alma fermenta, padece e sente dores, ao lhe crescerem as asas.
Quanto contempla a beleza de um belo objeto e daí provém corpúsculos que dele saem e
se separam - de onde se deriva a vaga de desejo (hímeros), a alma encontra então o alívio
para as dores e a alegria.

Mas, quando está separada do amado, fenece. E as aberturas pelas quais saem as asas,
também murcham e, fechando-se, impedem a germinação da asa, que, presa no interior
juntamente com a vaga do desejo palpitando nas artérias, faz pressão em cada saída sem
abrir caminho. Deste modo a alma toda, atormentada por todos os lados sofre e padece, e
no seu frenesi não encontra mais repouso.

Impelida pela paixão, ela se lança à procura da beleza. A alma respira novamente e já
então não sente o aguilhão da dor e goza, nesses poucos instantes, da mais deliciosa
volúpia. Por isso não a abandona voluntariamente. Nada tem mais valor para ela do que a
beleza. Esquece mãe, irmãos e todos os amigos. Nem se preocupa com a fortuna perdida,
nem respeita as leis e os bons costumes; e está a ser escravizada pelo amado e ao seu lado
dorme tão próximo quanto o permitirem os outros. Ela adora aquilo que possui beleza,
pois nela encontrou o remédio às maiores doenças" (Fedro, 249 e - 252 a. Trad. Paleikat).

Platão advertiu que os indivíduos excessivamente carnais, ao depararem com a beleza, se


retém apenas na beleza física sensível, e permanecem incapazes de subir à beleza
absoluta, como o conseguem os outros indivíduos embora com dificuldade. O poético
texto de Platão, sobre a psicologia do comportamento estético humano, adverte que no
primeiro instante da visão do nu, a ação do belo sensível permanece apenas no sensível,
enquanto para outros, conduz em frente, até o belo absoluto.

CAP. 5-o
O BELO COMO
DETERMINAÇÃO OBJETIVA REAL DAS COISAS.
0764y300.

301. "Entre as maiores antíteses existentes na filosofia se encontra ainda hoje a antítese
baseada nos opostos pontos de vista, que se designa como idealismo e realismo" (Max
Scheler). Eis uma questão gnosiológica, a qual em seus últimos detalhes se vai refletir na
questão do belo.

Ordenando didaticamente a questão, importa seguir sequencialmente. Então teremos:

- introdução à questão do belo como determinação das coisas;

- a estética subjetivista, em especial a idealista;

- a estética realista.

ART. 1-o. INTRODUÇÃO À QUESTÃO DO BELO COMO DETERMINAÇÃO DAS


COISAS. 0764y302.

303. A pergunta geral é, - se as coisas existem só na mente cognoscente, ou se existem


também independente dela.

Quando chegada aos detalhes, a pergunta passa a ser, - se o belo, uma vez estabelecido
como uma determinação realçante dos objetos, se efetiva apenas como atribuição
subjetiva que se aplicaria aos objetos, ou se também como independente.

O clima desta questão é bem sugerido pela advertência que, de gostos e cores não se
discute, - de gustibus et coloribus non est discutendum.

Já estabelecidos, pois, na definição de que o belo se constitui como determinação


qualificadora dos objetos, prossegue a investigação indagando, se esta determinação
realmente está mesmo nas coisas, como realidade independente da consciência pensante,
ou se nasce de uma nossa maneira de pensar e de construir os objetos.

Talvez fossem reais as pétalas das flores, mas não aquilo que as faz serem coloridas;
também seria possível que as mesmas pétalas não fossem reais, então nada mais sobraria
de real. Discutindo as cores, como determinações sensíveis, não importa levantar a
questão mesma da realidade do sujeito portador , porquanto poderia ser real, e contudo as
cores subjetivas, como modos de se manifestar o objeto às faculdades perceptivas.

O belo, como qualidade a determinar os objetos na ordem da perfeição realçante, admite


um posicionamento intermediário: ainda que as coisas sejam reais, contudo o belo que se
lhes atribui poderia ser apenas uma atribuição subjetiva. Talvez as coisas sejam reais,
sem que o belo exista pelo lado de fora da consciência pensante.
Colocada uma vez distinção entre essência e existência, esta divisão admite as distintas
perguntas sucessivas, pela realidade da essência (ou onticidade da essência) e pela
realidade da existência.

Para a filosofia aristotélica e tomista ocorrem ambas as realidades, a da essência e a da


existência. No caso de haver ambas as realidades, o ser estaria realmente dividido em
dois princípios reais, a essência real e a existência real. Situado o belo num e noutro
plano, poderá ser considerado uma determinação real.

Mui diversamente algumas filosofias destacam de tal modo a existência, que a essência
resta apenas como forma da mente ou qualquer coisa parecida.

Para o existencialismo, o ser é somente o existir; o ser se define portanto como "posição
pura" de existência. A essência não passa de uma captação em separado de perspectivas
da existência. Não tem, pois, a essência uma verdadeira onticidade; não passa de uma
instrumentalização para tornar possível pensar as coisas que existem; a essência seria
algo de posterior à existência, um como que "mundo" criado pelo ser pensante. Como
real ou ideal.

A coisa é neutra quanto à essência; é neutra quanto à logicidade; é, de certo modo,


absurda.

304. A acepção exata de quem diz "realidade", requer ser definida. Como entendemos
agora o termo, algo é real quando o ocorre pelo lado exterior do círculo da consciência.
Aqui a palavra consciência coincide como o próprio exercício do conhecimento; a
realidade está para além do conhecimento, não se confundindo, nem com a sensação,
nem com a idéia.

Admite-se distinguir entre objeto enquanto conteúdo pensado (dentro do círculo da


consciência) e objeto em si ( a realidade pelo lado exterior da consciência).

305. Idealistas (fenomenistas, imanentistas de toda a espécie) e realistas (imediatos e


mediatos) lutam e disputam já séculos sem resultados mui nítidos.

Estamos aqui em uma área na qual a perspiciência mental pouco consegue, pois os
elementos para decidir não se mostram com insistência. Se defendemos uma posição
realista, fazemo-lo com humildade, sabedores de que muito pouco vamos decidir.
Aristóteles sempre tão cauteloso, se vivesse em nossos dias, escutando prós e contras,
certamente vacilaria muito, antes de voltar a optar por sua posição realista.

A questão "idealismo o realismo" não pode neste instante ser tratada substancialmente,
mas apenas recordada como um pressuposto (vd 61) que afeta o conceito definitivo do
belo.

Do ponto de vista sistemático, já foi tratado pela Metafísica do conhecimento, onde é


discutida com aparato próprio.

Kant, em sua crítica do juízo, onde expõe um sistema estético, se ocupa diretamente do
aspecto gnosiológico oferecido pela questão da realidade da coisa em si; esta atitude
explica-se porque seu objetivo era em primeiro lugar o problema crítico do conhecimento,
de sorte a examinar os juízos estéticos do ponto de vista gnosiológico. Schiller, ao
retomar o sistema estético de Kant, em suas Cartas para a educação estética da
humanidade, encarou apenas o aspecto ontológico de conteúdo, não cuidando do
problema gnosiológico em si mesmo.

O objetivo do Tratado do Belo, ao levantar o problema da realidade das determinações


qualificadoras do belo, se limita a conceituar a situação decorrente do idealismo e do
realismo sobre o belo.

Entretanto, aquilo que faz o belo não está no termo de referência arquétipa; encontra-se
na coisa mesma que se ergue, realizando-se a si mesma, de acordo com dito termo de
comparação. Haveria tal determinação nas coisas? Ou seria apenas uma projeção mental?

306. Três posições marcam as convicções a propósito dos arquétipos. Aliás, de maneira
geral, três são as teses defensáveis a respeito dos universais, todas com efeito sobre a
objetividade do belo:

- nominalismo;

- realismo ontológico;

- conceptualismo.

O nominalismo nega simplesmente o universal; não haveria arquétipos universalmente


válidos, servindo de modelos para a estrutura das coisas. Aquilo que parece universal e
sempre válido, outra coisa não seria que uma generalização.

Nesta posição situou-se claramente Hume, para quem só há fenômenos individuais; até
mesmo o princípio de causalidade não seria outra coisa que o hábito de atribuir a relação
de causa e efeito aos fenômenos postos em sucessão.

No extremo oposto do nominalismo está o realismo ontológico, - radical em Platão,


moderado em Aristóteles, - atribuindo validade ontológica às noções universais.

Ainda que só os indivíduos sejam reais, eles se regem por princípios válidos no mesmo
plano em que se situam, independentemente de nós que os conhecemos. Não seríamos
nós que os enquadraríamos dentro de esquemas de essência e os manipularíamos
mediante leis de comportamento.

As validades ontológicas sobrepondo-se aos mesmo indivíduos, valem pelo lado de fora
do círculo da consciência.

À meio caminho se situam os conceptualistas que não negando os universais, não lhes
dão todavia validade ontológica. Em não os negando, os libertam da arbitrariedade da
consciência. Para o conceptualismo os universais são formas pertencentes à estrutura do
exercício de pensar; estas estruturas são todavia inalteráveis e por isso sempre com o
mesmo modo de se impor.

Em sendo da construção do conhecimento, não podem, de outra parte, possuir validade


ontológica. A eternidade das essências foi negada por Duns Scotus a pretexto de que
limitaria a liberdade divina.

Através do tempo se destacaram diferentes espécies de conceptualismo.

O primeiro conceptualismo claro é o de Guilherme de Ockam (1295-1349), para quem os


universais seriam uma eflorescência mental, sem qualquer validade efetiva senão a de
serem nomes mentais como as palavras eram nomes materiais. Apenas os conceitos
singulares valiam efetivamente no mundo ontológico. Quase tão radical quanto o de
Ockam, aparece depois o conceptualismo de Descartes (1596-1650).

Kant (1724-1804) conduz ao máximo o conceptualismo, com os apriorismos das formas.


Não seríamos capazes de pensar os fenômenos sensíveis senão mediante formas a priori,
que já eram estruturas prévias havidas no espírito. Na faculdade do entendimento
encontram-se os a priori que pensam as partes de que se compõem os objetos
intrinsecamente. Na faculdade do Juízo (Urtheilskraft) encontram-se os a
priori chamados arquétipos, termos ideais, que servem de modelo, em função dos quais
as coisas se dizem perfeitas e imperfeitas, belas e feias.

Enfim aparece a chamada filosofia dos valores de Scheler, N. Hartmann e outros, que
estabelecem os ditos valores como algo absolutamente, isto é, inarredavelmente válido.
Porém, esta validade depende da estrutura do sujeito, não chegando a ser uma validade
inteiramente objetiva. Em última instância, reduz-se esta posição ao gênero das que
denominamos conceptualistas.

Nominalismo, realismo ontológico, conceptualismo, eis em síntese as posições possíveis


para a interpretação dos arquétipos, quanto ao que seriam no mundo exterior ao círculo
da consciência.

307. Se tentássemos reduzir as três em duas, deveríamos dizer que o nominalismo e o


conceptualismo juntam-se no mesmo plano subjetivo, interior à consciência, para estas
duas modalidades de pensar, nada haveria de ontologicamente válido, com referência aos
arquétipos, para além do círculo da consciência pensante.

Uma vez que indagamos pelo válido no mundo exterior ao processo cognoscitivo, esta
redução importa muito.

ART. 2-o. ESTÉTICAS IDEALISTAS E SUBJETIVISTAS EM GERAL. 0764y308.

309. A questão da realidade ou não realidade oferece particularidades mui intrincadas, de


que algumas vão dizer diretamente respeito à doutrina do belo.
Ocupando-nos com algumas, principiamos pelas mais construtivistas.

De maneira geral, as filosofias modernas têm-se orientado na direção do subjetivismo,


quer nominalista, quer apriorista. Na mesma proporção que se dissolve a objetividade
exterior, se subjetiviza o belo.

Didaticamente, as estéticas idealistas e subjetivistas em geral se podem estudar em


função a nomes de filósofos que mais determinaram as doutrinas neste particular, como
Kant, Hegel, Croce.

§ 1-o. O construtivismo estético de Kant. 0764y310.

311. Para Kant o belo é sensível. Mas, não diz respeito ao sensível constitutivamente,
porém enquanto o objeto sensível obedece ao esquema arquétipo, em função do qual
poderá dizer-se perfeito. Neste sentido, para Kant o belo é o perfeito.

Preocupa-se Kant com o aspecto gnosiológico dos arquétipos. Da validade destes


depende o valor dos juízos estéticos e teleológicos em geral.

Ao estabelecer que os arquétipos têm valor universal, porém a priori, abriu duas
fronteiras de luta: contra o nominalismo, como o de Hume, e contra o realismo das
validades ontológicas.

Na ponderação do apriorismo formalista de Kant não há validade ontológica, porque os


fenômenos são apenas fenômenos. Enquanto se mostram, não revelam senão a
fenomenalidade. Deles nada consegue extrair a análise; tudo o mais que se afirmar, deve
portanto ser por nova verificação empírica (juízos sintéticos a posteriori) ou afirmação
absoluta (juízos sintéticos a priori).

Admitindo o caráter vazio dos fenômenos, era o caso de apenas ficar nisto, como o fez
Hume e como o farão ainda positivistas e relativistas. Entretanto, pretendeu Kant que as
formas absolutas se impõem como um fato; no espírito mostram-se como estrutura
incontornável da faculdade de conhecimento. Esta imposição no vazio, num céu
voltigeante da consciência, sem contato com a terra, semelhante às idéias de Platão, é o
que admite Kant como um fato a se impor.

Não seria nada mais que uma ilusão? Nesta hipótese, o sistema de Kant não passaria de
um castelo de marfim, a viajar como linda nave cósmica. Ocupou-se Kant mais em traçar
o seu castelo, em desenhos em geral difíceis e complexos, do que em provar o a
priori que o sustenta.

312. Para compreender em detalhes a estética apriorista de Kant e as que lhe sucederam,
é necessário termos em conta o sistema filosófico integral em que se desenvolveu. Depois
de reduzido tudo à mera formalidade apriorística, principiou a construção a partir dos
fenômenos, mas não de elementos extraídos ao mesmo fenômeno.
O encadeamento progressivo da construção do objeto, principia, pois, num instante zero,
onde se situa o dado primitivo. Esta primeira manifestação, exatamente porque apenas se
mostra, se denomina fenômeno, do étimo grego N " \ < T (faíno = mostrar). Trata-se de
algo que se apresenta diretamente; por isso, é uma intuição.

O racionalismo cartesiano, promovido na Alemanha por Leibniz e Wolff, manipulava


com idéias surgidas espontaneamente no intelecto sem dependência em relação aos
sentidos; Kant abandona este ponto de vista e adere ao empirismo inglês, recolocando a
dependência em relação aos sentidos, mas não quanto ao conteúdo.

"Não se pode duvidar de que todo o nosso conhecimento começa com a experiência;

com efeito, como haveria de excitar-se a faculdade do conhecimento, se não fosse pelos
objetos que, excitando os nossos sentidos, de uma parte, produzem por si mesmos
representações sensíveis e de outra parte, impulsionam a nossa inteligência a compará-las
entre si, a reuni-las ou separá-las, e deste modo à elaboração da matéria informe das
impressões sensíveis formar esse conhecimento das coisas que se denomina experiência?

No tempo, pois, nenhum conhecimento precede à experiência, todos começam por ela"
(Crítica da razão pura, intr. I)

313. Dá-se, pois, a construção do objeto, a partir do fenômeno mas sem nada extrair do
mesmo. Exatamente porque nada extrai do fenômeno, principia a divergência com a
velha filosofia aristotélica. Além de haver reduzido o fenômeno a uma inconsistência
fenomenal, sem qualquer conteúdo real, não encontra mais nada nele, com que prosseguir
uma construção.

Tem certa razão, o opinar de Kant. Um vez que esvaziou o fenômeno, nada contém para
retirar; se o converteu em fenomenalidade, não pode conter estruturas ontológicas.
Recaiu Kant nos defeitos capciosos da dúvida metódica de Descartes.

Não errou Kant ao duvidar metodicamente. Mas poderá ter errado ao ter conduzido a
dúvida a separar e distinguir entre a realidade e a fenomenalidade, entre o lógico e o
ontológico. Esta divisão poderá ser meramente de razão. E então, poderá a divisão
inexistir como efetiva. Neste caso a solução do problema crítico seria mesmo o do
realismo, afastado qualquer fenomenalismo.

Mas, uma vez usado o expediente, e postado o duvidante num plano meramente
fenomenal, ou, lógico, não tem como sair deste vazio, para um plano real; seria marchar
do menos para o mais, como aconteceu no realismo mediato de Descartes.

Mais coerente, Kant, depois de estabelecer que o fenômeno é apenas fenômeno, fechou-
se nele. Nada poderia extrair para construir um objeto real; foi coerente na continuação,
pelo menos na Crítica da razão pura.

Somente é possível combater a Kant, postando-se no plano inicial da própria dúvida


metódica. Importa, então, saber se ele podia ter posto em dúvida a realidade do fenômeno,
ou seja, se podia ter reduzido o fenômeno sensível a sua mera mostração.
Se, entretanto, por cálculo raciocinativo, me cogito que algo exista atrás do fenômeno,
isto que ali me imagino, somente o posso admitir por mérito e risco da razão.

Mas, tudo que a razão se calcula, não tem qualquer base ontológica; não passa de uma
teia imaginosa. Sem intuição inicial da realidade exterior, apresenta-se impossível
qualquer metafísica do ser, ou ontologia. Parece-nos que Kant tem razão. O mesmo
princípio vale em Aristóteles; este não faz metafísica só com as idéias, mas a partir de
realidades sensíveis. Como o papagaio de papel, preso ao cordel, por mais que suba não
se desprende a metafísica aristotélica da realidade intuída no exterior da mente; rejeita
tudo quanto Platão afirma por conta da simples análise e raciocínio no plano das idéias
captadas apenas no mundo da razão.

A diferença de Aristóteles para Kant é apenas a de que o macedônio acreditava no


conteúdo real do fenômeno intuído, e o professor de Koenigsberg não admitia esta
realidade, reduzindo a intuição sensível a uma pura mostração.

Contudo a inteligência humana constrói, diz Kant, porém com simples soma de
elementos apriorísticos, portanto não extraídos do fenômeno. Eis o construtivismo
kantiano em marcha.

"Mas se é verdade que todos os conhecimentos derivam da experiência, alguns há no


entanto, que não têm essa origem exclusiva; poderemos admitir que o nosso
conhecimento empírico seja um composto daquilo que recebemos das impressões e
daquilo que a nossa faculdade cognoscitiva lhe adiciona ( estimulada somente pelas
impressões dos sentidos ); aditamento que propriamente não distinguimos senão
mediante uma longa prática que nos habilite a separar esses dois elementos" (Crítica da
razão pura, Intr. I).

A edificação do objeto progride em vários tempos, a que precisamos atender, visto que
um dos deles vai ser o do belo.

314. A construção propriamente dita processa-se com os "sentidos" e o "entendimento".

Por obra dos sentidos impõe-se a forma apriorística sensível do espaço, que é como que
um estofo sobre o qual recebem-se os fenômenos, que são as cores, o olfato, enfim todos
os sensíveis externos, e a forma apriorística sensível do tempo, que é própria do sentido
interno, ou seja da imaginação.

Por obra do entendimento colocam-se na constituição do objeto todos os elementos


estruturais, que se dizem "conceitos", ou "categorias", em número de doze.

Não coincidem com as categorias aristotélicas, - substância, quantidade, qualidade,


relação, tempo, lugar, situação, ação, paixão, hábito; mas, fundamentalmente a intenção
de Kant é a mesma, ou seja, a de aludir a noções constitutivas e que se predicam de modo
unívoco e não à maneira dos transcendentais do ser.

As doze categorias do entendimento foram arroladas, por Kant, a partir das diferentes
espécies de juízos em que comparecem.
Ora, os juízos agrupam-se, classificando-se pelos seguintes pontos de vista:

- segundo a quantidade, medida pelo sujeito;

- segundo a qualidade, pelo modo de compor e dividir da cópula, que junta ou separa
sujeito e predicado;

- segundo a relação, pela forma da cópula;

- a modalidade pela maneira de como o predicado convém ao sujeito.

Dali resultam:

- Categorias da qualidade: Unidade, Pluralidade, totalidade. Ocorrem nos juízos:


afirmativos, negativos, indefinidos, assim especificados, segundo o modo de compor e
dividir operado pela cópula.

- Categorias de relação: Substância e acidente, causalidade de dependência ( causa e


efeito), comunidade (reciprocidade entre agente e paciente, ou substância e acidente).
Ocorrem nos juízos categóricos, hipotéticos, disjuntivos, assim especificados pela forma
da cópula.

- Categorias da modalidade: Possibilidade-impossibilidade, existência-não existência,


necessidade-contingência. Ocorrem nos juízos problemáticos, assertórios, disjuntivos,
assim classificados pela maneira como o predicado convém ao sujeito.

Com estas noções construía Kant o objeto. Embora secundariamente, a questão da


classificação mereceu, contudo, reservas entre os próprios kantianos.

Pareceu a muitos que não poderia adotar um critério de classificação lógica dos juízos,
para organizar categorias de conteúdo.

Além disto, dever-se-ia examinar com subtileza se entre as categorias de Kant, algumas
deveriam ser removidas para o plano dos modos transcendentais (no sentido escolástico).

315. O construtivismo de Kant segue para novos empreendimentos, desta vez para a
criação de "idéias" (no sentido de idealismo). A faculdade do entendimento produziria
"conceitos", que são parte do juízo. Entra agora em ação a faculdade da razão,
primeiramente como pura, depois como prática. Ordenando os juízos em argumentos,
obtém conclusões, cuja denominação técnica, que os distingue dos conceitos, é o
de idéias.

Sob os fenômenos sensíveis, calcula a razão existir uma realidade; mas esta realidade é
apenas uma idealidade. A idéia mais geral, neste plano é a do mundo.

Sob os fenômenos da consciência, sob o eu lógico, calcula ocorrer um eu psicológico,


que também não passa de uma idealidade. A idéia mais geral neste plano subjetivo é a
de alma.
Como causa total imagina-se a razão, que exista um Deus. É este, alcançado por esta via,
também só uma idéia geral.

Em resumo, as idéias, mesmo as do mundo, alma e Deus, caem no vazio, adverte o


mesmo Kant. Elas foram obtidas por meio de juízos igualmente formais, aprioristicos,
como valor meramente "transcendental" e imanente.

Para Kant o termo "Transcendental", leva aqui o significado muito específico de "forma
apriorística", de consistência meramente subjetiva.

Ora, se as peças do raciocínio são apenas de papel, não podem produzir outro material de
maior consistência. O transcendental somente poderia resultar em conclusões meramente
ideais; por isso, o mundo, a alma, Deus, não passam de idéias, quando resultam de um
raciocínio que opera com juízos meramente formais.

Semelhantemente, as ponderações em ordem à ação prática, constroem-se sobre a esteira


de apriorismos desligados da consistência real.

Observa-se, em Kant, um espírito refinadamente crítico, depois que reduziu o fenômeno à


sua pura fenomenalidade. Nada extrai do fenômeno. Nada de enxergar essências e outros
bichos metafísicos nas cores, nos sons, no tato, no gosto e nos perfumes. Nada de
perspiciências a descobrir coisas no fundo daquilo que se apresenta.

Diante de tamanho construtivismo, a inteligência se nos afigura como fada de muitas


varinhas mágicas, ora a surgirem pelos sentidos. Ora pelo entendimento, ora pela razão
pura, ora razão prática.

E ainda poderá haver mais surpresas com muitas varinhas, pois nos falta ver o vai
acontecer nas faculdades do juízo e do sentimento, que Kant foi descobrir em época
tardia na florestas mágica do idealismo.

316. Qual seria o valor, na ordem real, daquelas noções que os escolásticos denominam
transcendentais, como o verum, bonum, o belo e outras? Kant situou o belo como uma
noção somente alcançável por uma faculdade de ordem muito especial, que
designou Faculdade do juízo.

Alcançaria a faculdade do juízo ao objeto apenas como um todo, julgando-o em função


de um arquétipo, ou finalidade formal.

Esta determinação que o objeto adquire, segundo a qual se diz belo, que valor teria sob o
ponto de vista de seu conteúdo na ordem real?

Eis onde novamente Kant atribui mais esta noção à atividade construtivista da mente.
Nada busca no fenômeno sensível, nos sons, no tato. Ainda nada contém os objetos do
entendimento nem as idéias da razão; agora, nem sequer valor concede às afirmações da
faculdade do juízo.

O belo cai no vazio, como afirmação pura, porque os arquétipos, em função do qual um
objeto se diz ajustado, não se configura senão como outras tantas construções
apriorísticas. A faculdade do juízo lança por sobre a variedade dos objetos as finalidades
formais, como os gêneros e as espécies. Organizando tudo, de sorte a termos a impressão
que ditas coisas são belas, porque se ajustam às finalidades formais, não o são contudo na
ordem efetiva; é que os próprios arquétipos não se constituem em módulos de valor
ontológico.

Muito variada é a sorte da metafísica e do bel nas variadas doutrinas.

Em Platão os moldes eram absolutos e até idealidades reais em um mundo além.

Moderado, Aristóteles situou as essências na intimidade da coisa singular, atribuindo-lhe


todavia uma validade ontológica absoluta, igualmente válida para todos os indivíduos.

O neoplatônico Plotino põe as idéias de Platão, agora convertidas apenas em imagens, na


inteligência do Logos, que por sua vez derivava do Uno.

Tomás de Aquino aprofunda a essência absoluta de Aristóteles, combinando-a com o


exemplarismo de Platão, repondo a eternidade das essências absolutas na natureza divina.

Principiou a quebra do absoluto como o voluntarismo divino de Duns Scotus, que


sujeitou a índole das essências à vontade divina.

Descartes retomou o voluntarismo divino.

Chegamos enfim a Kant, que converteu o belo a priori da faculdade do juízo.

Conservando embora a conceituação clássica da metafísica na parte que diz respeito à


essência, Kant contrariou-a integralmente no setor referente ao conteúdo da realidade.

E assim o belo, que chegara a constituir-se na beleza por um ajuste com uma forma
arquétipa de consistência apriorística, tombou no interior vazio de um mundo irreal.

No racionalismo de Kant, o homem tornou-se "a medida de todas as coisas" até no campo
da metafísica.

As coisas se dizem belas enquanto se ajustam nas medidas dentro das quais as podemos
receber.

O belo adquire feições antropológicas, com outros olhos e com outros ouvidos e
particularmente com outra faculdade do juízo, seriam também outras as belezas que
haveríamos de apreciar.

Escreveu Kant a propósito do apriorismo das faculdades:

"Na família das faculdades de conhecer superiores há um termo médio entre o


entendimento e a razão. Este é o juízo, do qual há motivo para supor, por analogia, que
encerra em si igualmente, se não uma legislação própria, ao menos seu próprio princípio,
um subjetivo a priori" (Crítica do juízo, intr. I).

Pormenorizando, prossegue mostrando que o juízo, enquanto julga os dados em função a


um arquétipo geral atua dando-se a si mesmo esta lei: "O juízo reflexionante, que tem a
tarefa de ascender do particular na natureza ao geral, necessita, pois, um princípio que
não pode tomar da experiência, porque este princípio justamente deve fundar a unidade
de todos os princípios, igualmente empíricos, porém mais altos, e assim a possibilidade
da subordinação sistemática de uns aos outros. O juízo reflexionante pode pois somente
dar-se a si mesmo, como lei, um princípio semelhante transcendental, e não tomá-la de
outra parte (pois então seria juízo determinante) nem prescrevê-lo à natureza, porque a
reflexão sobre as leis da natureza rege-se segundo a natureza, e esta não se rege segundo
as condições pelas quais nós tratamos de adquirir dela um conceito que, em relação a
essas, é totalmente contingente".

317. Que faz uma indução, senão revelar uma forma absoluta? Mas, os dados empíricos
que uma indução arrola, para inferir uma conclusão absoluta, não contém esta afirmação.
É que os dados não encerram senão sua fenomenalidade; mostram-se simplesmente e não
contém a forma que devam ser, não se encontra neles o fim a que devam subordinar-se
como idéia exemplar. Eis porque, para Kant, embora admita o absoluto, este não se
impõe senão como uma forma a priori.

Os gêneros e as espécies, que a indução empírica, por arrolamento vai inferindo, não
encontram por conseguinte fundamento nos próprios fenômenos; resultam como
dispositivos a priori.

Consequência final: a consistência das coisas reduz-se à mera cristalização de formas


subjetivas, cujo brilho é uma beleza no vazio. Não obstante no vazio, ela move a
consciência, que vive a esteticidade do mesmo modo que aquele que supõe ser o belo
uma realidade na coisa em si.

§ 2. O idealismo estético de Hegel. 0764y318.

319. A compreensão plena da teoria estética de Hegel requer atenção ao sistema


filosófico em que se entrosa. Fundamentalmente o metafísico alemão pressupõe, à
maneira de Plotino, que o ser Absoluto, Deus, isoladamente não opera de maneira a
exercer conhecimento.

Para Plotino, o uno supremo, concebido como o maximamente simples, não poderia por
definição admitir uma dualidade como pareceria ocorrer no processo cognoscitivo; este
se mostra essencialmente discursivo, opondo-se nele sujeito e objeto.

Deus, - ainda segundo Plotino, - apesar de maximamente Uno é o sumo Bem, cujo caráter
é o de expandir sua bondade; cria, portanto, necessariamente. Dali vem que de Deus
procede o Logos, deste a Alma do Mundo, ainda por meio deste as almas individuais,
enfim a matéria.

Em Hegel ocorre algo de semelhante: Deus, num primeiro instante, isoladamente em sua
noção, não seria pensamento.

Mas, ao principiar o exercício de pensar, antepõe-se a si mesmo como objeto.


Depois, numa perspisciência mais profunda, vê que o anteposto não é apenas uma
natureza ( ou mundo) mas ele mesmo, que assim se projetara diante de si. Assim sendo,
tudo é senão a idéia, - o idealismo e o panteísmo.

Ocorre um contraste entre Plotino e Hegel.

Em Plotino Deus está no início como o maximamente perfeito, pelo menos em tese; o
restante é criação por superabundância, sem ter uma distinção do mesmo Deus, à maneira
do panteísmo.

Em Hegel Deus é o início de uma linha evolutiva. Na dinâmica dialética do ente, - o


início do movimento começa num instante zero, tal como o ponto, praticamente nada,
como um momento negativo. A totalidade é Deus, ou o Espírito Absoluto. Mas este Deus
principia num instante em que ele é um quase nada, a união do ser e do não ser.

Depois se constrói a si mesmo como uma expansão atômica universal (comparação que
todavia não é de Hegel), produzindo-se como espaço imenso.

Em Plotino encontra-se como equívoco não ter conseguido ver que o intelecto poderia
estar em Deus; e ainda não compreende que a criação necessitante não se coordenaria
com a liberdade divina.

Hegel introduz a inteligência na divindade, porém como discursividade, o que


exatamente não quisera Plotino, porque a discursividade implicaria em limitação; esta
consistiria em pressupor um instante menor e outro mais; um momento em que a
inteligência não conhece e outro em que passa a conhecer; além disto, a discursividade
resulta em divisão, o que também é inadmissível em um ser absoluto.

Num visão aristotélica do assunto, Deus é ele mesmo o pensamento: "pensamento de


pensamento" (Arist., Met. 1074b 34); "forma sem matéria", continua o mestre do Liceu;
"ato puro", virá esclarecer Tomás de Aquino. Em sendo infinito, sem matéria, plenamente
realizado na ordem do ser, nada encontra-se fora dele, que já não se encontre dentro dele.

320. Para Hegel, todo ideal é real, porque somente existe o ideal. E assim se encaminha
também a idealidade do belo.

Imagina Hegel a totalidade das coisas como uma alma imensa, que passa a ter
consciência a começar de um núcleo central e inicial. Dali vai progredindo, por oposições
dialéticas e respectivas sínteses, avançando sempre na direção exterior, até completar a
geral conscientização.

Cada momento desta marcha assume nome diferente e exprime uma parte do todo. O
primeiro instante é a noção abstrata e quase vazia do ser; a totalidade , depois de
completado o movimento de tomada de consciência, é o espírito Absoluto.

Há, entretanto, muitas maneiras de progredir de um ponto inicial até a totalidade.


Poderíamos marchar em círculos concêntricos, saltando de esfera em esfera, tal como os
antigos se imaginavam o sistema do mundo.

Também se pode progredir do centro para fora, seguindo a marcha de uma espiral que, a
medida que vai dando volta, segue sempre mais para a face exterior. Na espiral ocorre a
importante característica de que é uma única peça a progredir; ao passo que nos círculos
concêntricos são diferentes camadas simplesmente sobrepostas. Para Hegel, o espírito
Absoluto que é a totalidade, não se distingue do primeiro instante; é a mesma grande
realidade, que em diferentes posições, exerce graus de consciência limitada.

O sistema de Hegel também se pode comparar como o novelo de linha, que vem de um
eixo inicial, enrolando sempre até completar-se na última volta exterior. As muitas coisas,
que se nos oferecem dentro da consciência e fora dela no mundo concreto da natureza,
não passam de chispas da mesma luz que é o espírito absoluto, a afirmação sintética total.

321. Dali resulta que a lógica do pensamento, a filosofia da natureza, a arte, a religião, a
filosofia se constituem como momentos abstratos de um mesmo pensar. Isolamos
momentos que não se constituem como partes individuais; todos os momentos, o são de
uma só grande idéia, o espírito absoluto. Portanto, nada é real mas tudo ideal como o
espírito absoluto. O belo, em qualquer concepção que se o conceba, é sempre ideal,
nunca real e concreto.

Na espiral evolutiva, que vai do núcleo inicial, à plenitude do espírito absoluto, a


evolução se faz ainda de maneira mui original, porque em forma dialética, unindo
contrários em novas sínteses. Estas, como novos todos, voltam a ter seus contrários e
então surge pela nova união dos contrários, nova síntese.

A famosa dialética de Hegel empresta uma característica muito especial ao seu sistema.
Não visamos entretanto isto em primeiro lugar aqui. Mas seu idealismo evolutivo, que vai
de um momento inicial até um último, em que cada idéia é apenas um momento abstrato
do todo ideal. Por isso também o belo e a arte se reduzem apenas a momentos da idéia.

322. A marcha dialética principia com a noção a mais geral de ser como tal; neste plano
se exercem todos os passos dialéticos da lógica. Como um todo, a lógica é uma tese.

Do outro lado, como antítese e oposta à tese, surge a natureza, o mundo exterior.
Também aqui se exerce todo um complexo interno de teses e antíteses, com as
respectivas sínteses.

A síntese, reúne ambas os contrários, no espírito absoluto. Também este se desenrola


internamente

Cada instância admite a subdivisão em termos de dialética interna. Em virtude da


localização do artístico apenas na afirmação dialética do Espírito absoluto, ocupar-nos-
emos tão só da movimentação interna deste.

A noção do espírito começa a se formar no instante em que surge a consciência de que a


natureza, enquanto oposta ao conceito, o nega. Assim surge o consciência do espírito
como síntese de conceito na natureza, ou sujeito-objeto. Portanto, a tese e a antítese
fizeram a síntese.

O espírito passa a progredir. Primeiramente afirma-se como


espírito subjetivo (consideração subjetiva do indivíduo). Como antítese surge logo o
espírito objetivo ( a espécie humana , de onde surge o direito, a moralidade, a eticidade).
Sobressaindo sobre o espírito subjetivo e objetivo, forma-se a síntese suprema, o espírito
absoluto; vê-se, o espírito, como manifestação que ocorria tanto no subjetivo como no
objetivo, em forma de oposições, mas que se unem em um só espírito absoluto.

Tudo se dá, pois, em cerrada progressão dialética, em que cada momento é seguido de
outro, ora negando (por antítese), ora afirmando (por síntese).

Restritos agora ao espírito absoluto, onde se situa o artístico, passamos a dizer que este
espírito absoluto, se manifesta primeiramente nas obras de arte, como mensagens que são
de um pensamento do artista. A conscientização é evidente, embora limitada pela matéria.

A manifestação da idéia não se procede por igual nas diferentes artes; estas princípio é
aproveitado por Hegel para uma classificação, no tope da qual situa a poesia.

O belo é o sensível naquele instante em que é visto como etapa dialética do espírito
absoluto.

Na religião, antítese da arte, a idéia se interioriza. Não alcança, ainda a religião plena luz,
ofuscada que se conserva em símbolos e sentimentos cegos. Num salto imenso e final,
ocorre a afirmação sintética total, com a filosofia. Eis, então, chegada a conscientização
do espírito absoluto. Diante do exposto, o pensamento é história; toda a marcha da
consciência é a "história da filosofia", em que cada momento era uma verdade parcial; a
filosofia é o termo final da história.

323. Definida a arte como "expressão do pensamento", que faz da obra um instrumento
de mensagem, a definição de Hegel, nos parece efetivamente certa.

Além de interpretar a obra de arte como manifestação teorética do pensamento, via nesta
expressão a primeira manifestação do espírito absoluto. Este aspecto novo, em que a arte
exerce uma posição sistemática de ordem metafísica, não altera o conceito que Hegel
exercia a propósito da arte como expressão sensível de uma idéia.

Mas que era a referida manifestação do espírito absoluto? Para Hegel, como vimos, a
realidade total não é senão um só grande Espírito, cujo momento inicial é de um mínimo
de consciência e que passa a uma evolução constante.

Depois de conhecer a natureza exterior como parte do seu próprio espírito, subitamente
passa a perceber esta peculiaridade; a obra de arte, embora sensível, começa a falar,
transmite mensagem, diz algo, eis que isto representa um primeiro instante da
manifestação do espírito absoluto.

A arquitetura não é apenas natureza; fala como um símbolo; assim também fala a música;
principalmente transmite mensagem a poesia que se configura portanto como a mais
elevada manifestação do espírito no plano sensível das artes.

O que, por conseguinte, Hegel acrescentava à natureza da arte era uma interpretação
metafísica, que não alterava ao conceito em si mesmo da arte. Esta, sob o ponto de vista
metafísico, seria a conscientização do espírito absoluto em plena marcha, superando a
matéria no instante em que impunha à matéria a expressão de cada idéia.
Nada perdeu a conceito de arte de Hegel, ao asseverar que a religião, em seu momento
dialético, fala de modo mais desenvolvido e amplo que a arte.

Nem fica prejudicado seu conceito de arte, quando ao final diz que a filosofia constitui a
conscientização máxima do espírito.

Na verdade a expressão artística não passa de uma sensível maneira de manifestar a idéia,
que na religião e na filosofia se alçam à plenitude.

§ 3. O idealismo estético de Croce. 0764y325.

326. Por algum tempo foi notória a publicidade e influência de Benedetto Croce (1866-
1952) em assuntos atinentes à filosofia da arte, especialmente à estética literária. O que,
entretanto, nos faz aludir agora ao mentor do hegelianismo italiano é sua nova
modalidade de idealismo dialético, na qual também ocupa seu espaço o belo.

Ao escrever seu famoso tratado O vivo e o morto na filosofia de Hegel (1909), podou,
porque os julgava inaceitáveis, alguns aspectos do hegelianismo.

De maneira geral Croce abrandou o idealismo dialético de Hegel, ao qual atribuiu um


leque maior de variação. A realidade não evoluiu dialeticamente para uma só direção
final suprema, que fosse o espiritual racional, porém para diversas direções, cada uma
com personalidade própria. Assim alcançou a dialética idealista de Croce, com
seus graus distintos do espírito, um lugar mais ao sol para a arte.

Se em Hegel os novos graus iam depreciando os anteriores, em Croce eles como que se
justapõem. Enquanto o dialeticismo hegeliano transitava da arte para a religião, desta
para a filosofia, a nova concepção dos graus distintos desenvolve-se à maneira de leque.
Se em Hegel os graus anteriores são como que momentos abstratos, em que se
movimenta o pensar, até alcançar o todo concreto do Espírito Absoluto, em Croce os
diversos graus se constituem como situações efetivas, e não como simples abstrações.

Mas, para Croce, como em Hegel, tudo é espírito, tudo idealidade. Apenas alterou
detalhes do idealismo, cujo fundamento epistemológico continua o mesmo. Antes de tudo
importa decidir, se o idealismo se pode manter como verdade.

Retendo Croce todavia os fundamentos do hegelianismo, comprometeu-se com as


dificuldades destes mesmos fundamentos. Como conseguiria explicar o monismo em que
o absoluto é concebido em evolução do menos para o mais? Como justificaria a própria
dialética, quer a de Hegel, quer a sua? Importa decidir se também isto está morto para
uma filosofia levada à sério.
327. Organizou Croce os conceitos em distintos e em contrários. Como distintos se
apresentam os conceitos de coisas, que não se opõem, mas também não se confundem e
nem se identificam. Os contrários são os que se opõem.

"Na investigação da realidade nosso pensamento se exerce em presença não só de


conceitos distintos, mas também de conceitos contrários, os que não podem ser
identificados com os primeiros, e nem sequer considerados casos especiais daqueles, i. é,
como uma classe de conceitos distintos. Uma coisa é a categoria lógica da distinção, e
muito outra a categoria da oposição. Dois conceitos distintos, como já se tem dito, se
unem entre si, ainda que em sua própria distinção; dois conceitos contrários parecem
excluir-se: onde aparece um, o outro desaparece totalmente...

Exemplo de conceitos distintos são os já mencionados de imaginação e inteleto e muitos


outros que poderiam agregar-se, como ser, direito, moralidade e infinidade de conceitos
similares.

No que diz respeito ao exemplo de conceitos contrários, pode-se extraí-los de numerosas


associações de palavras que tanto abundam em nossa linguagem e que não constituem,
por certo, associações pacíficas e amistosas. São, por exemplo, os termos antitéticos
de verdadeiro e falso, de bem e mal; de belo e feio; de valor e desvalor; de prazer e dor;
de atividade e passividade; de positivo e negativo; de vida e morte; de ser e nada, etc.

Não se pode, pois, confundir a série dos distintos, com os contrários" (Croce, O vivo e o
morto em Hegel, item 1, p. 16-17).

Cedeu Croce ao fato, ainda que isto fosse uma diminuição do logicismo da unicidade.
Efetivamente há manifestações que não se apresentam como contrárias, mas são apenas
distintas. Foi um recuar em relação a Hegel e um aproximar-se a Aristóteles.

Em Croce o belo se mantém como o contrário do feio. Mas, nem tudo se opõe ao belo
como seu contrário. Por isso, ao lado do belo ocorrem elementos que dele se distinguem e
que por isso não se eliminam com a afirmação do belo. Já ocorreria em Hegel esta
possibilidade, visto que fazia oporem-se entre si os conceitos; a arte era superada pelo
religião, esta pela filosofia.

Os graus distintos supremos, da dialética dos distintos de Croce, se esquematizam em


número de quatro, estes em grupos de dois, em que um destes grupos é teorético e outro
prático. Eis o quadro:

Grupo de sínteses teoréticas:

- primeiro grau, a síntese imaginativa (ou intuição artística);

- segundo grau do espírito, a síntese lógica (ou filosofia);

Grupo de sínteses práticas:

- terceiro grau, economia;


- quarto grau, moral.

Pelo visto, o grau distinto inicial se refere à intuição artística.

Tudo isto, apesar de se constituir como grau distinto (e não como contrário) é idealidade,
simples elemento composto do Espírito Absoluto.

A diferença gnosiológica entre Hegel e Croce apenas ocorre, no que concerne ao


idealismo, em que para o filósofo alemão o Espírito se manifesta só com oposições; para
o italiano, também em graus distintos sem oposição. Quanto ao belo, também é
inteiramente ideal, não importando em qual dos distintos ou graus contrários seja posto.

Para Croce, conforme se viu, o belo surge como contrário do feio; neste ponto ocorre
ainda a manutenção de Hegel.

Contudo, o belo não se pode definir em função ao contrário, apesar de possuir um seu
contrário. O possuir um contrário é propriedade do belo, nunca, porém, essência
constitutiva de algo.

329. Avaliação. De maneira geral, toda a questiúncula de Hegel e Croce referente aos
contrários e aos graus distintos é de ordem superficial, porque divide o ser em função às
propriedades. Ora, em sendo propriedades, estas não derivam de todos os seres. Têm os
diversos seres propriedades. Uma destas propriedades é a de terem graus; outra é a de
terem contrário; outra ainda é a de terem semelhantes.

Frisou Aristóteles que somente a categoria da qualidade possui a propriedade de ter


semelhante. A propriedade de o ser possuir graus e contrários ocorre também na
categoria de qualidade, mas não em todas as qualidades individualmente.

Observam também subtilmente os aristotélicos, que algumas propriedades se dizem de


várias categorias de ser, outras não. Estas propriedades que alcançam várias, foram
denominadas pós-predicamentos. De maneira geral não podem constituir questão
decisiva na organização dos seres.

§ 4. A estética na filosofia dos valores. 0764y330.

331 Determinados como absolutos, na ordem da essência, os valores não se configuram


como realidade ontológica no plano do objeto.

Como aliquid, como contrário portanto do nada, como ex-sistência, os objetos atingidos
pela intencionalidade emotiva, se constituem apenas como o a priori do emocional.

Combatendo embora toda a espécie de nominalismo, Max Scheler (1874-1928) não se


opõe todavia integralmente ao kantismo.
É também possível defender a realidade das coisas e contudo manter a índole irreal e
imanente dos valores. Esta filosofia sempre a distinguiu entre coisa e valor; em assim o
fazendo, abre a possibilidade de um realismo no plano da coisa e o de um imanentismo
transcendental meramente lógico no dos valores.

Por vezes não sabemos ao certo o que os filósofos dos valores efetivamente pretendem
afirmar.

Teria Max Scheler defendido uma tese transcendentalista para ambos os elementos, para
a coisa e para o valor? Como tudo apresentou, pode-se acreditar que sim.

Diferenciando-se, teria Nicolai Hartmann (1882-1950) estabelecido um realismo para as


coisas e um transcendentalismo para o valor?

Além de ocorrerem mudanças de posição ao longo da vida de um filósofo inovador, ainda


poderá não ter utilizado os termos em acepção idêntica e óbvia.

333. A fenomenologia de Edmund Husserl (1859-1938), na qual se inspiraram Max


Scheler e Nicolai Hartmann, insiste no caráter inteiramente intencional do conhecimento
a marchar para um objeto. Mas este objeto se reduz enfim em pura imanência no recinto
interno do sujeito.

Max Scheler enveredou pela mesma trilha.

Nikolai Hartmann se retém com moderações.

Distinguindo entre coisa e valor, para Scheler estes valores não se encontram nas coisas,
mas na pessoa que as realiza. A coisa, aliás, é um objeto sem conteúdo real. Não se
poderia esperar conteúdo ontológico para valores que vão morar em um objeto imanente.

Localizando o valor na pessoa, a respeito desta desenvolveu uma teoria muito peculiar.
Interpretando-a embora de maneira imanente e sem conteúdo real, no sentido aristotélico,
não tomou contudo a direção do panteísmo generalizado, nem do associacionismo
empírico.

O belo, situado entre os valores, tem a sorte destes.

ART. 3-o. ESTÉTICA REALISTA. 0764y335.

336. O realismo e as validades ontológicas em geral vêm sendo mantidas por uma
pertinaz corrente de pensadores aristotélicos, sob as mais diversas tintas, geralmente
escolásticas.

Também realistas, certas filosofias positivistas e materialistas contudo não mantêm as


validades ontológicas. Semelhante é o realismo de Sartre.
337. Para a estética realista, as coisas belas são reais. A determinação que as faz serem
belas, outra vez é real; desta vez é uma qualidade, porém real. Enfim, os arquétipos, em
função dos quais uma coisa se diz perfeita, são de validade ontológica, independente da
estrutura do conhecimento.

Eis o espírito da metafísica do belo, em termos realistas, como poderiam caber no sistema
de Aristóteles e Tomás de Aquino.

Até certo ponto este também é o espírito de Platão; mas geralmente o platonismo tende,
nos seus sucessores, para o racionalismo dos arquétipos, até que na filosofia moderna vai
ao conceptualismo puro.

Também o positivismo e o existencialismo propendem para admissão da realidade


exterior. Mas, no que diz respeito à validade dos universais, são nominalistas. Não há
arquétipos, em função dos quais os indivíduos se modelam. Somente há posição pura,
sem essências a obedecer.

338. Como se prova o realismo, e com isso criando as bases do belo como determinação
de algo real? Admitem uns a realidade como apreensão imediata, bastando portanto a
fenomenologia. Outros querem estabelecer a realidade como de evidência mediata,
importando por conseguinte uma prova cursiva.

A apreensão imediata do mundo exterior, sem o recurso a processos raciocinativos, leva o


nome de realismo imediato. Tem os realistas imediatos a convicção de que somente a
visão explícita imediata pode oferecer a realidade: as outras vias não seriam legítimas.

Os antigos em geral, como Platão e Aristóteles, e depois também os medievais, trataram


da realidade como sendo de evidência imediata, ainda que não a examinem com exaustão.
Só nos tempos modernos a questão do realismo se tornou um questionamento exaustivo,
mesmo entre os realistas imediatos.

Existencialistas, como Sartre, insistem que não se pode fazer legitimamente a distinção
entre fenômeno e realidade; o fenômeno seria a mesma realidade.

"L’être d’un existant, c’est précisément ce qu’il parait. Ainsi parvenon-nous à l’idée
de phénomène, telle qu’on peut la rencontrer par exemple, dans la "phénomélogie" de
Husserl ou de Heidegger, le phénomène ou le relatif-absolu. Relatif, le phénomène le
demeure car le "paraitre" suppose par esence quelqu’un à qui paraitre. Mais il n’a pas la
double relativité de l’Erscheinung kantienne. Il n’indique pas, par-dessus son épaule, un
être veritable qui serait, lui, l’absolu. Ce quíl est, il l’est absolument, car il se
devoile comme il est. Le phénomène peut être êtudié et décrit en tant que tel, car il
est absolument indicatif de lui-même" (Sartre, L’être et le neant, Intr. 1, p., 12).

Já outros acham apenas possível a marcha discursiva, de sorte a se estabelecer um


realismo mediato. Assim operaram os racionalistas cartesianos. Mais recentemente, o
realismo mediato foi tentado por alguns neo-escolásticos, como Cardeal Mercier, Donat S.
J. , De Vries, S. J.
339. E os universais? Estes funcionariam como arquétipos, no que diz respeito ao belo.
Pretendem os aristotélicos, contra Platão, que tudo inicie na apreensão do ser sensível
particular; por abstrações sucessivas chegar-se-ia às noções gerais.

Há duas modalidades fundamentais de abstração, a total e a formal.

Pela abstração total dispensam-se os sujeitos, para se reter a forma; seria como quando
abstraímos a forma planta, de seus sujeitos portadores, de sorte a ficar apenas a planta em
geral. Nestas mesmas condições nasce a noção de ser em geral.

Prosseguindo, a abstração formal fica trabalhando somente na forma, dissolvendo a


mesma forma em novas formas abstratas; destes muitos estratos resulta haver as noções
que chamamos categorias ou modos especiais do ser (substância, qualidade, quantidade,
relação, tempo, lugar, posição, ação, paixão, posse) e modos transcendentais, ou modos
gerais do ser (ens ut sic, res, unum, verum, bonum, aliquid).

Que valor teriam tais noções no plano ontológico? Uma vez admitida a realidade dos
dados singulares sensíveis de que foram abstraídas as noções, dependem radicalmente
dos referidos dados singulares sensíveis. Se os dados fossem fenomenais (imanentes) não
poderiam os subprodutos abstrativos ser menos imanentes. Mas, se forem reais, resta
apenas apurar se, com a abstração, conservaram a característica real, isto é, ôntica.

Suponhamos que os dados contenham confusamente os elementos ontológicos universais


absolutos. Então basta abstrair, separando entre si os aspectos singulares individuantes, e
a seguir redividir a forma universal em suas categorias e modos transcendentais.

Efetivamente, é o que se há de fazer, e não há outro caminho. O que confusamente os


dados concretos e singulares oferecem de absoluto, já existe desde o primeiro instante do
dado. A abstração apenas afasta o aspecto singular da forma, e a esta redivide em seus
muitos modos. Não acontece, então, neste procedimento uma caminhada ilógica do
menos para o mais, porém, só uma explicitação mais incisiva.

Destas maneira salvam-se, como ontologicamente válidos, pelo lado exterior do processo
cognoscitivo, os gêneros supremos dos seres e que funcionam como arquétipos, em
função dos quais as coisas podem ser ditas belas.

Índole inabalável dos arquétipos. 0764y340.

341. Haveria conceitos absolutos, essências eternas, modelos imutáveis que uma vez
realizados pelos seres individuais, faria haver coisas perfeitas? Sem um termo absoluto de
referência, - e que já encaminhamos antes (vd 238), - não poderia haver situações que se
pudessem dizer mais perfeitas e menos perfeitas com validade também absoluta.

Sem o referido termo absoluto de referência, todas as situações seriam metafisicamente


indiferentes ao que eventualmente fossem. Eis um problema de ordem eminentemente
metafísica. Somente poderíamos , sem modelos absolutos, cogitar de perfeições relativas
e precárias. Escolhido um modelo hipotético, em função a este as coisas se dirão perfeitas.
Não haveria falsas filosofias, mas um sistema seria falso em função a uma outra eventual
filosofia . Para Aristóteles seria falso o platonismo, porque não coincide com seu sistema
pessoal. De novo seria falso o aristotelismo para um kantiano.

Numa ordem inteiramente universal, a indagação, - se o absoluto de fato ocorre, se


apresenta de resposta mais difícil. Não se discute a possibilidade dos modelos relativos e
hipotéticos, não se trata de valores eventualmente válidos em uma civilização
determinada. Nem se discute a relatividade da inspiração artística, variável de acordo
com os ideais do artista; o belo em sua apreciação subjetiva não se confunde com o que
ele poderia ser na ordem inteiramente objetiva. O belo, neste plano objetivo e totalmente
metafísico, seria também ele absoluto.?

342. A eternidade das essências é negada por aqueles que entendem que tal circunstância
limitaria a liberdade divina; Deus seria o autor da própria formulação das essências, de
onde resultaria que por sua determinação tais são as atuais noções de ser, de bem, de
verdade, de beleza, de numeração como dois mais dois são quatro.

Este voluntarismo foi defendido por Duns Scotus (1266-1308). Foi também o
pensamento de René Descartes (1596-1650) e Leibniz (1646-1716), os dois principais
representantes da primeira fase do racionalismo moderno.

Emanuel Kant (1724-1804), inaugurando a segunda fase do racionalismo moderno, ainda


retém o caráter absoluto da essência, mas desta vez como simples forma apriorística do
entendimento e da faculdade do juízo.

Quebrada embora a eternidade integral no sentido platônico e aristotélico, as essências


contudo firmavam-se na decisão estável de Deus, ou de uma situação apriorística das
faculdades do homem. E por isso era possível ainda enunciar o conceito de perfeição de
maneira mais ou menos absoluta e metafísica.

Mas, no campo da filosofia de natureza empirista e positivista mostrou-se logo


impossível manter qualquer essência absoluta; o relativismo ganhou corpo. O
historicismo de Guilherme Dilthey (1833-1911) representa um esforço notável de
estabilização dos valores movediços do relativismo firmando-os em um certa
continuidade histórica.

De acordo com uma concepção platônica, aristotélica e tomista, a possibilidade interna


dos possíveis dependeria do ser e não da inteligência

343. A última razão das essências repousa na natureza divina e não em sua vontade
onipotente.

A mutabilidade ou imutabilidade, é um conceito que indica propriedade; esta decorre da


essência. Ora, a essência é anterior à vontade. Logo, qualquer seja a propriedade de uma
de uma essência ela não muda por obra da vontade. Se uma essência fosse mutável, ela
continuaria mutável, ainda que posteriormente a vontade quisesse interferir. E assim
também a imutabilidade não sofre possível transitar de uma essência a outra, mas não
mudar uma em outra. Ocorre citar aqui o exemplo feliz de Aristóteles: "tal como se uma
das partes de que o número é constituído fosse um outro número, por menor que fosse o
acréscimo, ou a diminuição, assim nem a definição, nem a quididade permanecem as
mesmas, se delas se apara ou se acrescenta qualquer elemento" (Metafísica 1043 b. 37 ss).

A essência absoluta é Deus; por isso, em última instância, a imutabilidade das essências
repousa na concreta imutabilidade da essência divina. Como a montanha assenta
inabalável sobre seus fundamentos, a totalidade indefinida das essências, as mais diversas,
assenta na imutável essência divina. Deus não age contra as essências, porque seria uma
ação contra si mesmo. Sua vontade em última instância, também se identifica com a
natureza eterna. Deus quer livremente existir necessariamente... Ocorre um círculo, mas
semelhante àquele que define a linha reata como aquela sequencia de ponto cujo raio se
situa infinitamente distante, no infinito, a reta e o círculo conferem.

A localização das essências no recinto da natureza divina e não em sua inteligência,


resulta em que as coisas do mundo não representam antes de tudo as idéias de um Deus
Artista, mas as natureza divina. Certamente que Deus criador, opera com a vontade e a
inteligência, mas as essências arquétipas constituem primeiramente de sua própria
essência, dela tomando a firmeza do seu caráter absoluto.

Neste particular, Deus é apenas o Demiurgo de Platão. O defeito da concepção platônica


não se encontra no caráter "eterno" das "idéias reais" segundo as quais o Demiurgo
organizava o mundo, mas em não ter unido as partes num único ser supremo.

O demiurgo, como que postado comodamente de um lado dos céus, via de outro as idéias
reais, brilhantes, perfeitas e belas. Como essências intocáveis. Fazia jorrar a luz destas
mesmas idéias sobre o caos imenso do mundo ascendendo as formas sublimes das
montanhas, despertando o colorido das pétalas das flores, dando brilho ao mar em
jogando a luz sobre as ondas. Reduzindo, entretanto, tudo isto a uma formulação poética,
filósofos posteriores fundiram no mesmo ser absoluto, as essências eternas e o Demiurgo.

344. Concluindo mais um capítulo, este foi o que conduziu ao detalhe a questão penosa e
fundamental do belo como um aliquid, portando do belo enquanto surge como objeto e se
nos antepõe.

Para uns se antepõe apenas como coisa ideal, não existindo para além do espaço mental.
Para outros, existe também como coisa em si, não dependendo só da consciência.

CAP. 6-o
O QUE O BELO NÃO É. 0764y345.

346. O espírito singularmente polêmico do homem leva-o também a determinar a


natureza de um objeto, a partir da eliminação daquilo que ele não é.
Quando o pensamento parte do que é, para o que não é, torna-se crítico. No pensamento
crítico, a evidência clara (não obscura) se encaminha para a evidência distinta (não
confusa). Numa eliminação constante, num cerco cada vez mais fechado, a noção
verdadeira vai sendo caçada e finalmente colocada como única verdadeira.
Para obter a noção do belo, Platão já adotava o expediente da pergunta pelo que não é.
Em Hípias maior inicia pela pergunta, se o belo é o ouro, se a donzela, se a divindade.
Apertando o cerco, se aproxima finalmente de sua essência.

Em princípio, o processo eliminatório não se mantém na pura eliminação. Algo deve já


ser conhecido, para estabelecer comparações. Quem pergunta, já sabe algo. Importa
conhecer pelo menos um dado concreto, por exemplo, algo que é dito belo com um fato
fenomenologicamente constatado. O próprio dado fenomenológico também importa em
ser suficientemente examinado no instante do é. Este comportamento, aliás, importa
desde o início de qualquer Tratado do belo. Apenas acentuamos agora a pergunta pelo o
que o belo não é.

Posições históricas sobre o belo hão de ser examinadas, porque apresentam muito de
contrárias entre si, ao mesmo tempo que de próximas. Não podemos ir ao exame de todas
as opiniões, quando numerosas e complexas. Todavia, devemos alargar-nos bastante
nesta tarefa.

Posições fundamentais são principalmente as de Platão, Aristóteles, Plotino, Diderot,


Baumgarten, Kant, Schiller, Hegel.

Alguns, como Kant, trataram mais do belo, que do artístico; outros, como Croce, mais do
artístico, que do belo. Ainda que devamos conhecer bem as posições históricas, o que
mesmo importa aqui é discutir teses. A repetitividade, já peculiar à didática,
evidentemente irá acontecer, ao se discutir o que o belo não é. De outra parte, esta
repetividade concorre para a precisão de diferentes aspectos oferecidos na rediscussão.

347. Que seria, pois, o que o belo não é? Importa uma certa ordem no trabalho
eliminatório. Primeiramente destacamos que o belo não é nenhuma das categorias, por
ser, ao em vez, um transcendental do ser (Art. 1-o).

Depois advertimos que o belo não se limita somente ao sensível (Art.2-o), mas
propriedade de todo o ser, também espiritual, como a bela ação, o belo pensamento.

Finalmente, fazemos considerações variadas sobre peculiaridades de algumas estéticas,


como as de Kant, Hegel e outras (Art. 3-o), não tanto por causa daquelas estéticas, mas
insistindo no que o belo é, pelo que não é.

Art. 1-o. O BELO NÃO É NENHUMA DAS CATEGORIAS PREDICAMENTAIS DO


SER. 0764y348.

349. Enquanto o belo se configura como qualidade aperfeiçoativa transcendental (a nível


de modo geral do ente), exclui implicitamente todas as modalidades meramente
predicamentais (categoriais, a nível de modo especial do ser).
Então o belo não é a substância, como o ouro, a donzela, a deusa (exemplos dados por
Platão). Não é nem quantidade, qualidade predicamental, relação, tempo, lugar, posição,
ação, paixão, posse. Nem é qualquer das espécies em que se redividem estas categorias
mais genéricas citadas. Portanto, o belo não é a ordem, a proporção... Nesta área
predicamental, que faz o belo ser um dos predicamentos (categorias), situa-se um dos
personagens de Hípias maior de Platão, e que modernamente em parte se repete em Denis
Diderot (1713-1784).

Ocorrem aquelas posições que, embora ninguém as defenda e que aparecem apenas como
perguntas de simples problematização, contudo se prestam para estabelecer
enfaticamente certas perspectivas de uma noção tomada por certa. Apenas o vulgo e
filósofos superficiais poderiam estabelecer aquelas posições contundentemente falsas,
que todavia vão servir aos poetas e à representações simbólicas, inclusive míticas.

Nesta situação se encontram as doutrinas, peculiares do vulgo, que, de diferentes


maneiras, definem o belo com noções predicamentais (categoriais), em vez de
transcendentais.

Para os gregos clássicos, que amavam a beleza física, obviamente tinha algum sentido
perguntar, se acaso o belo seria a mulher jovem, a donzela, a virgem, a deusa. Amavam
também o belo animal de montaria, bem como estimavam a música, especialmente a lira,
com que acompanhavam a declamação poética.

Dali veio que, ao estabelecer Platão a discussão sobre o belo, Hípias indagasse de
maneira peculiarmente contundente, - "se o belo é uma mulher jovem, ou uma égua, ou
uma lira".

350. Se o belo é a substância. Comecemos por aquelas concepções que fariam do belo
uma substância, O conceito de substância, como gênero supremo, ou categoria
(predicamento) reúne, como sendo seus inferiores os gêneros subalternos de substância
corpórea e espiritual, corpórea vegetal, corpórea animal. Enfim, aflorando quase para a
região do concreto, ocorre a noção de espécie, como homem (animal racional). Sob
espécie se arrolam os indivíduos concretos, como Pedro, João, Paulo... Também as outras
substâncias apresentam espécies, como ouro, prata, cobre, lira, planta, cavalo...

Acaso se poderia cogitar que o belo se reduz à substância? Ou a alguma das substâncias
mais representativas na escala dos valores? Isto somente é possível materialmente. Então
a substância seria o suporte material do belo. Assim, determinada substância, poderá ser
bela. Materialmente se incorre, então, em dizer que dita substância é o belo. O ouro
usualmente é belo; por conseguinte, materialmente falando, o belo é o ouro.
Com a mesma direção de pensar, - porém pela inversa, - dizem-se feia a coisa nociva.
Então, o feio é o macaco, feia é a cobra.

Também se denominam feias e até vergonhosas, inclusive desonestas as coisas em que o


vício é praticado, ainda que em si mesmas tais coisas sejam indiferentes, ou até belas.

A flor, como eflorescência sexual colorida das plantas, é considerada bela, ao passo que a
mesma coisa bela na pessoa humana costuma ser dita feia. Então, a flor é o belo; o penis
é o feio e vergonhoso.
A origem psicológica da materialização do conceito do belo se encontra na circunstância
antropológica de que principiamos por conhecer as essências absolutas a começar do
conhecimento das coisas concretas.

Primeiramente o belo se apresenta nas coisas singulares, como na flor, nas plantas, nas
pedras preciosas, no brilho da luz, na harmonia dos sons, etc.

Ato contínuo, a mente descobre como considerar em abstrato as propriedades do belo:


sua teoreticidade, que o apropria particularmente para contemplação do inteleto; e sua
capacidade despertar um sentimento estético, distinto daquele outro sentimento comum
em que a vontade se aquieta ao realizar o bem na ordem real. Depois desta fixação das
propriedades do belo, seguimos para o interior de seu recinto e descobrimos sua essência
e descobrimos sua essência como perfeição que se realça (esplendor da forma).

351. A não substancialização do belo se prova mostrando o equívoco que a ela conduzira.

O método da prova já se encontra em Platão. Hípias, com o desembaraço de sofista,


declarara:

"O que vem a ser o belo, hei de lhe responder, e não arrisco jamais de ser contestado.
Com efeito, se é preciso falar com franqueza, uma virgem, saiba-o bem, Sócrates, eis o
que é o belo" (Hípias Maior, 287 e).
Contestando a afirmação, o autor do diálogo põe Sócrates a conduzir a noção do belo a
um elemento que não coincide com o objeto materialmente, comparando a beleza na
virgem, no jumento, na lira, na panela.

"Sócrates: diz-se, então, que uma bela marmita é também uma bela coisa?

Hípias: creio que sim... quando é um belo trabalho. De maneira geral, porém, não pode
ser julgada uma bela coisa, quando comparada com um jumento, ou uma virgem, nem a
tudo o que se pode chamar belo.

Sócrates: a quem assim responde, se deve retorquir: desconhece a verdade dessa


afirmação de Heráclito, que o mais belo dos macacos é feio se se o compara com a
espécie humana; e assim, essa comparação de Hípias, que a mais bela das marmitas é feia,
se se a compara com a espécie virginal.... A espécie virginal comparada com a espécie
divina, não estaria ela no mesmo caso, que a espécie marmita comparada com a espécie
virgem? Uma tal comparação não tornaria feia a mais bela virgem?" (288 e -189 a).
Conclui então Platão para o conceito de que o belo se configuraria como modalidade do
ser das coisas, mas não com a mesma coisa substancialmente; o belo ainda se mostraria
como qualificativo ornamental, por conseguinte, como uma qualidade, que reveste o ser
de uma perfeição.

"Já estás agora de acordo que o belo, quando não é senão o belo, graças ao qual todas as
outras coisas recebem seu enfeite e manifestam sua beleza ao se lhes ajuntar esta
propriedade, seja uma virgem, um jumento, uma lira?

Hípias: Nada é mais fácil responder, do que o que é a beleza, graças à qual todo o
restante recebe seu enfeite e por cujo acréscimo se torna belo" (289 d).
353. Seria o belo a ordem, proporção, simetria? Nem se pode definir,- como queriam os
estóicos, - o belo pelas qualidades que digam ordem, proporção, simitria ou qualquer
outra qualificação que relaciona os seres entre si.

A tese dos estóicos está, por exemplo em Cícero (Tusculanas, 4,3), autor latino. A tese
foi contestada por Plotino, que embora escrevesse em grego, lecionou em Roma (Enéada
\, 6 Do belo I, 20-22).
Volta a doutrina dos estóicos com o enciclopedista Denis Diderot (1713-1784), e os
positivistas em geral.

Para Diderot o belo se constitui de relações, particularmente de ordem e proporção. Em


tais condições, o belo está sendo identificado com uma das categorias predicamentais do
ser; ora estas se predicam apenas do seu estrato estanque, portanto univocamente. Mas, o
diretor da Enciclopédia Francesa não atendeu a estes detalhes, visto que parecia
desconhecer a questão sob tal perspectiva.

De uma parte, todavia, fez bem Diderot ao deslocar a noção do belo na direção das
relações, afastando-a da de substância, ou de qualquer uma de suas espécies; mas ao
chegar às relações, para explicar o que entende com elas, não chegou a fazer a nova
distinção entre relações predicamentais (categoriais) e relações transcendentais, que se
predicam analogicamente.

"Belo é um termo que aplicamos a uma infinidade de seres; mas seja qual for a diferença
entre esses seres, por força que, ou fazemos uma falsa aplicação do termo belo, ou em
todos esses seres existe uma qualidade de que o termo belo é o sinal. Essa qualidade não
pode pertencer ao número daquelas que constituem a diferença específica de tais seres;
porque então não haveria mais do que um ser belo, ou quando muito uma única espécie
bela de artes" (Tratado do belo, em Enciclopédia Francesa, II vol.).

Na verdade, a consequência ocorreria para uma única espécie de ser belo. Aquilo que faz
as diferenças específicas se situa no plano substância. Ora, as substâncias têm em si o seu
sujeito; em tal condição, se isolam. Se o belo fosse algo assim como uma espécie de
verniz, tal como verniz, se destacaria, sem nunca verdadeiramente se confundir com as
demais coisas. Se fosse como ouro, não serviria senão para ornar à maneira de aplicações,
que se manteriam como camadas distintas. Não chegaria nunca a ser uma qualidade
transcendental.

Percebe Diderot que o belo se funde mais intimamente com os seres. Transita, então, para
as qualidades que dizem relação. Efetivamente, qualquer entidade de caráter acidental,
mesmo quando se trata de determinações necessitantes, chamadas propriedades, não se
isola com sujeito próprio, à maneira de substância; então sempre "em outro", no qual
encontram o seu sujeito. Não é possível isolar inteiramente a quantidade, a qualidade, a
relação, o tempo, o lugar, a posição, a ação, a paixão, a posse, e nem qualquer de suas
variedades específicas subalternas (pelas quais cada categoria suprema coordena as
noções em forma de árvore porfiriana). Por isso, nem a relação, nem as qualidades ditas
em função à relação, como a ordem e a proporção se isolam. Estão sempre em outro, de
sorte a se diluírem, exatamente como pretende Diderot, ao observar que o belo não
poderia ser algo como uma espécie de substância a se isolar como única espécie entre
outras.
Diz mais Diderot sobre as relações que envolve o conceito de belo:

"Chamo belo fora de mim tudo o que contém em si a capacidade de despertar em meu
entendimento a idéia de relação; e belo com relação a mim, tudo o que desperta essa
idéia...".

"A percepção de relação é o fundamento do belo... ".

"Um ser é belo pelas relações que percebemos nele"...

"O belo resultante da percepção de uma única relação é menos comum, que o belo
resultante da percepção de várias relações... ".

"A beleza consiste sempre nas relações...". "O belo é o que consiste na percepção das
relações... ".

"Mas, dentre as qualidades comuns a todos os seres que chamamos belos, qual delas
escolheremos para aplicar às coisas de que o termo belo é o sinal? Afigura-se-me
evidente não poder deixar de ser aquela cuja presença os faz a todos belos; cuja
frequência ou raridade, os faz mais ou menos belos; cuja ausência lhes retira a faculdade
de serem belos; que não pode mudar de natureza sem fazer mudar de espécie o belo, e
cuja qualidade contrária tornaria os mais belos desagradáveis e feios; numa palavra,
aquela pela qual a beleza começa, aumenta, varia ao infinito, declina e desaparece. Ora,
capaz destes efeitos, só a noção de relações. Chamo portanto belo fora de mim a tudo o
que contém em si a possibilidade despertar no meu entendimento a idéia de relações; o
belo em relação a mim tudo o que desperta essa idéia" (Ibidem).

As relações de que fala Diderot são as "noções de ordem, de proporção, de ligação, de


arranjo, de simetria", que o homem perceberia à medida de sua evolução e da alteração
das condições sociais. Afiança ainda: "O belo que resulta da percepção de uma única
relação é ordinariamente menor do que aquele que resulta da percepção de várias
relações".

Atento à diversidade dos juízos, alega, aliás, que uma das fontes está no número de
relações percebidas. "Entre as relações pode-se distinguir uma infinidade de espécies: há
as que se fortificam, se enfraquecem e se temperam mutuamente. Que diferença, a cerca
do que se pense da beleza de um objeto, consoante se apreendam todas ao apenas uma
parte". Há relações que têm mais valor e outras menos. E há ainda as que se acentuam
com os interesses, paixões, ignorância, governos, etc..
O que mais importa, neste instante, é julgar da natureza do belo, como a estabeleceu
Diderot e que repercutia no positivismo em geral.

As relações, e todas as qualidades em que podem resultar, se destacam integralmente


como extratos inconfundíveis. Em tal condição, que é a de todas as categorias, as relações
são elementos constitutivos do objeto. Para a construção das camadas do objeto,
contribuem, à seu modo, a substância, a quantidade, a qualidade, a relação, o tempo, o
lugar, a posição, a ação, a paixão, a posse. Cada uma destas determinações se comporta
como estanque. Somente a qualidade é aperfeiçoativa . Em tal condição, aliás, a ordem e
a proporção se exercem como aperfeiçoativas.

O belo, porém, incute uma determinação aperfeiçoativa transcendental nos seres, que não
é da mesma índole da que fornecem as determinações estratificadas estanques da
qualidade predicamental. Aperfeiçoa o belo aos seres, tomando-os como um todo,
atingindo de algum modo a qualquer de suas partes. Diferentemente, as
qualidades predicamentais se isolam em camadas, visto que são noções unívocas. Se o
belo fosse algo como relações de ordem e proporção, isolar-se-ia o belo como
determinação estratificada, à maneira de um predicamento (categoria) e não gozaria da
maneira ampla de envolver o objeto de todas as maneiras, como se exerce o
transcendental.

O belo, como noção em relativo e a alcançar o objeto como um todo (conforme insistirá
com razão Kant) (vd 367), não se pode reduzir a uma qualidade predicamental.

ART. 2-o. O BELO NÃO É DITO SÓ DO SENSÍVEL. 0764y355.

355. Quanto à matéria (em que o belo ocorre), não acontece apenas no sensível.
Achamos que a beleza é atributo universal, próprio de todo o ser, quer espiritual, quer
sensível. Portanto, implicitamente, a tese assim verificada, exclui as doutrinas que
restringem o belo ao sensível, como fez Baumgarten, e em alguns aspectos também
fizeram Kant, Schiller, Hegel.

Não importa que falem da perfeição do sensível, como sendo o belo. Não parecem ter
razão ao limitarem o belo ao sensível. Semelhante, na área das restrições, é a doutrina
que cerca a área da beleza em torno de valores e projeções sentimentais.

356. A propósito de Baumgarten. O cartesianismo racionalista do século 18, na


Alemanha, criou uma interpretação peculiar do belo, como objeto formal dos sentidos e
não da inteligência. Havia o inteletualismo de Descartes reduzido as sensações à idéias
confusas.

Agora o alemão Alexandre Godofredo Baumgarten (1714-1767) diz que o belo é o


conhecimento sensível perfeito, como a verdade é dita do pensamento perfeito, claro e
distinto. Assim como pensamento se ocupa com a verdade, os sentidos com a beleza. Esta
filosofia têm seu precedente, como se advertiu, na interpretação cartesiana da sensação
como idéia confusa. Mas tem seu móvel imediato em Leibniz e depois teve novos
desenvolvimentos em Kant.

357. A participação de Leibniz. A tendência de localizar o belo no sensível começou a


ocorrer com Leibniz (1646-1714), o fundador do racionalismo alemão. Admite que o
belo é algo que tanto se manifesta ao espírito, como às faculdades inferiores.

Capazes de alcançar os mesmos objetos, estes se revelam claramente no intelecto e de


maneira confusa nos sentidos. O intelecto, ao conhecer distintamente se comportaria
como Deus que percebe cada ruído singular do oceano; os sentidos escutam vagamente o
mesmo rumor, portanto, alguma qualidade do objeto, sem entretanto discernir as
singularidades.

Ainda o mesmo dizia dos sentimentos: "Os prazeres dos sentidos se reduzem a prazeres
intelectuais, confusamente conhecidos" (Leibniz, Princípios na natureza, nr. 7).

Em assim sendo, a música fala ao intelecto em forma de número e aos ouvidos de


maneira confusa; e igualmente sua perfeição se manifesta diferencialmente ao intelecto o
aos ouvidos. "A música nos encanta, se bem que sua beleza só consistia no acordo dos
números e na conta que não advertimos, porém que a alma não cessa de fazer, dos latidos
ou vibrações dos corpos sonoros que se encontram a intervalos determinados. Os deleites
que a vista sente se constituem da mesma natureza, e os que causam os demais sentidos
se reduzirão a algo semelhante, ainda que não possamos explicá-lo tão distintamente"
(Leibniz, Princípios da natureza, r. 7, ano 1714).

Tivesse Leibniz, em profunda perspiciência, notado que os sentidos nada manifestam que
indique o conhecimento da perfeição ou do belo, não lançaria a hipótese de que o
conhecimento sensível pudesse constituir-se como um conhecimento sensível do belo.
Nada ocorre nos sentidos que admita a confusa e longínqua percepção da beleza.

358. Baumgarten ao mesmo tempo que publicava obras de filosofia obedientes ao


racionalismo cartesiano de Leibniz e Wolff, dedicou-se a investigar a região da idéia
confusa, como interpretava o conhecimento sensível. Em 1735 publicava o opúsculo
Meditationes Philosophi de nonnullis ad poema pertinentibus e em 1750-58 os dois
volumes de Aesthetica.

Principiou Baumgarten seu famoso livro, denominado Estética, com a definição


do mesmo título:

"Estética, teoria das artes liberais, gnosiologia inferior, arte de pensar belamente, arte da
razão análoga) é a ciência do conhecimento sensível. (No texto latino "Aesthetica
(theoria liberalium artium, gnoseologia inferior, ar pulchre cogitandi, ars analogi rationis)
est scientia cognitionis sensitivae" (Aesthetica §1).
No contexto baumgarteniano logo se vê, que a Estética reúne o conhecimento sensível e
a arte. As aproximações efetivamente ocorrem, porque a arte opera mediante expressão.
Efetivamente o livro de Baumgarten não faz senão uma filosofia da arte. Trata de
apreender o belo na arte, como perfeita maneira de expressar os temas e perfeitamente
maneira de fazer uma obra.

Insiste Baumgarten que a beleza do conhecimento sensível é universal (§ 18). Não


ocorre dificuldade, porque "podem as coisas torpes ser pensadas de maneira bela, como
tais, e as coisas belas, feiamente" (Possunt turpia pulchre cogitari, ut talia, et puchriora
turpiter" (§ 18).

Para Baumgarten o belo se diz do sensível, quando este é perfeito: "O fim da estética é a
perfeição, enquanto tal. Ora, esta é beleza" (§ 14).

Que dizer do belo interpretado como o mundo do sensível? Ainda que não pareça poder-
se isolar o belo no sensível, é um campo em que ele se encontra muito presente. Mas este
fato por si só não lhe dá a exclusividade.
359. A natureza sempre sensível da arte concorre para a opinião de que o belo também o
seja. Mas o instrumento da arte também inclui a capacidade da inteligência como
intérprete da expressão artística; assim também o belo, que, embora exista também no
sensível, importa em algo superior.

Hegel foi notável pela sua insistência de que a arte se constitui em manifestação do
Espírito. As obras de arte, - ainda que construídas em cor, forma, som, - falam à mente. A
arte, embora sempre sensível, não é apenas um processo sensível, porquanto portador de
mensagem de nível supra sensível.

Por isso a ave não distingue entre o falso ovo e o verdadeiro, e o peixe se deixa atrair
também pela falsa isca, quando esta em tudo equivale à natural. Pessoas obtusas pouco
apreciam o belo, exatamente porque ele implica na capacidade mental de diferenciar
entre o que se realça e o que não atinge graus de mais valor.

"Na doutrina de Baumgarten, a primeira em que a Estética se plasma como ciência a


parte, aparece o conceito de belo sujeitado ao conceito de perfeito. Toda beleza é
perfeição, ainda que uma perfeição que não se reconhece no conceito puro, senão que só
se capta indiretamente em imagens perceptíveis pela intuição dos sentidos. Toda a
filosofia alemã ao uso é dominada, na época a que nos referimos, por este critério
desenvolvido mais tarde e erigido sobre uma base metafísica geral por Mendelsohn.
Critério que transcende do campo puramente filosófico para influir nos círculos da
criação artística. Todavia Os artistas de Schiller representam quase exclusivamente a
transcrição e o desenvolvimento poético das idéias baumgartenianas" (Cassirer, Kant, sua
vida e doutrina, VI,4. P,. 380, ed. F.C.E.).

ART. 3-o. PECULIARIDADES DE ALGUMAS ESTÉTICAS. 0764y361.

§ 1. Acertos e desacertos da estética de Kant. 0764y363.

364. A estética de Kant assume aspecto confuso, porque ingressa em importantes


distinções metafísicas, que já ocorrem em Sócrates, Platão e Aristóteles, mas que ele
agora assevera serem meras formas a priori do juízo estético. Seu tratado Crítica do juízo
o escreveu e publicou somente depois da Crítica da razão pura (1781) e Crítica da razão
prática (1788).

Sem conhecer com profundidade a filosofia de seus antecessores clássicos, Kant muitas
vezes agiu como se estivesse a tratar assunto inteiramente novo, de sorte a parecer
instituir um tratado metafísico do belo inteiramente novo e de certo modo em conflito
com o passado, o que efetivamente só acontecia em tudo. Para um pensador platônico e
mesmo aristotélico, muitos aspectos são conciliáveis e se ilustram mutuamente. Para
conceituar o belo não importa no primeiro instante a questão da realidade dos objetos e
dos arquétipos ideais a que se ajustam para serem ditos perfeitos e belos. A questão da
realidade ou idealidade do belo também há de ser tratada, sendo todavia logicamente
posterior (vd...).
Retém Kant os conceitos e princípios universais da metafísica; não os reduz à
generalizações, como faz o nominalismo empirista, ou positivista. Apenas nega o valor
ontológico dos mesmos, reduzindo-os ora a meras análises, ora a sínteses a priori.

Sobre as afinidades da estética de Kant e a dos clássicos, especialmente no que diz


respeito às questões relativas ao eidos, ao arquétipo, à essência absoluta, às noções que se
dizem em relativo, ao fim formal, a que obedecem os seres concretos, tratou
especialmente Ernst Cassirer (Kant, Vida e Doutrina, 6, 2, ano 1918).
Para colocar uma sequência didática na exposição da estética de Kant importa considerar
primeiramente seu condicionamento a uma nova teoria das faculdades, as quais ele
multiplicou, de sorte a dar um situamento novo ao belo e à arte, bem como ao sentimento
estético.

A seguir importam considerações especiais sobre conceitos específicos de Kant sobre a


essência do belo e da esteticidade, onde ele se conserva um tanto ligado ao modo clássico
de entender estas questões.

I - A estética kantiana no quadro novo de faculdades. 764y365.

365. Kant começa por descobrir a diferença que vai entre dois modos de predicar, o
unívoco das categorias e o dos transcendentais". Em vez de seguir por ordem, adianta
assuntos isoladamente com o belo. Ao mesmo tempo que distingue entre si as
predicações categoriais e as predicações transcendentais, subdistingue as transcendentais.

Sem conhecer a totalidade dos transcendentais, veio Kant a tratar do belo como qualquer
coisa isolada, quando na verdade pertence a uma família ampla de noções.

Advertimos que em geral usamos os termos "Categoria" e "transcendental" no sentido


técnico clássico.

A nova "família" de noções que Kant descobriu, mas que não viu em toda a sua
amplidão, como os escolásticos expunham as transcendentais em número de seis, foi por
ele isolada como objeto tratado por uma faculdade especifica, a Faculdade do juízo
(Urtheilskraft).

Com facilidade Kant multiplicava, como se vê mais uma vez aqui, as faculdades. Em
criando nova faculdade, distanciou-se dos clássicos, que põem as noções de qualquer
índole, numa só faculdade. Todavia esta circunstância é secundária; o importante é que
Kant houvesse percebido que as noções categoriais não eram idênticas àquelas ditas
transcendentais.

As vezes denomina a "Faculdade do Juízo" com letra maiúscula, para garantir a


diferença com o juízo determinante, da "faculdade do entendimento"; este anuncia apenas
afirmações em termos categoriais e tem a vantagem de sempre estar conhecido o
universal, sob o qual com facilidade se vê subsumado o particular, a diversidade dos
fenômenos sensíveis. O juízo da Faculdade de juízo é reflectante, porque reúne o
particular sob o universal, marchando em geral com dificuldade, em termos como os
explicados, isto é, como os transcendentais.
A restrição do nome "Faculdade do juízo" para certos juízos apenas, como os de
comparação com um arquétipo, data do mesmo século e se atribui a iniciativa a Meier,
discípulo de Baumgarten. Agora Kant empresta importância ao tecnicismo, de sorte que
ficam de um lado os juízos especulativos para a faculdade do entendimento (construtora
do objeto) e de outro os juízos de enjuizamento (ou comparação) para a Faculdade do
Juízo (Urtheilskraft).

366. Visto como um todo, o sistema estético de Kant faz do belo algo sensível, ainda que
o belo não seja o sensível expressamente como sensível.

É que para Kant, o núcleo inicial de todos os conteúdos, que a forma reveste, é o
fenômeno sensível. As primeiras formas a fazer revestimentos são as de espaço e tempo,
seguindo-se as doze do "Entendimento". Por último, os objetos assim criados, são
comparados com "arquétipos"; o perfeito ajustamento destes objetos com os modelos
ideais arquétipicos, faz deles objetos belos.

O sistema estético Kantiano apresenta visíveis semelhanças com o platônico e o


aristotélico, em virtude da noção que faz do belo uma referência aperfeiçoativa frente ao
arquétipo. Todavia, os objetos de Kant se retêm consideravelmente reduzidos ao plano
sensível, de sorte a se tratar de uma estética evocando Baumgarten, apesar das diferenças.

Para Kant, por conseguinte, um objeto sensível (intuição) é belo quando se coloca de
acordo com o arquétipo; a este chama de "fim formal". Perceber tal coincidência é função
de uma faculdade especial, que recebeu o nome de "Faculdade do Juízo"; esta enuncia os
juízos estéticos. A capacidade de emitir os juízos estéticos também se denomina "gosto".

Diferentemente, os juízos do entendimento se pronunciam apenas sobre a estrutura dos


objetos, colocando os componentes categoriais com que se estruturam.

O prazer estético resulta dos juízos pronunciados sobre o objeto, quando como um todo, é
comparado com sua finalidade formal. Os juízos do entendimento, pronunciados sobre a
estrutura do objeto, ou seja sobre o que Kant chama de conceitos de que se constrói o
objeto, não resultam em prazer estético. Mas apenas em prazer prático, chamados o
agradável e o bom.
Aprecie-se agora um texto kantiano, em que a doutrina supra vem resumida. Atenda-se
aos tecnicismos: Intuição (= objeto sensível); conceito (= estrutura do objeto); juízo
reflexivo (= comparação do objeto como um todo, com o seu arquétipo); finalidade
subjetiva e formal do objeto (= arquétipo).
"Quando o prazer é proporcionado mediante a simples apreensão (aprehensio) da forma
de um objeto dirigido para um conhecimento determinado, a representação não fica
relacionada com o objeto, mas unicamente com o sujeito; e o prazer não pode exprimir
outra coisa senão o acordo do objeto com a faculdade cognoscitiva que está em jogo no
juízo reflexivo e enquanto o está, ou seja unicamente por ser uma finalidade subjetiva e
formal do objeto.

Semelhante juízo é um juízo estético sobre a finalidade do objeto, que não se funda
sobre nenhum seu conceito atual nem por si mesmo o cria. A forma de tal objeto embora
não a matéria de sua representação como sensação é julgada por simples reflexão (sem o
escopo de obter um conceito de objeto), como fundamento de um prazer derivado da
representação de tal objeto, julgando-se que a representação esteja necessariamente unida
ao prazer, e consequentemente que o prazer não existe somente para o sujeito que aprecia
a forma, mas para todos os que em geral a julgam.

De tal objeto se diz então que é belo, e a faculdade de emitir juízos segundo o prazer
proporcionado por ele ( também com valor universal) chama-se gosto" (Cr. do juízo, Intr.
VII).
Schiller tomará as duas noções de matéria e forma, retendo-as no plano sensível, e assim
mais uma vez, o belo se mostrará sempre algo sensível.

Por último, em Hegel (mas no seu contexto idealista), o belo artístico consistirá de novo
em algo essencialmente sensível; a forma, na arte, é o espírito visto em seu momento
dialético sensível.

Postos estes aspectos gerais da estética kantiana, seguimos para detalhes visando
principalmente aqueles que mais interessam ao plano de um Tratado do Belo.

368. Que é que Kant admitia como dado? Importa estas pergunta, antes de qualquer
explicação mais profunda e de que resulta um sistema estético. Ao mesmo tempo que
escrevera a Crítica da Razão Pura e a Crítica da Razão Prática supunha que o dado
estético fosse apenas empírico. Invectivou mesmo a Baumgarten por haver pretendido
estabelecer leis universais para o gosto estético.

Descobriu depois, que o dado estético se prende a uma situação especial. Esta situação
especial produziria um sentimento peculiar e que seria o estético. Ora, parece que Kant
não atendeu à exata situação em que tal sentimento ocorria. E foi onde Herder (1744-
1803) se lhe opôs.

Acreditamos que Kant descreve com relativa exatidão o que seja o belo - o ajuste de um
objeto (tomado como um todo) com o seu fim formal (arquétipo ou gênero ideal). O que
entretanto não parece verdadeiro é ter reduzido o sentimento estético apenas a este objeto,
isto é , quando o juízo percebe o objeto como belo. Excluía do estético o sentimento que
poderia produzir o conhecimento da estrutura interna de um objeto.

Determinou Kant as propriedades do belo; ainda que não usasse os mesmos termos, estas
propriedades eram a teoreticidade (o belo é assunto que se conhece) e a esteticidade (o
belo agrada). Estes são dados.

Pretendeu todavia Kant, que certos objetos, os do "entendimento", ao apresentarem a


estrutura das coisas, não produzem sentimento; mas somente produziriam este agrado
peculiar quando vistos em função a um arquétipo, em relação ao qual se dizem belos.

Na verdade, o belo se diz em função a um arquétipo e em tais condições agrada


eminentemente; o dado é incontestável. Contudo, o dado não se limita a esta região,
apesar de o haver declarado assim Kant.

370. O belo se apresenta, ainda para Kant, como propriedade teorética. Não usa este
vocábulo, mas é o que efetivamente estabelece. A faculdade do Juízo, que vê o belo,
contempla o objeto e o julga em função a um arquétipo, ou "causa final formal", em
função do qual se diz belo. E assim o belo se constitui evidentemente num plano teorético,
nitidamente contemplativo.

Enquanto o juízo estético se ocupa em definir em função ao gênero ideal, esquece o


interesse existencial e real dos objetos, não tratando por conseguinte do bonum.

Acreditou Kant, - sempre tendente a multiplicar o número de faculdades, - que o juízo


que trata do verum em função ao arquétipo, é mesmo produzido por uma faculdade
específica, distinta das faculdades da razão (pura e
prática, Reinen e praktischen Vernunft).

Quanto aos sentimentos, haveria sentimentos na faculdade do sentimento, que está em


função à faculdade do juízo; nesta, portanto, se situariam os sentimentos estéticos. E
haveria situações afetivas na faculdade de desejar (a vontade) que estaria em função aos
elementos constitutivos das coisas, portanto, daquelas coisas que dizem respeito ao
interesse, à existência, à realidade.
Eis um texto kantiano, que frisa o caráter contemplativo ou teorético do juízo estético,
distanciando-o da região do agradável e do bom, referentes à faculdade de desejar (ou
vontade).

"O bom e o agradável se referem à faculdade de desejar, e produzem, o primeiro, uma


satisfação patologicamente condicionada (mediante excitações, stimulus) e o segundo um
prazer prático puro. Esse prazer se determina não só pela representação do objeto, como
ao mesmo tempo pelo enlace do sujeito com o próprio objeto existente. Não é apenas o
objeto que agrada, mas também a sua existência. Por isso, o juízo de gosto é puramente
contemplativo, ou seja, um juízo que indiferente ao relativo à existência do objeto,
associa a constituição deste a sentimentos de prazer e desgosto.

Mas esta contemplação não se dirige tampouco a conceitos, uma vez que o juízo de
gosto não é um juízo de conhecimento (nem teórico, nem prático) e por conseguinte não
se baseia em conceito, nem os tem por finalidade.

O agradável, o belo e o bom indicam três relações diferentes das representações com o
sentimento de prazer e desgosto, referidos aos quais nós distinguimos os objetos uns dos
outros, ou os seus modos de representação. Também as expressões adequadas com que se
designam nos três casos os sentimentos de agrado não são as mesmas. Ao que deleita, se
chama agradável; ao que simplesmente apraz, se chama belo; o que é apreciado se diz
bom. É bom o aprovado, isto é , aquilo a que se empresta valor objetivo.

O agradável vale também para os animais irracionais; mas o belo somente para os
homens, não só pela sua qualidade de serem animais, mas por o serem racionais, ainda
que não só por isso (como também o seriam por exemplo, os espíritos) mas pelo fato
mesmo de serem ao mesmo tempo animais e racionais. Porém o bom é considerado bom,
mediante a simples condição de que o ser razoavelmente seja ser. Estas proposição só
mais adiante poderá receber sua completa justificação e esclarecimento. Pode-se enfim
dizer que das três maneiras apresentadas como capazes de gerar satisfação, a relativa à
apreciação da beleza é a única desinteressada e livre, pois não há nenhum interesse capaz
de arrancar-lhe aplauso, quer seja interesse dos sentidos, quer do entendimento" (Cr. do
Juízo., § 5, trad. W. Gola).

O caráter livre e desinteressante do juízo estético, fez ser comparado com o jogo,
característica explorada depois amplamente por Schiller.
371. O belo, em Kant, ainda apresenta a propriedade estética, ou seja a de produzir um
prazer que não é o prazer comum. É o prazer estético de ordem muito especial, diferente
da satisfação comum fundada apenas no interesse.

Que pensar do desinteresse como caráter do sentimento despertado pelo belo? De


maneira geral não se pode negar haver ali uma verificação direta na ordem mesma dos
fatos, onde o teorético do belo está sempre evidente. Não se aprecia o belo com os
mesmos sentimentos egoístas que certo gênero de objetos ditos apenas úteis.
Compreende-se isto mui depressa se considerarmos que o belo está no plano
do verum ontológico; portanto, participa do caráter das noções de ordem contemplativa,
especulativa. Não sucede o mesmo com as noções que referem assuntos do plano do útil,
ou seja do bonum.
Uma vez que o dado é incontestável, não podia passar por despercebido pelos filósofos
em geral, que o sentimento estético, em torno de um tema contemplativo, tivesse uma
índole peculiar, e que consiste em seu relacionamento com o teorético. A contemplação
das coisas foi descrita por Platão como algo eminentemente nobre.

Neste mesmo sentido ponderou o neokantiano Ernst Cassirer:

"O conceito de complacência desinteressada pelo que há de belo na natureza e na arte não
representa de um posto de vista puramente intrínseco, uma tendência perfeitamente nova
no desenvolvimento da Estética. Aparece já elaborado em Plotino e foi desenvolvido
substantivamente nos tempos modernos por Shaftesbury, Moses Mendelson e Karl
Philipp Moritz, este em sua obra Sobre a imitação plástica do belo. Não obstante, só
poderia chegar a adquirir sua verdadeira importância mediante a posição sistemática que
este conceito ocupa na teoria de Kant; só assim sobre a essência e a origem do espiritual,
frente à filosofia e à preceptiva literária da época da ilustração" (Ernst Cassirer, Kant,
vida e doutrina VI, 4, p. 381, ed. F.C. E. ).

Insistiu Kant notoriamente na parte negativa desta propriedade, mostrando mais o que
ela não é, do que efetivamente é em si mesma. Revela como a satisfação comum se
processa com interesse, ao passo que o belo produz agrado sem interesse.
Que significa "sem interesse"?

O que ingressa como elemento constitutivo de algo, como aspectos de que se compõe,
"interessa" a este objeto; por isso, é bom para ele; a vontade deseja tal coisa em favor
deste objeto; procura criar o que falta, pondo-o na ordem da existência efetiva e real.
Conseguir algo neste plano, produz "satisfação", de uma espécie que se pode denominar
"satisfação comum", ou prazer da faculdade do desejar, a vontade. O mesmo ocorre
quando a vontade aprecia os alimentos como bem do corpo humano, o remédio como
meio de recuperação da saúde, o dinheiro como instrumento da aquisição; em todos estes
casos, em última instância se trata do aspecto estrutural dos seres. Procurar com interesse,
significa pois apreciar a constituição de um objeto e querer sua realização objetiva.
Não ocorre exatamente o mesmo a propósito do belo, diz Kant.

Este seu ponto de vista é próximo ao da filosofia clássica, quando esta reduz o belo a
uma noção transcendental. O belo diz ajuste da coisa com um modelo arquétipo;
simplesmente sob este ponto de vista, que é da ordem do verum, a beleza somente
poderia influenciar a inteligência. Sendo o verum noção de ordem intelectual, é então
natural que sirva como objeto apropriado da contemplação intelectual. A vontade, que
aprecia as coisas apenas sob um ponto de vista de bonum, se apraz em apreciando o belo
em favor da inteligência; eis onde se forma o prazer estético muito diferente do prazer
comum. Entretanto, não explicou Kant o prazer estético com este detalhe que o liga à
inteligência; ocupou-se simplesmente em mostrar o aspecto negativo: o prazer estético
não é o prazer brotado do aspecto negativo: o prazer estético não é como o prazer brotado
do interesse; o prazer estético resulta do belo, concebido como ajuste da coisa com o seu
arquétipo, sendo este prazer localizado em uma faculdade específica, denominada
"faculdade do sentimento"

Faltou a Kant perspiciência para ajuntar o prazer estético e o prazer comum, embora
estados distintos, em uma só faculdade; não viu como apesar de tudo, o prazer estético
surge, na própria vontade que se emociona enquanto aprecia o belo como um bem da
inteligência, apesar de não ser objeto como os demais que entram na constituição das
coisas.

Uma distinção material de objetos não diferencia as faculdades. O aspecto formal


repousante do deleite não depende só da diferença material da objetos. Do ponto de vista
meramente psicológico, esta questão deverá ser aprofundada ainda (vd Estética
psicológica. 1963y000).

372. A leitura atenta dos vários textos kantianos que aludem ao prazer estético, nos
convence de que nenhuma vez Kant analisou profundamente a constituição intrínseca do
prazer estético, ocupando-se apenas em distingui-lo exteriormente da satisfação
resultante do interesse.

Eis um texto em que se distinguem os dois tipos de sentimento, o estético e o prazer


comum:

"O agradável e o bom tem ambos uma relação com a faculdade de desejar e, enquanto a
tem, levam consigo aquela satisfação patológico-condicionada (mediante estímulos) e
este uma satisfação pura prática. Esta satisfação se determina não só pela representação
do objeto, senão, ao mesmo tempo, pelo enlace representado pelo sujeito com a
existência daquele. Não só o objeto apraz, senão também sua existência.

Em troca o Juízo do gosto é meramente contemplativo, isto é, um juízo que, indiferente


ao que toca à existência de um objeto, enlaça a constituição deste com o sentimento de
prazer e dor. Não vai, porém, esta contemplação mesma tão pouco dirigida a conceitos,
pois o Juízo do gosto não é um juízo de conhecimento (nem teórico, nem prático) e
portanto, nem fundado em conceitos, nem que os tenha como fim" (Crítica do Juízo, 5).

Subentendendo-se o "conceito" como "fim objetivo", isto é, fim objetivado pela vontade.
Este fim objetivo apenas produz a satisfação do interesse.

"A obtenção de um fim formal é acompanhada de um sentimento de prazer" (Crítica do


Juízo, Intr. VI).

Pouco depois: "Em realidade, se na coincidência das percepções com as leis, segundo
conceitos gerais da natureza ( as categorias), não encontramos, nem podemos encontrar, o
menor efeito sobre o sentimento do prazer em nós, porque o entendimento, nisto, procede
sem intenção alguma necessariamente, segundo sua natureza, por outra parte, em troca, a
possibilidade descoberta de unir duas ou mais leis empíricas e heterogêneas da natureza
sob um princípio, que as compreende a ambas, é o fundamento de um prazer muito
notável, a miúdo até de uma admiração, inclusive de uma tal admiração, que não cessa,
ainda que já se esteja bastante familiarizado com o objeto da mesma" (Crítica da Juízo,
Intr.VI).

"Chama-se interesse uma satisfação que unimos com a representação da existência de um


objeto. Semelhante interesse está, portanto, sempre em relação com a faculdade de
desejar, seja como fundamento de determinação da mesma. Pois bem, quando se trata de
si algo é belo, não se quer saber se importa a existência da coisa ou somente se pode
importar algo a nós ou a algum outro, senão de como a julgamos na mera contemplação
(intuição ou reflexão)" (Crítica do Juízo, 2).

A seguir dá o exemplo concreto dos que apreciavam em Paris as coisas apenas pelo lado
do interesse e por nada se impressionavam:

"Se alguém me pergunta, se acho formoso o palácio que tenho ante meus olhos, posso
contestar: Não me agradam as coisas que são feitas apenas para admira-las de boca aberta.
Ou responder como aquele iroquês, que nada em Paris lhe agradava senão as pastelarias".
Os exemplos de Kant não progridem na explicação; equivalem aos mitos de Platão,
porque simplesmente exemplificam e nada mais. A contemplação especulativa do belo,
produz o prazer. Mas não chegou Kant a perceber que este prazer pode ser exercido pela
vontade enquanto aprecia o belo com objeto adequado da mente. Admitiu simplesmente o
prazer estético, como propriedade do belo, sem maior explicação sobre a natureza da
próprio prazer estético. Uma perspiciência mais profunda manda reunir sob um
denominador comum ambos os prazeres, diferenciando-os apenas pelo objeto. Kant viu a
diferença dos objetos, mas não o denominador comum que aproxima os dois prazeres.
Talvez por isso adotou a desnecessária divisão das duas faculdades emotivas, a do prazer
da vontade e a do sentimento.

374. Em Kant também a arte é produtora de sentimento estético. O motivo se encontra


na circunstância de se enquadrar a objeto artístico no esquema da finalidade formal,
como já acontece no belo.

Revestem-se as obras de arte indubitavelmente de uma "finalidade formal", plasmando-se


de acordo com um idéia exemplar.

Refere-se também Kant aos organismos dos seres vivos, em que a finalidade interna se
evidencia mui claramente.

Organismos e obras de arte se manifestam muito mais depressa enquadrados dentro da


intencionalidade, visto que se comportam como totalidades, em que as partes exercem
funções.

Achamos, entretanto que a arte não só agrada como obra eventualmente perfeita; a arte
exerc e também uma função teorética, porque como expressão fala ao entendimento. Ser
expressão, eis o que o apetite pode apreciar como um bem, passando dali a ser algo
apreciável, ou seja, estético. Enquanto o intelecto atende à mensagem de expressão,
exerce um conhecimento, alcança o objeto como verum. A vontade, em apreciando dito
bem da inteligência, goza de um sentimento, que se distingue dos sentimentos comuns;
tal sentimento, resultante de um objeto do círculo mental, produz um sentimento
específico, que chamamos estético-artístico.

375. Pretendeu Kant que nos objetos do "entendimento" não encontramos e nem
podemos encontrar o menor efeito sobre o sentimento do prazer em nós.

Sobre esta assertiva há duas contestações a fazer.

A primeira é a de que tais objetos também produzem sentimento estético, apesar da


alegação de Kant.

E a segunda de que o próprio belo pressupõe tais conhecimentos, de sorte a exigir uma
certa representação constitutiva dos objetos oferecidos pelo "entendimento".

Tais objetos, obtidos pela faculdade do entendimento, ainda que falem apenas da
estrutura das coisas, isto é do "interesse", contêm contudo aspecto informativo e por isso
também produzem sentimento estético.

O que efetivamente produz o agrado estético não está substancialmente naquilo que se
conhece; não importa então, que o objeto conhecido nos fale do belo ou do feio, das
comparações com o arquétipo ou dos elementos constitutivos de interesse. O saber,
simplesmente pelo saber, nos agrada; não importa que este saber seja de "interesse", ou
"sem interesse"; em ambos os casos este saber atualiza uma faculdade de conhecimento.
Ainda que o conteúdo do conhecimento nos possa desagradar, o simples saber agrada.

Sentimentos comuns e sentimentos estéticos andam de mãos dadas. A diferença que


ocorre, no poeta que contempla as flores e na florista que as pretende levar ao mercado,
não está em que haja sentimentos estéticos no poeta e sentimentos de interesse na florista;
o que ocorre é que um atende à visão simplesmente e a outra as restantes preocupações;
mas também a florista, ao mesmo tempo que exerce sentimentos de interesse, possui
afetividade estética. O concuspiscível se desdobra em muitos leques, de direções,
associáveis.

Não é por ser belo, mas por ser teorético que o belo provoca o sentimento estético, mas
por ser belo, poderá um objeto constituir-se como eminentemente teorético, como objeto
o mais apreciado; teríamos, então o sentimento estético-belo. Quanto à expressão
artística, em virtude de sua poderosa maneira teorética de falar ao intelecto, produz, por
isso mesmo, forte sentimento estético, mas por ser teorético; no caso teríamos um
sentimento estético-artístico. Assim também com qualquer outro conhecimento teríamos
um sentimento estético; não resultaria da circunstância de ser uma noção algébrica, ou
química, ou filosófica, mas em virtude da teoreticidade. Desde que o intelecto possa
conhecer algo, obteve como seu objetivo o verum; a vontade aprecia tal bem em
benefício do intelecto, e se aquieta num sentimento estético.

Em assim sendo, não nos parece aceitável o ponto de vista kantiano de que não produzam
sentimento estético os conceitos formados pelo "entendimento": Unidade, pluralidade,
totalidade, realidade, negação, limitação, substância e acidente, causa e efeito, ação e
paixão, possibilidade e impossibilidade, existência e não existência, necessidade e
contingência. Também tais coisas nos oferecem um prazer muito especial ao serem
conhecidas.
377. A outra observação a fazer é a de que o próprio belo pressupõe as representações
constitutivas de objeto, de que se ocupa o entendimento. Ainda que o belo seja um
conceito em função a um arquétipo, materialmente aquilo que é posto em função ao
arquétipo tem de ser algo em si, quer seja finito, quer infinito. Sobretudo as coisas finitas
são muitas, e todas poderão ser belas. Não fossem as coisas belas algo em si, não
poderiam diferir entre si.

Quando as coisas nos agradam, ocorrem duas perspectivas, que se fazem conhecer: o
conhecimento da coisa em si, cuja representação constitutiva há de ser conhecida
previamente, e o conhecimento de sua perfeição em realce.
Herder, Ziehen, Volkelt, Kainz insistem na representação constitutiva como elemento
participante do belo.

"A estética kantiana padece do vício fundamental de não atender no campo do puramente
estético às representações de significado. Kant passa por alto, ao proceder assim, um fato
tão simples como o de que, para poder sentir complacência estética por uma coisa, é
necessário, antes de tudo, saber algo a seu respeito (isto é ter uma representação de seu
significado): a concepção de todo objeto pressupõe o conhecimento dele. Ademais a
argumentação kantiana peca de inconsequente. Se um cavalo, para agradar-nos, tem
necessariamente de aparecer vinculado à representação de significado correspondente;
tampouco um pássaro exótico ou um caracol podem exercer uma impressão estética em
nós, se prescindirmos do que eles são, ao contemplarmos este objetos. Kant se deixou
induzir ao erro de que para que uma flor nos agrade, não necessitamos de ter o conceito
científico dela, concluindo dali que ante objetos como flor, o colibri e o caracol poderiam
considerar- se também supérfluos e até prejudiciais a simples representações do
significado. Herder (Kalligone, c. 1, parte IV), o contraditor de Kant, via com mais
clareza este ponto. Segundo ele, para poder apreciar a beleza peculiar dos seres e da vida,
das forças e qualidades das diferentes espécies vegetais e animais, necessitamos ter uma
certa representação deles. No que a estética metafísica chamava as idéias das coisas vai
incluída a representação de seu significado" (F. Kainz, Estética, p. 62, ed. Esp. , 1952).

E seria verdade que as noções que se dizem em relativo, nada contêm de constitutivo

Também as determinações relativas, como verdade e beleza, bondade e valor em geral


são determinações com algum fundamento; a diferença essencial entre as noções
transcendentais e categoriais é a de que as primeiras transcendem as fronteiras das
categoriais, ao passo que as categoriais simplesmente se fecham em seu espaço.

Além disto, algumas delas, - ser, algo, coisa, - se dizem simplesmente em absoluto; em
relativo estão outras, - verdade, bem, belo, - e que não são todas, e supõem as anteriores.

II - Essência do belo em Kant. 0764y379.

380. Para Kant o belo, em última instância, lembra perfeição, - conforme já advertido. O
belo é o objeto sob a perspectiva da situado dentro do "fim formal", ou gênero ideal a que
pertence.
Enquanto o belo assim se estabelece, não se reduz a um "conceito", que diz algo do
objeto em si mesmo quando visto em seus componentes. Mas refere uma noção que situa
o objeto em função a um termo exterior.

Kant, expondo esta doutrina dentro de um contexto peculiar, se torna meticuloso e


original.
A circunstância de distinguir entre duas faculdades, a do Entendimento e a do Juízo traz
para dentro da discussão tecnicismos, que podem confundir no primeiro instante, mas
depois conduzem às vantagens que sempre são própria das denominações restritas às
áreas específicas.

O entendimento reúne os dados singulares sob um gênero universal. Mas, no


entendimento ocorre a síntese do singular sob o universal, como no conceito que buscava
Sócrates, quando inquiria pela essência. No juízo da Faculdade do juízo, segundo Kant, o
universal funciona à maneira de arquétipo, como a idéia de Platão, que paira como
modelo para os muitos indivíduos do gênero. Em Aristóteles, a idéia de Platão é o ato a
que toda potência aspira.

Tomás de Aquino funde o exemplarismo de Platão no aristotelismo. O logos dos estóicos


e de Plotino, mais uma vez comportam-se como gêneros ideais.

Em Kant permanece, à seu modo, o velho exemplarismo, em modelos ideais, em função


dos quais a Faculdade do juízo julga os objetos; depois de empiricamente conhecidos
pelos sentidos e construídos pelos doze estratos das categorias do Entendimento, sobra
ainda à Faculdade do juízo julgá-los, como um todo, em função ao "fim formal" exterior.
As doutrinas de Kant tiveram continuidade. Goethe, com suas concepções de caráter
biológico sobre a ordem do mundo, não pretendeu referir-se senão à mesma idéia
universal imanente e diretora. Schiller aumenta a importância do formal. Enfim, Hegel o
faz ser o Espírito Absoluto.
Hegel refere-se com entusiasmo à Estética de Kant e viu, na subordinação dos objetos ao
arquétipos, uma conciliação entre a natureza e o espírito. Adiantemos que para Hegel as
coisas materiais são belas quando vistas como uma das fases da dialética; em sendo toda
a realidade uma só grande idéia, que se pensa a si mesma em fases progressivas, ela tem
um momento que é o sensível ( a natureza ) e que quando se vê como idéia tornada
sensível, se diz bela. E assim, o belo e a arte são a conciliação entre o espírito e a matéria.

Ponderou Hegel sobre Kant:

"Do ponto de vista histórico, só se começou a conhecer e apreciar a arte, a partir do


momento em que ela foi considerada como nós o fazemos... só quando a filosofia
transpôs definitivamente a oposição, pôde este apreender o conceito próprio e o da
natureza.... Vou eu esboçar com brevidade a história destas evolução.... Para, logo de
início, darmos uma definição muito geral, dizer-la-emos formada pela concepção que vê
na arte um meio onde se opera a conciliação do espírito abstrato, descasado em si mesmo,
com a natureza" (Hegel, Estética, I, Intr. C. 3, 1, trad. O. Vitorino).

382. O ato que a potência aspira, ou o modelo a que o individual se subordina, assume o
caráter de fim, ou seja, de "fim formal". Isto quer dizer, assume o caráter de forma, ou
segundo a qual se plasma o indivíduo, ou segundo a qual a potência se atualiza.
É a forma interior que orienta o plasmamento da obra que se realiza. Como um Logos a
animar a ação do movimento, a forma dirige o crescimento da planta e do animal. Assim
também o arquétipo, de modo geral, é o fim formal que plasma todos os seres.

O termo "julgar" se aplica, portanto, de dois modos; no simples conceito, julgamos


afirmando o conceito de um sujeito; na idéia arquétipa, julgamos definindo se um
indivíduo concreto se ajusta ao arquétipo. Semelhantemente, o químico diz de como se
constituem os elementos (primeiro juízo, em conceitos); o magistrado julga o réu,
enquadrando-o fora ou dentro da lei (segundo juízo, em função ao arquétipo).
Citamos Kant: "Como o conceito de um objeto, enquanto encerra ao mesmo tempo a
base da realidade deste objeto, se chama o fim, e como a concordância de uma coisa, com
aquela qualidade das coisas que só é possível segundo fins, se chama a finalidade da
forma das coisas mas, resulta assim que o princípio do juízo, com ralação à forma das
coisas da natureza sob leis empíricas em geral, é a finalidade da natureza em sua
diversidade. Isto é, a natureza é representada mediante este conceito, como se um
entendimento encerrasse a base da unidade do diverso e suas leis empíricas... Este
conceito é também completamente distinto da finalidade prática (da arte humana, ou
também dos costumes) embora seja pensado em analogia com a mesma" (Crítica do Juízo,
Intr. IV).
Dali resulta uma "lei de especificação da natureza" porque põe certos esquemas a que os
dados empíricos devem obedecer, dentro dos quais se organizam em espécie e gêneros.

"O juízo tem pois também um princípio a priori para a possibilidade da natureza, porém
só em relação subjetiva, em si, por meio do qual prescreve uma lei, não à natureza (como
autonomia) senão a si mesmo (como heautonomia) para a reflexão sobre aquela e pode
chamar-se lei da especificação da natureza em consideração de suas leis empíricas e esta
lei não a conhece ela a priori na natureza, senão que a admite para uma ordenação da
mesma, cognoscível para o nosso entendimento, na divisão que ela faz de suas leis gerais,
querendo subordinar a estas uma diversidade do particular" (Crítica do Juízo, Intr. IV).

383. Reencontramos, portanto, em Emanoel Kant o conceito clássico da forma como


finalidade. Todos os seres potenciais, quer seja a potência na ordem da essência (como a
matéria) quer seja a potência na ordem do ser (como a essência diante da existência) tem
como fim a realização plena do ato: a matéria realizando a forma, a essência atualizando-
se na existência.

Neste particular, o platonismo e o aristotelismo eventualmente coincidem nos


fundamentos. Os esquemas de um essência absoluta, de um forma a realizar, de uma
estrutura universalmente validada, atravessam da antiguidade, através da idade média,
alcançando os tempos modernos, até chegarem a Kant. Reencontramos, pois em Kant o
conceito clássico de forma como normatividade das coisas singulares e contingentes.

Apenas o valor do conteúdo, este é que muda. Os esquemas absolutos permanecem


válidos apenas para o plano transcendental, só no círculo das faculdades. Por isso sempre
afirmamos, que a estética de Kant, no que diz respeito ao conteúdo, é nova como toda a
sua filosofia, mas permanece na linha da tradição em tudo quanto se refere à essência.
Aliás, a preocupação de Kant, nunca foi a da essência das afirmações mentais, porém da
realidade do seu conteúdo. Antes de tudo faz a crítica do juízo, não a análise do que o
juízo assevera como essência.
" Sempre que, na metafísica anterior a Kant, se tratava o problema da forma individual do
real, se lhe associava a idéia de um entendimento absolutamente ajustado a um fim, que
havia sabido plasmar no ser uma forma originalmente interior, da que a realizada por nós
em nossos conceitos não era mais que uma tradução e um reflexo...Kant leva a cabo
também aqui essa transformação característica de todo o novo rumo do seu idealismo: A
idéia converte-se, de uma potência objetivo- criadora existente nas coisas, em princípio e
regra geral de cognoscibilidade das coisas como objetos de experiência" (Cassirer, Kant,
6, 3).

384. Como já se observa, vai finalmente Kant descendo de suas transcendentes alturas
platônicas, para o reino das coisas concretas dos dados empíricos.

Kant valorizou muito mais o empírico do que Platão; este se desliga da matéria,
influenciado pelo orfismo catártico dos pitagóricos e que retransmitiu para todo o
neoplatonismo sempre caracterizadamente ascético.

Situou-se Kant na origem do movimento romântico alemão. Apesar de sua extravagância


e seu modo abstrato de escrever, sem imagens e até sem organização, ocupa-se de coisas
como os gêneros e as espécies que enquadram os fenômenos empíricos.
Embora tardiamente, observou que o quadro do mundo ainda não se havia completado
com os apriorismos do entendimentos. Não bastava como ali se fazia pensar as coisas em
termos de possibilidade e impossibilidade, realidade e irrealidade, substância e acidente,
causa e efeito, etc, etc.

Grande era a seriação das dozes categorias , entretanto se fechava num certo setor de
determinações que não abarcava a ordem que ainda se observava no mundo dos dados
empíricos a obedecer arquétipos, gêneros e espécies, leis e finalismos em geral.

Não determinavam as categorias porque algo devesse se subordinar a tal ou tal gênero ou
espécie, seguir tais ou tais normas de perfeição a realizar. Não explicavam as categorias
porque a devesse ser b ou c. É uma questão que se denominou de ordem qualitativa,
própria do juízo, diferente da quantitativa e estrutural, que as categorias do entendimento
determinavam.

Enquanto os conceitos da faculdade do entendimento só formulavam princípios


supremos com que se construíam os objetos, ainda restava por se fazer a coordenação da
multitude heterogênea dos fenômenos concretos, em jerarquias crescentes, para enfim pô-
las em todos absolutos, tal como Platão via as coisas particulares dentro de um todo, a
essência, o conceito metafísico. Em tudo Kant coloca-se no esquema clássico das
essências gerais e absolutas, com a diferença de que elas se constituem apenas (sob o
ponto de vista do conteúdo criteriológico) como formas aprioristicamente afirmadas, sem
ressonância no plano real ou ontológico.

385. É possível atender ao andar da doutrina dos transcendentais, mostrando como Kant
adere à mesma, ora bem, ora mal, ora omisso.

Primeiramente importa atender a distinção entre o modo de se processar a predicação


nos transcendentais transcendental e o modo de se processar a predicação nas
categorias. Constata-se aqui, como Kant se aproximou da noção escolástica da
predicação transcendental; mas não conheceu a totalidade da esquema das
transcendentais. Num segundo tempo, passando a atender à distinção entre os muitos
transcendentais, verifica-se que Kant se preocupou em distinguir entre o belo e o bonum;
mas que se preocupou menos em distinguir entre o belo e a verdade ontológica.

Num terceiro momento é interessante apreciar como Kant apreciou a doutrina do


arquétipo, a " finalidade formal", necessária a fim de que ocorram as noções
transcendentais de verdade e beleza. Sobretudo aqui importa comparar coincidências de
Kant com a doutrina dos clássicos.

Num quarto momento, há a insistir contra Kant, que as noções transcendentais, embora
não determinem o objeto do mesmo modo como as categorias, o determinam contudo
também ab intríseco, como noções formalmente contidas, embora implicitamente, em
todo ser.
Com este plano se pode proceder a uma análise da doutrina do belo de Kant, sem se
deixar dirigir por ele mesmo, para não se deixar isolar em considerações extemporâneas
ao tema.
Kant próximo à noção aristotélica e escolástica do transcendental. 0764y387.

388. Aquilo que Kant sempre descreve como "sem interesse" e que se diz coisa tomada
como um todo, é nada mais do que uma exposição confusa da doutrina aristotélica dos
transcendentais.

Já explicamos diversas vezes o que significa "sem interesse", para diferenciar esta família
de noções de uma outra. O objeto construído pelo "entendimento", assume as
peculiaridades nítidas da predicação "categorial", em que cada elemento distingue-se do
outro realmente e nenhum inclui, portanto ao outro diretamente; as categorias são
camadas estanques, que constróem o edifício da realidade, como tijolos que se
sobrepõem.

Mas observa Kant a ocorrência de noções que não se dizem do objeto com a mesma
ordem de predicação; envereda então pela predicação transcendental no sentido clássico.

Uma destas noções que aponta é a da beleza. Já temos explicado muitas vezes, como
Kant mantém a noção clássica do belo, que se diz de algo enquanto se ajusta ao arquétipo.
Agora, já não visamos diretamente a noção do belo enquanto belo, mas sua índole
transcendental.

É evidente que uma qualidade que se predica de uma coisa, enquanto estas se ajusta a
um arquétipo, não é simplesmente categorial. A nova determinação assume as
características dos modos transcendentais. Está mesmo prevista na relação clássica destes
modos. Evidencia-se, portanto, uma aproximação de Kant com a noção aristotélica e
escolástica dos transcendentais.

389. Mas, ao se aproximar Kant da noção dos transcendentais, conservou-se numa


posição notoriamente incoativa, como a de Platão. Aborda o assunto sem atingir a
totalidade. A doutrina dos transcendentais depois de Platão ingressou num
desenvolvimento nítido com Aristóteles e sobretudo com Tomás de Aquino.
Este lança a questão primeiro simplesmente, portanto sempre em absoluto, em que ocorre
uma primeira noção transcendental, que é a da próprio ser considerado como tal (ens ut
sic) .

Depois o ser é considerado segundo um certo ponto de vista (secundum quid). Agora a
consideração passa a ocorrer em absoluto, e então afirmando, temos o ser considerado
como res (coisa ou essência) e negando temos o ser considerado como unum (unidade
indivisa em si). Ocorrendo a consideração em sentido relativo, temos novamente o ser
considerado, ao afirmar, como verum e bonum; ao negar, como aliquid (o contrário do
nada, como existência).
Todas estas noções se apresentam inegavelmente como transcendentais; de nenhuma
sorte se reduzem às categorias, porque consideram o objeto sempre como um todo
constituído.

Ora, Kant, ao considerar o objeto como um todo, como pretendeu, não devia limitar-se a
noções isoladas, como por exemplo a do belo. Um desenvolvimento sistemático tem de
considerar não apenas as "finalidades formais", o que é situar-se no círculo do verum
apenas, mas a todas as noções desta índole.

Nada mais completo do que o quadro de Santo Tomás, em que o objeto, considerado
como um todo, ora é considerado simplesmente, ora secundum quid; este ora em absoluto,
ora relativamente; o absoluto ora afirmando, , ora negando; o relativo, também ora
afirmando, ora negando. As instâncias estão completas; o esquema, portanto, se fecha
como integralizado.

390. Dentro, porém, da noção isolada do belo, Kant desenvolve esta noção com nítida
consciência de que se trata de um transcendental. É o que sempre fica muito claro quando
afirma que o juízo estético opina sobre o objeto tomado como um todo; sem afirmar dele
qualquer determinação categorial, o julga em função a um arquétipo e pelas propriedades
que dali decorrem, como a esteticidade.

Desenvolvendo esta doutrina inteiramente isolada das concepções históricas e ainda


influenciado por notório vezo pelos tecnicismos, Kant contribuiu também para uma
linguagem que não deixa de apresentar um relativo valor. Quando um clássico se exprime
em predicação categorial e transcendental, Emanoel Kant nos fala do mesmo assunto nas
expressões que dizem julgar um objeto "como um todo" (predicação transcendental) e
julgá-lo "como conceito" (predicação categorial).

O que o belo não é para Kant? Em sua terminologia técnica, se pode dizer:

- O belo não é conceito; porque conceito é uma forma constitutiva do objeto.

- O belo não é natureza; porque a natureza é o objeto construído pelas doze categorias.

- O belo não é objeto; porque o objeto se diz antes de tudo das partes que constróem o
todo categorial.

- O belo não é representação; porque representação é a projeção conceptual que o


entendimento lança diante de si quando envolve os dados sensíveis com as formas
apriorísticas chamados conceitos.
- O belo não é idéia, porque a idéia somente nasce do produto da razão, quando raciocina
e obtém conclusões sem realidade.

- Enfim, o belo como afirmação não é um juízo lógico, porque a afirmação lógica é a que
afirma partes constitutivas e estruturais do objeto, como o faz o entendimento.

391. Leiamos um texto típico de Kant, em que tanto se observa um tecnicismo evidente,
como a ocorrência de sua noção do belo como transcendental:

" Para decidir se alguma coisa é bela, ou não, referimos a representação, não pela
compreensão do objeto de cognição mas pela imaginação (talvez em conjunção com o
entendimento) do indivíduo e a sua sensação se prazer e dor. O juízo de gosto não é , pois
um juízo de conhecimento; portanto, não é lógico, senão estético, entendendo por isto
aquele cuja base determinante não pode ser mais que subjetiva. Toda a relação das
representações, inclusive às das sensações, pode porém, ser objetiva (e ela significa então
o real de uma representação empírica) mas não a relação com o sentimento do prazer e
dor, mediante a qual nada é designado no objeto, senão que nela o sujeito sente de que
modo é afetado pela representação " (Kant, Crítica do juízo, § 1).

"Para encontrar que algo é bom tenho que saber sempre que classe de coisa deva ser o
objeto, isto é, ter um conceito do mesmo: para encontrar nele beleza não tenho
necessidade disso" (Ibidem). E agora um texto de Cassirer, da escola neokantiana da
Magdeburgo, e interpretando Kant:

"Aqui não se desintegra o fenômeno em suas condições, mas como se apresenta


diretamente, não penetramos em suas causas ou em seus efeitos conceptuais, mas nos
detemos no conceito mesmo, para nos entregarmos exclusivamente à impressão que a sua
simples contemplação desperta em nós. Em vez de desintegrar e isolar as partes e
descobrir suas relações de supraordenação com vistas a uma classificação conceptual,
trata-se de captá-las a todas em conjunto e de agrupá-las dentro de uma visão total dentro
de nossa imaginação... destacamos nelas sobretudo seu valor puro de presente, tal como
se revela à intuição mesma" (Cassirer, Kant, 6, 4).

392. Reportando-se engenhosamente aos quatros grupos de categorias, afastando das


mesmas as noções do belo, definiu Kant por 4 vezes o belo; ao mesmo tempo o distingue
às vezes do bonum, enunciando diretamente a essência do belo enquanto referência a um
arquétipo; outras vezes aponta diretamente para a sua propriedade estética. E assim ora
alegando aspectos negativos, ora positivos, ora os efeitos, as definições de Kant, vão
conduzindo confusamente à noção do belo.

Eis as definições que ele expôs ao fim dos parágrafos em que as defendia:

a) "Definição do belo deduzida do primeiro momento (a qualidade). O gosto é a


faculdade de julgar um objeto ou uma representação mediante uma satisfação ou um
descontentamento, sem interesse algum. O objeto de semelhante satisfação chama- se
belo" (Crítica do juízo).

b) "definição do belo deduzida do segundo momento (a quantidade). Belo é o que, sem


conceito, apraz universalmente" (9).
c) "definição do belo, extraída deste terceiro momento (a relação). Beleza é a forma da
finalidade de um objeto enquanto é percebida nele sem a representação de um fim" (19).

d) "definição do belo deduzida do quarto momento. Belo é o que sem conceito, é


conhecido como objeto de uma necessária satisfação" (22).

394. Na primeira definição (a partir da qualidade) define Kant o belo alegando sua
propriedade estética; o sentimento estético é um sentimento diverso daquele que resulta
de um interesse. Está certo , como definição que indica a essência a partir da propriedade,
mas não é a mesma essência. Não foi, portanto, Kant à essência do belo, aqui.

Como método, na verdade o caminho que nos conduz à essência é a propriedade. Tem o
belo como propriedade um sentimento, sem interesse. Quando na segunda definição sob
o ponto de vista da quantidade, atribui ao belo a índole da aprazer universalmente,
pretende afiançar que o juízo de interesse poderá não ser universal. Dever-se-ia, pois,
dizer que "o vinho das Canárias me é agradável" e não simplesmente "o vinho das
Canárias é agradável". Depois afirma: "com o belo ocorre algo mui diferente. Seria
(exatamente ao revés) ridículo que alguém, que se julgasse possuir algum gosto,
adiantasse estas palavras: este objeto (o edifício, o traje, o concerto, que ouvimos, a
poesia) é belo para mim" (Crítica do juízo, 7).

A observação de que o juízo do interesse poderá não ser universal, não é aduzida com
acerto. Enquanto interesse, a noção se reduz ao bonum; o interesse como tal é também
universal. Quanto aos casos particulares, em que o bonum se aplica estes certamente
poderão oscilar. Também o belo nos casos particulares, admite a mesma restrição. O
vinho das Canárias, simpliciter é sempre bom... E assim, uma flor simpliciter é sempre
bela... Se entretanto cabe dizer o vinho é bom para mim, este "para mim" é próprio do
falar a respeito do bonum; a noção do bonum, exatamente por ser interesse, se firma
como interesse para alguém; no caso singular apontado, o interesse era em meu favor.
Para individualizar a flor, usamos a expressão esta flor. Poderá esta flor não ser contudo
bela, apesar de a flor simpliciter, como noção, sempre associar a noção de beleza.
Portanto, também o interesse ou bonum, é um transcendental.

III - Kant e as distinções entre o belo e o bonum. 0764y395.

396. Ao mesmo tempo que Kant distingue o belo, como algo "sem interesse" e os
elementos indicados pelas categorias como algo "com interesse", distingue enter o belo e
o bonum ontológico. Se reduzirmos o belo ao círculo do verum ontológico, temos a dizer
que separou entre verum e bonum. Por que? Kant não esclarece , mas resulta nisto. E
é onde sua interpretação do belo vai notoriamente com a dos clássicos. Estes fixam o
bonum como aquilo que convém; o verum como aquilo que se ajusta ao arquétipo,
reduzido enfim o belo ao verum e não ao bonum.

Que significa exatamente o "com interesse"? Bonum é a determinação em que incorre um


ser enquanto convém a si mesmo; por servir para ser o que é; por ser do seu interesse.
Neste sentido tudo o que constrói as estruturas de um ser, lhe serve como bom, portanto
com interesse. As dez categorias de Aristóteles, enquanto controem o ser à maneira do
aristotelismo, e assim também as doze categorias de Kant, enquanto estruturam o objeto à
maneira do kantismo, são do "interesse" da coisa construída.

Kant não parece ter examinado inteiramente em separado o "interesse" como noção
transcendental, equivalente ao bonum do aristotelismo; era a mesma coisa. Afirmava que
as categorias como um todo, eram do interesse do objeto, mas não observava que o
interesse em si mesmo ocorria ao mesmo tempo como uma determinação qualificadora.
Viu esta situação a propósito do belo; diz o belo algo do objeto, tomado como um todo
diante do arquétipo. Assim o mesmo objeto, constituído como um todo, era algo de
interesse diante de si mesmo. E por isso o objeto apresentava-se como um bonum;
também as categorias que o constituíam, cada uma, enquanto era um interesse para este
todo, se determinava como um bonum, ou seja como um interesse.

Também a noção do verum ontológico, que subrepticiamente aparece na sua definição do


belo, não chegou ao desenvolvimento que poderia ter alcançado. O belo, como ajuste a
uma finalidade formal, não é senão o próprio verum ontológico. Assim como as coisas
convém à si e por isso se conformam ao seu arquétipo ideal e se dizem verdadeiras. O
belo precisa uma nota ainda mais específica, para então se definir como verdade
ontológica em realce.

IV - Kant e os arquétipos do belo e da verdade ontológica. 0764y397

398. O belo e o verum envolvem a questão do arquétipo. Distinguindo-se por este lado
em comum do bonum. Prosseguiremos a exposição mostrando como Kant apresenta a
questão do arquétipo. Aqui não nos interessa ainda o conteúdo meramente apriorístico,
que pretendeu dar a esta noção, mas simplesmente a noção enquanto exprime uma
essência; sob esta ponto de vista apenas, ocorre uma notável aproximação com as
posições clássicas.

Observou Kant ser difícil e penoso encontrar os arquétipos, leis gerais da natureza, os
gêneros, enfim os princípios formais. A mesma dificuldade não ocorre no plano
categorial; os conceitos se mostram prontamente, sendo logo enunciado o particular sob
universal; o juízo determinante do "entendimento" subsume espontaneamente os dados
empíricos sob o universal. "O juízo em geral, é a faculdade de pensar o particular como
contido no universal. Se o universal ( a regra, o princípio, a lei) é dado, o juízo que
subsume nele o particular (inclusive quando como juízo transcendental põe a priori as
condições dentro das quais somente pode subsumir-se no geral) é determinante" (crítica
do juízo, Intr. IV).

No plano das noções transcendentais do belo e do verum, apresentam-se os dados


empíricos, como as flores, as pedras , os animais, sem que prontamente tenhamos a noção
exata do modelo arquétipo a que devam subordinar-se e em função do qual se dizem
perfeitas e belas. A pesquisa da ciência e da filosofia dispende largos esforços par enfim
alcançar um suposto arquétipo ideal, a essência metafísica, a finalidade formal, o gênero
e a espécie.
Kant apontou para este problema, ao mesmo tempo que indicava o ocorrência de tal
família de noções: "Porém se só o particular é dado sob o qual ele deve encontrar o
universal, então o juízo é somente reflexionante. O juízo determinante sob leis universais
transcendentais que dá o entendimento não faz mais que subsumir; a lei lhe é apresentada
a priori e não tem necessidade, portanto de pensar por si mesmo em sua lei, com o fim de
poder subordinar o particular na natureza ao universal. Há porém formas da natureza tão
diversas, e por assim dizer, tantas modificações dos conceitos gerais transcendentais da
natureza, modificações que aquelas leis dadas pelo entendimento puro a priori deixam
indeterminadas porque estas leis dizem respeito, em geral à possibilidade de um natureza
(como objeto dos sentidos), que tem que haver, portanto, para determiná-las, também leis
que se bem possam ser empíricas, contingentes para a apreciação do nosso entendimento,
terão, contudo, se há que chama-las leis, (como o exige assim o conceito de uma natureza)
que ser consideradas também como necessárias para um principio da unidade do diverso,
ainda que este princípio nos seja desconhecido" (Crítica do juízo, Intr. IV).

400. A finalidade seria o exato princípio a impor a unidade absoluta aos dados empíricos
dispersos. Dali resultaria que os indivíduos devessem realizar-se dentro de certas normas
de essência fixas; estas coincidiriam, em parte, com outras, fazendo em conjunto o
gênero. Cada essência estabelece-se com algumas propriedades que lhe são absolutas,
nascem com isso, as leis, que se descobrem empiricamente, mas que são absolutos.

Entendida a finalidade como certa norma absoluta a ser realizada pelos indivíduos, vê-se
logo que em Kant a noção de finalidade conserva aquele sentido amplo que exerce nos
clássicos. Neste sentido lembramos que Aristóteles dividira a constituição dos seres em
quatro causas fundamentais; duas eram constitutivas intrínsecos do ser (causa material e
formal) duas constitutivas extrínsecos (causa eficiente e final).

Ora, no sentido corrente e normal, até na classificação aristotélica, a causa final seria
sempre extrínseca; ambas as partes distanciar-se-iam e movimentar-se-iam como que
mecanicamente para uma aproximação. Semelhante é o sentido em que se dizem
finalidades apenas os objetivos a serem alcançados pela operação da vontade. Assim, o
alimento é um fim buscado em benefício do corpo; é também deste plano, o chamado
"fim último" do homem. A crítica da razão prática ocupa-se de tais fins; a eles os
denominou Kant fins objetivos.

As formas são fins, porque na verdade servem de ponto de chegada para a potência, cuja
determinação vem da forma. E ainda reduzem-se a tais fins subjetivos, aos fins objetivos,
porque a potência não pode por si buscá-los; uma causa exterior ao que é potencial, deve
intervir para fazer passar a potência ao seu ato. Por isso, a um tempo, a potência busca a
forma como fim formal, a causa eficiente a procura como seu objetivo.

A doutrina aristotélica das causas apresenta-se como um sistema nervoso complexo, a


reagir em todas as direções, como transmissões diversificadas, porém com a mesma
origem inicial singela, que tudo reduz às quatro causas constitutivas. Em Kant se salvou
alguma coisa do esquema, visto que também manipula com causas formais que ora são
apenas formas, ora, finalidades formais.

401. Usando linguagem eminentemente técnica e só válida no contexto kantiano, afirma


o filósofo de Koenigsberg que o "o juízo do gosto é completamente independente do
conceito de perfeição". Para Kant, o belo, interpretado como ajuste à finalidade formal ou
subjetiva, somente poderá envolver o predicado da perfeição se diz somente a propósito
da finalidade objetiva, como é visada pela vontade quando busca os fins em favor de algo.
Este algo é, então, concebido à maneira de conceito ( do entendimento) para ser
anteposto à faculdade volitiva, que o busca como seu bem; se busca é exterior, o objeto
se diz utilidade, se interior, uma perfeição.

"A finalidade objetiva é: ou externa, isto é, a utilidade, ou interna, isto é, a perfeição do


objeto. Que satisfação em um objeto, que por ela chamamos belo, não pode descansar na
representação de sua utilidade, se colige suficientemente dos dois anteriores capítulos,
pois então não seria uma satisfação imediata no objeto, e este último é a condição
essencial do juízo sobre a beleza. Porém, uma finalidade objetiva interna, isto é, a
perfeição, aproxima-se mais ao predicado da beleza, e por isso notáveis a tem tomado por
idêntica à beleza, ainda que acrescentando: quando é pensada confusamente. É da maior
importância, decidir, em uma crítica do gosto, se a beleza deixa-se efetivamente resolver
no conceito de perfeição" (Crítica do juízo, 15). Ocorre aqui uma alusão também à
estética de Baumgarten.

Depois de comparar fim objetivo e fim subjetivo, vai concluindo Kant: "representar-se
uma finalidade formal objetiva, porém sem fim, isto é, a mera forma de uma perfeição -
sem matéria alguma nem conceito com que concordar-se, ainda que fosse somente a idéia
de uma conformidade a leis, em geral - é uma verdadeira contradição". "Assim, mediante
a beleza, como finalidade formal subjetiva, não é pensado de modo algum uma perfeição
do objeto como finalidade suposta formal, porém sem embargo, objetiva; e vã é aquela
distinção enter o conceito do belo e do bem que considera a ambos como distintos
somente pela forma lógica, e segundo a qual, o primeiro seria um conceito confuso, o
segundo um conceito claro da perfeição, idênticos, além disto, em seu conteúdo e origem,
pois, então entre eles não haveria diferença específica alguma, senão que o juízo de gosto
seria um juízo de conhecimento, igualmente que o juízo mediante o qual uma coisa é
declarada boa".

V - Kant e a índole constitutiva dos modos transcendentais. 0764y403.

404. Seria verdadeira a afirmação kantiana de que a noção do belo nada diz da estrutura
ou constituição do objeto? Não convence a afirmação de que o belo é "sem conceito". Se
de uma parte tem Kant muita razão em apontar o modo diferenciado com que o belo se
predica das coisas, modo este que não se identifica com a maneira de se predicarem as
categorias, não tem contudo razão ao dizer simplesmente que o belo nada diz do objeto
constitutivamente. Os transcendentais também afirmam algo de intrínseco ao objeto,
embora de outra maneira. Na conceituação aristotélica e escolástica, a doutrina mui subtil
dos transcendentais adquiriu feições bastante definidas, de sorte a ser possível a discussão
clara e com uma terminologia técnica inconfundível. O mesmo não ocorre no kantismo;
assume a discussão o aspecto penoso de um inquirição às vezes impenetrável.

Na filosofia clássica as noções transcendentais não se distinguem realmente entre si,


como ocorre com as categorias, como as de substância, qualidade, quantidade, etc.
mantém-se intimamente associadas e se coordenam de sorte a terem no ápice o ente e em
seu conteúdo implícito as restantes cinco, res, unum, aliquid, verum, bonum.
Dizem elas algo do objeto? Muitíssimo. Nada diz tanto quanto o ser. Considerando o ser,
como o contrário do nada, digo-o como aliquid, portanto como algo que existe; ora,
também isto quer exprimir algo de muito explicativo. Se digo, unum, considero algo em
que o ser se determina, como indiviso. E assim também exprimo determinações do ser
quando o considero como verdade e bem. Do mesmo modo, muito digo quando declaro o
ser como belo.

405. A circunstância de havermos tomado o objeto como um todo não resulta em que não
tenhamos dito nada de constitutivo; ocorre exatamente o inverso, porque afirmamos uma
constituição total.

Quando se diz ser, dizemos tudo... continuamos a desdobrar o ser, ao explicitarmos as


suas restantes determinações, como o "contrário do nada", como "indivisão", como
"verdade", como "bem", como "essência" ou coisa.

A totalização é própria da predicação transcendental. Não diminui a afirmação; aumenta-


a. Portanto, sobretudo as noções transcendentais se configuram como conceitos de
interesse, como objetos eminentemente lógicos, como elementos construtores dos objetos.

Para Kant ocorre, entretanto, uma situação muito especial. Ele constrói o objeto mediante
formas apriorísticas, nada surge a começar de dentro; os dados são apenas fenômenos e
tudo o mais vem por acréscimo. E assim, poderia parecer que o belo, ao ser predicado do
objeto como um todo, resultasse em nada dizer do objeto, exatamente porque resulta de
uma forma acrescido.

Contra esta observação temos a dizer que também o entendimento acresce as formas das
categorias, criando o objeto; deveríamos então observar que também as categorias nada
afirmam de constitutivo do objeto; recebendo o fenômeno como um todo, o entendimento
o reveste de formas. Mas, o objeto não se diz do fenômeno envolvido mas do resultado,
este se constitui pelas formas com que foi construído. Desta sorte, também o belo
envolve o objeto aprontado pelo entendimento; o novo resultado, também é objeto, tal
qual como quando o entendimento tomava o fenômeno sensível e o revestia para criar um
objeto.

Concluindo sobre Kant e a essência do belo, o que resultou é que sua análise se apresenta
muito apreciável. O belo não fora sequer estudado como transcendental pelos próprios
medievais; estes que se haviam ocupado tão amplamente de outros aspectos dos
transcendentais, não enveredam contudo pela região do belo como transcendental. O que
em Tomás de Aquino é pouco mais do que implícito, em Kant, sob terminologia
inteiramente diversa, amplifica-se; embora não ganhe ainda a clareza que os
transcendentais podem adquirir, o belo, teve em Kant um adiantamento considerável.
Todavia Kant, nunca progride sem neblina e entraves tecnicistas.

§ 2-o. O belo como forma viva (Schiller). 0764y407.

408. O romântico Frederico Schiller (1759-1805) define a beleza como um estado


espontâneo, chamado instinto do jogo, que equilibra dois outros instintos, o sensível e o
racional. Enquanto Kant definia o belo em função a uma faculdade teorética, Schiller leva
a questão para um plano prático de espontaneidades instintivas. Enquanto para Kant o
belo estabelecia uma situação gnosiológica, para Schiller se trata de uma dinâmica.
Agora, o sensível, chamado vida, e o racional, que estabelece a forma, ou lei, se
equilibram na "forma viva", que é portanto a definição do belo. A harmonia da
imaginação sensível e da forma, resultam em beleza.

Kant passivamente dizia que a faculdade do juízo, em operação reflectante, julgava os


objetos em função ao gênero universal (fim formal arquétipo). Schiller mostra haver uma
certa luta entre a matéria sensível e sua forma ideal; no equilíbrio estaria a perfeição, isto
é, na forma viva. Hegel, interpondo a dialética dos contrários que se superam, faz o
movimento rolar do sensível material na direção do Espírito. Portanto, a Crítica do Juízo,
de Kant, as cartas sobre a educação estética, de Schiller, e a Estética, de Hegel, formam
uma trilogia histórica das mais expressivas.

A beleza é sensível, pois ela ocorre como união da forma e da matéria. Portanto, o belo é
a perfeição da matéria sensível. Estão aqui os ecos de Baumgarten, para quem a beleza é
objeto dos sentidos e a verdade da inteligência. Há, naturalmente, em Schiller o aspecto
kantiano, de que a perfeição da matéria ocorre enquanto exerce-se em função ao
arquétipo, esquecida a perspectiva do interesse.

Leiamos Schiller: "a beleza, seguramente, é obra da livre contemplação, e com ela do
sensível, como o deixaríamos para o conhecimento da verdade. Esta é o puro produto da
separação de tudo que é material e contingente. Objeto puro no qual não deve subsistir
limitação alguma do sujeito, pura espontaneidade sem mescla de atitude passiva. "E bem
verdade que mesmo da mais alta abstração existe regresso à sensibilidade, pois o
pensamento afeta o sentido interior e a representação da unidade lógica ou moral torna-se
num sentimento de harmonia sensível. Quando nos comprazemos no conhecimento,
entretanto, distinguimos muitos claramente nossa representação de nossa sensação, e
vemos nesta última algo de contingente que poderia faltar sem que o conhecimento
cessasse e a verdade deixasse de ser verdade. Seria um empreendimento vão, entretanto,
separar da representação da beleza esta relação com a faculdade sensível; por ser
insuficiente pensar uma efeito da outra, é necessário pensar as duas a um tempo, como
causa e como efeito recíprocos "

Leiamos textos para apreciar a ação plasmadora da forma ideal:

"O objeto do impulso sensível, expresso num conceito geral, chama-se vida em seu
significado mais amplo; um conceito que significa todo o ser material e toda presença
imediata nos sentidos. O objeto do impulso formal, expresso por um conceito geral, é a
forma (figura), tanto em seu significado próprio como metafórico; um conceito que
compreende todas as disposições formais dos objetos e todas as suas relações com as
forças do pensamento. O objeto do impulso lúdico, representado num esquema geral, é a
forma (figura) viva; um conceito que denomina todas as disposições dos fenômenos, tudo
que entendemos no mais amplo sentido por beleza"

Um pouco à frente: "o homem, sabemos, não é exclusivamente matéria nem apenas
espírito. A beleza, portanto, consumação de sua humanidade, não pode ser exclusiva e
meramente vida, como quiseram observadores argutos que se ativeram com excesso ao
testemunho da experiência, solicitados pelo gosto do tempo; nem ode ser mera figura,
como julgaram sábios especulativos, demasiado distantes da experiência, e artistas
filósofos, que se deixaram conduzir em excesso pelas exigências da arte para explicá-la:
ela é um objeto comum de ambos os impulsos, e portanto do impulso lúdico. Este nome é
plenamente justificado pela linguagem corrente, que costumam chamar de jogo tudo
aquilo que não sendo subjetiva, nem objetivamente contingente, ainda assim não tem
necessidade interior nem exterior. Se o espírito encontra, ao intuir o belo, um feliz
compromisso entre a lei e a necessidade, é por repartir-se entre os dois, furtando-se ao
império material como as do impulso formal tem validez e seriedade plenas, pois, que no
conhecimento, um se refere à realidade das coisas e o outro à sua necessidade, pois que
na ação, o primeiro visa a manutenção da vida e o segundo a da dignidade, visando os
dois, portanto, a verdade e a perfeição" (Ibidem). É importante notar que a doutrina da
"forma viva" de que trata Schiller, insinua a concepção do belo e da arte como projeção
sentimental (empatia, Einfühlung), de maneira geral, como processo de associação de
imagens, que se atraem. Posto um objeto material, sobre ele projeta o espírito um
"mundo"; este projetar, eis que consiste o belo para Schiller. De maneira geral, a "forma"
que Kant sobrepôs à matéria, sugere tal doutrina empática, visto que, para este filósofo, a
forma exerce-se como a priori. Ainda que se julgue o objeto em função a um arquétipo,
dizendo-se belo o objeto que está concorde a ele, esta beleza se mostra como que
projetada, por que também o arquétipo não é senão, no contexto de Kant, um a priori. E
assim, a doutrina da forma, de Kant, sugere a doutrina do Einfühlung.

Agora, em Schiller, a forma adquire mais dinâmica. Um equilíbrio entre a participação


ativa da forma, que vem do espírito, e o sensível, que procede do material, resulta no
beleza. Note-se, pois, a ação da forma, cuja projeção é algo que se injeta,
semelhantemente à doutrina da empatia.

Em Hegel, a forma tornar-se-á eminentemente ativa, porque ela será o mesmo Espírito. A
dialética, marchando sempre para o seu contrário, põe o Eu a marchar e a se projetar para
dentro do objeto, que se lhe opõe. E assim o mundo, bem como a beleza do mundo, não
seria senão uma projeção do Espírito. Aliás, disse o próprio Hegel: "O fim do homem, na
arte é encontrar nos objetos exteriores seu próprio Eu".

É possível que haja exagero em colocar toda a arte apenas nesta região empática; é
todavia, importante para a arte atender a ela, pois que não opera apenas com mimese
(prosa) mas também com evocação associativa de imagens (poesia. Embora ainda não
mui claramente era o que começava a ser visto pelo olhar de filósofo de Schiller. Via-o
sobretudo quando descrevia o estado estético surgindo como "maravilhosa comoção para
qual o entendimento não tem conceito e a linguagem não tem nome" (carta, XV, no final).

A doutrina Schilleriana da "forma viva" prenuncia a adoção dos elementos "associativos"


(evocativos) na explicação da arte, bem como do belo. O campo psíquico da evocação,
em que imagens atraem outras imagens, explica o fenômeno da poesia. A importância de
Schiller está em ter inclinado a teoria explicadora da arte nesta direção. Ainda que as leis
de associação de imagens fossem expostas nitidamente por Aristóteles, não as aduziu ele
para esclarecer a natureza da poesia. Com a mimese (imitação) explicou o principal;
todavia, ao lado da mimese, que aponta diretamente para os temas, em os imitando,
funciona ainda a evocação, que atrai novas imagens juntamente com as indicadas pela
mimese. Toda a poesia é associação de imagens; tal não o viam até Schiller os
explicadores da arte. Nem mesmo Schiller o explicou claramente.

A forma de que fala Schiller é um elemento intelectual. A associação de imagens


processa-se na memória e imaginação sensíveis. Para Schiller, a forma é ainda um juízo
do entendimento, tal como Kant; neste, o entendimento comparava o ser sensível
concreto (objeto visto como um todo) com o seu respectivo arquétipo; de tal visão
resultava o ajuizamento, que dizia belo ou feio o objeto. Neste ajuizamento haveria algo
de novo a projetar-se sobre o sensível. Eis o que ainda vale para Schiller, com a diferença
que para este a forma exerce muito mais dinâmica, o que bem lembra que o poeta filósofo
está pensando no mundo da poesia, que é evocação.

Leia-se in totum a carta 25, para se apreciar nela a concepção schilleriana do belo como
algo sensível, enquanto recebe a projeção do espírito, que nela deposita um mundo, a
forma, ao mesmo tempo que com isto lembra a evocação poética e as doutrinas estéticas,
como de Lipps e Heidegger, que fazem da arte uma projeção e evocação (Citamos
sempre a tradução de Robert Schwartz das 27 Cartas e intérprete experimentado da
Estética alemã).

411. Em páginas imortais realçou Schiller o caráter livre e sem interesse da contemplação
estética. Comparando esta peculiaridade do belo com o jogo, não quer isto dizer que
confundisse pura e simplesmente uma o outra coisa. Não cuidando o jogo senão da forma
lúdica, sem atender à realidade em si mesma, há nisto uma comparação como o belo, que
se diz da forma enquanto se harmoniza um termo ideal e não da matéria em si mesma
como uma estrutura real.

Considerando que a forma desinteressada é o objetivo a ser atingido, como perfeição


plena do homem, resulta o seguinte, afirmado no contexto que a palavra jogo tem em
Schiller: "O homem deve somente jogar com a beleza, somente com a beleza ele deve
jogar. Pois, para tudo sintetizarmos, o homem joga somente quando é homem no pleno
sentido da palavra, e somente é homem pleno quando joga" (Carta, 15).

À medida que o homem se desliga, pelo estado estético, da realidade interesseira da


matéria, cuida da forma, que é, como que aparência. "Em seu primeiro estado físico, o
homem aceita o mundo sensível da maneira puramente passiva, sendo plenamente uno
com ele, e justamente por ser o próprio homem apenas mundo, não ainda mundo para ele.
Somente quando, em estado estético, ele o coloca fora de si e o contempla, sua
personalidade se descola, faz que o mundo lhe apareça, já que deixou de ser uno com ele.
A contemplação é a primeira relação liberal do homem com o mundo que o circunda.
Enquanto a voracidade segura seu objeto de maneira imediato, a contemplação afasta-o e
faz dele sua propriedade verdadeira e inalienável na medida em que o protege da paixão.
A necessidade natural, que o dominara, inconteste, no estado da mera sensação, libera o
objeto da reflexão; há trégua momentânea nos sentidos, o próprio tempo eternamente
mutável repousa enquanto os raios dispersos da consciência se conjugam e a imagem do
infinito, a forma, reflete-se em fundo perecível" (Carta 24, no início).

§ 3-o. O belo em Hegel. 0764y412.

413. A Estética hegeliana é conhecida particularmente por sua obra póstuma, Estética, em
vários volumes, e em que têm parte os discípulos (Citações pela tradução portuguesa de
Orlando Vitorino, Guimarães Editores, Lisboa, 1959 . Começa Hegel: "Esta obra é
dedicada a estética, quer dizer: à filosofia, à ciência do belo, e mais precisamente do belo
artístico, pois dela exclui-se o belo natural" ,Estética, Intr. C. 1. Seção 1,1 pag. 11).
O belo diz-se do sensível, porém, como sensível que realiza uma certa perfeição. Em
Hegel, a perfeição resulta da presença da idéia. Mas o que faz a idéia estabelecer-se como
perfeita é superioridade intrínseca à mesma idéia.

O que chama por primeiro a atenção na concepção hegeliana do belo está no mesmo
particular que também ocorre em Baumgarten, Kant e Schiller: o caráter sensível do belo.
Ainda que a inteligência procure entender, mediante conceito, o belo, este é sempre algo
sensível. Jamais o belo mostra-se como luz plena, à maneira da verdade. Mantém a
concepção hegeliana do belo a oposição entre sensibilidade do belo e verdade da idéia.
Encontra-se ali o eco remoto de Baumgarten, atribuindo ao pensamento a verdade, aos
sentidos o belo.

A perfeição, para que haja o belo e a superioridade da idéia, eis outro elemento que
precisa se anotado, pois lembra os arquétipos. Sem um termo de comparação, é
impossível falar em perfeição maior e menor. Tomado, pois, um objeto como um todo,
julga-se-o em função a algo que lhe é extrínseco.

414. Distingue Hegel entre o belo natural e o belo artístico. Não se trata de uma rigorosa
especificidade, porque dá a ambos a qualificação de belos em virtude da presença da
idéia, em grau mínimo no belo natural, deixa a este inferiorizado diante do belo artístico,
em que a idéia encontra-se em maior escala. "O belo artístico é superior ao belo natural
ser um produto do espírito que , superior à natureza, comunica estas superioridade aos
seus produtos e por conseguinte à arte, por isso é o belo estético superior ao belo natural.
A pior das idéias que perpassa pelo espírito de um homem, é melhor e mais elevada do
que a mais grandiosa produção da natureza, é melhor e mais elevada do que a mais
grandiosa produção da natureza - justamente porque essa idéia participa do espírito,
porque o espiritual é superior ao natural" (Hegel, Estética, Intr., c. 1, 1-a sec., 1 p. 12).

Depois frisa os graus de participação na verdade, que está apenas adequadamente na idéia
e não nos sentidos: "A superioridade do belo artístico provém da participação no espírito
e portanto na verdade se bem que aquilo que existe só exista pelo que lhe é superior, e só
graças a esse superior é o que é possui o que possui. Só o espírito é verdade. Só enquanto
espiritualidade existe o que existe. O belo natural será assim um reflexo do espírito, pois
só é belo enquanto participante do espírito e dever-se-á conceber como um modo
imperfeito do espírito, como um modo contido no espírito, como um modo privado de
independência e subordinado ao espírito" (Ibidem, p. 13).

415. Ainda que o belo seja sensível, deixa-se alcançar pela apreensão mental. Entende-se
esta particularidade, em função à estrutura dialética do sistema da realidade que progride
por tempos sucessivos e envolventes. "Conviria rapidamente que numerosos são aqueles
que pensam que o belo em geral, precisamente por ser o belo, se não deixa encerrar em
conceitos e constitui, por este motivo, um objeto que o pensamento é incapaz de
apreender. Responderemos a esta maneira de ver, dizendo que, embora a verdade seja
ainda hoje, considerada como inconcebível e só, portanto, as temporais finitude e
ocasionalidade do fenômeno se ofereçam à conceptualização, nós pensamos, pelo
contrário, que só a verdade é concebível pois só ela se funda no conceito absoluto, e mais
exatamente na idéia. Ora, sendo a beleza um certo modo de exteriorização e
representação da verdade, por todas as suas faces oferece-se ela ao pensamento
conceitual quando este possua verdadeiramente o poder de formar conceitos...A beleza,
como já mostramos, não constitui uma abstração do intelecto, mas sim o conceito em si,
concreto e absoluto, ou seja a idéia absoluta" (Ibidem, p. 199, 200).

416. Para o panteísmo dialético de Hegel, que faz de tudo fazes da Idéia, é possível falar
em idéia por toda a parte, inclusive na sensação e na matéria. A beleza é sensível; mas
como o sensível é idéia , a beleza é idéia...sem ficarmos atentos a esta modalidade de
conceber, as frases de Hegel poderão confundir. Na verdade, para Hegel é sensível; a
interpretação metafísica do belo, apesar de sensível, o faz ser idéia, porque afinal tudo
tem de ser reduzido, de algum modo em idéia. Sob este prisma, o sensível é , ao mesmo
tempo, idéia; portanto, o belo ao mesmo tempo que é sensível, é algo que se pode dizer
idéia. Não senso o belo (sensível) a idéia clara, como na verdade, é uma representação
exteriorizada da verdade. A idéia, quando diretamente pensada, é verdade; a idéia,
quando no seu instante sensível, é a beleza.

Continua, pois a haver em Hegel, a tendência à substancialização do belo, como em


Baumgarten. Não seria apenas o belo uma determinação resultante da perfeição de algo,
mas o mesmo algo se especifica; este deve ser sensível...ainda que ao mesmo tempo
espírito, que se sensibiliza.

417. Na dialética de Hegel uma idéia atrai outra, de sorte a ocorrer um progressivo
movimento de soma, que vai desde a noção mais simples, até a totalidade concreta do ser
absoluto (espírito Absoluto). A atração faz-se pela invocação dos contrários; por exemplo,
finito lembrando o infinito, o subjetivo, o objetivo; desta maneira, a contradição vai
trazendo novas caracterizações do ser. Em si mesmo, o ser concreto é um só; mas ao
ingressar a pensar a si mesmo, começa de um instante inicial simples e vago, a partir do
qual progride, pensando sempre, até completar toda a cascata de noções que se vão
atraindo como contrários da noção precedente. Desta maneira, altera-se alógica
tradicional, pois Aristóteles progredia por progressões lógicas, como por exemplo, pelas
relações que há entre o todo e as partes (o juízo é a declaração de que algo cabe no sujeito,
ou não).

Agora, a progressão é para os contrários; pensa-se a própria contradição.

Algo similar à dialética hegeliana, a progredir pela invocação dos contrários,


encontramos na lógica aristolélica ao progredir do explicito para o implícito; uma
afirmação que afirma algo explicitamente, implicitamente afasta sua contrário,
invocando-a, portanto, ou então, introduz um outro elemento implícito, mas destas vez se
trata simplesmente das relações entre todo e partes.

418. Reunidas todas as oposições, em esquema maiores, elas resultam em três partes de
um grande sistema: lógica, filosofia da natureza, filosofia do espírito. Trata-se de
perspectivas tomadas a uma só grande idéia.

Em sendo a idéia uma representação de objeto, a lógica trata da idéia apenas sob a
perspectiva de ser em si-para-si. Não cuida do mundo exterior, de que a idéia fala (como
em Kant, também para Hegel, todo o saber começa no fenômeno, que se mostra).
Concentrando-se a lógica apenas no pensamento enquanto interesse a si mesmo (em si e
para si), estuda-o enquanto principia pensando em termos de ser, essência, conceito, com
as suas demais peculiaridades.
Tomando agora o objeto exterior, ao qual o pensamento revela, a perspectiva estudada
fica sendo a das idéias quanto à sua alteridade, fora de si; apresenta-se como nova
importante parte do sistema, a filosofia natural, subdividida, segundo Hegel, em
mecânica, Física, orgânica. DO ponto de vista dialético, trata-se sempre de novas
perspectivas, que aparecem como contrários ao exterior. Em conjunto, a natureza opõe-se
à idéia em si e para si tratada pela lógica. Mas, em ambos os casos, sempre se trata da
idéia, uma vez tratada em si em para si, somente como interessa ao ponto de vista
meramente formal da lógica, outra vez tratada como aquilo que a idéia representa, a
natureza.

Continua a dialética, passando a um novo contrário, que se opõe à natureza, subindo ao


Espírito, que se sobrepõe à idéia como aparece na lógica e na natureza. O espírito é o
existir da idéia em si; portanto, não é a idéia em si e para si, nem a idéia fora de si. Neste
novo plano vai ser encontrada a perspectiva, segundo a qual a idéia dir-se-á bela. Haveria,
pois, no belo a presença do espírito; na obra de arte, o espírito seria a matéria enquanto
vista como perspectiva do espírito; já não seria a obra de arte apenas a matéria, pois algo
a faria erguer-se para superar sua opacidade; efetivamente, ninguém cuida de ver nas
obras de arte apenas a matéria, pois em tais circunstâncias não passaria de objeto como a
estuda a filosofia da Natureza.
Complexo apresenta-se o espírito; muitos detalhes dialéticos ocorrem até se alcançar o
instante da arte. Divide Hegel esta área em Espírito subjetivo, Espirito objetivo e Espírito
absoluto; este enfim, se subdividiria em Arte, Religião e filosofia.

Ocorre o Espírito subjetivo no instante finito, que é o instante em que o Espírito Absoluto
se opõe a natureza exterior. Então vemos a alma opondo-se ao mundo dos corpos. Nestas
condições, situam-se o corpo e o Espírito lado a lado. Desenvolve-se o Espírito subjetivo
em três sucessões dialéticas ricas: Antropologia (relações com o clima, raça,
temperamento), Fenomenologia (sentimento, consciência, razão), Psicologia (inteligência,
vontade, moralidade).

Como antítese do espírito subjetivo, apresenta-se o Espírito objetivo; trata-se agora da


razão da espécie humana. Dali resultam outras três manifestações dialéticas: direito,
moralidade, eticidade.

420. A síntese suprema, invoca, por sobre o espírito subjetivo e objetivo, o espírito
Absoluto. "O espírito absoluto é identidade, que é tanto eternamente em si, quanto deve
tornar e é tornada em si; é a única e universal substância como substância espiritual; a
divisão ( o juízo) em si e em um saber, para o qual ela é como a substância" (Hegel,
Enciclopédia das ciências § 554).

Chegamos agora a uma perspectiva, em que a primeira manifestação do espírito é a da


arte. Seria, pois, a arte o momento em que as coisas sensíveis são vistas como espírito.
Ou pelos menos as obras, conhecidas como sendo de arte, o seriam porque, nelas o
espírito se encontra como sensível; seria arte porque dita matéria deixa-se ver como
espírito tornado sensível.

Quando Hegel aborda a Estética, insiste em explicar os termos gerais da dialética do


Espírito, para depois nela insertar o conceito do belo artístico como um momento da idéia
no instante que se conscientiza como Espírito Absoluto. Enquanto assim insiste, torna a
leitura de sua Estética eminentemente difícil aos que não se encontram habituados aos
esquemas de sua filosofia. Mas, não poderia deixar de fazê-lo, pois sem isto não daria
uma explicação exaustiva do belo artístico nos termos de seu sistema dialético. Depois de
uma longa introdução, ingressa com uma parte (parte I) em que estuda a "Idéia e o ideal".

Supondo vários elementos contextualmente, ingressa maciçamente no tema da idéia.


"Comecemos pela idéia, cujo exame nos irá revelar que existem entre a arte e os
domínios que dela aproximam-se" (Estética, I, C. 1, 1).

Depois mostra como a idéia aparece no primeiro grande instante dialético em si e para si
(Lógica). A seguir como surge no instante do espírito subjetivo, oposto ao objeto da
natureza. Mas como espírito subjetivo, este Espirito restringe-se a uma subárea, que tem
acima de si o espírito absoluto, onde se inserta a arte. Atentos a estas linhas gerais.
Leiamos agora a Estética de Hegel, neste passo difícil e básico.

"Para darmos da idéia uma definição mais rigorosa, diremos que, enquanto existente em
si e para si, a idéia é também a verdade em si, é o que participa do espírito de um modo
geral, o que é o espiritual universal, o espírito absoluto. O espírito absoluto é o espírito
enquanto universal e não enquanto particular e finito. Determina-se como o que recebe a
verdade de uma verdade universal. É certo que estamos habituados a colocar o espírito ao
lado da natureza como se esta o igualasse em dignidade, como se as relações entre o
espírito e a natureza fossem as de igual para igual, reciprocamente independentes. Ora,
nós postulamos aqui, a oposição de espírito e natureza. O espírito que separando-se da
natureza, se opõe a ela, não é o espírito absoluto, mas o espírito finito que recebe a
verdade do espírito absoluto onde a natureza se situa, de um modo ideal. Ele se diferencia
por virtude das suas imanentes atividades e se decompõe em termos opostos - a natureza
e o espírito finito - termos que embora representem a idéia total, apenas a representam
sem constituírem a verídica forma dele" (Hegel, Estetica I, c. 1,1. Citamos a trad. De
Orlando Vitorino, Guimarães Editores, Lisboa, 1959, p. 200-201.)

Segue-se uma consideração em separado para a Natureza e outra para o espírito subjetivo,
como membros dialéticos da idéia, ora unida a natureza ora à subjetividade do indivíduos.
Quando mostra a subjetividade, como contrariedade à natureza, parece ouvirmos a
Schiller, quando define os impulsos da forma contrariando os sensíveis inferiores; do
equilíbrio, pretende Schiller estabelecer um todo ativo, a chamada forma viva.

Agora, também, Hegel, mostrando a subjetividade como contrariedade à natureza, busca


na síntese do Espírito absoluto o todo final. Leiamos o que diz sobre a subjetividade,
enfim equilibrada pela síntese:

"Tal idealidade e tal negatividade infinita da natureza formam o conceito profundo da


subjetividade do espírito. Mas enquanto subjetividade, o espírito ainda não é mais do que
a verdade da natureza, visto que ainda não formou o conceito de si e para si. A natureza
não lhe aparece como outro, como o que lhe foi formulado por ele, mas sim como aquilo
que é feito diferentemente, como aquilo que é limitado não ultrapassando e com o qual o
espírito, enquanto subjetivo na sua existência de querer e de saber, se relaciona como
com uma objetividade que acha completamente feita e de que ele é , por assim dizer, uma
resposta. Eis o que explica o caráter finito do espírito, quer teórico quer prático, a
limitação do conhecimento e a mera obediência ao dever na realização do bem. Como na
natureza, também aqui a manifestação exterior não corresponde à verdadeira essência do
espírito, e por isso temos esse quadro confuso de toda a espécie de habilidades, paixões,
opiniões, intuitos e propósitos que convergem e divergem, que concordam, se
contradizem e opõem, com o acaso a presidir, sob as formas mais variadas, à orientação
do querer e dos anseios, à direção das opiniões e dos pensamentos, umas vezes
favorecendo-os, outras vezes perturbando-os. Assim parece tão só o espírito finito, o
espírito de manifestações temporais, o espírito em contradição consigo próprio e por
conseguinte, caduco, insatisfeito e infeliz. E que as satisfações assim obtidas são sempre,
em virtude do seu caráter finito, limitadas e confusas, relativas e isoladas. Para
procurarem e acharem a universalidade verdadeira, o acordo e a satisfação, precisam a
consciência, o querer e o pensamento de se elevarem acima dessa esfera, até ao infinito
da verdade. Tal acordo e tal satisfação, até aos quais é erguida pela racionalidade
dinâmica do espírito a matéria da sua finitude, constituem a verídica revelação do que é o
mundo dos fenômenos considerado do ponto de vista do seu conceito. O espírito
apreende a finitude a sua própria negação e atinge assim o infinito. Estas verdade do
Espírito finito é que é o espírito absoluto. O espírito absoluto é estas totalidade, verdade
suprema. Este é o ponto de partida das nossas reflexões sobre a filosofia e a ele ligamos a
arte" (Hegel, estética, I, c. 1, 1 p. 202-203).

421. A arte, a religião, a filosofia se situam no plano do Espírito absoluto, porque se


desligam das particularidades do finito, para se ocuparem do universal ou comum. "O
espirito absoluto opõe-se a si mesmo, na sua comunidade, com o espírito finito; só é
espírito absoluto, quando é reconhecido como tal na comunidade. Como este é o ponto de
vista da arte, considerada na mais alta e verídica dignidade e da filosofia. Isto tem de
comum a arte, a religião e a filosofia: Exercer-se o espírito sobre um objeto que é a
verdade absoluta. Na religião, o homem eleva-se acima dos seus interesses particulares,
acima de suas opiniões...A filosofia tem por objeto a verdade..." (Hegel, Estética, I, c. 1,1,
p. 205).

§ 4. A estética do belo sensível e dos contrários de Croce. 0764y422.

423. De maneira geral Benedetto Croce (1866-1952) associa-se às estéticas de origem


baumgartenianas, estabelecendo o belo como sendo sensível. Em não sendo objeto de
pensamento, o belo como sensível, está fora da área lógica do pensamento; como o belo é
próprio do sensível, a verdade é do pensamento.

A arte, enquanto é expressão sensível, é beleza. Sobre a arte desenvolve ainda Croce
princípios peculiares, de que não pretendemos agora nos ocupar, visto que atendemos ao
belo simplesmente ( Veja-se nosso Filosofia Geral da Arte. Cf. O.N. Derisi, La Filosofia
del Espiritu de B. Croce, Madrid, 1947. Uma vasta literatura se desenvolve em torno das
idéias da Croce).
Uma vez que o belo é sensível, sem o objeto sensível não existe o belo. Não se origina
portanto, o belo em função a alguma consideração mental.

Em virtude do idealismo e fenomenismo crociano, que não admite realidades exteriores


aos conteúdos exercidos pelo conhecimento, é Croce enfático em dizer que o belo se cria
como o mesmo exercer-se do ato cognoscitivo sensível da fantasia e dos sentidos
exteriores em geral. Todavia esta ênfase fenomenista não altera fundamentalmente o
princípio de que o belo seja o sensível; quer seja real, quer viva no mesmo conteúdo da
consciência imanente, o belo define-se sempre como o sensível.
"A arte rege-se unicamente sobre a fantasia; suas únicas riquezas são imagens. Não
classifica os objetos, não os pronuncia reais ou imaginários, não os define; os sente e
representa. Nada mais. E por isso, enquanto é conhecimento não abstrato, mas concreto e
tal que toma o real sem alteração e falsificação, a arte é intuição; e enquanto o expõe em
sua imediatez, isto é, todavia não como mediato e esclarecido pelo conceito, se deve dizer
intuição pura".

Em Croce, intuição é conhecimento sensível; o pronunciar-se sobre a realidade, seria um


ato intelectual. A expressão artística cuida apenas do sensível e portanto não atende ao se
as coisas sensíveis são reais ou não. Isto posto, continuemos em outro lugar. Lendo Croce:

"com a arte o homem encerra-se na vida teorética em uma ingênua e maravilhada


contemplação da realidade, está nesta contemplação profunda e se perde totalmente. E
contemplando, cria as representações que contempla, e criando, expressa e expressando
cria: visão, criação de visão, e expressão de visão é tudo o mesmo: É a atividade estética,
a intuição criadora como pura intuição-criação- expressão de imagens. As quais, portanto,
não preexistem à criação-expressão, como objetos chamados intuíveis belos e feitos com
certa propriedade determinada que os façam intuíveis, senão que nascem em um só parto
com ela: a imagem e a atualidade do espírito intuitivo. Fora ou antes ou sob o ato
intuitivo está a sensação, está a matéria informe que o Espírito não pode jamais tomar em
si mesma, enquanto mera matéria, e que possui somente com a forma e na forma. É a
matéria revestida e vencida pela forma, desde logo da forma concreta" (Croce, Estética, p.
8).

Como decidir sobre as afirmações de Croce? Apenas a observação direta, portanto


fenomenológica, poderá decidir. Tal como ele afirma ver o belo como sensível, nós
podemos afirmar que o vemos como algo realçante e que em tal condição, apenas é
apreensível pela perspiciência mental. Foi assim que mostramos consistir o belo como
sendo uma qualidade aperfeiçoativa, colocando os seres em função a um termo ideal
arquétipo, ao mesmo tempo que alcançam realizar estas qualidade de maneira realçada,
como esplendor portanto de sua forma (veja-se o início do presente capítulo). De maneira
geral, contra Benedetto Croce valem as restrições que se fazem a todo o grupo das
estéticas que desde Baumgarten, vem repondo o belo no sensível.

Abranda Croce a rigidez dialética do sistema filosófico e estético de Hegel, apondo à


dialética dos contrários a dos distintos (representações que não se eliminam). Na dialética
dos contrários de Hegel a arte era vencida pela religião, a qual por sua vez era eliminada
pela Filosofia. Para Croce, o mundo da sensibilidade e o do pensamento não se eliminam,
mas se comportam como distintos. Acontece assim que o sensível (a expressão artística, o
belo, etc. ) não se eliminam diretamente pelo espírito.

Tal como Plotino reabilitou o arte no sistema de Platão, agora Croce lhe cria um lugar ao
sol no sistema dialético de Hegel.

Como distintos se apresentam os conceitos de coisas que não se opõem, mas também não
se confundem nem se identificam. Os contrários são os que se opõem. "Na investigação
da realidade nosso pensamento se exerce em presença não só de conceitos distintos, mas
também de conceitos contrários, os que não podem ser identificados como casos
especiais daqueles, i.é., como uma classe de conceitos distintos. Uma coisa é a categoria
lógica da distinção e muito outra a categoria da oposição. Dois conceitos distintos, como
já se tem dito, unem-se entre si, ainda que em sua própria distinção; dois conceitos
contrários parecem excluir-se: onde aparece um o outro desaparece totalmente...Exemplo
de conceitos distintos são os já mencionados de imaginação e intelecto e muitos outros
que poderiam agregar-se. Como ser, direito, moralidade e infinidade de conceitos
semelhantes. No que diz respeito aos exemplos de conceitos contrários, pode-se extraí-los
de numerosas associações de palavras que tanto abundam em nossa linguagem e que não
constituem, por certo, associações pacíficas e amistosas. São, por exemplo, os termos
antitéticos de verdadeiro e falso; de bem e mal, de belo e feio; de valor e desvalor; de
prazer e dor; de atividade e passividade; de positivo e negativo; de vida e morte; de ser e
nada; etc... não se pode, pois confundir a série dos distintos com os contrários" (Croce, o
vivo e morto em Hegel, item 1, pp. 16-17).

Cedeu Croce ao fato. Efetivamente há manifestações que não se apresentam como


contrárias, mas apenas distintas. Era recuar de Hegel e retornar a Aristóteles. Em Croce o
belo mantém-se como o contrário do feio (como nós também o defendemos); mas nem
tudo se opõe ao belo como seu contrário. Por isso, ao lado do belo ocorrem elementos
que dele se distinguem e que por isso não se eliminam com a afirmação do belo. Já
ocorreria em Hegel esta possibilidade, visto que fazia oporem-se entre si os conceitos; a
arte era superada pela religião, estas pela filosofia.

Os graus distintos supremos, segundo Croce, se esquematizam em número de quatro, em


grupos de dois, em que um grupo é teorético e outro prático. Dali termos como primeiro
grau a síntese imaginativa (ou intuição artística); como segundo grau do espírito, a
síntese lógica (ou filosofia). Como terceiro e quarto graus as duas sínteses práticas.
(economia e moral).

Numa filosofia da arte deveríamos agora expor o grau distinto inicial, referente à intuição
artística.

Tudo isto, apesar de se constituir como grau distinto ( e não como contrário) é idealidade,
simples elemento composto de Espírito Absoluto. A diferença entre Hegel e Croce
apenas ocorre, no que concerne ao idealismo, em que para o filósofo alemão o Espírito se
manifesta só com oposições; para o italiano, também, em graus distintos sem oposição.

Quanto ao belo, ainda que sensível, também este seria inteiramente ideal, qualquer grau
distinto ou grau de contrários seja posto. Para Croce, conforme vimos, o belo surge como
contrário do feio; neste posto ocorre ainda a manutenção de Hegel. contudo, o belo não se
pode definir em função ao contrário, apesar de possuir um seu contrário. O possuir em
contrário é propriedade, nunca, porém, essência constitutiva de algo.

425. De maneira geral, toda a questiúncula de Hegel e Croce referente aos contrários e
aos graus distintos é de ordem superficial, porque divide o ser em função a propriedades;
em sendo propriedades, não derivam de todos os seres. Tem os diversos seres
propriedades, não derivam de todos seres. Tem os diversos seres propriedades como as de
terem graus , de terem graus, de terem seu contrário, de possuírem semelhantes. Frisou
Aristóteles que somente a categoria da qualidade possuía a propriedade de ter
semelhantes. A Propriedade de possuir graus e contrários ocorre também na categoria da
qualidade, mas não em todas as qualidades individualmente. Observam também
sutilmente os aristotélicos que algumas propriedades dizem-se de várias categorias de ser,
outras não; estas propriedades que alcançam várias, foram denominadas pós-
predicamentos. De maneira geral não podem constituir questão decisiva na organização
fundamental dos seres.
§5. O belo não é evocação, nem empatia. 0764y428.

429. O mundo da imaginação alarga imensamente a área do sensível. Cresce,


consequentemente, a área da beleza, qualquer que seja a interpretação que se lhe dê.
Destacam-se os fenômenos conhecidos por "empatia" (Empathy, Einfühlung), dito
também "projeção sentimental" e a "poesia", chamada ainda "evocação", ou ainda
"associação de imagens".

Reduzida a si mesma, a imaginação é apenas criação da imagem. Por acréscimo, à


maneira de propriedade, a imaginação projeta imagens sobre os objetos, dando-lhes como
que vida. A floresta, em movimento, murmura ao som da brisa, geme à ação do vendaval,
torna-se triste e dolente ao cair da tarde. E contudo as árvores não murmuram, não se
entristecem nem choram. Assim também a montanha dominadora, nada domina.
Julgamos que os animais nos cuidados dos homens e não fazem senão o que lhes é
instintivo.

Semelhantemente, a evocação poética, associando imagens, que se atraem umas às outras,


não é uma operação da mesma imaginação. Uma outra faculdade, a memória, reproduz as
imagens. E nesta reprodução, obedece a leis, chamadas de associação. A presença de um
objeto (sensação exterior) pode fazer brotar do subconsciente (memória) outras imagens.
Aristóteles estabelecia que as imagens brotam por associação de contiguidade, contraste,
semelhança. Não se erguem, portanto, do subconsciente por obra de uma conexão lógica,
à maneira de juízos que se desenvolvem em outros juízos e raciocínios. A alogicidade das
imagens que se associam é evidente, pois se atraem por simples contiguidade, como de
lugar e de tempo.

Se vivemos em um velha casa, ainda que dela nos afastemos há muito, basta rever a casa
afim de que despertem muitas outras imagens. A poesia aproveita esta particularidade,
enunciando aqueles objetos que são capazes de despertar as muitas outras imagens, que o
poeta tem em vista.

De maneira geral, no mundo das imagens que se evocam e das imagens que se infundem
empaticamente ocorre uma evidente facilidade de encontrar a beleza e a arte.. Dali vem
que facilmente poderia alguém confundir a própria bela e a arte com ditas imagens,
quando se associam e se infundem. Ainda que a grande arte opere com as mesmas,
criando a poesia, elas não são a mesma arte, porém um recurso da mesma. Igualmente, o
belo, que tais processos engrandecem, não se confunde com as mesmas imagens.

430. Na história da Estética, desde Schiller, vem tal interpretação ganhando corpo.
Expúnhamos, anteriormente, à propósito de Schiller, sua teoria da "forma viva", em que
fazia consistir a beleza. "O objeto do impulso lúdico, representado num esquema geral é a
forma (Gestalt) viva; um conceito que denomina todas as disposições dos fenômenos,
tudo o que entendemos no mais amplo sentido por beleza. Continua: " Um bloco de
mármore, embora inerte, mesmo assim pode tornar- se forma viva através do arquiteto e
do escultor; um homem, conquanto viva e tenha forma, nem por isso é forma
viva. Somente quando sua forma vive em nossa sensação e sua vida se forma em nosso
entendimento ele é configuração viva e isto será sempre o caso quando o julgarmos belo"
(carta 15).

Ao tempo de Schiller o associacionismo preconizado pelos empiristas (Locke, Hobbes,


Hume) era o das simples justaposições dos elementos cognoscitivos atomizados. Na
escola Escocesa, de Thomas Reid (1710-1796) começam as primeiras reações, mostrando
que as imagens comportam-se como elementos que obedecem a todos maiores; assim é
que Guilherme Hamilton (1788-1856) da referida escola estabelece a lei da "integração
de Hamilton", afirmando a imagem de um grupo evoca a todos os indivíduos do mesmo.

431. Tais idéias adquirem pleno desenvolvimento com a Gestalt-Psychologie(psicologia


da forma) de Max Wertheimer (Praga 1880, EUA, 1941), Kurt, Koffka, Wolfgang Kohler.
Desta se desenvolveu a teoria do campo psíquico de Kurt Lewin.

No trânsito do século XIX e XX desenvolvia idéias semelhantes Willian James (1842-


1910), insistindo que as imagens operam como partes em um todo. Também em Bergson
(1859-1941) vamos encontrar a doutrina dos "esquemas dinâmicos" (Energie spirituelle p.
172), bem como a estética misticista que põe no alogicismo da evocação poética uma
fonte mais profunda de saber, a intuição.

Desta maneira cria-se a atmosfera para todas as Estéticas que fazem dos elementos
associativos, evocativos, sugestivos, poéticos a definição da beleza.

432. O Einfühlung ou projeção sentimental, processo semelhante ao da evocação das


imagens do mesmo campo psíquico, também ganha defensores, como sendo projeção o
belo e a mensagem artística.

A Estética do Einfühlung tem começo na Alemanha, com notória influência. Seu


promotor é Theodor Lipps (1851-1914), autor do tratado em três volumes Estética
psicológica do belo e da arte (1903, com trad., espanhola, Madrid). Distingue nada
menos de cinco espécies de Einfühlung; aliás, este vocábulo alemão, com variados
prefixos, é indicador de sutilezas intraduzíveis, de que já se ocupava o romântico Roberto
Vischer "Ein- An- Nach- Zufühlung".

A empatia é fato, que nem os antigos deixaram por despercebida. Os românticos


começam a lhe dar valor, como se vê em Herder, Lotze, Frederic, Vischer, Siebeck. O
próprio Hegel anota: "o fim do homem na arte é encontrar nos objetos exteriores seu
próprio eu". Aliás, no desenvolvimento dialético, sai a idéia para fora de si (tese e
antítese), para numa síntese final perceber que o eu e o objeto não passam de
extremidades de um só grande espírito.

A estética do Einfühlung é impulsionada por Johannes Volkelt (1848--1930), ao mesmo


tempo que se filia ao grupo filosófico relativista, historicista, culturalista de Georg
Simmel e Guilherm Dilthey.
É fácil de perceber que a Estética empática fosse receptiva na área da Filosofia dos
valores, com sua intencionalidade emocional e alógica, Max Schler (1874-1928) em seu
conhecido tratado Essência e formas da simpatia distende-se sobre as diversas
modalidades de empatia, ora concordando, ora discordando de Lipps. Contudo na
filosofia dos valores o Einfühlung não é o próprio belo, porém uma situação emotiva que
revela valores, entre os quais o do belo.

Victor Basch (1836-1944) é o representante francês da Estética do Einfühlung


(Cf. Raymond Bayer, L'esthetique mondiel au XX siecle, no item sobre Alemanha (cap.
5) Lipps e Volkelt, sobre França).

§ 6. O belo na filosofia dos valores. 0764y434.

435. A filosofia dos valores de Max Scheler (1875-1929) tem a preocupação de manter
como valor absoluto o que talvez se pudesse reter como realidade. Assim são salvos
como elementos absolutos, o moral, o estético, o religioso, o cultural, etc... Ocorre aqui
uma situação idêntica à de Kant, que na ordem da essência conservou as antigas e
clássicas afirmações, esvaziou o pensamento só de seu conteúdo ontológico. Por isso, em
tudo quanto dizem os filósofos dos valores, no plano meramente axiológico, é possível
uma certa aproximação com as filosofias clássicas.

A distinção entre o aspecto que diz essência e o que afirma realidade é admissível; a
essência situa-se no plano da res (coisa); a realidade coloca-se no plano do aliquid ( o ser
como contrário do nada como anteposição, como existência). Aspectos distintos, são
tratáveis, até um limite dado, separadamente. E assim sob a filosofia dos valores
consegue manipular afirmações absolutas, ou valores, sem ainda comprometer
diretamente a questão da realidade. Aliás, Nicolai Hartmann (1882-1550) o mais
expressivo e percuciente dos filósofos dos valores também distingue entre o Dasein ( o
fato de cada ser) e o Sosein ( ser-assim).

436. Os valores ingressam, porém, por via alógica; geralmente diz-se através do
sentimento. Já em Kant, as afirmações absolutas, de ordem não categorial, se faziam
através da faculdade do juízo; as noções, como o belo, que viam o objeto como um todo,
a maneira dos transcendentais aristotélicos, resultavam assim de uma feitura inteiramente
inteligível. Na filosofia dos valores, porém, o ingresso se faz pela via alógica do "vale"
que se impõe; em vez de uma intencionalidade lógica ocorreria uma intencionalidade
emocional.

Ocorre, portanto, na filosofia dos valores uma transferência das tarefas da faculdade do
Juízo para a da razão prática. Conforme Kant, certas determinações apriorísticas eram
impostas à faculdade da razão, como uma "determinação prática" como modalidade de
raciocinar que se impunha naturalmente; eu devo (Ich soll), - é a voz da consciência
prática. E assim se impunham valores morais. Desenvolvendo e ampliando estas área da
razão prática, a escola kantiana de Baden deu origem a uma série de filosofias dos
valores; enquanto isto a escola kantiana de Magdeburgo ficava fiel às formulações do
Mestre em tudo aquilo que representava restrições ao mundo ontológico. Scheler nega o
construtivismo apriorístico da faculdade do entendimento de Kant. Reformula a doutrina
da inteligência e amplia a seu lado uma "ordem do coração" a priori.

Os valores ingressam pela via do sentimento; haveria, tal como a intencionalidade do


processo mental, uma intencionalidade emocional; em ambos os processos ocorre
nitidamente um objeto; porém, na inteligência um objeto lógico, no sentimento um objeto
alógico. Como Husserl descreveu fenomenologicamente o processo intencional do
conhecimento, agora a filosofia dos valores, suplementando a fenomenologia de Husserl,
faz uma descrição fenomenológica dos objetos intencionais do sentir (Intentionale
Gegenstande des Fühlens).

Na formulação aristotélica, a vontade dirige-se ao objeto que a razão lhe aponta; não
haveria um caminhar cego para os objetos; a volição seria o matrimônio de duas
atividades específicas e complementares, do intelecto que vê, da vontade que caminha
para o objeto visto.

Agora, para os filósofos dos valores, não se "pensa" o valor. Ele se impõe como
determinação sempre válida à ação. Na sua direção encaminha-se a intencionalidade
emocional. Revelam-se sem necessitar do intelecto.

"Nada mais frequente na filosofia contemporânea que a separação absoluta entre o


domínio metafísico vedado para uma inteligência incapaz de alcançá-lo e o domínio ético
religioso das verdades captáveis imediatamente à margem da atividade mental, por meio
da emoção, dos sentimentos, da intuição, da fé cega (que nada tem a ver com a virtude
cristã da fé) etc... Kant com os postulados da crítica da razão prática, Schleiermacher com
o sentimento religioso, William James, Bergson com a intuição anti-intelectualista,
Blondel com a ação, Kierkegaard, Unamuno, e ulteriormente Heidegger com o cuidado e
a angústia e Gabriel Marcel com o ser possuído e ameaçado, o imanentismo e o fideismo
irracionalista sob todas as suas formas não fazem senão apregoar (graças à denegrida
inteligência ) a captação irracional da realidade inalcançável pelo caminho do
conhecimento. O agnosticismo da inteligência desdobra-se deste modo em um
irracionalismo fideísta ou intuicionista de diversas tonalidades" (O. N. Derisi, Filosofia
moderna e fil. tomista, I, c. 1, 7).

Pelo que se observa, o intencionalismo irracional não é fenômeno isolado. Contudo não
devemos exagerar o radicalismo das correntes anti-intelectualistas; a intuição, que
defendem contra o "conhecimento por meio de imagens "pode também exercer-se pela
razão, embora de fato possa não existir tal intuição. A intuição é irracional, quando
concebida como intencionalidade emotiva, mas não quando exercida como processo
mental. De qualquer forma, porém, a referida constelação de autores, em contribuindo
para desprestigiar os processos representativos da inteligência, criou o clima próprio para
os sistemas de intencionalidade emotiva; ao mesmo tempo que isto se dava, abria-se a
oportunidade para as estéticas do mesmo caráter emotivo e para as interpretações da arte
à base do mistério, do impulso subconsciente, do sentir profundo do gênio.

Nicolai Hartmann revigora um tanto o poder da inteligência, mas sem afastar a


contribuição da intencionalidade emotiva; enquanto a intencionalidade intelectiva ruma
para o objeto real, seus resultados recebem confirmação da intencionalidade emotiva;
dois a descobrirem a mesma realidade, certamente a tornam mais segura.
438. Que são valores? O caminho por onde ingressam os valores, não importa
diretamente à natureza do valor. Em aqui tratando do valor, importa pouco sua ingressão
pela via alógica. Visamos diretamente o valor em si mesmo... Ainda neste plano não nos
preocupa a sua consistência na ordem do existir, da realidade ou da idealidade. Agora nos
situamos apenas no ponto de vista da essência, ou seja daquilo que o valor é. Em outro
lugar, fica a vez da pergunta sobre o conteúdo ontológico. Neste instante, pois, a pergunta
incide sobre a essência dos valores e especificamente sobre a natureza do belo como
valor.

Não há somente valores. Por isso, ocorre a distinção entre coisa e valor. "Os valores são
independentes, em seu ver, de seus depositários" (Scheler, Ética, p. 45). "Em
conseqüência, é claro que as qualidades valiosas não variam com as coisas". Os valores
em si mesmos são absolutos, imutáveis; combatia Scheler o nominalismo com insistência;
insistiu contra toda a espécie de relativismos, particularmente da ética. A relatividade não
está nos valores, mas pode encontrar-se em nosso conhecimento dos mesmos. Neste
outro particular podemos apontar para uma efetiva variação do sentimento dos valores
(Ethos) e variação no juízo dos valores (Ethik); a oscilação ainda observa-se no
comportamento humano pragmático, nos costumes e nas tradições. Mas em si mesmos,
os valores firmam-se em essências invariáveis.

439. Conforme ao ponto de vista tomado, tem classificado Scheler de diversas maneiras
os valores; há valores positivos e outros negativos; valores superiores; valores de pessoa
e valores de coisa; enfim, os valores podem classificar-se em:

1) valores sensíveis: o agradável e o desagradável

2) valores vitais: o nobre e o vulgar

3) valores espirituais: o belo e o feio, o justo e o injusto, o conhecimento puro da verdade

4) valores de sagrado e do profano.

Temos, por conseguinte, o belo classificado como valor espiritual. Alcançar-se- ia, pois,
o belo como termo de um intencionalidade emocional. É sabido que Max Scheler fez do
Einfühlung um instrumento de captação de valor. Nesta hipótese não se pode cogitar em
uma estética intelectualizada, em que o paralelismo do conhecimento e da aquietação
apetitiva andem juntos; o belo resulta de uma descoberta mental nem seria por obra da
descoberta mental que surgiria o prazer estético.

Todavia como valor espiritual, o valor estético mantém num alto nível, numa camada
superior ao da mera sensação empírica; o belo apresenta-se num plano eminente, fora da
contingência, firmado no absoluto.

440. As idéias de Nicolai Hartmann (1882-1950) sobre o belo, que se encontram


difundidas por todas as suas obras, tiveram enfim uma sistematização em Estética (1953,
póstuma). N. Hartmann figura entre os grandes nomes da Filosofia que no século XX, se
empenharam pelo retorno à ontologia, lançando as questões a partir do ser.
O belo é firmado como uma categoria de valor. Supera, portanto, o nominalismo
relativista. Ao mesmo tempo, situando-o como valor, distingue o belo, radicalmente, dos
princípios ônticos.

Que é valor em N. Hartmann? Define como valor o que está subtraído da aprovação do
sujeito. Não seria, portanto, valor o que resultasse das ponderações da razão, mesmo da
razão prática.

"Entre os antigos ocupa a idéia o lugar do valor (a idéia da justiça, da valentia, do bem
em geral); porém o verdadeiro caráter do valor só ressalta nela no conteúdo, não estando
destacado da maneira de ser, patentemente distinta, dos princípios ônticos (como, por
exemplo, a unidade, a oposição, a forma, a matéria).

Kant, pelo contrário, destacou mui precisa e belamente dos princípios do objeto (por
exemplo, as categorias) a lei moral - mediante o conceito de dever ser. Pôs porém a fonte
do dever ser na razão, e com isto surge uma nova dificuldade.

Pois esta razão - entendida como prática é a mesma à qual toca decidir livremente pró ou
contra a lei moral. Tem, portanto, que prescrever, por um lado, um espaço livre para
opor-se exatamente a esta lei. Se não possuísse este espaço, estaria submetida à lei "como
uma lei natural; seria, por conseguinte, infalível em sua atividade , porém a infalibilidade
não seria seu valor moral. Kant uniu, portanto, na razão prática duas autonomias
heterogêneas, a da lei do dever ser e a da decisão frente à lei 0 o que, assim, não é,
patentemente, sustentável (N. Hartmann, Ontologia, Intr. 13).

Os princípios ônticos também se impõem, mas à maneira de essência, influindo como


elementos constitutivos do ser. A maneira de ser dos princípios ônticos é diferente da
maneira de ser dos valores. Há, por conseguinte, dois domínios.

"O subtraído à aprovação do sujeito existe "em si". Nem por isso requer ser real. A
realidade tão pouco entra para nada na consideração do que diz respeito à maneira de ser
dos valores, pois estes existem com patente independência de que se os realize no mundo,
nem da medida em que se os realiza, e só assim é possível que os valores morais tenham
um caráter do dever ser e se exercem frente ao homem como exigências.

É necessário, pois atribuir aos valores outra maneira de ser.

Nisto não estariam sem dúvida sós. Há até leis e essências que tem um mero "ser ideal";
desde Platão se tem aduzido em apoio deste fato as relações matemáticas. Porém, nem se
aclarou que maneira de ser tem estas relações - justamente hoje volta vivamente a
discussão em torno disto - nem pode sua maneira de ser meramente idêntica a dos valores.

Pois é patente que não têm caráter de dever ser e que dominam o real, na medida em que
se referem a ele, sem resistência, como leis naturais.

De outra maneira, quaisquer que fossem suas dimensões, as leis matemáticas da natureza
seriam coisa impossível.
O ser ideal dos valores há de ter ainda, pois, uma espécie de ser distinta, que nem se
sustente no sujeito, nem seja idêntica à das outras essências. Semelhante espécie é fácil
de admitir, porém não de mostrar diretamente, em de caracterizar com precisão
ontologicamente (N. Hartmann, Ontologia, ).

441. Na apreciação das coisas haveria, portanto, sempre duas perspectivas, que poderão
ser consideradas separadamente. O que se conhece de uma coisa e o que nela se
contempla como valor são distintas considerações. Referindo-se a contemplação do belo
em uma paisagem, adverte Hartmann. "A paisagem geográfica não é o contemplado
esteticamente. Aquela existe em si, ainda sem contemplador; o segundo está só para este
último, é o que é só como visto, só sob um determinado ponto de vista; lhe são essenciais
a perspectiva especial, os termos dentro do campo visual, a luz especial.

Caracterizando o ser do belo como valor, continua N. Hartmann:

"Já um exemplo tão simples mostra que a maneira de ser do objeto estético é uma
maneira peculiar, uma maneira fundamentalmente distinta da maneira do objeto teorético.
E contudo não se esgota no mero ser para o contemplador. Pois, sem a presença real do
campo efetivo, não surge tampouco a paisagem estética. O conjunto tem, pois, dois
estratos, um real e que forma a base, o outro irreal, puro fenômeno, que se erige sobre o
anterior. E contudo estão ambos tão entrelaçados, que se trata pura e exclusivamente de
um objeto único" ( Ibidem).

O belo surge como um valor. Ainda que a reflexão raciocinativa lógica posteriormente
cria reflexões, o ponto de partidas foi o do valor originário.

"Uma estética, diz N. Hartmann, não se escreve para o criador nem tampouco para o
observador do belo, mas exclusivamente para o pensador a quem "o fazer", a ação, a
tarefa, e a postura, o procedimento de ambos se torna um enigma. Ao homem pensante,
contemplativo, só pode perturbar o pensamento; ao artista só pode aborrecer o
descontentar quando o pensamento procura entender o que seja seu fazer e o que seja o
objeto de sua contemplação. A ambos arranca-os de sua postura visionária, apesar de se
encontrar perto de ambos a percepção do enigmático, tão perto que faz parte de sua
posição diante da Estética. A ambos é uma evidência essa sua posição; eles sabem de
uma necessidade íntima e nisso não erram. Mas eles a aceitam beatificamente como uma
dádiva, um dom do céu, e essa "aceitação", esse "aceitar" é essência própria de sua
posição contemplativa" (Aesthetik, p.1).

Dali decorre uma estética, em que as indicações sobre o belo não se prendem a conexões
judicativas, que unem partes na todo, ou dissolvem o todo em partes, outra é a índole do
que se oferece sobre o belo, que vai sendo observado como valor.

"As leis do belo são altamente qualificativas, especializadas; são, na origem , diferentes
para cada objeto. Isso significa que elas são leis individuais.

Por sobre essas haverá também leis generalizadoras, portanto, que referem todos os
objetos estéticos, em parte, e doutro lado pelo menos classes, categorias completas.

A essência do belo em sua toda particularidade, como de conteúdo estético estimativo


especial, está não nelas, mas na legalidade especial do objeto primo, único.
Também o artista produtivo não a concebe nem a abraça. Ele trabalha segundo ela e por
ela, mas não a descobre e por isso também não a pronuncia, traduzindo-a. Não há uma
consciência própria sobre as leis do belo. Parece estar em sua essência, que essas leis
permaneçam ocultas à consciência e só constituírem o segredo de um pano-de-fundo
encoberto.

Seria isto talvez o motivo, porque a estética possa dizer em princípio, o que seja o belo,
com menção de suas espécies e degraus inclusive as pressupostas generalizadas destas,
mas não pode ensinar praticamente o que é belo, ou porque justamente a configuração de
uma figura - é uma configuração bela.

A reflexão estética é, sob todas as condições, uma reflexão posterior. Se se quiser


perquirir seriamente o problema do belo na vida e nas artes, deve-se renunciar de
antemão a toda e qualquer exigência de conhecimento dessa espécie" (N. Hartmann,
Aesthetik, p. 4).

442. Para decidir sobre a legitimidade da estética da Filosofia dos valores se deve voltar à
mesma observação fenomenológica.

A partir da observação direta, do que efetivamente acontece nos dados que se apresentam
à evidência imediata, não nos parece que possam confirmar o conhecimento do belo
como uma situação como a pretendem os filósofos do Valor. O belo implica sempre em
perspiciência profundamente intelectual.

CONCLUINDO O TRATADO DO BELO. 0764y445.

446. Chegar ao fim de um tratado metafísico do belo representa a realização de um


enorme esforço. O resultado a ter sido alcançado é o de uma posição sobre a natureza do
belo, particularmente de sua essência, no que é e no que não é.

Surgiu diante de nós o belo como "esplendor da forma" (splendor formae) por
conseguinte como uma qualidade "em relativo" que diz haver uma certa perfeição nos
seres, em virtude da qual se realçam. Assim estabelecida, a tese defendida já vem da
antiguidade clássica de Platão e Aristóteles; apenas cuidamos de desenvolvê-la mais
amplamente.

Ao mesmo tempo afastamos as posições que fazem do belo algo "em absoluto"
geralmente objeto dos sentidos. Nisto há algo de verdade. Mas, conforme vimos, não é
toda a verdade sobre o belo.

E. Pauli.
INSPIRAÇÃO ARTÍSTICA

APRESENTAÇÃO TÉCNICA DO TEXTO. 2022y003.

3. Na estrutura geral da Enciclopédia Simpozio é Inspiração artística um texto 1y-mega.

Pela cifra 1, está lotado na primeira unidade geral, - Enciclopédia de filosofia pura.

Pela letra y, se diz que o texto está redigido na forma híper, o que quer dizer reunindo
todos os artigos da enciclopédia atômica (artigos por ordem alfabética), que digam algo
sobre o mesmo tema, dali resultando o aspecto de ensaio, ou livro.

Finalmente mega, informa que se trata de um texto maior, em contraste com a


dimensão micro, ou resumida.

Além de se tratar de texto híper, Inspiração artística se encontra ordenado como


subunidade do grupo Megaestética.
4. Na numeração em 8 dígitos, separa em dois campos separados, a letra y (híper)
significa trata-se de texto tipo tratado.

Os quatro dígitos do primeiro campo repetem a numeração do artigo atômico do mesmo


nome - Inspiração artística, 2022. Como texto híper, recebe o adendo do segundo campo,
para números divisionários

Para uso interno bastam os três números divisionários.

Os 8 dígitos são todavia sempre necessários nas citações a partir de fora deste texto, ou
seja a partir de outras áreas da Enciclopédia Simpozio.

INTRODUÇÃO À INSPIRAÇÃO ARTÍSTICA. 2022y005.


6. O começo de cada um como artista. Há aquele dia em que o aprendiz deixa de ser
aprendiz.

Na escola, é aquele dia em o aluno começa a deixar de ser aluno. Atingiu então o estágio,
em que já não atende às tarefas como se fossem meros exercícios. Entra para a dedicação
entusiasmada, com a intenção de produzir algo objetivamente válido, seja no campo da
expressão artística, seja na do fazer técnico em geral.

Há, pois, o dia em que o escritor, passa a expressar algo de definitivo. Acontece o mesmo
com o artista plástico, o músico ou qualquer outra modalidade de artista e técnico. Não se
limitando a meros exercícios, todos produzem para valer.

Para o escritor este clima começa a ocorrer no final do curso médio, quando passa a
escrever uns primeiros ensaios literários, não pensando apenas na tarefa solicitada pelo
professor. A partir dali nasce um primeiro livro, ainda que mais tarde receba notáveis
melhorias.

Também então podem ocorrer os primeiros ensaios em outras artes, bem como criações
técnicas.
7. Definição prévia da inspiração artística. Não é a inspiração artística a mesma arte.
Surge a inspiração na mente do artista, ao passo que a obra de arte se situa exteriormente.

Acontece a inspiração no instante anterior, quando o artista, por meio de sua capacidade
de julgar, opera comparações diversas sobre como expressar, elegendo a forma que se
apresenta adequada. A inspiração acontece no instante em que a comparação das diversas
opções se converte em uma eleição.
É, pois, a inspiração um juízo. Eis a hipótese da qual partimos para prová-la, esclarecê-la
e permitir que se desenvolva conscientemente. Assim sendo, a inspiração faz parte de
nossa comum capacidade de julgar e de nosso desenvolvimento orientado.

Em alguns a capacidade de julgar é maior, em outros menor. Assim também em alguns a


capacidade de julgar é apenas teórica. Em outros tende para a prática.

Entre os indivíduos de capacidade prática, há os que particularmente exercem a


percepção artística, ou seja a inspiração seletora da melhor forma de expressar em obra
de arte.

Enfim, mais uma vez se distinguem as mentes, quando em alguns artistas elas tendem
para a inspiração literária, em outros para a inspiração em pintura, em escultura, em
música, em artes cênicas, em outras e outras modalidades de expressão.

O estudo sistemático, distribui para cada tarefa um ponto de vista. O tema


chamado inspiração, constitui tarefa suficiente para uma grande empreitada didática,
sobretudo se cuidarmos também de suas pressuposições e derivações.

Situados, pois, no instante anterior à mesma obra de arte, não vamos ainda à filosofia e à
ciência da arte em si. Estas são tarefas distintas, ainda que as devamos tomar em conta
para entender a inspiração.

Tais outras tarefas envolvem títulos como Filosofia em geral da arte (vd 0531y000 ) e as
suas divisões em Estética literária (vd 4515y000), Estética das cores (vd
3911y000), Estética das formas (2283y000), Estética musical (5287y000). Nem mesmo
cuidamos da Estética do belo (vd 0764y000), da Estética psicológica (1963y000), dos
gêneros artísticos, do estilo e coisas tais.

Retemo-nos no aspecto dinâmico do homem como criador, que por primeiro busca bem
saber, - através da inspiração, - o que depois irá fazer.
8. Método para o estudo da inspiração artística. Embora distinguindo entre a inspiração
artística e tudo o mais sobre a arte, não há como fugir do fato de que, em concreto, quase
tudo acontece ao mesmo tempo. Em consequência, em cada uma das diferentes
disciplinas sobre a arte ocorre a repetência de alguns temas.

O método, portanto, deve determinar como agir em cada disciplina sobre a arte, a fim de
evitar que esta repetência se torne excessiva.

Para tratar da inspiração artística adequadamente importa ir expondo primeiramente o


que a arte é, por ser ela o objetivo da inspiração - para ao mesmo tempo dizer como nela
ocorre a inspiração. Cuidando embora de toda a arte, o ponto de vista que procuramos
especificamente esclarecer é o da inspiração.
9. Divisão do estudo da inspiração artística. Como começar e como progredir? Uma
hipótese, depois de colocada, poderá ser dividida, para a seguir ser examinada por partes.
Então cada parte se torna uma pergunta específica, e tema próprio de um capítulo .

O que dividir? A inspiração artística, eis o que haverá de ser dividido em momentos
distintos.

Se partirmos da hipótese de que a inspiração é um juízo, podemos também falar em juízo


artístico, o que nos facilitará o uso dos termos, que enunciam a divisão.

- a inspiração artística pelo conteúdo eleito (cap. 1-o.) (vd 2022y012);


- a inspiração artística operacionalmente, ou seja, o juízo artístico enquanto operação da mente
(cap. 2-o) (vd 2022y095).
- personalidade do escritor e do artista em geral, uma consideração psicológica ou subjetiva da
inspiração, a qual é maior em alguns, menor em outros (cap. 3-o.) (vd 2022y136);
- para que o escritor, para que os artistas em geral? Consideração adicional final (cap. 4-o) (vd
2022y220).

Importa nos dois primeiros capítulos proceder o exame em duas frentes, - aquilo que a
inspiração cria e aquilo que a mesma inspiração é como operação.

O que a inspiração cria é o modelo de acordo com o qual se deverá gerar a obra de arte;
considerando o tema, determina como será expresso artisticamente (vd) . Até aqui o
primeiro capítulo.

Mas, enquanto a inspiração cria o modelo, ela é uma operação mental, - um juízo, com
certa espontaneidade. Eis o segundo capítulo, onde se completa o que há de mais
essencial a dizer sobre a inspiração artística.

Os demais capítulos são apenas complementares. Elegendo entre este ou aquele


expediente, neste ato operacional da mente, se concentra o vigor biológico, psicológico,
ético da personalidade do artista.

Dado o valor da inspiração, - que o artista profissional e a sociedade têm em alto grau, -
também determinado o porque do artista.
10. Pressuposições vindas da filosofia geral da arte. Não é possível isolar inteiramente a
questão da inspiração artística, sem referi-la a outros temas da filosofia da arte, e nem
mesmo da ciência positiva da arte.

Dali vem porque ocorre uma certa repetitividade ao se tratar das diferentes disciplinas
sobre a arte. Além da repetitividade sistêmica, ainda ocorre a repetitividade didática,
facilitadora da exposição.
Ao se estabelecer uma inspiração artística, acontece haver na mente do artista uma noção
sobre a mesma arte, sem o que não poderia eleger a inspiração do artista eleger a
expressão adequada

Quem busca ser artista, deverá, pois, aprender o que querer; terá de saber o que é a arte.

Ora, a arte é, em primeiro lugar, aquilo que lhe é essencial, - ser expressão. Por acréscimo,
a arte é tudo o mais que se lhe acrescenta como propriedade, - ser comunicação, ser
estética, ser lúdica, ser diversão, ser ordenadora da mente.

Decidir sobre esta maneira de definir a arte, é da função da filosofia geral da arte (vd
0531y000). No tratado sobre a inspiração artística, a referência sobre a natureza da arte
aparece apenas como sendo aquilo, que importa ao artista saber sobre ela.
11. Em vista da variedade das artes, a linguagem ordinária de cada uma tende a se
distanciar da outra.

Entretanto, há algo de comum entre todas as artes, sendo pois necessário encontrar os
conceitos comuns, mesmo quando diverge a linguagem.

Encontrada uma vez uma conceituação comum para todas as artes, está aberto o caminho
para as hipóteses explicativas gerais e para a argumentação comum da justificação.

Não nos concentramos em citar opiniões históricas e autores contemporâneos; insistimos,


entretanto, em colocar as possibilidades opostas de solução, de sorte a alcançarmos um
conhecimento crítico da posição assumida no final.

Como método, a posição final surge desde o inicio como hipótese, e que comandará o
roteiro da conceituação e argumentação.

CAP. 1-o.
INSPIRAÇÃO ARTÍSTICA PELO SEU CONTEÚDO. 2022y012.

13. Introdução ao capítulo. Tem a obra de arte por objetivo expressar um tema, e por sua
vez a inspiração artística tem por objetivo a mesma obra de arte fazendo-a portadora do
referido tema.

Acontece assim haver duas inspirações, e que dividem didaticamente o capítulo:


- inspiração temática, pelo seu conteúdo (vd 2022y0014);

- inspiração artística, pelo seu conteúdo (Art. 2-o) (vd 2022y038).

ART. 1-o. INSPIRAÇÃO TEMÁTICA, PELO SEU CONTEÚDO. 2022y014.


15. Introdução à inspiração temática. É óbvio que antes da inspiração sobre como
exprimir artisticamente um tema, seja também este alcançado por uma inspiração. Quem
escreve sobre filosofia ou ciência, deve antes conhecer estes temas. Até mesmo o
ficcionista, antes de expressar a ficção tem de criá-la, devendo pois preceder sua obra,
por uma inspiração temática.

Há pois, - como já se advertiu, - uma distinção entre inspiração temática e inspiração


artística.

Destacando a fase prévia da inspiração temática, se diz também estudo do tema. Somente
a seguir ocorre o estudo da expressão artística, a qual queremos manter bem distinta, para
tanto mais depois bem tratá-la.

A inspiração temática oferece distintos aspectos, os quais se distribuem em três


momentos didáticos:
- A noção mesma de tema (vd 2022y053);

- Universalidade do tema (vd 2022y074);

- Estudo do tema (vd 2022y083).

§1. A noção mesma de tema. 2022y016.


17. Tema é o referido pela expressão. Está a expressão em função ao tema, porque a
expressão é sempre a expressão de algo.

A inspiração temática outra coisa não é senão o poder de conhecer da inteligência a partir
de sua própria capacidade. Ela é que investiga, observa, descobre, encontra, entende,
explica, elaborando tudo através das operações mentais de conceituar, julgar, raciocinar.
18. Nomes vários, como tema, objeto, assunto, designam o que a arte expressa.

Tema, do étimo grego 2 X : " (= o que se coloca, tema de discurso), indica diretamente
aquilo que está posto para tratar.

É, pois, um nome adequado para referir o conteúdo a ser expresso.

Objeto, do latim ob-jectum (= posto diante como obstáculo) significa de maneira mais
vaga e ampla tudo o que se oferece a conhecer e a tratar.
As coisas em geral são objeto de ocupação humana.

O objeto não é o sujeito, mas o que está em função do sujeito que o conhece e sobre ele
age.

Assunto, do verbo latino assumere (receber, tomar para si ) significa de maneira precisa o
tema ou o objeto escolhido para ser examinado pelo que pensa, ou para ser expresso,
quando dele se ocupa o artista, sobretudo quando mais detalhadamente e por mais tempo.

O filósofo, o escritor, o palestrante se ocupam com um assunto. Não há exercício da


expressão sem assunto.
19. Qual o objeto imediato da expressão? Uma velha questão pergunta, se a arte exprime
diretamente os objetos, ou se exprime pensamentos, os quais expressariam primeiramente
aqueles objetos.

Por mais espetacular que pareça a arte exprime diretamente os objetos. Mesmo em se
tratando da arte da palavra, ela exprime objetos e não as idéias correspondentes. Tão bem
como se diz que os pensamentos exprimem objetos, se diz que a arte exprime objetos.

Para os da teoria ideativa da arte, sobretudo da teoria ideativa da linguagem, a expressão


artística representa pensamentos (conceitos, juízos, raciocínios), os quais por sua vez
representam os objetos.

Aparentemente é assim, sobretudo na linguagem, portanto esta distingue entre palavras,


frases e argumentos.

Usa-se mesmo dizer "expressar nossas idéias, nossos julgamentos, nossos raciocínios".

Entretanto esta maneira de dizer, tão frequente, - e até admissível semanticamente, - não
passa de um modo abreviado de dizer o que efetivamente acontece.

De fato a obra de arte independe, em seu fundamento, do indivíduo que pensa. Ela
contém uma semelhança com o objeto, ou uma convenção pela qual fica como
equivalente do objeto. Portanto, a arte não exprime diretamente o pensamento sobre um
objeto, mas diretamente ao mesmo objeto.

Quando um desenho imita, por exemplo, a figura de um animal, a expressão acontece por
que o artista instituiu uma semelhança objetiva entre as linhas do desenho e a figura do
animal. Aquela imitação objetiva produz a expressão, a qual portanto não se pode dizer
uma expressão da "idéia" do referido animal.
Em qualquer arte acontece a mesma semelhança objetiva, entre o que a obra de arte
objetivamente é, e o objeto expresso. Na linguagem as palavras, ainda que convencionais,
representam os objetos e não as idéias sobre os objetos.

Tudo pensado em função à inspiração artística,- ela se situa exatamente neste campo,
onde importa descobrir as relações entre a obra e o objeto a exprimir diretamente. Por
mais variados sejam os recursos da expressão artística, tudo começa ali, onde a matéria
utilizada como significante portador do significado, deve emitir um primeiro
relacionamento direto com o objeto a significar.

20. Entretanto, os objetos chegam até nós primeiramente através das faculdades de
conhecimento, ou seja, através dos sentidos externos, sentidos internos (imaginação e
memória) e inteligência (que opera com conceitos, juízos, raciocínios).

Em consequência, a expressão mental é cronologicamente anterior à expressão artística.


Este fato complexifica o uso da expressão artística, e mesmo o processo da inspiração
artística, mas não retira à arte a condição de expressar diretamente aos objetos, temas e
assuntos.

As interferências são tais que afetam mesmo o modo de se falar, quando


inadequadamente dizemos que pela arte, sobretudo pela linguagem, expressamos os
pensamentos.

Notória também é a interferência da antecipação cronológica do pensamento quando se


fala dos gêneros artísticos. Neste plano é usual se afirmar que os gêneros se classificam
pela ordem das operações mentais, tal como quando se diz por brevidade "expressão
artística das idéias, dos juízos, dos raciocínios", em vez de mais adequadamente
"expressão artística dos objetos das idéias, dos juízos, dos raciocínios" (vd).
§ 2. Universalidade do tema. 2022y021.
22. A universalidade temática se dá primeiramente no plano da capacidade de expressão.
A seguir se pergunta ainda pela universalidade axiológica, sobre até aonde é permitido
tudo expressar. Tudo isto também levanta a questão dos temas de maior validade, os mais
altamente significativos. A inspiração artística se dá, obediente a normas difíceis de
determinar, como também difíceis executar.

Do ponto de vista interno da arte, todos os temas conseguem ser expressos.

Alguns temas contam com recursos mais adequados na língua, outros mais adequados nas
artes plásticas e enfim outros na música.

É aliás diversidade de recursos a razão, por que umas artes se reúnem às outras, num
concretismo que as torna mais capazes.
A obra de arte não depende do tema, considerado este pelo seu respectivo valor. A
expressão em si mesma não se confunde com o valor do tema expresso. Mesmo
expressando o erro e o mal, continua a arte sendo sempre a arte.

A essência da arte é poder expressar, não importa o que exprima. Os temas diferenciam
apenas os gêneros de arte. Consequentemente, a arte poderá ser influenciada pelo valor
do tema apenas extrinsecamente.

Em vista da universalidade temática da arte, todos os gêneros artísticos, portanto também


todos os gêneros literários, se desenvolvem com igual direito de serem considerados arte
legítima e boa literatura. Ninguém é mais literato por cultivar este ou aquele tema.

A expressão dos temas concretos, episódicos e fictícios, como o fazem a maioria dos que
se preocupam em ser literatos perfeitos, não é maior arte que a de expressão (aliás mais
difícil) de temas abstratos, científicos e filosóficos; o que poderá estar acontecendo é uma
displicência literária dos cientistas e filósofos, em virtude de sua concentração no tema
em si mesmo. A arte é sempre arte, desde de que seja expressão, deve a arte estender-se,
por isso mesmo a todos os temas, a fim de que a universalidade dos assuntos goze das
vantagens deste instrumento de comunicação.

23. Posta a advertência sobre a universalidade temática, verifica-se contudo que é maior a
preocupação literária entre os que transmitem temas episódicos e concretos, do que entre
os que são verdadeiramente sábios. Dali decorre fazer algumas análises.

O real motivo da exaltação literária dos episódicos e dos ficcionistas poderá estar em que
não costumam dispor de alto conteúdo, razão porque ficam limitados ao meramente
estético. E ficam tão preocupados com este lado estético, que se dão somente eles como
sendo estetas, ou literatos.

Apesar de compensados pela superioridade de sua mensagem inteletual, devem contudo


também os cientistas, filósofos e pensadores escrever bem e sobretudo eles. O mel da
sabedoria está com eles, mais do que com a outra espécie de literatos.

24. Tema de grande conteúdo. Ainda que ocorra a legitimidade de todos os temas,
ocorre todavia que muitos difíceis de alcançar, entre ele alguns são de grande conteúdo e
valor, merecendo estar entre as preferências temáticas do escritor e dos artistas em geral,
se forem sábios.
Ao não sábio resta ficar na menor importância do trivial. Este aliás é o campo da
sabedoria popular, ou seja do folclore. Mas, em vista da universalidade temática, tudo
merece a atenção do escritor, o trivial e o valioso.

Em arte a qualidade do tema não é essencial; é apenas um determinador de influência


extrínseca. A qualidade temática é contudo, como já advertimos, importante, sobretudo
quando ocorre a qualificação axiológica.

Do ponto de vista dos temas axiológicos qualifica-se como sendo bela ou feia, boa ou má,
individualista ou social, religiosa ou anti-religiosa, e assim por diante.

25. Grave distinção divide os temas em indiferentes e axiológicos. A distinção se opera a


nível de juízo e dali passa ao de raciocínio.

Para distinguir as duas respectivas temáticas mencionadas, seja lembrado que um objeto
pode ser considerado em absoluto (apenas em si mesmo, pela sua constituição) e em
relativo (com vistas a um termo arquétipo exterior, idéia modelo segundo o qual se
realiza).

Os assuntos, que explicam como as coisas são em absoluto, interessam a todos nós, ainda
que não despertem graves polêmicas. Tanto os temas concretos, como os abstratos
ocupam aos escritores e artistas em geral, quando das coisas as mais diversas, das pedras,
das montanhas, das florestas, das nuvens, das tempestades, dos oceanos, dos astros, e
assim ainda da gente, da cultura, da civilização, da história, da ciência e das especulações
filosóficas.

Tais assuntos, enquanto apenas dizem o que as coisas são, mantêm-se indiferentes do
ponto de vista valorativo, ou axiológico, ou ético.

Todavia as mesmas coisas permitem ser consideradas em relativo e julgadas em função a


parâmetros exteriores, agora denominados arquétipos, valores, leis, deveres.

Sob esta condição axiológica, os entes são ditos úteis, belos, bons, inúteis, de validade
social, política, religiosa, econômica, etc. Há coisas que se dizem estar na moda.
Valorizam-se objetos como sagrados. Ocorrem atitudes denominadas progressistas.

Neste outro plano, o axiológico, ocorrem mais insistências e por isso maiores são as
polêmicas, inclusive para influenciar a arte.
Considerando que as transformações morais e sociais, educacionais e políticas se
processam tendo em vista a anteposição de modelos, ou diretivas, os gêneros literários
mais em evidência são os que se constituem dos mencionados temas axiológicos.

Ao tratar dos grandes temas, - quer no plano das coisas absolutas, meramente teóricas,
quer no plano axiológico, - a literatura e a arte em geral tendem a ser transformantes e
raramente conservadoras.

Isto assim acontece, porque ocorre um esforço temático constante, por parte dos homens,
para entender sempre melhor a realidade e as suas normas, com vistas a transformar a
realidade para mais um degrau na direção do ótimo.

Graças às novas inspirações, a ciência e a filosofia expressas pela arte de cada novo dia
tende a ser melhor, que a do dia anterior. As obras perenes, ainda que existam, são raras.
Não fosse a capacidade de inovar e melhorar a inspiração temática, deveríamos
simplesmente copiar o passado. O bom não é ponto de repouso, é ponto de partida para
novos resultados.

26. Admitido o ponto de vista axiológico, a consequência extrínseca sobre a arte é


inevitável. Não admitido, a arte se libera. Tudo depende, portanto, da filosofia adotada.
Em decorrência, só uma certa arte se torna legítima para cada filosofia.

A filosofia platônica e aristotélica estabelece essências universais e absolutas, das quais


as realizações individuais não se podem desvincular, nem mesmo as da arte.

A filosofia escolástica quer tudo ser criado dentro de idéias exemplares de Deus e que se
antepõem à moral humana, como leis divinas a cumprir.

A filosofia monista panteísta interpreta o desenvolver do mundo como estágios da


divindade, e a arte, no entender de Hegel, é destes estágios, como um reflexo da idéia no
fazer das coisas.

A filosofia monista materialista-marxista tudo subordina a um esquema estrutural social.

Alguma liberalidade ocorre nas filosofias menos racionalistas, e portanto menos


axiológicas.

A filosofia positivista, ainda que admita a unidade da natureza e a norma ética dos
costumes sociais, tudo concebe de maneira mais relativista e sujeita à alternativas
transformantes.
Similar é o modo de ver das filosofias culturalistas, historicistas.

Já são filosofias de total liberação, as que simplesmente estabelecem a liberdade como


eticidade. Isto ocorre em algumas formas do existencialismo, como a de Jean Paul Sartre.

Cria-se pois, a arte, sobretudo a literária, de acordo com as filosofias, que orientam sua
inspiração temática.
27. Há dois campos de valores, - verum e bonum, - a partir dos quais se classificam os
demais e se derivam os diferentes princípios.

O valor verum está na ordem da essência (ou seja dos esquemas em que se enquadram as
coisas). No plano de valor verum, que também se diz verdade ontológica. Neste mesmo
plano se discute a arte clássica, visto que dita arte imprime ao tema o tratamento de
idealização, segundo a verdade ontológica.

Respectivamente, o valor bonum se situa na ordem da existência (ou seja da conveniência


de existir). Neste plano do valor bonum se levanta a questão da bondade ontológica; algo
é bom, se confere com o interesse geral da respectiva espécie ideal. Neste mesmo plano
se discute a arte, do ponto de vista do bem (seja individual, seja social).

Eis questões a que o escritor e o artista em geral não pode ficar alheio, envolvendo
inclusiva a direção de sua inspiração, a qual não poder por fora dos parâmetros
previamente consolidados. Precisa tomar posição. A fim de que se defina com
clarividência, muito terá de pensar.

Que dizer da idealização clássica e das orientações anticlássicas? Um tema recebe


tratamento clássico, quando se busca expressa-lo pelo seu suposto tipo ideal. Se fulano é
rei, deve ser representado como convém ao rei, - majestoso, sábio, digno. Se é soldado, -
viril e valente. Dali vem que os retratos clássicos não se caracterizam pela
individualidade, mas pelas formas e cores, gestos e atitudes perfeitas. Não expressa a arte
clássica o defeito diretamente.

Esta maneira de tratar o tema é, até certo ponto, válida para quem admite os arquétipos
ideais. Se todos os temas podem ser expressos, é claro que nesta lista universal se
incluem também os tipos ideais.

Entretanto, a atitude clássica só é inteiramente válida, quando não radicaliza em favor de


uma idealização exclusivista. A universalidade temática, essencial à arte, admite o
universal e o individual, permitindo a este ser expresso em todos os seus graus de
perfeição.
Importa sempre considerar que o caráter uníssono dos estilos de cada época não é
essencial a nenhum tempo. É possível manter num só tempo todos os estilos, desde que
todas as orientações axiológicas tenham seus seguidores.

É preciso, portanto, que o escritor saiba colocar sua obra de arte, em acordo com suas
convicções gerais sobre a normatividade, tornando-a coerente com o esquema geral de
sua filosofia. Por esta diretriz se orientará para decidir sobre sua inspiração.

28. O valor bonum é seguramente o mais discutido em arte. Em vista da liberdade, - sem
dúvida um grande bem, - a imposição do valor bonum parece diminuir as alternativas de
escolha do artista.

De outra parte importa considerar o valor, pelo simples fato de o ser, merece a atenção do
artista. O valor não diminui a arte que o serve; pelo contrário, o valor engrandece a tarefa
da arte que o realiza.

Os valores engrandecem, porque estabelecem uma ordem superior e que permite


estabelecer preferências. Neste sentido é que se define o belo como o preferido. Sem
valores é impossível preferir uma coisa sobre outra.

A questão é saber se efetivamente há valores, a fim de que não sigamos enganadamente


supostos valores.

A não apreciação da igualdade dos homens faz com que socialmente se deformem os
valores sociais em favor de classes privilegiadas. Houve o tempo dos privilégios da
nobreza e do clero, em prejuízo dos plebeus e leigos. Continua a haver privilégios em
função à distorções da economia.

A grande revolução social moderna insiste na utilização da arte como meio de


esclarecimento sobre a temática social. Primeiramente foi a luta pela liberdade e
igualdade.

Depois, levando adiante a idéia de fraternidade, a literatura teve ainda, o tema social
pleno, como situação mais ativa na obra comum dos homens.

Geralmente os artistas, inclusive escritores tendem a defender mudanças. A verdadeira


literatura não é conservadora, mas transformadora, conforme o princípio de que a ciência
não é apenas contemplativa, mas para transformar a realidade, colocando-a a serviço do
homem.
Estabelecido o objetivo social da arte, especialmente da literatura, chega-se a esta
definição: a literatura é uma arte, que, do ponto de vista temático, interpreta a realidade,
com vistas a fazer deste conhecimento um recurso para conduzir o homem à
humanização, o que inclui a paz e equilíbrio social.

§ 3. Estudo do tema. 2022y029.

30. O saber espontâneo pode ser expresso e já conter um tema útil. Melhor é estudá-lo
previamente para que maior seja a mensagem.

Confunde-se a inspiração temática com a própria origem dos conhecimentos. A


descoberta de um novo conhecer é uma nova inspiração.

Houve um momento em que nada sabíamos do tema. Houve depois aquele instante em
que aconteceu o primeiro conhecimento. Cada novo objeto atingido é mais um
conhecimento, que se torna cada vez mais sofisticado. Sobretudo esta novidade maior
constitui a inspiração temática, em sentido nobre.

Algo pode ser eminente como expressão artística (arte pela arte) e sem importância do
ponto de vista do conteúdo temático. Pode acontecer que a arte religiosa, por exemplo a
arte pagã dos gregos, apresente, quando vista pelo cristão, como sendo de conteúdo falso,
isto é, mitológico, mas como arte seja extraordinária.

Foi grande parte da arte grega destruída pelo fanatismo cristão. Não devia ter sido a arte
religiosa grega destruída pelos cristãos, apenas por não concordarem com o seu conteúdo,
já que tinha alto valor como arte pela arte. Esta calamidade aconteceu particularmente
após o decreto de 381, do Imperador cristão Teodósio, que mandou destruir os templos
pagãos e suas belas estátuas.

O mesmo não devem fazer os que contestam hoje o conteúdo temático da arte cristã,
maometana, budista, e de outros cultos. O que do ponto de vista da arte pela arte é
considerado válido, deve ser conservado pelo menos em museus.

A importância da inspiração temática é certamente inconteste. Quando sem tema, a


expressão fica sem sentido. Quando com tema banal, é fútil, podendo pelo menos ocupar
os simples. E só com grande tema a arte se torna efetivamente apreciável.

Há homens que apenas sabem formalmente como se escreve, como se pinta, como se
procede em qualquer arte. Não possuem, entretanto o que expressar. Ainda que sejam
inteligentes e até mesmo eruditos, não lhes ocorre nada quando se propõem a criar
artisticamente. Se conhecem as leis da arte, podem pelo menos comportar-se como
críticos de arte, ou seja, da arte que não sabem realizar.
A palavra inspiração evoca um quê de informação interior, vinda por revelação recebida
de outro ser, o qual, como que sopraria para dentro de nosso espírito o que este ignora.
Na arte não há a inspiração neste sentido de receptação. Os poetas inspiram-se com as
musas, - dirão. Mas este inspirar-se com as musas não passa de uma linguagem
mitológica.

A arte pela arte, isto é, a arte sem atenção ao conteúdo do tema, só tem sentido como
consideração em abstrato. E esta consideração em abstrato é também válida. Neste caso
abstrato não se avalia a importância da arte pelo nível do seu tema. Abstrai-se uma coisa
da outra e se julga a cada uma em separado.

31. Varia o processo da inspiração conforme a faculdade de conhecer.

Os sentidos externos simplesmente contatam os objetos, que são a cor para a vista, os
sons para os ouvidos, o olfato, o gosto, o tato para os demais. Estes conhecimentos não
ultrapassam o instante intuitivo.

Os sentidos internos já são mais complexos, pois, a fantasia reelabora as imagens e a


memória organiza um subconsciente complexo de elementos associativos. Já aqui a
inspiração se diz com mais propriedade.

Aqui a inspiração consiste em descobrir as associações pelas quais as imagens se


sugerem umas às outras. A poesia é a forma de expressão artística que mais
peculiarmente usa tal recurso. Como a inteligência diverge de indivíduo para indivíduo,
também a associatividade de imagens ocorre diferentemente em cada um. Dispõe uns de
mais inspiração poética, outros menos.

A inteligência desdobra-se em sucessivas operações mentais de conceitos, juízos e


raciocínios, ora sintetizando, ora analisando. Eis onde cresce e se distende vastamente o
processo da inspiração.

Diz-se a inspiração, em sentido nobre, peculiarmente daqueles conhecimentos obtidos


com mais esforço, sobretudo quando se apresentam subitamente e com notória
luminosidade nos momentos mais necessários.

32 A inspiração temática se concentra na operação do juízo, mais que na do conceito ou


do raciocínio. Mas em todas as três operações mentais ocorre o seu processo.
Pelo juízo se afirma uma coisa de outra, a maneira de predicado que se atribui a um
sujeito. Mas, enquanto não se conhece a conexão a ser afirmada, a mente vai comparando
os dois termos, até que a persistência descubra a ligação.

Por vezes se comparam muitos termos, sem que um só se revele atribuível. Num agitar
constante das asas do pensamento, as comparações se vão fazendo, até que aconteça a
descoberta. Então chamamos a isto de inspiração. Houve um instante de percepção, que
denominamos melhor de perspiciência.

Também na operação mental do conceito ocorre a inspiração, enquanto este forma ainda
que ao mesmo tempo seja posicionado dentro do juízo, ora como sujeito ora como
predicado. O conceito de árvore, por exemplo, significa a noção da mesma, enquanto sua
posição de sujeito ou predicado ao mesmo tempo a faz dizer-se, ou sujeito de um juízo,
como em a árvore é verde, ou como predicado, como em isto é uma árvore.

Os conceitos são os mais diversos, devendo ser buscados um a um, a partir do poder do
pensamento para conceber e idear. As classificações aristotélicas, - de futuro
aperfeiçoadas, - distribuem os conceitos, pelo conteúdo (ou matéria), em 10 categorias
supremas (modos especiais), - como substância, relação, qualidade, quantidade, tempo,
etc, - e em várias noções transcendentais também supremas (modos especiais), - como
ser, verdade, bondade e outras.

Atentos a estas classificações, a inspiração temática entra a ficar sob controle.

Igualmente a inspiração temática faz descobrir o raciocínio, em que as premissas se


apresentam em conexão com a conclusão. A inspiração neste plano raciocinativo se dá no
momento em que tais conexões se revelam ao espírito.

O conhecimento das diferentes formas das operações do raciocínio,- ora indutivo, ora
dedutivo, - mais uma vez oferece oportunidades de controle da inspiração temática.

33. Controle metodológico da Inspiração temática. A inspiração temática deve ser posta
sob controle e conduzida por meio de método a sua plenitude. O método já é praticado no
conceito e no juízo, mas se amplifica no plano do raciocínio.

Metodologicamente, um projeto de pesquisa começa por determinar a situação atual dos


conhecimentos sobre o tema escolhido para exame.

É a razão porque começamos por nos informar, principalmente pela leitura.


O ato seguinte do projeto pesquisa consiste na reflexão pela qual se determina o que
ainda resta descobrir para a solução do problema.

Neste sentido a reflexão faz a crítica do que as pesquisas anteriores fixaram, para definir
o que não fizeram e precisa ser feito.

Levanta-se uma hipótese de solução.

A hipótese não se ergue ao azar. Alguns indícios orientam esse trabalho. A estratégia da
hipótese está nisto, que procuramos investigar onde é mais provável encontrar a solução.
Não se perde tempo, então, na investigação onde menos provavelmente a mencionada
solução se encontre.

Mas se a solução não se encontra onde a supúnhamos mais provável, dirigimo-nos


prontamente a uma outra alternativa também provável. Não somente a sorte, mas também
a perspiciência (ou inspiração) facilita encontrar o reto caminho. Houve grandes
descobertas ao acaso; todavia este não é o caminho ordinário da maior parte delas.

Vem a importante etapa da coleta de dados novos. Esta é a determinação praticamente


final de um projeto de pesquisa.

Pelos dados novos se testa a hipótese anteriormente escolhida. Muitas técnicas podem ser
seguidas neste caminho final, como testes, entrevistas, formulários, fichas, catalogação,
estatística, etc.

Tudo se complementa pela apresentação final em expressão de linguagem; esta expressão


já não é temática, e sim uma técnica de comunicação, e que possui a respectiva inspiração
artística, da qual cuidaremos logo a seguir.

Do ponto de vista temático, a pesquisa é conduzida, como se mostrou, por uma ordem
metodológica, com a qual se torna eficiente e pela qual a inspiração temática se põe sob o
controle de escritor e dos artistas em geral.

Até mesmo um romancista precisa pesquisar, pois sua criação deve ser um relato da
realidade, ainda que por meios fictícios. Ninguém está eximido, portanto, da metodologia
da pesquisa, desde que tenha objetivos sérios. Escritor sem seriedade temática vende sua
mercadoria sem contribuir para o progresso mental de sua comunidade. O escritor sério
em cada livro ou artigo traz uma contribuição a mais, com que se exerce com um
elemento socialmente benéfico.

Passaremos a insistir em alguns detalhes sobre o referido acima.


34. O desenvolvimento intencional da inspiração temática é possível pelo estudo. Quem
estuda, obtém mais conhecimentos. Duas são as maneiras de estudar, - pela pesquisa
própria e pela informação obtida através de outrem.

A pesquisa busca diretamente o contato com os objetos a conhecer. Começa pela simples
observação dos dados. Depois aplica os demais operações da mente.

Importa não só pesquisar; é preciso atender ao modo de o fazer, isto é, ao método.


Define-se o método como a maneira de proceder uma operação. Há maneiras de
conceituar, de ajuizar, de raciocinar.

A metodologia do conhecimento ocupa longos capítulos da lógica. A ela precisa atender


o escritor. Seguindo estes procedimentos inspirar-se intensivamente sobre os temas a
expressar. O escritor eficaz é um metódico pesquisador e por isso tem sempre coisas
novas a dizer.

Há uma metodologia do conhecer; esta é a lógica. Outra é a metodologia do agir; esta é a


metodologia chamada planejamento, programação, projeto. No caso do controle da
pesquisa temos uma metodologia do agir. Embora a pesquisa seja a propósito do
conhecimento, não trata de sua lógica interna, mas, de seu comportamento externo. Por
meio de procedimentos diversos, o pesquisador metódico organiza as tarefas e as executa
sucessivamente.

35. A inspiração se pode obter, indiretamente por informação recebida de outro, como do
professor, do livro, e dos mais diversos instrumentos de comunicação.

A apreciação da expressão alheia, aperfeiçoou a arte própria. Portanto, a leitura, para o


escritor; a audição musical para o músico; a visita a museus de arte, para o pintor e o
escultor. Tudo isso traz rendimento para a arte, de quem a exerce.

A leitura, além de ensinar como se escreve, aproveita sobretudo para a inspiração


temática. Lendo, aprendemos. O que aprendemos, pode servir de tema para uma nova
construção artística. Então aprendemos, não só; mas aprendemos para de novo expressar.
Geralmente, já sabemos o que pretendemos expressar; todavia, com a leitura o
aperfeiçoamos.

Quando a leitura de destina a aperfeiçoar um tema, o critério de escolha é diferente


daquele usado, quando lemos simplesmente pelo gosto do que em si mesmo a leitura
oferece de notícia. Suponha-se já escrito um ensaio sobre o belo; novas leituras poderão
oferecer sugestões para mais aperfeiçoamentos do tema.
Na escolha do livro para não ler não vale apenas a qualidade objetiva da obra, mas o
discernimento com que nos aproximamos dela. Umas vezes se nos oferecem sugestões
para melhoria da inspiração artística, outras para a inspiração temática; ora, precisamos
de ambas as melhorias.

Em consequência, depende mais de nós, do que do mesmo livro sabermos aproveitá-lo.

Se um tema é mal elaborado artisticamente, resta ainda o aproveitamento do ponto de


vista temático.

Inversamente, algo poderá não ter boa elaboração temática e sim ter disposição literária
sugestiva.

Se nós mesmos não tivermos maturidade crítica, ainda não estaremos na fase de ler tudo
e nem de nos guiarmos sozinhos. Depois de um certo ponto, cada qual deve ter atingido
este estágio de desenvolvimento, de sorte a ler tudo e colocar cada coisa no seu devido
lugar de aproveitamento.

É claro que devemos possuir uma sabedoria prática, através da qual nos colocamos de
pronto diante das obras mais significativas, como ainda tê-las logo de inicio classificadas,
umas como de interesse artístico, outras de valia temática. Neste sentido nos informam
analiticamente as histórias da filosofia, as histórias da literatura, as histórias da ciência,
etc..

A visão rápida do índice dos livros, também nos auxilia. O mesmo acontece ao lermos as
resenhas bibliográficas que se encontram em revistas especializadas. As fontes de
informação, em nossos dias são muitas. Por, isso, de tudo somos capazes de obter
notícias rápidas, a fim de tomar iniciativas práticas seletivas. Depende mais de nós
mesmos, que dos livros, que saibamos aproveitá-los. Não obstante, há livros que de
nenhum ponto de vista são aproveitáveis. Estes facilmente se deixam reconhecer, até por
que os livros bons também são frequentes.

Sempre é melhor conhecer o perfeito antes do imperfeito, como o positivo antes do


negativo, o ser antes do não ser.

Depois de conhecida a verdade, venha-se a conhecer também o erro. O conhecimento do


erro contribui para o esclarecimento de verdade, somente quando esta já se revelou por
primeiro. A ignorância é anterior à verdade, porém não o conhecimento do erro como
erro. Só é possível conhecer o erro, a partir da verdade.
36. Pensamento crítico. A inspiração temática só é perfeita e completa quando o
conhecimento atinge o caráter crítico.

Um conhecimento é crítico quando sua alternativa falsa também é conhecida. Não basta
conhecer porque a coisa é tal; deve-se saber também porque seu contrário não é
verdadeiro. Uma tese está perfeitamente provada só quando se afastam "as dificuldades
contra ela".

Ordinariamente nos contentamos com os conhecimentos pela sua face positiva.


Acreditamos simplesmente no informação. O debate pode esclarecer com mais
profundidade, porque leva em conta as razões em contrário.

O espírito crítico é peculiar ao bom escritor, cujos temas são por ele apresentados tanto
pelo assim, como pelo não, pelo que ele mesmo pensa, pelo que opinam os que
discordam.

O mesmo deve acontecer com os demais artistas, não pintando, nem esculpindo senão
dando como real o que efetivamente é real, e como fantasia o tem este nível.

37. Concluindo sobre a inspiração temática parece-nos claro que a arte perfeita, mas sem
conteúdo, é como belo pomar sem bons frutos. Há os que cursam letras e adquirem
excelente estilo, mas nada têm de importante para dizer.

Infere-se que todo o aluno de letras, bem como de qualquer outra arte, deve escolher uma
disciplina de conteúdo, de preferência de ciências humanas, como história, ou sociologia,
ou psicologia, ou política, ou geografia, para ter um conteúdo sobre o qual possa
expressar-se com espírito verdadeiramente científico.

Importa ao artista captar a realidade com profundidade, para que sua expressão contenha
algo de importante. O tema deve ser uma preocupação constante de quem se comunica
por profissão.

O escritor capta a realidade e a transpõe para as palavras, não só em boa forma artística,
mas também competentemente no que concerne ao conteúdo.

O mesmo fará todo e qualquer outro artista. Todos os que se expressam deverão portanto
cuidar, portanto, da inspiração temática, em virtude da qual o tema é atingido
adequadamente.

ART. 2-o. INSPIRAÇÃO ARTÍSTICA PELO SEU CONTEÚDO. 2022y038.


39. A obra como arte é o objetivo do artista. A inspiração artística é especificamente
artística, somente enquanto, em primeiro lugar, se mantiver no que é essencial à arte, -
sua capacidade de expressar o tema.

O mais, - como por exemplo, o seu tema em si mesmo, - poderá interessar também ao
artista, que o aliará à inspiração artística. Mas não se confunde a inspiração artística com
a inspiração temática, mesmo quando se trata de ficção.

Para determinar, pois, os objetivos a serem realizados pela inspiração artística, importa
determinar a natureza da arte, mostrando o que ela é: mais especificamente como
expressão, e menos especificamente como tendo ainda propriedades e acidentes de estilo.

Didaticamente há a examinar em parágrafos sucessivos:

- a expressão artística como fato fenomenológico (vd 2022y014);


- a explicação teórica da expressão artística (vd 2022y026);
- a aliança concretista de várias artes (vd 2022y035);
- a crítica na criação poética (vd 2022y045).
- gêneros artísticos (vd 2022y.....).

§ 1. Fenomenologia da expressão artística. 2022y040


41. De pronto se deixam verificar no fato artístico dois componentes, e que se têm de
levar em conta ao se tratar da inspiração, - o significante e o significado.

Denomina-se significante o portador material. O significante, ou seja o portador material,


é um elemento absoluto, algo em si mesmo, como uma cor, um som, uma coisa qualquer.

Diferentemente, significado é o tema enquanto expresso no significante. O que exprime o


tema é algo de que brota uma relação intencional, capaz de conduzir a atenção da mente
para fora do elemento material portador, advertindo para o tema referido como
significado.

O elemento material da arte é algo sensível aos olhos, aos ouvidos, ao tato, ao gosto, ao
olfato. Preexiste o elemento material àquilo que, por acréscimo, permite atender a algo a
maneira de tema significado.

Na linguagem os vocábulos primeiramente existem como sons; por acréscimo significam


algo; somente são linguagem enquanto capazes de exercer significado.
O mesmo acontece na pintura, na qual as cores primeiramente são cores, e podem mesmo
ser adquiridas na forma de tintas, nos estabelecimentos comerciais; a seguir têm algo a
dizer.

Na escultura as formas são igualmente absolutas, como determinações que primeiramente


são das coisas, para somente num segundo tempo passarem a ser noticiantes de outras
coisas.

Na música, os sons, apesar de sua carga pré-artística de sonoridade agradável, também


falam e sugerem.

42. Comparação da expressão artística e da expressão mental. Ocorre na arte algo


similar com o pensamento. Tal como a obra de arte existe primeiramente em absoluto, o
pensamento começa por ser um acontecimento psíquico, para adicionalmente se exercer
como notícia do objeto significado.

O esquema do processo cognoscitivo é o mesmo da arte: em ambos os processos ocorre a


distinção entre significante (portador) e significado.

A diferença está em que num caso o processo é psíquico e noutro é material.

O pensamento tem consciência de que é pensamento. A arte não tem consciência, de que
ela exprime algo (vd 33).

A arte é expressão capaz, todavia, de ser exteriormente interpretada por outros. O mesmo
não acontece com o pensamento; precisa este expressar-se primeiramente na obra de arte,
depois do que se torna perceptível aos outros.

Por isso, há uma lógica do pensamento, como também uma lógica da arte; uma
gnosiologia do pensamento e uma gnosiologia da arte; uma psicologia do pensamento e
uma psicologia da arte.

43. Expressão e comunicação. Há também uma distinção entre expressar e comunicar;


ou seja, entre expressão e comunicação.

Está na expressão a essência da arte, sendo que a comunicação é apenas uma sua
propriedade.
Pode-se expressar sem intenção de comunicar. Isso acontece com mais frequência na
música, sendo comum notar-se o músico se expressando com o toque solitário de sons,
ou mesmo com o cantar solitário sem intencionar a comunicação.

Em todas as artes é possível a expressão pura, sem a intenção de comunicar algo a quem
quer que seja. Isto vem mostrar que a obra de arte se apresenta primeiramente como
significação, nisto já se considerando completa.

Apenas num segundo tempo, já como propriedade útil, passa a arte a servir como
instrumento de comunicação entre os homens. Decorre a propriedade como efeito formal
(vd 32) da essência, sem ser a mesma essência.

O artista que apenas se expressa, faz o principal. Todavia, a natureza social do homem
precisa também da comunicação. Por isso o homem se aproveita da expressão e a usa
como comunicação, estabelecendo a socialização da vida. Comunicando-se, conseguem
os homens passar também a agir em conjunto. Então a propriedade da comunicação se
adiciona com a propriedade da ação comum, sobretudo a social.

44. Artes de comunicação. Certas artes são peculiarmente desenvolvidas para a função
instrumental de comunicação e ação social; por isso quase se definem pela sua função.

Mas a função comunicadora da arte, apesar de sua importância, não passa de uma
propriedade da expressão.

Acontece a comunicação sobretudo na linguagem, cuja versatilidade decorre da


facilidade com que se articulam os sons e a facilidade com tudo isto se faz por meio de
reflexos condicionados.

Os objetivos de nossa expressão puramente pessoal não requereriam uma linguagem de


grande tecnicismo, como a que encontramos nas gramáticas. Fosse a linguagem apenas
expressão, bastariam palavras simples, por vezes só gritos e gemidos.

Tendo em conta sua natureza eminentemente funcional, usa-se definir a linguagem pela
combinação de sua definição essencial e de sua definição descritiva, portanto como
expressão e comunicação.

Evidentemente, na inspiração artística dá-se a mesma distinção, - a inspiração a orientar a


expressão e a inspiração a orientar o processo de comunicação.
45. Expressão entitativa e expressão intencionalística. Advertimos para dois
significados da "expressão".

Quando se cria um objeto conscientemente, a operação é guiada por um modelo


arquétipo. Assim acontece com todos os objetos industriais, que em consequência são
ditos expressão entitativa da idéia modelo, sem que por isso os referidos produtos sejam
uma expressão significadora de algo.

Diferentemente uma expressão é intencionalística, quando é significadora de algo.


Ordinariamente, uma palavra é significadora. Eis uma expressão intencionalística, em
virtude de estar conduzindo a atenção para o objeto significado.

Do ponto de vista etimológico, expressar deriva do verbo latino premere (= premer,


pressionar), como a impressão vem de imprimir. A mão que se imprime contra a areia,
deixa a sua marca.

Esta marca, admite ser considerada sob dois aspectos; primeiramente é um novo ente
criado de acordo com o modelo da mão, e desta maneira é expressão entitativa da mão;
mas, além de ser expressão entitativa; é também uma expressão significadora (ou
comunicativa, ou ainda teorética) da mão, enquanto fala dela.

46. Arte em sentido amplo e arte em sentido estrito. No uso habitual da língua, a palavra
arte veicula dois significados, que o contexto usa distinguir suficientemente.

Precisamos didaticamente denominar a um dos significados, - arte no sentido amplo,


equivalente à expressão entitativa (ou ainda equivalente à artefato); à outro dos
significados, - arte no sentido estrito, equivalente à expressão intencionalística.

Todavia devemos desde logo subdistinguir, no quadro da expressão entitativa a que é


perfeita e a que o é menos. Arte e expressão entitativa não se identificam inteiramente;
arte sempre inclui o sentido nobre de bem feito, o que o que expressão não diz
diretamente.

A inspiração artística visa portanto não só a expressão, mas esta expressão conduzida ao
sentido nobre da arte como bem feita.

Um artigo industrial, porque realizado segundo um modelo, seria já só por isso uma obra
de arte no sentido amplo. Seria arte qualquer produto artesanal simplesmente porque
saído da inteligência do artesão.

Com arte também se vestem as pessoas de bom gosto.


Com arte se constróem as casas.

Com arte se criam objetos gratuitos, apenas porque são esteticamente agradáveis.

Enfim, também sons agradáveis, embora sem significado, são arte musical no sentido
amplo.

Note-se, aliás, que grande parte da música é produzida como sequência agradável de sons,
sem que por isso algo signifiquem. Mesmo quando os sons passam a significar, não
perdem aquele instante pré-artístico de sons estéticos.

Aliás é frequente, em boa arte de expressão de significados, atender também ao instante


pré-artístico quando ainda é apenas expressão entitativa.

47. As duas dimensões de arte, - ampla e estrita - não se hostilizam entre si. O bom
gosto dos homens faz com que aconteçam estarem quase sempre de mãos dadas. É o que
ordinariamente se observa na música e nas assim chamadas belas artes (sobretudo
arquitetura).

A música está sempre atenta à esteticidade pré-artística do som, antes de adicionar ao


mesmo algum significado.

O mesmo acontece com a arquitetura, a qual usa acrescer às suas belas formas e cores
algum simbolismo.

48. Practicidade e teoreticidade significam também a seu modo as duas modalidades de


sentido da arte, - entitativa e intencionalística.

A expressão é prática, porque resultante do praticar humano. Mas neste sentido é


simplesmente entitativa. E então é comum dizer-se que é arte, o que entitativamente se
cria como belo, sobretudo se a criação é do homem.

Kant entendeu a arte como um fazer coisas belas, agradáveis aos olhos e ao ouvido.

Tudo isto poderá acontecer na arte em sentido estrito, mas não se confunde com ela.
A expressão da arte é teorética, porque equivale à informação, notícia, comunicação,
mensagem, linguagem. Nesta condição é que se define a arte, em sentido estrito, como
não sendo apenas um objeto, mas também exercendo uma função significadora.

49. A arte é semântica, no mesmo sentido pelo qual se diz que ela é portadora de
significado.

Este modo de falar, a partir do étimo grego E : " (= sinal), equivale à teorético.
Simplesmente repete a definição de arte como expressão significadora.

Do mesmo modo que se diz da arte que ela é semântica, também pode ser
dita mensagem, notícia, fala, etc.

50. Prova da arte como expressão intencionalística. Cabe à filosofia geral da arte (0531-
000) determinar o que a arte em sentido estrito efetivamente é. Questionada a definição
de arte em sentido estrito, como sendo expressão intencionalística, e passando a examinar
o que efetivamente ocorre, determina-se desde logo que este é o fato. O exame de um
fato constitui a fenomenologia. Há pois a proceder a fenomenologia da arte.

Esta fenomenologia da arte principia desde o momento em que se iniciou o exame de seu
conceito e de suas múltiplas possibilidades de manifestação.

51. Diretamente se constata, que há uma arte de expressão significadora, isto é, de


sentido estrito;

que há uma arte de sentido amplo, que é apenas a criação de objetos gratuitos ou mesmo
úteis, que não se definem como expressão significadora;

que, finalmente, uma espécie de arte não é a outra espécie.

Sendo fenômenos distintos, mesmo com igualdade de denominação, não se reduzem uma
e outra arte ao mesmo conceito, e poderiam mesmo ter nomes totalmente distintos.

A arte de sentido estrito, a arte propriamente dita, é coisa essencialmente distinta, da


outra arte, impropriamente denominada com o mesmo nome.
Quando a arte está em sentido estrito, - as palavras são para significar, as pinturas e
esculturas para dizer algo, a música e a dança para indicar e sugerir sentimentos, a poesia
(em todos as artes) é exatamente um sugerir agitante de imagens significadoras.

Mesmo quando a arte em sentido estrito se ocupa do belo, não é para construí-lo, mas
para significá-lo.

No instante que o belo simplesmente se constrói, temos tão só o artesanato, a indústria, a


confecção. Se então utilizamos a palavra arte, - este termo passa a ser empregado em
sentido amplo. Porque o termo arte (em sentido estrito) sempre inclui a noção de
expressão significadora, ela é também significadora quando expressa o feio, o mal, a dor.

Portanto, a arte como ela acontece possui função semântica (vd 23). Esta é outra maneira
de nos referir ao mesmo fato da arte revelada como expressão significadora, todavia
agora como sinal de algo, na base do étimo grego. Efetivamente, a arte é um sinal que
denuncia intenções nossas.

O praticante da arte tem a vontade deliberada, de que ela seja o sinal de algo. Este
exercício semântico está sempre em função de uma mensagem e não apenas de uma obra
meramente entitativa. A arte é portadora de notícia. Quanto mais significados contém
uma obra, maior arte ela é. Em especial a linguagem falada é uma obra semântica. Mas
também são semânticas todas as demais artes: a música, a pintura e a escultura.

O homem fala por meio de palavras e também por intermédio da melodia, das cores e das
formas. Eis um fato incontestável, que prova fenomenologicamente, - pela constatação
direta, sem explicitação de implícitos e sem argumentos silogísticos, - ser a arte obra com
significação.

No processo de inspiração artística, em consequência desta natureza teorética ou


semântica da arte, o artista opera vivendo diretamente todo o seu processo de criação.

§ 2. Explicação teórica da expressão: mimese e associatividade. 2022y052.


53. Que é que permite converter um ser sensível em expressão significadora? Esta
pergunta é fundamental em filosofia da arte, e sua resposta interessa à compreensão
exaustiva da inspiração artística.

Depois de provado, pela constatação fenomenológica, de que a arte é obra sensível a


significar um tema, em um novo passo importa buscar uma teoria explicadora desta
capacidade de expressar.

Por se tratar de uma racionalização pura, mais além da constatação experimental, a


questão é especificamente filosófica.
Todavia exteriormente também a constatação consegue empiricamente determinar, que
há uma relação de conhecimento entre os procedimentos da arte e os objetos significados,
ainda que não consiga determinar o seu caráter essencial.

Em princípio a ciência (determinadora de relações extrínsecas) e a filosofia da arte


(determinadora da compreensão intrínseca) se completam. A complementação é bastante
evidente na pergunta sobre a natureza da arte.

Ergue-se a seguinte teoria: a arte se explica fundamentalmente pela mimese. O termo é


tomado do étimo grego : mimese (= semelhança).

Em outras palavras: a propriedade, em virtude da qual os semelhantes acusam aos


assemelhados, explica por que a arte, ao imitar de algum modo objetos, os significa.

Já advertia Aristóteles: "O semelhante é conhecido pelo assemelhado" (Da alma, I, 2.


405b 15).

Assim sendo, é na área da mimese, que por primeiro ocorre a inspiração artística.

Deve-se dar aqui não somente a compreensão do fenômeno da inspiração, como ainda
neste plano se deverá desenvolver o processo de aperfeiçoamento correspondente.

Ainda outros procedimentos acontecem na arte, sendo entretanto complementares ao


processo fundamental da mimese; são complementares, no sentido de que, se não
acontecerem, a arte não deixa de existir.

Dentre os procedimentos complementares à arte tem destaque o da associação das


imagens. Depois de expresso um objeto, a imagem deste poderá
complementarmente associar (lembrar, evocar, sugerir) outras imagens, como acontece
sobretudo na poesia.

Respectivamente também aqui se deverá inquirir sobre o fenômenos respectivo da


inspiração associativa poética. Prosa (vd) e poesia (vd) são duas formas de expressão, em
que a da prosa é fundamental, porque se funda na mimese, ao passo que a da poesia
resulta de uma complementação associativa.

Em resumo, a hipótese explicativa da arte se funda essencialmente na mimese, a qual


adicionalmente se complementa com outros procedimentos, entre os quais principalmente
o da associatividade. Assim colocada a explicação teórica da arte, passamos a detalhes.
54. Somente a qualidade tem semelhante, - advertiu também Aristóteles, já citado (vd 27).
Não acontece o mesmo com as outras categorias do ser, por isso é que a arte, ao operar
com o assemelhado, se limita ao uso de materiais nos quais explora a qualidade.

A diferença entre a expressão mental e a artística está em que, a mental usa qualidades
psíquicas, enquanto a arte opera com qualidades sensíveis do mundo concreto.

Efetivamente a arte utiliza as cores, que afetam aos olhos; os sons, que tocam os ouvidos.
Menos eficiente para o uso da arte são as qualidades sensíveis apresentadas pelo olfato,
gosto e tato. Até aqui as qualidades mencionadas se qualificam como sensíveis próprios,
porque cada qual é objeto de sentido específico.

Também a forma espacializada (ou simplesmente forma) é uma qualidade; pelas suas
características é denominada sensível comum, assim chamada porque perceptível, a seu
modo, por todos os sentidos.

Há, pois, sensíveis próprios a cada sentido, como a cor e o som. E há sensíveis comuns a
todos os sentidos, dentre os quais se destaca a forma.

É possível explorar em separado os recursos da forma, como acontece nas artes do


desenho, escultura, gesto, dança. E ainda em combinação com os sensíveis próprios,
como se vê na pintura, ao mesmo tempo operando com cores e formas planas. Também
na escultura é possível a estátua colorida.

Qualquer seja a arte, - em sensíveis próprios e em sensível comum, - em cada uma o


recurso é a qualidade enquanto capaz de se assemelhar ao objeto expresso.

55. Mesmo nas artes que operam por convenção, - como sucede com os símbolos
sobretudo com a linguagem, - acontece fundamentalmente o mesmo princípio, o de que o
semelhante acusa o assemelhado. Ser um equivalente por convenção é nada mais que ser
um semelhante, como quem diz faz de conta que seja semelhante.

O símbolo aproveita as qualidades sensíveis, dando-lhes semelhanças convencionais, isto


é, as equivalências. Multiplica então a arte suas possibilidades de expressão. Ao mesmo
tempo que acontece o crescimento das possibilidades de expressão, complica-se cada vez
mais o processo da inspiração.

A língua é um sistema de equivalentes, que goza eventualmente de duas vantagens


extraordinárias sobre os demais sistemas de equivalência.
A primeira vantagem da língua é a capacidade humana de multiplicar as diferenças entre
o som, quer pelo tom, quer pelo acento, quer pela articulação; desta sorte multiplicam-se
os equivalentes, com os quais se poderão fazer referências a um número muito grande de
objetos, com palavras as mais diversas.

A segunda vantagem da língua é a sua emissão por reflexo condicionado, que agiliza a
produção das palavras.

Não está ainda a essência da língua na capacidade humana de produzir sons. Como em
qualquer arte, a expressão depende da competência interpretativa da expressão. Mas é
esta capacidade geradora o fator que imprime à língua uma especial vantagem sobre as
demais expressões artísticas.

A equivalência convencional entre os signos e os objetos significados, eis onde se


encontra a essência explicativa da arte como procedimento, que em primeiro lugar é um
assemelhamento.

Seja por assemelhamento natural, seja por assemelhamento convencional de


equivalências, só o assemelhado exprime ao outro assemelhado. E só a qualidade possui
semelhante. Sem lançar mão da uma qualidade, não se faz arte.

56. Associatividade poética. A associação das imagens, eis o principal procedimento


complementar de que se servem todas as artes, para reforçar a expressão por
assemelhamento.

Na linguagem, o motivo evocador é indicado por uma palavra; então se observa haver
uma palavra estímulo. Nas outras artes, os estímulos são exercidos, ora por cores, ora por
sons musicais, ora por formas no espaço.

Importa, por conseguinte, inteirar-se o artista do processo associativo, de que trata a


psicologia do conhecimento, inclusive para entender o processo da inspiração artística.

A associação de imagens, estudada como função simplesmente, cabe à psicologia, como


se disse, e não à filosofia da arte, senão como um pressuposto e como somatório
disciplinar. Efetivamente, os tratados de psicologia tratam do assunto, esclarecendo a
respeito da memória e do subconsciente em geral, bem como suas imagens voltam à tona.

À arte pertence a utilização deste processo associativo, o que difere do estudo do


processo associativo em si mesmo, embora relembrado como pressuposto.
Para examinar sistematicamente o processo associativo das imagens importa
preliminarmente distinguir entre o fenômeno associativo e a respectiva teoria que o
explica. Sobre sua teoria explicativa ocorreram variações; todavia todas as teorias
ilustram este curioso campo, que se estende desde a poesia, até a psiquiatria e as crenças
em revelações religiosas.

Admite-se, em princípio, que as imagens são criadas pela faculdade da imaginação. Um


objeto não é coletado por imagem individualizada, mas em conjunto com todo o seu
ambiente; acontece como na fotografia, que um objeto em meio a outros objetos.

Se este for o processo da criação das imagens, bastará, em outra oportunidade,


reestimular o acontecimento de uma imagem, e com esta, em virtude do associamento,
virão à tona da consciência também as imagens dos demais objetos do ambiente em que
foi colhida e em que desde o inicio já se encontravam integradas no conjunto.

Basta, portanto, ao artista (sobretudo ao poeta) apontar para um objeto com o qual outras
imagens foram vivenciadas, e sua expressão se tornará mais forte.

Um velho cajueiro, mesmo sem importância objetiva, pode, por conseguinte, expressar,
por associação, a infância do poeta, se ele se criou à sua sombra. Ao poeta não importa
em primeiro lugar o cajueiro em si mesmo, porém o cajueiro como objeto de estímulo de
imagens, as quais, embora apareçam só num segundo tempo, são o objetivo principal de
sua expressão. Tendo, pois, o fundo estético do cajueiro, a poesia apresenta o principal
pela mensagem emergida por evocação.

57. A segura distinção, entre o objeto que estimula e a imagem excitada, oferece ao
artista a oportunidade de uma consciente produção da poesia. Na intenção direta o autor
da poesia atende à evocação produzida, e na intenção reflexa cuida ao modo como se
produziu a evocação. E assim, ao mesmo tempo o poeta produz e é um autocrítico (vd
2025y045).

Em dois tempos expressa a poesia o seu tema, eis ao que o poeta autocrítico deve estar
bem atento e deve treinar.

Num primeiro indica ao objeto estímulo, o qual em si mesmo não constitui o interesse
principal. Num segundo tempo, como objetivo último, atende as imagens estimuladas, ou
seja associadas, evocadas.

Se a poesia se refere à lua, esta, num primeiro tempo (como na prosa) é apenas um
objeto-estímulo, mas que deverá expressar, como caminho obrigatório. A poesia pura
atende apenas ao segundo tempo, enquanto a prosa pura apenas ao primeiro.
Na prática não costuma haver prosa pura, nem poesia pura. É que a prosa aproveita
alguns elementos da poesia; e esta, a poesia, alguns da prosa. Dali as expressões prosa
poética e poesia prosaica.

O inconsciente se estabelece como condição prévia da poesia. Deverá o esteta conhecê-lo,


porém não mediante a estética, mas, - como já se advertiu, - através da psicologia.

Não há boa teoria da poesia, sem prévio conhecimento das leis da associação das imagens,
que o poeta auto-crítico deve bem conhecer.

Também não há boa teoria da arte sem um prévio saber sobre os processos gnosiológicos
do conhecer em geral.

Saber, - que é arte, - implica em preliminares sobre o que é pensar, que é a sensação, que
é conhecer. Sem isto, os tratados da arte e poesia permanecerão num clima de espírito
vulgar.

58. A arte uma operação por efeito formal. A relação de causa e efeito entre a semelhança
e a expressão é de efeito formal e não de efeito gerativo na ordem da causa eficiente.

Não depende a expressão do fato de haver sido criada como efeito na ordem da causa
eficiente. Ainda que seja uma criação, não é por isso, que ela se torna arte. Sua índole
falante independente de sua criação como efeito na ordem da causa eficiente. Este é
apenas um fato que dá origem ao ente que, a seguir, por efeito formal de sua semelhança
com o objeto, vai falar deste. O mesmo falar não é o fluir existencial do entrar na
existência entitativa.

Portanto, - voltamos a insistir, - a arte, para significar, não depende de haver começado.
Uma estátua eterna (ou natural) exprime tão bem quanto a que agora se faça.

O começar ou o terminar constitui apenas uma relação extrínseca de origem e


permanência. A expressão exprime por efeito formal ou seja como efeito da essência da
qual decorrem nescesariamente as respectivas propriedades. Colocada uma semelhança
dela decorre a propriedade de revelar o seu assemelhado.

Também o exercício do conhecimento admite esta observação. Em nada importa que as


idéias sejam inatas ou adventícias; o que as torna capazes de noticiar o objeto que
exprimem teoreticamente independente da origem.
Platão, Plotino, Agostinho, - na antiguidade, - Descartes e Leibniz na modernidade, -
admitiram idéias inatas, ao lado das adventícias, ao passo que para Aristóteles, Tomás de
Aquino, Duns Scoto, e modernamente Kant e os empiristas, não há idéias inatas.

59. A intencionalidade objetiva da arte. É a arte uma expressão objetiva, porque


estabelece uma relação entre a obra e o tema, sem ter todavia consciência subjetiva deste
fato. Ou seja, a arte não tem consciência de si mesma; ela está consciente todavia na
mente inspirada do artista, e novamente vai conscientizar-se na mente do seu apreciador.

Diferentemente ocorre na expressão mental, ou seja na expressão chamada idéia.


Efetivamente há uma diferença entre a intencionalidade como ela é exercida na arte e
como ela é no processo cognoscitivo imanente.

A referência exercida pela expressão a um objeto se denomina intencionalidade. O termo


é formado a partir do étimo latino intentio (= atenção), e se vulgarizou sobretudo a partir
de Edmundo Husserl (1859-1938), para significar que o conhecimento não é apenas uma
entidade psíquica, mas uma relação para um objeto. É pois, a intencionalidade a marcha
da atenção que passa da expressão ao objeto indicado. Esta intencionalidade, que no
processo cognoscitivo é consciente, é apenas objetiva na expressão artística.

Possui a arte:

- um sujeito objetivo (mas não consciente);


- uma intencionalidade objetiva (mas não consciente);
- um objeto intencional objetivo (mas não apreendido conscientemente).

Paralelamente, há a destacar que:

- há um sujeito moral, o intérprete da arte, que lhe é exterior;


- nele ocorre o paralelo movimento intencional consciente;
- como ainda o objeto apreendido conscientemente.

No processo cognoscitivo imanente, a intencionalidade é um efeito formal consciente.


Também na obra o efeito é formal, sem chegar a ser consciente. A arte não se
conscientiza da relação existente entre ela e o objeto, como o conhecimento o qual goza
desta particularidade.

Ocorrem casos muito especiais, como no teatro, em que a obra (o ator) está consciente do
seu papel artístico. Entretanto, por parte do apreciador, isto não se faz mister. O ator
poderia ser um robô, ainda que este receba programação a partir do exterior.
A inconsciência ocorre também nos aparelhos eletrônicos produtores de imagem humana
e de linguagem. Aquelas figuras e respectivos sons exprimem sem terem a consciência do
que mostram e dizem.

O ator, o programador do robô, bem como de qualquer outro instrumento eletrônico,


constituem-se, todavia, uma extensão do artista criador.

§3. Aliança de artes: concretismo. Praxis. 2022y060.


61. A expressão artística se exerce em qualidades, - cores, sons, formas, a que se somam
também os equivalentes convencionais.

Ora, todas as qualidades podem juntar-se num mesmo suporte material mais fundamental.

Este fato permite a aliança de várias ou mesmo de todas as artes em uma só obra. Uma
estátua, por exemplo, exprime pelas suas formas; todavia também pode exprimir pela cor.

Eis mais um campo onde a inspiração artística tem muito a operar, dependendo de suas
eleições o sucesso final do todo.

Na aliança das artes, continuam todas operando a partir de si mesmas, todavia todas, -
como se adiantou, - montadas no mesmo suporte concreto.

Dali poder-se falar em concretismo, independentemente da semântica adquirida por este


nome na década de 1950 e desenvolvida na de 1960. Em todos os tempos se praticou a
aliança das artes, mas sobretudo a partir de então se enfatizou este aspecto, havendo a
diretriz se autodenominado concretismo (vd).

Como movimento histórico, não passa o concretismo de uma ênfase do que já é natural
no campo das artes. A especificidade do concretismo, como movimento histórico, foi
também o radicalismo com que a composição foi praticada pelos seus porta-vozes.

A definição de concretismo se busca na forma ou estrutura material da expressão, e não


no conteúdo temático, não obstante à ideologia de alguns dos seus idealizadores.

O concretismo leva em conta que a matéria portadora da expressão oferece,


oportunidades concretas várias; não há apenas cor, mas também forma no espaço; no som
não há apenas sonoridade, também possibilidade de assumir simbolizações (aspectos
semióticos).

Da aliança concreta das muitas qualidades materiais portadoras da expressão artística,


nasce uma arte que monta um complexo maior de expressões.
62. O concretismo como estado natural da arte. Frisamos que todas as alianças entre as
artes são em princípio legítimas, desde que possíveis, razão porque resta ali um largo
espaço para a inteligência da inspiração.

Decorrendo da alianças concretistas um reforço da expressão, elas são até mesmo


recomendáveis, desde que não provoquem o efeito anti-estético da redundância.

Circunstâncias eventuais podem mandar preferir, ora a aliança, ora a radicalização da arte
única.

Normalmente, uma estátua erigida ao ar livre das cidades não admite uma pintura
expressiva. Materiais homogêneos, do tipo bronze, facilitam a criação da estátua sem
pintura.

O contrário pode acontecer nos interiores das casas, dos templos, dos palácios, dos
grandes edifícios.

A pintura espontaneamente exprime em cores e em formas. Este concretismo sempre


acontece quando se trata de sensíveis próprios, como figura e forma, e sensíveis comuns,
como cor e som, os quais estão naturalmente combinados.

O orador fala e gesticula; novamente acontece o uso de dois elementos concretos.

O teatro reúne um grande número de variações que servem de base material das
expressões oferecidas.

Ordinariamente em qualquer obra de arte se reúnem variados elementos, de sorte a ser o


concretismo um estado natural da expressão artística.

Sobre o quanto cabe à arte principal e quanto às demais subordinativamente, cabe muito à
inspiração artística decidir sobre o que em cada instante eleger.

63. O movimento na arte. Não é o movimento uma nova qualidade, como se fosse
matéria portadora de mais uma arte específica, mas admite estar presente em todas as
artes. O movimento é uma sequência de graus de determinação, que se alternam.
Em si mesmo, o movimento não é nada. São as coisas que se movem. Apenas por
abstração e imaginação é possível conceber o movimento em separado.

Considere-se que as qualidades podem variar em grau e mesmo ser removidas em parte,
ou até substituídas. Dali resulta o movimento da expressão. Por sua vez, a expressão em
movimento pode expressar as coisas que se movem.

O movimento é um desejo universal de toda a arte, por causa dos seus efeitos estéticos.
Não é entretanto fácil de praticá-lo. É quando a inspiração artística entra com o esforço
de inventá-lo, quer como movimento real, quer subtilmente como movimento psicológico.

Algumas artes estão fortemente inibidas de atuar com o movimento, em virtude da


estaticidade dos seus materiais de uso. Operam com as qualidades sensíveis, no seu
instante estático; ocorre isto com a pintura, com a escultura, com a arquitetura.

Em contrapartida, estas artes são mais perenes e atravessam milênios.

Outras artes, operando com materiais mais dinâmicos, exprimem com as qualidades em
movimento de substituição.

Em tais condições se exercem, a linguagem, a música, o teatro, o balé, o discurso, o


cinema, a televisão.

A música é uma arte que opera com o som em movimento; não há expressão artística
com o som estático, porquanto nestas condições o som muito pouco oferece.

Em vista da possibilidade do movimento, criou-se a poesia praxis. Esta aproveita o


instante criativo, em que a matéria se move enquanto assume a expressão.

64. A denominação da arte a partir de uma predominância. Atentos à lei do ritmo e ordem
das partes, nesta composição concretista ocorre ordinariamente a preponderância de uma
das artes, a partir da qual se dá a denominação ao todo.

Assim também a música concreta, antes de tudo será música.

Do mesmo modo também será a escultura concreta, será em primeiro lugar escultura se
as formas predominam no todo concreto.
E assim ainda a pintura concreta, será primeiramente pintura, se a cor predominar sobre a
forma e outros elementos aliados.

Mais complexa fica a denominação das composições concretistas ao se levar em conta


que a expressão pode exercer-se, ora na modalidade de prosa, ora na de poesia. Dá-se a
aliança dos elementos a partir do instante da prosa, porquanto é o primeiro momento da
expressão. Mas, ora a mensagem principal é a da prosa, ora a da poesia, dependendo isto
da do que importa expressar, e da capacidade da inspiração.

O concretismo e a praxis, quando sem evocação, constituem prosa. Mas se a composição


se estabelece apenas como objeto-estímulo para suscitar o brilho das imagens do
subconsciente, então o concretismo é verdadeiramente poético.

A evocação poética, no concretismo, assume particularidades específicas nas diversas


artes, quando se aliam em todos maiores; veja-se especialmente a poesia concreta no
plano literário (vd 4515y000).

A poesia concreta se diz literária, quando a palavra figura como principal fator entre os
demais, como a forma e a cor, ainda que este outros aspectos aliados sejam mui enfáticos.

65. A linguagem, como fala do homem que utiliza flexões sonoras, se reduz
especificamente ao gênero dos símbolos, antes que se alie à outras artes; qualquer
qualidade admite ser tomada como símbolo, desde de que se lhe aplique uma convenção,
que lhe dê a significação.

Duas modalidades de aliança podem ser promovidas pela linguagem.

Pela ordem, primeiramente, as alianças da linguagem se dão com os demais símbolos.


Por exemplo, escrever AMOR sob a figura de um coração é uma composição que une
uma palavra (símbolo linguístico) e uma figura simbólica do amor (símbolo plástico).

Mais distantes, já em outro gênero, estão os elementos concretistas do som em si mesmo,


da cor e da forma espacial; o som, a cor e a forma espacial em si mesmos não constituem
símbolos, situando-se por conseguinte, num plano mais distante.

Dentre estes outros gêneros, novamente pela ordem, o som é o elemento concretista mais
próximo e que mais de perto se une ao todo concreto da linguagem falada.

A língua ou idioma, é antes de tudo algo sonoro, apenas com posterioridade se pode
estabelecer a grafia alfabética, em espaços e cores.
Por isso, antes que ao espaço e à cor, a linguagem se une aos elementos concretistas de
natureza métrica e de rima.

Por último, a aliança se exerce com os mesmos recursos havidos na cor e na forma
espacial, oferecidos pela grafia, que as palavras sonoras admitem. Esta ainda se pode dar
idiograficamente, à maneira da escrita chinesa e egípcia antiga, ou através da grafia
simbólicas dos sons do alfabeto.

Em um e outro caso, a grafia incorre na espacialização de formas e de cor. Colocadas as


formas e as cores a serviço da simbolização das palavras, ocorre uma aliança em que o
todo continua literário pela dominância. E se dali nascer ainda a evocação, acontece
haver poesia, a saber a chamada poesia concreta por montagem.

66. Os detalhes do concretismo, eis onde se especializam os que o praticam, e é onde se


pergunta pela inspiração mais sofisticada.

As alianças mais próximas, porém, são as que se exercem no plano mesmo da


simbolização.

No plano mais simples da palavra principia a possibilidade de poder abrir um leque de


signos, sendo então portadora de signos diversos. Esta plurivalência se observa em
palavras equívocas, em palavras estrangeiras de sons coincidentes... Aliadas
concretamente, resultam em combinações concretistas.

Outras vezes, serão os mesmos conteúdos simbolizados diversamente, em sons, em cores,


em formas no espaço (gestos, esculturas, etc..). Da combinação, nasce um concretismo.

Os concretismos, na área interna dos signos, se complexificam mais uma vez, quando
entram a entender a variada função que os signos exercem, ora como palavras isoladas,
ora como membros de uma frase: as palavras isoladas, ora como substantivos, ora como
adjetivos, ora como verbos.

A palavra isolada tende a manter-se mais próxima da imagem puramente sensível do


objeto.

O linearismo fraseológico traz para o texto poético uma presença maciça da logicidade
do pensamento; contra isto reage o concretismo dos mais radicais, que adotam a arranjo
no plano da folha como um todo.
De outra parte, o linearismo ajuda a manter uma ordem sequencial dos pensamentos.
Surgem estes muito explosivamente, e vão adquirindo ordem ao longo das palavras que
se alinham.

67. Quando a expressão literária concretista também se une a elementos de espaço e cor,
se reforça com o figurativo e o psicodinâmico.

Do ponto de vista figurativo, a palavra entra a imitar no espaço as formas do objeto a


expressar. Então a palavra exprime não somente com a força de sua equivalência
convencional, mas também com a mimese, expressando aos objetos também pela sua cor,
como ainda pelas suas formas naturais.

As linhas, volumes e cores se fazem valer psicodinamicamente; a partir dali se obtêm


mais e mais concretismos, que a inspiração cria e desenvolve.

Grafismo é o nome que se tem dado ao expediente que ordena as letras segundo a forma
figurativa dos objetos e temas expressos. Poderá o expediente incluir as cores.

O texto ilustrado, mediante figuras e mapas, como habitualmente se encontra nos livros,
é também um concretismo literário, desde sempre praticado, ainda que sem este nome.
Pode-se dar como prosa e como poesia.

Quando prevalece o elemento literário, os elementos ilustrativos se aliam, geralmente


como prosa concretista, sobretudo nas ilustrações meramente científicas. Este é também o
caso dos ideogramas estatísticos. Mas, quando na ilustração está sendo visada a evocação,
ocorre verdadeiramente a poesia concreta literária.

A inspiração no texto ilustrado tem um campo muito vasto para desenvolver resultados.

As correntes e escolas concretistas exploram de variada maneira os recursos oferecidos


pelos elementos concretistas. São modalidades conhecidas e em voga, de composição
concretista: ideograma, caligrama, palavra montagem, atomizações visuais.

68. A poesia concretista merece especial atenção. Há poesia concreta, quando a


montagem dos elementos concretistas é capaz de estimular evocações. Sem a evocação a
montagem se reduz apenas a uma expressão prosaica.

Quanta poesia concretista nos presentes oferecidos acompanhados de um cartão?! Se


junto vão algumas flores, não valem as flores apenas pelo que são, mas também pelo que
significam e sugerem!
Haveria mesmo poesia na montagem literária? Substancialmente poesia ocorre sempre
onde um estímulo for capaz de produzir evocação. Por conseguinte, a legitimidade da
poesia concreta literária depende diretamente de sua capacidade de exercer a evocação;
seu valor e grandeza outra vez se condicionam à extensão desta capacidade evocativa.

Para estabelecer-se especificamente como poesia não importa que sua mensagem seja
medíocre ou apreciável; entretanto, para que mereça ser levada em consideração, ela
precisa alcançar um certo valor, na capacidade evocativa e no conteúdo temático. Em se
tratando de aliança de variados recursos em um todo concreto, semelhante poesia tende a
tornar-se expressiva, ao mesmo tempo que difícil.

A poesia concreta, a partir de um ponto de vista temático, se inclina para um


certo verismo, sem maiores subjetivismos, sobretudo sem abstracionismos. De maneira
geral, a arte concreta apresenta "objetos novos", de caráter figurativo, porém figurativos
novos.

§ 4. A crítica na criação da poesia. 2022y069.


70. Os resultados da inspiração artística devem finalmente ser criticados, devendo esta
crítica atender a uma série de perspectivas, sobretudo na poesia:

- Se efetivamente acontece a poesia.


- O equilíbrio interno das artes aliançadas.
- O tema do poeta.
- A crítica e os gêneros poético.

71. Efetivamente acontece a poesia, - eis o principal na crítica da poesia, e por onde ela
principia.. A primeira preocupação do crítico ao se aproximar de uma poesia, é a de
verificar se nela efetivamente funciona a forma evocativa da expressão. Quando o crítico
da poesia é o próprio poeta, ele está efetivamente atento à sua mesma inspiração, cujo
resultado poderá inclusive remodelar (vd 35).

Qualquer crítico, - seja outro, seja o mesmo poeta autor, - deverá começar distinguindo os
dois tempos da poesia, - o do objeto-estímulo e o das imagens evocadas.

O objeto estímulo é apresentado em prosa, ainda que seu objetivo no segundo tempo seja
estimular imagens. Portanto, a crítica deverá advertir se o poeta, no seu primeiro tempo
seguiu os caminhos da organização lógica da frase em prosa. Eis onde por primeiro se
determinará se o poeta é perfeito, ou se foi deficiente.
A inspiração poética importa mesmo no segundo tempo. É bom poeta aquele que em sua
inspiração conseguir encontrar objetos estímulos verdadeiramente capazes de associar
imagens, precisamente aquelas que importam mais.

O crítico deve particularmente atender ao vigor com que o objeto-estímulo provocam o


despertar da evocação. A explosividade dos estímulos é uma qualidade que muito
importa para converter a expressão poética em linguagem enfática.

Com referência ao apreciador da poesia, deverá também possuir capacidade para atingir
as imagens que o poeta exprime associativamente.

Se isto não acontecer, o suposto apreciador da poesia será como os pássaros que pousam
sobre as estátuas, sem saber o que elas verdadeiramente são. Ele entende as palavras da
poesia pelos objetos que exprimem no seu primeiro tempo, mas não se apercebe das
evocações que também são capazes exprimir. Se o apreciador incapaz ouve falar em
bananais e laranjeiras do tempo da infância, sabe o que são bananais e laranjeiras, mas
não atinge o que o poeta queria despertar associativamente na imaginação.

Uma crítica de inexperiente não verá o que é essencial julgar na poesia. Até poderá
limitar sua missão, exercendo-se como crítico de linguagem em prosa. Subverterá os
valores, porquanto julgará tudo apenas do ponto de vista das aglutinações raciocinativas;
dará valor ao primeiro tempo das imagens, sem pôr a atenção nas que, num segundo
tempo, magicamente associam.

Se um autêntico poema cai em mãos de quem, desprovido de percepção poética, o


submeterá a uma análise lógica para o que ele não foi feito exclusivamente. A poesia que
fala em bananeiras e castanheiras será vista como sequência de futilidades, e não como o
que mais deveriam sugerir.

Não apreendendo o simplista a poesia do ponto de vista evocativo, não exerce as


condições preliminares para o julgamento da inspiração. Fará então uma crítica do que
não está sob julgamento, e esquecerá o que realmente importava.

Se se tratar de um grande poeta espontâneo, mas sem preparo para a autocrítica, poderá
prejudicar sua própria inspiração ao querer aperfeiçoá-la.

72. Equilíbrio interno das artes aliançadas. Outras particularidades, - ainda no campo da
expressão especificamente poética, - hão de ser levadas em conta pela crítica e por todo
aquele artista que quiser sujeitar os resultados de sua inspiração a uma rigoroso controle.

Trata-se, agora, sobretudo das alianças concretistas, que reúnem várias expressões num
corpo material. Então uma expressão prevalecerá sobre a outra, de sorte a respeitar o
ritmo das composições complexas, para que a atenção caminhe de um elemento para o
outro, sem tumultos, nem distorções, nem mesmo redundâncias, a não ser que os
referidos tumultos, distorções e redundâncias façam parte dos efeitos a serem
conseguidos.

Primeiramente o crítico de sua inspiração principiará por anotar a ocorrência da


composição complexa. Depois julgará a eficiência de cada elemento. Enfim julgará a
hierarquia das partes no todo.

Na poesia literária concretista, a evocação predominante será expressa mediante a palavra,


portanto pelo símbolo; os elementos aliançados vindos de outras artes contribuirão para o
objetivo literário central; ainda que os elementos visuais costumem ser enfáticos, o
comando básico da evocação deverá estar no controle de cada palavra-estímulo. A
evocação métrica ficará por conseguinte em segundo plano em qualquer texto poético
literário; o mesmo se diga da montagem visual.

O canto, por ser basicamente linguagem, apesar de toda a musicalidade, é em primeiro


lugar uma expressão artística literária. Não existe canto, se o texto cantado não se
mantiver inteligível. Quando permanece apenas a sonoridade, o texto que embora se diga
ser um canto, não passa de um pretexto para o sequencial sonoro de arte musical, cujo
instrumento é a voz humana

As mesmas observações fará o crítico ao abordar a poesia na música. A evocação caberá


primeiramente à sonoridade em si mesma; com posterioridade aos outros elementos
concretistas aliançados.

Iguais considerações importam para a poesia concretista em cores e em formas


escultóricas.

É preciso também examinar na poesia concretista de qualquer espécie, se todos os


elementos aliançados são geradores de evocações.

Importa, entretanto, nos advertir contra extremismos. Embora não seja necessária a
ordenação métrica, - abandonada por alguns modernistas, - não se vá deixar seu uso por
se lhe negar a capacidade de gerar evocação poética.

De outra parte, não se deve admitir a poesia somente onde há evocação métrica
tradicional.

A ordenação métrica anterior ao modernismo (no Brasil o modernismo data de 1922)


apresenta efetivamente um quê de mecanicismo. Pode o defeito ser corrigido sem destruir
simplesmente a métrica.
Um pouco de cadência importa mesmo à prosa, como harmonia dos sons. Eis ali, mais
uma situação a que deve atender o crítico.

73. O tema do poeta. Nem mesmo o conteúdo temático desinteressa ao crítico da poesia.
Depois de se haver interessado pela especificidade da expressão poética, mostrando se ela
ocorre, ou não, na obra artística examinada, segue para o exame crítico do conteúdo (vd
51). Tanto importa o conteúdo dos objetos evocadores, como o conteúdo das imagens
evocadas.

A banalidade dos artistas apenas os faz serem desinteressantes. Entre os interessantes,


alguns são medianamente interessantes, e outros altamente interessantes. Vale então a
questão, - para que os poetas? (vd 135).

Deve-se todavia distinguir entre o conteúdo, que serve de estímulo à evocação pelo
referido estímulo. Não importa em primeiro lugar que o estímulo seja um objeto banal;
ainda que seja recomendável que o próprio objeto estímulo tenha um alto valor, o que em
princípio mais importa é o que ele consegue evocar.

Não há tolices que os poetas, mesmo os bons, já não tenham escrito, que os cantores já
não tenham cantado alto e bom som, ou que os pintores e escultores tenham posto em
caprichosas cores e formas plásticas elegantes. Mas, o que em si mesmo pode ser banal,
assume todavia o papel de espírito evocador.

Objetos há de importância, com os quais cientistas e filósofos se ocupam, mas não se


exercem como fatores de capazes de suscitar imagens. A simples menção de
acontecimentos de infância, como assim ainda de laranjeiras, castanheiras, bananeiras,
tem mais poder de evocação, do que as essências de que tratam os filósofos, ou as
promessas celestiais de que cuidam os teólogos. O crítico deverá pois advertir para que
tipo de conteúdo o poeta aponta e com que resultado.

74. Acontece haver poetas banais tanto em seus instrumentos de evocação, como em seus
resultados de imagens evocadas.

O fenômeno da poesia banal ocorre principalmente nos poetas novos. Tratam do amor
pessoal, sem conseguir elevar-se ao amor universal como uma das leis do ser.

E assim também se ocupam do sofrimento episódico deste ou daquele, não se advertindo


sobre a dor universal, como condição humana e dos seres limitados em geral.
Não descobrem os poetas banais evocações apreciáveis, ainda que todos sejam
preciosistas, maneiristas da linguagem, e até galantes.

A grande poesia é a de sublime evocação, que abre explosões amplas de imagens no


escuro céu do subconsciente. Um filósofo expressa a sublimidade raciocinativamente; o
poeta evocativamente; ambos com grandeza, se o filósofo for realmente um filósofo de
grande inspiração raciocinativa, ou se o poeta for revelador de objetos de contundentes
evocações . Cabe ao crítico anotar o que efetivamente acontece.

O que engrandeceu a Gioconda, de Leonardo Da Vinci, foi haver posto, nos seus lábios, a
expressão substancial e permanente da interioridade sentimental, e não um insignificante
tema, como esses dos sorrisos de retratos banais.

Por conseguinte, o tema de mais valia, engrandece também a poesia. Deverá i crítico
saber anotá-lo. Não pode por exemplo referir-se à dor da poesia de Cruz e Souza, sem
anotar de que se trata da dor universal, aquela da condição humana.

75. A crítica e os gêneros poéticos. Como acabamento final, a crítica se ocupará também
dos gêneros poéticos, nos quais a expressão se adapta para cada tipo de tema. Afinal, não
exprime do mesmo modo o que é lírico (vd) e o que é épico (vd).

E assim também advertirá o crítico sobre as propriedades e os acidentes de estilo.

§ 5. Inspiração nos gêneros artísticos. 2022y077.


78. É notável que os gêneros de objetos também resultam em gêneros artísticos. Eis pois
um item a examinar.

As artes, - pintura, escultura, música, literatura, - tendem a diferenciar-se pelos seus


temas, porque os recursos de cada uma são diferentes.

Todavia esta diferença de recursos de expressão é acidental, e não retira à arte seu caráter
de expressar de algum modo e imediatamente aos seus objetos.

Cada espécie de arte, - ainda que possa ocupar-se de algum modo com todos os temas, -
prefere aos temas aos quais mais adequadamente exprime e deixa os outros. Em
consequência o mesmo gênero artístico assume diferenças em cada arte, e orienta a
inspiração a seu modo, em cada espécie artística.

A escultura imita adequadamente as formas espaciais da figura dos objetos.


O mesmo não acontece com a música a qual com propriedade apenas poderia imitar os
tons dos objetos e não a sua figura, senão por sugestões vagas.

Muito peculiares sãos os recursos criados pelos equivalentes convencionais da linguagem.


Por serem convencionais, dispõem da possibilidade de expressar seus objetos mui
diferenciadamente, atendendo até mesmo às diferenças adquiridas em cada operação
mental, a saber, como conceitos, como juízos, como raciocínios.

79. Os gêneros artísticos constituem o fenômeno mais importante provocado pela


diversidade dos temas. Se a expressão, para expressar os temas, deve em princípio,
ajustar-se a eles cada espécie de tema resulta em um tipo de expressão, o qual por isso
requer uma inspiração a parte.

Varia, portanto, a inspiração com a diversidade mesma dos gêneros artísticos e dos
recursos próprios a cada espécie de arte.

A expressão artística assume, pois, modalizações que se denominam gêneros artísticos.


Eis um complicador da arte e que se diz em função à variação dos objetos e à diversidade
dos recursos de expressão.

O gênero artístico é a expressão quando adequada aos detalhes de tipo de objeto (tema ou
assunto). No plural, gêneros artísticos designa a totalidade das variantes de expressão
temática.

A classificação dos gêneros artísticos se faz por critérios variados, em que das diferentes
categorias de ser são os mais adequados.

Todavia, alguns critérios extrínsecos podem manifestar-se úteis, como os que se colocam
de acordo com as três operações mentais, - conceitos, juízos, raciocínios. A importância
destes critérios está em que eles se dizem do pensamento, o qual influenciam
profundamente a nossa maneira de tratar aos objetos.

São, por exemplo, gêneros literários, em função às operações mentais: a conceituação (no
plano da primeira operação mental), a descrição, conto, novela, romance, carta (no da
segunda), a argumentação, tese, discurso (no da terceira). Mais complexos são os gêneros
quando ingressa o elemento associativo.

Ainda que a variação do objeto influencie fundamentalmente a diferença dos gêneros,


ocorrem ainda outras interferências importantes.
Muito pesa o fato, já mencionado, de que o objeto nos chega primeiramente através das
faculdades de conhecimento. Notadamente o objeto nos chega elaborado pelas operações
mentais do conceito, do juízo, do raciocínio. Em consequência se oferecem os
importantes gêneros de expressão:

- gênero de conceituação,
- gênero descritivo,
- gênero argumentativo.

Esses são gêneros elementares, dos quais os outros, como novela, romance, tese, não
passam de complexificações.

Fundamentalmente, pois, o gênero artístico resulta da variada maneira da expressão


adatada às diferentes modalidades de objeto.

Na descoberta da adatação adequada ocorre a inspiração artística, onde o juízo do artista,


depois de comparar as diferentes possibilidades, deve decidir, para eleger.

I - A inspiração nos gêneros de conceituar: dividir e classificar, compor e definir. 2022y080.


81. O conceito apresenta o objeto simplesmente, como que de frente, sem as inovações
afirmativas do juízo e argumentativas do raciocínio.

As diferenciações do que cada uma das três operações mentais apresenta, assim aparecem
plenamente só nas expressões da faculdade do pensamento. O mesmo não acontece na
expressão artística.

Em decorrência da versatilidade dos recursos da expressão por equivalentes


convencionais, consegue a linguagem algum paralelismo com as operações mentais,
notoriamente maior do que as demais artes.

O conceito é expresso pela palavra.

O juízo o é por uma frase.

O raciocínio por uma sequência de premissas e de uma conclusão, cujo todo é o discurso.

Menos claramente as operações mentais se refletem na pintura, escultura e música. Mas,


apesar de oferecerem menos bem a pintura, escultura e música tais distinções, o artista,
como também o apreciador de sua obra, operam pensando concomitantemente em termos
de idéia, juízo e raciocínio.
Contudo, quem interpreta as demais artes, também faz conceitos, juízos, raciocínios,
ainda que estas operações estejam expressas na obra apenas vagamente. Não conseguindo
embora o artista adequadamente inserir na expressão em cores, formas e sons musicais os
objetos das respectivas operações, consegue contudo expressá-los indiretamente mediante
contexto.

Acontece o mesmo no apreciador de tais obras de arte, porque, enquanto as aprecia, vai
sendo despertado, - conforme já se referiu, - para formar conceitos, juízos, raciocínios.

Examinando como as operações acontecem no interior da mente, constata-se que os


conceitos, ainda que específicos, surgem sempre inseridos como partes internas do juízo.
Um conceito que se forme, tem de nascer imediatamente na posição de sujeito, ou na
posição de predicado. Por isso, as artes em formas, cores e sons, ao despertarem
conceitos, encaminham imediatamente também o juízo.

Menos espontânea é a formação de raciocínios. Mas também estes acabam por se


encaminhar. Diante de grandes obras, por exemplo Guernica (de Picasso), não demora a
encaminhar-se um raciocínio.

A inspiração artística, ao ser controlada pela crítica do artista, tem pois um


encaminhamento ordenado e subtil. É que os juízos e raciocínios se formulam
espontaneamente a partir dos conceitos.

Por isso, mesmo quando a expressão artística expressa os temas como eles se oferecem
por uma só das operações mentais, a do conceito, as demais operações mentais
espontaneamente encaminham os juízos e os raciocínios, garantindo a qualquer das
espécies de arte o poder de expressar amplamente seus temas.

82. O método de operar o tema a ser expresso influencia a mesma expressão e diferencia
seus gêneros. Já que o método de operar influencia a expressão e seus gêneros, o artista
há de haver-se com versatilidade neste campo. Por isso mesmo, um excelente preparo
mental costuma haver por trás dos grandes artistas.

Método é a maneira de operar os elementos em fluxo, podendo variar pela forma e pela
matéria operada.

Segundo a forma, duas são as maneiras fundamentais de operar, a analítica e a sintética,


através das quais se administra toda a economia do pensamento.
Também segundo a matéria, as classes se dividem pelo material operado. Agora se
considera a operação pelos conteúdos operados.

Ainda que as operações mentais, - conceito, juízo, raciocínio, - pareçam formas de pensar
(e de fato cada operação opera por uma forma diferente), elas também se distinguem pelo
conteúdo, portanto pela matéria.

O conteúdo do conceito oferece a imagem do objeto; o conteúdo do juízo, oferece uma


afirmação, que atribui algo a algo; finalmente o conteúdo do raciocínio, oferece
conclusões.

Da combinação de forma e de matéria, resulta um quadro complexo na expressão mental.


Considerando que são três as operações mentais, e em cada uma a maneira de operar
analítica e a maneira de operar sintética, há, em decorrência uma divisão material em:

- métodos conceituais analíticos e sintéticos;


- métodos de julgar analíticos e sintéticos;
- métodos de raciocinar analíticos e sintéticos.

É impossível um processo de inspiração artística, nem do tema e nem da expressão, sem


um conhecimento espontâneo de toda esta trama do pensamento.

Em si mesmo o processo dos procedimentos operacionais da mente cabem à lógica, mas


o assunto interessa também à expressão artística, onde vai ter de ser levado em conta para
a compreensão total do processo de inspiração..

83. Análise conceitual. São operações analíticas de conceituar a divisão e a classificação.

Dividir e classificar são processos analíticos, que distribuem os elementos em que se


distribuem internamente os objetos e os ordenam em classes. A atenção a estes
procedimentos importa à arte, que assim mais adequadamente apresenta aos objetos que
exprime.

A ordem no fluxo da expressão dos objetos oferecidos, importa em uma coerência interna
da exposição, o que tudo começa pela reta divisão dos temas e pela boa estrutura das
classificações.

84. Síntese conceitual. São processos conceituais de síntese, a composição e a definição.


Percebe a mente quais os conceitos que se conectam, e ainda quais os conceitos que
definem, porque dizem os componentes.
O processo de composição e definição consiste na marcha inversa da divisão e
classificação. Um espírito hábil percebe-o claramente.

Mas não é possível dividir e classificar (análise conceitual), inversamente compor e


definir (síntese conceitual), sem antes conhecer a coisa de que se fala ou sobre o que se
escreve. Dali a necessidade do conhecimento temático antes de proceder a sua expressão.

85. Conceitos concretos e conceitos abstratos são quadros classificatórios a que o artista,
particularmente o escritor, deverá estar atento com frequência.

Esta é uma decorrência da divisão aplicada ao objeto. O mentalmente não dividido é o


concreto; o mentalmente dividido é o abstrato.

Nota-se que a divisão, pela qual se criam os conceitos abstratos, se apresenta como um
dos procedimentos mais espontâneos da inteligência. Ela é tão espontânea, que se
apresenta praticamente como uma inspiração temática instantânea.

Homens existem que se ocupam das coisas como dados concretos; assim quase sempre as
crianças e os adultos menos instruídos. Também o escritor se poderia limitar aos entes
concretos; isto ocorre em um grande número de casos. As crônicas, as notícias, as
novelas e romances, se retêm dominantemente no plano concreto.

O tema abstrato é peculiar aos que escrevem ciência e filosofia. Estas disciplinas do saber
procuram ir mais longe, induzindo de dados concretos as noções mais abstratas, ao
mesmo tempo que avançando por meio da síntese para resultados progressivamente
maiores.

86. A divisão, que separa o concreto e o abstrato se processa a nível do conceito, e só


indiretamente do juízo e do raciocínio.

Pertencendo ao gênero artístico da conceituação, não é do gênero judicativo da narrativa


e nem do gênero raciocinativo do discurso. Mas, de seu nível de conceituação, o concreto
e abstrato se transferem ao nível do juízo e do raciocínio. Em consequência o concreto e
o abstrato se encontram presentes em todos os níveis de pensamento, ou seja, em todos os
gêneros literários.

Sem esta divisão não seria mesmo possível a operação do juízo, em que uns conceitos se
afirmam de outros. Os conteúdos representados pelo sujeito e pelo predicado não se
dividem concretamente; em abstrato se separam, para, ato contínuo, se afirmarem um do
outro.

Por exemplo, "a porta está fechada", é uma afirmação em que "fechada" concretamente
pertence à porta.

Outros conceitos são ainda mais abstratos. Há conceitos eminentemente gerais; por
exemplo, o ser bom, ou o ser se divide em existência e essência. Em consequência o
concreto e o abstrato se encontram presentes em todos os níveis do pensamento, ou seja,
em todos os gêneros literários.

87. Na pintura e escultura o tema concreto dá origem à arte figurativa e o abstrato à arte
abstrata (ou meramente formal). Adequadamente se diz que tais artes plásticas são
figurativas, por que as coisas concretas apresentadas por elas têm uma figura.

Na arte literária não é tão adequado referirmo-nos a uma literatura figurativa e a


uma literatura meramente formal. Este modo de falar se diz mais adequadamente das
outras artes. A figura supõe uma distribuição das partes no espaço. Isto não acontece na
linguagem falada.

Admite-se dizer literatura episódica, visto que o episódio versa em geral em torno de
objetos concretos. Ou ainda literatura de tema concreto.

Quanto à literatura abstrata não é exato reduzi-la toda a uma literatura dominada
científica e filosófica. Um conceito, sem estar estruturado ao modo de ser sistemático do
científico e do filosófico, também pode ser abstrato. O processo da inspiração poderá,
contudo, elevar os conceitos não científicos e não filósofos ao nível destes.

Além disto, a própria ciência e filosofia se ocupam igualmente dos seres concretos, como
pontos de partida; a ciência faz descrições dos achados; a filosofia também descreve
quando faz a fenomelogia dos dados de evidência sempre explícita e pré-teórica.

II - A inspiração nos gêneros de julgar: descrição e narrativa. 2022y088.


89. Ao nível de operação, o juízo se processa primeiramente com a descrição, e que
começa com a afirmação.

Esta afirmação da descrição, - tratada sem ir até a argumentação, ou seja, do discurso, -


apenas descreve. Ordinariamente a linguagem humana se retém neste plano intermédio,
que a operação do juízo exerce entre as operações do simples conceito e do complexo
raciocínio.
A descrição e a narrativa são, por conseguinte, gêneros artísticos, principalmente
literários, muito significativos. Nestes se concentram os esforços dos que buscam a
inspiração de uma boa expressão, desde o primeiro instante da afirmação, e logo a
encaminhando para a descrição.

No primeiro intuito o pensamento é sintético, e cuja forma é a afirmativa de juízo. Esta


prioridade do juízo sintético decorre do fato, que todo o conhecimento pelas constatações
sensíveis, as quais passam ao pensamento primeiramente como afirmação. Vê-se a cor, e
a seguir se faz a afirmação, - é cor (ou seja, isto é cor). Primeiramente, pois, sente-se a
cor; a seguir, pensa-se a cor.

Se, por exemplo, vemos uma porta, esta imagem concreta apresenta todos os aspectos
unidos num só todo; o juízo afirma em termos de síntese tudo o que ali se constata. Tal
afirmação poderá apresentar o seguinte sequencial de juízos, todos sintéticos:

- isto é porta;
- a porta está fechada,
- a porta é branca, etc.

O gênero literário ocorrido é o que se chama a descrição; esta denominação se concretiza,


pois, como expressão do juízo sintético, principalmente daquele de primeiro intuito, que
apresenta o fato concreto, como é anunciado pela mente.

Mas também se pode, por extensão, falar, por exemplo, de descrição de conhecimentos
abstratos, afirmando o que eles são.

A observação precisa é a primeira condição de uma boa descrição. Sem observação


precisa poderão escapar detalhes significativos. Ser completa, - eis o ideal da descrição.

Repete a descrição todos os elementos representados pela divisão e classificação,


composição e definição, mas agora como assertivas.

Por si só, a divisão e classificação, composição e definição constituem apenas


conceituação. Pela afirmação do juízo passam ao gênero da descrição.

A ordem de elementos descritos é importante. Ela poderá ser lógica, por exemplo na
sequência da essência, propriedade, acedente; ou na sequência cronológica, em que o
acidental e a propriedade aparecem antes do essencial; ou na sequência do mais evidente
antes do menos evidente, ou ainda na ordem do estático e dinâmico, passado, presente e
futuro.
Literalmente, a ordem na descrição importa para a clareza e eficácia da comunicação.
Mas se a descrição tem outras intenções, por exemplo, o estético ou catártico, ou a
diversão, estes outros objetivos marcarão a ordem da descrição.

A ordem também importa para destacar a coesão entre os elementos que compõem o todo.
No caso, por exemplo, de uma tela (desenho ou pintura) deverá haver um centro principal
de atenção, ao qual obedecem os demais elementos.

Na descrição literária ocorrerá um eixo ordenador, exercido pela sequência determinada


por um ponto de vista previamente eleito (lógico, cronológico, ou outro qualquer, como
os indicados a cima).

90. A narrativa, - de que as variantes muito conhecidas são o conto, a novela, o romance,
- é uma importante modalidade da descrição; ela se diz da descrição do objeto em
movimento. Portanto dos dados em transformação.

A narrativa é sobretudo peculiar à ficção e à história. Existe, todavia, em toda a parte.

A inspiração temática, no caso da ficção se estende praticamente a todo o conteúdo do


objeto. Como o conteúdo é meramente ficcional, geralmente o que busca o ficcionista é
a sequencialidade causal, cuja formalidade pode exemplificar o que acontece na vida real.

No caso da história e da ciência em geral, a inspiração se limita à descoberta do objeto,


com vistas a ser apresentado como informação interessante.

Não nos ocupamos da ficção em si mesma, senão como exemplos temáticos.


III - A inspiração nos gêneros de argumentação. O discurso. 2022y091.

92. Os juízos ordenados sucessivamente permitem chegar a conclusões. É preciso, então,


saber como se processa este argumentar, a fim de expressá-lo adequadamente em todas as
suas partes.

Importa distinguir o antecedente e o consequente.

Deve o antecedente surgir como gerador do consequente.

Respectivamente, o consequente deve limitar-se ao que foi gerado, e não ser maior e nem
mais seguro.
Assim é que bons escritores e bons oradores provam o que afirmam, e o fazem com
clareza.

Os autores das demais artes também buscam assim argumentar, o que entretanto para eles
é mais difícil, sendo-lhes necessária grande capacidade de inspiração temática, além da
artística.

O discurso, como o apresenta o orador, é um argumento. Muitos elementos secundários o


integram; mas é preciso perceber que ele contém um eixo central argumentativo, para o
qual está atenta a inspiração temática.

Elementos secundários dão apoiamento ao objetivo central do discurso. Este apoiamento


começa com a introdução, na qual são anunciadas o tema e a intenção de prová-lo.

Também são de ordem secundária inserções que visam agradar ao ouvinte (ou leitor),
predispondo-o a acreditar na argumentação.

Os elementos essenciais do discurso estão no antecedente e no consequente. Sem


antecedente e sem consequente faltariam os elementos essenciais ao discurso.

Pelo visto, o discurso não é uma narrativa, nem só uma conceituação, ainda que possa
conter a ambos como elementos secundários.

O antecedente do argumento consiste em juízos que contêm virtualmente o consequente;


é preciso saber mostrar estes juízos sob esta perspectiva de continentes virtuais do
consequente. E assim é também preciso mostrar expressamente como o consequente
resultou do antecedente, como efeito formal por causação formal (vd).

93. Do ponto de vista metodológico, o raciocínio é indutivo (analítico)


e dedutivo (sintético).

O raciocínio indutivo começa por colher fatos particulares. Por meio de análise separa os
elementos particulares de cada fato e tenta descobrir os aspectos gerais. Estes aspectos
gerais são finalmente afirmados expressamente, por generalização conclusiva, a propósito
de todos os fatos particulares. Enquanto não se der nada em contrário, mantém-se esta
indução como definitiva.

Como se viu, o método da indução foi o da análise. Esta análise pode apelar a mais
métodos auxiliares. O mais comum destes métodos é o apelo da indução à hipótese (vd
90). Com ela a indução adianta o aspecto geral a ser obtido na conclusão, por imaginação;
a seguir procura confirmar o que foi adiantado. Se a confirmação for conseguida, a
hipótese passa a se estabelecer como conclusão.

Na criação da hipótese mais acertada, e que finalmente se confirmará, é bastante visível o


processo da inspiração. A partir de alguns poucos fatos se arrisca a hipótese, o que é nada
fácil.

O raciocínio dedutivo opera por meio de juízos, na base do princípio, de que duas coisas
iguais a uma terceira, são iguais entre si. Os juízos assim comparados se denominam
premissas. Para que o procedimento seja válido, ao menos uma premissa deve ser geral.
Assim sendo, acontece que, sob a premissa geral estão sintetizados fatos menos gerais,
para as quais fluem, por síntese, as consequências.

Por exemplo:
- se todos os doentes com os sintomas de uma determinada moléstia se curam com determinado
remédio (premissa geral),

- se este indivíduo doente, de nome Pedro, oferece os mesmos sintomas da moléstia assim
determinada (premissa menos geral),

- decorre que ele será curado pelo referido remédio, que então se lhe receitará (conclusão).

Dito entinematicamente, deixando oculta uma das premissas:

- se todos se curaram com determinado remédio (antecedente),


- também este se curará (conclusão).

Ordinariamente, sobretudo nas ciências experimentais, o raciocínio indutivo é anterior ao


dedutivo. Pelo indutivo se costuma descobrir juízos gerais, que passarão a servir de
premissas gerais nos juízos dedutivos.

Assim costuma acontecer nas ações práticas. Por exemplo, o médico primeiramente
aprende a medicina, que se constitui de induções, e depois usa estas induções como
premissas no momento de dar a receita.

Na filosofia (racionalista) os princípios gerais também se descobrem por simples análise


do juízo, por exemplo, o que é, necessariamente o que é, não pode ser o que não é
(princípio de não contradição); ou todo o efeito tem causa (princípio de causalidade).

Nas ciências filosóficas o raciocínio dedutivo pode independer do indutivo.


O escritor deverá subordinar-se a um severo estudo da lógica do raciocínio, a fim de
argumentar com segurança ao escrever. Em sua inspiração temática não deve limitar-se
apenas a bem julgar; também deverá bem argumentar.

A técnica da expressão artística é melhor aprendida por indução, do que por dedução,
porquanto se exerce a partir de observações. Mas, a seguir a dedução importa para fazer
importantes aplicações. É um caso idêntico ao do médico, que primeiramente aprende seu
saber por indução, mas, depois, receita por dedução.

CAP. 2-o.
INSPIRAÇÃO ARTÍSTICA OPERACIONALMENTE. 2022y095.

96. Introdução. A inspiração artística se configura como algo impressionante,


despertando admiração, particularmente nos grandes artistas. Merece, em consequência,
uma indagação.

De outra parte, porém, não é a inspiração artística mais do que o exercício do pensamento
em uma de suas tantas áreas de operação; nestas condições cada um de nós exerce a
inspiração artística, embora cada um a seu modo e limites.

Todo o iniciar, na ordem do conhecimento, é uma inspiração. Por natureza, a inspiração é


teorética; isto quer dizer, que a essência da inspiração é surgir como conhecimento.

Mas, prosseguindo no seu exercício de conhecer, a inspiração artística é um conhecer


para uso prático, determinando como se há de fazer uma expressão no mundo exterior,
para que possa expressar algo.

Este é o sentido da expressão latina recta ratio factibilium, - um juízo prático para o
fazer.

Não é a inspiração artística de natureza opaca e ininteligível. A mente vê como deverá ser
a expressão artística, e o afirma em termos claros de juízo. Se é que há mistérios na
inspiração artística, eles são os mesmos mistérios de todos os demais conhecimentos.

Com vistas a esta inspiração artística pode-se examiná-la, em sequência didática,


destacando os seguintes aspectos:

- da inspiração artística em geral (vd 2022y097);


- aperfeiçoamento da inspiração artística (vd2022y116);
- formação da espontaneidade da inspiração artística (vd 2022y125);
- execução da inspiração artística (vd 2022y131).
§ 1-o. Da inspiração artística em geral.2022y097

98. O fazer é guiado por uma imagem da mente.

Mesmo quem caminha enquanto sonha, procede de acordo com as imagens do seu sonho.

A imagem da mente acontece nas ações do agir e no fazer, que a referida imagem
acompanha e ilumina. Sendo a arte um fazer da expressão artística, esta expressão na
obra é acompanhada e iluminada precisamente por aquilo que se denomina inspiração
artística.

O exame deste fato nos ocupará agora, com vistas a determinar os detalhes em que
acontece e se desenvolve.

99. A inspiração artística como um juízo. Desde logo observamos que a imagem guia
da expressão artística se apresenta como tendo sido uma eleição entre diversas idéias
possíveis, escolhendo a artística que lhe parece mais adequada; continua depois a retocá-
la, e o crítico se ocupa em dizer o quanto o artista foi capaz de escolher o melhor.

Como de pronto se verifica a inspiração artística se situa no plano do juízo, a segunda


operação mental, pois é pelo juízo que as idéias são afirmadas ou negadas. Não seria,
pois, a idéia de uma inspiração apenas um surgir por acaso, porém uma operação do juízo.
Haveria, um momento em que a mente descobre qual a expressão a eleger para ser
realizada.

O que nos ocupa sobre a inspiração artística em si mesma não é o que lá fora faz a arte
ser expressão e nem qual é o tema que expressa. Pergunta-se pela inspiração artística no
sentido de eleição da imagem mais adequada para guiar a ação criadora; procura-se saber
como acontece o juízo prático que surge na mente para guiar a obra a criar.

Quando constatamos que alguém foi feliz no seu modo de expressar, - porque usou as
palavras certas, que descobriu exatamente como dizer, ou ainda como pintar, como
esculpir, como fazer a música, - tudo isto aconteceu como inspiração. Um momento
houve, quando aquilo lhe veio à cabeça. Foi a inspiração. Dito mais adequadamente, foi a
inspiração artística.

Podemos pensar menos bem, mas também muito bem durante uma inspiração. De acordo
com o menos bem e o muito bem, a nossa inspiração admite graus, podendo ser menos ou
mais perfeita. A inspiração poderá ser aperfeiçoada no sentido de ser educável. A partir
dali se organiza a escola da arte.
Também o intérprete da arte tem um momento em que ele percebe o que foi expressão.
Se pudéssemos por a linguagem em marcha lenta ouviríamos primeiramente os sons
articulados simplesmente como entidades físicas; depois num novo perceber,
entenderíamos o que eles exprimem.

Há casos em que efetivamente primeiro ouvimos a palavra, e depois perguntamos pelo


seu sentido. Seja o criador da expressão, seja aquele que a interpreta, ambos têm o seu
momento de inspiração. Perguntamos agora que operação acontece ao nos inspirar?

100. A inspiração como perspiciência. Com mais precisão, a nossa hipótese sobre a
natureza da inspiração artística é a de que ela consiste num momento do juízo
chamado perspiciência.

Dentro do juízo há diversos momentos, os quais também ocorrem em qualquer inspiração


artística. Estes momentos são principalmente o da comparação dos termos e o
da perspiciência que descobre a conexão entre eles. A perspiciência descobre aquilo que,
em um objeto sensível tem capacidade para expressar o que há a expressar.

Nas diferentes artes a expressão vem montada em um objeto portador - na pintura o


portador é a cor, na escultura é a forma espacial, na música é o fluxo psico-dinâmico dos
sons, na linguagem é a convenção em sons articulados. Para que tais objetos logrem
expressar deverão assumir certas características. Que características seriam estas? A
operação, pela qual isto é descoberto, é a inspiração artística, resultante de uma
comparação de possibilidades, entre as quais a perspiciência elege a melhor.

Com esta interpretação da inspiração artística encaminhamos sua definição para um plano
racional. Não a reduzimos a um mistério inexplicável. Nem entendemos que o gênio
artístico seja uma faculdade a parte. A inspiração artística é, como qualquer juízo sobre
outro assunto, apenas um juízo, e neste centraliza sua perspiciência.

O conhecimento intelectual inicial, - como temos insistido, - se apresenta invariavelmente


como um juízo, no qual surge o verbo ser. Por exemplo, a árvore é verde. Ainda que se
possa dividir o juízo em conceitos, não surgem estes conceitos isoladamente. Só ha
originariamente juízos que se conectam em termos de verbo ser. Os conceitos são partes
do juízo. Por sua vez, o juízo se pode ordenar em raciocínios, dentro do qual eles
permanecem incólumes. Sempre é o juízo que, portanto, determina o caráter do
pensamento humano. Consequentemente, a inspiração, - seja a inspiração temática, seja a
inspiração propriamente artística, - é um surgir de juízos.

De outra parte, o juízo nasce por etapas, em que a perspiciência é o instante mais
significativo da criatividade. E então a inspiração surge como instante da perspiciência,
criador do juízo que determina qual a expressão a ser criada no exterior para exprimir o
tema em questão.

A inspiração artística é o processo ativo da inteligência, que num dado momento da


comparação do tema e da obra adequada, percebe a adequação desta para expressar
aquela; depois disto, a obra é executada simplesmente. Na pintura e escultura a execução
é lenta; na música e linguagem, é mais espontânea, embora no começo exija muito
exercício.

101. É possível apresentar mais detalhes sobre a inspiração artística interpretada como
um momento de perspiciência do juízo.

Neste sentido lembremo-nos sempre que o juízo é a afirmação que une um predicado a
um sujeito, decidindo da conveniência, ou não, de um conceito visto em sua função; que
é peculiar ao juízo compor; que ele compõe, ao unir o conceito ao sujeito. Também se
pode dizer, que o juízo divide, ao negar o conceito ao sujeito; em última instância, está
ainda compondo, porque compõe o sujeito como uma negação. Ao se afirmar que Pedro
não é branco, melhor se diria que Pedro é um não branco.

Lembremo-nos mais que o conceito não passa de ser uma determinação qualquer do
sujeito. Suponha-se que Pedro é alto; o ser alto é então uma determinação de Pedro; esta
determinação é colhida por um conceito; num novo instante, esta determinação
conceptualizada se predica de Pedro, criando-se então o juízo que compõe o conceito de
altura, com o sujeito Pedro.

Aplique-se, agora, tudo à criação artística, em que a inspiração se interpreta como um


juízo.

A semelhança entre a obra de arte e o tema é percebida pelo mesmo sistema, no qual a
mente funciona percebendo um conceito e o aplicando a um sujeito.

A palavra é conhecida como um sujeito; num segundo tempo é julgada como sendo a
palavra exata para indicar o tema.

Na pintura, a cor é conhecida com anterioridade; num segundo tempo é julgada como
sendo apta a designar o tema em questão.

O mesmo acontece, na escultura, em que as formas previamente conhecidas, como


conceitos, são julgadas apropriadas para expressar os objetivos em vista.
A poesia, depois de utilizar as modalidades fundamentais da expressão, se distancia para
seu novo envolvimento com a associatividade das imagens. Nela a conceituação incide
sobre o objeto estimulador de imagens. Também aqui opera a inteligência, com sua
perspiciência. Uma vez sabido quais são os estímulos para determinadas imagens, o juízo
escolhe o estímulo para a imagem posta como tema. Ainda que a relação entre o estímulo
e o tema estimulado seja de natureza alógica, por uma associação subconsciente, o fato
em si mesmo é conhecido como um conceito; nesta condição, a inspiração artística
escolhe dito objeto estímulo, para o respectivo tema capaz de sugerir.

O juízo se exerce em vários tempos.

Primeiramente opera a ponderação pela qual separam os simples conceitos de sorte a


atender em separado ao sujeito e ao predicado, antes de compô-los definitivamente.

Num segundo tempo, faz a comparação, buscando ver em que se podem compor e em
que não os elementos comparados.

Num terceiro tempo, o intelecto descobre o nexo, exatamente aquilo em que os elementos
se compõem e não se compõe, descoberta que se denomina a perspiciência. Finalmente o
juízo faz a afirmação do nexo encontrado. Se ainda se trata de agir, é neste instante da
afirmação, que a ação se faz acompanhar.

Que acontece na arte? Primeiramente pela ponderação separam os elementos, - de um


lado o tema a expressar e de outro a obra sensível em que se deve expressar como arte.

A seguir se faz a comparação, a fim de se determinar qual a obra sensível que poderá
melhor expressar o tema.

Depois, descobre-se qual a obra capaz de manter o nexo com o tema, - eis quando ocorre,
nesta perspiciência, a inspiração...

Por último, afirma-se a dita composição e se realiza na ordem prática, pela criação da
obra, que passa a expressar o tema.

Ali temos a análise do processo criador da expressão artística. Mui variadas poderão ser
as obras de arte, em virtude da multiplicidade dos temas. Todavia, todas se criam dentro
deste processo.

104. Na condição de pensamento, a inspiração artística é algo interno à mente.


A expressão artística realiza-se no exterior, onde ela é a língua, a pintura, a escultura, a
música.

Mas o que se encontra na mente serve de modelo para o que será realizado fora dela.
Portanto, a inspiração artística cria um modelo mental (ou idéia exemplar) para guiar a
realização exterior da expressão - língua, música, pintura, escultura.

Antes que a obra se crie, deverá ser prevista por uma idéia diretriz, a qual surge como
simples inspiração. Aliás todos os demais fazeres do homem, ao serem exercidos
conscientemente, vão precedidos de uma idéia modelo. Ainda que ela se apresente por
vezes como um fazer muito espontâneo, como acontece principalmente na linguagem do
dia a dia e no canto do repentista, sempre se dá mediante algo que passa pela mente.

A inspiração artística nasce como um juízo, pois este indica como a idéia exemplar será.
Entretanto, o que se realiza no exterior imita apenas o predicado deste juízo, portanto a
idéia.

O objetivo da inteligência como faculdade artística é criar o modelo exemplar - a idéia


guia - segundo a qual deverá ser realizada a expressão no exterior - língua, música,
pintura, escultura, etc.

105. A mente, para criar a idéia exemplar que servirá de guia para a obra, precisa
conhecer previamente as condições objetivas que constituem a expressão. Esta se cria
principalmente por meio da imitação, pois o semelhante informa sobre o assemelhado.

Também saberá a mente que a associação das imagens complementa a expressão;


indicando um objeto-estímulo (no primeiro tempo), este evoca um outro objeto (segundo
tempo da expressão).

Igualmente ainda conhecerá a mente que a convenção alarga o espaço dos recursos de
expressão artística; por convenção uma articulação da voz humana equivale a um
significado, e assim outras e outras articulações significam novos significados, até se
formar uma linguagem completa.

Já cuidamos de esclarecer como tais condições objetivas definem a arte (cap. 1-o) (vd
2022y12). Levamo-las agora em conta, para dizer que a inspiração artística é o instante
em que a perspiciência mental percebe os modelos para cada tema a expressar.

Sabendo que o expressar se procede por criação de semelhanças, associações, convenções,


a mente determina, pela inspiração aquela semelhança, associação, convenção necessária
para um tema escolhido. Portanto, encontrar os modelos adequados para cada tema a
expressar em obra exterior, eis em que consiste a inspiração artística.
106. A obra exterior não tem como reduplicar diretamente a imagem intelectual - ou idéia
- excessivamente espiritual.

O sentido interno da imaginação cria a imagem sensível correspondente. Só depois deste


trânsito, a idéia da mente do artista, vem finalmente se traduzir em obra exterior. Não só
ideamos a obra; também a imaginamos quase como se a víssemos ou ouvíssemos,
segundo esta imagem ela é criada na obra exterior.

Por isso, depois da inteligência é a imaginação a faculdade artística mais importante.


Hegel a colocava mesmo em absoluto, como a mais importante (Cf. Hegel, Estética II C,
item a; p. 233).

Embora o comando na arte pertença ao intelecto, a imaginação condiciona de tal modo a


construção de seu esquema, que chega a ser condição decisiva no sucesso da criação
artística. Os críticos literários não precisam da imaginação; se não a têm não ultrapassam
a função de críticos, isto é, de operadores da inteligência.

Mas o artista criador se louva sobretudo da imaginação.

Operando com o ser do sensível, a inteligência se deixa condicionar intrinsecamente pela


imaginação.

O talento e o gênio artístico não dependem só da perspiciência seletiva da grande


inteligência, mas também de poderosa imaginação. Paralelas, a imagem ideal e a imagem
sensível, se comportam ambas como modelos exemplares da expressão artística exterior.

Excitantes alcoólicos influenciam a inspiração artística. Este interferir se exerce mais


sobre a imaginação, que sobre a inteligência.

É por intermédio dos sentidos interiores da imaginação e da memória que exercem


influência sobre o artista o meio, o ambiente, as circunstâncias. Mas sobre estes aspectos
psicológicos cuidaremos oportunamente (cap. 4-o). Agora o ponto de vista é o
gnosiológico da criação da idéia exemplar que modela a expressão exterior.

Como por sua vez a imaginação é condicionada pelos sentidos externos, é claro que o
poder destes condiciona poderosamente a inspiração artística.

Na comparação que o juízo faz, os termos comparados, para determinar o modelo


exemplar de uma obra artística, são geralmente os intuitivos. Se, pois, compara idéias
abstratas, põem-nas também em função aos termos sensíveis, é que a obra teorética da
arte terá de ser concreta e exterior.

Mas não basta a sensação, para que a obra de arte se faça. A função principal compete
à perspiciência mental, que elege, entre os elementos comparados, aqueles que se
conectam entre si, e os encaminha à afirmação definitiva da inspiração artística. Resulta,
portanto, como verdadeira a jocosa constatação de que "o sangue quente não faz o artista",
e sim sua capacidade crítica de julgar qual a expressão mais certa para cada tema a
expressar.

Dada a mencionada participação dos sentidos externos na criação da idéia exemplar guia
da expressão artística exterior, também a psicologia destas faculdades deverá ser
examinada, para determinar com precisão a influência exercida e para assegurar
racionalmente sua utilização.

O mesmo se dirá do aproveitamento racional da memória.

Todavia o comportamento psicológico de qualquer faculdade artística é assunto para ser


tratado sen se confundir com o conteúdo gnosiológico da inspiração artística.
Oportunamente, pois, a propósito da personalidade do escritor (cf. cap. 4-o), voltaremos à
questão.

107. A inspiração artística como juízo especulativo-prático. Importa destacar


o exemplarismo do juízo da inspiração artística. Este juízo não é apenas teórico; o juízo
teórico, típico das chamadas ciências teóricas, diz apenas o que a coisa é.

O juízo da inspiração artística é um juízo especulativo-prático; isto quer dizer um juízo


orientado para a realização prática. Contém um elemento especulativo, porque ele não é o
fazer em si mesmo, mas é uma enunciação em termos de verbo ser; diz o que é que se
deve fazer, sendo portanto especulativo-prático.

No mesmo momento que a vontade age, ela o faz conscientemente. Este agir consciente é
mais um juízo, chamado prático-prático. Pode ser formulado - eu faço. Ou mais
concretamente - eu falo, eu escrevo, eu pinto, eu canto, etc. Distingue-se do juízo
especulativo prático (ou exemplar), que o precede, e é a inspiração artística declarando o
que há a fazer.

Tudo começa, pois, pelo exercício de uma função da inteligência e que tem o aspecto
de modelo exemplar, enunciado como afirmação judicativa, isto é, como juízo
especulativo-prático.
A esta função de inteligência deve cultivar o homem antes de qualquer exercício da
vontade e das habilidades artísticas das mãos, da boca emissora de sons, de técnicas
eletrônicas, dos reflexos condicionados auxiliares.

Ser artista não consiste em primeiro lugar na posse de habilidades. Estas são
subordinativas e são condições para bem executar o que é ditado pelo juízo especulativo-
prático, ou seja pela inspiração artística. A formação do artista é mais do que isto; ela
consiste no preparo do intelecto a fim de capacitá-lo para a formulação do juízo
especulativo-prático, que propõe os modelos exemplares para dirigir o fazer da obra.

Quanto à formação dos sentidos do artista, ela se faz diretamente necessária enquanto os
sentidos fornecem o ser ao intelecto de acordo com Aristóteles, que faz o inteligível uma
abstração ao sensível. Mas ainda se apresenta acidentalmente necessária esta formação,
enquanto os sentidos vêem, embora acidentalmente, o objeto, e condicionam por muitos
modos a ação dos indivíduos, suas apetições, afetividades e hábitos.

Atuasse a inteligência com total autonomia sobre os sentidos, como pretendiam os


platônicos e cartesianos, a formulação dos juízos se tornaria possível sem o recuo aos
dados empíricos. Nesta hipótese, a formação dos mesmos não condicionaria do mesmo
modo a inspiração artística.

Mantida a origem sensível do conhecimento, como pretendem o aristotelismo, o tomismo,


o kantismo, este ao seu modo idealista, a formação do hábito artístico requer duplo
preparo por parte do artista, intelectual e sensitivo, a fim de produzir espontaneamente e
excelentemente. O preparo de inteligência é exigido porque é meio para conceber
adequadamente a obra mesma da arte, preparo dos sentidos, porque a inteligência não
opera senão com o ser sensível.

109. Conaturalidade artística. Há uma proporção entre a inspiração do agente e a obra


de arte resultante. Esta proporção é por vezes chamada de conaturalidade. O termo já
ocorre entre os escolásticos com este sentido.

Em virtude da conaturalidade artística, a alma do artista como que se desloca para dentro
de sua obra, o que se dá em virtude do juízo especulativo-prático que necessariamente
precede e ilumina a criação. Diante disto, conhecer o artista, também contribui para a
compreensão de sua arte.

Vista em conjunto, a arte de um povo, representa a alma deste mesmo povo, com suas
características de temperamento, preferências e intenções, elevação de espírito. Por isso a
arte de uma época é indicadora de seu estado de alma.

Efetivamente, o mesmo povo, em épocas distintas se manifesta diversificadamente.


Maiores ainda se constituem as diferenças entre povos de etnia distanciada, como as que
ocorrem entre gregos e romanos, árabes e bizantinos, latinos e nórdicos, ocidentais e
asiáticos, europeus e americanos.

A conaturalidade entre artista e obra converte, portanto, a arte em documento histórico,


principalmente a intimidade sentimental.

Entretanto a conaturalidade artística tem suas limitações, às quais se faz necessário


atender. Importa não incorrer em exageros na avaliação dos povos e indivíduos em
função a sua arte. Além disto, o fenômeno da globalização está destruindo as cercas que
mantinham no passado as etnias em quintais étnicos muito diferenciados. Na medida que
as grandes línguas se tornam cada vez mais gerais, os povos passam a usar, pelo menos
neste campo, a mesma arte.

A conaturalidade não se diz por igual em todas as circunstâncias. De modo estrito


somente vale no que se refere ao juízo especulativo-prático, de que a obra deriva
diretamente.

Das demais circunstâncias o juízo especulativo-prático não depende senão


acidentalmente. A inspiração artística, enquanto inspiração prática, decide
substancialmente sobre a natureza da obra, não importando que o artista esteja de bom ou
mau humor. "Desde que o geômetra demonstre a verdade, pouco importa como se
comporta quanto a parte apetitiva, se está alegre ou irado; e o mesmo se dá com o
artífice" (Tomás de Aquino, Suma Teológica, I - II q.57, a.3,c.).

Numa demonstração puramente especulativa, como é da matemática, somente


influenciam substancialmente os princípios que entram na cadeia das premissas; os
demais não influem senão acidentalmente. O matemático embriagado poderá
acidentalmente não poder exercer espontaneamente sua demonstração, mas a
demonstração no seu processamento interno independe desta situação.

Embora acidentalmente, as causas estranhas ao juízo especulativo prático da ação


criadora podem influenciar notavelmente, através do mau condicionamento das
faculdades e mesmo pela destruição de suas atividades. Só nestes termos, portanto, com
restrições, que têm de ser devidamente avaliadas, pode a arte influenciar-se pela situação
moral do indivíduo e revelar o nível de uma nação.

110. A relatividade da inspiração artística é um fato. Reduzida a inspiração artística a


uma função da inteligência, a qual varia de indivíduo para indivíduo, tem-se de admitir
sob este ponto de vista uma oscilação insuperável na qualidade das inspirações artísticas.
Por isso, por força da própria natureza do indivíduo, nem tudo para todos é igualmente
aceitável e nem igualmente belo. Os gostos variam em virtude de uma maior ou menor
aplicação da inteligência.
Por conseguinte, apesar da identidade objetiva das coisas, a apreensão destas poderá ser
alterada, quer por um defeito ingênito de grau de inteligência, quer por uma deficiência
na intensidade da aplicação em sua apreensão. Esta diferença é subjetiva, porque relativa
ao sujeito, ou seja ao artista. O lado obscuro da arte existe, pois, mas apenas em função à
relatividade da apreensão e não da parte do ser em si mesmo.

Confirma-se a relatividade da inspiração artística também pela constatação dos graus de


inteligência. Muitas são as funções da mesma inteligência, mas nem todas se encontram
desenvolvidas, porquanto os indivíduos somente formam as que utilizam.

Em uns estão desenvolvidas a conceituação, em outros o juízo e finalmente em outros o


raciocínio. Além disto, em cada uma destas operações fundamentais ocorrem
diferenciações, principalmente com referência aos objetos pensados, por exemplo, em
uns se desenvolve o pensamento filosófico, em outros o científico, experimental, em
outros o técnico e artístico.

Com referência ao artístico, mais uma vez os desenvolvimentos divergem, porque uns
desenvolvem as operações mentais em direção à linguagem, outros em direção à música,
outros em direção às artes plásticas.

Novas e novas diferenciações de desenvolvimento da inteligência se podem arrolar, em


que finalmente nos vamos advertir que elas influenciam a inspiração artística, de maneira
a provocar sua relatividade.

Nem toda a grande inteligência a é em todo o sentido. Inteligências essencialmente iguais


não realizam as mesmas tarefas, ainda que sejam igualmente versáteis cada uma em suas
respectivas especializações. Todavia, há aquelas funções em que deve ser atingido um
denominador comum, além do qual se processa a diferenciação, com a conseqüência, no
campo da inspiração artística, da ocorrência da relatividade da mesma.

Se examinarmos a história do pensamento, verificamos situações assim: Platão - filósofo


e artista; Aristóteles - filósofo e também cientista, esteta analista da retórica; Plotino e
Santo Agostinho - filósofos e estetas; Descartes - filósofo e matemático; Kant e Fichte -
filósofos menos preocupados com a arte, ainda que com o juízo do belo; Hegel - filósofo
e esteta; Bergson, Croce, Sartre - filósofos e literatos.

111. A oscilação do gosto artístico é também condicionada por situações culturais. Uma
atenção menor ou maior do artista às características de um tema resultam em
diferenciações na maneira de o expressar.

O intelectual não olha os objetos com a mesma perspectiva do inculto.


Ideologias vigentes acentuam estas diferenças, sendo o intelectual muito mais crítico e
liberal em seu pontos de vista.

O artista bem formado não julga sobre os modelos exemplares e nem executa sua obra
exterior à maneira do homem comum.

Este artista retém o tempo conveniente para o primeiro esboço de um juízo especulativo
prático; atende às partes segundo sua ordem e sua proporção sempre melhor; completa o
que está íntegro, ajusta o que não está harmônico.

À medida que o artista se aplica, o esplendor da obra vai surgindo. Tenta um primeiro
ensaio em material provisório; são os "estudos". E enfim, após muita aplicação, alcança
um resultado que torna definitivo.

A prova da influência que a atenção e a educação exercem sobre o esteta e o artista, está
em que ele evolui através dos anos. Com o passar dos anos, chega mesmos à convicção
de que o estudo exerce uma influência notável: por isso é que os artistas usam demorar-se
mais tempo em suas obras e alcançam mais sucesso.

Como se vê, o esforço, embora não altere a capacidade ingênita do indivíduo, forma-a de
tal modo que interfere na qualidade dos gostos e resulta na relatividade da inspiração. O
artístico, embora objetivamente um só, em relação ao indivíduo se torna relativo,
consagrando o dito dos clássicos - de gustibus nos est disputandum.

112. Influência do contexto histórico. Levando a oscilação do gosto artístico a detalhes,


podemos alegar a influência do ambiente histórico sobre a formulação dos juízos do
artista e do crítico de arte.

Numa época como a helênica, quando o cultivo do corpo se fazia sistematicamente, ainda
que em equilíbrio com o da mente, e em que a robustez física era o ideal de segurança
nacional e o caminho para os sucessos olímpicos, era natural que a estatuária se
desenvolvesse segundo os conceitos da harmonia arquitetônica dos corpos nus.

Épocas conturbadas e cruéis terão outras sugestões para os seus artistas e que os críticos
de arte exigirão deles. À arte corresponde expressar o terror e a tragédia, com o
consequente desvanecimento do ideal da doce harmonia.

Um mundo pagão (isto é naturalista) certamente inspira diversamente que um mundo


cristão e islamita (isto é sobrenaturalista), e todos estes mundos de maneira diferente
quando sob inspiração moralista, como romano e medieval, e quando sob orientação
liberalizante, como o moderno.
Tais situações, embora extrínsecas ao ato criativo da inteligência do artista, influenciam
contudo notavelmente, e fazem oscilara o gosto artístico.

Exatamente porque são extrínsecas e nada têm a ver com a arte e a inspiração em si
mesmas, estas influências não são diretamente tratadas pela filosofia da arte, mas apenas
como possíveis condicionantes, sem serem essenciais. Como fato, o condicionamento
pertence à ciência positiva, especialmente história e psicologia.

113. O perspectivismo, em virtude do qual os objetos são vistos em perspectivas


abstratas e a partir do sujeito, conduz naturalmente à diversidade da expressão artística, já
desde a inspiração que dá origem ao juízo especulativo-prático de criação do modelo
exemplar.

A mente aprecia aspectos diferentes e com efeitos estéticos distintos segundo os


indivíduos.

Os que divergem em opinião podem todos ter alguma razão, porquanto diante da mesma
coisa a viram igual.

Tem, pois, uma certa razão o sofista grego, de nome Protágoras, ao asseverar que "o
homem é a medida de todas as coisas". Não resultaria, pois, a diversidade dos gestos
artísticos, de um diversidade do gosto em si mesmo, porém de objetos abstratos distintos,
formado diante do mesmo objeto concreto.

A diversidade na apreciação do objeto se origina de muitos modos. Uma desatenção faz a


mesma pessoa mudar de opinião e consequente apreço. O estudo aponta para novos
aspectos subtis.

O ignorante é incapaz de atender a um grande número de elementos e se reduz


ordinariamente às sensações mais evidentes, como a cor em geral e não às suas
cambiantes e sugestões.

Também um objetivo firmado pode concentrar numa só direção o espectador, de sorte a


desatender a aspectos válidos em outra circunstância.

O hieratismo da estatuária egípcia talvez fosse acertado até um certo momento de sua
história, porque a preocupação se concentrava antes na majestade da dimensão. Na
Grécia a estatuária egípcia imediatamente se transformou em expressão de vida e graça,
atenta por conseguinte a outros ideais.
É que a arte, enquanto expressão sensível, que põe em obra um pensamento, não se
preocupa diretamente com o belo, mas com a função que tem de manifestar uma idéia.

Através da história se puderam fixar certos tipos fundamentais de estilo, marcando que,
apesar das divergências, ocorrem denominadores comuns na apreciação.

A filosofia poderá, por obra do esforço especulativo, determinar estilos e graus de beleza
ainda não realizados. Pela filosofia todos os graus são determináveis, com a numeração
indefinida.

114. A história apenas fixa aquelas formas artísticas que se realizaram como preferidas; é
também possível que o mais perfeito dos estilos não se tenha ainda podido manifestar.

Ocupa-se a história da arte em primeiro lugar das obras de arte como estas são. Apenas
em segundo plano ela se refere a ação criadora do artista na fase mental quando se
formulava o juízo especulativo-prático para guiar com este modelo exemplar a criação da
obra.

Efetivamente, a obra vale pelo que objetivamente tiver podido expressar. Todavia, ela se
fará compreender melhor, tanto em suas perfeições e defeitos, se a história revelar como
tiver sido concebida, em todo o seu contexto cultural e subjetivo. Importa principalmente
revelar detalhes da inspiração se ela trata de conotações associativas de vivência.

A história poderá ser feita da perspetiva filosófica, ou seja diretamente da expressão


como expressão, e também da perspectiva da ciência positiva, como data de sua criação e
mais circunstância empiricamente constatáveis. Estas distinções usualmente não são
feitas, mas existem e devem ser reconhecíveis, quando ambas as perspectivas são tratadas
no mesmo texto.

Hipólito Taine, francês do século 19, com um livro denominado Filosofia da Arte (1865-
1869), insistiu na relatividade da arte, alegando fatos positivos. Certamente fez mais
ciência positiva da arte, do que filosofia da arte.

§ 2-o. Aperfeiçoamento da inspiração artística.2022y116.

117. As exigências de uma obra de arte não se limitam aos resultados de uma criação
fortuita. O repentista é admirável pela sua espontaneidade, mas não pelo acabamento
final de seu trabalho.
Entretanto, a melhoria que se procura dar à inspiração artística não é propriamente um
novo ato criador, a continuidade do primeiro elan retomado. Não se trata de uma
atividade paralela que se lhe soma. A inspiração é uma criação mental, que se reestimula,
ao se tentar sua clarificação e ordenação autocrítica.

Não basta apoiar-nos na espontaneidade da expressão artística. A estrutura formal da obra


de arte é muito complexa e exige que a inspiração se clarifique, se ordene, se subordine à
autocrítica.

O artista, no exercício consciente de sua inspiração, como que a retoma todos os dias, até
concluir de todo a sua obra. Sendo a inspiração um juízo, é possível comparar este juízo
com outras alternativas de juízos para a mesma obra a executar.

Só há pensamento crítico, quando se examinam conscientemente todas as alternativas.


Também a inspiração, como juízo, assume o estado crítico, no momento em que o artista
examina conscientemente todas as alternativas sobre o que a eleger como afirmativa
última.

118. A inspiração artística elevada ao nível de pensamento crítico começa pela


conscientização a respeito da mesma definição da expressão artística.

Ela opera pela semelhança, que anuncia o assemelhado, e pela associação de imagens, em
que uma imagem estimula a outra, fazendo-a conhecer.

Assim sendo, o artista sai em busca primeiramente da semelhança para expressar o


assemelhado. Fácil lhe é comparar semelhanças figurativas naturais.

Como, porém, obter semelhanças figurativas para temas abstratos? No caso da linguagem
somente há semelhanças convencionais. Eis outro problema. O literato é um constante
coletador de palavras adequadas e manipulador das funções gramaticais. Entre muitas
alternativas deverá escolher, para atingir portanto a uma decisão crítica. Eis a inspiração
elevada ao nível de pensamento crítico.

A inspiração artística conscientemente ou criticamente conduzida põe-se também atenta à


associação das imagens. Esta associatividade pode servir à prosa, que então junta à
significação direta a significação evocativa. Mas é especialmente a poesia que se
processa pelo recurso à associatividade.

Na poesia a significação direta apresenta objetos, cuja função é apenas a de estimular o


aparecimento de imagens associadas. O poeta precisa conscientemente advertir-se do
processo evocativo que ele põe em andamento, para criticamente julgar a validade das
formas eleitas, comparando-as com outras alternativas. É o que ele efetivamente faz
quando reexamina seu texto e introduz reformulações.

Há grupos de elementos associativos poéticos que se invocam e se atraem como um todo.


Basta mencionar um ou outro dos elementos, para que todo o grupo desperte no
subconsciente. Este fato torna a evocação poética bastante variada e capaz de surpreender.
Dentro desta lei, a inspiração artística, livremente escolherá, como instrumento de
expressão, qualquer dos elementos do grupo; variadas maneiras vão exprimir sempre a
mesma mensagem. Apenas circunstâncias acidentais farão preferir esta, ou aquela
variedade.

Há aqueles assim chamados poetas que desconhecem a essência do processo associativo


por eles operado, e incidem em constantes erros, dando por poesia o que não passa de
prosa ligeiramente evocativa. Por não terem condições de apreciar criticamente sua
própria poesia, a prejudicam por vezes ao primeiro tentame de correção, pois não estão
capacitados para criticamente julgá-la.

Também é preciso aprender a ler poesia com consciência crítica no que se refere a sua
essência. Não de pode lê-la como se os objetos de estímulo fossem o sentido principal em
mira. O que a poesia quer é a evocação como objetivo principal da expressão. A
referência, por exemplo, a uma flor, não visa flor em si mesma, porém ao que ela, como
objeto estímulo, é capaz de sugerir.

119. A inspiração artística frente às propriedades da expressão. Após haver atendido


ao que é essencial à arte, a atitude crítica diante da inspiração artística busca também
aperfeiçoar as propriedades, que cabem à arte exercer.

Ora, deve a arte se exercer como comunicação, esteticidade, catarse, diversão. De acordo
com as funções a serem dadas à obra de arte, importa à ela, ora mais a esta propriedade,
ora mais àquela.

De acordo com o acento a ser dado, varia a expressão para o mesmo objeto. Em cada
caso ainda uma atitude crítica precisa atender as muitas alternativas e eleger sabiamente.

Por exemplo, a expressão eleita para ser comunicadora requer alta precisão, devendo
portanto atender às propriedades gnosiológicas, - evidência, verdade, certeza.

Mas se o que importa é se elege é a esteticidade, muito importa a proporção e o ritmo,


inclusive a beleza; a precisão já não importa em primeiro.

De novo mudam os valores, se o objetivo for a catarse e a diversão.


120. Em consequência do aperfeiçoamento da inspiração há duas espécies da mesma:

- a inspiração por perspiciência simples;


- a inspiração por perspiciência crítica.

Uma inspiração por perspiciência simples se satisfaz com a primeira percepção mental,
sem comparações com demais alternativas que objetivem a eliminação de modelos
inferiores.

Uma flor que impressionou; um panorama deslumbrou; uma situação psicológica


simpática, - valiosas em si, eis o suficiente para criar obras de arte e de beleza estética,
independentemente da consideração de que possa haver melhores situações, de acordo
com o princípio de que o bom não deixa de o ser pelo fato de existir um ótimo.

Temos ali a confirmação de que a simples imitação da natureza pode também constituir-
se em arte desde que a natureza em si mesma ofereça à humana perspiciência uma
inspiração. Certamente algo de valioso e impressionante ocorre na natureza, que satisfaz
a perspiciência e a alimenta.

A inspiração mais segura e consciente de sua perfeição é a por perspiciência crítica.

Procede a inspiração por perspiciência crítica expressamente por meio comparações,


eliminando as combinações inferiores, em favor das superiores. Ela é critica porque leva
em conta as alternativas.

"Sem reflexão, sem escolha, sem comparações, o artista é incapaz de dominar o conteúdo
que pretende tratar; é um erro pensar que o verdadeiro artista não sabe o que faz. Nunca
poderá ele dispensar concentração de alma" (Hegel, Estética, II C item I, a, pág. 235).

A comparação de resultados diversos, progride na direção de um resultado perfeito.

Há neste esforço uma constante eliminação do menos perfeito, de sorte a haver uma
espécie de inspiração crítica.

Cada vez o processo inicia do começo, separando os dois termos, comparando, fixando o
nexo mais perfeito, finalmente afirmando e fazendo.

Não há artista que consiga no primeiro tentame a obra perfeita.


O pintor faz os estudos, desenhando esboços preliminares.

O escultor faz pequenas maquetes.

Similar é o procedimento de um arquiteto.

O músico solfeja e toca frequentes vezes pedaços de sua composição.

O escritor escreve em páginas soltas, que ora dispõe de um modo, ora de outro; estuda e
escreve um trecho; depois retorna a estudar outro tópico; e assim de folha em folha vai
compondo o seu escrito. O improviso perfeito raramente sai de sua caneta, ou dos dedos
que digitam o teclado.

O orador e o conferencista costumam previamente compor suas idéias. Com frequência


as escrevem, valendo-se das folhas escritas, como se fossem muletas a lhes sustentarem o
fluxo do pensamento.

121. O modelo e a imitação. Há métodos de proceder e métodos técnicos para conferir e


determinar o que é mais perfeito em inspiração artística.

Cuide-se de não considerar os modelos consagrados como os únicos possíveis. Novos


poderão ser descobertos pela indução argumentativa e também anteriormente pela direta
perspiciência mental.

Aqueles que seguem apenas modelos já conhecidos, são os assim chamados discípulos,
ou seguidores de um escola artística, ou de um estilo. Os primeiros são os criadores de
nova arte e fundadores de escola.

Um dos expedientes aperfeiçoadores da inspiração, comumente aproveitado, é o


do modelo concreto. A simples escolha de um modelo, quer humano, quer paisagístico, já
implicou num juízo de seleção. A esta altura, copiá-lo simplesmente, resulta em obra de
alguma superioridade. A este trabalho se dedica frequentemente o fotógrafo ao selecionar
situações. O mesmo critério orienta os pintores ao escolherem momentos de epifania da
natureza e sucessos da história dos homens.

Também se presta para a função de modelo uma realização artística anterior. É por este
caminho que o discípulo, de pouco em pouco, supera ao mestre. Ocorre o mesmo
fenômeno quando o artista retoca suas próprias telas.
Aliás, a evolução histórica das artes tem por base dinâmica na possibilidade que os
grandes artistas posteriores exercem de poderem imitar superando. O orador busca falar
sempre melhor que seu modelo. O pintor sempre melhor que seu antecessor. A imitação,
em si mesma, não é, já por definição, uma diminuição. Só o artista incapaz de imitar,
deforma ao imitar: mas então, a deficiência não é da imitação, e sim de não saber imitar.

Contesta-se que a imitação é arte sem originalidade. Não resta dúvida, que a
originalidade é um valor, porquanto traz sempre coisas novas, - mas este é outro assunto...
Esta questão já foge ao conceito de arte. Não se confunde a arte com a originalidade.

As reproduções aos milhares que as modernas aparelhagens são capazes de realizar, não
mudam em nada o valor de cada novo exemplar idêntico ao anterior. Falamos com a
língua vernácula de sempre, e todos somos artistas da língua, ainda que sem originalidade.
O mesmo acontece com os cantores e músicos que apenas reinterpretam um plano inicial.

Variam os métodos de aperfeiçoamento artístico, em cada modalidade de arte. E assim


também podem variar de acordo com o gênero, como sejam a novela, o romance, o
poema, etc.

122. O aperfeiçoamento crítico da inspiração, ainda que se proceda ordinariamente por


perspiciência judicativa, também se faz argumentativamente. Uma argumentação se
processa de duas formas, a indutiva e a dedutiva.

A argumentação indutiva para o aperfeiçoamento crítico da inspiração, se dá quando


arrolamos muitas inspirações bem sucedidas e generalizamos a validade para qualquer
inspiração desse modelo.

A argumentação dedutiva procede a partir de um princípio geral. Este é o procedimento


da crítica da arte. A crítica supõe conhecidos os modelos perfeitos e julga novos modelos
a partir dos anteriores. Tais premissas universalmente aceitas, usam ser os textos de
autores já consagrados, aos quais se tomam como modelo definitivos.

A inspiração aperfeiçoada pelo processo raciocinativo oferece, pois, uma índole mui
diferente daquela que deriva por mera perspiciência judicativa. Mas, qualquer seja a
conclusão de um raciocínio, ele também se enuncia na forma de um juízo,
chamado conclusão.

Se tomarmos como princípio geral, que a sequência de um ritmo suave agrada, podemos
concluir dedutivamente que é válido criar tais movimentos de formas, cores, sons, se
partirmos de um esquema clássico dos acordes de sons coordenando-se em função à
tônica da escala, a seguir pela dominante e depois pela subdominante, podemos concluir
dedutivamente em favor de disposições as mais diversas dentre desta figura melódica,
resultando sempre em sons relativamente agradáveis.

Tais construções mentais convertidas em juízos especulativo-práticos para a execução,


obtidos dedutivamente, asseguram ao artista uma segurança própria à ciência.

O processo raciocinativo para criação de juízos especulativo-práticos, guias da execução


artística, opera geralmente por eliminação progressiva dos que se apresentam menos
capazes. De correção em correção se vão fixando os modelos mais eficazes de expressão.

123. A língua planejada com as melhores regras. O aperfeiçoamento da inspiração


artística da linguagem inclui o aperfeiçoamento substancial de seu próprio sistema
convencional.

Uma língua poderá nascer como resultado de um planejamento requintado, em vez de se


formar apenas ao azar das circunstâncias.

O objetivo da tecnologia não é apenas constatar fatos, mas também transformar a


realidade mediante técnicas sempre melhores.

A tecnologia cuida não só das máquinas eventualmente descobertas, como se devesse


apenas estudar-lhes o funcionamento e cuidar de sua conservação. Mas a tecnologia
também trata de novas descobertas, numa constante pesquisa, pela qual sempre se criam
novos e melhores sistemas.

E assim, a língua, como técnica de comunicação e expressão, deverá ser estudada pela
linguística, não apenas como um acontecer, mas ainda como algo capaz de novos
aperfeiçoamentos e transformações revolucionárias.

O estado de espírito subdesenvolvido de um grande número de linguistas do passado vai


aos poucos ultrapassando o estágio daqueles técnicos de máquinas, ocupados apenas com
máquinas preexistentes, às quais conservam, enquanto outros inventam novas e se
adiantam no progresso.

Pela superação do primitivismo linguístico, vai sendo criado um sistema de língua mais
eficaz. A eficácia consiste na perfeição de expressão e comunicação.

Por acréscimo, a língua mais eficaz poderá também ser mais fácil; a facilidade liberta a
humanidade de um ônus social muito grande, qual é o da aprendizagem de línguas
estrangeiras.
Além disto, uma língua planejada poderá adaptar-se melhor aos temas internacionais
independentizando-se dos elementos característicos das línguas étnicas, as quais serão
todavia mantidas em seus limites territoriais em que se formaram.

O escritor, portanto, pratique duas línguas como suas, - a língua étnica, que lhe é
característica como cidadão de uma nação, e a língua internacional, que também lhe é
característica como cidadão do mundo.

Na qualidade de intelectual, seja o escritor sempre um transformador. Nesta condição


revolucionária há de propugnar pela melhoria técnica do sistema da língua.

A melhor forma para que isto se faça é aceitar no plano nacional uma língua étnica e no
internacional uma língua planejada.

124. O Esperanto surgiu de uma grande inspiração. Consolidou-se como um projeto de


língua internacional, criado em 1887 por Luiz Lázaro Zamenhof (1859-1917), ficando
depois sob o controle de uma Academia.

Logrou difundir-se mais do que outros projetos surgidos antes e depois. É uma língua de
regras, com a intenção serem as melhores possíveis, e estas sem exceções, por isso lógica
e fácil, além de língua neutra.

No fundamento do Esperanto se encontra a idéia de que as palavras têm uma raiz, a qual
permite ser acrescida de terminações que a adatam à mesma raiz, às diferentes funções
gramaticais, por terminações inconfundíveis, para o substantivo, adjetivo, adverbio,
verbo.

Mais uma vez, distingue destas terminações os sufixos, os quais alteram apenas o sentido
básico das radicais. Uma vez posto o sufixos, estes passam a admitir de novo todas as
terminações gramaticais.

Seja um exemplo, - a vogal o é a terminação de todo o substantivo. Para os chamados


gêneros masculino e feminino, o sufixos é -in- , como em filo (= filho), filino (= filha).
Este, depois de acrescido à raiz, passa de novo a poder ser substantivo, adjetivo, verbo,
advérbio.

Dali resulta, primeiramente a plasticidade da língua, ao mesmo tempo que assegura a sua
alta capacidade de expressar com nitidez os objetos e temas os mais diversos.
Ainda resulta que a função do sufixo se mantém inconfundível frente às terminações
gramaticais.

Ordinariamente o feminino nas línguas vivas se expressa por terminação com


procedimento semelhante às terminações das funções gramaticais; isto não ajuda à
expressão.

No Esperanto as terminações e os prefixos expressam com precisão. Portanto, a língua


inventada por Zamenhof é uma criação sem comparação superior às línguas folclóricas
criadas pela limitada sabedoria popular. Tudo isso comprova, - como se disse de começo,
- que o Esperanto é o resultado de uma grande inspiração.

§ 3-o. Formação da espontaneidade da inspiração artística. 2022y125.

126. Virtude e hábito. A arte pode desenvolver-se como uma atividade espontânea.
Neste sentido a arte se diz também uma virtude ou hábito.

Sobre a arte entendida como espontaneidade há a considerar em que aspecto isto melhor
se diz, pois a arte apresenta várias operações; e como se adquire esta espontaneidade.

A arte como espontaneidade, virtude ou hábito, se diz em primeiro lugar da inspiração


artística, ou seja, do conceber o juízo especulativo-prático, o qual determina qual o
modelo exemplar a ser guia da execução exterior da obra. Nesta inspiração do modelo
exemplar tem início o processo mesmo da arte.

O tema é apenas uma condição; por si só ele não é constitutivo da arte, mas apenas seu
motivo.

Quanto à obra exterior, ela já é elemento essencial, porque seu acabamento final. Todavia,
esta obra é posterior à inspiração da expressão exemplar. Por conseguinte, o hábito da
arte é em primeiro lugar dito da inspiração artística.

A formação do hábito artístico é, à vista do exposto, complexa, devendo obedecer uma


ordem de prioridade. A prioridade deve ser dada à inspiração, aprimorando-se, pois, a
capacidade de perspiciências a respeito da idéia exemplar, guia da obra a executar.

127. A prioridade a ser dada ao elemento inspirativo não exclui os demais ingredientes. O
tema a ser expresso não pode evidentemente ser apresentado sem as peculiaridades
próprias de perfeito conhecimento, mesmo quando subordinado aos objetivos da didática
e da pedagogia. Importa, por conseguinte um desenvolvimento temático, representado
por uma necessária erudição do artista. Nesta erudição, vai incluída a vivência do artista a
propósito dos temas de que se ocupa. Finalmente, a formação do hábito artístico não
exclui a versatilidade da execução, ainda que a da inspiração se situe sempre em primeiro
lugar.

Adquire-se o hábito pelo exercício constante, como diz o psicólogo, o educador, o


moralista.

Desde a primeira operação ocorre um aumento de espontaneidade, que se repete na


seguinte. Acertar na primeira, significa desde logo estabilizar a tendência certa. Errar no
primeiro ato representa firmar uma falsa direção, que requer tempo para corrigir.

Aplicando este princípio, - o de que o hábito se forma desde o primeiro ato, - fica desde
logo firme, de que a educação artística já começa no mesmo exercício da inspiração
artística.

128. A educação artística é antes de tudo atividade inteletual, visto que a inspiração
fundamentalmente é um juízo.

Com efeito, considerando que a inspiração artística da expressão é um juízo, a saber um


juízo teórico-prático a respeito do modelo a guiar o fazer artístico, o exercício da
inspiração artística se processa no interior da mente. Obedece este exercitar da expressão
artística fundamentalmente o mesmo processo da lógica em geral.

Assim como é possível criar uma "lógica natural" do pensamento teórico, também é
possível desenvolver uma inspiração espontânea dos juízos teórico-práticos do fazer,
tanto do fazer artístico, como do fazer técnico de qualquer outra atividade.

Na verdade é o que se verifica, tanto nos artistas como nos técnicos em geral, que depois
do exercício frequente em sua profissão, criam e operam espontaneamente. A língua, que
é uma arte por todos exercida, prova sobejamente, quanto a prática constante a torna
espontânea, e que a prática bem orientada a faz muito mais perfeita.

Mas distingamos sempre os diversos hábitos que se desenvolvem dentro da mesma arte.
Há na arte:
- um primeiro hábito, que é a inspiração espontânea do tema (inspiração temática);
- um segundo hábito, que é a fácil escolha da expressão (inspiração artística), que acabamos de
indicar como principal qualidade a ser adquirida para a formação do hábito da arte e que se situa
no plano da mente e da "lógica natural";

- um terceiro hábito, que é a execução espontânea da obra exterior, e que no caso da língua
consiste na enunciação sonora dos sons articulados portadores dos significados.
129. Fazer exercícios, para desenvolver a capacidade de criar o juízo especulativo-prático
com vistas a fornecer à vontade o modelo exemplar, fica sendo pois o método de
desenvolvimento da arte. O repetir para criar o hábito sempre foi o método da educação.
Exercido um primeiro ato, o segundo já se repete mais facilmente.

Por conseguinte, o escritor deve escrever, e escrever sempre; quanto mais escreve, tanto
mais seguirá avante, no seu aperfeiçoamento. A progressão será tanto maior se se fizer
com um acompanhamento crítico.

Nesse caso o pleno exercício de escrever dará ao escritor a oportunidade de comparar


sempre as alternativas e descobrir o que é melhor e fixá-las pelo exercício.

Primeiramente escreva cada um para si, sem intenção imediata de publicação. Depois
antes de editar, crie um indefinido pequeno público, que aprecie e opine. Por último,
escreva para editar. O grande público opinará também; os louvores confirmam; as críticas
orientam para novos aperfeiçoamentos.

O contato com o público cria novos compromissos, e nesta emulação o escritor aplica-se
com seriedade e afinco. Na tensão dali resultante, as suas faculdades se vão aguçando.
Em meio ao perigo, a vitalidade se intensifica e produz resultados que em estados
normais, não se logram.

O público é como um estado constante de perigo; o instinto de defesa desperta e o


rendimento é maior. Aliás, uma das necessidades fundamentais da natureza humana é ser
aceito pelo grupo. Em conseqüência acontece o desejo do escritor de ser aprovado.

O que se diz do escritor, vale também para o pintor, o músico, o ator, o dançarino, o
arquiteto, o escultor.

Cada qual, no exercício permanente de sua arte, alcança finalmente um virtuosismo, que
somente a prática tornou possível e o público aprovou.

§ 4-o. Execução da inspiração artística. 2022y131.

132. Na sequência, após a criação mental da idéia exemplar, vem a ação e o fazer, como
duas operações que tratam da execução da mencionada idéia exemplar, convertendo-a em
obra exterior e autônoma.

Pela ação, a vontade emite a ordem de execução, na forma de juízo prático-prático.

Pelo fazer, as demais faculdade, cumprindo o império da vontade, executam esta ordem.
A psicologia tem dificuldade para explicar como ocorre este atuar de uma faculdade para
outra. Esta dificuldade é tanto maior para as filosofias que estabelecem uma diferença
substancial entre corpo e alma.

Como atuariam entre si substâncias totalmente distintas? Descartes, um dos mais radicais
nesta distinção, fala de uma união muito íntima, sem todavia com isso dar uma resposta,
porquanto apenas admite um fato.

Outros, como Aristóteles, aceitando embora uma distinção substancial, querem uma
composição substancial, em que corpo e alma se uniriam como substâncias incompletas.
É uma especulação que facilitaria a explicação do mútuo relacionamento, mas que carece
de provas definitivas.

O monismo, como o materialismo espiritualista, concebe o pensamento apenas como uma


função especificamente espiritual exercida pela matéria; então não haveria duas
substâncias específicas, mas apenas uma, com funções específicas e irredutíveis, entre
elas as do movimento mecânico e a das operações espirituais. Neste monismo
reducionista acontece evidentemente uma reconceituação geral de matéria e espírito. O
resultado é que a ação do espírito (aqui em sentido gnosiológico de pensamento) a se
exercer sobre os corpos, seria mais fácil e explicável.

Qualquer seja a explicação de como as ordens da vontade se transferem aos materiais em


que se executa a idéia exemplar da inspiração artística, o fato se dá:

a inteligência e a vontade conseguem operar sobre o mundo material, criando não


somente artefatos, mas também obras que expressam algo.

133. A execução pelas faculdades executoras da obra de arte envolve ainda tarefas
concomitantes, como por exemplo trabalho manual, mistura de cores, escrita, datilografia,
manejo de instrumentos emissores de sons e de imagens, etc.

Em todas estas operações há sempre uma última ordenação pela qual tudo obedece à
execução determinada pela vontade, para que a idéia exemplar da inspiração artística se
execute.

133. É possível separar fisicamente a ação e a execução artística, sempre que a ordem de
execução for transmissível por um instrumento intermediário de comunicação.
Por exemplo, o músico cria a expressão musical exemplar e a comunica pela notação
musical. Em tempo seguinte, o maestro e seus músicos instrumentistas reinterpretam a
notação musical, executando a obra.

O mesmo processo ocorre na linguagem, onde o escritor transfere ao papel o que o leitor
reinterpreta, executando a obra.

A escrita é um instrumento intermediário de comunicação, porque a forma definitiva de


todo o processo é a linguagem articulada. Ainda que o leitor não articule as palavras ao
lê-las, elas contudo somente significam, enquanto forem uma referência imaginativa a
elas.

Assim também acontece com a partitura musical, quando alguém a examina apenas com
os olhos; imaginativamente ela é apreciada em função aos sons possíveis.

Sobre a reinterpretação da obra artística se desenvolvem longos esforços, em que se


ocupam maestros, teatrólogos, locutores, leitores.

O desenho industrial é um gênero de arte intermédia, pois, está entre a concepção de um


artigo industrial a produzir e a prévia concepção do mesmo.

O executor reinterpreta a intenção do mentalizador do artefato e o executa.

Há, porém, uma diferença: o artigo a produzir não é uma obra de arte, mas apenas uma
utilidade. Todavia o desenho como desenho foi uma criação artística, mas do gênero que
chamamos arte intermédia.

O mesmo se diga das plantas arquitetônicas e demais engenharias que utilizam recursos
similares, inclusive de linguagem.

134. Habilidades artísticas. Virtuosismo. A execução da obra de arte também é


suscetível de uma certa espontaneidade adquirida. Ela consiste na fluidez com que a idéia
exemplar é transferida à obra.

Primeiramente deverá desenvolver-se a espontaneidade da ação da vontade, ou seja da


ação imperativa, pois pela ordem esta decisão dá o começo da execução.

Em segundo lugar deverá desenvolver-se a espontaneidade do fazer; esta espontaneidade


consiste em captar a ordem recebida, de sorte a lhe dar a precisa execução.
Quem desenhou bem uma vez a figura de um galo, mas repete o desenho trezentas vezes,
certamente desenhará depois espontaneamente quantos galos quiser.

Quem discursa repetidas vezes e assume funções em que deva os fazer a cada dia,
adquire o hábito de os praticar espontaneamente.

Com referência às tarefas concomitantes, que complementam o trabalho de execução


artística em obra exterior mediante trabalho manual (mistura de cores, emissão de sons,
etc), também elas poderão agilizar-se.

Neste plano as tarefas concomitantes espontaneamente exercidas se denominam


"habilidades artísticas". As escolas de arte ocupam-se longamente das mesmas, buscando
levar os alunos ao mais perfeito "virtuosismo".

CAP. 3-o.
A PERSONALIDADE DO ESCRITOR E DO ARTISTA EM GERAL. 2022y136.

137. Introdução. Certamente não é para qualquer um a tarefa de escritor, ainda que a
veleidade de sê-lo ocorra na mente de muitos.

Neste particular não basta desejar sê-lo. É preciso ter uma personalidade forte, além de
peculiar. A tarefa de produzir literariamente algo de válido é mais difícil do que
ordinariamente se supõe.

Há aquele que chega a ser não mais que meio escritor. Assim acontece, ou porque lhe
falta a energia, ou porque não possui as qualidades próprias. Quando lhe falta a energia
não chega a fazer da função o eixo principal de sua vida, de sorte que os resultados por
ele conseguidos mantém-se limitados.

Também quando não possui as qualidades do escritor, não chega a sê-lo, ainda que se
dedique sempre à tarefa. Em um e outro caso, se trata de um meio-escritor. Produz um,
ou poucos livros. Por vezes alguns artigos ou discursos, que depois enfeixa em volume o
qual lhe dá um ligeiro ar de escritor.

Há os que são escritores tão só no sentido de jornalistas ou repórteres descritivos dos


acontecimentos. Destes, alguns conseguem comentários mais raciocinativos dos
acontecimentos e logram mais perenidade, por vezes também publicáveis na forma de
livro.
Quanto ao jornalismo, trata-se de um gênero literário, em que a maneira de apreciá-lo é
no sentido deste mesmo gênero. Assim sendo também o jornalista é escritor. Isto nos
adverte que há muitas modalidades na profissão do escrever.

Mas queremos nos ocupar principalmente daquele escritor com pesquisa de ponta, ou seja
daquele que trata dos assuntos exaustivamente e na forma de livro, e que se ocupe dele
como iniciativa de labor permanente. Todavia as considerações neste campo certamente
também aproveitarão aos que labutam em gêneros a parte, porque na essência têm a
mesma base da expressão linguística.

O escritor é, pois, um homem com personalidade caracterizada. Dessa personalidade do


escritor precisamos tratar. Eis o assunto que estamos encaminhando para abordar no
presente capítulo, em que focalizaremos que se postula do homem perante a composição
literária.

139. Em sequência didática os constitutivos da personalidade do escritor podem ser


tratados como sendo:

- biológicos (art. 1) (vd 2022y141);

- psicológicos (art. 2) (vd 2022y146);

- morais (art. 3) (vd 2022y197).

Estes constitutivos se encontram atrás da criação artística como suas causas eficientes,
sem as quais não se faria possível.

Umas são causas essenciais, outras apenas condicionantes, mas todas são da ordem da
causa eficiente.

Depois veremos que ainda ocorrem as causas finais, que as eficientes têm por objetivo.

140. Personalidade. Antecipando genericamente a noção de constitutivos biológicos,


psicológicos, perguntamos, - Que é personalidade?

Eis um conceito aparentemente vago, mas que em princípio significa simplesmente o


sujeito. Nada é o sujeito sem o que possui, porquanto ele é apenas um termo de referência
da relação de posse. No sujeito o possuído se encontra como unidade de referência.
Tudo o que não é o sujeito, mas por ele possuído se chama natureza. E o sujeito, que é
nada em si mesmo, somente é o que está na natureza possuída.

Conscientizar-se como sujeito é como nadificar-se. O sujeito recebe tudo do todo. Por
isso, a personalidade resulta da natureza conquistada pela pessoa. Quanto mais cresce a
natureza, mais importante se torna o sujeito possuidor e sua personalidade.

E agora, que é pessoa? Ela é uma espécie de sujeito. Nem todos os sujeitos são pessoas.
Pessoa não é qualquer dos sujeitos possuidores. É o sujeito com determinado nível de
posse, o da natureza racional. Os sujeitos, possuidores de uma natureza exclusivamente
não racional, não são portanto denominados pessoas. A personalidade depende da posse
da racionalidade e cresce a personalidade com o desenvolvimento desta racionalidade.

O filósofo latino Boécio (480-524) definiu a primeira vez:

"pessoa é uma substância individual de natureza racional" (Livro sobre a pessoa e sobre
as duas naturezas contra Eutíquio).

Tratava-se nos primeiros séculos cristãos de criar um arranjo raciocinativo para entender
filosoficamente de que maneira os cristãos poderiam conceber um Deus com três pessoas,
doutrina que parece ter origem no pensamento platônico.

A doutrina sobre as três pessoas divinas, às quais se atribua uma só natureza foi ocasião
de discussões eruditas. Por ocasião das discussões sobre o conceito de pessoa, se
procurou dar-lhe uma definição, notabilizando-se a de Boécio.

Também há sujeitos nos objetos físicos, nas plantas, nos animais, dos quais se predicam
as determinações que os qualificam. Todavia, tais sujeitos não gozam da racionalidade.
No instante que um sujeito for racional, ele é capaz de considerar muitas opções,
decidindo-se de modo livre por uma delas.

A pessoa humana antes de ser um sujeito racional já se condiciona por uma estrutura
biológica; a esta podemos denominar de constituição biológica da personalidade.

Mas é no plano das faculdades cognoscitivas que está o centro de comando, - o Eu - ,


portanto a intencionalidade se move entre dois termos o Eu e o objeto conhecido.

Há aqui a estudar, o escritor em relação às faculdades sensíveis, que são externas e


internas. Mas há de ser examinado principalmente em relação à faculdade do
entendimento, porque é pelo entendimento que o homem se define como um sujeito
racional. Nele ocorre a presença consciente do Eu do escritor.

Em conjunto as faculdades do conhecimento se podem denominar de espírito. Mas então


entendemos a palavra espírito na acepção gnosiológica e não na ontológica (ou teológica)
de substância. Portanto, falamos do espírito como capacidade de conhecer, não
discutindo ainda se ele é uma substância autônoma do corpo, ou se reduz a uma
propriedade superior deste.

ART. 1-o. CONSTITUIÇÃO BIOLÓGICA DA PERSONALIDADE DO


ARTISTA. 2022y141.

142. A constituição biológica dá sustentação às atividades psíquicas influenciando o


exercício dos sentidos externos, da imaginação e memória, inteligência e vontade.
Hormônios e outros elementos que circulam no organismo são conhecidos sistemas de
reação e reequilíbrio.

Na primeira idade a falta do desenvolvimento biológico retém as manifestações do


espírito.

A desenvoltura biológica da juventude empresta aos jovens uma versatilidade admirável.

Com o progresso da idade, regride a força física, mas nem sempre a capacidade mental
do homem, compensando-se sobre tudo na experiência adquirida. A atividade inteletual
contribui para a conservação do cérebro.

Tudo isto mostra a importância da constituição biológica da personalidade do escritor e


do cuidado que este tem para com sua conservação.
Não há um tipo biológico único para todos os escritores. Mas os diferentes tipos
biológicos poderão influenciar a escolha dos temas, sua maneira de tratamento e o estilo
da expressão adotada.

A influência biológica e somática na constituição da personalidade adverte também para


a importância da educação.

Através da educação o desenvolvimento biológico poderá ser estimulado, as


insuficiências poderão ser corrigidas, as deficiências poderão ser compensadas por meio
de desenvolvimentos de capacidades paralelas.

A relação estreita entre o aspecto somático e a psique, de sorte a influenciar-se toda a


estrutura mental, implica em aceitar a importância da biotipologia até para o estudo da
personalidade do escritor. Esta relação é mais importante, quando mais a tarefa de
escrever exige a intensa participação de todo o ser do escritor.

Ainda que os antropólogos e psicólogos não tenham chegado a conclusões inteiramente


objetivas sobre os tipos fundamentais e a critérios básicos de classificação, inexiste
divergência quanto à importância deste relacionamento biológico com o temperamento,
com o caráter, com o espírito.

143. Divergindo embora entre si, as classificações biotipológicas, mesmo quando


criticáveis, todas nos dizem algo, ora mais fundamental, ora mais acidental sobre o
homem.

A diferença biológica dos indivíduos certamente ocorre. Mas é difícil enquadrá-la em


classes, o que não exclui o fato das diferenças individuais, nem sua importância na
constituição da personalidade.

144. Considerando a gravidade do elemento biológico na constituição da personalidade


do escritor e do artista em geral, esta circunstância implica também a necessidade do
desenvolvimento de bons hábitos em tudo o que se refere ao próprio bem estar físico.

Tal como o educando é levado a respeitar a vida e a melhorá-la, assim o escritor deverá
induzir a si mesmo a conservar a saúde. Neste sentido deve:

- alimentar-se corretamente para obter um bom metabolismo e regeneração de energias


gastas;

- sujeitar-se a uma higiene que o assegurem de infecções danosas;

- praticar a ginástica com vistas a manter em forma o sistema geral de movimento;

- exercer o esporte para atingir habilidades e espírito de competição;

- abandonar-se ao lazer e descanso nos momentos oportunos;

- divertir-se e dançar combinando a expressão corporal com o exercício lúdico das


faculdades psíquicas em benefício da harmonia geral.

Tudo isto o fará com orientação científica e não apenas segundo práticas empíricas.
O escritor normal deve conduzir sua vida biológica intensamente tanto quanto a vida do
espírito. Como um todo ecológico, corpo e espírito trabalharão eficazmente.

A mensagem temática do escritor de personalidade biológica harmonizada com a da


personalidade espiritual certamente será mais equilibrada.

Conhecem-se casos de artistas com situações desarmônicas, ao mesmo tempo que foram
capazes de criações de excepcional qualidade. Todavia foram exceções. De outra parte
estas mesmas criações podem conter, juntamente com o genial, elementos medíocres.
Eles foram gênios, e por isso realizaram grandes criações. E se fossem melhor formados,
não teriam perdido sua genialidade; tê-la-iam aproveitado melhor.

Pessoalmente teriam sido mais felizes.

145. Também na imaginação atuam os processos biológicos da doença e da saúde, dos


agentes químicos e das circunstâncias fortuitas. Se o artista produz diversificadamente
conforme as alterações imaginosas a que se sujeita, é prova de que seu estado biológico
influencia a inspiração.

Os epilépticos, não raro inteligentes, são visionários, têm êxtases, criam mesmo religiões,
para as quais deixam curiosos textos, que os seus admiradores chamam sagrados. Outros
deixaram doutrinas apreciáveis transcritas por seus discípulos.

Importa, por conseguinte, analisar o que efetivamente acontece com tais figuras
maravilhosas.

Os tísicos, ou tuberculosos, estão sob excitação, em que são capazes de grande inspiração
poética e mensagens em prosa. São exemplos deste fenômeno o poeta simbolista Cruz e
Sousa, o místico São João da Cruz (de quem o primeiro tem o nome) , Terezinha do
Menino Jesus.

Quando dotado de grande personalidade, - tenha saúde ou seja um doente, - o artista


poderá controlar sua situação pessoal e o ambiente em que vive. Tendo o controle, onde
lhe for possível, o artista começar a ter as vantagens de ser um atemporal e absoluto, que
elege o que objetivamente mais lhe convém para criar sua obra.

ART. 2-o. CONSTITUTIVO PSICOLÓGICO DA PERSONALIDADE. 2022y146.


147. A característica fundamental do psíquico é a presença do conhecimento.

Conhecer é um atender intencional. Isto significa que um sujeito (psicológico) põe sua
atenção em um objeto.

O sujeito psicológico também se denomina Eu, quando se diz de si mesmo.

Outros sujeitos são o Tu e o Ele.

Em qualquer posição que o sujeito se encontre, ele tem a posição de atendente com
relação ao objeto.

Distinto do psicológico o sujeito lógico é aquele da frase, sendo sujeito no sentido de


recebedor do predicado.

Frente aos conceitos acima, que é o escritor? É um sujeito (psicológico, isto é, um Eu)
preocupado com o ente, ao qual converte em objeto de sua intencionalidade, e o exprime
em palavras.

Paralelamente, assim também se definem os demais artistas. Todos se preocupam com o


ente e com sua expressão em algo.

Este aspecto temático da preocupação com o ente, convertido em objeto de sua atenção e
expressão verbal, varia entretanto em cada Eu. Os constitutivos psicológicos variam.
Além da variação dos constitutivos biológicos, temos agora mais os psicológicos para
somar como constitutivo da personalidade.

Por causa das variações psicológicas, uns atendem ao ente convertido maximamente em
objeto de conhecimento, entendido portanto com profundidade, enquanto outros
permanecem na preocupação superficial.

Dentre os que atendem ao máximo, alguns se concentram na observação dos fatos, são os
cientistas da constatação experimental da ciência positiva.

Outros se concentram nas constatações racionais - são os filósofos. Portanto, os Eu’s se


ocupam da mais variada maneira dos objetos. Isto acontece de acordo com a diversidade
de sua personalidade.
148. No espírito operam muitas faculdades, que se coordenam entre si. Tudo começa
pelos sentidos externos, se encaminha aos internos levanta-se ao nível da inteligência.

Agora cuidamos do lado psicológico deste processo. Portanto nos referimos, por exemplo,
à inspiração artística do ponto de vista psicológico e não a seus aspectos gnosiológicos de
conteúdo, nem de expressão.

As muitas faculdades do espírito não exercem a mesma essencialidade na inspiração


artística.

É a inspiração artística uma operação da inteligência, quando pela sua perspiciência


descobre qual a expressão para cada objeto a expressar.

Todavia, como as faculdades do espírito operam em conjunto, cada uma exerce uma parte
na criação artística. Sob esta perspectiva todas se denominam "faculdades artísticas".
Mais especificamente faculdades literárias, faculdades musicais, faculdades de expressão
plástica.

Quais seriam, pois, as faculdades artísticas?

O elenco das faculdades artística começa pela inteligência, porque a ela cabe em primeiro
lugar a inspiração artística (ou literária, ou musical, ou de expressão plástica).

Em segundo lugar, são faculdades artísticas as outras faculdades cognoscitivas:


a imaginação, a memória, e os sentidos externos particularmente, a vista e o ouvido, mas
sem excluir também o tato, o gosto e o olfato.

Em terceiro lugar são faculdades artísticas, a volição que se faz acompanhar do


sentimento, e os impulsos sensitivos, que também se fazem acompanhar de emoções.

Consequentemente, todas as faculdades humanas se arrolam como faculdades artísticas;


apenas a participação se faz de diversa maneira.

E então, a inspiração artística não é senão a parte que compete a cada uma, a saber, à
inteligência o principal e às restantes o secundário, por ordem.

Do ponto de vista psicológico, a inspiração artística oferece ainda perguntas, que


indagam,

- pelo tempo de duração de um processo de inspiração,


- pelas tendências de inspiração em determinadas circunstâncias,

- pelas influências das infra-estruturas sociais na inspiração.

Caberia sob este ponto de vista psicológico examinar a circunstância que faz a uns
propensos no sentido de certas inspirações e não de outras; o mesmo seria perguntar,
porque uns têm grandes inspirações e outros nenhuma.

Ao mesmo esquema psicológico pertence tratar do gênio artístico; ainda que se possa
entender por gênio artístico uma faculdade especial (o que viria a ser uma questão
gnosiológica), o volume da genialidade é assunto psicológico.

149. Nenhum objeto concreto se apresenta ao nosso conhecimento por porta única.

O objeto como que se desdobra em abstrações para entrar por faculdades diferentes de
nosso conhecimento.

Pela cor revela-se aos olhos;

pelo ruído, aos ouvidos;

por outras tantas formas aos sentidos do tato, gosto, olfato.

Estas aparições dos objetos aos sentidos externos são como que furtivas, porque se
apagam com o afastamento deles.

Em compensação os sentido internos, ainda que nada acrescentem, elaboram a imagens


dos objetos e as conservam.

Os sentido internos não somente criam e conservam ditas imagens, mas ainda as operam.
Dividem e recompõem de outra maneira as referidas imagens e ainda as associam de
variada maneira, por vivência, semelhança, contraste, de sorte a possibilitarem a
evocação poética.

Num plano totalmente novo, chamado racional, ocorre a inteligência, capaz de apreender
os objetos concretos sob mais um aspecto, o do ser. Agora as operações do conhecimento
se revelam muito criativas, gerando conceitos, juízos raciocínios, cada operação
permitindo análises e sínteses.

Uma estrutura psicológica tão complexa e ativa que vai dos sentidos externos, passando
pelos internos, até alcançar a inteligência, reclama esforço, para atingir pleno
desenvolvimento.

O escritor, pelo mesmo fato de dever ser um indivíduo de adiantado estágio de


desenvolvimento, precisa de uma personalidade ímpar, sem a qual não atingirá suficiente
vivência das coisas de que se ocupa. Dele se postula pesquisa e meditação. Apenas
contato não basta, é preciso longa reflexão.

§ 1-o. A importância dos sentidos do escritor. 2022y150.

150. A importância das faculdades sensíveis, ou seja - da vista, ouvido, tato, gosto e
olfato, - decorre da função inicial que as mesmas exercem em todo o processo
cognoscitivo.

Nada conhece a mente senão a partir dos dados sensíveis; tal é a doutrina vigente de
Aristóteles, Kant e dos empiristas em geral. Somente as filosofias radicalmente
racionalistas, como as platônicas, agostinianas e cartesianas, admitem idéias surgindo
isoladamente no espírito.

Considerando a origem sensível de todas idéias, o conceito da cor, é precedido pelo dado
da cor oferecidos pelos olhos.

E assim também nada se pensa na área dos sons, tato, gosto e olfato, sem que o dado
sensível se faça preceder.

Na arte os sentidos importam por três motivos:

- a obra de arte é objeto sensível;

- o objeto sensível é tema de arte;

- o sensível participa da inspiração artística.

Os três aspectos indicados se ligam aos sentidos, que por isso são elementos constitutivos
da personalidade do artista.
151. A importância dos sentidos na personalidade do artista se apoia no fato mesmo da
obra que é sempre sensível. O artista não operará adequadamente sem estar dotado de
sensibilidade.

A qualidade sensível, em virtude de ser qualidade, exerce a propriedade de ter semelhante.


Quer seja por semelhanças próprias, quer por semelhanças convencionais, as qualidades
sensíveis são o instrumento aproveitado pela arte.

E tendo semelhante a qualidade acusa gnosiologicamente o seu assemelhado. Perceber


tais semelhanças, eis onde principia o uso dos sentidos do artista.

Cada detalhe da cor, assemelha-se a seu modo com os objetos dotados deste detalhe. E
assim já se começa a entender a importância de possuir o artista a sensação perfeita da
cor e das suas variações. O mesmo se diga de cada peculiaridade do som; em cada uma
pode vir indicado uma semelhança com o objeto a ser sugerido como tema. Eis porque,
nem o pintor e nem o músico, não o poderão ser, sem uma sensibilidade subtil e perfeita.

152. O mundo sensível é um importante tema da arte. Por isso importa o


desenvolvimento dos sentidos.

Os sensíveis abstraídos de seus portadores concretos poderão ser diretamente tematizados,


todavia sempre com a participação interpretadora da inteligência.

As cores, os sons, os gostos, os tatos, os olfatos. Pela ciência da física passam a ser
expressos em obra de arte. Os dados sensíveis expressam como tema aos próprios dados
sensíveis. Com as cores o pintor expressa a cor como tema; esta pintura se diz meramente
formal.

Também os sensíveis comuns, como as formas (linhas, áreas, volumes) são tematizáveis.
De novo acontece uma arte meramente formal (plasticismo puro). Neste tipo de arte, o
tema é o mesmo dado sensível e não outros aspectos dos objetos.

A tendência para a arte abstrata meramente formal é eminentemente moderna,


diferenciando-se com o naturalismo da arte figurativo do passado.

Em decorrência, precisa a inspiração temática aperfeiçoar-se na apreensão dos dados


sensíveis, não só por uma razão artística, mas também por causa da tematicidade que lhes
dá.
No que se refere aos símbolos, - a linguagem opera mediante o simbolismo das palavras,
- também estes podem referir-se aos dados sensíveis simplesmente (como cor, som, tato,
olfato, gosto), em vez de se preocuparem com a fisionomia figurativa dos objetos naturais.

Uma descrição literária poderá ser colorida se se referir às cores dos objetos. Também
poderá ser musical, não somente pela sonoridade das palavras, mas ainda pela referência
à sonoridade ambiente.

A descrição da paisagem não somente se ocupa dos objetos naturais, como pedras,
árvores, montanhas, casas, homens e animais, mas também do meramente formal das
cores e formas.

Mas, se o escritor não tiver sensibilidade, suas descrições tenderão a omitir-se em relação
ao mundo das cores e sons. Pouco ou nada conseguirá o escritor expressar sobre o tema
dos sentidos, se não estiver atento aos referidos sentidos, educando-os e desenvolvendo-
os. Aliás o mesmo se dará para o consumidor da arte; se não tiver sensibilidade, não lhe
interessará nada do que a arte lhe oferece no campo dos sentidos.

153. O aperfeiçoamento dos sentidos interessa à inspiração artística. Nunca se exagera


em insistir neste aperfeiçoamento. Paradoxalmente contudo, a inspiração artística é só um
juízo da mente. Mas é um juízo sobre um assunto de natureza sensível. Para bem julgar
este assunto de natureza sensível importa bem conhecê-lo.

Como poderia criar o artista, uma expressão sensível se ao olhar para a vida e o mundo,
nada enxergasse? Um indivíduo sem percuciência, pouco recebe das muitas diferenças e
detalhes que a natureza oferece.

Os olhos do artista hão de estar abertos para a beleza das flores, para o encanto da
alvorada, para o brilho esfuziante da luz, para a complexidade do reino animal e vegetal,
para a produtividade do agricultor, para a expansão das searas, para o movimento das
ondas, as transformações do tempo em dia ensolarado e dia nublado, para a primavera e
outono, inverno e verão.

Tudo isso fala a quem tem olhos e sabe ver.

E quem tem ouvidos? O artista que tem o dom de ouvir, escuta a natureza, percebe os
pássaros, atende aos gemidos da mata, impressiona-se com o barulho do mar, exulta com
o canto dos jovens!
E se o tato e outros sentidos lhe funcionam é espontâneo em sentir o calor da vida, a força
do movimento, o carinho das mãos; também ele afagará com vista ao diálogo dos que
mutuamente se acariciam e amam.

O artista não pode compor os elementos de sua inspiração sem que os sentidos comecem
por fornecer-lhe a quantidade imensa dos materiais da intuição.

Eis porque os homens que já muito viveram, quer vencendo, quer sofrendo, podem
produzir obras admiráveis de ação teorética, porque possuem objeto para compor a obra
em que tem de depositar mensagem.

"O artista não só deve ter experiência do mundo em todas as suas manifestações
extrínsecas e intrínsecas, como ainda é preciso que haja padecido grandes sentimentos,
que o seu coração e o seu espírito tenham sido profundamente emocionados e comovidos,
que muito tenha jubilado e penado, para se achar em estado de exprimir em formas
concretas as profundidades insondáveis da vida. É por isso que o gênio desabrocha
durante a juventude como aconteceu, por exemplo, com Goethe e Schiller, mas só os
homens formados pela idade são capazes de imprimir na obra de arte o sinal da
maturação" (Hegel, Estética, C, item I, a pág. 236).

É possível que certas doenças, bebidas e excitantes, aqueçam os sentidos, de sorte a


despertarem a atenção para detalhes muito específicos. Se artistas houve, inclusive
escritores, que em tais circunstâncias produziram com espontaneidade peculiar e até
originalidade curiosa, tudo isto vem confirmar que a inspiração artística, é condicionada
pela intuição, e quanto mais amplo o círculo alcançado por esta, maiores serão as
oportunidades para a inspiração artística.

Se os escritores, pintores e artistas em geral tendem a retratar sua época, isto vem
novamente explicar a tese da vivência a influenciar a inspiração.

O artista se educa nos padrões do seu ambiente; vivendo-o, adota-o como matéria de sua
arte.

Somente uma educação conscientemente aprimorada e apoiada em padrões absolutos o


liberta das contingências do meio.

Governa então, por obra dos hábitos conscientemente adquiridos, a percuciência intuitiva
dos seus olhos, da sua vista, do seu tato.

Poderá sentir como os de sua época; mas também poderá sentir como os de sua época não
sabem, vendo melhor, ouvindo com perfeição, tendo tato preciso. Este é o grande artista,
com capacidade para a intemporalidade e para a sobrevivência no tempo.
§ 2-o. A imaginação do escritor. 2022y154.

155. É preciso equacionar também a participação dos sentidos internos na criação


artística e, consequentemente, destacá-los como constitutivos da personalidade do
escritor.

Não há apenas sentidos exteriores. Estes se dizem exteriores não só porque se informam
sobre objetos distintos de nós. São exteriores porque por detrás deles operam outros
sentidos - a imaginação e a memória -, sem contato com os referidos objetos. Por isso
estes se dizem sentidos internos.

A imaginação e a memória não introduzem novos objetos, - como já se advertiu. Tomam


simplesmente aqueles dos sentidos exteriores - cor, som, odor, gosto, tato.

A imaginação cria representações autônomas dos mesmos e a memória as conserva no


subconsciente.

Os objetos reais podem desaparecer e as imagens continuam. Esta criação e conservação


de imagens oferece uma vantagem muito grande ao processo cognoscitivo. Trata-se de
um mundo maravilhoso, em que o homem vive sem dependência externa. O escritor
precisa que este mundo interno seja particularmente grande, com desenvolvimento
apropriado à sua atividade.

156. Criadas as imagens pela imaginação e conservadas pela memória, elas não se
mantém estáticas, como se constituíssem um museu de representações intocáveis e
expostas a uma simples apreciação. A imaginação é dinâmica, exercendo-se através de
duas operações principais - a fantasia e a evocação.

Por meio destas operações aumenta o mundo do espírito e é nele que atua o escritor.
Deve o escritor familiarizar-se com ele, informando-se com detalhes como funciona.

157. A fantasia. Pela operação da fantasia as imagens se compõem em novas


modalidades representativas, aproveitando sempre as anteriores.

Estas podem simplesmente somar-se. Por exemplo, o rei, ao qual nos referimos, pode
combinar-se com a imagem do palácio.
Podem também dividir-se as imagens, para formar em seguida combinações de partes,
que na realidade exterior sempre estão unidas, para agora criar imagens com outros
esquemas; por exemplo, o cavalo alado, que une ao cavalo as asas de grande ave.

Há ficções que unem apenas imagens verídicas, como em geral ocorre nos romances,
novelas e contos ocupados com a realidade humana. Não acontece o mesmo com alguns
tipos de ficção relacionados com a mitologia e a ficção científica.

Também para criar representações de temas abstratos é frequente mutilar a imagem


ordinária dos objetos com vistas a abstrair os elementos mais representativos da realidade
exterior e destacar aqueles que se apresentam como comuns ao concreto e abstrato.

Imaginação criadora é uma expressão frequente para nos referir à operação pela qual a
imaginação conecta imagens, ou ainda as divide e recompõe em novas unidades.

Acentua-se nesta expressão o caráter dinâmico da imaginação. Mas não se adverte que a
criação no caso não se refere à formação inicial da imagem a partir dos sentidos
exteriores, e que marca a essência da faculdade.

O processo seguinte chamado imaginação criadora, constitui apenas uma operação. É


possível ter a faculdade da imaginação, e não possuir a desenvoltura criadora, pela qual
novas formulações são dinamicamente formadas. Neste novo plano da operação criadora
é que o escritor e o artista em geral precisam desenvolver-se.

Com referência ao nome "fantasia", significava inicialmente em sua língua original, a


grega, simplesmente a imaginação. Mas existindo na tradição latina a palavra imaginação,
esta ficou indicando a faculdade substancialmente; e pode aquela - fantasia - expressar a
operação pela qual as imagens se somam e se podem dividir e recompor livremente.

159. A evocação. Chamada também associação de imagens, consiste a evocação na


atração de imagens em virtude de relações preexistentes. Estas relações usualmente são
de semelhança, contraste e vivência!

Imagens semelhantes se despertam mutuamente.

Por exemplo, o símio lembra ao homem, - pela fisionomia geral; a flor, à mulher pelo
colorido, beleza e função.

Imagens contrastantes também se despertam mutuamente.


Por exemplo, a velhice relembra a infância, - ponto de partida do atual ponto de chegada;
a sombra remete ao sol, - uma condição inversa do outro.

Finalmente, imagens vividas eventualmente juntas, mantêm-se unidas na fantasia e


subconsciente, de sorte a se evocarem umas às outras.

Por exemplo, certos lugares lembram aos filhos os seus extintos pais. A vivência é o mais
frequente recurso da operação associativa da imaginação, e portanto a forma preferida da
poesia, sobretudo da mais humana.

Fundamentalmente toda a associatividade se realiza pela vivência, de que as outras


formas são apenas variantes operacionais.

O processo da evocação pressupõe que em oportunidade anterior diferentes objetos sejam


percebidas juntas. A imagem fotografa o conjunto. Basta posteriormente referir-se a um
só, para que venham à tona também as imagens dos outros, tenham ou não semelhança e
contraste.

"Associação de imagens", ainda que literalmente indique a associatividade criadora, pela


qual se somam imagens não associadas ainda, é expressão com um sentido semântico
subtil distinto. Ela se diz apenas de imagens que se atraem por já se encontrarem ligadas.
Pela indicação de uma, a outra surge espontaneamente. Uma é o objeto estimulador da
outra. A poesia tem por objetivo principal esta outra, e por isso é uma forma evocativa de
expressão.

"Evocação", com o sentido etimológico de "chamado", significa muito adequadamente


que a imagem de uma coisa chama a outra. Neste sentido, uma linguagem evocativa é a
que menciona objetos estímulos, que despertam em seu torno um tumulto de imagens.

"Recordações", que originariamente significa apenas "memorizações", equivale no uso


mais frequente uma evocação despertando imagens do passado, em função a eventuais
objetos-estímulos a que eles se ligam.

160. Ainda que se distingam a fantasia (ou imaginação criadora) e a evocação (ou
associatividade) elas se podem pôr em sucessão, de modo a se sobreporem, tendo como
resultado um maior brilho.

Então a imaginação primeiramente compõe uma nova imagem, por exemplo, uma
expressão figurativa. Num segundo tempo a nova imagem deve ainda exercer a operação
evocativa. Esta evocação sobreposta não resulta pois de um simples objeto-estímulo, mas
de uma criação imaginativa especial.
A poesia ocorre apenas na evocação; no caso, apenas do segundo tempo.

A imagem resultante da operação da fantasia ainda não é poesia; se o fosse, um cavalo


alado seria uma criação poética.

A poesia somente acontece quando sobrevem, em nova operação, a evocação. Se a


representação de um cavalo alado produzisse por acréscimo a evocação, esta segunda
representação seria uma expressão poética.

Quando num texto se processar a dupla operação imaginativa da imaginação criadora e


da evocação, dito texto não deverá ser apreciado apenas do ponto de vista poético. Antes
disto importa considerar a imagem criada.

Em versos do romântico Castro Alves sobre os saltos d'água de Paulo Afonso, se verifica
a sobreposição de figuras imaginativas (produtos da imaginação criadora, ou fantasia) e a
evocação poética (resultante da associatividade ocorrida após):

"As estrelas palpitam: são as tochas;

Os rochedos murmuram: são os monges;

reza um órgão nos céus.

Que imenso! Os rolos que do abismo sobem,

Que turíbulo enorme: Paulo Afonso;

que sacerdote! - Deus!"

Não se pode falar aqui de exacerbação poética. O que há de grande não é apenas a poesia,
mas sobretudo a imaginação criadora. Esta é muito outra coisa, ainda que algo de
parecido com a evocação.

161. A multiplicidade das imagens também se dá por espécie. Há tipos de imagens, de


acordo com os sentidos, de onde provêm.
As imagens visuais, mantêm vivas as cores e as formas (linhas aéreas e volumes) sobre
que se distendem; muito importam tais imagens aos pintores e artistas plásticos em geral.

As imagens auditivas deixam tilintando no mundo interior a variedade dos sons, pelo seu
timbre, altura na escala e volume de intensidade; especialmente interessam aos músicos.

Enfim, também ocorrem as imagens olfativas, gustativas e tácteis; delas participam os


pintores e músicos apenas associativamente.

Quanto ao escritor, que diferentemente dos outros artistas, opera mediante simbolização
de palavras, interessam-lhe vagamente todas as imagens, tanto como elemento artístico,
quanto como tema.

No primeiro caso, a ocorrência das imagens sonoras está evidente no material sonoro dos
vocábulos; a presença conjunta dos sons permite ordená-los esteticamente; ainda podem
os sons se exercer com associatividade, exatamente por causa das imagens, que permitem
à memória associá-los, como no caso da rima, em que as significações se atraem pelo
encontro da semelhança sonora.

O colorido é menos importante na estrutura artística da palavra, porquanto é


essencialmente sonora; todavia, o uso de grafar as palavras com signos visuais, admite,
por associação e por aliança, conjugar os elementos sonoros, com o pictórico dos signos,
bem como com a forma das linhas, áreas e volumes. Pelo exposto as imagens interessam
à obra literária, como obra.

163. A educação da imaginação criadora e evocativa se faz pelo exercício. Comece-se


pela imaginação criadora. De posse de algumas imagens, tente-se compô-las de variadas
maneiras.

Principie-se pela decomposição, seguindo-se as novas composições. Sejam as imagens de


um elefante e de uma significativa montanha. Decomposto o elefante, coloquem-se as
pernas do mesmo sob a montanha, os olhos em determinado cabeço dianteiro do monte, a
cauda em outro.

Inverta-se o processo, decompondo a montanha. Desta vez como se processaria a


recomposição, mediante o uso da imaginação criadora? Imagine-se, agora, a montanha
desvinculada do solo e sendo arrastada pelo elefante.

O exercício da imaginação criadora também se procede pela leitura, de modo geral,


atendendo como outros a exercem. Apreciem-se o desenho animado..., a caricatura..., a
poesia em geral..., a ficção do romance, da novela, do conto... Continue-se o exercício
pela evocação das imagens.
O raciocínio filosófico e científico se despreocupam das associações, dado o rigor com
que se colocam os termos de suas expressões.

Quem opera com a linguagem rigorosa filosofia poderá despercebidamente não mais
atender ao processo associativo alógico das imagens.

A mente integral, tanto opera com o raciocínio perfeito, como ainda atende às operações
restantes das faculdades de conhecimento.

Um descuido, quando não uma incompreensão, podem deformar a cabeça de um filósofo,


como também de um cientista; inversamente, um poeta deverá concentrar-se em suas
evocações e já não ter juízo certo para o raciocínio perfeito.

O que importa é a mente integral, - a cabeça bem feita.

Exercite, pois, cada qual, e sobretudo o escritor, a função associativa da memória.

Leia os poetas; aprenda a julgá-los do ponto de vista associativo; separe o que nas suas
obras é evocação e portanto poesia, do que é aliança de idéias lógicas.

Descubra quando o suposto poeta não passa de um metrificador de frases de afirmações


lógicas; selecione aqueles que verdadeiramente expressam com associatividade.

Distinga sistematicamente entre as associações por semelhança, as por contraste, as por


vivência, e ainda quando por vivência de tempo e quando por vivência de lugar.

O mesmo exercício faça cada qual com a prosa, lendo aqueles prosadores que aliam às
suas afirmações lógicas, elementos associativos, imagens brilhantes, pela semelhança,
pelo contraste, pela vivência.

Nesta condição está Bergson. Descubra ainda os prosadores que praticam


verdadeiramente a prosa poética, em que a preocupação quase toda se concentra no
aspecto associativo.

Agora podemos citar os textos em prosa do simbolista João da Cruz e Souza.


Finalmente, exercite-se o escritor no uso de imagens associativas em sua prosa. Escreva
uma página de filosofia. Submeta-a à autocrítica, identifique as frases exclusivamente
lógicas.

Descubra pelo menos uma brilhante imagem e a coloque no texto. Se disto não for capaz,
auxilie-se com um dicionário de citações, até obter uma sugestão adequada. E assim, de
exercício em exercício, aprenderá o escritor a fazer de sua memória e de sua estrutura
associativa um instrumento útil para a sua composição literária.

§ 3-o. A memória do escritor. 2022y165.

166. Ao escritor importa uma boa memória, para que tenha como bem prover sua cabeça;
não pode escrever se nada tem guardado para transmitir.

O escritor trabalho sobretudo com o acervo de das imagens memorizadas. No instante da


criação artística é a partir deste acervo, que se enunciam mais idéias, juízos e raciocínios.

A memória proporciona brilho ao pensamento, porquanto permite o trabalho pronto da


inteligência. Sem o material da memória a inteligência seria como o sol que não
dispusesse de nuvens para bordar, de montanhas para dourar, de flores para colorir.

Com alguns elementos ordenadores oferecidos pela memória, prontamente conseguimos


ordenar o pensamento para um discurso. Por exemplo é fácil discorrer sobre Platão, se
previamente a memória já o situa no seu tempo, - nascido em 427 a.C., discípulo de
Sócrates, este falecido em 399, fundação da Academia em 387, falecido ele mesmo em
347. Em torno destes elementos da memória se criam as ponderações com alguma
facilidade, e o discurso está pronto.

Utilizando a memória, ganha-se tempo, evitam-se consultas repetidas. Dispensam-se


notas. Sobretudo contornam-se erros e adivinhações.

167. Do ponto de vista meramente especulativo, a memória consiste na capacidade de


retenção das imagens criadas pela imaginação.

A capacidade de conservação se exerce com funções distintas, a saber:

Fixação: - o processo que dá início a retenção.

Conservação: - sem deterioração e alteração.


Recordação: - o retorno da imagem ao estado consciente.

Reconhecimento: - que relaciona a imagem retornada ao objeto que a produziu.

Conhecem-se conexões da memória com estados orgânicos; em consequência, a memória


se condiciona com a idade (sendo mais fácil gravar as imagens da infância), com a saúde,
com a fadiga.

Dali se induz que o escritor e os artistas em geral estão, do ponto de vista da memória,
bastante condicionados pela sua idade, saúde e intensidade de trabalho.

Não obstante as influências fisiológicas, a memória é intencionalística. Nesta condição, a


memória não é apenas um processo fisiológico cerebral, mas uma operação gnosiológica,
no mesmo nível de todo o conhecimento.

168. Educação da memória. Aperfeiçoa-se a memória tratando-a ordenadamente na


sequência das suas funções de fixação, conservação, recordação e reconhecimento das
imagens.

O primeiro a conseguir é fixar as imagens o mais profundamente possível.

Na infância é notoriamente fácil memorizar. É sobretudo fácil a memória das imagens


motoras. Desta maneira as crianças aprendem a língua materna, ainda que qualquer das
línguas naturais seja difícil. Também conseguem aprender, sofrivelmente embora, uma
segunda língua. Os adultos são muito menos capazes para este aprendizado.

Ainda em consequência da facilidade com que se gravam as imagens da infância, vivem


em nossa mente e coração a imagem do torrão natal, onde passamos a infância.

Por isso, o escritor leva sempre algo de sua terra natal e que o caracteriza como um tal
escritor regional.

Em função a estas imagens profundas retornamos sempre à nossa terra natal, à residência
dos pais, ao ambiente das diversões juvenis.

Até mesmo os animais mantêm, por causa destas primeiras imagens uma certa fixidez de
moradia.
169. Repetição. Ainda se aprofunda a fixação das imagens, pela repetição. De um dia
para o outro a intensidade das imagens do dia anterior, cai quase a zero; mas se as
renovarmos, elas se reacenderão com aprofundamento.

Não deveríamos transitar de uma página a outra, ao lermos um livro, sem uma revisão
rápida; de novo ao final do capítulo, uma olhadela retroativa; ainda no término do livro,
mais outra sobre todo ele, e então, as imagens ter-se-ão aprofundado, com o proveito que
a fixação das mesmas nos confere.

O professor, atento ao fenômeno da repetição como memorizador, repete algo da lição no


decurso da mesma aula; na preleção seguinte, relembra algo da aula anterior. Basta uma
outra imagem, porque as restantes também são recordadas pela lei associativa da
integração.

Entretanto uma certa tendência à comodidade, induz a não nos dispormos à aconselhada
repetição. É que a repetição nada traz de novo... A tendência é seguir em frente, para
novas e novas informações, em virtude da alegria que a novidade proporciona.

Resistir à curiosidade e aos seus enleios, implica em dispor-se a uma certa disciplina
intelectual. Conseguida esta disciplina, como hábito, ela já não se torna tão desagradável.
Sobretudo se nos convencermos da inutilidade desta mastigação precipitada e sem
ruminação, portanto ilógica, sentimo-nos estimulados a repetir. A logicidade de uma
atitude, favorece a disposição de a assumir.

Com referência à função pela qual a memória conserva as imagens, ela quase se confunde
com a da simples fixação, na medida que se procura fixar, garante-se a conservação.

170. Recordação. A educação da memória deve destacar o processo da recordação, que


praticamente coincide com a repetição.

Tem a recordação um caráter mecânico provocador. Diferentemente, da evocação, ela se


dá por situações, as quais vão despertando o que já está na memória.

Por vezes procuramos recordar algo, e não o conseguimos. Chegamos a pôr a mão na
cabeça, como que a forçando, para que a imagem conservada no subconsciente retorne ao
nível da consciência. Este procedimento sugere que há algum expediente para provocar
recordação, ao qual tentamos pôr em ação.
Uma imagem guardada no subconsciente, ou na memória, se desperta primeiramente pela
presença real do objeto. Este é o estímulo principal.; mas isto acontece apenas quando o
objeto se apresenta de novo. Podemos criar a respectiva nova imagem, e dispensar a
anterior.

Mas a nova presença de um objeto nem sempre é possível. Como recordamos, então, as
imagens que reaparecem sem a presença dos objetos que serviram anteriormente para
criá-las?

O outro recurso é o da associatividade. Neste caso também ocorre a presença de um


objeto, mas que não precisa ser especificamente o mesmo. Diz-se que a memória recorda
as imagens segundo a lei da integração "cada imagem tende a reproduzir o estado
completo de que faz parte; cada membro da série, a totalidade da série".

Variam os estados da imagem de acordo com as vivências tidas por cada um.

Por isso também as conotações ligadas a uma palavra não acontecem de igual modo para
cada indivíduo.

Consequentemente ao soar uma palavra, variam as imagens recordadas, ainda que a


imagem central possa ocorrer igual para todos os ouvintes, ou leitores.

Todavia não exageremos. Em virtude de haver uma certa igualdade de circunstâncias


para os indivíduos da mesma nacionalidade, eles se habilitam a recordar as mesmas
imagens com as mesmas palavras. E fica sempre claro, que a recordação somente se
processa mediante a presença de algum objeto.

171. Nem tudo pode ser guardado pela memória, apesar dos exercícios. Em vista disto, o
escritor apela a técnica das notas e esquemas (ou rascunhos).

Estes últimos - os esquemas - são de ordem raciocinativa, pondo ordem, estabelecendo


sínteses maiores, etc.

As notas apenas fixam elementos de informação, que a memória não é capaz de reter.

As notas são "memória de papel", no dizer de Montaigne. Guardam elementos entendidos,


que no instante de serem aproveitados, em vez de virem da memória, vêm do papel.

Cada qual tem o seu modo preferido de anotar, que depende de uma série de
circunstâncias.
Para uns são fichas, para outros apenas indicações à beira da margem do livro.

Há notas, que estão apenas indicativamente na memória; no instante de precisar-se da


informação, a nota mental reenvia para o livro e a página exata, onde sabemos estar o que
precisamos naquele instante. É o que se dá com as minúcias, especialmente com as datas
e os documentos, as cifras e as análises.

Finalmente, - que são o dicionário, a enciclopédia, o banco de dados em computador?


Não são apenas fonte de informação, mas também de recordação, apoiando sempre a
memória limitada.

Não importa como e com quantos meios cada qual se vale para auxiliar a memória. O que
verdadeiramente deve entender, é que precisa de auxiliares para a mesma, a fim de
manter uma certa eficiência.

Dada a impossibilidade de memorizar tudo, importa ainda uma certa prioridade na


seleção das informações a serem retidas e das que hão de ficar nas notas.

A um professor de história cabe a prioridade às datas fundamentais e que deverão ser


relativamente muitas.

A um professor de filosofia cabe um maior número de termos com as respectivas


definições, para apoiar abstrações em palavras.

O mesmo processo de prioridades ao seu modo terão as memorizações dos matemáticos,


dos físicos, dos botânicos, dos biólogos, dos profissionais nas suas respectivas atividades.

O escritor, no decurso de uma obra em elaboração, terá o seu esquema de prioridades,


pelo tempo que perdurar a tarefa.

Com os elementos fundamentais sempre vivos na memória, poderá operar sem perda de
tempo em consultas.

Além disto a presença clara dos elementos de estrutura, permitirão à inteligência o


raciocínio fácil.

§ 4-o. O escritor e a inteligência. 2022y172.


173. A função da inteligência, na obra do escritor e do artista em geral, é dupla:

- conceber o tema a ser expresso (inspiração temática);

- criar o modelo exemplar, ou seja o juízo especulativo-prático, para orientar a obra a


realizar (inspiração artística).

Já tratada a inspiração temática (vd ) e a inspiração artística (vd ), resta determinar a


eficiência operacional da mesma inteligência, a qual importa muito para garantis ao
artista uma alta personalidade.

O artista, pela sua inteligência, precisa brilhar quando trata do tema e quando oferece o
modelo segundo o qual o referido tema deva ser expresso.

O gênio artístico é aquele que apresenta uma inteligência notoriamente capaz, tanto em
relação ao tema, como em relação ao modelo de expressão a ser realizado.

O ponto de vista psicológico da inteligência é sobretudo operacional; ainda que


importante também o conteúdo, este se situa no plano temático. Nossa pergunta agora
incide, pois, sobre a inteligência como espírito perfeito (seja para compreender o tema,
seja para eleger o modelo da expressão), em contraste com o espírito deficiente.

175. Espírito operacionalmente perfeito: lógico, crítico, sistemático ou científico. O


espírito deve atingir a espontaneidade das operação lógicas da inteligência. Esta é a
chamada lógica natural.

Com exercício constante das operações lógicas - conceito, juízo, raciocínio, estabelece-se
a naturalidade fácil do pensamento.

Neste sentido a funcionalidade do pensamento perfeito fá-lo fluir como:

- espírito lógico,

- espírito crítico,

- espírito sistemático,

- com ordem didática e pedagógica.


176. O espírito reclamado para o escritor é antes de tudo o lógico, isto é aquele capaz de
pensar de acordo com as conexões lógicas. Há conexões entre as idéias, entre os juízos,
entre os raciocínios, que não podem ser violados. Elas precisam ser tão espontâneas, que
o erro salte aos olhos de qualquer atenção, de tal maneira a ser impossível.

O espírito treinado na lógica das operações mentais consegue em tudo determinar a


sequência das conexões do pensamento, de tal maneira que somente precisa de tempo
para tudo fixar em seu exato lugar e afastar qualquer equívoco. Tal perfeição é difícil de
encontrar; todavia ela é em si mesmo possível e portanto capaz de ser apresentada como
o ideal último da inteligência perfeita.

177. O espírito perfeito também é crítico, isto é, atento às alternativas que as questões a
resolver oferecem.

Primeiramente, cada assertiva é julgada em si mesma. Em princípio, este julgamento


primeiro basta para atingir a verdade a respeito da conexão lógica de predicado e sujeito.

Mais perfeita, porém, é a assertiva que se estabelece em si mesma, e de outra parte afasta
ainda as demais. O espírito crítico é aquele, portanto, que conhece o que é verdadeiro, ao
mesmo tempo o que não é verdadeiro, e sim falso.

Considerando que muitos se encontram primeiramente com a falsidade, que tomam por
verdade, o espírito crítico poderá finalmente reconduzir à verdade.

O caos domina o espírito humano. Somente um espírito crítico crescente colocará a longo
prazo a inteligência humana no reto caminho.

Não é recomendável a iniciativa pedagógica dos que evitam ouvir o pregador de


doutrinas contrárias às que são do patrimônio atual da crença pessoal. O espírito crítico
reclama o conhecimento total das razões pró e contra.

Finalmente, o espírito sistemático, como qualidade operacional da inteligência, é aquele


que põe em ordem os conhecimentos, o mais evidente antes do menos evidente, o menos
geral dentro do mais geral.

Eis a ordem procurada pela ciência. O espírito de sistema equivale pois ao de espírito
científico.
A ordem lógica se diz apenas das conexões lógicas, por exemplo o menos geral dentro do
mais geral.

O espírito de sistema também reclama a ordem gnosiológica, por exemplo o mais


evidente antes do menos evidente. Uma cabeça certa, isto é, pela sistematização
gnosiológica, eis um objetivo raramente de todo alcançado, mas de todos perseguido e
alcançado medianamente.

178. A sistemática do pensamento pode ainda ser didática e pedagógica. Também esta
ordem deverá ser buscada pelo escritor, cujo estilo fluirá sem tumultos e aglomerações.

O ritmo das sequências fornecerá, por partes que se sucederão, o alimento à faculdade
cognoscitiva. E assim por partes, a assimilação se irá fazendo.

O artista, na composição da mensagem teorética da obra, não deve pretender enunciar


tudo de um bloco só, quando deve estar atento exatamente à capacidade de assimilação
limitada do apreciador a quem destina sua obra.

Há de conhecer o processo ordenado do conhecimento para estabelecer uma sequência


ordenada do mesmo, com ritmo para lançar os pensamentos no papel, com ritmo traçar as
linhas, com ritmo desenvolver as cores, com ritmo criar as imagens convencionais.

Aliás, o caráter linear da escrita favorece o ordenamento da frase.

O mesmo não acontece nas demais artes. Todavia também elas dispõem do que se
denomina composição, mediante a qual dispõem os elementos comunidades dentro de
uma certa ordem.

179. Haveria também um espírito específico chamado gênio superior aos níveis
ordinários da inteligência? Alguns exigem para a criação de uma arte verdadeiramente
significativa. Existiria este tal gênio artístico?

Assim deveríamos supor, se valesse a interpretação da inspiração como um nível não


meramente racional. Então o gênio artístico situar-se-ia neste outro plano muito especial.
O certo é que a inspiração artística de valor requer algum nível considerável de
inteligência e alguma erudição.
Descarta-se a existência de uma terceira faculdade para a inspiração artística e que seja
distinta da comum inteligência. A criação de idéias exemplares condutoras da obra
artística e a percepção do estético cabem como funções do mesmo inteleto que pensa as
demais coisas.

Há no comum inteleto várias funções, como de conceituar, julgar, raciocinar, de novo


cada uma com variadas subfunções; principalmente na área da perspiciência se situa a
atividade do gênio, quando elege suas expressões superiores.

Além disto, o inteleto varia em frente ao objeto que capta, desenvolvendo-se alguns
indivíduos mais na captação do teórico, outros mais do prático. Tanto o inteleto
especulativo como o inteleto prático decidem fundamentalmente à vista da verdade do ser,
objeto formal comum da inteligência, em contraste com o objeto formal dos sentidos,
restritos estas às qualidades sensíveis.

Portanto, o gênio artístico não é senão um desenvolvimento mais prendado da mesma


faculdade. Não é uma faculdade à parte e que haveria só em alguns, como se estes fossem
profetas enviados por Deus.

É impressionante com certeza a inspiração artística, e a intuição do belo, razão porque


alguns têm tomado o partido cômodo de explicar semelhantes processos pelo
estabelecimento de uma faculdade especial. Contudo, a inspiração artística não tem
mistérios maiores, que aqueles em que se resolvem o mesmo inteligir e o querer.

A inteligência é luz admirável e a vontade um poder livre inexplicável. Ora, a inspiração


artística se reduz aos mesmos mistérios, que são a inteligência a exercer-se em função à
ação criadora da vontade.

Talento e gênio poderão interpretar-se, portanto, em sentido ordinário, não como terceira
faculdade própria apenas dos artistas, mas como superior desenvolvimento do inteleto.
Nessa acepção o talento e o gênio cabem aos artistas, como também aos grandes reis e
filósofos, políticos e homens da ciência, graças ao alto nível de suas inteligências.

A teoria do talento e do gênio veiculou-se particularmente com os primeiros estetas


românticos alemães e encontrou em Hegel um grande adversário.

"A produção artística aparece como um estado que recebe o nome de inspiração. O gênio
poderia alcançar este estado quer por vontade própria, quer por qualquer uma influência
estranha (a propósito da qual se não deixou de lembrar os bons serviços que poderá
prestar uma garrafa de champanhe). Prevaleceu esta opinião durante o período chamado
da genialidade, iniciado na Alemanha pelas primeiras obras de Goethe e Schiller.
Começou a atividade destes poetas por derrubar todas as regras então dominantes. Com
toda intencionalidade, adotaram, nas suas primeiras obras, uma atitude hostil a todas
essas regras" (Estética, I, cap. 2, sec. 1, item 1, pág. 82-83).

181. Sem sairmos da especificidade das respectivas faculdades, podemos admitir


desenvolvimentos internos que diferenciam e sobrepõem os indivíduos portadores das
mesmas.

Neste sentido, não são iguais a inteligência e a imaginação de um grande artista e as de


um homem vulgar.

Da mesma forma diferenciam-se os povos. Nesta outra maneira de interpretar o gênio é


legítimo falar-se na diversidade dos gênios dos artistas e na ocorrência de um gênio para
cada nação. Só neste sentido é que afirmava Hegel que "a arte exige disposições
específicas, essencialmente naturais".

Reconhecia o filósofo germânico, ao apontar para a "inaticidade do talento e do gênio",


que "as diferentes artes dependem do gênio racional e das naturais disposições de um
povo. Os italianos por exemplo, possuem o dom natural do canto e da melodia: mas já
nos povos nórdicos a música e a ópera, embora hajam sido cultivados com êxito, não
constituem um produto do gênio nacional...

Aos poemas épicos, souberam os gregos dar uma forma magnífica, bem como atingiram
a perfeição na escultura. Já os romanos não possuíram uma arte própria... De um modo
geral, é a poesia mais cultivada de todas as artes, porque emprega materiais sensíveis de
menor exigência e relativamente fáceis de trabalhar" (Hegel, Estética II, item ib, pág.
238).

182. O gênio se caracteriza essencialmente pela profunda e subtil perspiciência, por parte
da mente, e pela ampla capacidade de compor imagens por parte da fantasia; pela
agudeza intuitiva dos sentidos exteriores - vista, ouvidos, tato
especialmente. Acidentalmente, gênio se caracteriza pela impressionante espontaneidade
mental, imaginativa e sensitiva.

Estas propriedades se exercem independentemente de qualquer aparte resultante da


investigação e do hábito.

O esforço de investigação e o exercício do hábito ampliam o gênio mas não são a


estrutura do mesmo. Por isso o grande artista nasce e não se faz pelo esforço e pelo
exercício; suposta a ampliação dos elementos essenciais de perspiciência, imaginosidade
e sensibilidade, estes admitem desenvolvimento, que o esforço e o hábito lhes podem
imprimir.
Eis porque os próprios gênios artísticos evoluem durante seus anos de vida. O homem
comum, sem o gênio, e portanto de perspiciência limitada e poder de imaginação
reduzido, somente poderá obter realizações medíocres, e que o esforço investigador e o
amparo de longa duração apenas poderão retocar. Nunca alcançará o cume do gênio.

183. São raros os gênios integrais. Ocorrem pintores excelentes, que foram maus
escritores. Notáveis escritores em prosa, péssimos em poesia. Grandes poetas, insensíveis
à música. Espetaculares músicos, fracassados dramaturgos.

É comum observar-se a extravagância nos artistas: geniais em um certo gênero de arte,


medíocres em tudo o mais, inclusive no seu comportamento pessoal, com desleixo no
vestir, falhas morais e sociais.

O gênio secundum quid (segundo certo ponto de vista) incomoda aos que o rodeiam e por
isso facilmente passa por incompreendido. Os estranhos, que só lhes vêem os produtos
artísticos, abstraídos da visão diária de suas extravagâncias, têm melhor oportunidade de
lhe dar apreço.

Por isso, post mortem, o gênio passa à gloria, porquanto fica sendo visto apenas
pelo secundum quid.

O gênio secundum quid merece em vida ser educado naquilo em que é gênio, e também
naquilo em que não o é, para que se torne homem íntegro e feliz.

Quanto ao gênio integral, eis o super-homem! Ele é raro, e a humanidade sempre o


admira. Em todos os setores de atividade este gênio cria com notável sucesso e equilíbrio.

Guindado em suas obras, ergue-se nos píncaros da glória. Os da sua nação nele se
gloriam e se engrandecem diante dos outros povos. Luz de seu povo, é farol para a
humanidade, que toda aproveita da ação teorética de sua grande arte.

O gênio integral, continua sempre lembrado tanto pela sua obra, como pelos demais
aspectos de sua vida.

184. Por parte do artista poderão ocorrer situações acidentais. Dali resultam
eventualmente bons resultados.
A excitação narcótica concentra a atenção para determinados elementos. Cria, então este
artista, com dedicação especial, movido por tais estímulos.

A tuberculose, que foi mais frequente no curso do século 19, cria uma excitação especial.
E ela explica o caráter da poesia dos últimos anos dos poetas falecidos precocemente por
este mal.

Normalmente, porém, o grande artista é aquele capaz de criar como situação ordinária.

Portanto não existe uma terceira faculdade, ou de um sentimento específico de que só o


artista estivesse dotado como ser de exceção.

Neste sentido vale atender à observação de Tomás de Aquino:

"a arte não é mais que a razão reta, de acordo com a qual fazemos certas obras" (S. Theol.
I-II, q. 57, a.3, c).

185. Os defeitos do conhecimento inteletivo, e que deverão ser evitados pelo treino das
operações lógicas do conceito, juízo e raciocínio, acontecem por desatenção às diferentes
fases destas funções.

Já no início da criação da obra artística a desatenção poderá ocorrer pela desatenção à


observação direta dos fatos. Importa que artista seja antes de tudo um fenomenólogo, isto
é, que saiba observar os fenômenos como eles se apresentam no primeiro instante de sua
evidenciação, antes de qualquer elaboração raciocinativa.

O bom pintor é aquele que sabe ver, advertindo-se de todos os detalhes, inclusive das
relações de proporção.

Assim também o bom apreciador da pintura é aquele que aprendeu a ver, e não faz como
o comum dos homens, os quais não se apercebem senão de 10 por cento do que têm
diante dos olhos.

De novo assim acontecerá também com o escritor e o seu leitor, com o músico e
apreciadores, enfim, com toda a espécie de artistas e respectivos consumidores.

Sempre os artista, para o serem verdadeiramente, devem saber praticar conscientemente a


fenomenologia, sem erro e sem perda de detalhes.
186. Continuando a insistir contra os defeitos do conhecimento inteletivo, por parte do
artista, há a advertir que eles ocorrem principalmente na fase elaborativa, quando a
racionalização faz progredir na direção de todo o contexto captável.

No plano do juízo, a passagem do explícito para o implícito poderá provocar equívocos.


Mais enganos, e aqui os maiores, se dão no processo do raciocínio, tanto da análise
indutiva, como na síntese dedutiva. Na indução acontece muitas vezes a falsa
interpretação dos dados singulares, conduzindo a universais sem base suficiente. Na
dedução ocorre o uso frequente de princípios gerais não suficientemente provados.

Zele o artista, sobretudo o escritor, para não argumentar mal.

Não faça da indução, a partir de dados singulares, uma grosseira generalização.

Nem argumente dedutivamente a partir de premissas inseguras e nem delas obtenha


conclusões que elas efetivamente não contêm.

Seja em ciência e filosofia, em religião e moral, é preferível apelar à linguagem


hipotética, do que errar pomposamente.

Do ponto de vista psicológico uma inteligência pode não inclinar-se para a perfeita
verdade, por causa de uma desatenção habitual.

Em decorrência se estabelecem as variantes denominadas com os espíritos deficientes.


Tais são - espírito falso, espírito superficial, espírito estreito, espírito geométrico,
espírito irrealista, espírito maledicente, etc. Distinguem-se dos espíritos que não
alcançam a verdade simplesmente, por não a haverem conseguido, como ocorre
no espírito ignorante e no espírito errado.

Se há quem deva ter uma inteligência bem feita, será o escritor; aliás, como o preceptor
(educador e professor), de que fala Montaigne, pelas mesmas razões.

É que ambos , - escritor e preceptor, - atuam sobre a inteligência alheia. Seria mesmo um
triste espetáculo, se a terra não pudesse contar com bons escritores e ótimos preceptores,
porquanto tudo acabaria por se deformar.

Nesta categoria de inteligência bem feita se incluem também aos demais artistas quando
produzem para o público. Em outras palavras, tudo isto implica em capacidade de
inspiração artística.
187. O espírito falso é aquele que se preocupa em julgar as coisas, porém não tem o
senso da verdade objetiva. Um prejulgamento como que lhe está a frente.

Não chega o espírito falso a ter preconceito, porque este supõe uma disposição prévia
contra a verdade objetiva.

Falta ao espírito falso a cautela de promover a comparação dos termos, de que se compõe
o juízo. O instante do conselho, em que o juízo como que se opõe a examinar em tribunal,
se os termos se compõem ou se se dividem, é tratado com descuido.

O espírito falso é essencialmente desatento.

Sob este ponto de vista ele se cura através da experiência dos anos, do embate com a
realidade, da advertência dos que os corrigem. Aprendendo a ver como as coisas devem
ser vistas, atento à objetividade das mesmas, atinge finalmente um juízo perfeito, na
ordem da verdade.

Deixa então, em virtude de maior atenção, de falsificar. Com o desmentido do tempo, as


afirmações entram para o ajuste dos termos.

O escritor, e o artista em geral, porque deve exatamente afirmar e decidir sobre algo,
incorre em falsidade, isto é, em erro, por causa da desatenção que lhe ocorre porque
escreve sem o cuidado das longas meditações. Sobretudo quando jovem, ele filtra os fatos
através de fáceis generalizações do seu idealismo, ou pessimismo conforme o caso.

188. O espírito superficial é aquele que deforma a verdade do juízo, em virtude de


semelhanças, por motivo das quais julga do mesmo modo, coisas algo distintas.

Ordinariamente o espírito superficial julga com conceitos simples, coisas complexas e


condicionadas por mais fatores.

Também não atende que a identidade e a analogia não conferem. De novo julga com
superficialidade. É o caso em que os indivíduos de uma classe são julgados simplesmente
como iguais, quando na verdade todos não podem ser julgados bons, ou maus, por alguns
ou pela maioria.

Similar é ainda o caso que confunde as relações de causa e efeito com a simples sucessão
(o equívoco do post hoc, propter hoc). Por esta via nascem as superstições; suponha-se
que algo aconteceu depois de se haver visto passar o esquife de um defunto, então este é
visto como causa; o mesmo sucede ao ocorrer uma desgraça física, imediatamente após
um mal moral, sendo logo este olhado como se tivesse sido castigado.

A facilidade com que se atribuem causas sobrenaturais, ou divinas, a fenômenos naturais


ainda não perfeitamente conhecidos, eis outra superficialidade corrente. É comum a
incoerência daquele que assevera haver escapado por um milagre de Deus e não haver
morrido num desastre em que todos os demais sucumbiram.

Corrige-se o espírito superficial atendendo as diferenças subtis que há entre as coisas


semelhantes, de sorte a não aparecerem iguais.

O estudo amplia a capacidade de raciocínio, o que mais uma vez contribui para a
descoberta das grandes relações causais entre os seres. Elimina-se então a preocupação
com interferências atribuídas à fatalidade da sorte e à uma divindade caprichosa.

A superficialidade não é admissível no escritor.

Ainda que deva escrever pedagogicamente e didaticamente para crianças, não poderá
estabelecer afirmações superficiais, isto é, em analogias tratadas como igualdades.

Os que escrevem para o público menos esclarecido, especialmente os que discursam, são
tentados ao uso do argumento por analogia; não acreditam nele, mas conhecem que
funciona junto dos simples, pois estes pensam as coisas semelhantes, como se fossem
iguais, confundem a maioria com o todo, tomam a sucessão como ordenada em termos de
causa e efeito.

A verdade, ainda que difícil de discernir, é um valor, que nem a didática, nem a
circunstância pedagógica, nem mesmo uma situação sociológica de subdesenvolvimento
mental justifica ser sacrificada. Ditas limitações deverão ser superadas de outro modo,
sem incursão na superficialidade.

Em geral (ainda que nem sempre), os escritores, que reúnem "Ensaios" em volume, para
terem um livro, incorrem em superficialidade. Não sendo capazes de coisa melhor,
reduzem-se aos ensaios, quando o melhor seria o tratado, em que os temas se
desenvolvem em sistema cerrado.

190. O espírito estreito é aquele que se fixa em uns poucos critérios e os acha suficientes
para julgar a todos os acontecimentos. É acrítico, porque não considera cada uma das
alternativas a apreciar. Agride aos que discordam. É alarmista, quando os eventos sociais
ou econômicos, culturais ou religiosos não caminham ao modo dos seus rijos pontos de
vista. Chega a ser bem intencionado e ativo trabalhador, heróico batalhador, com se vê
nos políticos fanáticos e nos chefes religiosos eminentemente missionários.

No afã de realizar suas poucas e pequenas idéias, o espírito estreito vai ao ponto de ser
reacionário.

Em alguns casos o espírito estreito não chega a prejudicar, porque sua tarefa exclusiva
coincide com algo urgente, como por exemplo, zelar pelos pobres, o que ele faz sem se
aperceber que é preciso zelar também pelo combate às causas da miséria.

O espírito estreito ocorre com frequência nos políticos demagogos e as vezes até em todo
o programa de uma Partido.

As causas que geram o espírito estreito são várias, desde a incapacidade de melhor pensar,
como a falta de tempo para pensar, em virtude da dedicação às tarefas de ordem prática,
até a especialização dos estudos levada ao excesso.

Tal não pode ser a atitude do intelectual, sobretudo quando se ocupa com a ciência e a
filosofia. Estas, a filosofia e a ciência, são essencialmente questionantes, com igual
oportunidade para as posições opostas. Ao se estabelecer a problematização, exatamente
se inquire por qual das opções de uma hipótese é preciso seguir.

Comportam-se os espíritos estreitos como se entendessem muito depressa os problemas e


assim agem, e assim se comportam.

Sendo estreitos por inclinação ingênita, corrigem-se estes espíritos, adotando um pouco
do espírito questionante.

Um vago ceticismo é uma atitude prudente, a que todos nos devemos submeter.
Admitamos sempre um instante para levar em conta as opiniões contrárias; atendamos
para as perspectivas diversas em que os outros se apoiam. Admitamos, por instantes,
olhar pelos olhos alheios. Só depois disto, passemos a tentar uma opinião própria, que
será menos estreita e mais crítica.

192. Espírito geométrico e espírito de fineza. É famosa a advertência de Pascal,


distinguindo entre espírito geométrico, - de uma só circunstância, - e espírito de fineza,
de todas as circunstâncias levadas em conta.

O espírito geométrico se prende a uma linha absoluta, julgando coisas complexas com
conceitos simples.
O espírito geométrico tende à supervalorização das normas expedidas exteriormente,
enquanto o espírito de fineza apela ao juízo do indivíduo ao qual cabe decidir como
melhor proceder.

A rigidez do espírito geométrico resulta em grosseria, pelas consequências a que conduz.


Leva também à intolerância e à agressividade.

Resulta ainda em falsidade, na apreciação dos fatos complexos.

Nos regulamentos de comunidades, depois de medido o tempo para as tarefas, conduz ao


tilintar de uma sineta a suspensão automática das tarefas inconcluídas.

Nos templos religiosos mede os comprimentos das mangas e dos vestidos por exatos
centímetros. Acontece o mesmo na rígida censura policial dos bons costumes, dos trajes
de banho, das cenas artísticas mais livres.

O espírito de fineza capta a polivalência em tudo, e se acomoda em uma certa


relatividade dos princípios e das leis. Não se angustia. No trato dos problemas, o espírito
de fineza não se limita a considerá-los simplesmente na sua dramaticidade, mas ainda os
escusa e justifica, vendo-os como uma certa legitimidade dentro de tais circunstâncias
sociológicas.

Como se comportará o escritor? É claro que de acordo com espírito de fineza.

Mas o difícil não é estabelecer isto. O difícil está em libertar-se da tendência na direção
do espírito geométrico.

Não há quem não focalize a sua visão do mundo através de prismas de certa limitação e
fortemente concentrados em uns poucos princípios de vida... O escritor também é tentado
a isto.

Chega até a se julgar um super-homem, de sorte que a sua profissão vem a ser de tal
maneira auto-valorada, que as demais parecem de pouca significação. Defende
privilégios para a sua classe, muito mais que outros pleiteiam para a sua respectiva. Se se
tratar de um patriota, exaltará sua nação, inclusive elogiando valentias bélicas contrárias
ao direito dos demais povos e etnias.

193. O espírito irrealista é aquele que opera com conceitos e hipóteses, descuidado em
testá-los com a realidade dos fatos.
Do ponto de vista da metodologia, todo o saber começa com os dados sensíveis; a partir
destes se induzem os conceitos gerais; sempre que se ergue uma hipótese, esta
conceituação geral tem a função de instrumento de trabalho, com o objetivo geral de
testá-la com a realidade concreta dos dados. Entretanto, o que assim se requer, não usa
ocorrer por tendência de certos espíritos, os quais, por isso mesmo são denominados
irrealistas.

A irrealidade ocorre com frequência no plano ético, refletindo-se no comportamento dos


indivíduos e no contexto do escritor. Leis, que se formalizam, em dado momento estão
em conflito com a realidade.

O irrealista não percebe que então já deixaram de ser leis. A verdadeira lei é a que brota
por efeito formal, ou propriedade da realidade; encontra-se, aliás, a justificativa da
revolução a qual consiste em derrubar, ainda que sem violar direitos fundamentais da
pessoa humana, uma situação legal vigente, mas em conflito com a realidade.

O espírito irrealista não se apercebe da realidade quando em conflito com a formalidade


da lei; luta por ela e não se apieda dos inocentes e prejudicados.

O toque da realidade dos fatos, deve ser uma preocupação constante da inteligência bem
formada, do líder social e religioso. Especialmente, tudo isto compete ao intelectual,
portanto também ao escritor, ao artista em geral.

Em virtude do seu maior esclarecimento, o escritor é revolucionário. É um espírito para


a frente! Em nome da realidade, contra a legalidade das formulações superadas.

194. Espírito maledicente é aquele que se aguça em perceber o lado defeituoso das
ações, sem generosidade para reconhecer os aspectos bons.

Geralmente é de agudo discernimento, em vista do mal que percebe nas melhores ações.
Não importa em falsidade e sim em omissão. Tende para o combate e para a destruição.
Escapa-lhe a idéia de que, pela construção do bem, se elimina o mal. Em um copo de
água incompleto, vê o que está vazio e não o que se encontra cheio. Não luta para encher,
mas para denunciar simplesmente o não estar cheio.

Nas lutas de opção de encargos, quando derrota os do poder, como por exemplo o partido
que exerce o governo, é incapaz de assumir a administração. No escritor algo de similar
ocorre quando exerce a crítica negativa; mostra o erro, o defeito, o vício, sem se ocupar
com maior profundidade na indicação da alternativa certa, verdadeira, justa. Quando o
faz, procede como o espírito irrealista, ou mesmo como o espírito estreito, sendo até
como o espírito falso.
195. Não é possível ocupar-nos simplesmente com o mal, com o não ser, com a ausência,
como é próprio do espírito maledicente. O negativo se conhece a partir do positivo. Até
mesmo os espíritos maledicentes conhecem algo do bem, ainda que seu gosto seja
ocupar-se com o mal. O que os torna maledicentes, é a despreocupação do bem em vista
de logo atenderem para o seu oposto. Quem critica o tanto vazio do copo, certamente que
também observa o tanto cheio, ainda que isto não lhe importe.

O intelectual, o escritor e o artista em geral aplicar-se-ão em primeiro lugar ao bem. Isto


importa mesmo porque o mal se entende tanto melhor, quanto mais o bem se destacar.

Como a sombra, que é mais nítida quando o sol bate de cheio contra os objetos, a clareza
do positivo, destaca o negativo. Aprendam, pois, os intelectuais a repelir o erro
mostrando em primeiro lugar o próprio sol da verdade.

Mas não cuidemos contudo apenas do bem. Também o mal precisa de abordagem direta.
Ainda que uma ausência, o mal é uma situação real. Ocupar-nos com ele contribui para
mais cedo alcançarmos o bem.

Schiller admirava-se de como os personagens doentes e defeituosos serviam mais à arte


que os salutares. As sombras destacam o sol; este se brilhasse sem encontrar o contraste
das sombras, não destacaria alguns dos seus aspectos.

Sem ser maledicente, o escritor se ocupará também do mal. E assim também do erro.
Como espírito certo, ao lado do mal e do erro, perceberá o bem e a verdade. Igualmente,
por isso, o pintor retrata o mal, a miséria, o pecado, a morte, como provocação contra tais
negações.

196. A superação dos espíritos deficientes se processa não só pela correção psicológica
das tendências. O espírito pleno se firma pelo ingresso do uso perfeitamente funcional
das operações mentais.

O espírito reclamado para o perfeito escritor é o lógico, crítico, sistemático. Então o


escritor se caracterizará não só como artista, mas também como perfeito homem de saber,
eminentemente capaz. Seu primeiro objetivo não será a arte e sim a sabedoria da
mensagem.

ART. 3-o. DA PERSONALIDADE MORAL DO ARTISTA. 2022y197.


198. Sobre os impulsos a psicologia tem muito a dizer, mas também a moral e a ética. Há
pois a definir como são os impulsos e qual deve ser a atitude a seu respeito.

No plano da existência, as faculdade operam no sentido de fazerem que algo exista, e que
exista em volume sempre maior. O homem dispõe de certas faculdades, em virtude das
quais consegue realizar algo na ordem da existência e que são o instinto e a vontade.

Diferem entre si o instinto e a vontade, como impulsos que se fazem respectivamente


preceder de objetos sensíveis e objetos mentais.

Não há movimento dos impulsos sem presença de objeto; mas o objeto apresentado pelos
sentidos comparece apenas como imagem (sem juízo) e nesta condição excita
simplesmente, de sorte a mover o impulso deterministicamente, com necessidade e
fatalidade, vindo sempre o efeito espontaneamente, desde que não encontre um impecílio
extrínseco.

O mesmo não acontece com o impulso racional, cujo objeto se apresenta em termos de
juízo, com alternativa; nesta apresentação, o objeto limitado se apresenta como um bem,
mas não como um bem necessário e único, porquanto admite alternativa; em
consequência, o impulso é eletivo, ou seja, livre.

Importa um certo cuidado com as palavras tendência, impulso, instinto, que se cruzam
com subtilidades semânticas.

Tendência, tanto pode indicar tendência cognoscitiva, como tendência impulsiva. Mas é
sobretudo aos impulsos sensíveis (instintos), que se dá a denominação de tendências.

Quanto ao nome instinto corre o risco da vulgaridade; sempre é mais seguro


dizer impulso sensível, pois nesta condição se distingue do impulso racional da vontade e
das tendências cognoscitivas. Essencialmente porém se trata do mesmo assunto.

Os impulsos instintivos poderão ser examinados pela sua índole geral, enquanto variam
de indivíduo para indivíduo, chamando-se a este fato temperamento e depois cada um em
separado

O mesmo se poderá fazer em relação aos impulsos racionais; tendem para certas
características, que variam de indivíduo para indivíduo, o que se denomina caráter; e
depois se estuda a vontade simplesmente, como impulso que tem as peculiaridades
próprias do seu tipo racional.

Dali resulta o esquema didático:


- Os impulsos sensíveis, ou temperamento do artista. 2022y199.

- A vontade, ou caráter do artista. 2022y205.

O horizonte de tais estudos será sempre o do artista, enquanto este cria sua obra, com
uma inspiração sob a influência da personalidade de que for dotado.

§ 1-o. Os impulsos sensíveis, ou temperamento do artista. 2022y199.

200. O homem não é apenas um espírito que contempla o mundo, mas também o
transforma por meio dos impulsos guiados pelas imagens do conhecimento.

No plano das faculdade impulsivas há a determinar importantes elementos constitutivos


da personalidade.

Conforme já se adiantou, duas são as modalidades de impulsos, os sensíveis (ou instintos)


e o racional (ou vontade).

Muito importam os impulsos sensíveis ou instintos na constituição da personalidade, e


que envolvem o temperamento. Os impulsos sensíveis atuam deterministicamente na
presença dos respectivos objetos, mas podem ser exteriormente controlados pelo impulso
racional.

Divergem de indivíduo para indivíduo os impulsos sensíveis ou instintos e também


variam de acordo com a educação. Isto quer dizer que há temperamentos e que podem ser
educados. Como comparecem na personalidade do escritor? Eis uma de nossas
indagações.

Mais importa o impulso livre da vontade, que envolve o caráter. É pela determinação da
vontade que os desejos se convertem em decisões e que a sequência das ações assume a
metodológica do planejamento.

O caráter consiste na índole em que se firmou a vontade. Ela é praticamente toda a


personalidade, porque envolve a razão combinada com a vontade de ser o que se é. Eis
uma especial indagação a fazer a propósito do escritor e dos artistas em geral.

Os impulsos oferecem ainda uma faceta peculiar, que é o de estado sentimental, por
vezes dito também estado de espírito, estado de alma, afetividade, emoção. Os
sentimentos são classificáveis de diversas maneiras.
Destaca-se o sentimento estético e a catarse como sendo muito apreciáveis por aqueles
que se ocupam com a expressão artística. Os elementos sentimentais devem ser
examinados; todavia, eles já não são constitutivos da personalidade; em vez de causas
eficientes, eles são efeitos finais. Estes são, portanto, buscados como fins dessas causas
(vd cap. 4-o).

201. Os instintos obedecem a comportamentos, que variam de indivíduo para indivíduo.


Não reagindo do mesmo modo diante de objetos estímulos idênticos, os instintos
oferecem uma fisionomia que se denomina temperamento. Ainda que possa a educação e
a idade exercer modificações no comportamento dos instintos, permanece a estrutura
temperamental básica.

É certo que as situações biotipológicas influenciam os temperamentos. As glândulas de


secreção interna, como as que oferecem hormônios desde o início da puberdade,
modificam profundamente as tendências impulsivas. Mas não as alteram essencialmente.

Por isso, as classificações dali resultantes não são essenciais, ainda que sejam valiosas e
práticas. Delas se ocupam amplamente os psicólogos, que se dividem atém em escolas,
por exemplo a alemã, a francesa, a italiana e outras, antigas e modernas.

Da diversidade temperamental também resulta que o artista, situado uma vez num certo
tipo de temperamento, produz de acordo com a tal tendência. Uma forte disciplina mental
permitir-lhe-á obter os proveitos dos aspectos positivos, sem os defeitos que os
acompanham.

Igualmente o crítico literário muito entenderá do autor que analisa, quando previamente
lhe conhece a tendência temperamental.

Diga-se o mesmo do leitor e consumidor da arte em geral.

O leitor participará com maior justeza da mensagem do texto que lê, se o autor lhe for
conhecido por leituras anteriores, especialmente se estiver capacitado de o ver sob um
prisma psicológico de temperamento. Aliás, considerando que os iguais se gostam, os
leitores tendem a ler os autores de seu próprio temperamento, por seleção quase
inconsciente. Isto apenas não acontecerá com o leitor eminentemente esclarecido, capaz
de diferenciar os temperamentos e auferir proveito de cada qual, a seu respectivo modo.

Já se percebe, quanto é difícil uma crítica verdadeiramente objetiva.


202. A educação modela os impulsos sensíveis, ou instintos. Uma dos objetivos da
educação dos impulsos é a estabilidade emocional. Atingida esta estabilidade, se diz que
o indivíduo alcançou a maturidade, isto porque com o aumento da idade a estabilidade
emocional tende a crescer.

A maturidade confere ao indivíduo um certo domínio de manifestação e ação.

Provocados seus sentimentos e apetites, retém-se contudo no comando de si mesmo.

Manifesta-se apenas quando esta for a real conveniência. Fala e ri, com cálculo. Corrige
com oportunidade. Não é, enfim, governado pelas circunstâncias do momento, mas se
rege pela totalidade das circunstâncias.

É claro que o escritor precisa de um domínio sobre si mesmo, quer quando se refere a si
mesmo, quer quando se exprime para o público. Com equilíbrio e autocontrole se
manifestará sobre coisas capazes de criar susceptibilidade. Com cuidado se manifestará
sobre temas dependentes de pesquisa, ou de reflexão filosófica não concluída. Fanatismos
religiosos e políticos deverão manter o escritor sempre muito acautelado.

Sendo próprio do artista manifestar-se em obras e palavras sobre o que lhe vai na
imanência de suas faculdade, -- tem certamente grande lucro se for dotado de fortes
impulsos, mas com grande maturidade emocional, para aproveitá-los adequadamente. A
retenção de que o homem maduro é capaz, lhe garante tempo para o exame crítico das
alternativas de manifestação e ação.

O escritor precisa de tempo para inspirar-se sobre o tema e sobre a maneira de o


expressar. Este tempo a maturidade emocional lhe confere e ele atingirá o alvo com
precisão.

203. A classificação dos temperamentos tem sido tentada pelos psicólogos. Certamente
as diferenciações temperamentais ocorrem e a classificação ajudaria a entender melhor
tais diferenciações.

Todavia não se tem chegado a classificações concludentes e nem pretendemos agora ir a


esses detalhes, pois, para cada detalhe deveríamos mencionar como ele ocorre na vida e
criação do escritor.

Uma primeira classificação dos temperamentos se difundiu de tal maneira, que passou já
na antiguidade ao domínio literário. Fundamentando-se na influência biológica sobre os
temperamentos, Hipócrates distinguiu quatro humores (dali o modo de falar em bom e
mau humor) e a partir deles quatro temperamentos:
- sanguíneo (predomínio do sangue),

- fleugmático ou linfático (da linfa),

- bilioso (da bile),

- melancólico ou atrabiliário(de atrábile, bílis negra).

Vista à maneira de hoje, esta classificação destaca as secreções endócrinas.

Certamente há um fundamento na classificação de Hipócrates e ela continua a servir para


considerações mais ligeiras a propósito dos temperamentos. Escritores há com índole
sanguínea, outros com índole fleugmática, ou biliosa, ou melancólica.

§ 2-o. A vontade, ou caráter do artista. 2022y205.

206. Na realização de algo importa sempre destacar como fator central o poder de criar.
No homem este poder é a vontade. Opera a vontade primeiramente pela decisão em si
mesma, a qual determina o que haverá de ser feito. Esta decisão tem a forma de um juízo
denominado "prático-prático" e usualmente se expressa exteriormente por palavras como
"faça-se", "quero".

Todavia a decisão volitiva em si mesma não é tudo. Ela tem antes de si a ação das
faculdades de conhecimento, principalmente da inteligência, que fornece a idéia
exemplar (obtida na forma de juízo especulativo-prático), pela qual se orienta a ação; e
tem depois de si a execução exterior da obra. A vontade, situada cronologicamente no
meio, ordena à inteligência o trabalho, com o qual se cria o modelo exemplar da ação, e
ordena aos instrumentos exteriores (por exemplo às mãos) a execução da obra.

Pelo visto, o quadro em que opera a vontade do artista é complexo. Não somente
acontece a decisão em si mesma da vontade por força do seu juízo prático; ocorre
também a ação anterior e posterior sobre outras faculdades. Portanto, por dois caminhos a
vontade do artista influi a expressão artística: através de seu mesmo juízo prático-prático
(ou decisão) e através de seu poder sobre as demais faculdades como sentidos,
inteligência, memória, imaginação, impulsos, sensíveis e instrumentos de execução
material.

Há aquele instante interno da vontade em que ela decide criar a obra de arte. Quando já
se encontra pronto o juízo especulativo-prático da inteligência a propósito de como fazer
falta apenas que a vontade decida. O instante anterior do juízo especulativo-prático não
pertence ainda à decisão mesma da vontade; aquele instante anterior compete só à
inteligência. Cabe apenas à inteligência a inspiração artística, que guiará a obra, como
seu modelo exemplar. Antes da vontade decidir, a inteligência pondera, criando o juízo
especulativo prático. Anotamos ainda que este instante anterior se denomina
também deliberação. Não é a mesma decisão e pertence à inteligência. Mas por ela a
ação da vontade se torna racional.

A decisão da vontade é apenas um ato imanente. À esta decisão da vontade se segue o


da execução na ordem do fazer. Este fazer não pertence à vontade e sim a terceiras e
quartas espécies de executores, por exemplo às mãos, à língua, ao corpo humano em
geral, que por sua vez podem ainda usar de instrumentos totalmente exteriores.

A execução, ainda que realizada sobre terceiras faculdades, se chama ato imperado.

Três fases ocorrem portanto, num ato voluntário:

- a deliberação (que acontece, pois, é ato da inteligência),

- a decisão (que constitui a volição especificamente),

- a execução (que é um fazer determinado pelo ato impensado da vontade, realizado por
outro sob a obediência desse império).

208. Em consequência das definições anteriores, a vontade do artista se forma em dois


sentidos:

1) desenvolvimento da decisão volitiva em si mesma;

2) desenvolvimento da capacidade de coordenação da vontade com as demais faculdades,


sob seu império, como as de conhecer e fazer.

O desenvolvimento da força de decisão depende exclusivamente da vontade.

O da coordenação depende de todas as faculdades coordenadas.

Mas pode ocorrer que em uns indivíduos se desenvolva apenas a força de decisão, em
outros apenas a coordenação, em outros todos os procedimentos; somente nestes últimos
se encontra a perfeição do desenvolvimento da atividade artística.
Cada uma das três sucessivas operações - a da mente, a da vontade, a da execução, -
incorrem em detalhes importantes.

209. Antes, pois, de se decidir e imperar a execução de uma obra artística, inclusive um
trabalho escrito, a vontade deverá aguardar o esforço de deliberação da inteligência.
Enquanto a deliberação demorar e a inspiração não vier, fica a vontade em estado de
indecisão.

É sabido que assim procedem os artistas mais aprimorados; demoram-se em estudos


prévios, por exemplo, por meio de um desenho de um braço, em uma pintura, ou pelo uso
de um modelo vivo, em escultura.

E assim também os escritores longamente ensaiam por meio de notas e redações que
corrigem e alteram. Valem-se também de bibliografias e autores do passado.

Este esperar pelo trabalho deliberativo da inteligência, até que ela formule
adequadamente o juízo especulativo-prático sobre o modelo exemplar para guiar a
decisão da vontade, é uma atitude que demanda uma certa paciência e prudência, a que os
artistas novatos ou os escritores desejosos de se expressar não se subordinam facilmente.

Mas o sucesso dos que se demoram no estudo da expressão, como também o fracasso dos
que se apressam, cedo ensina a estes últimos a serem mais cautelosos.

210. O artista é um trabalhador intelectual, cuja virtude é a estudiosidade, que é um


esforço da inteligência, mas sob a ação imperada pela vontade. Efetivamente, a virtude
do intelectual é a estudiosidade. Nesta condição a estudiosidade se situa apenas no plano
da inteligência. Os vícios contrários à estudiosidade poderão ser a vã curiosidade e a
negligência.

Exige-se para o intelectual uma certa disposição da vontade como um entusiasmo pelo
saber e pelo arrastamento das dificuldades que ele impõe. Mas estas disposições
impulsivas não coincidem com as disposições para a criação da expressão exterior do
artista ou escritor, que ainda requer as disposições para a criação da expressão exterior.

A disposição de querer ser um intelectual é, pois, uma preliminar importante para formar
um artista. Sem espírito de trabalho não se faz um escritor, como também não se cria o
músico, ou outro qualquer artista.
Compreende o espírito de trabalho sobretudo o ardor da investigação. Consiste num certo
zelo, que se aplica voluntariosamente a tudo conhecer e sempre questionar, com o
objetivo de tirar todas as dúvidas sistematicamente, atingir pleno espírito crítico.

Tal como a sistemática metodológica é a disciplina interna do pensamento, o espírito de


trabalho ordena com disciplina vigorosa os impulsos da vontade zelosa. Veleidades
intercaladas, suspensões que dão em perda de tempo, tumultos de outras tarefas
integradas sem planejamentos, tudo isto representa indisciplina na execução.

Cumprimento rigoroso do planejamento das iniciativas, eis a disciplina da vontade bem


formada. Após algum tempo, a disciplina se torna hábito. Finalmente, entusiasmo. Chega,
então, a plenificar o espírito de trabalho, como virtude do escritor e do artista em geral.

211. Quanto à decisão, pela qual a vontade aceita um modelo de expressão, deverá ser
tomada firmemente. Se a vontade resta indiferente diante do que está claro, ela jamais
realizará a obra, seja literária, seja outra qualquer.

Sem capacidade de querer, ninguém chegará a artista considerável. O homem comum,


não vai além da espontaneidade normal, segundo a qual todos falam sua língua, fazem
alguns desenhos inexpressivos, pintam grosseiramente, moldam o barro comum com que
criam simples bonecos. É preciso querer de verdade, e isto significa esperar, até que a
inteligência apresenta um modelo exemplar, e imperar as faculdades executoras que
realizam exercícios de coordenação motora capazes de realizarem em obra o modelo
recebido.

Há intelectuais, por vezes professores indolentes, que muito sabem sobre o tema e sobre
o modelo artístico. Isto o mostram quando eventualmente se exprimem; e também o
exprimem quando fazem a crítica às expressões artísticas de outros.

Falta-lhes disposição suficientemente forte para se decidirem à criação efetiva. São antes
consumidores da arte de outros; apenas lêem, ou apreciam música, ou outra qualquer arte.
Ainda que indolentes, estes intelectuais sem produção situam-se, contudo, mais alto que
os incultos.

Todavia há os inteletuais que não escrevem, porque lhes falta a vocação. Estes poderão
ter vocação para outra modalidade de arte. Ordinariamente todos possuem a prenda para
alguma modalidade artística, ainda que só para fazer bons discursos ou excelentes
preleções.

O normal seria que todos descobrissem uma arte para se expressar criativamente, e por
acréscimo consumir adequadamente as demais. O homem integral liga-se a todas as artes,
ainda que a uma só profissionalmente.
Escritor será aquele que, tendo as disposições para a expressão literária, possui a vontade
firme da decisão de o ser.

212. Na execução se concentra o trabalho do escritor produtivo. Importa que


vigorosamente se dedique ao trabalho de escrever, usando a pena, ou máquina de
escrever, ou o computador. Isto pode exigir o emprego de um tempo, que outros
entregam ao laser.

A execução é aquele trabalho constante pelo qual se treinam as habilidades, sejam de


escrever, sejam de outra qualquer expressão artística. Dali sai finalmente a expressão
efetiva.

213. O império da vontade sobre as demais faculdades respeita a atividade específica de


cada uma. A vontade como que manda que estas outras tratem de operar o que lhes
compete. Manda que a inteligência pense, que a imaginação crie as imagens, que a
memória retenha estas imagens, que os olhos vejam, que os ouvidos escutem, que o tato
toque as coisas, que o olfato cheire, que o gosto atenda o sabor das coisas, finalmente que
os instintos funcionem.

Efetivamente, podemos pessoalmente constatar quanto o geral funcionamento está sob o


controle da vontade, ora mais rijo, ora mais liberalizado.

Peculiar é a coordenação entre a inteligência e a vontade no que se refere ao juízo


especulativo-prático, que constitui o modelo exemplar que antecede o juízo prático-
prático da decisão da vontade. A inspiração artística é um desses juízos prático-práticos,
que orienta a vontade do artista na decisão criadora de obra de arte.

À primeira vista parece que a inteligência decide; de fato porém a inteligência apenas cria
o modelo, deliberando entre diversas possibilidades. Eleger o modelo adequado não é o
mesmo que decidir a ação que manda executá-lo.

A vontade decide todavia duas vezes. Uma primeira decisão da vontade impera à
inteligência que crie o modelo; então a inteligência cria o juízo especulativo, deliberando
sobre o qual o melhor exemplar (inspiração artística).

Em outra iniciativa, a vontade decide efetivar o modelo criado pela inteligência, à qual
cabe a inspiração. A segunda iniciativa é a decisão propriamente dita da vontade, pela
qual o cria a obra, tendo o modelo exemplar como orientação; este é o juízo prático-
prático da expressão eleita.
Finalmente a vontade também impera ao executor da obra; este é um juízo imperativo da
mesma espécie que ocorreu quando imperou que a inteligência criasse um juízo
especulativo-prático; só que o juízo imperativo da execução é agora dado às faculdades
executoras, às quais realizam o fazer.

A vontade foi apenas ação decisória. Ação é algo imanente; fazer é algo exterior, que se
realiza autonomizando-se como obra a parte.

214. O exercício cria o hábito e o caráter. Convém o exercício ao gênio e ao que não o
é. Embora o gênio realize muito sem o exercício, realizará muito mais com ele.

O gênio não precisa de esforço para a aquisição das técnicas comuns e que para os outros
demandariam constante aplicação. Mas não se deve comparar com os medíocres e sim
por-se atento ao seu gênio em absoluto; este, muito alcançará, se puser em exercício as
próprias virtualidades.

Do verdadeiro pintor se poderá dizer que, antes de qualquer exercício, é levado por
tendência natural a dar cor a tudo o que sente; é o seu gênio ou talento. Mas esta
tendência o esforço e o hábito a poderão levar a uma produtividade e perfeição máxima e
acima da tendência espontânea inicial.

215. O caráter se diz da conduta da vontade, como o temperamento, dos impulsos


sensíveis. Tem a vontade que assumir atitudes livres diante de certos valores; entretanto,
estas disposições divergem de indivíduo para indivíduo, diante dos mesmos valores.
Desta sorte, pois, há um caráter diante de situações idênticas.

Encontra-se o caráter muito mais sob o poder da educação do indivíduo, que o


temperamento e a constituição biotipológica.

É possível que haja um caráter essencial a cada vontade.

Entretanto, a maior parte das diversificações de caráter que conhecemos se atribuem a


interferências extrínsecas.

A principal interferência extrínseca no caráter decorre da estrutura do ato livre, que


pressupõe o conhecimento.
Ora, a inteligência pode oferecer uma variedade muito grande de valores, os quais são
apreciados mui diversamente de indivíduo para indivíduo; bem se conhece a variedade
das filosofias, das religiões, das opiniões populares. Circunstâncias numerosas atraem as
considerações da mente para assuntos, que não se afiguram com igual insistências para os
mesmos homens. Cada época tem suas ocupações e seus problemas. Desta infra-estrutura
social brotam estímulos, que diversificam as apreciações dos valores. E, então, em última
instâncias, a vontade se sente orientada de distintas maneiras.

O hábito também influencia ao caráter extrinsecamente (dito talvez melhor


acidentalmente). Pela repetição se estabilizam certas direções volitivas, de tal maneira a
finalmente se criar um modus de agir. Não é o caráter, mas uma estabilização de um certo
tipo de caráter fundamental.

Encontra-se o caráter, muito mais sob o poder da educação, do que o temperamento e a


constituição biotipológica.

Influencia-se o caráter da vontade pelas situações temperamentais e biotipológicas, que


acabamos de mencionar. Exatamente a educação procura retirar a vontade desta situação
circunstancial, que muito pesa sobre cada um de nós.

216. As classificações de caráter são diversas, conforma o ponto de vista adotado, que
uns consideram mais fundamentais e outros menos. As tipologias do caráter se
apresentam assim, quando vistas de um ponto de vista psicológico:

Para Ribot - sensitivo, ativo, apático, misto.

Para Fouillé - inteletivos, sensitivos, volitivos.

Para Paulhan - equilibrado, refletido, dominado, vacilante, impulsivo, composto.

Para Freud - narcisíaco, erótico.

Para Jung - introvertido, extrovertido.

Há ainda aquelas tipologias que levam em conta critérios morfológicos e fisiológicos,


como se depara em Kretschmer.

Não há quem não tenha um caráter. O que pode acontecer é não ter bom caráter.
217. Que seria de um escritor se fosse apático? Talvez escrevesse pouco e sem dar
importância aos valores.

Um escritor ativo? Talvez produza muitíssimo.

Se o escritor estiver na categoria do caráter inteletivo, talvez produza com saber e


raciocínios.

Se no caráter volitivo, certamente com afirmações corajosas e práticas, porém com


dogmaticidade e pobreza de argumentação.

O narcisíaco, como escreveria? Manifestando talvez sua vaidade.

CAP. 4-o.
PARA QUÊ O ESCRITOR? PARA QUÊ OS ARTISTAS? 2022y220.

221. Introdução à finalidade em arte. Quem escreve tem algo em vista. Certamente os
objetivos são muitos. Quando alguém escreve ou pratica outra arte qualquer, ora atende a
uns, ora a outros destes objetivos, ou fins.

Há uma ordem nestes fins. Há sempre um fim imediato, ao qual se juntam fins próximos
e últimos. Uns e outros fins são estimulantes, e podem ser até úteis à comunidade.

Na conclusão da investigação sobre o escritor importa deixar também isto claro.


Pergunta-se, pois,

- para que o escritor? Ou seja para que escreve ele?

- E o que esperam dele os outros?

Há uma variedade nos fins, podendo ser classificados.

Pela simples sequência, que já mencionamos, os fins são imediatos, próximos, últimos.
Pela dependência, os fins são iniciais intermediários, terminais.

Pela importância, os fins são primários e secundários.

Pela espécie de relação com o objeto que exerce os fins, os fins são internos e externos.

Todas estas modalidades de fins podem ocorrer numa obra de arte. Consciente ou
inconscientemente, o escritor está ligado a eles.

Em sendo a obra de arte uma estrutura complexa de elementos, os fins se ligam a ela por
diferentes caminhos.

§ 1-o. O fim imediato do artista. A questão da arte pela arte. 2022y222

223. O fim imediato é aquele em que qualquer operação especificamente termina.

As operações são dadas geralmente como três fundamentos - conhecer, agir, fazer.

A operação do conhecer termina no conhecimento; efetivamente exerce-se o


conhecimento em operações mentais sucessivas, as quais terminam no conceito, no juízo,
no raciocínio.

A operação do agir, entendido como ação imanente, termina no mesmo ato; as ações
podem ocorrer no instinto e na vontade, que terminam nos respectivos atos, em que os
terminais dos instintos se podem chamar emoção ou paixão, os da vontade volições.

Finalmente, a operação do fazer, entendida como operação que termina fora de si, em
obra autônoma do operante, termina nesta obra exterior ao mesmo fazer.

O fazer apresenta várias espécies, entre as quais uma é a obra de arte. Em todos os
exemplos enunciados, o fim imediato é aquele em que a operação especificamente
termina.

O fim imediato de uma operação é sempre interno, porquanto coincide com a natureza da
coisa realizada. Trata-se do não existente, que entre a existir, e se constitui apenas
daquilo que passou a existir.

Neste sentido cada ser tem em si mesmo seu fim interno; busca necessariamente a si
mesmo; não pode ser contra si; tende a defender-se e não a destruir-se. O amor de si
mesmo é o maior amor, o mais essencial, o mais necessário. O amor aos outros não pode
ser maior que o amor próprio e é aceitável só quando em equilíbrio com ele.

Definir a natureza da arte é o mesmo que ocupar-se de seu fim interno. O objetivo
primeiro do artista é a obra a atingir.

Todavia este fim imediato nos faz erguer a pergunta em negativo, se a arte poderia ser
praticada apenas como arte pela arte, isto é apenas pelo seu fim imediato (de obra que se
faz) sem outros fins (os externos, sejam próximos, sejam remotos)?.

Neste caso, se respondêssemos que sim, teríamos uma arte sem qualquer outro fim que o
interno, uma arte principalmente sem ética, sem compromisso com a sociedade, sem
consideração para com a educação do homem, com o bem comum, com a estrutura
política, etc.

Ao problema da arte pela arte, não se responde diretamente pela finalidade imediata e sim
pelo exame das outra finalidades propostas. Estas outras finalidades deverão ser
discutidas; se elas em si mesmas se validarem, decorrerá que a arte pela arte não existe,
senão abstratamente; a arte pela arte seria todavia uma tese certa, se as outras finalidades
(externas) não se consolidassem.

224. O fim imediato é um todo, em que há elementos essenciais e elementos que se


caracterizam como propriedades e acidentes. Na obra de arte o fim essencial é a
expressão.

A expressão tem, todavia, propriedades importantes, e que podem eventualmente ser a


motivação principal porque se cria a obra. Mas o todo é a obra de arte, e este todo é o fim
imediato da arte.

Subdivide-se, pois, o fim imediato da arte em muitos fins imediatos, em que eles
divergem entre si apenas pela categoria de ser a que pertencem, portanto ora pela sua
essência, ora pelas suas propriedades, ora mesmo pelos acidentes.

As principais propriedades da expressão artística são a comunicação, esteticidade, catarse,


diversão, organização do pensamento, conforme já mencionamos em outro lugar (cap. 1-
o).

É inegável que a língua se usa dominantemente como técnica de comunicação. Acontece


assim no dia a dia dos homens que conversam. Também o filósofo e o cientista das mais
diversas modalidades escrevem com a intenção de comunicar-se com público.
A esteticidade, tão própria das artes plásticas e da música, motiva também aos escritores,
sobretudo os de ficção (conto, novela, romance, poesia em todos os seus gêneros).

A catarse é própria sobretudo da música, mas não deixa de acontecer nas demais artes.

A diversão, ludicidade, distração ocorre com frequência como objetivo da obra literária,
principalmente no teatro, canto, anedota, apresentações as mais diversas.

Quem não toma notas para organizar seus pensamentos? E assim qualquer redação
ordena o pensamento; em si mesmo bastante rápido e dispersivo, o pensamento é domado
pela disposição espacial e temporal das expressões verbais, em sons, palavras escritas.

Tudo o que arrolamos se constitui de fins imediatos da arte - a expressão (fim essencial),
a comunicação, a esteticidade, a catarse, a ludicidade, a ordenação do pensamento (fins
com aspecto de propriedade, acompanhados de acidentalidades).

225. Os fins não imediatos e não internos à obra de arte ocorrem com certa distância da
obra em si mesma. Tais fins se caracterizam como sendo relações de que a obra, depois
de pronta, poderá exercer para fora. Uns se podem denominar próximos e outros últimos,
uns intermédios e outros terminais; também uns primários e outros secundários.

Os fins próximos se dizem principalmente da obra como um todo concreto; por exemplo,
criar a obra com o fim de vendê-la e obter fins econômicos. Os fins últimos se dizem da
obra de arte principalmente no que se refere ao seu conteúdo temático, que pode ter
efeitos éticos, sociais, educativos, políticos, etc.

Tudo o que arrolamos constitui o que se entende por fins imediatos da arte - a expressão
(fim essencial), a comunicação, a esteticidade, a catarse, a ludicidade, a ordenação do
pensamento (fins com aspecto de propriedades da referida expressão).

§ 2-o. Fins próximos. Em especial sobre a arte para vender. 2022y227.

228. Terminada a obra de arte em si mesma, ela poderá ser orientada para novos fins ou
objetivos, e que lhe são externos. Estes outros objetivos não são evidentemente imediatos,
porque não fazem parte da estrutura da arte, com a qual apenas estabelecem relações.
Podem mesmo não ser previstos. Mas, geralmente o são e em função a eles até mesmo se
orienta a inspiração artística.

De acordo com a distância, na intenção do artista, há os fins que se caracterizam como


próximos, enquanto outros são últimos.
Os fins próximos se dizem principalmente da obra como um todo, isto é como expressão
e tema. Assim se entende, por exemplo, a obra quando vendida, pois o adquirente se
interessa pela expressão, a qual não existe sem o tema. Diferentemente, o fim último diz
respeito mais ao tema, através da qual a arte visa, por exemplo, a instrução, a melhoria
ética e social. Fiquemos com o fim próximo para analisá-lo com maior detalhe.

Ordinariamente, os fins próximos da arte se relacionam com os objetivos do dia a dia do


ser humano, por exemplo com o ganho, ao qual já mencionamos antes.

Frequentemente os artistas plásticos produzem para vender. Os escritores, ora vendem os


seus direitos autorais a um editor, ora publicam eles mesmos seus livros tentando
rendimento em cada livro vendido. O comércio do livro é um ramo regular de atividade,
em vista da grande procura deste gênero de expressão.

Acontece o mesmo com a música, comercializada principalmente em discos e fitas


gravadas. Não ocorre com a mesma regularidade a comercialização das artes plásticas.

O fim próximo mais frequente nas intenções do artista, inclusive do escritor, é o ganho de
dinheiro. Há escritores que simplesmente decidem escrever somente se lhes pagar. Nisto
há certamente um exagero de ênfase.

Em tudo o homem busca vantagens econômicas, também na arte. Ganhando dinheiro


com a venda de sua arte, o homem artista transpõe este dinheiro para aquisição dos bens
de subsistência e desenvolvimento.

A legislação sobre direitos autorais os define geralmente com inclusão de vantagens


monetárias.

Consiste a economia na transformação da matéria para colocá-la a serviço do homem.


Num estágio mais avançado, a transformação da matéria a serviço do homem atinge
níveis técnicos muito sofisticados e que oferecem ao homem vantagens mais amplas;
neste outro nível a matéria a serviço do homem assume o nome de civilização.

Mas em tudo, seja na economia, que por exemplo produz alimentos, seja na civilização,
que fabrica por exemplo automóveis, o objetivo principal é sempre colocar a matéria a
serviço do homem.

Porque a ciência também conduz ao domínio sobre a matéria, por vezes incluímos no
conceito de civilização a própria ciência.
A maior parte dos homens trabalha diretamente na transformação da matéria posta a seu
serviço. Aqueles, que não se ocupam diretamente disto, apelam à troca de seus outros
serviços por vantagens materiais. Seja o artista, seja o mestre escola, seja o político, seja
o prestador de serviços religiosos todos reclamam direitos de subsistência e
desenvolvimento; a moeda é a maneira mais fácil de o fazer e é por meio dela que se fixa
o salário.

230. Não há inconveniente ético na venda de obra de arte, mesmo de escritos ideológicos,
desde que não se perca de vista o caráter de fim próximo. Vender a expressão não é o fim
último da arte. Mas sempre assim pensam os homens.

O verdadeiro escritor deve ser personalidade responsável, colocando seus atos em


coerência com o todo da realidade.

231. Caberia pagar mais alto salário pelo que é mais nobre?

Dada a nobreza da arte por ser portadora de expressão, caberia ao artista postular maior
salário que ao consumidor.

Já Aristóteles propunha o princípio da nobreza da tarefa como merecedora de maior


salário.

Isto certamente favoreceria a classe social mais evoluída.

E logo se poderá pensar também, que favoreceria ao empresariado e ao capitalismo em


geral.

Também favoreceria à nobreza dos príncipes, considerados com o direito de governar e,


que ainda se conservam em alguns regimes obsoletos de hoje. Manteria no mais alto
escalão os cientistas, os filósofos, os artistas em geral, os escritores.

Os dirigentes profissionais das religiões também reclamariam direta e indiretamente


elevado salário, em nome de Deus, ao qual se auto-proclamam representar, e de cujos
objetivos estariam tratando.

Outro princípio para determinar o índice de pagamento do salário seria o dos custos.

Então, a água por exemplo, custaria menos que a maioria dos alimentos, apesar de muito
importante.
O ar, ainda mais significativo que a água, custaria praticamente nada, senão o ônus social
da não poluição do ambiente.

As profissões que exigissem curso universitário, receberiam maiores níveis salariais, que
as de nível menos custoso.

Também os escritores ganhariam conforme o custo. Ainda que os custos pareçam difíceis
de calcular, eles parecem constituir um elemento básico para os direitos de salário.

Todavia, elementos acidentais deverão certamente alterar estes direitos; há aqueles custos
que não conseguem transferir-se ao produto, por torná-los impraticáveis. Isto acontece
facilmente com a obra do escritor.

Se sua obra de arte for indispensável, a sociedade poderá subsidiá-la, como faz também
com outros produtos de custo impraticável.

232. Examinemos melhor em que sentido se poderia estabelecer a atividade artística


como sendo algo mais nobre. Ela é menos ligada à matéria, mais ao espírito pensante.

Haveria como uma superioridade nas atividades menos ligadas à matéria? E assim cabe a
pergunta se há alguma nobreza na tarefa do escritor, pelo simples fato de se ocupar
principalmente da expressão de um conteúdo mental?

Também as tarefas que se ocupam com a matéria usam a mente. Há apenas níveis -
elementar, médio e superior - que decorre tão somente do desenvolvimento mental
atingido pelo indivíduo. Hoje a cibernética é um altíssimo modo de se ocupar com as
coisas materiais. Bem trabalhar a matéria exige grande saber, principalmente matemático,
físico, químico, biológico, técnico.

De outro lado, a arte sempre se ocupa com a matéria, por que trata de colocar a expressão
ideal da mente em expressão sensível, que ato contínuo serve como técnica de
comunicação.

Todavia, não resta dúvida que o centro principal da arte continua do lado da mente. Ela
nasce na mente e continua a serviço da mente. A diferença entre um artigo industrial e
uma obra de arte está nisto, que o artigo industrial é apenas uma coisa, ao passo que a
obra de arte é portadora de uma mensagem. Uma pintura nos diz algo. O mesmo acontece
com a linguagem; ela não é apenas uma sequência de sons articulados, e sim um discurso
de idéias.
Se não bastasse dizer que o centro principal da arte se encontra do lado da mente,
poderíamos ainda alegar que o lado material da mesma permite ser executado por outros
a mandado do artista.

O compositor da música não toca o instrumento que produz o som. O escultor não se
cansa com o martelo. O escritor não imprime; por vezes nem datilografa; no rádio outro
locutor lê por ele; na televisão outro se apresenta por ele; assim também outros fabricam
caneta e papel por ele.

Nisso tudo não vai apenas o planejamento pelo qual se distribuem as tarefas mas, também
a tendência de reservar para si o que é considerado mais nobre, cômodo e capaz de
marcar status.

§ 3-o. O fim último da obra de arte. 2022y234.

235. O fim último da obra de arte é geralmente de caráter bastante estável e elevado.
Envolve o tema da arte e não a obra como um todo, conforme acontece quando ela é
vendida.

Pode o fim último variar e depender da eleição do agente. Para agentes diversos haveria
também muitos fins últimos. No caso da arte os fins últimos podem ser, por exemplo, a
difusão da ciência e filosofia, da moral e educação, da ideologia política e religiosa, etc.

Em casos especiais, - como na ficção, principalmente conto, novela, romance, - o fim


imediato visa apresentar a mostragem de uma realidade com o fim último de transformá-
la.

Quando a ficção se omite sobre este seu fim último usual, ela busca pelo menos distrair;
então já se encontra no plano dos fins imediatos da arte pela arte.

O fim da arte que distrai, certamente se coordena a novos fins próximos (por exemplo o
dinheiro) e últimos (por exemplo a felicidade em geral).

236. Através do tema, a arte assume o mesmo fim último do saber em geral, inclusive da
ciência, seja filosófica, seja positiva. Tudo a arte exprime, principalmente através da
língua falada e escrita.

Mas para que o saber? Para que a ciência filosófica e positiva?


O saber possui um fim em si mesmo, qual seja o da informação sobre as coisas. Quanto
maior o saber, mais perfeição para o indivíduo. O saber produz satisfação. Basicamente é
o saber que produz o sentimento estético, principalmente a percepção do belo, isto é, do
ser perfeito e em destaque.

Todavia, o saber pelo saber não é toda a função do saber. Pela orientação do saber, a
vontade e demais faculdades do fazer transformam as coisas.

Pelo saber educa-se o homem. Por meio do saber desenvolve-se a economia. Usando o
saber, criam-se as vantagens da civilização.

Ora, a arte é o veículo do saber. Principalmente a linguagem falada e escrita é este


veículo. É claro pois, que o escritor, veiculando o saber, transforma a realidade, pondo-a
a serviço do homem. O mesmo fazem os demais artistas.

Haja pois escritores e artistas de toda a espécie. Que eles assumam a missão de
transformar o mundo para o homem e, finalmente aperfeiçoem a este mesmo homem.

E. Pauli.

FILOSOFIA GERAL DA ARTE

APRESENTAÇÃO TÉCNICA DO TEXTO.

0531y003.

4. Filosofia geral da arte, no sistema da Enciklopedio Simpozio, é um texto híper (e não


atômico), porque assume a feição de tratado, polarizando em torno de um verbete central,
o de 0531, os artigos atômicos com este relacionados.

É ainda um texto mega (e não micro), enquanto se apresenta em dimensão grande.


Dada a afinidade do tratado Filosofia geral da arte com outras estéticas, ele ainda se
integra no conjunto denominado Mega estética.

Por último, o conjunto Megaestética se encontra no quadro mais vasto da Enciclopédia


de Filosofia, que é a subunidade 1, no grupo das 10 subunidades enciclopédicas, que
constituem finalmente o todo da Enciklopedio Simpozio.

5. A numeração dos artigos do texto híper Filosofia geral da arte se processa em 8


dígitos, com a letra y no meio do campo.

Finalmente as três cifras finais redividem os artigos, com opções de 000 até 999.

No curso interno do texto mega os três dígitos finais podem ser citados sem os dígitos
precedentes. Mas, sempre que forem citados a partir de fora deste texto, hão de estar
todos os dígitos.

INTRODUÇÃO GERAL À

"FILOSOFIA GERAL DA ARTE "

0531y008.

9. Temas introdutórios. Trata a filosofia geral da arte os temas de interesse de todas as


artes em conjunto. Aborda a natureza mesma da expressão, qualquer seja a arte, - pintura,
escultura, música e linguagem. E assim aponta ainda para o que há de comum em todas
as artes, quanto às formas de expressão (prosa e poesia), gêneros artísticos, e mesmo
quanto aos estilos.

Há muito de comum entre filosofia geral da arte e teoria geral do conhecimento, até
mesmo no que se refere às dificuldades oferecidas por ambos os temas (vd 404).
Com vistas a contornar as dificuldades intrínsecas da temática, o texto de Filosofia geral
da arte recorreu muitas vezes à repetividade.

10. Ordenamento didático. Como disciplina de saber, a filosofia da arte dispõe de uma
ordem no seu desenvolvimento e que a introdução faz conhecer antes de ingressar na
mesma.

Tudo começa pela definição.

Aditivamente, a introdução oferece também elementos de história e considerações sobre


o valor deste estudo.

Dali decorre o seguinte ordenamento didático dos temas, em 5 artigos, a tratar numa
introdução à filosofia geral da arte:

- Objeto da filosofia da arte (vd 0531y011);

- Valor da filosofia da arte (vd 0531y050);

- Um pouco de história da filosofia da arte (vd 031y056);

- Divisão da filosofia da arte, como se a tratará aqui (vd 0531y065).

Nos artigos maiores poderá ocorrer a redivisão em parágrafos, e estes em itens indicados
por números romanos.

Esta ordenação em artigos, parágrafos e itens poderá ocorrer em todos os 7 capítulos que
se seguirão á presente introdução geral.

ART. 1-o. O OBJETO DA FILOSOFIA DA ARTE. 0531y011.


12. Define-se a filosofia da arte, pelo objeto ou tema de que trata. A colocação da
questão em si mesma é pouco complexa. Num primeiro impacto pode contudo criar
alguma confusão, até porque há uma grande número de denominações envolvidas.

Didaticamente decorrem dali três parágrafos, tentando definir a filosofia da arte:

- o objeto pelo qual pergunta a filosofia da arte (vd 13);

- as denominações da arte (vd 27).

- as denominações da ciência e da filosofia da arte (vd 36).

§1. O objeto pelo qual pergunta a filosofia da arte.

0531y013.

14. A filosofia da arte pergunta pelo ser da arte como expressão material de algo.

Encontra-se a filosofia da arte em contraste com a teoria do conhecimento, a qual se


ocupa da expressão mental.

A arte se apresenta como expressão material de algo. A pintura é matéria que exprime
algo. A estátua é matéria que exprime algo. O som é material e exprime algo. A
linguagem é material e exprime algo.

No fato de ser expressão material de algo se encontra o centro do fenômeno artístico.

É o mesmo que dizer, que a arte é uma coisa que significa outra coisa.

Ou mais simplisticamente, que a arte é coisa que fala de coisa.

Eis um fenômeno relativamente simples, mas que muito importa ao ser humano, razão
porque se torna objeto de estudo.
15. Objeto material e objeto formal. Cada ciência tem o seu ponto de vista específico,
que a distingue de outra. O ponto de vista de uma ciência é dito seu objeto formal; este
ponto de vista é o ser da coisa estudada.

Num sentido bastante técnico se diz objeto material o que é visto como um todo ainda
não submetido à abstração. Em contraste, se diz objeto formal, o que é tomada em
abstrato, sem os demais aspectos que a mesma coisa concreta admite considerar. O objeto
formal é dito também objeto específico e objeto essencial, quando é dito do ponto de
vista tratado por uma ciência.

A arte, enquanto expressão material, é objeto material de muitas ciências. Mas, desde que
se diferenciarem os diversos pontos de vista, que nela se podem considerar, distinguem-
se as ciências que tratam da arte.

16. Gêneros de ciências. Como já foi dito, as ciências se distinguem especificamente


pelo ponto de vista que exploram. Mas estes pontos de vista se agrupam em dois
grandes gêneros, - uns são empíricos, ou experimentais; outros são eminentemente
racionais, ou filosóficos.

Portanto, umas ciências são ditas filosóficas, e outras positivas, ou experimentais. E


assim vai acontecer, que há ciências filosóficas da arte e ciências positivas da arte.

A característica das ciências filosóficas é a compreensão puramente interna da coisa, ou


seja, a partir de seu ser. Diferentemente, a característica da ciência experiência é a
percepção de relações externas, principalmente de espaço e tempo, e por isso faz notório
uso da matemática.

Colocada como um gênero de ciências, a filosofia não é apenas uma só ciência filosófica.
A rigor, a filosofia não é uma ciência, mas um gênero delas, - todas as que operam como
racionais.

São ciências filosóficas, a metafísica (contendo gnosiologia e ontologia), a psicologia


racional, a ética, etc.

E assim há uma gnosiologia da arte, uma psicologia racional da arte, uma ética da arte;
em conjunto se chamam filosofia da arte.
Por sua vez, também a ciência positiva (geralmente denominada simplesmente a ciência)
não é uma só ciência; mas é um gênero delas, todas operando com a experiência.

São ciências positivas, a ciência natural, a história, a psicologia experimental, a


sociologia, etc.

E assim há uma ciência natural da arte, uma história da arte, uma psicologia
experimental da arte, uma sociologia da arte; em conjunto formam o
gênero ciência (positiva) da arte.

Entretanto o assunto da; classificação das ciências é altamente complexo e polêmico.

Advertidos, pois, sobre a problematicidade do assunto, - de como se determinam as


espécies de ciências e de como se ordenam suas classes ou gêneros, - o quadro acima nos
mostra, pelo menos, uma das hipóteses, que nos serve pelo menos para ilustrar, que o
estudo da arte, em última instância, deve ser visto dentro de um quadro bem geral, seja o
apresentado, ou seja outro.

17. Filosofia geral da arte e filosofias especiais da arte. Com vistas a administrar a
vastidão de uma ciência, ela divide dimensionalmente a imensidão do seu temário
em parte geral e em partes especiais (vd 66).

Esta divisão se diz material, porque não afeta seu objeto formal, que continua o mesmo.

Primeiramente, sob o mesmo ponto de vista se trata o que é mais geral no campo das
artes; depois se trata dos campos específicos de cada uma das referidas artes (ou partes da
arte). Não muda o ponto de vista geral, que passa a ser progressivamente particularizado.

Dali resulta o esquema abaixo, e que assume por vezes nomes diferenciados e que
sobretudo operam com a palavra estética, em cada caso com oscilações semânticas:

- Filosofia geral da arte;

- Filosofia especial da arte, redividida em:

- filosofia da língua (estética da linguagem);

- filosofia da pintura (estética das cores);

- filosofia da escultura (estética das formas);


- filosofia da música (estética musical).

18. Gnosiologia da arte. Em cada campo se reencontram todas as ciências filosóficas da


arte. E assim, na filosofia geral da arte, tudo começa pela gnosiologia da arte. Quando se
trata de distinguir entre ciências, a temática é especificamente distinta. A gnosiologia da
arte é muita especifica e importante.

A arte começa, para nós, como um algo que se apresenta, um fato, um acontecimento,
um dado fenomenológico, o qual precisa ser justificado gnosiologicamente.

Como garantir a veracidade da informação de que a arte é expressão?

Eis uma perspectiva bem definida, e que a lógica (quando faz a introdução à filosofia da
arte) assim mostra, para estabelecer ser este o trabalho da gnosiologia da
arte ou metafísica da arte, ou ainda da filosofia geral da arte.

Portanto a lógica se retém no seu ponto de vista meramente formal, determinando as


distintas perspectivas. Distinguidas as diferentes perspectivas para o exame, cada ciência
específica assume a sua tarefa.

E logo ficamos sabendo da importância da metafísica, à qual compete garantir o objeto.

19. Continua difícil descrever a filosofia da arte, como uma ciência teórica do ser da
expressão. Neste plano ela é efetivamente uma gnosiologia e uma metafísica da
arte, porque estuda o significado como um ser, e que se encontra no significante sensível.

Sua pergunta teórica fundamental é gnosiológica;

- se a arte efetivamente significa algo?

E, logo a seguir, passa à mais uma pergunta teórica;

- porque uma coisa pode significar outra?

A metafísica, pela sua parte denominada metafísica do conhecimento (ou gnosiologia),


examina a natureza do conhecimento mental; neste mesmo contexto estende a pergunta,
examinando também a natureza de expressão artística, a qual também é um fazer
conhecer.

Trata-se de um nível de conhecimento bastante abstrato, de que todavia temos


ordinariamente algumas noções. Por exemplo quando passamos a expressar um objeto,
sabemos que por meio de imagem semelhante o indicamos.

Encontra-se ali a teoria básica da metafísica da arte: pelo semelhante se acusa o


assemelhado.

Além disso conhecemos ainda algumas propriedades do conhecimento e que também se


encontram na expressão artística: evidência, verdade, certeza. Por estes conhecimentos
iniciais e vagos segue a filosofia da arte, quando se situa em seu domínio principal - a
metafísica da arte.

20. Até que ponto a gnosiologia da arte se complementa na filosofia natural?

Certamente, a filosofia natural, distinta da metafísica da arte tem também algo a dizer
sobre a arte. Todavia não é fácil determinar o que lhe cabe esclarecer, porquanto sua
tarefa se aproxima da metafísica.

Pode-se mesmo duvidar que ocorra uma distinção específica entre metafísica e filosofia
natural. Alguns modernos, - como Chr. Wolff, - passaram mesmo a interpretar
a metafísica, como sendo uma filosofia geral, enquanto que a filosofia natural seria
apenas uma filosofia especial; neste caso, uma se preocuparia do ente geral, outra do ente
particularizado, portanto ambas sob a mesma perspectiva de ente.

Mas, - se a diferença que se dá entre metafísica e filosofia da natureza não for a mesma
que se tem em vista, quando se divide uma ciência do ente em geral e a do ente em
especial, - se mantém a especificidade das duas ciências filosóficas mencionadas.

A metafísica estuda a arte a partir de princípios derivados dos princípios gerais. Quando
os princípios são derivados, eles mantêm o caráter metafísico. Explicar, por exemplo, a
partir da semelhança a acusar o semelhante, - por que a arte exprime?, - é tema da
metafísica da arte (vd 19).

21. A sociologia da arte e a ética da arte, inclusive a política da arte, ocupam-se de


outras e outras perspectivas, todas importantes. Ainda que usualmente estes aspectos
venham abordados dispersivamente, obedecem eles a princípios lógicos das respectivas
ciências, de que se constituem partes especiais.
Como um fazer e até pelo seu conteúdo expresso, a arte implica em consideração
de dever ser, que é o ponto de vista da ética. A arte é algo neutro, se apenas
considerarmos o ponto de vista meramente formal da arte como operação de expressar.
Todavia através de outros caminhos, não escapa dos parâmetros gerais do dever ser.

As implicações sociais da arte se dão sobre tudo através de sua condição de comunicação.
A arte importa à sociedade desde o momento do pacto social. Não é possível chegar ao
pacto social, sem um código convencional de linguagem.

Todos os povos, por igual têm direito ao estabelecimento do código comum da língua
internacional. Em princípio não pode um só povo impor colonialisticamente sua língua
nacional. Isto entretanto acontece por motivos culturais, em virtude do desenvolvimento
maior de uns grupos e menor de outros.

As artes, ao operarem pelo instrumento da semelhança natural, têm por si mesmas um


código universal.

Há, pois, um tema político social da arte, sobretudo no caso das artes dependentes de um
código de convenções.

22. Interpretação da arte significa entendê-la em cada caso. Não é a interpretação da


arte uma teoria geral sobre o conceito mesmo de arte. Posta a mensagem em obra, quem a
aprecia a procura entender. Ocorreu, então, a interpretação da arte, que não se confunde,
pois com a ciência sobre o processo como um todo.

Há aquelas artes em que a interpretação se exerce com espontaneidade. Isto se dá na


linguagem cotidiana. A expressão literária de maior refinamento se mostra, aos simples,
de interpretação mais difícil.

Menos fácil é a interpretação da arte abstrata, como na pintura moderna mais avançada.

Também não se apresenta, de todo espontânea, a interpretação da música erudita, ao


contrário da música banal.

A interpretação se situa principalmente da parte de quem não produz a arte, portanto


daquela para quem é produzida.

Cabe ao ouvinte consumidor o interpretar, entendendo a linguagem de quem fala, ou faz


música. É tarefa do observador compreender a expressão de quem se exprime em cores e
formas
.

No artista, a interpretação tem como paralelo a consciência daquilo que ele procura
expressar. Por isso, o artista é, por assim dizer, o primeiro intérprete de sua obra; antes
mesmo que outro o interprete, ele pode saber o que outro poderá entender por ela.

Quem escreve, ou conta, ou pinta, ou esculpe, ao mesmo tempo sabe o que escreve, ou
conta, ou pinta, ou esculpe. Isto que o artista sabe a este respeito, é sua interpretação
através da qual acompanha conscientemente o que faz, entendendo o efeito futuro de sua
ação sobre os demais intérpretes.

A arte, em qualquer circunstância, é expressão apenas objetiva. Ela mesma não sabe o
que está apresentando à interpretação.

Oferecendo condições para uma interpretação, a arte não contém a mensagem feita. Ela
vai nascer na mente do intérprete, que a capta interpretativamente (vd 258).

23. Crítica da arte é o julgamento de obra artística individual à luz de parâmetros


estabelecidos pelas ciências ocupadas com a mesma.

Trata-se de um juízo apreciativo similar ao que em direito se denomina casuística, em


que o jurista faz aplicações da lei a um caso particular.

A estrutura de qualquer crítica é a mesma do juízo, que consiste na comparação de dois


termos, os quais, - quando conferem , - são afirmados um do outro; - quando não
conferem, - são negados um do outro. Na crítica um dos termos é geral, e se estabelece
como parâmetro definitivo, em função do qual o outro termo, o criticado, é julgado, em
acordo, ou desacordo.

A perfeição da crítica é condicionada pelo conhecimento perfeito de ambos os termos


comparados.

Por conseguinte, a crítica da arte depende,

- de um lado, - do conhecimento dos princípios teóricos que definem e caracterizam a arte


filosófica e cientificamente;
- de outro, - do conhecimento da obra individual ou concreta em questão.

O primeiro tema vem do sistema chamado ciência;

o segundo, - o do conhecimento da obra, chamado também interpretação da arte.


A boa crítica também pressupõe a prévia definição do princípio teórico em função do
qual se procede a apreciação.

Ainda supõe a condição subjetiva segundo a qual cada uma faça a crítica dentro dos
parâmetros dele conhecidos; decorre, que uns estão em condições para a crítica da arte
em função aos princípios teóricos provenientes da filosofia, enquanto outros estarão
capacitados para a crítica em função às normas determinadas pela tecnologia da arte.

Há, pois, várias espécies de crítica da arte e variações na capacidade crítica por parte
daqueles que a exercem.

24. A crítica se converte em auto-crítica, quando realizada pelo próprio artista. Este,
depois de haver realizado sua obra, procura determinar, se a sua realização obedeceu ao
modelo proposto.

No caso, o modelo ideal é o conteúdo proposto, e não a perfeição absoluta.

Aquele conteúdo, que no caso da ficcionista e do cientista é algo criado ou descoberto, é


também uma criação intelectual, mas que obedece a outros parâmetros. A crítica artística
não se refere a este conteúdo criado, mas à expressão que artisticamente o representou.

Aparentemente os artistas não fazem a crítica de suas criações e sim os apreciadores.

De fato, porém, os artistas sempre a fazem, até que dão a obra por concluída. Todo
homem possui a atenção direta e a reflexa. Pela direita o artista acompanha a criação de
sua obra; pela reflexa compara a expressão e o objeto expresso. Acompanhando tudo pela
intenção reflexa, pode reavaliar e melhorar a obra.

Cronologicamente, a auto-crítica é posterior à obra concluída. Mas, durante a criação de


sua obra, o artista já tem a condição de agir criticamente.

A comparação é um trabalho do juízo, o qual, na medida que aprecia todas as alternativas


com clareza e distinção, atinge a perfeição crítica.

O conjunto destes atos seletivos no curso da criação artística não é nada mais do que
aquilo, que se usa denominar inspiração artística (vd...).

Não faltam os que asseveram não ser bom artista aquele que opera com auto-crítica, mas
aquele que simplesmente cria.
Há um pouco de verdade nisto, porque primeiramente hão de surgir os elementos
comparativos do juízo, e estes dependem do poder inicial do conhecimento. Mas, depois
poderão, pela comparação crítica aperfeiçoar-se, com o afastamento das alternativas
menos perfeitas.

É preciso ter primeiramente imagens para depois podar aqui e ali. Esta podagem todavia
pode ser conduzida com objetivo de aperfeiçoar o já eleito, de sorte a haver vantagem na
auto-crítica.

Importa a auto-crítica em ter o senso crítico, ou seja, a capacidade de comparar as


alternativas e eleger as melhores. Sem esta condição, a emenda corre o risco de piorar o
produto espontâneo.

A desatenção a elementos importantes poderá ser provocada pela auto-crítica. Então, o


que verdadeiramente ocorreu foi uma péssima auto-crítica.

Acontece, por exemplo, a péssima auto-crítica, quando esta, em vez de atender a


conteúdos reclamando aperfeiçoamento, atende à técnica (que já estava boa); ou quando,
em vez de atender à técnica, reclamando aperfeiçoamentos, atende à conteúdos (que já
estavam bons); ou quando atende à força da mimese, que está deficiente, e atende à
evocação (que já estava boa).

Uma péssima autocrítica faz piorar o produto original. A boa autocrítica sempre resulta
em melhorias.

25. História da arte. Eis uma das muitas partes especiais em que se divide e redivide
materialmente a grande ciência da história.

Trata a história da arte de como a criação artística se desenvolveu através dos tempos e
em cada povo. Revela como a arte progrediu em qualidade de expressão e em recursos
materiais até os tempos contemporâneos.

É a historia da arte particularmente valiosa, porque nos dá conhecimentos das mensagens


que de todas as épocas a arte transmitiu até nós, e com as peculiaridades de suas
circunstâncias.

E se nós mesmos formos artistas, poderemos comparar criticamente as criações do


passado com as nossas, estabelecendo pois uma auto-crítica útil.

§2. Nomes da arte

(não ainda os da filosofia da arte).


0531y027.

28. O nome arte deriva diretamente do étimo latino artus, com o sentido de bem
feito, bem arranjado, bem ajustado.

Não indica o nome arte diretamente a natureza da coisa, mas uma sua propriedade, qual
seja a da perfeição. Por isso há uma coerência semântica, quando se usa o nome da arte
para designar qualquer coisa bem feita.

A arte ao passar a ter a acepção mais restrita de expressão indicadora de significado,


afastou-se da acepção etimológica da raiz artus de que deriva.

Mas isto aconteceu, porque a arte de exprimir importa sempre em alguma perfeição, para
que a expressão se torne eficaz.

29. Com mais detalhe, o termo arte deriva do indo-europeu ar- , com o sentido geral
de arranjo, ajustamento, harmonização.

Dali procedem os vocábulos gregos • D J b T (artyo = ajustar), • D J \ T H (artios =


ajustadamente, bem ajustado), • D , J Z (areté = virtude), – D 4 F J @ H (áristos =
excelente), ť D : @ < \ " (harmonia = ajustado).

Também dali procedem os termos latinos ars (= maneira de ser), artus (= bem
ajustado), artare (= apertar), artifex (= artífice). Nos idiomas neolatinos ainda as
formas artista e artístico.

Similar é a raiz ag- , no indo-europeu, com sentido geral de empurrar para a frente. Dali o
grego – ( T (ago = conduzir). Os termos latinos agere (agir), agilis (= ágil), actio (= ação).
As sugestões aproximam esta raiz à de ar- (= arranjo), como seu deu em arte.

A significação primitiva do termo arte, se conserva ainda vagamente. Mantém arte o


significado primitivo, sobretudo quando entendida como atividade prática, no sentido de
bem criar o objeto, ajustando-o com a idéia exemplar. E assim também o produto,
enquanto derivado de maneira "justa", se diz com exatidão "arte".

30. Mas desde o instante em que passamos a entender a arte como portadora de
significados, o termo não mais recebe do seu étimo a precisão requerida. E então
"artístico" somente passa a exercer o sentido que a convenção lhe acresceu
semanticamente.

Na acepção moderna, - que fez o produto artístico se difundir como instrumento teorético,
isto é, que transmite mensagens, - é evidente que tal sentido não vem sugerido pelo
próprio termo, e sim pela mencionada evolução semântica.

No latim, - o idioma que tanto influenciou as línguas modernas, -arte exprimiu sempre
todas as criações artesanais e nunca representou apenas a arte como criação teórica no
sentido moderno.

Lembramos que, por isso mesmo, distinguiam os romanos entre artes servis e
artes liberais, colocando entre estas últimas algumas das artes propriamente ditas como
hoje as entendemos.

Até mesmo a lógica era chamada arte, por causa da habilidade que exigia. Neste sentido,
a lógica era descrita como arte de bem pensar.

Em fins do século dezoito, uma distinção entre artes úteis e belas artes resultou num
definitivo encaminhamento para a acepção exclusiva da arte, simplesmente como belas
artes.

Quando da fundação das universidades, na Idade Média (c.1200) uma faculdade de


filosofia se denominava Faculdade das Artes. Reunia então, a totalidade das ciências,
excluídas somente a teologia, a medicina e o direito. A distinção entre artes úteis e belas
artes, peculiar do fim do século dezoito, é ainda a persistência do antigo conceito da arte
como um bem fazer.

31. Técnica. Importa saber como denominavam os gregos o que hoje entendemos por
arte, uma vez que não tinham a nossa palavra e nem um correspondente etimológico.

O termo da gloriosa Grécia, - onde as artes tanto floresceram, - foi techne, como ocorre no
tratado de Aristóteles A,DÂ B@0J46 H (= Da arte poética).

Techne, no sentido etimológico inicial, associa noção de habilidade no fazer, tal como
hoje, no Ocidente, se diz técnica.

Para os gregos, a palavra evoluiu semanticamente, passando a significar também a arte,


no sentido de expressão artística.
Mas, com a introdução de um novo termo no Ocidente, a velha denominação, para nós,
regrediu para a acepção originária. Por isso, hoje distinguimos claramente entre arte,
como expressão semântica, e técnica, como obra feita habitualmente.

32. Kunst. A expressão alemã Kunst (= arte) é notoriamente feliz sob o ponto de vista
etimológico.

Procede do radical indo-europeu gen- , do grupo que significa originariamente conhecer.


Dali vem o grego gignosco (conheço), e o latino cognosco (conheço). No
alemão : Koennen (saber, poder), kennen (conhecer), Kenntnis (conhecimento),
enfim Kunst (arte).

Repete-se no grupo das línguas germânicas o mesmo fenômeno, no inglês can (saber e
poder), know (conhecer) e no gótico Kun-nam (conhecer), Kannjan (fazer conhecer).

Em alemão Kunst também significa destreza e habilidade; todavia, estas qualidades têm a
carga semântica do elemento que deriva do saber.

Em sendo a arte a expressão sensível de um tema, Kunst, ao indicar a arte, sugere


também sua apreciável carga etimológica.

33. Não obstante seja vasto o modo de nos referir à arte, poucos, pelo que se vê, são os
termos que significam arte: - um na área helênica, techne; - um na latina, ars; - um na
germânica: Kunst.

Qual o motivo desta limitação para coisa de tão generalizado interesse?

A arte se realiza no plano concreto, - eis onde está a razão. E as coisas concretas tendem
a ser denominadas de maneira singular.

Muitos são efetivamente os nomes para a arte, todavia em setores estanques. Ali estão as
suas espécies: música, escultura, pintura, letras. Este fato resulta em que as pessoas
teorizem em separado cada arte e pouco se ocupem com a filosofia geral da arte.

Novamente cada espécie se encontra servida por uma constelação interna de outros tantos
nomes setoriais.

Na linguagem há denominações, como prosa e poesia, e sobretudo gêneros, como em


cada uma destas formas de expressar.
Na música se observam denominações de gêneros, como canto, sinfonia, ópera, hinos,
canções, etc, etc...

E assim também as demais artes operam com seu dicionário de nomes subalternos paras
os seus gêneros.

Se, depois de tantas obras concretas e tão variadas, subirmos a uma denominação geral,
teremos de operar numerosas abstrações, sempre mais difíceis, de sorte a não estimular a
criação de outros tantos nomes para o gênero supremo.

34. Possui a arte alguns elementos em comum com os processos da mente.

Por analogia passaram os nomes de um campo para o outro. As imagens mentais também
são expressão representacional.

Diz-se que a arte é expressão, tal como também se diz expressão mental. A arte é
representação, igualmente como se diz que o conhecimento é representação.

O paralelismo dos nomes continua. A arte contém significação, tal como o conhecimento.

A arte é referência...; é denotação...; é indicação...; é um dizer...; é um falar... Sempre


como acontece na mente.

Há todavia paralelismos onde a linguagem não transitou inteiramente. Diz-se com


frequência que há poesia na linguagem, na pintura, na música. Mas não é tão usual falar-
se em prosa na pintura e na música, do mesmo modo como na linguagem.

§3. O nome Filosofia da Arte

e outros nomes.

0531y036.

37. Primeiramente sobre o nome filosofia da arte. É filosofia da arte um nome composto.

Nenhum nome de palavra única foi criado a partir de arte, para a filosofia que dela
tratasse (vd 47).

Resta senão ficar com o referido nome de termos múltiplos, sobre o qual importam
algumas considerações.
Terminologicamente, filosofia da arte é de significado firme e inequívoco, sempre que se
alarga para a totalidade das perspectivas racionais, isto é filosóficas, sobre a arte.

É que por filosofia se denomina um gênero de ciências. Assim sendo, filosofia da


arte não se refere a uma só ciência filosófica específica da arte, mas reúne a todas elas:

- metafísica, ou gnosiologia da arte,

- filosofia natural da arte,

- psicologia racional da arte,

- filosofia moral da arte.

Paralelamente, ciência da arte constitui ordinariamente a designação de todo


um gênero de ciências positivas ocupadas com a arte. Dali resulta o elenco:

- técnicas da arte,

- física e química da arte

- sociologia da arte,

- psicologia experimental da arte,

- história da arte.

38. É possível distinguir entre:

- filosofia da arte em sentido amplo (todas as filosofias da arte),

- filosofia da arte em sentido estrito (somente a principal das filosofias da arte, a


metafísica, ou gnosiologia da arte).

Paralelamente, do mesmo modo entre:

- ciência da arte em sentido amplo (tudo),

- ciência da arte em sentido estrito (somente a principal das ciência da arte, suas
técnicas).
Aqui e agora primeiramente nos importa a filosofia da arte em sentido estrito, conforme
já citado acima, e que consiste na metafísica, ou gnosiologia da arte.

Esta filosofia da arte em sentido estrito se refere à perspectiva mais essencial, que é a da
arte como expressão, ou como portadora de um significado, e dotada das propriedades de
evidência, verdade, certeza, bem como de estilo.

Com insistência, voltamos a dizer, - a filosofia da arte em sentido estrito, ao permanecer


no plano metafísico, esclarece como a expressão acontece na arte, ou seja, como algo
pode falar de algo; por exemplo, mostra que a arte opera mediante semelhanças e
conotações.

E ainda mostra com que propriedades tudo isto acontece, sobretudo em relação às
propriedades gnosiológicas da evidência, verdade, certeza da expressão artística, além do
ornamento final do estilo.

39. Outros nomes, para indicar a ciência da arte, ocorrem sobretudo em espécies
setoriais da mesma. Tais outros nomes acontecem sobretudo no plano da ciência empírica
e menos no da filosofia.

São, por exemplo, nomes situados na área da


linguagem: linguística, gramática, semântica, filologia.

A linguística é uma das denominações de caráter mais geral no referente à linguagem.


Quaisquer sejam as disciplinas sobre a linguagem, desde que operem com verificações
experimentais e indução, constituem ciência positiva, do gênero da ciência da arte. Como
parte desta, a linguística é uma tecnologia.

A gramática é a ciência de uma certa arte, a de uma língua determinada. Isto quer dizer
que é uma ciência positiva.

Ainda que usando analogicamente o termo, há também uma gramática para as demais
artes. Também estas outras outras gramáticas se estabelecem sempre como ciência
positiva.
40. Haveria um nome simples para filosofia da arte? Não há esta denominação
formulada partir do nome de arte. Estes outros nomes são em princípio possíveis. De fato
eles ocorrem, até certo ponto, - como estética, - mas se mantêm com caráter impreciso.

A maioria dos nomes indicadores de ciência se formam pela aplicação do sufixo logia ao
nome do objeto estudado. Assim poderíamos tentar dizer a partir do
grego artiologia (artios = ajustado, logia = ciência). Mas esta denominação até agora não
teve curso. Próximo a este se encontra tecnologia, o qual entretanto passou a ter outro
desenvolvimento semântico.

41. De novo sobre técnica e tecnologia. É tecnologia um bom termo para as obras do
fazer em geral.

Todavia diz respeito não só à tecnologia da expressão artística, como das demais
tecnologias, sobretudo destas outras.

Os gregos se referiam à arte como técnica. Mas também denominavam outras atividades
pelo nome técnica (vd 31). O mesmo aconteceria com os clássicos latinos ao
denominarem qualquer produto como sendo arte (vd 30).

Técnica (vd 31) sempre foi nome um tanto adequado para a arte. Efetivamente, a arte é
uma técnica, ou seja, um fazer coisas. Antes que passem a ser portadoras de significado,
as coisas têm de ser feitas. Há pois uma tecnologia da arte, tão bem como uma
tecnologia para o fazer das demais coisas.

Como nome de ciência, tecnologia se restringiu mais ainda, porque se junta ao gênero
das ciências positivas, as quais apelam à experimentação. Por isso, tecnologia da
arte cuida do fazer artístico a partir da experimentação. Exclui as considerações
puramente racionais. Não equivale, pois, a tecnologia à filosofia da arte.

42. Estética como nome do estudo da arte foi criação moderna de Alexandre
Baumgarten (1714-1762), a partir do grego Ç F 2 0 F 4 H (aísthesis = sensação). Enfatiza
o aspecto sensível, mas não expressamente a arte.

Em se tratando de sensação, o nome admite oscilações que o contexto ajustará


semanticamente, estética assume por isso várias significações justificáveis, cada uma
com sua perspectiva peculiar, determinada pelo contexto.
43. Num primeiro sentido bastante geral, Estética pode significar o estudo da sensação
simplesmente, enquanto esta faculdade se distingue da operação mental.

Assim apareceu em 1781, após Baumgarten, na Estética transcendental de Kant (Crítica


da razão pura, parte L.I, 1), na qual intitula o exame da sensação, que precede ao
entendimento.

Afirma Kant que as sensações (cor, som, etc.), alem de serem apenas fenômenos sem
realidade, se amparam em formas apriorísticas, ou transcendentais, de espaço e tempo.
Em Kant, pois, o estudo destas formas transcendentais se denomina Estética
transcendental.

"Denomino Estética transcendental à ciência de todos os princípios a priori da


sensibilidade.

É pois esta ciência que deve construir a primeira parte da teoria transcendental dos
elementos, por oposição àquela que contém os princípios do pensamento puro e que se
denominará lógica transcendental.

Na estética transcendental, nós começaremos por isolar a sensibilidade, fazendo


abstração de tudo quanto o entendimento aí acrescenta e pensa por seus conceitos, de tal
sorte que só fique a intuição empírica.

Em segundo lugar, separaremos também da intuição, tudo o que pertence à sensação,


com o fim de ficarmos só com a intuição pura e com as formas do fenômeno, que é a
única coisa que a sensibilidade pode nos dar, a priori. Resultará desta pesquisa que
existem duas formas puras da intuição sensível, como princípios do conhecimento a
priori, a saber o espaço e o tempo, de cujo exame vamos agora nos ocupar"
(Kant, Crítica da razão pura, Parte I,1. 1781).

44. Para Alexandre Baumgarten, o belo é sensível, e não uma noção intelectual.
Consequentemente, o estudo da sensação e da beleza não se distanciam. Estabeleceu
a verdade como objeto da inteligência, a beleza como objeto da sensação.

Partia Baumgarten do ponto de vista cartesiano de que as sensações seriam pensamentos


confusos; o belo não seria senão para os sentidos, o que a verdade é para o pensamento.

A confusa sensação do objeto seria a beleza; diminuiria a beleza com a imperfeição da


sensação. Está pois, em Baumgarten, o sentido de estética ligado a uma interpretação do
belo (vd Tratado do Belo ).
45. Num outro sentido, bastante mais específico e restrito, estética poderá ainda significar
o estudo de um sentimento peculiar, que leva o nome de "sentido estético". Não se
trataria então de um objeto, mas de um sentimento. Distingue-se, por exemplo do
sentimento altruístico, do egoístico, do ético.

Pode-se, por exemplo, definir como sentimento estético a satisfação resultante de um


conhecimento. Todo saber é objeto capaz de produzir uma satisfação peculiar, que
denominamos sentimento estético. As coisas que produzem, ao serem conhecidas,
sentimentos estéticos, qualificam-se como estéticas. O saber, enquanto produz tal
sentimento, é, portanto, estético.

Entre as coisas que, quando se manifestam ao conhecimento, mais intensamente


despertam a satisfação estética, estão o belo e o artístico; a esteticidade do belo é
incontestável e se deve ao volume ontológico de perfeição; a esteticidade do artístico se
atribui certamente ao poder de expressão que as obras sensíveis oferecem.

O mesmo Kant, em sua Crítica do juízo (1790), adota o uso de Estética, também como
indicador do sentimento.

46. Baumgarten criou o nome estética como equivalente de filosofia da arte.

Agora, estética indica que a arte utiliza instrumento sensível. Toma desta circunstância o
seu nome de estética (de aisthesis = sensação). O que o nome por si só não indica, a
convenção o supre. E isso lhe foi atribuído pelo criador do termo.

Sob este nome teve Baumgarten a intenção de reunir o estudo do belo, do conhecimento
sensível e da arte; certamente que via no belo sempre algo sensível, de sorte que não
ampliava a área da estética para além do mundo sensível.

"Objici posset nostrae scientiae (§1).

1) Eam nimis late patere, quam ut uno libello, una acroasi possit exhauriri.

Resp. concedendo. Sed praestat aliquid nihilo.

2) Eam cum rhetorica et poetica.


Resp. a) latius patet. b) complectitur his cum aliis artibus, ac inter se communia, quibus
heic loco convenienti, semel perspectis quaelibet ars sine tautologiis inutilibus suum
fundum felicius colat.

3) Eandem esse cum critica.

Resp. a) est etiam critica logica. b) quaedam critices species est pars aesthetices, c) huic
praenotio quaedam aesthetices reliquae paene necessaria est, nisi velit in diiudicandis
pulcre cogitatis, dictis, scriptis disputare de meris gustibus" (§51).

Vejam-se ainda §63, §64, §65.

Diz ainda o mesmo Baumgarten:

"Aesthetica (theoria liberalium artium, gnosiologia inferior, ars pulcre cogitandi, ars
analogi rationis), est scientia cognitionis sensitivae" (Aesthetica, §11).

Nesta nova acepção não há referências ao efeito estético, mas ao sensível (estético)
simplesmente. A arte se diz uma estética, porque é obra sensível.

Contudo, esta obra sensível poderá ter, num segundo tempo, a propriedade de produzir o
sentimento estético. Então, a arte assume a propriedade psicológica da esteticidade. É
uma estética, enquanto obra sensível, e é estética, enquanto exerce esteticidade, isto é,
enquanto produz sentimento estético.

A filosofia da arte se ocupa da arte como uma estética, isto é, como uma obra sensível e
não apenas como produtora de sentimento estético. Quanto à esteticidade, constitui ela
apenas uma propriedade da arte; nestas condições a filosofia da arte cuida da esteticidade
no capítulo de suas propriedades psicológicas.

47. Que nome preferir? filosofia da arte? ou estética (no sentido da filosofia da arte)?

Em virtude da multiplicidade de suas acepções, estética importa sempre em uma


indicação de contexto, o que não sucede com filosofia da arte.
Quando se acresce uma adjetivação, o contexto prontamente pode fazer-se, definindo a
estética como sendo artística; tal ocorre em "estética musical", "estética da pintura",
"estética da escultura, "estética literária".

Já não é tão segura esta delimitação em "estética dos sons", "estética das cores", "estética
das formas", porque se refere simplesmente a objetos e não a artes. Então, apenas um
contexto mais geral poderá definitivamente revelar, se a acepção é simplesmente a do
sentimento estético, ou se mais restritamente a da arte.

Prefere-se "filosofia da arte" quando se quiser situar com precisão no estudo da arte; por
isso escrevemos em nosso título "filosofia geral da arte".

Ao se ingressar no exame detalhado das diferentes artes, se pode adotar com vantagem a
indicação de estética; por isso se encontra o uso "estética literária", estética da música",
"estética da pintura", "estética da escultura", lembrando sempre a arte que se exerce nas
respectivas áreas, com o respectivo apreço ao sentimento.

Com referências às expressões bem sonoras de "estética das formas" e "estética das
cores" somente se usam na acepção de arte, quando um contexto maior o permitir.

48. As liberdades linguísticas facultam ainda denominações como Estética da


expressão e Arte de expressão.

Definida a arte como expressão em obra sensível, de um tema, é óbvio que se possa
admitir dizer, estética da expressão, sem confundi-la com a expressão mental. Seria então
a estética da expressão o estudo da expressão artística.

Esta modalidade de denominar leva a vantagem imediata de distinguir entre a estética do


belo e a estética do conteúdo artístico, apontando diretamente para a arte como expressão
de algo.

ART. 2-o. VALOR DA FILOSOFIA DA ARTE. 0531y050.

51. Há um valor, que é o da mesma arte, e um valor da filosofia da arte para melhor
aproveitá-la.
Com referência ao valor da mesma arte, ela é incontestável, bem como seu apreço marca
nossos dias, quando cresce cada vez mais o ardor pela pintura, o interesse pela música, a
ânsia pela leitura, o entusiasmo perante as telas luminosas do cinema e da televisão.

Este valor da mesma arte se situa em vários planos. Primeiramente, a arte no seu plano
essencial é uma expressão, que informa, instrui, dá erudição e cultura. No seu plano útil a
arte, sobretudo a linguagem, é comunicação (vd 378). Aditivamente, a arte é ainda
organizadora da mente (vd 373) e por isso mesmo pedagógica (vd 53).

Com referência ao valor da filosofia da arte está em que a mesma arte passará a ser
melhor vivida. Para um efetivo aproveitamento da arte, a filosofia pode desenvolver
objetivos gerais, sempre presentes, e objetivos específicos, ou particulares, que ocorrem
eventualmente.

52. São objetivos gerais da filosofia da arte oferecer aquelas noções que hão de estar
sempre presentes, quer na sua produção, no seu consumo.

O artista, - uma vez esclarecido sobre a arte, seja sobre a literatura e a música, ou sobre
outra modalidade qualquer de arte, - consegue produzir sua expressão em obra sensível
mais adequadamente.

Os gêneros artísticos, - como a descrição, a narrativa, o discurso, - conseguem ser melhor


apresentados, se desenvolvidos com conhecimento crítico.

Ainda que a poesia seja uma sequência alógica de operações, ela flui com autenticidade,
para aquele que a conhece teoricamente; ao passo que o poeta ignorante de sua atividade,
não consegue identificar com segurança quando faz poesia e quando prosa.

Também com referência aos apreciadores da arte, eles a consumirão mais


inteligentemente, se estiverem embasados por uma filosofia sobre a mesma.

Não nos basta a alfabetização que dá o acesso ao uso da linguagem literária. Importa
aprender a respeito de todas as artes, aliando por conseguinte ao saber literário também o
da música, pintura, escultura.

Multiplicam-se as obras de arte. Enchem as estátuas, os jardins da cidade. Os recursos da


impressão difundem as telas de grandes pintores. A música já é onipresente.

Entretanto, numerosa gente atravessa os parques sem condições para apreciar a escultura.
Vê a pictoricidade das telas, que não compreende adequadamente. Ouve a grande música,
preferindo-a em favor de banalidades. Poderá a filosofia da arte recuperar o interesse pela
expressão de maior qualidade e despertar para a totalidade das artes.

53. Os objetivos específicos da filosofia da arte são aquelas vantagens que ela pode
oferecer eventualmente, muitas vezes segundo a escolha dos caminhos de cada um.

O saber tem, entre outras funções, a de guiar a ação e o fazer, com vistas a transformar a
realidade.

Também a arte, por força de sua expressividade serve como instrumento de


transformação. Apoiada pela filosofia, ela poderá exercer, com tanto mais eficiência este
poder transformador.

Uma comunidade tem em vista, através do aprendizado das artes, principalmente do da


língua, conquistar instrumentos de desenvolvimento.

E assim também indivíduos podem propor-se objetivos específicos, ou eventuais.

Um dos objetivos específicos poderá ser o de profissionalmente exercer uma arte. Eleita
esta arte, para ela há uma filosofia específica, que poderá ser a estética das formas, ou das
cores, ou dos sons musicais, ou da linguagem.

54. Um valor pedagógico e didático é também possível ver nos objetivos específicos da
filosofia da arte.

Talvez possamos pelo caminho da arte, de maneira prática, introduzir os homens em


assuntos filosóficos, porquanto ela desperta tais perguntas.

Espontaneamente o artista faz perguntas filosóficas a respeito da arte que exerce.


Também o apreciador vai muito depressa para o mesmo caminho. Todo o artista,
principalmente o literato, cedo ou tarde, pode tornar-se um filósofo.

A arte como organizadora da mente. vd 0531y373.


ART. 3-o. UM POUCO DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA DA ARTE.

0531y056.

57. O exercício da arte possui uma história longa, porque ela vem sendo exercida
intensivamente por todos e desde a mais remota antiguidade.

Mas exercer a arte não é o mesmo que exercer a filosofia da arte. Também não é o
mesmo a história da arte e a história da filosofia da arte.

Não obstante, já é também antiga a história da filosofia da arte.

Todavia, só mais recentemente se encaminhou estas história da filosofia da arte para uma
sistemática totalizante.

58. Fez-se a filosofia de uma arte, e de outra arte, mas pouco da arte em geral.

E mesmo neste campo do geral, por muito tempo a estética se limitou quase somente ao
estudo do sentimento chamado estético; portanto, a preocupação tem sido o da estética
psicológica, e não o da estética gnosiológica, a qual deveria também inquirir pela
natureza da expressão.

"O psicologismo imperou na estética alemã durante vários decênios, com um domínio
quase exclusivo.

Só nos princípios do segundo decênio do século XX começou a delinear-se, com perfil


mais claro, uma nova diretriz, a qual se poderia dar, com Dessoir, o nome de Objetivismo
estético... Com isso começa a libertar-se lentamente da estética em sentido estrito
uma Ciência geral da arte...

Konrad Fiedler já havia preconizado uma teoria da arte assim concebida. Meumann
combateu a estética psicológica.

Dessoir traçou valentemente o programa da ciência geral da arte. Utiz estudou a fundo
seus princípios e suas fronteiras com a estética" (M. Geiger, Problemática da estética. ed.
port., Bahia, 1958, p.69).
59. Não obstante, já na antiguidade se ofereceram algumas noções de filosofia da arte no
campo mesmo de sua essência como expressão. Esclareceu-se já então que a arte é uma
criação sensível. É o que lemos em Platão e Aristóteles, repetindo-se esta conceituação
através dos tempos. Vai-se encontrá-la também em Kant, ainda agora, sem maiores
desenvolvimentos sobre a arte simplesmente como expressão.

60. Aristóteles escreveu uma Poética, em que as análises são bem desenvolvidas.
Também sua Retórica atinge notável desenvolvimento sobre a arte de falar e argumentar.

A poética encontrou estudiosos ao longo de todos os tempos. Mas ainda o já moderno


Gothold Efraim Lessing, com seus muitos esclarecimentos sobre a poesia, em
seu Lacoonte (1.766), é a prova de que ainda faltava bastante sobre o tema.

61. O estudo teórico das artes plásticas não ganhou quase nada de importante na
antiguidade, senão de Vitrúvio para a arquitetura.

Principia o desenvolvimentos das artes plásticos com os estudos de Leonardo da Vinci


(1452-1519), Frederico Wincklelmman (1717-1768) e Lessing (1729-1781). No trânsito
do século XlX para o XX as artes plásticas encontram teóricos em Fiedler, Hildebrand,
Cornelius, Woelfflin, Worringer, Mandinski, algo também em Lipps.

62. A música desenvolveu suas teorias bastante independentemente das outras artes.
Rudimentar entre os antigos, iniciou no século décimo um progressivo adiantamento que,
sem interrupções, atingia no final do século XVIII, com Beethoven, uma situação
respeitável.

Com as inovações do atonalismo de Schoenberg (1874-1951) acentuaram-se as


investigações.

ART. 4-o. DIVISÃO DA FILOSOFIA DA ARTE. 0531y065.

66. Divide-se a filosofia da arte do ponto de vista meramente material,


em geral e especial (vd 17).
Obedece a divisão mencionada ao uso, pelo qual qualquer ciência organiza o tratamento
dos seus temas, abordando primeiramente o que é mais universal, depois os setores
particulares que se verificam no mesmo campo.

Neste contexto, a filosofia geral da arte estuda o que é peculiar a todas as

Artes, e que não pode faltar a nenhuma.

O peculiar de todas as artes é serem um significante material, portador de


um significado (ou expressão).

Além do binômio significante e significado, ou expressão, peculiar à toda a arte, a


referida expressão, está. ora sob a forma de prosa, ora sob a de poesia.

Em cada uma destas formas de expressão em prosa e poesia acontece o fenômeno dos
gêneros artísticos.

Finalmente, todas as artes apresentam, em sua expressão, propriedades gnosiológicas


(evidencia, verdade, certeza), propriedades psicológicas (sobretudo esteticidade) e
eventualidades de estilo.

Eis o conjunto temático de um tratado de filosofia geral da arte.

A filosofia especial da arte examina em separado as diferentes espécies de manifestação


artística, as quais se diferenciam pela matéria usada. Eis quando ocorrem as espécies de
arte, a saber: a arte mediante formas plásticas (escultura), mediante cores (pintura),
mediante sons (música), mediante equivalentes convencionais (linguagem).

Assim, pois, fica claro que no presente ensaio de filosofia geral da arte cuidamos apenas
daquilo que se oferece à primeira parte em que se usa dividir a filosofia da arte, deixando
a segunda parte, a das artes em espécie, para outro, ou outros tratados..

67. Começa a subdivisão da filosofia geral da arte pelos dois temas mais
característicos, e que constituem a essência mesma da filosofia geral da arte:

- a arte como significado , ou expressão (cap.1) (vd 0531y071);

- a arte como significante, ou como portadora de expressão (cap.2) (vd 0531y396).

No que se refere ao significado, - primeiro capítulo divisível em artigos, - importam os


aspectos como a intencionalidade da expressão, sua explicação pela mimese e
associatividade, o caráter de expressão objetiva a qual importa em interpretação do
apreciador, finalmente suas propriedades, com destaque das gnosiológicas.

Quanto ao significante,- segundo capítulo e também divisível em artigos,- tudo começa


advertindo para as qualidades utilizadas como matéria portador da expressão,
continuando pelo exame das propriedades que as tornam capazes desta função.

Dos dois capítulos mencionados, sobre o significado, ou expressão, e sobre o significante,


ou portador da expressão, o mais importante é sem dúvida o primeiro.

Sobretudo, pois, é ao significado, ou expressão, que se deve desenvolver exaustivamente,


cuidando de suas formas, gêneros, propriedades e estilos.

Chegamos então ao sequencial didático seguinte:

- expressão em prosa (cap.3-o) (vd 0531y610);

- gêneros artísticos em prosa (cap. 4-o) (vd 0531y670);

- expressão em poesia (cap. 5-o) (vd 0531y740);

- gêneros artísticos em poesia (cap. 6-o) (vd 0531y881);

- estilos (cap. 7-o) (vd 0531y900).

CAP. 1

A ARTE COMO SIGNIFICADO. 0531y071.

- Filosofia Geral da Arte -

72. Introdução. Em filosofia geral da arte, como sempre em metafísica, tudo começa
pelo mais difícil, - pelo seu momento gnosiológico, quando precisa provar seu mesmo
objeto.
Importa inicialmente decidir sobre a alternativa fundamental, - se a arte é significação
intencionalística de algo, ou se é apenas um simples entidade absoluta como qualquer
outro ente.

Só depois de provado que a arte é significado, pode a filosofia da arte prosseguir nesta
mesma linha; e podem as demais disciplinas sobre a arte estudar a esta como um processo
de significações.

Entretanto, se outra for a decisão gnosiológica fundamental, tudo irá por caminho
diferente.

Se, por exemplo, a arte for estabelecida apenas como um objeto, - seja um objeto belo,
seja um objeto simplesmente novo, - então a filosofia da arte estudará apenas o que isto
constitui. A arte já não será uma expressão significadora, mas apenas o produto do fazer
coisas. Pelo mesmo caminho practicista seguirão as demais ciências sobre a arte.

Tem, pois, a filosofia da arte que decidir sobre esta questão fundamental imediatamente.
Este é, por isso, o tema do primeiro capítulo.

73. Distribuição didática das partes do tema em questão:

- A arte essencialmente como intencionalidade (art. 1-o) (vd 075);

- Teoria explicativa da expressão artística (art. 2-o) (vd 164);

- A arte como expressão objetiva inconsciente (art. 3-o) (vd 254);

- A arte pelas suas propriedades (art. 4-o) (vd 322).

ART. 1o

A ARTE COMO INTENCIONALIDADE COGNOSCITIVA.


0531y075.

76. Como se adiantou, ocorrem duas alternativas fundamentais sobre o que seja a arte, - a
enticista, que fastamos, e a intencionalista, que defendemos.

Didaticamente o fazemos nos seguintes 3 parágrafos:

- as duas alternativas fundamentais em arte (vd 078).

- prova da arte como expressão intencionalística (vd 105).

- natureza da intencionalidade artística (vd 138).

A questão oferece em três momentos, em que a dificuldade não se encontra na prova, que
se apresenta com bastante obviedade, mas no ordenamento sistemático dos conceitos.

A primeira questão diz respeito à compreensão preliminar do problema, decidindo sobre


as duas alternativas fundamentais em arte. Importa, aliás, antes de decidir sobre o que é a
arte essencialmente, entender as alternativas propostas, - aquela que se considera excluída
e aquela que se pensa ser o fato verdadeiro.

A segunda questão diz respeito à prova da arte como intencionalidade cognoscitiva, que
deverá ser estabelecida, com todo o detalhe, desde o método, - no caso fenomenológico, -
até o elenco de observações que a apóiam .

A terceira questão importa no aprofundamento de um leque de conceitos sobre a


alternativa escolhida, e em que o principal é o da mesma intencionalidade, para que se
faça conhecer sua precisa natureza.

Somente com este penoso caminho a céu aberto da fenomenologia, será possível instalar
um fundamento perfeito para a filosofia geral da arte, e que depois se desdobrará nas
filosofias especiais de cada espécie de arte, - em cor, em forma, em linguagem, em
música.
§1- As duas alternativas fundamentais em arte.

0531y078.

79. Sobre o que seja a arte essencialmente hão de ser colocadas frente à frente as
alternativas, já porque esta é uma exigência do pensamento crítico.

Nenhum conhecimento é perfeito sem ser crítico, ou seja sem alcançar o estado
de evidência clara e distinta.

É crítico o pensamento que atinge aquela evidência, na qual tanto é clara a evidência a
respeito do que se estabelece, e distinto o que se exclui. Conhecer perfeitamente uma
essência, significa, tanto conhecê-la em si mesma, quanto conhecê-la enquanto exclui a
outra.

Importa claramente conceituar, conforme já adiantamos, as alternativas fundamentais que


dividem os filósofos da arte, - tanto aquela que passará a ser aprovada, a da arte como
significação, - quanto aquela que pensamos não terá provas consistentes.

80. Em especial sobre a interpretação da arte como um significado. A primeira


alternativa sobre a essência da arte é a da interpretação gnosiológica da arte, que, neste
caso se diz portadora de um significado. Nesta linha de interpretação se declara, que a
arte é um significante com um significado, e não apenas um significante sem significado.

Na mesma linha de interpretação, com outras palavras, a arte se diz uma expressão com
intencionalidade; ou expressão intencionalística.
De novo podemos variar, dizendo que a intencionalidade busca a informação a respeito
do objeto. Então definimos a arte como sendo informação, ou ainda a arte como
sendo expressão temática.

Ainda podemos dizer que a arte é expressão teorética, isto é, que a arte está no contexto
de conhecimento.

Todos os vocábulos acima deverão ser analisados, com vistas a ajustá-los ao tema que
aqui devem significar.

81. Em especial, sobre a interpretação onticista da arte como um ente absoluto. A


outra alternativa fundamental da arte, - a qual estamos procurando excluir, - é a
interpretação onticista.

Ela reduz a arte somente à criação de um novo ente apenas, - um ente absoluto, eliminada
a função gnosiológica de significar algo.

E se eventualmente venha a significar algo, isto não lhe pertence essencialmente.

Pode a interpretação onticista ser também denominada expressão entitativa.

Em oposição ainda à interpretação teoreticista, a onticista se denomina interpretação


practicista, porque é apenas resultado da prática do fazer. De novo o vocábulo deve ser
analisado, para evitar desajustes de significado.

82. Posição ecleticista sobre a interpretação da arte. Tanto uma, como outra, das
alternativas na interpretação fundamental da arte admite variações, destacando-se
a eclética.
Por exemplo, a linguagem seria expressão com significação; diferentemente as outras
artes seriam enticistas; portanto, porque suas criações seriam objetos sem significação.

A interpretação onticista da arte estabeleceria, que esta criação de objetos sem


significado teria contudo características específicas, como a de serem esteticamente
agradáveis, ou a de serem pela sua origem uma criação humana. Em alguns casos seriam
apenas belas artes, no sentido de belos produtos.

83. A arte, quando definida essencialmente como como portadora de um significado,


resulta em uma dupla de elementos:

- o portador, dito então significante,

- o significado, ou expressão.

O mesmo esquema se transfere às propriedades da arte, ditas, ora do significante, ora do


significado.

Dali resulta a importante divisão em:

- propriedades propriamente artísticas,

- propriedades pré-artísticas.

Nem estas e nem aquelas hão de ser confundidas com a mesma essência da arte como
expressão intencionalística.

84. Propriedades pré-artísticas se dizem das que o significante já dispõe antes de


assumir qualquer significado. Uma vez que se relacionam apenas com o portador material
da arte, podem existir antes que esta seja criada, e podem ser melhoradas adequadamente
depois.
É notório que os sons da música são esteticamente agradáveis, muito antes que passem a
significa algo.

Esteticamente agradável é também o mármore, já muito antes de se converter em estátua.

Bela poderá ser a bailarina, já antes de incorporar o contexto artístico do balé.

Admiráveis são as cores ainda que o artista não as tenha convertido em instrumento de
mensagem sobre a tela.

As flexões dos sons admitem disposições mais agradáveis, outras menos agradáveis,
conforme a capacidade do locutor e escritor de fazer o arranjo das palavras.

85. Propriedades propriamente artísticas são aquelas que se dizem da expressão


enquanto significadora.

No caso estão primeiramente as


propriedades gnosiológicas, como evidência, clareza, distinção, certeza da significação,
porque muito importa que a mensagem expressa o seja com perfeição.

Seguem-se as propriedades psicológicas da significação, como seus efeitos estéticos,


catárticos, lúdicos.

Já em terceiro plano se encontram as propriedades úteis, em que se destaca a arte


como veículo de comunicação, o que acontece muito particularmente com a linguagem.
Todas estas propriedades são propriamente artísticas porque se dizem diretamente da
arte como significação.

Tendo embora seu lugar oportuno para serem tratadas, estas propriedades são lembradas
aqui apenas para determinar sua distinção da essência mesma da arte.
Elas não são a arte, mas decorrem dela.

Equivocam-se, por exemplo, aqueles que definem a linguagem como comunicação; antes
que seja comunicação, importa que seja expressão significadora.

87. A variedade na concepção onticista da arte. Definida a arte segundo a alternativa,


como expressão meramente entitativa, sem ter por condição essencial ser portadora de
significados, o rumo do seu tratamento se torna mui diverso daquele da definição
gnosiológica intencionalista.

Há uma clara oposição entre uma e outra definição da arte, porque a palavra arte pode
significar, ora de maneira estrita, ora de maneira ampla. Arte denomina, ora o que a seu
respeito definem os intencionalistas, ora os onticistas.

A interpretação da arte como expressão entitativa é susceptível de variações internas, e


por isso nada fácil de ser apresentada, sobretudo quando se trata de exemplificar.

88. Uns primeiros onticistas iniciam por serem ecléticos. Admitem o caráter
essencialmente intencionalístico da arte da linguagem; esta seria sempre um dizer algo,
finalmente um instrumento de comunicação.

Todavia, as demais artes seriam apenas um produto do fazer, em que a expressão


eventualmente ocorrida, lhes é acidental. Um pintor, ao traçar casas sobre a tela,
simplesmente faria aquelas casas pintadas, sem ter em mente que exprimam outras casas.

Então a arte plástica não passaria senão de uma criação meramente entitativa de objetos.

Valeria, pois, ecleticamente, para a linguagem a interpretação intencionalista, e para as


artes plásticas a onticista.
89. Para os onticistas não ecléticos, ou onticistas totais, também a linguagem, quando
considerada arte, seria antes de tudo uma criação de entidades, às quais a capacidade de
expressão adviria apenas como uma propriedade. Como qualquer arte, a linguagem seria
essencialmente uma criação entitativa, como também o seria a escultura, a pintura, a
música.

Todas as artes, quando significam algo, teriam este significado como uma propriedade e
não como um elemento seu essencial primeiro.

Para os onticistas é possível distinguir entre artes com a propriedade de significar algo e
artes sem esta propriedade.

Aquelas que têm a propriedade de significar algo, têm todavia esta condição apenas como
propriedade, não como elemento primeiro de sua essência.

As artes sem a propriedade de significar algo seriam apenas objetos absolutos,- por
exemplo, simplesmente objetos belos, - nunca feitos para serem instrumentos de
conhecimento. Com isso se abre o caminho para o conceito de belas artes.

A arquitetura como se definiria, se a quiséssemos definir como arte?

Para os intencionalistas a arquitetura seria arte apenas no sentido amplo da palavra,


quando simplesmente significa um produto do homem. Não seria uma arte em sentido
estrito, porque não se destina a ser um portador de significado.

É a arquitetura essencialmente uma organização do espaço posto a serviço do homem.

Na sua função de organizadora do espaço, a arquitetura poderá incluir eventualmente


formas com significação; tratar-se-ia, então , de uma eventual aliança de funções, sem se
confundirem.

E é bom que isto aconteça, porque o mesmo homem usufruirá o edifício como espaço
organizado, tanto para o seu uso útil, como para seu interesse de conhecimentos.
Para a interpretação meramente entitativa da arte, a arquitetura não requer ser portadora
de significado para ser definida como arte.

Importa apenas ser considerada como um objeto absoluto. Criado dentro das condições
da arte como novo ente, o edifício é apreciado entitativamente, mesmo que nesta
apreciação nada se encontre como significação trazida por um significante.

90. Os onticistas advertem sobretudo que a arte se diferencia apenas por ser criação do
homem, e não da natureza. E, como criação do homem, é guiada por uma idéia do artista;
portanto ainda de uma inspiração.

Vão ao extremo da criatividade, os onticistas que dão como a arte a que apenas cria
objetos de ficção. O artista criaria então, objetos que não existem. Deus teria sido o
primeiro artista, porque fez coisas novas; não pensou criar significações, nem imitar o
pré-existente.

Todavia outra é a ficção quando entendida como tema; então a arte já é intencionalista e
não onticista.

A concepção onticista da arte definida como objeto novo, a define pela causa eficiente. O
mesmo objeto é arte, se for criado pelo homem, e não o é, se for algo de natureza.

Tratada simplesmente como entidade, a arte se diferencia também em função do modelo


adotado quando de sua criação.

Frente ao modelo, ocorrem perguntas metafísicas, a que ninguém pode fugir: ou há


modelos absolutos a reger a criação de obras, como querem os racionalistas ou idealistas
em arte (agora chamada arte clássica), ou não há modelos absolutos, restando ao artista
fazer obras com modelos livres, ou mesmo sem modelos, ao estímulo da espontaneidade
dos impulsos e do subconsciente.

Para os clássicos, a arte seria a recta ratio factibilium (= o reto fazer as coisas).
Interpretada mais amenamente a definição, a arte seria o fazer de acordo com uma certa
razão, ainda que seja nos da livre razão. Em ambos os casos, em clássicos e em não
clássicos, tudo se pode definir a nível do fazer coisas, e não de criar significantes
portadores de significado.

91. Alguns onticistas defendem posições, cujo destaque se encontra no objeto pelos seus
efeitos.

Há os que limitam a arte a objetos estéticos. Nem todo o objeto criado seria arte, mas
apenas aquele capaz de provocar este agradável sentimento.

Acrescentam alguns, que os objetos estéticos são gratuitos, não necessários, não úteis.

92. História do intencionalismo artístico. A interpretação da arte como expressão


intencionalística não era antes dos tempos modernos a teoria mais difundida.

Dividida a arte entre o portador material e a expressão, cuidaram os antigos mais da


transformação do referido portador, ao se definirem sobre a arte como sendo mais um
ente. Por isso a idéia da arte como expressão significadora está apenas difusamente
presente em diversas outras de suas afirmações.

O mesmo aliás aconteceu com os estudos sobre o conhecimento, os quais se


concentraram mais no seu aspecto de entidade psicológica, do que de intencionalidade.
Em teoria do conhecimento só mais recentemente, sobretudo a partir de Edmund Husserl
(1859-1938), se insistiu no caráter intencionalisto de todo o conhecer.

O que ocorria na filosofia antiga da arte era destacar o lado criativo da obra por fazer.
Não negando embora a função significadora havida em algumas artes, acreditava que a
razão principal da arte era sua entidade, de cuja beleza objetiva cuidava.

Não são todavia os princípios fundamentais da filosofia antiga contrários à interpretação


intencionalística da arte. A filosofia antiga estudou amplamente o signo, com vistas a
mostrar que o pensamento é um signo do objeto, e ainda para determinar a linguagem
como um instrumento significante das idéias.

93. A ênfase moderna do intencionalismo artístico se manifesta em Tolstoi, Croce,


Heidegger, Ortega y Gasset.

Ainda que abordem a arte com preocupações as mais diversas, e nem sempre dêem
desenvolvimento sistemático à análise de sua natureza, - o clima, em que conduzem as
considerações, pressupõe uma conceituação da arte como expressão gnosiológica de
temas, embora por vezes resvalando para definições ecleticistas.

Para Leon Tolstoi "a arte é um dos meios de que dispõe os homens para comunicar-se
entre si... Por meio da palavra, o homem transmite ao próximo seus pensamentos: por
meio da arte, lhe transmite seus sentimentos e suas emoções... A arte não é um prazer,
senão um meio de união entre os homens" (L.Tolstoi, Que é a arte? c.4).

Não obstante o intencionalismo, quer mental, quer artístico, é mais problemático no


campo da filosofia empirista, do psicologismo, do behaviorismo..

94. História do onticismo artístico. A arte conceituada como expressão meramente


entitativa, - de objeto que se produz simplesmente na ordem prática das coisas, - dominou
a mente de muitos, como já se disse.

Os que reduzem a arte ao estético, não precisam dar-lhe significado intencionalístico.


Basta que façam da coisa algo estético mesmo sem conter significado. Isto se apresenta
evidentemente fácil na arquitetura e na música; mas também é possível na pintura,
escultura, linguagem.

A etimologia de poesia (do grego poiéo = fazer, fabricar, produzir) contribuiu certamente
para firmar o interpretação practicista da arte.
Ainda no grego a palavra poíema (= poema), de raiz idêntica, significa obra, coisa feita.

Similarmente o correspondente grego para indicar a arte é também téchne (de technáo =
fabricar habilidosamente), de onde em nossa língua a palavra técnica, de sentido
visivelmente practicista.

95. Platão (427 - 348 a. C.) conceitua a arte como obra feita segundo modelo que o
artista tem na mente.

Este caráter que aprecia a arte como simples entidade, sem incluir necessariamente a
expressão temática, - Platão o tem claramente na sua doutrina da idéias arquétipas.

Imaginou que todas as coisas desse mundo foram feitas pelo Demiurgo (= artista), o
construtor supremo do universo. Este teria tomado a matéria eterna, moldando-a, tendo
por modelo as idéias eternas. Reduplicou, pois, na matéria, as idéias reais. Ora, este
Demiurgo trabalhou como o artista.

Mas o artista terrestre toma como modelo de suas estátuas os exemplares encontrados na
natureza. Ora, estes exemplares já são reduplicação dos exemplares arquétipos supremos.
Por isso, para Platão os seres da natureza são inferiores ao arquétipo; por sua vez, os
seres da arte, ao imitarem a natureza, criam algo inferior à mesma natureza. Dali a
conclusão, de que melhor é procurar a natureza, do que a arte. Enquanto a natureza é
sombra do arquétipo, a arte é a sombra da sombra.

Ou, como dirá depois Dante, - a arte é neta de Deus, ao passo que a natureza é filha de
Deus.

E assim resultou que Platão expulsasse a arte da sua concepção de República. Ainda
assim, entre as artes Platão preferiu a música, em vista de certa espiritualidade.

Em qualquer hipótese, as concepções de Platão se revelam em todo o seu contexto como


sendo de sentido practicista, e não como expressão intencionalística. (Platão, República,
L. 3 e 10; Sofista, 264 - 267).
A filosofia escolástica medieval repete a conceituação platônica, aristotélica, plotiniana
da arte como um fazer coisas, um fazer que se orienta por um modelo, - a recta ratio
factibilium (= a reta razão das coisas que se fazem).

Os sucessores de Platão repetem o seu conceito practicista de arte, divergindo apenas em


detalhes referentes ao modelo ideal.

Em Aristóteles o modelo da arte não precisa ser um arquétipo, mas qualquer idéia pré-
estabelecida pelo artista.

Através dos tempos as filosofias da arte vão oscilando para modelos mais ideais (como
na arte idealista, ou clássica) e menos ideais (como na arte helênica, barroca, romântica,
modernista).

Não obstante estas oscilações, a conceituação básica da arte pode continuar sendo
practicista, ou seja, como sendo criação de obra antes de tudo entitativa, sem
preocupação intencionalística a expressar temas.

96. Aristóteles (384 - 322 a. C.), ao distinguir entre a ação e o fazer da arte, mostra que a
ação é imanente (permanecendo seu efeito no indivíduo), ao passo que a arte é produto
exterior à ação (situando-se fora do indivíduo que a produz). E enquanto esclarece tais
diferenças se conserva no contexto de que a arte é expressão entitativa e não afirma
diretamente que ela seja uma expressão com objetivo temático ou intencionalístico.

"Sendo diverso o produzir e o agir, não há dúvida que a arte visa ao produzir, não ao
agir" (Ética a Nicômaco, 6, 4. 1140 a 7).

E depois conclui, referindo-se ao modelo oferecido pela razão:

"Logo, como se disse, a arte é certo hábito produtivo com razão verdadeira; e, ao invés, a
carência da arte é um hábito com razão falsa à cerca daquelas coisas que podem ser
diferentemente" (Aristóteles, Ética à Nicômaco, 6, 4. 1140a 9 - 11).
Contudo, a arte que Aristóteles define como um fazer, pode ser entendida como um fazer
algo, que a seguir vai servir como expressão significadora. Efetivamente, a arte sempre é
precedida pelo fazer uma obra material, à qual se destina ao expressar.

97. O neoplatônico Plotino (205 - 270) retificou a Platão no atinente à idéia diretriz da
produção artística. Em vez de imitar a natureza, o artista olha diretamente para as idéias
universais transcendentes. Dali a assertiva do filósofo neoplatônico:

"As artes não imitam diretamente os objetos visíveis, mas remontam às razões de onde se
origina o objeto natural" (Plotino, Enéada, V, 8, 1).

Erguendo o idealismo estético ao máximo, não alterou todavia Plotino a conceituação da


arte como ente simplesmente; o artista a produz sem a preocupação, de que o aspecto
intencionalístico e transmissor de mensagem lhe seja essencial.

98. O subjetivismo gnosiológico das filosofias modernas imprime novas direções ao


conceito de arte, ainda que por muito tempo conserve a noção fundamental de produção
de entes.

Agora, também os modelos são criados pela mente, e o que surge na obra já ultrapassa,
quer a fisionomia dos arquétipos eternos e idealizados, quer dos objetos da natureza.

O novo contexto, por causa de sua mesma subjetividade, tende para a expressão
intencionalística. Com a subjetividade, o artista passou a querer manifestar o que de novo
entrou a pensar e a sentir. Em consequência, a arte passou a ser entendida cada vez mais
como intencionalidade, e cada vez menos como um fazer coisas. A velha arte era ambas
as coisas, - fazer simplesmente coisas e fazer coisas que exprimem temas. A nova arte
passou a ser somente o fazer coisas que exprimem temas.
99. O belo e a arte segundo Baumgarten. Num primeiro momento da filosofia moderna
ocorre a influência de Descartes (1596-1648), o qual considerou os sentidos como se
fossem idéias confusas. Estabeleceu que as próprias idéias são imagens autônomas em
relação aos objetos reais, devendo-se ainda provar que eles correspondem àquelas
imagens. É a gnosiologia do realismo mediato, que proliferou também no campo do
empirismo.

Na Alemanha o cartesiano Alexandre Baumgarten (1714 - 1762) afirmou que o belo é


uma propriedade da sensibilidade perfeita, como a verdade o é do pensamento.

Competia à arte criar esta beleza sensível. Desta formulação resultou a criação do
nome Estética (vd 42), do grego aísthesis (= sensação), para equivaler à filosofia da arte

100. O belo e a arte segundo Kant (1724-1804). Um segundo período foi criado na
filosofia moderna por Emanuel Kant que desenvolveu uma nova estética, ainda que
influenciado pelos seus antecessores apenas mencionados.

No mesmo novo clima subjetivista, que coincide com o neo-classicismo e pré-


romantismo, se desenvolveram, entre outras, as estéticas de Winckelmann (1717 - 1768),
Sulzer (1720 - 1779), Mendelsohn (1729 -1786), J. W. Goethe (1749 - 1832), Fr. Schiller
(1759 - 1805).

O novo modo de pensar inspirou o movimento juvenil do Sturm und Drang (=


tempestade e ímpeto) (1760 - 1785), contrário a aspectos ainda rígidos do iluminismo.
Dele participaram Johann Herder (1744 -1804), Goethe, Klinger (1752-1831), Schiller e
outros .

O fazer coisas belas, como arte, assume, como se vê, novas direções, mas principalmente
cresce como potencialidade no campo temático da expressão.

Para Kant o belo é o que está conforme o arquétipo da espécie. Todavia, o arquétipo não
passa de uma forma a priori da faculdade do juízo. O belo, ainda que seja um objeto
sensível, deve, como um todo realizar-se de acordo com o arquétipo. Ocorre, então, a
presença da razão na obra de arte, pois é a razão que conduz o artista na criação de obras
em tais condições.
A distinção entre o belo natural e o belo artístico está em que o natural se cria sem uma
prévia concepção racional e livre, ao passo que o da arte resulta de uma concepção
exemplar anteriormente pensada e livremente executada. A concepção artística de Kant é,
pois, um practicismo apriorista.

"Quando se encontra um pedaço de madeira talhada, não se diz tratar-se de um produto


da natureza, mas de arte; sua causa produtora pensou um fim ao qual deve sua forma. Vê-
se uma arte em tudo aquilo que está constituído de tal sorte que, em sua causa, uma
representação deveu haver precedido a sua realização" (Kant, Crítica do juízo, §45.)

O pré-romantismo e o romantismo reagiram, pois, contra a índole geral e absoluta dos


modelos da obra de arte. São também transferidos para a obra de arte os elementos
singulares emotivos, sociais, racionais, históricos e até do subconsciente. Mas se
conserva a concepção fundamental da arte como ente e como expressão entitativa.

101. No idealismo dialético de Fichte (1762-1814), (Schelling (1775 - 1854), Hegel


(1870-1831) a idéia reproduzida na arte assume forma dialética, superada pelos
momentos seguintes.

Fiche, figura central do idealismo romântico, desenvolveu uma filosofia da arte dentro de
conceituações practicistas com as peculiaridades do panteísmo idealista. No seu caso
ocorre a imagem muito razoável de que toda a natureza é viva, ainda que não sempre
manifesta.

A arte é produto orientado pela idéia gerada no consciente-inconsciente da natureza, e


que é senão a própria divindade.

Neste vasto contexto, a atividade que produz os objetos da natureza é a mesma que gera
os da arte, com a diferença que esta tem uma participação mais consciente do trabalho do
espírito.
"O mundo objetivo é a primitiva e todavia inconsciente poesia do espírito; o órgão
universal da filosofia, e a clave de abóbada de todo seu arco, é a filosofia da arte"
(Schelling, Obras, III, 349).

102. O belo e a arte segundo Hegel (1770 - 1831). Também este viu na arte uma obra,
enquanto criada pela infusão de uma idéia na natureza sensível. Arte, então, é a obra feita
sob a diretriz de uma idéia.

Manteve-se, portanto, Hegel na anterior conceituação de arte como expressão entitativa,


sem que lhe seja essencial a tematicidade intencionalística.

Em decorrência da modelagem da obra mediante a diretriz de uma idéia, a beleza artística


se diferencia do belo natural:

"O belo artístico é superior ao belo natural por ser um produto do espírito que, superior à
natureza, comunica esta superioridade aos seus produtos e, por conseguinte, à arte; por
isso é o belo artístico superior ao belo natural; não é uma simples diferença quantitativa.
A superioridade do belo artístico provém da participação do espírito...

O belo natural será, assim, um reflexo do espírito, pois só é belo enquanto participante do
espírito, e dever-se-à conceber como um modo imperfeito do espírito, como um modo
privado de independência e subordinação ao espírito" (Hegel, Estética, Intr. cap. 3,1).

103. As outras modalidades de arte que surgiram no curso do século 19 e 20, por
mais revolucionárias, tendem agora a admitir uma conceituação intencionalística.

A nova arte não pretende só a contemplação da obra, mas também a comunicação.


Passou portanto a arte a ser concebida cada vez mais como a expressão.
Algumas designações se prendem mais aos sentidos, que ao conhecimento em geral.
Nestas condições está o nome estética, derivada do grego aisthanomai (= sentir), já por
nós examinado (vd 42).

Uma vez que para Baumgarten o belo se situa apenas no sensível, e sendo o belo um dos
temas preferidos da arte, cabia-lhe dar o nome de estética, para a ciência da arte. Definia,
aliás,

"A estética (theoria liberalium artium, gnoseologia inferior, ars pulcre cogitandi, ars
analogia rationis), est sciencognitionis sensitivae..." (Estética, § 11).

Em dizendo "gnoseologia inferior", Baumgarten via em "gnoseologia" uma palavra de


acepção geral, de que a "aesthetica" ia indicar apenas uma região, a dos sentidos.

Ainda que para muitos (também para nós) a arte ingresse também na região superior ao
espírito, nada obsta que a palavra estética sirva, por dilatação semântica, para se dizer
"conhecimento". Então diríamos "concepção estética da arte", para significar "concepção
teoreticista".

Contudo a expressão "estética" assume hoje uma firme tendência para indicar
"sentimento estético". Enveredando por este tecnicismo, já não convém insistir em criar a
outra direção, a "concepção da estética da arte" no sentido de "concepção teoreticista".

A melhor denominação é "concepção teorética da arte". Com isso, o termo vai se opor
diretamente à concepção practicista da arte como entidade e nada mais. Este prático,
derivado do grego praxis (= ação do fazer), é o contrário de conhecimento (theorein =
conhecer, contemplar).

§2- Prova da arte como expressão intencionalística.

0531y105.
106. Introdução à prova. Há algo mais na arte do que a simples matéria sensível das
formas, cores e sons. Este algo mais é o significado; é o que está expresso. Dito em
abstrato, o algo mais é a significação; é a expressão.

Num primeiro momento, a palavra significação é mais segura, porque ordianariamente


permanece em seu espaço semântico.

Expressão se estende mais facilmente para outros espaços.

Mantido o contexto, ambos os termos, - significação e expressão, - continuam excelentes.

O objetivo agora é mostrar o que a razão, de primeiro intuito, percebe na arte.

E o que efetivamente constatamos?

Nada mais que isto: a arte é significação.

Para descrever o que acontece neste primeiro momento da gnosiologia da arte,


seguiremos a seguinte ordem didática de itens:

- o método da prova é fenomenológico (vd 107);

- prova da arte como intencionalidade cognoscitiva (vd 112);

- afastamento de dificuldades (vd 123).

I - Prova pelo método fenomenológico.

0531y107.
108. Na determinação do que seja essencial na arte como significado, precisamos ir com
cuidado, para que, no momento da prova, não aconteça uma quebra de sequência no
sistema cursivo do conhecimento.

A significação que se deseja atribuir à arte, contra os onticistas que a negam, deverá
primeiramente ser constatada como um fato, ainda que diretamente este fato seja
constatado só pela consciência do intérprete.

Permanecendo a indagação só no fato em seu início, ou primeiro instante, não se


pergunta ainda pela explicação teórica. Por conseguinte, no instante fenomenológico não
se trata dos fatores que a significação possível. Mostra-se neste momento
fenomenológico inicial simplesmente como o fato se mostra.

Insistimos, na descrição pura e simples do fenômeno constatado, a fim de desvinculá-lo


de todo e qualquer elemento teórico que venha a ser embutido por desatenção; o
momento teórico é posterior ao fenomenológico. Antes, pois, da cursividade teórica,
importa dizer o que a arte é de primeiro intuito.

O que a fenomenologia faz, descrevendo o fato constatado, gira em torno de um núcleo


indivisível, do ponto de vista da evidência imediata.

Em tudo imediatamente evidente, nesta condição o fato é nele uma


evidência explícita (não evidência implícita, nem evidência virtual).

Fenomenologicamente, a arte se apresenta como expressão. Somente depois se procura


teoricamente explicar como acontecendo pela via da mimese, da qual seria um efeito
formal (vd 191).

Não obstante a indivisibilidade concreta do fato, a evidência explícita é abordável em


partes abstratas sucessivas, todas no mesmo plano da evidência explícita.

A sequência dentro de um mesmo fato fenomenológico, não é a da sucessão das


diferentes evidências (explícitas, implícitas, virtuais), mas apenas a ordem da estrutura
daquele todo fenomenológico, em que cada parte é igualmente a mesma espécie de
evidência explícita.
Acontece com a mente o mesmo com o que sucede com os olhos, os quais, sem afetar a
evidência sempre direta, atendem a um mesmo panorama percorrendo sucessivamente os
diferentes espaços expostos. Cada parte, seja diante da mente, seja diante do olhar, goza o
mesmo nível de evidência explícita.

109. O fato como existência e o fato como essência. Já que a abstração pode redividir o
fenomenológico, como poderíamos ordenar o estudo da significação constatada na obra
de arte, sem sairmos dessa significação constatada fenomenologicamente?

Para obter uma ordem sequencial podemos distinguir entre o existir do fato e
sua essência, ou seja, em seu modo de ser como uma informação. Estes dois momentos
fenomenológicos se poderão formular assim:

- o fato, como constatação que passou a existir,

- e o fato como contendo uma informação, dita ordinariamente um conceito, ou uma


essência, ou um modo de ser do existir.

O importante é determinar com toda segurança o fato, como constatação que passou a
existir. Este é o primeiro momento do fato em sua ordem sequencial, em que ele antes de
tudo tem se mostrar como existindo.

Mas, ao mesmo tempo que o fato se dá como fato, ele também é compreendido, pelo
menos em parte,

O que assim se oferece, não é nada mais e nada menos que a distinção fundamental do
ser em existência (primeira perspectiva do fato) e essência (esta entendida aqui
como modo da existência, que comparece como segunda perspectiva do fato, e sempre
com evidência explícita).

Ao se fazer a indagação, se a arte é significadora, o que mais interessa estabelecer é o


modo da existência, portanto o segundo momento do fato.
110. A ordem lógica. Ainda que ontologicamente o fato da existência seja anterior ao
seu modo de existir, pela ordem lógica o pensamento principia atendendo primeiramente
ao modo de ser (ou essência) da existência, e não pelo fato mesmo da existência.

Na mente ocorre uma inversão, porque ela atende primeiramente à essência do fato, isto é,
ao seu modo de existir; ato contínuo passa a atender ao fato como um fato simplesmente
como existência.

A mente cuida primeiramente da essência, porque ela não é senão um efeito desta
essência, quando levada à autoconsciência. A expressão é sempre um modo de existir,
tanto do modo próprio de existir, como do modo de existir do objeto ao qual exprime.

Como oportunamente; se explicará, a expressão se dá através da semelhança, - de acordo


com o princípio, de que o semelhante acusa o assemelhado.

Entretanto, mantemos firme, que, pela ordem ontológica das coisas, a existência é
anterior ao seu modo de ser, ou à sua essência.

Não há como definir adequadamente a existência, porque ela é o fato em seu primeiro
momento, sem o modo de ser, que ao mesmo tempo assume.

II - Prova da arte, como intencionalidade cognoscitiva.

0531y112.

113. Para provar que a arte é essencialmente uma expressão intencionalística, se começa
atendendo aos fatos. Estes nos mostram que há casos de obras em que ocorre uma
expressão intencionalística.
Depois da coleta desses fatos sobre a arte como expressão intencionalística, um novo
passo prossegue para a classificação e indução. Este procedimento analítico, é que nos dá
a posição definitiva sobre a natureza da arte em geral.

O fato é um juízo sintético, porque atribui algo a algo. No caso da arte a constatação diz
que a obra é um portador de significado. Quem quer que esteja diante de uma obra de arte,
este emite juízo sintético, através do qual ele apreende o seu significado.

Mas este apreender do significado não é tudo. Ao mesmo tempo acontece o


aprofundamento da verificação e nesta fenomenologia se constata ainda o caráter
intencionalístico.

Uma vez isolado o conceito de arte em classe definida, passa a se distinguir de outras
classes de conceitos. Surge, pois, a noção de arte como categoria específica de conceito.

114. Mas o que se constatou é um caso individual. Importa um novo encaminhamento,


que, por indução a partir de muitos casos, universaliza o que se verificou aqui e ali.

A indução coordena juízos, dos quais, por análise, induz nova afirmação mais ampla. Por
exemplo, de muitas verificações de obras artísticas portadoras de significação, a indução
induz a afirmação mais geral, de que a arte é simplesmente um portador de significados;
ou seja, que a natureza da arte é ser uma expressão intencionalística em direção do objeto
significado.

Supõe a indução o princípio de que, havendo nos fatos individuais algo individual e
acima do individual algo comum sucessivamente verificado, este algo comum pode ser
afirmado como natureza mesma destes fatos individuais.

O que importa, portanto, é haver em cada fato algo comum, além do individual. Não há
portanto problema com o individual, ao qual se conhece desde logo. A operação analítica
se põe em busca do geral. Planejando esta busca, se levanta uma hipótese com base em
alguns primeiros dados, e se continua colecionando fatos, a fim de conseguir a
confirmação.
Mais rigorosamente, na intencionalidade artística algo é sempre individual e que
distingue cada obra de outras obras. Não haveria apenas uma distinção decorrente do
portador material (forma, cor, som), mas também da intencionalidade gerada por cada
portador. Além desta intencionalidade diferenciada para cada obra de arte, algo sempre
ocorre de comum, em virtude da qual todas as intencionalidades são o que são: uma
intencionalidade, especificamente distinta daquilo que não é intencionalidade.

Este elemento comum, que é a mesma intencionalidade, sempre se repete em qualquer


arte, e permite asseverar (por indução), que toda a arte é intencionalística, como elemento
de sua mesma essência, e que não há arte que não o seja.

Também por motivo de rigor, deve-se ter em conta que o raciocínio indutivo oferece
limitações. Ele somente é válido se não houver nenhum caso em contrário. Nunca
sabemos de todos os casos possíveis.

Consequentemente, estamos limitados ao princípio: a indução generalizante vale


enquanto não surgir um caso em contrário.

Ainda por motivo de rigor é preciso distinguir classificação e indução.

Classificamos quando reunimos sob uma classe todos os conceitos da mesma espécie,
excluindo os que não cabem. Pela classificação, o conceito passa a se distingüir dos
conceitos sob outra classificação.

A indução é parecida, porque igualmente analítica; a indução todavia afirma um conceito,


como sendo sempre atribuído a algo.

115. Com referência ao intencionalismo da arte, ele passa a ser determinado como
uma classificação. Neste caso, colecionamos todas aquelas obras de arte que contêm
significado.
Haveria a classificação das que significam e das que não significam. Chamaríamos, então,
arte apenas aquelas obras de classificação que contêm significado? Se assim pudéssemos
proceder, as demais obras, por vezes denominadas artísticas, não o seriam em sentido
próprio; seriam denominadas apenas em um sentido lato (não específico).

Encontramo-nos agora, diante de uma problema semântico, e que leva a distinguir entre
arte em sentido lato e arte em sentido próprio (ou estrito).

Na verdade, umas coisas são denominadas pelo nome de arte no sentido lato, apenas
porque são perfeitamente ajustadas ao modelo ideal que devem realizar.

Outras coisas seriam arte em sentido próprio, porque signifam algo. Este é o caso da
linguagem, porque é imediatamente reconhecida como portadora de significado.
Será portanto a linguagem uma arte em sentido próprio (estrito).

Outro objeto, por exemplo, um brinco, por ser belo (ou seja elaborado segundo um certo
modelo ideal), não se revela como portador de um significado; é apenas um objeto
perfeitamente ajustado ao seu modelo de perfeição, dizendo-se artístico a este título
apenas, e que não é o mesmo do da linguagem.

Por que caminho seguirá a prova, que estabelece a arte como intencionalidade? A arte
seria intencional apenas no sentido de uma classificação? Ou ainda por efeito de uma
indução?

Há uma ligação e interação entre classificação e indução. É por este efeito da


classificação que podemos extrair a indução. Faz-se um elenco de fatos, que em primeira
instância é uma classificação; numa segunda é uma indução, a qual certamente vale para
a referida coleção de fatos classificados.

116. O elenco dos fatos constatados. A constatação dos fatos que revelam a natureza
intencionalística da arte pode fazer-se por ordem, repassando sucessivamente as várias
expressões de portador, a sabe:
- formas,

- cores,

- sons.

- linguagem.

117. A arte em formas, de que a escultura é a espécie mais notória, como é que se
apresentaram?

Cada estátua, que observemos, nos fala de algo, por exemplo de um herói, de uma
personalidade marcante, de um homem, ou de uma mulher, de uma planta ou de um
animal.

No mesmo plano das formas plásticas acontece o balé; também ali as formas que se
movimentam nos dizem algo.

A figuração naturalística das artes plásticas é de uma evidente tematicidade. Elas


apresentam um instante pré-artístico na beleza natural das formas; elas não são todavia só
isto, porque são portadoras também de significado.

118. As cores se revelam igualmente portadoras de significados, como se observa em


cada caso de pintura. Facilmente as cores se unem às expressões em forma plástica.

Mesmo quando a pintura é do gênero abstrato, a intencionalidade significadora se faz


presente, ainda que por meio de vaga advertência. Os limites a que está sujeita a arte
abstrata não se deve à inexistência da significação, -porque esta existe, - mas às
limitações do instrumento portador para o referido tema.
119. Os sons constituem-se em portadores versáteis para circunstâncias específicas da
expressão artística, ora operando apenas entitativamente, como na arte em sentido lato,
ora operando com significados, como na arte em sentido próprio.

A música não se limita à mera criação entitativa do ser sonoro para efeitos estéticos.
Também a intencionalidade se expressa no fluxo sonoro, sempre que a música entra a nos
dizer algo.

Podemos buscar a música por ambos os motivos. Nada impede que busquemos a
sequência musical sem preocupação com os significados; ocupamo-nos, então com os
elementos não artísticos, chamados pré-artísticos; estes não fazem da música uma arte
em sentido estrito, ou próprio mas apenas em sentido lato.

Somente ocorre a arte musical em sentido estrito quando ela exprime algo
intencionalísticamente.

Esta afirmativa a fazemos por efeito do método da classificação de conceitos que se


colocam em classes distintas. Não é o mesmo conceito, o da música como sequência
sonora de portadores de significados e o da música como sequência meramente entitativa
de sons estéticamente agradáveis.

120. E o que é que observamos na linguagem? Cada palavra, além de sua entidade
sensível, oferece um significado. O mesmo acontece com cada frase. Não se abre a boca
para falar nomes sem significado. A linguagem não tem razão de ser se não tiver
significado.

Apenas mui secundariamente nos ocupamos com o fluxo meramente vocal da linguagem,
como no caso da cadência métrica da poesia. Também cuidamos ligeiramente da
sonoridade e tonidade quando falamos em prosa.

121. Conclusão. Feitas as sucessivas observações nas obras de arte das espécies
fundamentais, - plásticas, pictoricas, musicais e de linguagem, - e verificada a constância
do significado como seu elemento comum, pode-se induzir que a arte é obra sensível
portadora de significado.

Assim chegamos ao resultado final da prova fenomenológica, de que a arte é expressão


significadora.

III - Afastamento de dificuldades.

0531y123.

124. Um conhecimento se torna definitivamente certo, isto é, de uma certeza perfeita,


quando sua evidência se mostra clara (não obscura) e distinta(não confusa)..

A evidência é clara, quando em si mesma a noção se mostra vívida, sem


qualquer obscuridade.

A evidência é distinta, quando se coloca com distinção em relação a outros


conhecimentos, de tal maneira a não permitir confusão.

125. Os erros como hipóteses possíveis, eis como o pensamento crítico observa o outro
lado, assim examinando, pois, as possiveis outras concepções de arte.

Embora se trate apenas de erros e equívocos, eles surgem de começo como hipótese
possíveis. Por meio da pesquisa dos fatos vão sendo progressivamente afastadas tais
alternativas, testando-se, consequentemente a hipótese mais provável, a de que a arte é
expressão intencionalística.
Em geral outras alternativas pelas quais se define a arte erroneamente, são aspéctos
também importantes, mas que não podem ser colocados como específicos. Quase todas
são enticistas, porque colocam na entidade da obra o fundamento principal,
acrescentando a essa entidade aspectos como a origem humana da obra, a beleza, a
esteticidade, a gratuidade.

Há também uma alternativa intencionalística errônea, a que define a arte


como comunicação, em vez de definí-la como expressão; por causa desta expressão
resulta a comunicação.

Certamente a maioria das alternativas errôneas faz também parte do contexto da arte; mas
sem a definirem essencialmente. Enquanto isto não aparecer claro, estas outras
alternativas deverão ser examinadas como dificuldades a afastar.

126. Seria a arte um sistema de comunicação? Na verdade, a arte, sobretudo a arte da


linguagem, comunica, mas sem que esta capacidade de comunicação seja sua essência.

A comunicação decorre da expressão. Portanto, é apenas uma sua propriedade, mas não é
a sua mesma essência.

Primeiramente precisa a arte ser expressão de algo, para que, a seguir, um outro indivíduo
a possa interpretar, acolhendo-a aditivamente como mensagem.

127. No culto aos heróis e no culto a Deus ocorre a expressão simplesmente, sem
mensagem no sentido de comunicação. Expressa-se o culto sem preocupação com a
transmissão do conteúdo expresso, e que contudo pode acontecer.

Essencialmente o culto é mental, consistindo em uma atitude frente a algo maior. Esta
atitude mental pode expressar-se exteriormente, ainda que não necessariamente. O
individuo, sobretudo o mais primitivo e em concepção antropomórfica a respeito da
divindade, imagina-se também em estado de diálogo com Deus.
Agora já não se trata apenas de expressão como no instante essencial do culto, e sim
também de comunicação.

A liturgia e os ritos contêm elementos de comunicação, mas antes disto importam em ser
expressão.

128. É a comunicação uma importante propriedade da arte, e que também deverá ser
examinada, ainda que oportunamente.

Por causa desta importância da comunicação se cria a fácilmente a equivocada convicção


de que ela define a essência mesma da arte.

Entretanto, para que a comunicação se possa exercer, importa, - como já se advertiu, -


que a arte já se estabeleça com anterioridade como expressão.

No caso da linguagem isto significa que os equivalentes convencionais já sejam


conhecidos com anterioridade, pelos que se comunicam.

129. Um ecletismo teoreticista-practicista poderia defender que a arte ocorre de


maneira sígnica em algumas criações e de maneira meramente entitativa em outras.

Neste ecletismo teoreticista-practicista se arrolariam como artes essencialmente sígnicas


as que operam mediante convenções, especialmente a linguagem literária.

Com referência às artes plásticas, operando com formas no espaço e cores, haveria
criações artísticas sem se revestir de significados temáticos para os quais a mente do
apreciador fosse remetida intencionalísticamente. Tal ocorreria com a escultura,
arquitetura, pintura. E ainda com a música.
Trata-se de um sem-sentido, porquanto a diferença entre umas e outras artes se encontra
apenas em que umas recorrem a equivalentes convencionais e outras aproveitam mais os
recursos naturais de expressão.

Em ambas as modalidades de arte a expressão sígnica é possível. A expressão sígnica,


conforme em seu lugar explicará melhor, se dá por semelhança e por conotação
associativa.

Ora, tudo isto ocorre na escultura, arquitetura, pintura, música, tão bem quanto nas artes
que operam mediante signos convencionais.

Também a observação direta apresenta as artes da pintura, da escultura, da música como


efetivamente exercendo a tematicidade.

Sempre que a deixam tornam-se algo inteiramente diverso; mas então já se encontram
num plano que não é visado pela arte. Sempre que o pintor apenas pinta para só produzir
telas de efeito estético, ele já não faz arte em sentido estrito. Então ele é apenas um
esteticista como qualquer bom pintor de paredes de uma casa nova.

130. O ecletismo, que define a literatura como teorética e as demais artes como expressão
meramente intitativa, é assunto em que não há posição clara dos que abordam a questão.

Jean Paul Sartre (1905-1981), ao definir a literatura como processo sígnico, está dentro
da definição da arte como expressão intencionalística. Entretanto, ao diferenciá-la das
artes que operam fora do campo das convenções, parece atribuir à pintura, à escultura, à
música e mesmo à poesia o caráter de expressões meramente entitativas. Se tal fosse
verdadeiramente seu objetivo, sua posição seria exatamente um ecletismo teoreticista-
practicista.

O que entretanto ocorre é a força mais enfática da função sígnica da arte da linguagem. O
que falta ao signo natural, a convenção acrescenta. Como mostra a Gramática
especulativa, a linguagem possui a capacidade de expressar o modo de entender (modus
inteligendi), como o modo substantivo, o modo adjetivo, o modo verbal, etc, o que não
conseguem igualmente as outras artes, e por isso ela se torna muito eficaz para comunicar.
Não obstante, esta comunicação é apenas uma propriedade.
O caráter de objeto meramente entitativo é, de outra parte, mais frisante nas artes
plásticas; estas, além da significação, podem explorar a beleza entitativa útil, inclusive de
prazer de tais objetos.

Seja o exemplo do balé humano; ele é arte, ao mesmo tempo que excitante direto da
eroticidade. Não obstante às validades destes outros objetivos lúdicos, deles se distingue
o aspecto especificamente artístico da expressão.

A maior capacidade de expressar um raciocínio, além dos já citados modus inteligendi,


proporciona à linguagem a possibilidade do compromisso com afirmações sociais e
ideológicas em geral.

A ciência e a filosofía se aproveitam muito mais da linguagem literária do que da


expressão plástica visual, precisamente por causa das diferenças de capacidade no que se
refere aos temas teóricos.

Sartre, ao diferenciar simplesmente as artes plásticas e a música, pretende que não se


podem comprometer ao modo da literatura. De novo convém antes dizer que o
compromisso é apenas menor, ou seja de graus, de acordo com as variações destas artes
no corcernente aos seus recursos de expressão.

Quer dizer? A ficção é também um objeto ao qual a expressão artística se refere


intencionalisticamente. Há ficção literária, como no conto, na novela, no romance. E
assim, do mesmo modo, o pintor poderá fazer pintura de ficção, isto é, pinta casas, as
quais intencionalísticamente se referem a casas fictícias. Não há, então, diferença entre
literatura de ficção e pintura de ficção. Em ambos os casos, a expressão é
intencionalística e não apenas uma coisa.

Texto de Sartre sobre a sua concepção ecleticista de arte:

"As notas, as cores e as formas não são signos, não são coisas que remetem a nada que
lhes seja exterior. Para o artísta, a cor, o aroma, são coisas em grau supremo; se se detém
na qualidade do som ou da forma, volve a ela sem cessar e obtém dela satisfações íntimas;
é esta cor-objeto o que vai trasladar para sua tela e a única modificação que lhe fará
experimentar é que o transformará em objeto imaginário.
É, pois, ele que mais dista de considerar as cores e os sons como linguagem. O pintor não
quer traçar signos em sua tabela, senão que quer criar uma coisa, e, se põe vermelho,
amarelo e verdade em conjunto, não há nenhum motivo para que o conjunto possua uma
significação definível, isto é, a remessa concreta a outro objeto".

Mais adiante:

"O grito de dor é o signo da dor que o provoca. Porém um canto de dor é por sua vez a
dor mesma e uma coisa distinta. Ou, se se quiser adotar o vocabulário existencialista, é
uma dor que já não existe, que é.

Vocês dirão, e se o pintor faz casas? Pois bem precisamente, faz casa, isto é, cria uma
casa imaginária na tela e não um signo de casa. E a casa que assim se manifesta conserva
toda a ambigüidade das casas reais".

Em nota ainda frisou: "A grandeza e o erro de Klee estribam em seu intento de fazer uma
pintura que seja ao mesmo tempo signo e objeto" (Sartre, Que é a literatura? I, p. 45 e 47,
ed. espanhola).

131. Arte e artefato. Definir-se-ia a arte pela origem? Nesta condição tudo o que o
homem criasse teria a condição de arte, mesmo que fosse apenas uma criação meramente
entitativa.

Eis, aliás, a significação que se atribui à palavra arte, quando tomada em sentido amplo, e
que então o fazer universalmente, desde o simples artefato até a criação universal.

O mundo, na concepção criacionista, - que o faz derivar diretamente de Deus, - seria uma
obra de arte. Assim foi descrito, - como uma obra de seis dia, - na primeira página da
Bíblia. Apenas não seria arte o que não tivesse origem e fosse eterno.

Esta definição de arte, pela origem, faz do artista como que um outro Deus. Então, tudo o
que o homem faz é arte, sobretudo o que faz de belo e útil.
Num sentido ligeiramente mais restritivo, as coisas da natureza, enquanto se destinguem
das criadas pelo homem, não seriam arte. Denomina-se arte a obra do homem, enquanto
cria. Arte e natureza constituem-se em dois gêneros em que se ordenam as coisas em
nosso redor.

Em sentido mais estrito, a relação de origem não define a arte, senão extrinsecamente.
Ela é algo em sí, antes de tudo. A relação de origem é muito secundária. Mesmo sem ter
origem, uma obra de arte não deixaria de se exercer como tal.

As crianças pintam com as mais variadas cores e formas, que por vezes despertam
admiração. Mas o que geralmente fazem não é arte, porque tais composições pictóricas
nada significam a maneira de signo.

Também os artístas por vezes criam belos arranjos de cores e de alto efeito estético. De
novo não se trata de arte no sentido estrito de expressões sígnicas, são apenas produtos
artesanais de intenção meramente entitativa, que não se estabelecem como significantes,
isto é, como portadores de um significado.

Quem recorta folhas de papel, com a intenção de criar bandeirinhas para um festival
folclórico, não faz arte, porque aquelas folhinhas são apenas entidades absolutas e não
signos de outras bandeirinhas.

Mas se alguém recorta bandeirinhas com intenção de servirem de expressão de outras


bandeirinhas, tem então obras de arte. Do mesmo modo, se um pintor pinta casas, com a
intenção de significar outras casas reais ou casas de ficção, aquelas pinturas seriam arte.

Todavia se fosse possível pintar casas apenas para fazer casas pintadas, estas não seriam
obra de arte no sentido estrito, mas apenas criações meramente entitativas, isto é, arte no
sentido amplo.

132. A arquitetura costumeiramente não é arte no sentido estrito, porquanto apenas trata
da organização do espaço a serviço do homem, sem intenção de dar aos materias uma
expressão significadora. Neste caso é apenas uma criação entitativa.
Se, por acréscimo, a construção arquitetônica oferecer significados, então a arte em
sentido estrito aparece.

Uma torre para sustentar um sino em adequada altura, ainda não é arte em sentido estrito.
Mas, se esta torre ainda puder ser o símbolo de um templo elevando-se ao eterno,
imaginado estar nas alturas, - eis quando passará a ser, por aceréscimo, uma obra de arte
em sentido estrito, porque efetivamente passou a esprimir algo (vd 567).

Todavia não é essencial à arquitetura exercer expressão significadora.

133. A música é arte no sentido estrito, porque usualmente esprime algo, ainda que
ordinariamente cultive também a sonoridade meramente estética.

Se a música se ocupasse também com criações meramente sonoras, para efeito de pura
esteticidade, então seria apenas uma criação meramente entitativa, e já não seria arte no
sentido estrito.

É arte em sentido estrito somente aquela música que exprime algo como objeto para o
qual adverte, portanto com intencionalídade.

134. A arte e o objeto belo. Seria a arte a criação de objetos belos? Eis uma definição
frequente de arte, que todavia pode ter dois sentidos, - um no campo da arte em sentido
amplo, e que portanto continua ainda no plano meramente entitativo, - outro já no plano
da arte no sentido estrito, exercendo-se como significado.

Quer criando simplesmente objetos (no sentido de entidades absolutas), quer gerando
expressões intencionalísticas (no sentido de entidades portadoras de significado), o que
faria a arte ser arte, seria a beleza com que se revestem os referidos objetos, tanto os
absolutos, como os intencionalísticos.
A definição de arte como criação bela, - seja no sentido amplo, seja no sentido estrito, -
introduz o conceito de arte no sentido nobre. Ela apenas define a arte mais digna de ter
este nome. Efetivamente, a arte mal feita não merece o nome. Todavia, também é uma
arte, - apesar de tudo!

Na concepção da arte como criação da beleza, o polêmico está ainda na definição da


mesma beleza. Certamente o belo é o que está em destaque, por isso oferece alimento às
dificuldades de conhecimento e produz satisfação estética.

Todavia, não é claro à primeira vista em que sentido algo está em destaque. Diz-se-á que
é em função à sua perfeição como ser. Mas, então, que significa perfeição? Para que algo
seja perfeito, deverá realizar-se de acordo com um parâmetro, ao qual realiza como seu
modelo exemplar (modelo tipo, ou modelo arquétipo).

Pode-se perguntar, se este modelo existe efetivamente? As filosofias clássicas asseveram


sua existência efetiva. As filosofías modernas racionalístas, desde Kant, consideram tais
modelos como sendo universais apenas na interioridade da mente. As filosofías empíricas
e positivistas desde sempre negaram a efetivida existência daqueles modelos. Todavia a
não aceitação dos referidos modelos arquétipos (nem na ordem subjetiva e nem na ordem
objetiva) é substituída pela asserção de que o belo é o que agrada aos sentidos. Neste caso,
a arte como criação de coisas belas toma como modelo feições capazes de agrado.

A isto tudo podemos avaliar, ponderando que a essência de algo (como a arte
imediatamente revela pela constatação dos fatos) não depende de um parâmetro exterior à
obra mesma. O belo, consequentemente, surge apenas como uma propriedade, inclusive
muito apreciável. Esta apreciabilidade do belo o torna muito presente nas artes, ao ponto
de ocorrer o equívoco, de que o belo define a arte.

A expressão "belas artes", frequente para indicar a arquitetura, por vezes incluída a
pintura, sugere mesmo que a arte seja a obra bela. Neste caso, porém, a arte se diz em
sentido amplo como qualquer objeto produzido pelo homem.

135. Arte e empatia. Seria a arte um fazer coisas, em que estas se modelam já não
segundo as coisas naturais, e sim de acordo com intenções empáticas do mesmo homem?
Por exemplo, o animista, que vive o objeto ajuntando-lhes características superiores,
criaria obras de arte com as referidas peculiaridades. Surgem novos objetos, os da arte.
Em última instância, a arte continuaria a ser entitativa, porque somente criadora de
objetos ainda que muito especiais.

A obra de arte, segundo a estética psicológica da Johanes Volkelt (1848-1930) e Theodor


Lipps (1851-1914), seria a tradução, em objeto real de tudo que o homem transfunde
como representação e sentimento, movido pela necessidade de equilíbrio psiquico.

Este mundo interior seria o modelo, portanto, para a criação de uma obra exterior
correspondente. Não se construiria a obra de arte com os velhos modelos ideais, como
pretendia o racionalismo artístico de Platão, Aristóteles e seus sucessores modernos.

J. Volkelt observou que o homem comtempla afetivamente os objetos, como vivos,


trágicos, cômicos, sentimentais, etc...

A necessidade de dar curso à vida anímica, com suas diversas modalidades, leva o
homem a criar os respectivos objetos exteriormente. Já então uma pedra não é apenas a
pedra do geólogo, mas a pedra com as infusões sentimentais com que o indivíduo a
encara.

Os objetos da arte não se apresentam como na natureza, mas de acordo com a vida
anímica do homem.

Também o apreciador, ao aproximar-se de uma obra de arte, - seja a estética


do Discóbulo, - a aprecia atento aos estados anímicos que ela pode suscitar, mesmo
porque o artísta já expressou nela aqueles estados.

O que Volkelt estudou analiticamente, desdobrando os mais diversos estados elementares,


Lipps passou a sistematizar em busca de um estado anímico fundamental.

Acreditou tratar-se da projeção sentimental (Einfuehlung, no alemão), ou empatia (termo


formado a partir do grego empatheo = entrar em, espargir sobre).
Mostra então, que a endopatia se exerce em todos os objetos, seja na pedra que cai, na
linha dinâmica, nas formas moventes, no azul tranquilo e severo, no vermelho selvagem e
violento, na melodia suave e apreciável, ou funebre e melancólica, nos objetos do mundo
inanimado a se manifestarem como vivos e sentimentais.

§3 - Natureza da intencionalidade artítica.

0531y138.

139. Não obstante ao caráter fenomenológico da intencionalidade cognoscitiva, quer da


arte, quer do conhecimento em geral, sua natureza é de difícil fixação em exposição
didática.

Reflete-se a natureza da intencionalidade cognoscitiva em vários conceitos e


respectivos nomes, os quais podem ser examinados um a um. Assim já conseguimos um
início de ordem na exposição, com um primeiro item (vd 140).

A seguir, em mais um item, se pode advertir especialmente sobre os termos da


intencionalidade, aprofundando a este propósito a natureza da intencionalidade (vd 151).

I - A intencionalidade através de seus muitos nomes.

0531y140.

141. O significado, peculiar à essência da arte, se multiplica em uma constelação


de conceitos similares, os quais, por sua vez, ainda se mencionam
mediante nomes diversificados.
Tais conceitos e nomes são, entre outros, o mesmo conceito e nome de arte, e a seguir
ainda os de signo, impressão, expressão, representação, informação, mensagem,
intencionalidade, conteúdo, objeto, tema.

142. Esta pulverização ocorre porque o conceito é sempre abstrato e indefinidamente


capaz de novas abstrações. Ora os conceitos atendem a uma face, ora a outra. Em
decorrência se multiplicam os nomes, uns mais abrangentes, outros menos.

Alguns conceitos e nomes com que nos referimos à arte vêm da área mental, cuja
expressão é análoga à expressão artística.

A idéia, por exemplo, é representação análoga à expressão artística. A diferença ocorre


apenas, porque a idéia é uma expressão mental, imanente e consciente de si, enquanto a
outra, - a expressão artística, é exterior e não consciente de si. Mas, embora não
consciente de si, a expressão artística se complementa com a interpretação do apreciador.

Assim sendo, o vocabulário de uma e de outra modalidade de expressão se tornam


paralelos.

As denominações utilizadas para referir as expressões da área mental poderão ter vindo
dos objetos dos sentidos exteriores; da área mental retornaram (obliquamente) para a obra
sensível da arte. Por exemplo, idéia clara primeiramente se disse de som claro.

A linguagem da arte poderá ter sido mesmo mais antiga. Assim


também espírito primeiramente se disse da respiração e somente depois do ente superior.
Até o nome Deus foi primeiramente o nome do dia e do céu luminoso.

O termo expressão significou primitivamente o resultado de uma pressão. Assim sendo,


expressão se teria dito primeiramente da arte e somente depois da expressão mental.

Importa por conseguinte uma sequência de cuidados com os conceitos e nomes com os
quais nos referimos à arte.
As palavras que hoje mais se dizem do conhecimento, continuam se prestando para
indicar aspectos da expressão artística, conforme já adiantamos, em virtude da analogia
entre ambas as categorias de operações.

São indicadores de conhecimento as seguintes radicais gregas universalizadas: gnósis,


theoria, epistheme, nóos. Dali segue podermos falar em concepção gnosiológica,
teorética, epistêmica, noética, noológica da arte.

Efetivamente, se a arte se define como intencionalidade falante, é acertado


dizer concepção gnosiológica da arte para a tese que assim a interpreta.

Concepção teorética, do grego teorein (= contemplar) enfatiza que a arte não é um


praticar a criação de uma nova entidade simplesmente, mas que é um exercício de
conhecimento.

Por isso, se opõem, em paralelismo, os termos da dupla: teoreticismo e practicismo.

Mui forte é a expressão, a arte é um falar.

Admite-se mesmo dizer, ainda que com alguma vulgaridade, que a arte é falação.

Por uma de suas funções úteis, a arte se diz mensagem, comunicação, transmissão.

Mais uma vez, as palavras em questão se situam em clima gnosiológico.

Também o nome latino intentio (= atenção) contém a noção de conhecimento.

Foi o termo utilizado para significar a marcha intencional da mente para o objeto. Neste
sentido se opuseram as duas concessões fundamentais do conhecimento, -
intencionalismo (o conhecimento como atenção a um objeto) e psicologismo (o
conhecimento simplesmente como entidade).
Paralelamente, na arte se opõem onticismo e intencionalismo artístico.

Finalmente, há conceitos sobre a arte, que se ordenam pelo conteúdo atingido nesta
mesma arte. Uns são mais globais, como arte, signo, informação, conteúdo, tema, - todos,
se referindo à dinâmica da significação, ora do ponto de partida, ora ao de chegada.

Dali ainda resultam os conceitos em paralelo, - impressão e expressão; e os conceitos


terminais, como objeto, termo intencional.

Os conceitos arrolados importam em ser cada um esclarecido em separado, o que faremos


ao menos com alguns.

143. Atentos ainda ao nome arte, voltamos a advertir sobre sua etimologia.

Etimologicamente, o sentido de arte é mais vago que o de expressão, mas dentro do


mesmo círculo conceitual.

Arte, - como já se adiantou (vd 28), - deriva do radical indo-europeu ar -, com a idéia
geral de arranjo, ajuntamente, composição, harmonização. Assim o radical aparece em
arma, armário, artigo, arranjo, Arm (= abraço, em alemão)... finalmente em arte artificial,
artefato, artista, artesão.

Globalmente, o arranjo artístico tem a função de exercer algo. Esta função poderá ser de
ordem entitativa, como se adverte com frequência. Mas não exclui a função significadora,
como sempre na linguagem, na música, na pintura, e às vezes na arquitetura. Tais
arranjos, em qualquer hipótese se apóiam em elementos materiais, quer quando com
vistas a uma função entitativa, quando a uma função significadora intencionalística.

Compare-se arte com expressão. Inclui expressão o resultado da ação


de imprimir (vd 142). Há mesmo uma diferença etimológica entre expressão e arte, que
resultam em nuances diferenciando as duas palavras.
Na expressão se indica a origem a partir do expressante advertindo na direção
do expresso, sugerindo que algo sai do expressante e se transfere para a expressão.

Na arte se indica a forma sem a origem do que se faz; indica diretamente apenas o arranjo
da articulação, que junta ou compõe os elementos do todo gerado.

Em resumo, expressão indica mais a origem; arte, mais a função em si mesma. Dali
porque as duas palavras não chegam a ser tautológicas, em locuções como expressão
artística ou em arte da expressão.

Arte conota ainda o sentido de perfeição. Esta conotação ocorre no vocábulo grego
ártios (= bem ajustado) e no latino artus (= bem ajustado). Sob este fundo semântico se
usa a palavra arte sempre que por ela se entenda criação de obra perfeita, tanto de
expressão entitativa, como de expressão significante.

Diferentemente, expressão conota a semelhança e não tanto a perfeição. E assim, mais


uma vez arte e expressão se diferenciam. Contudo se admite dizer indivíduo expressivo.

A raiz ag-, também do indo-europeu, com a acepção geral de empurrar para a frente, é
alegada por alguns ao esclarecer o significado do termo arte. Dali procedem ago (=
conduzir, em grego) e agere (= agir, no latim). Então a arte significaria produto.

144. Signo, quer por sua definição nominal, quer por sua definição real, é um termo
dos mais significativos usados no tratamento da arte. Tem por variáveis significar,
significante, significado, significador, significação.

Do ponto de vista meramente nominal, deriva da raiz indo-européia sek- (com o sentido
de cortar, para assinalar), através da composição com outra raiz indo-européia nom- (que
significa nome), de onde sek-nom- (que resultou finalmente no signum do latim,
do signo do português).

Diante dessa análise filológica, signo é como que uma incisão feita para ser nome de algo.
Pela sua definição real, signo é um ente com a função de indicar algo outro. Desta sorte,
o signo adverte a atenção para um outro ente. O signo é sempre de acepção
intencionalística e jamais assume um sentido onticista. Nunca deixa de ser
intencionalístico para fechar-se sobre si mesmo apenas como um ente absoluto.

Pode o signo ser consciente de seu caráter intencionalístico, mas isto não é essencial a ele.
Nas faculdades de conhecimento os signos são conscientes, não na arte. O pensamento é
consciente de si mesmo, e possui até dupla consciência, - a de conhecer o objeto
assinalado (em atenção direta) e a de saber que ele mesmo sabe (em atenção reflexa);
possui pois uma consciência direta (sobre o objeto) e uma consciência indireta (sobre si
mesmo). Os sentidos têm apenas consciência direta, não refletindo sobre si mesmos.

O signo da arte não possui consciência sobre o seu significar (nem atenção direta, nem
atenção reflexa); apenas um intérprete exterior sabe tratar-se de um signo. Não sabe a
estátua, o que ela representa, mas é entendida pelo intérprete.

Curiosamente, quem fala, pode saber o que fala; todavia a mesma fala não sabe, que ela é
uma fala!

145. Significante e significado. As variantes do signo merecem especial consideração.


Elas resultam de nuances, as quais ora atendem ao aspecto dinâmico do movimento
intencional do conhecimento, ora ao aspecto estático, do conhecimento já acabado.

Em consequência resultam dali também variações morfológicas de denominação. A partir


de signo, que é um substantivo, se forma o verbo significar, (que é um modal infinitivo),
com variantes modais substantivadas: significante, significado, significação.

Significante é o signo enquanto visto como um ente que exerce a função de significar,
mas não é o mesmo significar, sendo todavia o portador deste significar. Significante é,
pois, o signo como ente significante (ou como ser significante).

Já se vê que ora significante está como substantivo, ora como objeto.


Significar é o exercício do signo, enquanto visto ativamente como significado.

Significado é o conteúdo expresso no signo. Nesta função se diz que o signo tem um
significado. O significado é, pois, o conteúdo significado. Também aqui, ora colocamos
significado como substantivo, ora como objeto.

Significação é uma colocação similar à de significado. Enquanto significado é mais


ligado ao verbo, na forma adjetiva do particípio, significação está mais como
substantivação.

Importam as distinções, já mencionadas diversas vezes, entre significante e significado.


São indicações bem distintas, de perspectivas do signo, que deverão ser examinadas.

O significante é o signo sem o significado; ora, este aspecto há de ser examinado, a fim
de que se conheça o signo como um ente sui gêneris (de seu gênero), como um ente
distinto dos demais entes, com natureza específica e mui peculiar.

De outra parte, o significado é o signo apenas enquanto representa um objeto, ao qual


noticia. Todo significado se apóia no significante, mas como aspecto distinto deste signo.

As mesmas distinções verbais de significar para verbos similares. E então temos o quadro
seguinte:

Para significar, - significante e significado.

Para expressar, - expressante e expressado.

Para representar, - representante e representado.

Para referir, - referente e referido.

Para dizer, - dizente e dito.

Para denotar, - denotante e denotado.

Para indicar, - indicante e indicado.

Para falar, - falante e falado, etc.


146. Impressão e expressão. Tudo começa pela impressão. Com ela o artista imprime
algo na obra. No caso da mente, o objeto exterior imprime espontaneamente a sua feição.
Na arte, compete ao artista cinzelar na obra as feições do objeto que deseja expressar.
Criar esta impressão, por onde tudo começa, eis o trabalho principal do artista.

Verificam-se na impressão vários instantes. Um é o da ação de imprimir; eis a impressão


em sentido ativo. Outro é o daquilo que ficou impresso; agora se trata da impressão em
sentido passivo.

O instante ativo cessa, mas fica o passivo. Só este faz, verdadeiramente, parte da obra, e
se estabelece como sua forma. É, pois, a impressão uma forma que determina ao sujeito
potencial, receptor da mesma.

Tem de haver entre o modelo que se imprime e o objeto a ser expresso uma semelhança.
Não houvesse a semelhança, não poderia expressá-lo.

O artista tem como modelo a imagem que se encontra em sua fantasia. Mesmo quando
cogita em objetos encontrados no mundo concreto assume-os previamente em sua mente,
para a seguir, tomá-los como modelos.

Na impressão inconsciente exercida, também se pode falar em modelo, mas tão só como
lei natural do instinto, cujo modo de agir obedece a uma forma determinística. E assim
também acontece em qualquer outro produzir natural.

A obra de arte, no instante da impressão, se orienta, pois, segundo um modelo, que o


artista tem na mente, ou que a ação determinística possui como sua modalidade
permanente de agir. Até mesmo definida como produto de expansão dos instintos, a arte
obedeceria ao caráter próprio que rege deterministicamente a estes mesmos instintos.

Também o pensamento se exerce mediante prévia impressão. Algo ingressa na faculdade


de conhecimento e lá se imprime como base física do pensamento; a impressão possui
uma certa feição, isto é, obedece a um modelo.
Cada objeto que se imprime na mente, tem como modelo as características do objeto.
Não as tivesse, não poderia constituír-se como impressão específica do respectivo objeto
a ser significado. De dentro desta impressão (ou semelhança), brota a intencionalidade,
pela qual o semelhante acusa o assemelhado.

Um paralelismo ocorre entre o processo da impressão mental (espécie impressa


inteligível) e o da impressão artística (feição impressa artística). Espécie, do
latim species (= face, fisionomia) é, no caso, a semelhança.

A intencionalidade falante da arte, brota de dentro desta feição artística, semelhante ao


objeto. Por causa desta semelhança modelada na obra de arte, esta conduz a atenção rumo
ao objeto intencionado como tema, que assim se faz conhecer.

147. Expressão é o termo importante na definição, quer do conhecimento, quer da arte.


Seu aspecto, ora dinâmico, ora acabado, lhe empresta nuances conceptuais e que se
refletem na linguagem.

Apesar de ser usada a palavra expressão para indicar que o conhecimento e a arte são
portadores de significado, o sentido original é um produto na ordem entitativa. A marca
que a pressão de um objeto deixa sobre outro, é primeiramente só aquela marca; se
aditivamente ela é semelhante ao objeto decalcado, esta é uma nova qualidade. Assim,
além do caráter meramente entitativo, a marca ainda é um semelhante, capaz de produzir
a intencionalidade de uma expressão de ordem cognoscitiva, assumindo o que é
exatamente a arte.

Expressão deriva de premere, raiz latina com significação de premer, premir, calcar, pisar.
Dali pressus (= premido), pressio (pressão).

As demais formulações derivam através de sufixos: exprimere e expressio. No português,


além de expriimir, expressão, ocorre ainda a variante expremer.

Há uma relação de causa e efeito entre impressão e expressão, e que vai servir para
entender o que é a mencionada expressão. Como causa eficiente o objeto causa a
impressão. Inverte-se a seguir a direção, porque a impressão, em sendo semelhante ao
objeto impressor, torna-se expressão do objeto. Passa então à condição de causa eficiente,
ao de causa formal. Ou seja, o conhecimento resultante o é por efeito formal.

No seu significado preciso, expressão é o instante em que a impressão é vista em função


a aquilo que foi impresso. Portanto, a expressão é indicadora direta da feição subsequente
assumida pela impressão. A feição assumida é aquilo que faz a impressão se estabelecer
como tal e qual impressão, e que a coloca em uma determinada espécie de impressão.

A feição da impressão, - que a faz estabelecer-se como uma expressão - diz respeito
sobretudo ao modelo. Aquilo que se imprime, é o modelo, que orienta a ação de imprimir.
Então, se diz que a impressão realiza uma expressão do modelo. O artista imprime,
expressando algo.

Como justificar a noção oferecida de expressão, se a palavra exprimir lembra fazer sair?
Facilmente entendemos que imprimir é fazer entrar uma feição de objeto. Mas, exprimir,
como um fazer sair, não parece tão claro.

A expressão conota imediatamente a idéia de semelhança entre o expressante e


a expressão. A marca de um objeto impresso sobre a cera reproduz de algum modo o
objeto que sobre ele se calcava. A partir dali começa a expressão a assumir o novo
significado, em virtude do qual se torna intencionalístico. Então se verifica que o
semelhante significa o assemelhado. Etimologicamente não indica a palavra expressão
esta semelhança. Mas de fato a semelhança ocorre, de maneira que a expressão entitativa
associa imediatamente a conotação como o objeto assemelhado, convertendo-se
aditivamente em expressão intencionalística.

Ainda que se trate de expremer algo como o suco da laranja ou a água da esponja, sempre
se pode dizer que o líquido exprimido mantém uma semelhança, em vista de haver estado
dentro do objeto exprimido. E assim, o anel decalcado sobre a cera passa a significar o
anel que produziu o decalque.

No estado atual do sentido semântico da palavra, à expressão é essencial a similitude, que


deve indicar a relação de afinidade entre o objeto e seu resultado. A expressão se define,
pois, como uma coisa semelhante a algo.
"Diz-se que uma coisa expressa outra, quando há, na primeira, caracteres (= habitudines)
que correspondem aos caracteres da coisa expressa" (Leibniz, Quid sit idea, ed. Gehrardt,
VII, 263).

Mas esta semelhança pode dar-se segundo relações diversas, que podem ser as de modelo
(expressão entitativa) e as de significação (expressão intencionalística), conforme
também se poderá esclarecer.

148. Conteúdo da expressão é mais um modo de se referir à arte, e que se diz do


termo intencional imanente. É o significado como se encontra no signo.

Estuda a epistemologia o conteúdo do significado, a fim de determinar se seu valor


confere com o do termo intencional extrínseco.

O conteúdo, portanto, é o tema do significado e não a sua forma de ser.

Uma ressalva ainda oferece a palavra expressão, ao ser usada na modalidade histórica
do expressionismo.

Uma arte se qualifica como expressionista, ao expressar os estados interiores, do


indivíduo. Não fosse esta particularidade, expressionismo lembraria apenas a arte
enquanto expressão.

Para garantir pois uma separação intencionalística estrita da palavra expressão, requer-se
usá-la com adjetivação.

Dali a conveniência de adjetivá-la assim: expressão teorética, expressão falante,


expressão gnosiológica.

Tudo isto opõe-se à expressão entitativa, expressão modelo, expressão ideal, etc...
Entre expressão e expressividade ocorre uma distinção a que convém atender.

Expressividade se diz da propriedade de bem expressar. Nesta acepção admite-se


dizer expressividade da expressão.

149. Tema (do grego thema = o que se coloca), do verbo tithemi (= pôr) se diz em
primeiro lugar do termo intencional extrínseco da expressão.

A liberdade de contexto permite transpor os significados de tema para o mesmo sentido


de conteúdo.

Entretanto, o significado primeiro de conteúdo é de termo intrínseco da expressão, e o


primeiro de tema é o de termo extrínseco.

II - Natureza da intencionalidade.

0531y151.

152. Termos de chegada da intencionalidade. Para subtilizar a conceituação sobre a


arte como significação, importa ainda destacar o aspecto dinâmico e acabado da operação
do conhecimento.

Do ponto de vista dinâmico, como sempre advertimos, o conhecimento é um marchar da


atenção em direção ao objeto; neste sentido o conhecimento se define como uma
intencionalidade, e que possui termo de partida e termo de chegada intencional.

O termo de chegada, - como se disse, - se denomina termo intencional, ou seja, objeto,


conteúdo, expressão, tema.
Em torno desses aspectos passamos a fazer as considerações finais sobre o conceito de
arte como significado, pois a ela se aplicam naturalmente os termos intencionais do
conhecimento.

153. Referente interno, referente externo. Dois termos intencionais de referência em


uma significação, - o intrínseco à significação, - e o externo, - nos quais termina
intencionalmente o que se anuncia.

Nestes dois termos se processa o conhecimento, que ora atende a si mesmo, ora ao que
ele representa exteriormente.

O mesmo que acontece no conhecimento se repete na expressão artística, a qual contém


algo em si mesma e remete para algo exterior.

Importa bem atender, que na expressão há um termo intrínseco, ou imanente, ou interno


(Termo I).

Este termo está no próprio signo. Constitui a reduplicação, pela qual o objeto exterior
(Termo II) se exprime no interior do próprio conhecimento, ou no interior da obra de arte.

Ao termo interior também se pode denominar objeto, mas agora no sentido de objeto
expresso internamente.

Admite-se também dizer representação, ou seja um sucedâneo do objeto exterior. Mas,


para que se diga representação, se deve ter bem firme, que o referente exterior exista de
algum modo antes. Isto ocorre sobretudo na pressuposição da doutrina gnosiológica do
realismo.

No caso das doutrinas fenomenistas e idealistas, também ocorre a distinção entre termo
expresso e termo intencional exterior, sendo que este último é apenas um "como se" fosse
real. Seria apenas, um noúmeno, isto é, uma entidade apenas elaborada pelo mente, que o
situa mais além.
No caso da arte, o objeto inexistente se diz ficção. Há então um Termo I expresso na obra
de arte, e um termo II, como termo intencional externo, embora irreal.

Esta distinção entre o Termo I e o Termo II alcança muito pouco a filosofia da arte.
Quando a filosofia da arte se ocupa do referente exterior, pouco se adverte, se a realidade
se reduz ao fenômeno, ou se inclui uma efetiva realidade ao modo como a entendem os
realistas.

154. Depois de estabelecida a distinção entre referente interno (que está no mesmo signo)
e referente externo (seja fictício, seja real), importa advertir que a teoria geral do
conhecimento (ou metafísica do conhecimento) e a filosofia geral da arte (ou metafísica
da arte) se ocupam principalmente do referente interno, cuja natureza indagam. O termo
exterior é tema de outras ciências filosóficas ciências positivas.

Na arte, o termo imanente à expressão, ou imanente ao signo, é o que se encontra na obra


artística. É o que se vê na estátua, na pintura (inclusive na fotografia), ou o que se aprecia
na música ou o que se entende como indicado pelas palavras.

O termo exterior (isto é, exterior à obra de arte) é o que se encontra em algum lugar
(realmente ou ficcionalmente); é o que não coincide com a mesma obra de arte.

155. Agora já temos os elementos para completar os conceitos indicados


por significado, expressão, representado, dito, indicado.

Trata-se de muitos nomes, diferenciados apenas por nuances, para os termos intencionais
do processo cognoscente.

Mas, considerando que os termos intencionais podem ser dois: - imanente e extrínseco, -
pergunta-se, a qual deles a nossa mente se dirige mais espontaneamente?

Na ordem espontânea o termo exterior atrai primeiramente a atenção. Por isto se


chama termo direto, intencionalidade direta, ato direto.
O outro, o termo interior, se obtém por uma reflexão posterior e por isso se faz conhecer
como termo indireto, intencionalidade reflexa, ato reflexo, ou simplesmente reflexão.

Seja ainda o caso do sonho. Este acontece para nós como se os objetos fossem reais.
Somente depois vamos nos advertir que eram apenas imagens projetadas do nosso
subconsciente.

Os visionários também acreditam estarem no Termo II (exterior), mas efetivamente se


encontram apenas no Termo I, da representação interna. A mesma ilusão acontece com os
que crêem nos visionários de todos os tempos.

Toda a arte é para nós um mundo de objetos em estado de Termo II. Somente advertidos
passamos ao Termo I, distinguindo entre a expressão interior, e sua exterioridade, esta
por vezes real, e por vezes fictícia.

156. O movimento na intencionalidade. Como intencionalidade, a arte assume o caráter


de movimento. Mas, sempre que se fala em movimento passamos a um dos assuntos mais
complexos da filosofia.

Distingue-se entre movimento formalmente e movimento materialmente (aquilo que se


move). Mas estas distinção é apenas uma abstração, ainda que com fundamentalmente na
coisa.

Não se isola o movimento formal; por isso não há o movimento puro, como se fosse algo
absoluto. Assim também não espaço puro, sem a coisa que se espacializa.

Do ponto de vista formal, o movimento oferece dois momentos, - o desenrolar e o termo


acabado deste movimento. Também aqui as coisas se separam apenas do ponto de vista
abstrato, e não na ordem concreta.

Aquilo que se move, caracteriza profundamente o movimento.


Por isso bem diferenciados são o movimento entitativo, - como o das coisas que se
movem fisicamente de um lugar para outro, - e o movimento meramente intencional, -
como ocorre no exercício do pensar, do sentir, do expressar artístico.

Verdadeiramente, o mover-se intencional é de uma índole mui especial.

Bem observamos que há um mover-se, ao pensarmos; distinguimos entre o pensar e o


pensamento concluído, entre exercer uma idéia e o termo acabado da idéia, entre o julgar
e o julgamento, entre o raciocinar e o raciocínio feito.

Até mesmo as palavras atendem morfologicamente a uma distinção efetiva; tal


observamos entre pensar e pensamento, julgar e julgamento, raciocinar e raciocínio. Num
plano geral, distinguimos entre expressão e expressar. Também se admite dizer: a
intencionalidade em movimento e a intencionalidade em termo concluído.

157. Até que ponto se aplicam também à arte estas diferenças bem percebidas na mente?
Desde que interpretada intencionalisticamente, também a arte deverá ter um expressar e
uma expressão. É difícil mostrar esta particularidade, mas ela começa a se clarear desde o
instante em que atendemos à distinção entre intencionalidade objetiva e intencionalidade
formal (consciente).

Na obra de arte apenas se oferece fundamento para a distinção, ou seja , para o expressar
e a expressão acabada. Na mente do intérprete funciona o expressar, no instante em que a
interpretação se exerce em estado ativo; ao concluir-se, também a obra está sendo
interpretada no instante de expressão objetiva. É, pois, a arte, um expressar e uma
expressão.

Como termo acabado, a expressão é uma situação imanente. Não sai de si, porquanto se
estabelece como algo simplesmente. Em tais condições, a expressão é aperfeiçoativa de
quem a exerce.

Diferentemente, o termo exterior não faz parte efetiva da intencionalidade. Na sua


direção, a intencionalidade apenas aponta. Diz algo do mesmo, sem se confundir com ele.

Ocorrem, por conseguinte, dois termos intencionais, um imanente, que é a mesma


intencionalidade enquanto ato acabado, e outro exterior, como o outro lado da direção
noticiante.
O termo imanente se constitui de um quê de entitativo, porque é algo de que se constitui a
intencionalidade. O termo exterior, enquanto termo da intencionalidade, é apenas um
termo intencional, isto é, um referencial externo para o qual é remetida a atenção, sem ir
até lá entitativamente.

O caráter entitativo do termo imanente é todavia peculiar; não tem a índole de um ente
real, porém o de um ente de razão. É um quase nada de ente, porque surge com o
exercício intencional.

158. Entre expressar e expressão. Em que condições distinguir, na obra de arte, um


expressar e uma expressão? Uma intencionalidade em exercício e outra em ato acabado?

Apenas objetivamente a arte é um expressar e uma expressão, enquanto oferece


fundamento objetivo, para que a obra seja interpretável. Ela mesma é expressão
inconsciente (vd 254).

Enquanto um expressar, a obra suscita no intérprete o exercício da intencionalidade.

Quem está a ouvir música, - embora estas não tenha consciência do que exprime, - entra
no exercício intencional, com que ativamente vai aferindo os sons como sendo um
expressar. Ocorre, então, a passagem da expressão objetiva para a consciente, mas
somente na cabeça do intérprete.

Esclarece-se, pois, cada vez mais que a arte é essencialmente expressão, e que como tal
se define.

A expressão intencionalística, - que importa à explicação da arte - é a que considera a


semelhança existente entre a expressão e o seu modelo, de tal sorte a poder ver em uma a
notícia deste outro.

Define-se, portanto, a expressão intencionalística como


uma significação, notícia, informação, mensagem, comunicação. Todas estas palavras,
ainda que variem secundariamente entre si, são indicadoras da mesma característica
fundamental, em virtude da qual a expressão consegue remeter a atenção para o modelo,
ou objeto com o qual exerce alguma relação de semelhança.

Intenção pode significar a intenção do agir. Mas, em expressão intencionalística indica a


atenção mental. A intencionalidade é aquela particularidade exercida pelo conhecimento,
que lhe faculta remeter a atenção para o objeto. Na expressão artística esta
intencionalidade também ocorre, ainda que só objetivamente, sem conscientização por
parte da obra.

Admite-se dizer expressão falante, expressão noticiante, expressão significante,


expressão informante ou informática, com o mesmo sentido de expressão
intencionalística. A significação fundamental é sempre a mesma, a de advertir a atenção
para algo.

O termo de referência para o qual a expressão intencionalística adverte se


denomina objeto (vd 161). Equivale, também a dizer tema, assunto, referência.

Quanto a afirmativa de que a expressão, intencionalística se aproveita da semelhança,


para exercer a propriedade de significar, depende de uma análise, a ser feita, mas
oportunamente (vd 165).

Qualquer que seja a conclusão, a expressão intencionalística é sempre um instrumento


de informação, enquanto remete a atenção para o tema (ou objeto). Este caráter
significador marca a expressão intencionalística, diferenciando-a da expressão
meramente entitativa.

A expressão intencionalística é sempre gnosiológica, ao passo que a expressão entitativa


é meramente ontológica, absoluta, fechada sobre si mesma, como simples realização de
algo segundo um modelo, que se transfere para a obra organizada.

159. Exercendo a palavra expressão dois sentidos, sendo um usado pelos practicistas e
outro pelos teoreticistas em arte, não basta dizer que um certo filósofo, - por exemplo,
Veron, - tenha definido a arte como expressão. Importa saber o que entendeu
por expressão.
Como já se advertiu, a expressão poderá ser apenas um reproduzir onticamente o modelo.
Nasce então um novo ser e nada mais. Ele será a expressão prática do modelo, que lhe
serviu de orientação.

Diz-se expressão poética, em função ao criar produtivo, de um novo ente na ordem da


existência.

A expressão se torna teorética, ao estabelecer uma relação peculiar com o modelo, com o
fim de o acusar gnosiologicamente.

160. Concluindo: o ser intencional é uma espécie de nada. Diz-se um ser de razão.
Distingue-se do ser real. Não é propriamente entitativo. Diferem, consequentemente, de
maneira radical, as concepções entitativas e intencionais da arte.

Uma vez que o ser intencional foge ao entitativo real, admite modalidades que invocam o
contrário do ser.

O verbo ser, tanto afirma, como nega. Este aspecto da intencionalidade é radicalizado por
Heidegger (Ser e tempo, 1927) e Sartre (O ser e o nada, 1943). A questão do nada pode
ser levada para dentro da arte.

161. Termos intencionais intrínseco e extrínseco. Objeto (do latim ob-jectum = situado
em frente), refere o termo intencional extrínseco. Sugere algo distinto
do sujeito (psicológico), enquanto este exerce o conhecimento do objeto.

O sujeito é ao mesmo tempo sujeito e objeto, ainda que de pontos de vista distintos. No
sujeito está a expressão do objeto; por isso, o sujeito é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto.
Mas este objeto expresso é ao mesmo tempo significação do outro objeto.

O termo intencional intrínseco possui a melhor denominação na palavra expressão. No


plano do conhecimento tem os seus equivalentes em pensamento, conhecimento, idéia,
conceito.

A palavra objeto admite também a acepção de termo imanente em oposição a termo


intencional extrínseco. Mesmo o termo intencional imanente é, do ponto de vista da
palavra intencionalidade, um termo extrínseco. Mas convém ficar com a acepção de
termo intencional extrínseco, somente para o exterior, porque neste é duplamente
extrínseco. Este dualismo já acontece em termo.

Tão só termo poderá ser utilizado indiferentemente para termo intencional imanente
(expressão) e termo intencional extrínseco.

162. Evidência, verdade, certeza na arte. Advertida a distinção entre termo imanente e
termo extrínseco da expressão, começa-se também a ter elementos para melhor
compreensão da evidência, verdade e certeza, quer na arte, quer no conhecimento mental.

A evidência se diz do significado em seu termo imanente. Este significado é evidente


enquanto com perfeição oferece o objeto.

É ainda evidência clara, se reluz em absoluto; é evidência distinta, se reluz de maneira


inconfundível entre outras expressões.

A verdade se diz da proporção entre o termo imanente e o termo intrínseco.

Finalmente a certeza diz respeito ao sujeito enquanto possuidor da evidência e da verdade,


podendo firmar-se em seu conhecimento esclarescidamente.

Muito importam no conhecimento e na arte as noções lógicas e gnosiológicas de


evidência, verdade e certeza (vd 342), razão porque a elas muitas vezes se retornará.

ART. 2o

TEORIA EXPLICATIVA DA EXPRESSÃO ARTÍSTICA COMO

MIMESE E EVOCAÇÃO ASSOCIATIVA.


0531y164.

165. Introdução ao tema. Uma vez estabelecida a arte como expressão de algo, importa,
- depois desta fase de verificação meramente fenomenológica do fato, - seguir para um
novo momento, qual seja o de uma teoria explicativa da arte, visando esclarecer porque a
referida expressão se torna capaz de advertir intencionalisticamente ao seu objeto.

Não fica uma teoria apenas na superfície fenomenológica do fato. Ela tenta mostrar
uma relação dinâmica de causa formal e de efeito formal, de tal maneira que uma explica
a outra como seu produto.

Ordenando didaticamente o tema, sobre a teoria explicativa da expressão artística,


chegaremos a quatro parágrafos:

- A mimese como teoria explicativa fundamental da arte (vd 167);

- Participação do associativo na teoria explicadora da arte (vd 190);

- Universalidade temática da expressão artística (vd 235);

- A inspiração artística (vd 248).

Complementarmente, o questionamento envolve ainda um esclarecimento sobre


a universalidade temática da capacidade da expressão e um sobre a inspiração artística.

Está posto o quadro geral da teoria explicativa da expressão artística, e que passamos a
expor em detalhe.

§1. A mimese como teoria explicativa fundamental da arte.

0531y167.
168. Apresenta-se como teoria explicativa fundamental da expressão artística um fator
essencial, a mimese.

Explica-se pela mimese, que a arte é um procedimento, que, por meio do semelhante
exprime o assemelhado.

Também há fatores que participam de maneira secundária nas operações artísticas,


ampliando seus efeitos, para as quais ocorrem respectivamente causas explicativas
secundárias.

No caso da expressão artística é dado como muito importante o recurso à evocação


associativa, chamada também conotação poética, que através de imagens de mútua
atração, alarga o campo dos objetos expressos. A amplificação também se dá pelo
contexto.

Chama-se prosa (vd) a expressão fundamental, quando se estabelece apenas pela via da
mimese, portanto sem ainda o acréscimo dos recursos da evocação associativa poética.

Acontece uma relação dinâmica entre a expressão artística e o objeto expresso: a


expressão é uma mimese, porquanto imita o objeto e por isso o expressa.

Estabelecer, - conforme já adiantamos, - que a mimese é a causa criadora da expressão, já


é uma teoria, não apenas a constatação de um fato.

No estabelecimento desta explicação teórica da expressão artística, ocorre uma sequência


de considerações, as quais são ordenáveis, conforme os itens a seguir:

- o conceito de mimese e outros nomes (vd 170);

- prova da teoria da mimese (vd 181);

- a expressão como efeito formal (vd 190);

- natureza transcendental da intencionalidade (197);


- signo formal e não signo instrumental (vd 203);

- os signos convencionais (símbolos) (vd 214).

I - Conceito de mimese e outros nomes.

0531y170.

171. Mimese (do grego mímesis) traduz usualmente imitação, imagem, representação
teatral. Em nosso idioma português existe mímica (substantivo) e mímico (adjetivo).
Apresenta as variantes: miméomai (= imitar); mimelós (= que imita); mímema (=
imitação); mimetés (= imitador, poeta ator); mimetikós (= hábil em imitar); mimetikós (=
imitável).

Como expressão erudita, mimese significa a figura retórica que consiste no uso do
discurso direto, ou seja na citação e imitação das palavras de outrem pela voz e gestos.

Imitação , ainda que na mesma linha grega de mímesis, formou-se através do étimo
latino im - com idéia de imitação. Dali as palavras imitari, (= imitar), imitatio (=
imitação), imago (= imagem).

172. Outros nomes. Desdobra-se mimese em um leque de outros conceitos e nomes, que
destacam nuanças da mesma idéia fundamental.

Tais conceitos são principalmente os de semelhança, cópia, reprodução, figura. Ao


esquema das noções ligadas ao étimo mimese pertencem com
destaque imitação e imagem.

Semelhança deriva do étimo indo-europeu, que exprime pelo número "um" no sentido de
identidade. Nasceram dali as formas latinas semel (= uma vez ), semper (= sempre, uma
vez por todas), similis (= semelhante, de sem ilis), similitudo (= semelhança) simulare (=
imitar, simular), simulacrum (= simulacro

Por esta etimologia se observa que a semelhança significa originariamente uma


aproximação bastante exata. Por alargamento semântico passou a indicar também
aproximação.

Cópia deriva do indo-europeu op- , com o significado de atividade produtiva. Apresenta a


idéia de produtividade, no latim opus (= obra), opifex (= trabalhador), officium (=
ofício), cooperari (= cooperar).

Com a idéia de produto de uma atividade: opes (= riqueza), copia, abreviação de co-
opia (= abundância, copiosidade). Dali, no francês copie, copier, copieuse. No
inglês copy. No português, cópia.

Por esta etimologia, cópia significa produto de uma atividade. Não indica expressamente
que esta cópia deva ser rigorosamente figurativa. Significa mais reprodução no sentido de
multiplicação, do que no de imitação, ainda que implicitamente isto vá acontecer.

Também a palavra reprodução significa multiplicação, mais do que imitação.

Necessariamente a multiplicação envolve a imitação, mas não a significa diretamente.

173. Quanto à palavra figura, ela tem sentido originário de fisionomia modelada.
Depois evoluiu para a acepção de figura natural, em oposição à figura artificial.

Procede figura do indo-europeu dheig-, com o sentido de fazer da terra. Dali o


grego teickos (muro), paradeisos (cercado, ou jardim, paraíso).

No latim, com intercalação de n, fingire, fictum (= fazer com barro, fingir,


ficção), figura (= figura), effigies (= imagem). Observa-se que a etimologia de figura se
liga peculiarmente à área do mundo material e sensível. Por isso mesmo se retém no
plano mais material da arte, sendo menos usada no plano racional da mente, onde
prevalece a palavra forma.

174. Historicamente, a explicação da arte pela mimese vem desde a antiguidade grega.
O mesmo acontece com a explicação do conhecimento. Mas só paulatinamente
progrediram os conceitos a respeito.

Demócrito (c. 460-370 a.C.) explica o conhecimento por meio de partículas a se


desprenderem dos corpos, penetrando nos indivíduos à maneira de imagens (no
grego eidola). Esta ponderação, ainda que destaque só o lado material, liga todo o
processo à semelhança.

Sócrates (469-399), contemporâneo de Demócrito, admitiu a mimese como elemento


explicador do conhecimento, já fazendo uma aplicação expressa à arte.

Refere-se Xenofonte a respeito da visita de Sócrates aos artistas plásticos Cleiton e


Parrásios, com os quais discute sobre a arte. Afirma Sócrates, que pintar ou esculpir é
imitar a natureza.

Do ponto de vista temático, Sócrates não quer apenas a cópia servil do modelo, mas sua
idealização. Também quer a expressão da vida e da emoção (Xenofonte, Memoráveis, L.
III). O pressuposto desta discussão é a arte como uma correspondência exata com os
objetos.

175. A arte como sombra da sombra. Platão (427-347 a.C.) defendeu um dualismo
radical para o corpo e o espírito, e outro ainda para as idéias. Haveria idéias singulares
colhidas na experiência do mundo empírico, e idéias inteiramente universais, com origem
em uma vida anterior, quando as almas teria contemplado realidades superiores, às quais
deu o nome de idéias reais.

Serviram as idéias reais de modelos arquétipos para o ordenamento do mundo material.


Este é então como que a sombra daquele mundo ideal.
A inferioridade das artes está nisto, que elas são expressão das sombras, ou seja, dos
objetos deste mundo, e não da verdadeira realidade. Uma estátua humana é, pois, sombra
da sombra.

Por isso é melhor ir ao homem real, do que dele fazer uma estátua, a qual seria apenas a
sombra da sombra. Também por isso Platão expulsou as artes de sua República ideal.

176. Aristóteles desenvolveu um racionalismo moderado (vd 946), contra Platão, ao


mesmo tempo que conceitos fundamentais, que foram servir à teoria da mimese como
explicadora do conhecimento e da arte.

Advertiu ele que as qualidades (como forma, cor, som) têm a propriedade de terem
semelhante. Assim sendo, colocava o princípio explicativo da arte pela mimese.
Poderiam então as qualidades exercer diretamente a função de serem portadoras de
expressão, por geração a partir das semelhanças de que são capazes.

Os conceitos fundamentais de Aristóteles, - sobre as decorrências formais da qualidade e


respectiva propriedade de ter semelhante, - tiveram dele mesmo aplicação maior na área
do conhecimento, do que na área da arte, à qual também servem.

Tratou Aristóteles da mimese em duas acepções:

1) a mimese como ocorre na criação prática do puro fazer coisas, as quais reproduzem as
idéias exemplares, que os operadores criam antes do fazer aquelas coisas;

2) a mimese gnosiológica, que é a semelhança a acusar o assemelhado, tanto na


expressão mental, como na expressão artística.

Os primeiros capítulos da poética de Aristóteles se ocupam da arte como se fosse algo


que fala por meio da imitação (mimese).
Embora não tenha dito diretamente que algo pode falar de algo em virtude do
assemelhado, Aristóteles deixou implícito, que a mimese de que fala, não é a imitação
dos que estabelecem a arte como imitação meramente entitativa da natureza.

"A epopéia e a poesia trágica e também a comédia, a poesia ditirâmbica, a maior parte da
aulética e da citarística, consideradas em geral, todas se enquadram nas artes da
imitação... nas artes acima indicadas, a imitação é produzida por meio do ritmo, da
linguagem e da harmonia, empregados separadamente ou em conjunto... É por atitudes
rítmicas que o dançarino exprime os caracteres, as ações... Tais são as diferenças entre as
artes que se propõem a imitação" (Poética, c.1,2-6).

"Os seres humanos... sentem prazer em olhar estas imitações, cuja vista os instrui e os
induz a discorrer sobre cada uma e a discernir ali fulano e sicrano" (Ibidem, c. 4, 5).

Em Aristóteles já encontramos a observação a respeito das propriedades da qualidade:

"... Pertence também à qualidade a contrariedade...

As qualidades admitem também o mais e o menos...

O semelhante e o dissemelhante se dizem unicamente das qualidades. Uma coisa não é


semelhante a uma outra por nenhuma razão senão porque é qualificada" (Categorias 10b
12-11a 18).

177. Modernamente alguns têm descuidado do lado intencionalístico da expressão


gnosiológica, tratando-a como um agir psicológico, em vez de pôr a atenção no lado
meramente intencional da atenção para o objeto. Este psicologismo aconteceu
principalmente nas filosofias do tipo empirismo e positivismo, que têm seu precedente
grego em Demócrito, já citado.

A especificidade intencionalística é defendida energicamente por Edmund Husserl (1859-


1938) e do modo peculiar pelos existencialistas Heidegger e Sartre. Este chega a
aproximar o pensamento a qualquer coisa como um não ente ( ou um nada), exatamente
para advertir para uma sua característica.
A intencionalidade, como um ente de razão (ens rationis) é própria da filosofia de
Aristóteles e Tomás de Aquino. Esta verificação levada sempre em conta, não foi
contudo por eles sistematizada. Todavia é importante advertir-se da mesma, para uma
compreensão plena da teoria da mimese como explicadora de expressão mental e artística.

178. Minimiza-se a mimese como teoria explicadora da arte, na medida que se tenta
reduzí-la aos complexos fenômenos da conotação de imagens e reflexo condicionado.

Charles Morris (1901- ) desenvolveu uma explicação comportamental (behaviorista)


dos sinais. Então, se algo consegue funcionar como comunicação, aquilo é arte.

Nesta mesma direção behaviorista se colocou a linguística do norte-americano Leonard


Bloomfield (1887-1949).

Tais posições associacionistas tiveram sobretudo a contestação mais intelectualista do


linguista Noham Chomski (1928- ).

II - Prova da teoria explicativa da arte pela mimese.

0531y181.

182. O conhecer se explica através da relação de semelhança, porque não é possível


apreender diretamente uma semelhança, sem perceber implicitamente o assemelhado.

Portanto, a semelhança, à medida que se revela, tem, por efeito, a indicação do


assemelhado.

Já se entende também logo que na mesma proporção que a semelhança é apreendida, se


faz entender o assemelhado.
O conhecimento diferem em graus, em função à maior ou menor conscientização
alcançada.

No pensamento ocorre uma conscientização máxima, pela realização de uma atenção


direta ao objeto conhecido, ao mesmo tempo que uma atenção reflexa ao sujeito
conhecedor, o qual fica sabendo, que sabe.

A conscientização maior ocorrida na inteligência se dá, por causa da dupla direção da


intencionalidade, porque tanto ela tem capacidade para atender ao objeto, como para
atender ao seu próprio pensamento sobre o objeto.

Nos sentidos não chega a haver a dupla conscientização reflexa, mas apenas intenção
direta.

Por isso, os olhos vêem, mas não sabem, que vêem. Importa que a inteligência complete a
operação.

Se o boi não tiver alguma inteligência, mas apenas sentidos, ele verá o capim, mas não
saberá que está vendo capim.

É possível que os animais tenham alguma inteligência, porque são capazes de discernir
em algumas alternativas, escolhendo a que lhes convém.

Na arte a conscientização simplesmente não existe na mesma obra, porquanto ela mesma
não sabe de sua semelhança com o outro objeto. Nada sabe a arte, nem como atenção
direta, como acontece nos sentidos, nem como intenção reflexa, como na inteligência.
Contudo ocorre a semelhança objetiva (real) entre a obra de arte e o objeto expresso.

Apenas o intérprete extrínseco percebe conscientemente a semelhança objetiva existente


na expressão artística. Entre a obra artística e o objeto com o qual se assemelha ocorre
uma intencionalidade objetiva, a qual se faz interpretada pela inteligência.
183. Mimese e seus auxiliares associativos e reflexos condicionados. Importa ter o
cuidado de distinguir e ao mesmo tempo combinar
adequadamente mimese, associatividade, reflexo condicionado. Não sendo opostos, mas
distintos, podem combinar-se na explicação totalizante da arte.

Nunca é possível eliminar da arte seu fator mais importante, o da mimese, o qual sempre
supõe a inteligência interpretadora.

O processo associativo, ainda que importante fator complementar da mimese (vd 220),
não explica por si só o conhecimento e nem a arte. A associatividade já supõe o
conhecimento pela mimese, para criação das imagens. Depois de criadas as imagens, elas
passam a se associar.

Explicar a arte apenas pela evocação associativa é um engano. Concorrendo


acidentalmente, porém ainda no plano teorético, a associação de imagens reforça a
expressão. Em termos totais, portanto, o que se apresenta como explicação da arte é a
teoria mimética-associativa.

Por último, importa atender, que a conotação associativa se distingue


do reflexo condicionado. Este não desperta imagens, mas sim atos.

Os hábitos mecânicos cooperam com a espontaneidade da expressão artística;


participando embora com a linguagem, explicam apenas a geração dos sons, e não seus
significados.

184. A semelhança como significadora. Pergunta-se, por que é que a semelhança dá


nascimento a uma representação capaz de significar um objeto?

O mesmo não acontece com outras propriedades. As quantidades iguais não expressam
umas às outras. Nem as relações de origem fazem com que o produto represente a causa.
Para que a representação intencionalística ocorra, mister se faz que haja uma semelhança,
isto é, elementos coincidentes e que se reclamam mutuamente.

A capacidade que a semelhança tem de representar e significar objetos decorre


essencialmente da mesma natureza da semelhança. Como qualidade, é a qualidade que
faz a cada coisa ser uma tal e qual coisa. Antes desta diferenciação qualificante, os seres
como que não se diferenciam e são idênticos.

Os seres, enquanto existem, nada contêm que os diferencie; deveriam todos se comprimir,
como se fossem um só ser. Mais fácil é entender que o ser seja uno, do que multiplicado
em muitos.

A qualidade fundamental que tudo diferencia entre si é a essência. É, pois, a essência


aquilo que faz o ser constituir-se em uma qual e qual coisa. Deus (conceituado como
infinito) não se limita a ser uma qual e qual coisa. Por isso, quando adequadamente
concebido, Deus é a existência sem essência...

Ou, - dito melhor, - Deus é existência cuja essência é a própria existência. Esta, portanto,
está liberada ao infinito. Os demais seres, enquanto são uma tal e qual coisa, estão
limitados aos seus esquemas. As falsas noções de Deus o conceituam como tal e tal.

As qualidades secundárias são constituídas por delimitações de menor extensão, que


derivam da essência principal e como que a complementam.

A semelhança decorre de situações criadas pela essência e pelas qualidades. Ao se


diferenciarem os seres, permanecem em partes iguais, enquanto que em parte se
diferenciam. Enquanto se conservam em partes diferentes, não de todo iguais, porém
semelhantes.

Por obra do elemento igual, existente em todos os seres, todos eles se expressam de
algum modo ao outro.

Na medida que se aproximam, a expressão se torna progressivamente mais adequada e


precisa.
Os seres, enquanto são iguais, se apresentam uns aos outros. Não é por acaso que a
comunicação se dá; ela nasce da essência íntima de todas as coisas, como propriedade
necessária.

185. Só as qualidades se prestam para a criação da arte. Qualidades são a cor, o som,
a forma plástica, o símbolo. Efetivamente, as artes operam apenas com estes recursos.

A razão desta exclusividade é inteligível. Enquanto qualidades, as qualidades exercem a


semelhança. Em exercendo a semelhança, as qualidades têm condições de representar aos
objetos.

As outras determinações do ser não exercem semelhanças, - como já dizia Aristóteles, - e


por isso não podem expressar.

Todavia todos os seres possuem a propriedade pela qual são de algum modo semelhantes.

Por isso, a capacidade de se expressar é universal.

186. O conhecimento é uma autoconscientização. Ou seja, o conhecimento é uma


conscientização feita sobre si mesmo.

Esta conscientização é a qualidade que se eleva ao nível de auto-consciência, tornando-se


uma imagem, ou o espelho de si mesma. Não importa que haja uma prévia excitação
provocada por um objeto exterior. O efeito resultante é uma auto-conscientização ou seja,
de algo que se acende e passa a viver conscientemente.

Ocorrem dois momentos a considerar, - a formação do conhecimento como auto-


consciência, ou imagem; a seguir, a determinação do objeto da intencionalidade, como
sendo, ou fictício, ou real.
Primeiramente, conhecer é uma conscientização de si mesmo. Nesta conscientização de si
mesmo está a essência da imagem,. Esta imagem pode ser a idéia da mente superior, e
pode ser a simples sensação.

É essencial à imagem coognoscitiva, - como ela se manifesta fenomenologicamente, - ser


a imagem de outro, ser portanto intencionalística. Este é o primeiro tempo a considerar
no conhecimento.

Um novo momento da investigação pergunta simplesmente pelo outro, - o objeto – para o


qual aponta a imagem intencionalística.

Este outro poderá ser um objeto fictício, ou poderá ser um objeto real.

No primeiro tempo se anotava simplesmente que a imagem apontava intencionalmente


para um outro, sem caracterizá-lo, - se fictício, se real. Sempre se dá esta
intencionalidade, qualquer seja a alternativa eleita, fictícia, ou real.

Agora, num novo momento, importa decidir, o que efetivamente ocorre com este outro.
Eis o que a teoria do conhecimento (ou metafísica do conhecimento deverá decidir).

187. O fenomenismo e o idealismo quiseram, e ainda continuam a querer, que não


ocorra aquele objeto real independente do processo cognoscitrivo mesmo.

Contrariamente, o realismo defende que a realidade ocorre.

É difícil o pleito em favor do realismo, porque, o conhecimento é uma autoconsciência da


imagem, ou seja da semelhança, não parecendo viável sair dele para algo diferente dele
mesmo.

Se vejo uma pintura qualquer de casa, isto basta para dizer que ela significa uma casa;
entretanto, ainda não basta para dizer que aquela casa realmente existe.
Ora, o mesmo acontece com a imagem mental mental, que pode surgir com um
significado, que talvez não exista.

Os visionários vêem coisas fantásticas, e que não passam de objetos fictícios, embora eles
as considerem reais.

Quando sonhamos, enquanto sonhamos, vemos as imagens como se fossem de objetos


reais.

188. O realismo gnosiológico, - a mais espontânea convicção humana, - continua com a


oportunidade de ser provado, ainda que o deva saber fazer. Deve mostrar, que já no
primeiro instante da própria imagem auto-conscientizada, a realidade já acontece.

Este é o realismo imediato, de que se ocupam meticulosamente os gnosiólogos que o


defendem (vd), contra o realismo mediato e sobretudo contra todos os subjetivismos.

O realismo mediato tenta um salto impossível, porquanto do menos para o mais. De outra
parte porém importa aceitar também uma grande margem de subjetividade, até porque a
subjetividade é também uma riqueza

III - A expressão como um efeito formal.

0531y190.

191. Causa e efeito se podem relacionar, ou como causa formal e respectivo


efeito formal; ou como causa eficiente e respectivo efeito na ordem eficiente.
No caso, da expressão ela é causa formal com efeito formal, que portanto dela não se
desliga, em contraste com a causa eficiente e respectivo efeito fisicamente separável.

192. O efeito formal se diz formal, quando brota da forma (ou seja, da essência), e nela
continua, como sua qualidade, ou propriedade.

É, portanto, efeito formal aquele que resulta como consequência de uma determinada
forma de ser.

A essência e a qualidade, enquanto fazem um ser se determinar como tal e qual ser, têm
como consequência formal o separarem os seres entre si, no que se refere à forma.

Havendo qualificado e posto cada coisa em devido termo, a consequência formal poderia
ser esta somente, a de separar entre si tudo o que assim foi afetado.

193. Depois de separados entre si, uma nova consequência formal ocorre, que é a de se
estabelecerem os seres, ao mesmo tempo, como diferentes e como assemelhados.

Enquanto algo conservam de idêntico, os seres se dizem semelhantes; enquanto algo


diferenciador, dissemelhantes, nascendo portanto as propriedades conhecidas por
semelhanças e dessemelhanças das determinações que dizem essência.

O acusar intencional começa no instante em que a atenção passa do semelhante ao


assemelhado; portanto, ao deixar de considerar ao semelhante, para pôr a atenção no
assemelhado.

A qualidade de ser semelhante não se separa do portador. Efetivamente, se se observar


uma obra de arte, como uma estátua, nela não se separam fisicamente, a qualidade
sensível, a semelhança, a expressão. A causa formal e o efeito normal se mantêm unidos.
Enquanto assim se mantém, os efeitos formais são aperfeiçoadores do sujeito que os
possui.
O contrário acontece com a causa eficiente, cujo efeito se separa e não o aperfeiçoa
portanto. Os efeitos formais se dizem imanentes ao sujeito, enquanto os outros se
separam.

A arte esquece o artista, por que este é apenas sua causa eficiente. Mas a obra e a
semelhança que a faz ser tal obra não se separam e nem se esquecem. Na medida que
uma qualidade sensível assume ser semelhante a algo, exprimindo-o, mantém em si esta
expressão e com isto se aperfeiçoa.

194. O saltar intencional é produzido pelo mesmo semelhante, enquanto se faz conhecer.
Ele não se deixa apreender como semelhante, sem incluir o assemelhado. Quanto mais se
deixa perceber como semelhante, mais ele remete para o assemelhado.

É da essência do semelhante, o sair intencionalisticamente de si mesmo. Sua essência é a


de um ser excêntrico. Determina-se como ser para outro. Quanto mais se concentra em
sua essência, mais salta intencionalmente para fora de si.

Apenas acha em si o sujeito, a partir do qual a relação se remete.

Mas, este sujeito se mostra num segundo, quando a relação retorna sobre si, por efeito
de reflexão. Tal constitui já um acabamento maior. E se verifica na mente quando
conhece a si como um eu que pensa.

Na arte, este Eu, que continua inconsciente, é o sujeito material da intencionalidade.

Outro caminho não há e que ponha em marcha uma intencionalidade, senão este gerado
pela semelhança, ou mimese. Efetivamente no que se refere ao mais essencial, nada
encontramos na mente e nem na arte, que de certo modo não seja um assemelhar-se com
os objetos pensados, ou artisticamente representados.

Ainda quando, como na poesia, ocorre a associação de imagens (ou evocação) esta
associação pressupõe mimese, em virtude da qual existem as imagens.
195. Por afastadas que pareçam da mimese, as criações mais extravagantes da arte
moderna, apenas falam através de algum elemento imitativo. Quer se trate de Mondrian,
quer de Lipchitz, há sempre um apelo à semelhança.

Não importa que a semelhança se força com a pele, como na arte inteiramente naturalista,
ou com as partes internas do corpo, ou com as figuras extravagantes da imaginação, ou
mesmo com as analogias do pensamento abstrato através de sugestões, - em qualquer
hipótese imaginável, a arte jamais pode fugir à mimese como sendo sua
instrumentalização básica.

Nem sequer as artes que operam mediante equivalentes convencionais, - como a


linguagem e a simbologia, - dispensam a mimese. Na convenção o código estabelece com
precisão que isto significa aquilo. É o mesmo que afirmar - isto é igual àquilo.

Este "como se" da convenção equivale à mimese. Portanto, um mínimo de mimese é


indispensável, em qualquer arte, desde a mais figurativa, até a mais abstrata, evocativa e
convencional.

IV - Natureza transcendental da intencionalidade.

0531y197.

198. A explicação da intencionalidade através da relação de semelhança conduz a uma


investigação mais profunda das relações, e que concluirá mostrando que a expressão
artística é uma relação essencial e não uma relação acidental.

Distinguem já os antigos entre relações essenciais transcendentais ou ( ou ainda segundo


o dizer - secundum dici) e relações acidentais, ou categorias ( ou predicamentais, ou
ainda segundo o ser, secundum esse). Esta subdivisão de escola é sutil e explica bastante.
Importa compreender exaustivamente os dois tipos de relações - essencial e acidental,
para entender importantes teses da filosofia geral da arte.
199. As relações essenciais (segundo o dizer) não têm o principal significado na mesma
relação. Pressupõem diretamente um fundamento absoluto.

Tal também sucede na relação intencional artística; a arte pressupõe a obra como base
absoluta, da qual brota a relação acusadora do objeto noticiado. A expressão, quer a
mental, quer a artística, é sempre uma relação essencial, a qual precisamos pois examinar.

A relação se diz essencial quando brota necessitantemente da essência do elemento


absoluto.

Não se distinguem realmente do fundamento absoluto de que brotam; a relação de


semelhança, por conseguinte, não se pode separar daquilo que exerce a relação de
semelhança; a distinção é de razão apenas, embora com fundamento na coisa.

Tais relações não se constituem em si mesmas em seres absolutos; são exclusivamente


relativas e por razão não se podem dizer relações. "segundo todo o seu ser", porque então
chegariam a se constituir como uma qualquer coisa realmente distinta, portanto já
dependeriam diretamente de um fundamento estranho a elas mesmas; a relação essencial
brota essencialmente de um fundamento estranho a ela mesma.

200. As relações acidentais (segundo o ser) o são segundo a totalidade do seu ser.
Distinguindo-se do seu fundamento, enquanto relações, são relações segundo todo o seu
ser (secundum esse).

Nestas condições se estabelecem como um dos gêneros supremos da lista de categorias


arroladas por Aristóteles. Uma das condições da conceituação de categoria é
a real distinção; ainda que uma relação acidental deva estar inserida na substância, como
em seu sujeito, ela em si mesma é separável da substância e substituível.

O mesmo não acontece com as relações essenciais (vd 80). Desde que ocorra o
fundamento, brotam necessariamente, - portanto por causação formal, - da forma em que
se apóiam. Eis porque um ser, depois de estabelecido dentro de determinada área, incorre
necessariamente em certas relações, as quais brotam dele necessariamente.
De um triângulo (essencialmente constituído de três ângulos), brota necessariamente a
propriedade de ter 180 graus. Para que não brotem, necessário seria mudar sua forma. Por
exemplo, o triângulo teria que passar a ser um quadrado. Deste quadrado brotariam outras
propriedades.

201. A arte não pode mentir, desde que a relação intencional brote de dentro de sua forma,
daquela forma dada pelo artista à obra. A circunstância de algo ser maior e menor, que
outro objeto, é separável realmente; não mais existindo o outro objeto, desaparece a
relação, que, portanto, foi predicamental (acidental).

Na arte, mesmo que o objeto significado desapareça do campo da realidade, ele continua
sendo significado. Com isso, a arte pode exprimir a ficção, visto que independe da
existência real do objeto ao qual significa.

Neste particular a expressão artística é como o pensamento, o qual também se relaciona


com o objeto pensado sem depender dele.

Implica este fato na tese, de que não basta haver um conhecimento, para que o objeto
exista. O conhecimento é uma referência a um objeto, mas uma referência intencional
pura e simples, sem qualquer dependência do exterior.

V - A arte como signo formal

(não signo instrumental).

0531y203.

204. A expressão artística, ao remeter a atenção para o objeto, o faz à maneira de


signo formal e não de signo instrumental. Eis uma peculiaridade que já é do processo
cognoscitivo, e que se repete no expressar artístico.
Importa muito compreender a distinção entre signo formal e qualquer outro signo, entre
eles o instrumental.

Formal é aquele signo que deriva da forma de seu portador como uma propriedade
necessária. Neste sentido, é necessário que o semelhante leve ao seu assemelhado.

Há efeitos formais imediatos, como é o caso do semelhante, que se relaciona ao


assemelhado, e há efeitos formais cursivos, como é o caso das premissas que geram a
conclusão em um raciocínio.

Exemple de efeito formal raciocinativo: se o objeto A é igual ao objeto B, e se o objeto B


é igual ao objeto C, decorre (por efeito formal), que o objeto A é igual ao objeto C.

205. Distinção entre signo formal e signo instrumental. Ocorrem outras relações entre
os objetos e que podem criar as respectivas espécies de signos. Então será possível
caracterizar melhor o signo formal, diferenciando-o destes outros.

Vários signos têm por base as relações de causa e efeito, no plano da existência. Há
efetivamente uma diferença entre causa causa formal (com o respectivo efeito formal) e
causa eficiente (com o respectivo efeito na ordem da causa eficiente, ou seja da
existência).

O signo instrumental é aquele em que o efeito é o sinal da causa, na ordem da causa


eficiente. A chuva é causada pela condensação da água evaporada existente na
atmosférica. Portanto, a chuva é sinal de que ocorreu a condensação atmosférica.

Eventualmente, o signo instrumental incorre em prévio conhecimento dos termos


relacionados. O signo instrumental importa geralmente, pois, em conhecer previamente o
efeito, a saber o efeito enquanto causado por uma causa eficiente; então o efeito se torna
sinal do ser causante.
O contrário ocorre no signo formal. Então vale, a definição descritiva: formal é aquele
signo que remete a atenção para o objeto, sem precisar de prévia atenção sobre si mesmo,
ao contrário do que usa ocorrer no signo instrumental.

No signo formal, este não é o efeito do objeto assinalado. A relação entre o signo formal
e o objeto assinalado é outra. O signo formal se exerce mesmo como causa formal da
acusação que revela o outro, objeto; o signo acusa o outro, enquanto se assemelha com
este outro, de sorte que a semelhança é o motivo pelo qual ele se exerce como signo.

Também o signo meramente convencional é formal. A atenção se remete desde logo para
o objeto. Observamo-lo ao exercermos a leitura; como estamos despreocupados com as
letras, cuidando apenas do significado, visto que não se trata de uma interpretação
instrumental de signos instrumentais.

Fica, portanto firme, que é próprio do signo instrumental o dever ser conhecido antes do
objeto para o qual remete. Como procedimento discursivo quem conhece por meio dele,
primeiramente caminha para o ser do signo e somente depois para o objeto seguinte, do
qual ele é o signo instrumental.

O fundamento do signo instrumental é a conexão entre causa e efeito; conhecido um


efeito e a sua causa, o efeito se torna signo da causa. O silvo de um trem é signo
instrumental do trem, porque este foi sua causa. O ruído da ramagem do arvoredo é o
sinal do vento, porque foi a sua causa.

206. A rigor, o signo instrumental não é verdadeira representação do objeto, porque não
se relaciona com ele em virtude de uma semelhança. Não é em função de uma
semelhança que dito objeto se faz diretamente conhecer.

Na verdade, uma desproporção muito grande pode ocorrer quando um pequenino efeito
deriva de uma causa enorme.

Que relação haveria entre os efeitos secundários e a causa profunda? Sobretudo agora os
efeitos pouco dizem de suas causas.
A convulsão da corrente elétrica ao nos passar pelo corpo bem exemplifica o caso de um
signo instrumental revelador da eletricidade, sem que isto nos manifeste algo importante
sobre a referida eletricidade. Sendo a convulsão apenas um efeito na ordem da causa
eficiente, não é verdadeira representação da causa. A representação somente se encontra
nos signos formais, resultantes da semelhança.

Contudo os signos instrumentais não são de desprezar, no uso da ciência e da arte. A


ciência muito se ocupa deles para conhecimento da natureza de onde derivam. A arte se
aproveita deles na expressão por contexto.

Havendo alguma proporção entre causa eficiente e seu efeito, um revela ao outro, ainda
que a seu modo. É preciso apenas não confundir esta espécie de signo com a outra. A arte,
por exemplo, não é em primeira instância um signo instrumental, porque exprime pela via
da mimese, ora pela via da semelhança natural, como na escultura e pintura, ora pela
semelhanças de equivalência convencional, como na linguagem.

As relações de causa e efeito podem gerar símbolos. Por exemplo, a cobra que produz
veneno aproveitado pela medicina para produzir saúde, simboliza a medicina.

Mas, o símbolo, apesar de sua origem nas relações de causa e efeito, é todavia
estabelecido em última instância ao modo do símbolo formal. Uma convenção o
estabelece (vd 215).

A arte, ainda que não seja um signo instrumental, aproveita esta outra modalidade de
conhecimento, mas em um segundo tempo. Operando primeiramente por signos formais,
a seguir, por meio destes indica aos instrumentais.

Com isso se estabelece na arte amplamente a discursividade, até mesmo o raciocínio. Não
se pode negar que a arte opere discursivamente, por esses meios e outros mais.

Depois que o signo formal indique o efeito na ordem da causa eficiente, dali, num
segundo tempo, se lança o caminho para a interpretação discursiva que caminha do efeito
na direção da causa.
O aproveitamento dos signos instrumentais oferece recursos que embelezam a arte. Uma
referência às lágrimas, conduz o pensar no sofrimento.

"A linguagem nobre dos olhos é uma lágrima" (Robert Heric).

207. O signo formal e a linguagem da poesia. Ainda há os signos


meramente associativos, operando através de um outro dispositivo, o da associação de
imagens, e de que se vale a poesia.

Não se pode converter a associação das imagens em signo fundamental da arte. A


linguagem da associatividade é posterior à da prosa e já supõe o signo formal.

Num primeiro tempo é preciso expressar ao modo comum da prosa pela mimese, a
imagem que servirá de estímulo associativo, no segundo tempo das demais imagens.
Posta a primeira imagem pela expressão em prosa, ela passa a despertar associativamente
outras imagens mais e que constituem a poesia.

Uma palavra estímulo, desperta imagens específicas; da mesma sorte, cada cor, cada som,
cada variação de forma suscita imagens que lhe estão ligadas. Importa muito atender a
este fenômeno aditivo para compreensão total da arte, especialmente da poesia (vd 94).

208. O signo na psicologia associacionista, ou do comportamento. Em acepção ampla


o termo signo acolhe todas as modalidades: signo formal, signo instrumental, signo
associativo.

Na psicologia do comportamento (Behavior), o signo é estudado sob este aspecto amplo.


É todavia necessário fazer as distinções entre os vários signos, sem o que a psicologia
associacionista se torna um elenco de equívocos.
Charles Morris (n. 1901) estudou os signos e os estados de comportamento respectivos",
sob a denominação de Semiosis (sema = signo, em grego). Além disto criou uma
terminologia para a conceituação que desenvolveu.

O signo é um "sinal veículo"; os objetos indicados são os "designata" (= os designados ),


portanto os temas; os sujeitos que operam, são os "intérpretes".

A semiosis se divide em:

- sintática (estudo das relações formais entre os signos);

- semântica (das relações do signo com os designata);

- pragmática (das relações do signo com os seus intérpretes).

209. Max Bense (n. 1910) tem usado "signo de algo", para indicar por exemplo o silvo
como signo da locomotiva; portanto, "signo de", seria outro nome para o signo
instrumental. Em vez, "signo para algo", seria, por exemplo, a cifra para o número, o
retrato para a pessoa.

No signo instrumental ocorre a nítida diferença entre o designatum e o objeto para o qual
este remete, como um denotatum.

"Todas as vezes que, numa experiência, o estímulo produzido no organismo por um dado
objeto se vincula à recorrência dessa experiência, diz-se que o estímulo em causa (ou o
objeto) funciona como um sinal.

Daí decorrem alguns corolários, cuja retenção é valiosa. O sinal é apenas uma parte da
experiência, parte que, ferindo de novo a atenção do organismo, deflagra o mesmo efeito
que a experiência completa outrora provocara.

A fim de que um objeto se converta em sinal, é imperioso que haja efetivado, no mínimo,
duas aparições. É raríssimo, quando não impossível, verificar-se identidade absoluta entre
as várias manifestações de um objeto já revestido do status de sinal, não guardando elas
mais do que certa similitude entre si. Essa semelhança, todavia, é básica para reprodução
(mental, ou não) da experiência.

O estímulo, em sua nova investidura, acha-se estruturado numa cadeia cujos elos
indissociáveis são: o intérprete, o interpretante, o veículo-sinal e o designatum.

O processo em questão recebe o nome de semiosis e exibe, pois, como caráter distintivo,
a correlação operacional entre os seus elementos integrantes.

O interpretante é o efeito que, ao ser experimentado pelo intérprete, o adverte de que um


dado objeto é m sinal para ele.

Designatum é tudo aquilo de que se toma conhecimento graças à mediação do sinal. Não
é compulsória a referência a objetos por meio de sinais, mas só há designata se houver tal
referência. Quando aquilo a que a gente se refere, existe, de fato, o alvo da referência, às
vezes, se efetua na base de simples presunção, como ao afirmamos que uma coisa está
num lugar e, vai-se ver, não está lá ( Osvaldino Marques, Teoria dos sinais, em Revista
do Livro, jun. 1958, p.41).

210. Nem se pode fundar a expressão artística em uma relação de igualdade quantitativa,
entre quantidades que se reproduzem nas mesmas dimensões.

Uma estátua pode ser maior, ou menor que o indivíduo representado; não depende sua
expressão, conforme já se percebe, da relação de grandeza e sim das formas, ou seja de
qualidades.

211. Logicidade e arte. Encontra-se também na teoria do signo formal a explicação da


logicidade do pensamento e da arte.

Uma vez que a qualidade deve ser entendida como tal, isto é, como exercendo uma certa
determinação, resulta que a intencionalidade é eminentemente ligada à compreensão,
sendo pois, algo claro e não alógico.
Ainda que ocorram os procedimentos associativos de imagens, - como acontece na
linguagem dita literária e sobretudo na da poesia, - a expressão artística é
fundamentalmente lógica, porque decorrente antes de tudo do efeito formal da
semelhança que adverte para o assemelhado.

Na base da arte está a mimese. O mais é eflorescência. Por mais exuberante que possa ser
a eflorescência em arte, ela surge primeiramente por obra da logicidade de um efeito
formal. E tanto maior poderá ser a florescência, quanto mais gerador conseguir ser
o logos que lhe dá o impulso inicial.

VI - O signo nos equivalentes convencionais

(linguagem e outros símbolos).

0531y214.

215. Semelhança por convenção. Importa perceber na equivalência uma espécie de


semelhança, para em consequência fazer valer a mesma filosofia geral da arte
indistintamente para todas as artes.

Por convenção, os signos convencionais se tornam equivalentes dos temas respectivos.


Há então uma semelhança por convenção.

A fim de que um signo convencional funcione à maneira de signo formal, deve remeter a
atenção diretamente para o objeto.

Fá-lo-ia por outro caminho, à maneira do signo instrumental, se atendesse


preliminarmente à matéria do signo, como quando se cuida do efeito antes da causa.

A convenção depende dos convencionadores. Assim sendo, estes podem convencionar


que determinadas coisas funcionem ao modo de signo formal, significando à maneira da
semelhança natural. Então, como esta, a semelhança convencional remete imediatamente
a atenção para o objeto significado.
A atenção está sob nosso domínio; portanto, podemos decidir atender determinado objeto
em função a determinada matéria, que fica sendo signo daquele objeto. Firmada esta
decisão, a matéria escolhida remete a atenção para o objeto convencionado. Constrói-se
consequentemente o signo formal convencional.

216. A fim de que os signos convencionais funcionem, importa que cada signo se
diferencie do outro. Criados os signos, diferencialmente, convertem-se em instrumentos
de expressão artística de alta precisão.

Todas as línguas costumam ter suficiente diferenciação em seus recursos, para poderem
funcionar. Entretanto, uma língua planejada, como por exemplo o Esperanto, atinge
maior precisão e eficácia, porque seus equivalentes convencionais são mais
adequadamente organizados.

A facilidade com que a articulação da voz humana enuncia vocábulos distintos, oferece a
oportunidade de uma simbologia falada de um rendimento incontestável. Esse é um dos
motivos, porque a linguagem é a mais importante modalidade artística em símbolo.

A língua é capaz de criar signos diferenciados para os diferentes "modos de entender"


(modus inteligendi), de que se ocupa a gramática especulativa, diferenciando os
vocábulos que exercem, ora como substantivos, ora como adjetivos, ora como pronomes,
ora como verbos, e assim por diante.

As artes por semelhança natural exprimem melhor as figuras dos objetos do que a
linguagem convencional; todavia esta ganha de todas quando se trata de significar os
modos de entender.

217. Quatro são as artes de maior eficiência para a expressão, operando todas pela via
da mimese, ainda que uma apenas pela via convencional:

- arte em cor,

- arte em som musical,


- arte em forma no espaço, ou plástica,

- arte em equivalentes convencionais, ou linguagem.

As outras qualidades sensíveis materiais pouco oferecem para instrumentação artística.

Contudo estas outras qualidades sensíveis materiais, ainda que consideradas inferiores,
são muito mais mencionadas pelos equivalentes convencionais da linguagem, do que
pelas que superiormente operam em cor, sonoridade musica e plasticidade de formas.

Fala-se, por exemplo, em perfumes, gostos e sensações tácteis, com uma frequência que
não têm paralelo nas demais artes, que apenas as exprimem com vagas sugestões, como
aquele quadro que apresenta um comedor de melancia.

§2 - Participação do associativo na teoria explicadora da arte.

0531y220.

221. Em arte nem tudo é explicável pela teoria da mimese. Não é só pela mimese que
o artista se expressa, mas também pelos recursos oferecidos pela associação das imagens
que lhe ocorrem no subconsciente.

Posto um objeto estimulativo, indicado pela expressão inicial da semelhança, em um


novo tempo surgem as imagem associadas, que completam a expressão inicial. A
referência, por exemplo, a uma floresta associa imediatamente o que ela ainda contém de
verde, de escuro, de imenso, de misterioso e de ínvios caminhos, como ainda de aves e
animais.

A expressão com recursos associativos oferece muitas facetas de estudo, começando pela
diversidade dos nomes, como evocação, sugestão, denotação, poesia.
Neste instante o que nos importa é apenas advertir que a associatividade também
participa da explicação teórica de como se exerce uma expressão artística. Tudo o mais
sobre a poesia será tema de um capítulo mais exaustivo (vd).

Resumidamente, a prosa e a poesia são duas formas de expressão.

A prosa exprime os temas diretamente, portanto por mimese; no caso da linguagem, as


palavras da prosa indicam diretamente seus temas.

A poesia, num primeiro tempo exprime o objeto estimulativo, sem interesse neste objeto,
passando a atender às imagens associativas, que surgem no segundo tempo. Se, por
exemplo, o poeta menciona um laranjal, não busca diretamente tais frutíferas, mas o que
elas eventualmente lhe evocam.

222. Poesia prosaica e prosa poética. A expressão mista é geralmente a regra, mas com
predomínio de um dos elementos.

Se o centro de interesse é o objeto estímulo, ocorre a prosa poética.

Se o centro de interesse se coloca nas imagens evocadas, mas com alguma atenção no
objeto estímulo, ela é uma poesia prosaica.

223. O processo associativo é a regra geral do mundo das imagens. Mas nem tudo
campo é desde logo poesia artística, embora de fato seja evocativo. Este campo interior é
mais amplo que o círculo particular da arte poética.

Em consequência, - por liberdade semântica, - amplia-se o próprio sentido da palavra


poesia, estendendo-se a estes outros níveis da associatividade. Todavia esta outra poesia
não é ainda a arte poética propriamente dita.
A associação de imagens é um processo desenvolvido no mundo interior da mente, assim
como também as idéias se encontram ali e se conectam logicvamente. Esta associação
interior de imagens é a "poesia interior pré-artística".

Apenas ocorre a verdadeira poesia artística interior quando esta "poesia interior" tem
seu objeto estímulo expresso exteriormente, e então este estimula a geração das imagens
evocadas é transferida para uma expressão exterior.

Ainda se situa fora do plano da poesia artística a constatação de objetos associativos. Por
exemplo, a montanha pode associar a grandeza, os pássaros, a alegria, o mar, a nostalgia
de lugar distante de onde veio alguém. A poesia artística ocorre quando estas mesmas
imagens associadas são exteriorizadas em uma expressão. O elemento expressão exterior
é essencial à arte.

224. É possível criar objetos com a especial intenção de usufruir a evocação de que forem
capazes.

O músico poderá criar sons apenas como sequência estética, e não com intenção de
expressar algo; e assim também poderá criar sons capazes de gerar associações
interessantes.

Também o pintor poderá criar composições colorísticas estéticas e associativas. Nem os


sons e nem as cores estéticas e associativas tiveram necessidade de significar algo como
tema. Ocorreu então apenas uma poesia como expressão artística.

É legítimo que se crie este tipo de associatividade, junto à obra de arte propriamente dita,
porque o concreto é o somatório de tudo. Mas é preciso compreender e distinguir cada
função, para não confundir o meramente estético e associativo com o especificamente
artístico e poético.

A arte está em expressar prosaicamente os estímulos, que vão gerar as imagens


associadas. Não está em expressar as imagens associadas em si mesmas, mas aos objetos
estímulos, com vistas a que associem aquelas imagens
Pode-se admitir que algo é poesia no sentido artístico apenas por intenção do autor da
obra criada.

Precisa-se então saber o contexto pessoal deste autor.

É, entretanto, melhor substabelecer que o autor indique de algum modo sua intenção.
Esta é uma propriedade em virtude da qual a expressão adquire sua condição
gnosiológica de evidência, verdade, certeza.

225. Há pois, uma distinção entre o círculo maior do processo associativo e o círculo que
recorta dentro deste todo a poesia artística.

Exerce também o animal, processos associativos e contudo não é poeta, no sentido de


poesia como arte. Sua maneira associativa é como a da poesia pré-artística e que não é
levada ao nível de expressão.

A associação das imagens pode dar-se pela real presença de objeto estímulo sensível. A
flor, que os olhos vêem, estimula imagens, sem que haja presença mental.

Também os animais associam ao que vêem, ora a água com um certo caminho, ora o
alimento com um certo patrão, ora o estímulo para o trabalho com a presença de um
aguilhão, ora o aviso para comparecer ao portão com o ouvir o chamado pelo nome.

Tais associações também as exerce o homem, à vista do que vê, ou ouve, e depois
combina com o verdadeiro processo da arte como expressão.

Diversa é a maneira que ocorre na arte, quando esta, na poesia, expressa os estímulos, e
com eles as imagens associadas. A poesia não ocorre quando à vista da flor se estimulam
as imagens. Na arte, a flor é enunciada primeiramente na obra, para, a partir da obra
artística, expressar as imagens estimuladas.

Entender a obra, - eis onde se necessita de inteligência. Entendida a obra, surge um


objeto como estímulo de imagens, sendo este o objetivo final da expressão.
Exemplifiquemos com a poesia literária. Se o objeto estímulo é a flor, o poeta fala em
flor; - o falar, eis a expressão literária, que deve ser entendida preliminarmente, a fim de
que, em segundo tempo, esta flor seja entendida como despertadora de associações.

Não basta ao poeta literário simplesmente tomar a flor em suas mãos e mostrá-la a quem
desejar ter as respectivas associações. É preciso que diga, - flor...

O animal, ao ouvir flor, não entende a palavra... e por isso, para ele o objeto de estímulo
das imagens não surge, neste caso, através da expressão.

Contudo, o animal, ao ver a flor real, associa imagens; mas agora não ocorreu arte, porém
um processo comum de conhecimento, pelo sentido exterior cujo objeto estimulou as
imagens do sentido interior. Tudo o que aconteceu ao animal também sucede ao homem,
todavia a poesia artística vem após isto, como por acréscimo, ao estabelecer-se a
expressão.

226. A poesia é antecedida pela prosa, porque não há poesia sem objeto estímulo. Ora,
este se oferece mediante a prosa. Num primeiro instante, a prosa apresenta o objeto
estímulo, para que, num segundo tempo, surjam as imagens, que a ele se associam.

Embora, na poesia pura o objeto estímulo não interesse quanto ao seu conteúdo, ele é
indispensável como estímulo. Não há poesia, como se advertiu, sem um instante prosaico.
O processo associativo não desperta sem o objeto estímulo, o qual somente se exprime
por mimese.

O literato poeta,. ao erguer as imagens em torno da lua dos namorados não pode começar
a fazê-lo sem que comece por falar diretamente da lua.

O pintor, ao fazer poesia com a mesma lua, começa por figurá-la diretamente ( por
mimese), para, num segundo momento, evocar as restantes imagens.

Também assim acontece na poesia musical que deve ser antecedida pelo som
expressando em prosa, ou aos sons dos animais da floresta, ou ao ruído das ondas, etc.,
com vistas a estabelecer o objeto estímulo, das imagens que virão a seguir.
227. Leis da associatividade. O despertar associativo das imagens obedece a leis, apesar
de seu aspecto um tanto anárquico. Não fosse esta ordem, ficaria o poeta sem poder
calcular os efeitos desejados dos objetos estímulos. E porque elas existem, torna-se
possível melhorar a poesia, como também a prosa poética e a poesia prosaica.

Aristóteles apontou para três leis associativas: associação por semelhança, associação
por contraste, associação por vivência.

Dali resulta haver também a possibilidade de variação nos modos poéticos, por eleição,
ora de um processo, ora de outro e outro, ora de todos conjuntamente.

228. A associatividade por semelhança (ou mimese, ou ainda por analogia) (vd 825) dá-
se quando algo lembra a imagem de outro objeto, por simples aproximação.

Os ramos da árvore, podem sugerir braços.

Nas mesmas condições falamos em braços do sono.

Na indefinição das sombras da noite, os objetos se aproximam. Eis quando, por


semelhança, uns podem lembrar outros e até nos causar medo. É o caso da corda, qual, na
penumbra, se assemelha à figura da serpente.

229. A associatividade por contraste (vd 830) evoca pela viva diferenciação.

A mocidade lembra a velhice.

Pode a alegria lembrar o sofrimento, e assim também o dia evocar a noite...


230. A associatividade por vivência (vd 819), dita também associação de contiguidade, -
talvez a lei fundamental da associação, - une as imagens por vivência de contiguidade.

Pode ser contiguidade de tempo e de lugar. Tempos atuais evocam outros. Lugares que
voltamos a visitar, relembram pessoas que em outra oportunidade ali estavam.

A evocação associativa por vivência é reforçada quando a adjetivação a fixa como


eminentemente individual. Tal é a combinação de frases evocativas, em que a segunda
individualiza a precedente:

"Um cenário a deslumbrar, eis a bela Florianópolis...

Um cenário a deslumbrar, eis a minha Florianópolis! ".

231. Há a distinguir entre dois usos da mimese, - a mimese da arte em geral, como a
prosa (que se dá por efeito formal), e a mimese da poesia (que se dá por associatividade
de imagens).

Na mimese, da arte em geral, a acusação se faz por interpretação intelectual. O


semelhante acusa o assemelhado, enquanto dele se aproxima, de sorte a oferecer ao
intelecto a possibilidade de interpretar um, no outro.

Em tal condição, a mimese se institui como teoria fundamental da arte e mesmo de todo o
conhecimento.

Na operação da mimese, como ocorre no processo associativo da expressão poética, se dá


por obra de um objeto estímulo.

Este estimular não é da mesma feição do despertar da interpretação mental. É um outro


modo de operar e que se exerce no subconsciente, sem elementos raciocinativos, sem
lógica portanto. Neste sentido a associatividade é alógica ( vd 788).
Por conseguinte, ocorrem duas mimeses na poesia, quando esta se faz conforme à lei da
associação por semelhança:

- a primeira mimese exprime ao objeto estímulo;

- a segunda mimese faz ao objeto estímulo despertar as imagens que lhe são semelhantes
(mimese do instante poético).

232. O processo associativo apresenta o aspecto de função complementar. Sem ele,


os recursos da arte se reduziriam de muito.

O que a mimese artística apresenta diretamente, sem apelo ao processo associativo,


constitui expressão relativamente pobre, ainda que nesta expressão já se realizem todos
os elementos constitutivos fundamentais da arte.

A imaginação a criar imagens, que a memória mantém no subconsciente e põe para a


superfície nos momentos adequados, engrandece a arte. Por isso, ter boa imaginação e
excelente memória, é possuir recursos extraordinários para a criação artística.

Não é ainda a imaginação a mesma compreensão da arte. Esta compreensão está no


domínio da inteligência; a obra em si mesma não sabe o que exprime e cabe ao homem
inteligente interpretá-la; em sendo a obra de arte antes de tudo uma expressão, que se
assemelha com o seu tema, é a inteligência a faculdade artística por excelência.

Todavia, as associações aportadas pela imaginação e memória oferecem novos materiais


para esta interpretação conscientizante.

§3 - Universalidade temática da expressão artística.

0531y235.
236. Certamente ocorrem limitações na expressão artística, mas que por muitos
expedientes se procura superar, garantindo-se assim a universalidade temática.

Por causa desta universalidade temática, treinamos, para obter o melhor rendimento
possível em qualquer arte, - na linguagem, pintura e música.

Ainda com este objetivo, combinamos as artes em todos maiores, criando a expressão
mista, através da aliança das diferentes artes (vd 509), unindo por exemplo formas e
cores , música e linguagem, o que acontece sobretudo no teatro, cinema, televisão.

Em decorrência deste esforço eficientizador, tendemos a admitir que a expressão artística


dispõe da universalidade temática, de sorte que tudo é possível expressar, ao menos de
algum modo.

237. Há limitações na prosa, em virtude da qual umas expressões são próprias e portanto
mais adequadas para se aproximar de seus temas; outras são impróprias, todavia capazes
de algum modo se referir aos seus temas.

É , todavia, através da expressão imprópria que se processa a universalidade temática,


pois é ela que estende para cada vez mais longe o círculo de referência a objetos.

Do mesmo modo há limitações na poesia, cuja capacidade de associação de imagens não


é indefinida; além disso as imagens se restringem ao campo dos objetos sensíveis.

Mas é por meio da associatividade poética que se reforça a expressão prosaica. Na


inversa a prosa também reforça a poesia.

É, portanto sempre pelas veredas difíceis que a expressão se estende em direção da


universalidade temática, tudo exprimindo.
Cada arte específica (escultura, pintura, música, linguagem) apresenta recursos próprios
que lhe são exclusivos, em que é mais capaz que a outra. Mas cada uma consegue
expressar inadequadamente o que as outras expressam adequadamente. Combinando-se
em uma única obra concreta, as artes conjuntamente se completam.

238. A diferente capacidade de expressar aos objetos provoca uma diferença na expressão
dos objetos, na medida que estes variam.

Seres com qualidades da mesma categoria se expressam mutuamente com bastante


proximidade. Por exemplo, o som musical consegue exprimir com propriedade o chiar da
chuva, o estrondo dos relâmpagos, o trinar das aves.

As cores, de outra parte, exprimem o aspecto apagado das gotas da chuva, o brilho dos
relâmpagos, o colorido das borboletas.

As figuras do escultor quase que se confundem com as formas da natureza. Conta-se até
que Parrassio e Xeuxis pintavam tão bem frutas e cortinas ao ponto de pássaros e homens
se terem enganado por as haverem tomado como reais. Também no teatro se procura algo
semelhante, exigindo-se do ator que se identifique ao máximo com o seu personagem.

Temas abstratos somente se expressam de maneira imprópria pela arte que é um recurso
material. A importância do tema abstrato torna, sob este ponto de vista, a arte abstrata
superior à arte figurativa. Ela, - a arte abstrata, - lhe é todavia inferior do ponto de vista
de seu instrumental técnico.

A pintura contemporânea ao abandonar o figurativismo à fotografia, e se concentrar no


objeto abstrato, se tornou uma péssima pintura do ponto de vista da expressão, e uma
pintura muito boa do ponto de vista de seu tema.

O recurso à convenção, de que se vale a linguagem, amplia bastante a universalidade da


capacidade da expressão artística. Situada a convenção no horizonte da própria mente, ela
admite estabelecer equivalentes vocabulares para as mais diversas abstrações, com o
detalhe ainda de as situar tal como comparecem nas operações mentais de conceito, juízo
e raciocínio.
Enquanto as artes mediante mimese natural se limitam à apresentação do objeto como um
ser concreto, - sem as modalidades assumidas pelo pensamento nas operações mentais do
conceito, juízo e raciocínio, - a linguagem trilha pelos exatos caminhos dessas operações
mentais. Isto mais uma vez aprofunda a diferença dos gêneros artísticos.

Conclui-se que, embora ocorra a universalidade temática da expressão artística, ela se


processa com diferenças para cada espécie de arte, não só por causa da diferença desses
objetos, mas também por causa da variação dos recursos aplicados em cada uma das
referidas artes.

Há semelhanças muito próximas, e que vão se alargando até as mais distantes. Mais
próximas são as semelhanças entre seres da mesma categoria.

239. Objetos de abstração total e objetos de abstração formal. As diferenças entre


diversos níveis de expressão artística são classificáveis pelas diferentes espécies de
abstração a que a mente sujeita aos objetos:

- abstração total, de formas aos sujeitos aos quais as formas se atribuem;

- abstração formal, simplesmente de formas às formas.

As duas modalidades de abstração ainda se cruzam entre si. A primeira, a abstração total,
se processa por graus de abstração formal, como se verá.

240. No plano da abstração total (vd 686) os temas se desfazem sucessivamente de seus
sujeitos de atribuição. Retida a forma, por exemplo, de planta, o que resta não é mais esta
planta individualizada, mas a planta como tal.

São ainda exemplos deste da abstração total, as obras que expressam o movimento, o
bem, a prudência, a justiça, a virtude, etc. Todas estas entidades existem em concreto, e
foram agora abstraídas de seus sujeitos, onde eram este movimento, este bem, esta
prudência, esta justiça, esta virtude, etc.
Expressar um objeto com este início de abstração, já é mais difícil do que expressá-lo
como caso singular concreto, ou seja no estágio anterior a toda e qualquer abstração.

De outra parte, porém, é a mais fácil das artes abstratas, porquanto as abstrações serão
ainda mais difíceis de serem expressas.

241. No plano da abstração formal (vd 688), isto é, da divisão das formas já sem sujeito,
os conceitos se tornam eminentemente abstratos. Assim se distinguem conceitos como
essência e existência, coisa e algo, verdade e erro, bem e mal, belo e feio.

Incontestavelmente a expressão artística e torna aqui mais difícil, porque as formas se


desdobram em subtilidades cada vez mais subtis.

De outra parte, considerando o caráter intencional da linguagem, em virtude da


convenção, ela encontra aqui um campo que lhe é mais próprio, e em quer as outras
expressões de arte não alcançam desenvoltura. Tem a linguagem uma grande capacidade
de expressar por meio de contextos as mais variadas subtilidades.

242. Graus da abstração formal. É possível constatar um encadeamento nas abstrações


formais.

O primeiro grau de abstração formal permanece ainda no plano das formas sensíveis.
Depois de isolada a forma, que fica sem o sujeito individidualizante, -até aqui tudo por
efeito da abstração total, - resta prosseguir, redividindo a forma, pela abstração formal.

Então é possível imaginar que, na etapa inicial, no plano zero, estejamos num primeiro
grau de abstração formal, ao qual importa aqui atender, antes de partir para as novos
degraus da redivisão.
Este primeiro grau de abstração é aquele grau de abstração em que a arte se ocupa com os
objetos da natureza, ainda que não individualizadamente. É quando se ocupa da planta, e
não desta planta; da dor, e não desta dor.

No segundo grau de abstração formal já se abandona a atribuição sensível, para somente


se ficar com formas indicadoras de quantidade (linhas, figuras, espaços), que são
chamados sensíveis comuns.

Agora a arte já se ressente das semelhanças precisas. A distância entre o concreto das
quantidades e o abstrato é maior, de maneira que as semelhanças não se acusam com a
mesma facilidade e contundência.

A arte, no segundo grau de abstração formal, ocupando-se embora das linhas, figuras e
espaços concretos, remete contudo intencionalmente para a linha em abstrato, para a
figura em abstrato, para o espaço em abstrato, que são sempre criações imaginárias do
espírito, capazes até de se distenderem ao infinito. Esta imensidade não se exprime tão
facilmente com as semelhanças concretas, porque a todo o momento elas raptam a
atenção para a sua mesma concretitude.

O terceiro grau de abstração formal, dissociando-se de todos os elementos de atribuição


individualizada, eleva a forma ao instante metafísico.

É quando as idéias, eminentemente abstratas, se distanciam sempre mais das semelhanças


com o sensível concreto da obra da arte.

243. A abstração formal continua, - ao redividir internamente as formas, em qualquer dos


três graus de abstração formal, em cada grau, - a afastar cada vez mais a idéia abstrata do
seu correspondente concreto.

Por isso, a arte prossegue no seu dissociamento, cada vez mais separada da semelhança
que mantém com o tema. No plano altíssimo da metafísica as noções de ser como tal, de
belo como tal, de bem como tal resistem consideravelmente à representação artística pura.
Esta resistência ocorre sobretudo nas artes que operam por meio de semelhanças naturais,
como sejam a música, a pintura, a arquitetura.

Diferentemente, a linguagem falada atribui convencionalmente para cada objeto uma


palavra que indica especificamente. Do mesmo modo, a noção mais geral tem sua
expressão na palavra ser.

O mais abstrato dos temas é o ser, tanto na via da abstração total, como na formal. Como
noção a mais genérica, o ser tudo perpassa.

Ainda que nem todos admitam esta universalidade acontecendo pelo lado do ser,
admitem ao menos que, pelo lado do pensamento, o ser signifique a noção mais universal.

Esta universalidade da noção de ser permite a universalidade da temática da arte. Ainda


que seja por analogia, esta universalidade relaciona o ser com todos os seres singulares.
Estabelece uma semelhança entre todas as coisas, até mesmo entre os conceitos de Deus e
do Diabo. Concebidos um e outro ser, nisto ao menos conferem, sendo um a imagem do
outro, ainda que inadequadamente.

Facilitando embora a expressão, o caráter eminentemente abstrato da noção de ser e de


suas decorrências, continua todavia difícil em seu conteúdo. Ainda que difíceis, todos os
temas abstratos são totalmente expressáveis por via da universalidade das relações entre
eles à base do ser comum, que lhes serve como elemento de aproximação.

244. Evolução semântica dos signos instrumentais na direção dos formais. Há uma
progressão semântica dos signos instrumentais na direção dos signos formais, sobretudo
no dos convencionais.

O que é efeito e por isso se exerce como signo instrumental da causa, passa
progressivamente a ser visto como signo convencional. Ora, o signo convencional é signo
formal e por isso remete prontamente para o objeto, já sem atender à índole de "efeito"
próprio do signo instrumental.
A fumaça, enquanto efeito do fogo, é efetivamente é o respectivo signo instrumental.

Entretanto, quem vê a fumaça poderá não atender diretamente ã sua posição de efeito do
fogo, e prontamente observá-la como signo convencional do fogo.

Geralmente os símbolos, embora signos formais, tiveram origem instrumental. Por que
seria a espada o símbolo da justiça? Porque serve de instrumento causante. Esquecida a
sua posição de causa, passou a servir como símbolo puro da justiça.

Os nomes dos objetos derivam em alguns casos dos efeitos que são capazes de produzir.
Ora, se o efeito se tornou o signo convencional da causa, isto somente foi possível no
instante em que já não se via no efeito um signo instrumental, ma signo formal.

245. Ocorre também uma evolução semântica interna nos signos formais. Com
frequência, os nomes das qualidades, e até de acidentes, se transferem para as naturezas à
que pertencem. O fenômeno já foi anotado por Aristóteles. Os exemplos proliferam: os
nórdicos..., os negros..., os iluminados...

E por que seria? As qualidades são efeitos formais, que brotam das naturezas respectivas.
Funcionando o efeito como signo da causa, bem depressa tal efeito dá o nome à causa.

A semântica dos signos é influenciada pelas leis de associação das imagens: contiguidade,
contraste, semelhança.

Particularmente importa a associação de contiguidade, dita também, de vivência. Mesmo


quando não exerçam relações objetivas entre si, coisas que estiveram contíguas, fixaram-
se assim no subconsciente de quem as observou, e passam a se evocar quando uma
estiver ausente.

Assim, a causa, além de sua relação de causa, pode associar o seu efeito por associação,
na base da lei da associação por contiguidade.
Nesta linha se encontra a expressão embarque (relação com o barco), ao servir para
mencionar a viagem em veículo terrestre.

§4 - A inspiração artística.

0531y248.

249. A inspiração como sendo um juízo. A criação artística percorre o caminho inverso
da obra pronta para a apreciação. Consiste em conhecer previamente um tema e dali
partir para a descoberta de um outro objeto, o qual deverá ser sensível, para torná-lo
portador do tema, por meio de uma relação objetiva mimética ou associativa com o
referido tema.

Se este objeto, que servirá de portador, já contiver a relação mimética ou associativa,


basta elegê-lo, se ainda não a tiver, precisará ser alterado e adequado para que a tenha.

Situa-se a inspiração artística mais precisamente na comparação dos termos, que deverão
estar em relação. Diz-se também que deverão ter uma proporção, isto é, uma semelhança
suficiente, ou uma conotação qualquer.

A inspiração artística é pois um juízo da mente a respeito da proporção entre significante


e significado.

O juízo sempre é uma comparação de termos, com o objetivo final de descobrir uma
relação, que permita afirmar um do outro. Isto acontece também na inspiração artística,
ao se proceder à comparação entre a expressão adequada e o objeto a ser expresso.
250. A inspiração artística como um juízo prático. Por se tratar de julgar para orientar
o fazer a obra, a inspiração artística é um juízo prático, e não um juízo meramente teórico.
Este, o teórico, apenas diz como uma coisa é.

O juízo prático orienta, ou o agir, ou o fazer. A obra de arte se encontra na ordem do


fazer. Portanto o juízo prático mostra como fazer a obra, para que ela exprima o tema.

No caso da expressão artística, este como fazer equivale a perguntar, -que semelhança
construir?, - para que dita obra consiga expressar o tema.

Não se trata ainda das demais técnicas (também necessárias).

O juízo da inspiração artística se refere apenas ao específico da expressão capaz de


significar.

251. Inspiração do tema. Há uma criação artística meramente mental, chamada


também inspiração do tema, que é apenas uma inspiração pré-artística.

Efetivamente, não é possível expressar, sem saber o que expressar.

Ou se exprimem coisas reais, sobre as quais se fazem relatos jornalísticos e científicos, e


então é preciso primeiramente conhecer diretamente estes episódios e interpretá-los.

Ou se exprimem coisas fictícias, como se procede no conto, novela e romance, que


importam em uma prévia invenção mental.

A estrutura da ficção requer bastante trabalho de comparação de termos e que importam


em notável capacidade de inspiração artística, a qual vem em um segundo tempo, quando
o ficcionista escolhe, mediante nova inspiração, o portador sensível para expressar a
ficção anteriormente criada. Muito importa a inspiração do ficcionista, para que valha a
pena expressá-la em obra.
Mas, uma e outra coisa são distintas inspirações.

O crítico da arte ocupa-se com ambas as inspirações, mas apenas a crítica à inspiração
criadora da obra, cabe o nome propriamente dito de crítica da arte. Existem grandes
romances no que se refere ao conteúdo, mas sem valor literário. E assim também
romances sem valor ficcional, todavia bem escritos.

ART. 3o

A ARTE COMO EXPRESSÃO OBJETIVA INCONSCIENTE.

0531y254.

- Filosofia Geral da Arte -

- CAP. 1 - A ARTE COMO SIGNIFICADO -

255. A filosofia vai ao porquê da arte. Não se restringe a filosofia ao que se


oferece empiricamente como sendo a arte. Ela vai ao porque do intrínseco do
processo.

Neste esforço chegamos agora ao momento em que a expressão artística é


considerada do ponto de vista de seu caráter de expressão objetiva inconsciente,
importando explicar em que se diferencia do processo consciente das
expressões mentais.

Didaticamente seguimos a ordem seguinte, em 6 parágrafos:

- a arte essencialmente, uma expressão objetiva inconsciente (vd 257); .

- especificidade intelectual da interpretação artística (vd 290);

- teoria ideativa e não ideativa da arte (vd 297).

- repetição e reinterpretação da expressão originária (vd 303);

- faces objetiva e subjetiva da expressão e do tema (vd 249);


- aprendizado para saber ver e ouvir (vd 316).

Neste sequencial didático, tudo inicia pela advertência principal e que consiste
na determinação do caráter objetivo inconsciente da expressão artística.

Mostra-se a seguir que na arte importa uma interpretação da arte, e que esta
interpretação é de iniciativa da inteligência.

Todavia, metodologicamente, a investigação tem de examinar também a


hipótese contrária, com vistas ao pensamento crítico. Uma posição contrária, -
ou interpretação ideativa da arte – defende que ela ela seja expressão
da expressão mental.

Finalmente há a tratar de alguns temas um tanto neutrais, como da repetição e


reprodução da arte; da sua face objetiva e subjetiva;

§1. A arte essencialmente


- expressão objetiva inconsciente.

0531y257.

258. A obra de arte, em si mesma, é inconsciente. Não sabe de si. Comporta-se


como as demais coisas.

Observe-se uma estátua. Ela é morta e não sabe a seu mesmo respeito. É
expressão e não se conscientiza disso. Não usufrui a relação intencional de que
é portadora de algo. Não sabe o que diz e de que fala. Pousam os pássaros
sobre a cabeça da estátua e ela não reclama.

O mesmo acontece com as palavras, tão versáteis e tão abundantes. Para elas
mesmas, são apenas sons, porque de seu significado não têm consciência.

Que dizer dos atores, tão vivos sobre o palco? Também eles, embora
conscientes, não expressam a arte enquanto vivem, mas pelas formas que
executam e pelas palavra que enunciam. Tanto isso é verdade, que os filmes
tomam suas imagens e sons, para ulteriormente projetar tudo de novo sobre a
tela. E ali, tudo se repete, mas , sem consciência; todavia o mesmo efeito ocorre
da parte do apreciador.

Diferentemente a idéia, que surge na mente, é uma expressão consciente. As


idéias, juízos e raciocínios exercem por si mesmos conscientemente o conteúdo
expresso. Pensar é uma auto-conscientização.

Enquanto o pensamento é expressão formal (ou subjetiva), a obra de arte é


apenas expressão material, ou objetiva.

Em ambos os casos ocorre a expressão, mas em uma ela se conscientiza, em


outro não. Há uma analogia entre a arte e o pensamento, porque ambos são
expressão de algo, porém não do mesmo modo.

Apenas o apreciador extrínseco se conscientiza do significado que a obra de


arte, como expressão, oferece. A arte já é plena, em si mesma, enquanto
expressão objetiva que tudo contém para significar seu tema. Todavia sua
apreciação depende de que haja alguém que a interprete.

O que surge na mente do intérprete não é a mesma arte, mas a interpretação que
ela oferece. Por isso, não se pode dizer que a arte se encontra na mente de
quem a aprecia. A arte é aquilo que está na obra física e sensível exterior.
Embora inconsciente, a arte é só isto. E assim permanece materializada, à
disposição dos seus possíveis intérpretes. Apenas por extensão afirmamos que a
arte é a obra e a apreciação.

O caráter de expressão objetiva inconsciente da arte apresenta mais algumas


considerações a fazer, como veremos a seguir.

259. O porquê da consciência da idéia e inconsciência da arte. Por que é que a


idéia é consciente de si mesma?

Não será por uma eventual dádiva, e sim por algo interior a ela mesma, e de
que seja o efeito formal.
E por que a obra de arte não se conscientiza a partir de si mesma? Algo
acontece para que uma coisa material não saiba de si mesma e nem dos outros.

A impressão mental, ou espécie impressa, - como se traduz o tecnismo


escolástico species impressa (= face, ou fisionomia impressa), - se encontra
desimpedida materialmente. Por isso a intencionalidade mental se encontra
liberta, para caminhar por si mesma, isto é, conscientemente, na direção do
objeto com o qual se assemelha.

Há contudo algumas diferenças entre os sentidos e a inteligência. Ocorrem nos


sentidos algumas limitações e que não ocorrem na inteligência. As impressões
dos sentidos externos, como as da vista, do ouvido, do tato, do gosto e do olfato,
realizam uma conscientização limitada, sobretudo sem a intenção reflexa. Os
sentidos sabem do objeto, mas não sabem que sabem. Por isso também julgam
e nem raciocinam.

A obra de arte, sofre todas as inibições, motivo porque a relação intencional se


mantêm tão só objetivamente.

Apesar da identidade de estrutura, a arte não se exerce com as mesmas


condições da intencionalidade dos sentidos, sobretudo não da mente capacitada
para a reflexão.

Resta para a obra de arte apenas o caminho da interpretação exterior.

Como foi dito, - a arte é só isto: expressão material que, embora incapaz de
uma auto-conscientização do seu conteúdo, é interpretada exteriormente, por
quem a aprecia.

Passa o homem a ser o sujeito moral do saber contido na expressão artística.


Operando a partir do exterior, não é o dono físico da expressão, mas dela se
apodera como proprietário moral.

Precisamos descrever e caracterizar até o fim esta situação interpretativa da arte,


ainda que envolvendo e adiantando alguns elementos teóricos.

260. Um acusar a presença de outro se processa de duas


maneiras: formalmente (conscientemente) e objetivamente (inconscientemente).
A intencionalidade no conhecimento propriamente dito, ou pleno e
desimpedido, flui conscientemente. Na obra de arte ocorre apenas
objetivamente.

Não sabendo a obra de arte de que ela está a dizer algo, não há a rigor um
termo intencional imanente, como conhecimento acabado, à maneira do que
ocorre no pensamento, que termina em uma expressão (espécie expressa).
Apenas um sujeito extrínseco poderá, por interpretação, completar a
conscientização da referência intencional que fisicamente existe naquela obra
sensível. Surge assim a intencionalidade interpretativa.

261. Quem exerce a função de intérprete da arte, assume a função


de sujeito desta expressão. Dali decorre haver também dois sujeitos na arte, o
inconsciente, que está na mesma obra, e o consciente, que se exerce
exteriormente, no intérprete.

É natural que assim seja, porquanto a intencionalidade se constitui sempre de


um conjunto: sujeito, intencionalidade, termo intencional. Ora, havendo uma
intencionalidade inconsciente, esta supõe um sujeito inconsciente, e ainda um
termo, para o qual objetivamente remete a atenção.

Paralelamente, a intencionalidade consciente, do sujeito-intérprete, se constitui


de novo de sujeito, intencionalidade e termo da referência intencional.

O sujeito intérprete admite a denominação de "sujeito moral". Opõe-se a sujeito


real. Verdadeiramente, o sujeito-intérprete não se situa como o sujeito real da
obra, mas apenas moralmente.

Com mais ênfase e redundância, admite-se: sujeito moral extrínseco.

Semelhante é o dizer: sujeito consciente extrínseco da arte.

262. É possível alargar o conceito de arte para toda e qualquer interpretação


extrínseca. Se pudéssemos interpretar extrinsecamente coisas espirituais (supra-
sensíveis), também nesta área haveria possibilidade de criação artística. O
essencial da arte é a intencionalidade objetiva, interpretável exteriormente.

Na presente situação antropológica, o homem pratica tão somente a


interpretação extrínseca de entes materiais. Por isso, lê nas obras de arte e não
lê nas consciências espirituais.
Se concebêssemos um homem capaz de ler no íntimo das coisas supra-sensíveis,
- tal como se diz das pessoas que lêem o pensamento de outros ou de Deus a
escrutar os pensamentos mais íntimos, - este homem exerceria a arte também
como portador espiritual.

O que ocorre no pensamento é uma impressão psíquica inicial. Esta se constitui


entitativamente. Em virtude de sua semelhança com o objeto, admite poder ser
interpretada exteriormente. Eis o que seria uma interpretação extrínseca do
pensamento.

Não há impossibilidade metafísica, no caso, nem mesmo para os seres


limitados. Nesta hipótese, aliás, fundamentam alguns teólogos a maneira de
conhecer dos anjos, entes imateriais em que eles acreditam. Eles teriam
condições para se comunicarem, interpretando uns os pensamento de outros.

Quanto a Deus, quando concebido como perfeito, somente assim exerce seu
conhecimento sobre o pensamento dos homens.

263. Teoricamente, poderíamos conceber uma arte, em que o ente portador da


intencionalidade objetiva, gozasse contudo também da consciência desta
intencionalidade. Então a arte, - ainda que lhe bastasse a intencionalidade
objetiva inconsciente, - altear-se-ia ao estado auto-consciente.

Na representação cênica, como no teatro, ocorrem alguns elementos de auto-


conscientização artística. Sabe efetivamente o ator, em sua super-arte, o que ele
expressa. Mas, não é essencial que o saiba, a fim de que ocorra a arte.

Os brutos, que por ventura participassem, não se conscientizariam dos objetos


cênicos; entretanto, encenam...

A captação fotográfica da ação cênica (para depois converter-se em fita de


cinema) é um caso muito específico, em que os atores (agora imagens coloridas
apenas), já não exercem consciência. Continua, entretanto, a expressão artística.
Para a arte somente interessa a expressão objetiva, que o apreciador interpreta
exteriormente.

Um processo de semi-conscientização ocorre nas representações de conjuntos.


O mestre cena, ou diretor, exerce consciência intrínseca dos movimentos e
ações; mas nem todos os objetivos estão igualmente conscientes nos atores e
bailarinos.

O mestre diante do coral ou da orquestra vive idêntica diversidade de


conscientização que os seus dirigidos. Contudo, sempre acontece a arte, porque
esta existe como expressão objetiva, dispensando a subjetiva. A obra em si
mesma pode ser inconsciente.

Na música a obra está nos sons; estes são inconscientes. A semi-


conscientização do maestro, cantores e instrumentistas é mediata, não
alcançando a mesma estrutura do som. Basta que este objetivamente soe aos
ouvidos, como quando tocado em reprodução pelo "disco" gravado, para que
realize as condições substanciais da arte.

264. O idealismo artístico (Croce) defende que a arte é a interpretação que se


dá à expressão objetiva inconsciente. Diz portanto o contrário do que
estabelece o fisicismo artístico até aqui estabelecido.

Com mais detalhe, a tese do idealismo artístico assevera, que a arte é a mesma
interpretação, seja do artista criador, seja do apreciador. Por conseguinte, a arte
não é a expressão objetiva inconsciente, mas:

- o que se encontra na mente do artista criador antes de a estabelecer como


expressão objetiva exterior;

- o que o que se repete na mente do apreciador da arte, em que a expressão


objetiva apenas serviu de veículo.

A oposição entre as duas teses é clara:

- uma (a que temos defendido) coloca a essência da arte na fisicidade da


expressão artística, sendependizada no resultado do fazer artístico, razão
porque neste sentido ela é um fisicismo artístico, porque a todo o tempo está
toda na obra;
- a outra põe esta essência na idéia do artista criador e na idéia do apreciador,
sendo por isso denominável idealismo artístico.

Ambas as posições aceitam tudo o que a outra estabelece, mas lhe imprimem
uma ótica inversa.

Para uma o principal se encontra na obra e a partir dela tudo se aprecia.

Para a outra, o importante está na mente, que secundariamente se ocupa ou se


estimula com a expressão exterior.

265. Historicamente, o idealismo artístico, na acepção de arte como


essencialmente colocada na mente, se verifica variadamente em diversos
filósofos, que ora a acentuam mais, ora menos, ora inadvertidamente.

Mais insistentemente ela foi a posição do já citado filósofo idealista italiano


Benedeto Croce (1866-1952).

Foi este idealismo retomado por seus seguidores em países diversos, por
exemplo, por Romano Galeffi (n. 1915), italiano transferido à cidade de
Salvador (Bahia, Brasil).

Em forma similar também se encontra a interpretação idealista da arte no


filósofo e historiador inglês Robin Georges Collingwood (1889 - 1947).

Para o idealismo artístico mencionado a obra exterior não seria pois a principal
em arte, mas aquilo que ocorre na inteligência , imaginação e sentimentos,
desde que tais situações resultam da obra artística.

A música cifrar-se-ia nas notas escritas, mas não estaria essencialmente nelas e
nem nos sons fisicamente considerados.

A literatura não seria em primeiro lugar o sistema de palavras de que se utiliza,


mas no que o sistema desperta no homem.
O artista, portanto, exerce a arte enquanto a expressa interiormente. E assim
também o apreciador, enquanto a recria interiormente. A cifra exterior seria
apenas o estímulo externo, quase como que uma fresta para o mundo interior da
arte verdadeira, ou como que um ponto de partida para chegar a ela. A arte,
como obra concluída mental, teria apenas uma materialização acessória na obra
física exterior.

266. Disse Benedeto Croce:

"A arte é visão ou intuição. O artista produz uma imagem ou fantasia; aquele
que aprecia a arte volta os olhos para o ponto que o artista lhe indicou, e
olhando pela fresta que ele lhe atribui, reproduz, em si mesmo, aquela imagem.

Intuição, visão, contemplação, imaginação, figuração representação, e assim


por diante são palavras que se tornam continuamente quase sinônimas quando
se discorre sobre a arte, levando todas elas nossa mente ao mesmo conceito ou
à mesma esfera de conceitos, indício de universal consenso" (Croce, Breviário
de Estética, I; ed. Port. Atena Editora, p. 15.).

"Como a arte o homem se encerra na vida teorética em uma ingênua e


maravilhosa contemplação da realidade, está nessa contemplação tão profunda
e se perde totalmente.

E, contemplando, cria as representações que contempla, e criando expressa, e


expressando cria: visão e expressão de visão é tudo mesmo: é a atividade
estética, a intuição - criação - expressão de imagens. Estas, portanto, não
preexistem à criação expressão, como objetos intuíveis belos e feitos com certa
propriedade determinada que os fazem intuíveis, senão que nascem em um só
parto com ela" (Croce, ibidem, 8).

A definição de arte de Croce é, portanto interiorizante:

"Ela nega, antes de tudo, que a arte seja um fato físico: por exemplo, certas
determinadas cores, certas determinadas formas de corpos, certos determinados
sons ou relações de sons, certos fenômenos de calor ou de eletricidade, em
suma, qualquer coisa que seja designada como física" (Croce, ibidem, 15).
267. Não se pode confundir a reinterpretação da expressão artística, com a
própria expressão artística, a qual efetivamente não passa de ser somente uma
expressão objetiva. Esta expressão objetiva já é por si só uma entidade própria,
de seu gênero (sui generis).

O mundo interior do artista e do apreciador são inegáveis, todavia não


se ;confundem com a mesma arte, enquanto com ela se ocupam. Depois de
criada a obra, esta contém algo de objetivo e em si mesmo suficiente para se
exercer como expressão, ainda que esta expressão seja meramente objetiva e
inconsciente.

Ela, a arte, não é apenas uma fisicidade absoluta; ela também é expressão
significante, com fundamento nas semelhanças realmente existentes entre a
obra e o tema expresso.

Mesmo quando o apreciador tende ao contexto, não pode senão admitir um


contexto à base da obra. A associatividade da poesia também principia na obra
e dela não se pode desprender.

Croce é infeliz ao rejeitar o aspecto físico da expressão, como se ela fosse


apenas fisicismo absoluto. À pergunta se a arte pode ser construída fisicamente
respondeu:

"Isso é certamente possível, e o fazemos na realidade sempre que, distraindo-


nos do sentido de uma poesia, renunciando ao prazer que nos proporciona,
pomo-nos, por exemplo a contar as palavras de que a poesia é composta e a
dividi-las em sílabas e letras, ou, abstraindo-nos do efeito estético de uma
estátua, medimo-la e pesamo-la: coisa utilíssima aos embaladores de estátuas,
como a primeira é útil aos tipógrafos que devem compor páginas de poesia;
mas inutilíssima para o contemplador e para o estudioso da arte, a quem não
agrada, ou não é lícito distrair-se de seu próprio objeto. Assim, nem mesmo
neste segundo significado a arte é um fato físico; isto é, quando nos propomos a
penetrar a sua natureza e o modo de atuar, nada nos vale construí-la
fisicamente" (Breviário de Estética, ibidem, p. 117.)

O artista, antes de criar a obra, tem uma idéia do que vai fazer. Esta idéia não é
ainda a obra de arte. Precisa que na mesma obra estabeleça algo que, por sua
virtude intrínseca, seja capaz de expressar a idéia exemplar tida na mente do
artista.
O contemplador da obra de arte deverá encontrar na mesma elementos
objetivos e que lhe possam fazer sugestões para uma interpretação. Estes
elementos deverão estar na obra. O que surgir na mente do contemplador não é
a arte, mas efeitos de sua interpretação.

§2 - Especificidade intelectual da interpretação artística.

0531y290.

291. A interpretação da obra de arte, - apesar do caráter sensível da expressão


situada em obra material, como cor, forma e som, - é um trabalho exercido pela
inteligência.

O que surge de dentro das palavras são pensamentos, tais como idéias, juízos,
raciocínios. Por exemplo, da palavra montanha surge a idéia de montanha e não
a visão sensível dela. Com as interpretações da inteligência poderão associar-se
os elementos sensíveis, mas sempre a partir da inteligência.

O mesmo acontece com as demais artes, seja da pintura e desenho, seja da


cultura e música. As interpretações nos conduzem primeiramente à imagens
mentais.

Isto de acentuar a prioridade da inteligência no plano da arte pode parecer um


tanto estupefaciente, pois a arte opera com estruturas sensíveis, tais como as
cores, os sons, as formas plásticas, os símbolos operados com elementos
sensíveis. Os sentidos são os primeiros a se darem conta da presença das obras
de arte. Mesmo os animais vêem as cores da pintura, tocam as estátuas, ouvem
a música e a linguagem do homem falante.

Mas, é a inteligência que, em um novo tempo, - todavia principal, -


compreenderá que as semelhanças destas qualidades sensíveis com outros
objetos, os significam. A semelhança, enquanto semelhança, só é entendida
pela inteligência, razão porque a arte se exerce essencialmente como processo
intelectual. Em consequência, a arte como arte, é inatingível pelos irracionais,
ainda que as toquem, vejam e ouçam.

292. A convenção, que se usa nos símbolos, especialmente nos da linguagem,


só é possível através da inteligência. Os sentidos apenas operam mediante
associação de imagens e não com semelhanças formalmente interpretadas.

Os signos linguísticos falam diretamente só à inteligência, pois foi através da


inteligência que os homens convencionaram que esta palavra significa isto,
aquela aquilo.

As convenções podem formar-se inadvertidamente, de tal sorte que as línguas


dos povos adquirem o caráter de espontâneas, em virtude do que passaram a ser
denominadas idiomas naturais. Todavia, a condição básica das mesmas é
sempre a convenção, dependente da inteligência dos indivíduos. As novas
gerações as aprendem, de novo aos poucos, palavra por palavra, num processo
que inicia na infância e entra no estado adulto adentro.

Tanto isso é verdade, que as convenções científicas podem criar terminologias


eruditas para a ciência, ou até mesmo planejar idiomas inteiramente novos, de
que a Língua Internacional Esperanto é um exemplo.

Para os animais conforme já adiantamos, a expressão significante da arte nada


efetivamente significa. As cabeças das estátuas dos heróis são apenas pontos de
pouso, para as aves.

É claro que os animais também reagem à obra de arte, porém materialmente. A


estátua é vista como um homem real inerte e não como expressão que adverte
intencionalisticamente para o homem. O ovo esculpido é chocado pela galinha
à maneira de verdadeiro ovo. Uma representação de frutas fictícias muito bem
trabalhada pode atrair os pássaros a bicá-las com vistas a comê-las. Um boneco
vestido para espantar passarinhos de uma plantação, somente o fará na medida
que puder ser isto como um homem a espantá-los.

Para o boi denominado "Barroso", chamá-lo por esse nome não passa de
intimá-lo por uma série de sons, que, para ele, não expressam o seu nome. Se
reagir, não fará senão por associação de imagens, que poderão lembrar seu
dono e os alimentos.
293. A poesia artística também depende de uma interpretação da inteligência. A
obra poética principia por indicar inteligentemente objetos estímulos, os quais
são postos em obra, seja de cores, seja de formas, seja de sons, seja de
equivalentes convencionais.

Concluída esta primeira etapa, os objetos passam a estimular as imagens


programadas. Neste segundo tempo, quando se desenvolve o processo sensível
evocativo das imagens, se completa a poesia.

Mas os animais, que não contam com o primeiro tempo, e portanto, não
chegam a exercer o segundo, não vivem a poesia criada pela arte.

A associatividade animal é direta, entre as imagens sensíveis mesmas, não


através de um objeto estimulado expresso materialmente em obra de arte. Esta
obra de arte não a conseguem interpretar, razão porque não os estimula.

Especialmente não a conseguem interpretar, quando a poesia opera por


equivalentes convencionais, como na linguagem.

294. A arte abstrata (vd 685) é eminentemente intelectual e encontra sua


possibilidade exatamente, porque a compreensão da arte é um trabalho da
inteligência.

Posta a infra-estrutura material da expressão, esta faz surgir, por efeito de


interpretação mental, idéias e não apenas imagens sensíveis. Tais idéias não
somente se exercem em torno de seres concretos, como animais, berros, árvores,
flores, pedras, mar e barulho das ondas.

O mundo interior e abstrato, como a justiça, a beleza, os valores, etc., também


encontram conotações nas semelhanças existentes. Por estas vias conseguem
ser expressas materialmente nas obras sensíveis da arte.

Na arte moderna tornou-se mais frequente o rompimento com as formas


naturais das coisas. Com isto pretende exatamente atingir novos temas, que, -
por não coincidirem com as superfícies naturais concretas,- têm de ser
expressas mediante semelhanças de outra natureza.

A interpretação mais profunda da inteligência como que acrescenta ao


cotidiano elementos novos. A estes o artista expressa em obra de arte, que a
mera fotografia não consegue. Seja o sapato da campesina, tão bem lembrado
por Martin Heidegger, ao referir-se a um quadro de Van Gogh:

"Que se passa aqui? Que se opera na obra?

O quadro de Van Gogh é o fazer-se patente o que é útil, o par de sapatos do


lavrador, em verdade é. Este sai ao estado de não ocultação de seu ser.

O estado de não ocultação dos entes é o que chamavam os gregos


de alétheia. Nós dizemos verdade...

Na obra de arte se pôs em operação a verdade do ente... A essência da arte seria,


pois, esta: o pôr-se em operação a verdade do ente.

Porém até agora a arte tinha que ver com o belo e a beleza e não com a
verdade" (Heidegger, Origem da Arte, p. 50 ed. Esp.F.C.E.).

Talvez Heidegger houvesse exagerado, porque também o belo e a beleza têm a


ver com a verdade. Mas é certo que a verdade não é somente a do belo e da
beleza. A temática da arte é universal, cultivando por conseguinte a todos
os gêneros artísticos (vd 671).

Importa à todas as verdades, e não somente as que são particularmente difíceis


à interpretação mental, como as que são mais abstratas. A temática da arte é
universal.

§3 - Teoria ideativa e não ideativa da arte.

0531y297.

298. Se a arte exprime objetos, ou se exprime o pensamento sobre os objetos.


Pergunta-se a, respeito da intencionalidade da obra de arte, a que ela conduz
por primeiro, - se à coisa concreta? Ou se à idéia de tal coisa concreta?
Com mais detalhe, duas são as posições sobre o que significa a expressão
artística, no que se refere ao que se encontra na sua intencionalidade:

- ou, como quer a teoria ideativa da arte, a expressão artística faz atender aos
objetos de outra expressão, a mental (e então seria expressão de expressão),
fazendo portanto atender primeiramente às idéias, juízos e raciocínios, que por
sua encaminharia a pensar no objeto concreto,

- ou, como quer a teoria não ideativa da arte, a expressão artística faz atender
aos mesmos objetos concretos, como eles ocorrem na natureza.

Atribui-se ao filósofo inglês John Locke ( 1632-1714) a teoria ideativa da


linguagem, segundo a qual esta expressaria as idéias e não as coisas em sua
realidade concreta.

Poder-se-ia acreditar que a teoria ideativa valha apenas para a arte que opera
mediante convenção, tal como acontece principalmente com a linguagem. Cada
idéia, cada juízo, cada raciocínio seriam expressos na linguagem tais como eles
fluem no pensamento.

Sem dúvida que também na linguagem a expressão é objetiva, em si mesma


inconsciente. Ela somente funciona exteriormente pela interpretação de quem
ouve falar e conhece a convenção.

Mas, precisamente porque se trata de uma convenção, esta tem a peculiaridade


de ligar à expressão as idéias, juízos e raciocínios. Pelo código, a língua exclui
o que não deve ser expresso, exprime o que está em vista. Mas, excluir, já é
fazer arte...

Não se refere a convenção ao todo concreto, como ele se encontra na realidade.

299. Apesar das aparências, nem as artes plásticas, nem a música, nem mesmo
a língua são expressão material da expressão mental.

A semelhança artística é objetiva; é a cor utilizada pela arte da pintura, que se


assemelha com a outra cor, a do objeto pintado. Assim também é a forma da
escultura que se assemelha com a outra forma, a do objeto esculpido; é o som
da música, que se assemelha com aquilo musicalmente se deseja exprimir; é o
equivalente convencionado que se torna equivalente dos respectivos objetos
referidos pela linguagem.

Esta objetividade da intencionalidade da arte faz com que a expressão seja um


direcionamento para o objeto assemelhado exterior. Por mais diversas que
sejam as expressões (materiais e mentais) todas sempre se dirigem para o
objeto exterior, e não para a idéia que a mente tenha dele. Não é pois a
expressão artística uma expressão de outra expressão, mas expressão
simplesmente de um objeto efetivo.

O que se pode fazer é transpor uma expressão para a outra, ou seja


transcodificar, traduzir. Isto muda apenas a espécie de expressão mas não o
objeto. Em vez de esculpir, pintar. Em vez de pintar, dizer com uma palavra.

Assim também, em vez de pensar, dizer; em vez de pensar, pintar; em vez de


pensar, gesticular.

Transpor uma expressão para outra, não é, pois, o mesmo que expressar outra
expressão. A arte pode transpor (traduzir, transcodificar ) a expressão mental,
sem que seja uma expressão da expressão mental como queria Locke.

300. A capacidade de se aproximar do objeto varia de expressão para expressão.

A mimese convencional com que opera a língua consegue estabelecer


equivalentes com efeito analítico mais profundo no atingimento do objeto,
alcançando-o sob as faces concreta e abstrata, conceptual, judicativa e
raciocinativa.

Esta capacidade representa uma paralelismo considerável da língua com o


pensamento, sem todavia ser expressão direta deste.

A mimese natural ocorre nas demais artes - na pintura, escultura, música -, que,
por causa deste caráter natural da mimese, representam o objeto como existe na
sua realidade concreta.

O intérprete conceitua, julga e raciocina a respeito do objeto expresso, sem que


estas operações mentais venham expressas distintamente na obra de arte, como
ao contrário acontece com a linguagem falada, cuja capacidade maior se deve à
formação dos equivalentes convencionais..
Há, pois, um esforço maior da mente do intérprete ao se colocar diante de uma
obra de arte de mimese natural.

De outra parte, porém, a mimese natural dispõe de um poder intuitivo


considerável, quando se trata de expressar coisas concretas mais próximas ao
seu recurso de expressão. É que então a obra de arte melhor se assemelha ao
objeto expresso.

Neste caso a pintura é quase como o objeto pintado. A escultura também é


quase como o objeto esculpido. Até mesmo a música onomatopaica muito se
aproxima do objeto indicado.

Apenas ocorrem dificuldades quando os sujeitos indicados não são diretamente


atingíveis pela mimese natural.

Então a indicação se processa por meio de analogias e sugestões. Ainda assim a


analogia por mimese natural, como em alguns gêneros de arte abstrata, mantém
ainda um grande poder de expressão.

A linguagem por equivalentes convencionais somente passa a ter vantagens nas


abstrações mais peculiares, como aquelas que envolvem juízes e raciocínios,
bem como conceituações metafísicas e valores morais.

§4 - A repetição e reinterpretação da expressão originária.

0531y303.

304. A arte quando opera com material em movimento desaparece com o cessar
da ação. Também desaparece a arte quando utiliza expedientes frágeis ou subtis
como os sons.
Este fato cria algumas dificuldades, pois a permanência ou estabilidade é
importante. Por isso importa criar expedientes de permanência da expressão
artística, de que os mais conhecidos são a repetição e a reinterpretação.

A técnica cuida de aperfeiçoar os rendimentos destes expedientes de


permanência e estabilidade.

305. A repetição pura e simples do processo artístico de expressão, eis o


mais comum dos expedientes de conservação da arte quando opera com
movimentos e materiais frágeis. Ela requer alguma habilidade e memória.

Com a repetição, o indivíduo faz retornar o seu discurso. O que os homens


geralmente fazem muito espontaneamente é falar. Com o falar repetem as
expressões.

A orquestra volta a tocar e o cantor a entoar. É uma simples repetição, se tudo


está na memória (ainda sem notação e sem escrita).

Os pintores podem também repintar o mesmo quadro. O escultor a reesculpir a


mesma estátua. Já se vê que isto envolve muito trabalho e problemas técnicos.

306. Técnicas de repetição. A inventividade procura melhorar a técnica dos


expedientes de simples repetição.

O disco com agulha foi primeiro importante recurso de repetição para música e
a palavra.

Depois vieram os expedientes fotográficos para consolidar e repetir a cor. O


cinema reproduz a imagem e o movimento.

Mas foram sobretudo os aparatos eletrônicos que passaram a reproduzir a


linguagem, a música, a cor e as formas visuais. Tudo isto tornou o mundo de
hoje uma deslumbrante maravilha de cores e sons, comparado com o que era há
um milênio, quando a escuridão era a mortalha da noite e o silêncio pairava
mesmo de dia sobre uma terra não muito habitada.
307. Escrita e notação. Mais complexo é expediente de repetição da arte pelo
uso da mesma arte. Os primeiros exemplos foram a escrita para a linguagem e
a notação para a música.

A escrita expressa flexão sonora da palavra falada, a notação, o som como


melodia.

Acontece então uma sequência de interpretações, de acordo com o que


acontece em toda a arte: na escrita se interpreta primeiramente a expressão da
flexão sonora havida, depois se interpreta qual a idéia que dita flexão sonora
representa como palavra; na notação se interpreta primeiramente qual o som
que as notas exprimem, depois se interpreta a mensagem musical desses sons.

308. Define-se, por vezes a escrita e a notação como uma arte da


arte. ou símbolo de um símbolo. Ou expressão de uma outra expressão.

Ainda se diz que a arte anterior é arte-objeto, por que objeto da arte seguinte.

Ocorrem duas criações, servindo a segunda à primeira, indo a atenção principal


finalmente para a primeira. Todavia não se alcança a primeira senão através da
segunda.

Todavia é impróprio dizer arte da arte. Com propriedade se


diz transposição de uma arte para outra arte. É o mesmo que dizer
transcodificação de um código a outro código. Ou tradução de uma língua para
outra língua. Igualmente a arte é uma transposição da expressão mental para
uma expressão material; ela não expressa o que exprime a mente, mas o
transpõe. Verdadeiramente, o que se expressa é o objeto. Todas as expressões
expressam o mesmo objeto, não se expressam umas às outras.
Há espécies de expressão, como a notação musical que somente se destinam à
transposição. Todavia nesta transposição não perdem seu caráter de serem
expressão ao mesmo nível específico em virtude da qual qualquer expressão é
expressão. Transposição, tradução, transcodificação constituem apenas
alterações nos portadores da expressão, porque não alteram o objeto expresso.

Não ocorre qualitativamente uma criação nova da primeira expressão. Ela se


repete apenas numericamente como os exemplares de um livro que se
multiplica. Nestas condições uma partitura musical, por exemplo de Verdi, tem
a intenção apenas de simbolizar os sons do primeiro exemplar criado por Verdi.

309. Interpretação. Já se percebe a importância da interpretação da segunda


expressão, ou seja, do símbolo gráfico e da notação musical, para garantir a
exata recriação da primeira.

A interpretação é difícil, exatamente por se tratar de símbolos, pois a


equivalência destes com o objeto significado se determina por prévia
convenção. Valem, todavia, as leis gerais da interpretação da arte. Sempre
inconsciente, a conscientização da intencionalidade objetiva da arte, depende
de quem a aprecia ou cria.

A reinterpretação consiste pois na volta perfeita da primeira arte. A segunda


arte é a coisa a faltar da primeira. Este objetivo se conscientiza na mente do
reinterpretador.

Dada a função da "arte da arte", - ou seja da escrita musical, da escrita literária,


- requer-se a segurança da reinterpretação; aqui já estamos a nos referir a uma
propriedade da arte. Ainda que não seja de sua essência, esta propriedade se
enfatiza especialmente na "arte da arte".
Na música, a reinterpretação se mostra eminentemente difícil. As notas escritas
são lidas como símbolos dos sons; estes, na sua imprecisão, se mostram
arredios, de sorte que apenas os músicos aptos conseguem uma boa
reinterpretação.

Mais espontânea é a representação da linguagem escrita, - reprodução a que se


chama leitura. Trocam-se símbolos gráficos, por símbolos sonoros, os quais,
por sua vez, exprimem os conteúdos da expressão. O aprendizado permite
universalmente a todos os indivíduos normais uma alfabetização tal, que
possam reinterpretar o pensamento escrito, mediante uma leitura adequada.

§5 - Faces objetiva e subjetiva da expressão e do tema.

0531y311.

312. A circunstância de ser o homem o intérprete extrínseco da


intencionalidade artística reparte o tema em duas faces, a objetiva e a subjetiva.

Da face objetiva da obra de arte desde muito viemos cuidando.


Fundamentalmente, a expressão artística, como algo sensível concreto e que
está ali de fronte, na obra de arte, exerce uma relação objetiva com o tema
expresso; coisas materiais, objetivamente se relacionam.

313. A face subjetiva não está na mesma obra de arte. Ela se encontra no artista
e no apreciador.

O homem como apreciador e intérprete da obra sensível da arte, ao atender ao


objeto, ou tema, para o qual a obra remete a atenção, precisa conhecer
previamente aquele objeto. Não apenas conhece a relação entre a obra de arte e
o seu respectivo objeto para o qual aponta a intencionalidade. Necessita
conhecer previamente este outro objeto para o qual aponta a intencionalidade,
como se disse.
Deste objeto formula conceitos, juízos e raciocínios. Não se entende a arte sem
se saber algo anteriormente sobre o objeto ao qual ela exprime. É que a
compreensão da arte depende de perceber a relação entre o significante e o
significado.

A obra fala objetivamente do seu objeto; eis o que o homem intérprete descobre
dentro da obra material da arte.

Por sua vez, ao se dirigir ao objeto, para o qual a obra objetivamente remete, a
este exterior o intérprete apreende também com conceitos, juízos e raciocínios.

De certo modo, portanto, o termo extrínseco da intencionalidade artística está


de duas maneiras pelo lado de fora da expressão:

- objetivamente, como um objeto simplesmente da arte;

- subjetivamente, como um objeto do pensamento.

A obra de arte não depende das condições subjetivas do apreciador, mas este
não consegue ser apreciador, sem que sua mente conheça previamente aquele
objeto..

§6 - Aprendizado para saber ver e ouvir.

0531y316.

317. Considerando que a expressão artística não se cria sem ser por imitação do
tema, o artista precisa conhecer os detalhes do tema para criar a respectiva
expressão. Precis, pois, aprender a ver e aprender a ouvir, como também
aprender os equivalentes convencionais da linguagem.
Na arte figurativa e visual isto se representa logo muito claro ao desenhista.
Não há nada que se não consiga desenhar, desde que se saiba ver.

A criança, que só vê algumas perspectivas, apenas desenha a estas. No homem,


vê principalmente cabeça e pernas, e por isso as desenha desproporcionalmente
maiores que ao corpo.

Inversamente, quem tudo vê, com os detalhes das proporções, desenha com
exatidão.

Situado o bom desenhista diante de uma casa, busca saber se a casa é mais alta
que larga; depois de conhecida esta relação, já possui um ponto de partida. Mas,
quem não é capaz de perceber esta relação, poderá desenhar mais largo, o que
de fato é mais estreito.

Acontece assim que a arte plástica principia com um saber ver; equivale a
dizer, saber ver o tema; visto este, o artista consegue reproduzi-lo.

318. O mesmo acontece com a música. É preciso primeiramente saber ouvir, o


que se pretende reproduzir em som musical..

Não poderia o músico repetir o som do cuco, sem antes saber exatamente que
som emite.

Geralmente, as pessoas são incapazes de ouvir todas as relações sonoras e por


isso são incompetentes para reproduzir sons. Mais fácil é reproduzir as relações
visuais. No todo, porém, não sabem nem uma e nem outra coisa; apenas o
exercício os fará ver e ouvir, cada vez melhor; os que melhor o conseguem,
alcançam ser artistas, ou ao menos ser apreciadores de música superior.

319. O que na arte figurativa, reprodutora de objetos concretos, já se apresenta


difícil, o é ainda mais na abstrata.

Agora se trata de ver e ouvir analogias. Quem percebe analogias entre a linha
reta e o infinito, consegue prontamente desenhar a reta e com isto expressar sua
idéia de infinitude.

Igualmente, quem anota no curvilíneo uma relação com o gracioso e feminino,


consegue expressar estas sugestões com tais linhas. O mesmo se diga da arte
abstrata mediante sons.
Todos podemos ser artistas, basta saber ver e ouvir. À medida que
aperfeiçoamos estas qualidades, progredimos na capacidade de nos expressar
artisticamente. O motivo desta situação se encontra nas relações entre tema e
expressão, devendo um, - o tema, - ser reproduzido pela outra, - a expressão.

A concepção do artista não é senão aquilo que ele viu e ouviu do tema, quer
seja este concreto, quer abstrato.

ART. 4o

A ARTE PELAS SUAS PROPRIEDADES.

0531y322.

323. Introdução. Que é uma propriedade? Não é a propriedade a mesma


natureza da coisa, e sim uma decorrência formal dela. Por exemplo, decorre da
natureza da arte, enquanto exprime seu objeto mediante semelhança, que esta
expressão seja verdadeira, evidente, certa.

Formal, no sentido de decorrência da natureza, significa o mesmo


que essencial. Por sua vez, neste caso, se diz essencial, o que deriva
diretamente da essência.

Além disto, o formal, ou essencial, não se desliga da natureza, da qual decorre


e na qual permanece como sua perfeição.

Uma coisa é a soma de sua natureza e de suas propriedades.

Distingue-se entre efeito formal (vd 190), como propriedade, e efeito na ordem
da causa eficiente.
A propriedade, como efeito formal, não se separa de sua causa formal. O efeito
na ordem da coisa eficiente, se separa, como a fumaça, distinta do fogo, que
por este foi causada.

As propriedades fazem conhecer a respectiva causa formal, ou essência, porque


ordinariamente melhor conhecemos as propriedades, do que aquilo de onde
derivam.

Também pelos efeitos na ordem da causa eficiente conhecemos esta causa ou


essência; todavia agora o conhecimento já não se processa tão adequado. Por
exemplo, melhor conhecemos ao homem pela sua racionalidade, do que pelas
suas obras. Conhecemos a Deus melhor pelas suas propriedades de ser infinito
e eterno, do que pela sua criação.

Advertimos também para o cuidado de não confundir a propriedade com a


mesma natureza que lhe serve de causa formal. Acontece isto quando, por
exemplo, inadvertidamente se define a arte como sendo essencialmente
comunicação.

A essência da arte é ser expressão; esta já se supõe, para que possa converter-se
em comunicação. Definir algo pela indicação de suas propriedades constitui
apenas uma definição descritiva, que nos ajuda a reconhecê-las, mas que ainda
não é sua essência ou natureza profunda.

324. Classificação das propriedades. Importam algumas cautelas com a


classificação das propriedades.

Na arte ocorrem ao menos dois elementos fundamentais postos em sistema:


o significante (ou portador) e o significado (ou expressão). A qual destes
componentes da arte se hão de referir as propriedades da arte?

A ambos; todavia a um deles em primeiro lugar, a saber do significado, pois é o


significado que imprime à arte sua especificidade.
São propriamente artísticas, somente as propriedades que decorrem do
significado (ou expressão). Eis as propriedades artísticas do significado:

- propriedades gnosiológicas (evidência, verdade, certeza do significado);

- propriedades psicológicas (esteticidade, ludicidade, cartase).

- propriedades úteis (notoriamente a comunicação, de que a expressão é capaz);

As propriedades pré-artísticas são as que se dizem do portador material (ou


seja, do significante). São, portanto, propriedades pré-artísticas aquelas que o
som, a cor, a forma plástica, possuem já antes de serem aproveitadas pela arte.

Com anterioridade sobre a expressão artística, já ocorrem propriedades na


matéria aproveitada como portadora do significado. Neste instante absoluto,
independente do significado, a matéria apresenta propriedades apreciáveis e de
toda a espécie; sendo embora apenas pré-artísticas (portanto não artísticas ) são
no entanto muito apreciadas. Podem até encontrar-se na intenção do criador da
obra de arte.

Combinando as propriedades artísticas e pré-artísticas a arte se apresenta assim


mais valiosa. Por exemplo, o bronze da escultura contém propriedades que por
si mesmas já sugerem eternidade e seriedade, o mesmo acontece com o
mármore, aliando um tanto a sensualidade. O efeito de uma estátua de areia,
construída na praia, não é o mesmo que o de uma em bronze ou em mármore.

Assim também há propriedades psicodinâmicas nas cores, que não passam por
despercebidas do artista e do consumidor da arte.

Acontece isto notoriamente na música, em que em que os sons costuma ser


apreciados pela sua esteticidade pré-artística, as vezes mais do que pelo
conteúdo expresso.

A linguagem, operando embora sua expressão por meio de equivalentes


convencionais, também agrada pré-artisticamente, por obra da colocação
adequada das tônicas e rimas.

325. Didaticamente, importa começar a exposição detalhada pelas propriedades


artísticas (com destaque, as gnosiológicas, seguindo pelas psicológicas e úteis)
para concluir com as propriedades pré-artísticas. Dali decorre o seguinte
esquema de parágrafos:

- propriedades gnosiológicas da arte (evidência, verdade, certeza da expressão)


(vd 327);

- propriedades psicológicas da arte (esteticidade, catarse, ludicidade,


organização mental) (vd 355);

- funções úteis da arte (em especial a comunicação) (vd 378).

- propriedades pré-artísticas (vd 391).

Num tratado de filosofia da arte deverão as propriedades ser


examinadas racionalmente, como é peculiar à filosofia. Importa advertir
sobretudo quando para a derivação das propriedade como sendo de efeito
formal.

Também as ciências positivas da arte poderão mencionar as propriedades da


arte, todavia através de relações extrínsecas de resultado; elas não se ocupam
da relação de causa formal que ocorre entre natureza e seus efeitos formais, as
propriedades.

§1. Propriedades gnosiológicas da arte


(evidência, verdade, certeza da expressão).

0531y327.

328. Por natureza, o aspecto gnosiológico, - quer do conhecimento, quer da arte,


- é de difícil tratamento e por isso a sua abordagem importa em bastante
repetividade.

Vamos percorrer o assunto, seguindo por 4 itens:


- introdução às propriedades gnosiológicas da arte (vd 330),

- a evidência da expressão artística (vd 336),

- verdade da arte (vd 342).

- certeza na arte (vd 350).

I - Introdução às propriedades gnosiológicas da arte.

0531y330.

331. O gnosiológico, do grego gnósis (= conhecimento), diz respeito


ao conteúdo temático em si mesmo da expressão, o qual deve ser perfeitamente
atingido no que informa.

Dita informação deverá ser perfeita, porquanto a informação, como conteúdo


conhecido, é a finalidade última da expressão. Deve a expressão informar
com evidência e não com obscuridade; com verdade e não falsidade;
com certeza e não com dubiedade.

Esta exigência gnosiológica da expressão perfeita importa em primeiro lugar no


conhecimento como se dá na mente.

A gnosiologia é importante parte inicial da metafísica, em que o objetivo é


determinar qual o efetivo conteúdo do conhecimento realizado. É a metafísica a
única ciência que tem de provar seu próprio objeto. Aquilo que ela provar,
institui-se como tema sobre o qual prossegue a investigação.

Concluída, pois, a tarefa gnosiológica,- e suponhamos que o resultado tenha


sido o de que existe algum ser, - passa a metafísica ao estudo do ser em si
mesmo, em uma sequência denominada ontologia.
Com referência à arte, como portadora de um conhecimento, repete-se a mesma
pergunta gnosiológica, - se há evidência, verdade, certeza em sua expressão em
obra sensível. O contrário seria a inevidência, o erro, a dúvida.

Suponhamos concluída a tarefa gnosiológica da arte, - e suponhamos; que o


resultado tenha sido o de que a arte efetivamente exprime algo, - passa o
apreciador a considerar o ser em si mesmo, daquilo, de que recebeu a
informação. Neste novo tempo, o apreciador já não discute a sua arte, mas a
informação em si mesma. Eis a ontologia da arte, que já está muito além
daquilo que antes discutíamos gnosiologicamente.

332. A perfeição artística se processa, na medida em que os instrumentos de


expressão (a semelhança e a conotação) se ajustam ao objeto, ao qual a
expressão tem por objetivo indicar.

A semelhança admite graus, e que provocam o fenômeno da maior ou menor


aproximação da expressão com o tema expresso.

Se a expressão se criar sem a perfeição requerida, - por excedência de


elementos ou por ausência, - ela não terá condições para indicar o tema
adequadamente. Em decorrência aquela obra de arte expressará com carência
de evidência, verdade e certeza, ficando próxima da inevidência, do erro, da
dúvida. Seu apreciador ficará desconsertado, porque os elementos encontrados
na expressão artística advertem a sua atenção deficientemente ou até com
desvios.

Considerações subtis distinguem entre evidência, verdade e certeza.

A evidência da expressão se diz sobretudo do objeto, enquanto este se mostra


na na mesma expressão.

A verdade da expressão considera este mesmo objeto expresso, comparando-o


com o objeto exterior indicado; então, se a proporção entre os dois tipos de
objeto for exata, dir-se-á que a expressão é verdadeira.

A certeza, finalmente, resulta do estado de segurança criada


no sujeito apreciador, em decorrência das propriedades anteriores.
333. A aproximação entre a expressão do objeto e o objeto exterior à expressão
se torna mais fácil ou mais difícil, se entre um e outro ocorrem muitas ou
poucas semelhanças.

Se o portador (ou significante) é muito diferente do que deverá expressar,


diminui a possibilidade de criar uma expressão (ou significado), que chegue a
ser uma representação notoriamente evidente, verdadeira, certa do tema.

As disparidades entre os recursos da obra artística e o tema a ser expresso


ocorrem por motivos os mais diversos, entre os quais principalmente a
disparidade de categoria de ser do material usado pela arte e do objeto a ser
expresso.

As categorias de ser se distanciam entre si de maneira excludente. Cada


categoria é estanque em relação à outra. Substância é categoria em que nada se
diz da quantidade. Por sua vez, em quantidade nada se diz da qualidade. E
assim por diante, em qualidade nada se diz da relação. Em relação nada se
refere do tempo. O tempo nada diz do lugar, e assim por diante.

As categorias sempre se colocam lado a lado, sem se incluírem, do ponto de


vista meramente categorial.

Mas, podem incluir-se através das noções transcendentais, como de ser,


unidade, coisa, verdade, valor, etc.

As categorias, não sendo a rigor semelhantes do ponto de vista meramente


categorial, não há como fazer que umas expressem às outras.

Por exemplo, a cor nada tem a dizer diretamente do som. Consequentemente, a


pintura (cor) não tem como com precisão expressar um tema sonoro;
inversamente, a música (som) não tem como propriedade expressar um tema
colorido. A cor não possui sonoridade, por exemplo, para expressar o
bimbalhar pecuciente do sino; vice-versa, o som não possui colorido, por
exemplo, para expressar a aurora de cinco dedos como foi descrita por Homero.

Apenas através de analogias, efeitos, conotações as categorias distintas de


qualidades sensíveis (cor, som, formas) conseguem expressar umas às outras.

Distanciam-se consideravelmente entre si sobretudo os materiais portadores de


expressão e os temas abstratos. A obra de arte se apresenta sempre como algo
concreto, por conseguinte muito distanciado do aspecto isolado pela abstração e
convertido em tema de expressão.

334. O contexto e a associatividade são recursos supletivos, que vão servir


de expedientes para superar as limitações operacionais da semelhança, ou
mimese, com que fundamentalmente opera a arte.

O contexto opera com a lógica interna dos objetos. As partes se reclamam umas
às outras. No caso do objeto abstrato resta mesmo alguma semelhança com as
outras partes. Afinal tudo é ser.

Cabe ao artista encontrar um expediente, no contexto, com o qual indica estar


isolando aquele aspecto abstrato.

Na arte da linguagem a convenção o artista o consegue com alguma facilidade,


porque a convenção liga as palavras aos objetos ao mesmo tempo que
diferenciados pelas idéias.

Nas artes por mimese natural é mais difícil isolar o aspecto abstrato; mas se
consegue por displicência dos demais. Por isso, a arte abstrata costuma operar
por meio de deformação ou ênfase. Deforma, porque omite algo; enfatiza,
porque insiste no aspecto eleito para expressão.

Quanto à associação de imagens, ela é um dos grandes recursos da arte, não


somente para criar novos espaços para a criação artística, especialmente da
poesia (vd), como ainda para ajustá-la às propriedades gnosiológicas da
evidência, verdade e certeza.

Contudo, a associatividade admite graus de segurança neste ajustamento das


três referidas propriedades gnosiológicas.

As evocações por semelhança e contraste não se operam por igual com todos
os objetos, em vista da variedade das semelhanças e contrastes.

Quanto à evocação por vivência, também ela se apresenta insegura, porque não
ocorre a mesma vivência em todos os indivíduos.
II - A evidência da expressão artística.

0531y336.

337. Situar-se diante de uma obra de arte e não ter como descobrir o que ela
efetivamente expressa constitui um problema de evidência.

Devendo expressar um tema, a boa arte deve conter elementos suficientes, que
possam despertar um rumo para a atenção do apreciador e lhe facultar descobrir
o seu significado.

Importa a evidência, porque sem ela a obra de arte fica reduzida ao estado
como se ela não fosse tal.

A evidência se diz da expressão, - voltamos a definir, - enquanto nela surge o


objeto como notícia.

Para compreender exaustivamente esta definição, se deve levar em conta que


há dois objetos;

- aquele que está expresso e aquele que antecede à expressão:

- primeiro é o objeto instituído como notícia e que o artista criou na mesma


expressão;

- o segundo é aquele que existe exteriormente, na coisa concreta (não importa


que coisa exterior seja, qualquer seja o modo como ela exista).

Para que haja evidência na expressão artística, importa que o primeiro, o objeto
expresso, possua a condição de indicar intencionalisticamente o objeto exterior.

Na medida que o fizer, será uma expressão evidente.


338. Outros nomes de evidência. São propriedades equivalentes às de
evidência, ainda que com nuanças, as que
dizem clareza, distinção, nitidez, esplendor, brilho, fulgor, apodicticidade.

Estas características são mais enfáticas. Por isso funcionam como adjetivação.
Dali falarmos em evidência clara, evidência distinta, evidência nítida e assim
por diante, sem que ocorra tautologia e redundância.

Evidência (do latim evidentia ), composição de ex ( = fora, para fora)


e videre (= ver). Já no latim a letra x desaparece antes de v.

Conota o prefixo e- a noção ver bem. Além disto, passou evidência ao uso
do ver mental, porque a vista é o sentido mais capaz no ser humano.

Clareza, se refere à evidência em absoluto; indica alto brilho, tendo como


contrário a obscuridade.

Curiosamente claro se dizia originariamente do som. Esta acepção etimológica


ainda resta em termos como clamar, reclamar, conclamar. Por
desenvolvimento semântico passou-se de som claro para luz clara, finalmente
para idéia clara, expressão clara.

Distinção se refere à evidência em relativo; significa separação, de sorte a não


fazer confusão com os demais objetos.

Dali resulta que a perfeita evidência é a que apresenta


com clareza e distinção. A evidência clara e distinta, - sem obscuridade e
confusão, - constitui o objetivo final de toda a expressão, cujo objeto fica
representado adequadamente para apreciação do observador.

Já dizia Aristóteles: "a qualidade basilar da elocução poética consiste na


clareza" (Poética, 22, 1).

339. Obtém-se a evidência do objeto expresso, na medida que a expressão


reproduz o objeto exterior, imitando-o, ou ainda o apontando pelo recurso ao
contexto e associação de imagens.

A perfeição destas articulações já lembra a propriedade da verdade, de que


também importa tratar com muita atenção. Realizada meticulosamente a
verdade entre a expressão e a coisa expressa, a evidência reluz, deixando
perceber cristalinamente a notícia. Idéias, juízos, raciocínios sobre o objeto,
quando bem reproduzidos na obra de arte, a revestem de vigorosa significação.

A linguagem quando dotada de clareza e distinção, se exerce com


funcionalidade, veiculando os temas sem obscuridade e sem confusão.
Expressa com evidência, sem dúvida e sem dubiedades.

A música, enquanto indica uma intenção temática, se diferencia da mera


sonoridade.

Sem esta evidência de objeto, a música não surge ao ouvido como arte (em
sentido estrito), mas se ocupa tão só em criar sentimentos pré-artísticos,
resultantes do som material sem conter significados.

A pintura e a escultura, na proporção que ajustam as cores e as formas plásticas


com os objetos aos quais expressa, se tornam representações evidentes, claras e
distintas.

340. Na medida que ocorrer uma falta dos ajustes entre a expressão e os objetos
que se propõe significar, a expressão se dilui e obscurece. Desaparecida toda a
evidência, cessa a arte, porque nada mais se exprime.

De outra parte, na medida que as semelhanças se fazem, se aclara o objeto.

A arte abstrata, em virtude de lhe faltarem os recursos de expressão adequada


nas qualidades sensíveis, é, por isso mesmo, de menor evidência. Um quê de
difícil, obscuro e confuso, há em todas as manifestações abstratas e
transcendentais, por causa de deficiências impossíveis de superar em tal tipo de
expressão artística.

O grande artista possui idéias maiores do que os recursos de que dispõe para
expressar; fica insatisfeito ao término do seu trabalho, por verificar que nele
nem tudo ficou com evidência, clareza e distinção.

Os apreciadores, ao contemplarem e apreciarem as obras de arte de grande


temática, lutam penosamente contra a dubiedade, obscuridade e confusão;
apegam-se a toda espécie de contexto para completarem com o contexto e a
associatividade as carências que sabem haver certamente nas obras de arte,
mesmo dos melhores artistas.

III - A verdade da arte.

0531y342.

343. A verdade como proporção. Na arte a verdade é a proporção entre o


signo e a coisa significada. O mesmo ocorre na expressão mental, onde "a
verdade é a adequação da coisa e do intelecto", conforme diz Isaac Israeli (c.
851-c.950), citado por Tomás de Aquino (De veritate, Q.1, a 1.).

O contrário é o erro, que consiste ter posto na expressão um objeto diferente


daquele do qual se diz ser ele a expressão. Diz-se também falsidade.

Importa à expressão ser verdadeira. O esforço do artista se concentra em


transmitir à obra a mensagem que lhe atribui.

Há uma diferença entre a falta de expressão e a falsa expressão.

Não há expressão, quando algo simplesmente nada significa; algo não é arte se
lhe falta capacidade de expressar um tema.

Falsa arte é a que, na intenção artística, deveria significar algo determinado e o


expressa diferentemente. Desta sorte, a falsa arte engana ao artista e ao
apreciador. Mas chega a ser arte, ainda que falsa, porque precisou ser expressão
para chegar a enganar.

344. Firmeza, ajuste, ênfase da expressão artística. A verdade, como


qualidade, oferece graus, em virtude da qual a expressão se diz ter firmeza,
ajuste, ênfase. Poderá ser mais, ou menos firme. Mais, menos ajustada. Mais,
ou menos enfática.
O grau mais alto da verdade da expressão artística é obviamente difícil. O
artista luta na sua obtenção, tateando em aproximar-se gradativamente. Com
o esboço provisório, com o estudo das partes, progressivamente se aproxima
da melhor expressão.

A obra de arte, ao expressar o tema com firme ajuste, faz irromper a mensagem
decididamente de seu interior. Este grau de perfeição a torna brilhante e
cristalina, sem mistérios.

O exercício aperfeiçoa a verdade atingida pela expressão. Ao parecer atingida


uma forma definitiva, mais uma vez o artista caprichoso testa o que fez, tendo
ainda emendá-la, e já não o conseguindo, a dá por definitiva.

O que é qualidade sempre admite graus; há sempre um grau mais alto,


enquanto não for alcançado o maximamente perfeito.

Num esforço infindo o bom artista vai sempre a novas maneiras de expressão,
porque, apesar de tudo, são muitos graus que a mesma qualidade oferece como
bons, até porque variam as circunstâncias, os objetivos e os gostos.

345. A proporção reclamada pela verdade, bem como seus graus de firmeza,
ajuste e ênfase, requerem uma dimensão exata. Esta consideração sob o ponto
de vista da qualidade dá à expressão a qualidade da precisão.

Seu contrário é a imprecisão. Esta se dá, ou por ausência de elementos capazes


de exercer a expressão; ou por excedência de elementos estranhos.

A ausência dos elementos que possam expressar o tema torna a expressão


frouxa, oscilante, incapaz.

É freqüente a falta de precisão do pequeno artista. Este não só se ocupa de


mediocridades temáticas, mas qualquer tema que aborde, não o faz senão
imprecisamente, sem a expressão adequada. Importa ao pequeno artista que se
exercite.
346. A tumultuante excedência procede por acumulação desnecessária de
expressões, que se repetem para o mesmo tema. É uma redundância.

Contudo, a redundância pode ter motivação didática. A repetição, sobretudo


em temas difíceis, é o caminho comumente eleito pelo didata.

Similar à redundância é o excesso de temas. O excesso pode levar a atenção do


apreciador para o secundário. Não obstante o excessivo, tratado adequadamente,
equivale ao exaustivo, uma boa qualidade sobretudo da pesquisa.

Numa descrição literária os episódios inúteis e os floreios tumultuam o quadro;


o uso excedido de orações explicativas, por meio de pronomes relativos, resulta
neste meio efeito redundante.

Numa composição pictórica, o grande número de objetos e animais ou pessoas


impede a advertência para o principal. Entretanto, se estes mesmos elementos
se concentrarem dinamicamente para o tema principal, a expressão cresce em
energia, porque já então diminuem em sua individualidade, em favor do todo.

Conclui-se, pois, que a verdade na expressão artística é sempre a proporção


entre a referida expressão e o objeto significado, importando levar esta
correlação à firmeza, ajuste e ênfase, evitando a imprecisão das ausências e das
excedências tumultuantes.

É preciso fugir sempre da inverdade da expressão, para a representação perfeita.

"Fuyes de ces auteurs d’abondance stérile,

et ne vous charges point d’un detail inutile.

Tout ce qu’on dit de trop est fade et rebutant.

Qui ne sait se borner ne sut jamais écrire"

(Boileu, Art poétique, p. 27).

A verdade da expressão importa ainda no atendimento à ordem interna da coisa


expressa. Dali resulta a presença da unidade na verdade. Efetivamente,
composição que reúne várias partes ou elementos, deve reuni-los de sorte a
cooperarem no objetivo do todo. É a unidade, ou a coesão, ou o equilíbrio.
347. A margem para a interpretação subjetiva do apreciador. Há sempre
uma pequena margem livre entre no ajuste entre a expressão e o tema.

Jamais alguém adatará com perfeição suas próprias mãos aos objetos. O
problema ocorre também com a arte. A articulação perfeita é impossível.

Polissemia é o fenômeno pelo qual a mesma expressão artística é notícia de


vários objetos mais ou menos iguais, em virtude das imprecisões do ajuste com
o tema. Ocorre, então, a margem livre para a interpretação subjetiva do
apreciador.

Ela, a polissemia, é conhecida com este nome sobretudo na linguagem. Mas


acontece em todas as artes, pintura, escultura, música, quando seus significados
se abrem como um leque de possibilidades.

Ao artista resta apenas prevenir-se contra as direções menos desejáveis. O


pintor deve conseguir, por exemplo, que a lua não se confunda com um tambor
pintado. Que as nuvens não se confundam com o fogo. Que o macaco não
passe a representar o homem idiota extravagante e vice-versa.

No caso da expressão operada mediante código de sinais equivalentes, - de que


a língua é o exemplo mais comum, - há possibilidade de melhoria do próprio
código, ou mesmo de um novo código, sempre com as melhores regras.

Este é o caso do Esperanto, que, em virtude do seu planejamento, em muito


supera as línguas folclóricas, resultantes do saber popular. Em consequência
diminui a polissemia e a imprecisão.

348. Contexto, sintaxe. Dentre os recursos finais para a complementação no


ajuste, que se deverá estabelecer entre expressão e assunto expresso, estão o
contexto, em alguns casos a sintaxe.
Define-se o contexto como o todo em que se situa um texto menor, no plano da
linguagem. Por ampliação semântica, contexto se diz da relação das partes em
uma estrutura qualquer.

Neste sentido amplo, as artes não literárias obedecem a um contexto, que então
significa a circunstância em que se encontram seus objetos expressos.

Conhece-se como sintaxe a determinação de um sentido contextual a partir de


uma unidade locucional.

Um termo polissêmico perde sua condição de múltipla significação, ao se


estruturar em certo lugar da frase.

A mesma palavra, dentro de determinada frase e depois em outra, indica


significados diversos, por vezes até opostos por equivocidade. Exemplos:

A barata é um animal.

A flor é barata.

A conversa barata.

Eis colocações contextuais diferentes, em que a mesma palavra consegue fazer-


se compreender corretamente.

O contexto é subjetivo quando depende das circunstâncias em que se situa o


artista.

Pode acontecer que um diplomata, falando com insegurança a língua inglesa


declare haverem morrido em certa oportunidade mais de mil turcos, quando na
verdade o acontecimento dizia respeito à morte de mil perus...

Também podem não ter igual sentido figuras deixadas pelo homem antigo, e
que também são criadas pelo homem de hoje.

Para o reconhecimento do contexto subjetivo importa a biografia dos autores da


arte e a história de seu grupo ou povo. Tal se requer sobretudo para as artes
quando apelam à associatividade, sobretudo a poesia, e em especial a música.
Dando-se a maior parte das associações por vivência e não sendo estas iguais
nas pessoas, o contexto circunstancial se torna necessário.

Sem o contexto, não haverá mais como interpretar muitas manifestações do


homem pré-histórico. O mesmo parece haver acontecido com algumas peças de
arte antiga, em especial da arte de tendência simbolista, como a asteca e egípcia.

Quando o contexto das interpretações polivalentes se perde em definitivo, - a


certeza ou verdade artística se compromete definitivamente também.

IV - Certeza na arte.

0531y350.

351. A certeza, como estado de segurança decorrente da evidência, é altamente


apreciável, como estágio definitivo a que deve chegar a notícia contida na
expressão. O contrário da certeza é a dúvida, como o contrário da verdade,
como se disse, é a falsidade.

Ocorre a certeza, como propriedade, tanto no conhecimento mental, como no


da arte.

A certeza do conhecimento é a primeira que nos interessa.

A da arte, todavia, nos importa muito também. Ela é o único caminho de


comunicação de uma inteligência para outra. Se a expressão artística, - palavra,
pintura, escultura, música, - não se exercessem com a propriedade da certeza,
estaríamos sob a ameaça constante da mentira e do engano.
Nada de especial temos a dizer da certeza, senão mostrar que ela decorre como
efeito formal, das propriedades da evidência e da verdade. Pela evidência se
conhece a verdade.

Agora, pela evidência, revelando a verdade, se chega finalmente à certeza,


como estado decorrente, que nos dá a segurança do conhecimento e da arte.

352. Critério da certeza é aquilo que nos leva a ter certeza.

Dá-se como primeiro de todos os critérios da certeza é a evidência. Portanto,


verificado a evidência, gera-se a certeza. Neste sentido a evidência é o critério
da certeza

A relação entre a evidência e a certeza é a causa formal e o efeito formal; isto


quer dizer que subsistem ao mesmo tempo, sem se separarem. Desaparecida a
evidência desaparece a certeza.

À medida que cresce a evidência, reforça-se a certeza. Dali a declaração de


Descartes, de que a evidência clara e distinta é o critério da certeza.

obra de arte. Como expressão noticiante do tema, é certa quando com


evidência clara e distinta o anuncia.

Há também critérios extrínsecos e complementares. Entre eles se cita o


critério pragmático, que diz:

- O que funciona é verdadeiro e certo.

Se o que a linguagem nos informa é levado à prática, e não funciona, aquilo


não é certo. Se uma composição musical não consegue os efeitos esperados,
houve seguramente algum defeito na comunicação, - deverá imagina o seu
compositor.

Os critérios pragmáticos, - os mais diversos, - são muito utilizados e conferem


com os melhores resultados.
Não obstante importa uma certa sabedoria no uso dos critérios pragmáticos,
não devendo ser usados em círculo limitado, e sim globalmente. O roubo pode
resolver um caso particular, todavia não globalmente, porquanto a sociedade se
tornaria impossível.

353. A evidência, a verdade, e a certeza dependem da capacidade de interpretar


a relação entre a expressão e o referente.

Ora, estas propriedades gnosiológicas da arte se verificam como fato e análise.

Logo, a evidência, a verdade e a certeza são propriedades gnosiológicas da arte.


É o que a filosofia geral da arte mostra diretamente, portanto
fenomenologicamente, sem necessidade de ir à argumentação demonstrativa.

§2. Propriedades psicológicas da arte


(esteticidade, catarse, ludicidade).

0531y355.

356. As propriedades psicológicas da arte importam sobretudo pelos efeitos que


exercem sobre o comportamento do indivíduo. Notam-se principalmente:

- esteticidade da arte (vd 357),

- catarse da arte (vd 365),

- ludicidade da arte (vd 369),

- a arte como organizadora da mente (vd 373).


I - Esteticidade da arte.

0531y357.

358. A esteticidade é um sentimento de satisfação provocado pelo


conhecimento quando considerado como um bem. Resolver, por exemplo, um
simples problema da matemática resulta em prazer, e que é de natureza estética,
em vista de haver sido provocado por um conhecimento. Neste mesmo plano
do conhecimento também a arte gera esteticidade, a qual nos propomos
examinar agora a partir de diferentes perspectivas.

Conhecimentos sensíveis são um bem, para faculdades sensíveis; seu agrado


estético é sensível também.

Conhecimentos intelectuais são um bem para a faculdade da inteligência; seu


agrado estético é, por sua vez, racional.

O belo e a expressão artística são atingíveis somente pela interpretação mental


e por conseguinte se constituem objeto apenas de sentimento estético superior.

Diferencia-se o sentimento estético diante dos demais sentimentos


denomináveis sentimentos comuns, em vista de serem estes últimos produzidos
pelos objetos comuns e não pelos artísticos e belos.

359. A esteticidade do significado e do significante. A esteticidade da arte


pode ocorrer em dois níveis:

- no da expressão (ou significado), onde se encontra a esteticidade


propriamente artística;

-no do portador da expressão artística (ou significante), onde se encontra a


esteticidade pré-artística.

Ambas as esteticidades são apreciáveis propriedades da arte; mas é preciso


distingui-las claramente.
Que é, pois, a esteticidade artística?

E o que é a esteticidade pré-artística?

A primeira espécie de esteticidade, a propriamente artística, resulta da


informação contida na expressão.

Esta informação proveniente da arte é sempre intelectual, porque somente a


inteligência consegue interpretar o que a arte nos diz.

Consequentemente, a esteticidade propriamente artística é sempre de ordem


superior, situada no plano do sentimento racional. Este é o plano da vontade, ou
impulso racional, e não o do instinto, ou impulso sensível.

A segunda espécie de esteticidade, a pré-artística, decorre do portador material


da expressão artística. Deriva do significante (ou portador) e não do significado
(ou conteúdo expresso).

As formas da escultura, antes mesmo de serem portadoras da expressão, podem


exercer-se como belas.

O mesmo pode acontecer com as cores da pintura e os sons da música,


apreciáveis esteticamente já no momento pré-artístico.

A esteticidade pré-artística situa-se a nível racional quando se trata do belo.


Efetivamente, o belo, como perfeição em destaque, somente é reconhecível
pela inteligência, a qual utiliza o ajuizamento para apreender esta condição das
coisas belas.

Situa-se o sentimento pré-artístico também a nível sensível; então se trata


apenas do agrado dos materiais utilizados (sons, cores, formas plásticas),
enquanto afetam também aos sentidos. Somente por este lado as cores, formas,
sons da música e palavras podem agradar aos animais.

360. Em decorrência, o estudo do sentimento estético ultrapassa ao círculo da


arte, como é fácil de compreender. A visão de qualquer coisa e a audição de
quaisquer sons também resulta em sentimento estético.
E assim também o saber científico e filosófico produzem prazer estético, apesar
de apenas expressões mentais.

O belo, por ser um objeto eminente, é marcadamente estético. Diante disto, a


estética, como estudo, não se identifica necessariamente com a filosofia da arte,
onde a esteticidade se apresenta como uma propriedade desta, ainda que
também ocorra mais vastamente em outros campos.

361. Esteticidade e conhecimento. Não é a esteticidade um sentimento


comum. Ela está essencialmente ligada ao conhecimento. Note-se que o
conhecer agrada.

O grau de esteticidade depende diretamente do volume de objeto conhecido. O


objeto grande produz mais esteticidade que o pequeno. Segue também que a
grande arte é mais estética. Um dos requisitos da arte bem exercida é, aliás, esta
capacidade de provocar maior esteticidade.

Os objetos abstratos, que a arte formal oferece, apesar de seu intelectualismo,


também são capazes de provocar sentimento estético.

Assemelha-se a esteticidade da arte abstrata à esteticidade dos objetos


científicos, tais como os da matemática ou da filosofia. É notório, que a súbita
solução de problemas matemáticos, filosóficos, sobretudo transcendentais,
despertam grande satisfação.

Sempre que as ciências produzem conhecimentos, por mais diversos que estes
sejam, resultam em esteticidade.

Varia o grau de esteticidade da arte, conforme o objeto que apresenta. O mais


perfeito, sobretudo o perfeito em destaque, a saber o belo, são mais estéticos,
que os objetos menos menos perfeitos, menos destacados, menos belos.

E assim também os variados objetos poderão divergir pela sua força de


esteticidade. O mesmo objeto, com mais volume de ser, mais impressiona, que
o menor. Grandeza e mediocridade podem ser da mesma espécie, mas não em
seu efeito estético.
362. A esteticidade e a espécie de arte. Varia o comportamento da
esteticidade conforme a espécie de arte, ora utilizando material auditivo, ora
visual, ora do sensível comum.

Considerando que os sentimentos inferiores apresentam aspectos mais


vivamente estéticos que os superiores, porque se manifestam com mais
violência, ao passo que os superiores se destacam pelo maior número de
detalhes, mas que oferecem com serenidade, infere-se que as artes da vista (de
maiores detalhes e serenos) se apresentam menos estéticos que as artes do
ouvido (sentido inferior em relação à vista).

Reagimos com fraca insistência às coisas visualmente feias. Mas repelimos


fortemente aos sons dissonantes. Assim como também somos tocados menos
intensivamente pelas coisas belas visuais, do que pelos sons agradáveis; estes
prontamente nos raptam e cativam.

Com esta teoria também esclarece, porque a música é a mais estética entre
todas as artes. Sumamente agradável, a música é a mais agradável das
expressões artísticas. "Mais agradável, que a música, só mesmo o silêncio"
(Dante Veoleci).

363. O dramático é bastante estético, porque de situações ilógicas na


sequência da ação, segue para a solução lógica final.

Assim acontece na arte cênica, a qual depois de toda a intriga, parte para uma
solução.

Igualmente, na música, importa sempre um final conclusivo, encerrando a


dramaticidade das sequências soltas.
II - Catarse da arte.

0531y365.

366. Há uma dinâmica interna dos estados psíquicos, em virtude da qual o ser
humano desenrola um crescendo de tendências, que finalmente encontra seu
desfecho numa expressão exterior. Esta expressão exterior é um fenômeno
artístico, pois diz algo, seja em palavras, seja em pintura, seja em escultura,
seja em música.

Assim sendo, a arte assume a propriedade psicológica da cartase (palavra de


origem grega, que significa purificação).

Liga-se cartarse à área do conhecimento, tal como já acontecia com a


esteticidade. Por isso a catarse é propriedade típica da arte.

Efetivamente a arte outra coisa não é, do que expressão de algo. Neste caso, ela
é sobretudo a expressão exterior dos estados psíquicos, que desta forma se
descarregam.

Aliás, é notório que certos grandes artistas fazem sobretudo isto, - expressar o
seu interior, que em alguns é tumultuado, em outros é sublime.

Quando um objeto estimula as faculdades do conhecimento, começando pelos


sentidos externos, excita-se toda uma cadeia de ações, numa sequência
espontânea e ininterrompível, que só encontra repouso após completar-se toda a
referida sequência. O atingimento do final resulta em um estado de alma, com o
caráter de satisfação pela obra acabada. Eis o que é a catarse, no que tem de
mais geral.

366. Advertimo-nos para a catarse principalmente quando a tensão tem


aspectos de angústia, sofrimento, dor. É na verdade quando mais precisamos
dela.

A dor, o sofrimento, a angústia quando se expressam resultam em alívio.


Especialmente ocorre esta catarse quando a expressão ainda se converte em
comunicação, participada a outrem.
367. A poesia literária é a espécie de expressão em que mais frequentemente se
desabafam os artistas. Na verdade a dor, o sofrimento, a angústia e outros
sentimentos se exprimem com associatividade de imagens, por isso melhor do
que pela expressão meramente racional da prosa.

Não se ocupa o poeta necessariamente com lamúrias. Todavia esta forma de


artistas chorões é mais frequente no campo da poesia, do que no da prosa. O
fato obriga aos leitores mais objetivos a se afastar das obras de poesia, ou
selecioná-las para ter algo mais positivo. Mas também há os que as procuram,
porque nelas espelham a própria alma e se consolam.

III - Ludicidade da arte.

0531y369.

370. A ludicidade, - ou diversão, distração, lazer, ocupação, - do


latim ludus (= jogo, brinquedo), - é a propriedade decorrente de ações, cuja
pratica resulta em estados emotivos agradáveis simplesmente em decorrência
desta prática. Ainda que sugira as mais diversas conotações do jogo, ludicidade
passou a significar prazer do movimento. É agradável andar.

Em princípio todo o agir contém a ludicidade, e assim também a arte é


agradável pelo simples fato de ser praticada. Portanto, costuma ser agradável o
falar, o cantar, o tocar música, o pintar, o esculpir. Também é agradável
consumir a arte, interpretando-a, até mesmo tão só escutando a quem fala.

Exprimir é, pois, uma atividade, que, pelo seu simples exercício, agrada.
Permanecer parado, sem ação, é um não viver. A ludicidade é este exercício
constante da ação pela ação, do fazer pelo fazer, do movimento pelo
movimento, que se dá no jogo, aparentemente sem finalidade definida. Nesta
acepção particular, não é sem sentido a prática da arte pela arte.
371. Agradável diversão. É inegável que a arte é um frequente passatempo, de
que sobretudo são prova os programas divertidos do teatro e da televisão. Mas
também pode acontecer o mesmo com a leitura e a arte em geral.

Por vias diversas a arte contribui para a diversão. Ainda que a arte seja
essencialmente expressão, é sobretudo através de sua utilidade
como comunicação, que ela atinge os resultados da diversão.

A arte comunica curiosidades e enredos agradáveis, como acontece em


anedotas, contos, novelas, romances.

A comunicação que diverte se pratica sobretudo através da palavra. É a palavra


bem trabalhada um grande instrumento de diversão e distração.

Pratica-se, pois, a arte com a notória intenção de divertir e distrair. Divertem-se


muitos com os espetáculos cênicos. Distraem-se outros com a leitura.
Divertem-se e distraem-se todos com qualquer arte.

IV - A arte como organizadora da mente.

0531y373.

374. A expressão em obra de arte empresta segurança, estabilidade e ordem à


mente. Um contraste ocorre entre expressão mental e a expressão artística, no
que se refere à ordem.

O pensamento é fulminante como o lampejar dos relâmpagos, com o máximo


de luz em instantes mínimos.

A expressão da arte desdobra esta condensação e coloca os elementos em


sucessões lógicas espacializadas e temporalizadas. A organização mental é,
pois, um dos grandes préstimos da arte.
Constituída com materiais concretos, a arte obriga ao pensamento a uma ordem
que não era a sua. As oscilações da mente se firmam em palavras, que se
guardam na memória ou sobre o papel. A todo o momento, a volta da mente
aos signos anteriores, repete e reordena os temas pensados. O pensamento
passa a ter a ordem das páginas sequenciadas, dos capítulos, dos artigos, dos
parágrafos, das linhas, das palavras...

Os livros e as bibliotecas constituem fantástica maravilha, que somente a


propriedade ordenadora da arte explicam.

375. Sobretudo a linguagem é uma arte ordenadora, porque ela cria as


expressões dos objetos, subordinando-os ao sistema ideativo.

Embora a arte seja a expressão dos objetos (vd 297) e não das operações
mentais, estas influenciam o que se conhece dos referidos objetos. Assim
acontece que os equivalentes vocabulares correspondem às idéias, que por sua
vez permitem criar as frases na mesma ordem dos juízos e dos raciocínios.

Nas artes por mimese natural (pintura, escultura, música) não acontece tão
estreitamente tal ligação com as expressões mentais. Estas outras artes
representam naturalisticamente ao objeto, ainda que muito deixem por conta do
contexto, a ser interpretado pela mente.

A linguagem falada goza da vantagem de estarem as cordas vocais intimamente


associadas com o cérebro. Um mínimo de estímulo coloca em função imenso
aparato de imagens colhidas no subconsciente. Apesar das numerosas técnicas
modernas de comunicação, a linguagem falada e escrita não é substituível por
nenhuma outra expressão no que se refere à propriedade da organização mental.

Todas as artes organizam, mas a linguagem é a que mais consegue. Em


decorrência, a redação de texto é um procedimento a que sempre hão de dar
valor os mestres de educação.

Não é portanto, sem razão que os mestres mais sábios reclamam do declínio
havido na linguagem da juventude moderna de alguns setores. Os candidatos
deveriam ingressar na universidade somente depois que demonstrassem boa
ordem mental em testes de linguagem.

Por causa da importância da linguagem no desenvolvimento e ordenamento


mental, importa ainda atribuir importância às línguas planificadas. Melhor
língua, melhores condições para a arte como fator de organização mental!
§3. Funções úteis da arte
(em especial a comunicação).

0531y378.

379. Como nome, comunicação deriva de comum, ou comunidade, e lembra a


inter-relação entre as pessoas.

No caso da comunicação, a participação que se exerce é a de expressão


significadora, que de uma pessoa passa à outra.

Aquilo que se comunica já preexiste à própria comunicação. A preexistência da


arte é uma pressuposição e torna possível às pessoas comunicar-se.

Mensagem, do latim míttere (= enviar ) é conceito relacionado com o de


comunicação. Indica o conteúdo enviado através da comunicação estabelecida.

380. A comunicação como serviço da arte. O maior serviço prestado ao


homem pela arte é a comunicação. Este serviço é realizado principalmente pela
linguagem.

Ainda que seduza pela apreciável satisfação estética, a arte é procurada


sobretudo pelo serviço que oferece à comunicação entre os homens.

Sendo expressão em significante sensível, a arte pode ser criada por uns e
apreciada por outros que a interpretam. Em decorrência, a arte se torna
instrumento ou técnica de comunicação entre os artistas, - todos somos artistas,
pelo menos da palavra.
Todo aquele que emite uma palavra é artista; quem a ouve é o interprete, que
recebe com isso a comunicação. O mesmo acontece com quem pinta ou esculpe
ou canta; este é o artista, ao passo que aquele que atende ao que foi pintado,
esculpido ou cantado, recebe a comunicação. Com a inversão, ocorre o diálogo.

Eis, pois, claro, haver uma propriedade da arte, denominada comunicação, e


que, além de simples comunicação, pode ainda desenvolver sua forma
de diálogo.

É preciso insistir que, antes de se exercer como instrumento de comunicação, a


arte já precisava existir como expressão sígnica. Esquecemos esta distinção por
causa do destaque da comunicação, e denominamos a arte pela sua mais
frequente utilização, em vez de denominá-la pela sua essência, a expressão.

381. Definem a arte como comunicação, mas não claramente, filósofos de


variada procedência, e que por inadvertência não destacam sua essencialidade
como expressão.

"A arte é um dos meios de que dispõe os homens para comunicar-se entre si...
Por meio da palavra o homem transmite ao próximo seus pensamentos: por
meio da arte, lhe transmite seus sentimentos e suas emoções... A arte não é um
prazer, senão um meio de união entre os homens" (Leon Tolstói).

"Todas as atividades inteligentes do homem, não importa se expressas na


ciência, belas artes, ou relações sociais, têm por sua tarefa a conversão de
conexões causais, relações de sucessão, em uma conexão de consequência
intencionada, em uma significação (into a connection of means-consequence,
into meanings). Quando a tarefa houver sido terminada, o resultado é a arte"
(John Dewey).
382. O signo como comunicação foi estudado especialmente, por outro
pragmatista, Charles Morris. Para ele há um signo quando o indivíduo, em
virtude da presença deste objeto (signo), entra a levar em consideração um
outro objeto (o designado). Este tomar em consideração se denomina
comportamento; não é ainda uma simples interpretação de assemelhado que
acusa o seu semelhante conforme a doutrina da mimese.

E então, define Charles Morris: "A mais efetiva caracterização do signo é a


seguinte: S é signo de D para I, na medida em que I toma consciência de D, em
virtude da presença de S".

383. Os elementos constitutivos da comunicação se apresentam em número


de quatro:

- transmissor ou artista;

- receptor ou intérprete;

- signo ou significante;

- mensagem ou significação.

384. Novas condições se reduzem a estas, sobretudo ao receptor, o qual


concentra em si ser a finalidade da comunicação.

Somente assim se pode entender a Lasswell, quando enunciou as questões:

- quem?

- diz o que?

- através de que meio?

- com que finalidade?


Todavia tais acréscimos, ainda que não digam respeito à essência do processo
de comunicação, são requeridos para a sua efetividade ou sucesso.
Efetivamente, só há comunicação se existem pelo menos duas pessoas:

- uma capaz de gerar o signo,

- outra capaz de interpretá-lo.

No caso do diálogo, ambas as pessoas devem saber gerar o signo e interpretá-lo.


Consequentemente, supõe a comunicação duas pessoa diante do mesmo signo,
ambas a interpretá-lo, uma como transmissora, e outra como receptora,
entendendo a expressão e a mensagem contida.

No caso da expressão mediante equivalentes convencionais, estes precisam ser


previamente conhecidos de ambos os lados, - do transmissor e do receptor. De
novo se constata que a comunicação implica em algo mais do que o essencial
da expressão.

385. A comunicação requer a relação dinâmica entre dois, - o gerador do signo


e o receptor.

Não basta a simples compreensão expressional do signo, para haver


comunicação. A simples compreensão do signo é o instante essencial da arte
como expressão.

Acrescenta-se ao signo a intenção instrumental do sujeito transmissor; o signo


começa por possuir significado por si só; acrescenta-se a intenção de convertê-
lo em intermediário colocado entre o transmissor e o receptor.

Já se vê que o estudo da comunicação difere do estudo da arte simplesmente


como expressão.

A comunicação examina a relação dinâmica entre transmissor e receptor,


enquanto estes dois utilizam a expressão artística como instrumento de
comunicação.
386. A prova da arte como comunicação envolve dois momentos: a arte
como comunicação; e estas como propriedade da arte.

Os dois momentos se apresentam bastante óbvios, importando apenas nos


advertir deles corretamente como propriedade e não como essência da arte.

Mostram os fatos que efetivamente, mediante os signos da arte, exercemos a


comunicação.

Quando produzimos uma obra material com a vontade deliberada de


estabelecer comunicação, esta obra tem primeiramente o caráter de expressão.
Sabemos quando ela não comunica e para que comunique procuramos inserir
nela a expressão significadora.

Sem primeiro criar sinais semânticos, não tentamos a comunicação. Assim


praticamos a linguagem, a música, a escultura em todas as suas formas
prosaicas. Fora dos signos não tentamos a comunicação, até porque muito cedo
constatamos que fora deles a comunicação deixa de acontecer e que dentro
deles é tanto mais eficiente quanto mais expressividade ocorrer.

A análise das condições da arte mostra, e especialmente, mais uma vez que ela
pode servir para instrumento de comunicação. Como signo sensível, a obra de
arte fica ao alcance de quem possui sentidos para perceber.

Criado o signo, em cores ou formas plásticas, em sons ou símbolos, não fica


fechado sobre si mesmo. Transfere a mensagem do artista para o apreciador.
Passa a haver transmissor e receptor, de sorte a se estabelecer a comunicação.

387. Também se prova que a comunicação é apenas uma propriedade da


expressão. Sem ser sua essência, ela contudo decorre dela necessariamente,
como é peculiar à uma propriedade. Sem ser signo expressional, a comunicação
é impossível. De outra parte, ocorrendo o signo, decorre necessariamente a
comunicação.
Isto se mostra bastante evidente nos signos convencionais, como os da
linguagem. Posta a convenção, resulta a comunicação.

Se não houver conhecimento prévio da convenção, o signo portador da


expressão não se faz conhecer como tal. Soam, então, as palavras sem que se
façam entender, apesar de haver transmissor e receptor em expectativa.

Nas artes que operam com as semelhanças naturais, como na pintura e na


escultura, importa que ocorra a prévia semelhança entre o signo e o objeto
significado, a fim de que a comunicação se exerça. Portanto, a comunicação,
em sendo posterior, é apenas uma propriedade, e não a essência da expressão
artística.

Nas artes abstratas esta semelhança é mais vaga e por isso nem sempre se
reconhece no primeiro intuito. Isto sempre prova que a expressão é o centro da
arte e é pressuposto como essência. O restante, como a comunicabilidade e a
esteticidade, resta apenas como propriedade.

Acontece o mesmo com a associatividade. Ao ser aproveitada como recurso da


arte, não é a sua essência, porque pressupõe igualmente à expressão. A
associação se exerce entre imagens; ora as imagens são signos... É prova de que
sempre a comunicação pressupões a expressão.

A psicologia pragmatista, ao explicar a linguagem como um comportamento


associativo, não pode, por conseguinte, evadir-se de admitir a prioridade da
expressão como pré-requisito de qualquer modelo de comunicação.

388. Comunicação menor e maior. A expressão sígnica sem a comunicação é


tendência de certos momentos, em que o indivíduo fala sozinho, ou cria música
simplesmente para se expressar. O mesmo lhe sucede na mente, quando pensa
simplesmente por pensar, sem a intenção de transformar o conhecimento em
mensagem a comunicar.
Há artes, como a música, em que a comunicação é intenção muito menor que as
exercidas por outras. Operando apenas com dinâmica dos sons e sua
associatividade, não tem a música como imitar os objetos adequadamente. E
por isso se limita à expressão de vagos sentimentos e à dinâmica estética do
ritmo. Desta sorte é uma arte própria para a expressão pura, sem maiores
pretensões de comunicação. Sobretudo não pretende o diálogo.

A linguagem, operando mediante convenções, goza da vantagem de poder


atribuir a cada articulação ou grupo de articulação significados diferentes.
Desta sorte cria um sistema de significações bastante precisas e versáteis.

Em decorrência, instrumentaliza-se a linguagem falada para ser a mais apta


dentre as artes para a comunicação dialogada.

A catarse, que começa como um instante de expressão pura, completa-se com a


comunicação. O diálogo intensifica o efeito da catarse. Fundamentalmente,
porém, a catarse requer apenas a expressão pura.

§4. Propriedades pré-artísticas da arte.

0531y391.

392. Propriedades que os materiais impõem e podem ser adequadamento


tratadas pelo artista.

Antes de ser constituída como expressão, a obra de arte já era material, como
pedra, mármore, tinta, som, etc. Em tal condição é possível tratar o material,
escolhendo-o em função de uma série de propriedades pré-artísticas, anteriores
às propriedades propriamente artísticas a lhes sobrevirem com a expressão de
que vão ser portadoras.

Ao havermos tratado das propriedades artísticas propriamente ditas, vez por


outra fizemos alusão também às pré-artísticas.
Estes elementos pré-artísticos não somente se impõem pelo fato mesmo que os
materiais sempre os contêm, mas ainda podem ser motivo de escolha destes
mesmos materiais, cuja utilidade também acontece.

A arquitetura e os objetos industriais, inclusive aviões e navios, são realidades,


não artísticas, a cujo acabamento final pode acrescentar-se a expressão artística.
Sobretudo nestes casos o pré-artístico é de forte representatividade, por ser
dominante.

393. A melhoria técnica dos materiais. Há materiais que simplesmente se


escolhem, como o escultor, que ora elege o mármore, ora o bronze. Ou como
quando elege entre uma pedra mais adequada que outra.

Mas há aqueles materiais que podem ser aperfeiçoados e industrialmente


desenvolvidos. Este é bem o caso das tintas e de todos os recursos eletrônicos.
Os estilos de construção variaram muito em funções aos novos materiais de
construção. O cimento e o ferro em muito alteraram o modo de construir e as
simbolizações dos edifícios.

A linguagem na voz sonora de um bem falante é melhor que a de um rouco


palrador. Por isso, se selecionam os locutores de rádio e televisão, para atender
às preferências do público.

Na música tem-se feito progressos notórios com a criação de instrumentos, de


que o violino foi um dos mais notáveis.

O homem primitivo quase somente conseguia modulações com sua mesma voz,
ao passo que seus instrumentos eram apenas de percussão. Os povos menos
desenvolvidos de hoje ainda podem estar dominados pela expressividade da
percussão, ainda que aperfeiçoada.

Mais recentemente a eletrônica abriu um novo leque de recursos, tanto para a


criação do som, como para retransmissão, seja do presente para o futuro (pela
gravação) seja para a distância (onde se reproduzem instantaneamente).
Na pintura, por falta de técnicas capazes de conservação, perdeu-se
praticamente toda a produção da antiguidade clássica.

Neste campo artístico os primeiros grandes progressos ocorreram com os


quadro a óleo.

Mas foi sobretudo com a criação da imagem fotográfica, cinematográfica,


televisionada que a arte mediante cor fez seu grande sucesso.

Em tudo isto estão as propriedades pré-artísticas da arte. Não se dizem


diretamente da arte, mas de seu portador, ou significante.

CAP. 2

A ARTE COMO UM SIGNIFICANTE. 0531y396.

- Filosofia Geral da Arte -

397. Introdução. Atentos à arte como um todo, no qual os componentes são


o significado, de que já tratamos (cap. 1-o) (vd 72), e o significante, ou matéria
portadora, passamos agora ao tratamento deste outro componente (cap. 2-o).

Não é a matéria, enquanto substância, que gera a expressão artística; mas é


gerada através de uma de suas determinações denominada qualidade, sobretudo
a qualidade sensível da cor, da forma, do som.

Didaticamente é viável a seguinte sequência de artigos:

- as qualidades sensíveis, com vistas à arte (art.1-o) (vd 0531y399);

- as propriedades das qualidades sensíveis, em especial da propriedade de terem


semelhança (art.2-o) (vd 0531y435).

Complementa-se o estudo da matéria portadora da expressão artística com uma


análise sobre:
- o movimento e o ritmo na arte (art. 3-o) (vd 0531y479);

- aliança das artes (art. 4-o) (vd 0531y509),

- alcance temático das artes a partir da matéria geradora (Art. 5-o) (vd 0531y533).

ART. 1o

AS QUALIDADES SENSÍVEIS COM VISTAS

À ARTE E SUA CLASSIFICAÇÃO MATERIAL.

0531y399.

400. Introdução às qualidades sensíveis, - consideradas aqui como matéria


portadora, - se prestam para a criação da obra de arte. O mesmo préstimo não
ocorre com as demais determinações da matéria.

Passamos agora a examinar este fenômeno, pelo qual as qualidades sensíveis


são capazes de ser portadoras da expressão artística.

Em princípio, o estudo das qualidades é tema da metafísica e da filosofia


natural; aqui o assunto é retomado enquanto interessa à filosofia da arte.

Por ordem, tratamos o assunto em dois parágrafos:

- definição da qualidade, em especial da sensível (vd 402);

- classificação das artes a partir das classes de qualidades. (vd 412).


§1- Definição da qualidade, em especial da sensível.

0531y402.

402. A qualidade como categoria suprema de ser. Dividido o ser em suas


diferentes determinações, e ordenadas estas sucessivamente em gêneros mais
gerais, vai-se chegar a gêneros supremos irredutíveis, chamadas também
categorias de ser.

As categorias supremas de ser, como determinações irredutíveis entre si, -


conforme a tentativa classificação de Aristóteles, - são ao todo dez, havendo
colocado entre as mesmas a categoria de qualidade.

Outras tentativas de classificação, como a de Kant em número de doze, também


arrolam entre as mesmas, a qualidade.

A primeira categoria, situada como a mais fundamental, é a da substância, da


qual são subgêneros a matéria e o espírito. Mas não é a matéria,
enquanto substância, que gera a expressão artística; nem é o espírito, enquanto
substância, que suscita a expressão mental.

As outras determinações categoriais


são: quantidade, qualidade, relação, tempo, lugar, situação, ação, paixão, hábi
to. Estas outras nove categorias têm como característica serem determinações
da substância. Por isso é que dizemos, ser a; qualidade é uma determinação da
substância, pela qual ela se diz ser uma tal e qual substância.

Dentre estas categorias supremas de ser, e que determinam a substância, a arte


opera, - como já se adiantou, - com a qualidade.

É possível criar a seguinte terminologia: a matéria enquanto substância é


portadora mediata da expressão artística; a qualidade é
portadora imediata desta expressão. O modo de dizê-lo não importa, desde que
o contexto garanta a exata acepção.
403. Natureza da qualidade. Que seria, pois, uma qualidade?

A noção se apresenta simples, de sorte que não se pode definir por uma
indicação composta, de gênero e diferença específica. Devemos procurar
entendê-la diretamente.

A definição possível é apenas a que define o concreto pelo abstrato: Então a


qualidade é aquilo que faz as coisas se estabelecerem como a uma tal e qual
coisa.

Prontamente se percebe que a qualidade diferencia as coisas entre si. Enquanto


as torna, cada uma, tais e quais, as qualificando à maneira de coisas distintas.

Não ocorre o mesmo com as demais determinações do ser, como quantidade,


relação, tempo, lugar, etc., que apenas determinam, sem diretamente
indicarem a diferenciação dali decorrente.

E acontece mais, por decorrência. Em virtude da qualidade, pela qual as coisas


se apresentam com uma tal e qual coisa, têm a propriedade de ter semelhante e
finalmente de expressar aos assemelhados.

Ainda que não soubéssemos definir a qualidade, não teríamos dúvida em dizer
que as qualidades são o que mais conhecemos; delas nos interessam sobremodo
as sensíveis, como a cor e o som, parecem as mais notáveis.

A qualidade ainda se caracteriza como aquilo que dá perfeição ao ser


qualificado. É algo que afeta ao ser à maneira aperfeiçoativa.

As outras determinações, - como por exemplo, a extensão, tempo, lugar, - não


dizem diretamente uma perfeição. Nada é mais perfeito, ou menos perfeito, por
motivo direto, de tamanho, tempo, lugar, espaço, posição. Apenas por outra
injunção a posição direita é melhor que a esquerda.
404. A arte no plano das qualidades sensíveis. Cada categoria suprema é o
ápice de uma pirâmide de conceitos, ordenados sucessivamente em gêneros
subalternos, em que a montagem conjunta se denomina Árvore Porfíriana.

Trata-se de uma referência à Porfírio, o Fenício (c. 322 – c. 304), que criou esta
visualização didática das categorias aristotélicas.

Entre os ordenamentos subalternos ocorre a distinção entre qualidade espiritual


e qualidade sensível.

Ora as qualidades com que opera a expressão artística são as sensíveis,


peculiares da matéria. Diferentemente, as operações mentais se dão no plano
das qualidades espirituais.

Distintas embora, ao mesmo tempo que se aproximam, a expressão artística e a


expressão mental apresentam uma linguagem teórica bastante análoga (vd 9).

A arte opera por conseguinte com as qualidade sensíveis. Apenas estas são
tomadas como instrumento de expressão artística, conforme se constata na
pintura, escultura, música, linguagem.

Trata-se de uma limitação antropológica, visto que os sentidos humanos não


alcançam diretamente as propriedades do espiritual. Os sentidos nem mesmo
observam as causas como causas, mas coisas que sucedem, sem perceber que a
anterior é causa e a posterior efeito.

405. Espécies de qualidades sensíveis. São mais conhecidas, para uso da arte,
as qualidades sensíveis: forma, cor, som.

Seu uso preferencial decorre da alta flexibilidade de que dispõem. Cada uma
destas flexões se pode também denominar qualidade sensível, ou mesmo
qualidade sensível subalterna.

Na qualidade sensível denominada forma os sensíveis subalternos são a linha,


o plano e o volume integral.
Aqui podemos notar a tendência nítida para distinguir entre a arte em volume e
a arte em desenho. Fundamentalmente, porém, se unem sob o título de artes da
forma.

Na qualidade sensível denominada som, os subalternos se constituem dos


diferentes sons, denominamos agora tons.

Cada tom é capaz de servir isoladamente à arte. No som, os subalternos ainda


podem ser os diversos timbres de som, tais como saem dos instrumentos os
mais diversos eis quando é possível falar em música de violino, de
instrumentos de sopro, etc.

Na qualidade sensível denominada cor os subalternos são as diversas espécies


de cor.

Mui variadamente as cores se distribuem em primárias, secundárias, terciárias,


além das variantes em brilho e efeitos psicodinâmicos.

Uma flexibilidade peculiar a todas as qualidades sensíveis é a simbolização,


que cada uma pode assumir por convenção. No símbolo, ou na arte dos
equivalentes convencionais criados com qualidades sensíveis, os subalternos
são as mesma variedades das qualidades anteriores; cada diferença qualitativa
se presta para um novo símbolo. Então há, como subalternos mais gerais, o
símbolo em som, o símbolo em cor, o símbolo em forma.

Respectivamente em cada subalterno mais geral ocorrem os menos gerais


respectivos.

No som por exemplo, os símbolos da linguagem operam com as flexões do som


humano.

Assim, continua a haver também símbolos com subdivisões da forma,


principalmente nos planos e linhas.

Igualmente ocorrem subdivisões para os símbolos em cor.

Há enfim, os símbolos complexos, que combinam cores e formas, cores e sons;


cores, ou formas, ou sons, como equivalentes convencionais (como se observa,
por exemplo, nas bandeiras nacionais).
406. Artes inferiores, mas verdadeiras artes. No elenco de qualidades
sensíveis a serviço da arte (forma, cor, som, símbolo), se podem acrescentar,
com os devidos reparos, as qualidades oferecidas pelos sentidos inferiores.

Dizem-se inferiores, em relação à menor capacidade perceptiva do homem para


os respectivos detalhes. Diferentemente, o cão segue o rastro do animal, apenas
pelo faro, porque atinge um maior número de elementos do mesmo. Alguns
animais inferiores, como a formiga, são de um sistema olfativo meticuloso,
possibilitando-lhes longos caminhos sobre o mesmo trilho por onde vieram,
mesmo à noite.

407. Duas dificuldades inibem o aproveitamento das qualidades dos sentidos


inferiores, para a expressão artística:

- a pequenez das diferenciações que oferecem;

- a impossibilidade em produzir tais qualidades nos moldes como seriam


convenientes para a expressão ordinária.

Contrasta verificar que as formas, cores e sons apresentam diferencia, ou


flexibilidade, muito maior, ao mesmo tempo que são de fácil aproveitamento na
expressão artística.

408. A multiplicidade das variações possíveis em uma qualidade sensível é


necessária, porque a articulação mimética entre significante e significado
precisa de diferenciações para cada expressão de diferente objeto.
Enquanto os sons, as cores, as formas especiais oferecem inúmeras
diversidades, que possibilitam a arte adatar-se aos objetos a expressar, são
inversamente limitadas, as diferenças oferecidas pelo tato.

Contudo umas poucas diferenciações do tato são aproveitadas em ações


artísticas mais complexas, como na dança e no balé.

As sensações sexuais são formas tácteis internas ao organismo e estão


indiscutivelmente presentes na dança e no balé, que sem elas não teriam a
atração que exercem.

Na região do olfato as limitações diferenciadas se oferecem dentro de uma


escala difícil de determinar; os perfumes isoladamente são todos agradáveis;
em certas misturas são desagradáveis (desarmonia olfativa), e em outros são
agradáveis, criando verdadeiros acordes, que funcionam com variações
complexas, como acordes musicais, todavia sempre difíceis de determinar.

Enfim, o gosto oferece as conhecidas pequenas variações culinárias. Conforme


o tipo de manjar oferecido, parece haver uma distinta expressão de regozijo.

Vagamente, os banquetes são expressão de regozijo. Sob este aspecto se


expressam essencialmente como arte.

Até certo grau, as variações do olfato, gosto, tato, oferecem oportunidades de


expressão, certamente, mas não o necessário para desenvolver uma
considerável expressão artística.

Certas limitações, como já se advertiu, se devem mais a incapacidade humana


do que às qualidades em si mesmas. Se possuíssem os homens as condições de
dos animais de excelente olfato, melhorariam as possibilidades de expressão
nesta região de qualidades.

Nem todos as substâncias são capazes de suscitar percepção olfativa, porque


não emitem moléculas soltas. Quanto às substâncias capazes de se exercerem
como gustativas, devem assumir o estado solúvel na saliva. Abaixo de 10 graus
C. e acima de 35 graus C. apaga-se, no ser humano, o gosto das substâncias.
No exercício do gosto se observam presenças tácteis e olfativas, que não se
devem confundir com o nosso gosto; denominam-se sensações pseudo
gustativas. Ocorrem impressões tácteis e térmicas no sabor farinhoso, gomoso,
fresco, etc. As impressões olfativas do gosto são aquelas que, tapando-se o
nariz, desaparecem.

Tais alianças tácteis e olfativas certamente reforçam as diferenciações


fornecidas pelo gosto, mas sem se confundir com ele. Ao exercer nossa
alimentação, atendemos à comida, pelo gosto cheiro e calor; não cuidamos do
agrado, como também o que estas sensações podem informar teoreticamente
sobre o alimento.

409. A dificuldade de reproduzir as qualidades inferiores é outro entrave


para a expressão artística mediante tais recursos. Criamos sons facilmente e os
ouvidos prontamente podem atender. Os olhos derramam-se por cima das cores.
Mas, o mesmo não ocorreria se nos dispuséssemos a criar sensações de gosto,
perfume, tato com o fim direto de manifestar mensagem.

Conhece-se nitidamente quatro sensações gustativas puras: o ácido, percebido


nas bordas laterais da língua, o salgado, na ponta da língua e na parte anterior
dos bordos laterais, o doce, na ponta da língua, e amargo, em sua base.

Variam os gostos ao se misturarem as mesmas sensações gustativas


fundamentais puras. Tal ocorre, aliás, também com os sons simultâneos
emitidos em alturas diversas, dum mesmo acorde. Igualmente acontece nova
cor, ao se misturarem as cores mais simples, por exemplo, amarelo e azul cria o
verde.

Pelo exposto, há alguma teoreticidade e alguma percepção das diferenças nos


sentidos inferiores; dali resulta algum lugar para articulações com temas
diferenciados, de sorte a se estabelecer uma precária arte do gosto, arte do
perfume, arte do tato. As novas matérias apresentam, pois, mais algumas
classes na classificação material da arte.

A tudo isso, acresce ainda o expediente da evocação poética. Então, as cores,


sons, formas espaciais e símbolos levantam do subconsciente as imagens do
gosto, do tato, do perfume. E assim, inversamente, o gosto, o tato, o perfume
poderão suplementar-se, erguendo as imagens do som, da cor, da forma
espacial, do símbolo; mais uma vez, as artes inferiores provam poderem
funcionar, ainda que precariamente.

410. Variações qualitativas. As qualidades sensíveis, - cor, som, forma e


outras, - que servem como matéria da arte, admitem propriedades secundárias
dentro do plano mesmo da qualidade.

Ocorre isto quando a qualidade apresenta graus de intensidade, movimento,


alterações ou flexões, e outros fenômenos.

Estas variações, embora de caráter secundário, são intrínsecas e de grande


efeito na capacidade de expressão das artes e podem mesmo fazê-las variar em
suas classificações. Há a classe das que se movem e das que são estáticas.

§2 - Classificação material das artes


a partir das classes de qualidades.

0531y412.

413. Um ponto de vista para classificar. Preliminarmente, importa advertir


que uma divisão se faz a partir de um ponto de vista.

Considerando que a arte é um sistema, em que há um significante (ou matéria


portadora) e um significado ( ou expressão), pode-se classificar a arte, sob dois
pontos de vista bem fundamentais:
- ora sob o ponto de vista da matéria (que é o tema do presente capítulo), -
dividindo-a por exemplo em pintura, escultura, música, linguagem;

- ora sob o ponto de vista da expressão (ou seja de sua forma essencial),
dividindo-a, por exemplo, em prosa e poesia.

A classificação material da arte não a toca tão intimamente, quanto a


classificação que se refere à expressão. Mas tem uma repercussão muito grande,
porque separa as artes fisicamente, como a que divide em artes da pintura, da
escultura, da música, da linguagem.

Além disto, há aqueles que preferem uma das mencionadas espécies materiais
da arte, aqueles que outra e outra.

O manejamento da matéria da arte é difícil, razão porque os praticantes das


letras não se ocupam da pintura, escultura, e os que se ocupam destas outras
pouco cuidam das letras.

Em consequência desta atitude, a classificação material das artes, a qual se dá a


partir do seu portador (ou significante), se torna didaticamente muito
importante e grave.

414. Subclassificação a partir da matéria própria e classificação a partir


da matéria imprópria. A diversidade das classificações materiais da arte nos
obriga a encontrar um critério de ordem para as mesmas. Este critério poderá
ser o da distância com que se considera a matéria da qualidade sensível.

Considerando que a matéria própria, a partir da qual esta matéria se torna


portadora da expressão artística, é a qualidade sensível, e não as demais
categorias do ser, é possível encontrar ali um ponto de vista para uma
classificação material fundamental das artes.

As outras categorias de ser poderão apenas servir de critérios extrínsecos para


classificações secundárias.
Portanto, a partir da matéria própria (as qualidades sensíveis) e adicionalmente
a partir da matéria imprópria (outras categorias de ser), classificam-se as artes,
ora pelas espécies internas da categoria que lhe é própria, ora pelas espécies
ocorridas nas demais categorias de ser.

As qualidades são determinações que na ordem real (ou concreta) vão unidas à
outras categorias, por exemplo, às substâncias (mármore, bronze, etc.) , ao
espaço (dimensão e número), ação (ritmo do movimento), etc. Não pois
qualidades absolutas, mas qualidades que inerem em outras categorias.

Tais circunstâncias influenciam remotamente ao tratamento das qualidade


sensíveis em que a arte se apóia. Por isso, como já dissemos, tais circunstâncias
podem criar classificações secundárias de arte.

Consolida-se, pois, que a classificação material das artes a partir das qualidades
sensíveis, ocorre com dois gêneros maiores, que colocamos como itens a
examinar:

- classificação das artes a partir da matéria própria (ou seja, a partir da


matéria próxima, ou ainda a partir das qualidades sensíveis) (vd 416);

- classificação das artes a partir da matéria imprópria (ou a partir da matéria


remota, ou ainda a partir de categorias que lhes são extrínsecas) (vd 423).

Partiremos a seguir para o exame de uma e outra destas classificações, agora


com detalhe. No final, ainda um adendo sobre as qualidades dos sentidos
inferiores, de que não resulta classificação.

I - Classificação material das artes


a partir da matéria própria,

ou seja, das qualidades sensíveis.

0531y416.
417. Do ponto de vista da matéria própria, ou próxima, portadora da expressão
artística, as artes se classificam em tantos gêneros e espécies, quantas
qualidades sensíveis genéricas e específicas for possível arrolar e utilizar, sem
sair do campo próprio da referida categoria de qualidade.

Ocorre uma grande disparidade na utilização das qualidades sensíveis pela arte,
que a classificação pragmática se torna ordinariamente mais usada. E então se
têm as mais conhecidas grandes classes:

- arte em cor (vd 3911y000);

- arte em formas (vd 2283y000);

- arte em sons (vd 5287y000);

- arte em equivalentes convencionais (vd 4515y000).

418. A classificação em apenas 4 artes específicas, dentro do quadro criado a


partir da matéria própria, é, como se disse, pragmática. Ela apenas se
aproximando de longe, de tudo o que cabe nas variações da qualidade sensível.

A qualidade é um gênero supremo, que não se reduz a uma outra categoria


mais geral.

Mas poderá apresentar categorias subalternas sucessivamente decrescentes, até


se apresentarem as espécies e os indivíduos das espécies. O todo visualizado
destas variedades se apresenta como uma pirâmide, chamada também árvore
porfiriana.

Não utiliza a arte a qualidade situada no topo da pirâmide. Limita-se a um


gênero subalterno denominado qualidade sensível. Neste campo das qualidades
sensíveis continuam a se estabelecer subdivisões, e que vão permitir a
classificação material das artes.
Numa classificação, já mencionada, de Aristóteles, as qualidades se distribuem
em número de quatro: estado e disposição, figura e forma (vd 176).

419. Prosseguindo pragmaticamente, anotamos como subgêneros importantes


de qualidades sensíveis, e portanto próprias para servirem como significantes:
forma, cor, som, símbolo.

Destes subgêneros importam também as espécies.

Na qualidade sensível denominada forma os gêneros subalternos são a linha, o


plano e o volume integral.

Aqui podemos notar a tendência nítida para distinguir entre a arte em volume e
a arte em desenho. Fundamentalmente, porém, se unem sob o título de artes da
forma.

Na qualidade sensível denominada som, os gêneros subalternos se constituem


dos diferentes sons, denominamos agora tons. Cada tom é capaz de servir
isoladamente à arte. No som, os subalternos ainda podem ser os
diversos timbres de som, tais como saem dos instrumentos os mais diversos eis
quando é possível falar em música de violino, de instrumentos de sopro, etc.

Na qualidade sensível denominada cor os subalternos são as diversas espécies


de cor. Mais acidentalmente, os subalternos são as variadas cores químicas.

No símbolo, ou na arte dos equivalentes convencionais criados com qualidades


sensíveis, os subalternos são as mesma variedades das qualidades anteriores;
cada diferença qualitativa se presta para um novo símbolo.

Então há, como subalternos mais gerais, o símbolo em som, o símbolo em cor,
o símbolo em forma.

Respectivamente em cada subalterno mais geral ocorrem os menos gerais


respectivos.
No som, por exemplo, os símbolos da linguagem operam com as flexões do
som humano.

Assim, continua a haver também símbolos com subdivisões da forma,


principalmente nos planos e linhas.

Igualmente ocorrem subdivisões para os símbolos em cor.

Há enfim, os símbolos complexos, que combinam cores e formas, cores e sons;


cores, ou formas, ou sons, como equivalentes convencionais (como se observa,
por exemplo, nas bandeiras nacionais).

420. Arte estática, arte dinâmica. Em função às propriedades secundárias, ou


variações qualitativas (vd) também são classificáveis as artes.

Considere-se em separado o estático e o dinâmico (vd 382) nas artes em cores,


forma, som, símbolo.

A cor se utiliza estaticamente, na pintura. Movimenta-se a cor, no teatro, no


cinema, na televisão.

O nome de cada arte, como se vê, passou a ser outro, em decorrência da


movimentação da cor.

A forma se mantém estática, na escultura e na arquitetura. Movimenta-se no


teatro, no cinema, na gesticulação do orador.

Ainda que caracterizantemente literários, o teatro e o cinema se aliam à forma


em movimento. Mais uma vez os nomes das respectivas artes mudaram em
consequência do movimento.
O som se mantém estático ao não mudar de tonalidade; observa-se que em tal
situação exprime muito pouco. Por isso, não se pratica a música estática, ainda
que possa existir.

Ingressando em movimento, o som, em virtude de sua plasticidade, se converte


imediatamente em arte com maior expressividade.

O símbolo no instante estático ocorre sobretudo nas formas e cores; assim se


constata nos emblemas, nas bandeiras, em pequenos objetos. O símbolo em
movimento ocorre nas flexões sonoras, como na linguagem.

É, pois, a linguagem um símbolo dinâmico, do ponto de vista material.

II - Classificação das artes a partir da matéria imprópria.

0531y423.

424. Classificações eventuais da arte. Considerando que a qualidade (matéria


portadora própria da expressão artística) inere em outras categorias de ser, ou
com elas convive, estas outras categorias de ser também ordenam, - ainda que
exteriormente, - as classes artísticas.

Tais outras categorias de ser podem eventualmente se destacar e


criar classificações eventuais para a arte.

Por exemplo, a mesma obra de arte se multiplica numericamente em muitos


exemplares, não em função da categoria da qualidade que gera a arte, e sim a
uma peculiaridade da categoria da quantidade (vd 426). Assim, do ponto de
vista da dimensão, ocorrem também as pequenas artes e as grandes artes, as
artes civis e as artes liberais, etc.

Outro exemplo: arte antiga, arte medieval, arte moderna são referências
à categoria de tempo (vd 428).
Importa entender todos estes esquemas, mostrando como se distinguem
daquelas outras classificações situadas no campo mesmo da arte, ou seja no
campo das qualidades sensíveis.

Além de se conseguir uma certa ordem classificatória com este atender às


classes exteriores de matéria portadora da expressão artística, a referência a
elas nos clareia outros e outros aspectos secundários da arte, e que surgem a
partir das referidas categorias.

Tem efetivamente a arte uma origem no tempo (categoria do tempo) e uma


origem causal (categoria da ação). Nem o número, nem o tempo, nem a causa
são elementos essenciais à arte, apesar da importância eventual que se dá a tais
aspectos quando se trata da mesma.

Também as categorias obedecem a uma ordem classificatória e que os filósofos


discutem.

Sem podermos trazer para aqui tal discussão, tomamos a lista das 10 categorias
de Aristóteles (vd 402), apenas para termos uma sequência didática. São elas,
conforme já mencionadas: substância, quantidade, qualidade (própria da arte),
relação, tempo, lugar, posição, ação, paixão, hábito.

Ocorrem as categorias em dois subgrupos. São ditas categorias em absoluto:


substância, quantidade, qualidade, relação.

Neste campo ocorrem classes eventuais de arte, as quais oferecem alguma


consistência sistemática como as que dizem respeito à substância (vd 425) e à
quantidade (vd 426).

São ditas categorias em relativo, as que se referem à perspectivas pelas quais


uns seres estão em relação aos outros: tempo, lugar, posição, ação, paixão,
hábito.

Estas perspectivas do segundo subgrupo de categorias são muito variadas e por


vezes muito presentes nas classificações eventuais da arte. Oferecem
consequentemente variados pontos de vista, segundo os quais se podem
classificar eventualmente as artes, sendo algumas de maior significado e
interesse, outras de muito pouco.
425. Do ponto de vista da substância, as artes se dividem e classificam, como
em escultura em bronze, em mármore, em madeira; pintura em óleo, em cal, em
parede (mural), em mosaico, música instrumental, música eletrônica;
linguagem falada, linguagem escrita, linguagem por gestos.

Esse elenco empiricamente estabelecido mostra mais ou menos como


eventualmente acontece, como a arte se ordena materialmente já desde seu
instante de uso da substância.

Passemos agora ao seu conceito, para mais alguns esclarecimentos sobre a


classificação mencionada.

A substância, enquanto diretamente diz substância, é algo, cujo sujeito de


inerência se encontra em si e não em outro; é aquele ser, cuja determinação
essencial consiste em subsistir em si, como em seu sujeito. De sorte a não inerir
em outro sujeito, portanto, a determinação que faz inerir em si, faz a substância.
Ao mesmo tempo que assim se determina, a substância exerce a perfeição, que
põe em si o seu sujeito. O que sob um prisma é a substância não diz perfeição,
de sorte que nitidamente se observa que a perspectiva perfeição é outra.

Enquanto perfeição, e como tal capaz de exercer semelhança e dissemelhança,


pode a substância constituir-se em instrumento veiculador de conhecimento.
Aliás, o conceito de conhecimento em Deus é o de que o exerce
substancialmente; sua substância seria o espelho de todos os seres.

Na arte, como instrumento sensível, a substância não é aproveitável


adequadamente. A substância é um sensível, apenas per accidens, através de
suas qualidades de cor, som, olfato, gosto, tato.

Por isso, o mármore e o bronze, ainda que substâncias, se aproveitam para arte,
apenas enquanto oferecem qualidades como cor e formas no espaço visual. Os
artistas ainda que pesem como substâncias, operam no palco apenas como
formas em movimento e palavras que soam, revestidas de significação
convencional. Também as tintas, enquanto ingredientes químicos, se exercem
como substâncias; todavia apenas se prestam como expediente artístico pelas
suas qualidades sensíveis de cor.
426. Do ponto de vista da quantidade, que a matéria admite, podem-se fazer
classificações como artes maiores e artes menores. Também em função à
quantidade, a obra de arte se multiplica numericamente.

A quantidade, como categoria de ser, indica diretamente a determinação em


que incorre o ser ao distribuir suas partes umas por fora das outras (partes extra
partes).

Enquanto assim diretamente se firma, a quantidade implica sob outro ponto de


vista em uma peculiar determinação qualitativa, a qualidade de ser quantidade.
Sob esta outra perspectiva a quantidade surge como uma certa perfeição (ao
exercer a quantidade, como qualidade). Ainda que não seja a maior das
perfeições, é uma perfeição.

Admitidos os graus na qualidade, isto vem resultar em que maior e menor


quantidade pode significar maior e menor perfeição, principalmente mais ser e
menos ser. Em tais condições algo pode ser magnífico (pela sua grandeza) e
medíocre (pela sua pequenez). Por esta via "tamanho é documento...", isto é,
boa qualidade, inclusive na arte.

Outro todavia é o contexto do dizer popular "tamanho não é documento". Este


dizer não nega a importância do tamanho, mas acrescenta que não basta esta
qualidade.

427. Do ponto de vista temporal, ou cronológico, há uma arte que se


classifica como antiga, outra medieval, outra moderna; ou ainda em pré-
histórica e histórica. Além desta caracterização meramente temporal, em cada
tempo ocorrem inovações. Por exemplo, a pintura a óleo ( referência à
substância portadora) surge na Renascença; portanto, do ponto de vista
temporal, esta arte não é antiga, porém moderna.

Em si mesmo, o tempo é algo muito importante. Que é mesmo o tempo? É a


existência enquanto perdura. Coincide praticamente com a mesma existência.
Todo o existir tem alguma duração. Esta duração considerada em separado, é o
tempo. Dura a arte, mas pode deixar de durar. Principia em determinado
momento isto é, como a existir, para ao mesmo tempo durar. Variam as
durações, e em função a esta variação se diversificam exteriormente as artes e
se classificam.

428. Em função ao lugar onde se desenvolvem, as artes, se classificam por


exemplo, em arte da Grécia, arte do Brasil, arte da Ásia, etc.

Todavia estas denominações, ainda que de contexto claro, podem em outro


contexto designar a arte em função ao seu criador, isto é, da categoria da ação,
e então é a arte dos gregos, a arte dos brasileiros, a arte dos asiáticos.

429. Em função à origem causal, uma arte é grega, romana, francesa, indígena,
etc. ...

Tal condição de procedência não é, evidentemente, desprezível para o estudo


da mesma arte. Sabemos quanto diferem historicamente as concepções de arte e
como se diferencia contexto ambiental de cada povo.

430. Artes liberais e artes servis. Embora ainda em função da origem, mas
das condições sociais da criação, as artes se dividem em liberais (belas artes)
e servis (úteis), conforme o caráter livre ou escravo de seus executores.

Mas esta distribuição de tarefas obedeceu principalmente às condições do


esforço requerido; geralmente, a arte liberal importa em esforço mental e a
servil em esforço físico.
Os nomes destas classes, como se vê, não significam senão eventualmente o
que dizem, porque a semântica dos mesmos é outra.

Paulatinamente, foi sendo perdida de vista a condição de origem, em favor da


natureza, que caracteriza as artes liberais e servis. Tal sucede já em
enumerações antigas, para efeito escolar.

Varrão (116 B 27 a.C.) classificou as artes em número de nove.

Marciano Capella ( sec. V d. C. ) reduziu a classificação a sete, cada uma


simbolizada por uma mulher alegórica.

Continua-se a fazer ainda hoje a distinção entre carreiras liberais, que mais
apelam ao concurso da inteligência, como as da medicina, direito, engenharia,
magistério; e profissões servis próprias dos servos, aos quais se atribuía o
trabalho manual.

431. Trivio e quadrívio. Boécio e Cassiodoro ( sec. VI), consagram, para toda
a Idade Média a divisão das artes em sete, subdividida em:

- trivium (gramática, retórica, dialética);

- quadrivium (aritmética, geometria, astronomia, música).

Evidentemente, que umas incluíam outras. Por exemplo, a música (do


quadrívio) estendia-se à poesia literária. Na dialética (ou lógica), não se
dissociava o conceito de ciência, do de arte; faziam-se perguntas como esta, -
se a lógica é uma arte?

Nesta ordem programática as sete artes serviram às primeiras escolas medievais


e depois à Faculdade das Artes, nome que então se dava à faculdade de
filosofia.
432. Quanto ao ponto de vista da relação de finalidade a arte poderá
classificar-se como civil, social, religiosa, didática, de diversão, etc.

Também aqui o contexto das mesmas denominações, ainda que claro, admite
outra acepção, a de conteúdo temático. Mas o ponto de vista temático já não se
diz da matéria portadora e sim da expressão, de que não se trata agora.

433. Classificação das artes pelos sentidos. Dividem-se e se classificam as


artes também segundo o ponto de vista exterior pela diversidade dos
sentidos, que as alcançam. Dali resultam: artes da vista, artes do ouvido, artes
tácteis, estas incluindo em alguns aspectos dança por causa de suas sensações
de prazer.

A classificação das artes pelos sentidos não pode ser considerada uma
classificação fundamental, porque atende às faculdades e não às qualidades em
si mesmas. A cor, o som, a pressão táctil são situações qualitativas; em tais
condições se convertem em instrumentos objetivos de expressão. As faculdades
não são tais instrumentos, mas apenas por onde se manifestam tais qualidades
com as respectivas artes.

Ocorre uma certa semelhança entre a classificação pelas faculdades e a


classificação simplesmente material. É que as qualidades coincidem em geral
com os objetos próprios das faculdades, as quais passam a servir em
consequência para denominar certas artes, ainda que sem precisão.

Maurice Nédoncelle (1905-1976) aparenta sugerir a divisão das artes sob o


critério das faculdades. Arrola, então, os títulos: artes tactilomusculares, artes
da vista (arquitetura, escultura, pintura), artes do ouvido (música) (Cf.
Nédoncelle, Int. a l’Estrhétique, cp. 5, p. 75 ss).
A divisão subjetiva já ocorre na divisão das ciências, por Francisco Bacon;
fazia da história uma ciência da faculdade da memória, da poesia uma ciência
da imaginação, da física uma ciência da razão (Cf. Bacon, Novun Organum).

ART. 2o

PROPRIEDADES DAS QUALIDADES SENSÍVEIS.

0531y435.

436. Propriedades de toda a qualidade. Uma vez que a arte é operada


mediante qualidades, importa estudar-lhes as propriedades, primeiramente as
fundamentais, e depois as demais, sobretudo as; propriedades das qualidades
sensíveis.

A sistematização das propriedades de uma qualidade, começa por arrolar que


esta categoria de ser possui como propriedades fundamentais:

- ter semelhante (isto é, ser semelhante a algo),

- ter graus,

- ter contrário.

Eis uma classificação já encontrada em Aristóteles, da quais vamos examinar


sobretudo as duas primeiras, todavia com a formulação seguinte dois
parágrafos:
- o semelhante como propriedade da qualidade sensível (vd 438);

- espécies e graus da qualidade sensível (vd 445).

Os dois temas se envolvem facilmente. Por isso, enquanto formos tratando do


semelhante, podemos estar adiantando algo sobre as espécies e graus.

§1 - Do semelhante como propriedade da qualidade sensível.

0531y438.

439. A semelhança é a mais importante das propriedades existentes em


qualquer qualidade. Somente a qualidade tem a propriedade de ter semelhança,
razão porque somente a qualidade tem a capacidade de se converter em
expressão.

Envolve a semelhança logo a noção de grau, que em parte se antecipa na


discussão em andamento.

440. Os graus podem ser concebidos em termos amplos, incluindo as gradações


da essência em espécies e subespécies, desde o plano essencial, e não apenas
das gradações acidentais.

Por exemplo, seriam graus já as espécies de cor (vermelho, azul, amarelo, etc.) ,
e não apenas as diferenças acidentais de intensidade de uma mesma cor.

A intensidade da cor se apresenta como um grau acidental, porque já não altera


a essência da qualificação; mudada a intensidade, mantém contudo a mesma
cor.
Assim acontece também com o som, que inicia como classe genérica, passa a
ter espécies (os tons) e indivíduos (este ou aquele tom), para finalmente
apresentar variações acidentais, por exemplo de intensidade sonora.

Tudo isto quer dizer que o artista, ao expressar o objeto por assemelhamento,
pode também acompanhar as diferenças de grau, desde as graduações do
gênero e espécie, até as nuanças de acidente.

Sem esta adatação, a mimese não adquire perfeição, porque enunciaria ao


objeto com imprecisão e mesmo com incorreção

441. Entre o semelhante e o assemelhado ocorre uma distinção e


uma aproximação.

O único não tem como se aproximar de nada. É a anulação de toda a distinção.


Por isso nele não ocorre a possibilidade da semelhança, pois a semelhança
supõe alguma distinção. O único é sem mimese possível. O único é
simplesmente inexprimível.

A mais exata das aproximações no plano das espécies é a que distingue apenas
numericamente.

A partir desta aproximação mínima, cresce a dissemelhança, retendo sempre


alguma aproximação; à medida que restar alguma aproximação, a semelhança
ocorre, porque ela é a distinção, com alguma aproximação. Na linha das
aproximações se encontram os gêneros, que unem apenas vagamente os
assemelhados.

A aproximação entre os distintos se pode dar nos graus da espécie e nos graus
de intensidade individual.

Quer se trate de essências, quer de acidentes (como cor e som), estas duas
modalidades de aproximação assemelham os seres em escalas as mais variadas.

O pintor, ao expressar um objeto, procura criar uma semelhança segundo a


espécie (cores especificamente iguais do objeto e da tela) e segundo os graus de
intensidade (cores dentro do mesmo cromatismo).
O mesmo faz o músico: sons da mesma espécie e sons do mesmo grau de
intensidade, para exprimir sons (objetos), aos quais se refere.

As variadas construções artísticas se reduzem em última instância ao plano das


semelhanças, segundo a espécie e segundo os graus de intensidade. Conotações
poéticas e contextos supõem sempre esta estrutura de base no plano das
semelhanças, ordenadas segundo a espécie e os graus de intensidade.

442. Na determinação das espécies. destacam-se o gênero e a diferença


específica.

Enquanto os seres se estruturam com algo em comum, se dizem do mesmo


gênero. E enquanto algo não é comum, se diferenciam pela espécie.

Animal se diz em comum do bruto e do homem; a racionalidade torna ao


homem especificamente distinto dos animais que não a têm.

A advertência, sobre o que coincide e sobre o que diferencia, tem por objetivo
mostrar, que ali está a explicação, porque algo serve como portador material da
expressão artística.

No plano das aproximações genéricas, as semelhanças se apresentam vagas.


Não apresentam linhas divisórias nítidas.

Quando em arte se usa o gênero para expressar algo, a expressão é


consequentemente vaga. Importam então recursos complementares. Entre
outros, o recurso frequente é o do contexto. Tal ocorre, quase sempre quando a
arte não consegue um figurativo adequado.

Sobretudo, no plano da analogia do ser, as semelhanças se apresentam vagas.

Não há linhas divisórias de noções, que se separam como conceitos unívocos e


estanques.

Tudo perpassa em tudo, ao mesmo tempo que nada chega a ser igual.
As analogias transcendentais permitem até a conversão recíproca entre os
assemelhados:

O ser é a verdade, é o bem, é o belo.

A verdade, por sua vez, é o ser, é o bem, é o belo.

O bem, de novo, é o ser, é a verdade, é o belo.

Enfim o belo é o ser, é a verdade, é o bem.

443. Nas categorias (ou predicamentos) completando o que pouco antes


dissemos sobre gênero e diferença específica, o elemento determinador surge
como inteiramente novo, não previsto pelo genérico.

Em tais condições, as categorias são estanques entre si; em cada nova espécie
subalterna, cria-se nova determinação sem contato com a precedente. As
noções predicamentais são portanto unívocas na sua maneira de predicar ao
sujeito.

Diversamente, as noções transcendentais (ser, verum e bonum) se predicam em


parte igual e em parte não. Elas invadem ambos os lados. O ser por exemplo, se
diz de tudo. Em assim se comportando, são de predicação analógica .Também
aqui ocorre uma distinção e uma aproximação, de sorte a haver alguma
semelhança.

A maneira de se exercerem as predicações é pois mui diferente nos gêneros


categorias e nos gêneros transcendentais. Já é fácil ver que as semelhanças
entre as noções categorias e as noções transcendentais não se exercem por igual,

Fundamentalmente, em qualquer dos casos, a semelhança é sempre profunda e


anterior a qualquer semelhança resultante de simples graus acidentais de
realização individual:

Mas ainda que sejam profundas as aproximações predicamentais entre as


profundas-específicas e as profundas-genéricas, estas últimas, tanto se exercem,
nos gêneros predicamentais unívocos como nos gêneros transcendentais
analógicos.
§2 - Espécies e graus da qualidade sensível.

0531y445.

446. As qualidades sensíveis utilizadas na arte, como portadoras da expressão


significadora são agora examinadas como espécies. Dentre as espécies, mais se
destacam, por causa de sua capacidade de expressar, a cor, a forma, o som.

Para a formação de equivalentes na arte dos símbolos, com destaque da


linguagem, de novo são eleitas as mesmas qualidades sensíveis.

Temos, pois diante, os itens:

- espécies e graus de cor (vd 448),

- espécies e graus de formas plásticas (vd 454),

- espécies e graus de som (vd 462).

- espécies graus de símbolos (vd 473).

Passamos a seguir a examinar uma a uma as referidas qualidades sensíveis. Há


a mostrar como cada uma delas se especifica, especialmente cada uma realiza a
seu modo os graus.

I - Espécies e graus de cor.

0531y448.
449. Da cor em si mesma. Por si só a cor ainda não é a pintura como arte em
sentido estrito. Uma sequência meramente estética de cores admite o nome de
arte apenas no sentido lato da coisa sem expressão significadora.

Quando esta sequência estética passar a assumir um significado, então começa


a arte pictórica em sentido estrito.

Para que se torne possível assumir um significado, a cor deverá possuir certas
propriedades, como a de ter semelhante, graus e contrários, com vistas a imitar
ao objeto a ser expresso.

A cor é dita objeto formal da vista. É o mesmo que dizer objeto específico, ou
objeto essencial, objeto próprio.

A luz é o instrumento comum de todas as cores. Ao incidir sobre os terminais


nervosos das vista, converte-se em impulsos elétricos, que vão ao cérebro, onde
se cria a resposta em termos de cor.

A natureza gnosiológica do fenômeno da cor é do cuidado da gnosiologia


(metafísica do conhecimento), que assevera tratar-se de um fenômeno subjetivo.

A cor surge portanto como resposta subjetiva e não como resposta objetiva. As
cores existem, mas como subjetividade. Não existem cores reais, independentes
do sujeito conhecedor.

450. Espécies de cor. Diferenças especificas distinguem a cor em espécies, que


são vermelho, amarelo, azul. Eis as cores fundamentais vistas pelo ser humano.
Possivelmente haja outras cores, as que seriam, por exemplo, vistas pelos
pássaros, e que certamente não são como as nossas.

As cores especificas mencionadas, - vermelho, amarelo, azul, - são


chamadas cores primárias.

Estas são vistas por meio de cones.

São os cones também especificamente distintos, - a saber, o cone do vermelho,


o cone do azul, o cone do amarelo. Cada qual reage a ondas eletromagnéticas
de dimensões de outra dimensão.

As cores secundárias resultam da incidência simultânea sobre os mesmos


cones de luz com comprimentos de onda diferentes

Vermelho e amarelo provocam a sensação de laranja.

Amarelo e azul, produzem verde.

Azul e vermelho resultam no roxo.

Finalmente, da mistura de três cores resultam as cores terciárias. O verde oliva


por exemplo é cor com maior presença de azul e amarelo, menor de vermelho.

A mistura de todas as cores dá a impressão do branco. A ausência de luz dá a


impressão de preto (ou escuro).

451. Algo físico há atrás das cores, apesar delas mesmas serem impressão
subjetiva. Do mesmo modo se diz real, corpóreo, material o que está pelo lado
de lá do subjetivo. O que é aquilo, não sabemos exatamente.
A cor se prende à luz. Na ausência de luz não se revelam as cores. Com isso já
nos advertimos que as cores poderão dizer respeito à luz e não aos objetos.
Estes apenas refletem a luz. E a luz é constituída de corpúsculos,
os fótons. Incidindo estes sobre a vista, a reação se processa como cor.

Determinam-se as cores pelo comprimento de onda da luz. Mede-se a luz


por milimicrons (milionésimo de um milímetro). Ou por unidades Angstrom
(dez milionésimos de milimicrons); referência ao físico sueco Anders Jons
Angstrom (1814-1874) Equivalem-se por exemplo, 4.800 unidades de luz (em
milionésimos de milimicrons) e 480 U. A (unidades de Angström).

As medidas menores de raios eletromagnéticos são as dos raios cósmicos.

Crescem progressivamente os raios de Radium, Raio X, Raios ultravioletas


(136-3600 unidades), raios visíveis da luz do espectro (4000-7000), raios
infravermelhos (ondas de calor), ondas de radio, ondas de TV.

A cor azul começa em 4000 unidades. Seguem o amarelo e o vermelho. As


misturas oferecem os mais variados resultados nas mediações. O branco resulta
da incidência da luz com todos os comprimentos. Ausente a luz ocorre a
aparência chamada preto, ou trevas.

452. Intensidade da cor. Cromatismo. Os graus acidentais ocorrem em cada


cor. e dizem respeito à intensidade com que comparece.

Sem sair da linha essencial de uma mesma cor, a intensidade se desenvolve,


desde o menos intenso até o mais intenso, por graduações significativas.

Cromatismo é a variação da intensidade em graus de cor. A ordem interna dos


graus de cromatismo se denomina escala cromática. Afirmar então que uma
cor possui bastante croma, equivale a dizer que se encontra com grau de
intensidade elevado.
O croma poderá ser denominado pela mistura de um elemento estranho e
neutro, como o preto e o branco. Todos as cores admitem a adjetivação: a
cor clara, cor escura, cor cromática (intensa).

Cada cambiante cromática poderá ter uma denominação própria, e até sugestiva
dos seus efeitos psicológicos, ou mesmo estéticos.

Entre o vermelho frio (com mais preto) e o vermelho quente há uma diferença
de cambiantes muito apreciada. O vermelho cor de rosa ( com mistura de
branco), opondo-se diretamente ao vermelho frio oferece outras e outras
possibilidades de formulação da expressão artística.

Assim também há um azul frio e um amarelo frio

É a intensidade uma propriedade da cor que a arte utiliza, e que por isso
importa conhecer previamente.

453. A saturação se diz da quantidade da cor fundamental, enquanto se


isola em sua plena pureza.

Decresce a saturação, à medida que se opera a mistura, com alguma outra cor,
para a criação das espécies de cores secundárias, terciárias.

Neste jogo opera também o artista. Ora ele altera a cor no plano dos graus de
saturação, ora nos plano dos graus da intensidade.

Outras e outras peculiaridades, geralmente psicodinâmicas, oferecem as cores.


Seja a que diz respeito à luminosidade, da qual decorrem o peso e a leveza, a
frieza e o calor psicológicos. O artista de grande sensibilidade possui o
conhecimento destas cambiantes, aproveitando-as oportunamente na expressão.
Ora com uma característica, ora com outra, vai adatando a cor aos objetivos da
expressão, tornando-a adequada e poderosa.
O que foi dito sobre a cor em filosofia geral da arte, é particularizado
pela estética especial das cores (vd 3911y000), ali estudada principalmente a
propósito da arte pictórica.

II - Espécies e graus de formas plásticas.

0531y454.

455. Forma plástica como qualidade sensível é a quantidade corpórea, que


assume a qualidade de dispor suas partes no espaço.

Esta simples disposição de um corpo espacializado, não é ainda a arte no seu


sentido estrito, nem mesmo no caso da arquitetura quando definida como
organização do espaço a serviço do homem.

Para que numa forma ocorra a arte em sentido estrito, importa ainda que a
forma plástica seja portadora de uma expressão, em virtude da qual signifique
algo. É o que efetivamente ocorre numa estátua, ou mesmo na arquitetura
quando ela ao menos contém sugestões significadoras.

456. Redivisão. Na sucessão das divisões e redivisões das qualidades, já é a


forma um subgênero no elenco das qualidades sensíveis.

Por sua vez, a forma plástica se divide em espécies de formas e estas admitem
graus.
Primeiramente firmamos a forma plástica como qualidade distinta de outras ao
seu mesmo plano, como a cor e o som.

Mas, descendo a novas diferenças, a forma se redistribui agora em espécies de


forma, a saber: linha, área, volume. São efetivamente a linha, a área, o volume
formas, aliás bem presentes no cotidiano.

Flexibiliza-se a forma nas mencionadas variantes, - linha, área, volume. Não se


trata de abstrações, porque são determinações reais dos corpos. Contudo, por
abstração, ditas determinações da forma admitem ser pensadas abstratamente e
tratas em separado, como se observa na arte abstrata.

Toda a forma contém os referidos três elementos (linha, área, volume). Toma-
se, ora apenas a linha, ora apenas a área; ora apenas o volume. É possível
entender o volume como contendo todos os elementos indicados; mas então
volume equivale à forma; todavia, como espécie de forma, o volume tem de ser
considerado em abstrato, enquanto se distingue da área e da linha.

457. Flexão é um nome que, no uso comum, lembra tão só as variações de uma
linha.

Mas podemos também referir como flexão as variações de uma área e as


variações de um volume. Estas flexões se obtêm pela alteração de disposição
das partes no espaço, seja no espaço da linha, seja no da .área, seja no do
volume. Flexões se aproveitam na arte

As flexões de cada espécie poderão ser sistematizadas. Dali nascem as


diferenças entre linha reta e linha curva, área circular e área angular, volume
redondo e volume poliédrico.
458. Entre flexões e graus. Diferenças de flexão, - em reta, curva, circular,
angular, redondo, poliédrico, - não se confundem simplesmente com a
propriedade pela qual toda a qualidade tem graus

Do ponto de vista dos graus, qualquer modalidade de linha poderá ser pequena,
ou grande; o mesmo acontece com as áreas e volumes, que também podem ser,
do ponto de vista dos graus, pequenas e grandes.

Portanto, além das flexões mencionadas, que são espécies essenciais da forma,
esta poderá ter graus de intensidade, e que se podem denominar grandezas.
Sem alterar essencialmente a forma (linha, área, volume), esta forma poderá ser
maior e menor. Preferencialmente se diz intensidade da cor e grandeza da
forma.

Há formas grandes e formas pequenas. As operações artísticas atendem à esta


circunstância, para expressar objetos, adatando a obra ao tema de acordo com
suas dimensões e proporções.

459. As formas exercem ainda ação psicodinâmica, de certo modo prática.

Há disposições nas linhas, áreas e volumes que sugerem, por exemplo,


violência.

Outras que conotam a serenidade.

Escolhendo as disposições psicodinâmicas adequadamente, o artista vai


expressando os objetos que tem em vista.
460. Alta presença das formas nas artes plásticas. Conforme oportunamente
será advertido, quando se tratar das artes mistas (vd 511), a forma plástica é a
que mais se combina com as demais qualidades sensíveis.

Sua condição de sensível comum, permite que a forma seja percebida ao mesmo
tempo que a cor (sensível próprio da vista), que o som (sensível próprio do
ouvido), que o tato (sensível próprio do tato).

Assim sendo, por toda a parte a forma plástica se combina com as demais
qualidades sensíveis com que opera a arte. E o artista finalmente cria
expressões altamente sofisticadas pela sua complexidade, com que articula sua
obra com o tema a ser expresso.

A forma plástica, em vista da distribuição das partes no espaço, oferece


portanto variados recursos às operações da expressão artística.

Articulando-se com os objetos a expressar, consegue seus objetivos largamente,


no desenho, na escultura, na arquitetura.

Também nas outras artes, inclusive na pintura, ocorre a constante presença das
dimensões da forma.

III - Espécies e graus de som.

0531y462.

463. O som é uma qualidade sensível, tão bem quanto a cor e a forma plástica,
mas se apresenta muito diferente, quer na apreciação meramente estética, quer
no aproveitamento para a expressão artística.
É o som, quando visto como espécie, parte de um subgênero,
denominado qualidade sensível, o qual por sua vez é parte do gênero maior,
denominado simplesmente qualidade.

Caracteriza-se o som como sendo o objeto formal (essencial ou específico) do


ouvido, como a cor o é dos olhos.

O som da percepção humana oferece menos precisão, do que aquela oferecida


pela cor, atingida pela vista. Em consequência não é o som o principal objeto a
que atende o ser humano

Além disto, a capacidade de percepção sonora varia muito de indivíduo para


indivíduo. Também por isso a música é a arte dos mais prendados quanto ao
ouvido, enquanto que desenhar e pintar, esculpir e gesticular todos sabem um
tanto, como também todos entendem mais depressa o que as cores e formas
exprimem.

A música não é o som em si mesmo, se a entendemos como arte em sentido


estrito, na qual deva haver, além do significante, também o significado.

Uma sequência agradável de sons não passa de um arranjo estético pré-artístico.


Sem dúvida, que o mero arranjo estético dos sons musicais é por si só já de
grande apreço.

Mas, se uma sequência de sons estéticos incluir um significado, - tanto melhor,


- e então será também a arte em sentido estrito.

Também como já se advertiu com referência à cor, o som é uma resposta


subjetiva às ondas sonoras que incidem nos terminais nervosos do órgão
auditivo. Estas ondas se convertem em impulsos elétricos, transmitindo-se ao
cérebro onde reações especiais criam a resposta, e ela assume a forma psíquica
de som.

Na ordem real não existe o som como se apresenta na psique, senão a vibração
física que o provoca. Somente há sons subjetivos, como resposta de natureza
psíquica, diferente daquilo que o gera.
464. Redividem-se os sons em espécies, as quais recebem a denominação
de tons. Conforme a maneira de reagir às diferenças de intensidade das
vibrações, formam-se os tons, os quais constituem portanto as espécies em que
o som se subdivide.

O lado físico do som está nas vibrações, sendo pois os diferentes sons
indicáveis por meio do número dessas vibrações.

A sistemática da notação musical distribui os tons em escalas musicais, as


quais por sua vez se sobrepõem em esquemas de oitavas.

Em sucessão, os tons de uma escala se denominam: dó, ré, mi, fá, sol, lá, si.

Depois seguem os mesmos nomes para os tons paralelos da escala seguinte.

Os tons, como se apresentam, se diferenciam apenas como espécies de sons.


Tão sós pela diferença de espécie os sons (tons) criam alguma semelhança com
os objetos (temas) a expressar.

Na condição de tons ainda não envolvem os sons a questão das diferenças


de grau da intensidade.

Os graus ocorrem em cada espécie de tom, e dizem respeito à intensidade. Os


extremos são o piano e o forte.

Também os sons oferecem maneiras complexas de reação por parte do ouvido.


Tal como as cores se multiplicam pela mistura, também os sons variam no
comportamento auditivo ao serem postos em simultaneidade.
Verificam-se, então, os sons harmônicos e os dissonantes. A arte aproveita
estas circunstâncias, que se reduzem ao plano da variação específica dos tons
entre si.

465. Do ponto de vista físico, muito há a considerar sobre as vibrações sonoras,


mesmo quando somente em função à música.

Verifica-se o som especialmente nas vibrações dos corpos em estado gasoso.


Mas também ocorre nas vibrações dos corpos líquidos e sólidos. Basta que seja
possível atuar sobre o ouvido, de algum modo.

Aliás, gera-se ordinariamente o som mediante vibração de um corpo sólido, que


o transmite ao gasoso, ou seja ao ar ambiente.

O ouvido sofre limitações, sendo-lhe possível perceber sons a partir do limiar


de 16 vibrações de frequência por segundo, prosseguindo até acima de 30.000.
O cão consegue perceber mais além que o homem. O ouvido humano possui
melhor sensibilidade de 100 a 5000 vibrações.

Teoricamente, cada vibração seguinte na frequência de som produz também


outra espécie de som. Mas o ouvido não consegue ordinariamente perceber
todas estas passagens de um tom para outro.

Nas baixas intensidades os espaços sonoros perceptíveis são menores. Com a


subida da intensidade, vão também os espaços sendo progressivamente maiores.

Nas altas frequências de vibração, por exemplo, de 15.000, a diferença


requerida entre um e outro distintamente percebido é de centenas de vibrações.

466. Na escala musical usual, já de longa tradição, se aproveitam os sons


de 16,31 vibrações até 8.192 por segundo.
Ocorrem neste espaço 109 sons, dos quais 64 são considerados naturais e
45 cromáticos.

Organiza-se todo o contexto das escalas musicais em 5 planos sucessivos, com


sinais gráficos peculiares, com denominações também variáveis, principiando
todavia cada uma pelo tom em dó. Dali resulta o seguinte quadro:

Dó contra profundo;

Dó profundo;

Dó grave;

Dó médio;

Dó alto;

Dó agudo;

Dó sobre-agudo;

Dó agudíssimo;

Dó sobre-agudíssimo.

467. Também as oitavas se subdividem em unidades internas conhecidas


pelas denominações já antes apresentadas, - dó, ré, mi, fá, sol, lá, si (vd 464).

Embora sejam 7 as unidades internas, ou espontâneas, de sons naturais,


ocorrem mais cinco meio tons, ditos sons cromáticos.

Decorre, então, haver em uma escala 12 sons, somados os naturais e os


cromáticos.
468. Tetragramas. Numa outra redivisão, a escala musical apresenta duas
regiões naturais, denominadas tetragramas, cada uma com 4 elementos, como
sugere o termo tetra, de derivação grega. Em cada tetragrama ocorrem 3 tons
inteiros e um meio tom.

A alteração adequada no posicionamento destes meios tons cria escalas naturais,


e que se chamam sucessivamente:

Dó maior;

ré maior;

mi maior;

fá maior;

sol maior;

lá maior.

Distinguem-se das correspondentes escalas em menor.

469. Ritmo e som. A inconstância dos sons, em virtude de sua produção


mediante vibração do ar, permite ainda a consideração do movimento
articulatório interferindo no som em vigência, do máximo de sonoridade até a
sua supressão.

A variação articulatória é suficientemente perceptível, para facultar a criação da


linguagem. Constitui a variação articulatória um elenco de sons, que se
denomina alfabeto.
Posto o valor absoluto de cada som a se mover após outro, formando sucessões,
tem-se o ritmo sonoro, o qual não é apenas uma sucessão de densidades físicas,
mas também de sucessão na ordem qualitativa, formando uma escala de tons.

A variação de grau na ordem meramente intensiva é apenas uma variação


acidental do som, porque não diz respeito ao som especificamente como som.
Neste plano meramente acidental se distinguem variações sonoras: sons fracos
(ou pianos), e sons fortes (ou intensos). Uma escala variada é possível, cujo
ritmo é ainda ordenado em diferentes modelos de compassos.

Há, pois duas modalidades de ritmos, o ritmo essencialmente sonoro dos tons
na escala e o ritmo acidental de intensidade física dos sons. Mas um e outro dos
ritmos é aproveitado na expressão artística.

470. Tônica do ritmo de intensidade, acorde do ritmo especificamente sonoro.


Os sons sucessivos poderão ser apreciados em função a uma tônica dentro do
fluxo da intensidade. O ouvido se organiza em um atender aos sons ordenando-
os em torno desta tônica (vd) marcando um momento dentro da intensidade do
som.

Cada conjunto com uma tônica forma um compasso. Conjuntos em sucessão,


constituem novo ritmo, que é o de conjuntos que se repetem.

Como já se antecipou, os compassos podem obedecer a diversos modelos. Mas


ordinariamente o ritmo prefere manter-se em seu mesmo compasso. É que a
excessiva mudança não facilita a apreensão, e se torna por isso mais penosa.

Em parte igual e em parte mudando, os mesmos compassos se repetem


facilmente e assim agradam mais. Por isso, uma súbita mudança de compasso,
isto é, de tônica, provoca advertência.
471. Harmonia sonora. Também os sons, considerados especificamente como
tons, obedecem a um ritmo, que os torna harmônicos. Fora deste campo os sons
criam o efeito da dissonância, ou desarmonia. Dentro deste mesmo campo,
criam a consonância, ou harmonia, cujo desenvolvimento resulta na
composição musical e no canto.

Para formar o ritmo harmônico dos sons essencialmente considerados, atende-


se ao que se denomina acorde (vd). Assim há por exemplo o acorde em dó, o
acorde em sol, etc.

Pelo visto, as espécies e graus de som oferecem os mais variados efeitos


psicológicos, todos de natureza pré-artística, e que ato contínuo vão servir aos
objetivos da arte.

IV - Espécies e graus de símbolos.

0531y473.

474. Natureza convencional do símbolo. Em vez de semelhanças naturais, a


arte opera também equivalentes convencionais (vd 214). Então ocorre o
fenômeno: faz de conta que... Ou seja, faz de conta que, quando digo vaca,
estou pensando naquela besta querida, que nos dá leite todos os dias, sem que
ninguém lhe agradeça!

Vale ainda o mesmo princípio explicador da arte, a qual exprime por via
da semelhança (vd 176), porque o equivalente convencional é efetivamente uma
espécie de semelhança, e somente por isto consegue exprimir.
Quanto ao nome, símbolo e equivalentes convencionais dizem praticamente o
mesmo.

No caso especial a linguagem humana, estes símbolos são complexamente


ordenados pela assim chamada gramática, esta todavia mal planejada e
multiplicada em milhares de idiomas.

475. Símbolos com alguma semelhança natural. Não importa que a


expressão convencional seja puramente convencional. Um grande número de
símbolos são eleitos pela convenção, ao mesmo tempo que apresentam alguma
semelhança natural, ou ainda por causa de uma outra relação qualquer.

O que entretanto definitivamente decide é a convenção. O branco, por exemplo,


é por muitas razões símbolo natural de pureza. A luz é também, por muitas
outras analogias, o símbolo da inteligência, do espírito, da divindade.

Sempre que o símbolo é escolhido por causa de uma semelhança parcial, ele
pode provocar equívocos. Importa por isso algum cuidado.

Efetivamente o branco não é exatamente o mesmo que puro. Nem Deus é como
a luz, ainda que os visionários tenham dito o haverem visto assim.

476. A matéria dos símbolos. Os equivalentes convencionais são tomados, ora


ao som, ora à cor, ora à forma, dali decorrendo uma grande variedade de
símbolos.
Acontece agora uma grande virada nas artes. Sendo o som articulado de fácil
produção e ainda de fácil controle pessoal do falante, a linguagem se tornou um
processo de uso dominante, apesar de a cor e a forma plástica serem mais
capazes de imitar ao objeto al qual exprimem.

477. A prosa e a poesia nos símbolos. Quando o símbolo é daqueles que


oferece uma base natural, esta poderá operar, ou simplesmente ao modo da
expressão direta em prosa (por mimese específica), ou em dois tempos, como
na poesia (por associatividade).

No primeiro caso opera apenas a inteligência; no segundo acrescenta-se a


imaginação e a memória, em cujo subconsciente se associam as imagens.

Importa atender à diferença sutil entre um e outro símbolo. As imagens podem


evocar-se por semelhança, contraste, contiguidade.

Os semelhantes não somente se acusam, como no caso da expressão em prosa.


Também podem evocar-se associativamente, o mesmo acontecendo com os
contrastes e a contiguidade.

O caráter evocativo de um grande número de símbolos enriquece a poesia.

Diferente ainda era a poesia simbolista do final do século 19. Estava no


contexto da filosofia espiritualista eclética francesa, em especial da
intuicionista. Buscava o simbolismo expressar algo mais e que supunha
conseguir através dos símbolos.
ART. 3o

O MOVIMENTO E O RITMO NA ARTE.

0531y479.

480. Introdução. As qualidades sensíveis, aquelas aproveitadas na feitura da


expressão artística, estão, ora em situação estática, ora em movimento, quando
também ocorre o ritmo.

Importa conhecer com mais profundidade o movimento e o ritmo na arte, com


vistas a melhor compreender o fenômeno e utilizá-lo como recurso da
expressão artística.

O ordenamento didático se apresenta simples, em dois parágrafos:

- natureza do movimento e como é aproveitado na arte (vd 482);

- ritmo do movimento (vd 491).

§1 - Natureza do movimento e como é aproveitado em arte.

0531y482.

483. Não existe uma coisa que se diga arte do movimento, como se este
pudesse ser portador de expressão artística, e ser pois um significante.

Importa saber em que sentido o movimento é comparece na arte. Aparece


efetivamente nas articulações miméticas da prosa (vd 639), nas sugestões
associativas do ritmo poético. Apresenta-se ainda como tema, de que o
cinetismo e o futurismo (vd 489), duas experiências .

A pintura em tela aproveita as cores em seu momento estático. Já a televisão se


ocupa das mesmas cores em estado dinâmico.

O mesmo acontece com a música e a linguagem, que operam o som apenas em


estado dinâmico.

O estático e o dinâmico são condicionamentos da matéria utilizada e não


mudam portanto a espécie de arte, seja da cor, seja da forma, seja do som. É
que a arte opera com a categoria qualidade, enquanto o movimento é fenômeno
pelo qual um ser se altera, sobretudo quanto ao lugar.

Portanto, não existe uma coisa que se possa dizer arte do movimento, e que
possa ter a função direta de portadora de expressão artística.

484. Estaticidade e movimento. Importa saber mais exaustivamente o que o


movimento em si mesmo é.

Do ponto de vista da duração, um ente pode manter-se em suas determinações,


sem alterações. Sob este ponto de vista é estático, isto é, estável.

E se não se mantém em suas determinações, assumindo sucessivamente outras,


o ente se diz em movimento.

Diz-se movimento local para aquele em que o movente muda apenas de lugar.
Ordinariamente é a esta alteração que se dá simplesmente o nome
de movimento. Na verdade é o movimento local aquele que mais nos afeta.

Aos outros movimentos, sobretudo de mudança de qualidade, se usa


dizer transformação, ou alteração, ou ainda, - mas no grego, - alóiosis.
A distância entre movimento local e transformação é menor do que à primeira
vista parece. De ordinário temos a falsa imagem que o movimento se faz num
espaço vazio, e então praticamente se reduz a uma mudança extrínseca.

Verdadeiramente, porém, o lugar está na mesma estrutura do objeto; cada coisa


carrega o seu lugar, e quanto se move, este lugar se transforma internamente,
não sendo fácil esclarecer o que efetivamente acontece.

O movimento, além de não acontecer em um espaço absoluto, não é uma coisa.


Existem coisas que se movem, isto é, que se transformam. As coisas são
materialmente o movimento, porque o exercem.

Formalmente, porém, o movimento em si mesmo nada é. Desaparece algo na


coisa, e comparece algo na mesma, pela qual se diz ter feito movimento.

Assim sendo, o movimento não é matéria de expressão artística, do mesmo


modo como a é a cor, ou a forma, ou o som.

Não é o movimento mais um material portador ao modo de um significante,


depois da cor, depois da forma, depois do som, como se fosse um quarto
material. Não existe, pois, uma arte do movimento, como se fosse uma espécie
ao lado da arte da pintura, da escultura, da música, da linguagem.

485. A participação do movimento na arte consiste em um aporte a mais de


matéria, mas dentro do campo daquilo que é movido. A cor, ao se mover, deixa
uma faceta da cor atual, para encaminhar uma outra.

O movimento é negativo apenas enquanto uma determinação da coisa deixa de


ser. Todavia, depois surge uma nova determinação, qual enriquece de um novo
modo a expressão.

O momento estático é em si mesmo rico. Todavia, se torna monótono,


comparado ao processo de um todo em movimento, porque cada novo instante
apresenta algo mais.

Cada novo momento é fundamentalmente um momento estático, antes que


sejam um novo elemento. O movimento é apenas uma cadeia de elementos
estáticos que se substituem.
É falso, pois, - conforme já se advertiu, - arrolar o movimento como matéria
portadora da arte. São as referidas matérias que se movem, enquanto o
movimento em si mesmo nada é em absoluto.

486. A modernização das artes insiste em criar o movimento, para que se


multipliquem as possibilidades de expressão. O rádio, o cinema, a televisão, as
técnicas de gravação, reprodução, nova dimensão, tornaram o mundo moderno
muito mais capaz em expressão e expressividade.

No passado, o gesto e o teatro eram as poucas possibilidades para estabelecer a


expressão móvel em cor e forma. Apenas o som musical e a linguagem eram
relativamente capazes de dinâmica.

Depois os recursos do cinema, da televisão da gravação e reprodução


imprimiram nova dinâmica à capacidade humana de expressão móvel.

487. Movimento real e movimento psicológico. Há um movimento dito real,


que efetivamente se dá nas coisas movidas, e que é o movimento propriamente
dito. E há um outro movimento, dito psicológico, produzido pela sucessividade
da atenção da mente.

Consiste o movimento psicológico no caminhar da atenção, a partir de um tema


para outros temas; de um ponto da linha ao longo de todos os pontos; de uma
parte da forma, para outra partes; de um som para outros sons.

O movimento psicológico, - que se dá na atenção sucessiva do indivíduo, e não


no objeto em si mesmo, - decorre de uma limitação antropológica, pela qual
nossa maneira de apreender as coisas não é simultânea, mas por sucessões.

As partes de uma linha são percebidas pela vista a começar de um ponto, de


onde prossegue ao longo de toda a sua extensão. Ocorre o mesmo
procedimento na apreciação das áreas e volumes.
Consequentemente, o artista dispõe os elementos de sorte a facilitarem o
movimento psicológico de apreensão. Dali vem que o ritmo das janelas de um
grande edifício pode agradar.

Os coloridos de uma tela são apreciados sucessivamente. Por isso, na


composição de uma tela, o pintor atende a uma certa ordem, -
chamada composição, - que facilita a apreciação.

Também o ouvido atende a uns sons antes, que outros; mesmo que a orquestra
produza enormidade de sons, eles são apreendidos como um todo uníssono,
este uníssono segue para novas variantes de uníssonos. Por causa do ritmo
psicológico de apreensão dos sons se dá a preferência determinada por certas
composições sonoras, quer na intensidade da emissão dos sons, quer nas
diferenciações cromáticas dos mesmos.

488. O movimento como tema. Distingue-se entre o movimento na matéria


portadora da expressão e o movimento quando este passa a ser o tema expresso,
ou notícia.

Considerado apenas como tema, ou notícia, o movimento é objeto abstrato, e


permite o que se denomina arte abstrata, ou ainda arte meramente formal.
Então o movimento não está a serviço da arte, e sim a arte a serviço do
movimento ao qual expressa.

Mas somente o mesmo movimento poderá expressar com propriedade o


movimento. Aliás, o semelhante acusa o assemelhado.

Entretanto, o movimento está nas coisas, e se exprime com estas coisas em


movimento. A dificuldade surge, porque temos de criar o contexto, em que
fique claro que não se trata de expressar as coisas móveis e sim o movimento
simplesmente em si mesmo.

489. Cinetismo. Futurismo. Historicamente, a arte que tematizou o


movimento sempre existiu. Tal se observa na dinâmica muscular das esculturas
e na força interna dos elementos arquitetônicos.
Mas o movimento é sobretudo peculiar à dinâmica da civilização moderna. E
por isso a arte passou cada vez mais a explorar o movimento como um tema
abstrato.

O cinetismo, - termo derivado do grego kínesis (= movimento), - é a arte que se


destaca no aproveitamento de silhuetas que se movem, param, retornam e se
movem, indo-se de novo a girar.

A primeira exposição do cinetismo, expressamente batizada com este nome,


ocorrem em Moscou, 1964. Entre outros primeiros representantes do cinetismo
são citados Humbro Apolônio (Itália), Henk Peters (Holanda), Matheo
Nestrovic (Iugoslávia), Leon Nusberg (Rússia).

Este último criara em 1961 uma obra representativa cinetista denominada Foco
de tensão.

O futurismo, do primeiro após guerra, criado por Marinetti (1876-1944) foi


também uma forma de tematizar o movimento.

§2 - Ritmo do movimento.

0531y491.

492. Depois de se tratar do movimento na arte, ainda importa determinar um


certa ordem do mesmo, o que é importante para a expressão artística.

Eis quando surge a questão do ritmo, do qual há a examinar dois itens:

- natureza e classificação do ritmo (vd 493);


- esteticidade do ritmo (vd 503).

I - Natureza e classificação do ritmo.

0531y493.

494. Ritmo é a sucessão ordenada das partes em movimento. Já não se trata


só do movimento na arte, mas ainda do ritmo em que este movimento acontece.

Etimologicamente, ritmo, - do grego réo (= fluir), de onde rithmós (=


movimento compassado) sugere o fluxo ordenado das partes em movimento.
Em vista de haver na natureza uma certa ordem das coisas que fluem, o nome,
que apesar de dizer apenas movimento, se associou ao movimento compassado.

Há ritmo sobretudo quando as sucessões fluem em partes iguais. Mas se diz


também ritmo a uma sucessão, em que as variações não se alteram
violentamente no seu curso, sendo então ainda reconhecíveis como elementos
de um sistema de movimento.

Os efeitos estéticos são diferentes em cada modalidade de sucessões. Dali a


conveniência de uma prévia classificação.

Classificam-se os ritmos, uns pela forma, outros pela matéria, com as


respectivas variantes internas.

495. Os ritmos, do ponto de vista da forma. Do ponto de vista da forma,


como se der o movimento, de anterioridade e posterioridade, o ritmo pode ser:
- ou uniforme,

- ou variado.

Nesta consideração se leva em conta o tempo e a medida.

O tempo se diz da existência enquanto dura. Apresenta relação de passado,


presente, futuro. Eis um aspecto importante para o tema, porquanto em tudo
nos interessa apreender a coisa no seu tempo.

Todavia na expressão em si mesma importa em primeiro lugar o fluxo da


informação nela contida e liberada ao consumidor da expressão. Toda a
expressão se desenvolve com um certo ritmo, dada à limitação antropológica
das faculdades do ser humano.

Considerações similares são as que dizem respeito à medida. Para cada tempo a
expressão limita os informes capazes de terem trânsito. A quantidade é uma das
mais importantes categorias, razão porque se alia ao tempo.

Combinados, o tempo e a medida geram duas espécies de ritmo, - uniforme e


variado.

É uniforme o ritmo em que antecedente e o consequente se repetem


proporcionalmente.

No ritmo variado, as relações se diversificam em cada oportunidade.

São também formas do ritmo o mais rápido e o mais demorado.

O ritmo longo se chama por vezes ciclo, sobretudo quando não bem definido,
embora efetivo. São por exemplo, ciclos, as estações do ano.

Também apresenta o caráter de ciclo o aspecto, ora vivo, ora aparentemente


morto da matéria.
Ou em outra filosofia, a dualista, o espírito passa por ciclos, ora encarnados,
ora desencarnados.

496. Os ritmos, do ponto de vista da matéria, se classificam pelos elementos


postos em sucessão, independente da forma como o ritmo se dê.

Como já citado, o ritmo é real (ou físico), se ocorre objetivamente nas coisas.

São ritmos físicos, o movimento regular das ondas, as batidas do coração, as


oscilações moleculares.

O ritmo é psicológico, quando dito das sucessões da atenção com que o


indivíduo apreende os elementos dos objetos que conhece por sucessão das
partes. Tal geralmente é o ritmo ao qual se atende quando se constrói a
expressão poética. O mesmo procedimento ocorre na música, quando a
sucessão dos sons é posta com atenção à capacidade antropológica do
apreciador.

Há diferenças de ritmo material entre o das cores, das formas, do som musical.
No campo mesmo dos sons, há um ritmo especificamente musical, e outro que
se restringe à sequência articulatória da linguagem, ou à sequência pura e
simples da percussão.

Dada a inferioridade técnica do instrumental dos povos primitivos, estes


cultivam notoriamente o efeito da percussão.

Ainda na percussão prospera o ritmo das manifestações populares, de que o


carnaval é um exemplo de longa tradição.

Enfim, note-se ainda quanto está concentrada na percussão a música africana


em várias regiões do mundo.
497. Para a arte importa especialmente o ritmo psicológico, determinado,
como já se advertiu, pelas limitações antropológicas das faculdades de
conhecimento.

Mesmo quando um ritmo já existe objetivamente, ele passa a se condicionar à


capacidade psicológica do indivíduo.

Os olhos saltitam com um certo vagar de uma cor para a outra, de uma forma
para outras forma, de um para outro símbolo. Ainda que a capacidade dos
indivíduos seja desigual, acontece contudo certa medida, dentro da qual opera
ordinalmente o artista.

O mesmo acontece com o ouvido, que atende às diferenças de tons e


tonalidades. Agora as diferenças entre a capacidade dos indivíduos é maior,
mas também determinável dentro de certas médias.

Até mesmo no mundo interior da inteligência há um ritmo das idéias, dos


juízos, dos raciocínios. De novo, por mais obtusos seja a maioria dos homens, o
plano a que atingem os cientistas e os filósofos não ultrapassa o que em
princípio é natural do ser humano em geral.

498. Tempos de duração rítmica. As convenções, com base no ritmo


psicológico, dividem os tempos de duração em estruturas de:

- quatro por quatro (ritmo quaternário),

- três por quatro (ritmo ternário),

- dois por quatro (ritmo binário).

O quaternário, como um todo subdividido em quatro sub-unidades, é


considerado o ritmo psicologicamente espontâneo para o homem.
Os ritmos ternário e binário exigem mais energia das disposições psicológicas
do indivíduo.

É então evidente que os ritmos mais exigentes, - como ternário e binário, - ao


serem executados, estimulam, enquanto o menos exigente, - como o
quaternário, - mantém a estabilidade emocional.

Verifica-se, ainda, que, na estrutura de cada bloco de elementos metricamente


ritmados em unidades de tempo, ocorrem, como tendências naturais, tempos
fortes e tempos fracos.

Dentre estes repete-se a dicotomia: os tempos fortes se subdividem em mais


fortes e menos fortes; os tempos fracos, em mais fracos e menos fracos.

Seja o ritmo quaternário, o mais forte é o primeiro elemento. O menos forte, o


terceiro. O menos fraco é o segundo. O mais fraco, o quarto.

Dali os valores dos acentos do compasso quaternário:

1 (++++), 2 (++), 3 (+++), 4 (+).

Na estrutura ternária ocorre o tempo forte apenas no primeiro, seguido de dois


fracos. É típico da valsa:

1 (++), 2 (+), 3 (+).

Na formação binária se dividem as partes com um forte e um fraco. Este rigor


cria a marcialidade do compasso de marcha:

1 (++) (2 (+); 1 (++), 2 (+).


499. Ritmos rápidos e sofisticados. As sucessões rítmicas são susceptíveis de
novas subtilizações, introduzidas por subdivisão dos blocos fundamentais.

O ritmo binário do movimento musical é redivisível em seis partes. Então se


consegue pôr um acento secundário na segunda parte da sequência, obtendo-se
o que em música se denomina seis por oito (6/8); bastante rápido, executa
dentro do espaço binário as sofisticações indicadas.

Subdivisões similares se admitem dentro dos compassos ternários e


quaternários.

A síncope, omitindo a colocação do elemento natural da sequência estabelecida


como regra do esquema em andamento, provoca efeitos singulares dentro da
regularidade rítmica.

Ocorre no samba, como peculiaridade.

No verso literário os elementos ritmados são as articulações. Em geral se


exerce o ritmo dos acentos.

Podem ocorrer na primeira, terceira, quinta silabas do verso.

Ou na segunda, quarta e sexta, e assim por diante.

Não é idêntico o efeito, em virtude das conotações psicológicas.

Ainda é possível ritmar os versos pela modalidade dos sons, ou seja pelas rimas.

Situações similares às ritmias musicais e linguísticas se podem encontrar nas


sequências em cor e forma, teatro e cinema, televisão, balet.
500. Ritmo linear e ritmo multidirecional. O ordenamento das partes, de que
se compõe uma obra de arte, se pode dar num sentido linear, ou seja tomando
só uma direção.

Este fato decorre do sistema de atenção dos sentidos e da inteligência. Os olhos


atendem para um ponto, a partir do qual progridem.

É natural escrever em linhas retas. Terminada a primeira linha se retoma


regularmente a segunda, depois a terceira, e assim por diante.

O linearismo da escrito não é apenas uma questão administrativa de espaço.


Acontece também por uma tendência de ritmo, e tem mesmo o efeito de
organizar o pensamento.

Na remota antiguidade, os egípcios já ordenavam a pintura mural em quadros


justapostos e em filas. Estas vinham também em sucessivas outras filas,
descendo a parede.

Ainda hoje a boa composição de um quadro ordena internamente os episódios,


facultando à vista captar a logística interna de toda a mensagem.

O cinema, a televisão, o teatro, e mesmo a música desenvolvem o tema com


tendência linear, e não como um eclodir simultâneo de relâmpago. Em toda a
boa expressão ocorre um elenco.

Os versos da poesia, estruturados em estrofes, se sobrepõem como todos


maiores, obedecendo por conseguinte um certo linearismo.

A argumentação silogística se desenvolve mais ou menos por uma ordem linear,


em que cada premissa recebe sua linha.

O mesmo sucede com a organização do processo indutivo, que arrola muitos


fatos em que os fenômenos se manifestam constantes.
O livro obedece a uma sequência temática, em que os capítulos e parágrafos se
colocados em destaque próprio. O mesmo acontece com os índices, onde os
títulos ganham seu espaço e respectiva numeração.

Os cartazes comerciais tendem a respeitar a linearidade.

501. A estrutura multidirecional contraria a tendência unidirecional da atenção.


Por isso, atropelar a tendência unidirecional da atenção serve de expediente
para criar efeitos especiais.

Quando os efeitos novos forem o objetivo da expressão, eles justificam o


processo da expressão multidirecional.

A pintura, apesar de sua composição poder ordenar-se pela organização


unidirecional, permite a explosão em todas as direções indistintamente. O
cartaz e a capa de livro facultam com liberalidade a multidirecionalidade,
quando este for o objetivo específico da composição.

Alguns setores de vanguarda, da expressão literária em livro e jornal, tem


experimentado fugir ao tradicional linearismo, criando sobre a página centros
de expansão, conduzindo a atenção em variadas direções.

Técnicas peculiares foram propostas diferentemente pelos inventores de formas


não lineares de expressão.

Fundamentalmente estes experimentadores nada mais fazem do que utilizar


indiferentemente a marcha para frente e para trás, para cima e para baixo, em
linhas circular e em linha quebrada.

Escrevem por exemplo as palavras acompanhando a forma exterior dos objetos


aos quais significam, desta maneira, substituindo por uma anarquia
multidirecional a espontaneidade da unidirecionalidade.

As operações artísticas da multidirecionalidade se justificam sempre que a


serviço de uma expressão mais eficaz e com efeito especial. É o que quase
sempre acontece nos cartazes, nas capas de livro, e não nas revistas e jornais.
II - Esteticidade do ritmo.

0531y503.

504. Ao ordenar a percepção, o ritmo lhe imprime maior rendimento, o qual


repercute na área do sentimento.

Oferecendo em ordem e em medida aceitável os elementos sucessivos, faculta


que estes sejam assimilados espontaneamente pela apreensão humana, que em
consequência disto sente agrado estético.

O mesmo não acontece com os elementos oferecidos em blocos desordenados


ou excessivamente complexos.

O melhor ritmo, do ponto de vista da normal condição psicológica do


apreciador, é aquele que oferece uma estrutura em que os elementos, em cada
novo instante, se alteram apenas em parte. Enquanto surgem os novos
elementos, permanece algo dos anteriores, desobrigando à mente a uma
percepção totalmente nova. A alimentação com meias novidades liberta o
indivíduo das surpresas totais.

A linha do horizonte se oferece como percepção serena, porque em parte é a


continuação da reta, que oscila apenas de leve. A progressão branda permite,
sem maior esforço, tomar conhecimento das novidades que se oferecem em
torno de todo o horizonte.

De outra parte, a nenhuma alteração na fisionomia dos elementos em sucessão


resulta no fenômeno da monotonia.

Alguma capacidade a mente possui para em todo o instante apreender coisas


novas. O que não consegue sem esforço é a novidade total. A dinâmica natural
das potências do conhecimento humano requer uma realização contínua, que
exatamente o ritmo de substituições sob medida oferece.

O som inalterado dos longos apitos, a continuação persistente da linha


rigorosamente reta, a presença pertinaz do branco, a repetição, a continuação
persistente da linha rigorosamente reta, a presença pertinaz do branco, a
repetição das mesmas idéias, a presença dos mesmos objetos do trabalho, - esta
falta de novidade deixa o indivíduo em ânsia por alteração de sua monótona
situação.
A expressão artística, ao operar os elementos que deverão indicar temas, deve,
pois, organizar o ritmo das informações. Desta sorte, todo o quadro de pintura,
como qualquer texto literário, reclama uma certa composição dos elementos,
para que a interpretação de conteúdo se torne rentável e suficientemente
abundante, ainda que nunca excessiva e tumultuada.

O ritmo em si mesmo não é a arte, mas na expressão da arte haverá o ritmo


para a tornar adequada.

505. A esteticidade do ritmo é uma propriedade psicológica que lhe é muito


evidente. Agradam todos os ritmos, - estejam eles na sucessão trepidante dos
edifícios e de suas janelas, estejam na ordem triunfal das idéias, das
proposições e arrazoados do prosador , ou ainda na prolífera associatividade
das imagens oferecidas pelos do poeta.

O ritmo sempre agrada, onde quer que esteja, conquanto ajustado à capacidade
de absorção das faculdades humanas de percepção.

A rigor, - e este é; um detalhe curioso, - o agrado emerge fundamentalmente


dos elementos ritmados e não do ritmo em si mesmo, o qual é apenas uma
condição do ordenamento dos referidos elementos.

Cada elemento produz certo efeito. O ritmo ordena estes efeitos, de sorte a
tornar sua apreensão mais eficiente. Os elementos são levados a apreciação por
um instante e já se retiram para dar lugar aos outros e assim sucessivamente.
Sob medida, cada elemento oferece uma contribuição. Globalmente, o agrado
terá a dimensão da soma deles todos.

Em consequência, as partes do ritmo requerem ser conhecidas individualmente.


A regra do ritmo será, pois, dar a cada elemento o tempo necessário e a
dimensão certa requerida pela capacidade de apreensão das faculdades do
conhecimento humano.

Quando as distinções entre os elementos se tornam confusas, de sorte a não


permitir a apreensão individual de cada um, desaparece a participação dos
mesmos na criação do efeito estético.
Na mesma proporção que o ritmo faculta a ação das partes, se exerce o
sentimento estético.

506. A obra de arte, sempre estética em virtude do conhecimento que oferece,


adquire mais excitabilidade estética quando combina com o ritmo. Então a
produção dos elementos de conhecimento surge adequadamente e o sentimento
paralelamente.

É tão frequente o ritmo na arte que quase se pode descrever a esta, como sendo
uma expressão com ritmo. Pratica-se a arte tão só com ritmo, isto é, com ordem
na apresentação de suas partes, adequadamente proporcionais à capacidade
humana de apreensão.

ART. 4o

ALIANÇA MATERIAL DAS ARTES

(ARTES MISTAS).

0531y509.

510. As artes tendem a confluir num mesmo portador, e então ocorre a aliança
material das artes, reforçando seu poder de expressão. O orador, por exemplo,
fala pelas suas palavras, mas também pelos gestos, que alia a elas.

Importa conhecer com mais profundidade a aliança material das artes, com
vistas a melhor compreender o fenômeno e utilizá-lo como recurso da
expressão artística.
O ordenamento didático se apresenta simples, em dois parágrafos:

- natureza e classificação das artes mistas (vd 511);

- a dominância na arte mista (vd 524).

§1 - Natureza e classificação das artes mistas.

0531y511.

512. A aliança material das artes se define como sendo o fenômeno resultante
da presença de muitas qualidades sensíveis no mesmo objeto concreto, de tal
maneira que cada uma das referidas qualidades executa uma expressão distinta,
ainda que todas se coordenando num objetivo comum.

Esta presença no mesmo objeto concreto é favorecida sobretudo através


dos sensíveis comuns (vd), como é o caso da forma plástica em relação, por
exemplo, da cor.

A arte é simples quando no mesmo material apenas uma qualidade assume a


expressão, esquecido o aproveitamento das outras. O desenho ordinariamente é
uma arte simples, porque utiliza apenas as formas. O mesmo acontece com a
escultura quando a estátua não é pintada.

Mas se o desenho e a escultura também utilizam a cor, alia-se mais uma espécie
de expressão - a pictórica. A arte é, portanto, mista, quando no mesmo objeto
material ocorrem várias qualidades sensíveis e que se tornam portadoras de
expressão.

Trata-se de uma autêntica aliança material, das artes, no sentido de que as


expressões são efetivamente distintas, conferindo todavia na mesma obra
concreta de arte em virtude da matéria capaz de determinar-se com um elenco
de qualidades sensíveis.

513. Gêneros de artes mistas. Duas são as espécies, ou melhor gêneros, de


aliança material das artes, em virtude de duas maneiras de confluírem as
qualidades, a confluência em matéria unitária e a confluência em matérias
múltiplas justapostas e combinadas.

A confluência de qualidade, em matéria unitária ocorre quando o mesmo


objeto portador da expressão (ou significante), incidem as propriedades, de tal
maneira a não se poderem separar.

Isto se dá, por exemplo, com a cor e a forma plástica do desenho e da escultura,
ou com o som e as demais qualidades da matéria que produz, ou com os
símbolos da linguagem falada que não podem evadir-se do fato de serem ao
mesmo tempo um som. O escultor, por exemplo, poderá usar a forma plástica
do material, sem atender à sua cor, mas não tem como eliminar esta cor, ainda
que não a aproveita na expressão.

A confluência de qualidades em matérias múltiplas, apenas justapostas,


acontece quando os portadores materiais da expressão efetivamente são
objetos distintos, apenas se coordenando eventualmente em um só sistema.

Tal acontece, por exemplo, no ser humano que, - como um todo resultante de
matérias múltiplas, - dispõe de diversas possibilidades de expressão
coordenadas entre si. O discurso, por exemplo, se fez com palavras,
procedentes da boca, e com gestos, exercidos pelos braços.

Há uma distância muito maior entre as expressões situadas em qualidades, que


procedem de matérias múltiplas e apenas justapostas, que entre as expressões
procedentes de qualidades de matéria unitária.

As expressões em matéria unitária têm maior facilidade de coesão, que as


outras. Se é frequente ver gestos não correspondentes às palavras, é porque
palavras e gestos mal se justapõem, porquanto se encontram num sistema de
matérias múltiplas.

514. Nomenclatura das artes mistas. Algumas formas de arte mista possuem
nomes consagrados e estrutura definidas pelo uso vigente.

Ainda que possam exercer-se como artes simples, fazem-se conhecer pela
forma composta, e que são balé, teatro, cinema, televisão, arte concreta, a qual
por sua vez formas como caligrama, palavra montagem, etc.

Há que não confundir nomes de artes mistas com os gêneros artísticos (vd).
Referem-se as artes mistas aos materiais portadores da expressão, enquanto os
gêneros artísticos aos temas expressos. Dada, porém, a polissemia, uns nomes
permitem ser tomados pelos outros.

Geralmente no campo de uma arte mista se pode desenvolver diversos gêneros,


dada a sua capacidade de expressão.

515. O balé (vd 593) se exerce basicamente como arte de formas plásticas. Por
acréscimo às formas plásticas se usa acrescer a música e as cores.

Alheia-se o balé, algum tanto, da linguagem e do canto.

516. O teatro (vd 589) se funda em primeiro lugar na forma plástica. O ator
comparece com a forma plástica do seu corpo, que serve de matéria portadora
principal da expressão.
As cores, inerentes às formas, são obviamente também apreciáveis no teatro.
Forma e cor constituem matéria portadora unitária.

No teatro a matéria portadora também é múltipla. Por esta outra via acrescenta-
se como primeiro associado do teatro a linguagem. O ator, além de forma e cor,
dispõe também da boca, e por meio desta falta e canta.

A linguagem participa de tal maneira da representação do palco, a ponto de


ocorrer a tendência de identificar o teatro à literatura.

Não obstante, em primeiro lugar, a cena é para os olhos, que apreciam as


formas em movimento, e num acontecer acontínuo são possíveis até as cenas
mudas.

Importa muito a forma plástica do ator, ao ponto de se admitir que a ação deva
predominar sobre o texto.

Não pode o teatro reduzir-se a um diálogo, o puro diálogo simplesmente não é


teatro, mas apenas linguagem. O desenrolar da ação prevalecerá, cabendo ao
falar do ator completá-la.

Em alguns gêneros de teatro se omite a música. Mas em outros tem um quase


domínio, como na cena lírica.

No palco se pode mudar a dominância para outra espécie de arte, - isto é


possível, - mas então outra será a arte, e já não teatro.

517. O cinema (vd 592), como arte mista, tem muito de comum com o teatro, -
o predomínio da ação sobre a linguagem.

Tecnicamente, a matéria portadora da arte cinematográfica é a forma plástica.


Esta pode ainda conter a cor. Ambas mantém ainda o caráter de matéria
portadora unitária.
Acrescido do som, - mediante técnicas especiais, - o cinema se torna portador
múltiplo, de uma arte eminentemente mista, porque soma ainda a linguagem e a
música.

É a forma plástica em ação o instrumento principal da expressão


cinematográfica.

Com referência à música, ela pode ser ambiental, reforçando com sugestões
sonoras a ação.

Inicialmente o cinema foi mudo, por causa da dificuldade técnica de lhe


acrescer a sonoridade.

518. A televisão (vd 592) representa a maior revolução nas técnicas da arte
mista, por causa dos recursos da transmissão eletrônica. Sua matéria portadora
principal é a forma da imagem, que reúne à forma plástica ainda os recursos da
cor. Até aqui se trata de matéria unitária.

Por justaposição dos respectivos portadores, a televisão acresce ainda a música


e a linguagem.

519. O canto (vd 594) é inegavelmente uma arte mista, composta de música e
texto literário.

Não se define claramente no que se refere ao predomínio.

Certamente muito importa o texto. Na verdade, não há canto sem texto, o qual
inclusive se pode isolar e apreciar separadamente.
Quando a música do canto se exerce com muita personalidade, pode-se isolá-la.
Então o texto não passa de um motivo para a criação do elenco musical.

Na 9-a sinfonia de Beethoven, por exemplo, o coral não chega a anular a


característica fundamental do todo sinfônico. As vozes impressionam
musicalmente, e não requerem a atenção acentuada ao conteúdo do texto, cuja
língua pode mesmo não ser entendida por todos os espectadores.

520. O concretismo se situa na área das alianças da arte. Leva consigo a carga
polêmica das realizações históricas do movimento. Mas, fundamentalmente
significa apenas a aliança das artes, desde sempre praticado, e agora mais
amplamente.

Ocupou-se o concretismo em unir matérias portadoras não coincidentes, ainda


que não se restrinja somente a esta região dos não coincidentes.

Definida a arte concreta essencialmente como aliança de artes, sua definição do


ponto de vista histórico inclui um movimento de experiências novas neste
gênero de arte. Fizeram-se alianças nunca antes seriamente tratadas. Este
aspecto é apenas acidental, ou seja estilístico da evolução que lhe imprimiu a
referida vanguarda.

Ainda que o concretismo, como escola, tenha combatido a estrutura rítmica da


poesia, um concretismo integral defende e desenvolve todas as alianças da arte,
sem estabelecer a nenhuma como exclusiva e a nenhuma como excluída.

Como movimento, um concretismo integral é aquele que restaura os direitos de


todas as alianças. Neste particular, o concretismo retificou a convicção antiga,
de que a poesia se prendia necessariamente ao ritmo dos sons. Na verdade a
poesia não se prende a nenhuma aliança, ainda que algumas possam ser mais
adequadas a este ou a aquele gênero temático.
521. Aponta-se como marco inicial do movimento concretista literário moderno
o poema-constelação de Mallarmé Un coup Dés (1897), que tomou em conta o
aspecto ideográfico. Paul Valéry se referiu a ele como um "espetáculo
ideográfico".

No Brasil o movimento concretista em letras foi liderado por Décio Pignatari,


Haroldo Campos, Augusto de Campos (São Paulo) após 1950.

Mas é difícil assegurar que o moderno concretismo já tenha produzido algo de


genial.

522. Das tentativas mais conhecidas pela poesia em linguagem falada (pois
também há poesia em outras artes e nelas também se pode fazer concretismo),
são marcantes as seguintes:

Método ideogrâmico; observa-se nos cantares do americano Ezra Pound.

Caligrama, praticado por Guilherme Apollinaire;

Palavra montagem, de James Joyce;

Atomizações visuais, de E.E. Cummings.

§2 - A dominância na arte mista.

0531y524.

525. Importa em artes mistas uma dominância. Dada a presença de várias


expressões em uma arte mista, importa que elas tenham uma convergência para
um mesmo objetivo geral. Esta convergência se efetiva pela dominância de
uma das artes.

Ergue-se então a pergunta sobre qual deva ser a arte dominante. Ainda que
ocorra a liberdade do artista na escolha da arte dominante, o todo resultante
poderá mudar de nome, de acordo com a eleição feita.

Todavia certas composições deixam logo entrever qual das artes do todo misto
irá prevalecer, dadas as possibilidades naturais de uns componentes sobre os
outros. Na estátua colorida, a tendência é para a forma. No espaço plano da tela,
a pintura ganha força.

Quando ocorre a presença da linguagem a dúvida pode ocorrer, sobre qual dos
elementos portadores deva prevalecer com sua respectiva expressão.

O que é que dominaria numa composição em que ocorre o canto, - música ou


linguagem? Os aficcionados da música estarão certamente muito atentos à
musicalidade. Os literatos com o texto. Em princípio ambos os componentes
muito importam na arte mista do canto, cujo sucesso plena dependerá de uma
dominância bem definida, ou pelo menos de um perfeito equilíbrio.

Em algumas artes, - como no teatro e cinema, - o equilíbrio, entre as qualidades


sensíveis utilizadas como portadoras de expressão, usa convergir com bastante
equilíbrio. Então custa dizer, se o teatro e o cinema se reduzem à arte literária,
ou se às artes em cor e em forma plástica.

526. Estabelecida uma espécie de dominância, terá esta o comando coerente da


composição e receberá seu nome. A coerência mandará, então, avaliar a
expressão criada a começar pela arte dominante.

Se por exemplo, a dominante dor a música e não o texto, importará que o


julgamento se faça primeiramente pela música. De outra parte, se se eleger um
tipo de arte com a dominância na forma plástica, esta comandará o processo e
será decisiva na avaliação.

O equilíbrio entre as formas de várias procedências também poderá ser uma


opção, - conforme já consideramos.
Mas é óbvio que uma arte passará a dominar, em virtude da atenção humana
que tende a ordenar a assimilação. A dominância de uma arte, em um todo
misto, é normal e portanto uma regra.

As artes mistas podem surgir eventualmente a pretexto de complementação.


Neste caso a expressão dominante é muito clara.

Seja o professor expondo sua lição; os desenhos no quadro negro auxiliam a


linguagem e não se criam com maiores pretensões.

Um discurso a uma platéia acrescenta gestos e ênfase de voz. Mas ele continua
essencialmente discurso sem a ênfase de voz e sem os gestos, porque o discurso
antes de tudo é argumento, o qual tem de ser completo, isto é, conclusivo.

527. Dominância sem radicalização. No todo em que as partes efetivamente


comparecem para constituir uma arte mista, cada uma exerce função específica
e insubstituível.

Consequentemente, a dominância de uma arte sobre outra, dentro de uma


estrutura mista, não lhe dá todavia a ditadura.

O que a cor expressa com propriedade, a forma plástica indica de outro modo, a
linguagem ainda de outro, em virtude do alcance próprio de que cada qualidade
sensível é capaz.

Dali resulta que nas artes mistas o tratamento da expressão se mantém


especificamente distinto para cada uma das associadas. O que se escalona
decrescentemente é apenas a participação.

No teatro e no cinema ocorre habitualmente maior participação da ação


exercida pelas formas plásticas, que a da linguagem. Todavia, o tratamento da
forma plástica é realizado de acordo com sua espécie, como a da linguagem
respectivamente com a sua.
No canto, apesar de ser maior a dimensão da participação musical, o texto
deverá ter também seu cuidado, seja seu valor de conteúdo, seja por sua
perfeição gramatical e pronúncia. É comum ouvirem-se cantores excelentes do
ponto de vista da voz, e péssimos do ponto de vista da linguagem, a qual
deixam inintelegível.

528. Ainda que teoricamente se possa eleger a dominância preferida nas artes
mistas, são as circunstâncias objetivas que vão determinar o melhor caminho.
Pratica-se com maior atenção a arte que no momento interessa.

Cada modelo de composição de artes possui uma peculiar vantagem, e por isso
não se pode arbitrariamente alterá-lo.

A linguagem, por exemplo, que destaca a comunicação, se prejudica com o


excesso de música. Se o interesse for a comunicação, a música deverá ceder
algum tanto.

De outra parte, como a música é admissível na linguagem, que então se erige


em canto, esta música poderá ser o caminho, caso o interesse seja em primeiro
lugar a música.

No cartaz de propaganda comercial importa em primeiro lugar a comunicação,


a qual é dada com maior precisão pela linguagem.

Todavia a forte presença da arte plástica poderá apoiar o conceito enunciado


pela linguagem, desde que com subordinação. Se, por exemplo, o anúncio se
referir a um concerto, a imagem dos instrumentos e dos concertistas reforçará
certamente os dizeres da linguagem escrita.

529. Muito importa a capacidade de assimilação do apreciador. No caso da arte


mista, a informação é abundante por se tratar de várias expressões, cada uma
com sua ênfase e ritmo de assimilação.

Dado o fenômeno de ênfase e ritmo, devem estes obedecer ao objetivo final a


ser alcançado, para que não ocorra o tumulto.

É usual em propaganda atrair primeiramente a atenção do espectador por meio


de objetos de alta atração, - como o muito belo, romântico e sexual, - com
vistas de noutro momento chegar ao verdadeiro objetivo.
Pode acontecer que o instrumento tenha passado a excessivamente enfático, a
ponto de ocupar a posição de objetivo principal.

O apelo através de instrumentos intermediários há de ser feito com muito


cuidado. Num cartaz os referidos instrumentos de apelo poderão e
simplesmente encobrir o que querem dizer as palavras de informação final.

530. A ênfase de uma arte sobre a outra se consegue pela neutralização dos
elementos excessivos encontrados no todo concreto com que se opera. Não
haveria então um esquecimento, mas calculada ausência.

Uma sala de aula, por exemplo, não pode conter figurações nas paredes, senão
aquelas que contribuem para o desenvolvimento didático das lições. Todas as
demais figurações, inclusive do homenageado que dá nome à sala, são
desrecomendadas.

531. Combinações mistas desrecomendadas. Quando a ênfase couber à arte


meramente formal, ou abstrata, a união suplementar como as artes figurativas é
quase impossível.

Estas, as figurativas, têm uma linguagem muito poderosa e, por isso, tendem a
destruir a ênfase da arte abstrata.

Assim também a arte em formas plásticas, - ou dos sensíveis comuns, - pouco


toleram a presença das cores. Por isso, as estátuas tendem a evitar cores, e os
edifícios as figurações pictóricas.

A arquitetura, quando exprime sugestões, mal combina com alguns elementos


figurativos tomados a símbolos.

São discutíveis os templos em forma de barca de São Pedro; de tenda dos


judeus no deserto de Sinai; de tabernáculo (referência à igreja de N. Sra. De
Fátima, em Brasília); de hangar (referência à igreja hangar de Pampulha, em
Belo Horizonte (ambas de Oscar Niemeyer). Ou de sinagogas imitando ao
monte Sinai (como há nos EUA).

Como extravagâncias raras, certas figurações nítidas impressionam, mas se


esvaecem quando se multiplicam.

ART. 5o

ALCANCE TEMÁTICO DAS ARTES

A PARTIR DA MATÉRIA PORTADORA.

0531y533.

534. Introdução. A desigual condição das diferentes matérias portadoras da


expressão artística faz com que o alcance temático varie muito de arte para arte.
Este fato provoca uma preferibilidade temática para cada arte, a pintura com a
sua, a escultura também com a sua, e assim ainda a música e a linguagem com
as suas.

Os artistas caçadores de originalidade buscam romper estas tendências. Alguns


obtêm sucesso, enquanto outros fazem apenas extravagâncias.

Didaticamente, a questão do alcance temático das artes é tratável em três


tempos, portanto em três parágrafos:

- as razões que limitam o alcance temático da arte (vd 536),

- preferibilidades temáticas de cada arte em espécie (vd 553),


- transposição de arte para arte. Limitações e regras (vd 602).

§1 - As razões que limitam o alcance temático da arte.

0531y536.

537. A desigual condição das diferentes matérias convertidas em portadoras de


expressão resultam evidentemente em diferenças de capacidade, com o
consequente fenômeno da preferibilidade temática. Assim sendo, importa
examinar o efetivo alcance temático das artes a partir da matéria portadora,
tanto o alcance do que exprime de maneira própria, como o que de maneira
imprópria.

A preferibilidade temática influi sobre os gêneros artísticos (descrição,


narrativa, discurso etc.) (vd 527). Por isso a preferibilidade temática e os
gêneros artísticos se estudam inter-relacionados.

Didaticamente, a questão da preferibilidade tanto se estuda na abordagem do


significante, como na do significado.

Sob o significante se busca simplesmente a raiz da questão da preferibilidade,


enquanto ela se funda na matéria portadora da arte, pois é pela diversidade das
matérias portadoras que as artes se diferenciam.

Completa-se o tratamento da questão da preferibilidade temática, quando, ao


se examinarem os processos do significado ( ou da expressão), se mostra como,
- pela mimese, pelo contexto e pela associatividade, - tudo de algum modo se
exprime. Então resta claro, que as preferibilidades apresentam seus motivos,
em favor de umas artes contra outras.
538. Historicamente, a diversidade de capacidade temática das artes já é uma
advertência dos antigos.

Também é antiga a consideração sobre a respectiva preferência temática, com


as consequentes dificuldades de transposição de uma arte para outra.

Os gregos já faziam comparações entre artes, destacando sua diferente


capacidade de expressar os objetos.

Dimônides advertiu para estas limitações, sobretudo para as diferenças de


capacidade intrínseca dos diversos instrumentos de expressão.

Aristóteles diferenciou a descrição épica e a descrição na tragédia, porque


numa ela se apresenta literariamente e noutra à contemplação dos olhos
(Poética, 25, 4 ).

539. A primeira análise maior da diferença das expressões artísticas se deve ao


esteta alemão do Século das Luzes, Gotthold Efraim Lessing ( 1729-1781),
no Lacoonte (Berlim, 1766), ensaio que tinha o sugestivo subtítulo "ou sobre os
limites da pintura e a poesia".

Abordou Lessing sobretudo os limites decorrentes da estrutura material em si


mesma e não das imposições extrínsecas, de natureza axiológica. Mostrou que
os temas das diferentes artes, em virtude das limitações intrínsecas dos recursos
de expressão, divergem por isso e tendem a preferir certas áreas sobre as outras.
A poesia literária, - diz Lessing, - se ocupa adequadamente com a ação, as artes
plásticas com o corpo estático. A tradução de uma arte para a outra não se
poderia dar em todo o sentido, exatamente por causa dos temas que expressam
diferentemente no que se refere às preferências (Lessing, Lacoonte, c,. 15-17).

540. Hoje, depois da descoberta da imagem eletrônica, a afirmativa de Lessing,


- de que as artes plásticas se ocupam adequadamente com o corpo estático, -
não são mais tão válidas quanto no século 18. Mas, de qualquer maneira valem
suas advertências sobre a desigualdade das artes.

Continuam em nossos dias os estudos sobre como as artes se correspondem e se


diferenciam na representação dos temas (Souriau, Étienne, La correspondence
des arts. Elementes d'esthétique comparé, Paris, 1947).

Aprofunda-se em dois itens o conhecimento das diferenças:

- primeiramente, entre o próprio e impróprio (vd 542);

- depois, se busca explorar ao máximo a extensividade indefinida do impróprio


(vd 437).

I - Temas de expressão própria e de expressão imprópria.

0531y542.

543. Há temas que dispõem de expressão própria (ou adequada) e outros que
possuem apenas a expressão imprópria (ou inadequada).
Próprio, do latim pro-privus (abreviado em pro-prius) significa
originariamente a título privativo.

Impróprio é o que não se apresenta como privativo.

Adequado, do latim ad-aequus (= por igual) é o que corresponde por igual.

Inadequado não corresponde na mesma proporção.

544. A expressão artística é própria (ou adequada) quando é realizada na


mesma linha material do tema. Então a semelhança é natural entre o
significante e o que ele significa.

Por causa da semelhança natural as formas e cores expressam com propriedade


as coisas que também possuem formas e cores. É o que bem se observa nas
artes plásticas; a pictoridade das cores expressa com propriedade o triunfo da
aurora, mas já não a expressam os sons.

Por sua vez os sons expressam adequadamente coisas sonoras, mas não as
coisas coloridas e as formas plásticas; a eloquência dos sons representa com
propriedade o burburinho da vida, o chiar do vento e da chuva.

Para a linguagem, que expressa mediante equivalentes, - determinados por


código de convenções, - a diferença entre expressão própria e imprópria,
somente acontece quando falta o vocábulo próprio, e que ainda não se lhe criou.
Ou quando propositalmente se toma um outro termo, visando as respectivas
sugestões. Por exemplo, "os dedos da aurora", em vez de "raios de luz do
alvorecer".

545. É frequente em arte a expressão imprópria. Tais objetos, reconhecíveis


pelo contexto, se apresentam de soslaio, confusamente. E isso basta para
garantir o essencial de uma expressão.

Lembrando que as cifras expressam os números e que uma expressão algébrica


ao círculo, Leibniz conclui: "Vê-se que não é necessário que o que expressa
seja semelhante à coisa expressada; basta que se conserve entre elas certa
analogia nos caracteres (modo habitudinum quaedam analogiae servetur)
(Leibniz, Quid sit idea, ed. Gerhardt, VII, 264).
O mesmo acontece no plano mental, onde somente o ser das coisas sensíveis é
colhido adequadamente. Outros seres, se os quisermos admitir, somente são
concebíveis inadequadamente, a partir das determinações sensíveis, que deram
começo a todo o sistema.

Quem não for capaz de apreender diferenciadamente as coisas que não


conferem pela mesma adequação, acaba por deformar a psicologia e a
metafísica, sobretudo a religião.

Considerando que a interpretação da arte se faz em termos mentais, a


adequacidade segue um tanto os caminhos do que já acontece na mente. Para
esta, o objeto próprio é o ser das coisas sensíveis.

Enquanto os olhos vêem, o intelecto apreende adequadamente o que os olhos


vêem, ainda que para os olhos sejam sensações e para o intelecto o ser. Tudo o
mais que, a partir deste ser das coisas sensíveis se conquista, é
inadequadamente apreendido, cabendo-nos ficar atento ao fato desta
inadequacidade.

Dali de correm questões a serem examinadas: até onde vai a expressão


inadequada em sua extensividade? Depois, mais especificamente: o que
acontece na arte figurativa? E o que na arte abstrata? Quais as preferibilidades
em cada arte, ou seja, o que prefere a pintura, o que a escultura, o que a música,
o que a linguagem?

II - Extensividade indefinida da expressão imprópria.

0531y547.

548. O homem loquaz de tudo fala. O pintor experiente põe tudo na tela. O
músico sempre encontra uma combinação de sons para sugerir qualquer tema.
O que quer que seja é expressável nas arestas materiais e sensíveis das formas
plásticas, das cores, dos sons, das convenções sobretudo da palavra.

Os seres por mais diferenciados, sempre encontram entre si alguma semelhança,


por via das quais se imitam e se expressam.

Além disto, a vivência englobante em que todas as coisas são colhidas pelo
homem, mais uma vez permitem associá-las conotativamente. E assim não há o
que possa escapar à expressão da arte. Nem mesmo escapam as coisas
inivisíveis e abstratas, como os sentimentos e o espírito.

Até Deus não escapa das tentativas de expressão do artista, que o representa,
ora com as imagens antropomórficas dos simples, ora com as imagens daquelas
analogias mais próximas dele, como o sutil da luz.

O filósofo sabe entretanto, a todo o tempo, que Deus não é nenhuma daquelas
imagens antropomórficas, e que nem é a luz, nem mesmo a luz da luz. Está
consciente que se trata apenas de uma analogia.

549. A expressão imprópria é de recursos indefinidos. Operando com alguma


semelhança, esta vai decrescendo com a diversidade crescente dos temas, cuja
semelhança decrescente jamais se extingue. Na mesma proporção, todavia, que
se alarga a impropriedade, cresce o número de temas que ingressam em suas
possibilidades de expressão.

O último grau de semelhança é do próprio ser. Todo o ser se assemelha de


algum modo com outro ser. Quando parecesse nada mais restar da
generalização, sobraria ainda o fato mesmo do existir do ser.

Há, pois, um recurso infinito de expressão, desde a semelhança própria até a


mais genérica de todas, a do existir do ser.

E assim, a semelhança das cores analogicamente tudo exprime...

A semelhança das formas plásticas também tudo exprime...

E assim por diante, o som e a linguagem, pelas semelhanças naturais e


convencionais, tudo exprimem...
A equivocidade total poder-se-ia estabelecer, em arte, tão só com o nada. Por
conseguinte, só o nada estaria impedido de ser expresso por uma obra de arte,
porquanto a arte não encontraria um ser análogo ao nada.

Contudo, nem isto acontece, porquanto, paradoxalmente, até ao nada o


imaginamos de algum modo.

550. Enfim, reforços poderão ser acrescidos à expressão artística inadequada, -


pela arte mista, sobretudo mediante a convenção criadora de equivalentes e
pela associatividade das imagens entre si.

A convenção, que cria a linguagem e os símbolos em geral, aumenta o poder


expressivo da arte por um simples "como se" .

É que, sendo a expressão artística interpretada mentalmente, ela pode


subestabelecer, convencionando, que determinada qualidade sensível signifique
tais e tais temas, de tal e de tal modo.

Com isso, a linguagem convencional se converte em recurso específico para os


temas de expressão inadequada. Por esse caminho a linguagem tem como dar
um passo mais longe, para uma expressão maior dos temas. A linguagem se
torna por isso de uma vasta filosofia, o que não acontece no campo das outras
artes.

551. A associatividade também reforça a expressão artística. Além do poder


mimético das representações, elas contam com as imagens que excitam no
subconsciente. Estas conotações revestem a expressão direta com novos
significados que completam valiosamente as falhas da impropriedade natural
dos instrumentos da arte.

As sugestões da pintura não levam apenas a associar outras imagens igualmente


visuais. Também despertam a atenção para o sonoro.

Pela inversa, o sonoro não estimula tão somente outras sonoridades, mas
conduz ainda às regiões vizinhas de outro modo impenetráveis.

Similar à associatividade é o contexto, um processo lógico, capaz de saltar de


um tema ao outro pelo reconhecimento de conexões.
Estas conexões se podem dar pela cursividade do explícito para o implícito,
como ainda das premissas para o virtual da conclusão.

Eis quando sobretudo a linguagem se torna um poderoso veículo de expressão,


porque mais do que as outras artes é capaz de exprimir os temas do juízo e do
raciocínio. Em decorrência, a arte literária se expressa em artigos e tratados,
livros e enciclopédias, finalmente em grandes bibliotecas.

§2 - Preferibilidade temáticas de cada arte em espécie.

0531y553.

554. Didaticamente o complexo temário sobre as preferibilidades e tendências


temáticas das diferentes artes segue um caminho difuso, em que o sistemático
tem de se sujeitar a um sequenciamento algo pragmático, de itens:

Nosso sequenciamento está indicado pelos itens:

- Introdução à questão da preferibilidade temática (vd 555),

- tendências das artes plásticas pintura e escultura (vd 561),

- tendências temáticas da arquitetura (vd 567),

- tendências temáticas da música (vd 575),

- tendências temáticas da linguagem (vd 580),

- tendência temática das artes mistas (vd 587),

- tendências temáticas da poesia (vd 597).


I - Introdução preferibilidade e tendências temática

de cada arte em espécie.

0531y555.

556. Os temas, que uma arte exprime com recurso próprio, são de sua
preferibilidade e tendência. Ficam fora de sua tendência aqueles aos quais
somente consegue com expressão imprópria.

A pintura tem como próprio a cor e por isso prefere expressar o tema que for
colorido. Apresenta paisagens, flores, seres humanos em seu dia a dia.

A escultura opera em princípio com formas, linhas, planos, volumes. Tende


consequentemente os temas deste mesmo campo. Cria estátuas e transfere
sugestões ao espaço que a arquitetura organiza para uso do homem.

A música se instrumentaliza com o que for sonoro. Os seus temas espontâneos


são portanto os que um conjunto de sons exprime.

A linguagem, - operando por meio equivalentes convencionais capazes de se


ajustar a conceitos, juízos, raciocínios, - tem de certo modo capacidade
universal, ainda que perdendo para as expressões mais específicas das artes que
se valem das semelhanças naturais de cor, forma e som. As preferibilidades
também ocorrem na linguagem, apesar de tudo, porque sempre emerge na
direção dos conceitos, juízos, raciocínios, lá onde as demais artes não chegam
adequadamente.

Suas preferibilidades desta sorte não têm preferibilidade e tendências temáticas


bem definidas, e enuncia todo objeto que o pensamento for capaz de apreender
por meio desses equivalentes.

"Se é verdade - pondera Lessing em seu Lacoonte ao comparar as artes, - que a


pintura se vale para suas imitações de meios ou signos de todo diferentes que
os da poesia, posto que os seus são formas e cores, cujo domínio é o espaço, e
os de poesia sons articulados, cujo domínio é o tempo;
se é indiscutível que os signos devem ter com o objeto a relação conveniente
com o significado, é evidente que os signos, dispostos uns ao lado dos outros
no espaço, não podem senão representar objetos, ou suas partes, que existem
uns ao lado de outros;

e assim mesmo que os signos, que se sucedem no tempo, não podem senão
expressar objetos sucessivos ou objetos de partes sucessivas.

Os objetos, ou suas partes, que existem uns ao lado de outros, se chamam


corpos; por conseguinte, os corpos, com suas propriedades visíveis, são os
objetos próprios da pintura.

Os objetos, ou suas partes, que se sucedem uns aos outros, se chamam em geral
ações; por conseguinte, as ações são os objetos próprios da poesia".

557. As preferibilidades na área dos temas abstratos também ocorre em cada


espécie de arte.

A pintura exprime de preferência o abstrato do plano das cores.

A escultura, o abstrato do plano das formas.

A música o abstrato do plano dos sons.

Duas são as modalidades de abstração:

- forma ao sujeito (abstração total),

- forma à forma (abstração formal).

Por causa destas duas modalidade de abstração complica-se todo o temário


sobre a arte abstrata, e importa sempre muita atenção.

O objeto expresso está sendo visto como concreto, quando dizemos: este
volume, esta cor, esta linha, esta área, esta pedra, esta árvore, Manuel, Joaquim,
etc. ...
A consideração abstrata começa a ocorrer quando, por abstração total, os
objetos são tomados sem o sujeito a que pertencem. Passa então o volume
enquanto volume, a cor enquanto cor, a árvore enquanto árvore, e ainda o amor
enquanto amor, o belo enquanto belo, e assim por diante.

Esta consideração em seu puro formalismo, sem o sujeito ao qual a forma


determina, eis um dos temas que a arte abstrata procura expressar.

Também se ocupa a arte com as formas resultantes da abstração formal, pela


redivisão da forma em um leque de formas, como quem diz a autenticidade, a
bondade, a beleza, etc.

Geralmente a arte abstrata deriva para ambas as abstrações, a total e a formal,


operando em conjunto.

Em cada espécie de arte, - de cor, formas, sons e linguagem, - varia a


preferibilidade sobre os temas abstratas, - conforme advertimos pouco antes.

Na arte pictórica abstrata, a cor, - destituída dos sujeitos e ainda redividida sua
forma em muitas perspectivas, de que ela se predica como propriedade, - entra
a ser considerada apenas como foco de vibração cromática, com modulações,
ritmos, harmonias, calor ou frieza, tensão ou serenidade, leveza ou peso.

Deixa então a cor de expressar figurativamente coisas concretas, para expressar


apenas abstratamente a mesma cor.

Evidentemente a preferibilidade temática da arte pictórica abstrata se mantém


na área que lhe é própria, a cor.

Na arte musical abstrata, o som é operado como tema simplesmente como som
em geral e não como este ou aquele som concreto de sujeitos sonoros.

Apreciado em sua sonoridade impessoal, - sem sujeitos que o façam ser este e
não aquele som (até aqui uma abstração total), - e sem forma natural, - porque
redividido em suas variadas possibilidades formais, ora destacando a harmonia,
ora a potência das tonalidades, ora a finura dos pianos (até aqui também uma
asbtração da forma em novas formas), - o som da arte abstrata vibra advertindo
para os temas resultantes do mesmo som convertido em um leque de temas.

A preferibilidade do abstrato em música está em seu mesmo campo, o som.


A arte abstrata se confunde facilmente com o simples esteticismo pré-artístico
das formas, cores e sons. Quando se criam formas, cores e sons sem qualquer
intenção de expressar algo, não se faz ainda a arte (no sentido estrito), mas
apenas coisas para o agrado estético.

Justifica-se a criação desses objetos estéticos. Mas são úteis, como os brincos,
os penteados, as roupas dentro da moda, as cores bem constituídas. Outros não
apresentam utilidade, sendo somente estéticos, como no caso de certas
sequências sonoras, composições de cores, arranjos plásticos de formas dos
artefatos industriais, das vestes, dos edifícios.

Em nenhum caso dos objetos estéticos mencionados ocorre a arte. Nem se dá o


fenômeno da preferibilidade artística, em vista de não haver tema de mensagem.

558. Historicamente, a decomposição formal do espaço, visando-o


abstratamente, principiou na história das artes plásticas com o cubismo, tendo
logo seus desenvolvimentos, até atingir a consideração abstrata pura.

Como movimento de vanguarda, o cubismo nasceu em Paris, por volta de 1907,


Picasso, Braque, Gris, Léger e outros. Da simples imitação figurativa passou o
cubismo à criação, destacando as formas geométricas dos objetos tomados
como tema.

O desenvolvimento meramente formal das formas plásticas tiveram sua grande


oportunidade nas concepções de Piet Mondrian (1872-1944) e Wasilly
Kandinsky (1866 - 1944).

O ponto, a linha, os ângulos, as áreas, os volumes, são focos de


desenvolvimento meramente formal, a partir dos quais se encaminha o
desenvolvimento do tema para relações, harmonias, dinâmicas, vibrações,
sugestões.

559. Na música o formalismo sonoro já era conhecido dos antigos, mas se


desenvolveu sobretudo com os clássicos modernos.

Mozart (1756-1791), em suas formas sonoras, explorou por vezes nada mais
que a própria sonoridade como tema.
A música pura, sem o canto, encontra dificuldades de fazer exatamente o
contrário.

A conotação, associatividade, expressionismo sugestivo requer mais


conhecimento das virtualidades da arte musical. Esta virá sobretudo com
Beethoven (1770-1827), a começar de quem a música entrou para nova época.
Não obstante, o formalismo não deixa de ter sua validade musical e novas faces
que foram exploradas.

Exigindo a arte abstrata um maior desenvolvimento por parte do artista e do


apreciador, era natural que sua época mais peculiar fosse a de nossos tempos.

Passemos a uma consideração ainda mais particularizada das preferências de


cada arte em espécie.

II - Tendências das artes plásticas pintura e escultura.

0531y561.

562. As artes plásticas, operando com as formas no espaço e as cores, situam as


preferibilidades nos objetos enquanto apresentam formas e cores.

Ainda que os artistas plásticos mais talentosos e mentalmente evoluídos se


saiam decididamente para outras temáticas, não o conseguem senão
inadequadamente e com magno esforço.

Na região temática peculiar às artes plásticas ocorrem outras e outras


preferências subalternas, em especial da figura humana e do gênero didático.

É notável a presença da figuração humana, em retrato e episódio, como


preferida, pelo pintor e escultor, diferentemente do literato, que se orienta para
a narrativa e o discurso.
563. O gênero didático frequentemente nas artes plásticas, se apóia no fato
mesmo de se situar no plano visual, por onde pode complementar as demais
artes, como no caso das arts mistas.

Em virtude do maior número de diferenças captadas pelas formas e pelas cores,


as artes plásticas conseguem ser eminentemente informativas e objetivas em
temas concretos.

A música, pelo contrário, em virtude de sua menor capacidade informativa


objetiva, apela de preferência à associatividade e emocionalidade. Em
consequência, as artes plásticas estão mais presentes nos recursos didáticos que
a música; esta é utilizada antes pelo seu agrado estético, que pelo que oferece
de informação.

564. Mais raras, nas artes plásticas, são as representações paisagísticas puras.
Os animais e os objetos participam da vida humana e só nesta condição
ingressam no interesse da arte plástica. Mas, como se vê, a razão é de origem
extrínseca.

Em si mesma a temática não humana é tão própria quanto a humana, para os


recursos de que dispõem as formas plásticas. Até pelo contrário, os objetos de
natureza morta e os animais são de mais fácil representação, que a figura
humana, cujo rosto, altamente expressivo, requer especial capacidade do artista.
Preferem os aprendizes representar paisagens e animais, apenas por causa da
incapacidade de figurarem a pessoa humana, que deve ser todavia, seu objetivo
final.

A paisagem, a rigor, é humana. Diz-se da natureza quando vista sob o ângulo


do homem. Embora objetiva e geograficamente fácil de representar, a paisagem
se torna difícil quando for levada em conta a participação do homem em seu
contexto. Esta participante paisagem humana passou a ser expressa com maior
desenvolvimento a partir dos pintores flamengos.

565. A arte abstrata, sobretudo da visão meramente formal da cor e das formas,
se situa fora do cotidiano das cenas humanas, e exige algum esforço.

Como resultado ocorre uma "desumanização da arte", - segundo a expressão de


Ortega y Gasset, ao tratar da crescente vitória da arte abstrata entre os
modernos.
Semelhantemente também ponderou W. Worringer (n. 1881), ao discutir
a Problemática da arte contemporânea (no início), ponderando que, entre esta
arte e o público, ocorre "um abismo que nenhuma boa vontade é capaz de
preencher".

Não obstante, a arte abstrata é legítima e nem é tão desumana quanto se disse.
Ela ocupa uma posição dentro do todo.

Além disto, há uma arte abstrata popular e outra mais erudita. Como as grandes
centrais elétricas existem por causa da alimentação às correntes de baixa tensão,
o enredo dos artistas "desumanos" também se faz mistér.

A arte abstrata é a arte do topo da pirâmide social. De expressão própria, a arte


figurativa convém à grande massa. A arte abstrata, difícil no que concerne à
expressão e tema, é por isso perfeitamente consuptível só pelas classes de
superior desenvolvimento.

Mas não é a arte abstrata essencialmente elitista, porque o ideal pertence a


todos os indivíduos, embora nem todos o atinjam integralmente.

Cresce toda a humanidade em nível de cultura. E assim também o fenômeno da


arte abstrata progressivamente amplia sua produção e apreço, como está
mostrando a evolução artística moderna desde o início do século 19.

III - Tendências temáticas da arquitetura.

0531y567.

568. Tudo que o homem faz com funções as mais diversas, pode receber por
acréscimo a expressão artística, se ele assim o quiser.
Eis o que costuma ele costuma fazer ao praticar a arquitetura e não raro ao
produzir artefatos industriais.

Os edifícios são antes de tudo para funcionar como residência e alojamentos de


finalidade práticas as mais diversas. Neste sentido não constituem a arte em
sentido próprio, porque nada expressam.

Apenas secundariamente podem prestar-se a serem portadores de uma


expressão significadora, ou seja propriamente artística.

O mesmo se apresenta válido nos artefatos industriais, nas manufaturas


artesanais, na urbanística dos blocos residenciais, na construção de pontes e
estradas, no erguimento das fábricas e recintos de aglomeramento, tais como
igrejas, clubes, estádios.

Finalmente, vale para as máquinas, automóveis, navios, aeroplanos, astronaves.

Tudo poderá, por acréscimo, receber alguma expressão artística.

569. A função aparece por duas vias na obra de arte: a função da mesma
expressão, enquanto, como expressão significadora é utilizada para instrumento
de comunicação do pensamento (nesta condição a arte tem a função de se
exercer como expressão e comunicação ); e a função útil que é exercida pela
matéria, independentemente da expressão artística.

Tem o homem uma intenção funcional preponderante para tudo o que ele faz.
Esta preponderância do funcional domina a arquitetura. Sem esta função não há
porquê construir a casa residencial, o estabelecimento comercial, a fábrica, o
templo, a ponte, a estrada, a cidade, o automóvel, o avião, o navio, os artigos
industriais, etc.

A expressão artística a impor a estas criações devem, pois, limitar-se aos


espaços sobrantes nos quais não tumultuem as funções principais.

De outra parte, ditas expressões acrescidas são legítimas, porque o homem


constrói espaços pensando também em si mesmo como ser integral, isto é,
também como criador e consumidor da arte. Posto este princípio à função
principal da arquitetura, tem-se o critério para julgar as criações arquitetônicas
e quaisquer outras.
570. Antes de inserir a arte na arquitetura, importa uma atenção analítica sobre
a função dos materiais que compõem o todo estrutural da construção, -
organizar espaços, sustentar coberturas no espaço, fechar ambientes, dividir a
estes em partes.

Garantidas estas funções, a matéria organizada admite ainda outras mais, - ou


porque são funções neutras, ou ainda porque contribuem para as principais.

Então as expressões artísticas anexas não se farão às custas da arquitetura, mas


ainda em aliança com ela.

Na arquitetura da Renascença, o destaque da funcionalidade aparece a primeira


vez claro no Tempieto de San Pietro, em Roma.

O Primeiro Renascimento Clássico fora decorativo, e agora, depois de 1500,


passa a ser superado por Bramante (1444-1514), ao pôr as estruturas à vista,
decorando a partir delas o edifício e lhe acrescendo a arte.

A importância da arquitetura, na cidade moderna, ofereceu oportunidade a que


se debatessem suas possibilidades artísticas propriamente ditas, ao lado de sua
funcionalidade originária. Fugindo ao decorativismo, destacou a estrutura. A
partir desta construção moderna instituiu os elementos artísticos abstratos.

Além disto a versatilidade dos novos materiais de construção obrigou a


estabelecer princípios fundamentais para o seu disciplinamento.

Le Corbusier (1887-1965), um dos revolucionários da construção moderna,


juntamente com o cubista Amédée Ozenfant assina o manifesto Après le
cubisme, em que se propunha a volta aos elementos racionais e geométricos do
cubismo, pelo qual se dá por abandonado o realismo e o decorativismo, e
instituído o purismo.

Juntamente ainda com o poeta Paul Dermé publica a começar de outubro de


1920 a revista L’Esprit nouveau.

Finalmente Le Corbusier reuniu alguns dos seus artigos, em livro


intitulado Vers une architecture (1923).
Destacando os volumes e a luz, como os elementos de trabalho arquitetônico e
da expressão abstrata, escreveu:

"Os olhos são feitos para ver as formas em luz: cubos, cones, esferas, cilindros
ou pirâmides são as grandes formas primárias".

Frisando o utilitário da função, ao mesmo tempo que a expressão artística,


completava seu pensamento:

"A arquitetura vai além das necessidades utilitárias... A paixão pode criar o
drama na pedra inerte".

571. Não cabe o simbolismo enfaticamente figurativo e escultural, como


tendem a ser alguns edifícios, com o sacrifício da função principal da
construção arquitetônica. Seria como que construir primeiramente um símbolo
gigantesco para só depois procurar o que pôr dentro.

Sobretudo a forma figurativa não costuma se adaptar aos edifícios, sem lhes
retirar a funcionalidade.

Igrejas que imitam a cruz, ou a tenda mosaica do deserto, ou o monte Sinai, ou


a barca de Pedro Apóstolo, ou a mitra episcopal, etc., mal se ajustam aos
objetivos de uma sala de reuniões de culto.

Se em vez de imitarem objetos figurativos, houvessem cuidado de assumir


formas psicodinâmicas sugestivas, tudo melhoraria. Estas outras formas
permitem mais alternativas e não colidem diretamente com a organização do
espaço arquitetônico.

A funcionalidade do espaço aberto se mostra evidente nas igrejas barrocas, de


que um dos protótipos iniciais foi Il Gesu, dos jesuítas de Roma.

572. Os grandes nomes da arquitetura funcional moderna, como Frank Lloyd


Wright, Le Corbusier, Oscar Niemeyer, embora apregoassem a estruturalidade
e a utilidade, em primeiro plano, tenderam contudo para um notório
simbolismo arquitetônico, havendo prejudicado não raras vezes o espaço para
viver (Lebensraum) e trabalhar.

F. L. Wright "fez muitas casas parecessem mais em casa em seu local, do que o
morador em sua casa" (Virgil Aldrich).

Diga-se o mesmo das tendências escultórias de Le Corbusier (2) e de Oscar


Niemeyer (capela de N. Sra. de Fátima, em Brasília).

"Le Corbusier é o exemplo de um bom arquiteto que, ocasionalmente, lembra


da função da arquitetura em ambos os sentidos - e que também esquece.

A casa que ele construiu para Hélene De Mondrot, em Le Pradet, na França, era
uma simples coisa retangular, parcialmente construída com pedras do lugar, por
operários da aldeia local, sem os pilotis de suporte que o tornaram famosos.
Desse modo havia uma ligação íntima da casa com o ambiente natural e social.
Talvez com esta ele tivesse cedido demais à humanidade comum, reagindo
contra o princípio da desumanização na arte pura.

Contudo, em outro famoso exemplo, Le Corbusier inclinou-se demais para


outro lado, com vistas ao efeito escultural. Assim é a sua Notre-Dame-du-Haut
(Ronchamp, França, 1950-1954), que convida antes a um julgamento de
estatuária do que arquitetura. Infelizmente, ela lembra um holandês de chapéu,
possuindo o mesmo olhos e boca. Não é esse o modo pelo qual uma igreja pode
prover lugar de habitação para o espírito divino e para a congregação de
espíritos reverentes. Em vez disso ela nos tenta a olhá-la mais como uma
estátua gigantesca" ( Virgil Aldrich, Filosofia da Arte, 1963, trad. port. 1969.
Zahar Editores, p. 82-83).

IV - Tendências temáticas da música.

0531y575.
576. Com base nos recursos próprios ao material sonoro,
a sentimentalidade constitui a tendência temática da música. O lirismo popular
é a prova disto.

Até mesmo nos grandes elencos sinfônicos domina o sentimento, e as partes


são distribuídas de acordo com o típico movimento emocional.

Seja o exemplo da sinfonia n. 6, a Pastoral, de Beethoven, que introduziu na


então música clássica a expressividade.

O primeiro movimento é um Allegro ma non troppo, - um despertar de alegres


sentimentos pela chegada ao campo.

O segundo movimento passa ao Andante molto moto, - cena romântica à beira


do regato.

O terceiro movimento surge como um Allegro, - festa na aldeia onde dançam


alegres camponeses, depois surpreendidos pelo rumor longínquo do trovão.

O quarto movimento se desenvolve como uma Allegro, - a tempestade, que os


sons descrevem e associam, ao mesmo tempo que despertam um misto de
emoção e de angústia.

Finalmente, o quinto tempo encerra em Allegreto, - canto dos pastores, em


sorridente hino de alegria, por conseguirem novamente reunir seus rebanhos e
reviverem suas canções rústicas e suaves num ambiente que voltou à calma.

O sentimentalismo da música é uma característica universalmente procurada e


aceita.
"A esfera da música é o sentimento, não o pensamento" ( H. R. Haweis).

"Toda a música, no fundo, não é mais que a expressão de um sentimento


religioso" ( A. Palácio Valdés).

"A música é o único prazer sensual que não é um vício" (Samuel Johnson).

"A música é uma revelação mais excelsa que toda a sabedoria e a filosofia"
( Ludwig von Beethoven).

Até mesmo nas artes mistas, em que a música entra apenas como participante,
sua função dominante é a de entretenimento alegre, com o objetivo de despertar
simpatia e adesão.

Nos gingles propagandísticos este fenômeno é muito evidente.

Na música descritiva e de ambiente a acompanhar as cenas de cinema e de


televisão, a descrição jamais deixa de incluir o estado de alma criado por
aquelas situações.

E assim, em qualquer oportunidade, a grande missão da música se exerce


sempre na área temática sentimental.

577. O porquê da temática sentimental da música, explica-se pela diferença


da intensidade emocional dos sentidos. Em número de cinco, os sentidos
apresentam uma ordem inversa no que diz respeito à informação e à
intensidade emocional (ou estética).

A vista informa bastante, mas é a que emociona menos.


A dor quase não informa detalhes, sendo todavia muito intensa em seus graus.
Assim também não há grande número de detalhes no gosto e no olfato,
havendo em contrapartida forte impressão, ou de aceitação, ou de rejeição.

O sentido do som, que fica em segundo lugar na capacidade de informação,


logo após a vista, é todavia mais intenso que a cor na produção de efeitos
emocionais.

578. Esteticamente, pois, mais intensa que a cor, a sonoridade é de uma notória
vantagem na expressão artística. Um intenso agrado nos despertam os sons
harmoniosos. Por isso, mesmo a música abstrata, operando apenas com os sons
considerados formalmente, agrada muito.

De outra parte, faltando aos sons a precisão figurativa das cores, não
conseguem, como estes, expressar, as figuras dos objetos e das pessoas. Por
isso mesmo hão de recuar desta tarefa.

Raros são os momentos altamente descritivos da música. Um deles é a já


citada Pastoral, ou 6-a. sinfonia, de Beethoven. Ocorrem situações descritivas
sobretudo quando a música se combina com outras artes, como no cinema.

Jamais, todavia, a descrição musical consegue realizações no mesmo nível das


artes plásticas. Assim acontecendo, a música deve fortalecer-se no campo que
lhe é próprio, o do sentimento.

No que tange aos recursos associativos, ou seja por conotação de imagens do


subconsciente, novamente a prevalência da música é o da evocação de imagens
sentimentais. A intensidade emocional dos sons os associa fortemente com
certas situações e ritmos.

Então basta oferecer tais situações sonoras, para que prontamente despertem no
subconsciente as respectivas emoções. O alegre e o triste, o dolente e amoroso,
o prazenteiro e saudoso, - cada qual destes e de outros sentimentos estão
combinados subtilmente com o mover do ritmo das sequências sonoras.
V - Tendências temáticas da linguagem.

0531y580.

581. Os assuntos de pensamento e ação constituem o domínio da linguagem.

O que a arte expressa na área dos objetos do pensamento, como mesmo dos
objetos mais abstratos da ciência e da filosofia, o faz através da literatura.

E assim também o complexo enredo da ação se exprime desenvoltamente por


meio de palavras.

Ainda que todas as artes expressem imediatamente os objetos, e não as imagens


da sensação e do pensamento, os referidos objetos nos são contudo
primeiramente conhecidos pelas ditas imagens. Por isso, apesar da expressão
imediata dos objetos, eles são influenciados pelo conhecimento que se tenha
deles.

Eis quando a linguagem, por intermédio de seus equivalentes convencionais,


consegue melhor referir-se aos objetos, enquanto influenciados pelo
conhecimento, inclusive segundo as operações mentais, - conceito, juízo,
raciocínio. Sempre pensamos aos objetos, como afirmados. Esta característica
apresenta-se clara na linguagem, como sujeito, verbo e predicado.

A literatura destaca as idéias, os juízos, os raciocínios, quando atinge aos


objetos sob faces eminentemente abstratas. Neste campo sobretudo se destaca a
linguagem.
Diferentemente, quando o assunto é definidamente figurativo e concreto, a
nossa tendência é buscar uma fotografia, um desenho, senão a mesma coisa
para tê-la diante dos olhos. Por que descrever a pedra, a árvore, a montanha, se
a fotografia as apresenta adequadamente? Ou se até o temos diante dos olhos e
ao alcance das mãos?

As considerações abstratas ocorrem mui limitadamente às artes que operam


com as semelhanças naturais. Eis quando cabe à linguagem, de que a literatura
é uma forma desenvolvida, expressar-se abstratamente sobre as pedras, as
árvores, as montanhas, referindo-se a estes objetos, levando em conta conceitos,
juízos e raciocínios.

582. Há, pois, uma diferença radical entre os temas preferidos pelas artes que
operam com mimese natural (pintura, escultura, música) e os temas que
utilizam equivalentes convencionais (como a linguagem e outras do gênero).

Enquanto a mimese natural articula a expressão e o tema através das


semelhanças efetivas, a convenção cria tantas articulações quantas lhe forem
necessárias. Desde que se tenha conhecimento das convenções que revestem as
palavras, estas transmitem rigorosamente os temas, - quer em forma de idéias,
quer em forma de juízos e raciocínios.

O pensamento, como já disse, se exerce de acordo com três operações mentais:


idéia, juízo, raciocínio.

A maleabilidade da linguagem convencional permite criar o texto de tal


maneira a destacar estas modalidades operacionais, acompanhando-as de perto,
- idéia por idéia,- com suas colocações funcionais de sujeito e predicado dentro
de um juízo, finalmente de ordenação dos juízos como premissas dos
raciocínios, quer dedutivos, quer indutivos.

Frases e períodos são peculiares à arte da linguagem, muito mais que em


qualquer outra arte.

A convenção, por meio da qual opera a linguagem, anula praticamente a


diferença entre expressão adequada e inadequada. Enquanto a pintura expressa
adequadamente os objetos coloridos e já não os demais temas, a linguagem
possui palavras tanto para as coisas concretas como para as abstratas.
Em consequência, os assuntos intelectuais se tornam de domínio na linguagem,
tão bem quanto os sensíveis.

As categorias de ser se expressam na linguagem com nítida distinção, - a


substância, a quantidade, a qualidade, a relação, o tempo, o lugar, a posição, a
ação, a paixão, a posse.

583. Em especial como tema peculiar da linguagem se destaca a categoria da


ação, que se refere à mobilidade, tão própria dos seres. Combinada com a ação
está o tempo. Não ocorresse a ação, menos significativa seria a sequência da
ação.

A anterioridade e a posterioridade se descrevem nitidamente na crônica, na


história, na reportagem, no jornalismo, na ficção. A morfologia gramatical
prevê a fusão do verbo ser e do predicado, de sorte a destacarem o movimento.
Em vez de dizer "Pedro é trabalho", o verbo destaca a ação dizendo
"Pedro trabalha".

A ação, como algo que já transitou no tempo, é assunto peculiar da literatura.


Dela se ocupam adequadamente a ficção, a crônica, a história, a reportagem, o
jornalismo.

Para que só descrever o mar? Digamos, sim, algo de sua ação de suas
oportunidades, de suas tragédias.

Para quem nunca viu o mar? Não serão palavras que o farão pensar melhor do
mar, descritivamente; as perguntas deste homem interiorano se satisfazem
visualmente com a representação plástica e, o que mais quiser saber, serão
perspectivas de ordem mental, como de ação, de tempo, de tragédia, às quais,
em alguns aspectos, a linguagem atende melhor que a arte plástica.

Em conclusão, os objetos como surgem através do pensamento pensamento,


constituem a temática preferida da linguagem. E dentro do campo do
pensamento o destaque se encontra na categoria de ação.

584. A poesia tem na literatura também uma vasta oportunidade, por causa
da relativa facilidade com que a linguagem enuncia o objeto estímulo das
conotações associativas. Ampliam-se as áreas da poesia, desde que se possa
indicar um objeto capaz de enunciar imagens; ora, isto está ao alcance fácil da
linguagem.

Acontece porém que na linguagem o objeto não é indicado com a ênfase das
expressões mais intuitivas da pintura, escultura ou música.

Em consequência, as conotações associativas da poesia literária, ainda que mais


numerosas na extensão dos objetos estímulos, não têm a intensidade da poesia
musical, pictórica e escultórica.

A deficiência dos recursos da poesia literária tende a compensar-se com


estruturas complexas, resultantes de aliança com outras artes, como se anota no
canto (poesia cantada) e nos chamados poemas concretos, praxis e processo.

VI - Tendências temáticas das artes mistas.

0531y587.

588. As artes mistas, decorrentes de alianças as mais variadas, - canto, balé,


teatro, cinema, televisão, - também se orientam para temas preferidos , aos
quais cada qual expressa mais adequadamente.

De outra parte, porém, a capacidade maior para tudo exprimir, não as retêm
numa preferibilidades temática muito limitada.

589. No teatro (vd 516) domina a ação, de que o texto é apenas um auxiliar.
Opera o teatro com personagens dentro de um cenário. Dispõe
consequentemente de um instrumental plástico de expressão, que são, além do
cenário, as pessoas, e a linguagem destas.

O uso da linguagem permite ao teatro grande rendimento mental. As situações


se expressam com análise, onde se sucedem e se combinam idéias, definições,
juízos e ponderações raciocinativas.

A presença plástica dos atores e dos cenários permite a expressão apropriada do


todo natural da natureza composta do homem e do seu ambiente. Esta visão
concreta da realidade imprime a força que só a intuição pode oferecer.

A linguagem se pode tornar secundária, quando se fortalece a ação e a força


intuitiva de todo o quadro. Então a arte cênica se desenvolve antes de tudo arte
plástica. Na combinação, pela qual se realiza uma arte mista, o comando
pertence à sequência da ação e não ao texto literário.

590. O tema usual do teatro é o da vida humana. Esta o teatro a apresenta


como condicionada a situações mentais, biológicas e econômicas, as quais se
enredam em integrações conflitantes e que convertem a vida humana em drama,
tragédia e comédia, conforme as direções que eventualmente assume.

O teatro em vista de utilizar um texto literário, um grupo de pessoas e um


cenário, se apropria, por esta mesma razão, para expressar, - como á se
adiantou, - a vida humana. Expressa-se como se desenrola condicionada a
situações mentais e sentimentais, ambientais e materiais, que a convertem em
ação interações conflitantes, que a podem converter em drama, tragédia, ou
comédia.
A circunstância literária do teatro, lhe empresta grande rendimento mental. Sua
combinação com o visual do ator permitem a grande mobilidade da ação,
também favorecida pela linguagem.

A circunstância de o ator constituir uma infra-estrutura consciente do papel.


Possibilita uma articulação mui precisa entre a estrutura material da expressão e
o tema expresso. Ainda que toda a arte seja interpretada exteriormente, por
parte do apreciador, a circunstância mesma de um ator consciente, facilita ao
público a interpretação.

591. O teatro revista é uma arte mista, que se desenvolve ainda como gênero
colateral da arte cênica. Sua tendência temática é a dos assuntos leves e
populares, com sequências de canto, danças, anedotas, alegorias, etc.

A estrutura versátil do teatro revista é dominada pela diversão lúdica, uma das
grandes finalidades da arte.

Presta-se também o teatro revista facilmente para exercício da crítica social,


sobretudo na forma leve e caricatural, levando ao riso.

592. O cinema (vd 517) e a televisão (vd 518) se desenvolvem vastamente como
expressão mista, capacitando-se para um grande número de preferências
temáticas, alargando-se para a reportagem e o documentário.

Como o teatro, dispõem o cinema e a televisão notoriamente do texto literário,


que todavia não é dominante.

O desenvolvimento plástico é o fundamento da arte mista do cinema e da


televisão.

Com mais variadas possibilidades temáticas figurativas, o cinema e a televisão


tendem, como o teatro, para os temas humanos.
593. O balé (vd 515), próximo do teatro, aciona as formas do corpo humano, ao
ritmo da música.

Tematiza a beleza das formas, a sutilidade do prazer sexual, o enlevo da vida, o


triunfo da natureza.

594. O canto (vd 519), como arte mista, soma o texto literário e a música, tendo
como executante principal a voz humana.

Sua tendência temática é o sentimento.

595. O musical é um conjunto misto de artes, com o predomínio da música.


Nesta aliança de artes podem comparecer, além da música instrumental, o balé,
o canto, o elenco do teatro revista, o streap-tease e outras extravagâncias em
alternação.

A tendência temática se encontra na direção lúdica e sentimental humana.

VII - Tendências temáticas da poesia.

0531y597.
598. Temas imaginativos. As tendências da poesia decorrem dos recursos
associativos, essencialmente limitados ao campo da fantasia.

Apenas a posterior elaboração mental pode conduzir as imagens sensíveis a


uma conceituação inteletiva. E isto é possível, porque a interpretação da arte,
em última instância, é sempre intelectual.

Não obstante, a tendência temática da poesia se mantém de preferência no


campo dos temas imaginativos, por causa do processo associativo, que opera
essencialmente por conotação de imagens.

Dada a diferença entre três processos associativos, - vivência de justaposição,


vivência de semelhança, vivência de contraste, - observa-se algo de muito
peculiar nas preferências temáticas dali decorrentes.

É que a vivência se diferencia bastante de indivíduo para indivíduo; ainda que


tenha para um denominador comum, há situações que diferenciam a
associações do homem do campo; assim divergem as associações do homem de
hoje e as do homem do passado romântico da volta de 1800; ocorre lembrar
também a diversidade das vivências do sofredor e do que conduz alegria em
corpo são. Por causa da diversa vivência pessoal, uns poetas são religiosos,
outros românticos, outros sociais, outros satíricos, outros ainda chorões.

Do ponto de vista da origem, a poesia pode não ser autêntica e pode ser
anacrônica.

A poesia do homem da cidade é autêntica, do ponto de vista da vivência, se ela


verdadeiramente reflete seu meio.

E pode ser anacrônica, se está no modo de sentir das vivências de uma outra
época, tal ocorre por influência de leituras da poesia do passado com
transposição de modos de expressar já sem poder evocativo, porquanto tais
objetos estímulos não mais se associam às imagens de um subconsciente
contemporâneo.

É sobretudo atual o poeta engajado nos problemas de hoje, todavia com


linguagem associativa, e não com frases raciocinativas prosaicas.
599. Sobre vivências ligadas à língua habitual. A língua pertence também ao
campo das vivências. Por isso, a poesia por vivência se exerce mais facilmente
em idioma falado desde o berço, ainda que isto não seja essencial ao seu
exercício.

A vivência está ligada também aos objetos em torno de nós, e é por meio das
imagens destes que se expressa a poesia na pintura, nas formas plásticas, na
música. Alem disto, qualquer idioma ao referir estes objetos cria a
associatividade.

Os românticos destacaram a função da língua aprendida por primeiro.


Sobretudo Herder se debateu pela literatura em vernáculo e desde então se
desenvolveu na Europa o conceito de literatura nacional. Segundo este entender,
à medida que o poeta se afasta das expressões peculiares de sua língua, se torna
pedante e vazio.

"A língua materna imprimiu-se em nós primeiro e nos mais tenros anos,
quando através de palavras colecionamos na alma o mundo de idéias e imagens
que se tornam um cofre de tesouros para o poeta...

Deverá nela encontrar o ribombar do trovão e o fulgor do relâmpago que


lançará como mensageiro dos deuses; nela está como que plantada nossa alma;
nosso ouvido e nossos órgãos da fala foram com ela formados.

Como a pátria, ela supera em encantos todas as outras línguas". (J.G.


Herder. Terceira Coleção de fragmentos).

600. A vivência em termos de humanidade gera uma poesia de tema


globalizante. Efetivamente não somos apenas aquilo que nos diferencia uns dos
outros. Algo há em comum e que deve ser ser cultivado.
Considerando que a globalização importa em uma língua geral, esta não poderá
ser uma língua diferenciadora, como é o caso da língua estritamente nacional.
Eis quando uma língua planejada neutra seria a solução ecológica, garantindo a
todos um acesso de igual para igual.

Mas o problema não é tão profundo para que o homem de língua nacional não
possa comportar-se emocionalmente como um cidadão do mundo
independentemente de seu balbuciar idiomático.

A língua nacional, ainda que nacional, não pode estar em oposição direta ao
espírito global de humanidade. Patriotismo autêntico não pode ser considerado
como uma adversidade aos demais.

§3 - Transposição de arte para arte.


Limitações e regras.

0531y602.

603. Natureza de uma transposição de arte para outra arte. Uma arte se
transpõe, ou traduz, para outra, no sentido de que se troca o significante (ou
matéria portadora) e não o significado (ou a significação).

Pressupõe a transposição, que cada espécie de arte seja capaz de expressar o


mesmo conteúdo temático que a outra, ainda que com alguma defasagem. O
assunto que o escultor representa em sua obra, o seja também pelo hábil pintor
em sua composição de tintas. O mesmo aconteceria com o literato, cujo tema o
músico também o expresse em seu conjunto de sons.

No caso de línguas diferentes a transposição significa a troca de uns


equivalentes convencionais pelos respectivos outros equivalentes. Esta
transposição de idioma para outro idioma se diz ordinariamente tradução. Este
termo, derivado do latino tradere (= trasladar, transferir), admite ser usado para
qualquer transposição de arte para outra arte.

604 Transposição com tratamento adequado. Não é possível a tradução


rigorosamente proporcional.

Os equivalentes naturais são por natureza distintos e não podem representar o


mesmo objeto senão a partir das semelhanças havidas. Os equivalentes
convencionais levam a vantagem que, em seu campo, a convenção admite
muitas facilidades.

Resta consequentemente a indagação, até que ponto, - com um tratamento


adequado, - a arte é mesmo transponível de uma para outra sem deturpações
essenciais.

É curioso o questionamento, - se o clássico Lacoonte foi representado a


primeira vez pela escultura, ou pela literatura mítica.

Dada certamente alguma defasagem, qual a primeira das dias expressões, e que
portanto seria a verdadeira?

E assim também se pergunta pela validade das traduções, quando o texto mais
antigo já não existe.

No caso da Bíblia hebraica, traduzida na velha Alexandria, - já não existe nem


o primeiro texto hebraico e nem o primeiro da tradução.

Se o que se pinta se pode esculpir, como também falar e converter em música,


esta tradução da arte para arte apresenta certamente limitações. Afirma Lessing
que a pintura e a poesia não representam o objeto do mesmo modo,
combatendo pois a assertativa ut pictura poesia" (= como a pintura, assim é a
poesia). A tradução, portanto, não se pode fazer em termos de paralelismo.
"A máxima de uma boa descrição poética deve produzir uma boa pintura, e que
só será uma boa descrição aquela que o artista pode representar em todas as
suas linhas, tem seus limites" (Lessing, Lacoonte. VI, início).

605. As dificuldades de transposição de uma arte para outra se devem ao


fenômeno, - já abordado (vd), - de que cada modalidade de arte possui, em sua
estrutura material, recursos através dos quais expressa alguns temas
com propriedade, enquanto aos outros com impropriedade.

Em consequência, na transposição poderão ocorrer os seguintes casos:

- transposição de expressão própria para outra imprópria;

- inversamente, transposição de expressão imprópria para outra própria;

- transposição de expressão imprópria para outra imprópria.

Dali decorrem algumas considerações de detalhe.

Todas as artes são capazes de transposição, ainda que nenhuma destas


transposições seja linear, - de expressão própria para outra própria.

Se esta linearidade ocorresse, já não seria de uma arte para outra e sem mera
alteração dentro da mesma espécie. Tal pode ocorrer, até certo ponto, entre
as traduções de uma língua para outra. Mas aqui já não se trata de mudança de
uma arte para arte, mas apenas de mudança de código dentro da mesma arte da
linguagem.

As expressões, quando próprias a uma arte, ao serem transpostas, passam na


outra a arte a ser expressas com impropriedade, com recursos desta outra,
como de analogia, contexto e conotação associativa. As defasagens nunca
poderão ser totalmente coberto por estes outros recursos, mas apenas
amenizadas, ora mais por um, ora mais por outro deles.
Na transposição imprópria para outra própria, alguns elementos temáticos, que
na arte anterior haviam sido expressos com impropriedade, passam a dispor
agora não somente de uma expressão própria mais clara, como também a
apresentar maior informação; eis quando as expressões próprias, ao
aumentarem a informação, devem ter o cuidado de não lhe alterar o conteúdo.

Dali podem vir inconveniências, pois o mesmo não é dizer que as pessoas
estavam nuas, do que pintá-las assim (vd 479), porquanto esta outra expressão,
para a qual se fez a transposição, pode estar dizendo muito mais, e portanto
alterando o conteúdo da precedente..

606. Os temas, que eram da preferibilidade espontânea numa primeira arte,


podem não ser mais os da preferibilidade da arte para à qual foram transpostos,
devendo por isso receber um tratamento adequado na transposição.

Este tratamento inclui mesmo alguma alteração no todo, mas como acréscimo
linear, e não em contradição com o anterior.

Por isso, o Lacoonte literário não é em tudo o mesmo Lacoonte da escultura. O


literário é mais narrativo. O da escultura é mais intuitivo.

O mesmo vale dizer do Guarani da ópera de Carlos Gomes, o qual não destaca
os mesmos motivos que se verificam no romance do mesmo nome.

607. As inconveniências na transposição de uma arte para outra criam situações,


a que não se pode ficar desatento.

Toleradas umas, se tornam totalmente inconveniências outras. Umas se dão no


plano moral, outras no do ridículo, outras no do estético.

O nu que a literatura descreve sem maior sucesso, torna-se na pintura


contundentemente belo. Mas no teatro o nu pode tornar-se excessivamente
erótico, porque agora o nu se move e se combina com o desempenho fácil do
sexo explícito.

Combinado simplesmente com as formas corporais, como no balé, o nu retorna


à sua beleza estética.

O mesmo nudismo difere, pois, no romance, na história estática dos quadrinhos,


nas cenas dinâmicas do teatro e do balé, do cinema e da televisão.
O ridículo pode ocorrer, com a ação, e que em outra arte não acontece.
Advertiu Aristóteles, sobre a diferença da descrição épica e a da tragédia:

"A descrição de Heitor (em Homero), levada à cena mostrar-se-ia inteiramente


ridícula: uns imóveis e que não perseguem, e o outro (Aquiles) que lhes acena
negativamente com a cabeça, tudo isto, contado, passa desapercebido" (Poética,
c. 25,4).

Do ponto de vista estético, os chifres, por exemplo, que a descrição poética


torna grandiloquentes, não conseguem igual rendimento na escultura.

O efeito do sangue funciona diversamente no teatro e na tela.

O vício é outro e outro no teatro e no cinema.

608. A percepção das inconveniências requer um gosto aprimorado por parte


do apreciador. Do contrário, elas se dão grosseiramente.

E logo nos lembramos das ponderações de Lessing:

"O primeiro, que comparou entre si a pintura e a poesia, foi uma pessoa de
gosto delicado, que sentia o que estas duas artes produziam, nele, uma
impressão analógica. Sentia que ambas representam as coisas ausentes como se
estivessem à vista, e a experiência qual se fosse realidade; que as duas, enfim,
nos agradam enganando-se.

Um segundo observador tratou de penetrar no íntimo de tal agrado e descobriu,


que tanto a pintura como a poesia emanam da mesma fonte. A beleza, cuja
noção imediata nos provém dos objetos corpóreos, tem regras gerais que se
podem aplicar a diferentes coisas: às ações e aos pensamentos, o mesmo que às
formas.
Um terceiro, enfim, que refletiu sobre o mérito e a divisão destas regras,
observou que algumas delas predominam na pintura por meio das segundas,
facilitando-nos reciprocamente exemplos e aplicações. O primeiro era o
simples amador, o segundo, o filósofo, e o terceiro, o crítico"
(Lessing, Lacoonte, Introdução).

CAP. 3

A EXPRESSÃO EM PROSA. 0531y610.

- Filosofia Geral da Arte -

611. Introdução à expressão em prosa. Uma vez explicada exaustivamente a


expressão artística, examinada pelos seus dois componentes –
significado (cap.1-o) e significante (cap 2-o), - voltamos ao primeiro
componente (o significado), com vistas aos detalhes, examinados nos próximos
cinco capítulos.

Neste sentido. pergunta-se com detalhe sobre as duas formas de expressão, - a


prosa e a poesia. Esta divisão em duas formas de expressão resultam como
consequência dos dois fatores que geram a expressão, conforme já adiantado
(vd 168), - a mimese e a associatividade das imagens.

Redividindo mais uma vez, passamos aos gêneros de prosa e aos gêneros de
poesia.

Por último examinaremos os estilos.

Encontramo-nos diante do seguinte sequencial didático dos 5 restantes


capítulos, conforme inicialmente já indicado:

- a expressão em prosa (cap.3-o) (vd 0531y619);


- gêneros de prosa (cap. 4-o) (vd 0531y670);

- a expressão em poesia (cap. 5-o) (vd 0531y740);

- gêneros de poesia (cap. 5-o) (vd 0531y881).

- estilos (cap. 5-o) (vd 0531y900).

Pelo visto, os detalhes se adensam e reclamam sempre novas redivisões.

No capítulo sobre a prosa, por onde tudo recomeça, os temas vão ser tratados
em dois artigos:

- natureza e propriedades da prosa (Art. 1-o.) (vd 0531y612);

- operações da prosa (Art. 2-o.) (vd 0531y629);

ART. 1o

NATUREZA DA PROSA.
0531y612.

613. Didaticamente, a natureza da prosa se expõe em dois parágrafos, pela


advertência sobre:

- o que lhe é essencial (vd 614),

- e logo a seguir sobre suas propriedades (vd 622).


Importa esta redivisão para não confundir o essencial com o secundário, ainda
que este seja importante na prática artística da prosa, que é seu caráter livre,
lógico, exato.

§1 - Natureza essencial da prosa.

0531y614.

615. Uma definição nominal de prosa a define apenas pelo seu aspecto
exterior.

Prosa (do adjetivo latino prosus, -a, -um) significa oração solta, no sentido
contrário de poesia, que é uma operação presa ao metro, obrigada ao retorno.

Mais originariamente, prosa significa, no dizer latino pro-versus (= vertido para


frente), ou seja, retilíneo. Dali as abreviações prorsus e pro(r)sus (= prosa), isto
é, sem recorrências do verso metrificado.

No contexto latino, prosa significava, pois, a linguagem livre, em oposição à


linguagem presa ao "verso", retornada sobre si mesma pela metrificação. Esta
definição, por ser nominal e meramente descritiva, não atinge a essência
mesma, nem da prosa, nem da poesia.

Ainda que hoje se possa distinguir entre prosa solta e prosa metrificada, a prosa
não é originariamente metrificada. Este jogo de palavras se faz em virtude do
significado duplo que as palavras por vezes admitem.
O metro se supõe poético; então a prosa não é metrificada, porquanto não é
poesia. Ela seria metrificada apenas no sentido de subordinação ao retorno
rítmico sem associatividade poética, tendo em vista apenas a beleza estrutural
do fluxo material da expressão.

616. Como tecnicismo, prosa é palavra nascida na literatura, dizendo-se pois


em especial de uma forma de linguagem.

Mas a essência de seu sentido ocorre também nas demais espécies de expressão
artística, porque também nelas se dá o fenômeno da mimese e da
associatividade de imagens.

Desta sorte, por transposição do seu uso, há uma prosa na pintura, uma prosa na
escultura e arquitetura, finalmente uma prosa na música.

O mesmo se dirá da poesia, palavra peculiar à literatura, mas que também


acontece na pintura, escultura, arquitetura, música, desde que indicadora de
algo por via associativa.

617. Prosa pela sua definição real é a expressão artística enquanto


simplesmente resulta da mimese, em virtude da qual a significação indica, por
obra de semelhança, o objeto assemelhado. Neste sentido, a prosa se opõe à
poesia que se acrescenta como processo associativo.

Importa sempre ter em conta, que as operações artísticas, que conectam entre si
a obra e o tema, são exercidas primeiramente por mimese. Esta operação é
fundamental à expressão, e quando se retém tão só nesta modalidade
operacional, sem acrescer a forma associativa da poesia, se chama prosa.
Equivale a dizer, que a prosa é uma expressão por representação direta,
simplesmente pela conexão mimética estabelecida entre o semelhante e o
assemelhado.

Todas as operações artísticas, por mais variadas, se mantêm no círculo da


expressão fundamental, por mimese, seja por mimese natural, seja por mimese
de equivalentes convencionais (como na linguagem).

Indicando simplesmente os objetos, a prosa é eminentemente lógica Mas esta


indicação é apenas uma propriedade da prosa, e que portanto não a define
essencialmente, senão apenas descritivamente (vd).

Ordinariamente a definição de prosa, ainda que seja plena em si mesma, se


preocupa em diferenciá-la primeiramente da poesia, e depois ainda de suas
propriedades.

A poesia acrescenta aos recursos miméticos da expressão fundamental, os da


associatividade. Depois da expressão em prosa haver indicado o objeto, este
poderá, por acréscimo, despertar imagens no subconsciente (ou na memória) e
que também estejam no interesse do artista, o qual tem por objetivo principal as
imagens associadas (ou conotadas, ou evocadas), que a obra de arte desperta.

Em resumo, as operações artísticas de articulação entre a expressão e o tema se


dão de maneira diversa na prosa e na poesia. Enquanto a prosa limita as
operações de articulação entre a expressão e o tema aos recursos fundamentais
da representação mimética, a poesia se distende até a associatividade.

Na prosa a arte opera utilizando semelhanças, de sorte a exercer o essencial,


apontando diretamente e logicamente para o tema. Contrastando com a prosa,
na poesia a arte se exerce com novos recursos acrescidos aos fundamentais. A
poesia articula a obra com o tema através dos referidos novos recursos
acrescidos, que são os da associação, que lhe dão um modo de significar em
dois tempos, portanto de maneira indireta e alógica.
618. Prosa poética. A prosa é poética quando, apesar de conter poesia, o
objetivo principal continua sendo o seu conteúdo prosaico, vindo a poesia
apenas como um seu reforço. Na prosa poética a poesia não é o objetivo em si
mesmo.

Ainda que a índole geral da poesia seja complementar à prosa, ela contudo
poderá isolar-se, e ter objetivos próprios, aos quais subordina a prosa. Neste
caso ocorre o que efetivamente se costuma denominar poesia. Então o objeto
estímulo diretamente expresso pela prosa deixa de ser levado em conta como
objetivo principal e último da atenção. Vai a atenção última atender à evocação
resultante.

Assim interpretada a poesia, ela não dispensa a prosa; dela precisa para
expressar objetos, os quais, num segundo tempo, despertam por associatividade
novos objetos, ou imagens, ditas poéticas.

Ligeiramente diferente é a prosa poética. Um objeto expresso pela prosa,


mesmo que desperte associativamente outras imagens, pode manter-se como
eixo principal da expressão. Eis quando se dá a prosa poética, que tem logo
adiante a poesia prosaica.

O que a prosa poética, por meio de sua expressão direta não foi capaz de
esclarecer, complementa-se pela associação das imagens, sem contudo lhe
ceder o primado na operação.

A luz do sol que entra pela janela e bate diretamente no piso da casa, eis como
é a prosa, que ilumina tão só aquela área do chão. Assim quando a prosa diz
"flor", entende apenas flor.
Complementarmente, rebrilha a luz em reflexos difusos por toda a sala,
revelando mais objetos; eis quando, por acrescentamento, se exerce a função
complementar da poesia, que, como um halo de luz, completa a expressão em
prosa. Então, a flor da prosa já não é apenas uma flor, mas um jardim de
imagens que se erguem perfumosas na atmosfera de seu torno.

Quando, por conseguinte, nos interessa primeiro que tudo o objeto da prosa e
não tanto o brilho evocativo, dizemos "prosa prosaica".

Ainda se dá um outro fenômeno, de forma inversa ao de prosa poética, gerando


uma poesia prosaica. Isto acontece quando a poesia, embora tendo em si
mesma seu centro de interesse, contudo secundariamente, pode ter alguma
vantagem no elemento prosaico. Eis a poesia prosaica.

Mas, quando há somente prosa, como geralmente ocorre nas exposições da


ciência e da filosofia, dizemos prosa pura. Igualmente, quando nos interessa
apenas a evocação e nada o elemento prosaico, temos a poesia pura.

619. Linguagem literária. Ordinariamente, linguagem literária é a prosa com


alguma poesia, portanto a prosa poética, ou seja a prosa, com alguma
imaginação evocativa. A prosa pura apresenta alguma secura; em não
aproveitando as oportunidades oferecidas pelo processo evocativo, não se
configura com os recursos artísticos desejáveis.

Em virtude do caráter da poesia como linguagem de grande efeito cuidaram


alguns de estabelecer simplesmente como sendo somente ela a verdadeira arte.
Em literatura seria a chamada "linguagem literária". Assim também a música, a
pintura, a escultura somente seriam verdadeira arte quando a um tempo
prosaicas e associativas.
Todavia, as razões que fazem a poesia se estabelecer como arte, são as mesmas
que as da prosa; ambas são expressão sensível, diferenciando-se apenas na
maneira de a exercer.

Não consiste a arte naquilo que separa entre si a prosa e a poesia, mas em algo
que se encontra no fundamento de ambas, a saber, sua capacidade de exprimir
algo, seja por mimese, seja por associatividade.

Prosa e poesia são apenas duas modalidades de se exercerem a expressão


artística. Ocorre ainda mais: a prosa funciona sem a poesia, mas a poesia
pressupõe em alguns aspectos mais fundamentais, a prosa, o que mostra haver
um só fundamento geral. A poesia junta-se à prosa como o perfume rodeia a
flor; mas a prosa é primeira, como a flor é primeira em relação ao perfume.

620. Sendo a um tempo, o homem inteligência e imaginação, e consequência, o


bom estilo, o mais apropriado para a expressão, é o da prosa poética.

Mesmo o cientista não esqueça de ser um homem integral, atento à fantasia, ao


mesmo tempo que ao raciocínio. Quando se expressar, não apenas expresse o
seu raciocínio. Sem perder a segurança deste, não esqueça de lhe aliar a
fantasia, evitando aquela frieza prosaica tão comum em textos de ciência e
filosofia.

Nos tratados, como por exemplo este sobre filosofia geral da arte, a secura é
sentida de quando em quando. É sobretudo nestes textos mais gerais, que a luta
contra a racionalidade pura do texto é uma constante. Nem sempre, na prosa
pura é vencível, sem apelo a redundâncias e recursos didáticos extravagantes.
§2 - Propriedades da prosa.

0531y622.

623. Observada exteriormente, a prosa se caracteriza por três elementos, que


embora não sejam constitutivos essenciais, se exercem como propriedades
apreciáveis:

- a liberdade ou desenvoltura linear (que lhe deu o nome de prosa);

- a logicidade;

- a exatidão (ou severidade).

Diferentes níveis acidentais que se dêem às referidas propriedades da prosa,


resultam nas variações conhecidas por estilo. Mas elas não são o mesmo estilo,
o que é de caráter acidental.

Ocorre o estilo ao se estabelecerem graus nas propriedades. Portanto, quando


quando se elege mais, e menos liberdade; mais logicidade, e menos logicidade;
mais exatidão, e menos exatidão.

624. A liberdade da prosa. Além de sua essência de expressão mimética,


apresenta-se ainda com a propriedade de expressão artística livre, conforme já
foi anotado na interpretação etimológica do seu nome.

A prosa, pois, desenvolve-se em frente, sem se verter sobre si mesma ao modo


como faz o metro da poesia. Não leva em conta a associatividade que poderia
sugerir a sequência rítmica dos acentos e das articulações da rima.
Globalmente, a liberdade da prosa consiste também na desvinculação de
qualquer processo evocativo da poesia. Mantém-se a prosa na pureza de seus
recursos peculiares. Se aproveita alguns elementos associativos, não o faz
senão a seu serviço

625. A logicidade da prosa é uma de suas propriedades mais destacadas e que


falta à poesia sempre subordinada aos processos associativos.

Não é a liberdade a essência da prosa, mas uma decorrência, motivo porque


surge como sua propriedade. A logicidade da prosa resulta do processo mesmo
que ela adota, que é a de expressar seu tema (ou objeto) por meio da
semelhança.

A relação entre o semelhante e o assemelhado é objetiva, admitindo senão uma


estrita interpretação. Diferentemente, a poesia depende de vivências subjetivas
do intérprete. Num desenho prosaico, as linhas de uma casa conduzem
diretamente a reconhecê-la como tal.

O mesmo acontece com a linguagem, apesar de convencional. Uma vez


estabelecido o código, ela somente pode conduzir diretamente aos significados
estabelecidos.

Há pois, sempre uma perfeita articulação entre o semelhante e o assemelhado,


que se apóia em elementos objetivos. A interpretação destes elementos somente
poderá ser aquela, portanto sem outra alternativa.

Nas artes que operam mediante semelhanças naturais, como a pintura, a


escultura, a música, a interpretação segue um caminho bastante seguro, que
independe de convenções. Num desenho, a representação de uma casa confere
com a casa desenhada, sem possibilidade de oscilação. Numa escultura perfeita,
a indicação da peça ou animal esculpido se torna inconfundível.
Nas artes em que a mimese se dá por convenção, a segurança da interpretação
decorre logisticamente, desde que se tenha conhecimento do código
convencionado. Conhecido, pois, o contexto da palavra não poderá resultar em
interpretação falseante. A mesma segurança logística não acontece no sistema
associativo da evocação poética.

626. A exatidão (severidade, precisão, verdade) é mais uma vantagem da


prosa e que se encontra ligada intimamente com a sua logicidade, - já antes
tratada.

Sem a exuberância da poesia, a prosa conta, por conseguinte, com uma


compensação na exatidão com o que oferece o seu tema. Enquanto o poeta se
preocupa em alargar o perfume da evocação, o prosador ajusta cada vez mais a
expressão ao assunto de que trata. Em tais condições, a prosa presta serviços
apreciáveis à exposição filosófica e científica, em que é preferida. A evocação
poética se mantém em geral nos termos de natureza concreta.

As precisões exatas da prosa são uma decorrência da operação de mimese, um


instrumento de expressão, que se condiciona, conforme já adiantamos, às
relações de necessidades havidas entre o semelhante e o assemelhado. Tais
relações são de natureza objetiva, e independem de uma situação de
associações de imagem.

O semelhante a acusar seu o seu assemelhado é um acontecimento


denominado intencionalidade. A atenção se transmite de um termo ao outro.
Esta relação intencional brota de dentro da qualidade. Possui a qualidade, como
sua propriedade, o ter semelhante (Aristóteles, Categorias 11 a 15). Na mesma
proporção que se diferencia e se aproxima a semelhança, adquire a expressão
uma situação assegurada, que não permite vacilações ao modo da evocação
poética.
A mimese, ou imitação, ocorre mui evidentemente nas artes figurativas; na
pintura e escultura, a cor e as formas imitam os objetos e nesta medida os
anunciam.

A música, imitando sons, pratica também a arte figurativa; apesar de forte


instrumentação evocativa da música, ela inicia com a prosa o processo
evocativo poético com que ordinariamente se reveste.

A linguagem, não tendo embora semelhança física, a tem por convenção.

627. A prosa literária deve, pois, sua perfeição ao sistema convencional em que
se funda. A linguagem possui uma gramática longa, para diferenciar não só as
palavras, mas até a morfologia, adatando-as segundo a função na frase.

Como principal recurso de expressão a palavra costuma dividir-se em


uma radical, indicadora do sentido do sentido geral, e em uma terminação, que
indica o uso como substantivo, adjetivo, verbo, tempo e número, pessoa e
modalidade de ação (indicativa, subjetiva, imperativa, condicional, participial,
gerúndia).

Em decorrência destes e de tantos recursos, a linguagem articula eficientemente


a expressão artística com o respectivo tema (idéia, juízo e raciocínio),
conseguindo uma prosa bem acabada.

A linguagem convencional cria tantos símbolos, quantos lhe forem necessários,


por isso os seus recursos são infindáveis.

Nos idiomas falados, os signos correspondem normalmente ao pensamento da


comunidade.
Nos setores científicos e filosóficos se criam ainda as terminologias específicas,
complementando o que falta na linguagem comum.

E assim, em qualquer hipótese, a prosa literária se apresenta sempre muito


vigorosa e universal.

De outra parte não se deve esquecer que cada forma de arte possui seus
recursos específicos. Neste seu campo específico nenhuma arte poderá ser
vencida, por definição. Nada melhor que informar sobre a cor, mediante a
própria cor, o som mediante o som, a forma mediante a forma plástica.

Todavia, fora deste aspecto, a prosa literária é sempre a de maior âmbito.


Quando se houver de precisar ainda mais a cor, o som, ou a forma, deverão as
artes aliar-se, criando a arte mista. Sucede isto no discurso, no teatro, no
cinema, na televisão.

ART. 2o

OPERAÇÕES DE ARTICULAÇÃO MIMÉTICA DA PROSA.


0531y629.

630. Sobre como ligar expressão e objeto expresso. A expressão artística se


exerce por uma articulação, que a une intencionalisticamente ao objeto a ser
significado. Esta articulação se processa pela mimese entre expressão e objeto
expresso, e ainda pelo processo de associatividade, ou seja por evocação.
De tais operações já nos ocupamos vd 164), com vistas a explicar como é
possível a expressão artística. Resta aqui explicar mais especificamente o
processo articulatório que liga a expressão com o objeto.

Primeiramente o faremos, detalhando o processo de articulação mimético da


prosa. E logo a seguir, detalhando também a natureza da poesia (vd 740) e seu
processo de articulação associativo (vd 809).

Didaticamente desdobramos o proposto, em relação à prosa, em três parágrafos:

- natureza da articulação artística mimética (vd 631);

- espécies de articulação artística em prosa. (vd 637);

- articulações artísticas e as operações mentais (vd 651).

§1 - Natureza da articulação mimética da prosa.

0531y631.

632. Articulação artística é a operação pela qual se estabelece a


ligação intencionalística entre a expressão e o tema a ser expresso.

O problema que se apresenta está em que o material a ser trabalhado pelo


artista é praticamente sempre o mesmo, devendo ser adatado pelo seu esforço,
enquanto que os objetos são muitos.
Importa que a qualidade sensível (cor, forma, som) tenha uma capacidade de
variação, articulando-se portanto aos objetos aos quais deva expressar. Quais
são os fatores, que permitem esta articulação, eis o que nos ocupa.

São bem conhecidas as operações mentais, ditas conceito, juízo, raciocínio, as


quais constituem diferentes articulações do pensamento com o que ele exprime.

Analogamente, ocorrem operações artísticas de articulação com o objeto


expresso, e que precisamos examinar.

Assim como há uma lógica das operações mentais, existe uma lógica das
operações artísticas.

633. A distinção entre as operações mentais e as operações


artísticas começa pelo portador, que em uma é mental e em outra é material, e
continua por outras diferenças mais. Num caso se opera com o pensamento,
noutro com a arte.

Em outros aspectos se encontram várias aproximações. Ambas operam pela


mimese.

Uma distinção segundo a forma, no caso das operações mentais é a que divide
entre operação conceito, operação do juízo, operação do raciocínio.

A mesma distinção segundo a forma acontece na expressão artística, todavia de


maneira muito precária. Ocorre a operação artística de articulação, mas sem
subdistinguir tão claramente em três operações mentais.
Resta dizer que na prática, a operação artística se limita à inicial, similar ao
conceito, e as demais operações da mente, embora aconteçam também na arte,
se mostram menos claras em sua diferenciação. Então a arte desperta o conceito,
e o resto fica por conta quase só da mente.

634. Resultado de um decalque. Na mente, tudo principia com a apresentação


do objeto, o qual atua sobre a faculdade de conhecimento, calcando como que
sobre ele a sua marca, ao modo como o pé deixa a marca de sua pressão. Este
primeiro momento se diz também impressão.

Por procedimentos similares de ação, o artista procura deixar no material


portador da arte um decalque do objeto a ser expresso, de tal maneira a ocorrer
uma semelhança entre um e outro.

A mimese se aplica detalhadamente, como um decalque resultante de ações


sucessivas de impressão sobre a matéria utilizada. Acontece, pois, uma
articulação das partes da obra de arte com as partes do objeto expresso.

A articulação artística se constitui do aproveitamento das semelhanças


eventualmente existentes entre a matéria da arte e a fisionomia do objeto a ser
representado.

Dizemos articulação mimética porque a referida articulação somente se dá no


plano das semelhanças.

Mas, não ocorrem em determinada matéria todas as semelhanças. Por isso


acontece a multiplicação material das artes, porquanto cada uma opera pela
articulação que lhe é possível. O som articula apenas as semelhanças de som, a
forma as semelhanças de forma, a cor as semelhanças de cor.
A seguir, a articulação operada em cada espécie de arte permite variações
internas. A cor varia em espécies de cor, intensidade de cor, em áreas de cor. O
som varia pela altura dos tons, pela intensidade. A forma de um corpo varia
pelas dimensões, disposição das partes.

A simbolização, que opera por equivalentes convencionais, embora mais


complexa, se reduz ao mesmo fenômeno fundamental da articulação mimética
e variação dos equivalentes utilizados.

Tem, contudo, os equivalentes convencionais a vantagem de melhor destacar a


diferenças das operações artísticas. É notório que na linguagem bem se
distingue entre os objetos como se apresentam no conceito (objeto imaginado),
no juízo (objeto afirmado) e no raciocínio (objeto provado). O que as artes por
mimese natural muito pouco distinguem, apelando para o contexto, na
linguagem é expresso diferenciadamente por palavras, frases, raciocínios
cursivos.

Consequentemente, a operação de articulação mimética é um fenômeno


característico de todas as artes, ainda que diferenciadamente de umas para as
outras.

§2 - Espécies de articulação artística em prosa.

0531y637.

638. De acordo com o já esclarecido, as operações artísticas de articulação se


processam mediante semelhança com o objeto a ser expresso. Mas o
assemelhamento se processa por meio de detalhes, - como de assemelhamento
do movimento, da variedade interna das qualidades e sua intensidade, - que há
a examinar.

Os objetos a serem expressos são muito diversificados, e por isso importa que o
assemelhamento a ser obtido seja examinado, a fim de que a obra de arte se
articule ao objeto ao qual quer significar.

Por exemplo, a articulação poder-se-á conseguir, fazendo que a obra de arte se


mova como o objeto expresso, tenha as cores e as formas do objeto expresso,
que recrie a tonalidade dos sons do objeto expresso. A natureza e os detalhes de
como isto acontece, eis o que precisamos examinar.

Ordinariamente as adequações das qualidades ao objeto expresso são


procedidas:

- pelo movimento havido nas qualidades (vd 639),

- pela variedade interna das qualidades (vd 642),

- pela intensidade das qualidades em ser o que são (vd 648).

Há pois a tratar destas adequações pelo movimento, variedade e intensidade,


porquanto delas resultam as operações articulatórias denominadas conceitos,
juízos, raciocínios, o quanto elas forem possíveis na expressão artística.

I - O movimento nas operações de articulação artística.

0531y639.
640. Não é o movimento a rigor uma qualidade específica, mas uma alteração
dela. Por isso, o movimento aparece na arte apenas como uma operação
artística, sem ser matéria portadora de uma arte específica (vd).

É o movimento a mudança de um estado para outro. Há no movimento um


termo a partir do qual (terminus a quo) e um termo de chegada (terminus ad
quem).

O movimento se diz substancial, quando algo surge integralmente, ou cessa


integralmente.

Tal ocorre nas articulações que seccionam, por exemplo, integralmente um som,
passando ao momento de outro som; ou ainda, retorno deste outro ao primeiro.
Então cada momento poderá ser portador de um novo significado, ou de uma
sequência de significados.

O movimento é acidental, quando é apenas uma variação dentro da mesma


qualidade, a qual então simplesmente varia, sem se substituir.

Uma expressão é estática, se seu portador simplesmente se mantém em todo o


sentido. Este é bem o caso de uma estátua de bronze em meio à praça.

641. Em função do movimento, a expressão pode ser estática e dinâmica.

Na estática se mantém a mesma articulação por todo o tempo.

Na dinâmica, as articulações se sucedem, imitando os diferentes instantes do


objeto também em movimento.
Nas artes plásticas é viável a expressão, quer estática, quer dinâmica. A pintura
opera com a côr estática, sem novas articulações e que indiquem variações no
tema. O mesmo acontece com a forma dos materiais, que são capazes, como na
estátua, expressar em estado inteiramente estático.

Entretanto, quando for possível o movimento, a cor e a forma se apresentam


muito capazes de expressar.

A técnica procura sempre criar a dinâmica das expressão. Dali resultou o


cinema e a televisão, que de articulação muito eficiente com os mais variados
temas.

O som estático, além de monótono, pouco ocorre. Por isso, a música é


ordinariamente uma arte dinâmica. Dito melhor, é uma arte em que os
pequenos instantes se somam, para formar conjuntos maiores.

As articulações das operações musicais oferecem alguma dificuldade para a


maioria das pessoas. Por isso, os músicos são geralmente pessoas prendadas,
ditas de bom ouvido musical.

A linguagem, que resulta de equivalentes convencionais, importa em um


complexo fluxo de reflexos condicionados, cujo resultado final é também um
sistema de operações articulatórias. Acontece então uma sequência admirável
de expressões, que rapidamente se sucedem.

Não fosse este fluxo de reflexos condicionados a gerarem espontaneamente a


linguagem humana, ela se reduziria ao som único, quase como um simples
berro de animal.
II - Variedade específica interna de uma qualidade,

na operação de articulação artística.

0531y642.

643. Toda a qualidade oferece graus (vd), que resultam em variedade


específica notória dentre de uma mesma espécie de qualidade.

Eis o recurso mais utilizado em qualquer arte, com o fim de estabelecer


articulações com o objeto a ser expresso.

644. A música é altamente complexa nos recursos sonoros organizados para a


articulação com os respectivos temas.

Com este objetivo articulador os sons se sucedem e se ordenam em cadências.


No sobe e desce da intensidade, criam escalas de tons. Também formam
conjuntos de tons com intervalos, de que os mais peculiares são
ditos acordes (vd).

645. A escultura varia as formas, que em cada ponto de uma estátua são outras.
Aliás, consiste a forma, como qualidade, na disposição das partes de um todo
quantitativo. Conforme a disposição adquirida, resulta nova modalidade
específica de de forma.

A articulação se faz, repetindo, um após outro, as disposições que a forma


apresenta no objeto a ser expresso. Por isso é que o escultor mede as vezes
previamente as formas a serem copiadas, ou calcula os desvios necessários para
representar também os efeitos de perspectiva.
646. Na pintura a diversidade específica dentro da área da cor se verifica pelos
coloridos distanciados entre si do azul, amarelo, e vermelho, com as respectivas
cores secundárias.

647. Mesmo na simbolização, como na linguagem, a variação ocorre na sua


área. Nas flexões das palavras as diversas consoantes emprestam índole
peculiares, de sorte a assumirem especificidade na área mesma dos sons.

Bem se observa, pois, que a articulação das variedades específicas no campo


das qualidades comanda os processos utilizados pela expressão artística.

III - Intensidade da qualidade na articulação artística.

0531y648.

649. A intensidade maior e menor de uma qualidade é um expediente de


articulação mimética fácil de observar nas artes.

O som e a cor admitem espontaneamente o mais e o menos intenso, e que se diz


cromaticidade.

No momento estático o som pode aumentar e diminuir de volume, antes que


passe a se diferenciar na escala dos tons. Somente por esta via, a operação de
articulação com o tema a ser expresso já consegue resultados.
A música pratica o compasso, com tempos fortes e fracos, sem sair para outros
tons, porque diferencia apenas a intensidade dos sons.

Também na linguagem se praticam as tônicas, podendo estas ser mesmo


metrificadas.

Portanto, pela via das operações de articulação mimética, a música e a


linguagem conseguem referir-se aos seus objetos, imitando-os no que oferecem
neste mesmo campo.

A cor, em seu momento estático, admite nuances de intensidade, sem que


precise passar a uma outra espécie.

Na arte das formas (escultura e arquitetura) também se processa a articulação


por meio da intensidade. Agora a intensidade consiste apenas na grandeza das
formas. Sem que mude a forma, poderá ser posta em grande tamanho, médio e
pequeno, com os efeitos respectivos na expressão dos objetos. Inclusive, coisas
grandes podem ser representadas em tamanho menor; pequenas coisas em
tamanho maior.

650. Os motivos que levam a aumentar ou a diminuir a intensidade dos sons,


cores, volumes, podem ser vários.

Ocorrem mesmo efeitos associativos. Já então as operações artísticas de


articulação com o objeto a expressar vão mais além que o da simples operação
mimética da prosa, passando aos da poesia.

Efetivamente grandes volumes, grandes áreas, grandes linhas, produzem maior


efeito, por causa de sua intensidade ôntica; inversamente, pequenos volumes,
pequenas áreas, pequenas linhas, oferecem impacto menor, por causa de sua
mediocridade.
§3 - As articulações artísticas e as operações mentais.

0531y651.

652. Complica-se a articulação com o objeto expresso, quando se busca


expressar a este objeto, ao modo como comparece nas três operações mentais –
ora como conceito (objeto como imagem), ora como juízo (objeto como
afirmado), ora como raciocínio (objeto como provado).

Ocorrem dois casos, a serem tratados distintamente:

- articulações artísticas das artes, que operam com semelhança naturais, com os
objetos das operações mentais (vd 653),

- articulações artísticas das artes, que operam com equivalentes convencionais,


com os objetos das operações mentais (vd 661).

I - Articulações artísticas das artes,


que operam com semelhanças naturais,

com os objetos das operações mentais.

0531y653.
654. As artes que operam mediante semelhanças naturais, - como
principalmente acontece com a pintura e a escultura, - não conseguem
expressar diretamente a afirmativa operada pelo juízo, nem a conclusão
derivada de um raciocínio.

Contudo o artista contudo consegue complementar a expressão por mimese


natural apelando ao contexto, através do qual o intérprete fará distintos
conceitos, juízos, raciocínios. Por exemplo, a pintura dos horrores da guerra
conduz a ajuizar a esta como má.

655. A obra de arte por mimese natural, como é a da pintura - precisamente


por indicar apenas de maneira objetiva o tema, sem desdobrá-lo em conceitos,
juízos e raciocínio (como faz a linguagem), - fica em disponibilidade para
muitas interpretações, entre as quais oscila.

Ao nos colocarmos diante de uma obra de arte, as idéias nos vão saltando, ora
soltas, ora em forma de juízos, ora com raciocínios, até mesmo em forma de
evocação.

Isto acontece assim porque a expressão por mimese natural não ordena o
pensamento segundo as operações lógicas como acontece na arte da linguagem,
em que o código determina tudo com precisão. No concreto está o ser por
inteiro, sem a dissolução em aspectos abstratos. O apreciador está na liberdade
de atender ora a isto, ora a aquilo.

Não obstante, o artista plástico consegue dispor seu quadro de maneira a


ordenar algum tanto a atenção interpretadora do apreciador.

Mas esta ordenação é muito exterior e indireta. Consiste em criar, por exemplo,
na tela um centro, a partir do qual oferecem ordenadamente as demais
sugestões. É o que se chama coesão do quadro. Esta ordem se verifica
sobretudo nos pintores acadêmicos.
656. A articulação da obra de arte com o seu tema, principalmente com o
conceito, oscila ao longo de uma escala de graus, medida pela semelhança que
vai de um mínimo de afinidade a um máximo de igualdade, com o objetivo
expresso.

A graduação se deve à propriedades que as qualidades têm de possuírem graus.


A qualidade de se exercerem como ser, é a máxima em extensão. Por isso,
todos os seres, de algum modo são semelhantes, ainda que com impropriedade.

Aproximam-se as semelhanças entre os objetos da mesma área específica. As


flexões das formas (disposições das artes no espaço) também são semelhantes,
ainda que umas se exerçam como linha, outras como planos, outras como cubos,
esferas, cúpulas, etc. ... Enfim, os muitos indivíduos dentro da mesma espécie,
são iguais.

As expressões artísticas se ajustam ao tema, articulando-se ao longo da escala


de graus das semelhanças, afrouxando à medida que a similitude decresce e
enriquecendo na proporção que progride.

A semelhança justa cria uma expressão própria; aponta com incidência direta e
precisa feição do tema, de sorte a se articular com ajuste.

A expressão imprópria indica o tema através das semelhanças mais distantes.

Dentro da mesma intonalidade, cromatismo e espécie de flexão, as expressões


em som, cor e forma se dizem próprias. Saindo de um para outro, há um
começo de impropriedade, que chega a grande distância de uma qualidade para
outra, como entre cor e som e forma. Sofrivelmente, a cor poderia indicar
algum som, ou som alguma cor, ou forma alguma cor ou som.

O contexto ampara as expressões no momento em que já por si não conseguem


firmar o que verdadeiramente devem indicar. São bem conhecidas as
duplicidades de palavras, como leão; o contexto decide se o leão é um animal,
ou se é um homem com força de leão.
657. A pintura que opera com um instrumento intuitivo eminente, - a cor, -
consegue expressões temáticas poderosas, ainda que limitadas a certas regiões
do conhecimento.

Em poder de expressão, na área que lhe é própria, a pintura vence a linguagem.


Mas não consegue o desdobramento subtil de que é capaz a linguagem, quando
esta se adata diretamente ao objeto, quando este comparece com a afirmação
que tem no juízo e com a prova que lhe dá o raciocínio. A pintura logra fazê-lo
tão só precariamente, ao criar o contexto capaz de conduzir a mente até lá.

Aparece o juízo na pintura quando se cria um centro, em torno do qual se


coordenam as partes da tela; o juízo, exatamente, se define com totalidade que
une sujeito e predicado. Um centro estritamente pictórico se faz mediante
brilho maior de uma área sobre outra. Há também um centro pictórico temático,
quando o tema figurado apresenta um objeto em destaque, que pode ser uma
pessoa à qual atendem as demais. Ocorre, então, a coesão moral das partes.

Depois que a pintura passa a atender ao que o objeto figurado exerce, continua
a se desdobrar em narrativa. Representa, então, o enredo que tal pessoa ou
coisa exerce; neste caso temos a pintura de episódio. Os detalhes da arte
mediante cores já pertencem à estética especial (vd Estética das cores 3911y000).

658. A escultura, a arquitetura e todas as artes que operam com formas no


espaço, conseguem expressar as operações mentais do conceito, juízo e
raciocínio, criando contextos. Primeiramente o conceito é expresso pela
imagem mesma da forma do objeto, dada a afinidade já existente entre imagem
sensível e imagem mental. O juízo se transforma em frase escultórica com
expedientes como a coordenação da diversidade dos elementos numa direção
única. Na figuração é possível criar um centro moral de atenção; os indivíduos
representados poderão atender para um objeto ou pessoa, de sorte a se criar o
juízo. Neste particular, escultura e pintura conferem no uso do mesmo
expediente.
Todavia as limitações da mimese natural, no que se refere à expressão do
pensamento em suas operações de conceito, juízo e raciocínio, são tais, que se
recomenda sua aliança com as artes da linguagem. Esta complementação torna
muito rocas as expressões pelo processo da retórica, cinema, televisão.

Os detalhes estética das formas já pertencem a estética especial (veja


nossa Estética das Formas).

659. A música, veiculando mensagens por meio de sons, cuja plasticidade


permite a substituição contínua dos mesmos, consegue exercer, ainda que nem
sempre com facilidade, a articulação da mensagem artística. Conceituações,
juízos e raciocínios se fazem presentes no desenrolar tumultuoso de uma
orquestra que toca. O subir e o descer os tempos fortes e fracos, os acordes em
dominantes e subdominantes, em harmonia e dissonância, e outros recursos
mais permitem criar uma série de situações que tornam a música um
instrumento falante, surpreendente e mui apreciado. Alia-se também a outras
partes como cinema, televisão, forma em movimento, se observa na linguagem
(convenção).

O som estático (sem flexões de qualquer espécie) é o ponto de partida de toda a


música. Todavia o poder da música somente ocorre quando se põem os sons em
movimentada substituição. Na arte cênica e no cinema igualmente se põem as
formas e as cores em substituição. Mas, desde que se tome isoladamente um
som, sem substituí-lo por outras espécies de som torna-se imediatamente
evidente sua pouca operosidade artística. Não ocorre o mesmo com as formas;
estas, na escultura, se revelam, no instante estático, mui poderosas expressões;
também as cores, ainda que estáticas, como na pintura, se exercem com alto
poder de expressão, quando as formas e as cores entram a se movimentar
progride a capacidade de expressão, ultrapassando em interesse à música.

Ocorrendo, contudo, limites em todas as artes, elas se aliam quando isto se


torna possível; eis quando sobretudo o som opera como o maior aglutinador
dos instrumentos artísticos. Une-se à linguagem convencional, pois a
convenção melhor se processa com os sons, como se vê na linguagem, do que
com as cores (símbolos, como bandeiras) ou com as formas (gestos
convencionais). Outra vez se alia o som com as artes da forma, sobretudo da
encenação. Enfim se une com a expressão em cores e formas ao mesmo tempo,
como no cinema e televisão. Aglutinado variados meios de expressão, o
instrumento sonoro alia as artes entre si tornando-as mais poderosas.

Os detalhes da estética dos sons já pertencem a estética especial (veja


nossa Estética da música).

II - Articulações artísticas das artes,


que operam com equivalentes convencionais,

com os objetos das operações mentais.

0531y661.

662. Articulação bastante proporcional da linguagem. Dada a criação


sistemática dos equivalentes convencionais da linguagem para todos os objetos
oferecidos pela expressão mental, ocorre na linguagem uma articulação
bastante proporcional entre o significante e o significado, quer no caso dos
conceitos, quer no do juízo, quer mesmo do raciocínio.

Conforme já muitas vezes advertimos, esta precisão se deve à convenção, que


deliberadamente pode criar palavras e morfologias gramaticais para cada
peculiaridade da expressão mental.

E assim ocorre um paralelismo quase rigoroso entre a expressão artística e o


objeto como aparece no conceito (objeto imagem), e depois também um
rigoroso paralelismo entre a expressão artística e o objeto como aparece no
juízo (objeto afirmado), finalmente também entre a expressão artística e o
objeto como aparece no raciocínio (objeto provado).

A palavra se ajusta ao objeto do conceito; a frase ao juízo; o discurso ao


raciocínio.

663. Funções gramaticais. Na articulação entre a expressão artística da


linguagem aos objetos, - como aparecem nos conceitos, nos juízos e nos
raciocínios, - este procedimento gramatical dispõe ainda de expedientes
articulatórios vários, visando o aperfeiçoamento do processo.

Função é o termo com que se pode denominar o detalhe do objeto a ser


expresso por algum elemento articulatório da linguagem.

As funções articuladas pela linguagem são constituídas pelos muitos detalhes


do objeto. São as suas determinações .

Também se denominam maneiras de ser, ou ainda modos do ser.

Os modos de ser são classificáveis em gêneros, subgêneros, espécies, e que têm


ocupado sobretudo aos lógicos.

Fundamentalmente as funções do objeto, a ser articuladas pela expressão


artística, são as assim chamadas categorias de ser. Aristóteles as classificou em
número de 10 gêneros supremos, - substância, quantidade, qualidade, relação,
tempo, lugar, situação, ação, paixão, hábito. Mas nem todas são de igual
importância na articulação pela qual se cria a expressão artística da linguagem.
664. Sistemas gramaticais. Os expedientes com que são indicadas
as funções na linguagem podem variar algum tanto. Dali nascem sistemas
gramaticais diferenciados, por causa da multiplicidade das alternativas viáveis.
Em consequência os idiomas falados poderão ser muitos, com as respectivas
gramáticas.

Eis quando se estabeleceu a anarquia da fala humana, em vista de não se haver


gerado a língua dentro de um plano racional.

Só modernamente, - depois de muito tempo perdido e ainda muito tempo a ser


perdido, - foram tentadas línguas planejadas. O Esperanto, criado em 1887, por
Ludoviko Zamenfof, foi o projeto mais aceito e que mais se difundiu.

665. Os objetos das diferentes operações mentais se diferenciam


adequadamente na linguagem.

Os conceitos têm os seus objetos indicados por vocábulos, em que os detalhes


podem distinguir funções diferenciando entre substantivos, adjetivos, pronomes,
verbos, advérbios.

As diferenças poderão ser indicadas, ou por palavras inteiramente distintas, ou


por morfologias aplicadas ao mesmo radical fundamental.

Os dicionários encheram-se de vocábulos; isto prova a quantidade de recursos


de que dispõe a linguagem e o seu sucesso como expressão.

Os juízos se expressam na morfologia dos verbos. Estes podem ser partículas


autônomas, como no caso do verbo ser. Ou resultar por obra da morfologia,
como nos demais verbos. Como já adiantamos, o verbo exprime diretamente a
afirmação.
Em consequência também passou a ter expressão distinta o sujeito e o
predicado.

Ordenam-se os juízos entre si, ou por mera justaposição, ou mediante


conjunções.

Como se constata, o juízo, - apesar de todo os percalços para a sua expressão


artística nas outras espécies de arte, - encontra na linguagem recursos
incomparavelmente maiores que em pintura, escultura e música.

Os raciocínios, que já na mente se constituem de juízos ordenados entre si,


contam na expressão da linguagem, sobretudo com as conjunções
subordinativas, que colocam as frases de tal maneira a se perceber que a
conclusão é gerada por premissas adequadamente exibidas. Exemplo, de
dedução:

Se A é B,

e se B é C,

segue que A é C.

Também é possível caracterizar as diferenças entre o raciocínio dedutivo


(silogismo) e o indutivo. Mas este não costuma ter uma formulação rija,
cuidando apenas de arrolar os dados singulares confirmativos e induzem a
aceitar sua generalização. Mas, o fato mesmo do aspecto exterior do silogismo,
sugere por contraste privativo a especificidade do outro sistema de argumentar.

666. Há pois uma diferença essencial a distinguir a expressão artística mediante


mimese natural e a expressão da linguagem mediante equivalentes
convencionais.
A expressão por mimese natural opera quase só por contexto os objetos das
operações mentais, ao passo que a linguagem cria a expressão direta para as
diferentes modalidades de objeto como aparecem nas operações mentais.

Segue, pois, a prosa caminhos muito diferentes quando se trata da prosa das
artes por mimese natural e quando da prosa da arte da linguagem. Ainda em
virtude dos mesmo motivos, de novo se separam claramente a prosa e a poesia
da linguagem, quando nas demais artes separam muito pouco.

Ainda que a convenção indique vagamente o sentido das palavras, - pois não
chega a linguagem a ser intuitiva nas mesmas dimensões da arte figurativa da
pintura, - esta desvantagem é vastamente compensada pela precisão direcional
com que as palavras apontam em cada momento para os seus respectivos temas,
como surgem no conceito, no juízo, no raciocínio.

É também mui peculiar à linguagem poder desenvolver os conceitos em


diversificações conceituais ao modo das funções gramaticais, o juízo em enredo
narrativo, o raciocínio em discurso.

667. Concluindo sobre a natureza da prosa e de seus processos de articulação,


vimos que ela exprime através de semelhanças, - diferentemente da poesia, que
opera por associatividade, - e por detalhes articulatórios que ajustam esta
semelhança às diferentes determinações dos objetos.

CAP. 4

GÊNEROS ARTÍSTICOS EM PROSA. 0531y670.

- Filosofia Geral da Arte -


671. Introdução geral aos gêneros artísticos. Em todo o processo da arte o
objeto se encontra na posição ativa, porquanto a expressão precisa sujeitar-se
ao assemelhamento, para que o possa de algum modo significar.

Esta posição ativa do objeto, operando a partir de fora sobre o sujeito, se torna
ainda mais destacada ao se tratar dos gêneros artísticos.

Os temas passam ao interesse do apreciador da arte, e vão dar nome aos assim
chamados gêneros artísticos. Eis para onde passamos agora, com vistas a
concluir o que há a dizer sobre a expressão em prosa, esclarecendo sobre os
seus gêneros, e mais adiante também sobre os gêneros da poesia (vd 696).

No ordenamento didático, temos diante os seguintes parágrafos:

- natureza e classificação dos gêneros artísticos em prosa (vd 672);

- gêneros artísticos conceituais de prosa (vd 676);

- gêneros artísticos judicativos de prosa (vd 706);

- gêneros artísticos racionativos de prosa (vd 728).

§1 - Natureza e classificação dos gêneros artísticos em prosa.

0531y672.

673. O porquê dos gêneros artísticos. Exprimem-se do mesmo modo coisas


individualmente iguais. Quase do mesmo modo se exprimem grupos de coisas
semelhantes, sejam eles apenas conjuntos, sejam espécies, ou gêneros e
categorias gerais de ser.
Em consequência nascem os gêneros artísticos, com expressão adatada a cada
modalidade temática, e as vezes tomando até os nomes desta mesma temática.

Por exemplo, assuntos concretos, ao serem pintados, formam o gênero da


pintura figurativa; também nesta temática ocorrem os gêneros: fotografia,
paisagem, natureza morta, e mesmo as biografias de personalidades individuais.

Com assuntos abstratos se faz a pintura abstrata.

Na linguagem se destacam os gêneros descritivos e narrativos em prosa e os


gêneros lírico e épico em poesia.

Gêneros artísticos são pois modalidades que a expressão artística assume em


função a uma correspondente modalidade de objetos. Uma vez que a expressão
se adata ao objeto expresso, resulta logicamente que gêneros do objetos
distintos encaminham o surgimento de correspondente gêneros distintos de
expressão.

Se trata do tema em si mesmo, mas da expressão que se adequar ao que


significa.

674. A classificação essencial dos gêneros artísticos se procede a partir dos


objetos expressos, seja do modo como o são, seja pelo conteúdo temático.

Do ponto de vista da forma, os gêneros se distinguem em prosaicos e poéticos.

Redividem-se os gêneros prosaicos, ainda no plano da forma, em estéticos,


pedagógicos, didáticos, de comunicação..
Do ponto de vista da matéria, ou seja do objeto expresso, os gêneros em prosa
poderão ser denominados a partir de diferentes pontos de vista dos objetos
abordados.

Considerando que os objetos nos vêm através do pensamento, os gêneros


artísticos se classificam muito convenientemente pelas três operações mentais,
conforme já foi adiantado, - gêneros artísticos conceituais (vd 676); gêneros
artísticos judicativos (ensaio, artigo, tratado, conto, novela, romance (vd 706); -
gêneros artísticos raciocinativos (entre outros, o exemplo e o discurso) (vd 728).

§2 - Gêneros artísticos conceituais de prosa.

0531y676.

677. O conceito simplesmente apresenta o objeto, dele dando uma noção à


maneira de imagem. Diferentemente, o juízo apresenta o mesmo objeto como
afirmado, e finalmente o raciocínio, o objeto como provado.

Cabe agora atender ao objeto como imagem, assim o expressando em obra de


arte, e o considerando como um gênero de arte distinto dos gêneros que
assumem o caráter judicativo e raciocinativo.

Classificam-se os conceitos da mente em gêneros, de que se ocupa a lógica.

Em consequência de haver gêneros de conceitos, se formam os respectivos


gêneros conceituais artísticos. É que, em cada gênero de conceitos os objetos se
apresentam diferentemente, e por isso também vão diferenciar-se as respectivas
expressões artísticas.
Os gêneros de conceitos se coordenam em gêneros progressivamente mais
abrangentes. De novo, na arte a expressão se modifica em cada nível, criando
então os gêneros artísticos conceituais maiores.

678. Gêneros figurativos e abstratos, objetivos e subjetivos, do real e da


ficção. As classificações dos conceitos, ainda que todas repercutam
paralelamente na expressão artística, não despertam todavia interesse igual e
por isso não ocorrem com igual presença nas classificações usualmente
estabelecidas.

Três são as classificações de conceitos que mais se destacam em relação aos


correspondentes gêneros artísticos.

Dali resulta a correspondente divisão didática, em 3 itens:

- classificação, em que os conceitos, ora são conceitos concretos e


ora conceitos abstratos, quando resulta haver paralelamente gêneros artísticos
concretos, ditos gêneros figurativos (para os objetos dos conceitos concretos) e
gêneros artísticos abstratos (para os objetos dos conceitos abstratos) (vd 680);

- classificação, em que os conceitos, ora são conceitos objetivos (de objetos


exteriores) e conceitos subjetivos (de objetos internos), quando resulta haver
paralelamente gêneros artísticos objetivos (ou da arte naturalista) e gêneros
artísticos subjetivos (ou da arte expressionista) (vd 690;

- classificação, em que os conceitos, ora são conceitos de coisas reais ou


efetivas (como na notícia, na ciência, na filosofia) e ora conceitos de coisas
fictícias, quando resulta haver paralelamente gêneros artísticos de tema
real (como nos conceitos do conto, da novela, do romance) (vd 700).
679. Observa-se pelos títulos mencionados acima, que os gêneros artísticos
conceituais não se encontram claramente classificados.

As denominações surgiram historicamente no embate eventual das


circunstâncias; geralmente mais se debatia o estilo desses gêneros, do que o
gênero em si mesmo.

Importa uma diretriz para chegar a um bom resultado classificatório. Até certo
ponto o gênero artístico se subordina ao tema. Assim também até certo ponto as
classificações dos temas condiciona a classificação dos gêneros. Por
conseguinte, devemos atender primeiramente a uma classificação exaustiva dos
conceitos, para depois determinar até aonde esta classificação dos conceitos
determina o surgimento de gêneros artísticos conceituais.

A classificação dos conceitos, apresentada pouco antes, obedece à


eventualidade dos gêneros conceituais mais representativos.

Além disto, a classe conceitos de coisas reais e de coisas fictícias reaparece nos
juízos e respectivos gêneros artísticos.

Nenhum gênero conceitual se fecha sobre si mesmo, porque os conceitos não


operam isoladamente, mas sempre na estrutura do juízo.

I - Gênero de arte figurativa e gênero de arte abstrata.

0531y680.

681. A arte figurativa é a que exprime temas concretos.


Considerando que as coisas concretas costuma apresentar uma figura, ou
aspecto similar, ela assume a partir deste fato a denominação de arte figurativa.

No caso da pintura e da escultura, a arte figurativa é a que expressa temas como


animais, montanhas, pessoas, objetos criados com feições materiais.

Até certo ponto os líquidos e os gases também apresentam figura, e assim


comparecem normalmente no quadro dos objetos do gênero arte figurativa.

Tem a arte figurativa a sua oposta na arte abstrata (vd 685), que é dissociadora
do objeto concreto.

O mesmo tema pode apresentar-se, ora com perspectiva concreta, ora com
abstrata. Por exemplo, a tela Primeira missa do Brasil, de Victor Meirelles,
apresenta o fato concreto, portanto como pintura figurativa. Santa Ceia de
Portinari contém um instante expressivo e abstrato, com uma indicação mística.

682. O nome de arte figurativa merece alguns reparos. Este outro gênero de
arte, a abstrata possui denominação mais substancial, porque diretamente indica
o objeto que a define.

Já não acontece o mesmo com a arte figurativa, a qual tem como constitutivo
essencial o tema concreto, denominando-o todavia por uma de suas
propriedades, a figura. Seu nome substancial seria arte concreta. Mas não se
usa esta denominação.

Além disto, há uma diferença entre figura e forma; a figura se diz


preferencialmente da fisionomia de uma coisa natural, que independe pois da
interferência do homem; diversamente forma se diz mais vagamente de
qualquer disposição das partes no espaço, não só das partes de uma figura
natural, como ainda das partes de uma obra artificial criada pelo homem.

A denominação que diz arte figurativa se usa de preferência nas artes plásticas
da pintura e escultura; portanto em algumas espécies de arte, não em outras, por
exemplo não na música e literatura. Operando mediante mimese natural das
cores e formas especializadas a arte figurativa em destaque as figuras, ou
formas das coisas.

Não é adequado o nome para a música e nem para a linguagem falada; o som
musical não insiste na apresentação da figura; o mesmo acontece com a
linguagem, cujos símbolos destacam as operações mentais do conceito, juízo,
raciocínio.

683. Concreto e concretismo. O oposto direto de abstrato é o concreto.


Todavia como já advertimos acima, não usamos referir-nos neste sentido a uma
arte concreta (ou a uma arte do concreto).

Além disso, a denominação concretismo foi utilizada para o movimento que


propõe a aliança das artes. Este concretismo une por exemplo a palavra com a
figura do objeto da expressão.

Concreto, como diretamente oposto ao abstrato, significa que a entidade


mencionada se apresenta com a integridade daquelas suas determinações. Estas
determinações, que poderiam ser consideradas em separado do sujeito, são com
ele apresentadas. Em consequência, o concreto é sempre individual, em vista de
individualizar-se no seu sujeito.

Este homem (sujeito mais a determinação de homem) é um ser concreto;


distingue-se do "homem" (considerado simplesmente), independentemente de
sujeito, ou de sujeitos.
As determinações, que poderiam também ser consideradas em separado uma
das outras (abstração de formas às formas), sempre se apresentam
integralmente, como de fato se encontram.

A liberdade semântica concebe, por vezes, o concreto como material (ou


corporal) enquanto distinto do espiritual e de qualquer atividade imanente, com
da inteligência, inclusive da imaginação, dos sentimentos, da vida psíquica.

Neste sentido, nem Deus seria concreto, por não ser material ou corporal.

A arte figurativa usa ser entendida como aquela que apresenta assuntos
concretos materiais. Neste sentido, a arte de temas concretos (no primeiro
sentido) seria mais ampla que a arte figurativa (de temas concretos materiais).

Ocupar-se das coisas imanentes, sem introduzir abstrações, também é arte não
abstrata e portanto concreta.

684. Arte figurativa e arte impressionista. A assim chamada arte


impressionista se reduz efetivamente à arte figurativa. No final do século 19
por ela principiava a pintura tipicamente moderna, não exprimindo o objeto
como ele é, mas como ele se apresenta ao observador, no instante de sua
primeira impressão.

Seja por exemplo a visão do sol nascente -Impresions, soleil levant (Paris, 1874)
-, numa das primeiras telas do movimento, da autoria do francês Claude Monet
(1840-1928).

Há, entretanto, neste impressionismo um começo de abstração, porque elimina


os elementos não percebidos pela primeira impressão.
Mais um passo, e se chegou ao pós-impressionismo, com Paul Cézanne (1839-
1906), com uma pintura mais raciocinante, que finalmente seria a pintura
abstrata.

Os impressionistas puros foram Monet (já citado), Alfred Sisley (1839-1899) e


Camille Pissarro (1830-1903).

A eles se ligaram, ainda que com caminhos próprios, os notáveis : Pierre-


Auguste Renoir (1841-1919), Edgar Degas (1834-1917) e Edouard Manet
(1832-1883). Notabilizaram-se também as pintoras impressionistas, a
americana Berthe Morissot (1841-1895) e a francesa Mary Cassat (1841-1926).

685. A arte abstrata se define, como sendo a que transfere à expressão


artística apenas alguns dos aspectos tomados à realidade concreta, nunca todos
eles. Por exemplo, a velocidade, o tempo, o ritmo, o enlevo, o amor, o
sofrimento, a violência, quando expressos em separado constituem o gênero da
arte abstrata.

De novo, a arte é dita abstrata sobretudo no plano das artes plásticas, porque
particularmente elas contrastam pela sua maneira de expressar estes dois
distintos temas.

Na musicalidade dos sons a distinção ordinariamente escapa ao apreciador e


mesmo ao artista.

Na arte da linguagem a distinção igualmente não é expressamente anotada; uma


igual versatilidade se ocupa tanto do concreto como do abstrato.

Há todavia uma distinção, que fixa a diferença entre os gêneros concreto e


abstrato. As coisas concretas se indicam com fácil compreensão. As abstratas
requerem contínuo apelo à analogia.
686. Abstração total. Duas são as maneiras de processar uma abstração, a
formal e a total, e que se refletem em dois gêneros ou modalidades de arte
abstrata.

Pela abstração total se decompõe o objeto concreto, separando sua forma e o


seu sujeito portador. A abstração é mínima, porquanto a forma das coisas
concretas se mantêm inalterada, ficando apenas excluídas as referências de
sujeito.

Tal é o procedimento das ciências, as quais não estudam este ou aquele sujeito,
mas a natureza em geral, por exemplo, o homem como tal, a planta com tal, o
corpo com tal, a sociedade como tal. Assim também resultam por abstração
total conceitos de cor como tal, de forma plástica como tal, de som como tal, de
símbolo como tal.

A arte é do gênero abstrato quando, começando pelos temas sem os respectivos


sujeitos, os expressa simplesmente: a planta (como tal), o corpo (como tal), o
som (como tal), a flor (como tal), a guerra (como tal), o homem (como tal), a
mulher (como tal), a mãe (como tal), a mãe negra (como tal), o jornaleiro
(como tal), os seios femininos (como tais) e assim por diante.

Os objetos surgem quase concretamente, mas universalmente, sem os sujeitos


portadores eventuais.

688. A abstração formal (vd 241) é uma redivisão da forma, da qual se toma
uma das partes.
Agora o objeto é alcançado nos seus graus metafísicos, também chamados
modos. Estes podem divergem pela maneira de se predicarem, em:

- modos especiais, denominados também categorias do ser, com a


característica de se darem por predicação unívoca;

- modos gerais, denominados também transcendentais, com a característica de


se darem por predicação analógica.

Na classificação de Aristóteles as categorias são em números de dez categorias,


ou gêneros supremos: substância, quantidade, qualidade, relação, tempo,
posição, ação, paixão, hábito.

As noções categoriais, por serem de predicação unívoca, são estanques entre si,
de tal maneira que uma das noções não invade o campo da outra.

Os modos de predicação analógica também se coordenam entre si, de


resultando finalmente as noções fundamentais que se dizem: ser, coisa, algo,
uno, verdade, bondade. Entre as noções coordenadas ocorrem variações bem
conhecidas, como belo, moralidade, justiça, coerência.

Já se percebe que a arte, ao operar como gênero abstrato desdobra este gênero
nos mais variados subgêneros.

O que a lógica e a metafísica colocam em elaboradas classificações, se reflete


nas classificações dos gêneros artísticos. Mas ocorre todavia o mesmo interesse
nos que operam com o assunto. Mas, independentemente destas circunstâncias,
tais gêneros existem.

São bem conhecidas algumas das representações do gênero da arte abstrata.


Entre os subgêneros, seja lembrado o dos símbolos, entre eles o da balança da
justiça.
II - Gênero artístico objetivo e gênero artístico subjetivo.

0531y690.

691. Dois gêneros artísticos conceituais profundamente distintos. A


profunda divisão entre exterior e o mundo interior, um objetivo e
outro subjetivo, se reflete na arte que mui diferenciadamente exprime a um e
outro. Dali resultam o gênero artístico objetivo e o gênero artístico subjetivo

Na expressão de objetos do mundo objetivo exterior, a arte opera recursos


diversos daqueles que utiliza na expressão dos temas do mundo interior da
subjetividade.

Para o mundo exterior encontra recursos mais adequados, ao passo que para o
mundo interior não há formas plásticas, nem cores, nem sons que o possam
diretamente expressar.

As coisas do mundo objetivo possuem cores e formas; por isso a pintura e a


escultura as representam com relativa facilidade.

Os objetos exteriores também produzem sons; consequentemente a música


dispõe da possibilidade de indicá-los através de sons, que as possam acusar por
este caminho.

Mas a linguagem consegue fugir algum tanto das diferenças entre o texto que
se refere a uma coisa concreta exterior e o texto sobre a vida que flui na
interioridade sujeito.
Entretanto é preciso anotar que a diferença entre o mundo exterior e interior já
se reflete na expressão mental, e por isso não há como eliminar, nem sequer na
linguagem por equivalentes convencionais, a diferença nas respectivas
expressões.

Os conceitos que a mente consegue formar sobre o mundo exterior se dão a


partir de uma experiência sensível. A inteligência só consegue formar conceitos
próprios do mundo sensível; os conceitos do mundo interior dependem dos
conceitos fundados na experiência sensível, e por isso acabam sendo analógicos
e impróprios.

Por exemplo, o espírito, embora não seja como um sopro, assim é imaginado.
Deus, embora não seja como a luz, é pensado mais ou menos como a luz. Dali a
expressão que O denomina, Luz da luz. Os visionários equivocadamente
acreditam haverem visto a Deus, ao qual descrevem como se fosse uma luz
extraordinária. E finalmente eles mesmos se consideram iluminados.

As diferenças entre o mundo exterior, - ao mesmo tempo que seu inter-


relacionamento, - ressoam na expressão, progressivamente mais difícil de
entender, na medida que o mundo interior é penetrado.

Em virtude dos novos expedientes usados, esta linguagem se converte num


gênero artístico subjetivo, distinto do gênero artístico objetivo.

692. O crescente expressionismo. Mais recentemente, a arte do gênero


artístico subjetivo, apesar de menos capaz de expressar, do que a do gênero
objetivo, passou a ser mais solicitada.
A pintura, depois que apareceu a técnica da fotografia, tornou-se importante
instrumento para expressar o mundo interior e que a arte fotográfica não
alcança com igual desenvoltura.

A invenção da fotografia, como técnica mais perfeita e segura para retratar os


objetos naturais do mundo exterior, afastou deste campo os tradicionais
instrumentos da arte.

A mudança para a temática interior e abstrata passou a ocorrer a partir do final


do século XIX, quando após o impressionismo, surgiu o expressionismo,
inaugurado em Munich (1911).

Em todos os tempos houve manifestações de expressionismo, todavia eventuais.

Já era expressionista a obra de Tothmés, o escultor do faraó Amenófis IV. O


expressionismo também se observa em uns poucos desenhos de Leonardo Da
Vinci, esculturas de Miguel Ângelo, em alguns quadros da pintura romântica,
nas pinturas de Goya.

Passou o expressionismo a firmar-se no final do século XIX, como


reformulação do impressionismo francês, com Cézanne, Gauguin, Van Gogh,
refletindo-se sobre Picasso, Matisse, Rounault, Modigliani, Ensor.

Desenvolveu-se extraordinariamente na Alemanha e Europa central, depois de


1910, quando se destacam os pintores Kokoschla, Nolde, Grosz, Beckmam,
Heickel; os escultores Barlack, Lehmbruk.

Equivalências expressionistas ocorrem na música e na literatura, em que


também se exploram temas do mundo interior. Todavia aqui não atuara o efeito
da fotografia, que houvera tomado o lugar às artes plásticas.
693. Uma aproximação entre o abstrato e o espiritual. Por vezes até se
denomina abstrato ao que é espiritual. A rigor acontece ali apenas uma analogia,
a qual permite a transformação semântica da palavra.

Nem a abstração e nem o espírito são objetos sensíveis. Um e outro tema estão
impedidos de serem expressos adequadamente por uma representação própria.
A impropriedade, todavia é de natureza diferente.

A rigor, os sentimentos e sensações idéias e volições podem ser considerados


sem que se lhes aplique o processo abstrativo. Neste sentido se podem dizer
coisas concretas.

Mas, situando-se no mundo interior, ficam sem qualquer possibilidade de


serem expressos adequadamente em obra sensível material exterior, da arte. Por
isso, como todas as abstrações, também as coisas concretas do mundo interior
se expressam em obra artística ao modo indireto da arte abstrata.

Somente é arte figurativa aquela que encontra um paralelismo perfeito, de


espécie idêntica, entre obra e tema.

Com vistas ao tema do mundo interior tem-se criado a denominação de "arte


expressionista", o que não coincide em toda a linha com a denominação "arte
abstrata".

Recomenda-se que gênero abstrato se diga da arte efetivamente abstrata. Esta


última denominação se reserva, então, ao tema especificamente abstrato,
enquanto que arte expressionista se dirá da expressão de objeto do mundo
interior.
694. O concreto no mundo interior. Admite o mundo interior ser considerado
como algo concreto, e que depois passe a ser considerado abstratamente. Num
primeiro instante cuidamos do mundo interior como constituído de coisa
individuais, e depois o sujeitamos sucessivamente à abstração total e formal.

Na operação de abstração, - conforme já se esclareceu, - ela poderá fazer-se


primeiramente pela modalidade denominada total, que retira apenas o sujeito,
para ficar com a forma simplesmente. Em vez de atender, por exemplo, à
alegria desta mulher, exprime a alegria como tal.

A abstração continua pela modalidade conhecida pelo nome formal, continua a


pulverizar o objeto, agora redividindo a forma, de onde vão resulta muitas
perspectivas, cada vez mais abstratas. Por exemplo, a alegria como estado
psíquico, a alegria como um bem, a alegria como a característica da pessoa
saudável.

695. A inegável grandeza da arte abstrata. Ainda que a arte se ocupe de


todas as considerações que o sentimento oferece, a consideração abstrata,
entretanto, revela uma inegável grandeza mental do artista. A dor pessoal do
poeta é um episódio mais corriqueiro, que a dor universal.

Cruz e Sousa (1861-1898), um poeta negro de Florianópolis, principiou pela


sua problemática pessoal, dali passando para o sofrimento de sua raça.
Finalmente elevou-se à consideração da dor universal. Esta tendência para o
abstrato, que ele realizou pela modalidade literária do simbolismo, encontras-se
na linha da diretriz abstracionista, no plano da linguagem.

O caráter imanente do mundo interior dificulta a expressão dos sentimentos,


tanto a referência concreta como abstrata. A expressão concreta se desenvolve
com algumas vantagens. É sugerida facilmente pelas situações em que ocorre,
sobretudo pelos efeitos sobre a ação e o comportamento humano.

Ao ser expresso o sentimento abstrato, rompe com as manifestações mais


singulares de suas formas naturais. Este rompimento com o natural poderá
sugerir a intenção abstrata.

Um enlevo é possível de ser indicado abstratamente, foi expresso, à maneira de


uma grande nuvem em ascensão. Os traços psicodinâmicos em direção
ascensional sugerem a marcha geral para o alto.

696. O valor do tema interior serviu de estímulo ao expressionismo na arte.

"Uma das manifestações de inteligência medíocre é estar sempre contando


casos" (La Bruyere, Caracteres).

O homem de pensamento desenvolvido supera o episodismo dos


acontecimentos exteriores. Enquadra-se em esquemas gerais, quando se trata do
mundo exterior. Quando se trata de escolher entre o mundo exterior e o interior,
prefere a este último. Seu mundo interior é seu primeiro valor. E mesmo no
mundo interior, prefere ao seu lado concreto, o universal.

O artista moderno imprimiu nova direção à sua obra.

"Materializar o espiritual até fazê-lo palpável; espiritualizar o material, eis o


segredo de toda a arte" (Benavente, Jacinto, La moral em el teatro).

De outra parte não se deve exagerar ao ponto de supor que a temática da arte se
reduza ao mundo interior. É o tema de maior representatividade para a arte de
hoje, mas não exclui definitivamente a expressão figurativa das coisas
concretas exteriores.

697. O sentimento, uma preferência temática. Entre os temas do mundo


interior, o sentimento é um dos mais apreciados para a expressão artística.

Encontra-se este fenômeno no contexto geral da felicidade humana, que é o


objetivo interno da ação em busca do bem. Na prática o bem e a felicidade
coincidem. Há outros sentimentos com os quais se ocupa o homem. Todavia
todos os sentimentos são gerenciados tendo a felicidade como parâmetro de
avaliação.

Por mais diversos assuntos que expresse o artista, envolve-os com alguns
elementos afetivos, não se deixando ficar apenas em logicidades. Em vez de se
limitar a afirmar a conexão puramente lógica, enfeita-a de flores e perfumes
emotivos.

Seja uma frase lógica:

- Manuel curou-se do sofrimento; já saiu do hospital.

Com emotividade:

- Graças! Manuel está curado. Saiu felizmente do hospital.

Quando o predomínio temático é o próprio sentimento, a expressão se


caracteriza enfaticamente, ao ponto de adquirir nome especial e se instituir
como um gênero artístico. Tais situações ocorrem com a tragédia, com a lírica,
com o poema, - em parte pelo menos.
698. Pelo exposto, há três modalidades de expressão, frente ao tema do
sentimento:

- a que lhe fica alheia, como a expressão puramente lógica;

- a que combina o lógico e o sentimental;

- finalmente a que dá o predomínio ao próprio sentimento como tema principal.

O estilo da ciência e da filosofia preferem a expressão lógica; inicialmente se


ameniza aqui e ali com algum sentimento.

São exemplos de estilo filosófico bordado com alguma emotividade os


filósofos Descartes e Bergson.

Bem mais moderados foram Aristóteles, Kant e Hegel.

A exuberância se encontra em Nietzsche.

A elegância dialogal e mitológica se admira em Platão.

A narrativa literária foi mais emotiva nos românticos.

Menos no realismo e naturalismo.

Radicalizando o valor temático do sentimento, inclinaram-se alguns teóricos da


arte a estabelecê-lo como seu tema exclusivo.

Escreveu R. G. Collingwood:
"Nenhuma arte é representativa; em todo caso este é o ponto de vista da
maioria dos artistas e os críticos cuja opinião vale a pena considerar"
(Collingwood, R. G. Os princípios da arte. III, §2, p. 48. Ed. Esp.).

"Nada poderia ser mais inteiramente um lugar comum que dizer, que o artista
expressa as emoções" (VI, §2, p. 107).

Charles Bally:

"A estilística estuda os fatos da expressão da linguagem sob ponto de vista de


seu conteúdo afetivo, ou seja, a expressão dos fatos da sensibilidade mediante a
linguagem e a ação dos fatos da linguagem sobre a sensibilidade"
(Charles, Tratado de estilística francesa, 1902, 2ª. Ed. T. I, p.16).

Benedetto Croce, depois de definir a poesia em função ao tema, limitou este ao


sentimento. Criada no interior da fantasia (no ver de Croce), a poesia é
expressão do sentimento, na qual a expressão une a imagem e o sentimento,
num todo; assim, a poesia é:

"uma verdadeira síntese a priori estética de sentimentos e imagem na intuição;


síntese, na qual o sentimento sem imagem é cego e a imagem sem sentimento é
vazia" (B. Croce, Nuovi saggi di estètica, Laterza, Bari, 1948, p. 33).

Em outro passo:

"Que é, pois, a expressão poética que aplaca e transfigura o sentimento? Por


mais alta e nobre que seja a sua origem, a poesia se move, necessariamente, na
unilateralidade da paixão, na antinomia do bem e do mal, na ânsia de prazer e
do sofrer...". (Croce, A Poesia, trad. port. P.13).

Pouco adiante:
"O mais humilde cantor popular, quando iluminado por um raio de humanidade,
é poesia e pode defrontar-se com qualquer outra sublime poesia" (Ibidem, p.
16).

III - Expressão do tema real (figura natural)

e tema ficção (nova figuração).

0531y700.

701. O real e o ficcional. No gênero conceitual de prosa, há temas que se


encontram na natureza e são reais. Outros são da invenção humana.

Os primeiros são geralmente de figura natural, mas incluem os produtos da


atividade humana, como casas e veículos.

Os outros são de ficção (ou de nova figuração).

A ficção se diz de criação dinâmica, sobretudo da imaginação, ao passo que a


nova figuração diz respeito às formas plásticas, de desenho de volume.

Não importa essencialmente à arte que o tema seja real e natural, ou que se crie
inteiramente novo.

Define-se a arte pela sua função de expressar o quer que seja, e não pela
espécie natural ou nova da temática. Esta dá origem apenas às diferenças de
gênero artístico.
702. Ficção literária. Na literatura a ficção é praticada desde a antiguidade. As
histórias são inventadas, tendo em vista a ação em desenvolvimento.

A mesma inventividade não ocorreu nas artes plásticas. Ainda que as artes
plásticas também se ocupassem com os mitos, visões e contos, estes eram tidos
como acontecimentos efetivos.

Somente no curso do tempo tais crenças passaram a ser questionadas e


reduzidas à ficções. Além disto, foram os mitos primeiramente primeiramente
expressos na forma oral e literária.

A nova figuração no desenho, na pintura, na escultura passou a ser muito


apreciada modernamente. Foi este um passo importante na arte moderna, com
grande atração pela volta de 1960.

Há a distinguir entre a ficção da ação e a nova figuração do objeto.

A ficção da ação é antiga, sendo peculiar da narrativa literária. Esta ficção se


transpõe também para a representação plástica.

A nova figuração do objeto diz respeito à estrutura estática do mesmo. Na


ficção imaginativa, a nova figuração inclui a criação de personagens
inexistentes na realidade, como as figuras da lenda, a Medusa, por exemplo.

Ainda estão nesta categoria as representações antropomórficas dos espíritos,


bons e maus, inclusive personagens como de saci-pererê.

Mas como já dissemos, a nova figuração (ainda que em última instância seja
imaginativa) consiste em dar aos objetos figurações diversas daquelas que
usam ter na realidade; não consiste apenas em imaginar coisas inexistentes.
Podem divergir a partir das figuras naturais, que vão sendo trabalhadas em
novas direções; ou serem figuras inteiramente novas.

Ser real e ser não-real é uma perspectiva conceptual. Por isso do ponto de vista
de gênero artístico a expressão do tema real e a expressão do tema ficção são
classificados como gêneros conceptuais.

Todavia, o real e o fictício, logo se combinam com situações de expressão em


juízo, onde se destaca a ficção narrativa (vd 718).

A arte literária exerce de preferência os gêneros judicativos; entre eles estão o


ensaio, o conto, a novela, o romance.

As artes plásticas se retém no plano dos gêneros conceptuais. Embora os


gêneros sejam possíveis em todas as espécies de arte, ocorrem tais preferências.

703. Criação temática da ficção. Distingue-se entre o tema ficção e a


expressão deste tema ficção. Em consequência distingue-se também a criação
temática da ficção e a criação da expressão artística da ficção. O dualismo entre
tema e expressão é evidente.

Na prática, não existe o tema da ficção e nem da ficção independente da


expressão mental. A ficção é pensada e imaginada, sem que este tema passe a
existir fora de seu mundo imanente. Nem passa a existir ficção ao ser expressa
pela arte. O que passa a existir exteriormente é apenas a expressão da ficção.

Na arte de ficção há, pois, duas criações, - a do tema (criação intelectual) e a da


expressão do tema (criação artística). Dá-se uma sequência:

criação temática da ficção;


criação da expressão da ficção.

Algo similar ocorre com a ciência, quer filosófica, quer experimental. Como
conceituação universalização, a ciência não apresenta temas singulares e
concretos. Não existe como temática real. Mas só ficticiamente.

A expressão em palavras, que se faz da ciência e da filosofia, é similar à


expressão artística que enuncia a ficção e a nova figuração.

704. Não é a arte a criação da ficção e de pensamentos, ou seja a expressão


mental. A arte só existe lá onde se estabelece a expressão exteriormente em
obra sensível, seja em palavras, seja em pintura, seja em forma plástica, seja em
sons musicais.

A grande arte usualmente é a que possui grandes temas; todavia, a rigor, a


perfeição da arte não está no tema e sim na superioridade com que o expressa.

Por uma ampliação material da tarefa, exigimos que um ficcionista deva criar
bem a sua ficção. Não se encontra, todavia, ali aquele elemento que o torna o
grande artista. A arte sempre se coloca na expressão exterior.

Mas o grande artista deve ser não só o artista, mas também um grande criador
do tema, quer de ficção, quer de ciência, quer de outra qualquer informação.

A criação da ficção é um trabalho mental, de inteligência e imaginação.


Portanto, um ficcionista é primeiramente e antes de tudo um intelectual e não
um artista. Como grande intelectual cria genialmente a ficção.
Há também dois níveis intelectuais, o do espírito científico (isto é, sistemático e
crítico) e o do nível vulgar ou empírico (isto é, sistemático e acrítico).

A arte exprime as produções mentais de ambos os níveis, de onde resulta o


gênero artístico de tema erudito e o gênero artístico de temas populares.

§2 - Gêneros judicativos de prosa.

0531y706.

707. O juízo exprime o objeto como afirmado de algo. Na operação mental


do juízo o objeto é atribuído a algo. Então aquele objeto se diz atributo,
ou predicado; e outro, ao qual se atribui, tem a posição de sujeito.

Todas as operações mentais dizem algo do objeto, mas de diferente modo - o


conceito dá do objeto uma imagem, o juízo a afirma de algo; o raciocínio o
estabelece como provado.

708. Importa aqui mostrar como surgem e se estabelecem os gêneros


judicativos de prosa.

As atribuições feitas pelo juízo se diversificam muito, mas são classificáveis,


isto é, formam gêneros de juízos, de que se ocupa a lógica.

Em princípio, cada gênero de juízo corresponde a um gênero artístico de prosa.


Como já acontecia na classificação dos objetos conceituados, onde não ocorria
o mesmo interesse nos respectivos gêneros artísticos conceptuais de prosa,
também no plano dos gêneros de juízos, nem todos despertam o mesmo
interesse no plano dos gêneros artísticos judicativos de prosa.

Em consequência resta partir para uma classificação pragmática dos gêneros


judicativos

Destacam-se como gêneros judicativos, a expor em itens:

- narrativo-estático, usualmente denominado descrição (vd 712);

- narrativo-dinâmico, usualmente denominado narração (vd 718).

559. Por sua vez, já no mesmo plano artístico, ocorre uma preponderância do
gênero narrativo sobre a descrição.

E se compararmos entre si os gêneros artísticos conceptuais, judicativos,


raciocinativos, vão os gêneros judicativos predominar sobre todos os demais.

Este fenômeno de predomínio dos gêneros artísticos judicativos sobre os


demais se deve à circunstância de que já no plano das operações mentais o
juízo é dominante e a mais espontânea destas operações.

Os conceitos só aparecem como parte do juízo, e nunca isoladamente.

Nem há raciocínios, senão tendo como partes os juízos.


Todavia pode o juízo exercer-se autonomamente, sem logo fazer parte de um
raciocínio. Posso ver uma porta e dizer tão só uma só palavra, - porta. Mas
efetivamente fiz um juízo, - isto é porta.

Não se deve contudo esquecer que, sendo os conceitos parte do juízo, a


perfeição deste depende dos referidos conceitos. Efetivamente, quando o juízo
posiciona aos conceitos como sujeito e como predicado, lê neles o que
efetivamente acontece.

Já se vê que os gêneros judicativos bem desenvolvidos são aqueles que ao


mesmo tempo cuidam de uma boa conceituação.

O bom narrador começa por ter conceitos claros, ainda que estes sempre se
situem dentro de um juízo.

710. Apesar da maior espontaneidade do juízo como operação mental, nem


todas as artes têm a mesma capacidade para expressá-lo em obra e criar a
narrativa.

A linguagem expressa ao juízo com nitidez, destacando-se separadamente


sujeito, afirmação, predicado; por exemplo, a casa é alta.

As artes plásticas conseguem pôr em obra muito claramente os objetos dos


conceitos, que num outro momento deverão ser afirmados uns dos outros pelo
juízo; mas a afirmação mesma fica no contexto, para que seja completada pelo
intérprete.

Por exemplo, na pintura de uma casa alta estão claras as imagens de casa e
de altura. Restou a afirmação por conta do contexto, para ser feita pelo
apreciador, com apoio em alguma sugestão inserida na expressão.
Como já advertimos várias vezes, a consequência da diferença dos recursos
narrativos faz com que nas artes plásticas se acentuem os gêneros conceptuais,
em vez do gêneros narrativos, deixando-se estes para linguagem.

Dali também a tendência de criar a aliança dos gêneros narrativos da linguagem


com os gêneros conceptuais das artes plásticas. É frequente ver-se na base de
uma obra plástica o título em linguagem escrita, não somente para
complementar o sentido conceptual da obra, mas também para formular a
afirmação, por vezes até o raciocínio.

Passamos a seguir a considerar os dois gêneros judicativos mais representativos.

I - O gênero descrição.

0531y712.

713. A descrição, como gênero artístico, é uma sequência de juízos que


enunciam o estado de um objeto, sem incluírem o momento seguinte, quando
este for o da ação.

A descrição é um gênero com finalidade em si mesma, no sentido de as coisas


descritas poderem por si sós interessar ao interesse estético do artista e do
consumidor de expressão.

714. Ritmo subjetivo da descrição. Sem que o objeto descrito se torne


objetivamente dinâmico, pode ocorrer uma sequência subjetiva das partes da
descrição.
Uma tela apresenta o panorama, cujas partes são simultâneas. Todavia o
apreciador como que faz o seu olhar correr de um plano ao outro. Eis um ritmo
subjetivo, decorrente da sucessão mesma dos juízos de descrição. Todavia não
é uma ação do objeto descrito. Acontece claramente um ritmo descritivo da
atenção do apreciador.

Na linguagem o ritmo subjetivo é maior, do que o das partes de um composição


das artes plásticas, como da pintura e escultura, porque as frases da descrição
falante são enunciadas umas após as outras. Moralmente, contudo, a descrição
continua sendo, pelo lado do objeto, um fenômeno objetivo simultâneo.

715. Classifica-se a descrição materialmente pelas espécies temáticas


oferecidas.

A natureza é um tema apreciado para a descrição. Inclui animais, plantas,


elementos físicos da terra e o aspecto geral dos astros difundidos pelo universo.

Viagens é um tema notável das descrições, em que o detalhes são panoramas,


construções, costumes, culturas, diversões.

A característica das descrições das viagens e da natureza é a beleza de estilo


para que atendam aos sons objetivos estéticos. Não raro as descrições de
viagens evoluem na direção da narrativa.

Reportagem é uma descrição de acontecimentos notórios, e igualmente pode


evoluir para a formação da narrativa.

A descrição científica é a que descreve os dados que se submetem à ulterior


investigação. Antes de serem subordinadas à interpretação teórica deverão ser
rigorosamente identificados, razão que a descrição científica se caracteriza pelo
rigor.

A descrição funcional é a que está a serviço da narrativa. Esta embora descreva


o objeto em movimento, deve iniciar pela indicação do ponto de partida,
portanto por uma descrição. Pratica-se a descrição funcional da narrativa na
medida do necessário, para não ocupar excessivo espaço da narrativa mesma.

Os românticos alargam-se, todavia, na descrição, o que torna subjetivamente as


suas narrativas pouco dinâmicas.

De outra parte, a demora da descrição, sobretudo de objetos ricos de detalhe e


de conteúdo, permite gozá-los por mais tempo, sobretudo do ponto de vista do
sentimento estético, tanto da descrição em si mesma como arte, quanto pelo
objeto que apresentam.

716. A boa descrição tem de ser precisa, pois tem por objetivo informar como
a coisa é. Neste sentido a descrição requer boa fé, rigor de definições, ordem
natural (ou lógica interna).

A descrição arrola fatos, e por isso deverá apresentar-se com boa fé. Do
contrário, o não acontecido é dado como fato, e o verdadeiro fato é ocultado.

A boa fé, em última instância, se reduz à propriedade gnosiológica da verdade,


que deve haver em toda a expressão.

O rigor das definições se diz dos conceitos enunciados como principais. Em si


mesma, a definição é um conceito, e este um composto de elementos, os quais
se disse, são os principais.
Ao se fazer a afirmação, sobretudo a de uma definição, importa saber em que
dimensão o predicado está sendo atribuído; então, o recurso para conseguir alta
precisão é definir o conceito deste predicado. O mesmo se faça com o sujeito
quando importa evitar dúvidas, para que se saiba com clareza a que tipo de
sujeito se atribui a predicação.

A ordem natural (ou lógica interna) decorre do objetivo final de toda a


descrição, que deve apresentar o objeto tal como é em sua estrutura interna e
em que contexto se encontra na estrutura maior ao qual pertence.

Deve, pois, a ordem natural não ser violada pela desordenação das sequências
dentro de uma estrutura, quer interna, quer externa.

A mistura dos temas, desrespeitando a ordem natural, confunde o apreciador da


descrição. Num livro não se colocam os temas em qualquer posição, ainda que
por outros motivos se possa praticar este tipo de arte. A descrição simplesmente
não se pratica assim, porquanto seu objetivo é alcançar a precisa apresentação
do objetivo.

Contudo, aspectos subjetivos poderão adequar a ordem natural ao indivíduo ao


qual se destina a expressão. Este é o caso da ordem didática, e sobretudo da
ordem pedagógica.

Ao ser praticado o ensino, importa levar em conta que o aprendiz evolui


normalmente a partir do ponto em que já se encontra, bem como dentro da
medida normal da inteligência, medida esta que tem uma dimensão peculiar ao
adulto e outra à idade dos que vem crescendo.

II - O gênero narrativa.
0531y718.

719. A narrativa, como gênero artístico, é uma sequência de juízos que


enunciam a ação.

Compõe-se logicamente a narrativa de três momentos:

- exposição do estado inicial (ou ponto de partida);

- enredo (ou desenrolar da ação),

- desfecho (ou nova situação).

Concentra-se a narrativa no enredo, nela se ocupando o interesse do apreciador.


Deve consequentemente a expressão destacar as modificações, as sucessivas
novidades, os imprevistos e tensões, de maneira a despertar o interesse.

Detalhes redundantes tumultuam o rigor da narração. Dessa coesão trata


a estilística.

Para destacar enredo, a exposição do estado inicial da ação será breve.

De novo o desfecho, como último instante da ação será breve, ou até apenas
sugerido. Este desfecho deverá impressionar apenas como um todo. Um
desdobramento do desfecho poderá aparentar ser o inicio de uma nova narrativa.

Para manter a tensão peculiar á sucessão das causas que geram a ação em
sequência, não convém ao desfecho ser diretamente previsível.
720. As propriedades da narrativa perfeita merecem especial atenção.
Consistem na:

- coerência;

- verdade dos caracteres em interação,

- progressão da ação sob medida.

Em se tratando de ação criada como ficção, ocorre um trabalho prévio de


criação, para depois estabelecer a expressão em obra de arte.

Mas, em se tratando de ação real a ser narrada, o trabalho prévio consiste em


eleger os aspectos de maior interesse do ponto de vista da ação.

Apesar da importância do trabalho prévio da criação da ação fictícia, o que


verdadeiramente importa do ponto de vista da expressão artística está nesta
formulação final. O ficcionista deverá saber como apresentar narrativamente a
ação. O mesmo cuidado terá o narrador de fatos efetivos da realidade.

721. A coerência da narrativa, como sua primeira propriedade, deve reger


tanto o enredo como a conclusão, inclusive deve haver a coerência dos valores
vigentes, ou pelo menos com os valores defendidos pelo contexto estabelecido
pelo autor.

Sem coerência, o nexo das ações perde vigor e sentido. Ordinariamente o crime
não pode vencer, porque seria um absurdo.

Mas quando o absurdo prevalece, ele é mostrado como não desejado ou ao


menos como sendo a dura realidade.
722. Importa a verdade dos caracteres em interação.

Cada nova causa e nova situação precisam ser claramente definidas.

As atitudes dos personagens hão de ser coerentes com o seu caráter.

Na narrativa histórica a verdade dos caracteres é difícil, porque ela envolve o


pensamento das personalidades envolvidas e ainda a correta interpretação dos
fatos.

O narrador precisa ser honesto, não falseando os fatos. Esta é apenas a


condição inicial.

Precisa ainda competência. Esta deverá ser uma competência específica, em


alguns caso fácil, em outros difícil.

Certamente os que descrevem o que dizem os visionários tem sido


honestamente transmitido pelos seus biógrafos. O problema está na
competência para interpretar estes fenômenos de fundo psiquiátrico.

Se alguém do tempo de Júlio César (100-44 a. C.) houver dito que em Roma
havia um determinado templo, poderá ser acreditado. Mas se disser que viu o
Diabo, poderemos duvidar e dizer que era um visionário que, em sua
inconsciente anormalidade, apenas projetou do seu subconsciente esta imagem.

Quanto aos 4 Evangelistas tem-se que perguntar se tinham competência para


interpretar os fatos como o fizeram.
723. A progressão sob medida do curso da narrativa atende ao ritmo
antropológico natural de assimilação do consumidor da expressão artística. O
excesso de novidade na ação tumultua a atenção do apreciador. Amorosidade
da progressão enfada.

Convém contudo à narrativa ter vivacidade. Importa apresentar a ação em


primeiro plano, em vez do objeto em si mesmo. Portanto, mais se descreve a
ação, do que ao objeto em ação.

Um personagem dominante, como uma espécie de tônica, facilita a ordem


rítmica da narrativa.

Quando as artes se aliam, em todos complexos maiores, como no teatro, cinema,


televisão, a melhor maneira de garantir a força da ação é expressá-la através
das imagens plásticas, não pela linguagem falada.

O ator fala, todavia para expressar outras particularidades concomitantes. Se se


entregar à linguagem a indicação da ação, o todo passa a ser excessivamente
teórico, como acontecia com um grande número de filmes nos primeiros
tempos dessa arte.

724. A narrativa ficcional (conto, novela, romance, anedota, fábula, apólogo,


parábola) ocupa-se enfaticamente com a ação, visto que a realidade efetiva se
encontra afastada.

O interesse da narrativa ficcional não se concentra nos personagens e objetos


em si mesmo, e que por isso mesmo não importam serem reais.
Mesmo que sejam eventualmente reais, não são escolhidos por serem reais. A
ficção não deixará de ser ficção se o personagem de fato tenha sido tomado á
vida real; encontra-se ali apenas porque serviu eventualmente.

Mas é na ação, - como se advertiu, - que se concentra o interesse da ficção.


Liberando-se das particularidades dos indivíduos reais, a narrativa ficcional se
fica em uma outra realidade, como um recorte da realidade, e que consegue,
assim liberta, tratar com mais versatilidade.

Então podemos considerar haver verdade da mensagem da ação e não dos


personagens.

Mesmo nos diferentes níveis de ação podem alguns ser ficcionais, outros reais,
ou próximos da realidade. Um apólogo, que apresenta a ação falante dos
animais, é uma dessas ações, em que parte dela é evidente irreal.

Apesar de ficcional, a narrativa deste gênero visa, contudo, na generalidade do


seu uso apresenta-se como um recorte da realidade. Seguindo os imensos
caminhos da ação de objetos reais, ainda que elegendo setores, ela intenciona
mostrar com destaque, como tais ações ordinariamente se desdobram e qual seu
desfecho.

Por isso, após apreciarmos uma narrativa ficcional, dizemos para nós mesmos:

Essa é a realidade!!

Na narrativa ficcional do tipo recorte da realidade é importante a escolha do


ambiente e dos personagens pois é através deles que se expressa a realidade em
mutação, e que nos interessa.
725. Gêneros menores, e maiores da narrativa ficcional. A variação nos
tipos de ação ficcional subdivide o gênero em outros tantos gêneros menores, e
estes de novo em novos e novos subgêneros.

Pela sua extensão, a narrativa ficcional é mais ampla quando mais setores do
mundo da ação passam a ser por ela explorados.

O conto, a novela, o romance de distinguem pela progressiva grandeza de


aspectos escolhidos para serem postos em ação; de novo cada um dos gêneros
admite variações, a que não nos estenderemos agora.

726. Entre criação da ficção e expressão da mesma. A criação da ficção se


distingue da outra criação pela qual ela é expressa em obra artística.

A primeira é puramente mental. Apenas a segunda é a arte, que consiste em


expressão material. Sobre esta dupla criação já temos insistido quando do
gênero conceptual da arte de ficção (vd 553).

Espera-se quase sempre que o mesmo homem crie ambas as coisas, - a ficção
mental e a respectiva obra de expressão exterior. Sobretudo isto acontece
quando o tema é ficcional narrativo.

O contista, novelista, romantista usam trabalhar primeiramente como


intelectuais, que criam um enredo no qual se envolvem motivações as mais
diversas, em que não faltam sequer posições teóricas e nem mesmo a ideologia.
Concluída esta criação mental, tudo se transfere à expressão exterior, ou seja à
palavra, ou à pintura, ou à escultura, ou à música, etc.

O grande artista apreciado é aquele que combina a grandeza da criação mental


com a grandeza da criação artística, porque de ambas as partes se geram
valores.
É possível conceituar tudo deste outro modo: os personagens fictícios e sua
ação expressam a realidade de que se pretende sejam um recorte. Então aquele
recorte é o tema expresso. E os personagens e sua ação constituem a expressão
artística deles.

§3 - Gêneros artísticos racionativos de prosa.

0531y728.

729. O raciocínio exprime o objeto como provado. Com mais detalhe, é o


raciocínio a operação mental que oferece o objeto como decorrente de idéias e
juízos que o antecedem. Neste caso a evidência do objeto é virtual, decorrente,
por exemplo, de premissas.

Portanto, o objeto surge agora como provado, ao passo que no conceito surgia
apenas como imagem e no juízo apenas como afirmado.

Também se pode falar em provas no plano meramente judicativo, porquanto


constatar já é uma prova. Também descobrir por simples análise, é provar.
Todavia, no raciocínio o percurso da prova é mais longo, e o resultado aparece
apenas como virtual.

730. Todas as artes são de algum modo capazes de expressar aos objetos como
são apresentados pelo raciocínio.
Todavia mais de perto os exprimem a arte da linguagem, porque esta é capaz de
indicar melhor as partes do raciocínio, revelando passo por passo como do
antecedente decorre o consequente.

Por exemplo:

Se o objeto A é igual ao objeto B;

se o objeto B é igual ao objeto C;

então, então, o objeto A é igual ao objeto C.

As artes, por mimese natural apenas exprimem o objeto dentro de


circunstâncias contextuais. Através do contexto o apreciador consegue
vagamente raciocinar.

Por exemplo, a representação dos males resultantes da guerra, conduzem à


conclusão raciocinativa que a guerra produz males e que convém evita-la.

731. Muitos são os gêneros (ou espécies) de raciocínios, os quais os lógicos


exaustivamente estudam.

A rigor, a cada um deles corresponde um gênero de expressão artística.


Entretanto, - já como acontecia com os gêneros conceptuais e os gêneros
judicativos de expressão artística, - também aqui não é habitual seguir aquele
rigorismo dos lógicos para tratar dos gêneros artísticos raciocinativos. E se fica
na simplicidade de uma classificação pragmática.

A multiplicidade de gêneros argumentativos, - como é óbvio,- acontece


sobretudo no plano da arte da linguagem.
São gêneros racionativos: o discurso, a tese, o tratado, o ensaio, a dissertação,
o exemplo.

Todas estas modalidades de expressão apresentam características


essencialmente argumentativas, e por isso constituem gêneros artísticos
raciocinativos.

Do ponto de vista da forma de expressão, ainda se dizem de prosa, em oposição


aos gêneros de poesia.

732. Discurso, ou peça oratória, é um elemento dirigido ao público ouvinte, a


cujas circunstâncias ele de adapta. A palavra discurso, do latim cursus (= curso,
sequência) sugere por si mesma a marcha que o raciocínio tem.

Aristóteles, em seu tratado sobre Retórica, ao investigar exaustivamente o


discurso, pôs em destaque duas características: ele é argumentativo e busca
agradar.

Ainda que o orador muito afirme, sua intenção final é provar.

O entinema (a suposição oculta de uma das premissas do argumento) é a forma


silogística mais frequente, no discurso, porque entre as premissas insiste na que
estiver por provar.

Diz o orador político:

ou o melhor, portanto prefiram votar em mim!


733. Uma das características do discurso como gênero artístico é o seu lado
estético, ou emotivo.

O orador, em tornando sua exposição argumentativa também estética, emotiva,


agradável, facilita ao ouvinte aceitar o argumento central do discurso.

734. Tratado, artigo, tese se distinguem entre si pela dimensão.

O tratado argumenta de maneira integrada sobre todos os temas oferecidos por


um objeto, ao qual estruturam.

O artigo argumenta de maneira também integrada sobre um tema, todavia


menor, porque reduzido ao modo atômico dos constitutivos uma estrutura.

A tese argumenta sobre um tema isolado, semelhante ao artigo, todavia de


maneira vastamente argumentativa.

735. A diferença do tratado, artigo e tese, em relação ao discurso, está em que


aqueles dispensam a enfatização estética e emotiva, além de não se destinarem
ao contato oral com os consumidores.

Mas em todos esses gêneros artísticos o centro é o o argumento.

Nada integra legitimamente o tratado, o artigo, a tese sem ser provado ou sem
ser suposto provado. O rigor da argumentação do tratado, do artigo, da tese são
o que mais caracterizam estes gêneros.
736. Todavia, do ponto de vista didático, nem tudo pode ser provado
sistematicamente desde o fundamento, em um tratado, artigo ou tese.

O não provado desde o fundamento precisa então ser posto


como pressuposição, cuja alternativa (ou contrária) também é posta como
possível, mas que no contexto atual da investigação já está afastada.

Por exemplo, para o físico está pressuposta a matemática, para o geômetra, está
pressuposta a assertativa metafísica (totalmente geral) do princípio da não
contradição do ser (= o que é, e o que não é, o que é, não pode ao mesmo
tempo ser e não ser).

O tema do tratado, artigo, tese são em primeiro lugar um esforço mental. A


exposição em obra artística é um segundo tempo e merece muito cuidado.

Enquanto o pensamento é explosivo e rápido, a expressão material obedece a


uma ordem exterior. Esta organização, aliás, ocorre como efeito aperfeiçoativo
de qualquer arte, como uma de suas propriedades.

737. O exemplo, como argumento. Há o exemplo que simplesmente ilustra


uma afirmativa; este é o exemplo que se oferece no discurso de um texto. O
exemplo que é um argumento consiste na apresentação de um fato a partir do
qual se induz uma conclusão;

Ordinariamente, o exemplo é um argumento indutivo. A indução reúne fatos,


cujas características repetidas facultam a generalização, que é a indução. Supõe
a indução que os fatos tenham algo de singular e algo de geral; pela análise se
faz a distinção dos elementos singulares, separando-os dos elementos
universais. O exemplo, como argumento indutivo, é um fato que por si só
permite fazer a indução.

Mas um exemplo pode ser apresentado com inúmeros detalhes e desta forma se
apresentar como obra suficientemente externa para ocupar o consumidor da
arte.

O exemplo é apresentado facilmente pela arte literária, como é óbvio, porque a


convenção da linguagem permite expressar detalhe por detalhe o pensamento.

Mas também é possível às artes plásticas formular exemplos. A música de uma


mãe pobre e sem atrativos sugere conclusões, ao ser assim apresentada pelo
pintor.

Os males da guerra e dos vícios são também assuntos de fácil expressão


pictórica tendo em vista induções.

CAP. 5

EXPRESSÃO POÉTICA. 0531y740.

- Filosofia Geral da Arte -

741. Introdução à poesia como forma associativa de expressão.


Contrastando com a logicidade da expressão mimética da prosa, a poesia se
caracteriza pelo uso da associatividade das imagens como expediente de
expressão.

Começamos considerando a poesia como uma forma específica de expressão,


procedida através da associatividade das imagens.
Fundamentalmente o tema já foi abordado (vd 220), quando foi tratada a
natureza geral da expressão, onde se diz que ela é operada por ambas as formas,
a mimética e a associativa.

Mas, havendo passado depois a detalhes sobre a natureza desta mesma


expressão, já concluímos o referente à prosa como forma mimética de
expressão (caps. 3-o), com os seus gêneros (cap. 4-o.).

Resta fazer o mesmo sobre a poesia como forma associativa de expressão (cap.
5-o, aqui e agora) , com os seus gêneros (cap.6-o, logo a seguir) (vd 0531y881).

A este capítulo sobre a poesia como forma associativa, o redividimos em dois


artigos:

- natureza fundamental da poesia (Art.1-o) (vd 743).

- operações de articulação associativa (Art. 2-o) (vd 809).

ART. 1o

NATUREZA DA POESIA.
0531y743.

744. No primeiro instante a natureza da poesia pode surpreender por causa dos
seus procedimentos alógicos, e por isso mesmo dela se tem falado tão
variadamente, parecendo que cada qual a define a seu modo.
Em última instância, porém, todos estão dizendo a mesma coisa, ainda que
inadequadamente, porquanto uns a definem mais pela essência, enquanto outros
ficam em suas propriedades e mesmo em seus acidentes.

Por ordem, em dois parágrafos, há a tentar:

- primeiramente uma definição essencial da poesia (vd 745);

- depois tratar das propriedades da poesia (vd 788), que costumamos admitir
serem a alogicidade e a subjetividade.

§1. Definição essencial da poesia.


0531y745.

746. Ao se tratar da natureza da arte em geral, já ali surge a questão da


natureza da poesia, porquanto já então se ergue a explicação de qualquer
expressão artística, como mimese, e eventualmente também como
associatividade (vd 220).

O que agora se passa a fazer é isolar a expressão poética, como um


procedimento específico, o da associatividade, diferenciado dos procedimentos
mais específicos da prosa.

Seguindo por ordem, cuidamos dos 4 itens:

- delimitação do problema da poesia como associatividade (vd 747);

- outras opiniões sobre a poesia (vd 759);

- prova da poesia como associatividade (vd 771);


- da crítica enquanto capaz de servir à poesia (vd 784).

Feito isto, ter-se-á dado uma definição mais ou menos exaustiva da poesia.

Costumeiramente as pessoas descrevem a poesia com as suas mais variadas


características secundárias, sem definirem claramente através do que seu
procedimento fundamental, a associatividade.

I - Delimitação do problema da poesia como associatividade.


0531y747.

748. Poesia a partir da definição nominal. A expressão com recursos


associativos oferece muitas facetas de estudo, começando pela diversidade dos
nomes, como poesia, linguagem metrificada, ou
ainda evocação, sugestão, denotação.

Pelo seu significado etimológico, poesia, do grego poiesis (= criação), lembra


um produto literário criado com especial cuidado. Seu oposto era
denominado linguagem vulgar (no grego pseudós lógos = linguagem vulgar,
fictícia, enganosa). Na mesma linha está poema, no grego poíema (= obra), que
se ocupa da ação, principalmente épica.

Linguagem sob medida, a poesia também se fez conhecer como linguagem


metrificada. Dali, por oposição, nasceu o nome de prosa, entre os latinos.
Enquanto a poesia reverte aos acentos do metro e de ordena por isso em versos,
a prosa é a expressão que prossegue linearmente desimpedida sem verter-se.
749. Nenhum dos nomes da poesia indica etimologicamente sua definição
essencial. Como nomes descritivos significam o objeto por alguma propriedade
ou acidente mais ou menos estável.

No tratamento das duas modalidades de expressão, - prosa e poesia, - podemos


substituir os nomes, desde que as novas qualificações digam o que pretendemos
referir. Expressão direta (prosa) e expressão evocativa (poesia), eis duas outras
maneiras de falar.

Menos seguras, mas relativamente boas como definições nominais descritivas,


são as modalidades denominativas: expressão metrificada e
expressão versificada. Ambas advertem para o contraste com a prosa.

O metro ou verso são apenas recursos evocativos, mas não todos os recursos
poéticos.

Alem disto, o metro poderá ser conduzido de tal maneira a não provocar
evocação, mas somente a sensação estética.

Formada embora a denominação de poesia no setor artístico da linguagem, o


termo se transpõe facilmente para a música, pintura, escultura, arquitetura e às
artes em geral. É que o procedimento formal da poesia, - a associatividade,-
ocorre em todas as artes.

750. Prosa poética e poesia prosaica. Com frequência se dá o fenômeno misto,


- ou poesia prosaica, ou prosa poética (vd 618), esta também
denominada linguagem literária (vd 619).
Passa a ocorrer o interesse em ambas as formas de expressões dentro da mesma
composição artística. Deve então o apreciador ficar atento, ao que expressa a
prosa diretamente e ao que pela poesia evocativamente.

Quando o centro de interesse se encontra no objeto estímulo, ocorre a prosa


poética. Mas, se estiver nas mesmas imagens evocadas, ainda que com alguma
atenção no objeto estímulo, ela é uma poesia prosaica.

Há prosa poética quando predomina o elemento prosaico. Isto ocorre quase


sempre em toda a boa prosa. Não só expressa indicando os objetos, mas se
aproveita de elementos associativos que os objetos eventualmente oferecem.

751. A expressão mista, - prosa e poesia, - é geralmente a regra, mas com


predomínio de um dos elementos. No caso da literatura científica e filosófica é
raro acontecer a prosa poética. Todavia é frequente no chamado estilo
literário das obras de ficção.

A ciência e a filosofia, quando expostas com rigor, evitam algum tanto o uso
proposital da associatividade. Não obstante, de espaço em espaço, não deixam
de colher vantagens com alguma frase de efeito emocional e capaz de
conotações.

As narrativas da novela e do conto aproveitam com vantagem a prosa poética.


Muito mais ainda o discurso retórico e o artigo de jornal.

Sejam alguns exemplos de frases prosaicas, com elementos associativos:

"A verdadeira aristocracia é a dominação dos melhores e não, necessariamente,


o direito ao governo por força do nascimento. Necessitamos de aristocracia,
andamos a apodrecer por falta de aristocracia, não da que governa por meio de
condes e duques, mas da que governa por meio dos homens mais hábeis" (Will
Durant).

"Há lágrimas que correm pela face e outras que rolam pelo coração"

(Guilherme de Almeida).

"O que cada um procura e ama acima de tudo é a inferioridade do outro"

(Schopenhauer).

"Nosso ideal devemos colocá-lo nas estrelas, ainda que fiquemos no meio do
caminho" (Tolstoi).

752. Na poesia prosaica o objetivo principal é o associativo, ocorrendo os


elementos lógicos da inteligência como auxiliares.

Sempre que há uma frase com o verbo ser, a afirmar ou negar, esta participação
do juízo é prosaica.

A poesia pura seria possível somente com imagens, em palavras ou em outro


modo qualquer de indicá-las. Mas não há como indicar o objeto-estímulo das
imagens sem usar primeiramente da inteligência, e nem é possível atingir
integralmente a imagem sem a mesma referida inteligência.

A presença da prosa dentro da poesia presta o serviço da organização da


mensagem (vd). O seguimento lógico vem como que puxando em ordem a
meada das imagens associativas. As flores se tornam mais belas quando
ordenadas em buquê, ramalhete ou corbelha.
Não pode a presença da razão fazer-se excessiva, para não desfazer a própria
expressão poética. O juízo é menos ofensivo. O raciocínio sistemático é quase
impossível dentro, mas não impossível.

753. A poesia é de pouco uso na filosofia e na ciência em


geral. Efetivamente, a filosofia e a ciência não permitem o frequente uso da
expressão poética em virtude da essência lógica de suas afirmativas, o que não
se dá na mera associatividade de imagens.

Todavia o uso da poesia no texto científico, ainda que moderado, pode aliviar o
peso lógico da frase e facilitar a exposição didática, bem como comunicação
com o mundo dos cientistas.

O Agostinho de Hipona (354-430) apresentou um texto, curiosamente


imaginativo, sob o título Palácio da memória, no qual, em contexto
neoplatônico:

"Transportei então esta força da minha natureza, subindo por degraus até
aquele que me criou.

Chego aos campos e vastos palácios da memória, onde estão tesouros de


inumeráveis imagens trazidas por percepções de toda a espécie. Aí está também
escondido tudo o que pensamos, quer aumentando, quer diminuindo, ou até
variando de qualquer modo os objetos que os sentidos atingiram. Enfim, jaz aí
tudo o que se lhes entregou e depôs, se é que o esquecimento ainda o não
absorveu e sepultou.

Quando lá entro, mando comparecer diante de mim todas as imagens que quero.
Umas apresentam-se imediatamente. Outras fazem-se esperar por mais tempo,
até serem extraídas, por assim dizer, de certos receptáculos ainda mais
recônditos. Outras irrompem aos turbilhões e, enquanto se pede, se procura
uma outra, saltam para o meio, como que a dizerem:
- Não seremos nós?

Eu então, com a mão do espírito, afasto-as do rosto da memória, até que se


desanuvie o que quero e lá do seu esconderijo apareça à vista.

Outras imagens ocorrem-me com facilidade e em série ordenada à medida que


as chamo. Então as precedentes cedem o lugar às seguintes e, ao cedê-lo,
escondem-se para de novo avançarem, quando eu quiser.

É o que acontece, quando narro alguma coisa de memória" (Confissões 10


cap.8).

754. A poesia nas diferentes artes. Em todas as espécies de arte ocorre a


poesia, todavia mui diferenciadamente em seu aspecto exterior. Cada arte
consegue apresentar as mesmas coisas, porém não do mesmo modo.

Por isso, resta à associação complementar diferentemente em cada uma o que a


expressão direta da prosa não conseguiu indicar. Varia, pois, a área da poesia,
de arte para arte.

A prosa e a poesia se dão na literatura em textos bastante diferenciados, e que


podem mesmo ser publicados em livros separados. Acontece mesmo haver os
leitores da poesia, diferentes dos leitores da prosa.

O literato quando escreve, ou faz prosa, ou faz poesia. Quando o seu texto é
prosa poética, o efeito geral é nitidamente de prosa. Quando seu texto é poesia
prosaica, o efeito é nitidamente de poesia.
Nas demais espécies de arte, as quais operam com semelhanças naturais, não
acontece a mesma diferenciação entre a prosa e a poesia. Nelas se encontram
praticamente sempre na mesma obra.

O pintor, ao praticar sua arte, a faz ser ora mais poética, ora menos. Não pinta
uma Lua, para dizê-la uma Lua em prosa, e não pinta uma outra, para dizê-la
uma Lua em poesia.

Também assim acontece na arte musical, como se houvesse música prosaica e


música poética.

Não obstante a aliança fácil da música e da poesia literária, pode haver o canto
poético, o qual, por obra do texto amplifica o aspecto especificamente poético
da referida música.

755. Há, pois, diferença na poesia exercida pelas diferentes artes, e que
passamos a mostrar com mais alguns detalhes.

O relâmpago e o trovão comparecem diferentemente na pintura e na música,


quer na forma de prosa, quer na de poesia.

O brilho do relâmpago, que a pintura pode indicar diretamente, evoca na


mesma pintura o estampido como imagem que se associa.

Na música, o estampido consegue a indicação direta, ao passo que o brilho de


relampejar fica para ser evocado.

O gracioso, eis outro exemplo fácil que nos mostra a diferença da poesia nas
diferentes modalidades de expressão artística.
Na música, o gracioso aparece nos sons ligeiros e altos.

Na escultura o gracioso se manifesta nas linhas curvas, adequadamente traçadas


para o desfile fácil e ligeiro dos olhos.

Nas formas em movimento, como o balé, o gracioso aparece na movimentação


rápida, porém fácil.

Na expressão literária, o gracioso reaparece nas flexões e pensamentos


lançados de sorte a agitar espontaneamente a atenção.

Todavia, em nenhuma das artes de mimese natural, o gracioso foi indicado


diretamente; em todas foi apenas sugerido, ainda que em cada arte a seu modo.

756. Definição proposta de poesia. A partir do que já foi proposto, a prosa e a


poesia são duas formas de expressão essencialmente distintas, embora
sucessivas.

Importa não confundir na sua definição o que lhe é essencial, com suas mais
importantes propriedades (vd 788). O que propomos aqui como definição, será
tentado provar (vd 772), depois de expor as opiniões em parte divergentes
(vd 582).

A prosa exprime os temas diretamente, portanto por mimese. A poesia, num


primeiro tempo, exprime um objeto, sem interesse direto no mesmo. Num
segundo tempo passa a atender às imagens associativas decorrentes da ação do
primeiro no subconsciente, ou memória.
Por exemplo, o poeta ao mencionar um laranjal, não coloca sua atenção
principal em tais frutíferas, mas no que elas eventualmente lhe evocam.

Pelo visto, a poesia não exprime seu objeto pela mimese prosaica. Ela precisa
de um segundo tempo em sua expressão, e que é o da associação de imagens,
dita também evocação, conotação.

A poesia não dispensa o instante prosaico; neste precisa indicar previamente


(em primeiro tempo) o objeto-estímulo, o qual, por sua vez, vai despertar, por
associatividade, associação, conotação, as imagens que são o seu objetivo final.

Seja mais um exemplo. Para a poesia a expressão que diz flor (objeto estímulo),
deve, num segundo tempo, despertar associações, por exemplo, de beleza, de
feminidade, de delicadeza, de fragilidade, etc. Como se viu, enquanto a prosa
atende apenas ao primeiro tempo (a flor, como esta flor ali), a poesia se ocupa
com o segundo (a beleza, a feminidade, a fragilidade, etc).

Ainda um terceiro exemplo: Lua. Para o astrônomo é apenas a Lua lá no alto;


para o poeta é um mundo flutuante nascendo das imagens do subconsciente.

Apenas acidentalmente o poeta atende ao primeiro tempo, sem perder de vista o


centro de interesse está no segundo.

757. A profundidade em poesia (vd 800). Situada a poesia em dois tempos, - o


primeiro representado pelo princípio evocador e o segundo pelo conteúdo da
evocação em si mesma, - a profundidade menos importa no primeiro tempo,
mais na significatividade do tempo seguinte, quando ocorre o resultado da
estimulação das imagens associadas.

O poeta, quando julgado apenas pelo primeiro tempo, o do princípio evocador,


poderá ser efetivamente um superficial, pelo fato de se referir a qualquer
cajueiro, ou laranjal sem importância.
Entretanto, o que importa mesmo, é o segundo tempo, do qual o primeiro foi
apenas gerador.

Por vezes o objeto estímulo também oferece algo de valioso em si mesmo.


Então pode merecer alguma atenção do poeta, sem se tornar todavia o objetivo
principal.

Isto raramente pode acontecer com uma velha casa em que residem os pais do
poeta. Um cajueiro também vale pouco em si mesmo; todavia pode servir de
objeto estímulo.

Assim também nada valem em si mesmos objetos como pedras e caminhos


abandonados. O mesmo pode acontecer com ações e fatos em si mesmos sem
significação, mas que despertam evocações, as quais sim poderão ser muito
importantes.

Não importa, pois, a verdade da acusação de que não há tolice a qual já não
tenha encontrado um poeta para a cantar.

Todavia, o que o poeta fez não foi destacar aquela tolice, e sim o que ela
poderia lembrar associativamente, portanto como poesia.

Poemas épicos se orientam numa direção exatamente contrária: escolhem


assuntos importantes, os quais despertam grandes evocações.. Mas, para serem
poesia, devem em primeiro lugar, contudo, colocar a evocação.

Os heroísmos narrados pelo poema épico destacam, pois, a glória e a grandeza


do mérito, que lembram, e não os heroísmos em si mesmos. Por isso a narração
daqueles heroísmos não requer o rigor que apresentam na prosa científica do
historiador.
Quando o primeiro tempo da poesia é representado por algo importante, não
raro acontecem deficiências do segundo. Tal pode suceder em assuntos
ideológicos e sociais, que, pela sua significação, podem absorver a atenção de
quem prática a expressão artística.

Importam também estes outros assuntos, todavia requerem maior capacidade


dos poetas. Neste plano maior atuou, por exemplo, Dante (1265-1321), autor
da Divina Comédia. Geralmente não é alcançado pelos poetas líricos do tema
amor.

II - Outras opiniões sobre a natureza da poesia.


0531y759.

760. A hipótese pela qual explicamos a poesia como expressão por


associatividade, é polêmica e possui história.

Ainda que admitindo o caráter peculiar da forma poética, pretendem alguns


relacionar a poesia essencialmente com o efeito estético especial que alguns
objetos provocam. Encontra-se o pensamento de alguns, nesta linha da poesia
como geradora de esteticidade.

Então a variação das teorias sobre a expressão poética dependeria praticamente


do leque das coisas que produzem a esteticidade.

Além disto, os que confundem a poesia com o que produz efeito estético,
podem estar colocando a poesia em qualquer coisa sensível, que provoca a
esteticidade.
Enfim, há os que colocam a poesia em toda e qualquer coisa que provoca esta
esteticidade. Então a dimensão da poesia dependeria apenas da aceitação maior
ou menor do espaço das coisas que geram esteticidade.

761. Que dizer das teorias esteticistas da poesia? Não é a poesia apenas uma
coisa que provoca a esteticidade. Alguns objetos são de um efeito
extraordinário do ponto de vista estético, e estes, quando apresentados, não são
contudo a poesia.

A fraqueza das posições esteticistas da poesia está em que a esteticidade poderá


ser apenas uma propriedade sua. Mas poderá haver poesia, sem que esta
propriedade seja o destaque.

Assim, aliás, acontece com a associatividade. O que nela importa é a mesma


associatividade, e não seu efeito, ainda que este ocorra.

762. A inspiração poética é um delírio peculiar, em que influem os deuses.


Assim a descreveu Platão. Ainda que compreendesse aos deuses
mitologicamente, pretendeu referir-se a uma ação misteriosa qualquer,
produzida sobretudo pelo belo arquétipo de um outro mundo, o das idéias reais.

"As musas transportam a alma para um mundo novo e lhe inspiram odes e
outros poemas, que celebram as façanhas dos antigos e que servem de
ensinamento às gerações" (Fedro, 240 e).

Eis uma interpretação esteticista da poesia, com ares sobrenaturalistas.


Aristóteles, discípulo de Platão, é moderado ao tratar das fontes do
conhecimento. Ainda que se ocupe da lei da associação das imagens, não
chegou a fazer sua aplicação como explicativa da poesia (Da memória C.2.
451b 18-20).

Retomo-lhe a lei da associação Tomás de Aquino (In de memoria et de


reminiscentia, lição 5, n. 364, ed. Pirotta).

763. A poesia como discurso sensível perfeito. O filósofo alemão Alexandre


Baumgarten (1714-1762), ofereceu uma peculiar interpretação esteticista da
poesia, tendo como ponto de partida a gnosiologia cartesiana. Reduzira
Descartes (1596-1650) a sensação a uma idéia confusa. Agora
Baumgarten descreve a poesia como discurso sensível (oratio sensíbilis), o que
expôs em livros escritos em latim, obras de difícil interpretação.

Na verdade a associatividade é característica das imagens sensíveis e não dos


conhecimentos racionais. Certamente Baumgarten começou por situar-se no
plano certo ao relacionar a poesia com a sensibilidade. Mas em vez de insistir
na associatividade e suas ligações com a inteligência interpretadora da obra de
arte, se limitou a falar do caráter simplesmente sensível de poesia. Neste
contexto também criou a palavra estética (vd).

Distinguindo entre representações conceptuais e representações sensíveis,


situou o poema no plano das representações sensíveis, e chegou mesmo a dizer
que a pintura, por ser sensível, é poesia.

Distinguiu muito expressamente duas modalidades de oração (ou discurso), - a


modalidade que opera com representações conceptuais, que ele diz serem
representações distintas, completas, adequadas em todos os seus
graus (Meditaciones, §14, ano 1735), e a modalidade de oração que opera com
representações sensíveis. A primeira ocorre, por exemplo, na filosofia, e não
constitui poema. A outra modalidade, sim.
764. Com muito detalhe expôs Baumgarten o seu pensamento. Definiu o
discurso (oratio) como "uma série de palavras que designam representações
enlaçadas" (Meditationes, §1-o.).

Continua fixando a espécie de discurso que enlaça representações sensíveis:


"Entendemos por representações sensíveis as recebidas pela parte inferior da
faculdade cognoscitiva" (Ibidem §4-o.).

"Chamamos discurso sensível ao que contém representações sensíveis. Assim


como nenhum filósofo desce a uma profundidade tal que possa chegar a
conhecer todas as coisas à luz de seu puro intelecto, sem jamais deter-se no
conhecimento confuso de algo, assim nenhum discurso pode considerar-se tão
científico e intelectual que não sobrevenha, sequer unido com uma
representação sensível. Assim mesmo, quem se esforce especialmente em
encontrar evidências de coisas distintas no discurso sensível, encontrará,
contudo, que o discurso subsiste como sensível, o mesmo que o anterior como
abstrato e intelectual" (Meditationes, §4).

Complementou: "O discurso sensível têm várias partes:

1) representações sensíveis;

2) o nexo destes;

3) as palavras ou sons articulados que são representados pelas letras que por
sua vez, nos manifestam seus signos" (Ibidem §6).

"Entendemos por discurso sensível perfeito aquele cujas várias partes tendem
ao conhecimento de representações sensíveis" (Ibidem §7).
Possui, agora, Baumgarten a definição dos elementos que comparecem em sua
concepção de poesia:

"Entendemos por poesia o discurso sensível perfeito" (Oratio sensitiva perfecta)


(Meditationes §9).

Põe-se claro, por conseguinte, que a poesia, segundo Baumgarten, se constitui


de representações sensíveis, antes de tudo.

Estas se coordenam, se enlaçam.

Enfim, se expressam em signos.

Com estas três condições, a poesia assume a fisionomia de discurso sensível.

Quanto ao ser perfeito, o discurso apenas adquire uma qualidade, ao que parece.

Mais adiante acrescentou Baumgarten:

"As imagens são representações sensíveis, §3, e, portanto, poéticas, §12"


(Meditationes, §28).

"As imagens são menos claras que as impressões sensíveis e, portanto, menos
poéticas" (17 (Meditationes, §29).

"As representações dos sonhos são imagens, e portanto poéticas" (Ibidem, §7).

No caráter sensível da poesia se apóia a semelhança com a pintura:


"É uma função da pintura, e assim mesmo poética, representar uma composição
§24.

A representação pictórica é muito semelhante a uma impressão sensível que


também pode ser pintada, e isto é poético, §38.

Por conseguinte, um poema e uma pintura são coisas muito semelhantes, §30.

A poesia será como uma pintura (Ut pictura poesis erit Horácio. A. P.., 36)"
(Meditationes, §39).

765. O discurso não poético foi também caracterizado longamente por


Baumgarten, como sendo eminentemente racional. A ele nos referimos aqui,
evidenciar a poesia, pelo contraste:

"As representações distintas, completas, adequadas, profundas em todos os seus


graus, não são sensíveis e, portanto, tão pouco são poéticas, §2.

Esta verdade será manifesta com um experimento a posteriori, se versículos


cheios de tais representações se lêem a um homem entregue à filosofia e que,
por sua vez, não desconhece por completo a poesia.

Por exemplo: Com a refutação se prova o erro alheio, pois ninguém terá
refutado a outro sem mostrar antes seu erro. Quem deva provar algo, é
conveniente que possua estudos de lógica e, por conseguinte, se não é lógico,
não fará uma devida refutação, segundo dito a princípio.
Dificilmente se admitirá que estes versos são perfeitos, ainda que se ignore
quiçá porque motivo devam ser rechaçados considerando-os em efeitos corretos,
tanto em sua forma como em sua matéria.

Porém esta é a principal razão pela que se reconhecerá que a filosofia e a poesia
dificilmente poderão conviver alguma vez na mesma morada, aquela
acompanhando singularmente a distinção conceptual, distinção que, sem
embargo, a poesia não procura no que se situa fora do seu círculo"
(Meditationes §14).

766. O conceito romântico de poesia. O secreto, o misterioso, o místico


continuam sendo a poesia no conceito que dela têm os românticos,
principalmente intuicionistas.

Os românticos, desde seus precursores alemães do Sturm und


Drang (Tempestade e Ímpeto) de Hamann (1730-1788), preconizam a origem
arcana da poesia.

Esta estará "na força que age duma maneira divina e inaprendida, além e acima
da consciência" no dizer de Schiller (1759-1805).

Tal maneira de ver inspira-se também na visão panteísta, exposta nas filosofias
de Fichte (1762-1814) e Schelling (1775-1854), este último sobretudo
considerado o filósofo do romantismo.

O romanticismo de alguns, por exemplo do idealista Benedetto Croce (1866-


1952) simplesmente vê em toda a arte simplesmente o sensível e
consequentemente também a poesia.
767. A poesia situada no plano intuitivo. O francês Henry Bergson (1859-
1941), situado já no século XX, destacou duas ordens de conhecimento: a
inteligência intuitiva e a inteligência raciocinativa.

Descreveu a intuição mental como simpatia profunda e reveladora das coisas, e


capaz de oferecer informações mais exatas do que os conceitos estáticos da
inteligência raciocinativa. A arte seria um primeiro degrau deste novo processo
intuitivo específico (Bergson, Ensaios sobre os dados imediatos da consciência,
1888, p.11, ed. 1912).

Situou especialmente a poesia, mais do que a prosa, no plano do conhecimento


intuitivo.

768. Na banda dos filósofos existencialistas, mais uma vez a poesia recebeu
interpretações de caráter intuitivo.

"O poeta,- diz Sartre (1905-1981), - está situado fora da linguagem, vê as


palavras ao revés, como não pertence à condição humana... Em lugar de
primeiramente conhecer as coisas por seu nome, parece que tem primeiramente
um contato silencioso com elas..."

Mais adiante:

"Dir-se-ia que o poeta está compondo sua frase; porém isto é mais que
aparência; está criando um objeto.

As palavras-coisas se agrupam por associações mágicas de conveniências e


inconveniência, e sua associação compões a verdadeira unidade poética que é a
frase-objeto".
769. A poesia como imagem. Outros, mantendo a poesia sempre no plano de
sensível, a confundem simplesmente com a imagem, que se apresenta.

Ao que parece, tal é a posição do filósofo monista e idealista Benedetto Croce.


A poesia é a contemplação imaginosa, exercida pela faculdade da imaginação.
As sensações dos sentidos exteriores e os sentimentos, quando apreciados pela
imaginação, constituem a expressão poética e, de um modo geral, a arte. A
poesia é o ritmo.

"O fundamento na poesia, o que a distingue da arritmica expressão imediata e,


através da poesia, se transmite á literatura, é o ritmo, a alma da expressão
poética, intuição ou ritmação do universo, como o pensamento é a
sistematização" (B.Croce. A poesia, 1935, na tradução portuguesa,
Universidade do Rio Grande do Sul, p. 239).

III - A prova da poesia como associatividade.


0531y771.

772. A prova dá-se pela observação direta. Trata-se, pois, de uma prova
fenomenológica, ou seja pela constatação sem intermediários, do caráter
especificamente associativo da poesia, a qual se dá a partir de um objeto-
estímulo.

É incontestável que a expressão associativa existe, qualquer seja o nome que se


lhe dê. Há objetos que despertam imagens no subconsciente; basta indicar estes
objetos (seja mediante palavras, seja mediante sons musicais, seja ainda pela
pintura ou escultura), para que haja uma expressão artística (isto é, expressão
teorética), para dizer algo associativamente.

Ora, é o que de fato os poetas fazem ao criarem poesia, tendo por principal
objetivo, não o objeto-estímulo, mas as imagens por ele evocadas.

Quando, por exemplo, falam poeticamente de sua infância, prontamente laçam


mão de objetos estímulos como de uma velha casa, de um caminho, de um
objeto que ainda sobra.

E por que fazem assim? Exatamente, porque tais objetos atuam como estímulo
no subconsciente, ali levantando uma poesia de imagens, que reacendem os
prístinos anos da vida. Não é a velha casa que o poeta busca, mas sua infância;
mas, ela a casa, a evoca.

Ocupam-se os poetas de sua amada? As evocações são despertadas outra vez,


através de uma rosa, de um jasmim, ou mesmo do suave brilho da lua, ou ainda
da sensualidade das ondas do mar convidativo em noite clara de verão.

E assim, o poeta vai acrescendo às indicações diretas da prosa os elementos


evocativos, que são o tema da poesia. Portanto, a poesia como de fato é feita,
opera mediante expressão de objetos estímulos, capazes de evocar, relembrar,
reascender imagens.

A associação das imagens pode dar-se pela real presença de objetos da natureza,
como a flor, que os olhos vêem no jardim. Até aqui ainda não ocorre a arte,
porque os estímulos se deram com a presença natural das coisas.

A arte está em expressar prosaicamente os estímulos, que vão gerar as imagens.


Também não está a poesia no expressar as imagens associadas, mas aos objetos
estímulos, com vistas a que associem aquelas imagens.

773. Complementa-se ainda a prova da poesia como expressão associativa, com


esclarecimentos que detalham os conceitos envolvidos na tese.

A compreensão total desta explicação da poesia se faz com o apelo á psicologia.

Aristóteles já menciona a associação das imagens, sem todavia aplicá-la na


explicação da poesia.

A psicologia moderna ampliou os conhecimentos sobre a associatividade, até


porque procurou, por intenção de alguns dos seus representantes, explicar as
operações mentais também como simples processos de associatividade.

Tal é a gnosiologia de Hobbes, Hume, dos séculos 17 e 18.

Novos desenvolvimentos ocorrem com a psicologia da forma (Gestalt


Psychologie) de Wertheimer, W. Koehler, K. Kofka, e da teoria do campo
psíquico, de Kurt Lewin.

Assevera-se que as imagens se exercem em todos maiores, de maneira que


determinada imagem tem propriedade de atrair o conjunto da constelação a que
pertence.

Uma vez conhecidos os processos associativos meticulosamente, o poeta não


atua mais entregue simplesmente a uma empiria. Sabendo o que é poesia e o
que não é, possui uma consciência crítica do que faz.
Contudo, nem todos os poetas sabem suficiente sobre a associação das imagens.
Por conseguinte não dispõem de recursos conceituais suficientes para
classificar o que, em sua obra, verdadeiramente é poesia, e o que de fato não é.

Nem por isso se trata de defeito, porque no texto da poesia também se admitem
elementos não poéticos, tanto pelo conteúdo, como pelo ordenamento que
podem dar à evocações. O que não se pode fazer é denominar poético, o que
efetivamente é apenas prosaico.

774. Faculdades envolvidas no processo associativo. A interpretação da


poesia como expressão associativa tem como pré-requisito uma dada
interpretação sobre as faculdades da imaginação e a memória, das quais a
associatividade é uma operação.

Geralmente esta interpretação da associatividade é aceita, mas apenas não


suficientemente aplicada à interpretação da expressão poética. Isto acontece
porque os poetas e teóricos da arte não cuidam de tomar à psicologia os
conceitos suficientemente elaborados, e agem empiricamente.

A grosso modo, a imaginação é a faculdade de criar imagens. O que os


sentidos externos percebem é convertido em imagens visuais, auditivas, tácteis,
olfativas e gustativas.

A imaginação criadora pode manipular e compor com complexividade estas


imagens. E então se denomina fantasia.

Ao poeta convém a fácil imaginação e a capacidade criadora da fantasia.

Num processo imediato, a faculdade da memória (também chamada lembrança)


conserva as imagens.
Umas imagens se mantém conscientes e outras no subconsciente. A
importância está no subconsciente, onde as imagens se acumulam e podem ser
despertadas por objetos estímulos conscientes.

Diz-se terem boa memória aqueles que despertam com facilidade o que eles
depositaram no subconsciente.

775. Outros e outros aspectos há a considerar sobre o subconsciente em relação


à associatividade poética.

Há aqueles elementos do subconsciente que somente se levantam com


procedimentos parapsicológicos especiais. Poetas doentios podem por isso
mesmo ter estimulações associativas de alto efeito.

Já se compreende que a associação das imagens, procedidas pelo poeta, não é


uma operação simples. Supõe preexistirem as imagens no subconsciente, ou
seja, na memória (também chamada lembrança). Não basta o objeto estímulo.
Importa haver o que estimular. Existindo, porém, imagens no subconsciente,
basta um objeto estímulo indicado pelo poeta, e as imagens desperta, de sorte a
se apresentarem ao nível da consciência.

A associação de imagens, estudada como função simplesmente, cabe à


psicologia e mesmo à psiquiatria, não diretamente à filosofia e à técnica da arte.
O filósofo e o artista somente aplicam os conhecimentos da ciência anterior.
Efetivamente, encontramos nos tratados de psicologia e não na filosofia da arte
e ciência da arte a prova da associatividade como uma lei da imaginação.

O subconsciente se estabelece como condição prévia da poesia. Estudado pela


psicologia, aparece o assunto na arte como uma psicologia da arte, que é pois
uma parte especialíssima da psicologia. É pois a teoria da poesia, em seu
fundamento, senão um capítulo da psicologia aplicada.
A arte é uma técnica; ora a técnica se ocupa do fluxo dos elementos em sistema,
e não do que os elementos são em si mesmos, as ciências teóricas é que
explicam o que os elementos são; a partir dali as ciências técnicas os
aproveitam com mais eficiência. Sem as ciências teóricas as ciências técnicas
não se desenvolvem adequadamente.

776. Uma vez determinada a natureza da poesia como expressão associativa, e


posta a associatividade como característica dos sentidos internos da imaginação
e memória, - não do conhecimento racional, - infere-se que a poesia ocorre
apenas no plano sensível.

Portanto, o sensível está como elemento genérico na definição da poesia, ainda


que não como diferença específica.

Não basta pois definir a poesia como expressão sensível. Deve-se acrescer o
elemento diferenciador, e declarar que a poesia é expressão sensível associativa.

Se se disser: a poesia é expressão associativa (omitindo a palavra "sensível"),


também se a define, porque está implícito que só o conhecimento sensível é
associativo, ou conotativo (suposto que associativo e conotativo se mantêm
com este sentido restrito).

A expressão em prosa também é uma expressão sensível; toda a arte o é,


porque é uma expressão em obra material. O inteletivo na arte pertence à mente,
que a interpreta a partir de fora.

Também a prosa, no caso dito prosa poética (vd), eventualmente usa a


expressão conotativa, mas só por acréscimo, isto é, como reforço. Mantêm-se
sempre o princípio de que a expressão por conotação é a poesia.
O pensamento não opera por conotação, mas por conexão lógica. Assim se
ligam entre si idéias (singulares e universais), juízos (particulares e universais),
raciocínios (operação com premissas conectadas). Portanto, o pensamento não
é o caráter essencial da poesia, quando se o entende como um sistema de
conexões lógicas.

777. A poesia não é definida pela temática sensível. Não é correto definir a
poesia pelo tema, ainda que sensível. A poesia toma sua diferenciação da
maneira operacional como opera ao enunciar o conteúdo, ou tema. Ainda que
alcance melhor certos temas, que outros, sua definição depende de maneira
associativa como os alcança.

Poderá, pois, haver duas orientações gerais na definição da poesia: a que define
a partir da forma da expressão, operada como processo associativo (como
acabamos de fazer), e a que a define a partir do tema (como a definem os que a
fazem simplesmente tratar da coisa sensível, principalmente do sentimento,
enquanto capazes de gerar esteticidade (vd 582).

Decide-se a querela, pela observação direta. Um texto não se apresenta menos e


mais poético em função ao tema, e sim pelo objeto-estímulo expresso e que ato
contínuo gera imagens, ou seja, o clima poético.

Observamos diretamente, que a poesia exprime em dois tempos; num,


apresenta uma expressão estímulo; noutro, esta expressão desperta imagens,
que surgem do subconsciente, por um processo denominado associação,
evocação, sugestão, lembrança, inspiração.

Não importa, que a poesia se possa classificar em gêneros poéticos tendo em


conta os temas. Esta classificação em gêneros é apenas material, sem relação
direta com a forma da expressão.
A epopéia e o lirismo, a ode e o madrigal, etc., que são gêneros poéticos,
dividem-se em função ao tema. O que, entretanto, lhes imprime o caráter de
poesia é a forma da expressão por evocação.

778. Poesia e reflexos condicionados. Há uma aproximação e até um certo


paralelismo entre os processos da associatividade ocorridos na imaginação e os
processos do reflexo condicionado peculiares às sensações (tato, vista, ouvido,
gosto, olfato) porquanto já provoca respostas biológicas desta natureza.

Posto um estímulo sensorial, ele tem uma resposta necessária,


denominada reflexo incondicionado.

A este se pode adicionar o reflexo condicionado. Se, com frequência, durante


um estímulo sensorial com reflexo incondicionado (isto é, com resposta
necessária), se provoca uma segunda sensação simultânea, esta segunda
sensação se liga de tal maneira ao reflexo incondicionado da primeira sensação,
que fica sendo capaz de produzir este mesmo reflexo incondicionado, apesar de
por natureza não lhe estar ligado. Este outro reflexo assume a denominação já
indicada, de reflexo condicionado.

O fisiólogo Russo Ivan Pavlov (1849-1936) mostrou que um cachorro, ao


comer, tem como reflexo incondicionado, soltar saliva (aliás como também as
pessoas). Mas se este mesmo cachorro ouvir, cada vez come e saliva, o toque
de uma sineta, condiciona a sineta com a salivação; finalmente, mesmo sem
comer, se ouvir a sineta, o cachorro estará salivando (isto também poderá
acontecer com as pessoas). Salivar é reflexo incondicionado da sensação
gustativa da comida; o mesmo salivar é reflexo condicionado da sineta, se esta
se fizer ouvir, embora sem estar apresentada a comida.

Importa estarmos atentos, que certos objetos estímulos da poesia podem estar
ao mesmo tempo combinados como reflexos condicionados; outros poderão
não estar.
A poesia, ao mencionar objetos estímulos com reflexo condicionado é diferente
da poesia que menciona objetos estímulos sem reflexo condicionado.

O verde pode sugerir a mata, sem que tenha como resposta um reflexo.

O nu sugere o sexo e pode estar ligado a um reflexo condicionado, que provoca


ereção e prazer.

779. Erotismo e poesia. É a poesia erótica antes um gênero, do que a própria


poesia, apesar da notória presença do erotismo em todo o complexo dos
sentimentos humanos. A poesia está simplesmente ligada aos objetos-estímulos
de toda e qualquer imagem. Não resta todavia qualquer dúvida que os reflexos
condicionados facilmente tudo interligam entre si, para finalmente provocar
como resposta uma agradável e quase não advertida sensação sexual.

Acontece a poesia erótica em diferentes níveis de intensidade, desde uma


simples sensação, até uma ereção, de acordo com a força do objeto estímulo e
os reflexos condicionados, bem como a vitalidade sexual do indivíduo.

Importa a clara distinção entre reflexo condicionado e associação poética.


Assim também importa a distinção entre reflexo incondicionado e reflexo
condicionado.

O toque sobre os terminais nervosos dos órgãos genitais, conduzida pelo nervo
erótico à espinha dorsal, traz dali a resposta necessária (ou reflexo
incondicionado) na forma de obstrução sanguínea, que provoca a ereção e o
orgasmo. Até aqui vai a operação do reflexo incondicionado.
Se, com frequência, e ao mesmo tempo que se faz o toque sobre as área capazes
de ereção, ocorrem outras sensações e situações, - por exemplo, ver a pessoa
nua, fazer afagos e carícias de ordem mais geral, observar cores do ambiente,
ouvir música peculiar, - tais outras sensações e situações poderão fixar reflexos
condicionados.

Este novo detalhe poderá de futuro dispensar a fricção sobre os terminais


nervosos causadores da ereção dos órgãos genitais, para que o prazer ocorra do
mesmo modo, apenas pela ação do reflexo condicionado, por ocasião da
simples observação do nu, etc.

Portanto, o poeta que faz poesia erótica não precisa mencionar, o processo do
gerador dos reflexos incondicionados. Basta que mencione objetos que
possuem eventualmente a mesma resposta de prazer sexual por via dos reflexos
condicionados. Este outro procedimento, pela via dos reflexos condicionados,
permite que a poesia erótica se faça com índole mais delicada e insinuante.

780. A métrica dos sons na poesia. Enquanto medida dos tons fortes e fracos,
a métrica tem efeitos estéticos e associativos.

Mas pode ocorrer um destes efeitos sem o outro, - a esteticidade sem a


associatividade, e associatividade sem a esteticidade. Não é por causa do metro,
que algo imediatamente se converte em poesia, porquanto é possível ocorrer
apenas o efeito estético. Contudo, o metro poderá ser poético, quando capaz de
produzir a evocação de imagens.

Em princípio, a métrica, simplesmente como medida dos tons fortes e fracos,


não se prende com exclusividade, nem à prosa, nem à poesia. Ele antes de tudo
é estético. Ora, a esteticidade importa à toda e qualquer expressão artística, não
somente à poesia, também à prosa.
Tende a prosa a uma suave métrica, e que se consagra na tendência de todas as
palavras terem um acento tônico.

A língua internacional Esperanto planificou coloca este acento na penúltima


sílaba. O mesmo acontece por tendência na maioria dos idiomas.

Adicionalmente, o bom estilo literário evita o mais que possível o encontro


muito próximo dos acentos tônicos, principalmente quando ocorrem sobre as
mesmas vogais e muito repetitivamente.

A evocação associativa, ao prender-se à métrica, a torna poesia, o que lhe vem,


portanto, por acréscimo. Mas, como já se adiantou, quando a métrica se destina
apenas à ordenação pura e simples dos sons e dos pensamentos, não exerce
função evocativa, mas apenas ordem rítmica agradável. Nestas condições, a
métrica também funciona em prosa, e tem por objetivo apenas a esteticidade do
fluxo da expressão.

781. O símbolo por si mesmo não é a poesia, mas poderá ser utilizado
eficazmente como despertador de imagens poéticas.

Geralmente o símbolo é convencional, todavia com base em alguma analogia.


Esta analogia pode despertar associativamente o respectivo outro objeto, e
então a poesia encontra nele um caminho.

Por definição o símbolo não ultrapassa a expressão em prosa, porque indica o


objeto em função a semelhanças naturais entre o significante e o significado.
Apenas por acréscimo, o símbolo poderá também evocar através de seu
significado primeiro (como símbolo) novas coisas, que despertam em seu torno.

Note-se que, apesar da literatura separar ordinariamente as expressões em prosa


e poesia, esta separação nem sempre se apresenta visível. Talvez nas outras
artes, onde a separação nunca se costuma fazer, a distinção seja ainda mais
difícil para quem aprecia a obra.

Em literatura a prosa geralmente vai mais longe, do que se pensa. Ainda há


prosa, onde alguns já supõem haverem saltado para o imponderável da
evocação de imagens.

Outras vezes dá-se o inverso: o leitor vai pensando em termos de prosa, quando
o objeto já deveria ser considerado apenas estímulo de imagens.

A chamada "escola simbolista" de poesia, do século 19, a qual no Brasil


pertenceu Cruz e Souza (1861-1898), somente faz verdadeira poesia, quando
seus símbolos, por acréscimo, à maneira de objetos-estímulos, criam um halo
de imagens evocadas.

O emprego puro e simples do símbolo, mesmo para indicar temas metafísicos e


gerais, como era o gênero da escola simbolista, não é necessariamente ainda a
poesia. Em havendo alguns feito apenas bela simbologia, acreditaram
falsamente que eram poetas. Os símbolos precisam associar algo mais, para se
converterem em evocadores e portanto instrumentos poéticos.

782. O rito religioso e a poesia podem relacionar-se. O mesmo acontece com


a liturgia em geral.

Efetivamente, foi o rito explorado por alguns poetas do simbolismo, porque


apresenta semelhanças com o símbolo. É o rito um símbolo elevado a efetivo
causador de um resultado.

Os que crêem em ritos (ou sacramentos) os praticam na fé que eles purificam,


fortalecem, dão poderes. Então uma referência aos ritos pode significar uma
expressão poética, no sentido de que produzem evocações.
IV - A crítica e a poesia.
0531y784.

785. A primeira preocupação do crítico autêntico, ao se aproximar de uma


poesia, é a de aferir se nela efetivamente funciona a forma evocativa da
expressão.

Ainda que o autor se apresente como poeta, mas se a modalidade da expressão


segue dominantemente os caminhos da organização lógica da frase em prosa, o
crítico advertirá que aquilo que ele nos apresenta não se eleva à poesia plena.

O crítico estará atento, que em poesia literária, a evocação predominante se faz


através dos objetos-estímulos indicados anteriormente pela linguagem. A
evocação métrica, ainda que autêntica, ficará em segundo plano, visto que diz
respeito ao som em si mesmo e não à linguagem em si mesma.

Na música, a mais evocativa das artes, o crítico sabe que a evocação poética
específica se fará através do mesmo som. Secundariamente, apenas, se exercerá
pelo verso literário.

Iguais considerações fará valer a crítica no campo da pintura. Ali a


associatividade será aferida em primeiro lugar nas imagens despertadas pelos
objetos expressos pelas cores.

Na escultura a poesia se dirá em primeiro lugar nas evocações produzidas pelos


objetos expressos ou sugeridos pelas formas.
O crítico da poesia atenderá ainda ao ordenamento concreto da mesma. As
imagens, que surgem alogicamente, hão de receber uma certa disposição. Esta,
ainda que tome o aspecto lógico, não deverá entravar as evocações e nem tomar
o lugar delas, mas contribuir subordinando-se.

Apontará, então, o crítico para raciocínios e narrativas que tomam o lugar da


poesia, indebitamente, cá e lá.

Uma crítica de inexperiente não verá o que julgar. Invertendo-se em crítico de


linguagem em prosa, subverterá os valores, porquanto julgará tudo do ponto de
vista das aglutinações raciocinativas.

"Se para criar a beleza é preciso ter recebido do céu alma de artista, também se
a requer proporcionalmente para compreendê-la. E ai do autêntico poema que
cai em mãos de quem, desprovido dessa alma, quer submetê-lo a uma análise
lógica para o que ele não foi feito" (O. N. Derisi, O eterno e o temporal na arte,
p.151).

Antes de exercer sua função, o crítico deve efetivamente entender a obra, a qual
se propõe avaliar. Não aprendendo a poesia do ponto de vista evocativo, não
exerce nem as condições preliminares para o julgamento.

786. O crítico também julgará a respeito do conteúdo da poesia. A grande


maioria dos poetas é superficial, não só quanto ao conteúdo do objeto-estímulo
(o que não é o pior), mas principalmente quanto ao conteúdo das imagens
evocadas.

Não basta ainda evocar com perfeição as imagens. Este virtuosismo já é algo
apreciável.
Todavia, que vale a perfeita evocação de imagens sem maior valor
conteudístico? Acontece então apenas a poesia pela poesia, isto é, o formalismo
poético desintegrado com a realidade.

A poesia de amor, ou poesia erótica (vd 599), é geralmente a que se apresenta


mais superficial. Entretanto, é um tema importante, que merece interesse do
poeta, para ser bem conduzida, tanto no virtuosismo da evocação, como no seu
conteúdo.

A maior parte da produção poética no campo do erotismo é uma repetição


monótona das mesmas promessas e ânsias de conquista do prazer.

Em princípio não se pode reprovar este dia dia do amor, porque a eroticidade
constitui a constante alegria dos seres humanos, sem a qual não há normalidade.
Todavia, não se chame grande poesia aquela que mal é suficiente para o
consumo diário do animal racional mais encontradiço.

Também a poesia religiosa é, com frequência, superficial, quer por falta de


nível dos seus poetas, quer porque os consumidores da mesma não têm
condição de consumir pão melhor.

Em religião se tem destacado não raro os doentios, por causa da excitação os


males físicos podem provocar no plano da fantasia. A gente os admire, mas
com cautela, sobretudo quando são visionários.

Dante de Alighieri, um medieval erudito, elevou-se um tanto mais e assim


poucos outros.

A questão de qualidade em poesia não é sempre de nível absoluto mas de nível


pedagógico e didático. Toda a poesia popular tem um nível que adata ao
conhecimento vulgar. Também a isto deverá atender o crítico.
§2. Propriedades da poesia.
0531y788.

789. Uma propriedade não é a essência mesma da coisa, mas decorre dela. Ora,
sendo a poesia um procedimento que opera com imagens sensíveis, não pode
ter as mesmas propriedades que a prosa, cujo procedimento é tipicamente
intelectual.

São propriedades mais visíveis da poesia:

- a alogicidade,

- uma certa subjetividade.

É, aliás, comum afirmar-se que a poesia é alógica e subjetiva. Sobre isto não há
pois a discutir, porque tudo se mostra como fato evidente. Mas importa ordenar
as noções a respeito.

I - Alogicidade da poesia.
0531y791.

792 Leis que não são as da lógica. As imagens sensíveis operam dentro de leis,
que não são as mesmas das operações mentais.
Conectam –se as imagens sensíveis por simples operação somatória, - que por
isso se diz associatividade, - ao contrário do pensamento, cuja progressão se
faz pelas operações mentais, que seguem os caminhos racionais do verbo ser,
afirmando e negando, deduzindo e induzindo, analisando e sintetizando.

A associatividade depende de eventualidades vividas pelo sujeito, e por isto


empresta à poesia certa subjetividade, - como se mostrará imediatamente após a
consideração sobre a alogicidade, - o que não acontece no pensamento por mais
intrincados sejam os labirintos deste.

Johann Georg Hamann (1730-1788), do movimento pré-romântico


alemão Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto), insistiu em situar a poesia no
plano sensível, fora do racional, na linha do genital, espermatológico, sexual,
instintivo:

"Minha grosseira imaginação jamais foi capaz de conceber um gênio criador


sem genitália".

Enquanto o prosador progride por encadeamento ordenado, - o que


particularmente se observa na análise descritiva e na ponderação argumentativa
do discurso, - o poeta lança, por exemplo, em pinceladas de cores luminosas,
aguardando que de cada uma nasça uma chama luminosa a progredir em
evocações espontâneas.

Para o poeta as palavras e frases são atiradas soltas, visto que não há objetivo
de encadeamento raciocinativo, mas de simples oportunidade de criação de
estímulos.
793. Dois usos da palavra associação. Não obstante às diferenças, ocorrem
analogias entre entre o sensível e o inteletivo, pois ambos são procedimentos
cognoscitivos e em ambos as representações se ordenam entre si.

Dali decorrem as semelhanças de linguagem e nomes, que é preciso contudo


saber distinguir.

Por vezes se diz associação de idéias, do mesmo modo como se usa


em associação de imagens. Trata-se apenas de uma analogia, em que o uso
próprio está em associação de imagens, porque nas sensações o ordenamento é
praticamente só um somatório.

A associação de idéias se faz pelas complexas operações lógicas. É pelo


conteúdo do verbo ser, que as idéias se relacionam. Há efetivamente uma
somatório de idéias, todavia acontece muito mais do que isto.

A associação de imagens se dá por vivência, por exemplo, de coisas que se


apresentam juntas e que por isso se associam, e assim passam ao subconsciente.

O modo de se associarem as imagens sensíveis não é, pois, como aquele que se


dá pela afirmação de sujeito e predicado. O pensamento é tipicamente
judicativo, em que tudo é afirmado ou negado, pelo uso, - como se disse, - do
verbo ser.

As conexões associativas da evocação poética simplesmente acontecem,


verificando-se, portanto, sem racionalidade, sem logicidade, portanto
alogicamente.

794. A memória e associatividade poética. As imagens se conservam na


memória, a qual também se pode denominar subconsciente.
No instante consciente, a imagem está como que diante de nós.

Mas, baixando a imagem para a guarda da memória, não se apaga totalmente.


Permanece, todavia, sem consciência atual, razão porque se diz estar
no subconsciente.

Ali, no subconsciente, - em um segundo tempo, - um novo objeto, atualmente


percebido, pode despertá-la.

Entretanto, o redespertar da anterior imagem acontece juntamente com outras e


outras imagens, com as quais fora anteriormente gravada. Consequentemente,
estas outras se dizem imagens associadas.

A memória, pois, restitui do subconsciente duas ordens de objetos, - aquele que


é idêntico ao objeto-estímulo e aqueles mais que se encontram ligados ao
diretamente despertado.

E as idéias, estariam elas também na memória? Parece que não. Elas renascem
espontaneamente a propósito das imagens, quando elas se apresentam.

Todavia, a faculdade da imaginação cria imagens dos objetos sensíveis; estas


imagens se distinguem das idéias e das sensações.

O que acima dissemos constitui apenas interpretação teórica; também há os que


opinando diferentemente, julgam haver, além da memória direta das sensações,
também a memória direta das idéias.

E se admitem espíritos separados, que se encarnam, estes poderiam trazer


idéias do passado anterior, com base na memória das idéias. Mas, se a memória
considerada um repositório apenas de imagens sensíveis, não será possível que
se tenham mantido imagens de uma vida espiritual anterior. Neste caso, tudo o
que se apresentasse com este aspecto de lembrança de uma vida passada,
deverá ser interpretado de outro modo.

Qualquer seja a interpretação, a poesia opera com as imagens, dentro das leis
associativas dessas, e que não se confundem com a leis lógicas do pensamento.

Podem os conceitos nascer prontamente em função às imagens e produzir a


falsa impressão de que há memória de conceitos, com as respectivas
associações alógicas. Efetivamente, porém, ocorre um apenas um novo
despertar dos referidos conceitos.

795. Caráter alógico das leis da associatividade. Os processos associativos


são de três espécies,- a associatividade por vivência, por semelhança, a por
contraste, e que até certo ponto se reduzem à primeira.

São lembradas aqui as três espécies de leis associativas, não para analisá-las em
si mesmas, e nem ainda para revelar os detalhes dos seus respectivos processos
de articulação com os objetos aos quais evocam (vd 633); o que importa aqui
dizer, é que todos os três procedimentos são alógicos, apenas modalizando a
alogicidade da poesia.

O objeto anteriormente vivido junto com outros objetos, ou outras


circunstâncias, ao ser visto agora de novo, relembra (isto é, associa) a aquele
com o qual foi anteriormente vivido e fixado.

Esta associatividade alógica, por vivência, não é uma afirmação reinterpretativa


feita pela inteligência, - que opera em termos de verbo ser, - mas é simples
conotação estimulada pelo objeto, que faz erguer-se do subconsciente uma
antiga imagem associada com outras. Associatividade por vivência se constitui
portanto em processo alógico.
Coisas semelhantes podem também relembrar-se, criando associações, que
ligam alogicamente uma imagem à outra.

Mais uma vez se mostra ali um processo alógico, cujo desenvolvimento não se
faz por conexões de afirmação lógica.

É verdade que a semelhança pode ser também interpretada logicamente, pela


mente. Acontece então a expressão em prosa, a qual exatamente assim se
define e se esclarece (vd).

Mas na poesia a associatividade alógica, por semelhança, não é uma afirmação


reinterpretativa feita pela inteligência operando em termos de verbo ser. Ela é
apenas uma simples conotação estimulada pelo objeto quase idêntico.

A experiência mostra que até mesmo o animal parece associar imagens diante
de objetos quase iguais.

Finalmente os contrastes se podem relembrar entre si e portanto alogicamente.


Também aqui, a inteligência possui a capacidade de interpretar por via lógica o
contraste. Mas, não é só o que acontece. A poesia também encontra uma fresta
associativa no contraste, e muitas vezes o evoca.

Conclui-se, pois, pelo caráter alógico da poesia, até porque cada uma das três
espécies de associatividade assim o manifesta.

796. Alogicidade da poesia com alguma logicidade. Ainda que a alogicidade


seja a propriedade bastante peculiar da poesia, ela contudo se move em parte no
campo da logicidade da mente.
A poesia é um sistema, em que vários são os elementos, de sorte que uma parte
principal poderá ser alógica, enquanto as outras caminham pelos procedimentos
lógicos. O poeta não é apenas um animal. Este também possui capacidade
associativa. Mas o poeta dispõe também de uma inteligência, que lhe permite
envolver racionalmente seu flutuar associativo.

O objeto estímulo, necessário na primeira fase da expressão poética, se exprime


em termos de prosa e com a melhor logicidade. Conceitos, juízos, raciocínios,
até em narrativa e discurso, poderão apresentar objetos e acontecimentos, -
como sobretudo nos poemas épicos, em que o objetivo final é a evocação.

Portanto a poesia não é uma total alogicidade.

A presença de uma eventual logicidade na expressão poética, sobretudo na


literária, permite mesmo um ordenamento exterior de toda a composição
(vd 624).

797. Os tradutores de poesia, vertendo-a de uma língua para outra, ficam


atentos à função evocativa das palavras e frases. Procuram traduzir cuidando
que as palavras da outra língua também possuam capacidade evocativa. Trata-
se de traduzir os os objetos-estímulos...

Não importa o encadeamento lógico, ainda que ocorra no original; estas


relações de conexão, de natureza lógica, que eventualmente surgem no meio do
verso, não constituem a mesma poesia. O encadeamento, que ocorre, às vezes
no contexto das palavras, poderia sequer não ser visado pelo poeta, que não
tinha como evitar a aparência desse encadeamento. Se o tradutor reforçar a
aparência lógica, em prejuízo da vivência poética, terá falseado a composição
poética.

Em geral os tradutores tendem para a logicização dos versos, as vezes até


porque não têm uma noção clara do que seja verdadeiramente uma poesia.
798. Apreciem-se os versos latinos:

Tantum ergo sacramentum;

Veneramur cernui

et antiquum documentum;

Novo cedat ritui;

como poesia, a evocação se exerce por vivência, porquanto as palavras não


apelam à imagens de estímulo bem caracterizado. A tradução pode logicizar
raciocinativamente o terceiro verso, afastando a evocação:

- "Tão sublime sacramento

- adoremos neste altar;

- pois o antigo testamento,

- deu ao novo o seu lugar".

799. Situações inesperadas podem atropelar e praticamente inviabilizar uma


tradução.

Acontece facilmente com a poesia em línguas com sexo mitológico para os


objetos. Para o poeta de língua latina a Lua é uma graciosa mulher que ele
desejaria ver nua com a passagem mais rápida das nuvens. Mas para língua
alemã a lua é um ser masculino.

Seja o texto:
"Lua feminina, que ora te escondes sugestiva entre nuvens vaporosas, que ora
te apresentas decididamente nua, deixa que as nuvens voem sempre mais
depressa".

Nas traduções de poesias prefira-se aumentar o número de evocações, do que


simplesmente diminuí-las. É claro que este aumento se fará dentro do mesmo
círculo de evocações.

Uma palavra na língua da tradução poderá ser mais brilhante: então ajuda, não
prejudica.

As evocações caem como a chuva ou orvalho, como coisas soltas, que o céu
graciosamente oferece, quase como a luz com que o relâmpago dá sem custeio.

Assim o poeta tradutor: produzirá como que uma nova poesia, frente ao que é
intraduzível diretamente.

800. Ainda sobre profundidade da poesia. A aparente superficialidade


(vd 757) é uma característica eventual da poesia. Esta superficialidade eventual
pode ocorrer no objeto-estímulo, sem prejuízo da profundidade da mensagem
associada. É que não importa à poesia, em primeiro lugar, o objeto-estímulo, e
sim ao que ela conduz evocativamente.

Apreciem-se os versos iniciais do Cajueiro pequenino, de Juvenal Galeno (do


Ceará):

"Cajueiro pequenino,

carregadinho de flor,

à sombra das tuas folhas


venho cantar meu amor,

acompanhado somente

da brisa pelo rumor,

cajueiro pequenino,

carregadinho de flor.

Tu és um sonho querido

de minha vida infantil,

desde esse dia... me lembro...

Era uma aurora d’abril,

por entre verdes ervinhas

nasceste todo gentil,

cajueiro pequenino,

meu lindo sonho infantil".

De outra parte a eventual profundidade do objeto estímulo pode facilitar a


evocação de grandes temas, situando o intérprete consumidor da mensagem
imediatamente dentro desta esfera.

801. Ordenamento exterior da poesia. O desenrolar alógico da evocação


poética admite uma ordenação lógica tomada de empréstimo.

Com a participação da inteligência, as imagens alogicamente evocadas ganham,


- não só a sequência do surgimento das mesmas como efeito das operações
associativas por vivência, semelhança e contraste, - mas ainda uma ordem
ditada pela coerência lógica dos enunciados. Assumem consequentemente as
imagens poéticas um ordenamento exterior e que é portento apenas acidental.
Não há uma oposição entre pensamento e evocação, mas distinção. Dali a
possibilidade da mútua participação de pensamento e evocação
na composição mesma obra artística.

Assim acontece, que prosa e poesia em geral se suplementam. A prosa poética


se vale de um pouco de poesia. De outra parte, a poesia prosaica é a que se
suplementa com um pouco de prosa.

A música, - sempre de predominância evocativa, - é poesia prosaica, ao admitir


a presença lógica da razão que ordena, sobretudo, o todo da composição.

Mas ocorre ainda o caso em que a prosa auxilia à poesia, sem lhe tirar o lugar.
A poesia pura é aquela em que a presença ordenada do pensamento comparece
vagamente apenas para ordenar a progressão do despertar das evocações.

Neste caso não há poesia prosaica, porque nenhum elemento da expressão em


prosa está sendo diretamente visado. A presença ordenadora do pensamento é
apenas indireta, como que preparando o caminho para que as imagens
estimulantes possam exercer sua função de despertar outras.

802. Graus da presença ordenadora do pensamento lógico na ordenação


exterior da alogicidade da poesia. A presença ordenadora do pensamento na
poesia, embora exterior, vai desde um mínimo de interferência até um máximo
de acompanhamento.

Ocorre a presença mínima como quando se se entrega o artista a um desenrolar


automático e espontâneo. Tal é mais ou menos o que pretende o radicalismo do
surrealismo, bem como os que apelam ao automatismo psíquico e mesmo ao
sonho.
Progride a presença lógica quando as imagens da evocação se dispõem à
maneira de frase com o aparato de conceitos, juízos e até de raciocínios. Nesta
hipótese não se visa a afirmação lógica em si mesma, porém a evocação
complementar que se acresce.

Podemos dizer a respeito de uma cidade, assim:

"Praias são teus pés gentis;

avenidas são teus caminhos;

tua face cheia de sol"

Fizemos ali frases lógicas, atendendo porém ao que evocam. Eis como ocorre a
presença lógica sem contudo fazer parte do conteúdo diretamente visado.

803. A sucessão no despertar das imagens. Ainda que as imagens evocadas


possam surgir simultâneas, atendemos a elas geralmente uma após outra. O
mesmo aliás acontece no pensamento, o qual surgindo embora como o fulgor
do relâmpado, distribue-se diante da atenção mental em sucessões lineares
ordenadoras.

A arte contribui também para este ordenamento mental (vd), e que ocorre
sobretudo na linguagem por equivalentes convencionais.

A sucessão já é uma ordem; mas, a sucessão não é a poesia. Eis, pois, uma
ordem espontânea, e que poderá ser eleita e aprovada pela inteligência racional,
com vistas a desenvolvê-la como uma regra racionalizadora externa à mesma
poesia poesia.
É possível continuar pelo ordenamento lógico. Na linguagem, as frases que se
sucedem organicamente, vão, ao mesmo tempo, à maneira de varal, conduzindo
por ordem e despertar evocativo das imagens. Mas, - relembramos, - não é a
ordem lógica, a poesia. Ela aqui está a seu serviço.

A disposição em versos constitui um procedimento particular da poesia literária,


que então se alia com o espaço concreto.

A ordem dos versos sobrepostos, criando um elemento concreto para funcionar


como organizador das imagens, não se prende diretamente ao metro, que é
apenas uma das melhores maneiras de os ordenar.

A ordem concreta da versificação, assim como a pretendemos como


ordenamento concreto, poderá até dispensar o metro.

Enquanto o metro se ocupa com os acentos, os versos como planos sucessivos


no espaço, se exercem como organizadores. Isto também acontece na prosa,
quando de tempos em tempos separa, por meio de linha nova, os grupos de
pensamento.

Disposições gráficas, com modalidades aleatórias de montagem, favorecem em


muito a ordenação exterior da poesia.

O soneto, duas vezes agrupando 4 versos, depois encerrando com mais dois
grupos de três versos, - eis uma curiosa organização exterior do espaço da
composição poética, quando de determinado tema.

Outras disposições gráficas e tipos de montagem definem-se também como


organizadoras da poesia.
Voltamos a advertir que o ordenamento concreto das imagens da poesia, não
tem por finalidade sugerir novas evocações. É apenas ordenamento.

Mas, sempre que a disposição concreta aliar novas evocações a simples


disposição passa a se exercer como poesia. Não só as palavras atrairão outras
imagens, também a disposição das palavras assume funções evocativas. É este
o objetivo do grafismo e do movimento denominado concretismo.

804. A ordem na poesia pelo conteúdo material da mensagem é mais um


instrumento lógico com que se estabelece a estrutura interna de uma
composição poética. Este procedimento pode distinguir entre conteúdos de
religião, sociedade, política, humanidade, cultura, economia, natureza, etc...,
com as mais variadas redivisões.

Os conteúdos influenciam a estrutura mesma da expressão, enquanto esta se


adata ao tema. Então se trata dos gêneros artísticos, quer dos gêneros em prosa,
quer dos gêneros em poesia (vd 696). Mas não disto que se cuida quando, -
como agora, - se adverte que o conteúdo ordena exteriormente a composição
artística, em particular a composição poética.

Cada tema é um outro tema, e assim sobre cada tema poderá haver outra poesia.
E enquanto a composição poética passa a ter uma cursividade de temas, estes
vão permitindo uma ordem dos referidos temas.

Entretanto, meter a ordem nos temas erguidos pela associatividade obriga a


ajuda da inteligência para diferenciá-los e sequenciá-los adequadamente.

II - Subjetividade da poesia.
0531y805.

806. A subjetividade na poesia. Ainda que que a expressão artística dependa


fundamentalmente da objetividade de uma semelhança entre a obra e o tema
que ela exprime, resta ainda espaço para elementos da situação subjetiva do
artista .

Estes aspectos subjetivos ocorrem por duas vias:

- pela forma da expressão, quando se opera aditivamente mediante associações


de imagens, conforme acontece na poesia, particularmente, a que se dá pela
vivência de continuidade de tempo e lugar;

- pela tema subjetivo, sobretudo do mundo interior.

As associações de imagens obedecem a situações eventuais, quando elas se dão


por vivência de contiguidade, seja de tempo, seja de lugar. Os indivíduos
exercem a seu modo estas associações, de acordo com as vivências que tiveram
ao longo de suas vidas.

Quanto ao tema de conteúdo subjetivo, se pode distinguir entre os temas


efetivamente subjetivos (do mundo interior) e os temas objetivos (reais, ou do
mundo exterior com tratamento subjetivo.

Há mesmo uma expressão objetiva de temas subjetivos, como também uma


expressão subjetiva de temas objetivos.

Os que defendem a forma associativa subjetiva da associatividade na poesia,


costumam querer também que seu tema igualmente o seja; no caso de o tema
ser objetivo, seja tratado pelo menos com subjetividade, - a da forma de
associatividade e o do tema.
De qualquer maneira se trata de duas modalidades distintas de subjetividade.

A participação do elemento subjetivo, tanto na arte em geral, como na poesia


em especial, ofereceu oportunidade a polêmicas, com prós e contras.

O subjetivismo é peculiar ao romantismo, o objetivismo ao realismo.

O romantismo preferiu o subjetivo em todos os planos, no da associatividade e


no do tema, e este quando em si mesmo objetivo, ao menos com tratamento
subjetivo.

Gustave Flaubert (1821-1880), romancista realista, insistiu enfaticamente:

"O autor na sua obra deve ser como um Deus no universo, presente por toda a
parte e visível em nenhuma parte" (citado por V. Junesco, La personalité du
génie artiste, Paris, 1930, p. 271; tb. por Nedoncelle).

Como decidir? O elemento objetivo é sempre fundamental na expressão


artística, porquanto por meio dele principia a expressão. Sem ele, não há sequer
a arte. Na prosa isto é claro. Na poesia o objeto-estímulo tem de ser
primeiramente expresso, para que depois ocorra a associatividade.

807. O poeta e seu leitor. Na subjetividade da vivência artística ocorrem duas


faces: a do artista e a do apreciador. Uma coisa é, pois, a subjetividade do poeta,
outra a subjetividade do seu leitor.

As vivências do artista, desde que conhecidas previamente, nos fazem entender


a arte de acordo com a situação subjetiva de que a criou. Se, por exemplo, um
poeta nasceu na Grécia clássica, suas vivências funcionam peculiarmente ao
fazer referência à sua pátria e à sua época.

As vivências do apreciador resultam das que ele mesmo possui a propósito dos
elementos objetivos da expressão. Para ele, por exemplo, o assunto expresso
objetivamente, em uma poesia, poderá ainda associar situações mui singulares.

A subjetividade do apreciador não é levada, geralmente, em conta, por quem


produz a arte. Ao produzi-la, pretende falar universalmente para todos que se
achegam.

Entretanto existe também a arte que se dirige para determinadas pessoas. Então,
a levada em conta da situação subjetiva faz nascer a arte pedagógica e didática,
em prosa, como em poesia.

ART. 2o

OPERAÇÕES DE ARTICULAÇÃO ASSOCIATIVA DA POESIA.


0531y809.

810. Considerando que a associatividade opera com diferentes procedimentos,


um estudo exaustivo sobre a expressão poética tem de partir também para o
exame das operações de articulação associativa

Para tratar das operações de articulação associativa, importa já ter definida a


teoria da poesia como associatividade, - o que já foi feito (vd). Entretanto, por
vezes, será preciso relembrar esta teoria, embora apenas como um pressuposto
para garantir a coerência do todo.

Didaticamente, há a considerar, em seis parágrafos:

- espécies de operações associativas (vd 811);

- a evocação nas artes mistas (vd 834);

- a poesia na linguagem (vd 840);

- a poesia na pintura (vd 844);

- a poesia nas formas plásticas (vd 848);

- a poesia na música (vd 866).

§1. Espécies de operações associativas da poesia.


0531y811.

812. Pela sua forma de operar, a poesia é uma operação multilinear, porque
diversas são as suas espécies de operações associativas, - a saber, pela vivência,
semelhança, contraste.

Esta não é uma divisão e classificação da poesia pelos objetos expressos, -


conforme a divisão material, dividindo pelos temas e finalmente pelos gêneros
poéticos. Mas é uma divisão e classificação da poesia pela sua forma de
expressão.

O despertar associativo da poesia obedece a leis, não obstante seu aspecto um


tanto anárquico. Não está o poeta sem poder calcular os efeitos dos objetos
estímulos colocados em sua composição. E se conhecer as normas, ser-lhe-á
possível melhorar a forma do que produz.

Temos uma ordem didática a nos ordenar o caminho, 4 itens:

- a questão das operações associativas (vd 814);

- poesia por vivência (vd 819),

- poesia por semelhança associativa (vd 825),

- poesia por contraste (vd 830).

I - A questão das operações associativas.


0531y814.

815. Três leis, ou uma só, de associatividade evocativa. Aristóteles (384-322


a. C.) mencionou 3 operações associativas:

- contiguidade (ou vivência),

- semelhança ,

- contraste.

Esta classificação dos processos associativos, - por nós diversas vezes


conceituada - , é contudo polêmica.
Efetivamente, as leis da associação de imagens ainda não parecem claras nas
classificações dos psicólogos, nem mesmo com os modernos desenvolvimentos
da psicologia da forma, da psicologia do comportamento (behavoir) e
psicologia dos campos psíquicos. Em consequência os estetas se vêem
tumultuados ao tratarem de explicar a poesia como forma de expressão, e mais
uma vez tumultuados quando passam às diferentes operações de articulação
poética.

Pragmaticamente, pois mantemos as leis já estabelecidas por Aristóteles, para o


qual três são as espécies de associação de imagens: contiguidade, semelhança,
contraste.

Assim sendo, a associação de imagens se dá por três distintas operações, dali


resultando haver também a possibilidade de variação nos modos poéticos, por
eleição, ora do primeiro processo, ora do segundo, ora do terceiro, ora ainda de
dois, ora de todos conjuntamente.

815. Suponhamos que as leis de associação das imagens seja um pouco


diferente do que se pensava até agora; então, as explicações sobre as
articulações evocativas poéticas obedecerão a estas diferenças.

"A psicologia da forma", de Werheimer, e dos "campos psíquicos" de Lewin


trouxeram algumas novidades neste sentido.

Mas, fundamentalmente, o caráter geral das leis de associação é sempre o


de contiguidade, semelhança e contraste. Quer se reduzam a um só
fundamental, como hoje se tendem a fazer em favor da de contiguidade, quer
não, sempre há o que associa por contiguidade, por semelhança, por contraste.

A lei associativa de causa e efeito, se reduz claramente à de contiguidade no


tempo, porquanto se observa que a causa e o efeito se sucedem.
Nas semelhanças e nos contrastes ocorre alguma relação de contiguidade. Os
contrastes e as semelhanças poderão ser observados, como contíguos e então as
imagens se tornam solidárias; despertarão por solidariedade e já não
simplesmente por contraste e semelhança.

Mui complexa e capciosa é o subconsciente! Em última instância, porém,


obedece à leis bem definidas e nada se exerce senão obedecidas as leis
fundamentais da razão suficiente.

É possível, pois, que todas as modalidades operacionais de associação se


reduzam à primeira, à de contiguidade. A semelhança e o contraste são, de
certo modo, justaposições, que se vivem portanto como contiguidades. Se
interpretássemos a semelhança e o contraste, já não teríamos a associatividade
das imagens, porém um trabalho mental, o que não é poesia.

816. Reduzidas todas as modalidades de associatividade a uma espécie


fundamental, esta por sua vez se poderia subdividir apenas materialmente pelos
objetos associados. Então a associatividade por contiguidade se dará

- por contiguidade de elementos equívocos;

- por contiguidade de elementos análogos (ou semelhantes);

- por contiguidade de elementos contrastantes.

A contiguidade, por exemplo, poderá ser ainda de tempo, de lugar, de posição e


assim por diante.

Situações que se viveram em outro tempo, estão diferenciadas hoje; mas, por
terem sido naquele outro tempo vividas em contiguidade, podem hoje lembrar-
se mutuamente; aquela que subsiste recorda, por associação, a imagem daquela
que já desapareceu.
O poeta, que torna a seu torrão natal relembra, por estímulo das poucas coisas
restantes, as antigas, aquelas do tempo de sua infância.

817. A capacidade da associatividade depende de circunstâncias várias.

A grande vivência conota qualquer imagem. Sobretudo, então, a vivência se dá


pela contiguidade de elementos equívocos.

As semelhanças se conotam facilmente, em virtude da aproximação das


imagens.

Por exemplo, brilho das cores e flores, associa mais rapidamente as mulheres,
que os marujos de um navio.

O azul do céu poderá ser lembrado pelo azul do teto das casas ou das abóbadas
dos palácios.

A alegria trepidiante é evocada pelo ritmo da sequência musical.

Os contrastes, se conotam com certa facilidade em virtude da repulsa dos


contrários. Feio conota o belo; a doença a saúde; a dor a alegria.

Resulta da vivência, semelhança e contrastes, que certas modalidades de


associação poética se caracterizam profundamente, criando tipos de evocação,
como se fossem espécies.
II - A poesia por vivência.
0531y819.

820. A associação por vivência, dita também associação de contiguidade, une


as imagens por vivência de contiguidade (vd 227). Eis o principal instrumento
da associatividade, a que todos os demais talvez se reduzam, como já foi dito.

Um objeto qualquer, que tenha sido vivido em contiguidade com outro, poderá
conotá-lo, despertando sua imagem na lembrança (ou no subconsciente).

Imagens contíguas, no espaço e no tempo, se evocam. A contiguidade é dita


sobretudo de circunstâncias de tempo e lugar. O destaque mesmo é de lugar. É
o que diz expressamente o termo contiguidade.

Significa esta lei, que os objetos visto, ou ouvidos, ou de qualquer outra


maneira conhecidos juntos (contiguamente), criam também imagens solidárias
entre si, num outro momento, basta a presença de um dos objetos, para que se
estimulem ambas as imagens, a do objetos estímulo e a do outro objeto, apenas
anteriormente contíguo.

A contiguidade recebe também o nome de "vivência"; percebidas junto,


equivale a dizer que foram vividas juntas. Desta sorte, as situações da vida
oferecem vivências de contiguidade. Ainda que por muitas contingências as
imagens anteriormente juntas, vão separar-se, os objetos que ficam, mantém-se
como estímulo das imagens, dos que desapareceram e deixaram saudade.

Certas imagens de presente, como casas velhas, ruas antigas, panoramas, etc...
podem lembrar os dias passados, quando estas mesmas casas, ruas e panoramas
estiverem presentes com aquilo, que já passou (infância, pessoas queridas,
sofrimentos, labutas), mas puderam criar suas imagens juntamente com as
coisas que permanecem; tais coisas que permanecem reacendem as imagens
das coisas já desaparecidas.

A poesia por vivência (ou contiguidade) é a mais frequente, porque sempre


estimulante para o poeta necessitado de catarse e ludicidade.

821. Aprecie-se a composição evocando, por vivência, a aurora, a tarde, a noite:

"Um galo que canta, um cavalo que bate os cascos, um gato que entra: Aurora!

Um lírio que se inclina, um limão que cai, uma árvore que estala: Tarde!

As areias que escurecem, as fumaças que sobem, os amantes que se


encontram: Noite!" (François Vicent Toussaint).

No texto acima a evocação é declarada no final das frases. Todavia não faz
mister que a expressão sempre o declare. Mesmo ao fazê-lo, em seu torno
trepidiam muitas outras imagens. A enunciação de uma, como que reforça o
clima poético.

Um outro exemplo por vivência:

"Quando o amor entra na vida,

aduba-a de tal jeito,

Que a alma fica mais nutrida

E o coração mais perfeito" (Luiz Murat, Dramas na Selva)


822. O ritmo e a vivência, ainda que fenômenos distintos, estão facilmente
associados. Por isso o ritmo de vivência é muito frequente na poesia. Foi
sempre aproveitado pelos poetas como um poderoso estímulo de imagens
associadas por vivência.

Ocorre o ritmo em qualquer movimento quando dividido em partes, que se


repetem em tempos iguais. Pertence o ritmo às coisas reais e também à vida
psíquica.

Do ritmo temos muita vivência. Dele temos muita experiência, inclusive sexual,
como anotou Webler na lista dos ritmos:

"A idéia do ritmo é uma das noções que nos são mais familiares. A sucessão
dos dias e das noites, das estações quentes e das estações frias, dos períodos de
intensidade da vida vegetal e da morte aparente dos vegetais, a alteração do
trabalho e do repouso, da vigília e do sonho... até o funcionamento de nossos
órgãos mais essenciais subministram perpetuamente exemplos de movimento
rítmico" (L.Webber, O Ritmo do Progresso, c. 4, p. 105).

O ritmo musical é fortemente evocativo. Suas semelhanças como os estados


psíquicos, recorda a estes. Em consequência a música é mais poesia do que
prosa.

Acidentalmente embora, o reflexo condicionado influência largamente a


evocação poética, principalmente em temas eróticos. Os reflexos
incondicionados se unem sempre às mesmas respostas, em todas as pessoas; os
condicionados apenas eventualmente, quando ocorrem ao mesmo tempo
repetidas vezes.

Finalmente, aqueles reflexos condicionados produzem o efeito, sem a presença


do estímulo do reflexo incondicionado. É conhecido o caso do galanteio, do
carinho, da carícia entre as pessoas, com reflexos, que são condicionados.
Integram-se finalmente nas imagens poéticas de vivência.
III - A poesia por semelhança associativa.
0531y825.

826. A associação por semelhança (ou mimese, ou ainda por analogia ) dá-se
por simples aproximação. Dali as expressões braços do sono, braços da árvore.

A semelhança poderá ser, por conseguinte, um expediente poético. Num


primeiro tempo se apontem para um objeto (ou sua imagem); este objeto, num
segundo tempo, evoca as imagens assemelhadas. Estas, sem necessidade de que
se as indique diretamente, são atraídas à maneira de atmosfera do objeto
estímulo. A provocação deste estado, eis o que faz a poesia, quando se utiliza
da lei de associação por semelhança.

A evocação poética por semelhança é mais homogênea no seu aspecto, porque


praticada mais ou menos igual.

As vivências, ao contrário, associam elementos equívocos, dependendo todavia


de que as referidas se dêem, importando que o apreciador conheça o contexto
em que se situa o poeta. Já as semelhanças não dependem desta condição e
possibilitam uma expressão poética universal, no espaço e no tempo.

Uma poesia alemã permite tradução para o português e vice-versa, desde que
opere mediante semelhanças. E assim também a velha poesia grega deste
procedimento ainda hoje exerce a sua associatividade.
827. Eis evocações por estímulos fundados na semelhança entre o objeto
estímulo e as imagens despertadas:

"O sangue branco das águas ...

Era o sangue do rochedo"

(Catulo da Paixão Cearense, Promessa)

"Água térmica, - suor quente dos minerais"

(Carlos D. Fernandes, Natureza)

"Dos rochedos sentados corre a linfa

suor das pedras, pela espádua nua..."

(Melo Morais Filho, Anchieta)

"O seu amor é como vaga-lume

iluminando a treva onde se esconde..."

(Múcio Teixeira).

828. O ritmo, ao mesmo tempo que opera por vivência, também estimula as
imagens por semelhança. Há uma semelhança entre o ritmo da vida e dos sons
que a música ordena. Existe sucessão dos dias e das noites, do frio e do calor,
das diferentes fases de uma tarefa.

A rima opera associações por semelhança. Na poesia literária a conexão se


processa entre as imagens, cujos nomes rimam. Destacando-se quando
coincidem até pelo acento. Este destaque ainda se reforça quando as rimas
forem pouco encontradiças, portanto advertindo pela originalidade.
A propaganda comercial aproveita a associatividade das rimas:

Melhoral é melhor e não faz mal...

Koesa atende com certeza...

Cica os melhores produtos indica...

Razões diversas poderão evitar a rima. Utilizada a começar do século X, foi


sendo algo abandonada pelos modernos. Sua evocatividade é autêntica, ainda
que se deva utilizar adequadamente.

Imagens semelhantes se evocam. A semelhança poderá ser, por conseguinte,


um expediente poético. Num primeiro tempo se apontem para um objeto (ou
sua imagem); este objeto, num segundo tempo, evoca as imagens assemelhadas.
Estas, sem necessidade de que se as indique diretamente, são atraídas à maneira
de atmosfera do objeto estímulo. A provocação deste estado, eis o que faz a
poesia, quando se utiliza da lei de negociação por semelhança.

Imagens contrastantes se invocam. O contraste, sem dúvida, atrai a atenção


para as imagens diferenciadas fortemente. O clima criado, pelo despertador das
muitas outras imagens é mais um expediente de que lança mão o poeta.

IV - A poesia por contraste.


0531y830.

831. Pode o contraste evocar pela viva diferenciação dos contrários os


problemas de um, frente ao outro.

A velhice lembra a força perdida da mocidade. O sofrimento recorda o prazer


que se aspira. A doença leva à imagem da saúde. Assim também a noite evoca
a luz do dia. Tempos atuais evocam outros, considerados melhores, por
exemplo os da infância.

A evocação por contraste pressupõe uma ação anterior da inteligência, que


primeiramente identificar aos contrários como tais. Somente depois se torna
possível a formação da vivência do ônus do contraste.

Sejam alguns exemplos em que o contraste é citado, com vistas ao quadro


associativo que despertam no subconsciente onde se guardam as inúmeras
imagens.

"Mas o contraste em tudo existe:

cantam os pássaros no alto da ramada,

a árvore é linda, mas a sombra é triste"

(Olegário Mariano, Para recitar).

"Juntam-se um hemisfério a outro hemisfério;

às alegrias juntam-se às tristezas;

é o carpinteiro que fabrica as mesas,

faz também os caixões dos cemitérios!..."

(Augusto dos Anjos, Contrastes).

"Até nas flores se nota

a diferença da sorte:

umas enfeitam a vida,

outras enfeitam a morte"

(Olavo Bilac).
"Quando partimos, no vigor dos anos,

da vida pela estrada fluorescente,

as esperanças vão conosco à frente,

e vão ficando os desenganos.

O contrário dos tempos de rapaz:

os desenganos vão conosco à frente

e as esperanças vão ficando atrás"

(Antônio Tomás, Contraste).

832. Quando se utilizam todas as modalidades de operações associativas,


destaca-se notoriamente a dos contrastes.

Sejam exemplos em que se alteram todas as modalidades de associação, por


vivência, semelhança e contraste indistintamente:

"Minha terra tem palmeiras,

onde canta o sabiá;

as aves que aqui gorjeiam,

não gorjeiam como lá"

(Gonçalves Dias).

"A bolsa pesada torna leve o coração"

(Ben Johnson, The new Inn I, 1).


§2. A evocação nas artes mistas.
0531y834.

835. A aliança poética. Muitas artes podem aliar-se na mesma obra, e cada
uma poderá, com os recursos que são são próprios, gerar a evocação poética.

É possível também ocorrer a aliança de muitas artes, sendo que apenas uma
opere a evocação poética.

No primeiro caso acontece uma aliança não somente de artes, como ainda de
evocações poéticas.

No segundo caso não acontece a aliança de evocações poéticas, mas ocorre a


poesia, porque ao menos uma das artes aliadas a exerce.

Ordinariamente a pintura opera como aliança de artes, através da cor e da


plasticidade da forma.

Poderá então ocorrer a poesia em três modalidades: ou apenas através da cor;


ou apenas através da forma plástica, ou em ambas, por aliança das
associatividades.

A poesia literária evoca primeiramente por meio dos objetos-estímulos


indicados mediante equivalentes convencionais. Pode ainda se aliar à métrica
dos sons. Esta é a sua aliança costumeira.
Outras muitas modalidades de aliança costuma fazer a linguagem. Poderá unir-
se formas e cores, como na montagem gráfica, esforçando-se em obter
sugestões associativas. Agora a mais conhecida montagem gráfica é a
disposição linear dos versos e sua organização em estrofes.

Montagens extraordinárias, envolvendo o gráfico e outros elementos, criam a


chamada "poesia concreta", gerando novas fontes de estímulo à associatividade.

A poesia estritamente literária se reduz ao plano específico convencional da


simbolização linguística. Então ainda não ocorre a aliança da linguagem com
outras artes, exercendo-se sem os demais fatores de evocação, como a métrica,
o grafismo e as montagens concretistas.

Aquela poesia que resulta apenas da evocação métrica e da montagem, não é


especificamente literária. Todavia também é poesia, e que se lhe aliou.

836. A coordenação nas alianças poéticas. Atentos à lei do ritmo e da


proporção harmônica das partes, deve, nas alianças, um dos participantes
exercer o predomínio.

Se a intenção for a poesia literária o domínio será da evocação pela palavra,


coordenando-se os demais elementos, as cores, as flexões da forma, as
intonalidades dos sons, maneira de concomitâncias aliadas.

Sem um domínio coordenador, haverá tumulto na aliança.

O tumulto em si mesmo não se deve buscar senão, se também a ele for dada
uma função, pela qual coordene esta situação tumultuada a um todo maior.
O importante não é qual a arte escolhida para predominar.

O que importa é que uma predomine, e que todo o conjunto opere


coerentemente com a arte à qual cabe o predomínio.

837. Alianças poéticas extravagantes. O uso do inconsciente e


o subconsciente (logo acima), - de que se utilizam o dadaísmo, o surrealismo, o
tachismo, o grafismo, o automatismo psíquico, o concretismo, - funcionam
sempre mediante a lei da associação de imagens.

Não se trata de outra coisa do que a memória, subordinada a diferentes


modalidades de despertar. Nestas condições, há, portanto, ma legitimidade
substancial nos movimentos mencionados.

Não importa que estas modalidades de despertar venham de mistura com


elementos mecânicos e até místicos e ingênuos, cujo resultado finas é uma
aliança de evocações poéticas extravagantes.

A alogicidade (vd) de que se fala em poesia não é outra coisa do que a atração
das imagens mediante estímulos expressos na obra de arte.

Apenas ocorre logicidade no pensamento, quando funciona em termos de


conexões tal como entre os conceitos dentro do juízo, entre os juízos dentro do
raciocínio.

Antes disto, as imagens se associam, por contiguidade, contraste, semelhança,


criando um mundo alógico.
838. Historicamente, os poetas que exploram o subconsciente, com vistas a
multiplicar as fontes de evocação, partiram muitas vezes para extremismos.
Todavia o podem fazer, desde que obtenham novos resultados associativos, que
agradem a eles e aos apreciadores do gênero.

Um chapéu feminino sobre a cabeça de um gato é evocativo. Também é


evocativo um chapéu masculino na cabeça de um cachorro. Haveria lógica em
pôr este chapéu na cabeça do animal? Talvez não. Mas as evocações que
despertam poderão ser apreciáveis.

Que é o humorismo? Uma combinação de atitudes que não acerta dentro de um


padrão sensato. Estabelecida esta atitude, desperta riso. Mas, por que? As
associações de imagens, que arrancam outras imagens mais, ocupam a atenção
eis o que faz o poeta puro; cria imagens que buscam outras imagens, do seu
interesse estético.

Neste rumo trabalham dadaístas, surrealistas, tachistas, grafistas, concretistas,


com técnicas embora extravagantes e por vezes falsas interpretações por parte
deles mesmos. Na substância, tudo não passa de uma universal poesia, criadora
de imagens que atraem outras imagens, ora humorísticas, ora metafísicas, ora
sentimentais, ora apenas ilustrativas e por acaso novas.

Particularmente admirável é o concretismo, pelo seu desejo de inovar e


surpreender com associações, quaisquer sejam elas.

Aprecie-se do surrealista Paul Eluard, Le Jeu de construction

L’homme s’enfuit, le chevai tombe

La porte se peut pas s’ouvrir

L’oiseau se tait, creusez sa tombe,

Le silence le fait mourir.


Un papillon sur une branche

Attend pattiemment l’hiver,

Son coeur est lour, la branche penche.

La branche se pile comme un ver.

Pourquoi pleurer la fleur séchée

Et pourquoi pleurer les lilas?

Pourquoi pleurer la rose d’ambre?

Pourquoi pleurer a pensés tendre?

Pourquoi chercher la fleur cachée

Si l’on n’a pas de récompense?

- Mais pour ça, ça et ça".

Também "Memórias de pão Miramar" de Osvald de Andrade é uma apreciável


poesia, para ilustrar o que agora queremos.

§3. A poesia na linguagem.


0531y840.

841. Texto poético separável da prosa. A linguagem é a única arte em que


composição poética ordinariamente se separa do texto da prosa. Escreve-se
poesia e se escreve prosa. O mesmo não sucede com a música e as artes
plásticas.
Ainda que a música seja dominantemente poética, isto é, evocativa, ninguém se
propõe a criar separadamente música em poesia e música em prosa. Cria-se a
música simplesmente.

Ocorre o mesmo com as artes plásticas. A pintura é a um tempo prosa e poesia.


Assim há também prosa e poesia numa estátua.

Há literatos poetas e literatos prosadores; mas não se diz haver músicos poetas
e músicos prosadores, pintores poetas e pintores prosadores.

Não obstante se aproveitam estas outras artes para fins didáticos. Eis quando se
aproximam bastante da prosa, e menos da poesia.

Uma vez que o literato se ocupa da poesia pura, mais que os outros artistas,
cabe sobretudo à estética literária erguer mais amplamente a explicação da
natureza da poesia. Também na filosofia geral da arte se exemplifica a poesia
de preferência, com a poesia literária. Consequentemente a poesia literária,
costuma ser transferida para a respectiva estética especial, ou seja para
a Estética literária (vd 4515y000).

842. Na linguagem a expressão poética não oferece as mesmas dificuldades


técnicas, que nas outras artes. Estas outras são mais difíceis no plano poético.

Em vista de indicar os temas por simples convenção, a linguagem aponta mui


depressa para o objeto-estímulo.

O problema do poeta literário se reduz, então ao conhecimento dos objetos


capazes de estimular imagens. Conhecidos estes objetos, basta mencioná-los
adequadamente pelo nome que tenham, para que a associatividade ocorra.
Começam as particularidades da poesia literária no momento quando ela se alia
às artes vizinhas, com elas criando as artes mistas.

A aliança se opera, explorando a sonoridade das palavras, o espaço que elas


ocupam, o colorido das representações gráficas. Então ocorre o concretismo.

Importa observar que as dificuldades derivam dos elementos concretos


aliançados, não porém da especificidade dos signos enquanto convenção.

§4. A poesia na pintura.


0531y844.

845. Também na pintura há prosa e poesia, ainda que de modo diferente que na
literatura.

Como vocábulo, prosa pertence originariamente à arte literária, e ali tem o


sentido de exposição "solta", ou livre", sem as presilhas da métrica.

Apenas por transposição semântica, perfeitamente legítima, o termo prosa


alargou seus significado e passou a servir também às outras áreas de expressão.

A prosa em pintura é um fato inegável. Imitando aos temas, exprime-os


diretamente, com a mais perfeita logicidade.
Rostos suaves são expressos pelas cores em cromatismos exatos. Flores,
campinas, pedras montanhas, céus, a pintura os indica diretamente, por
conseguinte pela expressão em prosa.

O mesmo se diga da expressão pictórica em poesia. O termo, embora nascido


no campo da linguagem, passou também para as demais artes.
Sobretudo poesia, mais que a prosa dilatou sua significação.

A presença da poesia na pintura é facilmente constatável. É efetivamente


inegável a existência da poesia na expressão de rostos indicados por uma tela
adequadamente realizada. Destes rostos saltam evocações, que ao apreciador da
mesma falam de alegria, bondade, ternura, sentimentos os mais diversos.

O mesmo pode acontecer com um tela apresentando poeticamente a visão da


campina. Ainda que mostre fisicamente apenas cores, na imaginação todavia do
apreciador surgem também zumbidos de insetos e perfumes das flores.

846. A pintura poética pressupõe a imitação prosaica com vistas a indicar o


objeto estímulo. Por acréscimo, provoca-se a evocação poética.
Suplementadora da prosa, a poesia não se exerce, pois, sem fazer-se preceder
pelos instrumentos da prosa.

O ingresso em particularidades sobre a pintura em poesia, importa em mostrar


como ela pode provocar o processo evocativo. Posto o motivo evocador (ou
estímulo) e o tema evocado (conteúdo da evocação), resta mostrar como a
pintura é capaz de fazer surgir tais evocações.

O primeiro recurso poético da pintura, particularmente da figurativa, é


representar adequadamente os objetos mais capazes de evocar.
São particularmente evocativas as flores, as crianças, a lindas mulheres. E
assim também os panoramas, as aves, as nuvens, os raios do sul, as estrelas, a
Lua, as fantasias mitológicas em geral.

A associatividade em pintura também se apóia na psicodinâmica das cores.

Finalmente importa lembrar que as cores se aliam facilmente às artes plásticas


em geral, por onde vai acontecer que sua associatividade poética se torna muito
vasta. É o que se poderá constatar no estudo destas outras modalidade de
expressão.

§5. A poesia nas formas plásticas.


0531y848.

849. A poesia nas formas está no interesse das artes em geral, porque se
funda em um sensível comum (vd).

Entretanto, as formas, - apesar de comuns à todos os sentidos, - são melhor


alcançadas pela vista, que pelos demais sentidos. Estes outros sentidos as
percebem contudo as formas, por que a todos são comuns, - tato, ao envolvê-las
pelas mãos; o ouvido, ao perceber a direção dos sons; o olfato, muito
vagamente também as sente no espaço; o gosto ainda não perde de as perceber
de algum modo.

Por causa do predomínio da vista, encontra-se a arte das formas sobretudo na


visão do desenho, da escultura, da arquitetura, do gesto do orador, da
representação teatral, da graciosidade do balé, do enredo dinâmico do cinema.
Atentos ainda à distinção entre prosa e poesia, é possível distinguir na
expressão artística das formas, por vezes uma expressão exclusivamente
prosaica, outras vezes ainda poética.

Quando ocorre tão só a prosa, a expressão em formas acontece apenas à base de


suas semelhanças com os temas, portanto, segundo a frieza de suas linhas,
áreas, superfícies, volumes.

Mas, acrescidos às formas os recursos associativos da poesia, tudo se aquece.


Então o perfume transcende à figura da flor. A alegria dos jardins enflorados se
situa mais nas muitas imagens bailantes que despertam, do que na exata forma
dos lírios e das rosas, das violetas e dos gira-sóis. O mesmo acontece ao reino
da escultura e aos espaços da arquitetura, aos movimentos graciosos das
bailarinas e ao ímpeto dos enredos dramáticos.

850. Poesia pré-artística das formas. Dá-se também uma poesia das coisas da
natureza antes que passem a ser portadoras da expressão artística. A natureza
em si mesma não se exerce como expressão, mas desde logo produz evocação.

Há uma poesia pré-artística a brotar diretamente dos objetos e há uma poesia


que brota de expressões que significam objetos, os quais, por sua vez, vão
exercer a evocação poética.

Geralmente se combinam ambas as poesias. Na arte a poesia pré-artística brota


do significante. A outra nasce do significado, ou expressão; é a poesia artística
propriamente dita.

Na poesia com formas plásticas ocorre uma forte tendência para a primeira, em
virtude da força visual das formas. Todavia em cima delas cabe também a
segunda.
851. O lirismo puro das formas se exerce quando a escultura não atende ao
significado direto (nem abstrato e nem concreto).

A poesia na arte das formas plásticas não se autonomiza da prosa com a mesma
frequência, que na arte da linguagem. Contudo ela acontece.

Como tal, o lirismo puro não é impossível nas expressões da forma. Em


decorrência há lugar também para cultivar este tipo de expressão poética pura,
ainda que raramente se faça.

Entre as raras expressões do lirismo puro das formas se encontra o balé.

Um vago lirismo puro se observa com relativa frequência nas vestes e nos
penteados, sobretudo das mulheres.

Outra forma de lirismo puro das formas é encontrado nas formas do artesanato,
nos artigos industriais, na construção dos edifícios, na espontaneidade
equilibrada da natureza em geral. O interesse pela ecologia é um sentimento
espontâneo do ser humano.

852. A poesia especificamente escultórica é a que expressa apenas com


formas plásticas, sem apelo aos recursos de outra arte, nem sequer da pintura.
Deve então a escultura expressar-se poeticamente a partir apenas de seus
recursos.

Habitualmente a arquitetura têm como apelar à psicodinâmica das linhas, áreas


e volumes, para com estes recursos sugerir imagens de harmonia, paz,
segurança, bem estar. Também as impressões cenestésicas estimulam o
despertar de imagens que a poesia arquitetônica expressa.

A altura ascendente das colunas desperta sentimentos místicos. A largura dos


espaços associa facilmente imagens de alegria. A catedral gótica inspira na
direção do sublime. As larguras e arcos do estilo romano e renascentista
evocam o humano.

O movimento linear das formas, desenvolvendo-se em ritmo, é capaz de


evocações. Estas variam de acordo com a velocidade dos elementos ritmados.

A psicodinâmica, a cenestesia, o ritmo das formas se prestam sobretudo para a


poesia pré-artística.

A figuração com as formas plásticas abre o caminho fácil para a poesia


propriamente artística. Figurando objetos, estes servem de estímulo para
imagens poéticas que surgem do subconsciente.

As esculturas de Rodin remetem a atenção mais além do conteúdo meramente


figurativo. Sem a evocação seriam menos expressivas.

O balé, como a vantagem de ser um movimento real, tem considerável recurso


para a expressão associativa das formas.

Como usa ser praticado, o balé evoca com notável poesia a beleza erótica da
vida.

No balé revoluteiam os corpos viventes como as excitadas flores de um jardim


ritmado ao sopro da fecundidade.
853. A forma em artes mistas. Ao se aliar à linguagem, - a forma assume
facilmente a função de objeto-estímulo da evocação poética. Assim, a
chamada poesia concreta é a que desperta evocações, através de palavras que
se integram em montagens concretas.

O que se vê neste campo é, não raro, ingênuo, pouco profundo e banal, por
vezes quase somente decorativo. Outras vezes as montagens concretistas são
altamente evocativas.

Qualquer seja o nível da montagem concretista, - popular ou erudita, - ela é


sempre válida.

O cenário da vida é uma constante montagem concretista de formas, aliadas


ainda a cores, sons e linguagem, - as vezes mais consciente, outras vezes
inconsciente, mas sempre funcionando.

De outra parte nem, todo concretismo é poesia.

O concretismo mais frequente é o concretismo em prosa, tal como se apresenta


nos cartazes. Eles anunciam com eficiência quando as palavra se distribuem
adequadamente no espaço.

Uma capa de livro é outro caso de concretismo em prosa e que usa ser muito
eficiente. Ele é concretismo em prosa porque a expressão indica diretamente o
tema.
854. Detalhes sobre as evocações elementares na poesia em formas. As
operações poéticas das formas plásticas seguem os mesmos procedimentos das
operações poéticas de qualquer outra modalidade de arte.

Considerando que as operações evocativas se fazem


por vivência, semelhança e contraste, pergunta-se agora, - como as formas
exercem as três evocações elementares.

855. As formas e a evocação por vivência. Há formas que, ao


serem vividas em circunstâncias de contiguidade, tempo e lugar, despertam as
imagens dos respectivos tempos e lugares. Eis que a evocação por vivência e
que as formas têm o poder de despertar.

Considerando que as formas poderão ser linhas, áreas, volumes, perguntemos


sucessivamente pelas evocações vivenciais de que são capazes.

856. Linhas evocadoras. É notório que as evocações nascidas da forma


começam com as linhas, que se flexionam em variações múltiplas.

As linhas sinuosas se combinam com o movimento, com o ritmo, com a dança,


com a graciosidade. Por isso, basta a criação de tais linhas, para se estabelecer
as respectivas evocações.

O linearismo foi uma das marcas da arte bizantina e gótica. Todavia foi no
linearismo clássico de Botticelli (1445-1510) que as sinuosidades das linhas se
tornaram prenhes de evocação.
Varia a evocação das linhas sinuosas com a espécie de sinuosidade. Observa-se
por exemplo, que as linhas sinuosas em espiral sugerem movimento, poder,
excitação.

As linhas quebradas estão presentes nas muitas vivências do homem, ocorrem


na ação, na luta, nos choques, nos objetos despedaçados. Por isso, quando
traçadas, podem efetivamente evocar ditas situações de ação, luta, choque,
objetos despedaçamento dos objetos.

Também os ângulos em linhas quebradas sugerem agitação, confusão , choque,


inseguridade.

857. A vivência nas linhas horizontais e verticais, em virtude da sensação


cenestésica, é notável.

As horizontais se observam no repouso das superfícies líquidas, na calma e


quietude da natureza, na paz do indivíduo deitado, no sossego geral. Estas
linhas, pois, sugerem o sentir em tais condições.

Traçadas simplesmente, sem que diretamente indiquem as mencionadas


situações, as linhas horizontais fazem nascer as imagens respectivas de repouso,
calma, quietude, paz, tranquilidade.

As linhas verticais observadas na energia e na estabilidade das colunas, dos


edifícios e mesmo do homem em pé, - trazem por isso mesmo a evocação da
energia e estabilidade.

Por analogias diversas, as linhas verticais associam-se também com a dignidade.


A linha quebrada, sobretudo quando se repete em novas quebradas, sugere
nervosismo e dramaticidade.

Nasce este clima de insegurança duma vivência, de natureza cenestésica, pois a


linha quebrada assume a posição dos corpos em desequilíbrio, prestes a tombar.

A linha inclinada, igualmente por causa da vivência à cenestesia, causa


inquietação e a sugere.

Oblíquas estão associadas à confusão, choque, combate.

Raios, que diretamente podem indicar os mesmos raios (prosa), sugerem a


glória, grandeza espiritual, beleza (poesia).

O expediente é bastante usado, o que prova sua eficiência como evocação.


Semelhantemente, os raios podem sugerir dever, patriotismo, devoção.

A luz, análoga aos raios, sugere a glória. Também a esperança, o amor, a


ambição.

Pelo exposto, as linhas são evocadoras, em virtude das vivências adquiridas por
nós na vida cotidiana.

A perícia de quem as utiliza para instrumento de expressão está em lançar mão


daquelas situações exatas que conduzem à evocação pretendida.

858. As áreas também sugerem por vivência, o que facilmente pode ser
observado.
O círculo é monótono, por falta de novidade. O quadrado é estático. O
retângulo é sólido e agradável. A figura oval é interessante. O triângulo é de
interesse limitado.

Além das peculiaridades psicodinâmicas, estas áreas oferecem vivências


cotidianas que se gravam profundamente. Basta dizer que o oval toma o nome
do ovo, tal é a vivência desta figura com dito produto das aves.

Retângulos podem sugerir estabilidade.

Sua faces iguais não criam tensões, de sorte a manterem as partes em sua
posição estável. em conexão com a estabilidade estão os sentimentos de força e
unidade, que os retângulos também sugerem.

___

|___|___

|___|___|___

|___|___|___|

A subdivisão das áreas oferece associação apreciáveis. A distribuição


desordenada sugere atividade, excitação, elasticidade, progressão.

Pela inversa, a subdivisão organizada das áreas ergue evocações de dignidade,


equilíbrio, formalidade, força, unidade.

Neste campo são apreciáveis as linhas e áreas arquitetônicas. Aqui podem ser
lembradas as figurações da cidade de Brasília.

O círculo, ou os círculos associam imagens de igualdade, eternidade, vastidão,


imensidade.
OOOOOO

Figuras ovais inspiram delicadeza feminina, agradável sensualidade, criação e


geração, continuidade e perpetuação.

&& 99999 0 0 0 0 0 0

859. As formas e a evocação por semelhança. Distinta das evocações por


vivência e contraste, é a semelhança particularmente fecunda na arte que
exprime por meio de formas no espaço. Exercem as formas um grande poder de
imitação; é pelas suas formas que as coisas concretas principiam seu
assemelhamento.

A simples semelhança ainda não é a poesia. A semelhança com mimese acusa o


seu assemelhado, mas não só; a semelhança ainda exerce poder evocativo,
estimulando o surgimento de imagens em torno. É quando nasce a poesia.

Mui frequente no mundo das formas, a semelhança é um poderoso expediente


da poesia. Imagens que se evocam, no mundo das formas, criam a impressão de
escultura imaginosa; é, pois, a poesia das formas, uma escultura imaginosa,
resultante da evocação.

860. A caricatura, que pode ser inclusive poética, utiliza semelhanças


inesperadas, jocosas, paradoxais, fazendo nascer evocações variadas.
O artista destaca as semelhanças caricatas mais evocativas, utilizando-se do
expediente da dilatação artificial das formas, por exemplo, do nariz, ou da boca,
ou dos olhos, ou das orelhas.

861. As formas e a evocação por contraste. Por causa de sua exatidão as formas
são capazes de oferecer, vivos contrastes e, a partir dali, exercer evocações. A
nitidez dos contrastes se observa entre o linear e o curvilíneo, entre o redondo e
o quebrado, entre a esfera e o curvo, ainda entre o alto e o baixo, o longo e o
curto, o vertical e o horizontal, o aclive e o declive.

Também contrastam as formas indicadores de perspectivas abstratas, como


velho e moço, belo e feio, gordo e magro, veloz e vagaroso.

Combinadas ainda com a vivência, as formas contrastantes são reforçadas no


seu poder de evocação. Resulta que para uns são mais evocativas, por exemplo,
as formas estáticas, para outras as formas dinâmicas.

862. Composição artística maior das formas. A evocação das formas, por
qualquer de suas operações elementares, - vivência, semelhança, contraste, -
admite um desenvolvimento maior pela reunião de várias evocações em um
todo maior, - a composição artística.

Na poesia literária este arranjo se observa na multiplicação dos versos e dos


assuntos.

Na expressão mediante formas no espaço o ordenamento das evocações se faz


pela coordenação de um conjunto de formas, em que cada uma é capaz de
despertar associações, mas todas coordenadamente. A coesão das formas, numa
só composição conjunta, eis o que é a poesia plena, como o poeta usa
apresentá-la.
Não se coordenam as imagens sensíveis em enredo, senão mediante a
participação da inteligência. Ainda que o poético seja alógico, cabe à
inteligência a ordenação das evocações. A participação da lógica mental não é,
em si mesma, a poesia, mas coopera com a mesma, ao estabelecer o
ordenamento das evocações.

Qual seria a maneiro da coordenar as diversas evocações de uma poesia


mediante formas, como na escultura e na arquitetura?

Fácil percebê-lo na poesia literária, em que os versos e as estrofes ordenam a


sucessão das associações evocativas. Não o é tão fácil na expressão em formas
no espaço.

863. A presença do pensamento ocorre na poesia das formas, quando estas


também exercem uma função prosaica. Isto se observa particularmente quando
o elemento figurativo fala de si mesmo, antes de produzir a evocação. Belas
representações na natureza, falam antes de tudo de si mesmas; por acréscimo
criam evocações poéticas.

Para que a poesia entre em desenvolvimento, basta imprimir previamente um


enredo ao instante prosaico; o figurativo das formas, em falando de si mesmo,
se desdobra e, em cada instante, acresce uma evocação. Progredindo o enredo
lógico, ao mesmo tempo se desenvolve a poesia.

864. O desenvolvimento da poesia se opera segundo tratamento, ora subjetivo


(lirismo), ora objetivo (épico).

As evocações, no lirismo, se fazem de maneira a surgirem como sendo de quem


opera com a arte; então, a subjetividade é o centro; nesta subjetividade se
encontra um núcleo organizador da poesia, que se desenvolve em enredo
comandado pelo sujeito. Na poesia, por evocações suscitadas pelas formas, o
lirismo faz nascer as evocações enquanto estas formas forem capazes de
despertar imagens.

A epopéia ordena as imagens da evocação em função aos objetos que os


suscitam, sem qualquer referência ao sentir do poeta. Do enredo nascem
objetivamente as evocações.

A escultura tem realizado grandes epopéias. Algumas se fixam em figuras


únicas, como o Lacoonte, dos gregos, ou o Monumento às Bandeiras, do Brasil.
Outras se desenvolvem nas sucessões de uma narrativa, como na coluna de
Trajano, ainda que o enredo possua significação prosaica, ele ainda associa os
elementos da evocação.

865. Conclui-se, pois, pela existência de uma arte poética em formas plásticas.
Efetivamente há poesia na escultura e nas artes mistas de que a plástica
participa..

O que, entretanto, se apresenta inegável é a reduzida amplidão do gênero


poético na área da expressão em forma plástica.

A terminologia é tomada geralmente da literatura, que possui capacidade de


expressão poética mais variada e autônoma.

Não se costuma, - como foi anotado, - criar composições poéticas escultóricas


autônomas de outras composições exclusivamente prosaicas. Contudo há
momento de poesia plástica contundentes, que ocorrem com frequência
sobretudo no balé. O caráter visual da forma espacial impõem-se fortemente,
dali nascendo evocações necessariamente fortes.
§6. A poesia na música.
0531y866.

867. Entre a evocação pré-artística e a propriamente artística. O som pode


expressar a outro som, por causa de uma certa semelhança natural. Até aqui vai
a música em prosa.

Principia a poesia musical, quando este som expressando algum objeto,


claramente ou vagamente, evoca por meio dele outras imagens mais.

Importa pois distinguir entre o pré-artístico e o propriamente artístico, e assim


também respectivamente.

Ainda que os sons se convertam em poderoso instrumento de expressão através


da convenção que cria a linguagem falada, o mesmo não acontece com os sons
como são utilizados na música. Nesta os sons devem significar ao modo de
semelhanças naturais e associativas.

O som meramente musical é altamente estético. Este é seu instante pré-artístico


muito apreciado, mas que ainda não chega a ser uma expressão significadora de
mensagem. Por isso, uma grande parte da música é apenas uma construção pré-
artística de efeito meramente estético.

Importa insistir na conceituação da verdadeira natureza da arte na música, no


sentido de não a conceituar pela sua considerável operação na fase pré-artística.

Um grande número de evocações sonoras não chegam a ser expressão artística


em sentido estrito, porque se dão simplesmente na matéria sonora, com
desenvolvimento exclusivamente estético . Então a música é poética do mesmo
modo como, por exemplo, o barulho natural do mar é poético, ou como é poeta
uma vista panorâmica.

Considerado apenas como significante (sem o significado), o som se limita ao


seu caráter de algo meramente natural. Neste estágio anterior, suas
propriedades são pré-artísticas e de estágio tão só pré-musical, ainda que muito
apreciadas pela sua esteticidade, conforme já advertimos.

Ocorre o mesmo na arquitetura, a qual é bela, antes que signifique algo ao


modo de expressão propriamente artística. Isto é ainda mais verdadeiro para a
música, excepcionalmente bela já antes de ser especificamente uma arte.

A poesia musical propriamente artística é aquela em que o som expressa um


tema (ou objeto) à maneira de significado.

Aplicado ao som musical uma expressão (ou significação), eis quando se torna
verdadeiramente uma arte, quer como prosa, quer ainda como poesia.

Começa a poesia especificamente musical, quando o objeto prosaicamente


significado pela música, se converte em objeto-estímulo, gerador de imagens
por associatividade.

868. Não fixar no seu instante pré-artístico a essência da música, não quer dizer
ainda menosprezar este momento. Em arte muito importa o portador, ainda que
não possa ser confundido com a mesma expressão.

De outra parte, uma vez situada a música na expressão significadora de um


objeto, há-se de reconhecer que esta expressão é muito limitada. Por isso
mesmo, importa atribuir importância ao seu instante pré-artístico, ou seja à
esteticidade pura e simples dos sons.
Mais uma vez importa distinguir, alertando que embora a música em prosa é
muito limitada, ela contudo é suficiente para gerar uma grande poesia musical.

Nem tudo conseguem os sons expressar diretamente, em prosa pura, mas por
associação evocativa logram porém os sons alargar esta primeira expressão..
Consequentemente a música como expressão artística é pouco prosaica, todavia
bastante poética.

O pouco que os sons dizem de maneira obvia ao ouvido, e portanto como prosa,
vai servir contudo como objeto-estímulo para evocar no subconsciente novas
imagens.

Percutindo embora muito pouco como prosa, este muito pouco vai contudo
tilintar na memória, ou subconsciente, despertando representações adormecidas,
que emergem como poesia.

869. Os componentes explicativos de todo o fenômeno da música são


variados.

O compositor musical é aquele que sabe em que arranjo as consequências


sonoras provocam efeitos evocativos. Os demais são apenas consumidores da
música.

Em tudo isto vale a lei da associação das imagens, cujo encadeamento não é o
das conexões lógicas do pensamento, mas do despertar por simples excitação,
que se fazem por semelhança, contraste e contiguidade. À menor presença de
um estímulo sonoro prontamente saltitam as imagens ligadas à eles. Disto se
aproveita o músico ao criar sua poesia sonora.

Gozam os sons de um alto poder evocativo, de sorte a oferecerem à música um


expediente de muita valia.
Sobretudo à noite qualquer ruído é associativo, pondo a imaginação em
disparada pronta. Tal como, certas pessoas, - como as mulheres, - ou certas
coisas - como as flores, despertam mais evocações , assim também
determinados sons agem com maior poder de evocação.

Nestas condições estão também a voz do cuco, a cantada generalizada dos


pássaros, o som cadenciado da banda de música, a percussão dos tambores e
chocalhos dos primitivos e das massas populares em desfile carnavalesco.

Varia de indivíduo para indivíduo a capacidade para a percepção das


associações.

Também ocorrem variações resultantes da diversidade de vivência. Uns apenas


ouvem a voz do cuco; outros associam uma atmosfera mais ampla, em que está
a poesia maior.

870. O som e visualização dos objetos. A direção evocativa dos sons caminha
para as imagens visuais, na maior parte das vezes. Apóia-se este fato na
circunstância de que cerca de 87% das atividades humanas se concentram em
objetos visto; apenas 7% cabem ao ouvido, 6% aos restantes sentidos, tato,
gosto, olfato.

A preferência para as representações visuais se funda na maior precisão com


que oferecem os detalhes sobre os objetos a respeito dos quais nos informam.

O que o gosto nos recorda a respeito do mar é apenas uma vaga sensação de
água salgada; entretanto, a imaginação visual nos diz da vastidão do seu espaço,
da dinâmica de suas ondas, da crispação das águas ao vento, dos navios e
barcos que singram, das cores verdes e azuis do mar ao sol, plúmbeo à sombra
das nuvens, assim por diante.
A música ao evocar, mediante sons, caminham na direção das imagens visuais,
criando um mundo vasto e colorido. As descrições que os músicos fazem de
suas criações de dirigirem prontamente para estas imagens de natureza visual.
O mesmo fazem os intérpretes e críticos ao desdobrarem e julgarem as peças
musicais.

A visualização é particularmente evidente na música descritiva exterior.


Atenda-se para Estações de Vivaldi ou pra a Pastoral de Beethoven, que
provocam notável visualização.

871. Som e mundo interior. Uma direção menos visual, que a evocação
musical tem conseguido explorar, é a dos sentimentos.

A alegria, a tristeza, o ânimo, a dramaticidade são sentimentos peculiares que


associam também o tato, com o frio e o calor, estados doloridos. Os
sentimentos variados do sexo, que em última instância se dão ao nível do tato,
são também evocadas pelos sons musicais.

Todavia, ao mesmo tempo que as imagens do mundo táctil afloram na


consciência, acodem também as visuais. E mais uma vez, a direção visual das
evocações musicais se comprova.

872. Tons e timbre. O que primeiramente diferencia os sons entre si é a


propriedade de se exercerem em diversos tons, que sobem numa escala, desde
umas poucas vibrações até as altíssimas. Seguramente que estas diferenciações
produzem evocações distintas. A solidez se encontram nos fundamentos graves.
A alegria versátil nas alturas.
Umas evocações se fazem por contiguidade (vivência), outras por semelhança,
outras ainda por contraste.

O som que sai de um instrumento, oferece peculiaridades de timbre. Desde a


música impressionista, de Bizet, começou-se a dar maior importância ao timbre.
Como elemento capaz de evocar e descrever.

Os timbres operam particularmente na evocação das vozes da natureza.

873. A intensidade do som, em escala de graus, permite ao som exercer-se


com maior e menor impacto ao ouvido, como ainda se flexiona em tempos
fortes e tempos fracos. Neste movimento se organiza em ritmo. Sobretudo o
ritmo cria evocações poéticas.

Ainda que a linguagem se exerça por meio de símbolos, não pode fugir a uma
certa ordem de flexões, porque as diferentes ordens de flexões provocam
evocações.

Compreende-se porque a poesia em linguagem falada, espontaneamente se


metrifica, sem que contudo a métrica lhe seja essencial. A poesia
especificamente literária cria as evocações por meio dos próprios símbolos (as
palavras). Todavia o fluxo meramente sonoro (ou musical) também é
associativo.

874. Som e espaço. O som, enquanto dura no tempo e se difunde, associa a


largura do espaço.

Acontece aqui uma conexão subtil do ouvido, cujo objeto específico é a


sonoridade, com sensível comum, o espaço.
Como se sabe, os sensíveis comuns são aqueles que, de algum modo, são
percebidos por todos os cinco sentidos. A vista percebe a cor e o espaço sob a
cor. O tato percebe e elemento táctil, porém sob tal elemento também o espaço.
O ouvido, em percebendo os sons, ao mesmo tempo os percebe no espaço.

Através dos sensíveis comuns, particularmente do espaço, associa imagens.


Enquanto o som se avoluma em intensidade, associa peso e estabilidade. Outra
vez ocorre a lei da evocação por semelhança, pois há uma similitude entre som
volumoso e coisas pesadas e estáveis.

As associações de som se muito prendem ao espaço e ao tempo. Suas


associações são portanto espácio-temporais.

A evocação abre caminho através do espaço para outras áreas da imaginação.

Ao mesmo tempo que o ouvido percebe o som com espaço, associa as imagens
cor e espaço, da vista.

O espaço, portanto, serve de mesa comum para os sensíveis próprios, o som


próprio apenas do ouvido, a cor própria só da vista.

Em consequência as evocações musicais espacializam prontamente os sons em


espaços coloridos; do som caminham para o espaço e deste para o colorido do
espaço.

Os sons de um concerto funcionam na imaginação, mais ou menos como


plumas, a que por sua vez se associam as cores, desde o branco até os mais
diversos coloridos combinados de azul, amarelo, vermelho.
875. No ritmo sonoro temporal ocorrem as seguintes impressões afetivas,
todas por associatividade, com denominações derivadas geralmente da língua
italiana.

O largo (movimento mais lento) é próprio do patético.

O grave (movimento como o largo, com maior gravidade na execução) inspira


severidade.

O larghetto (movimento menor que o largo, maior que adágio, entre os quais
se encontra) sugere uma afetividade característica intermediária com a
severidade e os tons alegres.

O adágio (movimento intermediário entre larghetto, maior, e andantino)


mantém-se num certa naturalidade fácil.

O andantino (entre adágio e andante) inspira elegância e graça).

O tempo de minueto (mais andante na dança e vivo no instrumento) sugere


elegância.

O prestíssimo (mais vivo de todos os movimentos rítmicos) desperta imagens,


força e ímpeto.

876. Alguns sentimentos se prendem a mais de um tipo de ritmo e variam em


grau de acordo com o tipo adotado.

Firmeza e decisão (sostenuto) se encontra no largo e no adágio.

O majestoso se verifica no adágio e no allegro.

O afetuoso (afettuoso) se liga ao andante, com expressão doce e melancólica.

O amoroso prende-se ao andante e andantino com execução semelhante ao


movimento que produz o afetuoso.
O gracioso (grazzioso), esbelto, elegante acompanha o andante.

O expressivo, como caráter particular de valor e sensibilidade, resulta


vagamente de qualquer ritmo quando se torna peculiar.

O moderato, como estado, resulta de um allegro de vivacidade modificada.

O agitado (agitato) como estado apaixonado, resulta também de


um allegro com agitação.

O vivaz, como estado, resulta de um allegro em movimento brioso e saltitante.

877. As operações associativas elementares na música se dão como em


qualquer poesia, - por semelhança, por contraste, por contiguidade (ou
vivência). Quando, pois, uma intonalidade ou uma intensidade sonora
exprimem por evocação, ela se estará dando, ou por contiguidade, ou por
semelhança, ou por contraste.

Analisar desta maneira a poesia musical envolve contudo grandes diferenças


com a poesia das demais artes.

A pergunta é, - como na poesia musica os processos associativos por vivência,


semelhança, contraste.

Os sons são indefinidos e então a associatividade da vivência, da semelhança,


do contraste os complementam

Seja na intonalidade e timbre, seja na intensidade e ritmo, em tudo está presente


sobretudo a vivência, mas também a se semelhança e contraste, para garantir
alguns graus a mais de precisão no significado da expressão.
878. É difícil explicar teoricamente o que é uma semelhança em música. Há
aquela semelhança que; significa à maneira de prosa. E depois a evocação pela
semelhança, bem como a evocação por vivência, e a por contraste.

Pelo visto, a semelhança pode ocorrer tão somente como expressão em prosa, e
não ser ainda o aspecto especificamente poético.

879. A seguir indicamos alguns sons naturais que transportam a atenção para
outros objetos, tanto pela semelhança natural e prosaica, como pela associação
poética.

O canto dos pássaros, cujo som o instrumento orquestral imita por meio do
timbre, tons e variação de intensidade, que pode significa?

Expressa primeiramente, e em prosa, o canto do pássaro. Sugere


evocativamente a presença imaginosa do mesmo pássaro e seu ambiente no
bosque. Sugere ainda o ambiente bem definido das estações em que mais usa
cantar. Desperta outrossim as vivências pessoais que cada um de nós
certamente possui a respeito dos pássaros.

O zumbido dos insetos, reproduzido pela orquestra, que mais poderia a parte
ainda poderia evocar?

Ergue a imagem das flores, o perfume, o néctar do jardim. Conduz também à


azáfama sem fim da natureza, a uma cismar sem fim, sem explicação.

O sussurro do regato, que é que lembra? Reproduzido prosaicamente pelo


instrumental sonoro, é apenas a expressão temática de algo curioso.
Associativamente, aquele sussurro distende diante nossa imaginação a campina,
para onde as águas rolam rola. Levanta a imagem do aclive das encostas; faz
ver os bosques abertos em clareiras; por instantes também faz atender às pedras
que arrebentam as águas em crispações brancas. Vivências muito pessoais
tilintam recordando brincadeiras.

O ranger batido da chuva, que diz?

A música o expressa com alguma facilidade. Por alguns momentos, em que


estamos em estado de prosa, aquilo é apenas o chiar da chuva, resultante de um
quase-objeto feito de múltiplas gotas. Entrados, porém, no estado poético,
coisas muito variadas pode aquele chiar provocar em nós, dependendo das
circunstâncias. Vagamente predomina em nós a imagem de uma atmosfera
anormal, desenrolando-se entre dúvidas e esperanças.

Ouvimos o trovão, feito pela orquestra poderosa, e que acontece conosco os


ouvintes e intérpretes da música?

Já agora o momento prosaico é curtíssimo, porque este objeto-estímulo fez


brilhar logo também a imagem do relâmpago. Erguem-se outras e outras
imagens de destruição e perigo.

Eis que o grande compositor Haydn também surge no espaço, com as notas
zigue-zagueantes de sua composição musical A criação.

CAP. 6

GÊNEROS ARTÍSTICOS EM POESIA. 0531y881.

- Filosofia Geral da Arte -


882. O estudo da poesia se completa pela consideração dos seus variados
gêneros artísticos.

Didaticamente importam três parágrafos

- Noção de gênero poético e classificação (vd 883);

- Gênero lírico (vd 890);

- gênero épico (vd 894).

§1. Noção de gênero poético e classificação.


0531y883.

884. Definição do gênero poético. Os gêneros de objetos correspondem a


gêneros de arte, pois esta se adata à variação dos objetos para expressá-los.

Trata-se de uma divisão e classificação material, pois não se diz da forma da


expressão. Sabemos que as duas principais formas de expressão artística são a
prosa e a poesia.

Há todavia alguma diferença entre os gêneros de expressão em prosa (vd 672) e


gêneros de expressão em poesia. É que os procedimentos da prosa se
diferenciam algum tanto daqueles da poesia.

Varia a expressão poética, com a variação das classes de imagens a serem


evocadas. Criam-se consequentemente os gêneros poéticos. Define-se, pois, o
gênero poético pela expressão adquirida em função ao gênero de objeto
evocado..

885. Divisão e classificação dos gêneros poéticos. Importa primeiramente


saber como dividir e depois como redividir.

Pode uma divisão do gênero artístico ser feita simplesmente do ponto de vista
da matéria (ou do tema), e ser neste caso essencial, e do ponto de vista
da forma (ou da maneira de fazer a poesia), e não ser essencial para o caso da
divisão dos gêneros.

Pragmaticamente, na divisão e classificação dos gêneros poéticos se atribui


bastante importância à forma como se faz a poesia, e somente depois se
redivide materialmente.

Entretanto, importa ao menos introdutoriamente proceder a uma divisão


material, a fim de não perde o ponto de vista de que os gêneros se dividem a
partir do objeto expresso.

886. Gênero poético sentimental e gênero poético da ação. O ponto de vista


da divisão e classificação dos gêneros é essencial , como se adiantou, - se ele se
refere ao objeto tematizado em si mesmo.

Considerando pois que, o que faz o gênero artístico é o objeto, perguntamos


pelas classes de objetos, enumerando a partir deles os gêneros poéticos.

Muitas são as categorias de ser, sendo contudo apenas algumas notoriamente


evocadas pela poesia. Dali resulta a classificação pragmática em dois grandes
grandes gêneros poéticos:
- gênero poético sentimental;

- gênero poético da ação.

Efetivamente os mais frequentes objetos evocados pela poesia são o sentimento


e a ação.

Entretanto, sentimento e ação não se opõem diretamente entre si; não


representam todos os gêneros de poesia mas somente os principais.

Há os que ficam simplesmente no tema da sentimentalidade, e a partir dela


criam as redivisões. Esta classificação é pragmaticamente correta, porque se
apóia na temática mais frequente da poesia, sendo todavia ainda mais
incompleta que a mencionada, que classifica gênero sentimental e gênero da
ação.

887. Podemos também classificar materialmente a poesia pela exclusão:

- gênero poético sentimental;

- gênero poético não sentimental.

E também:

- gênero poético da ação;

- gênero poético da não-ação.


A matéria (ou temática) dominante em poesia é o sentimento. Mas em princípio
todos os temas podem ser alcançados de algum modo pela evocação. Temos
então que admitir em poesia, tal como na prosa, a universalidade temática.

É, pois, apenas um uso pragmático a classificação da poesia a partir do


sentimento.

A ação poderá ser mais intensa e menos intensa; inclusive o sentimento, poderá
ser mais intenso e nos intenso.

Trata-se agora do dramático e menos dramático.

Todavia a distinção entre o mais e o menos é acidental, porque apenas de grau.

Com referência à poesia do gênero ação, uma sua redivisão significativa é a


que menciona as espécies de ação. Por exemplo, ação da vontade, dos instintos,
enfim de cada instinto.

Pelo visto, o gênero dramático não surge como uma divisão desde o
fundamento. Ela contudo é principalmente lembrada, por causa de sua grande
importância na vida humana.

888. Gênero lírico e épico, uma divisão pela forma de tratamento. A


redivisão da temática da poesia, uma vez situada no plano do sentimento,
deveria normalmente continuar a ser feita no mesmo plano da divisão material,
ou seja, pelas diferentes espécies de sentimento.

Entretanto, é comum passar-se logo a uma redivisão do ponto de vista da forma


de tratamento, ora subjetiva (ou lírica), ora objetiva (ou épica).
Mesmo situada corretamente apenas como uma divisão segundo a forma, esta
divisão em gênero lírico e épico é significativa.

O sentimento poderá ser subjetivo do poeta (visto a partir do poeta) e o


sentimento simplesmente (objetivamente considerado). Agora chegamos a
classificação que usa distintamente entre o poesia lírica e a poesia épica.

Mas isto de distinguir entre subjetivo e objetivo é acidental. Dividir pelas


espécies de sentimentos já seria uma divisão essencial.

Todavia pragmaticamente se usa considerar somente três gêneros poéticos


supremos: lírico, épico, dramático.

§2. Gênero lírico.


0531y889.

890. O gênero lírico evoca a subjetividade sentimental a partir do artista.


O objeto-estímulo desperta a atenção das imagens que têm o ponto de vista do
poeta.

O nome lírico recorda as composições sentimentais que os gregos cantavam ao


som das cordas da lira.

No lírico não se trata de provocar, mediante a expressão, um sentimento, como


por exemplo a boa expressão têm como resultado a esteticidade. O sentimento
preexiste como tema, e que se expressa na obra poética.
Não obstante, o consumidor da expressão lírica também poderá recriar em si
mesmo igual sentimento lírico; esta recriação já não pertence à expressão
poética, e pode ocorrer, e não ocorrer, sem que afete a qualidade da poesia.

Quando na epopéia o herói posto em cena revela sentimentos, eles são


expressos objetivamente, porque situados sem referência ao poeta.

Mas, a introdução da linguagem direta, que põe o herói a falar, pode aproximar
o épico do lírico. Usando o herói do pronome pessoal, sua expressão passa a ser
efetivamente lírica.

891. São subgêneros líricos, o hino, o canto, o salmo, a ode, a canção, o


madrigal, a elegia, a nênia, o idílio, a cantata, o rondó, a balada, o ditirambo, o
epitalâmio, o acróstico.

Cada qual dos subgêneros citados se ocupa com uma classe de objetos ou
imagens, que, por variarem entre si, requerem uma expressão distinta, quer na
linguagem, quer na música, quer em outra qualquer forma de arte.

Em cada espécie de arte, - pintura, escultura, música, língua - se desenvolvem


os subgêneros líricos, os quais se adatam aos respectivos recursos.

As estéticas especiais desdobram amplamente a estes subgêneros líricos.

Sobretudo se desenvolveram-se na música e na linguagem (vd Estética


literária 4515y865), algum tanto na pintura (vd Estética das cores 3911y000) .
§3. Gênero épico.
0531y894.

895. O gênero épico, do grego epos (= palavra, notícia, oráculo) toma como
tema a exaltação no mais alto estilo poético, por exemplo, de um
acontecimento heróico, de uma revolução social, de um empreendimento bem
sucedido (fundação de uma cidade, descoberta de um continente).

A epopéia se liga ao conceito de glória, a qual se define como um certo brilho.


A essência da epopéia é noticiar para enaltecer.

A epopéia têm de ser objetiva, como toda a notícia. Não pode ser em primeiro
lugar um lirismo subjetivo. Pode-se todavia colocar o subjetivismo nos
personagens, onde está à conta deles.

Todas as imagens evocadas, principalmente sentimentos, o são a partir das


pessoas e dos objetos. As paixões não são as do poeta, mas as dos heróis; a
violência, inclusive a das forças naturais, está em função aos fatos
objetivamente apresentados. As vitórias e sucessos são do enredo, de que não
participa o narrador poeta.

Em consequência da sua objetividade, a epopéia tende a ser narrativa, e seu


enredo estimulando a evocação, de acordo com a definição da poesia.
896. O caráter geral da epopéia influência o estilo, que é altissonante e
majestoso.

As imaginações poderosas encontram aqui seu lugar.

895. No passado desenvolveu-se a epopéia, sobretudo na arte de linguagem.

Famosas na antiguidade são Iliada, Odisséia, ambas de Homero; Eneida, de


Virgílio.

Também a se destacaram na Índia antiga, Ramayana, de


Valmiki; Mahabharata, de Vyasa.

Na Idade Média, Divina Comédia, de Dante.

No começo dos tempos modernos Paraíso Perdido, de Milton; Lusíadas, de


Camões; Jerusalém libertada, de Torquato Tasso.

São populares e exploradas também na música,- Nibelungos, Chanson de


Roland, Cantar de mio cid.

897. Na música a epopéia não está de todo ausente. Assumem o caráter de


epopéia:

- os oratórios (como os Haydn),


- as óperas (mesmo quando chamadas óperas líricas, porque o sentimento é
posto nos personagens),

- as aberturas e sinfonias (como de Verdi e Tchaicowski).

897. Também ocorre a subdivisão do gênero épico em subgêneros. Esta


diversificação interna do épico já não é tão fácil determinar quanto acontece no
lírico, nem são tão numerosos os subgêneros épicos.

De seus detalhes se ocupam principalmente as estéticas especiais, - da literatura


(vd 4515y859), da música, das cores (vd 3911y698), das formas (vd 2283y222).

CAP. 7

ESTILO.

0531y900.

- Filosofia Geral da Arte -

901. Introdução à questão do estilo. Por último, completando a filosofia geral


da arte, resta determinar aquilo que é acidental na expressão artística e que já
não pertence aos seus componentes essenciais (significante e significado) e
nem ás suas propriedades (em que se destacam as gnosiológicas).

Embora acidental, o estilo é o que torna a arte atraente. Por isso, o interesse
pela arte costuma principiar pelo estilo.

Num texto de filosofia geral da arte o estilo é abordado apenas em suas grandes
linhas sistemáticas.
No estudo de cada arte em especial conclui-se finalmente ali tudo, o que há de
mais particular sobre o estilo.

Com o particular também deixamos a abordagem dos estilos históricos, como


eles ocorreram efetivamente em cada espécie de arte, - estética das formas
(vd 2283y000), estética das cores (vd 3911y000), estética da música, estética
literária (vd 4515y000).

Por ordem, resta determinar, em 2 artigos:

- a natureza acidental do estilo (vd 0531y903);

- sistematização geral das espécies de estilo (vd 918).

ART. 1o

NATUREZA ACIDENTAL DO ESTILO.


0531y903.

904. Acidental, com referencial exterior. Por muitos lados se aborda o estilo,
porque, sendo algo acidental, não obedece um esquema interno a ele mesmo, e
sim a algo exterior, a partir onde também se fazem as classificações (vd 922).

Por exemplo, a distinção da arte em significante (portador) e significado (a


expressão) põe a uns estilos em função a este componente da arte e outros
estilos a aquele.
Também as propriedades (vd 322) servem de referencial exterior para o
determinar o estilo. Elas podem ter graus, e que fazem o estilo. Por exemplo, a
expressão deve apresentar as propriedades gnosiológicas de evidência, verdade,
certeza. Seus graus são o estilo.

Em sendo legítimos todos os graus de qualidade, é acidental que a obra de arte


esteja em qualquer dos referidos graus.

Ora se é acidental, então cada um dos diferentes graus da propriedade é um


diferente estilo.

A proximidade entre propriedades da arte e estilo faz com que não raro se use o
termo estilo para significar uma e outra coisa.

Ao se tratar de estilo volta-se constantemente a repetir a conceituação sobre as


propriedades da expressão artística.

Mas a repetição, apesar do aspecto de redundância, passa a ter um novo


objetivo, - seus graus de realização como estilo.

Há aqueles aspectos no estilo que são peculiares à verificação empírica, e


outros que são alcançados apelas por considerações puramente racionais.

Eis quando as questões de estilo se distribuem, no primeiro caso, à ciência


experimental da arte. No segundo à filosofia da arte.

905. Estilística geral e estilística de objetivo. O estilo poderá ser um objetivo


a alcançar, enquanto ele oferece graus sucessivos de perfeição e apreço. Nasce
dali a estilística, mas que a rigor não é senão uma estilística de objetivo,
recortada da estilística geral.

Uma definição abrangente de estilística se refere simplesmente às


acidentalidades da expressão. Neste contexto universal, a estilística é o estudo
dos acidentes da expressão artística, enquanto estes admitem uma disposição
ordenada.

Por meio desta ordenação os recursos estilísticos são simplesmente arrolados


em classes, de sorte a não omitir nenhum deles, qualquer seja o seu valor, e
independente de qualquer objetivo particular em vista.

No estudo sistemático dos estilos as acidentalidades da expressão comparecem


em sistema, que visa a totalização dos acidentes e a interna natureza de cada
um deles. Há estilos históricos conhecidos, mas certamente não são eles a
totalidade, e nem a história cuida da sistematicidade.

906. A estilística, na semântica usual, visa objetivos, como por exemplo, dar,
por meio dos acidentes, mais rendimento ao que é essencial à expressão, bem
como dar mais destaque às propriedades da referida expressão.

Eis o que muito interessa.

E então, a estilística passa a ser definida, já não pela definição essencial, e sim
pela definição descritiva de um dos seus objetivos.

Se o objetivo for o rendimento da expressão, por meio dos acidentes, a


estilística se define descritivamente como o estudo da expressividade da
expressão artística. Esta é a estilística que geralmente se cultiva; é a estilística
que foi procurada pelos que a criaram como disciplina a ser lecionada.
Numa visão eminentemente geral, a estilística se diz do aperfeiçoamento da
expressividade de todas as artes.

907. Estilística teórica e estilística prática. Muito antes que aparece a


estilística teórica, havia aqueles que treinavam na prática como bem criar as
obras artísticas, quer das artes plásticas, quer da música, quer da arte literária.

Foi todavia no setor da arte da língua que a estilística teórica evoluiu mais cedo.
Já antiguidade clássica se escreveram tratados, que ainda se lêem, como
aqueles de Aristóteles sobre poética e retórica.

O nome estilística apareceu com Novalis, no fim do século 18, referindo-se aos
recursos retóricos.

A precisão do termo começa em princípios do século 20, com as considerações


sistematizadoras de Charles Bally (Compêndio de estilística (1905) e Karl
Vossler (Positivismo e idealismo na ciência da linguagem, 1904).

908. Como disciplina de estudo, a estilística envolve geralmente mais


elementos do que aqueles de sua definição específica. Mas é preciso então ficar
atento para manter distintas as noções que lhe são específicas, daquelas que não
o são.

O envolvimento se dá principalmente porque o acidental pressupõe o que lhe


fica anterior como base. Os acidentes de estilo, quando são apenas graus das
propriedades, ou pelo menos não podem ser tratados sem menção a elas.
909. O principal no estilo. Onde se situa a divisa entre o acidental, de que se
constitui o estilo, e o que não é acidental, de que se constitui a outra parte da
obra de arte?

Caracteriza-se o acidental pela sua não necessidade; é o que está junto, mas
poderia dispensar-se. O acidental é eventual.

Primeiramente o necessário na arte está na sua essência, isto é, o significante e


o significado. Está sobretudo no significado, que se efetiva pela mimese ou
imitação, seja a natural, como acontece na pintura, escultura, música, seja a
convencional, como sucede na língua.

O necessário na arte também se encontra nas propriedades, que coerentemente


derivam da essência; por exemplo, uma vez que a arte exprime o objeto, este
aparece com alguma evidência, verdade, certeza (propriedades gnosiológicas),
bem como pode tornar-se instrumento de comunicação (propriedade útil) e
motivo de agrado estético (propriedade psicológica).

Mas, é indispensável, por exemplo, que a expressão atinja tais ou tais graus de
perfeição. Quer imite bem, quer imite mal, quer seja muito ou pouco evidente,
verdadeira, certa, quer seja muito capaz ou pouco em sua função de comunicar
e de exercer agrado, - a arte sempre continua sendo arte, pois tais condições
ocorrem apenas como eventualidade e não como necessidade.

910. Pode eventualmente acontecer muita aproximação entre o que é acidental


e o que é necessário.

Por vezes o acidental adquire estabilidade e assume o caráter de propriedade,


sem que de fato o seja.
Além disto, o acidental somente subsiste apoiado no essencial.
Consequentemente, o estilo facilmente envolve todo o resto na expressão
artística, podendo esta denominação denotar o que efetivamente não lhe
pertence.

A variação de graus em que incorre uma propriedade, é sempre algo acidental e


portanto de estilo; mas a propriedade mesma não é o estilo.

A evidência, por exemplo, é uma propriedade necessária da expressão; ser mais


evidente, ou ser menos evidente, é uma questão de grau, e portanto de estilo.

O contexto permite, entretanto, que as mesmas palavras signifiquem nuances. É


quando, ora podemos estar a nos referir a propriedades, ora aos graus da
propriedade.

Dizer "estilo evidente", "estilo claro", ou "estilo confuso", "estilo obscuro", é


uma referência a graus de evidência, e não à evidência simplesmente e que é
uma propriedade necessária e sempre decorrente da expressão.

O estilo acontece geralmente como graduação, quer da essência, quer da


propriedade. Tem a essência e a propriedade a condição de serem um qual-e-
qual ser; assim se determinam como "qualidade".

Por sua vez, toda a qualidade tem grau, e ter graus é algo acidental. Cada nível
de qualidade é um novo acidente; no caso da expressão, é um novo estilo.
Geralmente o estilo é apenas um nível de perfeição de uma expressão.

911. Estilo como apenas mais um nome. Uma definição admite ser enunciada
com outras e outras palavras. Em vez de definir o estilo como forma acidental
da expressão, podemos dizer: o estilo é o modo acidental como a expressão
artística se processa. O modo também se diz: maneira, modalidade.
Desde que não se envolvam a forma essencial da expressa e suas propriedades,
tudo o mais que se diga da forma da arte é estilo.

Portanto, estilo não é senão mais um nome, e que se tornou tecnicista, para
indicar os aspectos acidentais da expressão, ou seja, seus modos, maneiras,
modalidades, graus eventuais de perfeição.

912. O termo estilo deriva de estilete, do latim stilus (= vareta), com que se
picavam os caracteres ideográficos nas tabuinhas de cera e nos materiais
sólidos em geral.

Dali o significado evoluiu para o modo adquirido pelos sinais e depois para a
índole geral da expressão.

Finalmente, em sentido nobre, estilo passou a indicar sobretudo o modo


perfeito de expressar.

Não obstante, na linguagem ordinária, estilo é indicador do modo de expressar,


qualquer seja o nível de perfeição.

Por último alargou-se o significado de estilo para qualquer modo de fazer e agir.
Neste sentido lato se diz: estilo de vida, estilo de trabalho, estilo de jogo, estilo
de remar, estilo da moda.

913. A prevalência do gnosiológico no estilo. É difícil estabelecer quais os


modos mais decisivos na variação da expressão artística e capazes de definir os
tipos de estilo pela sua ordem de interesse mais absoluto.
Eventualmente aspectos muito acidentais podem caracterizar fortemente uma
expressão, sem que contudo sejam significativos para o interesse da sua boa
qualidade no plano mesmo da arte.

Na ordem da importância exercem grande destaque


as propriedades gnosiológicas (valor de evidência, verdade e certeza), cujos
graus vão determinar estilos.

Entretanto, se sabe que, enquanto umas artes buscam diretamente a expressão


para a comunicação, - necessitando pois mais das propriedades da evidência,
verdade e certeza, - já outras se orientam para as propriedades
psicológicas (esteticidade, ludicidade, catarse), cujos graus também
determinam estilos.

Diante disso, o bom estilo se mostra relativo, ao menos quase em tudo,


conforme ao objetivo, que a expressão deva atender, ou na intenção do artista,
ou na do apreciador.

Dissemos que o estilo é relativo quase em tudo, porque há um objetivo


principal, o gnosiológico. Efetivamente, e em princípio, se a arte tem a função
essencial de expressar, importa que sempre o faça em alto grau de evidência,
verdade e certeza. Este será portanto sempre o bom estilo.

914. Estilo e tratamento do tema. Influencia notoriamente também o estilo o


que se diz tratamento do tema, - o que em última instância se reduz às
propriedades gnosiológicas.

Inversamente, as propriedades gnosiológica são igualmente um tratamento do


tema.
Quase tudo em arte é tratamento do tema, quando a questão se refere
ao significado. Somente não é tratamento do tema o que diz respeito
ao significante, ou seja ao portador do significado.

Uns idealizam o tema, destacando a verdade de sua espécie, outros o


mantém individualizado, frisando o sua verdade real.

Dali resultam os estilos clássicos, idealizados, universais, e os estilos não


clássicos, realistas, individualizados. Em linguagem ampliada, os estilos
clássicos e não clássicos são axiológicos (vd 933).

915. Ainda tratando de estilo e tema, uns o apresentam com profundidade,


outros com superficialidade. Uns com mediocridade e outros com genialidade.

Por este lado vieram as advertências de Georges Louis Leclerc, Conde de


Buffon (1707-1788), ao estabelecer a famosa assertiva de que o estilo é o
homem. Estilo profundo, estilo medíocre dado ao tema revelariam o homem. O
tema está fora do homem, todavia a cifragem profunda ou medíocre depende do
homem.

"Estas coisas estão fora do homem, o estilo é o mesmo homem".

"Les ouvrages bien écrites seront les seuls que passeront à la postérité.

La quantité des connaissances, la singularité des faits, la nouveauté même des


découverts, ne sont pas de sure garante de l’immortalité; se les ouvrages qui les
contiennent ne roulent que sur de petite objets, s’ils sont écrits sans goute, sans
noblesse et sans genie, ils périront, parce que les connaissances, les faits et les
découverts s’enlèvent aisément, se transportent et gagnent même à être mis en
oeuvre par des mains plus habiles: ces choses sont hors de l’homme, le style est
l’homme, style est l’homme même" (Discurso de recepção na Academia
Francesa em 25 de agosto de 1753).

916. A escolha do estilo é sempre algo individual de sorte a identificar seu


autor e até o espírito de uma época.

Nunca se poderá dizer que um autor não tenha estilo, ainda que ocorram
deficiências.

"Cada um tem sua maneira de manejar o estilo, como cada um de nós tem sua
escritura. O estilo é a individualidade e o movimento do espírito visíveis na
eleição das palavras, das imagens, mais ainda, na construção da frase, do
período no arabesco caprichoso, que traça o pensamento no seu curso" (Séailles,
G., Le génie dans l’art, c. VI, p. 215).

ART. 2o

SISTEMATIZAÇÃO GERAL DAS ESPÉCIES DE ESTILO.


0531y918.

919. Multiplicidade dos estilos. Depois de posto o conceito de estilo


(vd 0531y705), passamos normalmente à classificação das espécies em que se
divide, e que são notoriamente muitas.
A tarefa poderá seguir uma ordem didática de 5 parágrafos:

- introdução à classificação dos estilos (vd 921),

- estilos gnosiológicos (vd 723),

- estilos axiológicos ônticos: clássico e não clássico (vd 728),

- estilos axiológicos morais (vd 967),

- estilos psicológicos ou estéticos (vd 992),

§1. Introdução à classificação dos estilos.


0531y921.

922. Em busca de uma sistemática de classificação dos estilos. Como


acidentalidade o estilo não tem uma sistemática interna autônoma, conforme já
advertido (vd 904), contando todavia com a possibilidade de uma sistemática
exterior.

Estas sistemática imposta a partir do exterior procede da arte desde seus


fundamentos.

Como é sabido, a obra de arte se divide em dois componentes -


significante e significado, - e estes logo apresentam propriedades, que deles
decorrem necessariamente.

De outra parte, os estilos se prendem sobretudo às propriedades da obra de arte,


sobretudo de seus graus. Estas propriedades, todavia são as do significante e as
do significado, que são os seus dois componentes essenciais.
Atentos aos referenciais exteriores indicados, temos a diretriz para estabelecer
uma classificação dos estilos.

Não obstante aos indicativos estabelecidos para a classificação dos estilos, tem-
se tido alguma pragmaticidade em fazê-la, em vista de outras e outras razões,
inclusive o seu desenvolvimento histórico.

923. A classificação a nível do significado, principalmente de


suas propriedades, apresenta os estilos propriamente artísticos:

- os estilos gnosiológicos (ditos da validade do conteúdo expresso),

- os estilos axiológicos (ditos de valores, subdivididamente, do ser e do bem),

- os estilos psicológicos (sobretudo estéticos),

- os estilos funcionais (úteis, sobretudo à comunicação).

Em conjunto, como se disse, tais estilos são propriamente artísticos, porque se


dizem do significado, ou expressão.

Comentando, há propriedades gnosiológicas, como evidência, verdade (lógica),


certeza; portanto há estilos gnosiológicos.

Há propriedades axiológicas, como verdade (ontológica) e bondade (moral);


consequentemente há estilos axiológicos, ditos clássicos e não clássicos, com
referência à idealização ontológica, e estilos morais e amorais, sociais e anti-
sociais (burgueses), com referência aos parâmetros morais.
Há propriedades psicológicas, com esteticidade, ludicidade, catarse, etc., em
consequência há estilos psicológicos, ou seja estéticos, catárticos, lúdicos, etc.

Há propriedades úteis; dali resulta haver estilos funcionais, como os de


comunicação, didáticos, pedagógicos (em arte da linguagem), de morar, de
trabalhar, etc. estes últimos estilos são complexos, porque ajustam aos
objetivos funcionais os estilos gnosiológicos, axiológicos, psicológicos e até
mesmo os estilos pré-artísticos.

Cada estilo mencionado importa ainda em detalhes, que não dizem respeito
quadro geral como aqui todos são equacionados.

924. A classificação a nível do significante, ou matéria portadora da expressão,


apresenta os estilos pré-artísticos, tendo destaque os estilos psicológicos
(sobretudo estéticos). Distinguem dos estilos psicológicos a nível de
significado, porque estes se dizem do objeto expresso, o qual por sua vez
desperta a esteticidade.

Os graus eventuais das propriedades encontradas no significante influenciam


exteriormente a arte variando-lhe o estilo. Os sons musicais, cuja esteticidade
pré-artística é notória, poderão ser mais puros, como acontece nos instrumentos
de simples percussão. Ora, isto não diz respeito à expressão musical
especificamente, as apenas ao seu portador, influenciando, entretanto, o estilo.

925. A classificação a nível de época apresenta os estilos históricos. Estes


estilos são sistematicamente classificados em função à existência, isto é, em
função do seu surgir no tempo. A ciência da história, ao constatar a duração
temporal das coisas, também verifica o surgimento histórico, não somente da
arte em geral, mas principalmente dos estilos. Estes se ordenam então
sistematicamente sob a perspectiva histórica, e que é a maneira mais frequente
de abordar os estilos.
Nesta ordenação histórica tradicional, os estilos se classificam em clássico
(antigo), bizantino, romântico, gótico, clássico renascentista, barroco,
neoclássico, acadêmico, moderno.

Nem tudo existiu sempre, e há estilos que, embora possíveis, ainda não se
manifestaram no tempo.

926. Importa considerar que a classificação não esgota o tema estilo,


pressupondo mesmo as outras classificações.

O estudo dos estilo se pode fazer ecleticamente, atendendo a todos os pontos de


vista simultaneamente.

Em nenhum momento porém se perca a consciência clara e distinta sobre as


diferenças entre os diversos pontos de vista, ora gnosiológicos, ora psicológicos,
ora morais e sociais, ora históricos, ora pré-artísticos.

927. Qual o estilo mais importante? É difícil dizê-lo, se por exemplo, o


gnosiológico, se o axiológico, se o psicológico, etc.

Embora se alegue que clareza e distinção importam sempre, e que por isso o
estilo gnosiológico é o mais importante, há um engano. Se a clareza e a
distinção importam sempre, já não se trata de uma questão de estilo, mas de
propriedade. O estilo apenas se diz do grau de clareza, e não da clareza
simplesmente.
Não obstante, a palavra estilo é oscilante. Se por vezes é usada com o sentido
que inclui a propriedade (necessária), aqui todavia a estamos aproveitando
apenas no sentido de grau eventual da propriedade.

Se há um estilo ao qual se possa dar ênfase, é o psicológico, porque ele


aumenta o grau de agrado, o que finalmente leva o apreciador da arte a apreciá-
la.

Para uma distribuição didática dos estilos, destaca-se a divisão dicotômica em:

- abordagem teórica dos estilo, em que se definem os estilos gnosiológico,


axiológicos, psicológicos, funcionais e similares;

- abordagem prática do estilo, pelo estudo histórico das expressões artísticas,


passando uma a uma as suas realizações, o que demora longo tempo.

Os tratados reunidos no conjunto Megaestética da Enciclopédia Simpozio, a


abordagem teórica do estilo é destacada na presente Filosofia geral da
arte (0531y000) e em Estética literária (4515y000).

A abordagem histórica dos estilos se deixou para os demais ensaios: Estética


das cores (3911y000), Estética das formas (2283y00), Estética
musical (5287y000).

Resta ainda aquilo que pertence à mesma história das artes, e que se expõe no
subunidade maior 4, da Enciclopédia Simpozio, e que leva a
denominação Artes, línguas e literatura.

§2. Estilos gnosiológicos.


0531y928.

929. Os estilos gnosiológicos sãos os que mais importam, e se dizem dos


graus eventuais atingidos pelas propriedades de evidência, verdade,
certeza alcançados pela expressão, quer da artística, quer da mental.

Importa advertir que as propriedades gnosiológicas se dizem principalmente


das operações do conhecimento, o qual deve ser evidente, verdadeiro, certo.
Mas não é habitual falar em estilo mental. Todavia ele ocorre, pois os que tem
um pensamento cristalino, portando de estilo claro, verdadeiro, certo, enquanto
outros de estilo confuso, falseado, duvidoso.

Em virtude da importância destas propriedades gnosiológicas, o bom estilo,


aquele visado pela estilística (vd), diz respeito principalmente a elas, mais
portanto do que às qualificações axiológicas (clássicas, não-clássicas) e
psicológicas (estéticas, lúdicas, catárticas).

930. O brilho da evidência pode fulgir variadamente na expressão artística. E


assim já acontece na mente.

Variando, pois, os graus da luminosidade da evidência, importa atender a estas


variações, porque destes graus resultam estilos, ainda que nem sempre se façam
conhecido com denominações próprias.

Acontece a variação do brilho da evidência, ora como as sugestões das meias


luzes da madrugada, ora como as irradiações fortes do meio dia. Também
acontece com as anotações, com as advertências, com as exemplificações e
assim por diante.
O variado brilho da evidência repercute em seu próprio nome, quando assume
nuances, como
em clareza, distinção, nitidez, esplendor, brilho, fulgor, apodicticidade. Na
forma adjetivada estas denominações se tornam enfáticas, como em evidência
clara, evidência distinta, evidência nítida e assim por diante.

Clareza indica alto brilho, tendo como contrário a obscuridade.

Distinção significa separação, no sentido de não haver confusão com os demais


objetos.

A perfeita evidência é, pois, a que se apresenta com clareza e distinção. A


evidência clara e distinta, - sem obscuridade e confusão, - constitui o objetivo
final de toda a expressão, e portanto de todo o bom estilo. cujo objeto fica
representado adequadamente para apreciação do observador.

Já dizia Aristóteles: "a qualidade basilar da elocução poética consiste na


clareza" (Poética, 22, 1).

931. A verdade muito reclamada (vd 259), com todas as suas variantes de
grau, é uma das peculiaridades de estilo mais reclamada.

Deve a expressão falar com verdade, pois esta é uma de suas mais importantes
propriedades.

Muitos são os modos de o fazer: quer ajustando mais o predicado ao afirmá-lo


do sujeito, quer proporcionando-o menos; quer iniciando pelo perguntar e
questionar; quer já adiantando uma hipótese.
A precisão e ênfase, pode iniciar pelo desenvolvimento instantâneo da
amostragem do objeto, quer pelo desnivelamento progressivo do mesmo, até a
angulosidade dos contornos.

Além da verdade necessária, a expressão a desenvolve com eventualidades


diversas de alcance.

Devendo a expressão informar sobre o tema, é natural que deva haver uma
relação de ajuste entre ambos os termos. Decorre dali a justeza. Em tais
condições a arte se dirá justa, isto é, verdadeira, adequada, autêntica, precisa,
própria, exata, proporcional.

Dali resultam novas propriedades de estilo que se geram em cadeia. Uma


expressão justa é necessariamente conscisa, vigorosa, correta.

À medida que diminui a justeza, a expressão incorre no desajuste,


denominado frouxidão.

Esta poderá ocorrer por ausência, quando faltam na obra elementos que a
tornam capaz de exprimir mensagem, e por excedência, quando na obra se
põem caracteres que tumultuam a expressão e até a desviam.

A excedência é muito relativa quando se tem de levar em conta o aspecto


didático e pedagógico.

Para alguns a expressão pode ser sintética, enquanto para outros deverá ser
analítica e dividida, porquanto não têm ainda o domínio de todos os conceitos
envolvidos.

A circunstância também pode obrigar a uma excedência. Um discurso à grande


massa precisa quase repetir duas vezes o mesmo pensamento, para que a fala
tenha oportunidade de atingir a todos os ouvintes, que em tal circunstância têm
a atenção um tanto dispersa e diferentemente reclamada.

932. Grau de certeza da mensagem (vd). A expressão artística há de utilizar a


expressão adequadamente para produzir um grau suficiente de certeza no
sujeito.

Muitos são os níveis eventuais com que se instala a certeza da expressão. O


sujeito deve ter segurança, a qual o estilo garante por muitas formas.

O apreciador da obra deverá poder contar com os elementos suficientes para


não duvidar do que examina. Não pode a arte atender só ao objeto, ou só ao
ajuste, mas também ao sujeito que a cria, bem como ao sujeito apreciador.

Numa relação entre dois termos, há um outro termo e mais a relação; a todos os
três elementos se atenderá, pois ali então sem que possamos dispensá-los. Ora,
desatender à situação subjetiva do sujeito seria esquecer um dos elementos sem
o qual não existiria a relação.

O grau de certeza alcançado basta ser aquele considerado suficiente. Resta uma
considerável margem de segurança que permite muitas opções de estilo e até da
polissemia. O jogo do contexto e da associatividade permitem uma largo leque
de estilos, sem que mude o tema.

§3. Estilos axiológicos ônticos da arte:

clássico e não clássico.

0531y933.
Por ordem didática 3 são os itens a examinar:

- Natureza e história do estilo clássico (vd 934),

- Natureza do estilo não clássico (956),

- Decisão entre estilo clássico e estilo não clássico (962).

I - Natureza e história do estilo clássico.


0531y934.

935. Clássico como nome. Ainda que o estilo clássico fosse próprio da
antiguidade grega, este nome é contudo recente.

A nomenclatura para a conceituação que opõe entre si o clássico e o romântico,


para indicar correntes estéticas opostas, surgiu a primeira vez com Thomas
Warton, em 1781, evidentemente ainda não com a plenitude de um significado
que só a evolução do seu uso determinaria.

O nome clássico se firmou com Frederico Schlegel (1772-1829). Defendia que


o romance (novela) deverá ser para os modernos, o que fora o poema para o
antigos, - o gênero dominante.

Classicismo firmou-se como uma significação bem definida, para dizer o que
em todas as épocas tem sido a arte de tendência idealizadora.
O mesmo não aconteceu com a dispersividade anticlássica e que por isso não se
consegue reunir sob uma designação coletiva. Resta denominar-se ao modo
de anti-, ou seja, definindo-se pelo que não é e combate.

Pela riqueza da variação, resistem tais movimentos a uma denominação


coletiva. Define-se cada movimento pelo que representa em espécie. Ora
dizemos individualismo (contra o absoluto), ora realismo (contra o tipo
idealizado), ora subjetivismo (contra o objetivismo).

Por algum tempo, romantismo era o nome que abarcava relativamente bastante
o que se pretendia como anticlassicismo. Não demorou, e o romantismo foi
sendo restringido como denominação da expressa emotiva ou sentimental duma
época.

Finalmente restou a designação modernismo , do latim hodiernus (= hodierno),


com o sentido do que está hoje em moda. É nome que, pelo seu conteúdo
cronológico, acabará um dia não significando nada.

No fim da Idade Média já havia os que se achavam de modernos... tais como os


filósofos nominalistas, chefiados por Ockam, o esvaziador dos conceitos
universais.

936. Em Hegel as palavras "simbólico", "clássico" e


"romântico" aparecem com um sentido que se refere ao ajuste entre forma e
conteúdo.

Nesta acepção, clássico não se refere a um tratamento do tema em si mesmo,


do ponto de vista da idealização, mas à propriedade pela qual a expressão tem
uma certa proporção com o tema expresso pela obra.
Na acepção de Hegel, portanto, seria clássica aquela arte em que houvesse
perfeito equilíbrio entre a forma e o conteúdo.

Tal ocorreria particularmente na escultura, principalmente na grega.

A arte simbólica seria, por sua vez aquela em que houvesse desproporção, com
o tema inferior.

A romântica seria a desproporcionada, com o tema superior (Hegel, Estética,


Intr.c.4).

937. Definição de classicismo como idealização. É notório que uns dão ao


tema um tratamento idealizado, obedecendo aos padrões da espécie. Os
indivíduos são enquadrados neste esquema arquétipo.

As ações e até o mesmo as emoções se desenrolam equilibradamente, inclusive


com maneiras bem educadas de ter ódio.

As telas históricas elegem apenas os episódios mais significativos e heróicos. O


suicídio é praticado com elegância.

A idealização exclui o inaceitável do ponto de vista ético, de sorte a destacar o


bem.

Portanto, o clássico pretende reproduzir na expressão artística tão só o absoluto,


como espécie ideal a que obedecem os indivíduos. Se o objeto for natural é
retocado dentro dos padrões da espécie, de onde vem a palavra idealização.
Suavidade, equilíbrio e moderação, marcam o classicismo de todas as épocas.
O classicismo pode ser uma tendência psicológica dos que o praticam.
Enquanto para os pessimistas o sol é apenas um fazedor de sombras, para os
otimistas tudo o que brilha é ouro, tudo o que vive é eterno, tudo o que a arte
exprime é belo.

938. Arte boa, em duas acepções. Duas são as acepções, quando se diz arte
boa (arte perfeita), e também duas, quando se diz arte má (arte ruim, arte
imperfeita).

Uma das acepções é gnosiológica, a outra é axiológica, a qual por sua vez pode
ser axiológica ôntica e axiológica moral.

No sentido estilístico meramente gnosiológico, a arte é boa, quando bem


expressa o conteúdo que se propõe dizer; é má, ou ruim, quando não o expressa
adequadamente. Este aliás é o contexto de estilo gnosiológico (vd 929),
porquanto diz respeito apenas ao conteúdo, enquanto bem ou mal expresso.

Diferentemente, no sentido axiológico, - onde agora nos situamos, - a arte é boa,


pelo tema em si mesmo e que foi levado à expressão; a arte é má, se o referido
tema em si mesmo o é também.

Não obstante o seu caráter axiológico, o tema age sobre a arte apenas
acidentalmente, e tudo permanece no campo do estilo.

Diz-se, pois, estilo axiológico, aquele que leva em conta o caráter do objeto.

Neste sentido, há o estilo axiológico, em cujo campo se destacam duas


denominações bem conhecidas, - arte clássica (que idealiza o objeto em função
à espécie) e arte não clássica (que expressa o objeto simplesmente em sua
individualidade). O termo axiológico é peculiar sobretudo à arte clássica.
O estilo é, pois, axiológico no sentido de que o objeto exterior a ser expresso,
atuar exteriormente sobre sua expressão em arte. Considerado assim, o tema,
qualquer que seja, é sempre uma questão acidental.

Axiologicamente, por influência exterior e portanto acidental de estilo, há uma


arte boa e uma arte má; ambas são arte, porque o ser boa ou má é um elemento
extrínseco à expressão em si mesma.

Assim também há uma arte que trata de coisas ontologicamente verdadeiras


(perfeitas e belas), e ontologicamente falsas (imperfeitas e feias). Não importa
que se pinte um automóvel muito bem feito e um automóvel mal feito, porque
ambas as expressões são artísticas.

939. Clássico no sentido de arte perfeita. Tradicionalmente, perfeito é dito


em função a um arquétipo ideal. Hoje se fala em valores. Mas é sobretudo em
função ao arquétipo ideal que se conceitua a arte clássica.

Todas as coisas oferecem um elemento peculiarmente individual (ou singular),


outro caracterizadamente geral (ou comum, ou universal, ou eterno).

O artista, ao pintar ou descrever um homem, pode atender neste homem, ora ao


que ele contém de mais singular e até defeituoso, ora ao que ele seria como
ajustado ao modelo de homem universal, perfeito. A tendência, ora para o
universal (ou idealizado), ora para o singular (ou não idealizado), é o que
distingue, conforme se advertiu, os estilos clássicos e não clássicos.

No estudo dos estilos clássicos, ora se atende mais aos parâmetros em si


mesmos, ora à capacidade com que os artistas são capazes de executar suas
obras frente a estes parâmetros. O estilo diz respeito mais a este último aspecto
da questão.
Entretanto, o que é verdadeiramente importante é a discussão dos parâmetros,
em virtude das consequências metafísicas, morais, políticas religiosas,
sociológicas do problema.

940. Esteticismo clássico é aquele que obedece às propriedades do ser. O não


esteticismo clássico (vd), é o que se situa fora desta estrutura de fundamento.

Para a compreensão do esteticismo clássico a filosofia geral da arte desce aos


fundamentais difíceis da ontologia, a que uns estão habituados, e outros não.
Daquele fundamento, colocado como pressuposto, decorrem as razões que
levam ao classicismo idealizador, quer da entidade do objeto expresso, quer da
ação deste mesmo objeto.

A idealização da expressão artística se processa na direção de dois valores


axiológicos: a verdade ontológica (verum do ser) e a bondade ontológica
(bonum do ser).

Em consequência se dá um clássico idealizador do objeto, ora em função à


verdade ontológica, ora em função ao agir. Ambos os classicismos são
idealizadores, um expressando o objeto idealizado, outro a ação idealizada.

Depois desta redivisão geral do classicismo, em função ao que expressa,


ocorrem mais distinções, que permitem falar em classicismo estético, ao
mesmo tempo que o distinguindo do classicismo moral (vd. 746). Em muitos
aspectos gerais o moral depende do primeiro.

941. Do ser em absoluto ao ser em relativo. O clássico é uma noção que se


diz do ser em relativo, e não do ser em absoluto. Mas o ser em absoluto é a
noção mais fundamental, por onde é preciso iniciar o esclarecimento total de
toda a questão do axiológico.

A perspectiva do ser absoluto, o considera simplesmente, vendo-o apenas


como coisa, sem qualquer referência direta para outra. Neste momento absoluto
um ser se diz uma coisa (uma essência, uma existência, uma pedra, uma árvore,
uma pessoa, uma cidade, etc.).

A perspectiva "em relativo" é a que resulta do fato de um ente ser visto em


comparação a algo, mesmo que seja um termo ideal. Imagina-se, então, que ele
possa ser moldado a ele. Se esta moldagem se faz na ordem de uma essência
ideal, o ente se diz verdadeiro ontologicamente: se na ordem da existência, se
diz bom ontologicamente.

Como ontologicamente verdadeiro, o ente convém perfeitamente segundo o


esquema que deve realizar.

Como ontologicamente bom, o ente convém a si mesmo, sendo-lhe conveniente


o existir mais que o não existir; nesta direção de significação se diz ser um bem,
o existir; ser um mal, o não existir.

Se introduzimos o ponto de vista da ação (=práxis, no grego), a pergunta


consiste em saber de que modo de age, para que o ato, ou o novo ser, se
estabeleça de acordo com sua verdade ontológica e de acordo com sua bondade
ontológica.

Em função a este modo de abordar o valor, ele se diz uma imposição axiológica.
O estudo do valor, enquanto se impõe à ação, se diz então, Axiologia.

A arte, enquanto é criada obediente a valores, sofre limitações axiológicas.


Equivale a dizer, - e melhor - que, a arte se realiza axiologicamente, dentro da
verdade ontológica e do bem ontológico, porque estas são propriedades
necessárias do ente.
Ainda sob a perspectiva dinâmica, o valor é visto como norma da ação; norma
sob o ponto de vista de verdade e norma sob o ponto de vista da bondade.

Outro nome é tipo; o primeiro tipo, - como é o caso do verum e do bonum, - se


diz arquétipo (arché = primeiro).

942. Continuamos a insistir na colocação exata da questão e das provas do


classicismo e contraprovas.

Uma é a verdade da arte, como verdade da expressão, e outra é a verdade do


tema da arte, como verdade do objeto.

Uma, a primeira, é a verdade gnosiológica, inclusive também a verdade lógica;


outra é a verdade ontológica, ou seja, do tema em si mesmo, como um objeto.

Com referência à verdade da arte, é a propriedade da expressão, que indica com


veracidade o que expressa; sob tal perspectiva já estudamos as propriedades
gnosiológicas da expressão artística, como devendo ser evidente, verdadeira e
certa (vd 162) (vd 342).

Neste instante se trata da outra verdade, da verdade ontológica, da verdade do


tema como objeto em si. Um tema se qualifica ontologicamente, ou como
verdadeiro, ou como falso, eis a questão em foco.

A verdade ontológica é proporção entre o objeto e o seu arquétipo ideal, que


lhe serviu de norma.
O que agora exatamente nos ocupa é, pois, a condição da verdade ontológica do
tema, em que o classicismo coloca sua insistência.

943. Qualificado o tema em função ao arquétipo, ele poderá ser um objeto


ontologicamente perfeito e belo, ou ontologicamente imperfeito e feio.

A propósito vem a questão:

- deve o tema da arte ser o perfeito e belo, portanto, o idealizado e retocado, de


acordo com o arquétipo, conforme o classicismo?

- ou pode o tema da arte ser também os demais graus de perfeição, conforme o


não classicismo?

É claro que, se o universal existir, ele será um tema preferido. A arte passaria a
ser antes de tudo o gênero da expressão idealizada. O estilo seria o modo de
apresentar esta idealização.

Se não existir aquele universal ontológico, ele já não será uma obrigação, ainda
que possa realizar-se como um formalismo de mera coerência interna.

944. Sobre as provas do classicismo e contraprovas do não classicismo. Há


diferentes interpretações a respeito daquilo que é comum, geral, universal, ideal,
arquétipo, ontológico, axiológico. Uns o afirmam, outros o negam, outros ainda
estabelecem posições intermediárias.

Para o realismo racionalista, como de Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino,


Descartes existem essências universais incontornáveis, segundo as quais se
realizam os seres singulares e segundo as quais exercem as suas ações,
inclusive da arte.

Esta filosofia foi a inspiradora principal de todas as religiões tradicionais. No


passado também foi a diretriz da arte, a qual se realizou dominantemente como
clássica.

945. Otimismo do platonismo. Platão (427-347 a. C.), ainda que um dualista


radical, foi um otimistas, o mesmo acontecendo com os neoplatônicos e aos
primeiros pensadores cristãos, aos quais inspirou. Para ele a matéria do mundo
é ordenada de acordo com essências exemplares (chamadas idéias reais),
situadas como entidades tipos, como que em um outro mundo.

Chama-se a esta hipótese de realismo exagerado, porque estabeleceu a dupla


realidade, a das coisas individuais deste mundo e paradoxalmente a das
essências modelares do outro.

Demiurgo, ou arquétipo supremo ao organizar o mundo, o teria feito à imagem


dos arquétipos ideais reais . A ordem deste mundo não era mais que a sombra
do outro, o ideal real.

A arte, como imitação das coisas deste mundo, seria apenas a sombra da
sombra, e por isso algo de muito pouco apreço e inútil.

Melhor, que apreciar um simulacro, seria atender logo ao objeto mundano; e


ainda melhor que atender a este seria, pôr a atenção diretamente nas idéias do
mundo arquétipo, como faz o filósofo.

Contudo, a arte, uma vez que é criada, importa em ser uma imitação ao menos
indireta do mundo ideal. Entre elas, a poesia e a música são mais elevadas,
porque melhor relacionadas com o espírito.
946. O realismo moderado de Aristóteles (384-322 a.C.) substituiu as idéias
reais do mundo transcendente por uma validade intrínseca aos indivíduos.
Ainda que todos os indivíduos sejam distintos uns dos outros, obedecem a uma
lei, que é intrínseca à sua essência.

Desta sorte, a essência de homem, como universalmente válida, não existe fora
do indivíduo. O conceito universal da mente consiste em apreender a essência,
sem as suas individualizações.

A hipótese de Aristóteles esbarra com muitas dificuldades. Como poderiam


indivíduos isolados prender-se sob uma lei universal, se estão isolados? Vieram
em socorro de sua teoria, reinterpretações, as quais tendem a diminuir o
isolamento dos indivíduos.

Tomás de Aquino (1225-1474) tornou mais rija a unidade dos entes, fazendo-os
reduplicações, ainda que variadas, do mesmo único ente divino. Com isto
aproximou o aristotelismo do platonismo arquétipo.

A unidade do ente divino seria, então, o fundamento da validade absoluta,


universal, eterna da essência e de sua conveniência no existir como um bem.

O racionalismo tomou novas formas com Descartes (1596-1650), conservando


a idéia da unidade da natureza.

Alguns cartesianos, e sobretudo Leibniz (1646-1716), aventaram a hipótese da


harmonia preestabelecida, conforme a qual Deus teria criado o mundo das
coisas individuais, as quais operariam em ordem como relógios sincronizados,
indicando as mesmas horas, sem contudo estarem em contato.
947. O monismo do ser. Outro problema é o de como admitir a criação. Já na
antiguidade a escola de Elea, da qual Parmênides (c. 540-470 a. C.), foi o
grande destaque, advertiu para a impossibilidade de qualquer ação e
movimento, dando por impossível pois a criação, porquanto do nada nada se
faz. O que é, já é, e dele nada se faz.

O monismo, seja panteísta, seja materialista, ou outro qualquer, procura superar


o problema criacionista, enrijecendo a unidade geral do ser e dos valores.

Mas, como esclarecer agora que em um ser único haja transformações? Ainda
que tudo se transforme e nada pereça, esta situação implica em limitações
inconvenientes em um ser único, ao que parece. Tentaram-se explicações
contornantes. Mas, ... convenceriam?

Eis porque outras se encaminharam para a subjetividade e para a negação dos


valores.

948. Para o idealismo (em gnosiologia) o pensamento é uma projeção do


objeto, o qual não existe em si mesmo. Todos os universais são apenas idéias;
tudo não passa de um idealismo irreal.

Kant (1724-1804), inaugura o segundo período da filosofia moderna, com


o apriorismo no plano mesmo da mente, onde os objetos são construídos sem
precisarem de realidade exterior independente. O apriorismo obedece leis, que
são todavia apenas normas internas.
Os dados empíricos são simplesmente fenomênicos. São acolhidos pela forma a
priori de espaço (dos sentidos externos) e da forma a priori de tempo (dos
sentidos internos).

Por sua vez ocorrem 12 categorias de formas a priori, no entendimento, e


denominadas conceitos, despertando estes com a ocorrência dos fenômenos
empíricos.

Ao se apresentarem os fenômenos singulares, a mente imediatamente os acolhe,


enquadrando-os nos 12 esquemas ideais.

Não seríamos capazes de pensar um fenômeno senão como se fosse uma


substância ou um acidente; assim por diante, como se fosse uma realidade
(apesar de não ser) ou uma idealidade, como se fosse um possível ou um
impossível, como se fosse algo causado ou incausado, e assim sempre dentro
de uma categoria ideal.

Para este tipo de artista o ideal ainda continua importante, mas já tem um
tendência para o idealismo romântico, isto é, subjetivo, como de fato aconteceu
à época de Kant e de seus sucessores.

Com o caráter apriorístico das 12 categorias de conceitos, também desaparece a


validade ôntica de todos os resultados do raciocínio, porquanto os conceitos
utilizados já não dispõem desta validade. Por isso, alma, Deus e o mundo,
embora atingidos pelo raciocínio, são apenas idéias.

Não obstante, todo este idealismo, em tudo acontece uma grande ordem,
porquanto todas as estruturas do pensamento, quer científico, quer filosófico,
funcionam coerentemente, e tudo fica explicado.

Ainda quando Scheler (1874-1928), em sua filosofia, restabeleceu os valores,


não foi senão como exigência de uma intuição alógica, mas não em nome da
faculdade raciocinativa. Mesmo como valores alógicos, não assumem os
arquétipos uma validade ôntica.
Tudo isto se reflete sobre a filosofia da arte, inclusive do estilo.

949. As filosofias dialéticas, do idealismo monista de Hegel (1770-1831) e


do materialismo histórico de Marx (1818-1883), conceituam as essências em
termos dinâmicos. Os arquétipos não são estáticos como se justapusessem
esquemas estanques.

Sucessivamente, cada um é o seu esquema e ao mesmo tempo reclama o


seguinte. Cada idéia, diz de Hegel, segue para a seguinte; cada situação, diz
também Marx, reclama a seguinte.

A normatividade dos seres, diverge, portanto, da tradicional maneira de ver.


A tese encaminha para a antítese; mas a tese e a antítese são um todo maior,
a síntese.

Não permanece estacionária a síntese maior. De novo reclama nova perspectiva,


como antítese, que mais uma vez continua para novas sínteses. Nesta marcha,
vais a realidade continuando para frente, até alcançar a totalidade concreta do
ente absoluto.

950. Historicamente, o classicismo foi a tônica da arte grega. No período


arcaico foi o objetivo paulatinamente conquistado.

O período clássico propriamente dito, de 470 a 322 a.C., foi marcado por
grandes conquistas, especialmente na escultura.
O Dorífero, estátua de Polícleto e que marca um cânon de proporções do corpo
humano, é de um físico idealizado e viril, com nenhum movimento paralelo,
mas todos equilibradamente próximos, de maneira a evidenciarem a
espontaneidade e a serenidade ideal.

O período helênico, embora tenha permanecido clássico, se aventurou a certas


liberdades, como seja a fuga à proporção e ao equilíbrio da composição.

O classicismo está de novo presente nas artes do século de Augusto (+14).

951. Renascimento clássico. Voltou o classicismo no começo da Idade


Moderna, quando seus homens o retomaram sob o título de renascimento das
artes antigas.

O pré-renascimento, de 1400 a 1500, lutou pela conquista do ideal. Este foi


atingido, de 1500 a 1520, com Rafael, Da Vinci e Miguel Ângelo.

O mesmo Miguel Ângelo e outros conduziram o clássico para a entumescência


dos movimentos da composição barroca, em grau maior que o velho helenismo.
O barroco é ainda mais clássico, que um não clássico.

952. Sob a sigla de neo-classismo, voltou a prosperar, de fins de 1700 a fins de


1800, o ideal do Renascimento.

Durante o século XIX o clássico assumiu a denominação de academismo,


referência à academia de belas artes de Paris. Nesta condição ingressou no
Brasil, sob a diretiva de uma comissão mandada vir da França.
O que acontecera nas artes plásticas ocorreu também nas letras.

Recuou o Sturn und Drang, dos românticos alemães. O formidável Goethe


retornou ao classicismo.

O parnasianismo dos poetas franceses da segunda metade do século 19 foi uma


última tentativa classicista de retorno à perfeição da forma.

Apesar dos reflexos no mundo inteiro, o parnasianismo cedeu também à


crescente tendência não-clássica dos tempos modernos.

954. Teóricos do classicismo. Além dos que praticaram o classicismo, houve


também os teóricos do movimento.

Platão (427-347 a.C.) abordou a idealização, que aprovou e defendeu. Atribuiu


ao Estado função de zelar que os poetas tratem os assuntos de maneira a não
conflitarem com o belo e o bom, e os deuses (República, 370; 392; Leis 885;
889; 941).

"Aos deuses, os representarão cheios de moralidade; aos homens, cheios de


domínio e valor; às mulheres, honestas e recatadas" (Leis 802-803).

Aristóteles (384-322 a. C.), mais moderado na idealização, dividiu a arte


poética conforme reproduz o modelo ideal, o modelo natural e o modo pior.

Esta sua divisão é apenas uma classificação temática, sem propriamente se


definir contra um dos modelos (Arist., Poética, c.2).
Frederico Winckelmann (1717-1768) foi um dos principais teóricos modernos
do classicismo, sob a perspectiva grega:

"A arte, como imitadora da natureza, deve buscar sempre o natural para
plasmar a beleza, e há de evitar, no possível, todo o violento, porquanto a
mesma beleza na vida desgosta, se cai em gestos carentes de naturalidade" (dos
escritos de Winckelmann).

Lessing (1729-1781), autor do notável Lacoonte (1766), estendeu sua


doutrinação simultânea às artes plásticas e literárias, inclusive ao teatro. O belo
é sempre o ideal.

Goethe (1749-1832), além de clássico na literatura, foi também um teórico do


classicismo:

"O que ultimamente te disse com respeito à pintura põe também perfeitamente
aplicar-se à poesia. Com efeito, de que se trata? De encontrar o que é
verdadeiramente belo e saber exprimi-lo; é isto em verdade, dizer muito em
poucas palavras" (Goethe, Werter, 30 de maio).

Boileau (1636-1711), autor de Arte poética (1674), além de praticar a poesia,


foi teórico e crítico do classicismo francês anterior, com influência no
movimento de restauração dos neoclássicos.

II - Tema não idealizado, da arte não clássica.


0531y956.
957. Para o empirismo e positivismo, nominalismo, existencialismo e formas
similares de filosofia só existe como fato o individual. Não há outro valor
axiológico, que não o individual.

Reduz-se o universal à simples classificações formais, não sendo possível


provar a existência efetiva do mesmo.

Evidentemente, para artistas que assim pensam, o que importa expressar é o


individual. Para estes não existe o belo absoluto, mas apenas o belo entendido
como aquilo que esteticamente agrada.

Nos meios não racionalistas do empirismo, positivismo, materialismo,


desenvolveu-se a doutrina do nominalismo, pela qual os universais não existem,
senão como generalizações sem fundamento real.

Somente há indivíduos e os atos individuais, sem quaisquer peias que ordenem


as individualidades singulares em esquemas. As esquematizações seriam
apenas ordenamentos funcionais, como as dezenas e as dúzias organizam os
indivíduos em grupos cada vez maiores, senão para comodidade da mente.

A doutrina nominalista, em consequência da liberação total frente aos


esquemas absolutos, redunda em relativismo.

Tal é o ponto de vista de Volkelt (1848-1930) e Simmel (1958-1918). Dali se


podem apenas descobrir tendências através do tempo, de onde a formulação do
historicismo e o culturalismo de Dilthey (1833-1911).

O existencialismo, ainda que mais racionalista no que concerne à capacidade e


da inteligência, se caracteriza também pela liberação do dado individual e
singular. Este é neutro em relação a logicidade e não se rege por esquemas
absolutos.
O existente é, antes de tudo, um existente. Situado ali, está abandonado a si
mesmo. Escolhe sem peias. Faz o seu projeto.

Nisto está toda a moralidade do ser humano, - colher livremente seu próprio
destino, ou seja, seu próprio modo de ser, com total responsabilidade. O que ele
realiza não é atualização de potências e de obrigações. É total conquista. É
apenas acréscimo ao que já é.

E assim por diante, também o estilo na arte não passa de uma escolha.

958. Sob o romantismo, realismo, naturalismo, modernismo, e outras


denominações anti-clássicas, o objeto voltou a ser expresso sob qualquer grau
de sua realização.

Esta atitude, - além do mais, concorde com a objetividade e a verdade das


coisas, - poderá ser tendência psicológica de alguns e, até certo ponto, de todos.
É o que se constata no uso diário da arte.

As crianças não gostam do bonitinho, mas do extravagante. As revistas infantis,


em função à esta tendência , não idealizam as imagens e nem as propriedades
dos heróis da ficção.

O desenho animado, do cinema e da televisão, ficou sendo esta coisa engraçada,


que faz entusiasmar os pequeninos, a até rir aos grandes. "Nunca se deseja
ardentemente o que se deseja somente por conselho da razão" (La
Rochefoucauld, Reflexão morais, 469).

E se expressamos a beleza, preferimos aquela mais frágil. Anotam-no os


críticos, as vezes lamentando:
"Os nossos romances e poemas quase sempre se limitam a celebrar a beleza
frágil e as perfeições caducas do corpo feminino; e o leitor ao chegar à última
página, tem muitas vezes a impressão de levar nas mãos uma flor murcha e
amarrotada" (Huberto Rohden, Jesus Nazareno, p.152, 3-o.ed).

959. O anticlassicismo tem uma história. Sem ser tão definida e nem tão
antiga quanto a do classicismo, é muito variada e cobre vastamente o período
contemporâneo das artes.

No passado, o helenismo já foi uma vaga tendência de superação do


classicismo, em virtude de uma deliberada fuga ao equilíbrio e à simetria.

Na Idade Média, o estilo bizantino e o estilo gótico tiveram tendências mal


definidas de anticlassicismo. Ficaram todavia numa certa tipificação espiritual,
dirigida para o mundo interior e transcendente, idealizando-os, quase
esquecidos do mundo material e humano.

Já ingressando no tempo moderno, o barroco e o rococó, que sucederam ao


classicismo renascentista, tendem mais uma vez uma superação da idealização.
Sem diretriz, esta superação do barroco e rococó retornou mais uma vez ao
classicismo, sob a denominação de neoclassicismo e academismo.

960. O romantismo. Paralelamente ao neoclassicismo e academismo,


desenvolveu-se o romantismo, um poderoso anticlassicismo. Este, de
transformação em transformação, continuou no naturalismo e no realismo,
finalmente no modernismo.

Mais exatamente, o anticlassicismo iniciou com o pré-romantismo, do Sturm


und Drang (1760-1785), de Hamann, Herder, Schiller, Goethe, Klinger, este
último autor de peça teatral que deu nome ao movimento.
Cita-se de Hamann:

"O que substitui em Homero o desenvolvimento das regras artísticas, depois


dele pensadas por Aristóteles? E o que substitui em Shakespeare o
desenvolvimento ou o desprezo das próprias leis críticas? Resposta: o gênio".

Para o romantismo, que se seguiu, criou Schelling (1775-1854), idealista e


panteísta, uma filosofia, asseverando que a inteligência universal é o gênio
profundo. Este é o agente da arte.

Em tal condição alógica, os arquétipos universais não podiam mais ser


admitidos como normas racionais da criação artística, ao modo como ocorria
no classicismo anterior.

961. Influências anticlássicas de novas filosofias. Também participam da


história do anticlássico, o empirismo, o positivismo, o pragmatismo. A
eliminação das essências universais e eternas, peculiar a estes sistemas,
contribuiu para a criação de um clima desfavorável aos modelos arquétipos do
classicismo. Dali sobretudo a inspiração do naturalismo e do realismo.

O progresso da psicologia experimental, e de toda sorte de estudos humanos,


continuou a estimular de maneira crescente o interesse pelos dados como
individualmente se dão.

A filosofia moderna, generalizadamente, como se observa no relativismo, no


historicismo, no culturalismo, no existencialismo, acentuou a subjetividade dos
universais, os quais, desprestigiados, deixaram, o homem, livre, situado
simplesmente em sua facticidade. Tudo isto veio estabelecer-se como base
ideológica de uma arte de temas não idealizados.
III - Decidindo entre classicismo e não classicismo.
0531y962.

963. Os modelos não conflitam com os graus de estilo. O que dera origem à
idealização dos temas expressos pela arte foi a convicção de que existiam
modelos universais e bem acabados, segundo os quais deveriam desenvolver-se
os seres individuais. Mas, ainda que estes modelos existam, nada obsta que as
realizações se façam em diferentes graus de crescimento.

De outra parte, mesmo não acreditando mais em modelos universais a se


imporem à realização individual, eles podem ser introduzidos como modelos
meramente formais. Este modernismo classicista sempre é possível como estilo.

Parece que, não obstante a admissão de valores, o classicismo não se impõe


necessariamente como sendo doutrina válida em arte.

Apenas os que não admitem os universais não podem ceder, simplesmente,


porque não possuem o arquétipo para estabelecer a idealização. Estes somente
poderiam cultivar uma idealização de puro formalismo, isto é, sem fundamento
metafísico, mas cultivado apenas como estilização.

Diretamente, todo o tema pode ser expresso, qualquer seja a sua posição na
escala das perfeições, desde a mínima, até a plena. E assim também as
contraditórias, a negativa e a afirmativa, podem ser temas diretamente
expressos. A expressão artística tudo pode apresentar.
Isoladamente, nada é em si mesmo um grau, ou uma contraditória. Portanto, na
arte, tudo aparece como tema a ser informado, isto é, significado. Nenhuma
perspectiva abstrata, ou isolada, do tema, quer idealizado, quer não, é excluída
de ser expressa artisticamente.

Postas as coisas sob esta distinção de dupla perspectiva, pode-se não ser
artística clássico, sem contudo deixar de admitir valores. Estes são inteiramente
expressos apenas como objetivo final último.

O anti-clássico cabe, portanto, também nas filosofias, que admitem valores.


Não é o anticlassicismo uma prerrogativa dos que negam estes valores.

Há portanto, duas modalidades de anticlassicismo, a dos que simplesmente não


admitem valores universais para atender e a dos que não subordinam a
expressão imediata à idealização, mas apenas a integram num objetivo último.

Não sendo necessário escolher o grau máximo de perfeição, o escolher este ou


aquele grau é apenas uma questão de estilo. Idealizar é fazer um estilo. Não
idealizar é fazer outro estilo.

964. É evidente, - pelos resultados da investigação gnosiológica, - que as coisas


em si mesmas são diversas, do que as impressões que deixam em nós.

As cores não passam de respostas gnosiológicas às ondulações


eletromagnéticas, de um certo comprimento de oscilações.

O calor é também uma resposta mui diferente que as trepidações moleculares,


que o provocam.
O que é tão subjetivo desde a base, continua subjetivo nas impressões conjuntas
que temos dos objetos. Um edifício, como por exemplo, Nôtre Dame de Paris, é
objetivamente mui diverso, do que a impressão que nos oferece nos instantes
que lançamos os olhos para o mesmo.

Os impressionistas pintaram como aquela catedral nos impressiona. Os realistas,


como ela é objetivamente.

Que deve o artista expressar? O impressionismo, como movimento artístico do


final do século 19 preconizou a temática da impressão de cada instante. Na
pinta, o impressionismo compõe o quadro com os reflexos de luz daquele
instante, decorrendo dali a supressão de detalhes então despercebidos.

Na música, o impressionismo acentua as conotações associativas dos sons,


motivo porque se desenvolveu na música moderna a percussão, em detrimento
da estrutura sonora melodiosa.

No plano da literatura o impressionismo se confunde com o emocionalismo


romântico.

O naturalismo objetivista pôs o acento na coisa como ela é em si mesma. A arte


deveria, então, cuidar de ser eminentemente analítica e quase uma descrição
científica dos objetos. Admirável se tornaria quando superasse uma fisionomia
natural. Nesta condição, a arte cuidaria de pôr em destaque o que a natureza
não oferece com ênfase.

O ponto de vista objetivista do naturalismo assume particular feição para


aqueles que interpretam a arte como um simples fazer coisas, sem expressar
objetos.

As obras, que não seriam mais que expressão entitativa, se destacariam


especialmente como algo acima do natural, como que fazendo destaque do
mistério interior das coisas e do esplendor externo da natureza.
965. Que decidir sobre a validade do impressionismo? É claro que ambas as
temáticas – a realista e a impressionista - são justificáveis e tanto mais
justificáveis, desde que não se tornam exclusivistas.

O lado certo do impressionismo foi o de haver destacado um tema antes quase


não explorado, qual era a visão impressionista da natureza. Esta visão do
mundo veio advertir ao nosso tempo, quão larga é a subjetividade. Não só é
subjetivo o sentimento, explorado pelos românticos. Como todo o processo do
conhecimento.

De outra parte, não deixou de ser meritório o esforço realista, porquanto se


tratava de reabilitar a temática da arte contra os extremismos românticos e
depois também dos exageros impressionistas.

O romantismo deixara-se prender por um certo filosofismo misticista e


temático. O positivismo reinante no final do século 19 não se associou aos
esquemas metafísicos do panteísmo romântico.

O objetivismo realista desprendeu-se de todos os esquemas, especialmente dos


essencialistas e panteísticos. Lutando nesta direção anti-sentimentalista, o
realismo não foi diretamente contrário ao impressionismo ainda que não o
praticasse.

§3. Estilos axiológicos morais.


0531y967.
968. Função da arte. Há uma concordância geral de que a arte tem alguma
função moral e social, todavia não sobre como esta função se exercerá. Em
decorrência ocorrem vários estilos morais da arte.

Importa seguir uma sequência didática de 2 itens:

- Natureza do moralismo em arte (vd 969);

- Decisão entre moralismo e amoralismo em arte (vd 981).

I - Natureza do moralismo e amoralismo em arte.


0531y969.

970. A questão da arte pela arte. No caso do classicismo valores axiológicos


se impõem à arte, devendo esta expressar o bem e não o mal. Passa então a
haver uma arte idealizada do ponto de vista moral, do mesmo modo como há a
clássica do ponto de vista ôntico.

Noutro caso, no do amoralismo clássico, a arte independe simplesmente da


qualificação moral dos objetos de sua expressão. A arte é então praticada
simplesmente como arte pela arte, sem outros compromissos.

No conceito de arte moralista, pode-se admitir, a diferença, em que uns


batalham pelo bem, apresentando somente coisas boas; outros batalham pelo
bem, mostrando as coisas más a não serem feitas.
971. As expressões com que se trata da moralidade em arte podem ser
entendidas equivocadamente. Importa estabelecer pontos de vista sempre claros.

Antes de tudo pratica-se a arte pela arte no sentido quando se a cria


principalmente como expressão, sem tratar do restante.

É possível praticar a arte pela arte e ao mesmo tempo cuidar de todos os outros
seus resultados.

Não ne se pratica a arte pela arte, quando nela se buscam outros objetivos, seja
o bem, seja o mal, ou outro qualquer resultado, sem atender a ela em si mesma
como expressão.

A visão integral da arte idealizada propõe cuidar tanto da arte como expressão,
como da arte pelos seus resultados.

Neste caso não se pode praticar a arte pela arte, e ficar indiferente à tudo o mais,
ainda que a arte não deixe de ser arte por causa desta indiferença. Importa o
estilo, mas ele nunca é essencial.

Neste contexto de arte pela arte, escrevia em 1818 Victor Cousin:

"É necessária a religião pela religião, a moral pela moral, a arte pela arte".

Esclarecia, que uma função não serve primeiramente à uma outra função, mas
tem valor natural próprio.

Similar é a expressão de Augusto Compte:


"Cultivar a arte pela arte mesma ... Não propor-se habitualmente outro fim, que
divertir o público" (Curso de filosofia posivita VI, 167) .

A tendência para baixo, para a terra, nos acomete em tudo, até mesma na arte.
"Tendemos sempre para o proibido e desejamos o que nos é negado"
(Ovídio, Dos amores, 3,17).

972. Platão é o chefe dos moralistas em arte. Não somente achou inútil a arte,
porque cria apenas simulacros, como ainda pretendeu que só ofereça
apresentações idealizadas do ponto de vista moral.

Referindo-se à comédia e à tragédia, e abordando a influência da imitação, na


educação, sobretudo dos guerreiros, diz que estes

"Se acaso imitarem alguma coisa, imitem então as que são condizentes a tal fim:
o valor, a temperança, a santidade, a magnanimidade e as demais virtudes.

Não façam, porém, nada de vergonhoso ou vil, nem sequer possuam o dom de
imitá-lo, não suceda que pela imitação se tornem semelhantes aos que tais
coisas praticam.

Pois já não observastes que a imitação, quando formada em hábito desde a


mocidade, entra nos costumes, torna-se uma segunda natureza e transmuda o
tom, o gesto e o modo de pensar de quem a adquire?

Perfeitamente. Não consintamos, pois, que os que estão sob nossos cuidados, e
a quem impomos a obrigação de ser virtuosos, se divirtam, homens que são, em
arremedar uma mulher, moça ou velha, ora injuriando o marido, ora nivelando-
se com os deuses, quando se têm por feliz, ora entregando-se a queixas e
lamentos, porque se julga desgraçada.
Muito menos ainda toleremos que a representem enferma, ou amorosa, ou em
trabalho de parto" (República, III, 395b-395 a).

A música, ainda que não mereça tamanha restrição, é também condenada por
Platão ao ingressar en certas modalidades de ritmos (República, II, 398b).

Os primeiros mestres cristãos herdaram o moralismo platônico e o dos estóicos.


Ainda que escoimando sempre os vícios, estes não o faziam senão através da
exaltação da virtude.

A liberdade de crítica, geralmente não admitida pelos censores cristãos, fez da


"Historia Eclesiástica" um texto ufanista e apologético, por vezes falso.

O mundo feudal praticou também a arte dos bons exemplos. Na beleza


pictórica dos ambientes e dos vestidos, os nobres, incluídos cardeais e bispos
pomposamente feudalizados, ostentam a perfeição moral.

Com o Renascimento e a instalação da burguesia individualista foram-se


quebrando todavia os valores absolutos, mas ainda não os valores relativos das
conveniências.

No curso adentrado dos tempos modernos a arte foi enveredando pela


expressão livre dos temas de toda a espécie moral.

A maneira livre de encarar o tema não é, todavia, uma exclusividade da


filosofia sem valores morais. É possível também com a manutenção dos valores.
O objetivo imediato da expressão artística abordaria qualquer tema, dos
diversos graus morais e amorais, e no objetivo último, estes degraus imediatos
estariam coordenados moralisticamente.

973. Individualismo artístico. O mesmo tema pode receber o enfoque, ora


individual, ora social, porque ambos fazem parte da realidade humana.
No passado recebeu a arte o enfoque temático por vezes extremista, de um
individualismo quase imperceptível, todavia sempre cruel.

Os temas foram tratados como interessam ao indivíduo singular. Assim


aconteceu especialmente na arte da nobreza, do feudalismo, da burguesia
liberal dos séculos 18 e 19.

Já na antiguidade, o olho do artista egípcio, por exemplo, figurava os


camponeses, como se estivessem sendo observados pelo senhor dos mesmos.

Os murais das sepulturas, em vez de apresentarem os campônios ceifando para


si mesmos, portanto como homens que triunfam no trabalho, oferecem a
perspectiva do olho do patrão descansando suas vista satisfeitas na previsão dos
rendimentos. Sobre tais aspectos sócio econômicos da arte importa pensar (Cf.
Ernst Ficher, A necessidade da arte, c. 4, p.151; trad. do alemão, Zahar
Editores, 1966).

E que nos revela La rencontre (ou Bonjour, Monsieur Courbet), pintado em


1854 por Gustavo Courbert? Lembra-nos os tempos em que todo o
cumprimento devia ser diferenciador das classes sociais, o Senhor com a
cabeça erguida e o Servo com a mesma inclinada, - diferenciações conservadas,
sob muitas modalidades, nas cortes e na jerarquia eclesiástica.

Enquanto o distinto Senhor Bruyas, que fizera a encomenda da tela, é


representado cumprimentando de cabeça erguida e o servo da cabeça inclinada,
o artista Coubert também se retratou a si mesmo, numa terceira figura que, no
entretanto, mantém a cabeça erguida e uma importante sombra no solo. Tudo
isto desagradou imensamente a Bruyas, situado dentro do velho esquema
individualista e privilegiado das diferenças sociais dos senhores feudais.
974. O estruturalismo da arte de enfoque social. A dinâmica é a preocupação
do homem social. Ocupa-se das forças em andamento, das conquistas e
entraves, das composições complementares e dialéticas. Concebe-se a si
mesmo como elemento de uma estrutura maior.

O enfoque individualista é analítico. Ocupa-se da composição das coisas, das


propriedades, dos acidentes da beleza, dos episódios da vida real, sobretudo do
amor.

As vantagens da burguesia só cabem como partes dinâmicas desta estrutura


maior e não como situações definitivas e isoladas. Ainda que tratando dos
mesmos temas, o enfoque social é englobante, ao contrário do enfoque
individualista, dispersivo e atomizante.

A preocupação moralista, ao incluir o social, se envolve com complexidades.


Esta parte do setor moral incorre em particularidades subtis em virtude do
relacionamento do indivíduo, com direitos autônomos, para com o Estado,
também com direitos de promover o finalismo que lhe é peculiar. Antes que se
estabeleça o Estado, pelo pacto social, já existiam os direitos fundamentais da
pessoa humana.

Filósofos antigos, como Platão e Aristóteles, já defendiam o social e mesmo


estabeleciam alguma interferência na arte, restrita porém ao plano dos costumes.
A perspectiva era apenas a do Estado educador. Faltam os pontos de vista
sócio-econômico e político.

Em todos os tempos continua a haver os problemas de ordem política, sempre


difíceis à liberdade de expressão.

Suetônio, experiente historiador dos Césares, escrevia:

"Num Estado verdadeiramente livre, livres devem ser a língua e o pensamento".


975. A combinação do individual e do social. A ênfase do social é sobretudo
moderna. O crescimento democrático e a crescente complexidade dos
problemas advertiu para o questionamento das estruturas efetivamente válidas.

Até o século 19 a preocupação do homem santo era medida quase apenas, em


termos individuais, em tudo, o que envolvia a arte neste individualismo.

Antes a sociedade era estruturada em classes privilegiadas. Os políticos eram


os nobres perante os demais. Os empresários (feudais) eram os senhores, junto
dos quais os outros se reduziam a servos. Os religiosos (os chefes eclesiásticos)
se sobre-estabeleciam com rituais eminentemente emocionais e exaltantes da
autoridade.

Com o advento da empresa industrial, a riqueza coletiva de uma pátria, que


todos construíam, era patrimônio dos líderes mais capazes ou audazes, até que
o controle social adicionou à empresa privada o sentido social.

Achavam uns, os socialista, que o Estado deveria assumir a empresa. Já outros,


- alegando que ao Estado não compete a posição de produtor, porque esta
função é do indivíduo, - fizeram ver que ao Estado compete garantir que o
indivíduo e sua empresa não podem fugir de ser parte de um todo social.

Eis dois caminhos para a arte, ser socializante, ou ser neo-liberal.

976. O moralismo social da estética marxista passou por indecisões, em vista


de não haverem Marx e Engels desenvolvido desde logo sua plena
sistematização.
As anotações encontradas em cartas e em escritos de ocasião tiveram
desenvolvimentos ulteriores com os teóricos que continuaram a desenvolver o
espírito do materialismo histórico (Cf. Marx e Engels sobre arte e literatura -
Marx und Engels ueber Kunst und Literatur, Verlag, Bruno Henschel, Berlim - ,
coletânea de textos, por M.Lifschitz).

Nas indecisões, uns tomaram o rumo da interpretação mecanicista e vulgar,


enquanto outros reacenderam os valores absolutos, dentro dos quais os fatos
relativos se desenrolam em dialética. Neste sentido ponderou Georg Lukacs,
judeu húngaro tornado comunista:

"A essência do método dialético, de fato, está exatamente em que para ele o
absoluto formam uma unidade indestrutível... Nem a ciência, nem os seus
diversos ramos, nem a arte, possuem uma história autônoma, imanente, que
resulte exclusivamente da sua dialética interior...

É claro que esta concepção de Marx e Engels, que contradiz francamente tantos
preconceitos modernos, não comporta uma interpretação mecanicista, como a
que costumam fazer numerosos pseudo-marxistas vulgares.

Marx e Engels jamais negaram a relativa autonomia do desenvolvimento dos


campos particulares da atividade humana (direito, ciência, arte, etc); negam
apenas que seja possível compreender o desenvolvimento da ciência ou da arte
com base exclusiva, ou precipuamente nas suas conexões imanentes ...

A gênese e o desenvolvimento da literatura são partes do processo histórico


geral da sociedade. A essência e o valor estético das obras literárias, bem como
a influência exercida por elas, constituem parte daquele processo social geral e
unitário através do qual o homem faz seu o mundo pela sua própria
consciência" (G. Lukacs, Intr. Aos escritos estéticos de Marx e Engels,
ed.port.de L. Konder, na coletânea Ensaios sobre literatura, Rio, 1965, p. 13).
977. O moralismo social da arte foi uma constante nos pensadores
reformistas russos do passado recente.

Tolstoi (1828-1910):

"A arte universal tem um critério interno definido e indubitável: a consciência


religiosa" (Tolstoi, Que é arte? conclusão).

Os sentimentos inferiores, menos bons e menos úteis para a felicidade do


homem, se substituem sem cessar por sentimentos melhores, mais úteis a esta
felicidade. Tal é o destino da arte" (Ibidem, c.15).

J. Plekanov (1856-1918) em suas Cartas retocou a definição de Tolstoi (a arte


como meio de comunicação, para a seguir continuar:

"Agora, quando já temos uma definição prévia, devo esclarecer meu ponto de
vista sobre a arte. Direi sem receios que considero a arte, como todos os demais
fenômenos sociais, a partir do ponto de vista da interpretação materialista da
história" (Cartas, 1-a., quase no começo).

Passou, então J. Plekanov a investigar, como Darwin e Taine, a arte nas fases
iniciais da formação da sociedade, chegando todavia a uma conclusão marxista.
A arte primitiva dependeria diretamente da economia. Depois nos movimentos
de libertação, outra vez estaria a arte a postos. Resulta a refutação da tese da
arte pela are, em favor da missão social da arte.

No mesmo caminho está o Discurso de Andrei Jdanov no Primeiro Congresso


de Escritores Soviéticos, em 17 de agosto de 1934:

"Se nossa literatura soviética é tendenciosa, e isto nos orgulha, porque nossa
tendência está em que queremos libertar aos trabalhadores e aos homens do
jugo da escravidão capitalista" (A. Jdanov, Sobre a literatura, a filosofia e a
música, ed. Paris, 1950, p.12).

Amplificou os pontos de vista sociais da arte o já citado esteta marxista


húngaro Georg Lukacs.

978. O amoralismo relativista. Difícil é o moralismo e o ponto de vista social


nas filosofias que relativizam ou mesmo negam os valores, como acontece com
as tendências mais modernas, conhecidas por relativismo, historicismo,
culturalismo, e mesmo do existencialismo.

Não obstante não se confundem seus pontos de vista com o chamado


individualismo burguês, que era apenas um estado de espírito, resultante do
subdesenvolvimento das idéias éticas e sociais.

O novo amoralismo é mais sistemático. Suas tentativas de superação também


se fundem sistematicamente em sua filosofia.

979. O moralismo em arte, no existencialismo é bastante frágil. O


existencialismo, quando repõe a essência humana em sua liberdade sem peias
de essência e de outros quaisquer valores, destaca uma novo tipo de moralidade,
a total responsabilidade do ser abandonado a si mesmo.

O ser humano, reduzido à sua situação, elege sem pressão de normas. Não tem
a atender à potencialidades metafísicas. Apenas se realiza por conquista.

Jean Paul Sartre (195-1981), existencialista, e acomodando a arte ao seu novo


modo de ver amoral, defendeu a função social da arte e combateu a
irresponsabilidade da arte burguesa. Tal é o tema de Sartre em Situations II,
que é literatura?.

"O escritor tem uma situação em sua época; cada palavra sua repercute. E cada
silêncio também. Considero a Flaubert e a Goncourt responsáveis da repressão
que seguiu à comuna, porque não escreveram uma só palavra para impedí-la"
(Que é a literatura, p. 10).

Em que firmou Sartre os valores, que, ao seu modo, buscou?

"Em cada época o homem decide de si mesmo frente aos demais, ao amor, à
morte, ao mundo ... Ao tomar partido na singularidade de nossa época, nos
unimos finalmente ao eterno, e nossa tarefa de escritores consiste em fazer
entrever os valores de eternidade que estão implicados nesses debates sociais
ou políticos.

Não vamos, porém, buscá-los em um céu invisível; são valores que têm
unicamente interesse em sua envoltura atual. Longe de ser relativistas,
afirmamos profundamente que o homem é um absoluto. É-o, porém, em sua
hora, em seu meio, sobre sua terra... Em resumo, nossa intenção é contribuir a
que se produzam certas alterações na sociedade que nos rodeia" (Ibidem, p.12)

II - Decisão entre moralismo e amoralismo em arte.


0531y981.

982. Dificuldades da questão. Importa achar um fundamento para decidir


entre classicismo de idealização moral e social, e o não classicismo de
idealização moral e social.
O classicismo de idealização moral depende diretamente da existência dos
parâmetros moral e social, os quais finalmente dependem de uma ontologia.

Não é possível idealizar sem pré-estabelecer valores. Não houvesse um


compromisso com a verdade e o bem, poderíamos usar a expressão para mentir
e enganar.

Dá-se aqui o mesmo modo de argumentar da idealização do classicismo


estético (vd 944), o qual, segundo vimos, depende também da ocorrência da
verdade ontológica dos seres.

De outra parte, a existência da moralidade não significa imediatamente a


idealização, porquanto a própria moralidade admite graus de realização (vd 985).

Dali resulta que, nesta questão de moralidade da arte, importa distinguir dois
tempos na tarefa. Primeiramente há a provar a moralidade em geral, e depois
mostrar que poderá haver um lugar ao sol, para os diferentes graus, portanto
para uma idealização de estilo clássico, e um lugar para o estilo não clássico,
sobretudo do realismo.

983. O moral no teatro, cinema, televisão parece um reclamo axiológico


evidente.

Em casos mais específicos o problema do bem e do mal na arte se evidencia


com mais contundência.

Seja primeiramente o teatro. Para uns, os moralistas virtuosistas, somente


poderia haver representações de temas impecáveis; para outros, o teatro
representaria os fatos da vida em todas as situações.
A importância de citarmos aqui o teatro reside em que sua temática se ocupa
generalizadamente da ação humana, de sorte que se destaca o aspecto moral do
homem.

Dali nasce a questão, de se o teatro deve expressar apenas situações


consideradas modelares, ou se pode conduzir também ao palco a mulher
pervertida, o homem viciado, a corrupção e a guerra, o racismo e o
nacionalismo patrioteiro, o terrorismo desumano.

Por redundância, a questão também se ergue para todas as demais artes, o


cinema, a televisão, a literatura e a música, a pintura e a música, a dança e o
balé.

Depois que se criou o cinema e a televisão, tornou-se fácil apresentar o crime


virtual. Tornou-se possível jogar, sem que os dados efetivamente existam senão
na imagem. Do mesmo modo tornou-se possível atirar e matar, sem que
efetivamente as figuras mortas tenham de fato morrido.

O pior que a invenção do cinema e da televisão trouxe para a sociedade foi a


facilidade desta representação do crime. Bastante cedo a sociedade reagiu
contra a prática virtual do sexo explícito nas imagens do cinema e da televisão,
mas está demorando a reação contra o crime virtual.

984. A expressão do pensamento crítico. Em arte não se trata apenas da


imagem e da idéia, mas também do juízo e do raciocínio, sob a forma de critica.
Importa ao pensamento crítico e à sua expressão em arte, discernir entre o sim e
o não, sobretudo entre entre o bem e o mal.

A liberdade de crítica, ou de pensamento, não se diz apenas da verdade do tema;


ela alcança também o plano do valor bonum.
Negar esta liberdade, consiste em apenas admitir o encômio, o elogio, a
exaltação, o ufanismo, a apologética, o formalismo das boas maneiras. A crítica
é negativa, quando simplesmente destrói; mas também a crítica positiva se
ocupa do menos bom e do mal; em qualquer das hipóteses, ela não coincide
como o modus ufanista de expressar.

Já é possível perceber que a arte pode ser moralista de dois modos, -um ao
modo da idealização moral, como modelos sempre impecáveis, e outro, ao
modo da não idealização moral dos temas, ainda que em última instância
busque a moralidade.

Esta distinção também se faz com referência ao valor-verum. Mesmo a não


idealização do tema expresso como objetivo imediato pode, em objetivo último,
pretender a perfeição ontológica do mesmo.

Dali vem que se torna difícil decidir sobre uma posição no que se refere à
bondade moral e social na arte. Assim acontece que uns simplesmente omitem
a questão da bondade; outros a estabelecem subdividindo-se em aqueles da
idealização moral dos temas e em aqueles da idealização moral dos temas e em
aqueles da não idealização imediata dos temas.

985. Um lugar ao sol para o não clássico em estilo moral. Mais uma vez
acontece o paralelismo entre o clássico e não clássico ôntico e o clássico e não
clássico no campo da ação moral.

Se considerarmos, que, - apesar de se admitir os parâmetros morais e sociais, -


a arte não precisa ser idealizada. Não é imoral a arte que não cultiva o grau
máximo da perfeição ética.

Efetivamente, a perfeição moral admite graus. Não é necessário expressar tudo


sempre pelo grau máximo de perfeição moral.
É apenas uma questão de estilo escolher escolher entre este ou aquele grau de
moralidade. Não sendo necessário idealizar, quem idealiza, o faz por estilo.

Em consequência desta maneira de ver, sobretudo o teatro, como expressão da


vida humana e de suas condições, poderá ser ser realista.

O palco não precisa ser um santo dos santos, como o tabernáculo encortinado
do antigo templo de Jerusalém. A representação selecionada de episódios
impecáveis poder ser uma falsa estrutura de teatro.

E assim toda a arte, qualquer seja a sua espécie, ainda que seja moral, não é por
isso mesmo uma idealização moral. O ser social não se restringe ao ufanismo, à
apologética, ao elogio, à exaltação.

Também há moralidade e socialidade na crítica, e esta não é possível senão,


tendo por centro, a situação a criticar, ainda que, de outra parte, não se possa
fazer crítica positiva e construtiva senão tende em vista um valor-bonum.

986. A liberdade de comunicação. Pelo fato mesmo de que a arte, sobretudo a


da linguagem, é o único meio humano de comunicação, ela envolve um direito
fundamental, e em consequência importa em um ética.

A alegação deste princípio, de que a arte é o único meio de comunicação entre


os espíritos, encaminha desde logo o assunto para as mãos do finalismo de
Estado político, ao qual compete promover o bem comum.

Basta reconhecer-se a existência de um Estado com a finalidade do bem


comum, para admitir-se implicitamente esta coordenação da arte pelo poder
público.
987. Liberalismo, neoliberalismo. Com referência ao detalhe de como age o
poder público, seus limites e modalidades, eis outra questão, em que variam as
concepções, desde o liberalismo puro até o socialismo totalitário, tudo
finalmente influenciando a arte.

Numa concepção liberal do Estado, este não toma o lugar dos cidadãos,
defendendo todavia as iniciativas individuais e à elas dando o desenvolvimento
sustentado. Somente o cidadão é produtor. Por isso mesmo pode criar capital
produtivo e pode propor contrato de trabalho a operários. Inversamente, todos
tem o direito de vender seu trabalho e ter este direito protegido pelo Estado.

Diferentemente o Estado socialista toma o lugar do cidadão. Em vez de


somente o cidadão ser produtor, o Estado faz-se produtor, um gerente de
empresas. Os que defendem o socialismo, lhe atribuem a qualidade de ser um
libertador do trabalhador. Dizem os liberais, que não é este o caminho que o
liberta.

O que verdadeiramente importa está em saber, se o Estado é produtor. Parece


não ser esta a sua função, porquanto esta função é alheia ao contrato social,
que o instituiu. Mais, - é um direito fundamental da pessoa humana poder
vender seu trabalho, como ainda o de pagar o trabalho, gerando a empresa.

988. Desenvolvimento sustentado. O Estado liberal é essencialmente social,


sendo-o em graus progressivos.

O primeiro grau é o da simples defesa das liberdades individuais de iniciativa.


É o Estado como garantia da ordem pública.
Cresce o Estado em socialidade, na medida que promove o desenvolvimento
das iniciativas privadas, estimulando-o com incentivos, sem lhes tirar o lugar.

Este é o desenvolvimento sustentado, por serviços públicos, alguns bastante


gerais, como estradas, e outros mais diversificados, como ordenamento do
sistema educacional, do sistema creditício. Agora o Estado é o instrumento não
somente da ordem, como também do progresso dos cidadãos.

O Estado liberal puro, de simples defesa dos direitos individuais, tende a


desaparecer, cedendo lugar ao social do desenvolvimento sustentado, dito por
vezes neo-liberal.

Chegados até aqui, entramos para o plano que mais imediatamente interessa às
considerações sobre a filosofia geral da arte.

989. A arte das massas. No passado, nem mesmo a alfabetização, -que está no
início de todo acesso à arte, - fora vista como necessidade comum.

O povo, no desenvolvimento sustentado, deve encontrar condições para se


alfabetizar em todas as artes, sobretudo nas que mais habilitam a comunicar os
homens entre si.

Uma arte que não for das massas, não cumpre integralmente o finalismo social
da mesma.

A literatura fechada no individualismo, como mera ocupação lúcida dos


desocupados, que a praticam nos instantes de lazer, não alcançou seu
desenvolvimento integral , social.
Dizia o epigrama de Jean Cocteau:

"A poesia é indispensável. Se eu ao menos soubesse para que ..."

Ali se encontra o estado do espírito de um tempo e de uma classe ...


Reformulada a perspectiva, também o lúdico é social, desde que visto
integralmente, como função conveniente para todos e não só uma situação para
os desocupados e individualistas indiferentes às condições do grupo.

990. Dando a conhecer, a arte ilustra a mente. O caráter intuitivo de suas


expressões, exerce um poder empolgante. E isto aproveita sobretudo para
conduzir insistentemente na direção de nobres ideais.

Sobretudo a arte da palavra, quando bem dirigida, é eficaz. Por obra da arte, os
oradores conduzem as multidões ao heroísmo.

Teria a arte alguma vez pervertido alguém? Acidentalmente é possível que sim,
como também acidentalmente pela via do conhecimento se praticar o mal.

Não é todavia a tendência de quem busca o saber, aproveitá-lo em seu mesmo


prejuízo. E assim, quem atende à arte, termina por exercer preferencialmente a
aspiração da verdade e do bem, do que do erro e do mal.

A arte, que ensina os povos, os conduz aos seus altos destinos, mais do que
para a sua ruína e destruição moral.

"A glória máxima de um povo provém de seus escritores" (Samuel Johnson).


Pela arte se eterniza no bronze da palavra -, e também no bronze verdadeiro -, o
passado heróico de um povo. Ainda pela arte se ensina às gerações do presente
o entusiasmo pela realização de novos fastos que engrandeçam a humanidade.

991. A questão dos direitos autorais. Criada a obra, até onde poderia haver
sobre ela direitos autorais, em termos de monopólio?

Direitos autorais e patentes podem acontecer como violação de direito de


outros fazerem a mesma coisa. O direito autoral sofre limitações. É um direito,
mas não ilimitado, nem absoluto.

Sobre o indivíduo, e portanto sobre o artista e o inventor em geral, incide


também uma obrigação para com a comunidade. Considere-se que a formação
artística e profissional decorre, em grande parte, de incentivos e iniciativas do
Estado, - o que mais uma vez cria obrigações comunitárias para os artistas,
inventores e profissionais em geral.

Pode-se considerar nos direitos autorais, oficialmente concedidos e garantidos


pelo Estado, um privilégio, para estímulo. Nesta condição, devem os direitos
não ser concedidos de maneira a conferirem vantagens tão excepcionais, que já
vão além do estímulo.

O prêmio também precisa ser levado em conta. A arte têm destas, não
aproveitando ao artista, mas aos que adquirem seus direitos autorais, ou aos
pósteros que a herdaram. O mesmo já se disse do saber, - "a sabedoria é muitas
vezes mais útil aos outros do que àquele que a possui" (Eclesiastes, 11).

Os mais remunerados artistas têm sido aqueles que conseguiram comunicar-se


com a maioria. Agradar à maioria já é algo significativo, ainda que não seja
uma prova definitiva de superioridade artística.
§4. Estilos psicológicos ou estéticos.
0531y992.

993. Em princípio o efeito psicológico ou a esteticidade é uma propriedade


da arte. Entretanto seus graus podem formar estilos. Em si mesma, a satisfação
psicológica é uma propriedade da arte; o estilo lhe é imediatamente posterior,
porque a propriedade admite graus, cujo eventual aproveitamento constitui o
estilo, o qual o bom gosto cultiva.

Há os efeitos pré-artísticos, decorrentes do bom tratamento dos materiais


eleitos. E há aqueles que derivam dos objetos expressos.

A música tende a cultivar a esteticidade pré-artística dos sons. Diversamente, a


linguagem se concentra no agrado resultante do conteúdo expresso.

No caso das cores ocorrem subvariedades, como vernizes e óleos, que


permitem variações de brilho, com efeitos estéticos subtis, que marcam
diferentes estilos na pintura.

Cores, formas plásticas, sons permitem variações de estilo e de técnicas, que


por muitas maneiras introduzem na expressão as eventualidades estéticas de
estilo.

As razões de muitos estilos estão nos efeitos estéticos que produzem.


995. O ritmo (vd) é um influente modalizador estético dos estilos da arte.

O mesmo acontece com a rima, sobretudo na arte da linguagem.

A sequência dos elementos em ordem, sejam os artísticos da expressão


propriamente dita, sejam os pré-artísticos da matéria portadora, admitem
crescendos e decrescendos, que temperam o estilo, de acordo com preferências
e gostos.

Neste sentido há os ritmos mais lógicos e mecânicos e os ritmos mais


impressionistas e sugestivos.

Conclusão da Filosofia Geral da Arte.


0531y997.

998. Chegamos ao final da exposição sistemática da filosofia geral da arte.

Nessa consideração filosófica geral sobre a arte, ela foi examinada desde seus
dois componentes básicos, - significado e significante, - até os aspectos
exteriores, denominados propriedades e estilos.

Não existe a arte em geral. Somente há artes específicas, como a música, a


escultura, a pintura, a língua. A arte em geral é um ponto de vista abstrato, que
foi nosso tema até aqui. Resta portanto tratar dos pontos de vista específicos,
que são os temas das respectivas estéticas especiais.
Fica pois estas filosofia geral da arte, agora concluída, na posição de parâmetro
genérico para as demais filosofias, cujos títulos já previmos:

Estética das formas;

Estética das cores;

Estética da música;

Estética literária.

Atividade criadora humana, com tão variadas maneiras de proceder, a arte


torna-se tanto mais compreendida, quanto mais houvermos entendido os
parâmetros pelos quais se guia.

Evaldo Pauli

ESTÉTICA LITERÁRIA

APRESENTAÇÃO TÉCNICA DO TEXTO.


4515y003.

4. Estética literária, no quadro geral da Enciclopédia Simpozio, tem a forma de


texto híper e a dimensão de texto mega.
Como texto de forma híper, polariza em torno de um verbete central os demais
artigos relacionados com o mesmo tema, convertendo o todo em um tratado.
Como texto de dimensão mega, a presente Estética literaria corresponde a um outro
menor.
Dada a afinidade da Estética literária com demais estéticas, a Enciclopédia Simpósio
apresenta a todas como um conjunto intitulado Megaestética.

Finalmente todo o conjunto se integra na Enciclopédia de Filosofia, que está como


unidade 1, no grupo das 10 enciclopédias coordenadas que constituem a Enciclopédia
Simpósio.

5. A numeração texto híper se processa por meio de 8 dígitos, divididos em dois


campos pela letra y.
Os primeiros 4 números coincidem com os do verbete fundamental, de 4 dígitos,
como aparece Enciclopédia atômica (alfabética). Os três números finais redividem o
texto híper, com possibilidades de 000 até 999.
No curso do texto híper os números divisionários dispensam os dígitos do primeiro
campo e a letra y. Mas os títulos principais são todavia numerados integralmente
pelos 8 dígitos.

6. As citações no curso interno do texto híper se fazem apenas com os três dígitos
finais, de 000 a 999. Feita a citação a partir de fora, são necessários todos os oito
dígitos.

INTRODUÇÃO À ESTÉTICA LITERÁRIA.

4515y007.

8. Uma introdução consiste na consideração meramente formal sobre o assunto a


tratar. É um olhar a partir de fora, de quem se orienta para entrar no assunto. A
introdução, informa advertindo para os temas e seus problemas, bem como métodos,
sem todavia tomar posições decisórias de conteúdo.
No que concerne mais especificamente à estética literária, ou seja da linguagem, ela
importa em uma introdução, dada à vastidão de seu tema e a dispersidade de suas
questões, além dos pressupostos filosóficos anteriores a ela mesma.

9. Os temas introdutórios à estética literária admitem a seguinte sequência:


- Objeto da estética literária, definindo-a e analisando seus nomes (vd 10).
- Aditivamente um pouco de história da teorização da linguagem (vd 42).
- Divisão didática do ensaio em andamento (vd 91).
ART. 1-o. OBJETO DA ESTÉTICA LITERÁRIA. 4515y010.

11. Definição real e definição nominal. De pronto isolamos dois questionamentos,


- o da definição real, que vai diretamento ao significado mesmo da estética literária,
apontando para o objeto de que efetivamente trata (§ 1-o),
- o da definição nominal, deixando claros os diferentes nomes que se referem à
linguagem e às ciências que dela tratam (§ 2-o).
Apontados pela definição real os caminhos a serem trilhadostrilhar e recebidas as
sugestões que a definição nominal ainda acrescenta, - tudo isto vai facilitar a entrada
depois no questionamento simplesmente de tudo o que a estética literária apresenta
como natureza, propriedades e estilos.

§ 1-o. Definição real da estética literária.


4515y012.

13. Tem a estética literária por tema;

- o estudo da língua como expressão, enquanto capaz de significar objetos,


- e o exame de suas propriedades, com destaque sua capacidade de estabelecer
a comunicação humana.

14. A língua é objeto de estudo de várias ciências. Umas são do gênero das
ciências filosóficas, outras do gênero das ciências positivas.
Ficamos aqui dominantemente no gênero das ciências filosóficas.
Portanto, esta estética literária é, dominantemente, uma filosofia da língua (vd 18),
ainda que com frequência se alargue para todos os seus problemas.

15. O conhecimento vulgar sabe o que é a língua.


Mas em tudo a ciência sistemática ultrapassa ao conhecimento vulgar, convertendo a
língua em um fenômeno transparente.
Assim sendo, a língua se apresenta claramente a nós como expressão e ainda como
instrumento de comunicação, catarse, ludicidade.

O conhecimento que a ciência consegue sobre a lingua chega a ser tal, que se torna
capaz não somente de melhorar o uso das línguas já existentes, como ainda de
inventar novas, mais perfeitas.
A ciência, em revelando a natureza da língua torna o seu uso um processo mais
consciente.

16. Filosofia geral da arte. É a língua uma das muitas artes. Infere-se, que muitos dos
seus aspectos já vêm tratados de um saber mais geral, o da filosofia geral da
arte (vd 0531y000).
E assim há também para cada arte, uma lógica, uma gnosiologia, uma psicologia
racional, uma ética, bem como uma filosofia política; tudo junto, finalmente, é uma
filosofia da arte.
Como facilmente se pode imaginar, a estética literária se coordena ao quadro maior
da filosofia da arte, como uma de suas subdivisões. Sendo uma arte ao lado da arte da
pintura, da escultura, da música, obedece aos conceitos, e até mesmo à terminologia,
da geral da arte.

É frequente a classificação dos conhecimentos da filosofia da arte em dois conjuntos:

- filosofia geral da arte (vd 0531y000);


- filosofias especiais da arte, a saber, estética das cores (vd 3911y000); estética das
formas (vd 2283y000); estética da música (vd 5287y000); estética literária.

17. Sendo várias as ciências que têm a linguagem como objeto de estudo, importa
tratar a especificidade de cada uma das referidas ciências sem misturar, sem confundir
os respectivos pontos de vista. Esta ordem é uma condição da sistematicidade das
ciências.
A ordem didática admite porém ser realizada de diversas maneiras. Ou tratamos
sucessivamente todas as ciências; ou as tratamos simultaneamente, mas atentos à
distinção. Qualquer seja o modo, a distinção entre as ciências deve ser uma
preocupação constante.

Se afirmarmos, por exemplo, que a linguagem é essencialmente uma expressão,


devemos saber determinar, se esta afirmativa está sendo estabelecida por conta da
filosofia ou por obra de uma ciência positiva como a linguística.
Se advertirmos, que o ritmo lento agrada de forma diferente que o ritmo rápido, de
novo devemos saber determinar a que ciência pertence a assertiva, se à psicologia
experimental ou se à psicologia racional.
A sistemática científica requer consciência sobre o situamento de cada tipo de
conhecimento no quadro geral do saber.

Com referência à língua, a perspectiva principal agora em questão é a da filosofia da


linguagem. Então o que em primeiro plano importa são as explicações puramente
racionais da arte de exprimir.
Mas ordinariamente uma exposição didática não se limita apenas a isto. A exposição
de cada ciência usa mover-se num quadro mais amplo por razões, que poderão ser
didáticas ou mesmo só de motivação.
Recomenda-se, pois, ao estudo filosófico da linguagem, ou seja, ao estudo
metalinguístico, também alguns elementos decididos pelas ciências meramente
experimentais, tanto la linguística experimental, como da estética experimental em
geral.
As derivações para outros campos são úteis aos pontos de vista filosóficos. Além de
os aliviarem do seu caráter abstrato, completam os conhecimentos dentro de um
quadro mais abrangente.
Todavia, tratar de tudo ao mesmo tempo, não é o mesmo que fazer uma grande
confusão. Importa sempre saber das distinções de coisas que efetivamente são
distintas.

18. A filosofia da língua estuda o falar humano sob o ponto de vista da explicação
meramente inteligível, como é próprio da filosofia.
O significado, por exemplo, não é empiricamente constatável, senão indiretamente
(pelos seus efeitos). Por isso o significado em si mesmo é tema da filosofia da língua,
e não da linguística, que é uma ciência experimental. Não há como explicar por meios
meramente empíricos o fenômeno da linguagem do ser humano inteligente.
O portador do significado, enquanto distinto deste significado, não só admite
considerações filosóficas, mas também experimentais. Já estas considerações
experimentais pertencem à linguística (vd 31), gramática (vd 37), etimologia (vd 35),
semântica (vd 34), - que todas são ciências positivas da linguagem, que examinam o
significante em relação ao significado.
A linguística com seu método experimental atinge o significado, - conforme já
advertido, - apenas indiretamente, isto é, não em si mesmo, e sim pelos efeitos
empíricos provocados através do significante.
O significado, ou elemento transportado, é diretamente apenas percebido pelo
entendimento, o qual tem a competência para interpretá-lo diretamente. Esta
capacidade ocorre tanto nas expressões por mimese natural, como por convenção.

O elemento portador, - chamado também significante em oposição ao significado, - é


caracterizadamente sensível, isto é, experimental. Também é constatável o
comportamento resultante do significado do significante. Mas compreender porque o
significante pode servir para indicar a expressão, é algo de meramente inteligível.
Importa cuidado na distinção entre filosofia da língua e linguística (vd 31), havendo
neste particular um comportamento ainda hoje não sempre respeitado pelos estudiosos
(vd 86).

§ 2. As denominações várias da filosofia da lingua.


4515y019.

20. Metafísica da arte. As denominações dadas à filosofia da língua e às suas


divisões facilmente confundem, porque, apesar de sua tradição secular, não asseguram
as vantagens de um contexto habitual.
A metafísica da arte, ou gnosiologia da arte, se ocupa do instante em que se pergunta
pela sua natureza como ente. Cuida-se então compreender a arte como um ser ao lado
de outros seres, com a intenção de determinar a diferença que a torne inconfundível.
É quando se estabelece a arte como uma expressão significante, ou signo, que tem a
função de remeter a atenção do ser que se fecha em si mesmo e sem nada significar.
Coisa capaz de significar algo, eis o que seria a arte. Nesta direção trabalha o filósofo
da metafísica da arte, e está o centro principal de toda a filosofia da língua.

A ética da arte determina as relações de legitimidade da ação artística. Como fazer


humano a expressão artística obedece ao esquema geral deste fazer, e ainda incorre
em detalhes, os quais não poderiam ser desconsiderados.
Similar ao aspecto ético da arte é o social da arte. Agora a perspectiva é a arte dentro
da interação social, esta estudada pela filosofia social e pela sociologia. E assim nasce
também uma filosofia social da arte. Em suas sub-divisões vamos dar enfim na
filosofia social da linguagem.
Não entraremos nem no campo ético, nem no social da arte, senão acidentalmente.
Entretanto estes aspectos são importantes e destacam a anterior filosofia da arte.

21. O homem é um animal que fala, conversa e ri.


É de tal modo importante este fenômeno e tão diversas são as formas de sua
manifestação, que em torno dele se criou um vocabulário de inúmeras variações: fala,
palavra, língua, linguagem, idioma, e todo o grupo arte literária, letras, literatura,
lingüística filologia, etimologia, semântica, gramática, estética literária, sem contar os
nomes mais setoriais, como prosa, poesia, gêneros literários.
Importa atender a estes significados, com vistas à precisão. Ao fazermos alusão às
suas origens etimológicas, outras denominações ainda surgirão e se esclarecerão, com
vantagem para exposição do nosso tema, por tratar-se de noções próximas.

22. A fala. Um grupo de palavras eruditas e mesmo vulgares deriva da raiz indo-
européia bha-, cujo sentido básico é falar.
No grego assumiu a forma phemi (=dizer), que repercute em eufemismo(expressão
elegante, que substitui formas vulgares), phoné (=voz, palavra), phonetikós =
fonética).
No latim: fari (falar), facundia (=eloquência), fábula (=récita), affabilis (=afável),
ineffabilis (=inexprimível), prefácio (=preâmbulo), fama (= fama, renome), professio
(=promessa, profissão), que todas se refletem nas demais línguas.
No francês, entre outras formas: fable (=fábula).
No italiano: favola (=fabula).
No espanhol: habla (= linguagem), hablar (=falar).
No português: falar que , pelo visto, se aproxima da forma espanhola hablar e da
italiana favola.
No Esperanto são palavras pertencentes ao grupo etimológico mencionado acima:
fonemo, fonetiko, fonetismo, afabla, famo.

23. Palavra deriva da raiz grega bal-, com o significado fundamental de lançar, atirar,
como em ballo (=lançar, atirar).
Dali os termos diabolos (=diabo), com o sentido de caluniador, parabolé (=parábola),
comparação; symbolon (=símbolo), sinal de reconhecimento.
Através de parabolé veio às línguas latinas parábola, que deu no francês parole e
parler; no espanhol palabra e parlar; no português palavra, palavrear, parlar, parolar;
finalmente no Esperanto paroli (= falar).

Os termos palavra e fala (vd 22) significam uma enunciação ativa da linguagem.
Neste sentido palavra e fala são atividade (no grego enérgeia = energia, força), ao
passo que língua é passividade (no grego érgon = obra, coisa realizada).
Dito melhor: a língua é o produto da fala ou de quem enuncia palavras. Tudo começa
por uma ação, execução, desempenho, performance e termina em um resultado. Os
nomes ora se referem a uma das nuances, ora à outra.

24. Verbo, com o sentido amplo de palavra e com o sentido mais freqüente de ação
verbal, deriva do indo-europeu werdh-, com significação fundamental de palavra
(vd 23). É a raiz comum de palavras importantes.
No grego erô (através de wer) (=direi); rhêtôr ( através de wretôr) = retor, orador.
No latim ver-bum (= palavra); proverbium (=provérbio).
No germânico: no inglês word (=palavra); no alemão Wort (=palavra). No Esperanto:
vorto (=palavra), verbo (no sentido de ação gramatical).

25. Voz é um termo a partir de cuja raiz etimológica se formam também outras
denominações significativas, que convém esclarecer. Trata-se do grupo de termos que
deriva do indo-europeu wek- com o sentido fundamental de emissão da voz.
Dali o grego épos (através de wepos) (= palavra) de onde finalmente épico e epopéia.
No latim: vox (=voz), vocalis (=sonoro), vocabulum (=nome).
Chegamos assim ao que em português é vocábulo; este, portanto, tem o sentido
básico de voz emitida.
Ainda no latim: vocare (=chamar) e evocare (= chamar, com em alistamento de
tropas).
No Esperanto: voæo (sono elblovita el al pulmoj), voki (per alvoko turni al si ies
atenton).

26. Língua e linguagem. No sentido anatômico, língua é apenas o órgão articulador


da fala.
A raiz indo-européia dinhw- produziu no latim dingua, que se transformou em língua
sob a influência de lingere (= lamber).
No inglês tongue.
No alemão Zunge.
Por efeito de polissemia, língua passou a significar também a expressão oral. Por
tratar-se de significados efetivamente distintos, cada qual poderá receber distintos
outros nomes.
No caso da língua como expressão oral são bem conhecidos os termos fala, de que já
foi tratado, e idioma (vd 27), de que cuidaremos depois.
No Esperanto, - em decorrência de ser uma língua planejada com as melhores regras, -
a polissemia é afastada, pela diferença lango (órgão anatômico) e lingvo(expressão
oral).

A língua é uma espécie dentro do gênero de expressão chamada arte; mas sob a
denominação de língua ocorrem muitas línguas, no sentido de muitos
sistemasgramaticais. Então cada qual tem um nome, como língua portuguesa,
espanhola, francesa, inglesa, lingua Internacional Esperanto.
Não se diz do mesmo modo muitas pinturas, muitas esculturas, muitas músicas.
Do ponto de vista da individuação e da espécie aos quais os indivíduos pertencem, é
possível entender por língua cada uma das diferentes línguas, enquanto cada uma é
língua numericamente distinta de outra; e é possível entender por língua a espécie a
qual todas as linguas individuais pertencem, e na qual, como um todo se distinguem
de outras espécies de expressão, como a escultura, pintura, música.

Entre língua e linguagem se dá uma diferença de nuance. O sufixo empresta à


linguagem uma nuance particularizante, em que a particularização atende ao estado
concreto e materializado da coisa referida.
Língua significa a espécie simplesmente, com quando se diz a língua é um
instrumento de expressão, ou como quando se diz que as línguas são muitas e entre
elas estão a língua portuguesa, espanhola etc. Ou ainda, que as línguas podem formar-
se espontaneamente e também por planejamento.
Linguagem se diz da mesma língua quando considerada como algo concreto e
materialmente realizado, nesta linha podendo receber qualificações, como quem diz
linguagem agradável, severa, escorreita, estética, ou como em linguagem popular,
linguagem científica, linguagem bíblica.

Situações várias nos podem deixar perplexos. Tanto se pode, por exemplo, dizer
língua científica (ou língua da ciência), como linguagem científica, mas em ambos os
usos ocorre uma nuance.
Língua científica (ou língua da ciência) é a que efetivamente se destaca à maneira de
uma espécie, como palavras especializadas, ou mesmo com formulações peculiares
como na matemática, química, lógica simbólica. Linguagem científica é a nuance que
a língua assume ao ser utilizada pela ciência, em que um destaque é a precisão dos
seus termos.

O contexto pode admitir a troca dos termos língua e linguagem, o que entretanto não
se aconselha. Mas sobretudo língua, mais universal que linguagem, admite
normalmente a posição de linguagem.
A distinção entre língua e linguagem vem sendo feita mais insistentemente a partir de
Saussure, mas nem sempre com segurança.
27. Idioma (do grego idíoma = particularidade, qualidade particular) se diz da
linguagem enquanto se exerce de maneira própria a cada povo. Pela maneira de falar
usam diferenciar-se os povos.
Lembre-se ainda o termo idiotismo (do grego ídios = particular), que indica a
linguagem própria de um indivíduo ou de um caso muito peculiar. Dali também
idiota( do grego idiotes = simples), com o significado de indivíduo simplório.
Em função à origem do termo idioma, admite-se dizer "idioma nacional". Diga- se,
por exemplo, que o inglês é um "idioma nacional", ainda que internacionalmente
falado por muitos.
Do Esperanto se diz simplesmente que foi criado para ser uma "língua internacional".
Por causa do seu caráter neutro e universal fica pouco adequado dizer "idioma
esperanto", por se tratar de língua que não traduz a caracterização de nenhum povo
isoladamente. Mas seria possível "idioma humano", enquanto contrasta com o idioma
dos animais.

28. Arte literária, letras, literatura. Eis uma sequência de nomes que significa a
linguagem, todavia em conotação com a técnica de sua fixação em sinais gráficos.
Pela sua índole, os sinais gráficos podem ser ideográficos, como aconteceu com a
grafia inicial egípcia e com a grafia até hoje conservada do chinês e mais línguas
orientais.
Cerca do ano 1000 a.C., os fenícios criaram o atual alfabeto a partir dos sinais
idiográficos egípcios; por exemplo A é a primeira de Apis (= boi), cuja figura aos
poucos se inverteu, pois o A é nada mais que uma cabeça de boi com chifres fincados
para baixo; B é a primeira letra de Bet (= casa), cuja figura de dois pavimentos
também continua reconhecível.

Etimologicamente, como também pelo uso, literatura (no Latim litteratura)


significava na antiguidade simplesmente gramática, arte da escrita. O adjetivo
literatus (= literato) também já então podia significar douto, instruído, erudito, sábio;
era uma consequência do conhecimento da gramática, ou seja das letras.
Nas línguas modernas, sobretudo neolatinas, literatura, passou a significar a produção
escrita das manifestações do espírito humano. Deixou, por conseguinte, o anterior
significado latino de gramática.
Na nova acepção, literatura assumiu nuances de contexto. Por extensão, literatura
inclui também as produções da linguagem em geral (não das demais artes), incluindo
pois as manifestações orais.

Por restrição, literatura pode significar apenas o gênero ficção e poesia; ou qualquer
outro gênero, desde que o objetivo seja mais o estético e emocional, do que o de
conteúdo. Um poema épico, por exemplo, apesar da verdade do conteúdo, tem em
mira a emoção heróica, e por isso é literatura no sentido estrito indicado.

Três são, por conseguinte, as nuances de literatura:


- toda a forma de linguagem escrita (como em literatura científica);
- toda a forma de linguagem (como em literatura oral);
- só os gêneros de ficção e poesia (como em literatura épica).

Letras, no plural, expressa a linguagem escrita, com a nuance de "bem escrita". Este é
o sentido que a palavra vinha formando desde a antiguidade latina, quando littera
(letras) já significava carta e gramática (scientia litterae) em lugar de literatura.
Arte literária é uma formulação com adjetivo, sem correspondente substantivo direto;
significa muito bem a língua como expressão e que se fixa em letras.
Na mesma linha se encontra estética literária.

29. Em busca de um nome próprio adequado para a arte da língua. São tantos os
nomes a referir-se ao mesmo plano de expressão, que se fica a perguntar sobre qual o
mais adequado.
- Haveria acaso um nome próprio adequado para a arte da língua, como o há bem
definido para a pintura, para a escultura e para a música?
- E haveria um nome para a respectiva ciência da língua?
É necessário distinguir entre a arte da língua e a ciência respectiva (vd 30). Não se
requer de pronto nomes diferentes para coisas próximas, porque a sintaxe poderia
conduzir a mente aos respectivos significados. Contudo, nomes distintos, mesmo para
pequenas distinções, podem ser muito úteis.

O nome para a arte da língua efetivamente existe, e é língua (linguagem e fala).


Todavia o nome língua é polissêmico, e não usamos conotá-la imediatamente com a
arte. Por isso dizemos pela forma ampla "arte da linguagem". Não tem o nome língua
a mesma ênfase como quando se diz pintura, escultura, música.

Mais frequente é indicar-se a arte da linguagem pelos seus muitos gêneros e


modalidades: poesia, prosa, epopéia, drama, comédia, sátira, novela, romance, conto,
carta.
Por falta de um nome específico e enfático literatura (vd), que significava o estudo da
gramática, passou modernamente a significar os gêneros literários como um todo.

Aristóteles foi o primeiro a levantar a questão de um nome geral, para denominar


como conjunto, os vários gêneros literários, ainda que não pareça alcançar a largura
da expressão em prosa. Usou o Estagirita a palavra "poética" num sentido mais amplo
que o atual, porque incluiu o teatro, ainda não que não a retórica.
Declarou no início do sua Poética:
"Propomo-nos tratar da produção poética em si mesma e de seus diversos gêneros,
dizer qual a função de cada uma deles, como se deve construir a fábula, no intuito de
obter o belo poético...
A epopéia e a poesia trágica e também a comédia, a poesia ditirâmbica, a maior parte
da aulética e da citarística, consideradas em geral, todas se enquadram nas artes de
imitação.
Contudo, há entre estes gêneros três diferenças: seus meios não são os mesmos, nem
os objetos que imitam, nem a maneira de os imitar" (c. 1, 1-3).

Arrolando gêneros e nomes, súbito anotou o autor de Poética:


"Carecemos de uma denominação comum para classificar em conjunto os mimos de
Sófon e de Xenarco e os diálogos socráticos, as imitações em trimetros, em versos
elegíacos ou noutras e espécies de metro vizinhas.
A não ser estabelecendo uma relação entre tal gênero de composição e o metro
empregado, não se denominam os autores ou elegíacos ou épicos, dando- lhes este
nome de poeta, não segundo o assunto tratado, mas indistintamente segundo o metro
de que se servem (Ibidem 1, 8-10).
Ainda que Aristóteles se preocupasse com a unidade dos gêneros literários e com os
nomes gerais, não cunhou uma denominação inteiramente geral para a arte literária.

30. Um nome para o estudo sobre a língua. Qual seria o nome mais adequado para
para o estudo da língua pela ciência positiva? E qual o nome da disciplina filosófica
ocupada com a mesma lingua?
Tem a ciência positiva da língua um nome simples, que é linguística.Perguntamos
agora se é possível achar um nome também para a filosofia da arte da língua?

Referida por uma denominação composta, ela se denomina, - como vimos fazendo, -
"filosofia da arte da língua".
Não se trata agora de um nome para a lingua como arte, mas de um nome para a
disciplina que trata dela, e que esteja ao mesmo nível de denominações como lógica,
ontologia, etc.

31. A linguística. Diversas abrangências deste nome. Como ciência positiva, à base da
experimentação, o estudo da linguagem possui nomes específicos. Alguns são
abrangentes, outros são apenas partes do todo. Mais abrangente é linguística. Menos
abrangente são gramática, semântica, filologia, história das línguas, história da
literatura (ou história literária).
Não insistimos nas distinções, porque só nos interessa separá-las globalmente frente à
filosofia da língua.

A linguística estuda, com métodos de observação experimental, a língua humana


enquanto ela é uma expressão. Por conseguinte, enquanto ela, - a língua, - é portadora
de um significado, ao modo como, por outros meios, também são expressões a pintura,
a escultura, a música.
Neste sentido, a linguística estuda a linguagem como arte (definida a arte como
expressão).

Uma ciência pode ser dividida materialmente do ponto de vista da dimensão, em


geral e especial.
Sobretudo a linguística geral importa à filosofia da linguagem, porque se ocupa da
expressão por equivalentes convencionais no que apresenta de mais fundamental.
Então a linguística trata das línguas enquanto obedecem a situações mais
fundamentais, que dizem respeito à natureza mesma da expressão.
Já a linguística especial examina casos especiais, como são os diferentes sistemas
segundo os quais se criam as línguas, sejam as espontâneas, sejam as planejadas.

Num outro contexto, critérios mais circunstanciais, dividem a linguística ramos, com
base em ciências distintas, em:
- antropologia linguística, que investiga o modelo humano de lingua;
- sociologia linguística, que observa as interações das línguas;
- linguística histórica (a partir de Jakob Grimm) que investiga a evolução de diversas
línguas a partir de um mesmo tronco;
- linguística comparada (também filologia comparada), que mostra as afinidades de
diferentes línguas e busca a reconstrução de um esquema primitivo do qual teriam
derivado.

Quaisquer sejam as definições de linguística e de suas divisões, ela se enquadra


sempre como uma ciência positiva.
Também pode a linguística estudar a projeção de novos idiomas e alfabetos, no
sentido de melhorar a técnicas da comunicação através da linguagem.
O fim último da linguística não é apenas o estudo das linguas eventualmente surgidas
no cenário humano, como se estudasse máquinas velhas para conservá- las. Cabe-lhe
também a experiência em laboratório, com vistas à criação de sistemas novos,
inventando línguas.

32. Metalinguística (vd 4933y000). Poder-se-ia tomar simplesmente o nome de


metalinguística como sendo o paralelo filosófico de linguística? Certamente que sim.
No plano geral do estudo filosófico da arte é uso dizer-se "filosofia da arte", de
maneira composta, quer porque está certa a denominação, quer porque por muito
tempo não havia nome convincente para se denominar esta região da filosofia.
Pode Metalinguística significar tudo o que ultrapassa o plano meramente
experimental da lingüística.

Este plano filosófico já se manifesta na perspectiva meramente formal, pela qual a


lógica introduz o assunto, dividindo, classificando, definindo, erguendo a questão dos
métodos.
Efetivamente, a definição de lingüística não é tema da mesma lingüística, e sim da
lógica, a qual também trata dos métodos.
Se se ultrapassar o campo meramente formal da lógica, a metalinguística, pode ser
interpretada paralelamente à metafísica entendida como além da física. Então
metalinguística poderá ser a própria filosofia da lingua.
Seria não apenas a lógica definindo a ciência da lingüística e a ciência da
metalinguística; seria também, e sobretudo, uma gnosiologia do significado da língua,
como a gnosiologia do conhecimento é uma metafísica do conhecimento.
Num sentido vasto, a metalinguística se ocuparia de todas as questões filosóficas da
língua, - da sua lógica, da sua gnosiologia, da sua ética, da sua política, do seu
direito, etc. Seria, pois, uma coleção de ciências filosóficas, unificadas em torno de
uma mesmo objeto, observando-o cada uma sob seu ponto de vista específico.

33. Filologia (no grego, amor à ciência, ou à palavra) é o estudo crítico dos principais
textos documentais de uma língua para sua reta interpretação. Considerando que as
línguas evoluem e têm mesmo alterações em sua estrutura convencional, a etimologia
é, na prática, um estudo do estado histórico dos significados de uma língua.
É possível, do ponto de vista dimensional, imaginar-se uma filologia geral, que
trataria da linguagem como um todo oscilante, e uma filologia especial, que se
ocuparia, como fez até agora, das diferentes línguas. Neste último caso,
desenvolveram-se ramos, como filologia clássica (grega, latina), filologia romântica
(francesa, italiana, espanhola, portuguesa), filologia eslávica etc.

Paralelamente à filologia, há ainda uma interpretação similar dos significados dos


símbolos em geral, cuja convenção se funda em analogia, e que também oscila como
os documentos das línguas.
A heráldica, por exemplo, não é a mesma em diversas épocas e nem a mesma em
diversos países.
Há mesmo os símbolos, como por exemplo os gráficos, que pouco se prendem à
analogias; sua interpretação importa em códigos, os quais, à maneira da filologia,
dependem de uma ciência que, embora não use ter um nome geral, mas às vezes
nomes particulares, se ocupa em garantir para cada tempo e documento sua
interpretação.

34. Semântica é o estudo do sentido dado aos significantes. É parte da lingüística, que
estuda o significado das palavras. O significado de uma palavra pode, por exemplo,
multiplicar-se fixando-se no contexto, por deslocação, restrição, extensão. A
denominação é recente, criada que foi em 1897 por Michel Bréal (autor de Essai de
semantique), derivando-a do grego semantikós (=significativo), por sua vez derivado
de sema (=significado, sinal).
Antes e depois criaram-se nomes similares, com aceitação menor, como semiologia,
semasiologia, sematologia, semiótica; segundo a intenção dos criadores, podem ter
algumas diferenças de nuance.
O estudo da significação sempre existiu, mas a semântica, ao se organizar a partir do
século 19, lhe emprestou uma sistemática empírica e descriptivista, com técnicas
próprias, que finalmente lhe deram um amplo desenvolvimento.

35. A etimologia, como parte da linguística, procura a origem dos atuais significados
das palavras, remontando-as ao significado anterior e de onde derivam por
transformação.
Há uma etimologia muito a nível de uma dada língua, e uma outro que transcende às
línguas dadas.
Estuda, pois, a etimologia as relações de origem das palavras de uma língua, quer
dentro da mesma língua, quer para fora com palavras de outras línguas a partir das
quais se formaram, ou teoricamente se poderiam ter formado.
Ideologicamente, os defensores da linguagem natural supõem ter havido um
significado originário, ao qual a etimologia teria a função de procurar. Foi pensando
assim que anomalistas (vd 54) os estóicos (vd 62) deram desenvolvimento já na
antiguidade à filologia e etimologia.

36. História da literatura é uma ciência positiva, tal como toda história, tendo aqui
como objeto a expressão literária.
Há uma história da arte em geral, uma história da arte da linguagem, finalmente uma
história da literatura como linguagem escrita (literatura de ficção, literatura filosófica,
etc). No contexto comum, história da literatura se diz principalmente do gênero ficção
em prosa e de todos os gêneros em poesia.
A história é também ciência positiva quando se trata de história da filosofia, história
da filosofia da arte, história da filosofia da língua, história da filosofia da literatura.

37. Gramática, do grego, gramma (= letra), por sua vez de grápho (= risco) é o estudo
do sistema de uma língua determinada.
Exclui ordinariamente o léxico (das palavras, que formam o dicionário) e a fonologia
(sistema de sons de uma língua); mas em sentido amplo, tudo poderá ser incluído.
Pode-se dizer que a gramática é o código de convenções, que institui uma língua
(excetuando o léxico e o sistema de sons).

Trata a gramática do sistema interno de uma língua, no que se refere à maneira de


expressar os objetos conforme se apresentam nas operações mentais (conceitos, juízos,
raciocínios), de tal maneira que as partes das operações sejam compreendidas
isoladamente, ao mesmo tempo que dentro do todo. Dinamicamente, as
determinações da gramática se denominam regras da língua; ou ainda, suas normas,
leis.
Como acidentes de viagem, as línguas nacionais tendem para as exceções, que as
gramáticas anotam, e que tornam as respectivas línguas mais difíceis, que as
planejadas com regras absolutas.

A gramática é uma ciência positiva, porque, pela via da constatação as normas


viáveis são estabelecidas.
Aquele que estabelece as normas, qualquer seja a oportunidade que o faça, fica sendo
o autor da gramática.
Nas línguas espontâneas o autor é o usuário. Neste caso o gramático é o usuário.
Todavia, entende-se também por gramático aquele que fica observando as regras que
regulam determinada língua.
O gramático, atento aos acontecimentos de uma língua, estabelece a estrutura geral
que a comanda, criando por conseguinte a gramática explícita. Ainda que a rigor nas
línguas nacionais, o autor da gramática seja o conjunto dos falantes que a adota, este
conjunto de falantes não tem consciência explícita das regras às quais obedece.
O gramático profissional é apenas um expositor racional da vontade codificadora dos
falantes.

Importa não perder de vista o caráter tecnológico da língua, tratando-se como uma
técnica (como um fluxo de elementos), e não teoricamente (como a coisa é). Portanto,
o gramático vê a língua como um sistema que deve conduzir a um resultado, à
significação.

Atentos ao uso de dividir dimensionalmente as ciências em parte geral e em parte


especial, também a gramática é divisível em: gramática geral e gramática especial.
Estuda a gramática geral o sistema como tal adotado por uma língua. Por exemplo,
uma língua pode ser aglutinante (ou não aglutinante), com declinação (ou sem
declinação) etc. Pode inclusive estudar criticamente o sistema adotado, concluindo
pelas sua qualidades e mesmo necessidade de melhorias.
Também a gramática geral distinguirá as línguas pela forma de adoção do código.
Este se formará ou espontaneamente (ou eventualmente), com o simples acontecer
lingüístico (língua natural, ou étnica) ou pela convenção intencional (ou
conscientemente). Neste último caso, o intencional se dá em parte (como na
linguagem científica), ou no todo (como em línguas criadas artificialmente no todo).

Finalmente, a gramática especial, é a que, parte por parte, examina as particularidades


da língua, uma após outra.
Mostrará, por exemplo, a gramática especial, como se diferenciam operações como
substantivo, pronome, adjetivo, verbo (geralmente por terminações meramente
morfológicas); como se comporta a raiz fundamental da palavra, ao mudar de
significado (geralmente por sufixos e prefixos); como se expressam modos de ação
(pelos modos dos verbos e conjugação).
Mais uma vez se notará a grande diferença entre línguas planejadas e não planejadas,
ou folclóricas. Estas se mostram muito desordenadas, enquanto as planejadas se
destacam pela escolha das melhores regras para a expressão fácil e flexiva.

38. A crítica literária, entendida como julgamento, pressupõe a norma de comparação


e a obra a ser julgada segundo esta norma. Então a norma poderá vir de uma ciência
positiva como a lingüística, como também de uma ciência filosófica, como a filosofia
da linguagem.
Num sentido mais amplo, a crítica literária examina ainda a produção literária em
função à sociedade, à religião, à didática, à biografia do autor, etc... que são critérios
externos à arte em si mesma.
É a crítica literária uma disciplina eclética, em que cada setor pertence a uma ciência
distinta. De cada distinta ciência procedem os parâmetros; cabe ao crítico o trabalho
da aplicação aos casos particulares.

39. Títulos dos ensaios sobre filosofia da língua. Não obstante ser metalinguística um
bom nome (vd 32), foi eleito para o presente texto, integrado no conjunto
Megaestética, o de Estética literária, com vistas a manter o paralelismo com outras
estéticas, como das cores, das formas e da musical.
Eventualmente, acontece que o nome estética não somente se diz do estudo dos
efeitos psicológicos estéticos, mas, - desde o século 18, por iniciativa de Alexandre
Baumgarten, - também do estudo da arte como um todo.

Estética literária pode ainda estar advertindo para uma das mais apreciadas
propriedades da expressão falada, como de qualquer arte, que é a de produzir
sentimento estético.
De outra parte, dizer estética literária, mencionando a linguagem escrita, lembra que
a linguagem escrita é a mais cuidada pelos estudiosos da língua.
Ainda que na arte importe em primeiro lugar o principal - a expressão-, a tendência
final é usufruí-la pelo seu lado estético. Também o mel, apesar de ser em primeiro
lugar um alimento, é buscado por causa de sua doçura; assim a arte, embora
essencialmente expressão, é muito apreciada pelo prazer estético que dá.

ART. 2-o. HISTORIA DA TEORIZAÇÃO LITERÁRIA.

4515y042.

43. A arte literária tem sido uma constante na história do espírito humano.
Ela principia no choro da criança, ao descobrir que por este meio consegue avisar,
que é hora de mamar.
Importa distinguir que há uma distinção entre exercer a arte de falar, que logo se
destacou, e sua teorização, havendo esta evoluído mais devagar. Todavia também esta
evoluiu mais depressa que as outras teorizações da arte.

44. Primitiva literatura oral. O simples exercício da linguagem, já antes da escrita,


dispôs de uma literatura oral, que muito depois passou aos textos escritos.
Com a invenção da escrita, desenvolveram-se ainda mais rapidamente os recursos
literários. Estes se tornaram altamente variados, multiplicando-se os gêneros de
expressão, o que já aconteceu na antiguidade.
A riqueza das antigas letras nos enche de admiração, o que mostra a elevada estima
que os homens sempre deram à palavra.
Desde Homero (8-o séc. a. C.) já se escrevia com admirável grandeza.
Com Demóstenes (384-322 a.C.) também se passou a falar ao público com o maior
requinte.
A escultura e a pintura evoluirão somente depois das letras. A música só tardiamente,
apenas nos tempos modernos, será uma grande arte. Na escola, nem a escultura e a
pintura, nem a música, serão tão vastamente promovidas do que o trato do ler e
escrever.

45. Uma teorização literária, ao mesmo tempo que o exercício da literatura,teve


também começo no plano interno das línguas existentes.
Mas a linguística propriamente dita, como ciência positiva, - ainda que houvesse
existido já na antiguidade e subsistido através dos tempos,- passou a tomar forma
definitiva só quando já iam adentrados os tempos modernos.
O caráter mesmo da lingua como instrumento convencional foi só estudado
precariamente pelos antigos. Neste campo do precário se situam os mitos sobre a sua
origem e a diversidade das linguas.

Não obstante ao desenvolvimento moderno da linguística, restam ainda muitos


preconceitos a serem superados. Por vezes se confunde a linguística com uma
antropologia das línguas. Em vez de se ter uma visão puramente linguística sobre a
língua em geral, confunde-se-a com as condições eventuais do ser humano.
Apenas recentemente, depois que superou seus próprios equívocos, a linguística
passou a ter interesse pelas línguas planejadas, vindo estas a ter um desenvolvimento
mais absoluto, como prova o Esperanto.

I - A linguística na antiguidade grega.

4515y046.

47. A filosofia da linguagem surgiu já com os pré-socráticos, ainda que


fragmentariamente, para adquirir um adiantamento relativo ao tempo do período
socrático. Eis a linguística grega clássica.
Logo foi seguida pela linguística da antiguidade helênica, marcada pelos estudiosos
de Alexandria (vd 60), Pérgamo (vd 54) e pelos estóicos em geral (vd 62).
Temos assim uma subdivisão a atender.

a). Linguística da antiguidade clássica. 4515y48.


49. As primeiras informações sobre a filosofia grega dizem respeito aos estudos
sobre a natureza, iniciada por Tales de Mileto, que em 585 a.C. predissera um eclipse
total do sol.
Parmênides, pouco depois, se referiu à linguagem como sendo etiqueta das coisas
(vd 53).

Cresceu a importância de Atenas depois das batalhas de Maratona (492 a.C.) e


Salamina (482 a. C), quando a comunidade grega se firmou diante da anterior
expansão persa, agora detida definitivamente. Desde a prosperidade então instalada,
verte-se a filosofia para os assuntos humanos, entre eles os estudos de gramática e
retórica. Foi também então que a cultura grega, anteriormente difusamente distribuída
desde a Jônia (Ásia Menor) até a Magna Grécia (Sul da Itália), fundando o novo
período, se polarizou em Atenas, a principal beneficiada da guerra contra o geral
inimigo.
Ganharam importância os serviços, em que se incluíam os da política. Em vista desta
necessidade se desenvolveu o magistério, quase sempre particular e ministrado pelos
mestres, chamados sofistas. Com estes o magistério passou a ser remunerado. E a
filosofia se tornou crítica, e com tendência ao probabilismo.

Sócrates (469-399 a. C.) todavia se fez um contestador dos sofistas. Este pregava nas
praças. Atendia também em sua casa, sendo isto um incômodo para Xantipa, a mais
rabugenta de suas duas esposas. Exercendo Sócrates a profissão de escultor e tendo
envolvimentos políticos havendo sido até Senador, compreende- se que pudesse
subsistir como pregador sem salário.
Nenhum livro sobrou do tempo dos primeiros filósofos e sofistas. Fragmentos todavia
ficaram na obra de Platão, Aristóteles e outros que os citaram e discutiram.

50. Platão (427-347 a. C.), nascido em Atenas, fundador da Academia (cerca do ano
387 a. C.), escreveu um diálogo em que, entre outras questões, abordou a origem da
língua. Intitulando-o Crátilo (vd 55), em homenagem a um dos interlocutores, é um
primeiro importante documento sobre a ciência da língua e em particular de sua
origem. Platão também se referiu à lingua em Íon, Fedro, República, Leis.

Aristóteles (384-322 a. C.) foi mais sistemático que seu mestre Platão. Escreveu os
tratados conhecidos como Retórica e Poética, além de importantes referências à
linguagem nos livros do Órganon e Metafísica.
Aprofundou Aristóteles o princípio de que "o semelhante é conhecido pelo
assemelhado" (Da alma I, 2. 405 b 15), como teoria explicativa do conhecimento. Este
principio se aplica à explicação da arte. Tratou também Aristóteles do caráter
convencional da linguagem (vd 57).
Após este período clássico da filosofia grega serão mais profusos os trabalhos dos
filósofos e gramáticos, dentre os quais se destacarão no futuro próximo Dionísio da
Trácia e Apolônio Díscolo (gramáticos gregos)( vd 62), Donato e Prisciano
(gramáticos latinos) (vd 70).
51. As questões linguísticas dos antigos. Quais as primeiras perguntas importantes
sobre a língua e que a história registra?
Certamente já havia antigas considerações sobre a língua, porque elas surgem
obviamente, por causa da diversidade com que falam crianças e adultos, indivíduos
mais inteligentes e outros mais estúpidos, representantes do povo, variações de textos
mais antigos e mais recentes.
Importa eleger os questionamentos mais significativos sobre a língua em geral, e
mostrar para cada questionamento significativo seu início histórico e seu
desdobramento através do tempo.

Pela ordem a questão fundamental sobre a língua é sua definição essencial:


- ou a língua é uma expressão, que intencionalmente remete a atenção para um objeto
(ou assunto);
- ou a língua é apenas uma obra sem intencionalidade (esta se ocorrer não lhe será
essencial).
A pergunta essencial sobre a língua se alarga sobre a arte em geral: ou ela é obra que
exprime intencionalisticamente, ou é apenas obra sem intencionalidade por não lhe
pertencer essencialmente.

Em nenhum momento da história antiga dos estudos da língua e da arte em geral,


como expressão intencionalística, foi claramente posta. Sobretudo não foi amplamente
desenvolvida.
O problema, entretanto, esteve incubado, porque já era tratado em relação à
expressão mental. Sobretudo Aristóteles desenvolveu amplamente a natureza do
pensamento como expressão. O pensamento não é apenas um ente em si, fechado
sobre si mesmo. É um ente essencialmente virado para o objeto, mediante uma relação
intencionalística. Este teoria não se aplicou logo à arte.
Os antigos, até o início dos tempos modernos, tendem a conceber a arte simplesmente
como coisa. Esta coisa seria uma criação artificial realizada pelo homem; sua criação
tinha como paralelo a coisa natural. Por vezes se fazia até o paralelo; arte, coisa bela
criada pelo homem; natureza, coisa bela criada por Deus.
A idéia da arte como expressão intencionalística não conseguiu desenvolver-se nem
mesmo em Kant (1724-1804) e Hegel (1870-1831), os quais também a trataram como
coisa bela artificial paralela à coisa bela da natureza.

Obviamente a distinção entre língua como expressão e língua como instrumento de


comunicação também não teve desdobramento na antiguidade. Considerando, que
deve haver expressão antes que a expressão passe a se exercer como instrumento de
comunicação, o não tratamento adequado da natureza da expressão, bloqueava o
tratamento restante.

52. A artificialidade da língua, defendida pelo analogistas, contra os anomalistas, eis o


acento das discussões antigas. Tratavam de determinar, se a língua é produto de uma
convenção humana (e então a língua seria artificial), ou se ela existe de natureza (e
então a língua seria natural, ainda que por corruptela se diferenciasse entre os povos).
Atenda-se aqui para a polissemia da proposição "língua natural", pois também se
denomina a "língua natural" o que, embora se considere convencional, surge
espontaneamente, isto é, naturalmente, no curso da eventualidade das circunstâncias.
Efetivamente, é natural ao homem a capacidade de inventar a língua, mas a língua em
si mesma não é natural.
Portanto, no erguimento da pergunta sobre a convencionalidade ou naturalidade da
língua está o ponto de partida da história da linguística e da filosofia da língua.

53. Analogistas. A convencionalidade da língua já vem discutida no final do período


pressocrático da filosofia grega, por eleáticos, sofistas, atomistas, derivando o assunto
finalmente para dentro dos diálogos de Platão, em que se mostra também o
envolvimento de Sócrates.
Por último, os analogistas ocorrem na escola de Alexandria (vd 64).

Já vem a convencionalidade da língua sugerida no fragmento 19 (H. Diels) de


Parmênides de Elea (cerca do ano 500 a.C.). Nele se diz que as palavras são
"etiquetas das coisas ilusórias".
Reflete-se ali a gnosiologia do grande metafísico de Elea (cidade da Magna Grécia,
Itália), para o qual o ser é uno e imutável, como o pode demonstrar a inteligência; em
consequência, temos de considerar ilusórias as variações numéricas e qualitativas
apresentadas pelos sentidos e denominadas pelas palavras. Não conhecemos outros
detalhes do pensamento de Parmênides a respeito da língua.

Repetiu-se o pensamento unicista da metafísica eleática na escola socrática menor de


Mégara (junto de Atenas). Ali esteve Platão antes da fundação de sua Academia (387
a.C.) e sofreu a influência da referida escola. Mencionados pelo fundador da
Academia, os megáricos são partidários da teoria convencionalista da língua,
conforme texto de Platão:
"Para Hermógenes e muitos outros... os nomes procedem de convênios que
representam as coisas para os que intervierem nestas convenções, conhecendo-as com
antecipação. A propriedade dos nomes nasce exclusivamente deste pacto. Não existe
nenhuma razão para fixar-se no sentido que têm no presente. Do mesmo modo poder-
se-ia chamar grande o que se chama pequeno, como pequeno o que se chama grande"
(Crátilo 433).
O atomista Demócrito (c. 460-400 a. C.) oferece argumentos em número de quatro,
em favor da convencionalidade da língua:
- coisas diversas são denominadas pelos mesmos nomes (homonímia);
- diversidade de nomes para a mesma coisa (sinonomia);
- possibilidade de mudança dos nomes;
- ausência de analogias na mudança dos nomes (Fragmento 26, Diels).

Na mesma época os sofistas sustentaram uma posição cética, tanto do pensamento em


relação às coisas, como da língua em relação ao pensamento. Esta posição favoreceu a
doutrina da convencionalidade da língua. Declarou Górgias (c. 487 - c. 380 a. C.):
"A língua não exprime as coisas existentes, nem as coisas existentes manifestam a
própria natureza a uma delas" (frag. 3, 153, Diels).

Finalmente é o mesmo Platão (427 - 347 a. C.), autor do Cratilo, que assume a
posição convencionalista da língua, que é defendida pela boca de Sócrates, principal
dialogante, frente aos demais, Hermógenes (convencionalista) e Cratilo (naturalista).

A tradição analogista permanecerá, como já foi dito, com os gramáticos de


Alexandria (vd 63).

54. Anomalistas. Teve alguma consistência entre os gregos a teoria da linguagem


como expressão natural (não convencional).
Seus defensores vieram depois a chamar-se anomalistas.
Os anomalistas estiveram representados cedo sobretudo por Crátilo de Atenas (vd 55),
e depois pelos gramáticos de Pérgamo (contra os de Alexandria) e pelos estóicos
(vd 65), os quais por isso deram desenvolvimento à etimologia.

A naturalidade da língua defendida pelos anomalistas não se diz apenas no sentido de


capacidade natural do homem criar uma língua; neste caso, o produto seria artificial.
Não é desta capacidade natural de criar a língua, que falam os defensores da língua
como expressão natural.
Trata-se da relação natural entre a língua e os objetos expressos. A pintura e a
escultura expressam naturalmente objetos, enquanto apelam a uma mimese natural
entre as cores e as formas da expressão e as cores e as formas do objeto. Aconteceria a
mesma relação natural entre a língua e os objetos expressos.

Os defensores da língua natural estabelecem diferentes graus para esta naturalidade


mimética entre expressão e objeto expresso. Uns afirmam uma relação natural maior
de semelhança; outros uma relação menor, com diferenças acidentais, que explicariam
a variação entre si das línguas.
A questão é intrigante, pois em última instância, também a convenção é uma espécie
de mimese natural.
Operando a língua por equivalentes convencionados, estes equivalentes são em
primeiro lugar uma mimese, ainda que convencional; são mimese, porque deverão
funcionar como se fossem idênticos aos objetos, e por serem assim considerados
idênticos, os conseguem expressar (vd 123).
Em segundo lugar, os equivalentes são coisas naturais, como sons, cores, formas; no
caso da língua se trata de sons; em outras linguagens convencionais, são ainda
tomados como equivalentes as cores, as formas. Tais coisas naturais são operadas pelo
homem, dando-lhes significados por convenção. A teoria da linguagem natural
elimina a necessidade da convenção, porque por natureza as palavras possuiriam o
poder de significar.
Com referência ainda à possibilidade de inserir o natural no conceito de língua
convencional, há a mencionar a teoria dos que consideram o código da língua de tal
maneira difícil de ser criado, que, ainda que convencional, precisa de Deus para
estabelecê-lo e dá-lo a conhecer.
Neste plano se situam todas mitologias, as quais atribuem a Deus o ensino da língua
ao homem, bem como sua diversificação, como na curiosa narrativa da Torre de Babel
(Gênesis, 11).

Nesta mesma linha ingênua navegam os linguistas das "línguas naturais", que não
admitem a viabilidade de um código inteiramente artificial (como no Esperanto); para
eles a língua é possível como produto da sociedade que a cria num jogo permanente
de eventualidades.
Outros, ainda, condicionam a língua a um paralelismo bastante rigoroso com a
expressão mental do pensamento. Acentuam o lado cultural da língua. Não sabem que,
em última instância, a língua não expressa pensamentos, mas os objetos do
pensamento (vd 56).
Postas as diferentes variáveis de uma teoria da língua como expressão natural,
podemos, com mais precisão de conceitos, determinar as posições históricas de sua
evolução.

55. Crátilo de Atenas (séc. V. a. C.), já mencionado (vd 48), foi o primeiro a defender
o caráter natural da língua. Ligado ao pensamento naturalista da Escola Jônica a que
pertenceram Tales de Mileto e Heráclito de Éfeso, tendeu a procurar na mesma
natureza a língua, por vezes até ao ponto de explorar a semelhança das letras com o
objeto, com vistas a interpretar a capacidade de expressão da palavra, do mesmo
modo como por simples imitação as cores e formas exprimem na pintura e escultura.
Platão, que fora inicialmente discípulo de Crátilo, conhecia a nova teoria da língua.
Em torno dela montou o diálogo, a que deu o título de Crátilo. Os interlocutores são o
mesmo Crátilo (da língua natural) e Hermógenes (da língua convencional).

Entre os dois é introduzido Sócrates que nos diálogos de Platão representa as idéias
do mesmo Platão, que, no caso argumenta contra a teoria da linguagem natural.
Hermógenes, no diálogo, se dirige ao outro lado, apresentando Sócrates, quando
também resume a teoria da língua natural, de seu contendor:
"Hermógenes. Ó Sócrates, eis aqui Crátilo, que pretende que cada coisa tenha um
nome, pertencente por natureza à cada realidade; que não é um nome aquele, de que
se valem alguns, depois de o haverem posto, por acordo, para servir-se dele; e que um
nome com tais condições só consiste em uma certa articulação da voz; que existe um
sentido de denominação originária tanto para os gregos como para os bárbaros"
(Crátilo 183 a. C.).
Mais tarde os gramáticos da escola de Pérgamo (Ásia Menor) e os gramáticos
estóicos defenderão uma variante do naturalismo linguístico inaugurado por Crátilo de
Atenas.
56. A discussão sobre o caráter natural ou convencional da língua, - tão cedo ocorrida
na história da linguística, - incidiu sobre uma das questões mais graves da língua,
ainda que não essencial como é a mesma expressão.
Ainda que seja mais fundamental tratar da língua como expressão, onde se encontra a
sua essência, ganha imediatamente após importância a pergunta, - se a expressão é
natural, ou se é apenas convencional.

A resposta plena, sobre a naturalidade ou convencionalidade da língua, somente se


pode dar, principiando pela expressão em si mesma.
Não é uma questão simples, porque importa numa teoria. Suponha-se a teoria, que a
expressão se processa fundamentalmente por mimese. Consiste a mimese no
fenômeno pelo qual o semelhante expressa o assemelhado. E então ainda se verifica
haver duas alternativas: a mimese é natural entre as qualidades; é convencional em
outros casos.
No segundo caso, no da mimese por convenção, os equivalentes se estabelecem por
obra do "faz de conta que..." (vd 121).

57. As relações convencionais entre a língua e os objetos foram abordadas por


Aristóteles, ao mesmo tempo que tratou da lógica e da retórica.
No opúsculo Da interpretação (segundo livro do Órganon) afirma expressamente o
caráter convencional da língua:
"Nenhum dos nomes é tal por natureza, mas somente quando se tornou convenção"
(Da interpretação, 2.16 a 18).

Ainda que a língua não seja a tradução direta do pensamento, mas dos objetos, estes
objetos todavia aparecem através da mente.
Por isso, a língua não expressa as coisas concretas tais quais são, mas ao modo como
são mentalizadas, sobretudo na forma de juízo. Esta sequência, já notada por
Aristóteles, é sua característica.

A relação entre a língua e a expressão mental se exerce de preferência segundo a


proposição, que simplesmente afirma ou nega. Tal é a linguagem apofântica, a única
de que trata a lógica. Neste caso, a proposição domina a língua.
Este caráter assertivo não ocorre em certas orações, frequentes na retórica e na poesia,
em que concorrem elementos não lógicos, tal como se observa na exclamação. O
apofantismo de Aristóteles leva a crer na importância fundamental da lógica da frase,
porquanto sem ela fica sem viabilidade tudo o mais que se acrescente à linguagem.

Alguns, - talvez porque exagerem a parte não apofântica da linguagem, - condenaram


a posição de Aristóteles. Seja o exemplo do existencialista italiano Nicolau
Abbagnano:
"Isto estabelece, segundo Aristóteles, o caráter privilegiado da linguagem apofântica:
que é aquilo em que tem lugar as determinações de verdadeiro e falso, conforme a
união ou separação dos sinais reproduza ou não a união ou separação das coisas.
Aristóteles não nega que existam composições não apofânticas, por exemplo, a oração
(Da interpretação, 4,17 a 2).
Mas privilegiando a composição apofântica, faz dela a verdadeira linguagem, aquela
sobre a qual os outros modos de expressão mais ou menos se modelam e sob cujo
ponto de vista devem ser julgados.
Por isso, a poética e a retórica, que se ocupam da linguagem não apofântica, são
tratados por Aristóteles em conexão com a analítica. Ora a linguagem apofântica não
possui mais nada de convencional: suas estruturas são naturais e necessárias, porque
são as mesmas do ser, por ela revelados.
Este convencionalismo aparente ou coxo, que se pode combinar com a tese do caráter
apofântico da linguagem, é a forma que o convencionalismo assume na Idade Média e
na Idade Moderna. O nominalismo medieval retoma exatamente nesta forma a tese
convencionalista" (N. Abbagnano, Dicionário de filosofia, no verbete Linguagem).

58. Gramática antiga. Cuidaram os gregos mais da gramática do que da linguística.


Trataram, pois, da língua já realizada em um determinado sistema de expressão.
A gramática é sempre a gramática de uma língua, e não o estudo das condições
totalmente gerais da língua.
A linguística dos gregos se limitou a alguns aspectos, como por exemplo o do caráter
convencional ou natural das palavras. Defendendo embora o convencionalismo, não
criaram contudo uma língua artificial.

Não faziam ainda os gregos clara distinção entre o que se apoiava em considerações
racionais da filosofia e o que em constatações empíricas ao modo do método das
ciências positivas.
Por isso os resultados por eles obtidos, interessam hoje, ora ao filósofo, ora ao
linguista.
Quando os dados simplesmente apontam para elementos concretos da linguagem,
eles se situam na fase preliminar, chamada do objeto material; este é idêntico para
todas as ciências, as quais apenas se vão distinguir no objeto formal, isto é, no ponto
de vista abordado.

59. Só aos poucos os gregos foram apontando para os diferentes fatos da língua: o
nome, o verbo, a conjugação, etc.
Platão destacou na linguagem a sentença, como a unidade que compõe o discurso.
Na sentença apontou a distinção entre o nome (ónoma) e o componente verbal (rema).
A partir dali se desenvolveu posteriormente a análise sintática e a classificação dos
vocábulos.

Aristóteles acrescentou ao nome e ao verbo os súndesmoi, com o que indicava o que


atualmente equivale ao artigo, conjunção, pronome. No grego, súndesmoisignifica
conexões, ataduras.
Advertiu também Aristóteles para a especificidade do adjetivo; chamou-o igualmente
de verbo (rema). No grego, aliás, o adjetivo tem um comportamento sintático similar
ao verbo.
Posteriormente os alexandrinos dirão que o adjetivo é uma subclasse dos substantivos.
Aristóteles ainda se referiu à derivação (ptósis), querendo referir-se às variações dos
casos, resultantes das declinações, que no grego são numerosas.
Denominou também de casos as variações de tempo dos verbos.
Os estóicos melhor esclarecerão os casos, no sentido como ainda hoje se entendem as
declinações das palavras.
Depois de Aristóteles crescem sobretudo os conhecimentos de gramática, sem
todavia perder de vista os de linguística em geral.

b). Linguística dos helênicos. 4515y060.

60. A gramática dos alexandrinos e estóicos. Com referência ao desenvolvimento


da gramática, ela se deu principalmente com os alexandrinos e estóicos.
Criado o império helênico por Alexandre Magno, estendendo-se da India à Grécia,
tornou-se Alexandria, por ele fundada em 332 a. C., o principal centro cultural, a
segunda Atenas, notabilizando-se pela sua grande biblioteca e escolas de saber.
Vinha logo atrás a própria Atenas, onde persistiam as escolas, com seu longo passado.
E na Ásia Menor, Antioquia e Pérgamo, onde passou também a florescer a literatura
grega, havendo tido a gramática campo próprio de desenvolvimento.

61. Dionísio o Trácio destacou-se em fins do 2-o século a. C. Ocupou-se com o


sistema morfológico, então indicado como regularidades analógicas. Sua gramática
descreveu duas unidades básicas: a sentença (lógos) e o vocábulo (léxis).
Cuidou principalmente dos vocábulos, que são "partes do discurso" (méros lógou ),
arrolando ao todo oito classes: artigo (árthron), nome (ónoma), verbo (rhema),
princípio (metoché), pronome (antonymía), advérbio (epirrhema) e conjugação
(súndesmoi).

Três séculos mais tarde, Apolônio Díscolo completará a Dionísio com o


desenvolvimento da sintaxe, mostrando na oração a binaridade nome e verbo, e ainda
apontando as relações de concordância destas duas classes entre si e com as demais.
Ainda que não alcançando uma gramática plena, os trabalhos de Dionísio o Trácio e
Apolônio Díscolo integram ainda hoje o sistema que se apresenta como sendo o da
língua.

62. Os estóicos foram os que mais se ocuparam com os estudos da gramática. Embora
os escritos dos primeiros estóicos sobre gramática se tenham perdido, ficaram todavia
alguns dos seus resultados conhecidos por informações de terceiros.
Em geral anomalistas, os estóicos defenderam o caráter natural da língua. Apontando
para suas irregularidades, contestavam aos analogistas.
A gramática dos estóicos oferece quatro classes das palavras: nome, verbo, conjunção,
artigo. Nesta classificação os adjetivos são citados entre os nomes.
Dividindo posteriormente entre nomes próprios e comuns, passaram os estóicos a
referir-se a cinco classes de palavras.

Introduziram também a distinção entre caso reto, - o nominativo, - e os casos oblíquos,


- acusativo, genitivo, dativo.
O nominativo seria a forma primeira; os demais, dele derivados.

Classificaram os verbos em passivos e ativos, e assim também em transitivose neutros


(intransitivos).
Distinguiram entre aspectos concluso e inconcluso do verbo.
Deixaram os estóicos de inserir nos casos (como fizera Aristóteles) a distinção do
verbo em presente, passado e futuro.

63. Continuam os anomalistas (vd 54), em confronto aos analogistas (vd 53). A
ocorrência das exceções na língua foi um segundo importante questionamento
específico linguístico já tratado pelos antigos, sobretudo a partir do 2-o século a. C. A
discussão sobre a forma da palavra em relação ao seu significado foi finalmente
concentrar-se no fato de haver exceções.
Enquanto a maioria das palavras seguia um modelo (paradigma, no grego), verifica-se
uma grande frequência das exceções.
Dali resultaram as denominações das duas diretrizes já citadas sobre a origem da
língua: a dos anomalistas (ou da língua natural) a que pertencem sobretudo os
filósofos estóicos e os gramáticos da escola de Pérgamo; e a dos analogistas (ou da
língua convencional), dos gramáticos de Alexandria, sobretudo Dionísio da Trácia e
Apolônio Díscolo.

64. Os anomalistas insistiam na frequência das exceções e na presença de diversos


tipos de analogias dentro de uma mesma classe de palavras. Estabeleceram que a
língua não podia depender da convenção do homem; se assim fosse deveria ser mais
regular, porque a lógica prevaleceria sobre a irregularidade. Resulta que a língua
nasce da natureza, revelada no uso.
A resistência à criação de línguas planejadas, que acontece ainda em tempos
modernos, apresenta-se como um resíduo recessivo do anomalismo estóico.

Admitiam os estóicos uma relação entre o significado da palavra e seu portador


material, de cuja forma natural este significado derivava. Ainda que o uso
corrompesse a palavra natural, ela permanecia, podendo ser procurada.
Em consequência estimularam os estóicos a ciência da etimologia para estudo dos
étimos (étymos = verdadeiro, real, étimo). Haveria, pois, uma aproximação entre a
linguagem e as artes que expressam por mimese natural. Este conceito de língua
natural persistiu através dos tempos e se apoiava inclusive em vagas afirmações
dogmáticas das religiões, cujos mitos davam a Deus o mérito de haver criado as
línguas.
Por quase dois séculos floresceu a cidade de Pérgamo, capital de um reino helênico,
na Ásia Menor (280-133 a. C.), cujos gramáticos eram analogistas, ou seja, defensores
do caráter natural da língua com base, entre outros motivos, na frequência das
exceções.

65. Continuam também os analogistas (vd 61). Desde o 3-o século os analogistas de
Alexandria cultivaram a gramática, desenvolvendo amplamente o estudo das
diferenças, inclusive as entre o grego contemporâneo e o clássico (de Homero), com
glossários para facilitar a leitura deste.
Apesar de haver dominado a corrente convencionalista (ou analogista) da linguagem,
continuou a persistir fortemente a imagem da língua natural.

Não haveria tão cedo uma tentativa de língua criada por convenção expressa.
Continuou a linguística de dois milênios limitada ao estudo meramente antropológico
de línguas preexistentes, seja nos seus aspectos sincrônicos, seja nos diacrônicos ou
históricos, como se a linguística consistisse apenas em um compreender e conservar
máquinas velhas, sem inventar novas e mais adequadas aos interesses da sociedade.
Já era 1887 quando apareceu um primeiro projeto válido, o Esperanto (vd 85).

II - Linguística dos Latinos romanos.


4515y066.

66. Transferiu-se para os latinos a controvérsia linguística de anomalistas e


analogistas (vd 64).
Ainda que sem lhe dar novos desenvolvimentos apreciáveis, os romanos mantiveram
pelo menos o interesse pela questão, que por isso se consolidou como tema de
discussão secular.

Foi na gramática que os romanos melhor se desenvolveram. Trataram especialmente


da palavra (dictio) e do discurso (oratio).
Com os romanos o acontecimento linguístico mais importante foi a aplicação das
estruturas já conhecidas a nível da língua grega, em uma nova língua, o Latim.
Foram aproveitados nesta assimilação sobretudo os trabalhos de Dionísio o Trácio
(vd 62) e de Apolônio Díscolo.

Com referência à distinção entre língua escrita e falada, - onde os gregos se haviam
ocupado com os textos clássicos em vez da língua popular, - agora também os
gramáticos romanos trataram do Latim erudito, como o de Vergílio e de Cícero, e não
do Latim vulgar efetivamente praticado pela massa.
67. São autores latinos a nível de estética e filosofia da arte:
- Cícero (106-43 a. C.) com De Oratore;
- Horácio (65-8 a. C.), com a Arte poética, ou Epístola aos Pisões;
- Quintiliano (42-117), com Instituições retóricas.

. Mais a nível de gramáticos:


- Marco Terêncio Varrão (116-27 a. C.), importante magistrado em Roma, autor de
De língua latina (de 25 livros, de que restam 6, e alguns fragmentos) (vd 70);
- Donato, (do 4-o século), também autor de uma gramática (vd 70);
- Prisciano de Cesarea (Mauritânia, com escola em Constantinopla, em 525), autor de
Instituições de arte gramática (Instituições da arte gramatical), em 18 livros, no
gênero a maior obra conservada da antiguidade.

Varrão, dedicando-se à etimologia, sintaxe e morfologia, destacou-se nesta última.


Distinguiu entre derivações e flexões da palavra. A derivação é uma "variação
facultativa" (declinatio voluntaria). Diferentemente, a flexão é uma variação natural
(declinatio naturalis), portanto obrigatória, além de regular nos procedimentos
flexionais. Advertiu para um sexto caso, o ablativo, ligeiramente distinto do dativo.
No verbo distinguiu entre processo concluído (perfectum) e processo inconcluso
(infectum).

Donato e Prisciano, à semelhança dos gregos, distinguem 8 partes do discurso. No se


ocupam do artigo, existente no grego, mas não no Latim. De outra parte elevam a uma
destas 8 partes a interjeição, que os gregos haviam posto como subclasse dos
advérbios.
Prisciano denominou as partes, de acordo com Dionísio, e as definiu na forma de
Apolônio Díscolo, nesta sequência : nomen, vebum, participium, adverbium,
praepositio, conjunctio e (só nos gramáticos latinos) interjectio.

III - Linguística dos latinos medievais.

4515y068.

68. Latim e linguas nacionais na Idade Média. Deixou o grego de ser falado no
Ocidente europeu, onde na antiguidade romana fora praticado ao mesmo tempo que o
Latim.
Depois da queda do império romano do Ocidente (476), as novas nações passaram a
usar o Latim juntamente com suas línguas nacionais. Com a penetração dos
germânicos alterou-se a estrutura demográfica e política, o que tudo influenciou a
formação de novas línguas, ao mesmo tempo que o latim manteve sua posição de
instrumento diplomático e cultural.
Na Itália do Norte se haviam estabelecido ostrogodos e lombardos; na Bretanha, os
anglossaxões; na França, os francos; em Portugal, os suevos; na Espanha, os visigodos.
Na Europa central continuaram os germânicos. Sobreveio ainda a presença árabe na
península Ibérica na África latina. A língua italiana foi a que se conservou mais
próxima do velho Latim.

Com o esquecimento do grego, em que antes eram lidas no Ocidente latino romano as
obras dos grandes sábios, e foi preciso agora fazer a tradução para o Latim das
grandes obras antigas. Curiosamente o Latim medieva passou a ser culturalmente
mais significativo, quanto houvera sido ao tempo do Império Romano, quando fora
seu tempo próprio.

No decurso da Idade Média o foi, portanto, no Ocidente, o Latim a língua da erudição ,


principalmente teológica e filosófica, além de língua do ensino primário e da
diplomacia, restando as línguas nacionais para o uso popular.
Prosseguiu também na Idade Média o estudo da gramática latina prosseguiu, e teve
por modelo Donato e Prisciano. Pelo lado da filosofia da linguagem, foram sobretudo
os lógicos que lhe acrescentaram inovações.

69. Os modos de significar. A questão dos universais. Ocupados com os modos de


significar dos termos, quer orais, quer mentais, os gramáticos medievais são
chamados com frequência de modistas. Muitos são os ensaios intitulados Sobre os
modos de significar (De modis significandi).
Distinguia-se um modo de ser (modus essendi), relativo às coisas em si mesmas, um
modo de entender (modus intelligendi), relativo aos conceitos, um modo de significar
(modus significandi), relativo ao termo oral.
Finalmente, estes modos de significar foram estudados segundo os modelos dos
velhos latinos Prisciano e Donato: substantivos, verbos, pronomes, etc, com as
respectivas morfologias.

Com raras exceções também na Idade Média, há aqueles que ultrapassaram o campo
meramente morfológico dos modistas. Entre outros, destaca-se Tomás de Erfurt
(século 13), que colocou em primeiro plano na gramática a sintaxe. Nome e verbo são
fundamentais na oração, cujos termos são sujeito (suppositum) e predicado
(appositum).
Os modistas definiram o substantivo e o adjetivo, apontando para a independência
sintática do primeiro, dependência sintática do segundo.

A questão dos universais. Destacou-se na Idade Média o estudo dos termos, com o seu
paralelo lógico e gnosiológico da questão dos conceitos universais. Sobretudo a estes
últimos, - os univeersais, - preocupavam os filósofos.

Para Anselmo (1033-1109), Tomás de Aquino (1225-1274) e ainda Duns Scoto


(1266-1308), - que são as grandes figuras da filosofia medieval, - os conceitos
universais têm fundamento na coisa. Cada coisa, além de seu elemento individual,
teria algo em comum com as demais coisas; este algo em comum, tomado em abstrato,
seria o conteúdo do conceito universal.
Evidentemente, a doutrina dos universais, quando com fundamento na coisa, depende
de um pressuposto metafísico, a da unidade do ente, como estabelece a ontologia de
Parmênides, Platão, Aristóteles.

Para outros, como Roscelino (1050-1120) e Guilherme de Ockam (1280- c.1349), os


conceitos universais são apenas uma eflorescência mental, sem ter seu correspondente
real nas coisas.
A doutrina de Ockam se chamou terminismo em virtude da seguinte comparação:
assim como os termos orais (ou palavra) substituem os conceitos universais, estes são
os termos mentais das coisas singulares. Há uma diferença: a linguagem se constitui
de sinais convencionais, o pensamento de sinais naturais (os conceitos universais,
termos da mente) (Ockam, Lógica I, 14).

IV - A linguistica dos modernos.

4515y070.

70. A arte da língua no Renascimento. No início dos tempos modernos se


renovaram as artes clássicas, com um novo espírito, mais liberal e estético. Passou-se
a estudar melhor o latim e o grego, o hebraico e as línguas das novas nações, como o
italiano, francês, alemão, inglês, espanhol, português. Renovam-se as idéias entre
gramáticos e filósofos.
O italiano Dante Alighieri (1265-1321), ainda um homem da Idade Média, com sua
Divina Comédia (1321) e seu ensaio De vulgari eloquentia (Sobre a língua do povo)
(1308), é o fundador da investigação sobre as línguas românicas. Revelam- se as
novas línguas tão eficazes, quanto as clássicas, para o gênero épico, para a filosofia e
a ciência.
A primeira gramática de língua portuguesa foi publicada por Fernão Oliveira em 1536
(Gramática da linguagem portuguesa), logo seguida pela de João de Barros, ambas
com base nas gramáticas greco-latinas.

Destacaram-se como gramáticas latinas, apesar de não conterem muitas coisas novas,
a de Júlio Césare Scalígerus, italiano (1484-1558), e a de seu filho francês Giusepe
Giusto Scalígerus (1540-1609), ambos filósofos.
Outros gramáticos das novas línguas: Lodovico Castelvetro (autor de Poética
d'Aristotele vulgarizzata e esposta, 1570); Francisco Sánchez (1550-1623); Francesco
Patrizi (1529-1597), todos reconceituadores da teoria geral da poesia.
Segue-se, não muito depois, Nicolás Boileau (1636-1711), teórico do classicismo
francês, além de poeta e crítico.
Dá-se mais destaque, dentre os citados, aos gramáticos Júlio Césare Scalígerus, autor
de Sobre questão da língua latina (De causis língua latina e, 1540), e Francisco
Sánchez, autor de Minerva ou comentários sobre questões de língua latina (Minerva
seu de causis linguae latinae commentarii, 1587).
71. Gramática geral e língua universal. Com o racionalismo, de que os principais
representantes foram o filósofo francês René Descartes (1596-1650) e o alemão
Gotfried Willhelm Leibniz (1646-1716), desenvolveu-se o clima para as idéias de
uma gramática geral e de uma língua universal.
Descartes chegou mesmo a opinar em favor da criação desta língua universal, em
carta de 20 de novembro de 1629, a Mersenne. O mesmo dirão J. A. Komenius (1592-
1670) e Leibniz, sem que então ainda alguém tomasse a si a difícil tarefa (vd 90) de a
criar.

Os intelectuais ligados ao convento de Port-Royal (Paris) fundado em 1625, davam a


este tempo amplo desenvolvimento ao jansenismo e cartesianismo, bem como
lideraram um movimento cultural significativo.
Resultaram dali famosos tratados didáticos, em língua francesa:
- Grammaire générale et raisoné (Gramática geral e racional), conhecida por
Gramática de Port-Royal (1660), da autoria de Antoine Arnauld (1612-1694) e de
Lancelot;
- Logique ou arte de penser (Lógica ou a arte de pensar), conhecida por Lógica de
Port-Royal (1662), da autoria também de Antoine Arnauld, desta vez de parceria com
Pierre Nicole (1625-1695) .

A gramática especulativa mencionada concebeu a linguagem como uma estrutura


resultante do raciocínio.
Em consequência há um sistema racional lógico mais geral, de que as muitas línguas
são apenas variantes. Aquele raciocínio, na concepção racionalista, depende de noções
universais inatas (doutrina cartesiana).
Ora, se a língua obedece à estruturas do pensamento, ela finalmente também possuirá
uma estrutura geral e por conseguinte uma gramática geral bem definida.

72. Na teoria que faz a língua obedecer à estrutura geral do pensamento, ao qual
traduz em expressão oral, língua mais perfeita seria a que melhor obedecesse à
referida estrutura geral do pensamento. Em consequência , a língua perfeita se
condiciona à estrutura que uma determinada filosofia desse ao pensamento.
Ora, os cartesianos crêem num pensamento universal, eterno, imutável, inato.
Puseram-se, então, a procurar esta língua universal. Com isso entendiam em primeiro
lugar encontrar a língua perfeita. Esta seria universal, tal como universal é o
pensamento. Assim como há um só pensamento verdadeiro, uma só seria a língua
verdadeira.
Dali concluíram alguns cartesianos para a necessidade de um magistério primitivo
pelo qual Deus teria comunicado aos homens a palavra juntamente com o pensamento.
A tradição que nos transmite esta linguagem seria consequentemente a depositária da
verdade.
73. De novo origem divina da língua. O jesuíta e filósofo escolástico italiano Matteus
Liberatore (1810-1892) fez a distinção entre o fato e a possibilidade absoluta e
abstrata. O homem, dotado da faculdade da fala, com que Deus o dotou, poderia por si
formar a linguagem. Na realidade e de fato assim não sucedeu, e foi de Deus que ele
recebeu a linguagem já formada (Liberatore, Institutiones philosophicae, Lógica, P.I.).
É certo que o pensamento se faz acompanhar sempre da imagem sensível. Enquanto
pensa, tem o ser sensível concreto como seu objeto próprio; mas isto ainda não é o
mesmo que fazer acompanhar-se de palavras.

Quanto à Bíblia, não obsta à verdade religiosa, haver nela erros científicos, mesmo
históricos. As sugestões que nela se encontram sobre a origem divina da língua e
sobre sua posterior diversificação pertencem a estes erros científicos e históricos.
Também outras mitologias se referem à origem divina da língua. Tais doutrinas estão
alinhadas com a antiga teoria dos anomalistas (vd 54).

Citamos ainda Balmes (1810-1848), espiritualista espanhol, aqui sob a influência do


tradicionalismo francês e de uma teologia discutível:
"A linguagem não podia ser invenção humana. Se para o desenvolvimento intelectual
e moral é necessária a palavra, os homens sem linguagem não poderão conceber e
executar um dos inventos mais admiráveis; neste sentido disse com verdade e
perspicácia um autor insuspeito aos incrédulos, Rosseau, " parece-me que seria
necessária a palavra para inventar a palavra".
Estão concordes todos os filósofos em que a linguagem é um meio de comunicação
tão assombroso que sua invenção honraria ao gênio mais eminente; e querem que seja
devida a homens que pouco se ergueriam do nível dos brutos? Que pensaríamos de
quem dissesse que a aplicação da álgebra à geometria, o cálculo infinitesimal, o
sistema de Copérnico e o da atração universal, as máquinas de vapor e outras coisas
semelhantes são devidas a selvagens que nem sequer sabiam falar?
Pois não é menos contrário à razão e ao bom senso o erro dos que atribuem ao homem
a invenção da linguagem. Da doutrina exposta se segue um corolário muito
importante, para esclarecer a história do gênero humano e confirma a verdade de
nossa santa religião. Suposto que o homem não podia inventar a linguagem, havia de
aprendê-la de outro, e como não é possível continuar até ao infinito, é preciso chegar a
um homem que recebeu de um ser superior. Isto confirma o que no princípio do
Gênesis ensina Moisés sobre a comunicação que tiveram nossos primeiros pais com
Deus, de quem receberam o espírito e a palavra" (Balmes, Curso de Filosofia
Elementar, Metaf. c 17 § 229).

O que mais se deve admirar é como um espanhol, considerado um dos mais ilustres
clérigos de então, pudesse argumentar com tanto primarismo!
Os linguistas conservadores, contrários ao desenvolvimento tecnológico da língua
através de idiomas planejados, - como por exemplo, o Esperanto, - muito têm de
comum com os defensores da tese ingênua da origem divina da língua humana. Eles
consideram a língua um fenômeno humano-natural, incapaz de ser atingido por uma
iniciativa do técnico de comunicação.
Finalmente, criado o Esperanto, despertou este também uma tal admiração, que não
faltaram os que o interpretassem como uma revelação dos espíritos a Ludovico Lázaro
Zamenof!

74. Modernamente progrediram rapidamente as ciências positivas da linguagem,


sobretudo sob a perspectiva histórica, antes em falta. Este tom histórico chega a
dominar todo o curso do século 19.
Continuando a progressão, passam os teóricos a distinguir o sincrônico e o diacrônico
(ou histórico), desembocando na linguística propriamente dita. Ao mesmo tempo se
desenvolvem as especulações filosóficas sobre a língua.

75. A gramática comparada teve amplo desenvolvimento a partir do século 17.


Todavia estes estudos históricos comparados se orientavam pela vaga ideológica da
unidade universal das línguas, fosse por razões bíblicas, fosse pela crença, - não de
todo sem fundamento, - de uma gramática universal, ou mesmo do pensamento
estóico da existência de étimos naturais.
Buscou-se encontrar classes de línguas, ou famílias de línguas, que no decurso das
derivações seculares, teriam vindo de unidades anteriores, e estas de novo de unidades
mais remotas.

Com isto se dilatou o estudo das línguas principalmente ao Sânscrito (vd 74), que se
revelou a mais antiga língua documentada do grupo indo-europeu.
Para a fundação da gramática comparativa e o reconhecimento do grupo indo-
europeu de línguas se apontam fatos significativos alcançados pelos linguistas.

A ingenuidade persistiu também em alguns setores. Esta ingenuidade chegou a ter


ares eruditos no francês Etienne Guichard, que publicava em 1606 uma Harmonia
etimológica das línguas (L'Harmonie etymologique des langues), em que dava como
derivadas do hebraico todas as línguas, depois de estudado o caldaico, siríaco, grego,
latim, francês, italiano, espanhol, alemão, flamengo, inglês.

76. No século 18 Leibniz e Catarina a Grande da Rússia prosseguiram mais


detalhamente o trabalho de comparação das línguas, visando mostrar uma unidade
geral. Catarina a Grande patrocinou a publicação (1787-1789), de um trabalho do
naturalista alemão Peter Simon Pallas (1741-1811), intitulado Vocabulários
comparativos das línguas do mundo inteiro (Linguarum totius orbis vocabularia
comparativa). A listagem compara os termos de 51 línguas e dialetos europeus, com
200 idiomas asiáticos.
Pouco antes Lorenzo Hervas e o jesuíta espanhol Panduro publicabam de 1778 a 1787
um enciclopédia de 20 tomos - Idea dell'universo - em que o 17-o trata das "afinidades
e diversidades" entre as línguas, comparando 300 línguas, européias, asiáticas,
ameríndias. Declara-se que as afinidades são gramaticais e não lexicais, o que
antecipa conceitos básicos, sobre o quais se desenvolveu depois a linguística.
De 1806 a 1817 são publicadas em Berlim as Mithridades de Johan C. Adelung
(1732-1806), com mais de 500 línguas comparadas.

77. O Sânscrito, ao ser conhecido no Ocidente, foi o ponto de partida dos grandes
resultados da gramática comparada.
Ofereceu ainda o Sânscrito a vantagem de possuir uma tradição própria e muito antiga
de estudos gramaticais, entrando assim de corpo inteiro na tradição ocidental.
Aliás, Sânscrito quer dizer pura, polida, em oposição Prácrito (= vulgar, comum),
nome com que se denominam os dialetos ou línguas em que derivou ao longo dos
tempos.

Panini, nascido cerca do ano 500 a. C., é autor da gramática mais antiga conservada
do Sânscrito, e que remonta ao menos ao ano 400 a. C. Intitulada Doutrina das
Palavras (Sabdanusasana ou Astadhyayi), a gramática, de oito volumes com quatro
mil aforismos (Sutra), menciona os mestres que o antecederam e que representam uma
tradição de pelo menos 1000 anos a. C.
Calcula-se que pelos anos 1500 a.C. os arianos haviam entrado na India. Reordenando
e sintetizando sob nova forma doutrinas esparsas dos mestres brâmanes, alguns depois
totalmente perdidos, Panini formulou as regras gerais do Sânscrito.

Também na Índia se levantara cedo a controvérsia entre convencionalistas e


naturalistas, paralela à ocidental entre analogistas e anomalistas.
Deu-se também na Índia mais importância à língua escrita; os textos sagrados
induziram naturalmente a isto; estabelecendo glossários a fim de garantir a
interpretação dos textos clássicos.
Distinguiram-se as classes de palavras: distinção entre substantivo e verbo,
preposições e particípios. Trataram os hindus, melhor que os gregos, a
fonética,havendo introduzido as noções de raiz, afixo, flexão, desinência.

78. Apesar de haverem os gramáticos hindus precedido aos gregos nos estudos da
língua, mantiveram tradição científica autônoma, sem influência para fora do seu
meio. Foram finalmente, pouco antes de 1800, descobertos pelos linguistas do
Ocidente, os quais finalmente estabeleceram uma nova e maior síntese geral,
explicativa de todo o contexto das línguas hindeuropéias.

Descoberto o Sânscrito pelos linguistas ocidentais como língua internamente


desenvolvida e estudada, puderam estes linguistas ocidentais estabelecer rapidamente
uma gramática comparada, com vistas a uma teoria geral sobre o grupo culturalmente
mais importante de idiomas, o indo-europeu.

O orientalista britânico William Jones, em 1786, em discurso na Sociedade Asiática


de Calcutá (India) mostrava as semelhanças de forma das línguas clássicas: grego,
latim, sânscrito.
Seguindo o método histórico-comparativo, passaram os linguistas a reconstruir as
raízes indo-européias, sendo este o primeiro grande resultado da gramática ou
filologia comparada, em que trabalharam, entre outros, os alemães Frederico von
Schlegel (1772-1829), Franz Bopp (1791-1867), Jakob Grimm (1785-1863). Neste
trabalho serviu a noção de raiz, que os gramáticos do Sânscrito já tinham
desenvolvido.

79. Fundação da linguística. O alemão Franz Bopp (1791-1867), autor de


umaGramática comparada das línguas indo-européias (1833-1852), é considerado, por
alguns como o fundador da linguística, em virtude dos métodos comparativos por ele
usados para a solução dos problemas da linguagem.
Outros deslocam a fundação para o tempo mais recente do franco Suíço Ferdinand
Saussure (vd 80).
Elevava-se a qualidade dos estudos linguísticos na Alemanha por influência do
romantismo, que levou os filósofos ao exame das línguas germânicas antigas ao
mesmo nível dos estudos clássicos.

80. O estruturalismo, centrado nas condições internas da língua, é o novo


desenvolvimento ganho na área da linguística no decurso do século 20, por ação
primeiramente de Ferdinand Saussure (1857-1913) e logo ainda dos norte- americanos
Leonard Bloomfield (1887-1949) e Edward Sapir (1884-1939).
Os cursos de Saussure em Genebra (1906-1911) difundiram-se pela Europa. Teve
especial repercussão a publicação póstuma do seu Curso de linguística geral(Cours de
linguístique genérale, 1916).
Os pontos de vista de Saussure destacam mais a estrutura da linguagem do que seus
elementos isolados. Por isso se deu posteriormente ao sistema a denominação de
estruturalismo.
O impacto foi tal, que o estruturalismo de Saussure veio a ser considerado o começo
propriamente dito da linguística, como ramo de ciência. Mas não resta dúvida que a
data de 1816, referente aos primeiros trabalhos de Franz Bopp já fora um começo
significativo

Distinguiu Saussure entre sincronia e diacronia. A língua tem estado presente


(sincronia), com relação entre as unidades coexistentes em um momento dado. Ocupa-
se a gramática de um estado da língua, portanto da sincronia. Considerando que uma
língua pode mudar com alteração das circunstâncias em que é utilizada, importa
descrever o estado que em um momento dado vigora.
Diferentemente, a diacronia se ocupa com as relações dos estados de língua através do
tempo, ao longo do qual as variadas situações se refletem sobre a língua,
independentemente dos usuários.
Tratou, Saussure também das relações sintagmáticas e associativas (paradigmáticas se
dirá depois).
81. Linguística Norte-americana. Leonard Bloomfield (1887-1949), paralelamente a
Saussure, desenvolveu nos Estados Unidos um estruturalismo, em que se destacou o
lado mecânico da língua, como no behaviorismo.
Desenvolveu, pois, a linguística à base dos dos reflexos condicionados e não como
uma análise de significados e participação da mente. Deixou, pois, de lado o aspecto
mentalista, até então em vigor.
Certamente há uma grande participação do comportamento no desempenho da língua,
e por isso os estudos dos comportamentistas são de real valor, ainda que se possa
advertir que eles não explicam tudo no processo da língua.
Publicou Bloomfield Linguagem (Language, 1933), com que dominou os meios
linguísticos americanos, pelo menos até 1957, quando apareceu Estruturas sintáticas
(Syntactic structures) do mentalista Noam Chomsky (vd 84).

Edward Sapir (1884-1939), um alemão cedo emigrado para os Estados Unidos da


América, insistiu num estruturalismo mentalista. Dando por insuficiente a linguagem
regulada pela psicologia do comportamento (behavior), destacou o efeito do
pensamento (intenção, crença, sentimento) do usuário.

82. O Círculo linguístico de Praga, fundado em 1926 por Wilhelm Mathesius, marcou
uma coordenação e inovação no esforço linguístico tão peculiar ao século 20. Sua
atuação foi duradoura. Os mais atuantes do grupo foram os linguísticas russos, Nicolai
Trubetzkoy e Roman Jakobson.
Ainda que o círculo fosse dominantemente eslavo, participaram também outros
linguistas, como o francês André Martinet (1908- ) e o filósofo e psicólogo alemão
Karl Buhler (1879- ). O grupo foi atuante em congressos internacionais, fez
publicações de trabalhos, geralmente na linha estruturalista, inspirando-se também em
Saussure.

A fonética é distinguida da fonologia com ênfase desta última. A nova tese, defendida
pela maioria no Círculo de Praga, encontrou resistência em outros linguistas. A
fonética diz respeito mais à palavra individual, a fonologia à língua em geral. O
círculo de Praga destacou o valor semiótico do fonema, ou seja, de sua capacidade de
estabelecer diferenças de significados.
A análise dos fatos da língua é antes de tudo sincrônica, ainda que não se exclua a
diacrônica (história). O círculo foi, portanto, estruturalista. Os fatos atuais
(sincrônicos) se apresentam como material completo e sempre à disposição.
A língua é um sistema funcional, ou seja de meios, voltado para um fim.

83. O linguista dinamarquês Louis Hjelmeslev (1899-...), continuando o


estruturalismo de Saussure, concentrou-se no aspecto imanente à língua, sem as
interferências históricas, sociológicas, psicológicas, que são transcendentes.
Fundou a glosseomática e examinou o léxico do ponto de vista estruturalista.
84. Chomsky. O norte-americano Noam Chomsky (1928- ), já na segunda metade do
século 20, represtigiou em a diretriz mentalista. Advertiu para a insuficiência da
explicação pragmatista comportamentalista da língua.
Desenvolveu o que se veio a chamar gramática gerativo-transformacional, ou
simplesmente gramática transformacional, que tem sua primeira ampla formulação em
seu livro Estruturas sintáticas (Syntactic structures, 1957).
Fizeram-se outras formulações desta gramática gerativa, como por exemplo, a de
Morris Halle e de Charles J. Fillmore Gramática de casos (1968). E o próprio
Chomsky revisou de novo a sua.

A gramática gerativa destacou a independência da sintaxe. Com isso assumiu a


universalidade e o espírito cartesiano. Neste contexto mentalista, Chomski destacou
na linguagem a competência linguística, em virtude da qual o falante- ouvinte produz
enunciados novos e os compreende.
Em virtude da mesma competência o falante é também capaz de distinguir entre as
bem-formadas e mal-formadas sequências gramaticais. Ora, este procedimento não é
possível na gramática behaviorista comportamentalista de Bloomfield. A linguagem é
criativa e capaz de formular sentenças novas, nunca antes ouvidas. Esta competência
não se explica como reflexo condicionado.
Aqui, no fenômeno da competência, tem-se um fato que a linguística constata
indiretamente e que a filosofia da língua diretamente explica. A inteligência é capaz
de entender que o semelhante acusa o assemelhado e por isso procura estabelecer
semelhanças para criar a expressão; na pintura, escultura e música estes semelhantes
são naturais, e na língua eles são equivalentes estabelecidos pelo código.
Os reflexos condicionados, de que se vale a explicação da psicologia de
comportamento (behavior), participam da língua, mas não constituem toda a sua
estrutura.

85. Esperanto e hebraico moderno. A criação das línguas artificiais, isto é, com
codificações escolhidas conscientemente, como que em laboratório, constitui
iniciativa revolucionária da linguística moderna, e que começou a acontecer no final
do século 19.
O fato de haver o Esperanto (vd 26) conseguido funcionar como instrumento de
expressão e comunicação, estética e ocupação lúcida de muitos, é um fato linguístico
novo e único na história.

O hebraico moderno se arrola como fenômeno similar ao do Esperanto. A partir do


hebraico histórico e de vários dialetos praticados pelos judeus nos últimos séculos, se
estabeleceu uma nova gramática, racionalmente instituída.
86. Criar uma língua nova supõe o conhecimento preliminar do que seja este
instrumento de expressão e comunicação.
Todavia importa muito certa capacidade de seleção, ou seja, a inspiração artística.
Este particular poderá não ocorrer em um linguista profissional.
O fundador do Esperanto, Ludovico Lázaro Zamenhof (1859-1917), judeu-alemão
nascido na Polônia, filho de um professor de alemão em Varsóvia, ao tempo que esta
fora parte do Império Russo, não fora linguista profissional. Todavia, além de
dominar diversas línguas (russo, polonês, hebráico, francês, latim, grego), Zamenhof
teve o dote admirável do bom gosto poético e musical.

Como artista inspirado e dedicado à sua obra, Zamenhof construiu a gramática do


Esperanto, a partir de sua adolescência, para publicá-la aos seus 28 anos, em 1887.
Foi o ponto de partida para uma língua, que receberia depois a colaboração de muitos
linguistas para seu aperfeiçoamento.
A Academia de Esperanto, criada em 1905, controla e orienta a língua. O aspecto
meramente linguístico do Esperanto se denomina esperantologia, a cujo respeito se
criou através dos anos uma rica literatura.
Os linguistas esperantistas têm ainda o mérito de haverem conduzido os estudos de
linguística em direção da linguística geral propriamente dita. Antes se limitara a
ciência da linguística quase só aos aspectos históricos e antropológicos da língua, isto
é, como eventualmente acontecia aparecer e se desenvolver, e não em que ela
simplesmente consiste.

Até o surgimento dos linguistas do Esperanto, confundia-se com frequência a


condição gerativa histórica das linguas com a mesma linguística. Os estudiosos do
Esperanto se concentraram na essência mesma da língua como uma técnica de
expressão e comunicação.
Para compreender o alcance dessa afirmativa basta atender, que são duas as maneiras
de criar a língua, a eventual (que cria línguas as chamadas naturais) e a convencional
pura (que cria as línguas chamadas artificiais). Os linguistas não esperantistas
geralmente cuidaram apenas de um dos modos de criação, o eventual.
Como se disse, os esperantistas têm o mérito de haverem conduzido a linguística para
a sua essencialidade. A essência da língua não depende da causa, a qual, portanto,
pode ser eventual e artificial. Como qualquer obra de arte, a língua depende
simplesmente da obra que ela é, - conjunto de sons articulados, adequadamente
dispostos como equivalentes convencionais dos objetos significados.
O que ainda importa na língua é a necessidade de um geral planejamento, inclusive
para vencer o ônus antropológico que tende a alterar a língua através dos tempos,
contra o que resiste o Esperanto (vd 144).

87. A moderna filosofia da língua. Modernamente a filosofia da língua, enquanto


distinta da linguística, evoluiu muito devagar.
Sua evolução se deu primeiramente por simples contraste com a linguística. Na
proporção que os linguistas foram determinando seu campo de trabalho experimental
e sua metodologia, perceberam que alguns aspectos, como por exemplo, o significado,
continham elementos não experimentáveis e que, por conseguinte poderiam ser de um
campo de investigação, o da filosofia da linguagem. Esta trataria do significado
diretamente, ao passo que a linguística se limitaria à sua verificação experimental
apenas indireta.

Entre os novos linguistas várias situações se criaram.


Primeiramente uns não atingiram plenamente a distinção entre linguística e filosofia
da linguagem, e fizeram uma filosofia da linguagem de mistura com a linguística. Este
parece o caso de F. Saussure, em seu Curso de linguística geral(1916). Importa
desfazer o equívoco, separando coisas especificamente distintas.
Ainda que o linguista possa no mesmo texto fazer referências ao que é experimental
(ciência positiva) e ao que é meramente racional (ciência filosófica), eestão referência
não se pode fazer por confusão.
Inversamente, também o filósofo da língua, ainda que se envolva com a linguística,
deverá contudo saber que trata de aspectos específicos irredutíveis à mesma filosofia.

Outros linguistas, conhecendo suficientemente a distinção entre os aspectos


experimentais e racionais que distinguem linguística e filosofia da língua, cuidam
também desta. Fazem, então, uma filosofia da língua definindo-a (o que é uma
questão de lógica), abordando ainda temas centrais, principalmente a significação
(questão de metafísica), já não se trata de uma pseudo-linguística e sim de verdadeira
filosofia.

É próprio de todo cientista conhecer algo das ciências vizinhas, que cruzam com o seu
campo. Por exemplo, cada ciência deverá ser definida; é o que se usa fazer nas
introduções dos manuais; ora, esta parte é sempre uma logica especial, e que se ocupa
também da metodologia. Cada ciência experimental (não cada ciência filosófica)
necessita da matemática. Desta mesma sorte, o linguista contacta a filosofia da língua
e o filósofo da língua contacta a linguística, com distinção crítica dos conceitos e
harminação metodológica do todo.

Mas, sempre que um cientista faça ciência do outro, ou mesmo dela, corre o risco de
não acertar. Os linguistas, que se ocuparam da filosofia da língua, consciente ou
inconscientemente, poderão ter criado apenas uma ideologia de apoio para suas idéias
linguísticas.
Nesta ideologia de apoio poderão chegar até a negar diretamente a existência de uma
filosofia da língua. Se se limitassem simplesmente a esquecê-la, não seria tão grave;
todavia para diretamente negá-la têm de filosofar, o que não podem fazer em nome da
ciência positiva da linguística.
Se o fizerem em nome da filosofia, deverão fazê-lo criticamente. Linguistas, como
Chomsky e Sapir, foram certamente mais cuidadosos que outros em distinguir os dois
campos, ao mesmo tempo que se definiam em ambos.

88. Sem sistematizar rijamente a exposição, alguns filósofos desenvolveram a


filosofia da linguagem apenas como que parafraseando os temas mais freqüentes
ocorridos entre os linguistas.
Segundo este modelo Étienne Gilson (1884-1978), francês, escreveu Linguística e
Filosofia, ensaio sobre as constantes filosóficas da linguagem (J. Vrin, Paris, 1969).
Primeiramente o autor se coloca em seu plano específico:
"O título deste ensaio diz exatamente qual é seu objetivo. É este um livro cujo
interesse se orienta por inteiro para filosofia e a metafísica. Não é portanto, de modo
algum, um livro de lingüística. Não pretende em absoluto ensinar aos linguistas, dos
quais, pelo contrário, o autor se sente inteiramente devedor por recebido deles uma
matéria tão rica para a reflexão filosófica" (início do prefácio).

De outra parte, Gilson revela que sua iniciativa de filosofar procede por influência dos
mesmos linguistas, advertindo que, neste particular, eles tentavam uma filosofia,
ainda que não bem sucedidos na tentativa.
"O que provocou o nascimento do livro e o orientou neste sentido é a liberdade que
numerosos linguistas se tomam de filosofar por sua conta e de apresentar sua filosofia
como se fosse coisa que pertence à ciência. Físicos e biólogos tão pouco se privam de
adotar igual atitude".
Finalmente aponta o erro ideológico em que muitas vezes caem os linguistas:
"E não haveria que preocupar-se com isso se a filosofia, que se oferece assim, sob o
título de ciência, não consistisse muitas vezes em negar posições filosóficas aceitas
por aqueles que têm por ofício filosofar".

89. Prossegue, pois, nos tempos modernos o desenvolvimento da filosofia da língua,


de uma parte como desenvolvimento linear sobre sua tradição, que tem base no
passado, e de outra como uma forte influência exterior, vinda da linguística, gramática,
lexicologia.

Até onde irá a filosofia da língua? Etienne Gilson, apesar de seus longos comentários,
diz:
"A reflexão filosófica sobre a língua pode que não conduza a grande coisa; porém, a
menos que se tenha a todos os filósofos por insensatos, na realidade a linguagem, tal
como ela é, tem que ter algo que convide a filosofar" (ibidem).
Há certamente um caminho difícil a trilhar.

90. O desenvolvimento rápido das letras se deve antes a seu alto valor funcional que à
sua facilidade.
Não se apresenta certamente a língua como a mais fácil entre as artes.
De maneira geral, todas as artes visuais, que compreendem a pintura, escultura e
arquitetura, se mostram mais praticáveis em virtude do alto rendimento do sentido da
vista. Note-se que a vista, pela capacidade de distinguir a nitidez das formas, fornece
elevado número de conhecimentos de que o ouvido não é capaz, menos ainda os
demais sentidos inferiores. A música, essencialmente auditiva, resulta
conseqüentemente mui difícil; sua história pouco evolutiva o comprova.

Se a língua se apresenta mais fácil que a música, obedece todavia a uma estrutura
eminentemente complexa, o que obriga aos que a utilizam, a um notável esforço. E se
este vem a ser feito, deve-se à utilidade que o idioma também oferece.
Induzidos todos nós pela necessidade e não só pelo gosto estético, dedicamo- nos ao
exercício da língua até sermos capazes de exercer um falar eminentemente complexo,
que causa admiração. Exercitados desde pequeninos, adaptamo-nos de tal maneira ao
esquematismo do idioma em que nascemos, que já não somos capazes de nos integrar
perfeitamente nos demais; em última instância, isto vem provar o processo difícil da
arte da língua. Dependendo embora essencialmente apenas de um código, em que se
determinam os equivalentes, seu uso todavia requer uma acumulação enorme de
reflexos condicionados e associações de imagens.
Atentos a esta natureza difícil, é de se suspeitar que, apesar dos desenvolvimentos
teóricos conquistados pelos antigos e desenvolvidos por muitos dos modernos,
continua ainda a haver bastante para esclarecer. Prossegue, pois, a necessidade de
pesquisas sobre a língua, sobretudo no que concerne às línguas planejadas.

ART. 3-o. DIVISÃO DA ESTÉTICA LITERÁRIA.

4515y091.

92. Divisão em estética literária geral e estética literária especial. Habitualmente uma
ciência se divide primeiramente do ponto de vista dimensional, em geral e especial.
Em se tratando de uma divisão meramente dimensional, ela é uma divisão material.
Por isso, a redivisão formal se fará por igual, tanto na geral como na especial (vd 93).

Na estética literária geral se trata primeiramente dos aspectos que atingem todos os
materiais de estudo.
Depois, na estética literária especial, o mesmo tema passa a ser tratado por setores
particularizados.

A estética literária já é uma estética especial, porquanto se diz uma espécie de arte,
entre outras artes, como a pintura (estética das cores), escultura (estética das formas
plásticas), música (estética do som).
Em conjunto, tais estéticas especiais formam a estética geral (ou filosofia geral da
arte).
Mas, o que é especial admite novas e sucessivas subdivisões materiais, em espécies
cada vez menores. Então de novo a estética literária se subdivide em:
- estética literária geral (a que aqui se está tratando de fazer);
- estéticas literárias especiais (desta ou daquela língua em espécie), como estética da
língua portuguesa, estética da língua internacional, estética da língua latina, etc...
A estética geral da linguagem examina, pois, tudo o que se diz da língua
simplesmente como língua e não com tal e tal sistema linguístico.
Mas, o que é que se pode dizer da língua simplesmente como língua, e do ponto de
vista filosófico?

93. Redivisão: estudo do significado e do significante. Divide-se a estética literária


(sobretudo a geral) em:
- estudo do significado (ou da expressão);
- estudo do significante (ou do portador da expressão).
Esta divisão é formal, porque divide a partir de elementos essenciais à arte. Esta se diz
redivisão, apenas do ponto de vista didático, porque realizada depois da divisão
material.
As outras redivisões (vd 94), - desde que formais ou essenciais, - podem reduzir-se a
estas duas, que aqui são tomadas apenas no que têm de mais geral no que tem de
essencial.
A divisão mencionada em significado e significante é, aliás, peculiar à qualquer arte, e
que aqui se aplica ao caso especial da linguagem.

Começaremos pela língua como significação, ou seja pela língua como expressão.
Todavia, mais uma vez queremos subdividir, começando pela língua simplesmente
como expressão (cap. 1-o, vd 96).

É que, antes de seguir para detalhes da expressão, como prosa e poesia, gêneros de
prosa e de poesia, estilo literário, queremos não sem demora abordar o significante
(ou portador da expressão), em vista da grande proximidade entre significado e
significante.

Tratando no primeiro capítulo indicado, - do significado simplesmente, - há a decidir


sobre:

- a língua essencialmente como expressão (art. 1-o);


- a língua como mimese convencional e associatividade (art. 2-o);
- a língua como expressão objetiva interpretável (art 3-o);
- a língua pelas suas propriedades (art. 4-o), entre as quais se situam uma
importantíssima, a comunicação.

Continua a filosofia da língua indagando pela natureza do portador da expre ssão, ou


seja pelo significante (cap. 2-o, vd 212).

A importância deste portador está em que ele condiciona a capacidade com que a
mimese causa a expressão significadora. Nem todos os materiais são capazes de serem
portadores de significado, senão aqueles que são qualidades, pois só as qualidades têm
semelhante. Seguindo, portanto, por partes, há a examinar:
-o significante como qualidade, isto é, como som (art 1-o);
- as propriedades do som, e o seu movimento de que resultam as flexões como
principais instrumentos portadores da língua (art. 2-o);
- o ritmo da linguagem (art. 3-o);
- as alianças da língua com outras matérias portadoras de expressão de que o
canto e o gesto são as formas mais freqüentes (art. 4-o).

94. Redivisões: prosa e poesia, gêneros, propriedades, estilo. Depois de abordado o


que há de mais geral no significado e no significante, passa-se a detalhes. Estes
detalhes são feitos sempre a partir da significação, mais que a partir do significante.

Portanto, depois de tratar da expressão (cap. 1-o), se cuida de dar algum tratamento ao
significante (cap. 2-o), redividindo e retomando:

- a expressão literária em prosa (cap. 3-o);


- gêneros literários em prosa (cap. 4-o);
- a expressão literária em poesia (cap. 5-o);
- gêneros literários em poesia (cap. 6-o);
- estilo literário (cap. 7-o);

Existe também uma ética, bem como uma filosofia social e política da arte.
Usualmente não se incluem estes títulos no contexto sistemático da estética literária.

CAP. 1-o.

A LÍNGUA SIMPLESMENTE COMO EXPRESSÃO. 4515y095.

96. Introdução à língua simplesmente como expressão. Estudada


primeiramente como expressão, a língua é vista como dizendo algo, e não pelo
seu portador material.

Se digo casa, penso numa construção habitada pelo homem, e não nos sons
desta palavra. É da expressão que se cuida agora, e não de seu portador.

No que se refere à expressão é possível de novo distinguir entre o que é


essencial à expressão, e demais aspectos que esta expressão apresenta.

Dali decorre a sequência didática seguinte:

- a língua só essencialmente (art. 1-o) (vd 97);


- a língua adicionalmente como contexto e associatividade (Art. 2-o) (vd 172);

- a língua como expressão objetiva interpretável (Art. 3-o) (vd 184);

- a língua pelas suas propriedades (Art. 4-o) (vd 190).

ART. 1-o. A LÍNGUA SÓ ESSENCIALMENTE.

4515y097

98. Encaminhamento da indagação inicial. No que concerne


ao exclusivamente essencial na língua como expressão, é possivel apreciá-la
sucessivamente:

- uma expressão intencionalística (§ 1);

- resultante, por efeito formal, de uma convenção (§ 2);

- criada, na ordem da causa eficiente, pelos usuários (§ 3).

§ 1. A língua como expressão intencionalística.

4515y099.

100. Que é que define essencialmente a língua como expressão


intencionalística?

É o fato mesmo de ser a expressão convencional de algo. Portanto, é essencial à


língua significar por efeito de uma convenção.

Há no essencial aquilo que é genérico e o que é específico. Começamos pelo


genérico, e portanto por aquilo que a língua tem de comum com todas as artes,
- ser uma expressão.
Neste momento inicial genérico, não se cuida ainda de determinar o aspecto
específico da língua, que depois será determinado como sendo seu caráter
convencional, em contraste com o caráter de mimese natural das demais artes.

Como o título já adianta, devemos entender a língua essencialmente como


expressão intencionalística, o que acontece em todas as artes, quer
naturalmente, quer convencionalmente.

101. Método fenomenológico inicial em filosofia da língua. O inicial dito sobre


a língua é uma constatação direta, dita de fatos singulares.

Não se demonstra, portanto, pela via argumentativa, que a língua seja uma
expressão significadora; tudo é verificado diretamente, portanto por uma prova
fenomenológica, anterior à prova argumentativa.

Assim acontece também com a arte em geral, porque em todas as artes se


verifica diretamente, como um dado fatual, seu caráter de expressão
significadora.

Efetivamente, constatamos diretamente, que a pintura é uma expressão, que a


escultura o é também, finalmente que o mesmo acontece com a música, ainda
que muitos outros elementos a acompanhem.

A partir da constatação de um dado inicial, sobre o que seja a linguagem,


prosseguimos a restante construção da estética da linguagem, a qual depois
poderá ir para a cursividade com vistas a afirmações universais teóricas.

Suponhamos que a primeira constatação sobre a língua seja: A língua é


expressão de algo. Equivale a dizer: a língua é expressão intencionalística. Não
conseguimos encontrar língua, na qual a expressão não ocorra, o que
constatamos como dado fatual.

Então tudo, em filosofia da língua, começará pela constatação direta deste fato,
examinando-o, portanto, fenomenologicamente, antes de qualquer
desenvolvimento teórico ulterior.

Este desenvolvimento teórico ulterior perguntará, se a língua é sempre uma


expressão intencionalística; eis a indução generalizante (vd 116), a qual resulta
de uma análise, que divide nos indivíduos entre o que eles contém de
individualizante e o que contém de geral. Este novo encaminhamento por
análise não é fenomenológico, porque dependente de elementos que lhe são
anteriores.
Mais adiante o desenvolvimento teórico perguntará se, como arte, a língua se
processa por mimese convencional, ou seja por equivalentes adotados por
convenção (vd 124).

102. Importa que o conhecimento fenomenológico, antes de passar para o


cursivo, seja perfeito, sobretudo deverá ser crítico.

O pensamento é crítico, quando sua evidência é clara em si e distinta de outra


alternativa; é, portanto, crítico quando, ao atender diretamente ao que supõe
estar certo, ainda examina a possibilidade da posição contrária. Então, o
pensamento, além de se mostrar claro, ainda é distinto, portanto de acordo com
as normas da evidência perfeita, que importa em clareza e distinção.

Qual é, pois, o ponto de vista contrário da arte definida como expressão


significadora?

Este outro ponto de vista é o de que, na constatação inicial, a arte se apresente


apenas como um objeto criado entitativamente, sem que seja necessariamente
significador de algo.

Esta outra posição é praticista, em contraste com a intencionalista, dita também


teoreticista.

Colocados os pontos fundamentais da pergunta pela arte, importa detalhá-los


ainda mais, do ponto de vista meramente formal, para que entendamos bem o
questionamento.

Neste sentido, comentaremos a característica epistemológica do fato,


metodologia do seu tratamento, da hipótese fenomenológica, dos conceitos de
intencionalidade.

103. A característica epistemológica mais peculiar do fato fenomenológico é


sua evidência incondicionada.

Todo fato é uma evidência explícita. Todo o fato é um começo absoluto na


ordem da evidência.

O fato não é como as evidências implícitas e virtuais, que, depois de


examinadas, se mostram dependentes.

As evidências implícitas e as virtuais (dependentes de um argumento) estão


dentro de um sistema, onde elas recuam a fundamentos anteriores. Dependem
então ainda de outras evidências, as quais finalmente se apóiam em uma
evidência explícita (factual, fenomenológica), inicial. Se não ocorrer a inicial,
tudo o que se havia construído em cima, pode ser simplesmente falso, ou um
conjunto sistemático esperando uma confirmação.

Ordinariamente um fato costuma ser singular, todavia não necessariamente.


Quando os fatos são singulares e iguais, permitem a progressão indutiva, pela
qual se admite uma base universal para os mesmos.

No caso da língua, os primeiros fatos que conhecemos são singulares. Por


exemplo, esta fato linguístico singular é uma expressão. Outros e outros que
continuamos a verificar diretamente, são também fatos singulares de
expressão. Ainda que a partir dos fatos iniciais possamos descobrir elementos
implícitos e virtuais, estes outros elementos são teóricos e estão dependentes
daqueles fatos fenomenológicos iniciais, e que são todos expressão.

Organizando-nos do ponto de vista formal da prova, no momento inicial da


Estética da Linguagem cuidamos primeiramente da língua essencialmente
como expressão, fatualmente constatada, e não seguindo mais longe.

A cursividade da questão seguirá depois, em frente. Mas importa inicialmente


saber pôr o que é inicial, sem confundir este primeiro passo com o restante.
Poderá o restante apresentar outro nível epistemológico, e já não ser apenas um
fato, e sim um elemento de evidência implícita. Metodologicamente não se
deve seguir em frente, sem demorar-se o suficiente no passo inicial.

104. Método cursivo na estética da linguagemm. Em contraste com o método


fenomenológico,- retido na descrição suficiente dos dados explicitamente
evidentes,- o método é cursivo, quando, - conforme já advertido, - passa a
progredir dos dados de evidência explícita para os de evidência implícita
(formalmente contidos) e para os de evidência virtual (virtualmente contidos,
porque gerados pelas operações raciocinaturas indutivas e dedutivas).

No momento cursivo raciocinativo ocorrem duas modalidades de progressão. A


operação raciocinativa indutiva passa dos dados individuais para a generalidade.

epois de alcançada a generalidade, novos procedimentos se processam pelo


raciocínio dedutivo, o qual, em suas premissas utiliza pelo menos um afirmação
universal; então novos e novos resultados são alcançados, porque contidos
virtualmente nas referidas premissas.

Quando, por indução, se passa dos dados singulares para o universal, este
último é um novo conhecimento, dito de evidência virtual, porque gerada pelos
antecedentes analisados; o mesmo acontece com os conhecimentos gerados
pelas premissas do raciocínio dedutivo.

105. A hipótese como instrumento auxiliador. É a hipótese a racionalização das


verificações singulares, aproveitadas pelo raciocínio indutivo, o qual tenta
explorar primeiramente a generalização mais provável. Busca confirmar o
universal mais provável, antes dos universais menos prováveis.

Também se admite denominar hípótese o exame da dedução mais coerente,


antes de outras possibi;idades.

Antecipa-se igualmente a verificação fenomenológica mediante hipótese.

Se colhermos dados dispersivamente, poderá acontecer que nunca cheguemos


ao objetivo, nem fenomenológico, nem teórico.

Os dados são muitos, todos autênticos; mas inicialmente não sabemos qual
deles o mais representativo e finalmente indicador do essencial, sem o qual a
coisa não seria aquilo que é.

Na verificação fenomenológica há que levar a noção do dado à evidência


incondicionada. É preciso ver não só diretamente (evidência clara), e ainda não
confundir (evidência distinta).E não confundir dados entre si, e nem dados com
elementos teóricos.

No caso da indução, há a analisar os dados, fixando sempre os elementos mais


gerais, separando-os dos que o são menos.

Antecipa-se também a indução mediante uma hipótese. Com a hipótese


prepara-se a prova. Pela hipótese, - como já se adiantou, - procura-se uma
direção mis provável, e perdemos menos vezes tempo com as menos prováveis.

Como se cria uma hipótese para o raciocínio indutivo? Não se finge


simplesmente uma hipótese. Já o advertia Newton: hypoteseses non
fingo. Determina-se a hipótese em função à dados já conhecidos, e capazes de
orientar em certa direção, embora por si mesmos ainda insuficientes para uma
indução mais segura. A hipótese para o raciocínio indutivo já é uma indução,
ainda que não suficientemente fundada.

106. E como criar uma hipótese sobre o que a língua é


essencialmente? Para a fenomenologia a hipótese apenas propõe o que parece
estar mais presente de primeiro momento, e continua ser examinado.
Para a indução a hipótese continua apenas, todavia analisando e não apenas
constatando.

Conhecemos fatos (geralmente muitos) em que a língua de pronto se revela


como expressão.

Também conhecemos fatos, em que a língua surge como instrumento de


comunicação entre as pessoas. Estes fatos são muito notórios.

Mas seria a comunicação entre pessoas algo essencial à língua? E não suporia a
comunicação a expressão?

Ainda outros fatos são costumeiros à língua: a esteticidade, a catarse, a


ludicidade.

A hipótese sobre a natureza universal da língua, mais depressa afasta a


ludicidade, a catarse, a esteticidade, porque há casos em que não parecem estar
muito presentes. A frequência da comunicação como dado linguístico é muito
alta, e por isso a hipótese da mesma como essencialmente comunicação é
muito alta.

Não obstante, maior é a possibilidade da hipótese que dá a língua como


essencialmente expressão.

Todavia, qualquer hipótese indutiva, mesmo depois de sempre comprovada,


resta ainda em aberto, ao menos do ponto de vista meramente formal. Enquanto
não ocorrer um caso em contrário, tem-se o universal da indução como
afirmação firme, porquanto explicou todos os casos conhecidos. Não sabemos
ainda se há casos em que não se apresente a língua como expressão.

Em síntese, a hipótese que temos pela frente é a seguinte: Toda a língua


é essencialmente expressão, - porque os dados conhecidos o
são suficientemente, para que seja proposta.

107. Intencionalidade da expressão. Algo é expressão, se transcende a si


mesmo, levando a atenção para um outro termo, chamado objeto.

Aquele algo, que é a expressão, é denominável sujeito portador da expressão.

Ocorre uma estrutura com três elementos: o ponto de partida, a relação para
fora, o termo de chegada. Sobre todos os três termos, aparentemente óbvios, há
muito a dizer.
A complicação está naquele algo, dito pela expressão. Nele está em primeiro
lugar, o sujeito da expressão.

Na obra de arte ocorre apenas o sujeito portador da expressão, o qual não está
consciente de si mesmo; o sujeito consciente é apenas o apreciador, que a
interpreta. Mas na mente a expressão é, ao mesmo tempo, sujeito portador e
sujeito consciente.

São equivalentes de expressão, quando entendida como relação para fora, -


transcendência, intenção, referência, assuntação, tematização, designação,
denotação.

A relação intencional (2-o elemento) é expressa geralmente de maneira


abstrata, e é muito típica do fenômeno do conhecimento. Então podem ser
usados os termos anteriores, em nova formulação gramatical:

- transcendentalidade,

- intencionalidade,

- referencialidade.

Similares são assuntividade, tematicidade, designacionalidade, denotacidade.

O mais utilizado, como termo técnico para este caso, é o de intencionalidade


(termo tomado diretamente do latino intentio, -onis; equivale diretamente à
atencionalidade (de formação neolatina).

É essencial à expressão artística a intencionalidade, no sentido de que ela


adverte para algo.

Cabe à filosofia da arte mostrar as diferenças que ocorrem de arte para arte.
Por exemplo, nas artes da pintura, escultura e música a operação relacional para
fora se faz mediante semelhança natural, enquanto que na língua ela acontece
por semelhança de convenção.

108. Para a reta compreensão da intencionalidade da expressão importam


algumas advertências semânticas. Expressão é palavra polissêmica, podendo
ser expressão intencionalística e expressão ôntica.

O sentido de expressão intencionalística é aquele que estamos tomando aqui


para definir a arte como expressão de algo que lhe transcende, para o que ela
adverte a atenção do cognoscente.
Diferente, é a expressão como realização ôntica de algo, feito de acordo com
uma idéia exemplar. Neste caso, o novo objeto fica sendo expressão do seu
modelo exemplar, ou arquétipo.

Ambos os fenômenos, - o intencionalístico e o ôntico-, ocorrem na obra de


arte, e é preciso saber distingui-los.

Na fase da criação o artista começa por ter na mente a idéia da obra a ser
criada onticamente. No segundo tempo, esta obra deverá intencionalísticamente
expressar um tema.

Então a obra de arte é primeiramente expressão ôntica da idéia criadora, e


depois passa a ser ainda uma expressão intencional do tema de que se torna
significadora.

A polissemia não acontece com a palavra significação, que se relaciona apenas


com a expressão intencionalística. O mesmo acontece com os termossigno e
sinal, todos de idêntica raiz latina. É sempre essencial à arte ser portadora de
significação no sentido intencionalístico; ser um signo ou signal de algo.

Não há significação, nem signo, nem sinal no caso da expressão ôntica, mas
apenas onticidade, entidade, coisa, produto, resultado. Se adicionalmente a
coisa passa a significar algo, este novo elemento é distinto do primeiro.

Como palavra, expressão é um composto: a partícula expletiva ex- e o termo


principal pressão (do verbo premer, com o sentido de prensar).

Nesta linha de sentido, expressão, é simplesmente o que se produz com


qualquer ação sobre o material a ser transformado.

O que resulta costuma ter a imagem do instrumento pressor. É assim que o


animal deixa impressa a imagem de suas patas, a máquina impressora a
imagem dos seus tipos.

Neste sentido pode-se deduzir que o sentido primitivo da palavra expressão era
o ôntico, o praticista, o industrial.

Em vista da frequência com que o produto da pressão se assemelha com o


modelo pressor, esta expressão adicionou ao sentido ôntico também o sentido
intencionalístico. Então expressão assume um novo sentido, que o contexto
deverá determinar.

Pelo visto, não basta definir a arte como expressão, sem que o contexto afaste
a polissemia. Importa garantir o significado de expressão na acepção de
significação de algo, de intencionalidade, de transcendência, de denotação, de
tematicidade, de assuntação.

109. Concepção praticista da arte, inclusive da língua. Importa considerar logo


no início da investigação sobre a natureza da arte e em consequência também
sobre a natureza da língua como arte, se tudo não passa de um fazer, ou de uma
praxis. Nesta concepção praticista, ou praxista, o restante na arte seria eventual,
inclusive eventual o poder significador, ou intencionalístico.

Então a arte seria apenas um reto modo de fazer, como já se disse na


antiguidade latina, - recta ratio faciendi.

Também Kant e Hegel assim pensaram modernamente, não obstante as


evidências em contrário.

Tem-se afirmado, dentro do contexto praticista da arte, que a ciência e a artese


distinguem nisto: que a ciência se refere ao que já existe, -ao que existe por
natureza, - sobre isto estabelecendo a verdade; e que a arte se refere ao que está
por ser produzido, - ao que passa a existir por obra do homem.

E assim, - nos meios praticistas, - se declaram coisas similares sobre a arte.


Todavia, todas estas definições e descrições podem estar definindo e
descrevendo apenas um aspecto e não a totalidade essencial do fenômeno
artístico. É o que deverá ser criticamente examinado.

Seria a língua apenas uma obra entre outras obras? Mais fácil é assim pensar
da pintura e da escultura, não usadas tanto quanto a língua para a comunicação.
Mas é sobretudo no campo das assim denominadas belas artes, com destaque
na arquitetura, que o praticismo é mais fácil de ser veiculado como definição
essencial da arte.
Na arquitetura importa examinar a possibilidade de estarem ocorrendo dois
sentidos de arte, - o de produção bem feita e o de expressão intencionalística,
que se lhe pode eventualmente acrescer.

110. Uma conceituação eclética em filosofia da arte poderá estabelecer que


umas artes são expressão significante, enquanto outras são mera produto na
ordem ôntica.

Então poderia obviamente a língua ser considerada expressão sígnica,


enquanto a pintura, a escultura, a música seria apenas expressão ôntica.

Certamente a arquitetura é, em primeiro plano, mero produto, e que consiste na


organização espaço a serviço do homem. Mas agora se diria o mesmo da
pintura, da escultura e da música.

111. A definição ecleticista de arte (vd 116) se encontra na maneira de ver de


Jean Paul Sartre (1905-1981), pelo menos em um dos seus textos:

"As notas, as cores e as formas não são signos, não são coisas que remetem a
nada que lhes seja exterior.

Para o artista, a cor, o aroma são coisas em grau supremo; se se detém na


qualidade do som ou da forma, volve a ela sem cessar e obtém dela satisfações
íntimas; é esta cor-objeto o que vai transladar para sua tela e a única
modificação que lhe fará experimentar é que o transformará em objeto
imaginário . É, pois, ele quem mais dista de considerar as cores e os cons como
uma linguagem.

O pintor não quer traçar signos em sua tela, senão que quer criar uma coisa, e,
se põe vermelho, amarelo e verde em conjunto, não há nenhum motivo para
que o conjunto possua uma significação definível, isto é, a remessa concreta a
outro objeto" (Que é literatura? I, p. 45, ed. Esp.).

Mais adiante: "O grito de dor é o signo da dor que o provoca. Porém um canto
de dor é por sua vez a dor mesma e uma coisa distinta. Ou, se se quiser adotar o
vocabulário existencialista, é uma dor que já não existe, que é.

Vocês dirão e se o pintor faz casas? Pois bem, precisamente, faz casas, isto é,
cria uma casa imaginária na tela e não um signo de casa. E a casa que assim se
manifesta conserva toda a ambiguidade das coisas reais" (Ibidem, I, p.47).

Em nota ainda frisou Sartre:


"A grandeza e o erro de Klee estribam em seu intento de fazer uma pintura que
fosse ao mesmo tempo signo e objeto" (Ibidem).

112. Prova da língua, e também da arte em geral, como expressão


intencionalística. Prova-se que a língua, bem como a arte em geral, é
essencialmente expressão, pela alegação do fato observado, pelo qual ela assim
se apresenta.

No instante em que se princia alegando o fato observado, já se fez uma escolha,


- a de que acontece um fato, e não de uma ponderação raciocinativa. Do fato
primeiramente se faz a fenomenologia.

Ainda quando a prova parece óbvia, ela deve ser trabalhada com todo o detalhe
pela fenomenologia, com vistas à compreensão perfeita do fato verificado, e
ainda com vistas a afastar elementos raciocinativos que por engano se hajam
introduzido.

113. Consiste a prova do caráter intencionalístico da língua em atender ao


que acontece enquanto a língua flui.

O que observamos em cada momento na língua é que ela nos fala como
expressão intencionalizada, fazendo atender aos objetos significados. Para o
observador de cada caso não há linguagem quando falta a significação a
denotar algo.

Quando atentos a quem fala, emitindo sons articulados, não atendemos à


língua como voz simplesmente, mas aos objetos que indica. Se não entendemos,
concentramo-nos até atingir aquele conteúdo, que a expressão acaba revelando.

Não se trata apenas de reflexos condicionados, a que se reduzem certos


movimentos, e como parece tratar-se no caso da atenção dos animais ao serem
chamados e advertidos. Na linguagem ocorre algo de mental, a nível da atenção
inteligente e competente.

Enfim, se criamos uma língua artificial, o que precisamente fazemos é atribuir


significados às palavras e criar para o todo uma gramática suficientemente
capaz de administrar os significados.

114. A observação que se faz da língua como expressão intencionalística


diretamente observada, se repete nas demais artes. Este paralelismo como que
confirma a umas e outras como situadas no mesmo plano de instrumentos de
expressão.

A música, não obstante agradar pelas suas qualidade estéticas, exprime algo.

O mesmo acontece, todavia com mais evidência, na pintura e escultura. As


casas de tinta sobre a tela não são apenas casas de tinta; elas exprimem outras
casas, como significação. E assim sucede ainda o mesmo com as esculturas,
pois não as encaramos apenas como objetos com tais formas, mas como
exprimindo mensagem.

Há também as artes mistas, como o teatro, o cinema, a retórica, o cinema, a


televisão, em que todas as artes ingressam através de sua capacidade de
exprimir.

A voz do papagaio, ainda que para ele mesmo seja apenas uma voz similar à
que ele ouve e imita, poderá, para nós outros, significar eventualmente o
conteúdo de uma palavra humana, e neste sentido transposto participar do
conceito de arte. O mesmo aliás acontece com animais que participam no teatro.

115. Dois sentidos de arte, expressão ou somente coisa. Quando entendida


como expressão intencionalizada, não se confunde arte com um outro sentido
semântico de que a mesma palavra é portadora, como quando se denomina
artístico ao bem feito. Este outro sentido acontece na arquitetura, na pintura e
na escultura quando vistas apenas como belas, então se dizendo belas artes.

Afastada a interpretação praticista da arte da linguagem, importa ainda afastá-


la também da pintura, escultura e música.

A posição eclética, dos que admitem o teoreticismo para a linguagem e o


praticismo para a pintura, escultura e música, não parece viável (vd 111).

A língua e as demais artes se distinguem apenas pelo instrumento. A pintura,


escultura e música se apóiam na mimese natural, ao passo que a linguagem na
simples equivalência convencial, a qual também é uma espécie de mimese.

A pintura, a escultura, a música imitam naturalisticamente seus objetos, ao


passo que os equivalentes linguísticos fazem esta mesma imitação por
convenção.

Fundamentalmente, pois, as artes conferem entre si, sendo por isso chamadas
artes em sentido unívoco, e não somente por analogia. Em tudo o mais as artes
conferem entre si, como significadoras de um tema. A língua versa assuntos, do
mesmo modo essencial que a música, a pintura, a escultura, ainda que com as
peculiaridades respectivas.

116. Indução generalizante. Num novo tempo, a constatação direta da arte


como expressão significadora é conduzida à generalização. Já então o saber
sobre a arte ultrapassa o nível do fato meramente fenomenológico dado, e
segue cursivamente para a indução. É quando a operação mental passa do
caráter verificado de um fato, para a assertiva de que todos os fatos verificados
assim o serão.

Conforme já advertido, a indução é válida enquanto não se encontrar um fato


em contrário da categoria dos fatos examinados. Ela nunca ultrapassa
totalmente os limites da hipótese. É apenas uma hipótese mais segura.
Enquanto, pois, não se encontrar dentro dos fatos da língua um que esteja
destituído de significação, mantém-se a indução de que a língua sempre é
expressão.

Importa não confundir esta primeira cursividade indutiva com uma outra, mais
caracterizadamente teórica, na qual se explica o porque do fato. Dentre estes
explicativos muito se destaca, por exemplo, a explicação da arte pela mimese
(vd 122).

No caso, a língua é também explicada pela mimese, operada por equivalentes


convencionais. Não confundindo estes elementos teóricos com os fatos, cuida-
se agora em mostrar apenas que a língua é expressão, e que, por indução é
sempreexpressão.

117. Afastamento de dificuldades. Oferecem-se algumas dificuldades à


interpretação intencionalística da arte, e que importam ser examinadas.

Dividida a arte em figurativa (temas concretos) e em meramente formal(temas


abstratos), parece que a arte meramente formal se apresenta sem temática, sem
intencionalidade a advertir para um objeto.
Apoiar-se na distinção entre arte figurativa e arte meramente formal, com
vistas a negar a intencionalidade da arte meramente formal, é um
engano. Também a arte meramente formal transmite para um tema. Não
somente o figurativo é temático; este é apenas mais contundente. a arte
meramente formal adverte para um tema abstrato.

Dificuldade similar ocorre na arte concretista. Não se pode dizer que a arte
concretista é uma arte sem objeto (sem tema). A literatura concretista não é
apenas um conglomerado visual de palavras. Elas em última instância dizem
algo.

Não faltou quem o advertisse para o intencionalismo da arte concreta::

"Uma das peculiaridades substanciais das palavras é que, tão logo cunhadas, se
aferram irrevogavelmente a um referente...

Não há fugir; o poema não pode despojar-se da contingência de versar sobre.


No momento em que se lhe subtrai a qualidade predicativa, reverte instantâneo
à sua condição anterior de aglomerado anárquico de palavras" (Osvaldino
Marques, contra certos teóricos do concretismo, em artigo concretismo, ou uma
hipótese autocontrariada, na Revista do Livro, junho, 1958, p. 39).

118. Intencionalidade ou tematicidade da arte não quer dizer, que ela


envolve o valor intrínseco do tema. É arte essencialmente, tanto a palavra de
conteúdo singelo de cada momento, quanto a que expressa filosofia, história,
ficção, noticiário. Mas é arte sobretudo a que bem expressa, tanto ao conteúdo
singelo, quanto ao grande conteúdo.

A crítica da arte se ocupa em primeiro plano da arte enquanto boa expressão. a


outra crítica, - a do conteúdo, - pertence à ciência que o trata.

Diferente é a natureza da crítica de conteúdo, a não ser que o crítico pretenda


fazer todas as críticas, tanto a crítica do aspecto artístico, como da qualidade do
conteúdo. Não o faz entretanto sob um só título, porque efetivamente faz duas
espécies de crítica, a literária, a de conteúdo.

Advertindo contra a crítica que junta as críticas todas, observou A.S. Amora:

"Este conceito, apesar de seu evidente defeito, foi perfilhado por vários críticos
do século passado[dezenove]. No domínio da literatura em língua portuguesa
sobreviveram-no historiadores como Teófilo Braga (em Portugal): veja- se à
título de confirmação, a extensão das histórias da literatura brasileira destes
críticos, mais historiadores da cultura espiritual de Portugal e do Brasil, que
propriamente historiadores da literatura" (A. S. Amora, Teoria Literária, p. 23).

119. O que se apresenta claro, na distinção entre crítica propriamente artística e


crítica de conteúdo, não requer uma aplicação rija no comportamento dos que
fazem todas as críticas. É que o conteúdo influencia a expressão. Em
decorrência ocorrem os gêneros literários (vd 651).

Quando se trata da criação da ficção, o enredo ficcional é apenas conteúdo.

Não obstante, a preocupação do artista com a ficção ocorre, porquanto a


subordina mais estreitamente aos objetivos da expressão. Por isso, criada a
ficção para uso literário, muito dela se ocupam os literatos.

Não obstante continua firme a tese, de que a inspiração artística se diz em


primeiro lugar do modo acertado de criar a expressão; muito outra é a
inspiração para criar o enredo.

A expressão arte no sentido forte refere-se à arte bem realizada como


expressão, e não à arte de bom conteúdo. Todavia, por extensão, poderá ir até
lá.

O folclore geralmente é deficiente, tanto no que refere ao conteúdo (que é o da


sabedoria popular), como à qualidade da expressão.

§ 2. A língua como sistema de equivalentes convencionais.

4515y120.

121. Por que é que uma expressão falada é capaz de significar? Nas
artes por semelhança natural, aquela semelhança tudo logo explica, em função
ao princípio de que o semelhante acusa ao seu assemelhado. Mas, o que
acontece na linguagem para que, apesar da ausência de semelhanças naturais,
ela contudo é capaz de significar?

Resolve-se a questão pelo estabelecimento do princípio de que a convenção de


equivalentes é também uma semelhança. O equivalente é um faz de conta que...
Isto posto, aplica-se também à linguagem o princípio geral, o de que o
semelhante acusa o assemelhado.

Ora, o equivalente é um semelhante; portanto, o equivalente acusa aquilo de


que é o equivalente!

A linguagem, por meio de equivalentes convencionais, como que imita ao que


ela significa. Eis o que importa examinar e esclarecer melhor, neste parágrafo
sobre o que uma arte tem de específico.

Já não se trata de fazer uma constatação pura e simples, de que a língua é uma
expressão capaz de significar, porque remete a atenção na direção de um objeto;
trata-se agora de penetrar a natureza desta expressão, para entender, do porque
de sua capacidade.

A partir daqui a filosofia racionalista avança com mais versatilidade do que a


filosofia puramente empirista. A experiência constata que a expressão acontece.
Mas não a explica, nem nas artes que operam com semelhanças naturais, nem
nas artes que utilizam a convenção.

Em filosofia racionalista o princípio de que o semelhante acusa o assemelhado,


não somente é empiricamente constatado. Ainda racionalmente esclarece, -
pelo uso de termos como causa formal e efeito formal, - que o semelhante tem
por efeito formal ser a expressão do assemelhado. Inclusive, os equivalentes
convencionais têm por efeito formal serem a expressão daqueles objetos dos
quais foram estabelecidos como seus respectivos equivalentes.

122. Tese: a língua (do ponto de vista da causa formal) é expressão mediante
equivalentes convencionais.

Ou seja, - a língua, como qualquer arte, é uma operação por semelhança


(isto é, por mimese), mas não uma semelhança por igualdade natural (ou
equivalentes naturais), peculiar às expressões da pintura, escultura, música, mas
uma semelhança por igualdade artificial (ou equivalentes convencionais)
(vd 128).

O que se apresenta a examinar sobre a natureza da língua como expressão


importa, não tanto provar que a língua é convenção (como se fará no § 3-o),
mas em entender o processo mesmo da convenção, como capaz de gerar, por
efeito formal, a intencionalidade significadora da expressão.

Somente depois se cuidará da proposição seguinte, já situada na ordem da


causa eficiente:: a língua tem os seus equivalentes estabelecidos
convencionalmente pelo indivíduo falante, ainda que obediente a circunstâncias
antropológicas muito complexas, ligadas aos reflexos condicionados e
situações ambientes.

A proposição primeiramente em questão (tema do presente parágrafo) se refere


àquilo que dá à qualquer expressão sua especificidade como sendo causa
formal com o efeito formal de significar algo. Neste sentido, não existe
expressão, que não opere pela via da causa formal e efeito formal, quer se trate
de artes que usem as semelhanças naturais, quer de artes que usem as
equivalências convencionais.

Com frequência se inicia o questionamento da língua indagando, se ela é


convencional ou natural. Então como que já se supõe de algum modo o
conhecimento das questões anteriores. Em parte se trata apenas de uma questão
de método. A rigor, todavia, não podemos formular esta pergunta sem admitir
o que a língua entitativamente já é como instrumento de expressão.

Mesmo o que é convencional, não exprime pelo fato de ser criado pela
convenção, mas porque a convenção se comporta como causa formal; então,
posta a convenção, o efeito é o de significar algo. Assim também a expressão
natural procedida pela pintura, escultura, música, não exprime por ser natural,
mas por efeito formal. O princípio formal é sempre o mesmo, - o semelhante
acusa o assemelhado.

O tratamento das questões sobre a natureza da língua como um sistema de


equivalentes não começa adequadamente, pois, pela pergunta sobre a
convenção do signo, mas simplesmente porque é que um signo é capaz de
significar, qualquer seja ele, natural ou convencional.

123. O conceito de semelhança (ou de mimese) é um dos mais graves em


filosofia da arte.

E logo a seguir, para instruir sobretudo a filosofia da linguagem, importam as


suas duas espécies, a semelhança natural e a semelhança por equivalência
convencional.

Colocados claramente estes dois tempos conceituais, teremos a semelhança (ou


mimese) como explicação de toda e qualquer expressão. A semelhança natural
explicaria a expressão mental e a expressão artística; a semelhança por
igualdade convencional explicaria a expressão da língua.

Há, pois, primeiramente a deixar claro o conceito de semelhança. Logo a seguir


as suas espécies, a natural e a convencional.

124. Conceito de semelhança (ou de mimese). Que é então a semelhança?Trata-


se de um conceito simples, que se apreende no primeiro intuito, e que portanto
todos os indivíduos alcançam, quando se trata de semelhança concreta.

A noção abstrata de semelhança também é um conceito simples, mas que já


depende de um esforço maior, para chegar a ela plenamente (com evidência
clara) e sem confundir com outras noções (com evidência distinta).

Como conceito simples, não se explica a semelhança por decomposição de sua


noção em partes.

A semelhança é uma propriedade que os seres têm e que os aproxima uns dos
outros. Em virtude da semelhança, que aproxima uns seres dos outros, fazem-
se de conhecer uns pelos outros, na medida que se de aproximam. É o acontece
na expressão, em que é criada uma semelhança para expressar o que se lhe
assemelha.

Somente podemos descrever a semelhança, delimitando-a em seu mesmo


círculo. Nesta delimitação, o que de mais importante se encontra a respeito da
semelhança é o fato de que a semelhança é uma propriedade da qualidade.

Somente a qualidade tem semelhante; por isso a expressão artística somente


opera qualidade, por exemplo, com a cor, a forma, o som.

Além disto, a qualidade tem graus e contrário, que permitem criar as flexões,
também peculiares da arte.

Temos, pois, que perguntar pela noção de qualidade.

É a qualidade (nome derivado de qualis = qual) aquilo que faz uma coisa ser
uma tal-e-qual coisa. Em consequência de cada coisa ser uma tal e qual coisa,
ela se de distingue da outra coisa ao seu lado.
126. Aproximações entre qualidade e essência. Mais fundamentalmente, a
qualidade é o que se denomina essência, porque é pela essência que uma coisa
se distingue de outra. É pois a essência o modo de ser do existir.

Menos fundamentalmente, as qualidades criam outras e outras diferenciações,


as quais simplesmente se denominam qualidades. Entre estas, umas estão mais
próximas das essência e dela decorrem; estas se subclassificam pelo nome de
propriedades. Outras são mais eventuais, e se denominam qualidades acidentais.

Todavia, o sentido geral de qualidade, quer se de trate de essências, quer de


propriedades, quer de acidentes, percorre de uma a outra extremidade tudo o
que em última instância se comporta como uma tal e qual coisa.

A mesma coisa pode ser vista, ora como outra categoria de ser, ora como
qualidade. Por exemplo, a quantidade não é qualidade; todavia, um ser pode ter
a qualidade de ser quantificado.

Neste sentido, a qualidade é a única categoria de ser que invade todas as outras.
Ela invade as categorias de noções unívocas, como ainda aos modos
transcendentais de ser.

A geral invasão da qualidade em todas as categorias e modos de ser, permite


também em todas elas a propriedade da semelhança. Eis, pois,
quando passamos a compreender que todo os seres se fazem e algum modo
expressão de conhecimento, através do princípio de que a qualidade que os
atinge os fazem ter semelhanças.

A emelhança entre os seres ocorre, quando eles conferem entre si pelas suas
qualificações. Eles se tornam então equivalentes. Na medida que umas
determinações conferem e outras diferem, as coisas se assemelham ou se
diferenciam.

Acontece, consequentemente, uma equivalência maior e menor entre as coisas,


de tal maneira que umas podem significar melhor, outras menos bem.

Diferentemente, as outras categorias (vd 451ss), como substância, quantidade,


relação, lugar, tempo, ação, etc., não dizem diretamente perfeição qualificativa,
ou determinação diferenciadora. Por esta razão não se de prestam como
expressões capazes de significar.
127. A qualidade faz os seres distinguirem-se entre si. Na verdade, é por
serem, ou brancos, ou pretos, ou verdes, ou vermelhos, que distinguimos certas
coisas entre si; do mesmo modo, continua sendo pela diversidade de formas, ou
redondas, ou quadradas, ou alongadas, etc., que distinguimos outras; enfim,
também é pelo som, pelo perfume, pelo gosto, pelo tato, que continuamos a
fazer diferenciações.

E por que somente pode exercer-se como símbolo o ser enquanto se diferencia?
São as qualidades que os diferenciam e lhes dão condições de poderem assumir
as funções de símbolos. Devem os símbolos distinguir-se entre si; ora, aquilo
que distingue os seres sensíveis, aproveitando-os como símbolos, se deve à
qualidade, que os faz ser de tal ou tal cor, ou de tal ou tal forma.

O conhecimento se exerce no plano da qualidade. Por isso, o conhecimento é


um conhecer determinações primeiramente na ordem da qualidade, ou seja da
essência e suas determinações.

Somente através da essência (qualidade fundamental) se conhece a existência.

Posta a distinção real entre essência e existência, esta fica sendo atingida
apenas indiretamente. A qualidade e a essência (qualidade fundamental) são o
modo de existir da existência. Se conhecemos os modos de existir, não
conhecemos diretamente o mesmo existir. Só pelas determinações distinguimos
as diversas coisas e só assim as conhecemos.

Diferentemente, se no conceito de Deus se diz que essência e existência


coincidem, resulta que conhecer sua essência é o mesmo que atingir sua
existência.

Como se vê, a essência está intimamente ligada a todo o processo de


conhecimento, e assim também à expressão mediante equivalentes
convencionais, como acontece na linguagem.

128. Espécies de semelhança. Sob muitos pontos de vista se podem dividir e


classificar as semelhanças.

Quanto à origem, - conforme já se adiantou,- particularmente interessa a


distinção entre semelhança natural, em que os equivalentes são efetivos (na arte
chamas figurativos), e semelhança por equivalência convencional, em que se
estabelece a norma do faz de conta que...
Quanto ao grau de semelhança, pode dar-se, em um e outro caso, a subdivisão
em semelhança unilinear (absoluta, perfeita) e a semelhança parcial, sob algum
aspecto e não sob outro.

No caso da expressão artística o grau de semelhança também muito importa,


porque decide sobre a propriedade gnosiológica da mesma, em mais e menos
evidente, mais e menos verdadeira, mais e menos certa. Em decorrência
ocorrem os estilos denominados a partir destas qualificações gnosiológicas de
grau (vd 790ss).

A semelhança perfeita se dá, por exemplo, quando um indivíduo pode


substituir simplesmente o outro, como acontece nos personagens do teatro.

No caso da semelhança menos perfeita, ela é complementada pelo contexto


(vd 172) e outros recursos, entre eles o da associatividade de imagens (vd 179).

O grau de equivalência entre a expressão e o objeto significado também é


expressável por grau de equiponderância (de igual peso), grau de equipolência
(de igual poder), grau de equipotencialidade (de igual potência).

Ou ainda por, semelhança por redução (porque o grau de equivalência se reduz


ao assemelhado).

Semelhança traduzível quer dizer que um dos termos é possível de ser


convertido no outro, no sentido que o pode equivaler e significar.

129. O poder significador como efeito formal. Há uma relação de causa e efeito
entre a expressão e a significação produzida. A mesma relação causal acontece
entre a expressão mental e o conhecimento do objeto.

O efeito significador da linguagem não ocorre como um efeito na ordem da


causa eficiente, mas é um efeito formal, dito na ordem da causa formal.

Enquanto o efeito na ordem da causa eficiente se situa em separado da causa, o


efeito na ordem da causa formal se mantém unido a ele.

O efeito significador da expressão artística está implícito na própria


semelhança geradora. Na arte por equivalente natural, o efeito significador está
implícito de maneira mais clara. Todavia também está implícito no
procedimento do faz de conta da arte por equivalentes convencionais. Desde
que o equivalente convencional esteja posto, implicitamente decorre o efeito de
significar seu objeto.

Quando se fala no efeito lógico da linguagem, como equivalente convencional,


deve-se também advertir que esta logicidade se distingue da alogicidade do
processo associativo poético, que se lhe pode acrescer.

Já antes que ocorra a associatividade da linguagem poética importa que exista


a linguagem lógica, como procedimento mediante convenção.

130. Símbolo e língua. Mais vasto em seu sentido, não é o símbolo sinônimo de
língua. Símbolo é o gênero maior de artes, sob o qual se classifica a língua
como uma de suas espécies.

O gênero dos símbolos, enquanto expressa por mimese convencional, se


distingue das artes de mimese natural. Não é só a fala humana que pode
expressar por mimese convencional. É a língua um símbolo, porém limitado a
utilizar, como seus equivalentes convencionais, as flexões da voz humana.

Como palavra, símbolo procede do grego sym-ballo, com o sentido de arrolar


juntamente, amontoar. Também significa comparar, interpretar, explicar,
encontrar- se com, reunir-se com. O sentido de ballo é o de lançar, atirar,
deitar por terra, pôr sobre. Para o grego clássico é marca, sinal de
reconhecimento, contra-senha (de hospitalidade), convênio, carta de
recomendação.

Chamava-se símbolo a um objeto partido em dois, que servia como contra-


senha, na identificação ulterior. O expediente era usado pelos embaixadores.

131. Símbolo do invisível. Código. Rito. Evoluiu o nome símbolo para indicar
sobretudo o invisível mediante o visível. Por exemplo, o coração visível
expressa o amor, algo em si mesmo invisível.

Contudo, toda a arte, enquanto expressão, contém algo de invisível, e então


qualquer arte se reduz ao símbolo. Não obstante, há aqueles objetos mais
invisíveis, menos concretos, dos quais sobretudo ocorrem os símbolos. Neste
caso, o símbolo é praticamente o mesmo que arte abstrata.

Quando o símbolo se diz sobretudo de coisas invisíveis, ele contudo se apóia


em algumas semelhanças havidas entre o objeto sensível com o invisível. Desta
sorte, o símbolo, ainda que convencional na essência, encontra uma
aproximação com o símbolo natural.

Para os egípcios a alma dos mortos era simbolizada por um pássaro com rosto
humano, porque a imaginavam como algo voando em torno da múmia. A
âncora simboliza a segurança. O verde, a esperança. A cruz, para os cristãos, a
fé.

.Os símbolos de coisas invisíveis se de tornam de criação fácil nos contextos


religiosos quando contêm concepções antropomórficas primárias e deficientes
sobre a divindade e as coisas do espírito.

São também símbolos, com algum apoio exterior, os gestos que acompanham
a linguagem quando os homens se relacionam socialmente.

As letras do alfabeto, os números arábicos, o código telegráfico, as notações


musicais são símbolos meramente convencionais.

Assim são também símbolos quase todas as palavras da fala humana. Os


brasões, escudos, bandeiras, mantêm um pouco de todos os tipos de símbolo.

O rito é um símbolo, acrescido de um efeito. O batismo é um rito nas religiões


primitivas e no cristianismo que o herdou, tendo o efeito de purificação. Mas,
para o grande número dos que já não crêem num tal efeito e por isso já não são
cristãos senão de nome, o batismo deixou de ser rito, passando a ser apenas um
símbolo inaugural do nascimento.

Há que distinguir entre o símbolo tomado materialmente e o símbolo


formalmente como expressão.

Repete-se aqui a distinção entre significante (portador) e significado (ou


expressão).

No instante material, o símbolo é apenas aquela qualidade sensível, que a arte


do símbolo aproveita. Nestas condições, o símbolo é a cor, o som, a coisa
aproveitada como instrumento, tal como a pintura toma a cor, a música o som,
a escultura a forma. Pelo seu lado material os símbolos são objetos da indústria,
rendem para uns, oneram a maioria.

O símbolo, formalmente como símbolo, é a mesma expressão do conteúdo


simbolizado. Em tais condições, o símbolo veicula as mensagens, cujo
conteúdo deveria render para todos.
§ 3. Criação da convenção linguística.

4515y132.

133. Em princípio a questão da convencionalidade da língua é muito


simples, porque apenas coloca os indivíduos falantes como criadores da
convenção.

Mas ocorrem fatores de interferência, complicando todo este curioso fenômeno


da expressão linguistica, os quais em seu conjunto criam a antropologia da
linguagem humana.

A interferência dos fatores antropológicos é de tal ordem, que não raro se fala
em língua natural. E assim houve até os que simplesmente negaram a
convencionalidade da língua, reduzindo-a a um produto da natureza. As
mitologias atribuíram mesmo a Deus, ou aos deuses, a origem da linguagem.

Atentos aos fatores de interferência, a questão da convenção


linguística oferece os seguintes questionamentos didaticamente sucessivos:

No primeiro momento a convencionalidade da língua é levada à prova pura e


simplesmente (vd 134), tendo de um lado analogistas (pro convencionalidade)
(vd 53) e de outro anomalistas (contra a convencionalidade) (vd 54).

Num segundo momento importa considerar os condicionamentos


antropológicos da língua, sobretudo as causas concomitantes da criação da
língua, como a associatividade e os reflexos condicionados (vd 138).

Num terceiro questionamento a indagação vai para o planejamento


linguístico(vd 134). Nas línguas espontâneas ou nacionais (encontradas como
existentes), o planejamento simplesmente aprofunda o conhecimento das
mesmas, como que para aperfeiçoá-las, conforme faz o engenheiro diante de
máquinas preexistentes.

Ainda num quarto questionamento pode-se tratar dos níveis gerativos da


linguagem (vd 164). Constata-se que, apesar do código linguístico existente, o
falante cria a expressão enquanto fala, e requer mesmo uma certa competência.

I - Convencionalidade da língua.
4515y134.

135. Da língua do ponto de vista da origem. Já não se pergunta como a


convenção gera a expressão por efeito formal, e sim pela causa eficiente
criadora da referida convenção.

Ainda que a expressão opere com relações de efeito formal, não deixa de haver
ordinariamente também a presença do efeito na ordem da causa eficiente. Não
acontece o efeito na ordem da causa eficiente quando o objeto existe desde
sempre; costuma-se de dizer então que o objeto já existe por natureza.

Já na antiguidade, quiseram os anomalistas, - contra os analogistas, -, que a


convenção linguística está feita por natureza. Assim acreditavam Crátilo de
Atenas (vd 55), bem como os gramáticos de Pérgamo e os estóicos (vd 62),
contrariando a muitos outros, como a Platão (Crátilo, 433 ss), Aristóteles, e aos
gramáticos analogistas da escolas de Alexandria (vd 63).

Não faltaram mesmo os que atribuíram a criação da língua a Deus, porquanto


somente um ser inteligentíssimo seria capaz de inventar coisa tão complexa,
quanto é a linguagem. Enfim, todos os povos criaram mitos sobre a origem da
língua.

Quando se cria a convenção, em virtude da qual se estabelecem os


equivalentes da linguagem, esta criação da convenção é um efeito na ordem da
causa eficiente. Ato contínuo acontece também o efeito na ordem da causa
formal, operando a significação intencionalística do objeto.

A diferença entre causa eficiente na língua e sua respectiva causação formal é


sutil, mas existe.

Até mesmo na intenção dos criadores da língua planejada acontece a distinção.


Os planejadores, em vista de poderem significar algo, criam a convenção que
estabelece os equivalentes. Os semelhantes são criados; logo a seguir segue o
efeito formal da significação.

Também o pintor cria primeiramente a cor, com vistas a usá-la; até aqui está
como causa eficiente. Depois de fazê-la existir adequadamente sobre a tela, a
cor passa a ter o efeito formal de significar o objeto com que se de assemelha.
Não há sequer uma sucessão real de tempo, mas apenas uma sucessão lógica,
porquanto, ao mesmo tempo que a cor é criada sobre a tela, contém
necessariamente uma forma, da qual resulta (por efeito formal) a significação.
Na mente pensante ocorre a mesma sequência de causa eficiente e de causa
formal: o objeto exterior atua, provocando, isto é, criando uma expressão
semelhanteàquele objeto.

Ato contínuo, a mente reage, reconhecendo naquela semelhança a expressãodo


outro objeto, conhecendo-o.

A rigor, a impressão é um produto da causa eficiente, que está no objeto


exterior, quando se de imprime na mente; depois surge a expressão, como
efeito formal. Ocorre, pois, uma sucessão, mas que se de processa
instantaneamente.

Em linguagem de escola, a semelhança produzida na mente se chama espécie


impressa (no latim species impressa, traduzível por face impressa).

Em seguida, a impressão passa a ser a espécie expressa, em que consiste o


conhecimento propriamente dito (conceito, juízo, raciocínio). Mas antes que
ocorra a espécie expressa, importa que haja a espécie impressa, a qual o
objeto exterior imprime na mente ao seu primeiro contato.

A obra de arte não é consciente de si mesma, - como depois se deverá analisar


mais exaustivamente; ela é apenas interpretada exteriormente pelo apreciador.
Inversamente, a expressão mental é consciente de si mesma.

De outra parte, não é a expressão mental diretamente percebida por outro


apreciador, como acontece com a expressão da arte. Por isso, pensamento e arte
se completam.

Depois de expresso na mente, o mesmo objeto poderá ser expresso pela arte, e
então, através da arte, por exemplo da palavra, o pensamento se faz conhecer
aos demais.

136. A fragilidade da opinião dos anomalistas (vd 64) é tão evidente como a
dos símbolos não é natural. Não obstante, alegam que, se a língua fosse
produto da razão, ela seria inteiramente racional, sem excessões. E já que as
excessões existem, ela não foi criada pela razão.

A alegação de que existe anomalia na linguagem, ou seja a exceção, ela prova


apenas que a razão pode não ser tão racional quanto se supõe. Ela pode ser
vítima de desatenções.

Poderá ainda acontecer que ocorram causas concomitantes, como de fato


ocorrem, - a associatividade e os reflexos condicionados, - que são fatores
responsáveis pela criação da linguagem desde a infância. E assim ainda
influências ecológicas, históricas, culturais poderão ter introduzido elementos
alógicos na língua no curso dos tempos. Ademais, a experiência mostra que
podemos convencionar novas palavras e até corrigir as anômalas.

137. A moderna criação de línguas artificiais com regras sem exceção e


contudo viáveis, eis como o Esperanto (vd 86) ficou sendo uma resposta direta
aos anomalistas.

Se não se de tem conseguido mais ainda neste campo, muito se deve ao


imediatismo e a insensatez da humanidade.

Se engenheiros criam novas máquinas, porque não poderiam os homens tentar


criar instrumentos de comunicação com as melhores regras e sempre absolutas,
isto é, sem exceção? Frente a estas línguas eruditas, as outras, - as nacionais, -
restam como sendo línguas folclóricas, isto é, produtos mal acabados da
sabedoria popular.

Os analogistas, operando de acordo com o logos, isto é da razão, vêem a língua


como convenção, ainda que atenta a diferentes fatores antropológicos.

II - Condicionamentos antropológicos na criação da convenção da língua.

4515y138.

139. Geração espontânea (popular) e intencional (científica) da língua. Duas


são as maneiras de procedimento (ou métodos) da ação criadora que dá origem
(isto é, existência) às convenções, pelas quais se geram as línguas: a espontânea
(popular) e a intencional (científica).

Esta distinção entre duas maneiras da iniciativa ocorre em todas os setores da


atividade humana. a diferença está em última instância na atenção.

O pensamento se exerce com duas atenções, a direta e a reflexa.

Para agir e criar, basta a atenção direta, espontânea.


A atenção reflexa permite comparação dos termos e eleição do melhor na
criação segura do sistema. Evidentemente, pode o homem utilizar as duas
modalidades de atenção, principiando pela espontânea, para, em novo momento,
sujeitar a primeira à crítica da segunda, melhorando-a.

A distinção entre a ação espontânea e a ação intencional é bastante


mencionada na educação quando distingue, por exemplo, entre educação
espontânea, adquirida no curso eventual das atividades, e a educação
intencionalconduzida expressamente, com planejamento dos exercícios e
consequente melhor resultado.

Compreende-se que isto importa muito em educação, porquanto ela se propõe


eficientizar o ser humano. E o pode fazer educando também para a linguagem
perfeita.

Considerando que o folclore é produto da sabedoria popular, as línguas


espontâneas se podem dizer folclóricas, em contraste com as linguas
intencionalmente planejadas.

As línguas espontâneas se dizem também linguas naturais, no sentido de que


resultam da capacidade natural do homem, e não no sentido que elas sejam
simplesmente naturais, e que o homem as fale sem ter aprendido. Ninguém
nasce falando; somente aos poucos a língua do ambiente em que o indivíduo
vive é aprendida.

As línguas espontâneas geralmente se dizem nacionais ou ainda étnicas,


porque no passado as etnias se encontravam ordinariamente isoladas em suas
fronteiras, e por isso também criaram sistemas próprios de falar.

Com a melhoria das comunicações o conceito de língua nacional, ou de língua


étnica foi ficando obsoleto. Superando os espaços de sua nacionalidade,
algumas línguas se tornaram multinacionais, umas em escala maior, outras em
menor. E assim também tendem a desaparecer as línguas que não conseguiram
esta ultrapassagem.

Com referência à língua artificial, ela poderá ser planejada para um povo
só, para vários povos de um continente, ou mesmo para o mundo globalmente.
O Esperanto, fundado no indo-europeu, sobretudo nas raízes latinas, não é
apenas uma língua planejada, mas foi planejada com vistas à universalidade. O
hebraico moderno já o foi para uso de um país.
141. Instabilidade das línguas. Com referência à origem das línguas étnicas, ou
nacionais, não restaram notícias de detalhe como tudo começou em épocas
remotas. Elas já vieram diferenciadas do fundo da barbárie do passado,
desenvolvendo-se com o progresso dos grupos que as falaram.

Pode-se imaginar que toda a vez que um grupo se distanciou de outro, a


espontaneidade das mudanças provocou alteração da língua respectiva.

Com a invenção da escrita aconteceu um freio nas mudanças, porque o


presente podia constantemente espelhar-se no passado. A escrita permitiu que o
passado continuasse a falar ao presente, como ainda o presente poderá falar ao
futuro. Os gramáticos hindus, gregos e romanos se ocuparam mais da gramática
da língua escrita, do que a da plebe.

Não obstante, as línguas espontâneas continuam se alterando. Somente uma


língua de regras bem definidas, - de regras eleitas entre as melhores, levadas
sempre à universalidade, em princípio sem excessões, - poderá adquirir uma
certa imutabilidade. O Esperanto, com base em um chamado Fundamento, será
lido por muito mais tempo, do que qualquer outra língua nacional atual.

Os condicionamentos antropológicos na formação das linguas pesam portanto


sobre todas elas, ao ponto de prejudicá-las. Por isso é conveniente a criação de
mecanismos de defesa que garantam sua estabilidade.

III - Planejamento linguístico.

4515y143.

144. O planejamento atinge também as línguas espontâneas preexistentes.


Os poetas forçam a língua. O mesmo fazem os cientistas, criando sua
linguagem técnica. As academias literárias, numa espécie de contemporização,
buscam padronizar a língua em torno de escritores representativos.

Já outros praticam o planejamento puro e simples, com base na linguística.


Buscam tornar a língua o mais eficiente possível, ao mesmo tempo que atentos
às limitações antropológicas.

Um exemplo de planejamento em língua preexistente é o hebraico moderno,


que se de tornou consequentemente mais eficaz como língua.
Também qualquer das modernas línguas nacionais tem recebido consideráveis
melhorias pela ação dos seus gramáticos e de suas Academias de Letras, bem
como da intervenção oficial.

Com referência às línguas planejadas desde a base, o exemplo principal é o


Esperanto (vd 86).

145. A linguística não é apenas contemplativa. A verdadeira linguística estuda


aspectos formais da língua como instrumento de expressão e comunicação,
tendo em vista a melhoria do sistema.

Em princípio qualquer ciência deve servir à transformação da realidade, para


melhor, e não restar um saber meramente contemplativo.

Assim se comportando, a linguística moderna muito têm servido às línguas


nacionais, e sobretudo tem criado a oportunidade de acesso a línguas
inteiramente planejadas, que os homens mais sensatos têm patrocinado.

O ponto de vista antropológico da linguística, não obstante sua importância,


não é essencial. Não obstante, a linguística do passado se fixou sobretudo no
antropológico e cultural, perdendo de vista o essencial.

À semelhança do engenheiro, - o qual não somente cuida de consertar


máquinas preexistentes, mas também cuida de criar sistemas inteiramente
novos, - o verdadeiro linguista é aquele que em primeiro lugar pensa em
línguas sempre melhores; ele quer as línguas nacionais sempre melhores, como
quer também línguas inteiramente planejadas desde a base, sobrebuto da que
deva adequar-se ao uso internacional.

A história das línguas planejadas é recente. O projeto mais vezes mencionado


é o do Esperanto, cuja primeira gramática apareceu em 1887, com cerca de 4
páginas.

Teve o Esperanto um período de debate, havendo-se de estabilizado com a


criação , em 1908, de um organismo internacional, - Universala Esperanto
Asocio(UEA), - sediada primeiramente na Suíça, por último em Rotteram
(Holanda).

Comemorando em 1987 seu primeiro centenário em Varsóvia, com 6000


congressistas, mostrou ser capaz de duração. O segredo do sucesso do
Esperanto está em ser um projeto lógico, e ter uma ideologia, a humanidade.
A busca do sempre melhor poderá encaminhar para um extremo oposto, o de
reformar o Esperanto, substituindo-o por sempre novos Esperantos.

Efetivamente o Esperanto poderá ser reformulado, como seu fundador já o


admitia. Mas, dali não poderá partir para a instabilidade. Importa considerar
que uma língua depende de uma convenção entre os falantes. Tende cada qual a
considerar uma regra melhor que outra, a maioria decidirá.

Além disto, nada impede que no futuro haja diversas línguas internacionais.
Enquanto as pequenas línguas vão desaparecendo, as grandes vão ganhando
espaços.

Consolidou-se, porém, uma tal unidade entre os eruditos da língua


Internacional Esperanto, que dificilmente ocorrerá outra opção futura, ainda
que nos detalhes possa haver opções (vd 85).

146. Importância do aspecto antropológico na língua. Não obstante centrar-se a


linguística em aspectos formais da estrutura da língua, não se deve jamais
menosprezar a importância do aspecto antropológico e cultural. Mesmo que
isto não seja essencial, é de valor considerável para viabilizar a língua. Na
ideologia do Esperanto se acentua que a facilidade e perfeição da língua muito
importa para a sua viabilidade internacional; ora, isto é pôr exatamente
importância no ponto de vista antropológico.

No plano antropológico os principais fatores de geração da língua se


encontram na associação das imagens e no reflexo condicionado, este todavia
apenas para gerar os sons no momento preciso. É, por exemplo, antropológico,
que as palavras obedeçam a um certo tamanho, - nem muito pequenas, nem
muito grandes. Também é antropológico, que uma língua seja estética.

Os fatores antropológicos poderão, - do ponto de vista do método, - ser


estudados em separado. Se assim se fizer, deverão ser retomados ao se passar
ao planejamento, para que em todo o momento sejam tomados em conta.

No plano cultural, os principais fatores de geração da língua se situam nas


línguas preexistentes, sobretudo dos grupos mais importantes do mundo. Neste
caso é evidente a preponderância das línguas indo-européias.
De outra parte, as próprias línguas indo-européias e não indo-européias se
interpenetraram, de sorte a resultar, nas linguas sabiamente
planejadas, finalmente um multinacionalismo, tanto nos termos, como nas
regras gramaticais.

No planejamento linguístico importa levar sempre em conta a divisão


das equivalências convencionais em puras e em ecléticas. São puras as que
simplesmente resultam de uma convenção, em que o artificialismo busca a
mais perfeita lógica do sistema. São ecléticas as que se estabelecem sob
variadas influências, todavia sempre acidentais, quer sejam antropológicas,
quer sejam culturais.

Em princípio a linguagem funciona com equivalentes convencionais puros.


Planejar, todavia, uma língua sem levar em contra influências culturais,
históricas, geográficas, a torna excessivamente artificial, contrariando
finalmente a natureza dos usuários.

Tem-se ponderado, que, entre as línguas planejadas, o Volapuk seguiu o


caminho da artificialidade, o Interlingua a aproximação estreita com algumas
línguas nacionais, o Esperanto o caminho intermediário.

147. Imaginação e memória na língua. a imaginação é uma faculdade, cujo


componente é a criação da imagem, que a memória, ato contínuo guarda.

Visto, por exemplo, um objeto, inclusive com suas circunstâncias, a


imaginação cria a imagem respectiva, de sorte que, embora não se mantenha a
presença do objeto, ele ficou como imagem. Todavia, esta imagem precisa ser
guardada; sua guarda é a memória, também chamada subconsciente. Uma
nuance distingue entre memória e subconsciente.

Pela memória significamos a capacidade de manter e ressuscitar a imagem


guardada.

Pelo subconsciente significamos apenas o mundo onde a imagem subsiste.

Como desperta uma imagem? Um simples despertar é aquele que se dá


diretamente pela volta do mesmo objeto real. Voltando a ver um objeto real,
cuja imagem temos, esta imagem ressuscita. Um objeto real se exerce, pois,
como estímulo da imagem que volta à tona.

Mas as imagens no subconsciente se mantêm ligadas entre si, quando já assim


se encontravam nos objetos reais anteriormente justapostos. Então, se
voltarmos a ver um dos objetos reais, sem o outro, ressurgem (por
associatividade) as imagens de todos os objetos. Neste caso, associatividade
funcionou mediante objeto- estímulo; este associou, evocou, sugeriu as demais
imagens.

Os sentidos como que fotografam os objetos dentro de um panorama. Basta


rever um dos objetos e todo o panorama volta ao consciente. As imagens são
portanto associativas de tudo o que se encontrava em seu torno quando de sua
formação inicial. Este fenômeno influencia enormemente a expressão artística,
inclusive a expressão da língua.

Portanto, a associação de imagens somente acontece quando já houve uma


anterior fotografia, em que ditas imagens estiveram juntas. Por isso também a
associatividade é desigual nos indivíduos, porquanto viveram situações
diferentes.

A associação das imagens se processa pelo menos por três formas, todas
atuando na geração da língua:

- vivência (de objetos junto de outros objetos),

- semelhança,

- contraste.

Variam sobretudo entre os indivíduos as associações por vivência.

Mas, em última instância, também as associações por semelhança e contraste


se de reduzem à associação de vivência, da qual são apenas variantes.

Na criação da língua uns objetos passam com frequência a emprestar seus


nomes a outros, quando mutuamente se conotam.

Alarga-se assim a língua em polissemias e analogias sem conta. Acaba a


língua se tornando difícil, por causa da variação oferecida pela associação de
imagens. Se a gramática não vier em socorro mediante recursos especiais, por
exemplo terminações adequadas, tudo ficará difícil, porque as distinções ficam
apenas por conta do contexto.

Há porém aquelas associações de imagens mais ou menos idênticas no mesmo


grupo de indivíduos. Acabam prevalecendo e formando uma língua de grupo,
língua étnica, língua nacional.
150. O comportamento na língua. Quer se trate de linguas espontâneas, quer
artificiais, muito importa o comportamento, que é um caso particular de
associação de imagens combinadas com a ação. Este comportamento vale
sobretudo na criação das línguas espontâneas.

A criança quando desdobre o resultado positivo de certos comportamentos, -


como gritos, choro, gestos, - os fixa. Converte-os finalmente em símbolos.
Estes serão uma língua, se se de tratar de sons vocais.

A psicologia funcional de John Dewey (1859-1952), a psicologia do


comportamento (behavior de John Watson (1878-1958) mostram a importância
das associações de comportamento.

Mas a associatividade não explica a expressão essencialmente, a qual é uma


outra ordem de coisa, situada no campo da inteligência interpretadora e da
competência. Portanto, mesmo que se deva admitir, que todas as palavras
tenham uma origem de natureza associativa, não basta o signo associativo para
a criação da linguagem humana.

Como advertimos, a língua é um sistema de equivalentes, em que a


inteligência concorre com a função interpretadora, e que é principal. A
associatividade se situa apenas no plano da imagem sensível, a partir da qual
participa adicionalmente no sistema.

O norte-americano Charles Morris desenvolveu toda uma teoria dos


sinais com base no behaviorismo. Tal processo de criação dos signos, o
chamou de semiosis. O signo se criaria quando algo é tomado em consideração,
porque sua presença faz ter a consciência de algo outro. Este tomar consciência
de algo outro poderá ser um simples reflexo condicionado.

Definiu Morris: "a mais efetiva caracterização do signo é a seguinte: S é signo


de D para I, na medida que I toma consciência de D, em virtude da presença de
S" (Morris, Foundation of the signs - International Enciclopedia of Unified
Science, V, I, n. 2 p, 4).

A importância do comportamento é inconteste, mas não é suficiente para criar


a língua, a qual requer ainda a competência da Inteligência.

Posto um animal em um labirinto, vai praticando uma série de atos,


sedimentando aqueles que produzem algum efeito, até que enfim aprende a sair
dele, toda a vez que ali for colocado. É que ele associou, uns aos outros, os
elementos que tecem o caminho para fora, aproveitando-se agora desta
associação, basta fazer uma primeira associação, para, a seguir, levar as
associações até ao fim, onde se encontra a saída. É possível que o animal ainda
disponha uma pequena capacidade eletiva inteligente.

Em parte, é certo que a criança aprende a falar do mesmo modo, que o animal
aprende a sair do labirinto, isto é, retendo os sons que surtem efeito, ao
reclamar o seio da mãe, os alimentos, os brinquedos. Um certo chorar
reclamante das crianças é retido no subconsciente, quando surte efeito. Se os
pais não atendem, a criança abandona esta modalidade de choro reclamante,
descobrindo depois melhores instrumentos. E assim aos poucos se estabelece a
língua. Mas é evidente que a criança junta ao processo alguns elementos de
inteligência, com que julga e elege.

Semelhantemente, as pessoas histéricas e as nervosas criam também certa


modalidade de exigir, formada à base da psicologia do comportamento, que
retém o que funciona e o diferencia com o que frustra. A linguagem agressiva
dos adolescentes se firma, porque a bondade dos pais costuma ceder a ela.
Igualmente, a moda de vestir o extravagante é mantida enquanto dá resultados.
Mas em todos estas casos temos de admitir alguma participação de elementos
racionais.

Se bastasse o signo associativo para a criação da linguagem, criar-se -ía sem


dificuldade a linguagem dos animais.

Não tendo os animais a inteligência no grau mínimo da humana, não se


encontram em condições para estabelecer uma convenção suficientemente
desenvolvida para uma linguagem efetiva. Dispensada a convenção inteligente,
como quer o behaviorismo, não precisariam, nem os animais e nem os homens,
de inteligência para falar. Entretanto, não chegam os animais a falar. Isto prova,
que a convenção linguística está ligada essencialmente à competência
intelectual.

A contraprova está na criança, a qual, na mesma medida que desenvolve a


inteligência, progride em sua linguagem.

152. A onomatopéia na geração da linguagem espontânea é causa


cooparticipante. A prova é que as línguas contêm onomatopéias, ainda que
vagas.

É a onomatopéia uma mimese natural dos sons da natureza. Todavia não se


liga imediatamente a estes objetos, senão em casos raros. Por isso, em última
instância, a onomatopéia passa a se de integrar no esquema da associação das
imagens, sobretudo nas de comportamento.

Os gritos naturais, resultantes de manifestações nervosas, e os gritos, que


exercem efeito gregário, têm servido certamente de ocasião para escolher tais
sons como portadores de significados linguísticos. Não se transforma o grito
em linguagem apenas por simples desdobramento evolutivo linear, como se
bastasse a multiplicação de sílabas e vogais para formar palavras e frases. Desta
evolução resulta o relinchar, como o dos asnos, e o cantar, como o dos pássaros.

Tudo isto também ocorre, mas não basta; o relincho e o canto natural oferecem
apenas ocasião para que se escolha esta modalidade de sons e articulações para
revesti-los de preferência como palavras de efeito convencional.

O grito, bem como qualquer dos seus desdobramentos, se transforma em


linguagem, no momento em que se reveste de convenção. Agora temos duas
coisas, as modulações meramente gritantes, as quais continuam a haver na
natureza, e a convenção acrescida.

No caso das onomatopéias a língua começa a surgir, portanto, no momento em


que nasce a convenção, que transforma determinado som em significado.

A interjeição já é uma linguagem. Não é a oportunidade para criar a língua. É


todavia a interjeição um exemplo mais próximo do som natural.

Ainda que a liberdade possa criar outros modelos de interjeição, prevalece o


modelo onomatopaico.

153. Um sinal pode ser meramente associativo, antes que venha a se comportar
como signo convencional. O associativo existe no mundo da sensação.

Já supõe a convenção a inteligência. Além do sinal ser no animal um


procedimento meramente associativo, é gerado também por reflexos
condicionados. São elementos mui distintos a convenção e a associatividade.
Somente o primeiro elemento, - a convenção, - é essencial à língua.

Nos animais, na medida que se os considere sem inteligência, não existe senão
a linguagem dos signos associativos. Ainda que os homens convencionem entre
si de chamar a este boi pelo nome "Barroso", o referido boi Barroso atende ao
chamado "Barroso" apenas por associatividade. Pela mesma via ocorrem as
demais conversas dos homens com os animais.
O mesmo ocorre, em parte, na linguagem humana, porque sempre aliada com
os reflexos condicionados. Ainda que a convenção houvesse escolhido
denominar de "Barroso" a um dito boi, ao ouvirmos falar no boi Barroso,
ergue-se no subconsciente a imagem do boi Barroso por efeito do signo
associativo e não apenas por causa do signo convencional, e ainda por reflexo
condicionado pronunciamos seu nome.

Quando se de aprende um idioma estrangeiro, ocorrem os três instantes: o


convencional, ao lermos no vocabulário o sentido convencional dos termos;
oassociativo, ao exercermos longamente o uso do nome, até que o seu simples
pronunciar associe a respectiva imagem; o do reflexo condicionado, que produz
a resposta motora que gera a produção da palavra sonora.

Exemplifiquemos com a palavra flor, Ainda que a convenção nos diga


significar esta palavra uma certa parte da planta, o que mais depressa nos faz
atender à flor é a conexão associativa. O simples dizer esta palavra flor, ergue
vívida a imagem interior de flor.

A línguagem humana é, pois, a combinação de três processos: o da mimese


convencional, o da associação imaginosa, o da resposta motora da palavra.

Na teoria, a convenção é a essência, mas não opera a convenção senão


mediante instrumentos tomados à imaginação e à memória. É pois a convenção
o eixo condutor da linguagem, ainda que o impulso venha da associação das
imagens. Principalmente, falamos somente por decisão da própria iniciativa. O
animal, com apenas os signos associativos, nem controla o processo, nem
desenvolve nada de parecido com a rica simbolização alcançada pelo homem.

Caso se possa atribuir um mínimo de inteligência ao animal, nele contudo o


principal de sua linguagem é associativa, com um mínimo de simbolização.
Pelo contrário, no homem a simbolização racionalmente interpretada é máxima,
ao mesmo tempo que considerável seu processo associativo.

No aprendizado de uma língua importa, por conseguinte, atender distintamente


ao elemento essencial da língua, a convencionalidade; a ajuda do processo
associativo; ao processo motor gerativo do som.
155. A interjeição como começo provável da língua. Qual seria a modalidade
mais primitiva da língua, segundo a qual teriam os primeiros homens
começado a falar, ainda que mui primariamente?

Pode-se imaginar que tudo houvesse começado pela simples interjeição, a mais
sintética das categorias gramaticais. A presença constante da interjeição,
mesmo na linguagem do homem evoluído, mostra sua característica de
linguagem fundamental.

156. A interjeição como frase. Não é a interjeição apenas uma palavra. Ela é
uma frase, no sentido de expressar uma afirmação.

Exprime a interjeição o objeto mais próprio do pensamento, - o verbo ser do


juízo.

Toda a experiência assume aliás a forma de juízo. Um objeto que eu perceba


mentalmente, surge como, - é este objeto.

A interjeição surge portanto como um juízo expresso em um só vocábulo.

157. Linguagem de substantivo, adjetivo, de verbo ser, de outros verbos.


Depois de haverem conseguido ultrapassar os limites da interjeição, os homens
primitivos terão enunciado formas de sons capazes de expressar com mais
detalhe o que um juízo naturalmente contém.

O substantivo se apresenta como central na afirmação simples. Neste caso


representa, na sua forma simples, o nome de uma coisa, todavia não só como
conceito, mas também como afirmado.

A linguagem substantiva, equivalente a um juízo, ocorre quando a criança diz:


Mãe! Pai! Ali há um substantivo ligado a alguma afirmação.

Sobretudo os nomes, quando usados para chamar a alguém, equivalem a dizer


algo semelhante como, por exemplo, Pedro me escute!, ou Pedro venha cá!

O predicado costuma surgir na forma de um adjetivo, por simples justaposição


de sujeito e predicado, como em Pai bom.

A afirmação em termos de verbo ser constitui estágio bastante avançado da


linguagem. Passa-se então a dizer, em vez de, por exemplo, Pai bom, - Pai é
bom.
Homens broncos, sobretudo jovens, mal atingem esta linguagem, expressando-
se frequentemente com simples palavras emotivas sem o acabamento de verbos.

Em mais um avanço da formação do verbo, o predicado exprime uma ação,


fundindo-se com o verbo ser, dali resultando a multiplicação dos verbos.
Exemplo, o sol brilha, em vez de o sol é brilhante.

158. Partículas e outros modificadores da palavra na frase. Depois de


conseguida a formulação dos elementos essenciais do juízo, também os demais
elementos da língua conseguem processar-se espontaneamente, ao sabor das
circunstâncias. Mas tudo fundamentalmente continua sendo convencional.

Por isso pode também aqui ocorrer uma interferência racionalizante. Ou, para
cada detalhe se cria uma nova palavra, - o que efetivamente não usa acontecer
senão em pequena escala, - ou, se aproveitam as mesmas palavras, com alguns
modificadores, como partículas, terminações, declinações, conjugações,
sufixos e prefixos, etc.

Se a língua se forma espontaneamente, tudo se dá por meio de um pandemônio


de flexões e uma parafernália de expressões idiomáticas, além do
desordenamento dos recursos de contexto e de regência, além da dialetização e
variação através do tempo.

Evidentemente, o planejamento linguístico, escolhendo as melhores regras,


poderá superar muitas das dificuldades que ocorrem sem necessidade nas
línguas espontaneamente formadas. Mas para isto importa uma sabedoria que
só devagar cresce nos meios linguísticos.

159. Declinações e preposições. Relações entre palavras podem ser expressas


por recursos, como os casos criações pela declina"ao de um termo, e também
por meio de partículas especiais, denominadas preposições. Exemplo de
declinação: João deu-lhe. De preposição para a mesma função: João deu a ele.

Ambos os recursos são eficazes, e podem ser usados, dependo das línguas
escolher, ou um deles, ou outro, ou ambos. O defeito das línguas poderá estar
no uso exclusivo, ora de um, ora de outro recurso. Além disto, importe que o
sistema seja instalado com suficiente perfeição, evitando a excessiva
complexidade, ao ponto de gerar dificuldades em vez de recursos de expressão.
Predominam as declinações na fase primitiva da evolução das
línguas. Contêm as declinações um resto do caráter sintético da interjeição.
Aos poucos se desprendem as línguas espontâneas do excesso de suas formas
declinativas, além de criarem um melhor sistema de preposições. Esta, as
preposições, ao modalizarem as palavras com partículas autômas, deixam
intocáveis as palavras postas em relação com outras palavras.

Algumas linguas, como as neolatinas, praticamente eliminaram as declinações,


conservando-as apenas como excessões, para os pronomes.

De outra parte, as declinações permitem recursos de linguagem, que a língua


de melhores regras não pode dispensar. Por isso, a língua planejada se de
equilibra entre ambos os recursos, - as declinações e as
preposições. Habitualmente as declinações se de conservam para o acusativo,
ou seja para a ação direta, com morfologia distinta em relação ao nominativo.

Com referência às preposições, elas se de apresentam nas linguas espontâneas


com aspecto muito assistemático, anárquico e confuso. As línguas planejadas
tentam evitar isto.

O Esperanto foi planejado para usar, ora o caso acusativo, ora a preposição
sem acusativo simultâneo (sem as dificuldades desnecessárias da regência).

Linguistas inadvertidos têm criticado o acusativo no Esperanto, alegando ser


uma tendência contrária da língua moderna. Curiosamente se se ovservou uma
preferência dos esperantistas bem qualificados pelo uso frequente do acusativo,
deixando o uso da preposição, apesar de também facultado.

Também é curioso advertir que as linguas neolatinas perderam o uso frequente


do acusativo exatamente no período de barbárie. Em contraste, surge o uso
moderado do acusativo pelo Esperanto como um eruditismo dos seus
planejadores.

Persiste a declinação em línguas modernas importantes, como o alemão,o


russo, o chinês.

160. A conjugação dos verbos é o exemplo principal da anarquia linguística em


que incorrem as línguas vivas espontaneamente formadas ao sabor das
circunstâncias.
Os verbos auxiliares formam um primeiro grande bloco de irregularidades
difícil de ser domado até pelos estudiosos das línguas espontâneas. E que dizer
da multiplicidade dos paradigmas de conjugações dos demais verbos?
Ditos regulares, o são todavia mui relativamente, porque se distribuem em
verbos de primeira, segunda, terceira e até de quarta espécie de conjugação.

No sistema verbal planejado do Esperanto não se diferenciam as


terminações dos verbos auxiliares e as dos demais verbos; nem há verbos de
primeira, segunda e quarta declinação. E não há verbos irregulares. E contudo
todos os usos do verbo são melhor reconhecíveis que os dos idiomas ditos
naturais. Eis um paradoxo, o idioma artificial é mais espontâneo, que os
idiomas naturais!

161. Flexibilidade a partir de uma radical intocável. Um sistema linguístico


importa em ser flexível, o que é possivel a partir de uma radical intocável, à
qual podem ser aplicadas todas as terminações, sufixos e prefixos.

Certamente todas as línguas dispõem de alguma flexibilidade, pelo uso da


mesma radical modificada para exercer ora a função de substantivo, ora de
adjetivo, ora de verbo e assim por diante.

Mas esta flexibilidade nas línguas espontâneas não adquire por si só


espontaneamente uma flexibilidade suficientemente adequada. Não
determinando suficientemente o sentido fundamental da radical, enfraquecem a
função das terminações, sufixos e prefixos. Além disto, não estabelecem a;
universalização destes recursos.

Especialmente planejado, o Esperanto atribui a todas as radicais a


intocabilidade, modificando-se os significados apenas mediante terminações,
sufixos e prefixos todos estes também rigorosamente definidos. As flexões
gramaticais se fazem pelas terminações. As demais geralmente por sufixos e
prefixos.

Além disto, o uso destes recursos é universal, de sorte que a mesma radical
pode ser usada, ora como substantivo, ora como adjetivo, ora como advérbio e
assim por diante, com as modalizações que ainda são possibilitadas pelos
sufixos e prefixos, conforme determinar a necessidade da expressão dos temas.

Esta universalidade da flexibilidade dos significados garante à língua uma


capacidade de expressão inigualável, somente não conhecida dos que não se de
deram o cuidado de o estudar.
IV - Níveis gerativos da linguagem.

4515y164.

165. Quando a língua se torna viva? Ainda que a língua seja convencional,
ela não está toda inventada no instante anterior de ser falada. Ocorre algo
semelhante com o alfabeto; ele já existe, mas passa a ser composto
adequadamente enquanto se escrevem as palavras.

Uma vez criado o código linguístico da língua , - de um lado os significados,


de outro os significantes, - resta, pois, ainda movimentar estes significantes,
conectando-os de tal maneira que no momento exato se gere o som e com ele se
conecte efetivamente o significado previsto no referido código.

Como um dominó, que vai ser posto em movimento, a língua não é apenas o
seu código. Fazê-la ser falada, é outra coisa, que a sua simples essência.
Importa ainda aquilo em virtude do que se torna viva, com os sons no ar, e cada
som em sua forma adequada.

A língua é um conjunto de elementos pré-existentes, que o falante passa a


manipular, para compor e formar sua expressão.

A invenção como língua é apenas um primeiro nível gerativo já pressuposto,


no instante que se falar.

166. Quando o indivíduo fala, continuam a ocorrer novos níveis gerativos, e


que tornam a língua expressão plena.

Estes novos níveis gerativos estão situados mais na superfície da convenção.


Neste novo nível, o do seu falar, o indivíduo falante gera, para cada detalhe dos
objetos (de certo modo para cada pensamento) a respectiva palavra, cuja
convenção fundamental preexiste.

Mas estes novos níveis não são inteiramente arbitrários, porque obedecem a
regras, que pertencem também à convenção fundamental.
Se a palavra é polissêmica, esta polissemia também preexiste ao uso da
referida palavra. Então o usuário da palavra também a coloca dentro de um
contexto requerido.

Se não existe a palavra para um definido objeto, o usuário rodeia


descritivamente a este objeto, mencionando outros seus aspectos para os quais
encontra as palavras.

Finalmente, o usuário poderá até tentar inventar palavras, sugerindo seus


respectivos significados. Neste caso todavia não pode é usar palavras que
absolutamente passem por não significar algo.

Todos os níveis gerativos ulteriores da língua preexistem, de algum modo,


potencialmente, no nível gerativo básico. Mesmo quando as palavras são
criadas, elas o são primeiramente, para em ato contínuo significarem o que está
em mente dizer.

Os proponentes da assim chamada Gramática gerativa querem mesmo que a


língua se cria, ao mesmo tempo que vai sendo usada. A afirmativa é válida
principalmente para as línguas espontâneas (naturais ou étnicas).

Repetindo e insistindo, - para a língua humana há como que situações que são
níveis gerativos anteriores, aos quais se sucedem os novos níveis gerativos.

O artista da palavra já não cria a palavra, mas cria seu aproveitamento. Não
cria a gramática e nem o dicionário da língua, mas obedece à gramática e retira
do dicionário as palavras, como o artista do mosaico seleciona uma por uma as
pedrinhas coloridas para a formação das cores das figuras.

Aliás, o mesmo dizem os gnosiólogos a respeito do pensamento: um novo


pensamento supõe outros anteriores, que se de dizem antecipações da
inteligência.

Nas outras artes também ocorrem níveis gerativos, ainda que em graus
diferentes daqueles da língua.

Por exemplo, na pintura as cores preexistem com sua capacidade de significar,


em virtude da semelhança natural que elas têm com o objeto que irão expressar.
Entretanto elas são tornadas adequadas ao objeto a significar, só no momento
em que se lhes atribui a função de significar. No mosaico, que simplesmente
monta os elementos, os níveis gerativos são análogos aos da pintura.
Na escultura os níveis gerativos ocorrem desde o início, quando as formas
aproveitadas já naturalmente são capazes de representar o tema. Com novas
adequações, o que já era potencial, se vai tornando expressão específica.

Também na música, apesar da preexistência do som nos recursos do teclado e


mesmo das vozes humanas, acontece um outro nível gerativo ao se efetivar a
música definitiva

167. Língua morta e língua viva. Há na língua um passar do convencional para


seu uso atual consciente. Considerando a distinção entre essência (lei da
convenção) e a existência (seu uso consciente), é possível pensar a essência da
língua, sem que ainda tenha entrado em funcionamento. Ou, inversamente, que
a língua está concebida, mas não ainda usada. Ou até que uma língua passe de
viva para morta, ou mesmo que depois retorne a ser viva.

A passagem do projeto para a realidade pode ocorrer por etapas. Eis quando a
geratividade da língua e da arte em geral aparece mais evidente, porque a
efetivação do significante importa em partes que se colocam aos poucos.

Se em dado momento todos os falantes de uma língua estiverem dormindo, a


respectiva língua está no momento em que se diz língua morta. Sabe-se de
línguas, que hoje são consideradas línguas mortas. Entre ela se encontram
algumas importantes, como o Latim e o grego clássico.

Em outras artes ocorre também a geratividade. Em alguns casos é apenas um


instante. Em outros a geratividade toma aspectos singulares.

Depois de tudo definido, começa o escultor a operar com o martelo e demais


ferramentas, para isto importando, da parte dele, uma certa habilidade na
coordenação de seus movimentos; enquanto a escultura vai progressivamente
sendo ultimada, ela já vai significando, até chegar ao seu ato pleno, quando
ultimada.

O pintor opera gerativamente com pincéis e tintas, para cujo uso se habilita
com exercícios vários, coordenando seus reflexos. Aos poucos os traços vão
gerando a significação, e permanecerão significando na medida que durarem
através do tempo.

A geratividade é mais manifesta na expressão dinâmica, de certo modo nunca


acabada. O teatro opera assim a geração de sua arte. O mesmo acontece na
música. Precedida por vezes de uma partitura, ou de uma notação memorizada,
a geração do significante vai de pouco em pouco efetivando o significado.

Que é a língua, senão uma geratividade constante? As expressões se sucedem,


ora em tempo mais curto, ora em tempo mais longo.

168. A geratividade na linguagem é sobremodo uma sequência sucessiva de


operações, similar às operações da inteligência. A língua exprime seus objetos,
atenta aos detalhes que resultam do modo como a inteligência apresenta os
objetos, - como conceitos, como juízos, como raciocínios.

O fenômeno da sucessividade das operações se prende ao mesmo processo que


vai gerar os gêneros de expressão (vd 651).

169. Fatores gerativos da linguagem. Para a operacionalização gerativa da


línguagem concorrem, como fatores indispensáveis para a sua efetiva
realização, a memória, a associatividade das imagens, os reflexos
condicionados e incondicionados, tudo operando conjuntamente.

Qual a função da memória? O código linguístico, além de estabelecido,


importa em ser memorizado, para que o processo da fala tenha condições de
iniciar.

A memorização se distingue do código, mas é caminho por onde começa a


geração da linguagem posta a existir.

Qual a função da associatividade? Para trazer o código do fundo da memória


precisa haver um objeto-estímulo. Presente o objeto, surge a imagem associada
memorizada. Por exemplo, o nome da coisa.

170. Finalmente, os reflexos condicionandos e incondicionados atuam também


como fatores gerativos da língua. A imagem deve provocar também uma
resposta mecânica, a qual põe em movimento o processo da fala. Esta resposta
mecânica é denominada também reflexo, o qual pode ser condicionado e
incondicionado, como já se advertiu.
No aprendizado de línguas novas, a presença do objeto facilita a memorização
e a espontânea recordação do nome no curso da fala.

Na memorização da língua acontece haver gravados no mesmo quadro a


imagem sonora e a imagem visual, e outros elementos do objeto. Visto de novo
o objeto, a imagem visual despertada traz consigo também a imagem sonora.

Pronunciadas pela garganta algumas palavras sobre objetos vistos, também


esta mecânica da garganta se fixa como imagem. Inversamente, rever as
imagens dos objetos associa a imagem do movimento da garganta, a qual passa
a emitir também espontaneamente as palavras correspondentes.

171. Conclusão sobre a língua essencialmente. a língua é, pois, um expressão


intencionalística, expressando por equivalentes convencionais (causa formal),
estabelecida pelos usuários (causa eficiente), que a podem planejar, tornando-a
mais adequada.

ART. 2-o. ADICIONALMENTE À MIMESE DOS EQUIVALENTES


CONVENCIONAIS, A LÍNGUA É TAMBÉM CONTEXTO E
ASSOCIATIVIDADE. 4515y172.

173. A irradiação semântica. Em qualquer arte, depois de estabelecida a


expressão por mimese, - seja a figurativa, seja a por equivalentes convencionais,
- ela passa a irradiar este significado para um campo mais vasto,. Estas
irradiação semantica se dá por efeito do contexto, de ordem intelectual, e por
efeito de associatividade, por efeito da associatividade da imaginação.

Com referência à expressão da linguagem, esta irradiação amplificadora do


significado é notoriamente importante, porque ela dispensa a precisão entre o
equivalente linguístico e o objeto, porque a irradiação semântica do contexto e
da associatividade faz o restante.

O estudo do fenômeno da irradiação semântica tem como pressuposto noções


claras sobre as faculdades de conhecimento, - inteligência (dotada de três
operações, conceito, juízo, raciocínio), sentidos internos (imaginação e
memória) e sentidos externos (vista, ouvido, olfato, gosto, tato).

§ 1-o. O contexto como complementaridade da expressão.

4515y174.

175. Expressão a partir da lógica interna dos objetos. O contexto é um


significado sem expressão exterior própria, sendo entretanto descoberto pela
inteligência, a partir da lógica interna dos objetos expressos.

Por exemplo, a informação de que faz sol, resulta em um contexto de dia claro.
A referência de que o país tem um rei, implica ordinariamente em entender que
sua casa é um palácio.

Assim sendo, o contexto é também um elemento explicativo da linguagem.

176. A grande variação de objetos oferecida abstratamente pelos conceitos


deve ser eficazmente controlada pelo contexto, em virtude de não ser possível
determinar rigorosamente a expressão por equivalentes linguísticos.

Não obstante, em parte as palavras operam os conceitos mediante semantemas


e morfemas, mas em parte ficam por conta do contexto.

Fenômenos similares ocorrem no juízo, de que os conceitos são aliás os termos,


ora como sujeito, ora como predicado. Ainda que muito se expresse pela
estrutura efetiva da frase, a capacidade da inteligência supre, através de
algumas afirmações explícitas, os implícitos.

O mesmo fenômeno irradiante acontece no raciocínio, de que o entinema é o


melhor exemplo.
177. O estudo do contexto está em dependência da expressão em prosa e dos
respectivos gêneros em prosa, o que tudo é feito em seu lugar específico. Lá se
determina até onde são capazes de chegar todas as expressões explícitas da
mimese, com os seus mais variados recursos gramaticais e estruturações do
texto. Posto o explícito, decorre o mais que cabe ao contexto expressar.

Já se vê que o estudo do contexto oferece um momento geral, a que aludimos


neste instante, e que somente se pode completar com o estudo do que lhe
antecede. Aqui, o que verdadeiramente interessa, foi dizer que a língua não é
apenas expressão explícita, mas também contexto.

§ 2. Participação do associativo na explicação da língua.

4515y179.

180. Muito do que expressa a arte, mesmo a arte literária, se deve à


associatividade das imagens. Depois de indicado um objeto, a imagem deste
pode estar associada a outras, as quais assim se evocam.

Ainda que a expressão se explique fundamentalmente pela mimese, em que os


semelhantes acusam os assemelhados, e adicionalmente se estenda pela lógica
do contexto, a tudo isto se adiciona finalmente a associatividade.

Enquanto a mimese, principalmente a mimese dos equivalentes convencionais


da língua, é especificamente intelectual (por requerer a interpretação de que
uma coisa expressa a outra), a associatividade é uma operação específica dos
sentidos internos, - imaginação e memória.

Colocada uma imagem, ela arrasta consigo outras e outras imagens, as quais se
dizem associadas e evocadas. Por exemplo, a imagem da flor, além de
expressar a flor, costuma estar associada a outras flores, bem como ainda às
folhas do seu em torno, as vezes ainda ao perfume e às pessoas mais afeiçoadas
a elas, como as crianças e as mulheres.

Evidentemente é possível, pela via lógica do contexto, irradiar semanticamente


a expressão de uma flor, porque logicamente ela faz parte de uma planta e
costumeiramente de um jardim. Mas nem tudo o que oferece a imagem da flor
se reduz a esta origem do contexto lógico.
181. Objeto-estímulo de imagens. Quando o objeto expresso é visto como
estimulador de imagens associativas, pode-se dizer objeto-estímulo.

Se o interesse principal se encontra na imagem estimulada e que surge portanto


associativamente, a expressão se diz poética. Neste campo opera, portanto, a
poesia (vd).

Se inversamente o interesse maior continua sendo no objeto primeiramente


expresso, apesar das evocações associativas, a expressão se diz prosa (vd). Mas,
se o interesse se encontra em ambos os planos, - na expressão puramente
prosaica e na expressão associativa, - esta expressão se diz adequadamente
prosa poética. Ordinariamente, a prosa em sentido nobre é uma prosa poética, e
este tipo de expressão se denomina linguagem literária.

182. Dada a distinção que separa prosa e poesia, elas são tratadas em
desenvolvimentos específicos.

Neste momento, o que importa é dizer que a linguagem não é apenas explicada
pela expressão em prosa, mas também pela irradiação associativa, que em torno
de todo o objeto prosaicamente expresso institui um halo contextual poético.

ART. 3-o. a LÍNGUA COMO EXPRESSÃO OBJETIVA INTERPRETÁVEL.

4514y184.

185. A língua inconsciente de seu próprio falar. Paradoxalmente, a expressão


artística é obra inconsciente de si mesma. Ela diz algo, sem todavia saber do
serviço que presta. A língua, por mais que diga, é inconsciente de seu própria
falar.

A obra artística, ao falar objetivamente, permite contudo um intérprete,


passando então dizer algo efetivamente.

O texto da palavra escrita importa em ser lido. Mesmo o que fala, ao modo de
um aparato eletrônico, deverá ser entendido por quem o ouve. Também as
palavras de um ser humano são entendidas, não porque sejam enunciadas por
um ser inteligente, mas porque aquele que as ouve as interpreta.

A estátua não sabe que ela exprime algo. Somente o sabe o intérprete que se
lhe põe diante.

Mesmo o ator no palco, ainda que ele seja consciente de si mesmo, o que de
corpo inteiro exprime importa em ser interpretado. Se possível fosse, poderia
ele ser substituído por um robot perfeito; sem que os espectadores o soubessem,
funcionaria com a mesma capacidade de expressão. É o que efetivamente
acontece no mundo virtual do cinema e da televisão, porque ali não mais se
encontra o ator, mas algo que o substitui eletronicamente.

Outra é a situação da expressão mental. Em qualquer de suas operações, o


conceito, o juízo, o raciocínio são conscientes de si mesmos. A partir de dentro
da expressão mental surge o eu cognoscente, ora em forma de conceito, ora em
de juízo, ora em de raciocínio.

186. Tema objetivamente expresso e tema interpretado. O intérprete da


expressão artística, mesmo da linguagem, é um outro sujeito. Este sujeito é o
homem; dotado de inteligência, interpreta a expressão objetiva da palavra, sem
que a palavra seja ele mesmo, pois a palavra está no ar.

A arte não está na interpretação, mas na expressão objetiva (inconsciente),


ainda que necessitada da referida interpretação para ser entendida.

A interpretação é uma operação posterior exercida pelo apreciador da arte.


Está a interpretação em sua mente. Quando apreciada, a obra de arte desperta
no interpretante conceitos, juízos, raciocínios, os quais vão ser o que se
denomina interpretação.
Há, pois, uma diferença entre o tema objetivo expresso e o tema interpretado.
O tema objetivo está na obra. O tema interpretado encontra-se na mente do
apreciador.

Poderão surgir muitos intérpretes, podendo cada qual formar distintamente seu
tema interpretado. As vezes todos obtêm o mesmo resultado de interpretação,
outras vezes, uns atendem a um aspecto, outros a outro.

O tema objetivo expresso se faz por semelhanças naturais e por equivalências


convencionais. Neste instante da expressão objetiva do tema, ainda não há
conceitos, nem juízos, nem raciocínios, nem contextos, nem associatividade de
imagens.

187. A língua como expressão de objetos e não de pensamentos. Passando a


detalhes sobre a expressão objetiva, faz-se primeiramente a pergunta sobre
como o pensamento se encontra potencialmente expresso na expressão objetiva.
Depois, como o pensamento se restabelece na mente do intérprete.

Os dois problemas envolvem a pergunta, - se a expressão artística exprime


diretamente os objetos em si mesmos, ou se a expressão artística expressa
diretamente os conceitos (ou idéias), os juízos, os raciocínios (dedutivos e
indutivos) sobre aqueles objetos, conforme quer a teoria ideativa da linguagem,
atribuída ao filósofo inglês John Locke (1632-1704), em seu conhecido Ensaio
sobre o entendimento humano, 3-o livro, 1660.

Na hipótese de a expressão artística expressar diretamente idéias, juízos,


raciocínios, deveriamos dá-la como expressão da expressão. Primeiramente
ocorreria a expressão mental dos objetos (ou temas), a seguir aconteceria a
nova expressão, pela qual a expressão artística expressaria a expressão mental.

Ora, é exatamente isto, - como já se de tem advertido, - que a arte não é, nem
mesmo a arte da língua. A obra de arte opera por meio de semelhanças
objetivas, mesmo no caso dos equivalentes convencionais.

Na arte de mimese natural, como na escultura e pintura, é mais fácil perceber o


caráter objetivo das semelhanças entre a obra e o que se expressou. Uma
representação figurativa conduz diretamente ao objeto, em função ao princípio
de que o semelhante acusa o seu assemelhado.
Igualmente a arte por equivalentes convencionais conduz diretamente ao
objeto do qual se convencionou ser o seu equivalente. O símbolo, qualquer seja
ele, palavra ou objeto simbolizador, conduz ao tema objetivamente dado como
equivalente.

188. A mente na formação do objeto da linguagem. Apesar de não expressar a


palavra diretamente aos pensamentos, mas aos objetos, depende, não obstante,
o objeto objetivamente expresso pela arte, de como ele chega ao conhecimento
de quem o expressa. O artista, embora expresse ao objeto, somente chega a ele
através do conhecimento, dos sentidos e da inteligência. Por este lado, portanto,
a expressão fica afetada pela capacidade de ver e ouvir, de imaginar e de
conceber, julgar, raciocinar.

Por isso é que o homem simples expressa coisas simples e ao modo do seu
simplismo. Deus é como um robusto avô. Os anjos são como jovens bem
vestidos, ou como meninos gorduchinhos, parecendo belas meninas. O
indivíduo piedoso olha para cima quando invoca a Deus, como se ele estivesse
mais lá, do que aqui junto de nós. O homem de erudição plena se de exprime de
maneira mais abrangente sobre todas as coisas.

A expressão da arte é sempre objetiva, no sentido de que a mesma obra física


ocasiona uma advertência intencionalistica para os objetos, ainda que estes
sejam conhecidos ao modo da capacidade de cada indivíduo.

O processo mental que mais afeta o modo de conhecer as coisas é o juízo.


Tudo é visto como atribuído a algo, ou seja a um sujeito. Os processos mentais
se equivalem praticamente aos objetos.

Ora, a língua, pelo fato mesmo de operar mediante equivalentes, muito se


aproxima com a expressão mental.

Mais distantes do objeto como este se apresenta à mente estão as artes por
mimese natural. Diante de uma pintura é possível pensar conceituando,
julgando, raciocinando, ainda que a pintura não consiga tão de perto expressar
o modo como os objetos chegam até nós.

A língua, entretanto, muito mais de perto acompanha o que os objetos


apresentam, porque os equivalentes convencionais estão em nosso poder criá-
los como deles precisamos.
Em vista desta proximidade entre os procedimentos mentais e os da língua
passamos a dizer, ainda que inadequadamente, que esta traduz a outra. Quando
dizemos "expressar pensamentos em palavras" não é de todo exato este modo
de falar, ainda que admissível por causa do uso. O exato é dizer, a língua
expressa o objeto do conceito, expressa o objeto do juízo, expressa o objeto do
raciocínio, expressa o objeto dos pensamentos...

189. A competência na interpretação da expressão objetiva. O fator


competência na língua prova que esta é uma atividade da inteligência e não se
reduz ao processo de comportamento de reflexos condicionados.

A interpretação objetiva consiste em referenciar a obra ao objeto que expressa.


Esta operação importa em inteligência, portanto de uma competência. Não é
possível apenas por associatividade, nem somente pelos reflexos condicionados
de que trata a psicologia do comportamento.

Mais especificamente, a interpretação objetiva da expressão artística consiste


na capacidade de compreender que o semelhante acusa o assemelhado. No caso
da semelhança de mimese natural esta possibilidade é evidente. Mas, no caso
da semelhança por equivalentes convencionais, importa em conhecer o código
conveniado.

ART. 4-o. A LÍNGUA PELAS SUAS PROPRIEDADES.

4515y190.

191. A língua apresenta propriedades, que não se confundem com a sua


essência, mas dela decorrem, sempre a acompanham e a aperfeiçoam.

Os acidentes também contam na arte e as vezes a tornam interessante, como se


observa nos estilos (vd 880). Com frequência propriedades e estilos se cruzam.
Adverte-se já inicialmente para dois gêneros de propriedades da arte, e que
logo também se refletem nos acidentes de estilo. Dada a distinção entre
significante e significado, ou seja entre portador da expressão e a própria
expressão, adverte-se que também as propriedades podem ocorrer, ora no
significante, - são as propriedades pré-artísticas, - ora no significado, - as
propriedades propriamente artísticas.

§ 1-o. Propriedades pré-artísticas da língua.

4515y192.

193. A sonoridade musical da palavra anterior à expressão. Existem as


propriedades pré-artísticas no portador da expressão. Ainda que elas não se
encontrem na expressão como expressão, a podem afetar, porque atuam ao
mesmo tempo que a expressão sobre o apreciador da arte.

A natureza sensível concreta da palavra admite efeitos criados diretamente


pela sua sonoridade musical, anteriores à expressão linguística de que se de faz
portadora.

Esta sonoridade permite a formação da rima (vd 194). a partir ainda da


sonoridade, a língua facilmente se combina com o canto. a partir do se criam
mesmo vários gêneros poéticos líricos, que se comportam ao mesmo tempo
como língua e música. São exemplos a ode (vd 865), elegia (867), hino
(vd 869), canção (vd 873) e suas variações.

Quando escrita, a expressão literária ainda se une aos efeitos do espaço visual,
que apresenta forma e cor, além da sequência linear. Destas propriedades pré-
artísticas se valem os concretistas (vd 299) para diferentes combinações da
palavra com outras artes.

Todos os efeitos indicados constituem as propriedades pré-artísticas da


linguagem, a que o literato não pode ficar desatento. Em função à capacidade
de o fazer, terá uma composição crescentemente mais estética e mais aceita.
194. Ritmo e rima como propriedades pré-artísticas. Na boa linguagem são
propriedades pré-artísticas muito notadas o ritmo e a rima. As sequências
sonoras interessam não somente ao músico, mas também ao indivíduo bem
falante e ainda ao que escreve bem. O poeta inclusive detecta elementos
associativos no ritmo e na rima, o que ele explora no verso metrificado (vd 831)

Zamenhof tratou não somente do aspecto expressional do Esperanto como


língua. Notabilizou-se também pela sensibilidade estética musical, o que
valeu ter impresso à sua língua qualidades de ritmo e rima.

Deu destaque às terminações vocálicas na determinação das funções


gramaticais.

O plural o fez em ditongo, imitando formas gregas.

Estabeleceu o acento tônico na penúltima sílaba, dando equilíbrio à palavra e


de modo geral à sequência da frase.

A frequência da vogal "i" é notória, sendo mesmo a indicadora do feminino, à


semelhança do ocorre na língua alemã.

Nota-se de a presença da vogal "a" na terminação do adjetivo e do verbo no


presente.

Os nomes próprios também admitem a forma adjetiva de terminação em -a.


Este procedimento permite fazer terminar os nomes femininos em -a, o que
acabou se consolidando como uma tendência antropológica usual.

A tendência espontânea do ser humano para a esteticidade faz com que as


línguas vivas tendam a ajustar as suas flexões de tal maneira, que por si só se
de tornem estéticas, com ritmo e rima. A lei da analogia fixa tais tendências.

Vale na esteticidade pré-artística da língua a alternância de sons claros e


surdos. Geralmente não se aceitam como estéticos os sons anasalados.

As mulheres, - sempre tão zelosas pelo belo e perfeito, - derivam contudo


com frequência para alguns dengos, os quais em casos particulares podem
inclusive ser favoráveis. Mas nestes it's estetizantes podem ocorrer
anasalamentos, com o efeito contrário, de tornar feia a nossa língua. Estes
expedientes são geralmente evitados pelas grandes apresentadoras de noticiário.

§ 2-o. Propriedades propriamente artísticas da arte.


4515y195

196. As propriedades artísticas principais decorrem diretamente da


expressão e não da matéria portadora. Alteiam-se, pois, as propriedades
propriamente artísticas acima das propriedades pré-artísticas, sempre que se
trata da especificidade mesma da arte.

Arrolam-se em grande número as propriedades propriamente artísticas, e que


por isso convém reordenar em subclasses, principiando pelas mais destacadas:

- propriedades gnosiológicas, como evidência, verdade, certeza;

- propriedades psicológicas, como esteticidade, catarse, ludicidade;

- propriedades úteis, como comunicação, ordenação do pensamento.

Os acidentes, conforme já se advertiu, também contam na arte e se tratam


como estilo.

Os graus eventuais das propriedades se reduzem a acidentes. Por isso, o estudo


do estilo se interpenetra com as propriedades. Todavia já aqui, sob o estudo da
expressão em geral, as propriedades hão de ser apontadas pelo menos
fundamentalmente; elas estão sobretudo sob o interesse do estudo dos estilos,
onde seus graus seus graus figuram como acidentes.

I - Propriedades gnosiológicas da linguagem.

4515y196.

197. Evidência, verdade, certeza da expressão. As propriedades


gnosiológicas da expressão artística se dizem de sua função mesma de dar
conhecimento sobre o tema expresso. Na medida que a informação se ajusta ao
tema, ela se diz evidente, verdadeira, certa.

Tais propriedades, embora peculiares de qualquer expressão artística, se


postulam principalmente da linguagem, porque sobretudo através dela o
homem busca receber e transmitir informações.
198. As mencionadas três propriedades - evidência, verdade, certeza - se
distinguem pelo enfoque diferente com que atendem à mesma expressão.

A evidência focaliza o objeto expresso, enquanto se apresenta com perfeição


na informação.

A verdade refere-se comparativamente à expressão enquanto sua informação


coincide com o objeto sobre o qual informa.

A certeza diz-se do sujeito que recebe a informação e que, sendo evidente e


verdadeira, sente-se em estado de segurança a propósito da expressão.

A partir deste esquema desenvolve-se sistematicamente o estudo das


propriedades gnosiológicas da expressão artística. No nosso caso, ocupados que
estamos com a linguagem, o estudo dessas propriedades limita-se a este plano
específico. Elas admitem graus e por isso são estudadas sobretudo a nível de
estilo.

II - Propriedades psicológicas da língua.

4515y199.

200. Esteticidade, catarse, ludicidade, ordenação mental. O exercício da


arte, em especial da língua, põe em ação faculdades psicológicas, que passam a
diferentes estados psíquicos apreciáveis.

Destaca-se de o sentimento estético, que é um estado muito apreciado e por


isso importa definir e diferenciar dos demais.

O sentimento estético resulta especificamente de um conhecimento; como


estado psíquico é um estado de vontade.

Constata-se que conhecer produz uma satisfação especial. Conhecer coisas


belas resulta em especial prazer. A arte, por ser expressão de algo, nos dá a
conhecer. Agrada conhecer, agrada o belo, agrada a arte. Entre as artes é a
língua a que mais usamos; por conseguinte é pela língua que, com frequência o
mencionado prazer é trazido até nós.
201. Comecemos por destacar que o estado psíquico de prazer (deleite, gozo,
satisfação, alegria, etc), ainda que gerado pelo conhecimento, não se situa na
mesma faculdade de conhecimento e sim na faculdade impulsiva. Estas aprecia
o conhecimento como um bem, e por isso tem prazer. Mas o conhecimento
mesmo, por si só, é apenas conhecimento, sem confundir-se com os impulsos e
estados psíquicos destes.

O conhecimento produz prazer maior, na medida que mais conhece a grandeza


do objeto conhecido significa também maior conhecimento. Coisas medíocres
que se conheçam produzem menos prazer.

O belo é mais ser; por isso mais agrada. O belo é a perfeição em destaque. A
ordem e a proporção das partes são elementos perfectivos do ser composto, e
por isso são próprios do ser, que por este através agrada. A arte agrada na
medida que produz conhecimento. Por isso agrada a linguagem com bom
conteúdo, ordem e proporção, beleza em destaque.

202. Cada faculdade de conhecimento tem seu objetivo específico e produz a


sua esteticidade, isto é, o agrado decorrente de seu conhecimento.

Pela ordem das faculdades, tudo começa pelo tato. Agrada o tato, enquanto
informação de presença, seja dos objetos exteriores, seja dos efeitos resultantes
das respostas reflexas incondicionadas. São mais de 200 os reflexos
incondicionados, todos para o bem do organismo. Pelo prazer mais forte
destacam- se os efeitos da ereção sexual, que fundamentalmente se encontra no
plano do tato, que acusa a pressão sanguínea nos vasos entumescidos.

Agrada a percepção dos objetos que se acusam de bom sabor e de bom odor.

Muito agrada a percepção sonora, e muitíssimo a percepção das


cores. Continua o agrado sensível nas imagens da fantasia, e que se de
conservam na memória.

O mais nobre de todos os prazeres é finalmente o do pensamento. Ainda que


os sentidos inferiores sejam mais incisivos nos seus contrastes, como entre
prazer e dor, os sentidos superiores (ouvido e vista) e sobretudo a inteligência
oferecem oportunidades mais vastas de satisfação estética.

203. Entre o estético desinteressado e o agorástico trivial. Em tudo o que


apresentamos, a insistência é na constatação em virtude da qual é a esteticidade
um estado psíquico diferente dos demais prazeres agorásticos, comuns, triviais.
Esta diferença está em que a esteticidade resulta diretamente do conhecimento
enquanto considerado um bem para as faculdades cognoscentes.

A esteticidade da arte situa-se no plano da inteligência e vontade, enquanto se


considera apenas aquilo que é específico na arte: a expressão.

Embora, em portador material, a expressão artística é interpretada apenas pela


inteligência. A esteticidade propriamente artística da arte prende-se ao
conhecimento intelectual, porque somente a inteligência interpreta a expressão
artística. O animal não interpreta a arte; por isso não goza de estado psíquico
estético frente à arte.

A outra esteticidade acontece agora também nos animais, em função ao


portador material (o significante) e se pode apenas denominar esteticidade pré-
artística. Sons e cores, formas e figuras agradam pelo seu impacto direto, sem
incluírem o que ainda poderiam expressar artisticamente. Aos animais como
aos homens, a palavra suave, inclusive a música não todavia pelo que
expressam, e sim pelo impacto direto.

A língua admite, pois, ser estética, ora pela excelente disposição sonora dos
elementos materiais da palavra (portanto do significante), ora pelo virtuosismo
perfeito do uso das palavras para significar (portanto do significado). Neste
caso, o do significado, agrada pelo volume do conteúdo significado, sobretudo
de coisas grandes, belas, com ordem e proporção em harmonia.

Curtas frases podem conjugar a riqueza do conteúdo com a graça do dizer


sonoro:

"Dor: saudade de realidades perdidas" (Tasso Silveira, Imagens Acesas).

"Sonho: ânsia ardente de realidades inalcançáveis" (idem).


204. Catarse da arte, sobretudo da poesia. O pensamento, a imagem, os sentidos,
inclusive de dor e angústia, tendem a expressar-se, numa tensão que, - ao ter
desenlace, - produz um alívio. Eis a catarse, ou, conforme o étimo grego,
a purificação.

Tal como o sentimento estético, a catarse também se liga à área do


conhecimento. Por isso a catarse é típica da expressão artística. Mas a
esteticidade resulta simplesmente da teoricidade do conhecimento. Ao passo
que a catarse é causada pela descompressão da necessidade de expressão.
Sempre que a angústia se verbaliza, ela se descomprime. O choro é um começo
desta verbalização.

A poesia é a forma mais frequente de literatura catártica. Operando com


associatividades, os objetos, ao mesmo tempo que são expressos, trazem
também o exterior, tudo o mais a que estão ligado. O que pertencia à solidão da
memória onerada, como que recebe oportunidade de receber a participação
solidária do meio ambiente, principalmente das demais pessoas.

O poeta sofredor verseja lamuriando sobre a vida. Quando o poeta sabe cantar,
seus versos passam a ser lamúria sonora. Então os versos lhe fazem muito bem,
ou seja, lhe fazem a catarse dos males pessoais, que não raro são os de todos
nós. Sem intenção de transmitir mensagem, o poeta cantor usualmente
simplesmente pranteia a sua aflição, e, enquanto faz esta expressão,
desencadeia o processo catártico purificador.

A dor do poeta, ora é apenas a sua, - uma dor episódica. Ora é a da condição
humana como tal, - uma dor universal. Quando trata desta dor universal, o
poeta atinge a grandeza, passando a ser verdadeiramente útil, porque serve à
catarse da dor resultante da limitação ingênita às coisas em si mesmas.

205. Ludicidade da arte, sobretudo a da palavra. É a ludicidade um prazer


paralelo ao da esteticidade (vd 200). Enquanto a esteticidade resulta do prazer
da informação, a ludicidade tem um objeto mais preciso, que é o da informação
enquanto capaz de aprazer a si e divertir aos demais.

O lúdico (ou o jogo) além de se ocupar com o conteúdo leve, é um prazer


resultante da ação simplesmente como atividade.

A ocupação que a arte ocasiona, principalmente a de tema leve e alegre,


produz um efeito, que é lúdico, de todos buscado. Horas e horas as pessoas se
ocupam nesse procedimento, lendo livros, assistindo programas de teatro e
televisão, cantando e dançando.

É a ludicidade uma função psicológica muito significativa da arte, em que


sobretudo a arte da língua exerce uma participação considerável.

Da ludicidade muito necessita a criança, que por causa dela se ocupa e aprende
sem o perceber.

Durante o curso de toda a vida do cidadão a ludicidade da língua o faz ocupar-


se em constantes conversações, que se desenrolam como um praticamente dizer
nada. O principal é a ludicidade centrada em si mesma como o seu fim, como
cata- vento que precisa mover-se, ainda que para nada exterior a ele mesmo.
Todavia este para-nada é nada apenas em relação a um objetivo exterior,
porquanto é muito para si mesmo. "Mover-se para nada exterior" é mover-se
para si mesmo, um mover-se meramente lúdico operando sua própria
felicidade.

206. A ordenação mental como decorrência da expressão. Ainda que a ordem


interna da mente lhe seja intrínseca, ela se apóia também na expressão artística
e sobretudo na palavra.

Enquanto os pensamentos surgem rápidos, por vezes indecisos e se


esclarecendo um por intermédio de outro em indicações que vão e voltam, as
expressões em obra sensível se processam mais devagar. As expressões da arte
vão em uma certa sequência, a qual não podem renunciar como um trem que
somente anda normalmente por caminhos pré-traçados.

Quem, por exemplo, escreve sobre uma folha de papel, tem um caminho a
andar, ao longo do qual vai alinhando as idéias, juízos e raciocínios. O
resultado é um ordenamento mental como consequência da expressão artística.

Quem ouve uma conferência ou assiste uma aula, tomando notas, este ao final
as poderá reler. Assim poderá ainda melhor reordenar tudo o que entendeu
enquanto anotava. Já desde a anotação podia selencionar as assertivas centrais,
estimulando-se depois a organizar o pensamento em novas formas evolutivas.
A arte literária, melhor que outra, organiza o pensamento, porque possui
símbolos próprios para expressar distintamente as idéias e maneiras próprias
para expressar juízos e raciocínios, sobre os objetos.

Exercer a redação educa em consequência o processo mental. Na redação o


pensamento distribui-se de e em consequência se de ordena.

Línguas bem planejadas e portanto mais perfeitas, - como por exemplo, o


Esperanto, - podem influir, melhor que outras, na formação do pensamento. Em
princípio, instrumentos mais adequados permitem maior desempenho. O
Esperanto, pois, apresenta um lado pedagógico incontestável.

III - Utilidade da língua. a comunicação.

4515y207.

208. a língua é um fenômeno social, muito mais que as outras artes. Ainda
que a língua seja antes de tudo uma expressão, sua utilidade para as
comunicações é tal, que praticamente se define como instrumento de
comunicação e em função desta fixa as convenções.

Uma propriedade decorre necessariamente da essência à qual pertence.


Colocada uma expressão em obra sensível, como a sonoridade da língua, ela
fica ao alcance de outro, este outro, ao interpretar a expressão, consegue
apoderar-se do significado que nela foi impresso. Neste movimento de um para
outro, se consumou a comunicação.

Com mais frequência se aproveita a língua como recurso de comunicação, do


que apenas para a expressão pura. Não é hábito das pessoas expressar-se
simplesmente, sem ao menos um vago desejo de comunicação. Todavia, antes
que a língua comunique, tem que primeiramente estabelecer-se como expressão.

Quem escreve tem um momento em que apenas cuida de expressão.


Terminado o escrito cuida ainda de relê-lo, e pode até deleitar-se no que
escreveu.

Depois, finalmente, este escrito poderá seguir para a leitura de outros, os quais
se comunicam com o comunicador.
Mas estes outros também poderão ler o escrito simplesmente como expressão;
é o que acontece, se um escrito é lido simplesmente.

A carta busca a comunicação.

Os escritos em geral não são lidos como comunicação, mas apenas como
expressão de algo. Ainda que outros os tenham produzido, eles não são lidos
com vistas a descobrir o que outros pensaram, mas são lidos simplesmente pelo
que eles contêm.

210. Entre perfeição de expressão e perfeição de comunicação. A perfeição da


língua se pode desenvolver, ora simplesmente como expressão, ora com acento
na comunicação.

As línguas étnicas, criando-se como fenômeno social de comunicação, se


desenvolvem consequentemente mais em função à comunicação e esta nos
termos como interessa às condições de uma determinada nação.

Quando a linguística trata da língua em primeiro lugar como instrumento de


comunicação social, ela está evidentemente se desviando para um campo
particular, tomando-o como se fosse o todo da linguística. Em vez de cuidar
primeiramente da perfeição expressional concentra-se na comunicação, que é
apenas o lado útil da língua.

Para a perfeita comunicação não basta a simples compreensão expressional do


signo.

A compreensão expressional deverá ocorrer em dois polos, num que é do


gerador e outro que é do receptor. Na sinapse requer-se um rumo, que vai como
que do neurônio para o axônio. A criação pura e simples da expressão ainda
não contém seu objetivo de comunicar; a criação da expressão tem um fim
apenas em si mesmo, que é o de ser expressão. O gerador da expressão, ao
pretender comunicar-se, não somente gera a expressão, como ainda a direciona
para o receptor ao qual se destina.

Quando o comunicador quer comunicar-se, poderá ter expressões prontas, que


simplesmente apresenta a quem se destina a comunicação. Faz como quem
adquire na livraria letreiros prontos para fixar sobre as portas onde o público se
serve de serviços.
O estudo da comunicação examina pois a relação dinâmica entre transmissor e
receptor, ajustando neste sentido a expressão.

A língua goza de vantagem sobre as outras artes para o exercício da expressão,


porque, como sempre importa destacar, ela consegue, melhor do que as outras,
exprimir os detalhes que interessam à comunicação.

Esta vantagem operacional se deve ao recurso da convenção, que pode dar ao


objeto de cada operação mental sua expressão específica, além de criar
vocábulos para todos os níveis de abstração. Além disso, o diálogo é mais fácil
de se exercer mediante a fala, cujos sons espontaneamente obedecem aos
interlocutores.

CAP. 2-o.

A LÍNGUA COMO UM SIGNIFICANTE. 4515y211.

212. Introdução ao significante. A expressão (ou significação) contida na


língua tem um portador material sensível sonoro, que, ao assumir esta função,
se denomina significante. Por paralelismo, a expressão se denomina significado,
como já se expôs.

Qualquer seja o nome que se queira dar a este portador, denominado


significante, ele sempre é definido pela sua função, qual seja a de se colocar
como base física da expressão. Importa isolar este som da língua, para
examiná-lo despido da significação que lhe dera o código linguístico.

De outra parte, porém, a separação que se faz em arte entre expressão e


portador sonoro da mesma, não vai ser um procedimento em que simplesmente
absolutiza o som, tal como a física, a biologia, a psicologia o estudam.

Cuida a arte da física do som enquanto depois vai interessar ao sistema ao


qual serve, o da expressão falada, ainda que neste instante se faça a separação.

213. O som na música e o som na linguagem. Há duas artes importantes que utilizam
o som para servir de portador da expressão, - a música e a linguagem. Portanto, de
novo se tem de distinguir. Aqui se trata do som como ocorre na linguagem, e não
como o utiliza a música.
Com referência à música, ela aproveita o som sobretudo como tonalidade, a qual se
organiza em tonalidades, que sobem e descem em um escala. Os instrumentos
musicais e os cantores operam as mencionadas escalas de tons de maneira
maravilhosa, sendo capazes de criar uma arte muito apreciada e que enche a todos nós
de admiração.
Diferentemente, o que interessa à expressão falada é o som como flexão, dito também
fonema. Portanto, ao se falar em som, no curso da estética literária, está-se restrito ao
plano meramente flexional dos fenomenas.

Define-se o fonema como o som, que, embora ainda não contenha significado
convencionado, é tratado como elemento que irá construir o semantema e o morfema.
Este já se encontra integrado na língua como expressão.
O fonema supõe uma articulação do som, diferenciando um do outro, para efeito de
linguagem. Não corresponde o fonema necessariamente às letras da grafia usual,
podendo exigir uma transcrição fonética especial.
O morfema dá o aspecto gramatical ao semantema, relacionando-o à função
significadora a exercer na oração. Semantema é o elemento básico do significado de
uma palavra, que pode ordinariamente assumir detalhes de função pelo acréscimo de
morfema. Por exemplo terr-a, -enal, -eno, -ígeno.

214. Divisão. Há uma ordem a ser seguida no exame do som, enquanto serve à
linguagem, que é a seguinte:
- o som como qualidade (art. 1-o) (vd 215);
- o som pelas suas espécies flexionais, ou linguísticas (art. 2-o) (vd 233);
- o som pelas suas propriedades pré-artísticas (art. 3-o) (vd 272);
- o som em aliança com outras qualidades, o que resulta em união de artes, ou seja,
no concretismo (art. 4-o) (vd 295);
- o som na multiplicação material da mesma expressão (art.5-o) (vd 342).

ART. 1-o. O SOM COMO QUALIDADE. 4515y215.

216. A perspectiva do som como qualidade é examinada pela filosofia da


linguagem, porque somente as qualidades servem como portadoras de expressão
artística.
Há a examinar o som, como qualidade, sob duas faces, - sua condição física (material)
e logo a seguir sua condição de afetar o ouvido.

§ 1-o. Condição física (ou material) do som oral.

4515y217.

218. O som como vibração de um corpo. Para a condição humana o som é algo
subtil para o ouvido, e não atingido pelos demais sentidos, de sorte a ser invisível para
os olhos, intocável para o tato, finalmente sem gosto e sem perfume.
Pelo sensível comum, o som é percebido como tendo uma direção, isto é, como tendo
uma fonte de proveniência. Recursos técnicos permitem, como que visualizar
indiretamente os sons, pela ampliação manifestativa das vibrações.

Do ponto de vista meramente físico, ou material, o som não passa de vibração de um


corpo, agitando-se de em ondas, isto é, em um vai e vem. A vibração ocorre
sobretudo em ambiente gasoso, como o ar. Também se transmite em corpo sólido,
todavia menos perceptivelmente.
Usualmente somente se denomina som, aquela vibração capaz de ser tornar sensível
ao ouvido. Esta vibração é de proporção mínima, que se torna invisível aos olhos e
intocável às mãos.

219. As condições antropológicas do ouvido humano impõem níveis gerativos do som


falado e flexões preferenciais para o fácil entendimento.
Ainda que o homem possa criar mais algumas espécies de sons e se habilitar à sua
percepção, ocorre um nível de espontaneidade, que vai determinar uma linha geral na
formação das linguas, quer naturais, quer planejadas.
A antropologia linguística pode ser uma antropologia meramente física e também
uma antropologia cultural.
Ocupa-se a antropologia física dos condicionamentos decorrentes da capacidade
gerativa dos sons da linguagem e da capacidade de percepção para as suas
diferenciações.

Diferentemente, a antropologia cultural, supondo já a física, atende ainda à interação


dos seres humanos com os fatores sociais, ambientais, históricos.
Depois de eleitas determinadas flexões para a formação de uma língua, estabiliza-se
uma certa preferência por estes sons, os quais vão finalmente fundamentar a lei da
analogia entre os sons desta língua. Este fenômeno se nota claramente na formação de
novas palavras. Esta limitação antropológica já tem início em causas antropológicas, e
se complementa pelas limitações culturais.

220. Comparado com os materiais, que servem como portadores em outras artes, o
som oral leva algumas vantagens, ainda que não todas.
Certamente os símbolos visuais gozam da vantagem de precisão que o sentido da
vista oferece. Mais ou menos 90 por cento da atenção humana é absorvida pela visão.
A seguir vem o ouvido. Mas tudo o que o ouvido oferece de eficiente gira em torno
do som oral, de facílima produção e flexibilidade. O barulho do falar humano é uma
constante, que permanece mesmo quando para a vista a noite ou o espaço fechado
tudo fez desaparecer.
A vantagem da simbolização oral se encontra em quatro fatores:
- a direção universal dos sons,
- a espontaneidade
- a variação dos sons,
- a fácil aliança do som com os materiais de outras artes.

222. A direção universal do som é um fato significativo na eficientização da


linguagem, compreensivelmente sua primeira vantagem. A partir de qualquer direção
pode-se atender ao som, ao passo que as coisas visuais obrigam a fixar a direção da
vista, o que é uma evidente desvantagem.
É notório como o som do rádio se pode ouvir, qualquer seja a posição da pessoa.
Diferentemente, a imagem da televisão obriga ao espectador a um comportamento
cativo. Por esta razão, a televisão combina o som com a imagem, de sorte que, -
mesmo quando o espectador não a atende com a vista, - pode continuar atento ao som
que nela se soma.
Assim também a escuridão da noite não impede escutar e conversar.

223. O fator espontaneidade do som oral. A segunda vantagem da língua como


instrumento de expressão é a espontaneidade com que se emite o som oral. Este fator
permite a expressão em todo o momento desejado.
Diferentemente, a imagem não se constrói com a mesma espontaneidade. Ela requer,
ou um pincel, ou um gesto, ou aparelho muito especial, como é o caso do aparato
televisor.
Ainda que estes outros recursos possam, depois de disponíveis, gerar expressões
muito ricas, nunca oferecem a disponibilidade de uma boca humana.
Sob a espontaneidade da geração dos sons orais se encontra um sistema neuro-
fisiológico, psicológico e cultural muito complexo, mas certamente eficaz. Consiste
numa rede de reflexos incondicionados e reflexos condicionados, memória e
associação de imagens, finalmente a atividade intelectual, combinada com o contexto.
Emergem por aqui a biolinguística, a psicolinguística, a sociolinguística, de grande
valia na compensação da geração da língua. Todavia todo este importante lado
gerativo espontâneo dos sons da língua não se confunde com a língua propriamente
dita. Também não são partes da linguística a biolinguística, a psicolinguística, a
sociolinguística. São nada mais que secções de outras ciências específicas quando
abordam o fenômeno destes sons.
Tal como a música instrumental cria os sons com grande orquestra, também o homem
falante produz sons, aproveitando o jato sonoro do ar que respira, modulando-o com
os instrumentos musculares da laringe e da língua.

224. O fator da espontaneidade da expressão da língua não é todavia uma


superioridade absoluta. Não é, em princípio, impossível gerar a imagem diretamente
no nervo ótico. Se isto ainda não se consegue no estágio atual do desenvolvimento
tecnológico, poderá um dia futuro ser alcançado. E então já haveria uma captação
direta da imagem televisiva, ou coisa parecida.
Os nervos são apenas portadores da corrente gerada pelas reações externas, vindo a
sensação a se de formar apenas no cérebro. Assim sendo, qualquer corrente nervosa
interceptada vai produzir sensações, de acordo com a sua especificidade.
Os visionários são indivíduos, que vêem de acordo com interferências patológicas.
Comparam-se aos que vêem estrelinhas depois de uma forte batida na cabeça.
Controlar estes fenômenos para melhor uso futuro, eis um desafio para o homem do
futuro.

225. Fator variedade do som oral. A terceira vantagem, em virtude da qual o som oral
se avantaja sobre os demais sistemas de simbolização, é a capacidade de oferta para a
multiplicação dos símbolos linguísticos.
A multiplicidade, por meio de flexões dos fonemas, morfemas, palavras, frases é
enorme. Disto são prova os longos dicionários, a variação interna das línguas, enfim a
multiplicação destas em milhares de idiomas e dialetos, bem como as línguas
artificiais.

226. A variedade dos sons orais não é todavia absoluta. Constata a linguística qual é a
variedade antropologicamente admita por uma língua. Mantém-se então dentro de
uma certa multiplicidade, além da qual não mais ocorre a espontaneidade. A este
limite antropológico respeitam as línguas criadas espontaneamente, como são
ordinariamente os idiomas nacionais, e devem respeitar as linguas criadas por prévio
planejamento.
Aliás acontece o mesmo em outras artes, onde o excesso não contribui para a
expressão.
Trata-se ainda do mesmo fenômeno que torna o ritmo agradável quando dentro dos
limites da capacidade espontânea da atenção humana (vd 227).
Cada língua contém um certo número de palavras, bem como um certo número de
morfemas. Finalmente dali resulta a lei da analogia, segundo a qual as novidades
introduzidas na língua passam a obedecer espontaneamente ao modelo vigente.
227. Aliança fácil do som oral. É notória a presença da linguagem nas composições de
várias artes (vd 295).
Ao mesmo tempo que se fala, pode-se também cantar. Eis uma aliança frequente da
linguagem com a música.
O gesto acompanha facilmente a palavra. Agora a aliança se processa com a arte das
formas. É o que também pratica o ator. Similarmente no cinema e televisão a
linguagem usualmente está presente nas demais formas de expressão.
A linguagem escrita mais uma vez pode aliar-se, como se vê junto aos desenhos,
estátuas, monumentos, cartazes de propaganda.

§ 2-o. A língua como expressão sensível auditiva.

4515y229.

230. A língua antes de tudo como arte auditiva. É a língua uma expressão artística
do gênero sensível, na espécie auditiva, embora gerativamente se diga arte oral.
Portanto, é a língua arte sensível, não em primeiro lugar por ser oral, com os sons
nascidos na boca. E sim por ser auditiva.
O aspecto oral da língua, - como se disse, - é meramente gerativo, o que não é um seu
elemento essencial. O som pode nascer também de outro instrumento. Ainda que em
alguns casos tenha remotamente a origem oral, o som em estado atual dos aparelhos
eletrônicos (disco, rádio, televisão, telefone) não é a rigor oral. E contudo ocorre a
expressão sensível auditiva.
Ainda que a linguística se concentre no aspecto oral da língua, ela contudo não se
define por esta via gerativa. Mas importa muito levar em conta que a fonte oral da
língua a subordina aos limites antropológicos desta fonte, bem como às suas possíveis
evoluções.
Como a orquestra que evolui pela criação de novos instrumentos, o mesmo pode
acontecer com a boca humana através das longas eras do tempo. É possível que os
primeiros seres humanos há mais de um milhão de anos tivessem condicionamentos
neurológicos diferentes e por isso uma linguagem também diferente, em relação ao
estágio evolutivo de hoje. E assim, poderão os seres humanos do futuro, após mais
outro milhão de anos ter novos recursos que os atuais.
Suposta a ressurreição dos mortos, que língua falariam no céu? A do primitivo Adão?
Ou a do homem hoje? Ou do homem de evolução máxima do futuro distante?

231. O caráter corográfico da língua. O sensível se apresenta como que espacializado,


operando os objetos sem lhes destruir o situamento corográfico exterior. Tal é o
operar dos assim chamados sentidos externos, - vista, ouvido, tato, gosto, olfato. Estão
em contraste com os sentidos internos da imaginação e memória.
O som da linguagem está como que no espaço. Nesta condição está ao alcance de
todos, de tal maneira que o criador da expressão pode ao mesmo tempo estar em
contato com os demais apreciadores.
O pensamento, ainda que também seja uma expressão e que intencionalísticamente se
dirige para um objeto, não inclui a espacialidade. Contudo a imaginação cria a
impressão de que a intencionalidade mental percorre um espaço entre si e o objeto
pensado.
Ainda que este espaço exista apenas para os objetos materiais, ele não deixa de
ocorrer, por introjeção imaginativa, nos objetos do mesmo espírito, por causa da
origem sensível de todo o conhecimento e da atuação dos sentidos internos.

ART. 2-o. O SOM PELAS SUAS ESPÉCIES FLEXIONAIS. 4515y233.

234. Flexões tônicas e tonais do som oral. As vibrações meramente físicas de um


corpo (vd 218) oferecem variedades. Uma destas variedades é a das flexões, as quais a
linguagem aproveita para criar expressões.
Não se trata apenas de modalidades de tons ou tonalidade, como os sons acontecem
na música, onde são apreciados do ponto de vista da extensão ondulatória
(vd 213). Por este lado ocorre a musicalidade dos sons. Podem outras flexões ocorrer
no curso da musicalidade, porque as flexões se dão em um quadro de maior
abrangência.
A flexão do som na língua se restringe às interferências operacionais em sua geração.
As interferências se dão em dois planos, no da intensidade e no da tonalidade.
Efetivamente, na emissão do som é possível variá-lo, ora na simples emissão
quantitativa do mesmo, tornando-o mais forte, ou mais fraco, criando o fenômeno da
tonicidade; ora, mais complexamente, pela quantidade de vibrações, criando o
fenômeno da tonalidade, influenciando-o do ponto de vista da musicalidade.
Há, pois, uma diferença entre a quantidade intensiva dos sons e a sua tonalidade
musical. Ambas são flexões do som, mas ordinariamente se dizem flexões sobretudo
as que resultam pela interferência operacional mais simples, a da mera intensidade do
fluxo gerativo. Nesta se situa preferencialmente a língua.
Do ponto de vista da intensidade, os sons têm uma tonicidade, e se dizem fortes e
fracos, além de outras variantes geradoras das letras. Neste plano o som é visto como
um fluxo, cuja geração pode receber muitas influências operacionais gerativas; quer
se chamem flexões, quer simplesmente interferências, sempre são de ordem
meramente intensiva, e portanto simplesmente tônica.

A separação dos dois fenômenos, - tônica e tonalidade, - não ocorre em sua totalidade,
misturando-se espontaneamente. Dali resulta o fenômeno do timbre da voz.
O timbre é um exemplo de interferências sonoras múltiplas, que interessa sobretudo à
arte musical, sendo todavia algo próximo ao que acontece às flexões de qualidade
sonora acontecidas nas flexões da linguagem, quando se fala em sonoro, surdo, e
similares.
Também se podem denominar os sons pela sua origem, ou fonte de produção. Dali
dizer-se de haver sons orais, sons instrumentais, sons eletrônicos, sons naturais.
Em princípio, a origem não altera o som. Mas a diversidade de capacidade destas
causas, resulta em que eles acabam se diversificando.

As propriedades, denominadas timbres e rimas (vd 286) contam com alguma


participação da tonalidade musical, ao mesmo tempo que de intensidade operacional.
Certas distinções flexionais se fazem apenas em abstrato, porque na flexão concreta
contêm de tudo.

235. Domina em linguagem, como já advertido, o aproveitamento das flexões pela


simples tonicidade, as flexões que ordinariamente se dizem por este nome. Dali a
terminologia do esquema didático dos temas a serem desenvolvidos em distintos
parágrafos:

- Da preferência da língua pelas flexões;


- Flexões sonoras como símbolos linguísticos.
- Sistema de flexões para uma língua perfeita.

§ 1-o. A preferência da língua pelas flexões tônicas.

4515y236.

237. A linguagem aproveita mais as flexões dos sons, do que suas espécies de tom,
sendo portanto mais flexional, do que tonal.
Por sua vez, dentre as propriedades, são mais aproveitadas pela linguagem as flexões
simplesmente, do que os timbres, rimas e ritmo.
Cerca de 20 a 30 modalidades de flexões, - chamadas letras, - se mostram suficientes
para criar o vocabulário de uma língua. Quando grafadas sobre o papel, as flexões
correspondem ao que se denomina alfabeto.
Timbres, rimas e ritmo se aproveitam principalmente para dar à linguagem aspecto
estético, mas também para fenômenos como final de frase, pergunta e resposta, poesia.

238. A referida preferência das linguas pelas flexões e pelo seu número entre 20 e 30
constitui uma preferência antropológica.
É que o ser humano tem alta capacidade de flexionar os sons, e associar os mesmos
com detalhes de expressão.
Já não tão universal é a capacidade de diferenciar e controlar os tons. Por isso mesmo,
o músico é quase sempre uma exceção no grupo.

Na linguagem a diferenciação de tom se restringe a uma ligeira diferença de altura,


ao término da frase. Quando baixa o tom, significa final de frase; quando alteia, a
frase é uma pergunta. Esta diferença é sintática, e não costuma chegar a ser léxica.
A língua chinesa é um exemplo raro de aproveitamento considerável da diferença
tonal. Por exemplo, ba pode significar "cavalo" ou "mãe", de acordo com a tonalidade
que se de imprimir ao som.
A flexão é apenas uma diferenciação resultante do impulso sonoro, com interferência
no início, desempenho e término. A simplicidade da flexão explica o porque de sua
preferência.
Não obstante esta simplicidade da flexão, ela permite um grande número de
variedades alfabéticas, e de que se vale a arte da língua.

239. Propriedades das flexões. São propriedades de qualquer qualidade, e portanto


também do som, o ter semelhante, graus, contrário.
Além disto, a qualidade sonora comporta alterações, ou seja, movimento. Toda a
qualidade possui as propriedades indicadas e o movimento.
Tratando agora do som oral, temos de examinar como nele ocorrem as propriedades,
que o tornam capaz de ter semelhante, de ter graus e contrário, bem como alterações
de movimento.

240. Semelhança entre flexões. Através da semelhança se cria a expressão. Não


tivesse o som os seus semelhantes não teria capacidade de ser expressão natural de
outros objetos sonoros.
A semelhança pode dar-se pela via natural e pela via convencional da equivalência.
Encontram-se na natureza os sons naturais. Imitar aos sons naturais é expressá-los
por onomatopéia.
A rigor, a língua não opera por onomatopéia, senão acidentalmente; é, pois, a
onomatopéia um equivalente convencional, ao mesmo tempo que com alguma
semelhança natural.
Ser equivalente convencional também é uma semelhança, - um faz de conta, - e por
isso capaz de significar objetos.
Entretanto, os antigos anomalistas acreditavam numa certa semelhança entre os
nomes e os objetos denominados. Na verdade, porém, ocorrem apenas as semelhanças
naturais da onomatopéia, e que são apenas situações acidentais, que levam a escolher
palavras com aquele caráter.

241. Graus de flexão. Os graus sonoros são determinados pela intensidade vibratória,
dentro do mesmo tom. Não se trata da altura tonal, porque esta já é uma diferença de
espécie, mais sofisticada exercida pela música. A força da emissão consiste apenas no
grau de quantidade de energia na mesma vibração. Poderá ser mais fraca antes, mais
forte depois, finalmente fortíssima.
Cria-se o grau da flexão pelo processo de interferência, ora na origem do movimento
do jato sonoro, ora no desempenho do mesmo, ora na sucessão da interrupção.
Uma das alterações poderá ser tonal, pela troca das vibrações. Outra é a de simples
alteração interna do mesmo tom, sujeito a mais intensidade de fluxo, menos, inclusive
com interferências nos diversos momentos dos graus de fluxo sonoro.
O timbre se constitui de um feixe de fluxos tonais, interagindo entre si, ao ponto de
dar ao som um certo colorido. Este fenômeno ocorre por natureza e não é aproveitado
na linguagem (vd 234)
Ritmo é organização temporal das variações, quaisquer sejam, e que periodicamente
se repetem. Todavia no ritmo se dá mais atenção à tonicidade, e portanto ao lado
operacional ou gerativo do som.
Rima é qualidade de sons, que se de repetem, dentro da mesma qualidade, em tempos
iguais. Mesmo quando na rima se atende à tonicidade, o que em primeiro lugar se usa
colocar é a qualidade do som.

§ 2-o. Flexões sonoras como símbolos linguísticos.

4515y243.

244. Dada a importância das flexões na linguagem importam em serem


exaustivamente examinadas.
Este trabalho constitui sistema a parte, não afetando diretamente a estética literária, a
qual todavia não pode deixar de se de aliar ao conhecimento tecnológico dos sons. O
estudo desta tecnologia desenvolveu com métodos próprios, inclusive de notação dos
sons com signos próprios, que ultrapassam o alfabeto gramatical habitualmente usado
pelas línguas.
Resultam as flexões, como já se de antecipou, da simples interferência no jato sonoro,
desde a interrupção até as mais diversas graduações no fluxo dos sons. O fenômeno é
simples, não obstante o número relativamente grande de 20 ou mais flexões obtidas.
Importa examinar as flexões dentro de uma certa ordem:
- as flexões do ponto de vista das espécies operacionais;
- as flexões do ponto de vista do exercício operacional;

I - As flexões, do ponto de vista das espécies operacionais.

4515y245.
246. Ainda que o fluxo sonoro seja concretamente um contínuo, é tratado como se
fosse dividido, em vogais, consoantes, sílabas, fonemas, morfemas, semantemase
similares.

Nuances semânticas distinguem entre si flexões, fonema, articulação, em que cada


denominação destaca um aspecto do elemento linguístico posto no sistema.
Flexão adverte para as interrupções e interferências, que criam as variações
suficientes para serem notadas no fluxo sonoro.
Fonema sugere tratar-se de de um unidade sonora. Então cada fonema é visto como
uma outra unidade.
Articulação indica a unidade enquanto se une a outra para a formação de uma palavra.
O tema de agora se concentra pois na flexão, enquanto adverte para as interrupções e
interferências no fluxo sonoro.

247. Vogais e consoantes. Variam as flexões pela maneira como atingem o fluxo
sonoro.
As vogais interferem no fluxo sonoro à maneira de primeiro instante, sem pressupor
flexões anteriores.
São vogais: a, e, i, o, u.
Pequenas variantes multiplicam as cinco vogais mencionadas: a, â; ê, é; ô, ó; u, ö, ü.
O ditongo se forma pela combinação de vogais sucessivas, deixando o acento apenas
em uma. Exemplos: au; oi.
As consoantes interferem no jato sonoro ao mesmo tempo que uma vogal, sendo que
esta assume a posição principal.
São consoantes mais conhecidas: b, c, d, f, g, h, j, k, l, m, n, p, q, r, s, t, v, z. Variantes
geralmente não dispõem de grafia própria, e então se grafam por meio de acentos
diacríticos, ou ainda por duas consoantes. Exemplos: lh, rr, ss, th. a grafia por duas
consoantes pode gerar dificuldades de leitura.
A grafia independe, em princípio, da característica mesma das flexões. Por exemplo,
a letra j poderá ser usada para o ditongo na forma. Tal acontece no latim, no alemão,
no latim, no Esperanto. Por exemplo, Jesus pronunciado Iêsus.

248. O aparelho fonador humano é similar a um instrumento de música, ao operar as


flexões e outros fenômenos de voz. Opera um jato de ar e o controla. Os registros de
controle são vivos e portanto mais sensíveis que o sistema de comando meramente
mecânico dos instrumentos artificiais.
Além disto, a voz humana é capaz de somar o musical e o simbólico da linguagem. O
controle vivo desta maravilhoso instrumento de sons se dá através do sistema de
reflexos condicionadas, estes todos ainda controlados pela iniciativa inteligente do ser
humano.
249. Três áreas do aparelho fonador humano se destacam na formação das flexões:
cordas vocais, canal bucal, lábios articuladores, sobretudo estes combinados com a
língua. Em cada uma das áreas os sons podem assumir flexões peculiares.
a). Cordas vocais, - é como se faz referência ao canal da garganta, enquanto gerador
de sons.
Pelas cordas vocais o timbre dos sons consegue caracterizar-se, ora como vozes
surdas, ora como vozes sonoras.
Aliás o canto se de exerce com o acento no uso das cordas vocais, renunciando
ligeiramente ao uso das outras áreas de articulação. Assim sendo, o canto atende à
escala dos tons musicais.
Diferenciam-se de as cordas vocais da mulher e as do homem, fato que gera a voz
feminina uma oitava acima. Este fato também enriquece o canto coral, onde se
coordem ambas oitavas.
Também os meninos até certa idade geram o som uma oitava acima. Na Itália, por
um certo período, se castravam meninos cantores, impedindo-os de mudar a voz. Os
castrati eram capazes de atingir sons altíssimos.
Supõe-se de que este uso se tenha generalizado, porque no passado se proibia às
mulheres a participação nos corais da igreja, sobretudo na capela Sixtina (do Papa). O
estranho uso foi finalmente encerrado no final do século 19 pelo papa Leão XIII.
b) . A articulação do canal bucal controla o jato sonoro mediante oclusões e
constrições dos sons, provocando ainda fenômenos secundários de fricações sibilantes,
desvios pelas fendas laterais da língua ocludente, vibrações tremulantes,
anasalamentos com escapes pelo nariz.
A esta altura já se criam as vogais.
c). No ponto de articulação, por contato dos lábios entre si, do lábio inferior com o
bordo dos dentes superiores, da ponta da língua com os alvéolos dos dentes superiores,
da parte anterior da língua com o palato duro, da parte posterior da língua com o véu
do paladar.
Somente agora termina a criação das consoantes, cujo início começara nas cordas
vocais.

250. Diferenças flexionais dos idiomas. Em função às três áreas do aparelho fonador,
podem diferenciar-se os idiomas em virtude da tendência dos seus falantes, ora para a
primeira (cordas vocais), ora para a segunda (canal bucal), ora para a terceira (ponto
de articulação).
E dentro de cada área ainda são possíveis variantes notórias. Considerando que todas
as línguas usam as três áreas, e em cada uma à sua maneira, elas dispõem de um
quadro muito grande de variação, mais do que o necessário para um a língua.
Esta exuberante disponibilidade,- em princípio boa, - prejudicou eventualmente o
sistema humano de comunicação, porque veio provocar o excessivo número de
línguas durante o período de isolamente dos povos.
O acento na primeira modalidade de flexão (que se de dá nas cordas vocais) torna as
línguas surdas, isto é, guturais, - como acontece com as línguas semíticas (árabe,
hebraica).
O contrário torna as línguas sonoras, - como mostra ser sobretudo a lingua italiana.
As línguas que acentuam as interferências das articulações, seja do canal bucal, seja
no ponto de articulação, se tornam visivelmente consonânticas (como as línguas
anglo-germânicas); as que, pelo contrário, não acentuam as interferências
mencionadas, se retêm no nível vocálico (como as línguas neolatinas e várias do
Oriente).
O Internacional Esperanto é sonoro e vocálico, o que se de pode atribuir, entre outras
circunstâncias, ao ouvido musical do seu fundador, Dr. Lázaro Ludovico Zamenhof
(1859-1917), dotado pessoalmente de ouvido musical e tendência para a poesia.

251. Vogais: espontânea, -a; anteriores, - e, i; posteriores, o, u. É possível acompanhar


analiticamente uma a uma as alterações flexionadas da voz que serve à língua.
A diferença flexional mais simples é a das vogais, seguidas depois pelasconsoantes.
As flexões das vogais resultam da maneira como se comporta a garganta ao permitir a
passagem do sopro sonoro. Acabam por diferenciar-se no canal bucal.
A maior abertura da boca, e a língua na posição espontânea, provoca um a.Eis a vogal
que surge no instante menos alterado do jato sonoro. Sua espontaneidade, a faz
reaparecer quando cantarolamos sem rumo prefixado, como até mesmo ocorre no
solfejo - lá..., lá..., la....
A criança principia a falar pelo vogal a... Como em mamá..., papá... Por esse
caminho ingressam também as cantigas de ninar. Observa-se também a notória
presença desta vogal na formação de qualquer língua. Parece sobretudo frequente a
vogal a na línguas latina e neolatinas, podendo este fato merecer explicações psico-
sociológicas.
A articulação progressiva resulta em novas vogais, denominadas umas palatais,
outras velares, além das respectivas variações.
Com o avanço da língua no canal bucal, se geram as vogais anteriores, ou palatais: ê,
é, i.
Com a retração da língua no canal bucal, se formam as vogais posteriores, ou velares:
o, ô, u.
Modalizações intermediárias vão dar em um elenco variado. Ocorrendo
eventualmente nestas ou naquelas línguas, as distinguem entre si pelo respectivo
sotaque.
Sendo as vogais possíveis em número maior do que o necessário, as linguas
planejadas tendem a reduzí-las aos modelos fundamentais, com vistas a garantir a
precisão e a facilidade do projeto.
A língua Internacional Esperanto selecionou apenas 5 vogais: a, ê, i, ô, u. Mantém
ainda o ditongo (vogal sem acento, junto outra vogal) operado pela letra j, e a
semivogal .

252. Consoantes: surdas (oclusivas e constritivas) e sonoras (oclusivas e constritivas).


Novas flexões, feitas porém a partir das vogais preexistentes, resultam no fenômeno
linguístico das consoantes.
É, pois, a vogal uma consoante incoativa, de que a continuação resulta a consoante
propriamente dita. Em conjunto, - vogal e consoante, - formam a sílaba, vocábulo
recebido do grego e que significa emissão de um único jato de voz.
Distinguem-se de as consoantes em surdas e sonoras, de acordo com a quantidade
menor ou maior de vibrações.
As consoantes surdas ocorrem quando o jato sonoro, encontrando aberta a glote,
irrompe desimpedidamente.
Surdas são: p, t, k, f, s, x.
Aprecie-se: pataxó, Kafka, só.
Mas, encontrando fechada a glote, o jato sonoro irrompe forçando a passagem,
produzindo neste impulso as consoantes sonoras. São ditas também brancas.
Destacam-se como surdas: b, d, c, h, v, z, g, r, rr, l, lh, m, n, nh.
Aprecie-se: banda, caravana, maravilha.

253. Redivisão das consoantes surdas e sonoras. Novos acidentes, sobretudo no ponto
de articulação, completam a diferenciação das consoantes entre si.
No campo das consoantes surdas, ao se fechar o canal da boca, para, a seguir, soltar
subitamente a consoante, de maneira explosiva, a ação resulta em:
- surdas oclusivas, como p, t, k;
-surdas constritivas, como f, s, z.

O mesmo ocorre no campo das consoantes sonoras, quando se lhes aplica a oclusão
explosiva, que resulta em:
- sonoras oclusivas, como l, d, g, f,
- sonoras constritivas, como v, z, r, rr, lh, n, m, nh.
As consoantes constritivas estreitam apenas levemente o canal bucal, modificando os
sons em interferências radicais de oclusão.
Uma vez que as constritivas procedem por estreitamento do canal, admitem por esta
via uma escala de modalidades. É assim que as constrições podem ser fricativas (com
as modalidades surdas e sonoras), vibrantes, laterais, nasais (estas três variedades
apenas como sonoras).

As fricativas produzem; um ruído sibilante de fricção através do canal bucal em


estado de aperto. Subdistinguem-se em:
- fricativas surdas, como f, s, x;
- fricativas sonoras , como v, z, g.
As laterais se expressam com o ar a sair pelas fendas laterais da língua, quando esta
se encosta no palato, como em l, lh.

As nasais se produzem com uma parte do ar a sair pelo nariz, tão logo atravesse pela
glote.
O ponto em que se exercem as articulações completa a diferenciação das consoantes.
Os nomes já indicam as diferentes modalidades, a saber:
Bilabiais: p,b,m;
Lábiodentais: f, v;
Línguodentais: t, d;
Alveolares: da língua com os alvéolos dos dentes superiores): s, z, r, rr, l, n;
Palatais (contado da parte anterior da língua com o palato duro) : x, g, lh, nh.
Velares (contato da parte posterior da língua com o vê paladar): k (c, q), g.

II - As flexões do ponto de vista do exercício operacional.


4515y254.

255. Colocadas as diferenças entre as flexões, importa pronunciá-las


adequadamente. Em parte este exercício se adquire espontaneamente, fixando-se com
os reflexos condicionados. Entretanto, a prática mostra que o exercício controlado
pode aperfeiçoar a pronúncia das diferentes flexões da linguagem, até atingir-se um
exercício operacional considerando perfeito.
Tais procedimentos têm sido denominados califonia, califasia, fonética, solfejo.

256. Califonia, do grego kalós (= belo) e foné (= voz), é a arte de bem pronunciar
os sons da língua como arte de expressão.
A califonia interessa ao canto, ainda que a este seja essencial primeiramente a
tonalidade da escala de tons. É mais produtivo o canto, que, além de sua virtuosidade
musical, se de apresenta ainda inteligível do ponto de vista do texto.
Mas a califonia é em princípio de interesse da língua simplesmente. Havendo a
língua passado a um novo tempo, em que os veículos de comunicação a fizeram ser
ouvida por um maior número de pessoas, importa pronunciá-la cada vez melhor.
As afetações, como por exemplo as do gosto feminino, - embora apreciáveis no
modismo estético do dia a dia, e que variam muito de lugar para lugar, não podem
dilatar-se de ao vasto mundo. Tem-se de notado que as grandes apresentadoras da
televisão falam uma língua mais universal, de califonia límpida, mais apropriada
à globalização.

257. Califasia, do grego kalós (= belo) e foné (= voz), é a arte de colocar numa
palavra os sons exatos que lhe pertencem. Há, pois, uma distinção entre o pronunciar
bem e o falar direito.
A califasia, do interesse específico da língua, se esforça na colocação dos fonemas,
porque um erro fonêmico pode alterar a simbologia.
As pessoas menos letradas incorrem em defeitos califásicos como em p'lotão, em vez
de pelotão.

258. A fonética, que também estuda os sons sob um ponto de vista inteiramente
material e sem qualquer referência ao que devem significar, determina a
especificidade de cada um no que se diz respeito às flexões.
Solfejo é o paralelo musical das diferenciações de sons. Enquanto a fonética
diferencia os sons pelas articulações, o solfejo ensina e exercita a variação de
tonalidade dos tons.

259. Fonologia é o estudo do som já estabelecido como fonema. Embora apenas a


califasia e a fonologia se refiram mais expressamente à língua, também a califonia, a
fonética e o solfejo são, em última instância, motivadas principalmente por causa dela.

§ 3-o. As flexões do ponto de vista da língua perfeita.

4515y260.

261. Dada a alta disponibilidade de flexões para a construção das palavras, a


seleção fica por conta de algum motivo, a operar como fato de fixação. Entra agora o
ideal da língua perfeita, ou seja, a língua planejada com as melhores regras.
Mas enquanto a norma essencial da seleção dos elementos essenciais da língua não
forem estabelecidos, prevaleceram os motivos aleatórios, como fatores prindipais de
fixação.

O fator ocasional, ou empírico, dominante entre os motivos aleatórios na seleção das


flexões para a formação das línguas é aquele que surge sem uma razão mais profunda,
ao sabor da circunstância. Restam então como empiricamente escolhidas aquelas
flexões, ou sons que por primeiro se de apresentaram e por isso se consolidaram.
A aleatoriedade que governou a formação das línguas do passado, que em grande
número ainda hoje se conservam, pode ter sido influenciada pelo ambiente geográfico
e a história de um povo. Em consequência a linguagem se torna ecológica e cultural,
além de folclórica, e até mesmo ideológica.

262. A interrupção da aleatoriedade da escolha das flexões ocorre quando o homem


suficientemente evoluído assume a intenção de se reger pelas melhores regras
possíveis, planejando sua língua, racional e esteticamente.
Estes fatores já vêm influenciando mesmo no curso da ação dominante dos fatores
aleatórios, porque o homem sempre age com alguma racionalidade e inclinação
estética.
O belo agrada e se impõe como evidente motivo de seletividade. Acontece este
fenômeno em todas as artes, conscientemente e inconscientemente. E não terá deixado
de atuar na formação da língua humana, desde a formação das flexões, até o estágio
gerativo final da expressão.

O estético tanto pode ocorrer aleatoriamente, como por eleição artística do inventor
da língua. As flexões da língua obedecem a uma certa velocidade padrão, além da
qual a percepção humana se de dificulta.
Aqui temos de distinguir, entre a influência estética no selecionamento, e a
esteticidade mesma das flexões. Esta esteticidade é pré-artística, e em tal condição é
especialmente estudada; tanto ela influi no selecionamento das flexões, como ainda é
diretamente apreciada.
A elocução rápida limita a percepção e sua consequente afetividade.
Dali vem porque o canto alarga as flexões, valorizando os sons individualmente.
Também quando se de valoriza a frase, alonga-se de a pronúncia das palavras. Bem
sabem disso os que falam ao grande público, ou quando chamam alguém distante.

263. Comparadas as flexões, as vogais têm tudo para ordinariamente influenciar mais
a formação das línguas, do que as consoantes. É que as vogais se situam no instante
básico do som, ao passo que as consoantes se exercem a partir delas.
Entre si as vogais também se diferenciam esteticamente. Umas são graciosas, outras
fúnebres. Ainda que acompanhadas de uma consoante, permanece o efeito dominante
da voga. Aprecie-se de o fenômeno em: pá, pé, pi, pó, pu. Em consequência as línguas
permanecem sensíveis à formação vocálica de suas palavras.

A mesma diferenciação ocorre na esteticidade das diferentes consoantes, e que por


isso influenciam diferenciadamente à escolha de flexões na formação da língua.
A esteticidade se manifesta primeiramente nas consoantes sonoras, e que por isso
se tornam preferidas: b, d, gh, v, z, g, r, rr, l, lh, m, nh. Certamente mostram mais
nitidez específica, o que aliás importa à boa linguagem.

Entre as consoantes sonoras a prioridade estética está, por sua vez, com as sonoras
constritivas laterais, - l, lh. No cantarolar espontâneo é exatamente o que acontece,
quando o maestro dá os tons aos cantores: lá..., lá..., lá....
Entre as surdas sobressaem esteticamente as surdas oclusivas - p, t, k, - contra as
surdas fricativas (f, s, x).

As consequências linguísticas para a seletividade das flexões certamente ocorrerão. a


grande incidência da consoante s no idioma português (o plural em s), não é
compensada pela menor presença das outras fricativas (f, x). Em contraste, o plural do
grego é habitualmente em ditongo; em Esperanto sempre em ditongo, o que importa
em sonoridade e favorecimento da poesia.
Não dispondo as consoantes surdas de uma sonoridade nítida, ocorre uma
recuperação ao se estabelecer a oclusão, que reaperfeiçoa as surdas oclusivas. No
cantarolar espontâneo do músico encontram se efetivamente a construção pá..., pá....
Ou ainda, como o já citado, lá..., lá..., lá... Todavia, não se deve perder de vista, que a
vogal a funciona como mais um elemento facilitador.

264. Mas importa advertir que em estética também vale o efeito dos contrastes, como
a sombra contrasta a luz. Deste sorte, a preferência pelas flexões mais estéticas não
elimina simplesmente as que o são menos.
Um idioma, do ponto de vista estético, se deixa influir, pelo que se esclareceu, pelos
sons mais estéticos, em que os demais deixem de ter função, contribuindo para o
contraste, as diferenças nítidas, os tons fortes e fracos do ritmo, a formação e destaque
das rimas.
Pelo visto, as inclinações estéticas se condicionam à interferências complexas. Isto
nos leva a ter prudência nas apreciações de valor estético das flexões e de um modo
geral no julgamento da beleza desta ou daquela língua, - tudo aliás de acordo os
princípios da psicologia da forma.

265. Para que o sistema de significantes de uma língua seja perfeito, importa que as
flexões sejam pronunciáveis, em suficiente número, limitadas ao necessário.
A pronunciabilidade é uma condição de viabilidade de uso. O suficiente número
importa porque a língua deve poder expressar tudo o que ordinariamente lhe cabe. O
limite ao necessário importa para evitar a sobrecarga de sons, bem como para facilitar
o controle sobre o tumulto da redundância, sobretudo da polissemia.
Dito em outras palavras, a língua deve buscar as melhores regras possíveis.

266. O suficiente e o necessário. O equilíbrio, entre o suficiente e o necessário dos


elementos para a formação material da língua, só é determinável aproximativamente,
e deve ficar em aberto. Todavia esta abertura deverá ficar sob normas, denominadas
regras gerais da linguística, entre as quais se cita a da analogia.
Importa considerar que a linguística é uma ciência experimental, cujas leis decorrem
da experiência. Com o apoio nesta experiência se determina o equilíbrio entre o
suficiente e o necessário.

267. Numero ideal de vogais. A observação mostra que as vogais fundamentais


importam em ao menos cinco, e que as oscilações para vogais intermediárias, - cerca
de mais 10, - é dispensável.
Para a perfeição da expressão linguística não se de requerem mais de cinco vogais.
Pelo contrário, admitir um maior número poderá até dificultar a aprendizagem do
sistema.
A língua Internacional Esperanto adotou apenas as cinco vogais fundamentais - a, e, i,
o, u. Com isto tornou bastante seguros os significados. Em consequência as vogais
oscilantes se de tornaram até tolerantes, porque efetivamente não alteram significados.
Não obstante, as tolerâncias devem ser evidentemente evitadas o quanto possivel.
Considerando as condições especiais dos grupos nacionais, suas respectivas línguas
poderão tolerar uma variação considerável de vogais, e que costumam ultrapassar o
número de dez. Elas se tornam por isso mesmo difíceis e inadequadas para uso
internacional.
Com vistas à internacionalidade, uma língua deverá ser adequada a esta função
especial, - sempre com as melhores regras para este fim.

268. Consoantes ideais. Ordinariamente o homem pronuncia cerca de 18 a 20


consoantes, além das vogais. A pronunciabilidade de algumas é maior que de outras.
Todavia historicamente todas são mais ou menos conhecidas de todas as línguas, por
causa de uma relativa igualdade antropológica dos homens.
Para o planejamento da língua internacional Esperanto foi tomada como norma a
adoção de radicais preexistentes, tomadas geralmente às linguas cujas palavras se
difundiram mais vastamente.
Assim sendo, o Latim foi o fornecedor maior de radicais. Entretanto, muitos destes
termos mais remotamente vieram do indo-europeu, de sorte a pertencerem a um leque
linguístico muito amplo.
Ficaram assim determinadas também as consoantes ideais, por meio de um critério
histórico e cultural.

269. Grafia. Desde que se inventou a escrita, houve sempre dificuldade de uma grafia
que servisse a todas as línguas ao mesmo tempo.
Algumas dificuldades são meramente culturais, porque os povos tendem a resistir ao
globalizante, quando isto importa em deixar elementos nacionais.
Outras dificuldade são intrínsecas aos idiomas.
No estágio atual do alfabeto, o Esperanto teve de a adatar-se ao sistema latino vigente,
atribuindo todavia às letras uma só consoante. Assegurou assim a perfeição da leitura,
porque tudo se pronuncia como se escreve.
Todavia, crou letras a partir da figura de letras preexistentes, mediante acento
circunflexo, as quais representam duas consoantes ao mesmo tempo. Com isso
fez uma concessão à etimologia, ao mesmo tempo que diminui o comprimento da
palavra grafada.
Distinguiu o Esperanto as semivogais, distintas tanto das vogais propriamente ditas e
das consoantes.

Letras simples: b, d, f, g, h, (gutural), , k, l, m, n, p, r, s, t, v, z.


Letras representando 2 consoantes: c (ts), (tx), (dj).
Semi vogais: j, .

270. Número ideal de morfemas. Com as melhores regras e sempre absolutas (sem
exceções), os morfemas podem organizar a gramática de maneira a tornar suas
categorias bem nítidas, resultando dali a firmeza dos significados.
Com algumas poucas regras fundamentais é possível determinar racionalmente todo o
sistema de uma língua, além de a tornar notoriamente mais fácil.
Mas tudo isto não acontece nas línguas étnicas, porque surgiram com aleatoriedade
das circunstâncias. Mas acontec com o Internacional Esperanto, como se verifica
facilmente em algumas de suas regras de sua gramática:
Constituem-se as palavras de radicais intocáveis, com um significado fundamental
exclusivo.
As modificações da palavra se procem por morfemas patronizados, de que
destacamos aqui as terminações:

- o, para substantivo, como em fino (= fim);


- a para adjetivo qualificativo, como em fina (= final);
- e para advérbio, como em fine (= finalmente).
- as para verbo no presente;
- is para verbo no passado;
- os para verbo no futuro;
- us para verbo no condicional;
- u para verbo no imperativo;
- i para verbo no infinito.

Outros e outros detalhes seguem estas primeiras normas de base, em que logo aparece
a sistematicidade, que torna a mesma raiz fonte universal de muitas categorias
gramaticais e ainda mostra não ser necessária a generalizada anarquia das conjugações
dos verbos, bem como dos pronomes, advérbios, preposições, conjunções.

ART. 3-o. O SOM LINGUÍSTICO PELAS SUAS PROPRIEDADES PRÉ-


ARTÍSTICAS. 4515y272.

273. Já antes de assumirem significados e se tornarem arte da linguagem, os sons


se apresentam com propriedades apreciáveis do ponto de vista estético, que, por isso
mesmo, se denominam pré-artísticas. Antes mesmo de significarem algo, o canto dos
pássaros é apreciável, e assim também a voz humana.
É notório que a música explore o som esteticamente, antes de lhe dar uma expressão.
O mesmo acontece com o mármore e as tintas, que podem conter beleza, antes que
passem a ser aproveitados pela arte de exprimir.
Por tudo isso, os sons da língua são examinados pelas suas propriedades pré-
artísticas, antes de assumirem a expressão artística propriamente dita.

274. Com vista às propriedades pré-artísticas do som, nos concentramos naquelas que
importam sobretudo à linguagem. Há muitas outras ainda, e que são do cuidado da
Estética musical.
Importam à linguagem principalmente as propriedades pré-artísticas das flexões
sonoras, enquanto que à música interessa mais pelo campo dos tons da escala musical.
Quanto às flexões sonoras utilizadas pela linguagem, elas se dizem principalmente
das vogais, consoantes, fonemas, morfemas, semantemas, palavras, frases. Tais
flexões provocam fenômenos a serem agora examinados em parágrafos especiais,
como:

- Ritmo e métrica nas tônicas da linguagem;


- Aliteração e rima nas flexões da linguagem;
§ 1-o. Ritmo e métrica nas tônicas da linguagem.
4515y275.

276. O ritmo dos sons linguísticos, - sempre flexionais, - se diz primeiramente de


sua ordem meramente operacional, pela qual surgem gerativamente.
Sendo uns mais fortes, outros menos, permitem os sons a ordem do ritmo, em que a
tonicidade dos mais fortes imediatamente se destaca frente à tonicidade delicada dos
sons mais fracos.
Na sucessão de sons fortes e fracos, a repetência sob medida dos sons mais fortes, dá
à tonicidade destes mais destaque, razão porque passam a se denominar simplesmente
como sendo a tônica do ritmo.
A observação revela que há um ritmo antropológico, o qual se torna mais aceitável e
estético.
Diferencia-se o fenômeno do ritmo de outro denominado rima (vd 274); enquanto o
ritmo se ordena pela tonicidade, que se diz do som no plano meramente operativo ou
gerativo, a rima se ordena pela mais pela tonalidade, dita do som no plano
qualitativo musical.
É evidente que a rima também se pode aliar à tonicidade, sem contudo dispensar da
tonalidade. Sem ser definido como tônica, a rima habitualmente se situa sobre uma
tônica, numa combinação que resulta em destacar a ambas.

277. A métrica organizadora. A organização das flexões linguísticas em sons fortes


(tônicos) e fracos (atônicos) é um expediente ordenador até certo grau realizado
espontaneamente, a partir do qual poderá ser livremente eleito pelo falante, de acordo
com a sua capacidade seletiva dos termos.
É a métrica dos sons um elemento estético apreciável, que acompanha a linguagem,
tanto no interior das palavras, como na organização das palavras dentro de uma frase.
Não é a métrica senão um caso particular do ritmo generalizado que acontece no
fluxo de todas as coisas do mundo psíquico. A presença das tônicas tende a ser
preferida em qualquer emissão sonora, com destaque na música.
Até quando não acontece haver uma tônica, como nas sequências unitárias do som,
tende este a adquirir em nossa subjetividade um certo ritmo métrico, imposto por si
mesmo, como atenção organizadora da apreensão.
O acúmulo de sucessões tende a se organizar também no espírito pensante, que passa
a classificar as unidades em grupos. Este fenômeno é bem visível na sucessão dos
números, os quais, apesar da igualdade dos valores, tendem a se distribuir em ordem
decimal ou em organizações equivalentes, como a das dúzias.
Por uma razão subjetiva similar tem o falante a tendência de impor a cada palavra um
acento tônico, ainda que, em princípio, não seja necessário. E assim também ocorre a
tendência para um acento tônico coletivo dentro da frase, criando a métrica. Há em
todo o discurso um ponto alto. É notório, que no teatro importa haver, por exemplo
uma tragédia, para dar ao todo um centro tônico.
278. O verso. Quando um texto é maior, uma tônica dominante cria o final de um
conjunto, a partir de onde volta para um novo conjunto. Cada conjunto
periodicamente metrificado se denomina verso (do latim versus = volta) . Criado um
verso depois do outro, surge o usual texto poético.
Se o texto mantém uma sequência menos rija, que a do verso, diz-se prosa (do latim
prorsus = para frente).
Semanticamente, prosa e poesia passaram a novos significados, como formas
específicas de expressão. O que seja a poesia e o que seja a prosa, eis outro assunto.
Importa aqui apenas mostrar os expedientes pré-artísticos que uma e outra dessas
formas de expressão utilizam, porquanto não são iguais os efeitos estéticos de um e
outro modo de ater-se ao ritmo e à métrica.

279. O efeito estético do ritmo e da métrica é primeiramente de pura esteticidade. Este


efeito poderá ser combinado com o da associatividade, como se observa na definição
que distingue entre prosa (vd 357) e poesia.
A ordem rítmica e métrica ordenam a percepção espontânea das flexões, tendo por
consequência agradarem ao ouvido. Este é um objetivo de qualquer texto, quer da
expressão prosaica, quer da poética.
Seja um exemplo de prosa, nas condições indicadas:
"Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da
carnaúba; verdes mares que brilhais como líquida esmeralda, aos raios do sol nascente,
perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros" (José de Alencar, Iracema, do
l-o capítulo).

280. É notório que as vogais a... i... podem ter maior presença tônica, do que as outras,
sem prejudicar a esteticidade, ou mesmo a favorecendo (vd).
Sabe-se neste particular que as tônicas da língua portuguesa se encontram com maior
frequência em a...
Sugestões femininas caracterizam a vogal i.
No alemão -in é a terminação indicativa do feminino, sem contudo ter a tônica.
Na língua planejada Esperanto (vd 85) ocorre uma frequência notória da tônica em i...
Aproveitou o Esperanto o sufixo germânico para o feminino, todavia como tônica.
Ainda ocorre a vantagem de servir morfologicamente para as várias funções
gramaticais: -ino (substantivo feminino); - (adjetivo feminino); -ine (advérbio no
feminino), como em patrino (= mãe), virino (= mulher); patrina (maternal), virina (=
feminina); patrine (maternalmente), virine (= feminilmente).
No Esperanto a letra tônica -i também caracteriza o particípio passado. O uso do
particípio presente, traz a tendência tônica para a vogal a...

281. Serve ainda a tônica para enfatizar significados, que não raro também se
exprimem sob a forma de interjeição, bem como ainda se veiculam pela alteração de
tom.
A pergunta é um caso especial, em que se combinam a tônica e o tom, que se alteia.

§ 2-o. Aliteração e Rima nas flexões da linguagem.

4515y283.

284. Esteticidade das vogais e das consoantes. Dado o caráter fundamental da


vogal, a preocupação estética incide primeiramente sobre esta flexão do fluxo sonoro
da linguagem, e logo também sobre a seguinte, a consoante.
A continuada repetição do mesmo fonema, - seja pela vogal, seja pela consoante, -
empobrece, por falta de novidade; o excesso de variação tumultua a apreensão; o
equilíbrio agrada.

285. Aliteração. A repetição do mesmo fonema se denomina aliteração, -palavra


tomada da latina littera (= letra). Poderá ser proposital, como também um defeito,
conforme a conveniência da expressão.
Exemplo de aliteração com vogais:
- a balada na casa balalaica.
Aliteração com consoantes, não raro citada:
- o pobre pintor português, por pequeno preço pinta portas, portões, painéis, para
pagar a passagem para Portugal.
O repetitivo, em qualquer sequência, agrada menos do que a variação, a qual oferece
mais novidade. Por isso a aliteração é esteticamente desrecomendada.
A aliteração é de ocorrência fácil em qualquer língua, devendo ser pois uma
preocupação constante de quem a usa, falando e escrevendo.

286. Rima, - definição, justificação e suas espécies. Rima é o retorno rítmico


alternado de um som flexionado, seja vogal, seja consoante, seja mesmo um fonema
completo. Por exemplo, válido, pálido...
Diz-se verso solto, aquele que ordena tão somente as tônicas. Tais versos sem rimas
são chamados brancos. São versos rimados, aqueles que acrescentam ao ordenamento
das tônicas a ordem das rimas.
Para o ritmo basta a repetição de uma tônica, portanto a sucessão de momentos mais
fortes entremeados de outros menos fortes no fluxo sonoro.
No mesmo ritmo poderão ser montados ambos os elementos, os das tônicas e os das
rimas, fortalecendo-se mutuamente.=
As rimas hão de incidir sobretudo nas vogais, porque estas tocam mais
fundamentalmente os sons.
Ainda para enfatizar a rima, convém que recaiam em uma vogal tônica. A rima se
completa, quando se dá em vogal e consoante.
287. Justifica-se portanto o uso da rima, não obstante o radicalismo com que alguns a
combateram.
Não sendo obrigatória, contudo a rima se manifestou bastante presente nas
manifestações poéticas de todos os tempos.
Propositalmente não usá-la significa somente querer um outro tipo de poesia, sem
com isto afastar a que se vale da rima.
"Os bons versos soltos são muito bons, os versos bem rimados são muito melhores"
(Castilho).

288. A diversificação das rimas em espécies decorre, ou pela qualidade interna das
mesmas rimas, ou simplesmente pela sua colocação no espaço da frase, geralmente no
final de um verso, mas também é praticável no curso deste.
As rimas determinadas pela qualidade possuem sempre as suas contrárias, de acordo
com a advertência de Aristóteles, de que a qualidade tem como propriedade ter
semelhante, grau, contrário.

289. Rima pobre e comum; rima rica e clara. A esteticidade da rima é influenciada
pela qualidade morfológica da palavra.
Em primeiro lugar se cita a qualificação resultante das terminações morfológicas
determinadas pelas funções gramaticais (substantivo, adjetivo, verbo). Entre outras
razões, a frequência com que elas aparecem resulta em que tais rimas tenham pouco
efeito.
Rimas pobres e comuns se definem pois, como as que se criam com os morfemas
mais comuns da língua.
No português, tais morfemas são: -ado, -ido, -ente, -ar, ão, - ável, -ível... Em
palavras: amado, deixado, sentido, amar, amarão, amável, possível.
Rimas ricas e claras se obtêm pela construção substancial dos termos em quadros
efetivamente evidentes na estrutura da frase. Acontece entre flauta e nauta. Ocorre
também entre classes gramaticais distintas, como entre caminha e minha.
Os sons raros se caracterizam eminentemente quando recebem uma rima
correspondente. A esteticidade se deve então à raridade e novidade. Crie-se
por exemplo um verso rimado correspondente à Antônio Carlos (terminação rara), e
logo se verá o efeito. Também entre as vogais , o u tônico é pouco frequente na língua
portuguesa; por isso assume rara peculiaridade como rima.

290. Não obstante, qualquer das rimas pode receber função na língua, exatamente
porque se diferenciam.
O caráter das rimas comuns e pobres induz à suavidade. Por isso, em momento
adequado deverão ser exatamente as preferidas do texto evidentemente artístico.
Diferentemente, as rimas ricas, em virtude de sua índole inesperada, frisando
claramente a flexão, funcionam com insistência e imprimem vigor à sonoridade.

Mesmo na prosa não metrificada, a alternância das flexões claras convém estar sob
controle, para que não ocorram tumultos sonoros. Igual insistência não se requer com
as rimas pobres, resultantes das funções morfológicas gramaticais ordinárias.

291. Rimas toantes, rimas femininas, rimas masculinas. Ainda no quadro das rimas
fundadas na qualidade do som se arrolam outras curiosidades, a que os estetas
poderão estar atentos.
Rimas toantes são as que a identidade de som se limita apenas à última vogal
predominante, enquanto variam as consoantes. Exemplo, mito..., lira...

Ocorrem ainda as diferenças de rima pela colocação do acento.


Na língua portuguesa, se dizem rimas agudas, as que se dão entre palavras oxítonas;
por causa do seu caráter, estas rimas em sílaba tônica se chamam também rimas
masculinas.
São rimas graves, ou femininas, as entre palavras paroxítonas.

292. Rimas encadeadas, cruzadas, coroadas, emparelhadas. Uma disposição calculada


dos elementos ritmados, ao longo do texto literário, gera efeitos distintos para cada
forma.
A excessiva interpolação diminui a percepção da rima, com a consequente diluição
da graciosidade.

Rimas encadeadas são as que, no início ou no meio do segundo verso, fazem a


repetição da rima final do primeiro. Exemplo:

"Senhora! a Poesia outrora era a Estrangeira,


Pálida, aventureira, errante a viajar,
Batendo em duas portas - ao grito das procelas -
Ao céu - pedindo estrelas, à terra - um pobre lar"
(Castro Alves, Poesia e mendicidade).

Rimas cruzadas, ditas também alternadas, são as em que os versos consoam o


primeiro com o terceiro e os demais ímpares; o segundo verso com o quarto e os
demais pares.

Rimas coroadas são as em que elas ocorrem entre palavras do mesmo verso. Exemplo:
"Rosa saudosa do gentil jardim".

Rimas emparelhadas são as ocorrentes no fim de versos consecutivos, podendo


ocorrer em dois ou mais destes versos consecutivos.

ART. 4. O SOM EM ALIANÇA COM OUTRAS QUALIDADES.

4515y295
296. As artes se reforçam mutuamente, já desde o instante pré-artístico. Em concreto
o mesmo material portador da expressão poderá somar diversas expressões. Assim,
por exemplo, a palavra admite ser linguagem e ao mesmo tempo canto.
Também é possível aproximar expressões efetivamente distintas; o gesto do orador
está no mesmo indivíduo que fala. O mesmo acontece no ator, que reúne a plástica de
seu corpo à linguagem.
O fenômeno das artes que se unem pode denominar-se aliança das artes. Também é
denominável concretismo das artes, enquanto elas, ainda que formando expressões
distintas, concretamente se encontram juntas para um objetivo comum de expressão.

297. Divisão. Como tema, o concretismo artístico é tratado já pela filosofia geral da
arte (vd 0531y000). As mesmas noções importam aqui, apenas enquanto introduzem ao
concretismo literário.

Por ordem, há, portanto, a considerar:

- O concretismo artístico em geral, com vistas ao literário;


- O concretismo literário, em especial.

§ 1. Do concretismo artístico em geral.

4515y299.

300. O concretismo historicamente e doutrinariamente foi um movimento artístico de


vanguarda, que na década de 1960 enfatizou os recursos resultantes da aliança das
artes, havendo se destacado pela pesquisa de novas modalidades de expressão neste
campo.
A legitimidade do movimento está nisto mesmo, que não contraria os princípios
básicos da arte ao explorar os recursos da aliança das mais diversas expressões. Usar
ou não os recursos do concretismo é apenas uma questão de opção e estilo.
Na essência, o concretismo nada mais é do que a comum aliança e mistura de artes,
expressando da melhor maneira possível as circunstâncias ocorridas no portador da
expressão.

301. A validade do concretismo se justifica pelos seus mesmos resultados.


Considerem-se as telas da pintura, sem os respectivos títulos literários, que estão em
aliança com elas. Os quadros continuarão em parte inteligíveis, porque no caso a
pintura é a arte dominante, expressando pelo colorido das imagens; todavia ficarão
ligeiramente vagos.
Imagine-se que jamais tivéssemos visto os títulos de Gioconda e de Leda (da autoria
de Leonardo de Vinci); de Guernica (Picasso); Primeira missa do Brasil(Victor
Meirelles).
Que dizer dos quadros de Mondrian e outros abstratos modernos sem os respectivos
títulos?
Contudo, a participação dos títulos em quadros de pintura é tão pequena, que não
usamos pensar haver aqui arte concreta. Mas sem dúvida alguma, ela é pelo menos
um começo dela. E é mesmo uma questão de sabedoria dar um nome acertado a uma
tela.

No canto, apesar da importância da musicalidade da voz do cantor, importa muito o


texto.
Sem conhecimento do seu conteúdo literário, o canto geralmente não agrada, ficando
sem razão suficiente de ser. Mais uma vez o concretismo na arte se revela de grande
rendimento.
Assim acontece a importância da aliança das artes no espetáculo do teatro, do cinema,
da televisão. Sem esta combinação de várias artes os personagens moveriam os lábios
e gesticulariam sem clareza. E que seria o balé sem música?
Que de diferença entre os mais diversos reclamos ao longo das ruas, anunciando os
mais diversos assuntos! Os cartazes, eis onde ocorre o triunfo da moderna arte
concretista. As cidades modernas são um espetáculo de cartazes! Os centros
comerciais não se reconheceriam sem eles.

Dados os rendimentos do concretismo, o movimento que assim se veio a chamar


pretendeu conduzir o sistema das alianças da arte ao seu máximo de resultado.
A aliança das artes se recomenda, porque vem de encontro à finalidade funcional da
própria arte, que é a de expressar seu objeto, o que a referida aliança somente
favorece. a mensagem se de torna mais contundente quando ingressa por os todos os
canais de acesso, pelos ouvidos e pelos olhos, pelos recursos figurativos e pelos
equivalentes convencionais.

302. Duas são as maneiras operacionais de aliança de uma arte com outras:
- A aliança mais imediata, por coincidência material do mesmo portador:
- e a aliança por justaposição de vários portadores.
Ocorre a aliança imediata, no caso da língua, quando no mesmo som oral se juntam a
convenção linguística e a sonoridade musical. No no canto se dá a um só tempo a
expressão linguística e a expressão musical.
Assim também na mesma pintura há cores expressando pictoricamente e espaços
coloridos expressando como formas.
Diferentemente, a aliança mediata ocorre pela mera justaposição de várias matérias
portadoras da expressão. A aliança se dá então com elementos efetivamente separados.
No orador, por exemplo, a linguagem está no jato sonoro, emitido pela boca; os
gestos estão distantes, na ponta dos braços
No teatro, com personagens e cenários, ocorre um grande número de materiais
distintos, todos expressando, sem que se consolidar-se em uma só unidade física.

304. Mais fácil é combinação concretista nos casos de aliança imediata, porque ocorre
mais proximidade entre a matéria portadora. Assim acontece na convenção linguística
e a sonoridade, e também na expressão em cor e seu desenho.
Alguma dificuldade que aconteça na expressão de aliança imediata, não se há de
atribuir à matéria, mas à criação da arte. Por exemplo, é fácil unir as palavras e o
canto, mas poderá haver dificuldade na capacidade mesma do indivíduo menos dotado
para de sua palavras fazer um canto.

305. Mais complexa e difícil é a combinação concretista de materiais separados e que


apenas se somam exteriormente, portanto apenas como aliança mediata.
Não obstante algumas alianças são facilitadas pelos reflexos condicionados, como a
aliança da linguagem com os gestos, os quais se ajustam por meio de reflexos
condicionados.
Não se dá a mesma facilidade, senão com o treino longo, na combinação de materiais
mais distanciados. Não há muito a contar com reflexos condicionados para combinar
um ator com o cenário. Ou como combinar as cores de um cartaz com a forma do que
anunciam, ou com a fisionomia espacial do mesmo cartaz.
Finalmente se dá a combinação de ambas as modalidades concretistas, a imediata (no
mesmo portador material) e a mediata (em portadores materiais distintos). Nesta
combinação concretista mista, a capacidade de rendimento é evidentemente muito
maior, que nas duas modalidades em separado.
Por isso, para ela tendem toda a expressão artística maior, de que o teatro, o cinema, a
televisão constituem o exemplo.

306. Normas concretistas da coesão e da predominância. Na multiplicidade das artes,


quando operam conjuntamente, importa que todas se coordenem num objetivo
comum. É a norma da coesão concretista.
Na coesão concretista, pela qual todas as artes se coordenam para o objetivo comum,
dois são teoricamente os métodos, - a colaboração por igual e a colaboração em torno
de uma arte predominante. Mas, considerando que os recursos dos materiais
portadores costumam diferir, tende um deles a dominar o todo.
Circunstância acidentais podem impor uma espécie de arte sobre outra. Um
monumento público recomenda materiais duradouros, como por exemplo o bronze.
Outras vezes a opção decorre de limitações do mesmo artista, mais hábil em uma arte,
que em outra.
Em princípio o concretismo artístico não é um sistema de expressão
obrigatório. Assim sendo, o artista elege a expressão que prefere.
Quanto aos consumidores, estão também no direito de irem ao artista de sua
preferência, - se ao concretista, se ao não concretista.

307. Ordinariamente a predominância de uma arte sobre a outra oferece mais


oportunidade de bom resultado.
A colaboração inteiramente por igual de todas as artes é pouco praticável, por causa
da capacidade desigual dos recursos de cada uma, além do erro possível do artista. Se
por exemplo os gestos do orador estiverem em desconexão do discurso literário, - que
é que valeria? Além disto, o apreciador da arte, tende a determinar qual a expressão
principal, e qual a secundária.
O que em qualquer hipótese essencialmente importa é a coesão de todas as artes
aliançadas no objetivo central da expressão.
Quando uma arte predomina, ao se estabelecer uma aliança de artes, a expressão se
determina a partir dela, operando as demais como complementares, em seu auxílio.
Uma vez determinada a mensagem a partir de uma arte, as outras estarão em coesão,
contribuirão para o objetivo definido pela expressão dominante.
O mesmo cuidado terá o crítico de arte, definindo suas apreciações a partir da arte
dominante no contexto concretista, e apreciando até que ponto as demais estão em
coesão..

308. Algumas artes concretas têm nome especial, porque são costumeiras. O cinema
e o teatro sempre são artes em que ocorre a aliança. Por isso têm nome próprio, -
cinem e teatro, - em vez de arte em cores e em formas.
Mas, quando uma arte eventualmente se alia a uma outra, como por exemplo a
pintura, recebendo um nome, não perde seu nome específico.
A literatura concretista é apenas literatura na parte literária. As figuras que se lhe
aponham como arte concretista, não fazem parte da mesma literatura. Caso ocorra o
uso deste novo sentido, dever-se-á acordar que mudou o sentido semântico da palavra
literatura. E porque o sentido semântico de literatura não mudou, tem-se de usar a
expressão em dois termos, - literatura concretista.

309. Prosa concretista e poesia concretista. No concretismo artístico também é


possível distinguir entre prosa e poesia como duas formas de expressão, uma lógica e
outra associativa.
Um cartaz geralmente é uma prosa concretista, porque indica diretamente a
informação, mediante dizeres logicamente claros, junto com desenhos igualmente
indicadores diretos do assunto.
Se o cartaz apresenta a figura de um boi, para anunciar a venda de carne bovina, ele
está em prosa.
Uma cabeleira penteada à entrada de um salão de beleza, de novo está em prosa.
Se se colocam tesouras de cabeleireiro, dá-se uma prosa poética.
Também oferece caráter de prosa poética o eufemismo figurativo colocado à entrada
dos banheiros públicos, e que distinguem entre banheiros masculinos e femininos.
Acontece a poesia concretista quando a mensagem repousa diretamente na imagem
associada e está como mensagem principal.
No concretismo a poesia poderá fazer-se de maneira simples, - se a sugestão surge
por intermédio de uma apenas das artes aliadas. Ocorre um concretismo poético
complexo, - se duas, três ou mais artes da expressão estiverem participando do todo
da expressão gerando cada uma conotações.
Será boa poesia concretista, - se as sugestões tiverem coesão, orientadas todas para o
mesmo objetivo geral expresso.
Um dicionário de poesia, ao orientar para os objetos mais capazes de provocar
associatividade, é capaz também de apontar aquelas composições mais capazes de
oferecer a evocação concretista (vd 799).

§ 2-o. Do concretismo literário em especial.

4515y311.

312. Ainda que o concretismo seja um fenômeno de todas as artes, ele acontece com
notória facilidade no exercício da língua.
Ao mesmo tempo que a voz oral assume a posição de equivalente convencional de
um significado, ela se comporta com alguma sonoridade musical.
Em progressão, a linguagem se alia facilmente à música, - primeiramente ao canto,
depois à música instrumental.
Mesmo que as convenções atinjam de preferência as flexões do jato sonoro,
aproveitam ligeiramente a sonoridade para indicar o começo e o fim das frases, como
ainda a diferença entre linguagem e interrogações e linguagem de exposição.

Finalmente, a língua é também um componente que se alia fácil às formas, às cores,


ao teatro, ao cinema, à televisão.
O gesto, eis uma aliança com a forma plástica, e que se apresenta com uma
espontaneidade admirável em virtude do sistema de reflexos condicionados.
Em função ainda às facilidades criadas por estes reflexos, a palavra pode combinar-se
com o ritmo do movimento, tanto do movimento do fluxo sonoro oral, como do
movimento corporal, de que o balé é o exemplo mais admirável e apreciado.
Explora ainda o concretismo o fato de a palavra se imprimir ainda sobre o papel,
onde adquire formas no espaço e cores (vd. Max Bense, Poesia concreta, 1963,
Freiburg, Alemanha, trad. Na revista Invenção, n. 3, ano 2, São Paulo, 1963, p. 40 §.).
Importa contudo advertir, que o concretismo literário, embora amplie a mensagem
literária, não se impõe em nenhum momento. É apenas uma instrumentação
ampliativa da expressão.

313 Redivisão dos concretismos literários. Duas direções, bastante distintas,


assumem os concretismos literários, dos quais uma está representada pela aliança da
língua com a sonoridade musical, e outra com as artes plásticas.
Alguns concretismos foram desde sempre conhecidos, ainda que não denominados
assim. O concretismo, - como se auto-denominou um movimento desenvolvido na
década de 1960, - é senão uma nova forma do que sempre se praticou.
I - Concretismo reunindo língua e som musical.
4515y315.

316. Consiste o concretismo de língua e música na expressão conjunta dessas


modalidades de expressão, - a língua expressando-se por meio de equivalentes, que
significam por convenção, a música expressando-se por meio da semelhança natural
dos sons com algo havido nos objetos significados.

A composição concretista de língua e música é pouco complexa quando se de reduz


ao essencial.
Todavia a língua opera adicionalmente com associatividade, e muito mais ainda
associativamente opera a música.
Além disto há, tanto na língua, como na música, e principalmente na música instantes
pré-artísticas explorados apenas esteticamente. Todo este complexo poderá unir-se de
ambas as partes, de sorte a proceder-se a um aglomerado de elementos expressivos
quando a língua e a música entram em aliança.
As dificuldades no concretismo de língua e música advém mais por causa da música
do que por causa da língua.
A música, além de sua alta dose pré-artística explorada esteticamente, se apresenta
com um desempenho altamente sofisticado.
A língua, apesar de sua complexidade, é falada por todos; as crianças aprendem com
relativa facilidade a língua de seu grupo étnico, mesmo que tais idiomas se
apresentem muito complexos.

318. Importa aqui e agora o texto da língua, quando, embora se aliando à sonoridade
musical, nele predomina a mesma língua.
Em princípio, não importa qual das artes predomina, desde que já de início se defina
qual delas. Importa que uma predomina, para que haja um fio condutor do sistema das
artes em operação conjunta. Em consequência, ocorre a unidade e o ritmo paralelo das
partes. A ação axial da expressão principal determina o vigor e a clareza.
Acontece o domínio da expressão literária quando a sonoridade se limita à
manifestações mais simples, como por exemplo o ritmo das flexões e a rima das
repetições. Mas não podem estes elementos ser introduzidos até ao ponto de
prejudicar o elan axial da arte principal, a literária.
O canto, já mencionado diversas vezes como um plexo de duas partes, - literária e
musical, - é ordinariamente literário, em virtude do interesse da mensagem sempre
presente, conduzida dominantemente pelas palavras. Sobretudo este é o canto popular
e terá sido o canto grego em sua origem. Enquanto se mantiver a dominância, toda a
coesão se fará em torno do texto literário.
Tal é a dominância literária do canto, que, - quando não se o entende, - ocorre uma
vaga frustração por parte dos ouvintes. Esta frustração é menor, quando o texto já é do
conhecimento de quem o ouve cantar.
Não obstante às alternativas da arte, como instrumento artificial da livre expressão
humana por todos os expedientes viáveis, não é vedada a criação de um canto em que
as palavras são antes um pretexto para o fluxo da voz oral, do que um fim principal.
O mesmo texto poderá ser explorado, ora como dominantemente literário, ora como
dominantemente musical. Este encaminhamento para a dominância musical poderá
ocorrer até mesmo em vista das qualidades sonoras de um cantor. Acontece sobretudo
com a presença da grande orquestra, em especial das composições sinfônicas, em que
o cantor por vezes tão só inspira algumas de suas partes.

319. O som que imita no plano das flexões. O mesmo som, além de veicular uma
significação convencional, como em sussurrar, mugir, pipocar, pode aliar em si a
imitação do tema, por mimese natural. Em alguns casos com maior precisão, em
outros com menor, esta imitação se mostra possível. Eis onde ocorre uma aliança de
mimese na mesma obra de linguagem. Especificamente distintas, as duas artes se
unem na mesma obra material, - o som. Eleva-se, então, a palavra a uma expressão
duplamente incisiva.
Consigna-se a prevalência da língua (e não da música), quando os sons
onomatopaicos, além de onomatopaicos, já estão consagrados pela convenção, para
servirem como palavras literariamente estabelecidas.
A este princípio obedecem os nomes que atendem só vagamente à onomatopéia
(vd 152), como sussurrar do vento, mugir do boi, pipocar das metralhas.
A onomatopéia permite apreciáveis aplicações estéticas.
Os românticos e simbolistas aproximaram, por este modo, a poesia com o canto e
com a música.

320. A onomatopéia e outras imitações levam ainda a vantagem de exercerem a


evocação. Há a evocação especificamente linguística, em que um símbolo evoca outro.
Mas aqui é o mesmo som que evoca, por semelhança natural, o conteúdo de outro, tal
como na música. E assim, mais uma vez, uma aliança ocorre, reforçando o poder de
expressão da linguagem.
Distintas vogais podem evocar distintas cores. As vogais palatais (e, i) parecem
evocar objetos finos, velozes, claros, brilhantes. As vogais velares (o, u), os objetos
pesados, lentos, escuros.
Neste sentido, aprecie-se o texto de Arthur Rimbaud Les voyelles.
Além da aliança do símbolo com o sentido onomatopaico dos sons, estes mesmos
sons poderão ainda ser evocativos. Desta evocação, particularmente da métrica e da
rima, se de trata especificamente à propósito da poesia .

Apreciem-se de as evocações resultantes da mera sonoridade numa composição


Carnaval, de Cassimiro Ricardo Leite, em Borrões de Verde e Amarelo:

"Todas as árvores
que moram na floresta
ficam surdas com tamanha festa
numa algazarra enorme os papagaios
endomingados em seus fraques verdes
gritam coisas absurdas!
Sapos, intanhas, pererecas, rãs e pipas
Tocam matracas, pararacas.
Uma araponga louca dá o sinal
para o começo do carnaval.
E eis que começa de improviso,
a dança do Tangará:
pula p'ra lá, pula p'ra cá
p'ra lá... p'ra cá,
pralápracá".

321. A grande presença de consoantes possibilita a criação de sons literários imitando


sons naturais.
As línguas anglo-saxônicas e eslavas,- mais atentas à diversidade das consoantes que
a das vogais, - são por isso mais felizes nas imitações onomatopaicas. Quando em
evocação poética se apóiam na onomatopéia, tendem a ser intraduzíveis em relação a
linguas como as latinas. Os sons dos objetos, do sino, do jumento, das crianças que
choram, dos animais que berram, tudo enfim repercute nas palavras. O que não
oferecem na sonoridade musical das vogais pouco presentes, ditos idiomas ganham
em expressividade onomatopaica.
Aprecie-se de a onomatopéia com que Edgar Allan Poe (1809-1849) imitou sons e
timbres de metais diversos, a prata, o ouro, o ferro e bronze a tilintar com magia e
encanto.

THE BELLS (parte inicial)'.


Hear the sledges with the bells-
Silver bells!
What a world of merriment their melody foretells!
How they tinkle, tinkle, tinkle,
In the icy air of night!
While the stars, that oversprinkle
All the heavens, seem to twinkle
With a erystalline delight;
Keeping time, time, time,
In a sort of runic rhyme,
To the tintinnabulation that só musically wells
From the bells, bells, bells, bells,
Bells, bells, bells, -
From the jingling and the tinkling of the bells.

Em língua Internacional Esperanto as vogais são frequentes, de onde sua tendência


para a sonoridade. Todavia, as consoantes se de deixam acumular facilmente, em
virtude da versatilidade com que se de tratam as radicais e as aglutinações.

II - Concretismo reunindo língua e artes plásticas.


4515y323.

324. A distância entre língua e artes plásticas é maior que entre língua e arte
musical.
Uma primeira aproximação ocorre, quando a palavra sonora é representada pela
notação gráfica, ordinariamente chamada escrita.
A rigor, a notação gráfica já é do campo das artes plásticas. Mas não deixa de ser
uma aproximação muito grande, de que se vale o concretismo literário.

Uma segunda aproximação entre a linguagem e os recursos da arte plástica ocorre por
simples justaposição. No ator por exemplo, a voz lhe vem da boca, enquanto restante
é a sua figura plástica. Assim acontece também com o gesto do orador e seu discurso.

325. O concretismo no texto escrito. No plano do papel a palavra permite a


exploração do espaço, por imitação até mesmo das formas do objeto.
No espaço pode ainda revestir-se de de cores, de onde a possibilidade da relação com
a psicodinâmica diferenciada do vermelho, do amarelo, do azul, e, assim por diante,
também com a psicodinâmica das cores secundárias e terciárias.
O cartaz é, com frequência, ao mesmo tempo literário, forma e cor. Seja o simples
exemplo da palavra meridional, como a escreveu um concretista, sugerindo com a
letra O também o globo terrestre emitindo luz suavizada.

MERIDIONAL

A especialização da palavra deu origem às expressões concretistas, conhecidas como:


Diagramas, de Ezra Pound;
Caligramas, do francês Guillaume Apollinaire (1881-1918);
Montagens, do inglês James Joyce;
Atomizações visuais, do Norte-americano E. E. Cummings (1882-1962).
326. Pode ocorrer uma paralisação da cursividade dinâmica da língua ao combinar-se
de com as artes plásticas (pintura e escultura).
A língua apenas funciona em sucessões de som oral. A pintura e a escultura
apresentam grande capacidade de expressão já no instante estático.
Apenas a língua escrita poderá aliar-se a este estágio estático da arte em cor e forma
no espaço.

Como consequência da estrutura concreta da língua, ela não pode desenvolver-se ao


modo linear antigo. Tornando-se multidirecional, - verbal, vocal, visual, - a palavra
não funciona apenas na sentença. Como que abandona a sentença, para reter-se na
simples idéia indicada pela palavra.
Efetivamente, não expressamos pensamentos, mas os objetos do pensamento. Estes
objetos são vistos, ora através dos conceitos, ora dos juízos, ora dos raciocínios. Mas
são antes de tudo objetos.
Na multiplicidade das artes em aliança, os objetos são cada vez mais estes objetos.
Não obsta que haja a sentença mental, que é impossível de abandonar. Todavia sobre
a obra sensível é que ela não comparece ao modo tradicional, porque o objeto não se
exprime apenas pela linguagem.
Os outros aspectos, - para que possam destacar-se, - reclamam novas disposições
sobre o papel. No cartaz e na capa de livro estes novos instrumentos são visíveis.
O mesmo pretende o concretista levar ao texto interno do livro.
"As sentenças não são a meta dos textos concretos. Trata-se de criar conjuntos de
palavras que como todo representam um âmbito informativo verbal, vocal, visual, um
corpo linguístico tridimensional, que é por sua vez portador de uma específica
informação estética de natureza concreta" (Max Bense, Ibidem, p. 40).
Por causa do exposto, o poema literário concretista se espalha sobre a página, onde o
espaço e as cores combinam com a língua.

327. É uma ilusão afirmar que a arte concretista se ocupa tão só da palavra e não da
sentença, e não do discurso raciocinativo. O concretismo também ocorre nestes
outros campos, importando saber entender como.
As artes plásticas expressam diretamente a coisa sempre como um todo, porque
operam com a mimese natural. Complementam pelo contexto tudo o mais, mesmo que
inadequadamente. Aquele que aprecia as artes plásticas e a música, vai criando os
conceitos, os juízos e os raciocínios.
Em qualquer arte, tudo depende da interpretação. Embora na linguagem pareça haver
a expressão direta dos conceitos, dos juízos, dos raciocínios, na verdade a expressão
indica os objetos. Mas como estes nos chegam através da mente, assumem o caráter
peculiar das opeerações mentais.
Acontece, entretanto, que a linguagem, em virtude de seu caráter convencional,
melhor consegue refletir este modo operacional da mente alcançar aos objetos. Ainda
que nas artes de mimese natural o objeto também é visto pela mente do intérprete
como conceito, juízo e raciocínio, este caráter operacional da mente não consegue se
fazer refletir tão bem na expressão.

Não resta dúvida que o espaço é expresso na poesia concretista, mas também este
espaço ingressa na mente como uma assertiva, e não apenas como um conceito.

328. Arte praxis. São variantes contemporâneas do concretismo a arte praxis, a arte
processo e similares.
Praxis, - termo grego internacionalmente usado já no latim, com o sentido de ação,
exercício, modo costumeiro de agir, - é a arte que expressa em estrutura de múltipla
alternativa, permitindo ao apreciador escolher a alternativa que no momento preferir.
Algo similar sempre existiu em certos joguinhos, em que os elementos permitem
construir diferentemente, ora casas, ora palacetes, enfim o que se de quiser.
Similarmente, as cartas de baralho admitem variados jogos. O mesmo
fundamentalmente permite o alfabeto, na construção de palavras. A grande
flexibilidade dos programas de computador possibilitou mais uma vez a alternância do
expressão com a manipulação dos mesmos elementos fundamentais.

329. Como movimento recente na arte moderna, a arte praxis procurou desenvolver
sistematicamente a multi-tematicidade. O que até aí se usava mais para a ludicidade, -
que é também uma das propriedades da arte, - passou agora ao objetivo mais
fundamental da arte, que é ser expressão, e ainda em prosa e poesia.
Em um Manifesto didático, Mário Chamie comentou um pós-fácio do seu livroLavra,
de 1962:
"Lá se expôs que o poema praxis é aquele que 'organiza e monta, esteticamente, uma
realidade situada, segundo três condições de ação: a) o ato de compor; b) a área de
levantamento da composição; c) o ato de consumir'. Recolocou-se, através desse livro,
a palavra numa tríplice e virtual função semiótica: semântica, sintática e pragmática"
(M. Chamie, Praxis: um quase balanço e perspectiva, na Rev. Convivium, numero
especial sobre poesia brasileira, Jul., 1965, p. 63-64).
Praxis foi também nome da revista brasileira do movimento, lançado em São Paulo,
no segundo semestre de 1962, por Mário Chamie, liderando um grupo jovem e de
esquerda.
Primeiras produções praxis brasileiras: Lavra Lavra (Mário Chamie, 1962), A
palavra (Armando Freitas Filho, 1963), A fala e a forma (Yone G. Fonseca, 1963),
Diadiário cotidiano (Antônio Carlos Cabral, 1964).
Em princípio, a praxis em si mesma não é a arte. A práxis é uma espécie de método
de a praticar pela multi-tematicidade. E então a arte é o que em cada momento
alternativo se produz. Portanto, a apreciação de valor pode incidir, na qualidade do
método praxis utilizado e na qualidade da expressão artística gerada.

330. A arte processo, como primeiramente surgiu com esta denominação, é uma
expressão de grande estrutura, em que o movimento permite a substituição de um
estrutura por outras em sucessão. Este movimento dá, portanto, origem a um processo.
O antecedente continua tendo relação com o subsequente, de maneira a formar um
todo, de cuja composição participam muitas expressões.
O princípio não é novo, mas teve novas formas de aplicação, as vezes tão variadas
que não se reúnem adequadamente na mesma definição.
O processo artístico apresenta-se com relativa facilidade na linguagem humana. Ela
não se mantém na primeira palavra, mas efetivamente é uma sucessão de palavras,
portanto um discurso, todo um tratado.
Similarmente, a música não emite apenas um primeiro som; em vez de mantê- lo
estático, segue logo para outros mais, criando composições sucessivas, cada vez mais
complexas.
Recursos técnicos poderão introduzir o processo também na expressão em cor e em
formas. O teatro, o cinema, a televisão conseguem realizar seu processo com a
mobilidade de suas figuras.
O processo é simples, quando opera com apenas uma qualidade sensível, - ou
somente com o som, ou somente com equivalentes convencionais, ou somente com a
cor, ou ainda apenas com a forma plástica.
O processo misto poderá ser simultâneo, como quando a cor e a forma plástica se de
movem simultaneamente. Ou sucessivo, como quando um texto literário é
interrompido para intercalações de ilustrações deste mesmo texto. O jornal, a revista
operam com tais maneiras processantes de expressar.

331. A arte processo, ainda que na essência cultive o que em arte sempre se se fez,
inovou pela criação de novas modalidades da mesma técnica, imprevistas, e até
radicalizadas.
Cultivando o pessimismo para com o palavra, os autores de uma nova arte processo
recomendaram outros caminhos.
No campo da simbolização a arte processo adotou o método do deslocamento de
situações, criando contextos novos, os quais passam a funcionar como símbolos sem
palavra. Ao mesmo tempo que move a estrutura da expressão, alterando-a pelo
deslocamento de uma simbolização para outra simbolização, vai criando símbolos.
Novas ideologias, sobretudo as mais radicais, podem facilitar a arte processo, porque
alteram subitamente símbolos que expressavam anteriormente outra maneira de
pensar.
Seja o número 1822, utilizado por um representante da arte processo.
Originariamente se trata de um signo matemático. Também é indicativo da
independência política do Brasil. Com sobreposições, tais como letreiros de indústrias
estrangeiras localizadas no Brasil, tudo passa a um processo que vai finalmente criar
outra simbolização, - aquela que o criador desta expressão tem na cabeça. No caso
citado exprime o nacionalismo exaltado e socialista, porque concebe o estrangeiro
como bandido, e a socialização como solução.

Novas religiões também conseguem criar facilmente uma arte processo, fazendo um
jogo por sobre as simbologias, - tão frequentes nas religiões tradicionais, - colocando-
as em choque com algum valor apresentado de maneira imprevista. Já na antiguidade,
a cruz passou a ser o símbolo dos cristãos.
Em princípio a arte processo é legítima e sempre foi praticada. Os novos
procedimentos chamaram todavia a atenção, porque passaram a ser utilizados com
mais consciência e ainda porque dela se serviram, - como se de advertiu, - as
ideologias.
333. O concretismo de gesto e linguagem. O gesto de quem fala é forma em
movimento, que acompanha a linguagem. Ocorre contudo certa distância material
entre o gesto e a linguagem, porque a aliança se dá em materiais distintos. O gesto é
do corpo, a linguagem é do som. Enquanto o gesto exprime através da forma do corpo,
a linguagem se exerce mediante simbolização sonora. O gesto fala aos olhos, ao passo
que a linguagem aos ouvidos.
O que aproxima gesto e linguagem não é apenas o paralelismo do movimento que
ocorre tanto nas formas, como nos símbolos. É também a circunstância da
coexistência no mesmo indivíduo que fala e gesticula. Ainda que não haja a mesma
coesão ocorrida no canto, que é uma aliança da música e do símbolo linguístico
(ambos são sons), a coesão de gestos e linguagem se processa contudo com notável
união.

334. Dublagem. A distância material entre gesto e linguagem permite a dublagem, em


que o gesto se atribui a um e a linguagem a outro.
Em virtude da referida distância, é possível manter as expressões plásticas, enquanto
o idioma é substituído pelo outro.
As expressões plásticas operam por mimese natural, ao passo que o idioma depende
da convencionalidade, a qual admite outros e outros códigos, que a dublagem
simplesmente alterna.

335. Expressão fisionômica. A condução do gesto ao seu rendimento total inclui


também a fisionomia. Até os olhos hão de falar visualmente.
Há indivíduos que não movem a face enquanto falam e se tornam por isso
desagradáveis. Alguns quase nem movem os lábios, tornando-se feios.
Finalmente importa estender a expressividade a todo o corpo. A roupa, por ser morta,
retém bastante a expressividade. O corpo nu, como um todo, é capaz de maior
expressividade.
Não fossem outros e outros inconvenientes, o melhor tribuno ou parlamentar seria o
político nu.
Todavia, mesmo vestido, o corpo participa da expressividade, reforçando a
linguagem.

336. Teatro e linguagem. Pelo étimo grego, teatro (de théatron) se prende ao sentido
fundamental de ver e apreciar. É este o sentido de theáomai (= ver, contemplar), de
onde deriva.
Dali se de induz que o teatro, até pelo seu nome, é uma arte visual, como
efetivamente continua a se de apresentar hoje, com formas plásticas e cores, tendo
como veículo pessoas, isto é, personagens.
Pode o teatro ser visto, ora como gênero, ora como aliança de artes.
Como gênero, o teatro se de define pelo tema, sobretudo pelo tema humano. Quanto
ainda ao gênero, ele se de redivide em vários subgêneros: drama, tragédia, comédia,
tragicomédia, autos religiosos, melodramas, ópera, teatro revista.
Entretanto o que aqui nos ocupa é o teatro como aliança concretista de artes. Esta
aliança é menor na dança, no bailado, no balé, combinados geralmente apenas com a
música. O teatro combina bastante com elementos literários.

337. O ator e o texto são essenciais ao teatro, além do público. Sempre se trata de um
todo concretista.
No ator se encontra o elemento principal, em virtude da plasticidade com que
concorre.
No texto está a arte aliada, que adere à expressão plástica principal. Sem o texto, o
teatro seria como um cenário em que atuassem apenas surdo-mudos.
Ou como no tempo do cinema mudo. O rendimento era mínimo.
No público se verifica o elemento interpretador e que sempre existe para qualquer
arte. Em sendo a arte uma expressão em objeto sensível, pode ser interpretada pelos
que a apreciam. Este intérprete extrínseco não é, todavia, essencial aos constitutivos
da arte, embora seja o motivo porque ela é criada pelo artista.

338. Importa uma certa coesão entre as muitas artes que confluem no teatro, de acordo
com a norma do concretismo em geral (vd 306). Dentre as artes convergentes uma
convém dominar, coordenando em seu torno as demais, conduzindo-as todas para o
objetivo comum.
Como convergência de muitas artes, o teatro é dominantemente uma expressão
plástica. Não é por demais insistir que no teatro tende a manter o domínio a forma
plástica, de que o eixo principal é o ator, ou personagem. As formas hão, portanto, de
expressar diretamente o enredo.
Não domina o texto literário, não obstante ser de grande valia para tornar inteligível a
ação do ator. Mas se acontece o isolamento do diálogo, inteletualiza-se o teatro,
desfigurando-se. Por mais que importe o diálogo, deverá sempre combinar- se com a
ação, - ou simultânea, ou pelo menos anterior ou posterior.

339. Cinema, televisão, e respectivas linguagens. Como artes mistas, o cinema e a


televisão se compõem antes de tudo de imagem e forma visual, podendo aliar-se à
música.
Como realização técnica, o cinema e a televisão constituem-se em dois grandes
triunfos da expressão moderna, porque combinam com a maior versatilidade todas as
artes, num concretismo maravilhoso, em que é mesmo possível dar prevalência, ora a
uma, ora a outra das artes produzidas.
No que se refere à coesão, sempre recomendável na boa aliança concretista de artes
(vd 306), o que importa é a coesão geral para o mesmo fim comum. Em princípio
todas as artes poderão com igualdade contribuir para a mesma finalidade. Todavia,
mais fácil se torna a tarefa quando se atribui a uma a tarefa principal, operando então
como eixo polarizador.
340. O cinema ordinariamente funciona como um desenvolvimento maior, mais
versátil que o teatro. Neste caso, essencialmente o cinema é uma composição de
imagens plásticas e enredo literário.
Prevalece no cinema, como seu eixo principal, a ação da imagem plástica, a qual com
versatilidade se alia à linguagem e mesmo à música.
E qual o gênero mais peculiar do cinema? Certamente o narrativo. E neste plano a
narrativa ficcional, e nas mais variadas formas, mas principalmente do conto e
romance.
Por causa de sua versatilidade em todos os campos narrativos, o cinema superou de
longe em número os gêneros operados pelo teatro.

341. A televisão e toda a sorte de imagens eletrônicas revolucionaram não somente a


capacidade de expressão, como ainda a maneira de atingir o público.
Não havendo mais limites operacionais, a expressão eletrônica precisa apenas atender,
no que concerne à aliança concretista das artes, o que de mais genérico se de requer
para a boa expressão, - a coesão dos recursos para o eixo principal da expressão.
Com referência à mesma coesão, ela se tornou tão versátil, que o próprio consumidor
pode escolher, se com mais nitidez, ou se de com menos nitidez; se com mais
intensidade de som, ou se de com menos intensidade deste som; se com mais texto, ou
se com menos texto; se somente com texto, ou se também com hipertexto; se com
texto para ler, ou se ao mesmo tempo com texto falado; se com dublagem, ou até com
tradução automática.
Eis a arte processo (vd 301), em pleno domínio do ser humano.

ART. 5-o. MULTIPLICAÇÃO MATERIAL DO ORIGINAL.

42515y342.

343. Uma expressão artística, seja de língua, seja de outra arte, sempre está
individualizada materialmente, porquanto é uma realização concreta. Há pois sempre
um original da expressão.
Todavia, o que especifica a obra artística não está no seu elemento meramente
material, e sim no elemento determinador. Neste sentido se diz reuniriem-se no ser
concreto, sua matéria e sua forma (dita neste caso maneira de ser).
Considerando que a matéria é o elemento individualizador, é possível multiplicar os
indivíduos, mantendo a mesma espécie. Assim sendo, a arte se multiplica, sem que
mude a arte multiplicada.
Posto portanto o primeiro original, os demais se multiplicam, sem que nada tenham
de inferior ao primeiro. Aquele primeiro exemplar é original apenas como indivíduo.
Por mais que se multipliquem os exemplares, multiplicaram-se os indivíduos, mas
não a espécie.

344. Recriação, ou cópia. Para multiplicar os indivíduos, importa, por parte da


matéria, o aportamento de novos materiais. Por parte da forma, apesar de continuar
igual, importa recriá-la, ainda que por simples imitação. Esta recriação por imitação é
o que se chama cópia.
Em virtude da necessidade de recriar também a expressão, ocorre a possibilidade de
que a recriação não se faça tal qual. Assim acontece que uma cópia tem a
possibilidade de ser efetivamente uma cópia, e então poderá ter igual valor na ordem
da qualidade; mas também poderá falsificar o original.
Quanto à matéria portadora acontece também algo interessante. Ela poderá ser
melhor ou pior, sem que afete necessariamente a qualidade da expressão. Se for uma
cópia em material melhor, eis quando supera o valor material do original.
Entretanto, do ponto de vista meramente histórico, o original sempre conserva a
vantagem de ser dito o primeiro exemplar, e por isso perfeitamente fiável.
Pagar mais por um original, do que por uma cópia, é principalmente uma questão
histórica da expressão. No mais, tudo não passa de pagar pela primeira individuação
material, porquanto a expressão continua a mesma em qualquer cópia, desde que
exata.

345. A reinterpretação é uma maneira mais complexa de fazer uma cópia de obra de
arte, através do processo de uma notação.
A expressão original em arte literária não está na palavra escrita, a qual ali se coloca
por meio de notações. Estas, - as notações, - constituem apenas um original virtual. O
original literário está real se encontra no som flexionado (quer emitido, quer
imaginado), o qual é portador, por convenção, dos significados. Este original literário
desaparece imediatamente, por causa da precariedade temporal dos sons da linguagem.
Numa segunda etapa, que já não é essencial, - o autor cifra seu original para um
escrito. Este também se usa denominar um original; todavia é apenas o original da
notação, ou seja, um original virtual. A leitura do original escrito é uma cópia, por
reinterpretação do texto original real transposto para a escrita.
Aliás o autor do original literário também o poderia ter transferido à tradição oral. Ou
a um gravador. Ou mesmo a um sistema eletrônico. A reinterpretaçãoocorre, toda a
vez que o original volta a se exercer como língua sonante, ou ao menos assim
imaginada. Então se individualiza como uma nova cópia do primeiríssimo original, já
inexistente.
Esta nova cópia poderá ser também um novo exemplar apenas do escrito; desta vez a
cópia é tão só do texto cifrado em palavras sobre o papel.
Semelhantemente, o original musical não está nas notações, e sim no que elas
representavam antes de serem cifradas para as referidas notações. Cada nova
reinterpretação, é como que uma nova cópia em relação ao original.
Já não se conservam as flexões daquele literato que as disse (ou imaginou dizer), nem
se conservam os sons (ou as imagens dos sons) do músico que as criou. A dinâmica
sonora é passageira, não se conservando como as formas da escultura e as cores da
pintura.
Resta senão apelar às notações, quer do livro do escritor, quer da partitura musical do
compositor. A luta então é pela reinterpretação.
A indústria melhorou notoriamente a capacidade da multiplicação dos produtos
literários e musicais.

347. O leitor diante de duas tarefas, - reinterpretar e entender. Colocado diante de um


texto literário enfrenta uma tarefa dupla, para a qual tem de estar preparado.
A primeira é a de reinterpretar a notação, pela qual reconstrói o texto que o autor
ofereceu. Para esta preparação deve estar preparado pela alfabetização.
A segunda tarefa do leitor é a de entender o texto como convenção linguística. Agora
a preparação é conhecer as convenções que instituíram a língua.
Certamente a primeira tarefa do leitor não é a mais difícil. Também o maestro poderá
ler a partitura e fazê-la ser executada.
Entretanto, poderá o leitor não entender o que o autor quis expressar com aquela
composição. Ainda que perfeitamente leia o que escritor disse, poderá ficar em
diferentes níveis gerativos de compreensão, principalmente quando o texto se refere a
intrincados temas científicos e filosóficos.
Textos distantes no tempo ainda estão sujeitos a alterações semânticas. A convenção
linguística é oscilante, e poderá ter alterações no curso dos tempos e dos meios em
que foi veiculada. A tudo importa atender o leitor.
E que de cuidados com os textos poéticos! A atenção principal não vai para o
conteúdo dos objetos expressos, as vezes em si mesmos banais; mas para o que eles
denotam associativamente.
O mesmo objeto tem sentido direto em prosa, e sentido associativo em poesia. Poderá
ser claro o sentido direto em prosa, e não mais o associativo poético.

ESTÉTICA LITERÁRIA

CAP. 3-o.

A EXPRESSÃO EM PROSA. 4515y350.

351. Introdução à expressão em prosa. Ao se definir a arte como expressão,


depressa se passa à perguntar pela prosa e poesia. Já não se cuida agora da arte em
geral, definida como expressão, ou significado; passa-se àquilo que usualmente se
denomina formas de expressão.
Didaticamente, a vastidão dos temas sobre as formas de expressão recomenda a
exposição em vários capítulos, dois para a prosa, e dois para a poesia.
Primeiramente a prosa é abordada como expressão específica, e depois pelos
seus gêneros, determinados pelos temas que exprime.
Repete-se depois o mesmo procedimento para a poesia, também para abordá- la
como expressão específica e a seguir pelos seus gêneros, determinados estes pelos
temas abordados.

352. A prosa como expressão específica. Abordando a prosa primeiramente


como um todo, - mostrando seu caráter específico de expressão direta (por efeito de
pura mimese, ainda que seja por equivalentes convencionais) , com as propriedades
decorrentes, de expressão livre, lógica, precisa; - e depois pelas suas principais
operações, resulta a seguinte sequência didática:
- natureza geral da prosa (Art. 1-o) (vd 353);
- a palavra, ou expressão oral dos conceitos (Art. 2-o) (vd 380);
- a frase, ou expressão oral dos juízos (Art. 3-o) (vd 526);
- o discurso, ou expressão oral dos raciocínios (Art. 4-o) (vd 613).

Ainda que a arte seja a expressão os objetos, e não das operações mentais, -
conceitos, juízos, raciocínios, - estas operações influenciam notoriamente o modo de
expressá-los.
Dali vem que a prosa, ao imitar os objetos (mesmo que seja só com equivalentes
convencionais) toma formas diferentes para expressar aos referidos objetos, ora à
maneira de conceitos, ora à maneira de juízos, ora à maneira de raciocínios.
Consequentemente, a divisão didática do capítulo sobre a prosa deveu tratar o
tema, ora indagando pela prosa em geral, ora pela prosa quando afetada pelas
operações mentais do conceito, juízo, raciocínio.

ART. 1-o. NATUREZA GERAL DA PROSA.

4515y353

354. Visualmente se usa perceber a diferença entre prosa e poesia, porque esta
última usa medir o verso, retornando ao começo da linha, ao passo que a prosa marcha
desimpedida.
Mas importa determinar com mais profundidade o que seja a natureza geral da
prosa:
- o que a prosa é essencialmente;
- quais são suas propriedades;
- o paralelismo da expressões mental e literária, bem como a tradução de umas
expressões em outras.

§ 1-o. Definição essencial da prosa.

4515y356.

357. Etimologicamente prosa (do latim proversus) significa que o texto não está
em verso. Como dizem os étimos latinos pro (diante, por diante) e versus (vertido,
virado, tornado), a prosa é a expressão que segue "vertida para diante,"diferentemente
do verso (versus) que retorna.
A evolução morfológica do termo se deu sucessivamente de proversus para
prorsus = (direito, reto), prosus, prosa, tudo já ao tempo do latim clássico.
Não adverte a definição etimológica, ou nominal, da prosa para o que lhe é
essencial, mas apenas para uma das propriedades que a caracteriza, - a liberdade
morfológica do texto, - em contraste com as inibições do verso.
Ainda que todas as artes exprimam em prosa, o tecnicismo prosa pertence
originariamente à arte literária, onde ele nasceu.
Pela sua origem etimológica, opondo-se à marcha visual do verso, deveria a
denominação permanecer nesta área e não passar à linguagem das outras artes; de fato
pouco acontece usar-se prosa na linguagem teórica destas outras artes - pintura,
escultura, música, - mas não deixa de acontecer vez por outra.
Todavia, pelo seu conteúdo essencial, a prosa também existe nas referidas outras
artes, porquanto também nestas outra ocorre a expressão direta, como ainda a
expressão pela via indireta da associação das imagens.
O proversus (verter-se retamente para diante) admite ser entendido mais
generalizadamente como expressão direta; não é apenas diferente do verso, mas
também diferente da expressão da associação das imagens poéticas.
O motivo, porque o termo prosa não se generalizou nas demais artes, se funda no
fato de não ocorrer nestas outras a distinção clara entre o uso, ora da prosa, ora da
poesia, tal como na arte literária. Na pintura, escultura, música se combinam
usualmente a expressão mimética e a expressão associativa, reforçando-se uma na
outra. Com mais frequência se constata o termo poesia; por exemplo poesia da música,
poesia das cores, poesia das formas.
Todavia a palavra verso está totalmente fora de uso nestas outras artes, sendo
pois uma denominação exclusiva da poesia literária. Não se diz que a pintura faça
versos, tal como se admite dizer que a pintura possa ser poética.

358. Em definição real e essencial, prosa é a expressão artística limitada à operação


que expressa pela mimese, sem apelo à associatividade. Limita-se, pois, a prosa ao
recurso fundamental da expressão.
Quando contudo a prosa se vale também da associatividade, ela se torna um
sistema complexo. Se ainda prevalecer o processo fundamental, continua a haver a
prosa, que então se denominará prosa poética, de que nos ocuparemos logo adiante.
Mas, se o procedimento visa em primeiro lugar a associatividade, a forma operacional
já será a da poesia; se restarem elementos prosaicos nesta dominância do associativo,
ocorrerá a poesia prosaica.
O que a arte primeiramente procura é articular a expressão com o tema exterior.
Esta articulação poderá limitar-se à mimese, que exprime imitando. Neste
procedimento fundamental da expressão esta exprime sem somar a associatividade.
Não importa que na literatura a mimese seja convencional. Pela convenção cada
palavra se articula com um tema do qual se torna um equivalente. E assim, de
convenção em convenção, a expressão se cria com firmeza lógica.

359. Prosa poética, poesia prosaica. A prosa pura aponta seus objetivos pelos
expedientes específicos da mimese. Em contraste, a poesia pura indica apenas as
mensagens evocativas; ainda que deva haver indicação direta de imagens, estas não
têm outra função que não a de, em um segundo tempo, despertar as imagens poéticas.
Mas, suponhamos que interessem ambas as coisas, - a imagem diretamente
indicada e as associações que esta imagem evoca. Então podem ocorrer a prosa
poética e a poesia prosaica, de acordo com o maior interesse, ora da expressão direta,
ora da poética.
Se o principal se encontra na indicação direta, ocorre uma prosa poética (ou
simplesmente prosa literária); em tal hipótese, o conteúdo prosaico domina e tem em
seu arredor o halo poético suplementar.
Se, entretanto, a imagem poética for o centro da atenção, resulta haver poesia
prosaica (ou simplesmente poesia). Concentra-se a atenção na mensagem poética; os
elementos prosaicos terão servido apenas de ocasião e oportunidade.
Frase do tipo prosa poética:

"O conturbado e obscurecido céu da filosofia contemporânea continua


movimentando-se aos estilhaços luminosos das discussões provocadas pelos deuses da
teoria do conhecimento: Husserl, Heidegger e outros. A movimentação ainda será
grande até que ocorra o raiar de um Deus verdadeiro" (Nosso Que é pensar? n. 2).

A exaltação cívica se exerce com frequência mediante poesia prosaica.


"Joaçaba, do fundo vale te levantas como pinheiro alteroso. E dilatas nas alturas
a grandeza dos teus feitos, como a ramada imponente da grande araucária" (de nossa
saudação à cidade de Joaçaba, SC).

É difícil que a frase, sobretudo a frase longa, opere apenas para efeitos
associativos; sempre resta alguma interesse no que elas significam diretamente. A
prosa está, pois, sempre oculta na poesia quer como prosa poética, quer como poesia
prosaica. Se um poeta menciona as castanheiras do tempo de sua infância, quer
principalmente as evocações, mas também um pouco diz das mesmas castanheiras que
então existiam.
360. Conceito de linguagem literária. Admite-se uma acepção restrita da
expressão linguagem literária. A linguagem é restritivamente literária quando a prosa
opera com os dois instrumentos de expressão, o denotativo e o conotativo.
Pelo denotativo a linguagem exprime o que consegue indicar com um símbolo
exato.
Pelo conotativo, alarga as áreas de expressão apelando aos recursos da evocação
associativa. Então a linguagem torna-se plena, porque usou todos os recursos e não se
limitou a alguns processos apenas. Linguagem literária indica, pois, um grau eminente
de perfeição nos recursos de expressão.
Não importa, na linguagem literária, o tema. Ainda que o apelo à linguagem
literária se exerça principalmente para certos temas, esta tendência se motiva em
razões extrínsecas.
A exposição filosófica tem razões para não usar a linguagem literária plena; não
está impedida contudo de recorrer, de quando em quando, ainda que cautelosamente,
às evocações associativas.
O estilo literário é mais frequente na exposição filosófica de Platão, que na de
Aristóteles.
Modernamente, foram bastante literários filósofos como Pascal, Nietzsche,
Bergson, Croce.
A prosa pura, sem evocação, nem por isso deixa de ser arte literária. Ela se
enquadra no conceito de arte, pois é obra sensível a veicular temas.
O que se denomina linguagem literária não é senão um grau maior da arte
literária, definida pelo recurso a todos os seus instrumentos, inclusive da
associatividade; além disto, a associatividade empresta à linguagem um grau de
esteticidade notoriamente maior.
Numa restrição ainda maior da expressão "linguagem literária", ela se diz
somente daquela linguagem que inclui a preocupação estética, no sentido de
expressão agradável.
Ela não é essencial à arte, porque apenas uma propriedade decorrente, mas que se
pode tomar em conta para uma qualificação da linguagem.
Certamente que todo artista, além da mensagem, aprecia o efeito de agrado que
ela produz. Ora, a linguagem que toma esta propriedade em conta, como objetivo a ser
alcançado, seria a linguagem literária, em sentido nobre, eminente e estritíssimo.
Por último, também se pode denominar linguagem literária toda e qualquer
espécie de poesia. Mas então o contexto já não é o mesmo, que quando chamamos a
prosa de linguagem literária; esta se denomina literária como qualificação eminente,
ao passo que em poesia, tudo é literário.

§ 2-o. Propriedades da prosa.


4515y361.

362. Caracteriza-se a prosa pelas propriedades que mais diretamente decorrem


desta forma de expressão:
- liberdade (vd 363),
- logicidade (vd 384),
- precisão (vd 365),
- paralelismo com a expressão mental (vd 368).

Ter tais propriedades, significa que a expressão, que na língua é por equivalentes
convencionais, se exerce com liberdade, logicidade, precisão, paralelismo com a
mente.
De outra parte afastam-se da prosa as propriedades típicas da poesia. Esta, a expressão
poética, não apresenta a liberdade de desenvoltura da prosa, deixando, em vez, lugar
ao brilho da associatividade; e por isso não segue somente os caminhos da lógica e
nem restringe a um círculo bem definido o conteúdo da evocação.
Uma propriedade decorre necessariamente da natureza do objeto ao qual portanto
pertence. E por isso mesmo a caracteriza. Onde estão ditas propriedades, ali de baixo,
ou atrás, ou dentro está a natureza, de que são afeito.
Efetivamente, não há separação real entre a propriedade e a natureza, da qual deriva.
A relação não é a mesma ocorrida entre causa eficiente e seu efeito. Ocorre apenas a
relação de causa formal e efeito formal, cuja característica é a presença de ambos os
elementos, ficando um o aperfeiçoamento do outro.
Quanto ao estilo, este é um elemento acidental e variável. Os graus oferecidos pelas
propriedades, eis onde está o campo principal do estilo. Não importa qual o grau em
que a propriedade se realiza; em todos os graus existe a propriedade, ainda que os
graus em si mesmos possam alternar-se. Mais liberdade no curso da expressão, ou
menos, eis uma questão de estilo. E assim também mais e menos logicidade, mais e
menos rigor, continuam sendo uma questão de estilo (vd cap. 7-o)

363. A liberdade da prosa decorre da linearidade com que a semelhança remete a


atenção para o objeto assemelhando, seja na semelhança natural, como na pintura e
escultura, seja na semelhança por equivalências convencionais, como na língua.
Em virtude da suficiência da expressão, que informa sobre o objeto imediatamente,
sem apelar a um objeto estímulo intermediário, a prosa tem, por conseguinte, esta
primeira propriedade, a de expressar livremente.
Operando por este expediente de expressão, a prosa dispensa em princípio, dos
demais processos de expressão, como por exemplo aqueles da poesia. A liberdade da
prosa é patente, sobretudo quando comparada com a poesia em verso. Então, por
contraste, logo se de reconhece o texto prosaico, sem entraves, distinto do texto
poético, algo travado.
Está dito no próprio nome prosa ( proversus = reto para frente), sem o retorno que
acontece na expressão metrificada.

364. A logicidade da prosa é aquela propriedade que decorre do fato de exprimir


temas típicos do pensamento. A prosa é a expressão dos objetos da ciência e da
filosofia bem como de todo o objeto que surja através das operações mentais, seja
através de conceitos, juízos, raciocínios.
A poesia, pelo contrário, exprime em primeiro intuito imagens sensíveis, as quais ela
evoca, por meio de objeto estímulo; sua intenção vai para o resultado resultante do
estímulo, e não para a expressão anterior do objeto estímulo. Ora tais processos
associativos não obedecem à lógica do pensar.
Também a prosa exprime objetos dos sentidos externos e da imaginação, todavia os
objetos vindos diretamente, excluídos os objetos vindos por associatividade. Estes
últimos, quando vindos por associatividade, se comportam alogicamente. Mas
assumem caráter lógico na expressão em prosa.
Enquanto as imagens se de encontram no interesse imediato da poesia, na prosa
aprecem sempre claramente os conceitos, os juízos e os raciocínios.
Os objetos estão postos na relação, ou de sujeito, ou de predicado. Não acontece o
mesmo na poesia, que visa imagens sensíveis. Quando o poeta adensa as afirmações e
até mesmo raciocina, já está agindo para o campo lógico da prosa. Ainda que pratique
também a prosa, o poeta não a visa em si mesma, e sim os objetos, a partir de cujas
imagens quer gerar associações, e por vezes até para ordenar as referidas associações.
A coerência, a sistemática, a metodológica são peculiares à prosa. O prosador, ao
conceituar analisa e classifica; compõe e define. Ao constatar, sintetiza, criando juízos;
analisando o juízo explícito, põe a descoberto o implícito.
Continua o prosador, raciocinando: pela análise dos fatos singulares, infere o que
neles há de geral ou comum; depois, pela síntese, deduz novas conclusões, arrolando
sob conhecimentos gerais novos casos particulares. Ocorre nisto uma lógica interna de
sucessões, em que a ordem é a das evidências (explícitas, implícitas, virtuais), que
muito diverge das conexões associativas das imagens da poesia.
Morfologicamente o aspecto geral, pelo qual a prosa se apresenta como texto lógico,
se manifesta pela presença sobretudo das conjunções, as quais exprimem
enfaticamente as conexões dos objetos pensados.
São típicas do raciocínio as partículas: ora...; ora pois...; porque...; logo... Ou
expressões como: por conseguinte...; em consequência ... com efeito...; em virtude
de...

365. A prosa uma linguagem precisa, eis mais outra de suas propriedades,
completando a liberdade e a logicidade.
Dito mais amplamente, a prosa apresenta de modo eminente a propriedade
gnosiológica de toda expressão: ser evidente!
Como o conhecimento deve ser evidente, também a expressão da língua tem de sê-la,
com o que finalmente passa a ser precisa.
A evidência perfeita é clara em si, distinta de outra.
Reduzem-se a estas duas propriedades da evidência, - clareza e distinção, - algumas
de suas várias nuances: exatidão, rigor, precisão. Sobretudo a precisão se usa ao se
fazer advertência de que a prosa é precisa, em contraste com a poesia.
A evidência clara e distinta é o critério da verdade.
Pela evidência é possível saber, se a expressão é verdadeira, sobretudo pela evidência
clara e distinta.
Ser verdadeira significa estar na expressão anunciando aquilo que se encontra no
objeto do qual é expressão.
Todo este leque de propriedades também deve ocorrer na poesia, porquanto se trata de
expressão de algo; requer alguma evidência, sem o que nada dirá.
Todavia esta evidência não se destaca como exata; não é rigorosa, nem vigorosa,
sobretudo não é precisa. Tais nuances pertencem sobretudo à prosa. A poesia, apesar
de alguma evidência, não é peculiarmente uma evidência clara e distinta; ela aspira
ser clara e distinta, mas não consegue sê-lo como acontece com a prosa.
Por isso não se de atribui à poesia o mesmo grau de seriedade, que à prosa.
Por que esta maior precisão da prosa? Ela decorre da linearidade com que a expressão
encaminha a atenção diretamente para o objeto expresso, diferentemente da poesia
que encaminha esta atenção indiretamente através de um objeto estímulo de imagens a
associar.
A linearidade da expressão direta para o objeto é a mesma que gera a propriedade da
liberdade da prosa, antes mencionada (veja n. 202). Em vista da indicação direta das
coisas significadas, sem tumultuar-se com o sistema associativo da poesia, a prosa
tem também condições de conseguir expressar com precisão gnosiológica superior à
da poesia. E é o que se pode constatar de fato.

366. Comparada com a prosa em outras artes, a prosa literária é superior em várias
aspectos.
Esta superioridade relativa da prosa literária se deve ao fato de sua natureza
convencional, que permite a criação fácil de equivalentes para a universalidade dos
objetos.
Embora as artes de mimese natural, como a pintura e a escultura, disponham de
expressões rigorosamente iguais aos objetos expressos, porque cores e formas poderão
ser encontradas com perfeito paralelismo, tal mimese não ocorre senão em certa linha
de objetos, diminuindo progressivamente na expressão de outros.
Na língua os equivalentes convencionais são viáveis do mais concreto ao mais
abstrato. Com os recursos da língua nos ocupamos com os mais diversos ramos da
ciência de que a filosofia e a matemática são exemplos admiráveis e que não se
repetem nas demais artes.
A estrutura gramatical permite sistemas de expressão de acordo com as classes de
objetos. Uns termos exprimem à maneira de substantivos, enquanto outros como
pronomes, adjetivos, verbos, advérbios, preposições, conjunções, interjeições, além
das variações morfológicas para indicar tempo, número (singular, plural), como toda
uma gama de sufixos e prefixos.
Uma língua bem feita supera em muito as demais artes, no que se refere à expressão
em prosa. Se isto não bastasse, a língua ainda se pode aliar com versatilidade a
qualquer arte, como acontece no canto, teatro, cinema, televisão. A língua é, pois, o
instrumento por excelência da precisão de expressão.

§ 3-o. Paralelismo das expressões e tradução de umas em outras.


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368. O paralelismo entre a expressão verbal e a expressão mental é uma notória
propriedade da arte em geral.
Este paralelismo poderá ser concebido de duas maneiras fundamentais.
Uns, por exemplo Locke († 1704), acham que a língua expressa pensamentos, e não
diretamente os objetos. Eis a teoria ideativa la linguagem.
Outros, - com mais probabilidade de estarem certos, - julgam que a língua expressa
imediatamente aos objetos.
Esta segunda hipótese se baseia no princípio de que toda e qualquer expressão é
sempre expressão com intencionalidade dirigida ao objeto ao qual se assemelha, como
decorrência da teoria da mimese. Só em sentido material se pode dizer que a língua
exprime pensamentos, conceitos, noções (vd 187) (vd 375).
Dali decorre também o paralelismo das expressões e tradução de uma em outras.
Ocorre mesmo o paralelismo entre expressão mental e expressão artística, sobretudo
entre a mente e a língua.
Este paralelismo entre a mente e a arte da língua se dá até na distinção das operações
mentais do conceito, juízo, raciocínio, que se refletem tais quais para dentro dela. Sem
atender à distinção entre as maneiras fundamentais com que se dá o paralelismo, bem
como de suas subdivisões, a linguística não consegue se desenvolver com precisão.

369. Por ordem, três momentos revelam o paralelismo da expressão mental e da


expressão artística.

a) Começa o paralelismo a se manifestar na terminologia, porque tendemos a


denominar com os mesmos nomes, coisas coincidentes.
O pensamento é uma expressão. Diferencia-se como expressão imanente, isto é,
como interna à mente. Há uma expressão conceito, uma expressão juízo, uma
expressão raciocínio.
A arte, que também é uma expressão, diferencia-se como expressão exterior,
expressão material, expressão sensível exterior; aliás diz-se material aquilo que
se oferece como que exteriormente aos sentidos.
Neste plano exterior há uma expressão em cor, uma expressão em forma
plástica, uma expressão em sons musicais, uma expressão em equivalentes
sonoros convencionais, como a palavra. Mas restam sempre as coincidências,
de tal sorte que o paralelismo nas mesmas denominações se torna inevitável.
O paralelismo é tal, que no falar comum se tomam uns termos pelos outros,
ainda que uns se refiram mais apropriamente às expressões mentais e outros, às
expressões da arte.

b) Continua a haver o paralelismo entre a mente e a arte, quando se trata de


explicar a expressão como instrumento que opera mediante semelhanças (ou
mimeses), porque esta explicação cabe em todas as espécies de expressão. As
semelhanças são equivalências, porque umas acusam às outras. Há as
equivalências por semelhanças naturais, como na pintura e escultura, e as
equivalências por convenção (por um código) como na língua.
Esta mimese vai provar que a expressão é sempre de um objeto ao qual se
assemelha, e não expressão simplesmente de idéias ou pensamentos. Não há,
pois, expressão de expressão, mas expressão dos objetos, porque as expressões
são semelhanças com estes objetos.

c) Mas o paralelismo entre a expressão mental e a expressão da arte se


estabelece principalmente, porque a primeira expressão, cronologicamente
anterior à de qualquer expressão artística, mesmo à linguagem, é a expressão
mental.
Ainda que toda a expressão expresse sempre um objeto, este começa por ser
conhecido pela expressão imanente, seja da sensação, seja da inteligência. Não
significa todavia esta prioridade cronológica da mente, que a expressão artística,
inclusive da língua, seja expressão de conhecimentos.
Como ainda se de poderá explicar, ocorre uma transposição de expressão para
expressão, sem que cada uma deixe de expressar primeiramente o objeto.

d) O paralelismo da expressão mental com a expressão artística se acentua


especialmente na linguagem. Esta, em virtude de seu procedimento mediante
equivalências convencionais, consegue expressar adequadamente as diferentes
faces do objeto, como a mente as consegue apresentar.
A mente, além de tratar o objeto em três operações - conceito, juízo,
raciocínio,- ainda consegue apresentar o objeto, ora como síntese de partes, ora
como análise das partes. Sobretudo o conceito, através da análise, apresenta as
diferentes perspectivas abstratas do objeto. Em consequência, a língua
consegue apresentar seus objetos, graças ao trabalho apresentador prévio da
mente, ora concretamente, ora abstratamente. Não acontece o mesmo com igual
desenvoltura nas expressões das demais artes.

370. Metodologicamente o acentuado paralelismo entre língua e pensamento é


constatado pela linguística, que é uma ciência (ou tecnologia) experimental.
Na verdade, a linguística se conduz pelos métodos experimentais, mas não é a língua
um fenômeno meramente experimental.
Tal como o pensamento não é apenas lógica, a língua não é apenas o que dela sabe a
linguística.
Somente a especulação filosófica em torno da natureza da expressão, quer interior,
quer exterior, explica plenamente o paralelismo das expressões.

371. Tradução, transposição, transcodificação. É possível substituir um significante


pelo outro, de tal maneira que a expressão passe a ter um novo significante portador.
Em princípio, a tradução, transposição ou transcodificação, busca dar uma nova
posição ao conteúdo expresso, ainda que nem sempre se consiga tudo rigorosamente.
As alterações que possa haver se deverão à diferenças de capacidade do novo
significante. Por vezes também variam os recursos, sem que se altere a mensagem. O
que o novo instrumento não significa diretamente, poderá expressá-lo contudo através
do contexto.
O ideal da boa transposição, tradução ou transcodificação, é atingir a mais perfeita
passagem da expressão para o novo portador.
Importa aprofundar a natureza da transposição de uma expressão para outra, com
vistas à perfeita compreensão do paralelismo que acontece entre a expressão mental e
a expressão verbal.
Dentre todas as transposições, a mais importante é a que se dá da expressão mental
(pensamentos e sensações) para a expressão verbal (palavras, frases, discursos), bem
como para as expressões das demais artes (pintura, escultura, música).
A expressão mental independe geneticamente da arte, ao passo que a da arte depende
da mental. É que os objetos se fazem conhecer primeiramente pelas sensações e
inteligência, depois pela expressão em obra de arte.
De uma parte ocorre um paralelismo distante, porque a expressão mental é psíquica,
imanente. Os pensamentos são peculiarmente imanentes sem qualquer relação direta
com o mundo exterior.
As sensações dispõem pelo menos da conhecida exterioridade material; operam com
órgãos corporais, e que se podem tratar fisicamente, enquanto se relacionam com
fenômenos físicos; mas a sensação , como sensação propriamente dita, é uma
consciência especificamente distinta daqueles fenômenos físicos.

A expressão artística é totalmente física e não tem consciência de si mesma; exerce-se


de como expressão apenas quando interpretada exteriormente, isto é, por outrem, em
cuja mente vai nascer a informação que ela traz.
A interpretação consiste em perceber que a referida semelhança (havida nas expressão
artística) informa sobre o objeto ao qual se assemelha (seja por semelhança natural,
seja por semelhança de equivalência convencional).
Pelas descrições das mais variadas espécies de expressão, mesmo quando muito
distanciadas, como a mental e a artística, constata-se invariavelmente que a
interpretação resulta como efeito de alguma semelhança entre a expressão e o objeto,
e que em consequência se torna viável a transposição de uma expressão para a outra.

372. Embora o paralelismo entre as expressões seja muito distante, é contudo o


suficiente para que uma se possa transpor para a outra; poderá traduzir-se a expressão
mental (que informa sobre um objeto) para a expressão artística (que passa a também
informar sobre o mesmo objeto).
Por exemplo, o conceito informa sobre o herói; também a estátua informa sobre este
herói; ainda a palavra informa sobre o mesmo. Em cada caso ocorrem os linhamentos
essenciais à expressão e que por isso podem comutar-se.
Se na mente e na língua acontecem expressões essencialmente idênticas, isto quer
dizer, primeiramente, que o pensamento dirige a intencionalidade para um objeto, e
também a língua orienta para um objeto; ainda que o pensamento se diferencie como
um significar imanente, e a língua como um significar exteriorizado na voz oral,
ambas são expressões a significar algo.
Em segundo lugar, o fato de serem expressões implica em um paralelismo ainda mais
profundo, derivado do próprio sistema. As artes mantêm um certo paralelismo com o
pensamento, porque fundamentalmente o processo da expressão, existente na arte e no
pensamento, se dá em ambos os casos mediante mimese (ou mediante semelhança
natural, ou semelhança por equivalentes convencionais).
Ora, expressando o mesmo objeto por meio de semelhança, devem as expressões (da
arte e do pensamento) ter também semelhança entre si. Sendo as expressões iguais a
um mesmo terceiro, deverão ser iguais entre si e transponíveis.

374. Transposição de uma arte para outra arte. São menos espetaculares as
transposições que se procedem de uma arte para outra.
Pinta-se a guerra, põe-se a guerra em escultura, até mesmo a música indica o fragor da
batalha.
A estátua de Lacoonte exprimiu nas formas do mármore, o que a narrativa literária
expressou sobre Tróia sitiada. Discutiu Lessing qual das duas expressões foi a anterior
e qual a transposta.
As traduções de uma língua para outra são transposições frequentes, que bem
mostram como a significação se mantém, enquanto o significante, ou portador
material, é substituído. Resta sempre nas traduções a referência ao objeto, que não é o
pensamento subjetivamente, mas o pensamento enquanto conteudisticamente
encaminha a mente interpretadora àquele objeto.
Também os códigos são transponíveis de um ao outro, num processo denominado
transcodificação. Esta denominação é específica para a transposição de um código ao
outro. Mas, por analogia, podemos dizer que a tradução de uma língua à outra é uma
transcodificação.
Conforme convém advertir e sempre repetir, não é correto dizer que a transposição de
uma arte à outra é fazer uma arte expressar a outra arte. Então uma arte seria o objeto
da expressão da outra, como se disséssemos arte da arte, ou mesmo expressão da
expressão. Seria como se numa tradução de língua, disséssemos que fizemos a língua
da outra língua.
O correto é afirmar que a tradução expressa, por meio de uma nova espécie de código,
os objetos expressos pela referida outra arte.

375. A língua indica os objetos e não as idéias da mente (vd 368). Como estabelecer a
prova direta de que a expressão artística, portanto a língua inclusive, indica a objetos e
não as idéias da mente?
Para decidir a questão, começa-se estabelecendo, porque o paralelismo acontece e
como acontece. Este porque acontece deverá ser buscado na essência da expressão
como mimese.
A prova é fácil com referência às artes que operam como semelhanças naturais, como
a pintura, escultura, música e todas as formas mistas delas derivadas, como teatro,
cinema, televisão.
Aparentemente a prova é mais difícil em relação à língua. A semelhança remete para
o assemelhado, e este é um objeto. Eis tudo provado.
Se, por exemplo, se traçarem sobre a tela as linhas de uma ponte, estas linhas têm uma
semelhança natural objetiva com a referida ponte, o objeto com o qual as linhas se
assemelham.
É preciso má fé para dizer que tais linhas expressam apenas a idéia de ponte. A
semelhança natural das linhas do desenho encaminham por si só ao apreciador à
identificar a expressão da ponte.
Por vezes surgem linhas e formas em objetos da natureza, que o indivíduo interpreta
como expressão de objetos inusitados naquela circunstância. Por exemplo, um morro
que tenha a forma de um lombo de cachorro, poderá advertir ao apreciador a
simplesmente denominá-lo Lombo de Cachorro. A forma semelhante criada pelo
desenho não se criou como expressão de uma idéia. Ocorre uma semelhança natural
entre o referido monte e o lombo de cachorro. Não expressou o desenho uma idéia,
mas simplesmente o objeto.
Na língua é mais fácil imaginar erroneamente, que a expressão oral seja a expressão
de uma outra expressão, a mental, por isso denominável expressão- objeto. Qual a
razão dessa ilusão tão fácil e frequente?
A capacidade da língua para o estabelecimento de equivalentes para muitas
perspectivas do objeto, permite apresentar tanto o objeto concreto, como suas partes
abstratas. Todos os objetos apresentados pelos conceitos, a língua os pode expressar
pela simples criação de equivalentes, ou seja pela palavra.
Finalmente, a língua pode ordenar seu sistema de expressão mediante equivalentes,
criando uma ordem sintática das palavras, a fim de expressar os objetos, como surgem
através dos juízes e dos raciocínios.
Nada, pois, na língua é expressão direta da mente, mas sempre dos objetos, que a
mente permite encarar em partes.
376. Em resumo, a teoria da mimese, fundada no princípio de que as qualidades,
possuem semelhantes, graus e contrários, explica a expressão, e ainda prova que a
expressão indica diretamente objetos. Estes são precisamente aqueles objetos com os
quais a expressão se assemelha.
Para insistir mais ainda entre o paralelismo do pensamento e a língua voltamos a
lembrar a natureza da expressão como mimese. Qualquer seja a mimese, natural ou
convencional, a relação entre a expressão e o objeto se dá de maneira muito íntima, na
ordem da causa formal. Esta relação seria menos apertada se ocorresse na ordem da
causa eficiente (veja cap. 1-o).
Na ordem da causa eficiente, como na relação entre fogo e fumaça, os termos poderão
distanciar-se fisicamente um do outro e admitem serem muito diferenciados.
Todavia não é por este procedimento pela ordem da causa eficiente que uma
expressão opera. O significado não brota como se fosse o efeito de uma causa
eficiente.
Mas se fosse, poderíamos imaginar que a expressão mental e a expressão linguística
poderiam distanciar-se mais entre si.
Ocorrendo todavia uma relação na ordem da causa formal, os efeitos se prendem
intimamente às suas causas. Se, então, as expressões indicam o mesmo objeto,
deverão manter entre si um paralelismo. Se as expressões são semelhantes ao objeto,
deverão ser semelhantes entre si, portanto paralelas, aproximando entre si todas as
expressões artísticas e mesmo as mentais.
Poderíamos exagerar o paralelismo entre pensamento e língua?
Aristóteles e os lógicos medievais cuidaram da língua como algo muito paralelo ao
pensamento. Teriam exagerado?
Certamente não, se se tomar como ponto de partida que uma língua é definida como
expressão fundada na mimese, ainda que seja por convenção, como em um faz de
conta que... Então a língua expressa objetos, tal como a mente também expressa
objetos.
Mas, se se tomar como ponto de partida que a língua é apenas um sistema de reflexos
condicionados, ou seja como um comportamento (behavior). Então certamente não se
poderá aceitar um paralelismo mais profundo entre pensamento e língua. Não
funcionaria a língua como expressão com significados resultantes de uma
interpretação da mimese; já não se trataria de interpretar uma semelhança para dirigir
a atenção intencionalmente a um objeto, mas de reagir por associatividade de imagens,
ou muito menos, como nos reflexos condicionados. Para esta maneira de definir a
língua, o paralelismo entre pensamento e língua não seria mais que ocasional.
Conforme já estabelecido (cap. 1-o), há um real paralelismo entre a expressão mental
e a língua, sobre a qual não exageramos tão facilmente. Atentos a este paralelismo o
estudo progredirá por certo.
Por causa desse paralelismo se cria todo um sistema morfológico diacrítico, em que os
semantemas e morfemas ajustam a palavra às classes de conceitos. Mesmo quando a
polissemia diminui a número de palavras frente aos objetos conceituados, a própria
polissemia se justifica no paralelismo.

377. Em acepção imprópria a língua expressa pensamentos. Apesar de a língua não


expressar diretamente os pensamentos (conceitos, juízos, raciocínios), admite-se
contudo, - por brevidade e por acepção imprópria, - que se diga, que os expressa.
Não é, pois filosoficamente e nem linguisticamente incorreto dizer, que a língua
expressa pensamentos, conceitos, juízos, raciocínios, desde que mantido o contexto,
sobre qual dos sentidos está em uso. Assim se procedendo previamente sobre a
duplicidade de sentidos, dizer-se que a língua expresa pensamentos, não induz a erro.
Aliás, pode-se distinguir entre sentido formal da expressão (que é o seu sentido como
expressão) e sentido material (que é o objeto ao qual se refere). Em tal distinção, aliás,
se apóiam expressões due dizem - o conceito formalmente, o conceito materialmente.
As palavras exprimem noções, as quais são tomadas em sentido, ora formal, ora
material.
Todo o objeto diretamente expresso pela arte é ao mesmo tempo expressão da mente.
Para nós, efetivamente, nada existe, senão através de uma informação que atravessa
pela mente. Portanto, não há expressão artística que, por coincidência, não tenha a sua
expressão mental paralela. A expressão artística não é senão a expressão do objeto,
mas, por coincidência é também expressão da mente, ainda que não tenha esta
intenção.
Para advertir sobre esta diferença, se alonga a frase, para dizer com mais ênfase:
- a língua é a expressão do objeto da expressão mental (ou expressão do objeto da
mente), expressão do objeto do conceito, expressão do conteúdo do juízo (expressão
do que o juízo expressa), expressão do que a mente raciocina, expressão do resultado
da indução ou da dedução.
Assim mantém-se claro que a linguagem expressa objetos e não conhecimentos; ou
seja, exprime os objetos dos conhecimentos.
Além disto a transposição, tradução, transcodificação em muito se assemelham com a
verdadeira expressão do objeto. Em consequência, conforme o contexto, usamos os
mesmos termos, ora em sentido próprio, ora em sentido impróprio.
Por exemplo, diz-se que a mente traduz para uma imagem mental o que o objeto é;
neste uso a palavra "traduz" está em sentido impróprio, porque significa "exprimir".
E assim inversamente exprimir poderá significar traduzir, e então dizemos
corretamente, mas com a palavra em sentido impróprio, que a língua exprime o
pensamento (isto é, o traduz).
378. Para a compreensão total das nuances, que interferem no jogo dos significados,
importa ainda atender a dois termos no conceito, e em qualquer expressão:
- o termo intencional interno (termo I), que é a semelhança,
- e o termo intencional externo (termo II), que é o assemelhado.
O termo externo é o objeto independente, ao qual a expressão contida no termo
intencional interno se refere.
O conceito formalmente é o mesmo conceito enquanto limitado ao termo intencional
interno (termo I).
O conceito materialmente, é o objeto externo (termo II), ao qual se refere o termo
intencional interno da expressão.
A língua e qualquer expressão artística se compõem, tanto do termo intencional
interno, quanto do termo intencional externo. A semelhança contida na expressão
(Termo I) se assemelha efetivamente com o termo intencional externo (termo II).
Portanto, a expressão da mente, da língua e de qualquer arte chega até ao termo
externo através do termo intencional interno.

ART. 2-o. A PALAVRA COMO EXPRESSÃO DE SENSAÇÕES E


CONCEITOS.

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381. Mostradas as características da expressão em prosa, vista esta em geral, importa


a seguir mostrar como ela se desenvolve nos casos particulares dos diferentes modelos
de objeto.
Como se sabe, os objetos são atingidos primeiramente pelas faculdade de
conhecimento, e por isso eles surgem afetados por este modo de serem atingidos, o
que finalmente vai afetar também a expressão da língua.
O que por primeiro importa advertir neste paralelismo da mente e da língua, é a
divisão em conhecimento sensível e conhecimento inteletual. A primeira grande
divisão de objetos é operada pelos dois níveis das faculdades de conhecimento, -
sensível e intelectual. Consequentemente, a língua exprime aos objetos divisivamente,
quer como se oferecem pelas sensações, quer como pela inteligência.
Mas, num e noutro ocaso ocorrem várias operações, as quais tudo complexificam.
A simples imagem do objeto é captada pelos sentidos externos (em número de cinco),
e logo transformada em imagem interior pelos sentidos internos (imaginação e
memória), e depois também também transformada ao seu modo inteligível, pelas
operações da mente, em conceitos, juízos e raciocínios.
Há pois a ter sempre presente estas estrutura geral do processo de conhecimento,
através do qual chegam a nós os objetos, que a linguagem exprime exteriormente, em
palavras, juízos, raciocínios.
Dada uma ordem didática aos objetos como são apresentados, recomenda-se a
exposição primeiramente apenas das imagens da sensação e dos conceitos, que são
expressas pela palavra (tema do presente Art. 2-o, da expressão em prosa), deixando
para depois os objetos como surgem no juízo, expresso pela frase (vd 526), e no
raciocínio, expresso pelo discurso (vd 613).
Quanto à palavra, requer também uma exposição ampla, e que didaticamente envolve
os títulos de parágrafos como:
- da palavra como expressão de objetos (vd 382);
- da morfologia da palavra (vd 389);
- expressão contextual da palavra (vd 397);
- expressão dos conceitos pelos respectivos modos de predicar (vd 451);
- expressão dos conceitos vistos pelos seus conteúdos, classificados em modos gerais
(transcendentais) e especiais (categorias) (vd 479).

§ 1-o. Da palavra como expressão de objetos.


4515y382.

383. Introdução à palavra. É vasto o estudo da palavra. Mesmo sobre a palavra em


geral, tudo ainda continua vasto.
Em síntese, os objetos dos conceitos são expressos por meio de dois instrumentos: a
palavra, com sua morfologia, dividindo-a em semantema e morfema, e o contexto,
que a complementa.
Didaticamente tudo principia pela palavra, sem ainda considerar seu importante
complemento contextual.
Diferencia-se claramente a palavra, expressando os objetos dos conceitos, da frase e
discurso, referentes respectivamente aos objetos do juízo e do raciocínio
Os objetos dos conceitos se combinam com os objetos dos sentidos. A complexidade
da palavra já principia com os objetos dos sentidos, os quais os oferecem através de
cinco sentidos externos e dois internos (imaginação e memória). Por sua vez os
objetos dos conceitos surgem divididos pela abstração em pontos de vista por vezes
bastante distintos.
Eis a sequência, que vai dos sentidos externos, aos internos, finalmente ao
pensamento:
- vê-se a cor (sentido externo da vista),
- imagina-se a cor,
- pensa-se a cor (conceito de cor, primeira operação mental).
Outro exemplo:
- ouve-se o som (sentido externo do ouvido),
- imagina-se o som (sentido interno da imaginação),
- pensa-se o som (conceito de som, primeira operação mental).

384. Expressão das imagens sensíveis e conceituais. Com que recursos (instrumentos,
expedientes, técnicas), expressar oralmente aos diferentes objetos apresentados pelos
processos cognoscitivos, em particular pelos processos anteriores aos juízos e
raciocínios?
A mesma palavra costuma significar todos os níveis de conhecimento sensível externo,
interno, intelectual, quando se trata da imagem de um objeto específico. Por exemplo,
cor é nome para o mesmo objeto, apresentado três vezes, - como sensível externo,
sensível interno e inteligível conceitual. Não obstante pode ocorrer a abertura de um
leque de palavras para expressar nuances, decorrentes de tais diferenças de faculdades.
O que determina a escolha das palavras somente poderá ser a experiência, que testa o
sistema de elementos capazes de realizar a expressão oral referida. A verificação
experimental, - tem-se que advertir sempre, - é o método da linguística.
Importa destacar que a linguística não é uma filosofia, mas uma ciência positiva.
Precisa-se estar sempre atento a esta linha divisória, para que a sistemática
argumentativa das provas se faça com segurança. A língua é uma técnica, ora a
técnica é um fluxo de elementos que conduz a resultados. Só um teste experimental
pode determinar quando coisas materiais funcionam num sistema na ordem do fazer.
De outra parte, a linguística, como ciência experimental, não consegue determinar
tudo sobre a língua, porquanto a expressão como expressão escapa à experimentação
direta.
Enquanto a linguística pratica uma ciência experimental, poderão ocorrer elementos
filosóficos embutidos. Sobretudo a estes nos importam neste instante. Ainda que de
passagem se faça linguística, teorizando sobretudo sobre seus aspectos mais gerais,
onde se desenvolve em paralelismo com o pensamento tratado pela lógica, trata-se
diretamente dos conceitos em si mesmos, em especial suas classificações.
Ora, estes são assuntos filosóficos, em virtude de seu caráter não experimental.
Referimo-nos aos conceitos enquanto apresentam objetos, pois é a objetos que
qualquer expressão se refere.
E por que classificar conceitos? Ao se estabelecer uma morfologia diacrítica, o que
exatamente se tem em mira é referir aos objetos enquanto estão dentro de uma classe.
Ora, estabelecer estas classes não é função direta da linguística (ciência experimental
e técnica), mas da lógica (ciência filosófica).

385. Palavra e conceito são paralelos, começando tudo porém pelo conceito. A
palavra não expressa ao conceito,- importa advertir sempre, - mas ao objeto dado a
conhecer pelo conceito; este, o conceito já vinha antes combinado com os sentidos,
dos quais recebe os conteúdos para conceituar. Há uma transposição do conceito para
a palavra, porquanto o objeto é, cronologicamente, expresso primeiro pelo conceito.
Por isso, tem-se por trás das palavras, os conceitos.
Que é conceito precisamente? O conceito é o elemento mais simples do pensamento,
no qual comparece desde o início como parte do juízo.
O conceito é dinâmico, pois se exerce como uma ação, que tem um começo e se
estabelece finalmente como imagem acabada do objeto. Por isso, o conceito é dito
também uma operação mental. Igualmente, são operações mentais o juízo e o
raciocínio; no juízo os conceitos se afirmam e no raciocínio os juízos se coordenam
para produzir novos juízos. Mas, fiquemos concentrados agora apenas na natureza do
conceito.
Define-se o conceito como imagem mental do objeto, visto sob a perspectiva de ser.
As outras percepções e imagens são sensíveis, destacando-se a visual. O sensível é
sempre situado espacialmente; como que de fora, as imagens estão na fantasia e
memória (ou subconsciente). a imagem mental do conceito não tem caráter espacial.
Ela simplesmente enuncia o objeto em termos de verbo: ela é.
Não há conceitos isolados; estão sempre como elementos integrados no juízo, onde se
exercem, ou como predicado, ou como sujeito, e que se unem pela afirmação ou se
separam pela negação.
A rigor, negação é uma espécie de afirmação; afirma a negação o que não é.

386. A palavra como expressão do objeto de um conceito. Como expressar


linguisticamente o objeto de um conceito? Pela palavra e seu contexto.
Evitando a excessiva multiplicidade das palavras, elas se racionalizam com o auxílio
de morfemas e partículas. Em qualquer caso ela sempre é a palavra.
O contexto completa mais vastamente ainda os recursos da palavra, porque opera pela
lógica interna do objeto.
Dá-se o nome de palavra à expressão que traduz oralmente o objeto de um conceito.
Bastam alguns fonemas, e já se tem uma palavra.
Multiplicam-se as palavras, - como se adiantou, - pela disposição diversificada dos
fonemas: Eva, ave, Roma, amor, etc.
Exteriormente a palavra se distingue da frase, que expressa ao objeto como é
apresentado pelo juízo.
Importa considerar a esta altura, que a forma natural do pensamento é o juízo,
especialmente o juízo que enuncia uma experiência. Toda a experiência é um juízo
sintético, que une, afirmando, um predicado a um sujeito; por exemplo, a porta é
branca. Os conceitos são partes do juízo. Pode-se admitir, embora sem tanto rigor, que
a frase é a forma natural da língua.
Em consequência da palavra possuir relações externas, como parte da frase, há
também a tratar dessas relações da palavra com a frase. Disto cuida a sintaxe(vd).
Os elementos linguísticos da sintaxe podem ser inseridos na própria morfologia da
palavra como na declinação de que o acusativo é muito característico.
Mas os efeitos sintáticos também podem ser manifestos exteriormente por outras
maneiras. A ordem direta (primeira colocação para o sujeito) e ordem direta (primeira
colocação para o predicado) produzem este resultado, se forem expedientes
estabelecidos pela convenção que cria a linguagem.
Destas relações externas cuida o título que trata da morfologia da expressão
linguística do juízo (vd), ou seja dos objetos enquanto se apresentam sob a forma de
afirmação e de negação.

§ 2o. Morfologia da palavra, semantema, morfema.


4515y389.

390. Racionalização do número de palavras. Os objetos a expressar apresentados


pelos conceitos são muitos, o que seria um problema, se fosse preciso para cada um
seu nome próprio.
Sem a racionalização, no modo de estabelecer as palavras que expressam conceitos, a
língua se formaria como um sistema linguístico sequencial (ou linear) numa sequência
quase sem fim de expressões. Seria como se fossem numerados sequencialmente os
conceitos e se lhes desse um número de referência. Talvez mais de um milhão de
cifras equivaleria a uma língua sequencial.
Certamente uma língua sequencial (isto é, sem classificações ou sem racionalização)
fugiria à realidade.
Com base ba realidade, o pensamento obedece a um sistema, em que há operações, e
classes em cada operação:
- há operações conceituais e classes de conceitos;
- operações judicativas e classes de juízos;
- operações raciocinativas e classes de raciocínios.
Uma vez que os objetos, ou respectivos conceitos, estão distribuídos em classes,
começa a oportunidade da racionalização pela criação de nomes comuns, além de
outros expedientes de racionalização. Tudo junto, é o que se de denomina gramática.
Efetivamente, se constata pelo uso em línguas existentes, mas também em laboratório,
que a língua pode expressar aos objetos racionalizadamente, levando em conta as
classes conceituais a que pertencem. Então uma palavra fundamental, pela sua
morfologia, poderá servir a um grupo similar de objetos.
A perfeição da racionalização linguística importa em um conhecimento relativamente
meticuloso das classes e de todo o seu comportamento, - o que tudo vem a ser uma
tarefa muito complicada.
As línguas resultantes do saber empírico atingem em parte este conhecimento, e por
isso alcançam um certo nível de aperfeiçoamento, dali resultando as línguas chamadas
naturais. Um esforço maior dos linguístas poderá atingir resultados melhores, quer
aperfeiçoando as línguas naturais vigentes, quer partindo para um projeto inteiramente
novo, o da língua planejada.
Para planejar uma língua, precisa-se primeiramente conhecer as classes de objetos e
todo o seu comportamento no processo da formação da linguagem.
Inversamente, para o usuário eficiente da língua, ela deve poder reconhecer os
procedimentos veiculados pela convenção linguística.
Paradoxalmente, o homem simples é mais capaz de utilizar uma língua perfeita, do
que uma complexa máquina mal estruturada, como costuma ser a sua língua vernácula
empiricamente criada no curso do do tempo.

391. Raiz da palavra. Construída a palavra com um elemento fundamental, ao qual


se atribui significado comum a uma classe de objetos, - principia a racionalização da
linguagem, uma racionalização que poderá ser levada ao requinte.
Ordinariamente o sistema gramatical adota para a formação das palavras comuns um
elemento principal, denominado raiz (ou radical), que, mediante acréscimos
morfológicos faz as diferenciações dos significados adicionais. Por exemplo, em falar,
a raiz é fal- ; o acréscimo verbal diferenciador é -ar.
Em terminologia erudita, a raiz recebeu denominação de semantema (do grego sema =
sinal, de onde semântico e semantema).
Respectivamente, o elemento diferenciador passou a denominar-se morfema(do grego
morfé = forma, de onde mórfico e morfema).
Os morfemas são os mais variados: terminações, sufixos, prefixos, composições de
palavras.
Em casos especiais, o morfema se faz substituir auxiliarmente pelo contexto. Este
permite sistemas auxiliares como a identificação negativa (vd 401) e a polissemia
(vd 405), sem quebra da precisão suficiente da expressão das classes.
Certamente a língua terá também suas peculiaridades independentes das classes de
conceitos; então as classes linguísticas de expressão divergirão algum tanto das
classes mentais de expressão.
Portanto classificações conceituais não conferirão exatamente com classificações
morfológicas da língua. Mas, o paralelismo permanece, como consequência da
racionalização da tradução de um ao outro plano de expressão.

392. As classes de conceitos na formação da língua repercutem drasticamente.


Neste sentido importa primeiramente atender ao que acontece numa coisa classificada,
para distinguir aspectos que a morfologia deverá expressar diferenciadamente.
Depois se deverá criar um sistema, - por exemplo, de terminações, prefixos, sufixos,
sintase - para este expressar diferenciado.
É neste ponto que se encontra o instante decisivo da língua. É onde se instala a
sinapse entre a língua e o pensamento. Como a sinapse fisiológica estabelece,
mediante estrutura complexa e delicada, a transmissão da mensagem nervosa de um
neurônio, assim importa estabelecer uma morfologia sináptica capaz de ajustar a
língua ao pensamento, para que este flua para a expressão oral.

394. Haveria classes pelo lado da realidade das coisas? Eis um tema difícil da
gnosiologia, a qual examina a verdade sobre o conteúdo dos objetos oferecidos ao
conhecimento.
O filósofo platônico, aristotélico, cartesiano defende que as coisas são reais e se
encontram em classes.
Inversamente, filósofos aprioristas e idealistas (Kant, Hegel) estabelecem a existência
de classes apenas pelo lado da estrutura mente.
Enfim há o filósofo nominalista negando, empirista, positivista, negando
simplesmente a classificação.
Mas todos admitem que um puro formalismo mental pode ordenar as coisas em
classes. Até mesmo o vulgo estabelece classes irreais, como o sexo mitológico das
coisas, umas de sexo masculino, outras de sexo feminino.
Para a língua não importa o que de fato acontece pelo lado das coisas. Ela
simplesmente traduz as classes como a mente as admite, seja por convicção, seja por
mero formalismo, seja por tolerância cultural.
Colocada esta multiplicidade das classes de objetos, abre-se o caminho para a
racionalização da palavra, ou seja dos semantemas e morfemas.

395. Um estudo meramente especulativo de viabilidade poderá determinar as


condições mínimas e máximas da racionalização de uma língua, no que se refere a ao
ordenamenteo das palavras por classes, mediante procedimentos como raizes,
semantemas e morfemas.
Este é um trabalho de linguística geral, que serviria de orientação para a criação de
qualquer língua artificial desejada. A língua como sistema de expressão é nenhum
mistério.

§ 3. Expressão contextual da palavra.


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397. Em síntese, os objetos dos conceitos são expressos por meio de dois instrumentos:
a palavra, com sua morfologia, e o contexto, que usa de procedimentos como
identificação deste.

I - Do contexto em geral.
4515y398.

399. Palavra explícita e o contexto da palavra. Entende-se por palavra explícita o que
ela efetivamente diz por obra da convenção imediata do código línguístico.
O contexto é um encadeamento de significados que se dá a partir de um primeiro
objeto expresso, em função de cuja lógica interna se passa ao conhecimento de outros
objetos mais. Em virtude de uma certa estrutura do objeto em si mesmo, esta
objetividade interna permite calcular outros elementos com ele relacionados.
Há um contexto lógico, inteiramente objetivo, e um contexto associativo, em função à
imagens que se associam. Dito de outro modo, há um contexto prosaico e um contexto
poético.
Neste quadro, o contexto (vd 397) complementa a palavra, isto é, complementa ao
semantema e ao morfema.
Em síntese, os objetos dos conceitos são expressos por meio de dois instrumentos: a
palavra, com sua morfologia, e o contexto, que usa de procedimentos como
identificação negativa (vd 403), jogo de linguagem (vd 404), controle da polissemia
(vd 405).
Estes instrumentos diacríticos importam ser examinados primeiramente com vistas à
palavra e ao conceito. Depois (não neste parágrafo), com vistas à frase e ao juízo,
finalmente com vistas ao discurso e raciocínio.

400. O contexto como recurso de ampliação da expressão é um expediente


amplamente usado, com vistas a suplementar as limitações naturais antropológicas
dos recursos humanos.
Ainda que em absoluto a possibilidade de formar semantemas e morfemas seja quase
infinita, dado o grande número de fonemas de que é capaz a voz humana, e a
combinação dos mesmos em todos cada vez maiores, não é possível pôr em prática
tamanho número e complexidade. Importa atender à realidade das condições humanas,
sujeitas a uma conjuntura, de cujo ritmo não sai senão com importunação. Por isso,
uma língua se estrutura morfologicamente com o suficiente e o necessário, ficando o
mais por conta do contexto. Uma vez indicado o objeto, a inteligência é capaz de
atingir vários dos seus elementos constitutivos, sem que estes estejam diretamente
indicados na expressão morfológica.
Depende o contexto da capacidade da inteligência do indivíduo e que o usa de fato,
estruturando com ele o restante da língua.
A existência do contexto é um argumento a favor da teoria mentalista da língua,
porquanto o contexto não se de apóia apenas em reflexos condicionados.

401. Suposição dos termos (suppositio terminorum). Os medievais deram especial


atenção ao esquema teórico de suposições possíveis, classificando em espécies e
gêneros as palavras polissêmicas (vd 405).
Portanto, a racionalização morfológica da língua se de processa pela inserção do
contexto na estrutura de sua expressão.
O necessário limita-se de pelo suficiente, para desta maneira não se de sobrecarregar o
sistema morfológico. Até aqui cuidamos do necessário, que foi a palavra pelo seu
semantema e morfema. Continuaremos pelo estudo do contexto, e que além de sua
função própria, ainda é o instrumento restringidor do uso da morfologia.
O contexto é o encadeamento lógico das idéias de tal maneira, que o conhecimento de
uma conduza ao das demais. Dali decorre que a expressão de um elemento do
contexto, indiretamente expressa o mais que com este elemento se de conecte.
Seria o contexto algo experimental e sob este ponto de vista capaz de ser tratado pela
lingüística. Situa-se de o contexto pelo lado do objeto expresso e não da expressão
verbal em si mesma. Nesta expressão verbal se de encontra apenas uma parte do
objeto, a partir desta parte, a mente calcula as restantes partes, seguindo pelo
encadeamento das conexões lógicas. Do ponto de vista linguístico, o contexto é
experimental apenas indiretamente, enquanto uma parte dele é morfológico e a
restante um cálculo mental. Possuindo o objeto uma certa estrutura, a partir da
expressão de um dos seus elementos resulta tudo o mais; este mais é verificável
apenas pela experiência, através dos efeitos que eventualmente produza, em
decorrência de haver sido percebido e a partir dali produzido manifestações.

402. O contexto opera em circunstâncias que poderão ser operacionalizadas segundo


procedimentos específicos, previamente eleitos.
Alguns procedimentos contextuais poderão ser inteiramente artificiais, outros
fundados em circunstâncias reais.
A variabilidade destes procedimentos é certamente grande. As línguas étnicas ou
nacionais os determinam com as eventualidades do uso.
Os instrumentos mais comuns são:
- a identificação negativa (vd 403),
- o jogo de linguagem (vd 404),
- a polissemia controlada (vd 405).
Dadas as funções que exerce, importa aprofundar o contexto e os procedimentos
especiais indicados.

403. A morfologia de identificação negativa é um recurso para economia no quadro


geral do sistema das palavras. Identifica uma classe negativamente por haver posto
distinção na outra. Os exemplos mais conhecidos deste morfema são os do artigo e os
do sexo.
Se a determinação tem uma indicação (o artigo definido), basta um termo estar
desacompanhado do identificador da determinação, para que seja interpretado com
indefinido. Observem-se as diferenças: homem mau é homem a ser evitado; os
homens maus estão na prisão.
Quanto ao sexo os nomes masculinos poderão ser identificados como tais, se de todos
os femininos recebem seu morfema identificador. Por exemplo, no Esperanto, o
masculino é sempre a forma comum, ao passo que o feminino possui sufixo expresso
pela terminação -in-, como em frato (= irmão), fratino (=irmã).
Com referência a outros substantivos sem sexo, o contexto também os libera
negativamente; por isso, podem também ser indicados pela terminação -o.
A polissemia, embora em princípio desrecomendável, também resulta em economia,
devendo porém o contexto fixar a diferenciação.
Pelo visto, a morfologia de identificação negativa é um instrumento limitador dos
morfemas diacríticos. Estes deixam de ser necessários para toda e qualquer classe de
conceitos. Podendo ser restringido o número de morfemas, diminui a complexidade da
língua e sua dificuldade de uso.

404. Jogo da linguagem. A linguagem, como ela se encontra na convenção


usual, se presta para expressar o enfoque cotidiano com que são vistos os objetos.
Entretanto, na interpretação mais profunda e autêntica, os objetos contêm algo
mais do que significam as palavras vigentes. O algo mais é sobretudo de ordem
existencial, que escapa às preocupações cotidianas.
Expressam se as preocupações cotidianas com "lugares comuns", isto é, com
palavras mais ou menos gerais, despersonalizadas no "se de" (=man em alemão, onno
francês). Tende a linguagem do dia a dia a generalizar o individual; ela torna abstrato
o concreto, ilusório o real.
Para além do conteúdo cotidiano da palavra ordinária, costuma avançar o
pensamento científico e filosófico. A mesma palavra não expressa o mesmo conceito
quando dita pelo vulgo, pelo cientista, pelo filósofo.
Dali a necessidade, com o fim de ultrapassar ou transcender o objeto cotidiano,
fazer, sobretudo por meio do contexto, o "jogo da linguagem" (Wittgenstein,
Investigações filosóficas), não no sentido pejorativo do verbalismo, mas no do
processo de superação que conduz ao que transcende o significado cotidiano. Escrever
bem resulta em trabalhar a palavra.
O trabalho sobre a palavra caracterizou a poesia de Hoelderlin, conforme
advertiu Martin Heidegger.
Escritores de ficção dedicaram-se especialmente a esta nova linguagem da
verdade ontológica das coisas.
Clarice Lispector criou personagens entretidos no drama da problemática de não
conseguirem superar a casa ordinária do sentido das palavras.
"É curioso como não sei dizer quem sou, pensa Joana. Quer dizer, sei-o bem,
mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em
que tenho de falar não só exprimo o que sinto, como o que sinto se transforma
lentamente no que eu digo. Ou pelo menos o que me faz agir, não é o que eu sinto,
mas o que eu digo" (Lispector, Clarice, Perto do coração selvagem, p. 17).
Aprecie-se ainda o problema de Martin, em a maçã no escuro, de Clarice
Lispector.
A linguagem regionalista é, por vezes, aproveitada com objetivo de aproximar a
expressão o mais possível do concreto.

405. Polissemia controlada. A polissemia controlada pelo contexto é um dos


mais importantes recursos de expressão de classes de conceitos. Num jogo difícil a
multiplicidade dos significados da mesma palavra consegue ser interpretada em seu
sentido mais preciso, graças ao contexto, que atende ao significado a partir do objeto
em si mesmo.
Aparentemente um mal, a polissemia não é senão um recurso normal da língua.
O que importa é utilizá-la adequadamente, cuidando sempre de fixar contextualmente
o sentido eventual que a palavra deva ter.
Nas línguas étnicas, surgidas com a eventualidade das circunstâncias, a
polissemia é um problema muito grave. Diferentemente, na língua artificial o controle
da polissemia é relativamente fácil, por meio de uma simples interferência na
convenção, sabiamente prevista já no instante em que foi criado todo o seu código.
O Esperanto, apesar de haver colhido os semantemas (ou raízes) em fatos
linguisticos preexistentes, reduziu notoriamente a polissemia. Por exemplo, fim (no
sentido de finalidade) se diz celo (da raiz polonesa celova, com a correspondente
germânica Ziel); de outro lado fim (na acepção de término) se diz fino (da raiz latina
finis). Em consequência as duas séries de palavras derivadas não sofrem da polissemia
que ocorre com o sistema linear latino.

406. O cuidado com a acepção que as palavras polissêmicas devam ter em cada
momento da frase é particularmente importante na narrativa, porque os mesmos
conceitos se repetem, enquanto a ação se desdobra.
Sobremaneira é importante a acepção no raciocínio. Não pode o termo médio, da
primeira premissa, mudar de acepção ao reaparecer na segunda premissa. Também os
termos maior e menor, ao reaparecerem na conclusão, devem conservar a mesma
acepção. Do contrário, muda o resultado, como acontece no seguinte exemplo: Cão é
uma constelação; ora, o cão late; logo, uma constelação late.

407. Acepções próprias e impróprias. Com o fim de conhecer a sistemática dentro


da qual se move a polissemia, é preciso determinar preliminarmente as acepções
possíveis que a expressão possa ter na escala da "suposição dos termos".
Não podemos atingir todos os sentidos possíveis, se nos colocarmos num sistema
linguístico sequencial (vd 390). Aliás este sistema não existe, apesar de ser a tendência,
quando a língua não adere a um mínimo de racionalização e planejamento.
O expediente da polissemia permite meter em torno da mesma palavra material
diversas acepções possíveis. As acepções são classes de significados, as quais, por
serem em menor número, poderão ser arroladas e colocadas sob controle.
As variações possíveis das palavras polissêmicas se classificam primeiramente em:
- acepção própria (vd 411), e
- acepção imprópria (vd 431).

Assim acontece em "céu de estrelas" (= acepção própria) e "céu de esperanças" (=


acepção imprópria).
Continua a ordenação das acepções pelas subclassificações, todas de alguma
importância na precisão da linguagem. Pelos suas denominações se é possivel
entendê-las:
a) A acepção própria se redivide em:
- acepção material e
- acepção formal.
De novo a acepção formal em:
- acepção simples e
- acepção personal.
A acepção personal em:
acepção singular e
- acepção comum.
Por sua vez a acepção comum em:
- acepção particular e
- acepção universal.
Ambas se subdividem:
- a acepção comum particular em: disjuntiva e disjunta;
- a acepção comum universal em: coletiva e distributiva.
Finalmente esta última, a acepção universal torna a redividir-se em:
- distributiva completa e distributiva incompleta.
As diferentes acepções próprias costuam ser reconhecíveis a partir das mesmas
palavras, que nelas têm seu estado natural. Entretanto ainda oferecem particulares
para um estudo de detalhe (vd 410).
b) Curiosa e rica pelo seu procedimento é a acepção imprópria. Suas modalidades
mais conhecidas são: metáfora, alegoria, sinédoque, metonímia, hipérbole.
As acepções impróprias que a palavra adquire podem interessar à expressão indireta
da poesia, mas não constituem ainda a mesma poesia. Opera a poesia com a
associatividade, a qual ocorre mais facilmente nas metáforas, alegorias, sinédoques,
metonímias, hipérboles, mas também pode acontecer por efeito das acepções próprias.
Muito oferecem tais acepções impróprias para um estudo em particular (vd 430), além
do seu aproveitamento pela poesia.

408. Quadro esquemáticos das acepções da palavra polissêmica.

Material.

a) própria{ simples

formal{ singular.

personal{ disjuntiva.

particular{

comum{ disjunta.

coletiva

universal{ completa.

metafórica distributiva{

b) Imprópria{ alegórica incompleta.

por sinédoque

por metonímia

Por hipérbole.

II - Das acepções próprias em particular.


4515y409.

410. Expressões perfeitas são aquelas que se ajustam rigorosamente ao tema. Com
frequência ocorrem duas situações a evitar: a acepção excessiva em precisão e a
polissemia sem controle.
Um certo desajuste é inevitável entre a expressão e o tema expresso; dali resulta que o
conteúdo da expressão jamais coincide inteiramente com o tema visado.
A polissemia ocorre sempre quando se trata de uma expressão mediante semelhanças.
É que toda a qualidade, ao se exercer como semelhança de outra, admite graus. A
semelhança justa com um determinado tema, também é uma semelhança menos
ajustada com outros e outros temas. A mesma semelhança pode significar diversos
temas, ainda que a uns menos que adequadamente. Cabe ao poder imaginativo e
racional imediatamente suplementar o que falta e adivinhar o significado em vista.
O quanto se de deva complementar, é o que geralmente se consegue deixar por conta
do "contexto". Resulta que, ao menos por obra do contexto, as expressões se podem
ajustar rigorosamente ao tema e com isso tornar-se perfeitas.
Pelo contexto se articulam pois definitivamente a expressão e o tema. Por exemplo, a
palavra "céu", de tão variado matiz, assume significados mui diversos, dos quais um é
próprio, os demais apenas aproximativos, mas todos legítimos, quando
suficientemente determinados pelo contexto. Aprecie-se de: "estrelas do céu",
"pássaros do céu", "bem aventurados do céu", "o céu azul da vida", "céu aberto de
esperanças", "céu de brigadeiro", "céu da boca", "cair dos céus". Há ali mistura de
acepções próprias com impróprias, além de outros fenômenos linguísticos.

411. Que é uma acepção própria? É aquela que a palavra tem como em primeiro lugar
a sua. No seu instante inicial, um termo possui, por convenção, uma significação bem
determinada como fundamental. Esta acepção se diz própria, e que costuma ser
conhecida e sempre respeitada.
Na primeira alteração do sentido, a acepção passa se dizer imprópria. Portanto,
acepção imprópria é aquela significação que a palavra não possuía inicialmente e que
veio a ter eventualmente.
Por conseguinte, a acepção é própria ou imprópria, de acordo com o emprego do
vocábulo em seu sentido originário. Verifica-se em leão concebido como "certo
animal", ou em um novo sentido mas em função ao primeiro, como em o "leão de
Judá", o "leão do imposto de renda".
A acepção imprópria, considerada positivamente, recebe também a denominação
de "figura" ou "linguagem figurada". A índole escultural que a figura oferece na
imaginação, alia ao poder da mera convenção a força que a verdadeira mimese
contém. Por isso, a linguagem figurada não se de reduz apenas a um outro modo de
usar os nomes. Fortalece ainda a linguagem e transforma inteiramente a peculiaridade
do estilo, tornando-o fonte iluminadora do objeto, que passa erguer-se de colorido e
luminoso por sobre o horizonte da imaginação.

413. A acepção própria de um termo poderá ser, ora formal, ora material. Diz- se
material, a acepção que atende à palavra fisicamente, isto é, ao sinal e ao assimilado.
Assim comparece na análise morfológica, inquirindo-se ao aluno, - que é "leão"?, - ele
poderá responder, que "leão" é uma palavra de duas sílabas.

414. Acepção própria formal. A outra alternativa, a acepção formal, toma a palavra
pelo que convencionalmente deve significar. O "leão", em acepção formal, é o animal
que o nome indica.
Ainda se pode entender por acepção formal o conteúdo essencial de uma
natureza, como em "amarelo é a cor"; acepção material, como "o amarelo é enjoativo".

415. A acepção própria formal simples. A acepção formal, do ponto de vista da


compreensão e da extensão, é ora simples, ora personal.
A acepção simples é a que vê a coisa em ordem à compreensão, isto é, em ordem
à sua natureza. Assim ocorre em "homem" na frase "o homem é racional"; ou "animal
racional", na frase "Pedro é animal racional".
Diferentemente, a palavra "Pedro", na frase citada, está em acepção personal.
A acepção simples, pelo fato de não se dizer do sujeito (ou dos indivíduos), é por
isso mesmo sempre de caráter universal, ainda que não expressamente.
O dito vale para todos os universais, sejam unívocos, sejam análogos.
O termo unívoco exerce a mesma razão significante em cada um dos "inferiores".
Homem é animal racional, eis um exemplo de acepção simples, porque dito da
natureza; esta natureza, porém, se predica igualmente de Pedro, João e Tiago, de sorte
que a acepção simples é aqui também unívoca. Pedro é animal e o cão é animal, eis
outra situação de conceito unívoco; animal se diz de Pedro e de cão pela mesma razão.
O termo análogo se predica de muitos; mas, em cada "inferior", se predica parte
igual e parte diferente, isto é, em uma escala variável de proposições. O ente, por
exemplo, se predica dos inferiores analogamente, porque em cada objeto se realiza
diversamente.

416. A acepção própria formal personal. A acepção personal não considera


primeiramente a essência ou a natureza, mas somente enquanto esta se encontra de
maneira particular, num indivíduo.
Eis a acepção mais comum na linguagem ordinária, - sobretudo em se tratando
do sujeito da frase, - como quando se afirma que Sócrates é sábio, Descartes é francês.

417. Acepção personal singular. A noção de acepção personal merece um


aprofundamento no que se refere à sua extensão.
O ponto de vista da acepção personal diz respeito ao número. Sendo um só o
possuidor da natureza, a acepção personal se diz singular, como em:
"veio um homem correndo".

418. Acepção personal comum. Nos casos restantes, a acepção personal é comum.
419 Acepção formal particular. A acepção comum se subdistingue em comum
particular, quando recai sobre vários de um grupo, como em:
"alguns homens são ladrões".

420. Acepção personal comum universal. A acepção comum é universal, quando


se estende a todos os "inferiores" contidos no conceito, como em:
"os homens são criaturas que nascem, vivem e morrem".
A acepção universal também se subdivide podendo ser, ora coletiva, ora
distributiva, e esta completa e incompleta.

421.Acepção personal comum coletiva. No universal a acepção é coletiva se


atinge a todos como grupo.

422. Acepção universal distributiva. A acepção do universal é distributiva se


alcança a cada indivíduo do grupo.

423. A distribuição é completa, quando deveras atinge a todos.

424. Incompleta, quando só abarca as linhas gerais, ou a generalidade, como em:


"todo animal estava na arca de Noé".

425. Acepção personal comum particular disjuntiva. A acepção comum particular


é disjuntiva, quando determina com precisão a acepção, como em:
"alguns homens são ladrões".

426. Acepção personal comum particular disjunta. A disjunta deixa uma idéia
confusa a respeito de qual seja o indivíduo em questão:
"algum olho é necessário para ver" (pode ser o esquerdo ou o direito).

427. Intensificações e modalizações - anáfora e antítese. Ocorrem na


intensificações e modalizações na acepção da palavra sem que esta saia do sentido
próprio. Tal ocorre, por exemplo, com a anáfora e a antítese. Portanto, não se devem
estudar na linha da metáfora, sinédoque, alegoria, que se exercem com acepção
imprópria.
A intensificação se pode fazer com a simples repetição, da palavra, ou membros
da frase; temos, então a anáfora. Sem que o valor da palavra oscile para fora do
sentido próprio, adquire significação peculiar.
Aprecie-se de:
"Não, não deves fazer... Deus, meu Deus... Mais e mais".
Ocorre a intensificação em situações peculiares, como em:
"Blumen... Blumen... Blumenau" (cidade brasileira, com denominação alemã em
que se decompõe o nome primitivo Blumen = flor; botão, ou olho; sentido semântico
atual, - Campina em flor).
"Blumen... Blumen... Blumenau!
Flor do vale.
Cidadã,
Linda és,
Loura és,
De olhos azuis" (de nosso Blumenita, novela).
A sinonímia consegue também intensificar a acepção, acrescentando ainda
elementos novos, porque o sinônimo jamais é rigorosamente igual.
Na adjetivação afetiva ocorre o fenômeno com frequência; é que, sendo o afeto
algo inefável, não encontra palavras de efeito preciso, interpretando-se as acepções.
Aprecie-se:
"generosidade, liberdade, marginalidade, magnificência, bondade, amizade...".
Semelhante é o paralelismo de expressões, que ocorre nos Salmos dos povos
semitas, de que restaram sobretudo os bíblicos:
"Louvai a Deus todos os povos. Bendizei o Senhor todas as nações".
O paralelismo dos salmos se exerce também com maior afastamento; mas o
método mantém-se de.
A antítese, opondo os contrários, acentua a acepção de um termo. Também os
salmos aproveita o paralelismo por antítese, bem como ainda o de causa e efeito.

428. Pelo exposto acima já se compreende que as intensificações e modalizações


de sentido da linguagem se podem fazer dentro da área das acepções próprias.
Importa não confundir tais situações com as acepções impróprias.
Nem se deve reduzir as intensificações como simples propriedades da expressão
perfeita, como e trata a linguagem quando do estudo de suas propriedades.
As intensificações pertencem à morfologia da língua e não às suas propriedades;
é possível portanto tratar das intensificações e logo a seguir da perfeição com que a
intensificação está sendo feita, visto que se trata de perspectivas distintas e sucessivas.

III - Das acepções impróprias em particular: deslocação, sinédoque, metáfora, etc.


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431. A acepção imprópria da palavra ocorre por abandono da primitiva, em troca


de outra.
Em virtude deste fenômeno, as palavras, que no instante inicial têm cada qual
uma posição nitidamente convencionada, saltitam para novos significados. Isto
acontece no curso da frase.
Verifica-se, pois, que a língua é essencialmente semântica. Rolam as palavras
como as águas do oceano, a todo o instante a ondularem de outro modo, ainda que
sempre se conservam como água. Deslizam de um estrato a outro, ora se elevam como
a crista da onda e se encrispam, ora se alargam e distendem.
Aparentemente gotículas de pensamento, perfeitamente engastadas numa
acepção precisa e marcada pelo léxico, saltitam a todo instante para fora do seu
engaste, como pérolas a rolarem pelos fios da própria luz. Um mar de fosforescências,
em que as palavras já não são gotículas isoladas, porém água movente, assim é a
língua como organismo vivente.
A quebra das formas e o desdobramento da luz, que os pintores cubistas,
impressionistas, futuristas fizeram no seu plano artístico, é o que também faz o artista
da palavra, quando atento à índole semântica da língua humana. O estilo semântico
vemo-lo certamente no cubismo literário dos escritores modernistas.

432. É ao nível das acepções impróprias que se diversificam consideravelmente


os acervos literários das linguas nacionais. É que cada procedimento de acepção
imprópria toma apoio em contextos sociais, culturais, ecológicos, históricos das
respectivas nações.
Este fato converte as línguas nacionais em importantes instrumentos de coesão
nacional, ao mesmo tempo que as tornam portadoras de ideologias nacionalistas,
geralmente contrárias ao espírito de humanidade.

433. Passagem de acepção própria para a imprópria. Considerando que a a


acepção própria é logicamente anterior à própria, vê-se a acepção imprópria como
uma passagem a partir da própria. Ainda se imagina que a passagem se faça por
variadas maneiras.
Pela maneira de se fazer a passagem da acepção própria para a imprópria, as
alterações se dizem por deslocação, e estas por restrição e por extensão. Efetivamente,
a deslocação, além do significado específico, assume outros significados, seja por
restrição, como em "operar", seja por extensão, como em "embarcar".
Algumas passagens de acepção própria para a imprópria são bem caracterizados,
a ponto de se fazerem conhecidas por denominação particular: sinédoque, metonímia,
metáfora e similares.
A sinédoque transpõe o sentido da parte para o todo, como em "a vela (o barco)
singrou os mares" . Ou do todo, para a parte, como em "soa o bronze" (sino).
A metonímia troca o significado pelo equivalente, com efeito notável. Exemplo,
"o altar e o trono", isto é, a religião e o poder monárquico.
A metáfora transpõe o nome de um objeto precedente para um novo, com o qual
o precedente tem alguma semelhança. O efeito é uma descrição brilhante, comoem
"os cinco dedos da aurora" (Homero).
A hipérbole, à semelhança da metáfora, substitui o significado dos nomes, com o
objetivo de fortalecer a impressão, como que a exagerando. Exemplo, um "oceano de
cabeças", "um mundo de gente", "alto até o céu".
Colocadas as definições dos principais fenômenos de passagem das acepções
próprias às impróprias, ainda importam muitos dos detalhes que os referidos
fenômenos oferecem.

434. A deslocação do sentido de uma palavra é aquele processo em virtude do


qual um nome passa a significar, além do objeto original, outros objetos ou temas, o
que se torna possível por meio de semelhanças e relações entre tais objetos ou tema
"Visão" é uma palavra que desloca frequentes vezes seu sentido. Aprecie-se: "a
visão do homem está boa" (sentido próprio); "este é um homem de visão " (sentido
deslocado).
Quando a deslocação se faz definitivamente, o significado primitivo conserva
apenas sentido etimológico, inspirador remoto da palavra.
Assim nasceram quase todos os termos hoje considerados abstratos.
A terminologia das faculdades superiores deriva geralmente das operações dos
sentidos, especialmente quando ligados à vista e ao ouvido. Espontaneamente se fala
em "visão da mente" e "voz da consciência".
Mas, enquanto o significado primitivo se conserva, no todo ou em parte, o
adquirido por deslocação se diz figurado. A conservação desta peculiaridade pode
manter especial ênfase na linguagem.
Inversamente, a volta ao significado perdido da palavra, com o apelo à análise
etimológica, ressuscita vantajosamente, por instantes, o sentido anterior perdido,
porque reforça o conteúdo figurado de maneira sugestiva.
Sejam alguns exemplos de deslocação, cuja evocação etimológica se faz com
proveito. Crítica, na acepção originária indo-européia indica a noção de cortar e
separar. Hoje no idioma português, significa apenas uma operação de discernimento
do espírito; o apelo à noção etimológica vem reforçar a significação atual de crítica,
porquanto o discernir mental também é um cortar e separar.
E o que significa idéia? Originariamente indicava a visão pelos olhos; a evocação
etimológica do termo nos diz, portanto, que o espírito possui olhos para ver.
Quando se transferem palavras eruditas de uma língua para outra, especialmente
do grego e do latim para as linguas neolatinas, as referidas transferências ocorrem por
vezes só no plano do sentido deslocado, ou figurado. Este é o caso de "idéia", no
grego visão em sentido próprio e impróprio, no português apenas no sentido
impróprio (visão da mente).
Este fenômeno também ocorre na transferência de palavras técnicas, por exemplo
do inglês, para outras línguas modernas. É bem conhecida a linguagem dos esportes e
dos computadores, já adaptada a muitos idiomas nacionais modernos.
O Esperanto, acautelado com a polissemia vasta, captou seu vocabulário ao nível
dos significados deslocados, instituindo-os como próprios.

435. Deslocação de acepção por restrição A deslocação semântica se conduz por


processos contrários, ora por restrição, ora por extensão.
Veja-se o que ocorre por restrição com a palavra "operação", em suas várias
aventuras. Para o matemático operação é cálculo (operação matemática). Para o
estrategista é um esforço de armas (operação militar). Para um médico exprime uma
intervenção cirúrgica (operação médica). Para um banqueiro indica negócio (operação
monetária).
Quando a restrição semântica é tal que o interlocutor já não mais atende ao
fenômeno, perde evidentemente a sugestão que é própria a este processo linguístico.
Aproveitando-se da situação o esteta reaviva a acepção originária do termo,
indicando-a expressamente. Dali vem porque uma alusão etimológica produz efeitos
peculiares em momentos adequados.
Tem sido grato aos filósofos relembrar que Alétheia (=verdade) significa
desocultação; bonito, bonzinho; idéia, visão; existência, existência, com em con-
sistência; estilo, peculiaridade que o estilete imprime à letra.
Todos estes vocábulos tiveram seu significado restringido, com a perda total do
sentido anterior mais amplo. Já ninguém hoje, por exemplo, se lembra de bonzinhoao
dizer bonito, apesar do bonito poder ser bonzinho.
Importa que a deslocação semântica seja identificável.
Em grupos sociais distintos e circunstâncias psicológicas específicas as
deslocações funcionam normalmente. A partir deste fato, podem diversificar-se os
idiomas nacionais (ou étnicos) daquele melhor planejado (como esperanto) para ser
internacional.

436. Deslocação de acepção por extensão (ou generalização). O processo de


deslocação se opera em sentido contrário ao da restrição. Já não se trata de um mesmo
termo restrito a uma função especial em diversas secções de atividade, mas de um
termo peculiar a uma função e, a partir desta, generalizada para todas as funções.
Embarcar, de sua acepção originária, "subir ao barco", estendeu-se a entrar em
qualquer meio de transporte; embarca-se em carro, trem, avião, tal como em barcos.
A extensão a que nos referimos, se faz através de metáfora, portanto por
semelhança entre a ação de embarcar nos diferentes transportes. Aliás, o
deslocamento por extensão se opera em geral, pela metáfora, irradiação e
encadeamento.
Também aqui o locutor hábil constrói arranjos em que a deslocação por extensão
fornece recursos novos de expressão e de grande brilho. Reavivando o que por
ventura não mais se percebe, se faz revivescer com novo vigor a figura concreta
primitiva.
A perda do significado originário da palavra com deslocação semântica é
peculiar do sistema linguístico que admite excessões.
Não cabe a exceção em uma língua planejada, se esta for um sistema de fluxo
lógico e de acordo com a fluidez técnica. As expressões idiomáticas são necessárias
ao sistema de comunicação. No Esperanto não há, em princípio, expressões
idiomáticas. Estas frequentemente não passam de deslocações semânticas, cujo
significado originário se perdeu; ou são deslocações semânticas excessivamente
afastadas da significação originária.
As linguas étnicas, porque formadas ao azar das circunstâncias, contêm esses
excessos idiomáticos, que as tornam difíceis e impraticáveis a nível internacional. É
que, a nível internacional, poderão não ocorrer as mesmas motivações que geraram as
deslocações semânticas e as expressões idiomáticas em geral. Até mesmo dentro do
círculo nacional as deslocações semânticas tendem a desaparecer em favor de novas.

437. A sinédoque (do grego synedoché = compreensão) atribui a um termo da


acepção definida uma compreensão maior no contexto; ora, o faz indicando a parte
pelo todo (pars pro toto), ora o todo pela parte (totum pro parte).
O processo da deslocação se opera mediante as relações que o ouvinte percebe e
que o podem transportar na direção do novo significado. Neste caminhar, ora vai do
todo para as partes, ora das partes para o todo, visto que as relações ocorrem tanto de
uma direção como de outra.
Não se trata apenas de um todo quantitativo, em que cabem as partes da ordem
quantitativa. Em termos amplos, a "compreensão" de um conceito é todo o seu
conteúdo; num juízo, o sujeito está na posição daquilo que recebe o predicado, de
sorte que até uma qualidade se diz pertencer ao sujeito como algo que é parte sua.
Como indivíduos dentro da espécie, a denominação vaga do indivíduo poderá
indicar a espécie. Exemplo, "o homem é mortal" (= a natureza humana é mortal).
A parte integrante indica o todo, quando exerce função precípua. Exemplo, "a
vela singrou os mares" (= O navio à vela singrou os mares).
O chefe lembra a índole dos seguidores; os protótipos também, os sugerem.
Exemplo, "os judas proliferam por aí" (= os que são como Judas proliferam por aí).
O nome comum substitui o próprio quando no caso ocorre apenas um indivíduo
que por ele se caracteriza. Exemplo, "o Imperador foi para Santa Helena" (=
Napoleão...).
Um objeto construído com matéria característica pode ser indicado por tal
matéria. Exemplo, "soa o bronze" (= soa o sino).
Varia o comportamento da sinédoque segundo se exerce em palavra que na frase
é sujeito, predicado, verbo.

438. A sinédoque fomenta o vigor do estilo, por causa da concisão que lhe
empresta; produzindo a palavra muito mais do que a acepção ordinária lhe empresta, o
efeito estético decorrente se torna apreciável.
Requer-se, que a sinédoque seja facilmente reconhecível, porque do contrário
torna o texto enigmático, em vez de sugestivo e vigoroso.
Nas línguas étnicas são frequentes sinédoques que não funcionam a nível
internacional.
Este é um dos motivos porque a internacionalização de uma língua nacional é
pouco praticável. Recomenda-se uma língua internacional específica.
Expressões como "direitos da coroa" somente são adequadamente entendidas em
países que ainda não evoluíram para a república plena.
Também não deve laborar a sinédoque em excesso de concisão, para não incorrer
em laconismo. Um certo desdobramento se recomenda, para atender à capacidade
sempre limitada da apreensão humana.

439. A metáfora (do grego metáfora = transposição) indica um objeto pelo que
tem de semelhante em ou outro objeto; supõe dois objetos, de sorte a permitir a
transposição do nome de um para o de outro, com o auxílio do contexto.
Consequentemente o novo nome perde seu sentido próprio, tomando o do objeto
em vista.
Exemplo, "navio do deserto" (= camelo); "noite da alma" (= solidão da alma);
"divino platão" (= O sublime Platão).
Não precisa haver uma acepção maior que no termo do qual partiu a mudança,
como ocorre na sinédoque; a metáfora é simplesmente uma transposição de qualquer
natureza; todavia o resultado pode redundar em aumento de significação, o que aliás
torna a metáfora apreciável. Ekzemplo, "lábios de mel" diz certamente algo mais,
quando dito sobre a mulher.

440. A metáfora não é poesia, mas a pode encaminhar. O conteúdo da metáfora


não é o resultado de uma evocação ao modo da poesia, mas pode adicionalmente
conduzir a ela.
A metáfora não é poesia, como apenas o símbolo não é. Definida a metáfora
como aquilo que há de semelhante entre ou e outro objeto, de tal sorte que o nome de
um pode tomar o do outro (transposição), o sentido da metáfora se encontra
perfeitamente na indicação direta; em tais condições o diretamente indicado se
configura como "prosa".
Mas, a partir desta indicação podem surgir novas imagens, por associatividade ou
evocação, fazendo aditivamente da metáfora uma fonte de poesia. "Os cinco dedos da
aurora" indicam diretamente a luz auroral a se abrir como dedos; indica a expressão a
semelhança que há entre dedos e o modo de surgir da luz em forma de objetos
distintos.
Num segundo tempo, a semelhança, - diretamente indicada, - associa imagens;
estas, - não diretamente indicadas, porém sugeridas, - são a poesia (vd 442)
Sabemos que as leis da associação de imagens são: a semelhança, a contiguidade,
o contraste. Ora, nesta primeira operação de caráter meramente prosaico, a metáfora,
enquanto apenas mostra diretamente as semelhanças, não é um despertador
associativo das imagens semelhantes. Por primeiro afirma diretamente as semelhanças,
e está nisto a essência da metáfora. Somente depois, - aditivamente, - a metáfora
poderá ainda despertar associativamente novas imagens, em um processo que já
pertence à poesia.
Como já dissemos, a evocação poética pode acrescer-se à metáfora. Nela a
indicação é concebida como semelhança; a mesma indicação, na poesia deve ainda
despertar a evocação de novas imagens. Em "dedos rosados da aurora" é possível
atender primeiramente à semelhança entre uma e outra coisa; até aqui vai a prosa,
exerdida por meio de metáfora. A seguir é possível ver nos raios de luz suave a se
moverem algo mais, - tudo aquilo que os dedos podem ainda associar, por exemplo,
os dedos que apontam mostranodo algo. Nestes dedos que apontam, sugerindo algo
mais, está o começo da poesia; esta se desdobra, através da imagem dos dedos, em
novas e novas associações poéticas.
O nascimento das metáforas, bem como a diversidade de as compor de cada
época e de cada povo, tem proporcionado assunto curioso aos psicólogos e linguistas
(R. Wellek e A. Warren, Teoria Literária, cap. 15; C. Bally, Traité de stylistique
française, Heidelberg 1909, vol, I, pag. 184 §).

441. Espécies de metáforas. Uma classificação se pode dar pela matéria (ou
conteúdo) e pela forma (ou pela maneira de se exercer).

a). Supondo que a metáfora transpõe a atenção de um termo para outro,


apresenta-se prontamente um critério de classificação material, que leva apenas em
conta a categoria dos seres a partir dos quais transpõe para outros.
Divididos os objetos em corpóreos (ou materiais) e espirituais, tem-se metáforas
que transpõem as acepções, ora dentro do mesmo plano, ora mais distante, de um
plano ao outro. Tem-se, pois:
- metáforas que transpõem do material para outro material (como em perna de
gente, perna de cadeira);
- metáforas que transpõem do espiritual para outro espiritual (como em divino
Platão, isto é, divina inteligência de Platão),
- metáforas que transpõem do espiritual para outro material (como em alma do
homem - alma da noite),
- metáforas que transpõem do material para outro espiritual (noite escura - noite
da alma).
Atentos ao mesmo critério, que toma em consideração os termos a quo, ad quem,
outras classificações materiais se podem fazer.
b) Segundo a forma, a metáfora se divide em espécies pela maneira de se exercer,
ou seja, pela maneira de transpor as acepções:
- metáforas simples, sem outros efeitos que não da transformação dos termos;
- metáfora complexa, com elementos aditivos, entre outros, os da evocação
poética.
Em alguns casos a metáfora recebe nomes especiais, com em Catacrese (vd 444)
e metonímia (vd 445).

442. Avaliam-se as metáforas pelo rendimento que possam dar à expressão, quer
essencialmente, pela capacidade de significar, como prosa e poesia, quer aditivamente,
pelo poder de comunicação e esteticidade.
Do ponto de vista analógico (da prosa) e evocativo (da poesia), as metáforas, que
transpõem de um plano material para outro material são menos rentáveis, porque em
ambos os planos, - de onde transpõem e para onde transpõem, -ocorre a direta
verificabilidade das acepções.
As referidas metáforas, que transpõem do material para o material, ocorrem, por
vezes, tão só por falta de um nome específico. Nascem também assim um grande
número de apelidos das pessoas e de objetos, fundads na analogia, como em "perna de
gente" e "perna de mesa" (vd 444).
Outra é a situação de rentatilidade da metáfora no plano meramente inteligível,
porque ali a metáfora se faz útil e por isso plenamente desejada. Lá onde somente a
analogia e a evocação alcançam chegar, a metáfora efetivamente exerce uma função
insubstituível.
A dilatação do conhecimento por analogia entre o material e o espiritual, eis o
campo em que acontece sobretudo a rentabilidade da metáfora. Ocorre o fenômeno
com aquelas qualidades sensíveis que se exercem também no espírito; então a "visão"
dos olhos passa a transpor-se para "visão intelectual". No grego, aliás, "idéia"
significava primitivamente "visão" dos olhos.
Também há uma transposição do sentido visual (sempre mais claro) para os
restantes sentidos. Exerce, então, a transposição metafórica a função de clarear
aquelas regiões; além de indicar as semelhanças ainda desperta imagens associativas.
Falamos em "som brilhante", ora, o brilhante é a vista e não do ouvido.
Mas, o que o ouvido tem de preciso se transpõe metaforicamente para a vista, tal
ocorre em "cores gritantes". Esta transposição poderá dar-se mesmo definitivamente,
como aconteceu em claro, que no antigo latim (clarus) significava primeiramente a
qualidade do som. Aliás, claro e gritante derivam da mesma raiz indo-européia kel -
com o sentido fundamental de gritar.
Do olfato, para a vista se transpõe o que é peculiar; aprecia-se "cores
perfumosas".
Com relação ao gosto, admite-se "cores gostosas", "perfumes doces", "cores
quentes".
Transposições para o tato: "cores quentes", "cores frias".
As metáforas indicadoras de afetos se reduzem às que transpõem do material
para o espiritual, quando apelam às qualidades sensíveis, anotadas pelos sentidos.
Particularmente os sentidos inferiores realçam a afetividade. Em "cores gostosas"
O ictus que a palavra "gostosa" indica é eminentemente afetivo e não apenas uma
indicação de natureza cognoscitiva.
As metáforas que apelam ao visual, insinuam ao mesmo tempo uma informação,
ao lado do elemento afetivo. O "rosa" indica situação feliz, o "negro", situação
irremediável, o "cinzento", situação triste. a expressão "tudo azul" (alles =blau, no
alemão) significa "tudo bem" (O.K. no inglês).
Sem ser ainda a poesia, a metáfora a cria facilmente, como mais uma de suas
eventuais utilidades. De maneira geral, as transposições metafóricas para o plano do
espírito funcionam acompanhadas de sugestão.

443. Metáfora e estilo. Como assunto, a metáfora pertence também ao estudo do


estilo. Acidentalmente a metáfora torna a linguagem muito original, supreendente e
peculiarmente estética
Do ponto de vista estético, a metáfora imprime vigor ao estilo; opera a
transposição dos termos exatamente para frisar os aspectos que se têm em vista
focalizar.
Quando a metáfora, além de sua função de expressar pela indicação de uma
semelhança, ainda exerce evocações, fazendo surgir por associatividade, novas
imagens, torna a linguagem brilhante.
Por causa do seu brilho, a metáfora corre o perigo de despertar elementos
desinteressantes; quando isto acontece, importa em ser evitada. O brilho da expressão
é em princípio desejado, porque fortalece a evidência, uma das propriedades
fundamentais do conhecimento. Mas este brilho que compete trazer à frase, somente
cabe à metáfora quando se faz no mesmo rumo da intenção geral da composição
artística.
A frequente distorção da metáfora, no sentido de a tornar brilhante, acabou por
criar restrições ao seu uso. Mas é seu abuso que se deverá evitar, e não seu uso
adequado.
Goethe, que usava a metáfora nos seus escritos de juventude, evitou-a no seu
período clássico. Mas veio a usá-la novamente na velhice.
Bem conhecido é o caso de Platão, sempre excedido na linguagem metafórica e
alegórica. Tomás de Aquino frisou o modo mau de Platão expor a filosofia,
lembrando a impropriedade de sua afirmação de que a alma é como um círculo.

444. A catacrese (do grego catáchresis) se reduz à metáfora. É a catacrese a


mudança da acepção de um nome, deslocando a este para designar objeto que não
dispõe de nome próprio, mas tem analogia com o objeto anterior.
Exemplos de catacrese: mão de pilão, perna de mesa, ala de edifício.
Assume a catacrese função especial em situações particulares como: bebeu a
sopa, lágrimas eloquentes, romance água com açúcar. Nestas modalidades de
expressão diz-se algo que não possui nome ou adjetivo peculiar.
Línguas bem flexíveis, por exemplo o Esperanto, dispensam geralmente a
catacrese. Mas, não estão impedidas de usar a alternativa, para com ela obter as
vantagens que este fenômeno linguístico oferece. Dá-se, então, a catacrese de efeito
estético.
Ao mesmo tempo que se exerce a catacrese, pode ocorrer uma evocação; nesta
segunda hipótese a palavra superou seu próprio objetivo direto de anunciar o que não
tinha expressão própria. Em "ala do edifício" não há esta evocação, mas certamente
ocorre quando se diz "lágrimas eloquentes".
Aliás, o mesmo efeito evocativo adicional sucede com a metáfora (vd 440) e
alegoria. Além da trasladação de sentido, a catacrese pode associar propósitos
evocativos, passando adicionalmente a gerar poesia.
Adquire a catacrese um efeito especial quando enuncia o pensamento mediante
paradoxos, com palavras indicando elementos insociáveis, como em "vida morta",
"amarga aventura", "doce amargura", "silêncio eloquente".
Nestas condições a catacrese, por meio de contraditórias, leva o nome deoxímoro
(tambémoximóron).
É frequente o uso da catacrese paradoxal nas afirmações enfáticas dos místicos,
como João de Cruz, ou dos trágicos, como Shakespeare.

445. A metonímia (do grego metonymía = mudança de nome) é a mudança de


acepção da expressão de um objeto, para designar um outro relacionado com ele.
Exemplo, "toga", passando a significar "advocacia".
O fenômeno metonimíco costuma ocorrer quando se enuncia:
- o efeito por meio da causa (ler Camões, ou seja o seu principal poema Os
Lusíadas),
- o conteúdo pelo continente (copo de água, ou seja a água o quanto cabe num
copo),
- o lugar de origem pelo produto, (fumar um Havana, ou seja um charuto),
- o objetivo pelos meios (ganhar a vida, ou seja os meios de subsistência da vida),
- o sinal pela coisa significada (o altar e o trono, isto é, a religião e o poder
monárquico).
Na metonímia não acontece uma caminhada das partes para o todo e nem do todo
para as partes, como na sinédoque. Ainda que assim pareça, o que efetivamente ocorre
é a denominação de uma parte pela outra (pars pro parte).
A metonímia também se distingue da metáfora; esta se funda em semelhanças, ao
passo que a metonímia segue para mais longe.
Do ponto de vista estético, a metonímia fortalece a expressão; abandona termos
menos precisos ou já implícitos, em troca de outros, que, neste instante, apontam a
perspectiva em foco.
Esta razão vem explicar porque sobretudo no meio familiar tem andamento a
metonímia; nela se funda a força de expressão da "gíria".

IV - Lei da fixação do contexto, ou Lei do juízo.


4515y447.

448. O contexto do sujeito, a partir do predicado. Diante da variedade de


acepções possíveis, - próprias e impróprias, - decorre a pergunta, - se há uma lei para
normatizar a fixação contextual de um termo?
Certamente não há como fixar preferências a partir da expressão oral por si
mesma. O contexto é determinado pelo objeto expresso; sua estrutura interna contém
uma ordem lógica, a partir de cuja compreensão se conseguem os elementos que
ampliam a informação.
Mas, dentro de que lei, a partir da mencionada estrutura do objeto, se
reconheceria um procedimento racional capaz de orientar a fixação contextual?
No objeto se distinguem o sujeito e a natureza que o determina. Ora, o juízo
apresenta esta forma: sujeito e predicado (a natureza).
De fato, é possível observar que o predicado determina o sujeito. Portanto, o
contexto do sujeito, também é determinado pelo predicado. A isto se chama: lei do
juízo.
A lei é óbvia, porque o juízo constitui a forma natural de pensar. O conceito,
como parte do juízo, obedece a este. Completa-se a lei do juízo, com o intuito de
determinar a acepção do sujeito, pela observação direta dos fenômenos, como efeitos
causados sucessivamente pelos diferentes predicados.

449. Desdobramentos da lei do juízo. Eis uma sequência de observações, que


representam um desdobramento da lei do juízo, em leis menores, válidas para a lógica
e para a língua:
1. Se o predicado for um termo numeral, o sujeito terá acepção coletiva (vd 421).
2. Se o predicado convém essencial, ou necessariamente, a acepção do sujeito
será distributiva (vd 422).
3. Se o predicado se atribuir acidentalmente (ou contingentemente), a acepção
será disjuntiva. (vd 426).
4. Se no contexto apareceram figuras idiomáticas suplementares para auxiliar ao
contexto, no que o contexto não consegue fazer por si só, estas figuras suplementares
serão, respectivamente, "todos juntos", para a acepção distributiva: "alguns", para
disjuntiva.
5. Se o predicado for afirmativo, a acepção será disjuntiva: homem é animal (=
algum homem é animal).
6. Se o predicado for negativo, a acepção do sujeito será distributiva: o homem
não é asno (= nenhum dentre os asnos é homem).

§ 4. A expressão dos conceitos pelos respectivos modos de predicar.


4515y451.

452. Conforme inicialmente declarado sobre a expressão dos conceitos, cujos


instrumentos de expressão se constituem da morfologia da palavra e do contexto desta
palavra (veja nº 213), importa finalmente particularizar até o fim, pelo repasse dos
conceitos, classe por classe, com vistas à experimentalmente determinar, que palavra
e que contexto cada classe de conceito reclama.
Introduzindo, pois, o sistema de língua diacrítica, através de morfemas e
procedimentos contextuais, e já examinados estes instrumentos generalizadamente,
importa ainda instalá-los para cada caso. Com este fito precisamos estar atentos
comoos conceitos detalhadamente são classificados, para sucessivamente, testar um
recurso eficaz à expressão dos mesmos.
Oferecem-se duas tarefas distintas:
- classificar os conceitos (competência da lógica);
- estabelecer as respectivas palavras (competência da linguística).

Classificar os conceitos é obra da ciência lógica, e tudo começa por este


pressuposto do sistema total da palavra, a qual expressa aos objetos conceituados.
Uma vez colocadas estas classificações como roteiro, passa-se a indagar como
usar os morfemas e como o contexto.
Ocorre aqui aquela dependência indireta e que é peculiar de todas as ciências.
Não é uma dependência direta, porque não afeta à mesma linguística internamente; a
função desta é estabelecer a morfologia da palavra e seu contexto.
Pergunta a linguística por qual sistema diacrítico de expressão oral é possível
expressar os objetos de uma dada classe de conceitos.
Ainda que a língua não expresse os conceitos, - mas os objetos dos conceitos -,
os referido objetos são todavia afetados pelos conceitos. Conhecemos aos objetos
primeiramente, e somente depois podemos expressá-los em palavras, - conforme
sempre importa advertir.
As classes de conceitos podem ser determinadas pelo modo de conceituar (§ 2.),
de que estamos a tratar de imediato. Restará para depois (§ 3.), tratar também das
classes de conceitos determinados pelo seu conteúdo.

453. Do ponto de vista do modo de conceituar (ou do modo de predicar) as


classes de conceitos são muitas. Não se reduzem todos os modos entre si, porque nem
sempre os pontos de vista referentes aos modos se coordenam entre si, sob um único
ponto de vista.
Pelo modo como os conceitos se predicam, eles se classificam em;
- abstratos e concretos,
- análogos e unívocos,
- próprios e impróprios.
É muito importante considerar o caráter abstrato dos conceitos, a que se
contrapõe o concreto.
Especialmente importam as classes em virtude das quais os conceitos se dizem
análogos e unívocos.
Quanto aos conceitos próprios e impróprios (vd 411) já foram amplamente
mencionados, todavia para mencionar as acepções possíveis de contexto de uma
palavra. Não o foram ainda como modos de conceituar, para determinar como devam
estes conceitos ser expressos por meio de contextos tais e tais.
Há uma aproximação entre analogia e a palavra de acepção imprópria. Esta
acepção imprópria é uma das subdivisões da analogia, a qual contém a subdivisão de
analogia imprópria.
Pela maneira, portanto, como as noções se predicam, os conceitos poderão ser
classificados em: abstratos e concretos, análogas e unívocos, próprios e impróprios.
454. Importa decidir com que recursos específicos, os conceitos classificados
pelo modo de conceituar, deverão ser determinados linguisticamente:
- ou pelo contexto,
- ou por um morfema aplicado ao semantema,
- ou simplesmente por um semantema próprio.
A questão levantada sobre os recursos específicos, para expressar os conceitos
classificados pelo modo de conceituar, somente conseguirá ser tratada adequadamente,
pelo repasse, uma a uma, das classes de conceitos, tentando experimentalmente
constatar como poderão de fato expressar-se.
Eis um trabalho de ciência positiva, que todavia requer um respaldo filosófico de
noções subtis.

I - Expressão verbal dos conceitos abstratos e dos conceitos concretos.


4515y455.

456. O caráter abstrato do conceito é um aspecto importante do mesmo, a ser


considerado tanto no estudo do pensamento, como em sua repercussão na língua.
Aborda-se a questão dos conceitos abstratos e concretos antes da classificação
generalíssima em conceitos análogos e unívocos, porque a abstração é uma condição
desta outra classificação.
Abstração é o mesmo que divisão; isto quer dizer que abstração é um
procedimento operacional, em que se opera uma divisão em partes, e em que cada
parte (ou elemento partido) se chama um abstrato (ou elemento abstrato).
Até aqui abstrato é o mesmo que dividido; abstrato é o contrário de todo, do
mesmo modo que parte é o contrário de todo; a soma dos abstratos constitui o todo, do
mesmo modo que a soma das partes forma o todo.

457. Entre abstração e divisão. Uma nuance distingue o termo abstração daquele
de divisão. Enquanto divisão se diz de qualquer separação em partes, abstração se usa
como termo peculiar à divisão procedida pela mente.
As divisões na mente não usam poder separar-se fisicamente ao modo como se
dividem os elementos químicos. Os "abstratos" que na essência são partes carregam
consigo a propriedade de não poderem se atomizar como coisas separadas de fato.
Além disto, a mente retira seus conceitos do mundo exterior concreto; constata
que pode dividir não só aspectos fisicamente separáveis, mas até considerar em
separado aspectos não separáveis ao modo físico.
A mente, - porque opera desde o início com o juízo, do qual os conceitos são
partes à maneira de sujeito e predicado, - começa sempre pela separação de aspectos
inseparáveis. Assim sendo, considera em separado o sujeito individual e sua forma
(abstração total) (vd 460), além de continuar pela redivisão da forma ou da natureza
(abstração formal) (vd 461).
Já se de vê, porque a abstração se diferencia com nuances frente ao termo divisão.
Com isto todavia não se afasta o denominador comum de serem ambas um processo
que separa partes para a classificação.

458. Entre abstrato e concreto. O abstrato se distingue do concreto, mais ou


menos como a parte se distingue do todo. Neste plano terminológico, abstrato é
dividido, concreto é o todo anterior à divisão.
Considerando que a divisão abstrativa pode ser realizada sob vários pontos de
vista, o conceito pode ser dito abstrato sob um ponto de vista, enquanto continua
concreto sob o outro ponto de vista, sob o qual a divisão abstrativa não se fez.
Pela abstração a mente divide o todo concreto constituído antes de tudo por um
sujeito (o individualizador) e por uma natureza ou forma possuída (a forma
determinadora que situa o sujeito em uma situação definida). Quando assim o sujeito
é separado de sua forma, a abstração se denomina total.
A natureza também se denomina forma, no sentido de que forma é aquilo que dá
forma ao sujeito. Também se divide, por redivisão, separando a forma em novas
formas. Agora a abstração, de formas às formas, a abstração se diz formal.
Como as abstrações se dão em dois tempos sucessivos, que vão da abstração total
à formal, acontecem também dois tempos no concreto.
Considera-se totalmente concreto o que se conserva com sujeito unido à forma
(natureza); consequentemente sem qualquer separação, nem a primeira, nem a ulterior
da forma em novas formas. É totalmente concreta, portanto, esta pedra individual que
ali está. É concreto este indivíduo homem: Pedro, João, Manoel.
Não existem conceitos concretos em todo o sentido, apenas coisas concretas, às
quais se refere o juízo. Por exemplo, isto é o homem, isto é um livro. Ou: ele é
homem, ele é Pedro.
Toda experiência, tratada pela mente, está na estrutura de um juízo, como em:
aquilo é vermelho. Há, pois, sempre um processo de abstração, em que os elementos
abstratos são conceitos, e que a afirmação judicativa une pela referida afirmação, sem
que se desfaça a separação conceptual.

459. A abstração total é a que separa sujeito e forma (ou indivíduo e natureza). A
respectiva tradução linguística é a que se exprime pelo uso do pronome.
Pode ainda o pronome identificar o sexo. Mas este aspecto é secundário, porque
primeiro lugar o pronome indica ao sujeito.
Acontecem ainda mais fenômenos na abstração total, e que importa aprofundar.
A abstração que separa sujeito e forma é a primeira das abstrações, e se
denomina abstração total, no sentido de que separa a forma de seu sujeito. Diferente
da seguinte que separa somente formas às formas, e que por isso se denomina
abstração formal.
Começa, pois, o trabalho de dissociamento abstrativo pela separação de sujeito e
forma, e que acabamos de denominar abstração tota. Nesta as determinações
atribuídas ao sujeito são tomadas separadamente do sujeito, destruindo-se então a
unidade concreta. Em vez de dizermos "a planta", ficamos a pensar "planta"
simplesmente.
Com esta abstração, que é total, caminhamos para as primeiras abstrações e que
são as mais frequentes que nos ocupam. No dia a dia, ora consideramos as coisas
definidas, como um na espécie, ora sem esta determinação numérica.
Na linguagem prontamente se reflete a abstração total, pela criação de um
morfema denominado "artigo" e que tem a função de caracterizar o mais determinado
contra o menos determinado. Em "a planta" não se diz algo tão abstrato tanto como
quando se enuncia "planta" simplesmente.
O indefinido poderá, ser expresso negativamente, pela ausência do artigo
definido. Algumas línguas possuem artigo indefinido, além do expediente da
expressão negativa.
Compreende-se imediatamente que os nomes próprios não necessitam artigo,
porque, sendo concretos em qualquer hipótese, já se encontram suficientemente
caracterizados.
Dizer por exemplo "o Pedro" é redundante, se se fala apenas deste indivíduo.
Os nomes comuns, pelo contrário, ora indicam o mais determinado, ora o menos,
razão porque um morfema , ou ainda o contexto, precisam fixar a acepção exata em
que se exercem em cada instante.
É notório que o artigo funciona em palavras mui abstratas, como "o ser". Mas,
em qualquer nível em que esteja funcionando o morfema determinador, está, naquele
instante, fixando a noção em uma perspectiva mais determinada.
A determinação ocorre principalmente do lado do sujeito e menos no do
predicado (geralmente universal); por isso, o morfema determinador, ou artigo, se
estabelece particularmente junto do sujeito.
Pode o sujeito ser considerado em dois níveis o do substantivo (mais concreto) e
o do pronome (mais vago). Há um elemento comum, que se repete no substantivo e no
pronome. Por isso, um pode substituir o outro. O caráter vago do pronome faz com
que ele substitua um maior número de substantivos (vd a gramática Esperanto Básico
- 1946y000,- sobre o assunto ).

460. A abstração formal é a que dissolve as formas em novas formas. Por exemplo, a
noção de ser se divide em essência e existência; na noção do serocorrem também as
formas pelas quais o mesmo ser se dissolve várias formas, segundo as quais ele se diz
coisa, algo, verdade, bondade, - noções que se fizeram conhecidas como modos
transcendentais, ou modos gerais.
Numa outra sequência de abstração formal, dividindo formas sempre em novas
formas, encontram-se as categorias de ser: substância, quantidade, qualidade, relação,
tempo, lugar, posição, ação, paixão, hábito. Em contraste, com os modos gerais do ser,
as categorias se dizem modos especiais do ser.
Todos estes conceitos, - modos gerais e modos especiais, - apresentam a
modalidade pela qual se dizem abstratos pela divisão da forma da coisa em novas
formas. Ou seja, os conceitos são abstratos em virtude de uma abstração formal, e não
pelo procedimento da abstração total (de forma ao sujeito).
Nestes exemplos não se cuida do conteúdo dos conceitos; eles possuem também
conteúdo, mas não é sob esta perspectiva que os consideramos aqui, e sim sob a da
maneira pela qual são conceitos abstratos pelo processo da abstração formal.
Nesta linha de exploração há ainda muito a determinar. Vimos exemplos em
diversas direções, eis onde devemos prosseguir, pondo a descoberto detalhes
importantes referentes à maneira de conceituar os objetos, e se vão refletir na
linguagem, porque em cada caso podem exigir uma particular morfologia da palavra.
II - Expressão de conceitos analógicos e unívocos.
2515y461.

462. Conceitos análogos e conceitos unívocos. Descobre-se que há conceitos aos


quais se denominou análogos, ou analógicos, que, pelo seu modo de predicar, atingem
todas as demais partes do objeto ao qual se predicam, portanto de maneira abrangente,
extravasando todos os limites; tal acontece visivelmente com conceitos como ser,
coisa, algo, bom, verdade.
Expressamente, tais noções têm um sentido definido; implicitamente envolvem o
restante.
E há conceitos, aos quais se denominou unívocos, que, pelo seu modo de
significar, se referem à camadas estanques, sem colherem implicitamente as demais
regiões do objeto.
Tal univocidade se observa, por exemplo, na categoria de substância, a qual,
como maneira estratificada de existir sob as demais categorias, nunca atravessa a linha
de fronteira que lhe cabe.
Assim também a categoria de quantidade nunca significa algo pertencente à
substância e nem à outra qualquer categoria, como as de qualidade, relação, tempo,
lugar, posição, ação, paixão, haver. Por sua vez estas outras não transcendem de novo
a si mesmas.

a) Os conceitos analógicos e a linguagem. 2515y463.

464. A advertência para a existência e sobretudo importância dos conceitos


analógicos foi feita a primeira vez com clareza por Aristóteles, criador da lógica,
cujos livros lógicos ficaram conhecidos depois sob a denominação de Organon, e de
uma ontologia do ser, em que este conceito se tornou básico.
A introdução da distinção entre analógico e unívoco importou em descoberta de
uma chave para ordenar os conceitos, que são de uma variedade miríade.
Mas logo se colocou, mas para além da distinção meramente lógica, a questão da
validade gnosiológica. Os resultados deram em sistemas divergentes, entre
racionalistas e empiristas, e ainda no quadro do mesmos racionalistas a divergência
entre racionalismo moderado e racionalismo radical.
Aristóteles procurou fazer valer a distinção lógica da mente, como também
ocorrendo na ordem real efetiva das coisas em si. Nisto foi retomado sobretudo pela
escolástica medieval de Tomás de Aquino.
Todavia, ao mesmo tempo que a analogia no campo do ser real parece solucionar
teoricamente graves problemas, decisivos para a conceituação do todo, ou como
panteístico, ou como dualístico (Deus e mundo), oferece, de outra parte, dificuldade
internas. A analogia, em última instância, parece confundir-se, - no entender dos que a
combatem, - com a equivocidade, e então nada resolve sem contradição interna.
Não obstante, para efeito do pensamento em si mesmo, não importa o que
acontece pelo lado de fora dele mesmo, no que concerne à analogia. Na área interna
da mente, mantido o formalismo, a analogia e a univocidade continuam classificando
os conceitos em duas classes inteiramente gerais.
A partir destas duas classes continua a subclassificação de todos os conceitos, em
esquemas progressivamente menores, até o enquadramento dos últimos na forma de
indivíduos numericamente iguais.
Noção analógica, - repetimos, - é a que se atribui parte igual e parte não aos
diferentes indivíduos, de tal maneira que coisas diretamente opostas, como o quadrado
e o círculo contêm algo comum. É analógica sobretudo a noção do ser. Tudo é ser, de
algum modo, ainda que as essências entre si se excluam, pois o grande não é o
pequeno, a substância não é o acidente, a quantidade não é a qualidade, o homem não
é a pedra, e assim por diante.
A noção unívoca é a que se atribui a cada coisa sob o mesmo ponto de vista. Por
exemplo, animalidade se atribui aos brutos sob o mesmo ponto de vista em virtude do
qual o homem também é animal. Ninguém é mais animal que o outro, seja homem,
seja elefante, seja porco, seja pulga. O conceito unívoco é estanque, como fatia ou
camada, não penetrando os demais elementos do objeto aos quais são referidos.
Contribui a distinção entre analogia e univocidade para a compreensão mais
precisa dos conceitos de conteúdo, principalmente para distinguir os modos gerais de
ser, ou noções transcendentais (ser, coisa, verdadeiro, bom) e os modos especiais de
ser ou categorias (substância, quantidade, qualidade, relação, tempo, lugar, posição,
paixão, hábito). Oportunamente, ao se tratar dos conceitos de conteúdo,
constatar-se-á esta contribuição.
Mantenha-se de sempre claro que a classificação que distribui os conceitos em
análogos e unívocos não se diz diretamente do conteúdo, mas do modo como se faz
referência a este conteúdo.

465. Os modos gerais de ser do ser. Os conceitos análogos, de que os mais


significantes são os modos gerais de ser do ser: aliquid (algo), res (coisa), verum
(verdadeiro), bonum (bom).
Em si mesmos, como aliás qualquer conceito, os conceitos denominados modos
gerais, são conteudísticos. Mas, obedecem a uma maneira de ser.
O mesmo ser é existência, essência, afirmação, negação. A partir dali decorre o
seguinte quadro de modos de gerais de ser:

O ser como existência, e ainda em absoluto e em afirmando, é algo. Dito pela


inversa, - algo é o ser visto como existência, e em afirmando.
O ser como essência, e ainda em absoluto e em afirmando é coisa; dito pela
inversa, - coisa é o ser visto como essência, e ainda em absoluto e sm afirmando.
O ser como existência, e ainda em relativo e em afirmando é bom. Dito pela
inversa, - bom é o ser visto existência, e ainda em relativo e em afirmando.
O ser como essência, e ainda em relativo e em afirmando é verdadeiro. Dito pela
inversa, - verdadeiro é o ser visto como essência, e ainda em relativo e emafirmando.
Estas maneiras de ser são ditas do conteúdo, mas ao modo analógico, isto é, da
totalidade dos objetos aos quais se predicam, mesmo que estes objetos entre si se
distingam.
O que as noções analógicas acrescentam na consideração é aquele mais, em
virtude do qual se estabelecem como certa maneira de se predicarem, ora em função
ao absoluto, ora em função ao relativo. Além disto, sua maneira de conceituar é em
afirmando.
Também ocorre a maneira de predicar em negando, de que resulta dizer-se que o
ser é uno consigo mesmo; uno como essência; uno como existência; uno como
verdade; uno como bom. Isto quer dizer, que não se une o ser ao seu contrário, dali
resultando os "princípios"; por exemplo, o que é, é, e não se une ao seu contrário
(princípio de contradição).
As noções descritas como modos gerais do ser são típicas da concepção
racionalista do ser. Elas têm trânsito difícil na filosofia empirista. Paradoxalmente, os
mesmos empiristas as necessitam quando pensam.
As noções transcendentais mostram ainda que o conceito está constituído em
unidade com o juízo; não há conceitos senão como elementos constitutivos do juízo.
Resultado final: poderá ser melhor expressar os conceitos transcendentais
integradamente com o juízo, e não isoladamente. Por isso, a noção de ser surge com a
forma de verbo, que une sujeito e predicado.
Há, pois, uma morfologia da expressão oral a expressar os modos gerais do ser,
os quais ora surgem como palavra, ora como elemento do juízo.
A tradução dos conceitos da classe denominada dos transcendentais, - muito
peculiares tanto pelo modo de predicar, como pelo conteúdo, - oferece complicadas
estruturas linguísticas.
Quando do exame do juízo em espécie (vd 526), verificar-se-á que os modos
gerais do ser, como objetos que vêm através dos conceitos analógicos e do juízo,
continuam afetando a linguagem.

b). Dos conceitos unívocos e a linguagem. 2515y466.

467. Cinco modos gerais de predicar, ou categoremas. Os conceitos unívocosse


caracterizam pelo modo de predicar, no qual a atribuição se faz por igual para todos
os indivíduos
Se se disser, por exemplo, que os homens são racionais, cada um deles é racional
pela mesma razão; se se disser que homens e elefantes são animais, novamente cada
indivíduos o é por igual redistribuição.
Mas conceitos unívocos obedecem a cinco modos de predicar, chamados
predicáveis (denominação de escola derivada do latim), ou categoremas(denominação
equivalente e derivada do grego).
Eis nova fonte de influência dos conceitos unívocos sobre a linguagem.
Todos os cinco modos de predicar, ou categoremas, são unívocos, porque não se
processam ao modo analógico de predicar; todavia os cinco modos se dão com
essencial distinção. A eles é preciso atender, porque advertem para diferenças de
objeto que repercutem na língua.
Os predicáveis são:
- gênero,
- diferença específica,
- espécie,
- propriedade,
- acidente.
Apresentados primeiramente por Aristóteles, foram os predicáveis(categoremas)
especialmente analisados por Porfírio (séc. III d. C.), autor de uma famosa Introdução
às categorias de Aristóteles, mais conhecida pela titulação grega Eisagogé
(=Introdução). Foram este objeto de numerosos comentários futuros, principalmente
de escolásticos.
Destaca-se a importância dos primeiros três predicáveis, porque referentes ao
modo de predicar dos elementos essenciais de um ser:
- o gênero indica a parte determinável geral;
- a diferença específica, o elemento determinador principal;
- a espécie, o todo resultante.
Seja um exemplo:
"homem" é predicado como espécie;
"animal", como gênero;
"racionalidade", como diferença específica.
Uma definição essencial se refere à espécie, para enunciar divididamente o
gênero e a diferença específica. Portanto, homem se define como animal
(gênero)racional (diferença específica).
A propriedade deriva por efeito formal (essencial), de um elemento já constituído;
consequentemente, a propriedade é um acontecimento necessário, desde que ocorra o
fundamento de que deriva.
É, por exemplo, próprio do ser vegetal o alimentar-se; do animal o sentir; do
espiritual, o pensar.
Uma definição descritiva é a que define o objeto por suas propriedades, porque
estas conduzem necessariamente a ele.
O acidente, ainda que derivando da natureza mais profunda, não decorre
necessariamente. Só por eventualidade um homem é branco, outro é preto. Acidentes
estáveis também permitem definições descritivas, ainda que não tão firmes quando as
que procedem pela via das propriedades propriamente ditas.
Há acidentes estáveis ou frequentes que podem induzir ao erro de se fazerem
interpretar como se fossem efetiva propriedade. Não obstante há acidentes muito
presentes na vida humana e que por isso ocupam lugar de destaque nos objetos que a
língua expressa.
Os acidentes, pela sua variedade, geram com maior frequência a esteticidade das
coisas, inclusive dos estilos da arte.

468. Reflexo na linguagem dos cinco modos gerais de predicar. Como é que os
cinco predicáveis, ou os conceitos unívocos, se refletem na linguagem diacrítica de
significados?
É notório o reflexo dos predicáveis sobre a língua. Não se exprimem do mesmo
modo um gênero, uma diferença específica, uma espécie, uma propriedade, um
acidente.
Todavia, os reflexos dos predicáveis sobre a língua se dão muito pouco na
morfologia, mais no contexto, o que torna o sistema um tanto complexo.
Antes mesmo que se atenda aos modos da predicação unívoca, tem-se de levar
em conta o caráter abstrato de todas as predicações.
Normalmente a morfologia da língua expressa os conceitos abstratos resultantes
da abstração total com expressões que indicam apenas o conteúdo e não pela maneira
como o conteúdo se predica.
Quando a língua utiliza o morfema da expressão abstrata, ela não distingue entre
conceitos análogos e unívocos; mas o morfema existe. Aparece, por exemplo, em
amizade, especificidade, humanidade, etc.
O morfema não costuma fazer distinção entre abstrato de qualquer espécie e o
que é propriedade. Por exemplo, racionalidade (diferença específica) e humanidade
(qualidade).

469. O gênero possui geralmente um nome próprio. O fenômeno talvez ocorra


com mais frequência que a espécie. Ter um nome próprio já é uma expressão
morfológica e não apenas de contexto.
Mas, ainda que o gênero tenha nome próprio, contudo nem este nome próprio
usual para o gênero costuma conter expressamente a noção de gênero como parte
indiferenciada ao lado da diferença específica (seu complemento essencial).
O nome próprio do gênero é antes um nome de super espécie. Neste caso o
gênero como gênero somente é expresso portanto pela ajuda do contexto.
Uma indicação direta do gênero se faria por um morfema (sufixo ou afixo, ou
ainda terminação diacrítica), que apontasse para o caráter indeterminado do nome do
referido objeto. Mas isto geralmente não ocorre.
Quando a espécie não possui denominação própria, usa-se indicá-la mediante o
gênero mais a diferença específica. Esta última forma é uma linguagem descritiva.
Haver e não haver um nome próprio para todos os objetos varia de idioma para
idioma. Por isso as traduções não conferem exatamente no que se refere à indicação
das espécies.
De outra parte, o expediente que indica a espécie mediante o esquema frasal do
gênero e da diferença específica resulta em determinar a posição de um nome como
gênero. Um expediente sintático exprime, por conseguinte, o gênero.
A distinção de sexo, que os gramáticos usam para denominar como sendo de
gênero, não é a mesma de quando se diz que o gênero é um predicável (ou modo de
predicar). Não há a relação de determinado e indeterminado entre os sexos, para que
efetivamente ocorra aquela situação.

470. Os indicadores do gênero - genetivo, adjetivo, partículas. A expressão do


gênero juntamente com a diferença específica se consegue por expedientes de uso
opcional:
- forma genitiva, mediante declinação, existente por exemplo no latim e línguas
germânicas, mesmo no inglês, como em God's acre (campo santo);
- forma adjetiva, como em animal racional;
- forma com preposição, como em porta de casa;
- forma aglutinante, que funde as palavras, como em peixe-espada.
A composição aglutinante é um expediente linguístico de quase todos os idiomas.
É todavia mais frequente em alguns, como nos idiomas germânicos, por exemplo, no
alemão Haustier (= porta de casa). No Esperanto a aglutinação faz parte do
sistema, como em somerdomo (= casa de verão).
A aglutinação é mais sintetizante e torna extraordinariamente ricos os idiomas
que a possuem; semelhante a palavra evolui geralmente na direção de nome específico,
sobretudo quando este inexiste.
Na aglutinação a composição costuma colocar o nome principal em segundo
lugar. Nuances distinguem entre si os expedientes que exprimem gênero e diferença.
A regra nem sempre vale nos idiomas, que, como os latinos, não desenvolveram
esta modalidade de expressão.
Adjetivos e substantivos ordinariamente não se compõem, porque um já é
determinador do outro.
Esta norma somente vale quando as categorias gramaticais se distinguem
nitidamente.
No Esperanto umas raízes são substantivas, outras adjetivas, outras verbais e
assim por diante. Sabe-se então que algumas raízes são sempre adjetivas e outras
sempre substantivas, de sorte a aparecer mais claramente que não se aglutinam.
A expressão aglutinante, que enunciam um objeto pelo gênero mais a diferença
específica, difere da expressão mediante nome. Indica o nome ao objeto como um
todo, incluindo as partes apenas confusamente. Diversamente, a expressão aglutinante
indica (gênero mais diferença específica) refere as partes expressamente e não só
confusamente.
Quando se quer indicar expressamente o todo, se deve apelar ao nome da
espécie. Diferentemente, quando se quer enfatizar as partes, ou uma delas,
aponta- se para o gênero, ou a diferença específica.
Quem diz "os seres racionais exercem responsabilidade" indica o homem por
aquela diferença específica que decide na afirmação e a explica.
Se se houver, entretanto, de referir a mortalidade do homem, não é adequado
afirmar "os seres racionais (gênero e diferença específica) são mortais" e sim "os
homens (espécie) são mortais".

471. Complementos explicativos. As propriedades e os acidentes são expressos


com o auxílio de alguns recursos morfológicos, quando sintaticamente se estabelecem
como complementos. Mas principalmente se expressam contextualmente.
Denomina-se "complementos explicativos" os que explanam uma qualidade
inerente ou compreendida no substantivo modificado.
Eis o caso das propriedades que brotam por efeito formal inarredável de dentro
da natureza. As propriedades se fazem conhecer por análise. Não importam em
constatação, ainda que se possam conhecer também assim.
Os outros são "complementos restritivos", porque restringem a significação
mediante qualidades de ocorrência acidental, como em papel branco, água suja, casa
grande.
Estas qualidades somente se fazem conhecer por constatação, isto é, por meio de
juízos sintéticos. Apenas depois da verificação podem ser afirmados de seus sujeitos.
Diverge o comportamento, na frase, dos complementos explicativos e restritivos.
Geralmente os restritivos funcionam com peculiaridade quando colocados após a
palavra que modificam, como em "água suja".
Não obstante, o uso idiomático pode estabelecer o contrário. Certas propriedades,
como por exemplo, a de ter sexo, influenciam notoriamente a morfologia e em alguns
casos até a palavra integralmente.

472. Sexo em linguagem. Como se situa o sexo (masculino e feminino)


diacriticamente na expressão linguística? Trata-se de de uma questão de modo de
predicar. É parte de um dos predicáveis.
Seria neste plano dos predicáveis o sexo um gênero, ou mesmo uma espécie, ou
seria apenas uma propriedade? Ou até menos que isto, um acidente mais ou menos
estável? Em qualquer das alternativas o sexo está como maneira de predicar. Mas não
se pode negar que as vezes o sexo é abordado apenas como conceito de conteúdo.
Estes fenômenos dificultam a precisão morfológica e contextual da expressão
linguística do sexo.
Seria mesmo o sexo aquilo que ordinariamente se pensa sobre ele? Efetivamente
o sexo poderá ter sido conceituado diferentemente de sua verdade. Então estaria
aparecendo na língua, diversamente do que a verdade o anotaria.
Culturalmente os conceitos sobre o sexo funcionam como se se de tratasse de
duas espécies, portanto com gênero e diferença específica – a espécie macho e a
espécie fêmea.
O que se deve efetivamente pensar? O sexo é uma diferenciação biológica
profunda já a partir das mesmas células, que depois se reflete em diferenças de
comportamento e diferenças anatômicas. Ações inibitórias podem dar uma direção ao
crescimento à fêmea, e ações não inibitórias podem dar outra direção de crescimento
ao macho. Por isso divergem somaticamente, com consequências sociais de
comportamento.
A importância do sexo na vida dos indivíduos, tornado este fenômeno muito
presente na língua, com variações morfológicas das palavras, além das contextuais.

473. As diferenças de sexo influenciam antropologicamente e subtilmente a


língua, de acordo com a índole dos próprios sexos.
A letra "i", de natureza mais graciosa e alegre, se apropria ao caráter feminino
(vd 280). Comparece mais em suas denominações. Prontamente se constata em
nomes como Lolita, Josefina, Blumenita (referência à Blumenau), Floripa (referência
à Florianópolis).
No alemão o feminino é formado pelo sufixo – in, como em Lehrerin (=
professora), Schülerin (= aluna).
O Esperanto adotou o mesmo expediente, além de introduzir toda a variação:
patrino (= mãe), patrina (= maternal), patrine (= maternalmente), bovino (= vaca),
cêvalino (= égua), hundino (= cadela)...
A letra "a" é por natureza a vogal mais espontânea e por isso é de fácil pronúncia,
por onde começam as crianças; "a" também faz fortuna entre as mulheres. Os
adjetivos tendem para a terminação em "a".
No Esperanto a terminação em a é própria do adjetivo qualificativo. Por isso, no
mesmo Esperanto, cujo sufixo feminino é -ino, há uma tendência antropológica para
aceitar os nomes femininos em final a, dando ao seu uso o sentido adjetivo. A mesma
tendência ocorre em idiomas nacionais: Suzana, Isabela, Elizabeta...

Quando os nomes femininos saem do esquema indicado não logram a mesma


fácil simpatia. Mulher, em português, não funciona com a espontaneidade de seus
correspondentes em outros idiomas; por isso facilmente tem sido substituída por
senhora, inclusive por formulações estrangeiras, como madame, ou miss.

474. Em alguns casos a forte insistência na diferenciação dos sexos resultou até
na criação de nomes próprios para machos e fêmeas: homem e mulher, boi e vaca,
carneiro e ovelha, bode e cabra, cavalo e égua, cão e cadela.
Também pela composição se exprime morfologicamente o sexo: cobra-macho,
cobra-fêmea.
No Esperanto o sufixo -ino dá ocasião a composições como: in-câmpelo (=
chapéu de mulher), in-vesto (= roupa de mulher), in-kalsono (= calção de mulher), in-
kalsoneto (= calcinha de mulher).
A indicação indiscriminada dos sexos, ou seja de ambos numa só expressão, é
também possível mediante morfema próprio. No Esperanto se faz com o sufixo ge-
(pronuncie-se guê), com notável vantagem: gepatroj (= pai e mãe), gesinjoroj (=
senhores e senhoras) (pronuncie-se guepátroj, guessiniôroi).
O uso do plural, como acontece no português, requer uma complementação vinda
do contexto; observe-se a diferença: os pais de João (= pai e mãe), o dia dos pais é em
julho e o das mães em maio...
Ordinariamente, no idioma português, o sexo masculino é indicado
morfologicamente pela terminação o: Pedro (difere de pedra), galo (difere de
galinha)...
É comum determinar o sexo masculino por diferenciação negativa (vd 218); uma
vez determinado morfologicamente o sexo feminino, sabe-se de que a palavra paralela
sem esta determinação será masculina.
O sexo mitológico das coisas, ainda que culturalmente admissível em línguas
nacionais, não é recomendável em língua internacional. Conflita com situações
nacionais, em que um termo poderá ser masculino (como o sol nas línguas neolatinas)
e feminino (como mesmo sol, na língua alemã).
No sistema pronominal sempre se manifesta a conveniência de diferenciar os
sexos na terceira pessoa do singular: ele e ela. Não tão importante é a diferenciação no
plural; ela poderá ser realizada pelo contexto.

475. As palavras obscenas constituem um fenômeno linguístico ligado


principalmente às concepções culturais, morais e religiosas sobre a sexualidade.
Entretanto, do ponto de vista da verdade, a sexualidade é um reflexo
incondicionado; sob este aspecto a sexualidade, como todos os reflexos
incondicionados, é, em princípio favorável à natureza.
Mas, em consequência dos prazeres combinados e outros envolvimentos, o
reflexo incondicionado da sexualidade, gera uma cadeia de reflexos condicionados e
finalmente um comportamento social mui peculiar. Tudo ainda é consolidade com
ideologias morais e religiosas, que se sedimentam em costumes, conceitos sobre tais
fenômenos.
O fenômeno global da sexualidade produz uma linguagem especial, que em parte
é considerada obscena. Não julga a linguística a obscenidade em si mesma, e sim o
reflexo desta obscenidade (cultural, ou não) na palavra.
476. Conceitos equívocos e palavras equívocas. Não há conceitos equívocosno
mesmo sentido como há palavras equívocas, isto é, com o mesmo som. Conceitos que
são rigorosamente iguais são simplesmente idênticos, expressando a mesma coisa.
Palavras equívocas expressam todavia coisas diversas.
Quando as palavras são idênticas, mas resultam de origem etimológica distinta,
poderão eventualmente ter uma grafia também distinta.
Este fato poderá contribuir para a identificação gráfica do sentido, mas em nada
altera o caráter oral dos sons. Acontece em conserto (de conservar, arrumar) concerto
(de concertar, no sentido de arranjar, pôr em ordem, proveniente do latim concertare =
planejar).
Apóia-se a diversidade gráfica de sons idênticos na tendência conservadora, que
se instala na mente dos estudiosos da etimologia, sacrificando o principal (a grafia),
pelo secundário (a origem). Enquanto prevalecer a tendência conservadorista
etimologista, se grafam diferentemente sons idênticos, com vistas apenas a atender ao
passado da palavra, como em obsceno e obcecado.
Em absoluto, porém, a etimologia não depende deste conservadorismo, aliás
muito oneroso pedagogicamente, didaticamente, culturalmente, socialmente,
economicamente e até politicamente.

477. As classes de conceitos que se distinguem pelo sentido próprio e impróprio


(vd), pouco afetam a morfologia da palavra, e sim muito o contexto.
É pelo contexto que se determina quando um conceito deva ser tomado em
sentido próprio e quando quando deslocado para o impróprio.
Importa, então, atender à lei de fixação do contexto do conceito; este contexto de
conceito é fixado na estrutura mesma do juízo, no qual o predicado contém os
elementos que fixam o contexto do sujeito (vd 448).

§ 3. Expressão dos conceitos classificados pelo conteúdo.


4515y479.

480. Uma classificação material importante. Os conceitos classificados pelo


conteúdo se referem ao que a coisa é em si mesma. Trata-se, pois, de uma
classificação material dos conceitos, e não pela forma dos mesmos conceitos.
Assim sendo, o ponto de vista dos conceitos classificados pelo conteúdo é
externo a eles mesmos. De outra parte, em qualquer expressão importa muito o
conteúdo expresso, porquanto o objetivo é informar sobre ele. O conteúdo influi de tal
modo a expressão, que em função a ele se criam os gêneros artísticos (vd).
A classificação material da expressão se repete nas três operações mentais, -
conceito, juízo, raciocíno, - de onde as respectivas três expressões, - palavra, frase,
discursos.
Estamos situados agora no plano do conceito, e respectiva palavra. O primeiro
avanço na pesquisa a fazer, é classificar. O ponto de vista adotado é material, ou seja,
a partir do conteúdo.
Dois são os modos de ser:
- os modos gerais, também chamados transcendentais, cuja predicação é
analógica,
- modos especiais, por sua vez também chamados categorias, cuja predicação é
unívoca.
Os modos transcendentais são conteúdos que têm a propriedade de se predicarem
analogicamente; os modos de ser das categorias têm a propriedade de se de
predicarem univocamente.

I – Os modos gerais de ser, na linguagem.


4515y481.

482. O ser é a noção de conteúdo mais geral dentro todos os conceitos, e é a que
mais se reflete na linguagem, por todas as formas do conhecidissimo verbo ser.
De outra parte, é a noção que se apresenta menos definida, o que é
verdadeiramente surpreendente.
É que o ser se predica universalmente, e em todas as coisas à maneira analógica,
não à maneira unívoca. Assim não fosse, o ser não chegaria a atingir a universalidade
frente às coisas, as quais, embora unívocas em tantos aspectos, em outros são
equívocas.
Portanto, o ser, - como analógico em seu predicar, - se diz em cada caso à sua
maneira e de nenhum ser particular ao modo em que o foi de outro.
Mas, se a alguma, - como a Aristóteles, - o ser se apresenta como analógico,
outros, todavia, não o querem assim. Estes outros, - advertindo para o aspecto de que
as coisas parecem opor-se umas às outras, - querem que o ser seja uma noção
equívoca, referindo-se às coisas, em cada caso, equivocamente. Assim de fato pensam
a respeito do ser alguns filósofos – os empiristas e existencialistas, - ainda que nem
sempre conscientemente.

483. Com referência à expressão linguística, o ser se expressa na forma de cópula,


isto é, de verbo, que une predicado e sujeito. Dali também a função do ser como verbo
de ligação.
Efetivamente, o ser ingressa na mente através da afirmação, de que se constitui o
juízo. Pensamos sempre em termos de verbo ser, asseverando que o predicado se une
ao sujeito. Não se identifica, pois, a noção de ser com a dos demais conceitos, que
estão na posição de predicado e sujeito.
A expressão linguística do ser é a que usa denominar o verbo "ser". Na forma
comum e mais simples se diz apenas "é", como na frase A é B.
Na variação gramatical a expressão natural "é" assume diferentes formas da
conjugação do verbo ser, como quando se de diz: sou, és, é, somos, sois, são; fui,
fostes, foi, etc.
Mas, esta forma natural "é", pode, linguisticamente, se fundir com o predicado,
sobretudo quando este indica ação. Por exemplo, em vez de se dizer "o sol é claro", ou
"o sol é brilhante", pode-se dizer de outro modo "o sol clareia", ou "o sol brilha".
Há, todavia, uma nuance, que consiste em acrescer a idéia de ação. Mas, em
última instância se conserva a afirmação do verbo ser, que é essencial ao juízo.

484. A noção de ser admite a divisão em essência e existência, e que de novo se


reflete na linguagem, distinguindo entre o significado do verbo que diz ser (= o que a
coisa é, em sua essência) e do significado do verbo que diz estar (= como a coisa está
existindo).
A distinção se aprofunda quando atinge a diferença entre ser e existir. Outras
vezes se dá o inverso, quando pelo contexto o verbo ser deve significar, ora a
diferença entre ser e estar, ora o espaço maior de diferença entre ser e existir.
Observa-se de a diferença entre "ser" e "estar" em expressões, como "isto
échuva", "está chovendo". O verbo estar significa estado em andamento, portanto algo
no plano do existir. Ocorrem dois termos, para significar o fenômeno referido, - ser
e estar.
A morfologia também pode obter os mesmos efeitos a partir de uma só radical. É
O que acontece com os sufixos que significam a demora da ação. No Esperanto o
fenômeno ocorre através do sufixo -ad-, como em esti (= ser) e estadi (= estar).
No caso do verbo que significa o existir, se de dá facilmente a fusão com o
predicado, porque ordinariamente ocorre uma ação; em vez de "está um brilho", se de
pode dizer "brilha".

485. Os "modos gerais" do ser se dizem assim, porque se predicam


generalizadamente de todo e qualquer ser.
Transcendendo a toda e qualquer particularidade setorial, eles se dizem por vezes
"os transcendentais", como já foi adiantado. Nesta condição se encontram as noções
também já referidas: "algo" (aliquid) "coisa" (res), "verdadeiro" (verum), "bom"
(bonum).
Estas últimas noções estão em sentido ontológico. Tais noções, já difusamente
indicadas por Platão e principalmente por Aristóteles, o foram mais insistentemente
tratadas pela escolástica medieval, com notórios desenvolvimentos em Tomás de
Aquino (Cf. Quaestiones disputatae, De Veritate, Q.I, a.1).
Todavia não há na língua um reflexo direto, sobretudo não muito claro, dos
modos gerais do ser, senão no que se refere ao mesmo ser como verbo. É que os
modos gerais não costumam ser atingidos claramente pela maioria dos falantes,
porque os confundem com os modos especiais, ou categorias.
Entretanto, o reto modo de pensar atende às noções transcendentais, como elas se
ocorrem efetivamente em todos os níveis de abstração, porque cobrem a realidade em
qualquer de suas dimensões.
Expressam-se os transcendentais, ora com morfemas que indicam o abstrato, -
como em entidade, quididade, verdade, bondade, - ora com morfemas do concreto, -
como em ser, coisa, algo, o bom, o verdadeiro. Mas na morfologia destas diferentes
colocações nada diz diretamente, que tais noções tenham o caráter transcendental,
enquanto as outras têm caráter categorial. Nada diz, que uma noções são analógicas e
as outras unívocas.
Todavia, no plano do pensamento em si mesmo a importância destes modos
gerais é muito significativa, e pode influir a percepção do contexto das palavras. a
partir deles se de estabelecem os princípios, ou axiomas. Precisam ser bem
conhecidos para que ao menos como conteúdo o texto se de torne corrente.
O não reflexo de todos os modos gerais do ser na morfologia da linguagem,
dificulta seu tratamento por parte da filosofia e de suas aplicações na ciência positiva.
As denominações permanecem imprecisas. Não se distingue sequer claramente entre
"algo" (que está no plano da essência) e "coisa" (no plano da existência).
Em consequência importa convencionar uma terminologia "ad hoc", ou seja uma
linguagem científica, que fuja das acepções vulgares e polissêmicas:
- Algo (aliquid) se de diz do ser, visto do ponto de vista de sua essência, em
absoluto, afirmativamente;
- Coisa (res) se de diz do ser visto do ponto de vista de sua existência, em
absoluto, afirmativamente;
- Verdadeiro (verum) se de diz do ser, do ponto de vista da essência, em relativo
afirmativamente;
- Bom (bonum) se de diz do ser, do ponto de vista da existência em relativo,
afirmativamente.
Todas estas noções, vistas negativamente vão resultar nas frases, que enunciam
os princípios (ou axiomas), mas sobre o que não nos estenderemos aqui.
Além disto, os modos gerais apresentados são os mais genéricos: a eles se de
reduzem as mais variadas nuances. Por exemplo, o perfeito, o belo, são modos do ser
que se de reduzem ao verdadeiro (isto é, ao verdadeiro ontológico).

II - Os modos especiais do ser, ou categorias, na linguagem.


4515y486.

487. O conhecimento dos modos especiais, ou categorias, importa sobretudo para


a percepção contextual da palavra. Por isso, importa examinar como isto acontece, em
cada categoria, com muito detalhe, uma após outra (vd 491ss).
Os conceitos unívocos, segundo as classificações que se lhes procura dar, não se
espalham como uma população desordenada de produtos mentais. Também no mundo
dos conceitos unívocos, há países, províncias, municípios, distritos, cidadãos
individuais, sobretudo agora bem mais diferenciados que os objetos dos modos gerais
do ser.
Não é fácil, neste mundo de idéias miríades, descobrir os esquemas ordenadores,
isto é, os pontos de vista, através dos quais se estabelecem as classes.
Os conceitos unívocos, quando reduzidos aos seus gêneros supremos, admitem
variadas denominações. Enquanto distintos dos conceitos gerais (oumodos
transcendentais), se denominam conceitos especiais (ou modos especiais).
Estes modos especiais fizeram-se de conhecidos desde a antiguidade
simplesmente como categorias e os modos gerais, simplesmente como transcendentais.
Dado o sentido originário da palavra categoria, fez-se-lhe a tradução latina
porpraedicabilia (= os predicáveis). Prevaleceu contudo o termo grego categoria.
Aristóteles apresentou um elenco de 10 categorias: substância, quantidade,
qualidade, relação, tempo, lugar, posição, ação, paixão, hábito (Categorias, 1b 25ss).
Novas classificações de gêneros supremos foram tentadas. Continua a de
Aristóteles a mais difundida.
Kant apresentou uma lista de 12 categorias, em 4 subgrupos de 3:
- categorias de quantidade (unidade, multiplicidade, totalidade);
- categorias de qualidade (realidade, negação, limitação);
- categorias de relação (substância e acidente, causa e efeito, ação recíproca);
- categorias de modalidade (possibilidade e impossibilidade, existência e não
existência, necessidade e contingência).

Os procedimentos linguísticos, ao expressarem estes conceitos, não ingressam


em todas as subtilezas classificatórias. Devem todavia conseguir expressar
suficientemente os conteúdos dos respectivos conceitos, seja por via morfológica, seja
por via contextual.
Quando se trata das categorias, com vistas a elas mesmas e à palavra que as vai
expressar, o que importa são três grupos de diferenciadores, a que importa dar muita
atenção:
- cinco ante-predicamentos, a saber, univocidade, supremacia em sua ordem,
simplidade da noção, distinção real, universal metafísico;
- cinco predicamentos, a saber, gênero, diferença, espécie, propriedade, acidente.
- cinco pos-predicamentos, a saber, oposição, propriedade, simultaneidade, posse,
movimento.

488. Ante-predicamentos. Ocupando-nos agora das categorias, estas se destacam


primeiramente como conceitos unívocos, os quais se referem a estratos estanques no
objeto. Mas, através de outros detalhes mais, que estas categorias se subdistinguem
entre si, em classes supremas irredutíveis, ou seja em 10 categorias (na classificação
de Aristóteles).
Para criar estas classes supremas são tomados cinco critérios, conhecidos como
ante-predicamento (ou ante-categorias).
O primeiro critério é aquele que define a mesma categoria: ser conceito unívoco.
O segundo diz respeito aos predicáveis: ser conceito supremo em sua
ordem,subordinando por redução aos demais (colocação em árvore porfiriana, em
espécies e gêneros sucessivos, até um supremo).
O terceiro diz respeito ao método da divisão e classificação: ser conceito simples,
não divisível em outros mais simples.
O quarto é um critério lógico: ser conceito realmente distinto de outro (não
apenas por abstração mental).
O quinto e último antepredicamento se refere ao procedimento de abstração: ser
universal metafísico, excluindo portanto as individualizações (abstração formal, não
ainda a abstração total).
Destaque-se o segundo ante-predicamento, que estabelece a condição de ser a
categoria um conceito supremo em sua ordem, subordinando por redução aos demais
conceitos sob a sua supremacia à condição de gêneros subalternos.
Para estabelecer este conceito supremo, ou categoria, os categoremas(predicáveis)
ordenam internamente os conceitos aparentemente dispersivos, em classes
progressivas, até se formar o topo da classe mais geral.
Os conceitos supremos já irredutíveis a outros mais simples (3º ante-
predicamento) ficam sendo denominados categorias (ou, pela forma latina,
predicamentos). São na verdade gêneros supremos dos quais os outros conceitos são
gêneros subalternos e espécies subalternas.

489. Predicáveis. Apesar de estratos estanques do objeto, os conceitos unívocos


se coordenam entre si de maneira coordenada, e não apenas sequencialmente como se
dá com indivíduos homogêneos da espécie.
Entrelaçam-se pela maneira de predicar dos cinco predicamentos já mencionados,
- gênero, espécie, diferença específica, propriedade, acidente.
Uns conceitos comparecem como gêneros, outros como diferença específica,
outros como propriedades necessárias, outros enfim como acidentes.
As noções unívocas por meio de cinco maneiras diversas de encaixe, chamadas
predicáveis, se organizam em "árvore porfiriana" (referência a Porfírio), no alto da
qual se encontra o gênero supremo (ou categoria), irredutível a outro gênero maior.
Sendo no entender de Aristóteles dez os gêneros supremos irredutíveis, resulta
haver ao todo dez categorias, sob as quais se ordenam todos os conceitos unívocos.
A importância de conhecer estes gêneros supremos de conceitos, classificados
pelo seu conteúdo, está em que, a partir deles, se planeja racionalmente a língua que
os denomina.

490. Pos-predicamentos são propriedades que transitam pelas diversas categorias,


dando-lhes peculiaridades notórias; tais são: oposição, propriedade, simultaneidade,
posse, movimento (vd 507).
Não se de trata de noções realmente distintas na estrutura do objeto,- como se
reclama das categorias, - mas de perspectivas em que tais categorias poderão incorrer.
Assim, por exemplo, a substância admite movimento, i.e alteração de sua
essência; também a quantidade se altera; igualmente há alterações na qualidade, no
tempo, no lugar, na situação, na ação, na paixão, na posse (entendida a posse como
categoria).Tais alterações ocorrem sem serem algo distinto daquilo que se altera.
Assim também não se distinguem realmente da coisa os pos-predicamentos
denominados propriedade, simultaneidade, posse, movimento.
A repercussão dos pos-predicamentos, tal como das categorias, é notória na
linguagem.
Via de regra, a noção unívoca (da categoria) é anunciada por um termo
fundamental (com semantema próprio). A peculiaridade que lhe vem, por causa do
categorema em que se enquadra e do pos-predicamento que o caracteriza, vem
expressos por alteração morfológica do termo fundamental.
Mas tudo isto se processa sem maior regularidade, porque é determinado por
necessidades externas aos conceitos em si mesmos, conforme veremos a seguir. A
regularidade necessária não é aquela determinada pela pura lógica e sim aquela que
for requerida para o uso da língua, conforme a lei do "necessário e suficiente".

1 -A substância expressa em linguagem.


4515y491.

492. O nome exprime a substância. Entre os 10 predicamentos, ou categorias,


sobressai-se a substância, quer pelo seu conteúdo, quer ainda pela sua maneira de se
expressar na linguagem, ora como substantivo, ora como pronome.
Antes de tudo, o que é uma substância? Intuitivamente para os sentidos, ou seja,
empiricamente, substância é algo assim como o barro, a pedra, a planta, o homem.
Não diz a substância algo como a determinação de propriedade e acidente.
Mas para fazer estas distinções importa operar racionalisticamente, pensando a
substância como aquilo que está em baixo e recebe as determinações, que lhe ficariam
como que em cima, ou em torno.

Diferentemente, para o empirismo, ou positivismo, - quando coerente, - não há


distinção entre substância e determinações que a atinjam. A experiência intui apenas o
que se dá simplesmente. Fica então um sem-sentido falar em substância, como
categoria de ser realmente distinta das demais determinações.
Fundamentalmente, o que faz uma substância ser o que é, deriva da circunstância
de ser entendida como possuindo em si mesma o seu sujeito.
Existe, pois, a substância em si, como emseu sujeito, ao passo que as
propriedades e os acidentes possuem seu sujeito em outro, ao qual aderem. Enquanto
a substância é algo em si, as demais categorias, como quantidade, qualidade, relação,
etc., a determinam.
Na linguagem, a palavra, que enuncia simplesmente a substância, é um nome.
A ciência positiva da gramática já percebe o substantivo como um fenômeno
linguístico. Também o pronome e o verbo são percebidos empiricamente.
A filosofia da linguagem conduz avante esta compreensão, pelo esclarecimento
dos modos de ser, em particular dos modos especiais, entre eles a substância
particularmente.
De certa maneira, a questão do sexo pertence à categoria da substância. Por meio
de um nome se pode denominar este, ou aquele sexo, como quando se diz homem e
mulher, macho e fêmea.
Considerando haver um elemento comum na base de ambos os sexos, admite-se
a criação de um morfema, ao que se acresce um sufixo, para subdistinguir a um e
outro, como seu respectivo nome.
O que denomina um sexo e se expressa adequadamente por um sufixo. Não se de
expressa por um morfema gramatical. Quando isto parece acontecer, trata-se
efetivamente de uma partícula polissêmica. Em língua bem planejada, a terminação
gramatical difere do sufixo indicador do sexo.
493. Nome e pronome. Duas são as espécies de nomes, - nome substantivo e
pronome.
Pelo seu aspecto etimológico, substância e substantivo conferem.
O nome substantivo significa absolutamente, sem dependência.
O pronome significa o mesmo que o nome, todavia dentro de uma estrutura
sintática, em que o referido pronome repete a noção fundamental de um substantivo
anterior.
Etimologicamente pronome significa estar no lugar do outro, como seu substituto.
Mas esta significação de substituto do outro nome é apenas uma descrição acidental e
até superficial. A rigor, o pronome não é um substituto, mas uma variante do
substantivo, um outro modo de expressar o mesmo objeto.
O pronome é uma expressão que se refere ao sujeito da coisa, destacando-o
muito mais como sujeito, do que o faz o substantivo. Por isso, o pronome está muito
mais atento a distinções como masculino, feminino, neutro, e ainda muito mais, ora
como praticante da ação verbal, ora como sujeito recebedor da ação.
Em outros aspectos o pronome é menos determinado, razão porque costuma vir
depois do substantivo, do qual recebe as determinações de base. Dali seu caráter
exterior de substituto de um substantivo.
Todo o substantivo, ainda que menos do que o pronome, distingue entre sujeito e
coisa possuída. O sujeito não possui outra determinação que a de ser sujeito, daquilo
que se de lhe atribui. Esta atribuição é a coisa, a natureza, a determinação, o predicado.
O poder de abstração instala uma atenção sucessiva. Ora atendemos apenas ao
sujeito, ora a todo o seu contexto. Consequentemente, o sujeito (ou pronome) é de
menor conteúdo, ao passo que osubstantivo é mais denso.
Não basta definir o pronome como um substituto do substantivo, porque, embora
signifiquem os mesmos objetos, não os atingem por igual. Uma vez dividida a
natureza em sujeito e natureza possuída, decorre dali a diferença.

494. O que não é substância pode ser apresentado como se o fosse. Isto decorre
da circunstância pela qual o conhecimento meramente empírico não distingue umas e
outras coisas como distintas. Somente pelo uso da razão compreendemos
adequadamente tais diferenças.
Em consequência, não corresponde substantivo ao conceito de substância, ainda
que deste obtenha sua noção básica.
Além disto, o substantivo não indica expressamente a individualidade, como faz
o pronome. Exemplo, fácil (adjetivo), o fácil (substantivo).
O substantivo também assume forma ativa, como no modal infinitivo do verbo.
Exemplos - amar, falar, dizer, não são apenas verbos; são também substantivos.
Paralelamente, o particípio se comporta como um adjetivo (vd).

2 - A quantidade expressa em linguagem.


4515y495.
495. Pela ordem usual, a quantidade é dada como a segunda categoria,
imediatamente após a substância.
Quantidade é a determinação em virtude da qual os corpos distribuem as partes
uma ao lado das outras, distendendo-se. Não se de separam o corpo e sua quantidade,
embora sejam consideradas determinações realmente distintas.
Todavia ficcionalmente imaginamos um espaço real vazio dentro qual se de
colocam os seres. Esta falsa conceituação influencia a linguagem.
Exprime-se a quantidade de maneira mui variada, desde a indicação morfológica
até a meramente contextual.

496. Expressão dos graus, numerais, números. Ordinariamente estamos atentos


aos graus de grandeza da quantidade, distinguindo entre a medida normal, a maior e a
menor.
Os graus de grandeza usualmente se expressam com morfemas adequados: a
medida normal, se exprime por diferenciação negativa, como por exemplo rapaz; o
grau aumentativo, como rapagão; o diminutivo, como em rapazinho. Note-se de que
os graus também ocorrem na qualidade.

A numeralidade, se usa exprimir com morfemas, sobretudo quando se trata de


coisas concretas. No singular, como em rapaz; no plural, como em rapazes.
As quantidades em abstrato indicam-se mediante nomes como: um, dois, três,
quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez.

497. Sistema decimal e outros. Evitando a sucessão contínua, faz-se a repetição


em plano paralelo : onze (dez + um), doze (dez + dois) , etc. ... Este sistema, em uso
se chama decimal.
Poder-se de-iam instituir os sistemas onzenal, ou novenal, ou mesmo quinquenal.
Neste último as coisas correriam da seguinte maneira: 1, 2, 3, 4, 5, depois 5 e 1, 5 e 2,
5 e 3, etc. ... e depois 5 e 5 e 1, 5 e 5 e 2, etc. ... O sistema decimal, além de sugerido
pelos dados em numero de dez, atende aos limites humanos da memória.
Há, entretanto, os que defendem a vantagem operacional do sistema que se
repete após doze números. Neste sentido criaram uma associação internacional para
promovê-lo.
Historicamente o sistema decimal (notoriamente racional) centenas de anos para
derrotar os sistemas empíricos das polegadas, pés, milhas e léguas. Mais que o
Esperanto lutará o sistema de doze, para derrubar a irracionalidade generalizada dos
homens. Não obstante o sistema decimal se apresenta, ao que parece, suficientemente
operacional, para talvez nunca chegar a ser substituído.

3 - A qualidade expressa em linguagem.


4515y498.

498. A categoria da qualidade exerce a mais considerável das influências no


processo do pensamento. É também a que mais se reflete para dentro da arte.
A qualidade se descreve como sendo aquela determinação em virtude da qual o
elemento recebedor se modifica . Inversamente, a má qualidade é a ausência de notas
aperfeiçoativas.
Nenhuma outra categoria enuncia diretamente a perfeição. Mas em todas elas
ocorre a perspectiva da qualidade, de sorte a se poder pensar em uma espécie de
invasão desta categoria no campo das demais .
Observe-se o que acontece com a quantidade; esta se diz quantidade enquanto
distribui o ser em partes. Sob um outro ponto de vista, este ser se diz possuir a
qualidade de se de haver quantificado.Sob este ponto de vista, a quantidade surge
como uma perfeição. Assim também a ação e a paixão, como acontece no verbo (vd)
apresentam um aspecto aperfeiçoativo, em virtude do qual se exercem como
qualidade. E assim, por diante, em todas as categorias, este aspecto se diz qualidade.
Em decorrência o adjetivo qualificativo exerce uma importância
consideravelmente grande na linguagem.

499. Substantivo e adjetivo em função categoria da qualidade. Em função à


qualidade diferenciam-se as denominações substantivo e adjetivo. A noção de
substantivo não depende do adjetivo, que o determina. Mas o adjetivo é
essencialmente dependente dele.
O nome se diz adjetivo, quando a determinação modificadora é tomada
expressamente em separado. Ocorre tal situação em "branco" no contexto "livro
branco", "cavalo branco", "castelo branco".

500. Variada expressão das emoções. Como objetos, as emoções se reduzem à


qualidade. Visto que o sentimento não se conceptualiza adequadamente, não se
consegue igualmente uma expressão vocal precisa.
Em virtude da indefinição das emoções, elas se exprimem frequentemente nas
entrelinhas da frase, em vez de palavras que as indiquem diretamente.

Sistematizando, o sentimento se exprime:

1) por meio da palavra direta;


2) por meio de arranjos morfológicos;
a) nas palavras, como nos aumentativos e diminutivos;
b) nas frases, como na interjeição e na elipse;
3) na disposição peculiar da ordem sintática
4) na entoação de voz
5) no contexto;
6) por evocação associativa, poética, obtida mediante palavras, portanto, com
recursos propriamente linguísticos, ou mediante associação obtida com aliança de
outras artes, e ainda recursos preartísticoscomo de ritmo, de sonoridade, etc.

A interjeição, ao unir sujeito e predicado num só termo, é mais do que simples


formação morfológica, porque reduz um juízo a uma expressão enfática. Pela
displicência da construção lógica de um juízo reduzido a uma palavra, a interjeição
consegue manifestações eminentemente afetivas. Mas, antes de tudo, a interjeição é
um juízo; apenas por acréscimo, apesar da ênfase, é manifestação usual de afeto.
4 - A relação expressa em linguagem.
4515y501.

501. Expressão da relação juntamente com seus termos. É a relação um ser


para... Indica a determinação em que algo incorre quando está em função a outro ser.
Distingue-se na relação o sujeito que a exerce, o termo ao qual se refere, o
fundamento ou critério da referência.
Em princípio a adequada expressão da relação inclui a todos os seus termos.
Todavia, conforme ao objetivo principal da expressão, ora se destaca ao sujeito, ora
ao termo, ora ao fundamento.
Pode ocorrer a principalidade do sujeito em relação ao termo da relação. Assim,
paternidade em primeiro lugar é indicadora do pai que exerce a relação para com o
filho.
A maioria das palavras indicadoras de relação se reduz, entretanto, quase sempre
à qualidade. "Brasileiro", ainda que indique relação patronímica, funciona sobretudo
como a "qualidade" de ser brasileiro.
Aliás, todas as categorias de noção podem, sob a perspectiva de perfeição, serem
vistas como qualidade.
Algumas relações indicam aos termos com denominações próprias, como, por
exemplo, filho, genro, tio.
Um nome de outro admite morfemas capazes de alterá-los na direção de um
indicativo de relação. Exemplo: potrilho (filho de potro).
No sistema planejado do Esperanto o sufixo –ido é o indicador generalizado de
filho de... Exemplo: "porkido" (filho de "porko").

5 - O tempo expresso em linguagem.


4515y502.

502. O tempo, como categoria suprema é um conceito que se refere a algo que
não se reduz a outro mais simples.
Que é mesmo o tempo? É uma determinação muito próxima da de existência.
Existir quer dizer a determinação pela qual algo se estabelece como estando acima do
nada, e passa a durar. Este durar é o tempo. Trata-se de um conceito intuitivo, que se
tem de entender diretamente; quando se define a existência como algo distinto do
nada, estamos a defini-la pela negação do seu contrário.
Efetivamente a existência é a existência e nada mais. Mas, o que existe, enquanto
permanece na existência, é a propriedade pela qual contém a temporalidade. O tempo
é a duração (outro nome para o tempo). Parece pois, que a melhor definição de tempo
é a existência enquanto permanece. Ou a existência enquanto dura.
Esta permanência da existência, denominada tempo, finalmente tem aspecto de
propriedade, que decorre, e não se separa. Por isso, apesar do tempo ser imaginado
com algo separado, só existe dentro do ser. As coisas carregam consigo o seu tempo.
Imaginativamente se pode conceber o tempo com algo separado da coisa. Esta
não é todavia a noção real contida no conceito de tempo. Colocar-nos, entretanto, em
uma noção certa do tempo, é difícil.
A linguagem que expressa o tempo se pauta entretanto pelo modo imaginativo e
falseado do tempo.

503. Enquanto algo dura, a imaginação cria a imagem de uma linha que vem do
passado e vai para o futuro. Dali se poder dizer, por analogia, que o tempo é a Quarta
dimensão.
Assim como a dimensão é inerente à coisa, e não um espaço real, também o
tempo está contido concretamente na coisa, surge com ela e desaparece com ela ( caso
o surgimento e o desaparecimento sejam possíveis).

Distingue-se entre duração sem alteração (tempo eterno), duração com alterações
acidentais (= evo), duração com alterações substanciais, isto é, com cessações, que
deixam lugar ao surgimento de coisas inteiramente novas. Nesta última acepção se
procura por vezes localizar o sentido estrito de tempo. Em função a esta última
condição, o tempo se define como número das partes do movimento, por anterioridade
e posterioridade (Tomás de Aquino, Suma teológica P. I, q.10, a 1.).
Considerando que não percebemos diretamente o tempo (como nem a existência,
senão a essência, ou qualidade), mas as coisas que estão em movimento, por exemplo,
os ponteiros de um relógio, a noção que temos de tempo é imprópria, inadequada, e
está em função ao movimento (melhor, em função às coisas que se movem).
Imaginamo-nos o tempo como movimento anterior, movimento presente, movimento
a acontecer.

504. Por obra da abstração, o tempo pode ser expresso separadamente da coisa
que existe e dura. Além disto, esta expressão usa conter o lado imaginativo, que
substancializa o tempo abstrato.
Sem alteração o tempo se exprime juntamente com a coisa que dura. Assim
acontece poder conceber-se e expressar-se o tempo em dois níveis: o tempo puro e o
tempo cronológico.
Para o tempo puro a língua tem denominações como: segundo, minuto, hora, dia,
semana, mês, ano, século, milênio...
Para o tempo cronológico as denominações dizem: era, época, período, fase,
ontem, hoje, amanhã.
Mais precisões consegue a expressão do tempo cronológico referindo-se de
diretamente às suas individuações: época antiga, época medieval, época moderna,
períodos e fases de tais e tais épocas. O tempo puro admite ser ligado contextualmente
a um tempo cronológico: século 16 d. C.; dia 24 de fevereiro de 1925...
No verbo, o tempo também surge com peculiaridades linguísticas (vd 516).
Embora, ação e paixão sejam categorias distintas, elas são invadidas pela categoria do
tempo, e tão notoriamente, que o verbo, que as exprime linguisticamente, admite
morfemas, que situam a ação em tempos distintos, - presente, passado e futuro.

6 - Lugar expresso em linguagem.


4515y505.

505. Lugar é categoria indicadora da determinação que diz o estar dentro ou fora
(conteúdo e continente).
Sua indicação em linguagem ocorre mediante morfemas, como em galinheiro,
dormitório, banheiro...
Adquirindo importância, os nomes se criam com semantemas próprios, como se
observa nas denominações geográficas: Florianópolis, Paris, Europa, África.
No planejamento linguístico do Esperanto, os sufixos -ujo, -io,- ejo exercem
várias das funções de lugar, que cabem à língua denominar.

7 - Posição expresso em linguagem.


4515y506.

506. Posição é a determinação que um ser assume pelas circunstâncias de dispor


desta ou daquela maneira as suas partes em relação ao ambiente.
Também as posições, ou situações, adquirem denominações, como em sentado,
de pé, inclinado.
Muito depressa a posição se transforma em qualidade ( ou seja, a qualidade de
algo se exercer com tal posição). Nestas condições surgem as qualidades, como forma
espacial, figura, círculo, área, etc. ...

8 - Ação e Paixão (verbo ativo e passivo) em linguagem.


4515y507.

507.Ação e paixão (ou ação passiva) são duas categorias em si mesmas


importantes, porque as coisas da natureza, inclusive nós, estão em oscilação constante,
como coisas que agem e recebem.
Com a ação e a paixão nos ocupamos no dia a dia. Sobre isto conversamos
ininterruptamente, criando um verbo sofisticado, com o intento de o melhor possível
nos comunicar com outros agentes e pacientes.

Didaticamente há a distribuir o temário sobre as categorias de ação e paixão em


três momentos:

- Ação e paixão apenas especificamente (verbo);


- interferência da categoria de qualidade (modais e modos do verbo);
- interferência da categoria de tempo (tempos do verbo).

Nestas interferências ocorre a participação dos pos-predicamentos (vd 490).


508. Primeiramente, que é ação e que é paixão?
Como categoria, a ação é considerada materialmente, isto é, como a coisa que
age dentro e que dentro de si tem um sujeito agente. A ação formalmente se refere à
mudança em si mesma, e que também chamamos movimento.

Num sentido estrito, movimento é mudança de lugar (que é uma das muitas
ações).
Num sentido amplo, movimento é qualquer mudança.
Há uma ação imanente; é o agir que se exerce na imanência, como o pensar, o
querer, o exercício do instinto. O termo da ação imanente permanece no agente e o
aperfeiçoa com esta nova determinação.
Há uma ação que transcende ao círculo interno do agente; é o fazer, cujo
produto se independiza do agente, e não o aperfeiçoa.
A ação formalmente é apenas um termo de partida (terminus a quo), a caminhar
na direção de um terminal (terminus ad quem).
O movimento (ou ação), considerado formalmente, indica apenas um estado de
imperfeição ou tendência; nestas condições, o movimento não chega ainda a ser
determinação, e por conseguinte não se arrola entre as categorias, mas é apenas uma
sua propriedade, ou pos-predicamento (vd 490).
Como propriedade, o movimento pode ocorrer em várias categorias, pois se
movem as quantidades, mudam as qualidades, anda o tempo, passa a substância em
criação de um estado possível ao existente (movimento substancial).
A paixão (ou ação passiva) é, pela inversa da ação, uma determinação que indica
algo recebido. Em tais condições há uma paixão ao converter-se algo em
determinação de vermelho, de amarelo, de quente,de frio.
As qualidades em si mesmas não são a paixão. É a paixão o fato de terem sido
recebidas.
Também se de distingue entre paixão materialmente, quando se define como
conteúdo da categoria, e uma paixão formalmente, como movimento simplesmente.
Como categoria, a paixão é tratada materialmente, isto é, da coisa que "age" (ou sofre)
recebendo o resultado da ação.

509. Verbo. Todo um sistema. Linguisticamente ação e paixão se de expressam


pelo verbo e adicionalmente pelo contexto.
Verbo aqui é uma palavra que contém a noção de ação e paixão. O verbo
semântico exprime no seu primeiro momento gerativo a conexão entre predicado e
sujeito, como no verbo ser, que se limita a afirmar ou negar os termos. No seu
segundo momento gerativo o verbo já expressa o conteúdo categorial, do modo
especial de ser denominado ação e paixão.
Exemplo do primeiro momento: Pedro é grande.
Exemplo do segundo momento: Pedro engrandece.
Variando porém a ação e a paixão (ou ação passiva), o verbo tende a assumir a
expressão diacrítica destas variações, mediante um sistema complexo de morfemas.
O verbo puro aparece apenas no semantema, ou seja na raiz.
As variações mais frequentes são de qualidade e de tempo, mas também de nome,
quantidade e outras interferências categorias.
Pela categoria da qualidade se criam as modalizações conhecidas como:
- voz (ativa, passiva, média),
- modal (nominal, verbal propriamente dito),
- modo (indicativo, condicional, imperativo), tempo ( presente, passado, futuro).
- aspecto (ação perfeita, ação imperfeita).
Pela categoria de tempo se criam as variações:
- tempo presente,
- tempo passado,
- tempo futuro.
Outras variações categoriais:
- pessoa ( primeira, segunda, terceira),
- sexo (masculino, feminino).
- quantidade ou número (singular, plural).
Certamente o contexto não consegue introduzir na raiz do verbo todas as nuances
da ação e paixão indicados. Ou se de um verbo para cada nuance (o que é irreal), ou
um mesmo verbo assume variações diacríticas.

510. No sistema verbal, a lei do necessário e suficiente. Pelo visto, um sistema


verbal poderá complexificar-se muito. O jogo entre "o necessário e o suficiente"
deverá manter a complexidade em limites adequados à capacidade de aprendizado do
código verbal de convenções.
Em se de tratando de língua étnica, aprendida desde a infância, a complexidade
desordenada dos verbos admite graus maiores de tolerabilidade. Todavia, se uma
língua étnica ambicionar difundir-se para uma grande federação de Estados, deve
conter-se dentro de limites razoáveis de complexidade; ou então tenderá a ser bem
falada em uma região e menos bem em outra, dialetizando-se.
Somente uma língua planejada com sabedoria poderá estabelecer um sistema
verbal operacional e eficaz. O Esperanto é um exemplo de simplificação e eficácia, no
que se refere ao sistema verbal.

O expediente do contexto muito poderá contribuir para a simplificação do


sistema do verbo, se tiver seus recursos racionalmente aplicados. Por exemplo, a
conjugação, com morfemas para distinguir pessoa, poderá ser evitada pela
determinação por meio dos pronomes. Este procedimento ocorre, ao menos em parte,
na língua inglesa, e muito mais racionalmente no Esperanto.

A aplicação universal dos morfemas também diminui a complexidade do sistema


verbal.
Se por exemplo, um semantema puder desenvoltamente assumir todas as formas
da ação (voz, modal, modo, pessoa, número, aspecto, sexo), o resultado será o mais
efetivo possível.
Não acontece integralmente nas línguas étnicas ou nacionais, que frequentemente
não conseguem por isso fazer a conversão regular de seus verbos para as formas
fundamentais da ação ativa, passiva, medial, obrigando-se a verbos irregulares ou
mesmo específicos para cada voz.
No Esperanto os sufixos -igi e -iøi , da conversão de seus verbos, para as formas
fundamentais da ação, com inteira versatilidade, dentro da regularidade.
511. Voz do verbo, em função à ação e paixão. O primeiro cuidado morfológico
do verbo se situa na formação das vozes, para que se expresse distintamente a ação
ativa, a ação passiva, a ação medial.
O jogo das vozes se define em função às duas categorias – ação e paixão.
Pela ação se considera que uma age; nesta coisa há um sujeito ativo. Pode-se
indicar a ação independentemente do sujeito, como se verá, ao se tratar das pessoas do
verbo (vd 515).
Pela paixão se considera a coisa que recebe os efeitos da ação. Nela também há
um sujeito e que pode expressar em separado na ação passiva recebida por ele.

A voz medial, excluindo a menção do caráter ou ativo ou passivo da ação, é um


processo de abstração verbal.
Algumas línguas como a portuguesa, a exprimem por contexto através da voz
reflexiva.
O Esperanto possui a voz medial perfeita mediante o sufixo -iøi .

512. Modais nominais e modais verbais do verbo. Os modais diferenciam na


expressão linguística muito subtilmente o que é nome e o que é ação
verbalpropriamente dita.
São modais nominais:
- o infinitivo (por exemplo, fazer), com caráter substantivo;
- o particípio ( por exemplo, feito), com caráter adjetivo.
São modais propriamente verbais os modos:
- indicativo ( por exemplo, faço),
- condicional (por exemplo, faria),
- imperativo (faça).

Nos modais nominais (infinito e particípio) a ação aparece apenas abstratamente,


assumindo aspectos de qualidade; ora, a qualidade é uma outra categoria, e que diz
sobretudo determinação aperfeiçoativa. Tem-se de pois aqui uma categoria
penetrando em outra (vd 498).
A categoria da qualidade, ao penetrar o mundo do verbo, se apresenta, antes de
tudo na forma adjetiva (o particípio), para logo também se substantivar (o infinito).
Os modais nominais, quer no modo infinitivo, quer no modo participial, não
exprimem diretamente a ação como ação; a expressão verbal no infinito e no
particípio apenas contém confusamente (implicitamente) uma relação com a ação.
Se voltarmos aos conceitos como eles se situam nas categorias (ou
predicamentos) encontraremos ali a base remota do que acontece na vasta estrutura
morfológica dos verbos.
Como qualquer categoria pode ser vista como qualidade, isto é, como
determinadora de algo com um qual e qual ser, - a quantidade com a qualidade de ser
quantidade, a relação com a qualidade de ser relação, o tempo com a qualidade de ser
tempo, - assim, ação e paixão têm a qualidade de ser ação e paixão..
Nuances distinguem entre si os modos modais nominais, distinguindo-se de
sobretudo os modos infinitivo (exemplo, fazer) e particípio (exemplo, feito).
O infinitivo é uma forma nominal substantiva da ação. Em "comer é viver" as
palavras comer e viver não indicam em primeiro plano a ação como ação, mas esta
ação como uma certa qualidade ( portanto na categoria de qualidade e não na
categoria de ação).
O particípio é uma forma nominal adjetiva da ação. Por exemplo, "a laranja foi
comida".
No português há somente o particípio passado, como se acabou de exemplificar.
No Latim há também o particípio presente, como em Petrus est currens. No
português seria Pedro é corrente.
Mas no português o particípio presente perdeu o caráter de ação verbal, restando
apenas como adjetivo. Tem-se que traduzir por: Pedro está correndo. Em vez de ouro
é brilhante, tem-se que dizer o ouro está brilhando, ou o ouro brilha.

513. Modais propriamente verbais do verbo são nuances dos modais a partir de
qualificações não especificamente verbais. Tais modais propriamente verbais são, -
conforme já adiantado, os modos indicativo, condicional, imperativo.
Nos modais propriamente verbais (o verbo funciona em sua condição plena como
vem definidas as categorias (ou predicamentos) de ação e paixão.
Portanto, nos modais propriamente verbais a ação e a paixão se desenrolam
materialmente, concretamente, efetivamente. A ação, em qualquer de suas vozes
(ativa, passiva, medial) se exprime com toda a propriedade de seu exercício.

Didaticamente os modos verbais são tratados primeiramente a partir das


categorias de conceitos da ação e paixão; mas os modos tem ainda participação no
juízo, e consequentemente também na frase, onde modalizam a afirmação, - eis outro
ítem a ser tratado (vd 583).
Há em todas as línguas algum expediente para expressar os "modos" da ação e
paixão; mas seus expedientes não obedecem a uma gramática regular em que as
opções tenham uma flexibilidade universal.
Diferentemente, as línguas planejadas podem ter o cuidado de se estabelecer com
as melhores regras.

514. Em especial os modos dos modais propriamente verbais. Em sendo diversos


os modos propriamente verbais, uma divisão dicotômica os pode dividir em modo
indicativo e outros modos, estes redivididos entre si.
O modo indicativo (vd 585) é indicador de ação real.
O modo indicativo puro é enfático e seco, porque destituído de circunstâncias
modais especiais além da que simplesmente indica. Os outros modos também indicam,
todavia dentro de circunstâncias acrescidas a esta indicação.
Como contraste, o modo subjuntivo (vd 586), expressa a ação irreal.
O modo subjuntivo e o modo imperativo têm em comum o caráter volitivo,
expresso apenas diferenciadamente num e noutro.
O modo condicional (vd 586) é uma ação no futuro, a partir do passado.

Dado o elemento categorial qualitativo introduzido nas categorias de ação e


paixão, os modos também admitem serem expressos com advérbios ou outra
expressão de igual efeito.
Um critério essencial para dividir modos não existe, até por que eles são apenas
nuances acidentais. O critério seria absolutamente essencial se fosse tomado da
mesma ação e paixão materialmente, como se definem em sua condição de categorias,
e não tomado exteriormente de outras categorias, como acontece sobretudo quando se
determina aos modos a partir de qualidades. Aliás, a mesma palavra modo já sugere
que se de trata da qualidade da ação.

Complexificam-se os modos, se neles se quiser introduzir morfologias que ainda


indiquem ajustamentos com pessoa e sexo, além das de tempo. Finalmente dali resulta
o quadro das conjugações verbais. Eis onde se cria a parafernália de variações das
línguas não planejadas.

515. A pessoa no verbo. A ação e a paixão (ou ação passiva) é exercida por um
sujeito, que por isso tende a se manifestar e a ser expresso juntamente com a
expressão do verbo.
A tendência para expressar a pessoa acontece sobretudo quando o verbo se
encontra no exercício da função modal propriamente verbal.
Não acontece o mesmo com o modal nominal, pois este não se ocupa
diretamente com as categorias da ação e paixão como coisas em mudança, mas as
ação e paixão como categoria de qualidade. Ainda que confusamente, ou
implicitamente, esteja contido um sujeito nos modais nominais, eles por si só já
constituem nome. Não é pois, importante conjugar os modos do infinito e do
particípio com um elenco de pronomes pessoais.

A pessoa do verbo poderá ser expressa com morfemas, como se observa no


sistema de conjugação do verbo. Seja o exemplo: sou, és, é, somos, sois, são.
O sistema verbal com vistas a diferenciar as pessoas a partir da conjugação,
onera imesamente a língua, porque a conjugação deve ser repetido em todos os modos
e tempos.
Muito mais simples é o expediente da colocação dos pronomes pessoais, - eu, tu,
ele, ela, nós, vós, eles, elas, - ou mesmo de um nome substantivo, - como quando se
diz - Pedro canta. Orientando-se por este expediente, o sistema verbal do Esperanto se
tornou extremamente simples, ao mesmo tempo que seguro.

516. O plural interessa ao sujeito concreto da ação, mas não à esta em si mesma.
Por isso os pronomes poderão assumir formas próprias no singular e outras no plural,
sem que o verbo em si mesmo tenha uma forma para o singular e outra para o plural..
Em algumas línguas as terminações dos verbos se diferenciam no singular e no
plural; todavia é dispensável este oneroso sistema. O Esperanto foi planejado sem
estas diferenças morfológicas do verbo, porque dispensáveis.

517. A expressão do sexo do sujeito da ação e paixão. Em princípio, o sexo é um


elemento que pertence à categoria da substância (vd 492) e por isso não importa em
ser incluído no verbo, nem sequer por contexto.
Consequentemente o sexo do agente ou paciente da ação poderá vir designado
em separado, ou pelo uso de pronomes pessoais, no masculino e no feminino, ou pela
indicação direta da pessoa sexuada.
É, contudo, possível caracterizar o sexo da ação na conjugação do verbo, com
morfemas próprios, criando uma conjugação para o masculino, outra para o feminino.
Acontece em algumas línguas eslavas e africanas.
Este expediente morfológico de expressão do sexo por intermédio de
conjugações sexuadas torna a língua muito difícil. Para uma língua internacional
planejada é mesmo desrecomendável.

518. Aspecto do verbo. Toda a ação (ativa, passiva), importa em um


comportamento, que se alonga num certo tempo, cujos diferentes estágios e situações.
Vistos abstratamente estes distintos estágios e situações, dizem-se aspectos da ação.
Podendo expressar-se morfologicamente estes estágios e situações, dizem-se
aspectos do verbo.
Arrolam-se os seguintes aspectos principal da ação e do respectivo verbo:
- ação momentânea - a ação que se dá como que instantaneamente;
- ação incoativa - a ação como que começando;
- ação iterativa - ação, ora como que se repetindo, com a ação começando mais
vezes, repetindo-se;
- ação perfeita - ação em estado completo.
E assim, além destes aspectos, que são os mais frequentes com expressão
específica nas línguas, há outros que a abstração vai percebendo no comportamento
temporal do curso da coisa que exerce ação e paixão.
A expressão verbal dos aspectos pode dar-se morfologicamente e
contextualmente.
Na expressão morfológica é possível expressar os aspectos por meio de simples
terminação, como com frequência se faz com o tempo presente, passado, futuro. Mas
este procedimento onera o sistema da língua, como se observa nos idiomas eslavos,
neolatinos, semitas.
Outra maneira morfológica, de expressar os aspectos, ocorre por meio de sufixos
e prefixos (isto é, de mais palavras); esta maneira é transparente e leve, sobretudo se
se proceder com regularidade e sem excessiva multiplicação de aspectos, deixando os
menos representativos para o contexto.

519. Os aspectos do verbo em Esperanto, Russo, Português.


No Esperanto os aspectos do verbo são regularmente expressos pelos seguintes
sufixos:

1) – ek – (ekdormis = adormecer), aspecto incoativo, de início de ação;


2) – ad – (pluvadas = está chovendo, pluvidis = chovia, pluvados, haverá de estar
a chover), aspecto durativo, imperfeito;
3) – re – (relegas = relê), aspecto iterativo.
4) Um quarto aspecto é o perfeito, expresso negativamente pelo verbo quando
está sem sufixo. Por exemplo; legis (= leu). Distingue-se de negativamente de: eklegis,
legadis, relegis. O aspecto perfeito é o mais usado, porque, se eventualmente a ação
estiver ainda em andamento, ela se faz reconhecer pelo contexto. Eleger uma ou outra
forma fica sendo então uma questão de gosto, que varia mesmo conforme o povo.

O contexto é importante recurso de expressão dos aspectos, porque a ação


materialmente oferece uma estrutura fácil de ser calculada pela mente, inclusive no
seu comportamento. Além disto, outros recursos como advérbios, preposições,
conjunções completam os elementos que ajustam a expressão ao que realmente
acontece.

No russo, o aspecto influencia profundamente a língua, inclusive regularmente


requer semantemas novos e não apenas alterações morfológicas.
O estudo dos verbos, pelos gramáticos, exige pois, arrolamentos exaustivos de
aspectos perfeitos e imperfeitos, com as suas respectivas conjugações. Poderá isto
converter uma língua peculiarmente difícil como sistema de expressão.
No português e nas línguas latinas em geral, O aspecto repercute, em algumas de
suas perspectivas, nos chamados "imperfeitos" e "mais que perfeitos".
Em russo "o pretérito dos verbos imperfeitos corresponde ao passado imperfeito
em português, ao passo que o pretérito dos verbos perfeitos corresponde aos nossos
(português) passado perfeito e mais-que-perfeito" (M. Dolenga, A língua russa,
gramática, lição 35)
A distinção entre "ser" e "estar", peculiar ao português e em geral aos idiomas
latinos (mas não no mesmo Latim) é mal perceptível aos que falam os idiomas anglo-
germânicos. Ora, "estar" indica o verbo "ser" aliado à circunstâncias de "aspecto"
referentes à qualidade da ação, geralmente precária, como em "está chovendo". Esta
distinção em outros idiomas exprime através do contexto e recursos a eles peculiares.

520. Verbo e tempo. É o tempo (vd 502) uma categoria importante e que por isso
invade espontaneamente o campo da expressão das categorias de ação e paixão pelo
verbo.
O tempo em que se de exerce a ação é uma informação importante que o verbo
poderá exprimir, quer morfologicamente, quer contextualmente.
Importa o tempo sobretudo nos modais propriamente verbais, e aqui em
primeiro lugar no modo indicativo.
Neste modo indicativo da ação o tempo se de manifesta claro, em vista de se
tratar de um modo destituído de circunstâncias, e que por isso mesmo se concentra na
ação real, com a qual o elemento do tempo facilmente se associa.
A ação do modo indicativo possui uma transparência em virtude do que se
mostram duas coisas: em que parte do tempo a ação se encontra (presente, passado, ou
futuro) e em que situação se encontra sua realização no tempo fixado.
Restaria destas duas coisas um duplo presente, duplo passado, duplo futuro? Não
é necessário dupla morfologia, isto é, duas espécies de morfemas para indicar
separadamente as duas circunstâncias dentro de cada tempo. Seria oneroso criar dois
presentes, dois passados, dois futuros. Todavia é o que acontece em algumas línguas.
O estado da ação pode ser indicado por um sufixo, o qual por sua vez recebe as
terminações peculiares ao presente, passado, futuro.
No Esperanto o indicativo foi planejado de sorte a ter somente um morfema para
cada tempo: – as, no presente, – is, no passado, – os , no futuro. Aprecie-se: mi legas
(= eu leio), mi legis (= eu li), mi legos (= eu lerei).

521. O tempo no verbo na forma de modal nominal. Também nos modais


nominais (infinito e particípio) pode ocorrer a invasão da categoria do tempo, e ser
expresso, ou morfologicamente, ou contextualmente.
O modal infinito é menos sensível à categoria do tempo. Mais frequente é a
presença do tempo no particípio.
O tratamento didático do particípio é bastante complexo, porque admite formas
mui diferenciadas dentro de cada língua, bem como varia bastante entre uma e outra
(vd 522)
Facilita-se o uso do particípio temporalizado distinguindo as funções, e
entregando-as a dois morfemas.
Neste caso um poderá ser o verbo auxiliar e o outro o verbo principar da ação.
Nesta estrutura, a composição com o verbo auxiliar torna o particípio um instrumento
valioso para expressar.
Criado o particípio ordinariamente com dois verbos, o estado da ação e o tempo
deste estado, resulta o sistema participial o seguinte:
- O particípio propriamente dito expressa o estado da ação;
- O verbo auxiliar o tempo em que o estado de ação se encontra.
Este recurso é ricamente analítico, porque se faz com dois termos. E ainda
dispensa a multiplicação das formas simples de tempo.
Por isso é que o modo indicativo pode limitar-se a simples presente, passado,
futuro, sem outras modalizações. A temporalização do particípio supre as limitações
decorrentes daquela redução.

522. Umas línguas acentuam a temporalização do particípio, e recorrem


variadamente aos seus recursos; outras parecem minimizar esta temporalização e ela
fica mais por conta do contexto.
A língua grega e as línguas eslavas se caracterizam por um sistema completo,
quando não muito complexo, de particípios temporalizados.
O inverso ocorre nas línguas neolatinas. No português apenas o particípio
passado possui expressão em morfologia regular. O conteúdo dos demais particípios
se expressa irregularmente através de outros recursos idiomáticos.
No Esperanto o particípio apresenta um esquema racionalizado completo e
amplo, para todos os tempos (presente, passado, futuro) e para todas as vozes (ativa,
passiva, medial). Apesar da complexidade do sistema, tornou-se contudo versátil, em
vista da racionalização com que se realizou. Quanto ao aspecto, nos particípios,
despertou interesse, entre os linguistas do Esperanto, e foi motivo de discussões.
Utilizando dois morfemas, o Esperanto realiza o quadro particípial aplicando ao
verbo da ação os sufixos: -anta, -inta, -onta (no ativo, presente, passado, futuro) - ata,
-ita, -ota, (no passivo, presente, passado, futuro). Indicam o estado de acabamento da
ação.
O tempo é indicado pelo verbo auxiliar esti (=ser), que no indicativo é: estas,estis,
estos (presente, passado, futuro). Dali resulta uma sistematização para a qual
entretanto é preciso algum exercício antes do uso:

Li estas amanta,
Li estas aminta,
Li estas amonta,
Li estis amanta,
Li estis aminta,
Li estis amonta,
Li estos amanta,
Li estos aminta,
Li estos amonta,
Li estas amata,
Li estas amita,
Li estas amota
Li estis amata,
Li estis amita,
Li estis amota,
Li estos amata,
Li estos amita,
Li estos amota

O Esperanto, em virtude do seu completo sistema de particípios, consegue


exprimir com rigor qualquer termo e qualquer estado de andamento da ação. Por
conseguinte, presta-se de sobremaneira para a literatura dedicada ao tema indicador de
ação tal como ocorre no enredo, próprio do romance, da novela e conto. E assim
também o raciocínio, cujas premissas importam em alta precisão, é beneficiado,
quando esta precisão for reclamada no plano participial.

9 - Posse expressa em linguagem.


4515y523.

523. Posse, ou hábito (de habere = ter) é a determinação em que incorre um


sujeito pela circunstância de possuir algo, quer à maneira de revestimento, quer de
conteúdo, quer de disposição local ao seu lado, ou outra modalidade qualquer de
possuir.
Geralmente tal determinação se indica na linguagem, por adjetivação, como em
"Pedro está vestido", ou por formulações assim "Pedro está de chapéu", o "Brasil tem
ao Sul o Uruguai", "a panela está com vazamento".
Observa-se a tendência de indicar a qualidade, em que algo incorre por exercer
posse, e não mui diretamente a mesma posse.

524. Conclusão a propósito da expressão dos objetos indicados pelos conceitos


de conteúdo: verificamos que na língua mais se de expressam os conceitos de
qualidade, do que os conceitos situados diretamente em seus respectivos outros modos
de ser, quer gerais (transcendentais) quer especiais (categorias).
Estamos acentuando que os conceitos mais se expressam em linguagem na
condição de qualidade, do que diretamente situados dentro de seus respectivos modos
de ser.
Dar nomes às qualidades e não às demais determinações diretamente, - eis pois a
tendência do homem ao falar. Os nomes das coisas são tomados às suas qualidades e
depois transpostos a significar o todo. Isto se dá desde o início do pensamento mais
originário, o do ser.

Dividido o ser em existência e essência (= modo da existência), deveria o


pensamento começar pela existência. Mas isto ele não consegue, pois a expressão se
cria no contexto da essência.
Todos os modos de ser situam-se no plano da essência, e não do da existência.
Por sua vez, no plano da essência, o destaque está na qualidade, a categoria preferida
e por isso de grande representatividade na linguagem.
Sendo a expressão uma semelhança com o objeto expresso, e brotando a
semelhança do modo de ser (da essência e qualidade), não pode senão situar-se com
propriedade dentro deste círculo de suas origens.
Pensamos também a existência, inclusive a experiência. Mas inadequadamente, à
maneira de essência. Tudo é afetado pela limitação originária do pensamento, tudo
chega de algum modo até nós.
E assim, a língua expressa todos os objetos, ainda que melhor os modos de ser, e
dentre estes com destaque a qualidade.

ART. 3-o. O JUÍZO E A FRASE.

4515y526.

527. O juízo é a operação da mente em seu exercício normal. Os conceitos


surgem ao mesmo tempo que o juízo, a saber como suas partes, ou seja, como sujeito
e predicado da afirmação.
Do mesmo modo a frase é expressão ordinária do exercício da língua. As
palavras constituem partes da frase, que apenas se tratam em separado quando se
procede a uma análise.
Didaticamente a frase admite ser considerada sob três pontos de vista:
- a frase como expressão específica;
- a frase e os modos de julgar;
- a frase e os conteúdos de juízo.
§1. Especificidade da frase.
4515y528.

529. Uma exposição sobre os aspectos linguísticos da frase pode ser feita na
seguinte sequência:
- especificidade estrita da frase,
- terminologia específica da frase;
- recursos específicos da frase.

I - Especificidade estrita da frase.


4515y530.

531. A frase como expressão oral. Define-se a frase como expressão oral, cujo
objeto é a coisa enquanto se une ou não se une a uma outra coisa. Por exemplo, a casa
é verde. Ali algo se une (o verde) à algo outro (a casa).
O elemento linguístico que une sujeito e predicado se denomina as vezes verbo
de ligação, ou simplesmente verbo ser (vd 535).
Diante desta simplicidade da essencialidade específica da frase, fica manifesta
sua condição apofântica, sem os modos de julgar. Também fica manifesta a sua
condição paralelista com o juízo.

532. Juízo apofântico e frase apofântica. A rigor são muito simples os juízos e
muito simples as frases, porque em princípio somente tratam de compor sujeito e
predicado.
Mas, os juízos, - e em decorrência também as frases, - podem incluir elementos
modalizantes, como acontece nos verbos (vd 509).
Sem as modalizações, sobretudo sem as emoções, o juízo puro se diz apofântico,
tendo como paralela a frase apofântica.
Já Aristóteles fizera a distinção entre o juízo apofântico, o qual essencialmente
apenas afirma, e o juízo emocional da assertiva retórica.
Este outro juízo não pertence à lógica, senão enquanto na base é apofântico.
O juízo enquanto afirma diz algo, ainda que esta não seja a verdade. A rigor, o
juízo somente afirma, ficando o restante nos conceitos (que estão como sujeito e
predicado).
O mesmo acontece na frase; esta, a rigor consiste na união das palavras que estão
como sujeito e como predicado; o restante está no sentido daquelas palavras.

533. O paralelismo entre a frase e o juízo é uma particularidade a que importa dar
importância, em vista das funções, que o juízo exerce na formação da frase.
De outra parte importa advirtir-se para a exata extensão do paralelismo. Se for
mal interpretado desorientará a compreensão geral da natureza da frase.
Ainda que se de tenha a tendência de dizer que a frase expressa um juízo, na
verdade não é assim exatamente. A frase se refere ao objeto, onde duas coisas se
unem. Por exemplo, a casa e o verde, que dela se afirma.
A frase e o juízo são portanto duas expressões paralelas.
Neste paralelismo, a prioridade está no juízo, no sentido de que a frase está sob
a sob a influência do juízo, pois o objeto é apenas conhecido como ele nos vêm
primeiramente até a mente. O inverso também pode acontecer, porque a linearidade
da frase ajuda ao juízo a ter uma organização exterior (vd).

534. Dá-se o paralelismo do juízo e da frase, tanto pelo lado do objeto, quanto pelo
lado da expressão.
Efetivamente, o juízo mental e a frase oral podem referir-se ao mesmo objeto: a
união e não-união entre coisas.
De novo acontece o paralelismo pelo lado da expressão, porque em ambos os
casos se dá por mimese. Na mente, se processa algo que exprime afirmação entre
sujeito e predicado. Na linguagem o mesmo processo se dá pelos equivalentes
convencionais, que dizem da união entre os dois termos da frase.
Comparado com o paralelismo das demais artes, com o juízo da mente, o
paralelismo da linguagem com o juízo da mente é muito mais acentuado. Sendo a
língua uma expressão mediante equivalentes convencionais, estes podem ser criados
para todos os níveis de objetos abstratos.
O mesmo não acontece com as artes que expressam mediante qualidades com
semelhança natural; a pintura, por exemplo, expressa com propriedade apenas coisas
que possuam também cor, sendo o mais inadequadamente, com inadequação
principalmente para os temas como os do juízo e raciocínio.

535. O verbo ser na frase. Para a afirmação, como centro do juízo, se estabelece mais
uma denominação peculiaríssima, o verbo ser, e que na linguagem se costuma
expressar oralmente.
Que é o verbo ser? Na frase se usa a partícula ser (cuja forma indicativa soa é)
para transpor à expressão oral a afirmação central do juízo.
A palavra ser é tão frequente, que a temos sempre na ponta da língua.
Todavia o juízo em si mesmo não usa palavras, nem mesmo o verbo ser. Na
mente acontece apenas um como que estalar da perspiciência, que súbito percebe a
união dos extremos (sujeito e predicado). Dissemos "como que um estalar", pois nem
um estalar acontece, porque a perspiciência é o momento primeiro da intelecção.
Na língua ocorrem denominações as mais diversas para indicar o centro da
afirmação, quando transposta para a frase oral: ser, verbo ser, verbo de ligação, verbo
de união, verbo auxiliar.
Não importa o nome, desde que o contexto seja percebido claramente. O uso
deste ou daquele nome, não altera o denominado. Por vezes a mudança das
denominações esconde a intenção de fugir ao problema.
Dizer "verbo de ligação" parece banalizar o que é o mais importante.
De outra parte, verbo de ligação pode estar diferenciando este verbo ser do verbo
de ação (como nas categorias de ação e paixão). Nestas categorias o verbo de ligação
se funde com o predicativo, para se de tornar um "predicado"; por exemplo, em vez
de O sol é brilhante se de diz O sol brilha (vd. 296).
536. O juízo, como operação intelectual, se compõe de conceitos ao nível da mente,
e não de sensações. Não há juízos com imagens sensíveis, mas há conceitos de objetos
sensíveis. A sensação está em paralelo. Na frase "isto é um livro", certamente "livro"
não é apenas uma percepção sensível dos olhos e uma imagem sensível da imaginação;
por cima da percepção sensível e da imagem se forma o conceito deste objeto sensível
(o livro).
A "composição" que se diz haver no juízo não é a composição passiva de uma
simples soma por simples justaposição.
Esta é a maneira associacionista, frequente entre filósofos empiristas e
positivistas de interpretar as operações do pensamento como se tudo não passasse de
um somatório químico de elementos.
Nas imagens sensíveis acontece este associacionismo, que explica inclusive a
poesia.
No juízo, entretanto, se dá algo mais: a combinação é afirmada ativamente,
começando pela perspiciência que percebe a ligação. Até mesmo somar é fazer um
juízo que ativamente assevera. Mas o somar dos associacionistas do pensamento não
chega a isto; é um somar de mera justaposição.
Efetivamente, se nos pusermos bem atentos, constatamos que o juízo é uma
perspiciência, em que a mente descobre a relação de conteúdo entre dois elementos; o
segundo é atribuído ao primeiro (sujeito), cabendo ao segundo (predicado) determinar
ao primeiro à maneira de sua forma.
A noção de "ser como tal" (ens ut sic), como aparece no verbo ser, é indicadora
expressa de totalidade; refere as partes enquanto cabem num todo maior.
Verdade é que o predicado usa estabelecer-se como universal; este universalismo
é apenas o da indiferença (universal metafísico). Mas, enquanto o predicado se
predica a um sujeito, supõe-se que o predicado possa caber no sujeito. Perceber esta
situação, eis o que faz o juízo e nada mais. Percebê-lo já é afirmá-lo. Isto é todo o
juízo.
Concluindo, o juízo não consiste na percepção separada, ora de sujeito e ora de
predicado, como se tratasse apenas de somar (no sentido de simples justaposição) dois
conceitos adquiridos anteriormente. A observação direta constata o seguinte: o juízo é
o instante simples da perspiciência mental que descobre o nexo entre conceitos,
entendendo ativamente que entre eles a relação é de predicado e sujeito.

II - Terminologia específica da frase.


4515y538.

539. Frase, oração e outros nomes. A linguagem, ao se referir, ora à expressão


mental, ora à expressão oral, não costumam ter diferença muito clara, precisamente
por causa do paralelismo que ocorre entre os dois modelos de expressão.

Para garantir esta diferença, pode valer o contexto. Recomenda-se, pois, que ao
menos o contexto determine em que sentido se usam os nomes. Também vale
adicionar um adjetivo especificador, - mental, oral, - como em frase mental e frase
oral.
Importa atender ainda à acepção própria e imprópria dos nomes usados. Uns
nomes se dizem mais especificamente do juízo e outros de preferência da expressão
oral. Dada a diferença essencial entre a expressão mental e a expressão oral, um termo
poderá ser de acepção própria num destes planos, e imprópria no outro, ou
inversamente.
Ainda pode haver acontecido, no plano etimológico, a evolução semântica do
significado, de sorte que a acepção imprópria ter passado a ser própria.

Os seguintes são os nomes mais frequentes usados para a expressão oral do


objeto da segunda operação mental, e que merecem análise: juízo, enunciado, axioma,
oração, frase.
Estes nomes não se usam indiferentemente para as seguintes maneiras de dizer:
chove, faz muito tempo, João é feliz; Pedro foi à cidade; ele fala muito; que foi? sim;
não; está...

540. Juízo como nome. Ordinariamente, juízo se diz da operação mental e não
da expressão oral paralela. Em consequência, juízo tem aspecto de nome de acepção
própria, para a expressão mental; de acepção imprópria para a correspondente
expressão oral.
Deriva o termo juízo de uma radical indo-européia, e que era uma fórmula
sagrada.
Nos textos védicos yóh se dizia para saudar.
No latim jus é o direito. Finalmente, combinado jus (= direito) com dicere (=
dizer) se chegou às expressões judicare (= julgar), judicium (= juízo).
Já se vê, de pronto, que pela etimologia "dizer o direito", o termo poderia ter
passado ao uso linguístico, e não apenas, como aconteceu, ao uso da mente, onde
serve hoje à lógica.

541. Proposição, como nome, se diz, tanto do juízo mental, como também da
expressão oral correspondente.
Etimologicamente, não há razão para limitar o uso de proposição para o uso
exclusivo da expressão oral.
No Latim propositio, termo composto de pro (= diante) e ponere (= pô r ,
colocar), já significava pôr diante, como quem propõe o tema no discurso.
Por sua vez ponere deriva de sinere (= situar) através de po- sinere, de onde
finalmente positio (= posição) e propositio (= proposição).

Há uma semelhança de sentido etimológico de proposição com os termos de


derivação grega tema e tese, que também significam algo que se de propõe no início
do discurso.
Uma nuance distingue proposição de outras expressões mais gerais como frase,
e que exprimem qualquer adição modal ao juízo, que então surge como imperativo,
desejo, emoção, pergunta.
Frente a estas modalidades, continua a proposição a se referir ao juízo no seu
elemento mais essencial, que é ser afirmação (ou eventualmente a negação); nesta
condição essencial, a proposição une predicado e sujeito, sem incluir outras
modalizações, senão a que indicativamente afirma ou nega. Por isso, proposição pode
traduzir o apofantikós lógos, mais restrito que o lógos semantikós (= palavras que
têm algum sentido mais).

542. Enunciado, como nome, do latim enuntiatum, por sua vez de e- (partícula
expletiva) e nuntiatum (= anunciado), significa já no latim proposição máxima,
axioma.
Por conseguinte, desde sua origem, enunciado tem um significado similar ao de
juízo apofântico e de proposição, isto é, sem as significações modalizadas.
As vezes usado com liberalidade, o termo enunciado precisa não raro de apoio
externo, ou sintático, ou contextual, para garantir seu significado apofântico inicial.

544. Oração, como nome, do latim oratio (= oração), por sua vez de os, oris (=
boca, da boca),- de onde finalmente oral e orador, - tendeu, em virtude de sua
etimologia, a limitar-se ao sentido de linguagem.
Não é oração palavra de vocabulário filosófico. Por isso se estende facilmente à
qualquer expressão oral do juízo, inclusive à formas modalizadas.
Significa ordinariamente mais do que uma palavra isolada, quando esta se limita
ao âmbito do conceito como primeira operação mental. Ultrapassando ao conteúdo de
um conceito, oração, no plano da línguagem, diz tanto quanto um juízo, no da mente.
Quando uma palavra equivale a uma proposição, como por exemplo "chuva", ela
é evidentemente já uma oração.

545. Frase, como nome, deriva, através do Latim phrasis, do vocábulo grego
frásis (= frase), por sua vez de frásein (=assinalar).
É frase a denominação mais frequente e bem definida para significar a expressão
oral de objeto, quando apresentado como algo que se une a algo.

546. Aperfeiçoamento da terminologia frasal. Esforçam-se os linguistas em pôr


diferenças entre as denominações, sistematizando-as. Formar-se de-ia então uma
terminologia técnica para a linguística, mas que não derruba as significações da
linguagem corrente.
No estágio atual da terminologia linguística, para a expressão oral, tem-se de
claro, o seguinte:

1) Não se usam, para a expressão oral dos objetos do juízo, os termos vocábulo e
palavra, que ficam restritos à expressão oral do objeto da primeira operação mental.
2) Pertencem à área de expressão oral do juízo denominações como proposição,
enunciado, frase, oração, mas sem definição rigorosa.
3) A tendência é usar proposição e enunciado quer para a expressão oral, quer
para a expressão mental do juízo; usar frase e oração apenas para a expressão oral do
juízo.
III - Recursos específicos da frase.
4515y548.

550. O fenômeno sintático a nível de palavra e de frase. A língua não usa os


mesmos recursos de expressão a nível de palavra, a nível de frase e a nível de discurso.
As diferenças léxicas ocorrem a nível de palavra. Dizem-se diferenças sintáticas as
que acontecem a nivel de frase, e delas nos ocupamos agora.

Enquanto a expressão dos objetos referidos pela palavra se revelam


relativamente transparentes, não acontece o mesmo com o objeto complexo referido
pela frase. Desenvolve-se a frase dentro de um sistema complexo.porque opera
com palavras. Estas variam lexicalmente já em seu memso plano. Mas, depois de
entrarem para o todo complexo da frase, passam a ter funções sintáticas dentro da
mesma frase.
A linguagem precisa de algum modo expressar exteriromente as funções sintáticas
das palavras no interior do juízo, principalmente as três fundamentais.
Os recursos para a expressão das funções sintáticas costumam ser a ordem
adequada dos termos e a morfologia.
Pela ordem se consegue identificar as funções de sujeito, verbo de ligação,
predicado.
A morfologia pode diferenciar as palavras de acordo com as funções indicadas.
Desta sorte, as palavras assum um comportamento ao mesmo temo lexical e
sintático.

551. Dinâmica sintática interna da frase. Uma vez que são três os elementos
internos do juízo, pode a dinâmica se manifestar mais fortemente ora mais nos
extremos (sujeito e predicado), ora mais no verbo de ligação. Dali porque a sintaxe
assume dinâmicas divergentes, que se manifestam na ordem sintática dos termos e na
morfologia:
- dinânuca sintática centrífuga, operando a partir dos extremos, ora a partir do
extremo maior (predicativo), ora a partir do extremo menor (sujeito),
- dinâmica sintática centrípeta, atraindo para o verbo de ligação.
- dinâmica sintática de equilíbrio.
.
Ocorre o equilíbrio na dinâmica sintática, quando todos os elementos se
expressam claramente, com igual ênfase. Assim acontece em : a casa é verde; o sol é
brilhante.
Quando o sujeito e o predicado se destacam, ocorre a ação centrífuga para os
extremos da proposição. Esta ação centrífuga se deve, por sua vez, ora mais ao sujeito,
ora mais ao predicado.
A expressão frasal centrípeta expressa a partir da afirmação central, indicada
pelo verbo ser. Colocado este expressamente, aponta para os extremos, ligando-os a
maneira de predicativo e sujeito, atraindo-os portanto para o centro.
O procedimento centrípeta ocorre principalmente quando o predicativo é uma
ação (ativa, passiva, medial).
Por causa da ênfase da ação, tende ela a eliminar pela absorção a palavra
indicadora do predicado, transformando-a em verbo, fundindo-o com a partícula de
ligação.
Exemplo: o sol brilha (em vez de o sol é brilhante); a casa verdeja (em vez de a
casa é verde); Pedro trabalha (em vez de Pedro é, ou a está trabalhando).
A função centrípeta extremamente enfática ocorre nos verbos ditosimpessoais,
como em chove, troveja. Efetivamente estes verbos são pessoais, funcionando
aparentemente como se o não fossem.
Em princípio, o procedimento centrípeta sempre ocorre, ainda que seja mais
evidente no predicativo de ação.

As línguas não planejadas, como as étnicas, costumam ter verbos adequados


quase só para a ação mais enfática.
Um sistema linguístico pleno, como o Esperanto, permite o uso versátil da
expressão centrífuga e centrípeta, tornando-as perfeitamente enfáticas. Por exemplo
"printempo jam printempas; Dio dias; la vero veras; la belo belas.

552. A afirmação como destaque da frase. A expressão oral do objeto do juízo é


obviamente a afirmação. O destaque não está na expressão dos extremos, quando
vistos apenas como palavras, ainda que nenhum dos seus termos deva faltar.
Tijolos isoladamente não fazem uma casa. Assim palavras por si só não
constroem a frase. Seja pela forma centrífuga, seja pela centrípeta, os termos deverão
surgir já como predicado e sujeito, não apenas como palavras. Seja por meio de
morfema, seja por meio de contexto, predicado e sujeito, importam em aparecer
sempre identificados na respectiva função.

Mas é sobretudo na forma centrípeta,que a frase se manifesta como clara


afirmação.
Esta clareza obedece a graus. É enfática, se o verbo ser for dito simplesmente,
como em "é" . Diminui a força apofântica, se o verbo ser for conjugado para anexar
perspectivas de tempo, aspecto, pessoa. Por exemplo: eles serão pagos; eles eram
pagos.

554. O verbo ser como instrumento específico principal da frase. É dito também
verbo auxiliar e verbo de ligação.
Quando o verbo ser se funde com o predicado (predicativo), como em o sol
brilha passa a denominar-se simplesmente verbo.

Convencionalmente passou-se a subdistinguir o predicado em "predicado" para


o verbo, e predicativo para a qualidade, que o verbo ser une ao sujeito. Então temos,
em o sol brilha, um "predicado"; em o sol é brilhante, um "predicativo".
Ocorre um efeito centrípeta no caso do "sol bilha"; e mais equilíbrio, ou até um
efeito centrífuga, em "o sol é brilhante".
No verbo chamado "predicado" não há efetivamente, nem só um predicado, nem
só um verbo. Há um verbo auxiliar oculto e mais um predicado (isto é um predicativo
com sentido de ação).
O verbo ser é dito auxiliar do outro verbo, enquanto com este se combinar,
gerando expressões compostas.
Quando, porém, em sua função de afirmador, o verbo ser se limita a afirmar, ele
se estabelece como um verbo absoluto. Neste nível, o verbo ser não significa ação,
mas pura afirmação de união de sujeito e predicado. Então ele é apenas a cópula.
No verbo de ação, esta ação é uma categoria (modo especial de ser); em tal
condição, a ação é de fato um verbo, porque não contém apenas a afirmação.
Absorvendo o verbo ser, eis quando o verbo de ação entra a se exercer
especificamente como verbo.
Já etimologicamente verbo significa palavra. Como palavra, verbo exprime, pois
amplamente. Não se limita àquilo que afirma.
No sentido de palavra, verbo está presente em todos os idiomas indo- europeus.
No latim, verbum (= palavra). No inglês: word (= palavra). No alemão wort (=
palavra). No grego rhema (= palavra ), rhetor (= retor, retórico), respectivamente
através de wrhema, wrhetor.
O termo exprime, pois, com nuances duas coisas: ora somente a afirmação, ora a
afirmação mais o predicado de ação, ou mesmo qualquer outra categoria de ser.
Não coincide verbo exatamente com o que no grego se diz logos, apesar de se
traduzir com ele este termo.

555. Instrumentos específicos secundários da frase são todos aqueles que


indicam aspectos concomitantes à afirmação. Tais são: verbo (verbo não auxiliar),
advérbio, preposição, declinação, conjunção. Pertencendo à frase, são elementos
semânticos e não apenas lexicais da palavra.
Sem expressarem diretamente a afirmação, os instrumentos específicos
secundários da frase contribuem para identificar os termos em suas funções de
predicado e de sujeito.
Palavras que traduzem conceitos tão só como conceitos são instrumentos apenas
incoativos da expressão oral. Efetivamente, os conceitos são partes do juízo. Não há,
portanto, frase sem palavras, ainda que estas palavras devam acrescer-se dos
instrumentos específicos, para também se apresentarem como predicado e sujeito.
Os conceitos são imagens intelectuais através da perspectiva de ser. As imagens
intelectuais dos conceitos são distintas da imagem sensível, através das perspectivas
de cor, som, gosto, olfato, tato. As imagens mentais podem ser recortadas por
abstração, e então se de constituem em conceitos, cujos objetos são expressos por
meio de palavras.
Todavia o conceito se ultrapassa a si mesmo. Que há num conceito que o
ultrapassa? É a sua função, ora de sujeito, ora de predicado. Na função de sujeito, o
conceito assume a condição de ponto de referência do predicado. O mesmo acontece
com este último; o predicado assume a condição de elemento de atribuição a um
sujeito. Paralelamente, a palavra que é a transposição oral do conceito se ultrapassa a
si mesma quando se insere no esquema sintático da frase.

556. O verbo, chamado predicado (não o verbo auxiliar), exprime a ação como a
categoria da ação (ativa e passiva).
Simplesmente como categoria (vd 507), a ação é apenas predicado, isto é, um dos
extremos da frase.
Mas o nome da ação ainda absorve a partícula que exprime a afirmação. Em vez,
por exemplo, de o sol é brilho, diz o sol brilha.
De uma parte, o verbo é apenas instrumento específico secundário; de outra é
também instrumento específico principal por conter a afirmação.

557. O advérbio indica, modificações na assertativa, como em "ele ri muito".


Mas desde logo se percebe que a modificação se operou na ação e não
diretamente na afirmação.
Por isso, no advérbio não se trata de modos da afirmação verbal, e sim de modos
da ação e paixão como categorias do ente.
Somente indiretamente, pois, influi o advérbio na afirmação verbal.

Dado que o advérbio modifica diretamente a ação do verbo e apenas


secundariamente a afirmação do juízo, a expresão linguística do mesmo se opera com
muita liberdade sintática. Ocorre, então, dois modelos, - o do advérbio
ostensivamente expresso, e o do advérbio oculto.
O advérbio ostensivamente expresso pode dar-se mediante palavra própria (o
advérbio, de que falam os gramáticos), conforme o exemplo dado, - ele rí muito.
É possível mesmo o arranjo de uma terminação própria para este advérbio,
ficando interiamente às claras. No português usa-se frequentemente a terminação -
mente, como em boamente, belamente, finalmente. No planejamento linguístico do
Esperante, o adverbio se obtém pela terminação -e, como em bone, bele, fine.
Em algumas línguas, como no alemão, o advérbio é reconhecido quase somente
por um dispositivo semântico, que o diferencia do adjetivo.
As modificações adverbiais, a interferir no significado da ação e finalmente na
afirmativa, podem expressar-se morfologicamente com afixos ao próprio verbo. Por
exemplo: lamentar, lamuriar.
No Esperanto, mais sistematicamente: krii (= gritar), kriegi (= berrar,
pronuncie-se kriegui), krieti (= gritar baixinho).
As modificações criadas por advérbios aplicados a determinado verbo, admitem
ser substituídas simplesmente por palavra inteiramente nova (com novo semantema):
gritar, berrar, urrar.
É possível ver nestas modificações, que a elas se dão nos extremos (predicado,
sujeito) e não diretamente na afirmação; uma vez que só esta é essencial no juízo e na
frase, aquelas modificações, sob qualquer modalidade, seja adverbial, seja por
morfema, seja até por nova palavra, não se dizem da assertativa em si mesma, porém
dos termos situados como extremos (predicado e sujeito).

558. A preposição como participante indireto da frase. Por definição, a


preposição se destina diretamente a modificar palavras, introduzindo o substantivo,
como em "sobre o monte", "até o rio", "com a cabeça para o chão".
Apenas indiretamente a preposição participa na formação da frase, influenciando
sua afirmação. Opera a preposição nas categorias de ser (que são de 10 gêneros
supremos segundo Aristóteles.
As categorias de ação e paixão (vd 507) se apresentam mais complexas e por
isso nelas as preposições exercem especial função e que complexificam a estrutura da
frase. As preposições determinam a natureza do predicado, ora como objeto direto,
ora como objeto indireto. Por exemplo, o filho obedece ao pai; o filho disse ao pai.
De novo a participação da preposição na frase foi indireta, porque expressou as
categorias da ação e da paixão em seus diversos procedimentos, e não diretamente a
afirmação. Sabemos que a ação poderá ser ativa, passiva, medial, intransitiva,
conforme expresse as categorias", da ação ou da paixão, ou a atividade sem
subdistinguir a ação pela direção ativa ou passiva.

559. A conjunção um expediente próprio da frase. Em vez de influenciar


palavras (como fazem as preposições), a conjunção influencia frases, ao ordená-las
entre si, ora simplesmente as ordenando, ora até mesmo as subordinando.
A função simplesmente ordenadora da conjunção poderá redividir-se em
somente copulativa, se apenas aproxima (Pedro chegou e entrou), e emdisjuntiva, se
alterna (ora come, ora bebe).
A função da conjunção é subordinativa quando opera no sentido de condicional
substancialmente uma afirmação à outra (se Pedro chegar, eu o cumprimentarei).
A função subordinativa é das proposições é essencial na sequência operativa da
evidência, em sua sucessividade explícita, implícito, virtual. A evidência implícita é
um juízo subordinado a uma evidência explícita, como acontece nos princíos, ou
axiomas. A evidência virtual é produzida por efeito de premissas, como esclarece a
lógica do raciocínio (vd).
No seu estágio folclórico atual, os idiomas étnicos (ou nacionais) não lograram
ainda formar um bom sistema de conjunções, como também não de preposições e
advérbios.
Um pandemônio anárquico, polissêmico, impreciso e redundante de partículas
de expressões idiomáticas tumultua esta área dos idiomas paradoxalmente ditos
naturais.
Quem disser que vai "falar sobre a mesa", não distingue se disse, que vai falar a
respeito da mesa ou em cima da mesa. Por mais que os gramáticos se esforcem por
distinguir classes, não conseguem resolver situações, porque muito há de não fixo e
polissêmico no que concerne às conjunções, preposições, advérbios.

Numa língua artificial, o planejamento permite tornar as palavras bem mais


definidas e sem excessos de equivalência. O Esperanto é um exemplo do que se pode
conseguir em termos de partículas, que sirvam como conjunções, preposições,
advérbios, adjetivos e pronomes demonstrativos.

560. A declinação das palavras, pela formação de casos substitui por


outro expediente as funções das preposições.
Entretanto, uma língua versátil deve alternativamente poder optar normalmente
entre o uso das preposições e o uso da declinação, ao mesmo tempo que ter um
sistema adequado tanto de um como de outro recurso.
A declinação poderá tornar uma língua altamente complexa, se se der com
grande multiplicidade de casos (nominativo, genitivo, dativo, ablativo, acusativo),
além dos casos em plural, diferenciação em sistemas ( 1ª, 2ª, 3ª, 4ª declinações),
variação por sexo, finalmente com exceções.
A enorme variedade de casos nas declinações acontece com línguas importantes,
grego, latim, alemão, russo.
Também é paradoxal, que as línguas sem declinações, são contudo penetradas
por excessões, sobretudo na formação dos pronomes pessoais.Por exemplo, eu, mim,
me, tu, te, lhe, além das combinações como em comigo, contigo, consigo, conosco,
convosco.
No período da decadência latina, perderam as línguas neolatinas e o inglês
(idioma germânico sob influência latina) as declinações, desenvolvendo as
preposições. Apesar da anarquia também destas, e apesar de haverem conservado as
declinações dos pronomes pessoais, tornaram-se línguas menos complexas, - neste
particular, - que o velho Latim.

561. Um bom sistema de declinação das palavras obedece à lei do necessário e


do suficiente. Retificar a morfologia do sistema de declinação das palavras,-
juntamente com a reordenação do quadro das preposições, conjunções, inclusive do
advérbio, - foi mais um desafio e oportunidade para as línguas planejadas.
Para a frase o que muito importa é distinguir entre sujeito da ação e o objeto
atingido pela mesma. Assim sendo se tornam importantes dois casos, o nominativo
(caso do sujeito) e o acusativo (caso do termo da ação).
Se a declinação se reduzir a apenas estes dois casos, poderá o primeiro, - o caso
nominativo, - ser reconhecido negativamente, enquanto o outro, - o caso acusativo, -
ser reconhecido por um sinal diacrítico.
O Esperanto, além de admitir os recursos das preposições, adotou dois casos: o
acusativo, pelo acréscimo da terminação -n, e o nominativo , este reconhecido
negativamente, por não ter a referida terminação.
A presença moderada do acusativo (se for regular e fácil) contribui notoriamente
para a versatilidade e precisão da língua, sobretudo para a identificação diacrítica do
objeto direto.
Permite também o acusativo a versatilidade de colocação das palavras dentro da
frase. Sem ele obriga-se a língua a estruturas sintáticas bastante rijas , o que é pior.
Como adequação para ser língua internacional, o Esperanto, com o uso do
acusativo, contorna ainda outros problemas. Entre eles o da ordem direta, peculiar a
uns idiomas, e da ordem indireta, peculiar a outros. Um acusativo moderado e bem
regular, no Esperanto, melhor o adata ainda aos que em sua respectiva língua
nacional não estão habituadas a uma estrutura sem acusativo.

562. Ao menos o acusativo? Considerando que as preposições dispensam a


declinação, surge a pergunta pela conveniência, ou não da declinação.
Certamente importa moderação no uso das declinações, em virtude das
dificuldades que oferecem, sobretudo quando o sistema se torna altamente complexo,
como geralmente acontece nas línguas étnicas.
O Esperanto, - no que se refere à declinação das palavras, - se restringe
praticamente apenas ao uso do acusativo e com uma só terminação a caracterizá- lo, a
letra -n. Não se limita ao acusativo dos pronomes, - o que seria fazer uma exceção, -
mas o admite universalmente.
Além disto, o Esperanto admite o uso livre, ou do acusativo, ou da preposição
(dispensando então o acusativo). Dali resulta grande flexibilidade. Não acontece
sempre o mesmo em outras línguas. Diz-se em língua portuguesa, - João me ama
(com acusativo); mas não se permite dizer, - João ama a eu (com preposição).
A experiência, após um século século de exercício do Esperanto, é o da
preferência pelo acusativo. Este fato parece derrubar experimentalmente as
assertativas daqueles, que consideravam o acusativo um recurso morfológico menos
recomendável.
Além disto, idiomas importantes se consolidaram como sistemas linguísticos
com base na declinação, e esta ainda altamente complexa.
Quanto aos idiomas neolatinos, perderam as declinações nos momentos de
maior barbarismo, e tendem a conservar formas irregulares de declinações para
diversos pronomes.

§ 2. A frase e os modos de julgar.


4515y565.

566. As circunstâncias de um objeto variadamente complexo repercutem na


assertiva do respectivo juízo, modalizando-o e por sua vez também modalizando a
frase, a qual, ora afirma, ora nega, ora deste modo, ora daquele, num grande leque de
possibilidades.
A forma da frase, quando traduz o juízo modal, somente é boa, se a sua estrutura
oferecer elementos sintáticos, que expressem com suficientes precisão a modalização.
Há tantas formas de frases, quantas forem as maneiras de julgar. Importa por
conseguinte conhecer previamente a lógica do julgar, com vistas ao reto modo de criar
a frase respectiva.

O tratamento da questão requer uma noção da mesma expressão modal, como


ela acontece pelo lado da mente. As modalizações requerem capacidade de abstração,
porque elas não subsistem concretamente. O pensamento oferece o objeto, e ato
contínuo a frase o transpõe, não sem influência do trabalho abstrativo da mente. De
outra parte, a língua é uma arte com vantagem de poder criar os equivalentes
necessários, de onde vem a criação dos juízos modais com notáveis variações a
respeito do objeto.
A forma do juízo depende em primeiro plano da afirmação, em segundo dos
conceitos colocados como extremos (sujeito e predicado).
Em função à afirmação, os juízos são:
- afirmativos e negativos;
- assertivos (apofânticos) e modais (ordinativos, vocativos);
- imperativos, depreciativos, optativos, emocionais (interrogativos).
Em função aos extremos e sua forma, os juízos poderão ser:
- singulares e gerais (estes particulares e universais);
- simples e compostos (manifestamente compostos e ocultamente compostos);
- díspares, equipolentes, opostos.

567. A atenção à tantas formas de juízos é um trabalho exaustivo de lógica, -


como já foi sugerido, - e que a linguística aproveita para ordenadamente determinar as
possíveis maneiras paralelas de expressão oral.
Evidentemente, mais interesse despertam as formas relacionadas com a
afirmação, porquanto é ali que se de encontra a essência do juízo, do que as formas
relacionadas com os extremos (sujeito e predicado).

I – A frase em função à forma da afirmação.


4515y568.

569. Frase afirmativa e frase negativa. A forma afirmativa e negativa do juízo se


determina primeiramente pela sua afirmação, que se faz mediante o verbo ser (verbo
auxiliar ou de ligação). As variações de forma provenientes do predicado e do sujeito
são secundárias e indiretas, condicionadas a esta afirmação fundamental do verbo.
Todo o juízo é diretamente sempre afirmativo, nunca negativo. O conteúdo
mesmo do verbo ser é afirmar-se como ser. Mas, por consequência da afirmação, algo
poderá estar excluído, e que portanto se nega. Por se tratar de consequência, a divisão
que diz juízos afirmativos e juízos negativos, coloca em primeiro lugar a menção ao
juízo afirmativo.
Adequadamente, se pode estabelecer o seguinte: o juízo é sempre diretamente
afirmativo e sempre indiretamente negativo.

Aqui estamos dentro do que se estabelece no princípio de contradição: o que é,


enquanto é, não é o que não é.
Dito por outro modo: algo, enquanto é, não é ao mesmo tempo o seu contrário.
Ou: o que é idêntico a si mesmo não é idêntico ao seu contrário.
Ou ainda: o que é uno consigo, não se une com o seu contrário.

Ainda que cada formulação destaque determinado aspecto, o contexto de base é


sempre o mesmo.
Qual a melhor formulação? Usando o termo adequado: o ser, enquanto é uno
consigo mesmo, não se une ao seu contrário.
Mesmo na verificação de algo experimental, o afirmativo vem antes do negativo.
A experiência, ao afastar uma suposição, somente o consegue pela verificação de uma
anterior verdade diferente e positiva. Colocada esta verdade, que a experiência
sinteticamente estabeleceu, afasta-se indiretamente a negativa.
570. Do ponto de vista do modo de operar as expressões mentais, umas ocorrem
por síntese, outras por análise.
A experiência opera por síntese. Constatada experimentalmente uma afirmação,
- por exemplo, a porta é branca, - ato contínuo a análise determina, - a porta não é
não-branca. Sucedem-se a síntese e a análise.
A conclusão é que o juízo negativo contém um juízo afirmativo oculto.
Na explicitação, o implícito passa a ser afirmado positivamente, e portanto se
torna um juízo afirmativo. Apenas a evidência é dependente da evidência anterior. A
fórmula da explicitação, que passa a afirmar é: o predicado afirma-se como negativo.
O negativo está sempre no predicado, não no verbo ser. Em um exemplo
concreto
- "Pedro é bom" (juízo explícito experimental) - está implícito que "Pedro não é
mau", o que se firma entretanto positivamente - "Pedro é não-mau". Do ponto de
vista lógico mental não existe "Pedro não é bom", mas somente "Pedro é não-mau".

Pelo visto, há juízos diferenciados, que podem ser chamados juízos positivos (=
afirmativo-positivos) e juízos negativos (= afirmativo-negativos).
É importante ainda anotar que os juízos positivos e negativos não são paralelos,
mas sucessivos. Não já juízos negativos sem existirem seus correspondentes juízos
positivos. Esta sucessividade do afirmativo e negativo é fundada na ordem lógica.
Mas de maneira geral, não acontecem juízos simultâneos, nem mesmo simultâneos
afirmativos.

580. O juízo negativo da mente ao ser transposto à frase. Como fica o juízo
negativo da mente ao ser transposto para expressão linguística?
Na frase, que transpõe o juízo negativo, há um jogo de contexto: enuncia-se o
implícito, pela forma negativa, porque de fato se trata de uma negação, e se deixa para
o contexto a explicitação (que consiste em afirmar que o negativo não se dá).

A língua poderá enunciar a totalidade do caminho percorrido. É exatamente o


que se dá, enquanto enuncia um princípio: o ser enquanto se afirma como aquilo que é,
implicitamente nega o seu contrário, com o qual não se une.
O ser afirma, como sendo seu predicado, o ser que ele é; nega, dizendo que não
é seu predicado, aquilo que ele não é.
Por isso, quando a língua não afirma a totalidade do que o juízo contém, está
operando com o contexto. Na ordem do fato o juízo sempre é uma plenitude, com seus
explícitos. Na mente a atenção pode contudo atender, ora a um aspecto, ora a outro;
em consequência a língua poderá também limitar-se, ora a um aspecto, ora a outro,
inclusive deixando para o contexto o que não quer destacar.

A frase negativa é, pois, uma frase-entinema, à maneira do que acontece com o


silogismo-entinema (vd 640). Assim como o silogismo-entinema deixa oculta uma das
suas premissas, também a frase negativa deixa oculta a afirmativa da qual depende.

581. A afirmação (direta e indireta ou negativa) se faz diferentemente na


proposição em que o verbo ser (auxiliar) permanece visível e na proposição em que
este mesmo ver o ser é assimilado pelo predicado (verbo não auxiliar, ativo, passivo,
medial).
No primeiro caso, em que o verbo ser permanece visíve, a fórmula da frase é: S
é P; S não é P. Num exemplo prático: Sândalo é perfume; Sândalo não é animal.
Menos transparente, - segundo caso, - é a afirmação e a negação na proposição
mediante verbo (que expressa ação assimilando o verbo auxiliar). Exemplos: Pedro
fala; Pedro cala (não fala).

II - Modos verbais na frase.


4515y583

584. A união e não-união, expressas no juízo e na frase, podem modalizar-se.


Dali resultam os modos verbais, começando pelo modo indicativo (ausência de modos)
continuando pelos modos condicional, imperativo, vocativo, subjuntivo, emotivo,
depreciativo, etc. ...
Em princípio os modos são os mais diversos possíveis, sendo mesmo um deles,
o da pergunta. Além disto, ocorrem também os modos nominais do verbo.
Os modos verbais são questão surgida já com os conceitos, onde a ação e a
paixão assumem a forma verbal (vd 513).
Na mente, portanto nos juízos, os modos não precisam definir-se em classes
bem definidas, podendo atravessar por todos os graus.
Na expressão oral, todavia, os morfemas comprimem os modos em graus, e
estes em número limitado. O que fica por conta do contexto escapa um tanto deste
caráter mecanicista dos morfemas diacríticos da língua.
Os modos de que tratamos aqui pertencem essencialmente ao juízo e sua
expressão oral. Esta expressão oral pode dar-se por morfemas, criando o fenômeno do
verbo.
Todavia, o modo do juízo pode expressar-se oralmente por outras formas, como
é o caso da pergunta.
Como se depreende, o modo verbal da frase, - como usamos a expressão no
título (vd 583), - é apenas a forma dominante de expressar os modos do juízo, sem que
seja a única forma.
Algumas línguas apresentam uma notável variação de modos verbais.
Recomenda o princípio do necessário e suficiente que os modos se contenham num
certo número.
No Esperanto limitam-se morfologicamente ao indicativo (com presente,
passado, futuro), condicional, imperativo. O mais fica para as formas compostas e
para o contexto.
585. O modo indicativo não importa em sofisticação e pode mesmo limitar-se a
expressar negativamente; está então como um morfema zero.
Em primeiro lugar o modo indicativo é a afirmação de união ou não-união.
Negativamente passa a ser modo, enquanto os demais positivamente se distinguem
dele.
Dizer que "a porta é verde" expressa portanto em primeiro lugar a função do
verbo ser; por acréscimo se dirá que a expressão verbal se encontra no modo
indicativo.
Outros aspectos são importantes no modo indicativo e fazem que se lhe dêem
morfemas indicadores de presente, passado, futuro.

No Esperanto terminam singelamente : mi pensas (= eu penso) mi pensis (= eu


pensei), mi pensos (= eu pensarei). E assim para todos os verbos. Nem se conjugam,
porque as diferenças se indicam suficientemente pelos pronomes. Ou mesmo pelo
contexto dos nomes.

586. O condicional e o subjetivo, o imperativo constituem os modos mais


transparentes de expressão.
O modo condicional modaliza com a circunstância da condição com que se dá a
união dos termos. Exemplo: Pedro virá, se for avisado.
O Latim não tem forma própria para o condicional, mas outros equipamentos
combinados com o contexto. Isto lembra que há diferentes maneiras de expressar o
condicional, que se combinam com o imperativo e o subjuntivo.
No Esperanto o condicional é expresso pelo morfema único em - us. Por
exemplo: mi opinius (= eu opinaria), se mi havus informon (se eu tivesse
informação).
O imperativo e o volitivo afetam a afirmação do juízo imprimindo-lhe o caráter
de uma ordem ou desejo. No Esperanto: iru (= vá).

587. O modo emocional, ou emotivo, como na interjeição, é o mais característico


dentre todos os modos verbais, ainda que o interrogativo seja o mais difícil de analisar.
Como elemento da frase, a interjeição é um instante máximo de do movimento
centripedo do verbo da frase.
Aparentemente nada mais que um grito emocional, a interjeição é pelo contrário
uma frase (frase oculta) paralela a um juízo afirmativo, modalizado
intempestivamente pela emoção.
É a interjeição uma expressão emocional, assim classificada em função à forma
da afirmação, vista sob o ponto de vista da emoção que se expressa como grito
emocional, que ao mesmo tempo se torna expressão de um objeto dado a conhecer por
um juízo concomitante.
É possível um grito meramente emocional. Ele se eleva ao nível de linguagem
no momento que traduz um juízo, ainda que vago. E esta linguagem é uma frase.
O caráter eminentemente explosivo do pensamento, sobretudo acompanhado de
fortes emoções, não permite que assuma forma clara e distinta. Mas, progredindo em
organização, passa a se organizar em frases melhor definidas.
O bom estilo tem na interjeição um recurso excelente de variação, vida,
autenticidade, progressão das idéias. Sobretudo no diálogo a interjeição é
autenticidade e progressão, pois é o diálogo um gênero em que o nascimento do
pensamento também conta.

588. A pergunta é um modo de expressão, que tem por objeto o estado potencial
que as coisas apresentam em relação ao sujeito conhecedor.
Em concreto as coisa são sempre o que são. Mas em relação a nós estão em
potencial de serem conhecidas. Este potencial é a pergunta, a qual essencialmente
assume a forma de juízo, e que finalmente possui também sua maneira de se expressar
linguisticamente.
Situa-se a pergunta em dois planos, no da mente (como juízo) e no da língua
(como frase).
Na mente a pergunta consiste na comparação de vários termos, com vistas a
determinar, - se eles se unem; ou, se eles não se unem. Dali resulta finalmente a
resposta, numa afirmação, ou numa negação definitivas. Mas, antes deste final é que
se situa a pergunta.
Na língua a pergunta é nada mais que a transposição da expressão do plano
mental, para a expressão do plano oral da frase. Não é a frase da pergunta uma
expressão oral do mesmo juízo, e sim a expressão dos termos comparados a respeito
dos quais se estabelece a comparação com vistas a se saber se se unem, ou não se
unem.
Todavia há ali aspectos abstratos, porque a comparação não é uma situação
concreta existente só por si. É um estado potencial.
Na frase, que pergunta, há um paralelismo com a expressão mental, ainda que
muito distante. Se é que há um paralelismo, ele deverá estar oculto, e é a este lado
oculto que precisamos chegar, para atingir a análise da frase que pergunta e
compreendê-la com profundidade.
A pergunta como frase é uma forma modal de expressão de difícil análise.
Decorre a dificuldade do afastamento notório em que se encontram as paralelas da
pergunta oral e da pergunta mental.
Pelo lado da mente as fontes de informação nos vêm da lógica, gnosiologia e
psicologia. É sobretudo a gnosiologia, também denominada metafísica do
conhecimento e teoria do conhecimento, que explora os momentos iniciais do
pensamento.

Importa não se embaraçar com as denominações. Semelhantes à pergunta


são: indagação, questionamento, dúvida, problematização, pesquisa, busca, hipótese.
Trata-se de nuances referentes à origem do juízo, em busca de uma afirmação
definitiva. A transposição deste objeto expresso pelo juízo modal da pergunta, é a
frase modal da pergunta.
Por causa da anterioridade da expressão mental, não se formula a frase
interrogativa, sem que a preceda a aquela interrogação puramente mental. Por isso,
para uma exposição clara de como a pergunta se expressa em termos de linguagem,
importa insistir em sua fase anterior a nível de juízo da mente.
Ali, na mente, a estrutura geral da pergunta envolve vários juízos e que na
transposição para a linguagem permitem expressões, ora mais completas, ora menos, e
em que umas frases podem conter outras, que a atenção ao contexto permite alcançar.

590. Pergunta simplificada e pergunta completa. Duas são fundamentalmente as


formas orais de pergunta.
A pergunta simplificada enuncia um termo, restando o mais por conta do
contexto: que? Quem? Qual deles? Quantos? Onde? Para que? Acaso?
A mudança de voz muito auxilia a estas palavras, para que se identifiquem como
pergunta. A mesma função pode ser realizada por uma partícula oral específica.
- Acaso? Eis a partícula da língua portuguesa que encaminha a pergunta.
Exemplo: acaso?

A pergunta de forma completa contém todos os termos essenciais a um juízo:


acaso isto é? Que é isto? Quem é ele? Quantos eles são?
Além das partículas de pergunta, ocorre a frase interrogativa comum com
levantamento de voz no final da frase.
Há duas formas de pergunta completa. A pergunta semi-completa a que enuncia
um juízo completo, deixando o outro oculto; pergunta totalmente completaa que
enuncia ambos os juízos a saber o menos oculto, e o mais oculto.
A pergunta com juízo mais oculto, - contido nas partículas que? Quem? Quais?
- importa em uma análise maior, e que por vezes apresenta passos de uma
fenomenologia meticulosa, todavia necessária para o ajustamento entre o objeto a ser
expresso e a frase.
591. A analise das partículas que expressam pergunta faz perceber que elas
ocultam a operação mesma da comparação dos termos extremos do juízo (sujeito e
predicado) pela qual procuram determinar sua união ou não união (isto é, sua
afirmação, ou não-afirmação).
Trata-se de assuntos eminentemente introspectivos, em que a constatação
consiste na verificação do que imediatamente se apresenta à consciência. O que de
primeiro intuito se mostra chama-se fenômeno, termo criado a partir do grego faino (=
mostrar).
Nesta fenomenologia do conhecimento observa-se que o juízo é instantâneo, que
somente depois de acontecido ele se conhece a si mesmo.

Na intencionalidade direta, o conhecimento põe sua atenção no objeto ao qual se


dirige; ao mesmo tempo funciona a intencionalidade indireta, em virtude da qual ele
sabe que, enquanto conhece o objeto, também conhece a si mesmo.
Este conhecer o objeto é a consciência direta; o conhecer a si mesmo como
cognoscente é a consciência reflexa. Trata-se de consciências logicamente sucessivas,
mas concretamente simultâneas.
O primeiro juízo é o da experiência sensível, tal como é operado pela ciência
empírica (ou positiva). Depois, pela operação de novos juízos, é possível comparar
termos já conhecidos nas instâncias anteriores, e perguntar se eles se unem, ou não.
Chega-se assim ao momento em que acontece a pergunta, a indagação, o
questionamento, a problematização, a pesquisa, a busca, a dúvida e a alternativa das
hipóteses.
Consegue-se perceber que a pergunta se envolve com a operação mesma pela
qual se comparam termos de um juízo futuro, e que estes termos já são conhecidos
anteriormente. Portanto, a pergunta não é a que faz gerar o primeiríssimo juízo.

Depois da constatação de um primeiríssimo juízo somente resta a possibilidade


de uma dúvida fictícia a respeito dele. Esta pergunta meramente esplanatória permite
proceder uma revisão de todo o conhecimento, conduzindo-o sistematicamente como
um saber criticamente examinado.
Foi o procedimento utilizado por Descartes, e por ele formulado pela
expressão: penso, logo, existo. Pensar era o fato incontestável, que realmente não se
conseguia remover, senão ficticiamente para efeito de reandar os caminhos já andados.
A partir deste fato se vão conduzindo os novos juízos (o que talvez Descartes não
fizesse lá muito bem), mas acertou advertindo que pensamos conscientemente como
um fato inarredável.
Quem pergunta já sabe algo a respeito do que pergunta. Este algo já conhecido
diz respeito em primeiro lugar, aos termos comparados. Não haveria comparação a
fazer, se não houvesse os termos a comparar. Além disto, os termos comparados
oferecem base a novas etapas do conhecimento, e que geram a pergunta, a esta altura
ainda sem resposta. A percepção daquilo que serve de base constitui exatamente o
início do novo juízo, o juízo indagatório.

592. A pergunta, ao versar sobre a comparação dos termos, - que não sabemos
inicialmente, se se unirão, ou se se dividirão, - contém necessariamente dois juízos:
- ou os termos se unem?
- ou os termos se dividem?

Tanto em um caso, como em outro, ocorre um juízo perfeito.


Em "os termos se unem?" há sujeito e predicado.
Também há sujeito e predicado em "os termos se dividem?".
Como então se apresentaria desdobramente a pergunta - que é isto?
O desdobramento poderá fazer-se pela primeira fórmula:
- ou isto se une?
- ou isto se divide?

Mais concretamente: isto é feijão? Isto não é feijão?

Ocorre uma diferença modal. O juízo interrogativo, apesar de ser uma afirmação
apofântica, não exerce uma afirmação apofântica absoluta, pois não afirma e nem
nega simplesmente. Mantém-se a afirmação sob modalização indagatória, permitindo
ser afastada, ou mantida.

593. Na pergunta há um juízo ainda em perspectiva de poder acontecer.


A hipótese não é fingimento, ela já contém alguma base, e que a torna uma
perspectiva, podendo ser portanto motivo de pergunta.
Não se pergunta sobre o que já se de sabe não ter resposta. Não tem perspectiva
de resposta o que se sabe ser impossível.

De certo modo, o juízo que já temos também não terá resposta, porquanto já está
respondido.
Mas é possível fingir como expediente didático, e perguntar sobre o que já se
sabe. Neste sentido não importa que o orador pergunte, mesmo que ele já conheça a
resposta; ele apenas pergunta didaticamente aos ouvintes, para provocar nestes o
desejo da resposta. Portanto, a pergunta supõe uma perspectiva de resposta, a qual
está portanto potencialmente contida na mesma pergunta. Este aspecto da resposta faz
parte da pergunta como juízo modal.
594. Direções da pergunta, - a si mesmo e a outro.
Na pergunta a si mesmo formulam-se simplesmente os juízos que expressam as
diferentes possibilidades resultantes da comparação dos termos a unir ou dividir.
Na pergunta a outros o contexto muda para alguns detalhes novos: a pergunta
pede a informação sobre o que o outro já sabe, e não o sabe o perguntador.

A frase na pergunta a outro se faz na forma bem comum: que? Quem? Quantos?
Onde? etc. Ou na forma comum com elevação simplesmente da voz, como em - Pedro
já veio?
O orador, por expediente didático, faz a pergunta, ora a si mesmo, ora aos outros.
Em ambos os casos ele mesmo depois responderá, após haver preparado o interesse a
respeito do tema que deseja transferir.

595. Saber perguntar. Em vista de haver uma sequência de juízos ao se fazer a


pergunta, cabe planejar o empreendimento, antes de o iniciar. Primeiramente há que
determinar os termos exatos já conhecidos, distinguindo-os dos ainda não esclarecidos.
Esta é uma questão de metodologia a que os pesquisadores e investigadores
estão habituados, e que se chama "determinação do problema".
A potencialidade da resposta é o que se denomina "formulação da hipótese" (=
solução mais provável).
Depois, orientado pela hipótese, o pesquisador economiza tempo e trabalho,
porque se coloca no caminho mais provável da solução, em cuja pesquisa se ocupará.

596. Do ponto de vista meramente linguístico importa, que haja partículas, as


quais permitam uma linguagem de perguntas claras.
Um jogo de voz no final da frase pode diferenciar a frase comum e a frase em
termos de pergunta. Partículas próprias fazem também a expressão linguística da
pergunta, como o termo acaso? (vd 590).

III - Modos da frase decorrentes da quantidade e da compreensão dos extremos do


juízo. 4515y597.

598. Posta a afirmação, que une os termos sujeito e predicado do juízo, é


importante examinar esta afirmação do ponto de vista da extensão e compreensão dos
referidos termos que se de afirmam.
Ao fazer o juízo uma afirmação, diz quantos indivíduos são atingidos por ela
(extensão da afirmação) e quais os elementos que a afirmação introduz (compreensão
da afirmação).
A quantidade se diz em função ao número de indivíduos atingidos pela afirmação.
A compreensão, já não se referindo aos indivíduos, mas aos elementos que
estruturam o conteúdo do conceito, diz respeito ao número de elementos
conteudísticos. Por exemplo, a compreensão do conceito da espécie homem é de dois
elementos essenciais do seu conteúdo, - animal (gênero) e racional (diferença
específica).
Ao fazer o juízo uma afirmação, diz quantos indivíduos são atingidos por ela
(extensão da afirmação), e quais os elementos que a afirmação introduz (compreensão
da afirmação). Importa, por conseguinte, determinar a extensão ecompreensão
com que um conceito, quando na função de predicado, é atribuído a um sujeito;
inversamente, em que dimensão o sujeito é atingido pelo predicado. Tudo isto
determina finalmente em que suposição (vd 399) os termos estão sendo tomados.

599. A língua, ao traduzir o juízo em frase, deve expressar com precisão esta
intencionalidade que relaciona predicado e sujeito, e tudo na dimensão com que este
relacionamento intencional ocorre.
Já agora não se trata da forma verbal com que a afirmação se faz, mas da forma
com que predicado e sujeito comparecem como extremos da frase.
O paralelismo entre conceitos (da mente) e palavras (da língua) se reflete de tal
maneira agora sobre o predicado e o sujeito, que neste caso se torna quase indiferente
usar as denominações de juízo e frase.
Por vezes é mais útil falar em juízos que em frases. É que a transposição
de uma expressão para outra se dá quase sem alterações. Pode-se usar as
denominações "proposição" e "enunciado", porque elas se dizem tanto do juízo como
da frase, conforme adverte claramente a primeira vez a Lógica de Port Royal (I.6).

600. A determinação da compreensão de um juízo é feita a partir do


sujeitotomado em sua totalidade.
Por isso, quando esta compreensão deva limitar-se, deverá ser advertida. Por
exemplo, o homem é material... o homem é espiritual... não exprime bem, porque
pareceria que nele tudo é material e tudo é espiritual.
Melhor se de diz, - o homem, sob um aspecto é material, sob outro é espiritual.
Outro exemplo: o homem, como material é pesado (porque o peso se liga à matéria).

601. A determinação da quantidade de um juízo se procede a partir do


sujeito. Este sujeito poderá ser, ou singular, ou geral.
Do sujeito singular resulta a proposição singular, como este animal é um leão;
ou como aquele animal é um asno.
Do sujeiro geral poderá ser, ou particular, ou universal.
Dali resulta haver proposição geral particular, como certo animal é homem; ou
como alguns animais são homens.
E proposição geral universal, como todo o animal é sensível; ou como nenhum
animal é planta...
Na tradução, para a expressão oral da língua, a quantidade determinada pelo
sujeito poderá ser expressa por palavra especial, como vimos nos exemplos, mas com
frequência é deixada por conta do contexto. O caráter necessário ou contingente da
matéria, da qual se constitui o sujeito, permite supor que nela a quantidade esteja
implicitamente contida.
602. Proposição simples e proposição composta. Permite a proposição isolar- se,
como também interligar-se pelo conteúdo que afirma.
A proposição simples é constituída, do ponto de vista numérico de afirmações,
de um só predicado atribuído a um só sujeito (ainda que este possa estar no plural).
Em vista de não estar coordenada a um outro juízo, a proposição simples é
categórica, porque seu verbo afirma em absoluto.
A proposição composta é a que se constitui de uma sucessão de afirmações. Na
linguagem estas podem estar manifestas ou ocultas.
A proposição composta manifesta se coordena mediante partículas (conjunções)
ou pelo contexto. Por exemplo, choveu porque esfriou.
Proposição ocultamente composta é a resolúvel nos componentes: só o homem é
social (o homem é educável, os outros seres são não educáveis). Diz-se também
proposição exponível, pelo fato de se poder expô-la em suas componentes.

603. As proposições compostas facilmente se modalizam classificando-se a partir


deste novo ponto de vista. Dali resultam variações, como a seguir:
- Proposição temporal: quando Platão criou a Academia, iniciou o movimento
feminista.
- Proposição causal: choveu, porque esfriou a atmosfera.
- Proposição copulativa: ele é diplomata, ela é afetiva.
- Proposição condicional (com várias formulações): se não trabalha, empobrece;
quem não trabalha empobrece; quando não se trabalha, empobrece-se de.
- Proposição disjuntiva: o triângulo, ou é equilátero, ou isósceles, ou escaleno.

§ 3-o. Expressão oral do juízo em função ao conteúdo julgado.


4515y605

606. O conteúdo como objetivo gnosiológico final da frase. Para o conteúdo se


dirige qualquer expressão. Eis uma questão difícil, que envolve a lógica, enquanto
trata dos conteúdos do ponto de vista de fluxo meramente formal; que envolve a
gnosiologia, do ponto de vista do que os conteúdos são em si mesmos como ser; que
envolve a língua, porque ela em última instância trata de expressar o conteúdo em
obra exterior.
Aqui já não se pergunta pelo conteúdo que está expresso no conceito, mas pelo
conteúdo expresso no juízo. Portanto, como se distingue o conteúdo em um caso e o
conteúdo no outro caso; não como está expresso na palavra, mas na frase.
É relativamente fácil determinar o conteúdo de um conceito, porque este se
dirige ao objeto do qual ele é a imagem. E assim também o conteúdo de uma palavra
é aquilo que se convencionou ser seu equivalente simplesmente. Já mostramos os
conteúdos dos conceitos determinando suas classes nos chamados modos especiais do
ser (ou categorias) e nos modos gerais do ser (ou transcendentais). Conteúdos dos
conceitos são pois a substância, a quantidade e assim por diante, todas as categorias
(vd 486).

Mas onde está o conteúdo do juízo?


Paradoxalmente, os conteúdos do juízo estão nos próprios conceitos, todavia
enquanto afirmados uns dos outros. Estão nos conceitos incoativamente, porque ali
começam a se apresentar, completando-se na afirmação.
Não se trata pois de conteúdos paralelos e concretamente separados, como se
palavra e frase fossem totalmente diferenciados; uns estão como que inseridos nos
outros. Se se enunciar o juízo "o homem é animal racional", estão ali conceitos e um
juízo. O conteúdo dos conceitos são as imagens mentais que ocorrem em "homem",
"animal", "racional". O conteúdo do juízo são estes mesmos conceitos "animal
racional" na condição de predicativo e "homem" como sujeito da predicação ( seja, da
afirmação).
Importa, por conseguinte, ver os conceitos sob novas perspectivas em virtude
das quais se de inserem no juízo como conteúdos afirmados por este.

607. Como se diferencia a expressão do juízo, da expressão dos conceitos, já que


têm algo de comum e algo de distinto no que se refere ao conteúdo?
Uma vez dito que a expressão se processa mediante mimese, em que o
significante adverte intencionalmente para o assemelhado, como acontece isto nos
conceitos? E como um tanto diferenciadamente no juízo?
É fácil compreender que o conceito possa ser uma imitação do objeto; com
frequência até dizemos que é imagem do objeto. E assim a expressão artística do
objeto também seria uma imitação; no caso da língua uma imitação convencional, por
equivalências.

Mas, onde ocorre a imitação quando se trata de expressar a afirmação do juízo?


Não há outra resposta que não a de reduzir até certo ponto o verbo ser do juízo a uma
relação exercida pelos conceitos, de tal maneira que o juízo não se expressa senão nos
conceitos, como os conceitos se unem pelo juízo, são distintas faces de coisas
abstratas que convivem no concreto.
No juízo a imitação se dá em participação com os conceitos que ele une como
predicado e sujeito. Não há conceitos isolados, flutuantes, desligados. Os conceitos
somente existem como partes do juízo, onde eles surgem como imagens afirmadas
umas das outras; somente há conceitos-predicados e conceitos-sujeitos. Somente por
abstração há conceitos sem esta polarização.
No plano da expressão oral também não há palavras senão como elementos
constitutivos da frase. Não existe frase sem ser por meio de palavras. Ainda que
possamos imaginar palavras desligadas, flutuantes, isoladas, não as conseguimos
pensar senão como tendo significados que se compõem em juízo. Determinar o
conteúdo das palavras é do mesmo modo fácil como atender ao conteúdo dos
conceitos.
A frase apenas expressa a afirmação, de conteúdos que principiam sua
manifestação nas palavras, completando-as. Não têm as palavras sentido isolado;
delas participa a frase como um todo, em que umas palavras se compõem como
predicado e outras como sujeito.
608. O conteúdo como essência. O conteúdo expresso diretamente na afirmação
do verbo "auxiliar" ser é o de ser como essência, e não de ser como existência. Este
fato, aliás limita o conhecimento humano, e sobre ele nos adverte a gnosiologia.
Mas o ser de essência pressupõe a existência; é que a essência é concebida como
modo de existir.
Que é essência? É o existir assim e assim... isto é, deste e não daquele
modo. Conceitua-se a essência como um qual e qual modo de ser. O
equacionamento de essência e de existência não é o de uma estrutura de dupla camada
de elementos homogêneos, mas de elementos sucessivos, em cuja sucessão a
existência é o elemento anterior e a essência o posterior. Ocorre aqui a sucessão de
causa formal e efeito formal, que se dá nas sucessões que não se separam.

Realidade é o existir concebido como distinto do ser pensante. Não é


exatamente o mesmo que existência, mas é um elemento desta. Também o ser
pensante é um existir. Por esta razão se pode falar em existir na mente e existir fora da
mente.
De outra parte o real não é concebido como independente da mente, ainda que
de fato não exista fora e independente dela. Enquanto se sonha, atende-se aos objetos
como se de fossem independentes de nós, isto é, como reais, ainda que depois se
verifique que estavam apenas na mente. Pergunta-se, se também acontece o mesmo
com tudo aquilo que se trata como se fosse real (independente da mente). Kant
estabelecia que a realidade é uma forma a priori do entendimento; por isso
conceberíamos as coisas necessariamente como se fossem reais, ainda que não se
saiba que de fato o sejam.
A frase expressa as coisas, como elas são traduzidas pelos juízos. A existência é
posterior na mente, porque esta apreende a essência. Mas a existência de fato é
anterior à essência. A inteligência humana não tem como pensar de outro modo, razão
porque jamais conseguirá apreender adequadamente a existência. Mas, deverá estar
advertida disto, porque senão poderá entender a existência como posterior, quando na
verdade é anterior, porquanto a essência é o seu modo de existir.
Quando o juízo, - consequentemente também a frase, - quer referir-se à
existência, somente o pode fazer como predicado, invertendo a ordem. Por exemplo,
eu sou existente. Ou simplesmente, eu existo.
Se se diz "eu existo", ocorre a formação do verbo existir, como em "eu existo",
funde-se então o verbo auxiliar com o predicado. Em qualquer das hipóteses a
existência é indicada sempre como um predicado. Este procedimento está, todavia,
contra a realidade, porque a existência é anterior a qualquer predicado.
Ocorre polissemia quando se diz "ser" na acepção de existir como na frase:
"penso, logo sou" (cogito, ergo sum). Melhor dizer: "penso, logo existo"; ou "penso,
logo sou existente".

609. O primeiro conteúdo expresso pelo juízo é a síntese dos extremos (sujeito e
predicado) e que por primeiro se manifestam nos fatos da experiência sensível.
Trata-se de uma síntese, em que o sujeito poderá ser expresso pela palavra "isto",
"aquilo", ou "este", "aquele"; o predicado expresso pela palavra que denomina o
elemento verificado, por exemplo, "cor", "árvore" "livro" etc. O juízo, enunciado
finalmente em proposição falada, ficará sendo: "isto é cor", "aquilo é árvore", ou "este
é elefante", "aquele é João".

Estes primeiros sujeitos são realidades singulares sensíveis. Por isso a maneira
adequada de se referir a eles é pelas palavras mencionadas, os pronomes "isso", "este",
"aquele" e similares.
Ato contínuo, a mente sintetiza novos predicados, passando o predicado anterior
para o lado do sujeito. Suponha-se que os novos predicados sejam "bonita", "alta",
"belo". Então as frases anteriormente mencionadas passarão a ser: "esta cor é bonita",
"esta árvore é alta", "este homem é elegante", "João é gentil".
Finalmente, é possível chegar a um sujeito universal: "O homem é animal".
Aqui a frase se apóia um tanto no contexto. Ela poderá exprimir com mais precisão a
universalidade, quando diz "todo homem é animal".

610. Não importa muito à língua como se alcançam as afirmações, ou seja como
se justificam gnosiologicamente. A tarefa pertence à gnosiologia.
Basta para a língua, que tenhamos ditas afirmações dos juízos, para que
simplesmente as exprima oralmente. O que importa à língua, em primeiro lugar, é
como expressar o objeto que se pensa, quer bem, quer mal. Indiretamente, mais que a
gnosiologia, importa a exterioridade lógica do pensamento.
Não há clareza gnosiológica de como possa a inteligência começar a pensar pela
via dos objetos sensíveis e nem há segurança na chegada aos sujeitos universais há
pouco mencionados. Divergem entre si filósofos empiristas e racionalistas, de novo
entre si filósofos racionalistas radicais (Platão, Agostinho, Descartes) e filósofos
racionalistas moderados (Aristóteles, Tomás de Aquino).
A radicação da inteligência e dos sentidos no mesmo sujeito parece uma
explicação teórica para o fato do conhecimento experimental. Enquanto o ouvido
escuta o apito do carro, a inteligência passa a pensar o apito. Quanto ao sujeito
universal, depende de uma indução raciocinativa insegura (vd.).

611. Em função a conteúdos maiores se criam os gêneros literários. São por


exemplo gêneros literários a descrição, a narrativa. Adata-se a expressão a estes
conteúdos, os quais se diferenciam notoriamente. Pela sua importância, os gêneros
literários são didaticamente tratados em capítulo a parte(vd 649).

ART. 4-o EXPRESSÃO LITERÁRIA DO RACIOCÍNIO. 4515y613.

614. Há certamente uma expressão mental do raciocínio e uma paralela


expressão oral do raciocínio.
A lógica apresenta com detalhes todo o procedimento do raciocínio, como se
processa na mente, mostrando que ele é o último avanço do pensamento em busca do
objeto plenamente conhecido.
Não esquece a linguagem como expressar este último objeto alcançado pela
mente, depois que já tratou do objeto do conceito expresso pela palavra (vd 380) e do
objeto do juízo expresso pela frase (vd 526).
Didaticamente, há a proceder ao exame dos itens:
- natureza geral da expressão raciocinativa (vd 615);
- expressão verbal do raciocínio indutivo (vd 626);
- expressão verbal do raciocínio dedutivo, em especial do silogístico (vd 635).

§1. Natureza geral da expressão raciocinativa.


4515y615.

616. Um conhecimento virtualmente contido. O raciocínio é uma ordenação de


juízos pela sequência de suas evidências, de tal maneira que umas vão logicamente
gerando as outras,- por causação formal e efeito formal, - até atingirem um resultado
final denominado conclusão.
A ordenação dos juízos em um raciocínio se processa pela subordinação
sucessiva das evidências. Não se trata de uma ordenação meramente sequencial e
copulativa, mas subordinativa e gerativa. Os juízos que integram o raciocínio não só
se justapõem sequencialmente. Eles se coordenam, causando finalmente a conclusão.
Esta conclusão fica sempre em dependência dos antecedentes que a geram. Se
mudarem os antecedentes, também muda a conclusão.
Mas, perceber esta dependência é uma progressão do pensamento. Não raciocina,
quem não atende ao que por esta dependência se consegue saber. A ciência e a
filosofia constituem um esforço constante para descobrir tais relações, que possam
advertir para mais longe.
Do ponto de vista linguístico importa preliminarmente identificar os elementos
essenciais desta operação mental, com o fim de, com precisão, expressá-los pelos
recursos próprios à língua, -a morfologia e o contexto.

617. Três são as evidências: explícita, implícita, virtual. Deve a marcha


raciocinativa chegar sempre até a evidência virtual contida nas premissas.
A evidência é a manifestação do objeto ao conhecimento.
Ela é evidência explícita, no seu instante inicial, se se estabelece inteiramente,
sem intermediações; é quando se fala no fenômeno (evidência fenomenológica), na
intuição (evidência intuitiva), na constatação, como a constatação interna (ou
experiência interna à razão), principalmente a constatação externa (evidência
experimental).
No momento da evidência explícita, a operação mental tem a forma natural do
juízo (composto de conceitos, em que um está como sujeito e outro como predicado,
que se constata unido ao sujeito).
A evidência implícita se mostra naquilo que resulta da análise imediata da
evidência explícita. Por exemplo, o que é, implicitamente afasta o que não é (princípio
de não contradição). Ainda que sob pontos de vistas diversos, as evidências explícita e
implícita (ambas) são evidências imediatas: uma porque é a primeira, a outra porque é
a primeira contida na precedente.
O raciocínio acontece quando se descobre o que ainda mais se encontra. Este
mais se encontra virtualmente contido nas evidências imediatas, o que se consegue
por efeito de cálculo (de acordo com a etimologia do termo). Virtual (do Latim
virtus(= força, virtude) sugere o surgimento desta evidência como efeito formal
contido potencialmente nas evidências anteriores. No mesmo sentido se diz evidência
potencialmente contida.
Portanto, por raciocínio se entende a progressão a partir das evidências
imediatas explícitas e implícitas, com as quais o novo conhecimento mantém algum
liame, e que por isso consegue ser calculado e finalmente declarado.
Os novos conteúdos afirmados pelo raciocínio não se encontram pois nem na
forma explícita e nem na forma implícita de um dado. Situam-se mais além,
exteriormente, como efeito de um cálculo a partir dos explícitos e implícitos.
Separadas as espécies de evidências, chamam-se imediatas a explícita e
implícita, mediata a virtual.

618. Duas são as espécies de raciocínio: dedutivo (ou silogismo) e indutivo (ou
inferência imediata).
Silogismo é uma denominação erudita, proveniente do grego, podendo ser usada
como sinônimo de dedução. Entretanto, costuma denominar a dedução somente
quando sistematicamente montada, com os termos bem caracterizados, conhecidos
como termo Maior, termo menor, termo médio, que montam as premissas (do
antecedente) e resultam na conclusão, - tudo conforme terminologia peculiar (vd 638).

No falar vulgar as denominações que distinguem as duas espécies de raciocínio,


- dedutivo e indutivo, - mal são percebidas, e assim também pouco se adverte para as
variantes em que se subdividem.
É necessário na boa linguagem atender para as diferenciações que distinguem os
diferentes processos raciocinativos, a fim de garantir uma melhor expressão,
sobretudo no que se refere ao rigor da precisão.
Há pessoas que simplesmente recebem as informações, sem conectá-las a um
processo gerativo que se dá entre as evidências. Escritores há mais descritivos, outros
mais raciocinativos.
O raciocínio dedutivo (ou silogismo), conforme se deverá mostrar com detalhe
(vd 637), utiliza claramente o procedimento comparativo. Tem como método a
comparação de dois termos, denominados Maior e menor, com um terceiro, chamado
termo médio (isto é instrumental).
Os termos Maior e menor hão de relacionar-se entre si, depois de comparados
com o termo médio; ou são iguais, se coincidem com o termo médio, ou se
diferenciam de algum modo, se não coincidem com o termo médio.
O esquema é este:
se A é igual a B;
se B é igual a C;
conclui-se, que A é igual a C.

Depende a dedução do princípio: duas coisas iguais a uma terceira, são iguais
entre si.
Tem o raciocínio como resultado novo a declaração de que algo menos geral
participa do geral.
Metodologicamente o raciocínio dedutivo é uma síntese, em que o geral ( já é
conhecido) se predica ( por conclusão raciocinativa) ao menos geral.

O raciocínio indutivo é analítico. Supõe que os indivíduos tenham além de uma


característica individual, algo geral em que todos coincidem. Este denominador
comum é a conclusão a que a indução quer chegar (vd 627).
Tem a indução por base o princípio, de que a soma das partes é idêntica ao todo.
A consequência é que a soma de juízos (ou dados) iguais permite afirmar que aquela
igualdade é a natureza de todos.

619. Em que condições um raciocínio tem objeto? Se mantivermos o princípio


de que a língua expressa imediatamente os objetos e não o pensamento, ficamos
primeiramente a firmar o princípio de que o raciocínio-objeto seria o termo para o
qual a expressão, quer raciocinativa, quer linguística, orienta a atenção.
Também importa manter a afirmativa de que uma expressão pode ser transposta
para outra, sem que esta outra seja a expressão da anterior. O raciocínio em palavras,
tão bem quanto o raciocínio da expressão mental, têm por objeto o mesmo termo e
para o qual encaminham a intencionalidade.
Mas distinguindo entre sentido formal do raciocínio e sentido material (ou de
conteúdo), podemos contudo afirmar que o pensamento é traduzido pela linguagem
falada; então já não entendemos o raciocínio formalmente como uma expressão e sim
pelo seu conteúdo, ou seja, pelo seu objeto.
Finalmente, tem-se também de manter a assertativa geral, de que a expressão
mental é anterior à expressão oral. Por isso, primeiramente o raciocínio da mente
atinge seu objeto, e depois, na transcrição, para a linguagem, esta também o vai
alcançar diretamente.
Foi assim que se tratou do conceito e sua expressão pela palavra (vd 380 ), do
juízo expressão pela frase (vd 526); agora, já na terceira e última operação da
expressão mental, conservemos o mesmo esquema, esperando que, por seu através, se
esclarecerão todos os questionamentos oferecidos.

620. Entendese por raciocínio-objeto aquilo para o que a expressão raciocinativa


adverte.
Temos de nos imaginar que o objeto, como surge na mente, se dá por camadas
sucessivas, das quais umas são de evidência imediata, outras de evidência implícita,
outras finalmente de evidência virtual (potencial).
Ora, por mais distante que esteja aquela última camada do objeto, como foi
atingido pelo cálculo raciocinativo, ela é um objeto. Assim como foi expresso na
mente, poderá ser expresso igualmente por outras espécies de expressão, como da
língua e demais artes.
O conceito expressa uma simples imagem mental do objeto, o juízo expressa
mais complexamente coisas que se unem ou não unem; finalmente ainda mais
complexamente o raciocínio apresenta objetos que se encadeiam para se revelarem.
Ainda que os objetos sejam simples, eles somente se expressam assim para nós,
na mente. Isto posto, a expressão oral passa a exprimir os mesmos objetos, indicando-
os com a linguagem.

621. A terminologia do raciocínio como expressão oral não se diferencia muito


da que a lógica utiliza para tratar dele como expressão mental.
Etimologicamente, raciocínio ainda mantém contato com o sentido originário
latino reri (= contar, depois calcular), de onde ratus (contado, calculado), finalmente
ratiocinare (contar, calcular). Na verdade, é contando e calculando, que se obtém um
resultado.
Diferentemente, pensar , do Latim pensare (= pesar, depois pensar) é mais
genérico, estendendo seu significado à mente em geral, isto é, a todas as operações
mentais.

622. A expressão literária do raciocínio requer alguma habilidade. Deve em


primeiro lugar advertir para as conexões das evidências, que se geram sucessivamente
até a conclusão. Na dedução advertindo a marcha do geral para o particular; na
indução do particular para o geral.
A maior função fica para o contexto, mas com alguma linguagem. Esta
advertência para as conexões se processa, ora mediante conjunções subordinativas,
ora pelo contexto.
Exemplo desta coordenação em conjunções subordinativas: A é igual a B; oraB
é igual a C; logo A é igual a C.
A sucessão das afirmativas certamente cria o contexto. Mas, conjunções "ora" e
"logo" destacam as conexões, diferenciando a sucessão das premissas e da conclusão.
Não há um vocábulo que enuncie diretamente todo um raciocínio. Ocorre
todavia a possibilidade de diminuir o número de palavras, se se tornar óbvio todo o
contexto.

624. Raciocínio literário e o raciocínio em outras artes. Ocorre uma diferença


entre o raciocínio em palavras e o raciocínio em arte por mimese natural (pintura,
escultura, música).
Enquanto a língua pode criar equivalentes para cada elemento do seguimento
raciocinativo, as outras artes simplesmente não dispõem de um instrumento de
expressão mais direta do raciocínio. Elas tem de criar um contexto de objetos em que
o apreciador por si só se conduz na interpretação raciocinativa de tal maneira a captar
os últimos termos alcançáveis do objeto.
O contexto, que já exerce funções decisivas na expressão dos objetos do
conceito e dos objetos do juízo (vd 387), adquire importância ainda maior na
expressão dos objetos do raciocínio. Agora ele atua de maneira muito mais subtil. Ao
mesmo tempo que o contexto fixa conceitos e juízos, deve por acréscimo determinar
aos conceitos como termos e aos juízos como premissas.
A temática objetiva jamais se altera, porque semelhanças objetivas
necessariamente resultam em efeitos formais (isto é, essenciais) na mesma linha. Mas
estes efeitos formais se disperaram em várias direções, tal como um leque. As
semelhanças admitem graus; por isso na mesma obra cabem várias significações
objetivas.
Resta pois, ao artista, ao expressar-se, escolher uma determinada direção, o que
poderá fazer-se mediante contexto. As obras têm, portanto, necessariamente um
contexto, oferecendo adequadamente as ligações com os objetos, em todos os campos
operacionais, - conceito, juízo, raciocínio.
O não conhecimento do contexto retém o intérprete na indecisão invencível. Ou
ainda, o contexto falsamente estabelecido, conduz o intérprete necessariamente para
fora da verdadeira interpretação.
No raciocínio dedutivo, o cuidado contextual deverá ser constante, porque mais
termos se comparam com o mesmo termo médio.
Se o contexto não se mantiver o mesmo, o termo médio deixará de ser ele
mesmo. Então um silogismo de três termos deixará de ser ele mesmo. Um silogismo
de três termos passará a ser de quatro, o que é contra a primeira regra deste tipo de
raciocínio (vd 580).

§2. Expressão verbal do raciocínio indutivo.


4515y626.

627. O raciocínio indutivo progride do particular para o geral. Seu procedimento


é analítico. Depois de colhidos os dados (estes se apresentam como juízos), são
analisados, com vistas a separar os elementos singulares, deixando os que se
verificam em mais indivíduos.
Pressupõe a análise que as coisas sejam compostas, ao menos para a mente. a
análise indutiva supõe ainda mais, a composição com elementos particulares com uma
natureza universal.
Progressivamente o universal (chamado também simplesmente natureza), vai se
definindo, estabelecendo-se cada vez com mais segurança, na medida que se for
confirmando pela soma de fatos idênticos.

628. Limitações da indução. A soma dos dados para uma indução completa com
base empírica nunca se consegue integralmente, mas em dimensões consideráveis
poderá ser suficiente para uma indução relativamente segura.
Jamais a indução das ciências positivas chegará a ser totalmente segura, porque
admite a possibilidade teórica de algum dia aparecer uma exceção. Passa, então, a
haver uma revisão. Por isso, a verdade científica (fundada na indução) jamais se
apresenta como absoluta, ainda que cada vez mais segura.
O caráter sempre em aberto da indução afeta a totalidade dos conhecimentos
raciocinativos não só científicos como também morais, religiosos, filosóficos.
Todavia o vulgo não percebe isto, e passa a admitir certezas definitivas muito
depressa.
Nem as explicações que apelam aos milagres são definitivas, por não ter sido
excluída definitivamente uma explicação natural de fenômenos extraordinários.
A hipótese, nunca definitivamente provada, pesa constantemente sobre a cabeça
de todos. Mas é suficientemente razoável a hipótese em adiantado estado de
comprovação para que se possa tomá-la como guia, quando a ação não puder ser
protelada. A generalização afirmada pela indução é razoável, desde que a enumeração
dos fatos se tenha feito com o suficiente acúmulo de fatos analisados e se tenha
consciência de sua fragilidade, com vistas às devidas cautelas.
A título de comentário sobre a precariedade da indução, anotamos que
praticamente nada sabemos sobre o que é fundamentalmente a matéria.
Conhecemo-la através de algumas de suas manifestações energéticas como a
gravidade e a força magnética.
O que fica por detrás destas forças? Pouco sabemos, sobretudo pouco sabemos
do mais fundamental. E mesmo depois de aumentar a coleta de dados, ainda não
chegaremos a uma certeza absoluta.
A partir dali pode-se avaliar a ignorância arrogante dos que praticam a literatura,
maldizendo a matéria como má e criando fantasias sobre o imaterial. Não conhecendo
suficientemente a matéria, não podem distanciar dela o espírito, tanto quanto o fazem.
Deveriam permanecer mais prudentes não decidindo tão apressadamente sobre o
monismo e o dualismo.

629. Expressão literária da indução. Na mente a indução se exerce como uma


percepção, que, a partir de fatos analisados, descobre algo geral. Ordinariamente a
língua expressa os fatos singulares, advertindo que as proposições que os expressam
se encaminham para um resultado.
Efetivamente, não basta a simples descrição e narração dos fatos, porque uma
acumulação de afirmativas em cadeia não salta para uma conclusão.
Divide-se a indução pelo seu aspecto oral, em indução de expressão plena e
indução de expressão com partes ocultas deixadas ao contexto.

630. Na indução de expressão plena se expressam primeiramente as proposições


analisadas, em que são postos em destaque os elementos particulares.
Exemplo de linguagem indutiva em física: este corpo cai, também aquele, e
assim por diante, os demais. Induz-se, que, por natureza, os corpos caem..".
Exemplo no plano das ciências humanas: esta má companhia perverteu, aquela
outra também, e assim outras e outras perverteram. Induz-se, que a má companhia
perverte.
Como gênero literário (vd), a indução oferece variadas considerações.

A expressão da indução com partes ocultas deixa alguns dos seus elementos por
conta do contexto. Supondo-se que os elementos expressos tenham a condição de
orientarem a mente para as partes ocultas, pois é assim que o contexto funciona.
Dá-se a indução com partes ocultas, principalmente quando ato contínuo sua
generalização é aproveitada como premissa de uma dedução. Num raciocínio
indutivo-dedutivo (raciocínio complexo) dá-se uma forte concentração da linguagem,
porque também na parte dedutiva usa haver uma premissa oculta.
Seja um exemplo de expressão indutivo-dedutiva:
Pedro perverteu-se de andando em má companhia;
também tu te perverterás.

O desdobramento, pela inclusão das partes ocultas se dá da seguinte forma:


Fase indutiva: este andou em má companhia e se perverteu; aquele andou em má
companhia e se de perverteu; Pedro andou em má companhia e se
perverteu;logo, quem anda em má companhia, se perverte (conclusão indutiva)..
Fase dedutiva: quem anda em má companhia se perverte (premissa maior); ora
tu andas em má companhia (premissa maior); logo tu te perverterás ( conclusão
dedutiva).

631. O exemplo é um raciocínio. É uma curiosa modalidade de indução, que


passa de um caso único para outro da mesma espécie. Usa apresentar-se com
elementos que ficaram por conta do contexto, como se depreende do seguinte:
Pedro curou-se com este remédio; tu também te curarás.

Supõe-se haver conhecimento da existência de indivíduos da mesma espécie e


em idênticas circunstâncias. Sem isto o exemplo não teria a eficácia da indução.
Há o exemplo em que se pode reconstruir um procedimento oculto indutivo-
dedutivo.

632. O raciocínio indutivo por analogia passa de casos particulares para casos
semelhantes. Esta modalidade de indução conduz apenas a alguma probabilidade.
Pode abrir o caminho para a indução definitiva.

633. O exemplo e a analogia concluem a pari, -


Pedro perverteu-se em má companhia; a pari também tu te perverterás.

Conclusão a fortiori , -

a ocasião seduziu a Pedro, a fortiori tanto mais a ti.

Conclusão a contrário, -

o jogo foi tão difícil, que só os mais treinados conseguiriam ganhar; logo, a
contrário, tu não ganharás.
As induções acima apresentam uma parte oculta, além de estarem
combinadas com a dedução, formando todos raciocinativos indutivo-dedutivos.

§3. Expressão verbal do raciocínio dedutivo.


4515y635.

636. O raciocínio dedutivo ou silogismo possui procedimentos mais definidos


que a indução.
Em vista de estruturar-se com ao menos uma premissa universal, costumeiramente
recebida da indução, convém ao raciocínio dedutivo ser tratado após, e portanto como
a última posição conquistada no conhecimento dos objetos.

Que é mesmo um raciocínio dedutivo? (vd 618).


Apresentado com os seus elementos essenciais, o raciocínio dedutivo se diz
silogismo.
O mesmo silogismo admite ser modalizado. E então se diz silogismo categórico,
quando simplesmente é visto senão com a modalização de indicar simplesmente o
processo raciocinativo. Nesta condição de silogismo categórico, principia o estudo do
raciocínio dedutivo, complementado-se somente depois com as modalizações.
Divide-se de o silogismo em antecedente, com duas premissas (dois juízos) e
cada premissa com dois termos (dois conceitos ao menos) e em consequente,
resultado da conclusão obtida.
Examinando o antecedente, constata-se que um dos termos aparece em ambas a
proposições. Chama-se termo médio, com o sentido de termo instrumental. Com ele
são comparados dois termos denominados extremos.
Um aparece na primeira proposição, outro na segunda. As proposições
resultantes da comparação dos dois extremos com o termo médio têm o nome de
premissas, com o sentido de colocadas antes da conclusão.
No consequente desaparece o termo médio. Desta vez os extremos se afirmam
um do outro, de acordo com o resultado da comparação feita anteriormente com o
termo médio.

Uma primeira possibilidade de progressão dedutiva:


- um extremo se compara com o médio e com ele equivale.
- O outro extremo também se compara com o médio e novamente com ele
equivale.

Conclusão: um extremo é igual ao outro.


Uma segunda possibilidade de progressão dedutiva:
- um extremo se compara com o médio e com ele não equivale;
O médio porém equivale com o outro extremo;
- logo, não há como convir mutuamente.

637. Expressão literária da dedução. A expressão linguística de um raciocínio


dedutivo é praticamente uma transposição da expressão mental do referido raciocínio.
Mas não se trata de criar uma expressão linguística que tenha por objeto a expressão
mental como mental. O objeto de uma e outra expressão (a mental e a oral) é o mesmo,
o raciocínio-objeto (vd 620).
Na expressão oral do raciocínio dedutivo há palavras e frases. Ainda que
importantes, o que realmente importa na expressão é a marcha mesma do raciocínio,
que, de um antecedente caminha para uma conclusão. Em tudo importa a
transparência, de sorte a ocorrer a expressão distinta de termos, premissas, conclusão.
Pelo exposto, a garantia de uma boa expressão oral do raciocínio, quer indutivo,
quer dedutivo, importa em conhecer-lhe previamente a estrutura lógica.

638. Nomenclatura do silogismo. É costume chamar-se extremo maior ao


predicado do consequente, e de extremo menor ao seu sujeito. Por via reflexa, chama-
se a premissa maior, a que tiver em sua proposição o extremo que é predicado no
consequente, e de premissa menor a que tiver o extremo que é sujeito na conclusão.
Antecedente:
a matéria é grave (premissa maior);
o ouro é matéria (premissa menor);
Logo, o ouro é grave (consequência).
O termo médio está no termo matéria encontrado duas vezes no antecedente, e
não se encontra no consequente.

639. Leis do silogismo. Para ser reto, o silogismo há de obedecer a oito leis,
cuja demonstração cabe aos tratadistos de lógica:
Os termos comparados devem ser três.
Na conclusão não haja maior extensão.
O médio apareça apenas nas premissas,
E ao menos uma vez seja universal.
Duas premissas negativas não concluem.
Duas particulares também não concluem.
Duas afirmativas não concluem negando.
As premissas não podem ser ambas particulares.

Quatro foram formuladas a primeira vez pelo escolástico medieval Pedro


Hispano. As outras quatro apareceram nos tratados escolásticos modernos.
O silogismo plenamente expresso apresenta rigorosamente as três unidades que
lhe são essenciais. Exemplo:
o índio é animal racional;
ora, o animal racional é homem;
logo, o índio é homem.
640. O entinema abrevia a expressão oral do silogismo, pela omissão da exterior
de uma das premissas, a qual se expressa por obra do contexto.
Exemplo:

João é justo;
logo, pagará o justo salário.
Desdobramente:
João é justo;
ora, o justo paga o salário justo;
logo, João pagará o salário justo.

Na linguagem do dia adia, a discussão usualmente começa a partir de um dado,


ou de um princípio pré-estabelecido. Considerando que o conteúdo concorda com o
dado inicial, ou com o princípio estabelecido, o texto literário pode omitir-se a
respeito.
O entinema é portanto o estado espontâneo do espírito argumentativo do ser
humano.
Do ponto de vista estilístico, o entinema é mais vigoroso do que o silogismo
pleno, por ser menos redundante.
Na forma plena, o silogismo não usa aparecer na linguagem cotidiana, apenas na
erudita, quando desdobra enfaticamente os elementos do raciocínio na sua
integralidade.

641. O argumento desenvolvido desdobra imediatamente a premissa em uma


explicação. Exemplo: Pedro é justo; sempre o vimos praticando a justiça e ele mesmo
faz questão de o dizer. Ora, o justo paga o salário justo, do contrário aliás não poderia
ser justo. Logo, Pedro paga o salário justo.
Seguramente, o argumento desenvolvido constitui a forma adequada do
raciocínio ao modo humano. Progride de vagar e evita os impactos acima do natural e
espontâneo.
É possível isolar os desdobramentos, colocando-os no final, após a conclusão.
Eis qual foi o método didático de raciocínio adotado pelos escolásticos. Nestas
circunstâncias, ainda se pode intitular as diferentes partes, dizendo:
Provo a premissa maior (probo majorem)...
Provo a premissa menor (probo minorem) ...
Não é fluente, mas é seguro e sistemático.

No argumento desenvolvido, quer pelo desdobramento imediato das premissas,


quer pela sua prova ulterior, ocorre uma densidade que facilmente tumultua os
espíritos menos atentos, e sobretudo os que não conhecem o sistema.
A expressão do silogismo e de suas provas separadas das premissas com vistas a
evidenciar o encadeamento do sistema, importam também na capacidade didática e
pedagógica do mestre e do literato.

642. Sentença entinemática. Em certos casos a argumentação se apresenta com


notável redução. Para exemplificar bem cabe esta intimação de César a um seu piloto,
quando este manifestou temor sobre o feliz êxito duma expedição contra Pompeu:
lembra-te que levas a César.
Trata-se de duma "sentença entinemática", pois, como o entinema, supõe uma
parte do todo. Desta vez a parte suposta abrange o próprio consequente. Eis a mesma
frase, já em forma de entinema:
- lembra-te que levas a César;
- logo, não deves temer.

Para obter o silogismo total, reconstrói-se a premissa relativa ao extremo não


aparecido no antecedente do entinema, afirmado-o juntamente com o termo médio.
No entinema em questão, falta o extremo não aparecido no antecedente, o termo
maior não deve temer, e o termo médio quem se lembra que leva a César.
Uma argumentação desenvolvida poderia ainda acrescentar uma explicação à
cada premissa e à conclusão. É o que faria um historiador, ou o próprio César, caso
seu piloto não desse crédito às premissas.

643. As figuras do silogismo, eis outro aspecto curioso a estudar e que pertence a
lógica pura, mas que se deve refletir na expressão literária.
Define-se a figura do silogismo como sendo aquela colocação do termo médio
em relação aos extremos, apta para concluir.
Acontece a questão da colocação do termo médio, porque é sempre possível
inverter, em qualquer juízo, e também na frase, ora o sujeito pelo predicado, ou ainda
dar ao termo positivo a forma negativa.
Estas particularidades devem ser consideradas também pela filosofia da
linguagem, particularmente quando ocorrem na figura idiomática do silogismo.
O termo médio que só aparece no antecedente poderá ali ocupar quatro posições
diversas. A particularidade da disposição variada dos elementos que compõem uma
argumentação é estudada sob o título de "figuras do silogismo".
644. O número das figuras é determinado pelas possibilidades de colocação do
termo médio.

1) Sujeito na primeira premissa, predicado na segunda.


2) Predicado em ambas as premissas.
3) Sujeito em ambas as premissas.
4) Predicado na primeira premissa, sujeito na segunda.

Em boa lógica somente há três figuras silogísticas. A terceira equivale à


primeira. Idiomaticamente, porém devem-se manter as quatro. pois não trata a
linguística do conteúdo mas da figura apenas.
A última figura leva o nome de galênica, porque sua invenção foi
atribuída Galeno, médico e filósofo da antiguidade. As três primeiras já se encontram
em Aristóteles.

1ª. Fig. 2ª. Fig. 3ª fig 4ª fig

M–PP–M M–PP–M
S–MS–M M–SM–S

S–PS–P S–P S–P

645. Modos do silogismo eis mais uma questão subtil que afeta o raciocínio
dedutivo, e que se transpõe também para a linguagem que o expressa.
Como é sabido, há termos universais e termos particulares. Nas leis do
silogismo e também da proposição eles são levados em conta. Também é sabido que
um juízo, embora na essência seja sempre positivo, pode contudo ser expresso em
proposições, cuja forma é negativa.
Recordados estes pontos, relativos às duas primeiras operações mentais, importa
atender ao reflexo deles sobre a argumentação e sobre como então se expressa
literariamente.
Modo de silogismo é a disposição das premissas segundo a qualidade e a
quantidade, enquanto aptas para concluir.
A quantidade pode variar numa "figura de silogismo" quatro vezes:
1) Premissas duas vezes universais.
2) Premissas duas vezes particulares.
3) Extremo maior universal, o menor particular.
4) Extremo maior particular, menor universal.
Ora, há quatro espécies de figuras, as 3 aristotélicas e a galênica, que agora se
multiplicam pelos modos de qualidade e quantidade. Donde um silogismo variar
quatro vezes de figura e quatro variações de modo, no plano da qualidade (4X4=16) e
quatro variações, no plano da quantidade (16x4=64), de onde um total de 64 modos.

646. Nem todos os modos adquiridos obedecem às leis do silogismo, embora se


permita enunciá-los. Eliminados 45, apenas 19 concluem rigorosamente, com
boa sequência, sem sofisma.

Dentre os 19 modos válidos, pertencem:

4 à primeira figura (M-P; S-M; S-P);

4 à segunda figura (P-M; S-M; S-P);

6 à terceira figura (M-P; M-S; S-P);

5 à figura galênica (P-M; M-S; S-P).

Um logicista hábil inverte qualquer silogismo para todas as outras formas sem
lhe alterar o significado. Existe porém, um processo encontrado nos escritos do
escolástico francês, papa João XII (1249-1334, que consiste num jogo de letras,
cuja aplicação fornece a inversão segura dos silogismos. Seja o silogismo:

Todo homem é animal;

Ora, nenhuma pedra é animal;

Logo, nenhuma pedra é homem.

Ele equivale rigorosamente a este outro "modo";

Nenhum animal é pedra;

Ora, todo o homem é animal;

Logo, nenhum homem é pedra.


Alterações assim poderão ser feitas em quantidade. Para serem verdadeiras e
retas as alterações possíveis não ultrapassam a cifra dos dezenove. Mas
continuam possíveis no total de 64. Estas outras constituem os argumentos
menos críticos dos dissertadores menos atentos.

647. Concluindo sobre o silogismo, esta operação mental se apresentou com


características mui peculiares e complexas. Há de se refletir na frase, de sorte a
marcar características fraseológicas incontestes.

Quanto a ordem interna, como ritmo, ela é tratada a título de propriedade e


esteticidade (vd 835).

O que importa no plano meramente raciocinativo é distinguir a especificidade


do argumento dedutivo, que deverá obter na frase estas características
fundamentais: indicação das premissas, em que os extremos se comparam com
o termo médio, como instrumento raciocinativo e conclusão, em que os
extremos vão se unir, graças à conexão que têm em comum como o termo
médio.

A medida que esta estrutura essencial se manifestar com precisão, o silogismo


não só se revelará a si mesmo, como também não se confundirá com a indução.

E concluindo também sobre a expressão em prosa, há sempre que acentuar,


que a expressão artística, ao exprimir aos objetos, o faz como estes se
apresentam através do pensamento, ora sob as luzes do conceito, ora sob as do
juízo, ora sob as do raciocínio, seja indutivo, seja dedutivo.

CAP. 4-o.

GÊNEROS LITERÁRIOS EM PROSA. 42515y649.

650. Introdução aos gêneros literários em geral. Intuitivamente, falar em


gêneros artísticos, e em especial gêneros literários, nos leva aos gêneros mais
conhecidos, a descrição, a narração, o discurso, a poesia lírica, a poesia épica, o
tratado, a tese, o artigo. No plano linguagem poética, nos leva aos gêneros
lírico e épico (vd 852).

Embora por primeiro se apresentem estes gêneros convencionais, importa


um exame sistemático sobre o fenômeno dos gêneros artísticos em geral,
colocando- nos em classificações sistemáticas válidas para todas as artes, destas
a seguir derivando para os gêneros literários, para logo entrar no primeiro
detalhe, os gêneros literários em prosa.

Didaticamente oferece-se o seguinte roteiro:


- Do gênero artístico em geral (Art. 1.) (vd 651);
- Dos gêneros literários conceituais (Art.2.) (vd 662);
- Dos gêneros literários judicativos (Art. 3.) (vd 682);
- Dos gêneros literários raciocinativos (Art. 4.) (vd 751).

ART. 1-o. DOS GÊNEROS ARTÍSTICOS EM GERAL.

4515y651.

652. Influência do objeto sobre a expressão. Tem a expressão sua fisiononia


influenciada pelo objeto referido, pois se amolda a ele para poder exprimi-lo, através
de uma semelhança, ou pelo menos por um equivalente convencional.
Compreende-se, pois que, por causa desta proporcionalidade, a expressão tem
sua fisionomia influenciada pelo objeto referido, e que em consequência gêneros de
objetos passem a dar origem à gêneros de expressão.
Está pois esclarescido, porque não se fala do mesmo modo sobre uma festa e
sobre um acontecimento fúnebre.

Os gêneros acontecem em todas as artes, de sorte a haver gêneros de pintura,


gêneros de escultura, gêneros de música, finalmente gêneros literários. Podemos
constatar mesmo os gêneros de expressão no plano da mente.
Como pré-requisito dos gêneros literários, tem-se de levar em conta que isto se
dá, porque o princípio gerativo da expressão é o mesmo, qualquer seja a sua espécie:
todas têm de se adaptar ao objeto e sendo este distribuido em gêneros, dali resultam os
gêneros de expressão (ou seja os gêneros de pensamento, os gêneros artísticos, em
especial os gêneros literários, de que agora tratamos).
A expressão para cada gênero é examinada com vista a se encontrar aquela que
melhor lhe caiba. Em princípio, a inspiração artística (vd 656) é o instante em que o
juízo percebe qual a expressão adequada para o objeto a expressar. Não se ocupa a
inspiração com as diferenciações em si mesmas; pergunta pela maneira de as
expressar, encontrando-a finalmente.

653. Nomes equivalentes de gênero literário. Uma vez que os gêneros literários são
determinados pelos objetos, vários nomes surgem neste sentido: objeto, tema, assunto,
motivo, e finalmente gênero.
Neste contexto, - ainda que com nuances, - pode-se dizer, por exemplo, temas
literários, ou assuntos literários, do mesmo modo que mais tecnicamente se diz
gêneros literários.

Por objeto (do latim objectum = coisa posta diante, para servir por exemplo de
obstáculo) entende-se o que está fisicamente diante de nós.
O termo passou também ao uso comum de qualquer coisa enquanto se faz
conhecida. Finalmente, objeto assumiu o significado de finalidade a ser atingida
naqueles objetos físicos e em todas as demais coisas menos físicas. Então objeto
passou a tomar morfologia própria como acontece em objetivo. O que a expressão
significa passou a ser denominado como um objeto. Não há expressão sem objeto.

Tema (do grego thema, que se repete no latim thema) é o objeto que se põe em
discussão.
Tem a mesma origem de tese (também do grego, em que se diz thesis). Ambas as
denominações derivam do verbo tithemi (= colocar, pôr).

654. Assunto é a palavra que etimologicamente quer dizer "assumido" ou


"tomado" indica exatamente a perspectiva que, no objeto, é tomada para tratar.
Portanto assunto é algo que admite desdobramento e comentário. Em tais
condições há assunto de conversa, assunto de romance, assunto para comentar e rir.
O assunto geralmente não progride para o raciocínio, permanecendo na área da
narrativa, que se faz mediante juízos apenas, como na narrativa e descrição.
Sobretudo é assunto o que admite enredo, que se desenvolve consequentemente
por sucessões de causa e efeito, no tempo portanto.
Tendem alguns a reduzir ao campo do assunto as figuras de ficção já
consolidadas na imaginaçào e que se conservam na memória popular ou em fontes
literárias, que agora os escritores tomariam como assunto. Variariam os tratamentos e
as preferências.

"O que se vive em tradição própria, alheio à obra literária e que vai influenciar o
conteúdo dela, chama-se assunto.
O assunto está sempre ligado a determinadas figuras, contém um decurso no
tempo. Está pois mais ou menos fixado no tempo e no espaço. Até a expressão "era
uma vez..." dos contos populares é uma fixação no tempo. Segundo esta definição do
termo literário assunto, pode dizer-se que só têm assunto as obras em que se realizam
acontecimentos e aparecem figuras, isto é, dramas epopéias, romances, narrativas etc.
Neste sentido, uma poesia lírica não tem assunto.
O assunto pode existir da maneira mais variada, isto é, há as mais diversas
fontes de assunto. Até o século 18 predominam na literatura as fontes literárias" (W.
Kaiser, Análise e interpretação da obra literária. 2,1 p. 75, ed. Port.)

655. A propósito de assunto, a palavra motivo. Pelo seu étimo, motivoexpressa a


causa motora do movimento.
No quadro do gênero literário, motivo lembra a ação causadora que move os
acontecimentos de um enredo. A ação, no seu desenrolar, não se exerce senão à
medida que uma causa produz os efeitos, os quais por sua vez, se retransmitem em
cadeia. Por isso, o motivo é parte importante em uma narrativa.
Como já se vê, motivo não é o indicador direto do assunto; consiste na parte
motora do enredo, sobretudo da narrativa (vd 727).

Em poesia a palavra motivo também é indicadora daquela imagem que desperta


a evocação de outra.
Motivos poéticos são por conseguinte palavras que enunciam temas, os quais
por sua vez vão despertar sugestões peculiares e em que em última instância está a
essência da poesia. A imagem do sol que desponta não é apenas imagem; tão logo
desperta associações, trazendo novas imagens, ocorre a motivação, que produz poesia.

656. Composição e inspiração no genero artístico. Importa muito ao


desenvolvimento do gênero artístico a composição da expressão a partir de uma
iluminação sobre o como construí-la.
Fundamentalmente a composição (ou síntese) consiste em unir elementos; é o
contrário da divisão (análise).
Na mente a composição é afirmada pelo juízo; este, depois de comparar os
termos, os declara unidos ou separados. A inspiração é aquele exato momento de
perspiciência em que a mente percebe, se os termos em questão se unem, ou se eles se
separam. O mesmo acontece na composição artística; depois de comparados os termos
entre os quais é preciso eleger, ocorre a inspiração que faculta efetivar a eleição.

Um estudo sistemático da composição literária deve partir dos momentos


elementares do processo mental do juízo no seu trabalho de comparação e
perspiciência.
A composição literária define-se como a ordenação dos elementos simples, ou
menos simples, em um todo maior de objetos expressos. Avança por conseguinte a
composição literária a partir de objetos e conteúdos na direção de temas, assuntos,
motivos. Ao mesmo tempo que os referidos materiais elementares são descobertos,-
ou criados, ou ao menos algum tanto previamente selecionados por uma hipótese,-
são exaustivamente ordenados em estruturas maiores definitivas, por meio de
sucessivas comparações simples e inspirações simples. É nesta progressão desde os
instantes átomos, que se forma a grande estrutura dos gêneros.

A inspiração,- que consiste na perspiciência que percebe onde os elementos se


unem e onde não se unem, - deverá na criação artística decidir primeiramente quais
são os significantes adequados.
Considerando que os objetos são muitos quando se trata de gênero artístico,
também muitos são os momentos em que se haverá de decidir por perspiciência (ou
inspiração) quais são os significados respectivos.
Exige portanto a inspiração, para ser bem conduzida, um maior esforço de
comparação e capacidade crítica; então será possível a exata seleção dos elementos
postos a disposição como material bruto para a construção artística a nível de gêneros.

657. Fases da composição. Percorre a composição três fases - invenção,


disposição (plano), elocução.
Dada a complexidade das fases da composição, elas solicitam cuidado especial.

1). Pela invenção a composição começa com a apreensão do objeto. Não há


como expressar artisticamente um objeto sem antes conhecê-lo. Por isso, a expressão
cognoscitiva se antecipa sobre as demais expressões.
Ainda que todas as expressões levem a atenção para o objeto e nenhuma seja a
expressão de outra expressão, tudo na expressão artística começa pelo conhecimento,
portanto pelo coleta do que informa ele sobre o objeto, - as experiências, as idéias, os
juízos, os raciocínios.
O erudito, o sábio, o especialista possui evidentemente mais condições para a
composição literária, pois já existe realizada neles a fase inicial da composição, que é
a invenção.

2). A disposição (ou plano) importa muito na composição, pois mediante a


ordem tem sequência o fluxo de elementos que num sistema conduz a resultados.
A ordem deve ser objetiva, como os objetos efetivam se encontram, quer como
em parte permanecem estáticos, e em parte de movem.
Também acontece uma ordem subjetiva dos objetos, porquanto eles chegam até
nós pelas faculdades do conhecimento. Primeiramente se apresentam como objetos de
sensações e conceitos (como imagens). Continuam apresentando-se como objetos de
juízos (como algo que une ou não se une a algo). Outros surgem ainda como objetos
de raciocícios (potencialmente contidos em um antecedente mais conhecido).

Obedece a ordem literária certo paralelismo com a mente, porque tanto no texto
como na mente acontece uma expressão. Não só; num e noutro plano os objetos são
os mesmos. Além disso, a composição requer ser feita com alguns propriedades, como
de evidência, verdade, certeza (propriedades gnosiológicas) propriedades como de
unidade de progressão, de ritmo e proporção (propriedade psicológica).

3). Pela elocução o objeto é levado à expressão exterior. Na elocução importa o


cuidado em atingir todos os elementos indicados no plano, o qual ordenará os objetos
a serem expressos.
Verdadeiramente se trata de uma transposição de expressão (do objeto da mente)
para outra modalidade de expressão (do objeto em elocução literária), em que o
cuidado muito decide sobre a boa execução da obra. Primeiramente os objetos foram
pensados pela mente, depois passam à expressão literária. Agora se expressam os
objetos pensados, e não ao mesmo pensamento.

658. Gêneros literários sistemáticos e gêneros literários convencionais.Qualquer


classe de objetos constitui um gênero. Mas, ordinariamente não se atende para todas
estas classes, por não apresentarem outros interesses de ordem prática, senão o da
pura sistematicidade. Do ponto de vista sistemático, eles são gêneros e podemos
denominá-los gêneros sistemáticos. .

São gêneros literários convencionais, - como conto, novela, romance, - aqueles


que, não só se constituem de uma determinada bem definida classe de objetos, ou
grupos de objetos, apresentam condições especiais de interesse, e por isso tiveram
desenvolvimento histórico e receberam nome específico.
Em nossa época, são gêneros literários de ficção, em curso e de grande
significação no interesse do público, o conto, o romance, a novela, - já citados; em
conjunto formam o gênero narrativo ficcional.
Também ganharam importância em nossa época os gêneros ensaio, artigo,
comunicação, tese, tratado, curso, conferência, debate, painel, diálogo, divulgação
científica, ficção científica, carta.
Como gênero oral sempre se destacou a anedota, principalmente como diversão
sexual de adultos, mas com linguagem eufemística.

Para a compreensão sistemática dos gêneros literários importa estudá-los a partir


dos gêneros que chamamos de sistemáticos. Assim é que se recomenda uma
classificação bastante genérica, como a seguinte:
- gêneros conceptuais (vd 662),
- gêneros judicativos (vd 682),
- gêneros raciocinativos (vd 771).

Subentende-se que os conceitos, juízos, raciocícios sejam tomados


materialmente, isto é, em função aos objetos que expressam. Todas as expressões
(mentais e artísticas) expressam objetos, mas a partir da mente, que é sua primeira via
de acesso.
Para efeito de certos detalhes, o que mesmo importa são os gêneros literários
convencionais e historicamente desenvolvidos. Em consequência, temos de equilibrar
os gêneros sistemáticos e os históricos.

659. Os gêneros literários em função das classes de objetos. Em princípio a


classificação dos objetos é um procedimento da lógica, e ela a realiza, em função aos
conceitos, juízos e raciocínios.
Mas, a nível de gêneros literários dominam alguns critérios pragmáticos, tendo
em vista os campos de maior interesse, selecionados nos quadros das classificações
lógicas.
Atentos à formação de conjuntos maiores de objetos que constituem os gêneros
de expressão, e denominá-los principalmente gêneros conceituais (Art. 1.) gêneros
judicativos (art. 2.) gêneros raciocinativos (art. 3.).
Importa cuidar sempre em não tratar a expressão artística (entre as quais está a
expressão literária) como se fosse expressão direta do conceito, do juízo, do raciocínio,
mas como expressão dos objetos, dos conceitos, do juízo, do raciocínio.
As relações de uma espécie de expressão para outra são apenas de transposição.
As expressões da mente transpõem-se às da arte, seja às expressões literárias, seja às
demais. Assim embora se fale em gêneros conceptuais, gêneros judicativos, gêneros
raciocinativos, entendem-se os referidos em função aos objetos das respectivas
operações mentais do conceito, do juízo, do raciocínio.

660. Preponderância do gênero descritivo. Conforme em seu devido lugar se


mostra, acontece uma preponderância do gênero descritivo sobre os demais. Deve-se
a preponderância do gênero descritivo ao objeto em si mesmo, que usualmente é
complexo, com elementos relacionados entre si. Não basta então fixar-se em conceitos
isolados. Nem importa o raciocínio sem os elementos afirmados primeiramente uns
dos outros pelo juízo.
A propósito da preponderância do gênero descritivo, importa advertir também
que o juízo é a operação ordinária do pensamento; ele afirma o que é e não é unido a
algo. Acontece a afirmação desde o primeiro instante da constatação empírica, em que
os dados sensíveis são entendidos pela mente como sendo algo atribuído a algo.
Quando vemos uma porta, a entendemos como porta de algo; se vemos verde, o
entendemos como verde de algo, por exemplo desta porta, ou desta substância. Não
temos senão que entender a coisa, ou como substância portadora de acidente, ou como
acidente inerindo em uma substância; ou como real, ou como mental; ou como causa.
Ou como efeito; ou como possível (lógica) ou como impossível (absurda).

O idealismo de Kant consistia em interpretar estas categorias como formas a


priori da mente, pois segundo ele os fenômenos em si mesmos não seriam em
concreto, nem substância, nem acidentes, nem realidade, nem ficção nem
possibilidade, nem impossibilidade. Tudo isto lhes adeviria depois, acrescido pela
mente.
Conforme dirão outros mais modernamente, por exemplo os existencialistas, as
coisas em si mesmas são neutras em relação ao que delas pensa a mente, ainda que
esta assim pense necessariamente. Não sabendo como as coisas em si mesmas são,
contenta-se o filósofo em descobrir, que não são, nem coloridas e sonoras, nem
lógicas, nem absurdas, nem causas, nem efeitos, ainda que tenhamos que sentir e
pensar que elas assim o sejam.

Entre os objetos predominantes no interesse humano está a ação. Os elementos


da ação se constituem de fases: antes e depois (o que desaparece e o que surge).
Também isto se expressa pela descrição que afirma estar algo unido ou não. Desta
sorte, a descrição narrativa (gênero narrativo-descritivo) se apresenta como o mais
preponderante dentre todos os gêneros literários.

Importa de novo advertir que a preponderância do gênero narrativo não afasta


aos demais como insignificantes. Estes outros poderão todavia subordinar-se ao
grande esquema narrativo, ainda que internamente tenham sua autonomia. Tal
acontece sobretudo com os gêneros conceituais (vd 662). É que o juízo contém os
conceitos como suas partes.
Com referência aos gêneros raciocinativos (vd 751), mesmo quando comandam
subtilmente o todo, são dominados pela extensão do narrativo. As premissas podem
ser breves, mas a descrição dos fatos alegados como prova se alongam.
Assim sendo, um longo raciocínio pode estar oculto sob as narrativas de um
livro.
Fatos que aconteceram, o jornalista simplesmente os apresenta como informação
(que é o gênero narrativo, neste caso). Mas os mesmos fatos poderão ser divulgados
com o objetivo argumentativo de uma campanha eleitoral. Também um romance
poderá ser escrito, tendo no bojo um raciocínio, que o enredo ilustra.

ART. 2-O. GÊNEROS CONCEPTUAIS DE PROSA.

4515y662.

663. Através das imagens sensíveis e conceitos os objetos nos são apresentados
simplesmente. Nesta fase operacional anterior ao juízo não se afirma ainda que uns
objetos se unem a outros. Apesar da elementaridade dos objetos apresentados apenas
como imagens, estes objetos apresentam variedades muito grandes, em que até se
descobrem grupos que finalmente constituem os gêneros artísticos, em virtude da
diferente maneira grupal com que devem ser expressos.
São mais conhecidos os gêneros conceptuais de:
- arte figurativa e arte abstrata (1.o) (vd 667);
- arte de tema do mundo exterior, ou naturalístico, e gênero de arte do mundo
interior, ou expressionista (2.o) (vd 670);
- arte de tema real e arte ficção (3.o) (vd 675).

Ainda que tais gêneros operem juntamente com os gêneros judicativos


(descrição e narrativa), pois os conceitos são partes internas do juízo, eles se
determinam com certa especificidade, que possibilita um enfoque separado para cada
um deles.

664. Algumas escolas de arte se fizeram destacar por que optaram, ora por este,
ora por aquele gênero. Em consequência acontece a polissemia das denominações,
pois a mesma poderá indicar simplesmente o gênero, como ainda uma escola que o
assumiu de preferência.
Expressionismo, por exemplo, pode significar o gênero de arte que tem por tema
o mundo interior a se manifestar em expressão exterior; mas pode também significar
uma escola moderna de pintura que assumiu de preferência o mundo interior como
seu objeto ou estilo.

665. Na denominação abstrata ocorre uma polissemia para qual é preciso ficar
atento ao tratar dos gêneros conceituais em prosa.
Abstrato, antes de tudo, é o contrário do que resulta por divisão do concreto.
Neste sentido, por exemplo, a matéria (que é um concreto) pode dividir-se em
perspectivas abstratas, como magnitude, durabilidade, temporalidade, validade,
substancialidade. Mas são concretas as matérias como pedra, ouro, farinha, sol, estrela.
Consequentemente, se um artista exprime em pintura ou em palavras a fragilidade, ou
mesmo a potência da matéria, sua expressão poderá estar na classe gênero abstrato.

Diferentemente, em outra acepção (polissêmica) abstrato pode significar, o que


não é matéria, mas espírito. Abstrato é agora o espiritual em contraste com o material.
Nesta nova acepção, já não se diz abstrato o que a mente divide para tomar
como perspectiva em separado. Efetivamente não se está a dividir os objetos
conceituais como anjos, alma, Deus para dizê-los abstratos. Simplesmente não se
deixam atingir pela experiência e por isso, por uma outra ordem de convenção, se
denominam abstratos.

Ligeiramente diverso é um terceiro sentido de abstrato - a imanência, ou


interioridade psíquica. Tais são as atividades imanentes, como pensamento, volição,
sentimentos ou estados. De alma (esperança, desejo, amor, ódio, felicidade, ou
mesmo angústia etc).
É difícil estabelecer um nome adequado que reúna o segundo e terceiro gênero
de objetos. A expressão mundo interior (pensamento, volição etc) diz muito, porque o
mundo interior se distingue do mundo material; todavia não diz tudo, porquanto não
inclui outros seres concebidos como imateriais: Deus e alma.

Complicando um tanto as coisas, o primeiro sentido de abstrato se pode aplicar


por cima do segundo e terceiro gênero de objetos. Estes últimos gêneros são na
verdade concretos, apesar de espirituais e imanentes. Por exemplo, Deus (abstrato no
segundo sentido) é concreto no primeiro.
É abstrato no primeiro sentido sanidade, corporeidade etc.
Alma, objeto abstrato no segundo sentido, é concreto no primeiro; mas abstrato
no primeiro é o conceito de anímico.
A ciência trabalha com objetos abstratos no primeiro sentido, seja operando
abstrações nas coisas materiais e exteriores seja nas coisas espirituais e imanentes.
Como gênero de expressão a ciência se situa no plano da arte abstrata e não no da arte
figurativa, conforme veremos.
À arte abstrata no primeiro sentido, isto de separação das perspectivas, dá-se
também o nome de arte meramente formal. À arte do mundo imanente cabe a
expressão de arte expressionista.
§1-o. Arte figurativa e arte abstrata no plano da linguagem.
4515y667.

668. A distinção em arte figurativa e arte abstrata (ou meramente formal) não
aconteceu com tanta profundidade na linguagem quanto nas artes plásticas. Na pintura,
por exemplo, se manifesta uma diversidade nos procedimentos da arte figurativa e da
abstrata. a primeira, a figurativa, imita naturalisticamente as formas dos objetos e
permite destacar-se sobretudo pela esteticidade da paisagem, das flores, do corpo
humano. a segunda abstrata, é com frequência, borrada, contorcida e fisicamente feia.
Por que isto? a linguagem opera com equivalentes convencionais e estes não
diferem senão por uma morfologia diacrítica. Um mesmo som para os franceses
significa pescoço (algo que pode ser elegante); para os alemães, a vaca (algo muito
trivial); para os portugueses, o terminal do intestino (algo que para a maioria é
muitíssimo pouco elegante); para os japoneses, bairro de cidade (um nome muito
frequente). Diferem apenas algumas letras quando se grafa o nome, sem que se altere
a pronúncia: cou, Kuh, cu, ku.
Em se tratando de palavra curta, portanto dentro das tendências antropológicas
da língua, ela se repete em milhares de línguas existentes e possíveis. Exemplos,
como este, se multiplicam e mostram que a diferença entre arte figurativa e arte
abstrata é de muita outra índole na linguagem que aquela ocorrida nas artes por
imitação natural.

669. O prestígio da arte abstrata é diferente nas artes plásticas e na arte da


linguagem.
Em virtude da dificuldade enfrentada pelas artes plásticas para exprimir o
abstrato, se atribui àquele que a cria uma áurea de capacidade, que o eleva acima do
cultivador da arte figurativa.

Não se observa o mesmo na arte literária, onde se exalta ao pensador abstrato


por causa do conteúdo, não tanto pela sua capacidade de se expressar.
Os leitores que apreciam o lado estético da linguagem buscam geralmente esta
esteticidade em obras de assunto leve e concreto, sobretudo na ficção. Não obstante,
não é essencial à arte literária leve ser a mais estética.
O mesmo capricho estético poder-se-ia também imprimir aos gêneros como
tratado, curso, tese, ensaio, artigo, discurso, ocupados com a realidade vista
abstratamente.
Dado, porém, que o abstrato usa ser conteúdisticamente mais difícil, acontece
geralmente a separação: os estetas da arte pela arte ficam com o concreto e leve,
enquanto que os eruditos se enleiam com o abstrato e difícil, sem tempo para a
esteticidade.
§ 2. Gêneros de tema do mundo exterior e do mundo imanente.
4515y670.

671. A expressão literária dos temas abstratos no sentido de espirituais, como


alma e Deus, não oferece maiores dificuldades. Apenas o tema em si mesmo, como
especulação, é difícil e problemático.
Trata-se de objetos de apreensão raciocinativa, fora do alcance dos sentidos. A
dificuldade se encontra nestes processos raciocinativos, onde muitos sequer os
admitem, ou se dividem entre posições radicalmente distintas, dualista ou monista.

672. Expressão linguística dos sentimentos e do mundo imanente. Maiores


considerações necessita a expressão linguística dos sentimentos e do mundo imanente
em geral. Agora se trata da arte expressionista. É importante ao combinar-se com
outros gêneros, como descritivo e narrativo.
Ainda que repetindo alguns aspectos sobre o mundo interior, destaquemos o
sentimento. Foi sempre um objeto preferido dos artistas, que o desenvolveram como
gênero.

Alguns teóricos apresentam até mesmo o sentimento como o objeto principal da


expressão artística, o que contudo é contestável. Acontece ali apenas uma questão de
platéia maior para os que praticam este gênero. Também é uma questão de porta de
livraria, que vende mais o sentimental que o filosófico.

O esteta inglês Robin Georges Collingwood 1889-1943) escreveu:


"Nenhuma arte é representativa; em todo o caso este é o ponto de vista da
maioria dos artistas e os críticos cuja opinião vale a pena considerar" (Os princípios
da arte, III 2, p. 48, ed. Esp.).
"Nada poderia ser mais inteiramente um lugar comum, que dizer que o artista
expressa as emoções".
O romantismo destacou o sentimento como objeto preferido pela arte, até por
causa do gosto pelos extremos.

A expressão do sentimento, como tema, se faz com dois tratamentos, o


figurativo, que indica o objeto ao mesmo tempo que provoca sentimento, e o abstrato,
que isola o sentimento, indicando-o separadamente do objeto que o produz, como
quando se expressam os sentimentos de generosidade ou amor, de ódio ou de
brutalidade. O enfoque é o mesmo que distingue entre arte figurativa e arte abstrata.
As artes que operam por meio de mimese natural, imitando os objetos com
recursos naturais, certamente utilizam com vantagem o tratamento figurativo,
apresentando as causas dos sentimentos e seus efeitos exteriores. A linguagem, que
opera mediante equivalentes convencionais, dispõe da fácil colocação de palavras que
diretamente exprimem coisas abstratas e qualquer fenômeno do mundo afetivo.
O tratamento do sentimento pode também ser, ora subjetivo, ora meramente
objetivo.
Este proceder distingue a poesia em lírica e épica, distinção que também pode
acontecer na prosa.
O tratamento subjetivo se refere ao sentimento, a partir de quem se expressa. O
tratamento objetivo se refere ao sentimento em absoluto, apresentando-o
simplesmente como um entre tantos outros objetos.

673. A expressão do sentimento se envolve com dificuldades, por tratar-se de de


um fenômeno psíquico sem imagem. Não é uma sensação, mas um estado das
faculdades apetitivas, quer volitivas, quer instintivas.
O sentimento é a determinação em que incorre o indivíduo ao conseguir um
objeto, ou ao estar em vias de o conseguir. Está, pois, o sentimento sempre em função
a um objeto, ao qual as faculdades de conhecimento (sensitivas e intelectivas)
conhecem preliminarmente e as faculdades apetitivas buscam como realização.
Porém, o objeto não é o sentimento mesmo. Contudo, para entender o
sentimento, precisa-se atender ao objeto e distinguir aos sentimentos em função ao
objeto. Por isso, expressando ao objeto, passa-se de a exprimir o sentimento a ele
ligado. Nem adequadamente conhecemos ao sentimento, nem adequadamente o
expressamos.

Qualquer que seja a variante através da qual se expresse o sentimento, vai ele
sempre ligado ao objeto.
Na enunciação direta e lógica se transmite, por exemplo, uma ordem mediante
entonação: faça isto! Ali está indicado o objeto em "isto".
Na enunciação, por meio de interjeição, também se indica um objeto; por
exemplo, em: "Oh! Sim! Faça-o"
Uma frase que se enuncie, uma tela que se pinte, uma representação escultural
que se faça, - onde quer que se exerça a arte, nela costuma estar presente, em
simbiótica vivência, a comunicação de objeto e a do sentimento concomitante.
Por isso, em geral não há temas do sentimento, mas temas sentimentais, isto é
assuntos acompanhados de sentimento.

O tema integral sempre se associa ao sentimento. Não há mesmo conhecimento


teórico sem alguma repercussão afetiva.
Contudo, quando o filósofo e o cientista expressam seus temas em frases sem
manifestação sentimental, estão dissociando a realidade total, visando apenas uma
parte dela, e assim, em estado apofântico artificial, vão formando o seu gênero.
O estilo integral da expressão junta o lógico e o sentimental. Frase lógica:
Manoel curou-se de do ferimento; saiu do hospital. Frase afetiva: graças, que Manoel
se curou e pôde sair do hospital.

Na linguagem cotidiana é usual a afetividade, a emocionalidade formal, a


delicadeza. Por isso é que se diz: Meu Querido! Senhor Fulano de tal! Senhorita!
O mesmo acontece em assuntos religiosos, sobretudo populares: o vulgo se
refere a Santo Tomás de Aquino. Diferente o filósofo cita ao teólogo Tomás de
Aquino.

674. Expressão do sentimento e o sentimento que a expressão produz.Distingue-


se entre a expressão do sentimento e o sentimento que a expressão, por um novo
efeito, pode produzir.
No primeiro caso, a expressão do sentimento assume a posição de tema nesta
hipótese, os símbolos da língua, por exemplo, se referem às emoções de prazer e dor,
alegria e pesar. A pintura representa situações que indicam os nossos sentimentos. Por
via idêntica, a escultura e a música também expressam sentimentos. Reduz-se ao
mesmo plano da expressão do sentimento, a indicação evocativa, como na poesia.

Produz também a arte um sentimento como resultado. Agora já não se trata de


expressão artística, mas de efeito da expressão. Produzir sentimento estético é uma
propriedade da arte, mas não seu tema. O sentimental da linguagem recebe do estilo
peculiaridades as mais diversas, a que se dedicaram os especialistas.
Charles de Bally enfatiza como um dos principais elementos do estilo sua
capacidade afetiva:
"A estilística estuda os fatos de expressão da linguagem sob o ponto de vista do
seu conteúdo afetivo, ou seja, a expressão dos fatos da sensibilidade mediante a
linguagem e a ação dos fatos da linguagem sobre a sensibilidade" (Ch. Bally, Traité
de stylistique française, 1902, citação da 2 ed. T, I, p. 16).

§ 3. O gênero literário de tema real e o gênero ficção.


4515y675.

676. Geralmente o real e o ficcional assumem a forma de gênero descrição e


narrativa (vd 620). Todavia antes disto atravessam pela fase de gênero do tema real e
gênero de tema ficção. Efetivamente, há temas de objetos reais e temas do objeto
ficcional ou imaginativo. De parte a parte ocorrem tratamentos distintos.
Comummente considera-se de literatura apenas o gênero ficção. Esta consiste
num trabalho de composição complexo. Inventa-se a ficção e a seguir procura-se
expressar na expressão oral a ficção inventada.

677. Explora a ficção, em vista de sua versatilidade, a dinâmica da ação, que se


atribui facilmente aos temas inventados. É por isso que a ficção se desloca
prontamente para outro gênero, o da narrativa, à qual geralmente se subordina.

678. Gêneros de expressão do concreto e de expressão do abstrato. A menor


significação na linguagem, que nas artes plásticas, da distinção entre os gêneros de
expressão do concreto e os gêneros de expressão do abstrato, resultou também na
ausência de uma terminologia para o tratamento desta distinção.
Diferentemente, em artes plásticas se menciona com muito mais frequência
como diferenciados entre si os gênero artístico figurativo e o gênero abstrato.
Não obstante, na arte literária ocorre a mesma distinção entre o figurativo e o
abstrato, ainda que não se costume usar os mesmos nomes.

A literatura figurativa é a que se ocupa com temas concretos. Deles como que
apresenta a figura, já que os exprime como um todo concreto, sem passar a
considerações concretas. Esta literatura continua figurativa mesmo quando oferece
expressões sobre seres espirituais e ações imanentes, desde que não opere com
abstrações.
Por sua vez, a literatura abstrata, ou meramente formal, é a que trata dos objetos
atendidos apenas sob uma de suas perspectivas, deixadas as outras. Esta é a arte da
língua em função principalmente das ciências (experimentais inclusive) mas
sobretudo filosóficas. Não se trata de criar aquele saber abstrato, mas de expressá-lo.

679. Os objetos concretos conhecidos através de diferentes níveis de expressão


apresentam distintos momentos.
Um é o dos sentidos que os apreendem. Por exemplo, a cor é apreendida pelos
olhos, o som pelo ouvido. Através dos sentidos a mente apreende também a cor e o
som, criando a idéia de cor e a idéia de som.
Finalmente, a expressão artística cria a expressão objetiva, seja pela mimese,
seja pelos equivalentes convencionais como na língua. Uma expressão apenas traduz a
outra, mas sempre exprime o mesmo objeto.

680. É evidente que o cientista experimental e o filósofo, ao exprimirem em


palavras os objetos do seu saber, cogitam em primeiro lugar na ciência e na filosofia.
Em tais condições estão ainda fazendo arte simultaneamente; a expressão, por mais
funcional e utilitária, é, antes de tudo, expressão. A palavra, mesmo quando só para
espantar uma galinha que invade o jardim, é sempre expressão de algo em matéria
sensível; em tais condições exerce substancialmente a essência da arte.
A preocupação artística, visando ainda o efeito estético agradável, pode
transformar a prosa científica e filosófica em excelente arte abstrato-formal.
Nesta preocupação, a prosa poderá explodir em evocações associativas, de
amparo ao meramente formal. Platão, em fazendo filosofia, criou também linguagem
literária. O modo de escrever de Descartes se eleva frequentes vezes a uma alegre
exposição em prosa. Mais recentemente vimos também Bergson praticar um estilo
apreciável.

O associativo comparece porém na arte meramente formal apenas como amparo.


É que o associativo se exerce na imaginação sensível, ao passo que o tema abstrato
formal consiste em objetos de pensamento, ainda que pensamento a propósito de
coisas sensíveis.
A dinâmica, a linearidade, as formas dos objetos, sempre que apreendidas
abstratamente, são objetos que a arte atinge através da mente. O associativo apenas
ampara estas noções, sugerindo objetos imaginosos em que elas se realizam.

ART. 3. GÊNEROS JUDICATIVOS DESCRITIVOS E NARRATIVOS.

4515y682.

683. Os gêneros artísticos, sobretudo os gêneros literários, se destacam como


gêneros judicativos, ultrapassando de longe aos gêneros conceptuais (vd), onde estão
retidas as artes plásticas.
O que mais se faz, - falando, escrevendo,fazendo frases, - é descrever enarrar.
Aqui, no plano dos objetos do juízo, é que se situam alguns dos gêneros mais
apreciados da linguagem, com as respectivas subespecificações.
Além disto, os gêneros judicativos conseguem ir além de si mesmos,
despontando nos píncaros dos gêneros raciocinativos (vd 746).

Os gêneros de objetos apresentados pelos juízos, que a linguagem traduz em


frases, se caracterizam primeiramente como um todo distinto dos objetos oferecidos
pelos conceitos e raciocínios. Atenda-se para as diferentes faces com que os objetos
surgem nas três operações mentais.
No juízo os objetos não são apenas aquilo que se oferece na imagem conceitual.
Agora, no juízo, os objetos estão como coisas que se unem ou separam. No
pensamento a característica é a afirmação ou negação. Na expressão linguística este
fenômeno se apresenta como frase e descrição. A primeira distinção entre frase e
descrição é apenas de dimensão; ambas se ocupam do objeto como apresentado pelo
juízo, no primeiro caso de maneira simples e no segundo caso de maneira complexa.
Todavia, nem a frase nem a descrição são tudo no gênero literário. Chega-se ao
gênero literário quando se fica atento ao fato de haver classes de objetos. A referida
separação dos objetos em grupos diferenciados tem como consequência a
diversificação na maneira de formular a frase e a descrição, pois que deverão ajustar-
se às diferenciações grupais.
Recorde-se sempre que a arte opera por meio de equivalentes, - ora naturais, ora
convencionais, - que, como que imitam os objetos aos quais expressam. Assim sendo
a diversificação dos gêneros do objetos repercute em diferenças na expressão. Por
conseguinte, os gêneros de objetos vão repercutir na maneira de formular a frase,
gerando neste plano do juízo o fenômeno dos gêneros judicativos, como no plano dos
conceitos e no dos raciocínios os respectivos gêneros conceptuais e raciocinativos
(vd 652).
Didaticamente, admite-se, no exame dos gêneros literários judicativos, uma
exposição por afunilamente, do mais geral, ao mais particular:
- descrição (§ 1-o) (vd 684);
- narrativa, como variante da descrição (§ 2-o) (vd 692);
- narrativa-ficção, de que são variantes mais convencionais o conto, a novela,
o romance (§ 3-o) (vd 718).

§1-o. Da descrição literária em geral.


4515y684.

685. A polissemia em frase, descrição, narração. As denominações, que se


referem aos gêneros judicativos da expressão, os indicam com alguma imprecisão.

Frase é denominação característica para os objetos do juízo em geral.


Não se caracteriza como expressão peculiar para tratar de gêneros literários
judicativos.

Descrição, que sugere estarmos a escrever sobre algo, pode significar numa
primeira acepção, apenas uma sequência de frases e então ainda não é um gênero
literário.
Mas, prontamente, passa a significar gênero da descrição estética (de objetos
que não se movem), enquanto se distingue do gênero da descrição dinâmica (de
objetos que contêm ação).

Narração (latim narratio, através de gnarratio), remotamente de cognitio (=


conhecimento), tem como fundo o significado, de que o narrador sabe o que narra. O
inverso, é o ignorante, aquele que não sabe.
Semanticamente restringiu-se finalmente para relatar o que se exerce com
alguma alteração e enredo.

Diante do quadro acima devemos tomar a descrição, ora num sentido mais
genérico, incluindo mesmo a narração, ora num sentido menos genérico, excluindo a
narração.
Então a descrição, em acepção menos genérica, é estática, ao passo que a
narração é dinâmica.

686. Divide-se internamente o gênero descritivo pela diversidade dos gêneros de


objetos apresentados pelo juízo.
Esta diversidade admite ser considerada a partir de variados pontos de vista, em
que uns vêm já a partir dos objetos do conceito (o juízo é composto de conceitos),
outros a partir do juízo simplesmente (ou seja, dos objetos enquanto se unem ou se
dividem).
Este último ponto de vista é o mais específico, porquanto define o juízo.
Mas, o anterior, o objeto como surge no conceito (o juízo contém os conceitos
como suas partes) influencia mais visivelmente a expressão.

O conceito poderá distribuir-se por variadas categorias. Para efeito da divisão do


gênero descritivo, muito importam as categorias que dizem ação (ativo) epaixão
(passivo).
Acontece assim a grande divisão dos gêneros judicativos:
- descrição não narrativa, de objetos sem ação;
- descrição narrativa, de objetos com ação.

No contexto ordinário, os gêneros são: descrição e narrativa.


Cabem outras divisões, tantas quantas categorias de ser houver. Algum tanto
diferem os gêneros judicativos de ação real (por exemplo a história verdadeira) e de
ação fictícia (literatura de ficção).
O real e o fictício já vêm do mundo dos conceitos, que aqui penetram, como
partes do juízo (vd 673).
Pela ordem, cabe cuidar primeiramente da descrição no mais amplo sentido,
incluindo então a narrativa, que é senão uma subdivisão do gênero judicativo como
um todo.

687. A descrição ocupa-se daqueles aspectos complexos existentes nos objetos,


em que uns são tidos como atribuídos aos outros, ou negados deles.
Mesmo nos objetos estáticos multiplicam-se os elementos e que geram a
sequência descritiva.
Ocorre em qualquer descrição um ritmo psicológico, sem correspondência
temporal no objeto. Neste há apenas a ordem objetiva das partes, que a mente apanha
sucessivamente. Assim acontece quando se descreve um panorama. Deslizam os
olhos sobre as partes mas não estas, pois permanecem estáticas.

É próprio das ciências positivas e filosóficas descreverem os dados que


submetem à investigação. Antes de exercerem a abstração, as disciplinas do saber
buscam inteirar-se daquilo que se propõem interpretar.

A definição, ao ser enunciada em termos de juízo, é uma descrição, porque se


concentra nos constitutivos do ser (ou ente) definido.
Em busca de uma soma de elementos equivalentes, a descrição como que
desdobra o objeto.

688. Descrição na ficção literária. Na ficção literária a descrição costuma definir


as pessoas, já antes que passem ao movimento da ação, apontando os traços físicos, as
manifestações morais, as qualidades humanas em geral.
Apreciam-se de especialmente no romance as descrições de pessoas. Por vezes,
a descrição vai combinada com a narrativa. Em si mesmas, todavia permanecem
distintas, isto é, juntas, sem se confundirem.
No teatro esta descrição é substituída pela encarnação que o personagem deve
fazer do seu papel.
Um animal também se de descreve literariamente, visando a figura plástica, o
comportamento e a utilização do mesmo pelo homem.
A projeção sentimental (Einfuehlung) transpõe para o animal sentimentos
humanos e então aumenta o motivo que leva a descrevê-lo.
O apólogo e a mitologia podem valorizar imensamente a descrição de animais e
da situação em que se encontram.
As plantas, - sobretudo quando concebidas como elementos que vestem as
montanhas, enfeitam as planícies, alegram os jardins, - constituem certamente um
tema de simpáticas descrições. O símbolo também pode valorizar as plantas, as folhas,
os ramos, as flores.
Um exemplo:
"Um jardim contorna a construção. Eu pedira às belas flores que povoassem os
canteiros do meu jardim. Formosas e atraentes, provando que o belo é o preferido,
retêm minha contemplação. Quanto mais as olho, mais vou gostando do sítio em que
moro" (E. Pauli, Madrugadas de Marina. p. 1)

Por último, o reino mineral, desde as menores partículas, até suas grandes
estruturas, tais como as montanhas e os mares, até mesmo os astros, não desmerecem
de serem descritos, particularmente quando para eles se transfere a emoção humana.
Outro exemplo:
"Desde Laguna, Santa Catarina, até a Lagoa dos Patos, no Rio grande do Sul, as
areias desenrolam uma praia sem incidentes e mui larga. Paralelamente dunas de areia
movediça tecem um bordado de relevos, em sucessões plásticas. Lisas de um branco
virginal. Quando sopra o minuano apaixonado, os montículos, que de trecho em
trecho mais se elevam, arfam como seios da Mãe Natureza. Em insistindo a paixão do
vento, as pontas dos montículos soltam, à maneira de chaminé de branca fumaça, uma
poeira de cristais que maravilha aos olhos e é agradável de sentir. Mas eu não penso
em chaminés e sim de novo nos seios da mãe Natureza a espargir leite generoso" (E.
Pauli, Filhas de Tubarão p. 9-10).

689. A esteticidade da narrativa descritiva pode aliar-se ao enredo dinâmico,


enriquecendo-a.
Para descrever a planta ou a veste pode-se fazê-lo aludindo às sucessivas fases
do crescimento ou do vestir. O recurso parece já utilizado intencionalmente por
Homero, quando descreveu o traje de Agamenon ao se vestir. Referindo-se ainda ao
cetro, contorna a descrição fria, narrando a história de como Vulcano o fabricou.

Não funciona de igual maneira nas diversas artes a aliança do descritivo com o
narrativo do enredo. Enquanto a pintura mostra o cetro em visão simultânea, as
palavras o apresentam pela sucessão das partes.
Não consegue a palavra apreender adequadamente a simultaneidade das
diferentes partes de um mesmo objeto; obrigando-se à expressão sucessiva dos
elementos, a descrição demora-se num elenco demorado.

Por isso, a descrição literária, muito mais que a pictórica, alia-se a um enredo.
De outra parte, a linguagem dispõe de maiores recursos para o enredo, em vista de
adequar-se melhor às diferenças que o objeto assume como conceito e como juízo.
Consegue-se de um enredo, apelando ao expediente comum da origem do objeto.
Melhor ainda se torna a descrição, se se conseguir fazer com infusão anímica,
empática, dinamização ilusória. Na infusão empática inclui-se a humanização dos
objetos e dos animais, que despertam interesse à medida que interessam ao homem.
Acontece quando ocorrem as adjetivações afetivas, por exemplo: florzinha, pedrinha,
baratinha...

As descrições podem progredir até ao ponto de criar apólogos e fábulas, com


progressivo enredo. O desenho animado converte também sucessões descritivas em
sucessões de enredo; em tais condições desperta o interesse.
Os românticos têm sido notoriamente estáticos, ocupando-se com as descrições
coloridas dos cenários em que agem de tempos em tempos os seus personagens.
Entretanto, já Lessing, no Lacoonte (1766) advertia sobre uma certa "ilusão" que deve
animar o poema.

690. As leis da descrição revelam-se de pronto.


A descrição há de se fazer de boa fé, quando se trata do simples arrolamento dos
fatos.
Na apresentação analítica da natureza, a descrição requer rigor das definições.
Na sucessão das perspectivas, hão estas de apresentar-se pela ordemnatural e
lógica.

§2-o. Da narrativa.
4515y692.

693. Ocupa-se a narrativa em expressar os elementos em sucessão de uma ação.


Em si mesma a ação é uma categoria simples, e portanto expressável por conceito e
palavra. Todavia ela é ação de algo em transformação, e por isso algo que se une a
algo. E assim surge a ação como uma atribuição ao modo como se exprime no juízo.
Oferecem-se vários itens peculiares à narrativa, desde as mais gerais, até alguns
elementos que lhe são mais peculiares.

I - Da narrativa em geral.
4515y694

695. Divide-se a narrativa em partes. Ainda que a ação como objeto seja simples,
ela apresenta dois termos, como era e como ficou sendo o ser em ação.
Imaginativamente é possível criar um terceiro termo: o próprio movimento.
Além disto muitas ações favorecem a imagem deste movimento absoluto, cujo
concatenamento assume o aspecto de enredo.

Literariamente, pois, a narrativa desenvolve-se em três partes:


- situação inicial,
- enredo,
- desfecho.

Correspondem as três partes à mesma dinâmica das fases de um ação; estas


caminha de um estado anterior para uma nova situação. É então natural que a
narrativa acompanhe as três fases: como era, como caminha, como chega ao novo
estado.

1). A descrição da situação inicial será, por várias razões, brevíssima. Ela se
destina a despertar o interesse do leitor, o qual deseja ser imediatamente atendido.
É desaconselhável a longa história ilustrativa, porque afasta a finalidade da
aplicação que há de vir. A parábola contém algo de descritivo da situação, e é por isso
breve, sobrevindo-lhe imediatamente a aplicação.
À medida que a descrição se torna precisa, afasta-se de generalidades, sobretudo
de idéias secundárias.

2). Concentra-se a narrativa no enredo. Nesse enredo exerce-se o prazer da


ludicidade da ação.
As modificações, as sucessivas novidades e imprevistos despertam o interesse e
são o verdadeiro motivo porque nos dispomos a apreciar uma narrativa.
Detalhes redundantes tumultuam os verdadeiros objetivos da narração. Tudo
haverá de convergir para os objetivos do enredo.
É a coesão da narrativa.

3). O desfecho, como último instante da ação, é, - semelhante à situação inicial,


-outra vez indicado brevemente, ou apenas sugerido.
Como situação estática, o desfecho não oferece conteúdos em sucessões
variadas. O desfecho impressiona apenas como um todo.
Além disso, o desfecho haverá de ser inesperado, e com isso será tanto mais
breve, do que se fizesse prever. Não pode ser previsível, porque então já não haveria
enredo dinamicamente tenso.

Contudo, como propriedade da narrativa, o desfecho deverá ser coerente com os


valores vigentes, ou pelos menos com os valores defendidos pelo autor. Isto significa
que o crime não é premiado, que o abuso do mais forte não é aprovado. Ainda quando
o absurdo prevalece, o desfecho não o queria, mostrando embora ser esta a dura
realidade.

696. A narrativa ocupa-se com os estados sucessivos do movimento. É o


movimento algo de muito importante. A sequência dos fatos constitui portanto algo
digno de ser anotado pelo conhecimento e arrolado pela expressão material da
narrativa.
Classifica-se o movimento como propriedade que pode afetar as categorias todas;
nestas condições o movimento é um pospredicamento (vd), pois a peculiaridade desta
denominação é a de indicar as propriedades das categorias. Sendo cinco os
postpredicamentos, apenas o movimento é dinâmico, sendo estáticos os demais
(oposição, propriedades, simultaneidade, posse).

697. A narrativa histórica, ainda que ordinariamente se faça em termos de juízos


em sucessão, é contudo argumentativa, porque a história é ciência.
A história, como ciência, opera com induções e deduções. Ela prova com dados
(ou documentos) do presente, que no passado, ocorreram certos fatos.
À medida, porém, que expõe, a história se exerce como narrativa em sentido
próprio, isto é, de juízos concatenados.
A narrativa de acontecimentos fictícios (ficção), fábulas, anedotas, contos,
novelas, romances, enquanto simplesmente narram, são narrativas em sentido próprio.

698. Uma narrativa clássica, da autoria de Sófocles, em três fases, destaca o


predomínio do desenrolar vívido da ação. Descreve à sua mãe o desastre de Orestes,
por ocasião dos jogos píticos (em Delfos), numa corrida de dez carros competidores:

"Imóveis nos lugares pre-determinados,


os carros aguardavam prontos o sinal;
mal havia soado o clarim estrídulo,
todos partiram incitando seus corcéis.
Transbordava da pista cheia o estrépito
dos carros ruidosos em competição;
nuvens de poeira pairavam pelos ares;
aurigas ágeis manejavam aguilhões,
tentando cada um ultrapassar ou outros;
nas suas costas, cavalos resfolegavam,
e relinchavam espumando nos seu flancos.
Orestes guiava seu carro velocíssimo,
pelo lado de dentro do percurso hípico,
quase tocando os pilares de contorno
a cada passagem pelos confins da pista;
dava rédeas ao corcel que vinha por fora,
enquanto procurava refrear o outro.
Todos os carros corriam sem incidentes;
de repente, os cavalos desenfreados
do eniano dispararam incontidos,
na sexta volta, já próximo da sétima,
O carro, zigue-zagueando, foi chocar-se de
com a parelha de um dos aurigas líbios;
em consequência, os desastres sucederam-se;
chocavam-se carros contra carros, quebrando-se,
desmantelando-se estrepitosamente;
a pista não tinha lugar para conter
todos os destroços do naufrágio equestre.
O hábil auriga mandado por Atenas
conseguiu desviar-se, deixando passar
aquela torrente de carros e cavalos.
Por último vinha teu filho, refreando
seus cavalos, poupando-os para o fim;
mas ao ver que de tantos apenas restava,
um dos competidores, incitou, aos gritos,
seus corcéis velozes, ansioso por vencer.
Os carros emparelharam, equilibrados,
e ora sobressai um dos aurigas,
ora outro, no corrida vertiginosa.
Quando o infeliz Orestes acercou-se,
pela última vez, do pilar de contorno
que transpusera tantas vezes sem cair,
soltou as rédeas do cavalo da esquerda;
mas passou próximo demais; uma das rodas
bateu nas arestas do pilar e partiu-se!
Orestes foi projetado para fora do carro,
emaranhado nas rédeas de couro forte,
e quando caiu ao solo, seus dois cavalos
desabalaram soltos pela pista fora.
a multidão ao vê-lo caído, gritou,
lamentando o desenlace tão funesto
para quem já conseguira tantas vitórias,
e agora já passando arrastado pelo chão,
aos trambolhões; penalizado, um auriga,
contendo com dificuldade os corcéis,
conseguiu soltá-lo, tão coberto de sangue
que nenhum dos amigos presentes aos jogos
reconheceu o cadáver desfigurado.
Pouco tempo depois do desastre fatal
teu filho foi incinerado numa pira;
são as cinzas daquele poderoso corpo
trazemos, contidas numa urna bronze;
aqui hão de ter as devidas honras fúnebres.
Eis o meu relato fiel, triste de ouvir
(se pode haver tristeza nas simples palavras);
mas o desastre visto foi muito mais triste"
(Sófocles, in Electra na trad. De M. G. Kury).

699. Tempo do verbo na narrativa. A sucessão temporal, dos diversos instantes


do enredo narrativo, levanta a questão do tempo do verbo. Quanto à morfologia do
verbo, situado em tempos diversos, cuida a palavra, ao traduzir a ação como categoria.
Como já se viu, é muito complicada esta morfologia do verbo (vd).

Se a ação houver de ser situada no passado, convém haver para este fim o verbo
em tempo imperfeito e o pretérito imperfeito.
Poderá ser formulado por simples morfema, ou por composição de dois termos,
um expressando o estado da ação e outro a mesma ação.

Situando-se a ação no presente, o narrador como que a estaria apreciando; em tal


condição se diz estar a narrativa no presente histórico.
Para a ciência da história, que tem por missão, com dados presentes, provar ter
havido ação no passado, a narrativa por definição se situa no passado. Então o verbo
natural é o passado, ou ainda o imperfeito e o mais que perfeito.

A ficção narrativa situa-se fora do tempo; ocupa-se com a ação sem atender à
realidade dos sujeitos que denominam a ação. É portanto intemporal.
Consequentemente o verbo situa-se como presente histórico. Resulta, por
conseguinte, o presente histórico como a modalidade própria para o romance, a novela,
o conto.
Poderia o narrador até mesmo participar da ação fictícia, fazendo empatia.
Maior presença fictícia ocorre ainda quando ele mesmo ingressa como
personagem.

II - Motivo, leitmotiv, topos do enredo.


4515y700.

701. A ação do ponto de vista dinâmico, é uma causa movente, que produz
efeitos. Não há causa sem esta gravidade interna que tende para um desenlace.
A causa movente, que perpassa o enredo, denomina-se sob este ponto de vista,
de motivo, as vezes também fim. A causa movente é o motivo que tudo aciona até ser
atingido o desfecho das forças em ação de descompressão.
Num enredo humano, o motivo aparece como intenção (finalidade) que os
personagens visam. É que, na ação livre, a finalidade é conhecida previamente; o fim
é o último na execução, mas o primeiro na intenção. Por isso os personagens sabem o
que querem e agem para conseguí-lo.
702. Variedade de espécie dos fins do enrredo. Pontos de vista, como ordem na
série, bem como ainda grau de valor, podem subdistinguir as espécies de fins e causas
de um enredo.
A ordenação de um maior ou menor número de ações com os mais diversos
motivos resulta em variações nos gêneros literários, sejam didáticos, sejam de ficção.
O romance coordena um maior número de motivos.

Pela ordem na série as causas podem ser: próximas, intermédias, últimas. O


personagem põe atos de intenção imediata, que por sua vez estão em função a outros e
outros objetivos. Num enredo integram-se muitas forças, havendo as predominantes.
Num romance de amor o objetivo último do mocinho poderá ser a conquista da
amada escolhida. Ou, se a ação for inversa, o objetivo último é o da mocinha em
busca do amado.
Num enredo político o objetivo último é a conquista do poder, ficando em
função a ele todas as demais ações da narrativa. A conquista do poder se enreda com
atuações dialéticas em que participam ideologias, planos econômicos, objetivos
sociais, que variadamente movem a ação narrada.
Deverá portanto o narrador atender à coordenação das ações. Respeitará
portanto o plano geral, movido pelo principal motivo do enredo.

Pela ordem dos valores os fins se dizem primários e secundários, conforme


avaliação de prioridade que se lhes der. A ordem dos valores determina a coerência
das ações do enredo.
Na arte o fim primário é a expressão teorética; exprime a arte, o tema, a fim de o
fazer conhecido. Outro é o fim secundário, que poderá ser, por exemplo estético. Nos
fins secundários situam-se também os "motivos cegos"; estes são episódios de enredo,
que não dizem respeito direto ao mesmo, mas podem despertar a atenção e o interesse
do leitor.

Há também os fins internos e externos, de acordo com o objetivo visado pelo


indivíduo que exerce a ação para si, em seu benefício interno, ou para benefício
interno de outro.

703. Motivos em ritornelo no curso da narrativa. Há motivos que não são


propulsórios, mas rítmicos, porque retornando, à maneira de ritornelo, marcam
unidade de desenvolvimento e ordem rítmica de apresentação.
A capacidade de apreensão por parte da mente é limitada, razão porque o enredo
é apresentado por partes, coerente com as leis do ritmo estético (vd).
Por isso, assuntos de importância não aparecem uma só vez na composição:
preparados, pelo surgimento repetido, vão enfim para o climax. Figuras brilhantes, ao
serem preparadas, funcionam com mais segurança. Um arco-íris de triunfo no final de
uma novela, convém estar previsto no decorrer da ação.

O ritornelo puro e simples de um tema jocoso, ou outro qualquer, agrada por si


mesmo e por isso nãoprecisa obedecer sequer a uma necessidade de distribuição das
partes maiores em menores sucessivas. Marcam apenas uma certa semelhança de
clima, que une a ação do começo ao fim.
Em uma novela pode-se de repeti, como ritornele agradável, os incidentes de um
sonâmbulo, de um gaiato, de um gago, de um zombeteiro, de um narrador de piada,
chiste, com humor e verve. Em tais condições ocorre uma aparente interrupção.

704. Leitmotiv , tecnicismo criado pelos Wagnerianos, indica certa figura de


notas musicais, que acompanham e acusam a presença de um personagem em ação. O
mesmo processo é adotável em literatura. Consiste em dar aos personagens um
comportamento típico bastante definido diante de ações específicas.
É claro que leitmotiv admite outros significados, como até o de verdadeiro
motivo propulsor, como causa dinamizante. Aliás, motivo sempre indica
originalmente imprimir movimento, acepção que não ocorre necessariamente no
Leitmotiv wagneriano.

705. Motivos organizadores do ritmo do enredo, - topos, lugares comuns. Entre


os motivos que não são propulsores, mas apenas organizadores do ritmo e do estado
climático do enredo, se arrolam também os topos (lugares comuns) ou maneiras
estereotipadas imaginosas de dizer.
Entretanto, os topos não se utilizam apenas no enredo, mas em qualquer
descrição, também nas evocações poéticas.
São por exemplo, topos os conhecidos clichês: tarde amena, cervo ferido,
cordeiro imaculado, prezados irmãos, meus senhores.

A utilização do topos se faz com proveito, quando no curso da narrativa ele


comparece com colorido perfeitamente individualizado, ou mesmo na forma de
apelido.
Em uma novela consegue-se fazê-lo, na repetição de imagens associativas, como
"flores", "vale das flores", "Prado em flor". Tudo finalmente pode ligar com o nome
da mítica Flora, em Floripa (= Florianópolis). Ou ainda com o nome da cidade
de Blumenau (= olho de flor), cujo nome germânico é um composto de palavras que
contêm a semântica destes significados.
A interpretação filosófica dos nomes dos personagens que comparecem no
enredo sugere facilmente a criação de topos, que voltarão com proveito no curso da
narrativa.

III - O ponto de vista, ou enfoque da narrativa.


4515y707.

708. Narrativa impessoal e narrativa em primeira pessoa. O ponto de vista, ou


enfoque da narrativa, diz-se da maneira de como o autor se aproxima do tema narrado.
Poderá fazê-lo, ou impessoalmente, isto é, em terceira pessoa, ou pessoalmente,
isto é, em primeira pessoa, a partir dele mesmo.
Nas linguas com morfologia verbal para as pessoas, também o verbo acompanha
a pessoa.

A narrativa impessoal é mais abstrata e longínqua da ação, de sorte a se diluir na


descrição estática. Dali poder-se denominar a narrativa impessoal um narrar à maneira
de descrição (= per modum descriptionis).
Variações podem ocorrer na narrativa em terceira pessoa.
Esta terceira pessoa poderá apresentar-se na forma onisciente, em que o autor
apresenta a trama interna do enredo, inclusive a intimidade de consciência de cada
agente.
Na forma objetiva de narração, apresentam-se apenas as causas que usualmente
se percebem na superfície exterior dos fenômenos.
Contém a narrativa impessoal aspecto de seriedade, porque não é agitada pela
variabilidade da subjetividade das pessoas. Esta seriedade a recomenda para o estudo
mais sério e objetivo da ação.

A narrativa em primeira pessoa transpõe a linguagem para a boca dos


personagens postos em cena. Falam eles diretamente. Para este fim usa-se o
expediente do verbo na primeira pessoa, ou pelo menos o pronome da primeira pessoa.

709. Se os personagens da narrativa são pessoas humanas, a expressão direta se


exerce com objetividade.
Todavia já não se dá o mesmo com dinâmicas não humanas. O expediente para
criar a ação poderá ser a empatia, bem como ainda a atribuição metafórica da
linguagem para animais, plantas e mesmo objetos incapazes de manifestações
conscientes. Deriva agora a narrativa para o gênero de ficção, uma de suas principais
variantes (vd 718).

São sem conta as vantagens da expressão com enfoque direto, que por isso é
bastante explorada pelo narradores experientes. Em muito facilita a expressão da ação
dramática de grandes conflitos, das resoluções heróicas, das tragédias, principalmente
nos gêneros de ficção. Neste amplo leque de vantagens a narrativa em primeira pessoa
também favorece a expressão mais íntima e suave.

A composição calculada do que dizem os personagens do enredo produz


evidente dinâmica interna.
É próprio da ação inteligente ser pensada antes de ser levada à execução. Por
meio do enfoque direto a ação é levada a ser pensada, e com isso exprime-se de de
maneira mais viva, como se já fosse sendo exercida.
Na descrição e na narrativa impessoal a interpretação, ao ser reduzida ao
narrador, a limita e retira até do seu natural. Quando muito ele anuncia a ação, sem
poder referir sua vivência, ponderação, cálculo, dramaticidade interna, calor de paixão.
Contudo o bom narrador ainda consegue maravilhas.

Sem a ação colocada em primeira pessoa, certos efeitos poderão ser expressos
apenas em descrição abstrata após o acontecido. A expressão direta anuncia com
antecipação a dramaticidade que se desenvolve e rapta a atenção.
Na literatura de ficção esta maneira direta de se aproximar pela primeira pessoa
é o caminho para garantir o sucesso de uma ficção.

710. Técnicas narrativas são procedimentos bem definidos de narrar.


Entre as técnicas narrativas se citam o diálogo, monólogo, a reportagem, a
participação do próprio autor como agente do enredo.
O diálogo (vd 711) requer circunstâncias especiais porque envolve mais pessoas.
O monólogo (vd 712) tende a predominar como técnica narrativa, porque
contém os elementos mais ordinários da expressão em primeira pessoa.
A reportagem e a participação do autor (vd 713)também importam em
circunstâncias especiais que não acontecem em todas as ações.

711. O diálogo, como simples operação anterior ao seu estágio de gênero


literário, nada mais é do que a expressão para comunicação recíproca, ora de a para B,
ora de B para a. Este diálogo assume o caráter de gênero literário só quando se adapta
a uma classe de objeto.
Como gênero literário erudito, o diálogo é um expediente para expressar
opiniões contrárias sobre a mesma questão. Cada interlocutor se apresenta como
portador de um pensamento distinto.
Presta-se também o diálogo para mostrar a progressão do pensamento no curso
do debate; então o diálogo geralmente ultrapassa o gênero judicativo, para surgir
como gênero raciocinativo, onde coincide praticamente com o discurso.

Pode ainda o diálogo erudito ocultar o autor das idéias deixando-as por conta do
personagem, e que assim deixarão de criar problemas ao autor.
Tal foi certamente a intenção de Galileu Galilei ao apresentar em diálogo
algumas de suas teorias astronômicas nos tempos perigosos da Inquisição Romana, do
então Estado Pontifício. Contudo, acabou por ser metido em apuros.

Foi o diálogo erudito praticado sobretudo na antiguidade clássica e no


Renascimento.
Obras importantes, como por exemplo as de Platão, receberam a forma de
diálogo.
Por causa do modismo até mesmo livros bíblicos exploraram o diálogo pelo
menos em partes essenciais: Daniel, Jó, Reis, Ester, Tobias, Rute, Juízes.
Também exploraram o diálogo os latinos mais eminentes, - Cícero, Sêneca,
Tácito e Luciano.
O mesmo fizeram os cristãos Agostinho, Gregório Magno, Alcuino, Anselmo.
Prosperou novamente a técnica do diálogo no Renascimento, - Petrarca,
Maquiavel, Erasmo, as vítimas da Santa Inquisição Galileu Galilei e Giordano Bruno.

Decresceu modernamente o uso do diálogo erudito para os ensaios científicos.


Na verdade nunca se desenvolvera nas ciências propriamente experimentais, senão lá
onde as teorias ainda permaneciam muito vagas, como exemplo na astronomia e na
constatação dos fenômenos parapsicológicos, profecias, revelações ditas tais pelos que
nelas acreditavam.
Nas ciências de fundo meramente raciocinativo, como nas filosóficas, o diálogo
evidentemente encontra melhor campo e foi onde ainda se conservou algum tanto nos
tempos modernos, sobretudo como encaixe na literatura de ficção.

A reportagem, ainda que constituída de perguntas de iniciativa unilateral,


conserva bastante do estilo antigo de diálogo erudito. Combina-se com a pesquisa de
opinião pública.
O diálogo que hoje se pratica é o de comunicação entre personagens de ficção.
Ali toma a característica de um certo gênero de assuntos; em consequência torna-se
também um gênero literário.
Por último, o diálogo mantém uma certa presença no discurso de debate público,
sobretudo no parlamentar.
Nas mesmas condições o diálogo também permanece na didática oral dos
professores.

712. O monólogo é a expressão mais direta ente as diretas, porque reproduz os


objetos tal como se nos apresentam a nós mesmos. Não é um diálogo conosco
mesmos.
Aparentemente o monólogo é uma variante do diálogo, e o parece supor. Esta
aparência dá-se por causa do falar como que consigo mesmo, enquanto o monólogo
está em curso.
Na realidade, porém, o monólogo não é nada mais que um pensar em voz alta
sobre os assuntos em questão, e um decidir em voz alta. O que se pensa é diretamente
transposto para a linguagem. Se, por exemplo, digo: penso, logoexisto, estou
simplesmente traduzindo em palavras o que me passou pela cabeça. O mesmo
acontece quando digo: quero! Então eu quis, e transpus em linguagem o que decidi
com a minha faculdade de querer.
Finalmente, se sinto posso dizer: dói-me! eu sinto! eu vejo! eu ouço.

O monólogo torna-se vivo e bem direto quando enuncia interjeições ou mesmo


exclamações de alegria, dor, ansiedade, etc.

Obviamente o monólogo é um gênero artístico-literário, porque é expressão de


gêneros de objetos.
São parentes do monógo a autobiografia, o diário, a carta.

713. A participação direta do autor na ação narrada consiste em contá-la, como


se este autor também fosse um dos personagens que provoca a ação.
A participação direta do autor na ação narrada pode dar-se de
maneira inteiramente objetiva, como no Diário, que tanto é um gênero, pelo objeto,
como ainda é uma técnica narrativa, e ainda na Autobiografia, que é sobretudo um
gênero literário.
Na narrativa ficcional, o autor poderá ter a participação como personagem
principal e a em que participa secundariamente, quase como um observador.
A participação do autor na ação narrativa dá lugar às vantagens do presente
histórico, das descrições intuitivas e empáticas.
IV - Propriedades da narrativa.
4515y714.

715. Suficiente grau de evidência, verdade, certeza. Do ponto de vista


gnosiológico e da respectiva perfeição gnosiológica, a narrativa deve conter, - como
suas leis, - ação evidente, verdadeira, certa.

A ação tem de progredir de maneira evidente, de sorte a haver nitidez em cada


nova situação.
Importa a verdade dos caracteres atribuídos e descritos, proporção entre causa e
efeito, autenticidade nas relações dinâmicas entre antecedentes e consequentes.
Enfim, a expressão deverá ser vigorosa, imprimindo certeza na leitura ou no
ouvinte.

716. Progressão sob medida, vivacidade e unidade. Do ponto de vista


psicológico deve a ação narrada estar atenta ao consumidor da narrativa.
Importa progredir sob medida, conforme ao ritmo antropológico da atenção
humana, que não possibilita a excessivainformação e nem admite a morosidade
entediante. Em tudo o homem está sujeito a um ritmo.
Importa ainda à narrativa uma certa vivacidade, com um vigor que a torne
atraente. Neste sentido hão de ser evitados lugares comuns e redundâncias.
Finalmente, importa ainda uma certa unidade de ação, atendendo à tendência
lógica da mente. A ação iniciada deverá ter um desenvolvimento e progredir até um
desfecho.

§ 3. Da narrativa ficção
- Romance, Novela, conto, anedota.

4515y718

719. Podemos nos imaginar a ação valendo simplesmente pela conexão interna
de sua sequência. Então já não é necessário que os personagens sejam reais, nem suas
ações, mas seja realmente válido o processo em si mesmo, cuja lógica interna de
consequências serve de exemplo para tudo o mais que obedecer a este modelo. É
quando as histórias valem não pelo que são os personagens em causa, mas pela
coerência interna do enredo.
O mesmo se diga da história heróica das antigas nações e velhas religiões, plena
de episódios em cuja veracidade hoje não mais se acredita. Continuam entretanto
apreciáveis pelos seus enredos.

Já se percebe que a ficção narrativa contém uma validade maiore que transcende
ao seu conteúdo. Além disto contêm ainda apreciável esteticidade e ludicidade.
Por causa da esteticidade e ludicidade, apoiada ainda pela validade maior
daquilo que contém de verdade na coerência interna da ação, tende-se até a denominar
literatura em primeiro lugar a narrativa-ficção e a poesia (uma espécie de ficção). O
restante, não seria literatura no sentido nobre. Seria apenas literatura científica e
jornalística.

I - Da ficção em geral.
4515y720.

721. Criação do objeto-ficção e criação da expressão deste objeto-ficção. Ainda


que a ficção seja com frequência invenção do mesmo artista que a cria, a mencionada
ficção é um objeto, ainda que imaginativo, e se distingue da expressão artística que
dela se faz. Criar o objeto-ficcão não é o mesmo que expressá-lo. Pode mesmo um ser
o invento do objeto-ficção e outro o de sua expressão artística.
A ficção é uma imagem mental. Geralmente é uma imagem da fantasia, com
acréscimo de elaborações mentais, através das operações do conceito, do juízo, do
raciocínio.
Como usualmente se apresenta na literatura, a ficção se encontra em termos de
narrativa e não de argumento. Nesta condição o gênero ficção costuma ser um gênero
artístico judicativo. As imagens não se limitam a objetos ficcionais que geram a ação.

Como imagem, a ficção é uma expressão da faculdade da imaginação. Ela não


existe como objeto real, senão como objeto expresso. Todavia este objeto expresso
surge a primeira vez na imaginação. Do ponto de vista da interpretação
intencionalística de todo o conhecimento, seja sensível, seja intelectivo, também a
imagem é intencionalística. Ela remete para um objeto, intencionalísticamente, como
se ele existisse fora da faculdade da imaginação. Este "como se" salva o objeto, que,
embora não exista realmente fora da imaginação, existe ao menos ficcionalmente fora
dela. A expressão artística não expressa a imagem interior, mas o objeto ficcional que
existe "como se" existisse pelo lado de fora.
Voltamos a insistir que há um duplo trabalho de criação: um cria o objeto-
ficção, outro cria a expressão deste objeto-ficção. Somente não fazemos dupla criação
quando já recebemos imagens ficcionais como acontece com a mitologia e as lendas.

722. A arte de ficção torna visível o invisível (da fantasia) e não reproduz o
visível. a supra-realidade da ficção, enquanto se encontra existindo apenas como
imagem não é a arte; ela é a temática da expressão artística superveniente.
O artista ficcionista começa como intelectual, que no estágio pré-artístico se
ocupa em criar o objeto na imaginação, uma tarefa nada fácil. Somente num outro
momento passará a ser o artista, pela criação de uma expressão exterior. Constata- se
facilmente que um romancista primeiramente imagina o romance; depois o escreve.
Que diferença haveria entre ficção e ciência? A ficção apresenta objetos que
realmente não existem; está apenas na fantasia e no trabalho operacional da mente
(conceito, juízo, raciocínio). A ciência apresenta objetos que efetivamente existem,
sendo eles a realidade estudada; tem a ciência de semelhança com a ficção o fato de
também, como esta, estar instalada na mente. A diferença se encontra apenas no
objeto, que, num caso está "como se" estivesse no exterior, ao passo que noutro caso
está efetivamente como algo independente.

723. Na narrativa ficcional ocorre duas vezes a ficção: a ficção do objeto


portador da ação e a ficção da mesma ação. Há, pois, a distinguir entre personagens
ficcionais e ação ficcional das personagens.
Ambas as modalidades de ficção estão fora do interesse, quando se trata do valor
de uma narrativa. O que importa para a coerência do enredo é seu bom ou mau
resultado. Não se pergunta pela realidade nem dos personagens, nem de sua ação
(vd 721).

II - Ambiente e personagem.
4515y724.

725. No mundo da ficção há a considerar como sempre presentes o ambiente e o


personagem.
Eles não constituem a ação e por isso não fazem a essência da
narrativa. Todavia eles exercem a ação. Efetivamente, não há ação sem causador
da ação. Em si mesmo não existe o movimento. São as coisas que se movem e que
portanto agem.

726. Um recorte da realidade. A narrativa ficcional é como que um recorte da


realidade, no que se refere ao comportamento da ação. A realidade que apresentar
caracterizações iguais de ambiente e personagens, se comportará como acontece na
narrativa ficcional. Por que?
Há uma proporção entre causa e efeito. Por isso o efeito informa sobre a causa.
A narrativa sobre o enredo da ação pode informar por conseguinte sobre os agentes,
seja sobre o personagem, seja sobre o ambiente. A ficção ocupada com a ação
constitui, pois, um instrumento didático sobre personagens e ambientes, de que eles
foram representativos.

A ficção útil é aquela que tem o cuidado sobre a eleição dos ambientes e
personagens. Sem esta escolha, a ficção se mantém no plano meramente lúdico e
estético, aliás também justificáveis. Mas, quando todos os objetivos forem possíveis,
não sejam esquecidos para maior validade da ficção.
Quando sem ambientes específicos e personagens autênticos, a ficção fica sem
utilidade maior. O literato deve ter algo que dizer e não se limitar a um esteticismo
indiferente à tensão da realidade em dialética desafiante e em geral cruel. O literato
útil não se retém na arte pela arte, como também o cientista útil não faz a ciência
apenas para sua contemplação.

III- Do enredo em si mesmo.


4515y727.

728. Entre os elementos que se sucedem no enredo há uma conexão. Geralmente


é de causalidade física.
A coerência das conexões do enredo se denomina verossimilhança. A ela há de
atender a narrativa.

Não se exerce do mesmo modo a verossimilhança do enredo artístico na


narrativa de ficção e na vida real. A verossimilhança se condiciona ao conceito de
causalidade adotado. No mundo da ficção a relação de causalidade entre a causa e o
efeito é mais variada que na da realidade.
Ocorrem modalidades de causa e efeito que são próprias ao mundo do sonho, da
magia, da imaginação em geral.
Pertence ao autor da narrativa estabelecer o clima das relações causais e depois
ser fiel ao mesmo.
A ficção científica também possui a sua lógica e é fiel a ela. O irreal se torna
verossímil, quando explorado em função a prováveis técnicas futuras e levando em
conta leis ainda não bem conhecidas da natureza.
O que se oferece a respeito da verossimilhança pode adquirir feições complexas.
Assume formas como as do realismo mágico e do realismo onírico, do drama e da
comédia.

A verossimilhança do realismo mágico se estabelece, por exemplo, quando um


dos personagens entra num pacto com o diabo.
Precisa o autor criar previamente no leitor este clima de realismo mágico. A
seguir, normalmente se desenvolve o enredo, sem que surja a impressão de falta de
verossimilhança de ação, ao introduzir-se o pacto.
Neste sentido, analise-se o romance Grande Sertão, de Guimarães Rosa, em que
o jagunço Riobaldo fez um pacto desta natureza.

O onírico, estabelecido como clima, de um enredo, pode criar sucessões de


cenas, ora oníricas, ora reais. Na alteração, a verosimilhança igualmente se altera,
estabelecendo-se de modo diferente nos dois climas do mesmo enredo. Foi o
expediente utilizado em nosso "Blumenita".
729. O enredo é dramático. Quando o desenvolvimento objetivo da ação, no
curso do seu enredo, entra em dissonância sem solução com o natural
desenvolvimento dos fatos, institui-se a situação denominada dramática.
Tomado como assunto, o dramático é um gênero específico. Sua especificidade
temática consiste em apresentar a ação que se desenrola com um momento em auge,
mas que depois declina e tem um desfecho anulante com impacto sobre a emoção.
Os enredos não dramáticos tendem a mostrar um final de solução. O contrário
repugnaria à logicidade do espírito. Em tendo a dissonância uma resolução súbita,
alivia a tensão do espírito, que então obtém viva sensação de alívio e agrado.
Ainda que do ponto de vista artístico a dramaticidade não necessite alcançar
uma solução, porque a arte é apenas teorética (expressão de tema), ela precisa contudo
visar a resolução, para atingir a esteticidade geral.
A dramaticidade se consegue sugerir pela dissonância chocante com o ritmo
natural das coisas. Na música isto se faz pela desafinação, que subitamente encontra
resolução. Na escultura pelas expressões fora do natural. Na linguagem por uma
enfaticidade que não obedece ao encadeamento espontâneo das enunciações.

730. Divisão do drama em atos. Usualmente o drama, representado em cena de


teatro, se divide em atos, distribuindo mais nitidamente as partes.
É possível que as razões valham para o dramático literário. Em si mesmo, o
drama é tema; sob este ponto de vista não importa que seja em forma de teatro, ou de
letras, ou de música.
Sêneca, da antiguidade romana, escreveu tragédias em cinco atos. Conservaram
o número de cinco atos os primeiros grandes dramaturgos franceses e alemães.
Criaram por vezes em três atos, espanhóis e portugueses.
O escritor alemão Gustav Freytag, no início do século 19, defendeu a teoria de
que a divisão em cinco atos se contém na própria estrutura do enredo dramático:
- exposição, intensificação, auge, declínio, desfecho.

Desafiando fórmulas, apareceram os que escreveram dramas em duas peças.


Os neo-românticos criaram até peça única.
É claro, que o drama, depois de alterado o seu desenvolvimento interno, já não
precisa ter o mesmo número de partes necessariamente.
A divisão em cinco partes mostra certamente o tipo mais frequente de ação
dramática.

IV- Classificação das narrativas de ficção.


4515y731.

732. Divisão das ficções literárias pelo tema e modo de tratá-lo.


Com dois critérios - tema e modo de tratá-lo - classificam-se as narrativas de ficção.
O mesmo acontecerá na divisão das diferentes modalidades poéticas.
Do ponto de vista meramente temático, o enredo da ação poderá pôr em
andamento um drama, uma intriga, uma fantasia, uma situação social, política,
sentimental.
Poderá ainda entrelaçar os enredos de várias ações; predominará uma das ações,
com vistas à coesão e unidade geral.
Não se trata apenas de dividir o romance em - de costumes, - de intriga, -
sentimental, - psicológico, etc. Em se tratando de ação, o mesmo tema poderá ocorrer
por igual razão na novela, no conto, na anedota, no apólogo, na fábula.

Pela maneira de tratar a ação, diversifica-se o enredo, permitindo fazer-se à


maneira de romance,de novela, de conto, de anedota, de fábula, de apólogo.
Ainda que todas estas modalidades se ocupem com o enredo, umas a
circunstanciam mais, outras menos, umas enfatizam, outras não, e assim, por diante.
As diferenciações acabam por distinguir gêneros literários mui distantes.

733. Mesmo em se tratando de expressão ficcional, ela não pode fugir de tratar
os objetos a partir do conteúdo. Dizemos então que a ficção contém uma idéia, um fim,
uma tendência ideológica, uma lição moral, um objetivo social, uma preocupação
didática e pedagógica.
O conteúdo poderá ser, em termos concretos um drama, uma situação, um
problema social, conforme já se indicou. A partir deste conteúdo concreto, a narrativa
se desenvolve para avaliações como as fazem a ciência e a filosofia, explorando,como
pouco antes dizíamos, uma idéia, um fim, uma lição moral, uma tendência ideológica,
um objetivo social etc.

Mas precisa este desenvolvimento de um tema a partir da mesma ação, como


que fazendo dela brotar as idéias. Não pode ficar apenas aposta ao enredo a maneira
de um recado ao pé da página, como se grava ao pé da estátua o nome do herói
esculpido.
A perfeita unidade pede que os temas dos diálogos estejam em função da mesma
ação, suplementando-a, portanto. Não se destina o diálogo para fazer meros
acrescentamentos mecânicos. Quer explicando, quer reforçando, quer ajudando a criar
a atmosfera da ação, o diálogo se integra na mesma ação, sem lhe ser extrínseco. O
orador só fará gestos correspondentes ao que diz, nenhum gesto independente do que
diz.

734. Muitas são expedientes para revelar as "idéias" que acompanham a ação. A
mais intelectual é a do contexto. Uma vez expressa a ação, o leitor simplesmente a
identifica.
Semelhante é a modalidade do entinema, em que o apreciador é encaminhado a
um silogismo, mediante premissa oculta, fácil de supor através do contexto. O enredo
lhe dá a premissa indicadora dos fatos; ele mesmo apõe a premissa geral e tira a
conclusão. Assim também, após a ação, o leitor tira a conclusão.

Há autores como Goethe e outros do século 19, que apuseram explicações aos
enredos que criaram, atribuindo-lhes idéias. Mas, nem sempre parece que a ação é
inspirada pelo que disseram por aposição.
E então, ou criaram obra falsa, que efetivamente não expressa o que
pretenderam, ou enganaram o leitor com uma falsa interpretação.
A obra de arte sempre é algo a expressar objetivamente; dela mesma deve brotar
a acusação do tema: ao apreciador cabe apenas interpretar, conscientizando-se do que
objetivamente se encontra expresso na obra. Não tem sentido esculpir uma estátua
humana e depois afirmar que é uma ponte. E assim também a narrativa há de
objetivamente expressar a idéia e dar fundamento a uma interpretação admissível.

O contexto do autor é válido, desde que efetivamente caiba dentro de uma área
oscilante que toda obra admite.
Sabemos que a semelhança entre a obra e o tema admite graus; por isso, a
mesma obra permite várias interpretações, portanto pode referir-se de a qualquer um
dos graus. Dentro desta linha de semelhança se admite uma fixação de sentido que
cabe ao contexto determinar, inclusive das intenções manifestadas ao lado pelo autor.

735. O modo de tratar o tema da narrativa, - a ação, - caracteriza profundamente


os gêneros literários de ficção narrativa, como bem mostram as distinções que
separam romance, novela, conto, anedota, fábula, apólogo. Cada qual dos gêneros
mencionados pode tratar de todos as classes de objeto; mas todos divergem pela
maneira como tratam o tema.
O tratamento diferenciado poderá dar-se no mesmo movimento da ação, ora
mais veloz, ora mais demorado e analítico.
Um conto é rápido.
Uma novela é mais dispersiva nos movimentos.
Um romance é mais demorado e complexo nas análises.

V. O Romance.
4515y736.

737. O romance tece um enredo... Até aqui se de enquadra no gênero das


narrativas, em tal condição se de ocupa com a ação que se de desenrola do ponto de
partida ao de chegada.
Ainda como nos enredos, não importa no romance a realidade dos elementos em
marcha, porém a ação em si mesma. Sob este ponto de vista o romance está no gênero
da ficção.
Particularidades diversas o diferenciam, como espécie, dos demais enredos de
ficção.

A especificidade do romance está na maneira de tratar o tema (vd 739). De


outra parte, acomoda-se de a expressão ao tema. Por isso, desde logo convém anotar a
diversificação do romance, pelo tema tratado.
738. Pelo tema o romance se distingue em mais de dezena de modalidades:

1) Romance de aventuras;
2) Romance de ação (de Guimarães Rosa, Grande Sertão);
3) Romance histórico (nosso Desafio aos olhos azuis);
4) Romance de personagem (de Machado de Assis, Helena, Yayá Garcia,
Memórias póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Essaú e Jacó,
Memórias de Aires);
5) Romance de época (de Manoel Antônio Antonino de Almeida Memórias de
um sargento de milícias; os romances de Marques Rabelo);
6) Romance de sociedade ( de Aluísio de Azevedo, O Cortiço; de Viana Moog,
O rio que imita o Reno);
7) Romance de tese;
8)Romance de costumes;
9) Romance psicológico;
10) Romance policial;
11) Romance regionalista.

739. No tratamento do enredo, ocupa-se o romance com situações particulares e


tende a fechar na conclusão.
Por causa das situações particulares, o romance caminha com mais lentidão que
a novela e o conto.
A insistência na ação, por parte da novela, imprime a esta uma índole épica, ao
passo que o romance, ocupado nos pormenores analíticos das situações particulares, é
mais intelectual, filosófico, psicológico, mais sociológico.

Num romance sobre a colonização alemã no Sul do Brasil, principiamos o


enredo na Alemanha, analisando porque emigravam aqueles homens.
Ao chegarem ao Sul do Brasil vieram a saber que lhes fora dada a missão
geopolítica de dominar a região montanhosa do Grande Florianópolis.

Preocupa-se o romance com os antecedentes, isto quer dizer que as causas que
operam efeitos de enredo são apreendidas mais profundamente. Ainda ocorre, com
isso, que o romance não parte de uma situação oferecida por um movimento ilimitado;
a novela toma esta ação e simplesmente continua até um novo desfecho.
A multiplicidade da ação e progressão, relativamente autônoma dos personagens
do romance, resulta em uma aparente despreocupação com a unidade de tempo dos
episódios do primeiro plano; a ocupação com a profundidade das causas, como que
deixa os personagens parados, até que, após entendidas as causas, tenham licença de
desenvolver as ações que o novo trecho do romance vai narrar.
"Não admira que o autor, tendo concebido claramente o tema geral, comece o
romance sem saber o prosseguimento da história, sem ter uma fábula.
Assim fez, por exemplo, Thackeray com a sua obra-prima Vanity Pair. Deitou
mãos ao trabalho sem ter um caminho traçado, e sem se preocupar onde iria por fim
parar.
Theodor Fontane escolheu como fábula, para a sua obra Frau Jenny Treibel, uma
simples história de amor, que em verdade só põe em movimento algumas figuras
acessórias, mas lhe tornou possível realizar o seu verdadeiro propósito, a descrição da
vida da sociedade em Berlim no último quartel do século 19.
Eça de Queirós foi mais cuidadoso na elaboração das fábulas. A compreensão da
fábula contribui para tornar uma obra transparente e apreensível. Além disso, torna-se
de importante para os problemas da criação poética, da técnica literária, assim como,
finalmente dos gêneros literários" (W. Kayser, Análise e int. da O. literária. C. 2, 4 p.
115, ed. port.).
Seria, pois, falsear o juízo sobre um romance, julgá-lo à maneira de novela. E
assim também seria julgar deficientemente a novela apreciá-la como se fosse romance.

740. A diferenciação dos personagens em um romance exerce a função de


acumular mais conteúdo dramático. Por isso, frente a situações idênticas, sofrendo por
exemplo dificuldades idênticas, estes personagens não têm as mesmas reações, não
suscitam as mesmas perguntas.
Também a sensibilidade moral dos indivíduos há de mover-se em perspectivas
diferenciadas.
Consegue-se iferenciar entre si os personagens e os seus enredos, não insistindo
nas semelhanças, quando estas efetivamente ocorrem.
Entre indivíduos idênticos não há razão para conflitos. Com eles não
se constroem enredos dramáticos. Até mesmo os casamentos se encaminham
espontaneamente. Uma anormalidade se requer para que o romance tenha começo.

741. A evolução progressiva do enredo é essencial à narrativa do romance. Não


deve ser esquecida esta evolução apesar da morosidade que o romance admite em
virtude de seu objetivo analítico.
Sobretudo cabe haver evolução no assunto que especifica a narração, de acordo
com a modalidade de romance escolhido, - "ação", "personagem", "época",
"sociedade", "intriga", "histórico", "regionalista", etc.

Um romance que tenha, por exemplo, como objetivo explorar uma situação
psicológica, isto é, de sentimentos, cuidará de dar uma evolução à situação efetiva de
cada um dos personagens.
Os conflitos de alma ou os sentimentos de júbilo não podem manter-se até o
final do enredo, como se encontravam no início; personagens iguais a si próprios no
começo e no final do livro não fizeram efetivamente um enredo, do ponto de vista
sentimental, emotivo, vivencial. Neste sentido é apreciável a progressão em "Esaú e
Jacó", de Machado de Assis.
Tensão e resolução, em um romance psicológico, devem marcar instantes
sucessivos e diversificados na índole da ação e de sua modalidade. A tensão dramática
deve ser plena de força e crispação, modificando a linguagem, que se torna compacta
e enérgica, veloz na enunciação de conteúdos inesperados. A resolução é marcada
pelo alargamento do ritmo diverso da narrativa.

742. O romance de idéias desenvolveu-se de na Alemanha. No Brasil começou


a ter relevo em 1902, com o Canaan, de Graça Aranha (1868-1931), com tema social,
relacionado com a colonização alemã no Estado do Espírito Santo.
Na estruturação do romance de idéias se incorre facilmente no defeito, como
parece haver incorrido Graça Aranha, de separar entre si a ação e a manifestação da
idéia. O autor interrompeu subitamente o enredo para expor suas idéias como
meditação em separado, retomando a seguir a ação em suspenso por instantes. A ação
deve encaminhar por si só a atenção para tais idéias.
Cita-se de Graça Aranha o seguinte texto em que o personagem Milkau é
interrompido por uma observação: "Milkau caiu em longa cisma, funda e
consoladora: Quem não esteve em repouso absoluto não viveu em si mesmo". Esta
última frase é interrupção evidente para expressar uma interpretação do autor (Cf.
Canaan, no começo).
Quando o mesmo autor participa no enredo, abre-se de um novo recurso para a
introdução de idéias. Já então o autor é também personagem da ação a que as idéias
se ligam.

VI - Novela.
4515y743.

744. A novela apresenta o instante imaginoso da ação dentro de um ar de


insistente novidade, seguindo a direção do trágico. Dali vem aliás seu nome (novella =
novidade); além disto, as novidades escolhidas podem ser as mais trágicas,
despertando o interesse do leitor pelo tema e pelo desfecho último.
Por índole, a novela não precisa de verossimilhança. Ela junta episódios em
torno de um tema ou ao arredor de circunstâncias, sem estudo prévio de situações.
Dali decorre também o caráter indefinido do enredo da novela, que pode encerrar
facilmente, como também pode ser retomado.
A estrutura da novela realiza-se de num espaço de tempo necessariamente mais
curto que o romance. A insistente novidade, não admite longo percurso. Incidindo na
ação enfaticamente, não se faz a novela estudo prévio de situações.
Consequentemente,- como se adiantou, - a novela se pode definir, exteriormente,
como sendo menor que o romance; inversamente, o romance se define por ser maior
que a novela. Já se vê que a novela e o romance não se definem por causa do
tamanho menor ou maior, mas pela diversidade dos conteúdos, sobretudo do enfoque
da ação, que, eventualmente, redundam em serem menores e maiores.

Pelo objetivo definitivo a que pretende chegar como mensagem, a novela inspira
compaixão por certas situações pessoais, terror por outras; tudo isto, aliás, ocorre na
tragédia.
Com a televisão a novela teve um notável desenvolvimento, inaugurando uma
fase de grande influencia na transformação dos modos de pensar. O choque constante
de modos conservadores de pensar com as novas conceituações (o choque das
gerações) tem encontrado na novela seu desaguadouro com efeito benéfico de
desenvolver o espírito crítico até das espectadoras e espectadores mais simples.
746. O conto. Na história da literatura o conto é mais antigo que o romance e a
novela. Existe mesmo o conto popular, que se transmite oralmente.
Como forma literária ingressou na Europa, no século 14, sendo que na Espanha,
pelos Árabes, na Itália com o humanista Boccaccio.

O conto se desenvolve como narrativa dramática breve. Semelhante qualificação


decorre de uma ação simples e única, com um desenrolar de poucas circunstâncias.
Por conseguinte, não se alonga na lentidão; nem se enreda na multiplicidade da ação e
confluência de muitos personagens.
Dentre de um certo espaço, efetivamente não se poderia criar um desenrolar de
ação e devido desfecho, senão limitando-se a uma ação única e de poucos
personagens. Por isso, as qualidades do conto decorrem diretamente de sua ação,
devendo pois marcar-se pela rapidez e poucas circunstâncias. Não discute precedentes,
exatamente por causa da brevidade; situa-se diretamente numa situação dada e
conhecida pelo leitor.
Por índole, o conto se mantém num clima de verossimilhança, ainda que seja
fantasia. A verossimilhança é própria da ação curta; não há mistérios, nem situações
artificiais de longo curso.
O conto é apreciado sobretudo por realistas e naturalistas.

747. A fábula opera com ação animal e mesmo com plantas. A ação obedece ao
esquema puro do enredo, sem introdução de particularidades estéticas auxiliares e
nem estudo de personagens, como no romance. Por isso, a fábula tem um
desenvolvimento rápido e leve.
O desfecho da fábula visa geralmente uma lição moral. Consequentemente usa
ter feição didática. É de fácil aceitação das crianças.

Por causa do seu caráter alegórico, a fábula dispõe de recursos de


associatividade e pode mesmo alcançar a forma literária da poesia Com a metrificação,
ainda se de realça, por sugestão, a índole enfática que lhe é peculiar.
Todavia, apesar da metrificação e dos elementos evocativos, a essência da
fábula visa diretamente a ação e seu respectivo desfecho. Portanto, a fábula é prosa e
não poesia, ainda que possa assumir o caráter de prosa poética, por causa das
evocações que pode adicionalmente acrescer ao texto.
Quando a fábula assume em primeiro plano a mensagem da evocação, a referida
já não passa senão de pretexto para criar a poesia. Efetivamente, é o que pretendem
alguns poetas quando narram enredos de fábula.

748. O apólogo, semelhantemente à fábula, é o gênero literário que aproveita


objetos inanimados, postos eventualmente em ação, como por exemplo duas panelas
rio abaixo. Enfim, esculpida na mesma ação, como é próprio da ficção narrativa, está
contida a mensagem definitiva.
No apólogo esta mensagem geralmente é moral.

749. A anedota aproveita-se de particularidades interessantes e humorísticas de


pessoas e acontecimentos históricos. No tema definitivo e final visa uma crítica,
geralmente social.
É comum à anedota utilizar como instrumento de narração o jogo de palavras de
sentido duplo, para obter dali o efeito resolutivo.

750. Piada e dizeres anônimos. Com pouco reflexo na literatura séria, a piada e
os dizeres anônimos têm grande presença na literatura oral popular. Situam-se a nivel
folclórico, porque não costuma ultrapassar o nível da sabedoria do vulgo.
A piada é semelhante à anedota. Com frequência alude a temas eróticos,
fazendo-se uma diversão agradável aos adultos.
Peculiar à literatura oral, a anedota e piada se veiculam também no teatro e
programas de televisão, ali havendo ganho um público maior.

Dizeres anônimos, de conteúdo picante mas alegre, são manifestações de


encontradas em locais frequentados pelo público e vistos também nos largos
parachoques de caminhão. De inspiração ligeira, os dizeres anônimos não raro são de
efeito brilhante.

ART. 4-O. GÊNEROS RACIOCINATIVOS DA PROSA.

4515y751.

752.Didaticamente a que tratar primeirante dos gêneros raciocinativos em geral


(vd 753), e logo a seguir de suas espécies, dentre as quais são bem conhecidos
discurso, dissertação, lição, ensaio, tratado, tese, pesquisa (vd 758).

§ 1-o. Do gênero raciocinativo em geral.


4515y753.

754. Os gêneros de objetos sobre os quais se raciocina se refletem sobre a


expressão raciocinativa, criando os correspondentes gêneros de expressão, quer
mentais, quer artísticos, onde por sua vez ocorrem os gêneros literários raciocinativos,
e até mesmo os gêneros em outras artes, ainda que muito vagamente.
Considerando o caráter do raciocínio, funcionando pela coordenação adequada
de juízos, também os gêneros raciocinativos conservam este caráter, de acordo com o
princípio de que o tema influencia a expressão.
Em consequência, os gêneros literários raciocinativos se constituem de frases,
do mesmo modo que os gêneros judicativos. Apenas por meio de conjunções,
adequadamente colocadas, se percebe que as frases se dispõem como partes de um
esquema raciocinativo maior.

755. Duas são as espécies de raciocínio (vd 618), devendo-se a distinção à maneira
como operam. A operação de uma é de síntese, e se denomina dedução.A operação de
outra é de análise, e se chama indução.
Apesar da importância desta distinção, entre dedutivo e indutivo, ela não usa
refletir-se na expressão raciocinativa para caracterizar dois gêneros distintos. É que no
tratamento do mesmo tema costuma haver apelo a ambas as formas de raciocínio.
Não obstante, uma e outra forma de raciocínio comparecem obedecendo aos
seus procedimentos específicos.
No raciocínio dedutivo as frases são colocadas como premissas conduzindo à
conclusão.
No raciocíonio indutivo as frases se referem dados que possam comprovar uma
hipótese.

756. A técnica literária dos raciocínios dedutivos pode adotar a discussão direta do
antecedente, sem predizer a conclusão a que deseja chegar.
Diferente é o caminho inverso da indução, porque estabelece primeiramente a
conclusão como hipótese a ser comprovada.

A prova do antecedente da dedução se faz ordenadamente, separando as


premissas claramente. Considerando que uma das premissas se diz a menor, porque
contém o sujeito da conclusão, e que a outra se diz a premissa menor, porque contém
o predicado da conclusão, - diz-se consequentemente que, ora se prova a premissa
menor, ora a premissa maior. Finalmente se passa a considerar diretamente a
conclusão, garantindo-a mais claramente como coerente com o antecedente que a
gerou.
Não há como bem argumentar dedutivamente sempre conhecer a estrutura do
silogismo.
A exposição integral dos elementos constitutivos de discurso demonstrativo
importa sempre em alguma redundância, exatamente porque por meio dela se
destacam os elementos estruturais da argumentação em curso.

A técnica literária do raciocínio indutivo é eminentemente descritiva dos dados


coletados. Ela simplesmente reproduz os trâmites da metodologia dos procedimentos
indutivos.

757. As opiniões contrárias, embora antecipadas como um histórico do problema,


se discutem em separado, depois da exposição do argumento. São afastadas como
dificuldades a resolver.
Estabelecida uma tese, implicitamente se afasta a contrária. Deve-se também
explicitar este afastamento da tese contrária, advertindo para este efeito.
As posições contrárias se fundam em alguma premissa, que não coere com a
defendida pela tese já provada. Importa mostrar agora os equívocos destas opiniões
contrárias, advertindo para os pontos exatos em que ocorrem.

§ 2-o. Dos gêneros raciocinativos em espécie.


4515y758.

759. Discurso é um raciocínio didático e estético de linguagem direta, do


discursador ao seu ouvinte, enunciado oralmente a um público, ao qual se argumenta,
com vistas a convencê-lo.
Também quando escrito, o discurso se imagina um público, frente ao qual se
buscam os mesmos objetivos de o convencer mediante argumentação.

Etimologicamente, discurso indica exatamente a cursividade do pensamento


raciocinativo. Os elementos emocionais introduzidos no discurso têm por objetivo
último facilitar a argumentação e mover ao público a se mover para sua aceitação.
Na fase emotiva, o orador quase somente afirma, agitando as massas, que vão
escutar o que desejam seja dito.

760 Historicamente o discurso sempre existiu, mas foi sobretudo a partir dos sábios
gregos, denominados sofistas, que a estrutura do discurso foi examinada e
aperfeiçoada.
Com mais profundidade, Aristóteles examinou em Retórica a índole raciocinativa do
discurso.

761. Dissertação é um desenvolvimento raciocinativo, sem a ênfase do discurso,


porém com aparato mais sério e erudito. Similar é a lição.
É a dissertação também similar à conferência.
O artigo busca falar ao modo da lição, todavia a um público maior, utilizando os
meios de comunicação escrita. Tende a ser maior na revista, menor no jornal.

762. A tese constitui, pelo seu desenvolvimento argumentativo, um discurso,


acentuando o caráter expositivo rigoroso e seguido de defesa.A característica da tese
está portanto no seu rigor lógico.
Destaca-se ainda a tese pelo seu rigor metodológico, e é por isso mesmo tratada
pela metodologia científica.

Associa-se a tese ao projeto de pesquisa.


No seu início a tese apresenta uma detalhada determinação do problema sobre o
qual se cria o projeto de pesquisa.

Isolado em si mesmo, o projeto de pesquisa se desemvolve com vários


momentos operacionais:
A determinação do problema é onde tudo começa. A determinação material do
problema, oferece a este como todo concreto. Desta determinação material, segue para
a determinação formal, apontando para a pesquisa um ponto de vista específico, para
ser conduzido à investigação. Ainda nesta determinação do problema, fixa-se o que já
é conhecido do problema, e o que resta a pesquisar, com vistas a obter na solução do
problema proposto.
Num outro momento mais, metodologicamente se levanta a hipótese mais
provável. Pelo caminho da hipótese mais provável se evita perder tempo em caminhos
menos prováveis.
O projeto de pesquisa demarca ainda como a tese será finalmente apresentada.
Depois de armado o projeto, passa-se à efetivação da pesquisa, como ainda à
efetivação do texto literário, que a apresenta.

764. O tratado se constitui de uma sequência raciocinativa de teses, tendo o caráter


sério destas, ao mesmo tempo as coordenando ao todo maior a que pertencem.
A tendência do tratado é ser didático, ao passo que a tese enfrenta uma solução
dada a problema específico.

765. Ensaio é uma expressão mais livre que tratado, podendo variar muito em
qualidade. Quando se reúnem vários ensaios, o conjunto não obedece ao rigor do
tratado eminentemente sistemático.
Atribui-se ao francês Michel del Montaigne (1533-1592) o sentido atual de
Ensaio. Foi ele mesmo autor dos famosos Essais (1572), em que opina sobre os mais
variados assuntos morais e políticos, com um relativo pessimismo, havendo discutido
mais as premissas e criticado as conclusões dadas como certas, do que se importado
em criar um tratado sistemático.
Tem o ensaio uma função importante na história do saber humano, porque
embora não tenda para a sistematização, oferece eventualmente detalhes, nos quais o
autor pode ter conhecimentos específicos.

CAP. 5-o.

EXPRESSÃO LITERÁRIA EM POESIA. 4515y766.

767. Introdução à poesia. O caráter eminentemente subjetivo das operações


da poesia é um tema difícil de teorizar.

Paralelamente à prosa, admite a ser tratada primeiramente como expressão


literária específica apoiada na associatividade das imagens (presente capítulo), depois
pelos seus variados gêneros (cap. 6-o) (vd 849).
Ocorrendo a associatividade também como recurso do contexto da prosa, este
fato por si só fez antecipa (vd 179) a análise do procidimento que lhe é peculiar.

De acordo com o seu étimo, poesia se formou do grego poiein (= fazer). Neste
sentido é, como qualquer arte, uma obra criada exteriormente.
Mas o nome poesia ficou desde o início limitado à arte literária, e já neste campo
em oposição à prosa. Neste sentido, a poesia se constitui daqueles versos que se
encontram sobre o papel, e que se podem declamar.
Por extensão semântica, também se fala em poesia nas outras artes. Todavia o
nome continua pertencendo sobretudo à arte literária, do mesmo modo como seu
contrário, a prosa.
E, para complicar, importa ainda lembrar que existe a poesia pré-artística,
gerada diretamente pelas coisas, e uma poesia gerada pela expressão artística (vd 776).

Didaticamente, sobre a poesia como expressão literária, apresentam-se ao exame


os seguintes dois títulos:
- natureza e propriedades da poesia (vd 768);
- processos operativos associativos da poesia (vd 789).

ART. 1-o. NATUREZA E PROPRIEDADES DA POESIA.

4515y768.

769 Dado ser difícil determinar a natureza da poesia, não faltaram os que logo
passaram a dizê-la envolta em mistérios. Entretanto não é tanto assim, sendo
efetivamente possível estabelecer uma teorização da poesia. Este esforço já tem
história antiga (vd 778).
Mantém-se a poesia no campo da mente, enquanto opera com os procedimentos
associativos da imaginação, combinados com a expressões lógicas superiores da prosa.

Para a compreensão da natureza da poesia e de seus procedimentos operacionais


se requer o conhecimento de alguns pressupostos, como a memória e a imaginação,
onde se dão os processos associativos.
Verdade é que alguns poetas criam espontaneamente a poesia, sem saberem
determinar como isto acontece. Mas, é preciso dizer que também é possível pensar
espontaneamente, sem de novo dar-se conta do processo.
O bom mesmo é aprender como acontece a poesia, bem ainda como a prosa. Ou
seja, como acontece a associatividade e como o pensar.
§1. Definição essencial da poesia.
4515y770.

771. Essencialmente, poesia é uma expressão em dois tempos, em que o


primeiro é a expressão ordinária em prosa indicadora de um objeto, o qual, em um
segundo tempo, - à maneira de objeto-estímulo, - expressa, por meio da imagem
associada, um outro objeto, o qual fica sendo o objetivo final e principal da expressão.
Nesta definição essencial de poesia se pressupõe o processo associativo das
imagens, as quais estando interligadas no subconsciente, de sorte que a indicação de
umas suscita as outras, - procedimento de que se vale o poeta.
A indicação, por exemplo, da pedra, como estando sentada à beira do regato,
desperta as imagens ligadas a uma pessoa que está assentada.

Distinguem-se na expressão poética dois significados, o primeiro, ao qual


se chama "denotativo" (ou objeto-estímulo), o segundo "conotativo" (ou objeto
estimulado). Sem o primeiro não se consegue chegar ao segundo. Mas este último é o
objetivo principal visado, na poesia.
Definindo-se, pois, a poesia como uma forma de expressão, isto é, como uma
espécie de expressão, não é ela uma espécie temática. Ainda que o tema da poesia se
exerça por imagens, por causa do processo associativo, não se constitui o tema da
imagem a perspectiva da mesma poesia constitutivamente. Eventualmente o tema da
poesia poderá ser o mesmo da prosa; difere somente a forma de expressão. Se
diferença houver, a diferença surge apenas como consequência da diferente
capacidade da expressão prosaica e da poética. E assim outras e outras peculiaridades
comparecem apenas como propriedades da poesia e não como sua definição essencial.
A poesia é em um segundo instante sempre conotativo, a palavra indica um
objeto-estímulo (instante primeiro, denotativo) o qual, por sua vez, fez surgir novas
imagens no interior da consciência. Não há poesia quando não ocorrem tais
associações imaginativas.
A prosa é linguagem não-conotativa, mas conectiva. Apresenta os objetos
segundo as conexões atingidas pela inteligência, que é lógica. Um conceito pode
conectar-se a maneira de predicação, formando um juízo; esta conexão é colocada sob
a área da prosa. Um juízo aliado a outro, poderá estabelecer um raciocínio; eis outra
modalidade conectiva do pensamento que se retém na área da prosa.

Na poesia as conexões se processam no âmbito da imaginação e não no da


inteligência, ainda que esta participe da totalidade do processo.
Em virtude da especial maneira conectiva das imagens da fantasia, estas ficam
sendo denominadas por um nome particular - a poesia.
No lugar e no tempo devido que as imagens dos objetos se apresentam, estas
associam um verdadeiro mundo heterocósmico. Um objeto simples que observamos,
ainda que produza diretamente uma só imagem, num segundo tempo se desfralda em
formas sucessivas; se a evocação se intensifica, o objeto já se torna palco e novas
figuras se movimentam. a saudade, que alguns objetos caros despertam, traz logo
consigo outros e outros sentimentos, imagens de pessoas e situações.
Motivo evocado e tema evocado é outra maneira de nos referir ao que
chamamos objeto-estímulo e imagem associada. O motivo evocador exerce um valor
inicial por si só; num segundo tempo atrai imagens e somente sob esta outra
perspectiva se torna evocador.

773. Acontece alguma subjetividade no fenômeno poético. Não obstante, a lei


geral da associatividade é a mesma para todos os indivíduos. Do mesmo modo como
há os mais inteligentes, e os que o são menos, também há os que são mais capazes de
associatividade, e os que o são menos. Igualmente, há os mais eruditos de inteligência,
e há os que possuem mais vivência de memória e imaginação.
Quando se diz Lua... Flor... Mulher... Coração... Amizade... Alegria...
Sofrimento... Estes estímulos tendem a operar do mesmo modo em cada um. Ainda
que variando um tanto, estas variações se explicam como interferências também
previstas pela lei da associatividade, que coordena situações diferentes num mesmo
processo geral.
A objetividade dos processos da poesia se situa especialmente na expressão do
objeto-estímulo. Este, no primeiro instante, é expresso em termos prosaicos. A lua, é
mesmo a lua...até aqui a expressão é inteiramente objetiva. No segundo instante,
quando surgem as imagens associadas, elas poderão vir diferenciadamente em cada
um dos apreciadores da poesia. Só neste plano, a subjetividade ocorre, mas ainda
assim dentro da diversidade das imagens e não do processo associativo em si
mesmo. Para uns, o mesmo objeto-estímulo, como a lua, pode erguer a imagem de
mulher namora à noite, para outros poderá ser a imagem da mãe que vela.
O motivo da diferença está na vivência, que uns tiveram mais forte para um caso
e outros para outro. Mas em ambos os casos tudo ocorreu dentro da mesma lei
associativa de vivência. Portanto, mudada a vivência, necessariamente diverge a coisa
associada. Há pois uma lei que ordena o processo da poesia.

774. Motivos poéticos eminentes. Na linguagem poética são conhecidos certos


objetos particularmente capazes de estimular imagens sendo por isso eleitos de
preferência para a expressão.
Em tal condição de motivo poético eminte está especialmente a "lua", para os
namorados; além de sua imagem primitiva, evoca toda uma situação presente à vida
dos mesmos.
As "estrelas" são motivo para evocações metafísicas, transcendentes, místicas,
religiosas.
As "flores" permitem considerações poéticas femininas e de modo geral evocam
o gracioso.
As "manhãs" e as "tardes" figuram também como fortes motivações poéticas.
Dificilmente haverá tantas motivações quantas há para a imagem do "coração".
Paralelamente se formam as adjetivações e verbos das motivações poéticas.
A eroticidade dispõe também um comportamento muito vasto de conotações
associativas, de que se valem os seres humanos, em sua linguagem cotidiana.
O essencial em tudo isto é que haja segura distinção entre o instrumento
evocador, chamado "motivo poético" e as novas imagens que o motivo desperta. Sem
a dupla presença, não há poesia. Em tais condições a lua astronômica é apenas a
imagem da lua.
De outra parte, a capacidade eminente de certos objetos para a associatividade
não retira aos demais algum poder associativo. A capacidade temática da poesia é
universal (vd 856).

775. Supõe a poesia haver sentidos externos em combinação com os sentidos


internos. Há visão de cor e imagem de cor que lhe sucede;
assim também há audição de som e imagem de som,
percepção de gosto e imagem de gosto,
percepção da forma e imagem da forma,
percepção do odor e imagem do odor,
percepção da pressão pelo tato e imagem desta pressão (inclusive percepção de
calor
e frio, com as respectivas imagens).

Por cima de tudo isso, ou seja, por cima das sensaçes e respectivas imagens
sensíveis, há também os conceitos de cor; de som, de forma, de gosto, de olfato, de
pressão, de calor e frio, etc.

Ainda não é só. Criadas as imagens, importa que sejam guardas no


subconsciente (ou memória) senão a evocação associativa não se torna possível.
Chama-se memória a faculdade que conserva as imagens; a reprodução das
imagens não é senão uma operação da memória, que retém as imagens em dois
estados, o conciente e o inconsciente .
A reprodução das imagens, como operação da memória, obedece a uma lei
peculiar. Nenhuma imagem interior é capaz por si só de acordar outra. O processo do
despertar começa mediante nova sensação externa.
Criada a nova sensação, esta produz imagem interior paralela; dita primeira
imagem interior é que vai despertar associativamente as restantes.

Suponhamos, contudo, que esta lei; não seja rigidamente válida; pelo menos
parece verdade que as imagens interiores, combinadas com as sensações exteriores,
se tornam mais poderosas e rapidamente evocam as demais. A visão de uma corda
pendurada na penumbra de um recinto, pode despertar, além da imagem da corda,
também a viva imagem da cobra. Esta segunda imagem é associativamente
despertada.
Pelo exposto, pode-se integrar a associação das imagens como sendo uma
função de memória e não da imaginação. Pressupõe a imagem. Seria, pois, a memória
um nome amplo, de que a associação seria uma área.

776.Todos somos poetas, alguns são melhores. Há que distinguir entre


capacidade de associar imagens, pela qual uma imagem desperta a outra, e
aintensidade de associação, em virtude da qual a associação obedece a graus e que
podem estar sob o efeito de circunstâncias, como do hábito e da repetição.
O poeta poderá treinar o sistema associativo. Com critérios de seleção criará sua
poesia sob as vistas da inteligência. O produto poético não será trabalho direto da
inteligência, mas terá os efeitos de sua participação selecionadora.

Poeta nascitur... O poeta nasce... Todavia o seu acabamento obedece à educação


dos hábitos da associatividade e ao critério seletivo da inteligência.
Esta expressão, - que já vem dos antigos, - somente é verdadeira no sentido de
que todos somos poetas, porque todos estão dotados dos elementos essenciais à poesia;
todos dispõem de imagens e todos possuem capacidade associativa. O poeta se faz, na
medida que usa os expedientes de que de fato dispõe por nascimento.
Mas somente poucos são dotados de grande capacidade associativa e de
disciplina para desenvolvê-la. Por isso poucos atingem excelente resultados poéticos.

777. O leitor da poesia. Igualmente importa a associatividade para ler a poesia.


O leitor, ao tomar conhecimento do objetivo estímulo oferecido pela poesia,
deixa despertar em si mesmo as imagens correspondentes. E se estiver preparado para
isto, saberá mesmo fazer a crítica.
Considerando que a vivência diverge de um indivíduo para outro, cada um lê a
poesia de algum modo diferente, tal como a música que não ressoa por igual nos
indivíduos. Também para estas diferença deverá preparar-se o leitor da poesia.

778. História do saber sobre a poesia. Já os antigos observam a diferença entre


os processos da poesia e da prosa. Tentando explicar o fenômeno poético,
discordaram entre si.
Platão interpretou a evocação poética à maneira de delírios. Dentro os quatro
que descreveu, o delírio poético é o terceiro.
Sem os recursos da razão, as Musas "transportam a alma para um mundo novo e
lhe inspiram odes de outros poemas, que celebram as façanhas dos antigos e que
servem de ensinamento às gerações" (Fedro 244).
Ali está uma descrição que poderia superficialmente sugerir as estéticas
misticistas modernas, se não estivesse o irracionalismo fora do contexto platônico. A
inspiração platônica não é algo efetivo e emocional, porém instrução infundida pelas
Musas.
E que entenderia Platão por Musas? De qualquer maneira pretendeu isolar o
exercício poético da maneira convencional de pensar. Se não explicou a poesia pela
lei das associações de imagens, chegou perto.
Não é a lei da associatividade estranha ao contexto platônico da reminiscência
das idéias universais reais. Estas, depois de vistas pelas almas, teriam permanecido na
mente como imagens inatas; por "reminiscência" elas voltam à tona... A operação
poética poderia, pois, explicar-se de também por um processo de imagens, qualquer
fosse a sua origem, mesmo por revelações das Musas.

779. A poesia nas diferentes artes. O processo associativo poético é próprio de


todas as artes, ainda que nem todas a utilizam na mesma proporção e do mesmo modo.
A linguagem é a única arte em que se procura diretamente fazer a poesia e com
texto peculiar, o verso. Separadamente, escreve-se poesia, e se escreve prosa.
O mesmo não acpmtece com a música. Ninguém se propõe a criar distintamente
música poética e música prosaica. Mal se pode falar em música didática, a qual seria
algum tanto mais prosa que poesia.
Também não se cria uma chamada pintura poética e outra que fosse pintura
prosaica. Ocorre algo do tipo prosa no desenho industrial e nos desenhos ilustrativos.
E assim outros casos podem levar a uma precária distinção de prosa e poesia nas
artes que não a literária. Há literatos poetas e literatos prosadores; mas não se diz
haver músicos poetas e músicos prosadores. Ainda que se faça poesia e prosa nestas
outras artes, elas conjugam amgas as coisas na mesma obra.

780. A poesia socorre sobretudo a linguagem. Na linguagem o som não dispõe


da poderosa mimese natural em que se apóiam as outras artes. Complementa-se então
a linguagem supletivamente com os recursos da imaginação associativa, para reforçar
a expressão dos equivalentes convencionais. Consegue-o com precisão.
O símbolo literário aponta para o objeto estímulo, a partir do qual associa as
imagens. Enquanto a poesia da pintura é apenas um vago e impreciso halo de luz a
completar as cores, na literatura a expressão poética se personaliza evocando com
poder. Acontece assim que a linguagem em prosa, apesar de variada no plano racional,
porém pouco intuitiva, é amplamente recuperada pelos sucessos da imaginação posta
em associação poética.
A linguagem do poeta estimula certeiramente os sinos que bimbalham saudades,
os coloridos que recordam a infância, os acontecimentos que sugerem sobre o amor,
os sucessos que falam da grandeza da nação, os repuxos luminosos das madrugadas
que nos inspiram com enlevos. Nem mesmo a arte da música é capaz de despertar,
com tanta precisão, o mundo da fantasia para fazer tocar tantos sinos quantos a
linguagem consegue com a exatidão das suas palavras indicadoras dos objetos-
estímulos.

Há, pois, uma convivência pedagógica e didática indiscutível na linguagem


poética. Tanto isto vale para a prosa poética, como para a pura poesia.
Belos pensamentos se esvaem, quando não se apela no momento exato à
associação evocativa, que os realçaria como o dourado da luz do sol engrandece a
beleza das nuvens.
Filósofos eminentes, como Kant, deixaram pensamentos profundos largados ao
campo árido das expressões em palavras, cujo sentido não ultrapassa ao da convenção
prosaica. Mas, em alguns momentos felizes, também os filósofos o conseguiram.
Então suas idéias se converteram em prado florido e de efeitos deslumbrantes, porque
irrigadas com elementos sugestivos. Foi o caso de umas raras expressões felizes de
Kant, por exemplo quando se expressou sobre sua filosofia como um "despertar do
sono dogmático".

781. Poesia pré-artística e poesia artística. Importa distinguir e destacar que há


uma poesia pré-artística, e portanto uma poesia que se exerce sem ser expressão, e
uma poesia propriamente artística, e portanto uma poesia como expressão.
Conforme já adiantamos, é poético aquilo que se faz conhecer por evocação, isto
é, por atração que dada imagem exerce sobre novas imagens a ela associadas. Ora,
isto acontece em torno de qualquer imagem, tanto pelo estimulo daquela imagem
criada pelos objetos conhecidos diretamente pelos sentidos, quanto pelo estímulo
daquela imagem do objeto expresso em obra de arte.
A Lua astronômica excita a imaginação associativa; eis a poesia pré-artística. A
expressão artística da Lua, - seja em pintura, seja em linguagem literária, - novamente
poderá excitar a imaginação associativa, e chegamos então à poesia artística.

782. A poesia no seu instante objetivo. Também na poesia há que distinguir,


como na prosa, entre expressão objetiva e expressão interpretada subjetivamente. É
que na obra sensível, da arte, não ocorre consciência; a obra não sabe de si mesma.
Se a evocação se faz por leis associativas de contiguidade, contraste e
semelhança, a obra apenas terá estas condições objetivamente; ela estará contígua,
contrastante, semelhante com as imagens das coisas a evocar.
O intérprete, ao apreciar dita obra poética, introduzirá a interpretação,
descobrindo primeiramente o objeto-estímulo, o qual, em novo instante, despertará
por associatividade as respectivas imagens.

Na expressão poética, a contiguidade é apenas uma contiguidade objetiva com o


objeto; e assim também o contraste é apenas objetivo; finalmente, a semelhança
também é apenas objetiva. É assim que que a contiguidade, o contraste, a semelhança
se encontram lançadas na matéria que serve de símbolo na linguagem. Portanto, a
poesia definitiva e consciente existe apenas no espírito do intérprete, o qual, ao
interpretar o objeto-estímulo, o fará estimular as imagens, que surgirão por
contiguidade, contraste, vivência.
A simples contemplação das manifestações na natureza desperta a nossa fantasia,
associando imagens; os panoramas são poéticos, as flores nos falam associativamente;
as mulheres excitam a imaginação dos homens, e estes a das mulheres, de sorte a
ocorrerem constantes evocações que tornam poéticos o homem e a mulher.
Mas, as coisas em si mesmas, isto é, os panoramas, as flores, as mulheres e os
homens são poéticos apenas objetivamente. Por causa da contiguidade, contraste e
semelhanças - as leis de associação -, que a mente interpreta, é que tais situações
objetivas despertam as imagens, só então nascendo a poesia consciente.
Uma sequência ordenada de todos os objetos evocativos, com anotação do que
podem evocar, constitui o que se pode denominar um dicionário de poesia (vd 797).

§ 2-o. Propriedades da poesia, especialmente da poesia literária.


4515y783.

784. A poesia é alógica. Suas conexões se dão por simples atração das imagens,
sem que ocorra a necessidade de uma ligação lógica a maneira de verbo ser, o qual diz
se algo é, ou não.
Eventualmente podem ocorrer ambas as ligações entre as imagens, a lógica e a
alógica. Então acontece um duplo motivo de conexão. Duas coisas semelhantes
podem conotar-se por vivência, e ao mesmo tempo relacionar-se precisamente como
semelhança interpretada pela inteligência.

O alogicismo é a regra da poesia. Desde o instante que alguma conexão se faça


por razões lógicas, ali não há por isso poesia. Os porquês e as razões, os motivos e as
causas não valem em poesia, embora sirvam para dispor em ordem as imagens
conotadas. Não depende a poesia de afirmações e de negações, mas sim de conotações.

785. O alogicismo poético no modernismo está acentuado em certas


modalidades do modernismo, qualquer seja a espécie de arte - pintura, escultura,
música, língua.
Evitando a frase, defende-se de uma possível transposição do juízo e do
raciocínio.
A palavra isolada ainda não é poesia, porque transpõe o objeto expresso de
maneira lógica pela idéia. Mas é a palavra o instrumento menos perigoso para a poesia,
porque seu conteúdo se encontra mais perto da pura imagem associativa.
Há pois nos movimentos arracionais do dadaísmo, surrealismo, tachismo,
grafismo, automatismo psíquico e outros apelos ao subconsciente muito de validade,
quando a questão é poesia.

De outra parte há um exagero neste radicalismo, por estabelecer a alogicidade já


no primeiro tempo da expressão poética. Neste primeiro tempo, que é o da
apresentação do objeto estímulo, tal apresentação é essencialmente racional. Pode ser
posto calculadamente, inclusive por computador previamente informado sobre os
procedimentos associativos de cada objeto-estímulo.

786. O humor no campo da alogicidade da poesia. Ocorrendo os processos


associativos dentro de uma certa normalidade, ocorre a possibilidade de uma
interferência inteligente provocando situações desconcertantes,que a arte dos poetas
explora.
Um chapéu feminino sobre a cabeça de uma gata é normalmente evocativo. Mas,
sobre a cabeça de um porco fica desconcertante. O mesmo não acontecerá, se se
colocar sobre a cabeça do porco um chapéu masculino.

787. Ser estética, eis um notável propriedade da poesia. Ainda que a poesia seja
apreciada pelo acréscimo dado à expressão lógica dos objetos, ela ainda agrada tão
fortemente, que a torna tanto mais apreciada.
Em princípio agradam todas as imagens, enquanto informam e pela intensidade
com que informam.
ART. 2-o. PROCESSOS OPERATIVOS DA POESIA.

4515y789.

790. Operações da poesia são os procedimentos através dos quais se cria a


expressão poética.
Importa descobrir um sistema ordenador para o intrincado destes procedimentos.
Tudo começa pela atenção à distinção entre o objeto estímulo (ou conotador) e o
objeto estimulado (ou denotado).
O objeto estímulo é expresso pela prosa, e é por onde participa a inteligência na
poesia.
O objeto estimulado é a região específica da poesia.
Desta sorte, podemos adotar como terminologia, denominando aos primeiros
procedimentos, como sendo de caráter genérico, ou ainda como sendo operações
elementares da poesia; as outras como sendo procedimentos de caráter especifico da
poesia, onde é operada pelos seus processos associativos de vivência, contraste e
semelhança.

§ 1-o. Operações poéticas elementares.


4515y791.

792. A poesia importa em muita inteligência, e não se cria como arte sem ela.
Cabe à inteligência eleger o objeto estímulo para criar a associação das imagens, e a
seguir ainda ordenar estas imagens, de sorte a se tornar uma poesia apreciável. Este
juízo da inteligência, pelo qual seleciona ao objeto estímulo, é portanto parte da
inspiração artística poética.
A participação auxiliar da inteligência na expressão poética se dá em três planos:
- na escolha do objeto estímulo (vd 801);
- na ordenação exterior das evocações (vd 803);
- na compreensão inteligente da própria imagem poética (vd 803).

I - a escolha do objeto-estímulo.
4515y793.
794. É pela escolha do objeto estímulo, - ao qual estão associadas imagens, - que
tudo começa na expressão em poesia. É onde principia o trabalho da inteligência na
construção da expressão poética. Sem a escolha do objeto-estímulo certeiro para o
objetivo a alcançar, não surgem as imagens adequadas pretendidas.

Ao se fazer a escolha do objeto-estímulo, importa preliminarmente distinguir


entre poesia pré-artística e poesia propriamente artística (vd 781).
No caso da linguagem oodespertar associativo das imagens pode resultar
simplesmente como efeito pré-artístico da sonoridade da palavra. Os efeitos musicais
da palavra não participam senão muito eventualmente na formação dos equivalentes
convencionais da expressão. Todavia o aspecto musical da linguagem permite a
criação de uma subtil métrica evocativa. Por exemplo, Balalaika, admite algum
significado no código das convenções, ao mesmo tempo que evoca um significado
qualquer.
A poesia propriamente artística em linguagem não consiste em primeiro lugar
nos arranjos do verso, mas naquilo que eles possam evocar pelos objetos significados.
Expresso uma vez um objeto-estímulo, - seja pela palavra, seja pela frase, seja pelo
discurso, - começa a poesia literária propriamente dita.

Agora, inclusive, O objeto-estímulo expresso admite ser ficcional. Tanto o real,


como o ficcional podem ser expressos, e assim, dois são os campos da poesia, tal
como a prosa, que opera também no real e no ficcional. O mesmo vale para efeito da
criação dos gêneros de poesia, - ficcionais e reais.

795. Objeto-estímulo expresso em três níveis: palavra, frase, discurso. Quer


venha o conhecimento do objeto através da palavra, quer através da frase, quer através
do discurso, em cada caso o objeto poderá ter capacidade para despertar
adicionalmente as associações de imagens .
Em poesia importa algum cuidado no uso da palavra, frase e discurso. É
frequente supor que a poesia se encontra apenas na palavra, a pretexto de que a frase e
o discurso são lógicos. A verdade é que também a palavra é lógica.
O que verdadeiramente importa é que o primeiro tempo da arte expresse um
objeto que vá ser estímulo, não importando se chegamos a este objeto pela via da
palavra, da frase, do discurso. A alogicidade da poesia está no segundo tempo da
expressão. No primeiro tempo a expressão sempre é lógica, e no segundo poderá ser
adicionalmente poética.

Entretanto, em termos dimensionais de clarividência poética, sempre é verdade


que a palavra é menos caracterizadamente lógica, porque ela simplesmente apresenta
o objeto como imagem mental (idéia, conceito), sem afirmar e sem negar, como o faz
o juízo, o qual por isso mesmo é tipicamente mais lógico.
Por sua vez, a frase é menos enfaticamente lógica do que o discurso. Enquanto
na frase o objeto se apresente como algo, ora unido, ora dividido, no discurso o objeto
se mostra alcançado como terminal de efeito formal de um enredo de relações causais.
Segue, pois, que o objeto estímulo das imagens poéticas há de ser tomado de
preferência ao significado das palavras, porque se revela mais facilmente evocativo,
que na frase. Por sua vez se há de preferir a frase ao discurso. Consequentemente no
texto poético há mais função nas palavras, que nas proposições, mais nas proposições
do que nos raciocínios.
Cabe, entretanto, dizer que num grande complexo poemático, como nos poemas
épicos, a operação poética trabalha com todos os recursos, inclusive do discurso, pelo
que se destaca O valor da proeza que se enaltece.

796. Para escolher o objeto-estímulo das evocações importa não somente conceituá-
lo, como se acabou de o fazer, mas ainda conhecer especificamente a que imagens se
liga. Que associações nos traz cada um dos objetos que as palavras nos indicam?

A experiência é uma determinante principal do conhecimento destas relações


associativas. É mesmo o que o poeta tende a fixar após cada primeira experiência. a
partir da experiência se forma um dicionário de objetos-estímulos (vd 797).
Especulativamente, contudo, as relações associativas são racionalizadas pelo
estabelecimento das leis psicológicas da associatividade.
Neste sentido pode-se desenvolver um exame especial sobre os processos
associativos, ao mesmo tempo que sobre suas operações. Com estes conhecimentos, a
escolha do objeto-estímulo se torna mais assegurada.

797. Dicionário de poesia. Um dicionário de poesia é um conjunto,


alfabeticamente ordenado, de nomes de objetos, cuja presença resulta em evocação; a
presença dos objetos, na arte, é feita por expressão, quer em palavras, quer em cores,
quer em formas, quer em sons musicais.
O que verdadeiramente importa na poesia é o motivo evocador, acompanhado da
respectiva evocação. O verbete descreverá primeiramente o objeto estímulo, definindo
e descrevendo, por exemplo, a lua, o sol, a flor, o sexo, etc...
A seguir indicará as evocações específicas de que é capaz um dito objeto. Uma
ordem poderá ocorrer, de sorte a obedecer a um arrolamento primeiramente das
evocações por vivência; depois as por semelhança, finalmente as por contraste.
É possível determinar outras maneiras de ordenar as evocações; e ainda
apresentá-las com exemplos. O que verdadeiramente importa é a sistemática das
evocações, a fim de que o dicionário ofereça operabilidade.

Em princípio, o dicionário poético pode ser adatado para as letras, para a pintura,
para a música, para as formas da escultura e da arquitetura.
Na arte da linguagem, o dicionário da poesia assume a ordem alfabética das
palavras estímulo. Estas indicam mui enfaticamente os objetivos, de sorte que quase
coincidem com os objetos simplesmente.
Mais difícil será um dicionário com vista às outras artes.

798. O dicionário de poesia oferece com particular complexidade os elementos


concretistas (vd 323). Várias artes unidas, reforçando mutuamente sia capacidade de
expressão, podem por diferentes alianças exercer a associatividade.
Então a linguagem, que é símbolo mediante equivalentes convencionais sonoros,
aproveita a sonoridade musical (inclusive da rima e do movimento dos acentos), a cor
das letras, o espaço do texto literário.

Os concretismos poderão ser arrolados, segundo a espécie. Para a poesia literária,


se de organizam dicionários de rimas. Também as montagens, que se tomam às
formas plásticas, admitem uma enunciação em dicionário.
Pelo exposto, o dicionário de poesia, essencialmente, arrola os objetos estímulos.
Acidentalmente, ainda, arrola, para a poesia de cada arte, os respectivos elementos
concretistas, através dos quais se alia às outras.

II - Ordenação exterior das evocações.


4515y799.

800. O segundo trabalho da inteligência na formação adequada da poesia é


aordenação exterior das evocações.
A poesia não é um vácuo de inteligência. Só a inteligência é capaz de
compreender as relações acontecidas entre as imagens associativamente adquiridas.
Também só a inteligência é capaz de ordenar as evocações, para este fim
utilizando técnicas, desde a mais simples, até as mais complexas (830).

801. Técnicas de ordenamento da poesia. Ao expressar artisticamente o objeto-


estímulo, a inteligência não se de limita a provocar o relâmpago das imagens
estimuladas. Consegue ordenar o resultado das evocações, coletando-as em uma
adequação apreciável, como a mão hábil colhe as flores surgidas naturalmente e as
organiza em corbelha elegante.

A simples linearidade das imagens - surgindo uma após outra, - já é um começo


de ordenação exterior. Este linearismo cresce na expressão literária das palavras,
porque fluem uma após outra as palavras. Com a escrita cresce ainda mais o
linearismo.

Outras e outras técnicas são utilizadas pelos poetas, dispondo de diferentes


maneiras a linearidade do texto.
Uma palavra repetida expõe segunda vez a mesma imagem.
Também uma nova frase pode estimular uma conotação, advertindo para um
atenção maior sobre a mesma.
Finalmente, ainda, um raciocínio consegue estabelecer novos objetos, os quais
uma vez mais passam a provocar conotações. O poeta religioso insiste em objetos
resultaram de procedimentos eminentemente raciocinativos, como por exemplo, o de
Deus.
O poeta inteligente e organizado ordena suas evocações, tal como o bom
jardineiro cultiva suas flores. Basta pouca inteligência para ser poeta. Mas é a muita
inteligência que o faz ser grande.
A evocação associativa e o pensamento lógico poderão andar juntos, sem
se oporem diretamente. Se o pensamento presta serviço à evocação, embora apenas a
amparando e ordenando, ganha a poesia.
Nas grandes composições poética a presença lógica do pensamento se mostra até
com ênfase. É bem o caso da Divina comédia de Dante.

802. As medidas da presença do pensamento lógico no texto poético admitem


sistematizações, que vão desde a presença mínima até a máxima das operações
mentais.

a) A presença mínima ocorre quando o pensamento se apaga praticamente no


inconsciente. A este plano pretendem chegar os surrealistas. Para consegui-lo, eles
têm apelado até à escrita automática e ao sonho.
Cada qual está no direito de praticar a sua louca poesia, mas não diga, que
somente aquilo é a poesia.
Cresce a presença do pensamento no texto poético, quando surge o conceito
traduzido em palavras. A par com as imagens sensíveis andam os conceitos. Até aqui
se evita a frase equivalente a juízos completos (sujeito + predicado), bem como o
raciocínio do discurso, porque intensificam a presença da razão.
A fórmula utilizada por alguns modernistas se manifestou em expressões como
Menina-amanhã.. Cidade-promessa...

b) Já é notória a presença do pensamento na poesia, quando o juízo se apresenta


com a normal formulação do juízo logicamente perfeito e da respectiva frase completa,
marcados pelo sujeito do qual se afirma o predicado.
Qualquer experiência é acusada por um juízo sintético, em que se afirma queisto
(sujeito) é aquilo (predicado).

Importa cautela contra a presença do juízo lógico no texto da poesia. É que


também o conteúdo afirmado pelo juízo poderá ser cativante só por ele mesmo,
quando na verdade a ação da narrativa deve ser apreciada como geradora de
associatividade. O leitor, sobretudo por ocasião da primeira leitura, poderá ficar
atraído pela curiosidade da lógica da ação.
Se este apreciador da ação lógica procura efetivamente a evocação poética,
tende a retomar a leitura. Não é hábito reler contos e novelas, ao passo que poesias
mais facilmente são relidas, em virtude da evocação sempre crescente.

c) Finalmente, O raciocínio, também está presente na poesia, sobretudo a de


grande texto, como a dos poemas épicos. Estes seriam inalcançáveis, se não fosse a
razão, importante colaboradora dos seus criadores.

III - A compreensão inteligente das imagens poéticas.


4515y803.
804. Muito importa, porque sem ela a mensagem da poesia não é percebida,
como o perfume não é alcançado pelas pessoas insensíveis. A sensação se completa
pela compreensão da inteligência; enquanto os olhos vêem a cor, a inteligência ao
mesmo tempo a entende como cor. A natureza é uma visão bela para todos os animais,
todavia mais bela se apresenta aos olhos humanos combinados com a razão.

805. A poesia pré-artística é mais depressa entendida, porque ao mesmo tempo


se dá a percepção sensível da imagem e a intelecção da mesma.
A poesia propriamente artística depende de um objeto estímulo, o qual é
primeiramente expresso. Depois de entendida a expressão, aquele objeto passa ao
domínio do intérprete, e só então passará a despertar imagens.
O objeto expresso poderá ser real, como também ficcional (vd). Mais uma vez,
se notará uma presença da inteligência, porque geralmente no objeto real é mais fácil
atingir a conotação do que no objeto ficcional.
Os mitos clássicos, tão citados pela linguagem dos poetas, importam em
conhecimentos aditivos consideráveis, em função dos quais os objetos ficcionais vão
finalmente despertar a evocação.
Portanto, embora as imagens sensíveis sejam associativas apenas no plano
sensível, - razão porque se comportam de maneira alógica, - são apreendidas
plenamente tão só através da inteligência. Se de uma parte não há poesia sem imagens
sensíveis, de outra elas não atingem a condição de expressão poética sem a
participação da inteligência.

§ 2-o. Operações especificamente associativas da poesia.


4515y807.

808. As operações da poesia, a nível de faculdades sensíveis, se dão em número


de três:
- por vivência (vd 811),
- por semelhança (vd 818),
- por contraste (vd 828).

809. Estas associações de imagens se exercem a nível das faculdades sensíveis


da imaginação e da memória.
Elas não se confundem com as operações mentais a nível de verbo ser como são
as do conceito, juízo e raciocínio.
Vivência, contraste e semelhança constituem procedimentos através dos quais as
imagens se associam.
Trata-se de procedimentos mais ou menos fundamentais, aos quais os demais se
reduzem.
É possível mesmo reduzir os três a um totalmente fundamental, - a vivência, - de
que contraste e semelhança não passariam de variantes mais representativas.

810. As diferentes colocações sobre os processos associativos denotam que há


uma história dos mesmos.
Aristóteles (384-322 a.C.) trata expressamente da memória e dos seus processos
associativos, a semelhança, a contrariedade, a contiguidade (Da memória, c. 3. 451b
18-20).
Este passo foi retomado por Tomás de Aquino ( In de memoria et de
reminiscentia, lição 5, n. 364, ed. Pirotta). Mas, não fizeram Aristóteles e Tomás de
Aquino a aplicação expressa, destas suas doutrinas sobre a associação de imagens, à
interpretação da poesia.
Os empiristas modernos, entre os quais se mencionam Locke e Hume,
introduziram uma interpretação associacionista para o pensamento.

I - Evocação por vivência.


4515y811.

812. O recurso associativo mais comum em poesia é o da vivência, no sentido de


mera contiguidade.
Quando dois objetos foram vividos juntos, ambos se fixaram na mesma imagem
conservada na memória, ou seja no subconsciente.
Numa outra oportunidade, basta ver ou mencionar um destes objetos, para que a
imagem única dos antigos dois objetos venha à tona.
Eis como acontece a poesia como evocação por vivência.

As semelhanças e os contrastes constituem fatores bastante objetivos nas


vivências. E por isso, embora dependentes da vivência, ocorrem mais ou menos por
igual em todos os indivíduos.
Certas vivências são todavia mais subjetivas, particularmente as afetivas. Há o
poeta, cuja vida atravessou circunstâncias particulares não repetíveis; então as
contiguidades associativas operam nele de modo peculiar.
Por razões de diferenciação histórica, a poesia de um remoto passado não ressoa
no subconsciente do homem de hoje, como ressoavam no homem do passado.

813. É espetacular como objetos inteiramente equívocos possam evocar-se por


efeito de vivência. Não ocorrendo a vivência, tudo permanece indiferente. Tão logo
ocorrida a vivência, objetos equívocos se evocam mutuamente.
Comparece com os textos de computador, em rede internet. Colocado um link,
eles prontamente passam de um ao outro. Assim acontece com o fenômeno da
vivência; uma vez acontecida, está posto um link.

Somente a contiguidade pode fazer com que sons despertem imagens de cor.
Inversamente, cores podem despertar imagens sonoras. Eis o caso do barulho do
trovão a evocar o relâmpago. Ou do relâmpago a associar o estampido, ao qual
aguardamos que imediatamente ocorra.
A música, mediante sons geralmente associa imagens do mundo da vista, como
pessoas, movimentos, panoramas, céu reluzente, ondas espumantes, floridos
panoramas. Em consequência os críticos da música falam dos sons referindo-se ao
brilho da luz e à diversidade dos coloridos das coisas.
O mesmo acontece com as demais sensações. Por vivência, aromas associam
doçuras, frieza, calor, como ainda presença de pessoas, clima, ambientes os mais
diversos.
Pintores falam de coloridos perfumados, doces, quentes e frios por efeito da
associatividade.
No dia a dia do ser humano há ainda cores agradavelmente sensuais, formas e
perfumes eróticos.

A vivência está ainda ligada intimamente aos reflexos incondicionados e


reflexos condicionados. Considerando que os reflexos condicionados variam com as
circunstâncias em que se criam, a poesia por vivência se diversifica de autor para
autor, e assim também é diversamente apreciada de consumidor para consumidor.
Uma das variações mais notadas em decorrência da mencionada vivência é a
poesia erótica. Apreciadas por uns, é indiferente para outros, repudiada por terceiros,
geralmente conforme a ideologia que formaram sobre o sexo. Um estudo
especializado consegue determinar variações curiosas na poesia erótica, que vai desde
a sublimação misticista da monja que exalta o seu Divino Esposo, até o verso rústico
do parachoque de caminhão.

814. Exemplos de evocação por estímulos articulados por vivência:

"Um galo que canta, um cavalo que bate os cascos, um gato que entra: Aurora!
Um lírio que se inclina, um limão que cai, uma árvore que estala: Tarde!
As areias que escurecem, as fumaças que sobem, os amantes que se encontram:
Noite!"
(Francês Vincent Toussaint).

"Quando o amor entra na vida,


Aduba-a de tal jeito,
Que a alma fica mais nutrida,
E o coração mais perfeito"
(Luiz Murat, Dramas na selva).
Poesia, com base nas evocações de vivência, recordando a cidade em que
nascera o poeta, e onde a estrada de ferro Mogiana e os carros de boi participam da
saudade:

"Uberaba
Terra da estranha flor desta saudade,
Poema de silêncio e de lembrança...

Uberaba plantada na memória,


No chão dos meus avós e dos meus pais.

A Mogiana conduz minha tristeza:


As paralelas vão marcando a infância.
Carros-de-bois puxando melodias
Flores de ausência sobre o meu caminho..."
(Fernandes Soares, do livro Rosa do Mar).

815. O Ritmo oferece sugestão por associação de vivências. Dependem as


vivências do ritmo da sucessão dos elementos postos sob medida. Tanto ele influi na
esteticidade por causa da medida, como por causa dos elementos assim colocados.
A medida ordena a apreensão e a pode tornar agradável, como ainda sujeitá-la a
efeitos os mais diversos.
Quanto aos elementos postos em ritmo, se estes materiais forem os sons
articulados, resultam na poesia metrificada (vd 832).
A rima (vd 823) é também um caso de ritmo determinado pela articulação dos
sons, mas opera também por semelhança.

816. Peculiar a toda a poesia literária, ainda que não essencial, pode o ritmo ser
examinado ainda em separado para cada processo associativo. Primeiramente, há um
ritmo de vivência, organizando todo um sistema de fenômenos.
Na música o ritmo é fortemente evocativo e dele participando a linguagem.
Vivenciamos o ritmo nas sucessões máximas e mínimas do nosso dia-a-dia. Curos são
os dias, mas repetitivos, aprofundando as marcas na estrada dos anos.
"A idéia do ritmo é uma das noções que nos são familiares. A sucessão dos dias
e das noites, das estações quentes e das estações frias, dos vegetais, a alternação do
trabalho e do repouso, da vigília e do sonho..., até o funcionamento de nossos órgãos
mais essenciais subministram perpetuamente exemplo de movimento rítmico" (L.
Weber, O ritmo do progresso, c.4, p. 105).
Distribuída a sequência das vivências, o poema literário como que as desdobra,
ao longo das palavras em verso. Além disto ocorre o ritmo pré-artístico das flexões
dos fonemas.

II - Evocação por semelhança.


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819. A semelhança (vd 124), pela qual se explica fundamentalmente toda a arte,
cuja base é sempre a prosa, também funciona como estímulo associativo. Na prosa a
semelhança exprime por mimese, na poesia a mesma semelhança pode ainda exprimir
por evocação.
Não se trata aqui da conexão em termos lógicos, de que a semelhança também é
capaz, porquanto a mente raciocinativa a percebe mui rapidamente. Em virtude deste
fato, a semelhança como percepção mental e a semelhança como evocação poética
mui depressa passam a cooperar, convertendo a expressão em informação mais
intensa.

A estimulação evocativa por semelhança é mais segura nos seus efeitos, que a de
simples contiguidade dos elementos equívocos (vd 813). O poeta, ao ingressar por
esta via de recursos articulativos, consegue ser mais universalmente interpretado. A
evocação por semelhança cria uma escultura imaginosa com a força de precisão da
expressão figurativa real.

820. Exemplos de evocação fundados na semelhança:

"O sangue branco das águas...


era o sangue do rochedo"
(Catulo da Paixão Cearense, Promessa).

"Água térmica, suor quente dos minerais"


(Carlos D. Fernandes, Natureza).

"Dos rochedos sentados corre a linfa


"Suor das pedras, pela espádua nua..."
(Melo Morais Filho, Anchieta ).

"0 meu amor é como vagalume


iluminando a treva onde se esconde..."
(Múcio Teixeira)

822. Os salmos dos semitas, de que são mais conhecidos os bíblicos, operam por
meio de um rimo temático, em que a progressão se faz por afirmações paralelas, ora
pelo método da simples repetição de semelhança, ora com algum contraste. Exemplo:

"Escutai, povos todos,


Atendei todos vós que habitais a terra.

Humildes e poderosos,
tanto ricos como pobres.
Dirão os meus lábios palavras de sabedoria,
e o meu coração meditará pensamentos profundos"
(Início do Salmo 48, ou 49 Hebr.).

823. A rima opera com ritmo fonético e onomatopaico. Na poesia gera a rima
associações por semelhança, nas quais as imagens se conectam entre si, porque os
seus nomes rimam foneticamente e onomatopaicamente.

Destacam-se as rimas quando coincidem no acento. Pouco importam rimas fora


do acento tônico.
Há as assim chamadas rimas pobres, - mais encontradiças, - e as rimas ricas,
mais difíceis, porém mais sonoras e de grande rendimento evocativo, destacando- se
pelo seu efeito.
A rima não é própria somente da poesia. Por causa de sua esteticidade, a rima é
aproveitada também nas sugestões argumentativas das provas.
A rima de sugestões argumentativas é usual na propaganda comercial. a
associatividade se cria, quando os adjetivos enaltecedores rimam com o nome da
empresa, ou do produto:

Melhoral é melhor e não faz mal.


Koesa atende com presteza.
Cica os melhores produtos indica.

Razões diversas retardaram o desenvolvimento da rima na poesia, que a adota


sistematicamente apenas após o século 10-o. E outras razões a fizeram ser abandonada
por alguns setores modernos.
Não obstante, é indiscutível que a evocatividade da rima é autêntica. Não faltará
jamais quem continue a explorá-la, pelo menos em forma livre.

825. A metáfora distingue-se da poesia, mas com ela se combina com


frequência.
Consiste a metáfora na troca do nome próprio do objeto, ao qual se quer referir,
por um outro nome, de um objeto similar a ele e que fica sendo seu equivalente.
Esta relação de semelhança a que apela a metáfora, pode ao mesmo tempo estar
ligada a um efeito associativo. Considerando, por exemplo, que o sino é de bronze
(metal eminentemente sonoro), a metáfora substitui o nome próprio do objeto (o sino)
pelo seu equivalente o bronze). Fica então o bronze a metáfora do sino, como na frase
"toca o bronze".
Ao mesmo tempo que ocorre a técnica de expressão chamada metáfora, pode
acrescer-se uma evocação: com este acréscimo evocativo a metáfora torna-se
brilhante.

A rigor não há ainda poesia quando um nome impróprio, como na metáfora,


significa um outro objeto. Então o assemelhado é conhecido tão só naquilo em que se
assemelha, de acordo com a lei da mimese exemplificadora do conhecimento lógico.
A semelhança evocativa é distinta da semelhança lógica. A metáfora é uma
semelhança lógica, em que se consideram as relações de semelhança, que permitem a
substituição de um termo pelo outro; por conseguinte, a metáfora não é ainda poesia,
como aliás nenhum símbolo o é.
Pode, todavia a metáfora, por acrescentamento, converter-se em evocação. Nesta
nova situação, a metáfora, além de indicar o semelhante por relações lógicas de
semelhança, desperta sua imagem por simples evocação, por via da lei de
associatividade das imagens, portanto pelas implicâncias evocativas que a semelhança
contém.

Nem todo "símbolo" usado pelos poetas denominados simbolistas, nem mesmo
todos os símbolos utilizados pelo grande poeta Dante, são necessariamente poéticos...
Apenas ocorre poesia quando circunstâncias especiais acrescem algo ao símbolo e que
seja de ordem evocativa.

826. A paráfrase também se aproxima da evocação poética e poderá


eventualmente fazer-se poesia. Repete a paráfrase as idéias principais, ou as
evocações principais, expressas a propósito de um objeto, e que se transpõem para
outro caso no qual também cabem.
A vantagem é poder aproveitar um texto brilhante em favor de uma nova causa.
Por exemplo, o José (poesia de Carlos Drummond de Andrade) tece um enredo
de circunstâncias dum final de festa e que suscitam evocações. Ora, o mesmo poderá
acontecer num final de exame, de sorte a se poder parodiar, como o fez outro poeta
(José Dário Perondi), repetindo os mesmos lances, com as respectivas evocações.

José José

E agora José? E agora José

a festa acabou a prova passou

a luz apagou O medo cessou,

a Noite esfriou O professor saiu

E agora José? a turma se riu

E agora José? E agora, José?

E agora, você? E agora, você?

Você que é sem nome, Você que é sem sorte,

que zomba dos outros que quer boas notas

você que faz versos, Você que não copia,

que ama, protesta? Que espera passar?

E agora, José? E agora, José?

Está sem mulher está sem jeito,


está sem discurso, está sem palavra,

está sem carinho, está sem coragem,

já não pode beber, já não pode falar,

já não pode fumar, Já não pode olhar,

cuspir já não pode, chorar já não pode,

a noite esfriou, a aula passou,

O dia não veio, a alegria não veio

O bonde não veio, a fala não veio

O riso não veio, O brinquedo não veio

não veio a utopia não veio o recreio

e tudo acabou E tudo errou,

e tudo fugiu e tudo caiu

E tudo mofou e tudo passou

E agora José? e agora, José?

Sua doce palavra, sua doce harmonia,

seu instante de febre, seu momento de calma,

sua gula e jejum, seu estudo e esforço,

sua biblioteca, sua didática,

sua Lavra de ouro, sua folha de prova,

seu terno de vidro, seu caderno de notas,

sua incoerência, sua impaciência

seu ódio - e agora? sua escrita - e agora?

Com a chave na mão, com o papel na mão,

quer abrir a porta, quer entregar a prova,

não existe a porta, não há nada na prova,

quer morrer no mar, quer sair da sala,

mas o mar secou, mas até a porta errou,

quer ir para Minas, quer esconder-se de,

Minas não há mais! Mas não dá mais.

José, e agora? José, e agora?

Se você gritasse, se você arriscasse,


se você gemesse, se você copiasse

se você tocasse, se você acertasse

a valsa vienense, no que o professor desse,

se você dormisse, se você fingisse,

se você cansasse, Se você calasse,

se você morresse.. Se você pensasse..

Mas, você não morre, mas você não pensa,

você é duro, José! Você é burro, José!

Sozinho no escuro Sozinho na sala

qual bicho do mato, Qual moleque danado,

sem teogonia, Sem esperança,

sem parede nua, sem boa nota,

para se encostar, para se alegrar

sem cavalo preto sem tirar sete

que fuja a galope, para passar,

você segue, José! Você é doido, José!

José, para onde? José, até quando?

(Carlos Drumond de Andrade) (José Dário Perondi, 15/10/1965)

III - Evocação por contraste.


4515y828.

829. O contraste é a diferença dos distintos levada a um grau considerável.


Simples diferençs podem contrastar de maneira chocante, elevando-se oo nível do
contraste, como a pedra e o pó, o rico e o pobre, o novo e o velho.
O contraste total é a contradição.
Ainda ocorre nos contrastes a oposição por complementaridade, como entre ato
e potência, matéria e forma, determinante e determinado.
São os contrastes adequadamente apreendidos pela inteligência e não pertencem
diretamente ao campo das imagens. Todavia os objetos contrastados podem despertar
imagens que se entrechocam entre si, e então pode iniciar o processo da poesia.
Exemplos:
"Mas o contraste em tudo existe:
Cantam os pássaros no alto da ramada,
a árvore é linda, mas a sombra é triste"
(Olegário Mariano, Para recitar).

"Juntem-se um hemisfério a outro hemisfério;


Às alegrias juntam-se às tristezas;
É o carpinteiro que fabrica as mesas.
Faz também os caixões dos cemitérios!..."
(Augusto dos Anjos, Contrastes).

"Até nas flores se nota


a diferença da sorte:
Umas enfeitam a vida,
outras enfeitam a morte" (Olavo Bilac).

"Quando partimos, no vigor dos anos,


Da vida pela estrada fluorescente,
As esperanças vão conosco à frente,
E vão ficando atrás os desenganos.
O contrário dos tempos de rapaz:
Os desenganos vão conosco à frente,
E as esperanças vão ficando atrás"
(Antonino Tomaz, Contrastes).

A velhice que marcha pode evocar a louçania da juventude. A mulher fenecida


relembra a frescura de contornos bem formados dos tempos idos. Temos dos
contrastes da idade um exemplo quase jocoso numa poesia de Cecília de Meireles
diante de seu retrato de hoje:

Eu não tinha este rosto hoje


Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem forças,


Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração.
Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,


tão simples, tão certa, tão fácil:
Em que espelho ficou perdida
a minha face?"
(Cecília de Meireles, Retrato).

830. Ordenação lógica de todos os processos associativos. Na estruturação


complexa da poesia, alternam-se todos os recursos associativos. Na mesma
composição há estimulação de vivência, de semelhança, de contraste. Pelo meio,
como fio de meada, ordenando as imagens, observa-se ainda alguma presença lógica
da mente.
Vivência e contraste combinados:

"Minha terra tem palmeiras,


Onde canta o sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
nossos bosques têm mais vida,
nossa vida mais amores."
(Gonçalves Dias).

Vivência, contraste e semelhança:

"a bolsa pesada torna leve O coração."

(Ben Johnson, The New Inn, I, 1.).

IV- Poesia literária metrificada.


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832. Não é da essência da poesia literária estar metrificada. A evocação


resultante da metrificação é uma poesia pré-artística. Antes de tudo a língua é um
sistema de equivalentes convencionais para expressar objetos. A partir destas
expressões se faz em primeiro lugar a poesia da língua, operando pela indicação dos
objetos estímulos, os quais evocam as imagens associadas.
A métrica é operada pelo lado do significante, e consequentemente é pré-
artística em relação à língua. Os sons, antes que assumam a condição de equivalentes
convencionais da língua, apresentam tons e acentos. Da ordenação rítmica destes
instantes anteriores à expressão resulta a poesia literária metrificada.
A poesia literária propriamente dita baseada no sentido e a poesia resultante da
métrica poderá confluir, de maneira a se unirem num todo maior. Mas também
acontece o contrário, conflitando-se as evocações, pelo estabelecimento inadequado
dos objetos estímulos. O metro haverá de ser eleito pelo poeta de tal maneira, que
agrade seus próprios ouvidos, e coordene com os demais estímulos associativos.

834. Velocidades métricas. O mundo do indivíduo obedece a uma velocidade


antropológica, possível de ser detectada e ser levada em conta na poesia,
metrificando-a adequadamente. Esta velocidade ocorre na apresentação cognoscitiva,
que requer uma ordem de ingresso dos conteúdos que se fazem ver, ouvir, tatear,
imaginar e pensar. Também ocorre uma velocidade nas disposições de ânimo;
sobretudo estas tendem a variar.
Ajustando-se a velocidade métrica ao ritmo natural da apreensão cognoscitiva e
ao das disposições de ânimo, desperta-se uma leveza agradável. Acrescendo-se
velocidade à métrica, solicita-se de um aumento de velocidade interior; funciona
agora o ritmo como estimulante, que imprime maior vida. Inversamente, a morosidade
mais larga, que o movimento interior, induz suavização geral, podendo ir até ao
adormecimento, como aliás é o objetivo das cantilenas de ninar.
Até aqui a velocidade ainda não conduziu à evocação, porquanto simplesmente
acompanhou o ritmo natural, ou o aumentou ou o diminuiu, com o objetivo apenas
emocional. Assim é aproveitado na prosa, cuja velocidade é calculada para ser
esteticamente agradável.

Todavia, por acréscimo este ritmo estético poderá resultar em evocações. É


quando principia a expressão poética por sobre as imagens diretamente expressas.
Movimentos rápidos, saltitantes, podem sugerir a alegria.
Outro já deve ser o ritmo da evocação heróica, que se exerce geralmente em
decassílabos (10 sílabas), como em "As armas e os barões assinalados" (Camões,
Lusíadas);
Não é exatamente o comprimento de um verso que determinará o caráter do
metro, mas a distância entre as tônicas que se repetem. Na música, o compasso em
uso é mais matemático. O mesmo não ocorre nos versos literários. Sob medida, estes
obedecem a esquemas simétricos e não tanto a cadência pura de espaços iguais.
Todavia as tônicas, apesar de assimetricamente distribuídas, têm um tal domínio, que
anulam os efeitos das demais flexões.

835. O ritmo natural mais espontâneo, de acordo com a velocidade


psicologicamente medida, é o de uma tônica em quatro segundos.
O ritmo quaternário, com uma tônica em quatro segundos, o tempo forte no
primeiro e o secundário no terceiro, é o ritmo mais espontâneo, determinado pela atual
condição antropológica do ser humano.
O ritmo em binário, com o tempo forte no primeiro elemento, se exerce com
estímulo.
O ritmo ternário é gracioso, porque antecipa a tônica por um tempo, sem
contudo estimular como o binário.

Qualquer ritmo poderá subdividir-se, sem diminuir o tempo de demora do


compasso, como bem se observa na música e no canto.
O quatro por quatro (4/4), que demora quatro segundos, poderá ser dividido em
oito partes, dentro do espaço dos mesmos quatro segundos ( 8/4). Ou então, em doze
partes, dentro dos mesmos quatro segundos (12/4). No primeiro caso partiu-se cada
tempo em dois, no segundo tempo em três.
O ritmo com quatro ou mais partes permite as subtônicas. Por exemplo, a
primeira é mais forte, a terceira é uma subtônica. Nas palavras isto se denomina
acento principal e acento secundário como em "admiravelmente".

836. Sistemas de versos. A métrica conta com variados recursos para criar
tônicas e organizar a velocidade das flexões das palavras. Através dos milênios
fixaram-se diversos modelos de versificação, que os poetas costumam eleger,
conforme as evocações peculiares que desejam suscitar.
Ainda ocorre que a diversidade das línguas faz com que os versos em umas se
adaptem a um sistema e outras melhor a outro.
Já se vê que a versificação implica em uma ciência especial, que esclaresce
sobre princípios e sobre modelos.

Importa manter claro que a metrificação está fora da área especificamente


literária, porque não atua como expressão, mas com o movimento dos sons tomados
em si mesmos, no seu instante pré-artístico meramente estético.
Em segundo lugar, a complexidade da metrificação confirma que esta região
deve ser tratada como disciplina especial. Numa filosofia da linguagem a ocupação
com a metrica na poesia tem um fim apenas elementar, com vistas a mostrar
elementos, não sem importância, que se aliam à linguagem. A métrica pertence muito
mais à música, e ainda ali como um seu momento pré-artístico.

837. Os metros do Ocidente. No Ocidente ocorrem três sistemas de metrificação:

- O metro clássico (grego e romano);


- O metro das línguas românicas (neolatinos, como o do português),
- O metro das línguas anglo-saxônicas (inglês, alemão).

Os sistemas de metrificação, em princípio não são absolutos. Representam tão


só uma tendência.
Fundamentalmente o sistema clássico mede rijamente, tal como na música, as
distâncias entre as tônicas, geralmente intercalando uma ou apenas duas sílabas breves.
O sistema das línguas românicas, como do português, conta o número das
sílabas e usa pôr acentos em distâncias indiferentes, desde que em cada verso as
distâncias se repitam.
No sistema germânico pesam-se as tônicas ao mesmo tempo que se ordenam as
átonas, fazendo o jogo do acento e do não-acento.

É explicável que a métrica das línguas românticas numere simplesmente as


sílabas; estas línguas dão nitidez às vogais, bem como as multiplicam.
Diferentemente, as línguas germânicas apelam mais às diferenciações
procedentes das consoantes.
Cada grupo linguístico mais uma vez oferece variantes internas. Por exemplo, as
línguas românicas se diversificam em sistemas de versificação francês, italiano,
espanhol, português.

838. O sistema de verso clássico regula as unidades de tempo em longas e


breves. Ora faz suceder duas breves, ora uma só, intercalando-se entre as tônicas. As
breves poderão situar-se, ora antes, ora depois; esta particularidade permite uma
variação apreciável.

No verso de uma breve e uma longa (verso binário) apresentam-se estas duas
combinações:
Jambo, na poesia grega e latina pé de verso constituído de uma sílaba breve,
seguida de longa;
Troqueu, iniciando com uma longa, seguida de outra breve.

No verso de duas breves como uma longa ocorrem estas outras possibilidades
mais conhecidas:

Anapesto, começando com duas breves, seguidas de uma longa;


Dáctilo, uma longa, seguida de duas breves.
Exemplo de verso que inicia com longa, seguida de duas breves:
Arma virumque cano Troiae qui primus ab oris
(Virgílio, na Eneida).

Note-se a rija ordenação: seis vezes ocorre a tônica.

839. No verso das línguas românticas a aplicação do sistema clássico implicará


em fixar artificialmente os acentos, o que redundaria em sérias dificuldades, pois o
acento é instrumento importante na diferenciação das flexões neo-latinas.
No verso literário se torna difícil localizar tônicas em espaços meticulosamente
distribuídos. Desleixam-se, então, algumas das subtônicas requeridas pelo verso
clássico. Dali a possibilidade de variar a posição das tônicas.

Variam, consequentemente, os versos, das línguas românicas, não só pelo


comprimento, mas pela posição das tônicas.
O verso de 13 sílabas poderá ter os acentos na 6ª e 13ª.
O verso de 12 sílabas (Alexandrino) poderá ter as tônicas na 6ª e 12ª.
O verso de 11 sílabas (arte maior), poderá acentuar na 5ª. e 11ª.

O verso de 10 sílabas (decassílabo) poderá ter, conforme o variado uso, os


acentos na 6ª e 10ª:

Que da ocidental praia lusitana.


Na 2ª., 6ª., 10ª :
As armas e os barões assinalados.
Na 3ª., 6ª, 10ª:
E também as memórias gloriosas.
Na 2ª., 4ª., 8ª., 10ª.:
Salvar a glória da nação latina.
Na 4ª., 8ª., 10ª.:
Nuvem cerrada do feroz Mavorte.

O verso de 9 sílabas, poderá acentuar a 3ª, 6ª e 9ª.

840. Enquanto o metro clássico mede, quantificando, o sistema de verso


germânico mede qualificando em tônicas e átonas. Isto resulta em uma espécie de
semelhança, com a respectiva conotação associativa das imagens.
No verso de uma breve seguida de longa, do binário clássico denominado jambo,
temi-se um correspondente germânico na átona seguida de tônica:

To be, or not to be that is the question (Shakespeare)

Na mesma formulação se criam os demais modos de versificar.

841. Efeitos estéticos e evocativos da metrificação. Depois de estabelecidas as


diferentes velocidades métricas e os vários sistemas de verso, passa-se a perguntar
diretamente pelos efeitos estéticos e evocativos de que são capazes.
O ritmo natural, conforme já se adiantou, é o quaternário, que é o de uma tônica
em quatro segundos; equivale também a determinar uma tônica dentro de um esquema
de quatro acidentes.

Consequentemente haverá um enrijecimento no verso binário. Mais rija ainda se


torna a linguagem se os acentos se repetirem mais frequentemente que em um binário.
O acento binário cria ênfase, marcialidade, energia. Está evidente em:

"Bebeu, guiou, morreu".

Nas línguas germânicas, que multiplicam pouco as vogais e dão importância


aos acentos, - de que jamais se desfazem, nem mesmo nas palavras compostas, - o
ritmo do verso tende a ser mais firme, que nos idiomas latinos, estes com mais vogais
e oscilação de acentos.
Aprecie-se de o verso seguinte:

"Was frag ich nach der welt! Sie wird in flamen stehn" ( Andreas Gryphius).

A uniformidade do binário, em contrapartida, estabelece a monotonia. Na


subtônica do quaternário, com um tempo semi-forte no terceiro instante, há um
elemento apreciável de variação suavizante, e que tornam este ritmo o mais normal do
atual estado de alma do ser humano.
Os outros ritmos, - os não binários e não quaternários, - ou excitam ou suavizam.
O verso que se alonga diminui a eficácia métrica. As pausas, que a declamação
consegue introduzir, atenuam esta deficiência. Dali vem porque o alexandrino (12
sílabas) é trabalhado com acidente especial na sexta sílaba.
Na literatura germânica, o alexandrino aparece, na maioria das vezes, como um
jambo de seis ársis, com cesura fixa após a sexta sílaba. Tornou-se usual nas
literaturas inglesa e alemã, especialmente nos séculos 17 e 18, quando mais forte se de
tornou a influência francesa" (W. Kayser, Op. cit. c. 125. Ed. Port.).

842. A estrofe. A variação rítmica do verso em tempos fortes e fracos, ou


sílabas longas e breves, representa uma organização relativamente simples, que está
longe de alcançar a grandeza do canto.
Mas, o próprio verso pode conseguir, dentro de sua área, organizações maiores,
como a da estrofe. Então o verso se enquadra como elemento em uma unidade maior.

O recurso mais simples e relativamente perfeito de encadear os versos em todos


maiores é o da rima (vd 823).

A natureza da rima está na identidade de flexão e não de tônica. Mas,


considerando que a tônica reforça a manifestação da rima, ela é formada de
preferência em tônica.
Considerando ainda que as terminações morfológicas em tônica são
excessivamente frequentes na língua, as melhores rimas são as que não exercem tal
função. Portanto, rimas em -amos, emos, ável, ível, etc., são pobres ainda que sejam
em tônica. Não se tornaram totalmente pobres por serem rima e tônica ao mesmo
tempo. O inusitado é importante na rima, de sorte que as melhores rimas são mesmo
as que não exercem função gramatical frequente.

Numa estrofe geralmente surgem as mesmas rimas no primeiro e terceiro,


segundo e quarto versos. Encadeiam-se então os quatro versos num todo metrificado
com tônicas e rimas.
Sabido é que a lógica interna do seguimento une também os versos. Mas, o tema
está inteiramente fora da área específica da métrica. Além disto, a logicidade não é
elemento poético e sim prosaico. Não convém, pois, lançar mão apenas da
organização temática. A rima, eis, o recurso adequado, porque é ao mesmo tempo
capaz de ser evocativo.

Tal como a métrica interna do verso, também a estrófica admite uma ciência
particular de muitas peculiaridades. Uma estética especialíssima se ocupa com ela;
deverá, entretanto, obedecer às normas fundamentais acima estabelecidas.
Toda a questão da métrica e rima, enquanto se firma no som em si mesmo e não
no símbolo, está fora da área específica da linguagem; apenas é aliança da linguagem
com elementos vindos da região da música, ou seja do som, capaz de por si só
despertar sugestões evocativas e estados psicológicos.
843. A rima, sendo embora dispensável, contribui positivamente para
organização da estrofe, bem como para a evocação.
Não fora usual a rima entre os versificadores antigos. Apareceu primeiramente
nos hinos latinos do começo da Idade Média.
Com o neoclassicismo do século 18, a pretexto de retorno ao antigo, se deu
combate à rima, entretanto sem resultado.

844. Importa não confundir a tônica da sequência rítmica das palavras, com a
palavra de mais valor na frase.
A última palavra de um verso não é necessariamente a dominante, apesar de
possuir a tônica da sequência rítmica.
Ocorre que os leitores inexperientes facilmente confundem a tônica rítmica e a
palavra tônica.
A rítmica do verso não se cria para alterar o valor das palavras. Não retira a
espontaneidade da frase, porém a estabelece pela escolha dos vocábulos certos para
aquele quadro de medidas.

É algo difícil criar o ritmo das tônicas apenas mediante escolha de material
preexistente. Isto requer atenção e presença disponível de palavras; depois de criado,
deve o produto ser algo espontaneamente legível.
O mesmo acontece na composição musical; difícil de engendrar, contudo, depois
de criada, a sequência rítmica dos tons e dos tempos se comprova como afinada e
agradável, parecendo não se poder admitir outro modo.
As línguas não são contudo morfologicamente de todo rijas. A elisão é um
recurso, em virtude do qual se elimina, por exemplo, uma parte da palavra sem
alterar-lhe o valor semântico, mas que permite o encurtamento para acertar a
numeração do ritmo. Para, comprimido em p'rá é um exemplo de elisão frequente.
No Esperanto a raiz é notoriamente distinta das terminações gramaticais. Em
decorrência a palavra dispõe de plasticidade, que permite ser usada de duas formas no
verso, - ou integralmente, ou só pela raiz, com a elisão da terminação.

845. Os parnasianos deixaram o uso clássico de fazer coincidir a tônica


principal do verso com a palavra de valor. Observa-se o fato numa estrofe de
Raimundo Corrêa, do soneto "As pombas"

"Vai-se a primeira pomba despertando...


vai-se a outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada".

CAP. 6-o.

GÊNEROS POÉTICOS. 4515y849.


850. Os temas versados pela poesia não se expressam do mesmo modo em cada
caso. Em consequência, gêneros de objetos criam gêneros de poesia. O mesmo
também acontece com prosa (vd 652), cujos gêneros são determinados pela
diversidade dos objetos.

A distribuição didática do temário sobre os gêneros poéticos, envolve


considerações principalmente sobre:

- gêneros poéticos em geral (vd 851);

- gêneros épicos (vd 860);

- gêneros líricos (vd 865).

ART. 1-o. DOS GÊNEROS POÉTICOS EM GERAL.

4515y851.

852. A adatação da expressão às características do objeto é fundamental no


gênero artístico.

Em decorrência, - como já se antecipou (vd 853) em relação à poesia, ocorre a


formação dos gêneros de acordo com os objetos (ou temas, assuntos).

Neste sentido, o trabalho de criação de uma poesia se constitui de uma


composição de elementos. Para gerar uma expressão artística acontece, pois,
todo um trabalho, o qual, no plano da língua, se usa denominar composição
literária, de que uma é a composição em prosa (vd 657), e outra a composição
em poesia.
853. Classificação dos gêneros de poesia. Encaminhando a classificação dos
gêneros poéticos de expressão, adverte-se que poderá fazer-se pela forma (ou
pmaneira de praticar a poesia) e pela matéria (pelo tema poético praticado).

Pela forma, ou seja pela maneira, pela qual a poesia é praticada, se adverte
sobretudo a divisão em:

- gênero épico (vd 859),

- gênero lírico(vd 865).

Obviamente outras divisões são possíveis, - como se deverá discutir a parte,


sendo todavia esta a mais visível e pragmaticamente admitida.

Pela matéria praticada na poesia, os gêneros poderão ser tantos quantos forem
os temas. Pode-se então apelar à classificação das categorias de ser para
enumerar a todas. Não é entretanto o que mais se usa fazer quando se
classificam materialmente os gêneros poéticos, porquanto é possível desde logo
advertir que, do ponto de vista da divisão material, a tendência antropológica
da poesia está direccionada para alguns temas dominantes. Tem-se então uma
classificação temática em aberto, que, se redivide e por vezes se sobrepõe:

- poesia sentimental (tema dominante em poesia);

- poesia bucólica (tema do campo);

- poesia religiosa (tema transcendente).

Obviamente esta divisão material da poesia se pode discutir com mais detalhes.

Didaticamente é possível dividir primeiramente pela forma, e a estas classes;


redividir pela matéria. Tal procedimento se deve todavia fazer com muito
cuidado.

Menos comprometedor é dividir primeiramente pela matéria, e depois pela


forma.
854. Classificação hegeliana dos gêneros poéticos. De acordo com a dialética
triádica defendida por sua filosofia, Hegel apresentou a divisão dos gêneros
poéticos em:

- épico (objetivo),

- lírico (subjetivo),

- dramático ( objetivo-subjetivo).

Ocorre ali a subordinação ao sistema filosófico de Hegel, validando-se a


subdivisão triádica dos gêneros poéticos apenas para os que admitem a dialética
como estrutura como estrutura de todas as coisas.

O dramático enquanto trata da ação, parece entretanto, situar-se num plano


distinto da equação do objetivo; a ação pode ser dramática, tanto no tratamento
subjetivo como no objetivo. Mas... em dialética a lógica é diferente, de sorte a
não ser possível afastar inteiramente o ponto de vista de Hegel.

No conceito não dialético a ação é uma categoria de ser, ao lado das demais
categorias de ser. Poderá então, a ação ser tratada, ora subjetivamente, ora
objetivamente. Neste caso não há um terceiro gênero. O dramático passa a ser
tratado, ora como épico, ora como lírico.

855. Universalidade temática da poesia e dos seus gêneros. O tratamento dado


em especial ao sentimento, não exclui a outros temas de constituírem seus
respectivos gêneros poéticos. Trata-se de apenas de uma preferibilidade
temática dos poetas. Também os gêneros de prosa abrem um leque universal de
possibilidades; todavia somente alguns gêneros ganham corpo.

Em poesia a imagem se prende diretamente ao sensível e em decorrência ao


sentimento. Com esta ressalva, pode-se mesmo alargar e universalizar os
gêneros lírico e épico, porquanto todos os temas, até os mais espirituais, são em
última instância atingíveis de algum modo pelo sentimento, quer subjetivo,
quer objetivo.
Em princípio, qualquer seja a interpretação que se dê ao campo temático da
poesia, importa manter que ela atinge a universalidade dos temas. Enquanto
alguns temas, como os sentimentais, se erguem como motivos poéticos
eminentes (vd 774), outros mal são abordáveis por alguma via associativa.

É um progresso, por exemplo, evocar, depois da dor episódica, também a dor


universal, que late sob a luta de todos os conflitos da natureza. Maior progresso
ainda é alcançar os planos metafísicos, aos quais, por exemplo, tentou a poesia
simbolista.

Uma vista de olhos, sobre o que os poetas expressam, nos faz ver, que a
maioria se ocupa com sentimentos, pondo o centro no coração humano, no
amor e no vício, nas vitórias exultantes e nos desenganos.

A limitação da maioria dos poetas aos temas sentimentais não passa todavia de
pobreza temática. Na medida que o poeta se agiliza, cresce em graus sucessivos
a altura dos seus temas.

Um dos objetivos da criação poética está em suplementar o poder expressivo


da prosa. Em vez de a obra literária ficar retida nas imagens da expressão direta
da prosa, busca ainda despertar em seu torno dos objetos expressos o mundo
irradiante das evocações.

Plantam-se de as flores não só por causa de suas cores, mas também por seu
perfume, senão até por causa do clima psicológico que introduzem no contorno
da casa, ou dentro dela. A plenitude poética ocorre quando dá nascimento a
todas as evocações, particularmente às grandes imagens; estas surgem como
corbelhas de flores nas grandes festas; ocupam o espírito com a majestade das
coisas maiores.

857. Em que se de fundaria a universalidade temática da poesia? Nos seus


próprios instrumentos evocativos. As leis de associação, particularmente a de
vivência (ou contiguidade), permite a generalização das evocações.

Quanto ao processo evocativo por semelhança, ainda que pareça distanciarem-


se os temas elevados dos emotivos banais, esta semelhança contudo se mantém
em algumas direções.

É que todas as abstrações conservam algum liame com o mundo sensível, pois
o objeto próprio do pensamento é o ser particular sensível. A partir deste ser
particular sensível, mas por analogia, são pensadas as coisas abstratas. Dada
esta semelhança, por analogia, entre todos os seres, a inteligência sobe por
todos os degraus, desde o sensível até ao máximo, o infinito. Pela mesma
analogia, acompanha a imaginação associativa os graus da inteligência.

Seja uma poesia de tema universal:


"Afinal, a necessária certeza
Iluminando meus dias,
Deixando-me pisar a terra
Sem angústia nos passos"
(Miro Morais, Revelação).

ART. 2-o. GÊNEROS ÉPICOS.

4515y859.

860. O nome épico. Do grego épos (palavra, notícia, oráculo) e poiein ( fazer),
epopéia indica a exaltação, no mais alto estilo poético, de fato heróico e
maravilhoso, tal como a fundação de uma cidade, uma guerra de libertação, a
descoberta de novos continentes e vias de navegação, sucessos mitológicos,
revoluções sociais decididas pelo heroísmo popular ou pela coragem de alguns
poucos.

Consequentemente, a epopéia, pela sua afinidade com a história, é narrativa.


Mas, nos acontecimentos narrados, introduz a temática ulterior, que é a
exaltação do heroísmo e da grandiosidade. Esta imagem ulterior é sugerida nos
fatos narrados. A epopéia é pois evocativa como é próprio da poesia.

O tratamento sentimental da epopéia é objetivo, e não subjetivo como acontece


no gênero lírico. Os sentimentos e o heroísmos se situam nos personagens e
não no poeta.
Normalmente a epopéia descreve as paixões a partir dos heróis; a violência das
forças naturais em função aos fatos que ocorrem. Os sucessos e vitórias são do
enredo, de que não participa necessariamente o autor.

Em virtude da temática ampla e grandiosa, o estilo da epopéia há de ser


igualmente altissonante e majestático. Apenas uma imaginação poderosa, como
de fato as dos grandes épicos, poderá pôr em movimento material tão teimoso,
em que o objetivo não é o material em si mesmo e sim a evocação que dele
desperta.

861. Redivisão do gênero épico. Diferenças várias vão estabelecendo espécies


temáticas menores dentro da poesia, redividindo os gêneros maiores. Por
exemplo, redividindo o gênero épico em outros menores. Tem-se então como
subgênero primeiramente a epopéia convencional, dos grandes feitos e seus
heróis. Seguem depois todos os subgêneros que tratam os sentimentos de
maneira objetiva. Acontecem então casos como o soneto, ora épico, ora lírico
(vd 871).

A epopéia combina o sentimento com a ação.

Já não acontece o mesmo com o soneto.

Por isso a epopéia, ligada à ação em desenvolvimento, poderá ser longa, já não
o soneto.

É, pois, o soneto compulsoriamente curto.

862. Oito são as grandes epopéias, geralmente reconhecidas como tais:

Ilíada e Odisséia - atribuídas a Homero (séc.7-o a. C.);

Enéida - Virgílio (70 -19 a C.);

Divina Comédia - Dante Alighieri (1265 - 302);

Jerusalém Libertada - Torquato Tasso (1524 -1580);

Lusíadas - Luiz de Camões (1524 -1580);


Paraíso Perdido - João Milton (1608 -1674);

Messias - Frederico Gotlieb Klopstock (1724 -1803).

863. Há também uma épica popular, anônima e de fundo coletivo, as quais têm
servido para novas inspirações. Entre tais epopéias sobressaem:

Nibelungos, na Alemanha (cerca de 1200);

Chanson de Roland, na França (séc. 12);

Cantar de mio Cid, na Espanha (sec.12).

Epopéias têm sido escritas as mais diversas em todos os países. Também os


poetas brasileiros tentaram versos épicos sobre acontecimentos memoráveis de
seu país.

864. A antiga e a nova epopéia. Declinou a épica, em decorrência do seu tema,


o espírito heróico que dominava a mentalidade política do passado. Hoje vale
mais o direito, que a valentia. Mais a humanidade, que a nacionalidade. O
tempo áureo da antiga epopéia já passou, porque evoluiu o modo humano da
apreciação dos valores.

No passado a lei fora do mais forte, do mais valente, do mais heróico. Isto
somente resta hoje nos grandes conflitos sociais, nas conturbações sobretudo
daquelas partes do mundo que ainda não evoluíram.

Até há pouco tempo ainda restava um certo "espírito de fronteira", formado ali
onde os povos se confrontam. Também resta ainda em algumas camadas
humanas, nas quais prevalece o crime.

Hoje os valores se encontram no respeito aos direitos fundamentais de cada


pessoa humana, no direito de decisão política da maioria, portanto na ordem
institucional do Estado jurídico de leis perfeitamente definidas e julgadas por
tribunais.
Os hinos nacionais dos povos costumam conter elementos do espírito épico do
passado, porque manifestam o brio, a valentia, o heroísmo com que a
nacionalidade foi estabelecida, em vez de positivamente e liricamente referir-se
aos valores internos da nacionalidade. Tendem, pois, os hinos a evoluir e a
serem de futuro substituídos por outros mais adequados.

Incluem os valores de hoje a imagem da humanidade, que em primeiro lugar


coloca o ser humano como espécie, e não só em primeiro lugar a etnia. Já não
se considera cada grupo como se fosse um "povo eleito", guardado pelo
respectivo Javé, como se os demais povos fossem os bandidos a serem
epicamente derrotados. Assim sendo, está aberto o caminho para uma pacífica
miscigenação e globalização.

Do ponto de vista conteudístico algumas das grandes epopéias do passado


apresentam fundo colonialístico, o que também hoje é contestável.

Novas grandes epopéias poderão surgir, quando os poetas forem capazes de


enquadrar em linguagem sublime os valores mais fundamentais do
desenvolvimento humano. Manterão as antigas epopéias apenas uma validade
histórica. O mesmo acontecerá com os velhos hinos nacionais, porque já raiou
uma nova espécie de patriotismo.

De maneira geral as antigas epopéias foram cessando ali pelo século 18,
quando foi mudando também a concepção humana com o crescente liberalismo
do pensamento.

O espírito da nova epopéia talvez se tenha revelado claramente no final


grandioso da 9-a Sinfonia de Beethoven.

ART. 2-o. GÊNERO LÍRICO.

4515y865.

866. O nome lírico (de lira) se deve à circunstâncias de haverem sido cantadas
ao som da lira, na antiga Grécia, as composições sentimentais.
Não chegaram os gregos a conhecer a música instrumental inteiramente
desligada do canto. Dali porque somente cantavam composições poéticas.
Então musa poética e musa da música se identificavam.

Como temática, o gênero lírico expressa a subjetividade sentimental do artista.

No sentimento ulterior, que a arte produz, há ainda a distinguir o juízo afetivo


concomitante e o juízo afetivo consecutivo (vd Estética Geral n. 93).

O juízo afetivo concomitante é a consciência que acompanha o sentimento ao


mesmo tempo que se exerce.

Depois de exercido este juízo concomitante ao sentimento forma-se um juízo,


pelo qual averiguamos termos tido tal estado sentimental; eis o juízo afetivo
consecutivo.

867. Espécies de composições líricas. Do ponto de vista da diversidade, o


lirismo mantém-se num certo nível de equilíbrio, que não vai nunca ao
dramático, ainda que possa ultrapassar a vibração convencional.

A variedade dos sentimentos, oferece lugar a diferentes espécies de


composições líricas. Fizeram-se mais conhecidas: o hino, o canto, o salmo, a
ode, a canção, o madrigal, a elegia, a nênia, epicélio, epitélio, idílio (com
égloga e pastoral), a cantata, o dondó (com triolé e vilancete), a balada e o
ditirambo, o epitalâmio , o acróstico (com epigrama e máxima).

Sobretudo a estética musical está atenta a estas variedades líricas.

868. A ode, - cujo sentido grego é canto, - era uma composição poética
apropriada para ser cantada. Seu estilo exaltado, conserva-se ainda hoje, mais
ou menos nesta forma.

Ode campestre:
"Aqui, onde ninguém nos escuta,
quero falar do meu amor.
Por abrigo terei esta gruta,
por enfeite terás esta flor.

Um pássaro escuta o que eu falo


e canta para me ajudar.
Mas, toda vez que me calo
fala por mim o eu quieto estar.

Agora vejo que os ramos


estão , de repente floridos.
As palavras que pronunciamos
adquiriram, já, outros sentidos.

O eco, por detrás do arvoredo,


com a sua sonora intrujice,
irá cantar o meu segredo
e muita coisa que eu não disse.

Que adianta os olhos fechamos?


Noite vermelha nos teus lábios,
O segredo que só nós sabemos
é aquele em que todos são sábios.

Tudo será mais do que é.


Eu criei um novo abismo
com o céu que caiu no chão
e um ramo verde de palavras".
(Cassiano Ricardo).

869. A elegia desenvolve um lirismo de temas tristes. Na literatura grega e


latina possui a forma de dísticos.

Elegia de verão:

"O Sol é grande. O coisas


Todas vãs, todas mudáveis!
Como esse "mudáveis"
Que hoje é "mudáveis
"Que já não rima com "aves".

O sol é grande. Zinem as cigarras


Em laranjeiras.
Zinem as cigarras: zino, zino, zino...
Como se fossem as mesmas
Que eu ouvi menino.

Os verões de antigamente!
Quando o Largo do Boticário
Ainda poderia ser tombado.
Carambolas ácidas, quentes de mormaço;
Água morna das caixas-d'água vermelhas de ferrugem;
Saibro cintilante...

O sol é grande. Mas, ó cigarras que zinis.


Não sois as mesmas que eu ouvi menino.
Sois outras, não me interessais...
Dêem-me as cigarras que eu ouvi menino".
(Manuel Bandeira).

870. O hino é originário da Grécia, onde era entoado em honra aos Deuses. É
hoje manifestação lírica subjetiva que também toma a direção de pessoas
humanas e acontecimentos a comemorar. Enuncia o sentimento com viva
emoção e patos.

Geralmente se destina a ser musicado, como se vê nos hinos patrióticos


nacionais, nos hinos de grupos associados, nos hinos religiosos.

São menos frequentemente musicados os hinos que manifestam a exaltação


patriótica em torno de fatos.

A fim de que o hino não escape ao gênero lírico, deve manter o tratamento
subjetivo dos sentimentos. Se se desse um tratamento objetivo, já seria pequena
epopéia.

Quanto ao modo de se manifestarem os sentimentos, o hino se exerce com


índole grave e solene. Não desce ao vulgar, nem se ocupa com o meramente
gracioso, afastando-se também dos sentimentos amoráveis do sexo. Sob este
ponto de vista da especificidade do sentimento, aproxima-se da epopéia e
se afasta da canção e do madrigal.
871. O soneto, do ponto de vista temático, se ocupa de temas ligados à ação.
Por isso se presta para o gênero lírico e geralmente por isso é curto, além de
expressar sentimentos subjetivos, não resiste ao épico, ao humorístico, ao
satírico.

O tratamento geral do tema usualmente é elevado. O soneto se apresenta pois


como um gênero sério. Seu caráter aprimorado, o faz ser jóia literária.

Prontamente o soneto se revela pela sua feição exterior em dois períodos. O


primeiro, de 8 versos, se distribui em dois quartetos. O segundo, de 6 versos,
distribuído, por sua vez em dois tercetos. Total, 14 versos.

Na literatura estrófica as duas primeiras quadras apresentam diretamente um


tema qualquer; nos restantes dois tercetos expressa a realidade maior, como
intenção última. Este final deve evidentemente estar sugerido no tema inicial. O
último terceto ou mesmo o último verso, tende a ser o mais brilhante da
composição, a chave de ouro.

Geralmente em estrutura estrófica de decassílabo, o soneto também é escrito


em alexandrinos e setissílabos (sonetilho).

As rimas do soneto obedecem a uma disposição clássica: os quartetos com


duas rimas, os tercetos outras duas. Nos quartetos uma rima se põe nos versos
1º, 4º, 5º e 8º; a outra, nos versos 2º, 3º, 6º, 7º, Nos tercetos, uma rima se de
coloca nos versos 9º, 11º, 13º; a outra, nos versos 10º, 12º, 14º.

Dentre os poemas de forma fixa, é o soneto o mais apreciado, pela sua


condensação e lógica interna. Foi muito praticado pelos parnasianos. A poesia
moderna, em virtude da liberdade de forma, não se ocupa tanto com o soneto,
ou lhe altera a rigidez da forma antiga.

Como gênero literário, o soneto surgiu com o trovador francês Girard de


Bourneuill; outros dizem que com o poeta siciliano Giacomo da Lentini (1ª
metade do séc. 12).

Teve desenvolvimento com Dante e Petrarca. Ingressou na literatura


portuguesa com Sá de Miranda (1495 - 1558).

Apreciemos, pois um soneto de Sá de Miranda:


"O Sol é grande, saem coa calma as aves,
do tempo em tal sazão, que soe ser fria;
esta água que d'alto cai acordar-m'ia
do sono são, mas de cuidados graves.

Ó cousas todas vãs, todas mudáveis


Que é, tal coração qu'em vós confia?
Passam os tempos vai dia atrás dia,
Incertos muito mais que ao vento as naves.

Eu vira já aqui sombras, vira flores,


vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d'amores.

Tudo é seco e mudo; e, de mestura,


também mudando-m 'eu fiz doutras cores:
e tudo o mais renova, isto é sem cura."

873. A canção desenvolve o sentimento lírico de maneira leve e um tanto vago,


em que os sentimentos subjetivos fazem referência a pessoas de estima,
indicadas pelas suas profissões e pelo que estas pessoas podem representar nas
aspirações de amor do cancioneiro.

Tais sentimento admitem todas as modalidades, desde as mais nobres, até as


triviais, maliciosas e satíricas. Sob este ponto de vista, a canção é um hino sem
o peso majestático da solene elevação.

E uma vez que a canção se subordina a todos os meandros do sentimento,


assume rapidamente feições regionais. Por isso, o gênero se encontra nas mais
diversas modalidades em todos os povos, recebendo denominações
características.

Em virtude da índole inteiramente lírica e subjetiva da canção ela assume em


cada povo sua modalidade e se torna praticamente intraduzível.

874. No Brasil, do gênero canção, se conhecem as "modinhas" e "lundus".


A modinha, de modilho (do italiano modiglione, ornato arquitetônico em
forma de S invertido) iniciou como canção graciosa de salão, popularizando-se
depois, na forma que hoje tem.

O lundu, de origem africana, primitivamente dança cantada rural, passou a ser


canção solista, frequentemente cômica.

875. Canções de outros países:

Peã, - na Grécia, - em honra de Apolo.

E ainda o himeneu, para as núpcias.

Seguidilhas, - na Espanha, - de que são variantes manchega, muito viva, bolero,


mais comedida, e gitana, lenta e sentimental.

Fado, - em Portugal, dolente e fatalista.

Brabaçone, - na Bélgica.

Saga, na Noruega, que transmitia as lendas oralmente.

Lied, na Alemanha.

876. O madrigal, como composição lírica, manifesta um sentimento subjetivo;


pela espécie de sentimento, exprime com galanteio a simpatia pela formosura
feminina; pelo tratamento, é gracioso e leve. A expressão é pequena, como
se apropria ao gracioso.

Semelhante à canção, o madrigal diz-se de mesmo uma espécie de canção,


reservada, porém, ao galanteio.

Originou-se na Itália. Era cantado, ainda que sem acompanhamento. Evoluiu


em direções diversas, acompanhando o próprio progresso da música.
Monteverdi (1567-1643) conduziu o madrigal a um ousado tratamento musical.
877. Outros e outros subgêneros de poesia lírica se podem arrolar. Não passam
todavia de variações dos que anteriormente foram mencionados.

Ao gênero lírico também se reduzem as composições de extravagante


trepidação como o roque, este desenvolvido em clima inglês e dali se
espalhando rapidamente pelo mundo.

878. Finalmente, que dizer da poesia dramática? Ela é sobretudo a poesia lírica
desenvolvendo-se na área de objetos em conflito, com solução violenta.

Nela ocorre a presença clara do pensamento, mas este subordinado inteiramente


ao elemento evocativo que exerce o comando da narrativa.

CAP. 7-o.

ESTILO LITERÁRIO. 4515y880.

881. Introdução ao estilo. Por último, em estética literária resta considerar


aquilo que é acidental na expressão e que já não pertence à sua essência e às
suas propriedades. A este aspecto acidental da expressão artística se usa
denominar estilo, e a seu estudo estilística (vd 885).

O termo estilo deriva de estilete, do latim stilus (= vareta), com que, em


tempos antigos, se picavam os caracteres ideográficos nas taboínhas de cera e
nos materiais sólidos em geral. Dali o significado evoluiu para o modo
adquirido pelos sinais e depois para a índole geral da expressão.

Finalmente, em sentido nobre, estilo passou a indicar sobretudo o modo


perfeito de expressar. Não obstante, na linguagem ordinária, estilo é indicador
do modo de expressar, qualquer seja o nível de perfeição.

Por último alargou-se de o significado de estilo para qualquer modo de fazer e


agir. Neste sentido lato se diz: estilo de vida, estilo de trabalho, estilo de jogo,
estilo de remar.

Ainda que acidental, o estilo é o que torna a arte atraente. Por isso, não se pode
concluir nenhuma consideração sobre a arte, e em especial da arte da língua,
sem tratar do estilo, ou seja daquilo que,embora seja acidental e desnecessário,
é contudo atraente.

Requer-se de também no acidental uma ordem didática, e que poderá ser a


seguinte:

- do estilo em geral (vd 882);

- classificação dos estilos e deles em particular (vd 888).

ART. 1-o. DO ESTILO EM GERAL.

4515y882.

883. Em princípio, estilística é o exame do estilo, no sentido de tratar do


mesmo apenas como acidentalidade da expressão artística.

Entretanto, pode a estilística significar também todo um arranjo didático


(vd 885), em que se colhe o mais interessante do mesmo estilo e se aduzem
ainda outros elementos.

É, pois, a estilística o estudo dos acidentes da expressão artística, enquanto


estes admitem uma disposição didática ordenada.

Por meio desta ordenação os recursos estilísticos são simplesmente arrolados


em classes, de sorte a não se omitir nenhum deles e a revelar respectivamente a
capacidade intrínseca de cada um.

Há estilos históricos conhecidos, e seu estudo imensamente serve à estilística.


Mas certamente não são os estilos históricos a totalidade do que se pode saber
sobre o assunto.

No exame sistemático dos estilos, as acidentalidades da expressão


comparecem em sistema, que visa a totalização dos acidentes e a interna
natureza de cada um deles.
Por muitos lados se aborda o estilo, porque, sendo algo acidental, não obedece
um esquema interno a ele mesmo. Por conseguinte, só resta seguir em frente,
coletando as várias incidências em que incorre. Enquanto assim se procede não
se deixa de fazer repetições didática para conceituá-lo cada vez com mais
precisão.

884. Filosofia do estilo e ciência do estilo. Importa atender para a distinção


entre uma filosofia do estilo, fundada no que se oferece racionalmente, e uma
ciência do estilo, com base na constatação experimental.

Em princípio, a distinção entre essencial e acidental é filosófica. Vê por


conseguinte o filósofo o estilo sempre como algo acidental frente ao essencial.

Mostra mesmo, de que modo o essencial pode assumir os elementos não


essenciais. Neste sentido, a subtileza filosófica advertirá que, do essencial
derivam primeiramente as propriedades necessárias (ditas por isso também
propriedades essenciais) e que depois, a partir destas propriedades necessárias,
derivam finalmente os acidentes.

A estilística científica experimental cuida apenas de verificar as


acidentalidades experimentalmente, com preocupação sobre o que de fato
acontece nas preferências humanas neste campo. E isto muito importa.

Ganha-se um estilo de expressão após muito exercício, durante o qual se vão


firmando as melhores maneiras de compor.

885. Estilística como disciplina de estudo. Pragmaticamente, o estilo poderá ser


um objetivo a alcançar, desenvolvendo-se sobretudo a partir dali a estilística.

Efetivamente, o acidental não é algo inútil e pode mesmo ordenar-se em graus


sucessivos de perfeição, em que todos os graus são apreciáveis, sobretudo pela
variedade oferecida.

Como disciplina de estudo, a estilística adverte para os pressupostos, anteriores


ao mesmo estilo. Pressupõe esta estilística disciplinar noções básicas sobre a
arte em geral, desde a essência da arte como expressão, passando pelos
conceitos de prosa e poesia, até o final das propriedades da expressão.
Finalmente ingressa tal estilística no estilo propriamente dito, como
acidentalidade.

Envolvendo a estilística disciplinar mais elementos do que aqueles da


definição específica de estilo, importa ficar atento, para manter distintas as
noções específicas do estilo e aquelas que não lhe pertencem senão como
pressupostos.

O envolvimento se dá principalmente porque o acidental pressupõe o que lhe


fica anterior como base. Os acidentes de estilo, quando são apenas graus das
propriedades da expressão, tendem a se confundir com as mesmas propriedades,
ou pelo menos não podem ser tratados sem menção a elas. Prefira-se dizer
qualidades de estilo e não propriedades de estilo...

Numa visão eminentemente geral, a estilística se diz de todas as artes, e


envolve elementos tanto filosóficos, quanto experimentais.

Foi no setor da arte da língua que a estilística por primeiro evoluiu


teoricamente, e isto já aconteceu na antiguidade grega. Ao tempo dos romanos
já apareceu o termo estilo (vd 881); todavia já muito antes se tratou do tema
entre os gregos.

Finalmente, o nome estilística, como conjunto disciplinar de conhecimentos,


só apareceu tardiamente, no fim do século 18, com o prerromântico Frederico
Novalis, referindo-se aos recursos retóricos.

O termo passou a ter mais precisão em princípios do século 20, com as


considerações sistematizadoras de Charles Bally (Compêndio de estilística -
1905) e de Karl Vossler (Positivismo e idealismo na ciência da linguagem,
1904).

886. Continuamos insistindo em precisar o que é peculiar ao estilo. Onde se


situa a divisa entre o acidental, de que se constitui o estilo, e o que não é
acidental?

Caracteriza-se o acidental pela sua não necessidade; é o que está junto,-


conforme o sentido do étimo latino accidens, - e que poderia dispensar-se. O
acidental é eventual. O necessário na arte está primeiramente na sua essência,
isto é, naquilo que lhe dá espécie; tal é a condição, por exemplo, da mimese ou
imitação, - seja natural, como acontece na pintura, escultura, música, seja a
convencional, como sucede na língua.

O necessário também se encontra nas propriedades, que coerentemente


derivam da essência; por exemplo, uma vez que a arte exprime o objeto, este
aparece com alguma evidência, verdade, certeza (propriedades gnosiológicas),
bem como pode tornar-se instrumento de comunicação (propriedade útil) e
motivo de agrado (propriedade psicológica).

Mas, é dispensável, por exemplo, que a expressão atinja tais e tais graus de
perfeição. Quer imite bem, quer imite mal, quer seja muito ou pouco evidente,
quer seja muito capaz ou pouco em sua função de comunicar e de exercer
agrado, - a arte sempre continua sendo arte, pois tais condições ou graus
ocorrem apenas como eventualidade e não como necessidade.

De outra parte, acontece muita aproximação entre o que é acidental e o que é


necessário.

Por vezes o acidental adquire estabilidade e assume o caráter aparentemente de


propriedade. Então o acidental tornado estável se dirá propriedade apenas no
sentido analógico. Efetivamente a estabilidade não converte o acidental em
propriedade no sentido próprio.

Costuma ocorrer a estabilidade do acidenta, quandojá anteriormente a essência


e as propriedades se mantém estáveis. Portanto, a estabilidade não é própria do
mesmo acidente.

O acidental somente subsiste apoiado nas propriedades. Por exemplo, a


evidência é uma propriedade gnosiológica da expressão; os graus de evidência
atingidos são acidentais, porque nenhum é necessário em relação a outro grau.
Portanto, os estilos de expressão se podem fazer notar pelos graus de evidência
desejada.

A variação de graus, em que incorre uma propriedade, é sempre algo acidental


e portanto de estilo; mas a propriedade mesma não é o estilo. A evidência, por
exemplo, é uma propriedade necessária da expressão; ser mais evidente, ou ser
menos evidente, é uma questão de grau, e portanto de estilo.

O contexto permite, entretanto, que as mesmas palavras signifiquem nuances.


É quando, ora podemos estar a nos referir a propriedades, ora aos graus da
propriedade. Dizer "estilo evidente", "estilo claro", ou "estilo confuso", "estilo
obscuro", é uma referência a graus de evidência, e não à evidência
simplesmente e que é uma propriedade necessária e sempre decorrente da
expressão.

Uma definição admite ser enunciada com outras palavras. Em vez de definir
o estilo como forma acidental da expressão, podemos dizer: o estilo é o
modoacidental como a expressão artística se processa. O modo também se diz:
maneira, modalidade. Desde que não se envolvam a forma essencial da
expressão e suas propriedades, tudo o mais que se diga da forma da arte é estilo.

Portanto, estilo não é senão mais um nome, e que se tornou tecnicista, para
indicar os aspectos acidentais da expressão.

887. Tipos de estilo. Aspectos muito acidentais podem caracterizar fortemente


uma expressão. Mas é difícil tipificar o que não chega a ser propriedade
propriamente dita.

Na ordem da importância exercem grande destaque as propriedades


gnosiológicas (valor de evidência, verdade e certeza). Estas admitem graus, e já
são elementos acidentais. Se a arte tem função de expressar, importa que o faça
com evidência, verdade e certeza, em grau pelo menos suficiente.

Suficiente em que sentido? Enquanto umas artes são utilizadas primeiramente


para comunicação, que necessita mais das propriedades da evidência, verdade e
certeza, já outras se orientam para preocupação estética, diversão, catarse.

Diante disto, o bom estilo se mostra relativo, conforme ao objetivo que a


expressão deva atender na intenção do artista e do seu apreciador.

Influenciam notoriamente também o estilo o tratamento do tema. Uns o


idealizam e outros o mantém individualizado, dali resultando os estilos
clássicos e os não clássicos.

Uns apresentam ao tema com profundidade, outros com superficialidade.


Outros com mediocridade. E ainda outros com genialidade. É o que dá a
característica à expressão.
Neste sentido se fez bastante conhecida a afirmação do Conde de Bufon (1707-
1788), de que o estilo é o homem. Estilo, ou profundo, ou superficial dado ao
tratamento do tema revelariam o homem. O tema está fora do homem, todavia a
cifragem profunda ou medíocre depende do homem. "Estas coisas estão fora do
homem, o estilo é o mesmo homem"

"Les ouvrages bien écrites seront les seuls que passeront à la postérité. La
quantité des connaissances, la singularité des faits, la nouveauté même des
découverts, ne sont pas de sure garante de l'immortalité; se les ouvrages qui les
contiennent ne roulent que sur de petite objets, s'ils sont écrits sans gout, sans
noblesse et sans genie, ils périront, parce que les connaissances, les faits el les
découverts s'enlévent, se transportent et gagnent même à être mis en oeuvre par
des mains plus habiles: ces choses sont hors de l'homme, le style est l'homme,
style est l'homme même (Discurso de recepção na Academia Francesa em 25
de agosto de 1753).

A escolha do estilo é sempre algo individual, de sorte a identificar a seu autor,


sua capacidade, seu gosto.

Nunca se poderá dizer que um autor não tenha estilo; quer se trate de
expressão excelente, quer deficiente, o que acontece dá-se no plano da
acidentalidade.

"Cada um tem sua maneira de manejar o estilo, como cada um de nós tem sua
escritura. O estilo é a individualidade e o movimento do espírito visíveis na
eleição das palavras, das imagens, mais ainda, na construção da frase, do
período no arabesco caprichoso, que traça o pensamento no seu curso" (Séailles,
G., Le génie dans l' art, c. VI, p. 215).

ART. 2o. CLASSIFICAÇÃO DE ESTILOS E DELES EM PARTICULAR.

4515y888.
889. Como acidentalidade o estilo não tem uma sistemática interna para ser
classificado apenas a partir de si mesmo.

Obedece todavia a uma sistemática que lhe é imposta a partir dos objetos
estilizados, podendo portanto ser classificado a partir do exterior. O estudo
classificatório dos estilos não se faz por conseguinte como uma sequência de
eventuais tendências internas a partir dele mesmo.

A acidentalidade que cria os estilos ocorre a partir dos elementos mais


fundamentalmente constitutivos da obra de arte, ou seja da expressão,
sobretudo enquanto esta é composta de significado (ou expressão) e
significante (matéria portadora da expressão). Começa então a haver uma
diretriz para estabelecer uma classificação dos estilos.

A nível do significado e de suas propriedades ocorrem os estilos


gnosiológicos, axiológicos, psicológicos, funcionais (úteis); em conjunto
formam os estilos propriamente artísticos.

A nível de significante arrolam-se os estilos pré-artísticos, de que alguns são


paralelos aos estilos propriamente artísticos.

Todo o conjunto dos estilos anteriormente classificados são definidos em


função à essência e suas propriedades; vistos, ainda sob o ponto de vista da
existência, isto é, do seu surgir histórico, constituem também a classe dos
estilos históricos. Nem tudo existiu sempre, e há estilos que, embora possíveis,
ainda não se manifestaram.

As classes não são fáceis de distinguir e nem é fácil obter o consentimento


sobre as referidas classes.

892. Para classificar os estilos começa-se bem, principiando pelas diversas


categorias de propriedades, pois eles são graus dessas propriedades.

Há propriedades gnosiológicas, como evidência, verdade ( lógica), certeza. Em


decorrência, se dizem estilos gnosiológicos.

Há propriedades axiológicas, como verdade (ontológica) e bondade ( moral).


De novo, em decorrência se dizem estilos axiológicos.
Neste quadro estão, como graus, os estilos clássico e não clássico, com
referência à idealização ontológica; estilo moral e amoral, social e anti-social
(este dito as vezes estilo burguês), com referência aos parâmetros morais.

Há propriedades psicológicas, como esteticidade, ludicidade, catarse, etc..


Ainda aqui, em decorrência, se dizem estilos psicológicos, ou seja estéticos,
catárticos, lúdicos, etc.

Há propriedades úteis; dali resulta haver estilos funcionais, como os de


comunicação, didáticos, pedagógicos (em arte da linguagem), de morar, de
trabalhar, etc.

Estes estilos são complexos, porque ajustam aos objetivos funcionais os estilos
gnosiológicos, axiológicos, psicológicos e até mesmo os estilos pré- artísticos.
Tais estilos com frequência se internetram, e não podem ser tratados
inteiramente em separado.

A língua é em primeiro lugar expressão. Usada todavia como instrumento de


comunicação, costuma ser funcional, e em decorrência seus estilos
habitualmente são funcionais, ainda que em muito diverso grau, e para as mais
variadas destinações.

A ciência da história, ao constatar a duração temporal das coisas, também


verifica o surgimento histórico, não somente da arte em geral, mas
principalmente dos assim chamados estilos históricos. Estes se ordenam então
sistematicamente sob perspectiva histórica, e que é a maneira mais frequente de
abordar os estilos.

Na ordenação histórica tradicional, os estilos se classificam em clássico(antigo),


bizantino, românico, gótico, clássico renascentista, barroco, neoclássico,
acadêmico, moderno. Mas importa considerar que esta classificação não esgota
o tema estilo, pressupondo mesmo as outras classificações.

Por ordem, em decorrência do exposto, os estilos são classificáveis mais ou


menos sistematicamente como:

- estilos gnosiológicos (vd 894),

- estilos axiológicos (principalmente clássicos e não clássicos) (vd 902),

- estilos psicológicos (vd 950),

- estilos funcionais,

- estilos históricos,
- estilos pré-artísticos.

Há a esclarecer a distinção entre os estilos propriamente artísticos, - como os


mencionados, - e os estilos pré-artísticos, que não dizem respeito à arte
propriamente dita, mas ao seu portador material ou seja ao significante.

Os graus eventuais das propriedades encontradas no significante influenciam


exteriormente a arte, variando-lhe o estilo.

Os sons musicais, por exemplo, poderão ser mais puros, como acontece nos
instrumentos chamados musicais, e menos puros, como nos instrumentos de
simples percussão. Ora, isto não diz respeito à expressão musical
especificamente, mas apenas ao seu portador, influenciando, entretanto, o estilo.

893. O estudo dos estilos se pode fazer ecleticamente, atendendo a todos os


pontos de vista simultaneamente.

No método eclético de tratar todos os estilos cuide-se para que em nenhum


momento se perca a consciência clara e distinta sobre as diferenças entre os
diversos pontos de vista, ora gnosiológicos, ora psicológicos, ora morais e
sociais, ora históricos, ora preartísticos.

É difícil dizer quais os estilos mais importantes, se por exemplo, os


gnosiológicos, se os axiológicos, se os psicológicos, se os históricos, se os pré-
artísticos.

Ainda que se alegue como sempre importantes a clareza e a distinção da


expressão, e que por isso o estilo gnosiológico é o mais importante, há um
engano. Se a clareza e a distinção importam sempre, já não se trata de uma
questão de estilo, mas de propriedade da expressão. Efetivamente, o estilo
apenas se diz do grau da referida clareza e distinção.

Não obstante, a palavra estilo é oscilante. Por vezes é usada com sentido que
inclui a propriedade (necessária). No rigor sistemático do estudo dos estilos,
deve significar apenas o grau eventual da propriedade.
Se há um estilo ao qual se possa dar ênfase, é o psicológico, porque ele
aumenta o grau de agrado, o que finalmente leva o apreciador da arte a apreciá-
la.

Para uma distribuição didática dos estilos, destaca-se de a divisão dicotômica


em: abordagem teórica do estilo, em que se definem os estilos gnosiológicos,
axiológicos, funcionais e similares; abordagem histórica dos estilos, geralmente
lenta.

No conjunto Mega-estética da Enciclopédia Simpozio o ponto de vista


dominante é o da filosofia. Devendo o ponto de vista especificamente histórico
ser tratado por ciência positiva, em outra unidade enciclopédica será destacado
o estudo dos estilos históricos.

Os textos denominados Filosofia geral da arte, Estética literária se limitam


praticamente à abordagem teórica dos estilos. Os textos Estética das formas,
Estética das cores, Estética musical se alargam um pouco mais sobre os estilos
históricos, sem contudo fazer deste ponto de vista da ciência positiva o objetivo
principal.

§ 1-o. Estilos gnosiológicos.


4515y894.

895. Os estilos gnosiológicos se dizem dos graus eventuais atingidos pelas


propriedades de evidência, verdade, certeza alcançados pela expressão. Em
virtude da importância destas propriedades gnosiológicas, o estilo diz respeito
principalmente a elas, mais portanto do que às qualificações axiológicas.

O brilho da evidência pode fulgir variadamente, ora com as sugestões das


madrugadas, ora com as irradiações fortes do meio dia, mas ainda com as meias
luzes, com as anotações, com as advertências, com as exemplificações e assim
por diante.

E a verdade ? Deve a expressão falar como verdadeira. Muitos são os graus


atingíveis no fazer verdadeira a informação, porque o predicado poderá
proporcionar-se mais ao sujeito do qual se afirma, quer menos. O predicado
genérico apresenta mmenor grau de informação.
Começa a expressão da verdade, iniciando pelo perguntar e questionar, quer já
adiantando pela hipótese. A precisão e ênfase, pode iniciar pelo
desenvolvimento instantâneo, quer desvelando progressivamente, até a
angulosidade dos contornos.

Também muitos são os níveis eventuais com que se instala a certeza da


expressão. O sujeito deve ter segurança, a qual o estilo garante por muitas
maneiras.

Importam mais algumas considerações sobre a verdade e a certeza, como


propriedades gnosiológicas da expressão, sobretudo da literária, quando usada
como veículo de comunicação.

896. A verdade, com todas as suas variantes, é uma das peculiaridades de estilo
mais reclamadas. Além da verdade necessária, a expressão a desenvolve com
eventualidades diversas de alcance.

Devendo a expressão informar sobre o tema, imitando-o, é natural que deva


haver uma relação de ajuste entre ambos os termos. Decorre dali a justeza. Em
tais condições a arte se dirá justa, isto é verdadeira, adequada, autêntica,
precisa, própria, exata, proporcional.

Dali resultam novas propriedades de estilo que se geram em cadeia, como


redivisões da propriedade fundamental da verdade justa. Uma expressão justa é
necessariamente concisa, vigorosa, correta.

Na medida que diminui a justeza, a expressão incorre no desajuste,


denominado frouxidão. Esta poderá ocorrer por ausência, quando faltam na
obra elementos que a tornam capaz de exprimir mensagem, e por excedência
(ou redundância), quando na obra se põem caracteres que tumultuam a
expressão e até a desviam.

A excedência é muito relativa quando se tem de levar em conta o aspecto


didático e pedagógico. Para alguns a expressão pode ser sintética, enquanto
para outros deverá ser analítica e dividida, porquanto não têm ainda o domínio
de todos os conceitos envolvidos. A circunstância também pode obrigar a uma
excedência.
Um discurso à grande massa precisa quase repetir duas vezes o mesmo
pensamento, para que a fala tenha oportunidade de atingir a todos os ouvintes,
cuja atenção está um tanto dispersa e diferentemente reclamada.

897. A expressão artística há de utilizar a expressão adequadamente para


produzir um grau suficiente de certeza.

Em princípio a certeza é gerada pelo que a expressão objetivamente contém.


Mas ela deverá atendender também às condições daquele ao qual a expressão
se destina. Então ocorrem os graus subjetivos da certeza artística, e que
resultam em variações de estilo.

O grau de certeza alcançado basta ser aquele considerado suficiente. Resta


uma considerável margem de segurança que permite muitas opções de estilo e
até da polissemia. O jogo do contexto e da associatividade permitem um largo
leque de estilos, sem que mude o tema.

§ 2o. Estilos axiológicos e não axiológicos.


4515y902.

903. O tema, por mais axiológico ou necessário em si mesmo, atua apenas


exteriormente sobre sua expressão em arte. Por isso, o tema qualquer que seja,
é sempre uma questão acidental e que somente poderá marcar o estilo, entre
outras marcas, a de ser clássico ou não clássico, e a de ser moralista ou não
moralista (arte pela arte).

Há uma arte bela (clássica) e uma arte indiferente ao belo; há uma arte boa e
uma arte indiferente ao bem (arte pela arte).

Segue-se a grande pergunta:

- seriam autênticas somente as belas e boas artes?

- ou todas estas modalidades de artes seriam arte?


O fato é que a arte praticada segundo este ou aquele parâmetro se torna
diferente pelo estilo.

Importa à filosofia da arte entender os parâmetros, para entender e orientar os


estilos. Mas não decide diretamente sobre a questão. Os fatores com que a
questão dos parâmetros se decide cabe a outros setores específicos da filosofia,
sobretudo da gnosiologia, ontologia, ética, filosofia social, etc. Não se trata de
pressupostos internos à filosofia da arte, e que venham aqui condicionar os
estilos. Os pressuposts são simplesmente externos à filosofia da arte.

Passando a querer entender os parâmetros dos estilos axiológicos, a tarefa não


é fácil. Por vezes é quase tão difícil quanto decidir sobre eles.

904. A nomenclatura para a conceituação dos estilos axiológicos e não


axiológicos encontra dificuldades de se organizar, tanto para os estilos
axiológicos como para os não axiológicos.

No plano dos estilos axiológicos generalizou-se o termo clássico. O que opõe


entre si o clássico e o romântico (este um estilo não clássico), para indicar
correntes estéticas opostas, surgiu a primeira vez com Thomas Warton, em
1781, evidentemente ainda não com a plenitude de um significado que é só a
evolução concreta determinaria.

O nome clássico se firmou com Frederico Schlegel. Defendia este que o


romance (novela) deverá ser para os modernos, o que fora o poema para os
antigos - o gênero dominante.

Classicismo é um nome que assumiu uma significação bem definida. Em todas


as épocas tem a arte clássica a mesma tendência idealizadora no sentido de
perfeito, quer na expressão, quer na escolha do objeto.

Tradicionalmente, perfeito é dito em função a um arquétipo, em acordo do


qual o objeto expresso se idealiza em sua estrutura. Mas também se pode cuidar
da melhor maneira de agir, e então se trata do bem como valor; neste campo se
desenvolve sobretudo a filosofia dos valores.

Ainda que seja sobretudo em função ao arquétipo ideal que se conceitua a arte
clássica, como axiológica, também são axiológicos os estilos que obedecem a
um referencial arquétipo na ordem do agir.
O termo arte idealizada se diz habitualmente da arte quando idealiza o ser da
estrutura. Mas também se admite dizer estilo idealizado quando o arquétipo se
diz na ordem do agir. Nesta acepção, todas os estilos axiológicos são
efetivamente idealizados.

No mundo não-clássico, ou anticlássico, ainda não apareceu um nome coletivo


para esta posição em campo adverso. A dispersividade anticlássica continua
sendo expressa pela forma negativa, pelo uso de anti -, ou seja, definindo-se
pelo que não é, pelo que combate.

Ora dizemos individualismo (contra o absoluto), ora realismo (contra o tipo


idealizado), ora subjetivismo (contra o objetivismo).

Por algum tempo, romantismo fora o nome que abarcava relativamente


bastante o que se pretendia como anticlassicismo. Agora o romantismo vai
sendo restringido como denominação da expressão emotiva ou sentimental
duma época.

Finalmente restou a designação modernismo; é nome que, pelo seu conteúdo


cronológico, acabará um dia não significando nada, porque em si apenas
significa o que está na moda. No fim da Idade Média já havia os que se
consideravam modernos, e que eram os filósofos nominalistas, chefiados por
Ockam, o esvaziador dos conceitos universais.

Em Hegel as palavras "simbólico" e "clássico" e "romântico" aparecem com


um sentido que se refere ao ajuste entre forma e conteúdo; portanto, não se
refere a um tratamento do tema em si mesmo, do ponto de vista da idealização,
mas a propriedade pela qual a expressão tem uma certa proporção com o tema
expresso pela obra.

Nessa acepção hegeliana, seria clássica aquela arte em que houvesse perfeito
equilíbrio entre a forma e o conteúdo; tal ocorreria particularmente na escultura,
principalmente na grega. A arte simbólica seria aquela em que houvesse
desproporção, com o tema inferior; a romântica seria a desproporcionada, com
o tema superior (Cf. Hegel, Estética, Intr. C. 4).

I - Estilos axiológicos.
4515y905.
906. Redivisão dos estilos axiológicos. A idealização da expressão artística, -
com base nos conceitos anteriormente enunciados, - se processa na direção de
dois valores axiológicos fundamentais, que passam a ser tomados como
arquétipos da expressão artística:

- a verdade ontológica (verum),

- o bem ontológico (bonum).

Em consequência dos dois arquétipos modeladores da idealização, se dão dois


estilos axiológicos.

Um primeiro clássico idealizador do objeto se dá em função à verdade


ontológica tomada como seu arquétipo. Eis O esteticismo clássico, ao qual se
opõe o esteticismo não-clássico, como o do romantismo e modernismo.

O segundo clássico idealizador do objeto se dá em função ao agir,


subordinado ao bem ontológico, tomado como seu arquétipo. A este estilo
moralista se de opõe, o da arte pela arte.

Há a destacar principalmente o classicismo estético, ao mesmo tempo que o


distinguindo do classicismo moral. Em alguns aspectos aliás o modelo moral
depende do primeiro, a verdade ontológica.

a) - Estilo clássico, ou da verdade ontológica. 4515y907.

908. Ainda que haja uma distinção perfeita entre o axiológico da idealização
na ordem da verdade ontológica e o bem ontológico, os dois temas em muito se
se aproximam, porque ambos têm mais no fundamento o mesmo ser. Por isso
algumas coisas que diretamente interessam ao esteticismo clássicos vão
adiantar temas do problema axiológico do bem na arte.

O axiológico também se diz o absoluto, quando este significa necessário.


Acontece também um significado, em que absoluto significa desligado e ainda
sem referência a um termo de comparação. Este outro sentido ocorre, quando
absoluto se diz da perspectiva que diz o que a coisa é constitutivamente, sem
qualquer referência direta para outra; nesta condição, um ente se diz uma coisa
(uma essência, uma existência, uma pedra, uma árvore, uma pessoa, uma
cidade, etc.).

A perspectiva "em relativo" é a que resulta da consideração de um ente em


relação, e não em sua constituição interna. Mas, a relação para outro, pode ser
tanto necessária, como contingente. Eis quando ocorre um difícil jogo de
significados. O absoluto, significando, ora sem relação, ora necessário,
aparenta estar, ora em oposição à relativo, era não.

909. Se um ente é visto apenas na ordem de uma essência ideal, este ente se
diz verdadeiro ontologicamente; se na ordem da existência, ele se diz bom
ontologicamente.

Como verdadeiro, o ente convém a si mesmo, sendo-lhe conveniente o existir


mais que o não-existir; nesta direção de significação se diz do ente que o seu
existir é um bem; que passa ao não existir, é um mal.

Se introduzirmos o ponto de vista da ação (= axis, no grego), a pergunta


consiste em saber de que modo se age, para que o ato, ou o novo ser, se
estabeleça de acordo com sua verdade ontológica e de acordo com sua bondade
ontológica. Em função a este modo de abordar o valor, ele se diz uma
imposição axiológica.

O estudo do valor, enquanto se impõe à ação, se diz então, Axiologia. A arte,


enquanto é criada obediente a valores, sofre limitações axiológicas; melhor
dizer, a arte realiza-se axiologicamente, dentro da verdade ontológica e do bem
ontológico, do ente.

Ainda sob a perspectiva dinâmica, o valor é visto como norma da ação; norma
sob o ponto de vista de verdade e norma sob o ponto de vista da bondade.
Outro nome é tipo; primeiro tipo, como é o caso do verum e do bonum, se diz
arquétipo (arché = primeiro).
910. Ainda como preliminar introdutória, insistimos na colocação exata da
questão, com vistas a entender que a verdade da arte clássica é a verdade
ontológica.

Uma é a verdade da arte (verdade da expressão), lá onde ocorrem os estilos


gnosiológicos (vd 894) e outra é a verdade do tema da arte, onde vão ocorrer os
estilos axiológicos. Uma é a verdade lógica; outra é a verdade ontológica.

Com referência à verdade da arte, é a propriedade da expressão, que indica


com veracidade o que expressa; sob tal perspectiva já estudamos a expressão
artística neste instante passamos ao mesmo tema expresso, a respeito do qual de
novo se ergue a pergunta referente à verdade.

Também no tema em questão, a verdade ocorre de duas maneiras. Uma é a


noção de verdade, abstratamente concebida. Nesta condição, abstrata, pode a
verdade ser tema de arte, como arte abstrata, como qualquer outro tema
abstrato em arte abstrata. Não cuidamos, agora, da verdade como tema, e sim
da verdade no tema, que é a outra maneira como a verdade ocorre. Um tema se
qualifica como verdadeiro, ou falso, eis a questão em foco.

Distinguida a verdade, em verdade lógica e verdade ontológica, e podendo


ambas ocorrer no tema, qual das duas novas perspectivas são as da questão em
foco? A verdade lógica é a proporção entre a notícia expressa e o tema
noticiado. A verdade ontológica é a proporção entre o objeto e o seu arquétipo
ideal, que lhe serviu de norma.

A verdade lógica poderá ocorrer em dois planos, na expressão da arte e no


tema, enquanto expressão mental.

O que agora exatamente nos ocupa é a condição da verdade ontológica do


tema. Qualificado o tema em função ao arquétipo, poderá ser um objeto
ontologicamente perfeito e belo, ou ontologicamente imperfeito e feio.

À propósito vem a pergunta, se o tema da arte deva ser o perfeito e belo,


portanto, o idealizado e retocado, de acordo com o arquétipo? Ou se de também
os demais graus de perfeição podem ser expressos? Esclarecidas todas as
perspectivas da verdade, oferece-se de inconfundivelmente a exata pergunta,
que está para resolver.

É claro que, se o universal existir, ele será um tema preferido. A arte passaria
a ser antes de tudo gênero da expressão idealizada. O estilo seria o modo de
apresentar esta idealização. Se não existir, poderá ser contudo estabelecido este
universal como um desejo, como um formalismo, uma hipótese, um sistema
axiomático de mera coerência interna.

911. Há diferentes interpretações a respeito daquilo que é comum, geral,


universal, ideal. Estas interpretações poderão apenas interferir na apreciação
maior ou menor sobre o que possui tal condição.

Para o empirismo e positivismo, existencialismo e formas similares de


filosofia só existe realmente o individual. Reduz-se o universal à simples
classificações formais. Evidentemente, para artistas que assim pensam, o que
importa expressar é o individual.

Para o idealismo (em gnosiologia) o pensamento é uma projeção do objeto, o


qual não existe em si mesmo. Todos os universais não apenas idéias (dali o
sentido gnosiológico de idealismo). Ao se apresentarem os fenômenos
singulares, a mente imediatamente os acolhe, enquadrando-os nos esquemas
ideais. Não seríamos capazes de pensar um fenômeno senão como se fosse uma
substância ou um acidente; assim por diante, como se fosse uma realidade
(apesar de não ser) ou uma idealidade, como se fosse um possível ou um
impossível, como se fosse algo causado ou incausado, e assim sempre dentro
de uma categoria ideal. Para este tipo de artista o ideal ainda continua
importante, mas já tem uma tendência para o idealismo romântico, isto é,
subjetivo.

Finalmente há os filósofos, como Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino,


Descartes, para os quais existem essencias universais incontornáveis, segundo
as quais se realizam os seres singulares e segundo cujos parâmetros deverão
agir moralmente. Esta filosofia foi a inspiradora principal de todas as religiões
e estilos de arte idealizada (isto é, clássica).

Passemos a alguns detalhes referentes às diversas interpretações mencionadas.

912. Além dos que praticam o classicismo, há os teóricos do movimento, cuja


linguagem sofre as dificuldades com que se conduzem os temas da metafísica.
Platão é o mais otimista dos filósofos dos valores. Para ele a matéria do mundo
é ordenada de acordo com essências exemplares (chamadas idéias reais),
situadas como entidades tipos, como que em um outro mundo.

Denomina-se à hipótese de Platão realismo exagerado (ou radical), porque


estabelece a dupla realidade, a das coisas individuais deste mundo e a das
essências modelares do outro. Demiurgo, ao organizar o mundo, o teria feito à
imagem dos arquétipos ideais reais. Desta sorte, o mundo seria a sombra do
outro mundo.

A arte, como imitação das coisas deste mundo seria apenas a sombra da
sombra, e por isso algo de muito pouco apreço e inútil. Melhor, que apreciar
um simulacro (a sombra da sombra), seria atender logo ao objeto mundano
natural (a sombra); e ainda melhor que atender a este simulacro, seria, pôr a
atenção diretamente nas idéias universais reais, do mundo arquétipo, como faz
o filósofo.

Platão, além de estabelecer a idealização da arte, atribuiu ainda ao Estado a


função de zelar que os poetas tratem os assuntos de maneira a não conflitarem
com o belo e o bom, e os deuses (Cf. República 370; 392; Leis 885; 889; 941).

"Aos deuses, os representarão cheios de moralidade; aos homens, cheios de


domínio e valor; às mulheres, honestas e recatadas" ( Leis 802-803).

Aristóteles, moderando o sistema exemplarista de Platão, substituiu as idéias


reais do mundo transcendente por uma validade intrínseca dos indivíduos.

Ainda que todos os indivíduos sejam distintos uns dos outros, obedecem a uma
lei ontológica, de onde resulta que a mesma essência é a de muitos, embora
individualmente distintos; desta sorte, a essência de homem, como
universalmente válida, não existe fora do indivíduo. O conceito universal da
mente consiste em apreender a essência, sem as suas individualizações.

A hipótese de Aristóteles esbarra com muitas dificuldades. Como poderiam


indivíduos isolados prender-se de sob uma lei universal, se de estão isolados?
Não obstante, é difícil deixar entender a realidade sem a hipótese de Aristóteles.

Aristóteles, mais moderado na idealização, dividiu a arte poética conforme


reproduz o modelo ideal, o modelo natural e o modo pior. Esta sua divisão é
apenas uma classificação temática, sem propriamente se definir contra um dos
modelos (Aristóteles, Poética, c.2).

Tomás de Aquino enrijeceu a unidade ontológica dos entes, fazendo-os


reduplicações do mesmo único ente divino. A unidade do ente divino seria
então, o fundamento da validade absoluta, universal, eterna da essência e de sua
conveniência no existir como um bem.

De novo há um problema, – como explicar a possibilidade da criação, de sorte


a sair um ente, de outro ente? Tal fora já o problema para Parmênides, o qual
negou qualquer geração e qualquer movimento, reduzindo tudo ao
fenomenalismo das sensações.

O monismo, seja panteísta, seja materialista, ou outro qualquer, supera o


problema criacionista, enrijecendo a unidade geral do ser e dos valores. Mas, ...
convenceriam? Eis que tudo caminha para a subjetividade e para a negação dos
valores.

O clássico pretendeu reproduzir na expressão artística tão só o absoluto, como


espécie ideal a que obedecem os indivíduos. Se o objeto for natural, é retocado
dentro dos padrões da espécie, de onde vem o conceito de idealização.
Suavidade, equilíbrio e moderação, marcam o classicismo de todas as épocas.

O classicismo pode ser uma tendência psicológica dos que o praticam.


Enquanto para os pessimistas o sol é apenas um fazedor de sombras, para os
otimistas tudo o que brilha é ouro, tudo o que vive é eterno, tudo o que a arte
exprime é belo.

913. Kant, inaugurando o segundo período da filosofia moderna, com o


apriorismo, estabeleceu, como formas a priori, o tempo e o espaço (para os
sentidos), bem como os conceitos indicadores da constituição intrínseca dos
objetos (para o entendimento). Também são apriorísticios os mesmos
arquétipos, segundo os quais os objetos se constituem. Desaparece então, a
validade ôntica de todas as normas.

Ainda quando Scheler, em sua filosofia restabeleceu os valores, não é senão


como exigência de uma intuição alógica, mas não em nome da faculdade
raciocinativa. Mesmo como valores alógicos, não assumem os arquétipos uma
validade ôntica.

Nos meios não racionalistas, ou seja empiristas, positivistas, materialistas,


desenvolveu-se a doutrina do nominalismo, pela qual os universais não existem,
senão como generalizações. Só haveria os indivíduos e os atos individuais, sem
quaisquer peias ordenando as individualidades singulares em esquemas. Seriam
as esquematizações apenas ordenamentos funcionais, como as dezenas e as
dúzias organizam os indivíduos em grupos cada vez maiores, para comodidade
ainda da mente.

A doutrina nominalista, em consequência da liberação total frente aos


esquemas absolutos, resulta em relativismo. Tal é o ponto de vista de Volkelt e
Simmel. Dali se podem apenas descobrir tendências através do tempo, de onde
a formulação do historicismo e culturalismo de Dilthey.

O existencialismo, ainda que mais racionalista no que concerne à capacidade


da inteligência, se caracteriza também pela liberação do dado individual e
singular. Este não se rege por esquemas absolutos.

O existente é, antes de tudo, este existente. Situado ali, está abandonado a si


mesmo. Escolhe sem peias. Nisto está toda a sua moralidade, escolher
livremente seu próprio destino, ou seja, seu próprio modo de ser, com total
responsabilidade. O que ele realiza não é atualização de potências e de
obrigações. É total conquista. É apenas acréscimo ao que já é.

914. As filosofias dialéticas, do idealismo monista de Hegel e do materialismo


histórico de Marx, conceituam as essências em termos dinâmicos.

Os arquétipos não são estáticos, como se justapusessem esquemas estanques.


Sucessivamente, cada um é o seu esquema e ao mesmo tempo reclama o
seguinte.

Cada idéia, de Hegel, segue para a idéa seguinte.

Cada situação, também segundo Marx, reclama a situação seguinte.

Na filosofia dialética a normatividade dos seres, diverge, portanto, da


tradicional maneira de ver. A noramtividade existe, mas é conceituada de um
novo modo. A tese encaminha para a antítese, mas a tese e a antítese são um
todo maior, a síntese. De novo, a síntese reclama nova perspectiva seguinte,
como antítese, que vai de novo andando para a síntese, e assim para frente, até
se de alcançar a totalidade concreta do ente.

O resultado final em arte é um estilo idealizado.


915. Tema idealizado, da arte clássica. É notório que uns dão ao tema um

tratamento idealizado, obedecendo aos padrões da espécie.

Os indivíduos são enquadrados neste esquema arquétipo. As ações e até


mesmo as emoções se desenrolam equilibradamente, inclusive com maneiras
bem educadas de ter ódio. O suicídio é praticado com elegância. As telas
históricas elegem apenas os episódios mais significativos e heróicos.

A idealização exclui o inaceitável do ponto de vista ético, de sorte destacar o


bem.

916. O classicismo foi a tônica da arte grega, - da literária como de todas as


demais.

No período arcaico helênico a axiologia do belo foi o objetivo paulatinamente


conquistado pelas artes plásticas, todavia já um sucesso na arte literária, de que
Homero foi o primeiro representante expressivo.

O período clássico propriamente dito, de 470 a 322 a.C., foi marcado por
grandes conquistas, especialmente das obras de teatro como das de escultura. O
Dorífero, estátua de Polícleto e que marca um cânon de proporções do corpo
humano, é de um físico idealizado e viril, com nenhum movimento paralelo,
mas todos equilibradamente próximos, de maneira a evidenciarem a
espontaneidade e a serenidade ideal. O mesmo equilíbrio se pode anotar nos
textos literários.

O período helênico, de após 322 a.C., que permaneceu clássico, se aventurou a


algumas liberdades, como seja a fuga à proporção e ao equilíbrio da
composição. O classicismo está de novo presente nas artes do século de
Augusto.

917. Volta O classicismo no começo da Idade Moderna, quando seus homens a


retomam sob o título de renascimento das artes clássicas antigas. O pré-
renascimento, de 1400 a 1500, luta pela conquista do ideal que é atingido pelos
grandes escritores, alguns ainda latinos e outros já em línguas neolatinas. Nas
artes plásticas o ideal foi atingido sobretudo de 1500 a 1520, com Rafael, Da
Vinci e Miguel Ângelo.

O barroco foi uma superação momentânea do classicismo, sem deixar seus


elementos essenciais. Os floreios literários e os rodeios de linguagem dominam
os textos.

Depois dos extremismos do barroco, volta o ideal classicista, no assim


denominado neoclassicista. Foi então Frederico Winckelmann (1717 - 1768)
um dos principais teóricos modernos do classicismo, sob a perspectiva grega:

"A arte, como imitadora da natureza, deve buscar sempre o natural para
plasmar a beleza, e há de evitar, no possível, todo o violento, porquanto a
mesma beleza na vida desgosta se e cai em gestos carentes de naturalidade"
(dos escritos de Winckelmann).

Nos anos de 1700 a fins de 1800, ressurgiu pois o clássico em todas as artes,
sob a sigla de neo-classicismo.

Lessing (1729-1781) estendeu sua doutrinação simultaneamente às artes


plásticas e literárias, inclusive ao teatro. O belo é sempre o ideal.

O que acontecera nas artes plásticas ocorreu também nas letras. O Sturm und
Drang (= tempestade e ímpeto), dos alemães, recuou de sua liberdade
romântica. Goethe, o maior poeta alemão do período, retornou ao classicismo.
Além de clássico, foi também um teórico do classicismo:

"O que ultimamente te disse com respeito à pintura pode também


perfeitamente aplicar-se à poesia. Com efeito, de que se trata? De encontrar o
que é verdadeiramente belo e saber exprimi-lo; é isto em verdade, dizer muito
em poucas palavras" (Goethe, Werter, 30 de maio).

Durante o século 19 o clássico assumiu a denominação de academismo,


referência à academia de Belas Artes de Paris, quando a língua francesa gozava
de grande prestígio.

O parnasianismo dos poetas franceses da segunda metade do século 19 é uma


última tentativa classicista de retorno à perfeição da forma. Apesar dos reflexos
no mundo inteiro, o parnasianismo cedeu também à crescente tendência anti-
clássica dos tempos modernos.

Boileau (1630-1711) é poeta e teórico do classicismo francês anterior, com


influência no movimento de restauração dos neoclássicos.
B) Estilos idealizados moralistas. 4515y919.

920. Se a arte deve obedecer a um padrão moral, que lhe serve de parâmetro,
ou arquétipo, o estilo resultante será diferente daquele praticado com todas as
alternativas.

São estilos axiológicos moralistas aqueles que resultam da adoção de


arquétipos morais.

921. Acontece uma frágil concordância generalizada de que arte tem alguma
função moral e social. Obediente a este parâmetro, a arte incorre em ter um
estilo moralista.

A posição contrária é a que se define como a arte pela arte, e se funda


geralmente no direito individual de expressão levado à radicalidade.

A diversidade de opiniões é variada sobre a extensão do moralismo em arte, e


envolve até a diversidade dos termos com que se expressam neste campo as
referidas opiniões.

Victor Cousin escrevia em 1822:

"É necessária a religião pela religião, a moral pela moral, a arte pela arte".
Esclarecia, que uma função não serve primeiramente à uma outra função, mas
tem valor natural próprio.

Similar é a ponderação de Augusto Conte:

"Cultivar a arte pela arte mesma... Não propor-se habitualmente outro fim que
divertir o público" (Curso de filosofia positiva, VI, 167).

Mas, em outro contexto, "a arte pela arte" pode significar apenas a arte pela
arte, sem suas demais propriedades".

Posto em sistema, as opiniões se dicotomizam da forma seguinte: para uns a


arte não tem função moral e social alguma; para outros a arte tem função moral
e social, porém de duas maneiras, a clássica como idealização total do tema, a
não clássica, sem idealização do tema.

A tendência para baixo, para a terra, nos acontece em tudo, até mesmo na arte.

"Tendemos sempre para o proibido e desejamos o que nos é negado"


(Ovídio, Dos amores, 3, 17).

922. O teatro, o cinema e a televisão conduzem facilmente ao questionamento


da liberdade moral da expressão artística.

Para os moralistas virtuosistas somente poderia haver representações de temas


dito impecáveis. Para outros, as representações artísticas apresentariam os fatos
da vida em todas as situações.

A importância da referência ao teatro reside em que sua temática se ocupa


generalizadamente da ação humana, com destaque o aspecto moral do homem.

Dali nasce a questão, se o teatro deve expressar apenas situações modelares, ou


se de também explicitamente a perversão, o vício, a corrupção, o morticínio, o
nacionalismo antihumanístico, radical e patrioteiro.

A imagem da realidade virtual, que foi facultada sobretudo pelo cinema e pela
televisão, possibilitou mais vastamente a apresentação explícita do crime, como
por exemplo, matar com tiros de revóver. Eis o imoral explícito, que o
expectador se acostumou a apreciar, parece ter alterado profundamente os
conceitos sobre a arte como didática do crime .

923. As vezes a questão da moral em arte é apenas de método, e este pode


variar para as idades. Eis, pois, mais um complicador, para decidir sobre a
moral em arte.

Já é possível perceber que a arte, quanto aos métodos, pode ser moralista de
dois modos, - um, ao modo da idealização moral, com modelos sempre
impecáveis; outro, ao modo da não idealização moral dos temas, combinado
com o pensamento crítico, através do qual, em última instância, se mostra o
imoral, com vistas a combatê-lo.
924. No plano literário a liberdade moral se ergue bastante explicitamente
também a propósito do juízo e do raciocínio.

A liberdade de crítica, ou de opinião, se diz não apenas da verdade do tema;


ela alcança também o plano do valor bonum. Eis quando incorre a pergunta se
é licita a expressão mentirosa, negando a bondade às pessoas, e lhes atribuindo
caluniosamente o que as desabona?

926. Platão foi o chefe dos moralistas em arte. Não só achou inútil a arte,
porque cria apenas simulacros, como ainda pretendeu que só ofereça
apresentações idealizadas do ponto de vista moral.

Referindo-se à comédia e à tragédia, e abordando a influência da imitação, na


educação, sobretudo dos guerreiros, disse que estes "se acaso imitarem alguma
coisa, imitem então as que são condizentes a tal fim: o valor, a temperatura=, a
santidade, a magnanimidade e as demais virtudes. Não façam, porém, nada de
vergonhoso ou vil, nem sequer possuam o Dom de imitá-lo, não suceda que
pela imitação se de tornem semelhantes aos que tais coisas praticam. Pois já
não observastes que a imitação, quando formada em hábito desde a mocidade,
entra nos costumes, torna-se de uma Segunda natureza e transmuda o tom, o
gesto e o modo de pensar de quem adquire? Perfeitamente. Não consintamos,
pois, que os que estão sob nossos cuidados, e a quem impomos a obrigação de
ser virtuosos, se divirtam, homens que são, em arremedar uma mulher, moça ou
velha, ora injuriando o marido, ora nivelando-se com os deuses, quando se têm
por feliz, ora entregando-se a queixas e lamentos que a representem enferma
ou amorosa ou em trabalho de parto" (República, III, 395b-395a).

A música, ainda que não mereça tamanha restrição, é também condenada por
Platão ao ingressar em certas modalidades de ritmos (República, II, 398b).

O moralismo platônico se transportou para os mestres cristãos. Ainda que


escoimando sempre os vícios, não se o fazia senão através da exaltação da
virtude. A liberdade de crítica, geralmente não admitida, fez da "História
Eclesiástica" um texto ufanista e apologético.
O mundo feudal praticou também a arte dos bons exemplos. Na beleza
pictórica dos ambientes e dos vestidos, os nobres, incluídos cardeais e bispos
feudalizados, ostentam a perfeição moral.

Com o desenvolvimento da burguesia individualista foram-se quebrando


todavia os valores absolutos, mas ainda não os valores relativos das
conveniências. Caindo também estas, a arte foi enveredando pela expressão
livre dos temas de toda espécie moral.

A maneira liberal do encarar o tema não é todavia, uma exclusividade da


filosofia sem valores morais. É possível também com a manutenção dos valores;
o objetivo imediato da expressão artística abordaria qualquer tema, dos
diversos graus morais e amorais. Os imediatos, em qualquer grau, estariam
coordenados moralisticamente pelo objetivo último.

927. O enfoque da arte do passado é quase sempre individualista. Os temas são


tratados como interessam ao indivíduo singular; assim acontece especialmente
com a arte burguesa e liberal dos séculos 18 e 19. A situação assume caráter
egoísta, quando o enfoque singular tem a perspectiva das classes privilegiadas,
que vivem em detrimento das classes menos fortes e por isso oprimidas. O
mesmo tema, que pode receber o enfoque, ora individual, ora social, recebe a
fisionomia extremista de um individual cruel.

O olho do artista egípcio, por exemplo, figura os camponeses, como se


estivessem sendo observados pelo senhor dos mesmos. Os murais das
sepulturas, em vez de apresentarem os campônios ceifando para si mesmos,
portanto como homens que triunfam no trabalho, oferecem a perspectiva do
olho do patrão descansando suas vistas satisfeitas na previsão dos rendimentos.
(Cf. Enerst Frischer, a necessidade da arte, c. 4. P. 151, trad. Zahar Editores,
1966).

E que nos revela La rencontre (ou Bonjour, Monsieur Coubert), pintado em


1854 por Gustavo Coubert? Lembra-nos os tempos em que todo o cumprimento
devia ser diferenciador das classes sociais, - O Senhor com a cabeça erguida
e Servo com a mesma inclinada, - diferenciações por muito tempo conservadas
nas cortes e pelos dignatários eclesiásticos. Enquanto o distinto Senhor Bruyas,
que fizera a encomenda da tela, é representado cumprimentando de cabeça
erguida e o servo da cabeça inclinada, o artista Coubert também se retratou a si
mesmo, numa terceira figura que, no entretanto, mantém a cabeça erguida e
uma sombra importante no solo. Tudo isto desagradou imensamente a Bruyas,
situado dentro do velho esquema individualista e privilegiado das diferenças
sociais dos senhores feudais.

O enfoque burguês e individualista é analítico. Ocupa-se da composição das


coisas, das propriedades, dos acidentes da beleza, dos episódios da vida real,
sobretudo do amor.

928. Mais dinâmica é a preocupação do homem social. Ocupa-se das forças em


andamento, das conquistas e entraves, das composições complementares e
dialéticas. Concebe-se a si mesmo como elemento de uma estrutura maior.

Pode-se considerar nos direitos autorais, oficialmente concedidos e garantidos


pelo Estado, um privilégio, para estímulo. Nesta condição, devem os direitos
não ser concedidos de maneira a conferirem vantagens tão excepcionais, que já
vão além do estímulo.

Prêmio também precisa ser levado em conta. A arte têm destas, não
aproveitando ao artista, mas aos que adquirem seus direitos autorais, ou aos
pósteros que a herdaram. O mesmo já se disse do saber, - "a sabedoria é muitas
vezes mais útil aos outros que àquele que a possui"( Eclisiastes, 11). Os mais
remunerados artistas têm sido aqueles que conseguiram comunicar-se com a
maioria. Agradar à maioria já é algo significativo, ainda que não seja uma
prova definitiva de superioridade artística.

As vantagens da burguesia só cabem como partes dinâmicas desta estrutura


maior e não como situações definitivas e isoladas. Ainda que tratando dos
mesmos temas, o enfoque social é englobante, ao contrário do enfoque
individualista, dispersivo e atomizante.

929. A preocupação moralista, ao incluir o social, se envolve com


complexidades. Esta parte do setor moral incorre em particularidades subtis em
virtude do relacionamento do indivíduo, com direitos autônomos, para com o
Estado, também com direitos de promover o finalismo que lhe é peculiar. Antes
que se estabeleça o Estado, pelo pacto social, já existiam os direitos
fundamentais da pessoa humana.
A ênfase do social é sobretudo moderna. O crescimento democrático e a
crescente complexidade dos problemas advertiu para o questionamento das
estruturas efetivamente válidas.

Até o século 19 a preocupação do homem santo era medida apenas em termos


individuais. A sociedade era estruturada em classes privilegiadas. Os políticos
eram nobres perante os demais. Os empresários (feudais) eram os senhores,
junto dos quais os outros se reduziam a servos. Os religiosos (os chefes
eclesiásticos) se sobre-estabeleciam com rituais eminentemente emocionais e
exaltantes da autoridade. Com o advento da empresa industrial, a riqueza
coletiva de uma pátria, que todos construíam, era patrimônio dos líderes mais
capazes ou audazes.

Filósofos antigos, como Platão e Aristóteles, já defendiam o social e mesmo


estabeleciam algum interferência na arte, restrita porém ao plano dos costumes.
A perspectiva era apenas a do Estado educador. Faltam os pontos de vista
sócio- econômics e políticos.

Em todos os tempos continua a haver os problemas de ordem política, sempre


difíceis à liberdade de expressão.

Suetônio, experiente historiador dos Césares, escreveu:

"Num Estado verdadeiramente livre, livres devem ser a língua e o


pensamento."

930. O moralismo social da estética marxista passou por indecisões, em vista


de não haverem Marx e Engels desenvolvido desde logo sua plena
sistematização. As anotações encontradas em cartas e em escritos de ocasião
tiveram desenvolvimentos ulteriores com os teóricos que continuaram a
desenvolver o espírito do materialismo histórico. (Cf. Marx e Engels sobre a
arte e literatura (Marx und Engels ueber Kunst und Literatur, Verlag Bruno
Henschel, Berlim), coletânea de textos, por M. Lifschitz).

Nas indecisões, uns tomaram o rumo da interpretação mecanicista e vulgar,


enquanto outros reacenderam os valores absolutos, dentro dos quais os fatos
relativos se desenrolam em dialética.
"A essência do método dialético, de fato, está exatamente em que para ele o
absoluto e o relativo formam uma unidade indestrutível... Nem a ciência, nem
os seus diversos ramos, nem a arte, possuem uma história autônoma, imanente,
que resulte exclusivamente da sua dialética interior... É claro que esta
concepção de Marx e Engels, que contradiz francamente tantos preconceitos
modernos, não comporta uma interpretação mecanicista, como a que fizeram
marxistas vulgares. Marx e Engels jamais negaram a relativa autonomia do
desenvolvimento dos campos particulares da atividade humana (direito, ciência,
arte, etc.); negam apenas que seja possível compreender o desenvolvimento da
ciência ou da arte com base exclusiva, ou precipuamente nas suas conexões
imanentes... A gênese e o desenvolvimento da literatura são partes do processo
histórico geral da sociedade. A essência e o valor estético das obras literárias,
bem como a influência exercida por elas, constituem parte daquele processo
social geral e unitário através do qual o homem faz seu o mundo pela sua
própria consciência" (G. Lukacs, Intr. aos escritos estéticos de Marx e Engels,
ed. Port. De L. Konder, na coletânea Ensaios sobre literatura. Tio, 1965. P. 13).

931. O moralismo social da arte foi uma constante nos pensadores reformistas
russos.

Tolstoi (1828 - 1910): "a arte universal tem um critério interno definido e
indubitável: a consciência religiosa" (Tolstoi, Que é arte? Conclusão).

"Os sentimentos inferiores, menos bons e menos úteis para a felicidade do


homem, se substituem sem cessar por sentimentos melhores, mas úteis a esta
felicidade. Tal é o destino da arte"(Ibidem , c.15).

J. Plejanov ( 1815 - 1918) em suas Cartas retoca a definição de Tolstoi (a arte


como meio de comunicação), para a seguir continuar:

"Agora, quando já temos um definição prévia, devo esclarecer meu ponto de


vista sobre a arte. Direi sem receios que considero a arte, como todos os demais
fenômenos sociais, a partir do ponto de vista da interpretação materialista da
história" ( Cartas, 1ª, quase no começo).

Passa, então a investigar, como Darwin e Taine, a arte nas fases iniciais da
formação da sociedade, chegando todavia a uma conclusão marxista. A arte
primitiva dependeria diretamente da economia. Depois nos movimentos de
libertação, outra vez estaria a arte a postos. Resulta a refutação da tese da arte
pela arte, em favor da missão social da arte.
No mesmo caminho está o Discurso de Andrei Jdanov no Primeiro Congresso
de Escritores Soviéticos, em 17 de agosto de 1934:

"Se nossa literatura soviética é tendenciosa, e isto nos orgulha, porque nossa
tendência está em que queremos libertar aos trabalhadores e aos homens do
jugo da escravidão capitalista" (A. Jdanov, Sobre a literatura, a filosofia e a
música, ed. Paris, 1950, p. 12).

Amplia os pontos de vista sociais da arte o esteta marxista húngaro Georg


Lukacs.

932. Difícil é o moralismo e o ponto de vista social nas filosofias que


relativizam ou mesmo negam os valores, como acontece com as tendências
mais modernas, conhecidas por relativismo, historicismo, culturalismo,
existencialismo.

Não obstante não se confundem seus pontos de vista com o individualismo


burguês, que era apenas um estado de espírito, resultante de um estado
subdesenvolvido das idéias éticas e sociais. O novo amoralismo é mais
sistemático. Suas tentativas de superação também se fundem sistematicamente
em sua filosofia.

933. O existencialismo, quando repõe a essência humana em sua liberdade sem


peias frente à essência e a outros quaisquer valores, destaca um novo tipo de
moralidade, a total responsabilidade do ser abandonado a si mesmo. O ser
humano, reduzido à sua situação, elege sem pressão de normas. Não tem a
atender à potencialidades metafísicas. Apenas se realiza por conquista.

Sartre, existencialista, e acomodando a arte ao seu novo modo de ver a moral,


defendeu a função social da arte e combateu a irresponsabilidade da arte
burguesa. ( tal é O tema de Sartre em Situations II, que é a literatura?)

"O escritor tem uma situação em sua época cada palavra sua repercute. E cada
silêncio também. Considero a Flaubert e a Goncourt responsáveis da repressão
que seguiu à comuna porque não escreveram uma só palavra para impedi-la"
(Que é a literatura, p. 10).
Em que firma Sartre os valores, que, ao seu modo, busca? "Em cada época O
homem decide de si mesmo frente aos demais, ao amor, à morte, ao mundo...
Ao tomar partido na singularidade de nossa época, nos unimos finalmente ao
eterno, e nossa tarefa de escritores consiste em fazer entrever os valores de
eternidade que estão implicados nesses debates sociais ou políticos. Não vamos,
porém, buscá-los em um céu invisível; são valores que têm unicamente
interesse em sua envoltura atual. Longe de ser relativistas, afirmamos
profundamente que O homem é um absoluto. É-O, porém, em sua hora, em seu
meio, sobre sua terra... Em resumo, nossa intenção é contribuir a que se de
produzam certas alterações na sociedade que nos rodeia" ( Ibidem p. 12).

II - Estilos não axiológicos da arte não clássica.


4515y935.

936. O questionamento sobre os estilos não axiológicos se de concentra na


questão da idealização simplesmente dos objetos. Pouco se de ocupa da questão
do bem agir, porque neste outro campo ocorrem mais acordos.

937. O anti-clássico, sob as mais variadas denominações de romantismo,


realismo, naturalismo, modernismo (vd 904), toma o objeto a expressar sob
qualquer grau de sua realização.

Esta atitude, além do mais, concorda com a objetividade e a verdade das coisas,
poderá ser tendência psicológica de alguns e, até certo ponto, de todos. É o que
constatamos no uso diário da arte.

As crianças não gostam do bonitinho, mas do extravagante. As revistas infantis,


em função à esta tendência, não idealizam as imagens e nem as propriedades
dos heróis da ficção. O desenho animado, do cinema, ficou sendo esta coisa
engraçada, que faz entusiasmar os pequeninos, e até rir aos grandes.
"Nunca se deseja ardentemente o que se deseja somente por conselho da
razão" (La Rochefoucauld, Reflexão morais, 469).

Quando expressamos a beleza, preferimos aquela mais frágil.

"Os nossos romances e poemas quase sempre se de limitam em celebrar a


beleza frágil e as perfeições caducas do corpo feminino; e o leitor ao chegar à
última página, tem muitas vezes a impressão de levar nas mãos uma flor
murcha e amarrotada" (Huberto Rohden, J. Nazareno p. 152, 3ª. Ed. ).

938. O anticlassicismo tem uma história, que não é tão definida, quanto a do
classicismo.

No passado, o helenismo foi uma tendência de superação do classicismo, em


virtude de uma deliberada fuga ao equilíbrio e à simetria.

Na Idade Média, o estilo bizantino e o estilo gótico revelaram tendências mal


definidas de anticlassicismo. Tenderam, todavia, para uma certa tipificação
espiritual; dirigindo as preocupações para o interior e transcendente,
idealizavam a este, esquecidos do mundo material e humano.

O barroco e o rococó, que sucedem ao classicismo renascentista, são mais uma


vez uma superação da idealização; sem diretrizes claras, esta superação
contudo não se de manteve, motivo porque ainda uma vez o estilo voltou ao
classicismo, sob a denominação de neoclassicismo e academismo.

Todavia o mundo, que passa a ser maior, se de complexifica. Paralelamente ao


neoclassicismo e academicismo, desenvolveu-se de o romantismo.

De transformação, em transformação, o movimento anticlassicista continuou


no naturalismo e no realismo, finalmente no modernismo.

939. Mais exatamente, o anticlassicismo iniciou com o pré-romantismo de


Strum und Drang (1760-1785), de Hamann, Herder, Schiller, Goethe, Klinger.
Foi este último o autor da peça teatral que deu nome ao movimento.

Cita-se de de Hamann:
"O que substitui em Homero o desenvolvimento das regras artísticas, depois
dele pensadas por Aristóteles? E o que substitui em Shakespeare o
desenvolvimento ou o desprezo das próprias leis críticas? Resposta: o gênio".

Para o romantismo, Schelling criou uma filosofia panteísta. a inteligência


universal é o gênio profundo. Este é o agente da arte. Em tal condição alógica,
os arquétipos universais não podiam mais ser admitidos como normas racionais
da criação artística, ao modo como ocorria no classicismo anterior.

Também o empirismo e o positivismo, em virtude da eliminação das essências


universais e eternas, contribuíram para a criação do anti-classicismo, sem
modelos arquétipos. Dali sobretudo a inspiração do naturalismo e do realismo.

O progresso da psicologia experimental, e de toda a sorte de estudos humanos,


continuou a estimular de maneira crescente o interesse pelos dados como
individualmente se de dão. a filosofia moderna, generalizadamente, como se

observa no relativismo, no historicismo, no culturalismo, no existencialismo,


desprestigiou os universais, deixando o homem livre, no sentido de
desvinculado e largado à sua situação dada. Tudo isto veio estabelecer-se
como base ideológica de uma arte de temas não idealizados.

941.Como decidir sobre classicismo e não classicismo? O que dera origem à


idealização dos temas expressos pela arte foi a convicção de que existiam
modelos universais e bem acabados, segundo os quais deveriam desenvolver-se
os seres individuais.

Só quando o desenvolvimento filosófico passou a insistir na importância do


singular, com o afastamento dos modelos ideais, a arte também preferiu
expressar as coisas segundo sua eventual realidade.

Surgiram então os mais variados estilos não clássicos, com as mais diversas
denominações tomadas às outras características, nem sempre denominadas
claramente, porque dependente de contextos históricos. Tais outros estilos
foram o romantismo, realismo, impressionismo, expressionismo, etc.
Todavia, mesmo não acreditando mais em modelos universais a se imporem à
realização individual, eles podem ser introduzidos como modelos meramente
formais. Este modernismo classicista sempre é possível como estilo.

942. O classicismo depende diretamente de haver valores, pelo menos o valor-


verum pelo qual as coisas se idealizam ontologicamente segundo um modelo
arquétipo, ou essência absoluta e imutável, que se impõe às realizações
individuais.

Não seria possível idealizar, sem valores. Desta sorte, não poderiam jamais ser
clássicos os artistas que não contam com valores absolutos. Tal sucede em
muitas concepções filosóficas modernas, como as do positivismo, historicismo,
culturalismo, existencialismo, cujo fundo, do ponto de vista das essências
absolutas, é não aceitá-las, de maneira que cada coisa individual é apenas sua
situação.

Parece que, não obstante a admissão de valores, o classicismo não se impõe


necessariamente como sendo doutrina válida em arte. Apenas os que não
admitem os universais não podem ceder, simplesmente, porque não possuem o
arquétipo para estabelecer a idealização. Estes somente poderiam cultivar uma
idealização de puro formalismo, isto é, sem fundamento metafísico, mas
cultivado apenas como estilização.

943. Apesar de tudo o classicismo não é excludente. Diretamente, em função ao


princípio da universalidade temática da arte, todo o tema pode ser expresso,
qualquer seja a sua posição na escala das perfeições, desde a mínima, até a
plena.

E assim também as contraditórias, a negativa e a afirmativa, podem ser temas


diretamente expressos. A expressão artística tudo expressa. Isoladamente, nada
é em si mesmo um grau, ou uma contraditória. Portanto, na arte, tudo aparece
como tema a ser informado, isto é, significado. Nenhuma perspectiva abstrata,
ou isolada, do tema, quer idealizado, quer não, é excluída de ser expressa
artisticamente.
Postas as coisas sob esta distinção de dupla perspectiva, pode-se admitir
valores e contudo não se expressar ao modo clássico. Os valores são
inteiramente expressos apenas como objetivo final último. O anti-clássico cabe,
portanto, também nas filosofias, que admitem valores. Não é o anticlassicismo
uma prerrogativa dos que o negam.

Há portanto, duas modalidades de anticlassicismo, a dos que simplesmente não


admitem valores universais para atender e a dos que não subordinam a
expressão imediata à idealização, mas apenas a integram num objetivo último.

Não sendo necessário escolher o grau máximo de perfeição, o escolher este ou


aquele grau é apenas uma questão de estilo. Idealizar é fazer um estilo. Não
idealizar é fazer outro estilo.

944. É possível, pelos resultados da investigação gnosiológica, que as coisas


em si mesmas sejam diversas, do que as impressões que deixam em nós.

As cores não passam de respostas gnosiológicas às ondulações


eletromagnéticas, de um certo comprimento de oscilações.

O calor é também uma resposta mui diferente que as oscilações moleculares,


que o provocam.

O que é tão subjetivo desde a base, continua subjetivo nas impressões


conjuntas que temos dos objetos. Um edifício, como por exemplo Nôtre Dame
de Paris, é objetivamente mui diverso do que a impressão que nos oferece nos
instantes que lançamos os olhos para o mesmo. Os impressionistas pintaram
como a catedral nos impressiona. Os realistas, como ela é objetivamente.

Que deve o artista expressar na tela, ou dizer no texto literário?

O impressionismo, como movimento artístico do final do século 19 preconizou


a temática da impressão de cada instante, com os reflexos de luz e a supressão
de detalhes então despercebidos. Na música, o impressionismo acentuou as
conotações associativas dos sons, motivo porque se desenvolveu na música
moderna a percussão, em detrimento da estrutura sonora melodiosa.

No plano da literatura o impressionismo se confunde com o emocionalismo


romântico.
O naturalismo objetivista pôs o acento na coisa ela é em si mesma. a arte
deveria, então, cuidar de ser eminentemente analítica e quase uma descrição
científica dos objetos. Admirável se tornaria quando superasse uma fisionomia
natural. Nesta condição, a arte cuidaria de pôr em destaque o que a natureza
não oferece em ênfase.

O ponto de vista objetivista do naturalismo assume particular feição para


aqueles que interpretam a arte como um fazer coisas; as obras como expressão
entitativa, se destacariam especialmente como algo acima do natural, como que
fazendo destaque do mistério interior das coisas e do esplendor externo da
natureza.

945. Como decidir frente ao impressionismo? É claro que ambas as temáticas


são justificáveis e tanto mais justificáveis, desde que não se tornam
exclusivistas.

O lado certo do impressionismo foi o de haver destacado um tema antes não


muito explorado, qual era o da visão impressionista da natureza.

Esta visão do mundo veio a ser significativa para o nosso tempo, de vez que
advertiu de quão larga é a subjetividade. Não só é subjetivo o sentimento,
explorado pelos românticos, como todo o processo do conhecimento.

De outra parte, não deixou de ser meritório o esforço realista, porquanto se


trata de reabilitar a temática da arte contra os extremismos românticos. Aliás
este se de havia preso a um filosofismo misticista e empático.

O positivismo, bastante ativo no final do século 19, não se associava com os


esquemas metafísicos do panteísmo romântico. O objetivismo realista
desprendia- se de todos os esquemas, especialmente dos essencialistas e
panteísticos. Lutando nesta direção anti-sentimentalista, não foi diretamente
contrário ao impressionismo, ainda que não o praticasse.

§ 3-o. Estilos psicológicos.


4515y950.
951. O agrado estético. Expressar-se com gosto significa fazê-lo de maneira tal
que possa provocar o agrado psicológico.

Em si mesma, a satisfação psicológica é uma propriedade da arte. O estilo lhe


é imediatamente posterior, porque a propriedade admite graus, cujo eventual
aproveitamento em diferentes níveis resulta em variações acidentais da
expressão e consequentemente em estilos.

Os efeitos psicológicos da expressão variam, decorrendo uns diretamente


como efeitos da informação, ditos estéticos; outros efeitos psicológicos são
catárticos, lúdicos e assim por diante.

Mas são principalmente os efeitos estéticos que mais importam em arte,


porque ela tem por objetivos essencial ser uma expressão informativa de algo.

Há também uma esteticidade pré-artística, ligada ao material portador da


expressão, que, no caso da arte literária, são as articulações sonoras. Em tudo,
pois, acontecem variações estéticas subtis, que marcam finalmente os diferentes
estilos.

952. O ritmo, um influente modalizador dos estilos. Efetivamente, pelas suas


alternâncias, o ritmo é um influente modalizador dos estilos da arte, mesmo da
linguagem. Uma combinação feliz de tônicas e de rimas formam o bom
andamento da frase e resultam em bom estilo.

CONCLUSÃO DA ESTÉTICA LITERÁRIA.

2515y954.
955. Ainda que não exista a arte em geral, e sim apenas artes específicas, há
algo em comum em todas elas. Atentos a este algo em comum, melhor
conhecemos a cada uma. É o que sobretudo faz a filosofia da arte. Foi pois
assim que aqui tratamos da arte literária, cuidando de vê-la sobretudo sob as
perspectivas que ela tém com a arte em geral.

É a arte expressão em matéria sensível, a qual contém elementos de


semelhança, contexto e associatividade, através da qual estabelece relações
com os objetos expressos.

Foi o que sempre se destacou, mesmo que estas relações na arte literária se
façam por equivalentes convencionais. Assim sendo, a arte literária surgiu
diante de nós como um dos muitos integrantes do coral falante que as artes em
conjunto formam a benefício da comunidade humana.

E. Pauli.
ESTÉTICA DAS CORES.

APRESENTAÇÃO TÉCNICA DO TEXTO.


3911y003.

4. Estética das cores, no sistema da Enciclopédia Simpozio, é um texto híper,


porque assume a feição de tratado, polarizando em torno de um verbete central
os demais artigos com ele relacionados.

É ainda um texto mega (e não micro), enquanto apresenta os artigos em


dimensão grande.

Dada a afinidade da Estética das cores com outras estéticas, ele ainda se
integra no conjunto denominado Mega estética.

Por último, o conjunto Megaestética se encontra no quadro mais vasto


da Enciclopédia de Filosofia, que é a subunidade 1, no grupo das 10
subunidades, que constituem a Enciclopédia Simpozio.

Importa anotar, que a 4-a subunidade é a que está dedicada às artes, línguas e
literatura, com a qual evidentemente também se relaciona a estética, embora
tratada esta como filosofia, ao passo que lá como ciência positiva.

Na referida 4-a subunidade se encontram os quadros de pintura citados


em Estética das cores. Na Internet a presente Estética das cores não apresenta
aqueles quadros. Mas, quando a mencionada 4-a. subunidade for
disponibilizada na rede, lá se encontrarão os citados quadros de pintura.

5. A numeração dos artigos do texto híper Estética das cores está processada
em; 8 dígitos, com a letra y no meio do campo.
Finalmente as três cifras finais redividem os artigos, com opções de 000 até
999. O texto final denominado Estilos recentes apresenta uma numeração
independente da usada aqui em Estética das cores.

No curso interno do texto mega os três dígitos finais podem ser citados sem os
dígitos precedentes. Mas, sempre que forem citados a partir de fora deste texto,
hão de estar todos os dígitos.

INTRODUÇÃO GERAL À

" ESTÉTICA DAS CORES ".


3911y008.

§ 1. Natureza da estética da pintura.


3911y009.

10. A cor, por si só, ainda não é a arte da pintura. Há cores nos objetos, nas
plantas, no espectro, no arco-íris, nas latas de tinta expostas nos armazéns.

No momento em que a cor transcende a capacidade material e se ergue a nos


falar, principia a arte. Esta cor se torna portadora de expressão. A cor portadora
é um significante. A expressão é um significado.

No seu instante estático, como a das tintas aplicadas à superfície de uma tela, a
expressão em cor se diz arte da pintura. Mas, suponhamos que as cores
ingressem em movimento de substituição, como sucede no cinema e na
televisão, continua a haver fundamentalmente uma arte da pintura, todavia em
aliança com outras artes.
11. Há uma filosofia geral da arte e uma filosofia especial da arte. Trata a
filosofia geral da arte os temas de interesse de todas as artes em conjunto, como
por exemplo do conceito mesmo da arte como expressão. Mostra ainda como as
diferentes matérias distinguem as artes em espécies, como pintura, escultura,
música, linguagem.

A filosofia geral da arte importa aqui apenas, enquanto fornece conceitos que
agora já não mais compete discutir, mas apenas relembrar, para com eles estar
coerentes. Divergências que lá tenham existido podem ser mencionadas, em
casos especiais, como alternativas, e de que deveremos estar conscientes.

A filosofia especial especial da arte trata uma a uma as diferentes artes. Neste
sentido estamos situados aqui em uma filosofia especial, a qual é a da arte que
exprime por meio de cores.

12. O instante material da cor. A estética da pintura como arte não se exerce a
respeito do instante material da cor, quando esta é apenas portadora, isto é,
apenas um significante. Contudo, é preciso estudar esta cor em si mesma, a fim
de, a partir dela criar a expressão. Importa situar-nos no momento antes que a
cor se converta em expressão, antes que ela transcenda transcenda a si mesma e
se converta em arte. Aprendamos a viver a cor nos instantes em que é apenas
cor.

Uma ciência da cor (ou teoria da cor) examina esta qualidade nos seus instantes
de determinação absoluta pré-artística, pré-estética. O mesmo acontece com o
som que se aproveita para a expressão musical; uma ciência do som (teoria do
som) se requer para o conhecimento preliminar do mesmo.

Ainda que o artista estude primeiramente a cor e o som em si mesmos, do


ponto de vista da física, da gnosiologia e da psicologia, - este estudo teórico
não o faz senão funcionalmente, enquanto, como elementos portadores, se
prestam à arte. É assim que estuda a cor como matéria da pintura, o som como
matéria da música, a forma como matéria da escultura.

A ciência da cor reúne várias secções, das quais uma é a física da cor, a outra
a gnosiologia da cor, enfim, uma outra a psicologia da cor (inclusive
psicodinâmica da cor). Os esclarecimentos teóricos obtidos por tais ciências,
passam a ser colocados a serviço da expressão artística.
Semelhantemente, há uma física do som, uma gnosiologia do som, uma
psicologia do som (inclusive psicodinâmica do som). Aquilo que se denomina
vulgarmente de teoria musical, consiste quase integralmente em psicologia do
som; ainda que pragmaticamente esta teoria musical se destine ao músico, ela
não passa de uma preliminar à mesma música.

Já se vê que a filosofia da arte da cor não visa ao estudo em si mesmo da cor


fisicamente, nem gnosiologicamente, nem mesmo psicologicamente. Pressupõe
tudo isto, para, em um novo tempo, aproveitar esta cor como base material da
expressão artística.

Seja lembrada aqui a divisão das ciências em teóricas e formais (lógica,


administração, técnica).

As ciências teóricas estudam as coisas como entidades. As ciências técnicas,


aproveitando as entidades conhecidas, as colocam no fluxo de um sistema com
vistas a resultados.

Neste sentido a arte é uma técnica, porque põe elementos em sistema para obter
a expressão. Consequentemente, uma boa arte, por exemplo, a pintura, requer o
conhecimento preliminar do material aproveitado, por exemplo, a cor.

Ainda que o artista se preocupe com o objetivo final principal da expressão,


poderá determinar os elementos de que esta expressão necessitou. Assim é que
uma ordem interna do estudo da arte principia pela expressão, o estudo desta
acaba retornando ao elemento material portador para um exame teórico dos
elementos explicativos que a geraram.

13. Uma filosofia da arte da cor tem por objetivo primeiro esclarecer aquilo que
na arte pertence ao meramente inteligível, e que se encontra para além daquilo
que também se constata experimentalmente na obra. Sobretudo a expressão
reclama as explicações filosóficas.

Algo acontece na arte que a ciência experimental não consegue esclarecer


diretamente, por meio de uma compreensão imediata; a ciência, no caso,
verifica os efeitos, sem o porquê intrínseco.

A filosofia da arte vai desde o que a expressão tem de mais essencial, até as
distinções entre prosa e poesia, gêneros de expressão, propriedades, estilos.
Aliás, não exclui uma consideração filosófica sobre o material portador, porque
a partir dele mostra como a expressão nasce por efeito formal (isto é, essencial),
não ficando só na verificação empírica deste efeito. Assim por exemplo, por
efeito formal, o semelhante acusa o assemelhado. Este efeito é diverso daquele
que se dá na ordem da causa eficiente, onde o efeito se separa, como produto.

Apresentando a filosofia da pintura de maneira integrada com outras ciências,


tanto as formais, como a da arte, como com as ciência teóricas, resulta estender
a estética das cores às áreas vizinhas.

14. Entre filosofia e ciência positiva. Numa introdução importa desde logo
advertir para a diferença dos dois gêneros de ciências: filosóficas e positivas
(ou experimentais).

Há espécies de ciências e gêneros da ciência. Já mencionamos os dois gêneros


de ciências, chamados teóricas, tratando da entidade mesma das coisas, e
ciências formais, tratando apenas do fluxo dos sistemas do pensar, agir e fazer.

Sempre mencionados, os dois gêneros de ciências – filosóficas e positivas – são


de grande repercussão, porque cada um tem os seus caminhos e neles fornece
informações muito diferenciadas. A distinção é ainda polêmica, em vista da
contestação contra a filosofia, a qual, por isso, tem de defender a validade geral
de suas afirmações.

Pretende a filosofia poder penetrar a intrinsecidade meramente inteligível das


coisas; define, pois, sobre a essência e a substância, inclusive sobre as relações
a partir da coisa em si.

Diferentemente, a ciência positiva se limitam ao ser do que os sentidos


constatam exteriormente; assim, por exemplo, causa e efeito significam apenas
sucessão. A ciência empírica da arte não estuda mais do que as manifestações
artísticas em função ao tempo, às raças, ao clima, ao material empregado; ou
seja, estuda as manifestações exteriores do fluxo dos elementos portadores da
expressão.

Ainda que por vezes o positivismo chame de «filosofia da arte» a esta


modalidade de estudos, ela não passa de uma ciência positiva da arte. Segundo
esta orientação está escrito o volumoso livro de Taine: Filosofia da arte (1865).
O elemento mais distante da filosofia da arte é o significante (o portador
do significado). Quando estudado em si mesmo, a noção sobre o significante se
isola como ciência teórica. Mas toda esta teoria esclarece o uso meramente
formal da tecnologia da expressão.

O significante, apesar de ser apenas o portador da significação, exerce alta


influência sobre a significação.

Somente as qualidades sensíveis conseguem exercer o papel de significar. São


qualidades sensíveis: a cor (utilizada pela pintura), o som (com que se faz a
música), as formas plásticas ou espaciais (que se utilizam na escultura), os
símbolos (que são qualidades sensíveis com que se criam os equivalente
convencionais das expressões da linguagem e outras). É que somente as
qualidades são capazes de exercer a semelhança e, portanto, a mímese geradora
da expressão.

A filosofia da arte em cor se restringe a uma só qualidade sensível, – a cor, –


especialmente como se usa na pintura. Mas, os problemas gerais da arte se
encontram pelo lado da significação e não do significante, apesar da alta
influência deste sobre o todo. Por isso, as questões da arte da pintura implicam
em abordagens que derivam dos conhecimentos gerais sobre a arte
simplesmente. Há, pois, na base de todas as filosofias especificas de cada arte,
a filosofia geral da arte (vd 0531y000).

De outra parte, estudando uma após outra a cada uma de todas as espécies de
arte, adquire-se um pensamento bastante vasto sobre a arte como tal.
Caminham as espécies de arte com notório paralelismo, advertindo cada uma
finalmente para a já referida filosofia geral da arte.

15. Nomes da arte que expressa mediante cor. Considerando que a arte em cor
consegue, desde seu primeiro instante estático, notório poder de expressão, sem
precisar apelar ao movimento, adquire já neste instante um nome. É quando se
denomina pintura.
O mesmo já não ocorre com o som, pois este não exerce importância no
momento estático; o nome de música indica a expressão, no momento quando
os sons já se encontram em desenvolvimento dinâmico.

A cor, ao tomar movimento, ultrapassando ao seu momento estático, obtém


novas e grandes possibilidades de expressão. Nesta transcendência da pintura,
se encontram o cinema, o teatro, a televisão e mais formas eletrônicas da
imagem colorida.

Note-se que em algumas artes a cor se associa à outras espécies de expressão. É


este aliás bem o caso do teatro, bem como o da estátua colorida. Nestes casos
as denominações se tornam difusas.

Artes em cor é a expressão coletiva que reúne todas as espécies de expressão


do gênero.

16. O nome pintura (do latim pictura) significa originariamente «untar com
pez». Prende-se, sobretudo na origem, a uma técnica, a saber a da aplicação de
tintas. A raiz indo-européia peik- significa «ornar», sentido que se encontra na
base de todos os seus derivados.

Atenda-se para estas outras palavras do gênero: picea (pinheiro alvar, árvore
resinosa), picaster (árvore de onde dimana o
pez), picatus (breado), piceatus (breado), piceus (de pez, negro como
pez), picare (brear, untar com pez), pictilis (pintado, ornado de
pintura), pictor (pintor), pictorius (que pertence à pintura), picturatus (pintado
com variedade de cores), pictus (pintado, também bordado, como em picta acu
chlamys = vestido bordado).

Em alemão, pintura se diz Malerei (pronunciado «málerai»). Diz-se


também Malerkunst (arte da pintura). O étimo indo-europeu mel- ora significa
«vermelho», ora «preto»; por isso, ora poderá significar «colorir», ora
«manchar».

No grego melas (preto) deu a composição melancolia (de kholos = bílis).


Em latim mulleus significa «vermelho», como em mulleus calceus (sapato
vermelho, que era usado pelos patrícios). Daqui sai mule = chinela, em francês.

Com o sentido de «pintar, colorindo», temos, enfim, em alemão malen =


pintar, Maler (pintor), Malerei (pintura), Marlerkunst (arte da pintura).

Pelo exposto, o nome pintura dos latinos se prende mais à técnica tomada ao
pez; o nome Malerei, dos alemães, diz respeito ao instrumento pictórico em si
mesmo, a cor, sobretudo a vermelha. Universalizou-se mais a forma latina, que
deu no inglês paint, no francês peintre, na língua internacional
Esperanto pentri (pintar).

§ 2°. Valor da Estética da Pintura. 3911y018.

19. Atração preferencial da cor. Já antes de ser utilizada como instrumento de


expressão de mensagem, a cor exerce neste instante pré-artístico uma
importância psicodinâmica considerável. A cor influi na alegria, no entusiasmo,
no prazer, na calma, na sensação de grandeza dos espaços.

Indiretamente, esta situação vai influir na importância da mesma arte da pintura,


bem como de todas as artes que utilizam a cor, porquanto o contributo
psicodinâmico as torna mais enfáticas e convenientes. Suponha-se que
estejamos a ler, e que, ao transitarmos para uma nova página, esta apresente um
clichê colorido; nestas circunstância a atenção tende a ir primeiramente às cores,
para só depois retomar a leitura.

20. Maior poder da cor. Entre as qualidades que servem como instrumento
artístico, é a cor a que oferece mais capacidade de expressão.
O mesmo não acontece com o som musical que pouco consegue expressar em
seus instantes mais simples. Os sons falam apenas depois de organizados em
complexas aglutinações, que se sucedem.

As cores, já no seu instante estático, oferecem variada composição, e que por


isso, como já se advertiu, geram uma arte completa, a pintura. Ao entrarem em
movimento, como no cinema, exercem fantástico poder de expressão. Com
poucas cores a pintura expressa os animais e as plantas, as flores e a vestes das
pessoas, os edifícios e as montanhas, os homens e as mulheres, o guarda e o
carteiro, os jogadores de futebol, os bailarinos, os truões e os cômicos.

Deve-se a capacidade da cor ao poder da vista, para ver diferenciações.


Sabemos que a vista humana não percebe todas as cores; dali se infere que a
pintura seria ainda mais poderosa no seu poder de expressão, se a vista humana
conseguísse desenvolver seu limiar para uma percepção maior de cores,
conforme parece acontecer em alguns animais.

Uma alteração genética bem calculada poderá no futuro integrar os seres


humanos neste outro patamar. Talvez isto ocorra com seres humanos de outros
planetas, e talvez mesmo esteja a longo prazo programado para a evolução
espontânea do dos humanos de nosso globo terráqueo.

A arte da pintura somente perde para outra quando na comparação não se


atende aos mesmos critérios. Se se comparar a cor estática com som em
movimento, é possível que o som consiga em numerosas oportunidades
surpreender com sua força de expressão.

Entretanto, se se mantiver o paralelismo da comparação do estático com o


estático, o dinâmico com o dinâmico, não resta dúvida que a arte mediante a
cor se avantajará. Os recursos eletrônicos deram aliás à imagem eletrônica uma
versatilidade admirável.

21. A importância do estudo da estética das cores decorre diretamente das


mesmas cores, e da arte que as utiliza.

A estética das cores esclarece sobre a cor e sobretudo sobre a arte da cor.
Habilita-nos a operar com esclarecimento com uma das mais expressivas artes.
Diz-nos como tratar o tema, - se à maneira classicista, - ou se por outra maneira.

Ensina sobre o exato instrumento de expressão direta da prosa, e sobre o


expediente exato de expressão evocativa (associativa) da poesia.

Diz-nos que propriedades regem a arte das artes. E ainda o que nela ocorre
apenas contingentemente como estilo.

Como se observa, por toda a parte ocorre um tilintar de razões que nos movem
a dar valor ao estudo da filosofia da arte da cor.

§ 3. Um pouco de História. 3911y024.

25. Há uma longa história das artes plásticas e de sua teorização. A história da
pintura lugar proeminente, mas não tanto a história de sua teorização.

Quando a literatura ainda não existia e nem sequer se estabelecera o alfabeto, o


homem já exercia a pintura com desembaraço. Deveria, já então, haver teorias,
que funcionavam entre os pintores, embora não houvessem sido ainda passadas
à forma de tratados sobre a pintura.

Da história da teorização estética da pintura se pergunta agora. Oportunamente,


a propósito do estilo, se abordarão mais situações históricas da mesma arte da
pintura (vd 760).

26. Mais cedo evoluiu a teorização da arte da linguagem que a das outras. Na
antiguidade grega não se encontra a teorização sistemática da pintura, nas
proporções como Aristóteles escrevia tratados sobre retórica e poética, ou como
Vitrúvio discorreu sobre a arquitetura.

A arte da pintura, mais que as outras artes, depende da viva capacidade visual
do artista, que das peculiaridades inteletualizantes requeridas pela adiantada
expressão em letras, arquitetura e música.
A situação continua, hoje, com as mesmas dificuldades antigas. Geralmente os
que tratam teoricamente de estética da pintura, não conseguem ir muito além do
arrolamento concreto das criações artísticas.

Os pintores efetivos se situam no plano concreto das obras da pintura, não


muito sabendo como subir aos conceitos da arte em geral.

É que a pintura consegue funcionar autônoma, sem aliar-se às outras artes; cria,
então, um mundo próprio, em que até a linguagem usualmente é apenas sua. As
outras artes, como a música e a literatura, andam geralmente de mãos dadas e
por isso se desenvolvem com padrões similares. No canto, une-se a poesia
literária à música; os mesmos nomes que denominam as composições poéticas,
transitam geralmente para as denominações musicais, pois dizemos hino para
uma certa composição de versos e também para um certo canto.

A arte mais próxima da pintura é a das formas, notadamente da escultura. Em


conjunto chamam-se artes plásticas. Não obstante já ia adiantada a escultura, e
os pintores ainda não sabiam pintar o olho senão de frente. A rigor, esta
questão é ainda de formas. A pintura é instrumentalização da cor. A teorização
visando a cor em si mesma é muito tardia.

Com os recursos eletrônicos, a cor e as formas puderam aliar-se mais de perto


com as demais artes, - muito mais do que no passado permitia o teatro, - e
assim a linguagem das artes tende a se unificar, bem como sua teorização.

27. Os primeiros breves ensaios expositivos sobre a pintura já apareceram na


antiguidade grega e romana.

Do período pré-socrático sobram apenas fragmentos teóricos sobre as artes


plásticas, e que são contudo alusões apreciáveis.

O filósofo Empédocles (c. 490-435 a. C.) opinou, que o quadro tem valor
estético, porque, pela graça e harmonia, deleita a vista:

"Assim, os pintores fazem ressaltar melhor os desenhos, nos quadros dedicados


aos deuses, graças às cores variadas; escolhem pinturas multicores, as misturas
de maneira harmoniosa, tomando de uma algo mais, de outra algo menos, e
fazem desta maneira quadros que se assemelham a tudo quanto existe" (Frag.
23 H. Diels).

Mais uma referência de Empédocles sobre a pintura se encontra no fragmento


71.

Repetem-se as referências à pintura em Anaxágoras (frag. 4), como ainda no


sofista Górgias e no sábio atomista Demócrito.

Igualmente Sófocles (496-406), poeta trágico, se referiu às relações entre a


expressão poética e a pintura, para dizer que a poesia atende a perspectivas, ao
passo que a expressão em cor se orienta para a realidade visual integral.

O problema destas relações poéticas será mais tarde objeto de discussão por
parte de G. E. Lessing (Lacoonte, 1766) e Ed. Mueller (Geschichte der Theorie
der Kunst bei den Alten, Breslau, 1834).

Platão (427-347 a. C.) discutiu a legitimidade da pintura, a qual teve em pouca


conta, porque no seu entender seria apenas um simulacro das coisas, cuja
verdade estaria nos arquétipos eternos (Fedro, 276 e República 601).

Em tratando das sensações esclareceu sobre as cores, tentando uma


classificação (Timeu, 67c-68 d). Ocupou-se com a técnica de criar o relevo
(skiagrafia) na pintura (República 523 b e outros lugares).

O grande Aristóteles 384-322 a. C.), que deu amplo desenvolvimento à estética


da linguagem, ocupou-se menos com as artes plásticas; nestas, menos com a
pintura do que com a escultura. Insistindo sobre a proporção das formas,
advertiu para a maior beleza das coisas grandes, que das pequenas; o princípio,
efetivamente é válido e logo passou a se realizar no período helênico-romano,
com a grandiloquência da urbanística e da arquitetura, da escultura e finalmente
da pintura.

Aristóteles ainda se ocupou com a perspectiva ilusionista da pintura; nela


atribui ao sombreado um papel especial; mas não se pronunciou contra ela com
as raivas da filosofia dualista de Platão. Também afirmou que a pintura
dispensa da exatidão demasiadamente meticulosa e que a poderia até prejudicar
(Retórica, III, 12, 1414 a). Entretanto, sua teoria das cores é menos exaustiva
que a de Platão.

Contudo, classificou Aristóteles sete cores principais, à maneira das sete notas
da escala musical. Distinguiu entre cores harmônicas e desarmônicas (De
sens. 3,349 b).

Durante o período helênico-romano continuam as pequenas referências à


pintura e às cores.

Ao lado destas poucas informações gregas, com a validade de serem as


primeiras da história, também restam alguns quadros antigos da mesma,
revelando sobre os respectivos estilos (vd 790).

28. No fim da Idade Média e Renascença a teorização da pintura e, de um


modo geral, das cores recebeu novos desenvolvimentos.

Progrediu sobretudo com o advento do humanismo e a renovação do espírito


clássico.

No início deste novo movimento está o florentino Giotto (1266-1337) (vd 833),
que deu fisionomia própria à pintura ocidental, libertando-a da tradição
linearista bizantina, para lhe devolver o humano.

A Renascença, através dos pintores da escola flamenga, introduziu a pintura


com tinta a óleo (vd 143). Restabeleceu a arte clássica, e criou, por assim dizer,
um novo tempo para pintura, tanto no sentido teórico, como no de sua criação.

29. A definitiva ciência da cor é moderna. Os descobrimentos sobre a cor foram


conseguidos sobretudo a partir do físico e filósofo inglês Isaac Newton (1643-
1727), com suas investigações sobre a composição da luz e disco das cores.

Goethe (1749-1832), ainda contando parcos recursos modernos, já escreveu


uma obra apreciável, o seu Farbenlehre (Teoria da cor).
A "estrela de Goethe" (vd 185) é a organização das cores fundamentais sobre as
pontas de ângulo de um triângulo (azul, amarelo, vermelho), sobrepondo-se as
cores secundárias (laranja, verde, violeta), sobre as pontas de ângulo de um
outro triângulo. A sobreposição dos triângulos resultou na estrela de seis pontas.

Nova organização cromática, em forma de pirâmide, com classificação ampla


de todas as cores, foi tentado em 1772 pelo físico Lambert.

Em 1823, Chevreul fez uma disposição radial.

Em 1878, Hering organizou as cores a partir de um triângulo, subdividido em


quadros, a que Osvald dará novos desenvolvimentos.

Albert H. Munsell, americano, em 1912, estabeleceu uma classificação bastante


prática e convincente (vd 186).

30. Revolução na estética das cores. Também os conceitos de estética das cores
tomaram novos desenvolvimentos nos tempos modernos, sobretudo depois da
revolução industrial e do sucesso dos recursos eletrônicos.

A pintura moderna é algo notoriamente novo, regendo-se por uma conceituação


revolucionária. E assim também as aplicações da cor nos objetos industriais e
nos edifícios, particularmente nos recintos interiores, é algo que não possui
precedentes do ponto de vista da conceituação.

Recursos técnicos eletrônicos permitiram o uso das cores fora das telas
tradicionais. Assim um novo tempo se abriu para a estética das cores. Criou-se
uma rica literatura sobre as cores e suas aplicações na expressão artística.

§ 4. Divisão geral da estética das cores. 3911y032.


33. Tomada aqui como arte, a estética das cores se divide pela mesma divisão
que ocorre em qualquer arte:

- a cor como significado, ou expressão (cap. 1-o) (vd 3911y035);

- a cor como significante, ou portadora de expressão (cap. 2-o) (vd 3911y117).

Há uma interdependência entre o significado e o significante, porque a


capacidade de significar nasce de dentro das virtualidades do significante.

O significante não é apenas um portador passivo. Por efeito da mímese e da


evocação, gera a expressão significadora do tema.

Didaticamente convém isolar nos dois capítulos iniciais indicados o que mais
essencialmente caracteriza ao significado e ao significante.

Depois desta sucessão inicial de dois capítulos essenciais, se passará ao mais, e


que sobretudo caracteriza a expressão, para atingir a esta em seus detalhes, a
saber:

- expressão pictórica em prosa (cap. 3-o) (vd 3911y401),

- gêneros pictóricos em prosa (cap. 4-o) (vd 3911y418),

- expressão pictórica em poesia (cap. 5-o) (vd 3911y610),

- gêneros pictóricos em poesia (cap. 6-o) (3911y680),

- estilo (cap.7-o) (vd 3911y702).

CAP. 1
A PINTURA COMO EXPRESSÃO SIGNIFICADORA. 3911y035.
- Estética das Cores -
36. Introdução à arte como expressão. Um estudo sobre a pintura como
expressão, oferece didaticamente o seguinte sequencial de temas:
- a arte pictórica essencialmente com expressão (art. 1°) (vd 3911y038);
- teoria memético-associativa da arte (art. 2-o) (vd 2911y055);
- a arte como expressão inconsciente (art. 3-o) (vd 3911y79);
- propriedades artísticas da expressão (art. 4-o) (vd 3911y86), tais como a
evidência, a esteticidade, a comunicação.

No contexto, aqui, a referência à arte em geral tem em vista esclarecer a arte da


pintura a partir dos fundamentos de toda a arte.

Art. 1o - A ARTE PICTÓRICA


ESSENCIALMENTE COMO EXPRESSÃO.
3911y038.

39. Essencialmente expressão, por acréscimo comunicação. Definir a arte como


expressão (ou como significado) cria duas diferenciações.
Em sendo a arte essencialmente uma expressão, ela não é apenas um fazer
simplesmente um novo ente. Ainda que a arte importe em fazer novo ente, cabe
a este novo ente ser expressão, sem o que não é arte.
Como sua propriedade, a expressão serve como instrumento de comunicação.
Ainda quando não for aproveitada para a comunicação, continua a arte sendo
essencialmente expressão. Portanto a concepção da arte como expressão relega
a segundo plano a comunicação, porquanto esta condição ela a tem apenas
como uma sua propriedade adicional.
Posto o mesmo com referência ao caso particular da pintura, isto equivale a
dizer que ela é essencialmente expressão significante; não apenas fazer coisas
pintadas; nem é apenas um instrumento de comunicação.

40. Aquele algo mais em virtude do qual a arte nos fala se denomina
significado, ou expressão. Significado é uma palavra de sentido bastante óbvio:
tem significado o que nos diz algo. Expressão contém mais polissemia. Tem
um sentido amplo, a ser agora afastado, e um sentido restrito.
Expressão deriva do étimo latino premere (= premer, premir, calcar, pisar), de
que pressus (= premido) é o adjetivo correspondente; dali os
derivados imprimir, exprimir, expressar. Percebe-se, pois, que expressão indica
um acrescentamento, que se impõe ativamente. O artista, com esforço, coloca
na matéria a expressão. A obra reproduz sua idéia, e portanto a obra é a
expressão da mesma.

No sentido amplo, ou vasto, expressão pode ser qualquer produto resultante do


esforço que o cria. Este é o sentido entitativo, ou enticista, de expressão. O
fabricante cria produtos que são expressão dos modelos pelos quais se orientou.
O produto é apenas ontológico, tão só um ente sem objetivo de significar algo
gnosiologicamente. Ocorre aqui apenas um resultado na ordem prática do fazer.
A arte tem por vezes este sentido amplo, como em belas artes, que significa tão
só criar o belo, por exemplo um belo palácio. Neste sentido se usa
dizer indivíduo de grande expressão social.

No sentido restrito a expressão é concebida como aquilo que foi feito


para significar intencionalmente algo, em virtude das relações informativas que
este objeto criado possa conter. Neste sentido a palavra é uma expressão, e toda
qualquer outra arte é expressão de algo. Finalmente, neste sentido se busca
mostrar que a arte essencialmente se define como expressão, e que a filosofia
da arte consiste em desdobrar tudo aquilo que ela é como expressão.
Para destacar o sentido estrito de arte, pode-se dizer adjetivamente que ela
é expressão significadora. Também é possível dizer expressão gnosiológica, ou
ainda expressão teorética, intencionalista, temática, falante. Tudo, sempre em
contraste ao sentido vasto de expressão entitativa, meramente practicista.

Estes dois conceitos dividem a definição da arte, e em que nós tomamos o


partido dos que atendem à arte como expressão significadora, e não apenas
como expressão de algo que fosse apenas mais um ser.
Ainda que o belo seja criado sob a orientação de uma idéia exemplar, de que é
a expressão entitativa, este algo para nós ainda não é a arte. Defendemos que a
obra de arte é sempre significadora, gnosiológica, teorética, intencionalista,
temática, falante, capaz de comunicar, informar, dizer, instruir. A arte é
paralela à operação mental, com a diferença apenas, que uma opera na
imanência e a outra no exterior físico.
Para as concepções onticistas ou practicistas da arte, também a expressão
artística permanece apenas nesta criação prática que impõe algo à matéria.
Nesta concepção o resto não é essencial, – tudo seria arte, tanto o que tenha
significação, como o que não tenha.

I - Em particular sobre a concepção practicista da arte.


3911y041.
42. Teria o pintor em vista criar cores apenas como coisas para se ver
(practicismo) ou criar cores para darem origem a um processo de conhecimento
(teoricamente)?
Na arte da linguagem esta pergunta se apresenta com mais nitidez.
Enunciaríamos palavras apenas para ouvi-las, por exemplo, só para efeito
estético?, ou teríamos nelas a intenção de exercer conhecimentos? Mais claro
isto se mostra no pensamento: é o pensamento uma coisa ou também um pensar
intencionalístico a nos advertir para algo?

Ainda que a pintura fale, não pretende o practicismo que ela seja arte pelo seu
falar de algo; isto ela o faria acidentalmente. A pintura seria arte, apenas
enquanto é obra física; ao ser criada, cuidaria o pintor de a realizar segundo as
leis da criação ontológica, fazendo-a algo positivo, existente, perfeito e
sobretudo belo.
Em tais condições, a pintura seria algo apreciável como coisa. Não se pintariam
pessoas, para significar outras pessoas, mas simplesmente se criariam estas
pessoas de tinta.

43. Não estamos impedidos de agir practicisticamente, e por isso fica sempre
no ar a tendência de produzir, simplesmente porque isto também pode ser um
objeto justificável.
Os músico com frequência produzem sons pelo fato de serem estéticos. Não
estão impedidos de o fazer. Mas seriam estes sons uma arte?
Pintam-se geralmente as casas e os ambientes com tintas de uma psicodinâmica
desejada. Mas, seria também isto a arte da pintura? Eis uma posição defensável,
mas talvez falsa, e que é contestada pelos teoreticistas.

Nesta concepção de arte como apenas produto arrolam-se, entre outras, as artes
agrícolas, medicinais, liberais. Mas agora parece que foi a palavra que mudou
de sentido, por uma ampliação qualquer de seu significado. Mas, se se mantiver
o mesmo sentido, objetos pintados seriam artísticos, no sentido de um belo
produto. Então o ser expressão de algo não é essencial à arte; este eventual
exercer a expressividade, não seria a essência da pintura como arte; o ser arte
consistiria apenas em ser um produto.
A arte se reduziria à produção de "novos objetos", ou "objetos especiais", ou
"objetos não naturais". Na concepção haveria arte nestes objetos inusitados,
mesmo que não fossem portadores de um significado.
Já começaria a haver arte, desde o instante em que um objeto fosse retirado de
sua função natural. Um simples deslocamento do prego para uma tela, seria
produção de um objeto especial.

A "colagem" de objetos já feitos (ready-made) são criações de objetos especiais


e portanto já em condição de se exercerem como produto e arte. Não se
confundindo com a situação material anterior, retiram-se da primitiva
obscuridade, transcendendo o natural (veja-se Estética das Formas, cap. 1-o).
Não se pode negar, haver um princípio de arte no processo dos objetos novos,
especiais, não naturais, da "colagem", ou de modo geral no aproveitamento dos
objetos já feitos (ready-made), desde que se queira interpretá-los como
portadores de um significado. É possível perceber neles um início de
intencionalidade temática.
Não importa o que os intérpretes digam de tal arte. Não se trata de argumentar
com estes objetos inusitados a favor do practicismo, ou de uma arte sem objeto
intencional; o que verdadeiramente interessa está em decidir se nesse tipo de
arte ocorre, ou não, um tema.

A arte de simples objeto sempre é praticável, porque poderá ser conduzida


assim por motivos meramente estéticos. O músico usa criar sons apenas porque
se compraz em sua sequência agradável. Assim também se pintam quadros para
obter a beleza das cores, do mesmo modo como se cultivam flores, porque são
de agradável colorido. Mas esta é uma arte apenas no sentido lato, ou amplo, e
não no sentido próprio. Esta arte de sentido impróprio se reduz à mera
expressão entitativa, sem ser expressão teorética.

44. Convocado um pintor anti-temático a fim de cobrir a parede de uma sala,


poderia operar assim: lançar tintas apenas como apresentação de cores para
serem vistas. Ele cria simplesmente, para oferecer oportunidade de se verem
coisas.
É apenas um Demiurgo a ordenar o mundo, para que os anjos (bons e maus)
tenham o que apreciar.
No desenho, esta concepção meramente practicista vai ao construtivismo de
figuras. Na parede de uma sala o desenhista traça figuras, que podem ser
integralmente estranhas, a nada parecidas e também sem objetivo de significar
qualquer coisa da imaginação e do pensamento. Pode, por exemplo, fazer surgir
um traço, que venha de um lado e se desenvolva com variação até o outro lado;
este traço ali está agora. Para quê? Simplesmente para que haja um traço, que
se possa ver. Senão para ver, outra coisa não pretende fundamentalmente a
concepção do formalismo atemático.

Admite, evidentemente, uma tal concepção que haja coisas mais apreciáveis
que outras. Cria, então, de preferência as mais apreciáveis.
O pintor mostrará sua capacidade imaginosa para criar obras de tal natureza
mais apreciável. todavia, a arte continua com a mesma definição antitemática:
criar coisas para se perceber intuitivamente, pintura para se ver esta pintura
concreta, sons para se ouvir estes sons concretos.
Do mesmo modo o cozinheiro da boa arte de comer nada mais faz do que criar
objetos de melhor sabor.

A definição de arte dos formalistas anticonteudistas leva a liberdades


inteiramente imprevisíveis. Já que se trata de obter coisas para se apreciar, não
importa o método, desde que a criação consiga resultados. A ação espontânea
do artista, mesmo a inconsciente e até mesmo a instintiva, poderá encaminhar
na direção de criações originalíssimas.
O artista atemático é como o homem que se ergue à noite escura. E porque não
deseja ficar a não ver nada, acende a luz, para que surjam objetos que lhe
ocupem a vista. Se nada conseguisse ver, tomaria pincéis e encheria de traços
as paredes; ficaria depois na simples contemplação intuitiva destas coisas que
de nada falam, senão de si mesmas, revelando-se como qualquer outro ser
exposto às faculdades do conhecimento.

45. Quem são os practicistas? Pode havê-los entre os artistas, quando se


dedicam para criatividade sem objetivos de estabelecer significados. E pode
havê-los entre os que teorizam esta concepção sobre a arte. A antiguidade
inteira não deu ênfase à perspectiva teorética da arte, não porque a negasse,
mas porque dela não cuidou de maneira mais ampla.
Platão deixou transparecer uma concepção practicista da arte, ainda que não a
entendesse assim. Para ele a pintura é um simulacro do objeto figurado; é
preferível, pois, procurar o mesmo objeto. Mas era ao menos um simulacro
daquele objeto, e portanto uma expressão significadora de algo.

Aristóteles (Ética, 6,3,4) em distinguindo entre o domínio do agir e o do fazer,


para chamar ao do fazer como sendo a "arte", não exclui a teoreticidade da arte,
expressamente; cuidava apenas do fazer físico da obra exterior, distinta da obra
imanente, produto do agir. A arte é um fazer inclusive para os teoreticistas, que
a faziam para expressar algo.
Modernamente, alguns escolásticos, como Maritain, apoiando-se na velha
distinção, insistem em interpretar practicisticamente a arte, ou seja, como
uma recta ratio factibilium. Todavia, não faz isto parte do espírito aristotélico.

II - Concepção teoreticista da arte.


3911y047.

48. Para a concepção teoreticista da arte, aqui defendida, a arte é expressão que
se refere a um objeto ao qual significa.
Na expressão há um referente interno, ou objeto interno, ou conteúdo, que está
impresso e expresso na mesma obra de arte. Este objeto interno referido é
a significação.
Na base deste referente interno, ou significação, está o significante, como
portador material.
Portanto, em si mesma, a obra de arte se compõe de uma significação e de um
significante.
E há na arte um referente externo, a saber, o objeto exterior à obra de arte.
Aquele referente externo como que preexiste à expressão artística, que é criada
para significá-lo.
Quanto ao referente externo, importa distinguir nele um ponto de partida, - que
o referente interno, e um ponto de chegada, ambos intencionais. Esta
intencionalidade é a atenção vista como um movimento mental (e não físico),
que parte do referente interno na direção do referente externo.
A base da intencionalidade se encontra no referente interno, e por isso não
importa que o referente externo seja real, ou fictício, concreto ou abstrato.
Como termo de chegada atingido pela expressão, o referente externo é sempre
exterior à expressão que o indica intencionalisticamente.

A concepção teoreticista da arte põe, por conseguinte, o essencial no aspecto


cognoscitivo oferecido pela obra de arte. Qualquer que seja a maneira como se
a entenda, a arte é falante.
Frente a um quadro, pergunta-se logo, - que é que representa? Não importa sua
natureza material mas sua expressão teoreticista, estruturada na forma de
referente interno se referindo intencionalisticamente para um referente externo.
A física ou ontologia da obra considerada em absoluto não pertence ao conceito
em si mesmo da arte, e sim o que nela intencionalmente adverte para fora de si
mesma.

Há um paralelismo exato entre a expressão mental, ou idéia, que está na mente,


e a expressão da arte, que está na natureza.
A idéia, antes de sua significação teorética ou intencionalista, possui certa base
psicológica, que é a mente. Esta, enquanto sustentação física e portadora da
idéia, constitui apenas o significante. Como significação, a idéia contém um
referente interno, o qual adverte intencionaliticamente, para um referente
externo.
A psicologia estuda a sustentação física da idéia; a lógica e a gnosiologia
tratam da idéia enquanto conteúdo falante.
O mesmo dá-se na expressão artística; no momento físico, ela é obra vista
como algo físico e absoluto, no instante lógico ela é a informação
intencionalística a referir a partir de sua expressão para um referente externo a
ela mesma. A gnosiologia da arte consiste em determinar a validade deste
referir intencionalístico da arte.

49. É possível dar também a Aristóteles uma interpretação teoreticista da arte.


Ao referir-se ele à arte como produção, pretendeu referir-se à obra como um
significante a ser produzido. Não envolveu a afirmação o afastamento de que,
em um outro tempo, a obra seja portadora de um significado. Exatamente, ao
distinguir entre artes miméticas e as restantes artes, permite interpretar que a
essência das artes miméticas esteja em serem portadoras de significado.
Enquanto imitam, a semelhança se converte em causa formal da acusação do
assemelhado, tornando-o conhecido.
Se atendemos ao modo como Aristóteles explicou o mesmo conhecimento,
chegaremos à idêntica conclusão. É o conhecimento, como por exemplo a idéia,
algo de semelhante ao objeto; por isso o acusa. Ora, nas artes miméticas,
também a obra é semelhante ao objeto e por isso dá uma informação dele.
Mas quando Aristóteles denominou a arte como sendo uma produção prática
não cuidava desta subdistinção, porque não era, naquele instante, o seu objetivo.
O que o ocupava era a diferença entre ação imanente e produção exterior, entre
o agir e o fazer em geral. Leia-se:
"Mas daquilo que pode ser diferentemente, outro é o objeto da arte, e outro o da
ação. São diversas, arte e ação: de sorte que também o hábito poético é diverso
do hábito prático, e, todavia, se excluem reciprocamente; nem a arte é ação,
nem a ação é arte.
E pois que a habilidade de edificar é certa arte, e propriamente certo hábito
produtivo com razão; e tampouco há nenhuma arte que não seja tal hábito, nem
nenhum hábito produtivo com razão que não seja arte, será a mesma coisa arte
e hábito produtivo com raciocínio veraz.
Toda a arte visa à produção, e a sua habilidade e inteligência encaminham-se
ao escopo de produzir alguma das coisas que podem ser e não ser, e cujo
princípio está em quem produz, não aquilo que é produzido. Uma vez que a
arte não é das coisas que são ou advém por necessidade, nem das coisas que
acontecem naturalmente: estas coisas, com efeito, têm o princípio em si
mesmas.
Sendo diverso o produzir e o agir, não há dúvida que a arte visa ao produzir,
não ao agir. De certo modo, pois, à cerca das mesmas coisas versam o acaso e a
arte, segundo o que diz Agatão: Ama sempre a arte o acaso; e o acaso, a arte.
Logo, como se disse, a arte é certo hábito produtivo com razão verdadeira; e ao
invés, a carência da arte é um hábito com razão falsa: à cerca daquelas coisas
que podem ser diferentemente (Ética, L. 6s, 3,4).

50. Modernamente quais seriam os filósofos representantes de uma filosofia da


arte como expressão significadora? É muito claro que todos aceitam que a arte,
principalmente a língua, possa significar algo. Mas não é claro, se colocam esta
função como a essência mesma da arte.
Para Kant a arte é arte, simplesmente porque é um objeto criado pelo homem.
Hegel também vê na arte a criação simplesmente de um objeto, ainda que
previsto por uma idéia exemplar de que ela é a expressão.

Na mesma linha da arte como entidade se situam alguns neoescolásticos, como


o francês Jacques Maritain, e o argentino Octávio Derisi.
Não se mostram cristanis Bergson, Croce, Sartre, mas tendem muito mais para
a interpretação da arte como expressão significadora.

51. Aparentemente, notáveis setores da pintura moderna pretendem criar obras


sem objeto, sem tema, sem conteúdo.
De fato porém não é isto o que acontece com a pintura moderna em geral O que
ela pretende é os objetos, relegando os figurativos, e preferindo os abstratos.
Deixando uma espécie de objeto, passou a buscar outro, mais subtil. Quando
busca o não-tema ao que busca, não faz senão limitar o nome...

Não é exato definir as modernas artes plásticas como sendo arte sem objeto. O
pintor moderno nada mais fez que aprender a distinguir entre objeto figurativo
e objeto abstrato, e depois entre graus de objeto abstrato.
Primeiramente se fez sentir a luta contra a expressão figurativa; a representação
do objeto concreto é eminentemente objetiva, razão porque a luta começou
neste plano. Mas, a seguir o combate ao objeto passou aos diferentes níveis da
representação abstrata. Os primeiros níveis desta ainda continuam um tanto
figurativos e vão também ser combatidos.
O caminhar da arte figurativa para a abstrata, continuou da abstrata até o quase
nada de objeto; então parece que a representação do meramente formal não
haveria passado senão de um momento dialético da luta; primeiramente se
jogou o abstrato formal contra o figurativo; depois se fez também a destruição
do mesmo formal, a fim de chegar ao quase fisicismo puro da criação pura e
simples da obra sem representação de qualquer natureza. O que sobrou é ainda
um tema; isolado e sutil, o tema em tais condições se revela como nunca antes
houve na arte...
Ainda que todos os níveis sejam legítimos como temas da pintura, os abstratos
mais subtis se converteram em objetivo peculiar da pintura moderna.

52. O figurativo começou a ceder lugar com os pintores impressionistas, Monet,


e outros (vd 947). Em vez do objeto tal como é, a representação passou a
exprimi-lo tal como ele impressiona aos olhos, com superfícies por vezes
rompidas pelos reflexos luminosos.
Outros modernos se preocuparam com as superfícies planas e as cores,
esquecendo o que o objeto em si mesmo significava.
"Um quadro – antes de ser um cavalo de batalha, uma mulher nua ou uma
anedota – é essencialmente uma superfície plana coberta de cores dispostas de
certa maneira" (Maurice Denis).

Continuou a dissolução do figurativo no cubismo e especialmente com


Mondrian e Malevitch.
Cresceu a preferência pela representação abstrata. O extremismo de alguns
chegou mesmo à tela de todo limpa de qualquer representação figurativa.
Uma vez no abstrato, começou-se a luta contra o mesmo abstrato, para fazer da
tela um valor em si mesmo; neste caso o pintor cuidou dar à tela aquilo que a
fizesse não ser apenas aquela tela material, erguendo-a ao plano em que
pudesse dizer-se uma criação. Esta criação sem qualquer representação, apenas
a faz elevar-se acima da obscuridade do material anterior da mesma tela.
Este elevar-se, eis já um tema... Pelo menos parece podermos interpretá-la
assim, e então ainda se salva a pintura como expressão de algo, em vez de
haver passado ao mero practicismo do simples fazer de um artefato.
A mesma preocupação reformuladora da temática tomou conta das outras artes
plásticas, de escultura especialmente. De início a escultura lutou contra a
figuração exata das coisas concretas, deixou de representar objetos naturais
ingressando no objeto abstrato, ou meramente formal. Chegou-se finalmente à
criação pura e simples de novos objetos, quase como se não devessem
significar algo, para serem simplesmente ele com o caráter de objetos
inusitados e estéticos.
Conclui-se, pois, que mesmo a arte moderna, – não obstante suas inovações,
continua sendo expressão significadora. A obra remete intencionalisticamente
para fora, para um outro objeto que fica sendo seu tema, o seu conteúdo, o seu
termo de referência intencionalística, não importando que este objeto de
referência seja concreto, ou seja abstrato, real ou fictício, banal ou inusitado.

53. Conclui-se, pois, que a obra de arte é essencialmente sempre gnosiológica,


teorética, intencionalística, temática, falante, capaz de informar, dizer, instruir,
entreter nocionalmente.
Agora se acrescente que a arte é essencialmente conteudística; ela contém algo
que é entendido pelo apreciador.
Faça-se uma comparação com a "idéia" (ou conceito); na idéia há um conteúdo
pensado; este conteúdo é aquilo que se pensa a propósito do objeto que está na
posição de tema. Também a obra de arte possui um conteúdo expressado e que
reduplica em si o que está no tema.
Na idéia o conteúdo se exerce com vida consciente; na arte o conteúdo é apenas
objetivo, restando ao intérprete estabelecer uma interpretação. Na tela há um
conteúdo fixado pelas cores, que não sabem de si, mas contém algo que aos
olhos do intérprete se aviva em um conteúdo pensável. Neste conteúdo
consegue o apreciador instruir-se a respeito do objeto, tal como a idéia o
instruía sobre o objeto ideado.

Art. 2o - TEORIA MIMÉTICO-ASSOCIATIVA DA ARTE.


3911y055.

56. É possivel dar à intencionalidade que se verifica em qualquer obra de arte,


por exemplo de pintura, um esclarecimento teórico, e que pensamos ser sua
interpretação teórica, fazendo-a nascer de duas fontes, - da mimese e da
associatividade.
Por ordem, há pois a examinar neste artigo:
- a expressão artística essencialmente como mimese (§ 1.) (vd 58);
- depois, aditivamente, como evocação (§ 2.) (vd 064).
Complementarmente, ainda há a examinar a extensão da mimese e da evocação;
então o interesse incide sobre:
- a universalidade temática da expressão artística (§ 3) (vd 070);

O objetivo imediato agora é apenas esclarecer que a expressão artística é


mimese e evocação. Mas, em tempo oportuno (capítulo 3-o) importa uma
revelação plena de todo o processo mimético e evocativo da expressão artística,
e em suas duas importantes espécies – a expressão em forma de prosa e a
expressão em forma de poesia, além dos respectivos gêneros de expressão em
prosa e gêneros de expressão em poesia.

§1. A Arte antes de tudo como mímese.


3911y058.

59. Uma expressão se processa essencialmente pela imitação, criando algo


semelhante ao objeto.
Portanto, é imitando um objeto, portanto pela mimese, que se faz uma
expressão, mediante a qual o referente consegue informar a respeito do referido.
A imitação é fundamental na expressão. Se o pintor pinta uma flor tal qual é,
por meio desta imitação da figura da referida flor, ele a expressou.

Por acréscimo, - como já se adiantou e depois se pormenorizará, - pode-se


ainda expressar mediante evocação. Exprime-se primeiramente por mimese a
um objeto; num segundo momento se reforça a expressão, estimulando imagens;
este processo de estimulação chama-se evocação.
A prosa (vd 406) funda-se na mimese; a poesia (vd 610) na evocação. Mas a
evocação pressupõe a prosa que, no primeiro tempo expressa o objeto estímulo.
Por exemplo, pintada a flor, - este é o momento da prosa; ato contínuo, a flor
pintada desperta imagens em seu torno, - este é o momento da poesia.

O que assim se apresenta é uma teoria, com vistas a explicar um fato, a


expressão artística. Se observarmos um quadro de pintura, ele nos diz algo.
Este falar, como é que acontece? Procuramos ultrapassar o fenomenológico do
fato experimental, entendendo-o por dentro, isto é, teoricamente, revelando o
implícito, a causa (ou formal, ou eficiente).
No conhecimento os gnosiólogos fazem a mesma pergunta: por que é que as
idéias nos dizem algo? E tentam esclarecer que as idéias são uma representação
que reproduz os objetos, e por isso os fazem ser conhecidos.

60. Mimese figurativa e mimese abstrata. Imitando aos objetos, a obra de arte
os exprime. Tanto isto é verdade, que consegue acusá-los quase na mesma
proporção que os imita.
Para indicar um todo concreto individualizado, a imitação precisa integralizar-
se; ocorre isto na arte figurativa, que toma por tema as coisas concretas, como
pessoas, plantas, paisagens.

Para exprimir aspectos abstratos, restringe-se a expressão a uma imitação desta


perspectiva evitando o resto.
Por isso a arte abstrata se afasta da figura natural do objeto. Assim, por
exemplo, a cor da obra poderá indicar a cor em geral (cor em abstrato); poderá
indicar também o calor da cor, a riqueza da cor; o agrado sensitivo ou sensual
da cor. Houve mimese, mas do abstrato.

61. Só a qualidade tem a propriedade de possuir semelhante. Já o dizia


Aristóteles: "O semelhante e o dissemelhante se dizem unicamente das
qualidades. Uma coisa não é semelhante a uma outra, por nenhuma outra razão
senão porque é qualificada". (Categorias 11a 18).
Por isso é que a expressão artística sempre se opera mediante qualidades, por
exemplo a forma, a cor, o som.
É porque as qualidades possuem os seus assemelhados, que elas os imitam e
expressam.
A pintura imita pois através da qualidade denominada cor. Imitar pela cor
significa reproduzir os objetos pelas espécies de cor, neles existentes, pela
intensidade em que se dão, pela força psicodinâmica com que atuam, com o
ritmo que apresentam em suas sucessões.

62. Em vista da especificidade do instrumento de expressão com que se exerce,


a imitação na pintura se concentra na cor e não na forma das linhas, áreas e
volumes; estas outras imitações são próprias do desenho e escultura.
Note-se que a cor é um sensível próprio (isto é, próprio a um só sentido), ao
passo que a forma é um sensível comum (isto é, comum a todos os sentidos). Os
sentidos próprio e comum convivem e mesmo não são separáveis. Em concreto
a cor e a forma plástica (dividida em linhas, áreas, volumes) não se separam;
por isso convivem a pintura e as artes da forma (desenho, escultura etc.). Do
mesmo modo a som musical tem uma forma no espaço, onde apresenta
sobretudo uma direção.
A fidelidade da pintura à cor se denomina pictoricidade. A essência da pintura
está na representação mediante cor e não mediante linhas, áreas, volumes. Não
importam estas formas e sim as cores dos objetos.
O que não se vê, do volume, não precisa comparecer na tela. À medida que a
luz, ou as distâncias alteram a cor e a nitidez das formas, o pintor também o
deixa denotar. A intelectualização matemática levaria aos detalhes, que
entretanto, a luz e a cor não revelam. O senso pictórico é essencial à pintura,
enquanto, mediante a imitação da cor, exprime seu objeto.

§2. Participação do associativo na teoria explicativa da arte.


3911y064.

65. No subconsciente ou memória as imagens se ligam entre si. Quando se


apresenta um objeto, prontamente conota outras imagens. Esta associatividade
se alia à arte, aumenta sua expressividade e a torna poética.
Sem o processo da associação das imagens os recursos da arte da pintura se
reduziriam em muito. A cor seria apenas cor e indicaria somente as coisas
como coloridas. Entretanto, sabemos que o brilho do relâmpago prontamente
associa a imagem sonora do trovão que há de vir sem demora. Portanto as cores
também se ligam a imagens que complementam a expressão.

66. No subconsciente, ou memória, guardam-se numerosas imagens, não


somente de cores, mas também de sons, perfumes, gostos, contatos,
sentimentos de alegria, bem-estar e sensualidade.
Prendem-se as imagens entre si, de tal sorte que, apontando para uma,
aparecem também as outras. O pintor, lançando tintas na tela, não somente
exprime as mensagens pictóricas adequadamente coloridas, como também,
através das imagens de expressão direta, evoca ainda as demais; com
habilidade amplia o poder de expressão, utilizando-se de expedientes próprios
às faculdades de conhecimento do homem.
O aprendizado da pintura consiste em primeiro lugar no exercício, de como
fazer que as cores das imitem aos objetos. Depois deste momento essencial, o
referido aprendizado segue para o não essencial, - todavia importante, - de
como manejar a composição pictórica tendo em vista o despertar de outras
imagens por associação evocativa.

Há uma poesia interior, em que umas imagens atraem outras no mesmo mundo
interior; esta poesia interior não é ainda a arte exterior. A poesia da arte é
expressa no exterior, na mesma obra.
Ali no exterior, ora se exprime só a imagem que é objeto estímulo de outras
imagens. Ora se exprime a imagem estímulo juntamente com a imagem
estimulada. Ambas são a arte da poesia.
A imaginação (fantasia) a criar imagens, que a memória conserva no
subconsciente, e põe na superfície nos momentos adequados, engrandece a arte,
quando esta exprime este processo. Por isso, ter imaginação produtiva e
excelente memória conservadora, é dispor de recursos extraordinários para a
criação artística.

Em pintura, a evocação poética se denomina, em certos casos, atmosfera. Faz-


se, então, uma referência temática, isto é, a um tema que somente a evocação
poderia expressar. Por atmosfera se entende a expressão de uma ambiência, que
evoca mais do que se vê.
A "tempestade" de Giorgione (1478-1510), da escola veneziana, apresenta um
céu, plantas, animais e pessoas, que não apenas são o que diretamente a cor
indica; as feições gerais são de maneira a fazerem sentir a atmosfera integral.
Eis um caso de evocação.

67. A poesia não pertence com exclusividade à literatura. Esta apenas insiste
mais em usar o nome, ao passo que os pintores se limitam por vezes a
expressões como evocação, atmosfera, sugestão.
É evidente que, em virtude da diferença dos recursos da matéria (cor, na pintura,
som na música e na linguagem, forma espacial na escultura e arquitetura), não
pode a poesia exercer-se de maneira igual nas diferentes circunstâncias.
Todavia, em substância, ela é sempre evocativa de imagens, portanto
essencialmente a mesma.

68. A cor possivelmente é o mais poderoso dos instrumentos evocativos.


Através da vista ingressa um maior número de diferenças sobre os objetos e
cada uma contém vivências e que poderá converter-se em estímulo de
evocações, despertando imagens. Nestas condições a pintura poderá ser
evocativa, com preponderância sobre as demais artes.
Entretanto, isto não quer dizer que a margem maior da pintura seja evocativa;
ela une as modalidades de expressão, a prosaica e a poética. Uma vez que a cor
é de grande capacidade de expressão prosaica, dispensa por isso mesmo da
expressão poética. E se contudo pratica também a esta, se torna por isso mesmo
uma arte de grande capacidade de expressão. Ninguém pinta somente para
fazer prosa, senão em casos especiais como na pintura didática e industrial.

A música, precisamente porque consegue pouco na expressão em prosa, apela à


evocação, mais do faz a arte em cores. Muito imprecisos para o ouvido humano,
não permitem os sons expressões com a exatidão mimética, senão em situações
bem limitadas. Dali, porque deve recorrer ao recurso extraordinário da
evocação, mais do que outras artes.
§3. Universalidade temática da arte em cores.
3911y070.

71. A pergunta é, - se a arte consegue representar tudo?


Ninguém põe dúvida, sobre se de tudo conseguimos falar. Com o curso do
tempo, a língua estabelece as palavras de acordo com a necessidade, porquanto
opera com equivalentes convencionais.
Com referência à pintura não é tão claro, que ela possa tudo representar.
Operando mediante semelhanças naturais, estas têm um limite. Este limite
todavia acontece nas semelhanças proporcionais ao modo como as usa a prosa.
Entretanto, a complementação é vastamente compensada pelo contexto lógico
dos objetos e sobretudo pelos recursos da evocação.

Tudo é expressável expressável de algum modo. Apesar da pintura operar


diretamente apenas com a mimese mediante cor, ela aumenta esta capacidade
com os recursos do contexto lógico e da evocação, além do expediente
extrínseco da aliança com outras artes.
Ainda que um grande número de objetos seja disparatado em relação às cores, e
por isso não podem ser expressos com propriedade mediante mimese, deixam-
se alcançar por estes outros recursos. Desta sorte, pois, pode-se admitir para a
pintura, como para qualquer arte, a universalidade temática.
Resiste o mármore, resiste a cor, resiste o som aos desejos do artista. Mas este
busca os outros caminhos, embora sempre a partir do instrumento originário da
mimese. E assim nenhuma das ansiedades da obra de arte fica sem poder ser
atingida.
Certamente há defasagens de uma arte para outra, quando se faz transposição.
Uma cena de sangue difere de efeito, se representada na pintura, na escultura,
na linguagem, no palco, no cinema, na televisão. Já os antigos advertiam sobre
as diferenças entre o que se fala e o que se pinta. De mesmo fenômeno se
ocupou depois Ebraim Lessing 1729-1781), em seu apreciável livro Lacoonte,
de 1766.

Importa examinar alguns aspectos mais sobre o contexto, a evocação e outros


caminhos mais, através dos quais se dilata a universalidade da expressão em
cores. estes outros caminhos.
73. A expressão contextual. Não está o contexto na obra artística, mas no
objeto em si mesmo. Depois do objeto expresso ser atingido parcialmente pela
mente, esta possui um poder de cálculo, que conduz ao conhecimento das
restantes partes do seu todo lógico.
Nenhum objeto, seja abstrato, seja concreto, se encontra inteiramente isolado.
Isto acontece, porque a inteligência alcança os objetos em seu mesmo contexto
ontológico, apreciando-o como ser. Por isso, a expressão de um elemento pode
conduzir ao outro, que com ele se relaciona, ou como parte ao mesmo nível, ou
como propriedade, ou como efeito, ou mesmo por uma relação da analogia.
Já se percebe como a pintura tem caminhos contextuais, através dos quais
desenvolve a sua universalidade temática.

A analogia mais ampla é a do ser. Afinal tudo é ser. Desta sorte qualquer ser
contém alguma analogia com os outros seres. Todavia esta analogia do ser é
muito vaga, e por isso importa procurar novas e novas semelhanças; mas o ser é
o ponto de partida, que permite ultrapassar o simples plano da natureza material.
A expressão própria é a que representa diretamente o objeto, e por conseguinte
antes de qualquer recurso ao contexto.
A expressão imprópria utiliza os demais caminhos, em que a analogia é o mais
frequente. Ainda são notáveis as expressões impróprias que procedem pelas
relações, ora das relações de causa e efeito na ordem da causa eficiente (ou de
origem), ora das relações na ordem de causa formal e efeito formal.

As relações de causa e efeito na ordem da causa eficiente (ou de origem)


servem de signo instrumental, de sorte que o efeito pode fazer saltar a atenção
para direções disparatadas.
O saltitar da mente conta com o raciocínio que, apenas estabelecido, progride
rápido. A pintura tem neste plano um excelente recurso de expressão, pois
muitos objetos imediatamente se caracterizam, ou como causa, ou como efeito.
A relação de evidência entre causa e efeito originado na ordem da causa
eficiente é de evidência virtual. Os sentidos somente percebem a sucessão. Por
isso, o contexto, por cálculo raciocinativo da mente, completa o mais que
importa saber.

O mundo interior pode manifestar-se em efeitos exteriores. Este fenômeno


permite a criação da arte expressionista, que, através dos efeitos exteriores
revela, mediante contexto, o mundo interior.
A pintura enfatizou este caminho sobretudo nos tempos modernos, com a
chamada "arte expressionista". Os estados de alma os expressa a pintura
mediante seus efeitos objetivos.

Mais íntima é a relação entre causa formal e efeito formal decorrente. É a


relação que se dá entre uma natureza e as propriedades que dela decorrem
diretamente, todavia sem dela se separarem.
Agora já não se requer um raciocínio, o qual é exigido para a descoberta das
evidências virtuais. Basta uma simples análise para revelar conexão. Diz-
se evidência implícita (oculta na explícita). Se, por exemplo, o homem tem
inteligência, infere-se que pode pensar; se tem razão, que poderá ser livre.
Não se separando a causa formal e seus efeitos formais, é possível expressar a
estas, em um contexto que logicamente conduz à causa da qual se dizem.

74. A expressão evocativa. A evocação (ou associatividade) também opera


dentro de um contexto. Por si só a evocação é um processo exercido no interior
do subconsciente, onde os objetos estímulos vão despertar imagens.
Por si só a evocação é um processo complementador da expressão direta (isto é,
de expressão em prosa). Uma vez suscitado o objeto da evocação, mais outra
complementação é processada pela mente a partir desta evocação.
Suponhamos que a flor evoque a imagem da mulher; a mente, em um novo ato
de razão, se ocupa do contexto em que se situa a mulher. Nesta expressão há,
por conseguinte, primeiramente o objeto estímulo (a flor), a seguir o objeto
evocado (imagem da mulher), finalmente o mais que a mente, pelo contexto,
acresce ao objeto evocado (aquele mais que a mulher é para o raciocínio).
Portanto, não só a analogia é de uma extensão infinda. A evocação também
distende a expressão. Através da evocação unem-se objetos que, em outras
circunstâncias se encontram inteiramente dissociados.

Um objeto de grata recordação, remete para as pessoas que o possuíam e


utilizaram.
As cadeiras que Van Gogh (1853-1890) pintava rotas e abandonadas, junto a
mesas de bilhar, num fim de noite, falam de cenas anteriores, com que
estiveram eventualmente associadas. E, além disto, estes objetos evocados
permitem novos cálculos, que constituem o contexto final global obtido pela
mente raciocinativamente.

75. A projeção sentimental. A universalidade temática não é infensa até aos


recursos da projeção sentimental, dita também empatia, Einfuehlung. Trata-se
de imagens que se erguem, por associações, e que, por acréscimo, põem vida
em objetos inanimados.
Reduzem-se à empatia os movimentos mecânicos, como o do fogo, e que se
impõem imaginosamente a uma árvore, que passa a se mover como chamas.
Até os sentimentos interiores do indivíduo podem ser objeto de representação
artística, usando como expediente as projeções sentimentais. A pintura de Van
Gogh, além contextual e evocativa, é eminentemente empática, como a do
expressionismo em geral.

Não se trata agora de algo que só pertença às correntes anti-clássicas. Também


o clássico pode exprimir a empatia, como bem se observa no Discóbulo.
Apenas o tratamento clássico diverge do anticlássico, pois um o faz respeitando
as leis gerais da espécie e outro apenas cuidando do individual.
Todavia é mais próprio da arte anticlássica ocupar-se da empatia.
77. A representação artística da projeção sentimental não oferece problema
técnico. Basta representar o objeto, com o acréscimo da perspectiva como nós a
apreciamos sentimentalmente. Árvores que gemem, – a música tem com o
exprimi-lo sem maiores percalços; a ficção literária chega mui depressa aos
mesmos resultados. Até a pintura tem como tentá-lo. Possui mesmo a peculiar
vantagem de poder compor o quadro com as figuras fora do eixo de equilíbrio,
de onde obtém resultados contundentes.
Boticelli (1447-1510), com suas figuras fora do eixo de equilíbrio e os pés em
passo de dança, além da graciosidade das linhas (linearismo), obteve como
resultado o caráter levitante e agradável de toda a composição, que rapta o
apreciador na mesma direção empática levitante e graciosa.

O impressionismo não chegou a ter como tema a projeção sentimental. Cuidou


apenas de como a luz dos objetos chega até nós, sem ainda o acréscimo de uma
projeção sentimental partindo de nós para o objeto.
Do ponto de vista técnico, a impressão é um dos objetos mais fáceis de serem
expressos, porque não necessita de elaboração analítica objetiva.

A expressão artística possui até como representar os objetivos analiticamente,


como surgem na mente e na imaginação, dissecando-os. Foi o que fez o
cubismo, espalhando como que sobre a tela as diferentes partes do objeto,
desmanchado como um livro cujas páginas se soltaram. Este tratamento
subjetivista é mais uma modalidade da arte em cores e formas, a provar a
universalidade de sua temática.

78. Conclui-se, pois, que a expressão em arte é operada por um procedimento


fundamental, - a mimese, - acrescida logo também da associatividade, com o
rendimento total de poder expressar, de algum modo, qualquer objeto.
Foi portanto possível dar à intencionalidade, - que se verifica em qualquer obra
de arte, por exemplo de pintura, - um esclarecimento teórico, e que pensamos
serem, como se disse, a mimese do objeto e a associatividade.

Art. 3o - A PINTURA COMO EXPRESSÃO


EM SI MESMA INCONSCIENTE.
3911y079.
80. A obra de arte exprime coisas, mas ela mesma não sabe disto. É
inconsciente. As telas penduradas nas paredes dão vida à sala. Todavia somente
nós sabemos disto.
Não ocorre o mesmo com a idéia em nossa mente. A idéia é auto-consciente.
Em nós a impressão mental (espécie impressa intelligibilis) se conscientiza,
expressando-se em conhecimento acabado, atenção direta e reflexa. Também as
sensações são conscientes, mas apenas com a atenção direta.

Na obra de arte a expressão é apenas objetiva; algo há nela que objetivamente,


mas não subjetivamente, a mantém em relação intencional com o objeto, ao
qual tem como tema. A obra é apenas sujeito objetivo mas não sujeito
consciente.
Intrinsecamente, pois, há sujeito objetivo e expressão objetiva. Mas, o homem,
como sujeito exterior à obra de arte, encontra fundamento para uma
interpretação. A arte é apenas isto: uma expressão objetiva, capaz de oferecer
uma interpretação exterior.

A primeira coisa a fazer, ao nos acercar de uma obra de arte, é interpretá-la.


Sem a interpretação, ela fala apenas objetivamente; não chega a falar, nem a si,
nem a nós, se não soubermos interpretá-la.
O homem, como intérprete exterior da arte, assume, portanto, a posição de
sujeito moral da expressão artística. Ela mesma, - a arte, - é apenas o seu
sujeito objetivo.

Na verdade, a pintura, em suas variedades ricas de cores, é algo morto na tela.


Mas se aviventa aos olhos dos que a sabem interpretar
Diante dos brutos que passam, - e que não a interpretam, - a obra de arte
continua emudecida.
Passam também homens estultos, - e que muito pouco a interpretam, - a obra de
arte pelo menos consegue dizer-se algo mínimo.
Atravessam, enfim, os que sabem interpretar a expressão da arte em cor,
avivam-se todos os cromatismos e são como que um discurso para eles.

81. A arte exprime objetos, e não pensamentos. A rigor, a arte não exprime
idéias, juízos, raciocínios. É inadequado dizer que a palavra exprime uma idéia.
Diga-se que exprime o objeto da idéia.
Também os pensamentos, no seu mundo imanente, somente exprimem objetos.
Mesmo quando pensamos ao próprio pensamento, este pensamento de
pensamento é pensado como um objeto.

Portanto, quer objetivamente, quer conscientemente toda a expressão, - da


mente e da arte exterior, - remete a partir de si, em direção a objetos. Esta
relação è objetiva entre a expressão e o objeto intencionalisticamente indicado.
Há entretanto transposição, ou tradução, de uma arte para outra arte, e mesmo
transposição de pensamento para a arte. Todavia a transposição se faz como um
todo em que se mantém sempre a direção para o objeto.

82. A interferência do pensamento na arte. Como se advertiu, a arte exprime


os objetos e não os pensamentos que temos de ditos objetos. Portanto, a pintura,
por exemplo, de um panorama, tem algo físico (as cores assemelhadas)
semelhante com as cores do panorama exterior.
Ocorre, todavia, uma interferência do pensamento no ato da interpretação da
expressão objetiva da arte, e, a partir desta interpretação da expressão objetiva
da arte, e, a partir desta interpretação surgem idéias, juízos e raciocínios. Em
razão disto podemos nos equivocar, imaginando-nos que a expressão artística é
uma expressão de idéias, juízos e raciocínios, em vez de expressão de objetos.

A ilusão de que a arte exprime pensamentos acontece sobretudo com a


linguagem, onde mesmo é uso dizer que as palavras exprimem idéias, as frases
juízos, os discursos raciocínios.
Efetivamente, porém, as palavras se referem a coisas, ou a aspectos das coisas;
as frases às coisas enquanto se unem, ou não se unem; os discursos, às coisas
enquanto dependentes. Na língua as expressões são equivalentes convencionais
e por isso se adaptam melhor às coisas ou aos aspectos tomados em separado,
de sorte a haver um paralelismo mais claro com os procedimentos da expressão
mental.
Na pintura porém, a expressão se cria mediante semelhanças naturais. É, então,
mais fácil perceber que há uma relação objetiva entre a obra e seu objeto, e que
não depende de quem a aprecia. Falta à relação objetiva a consciência de si
mesma, e por isso apenas funciona na mente do intérprete. Mas é aquela
relação objetiva que garante ser a arte expressão de objetos e não de
pensamentos, ou de imagens da fantasia.

83. Diferente é o processo chamado transposição (transcrição, tradução) de arte


para arte. Nesta transcrição se troca o instrumento da expressão, por exemplo, a
cor pela forma escultórica, ou pela sonoridade musical, ou pela linguagem.
Todavia, qualquer das artes sempre exprime os objetos aos quais se refere; não
se trata de arte a expressar outra arte. Ocorreu apenas uma transposição, ou
transcrição, ou tradução da expressão.
Também ocorre a transcrição da expressão mental para a expressão artística. O
conhecimento (idéia, juízo, raciocínio, imagem ou fantasia) é uma expressão de
objeto. Na transposição substitui-se o conhecimento por exemplo, pela
expressão pictórica, pela escultórica, pela musical, pela da língua. Mas não
aconteceu uma expressão artística do conhecimento e sim uma expressão do
objeto, ao qual primeiramente expressou o conhecimento e depois expressaram
também as demais artes.

Não temos noção dos objetos senão através das faculdades de conhecimento.
Há uma transcrição obrigatória, em que a expressão mental se antecipa. Esta
primeiramente conhece aos objetos. Sem a mente sequer saberíamos da
existência de objetos. Depois de conhecidos os objetos e criadas as respectivas
expressões mentais, ocorre a transcrição para as expressões artísticas. Não há
arte sem ser precedida por esta transcrição. Todavia o que as expressões
artísticas finalmente apresentam é o objeto, o mesmo objeto que está na posição
de objeto do conhecimento que precedeu à criação da expressão artística.

Pelo visto, a referência ao objeto da arte não é tão simples como a primeira
vista parecia.
A seguir acontece a interpretação; depois de criada a expressão artística, ela é
algo objetivo a se referir ao objeto exterior, e que o apreciador passa a
reinterpretar.
Agora, a reinterpretação faz nascer idéias, juízos, raciocínios, com base no que
está expresso na obra.
Completa-se um círculo em que tudo aparece duas vezes: objeto –
conhecimento – objeto expresso na arte – interpretação, com a volta ao
conhecimento do objeto.

84. Interpretação temática do artista. Os assemelhados admitem graus. Por


isso, a obra de arte, ainda que se assemelhe ao objeto-tema da mesma linha de
semelhança permite semelhanças progressivamente menores com os demais
objetos.
No contexto poderá mesmo a obra escolher estas outras áreas de objetos.
Efetivamente é o que ocorre quando o artista não consegue expressão adequada
para certos temas, dos quais apenas se aproxima, com semelhanças deficientes
e por vezes tão só metafóricas.
A polivalência de expressão requer, portanto, que o artista estabeleça o objeto
exato que pretende em determinado contexto expressar.

Embora relegados, os outros temas subsistem objetivamente. Oferecem


oportunidade a que se dê falsa interpretação a uma obra, ou pelo menos uma
interpretação diversa da que havia nas intenções do artista.
O contexto, quando dependente de circunstâncias sociais e convenções poderá
até perder-se, como efetivamente ocorreu com alguns aspectos da arte egípcia.
Sobra, então, apenas a interpretação objetiva natural. A presença do falcão e
certos outros animais das representações contêm a significação que tais animais
possuíam na sociedade egípcia, e que só em parte chegou até nós.
Já se percebe a falsidade da afirmação de que não valem os livros
primeiramente pelos seus autores. O que importa em primeiro lugar é o que os
livros em si mesmos objetivamente escrevem. Assim também vale a pintura,
pelo que em si mesma ela objetivamente retrata por força de alguma
semelhança com o objeto representado
Precisamos contudo conhecer os autores, a fim de melhor aquilatar o contexto
que dá precisão ao significado da expressão. As mesmas cores e formas
funcionam diferentemente em obra antiga, medieval, da Renascença, do
barroco, de nossos dias.

No plano da evocação poética não se opera apenas com "assemelhados",


porque a lei da associação de imagens também se exerce mediante contiguidade.
Coisas que costumeiramente se observam juntas, basta agora expressar uma,
para que esta evoque a outra. O velho casarão, que o pintor situa em uma tela,
fala de muitas coisas evocativamente, mas sobretudo das vivências que lá teve
de sua infância, da gente de então, sobretudo de seus familiares.

85. Conclui-se, pelo exposto, que a arte é em si mesma inconsciente do que


exprime. Em sendo a expressão artística uma imitação objetiva do objeto
expresso, precisa do intérprete. Mas por acréscimo, contextos eventuais e
associatividades poderão ocorrer, onde mais uma vez importa a interpretação
do apreciador.

Art. 4o - PROPRIEDADES ARTÍSTICAS DA PINTURA.


3911y086.

87. São muitas as propriedades que a arte, sobretudo a das cores, pode oferecer,
importando desde logo uma classificação sistematizadora.
Considerando que na arte se apresentam dois elementos constitutivos – o
significado e o significante (ou portador), - decorrem dali dois gêneros de
propriedades – as propriedades propriamente artísticas, derivadas do
significado, e as propriedades pré-artísticas, ligadas ao portador material da
arte, quando, por exemplo, as cores já podem apresentar interesse antes que
passem a ter significação.

Subclassificam-se as propriedades propriamente artísticas em várias, e que


denominaremos conforme os títulos a seguir, correspondentes aos parágrafos
em que serão tratadas, em:
- propriedades gnosiológicas, como evidência, verdade, certeza (§ 1.) (vd
3911y);
- propriedades psicológicas, como esteticidade, catarse, ludicidade, ordenação
mental (§ 2.) (vd 3911y);
- propriedades úteis, principalmente a da comunicação (§ 3.) (vd 3911y).

Também as propriedades pré-artísticas, sobretudo da cor, se apresentam de


interesse, tanto pela sua atração psicológica, como ainda pela sua utilidade. Por
isso, mais um parágrafo resta a ser desenvolvido (§ 4) (3911y).

88. Ordinariamente nos aproximamos da grande pintura pelas suas


propriedades artísticas, mais do que pelo sentido substancial da arte como
mensagem temática, ainda que esta em última instância faça a sua razão de ser
principal.
As propriedades aderem ao seu sujeito como perfeição e por isso atraem sobre
ele a atenção. Pelas vias das propriedades da arte somos, pois, atraídos à
mesma arte.

Dependem as propriedades de uma natureza anterior, da qual elas decorrem


como efeito formal, isto é, como efeito de decorrência essencial (ou seja,
necessária).
Evidentemente as propriedades propriamente artísticas são mais importantes,
porque se dizem da expressão mesma da arte, todavia as outras podem ser
muito atraentes por causa de sua condição material, fortemente capaz de
impressionar nossos sentimentos.
Este fato ocorre sobremaneira na pintura, porque as cores exercem um grande
atrativo aos nossos olhos. Na música os sons têm até mais capacidade de ser
estéticos, do que portadores de significados bem definidos. As cores, tanto
exprimem bem seus objetos, como também são por si sós altamente estéticas.

§1. Propriedades gnosiológicas da arte em cor;


evidência, verdade, certeza.
3911y090.

91. Na medida que as cores exprimem o tema proposto, a expressão atinge as


propriedades pelas quais ela se diz evidente, verdadeira, certa. Informa então
gnosiologicamente com perfeição, aproximando-se de um dos seus principais
objetivos.
Na medida que isto não acontece, a arte fica em más condições.
É óbvia a importância das propriedades gnosiológicas porque o primeiro
objetivo da expressão é dizer algo, e o dirá bem somente se o disser com
evidência, verdade, certeza. Subtis diferenças separam a evidência, a verdade, a
certeza.

92. A evidência se diz mais do objeto expresso enquanto


precisamente identificado e inconfundível.
Enquanto o objeto está em si mesmo identificado, a evidência é clara; enquanto
o objeto é inconfundível com outro, a evidência é distinta.
A evidência é a primeira propriedade do conhecimento e praticamente confere
com ele. Torna-se perfeita a evidência ao atingir a clareza e a distinção.

A pintura, na medida que imita e associa as cores dos objetos a serem expressos,
atinge a evidência de expressão, a clareza e a distinção. Na proporção que
diminui esta evidência do objeto, a evidência se afrouxa e se dilui até
desaparecer.
A pintura abstrata é imprecisa (não evidente) em relação à figura concreta não
desejada. Não consegue a evidência perfeita do objetivo abstrato, por falta do
recurso específico para o tema abstrato. Todavia seu ideal é aproximar-se o
mais possível da clareza e distinção.

93. Expedientes peculiares contribuem para enfatizar a evidência. Entre outros


ocorrem os da ênfase mediante cores fortes para o motivo principal.

Para o aumento da evidência se apela-se também à deformação, ao se proceder


à dilatação de linhas e áreas com o mesmo objetivo de enfatizar o que se quer
expressar. O aumento da área colorida favorece a atração da vista na direção
principal da representação.
O renascentista Rafael aumentou as dimensões do Menino nos braços da
Virgem numa cadeira.
Rubens alongou o braço erguido de Cristo no julgamento final.

A deformação ainda é expediente de enfatização ao se aproximarem os objetos


do fundo do quadro mais para perto do apreciador. O expediente é comum nos
modernos.
A preocupação meramente formal, posta acima da figuração, faz com que os
modernos se preocupem com relações de cores e de formas. Eis mais uma vez
explicado por que os modernos tão depressa deformam os objetos e alteram as
cores. Não o fazem apenas para expressar temas interiores (expressionismo),
mas por motivos meramente formais.
94. A verdade é a adequação verificada entre a expressão e a coisa significada.
O que se pinta deve poder nos conduzir ao objeto representado, sem o que a
pintura seria uma falsa expressão. Em vez de adequação diz-se
também proporção, coincidência, igualdade entre expressão e coisa expressa.
A perfeita proporção entre expressão e objeto expresso, ou a perfeita verdade
conferem à expressão a firmeza e
a ênfase, a nitidez, o esplendor, o brilho, o fulgor, a precisão e por vezes
a brevidade, em vez da redundância.
Importa à expressão ser verdadeira para que um desajuste não conduza ao erro
ou engano. Não há expressão quando algo dado como arte simplesmente nada
nos diz. Mas há erro, se, ao apresentar-se um significado, este lhe diga algo
diferente do pretendido pelo artista.

95. Admite-se uma pequena margem de liberdade, ou tolerância, no ajuste


objetivo da expressão ao objeto, porque ela pode ficar por conta do contexto e
da vivência associativa. O contexto auxilia a arte abstrata. Ainda esta margem
entregue ao contexto permite abreviar a expressão, tornando-a mais enfática e
firme.
De outra parte, não se abuse da deixa por conta do contexto. Não se confunda,
por exemplo, a lua com um tambor.
Como saber se algo é verdadeiro? O critério da verdade frisou Descartes, é a
evidência. O que é evidente se mostra diretamente como verdadeiro. Mas
cuidemos de evidência perfeita, fazendo-a clara e distinta, para que a verdade
brilhe com tanto maior evidência. Uma propriedade, - a evidência, - tem como
efeito formal a outra, - a verdade. E estas ainda a de outra, - a certeza.

96. A certeza é um estado de segurança decorrente da compreensão do sentido


expresso. A ela deverá conduzir em última instância qualquer expressão, seja
mental, seja artística. Senão, fica a incerteza ou dúvida.
Como estado mental que é, a certeza é um efeito das propriedades anteriores, as
quais ficam sendo, seus critérios. Portanto, quando há evidência e verdade, a
mente se assegura da mensagem expressa, e com isso se exerce como certeza.
Infere-se que a evidência e a verdade se institui como critério da certeza do
objeto para o qual adverte a intencionalidade da expressão. Este critério ocorre,
se com anterioridade surge a evidência e a verdade. Sobretudo a evidência é
importante para que a certeza se faça, porque de evidência nasce a verdade,
para de ambas as propriedades resultar finalmente o estado mental da certeza.

A evidência se diz perfeita, - conforme já advertido, - quando a expressão se


manifesta, como clara em si mesma e distinta das demais expressões. A
evidência clara e distinta se constitui em principal critério da certeza, porque é
sua causa formal imediata.
Vista a certeza mais de perto na arte que expressa mediante cor, ela é aquilo em
virtude de que o artista e o intérprete da obra se firmam prontamente no
significado da mesma. Não é boa expressão pictórica o que deixa dúvidas sobre
que deva significar.

§2. Propriedades psicológicas da arte:


esteticidade, catarse, ludicidade.
3911y097.

98. A atividade psíquica é seguida de estados de consciência, denominados


genericamente também de sentimento, paixão, emoção.
Estas denominações variam de nuance, quando são usadas diferenciadamente
para estados de consciência a nível sensitivo e a nível racional. Em qualquer
hipótese estes estados de consciência estão como situações de após exercício de
uma operação.
Os estados de consciência se subclassificam em sentimentos tais como de amor
e ódio, alegria e tristeza, dor e prazer, etc. Antes de ir a detalhes, importa aludir
àquelas decorrências sentimentais genéricas, sempre havidas no exercício da
expressão artística, como a esteticidade, a catarse, a ludicidade. É em função
destes sentimentos que o homem se sente estimulado a praticar a arte.

De maneira geral, o psicológico se diz do mundo interior consciente. Não há


psiquismo sem esta consciência concomitante. A filosofia trata da questão pelo
lado da compreensão meramente racional.
A ciência positiva não participa deste mundo interior, mas determina o que
muito importa saber, as manifestações exteriores destes estados de consciência.
A pintura, como expressão gera estados psicológicos de esteticidade, catarse e
ludicidade, cujo tratamento é merecedor de atenção, tanto da filosofia, como da
ciência empírica.

99. Da esteticidade em particular. A pintura é visivelmente estética. Agrada


ver o que se pinta.
Como sentimento peculiar, não se confunde o estético com o sentimento
comum. O sentimento estético resulta do conhecimento tomado simplesmente
como um conhecimento, sem as outras respostas, como as que acontecem por
exemplo no exercício do comer e da atividade erótica.

Agrada conhecer. Já o asseverava Aristóteles no texto inicial de sua Metafísica


"Todos os homens desejam naturalmente saber; é o que mostra o prazer
causado pelas sensações, pois, além da utilidade, elas agradam em si mesmas, e,
mais que todas as outras, as sensações visuais.
Com efeito, não somente para agir, mas mesmo quando nos propomos alguma
ação, nós preferimos, por assim dizer, a vista a tudo. A causa disto está em que,
dentre todos os sentidos, é a vista nos faz adquirir mais conhecimentos e nos
descobre muitas diferenças" (Metaf., I,1. 980a 21-27).

Ora, a arte faz conhecer. Enquanto faz conhecer, provoca a satisfação estética.
Uma representação pictórica agrada pela informação que oferece. Mas não é
todavia só a informação artística que agrada. Também as cores em si mesmas,
já antes de servirem como portadoras da expressão artísticas provocam agrado
ao serem simplesmente conhecidas. E assim também os sons em si mesmos já
agradam, sem que ainda tenham sido aproveitados musicalmente.
Pelo que se observa o sentimento estético ultrapassa ao círculo da arte. E assim
também agradam o saber científico e filosófico. A solução de um problema, tal
como o de uma questão matemática, provoca satisfação. O belo, por ser um
objeto eminente é marcadamente estético.
Diante disto, a estética, como estado psíquico absoluto, não se identifica
necessariamente com o tema da esteticidade tratada pela filosofia da arte, onde
a esteticidade se limita a uma das propriedades desta.

100. Considerando a distinção entre significado e significante, pode-se


distinguir o sentimento estético resultante do significado, e o sentimento
estético resultante do material portador, ou do significante.
Os primeiros são os mais específicos dos sentimentos estéticos; eles resultam
da arte como informação, eles constituem os sentimentos
estéticos propriamente artísticos.
Os outros, derivados diretamente das formas plásticas, das cores, dos sons,
ainda que significativos e apreciados são apenas pré-artísticos.
Na pintura é notável a beleza das cores, mas esta esteticidade é apenas pré-
artística.

101. Ocorrem graus de esteticidade. Aliás é a esteticidade uma qualidade, e é


próprio da qualidade ter graus.
Varia o grau de esteticidade da arte, conforme o objeto que apresenta e ainda
conforme a espécie de arte.

O belo, além de estético, é mais estético que os objetos não belos. E assim
também os variados objetos poderão divergir pela sua força de esteticidade.
São, portanto, mais estéticas as artes que exprimem objetos de mais valor. O
pequeno costuma ser medíocre; o mesmo objeto em grande dimensão poderá
ser majestático. O trivial em arte não encanta. Isto se observa na ficção, em que
o artista, além de expressar o objeto, também o cria com a melhor qualidade
possível.
A diferença de esteticidade se manifesta peculiarmente de espécie para espécie
de arte, enquanto umas operam com a vista e outros com o ouvido, ou os
demais sentidos. Os sentidos inferiores são mais vivamente estéticos que os
superiores, porque se manifestam com mais violência. Mas os superiores se
destacam pelo maior número de detalhes mas que oferecem com serenidade.
Infere-se que as artes da vista (de maiores detalhes) se apresentam sob o ponto
de vista da intensidade menos estética, que as artes do ouvido (sentimento
inferior em relação à vista). Reagimos com fraca instância às coisas
visualmente feias. Mas repelimos fortemente aos sons dissonantes. Assim
somos também tocados menos intensivamente pelas coisas belas visuais, do
que pelos sons agradáveis. Estes prontamente nos raptam e cativam. Com esta
teoria explicamos por que a música é a mais estética entre as artes. Sumamente
agradável, a música é a mais agradável das expressões artísticas. "Mais
agradável que a música, só mesmo o silêncio." (Dante Veoleci).
De outra parte, porém, maior volume estético apresentam as artes exercidas
mediante cor. A variedade do colorido nos ocupa longo tempo, ao passo que o
som estático, por mais forte que seja, não encanta. É preciso pôr os sons em
movimento para que principiem a atrair. As cores em movimento, como na
televisão atraem inegavelmente a atenção pela sua variedade e capacidade de
expressão.

102. Dependendo o volume da esteticidade das condições do objeto conhecido,


- como se insistiu, - segue que também a grande arte é mais estética. Um dos
requisitos da arte bem exercida é, aliás, esta capacidade de provocar o
sentimento estético.
Sobretudo os objetos mais concretos apresentam força estética, tanto no
conhecimento imediato, como através da expressão artística. A arte figurativa
gera maior intensidade estética.
Os objetos abstratos que a arte abstrata oferece, apesar de seu intelectualismo,
também provocam sentimento estético. Assemelha-se a esteticidade da arte
abstrata à esteticidade dos objetos científicos, tais como os da matemática ou da
filosofia. Sempre que produzem conhecimentos, por mais diversos que sejam
os meios, resultam em esteticidade.

O belo como ser perfeito, ao ser objeto da arte, conta com possibilidade maior
de provocar o sentimento estético, e por isso é bastante visado pelos artistas e
pelos consumidores da arte.
O volume de ser do belo se apresenta maior e sua perfeição se encontra em
destaque. Por isso o conhecimento do dispõe de mais objeto a oferecer. Em
assim sendo, o belo se torna um objeto preferido, tanto fora, como dentro da
arte.

103. Catarse da pintura e das cores em geral. Um dos efeitos psicológicos


mais significativos da arte é a catarse, em virtude da qual o ser humano tende a
se expressar, e em decorrência a se aliviar da referida tensão. A angústia, por
exemplo, se alivia depois que for verbalizada. Sobretudo as cores, através das
mais diversas expressões, tendem desde cedo a serem usadas. A criança pinta
não só por causa da estética das cores, mas pelo desejo de expressar. Este
impulso permanece no estado adulto especialmente naqueles mais dotados para
a arte.
Não acontece a catarse apenas a nível de libertação da dor e angústia. Também
a alegria provoca um estado incontido de manifestação. Este estado positivo é
mais sábio para os que hão de apreciar a arte. Os poetas chorões constituem a
maioria. Todavia melhor é a poesia da alegria que a da dor.
Em virtude da enfaticidade das cores, mais fácil ocorre na pintura a catarse
positiva; a negativa é mais frequente nas demais.

104. Ludicidade da arte em cor. As crianças brincam de pintar. Ludicidade,


diversão, distração, lazer, ocupação é o que a arte da pintura representa para
qualquer idade, tanto como criação quanto como concurso. É inegável que a
arte é exercida como simples atividade, pelo gosto mesmo desta atividade. A
arte da cor, mais que qualquer outra, possui este estímulo, porque o sentido da
vista é o mais presente no ser humano. Depois que se inventou a televisão esta
se tornou o grande sistema de distração visual do homem. Pela televisão a
imagem se produz versatilmente de sorte a atender todas as intenções com um
simples girar de botão.
A ludicidade é ainda um móvel criador da arte. Não somente é lúdica para o
consumidor. Ela também é lúdica para o artista. A dança é uma arte em que ao
mesmo tempo se cria e se consome, o móvel criador é a ludicidade. Similar é
para o cantor o exercício do canto; enquanto gera a voz, sente no seu canto o
prazer da ludicidade. Não para todo pintor, mas para a maioria deles, pintar é
prazer lúdico.

§3. A Arte como organizadora da mente.


3911y106.

107. Uma certa ordem acontece em todo o quadro bem pintado. Esta sequência
obriga a mente a criar com ordem, e induz ao consumidor apreender a
mensagem também com ordem.
A ordem é peculiar sobretudo da expressão em forma plástica. Um desenhista,
por exemplo, mostra a sequência das ruas de uma cidade, as partes de um
edifício, a estrutura de um objeto industrial. A ordem da expressão plástica se
transfere logo à ordem das cores. Inversamente, as cores destacam a ordem
plástica. Finalmente, por todos os seus caminhos, a arte encaminha a
organização mental, pois antes que a mente imponha a sua organização, já
recebe organizados os temas que lhe são oferecidos.

Ainda importa considerar que, apesar do poder de organização da mente, as


idéias surgem explosivamente, como faíscas rápidas e de instantânea força de
iluminação. Na obra de arte, todavia, o complexo ideativo do artista se
desdobra distribuindo-se ordenadamente na composição da obra.
Na linguagem esta ordenação se faz pela distribuição em palavras e frases; na
escrita o pensamento assume a linearidade; na pintura, as idéias se distribuem
em áreas de fixação variada, cujo conjunto é o quadro.

Consequentemente a arte pictórica e a arte em geral apresenta-se como recurso


educativo considerável. Aprenda-se a pintar. Acostume-se também a apreciar
representações pictóricas feitas por outros. Tente-se a crítica, opinando sobre o
que está bom, e sobre o que importaria em ordenação melhor de composição.
A consequência será o desenvolvimento da organização mental.
O efeito da organização mental será tanto maior, quanto maior for o número de
artes operadas. Importa sobretudo a linguagem, porque nesta sempre se
diferenciam claramente as operações mentais – idéias, juízo, raciocínio – ao
passo que a arte em cores e em formas é predominantemente intuitiva. Pode-se
tolerar o cultivo da linguagem sem alguma das demais artes. Não se deve
cultivar nenhuma das outras sem algum tanto da linguagem.

§4. A Arte em cor, como comunicação.


3911y109.

110. A arte se presta para a comunicação. Por causa de sua feição sensível, a
expressão artística é percebida por muitos; em consequência o que o artista
expressa, poderá ser interpretado por outro indivíduo. Eis quando a expressão
além de sua especificidade, ainda se instrumentaliza como veículo
de comunicação.
Para o homem muito importa a função de mensagem, que a arte oferece. Por
isso, como Tolstoi, quase todos confundem a essência da arte como
instrumento de comunicação. Todavia é evidente que a arte somente conseguirá
ser comunicação se antes disso já houver sido expressão.

A funcionalidade comunicativa da arte se apresenta mais insistente na


linguagem. Não ocorre o mesmo com a pintura. O falar sozinho, como
expressão pura, é mais raro, que o falar instrumentalizado como mensagem. A
expressão pura ocorre, todavia, com mais frequência na arte do pintor; este
pinta, com intenção geralmente mais orientada para a expressão; só
eventualmente esta expressão se converte em comunicação.

111. No passado só a arte da língua se destacava como instrumento de


comunicação. O desenho e a pintura se retinham nas páginas dos livros e nos
murais ou telas penduradas em parede.
Com a televisão desenvolvida após os anos de 1940 cresceram os recursos
técnicos para a arte da comunicação mediante cor. As notícias sobre os
acontecimentos passaram sua imagem transmitida a distância, o que permite
fazer acompanhar as notícias faladas com a figura dos objetos e das feições das
pessoas que as transmitem.

§5. Propriedades pré-artísticas da arte em cor.


3911y113.

114. Certamente o portador material da arte mediante cor pode receber


influências que não vêm diretamente da expressão (ou significado) e sim do seu
portador (ou significante), a partir de onde ocorrem as propriedades pré-
artísticas. Tal como a escultura adquire condições diferentes quando em
mármore e quando em bronze, também a imagem colorida é outra e outra se
criada com esta ou aquela tinta, com este ou aquele sistema de fotografia,
cinema e televisão.
Os antigos dispunham de menos recursos materiais utilizando em geral cores
existentes em elementos da natureza, como por exemplo o ocre. Os primeiros
grandes progressos ocorreram no início dos tempos modernos com a pintura a
óleo. Finalmente a fotografia, o cinema e sobretudo a televisão deram nova
dimensão à imagem colorida da arte, em que o pré-artístico também ganhou
espaço.
O pré-artístico se constitui das propriedades ao surgimento da expressão, são
importantes para a arte, ainda que sejam apenas propriedades artísticas. elas
não se dizem da expressão (ou significado) e sim do portador (ou significante).
Importam muito, mas não tanto quanto as propriedades propriamente artísticas.
O pré-artístico da pintura é tão significativo, que somos capazes de apreciar
telas em vista da beleza luxuriante das cores.

115. Concluído o principal sobre a arte em cor, tendo a seu respeito tratado da
expressão e de suas propriedades, muito ainda resta a expor. Antes de seguir
para a expressão em prosa e poesia, para os gêneros de expressão em prosa e
poesia importa didaticamente cuidar do aspecto material do portador da arte.
Neste tratado, sobre a cor materialmente.

CAP. 2

DA COR EM SI MESMA (ou DO SIGNIFICANTE). 3911y117.

- Estética das Cores -

118. Introdução ao estudo das cores. Teoricamente, que é a cor, antes de ser
aproveitada como recurso técnico de expressão?

O estudo teórico da cor já não pertence à ciência da arte. Entretanto, usa-se


fazer junto dela este estudo teórico, mas na medida que lhe interessa. Trata-se
pois, de uma exposição pragmática disciplinar.

No tratamento da natureza da cor importa o que propriamente vai interessar ao


artista e ao intérprete. Deixamos o que é mais remoto, como a produção
industrial das tintas e a produção das imagens, fotográficas e eletrônicas.

Dali resulta o seguinte esquema didático:

- Natureza física e gnosiológica da cor (art. 1-o) (vd 3911y120);

- espécies de cor (art. 2-o) (vd 3911y174);

- propriedades físicas da cor (art. 3-o) (vd 3911y252);

- psicodinâmica das cores (art. 4-o) (vd 3911y275);

- harmonia e ritmo das cores (art. 5-o) (vd 3911y333);

- alianças da arte da cor com outras artes (art. 6-o) (vd 3911y370).
Os últimos títulos são desdobramentos de propriedades físicas da cor, ao
mesmo tempo que anotando propriedades psicológicas para os referidos
detalhes desdobrados.

Art. 1o. NATUREZA FÍSICA E GNOSIOLÓGICA DA COR.

3911y120.

121. A cor em si mesma é examinada teoricamente pela física e pela


gnosiologia.

Dali resultam dois temas para estudo maior:

- aspectos físicos da cor (§ 1-o) (vd 123);

- a cor como um sensível (§ 2-o) (vd 146).

Estas considerações se distinguem do aproveitamento da cor para os fins da


arte. Surgem, porém, como pré-requisitos importantes para a compreensão da
arte que a utiliza.

A questão é difícil, e oferece surpresas, como sua natureza corpuscular (os


fótons) e seu caráter subjetivo adquirido no conhecimento.

§1. Aspectos físicos da cor.


3911y123.
124. Entende-se por "físico" o que se situa no mundo dos sentidos exteriores. O
físico não é um objeto da imaginação interior.

Não importa que os objetos exteriores sejam gnosiologicamente interpretados à


maneira do idealismo, ou à maneira do realismo. Em qualquer hipótese, eles
são físicos pela circunstância de serem considerados como se fossem exteriores,
não importando o grau desta exterioridade.

Nesta acepção ampla entendemos agora a cor como algo físico.

Importam advertir para duas características da cor:

- relação da cor com a luz (vd 126);

- diferença das cores pelo comprimento de onda (vd 131).

I - Relação da cor com a luz.


3911y126.

127. Verifica-se que a cor se prende à luz, e com todo o contexto


eletromagnético em que estas se encontra. Em última instância a compreensão
do fenômeno da cor e de sua manipulação importa em conhecimentos de física
os mais complexos, e por que estes foram alcançados pelo homem, foi possível
criar maravilhas tais como a televisão e Internet.

Na observação superficial parece que a cor está no objeto, não nos apercebendo
nós de que se prende à luz, constituída de corpúsculos. Na ausência de luz, os
objetos deixam de manifestar com cor, ainda que continuem sensíveis ao tato
da mão que os toca.
Com a luz o objeto se acende e se apaga. Quer observemos a luz, quer
observemos os corpos que a refletem, a cor se associa ao comportamento da luz.
Por isso, não se pode definir a cor como sendo apenas o elemento visual dos
corpos.

128. Natureza da luz. Tentando responder mais precisamente o que é a luz, já


as primeiras teorias modernas discutiam se era corpuscular ou ondulatória.

Para o holandês Christian Huygens (1629-1695) com quem começaram as


primeiras discussões válidas, os fenômenos luminosos, como publicou em
seu Tratado da Luz (1690), seriam vibratórias. Com esta teoria levanta idéias
inteiramente novas sobre a luz, com forte oposição de muitos. Primeiramente
parece prevalecer a constatação; mais tarde, se inclinam a ela os físicos.
Chama-se a teoria de Huygens "ondulatória escalar".

Pouco diferente, o físico francês Augustin-Jean Fresnel (1788-1827) propôs a


teoria "ondulatória vectorial". Este físico e mais Thomas Young (1873-1829)
conduziram a teoria ondulatória a uma aceitação generalizada, que prevaleceu
por um século. Agora, porém, as ondas luminosas não seriam transversais
(ondas do mar), porém longitudinais.

O inglês Isaac Newton (1643-1727) se dedicou a uma exame meticuloso da luz,


com resultados bastante concretos sobre as cores, que obteve descobrindo o
espectro. Publicou uma obra fundamental em 1704, intitulada Ótica. Contrariou
abertamente a teoria ondulatória de Huygens. Em consequência deu à antiga
teoria corpuscular uma fisionomia nova.

Mais tarde o escocês Maxwell (1831-1879) ergueu a hipótese de que a luz se


liga ao fenômeno fundamental eletromagnético.

Depois de 1900 se desenvolveram os estudos sobre as modalidades de onda,


bem como de seu aproveitamento de maneira a diferenciarem entre si, pelo seu
comprimento, efeitos e possibilidades de aproveitamento técnico. Com isso
prosperou a linguagem: ondas cósmicas (curtíssimas), ondas de rádium, ondas
de raio X, ondas infravioletas, ondas de luz, ondas infravermelhas (térmicas),
ondas de rádio, onde de televisão.

Einstein (1879-1955) desenvolveu a teoria dos fótons. Em 1950, com sua teoria
do campo unificado, insistiu que todas as formas da natureza eram regidas
pelas mesmas leis básicas.

Novos fenômenos, que a teoria ondulatória não parecia de todo explicar,


fizeram ao físico alemão Max Plank (1858-1947) criar a teoria dos quanta, de
natureza corpuscular, como em Newton, mas em termos de energia:

Grãos de energia, por projeção instantânea e descontínua, emitidos por fonte


luminosa.

Subitamente a teoria corpuscular recebeu outra vez impulso.

129. Para resolver o problema dos fenômenos de interferência, que a teoria


ondulatória explica melhor, surgiu ainda a teoria conciliatória, a da mecânica
ondulatória, de Broglie (1892-), Heisenberg (1901-1961) e Schoedinger (1887-
1961):

"Todo grânulo que se move (grânulo de matéria, grânulo de eletricidade,


grânulo de energia) é acompanhado por um cortejo de ondas determinadas, que
se deslocam com ele, sem nunca abandoná-lo".

Sobre as cores ainda outros trabalhos foram desenvolvidos por físicos, que por
isso mesmo se tornaram notáveis.

A distinção entre cores primárias e secundárias foi já desenvolvida por Field


(1774-1854). Também se ocuparam com as cores, Goethe (1749-1832),
Helmholtz (1821-1894), Maxwell (1831-1879), Wilhelm Ostwald (1853-1932),
Munsell.

II - Relação entre comprimento de onda e espécie de cor.


3911y131.
132. As ondas eletromagnéticas são de variado comprimento, sendo as mais
curtas os raios cósmicos, as mais longas as ondas de TV, as intermediárias, a
luz, com suas respectivas cores.

O importante é que as oscilações apresentam desigual comprimento e


consequentemente desigual frequência de vibrações por segundo.

O trabalho dos físicos importa em:

- separar os diversos comprimentos de onda;

- medir as ondas;

- estabelecer as propriedades.

133. A separação natural dos comprimentos de onda ocorre nas diversas


maneiras com que os corpos refletem a luz. Podem refletir determinados
comprimentos de onda e não a outros.

Outra modalidade de separação dos comprimentos de onda se exerce na


decomposição espectral.

Ainda ocorre a separação, quando a fonte de produção das ondas emite apenas
certos comprimentos.

134. A medição das frequências de onda de luz certamente é um trabalho


meticuloso e dependente de técnicas mui especializadas.

Nesta área de tarefas se encontra também a criação de um sistema de medidas


adequadas. Aproveita-se a indicação de mícron, o milésimo de um milímetro.
Um milimícron é o milionésimo de um milímetro.

Mas, a unidade específica para medidas da luz é a unidade


Angstrom (referência ao físico sueco Anders Jons Angstrom, 1814-1874);
indica a extensão de dez milionésimos de milímetro; portanto = 0,0001 de mm.
Escreve-se U. A. ou u. a. (unidade angstrom). Ora se usa milimícron, ora u. a.
Dizer que o azul apresenta 480 unidades, ou 4800 unidades, significa, na
primeira míli unidades de angstrom (U.A.), na segunda, milimícrons.

135. O estabelecimento das propriedades das diversas frequências de onda de


luz, eis o que o físico passa finalmente a estabelecer.

Alguns comprimentos produzem calor, alguns outros a sensação de cor, alguns


outros ainda não se manifestam aos nossos sentidos, mas se revelam por efeitos
outros, e que permitem constatar sua presença.

Consegue-se determinar que alguns animais, como os pássaros, vêem cores que
escapam aos homens. Induz-se que sobretudo as cores compostas serão mui
diferentes aos olhos destes animais.

136. A descoberta das ondas eletromagnéticas resultou logo em uma


nomenclatura inusitada até então.

À medida que as ondas se revelam aos olhos, se denominam ondas de luz.

Separadas as ondas, pelos seus variados comprimentos, passam a se


denominar cores.

À medida ainda que as ondas se manifestam aos sentidos do tato, se


dizem ondas térmicas.

Há ainda outros comprimentos, progressivamente mais curtos, que são os raios


ultravioletas, raios X, raios de radium, raios cósmicos, sempre mais curtos.

Com referência às ondas de rádio: ondas ultracurtas, curtas, médias, onda de


TV, sempre mais longas.

137. =Figura mostrando comprimentos e nomes:

Raios cósmicos
Raios de Radium

Raios X

Raios ultravioletas 136-3600

raios visíveis 4000-7000 (espectro)

ondas de rádio

– ultra curtas

– curtas

– médias

– longas

– de TV

Na figura se destaca haver um só grande processo eletromagnético.

Apenas as ondas da luz e do calor se manifestam imediatamente às faculdades


cognoscitivas; os demais são verificáveis apenas indiretamente, pelos efeitos
físicos que deixam.

Dada, porém, a conexão da cor com os demais fenômenos eletromagnéticos, foi


possível desenvolver todo um sistema de imagens coloridas, de que a televisão
é um exemplo admirável.

138. Fenômeno da absorção e refração das cores. A separação das ondas de


luz ocorre pela maneira diferente com que os corpos reagem à mesma.
Penetrando por um prisma, os raios luminosos se desviam em ângulos
diferentes para cada comprimento; por isso, dá-se o fenômeno do espectro de
cores.

Desviam-se em ângulo menor os raios violetas; progressivamente ocorrem os


desvios do azul, verde, amarelo, alaranjado, vermelho.

Em menor desvio estão os ultravioletas e em maior os infravermelhos, aos


quais, entretanto, a vista humana não percebe; verificam-se experimentalmente;
alguns animais dão manifestação de os perceberem ocularmente.

A diferença das cores nos objetos da natureza não é mais que a diferente
capacidade que estes objetos têm se separar as cores. Trata-se do fenômeno da
absorção e refração por parte dos corpos. A constituição molecular dos corpos
é tal que, enquanto umas ondas penetram, sendo absorvidas ou deixadas até a
passar através, outras são rejeitadas. Com isso ocorre a separação e a
diferenciação das cores dos objetos.

Na verdade as cores pertencem à luz que retornou aos olhos do espectador. Não
há verdadeiramente cor nas coisas, mas na luz. Por atribuição, em função à luz,
dizem-se de tal ou tal outra cor. Quando um objeto se mostra amarelo, significa
apenas que refletiu as ondas amarelas e absorveu as verdes, azuis, violetas,
alaranjadas, vermelhas.

Sem entender que a cor pertence à luz e não aos objetos que a absorvem e
refratam, a inteligência vulgar não consegue entender a afirmativa de que as
coisas ditas coloridas efetivamente não têm cor alguma.

Também não se adverte que, ao desaparecerem na escuridão, quando a luz se


ausenta, as coisas assim ficam exatamente porque a cor não lhes pertence.

O artista age com a cor, como se ela estivesse nas tintas, mas, na verdade, ele
faz uma coisa muito mais complicada.

139. Repetimos aprofundando. A disposição dos átomos permite a passagem


das ondas de luz. Ocorrem, então, as seguintes situações:

- se a luz atravessa integralmente, a aparência é a chamada transparência;


- se nenhuma onda de luz consegue atravessar por entre os átomos, refletindo-
se integralmente, a aparência do corpo se torna branca, tal como a luz integral;

- se a luz é absorvida e transformada no interior do corpo, desaparecendo, por


conseguinte a luz, este corpo toma a aparência de preto;

- se ocorre a absorção de umas ondas dentre as ondas de luz e não de outras,


que se refletem, a cor do corpo assume a aparência do comprimento das ondas
refletidas;

- ocorre ainda o caso da transparência colorida, em que o colorido do objeto


transparente é representado pela onda de luz que não conseguiu atravessar,
refletindo-se, de sorte a dar uma cor ao objeto transparente, ao passo que as
ondas seguiram sua marcha.

Diante disto se infere que as cores dos corpos dependem de modo de absorver e
refletir a luz.

Já se pode prever que um corpo difere de cor ao ser exposto à luz do sol e a
seguir apenas à luz elétrica, ou outra luz qualquer. Não há em todas as fontes de
luz o mesmo número de ondas e de dimensão.

Apreciar um objeto em recinto sombreado e depois ir com ele à janela nos


mostra a diferença prontamente. O artista usa pintar para o apreciador nas
condições ordinárias de luz do sol. Todavia poderia ele pintar para condições
diversas, em que cada condição provocasse efeitos por ele intencionados.
Desconhecemos exemplos de quem assim tenha procedido. Esperemos que
alguém o experimento fazê-lo e tenha resultado.

Alterar a cor de uma superfície, como fazem os pintores, consiste em lhes


aplicar finas camadas de outra maneira de refletir e absorver ondas luminosas.

140. Ainda sobre os comprimentos de onda de cada cor. São teoricamente bem
determinados os comprimentos de onda de cada cor. Distendem-se por áreas
vizinhas as impressões semelhantes, que em conjunto recebem o mesmo nome.
As limitações exatas obedecem, pois, a critérios subjetivos, oscilantes.

O amarelo real é de 5.80 unidades de onda, nesta altura exata oferece a


impressão de um gris sombrio; o que chamamos de fato como amarelo, reflete
de 5.00 a 7.00 unidades; nas mesmas condições o azul é de 480 unidades, o
verde de 520, o laranja 650, o vermelho 660. Na extremidade violeta o espectro
apresenta apenas 390 unidades.

Em esquema, o vermelho reflete de 600 a 700 unidades angstrom (absorve de


400 a 600).

O laranja de 5.700 a 7.000 (absorve de 400 a 570).

O amarelo reflete de 500 a 700 (absorve de 4.000 a 5.000).

O verde reflete de 500 a 600 (absorve de 400 a 500, de 600 a 700).

O azul reflete de 400 a 500 (absorve de 5.000 a 7.000).

O violeta reflete de 400 a 480, de 650 a 700 (absorve de 480 a 650).

Comprimento de 7.000 6.000 5.000 4.000


onda

Violeta

4.000-480, 650, 700

Azul

4.000-5.000

Verde

5.000-6.000

Amarelo

5.000-7.000

Laranja

5.700-7.000

Vermelho

6.000-7.000

(vd Mirador)
141. O branco resulta da incidência da luz de todos os comprimentos de onda
simultaneamente. A luz dissociada é colorida; a integral é branca.

Isto parece conduzir à interpretação de que a diferença entre o branco e as cores


seria apenas subjetiva. Se tivéssemos vista perfeita, - ou seja suficientemente
analítica das diferenças, - deveríamos não ver o branco, mas simultaneamente
todas as cores, tal como se pudéssemos ouvir o barulho de cada uma das ondas
do mar, em vez de ouvir só o marulho azul. Se a capacidade de ver a todas as
cores é possível apenas dissociando as ondas luminosas nada impediria que
fôssemos capazes de ver distintamente as cores ainda que as ondas viessem
misturadas. A vista perfeita não veria luz branca, porém, uma luz estriada de
muitas cores, em que cada onda se revelaria a si mesma diretamente. E como
não somos capazes disto, vemos a luz sendo branca, ou seja, um tumulto ao
qual nos acostumamos.

A fim de que a luz pareça branca, requer-se igual quantidade de todos os tipos
de onda. Tal acontece com a luz do sol. A lâmpada elétrica, contendo uma
predominância de onda de comprimento médio, emite uma luz amarela clara.

Qualquer cor, ao receber mistura de todas as demais ondas, tende a clarear. Isto
supõe que as ondas de diferente comprimento, ao se misturarem, não se anulam.
A mistura de ondas luminosas tende para o claro. Diferentemente, a mistura
de tintas não é fonte de ondas, mas de refração; tende a anular as cores. Cada
tinta é um pigmento que absorve um determinado tipo de onda e havendo todos
os pigmentos terminam por absorver todas as cores.

Ausente a luz, ocorre aparência chamada preto, ou trevas.

Esta aparência é uma subjetividade da visão. Na verdade nada há então no que


concerne às cores.

Um raio de luz, ao passar por um prisma, se decompõe em sete cores: vermelho,


alaranjado, verde, azul, anil e violeta (ou roxo). O conjunto é branco; o disco de
Newton nos permite novamente reunir as cores, com a volta ao branco.
142. As cores propriamente ditas se encontram entre o branco e o preto.

Neste contexto não são cores, nem o branco, que embaralha a todas, nem o
preto que impede o comparecimento delas. Mas também se admite dizer, que as
cores neutras ou acromáticas são o branco, cinzento e o preto, de índole
indefinida.

Um exame mais cuidadoso mostra que também o vermelho, o azul e o amarelo


produzem o mesmo branco (branco-cinzento).

Dali resultou chamarem-se estas cores de primárias, ou fundamentais.

Pela combinação de duas cores primárias obtém-se as complementares:

- verde, com azul e amarelo;

- roxo, com vermelho e azul;

- alaranjado com vermelho e amarelo.

Estas cores complementares são também denominadas binárias (ou


secundárias).

Enfim, tem-se ainda as cores terciárias, ou tons, resultantes da mistura de duas


cores, uma secundária e outra primária:

- amarelo-laranja resulta de amarelo e laranja;

- violeta-vermelho, de vermelho e roxo;

- vermelho-laranja, de vermelho e laranja;

- azul-violeta, de violeta e azul;

- azul-verde, de azul e verde;

- amarelo-verde, de amarelo e verde.

O arco-íris é um fenômeno de várias cores. Efetivamente, ele o mesmo


fenômeno que ocorre no espectro, cujas cores ele contém. Mas dentre as sete
cores do prisma apenas três são primárias: vermelho, amarelo, azul. As demais
resultam da sobreposição das primárias.

143. Tintas são corpos líquidos, à base de pigmentos, capazes de revestir com
novas cores a outros corpos, com vistas a lhes dar novo aspecto estético, ou
mesmo torná-los portadores de expressão artística.

Depois de ressequida, assume a tinta estado sólido, ainda que tão só como
superfície.

Ordinariamente o elemento pictórico é um pigmento sólido, o qual é dissolvido


em solução líquida, facilitadora da pintura e capaz de provocar a adesão. Se
esta solução líquida não é adesiva, completar-se-á mediante mais um elemento,
de efeito aglutinante.

Ocorrem, pois, nas tintas três elementos: as pequenas partículas


chamadas pigmentos, o líquido chamado solvente, enfim o elemento
denominado aglutinante.

A evolução das técnicas industriais das tintas tem influído na própria evolução
da pintura como arte. A pintura a óleo, por exemplo, começou com a escola
flamenga (séc. XV). Até então, o afresco (sobre reboco fresco) era o expediente
mais utilizado, conhecido já pelos egípcios. Os gregos intentaram o encáustico
(cera quente).

144. Os pigmentos são tomados geralmente à matéria de origem natural. Uns


são metálicos, tomados por exemplo, à argila. Outros são vegetais, conseguidos
por exemplo da resina das plantas.

Na pulverização a que ditas matérias são submetidas, elas resultam em


pigmentos de cera de dois mícrons. Apenas no mosaico a pintura é construída
com partículas maiores. Os primeiros mosaicos gregos tendiam à minimização
das partículas. O conhecido exemplo é a Batalha de Alexandre contra
Dario, que dá a impressão de pintura contínua. Mais tarde, os bizantinos
passaram ao mosaico em cores descontínuas em áreas maiores, com o objetivo
de efeitos peculiares.
Os solventes vão do mais simples, como a água comum, ao sucessivamente
mais complexo, aguarrás, tolueno, benzol e outros.

Alguns tornam as tintas mais fluídas, para objetivos específicos.

O aglutinante é o elemento mais decisivo na conservação da pintura.

Dali resultam três gêneros de tintas fundamentais:

- tintas à base de caseína, vulgarmente as "tintas de cola"; a caseína se obtém


do leite, de que é uma proteína, e também do glúten, um constitutivo interno
das sementes se cereais de qualidade colante;

- tintas à base de óleo, como de linhaça, mamona, tungue etc...

- tintas à base de resinas, quer resinas naturais que transpiram das árvores,
inclusive o látex da borracha (pintura, deriva da palavra pez = resina), quer
resinas sintéticas, que entraram no uso com a invenção da borracha sintética,
desde quando se desenvolveu uma série de tintas vinículas, porque fabricadas
com acetato de polivinila.

Enfim, outras tintas vão sendo descobertas, algumas com particularidades


mantidas em segredo.

São conhecidas também as modalidades de tintas com base de cal, que se


aplicam nos edifícios; e ainda as tintas denominadas vernizes, frequentes no
preparo de móveis. Ainda que inadequadas para o exercício da pintura
acadêmica, exercem uma importante função, porquanto cobrem a maior parte
dos edifícios e dos objetos industriais.

§2. A cor como um sensível específico e como subjetividade.


3911y146.

147. Como um sensível, vários são os aspectos oferecidos pela cor:


- Antes de tudo a cor é sensível específico (vd 149);

- A cor como subjetividade (vd 155);

- Limiar da sensibilidade (vd 160);

- Adaptação e outras peculiaridades da sensação da cor (vd 166).

Este elenco temático interessa bastante de perto à estética das cores. Para
expressar adequadamente, a pintura e todos os demais instrumentos de
expressão a uma pluralidade de pequenos expedientes.

I - A cor como um sensível específico.


3911y149.

150. Gnosiologicamente, isto é, do ponto de vista de objeto a conhecer, a cor se


oferece ao conhecimento como um objeto sensível antes de tudo. Não há como
começar o conhecimento da cor, senão pelo abrir os olhos e constatá-la.

Ato contínuo, a inteligência cria também um conceito da cor. Mas tudo


principia na percepção dos sentidos. Como conceito, a cor é entendida à
maneira de verbo ser, isto é, a cor surge como uma declaração em que este
conceito é atribuído a algo. Quando dizemos "a cor é cor" conhecemos em
termos de pensamento, e não só de sentido; a cor passa a se exercer como
sujeito e como predicado, o que é ser mais do que sensação.

A perspectiva exata sob a qual um objeto é atingido por uma faculdade se diz
objeto específico, ou objeto formal.

Específico, quer dizer que dá a espécie; formal, que dá a forma essencial. Os


termos, neste contexto, coincidem no conteúdo, admite-se dizer, forma
específica. Portanto, trata-se de saber qual é a perspectiva que dá a forma
específica a uma faculdade. Os sentidos alcançam o objeto sob a perspectiva
do sensível, que os toca. A inteligência, sob a perspectiva inteligível de ser,
como se formula no verbo ser.

151. Vários são os sentidos e em consequência várias são as espécies de


sensíveis, como cor, som, odor, gosto, toque. É onde mais uma vez
perguntamos pelos objetos específicos de cada sentido.

Eis quando se estabelece que a cor é o objeto específico da vista (ou seu objeto
formal).

É a vista um órgão de estrutura corporal, cuja função específica é ser capaz de


receber os elementos físicos que correspondem à cor. A incidência dos fótons
sobre o nervo ótico no fundo do globo ocular cria uma reação elétrica, depois
conduzida ao cérebro, onde, finalmente, ocorre a resposta gnosiológica em
função da qual nós consideramos estar vendo uma cor.

A psicologia fisiológica examina estes procedimentos e colhe a respeito as mais


variadas informações, as quais vão servir ao artista da expressão em cor, que,
em decorrência passa a conhecer mais eruditamente os fenômenos em que
opera (vd ).

152. Dentre todos os objetos próprios apresentados aos sentidos do ser humano,
- embora isto não aconteça com todos os animais, - é a cor o que nitidamente
melhor se apresenta. Mais de vinte variantes pictóricas distintas pertence à
linguagem comum, o mesmo não sucedendo com os demais sentidos.

Mais fácil é conhecer as preliminares sobre a cor (objeto da vista) do que sobre
os sons (objeto ouvido). O que pertence ao ouvido é sempre mais indefinido do
que, o que é da vista. As cores fundamentais e suas primeiras variantes são
perfeitamente reconhecíveis, como se advertiu. O mesmo número de tons não
se faz reconhecer com esta espontaneidade; é, aliás, frequente o indivíduo sem
ouvido musical, todavia capaz de distinguir cores.

Dos sons o vulgo não consegue denominá-los pelos distintos tons; deles mal os
distingue como fortes e fracos, altos e baixos. Aos odores se refere tão só como
agradáveis e repelentes. Aos gostos os taxa simplesmente doces, amargos,
picantes. O tato o diz ser duro e brando, quente e frio, dor e prazer.
Diferentemente, - as cores se manifestam insistentemente de variada espécie
modalidades intermediárias bem mais reconhecíveis.

Em virtude das diferenças oferecidas, a cor se mostra um objeto mui apreciado,


fazendo até da vista o mais importante dos sentidos do ser humano. Sob esta
base, principia Aristóteles sua famosa metafísica, já uma vez mencionada, de
que todos os homens desejam saber, sendo prova disto o prazer causado pelas
sensações visuais, acrescentando: "A causa é que a vista é, dentre todos os
sentidos, aquela que nos faz adquirir mais conhecimentos e nos descobre
muitas diferenças." (Met. II. 980a 21-28).

As pesquisas revelaram que cerca de 87% das preocupações das pessoas se


encontram na vista, 7% no ouvido, 6% nos restantes sentidos.

153. Contudo as artes visuais não dominam até 87% sobre as demais artes. A
diminuição desta porcentagem não acontece no consumo das artes e sim na
produção. É que há alguma dificuldade para produzir a cor. Enquanto o som se
produz fácil, despertando por simples vibração do fundo de nossa garganta, ou
de um objeto capaz de agitar convenientemente o ar, as cores dependem do
manejamento difícil das tintas e da criação de luz, bem como da maneira de se
fazerem receber as ondas de luz.

No passado o homem conseguia produzir a cor quase só mediante pigmentos


como nas tintas; hoje não só progrediu a indústria das tintas, como também a
imagem colorida passou a ser produzida mediante projeção direta de luz, como
no cinema e na televisão. Principalmente foi resolvido o problema da criação
da cor em movimento; a pintura apresentava apenas a cor estática.

O som no seu instante estático, muito pouco rendimento fornece; mas consegue
espontaneamente alterar-se, assumindo os vários tons; na linguagem se
fracciona e se articular de diferentes modos.

Há também uma diferença da arte da cor comparada com a da forma espacial.


Estas, - a forma, - é um sensível comum; nesta condição é também alcançada
pela vista. Muito mais depressa criamos o hábito da expressão mediante formas,
aplicadas à matéria exterior ou mesmo reproduzida em gestos pelas mãos, do
que o hábito da expressão em cor. Por isso, quase toda a gente canta, faz gestos
e fabrica bonecos, mas não pinta com a mesma segurança, ainda que só para
ver sinta mais facilmente a cor do que as formas e os sons.

Todavia, a cor estática exerce já neste seu primeiro estágio poderosa força de
expressão, como se vê na pintura; mas, se, além disto ingressar em movimento,
como no cinema, é capaz de ampliar imensamente os recursos de expressão.

II - A cor com subjetividade.


3911y155.

156. As cores não existem nas coisas, nem nos fótons da luz, mas são maneiras
subjetivas de reagir aos fótons da luz.

Este fato compromete seriamente a teoria realista do conhecimento. Se as cores,


como as demais sensações forem subjetivas, não passaria o conhecimento de
uma cascata de subjetividades. Iniciando o pensamento neste plano subjetivo
dos fenômenos sensíveis, tudo o que ele pensasse a partir deles, seria também
meramente ideal, sem correspondente realidade exterior. Assim alegava Kant.

Já era a subjetividade da cor, anotada pelo filósofo grego pós-socrático Epicuro


(324-270 a.C.), ainda que não insistisse em todas as consequências. Advertindo
para a variação da coloração assumida pelos objetos em função da luz que os
iluminava, dizia que os corpos não podiam ter cor em si mesmos.

No século 16 o filósofo e cientista Renato Descartes (1596-1650) estabeleceu a


subjetividade generalizada das sensações, porque não temos como provar que
sejam mais que sua aparência.

Portanto, ainda que possamos admitir a realidade dos corpos, eles são sem cor,
sem som, sem calor, sem frio, sem gosto, sem odor, mesmo sem ser e qualquer
das modalizações conceituadas do ser. Se existem, não sabemos a rigor o que
efetivamente são.
Ao incidir sobre a faculdade, o objeto cria nos olhos a reação de cor, nos
ouvidos a de som, no gosto a de saber, no tato a de calor ou frio, no olfato a de
perfume ou mau odor. Certamente a dor não está na coisa que nos pisa, e sim,
apenas em nós mesmos.

A cor, que agora nos ocupa, seria nada mais que a resposta psíquica peculiar de
uma região nervosa, chamada vista.

Para a teoria das cores importava esta consideração gnosiológica para uma sua
compreensão exaustiva.

Diretamente para a arte não importa como se interpretem as cores. Cuidando


apenas da circunstância técnica de que elas admitem serem transformadas em
expressão, tudo o mais todavia cabe com uma compreensão mais profunda do
que acontece. O conhecimento teórico, ainda que não se confunda com o
conhecimento técnico, o ilumina.

157. Fontes da cor. Para a estética, o que interessa destacar é que a luz é fonte
da cor. Portanto, não das fontes da mesma luz, mas da luz enquanto fonte das
cores.

A fontação das cores pela luz varia contudo conforme as fontes luminosas, que
são de três grupos principais:

- fontes térmicas (luz com muito calor),

- fonte de descargas em gases (lâmpadas fluorescentes),

- fontes de arco de grafite, ou carbono (próximo da luz solar).

Mas, além da fonte luminosa da cor, há a do objeto colorido. Transformando


este em pigmentos líquidos, assume a forma de tinta de passar. Da mistura de
todas as cores da luz resulta o branco; da mistura de todos os pigmentos, o
preto. Por isso é que misturar luzes não é o mesmo que misturar tintas,
pigmentos, objetos.
No caso da luz acontece uma soma, com um efeito especial; no caso dos
pigmentos se trata das mesmas ondas luminosas, todavia já com interferências,
que progressivamente se anulam.

Os pigmentos em si mesmos não possuem cor. Ao incidirem sobre eles os


diferentes raios de luz, com todas as suas cores, algumas destas cores são
refletidas, determinando em nosso olho a cor do pigmento. As outras cores são
absorvidas, anulando-se por conseguinte.

Se forem absorvidas todas as cores, o resultado será o preto, conforme já se


explicou. Ora, este resultado difere do da mistura de luzes de todas as cores e
onde nenhuma é absorvida; esta mistura de luzes de todas as cores resulta em
sensação de luz branca.

158. A partir da variação nas fontes de cor se explicam mais fenômenos, que
acontecem nas misturas de tintas.

Em função das fontes da cor, criaram-se denominações específicas:

- cor natural,

- cor aparente ou acidental,

- cor induzida.

Cor natural, é a que se encontra nos objetos como eles existem na natureza.
São inúmeras, além do branco e do preto.

Cor aparente (ou acidental) é a que, não sendo a natural, apresenta formas
variáveis em função das condições de luz ambiente, ou de outras cores.
Conhece-se que uma luz vermelha empresta um colorido cor de rosa suave ao
que se encontra em torno.

Cor induzida é a que se estabelece sob influência de uma cor dominante. No


jogo dialético de cores que se induzem está a beleza cromática de alguns
panoramas naturais e de criações artísticas de hábeis artistas.

Cor dióptrica é a que surge pela dispersão da luz sobre vários corpos, que por
sua vez a refletem de diferentes posições. Tal acontece no prisma, gotas de
chuva, orvalho, de chuva (arco-íris), lâminas finas, manchas de óleo sobre a
água.
Cor catóptrica é a que se forma nos corpos opacos, os quais absorvem umas
espécies e refletem com sua cor o restante.

159. As cores e o olho. A percepção ótica das diferenças de cor se processa


pelos cones e não pelos bastonetes, ambos entretanto sensíveis à luz. Trata-se
de prolongamentos das células da superfície da retina (fundo do olho).

No início do sistema de percepção se encontram efetivamente dois tipos de


células, umas com prolongamentos de forma cônica, outras com
prolongamentos de forma longa; estes prolongamentos são denominados por
isso de cones e bastonetes, sendo por eles que principia todo o processo de
percepção luminosa e de cor.

Ambos os tipos de células nervosas fazem sinapse com células de uma grande
camada, chamadas células bipolares, a continuar de onde novos processos
conduzem a percepção em direção do cérebro.

A natureza da percepção filosófica se esclarece com a teoria de Young-


Helmholtz da visão cromática. Anteriormente se supunha que a diversificação
das cores fosse de transformação apenas dos corpos atingidos pela luz.

Os primeiros resultados científicos de Descartes sobre a refração e os de


Newton sobre a diversidade de componentes luminosos, foram completados em
1807 pela teoria do já citado médico e físico inglês Thomas Young,
estabelecendo nervos especializados para a percepção das diferentes cores. A
explicação foi aperfeiçoada pelo filósofo e cientista alemão Helmhotz.

A visão mais simples se processa através dos bastonetes, reduzida basicamente


a uma percepção de contorno do objeto, por contraste entre o claro e o escuro.
A maior sensibilidade dos bastonetes faz com que estes ainda percebam os
objetos em claro-escuro, quando de há muito os cones já deixaram de distinguir
as cores.

Percebe-se a cor por excitação dos cones, a partir de um certo nível de


iluminação ambiente, capaz de decompor o pigmento fotoquímico neles
existente. A diversidade, por sua vez, da cor se processa pela diferença da
substância fotoquímica de cada cone, sendo necessária a diferença de
comprimentos de onda para decompor a substância correspondente ao
vermelho, ao verde, ao azul. Depende, pois a cor da diferença química e da
diferença da onda de luz.

Não há no homem receptor específico para o amarelo.

A partir desta decomposição diferenciada de substâncias se gera a corrente


elétrica, que vai finalmente gerar no cérebro a sensação das cores respectivas.
Em última instância, o fenômeno sempre se assemelha ao de qualquer outra
atividade nervosa, cada uma ligada a uma atividade elétrica.

Por razões difíceis de esclarecer fisiologicamente, da percepção simultânea de


várias cores resulta uma nova cor. Por exemplo, vermelho e azul dá violeta.
Todas as cores em conjunto geram o branco. A ausência de todas dá o preto (ou
cinza). Esperar-se-ia logicamente que houvesse o predomínio de uma das cores,
e não uma nova cor. É possível pensar que a ação conjunta, ainda que
mantenha em separado a ação de cada cone, gera correntes com interferências
tais, que realmente nenhuma conserva sua especificidade, gerando em
consequência uma nova cor.

Cor retiniana, é a denominação que uma cor receber em função à participação


dos procedimentos fisiológicos da retina. Basicamente, toda a cor é retiniana,
porque depende da retina, ou seja dos cones. Mas se entende por cor retiniana,
as caracterizações que ela ainda recebe por participação da retina na produção
da sensação da cor, ao transmitir ao cérebro impressões que retêm, modificam
de um novo modo ou mesmo complementam o efeito colorístico dos estímulos
luminosos recebidos. São mais notáveis, como cores retinianas as misturas
óticas, as imagens posteriores, os efeitos de deslumbramento.

III - Limiares da sensibilidade.


3911y160.

161. A subjetividade das cores e a delicadeza do órgão da vista coloca todo


o affaire das cores dentro de um esquema de níveis de sensibilidade em que os
diferentes níveis, ou limiares, merecem especial atenção.
Há a destacar as diferenças de sensibilidade dos comprimentos de onda e os
níveis de sensibilidade da vista para a incidência suficiente de luz.

162. O olho humano começa a perceber as ondas de luz a começar de 4.000


unidade angstrom (ou 4.000 milimícrons), dali continuando até 7.600 unidades
A’, depois das quais outra vez continua insensível.

Neste espaço de ondas perceptíveis se encontram sucessivamente o azul, o


amarelo, o vermelho.

As ondas mais além são acusadas pelo sentido térmico, mas não sob a
perspectiva de sensação de cor. O tato se excita ao infravermelho, de metragem
longa, aquém das 390 unidades A.

A pele também se tisna e reage fisiologicamente às ondas ultracurtas,


ultravioletas, acima das 7.600 unidades ‘A’.

Como resultado de experiências cuidadosas, acredita-se que os pássaros não


percebem as ondas azuis, mas em contrapartida as ondas ultravermelhas. Para
os cantores do céu, este não seria azul... Mas, outros coloridos abrilhantariam
seus olhos. O mesmo aconteceria com os insetos em geral.

Os daltônicos não percebem determinadas cores; confundem também umas


com outras. Geralmente só percebem azul e vermelho; confundem o amarelo
com o verde, ou azul com o violeta.

O cão e o boi são sensíveis apenas à luz e não às cores; para estes animais o
mundo é como cinema em preto e branco. A investida do touro ao vermelho se
deve à maior luminosidade do vermelho, mas não à cor em si, que ele não
parece ver. Considerando que em geral as mulheres usam cores mais luminosas,
poderão por isso ser atacadas preferencialmente por estes animais. Os bois
agem também diversamente diante de homens brancos e homens negros.

A criança até aos dois anos distingue vagamente as cores, reagindo antes à
luminosidade. Pouco reage ao azul, a menos luminosa das cores. Dali suas
preferências pelo amarelo e vermelho, nas vestes, nos brinquedos. Os aposentos
de criança são mais aceitos quando alegrados com estas cores mais vivas, ou
frisadas com elas.

Também há seres humanos patológicos que não vêem cores, mas apenas a
luminosidade em preto e branco.
A sensibilidade dos bastonetes e cones também obedece a níveis fora dos quais
a operação deixa de ocorrer.

Os bastonetes se situam dominantemente na periferia da retina. Próximo à


fóvea dominam os cones. Os bastonetes funcionam à penumbra. Os cones
exigem a luz normal. Não se readaptando a fóvea convenientemente à
escuridão, resulta que seus cones deixam então de ser sensíveis às cores.

O foco da vista é na fóvea, que no escuro não funciona. Mas por ser este o foco,
na penumbra vem-se melhor os objetos, se não forem fixados diretamente.

A falta de vitaminas parece prejudicar a visão noturna, por dificultar a


adaptação da púrpura visual.

A retina humana é mais sensível aos comprimentos médios de onda; dali


resulta a predominância do amarelo, com 580 milimilímetros.

Os daltônicos com cegueira total de cores percebem apenas estímulos que nós
chamamos de cinza e que variam do claro ao escuro, conforme a cor.

Peculiar é a situação dos que são daltônicos de um olho só, perfeitos com o
outro; com um percebem os claros e escuros, com o outro as respectivas cores.

Somente se conhecem daltônicos de sexo masculino.

163. O impacto sobre a vista da luz se exerce dentro de limites ideais. Acima
destes limites tende a desagradar por excesso; abaixo, tende a produzir
sensação de falta.

Tomando o lux por medida (fluxo de um lúmen por metro quadrado) a


intensidade ideal oscila entre 100 a 700 lux. A oscilação atende à função que os
olhos têm a exercer, e de acordo com a qual reclamam menos, ou mais luz.

Para a vista despreocupada, como em refeitórios e salas de estar ou de


conferência, a cor ideal é de 100 a 200 lux.

Luminosidade média, como de bibliotecas, salas de aula, ambientes de trabalho,


recomendam de 150 a 350 lux.

Finalmente, atividades de precisão, tais como de datilografia e contabilidade, se


exercem com 350 a 700 lux.
164. A diversidade específica das cores influencia a luminosidade dos
ambientes. O branco mais branco, como o do óxido de magnésio, reflete 98%
da luz incidente. O cinza-claro, o azul, o laranja refletem apenas 50%.

Resulta uma relação considerável de lux, no ambiente, alterando a


luminosidade de uma sala, somente com a mudança das cores, sem que, de
outra parte, se modifique o quantum proveniente da fonte de luz.

Em consequência, a variação no efeito de sensibilidade, não se deve apenas ao


que cada espécie de cor oferece, mas a alteração objetiva de número de lux.

IV - Adaptação e outras peculiaridades da percepção humana da cor.


3911y166.

167. Peculiaridades do olho humano interferem na visão da luz e das cores e


que o artista leva em conta, ainda que para a física não tenham significação, por
falta de objetividade.

Comecemos por referir que a vista atende em direções precisas, como que num
só eixo, portanto sem universalidade panorâmica. O ouvido escuta, pelo
contrário, sons que vêm de todas as direções.

Cor cambiante é a que varia com a posição de onde é apreciada.

A vista deve saltitar de um ponto a outro, até completar o campo da visão.


Pergunta-se, então, qual o tempo necessário de estacionamento para tornar
efetiva a visão e quanto tempo perde na mudança de um ponto para outro. Estas
limitações antropológicas decidem a velocidade do ritmo das partes em
sucessão, em que um todo se divide para ser apreciado.

O processo mais regular de progressão é certamente o linear como o exercemos


na leitura, passando por sucessivos pontos de fixação. Na leitura dispende-se
1/15 de segundo no movimento de um ponto de fixação para outro. Para tornar
útil a fixação precisa-se de um tempo maior. Geralmente na leitura se gastam
10% do tempo em saltos e 90% em fixação.
168. O fenômeno do retraimento diversificado dos cones. A adaptação da vista
à cor não é apenas um controle pela íris da entrada da luz. Os cones e
bastonetes obedecem a uma adaptação, enquanto se ocupam com uma
determinada cor e também quando transitam para outra.

Um retraimento ocorre na substância colorativa dos cones, enquanto atendem à


cor respectiva. Se observarmos vinte ou mais segundos uma área vermelha, os
cones vermelhos se retraem, adaptando-se.

Não ocorrendo o mesmo com os demais cones (azul e verde), ficam estes numa
outra situação e em disponibilidade, se então mudarmos a vista para um outro
campo, por exemplo branco, ou preto, só estes dois operam no primeiro
instante; na incidência combinada de azul e verde, tem-se então a impressão de
verde. Tão logo os demais cones retornem à espontaneidade natural,
desaparecerá o fenômeno. Verde é complementar de vermelho. A adaptação se
faz, portanto, com uma relação para a cor complementar.

Apresenta-se agora uma situação que admite dois tratamentos, que poderão
influir sobre o maior e o menor trabalho das células dos cones. Se o trânsito se
fizer para uma cor complementar do campo originário, retém-se algo da
situação originária; não se obriga o olho a uma atividade inteiramente nova e
cansativa. Na hipótese de se o não fazer, o trânsito obriga a um esforço maior.

Vem, pois, o uso da cor complementar, oposta a que se viu em área anterior
maior, ao encontro da vista. São, portanto, recomendáveis as harmonias
complementares. Utilizam-se, aliás, na pintura dos interiores. Realçam a cor
básica, ao mesmo tempo que apresentam sem cansaço a cor complementar (que
lhe é oposta no disco das cores). Vermelho tem a sua complementar no verde,
azul no laranja, amarelo no violeta.

As melhores harmonias são as complementares, porque não cansam, isto é,


permitem o descanso dos cones. Enquanto uma das cores ocupa um dos cones,
a outra (a complementar) ocupa os outros; ora trabalham uns, ora outros.

Nas fábricas a harmonia complementar se cria dando às paredes a cor


complementar aos objetos industriais que ocupam os operários. Se os objetos
são predominantemente vermelhos, as paredes poderão ser verdes; se os objetos
forem alaranjados, as paredes assumirão o azul, complementar de laranja, se
forem violetas, as paredes serão de tonalidade amarela.

Para o dentista, ocupado no vermelho cor de rosa da boca, o complementar


conveniente é o verde claro. O mesmo valerá na composição das cores de
escritórios, salas de estar, etc., desde que se queira diretamente o descanso.

O trânsito de uma intensidade à outra, a passagem de uma cor à outra, obedece


a um certo tempo de adaptação. Dali resultam vários fenômenos subjetivos, na
percepção da luz e das cores em movimento. Os raios de uma roda, em giro
muito rápido, se fundem entre si. Uma girândola em combustão se transforma
em círculo brilhante. Um foguete em disparada, em noite de festa, aparenta
uma linha alongada de luz. De noite, a luz dos relâmpagos é mais longa do que
a da faísca real acontecida.

O halo de luz que acompanha a vista, ao caminhar de objetos mais luminosos e


grandes para objetos menores, resulta da permanência da impressão anterior.
Até mesmo a forma de objeto longamente fixado se transpõe para o novo plano,
para onde segue a vista.

169. A irradiação actínica é um fenômeno curioso e de notável reflexo na


pintura, de que se valem os artistas mais hábeis. Consiste na forma radiante que
um ponto luminoso assume à distância. Por causa dela, os corpos celestes, –
palpitantes já por outras razões –, apresentam uma radiação, que os faz serem
apresentados sobre a tela como «estrelas» de algumas pontas.

Origina-se o fenômeno no desprendimento da luz branca, alterando-se as


feições do objeto, por alargamento.

Acentua-se o fenômeno da irradiação actínica com a intensidade da luz,


particularmente opondo o preto e o branco.

Um disco branco sobre tela preta, parece maior do que na realidade é. Pela
inversa, um disco preto, sobre tela branca, é diminuído pela invasão
circundante.
Letras brancas ao lado de pretas parecem maiores que as suas companheiras.

Espetáculos óticos similares ocorrem com as linhas e formas. São do particular


interesse da estética das formas. Operando a pintura em aliança com as formas,
também lhe importam indiretamente.

Figuras com alternação preto e branco

170. Refrangibilidade e contraste. O olho se acomoda a cada cor em separado


e, ao transitar de uma para outra, fica a percepção da nova sob influência da
anterior. Fixando-se por mais tempo numa cor, ela aumenta de intensidade na
percepção e mais influencia a visão da seguinte para a qual seguir o olho.
Também influi a grandeza da área.

O trânsito de uma cor de intensidade maior para outra de intensidade menor


leva consigo uma sensação persistente da anterior, que se sobrepõe à segunda,
influenciando-a portanto. Distende-se uma escala decrescente para toda a área
circundante. Dali o fenômeno dos contrastes, que divergem em função ao tipo
de trânsito.

Complexo e subtil se apresenta a questão dos contrastes, em virtude da


variedade e valor das cores e circunstâncias de área.

171. O contraste se opera com subtilidades, a que o artista hábil atende


meticulosamente e tira partido.

Maneira prática e simples de fazer verificações diretas, consiste em cortar


papéis de variadas cores, em tamanho de cinco centímetros, em quadro, outros
em redondo, em oitavado, para sobrepor ao campo.

De maneira geral, a cor sobre branco parece mais escura (menos valor); sobre
preto, mais clara.

O gris também aclara a cor. Faça-se a experiência, criando um campo branco,


outro preto, outro gris, mediante papel. Ponha-se um círculo menor no centro,
de uma cor qualquer, por exemplo, vermelho. Observar-se-á que o vermelho é
menos intenso sobre o branco, porém mais claro e intenso sobre o preto e o gris.
Depreende-se dali que o traje de etiqueta escuro masculino realça o colorido
feminino. O gris sobre preto parece mais claro; mais escuro sobre o branco.

O branco sobre o preto se realça menos, que o preto sobre o branco.

Cor sobre cor, apresenta-se ainda menos intensa. Ponham-se três campos,
sucessivos, branco, cor azul, preto. A seguir, coloque-se em cada campo, o
mesmo vermelho. Observar-se-á que a cor vermelha aparecerá menos intensa
sobre a cor, um pouco mais intensa sobre o branco, enfim, com a maior
intensidade sobre o preto.

O brilho do branco tende a estimular as cores, reflete a luz e aumenta o


tamanho. O preto funciona em direção inversa, absorvendo a luz e reduzindo o
tamanho. Dali os efeitos do branco, que realça o tamanho das casas, mesmo
quando pequenas, ou a altura dos telhados.

(desenhos)

172. Cores entrantes, cores profundas. A experiência distingue entre


cores entrantes (amarelo, vermelho, laranja), que parecem sair do seu plano e
vir ao encontro do observador, e cores profundas (azul, verde, violeta), que
parecem afastar-se para trás de seu plano. As cores que saem ao encontro
são agressivas; diminuem a impressão de distância. As profundas afastam.

As primeiras, as entrantes, imprimem também a impressão de mais largura.

O fenômeno encontra base na maneira de serem recebidas estas cores na retina.


O foco das cores quentes se projeta atrás da retina, ao passo que as demais na
frente. Ainda se observa que a lente ocular se apresenta mais convexa; isto
também explica o alargamento da área das cores quentes.

Para as cores frias, a lente assume posição menos convexa, o que explicaria a
aparente diminuição de área desta cor. Pela ordem, a maior dimensão aparente
é do amarelo, seguida do vermelho. Verifica-se que o branco, ainda que de área
amplificada, vem após o amarelo e o vermelho.
173. Conclui-se a respeito da natureza fundamental da cor, - tanto do ponto de
vista físico, em que ela comparece ligada à luz, quanto do ponto de vista
gnosiológico, em que ela surpreendentemente se revela como subjetividade, -
que ela é um dos fenômenos mais curiosos, que afronta aos pesquisadores da
ciência física e da ciência filosófica.

Não obstante este desafio oferecido pela natureza fundamental da cor, ela se
apresenta ao uso ordinário de todos os seres. Estes mais se ocupam com as
cores em espécie, porquanto pelos seus graus de diferença, elas se tornam úteis,
inclusive na pintura.

A compreensão total da estética das cores fica, contudo na dependência da


natureza mesma das cores, desde seu fundamento.

Art. 2o. DAS ESPÉCIES DE COR EM PARTICULAR.

3911y174.

175. Dada a diversidade das cores, importa determinar a especificidade de cada


uma.

suas respectivas propriedades. Antes destas respectivas propriedades, há que


determinar claramente as espécies mesmas de cor.

Dali decorre o seguinte esquema didático, por parágrafos:

- Classificação das cores (§ 1.), (vd 177);

- Vermelho puro, vermelhos binários e terciários (§ 2.) (vd 203);

- Azul puro, azuis binários e terciários (§ 3.) (vd 209);

- Amarelo puro, amarelos binários e terciários (§ 4) (vd 214);

- Violetas (§ 5.) (vd 220);


- Verdes (§ 6.) (vd 226);

- Laranjas (§ 7.) (vd 232);

- Pardo, gris, cinzento (§ 8.) (vd 238);

- Branco, negro ou preto (§ 9.) (vd 245).

Em tratando das cores especificamente, ainda não cuidamos de


suas propriedades, como se deverá fazer logo a seguir (vd =). A
sistematicidade é constantemente rompida, porque, adiantando algo sobre as
propriedades, sustenta-se melhor o que é efetivamente específico.

§1. Classificação das cores.


3911y177.

178. A cor pode ser vista como um gênero, a reunir espécies de cor, por
exemplo, o vermelho, o amarelo, o azul, o verde, com diferentes comprimentos
de onda. Do mesmo modo o som, como gênero, contém sob sua denominação
várias espécies de sons, chamados tons, colocados em diferentes alturas da
escala musical.

O questionamento sobre a classificação das cores não é pacífico. Importa


primeiramente nos demorar neste questionamento, para depois sair para as
tentativas de classificação.

I - O questionamento sobre a classificação das cores.


3911y180.
181. Há a distinguir entre espécies de cor e propriedades da cor, diferenciando-
se estas para cada espécie. Como derivações que são, as propriedades decorrem
a seu modo de cada espécie, acentuando as diferenças especificas, sem todavia
as alterar.

As propriedades podem dar-se no valor de luminosidade e grau de saturação.


Ainda são propriedades da cor efeitos extrínsecos, como a psicodinâmica e a
esteticidade da mesma. A cor tem ainda as propriedades de ter grau, contraste,
semelhante. É por ter semelhante que ela vai, finalmente, servir de instrumento
de expressão do assemelhado.

Ordenando o tratamento da questão sobre as espécies de cor, não sem nos


referir de quando em quando às suas propriedades, há a determinar portanto em
primeiro lugar a classificação das cores, por exemplo, em primárias,
secundárias, terciárias, quaternárias.

182. O que importa fazer é determinar onde está a diferença específica que
separa as cores de outras cores. De, por exemplo, se classificar as espécies de
cor em primárias, secundárias, terciárias, quaternárias, se deve determinar onde,
além do gênero, se encontra a diferença específica.

Este assunto não é pacífico, como tem parecido. Também não é pacífico, como
determinar onde se encontram os denominadores comuns, em virtude de quais
cores especificamente distintas se reordenam em subgêneros progressivamente,
até encontrar o seu gênero supremo de cor.

A questão da especificidade de uma cor não pode ser determinada apenas pelo
comprimento de onda, ainda que o contexto possa determinar o restante da
noção. Esta definição de espécie de cor se reduz a uma definição genética, ou
operacional, porque na verdade somente menciona a espécie de onda luminosa
que vai estabelecer a reação fotoquímica no cone da visão.
A cor ainda não é nem mesmo esta reação posterior ao comprimento de onda.
A relação de comprimento de onda e a reação fotoquímica não passam de
referenciais com que se pode mencionar a espécie de cor.

A organização de um quadro de cores, a partir da própria espécie da cor, não


dispõe portanto de elementos muito claros, e não pode no atual estado das
coisas operar senão através de referências, que são apenas menção à origem
remota das mesmas.

183. Colocada a dificuldade de como determinar a diferença específica entre as


cores, fica logo também posta a dificuldade sobre como determinar quantas
seriam as cores específicas.

Ainda que as línguas primitivas tenham poucos nomes para denominar cores, e
ainda que de ordinário o homem comum não cuide de aprender as diferencias
para denominar as muitas cores, só vagamente se apercebe que a variação
numérica das mesmas é muito grande.

Quem se dedica ao aprendizado das cores, mui depressa chega a um elevado


número de diferenciações. Passam a aumentar, ao ponto de já haver tantas
cores, quantas são as palavras de um dicionário, pois acreditam alguns que um
observador perito poderá distinguir até 100 mil cores.

Mas, é possível que as cores ainda sejam em maior número. Teoricamente, um


espectro-fotômetro poderá distinguir dois milhões de cores, levadas em conta
as diferentes possibilidades de variação. Para os estetas e artistas subtis esta
variação de cores possibilita os mais diversos recursos, para o prazer de
conhecer e para os recursos de expressão.

Poderíamos então dizer que teoricamente as cores são tantas quantas as


diferenças de ondas eletromagnéticas se estabelecessem? Parece que não.

A diferença de comprimento de onda não é a causa direta da geração da cor. Ao


incidir sobre o cone, provoca a reação fotoquímica a qual poderia tanto dar-se
com um comprimento de onda ligeiramente maior como ligeiramente menor.
Na sequência causal da visão a ação fotoquímica está mais próxima da
produção da cor, do que a ação da onda luminosa.
Portanto, em princípio, não podemos induzir que cada diferença de onda de luz
corresponde teoricamente a uma nova cor. Sabemos somente que a reação
fotoquímica de uma cor se dá a partir de um certo limiar de comprimento de
onda, sendo diferentes os limiares, no caso do olho humano, dos três cones, que
respectivamente geram o vermelho, o verde, o azul.

Com as transformações genéticas da ciência futura poderão os sábios aprender


a dar a cada qual alterações capazes de fazer ver as cores que desejar, como se
troca de óculos.

Corre-se o risco de confundir as referências à origem causal das cores com a


própria especificidade das mesmas. Conforme já advertido, o comprimento de
onda da luz não é a mesma cor. Também não é a mesma cor a reação
fotoquímica acontecida nos cones. A cor é o que vem depois, como algo de
subjetivo representado pela sensação.

184. Na sequência destas advertências sobre a dificuldade de determinar a


diferença específica entre as cores, importa considerar também que a ordem
entre cores primárias, secundárias, terciárias, quaternárias não significa
necessariamente que estas cores sejam em si mesmas um produto sucessivo e
até um produto composto.

Se a mistura, cada vez mais complexa, dos comprimentos de onda e das reações
fotoquímicas, gera sucessivamente tais outras cores, também estas outras cores
são subjetivas. São apenas a sensação, e não se confundem com a
complexidade progressiva de suas causas eletromagnéticas e fotoquímicas.

Resultantes de um procedimento causal mais complexo, poder-se-iria até alegar


uma inversão de valores na escala das cores.

Pela sequência meramente causal, seriam mais importantes as assim chamadas


cores primárias, depois, as secundárias, depois as terciárias e finalmente as
quaternárias. Mas pela sequência de valor, seriam primárias as quaternárias;
seriam secundárias, as terciárias; seriam terciárias, as secundárias; finalmente,
seriam quaternárias, as primárias.
De fato, porém, a imagem sensitiva de qualquer cor talvez seja igual no seu
valor. Aquela sequência causal é apenas operacional, ou seja, das causas que
ocasionam, mas não produzem diretamente as cores; efetivamente estas são a
resposta subjetiva da faculdade sensitiva.

Cabe bem citar aqui observação de Goethe a propósito da atividade do sujeito


na formação das imagens da cor.

185. Classificações propostas. Não havendo outro modo conhecido e eficaz de


classificar as cores senão através dos referenciais, que mostram a sua origem
(comprimentos de onda, reação fotoquímica, sequência operacional), podemos
destacar esta forma descritiva de defini-las como espécies que se classificam
dentro destes procedimentos.

Mas, continuemos advertidos sempre de que não depende do seu referencial


causal exterior a definição essencial de cada espécie de cor. Ela, em absoluto,
não é essencialmente nem primária, nem secundária, nem terciária, nem
quaternária.

Cientistas renomados trabalham na classificação das cores de que as duas


primeiras importantes tentativas de ordenamento classificatório foram o disco
de Newton e a estrela de Goethe.

No disco de Newton se apresentam as cores pela ordem do espectro e se mostra


o branco como a mistura de todas as cores.

Na estrela de Goethe, com as três cores primárias no centro, as seis secundárias


por fora, as primárias estão diametralmente opostas às suas complementares.

Seguiram-se outras tentativas classificatórias.

Johann Heinrich Lambert (1728-1777), físico, filósofo e matemático alemão,


nascido francês, tentou em 1772 uma organização em pirâmide. Em etapas
sucessivas de altura, pôs quatro triângulos. Localizou todas as variantes de cor,
tendo por fundamentais: goma-guta (amarelo) e azul da Prússia (azul).
Michel Eugène Chevreul (1786-1889), físico e químico francês, em 1839,
tentou dispor radicalmente em um círculo 72 variantes de cor, com 20
gradações de branco e preto. Alcançou 1.440 cores classificadas.

Hering, em 1878, introduziu o triângulo equilátero, subdividido em quadrados.


Nos vértices colocou a cor pura, a branca, a preta respectivamente.

O alemão Oswald desenvolveu o sistema de Hering, conduzindo o tratamento


das cores para uma desenvolvida sistemática. Suas cores fundamentais são:
vermelho, alaranjado, verde, amarelo, verde-mar, azul-turquesa e violeta.
Construiu um círculo de 24 cores radiais em grupos de três, em que a do meio é
a cor pura respectiva.

186. Grande sucesso teve o trabalho classificatório do pintor norte-americano


Albert Henry Munsell (1858-1918), que criou seu sistema em 1912,
amplamente exposto no Atlas do Sistema de Cores Munsell (Atlas of the
Munsell Color System, 1914), em 1942 adotado oficialmente pelo governo dos
Estados Unidos da América, ou seja, pela Associação Norte-Americana de
Normas. Depois da morte de Munsell foram rigorosamente determinados os
comprimentos de onda, brilho e saturação das amostras do Munsell Book of
Color.

A classificação de cores Munsell não somente as divide em espécie de cor (que


chama de matizes), determinadas pelo comprimento de onda, valor da cor
definida pelo brilho, saturação da cor (que chama de croma), indicada pela
pureza. Os três parâmetros de classificação das cores dizem respeito, por
conseguinte, à espécie de matiz, ao valor do brilho, à intensidade cromática.

Globalmente, o sistema de cores Munsell apresenta uma árvore de 10 cores


maiores: vermelho, amarelo, verde, azul e púrpura (cores principais), vermelho-
amarelo, amarelo-verde, azul e púrpura, azul-púrpura, púrpura-vermelho
(intermediárias). A escala de valores em 10 parte do intenso preto e vai ao
branco puro.

Importa considerar que não se pode confundir o que divide as cores


essencialmente em espécies (matizes), com o que apenas se refere a graus de
realização (brilho e saturação).
As subclassificações a partir dos graus de realização expressam, por
conseguinte, meras classes acidentais não verdadeiras subdivisões de espécie.

A classificação de Munsell não está, portanto, na sistemática de uma categoria


lógica porfiriana em que indivíduos se enquadram numa espécie, as espécies se
ordenam em gêneros que, por sua vez, se ordenam em gêneros cada vez
maiores e, finalmente, num gênero supremo. A rigor, as espécies têm uma
classificação; os brilhos têm sua outra classificação; finalmente, a saturação
também se ordena classificatoriamente. Por isso, melhor seria cada cor
específica ter sua árvore e não estabelecer uma só árvore com as variações.

187. A partir da classificação de cores Munsell e novos aperfeiçoamentos


desenvolveram-se instrumentos capazes de identificar rigorosamente as cores,
de sorte a substituir o apelo empírico à vista humana.

Estes instrumentos passaram a ser conhecidos como colorímetros e sua técnica


como colorimetria.

Em consequência, ao lado da nomenclatura criada pela linguagem comum no


decorrer dos séculos, formou-se uma nova maneira de se referir às cores, em
que o matiz, o valor, a cromaticidade são objetivamente determinados.

Uma classificação científica faculta a referência abstrata às cores, ora apenas


pela espécie, ora pelo valor, ora pela saturação cromática.

As denominações comuns se referem à chamada cor natural. Estas é


simplesmente indicada como um todo concreto, tal como se apresenta na
natureza. Que é, por exemplo, um Vermelho Pompéia? É um vermelho-laranja
intenso. Ali estão elementos como de espécie e de valor, talvez ainda de
intensidade cromática.

Em consequência, não conseguimos tratar das espécies de cor (isto é, de sua


classificação) sem frequentes referências às suas propriedades. Esta mistura de
elementos ocorre sobretudo na linguagem vulgar. Todavia tem sua base
antropológica, em vista de não termos habitualmente uma noção clara que
divide as espécies de cor e as suas propriedades.
II - Em especial sobre a classificação das cores em

primárias, secundárias, terciárias, quaternárias.


3911y189.

190. A conhecida classificação das cores


em primárias, secundárias, terciárias, quaternárias se diz do ponto de vista de
sua origem, ou pela sua causa operacional.

Apelando a uma analogia com a escala musical, que se repete sobre si mesma,
de oitava em oitava, poderiam as cores distribuir-se também em escalas
sucessivas. As escalas mais altas seriam as cores fundamentais; pela mistura
declinariam; as mais baixas seriam as cores terciárias. Haveria também escalas
nas cores não perceptivas pelo homem, isto é, no ultravioleta e no
infravermelho.

191. Cores primárias são:

- azul,

- amarelo,

- vermelho.

Dizem-se primárias as cores que não resultam de outras cores. Elas


simplesmente se estabelecem assim. Não podem, portanto, ser obtidas pela
mistura de outras cores, ou seja, por mistura de diversos comprimentos de onda.

Às vezes as cores denominadas primárias se dizem gerativas, em virtude de


gerarem as demais. Esta denominação tem o defeito de considerar as demais
como não gerativas; elas, todavia, também geram as cores que lhes são
subsequentes subsequentes.
192. Ainda que as cores primárias para os pintores sejam o azul, o amarelo e o
vermelho, para os físicos podem ser ditas primárias o vermelho, o verde, o azul,
em vista dos cones da vista, onde as reações primárias decorrem da luz
vermelha, verde e azul.

Não se pode definir o que é simples, senão descritivamente, advertindo para o


que diretamente se constata e se entende como sendo o que é. Então o azul é o
que faz ser azul; amarelo é o que faz ser amarelo, o vermelho é o que faz ser
vermelho.

Uma definição descritiva pode fazer-se apontando para relações, como de


origem, de dimensão, de semelhança. Nesta direção definitória, cores primárias
são as que geram as demais por mistura, e então temos as definições genéticas e
que se dão por pares:

- azul é a cor que gera o verde, em mistura com o amarelo;

- azul é a cor que gera o violeta, em mistura com o vermelho;

- amarelo é a cor que gera o verde em mistura com o azul;

- amarelo é a cor que gera o laranja em mistura com o vermelho;

- vermelho é a cor que gera o violeta em mistura com o azul;

- vermelho é a cor que gera o laranja em mistura com o amarelo.

Utilizando uma relação de dimensão, ocorrem as definições, por exemplo por


unidades angstroem:

- o azul se define como resultante do comprimento de onda luminosa extrema


de 3600 unidades «A»;

- o amarelo, por 4000 unidades «A»;

- o vermelho, por 7000 unidades «A».

Por semelhança se define:


- o azul como a cor do céu sem nuvens: do mar profundo em dia claro, da cor
da safira; do anil.

- o amarelo define-se como a cor da gema do ovo, do ouro, do topázio, do


enxofre.

- o vermelho se define como sendo a cor do sangue, da papoula, do rubi.

Quando se define descritivamente as cores primárias, alegam-se as


propriedades. Então se trata de uma definição por inferência, porque a
propriedade tem derivação necessária da natureza à qual pertence.

A definição pelos efeitos, por exemplo, os efeitos psicodinâmicas, também


ilustra a definição descritiva.

Finalmente mencionamos a definição nominal das referidas três cores primárias.

Azul deriva do persa lazurd, como referência al lápis-lazúli. Dali passa ao


semita árabe Lâzaward, ao latim medieval azzurum, ao francês azur, ao
espanhol e português azul.

Amarelo deriva do latim amarillus, como diminutivo de amarus (= amargo).

Vermelho do latim vermilium, que significa vermelhão, cor postiça para o rosto.
Outros dizem que de vermiculus, vermículo. Quanto ao rubro, rojo, em
espanhol, corresponde ao latino ruber (= rubro), que finalmente faz parte da
raiz indo-européia rudh- ou reudh de onde red (= vermelho em
inglês), rot (vermelho em alemão), rubi pedra preciosa vermelha.

193. Cores secundárias, ou complementares, são as que resultam da mistura,


em partes iguais, das cores primárias. São:

- verde (azul+amarelo),

- laranja (vermelho+amarelo),

- violeta (vermelho+azul).
As expressões cor gerada, cor derivada ou cor composta têm, conforme já
advertido, apenas sentido operacional, porque derivam por mistura das causas.

Denominam-se cores secundárias para o pintor o verde, o violeta e o laranja.


Para o físico: ciano (azul esverdeado), magenta (violeta púrpura), amarelo.

Como se evidencia, as cores secundárias se definem em função de relações


extrínsecas de origem, e em mistura de partes iguais, de duas primárias: partes
iguais de azul e amarelo para formar o verde; de amarelo e vermelho, para
o laranja; finalmente, de vermelho e azul, para o violeta.

194. A mistura desigual de duas cores primárias, ou de uma primária com uma
secundária, resulta em cores secundárias intermédias.

Indicam-se citando em primeiro lugar a cor primária, seguida do nome da


anexa. Em conseqüência nascem mais seis cores: azul-verde e azul violeta,
amarelo-verde e amarelo-laranja; vermelho-laranja e vermelho-violeta.

Nas cores secundárias intermédias, depois de feita a redução, a porcentagem da


primária dominante e que dá o nome é de 75%, sobrando 25% para a outra
primária.

As cores que resultam desta nova propagação admitem receber nomes. Valem,
pelo menos, pela aproximação, daquilo que em linguagem comum se conhece
como tal. Dali o esquema seguinte:

Verde limão (amarelo-verde).

Turquesa (azul-verde.

Anil (azul-violeta).

Púrpura (vermelho-violeta).

Abóbora (vermelho-laranja).

Amarelo-ouro (amarelo-laranja).
195. Um relógio de 12 cores, umas femininas, outras masculinas. Combinadas
as cores primárias, secundárias e mais suas secundárias intermédias, resulta
haver doze cores bem definidas. Podemos chamá-las em conjunto de
cores femininas, porque sendo mais insistentes, são do agrado das mulheres,
mais sensíveis à cor.

As cores terciárias, sempre mais escuras, são da preferência do homem, razão


porque se fazem conhecer como cores masculinas.

Sendo 12 as cores mencionadas, elas fazem um relógio de 12 horas, a que se


pode dar valor mnemotécnico e didático: 1 verde limão, 2 verde, 3 turquesa, 4
azul, 5 anil, 6 violeta, 7 púrpura, 8 vermelho, 9 abóbora, 10 laranja, 11
amarelo-ouro, 12 amarelo (com brilho de pleno meio-dia).

Observa-se que em cada faixa se subdivide a cor dobrando o número.

196. A maneira prática de traçar o disco das cores se consegue criando


primeiramente quatro triângulos sobrepostos e que tenham lados iguais
(triângulo isósceles); teremos, então, uma estrela de doze pontas. O método é o
da sobreposição na «estrela de David».

O primeiro triângulo poderá ser traçado com linhas largas, o segundo com mais
finas, os restantes com tracinhos, para apontar sucessivamente para as cores
primárias, secundárias e as de meios tons.

Unem-se, com um traço, as doze pontas, de sorte a haver uma figura com doze
faces externas.

Para traçar as áreas das doze, divide-se primeiramente ao meio cada uma das
doze faces; destes pontos partem para fora, em ângulos retos, as linhas
divisórias das faixas das doze cores.

A ponta do triângulo indica o nome da cor; nos pontos do primeiro triângulo


(linhas grossas), estarão as cores primárias, mas no segundo triângulo (linhas
finas), estarão as cores secundárias, como laranja, violeta, verde; nas faces dos
outros triângulos (linhas ponteadas), estão os tons.

Também se pode traçar as divisas a partir das pontas, como na figura ao lado,
ficando as cores indicadas pelas faces esquerda e direita dos ângulos. Os pontos
do triângulo em linha grossa indicam as cores primárias da linha fina, as cores
secundárias, da linha picotada as cores terciárias.

197. Cores terciárias. As cores terciárias resultam da mistura das três


primárias, todavia uma delas com a metade do contingente, as outras duas cada
uma com um quarto (como na cor secundária).

De índole neutralizada, as cores terciárias são obtidas, - como se disse, - pela


mistura de três primárias; distinguem-se das secundárias, porque estas não
misturam senão duas primárias.

Nesta maneira de misturar se obtém uma gama consideravelmente variada. A


fim de impor uma ordem, precisa-se prescindir das peculiaridades de outra
natureza e considerar inicialmente apenas as cores simplesmente como espécie.

As novas denominações se atribuem pela cor primária dominante; dali resulta


haver: azul terciário, amarelo terciário, vermelho terciário.

As cores terciárias são obtidas pela mistura de cores binárias. Prevalece uma
cor primária, com 50%, porém amortecida pelas duas outras, cada uma com
25%.

Azul terciário resulta de violeta (azul e vermelho) e verde (azul e amarelo).

Nestas condições o azul tem aspecto de piçarra, xisto, ardósia.

Vermelho terciário deriva de cor laranja (vermelho e amarelo) e cor violeta


(vermelho e azul).

Agora o vermelho se amortece, como ladrilho.


Amarelo terciário nasce do verde (amarelo e azul) e laranja (amarelo e
vermelho). O amarelo assim amortecido, pelo azul e vermelho, assume o
aspecto de esfumado.

198. Cores quaternárias. Finalmente, as cores quaternárias se misturam de


maneira ainda mais complexa, sendo que todavia fundamentalmente são apenas
um complexo de três primárias.

As denominações das cores quaternárias oscilam muito e é hábito das indústrias


de tinta criar combinações com nomes eventuais. Conforme o interesse do
consumidor, algumas têm maior sucesso, outras menos.

A mistura de duas cores terciárias (que já contam com as três primárias) resulta
em uma redistribuição das porcentagens. Têm origem, agora, as
chamadas cores quaternárias. Elas são muito freqüentes na natureza. Nesta se
aproximam do verde, violeta e laranja (binários).

Por isso recebem frequentes vezes a denominação a partir destas cores.


Então, verde significa binário: verde-oliva, verde-limão etc. o verde situado no
plano das cores quaternárias.

As novas cores quaternárias correspondem sistematicamente ao que se


diz: verde-oliva (referência ao verde binário), pardo de anta (referência ao
alaranjado), violeta de ameixa (referência ao violeta binário). Nestas
denominações se faz referência às cores de origem.

199. As mesclas quaternárias se dão da seguinte maneira:

O verde quaternário (verde-oliva) se obtém mediante o terciário amarelo


(amarelo 50%, azul 25%, vermelho 25%) com terciário azul (azul 50%,
vermelho 25%, amarelo 25%). Ocorre a predominância do amarelo e azul, com
interferências do vermelho.
O violeta quaternário nasce da mistura dos terciários azul (azul 50%, vermelho
25%, amarelo 25%) e vermelho (vermelho 50%, amarelo 25%, azul 25%).
Ocorre, portanto, a predominância do vermelho e azul, interferidos por uma
parcela de amarelo.

O laranja quaternário funde os terciários vermelho (vermelho 50%, azul 25%,


amarelo 25%) e azul (azul 50%, vermelho 25%, amarelo 25%), predominando
amarelo e azul, com interferência do vermelho.

A cor quaternária também se obtém misturando uma primária com sua oposta,
que é sempre uma binária:

- oposta de azul, laranja (vermelho e amarelo),

- oposta de amarelo, violeta (azul e vermelho),

- oposta de vermelho, verde (amarelo e azul).

A oposta traz sempre as duas outras cores fundamentais.

200. Cores neutralizadas. As cores, com três fundamentais, se neutralizam


mutuamente. Tendem a destruir-se. Chamam-se cores neutralizadas, sob este
ponto de vista.

Sempre são harmônicas com as cores, já porque contêm partes de todas, já


porque não se manifestam impositivamente.

Pouco vivas, as cores neutralizadas se prestam para grandes áreas, como


paredes, solos, fundos, totalidades de edifícios, objetos industriais, tecidos,
expressões artísticas menos enfáticas, etc.

Aqui é o lugar para apreciar as tabelas de cores terciárias e quaternárias


oferecidas pelo comércio, que as vende em latinhas de tinta.
201. Cores naturais. Cores dos pigmentos e outras substâncias. A natureza e
os artifícios de laboratórios oferecem variadas espécies de cor e que são
aproveitadas pelo homem. Difícil determinar suas proporções em vermelho, em
amarelo e em azul.

Aproximativamente, é possível determiná-las como terciárias, de vermelho,


amarelo e azul; ou como quaternárias de verde, violeta, laranja.

São mais raras as cores binárias (verde, violeta, laranja) e sobretudo bem raras
as cores fundamentais puras (vermelho, amarelo, azul), e que por isso
despertam a atenção quando ocorrem. Determinadas uma vez
aproximativamente, consegue-se localizar todas estas cores ao longo do
espectro, onde ocorrem sistematicamente.

Com semelhantes reduções, aperfeiçoa-se o conhecimento sobre as cores


naturais o que efetivamente se deve fazer, é procurar conhecê-las
intuitivamente

A maneira de preparar as cores e mesmo a sua composição química são levadas


contudo em conta para entendê-las.

Arroladas as cores encontradiças na natureza e nos resultados industriais,


acabam por receber denominações, formando-se assim um pequeno dicionário
de nomes.

As designações recebem vulgarmente os nomes das plantas, flores, frutas,


pedras, barro etc. em que tais cores se apresentam melhor caracterizadas. Dali
vêm nomes como rosa, cereja, púrpura, violeta, laranja; ou compostos como
verde-limão, violeta mineral.

Os nomes dados empiricamente obedecem vagamente ao esquema das cores


terciárias (vermelho, azul, amarelo terciários) e quaternárias (verde, violeta,
laranja quaternários). Poucas vezes os nomes conseguem dizer algo sobre a
intensidade cromática; na explicação é preciso, então, anexar a qualificação da
intensidade.

Quando os nomes são obtidos por transposição semântica dos nomes de objetos
que possuem tais cores, possuem sugestões concretas relativamente seguras.
Mas, é possível não termos a oportunidade de conhecer ditos objetos. Outra vez
ocorre que tais objetos, sobretudo plantas e minerais, admitem variações
cromáticas; eis quando, apenas a convenção poderá dizer qual das variações
serve de ponto de referência.

§2. Vermelho puro, vermelhos binários e terciários.


3911y203.

204. O vermelho, como cor primária, apresenta 17% de luminosidade e é


notavelmente vivo.

Conserva o vermelho ainda este caráter luminoso quando misturado em forma


de binário, com o amarelo para fazer o laranja e o vermelho-laranja.

Declina bastante a luminosidade do vermelho, ao formar o binário com o azul,


como se vê no violeta e no vermelho violeta.

A neutralização do vermelho continua com a formação dos terciários, em que o


vermelho, o azul e o amarelo simultaneamente comparecem, deixando a
caracterização com o vermelho.

Ainda assim há terciários vermelhos consideravelmente luminosos. Os


pigmentos vermelhos e todas as substâncias naturais e de laboratório vermelhas,
ainda que neutralizadas, como é próprio das cores terciárias, oferecem
cromatismos solicitantes.

"Os vermelhos que se distinguem por seus nomes de carmim, granza, alizarina,
carmesim, cochinilha, solferino etc., têm, em geral, a mesma base cromática,
ainda que a sua origem seja distinta.

O vermelho mais espectral é o carmim.

O escarlate é um vermelho intenso, com um leve matiz violácio


O vermelhão e o cádmio vermelho são vermelhos alaranjados.

Todas as variedades de vermelhos azulados ou laranjas, tais como o vermelho


de Veneza ou Sevilha, Siena tostada, cereja, caoba, etc. são vermelhos" (J.
Bamz, ibidem, 18).

205. Há pigmentos vermelhos compostos de mercúrio (como sulfureto


vermelhão), de chumbo (óxido o3Pb4, mínio ou zarcão), de cádmio (como
selenito), de crômio (como os cromatos básicos); sobretudo os pigmentos
vermelhos são de ferro, tais como os óxidos naturais ou artificiais, colcotar,
vermelhos da Índia, da Inglaterra, de Veneza, terras vermelhas em geral.

Além de tais pigmentos minerais, ocorrem as matérias corantes de origem


animal e vegetal. Cochinilha, Orcina (púrpura francesa), pau vermelho.

Seguimos para uma lista de denominação das cores. Não caminhamos à


maneira de dicionário, mas por classificação de grupos. Evitamos, contudo,
fugir da semântica tradicional dos termos, o que o tecnicismo dos novos
recursos da ciência moderna facilmente, e de direito, pode romper.

Tivemos o cuidado de conferir nossa classificação com o dicionário de J. Bamz,


por razões práticas. Em se tratando de percepções simples e intuitivas, as cores
não se definem mas se descrevem mediante relações extrínsecas, de
cromatismo, intensidade, luminosidade, etc. A descrição pela indicação
química aponta relações muito extrínsecas, mas, em certos casos, de valor, para
organização do pensamento.

206. A arrolagem dos vermelhos inicia pelos que levam a mesma


denominação de vermelho.

Vermelho cardeal (referência ao colorido pomposo dos cardeais eleitores do


Pontífice Romano). Púrpura brilhante. É lembrado também na cabeça
vermelho-escarlate do pássaro conhecido pelo nome de cardeal.

Vermelho castelhano. O mais intenso dos vermelhos.

Vermelho Cincinati. Rico, brilhante, alaranjado.


Vermelho de crômio. Belo. Cromato básico de chumbo: Ph2O(CrO4).

Vermelho egípcio. Brilhante e rico.

Vermelho Goya (referência ao pintor Goya). Vermelho, alaranjado intenso.

Vermelho fazenda. Ligeiramente violácio.

Vermelho hindu. Mais claro que o vermelho castelhano. Intenso.

Vermelho imperial. É um vermelho-violeta, mas intenso.

Vermelho índio. Vermelho-laranja escuro, brilhante, próximo ao vermelho de


Veneza.

Vermelho laca. Vermelho laranja médio, com valor escuro característico da


laca (esta é produzida como resina).

Vermelho ladrilho. Levemente pardo. Um vermelho-laranja intenso.

Vermelho Pompéia. Vermelho-laranja intenso.

Vermelho Pouzolli. Terra vermelha parda.

Vermelho sangue. Vermelho um tanto azulado. Rico.

Vermelho Saturno. Vermelho amarelado ou mesmo purpúreo de Cinábrio.

Vermelho de Sevilha. Leve tendência para o azul. Próximo ao vermelho de


Veneza.

Vermelho Tabasco (referência a uma salsa Tabasco). Vermelho laranja intenso


peculiar.

Vermelho Turquia. Com grande saturação e amarelado. Pouco brilho.

Vermelho de Veneza. Semelhante ao vermelho de Sevilha, é definido como


vermelho pardo de óxido.

Vermelho Vitória. É um vermelho laranja intenso.

Rubi (referência a uma jóia de cores variáveis, porém características). A cor


rubi é rica e de um leve matiz azul. O vermelho se deve à presença do óxido
crômico.

Vermelhão. Brilhante, com insinuação de amarelo. Vermelhão da China é o


genuíno vermelhão. Consegue-se pelo tratamento de cloreto de mercúrio,
dissolvido em ácido clorídrico concentrado, com tiossulfato de sódio. Obtém-se
ainda pelo aquecimento de sulfeto preto precipitado, em solução de sulfeto de
sódio. Como pigmento goza de reconhecida fixidez, de onde seu valor.

207. Outras denominações de vermelhos:

Alizarina (referência à raiz de alizarina, ou granza, ou ruiva, ou madder, uma


planta comercial, de que se extrai este corante). Nome genérico para denominar
os corantes obtidos desta planta, em geral vermelhos.

Trata-se de uma dihidroziantroquinona, que se cristaliza em cor alaranjada ou


vermelha, solúvel no álcool e éter. Foi o primeiro corante natural a ser
fabricado sinteticamente; nestas novas condições, ao ser lançado em 1871 no
mercado, provocou conseqüências econômicas na Europa e Ásia, onde era
produzida a alizarina.

Papoula (referência às pétalas da papoula). Vermelho-laranja brilhante.

Amaranto (referência à flor deste nome). Vermelho azulado, saturado e pouco


brilhante. Há flores de amaranto verde, púrpura ou carmesim.

Ameixa (fruta). Vermelho azul, pequena saturação, pouco brilho.

American Beauty (referência à rosa deste nome). Vermelho violáceo escuro.

Arando (referência à uva arando, quando madura). Vermelho purpúreo escuro.

Azaléia, ou azálea (referência à flor deste arbusto, originário da China e Japão,


de uso nas cercas vivas). Tornou-se frequente a pronúncia azaléia. Nome de
tinta vermelha laranja.

Blotter pink. Rosa claro levemente azul.

Bluebell (referência à flor nacional da Escócia). Azul.

Borgonha (vinho). Vermelho, matiz azul, menos que o de Bordéus.

Bordéus (referência ao vinho deste nome). Vermelho azulado quente.

Capulho. Rosa delicado.


Cardo (referência à flor do cardo). Vermelho azulado.

Carmesim. Nome geral dos vermelhos que oscilam entre vermelhos azulados e
vermelho puro.

Carmesim Harward. Cereja intenso violácio.

Carmim (referência a uma coccídeo ou cochinilha que fornece este corante).


Vermelho vivo e rico. Tendência purpúrea. É o vermelho mais espectral.
Também se extrai de algumas plantas. 10% de luminosidade.

Carmim de alizarina (referência à alizarina, ver Alizarina). Vermelho azulado


frio.

Carmim Burt. Carmim intenso escuro (variedade).

Carne. Encarnado suave, pálido, ligeiramente amarelo.

Cereja (referência à fruta). Vermelho azulado.

Chama. Um escarlate (vermelho vivo), semelhante ao fogo.

Ciclamen (referência à flor européia). Vermelho azulado.

Cinábrio (referência a uma pedra, ou mineral, sulfureto vermelho de mercúrio).


Matiz vermelho laranja. Também se denomina Cinábrio a uma laca vermelha
chinesa.

Coral (referência ao coral natural, calcário). Vermelho amarelo.


Variantes: Coral Blush (laranja vermelho, claro, suave). Coral velho (idem,
levemente escuro).

Dália (referência à flor). Vermelho azulado brilhante, de pouca saturação.

Encarnado. Cor de carne ou de sangue.

Escarlate. Vermelho muito vivo e intenso, levemente violácio. Alguns o


descrevem como vermelho laranja. Cor carmesim.

Escarlate brilhante ou escarlate iodina. Vermelho amarelado. Como gerânio


intenso.

Flamengo (referência a um pássaro aquático, de plumagem branca rosada).


Vermelho amarelo saturado, brilho mediano.

Framboesa (referência a uma planta ornamental de flores pendentes, de cálice


vivamente encarnado e pétalas roxas, levemente azuladas). Púrpura com um
vermelho saturado e brilho médio.
Fucsina. Corante da hulha, obtido por oxidação de uma mistura de anilina e
toluidina, mediante ácido arsênico, tratada a rosanilina, que se origina, por
ácido clorídico. Dissolvida em álcool e água quente, resulta em cor vermelha.
Emprega-se para tingir lã e seda, como ainda para alterar ou mesmo falsificar
vinhos.

Gerânio (referência à flor). Vermelho amarelado, saturado, brilho médio.

Granada. Um vermelho escuro intenso.

Groselha (referência à fruta). Vermelho intenso, violácio.

Heliotropo (referência à flor). Vermelho-azul.

Jacinto (referência à flor de jacinto, de variedades branca, rosa, azul, amarela).


Vermelho azulado, de saturação e brilho médios.

Laca. Modalidade de tintas, obtida pela combinação de óxidos metálicos com


substâncias corantes, vermelhas e negras. Produzida também por insetos
(verniz da China) e resina de árvores. Lacre.

Morango. (referência à fruta). Vermelho com leve azul.

Malmaison. Um rosa apagado.

Melão (referência à polpa madura). Rosa amarelado pálido.

Óxido vermelho (vermelho óxido, referência a terras naturais de Veneza,


Sevilha e outras). Vermelho laranja escuro intenso.

Peônia (referência à peônia, planta de flor rosada, púrpura, amarela, branca).


Vermelho azul.

Pegeon Blood (sangue de pomba, referência a rubis desta cor). Vermelho


intenso.

Pimentão (referência aos frutos ornamentais comestíveis desta hortaliça).


Vermelho laranja claro. A pimenta assume às vezes a cor escarlate.

Púrpura. Vermelho violeta brilhante. Extraído primeiramente de um molusco


(púrpura de Tiro), depois da Cochinilha. A púrpura de Cássius, no século XVII,
para desenhos sobre porcelana; a coloração é púrpura. A púrpura marinha é um
azul purpúreo escuro.

Rosa é a denominação geral para os matizes do vermelho com diferentes


intensidades de branco. Variantes: Rosa árabe (intenso, ligeiramente
azulado); Rosa aurora (do amanhecer); Rosa Baby (pálido, delicado); Rosa
Bombom (rosa rico); Rosa festa (mais forte que rosa árabe); Rosa grego (pardo-
carmesim apagado); Rosa Hunter (vermelho intenso da jaqueta inglesa de
caçada); Rosa Laurel (levemente grisado); Rosa orquídea (carmesim róseo
pálido); Rosa Pétala ou rosa maçã (referência ao rosa delicado da flor); Rosa
Silvestre (apagado, suave); Rosa de Te (com toque amarelo); Rosa
velho (apagado, suave); Rosa templa (agrisado); Roseglow (quente tostado).

Rubi (referência à pedra do rubi, cujo vermelho se deve ao óxido crômico).


Vermelho médio, com elementos de azul. O rubi se obtém artificialmente, pela
coloração do alumínio com óxido crômico, 2,5%.

Tomate. Um vermelho brilhante.

§3. Azul puro, azuis binários e terciários.


3911y209.

210. O azul com 50% de luminosidade, menos brilhante que o amarelo 70%,
encontra-se dificuldade para ser denominado em suas variações terciárias. Com
frequência leva os nomes das cores mais brilhantes, às quais empresta o matiz
azulado. Também os azuis são menos diferenciados entre si, de sorte que
oferecem menos atração e recebem nomes mais vagos.

"Nos azuis existe grande confusão e a definição corrente é pobre para expressar
a verdadeira cor.

Uns consideram como azuis as cores mais vizinhas ao verde e outros o violeta;
entre os primeiros se encontram os azuis de cobalto, Prússia, turquesa e cerúleo;
entre os segundos, o índigo e o ultramar.

As cores celestes, turquesa e cerúleo podem ser consideradas como azuis com
pouca saturação, ou degradados.

São também azuis o azul mineral, sálvia, esmalte, céu e cera; uns neutros e
outros degradados. O moderno azul de ftalocianina substitui o Prússia" (J.
Bamz, p. 19).
211. O azul, na natureza, se observa nas distâncias, por efeito do ar e dos
vapores de águas.

É expressamente azul a abóbada celeste.

O azul também aparece no mar distante e na água profunda.

Mais raramente ocorre nos minerais e nas plantas.

Os pigmentos corantes azuis se obtêm de fontes variadas. Obtêm-se no grupo


das oxazinas (azul de Nilo), do ferrocianato férrico (azul da Prússia), de ervas
(anil) etc.

212. Na relação dos azuis, começa-se pelos que levam o nome.

Azul abeto (referência às folhas de abeto, quando novas). É um azul verde,


empardecido ou agrisado.

Azul academia. Resultante da mistura de ultramar e viridian (verde brilhante),


por conseguinte, azul com um toque verde.

Azul de aço. Azulado gris e escuro.

Azul de Amberes. Pálido. Variedade menos carregada do azul da Prússia.

Azul baby. Claro. Azul pastel.

Azul bandeira. Escuro e intenso. Semelhante ao lírio azul.

Azul barco. Próximo ao púrpura. Escuro.

Azul Berlim. É o azul verdoso da Prússia.

Azul de Borrel. Rico de azul. Corante do grupo das tiazinas. Obtém-se pela
ação do óxido de prata sobre o azul de metilena.

Azul Botticelli (referência ao azul do pintor Botticelli). Nebuloso e pálido,


levemente gris.

Azul Brunswick. Variedade do azul da Prússia, matiz verde e profundo.


Azul cadete. Azul claro e gris.

Azul celeste (referência ao céu claro). Brilhante. Dito também azul cerúleo.
Obtém-se o azul celeste com estanho de cálcio. Tinta fria.

Azul céu. Muito claro, como céu de verão.

Azul Cleópatra. Brilhante, levemente verde.

Azul cobalto. Um azul próprio para pintar paisagens, por causa de sua
tendência ao verde. Claro. Brilhante, com 30% de luminosidade. Menos
profundo que o ultramar, este azul básico dos artistas e levemente violeta.

Azul Copenhague. Brilhante. Violáceo.

Azul cianine. Resultante da mescla de cobalto (brilhante claro, tendência ao


verde) e da Prússia (profundo e verdoso). Toques de verde.

Azul de Delft. Avermelhado. Pouco brilho.

Azul Devonshire. Toque do avermelhado de Delft. Suave.

Azul egípcio. Usado na antiguidade pelos egípcios e semelhante ao cobalto.

Azul elétrico (referência à cor da faísca elétrica). Frio. Verdoso.

Azul escocês. Médio.

Azul esmalte. De pouca cor. Brilhante, tendência ao verde. Cobalto vitrificado.

Azul flamengo. Intenso, rico, agrisado.

Azul de Nilo. Corante artificial metacromático, do grupo das oxazinas. Nas


soluções alcólicas são de azul puro, as aquosas são violáceas.

Azul francês. Semelhante ao ultramar; medianamente verdoso. Silicato de


alumínio, silicato de soda e sulfato de sódio. Utilizado na aquarela.

Azul golondrina. Gris.

Azul gruta (referência ao azul da gruta de Capri, Itália). Intenso.

Azul horizonte. Claro e levemente gris.

Azul império. Toque de gris. Verdoso.

Azul insígnia. Escuro. Aproveita-se um uniformes militares.

Azul linho (referência à flor azul do linho). Levemente vermelho.


Azul de Lucerna. Um azulado de lavanda, este com o matiz violeta vermelho
claro desta flor.

Azul Madonna (referência às Madonas de Rafael). Azul violáceo mediano.

Azul Magdalena. Atraente e vivo. Mistura dos azuis turquesa (azul verde
intenso) e pavão.

Azul marinho. Ultramar escuro. 10% de luminosidade.

Azul meia-noite. Escuro, quase negro.

Azul de Metilena. Azul resistente à lavagem e à luz, para seda e algodão.

Azul mirto (referência à flor do mirto). Azul-vermelho claro.

Azul montanha. Azul azurita (este um amarelo, do azurita, um mineral de


cobre).

Azul de Paris, similar do da Prússia. Mais precioso.

Azul pavão real (referência às penas do pavão real). Chamativo e atravente.

Azul pólvora. Pouco saturado, com matiz verde. Brilho médio.

Azul porcelana (referência à porcelana de Chelsea).

Azul da Prússia (referência à Prússia). O tom azul de água é profundo, marcado


por um verdoso característico. Resulta do ferrocianeto férrico.

Azul de Ptalocianina. Profundo e verdoso, como o Prússia, ao qual,


modernamente, passou azul substituir, em virtude das vantagens que oferece.

Azul rainha. Medianamente claro.

Azul Della Robbia (referência à escultura de Della Robbia e à argila azul


brilhante). Brilhante.

Azul royal. Levemente violáceo.

Azul de Turnbull. Sólido azul. Ferrociante ferroso.

Azul turquesa (referência à cor da pedra semipreciosa deste nome).


Característico azul verde intenso. 32% de luminosidade.

Azul ultramar. Tendência para o escuro e violáceo. É o azul básico de uso


artístico. Obtém-se com sulfúreo de sódio e silicato de alumínio. É capaz de
produzir verdes apreciáveis, em mistura com o amarelo.
Azul Yale. Um azul-verde, de brilho médio.

Azul Zafiro (referência à pedra preciosa). Azul intenso, com leves matizes de
amarelo.

213. Outras denominações de azul:

Água-marinha (referência azul uma pedra semipreciosa, de variedade de brilho,


em geral verde-mar; também há águas-marinhas de azul celeste e azul escuro.
Como cor, água-marinha indica azul verde. Valor claro ou médio.

Ultramuz ou Tremoço (referência a uma leguminosa, das quais uma tem flor
azul). Um azul purpúreo.

Ametista (referência à ametista, variedade roxa de quartzo). Um matiz púrpura


azulado intenso. No calor de 500 graus azul ametista toma azul coloração
amarela ou castanha, com feições de topázio.

Amora (referência à esta fruta, tipo framboesa). Azul avermelhado escuro,


pouca saturação.

Anil (extraído de ervas leguminosas, o anileiro, ou indigueiro, obtido também


por síntese). Azul escuro verdoso. Combinado com os amarelos dá origem a
verdes apreciáveis.

Cinzas de ultramar. Um azul gris de muita delicadeza.

Cerúleo (veja-se azul celeste). Brilhante. Cor do céu azul.

Clemátide (referência à flor da Clamátide, ou Clemátite). Azul intenso.

Ching (referência ao azul característico da cerâmica da dinastia chinesa Ta


Ching). Azul intenso brilhante, com toques de verde.

Chow. Azul brilhante, similar ao azul primário, um pouco mais escuro.

Delphinium (referência à flor deste nome). Azul violeta.

Genciana (referência à flor desta família de plantas rasteiras, com belas flores,
de 400 variedades). Azul de pouco brilho e pouca saturação, levemente
avermelhado.
Gobelin (referência à família Gobeli, célebre família de tintureiros e fabricantes
de tapeçarias, de Paris). Um azul verde claro.

Homage. Um azul ultramar escuro.

Hortênsia (referência à flor desta planta arbustiva, natural da China e do Japão,


de flores brancas, azuis, rosadas). Um azul rosado.

Íris (referência azul uma espécie de lírio, da família das iridáceas, de 200
variantes). Um azul avermelhado, pouco saturado.

Jockey Club. Um azul escuro.

Lápis-lazúli, ou Lazulita (referência a este mineral, de natureza opaca, um


silicato composto de alumínio, sódio, cálcio, ferro, com cor azul, fundido
dificilmente, solúvel nos ácidos, encontrável na Ásia). Um azul violáceo,
chamado também ultramar.

National Blue (referência à bandeira americana). Azul médio.

Navy Blue (referência ao azul da marinha americana). Azul escuro.

Orquídea (referência à flor desta planta ornamental). Um azul vermelho, de


saturação e brilho médios.

Pequim (referência à capital chinesa). Um intenso azul, com elementos de gris.

Periwinkle. Um azul púrpura claro.

Pompadour. Azul pálido.

Púrpura marinha (veja-se «púrpura»). Um azul de caráter purpúreo e escuro.

Wedgwood (referência ao ceramista inglês, de igual nome). Um azul intenso,


com variedades: escuro, claro (pastel apagado). E há o verde wedgwood
(amarelo verdoso apagado).

§4. Amarelo puro, amarelos binários e terciários.


3911y214.
215. O amarelo puro detém 70% de luminosidade. Ao se misturar, diminui esta
luminosidade. Ainda que se neutralizando bastante com as misturas com as
cores terciárias e quaternárias, conserva ainda algum brilho.

Além de emprestar tonalidades aos terciários de azul e vermelho, bem como


aos quaternários de laranja, verde e violeta o amarelo mantém uma seriação de
cores específicas.

"Como amarelos se designam os cádmios (claro e médio) e os cromos; os


primeiros têm tendência para o vermelho e os segundos para o verde.

O amarelo limão e o de aço são quase análogos.

A aureolina é algo mais brilhante que o cádmio claro, porém com a mesma
direção cromática.

O amarelo de Nápoles é um amarelo dessaturado.

São além disto amarelos de champanha, canário, limão, milho, palha,


primorosa, sulfureto e creme" (J. Bamz. Ibidem, 19).

216. A fonte mais frequente do amarelo, sobretudo para pintar paredes é o ocre
(ou ocra). Trata-se de terra argilosa, geralmente amarela, as vezes castanha ou
avermelhada.

O ocre se constitui de óxido de ferro, ora mais ora menos hidratado, óxido de
alumínio, anidrido silício (sílica) e óxido de cálcio (cal). A coloração é devida
ao óxido de ferro, as vezes aos óxidos de magnésio. O ocre, geralmente
amarelo, torna-se vermelho ao ser desidratado, queimando-o. Há, pois ocre
vermelho e amarelo.

Ocorrem ainda outras fontes minerais para a criação do amarelo. Assim, por
exemplo, o amarelo real, ou de cromo, constitui-se de cromato de chumbo;
o amarelo de Cassel, o de Turner, o de Verona, são oxicloretos de chumbo;
o amarelo de palha é sulfato básico de chumbo; o amarelo de Colônia, resulta
da mescla de sulfato e cromato de chumbo; o amarelo de Nápoles, procede do
antimoniato básico de chumbo; o amarelo de Steinbuhl se constitui de cromato
duplo de cálcio e potássio; amarelo citrino deriva do cromato básico de ferro,
por precipitação; o amarelo cobalto é um nitrato cobalto-potássio.
São de origem orgânica o amarelo indiano (jaunes indien, purrey) e Goma-
guta (da Índia). Em Bengala se obtém o amarelo indiano pela fermentação de
urina de vaca com folhas de manga.

217. Relação de amarelos:

Amarelo aurora: um amarelo de cádmio.

Amarelo de cádmio: sulfureto de cádmio. Resistente. Na mescla com azuis, este


amarelo produz verdes bonitos. Na mescla com brancos, dá tintas de grande
brilho. Na mistura com cinábrio e laca de carmim, dá origem a alaranjados
expressivos.

Amarelo de Barie (referência a um metal alcalino terroso). Um amarelo pálido


de matiz verde. O bário é o elemento alcalino dos metais terrosos. Dos seus
compostos, o nitrato de amônia, e o clorato se produzem os fogos verdes, na
pirotécnica.

Amarelo zinco. Verdoso. Constituído de cromato de zinco.

Amarelo de cromo (constituído de cromato de chumbo). Um amarelo


avermelhado (procedendo o vermelho do cromo). Saturação média. Brilhante
50% de luminosidade. Muito bonito porém venenoso. Variantes: cromo
amarelo (muito brilhante), cromo laranja (variedade, com índole laranja).

Amarelo ouro (ver áureo). 60% de brilho.

Amarelo abóbora (44% de luminosidade).

Amarelo de cobalto. Brilhante, com tendência para o verde. Aureolino, O


cobalto se emprega na fabricação de pigmentos para a louça policroma.

Amarelo de Espanha. Similar ao pálido verdoso do amarelo limão. Brilhante.

Amarelo de estrôncio. Um amarelo apagado, porém brilhante. Matiz verdoso.


O estrôncio é uma metal alcalino terroso, de que os minérios mais importantes
são o carbonato e o sulfato (celestina).

Amarelo de Hanza. Laca artificial, amarela. Muito brilhante.


Amarelo limão. Pálido. Verdoso. 69% de luminosidade.

Amarelo de Nápoles. Um amarelo claro. Verdoso.

Amarelo de Ranúnculo (referência à flor de ranúnculo). Um amarelo


avermelhado claro.

218. Denominações de amarelos com outros nomes:

Alfena (referência às folhas deste arbusto da família das oleáceas). Um amarelo


avermelhado com elementos pardos, saturação média, pouco brilho. Uma
espécie de laranja.

Áureo (referência ao ouro, brilhante). Um amarelo brilhante.

Aureolina. Um amarelo muito brilhante, com toques de verde.

Açafrão (referências a esta planta da família das iridáceas; seus estigmas


oferecem o corante, cujo princípio ativo é a safranina, de core vermelha). Um
amarelo avermelhado brilhante.

Enxofre (referência ao calcogênio deste nome). Um amarelo verdoso pálido.

Bege. Um amarelo pardo, neutro claro, como a lã em seu estado natural.


Variantes: Bege francês (amarelo com matiz rosado): Bege Meloso (tom
amarelo pardo, pálido, quente).

Cádmio claro. Um amarelo brilhante e quente. É um sulfureto de cádmio


(metal semelhante ao aspecto do estanho), corante aproveitável na indústria.
Em mistura com os azuis, oferece verdes bonitos; com o branco, tintas
brilhantes de amarelo claro; com o cinábrio e com a laca de carmim,
alaranjados expressivos (veja-se amarelo de Cádmio).

Cádmio limão. Um amarelo com tendências ao verde. Brilhante.

Canário (referência ao amarelo desta ave). 77% de luminosidade.

Capuchinha (referência á flor desta trepadeira). Um amarelo avermelhado.


Cáqui. Um amarelo de palha, pardo claro. Cor de barro. Conhece-se em alguns
uniformes militares.

Creme. Um amarelo claro e suave.

Cromo. (Veja-se amarelo de cromo). Um amarelo avermelhado, saturação


média, brilhante. Variantes: cromo amarelo (brilhante, primário); cromo laranja
(com caráter de laranja).

Creme. 76% de luminosidade.

Casca de ovo (Egg shell, referência à casca de ovo da galinha). Amarelo claro,
delicado. Ou bege claro.

Champagne (referência ao vinho deste nome). Amarelo claro.

Chartreuse (referência ao licor do mesmo nome). Amarelo verde

Dourado. Um amarelo pardo, com variantes em matizes de ouro-verde e ouro-


vermelho.

Estragão (referência uma planta de horta). Um amarelo verde gris suave.

Freésia (referência a uma planta de salão) da família dos lírios). Um amarelo


pálido.

Girassol (referência às pétalas do girassol). Amarelo intenso.

Granadina (referência a um xarope, que se mistura com outras bebidas). Um


amarelo avermelhado, com maturação e brilho.

Honeydew (referência a um melão). Amarelo avermelhado com grande


saturação e brilho.

Indio (extrato de urina de camelo). Um amarelo vermelho saturado e brilhante.


No uso é transparente.

Jasmim. Um amarelo quase branco. Cor pastel.

Limão (ver amarelo limão).

Mantiquilha, ou nata. Um amarelo intenso.

Maracotão (um fruto). Um amarelo vermelho, saturação pequena grande brilho.

Mel. Um amarelo, com tendências de laranja, claro.

Ocre (substância terrosa natural com variantes amarela, vermelha, parda). 60%
de luminosidade. Um amarelo neutro. Variantes: ocre amarelo (amarelo
apagado); ocre de ouro (amarelo mais intenso, na direção do amarelo e
cromo); ocre vermelho (matiz avermelhado, resultante da calcinação); ocre
tostado (amorenado, vermelho-ladrilho).

Ouro Velho. Um amarelo brilhante, com um toque de escuro.

Palha. Um amarelo claro.

Primavera (referência às pétalas das flores ornamentais com este nome,


buganvilea, ou três marias, primula, manacá).

Sândalo (madeira da Índia). Um bege quente, mais escuro, bege tostado.

Sunlight (luz do sol). Um amarelo laranja pálido.

Tília. Um amarelo de saturação média, grande brilho.

Tijolo amarelo. 32% de luminosidade.

§5. Violetas quaternários e variantes.


3911y220.

221. O violeta puro é cor binária, resultante da combinação de azul e vermelho,


com 5% de luminosidade. Admite também, nestas condições, a denominação
de púrpura.

Na combinação quaternária, assume o violeta variações peculiares, ainda que


de pouco brilho.

"O violeta, ou púrpura, é uma cor que falta no espectro e que está constituído
pela mescla de radiações vermelhas e azuis.

O rosa puro é mais bem uma gradação púrpura que de vermelho. São violetas
as cores heliótropo, lavanda, lilás, malva, pensamento, petúnia, púrpura real,
violeta mineral, etc.; violetas avermelhados, púrpura alizarina, beterraba
(remolacha), cereja, carmesim, granate, magenta, laca púrpura, framboesa, etc.,
e azulados o violeta cobalto, de Parma meia noite, violeta ultramar, etc" (J.
Bamz, Ibidem 18-19).

222. Os pigmentos puros de violeta são poucos. Um deles é o violeta de


Borgonha, fosfato de amônio e manganês. Outro é o violeta de cobalto, que se
obtém por calcinação de fosfato de cobalto hidratado.

Os violetas são conseguidos em geral por mescla de vermelho e azul, da mais


variada procedência ternária.

Observa-se o violeta na atmosfera; por isso importa muito na pintura ao ar livre


e impressionística, para reproduzir os delicados tons das distâncias, a
vaporosidade do ar, os efeitos matutinos e vespertinos do sol, as regiões do céu
que estão fora da incidência dos raios diretos do grande astro que se põe.

223. A lista das variantes de violeta não se faz sem invadir a das variantes de
vermelho (de uma parte) e a das variantes de azul (de outra parte). Uma vez
que fizemos com prioridade aquelas relações já nos antecipamos no
conhecimento de vários violetas. Vão ali os violetas, com mais algumas
variantes.

Violeta de Cobalto. Fosfato de cobalto. Intensamente azul. Brilhante. também


ocorre um violeta cobalto com tendência para vermelho, em vez do azulado
intenso.

Violeta de Manganês. É um violeta claro. No que se refere ao manganês, trata-


se de um metal branco acinzentado, que se oxida superficialmente exposto ao
ar, assumindo um lustre róseo.

Violeta Mineral. Uma variedade de azul avermelhado do azul ultramar.


Compõe-se de fosfato de magnésio.

Violeta Parma. Um violeta avermelhado. Intenso.

Violeta Magenta e violeta solferino. São lacas de anilina, muito belas, mas
prejudicam à pintura.
224. Outras denominações de violeta.

Beringela (referência à baga de cor escura a arroxada que tem este nome). Um
violeta escuro, intenso abundante.

Bispo (referência à sua cor). Um violeta azulado.

Brejo (referência ao brejo). Um violeta azul grisado.

Carmesim. Um vermelho azulado, com variantes; carmesim (cereja intenso,


rico, com matizes de violeta). Veja-se a relação dos vermelhos
terciários; idem a respeito de carmim.

Cathay (referência a um pássaro americano). Um púrpura azul.

Lírio Japonês. Um púrpura azul intenso.

Lotusolue (azul de lothus). Um púrpura azul.

Mingnon. Um violeta com toques de azul pálido.

Mistério. Violeta com tendência azul, similar à lavanda.

Pensamento (referência à flor deste nome). Um violeta, com elementos de azul,


intenso rico.

Púrpura. Um vermelho violeta (veja-se na relação dos vermelhos).

Lilás 40% de luminosidade.

§6. Os verdes quaternários e variantes.


3911y226.
227. O verde puro é a combinação em partes iguais do amarelo e do azul.

O verde quaternário (verde-oliva) se obtém mediante o terciário amarelo


(amarelo 50%, azul 25%, vermelho 25%) com terciário azul (azul 50%,
vermelho 25%, amarelo 25%).

Ocorre, pois, a predominância do amarelo e azul, com interferências do


vermelho.

Portanto, da combinação de amarelo e azul, - isto quer dizer que a mistura das
três cores fundamentais (azul, amarelo, vermelho), com predominância de azul
e amarelo, - resulta o verde quaternário.

Sua natureza neutralizada converte tais cores em verdes mansos.

Os pigmentos oferecem os mais variados matrizes de verde, de acordo com as


predominâncias e outras mais interferências.

"Entre os verdes, o esmeralda e o viridiano são de tendência amarela; o óxido


de cromo é algo neutro. Os verdes de cobalto são muito azulados. Todas as
cores equilibradas entre o azul e o amarelo são verdes, como maçã, garrafa,
cobalto, jade, folha, malaquita, agárico (muerdago), etc; são verdes amarelos e
verde bronze, Brunswick claro, cedro chartreuse, cesped, musgo, oliva,
guisante, etc. e azulados, o Brunswick intenso, cromo mirto, mignonette, etc. "
(J. Bamz, Ibidem, 19).

228. A natureza é fecunda em gradações de verde, porquanto são inúmeras as


plantas, cada uma com seu tipo de folhas.

Com dificuldade as tintas fabricadas atingem sua reprodução e também não


sem dificuldade o artista consegue verdadeiramente determinar a exata cor
verde que a natureza em cada instante oferece.

Os verdes se constituem, em geral, de sais de cobre ou de crômio ou de mesclas


de pigmentos azuis com pigmentos amarelos.

Os corantes minerais de cobre dividem-se em verdes de cobre com arsênio, de


que o mais importantes é o verde de Schweinfurt, e verdes de cobre sem
arsênio, de que os mais importantes são verdes de montanha, verde de Bremen.
O verde Casselmann é um sulfato básico de cobre, da cor verde viva.
Os verdes de crômio têm o seu mais importante espécime no sequi-óxido de
crômio, mais ou menos hidratado, com o nome de verde guinet ou verde
esmeralda. São fosfatos básicos de crômio, os verdes de Armadon, Plessy e
Schnitzer.

Anotamos ainda o verde de Riemann, que é um zincato de cobalto, que se


obtém por calcinação de óxido, ou de um composto de zinco, umedecido
mediante solução de nitrato de cobalto.

O verde inglês é obtido por precipitação simultânea do azul de Prússia e


amarelo de crômio, adicionado depois a sulfato de bário.

Terras verdes são geralmente silicatos de alumínio e magnésio, e cabendo a


coloração à presença de silicato ferroso. Dali os verdes de Bohêmia, de Verona,
De Chipre, verde francês.

229. Um elenco de variados verdes quaternários:

Verde-agárico ou almuerdago (referência a um cogumelo). Um verde


equilibrado entre azul e amarelo, como o das folhas do agárico.

Verde-alpe. Amarelo verde.

Verde-Arcádia. Verde amarelado, um tanto claro.

Verde-bilhar. O conhecimento verde amarelado que cobre as mesas do jogo de


bilhar.

Verde-bosque (referência aos bosques). Um azul escuro de grande intensidade,


com um toque azulado, 12% de luminosidade.

Verde-Brewster. Outro verde azul escuro.

Verde-Brunswick, como verde cromo, mistura de amarelo de cromo este muito


brilhante, de azul da Prússia (este azul profundo e verdoso).

Verde-capulho. Verde amarelo claro.

Verde-cinábrio. Cromato de chumbo, cianureto de ferro. Utilizável puro.


Verde-cobalto, verde um tanto azulado. Combinação de zinco e cobalto.
Combinado com amarelo de zinco, produz belas gradações.

Verde-cromo, deriva do amarelo de cromo e azul da Prússia, portanto de


amarelo brilhante e azul profundo. O verde de cromo é um óxido trivalente
(Cr2O3). Ocorre como pigmento permanente na pintura a óleo.

Verde-esmeralda (referência a pedra preciosa esmeralda de cor verde brilhante).


Um verde muito intenso, vagamente amarelo. Compõe-se de óxido de cromo.

Verde-folhagem (referência à folha de nogueira).

Verde-golf. Um verde brilhante médio.

Verde-Hockel (mistura de azul de prússia e do amarelo Gambode). Matiz


fundamental oliva, apresenta duas variedades, amarelada e azulada.

Verde-folha (referência às folhas novas). Verde amarelo. 20% de luminosidade.

Verde-Hunter. Um verde mediano.

Verde-Jungla. Verde amarelado escuro.

Verde-limão, 60% de luminosidade.

Verde-loro (referência à plumagens de um pássaro). Um amarelo verde


brilhante.

Verde-maçã. (referência a maçã). Verde amarelo.

Verde-mar, verde azul claro da profundidade de água.

Verde-menta (referência à folha de menta). Verde gris.

Verde metálico. Verde-oliva amarelado brilhante.

Verde-musgo. Verde amarelo.

Verde-montanha. Um verde escuro, levemente azulado. Referência aos montes


vistos de longe.

Verde-Nilo, verde amarelado.

Verde-oceano, um pálido verde amarelado.

Verde-oliva (referência à oliva, ou azeitona). Verde amarelado escuro. Ou


combinação de negro e de amarelo índio.

Verde-palmeira, verde limão neutro.


Verde-Paris, amarelo verde vivo, de brilho intenso (mais que o céspede verde
do prado ao sol do meio dia). Coincide o verde de Paris com o verde
Schweinfurt, que é um pigmento de cor verde brilhante, usado como inseticida.
Composição química aproximada: Cu (CH3C00) 2+3Cu(As02). É, pois um
aceto-arsênico de cobre.

Verde-primavera. Um verde folha, enquanto nova.

Verde de ptalocianina, um azul ptalocianina, na variante verde.

Verde Rickey (referência à cor da terra chamada Rickey). Semelhante ao verde


amarelo intenso do sol visto através das folhas.

Verde de Sheele. Arsenito de cobre de composição variável, que serve como


pigmento verde. Consegue-se juntando-se a uma solução de sulfato de cobre
uma solução de arsenito de álcool.

Verde veronês. Similar ao verde Viridian a mais claro. Brilhante. É um talco


zoográfico.

Verde Viridian. Um verde brilhante, menos claro que o veronês. De aspecto


transparente. Fresco. Substitui, com vantagens, o verde esmeralda, que é um
pigmento falso.

Verdigris, um verde azulado, luminoso.

230. Outras denominações que dizem variantes do verde:

Absenta (referência ao licor de Absenta). Verde amarelo claro.

Água-verde, verde amarelado suave. Pálido.

Almendra (referência à parte posterior das folhas de almendra). Verde gris.

Aquarelle, verde-azul claro. Distância-se de aguamarinha, que é azul-verde.

Agrião (Berro, dos espanhóis, referência ao agrião tenro). Verde azul intenso.

Cerâmica (referência às cores próprias da cerâmica), verde azulado, com


variantes na direção do azul.
Céspede (referência à relva, dos prados, ao sol de meio dia). Verde amarelado
brilhante.

Diana, verde claro, cromatismo intenso.

Azinheiro (encina, em espanhol, referência às folhas do azinheiro verde


amarelo apagado.

Espinafre (referência à hortaliça), verde escuro suave.

Ingênuo, verde amarelo. Pouca saturação cromática.

Jaspe (referência ao quartzo deste nome). Verde amarelado, pouca saturação,


brilho apagado. Note-se que existe também pedra jaspe preta.

Alface (referência às suas folhas), verde amarelo.

Lima (referência ao fruto maduro), verde amarelo. Distingue-se do limão, que é


amarelo verde claro.

Liquen (referência a esta planta criptogâmica, de fungos e algas), verde


esbranquiçado.

Malaquita (referência à um mármore, lustre semimetálico, traço verde azulado,


cor esverdeada). Verde amarelo claro (diz J. Bamz).

Mirto, ou Murta (referência à um arbusto). Um verde rico e escuro.

Pepino (hortaliça). Verde amarelo.

Pinheiro (árvore). Verde suave escuro.

Salva, ou Sálvia (referência à folha seca). Verde amarelo intenso.

§7. Os laranjas quaternários.


3911y232.

233. Como binário, o laranja resulta da mescla de vermelho e amarelo. Em tais


condições é eminentemente brilhante, com 50% de luminosidade. Na mistura
quaternária neutraliza notoriamente suas características, tal como sucede com o
verde e o violeta, seus companheiros binários, quando passam ao plano
quaternário. Em compensação o laranja quaternário oferece uma grande
variação aos laranjas.

"O minio, cinábrio e vermelho de saturno são laranjas amarelados; o cádmio


laranja, vermelho de aço e vermelhão claro derivam para o vermelho.

Como laranjas se classificam o creme cálido, marfim antigo, caoba pardo, roble,
ocre romano, etc.

São laranjas amarelos o albaricoque, bege, camurça, canela, casca de trigo,


gomaguta, tostado claro e baunilha (vanilla).

E laranjas vermelhos o cobre, coral, cádmio, escarlate, carne, coaba natural,


ocre vermelho, laranja de Marte, melocotão, vermelho de ladrilho, vermelho
claro, salmão, terracota, terra rosa, etc.." (J. Bamz, Ibidem, 19).

234. Laranja Brilhante. Corresponde à cor da casca de laranja. Como diz o


nome, é brilhante.

Laranja Cromo. Amarelo vermelho, de muita saturação e brilho, como é


próprio desta área de cores. O vermelho procede do lado do cromo.

Laranja Índio, de novo, amarelo vermelho brilhante.

Laranja Príncipe, um laranja avermelhado.

Laranja Tostado, um laranja vermelho escuro, mediano.

235. Outros nomes indicadores de laranja, com suas variantes:

Coral Bluch (como coral seria um vermelho amarelo do coral natural, é um


laranja avermelhado, claro, suave. Semelhante é o coral velho, um laranja com
um toque vermelho e levemente escuro (Veja-se a relação dos vermelhos).

Kumquart (referência a um pequeno citro japonês). Um laranja amarelado.

Leafmold, um laranja avermelhado intenso.


§8. Pardo, Gris, Cinzento.
3911y238.

239. Denominações mais ou menos equivalentes, pardo, gris, cinzento, se


definem como um equilíbrio entre o preto e o branco.

Gris conota ligeiramente com azulado, assim se diferenciando algum tanto de


pardo.

Cinza conota vagamente com apagado e triste.

O equilíbrio entre o preto e o branco é obtido quando se misturam as cores com


suas complementares. Ou quando simplesmente se misturam o preto e o branco.
Há, pois, duas espécies, pela forma de se originarem, de pardos, grises,
cinzentos.

Na mistura de uma cor com as suas complementares resta algo de cor,


porquanto ocorre a dominância de uma delas na seguinte proporção: 50% + 25%
+ 25% = 100%.

240. Na linguagem comum ou vulgar não ocorre um fixação segura do que se


deva entender por cinzento, gris e pardo; nem mesmo os autores de livros se
manifestam definidos.

Em qualquer acepção que se dê a estas denominações, importa que elas


exprimam um instante de equilíbrio, quer se trate de cores, quer apenas de preto
e branco.

Diz Simão Goldmann:

"Amarelo e violeta equilibram-se quando misturados em partes oticamente


iguais, formando o cinza neutro" (Psicodinâmica das cores, I. P.261, 3-a ed.).
"O alaranjado... encontra equilíbrio na sua complementar, isto é, no azul...
resultando da mistura de ambas, em partes iguais, o cinza" (Ibidem, 261),

"O vermelho... equilibra-se com o verde, dando origem também ao cinza neutro.
E o branco e o preto nem necessitam de comentários. Branco, símbolo de
inocência e pureza, misturado com preto, de imediato forma o cinza. O que é
então o cinza neutro? Representa nesta série de considerações, o termo médio
entre todas as cores" (Ibidem 161-162).

Agora Bamz:

"O preto misturado com branco produz o gris neutro, salvo exceções das que já
falamos em outro lugar. Na prática não se obtém o gris neutro mesclando
quantidades iguais de branco e preto, senão aumentando a proporção deste
último. O gris de Payne é uma mescla de ocre, ultramar e preto de marfim por
preto de fumaça (negro humo se designa um negro cálido: o de marfim é algo
azulado" (Arte ciência da cor).

Silveira Bueno, em seu Dicionário:

"Pardo. De cor entre branco e preto, quase escuro; mulato; mestiço. Gris,
cinzento-azulado; pardo; cinzento. Da cor de cinza".

Aurélio Buarque, no Médio Dicionário:

"Pardo, de cor entre o branco e o preto; quase escuro, de um branco sujo


duvidoso, de cor pouco brilhante, entre o amarelo e o castanho; diz-se de
qualquer dessas cores. Mulato".

Fundamentalmente só há dois gêneros de equilíbrio, ou de cores, e ou de preto


e branco.

No caso das cores, ocorrem de novo especificações: Há tantas espécies de


equilíbrio, quantas vezes for possível criar oposições complementares.
Sistematicamente, os equilíbrios receberão os nomes dos termos equilibrados.

Desta sorte, introduz-se um sistema de variações pardas e que participam


ligeiramente uma das três cores fundamentais.
241. O pardo, quando entendido como cor, resulta de uma composição de três
cores fundamentais, dispostas, porém, complementarmente. Tomada uma cor e
a sua respectiva complementar, esta segunda envolve sempre duas outras
fundamentais; resulta, então, no instante de equilíbrio, a participação de três
fundamentais.

É complementar de azul, isto é, sua oposta no círculo das cores, a cor laranja
(mistura das outras duas cores fundamentais, amarelo e vermelho); a fusão azul
e laranja, resulta em um pardo ou gris; esta fusão contém 50% de azul, 25% de
vermelho e 25% de amarelo.

Vermelho possui a sua complementar em verde (fusão de amarelo e azul).


Misturando vermelho e verde, obtém-se um equilíbrio.

Enfim, amarelo possui a complementar em violeta, resulta um gris.

Mais complexos se tornam os conjuntos complementares das cores secundárias,


porque as mesmas secundárias já possuem duas fundamentais; em contrapartida,
as complementares contém outras diferenças.

Por exemplo, a cor complementar de amarelo-verde (limão) é vermelho-azul


(púrpura); limão possui duas cores, sendo dominante vermelho, insignificante
azul; púrpura apresenta duas cores, sendo dominante vermelho, insignificante
azul, das mescla peculiar, resulta um equilíbrio, ou seja um gris.

Já se observa que o pardo, como cor, é sempre uma cor terciária. Distingue-se
das demais cores terciárias, porque o pardo mistura apenas aquelas cores que se
dispõem como complementares, de sorte a se equilibrarem.

Como cor terciária e equilibrada, o gris ou o pardo, é encontradiço na natureza:


nas madeiras, nas folhas secas, na pele humana.

Não fazendo contraste, harmoniza-se o pardo com todas as cores restantes. Por
isso, a natureza oferece um panorama notoriamente harmônico.

Sendo os pardos de pouca luz, acalmam o ambiente; ao terem domínio, não


oferecem suficiente ocupação à vista, razão porque os pardos apenas se prestam
para exercerem em combinação com as demais cores do palco da natureza.
É possível distinguir entre pardos quentes, com notório predomínio do
vermelho e laranja, e pardos frios ou pálidos, em que se manifesta um tanto
mais o azul. E este último particularmente, se diz cinzento, na voz popular.

242. Arrolam-se diferentes pardos, de nomes consagrados:

Pardo-amadou (referência a uma substância esponjosa vegetal); confere com o


pardo do chocolate. Rico. Avermelhado.

Pardo-castanho. Amarelado, intenso, rico.

Pardo-couro (referência ao couro curtido). Tons de vermelho.

Pardo-dourado. Amarelado.

Pardo-inca (referência à pele), intenso, escuro.

Pardo-índio (referência à pele). Amarelo avermelhado. Intenso.

Pardo-marte. Óxido de ferro precipitado. Com muito resistente.

Pardo-moreno, amarelo, intenso.

Pardo-oliva. Amarelo dourado, com elementos oliva.

Pardo-outono (referência à natureza do outono). Tendência para o vermelho.

Pardo-Rubens (referência ao pintor Rubens, da escola flamenga e que deu uma


variedade ao quadro de Van Dyck).

Pardo-Van-Dyck (referência ao pintor flamengo Van Dyck), neutro, rico,


adusto, levemente escuro.

Pardo-Verona. Esverdeado e adusto.

Pardo-zulu, esverdeado.

Caput-mortuum-escuro; colcotar ou peróxido de ferro. Pardo azulado. Produz


tintas azuladas bonitas, cheias de luz, na mistura com azuis e branco.
Terras de sombra, óxido de ferro. Usa-se geralmente em combinações, raras
vezes isolante.

Asfalto (referência ao betume, um hidrocarboneto), mistura-se com óleo, para


veladuras.

243. As modalidades de grises, resultantes do equilíbrio entre preto e branco, se


obtém pelo acréscimo de tons tomados a alguma outra tinta.

Haveria um gris puro (preto e branco, simplesmente misturados) e grises


ligeiramente coloridos, respectivamente de azul, vermelho, amarelo, etc.

São conhecidas as variedades de grises, com denominações próprias:

Gris de aço (matiz azul).

Gris de águia (gris de matiz azul escuro da pela da águia viva).

Gris Ardoise (referência à ardósia xisto).

Gris de cadete (azulado).

Gris francês (tendência violácea suave).

Gris de gaivota (gris suave da gaivota).

Gris de ferro (escuro pardo).

Gris-ostra ( gris-huitre, em francês), (pardoso).

Gris-orange (referência às nuvens escuras antes da tempestade).

Gris-pomba (gris azul).

Gris de Payne (resultante da mescla; ultramar, ocre e preto).

Gris de Prata (azul pálido).

Gris Souris (referência à pele de rato da campina).

Gris Toupeira (pardo da pele da toupeira).


Continua a haver outras grises, com denominações específicas:

Areia (gris amarelado claro, quente).

Cinza (gris pálido, com tendência para o neutro denso).

Maltês (referência ao gato maltês, gris azul).

Negro piçarra (gris muito escuro e apagado).

Névoa, nevoeiro, neblina (gris claro, suave).

Níquel (gris pálido e lustroso).

Nugrey (gris azul violáceo).

Rola (gris amarelado médio).

Cinza Claro 50% de luminosidade.

Cinza Neutro 31% de luminosidade

§9. Branco e preto, e suas variantes.


3911y245.

246. Define-se o branco como cor neutra, enquanto soma de todas elas. Em tais
condições se acha também o preto, ou o cinza.

Entre os neutros, distingue-se o branco como sendo o neutro mais claro. A luz
apresenta-se mais brilhante que o branco dos objetos e das tintas; neste
contraste, o branco aparenta sinais de gris. Dentre as cores, o amarelo pálido é
o que mantém maior número de afinidades com o branco; aproxima-se.

O branco gera comportamentos peculiares a que o pintor fica atento.


247. As variedades do branco se criam pela introdução de algum outro
elemento no mesmo. Podem ocorrer na direção do cinza, como ainda na
direção de alguma cor.

Branco de Óxido de Magnésio 98% de luminosidade.

Branco de Papel, 95% de luminosidade.

Pérola, 84% de luminosidade.

Marfim, 84% de luminosidade.

Alumínio, 83% de luminosidade.

Branco-Gelo, 79% de luminosidade.

Branco de Barita, (referência ao sulfato de bário natural, que se encontra com


veios, de coloração branca, rosa ou esverdeada, e que serve para a fabricação
de tintas brancas). É um branco pesado.

Branco de Zinco (de óxido de zinco). Como cobre pouco e é transparente,


semelhante é o branco da China.

Branco de prata, é um cromato de chumbo, análogo ao branco de zinco.

Branco de chumbo ou cerusa (cromato de chumbo). Como tinta cobre bem,


assumindo aspecto opaco. Enegrece as tintas, deteriorando-as, quando bem
mistura com sulfuretos e compostos de cádmio. Cerusa é o nome antigo de
branco de chumbo. Alvaiade é o nome comercial dum carbonato básico de
chumbo, com destino à fabricação de tintas à óleo, com o qual é misturada. Sua
toxicidade o vai fazendo ser substituído por outros pigmentos brancos, por
exemplo de zinco (alvaiade de zinco).

Branco Tintânio (referência ao elemento químico deste nome, de cor argentina).


Sua tinta é opaca no cobrir e refrativa.

Gesso (referência a um produto obtido pela calcinação da gipsita e que volta a


hidratar-se solidificando-se, servindo para modelagens). É um branco apagado.

Além disto, estão próximos do branco os amarelos claros, por exemplo amarelo
creme.
248. O preto, por definição, é a ausência da luz e de cores. Resulta o preto nos
corpos pela absorção por parte de todos os raios luminosos, sem refletir
nenhum.

Misturada a tinta negra nas demais cores, tende a apagá-las. Faz perder sua
pureza e brilho.

Negro do latim niger, é o nome da raça de cor preta, e nesta condição é palavra
conotativa, inclusive quando significa cor. A negritude é provocada
pela melanina (do grego mélas = preto), substancia protetora, que a pele produz
em baixa quantidade nos indivíduos bronzeados e em grande quantidade nos
mais escuros.

249. A mescla de elementos, introduz variantes no preto, quer na direção do


cinzento, quer na de alguma cor. São mais conhecidos:

Preto de carvão, um negro profundo e aveludado.

Preto de osso, um preto pardoso.

Preto de fumaça, um preto pardacento amarelo escuro (bistre).

Preto marfim, de marfim calcinado. Levemente azul.

Preto piçarra, de ardósia. Um gris escuro apagado.

Preto de vinha, azulado.

250. Conclui-se a respeito das espécies de cores que elas se ordenam em


quadro sofisticado, que, embora não se revele imediatamente de compreensão
clara, desperta admiração. Fundamentalmente três categorias, estas agem com a
volúpia das mais diversas miscigenações.

Art. 3o. PROPRIEDADES FÍSICAS DA COR.


3911y252.

- Estética das Cores -

- Cap. 2 "DA COR EM SI MESMA (ou DO SIGNIFICANTE)" -

253. Propriedades são determinações que decorrem da natureza mesma de uma


coisa, sem dela se separar, ao mesmo tempo que a aperfeiçoando.

A alta complexidade das propriedades da cor importa em um ordenamento


didático, em primeiramente se tratam as propriedades físicas, e neste campo
as ;que lhe são mais fundamentais:

- luminosidade da cor (§ 1.) (vd 256);

- intensidade cromática da cor (§ 2.) (vd 265).

Estas propriedades físicas estão mais intimamente ligadas ao contexto da cor,


ao passo que as propriedades psicológicas (vd =) se situam antes nos indivíduos
que as apreciam.

Além disto, a cor é uma qualidade. Toda a qualidade tem a propriedade de ter
semelhante, o que possibilita a mimese e a expressão (vd 061). A qualidade tem
também a propriedade de ter graus. No caso da cor, estes graus se observam
em sua luminosidade e cromaticidade.

254. Importância. Importa o estudo das propriedades físicas da cor, porque


delas depende diretamente a expressão artística.

Na medida que um objeto se diferencia pelo aspecto da cor, - em variações que


dizem respeito não somente à espécie de cor, mas também às propriedades
físicas de luminosidade, intensidade cromática, e às propriedades de efeito
psicodinâmico, - este objeto passa a ser expresso não só pela imitação de sua
cor específica, mas também ainda por sua luminosidade, intensidade cromática.

Cor crua é a cor no seu todo, sem ser levada a um tratamento.

Cor tratada é a que assume as exigências da perfeita expressão artística, em


que recebe a exata especificidade de cor (ou matiz), e ainda o que se refere às
propriedades, - valor luminoso requerido, a intensidade cromática reclamada,-
tudo necessário para que a expressão se torne precisa, evidente, verdadeira,
enérgica.

§1. Luminosidade da cor.


3911y256.

257. Luminosidade é o fenômeno pelo qual a luz se manifesta aos olhos.

Eis um fenômeno diretamente constatado, e portanto não precisa de argumentos,


mas só a atenção ao que simplesmente acontece. O mais que se pode fazer é
fazer uma descrição o mais perfeitamente possível.

Fisicamente, uma certa luminosidade sempre acontece na cor; apresenta-se pois


a luminosidade como sua propriedade, a qual dela não se separa, servindo-lhe
como perfeição.

Ainda que as cores sejam mui diversas, não há cor, sem que esta propriedade, -
também mui variável, - nela ocorra. Importa, portanto, com referência às cores,
o seu colorístico de luminosidade.

Há uma luminosidade na cor, em virtude da qual se manifesta em nossos olhos.


Não se trata de algo acidental, como se eventualmente pudesse não acontecer
que alguma não fosse luminosa.

A luminosidade é, portanto, própria de toda a cor; ela sempre é luz. Como


propriedade esta luz apresenta um grau de ser em sua ordem.
258. A cor é uma qualidade, - como já se advertiu, - e como qualidade
possui grau. Que grau? Onde há o grau, efetivamente são vários os graus.
Constatada a qualidade cor, esta qualidade cor tem graus em seu status de cor,
ou seja, em seu status de luz (ou de luz-cor).

A propriedade tem um grau absoluto, atingido o qual, apresenta-se perfeita. A


luminosidade certamente atinge este grau perfeito. Este grau é absoluto. De
outra parte, havendo várias espécies de cor, cada uma poderá ter seu grau de
luminosidade absoluta. A constatação experimental descobrirá o grau de
luminosidade absoluta de cada cor.

Interferências poderão diminuir a luminosidade. Mas o valor absoluto de


luminosidade permanece sempre o mesmo. Sem alterar a espécie das ondas
coloridas, o acréscimo de tintas, como o branco, ou como o preto, mudam a
luminosidade para mais ou para menos dentro da escala peculiar a cada cor.

259. Importa atender à semântica das denominações.

Valor é o grau de luminosidade de uma cor, que pode ir desde o mais apagado e
escuro, até o mais aceso e claro.

Luminosidade e brilho, praticamente se equivalem. Brilho se diz sobretudo


pelo lado em que o leque se acentua em luminosidade.

Lux é a unidade de medida da luminosidade de uma superfície.

Luxímetro é o instrumento de medida do lux.

260. Mede-se a luminosidade por meio da reflexão do objeto comparada


com a quantidade de luz sobre ele anteriormente projetada.
Os objetos com cores primárias têm a seguinte porcentagem de reflexão:

- amarelo 70%,

- azul 50%.

- vermelho 17%,

Teoricamente, o branco devolverá 100% da luz incidente. Mas, não se


consegue nenhum corpo que a reflita integralmente. Constataram-se as
seguintes médias de branco:

Óxido de magnésio.....98%

Papel branco...............85%

Pérola claro.................84%

Marfim claro................84%

Folha de alumínio.......83%

Branco Marfim (gelo)..79%

261. Escala de luminosidade das cores. Pela ordem descendente, está no


começo o amarelo. Mais para o fim estão as combinações com o azul.

Amarelo canário ............. 77% Tijolo amarelo ................. 32%

Creme pálido ................. 76% Turquesa......................... 32%


Amarelo ......................... 70% Cinza concreto (neutro)... 31%

Creme ............................ 70% Azul cobalto .................... 30%

Amarelo-limão ................ 69% Verde-oliva ...................... 25%

Amarelo-ouro ................. 60% Havana ........................... 25%

Rosa .............................. 60% Verde-campo (folha) ....... 20%

Ocre claro ...................... 60% Marrom ........................... 20%

Verde limão ................... 60% Asfalto seco .................... 20%

Verde pálido .................. 65% Tijolo vermelho ............... 18%

Cinza claro ..................... 50% Vermelho ........................ 17%

Azul ............................... 50% Verde-garrafa .................. 12%


Laranja claro .................. 50% Azul ultramarinho ............. 10%

Amarelo cromo .............. 50% Carmim ............................ 10%

Abóbora ......................... 44% Asfalto úmido ................... 5%

Lilás ............................... 40% Negro................................ 3%

262. Cor e tamanho da superfície. A mesma cor, em superfície maior,


aparece mais luminosa, que, em igual situação, em superfície menor. Esta
particularidade diferenciadora importa em estética e arte.

Consequentemente, em relação ao maior e menor impacto gnosiológico, as


cores poderão ser denominadas mais e menos luminosas, mais e menos
brilhantes. Uma adjetivação mui bem definida nasce, pois de um sistema
objetivo de variações, com que opera a arte em suas articulações.

263. A cor segundo a quantidade incidente de luz. Há um momento inicial


em que acende a luz.

Depois a quantidade mensurável poderá variar, como acontece com as


lâmpadas que poderão ser de 20, 50, 100 ou mais velas (ou lux). Não varia o
brilho absoluto de cada cor, mas surge o brilho com crescente nitidez.

Uma certa potência de luz se requer para acionar a vista. Sem atender a este
limiar, a vista não reage e fica em estado de escuridão.
§2. Intensidade cromática da cor.
3911y265.

266. Intensidade cromática significa pureza de cor, saturação de croma.

Havendo várias cores primárias, - vermelho, amarelo, azul, - e que admitem ser
misturadas, pergunta-se pela intensidade de participação de cada uma, e que
poderá variar, desde a exclusividade de uma, até a presença igual de todas. Por
exemplo, amarelo intenso quer dizer, pois, que não há presença de outra cor
(nem azul, nem vermelho), como ainda não há presença de branco, nem de
preto.

Não ocorrendo isto, dir-se-á que ocorrem tons de tal ou tal cor, ou que a cor
é clara (presença de branco) ou que é escura (presença de preto).

A expressão vivo, como em vermelho vivo, pode ser restringida para indicar
intensidade (sem mistura de cor, nem de branco, ou preto).

Convencionou-se que croma só diga respeito à intensidade frente às outras


cores; então o croma não se refere a misturas com branco e preto (claro e
escuro). Cor viva será a que é inteiramente saturada, sem cores vizinhas e sem
presença de branco e preto.

É possível pois classificar todas as cores naturais, atendendo basicamente a


espécie e a intensidade, acrescentando ainda detalhes sobre luminosidade e
brilho, croma e vivacidade.

Uma cor se diz saturada quando suas ondas se isolam inteiramente dos demais
comprimentos de onda. A cor brilha então, na sua inteira especificidade;
encontra-se assim na sua verdadeira intensidade.
Diz-se misturada, isto é, não saturada aquela cor que contém vários
comprimentos de onda. Se ocorre a presença de todas as ondas, a cor resultante
é a branca; se porém, ocorrer a presença de todas as ondas, mas com
predominância de uma, temos exatamente esta cor, - a predominante, - ainda
que esbranquiçada.

Desmantela-se a cor em direção do branco. É o que se denomina grau de


intensidade, pois abandonando a cor a sua saturação, progride na direção de
branco, de acordo com o número de ondas misturadas.

Se se tratar de tintas, em que os pigmentos absorvem certas cores, a mistura


conduzirá na direção do preto.

267. A variação de intensidade cromática interfere na luminosidade da


cor (vd 351). Se a alteração se der na direção do branco, resulta na cor quente;
se na direção preta, resulta na cor fria.

Por exemplo, vermelho com branco (cor-de-rosa), é vermelho quente; vermelho


com preto é vermelho frio.

Tem o vermelho ordinário 17% de luminosidade. O vermelho quente está


acima, alcançando em cor-de-rosa até 60%. O vermelho frio está abaixo de 17%
de luminosidade.

Tudo isto irá influir nas propriedades psicológicas, ou psicodinâmica das cores
(vd 278).

Na modificação da luminosidade específica de uma cor pela mistura com


outros comprimentos de onda, uma mistura desigual de ondas, dá o predomínio
da onda dominante.

A luz elétrica, emitindo predominantemente as ondas de cumprimento médio, é


por isso amarela, todavia, modificada, pelas outras de menor número.

268. O valor luminoso de uma cor específica é variável, desde o seu quase
apagamento, próximo do preto, até o seu máximo de luz, próximo do branco,
mas sempre por efeito da mistura cromática.

Há os frios e os quentes da mesma cor: azul frio e azul quente vermelho frio e
vermelho quente, amarelo frio e amarelo quente.
Igual coisa poderá ocorrer com as cores compostas, que vão desde o
maximamente frio até o maximamente quente.

Algumas destas cores recebem nomes próprios conhecidos: o vermelho quente,


ou claro, se denomina cor-de-rosa. Portanto, como cor não se distingue o cor-
de-rosa, pelo valor luminoso, mas pelo grau de intensidade cromática e
respectivos efeitos.

269. De que dependeria a diferenciação de luminosidade de uma cor específica?


Não depende simplesmente da intensidade de luz. Se fosse variação de
intensidade da luz, bastaria irradiar fracamente ou fortemente, para determinar
esta variação.

Na hipótese de um objeto, que não irradiasse, mas recebesse luz, o valor de sua
cor dependeria da intensidade com que refletisse: o azul, quando intensamente,
refletido, seria o azul-claro, quando fracamente, o azul-escuro; desta mesma
sorte haveria o vermelho claro e o vermelho escuro, o amarelo claro e o
amarelo escuro.

Mas não é o que acontece. O que faz o branco é a mistura de todas as ondas.
Por isso, uma cor específica clareia, quando recebe pequena mistura de todas as
ondas. Na medida que se equilibra a proporção ela clareia.

Na prática os frios são obtidos, adicionando o preto e a respectiva cor, os


quentes, adicionando em vez o branco. Ocorre que a substância preta, pelo
caráter de suas moléculas, não reflete luz, então diminui a intensidade da tinta
com a qual foi misturada. O branco reflete a totalidade da luz; acontece, então,
que intensifica a luz da tinta a qual foi acrescido. Pelo menos teoricamente
seria assim.

Cinza é a mistura de elementos que refletem luz e por isso são chamados
brancos, e de elementos que não refletem luz e por isso são chamados pretos.

Surge dali a aparência peculiar, que não é nem de preto e nem de branco, o que
se chama cinza.

A sombra, que seria? Há sombras que são ausência de luz. E as há que são
apenas diminuição de luz, esta seria portanto uma espécie de cinza, que não é
cor. Enfim, há a sombra que é apenas uma diminuição de luminosidade da cor,
portanto uma sombra colorida.

270. A cor na distância. É notório que a cor dos objetos não se manifesta com
igual valor a curta e longa distância. Na medida que se afastam os objetos
tendem a dissolver-se no azul. Não se trata de uma ilusão ótica, mas de
interferências do ar e elementos que nele se agitam.

A umidade exerce influência considerável. As partículas de umidade desviam a


luz e tendem para o azulado. À medida da distância cresce o azul, somado ao
colorido natural dos objetos.

O verde das montanhas decresce na direção de um azul, cada vez mais


dominante na distância.

O negro e o branco diminuem progressivamente, até se confundirem em gris


azulado.

Na distância, a cor clara, em sucessivas combinações, caminha para um pardo


vermelho, para enfim alcançar o azulado.

A "perspectiva aérea" a interferir no valor das cores, importa muito ao pintor,


que para criação de ambientes, que para evocar a situação psicológica de tais
circunstâncias.

271. Insistindo sobre um aspecto das tintas, advertimos de novo que tintas
misturadas resultam no enfraquecimento da luminosidade, porque os pigmentos
de cada uma absorvem alguma cor.

Em consequência, as tintas das cores primárias brilham mais que as tintas das
cores derivadas. Sobretudo brilham menos as cores de mistura de três
fundamentais, que as cores derivadas de duas fundamentais.

Frente a diversidade do brilho de cada cor, faz-se mister extrair as médias,


quando da mistura.
O azul, que brilha menos que o amarelo, poderá brilhar também menos que o
verde (resultante de azul e amarelo), porque teoricamente o verde faz a média
entre o azul e amarelo.

O branco, que pode brilhar mais de 90%, ao misturar-se com o vermelho de 17%
de brilho, para formar cor-de-rosa, resulta neste último em 60%, numa evidente
média todavia por baixo.

As misturas das três fundamentais (azul, amarelo, vermelho), dão preto, com
luminosidade mínima.

Na medida que variam as proporções, se cria a gama das cores compostas de


três fundamentais, todas de luminosidade fraca, inferior às composições com
duas fundamentais. É que na mistura, cada tinta absorve uma cor fundamental.

Ora, havendo uma para libertar azul, absorvendo amarelo e vermelho, já há


outra para libertar amarelo, absorvendo azul e vermelho, mais outra para
libertar vermelho, absorvendo azul e amarelo. Da neutralização sucessiva
resulta o preto.

À primeira vista, as três cores nos deveriam dar o branco, porque a mistura das
ondas efetivamente fornece o branco; mas aqui o que ocorre é a mistura das
tintas e não das cores.

O material das tintas, ao se proceder a mistura, em absorvendo todas as


diversidades de ondas, não pode senão resultar em uma aparência preta. E
assim, portanto, as tintas de cores secundárias são neutralizações, na direção do
preto, chegando, ao se fazer a mistura em proporções exatas, ao completo preto.

272. Conclusão, a intensidade cromática é uma variação no grau de presença de


uma cor em relação às outras.

Dali nascem cores novas que não são novas espécies, mas variações dentro da
espécie de que o cor-de-rosa é um exemplo, a luz amarelada da lâmpada
elétrica um outro.

Finalmente, esta variação de cromaticidade tem efeitos retroativos sobre a


luminosidade (de que já tratamos) e sobre a psicodinâmica do indivíduo (de
que ainda tratar).
Além disto, se advertiu, que a cor é uma qualidade. E uma propriedade de toda
a qualidade é ter graus, como ainda graus em suas propriedades de
luminosidade e cromaticidade.

Art. 4o. PSICODINÂMICA DAS CORES.

3911y275.

276. Introdução. Todo conhecimento exerce efeitos que se denominam estados


afetivos. Agrada conhecer. Acontecendo que ver cores é um conhecer, resulta
que ao vê-las se é alcançado por efeitos afetivos.

Diferentes atividades humanas são influenciadas pelas cores.

Certamente a cor dos alimentos influencia sua aceitação. Um rico jantar é um


espetáculo de coloridos. O ambiente de trabalho é seguramente mais
estimulante se por toda a parte as cores estiverem adequadamente distribuídas,
sem executar os próprios instrumentos de trabalho, o planejamento cromático
da indústria tem mira evitar a fadiga do operário, equilibrando a tranquilidade e
o frescor das cores frias, com as cores quentes, mais estimulantes, alegres e
capazes de evitar a monotonia e a depressão, mas que usadas com exagero
enervam e irritam. Dentre os fenômenos mais curiosos, no que se refere a
participação das cores, está sua participação subtil no dia a dia da sexualidade.

Sobre os mencionados efeitos afetivos da cor importa esclarecer


sistematicamente.

Dali resulta o ordenamento didático:

- Psicologia das cores em geral (§ 1.) (vd 278).

- Psicologia de cada cor em espécie (§ 2.) (vd 293).


Apenas em abstrato se consegue separar o que usualmente costuma estar de
mistura. Além disto, cada cor melhor se conhece, comparando-a às outras.

§1. Psicodinâmica das cores em geral.


3911y278.

279. Nenhuma cor é feia. A cor é apreciável em si mesma, em absoluto,


qualquer seja ela.

Ainda que a atração de cada cor específica seja desigual, a referida atração
sempre ocorre em algum grau. Isto resulta do fato mesmo de a cor ser o objeto
formal (isto é, específico, ou essencial) da visão; é a cor aquele objeto que dá a
forma essencial a esta espécie de conhecimento.

Assim também acontece em outros planos do sensível, sempre que a questão


for de objeto formal nenhum som isolado é desagradável, nenhum odor é
malcheiroso.

Há cores quentes e frias, leves e pesadas, calmantes e excitantes, de alívio e


opressivas; cada uma das cores goza de tais propriedades em função ao que as
cores são em si mesmas.

Pode-se antever que os efeitos psicodinâmicos da cor são de grande volume e


variados, por causa da predominância do sentido da vista sobre todos os demais
sentidos.

Este grande efeito psicodinâmicos das cores ainda ocorre em virtude da


considerável diversidade das cores, sua gradação de luminosidade, diferença de
intensidade, além da variação dos espaços e formas das áreas coloridas.

Não é sem sentido que facilmente se responde a quem pergunta,

- como vai?
E segue a pronta resposta:

- Tudo azul! Ou,

- A coisa está preta!.

E por que usamos expressões, tais como: cores alegres? Cores vivas? Cores
quentes? Cores frias? Cores festivas? Cores de luto?

Não se trata apenas de um falar. Há uma psicodinâmica a comandar um


importante processo, a que está atenta não somente a psicologia, que estuda
apenas teoricamente a ação das cores, mas também o técnico, inclusive o artista
da cor, para adequadamente dispor os elementos coloridos com vista a
resultados.

280. A preferência do indivíduo por determinados efeitos psicodinâmicos da


cor, pode servir de sintoma para revelar sua índole temperamental e mesmo o
caráter que formou.

Já que as cores estimulam em direção de determinados comportamentos, o


interesse por esta ou aquela cor e as circunstâncias em que isto acontece,
informa sobre a pessoa mesma.

As circunstâncias poderão interferir e determinar o apelo diferenciado às cores.


Há também interferidores no uso das cores contra as propriedades psicológicas
das cores. A moda, por exemplo, determina preferências, que podem não ser as
da inclinação espontânea. As cores determinadas podem não definir com
precisão o caráter e a índole da pessoa que a usa. Também por motivos
funcionais, sobretudo terapêuticos, uma cor poderá ter sido eleita exatamente
para reverter uma tendência.

A psicodinâmica das cores poderá determinar comportamentos complexos.

Por exemplo, - se um homem subitamente se interessa por gravatas vermelhas,


ou uma mulher passa a vestir-se mais vezes de cor-de-rosa, - algo inconsciente
pode estar comandando este comportamento. Um homem poderá estar no
empenho de conquista de uma parceira, ou a mulher na conquista de um
parceiro.
Portanto o súbito interesse pelo vermelho (a cor mais sexual e mais ativa)
denotou a vitalidade sexual notória do homem ou da mulher que manifestaram
o fenômeno. Naquele momento a denotação se manifestou em algo especial,
como a do novo relacionamento sexual a cultivar.

281. Cor e personalidade. Vagamente, os tipos de personalidade conseguem ser


determinados pela cor e as complexas circunstâncias em que são utilizadas. A
tudo isto não está atento apenas o psicólogo, mas o artista que põe a seu serviço
os resultados da observação da psicologia, para colocar a cor certa nas criações
de suas expressões em cor.

Qual é o seu mesmo tipo? Usa o vermelho? Poderá ser um extrovertido,


corajoso, dado à ação.

Usa cores, mas em contrastes fortes com o preto? Poderá ser do tipo dramático.

Prefere mesmo o preto com tonalidades escuras? Talvez será do tipo


empreendedor. As cores claras talvez as use somente, num e noutro caso, como
algum ornamento ou no chapéu, ou no pescoço, ou no cinto, ou nalgum objeto
que o acompanha.

Prefere o amarelo? Dizem algumas pesquisas que é um intelectual, um idealista,


um humanitário e poderá casar com personalidade de qualquer outra cor...

Gosta de verde? Poderá ser do tipo compreensivo e de visão universal, que é


tolerante, liberal, habituado a compreender o problema dos outros.

Gosta de cores frias claras, com o branco como contraste? Talvez seja um
conversador. Também poderá ser um conversador, se prefere o azul, ou mesmo
um introvertido.

Se for um homem e gosta de cores pastéis suaves, vezes usadas sozinhas, vezes
combinadas com escuras? É do tipo feminino, delicado e equilibrado, na
fronteira onde ambos os sexos se encontram e melhor se compreendem.
I - Cores quentes e frias; leves e pesadas; calmantes e excitantes.
3911y283.

284. Pelos efeitos psicológicos mais intensos, as cores provocam uma gama de
sentimentos, que podem receber a mesma classificação dos próprios
sentimentos como se processa na psicologia.

Usualmente se destacam dicotomicamente em:

- cores quentes e frias,

- cores leves e pesadas,

- cores calmantes e excitantes.

Mas podem ser ditas também: agressivas, dinâmicas, fortes, poderosas,


atraentes, repelentes, desejadas, amadas, agradavelmente sensuais e sexuais.

285. Quentes e frias. Consideram-se cores frias, ou deprimentes, as que no


disco das cores, estão na área do azul. Portanto, para além do azul, dos tons e
das compostas: azul-verde, o verde, o amarelo-verde, ainda azul-violeta, violeta,
vermelho-violeta

Estão, pois, na divisa; amarelo-verde e vermelho violeta.

A outra metade do círculo das cores é considerada quente: vermelho, vermelho-


laranja, laranja, amarelo-laranja, amarelo.

Portanto, são cores quentes, duas fundamentais, - vermelho e amarelo, - e os


seus respectivos tons.

Não o são todas as compostas; sim, - quentes, - para os tons laranja (composta
de vermelho e amarelo); não para o verde (composto de amarelo e azul); não
para o violeta (composta de vermelho e azul).
286. Leves e pesadas. As cores pesadas e leves possuem disposição
ligeiramente diferente, visto que o vermelho se desloca para a região de pesado,
onde se coloca juntamente com o azul; em vez, o verde se eleva à região do
leve.

São cores pesadas; violeta (a mais pesada), vermelho-violeta, vermelho,


vermelho-laranja (no limite à esquerda), ainda azul-violeta, azul, azul-verde (no
limite à direita).

São cores leves; amarelo (a mais leve), amarelo-laranja, laranja, encontrando


no limite vermelho-laranja (à esquerda), ainda amarelo-verde, verde, com azul-
verde no limite (à esquerda). O claro aumenta a delicadeza de qualquer cor.
Verifica-se no rosa, lilás, verde-claro, cinzento, amarelo marfim.

287. Calmantes e excitantes. São cores tranquilizantes, ou calmantes as que


levam ao descanso. Tal são o azul e o verde.

São cores excitantes ou estimulantes as que levam ao movimento e à ação. Tais


são o vermelho e o amarelo.

288. Todos os efeitos psicológicos da cor se devem geralmente à luminosidade


variável que apresenta, mas algo também à espécie de cor e à associatividade,
sobretudo de vivência.

Seria a impressão térmica, no caso das cores quentes e frias apenas associativa?
Certamente há uma psicodinâmica de base. À esta se acrescenta a associativa
quando eventualmente ocorre.

Por causa do seu frequente caráter amarelo, associamos a luz ao calor.


Semelhantemente, outros objetos quentes e de índole clara podem produzir
impressão de calor. E assim, mais uma vez, se constata o efeito das cores
quentes.

Por associação inversa, o azul dos dias invernais, ou do céu fresco, produz a
sensação térmica fria. No caso acontece o contraste entre a luminosidade das
cores quentes e a pouca luminosidade dos objetos frios. Mesmo que a neve ou o
gelo brilhem, o que efetivamente produz o brilho é a luz.
Parece ainda que não é só. As cores brilhantes estão acima da capacidade
normal da vista. Por esta razão elas excitam, já antes de qualquer
associatividade.

Mais uma vez, complexamente, as cores brilhantes poderão, por acréscimo


associativo de imagens, atrair a imagem térmica.

As cores frias não excitam, de sorte que poderão associar o frio.

E as cores leves e pesadas? Outra vez, apesar da psicodinâmica de base, em


tudo se acresce a associação de imagens, com origem em certas propriedades
das cores.

Excitando, criam as cores ambientes enérgicos e as coisas não parecem pesar.


Mas, quando não excitam, elas têm feições pesadas. A leveza alegra, o peso
oprime.

A graduação de luminosidade da cor, se exerce de maneira a haver mais


estímulo à proporção que a cor se elimina, com uma direção calmante na
direção descendente, da iluminação.

O amarelo e o vermelho são ditos cores estimulantes; o amarelo é energético.

O azul é calmante; são também calmantes o verde (azul com amarelo) e o


violeta (azul com vermelho).

289. A sábia escolha das cores. Frente à psicodinâmica das cores importa uma
certa sabedoria no uso das mesmas, tanto na arte, como no nosso
comportamento diário.

As pessoas passivas e fleugmáticas tendem para as cores calmas. Podem com


isto agravar seu estado de opressão. As cores estimulantes as levariam para um
ritmo superior.

Aos emotivos, entretanto, se aconselha buscar as cores calmantes, ainda que


apreciem as enérgicas.
Os indivíduos normais podem eleger as cores que apreciam, quaisquer sejam,
fazendo-o normalmente, distribuem, por exemplo, numa casa, as cores
conforme as funções a exercer em cada recinto. Escolhem para suas vestes
aquelas em que se sentem melhor.

De maneira geral, pois, há mais receptividade pelas cores mimosas ou pelo


menos exercem tais cores mais ação sobre o indivíduo, tal como os ritmos
ligeiros na música.

O artista, ao estudar as cores de sua obra, escolherá de antemão a cor como


convir à sua expressão: quente ou fria, leve ou pesada, estimulante ou
repousante. Sabendo o que há a exprimir, saberá querer as cores adequadas.

O pintor usualmente é um psicólogo das cores.

290. Existe um grau de luminosidade espontaneamente aceito pela vista.


Abaixo, a vista não se contenta; acima, vê-se por demais solicitada.

Esta situação há de ser levada em conta na interpretação das cores.

O mesmo ocorre nos demais sentidos; certo calor é admissível; abaixo, deseja-
se mais calor; acima, torna-se indesejável.

No ouvido, o som natural mantém a vibração nervosa em um tonus agradável;


abaixo, o ouvido sente falta; acima, o excesso do estridente o irrita. O músico,
operando com os fortes e pianos, explora esta situação.

O forte em cor e som, é sempre solicitante. Excita a atenção. Mas, a seguir


cansa. E se passa a desejar não mais ouvir e nem ver. Ora, é o que exatamente
sucede com as cores vermelha e amarela; depois de uma alta solicitação,
passam a cansar.

O controle desta situação se opera da seguinte maneira: usam-se as cores fortes


em áreas menores, de acordo com o seu desejo; usam-se com todo o poder,
quando a função de fato as requer.
Em virtude do instante natural da atenção da vista, as cores são repousantes,
quando se colocam neste nível; são oprimentes, quando abaixo; excitantes,
quando acima.

Ainda por causa desta situação, variam necessariamente os gostos. Aliás, não
se trata de gostos, mas de graus desejados ou indesejados de excitação.

As pessoas inclinadas ao repouso visual, desejam certamente o menor brilho;


então se inclinam para as cores calmas.

Diferentemente, pessoas excitadas, temperamentais, sobretudo agressivas,


tendem para as cores quentes, pois estão na mesma linha de excitação.

291. Sobre os efeitos psicodinâmicos das cores mais insistentes e das


acalmantes se narram muitas experiências da vida cotidiana.

Diz-se que as brigas entre os operários de uma oficina diminuíram ao ser


substituída a cor vermelho-escura das paredes, pelas de tonalidade verde clara.

Afirma-se que operárias de um país frio continuaram a reclamar frio, mesmo


depois de instalado o aparelhamento de ar condicionado na altura ideal dos 22
C.; substituída a cor verde das paredes por tonalidades de laranja, sentiram-se
bem.

Adverte-se também que o amarelo e o vermelho, pela sua excitação retiram o


apetite, quando, em restaurantes ocupam grandes áreas.

Verifica-se também que os viajantes, em aviões pintados no interior de verde e


azul, se mantém mais tranquilos.

Aponta-se para a diminuição dos suicídios na "Blackfriar’s Bridge", quando


esta ponte preta sobre o Tâmisa, em Londres, recebeu a cor verde brilhante.
§2. Psicodinâmica de cada cor em espécie.
3911y293.

294. Para tratar das psicologia de cada cor em espécie, a ordem adequada é
começar pelas fundamentais, denominadas primárias, seguindo depois pelas
secundárias, terciárias, quaternárias.

O encaminhamento pode resultar em uma progressão as vezes penosa, todavia


disciplinadora da abordagem do que efetivamente é por vezes confusa, e não
raro tumultuada pelas vivências pessoais diferenciadas de cada um.

I - Em especial da psicologia das cores primárias:

amarelo, azul, vermelho.


3911y296.

297. Há certamente muito de relatividade na psicologia de cor para cor. Em


vista de serem muitas as cores, o assunto se embaralha, até mesmo por causas
da participação de umas cores na formação de outras.

Didaticamente, importa cuidar primeiramente das cores primárias, para sair


depois para detalhes das derivadas e para outros detalhes mais.

298. Psicologia do amarelo. Funda-se a psicologia do amarelo nas feições


físicas desta cor eminentemente luminosa e brilhante, situada acima da
intensidade normalmente exercida pela vista, cor entrante a sair ao encontro de
quem a observa.
Além disto, o amarelo pode despertar associações de imagens, que mais uma
vez fundam a psicologia desta cor.

Há pois a considerar a psicologia do amarelo em dois tempos, - ao aspecto


meramente psicodinâmico, de interesse da pintura em prosa, e depois ao
aspecto associativo, que oferece a possibilidade da pintura em poesia.

A psicodinâmica do amarelo é fortemente determinada pela sua intensidade de


luz.

O amarelo pode tornar-se desagradável à medida que se aumenta a sua área.


Sua presença poderá ser chata, como a do indivíduo chato por causa de seu
insistente conversar.

Em pequenas áreas o amarelo se apresenta agradável. Esta graduação o torna


aceitável como objeto proporcionado à vista.

Considerando que a decoração é menor que o todo decorado, serve, portanto, o


amarelo como elemento decorativo. Isto ocorre nas construções, em cujas
decorações costuma estar presente. Presta-se como fundo claro para objetos
escuros, nas vitrines, por exemplo. A muita iluminação prejudica o amarelo,
retirando-lhe beleza.

A luminosidade provoca a energia e os estados estimulantes. Por isso, em


paredes se utiliza um amarelo não muito luminoso. É impossível em pisos,
porque parece sair ao encontro. Mesmo quando discretamente usado na
decoração dos ladrilhos, estes parecem arrogantes, pelo muito que parecem
falar.

299. Os elementos associativos do amarelo se constituem das imagens


capazes de despertar. Conforme as leis da associação das imagens, umas se dão
por semelhança, outras por contraste, enfim outras por vivência.

O amarelo simboliza o ouro, por causa de sua semelhança com este metal.
Nestas condições pode aparecer como cor nacional.

Associam-se o amarelo facilmente ao Sol. Através deste, que é motivo de


excitação, o amarelo inspira bom humor e alegria.
A raiva, a ira, os impulsos em geral, enquanto são vida, podem ser sugeridos
com o amarelo. Misturado com o preto, o amarelo se torna repulsivo, por causa
de sua tonalidade verdosa e escura. Nestas condições se aproveita para indicar
doença, desprezo, dificuldade, ruína, decadência.

O amarelo claro pode associar a alegria e até ao misticismo, como se observa


nos halos dos santos bizantinos e góticos.

Desperta sensação térmica; por isso, o amarelo se diz cor quente. Dentre as
cores quentes, é todavia a menos quente. Poderá, entretanto, ser a mais leve.

Outros e outros elementos associativos decorrem do amarelo, quando visto no


quadro geral da harmonia das cores (vd 333).

300. Psicologia do azul. As condições que determinam a psicologia do azul


estão em sua fraca luminosidade e pouco brilho, que se situam mais ou menos
na linha desejável pela vista. Por esta razão, o azul não cansa e tende a
tranquilizar.

Apenas o azul bem carregado, com tonalidades escuras tomadas ao preto,


oprime; com tonalidades claras o azul se alteia no agrado à vista. Com estas
tonalidades claras, o azul admite áreas amplas, sem cansar o apreciador; é o
caso do céu vastamente azul por efeito da camada imensa do ar puro, sem
umidade e sem nuvens.

Penetra o azul o plano sobre o qual se encontra. Por isso, alarga os ambientes.
Fogem os fundos, tal como também sucede por efeito do violeta e do verde. Os
recintos pintados de azul parecem grandes.

Apresenta contudo mais brilho o azul, que o verde e o violeta; por esta razão os
efeitos psicodinâmicos do azul são insistentes na direção das cores quentes,
mais do que os efeitos das cores frias, como o violeta e o verde.

Nas fábrica se recomenda para as paredes cores com tons azuis ou verde-claros.
Desrecomenda-se o amarelo, sobretudo em climas quentes.
301. O associativo do azul ocorre amplamente, por causa do céu azul, do mar
azul e das semelhanças psicodinâmicas entre as qualidades desta cor e várias
situações humanas.

O azul do céu associa a serenidade, a meditação, a santidade, a perfeição, o


infinito, a eternidade, a oração.

O azul do mar (azul-marinho) associa-se com a vastidão, a profundeza, o


mistério, o místico.

A tranquilidade do azul assemelha-se à diversas situações humanas e que por


isso são associadas. Por este lado, o azul se associa com a felicidade (que é
tranquila). Na expressão "tudo azul" ocorre a associação de "tudo bem", "tudo
feliz".

De maneira geral, nos resultados estatísticos o azul é a cor preferida, seguida


pela vermelha, verde, branca.

A característica dos olhos azuis, mais frequente entre os nórdicos (germanos e


eslavos), é prestigiosa, não somente pela raridade, mas também pelo apreço
geral dado ao azul, bem como ainda porque se trata de uma cor, o que não
acontece com o preto dos demais olhos.

Sangue azul indica os nobres, mais raros. Em nossa era republicana a


inutilidade ingênua, dos que ainda se consideram nobres, já não prestigia tanto
quanto antigamente a cor azul, mas contribui para a curiosidade dos imbecis.

302. Psicologia do vermelho. Os elementos objetivos determinadores da


psicologia do vermelho são particularmente a sua luminosidade e brilho,
figurando, ao lado do amarelo e do laranja, entre os cromas desta natureza.

É ainda o vermelho uma entrante (vd 172), vindo ao nosso encontro. Procede
dali sua capacidade para diminuir ambientes. O resultado final é sua alta
pomposidade.

Pela intensidade de luz e brilho, o vermelho desperta na vista uma solicitação


acima do estado desejado desta. Reclamando do apreciador mais vida e ação, o
vermelho, o vermelho estimula, traz vida aos ambientes, desperta alegria, está
presente nas diversões, move a ciranda das festas.
Entre brinquedos, quando em tudo o mais são iguais, menos na cor, a criança
escolhe o vermelho.

Agradável à vista, o vermelho, cansa depois de muito tempo, exatamente por


causa de sua excitabilidade acima da média desejável para o exercício dos
olhos.

Ameniza-se a ação do vermelho, reduzindo-lhe a área. Nas decorações


equilibradas ocupa sempre espaços menores. Não se presta, portanto, para cor
de fundos amplos.

Mas é o vermelho a cor certa quando se busca diretamente o efeito excitante, e


extraordinário. Este é o caso dos vermelhos comemorativos de grandes festas,
com efeitos em vermelho, amplas cortinas ou toalhas vermelhas. Ainda é o
vermelho a cor dos carros dos bombeiros; é o vermelho a cor dos quartéis
destes soldados do fogo. Enfim a dinâmica e excepcionalidade do vermelho
serve como advertência de perigo, nas estradas e casas de grandes maquinários.

Do ponto de vista terapêutico, a cor vermelha é aproveitada com o fim de


estimular os introspectivos, estimular as mentes oprimidas, soerguer os
desânimos, aumentar a tensão muscular e a pressão arterial.

Se o deprimido colocar um chapéu vermelho brilhante será logo notado pelos


que o cercam. Estes então o estimularão. Já ele mesmo, consciente do que tem
sobre a cabeça, se animará por si só. Mas, se inconscientemente insistir na sua
depressão usará preto ou cores sombrias.

Para os maníacos o vermelho age com psicodinâmica excessiva, como a


morfina e o clorofôrmio; devem neste particular os maníacos ficar sob controle,
metendo-os de preferência em ambientes azuis. Evita-se pois, o vermelho para
os que precisam de repouso, diminuição de atividade, descanso mental,
meditação.

O vermelho é impróprio para ambientes de estudo, porquanto induz ao


movimento e não à calma contemplação.

A intensidade do croma vermelho excita os elementos viris. Diversamente o


aclaramento do vermelho, para formar o delicado cor de rosa, ameniza o
vermelho saturado, encaminhando-o na direção da índole amorável graciosa do
feminino.
303. O associativo do vermelho é dos mais bem definidos na psicologia das
cores.

Apresentando-se o vermelho em menor quantidade na natureza que o amarelo e


o verde, ele é por isso bem marcado, e consegue determinar vivências
específicas.

As flores, - tão prestigiadas pela natureza, - não são dominantemente vermelhas;


mas as que o são, por isso mesmo, se destacam enormemente.

Os frutos, na maior parte são verdes numa fase, alaranjada noutra; menos vezes
são vermelhos, como acontece contudo com o caqui e o tomate, a maçã e a
pitanga, que consequentemente passam a se destacar. Por isso, o vermelho, nas
vivências associativas, consegue feições mui bem determinadas, na natureza.

Ainda ocorre a peculiar situação do vermelho do sangue e da carne a


descoberto; eis outro motivo para a criação de elementos associativos bem
determinados. A tudo isto se associam ainda as impressões térmicas do
vermelho, quer no fogo mais vivo, quer no ferro em brasa.

Enfim, por efeito do sangue a circular nas veia capilares da superfície do corpo,
avermelhando-o ligeiramente, este efeito cor de rosa influencia subtilmente a
psique humana. O referido fenômeno associa o vermelho com o sexo e a
expressividade geral dos corpos nus dos amantes.

O rosa delicado das faces femininas é geralmente acentuado na direção do


vermelho pela maquiagem. A paixão violenta e a paixão amigável, outra vez
encontram associações como o vermelho, enquanto este é cor excitante e
entrante.

Por isso tudo, o vermelho é apreciado pelas personalidades dinâmicas tanto em


negócios como em atividade sexual. Um teste aplicado em Londres provou que
76% dos homens associa a cor vermelha ao sexo.

As analogias e vivências associativas do vermelho, cuja psicologia se revela


bem definida e que por isso mesmo é enérgica.
O vermelho do sangue, o vermelho da ação, o vermelho da luta, o vermelho do
amor se associam entre si, e por isso fazem do vermelho um símbolo, que nas
bandeiras das batalhas, quer na cor símbolo da violenta dialética marxista e das
esquerdas, quer na cor do anel do advogado que defende e acusa, quer nas
representações de santos e anjos figurados a combater o diabo.

O vermelho, com que se pinta o coração, se deve à cor natural do coração, mas
também a associação que o vermelho exerce com a paixão, o carinho e o amor,
mesmo do coração materno.

A púrpura (vermelho-violeta), que foi o símbolo da realeza romana, parece


associar conjuntamente as qualidades viris do vermelho e a respeitabilidade do
azul. Por isso a púrpura também aparece no vestuário dos chefes das religiões
(por exemplo a católica), com arremedos de poder, seja espiritual, seja
inclusive temporal.

O vermelho é também ativante da sexualidade (vd 327).

II - Psicologia das cores derivadas.


3911y305.

306. A difusa presença das mais variadas dosagens de ondas luminosas,


provoca uma correspondente psicodinâmica e associatividade muito
diversificada. Este complexo fenômeno da natureza gera efeitos sobre a psique
das pessoas, as quais por sua vez também se diversificam internamente pela
índole temperamental, bem como ainda pela formação do seu caráter e cultura.

307. Psicologia do verde. A psicodinâmica da cor verde, constituída por ondas


de azul e de amarelo, ao lado do azul, cooparticipa das propriedades de seus
componentes, ainda que em escalas diferenciadas.
O verde, ao lado do azul, é uma dentre as cores que exercem importantes
funções psicológicas moderadoras. Ainda que o amarelo e o vermelho, pela sua
grande luminosidade, possuam forte poder de expressão, esta função a exercem
em situações especiais. As cores normais para o desejo da vista são o verde e o
azul.

Dali decorre a psicologia repousante do verde.

Há um evidente esforço do homem inteligente, no sentido de se amparar contra


a fadiga, apelando ao verde, ou seja, ao verde nos interiores dos edifícios, ao
verde das mesas de bilhar, ao verde dos tapetes, ao verde da relva dos jardins,
ao verde dos campos, ao verde da natureza em geral.

Multiplicadas as construções de cimento e ferro, diminui a presença calmante


do verde natural; dali a iniciativa da compensação artificial pelo verde nos
recintos, residenciais e fábricas, na avenidas largamente arborizadas e praças de
muitas árvores.

308. A associatividade do verde encontra excelentes oportunidades na sua


vasta presença na paisagem e na natureza em geral. A principal associação é a
do verde como vida. Confirmam-no todos os testes.

A circunstância que liga o verde à natureza, lhe empresta um caráter


evidentemente poético. Basta a visão do verde, para que ele prontamente
estimule o surgir de mais imagens. Encontram-se na natureza as mais diversas
modalidades de sugestões e que ingressam pela cor verde.

A psicologia, cujo eco-sistema é representado principalmente pela vegetação,


mais uma vez é associada pelo verde. E assim o corporativismo político dos
ecologistas passou a ser conhecido como: "Partido Verde". Mas é possível
buscar o verde sem corporativismo!

Também a paz é sugerida pelo ramo verde no bico de uma pomba.

Finalmente, a campanha da língua internacional Esperanto coloriu de verde a


sua estrela de cinco pontas.
Movimentos verdes - a ecologia, a paz, o Esperanto - constituem os
movimentos dos mais puros do tempo que vivemos.

Pelas condições psicológicas de que dispõe o verde, passou a se estabelecer


como símbolo da esperança. Através deste simbolismo, sempre novas
evocações e associatividades ingressam no visor da fantasia humana.

309. Psicologia da cor laranja. Resultante da fusão de vermelho e amarelo, a


cor laranja tem sua psicologia determinada pela sua feição de alta luminosidade
e brilho, acima da intensidade admissível normalmente pelos olhos.

Também é cor entrante, que sai ao encontro de quem a aprecia.

Em todas estas condições, o laranja participa das peculiaridades do amarelo e


do vermelho, ainda que em graduações diferenciadas.

Pela sua intensidade e brilho, a cor laranja estimula e excita, obrigando os seus
apreciadores a maior ação. Por isso, o alaranjado é apenas utilizado como
decoração (área menor) nas superfícies de exposição permanente, a fim de não
cansar.

Em situações apenas ocasionais como de um vestido feminino para festa,


laranja pode ser de bom efeito.

É cor que avança, ao mesmo tempo que brilha, de sorte a ser impositiva e
eloquente.

Misturado com algum preto o laranja perde a luminosidade e com isso as


mencionadas propriedades dinâmicas. Imprime, então, estabilidade.

Tende o dinamismo do laranja a ser "externo", ao passo que o de vermelho a


ser "calor interno".

O maior brilho do laranja, efetivamente conduz a uma forte dinâmica, que é


mais exterior e mecânica, do que interior.

Por isso, a cor laranja é mais festiva, sem intenções segundas, como o vermelho.
É mais ingênuo e inocente.
310. Associatividade do laranja. As associações de imagens, além de sua
psicodinâmica, enriquecem a cor laranja.

Muitos objetos da natureza se apresentam alaranjados, e que por isso passam a


se associar como vivência do nosso dia a dia. Quando maduras, associam-se ao
laranja as frutas. E entre elas uma das mais apreciadas leva seu nome.

Laranja; é as vezes a cor do sol.

Também cor laranja é o ouro. Este metal é um amarelo-laranja, que se associa


aos valores em geral. O amarelo-laranja é a cor real, a cor da riqueza, a cor do
poder.

O laranja, sobretudo o claro, como o rosa carne, sugere a volúpia. O sentimento


vagamente voluptuoso ocorre quando este alaranjado rosa-carne e usado no
forro das vestes festivas, ou nas peças delicadas das roupas de baixo, porque
em tais condições atrai as imagens dos mesmos corpos. A sensualidade do
laranja é suave e se apropria para o exercício normal da sexualidade.

Outras e outras vivências pode associar o laranja e que enriquecem a sua


psicologia e o valor do seu uso na vida e na arte.

311. Psicologia do violeta. A situação física da cor violeta explica muitas de


suas peculiaridades psicológicas.

É a mais escura das cores binárias, sendo pois vizinha do preto (ausência de cor
e de luz).

Resultante do vermelho e azul, caminha para o apagamento. Não excita senão


parcialmente a vista, retendo-se muito aquém do estado normal da
luminosidade desejada.

O violeta é, pois, uma cor negativa, embora ainda não como o preto. A
presença parca da cor empresta ao violeta uma significação peculiar de
moderação.
Geralmente a cor violeta é solene para as situações sérias. A solenidade lhe
advém exatamente porque apresenta alguma cor, que se oferece com
moderação de luminosidade. O preto é também frio, mas não exerce a
solenidade e as significações das cores frias.

Igualmente o azul é frio e solene; mas o violeta, mais frio, é de uma solenidade
mais profunda, que a solenidade um tanto eloquente do azul.

As expressões que o violeta exibe se apresentam mais duras, quando em tom


escuro, ou de cromatismo intenso. Elas são mais delicadas, quando em
tonalidades mais claras.

Agora avalie-se o uso do violeta no forro das vestimentas. Sempre será frio e
negativo, quando escuro; delicado, quando claro.

Em ambas as hipóteses, - escuro e claro, - violeta se apropria como luto.

312. Associatividade do violeta. Do ponto de vista associativo, a cor violeta


quase não conta com associações oferecidas pela natureza viva.

É portanto pequena a criação de imagens associadas ao violeta e que se


encontre neste campo.

A pouca luminosidade e o pouco brilho, fazem do violeta uma cor fria e pesada,
envolvendo estas e outras conotações.

Há imagens associadas ao violeta, que ocorrem por convenção. Depois de


erguido em símbolo, o violeta começa a associar tudo o que se prende ao novo
tema.

Convencionado o violeta como a cor da penitência (quaresma), das


comemorações fúnebres, do luto, passam estas situações a fazer parte, por
associação, do violeta. Agora, o violeta associa tristeza, misticismo, mistério,
sofrimento, indecisão.

Também se associa a cor violeta com a saudade. É que algo se similar ocorre
entre o fluir do sentimento da saudade e o violeta sem ação.

Finalmente o violeta se associa com a idade provecta, com a velhice, com o


idoso.
III - Psicologia do branco.
3911y315.

316. Ocorre no branco a presença nele de todas as cores. Esta estrutura


cromática do branco, dá-lhe uma incidência brilhante e luminosa, capaz de agir
de maneira insistente sobre a vista.

O branco é também uma cor entrante (vd 172), que vem ao encontro de quem a
observa, ao contrário das cores profundas.

O branco participa desta sorte, à sua maneira, das qualidades das cores de
condições similares, portanto das qualidades do amarelo, vermelho, laranja.

Em tais condições, o branco desperta ação e alegria. Esta propriedade é


exercida sobretudo em áreas menores.

Ao contrário, em áreas maiores o branco tende para o frio, particularmente


quando não muito iluminado. Exerce então um efeito particularmente
suavizante. É bem notório este efeito em cortinas delicadas e em véus de noiva.

Ocorrem certamente preferências. Alguns de dizem entusiastas do branco e o


adotam amplamente. Mas, na dominância, para uns e outros, o branco tende a
diminuir de influência à medida que sua área cresce.

Nas fábricas recomenda-se o chão claro. O teto em branco refletirá a luz com
intensidade. As paredes, embora claras deverão ser tomadas por tons azuis ou
verde-claros. Somente as máquinas terão destaque mediante cores mais vivas,
sobretudo nas partes mais perigosas.

Evitando-se os efeitos do preto e das cores escuras, diminuem as ocasiões de


acidentes. Objetos pretos pesados parecerão mais leves se receberem tintas
estimulantes.
316. A associatividade oferece excelentes oportunidades ao branco.

Sua limpidez, pode sugerir inocência, pureza, verdade, honestidade, integridade.


Por isso, o branco será sempre o símbolo da virgindade ingênua em que se
alimenta o folclore dos casamentos ricos em véus e babados.

Vagamente, o branco associa o silêncio, a leveza, a paz, a tranquilidade, a


calma, a segurança, a distinção e mesmo o prestígio, a superioridade.

Participam destas associações as tintas, quando tendem para o claro (isto é,


misturadas com branco).

Participa o branco na harmonia das cores; mas sobre a harmonia das cores
cuidaremos mais a frente (vd 333).

IV - Psicologia do preto e cinza.


3911y318.

319. O preto, considerado em absoluto, é sempre negativo. Nas harmonias


somente exerce funções positivas (vd 353); mas destas trataremos
oportunamente; agora perguntamos pelo valor psicológico em si mesmo, em
absoluto, do preto.

Como ausência de toda a luz, o preto não exerce, por definição, nem brilho,
nem intensidade, nem outra qualquer propriedade da luz. Em áreas menores,
em função à outras cores, o preto funciona com agrado, que diminui com o
crescimento da área.

A moderação decorrente das áreas pequenas, oferece ares de distinção,


solenidade. Por isso, as roupas integralmente pretas, para terem melhor efeito
devem ter algumas áreas brancas (colarinhos, punhos exposição da peça clara).

A falta dos elementos oferecidos pela cor e pela luz, fazem do preto, por
ausência, algo negativo, opressivo, indesejável. Dali também resulta o medo, a
angústia, o pânico. As mulheres e as crianças, mais sensíveis, poderão chorar e
fugir.
A noite escura, apavora particularmente as pessoas impressionáveis e de pouca
estabilidade emocional.

O preto é usado como protesto, como contrário da receptividade revelada pelas


cores em geral, sobretudo pelo amarelo. Há quem observe que o preto é
sobretudo uma cor do protesto teimoso.

320. Os elementos associativos do preto são numerosos e bem definidos. São


particularmente pessoais, de acordo com as vivências de cada um.

As discordâncias raciais entre brancos e pretos podem eventualmente ocorrer


por associações que unem a cor a uma situação cultural diferenciada das duas
etnias. Desaparecidas estas conotações por efeito da miscigenação, também
diminuirão as discordâncias de natureza psicológica. Como se sabe, as
diferenciações genéticas ocorreram em consequência do isolamento dos grupos
no passado; uma vez desaparecido este fator, voltará a ocorrer a unidade do
gênero humano, ainda que muito lentamente.

Por associação a "cor" preta lembra a noite.

Como ausência da luz o preto pode associar o vício, o pecado, o luto e a morte,
que também são ausências de algo. Por isso, nas religiões que operam com
simbolismos, o uso do preto está muito presente.

321. O cinza se coloca numa posição intermédia entre as cores É o meio termo
entre as cores complementares. Exerce uma posição intermédia particularmente
entre as qualidades do branco e do preto.

Comporta-se o cinza como a sombra, entre a luz e a ausência de luz,


moderando sempre mas nunca fazendo contraste violento.

A qualidade moderadora do cinca se deve ao seu meio brilho, meio preto, meia
luz, quase meia cor.
Na mencionada condição de pouco brilho, o cinza produz a situação
psicológica da moderação, sobriedade, sossego, tranquilidade, distinção
(particularmente masculina), modéstia, humildade.

Nas harmonias com ocres excessivamente fortes a presença do cinza produz


alívio e satisfação.

322. Associatividade do cinza. Por associação, o cinza pode lembrar a tristeza


da tarde de chuva, a cinza da lenha queimada, as superfícies ásperas, a
humildade, o frio, a tristeza, o gosto salgado.

V - Cor e sexo.
3911y324.

325. Cores específicas, a partir do vermelho, influenciam psicologicamente e


associativamente a sexualidade.

Os sonhos eróticos costumam ser belamente coloridos, neles as cores


cooperando para com uma das satisfações mais peculiares do ser humano.

Insere-se também aqui a questão do nu artístico (vd 577), gênero deslumbrante,


muito apreciado desde a Renascença.

Os fenômenos mencionados, - que mostram como fato as relações entre cor e


sexo, - são todavia mui complexos, porque se dão pela via
dos reflexos condicionados. Neste processo tem participação a associatividade
das imagens, em que objetos, como por exemplo as cores, provocam sensações
capazes de ter como resposta, no sistema nervoso central, o desenrolar da
ereção e de seu estado subsequente de satisfação.
Num primeiro tempo atua o reflexo incondicionado da ereção. Este depende
apenas do tato, diretamente exercido sobre os terminais do nervo erótico, que
se comunica com a região sacro-lombar. Desta região central procede
necessariamente a resposta eretora com efeito principal sobre os órgãos sexuais,
nos quais ocorre a pressão obstrutora do sangue.

No homem este efeito erotizante é mais localizado, Na mulher tende a atingir


mais amplamente todo o organismo.

Num segundo tempo ocorre a formação do reflexo condicionado, conectando


causas e efeitos em si mesmos não conectados. No primeiro tempo, - o do
reflexo incondicionado, - a cor é indiferente ao sexo, não podendo através da
vista excitá-lo. O nu, por ser apenas visual, é, em princípio, indiferente ao sexo.

Mas o exercício do sexo em circunstâncias em que participam as cores,


as condiciona. O exercício do sexo importa em nudez, o qual, em consequência,
se pode condicionar ao sexo.

Com o decurso do tempo as cores e o nu de tal maneira se ligam ao sexo, que já


podem despertá-lo, mesmo sem o uso do tato direto sobre os terminais nervosos
específicos da eroticidade.

326. A educação e os hábitos em geral formam de diversa maneira os reflexos


condicionados. As cores, entrando neste condicionamento, servem depois de
estímulo sem que por natureza o sejam.

Dependendo o reflexo condicionado de uma atitude do próprio indivíduo,


chega-se à conclusão que a sexualidade das cores, neste particular, é também
variável.

O nu é altamente sexual, quando ele é visto apenas por ocasião do ato sexual.
Assim também as cores facilmente associadas a ele podem tornar-se muito
sexuais.

Mas o nu tornado onipresente, portanto condicionado também a outras


motivações, perde uma parte considerável daquela
sexualidade condicionada característica das pessoas denominadas
pundonorosas.
O artista plástico e todo o apreciador da arte plástica tem também outras
preocupações no corpo nu, por exemplo a esteticidade das formas humanas
vistas em sua totalidade e em todo o seu suave colorido.

Por isso, os condicionamentos neste caso assumem mais direções, quer na visão
do nu, quer na visão das cores. Ainda que incluam a sexualidade, - pois não há
porque excluí-la, - desenvolvem um complexo de sensações psicodinâmicas
certamente mais rico.

Os artistas mais fantasiosos se imaginam que o céu dos justos e das virgens
será um festival espetacular de nudez, onde tudo será apreciado como
maravilha da criação divina, sem que ninguém perca a cabeça.

É curioso observar, que, no mundo dos animais brutos, as fêmeas possuem


cores menos incisivas, que de outra parte lhes dá natural proteção dos inimigos
da espécie. A função procriativa da fêmea e sua menor capacidade de luta a
tornariam vulnerável, se fosse eminentemente colorida. O descolorido da fêmea
animal poderá ter ocorrido por efeito da seleção, e não por finalismo.

Inversamente, os machos animais são geralmente mais coloridos e belos.


Atendem por isso mesmo à sensibilidade feminina animal.

Voltando ao plano dos seres humanos, parece evidente que as mulheres tendem
notoriamente para o perfeito e o belo; aliás, o belo se define como a perfeição
em destaque. Tudo isto parece advertir que os homens mais cuidadosos de sua
aparência agradam mais às mulheres (vd 328).

327. O vermelho é a cor mais excitante do ponto de vista sexual. A


maquiagem das pessoas sexualmente mais ativas tende para o vermelho, em
especial para cor de rosa. Quem quiser passar por sexy use cores vermelhas e
acentue a vermelhidão dos lábios.

A sexualidade do vermelho se começa a perceber na própria pele, cujos tons


vermelhos se acentuam com a presença do sangue. Desde os indivíduos quase
pretos da raça negra até os mais brancos das outras raças todos contém algumas
pigmentos de vermelho, que se manifestam até na fotografia e na pintura
perfeita. A rigor não há senão raças vermelhas, isto é, com tons avermelhados
da pele.

Nos condicionamentos colorísticos dos nus, é principalmente o vermelho que


impressiona, e que no corpo despido assume colorações as mais diversas na
direção do suave. Testes têm revelado que mais impressiona o sexo feminino
através do colorido rosa.

O vermelho da pele, em qualquer de suas dosagens, costuma ser prejudicado


pela melanina, que a luz solar desenvolve na pele, conduzindo ao bronzeado ou
mesmo ao preto.

É sensual principalmente o vermelho dos objetos moventes, como das vestes


bandeiras e todas as espécies de imagens em ação. O vermelho teatral é pois
mais sensual que a luxúria de uma tela estática.

O grau de saturação cromática influencia as modalidades de sensualidade do


vermelho. Ocorrem diferenças entre as estimulações do vermelho frio e do
vermelho quente, do vermelho cromaticamente saturado e do vermelho menos
saturado (cor de rosa). São uns mais excitantes e outros menos, uns mais
enérgicos e outros menos.

328. O masculino e o feminino nas cores. A variação maior de mulher para


mulher, que de homem para homem, resulta em se ter de destacar a diferença
da sexualidade das cores num e noutro sexo.

Mas é preciso não exagerar. É inválida a antiga imagem dos sexos como
indivíduos simplesmente opostos, apenas complementares. Possuem ambos os
mesmos órgãos sexuais. As diferenças se dão apenas como leque que abre para
a direita ou para a esquerda, conforme as inibições e não inibições biológicas
que se deram nestes órgãos.

Devemos contudo aceitar a existência desta margem de diferença, ainda que


sob a forma acidental de diferentes equilíbrios de intensidade. Essencialmente
nada há no homem, que também não haja na mulher, e assim nada há na mulher
que essencialmente também não exista no homem.
São portanto teoricamente possíveis as reversões, como de fato acontece
normalmente em alguns animais, que numa fase se exercem como masculinos,
noutra como femininos; patologicamente a reversão também pode ocorrer, no
todo, ou em parte, nos humanos, - mulheres que se desenvolvem como homens,
e homens, como mulheres.

A psicologia masculina da cor tem contato com a psicologia feminina, e


também inversamente. O mesmo que sensibiliza ao homem, também sensibiliza
à mulher, apenas com diversidade de grau.

329. O homem e as cores. Em vista de ser geralmente mais raciocinativo e


calculista para obter resultados, o homem se inclina menos para cores. Por isso
a preferência masculina pode manter-se nas cores menos luminosas, inclusive
no cinza e no branco.

Não obstante, o homem afeta-se pelas cores mais brilhantes e estimulantes,


quando as encontra na mulher, porque assim a identifica sexualmente.
Aproveita-se racionalmente desta identificação feminina para a galantear. E
assim ele mesmo, o homem, poderá colorir-se para galantear a mulher. Então a
cor está sendo usada como um expediente calculado para obter um resultado.

É curioso lembrar que a gravata pode assumir o caráter de símbolo fálico


sublimado, quando o homem a usa espontaneamente ao sair para a conquista de
uma parceira. Nesta condição a usará de preferência na cor vermelha, e não
preta, nem escura.

330. A mulher e as cores. É notória a preferência feminina pelas cores


fundamentais, ou primárias (vermelho, azul, amarelo).

Dentre as cores derivadas, prefere as secundárias (laranja, verde, violeta), que


mais imediatamente derivam das primárias, porque são mais luminosas e
estimulantes. Mais dificilmente dá sua preferência às cores terciárias, que
resultam da mistura de três, em que os pigmentos absorvem parte do brilho,
deixando mais apagados os tons de vermelho, amarelo, azul.
A mulher se sensibiliza mais depressa pelas cores que o homem. Onde ela está
presente, o ambiente e mais colorido. Assim acontece, tanto pelo modo como
se compõe a si mesma, como pelos arranjos decorativos que teve o cuidado de
providenciar para o seu arredor.

Os detalhes da psicologia das cores é mais difícil de ser determinada para o


sexo feminino, que para o masculino

O homem é mais unitário; o que vale para uns poucos homens, vale geralmente
para a maioria deles. O homem é sexualmente muito ativo, raramente um
homem se faz rogado às solicitações femininas, porque praticamente todos são
igualmente muito eróticos e conquistadores.

Diversamente as mulheres se diferenciam bastante entre si, - com já foi


advertido.

Um terço das mulheres é sexualmente quente; não são mulheres para se


fazerem de rogadas, nem no real, nem na brincadeira. Funcionam com um
virtuosismo sexual sem defeito.

Outro terço de mulheres é sexualmente moderada. Precisam elas ser


galanteadas, para se sentirem lisonjeadas.

O último terço das mulheres é de sexo frio, e acha até que a virtude está na
rejeição sexual. São as que em outros tempos enchiam os conventos, em vez de
se auto-estimularem na virtude própria da condição feminina.

Assim sendo, a psicodinâmica da eroticidade feminina das cores é mais difícil


de estabelecer. Também as vivências mudam de mulher para mulher, pois
enquanto umas se entregam a um admirável artesanato de cultivo estético de
seu corpo e do ambiente de sua casa, outras se cobrem vastamente e se
dizem esposas místicas de Jesus.

A mulher se ocupa com as cores, em primeiro lugar porque certamente possui


uma sensibilidade estética quase generalizada. Este motivo estético é em todas
maior que o motivo erótico, ou pelo menos tanto quanto..
Mas o referido terço de mulheres quentes, cuja virtude é dar curso eficaz à sua
admirável espontaneidade sexual, usa também a cor como um atrativo sexual
subtil.

O belo é o preferido, afirma Aristóteles. As cores são belas e podem atrair aos
homens. Sempre que a mulher procura atrair aos homens, o que mais a
preocupa é a cor, porque esta a identifica. Trata da cor dos cabelos, das faces,
dos lábios, das unhas, das vestes, dos sapatos. Sobretudo apela às cores cuja
psicodinâmica mais desperta a eroticidade, com o vermelho e o cor-de-rosa,
além de estar atenta às cores luminosas, quentes, excitantes.

Mas, aquele terço de mulheres, sexualmente frias, não deixa de ser sensível à
esteticidade geral das cores.

É necessário um motivo ideológico muito grande para que uma mulher rejeite
as cores em troca do preto. Isto pode explicar em parte o fenômeno da mulher
vestida inteiramente de preto. É este o caso da monja, que se considera morrida
para este mundo. Ou da mulher casada, morrida para os demais homens.

331. Cor e ostentação. Acontece haver um número notável de homens e


mulheres com tendência à ostentação. E um dos principais recursos da
ostentação é a cor, além da riqueza exteriorizada.

Nesta tendência de ostentação entram sobretudo as mulheres, muito


especialmente as mulheres quentes, e até certo ponto também as sexualmente
moderadas.

As ostentações ou exibições contêm um quê de generosidade, porque agradam


aos olhos de quem quer seja.

Acontece por vezes o seguinte: o homem galanteador se dirige à mulher,


calculando que tanta ostentação é feita com vistas a atraí-lo. Mas, na verdade,
aquele galanteador tinha diante de si apenas uma mulher fria, cuja apresentação
estética não tinha como móvel senão a exibição estética.

Há, pois, exibições femininas apenas estéticas, ao lado de outras que são a um
tempo estéticas e eróticas.
Os homens cuidem, - no seu relacionamento com as mulheres, - para, em cada
caso, identificar o que está acontecendo.

Assim evitarão ter decepções pessoais e nem criarão constrangimentos às


mulheres, costumeiramente zelosas, - geralmente mais zelosas que eles, - do
belo, do perfeito, do bem ético.

332. Conclui-se sobre a psicodinâmica das cores, que elas agem de maneira
expressiva e mui variada sobre a pique humana. Dado este variado potencial
das cores, - tudo isto deve ser considerado na arte da pintura.

As cores, tanto podem agradar esteticamente, como criar repulsa, ainda que
cada cor individualmente apresenta alguma beleza.

Os efeitos psicodinâmicos da cor são de grande volume e mui diversificados. E


tudo isto acontece, por causa da predominância da vista sobre todos os demais
sentidos.

Notou-se também a dificuldade oferecida pelo estudo da psicodinâmica das


cores. E agora o motivo está em que as cores são em grande número, e cada
uma com um leque de propriedades, quer no campo da luminosidade, quer no
da cromaticidade.

E o que foi exposto ainda não é tudo no campo da psicologia, porquanto o


fenômeno da harmonia das cores ainda muito oferece à pesquisa, e que importa
ao exercício perfeito da arte da pintura

Art. 5o. HARMONIA E RITMO DAS CORES.

3911y333.
334. As cores também interagem, gerando harmonias, ora mais felizes, ora
menos, como ainda se movendo substituindo-se, criando então ritmos variados.

Dois são por conseguinte os temas que agora se apresentam, e que são dos mais
significativos para a estética das cores:

- Harmonia das cores (§ 1.) (vd 333);

- Ritmo das cores (§ 2.) (vd 354).

No primeiro plano se consideram as cores em sua diversidade específica, as


quais interagem mutuamente do ponto de vista meramente colorístico, podendo
harmonizar-se.

No segundo se considera a sucessão material das cores no tempo, de novo


podendo ser subordinadas a uma certa ordem, que lhes dê um ritmo adequado,
para a apreciação do apreciador.

§1. Harmonia das cores.


3911y335.

335. O questionamento sobre a harmonia das cores importa no seguinte


sequencial de tópicos, para tratamento didático do tema:

- Conceito de harmonia, tônica e acorde das cores (vd 336);

- Harmonia tripla (vd 340)

- Harmonia complementar, ou dupla, ou oposta (vd 344);

- Harmonia análoga, ou aparentada (vd 348).

- Harmonia de intensidade de brilho das cores (vd 351).


I - Conceito de harmonia, tônica e acorde.
3911y336.

336. Harmonia das cores se diz preferencialmente das cores em estado


simultâneo. Como linguagem, harmonia procede do grego, significando
genericamente ordem e proporção.

Melodia das cores se diz sobretudo do seu em estado sucessivo. Também


derivado do grego , melodia é linguagem típica da música, significando o
relacionamento sequêncial agradável dos sons.. Esta melodia também pode ser
imaginada entre as cores quando vistas em sequencial adequado.

Contraste é um elemento da harmonia, e que indica uma situação de oponência,


explorada no ordenamento de um conjunto. Similar é a expressão realce. Assim
há na harmonia das cores contrastes e realces.

Num todo, cada cor, além de sua ação psicológica individual provoca atitudes
diferenciadas conforme a combinação criada.

Por exemplo, o vermelho determina um comportamento junto ao verde, que é


diferente daquele ocasionado junto ao laranja. Importa, por conseguinte,
examinar as propriedades psicológicas das diferentes cores quando
relacionadas entre si.

As relações entre as cores se podem dar entre cores simultâneas, como tratamos
aqui, sob o título de harmonia das cores, e entre cores sucessivas no tempo, isto
é, em movimento, como logo a seguir (vd 354).

337. Tônicas e acordes. Tal como nos sons, também nas cores há uma escala,
com tônicas e acordes.
Na composição dos sons em uma escala, um dos sons se exerce como tônica,
em função ao qual se dispõem os demais.

Os sons consonantais se agrupam em função à tônica, de tal maneira que


elaboram um conjunto peculiar que recebe a denominação de acorde. O quinto
tom se denomina dominante, o quarto subdominante, o terceiro mediante, o
segundo sensível.

As cores admitem uma composição semelhante ao acorde musical em que uma


se exerce como tônica e as demais como posições definíveis em relação à
tônica. Ainda que individualmente todas as cores sejam agradáveis e nenhuma
se possa dizer feia, mudam de valor ao serem combinadas em acorde.

É possível que a maneira de relacionar entre si as cores não seja igual, mas
apenas análoga a dos sons na escala. Parece que sons próximos desagradam, ao
passo que cores próximas apenas não se revelam insistentemente na
diferenciação; a pouca diferenciação as empobrece todavia.

Na música, as oitavas se desaconselham, porque não trazem quase nada de


novo; as quintas (tônicas dominantes) também são de pouco efeito estético,
porque, dividindo ao meio a escala, pouco oferecem de novidade, mesmo ainda
porque a dominante é início do segundo tetracorde, tal como a tônica é do
primeiro tetracorde.

Na simultaneidade das cores há aquelas que ficam entre si como as oitavas na


música, portanto sem um efeito sensível na variação. E há aquelas que se
situam como as quintas, não produzindo efeito considerável. Assim, há também
as cores que combinam pela sua variedade, ao mesmo tempo que concordam
entre si. Os acordes em cor obedecem, tal como os acordes em música, a
complicadas posições, que cumpriria fixar.

O tamanho e a forma da área influencia também a consonância das cores. Áreas


maiores ou menores dão mais ou menos ênfase colorística. E assim também a
luminosidade pode influenciar a tonicidade.

Num "acorde" de cores as tônicas poderão ser determinadas pela cor que possui,
ou mais brilho; ou pela cor que possui mais área; ou por ambas as
peculiaridades ao mesmo tempo.
338. Quanto ao realce das cores, pela combinação de umas com outras, é
natural que o contraste reforça as especificidades de cada uma. Pela inversa,
cores semelhantes não realçam umas às outras; atrás de um sofá de tonalidade
verde, uma parede de cor aparentada como que se funde no mesmo todo. Se o
objetivo é destacar, as cores hão de divergir notoriamente; se for o de integrar,
hão de ser, pelo contrário do mesmo matiz.

A moldura de uma tela, ordinariamente deve destacar-se da apresentação


artística, e fundir-se com a parede; nesta arrumação fica destacada a tela. Mas,
se eventualmente a cor da parede coincide com os tons dominantes da pintura,
e, se a intenção for destacar o quadro, precisa a moldura realizar a função por
meio de uma cor especificamente distinta.

Um mobiliário laqueado em cores vivas requer um recinto suave, ou pelo


menos consideravelmente diverso. Mas, se as cores do mobiliário não forem
vivas, pode-se considerá-lo em cor neutra (branco, preto, cinzento), e então
qualquer cor, quente ou fria, o destaca suficientemente.

Se o mobiliário em cor uniforme pretender a um só tempo destacar-se e não


opor-se vivamente ao meio, deve a sala receber uma cor complementar. O
amarelo, e azul e o verde se relacionam, porque o verde resulta do amarelo e
azul; então poderíamos ter móveis amarelos, cortinas, paredes verdes, sem
considerável conflito, e com suficiente destaque dos elementos.

Em uma sala verde, molduras com um tom verde se fundem com a parede. A
representação de uma tela, para não se opor violentamente, terá que assumir
como cores dominantes as complementares, em que se admitem também as
cores neutras. Quem, entretanto, procura outro efeito, por exemplo de violenta
ação, escolherá logo um quadro de predominância vermelha, contra uma parede
em cor suave.

Ainda entre as cores neutras, as variações se tornam originais.


Um abajour claro, em sala com fundo escuro, realiza um efeito sugestivo e
dramático.

339. Harmonias e tonicidade. As cores se harmonizam perfeitamente, quando


uma se exerce como tônica. Paradoxalmente, cores, com participação igual,
conflitam.

Numa composição harmônica de cores valem as leis seguintes:


a). Deve haver uma tônica em qualquer combinação de cores. A partir dela o
olhar aprecia as demais, caminhando da tônica para as restantes. Por isso, no
tratamento prático das cores, fixa-se primeiramente uma principal, fazendo-a
dirigir a composição.

b). Também deve haver uma tônica nas variantes internas do brilho (valor).

c). Deve haver uma tônica nas relações entre cores acromática, da cor com o
branco, cinza e preto .

II - A harmonia tripla das cores.


3911y340.

341. A harmonia tripla se constitui de três cores fundamentais ou de cores


compostas equidistantes no disco das cores (vd 196).

A esteticidade da harmonia tripla requer uma tônica poderosa, para dominar


fortemente duas cores inteiramente conflitantes.

A segunda cor, por sua vez, poderá ser dominante sobre a terceira.

Esta terceira cor estará, portanto, completamente dominada.

Numa sala a harmonia tripla poderá fazer-se, aplicando-se ao recinto uma cor.

Aos móveis outra.

A elementos decorativos menores, ainda uma outra.

A tonicidade se consegue por aumento de área, ou por aumento de brilho.

342. A harmonia tripla é a mais pictórica e impositiva. Ela manipula com todas
cores fundamentais, ou com todas as derivadas, de sorte a constituir uma
composição rica e cativante.
Funciona a harmonia tripla com três acordes; maior, médio, menor.

No acorde maior, a tônica fica na mais brilhante das cores da composição. O é


amarelo está como tônica.

Está em segundo lugar o vermelho, e em terceiro o azul.

Ou, inversamente, em segundo lugar o azul, em terceiro o vermelho.

No acorde médio, a tônica se apóia no vermelho.

Em segundo lugar fica o amarelo, e em terceiro o azul.

Ou, inversamente, em segundo, o azul, em terceiro o amarelo.

No acorde em menor está finalmente o azul como tônica.

Em segundo lugar, o vermelho, em terceiro o amarelo.

Ou, inversamente, em segundo o amarelo, em terceiro o vermelho.

Neste quadro cromático houve pois:

- um acorde amarelo (acorde cromático maior);

- um acorde vermelho (acorde cromático médio),

- um acorde azul (acorde cromático menor).

343. Os acordes em tripla podem também ser criados por cores compostas,
desde que fiquem à igual distância do disco das cores (vd 196).

Ainda é possível variar no processo da tonicidade, operando, ora com o


aumento de área, ora com o aumento de brilho; igualmente as subordinações se
conseguem, ora com diminuição de área, ora com o esfriamento do brilho.

Esta maneira de proceder gera as harmonias estreitas e as harmonias largas,


como na música.

Tornando o acorde cromático ainda mais complexo, poder-se-á introduzir a


subdivisão de cada cor fundamental em suas complementares, por exemplo, o
amarelo em seu amarelo-verde.
Mas, nestas condições, é necessário que não se destrua a sub-unidade, a fim de
que as complementares não se afastem e funcionem isoladamente.

Ainda mais complexa se torna o acorde cromático, quando se nele forem


introduzidos os neutros branco e preto.

III - A harmonia complementar, ou dupla, ou oposta das cores.


3911y344.

345. Constitui-se a harmonia complementar (ou harmonia dupla, ou oposta), a


composição que opera, tendo de um lado, na tônica, uma cor, que, pelo outro
lado, tem as que lhe são opostas, em virtude de serem de outra natureza.

As duas cores, ao mesmo tempo que se opõem, se invocam, podendo coexistir


sem se prejudicarem e sem cansarem; deve-se o fato à circunstância biológica
de se ocuparem uns cones da vista com a primeira área e os outros com a
segunda, de tal sorte que esta segunda fica sendo um cor misturada em virtude
da cooperação de duas espécies de cones.

Diz-se também harmonia dupla para a harmonia complementar, por causa de


sua divisão em apenas dois campos. Ainda que um dos campos se subdivida,
ele se exerce como um todo distinto da outra área.

Diz-se ainda harmonia oposta, porque no disco das cores o eixo das oposições
se colocam em oposição exata.

Em tais condições são harmonias complementares (duplas, ou opostas):

1) vermelho, com verde;

2) azul, com laranja;

3) amarelo, com violeta.


Nestas harmonias complementares ocorre sempre uma cor pura; mas se o disco
for torcido levemente, as harmonias complementares terão cores mistas de
ambos os lados, diminuindo, então, a enfaticidade das oposições, mas que não
cessam.

346. Criam-se variantes na harmonia complementar, por subdivisão das áreas


opostas. Há, então, a harmonia complementar de opostas não divididas e
harmonia de opostas divididas.

Diversas são as maneiras de dividir as opostas:

1) harmonia complementar com uma das opostas divididas;

2) harmonia complementar com as duas opostas respectivamente.

Semelhante é a harmonia do 60%, em que uma das opostas se alarga em


subdivisões, que, entretanto não ultrapassam 60% da largura do disco, para não
penetrar na região da outra oposta.

347. Comparada a harmonia dupla com a harmonia tripla (vd 340) , esta outra
brilha mais pelo efeito colorístico, porquanto manipula com todas as cores.

Mas, poderá a harmonia dupla (mesmo quando uma das duplas se subdivide)
ser mais aceitável, por ajustar-se melhor ao ritmo de apreensão por parte da
vista.

Coerentemente, o espírito clássico, obediente ao equilíbrio, não propende para


a harmonia tripla, porém para a dupla. Diferentemente, orientações como o
barroco, se inclinam para as exacerbações colorísticas. A violência das cores
poder-se-á incutir tanto mais fortemente, se não se subordinar a composição a
uma cor que opere como tônica.

A insistência da tônica é mais importante na harmonia tripla, que na harmonia


dupla. É que na tripla ocorre um excesso de variedade, o que contraria a lei do
ritmo padrão.

A terceira cor fundamental da harmonia tripla requer ser dominada


arrasadoramente, quase como se fosse reduzida a pequenas áreas decorativas,
sem ocupar estruturas gerais. Numa sala isto representa ocupar situações como
frisos, ou apenas algum travesseiro do sofá. Em vestuários pode reduzir-se a
botões, ou coisas do gênero.

IV - A harmonia análoga, ou aparentada das cores.


3911y348.

349. A harmonia análoga (ou aparentada) é a de cores uma ao lado da outra,


como no disco das cores. Requer uma tônica que dê ordem rítmica às sucessões
em apreço. Mas as cores se opõem suavemente, de sorte a não contrastarem
vivamente entre si. Tendem, por conseguinte a se apagar. Por isso, a tonicidade
é importante, com o fim de realçar umas em relação às outras, quer mediante
área, quer por meio de brilho.

São, por exemplo, análogas o amarelo, o amarelo-verde, o verde. É preciso dar


a uma destas a tonicidade; suponhamos que seja fria e de grande área. As outras
poderão ser, então, quentes (com mais brilho) e áreas menores, sucessivamente.

350. Ainda mais complexa se tornará a harmonia aparentada, criada ao se dar


à cada uma das cores uma subdivisão em brilhante e menos brilhante.

Assim, em vez de três se têm seis modalidades de brilho.

Nesta hipótese, cada uma das cores tem um dos seus brilhos dominado por seu
respectivo outro.

V - Harmonia de intensidade de brilho das cores.


3911y351.
352. A harmonia de valores de intensidade, dentro da mesma cor, por menor e
maior brilho, também requer obediência a uma tônica, a fim de criar o ritmo
harmônico que anda de uma luminosidade para a outra. Mas, não há violento
conflito entre um e outro valor.

Qualquer cor, por conseguinte, combina com os valores de intensidade que se


fazem na sua categoria. As nuances, aliás, são muito apreciadas.

A intensidade maior de brilho tende a se instituir como tônica.

Mas, esta posição poderá ser alterada pela aumento de área da sua oponente. O
vermelho frio, em vasta área, domina ao cor-de-rosa (mais brilhante) em área
menor.

Variadas interferências, sobretudo de luminosidade atmosférica, influenciam os


valores de intensidade da mesma cor. Dificilmente se consegue determinar e
descrever essas variações.

"O tom, na perspectiva atmosférica, muda em intensidade. A cor não só se


modifica por mudanças de tom, senão também por mudança de cor.

Como princípio genérico, todas as cores e, à medida, que se distanciam, tendem


a fundir-se em um gris neutro. Um plano de cor, segundo o afete a luz,
oferecerá cambiantes de cor mui definidas. Uma superfície laranja, à luz viva
do sol, apresentará sua própria cor, porém se aquela luz é mais suave e difusa,
mudará até um matiz mais amarelo, e, se esta luz ainda se atenua, o matiz
derivará até o azul-gris.

Ante uma paisagem e em um brevíssimo período de tempo, podemos apreciar


mudanças notáveis, segundo afete a uma área a plena luz do sol, ou esta seja
interceptada por nuvens ligeiras ou densas. As cores, à medida que se
distanciam, vão tendendo até a cor atmosférica; sob um céu claro e azul se
fazem mais frias; em um dia triste e gris se fazem mais grises; sob a neblina, se
perdem na atmosfera.

Na perspectiva linear são as dimensões das coisas as que, ao separar-se do


ponto de visão, tendem, a diminuir; na perspectiva aérea são os tons e cores os
que diminuem gradualmente ao distanciar-se e até que se fundem em cor
uniforme do último plano, perdendo sua evidência.
Se as partículas de umidade são mui numerosas, se forma a neblina; dentro dela
os objetos se vêem mais influenciados e à medida que estão mais distantes pela
luz branca, até que ficam submergidos em uma massa uniforme de luz; as cores
não mudam, porém se aclaram progressivamente até o branco. A neve, ao cair,
determina análogos efeitos" (J. Bamz, Arte ciência da cor).

353. Preto, branco e cinza (cores neutras) não conflitam com qualquer cor.
Fazem harmonias com todas elas.

Ocorrendo neste quadro ainda uma cor, cabe à esta a posição de tônica.
Preferimos ver cor antes de tudo; por isso, a cor é sempre tônica, com
referência ao preto, branco, cinza.

A tonicidade apenas poderá ser modificada por alteração de área e


consequentemente do brilho.

A incidência da tonicidade se deixa influenciar pelo brilho dos oponentes.

Uma cor, à medida que se torna brilhante, é mais efetiva, quando oposta à luz
que se esfria em cinza, até o preto.

Inversamente se manifesta menos efetiva ao ser posta em oposição ao claro.


Por exemplo, o preto realça o vermelho claro; o branco não o realça. A cor, é
medida que se esfria, se torna efetiva com o claro e menos efetiva com o escuro.
Por exemplo, o vermelho frio se realça com o branco; não se realça com o preto.

Na prática, o jogo do brilho dos pretos e brancos, é aproveitável na criação de


sombras com efeitos diversos, ora realçando, ora não. Igualmente, isto vem
influenciar a criação do espaço. o que mais brilha, se aproxima. Por exemplo,
sobre parede menos brilhante a moldura brilhante se faz realçar como um alto
relevo. Se também o conteúdo da tela se mostrar menos brilhante, mais uma a
moldura torna a se realçar.

O branco e o preto, quando situados à maneira de frisos separando outras cores,


destacam as diferenças de tais cores. É que, não sendo cores, o preto e o branco
facilitam a apreensão das cores que separam entre si. Facilitam, portanto, em
pintura, o destaque do contorno dos objetos.
Ocorre a particularidade de que o branco destaca as cores frias, o preto as cores
quentes. Por isso, o vermelho frio é realçado pelo branco, o vermelho quente
pelo preto.

§2. Movimento e ritmo das cores.


3911y354.

355. A cor não é apenas um fenômeno estático, mas também dinâmico, cujo
movimento e ritmo importa considerar. Neste sentido se oferecem dois itens:

- movimento e ritmo das cores (vd 356);

- ritmo da mensagem (vd 361).

O segundo tema já invade um tanto à área do significado, porquanto à ele se


destina a cor, quando estudada com vistas a ser portadora da expressão artística.

I - Do movimento e ritmo material das cores.


3911y356.

357. O movimento é a propriedade que os seres possuem de se substituírem,


criando a sucessão. O ordenamento das sucessões, em tempos iguais marcados
por tônicas, se chama ritmo.

Alguns movimentos soam mais ou menos espontâneos, como os dos sons que
se fazem suceder com notória facilidade. Outros movimentos, como das formas
plásticas variam muito. Movem-se a seu modo a máquina, os líquidos, a pessoa
que anda.

Movem-se também as cores. Observa-se a sua constante substituição nas


imagens do cinema e televisão, ainda na sucessão de holofotes e espetáculos
pirotécnicos. Também a mensagem contida na expressão obedece a um ritmo
de enunciação.

Mover imagens coloridas é algo difícil, certamente mais difícil que gerar sons
sucessivos. Em princípio, porém, a mobilidade da cor é a maior, porque
depende diretamente da luz. Nada mais veloz conhecemos que a luz, a qual
percorre 300 mil quilômetros por segundo.

Só aos poucos o homem venceu os problemas técnicos de movimentar as


imagens. Primeiramente só conhecia a imagem móvel como acontecia no teatro.
Depois como no cinema, finalmente como acontece na televisão.

Com a descoberta do raio lazer dominou até a fonte irradiação, cujos raios,
normalmente difusos em todas as direções, passam a manter uma direção única.

358. Ritmos objetivos e ritmos subjetivos ou psicológicos. São


ritmos objetivos aqueles cujos elementos em fluxo são efetivamente reais, uns
elementos substituindo aos precedentes.

Diferentemente os ritmos subjetivos são aqueles outros que efetivamente não


ocorrem nas coisas, mas por efeito da atenção sucessiva da mente, inclusive da
vista, aos elementos que efetivamente são apenas simultâneos.

O eixo da vista, direcionado sempre para um só ponto definido, não nos


permite uma apreensão perfeita de cores justapostas, apesar da simultaneidade
objetiva destas. Caminhando a vista de uma cor para outra, ainda que com
rapidez, resulta um ritmo subjetivo, ou psicológico peculiar.

Esta sucessão saltitante, de cor para outras cores ao lado, difere da sucessão
objetiva de cores, quando estas são simplesmente substituídas pelo
desaparecimento das anteriores que dão lugar às novas, como no cinema e na
televisão.
O ritmo psicológico é aquele que se dá pelo redirecionamento constante do
eixo da vista para novos pontos, para os quais se desloca. Ela supõe várias
cores simultâneas, mas atingidas sucessivamente, e assim criando um
movimento psicológico.

Poderá ocorrer passando de uma espécie de cor para outra. E assim também de
uma intensidade de cor para o de outra, ou ainda variando pelos graus mais
frios ou mais quentes da cor.

A psicodinâmica das cores tem paralelismo com as outras qualidades sensíveis,


sobretudo com os sons, que afetam ao ouvido. É evidente a psicodinâmica dos
sons. Ninguém é indiferente à diversidade dos sons, nem pela espécie tonal,
nem pela diversidade de intensidade.

Melodias e harmonias, cadências e ritmos geram fenômenos afetivos, que a arte


musical leva em conta. Ainda o mesmo acontece com as formas espaciais,
como linhas, áreas e volumes, que impressionam conforme a dimensão. E
assim o mesmo acontece no mundo das cores, cujas diferentes situações
psicodinâmicas a arte aproveita para exercer a expressão.

358. Leis do ritmo. O espectador assimila os elementos do fluxo das cores


dentro de sua capacidade de atenção aos detalhes principais. Assim acontece
haver um limite antropológico e que determinar as leis do ritmo.

O desenvolvimento dos sons se faz, portanto, dentro de certa escala, a qual é


considerada agradável para o ser humano. Assim também o ritmo das cores em
sucessão é comandado por uma cor dominante. Nestas condições há melodia
em sons e melodias em cores, adequadas ao ouvido e à vista humanas.

Um exame detalhado mostra que o espetáculo das sucessões colorísticas


obedece a leis peculiares. Acordes colorísticos, fazem harmonias, - como já se
advertiu (vd 337). As mesmas cores, quer individualmente, quer em grupos,
podem mover-se como um sequencial melódico.

Um espetáculo pirotécnico, manipulando cores que se sucedem, constituem um


exemplo de sucessões colorísticas.

Outro espetáculo colorístico de sucessões é o de holofotes, a fazer combinações


sucessivas.
O relâmpago é um impressionante espetáculo da natureza, em vista da sucessão
rápida de cores pela vastidão do espaço.

Também os espetáculos da aurora e do ocaso do sol encantam pela sucessão


agradável das cores.

359. Variantes fundamentais da velocidade rítmica. No que se refere à


velocidade de substituição, o ritmo oferece três variantes fundamentais.

No primeiro caso a substituição se dá pela sequência de elementos que


simplesmente se repetem iguais. Por isso mesmo é um ritmo fácil, e até mesmo
um ritmo monótono, por causa de sua repetividade sem novidade.

Por exemplo, a vista passa de um ponto vermelho para outro identicamente


vermelho; é o caso da caminhada da vista ao longo da linha reta. No ritmo
objetivo acontece quando por exemplo, cessa o vermelho e ato contínuo
reacende o mesmo vermelho.

No segundo caso, a substituição rítmica se dá por elementos totalmente novos,


sem qualquer renovação do elemento anterior.

Este ritmo enérgico acontece, por exemplo, quando o azul é substituído pelo
vermelho, depois o vermelho pelo amarelo, e assim por diante.

No terceiro caso o ritmo se dá por substituição parcelada dos elementos, os


quais portanto em parte se repetem e em parte se apresentam novos.

Por exemplo, pode o vermelho reaparecer com diferença de densidade


cromática ou diferença de área ou em posição diferente, enquanto surgem
também outras cores.

Do ponto de vista do agrado e da espontaneidade, os ritmos com inteira


novidade são ríspidos e vão além da espontaneidade natural das nossas
faculdades de apreensão cognoscitiva.

Os que simplesmente repetem, são monótonos, pela sua falta de novidade,


conforme já se advertiu.
Enfim, as sequências que em parte repetem e em parte renovam, agradam;
atendem a um tempo, à facilidade e à novidade. Sobre o baile das cores há que
admitir que ele pode assumir variadas formas, e em que variam tanto as
circunstâncias objetivas como as subjetivas.

360. As fontes da variação do ritmo das cores são várias, ora variando as
espécies cromáticas, ora o valor do brilho, ora a intensidade cromática, ora o
espaço e a forma.

O ritmo das espécies cromáticas (ritmo cromático) faz suceder cores cada vez
especificamente distintas, ou só primárias, ou só secundárias ou só terciárias
(isto é, de tons); ou primária, seguida de secundária, terciária; ou de primária
seguida de terciária, e assim por diante, ora com espécies mais diferenciadas,
ora menos.

Mas o ritmo pode dar-se com variações de brilho. Então podem suceder-se
cores quentes e cores frias; ou espécies quentes com espécies frias (por
exemplo, vermelho quente, com amarelo frio).

As fórmulas dos ritmos de variação, combinando espécies e brilhos, são muito


variados. A sequência de vermelho-laranja-violeta se processa com cores frias.

Novas e novas modalidades de ritmos colorísticos se criam mediante a


introdução de variações na saturação da grandeza e forma dos espaços
coloridos.

Uma tabela sistemática bastante longa é o elenco total dos ritmos colorísticos
possíveis. Esta tabela impossível de ser mentalizada, é contudo computorizável,
com vistas a um desempenho maior do uso das cores.

Para prevenir contra a monotonia, o movimento de substituição das cores deve


atingir uma velocidade suficiente, de sorte a produzir contínua novidade. De
outra parte, se evita a novidade excessiva, que irritaria pelo esforço de
apreensão exigido.

Mudando em parte e conservando ainda em parte, o ritmo temporal das cores


obedece, pois, à lei da meia medida, entre o máximo e o mínimo de velocidade
da atenção humana, subordinada a um limite antropológico.
À tônica de uma cor predominante cabe imprimir a unidade na variedade.
Assim, por exemplo, se o vermelho ingressa como tônica, ele predominará
entre as cores que se farão suceder. Como tônica reaparecerá de espaço em
espaço, facilitando a apreensão e gerando agrado.

Na mudança contínua das modas, há uma tônica nas cores preferidas pela
mulheres mais brilhantes, outra pelos homens (mais frios).

Ladrilhos e azulejos decorados repetem de espaço em espaço uma tônica, a


qual torna assimilável o quadro geral que formam.

Na sequência de bandeirinhas que se repetem ao longo de um cordel é notável a


facilidade do ritmo, ao mesmo tempo que se organizam algumas tônicas
eventuais, ora pelo posteamento, ora por outros acidentes.

II - Ritmo da mensagem.
3911y361.

362. A índole eminentemente diferenciadora da vista, mais que a do ouvido,


admitiria que numa tela se amontoassem um sem número de objetos; num
trabalha analítico, uma a uma todas as particularidades iriam sendo apreciadas
e, no final de alguns minutos teríamos apreciado todos os elementos da
composição.

Entretanto, não é este tumulto de temas que o pintor procura, e nem é isto que
efetivamente suporta a vista, sem se cansar.

Uma ordem rítmica haverá no que a expressão apresenta. A câmara fotográfica


tudo fixa; mas uma intervenção do operador dispõe previamente as partes que
hão de se destacar na composição e, após retocada a mesma chapa, resulta a
verdadeira fotografia, dando ênfase ao que efetivamente era visado. Assim
também o pintor imprime uma disposição em que os elementos ingressam por
sequência rítmica aceitável.
Conforme em parte já se tem anotado a respeito das limitações antropológicas,
o ritmo das apreensões de que nossas faculdades são capazes, obedece ao
esquema da variedade sob medida.

Sempre iguais, as noções enfadam, pois as faculdades aspiram mais e estão em


condições para este maior volume do objeto.

Sempre novas, por alterações em parte iguais e em parte apenas renovadas, os


as noções, quer sensíveis e intelectuais, mantêm as faculdades e os sentimentos
em constante satisfação, de acordo com o padrão antropológico do ser humano.

Porém, totalmente substituídas e novas, as sequências nocionais forçam o


equipamento mental, cansam, confundem, finalmente desagradam.

363. Requer-se a distribuição dos elementos da composição pictórica, para que


a exposição do tema não se veja tumultuada.

Excesso da personagem, por exemplo, dificulta a apreciação da pintura


figurativa.

A multiplicação considerável das cores desorganiza o ritmo meramente formal


da apreciação pictórica.

Gioto (1267-1337), um reformulador da pintura, insistiu na redução numérica


dos elementos representados. Ainda que tenha desdobrado a representação para
os fundos, mantém o mínimo de figuras.

A sobriedade se observa também em Masaccio, mesmo no episódio


subdividido do pagamento do Tributo.

Tintoreto (1518-1594), deixou amplos espaços vazios, para organizar o ritmo


das variações de cores e de formas.

Na hipótese de um número considerável de figuras, faz-se mister reagrupá-las


em conjuntos menores. Por sua vez, os vários conjuntos hão de ser dominados
por um ponto convergente.

A Ceia de Leonardo da Vinci, distribui os Apóstolos de três em três, ao


discutirem sob o impacto da afirmação de Cristo, de que um haveria de trair o
Mestre. Um outro pintor introduziu variações em um dos grupos de três, e que
teve uma aceitação generalizada.
364. A sequência das partes a se sucederem precisa manifestar-se. O recurso ao
geralmente é o dos planos, o primeiro prevalecendo sobre o segundo, de sorte a
se impor o primeiro, por causa de sua aproximação e maior dimensão das
figuras em perspectiva. É evidente que área maior das figuras rapta mais
depressa a atenção:

Outro, método para garantir a sequência situa a figura principal como termo de
um movimento. Uma flecha dinamiza o olhar do apreciador, colocando-o em
marcha, ainda que para um plano longínquo. O traçado de um caminho, ou
vereda, alcança efeito similar. Qualquer linha, aliás, obriga ao movimento
organizado.

A especificação, que afunila no centro do quadro, dirige também o olhar.


Fazendo, pois, espaço apenas em uma direção determinada, os objetos se
organizam. o expediente foi aproveitado nitidamente por Rafael em sua Escola
de Atenas. Para destacar Platão e Aristóteles não fora preciso colocá-los no
primeira plano; bastou situá-los no centro do espaço que se abria.

Semelhante a esta maneira de afunilar o espaço é a da abertura de uma porta,


janela ou outra saída qualquer. Foi o procedimento adotado por Miguel Ângelo
na Virgem das rochas.

365. Unidade e coesão. Num todo complexo, as partes se hão de comportar


como unidade. A ênfase da unidade se diz coesão. A coesão artística une a
diversidade dos elementos que concorrem na mesma composição. Por causa da
coesão há um contexto; no contexto, um elemento conduz logicamente ao outro.

Expedientes vários se utilizam para promover a coesão; concentração das


atenções das diferentes figuras formando um núcleo, eliminação ou
embaciamento das áreas sem importância, criação de um motivo central
eminente do ponto de vista temático.

É claro que, se as figuras revelam atender numa certa direção, que o apreciador
tenderá a concentrar tudo naquele núcleo. Também se compreende porque
o sfumato realça e unifica em torno da área brilhante e nítida.

Enfim, o tema, ao se impor pelo interesse, mais uma vez unifica a composição.
366. Há diferentes espécies de unidade, de acordo com o ponto de vista que a
comanda.

Ocorre a unidade plástica na disposição meramente formal dos elementos da


composição. É relativamente fácil de conseguir esta unidade, ainda que os
artistas nem sempre cuidem disto.

Objetos, que enchem áreas vazias, apenas com o intuito de ornamentar, não
devem contudo situar-se fora da unidade plástica; entretanto é o que facilmente
poderá ocorrer, sendo preferível então eliminar dito enfeite tumultuante.

O Sfumato concorre, como poderoso recurso, para criação da unidade formal,


visto que põe para fora da vista o que não contribui para o todo e não interessa
na intenção temática do artista. Os elementos principais na disposição
meramente formal postos em unidade plástica hão de ser ainda destacadas pelos
recursos da cor.

A unidade moral se diz da participação funcional das figuras da composição.


Há apenas unidade moral mecânica, quando os elementos participam em uma
só ação. Ocorre também a unidade psicológica, ambiental atmosférica, quando
se revela a mesma intenção das figuras a se concentrar, por exemplo todos os
olhares na direção do palco, ou todos na direção dos pratos de comida. É ainda
o caso do atirador, que não apenas empunha a arma, porém dela participa. Os
recursos da cor haverão de destacar aqueles elementos nos quais se centraliza a
unidade moral.

A participação moral é diferentemente apreciada por quem observa a obra de


arte, uns se mostram mais sensíveis à situação atmosférica, outros à espécie de
cor, outros ainda ao tipo de objetos.

367. Artistas há que foram de uma notória unidade moral dos elementos da
composição.

Rembrandt é o pintor holandês que talvez melhor a conseguiu. Afirma-se que


os demais holandeses de sua época alcançaram apenas a unidade plástica e por
vezes nem tanto.

Os episódios narrativos em várias cenas coordenadas perdem facilmente a


coesão.
A cozinha dos Anjos (de Murilo, Louvre 1646) apresenta pouca coesão nas três
cenas, quase justapostas: o santo (Diogo de Acalá) elevado e acima do solo, os
três que assistem ao milagre, a cozinha comandada pelos anjos.

Sobretudo a cozinha se encontra inteiramente dissociada, ao mesmo tempo que


a própria cozinha internamente é dispersiva.

O que entretanto atrai pictoricamente para um centro de atenção é a claridade


que incide sobre os anjos, situados perto do santo, ao mesmo tempo que este se
envolve de luz.

369.. Conclui-se que, - uma vez que as cores interagem, gerando harmonias,
ora mais felizes, ora menos, - convém estarmos sabiamente atentos, para tê-las
sempre que possível, na melhor combinação, quer no contexto do nosso dia a
dia, quer no da expressão em pintura.

Haja pois harmonias, ora a tripla, ora dupla, ou ainda a harmonia de valores de
intensidade, - tudo coordenado finalmente com tônicas variadamente escolhidas,
formando acordes colorísticos.

E haja também ritmos adequadamente planejados, porque as cores também se


movem, ou materialmente, ou apenas psicologicamente.

Art. 6o. ALIANÇA DA ARTE DA COR COM OUTRAS ARTES.

3911y370.

371. Em concreto a cor, - um sensível próprio, - e a forma, um sensível comum,


- convivem no mesmo objeto.

Ainda que mais distantes entre si, é também possível aproximar cor, som e
palavra.

Em consequência ocorre o concretismo das artes que se juntam (vd 979).


Didaticamente se oferecem neste campo temático dois itens:

- pintura aliada às demais artes plásticas (§ 1.) (vd 373);

- Pintura e música, Pintura e linguagem (§ 2.) (vd 395).

O fenômeno causador da possível união de toda as artes é anterior a elas


mesmas, porque já ocorre nos mesmos materiais portadores da expressão.
Como fenômeno pré-artístico, deve assim ser primeiramente tratado.

§1. Pintura aliada às demais artes plásticas.


3911y373.

384. Não há como isolar a cor e o espaço que ela ocupa. Ou seja, não há como
separar fisicamente cor e forma.

Dali a importância quase fundamental do desenho na pintura. Linhas e área são


partes do volume, os quais todos constituem a arte das formas, ou seja, da
escultura. Cores são depositadas sobre a linha, sobre a área, em torno do
volume; todavia, por serem simplesmente formas, - nem a linha, nem a área,
nem o volume pertencem à pintura especificamente.

A expressão arte visual é mais ampla que arte da pintura, porque a visão atinge
a ambos os campos, ao da cor, como sensível próprio, e ao da forma, como
sensível comum. Ainda que diferenciadamente, - advertimos com insistência, -
a vista atinge à cor, como sensível próprio, e à forma como sensível comum.

A união entre a cor (sensível próprio da vista) e o volume espacializado


(sensível comum de todos os sentidos através dos sensíveis próprios), resulta
em uma aliança íntima entre a arte da pintura e às demais artes plásticas.
Usa a expressão arte plástica incluir, sob sua denominação, a pintura. A rigor,
porém, a arte plástica é apenas a arte da escultura, esta essencialmente ligada ao
espaço, cujas partes são a linha, a área, o volume. A extensão da denominação
arte plástica, ao ponto de incluir a pintura, se deve ao fato da íntima aliança
existente entre ambas as artes.

385. Cor e espaço convivem como inseparáveis. Não é possível colocar um


espaço sem cor, nem uma cor sem espaço. A separação é possível por
substituição.

Todavia um e outro exprimem com independência seu objeto. Por isso é


teoricamente possível imaginar que um deles fique sem expressar o objeto, e
que apenas o outro o expresse.

Um contexto de cores espalhadas poderia expressar a exuberância, sem que a


maneira como elas se espalham no espaço exprima algo.

Inversamente, poderia o desenho expressar um objeto, sem que a cor do


desenho (quer preta ou branca, ou mesmo colorida) também diga algo do
mesmo.

Também o apreciador poderá atender em separado, ora à expressão em cor, ora


à expressão em forma espacial. Isto prova tratar-se de expressões distintas,
apesar de em concreto cor e forma serem inseparáveis. Um é efetivamente um
sensível comum, outro um sensível próprio.

386. É um tanto absurdo isolar uma espécie de arte da outra, ao se encontrarem


no mesmo suporte concreto. Não seria apenas perder a oportunidade da aliança,
como ainda a de incorrer em prejuízos, como é fácil de verificar na pintura de
mau desenho.

Melhor é fazer ambas funcionarem, ainda que com o predomínio de uma,


aquela de preferência do artista, e que definirá sua arte.

Quando a preponderância for a da expressão mediante cor, o eixo principal da


composição evidentemente deverá situar-se nesta espécie de arte e por ela será
principalmente apreciada e julgada. Inclusive será julgada e apreciada a
contribuição dada pela outra, e que será a maior possível.

Na pintura deveremos, pois, determinar a contribuição da forma plástica,


sobretudo do desenho. Depois ainda a contribuição da forma em volume, como
na estátua pintada, no teatro, no cinema, na televisão, no gesto do orador.

387. Como é que a forma plástica exprime?

Forma é a disposição das partes no espaço. Certas partes se distribuem ao


longo da linha. Outras em uma área. Finalmente outros a maneira de volume.

Considerando que a expressão exprime por imitação (ou mimese), um desenho


exprime o objeto ao apresentar parte por parte as linhas do mencionado objeto.
Isto se apresenta especificamente, distinto da expressão pictórica. Enquanto o
desenho exprime imitando linhas, a pintura exprime imitando as cores dos
mesmos referidos objetos.

Há uma anterioridade da expressão em forma plástica sobre a expressão em cor,


pelo menos uma anterioridade de importância.

A anterioridade da expressão em forma é entitativa (ou ontológica).


Primeiramente acontece o espaço, e a seguir a cor do espaço. Entitativamente
constrói pois o artista o espaço do objeto, para a seguir colori-lo. Ainda que o
faça, como que simultaneamente, não é possível conceber senão a forma como
anterior à cor.

Mas é possível defender a anterioridade lógica (ou gnosiológica) da cor. Aquilo


que torna os objetos sensíveis à vista é a luz (ou cor) e não simplesmente o
espaço. Então, pelo menos como apreciação, aquilo que observamos na obra de
arte, é em primeiro lugar seu colorido.

É muito difícil discutir as relações entre espaço (ao qual pertence a forma) e cor,
porque, no caso do espaço o sensível é comum (isto é, alcançado por vários
sentidos). No caso da cor o sensível é próprio (isto é, específico) da vista. O
comum a todos os sentidos e o específico de um determinado sentido, ocorrem
ambos ao mesmo tempo.
Como é que a forma exprime ao objeto? Já se percebe, que o expressa imitando
a disposição de suas partes no espaço, todavia sem ao mesmo tempo deixar de
percebê-lo através da luz (branca, ou colorida).

Ocorre uma aparente ilusão de separação quando o desenho se faz em preto,


para depois receber as cores. Mas o próprio desenho em preto é um contraste
como o branco não atingido pelo traço preto. O preenchimento posterior com
cores mais definidas, não é nada mais que o prosseguimento de algo que já
começou no mesmo desenho. Pintar a partir de um núcleo não muda a presença
de ambos os elementos. O núcleo tanto é apenas parte da cor, como também já
é parte do desenho...

388. Em três níveis a cor acompanha a forma no espaço: linha colorida, área
colorida, volume colorido.

Ordinariamente o desenho colorido se destaca mais como forma, do que como


pintura. Esta, a pintura, se privilegia na área colorida; ela sobretudo é a pintura
na acepção mais conhecida. Quando, porém, se trata de volumes coloridos, os
destaques costumam ser o das esculturas. Quem é escultor, evidentemente
prefere esquecer a pintura, atendendo apenas algum tanto aos materiais, que
pela sua cor podem influenciar a expressão.

O vulgo prefere as estátuas coloridas, talvez porque é menos capaz de atender


ao aspecto um tanto abstrato das formas. Por isso, as estátuas religiosas, ou seja,
as imagens, usualmente são pintadas, porque se destinam sobretudo à grande
massa, ordinariamente menos desenvolvida.

Teoricamente, porém, a pintura de estátuas é tão possível, quanto a pintura


sobre telas. A questão é apenas um problema do escultor, que ordinariamente
não é tão bom pintor. Mas, o trabalho de um segundo artista poderá
complementar a estátua e lhe aplicar uma pintura de grande efeito.

Artistas há que aproveitam pessoas vivas, aplicando-lhes tintas diretamente


sobre o corpo, principalmente sobre as áreas mais amplas e ostensivas como o
dorso e as nádegas. Esta pintura, entretanto, não oferece practicidade senão em
circunstâncias muito específicas, como no teatro. Ainda poderá ser explorada
em grandes exposições e pela televisão.
A pintura em volumes, ainda que não tenha tido maior desenvolvimento,
deverá mesmo desenvolver-se em estátuas, sejam de pedra, sejam de luz. O
problema está mesmo no artista, que ainda não se dedicou seriamente à pintura
de volumes, ou não dispõe das técnicas eletrônicas de volumes luminosos.

A maquilagem estética, a que se dedicam sobretudo as mulheres de bom gosto,


não é ainda uma expressão artística. Mas contribui para acentuar a
expressividade preexistente.

Mas a maquilagem dos artistas, que hão de representar outras pessoas, por
exemplo no palco, no cinema, na televisão, já se encontra dentro da
especificidade da expressão. Em virtude do desenvolvimento destas artes
mistas, a maquilagem dos artistas, em que um dos recursos é a cor, mereceu
atenção dos que operam no desenvolvimento destes recursos de expressão.

389. Por onde começar o exercício da pintura; ou pela cor, ou pelo desenho das
formas plásticas? Certamente o objetivo principal do pintor desde o primeiro
instante é a cor. Mas a insistência inicial tem de estar no desenho.

O motivo desta insistência está na dificuldade com que se exerce o desenho.


Ele exige uma observação à distância das relações quantidade, além de uma
percepção muito segura da perspectiva, em virtude da qual se relativizam as
relações de espaço.

Não obstante exigirem as cores acurada observação por parte do artista, muito
mais requer o desenho; além disto, as falhas do desenho repercutem mais sobre
o colorido, do que as falhas do colorido sobre o desenho.

390. Cópia e modelo ao vivo. A dificuldade do desenho faz com que alguns
tenham preferido começar pela cópia de outros desenhos. Nestes desenhos
prontos e colocados para a cópia já se encontram resolvidos os problemas de
perspectiva. A facilidade é tal que até se pode reproduzi-los com papel cópia.
Novo passo se consegue pela cópia livre sobre tela ao lado.

Certamente que neste procedimento da cópia já se desenvolvem algumas


habilidades, tanto da mão, como da capacidade de ver. Mas a demora na prática
da cópia poderá retardar habilidades.
Na cópia não se desenvolve o desenho a partir de seu ponto de vista pessoal de
ver as coisas. Efetivamente, cada pintor vê a seu modo; nisto se tem insistido
especialmente a partir dos pintores impressionistas franceses (1870), contra os
acadêmicos. Desenhar conforme o modo de ver de outros poderá ser uma
deformação que se fixa a partir do exercício da cópia.

Sobretudo no caso dos seres vivos, o modelo ao vivo é um método seguro de


exercitar a pintura.

Para seu exercício entretanto, importa desde logo conhecer as práticas de fixar
a perspectiva. É preciso aprender a ver as diferenças e medi-las
imaginativamente, ou mesmo com auxílio de um lápis adequadamente
estendido à sua frente.

Neste ver também distinguir-se-á entre áreas mais iluminadas e outra menos.
Distinguir-se-á a sombra de que é produzida sobre o corpo, e da que é
produzida pelo corpo sobre outro espaço. Observar-se-á a partir de que lado o
objeto está sendo iluminado. Distinguir-se-á também entre sombra e reflexo.

Exercitar o desenho, como modelo ao vivo é, pois, aprender a ver, e, a partir do


que é visto, fazer os traços.

391. Importa exercitar o desenho a partir dos modelos ao vivo mais fáceis. Há
modelos ao vivo de objeto inanimados e modelos ao vivo de objetos
efetivamente vivos.

Os modelos mais fáceis são o objeto inanimado e não o objeto vivo (ou modelo
vivo). Esta sequência se deve sempre à dificuldade do desenho. O modelo
inanimado, também chamado de natureza morta, é posto sobre a mesa, se se
trata de sala de aula, e ali permanece estático.

Pode também ser tomado diretamente na paisagem exterior, como uma casa,
portão, árvore, montanha, paisagem. Importa inicialmente que se possa
desenhar o modelo com relativa facilidade, a fim de exercitar os movimentos
fundamentais do desenho.

Os vasos são um modelo, porque constituem objetos relativamente simples,


mas com elementos essenciais para os movimentos fundamentais do desenho;
linhas, áreas, volumes, cada elemento com variações no espaço, e que mudam
bastante com a variação dos múltiplos estilos de vaso: vasos egípcios, vasos
gregos, vasos renascentistas, vasos modernos, sempre uns mais simples e
outros mais complexos.

392. O modelo efetivamente vivo é a etapa seguinte no aprendizado do desenho.


Em especial o corpo humano é o grande objetivo da pintura e da escultura

Até certo nível de desenvolvimento é muito mais fácil desenhar a pessoa


vestida, porque as vestes são uma natureza morta. O difícil mesmo é o nu, em
seu estado vivente.

Paradoxalmente todavia, desenhar bem a pessoa vestida importa em desenhá-la


previamente inteiramente nua, para a seguir desenhar a roupa morta sem
prejudicar a expressão do todo.

A veste foi sempre um perigo para a expressividade corporal; as grandes obras


artísticas ou a reduzem ao mínimo, ou a colocam de tal maneira que a
expressividade do corpo não fique prejudicada, com estes dados da natureza
morta.

Para desenhar bem o corpo, o artista procura compreender os movimentos a


partir de dentro, como estão os ossos e como estão os músculos. A anatomia
oferece estes elementos. Mas eles poderão ser observados também diretamente
sem a dissecação.

Os gregos, que ainda não praticavam a dissecação dos cadáveres, conseguiram


um desenho admiravelmente perfeito do movimento corporal. Cultivando a
ginástica nus, tinham diante de si a oportunidade constante de se aperceberem
da expressão corporal.

Na Renascença, particularmente Leonardo da Vinci, autor de Monalisa,


praticou desenho digno de nota, que se refere a face e ao corpo humano.
Também é notável o Davi de Miguel Ângelo, que leva legiões de apreciadores
da arte à Florença, onde o santo rei ficou eternizado.

Em termos modernos, o desenho autêntico se desenvolveu a partir dos


impressionistas, que passaram a praticá-lo ao ar livre. Mas é com Braque
(cubista) que ele assumiu expressividade.
393. A expressividade. Vencido o exercício do desenho do corpo em geral,
segue o da expressão, sobretudo fisionômica, representativa dos estados de
alma, - alegrias e angústias, hilaridade e fúria, modéstia e orgulho, calma e
terror, tranquilidade e espanto, sorriso e ciúme, tristeza e choro, prazer e tédio,
inteligência e astúcia, voluntariedade e cólera, horror, repulsa, perversidade, etc.

Tudo isto importa em atender às contrações faciais, movimentos do olhar,


forma dos lábios e da boca reações gerais do organismo. Desenhar estes
afloramentos exteriores do mundo interior constitui o acabamento último e
mais refinado da arte das formas quando se ocupa do ser humano.

O pensador (1880), de Rodin é uma criação em bronze representativa do ser


humano, em sua função máxima de refletir.

Dominado o desenho de tudo o que for proposto ao exercitando, este atinge a


capacidade própria de desenhar aquilo que ele mesmo se propõe expressar.
Começa então o artista criador, capacitado para o que o se refere às formas
plásticas. Encontra-se agora pronto para a tarefa de se tornar também um pintor
das formas traçada. Sobre estas formas plásticas meterá as cores, que imitam e
por isso exprimem aos objetos.

§2. Pintura e música, pintura e linguagem.


3911y395.

396. As outras alianças da arte da cor, - que não as plásticas, - se processam


ordinariamente por justaposição mais distante. Enquanto a cor exprime, aliam-
se à à expressão pictórica, outras expressões, fisicamente distintas, porém
capazes de se justaporem. Tais são a música e a linguagem falada.

O som não está contido na cor e nem na forma, porém na vibração que pode
acompanhar as formas. E assim continuam bastante distintas, mas operando ao
mesmo tempo. Tal se processa na televisão, cinema, teatro, onde o pictóricos
não se funde com o som e a linguagem.
Verdadeiramente compulsória é a aliança que une a cor a um desenho. O
mesmo não acontece com a música e a linguagem, quando apensas se lhe
justapõem.

Uma parte, a aliança por justaposição fica longe de ser necessária. De outra
parte, porém, ela representa um notável expediente de reforço na arte, porque
soma recursos bastante distintos, cada qual aduzindo importantes conteúdos.

297. Importa, em uma aliança da pintura com a música e a linguagem,


determinar uma predominância, à qual as outras artes aliadas se subordinam.
Seria a representação cênica do teatro, cinema e televisão, antes de tudo arte de
cor, isto é, de imagens para a vista?

Certamente que no teatro, no cinema, na televisão nunca pode desaparecer a


imagem para a vista. Pode faltar, ora a música, ora a linguagem, nunca a
imagem. Trata-se, pois, de artes em cores.

398. Conclusão sobre a a aliança das artes, ficou claro que a pintura
primeiramente produz seu rendimento específico, mas imediatamente faz
crescer este resultado com o reforço da arte das formas. A propósito deste
incontestável reforço já dissera Aristóteles:

"Se o artista espalhasse as cores, por mais sedutoras que fossem, como ao acaso,
não causaria prazer tão intenso como se apresentasse uma imagem de contornos
bem definidos" (Poética, c. 6, 20).

A aliança da pintura com a superfície plana resulta em resultados diversos dos


da aliança com a terceira dimensão.

O poder de síntese é o apanágio da pintura de superfície plana; rompendo com


as distâncias da terceira dimensão, traz para um plano espacial único, as
distâncias longínquas do panorama. A narrativa de um campo de batalha se
junta sobre uma tela colada a uma parede do recinto de uma casa. O espaço não
é real, quando indicado em área plana. Consequentemente, o exprime a seu
modo imaginoso. A pintura cria, então, sem dificuldades, a extensão do mar, a
vastidão do céu, as subtilezas da luz nas distâncias, o mistério do bosque.
Aliando-se ainda por justaposição à música e à linguagem, a arte das cores se
converte num grande espetáculo.

399. Concluindo também o capítulo sobre as cores em si mesmo, a impressão


que se tem é a de que o mundo das cores se apresenta efetivamente
maravilhoso. Quanto melhor o conhecermos, mais nos maravilharemos com o
que vêem nossos olhos, quer na vastidão de objetos, quer no espaço distante,
quando irrigados pela luz.

E já que foi dado ao homem manipular as cores, utilizando-as para se expressar,


bom foi conhecer este recurso de expressão, tanto para nos expressarmos nós
mesmos, como para apreciar as criações dos grandes talentos das pintura, seja
na telas, seja no teatro, no cinema, na televisão.

CAP. 3

DA EXPRESSÃO EM PROSA, NA PINTURA. 3911y401.

- Estética das Cores -

402. Introdução ao capítulo. Explicada a pintura como expressão (tema do


primeiro capítulo) e examinada a cor em si mesma (tema do segundo capítulo),
como portador da expressão, retornamos à expressão, com vistas a detalhes,
conforme inicialmente anunciado (vd 33).

O mais essencial nos detalhes são as formas de expressão:

- a expressão em prosa, na pintura (no presente capítulo),

- os gêneros de prosa, na pintura (capítulo quarto),

- a expressão em poesia, na pintura (capítulo quinto),

- os gêneros de poesia em pintura (capítulo sexto).


Finalmente, resta examinar as propriedades e acidentes de estilo (capítulo
sétimo).

403. As redivisões indicadas são evidentemente abstratas, ainda que com base
na realidade concreta. Muitas vezes não é possível tratar de um tema sem
invadir os demais.

Prosa e poesia, na arte literária, se podem distanciar em textos separados. Na


pintura o usual é a prosa e a poesia combinados na mesma obra. Esta separação
acontece apenas em casos especiais como nas ilustrações didáticas,
representações ilustrativas de revistas e jornais, desenho industrial, reportagem
jornalística

Não obstante, o tratamento teórico, operando por via de abstração, permite-nos


também tratar em separado a prosa e a poesia da arte em cor quando elas estão
juntas na mesma obra.

Por motivo de facilidade didática, em estética das cores nos referimos mais à
arte da pintura, que às outras artes em cor; implicitamente, porém, estas outras
ficam inseridas, e são elas as artes em cor no teatro, cinema, televisão. A
aliança de muitas artes na mesma obra cria uma complexidade didática tal, que
nos obriga a uma cautela constante ao nos referirmos a elas.

404. Redivisão do capítulo. Uma abordagem didática sobre a prosa em pintura,


ou seja da prosa em arte das cores, admite o sequencial do geral para as suas
partes:

- natureza da pintura em prosa (art. 1-o) (vd 3911y406);

- sensações e conceitos na pintura em prosa (art. 2-o) (vd 3911y432);

- juízos na pintura em prosa (art. 3-o) (vd 3911y479);

- raciocínios na pintura em prosa (art. 4-o) (vd 3911y500).


Ainda que se deva dizer que a arte expressa objetos e não sensações e
pensamentos, como conceitos, juízos e raciocínios, estes contudo interferem no
modo como os objetos se apresentam (vd 83). Por isso, embora
inadequadamente, costumamos dizer que expressa a sensação e o pensamento.

ART. 1o. NATUREZA DA PINTURA EM PROSA.

3911y406.

407. Os temas sobre a natureza da pintura em prosa se oferecem em três


parágrafos:

- Definição essencial da prosa em pintura (vd 406);

- Propriedades da pintura em prosa (vd 415);

- Paralelismo das expressões e tradução de umas pelas outras (vd 422).

§1. Definição essencial da prosa em pintura.

3911y409.
410. Prosa é a expressão direta como primeira intenção. Ainda que possam
ocorrer imagens associadas (ou evocativas), elas não dizem a expressão, ainda
que a possam eventualmente reforçar.

Exemplifiquemos com a pintura de uma flor. Como prosa, ela representa a flor
apenas logicamente, sem outras intenções. Assim a observa um botânico,
quando ocupado ela em si mesma, isto é, como um fenômeno colorido da
natureza, constituída de pétalas, androceu, gineceu. Também o produtor de
flores, costuma assim apreciar os desenhos das mesmas, quando adquire as
respectivas sementes.

Na expressão em prosa a mimese foi conduzido com a intencionalidade restrita


ao objeto imitado, como sendo ele o objetivo direto e principal da expressão.
Quem assim procedeu não se comportou como se estivesse diante de uma
pintura em poesia; nesta o apreciador cuidaria de dois tempos, no qual o
primeiro seria o da prosa, que conduz à flor em si mesma, e o segundo seria o
da poesia, em que a flor funciona apenas como objeto estímulo de imagens, e
que seriam o objetivo final.

A prosa não faz do primeiro objeto da intencionalidade um termo de passagem


para sugerir um segundo. Sempre a prosa faz da primeira expressão a
principalidade. Ainda que por vezes não dispense da evocação poética, não se
subordina a ela, mas dela se utiliza como complementação.

411. Etimologicamente, prosa está no contexto literário, porque seu étimo


indica uma peculiaridade do verso. Dali se transpõe para as demais artes, já não
em função ao sentido etimológico, mas ao sentido essencial.

Do latim prorsus, - que evoluiu para prosus, - o termo prosa significa


seguir em frente. Ao contrário, verso, do latim versus (= inertido), se diz da
poesia literária, cuja métrica, faz retornar a uma nova linha.

O termo prosa já existe desde a antiguidade do latim romano. Não é uma


denominação erudita que se tenha inventada modernamente, como acontece
com tantas outras palavras do tecnicismo científico

O que é todavia novo é a transposição de prosa, de seu contexto literário, para


o contexto de outras artes.
O paralelismo entre as artes, por serem todas expressão, importa em considerar
em cada uma aquilo que se entende essencialmente por prosa.

Poesia, - também de origem literária e de formação clássica mais antiga,-


passou bem mais cedo ao uso generalizado das artes.

412. A prosa em pintura é um fato inegável. Imitando aos temas, a cor os


exprime diretamente, com a mais perfeita logicidade. Rostos suaves são
expressos pelas cores em cromatismos exatos. Às flores, campinas, pedras,
montanhas, céus, - a pintura os indica diretamente, realizando por conseguinte
a expressão em prosa.

É a prosa a linguagem colorida mais frequente da televisão, que objetiva


geralmente apenas comunicar o que as coisas são tais quais apresentam
objetivamente. O mesmo já acontecia com a fotografia e muitas vezes com a
pintura de retratos.

Dada sua maneira de ser criada, a pintura ultrapassa com mais frequência o
instante prosaico, rumo à poesia. É inegável a ocorrência deste fato. Por sobre
os rostos diretamente indicados, o pintor costuma fazer saltitar, em um segundo
tempo, as evocações, que falam de alegria, bondade, ternura, sentimentos os
mais diversos.

Ainda que os olhos vejam o panorama da campina tão só pelas suas cores
efetivas, na imaginação logo surgem, por associatividade poética, zumbidos de
insetos e perfumes das flores. O pintor sabe disto e compõe sua telas não só
com enunciados em prosa; quer também despertar, à partir das cores, o
zumbido deste insetos e o perfume destas flores.

Certos gêneros de pintura são caracterizadamente uma expressão em prosa. O


retrato, por exemplo, usa representar uma pessoa determinada, eternizando-a.
Mas há retratos que querem fazer isto também através da evocação.

Seria Gioconda um retrato?


Há certamente retratos em que o pintor pouco cuida da expressão direta; ele
ultrapassa a prosa, até porque o retrato escolhido não lhe interessa em si mesmo
o bastante; coloca, então, algo mais, uma evocação, e se concentra nela.

Exemplos de pintura em prosa são ainda as representações didáticas dos livros.

E que dizer das grandes pinturas de batalhas e de acontecimentos heróicos em


geral? Ainda que estes temas sejam peculiarmente assunto de história e por isso
de prosa, há nos grandes quadros ainda o desejo da exaltação épica.

Assim como o épico está nos Lusíadas de Camões, também estará nos pintores
épicos dos episódios do mesmo Lusíadas.

413. Sobre a definição essencial de prosa, falta destacar que esta forma do
expressar artístico fundamental se faz por mimese, não se confundindo com as
complementações aduzidas pela associatividade.

Consiste a mimese (do grego mímesis = imitação) em imitar, na obra sensível


da arte, o tema a ser indicado. O assemelhado acusa intencionalisticamente ao
seu semelhante. Nesta fase de acusação direta a expressão artística, quando
permanece simplesmente nela como seu objetivo principal, tem o nome de
prosa. É pois, a prosa a manifestação direta do tema, no instante originário da
acusação mimética. Explica-se, pois, a prosa pela mimese.

Repousando a forma prosaica de expressão na mimese, teremos de estudá-la a


partir dela. Em sua função estará a diretriz do estudo da prosa.

Criar uma semelhança entre a expressão e o objeto expresso, significa


estabelecer uma articulação intencionalística entre dois. Assim o faz a pintura,
como também o fazem a linguagem, a escultura, a música e demais artes.
Expressar temas, incorre, pois, em criar articulações miméticas entre o material
utilizado para a expressão e os referidos temas expressos.

§2. Propriedades da pintura em prosa.

3911y415.
416. Liberdade, logicidade, exatidão. A prosa se carateriza, pela
sua liberdade desenvolta de caminhar em frente, de onde ainda
sua logicidade e exatidão.

Estas propriedades, que examinaremos logo a seguir, não pertencem à


constituição essencial da expressão em prosa, mas dela decorrem como
consequência necessária. Por isso são propriedades, e que não podem faltar à
expressão sem o que ela deixaria de ser tal.

As propriedades derivam necessariamente da natureza à que pertencem,


mudam apenas se a própria essência de que decorrem também se altera. Para
que a expressão deixe, por exemplo de ser exata, precisa ela mesmo ter defeito
de estruturação.

Também ocorrem situações acidentais, por vezes apreciáveis. São os acidentes


de estilo. Destes aspectos acidentais não cuidamos de imediato (vide capítulo
final).

417. A prosa é livre pelo fato mesmo de ser uma expressão direta. Não se
prende a outros expedientes, como por exemplo acontece à poesia, a qual
ocorre através de novos expedientes, e que têm a missão de gerar a evocação.
Na poesia literária a evocação se condiciona ordinariamente ao verso, de que a
prosa está livre.

Na pintura a liberdade de expressão decorre da mimese imediata estabelecida


entre a expressão e o objeto atingido. Esta mimese não tem limites. Quanto
mais imita, mais desenvoltamente exprime o objeto.

Todavia, quando a pintura quer ser poética, expressando por meio de evocações,
ela fica presa a certas modalidades, através dos quais somente consegue
despertar as imagens evocadas. Acontece, então, como na poesia literária presa
ao verso para mediante este criar efeitos associativos. A pintura sem evocações
é livre, e neste sentido é uma prosa, isto é, um procedimento que segue em
frente no seu processo de imitação.
418. A prosa é lógica porque a relação entre o semelhante e o assemelhado é o
objetivo, admitindo senão uma estrita interpretação, sem depender de vivências
e quaisquer outras conotações exercidas pelo subconsciente ou memória. O
desenho imitando rigorosamente os contornos de um objeto o significa
prontamente tal qual é. E assim também a cor da arte pictórica à imitar a cor do
objeto expresso, o significa logicamente.

Exercendo-se no plano da inteligência, a prosa por si só está sempre em clima


claramente lógico. Diferentemente, a poesia opera com imagens associadas,
ainda que necessite da inteligência para expressar em primeiro tempo o objeto
estímulo das imagens.

Na linguagem, a logicidade da prosa é notória, em virtude da grande presença


do juízo e do raciocínio. Na arte mediante cores não acontece a mesma
evidenciação, mas existe a diferença entre aquilo que logicamente surge por
mimese e aquilo que aflora como associatividade. O que surge por mimese
apresenta-se com logicidade incontestável.

419. A prosa é gnosiologicamente exata. Isto que dizer que ela, na mesma
medida que imita o objeto, informa sobre ele realmente.

Outras nuances desta propriedade são as decorrências, pelas quais a expressão


em prosa é verdadeira, precisa, enérgica, enfática, apodíctica. Neste particular
a prosa se distingue da poesia, cujas evocações, associatividades, recordações,
sugestões, são vagas e não obedecem a um sistema operacional definido. Na
pintura a mimese exprime com clareza, mas aquilo que resta à evocação é
usualmente vago e pode mesmo de primeiro instinto ficas despercebido.

420. Do ponto de vista gnosiológico as propriedades da expressão em prosa


constituem um esquema sequencial, que começa pela evidência, a qual gera a
verdade e esta a certeza.

Tudo começa pela evidência. Deve a expressão ser evidente sem o que não se
torna reconhecível. É pois a evidência o critério da verdade e certeza. A
perfeita evidência é clara e distinta; pela clareza o objeto se mostra claramente
em si mesmo (não é obscuro); pela distinção o objeto se mostra separado dos
outros (não é confuso).

Em decorrência da evidência clara e distinta, a expressão se torna verdadeira


aos olhos do apreciador; a exatidão é uma nuance da verdade. Na pintura, a
coesão entre os objetos permite advertir para um ponto central do quadro, onde
se concentra a mensagem principal.

Finalmente, a terceira propriedade gnosiológica é a certeza, que o sujeito passa


a ter como um estado de espírito, que o torna seguro diante da expressão, sem o
que estará em duvida. Portanto, uma expressão precisa ser evidente, verdadeira
e certa no que exprime, seja em cor (de que agora tratamos), seja em qualquer
outro instrumento de expressão.

§3. Paralelismo das expressões e tradução de umas pelas outras.

3911y422.

423. Ocorre um paralelismo entre todas as espécies de expressão: um


paralelismo entre a expressão mental e a expressão artística, e um paralelismo
entre as diversas expressões artísticas, ou seja entre a escultura, e pintura, e
música, e língua.

O resultado deste paralelismo é a possibilidade de tradução, ou transposição de


uma expressão em outra.

O que a mente pensa, conceitua, julga, raciocina, a arte de certo modo também
exprime.

Por sua vez o que a arte da pintura exprime, de certo modo a linguagem
também exprime e a música de algum modo também expressa.

Quando acontece alguma dificuldade nestas transposições, se admite que, se a


tradução em prosa não atinge uma precisão lógica, pelo menos a
associatividade poética lá chega. Lessing advertia pela formulação latina, - sic
pictura, sic poesis.

424. O denominador comum de todas as expressões – quer mentais, quer


artísticas, e quaisquer que sejam as artes, - é o fato que cada uma das
expressões referencia diretamente o objeto, o qual é o mesmo para todas.

De ordinário acreditamos que as artes expressam o pensamento, o que é apenas


verdadeiro em parte.

Em primeiro lugar, - facilitando a tradução de umas expressões em outras, -


todas as expressões expressam aos objetos, e não são simplesmente expressões
de outras expressões. Assim sendo, a pintura não expressa idéias sobre os
objetos, mas aos mesmos objetos. Não fosse assim, a pintura expressaria idéias,
as quais expressariam finalmente os objetos.

Cada expressão faz atender diretamente ao objeto expresso, como ele é em si


mesmo, porque a expressão começa por ser uma mimese desse objeto. Não há
expressão a expressar uma outra expressão, mas ao objeto desta outra
expressão. Não expressa a língua ao pensamento, mas aos objetos do
pensamento. E assim também a pintura expressa aos objetos e não aos
conceitos. A expressão mental sempre se dirige ao objeto.

Mesmo que um conceito conceitue ao mesmo conceito, o faz convertendo-o em


conceito-objeto.

Houve quem propusesse, como John Locke (1637-1704), a concepção ideativa


da língua. As palavras expressariam idéias.

Uma observação clara do que acontece nos leva a pensar diferentemente do


empirista inglês.

Que acontece num quadro de pintura? A semelhança figurativa entre as linhas


do quadro e o objeto conduz ao objeto, não a uma idéia.

Teoricamente se prova o mesmo: a expressão é uma semelhança, e esta se


estabelece entre a expressão e o objeto, não entre uma expressão e outra
expressão.
425. No paralelismo entre as expressões ocorre uma prioridade das expressões
mentais, que por isso influenciam todo o sistema envolvido na obra de arte.
Embora esta exprima objetivamente ao objeto, precisamos da mente para duas
funções condicionantes:

- conhecimento prévio do objeto a ser expresso;

- interpretação da expressão deste objeto, depois de realizada pela arte.

O objeto da expressão artística, é sempre conhecido primeiramente através da


expressão psíquica, seja das faculdades sensitivas, seja da inteligência. Nada
sabemos dos objetos ainda que eles existam efetivamente, sem que recebamos
uma noção sensível dos mesmos, e ainda melhor, se deles desenvolvemos uma
noção inteletiva, isto é, em termos de verbo ser.

426. Por lhe faltar conhecimento prévio adequado, um animal não se dispõe a
criar uma obra de arte; mesmo que por acaso a crie, não tem condições
posteriores de a entender.

Se se amarrar um pincel na cauda de um jumento, posto adequadamente junto a


uma tela, poderá sacudi-lo, desenhando rastos de tinta na referida tela, as quais
poderão objetivamente expressar uma tempestade no deserto, ou mesmo sugerir
os arroubos das paixões humanas. Se o jumento for mais feliz, poderá muito
eventualmente criar figuras mais próximas da realidade, como de estradas, rios
e pontes, montanhas e astros, ou mesmo um bando de bonecos maltrapilhos. Se
for mesmo muito feliz, terá feito símbolos, como da escrita hieroglifica, ou até
mesmo do alfabeto grego e latino.

Ora, ali está toda a arte, - a expressão objetiva de objetos, realizada pelo poder
da mimese. Mas tudo teria acontecido sem a capacidade de intenção artística do
jumento, e sem capacidade dele mesmo de interpretar as expressões objetivas
que criou.

É que faltam duas funções, para que o mesmo ;jumento tenha tido o exercício
da arte, como os indivíduos menos jumentescos a exercem. O ser inteligente
conhece ao objeto efetivo e sabe ainda quando este objeto efetivo está expresso
na obra que o representa.
Vemos a cor e entendemos a cor. Vemos um homem e o entendemos como
homem. Depois, num quadro de pintura, apresentamos a este mesmo homem.

A expressão pictórica orienta sua intencionalidade diretamente para aquele


homem, pelo fato mesmo que os traços do desenho e as cores o imitam
objetivamente. A pintura não expressa portanto outra expressão, como se
apresentasse conceitos, juízos e raciocínios, mas coloca os traços e as cores que
imitam de algum modo o expresso.

427. A prioridade da expressão mental afeta, contudo, a expressão artística, e


pode mesmo fazer que uns sejam grandes artistas e outros não. Do mesmo
modo poderá fazer que uns interpretem bem a grande arte, enquanto outros a
ela fiquem indiferentes.

Os objetos nos são apresentados dentro de certas condições, tanto aos sentidos,
como à inteligência.

No conceito os objetos surge simplesmente.

No juízo os objetos se apresentam como algo que se divide ou se compõe (em


virtude da afirmação, ou negação, peculiar ao juízo).

No raciocínio os objetos surgem como que ao final de um enredo raciocinativo,


com uma evidência virtual (isto é, por cálculo), que os oferece na dependência
de objetos anteriores, a partir dos quais se fizeram conhecer.

Dali vem o aspecto operacional de toda a expressão, em que ora o objeto surge
como no conceito, ora como no juízo, ora como no raciocínio.

Nalgumas artes estas diferenças operacionais aparecem mais claramente, como


é o casa da arte literária, que distingue entre palavra, frase, discurso
argumentativo.

Em outras, como na pintura as diferençar operacionais não aparecem tão


claramente como na linguagem. A pintura exprime aos objetos imitando-os
simplesmente, ficando os juízos e os raciocínios por conta do contexto.
Mas, quer seja em uma arte, quer em arte, o objeto é sempre o referencial
principal, o qual é indicado, ou pela mimese natural, ou pela mimese do
equivalente convencional, como acontece sobretudo na linguagem falada.

428. A transposição de uma espécie de expressão para outra, como por


exemplo, da mente para a arte, ou de uma arte para outra arte, é o procedimento
pelo qual o mesmo objeto de uma espécie de expressão passa a ser indicado
pela outra espécie de expressão.

Esta transposição de objeto é uma decorrência do paralelismo existente entre as


expressões, porque todas exprimem por imitação, ainda que a seu modo, por
meio de seus recursos específicos. Quando a transposição se faz de uma língua
para outra língua, ou seja de um código linguístico para outro código, se
chama tradução. Admite-se usar a mesma palavra para as transposições de uma
arte para a outra, como por exemplo da pintura para a escultura, ou mesmo da
língua para a pintura.

Pela ordem traduz-se a expressão dos sentidos para a expressão da inteligência,


e desta finalmente para a expressão artística (linguagem, pintura, escultura,
música).

Pode-se simplesmente dizer tradução da expressão mental para a expressão


artística.

Sempre se trata de uma expressão direta do objeto, mas de um objeto que se fez
conhecer primeiramente através da expressão mental.

429. Há uma defasagem de tradução decorrente da natureza mesma do portador


de cada espécie de expressão. A expressão mental é psíquica. A expressão
artística é material.

Por sua vez o portador da expressão artística varia de arte para arte. Algumas
artes expressam através da semelhança natural: a música pelo som, a escultura
pela forma espacial, a pintura pela cor.

Diferentemente, a língua expressa mediante equivalentes convencionais,


estabelecidos por um código.

Em decorrência destas diferenças específicas, o que a pintura exprime


com propriedade já não o exprime a escultura; por sua vez a escultura expressa
com propriedade, o que não é expresso com igual propriedade pela escultura e
música. Não há como evitar esta defasagem de uma espécie de expressão para
outra, restando senão amenizá-la o mais possível.

430. Concluindo sobre a natureza da expressão em prosa na pintura, importa


manter firme de que ela existe e constitui o seu mesmo fundamento.

Não importa que, por causa de sua maneira de ser criada, costume a pintura
ultrapassar com frequência o seu instante prosaico, rumo à poesia. Este
segundo tempo evocativo, embora a complemente, não tiram à prosa o seu
primado em pintura.

O pintor deve saber disto e compor sua tela, atento ao recurso específico da
prosa, qual seja a sua expressão através da imitação, ou mimese.

ART. 2o. SENSAÇÕES E CONCEITOS NA PROSA PICTÓRICA.

3911y432.

433. A prosa primeiramente atende ao objeto como é visto pela operação mais
simples da mente, que o apresenta como imagem, quer sensível, quer
conceptual.

Os temas a serem desenvolvidos neste primeiro momento operacional da prosa


poderão ser ordenados didaticamente dois parágrafos assim titulados:

- semantemas e morfemas colorísticos (§ 1.) (vd 435);


- Expressão contextual na prosa pictórica conceitual (§ 2.) (vd 450).

Obviamente alguns temas invadem outros. Este é o caso da expressão


conceptual, porque sempre é parte do juízo.

Muito do que se diz do conceito, também se poderá dizer do ;juízo e do


raciocínio; agora é o caso do contexto, o qual dizendo-se do conceito, também
se dirá juízo e do raciocínio.

§1. Semantemas e morfemas colorísticos.

3911y435.

436. As qualidades de que serve a arte para criar a expressão conseguem imitar
aos objetos até certo ponto. Neste plano mimético puro, as artes expressam
com propriedade aos seus objetos.

Neste primeiro momento da arte, as expressões são próprias, sem


serem impróprias. Não há então necessidade de apelo a recursos indiretos,
como é caso do contexto e da associatividade imaginativa, quando as
expressões se apresentam impróprias, ainda que viáveis, dada a capacidade da
razão do usuário da arte.

A cor, por exemplo, expressa alguns objetos com propriedade, e a outros com
impropriedade.

437. Ocorre uma racionalização na expressão própria, e que permite a distinção


em morfemas e semantemas.

Os objetos se apresentam em classes. Não se diversificam apenas


sequencialmente, como se se sucedessem simplesmente uns aos outros sem um
princípio interno de ordenação.
Consequentemente, a morfologia da expressão dos objetos se pode fazer por
classes, e não apenas sequencialmente. Esta adoção da expressão por classes,
em que cada elemento individual contém um denominador comum, além de sua
individualidade, racionaliza o sistema de expressão.

Na linguagem este fato permite a criação fácil das palavras, dividindo o corpo
morfológico delas em semantema (ou raiz) e morfema (ou terminação, sufixo,
prefixo).

Pelo semantema se indica o elemento comum, em que conferem vários objetos.

Pelo morfema se introduz o sinal diacrítico, cuja função é a de restringir a


expressão para informar sobre casos mais particulares, que distinguem entre
substantivo e adjetivo, singular e plural, sexo, profissão, etc.

Por este caminho, as línguas planejadas, como é o caso do Esperanto, superam


em perfeição e capacidade de expressão, a todas as línguas espontâneas, ou
nacionais, ou folclóricas.

Na linguagem, por exemplo, atom- é um semantema. O final -o, é


uma morfema, que serve de sinal diacrítico para determinar ordinariamente o
substantivo masculino, e que completa o semantema em átomo.

O mesmo que sucede na formação dos equivalentes convencionais da língua,


acontece nas demais artes, ainda que ao seu modo.

A mimese natural das demais artes, - umas operando com as cores, outras com
as formas, outras ainda com sons musicas, - obedece a uma sistemática, em
também ocorre a morfologia em semantemas e morfemas.

Que seria um semantema em pintura? E o que um morfema? Na operação de


assemelhamento, as espécies de cor operam como semantemas; os valores,
intensidades, movimentos da cor se acrescem como morfemas.

Em pintura, semantema seria uma cor, depois de tomada para servir de


elemento portador básico da expressão.

Na pintura a expressão se processa com semelhanças naturais (por mimese


natural).

Identificamos, pois, os semantemas colorísticos pela constatação direta dos


coloridos específicos, como amarelo, azul, vermelho, violeta, verde, etc. As
espécies cor constituem os elementos fundamentais da expressões pictórica.
Os morfemas colorísticos derivam das restantes determinações da cor, e que
podemos apor aos semantemas. As demais determinações valor de brilho,
intensidade, movimento (ou alteração).

A morfologia da expressão pictórica se compõe portanto de semantema e


fonema, em vista da presença de dois elementos, cujas denominações tomamos
à expressão paralela da linguagem.

438. Dada a íntima convivência das cores com o espaço, também atende o
artista da cor aos expedientes com que se exerce o desenho, onde igualmente
deverá haver semantemas e morfemas. São constitutivos do espaço a linha, a
área, o volume, em que ele se divide. São portanto, morfemas da arte da forma
a linha, a área, o volume.

O mais são variações que comparecem como morfemas, que o artista controla
para estabelecer a exata mimese dos objetos a serem expressos. A conquista do
espaço na pintura foi uma das grandes realizações dos pintores da Renascença.

Mas, de outra parte, a pintura moderna, como a cubista (vd 980), reagiu contra
este virtuosismo concentrado na mimese que expressava e organizava o espaço
real, com tanta segurança.

Outros temas eram esquecidos enquanto se representava o espaço. Implodindo


a representação do espaço, a pintura foi cuidar do que mais essencialmente lhe
cabia. Mas, sobre isto há muito a ponderar, conforme nos referimos em
diferentes oportunidades.

O espaço real também constitui um objeto a não ser esquecido. Mas terá de ser
esquecido, quando o objetivo é o objeto abstrato. Terá de ser esquecido o
espaço concreto e outra qualquer forma abstrata, quando o que haverá de ser
destacado é a cor.

439. Quais são as classes principais de objetos, às quais as expressões se


aplicam em forma de semantemas, morfemas e contextos?

O que mais se reflete na expressão artística, no sentido de determinar classes de


objetos a expressar, são as formas que os objetos assumem ao chegarem até nós
através das operações mentais do conceito, juízo, raciocínio. Já que os objetos
se dão a conhecer na fisionomia como se apresentam através da expressão
mental, eles passam a ser expressos artisticamente, ora como aparecem nos
conceitos, ora como nos juízos, ora como nos raciocínios.

Está suposto, - como com frequência advertimos, - que não expressamos


artisticamente ao mesmo conceito, ao mesmo juízo, ao mesmo raciocínio, mas
aos objetos como se apresentam no conceito, no juízo, no raciocínio.

A partir destas três classes supremas de objetos, novas subclassificações


ocorrem, por exemplo, em objetos concretos e abstratos. A expressão em cor
funcionará em cada classe e subclasse utilizando semantemas (espécies de cor),
morfemas (valores de brilho, saturação, movimento) e contextos.

440. Diferentemente do literato, que pode formular mui diferenciadamente, ora


aos objetos de um conceito, ora aos de um juízo, ora aos de um raciocínio, o
artista da cor tem de conceituar, julgar, raciocinar em cima do mesmo trato de
cor. Na maneira como a lança sobre a tela, deverá vir implicado se ela exprime
a maneira de conceito, ou de juízo, ou de raciocínio.

Se, por exemplo, pinta a figura de um homem, esta figura única envolve os
objetos de conceitos, juízos e raciocínios. Na linguagem, - como se disse, - o
desdobramento se faz por vocábulos, frases, discursos, o que permite uma
diferenciação maior dos conteúdos expressos. Mas não acontece a mesma
facilidade na pintura.

O poder de análise da linguagem se lhe deve em virtude de seu procedimento


mediante equivalentes convencionais, os quais podem ser criados quantos
forem necessários.

Na arte que usa semelhanças naturais, não é possível multiplicar na mesma


proporção estes recursos. E então o restante ficará por conta do trabalho da
mente, que envereda pelos caminhos da expressão imprópria tendo como
principal expediente o cálculo contextual a partir do pouco que a expressão em
cor oferece em termos de análise.

441. As semelhanças naturais são muito ricas em informações intuitivas, que


são sintéticas. Por causa desta riqueza conseguem oferecer base para os demais
caminhos da expressão imprópria com apoio no contexto. Se, de uma parte, a
pintura perde em analiticidade, - peculiar à linguagem-, contém em seu mesmo
favor aquelas vantagens intuitivas.
Por exemplo, através das cores é possível apresentar a visão intuitiva de uma
casa, o que não consegue a linguagem; de outra parte a linguagem a apresenta
analiticamente, sobretudo com elementos que procedem do juízo e do
raciocínio, como relações de utilidade e preços, valores humanos e história. Eis
porque as artes, ao se aliarem, se complementam.

442. Dada aquela diferença, em virtude da qual os objetos de conceitos, juízos


e raciocínios não se separam diante do mesmo trato de cor, o encaminhamento
das operações da expressão em cor se diferenciam bastante daquelas da
expressão linguística.

Mal podemos usar a mesma terminologia, como se fizéssemos estes


paralelismos: palavra em cor e palavra falada, frase em cor e frase falada,
discurso em cor e discursa falado.

O paralelismo existe, mas não ocorre o costume com relação à terminologia. Já


utilizamos este paralelismo, ao dizermos: prosa em pintura e prosa em
linguagem, semantema em cor e semantema em linguagem, morfema em cor e
morfema em linguagem, contexto em cor (já mais frequente) e contexto em
linguagem.

Mais peculiar à pintura que à linguagem é atmosfera, significando todo o


contexto, sobretudo luminoso, em que num dado momento se encontra um
objeto.

443. Não é o homem capaz de pensar apenas mediante conceitos. Nasce o


conceito como uma imagem do objeto, logo afirmada como predicado de um
sujeito. Uma abstração separa o predicado e o sujeito, sem que em concreto
eles venham a se separar.

Pensamos em termos de juízo, desde o primeiro instante. Esta situação se


reflete para dentro da arte, pois esta não exprime os objetos dos conceitos
isoladamente, mas sempre com suas relações como os apresentam os juízos. O
que expressamos vêm prontamente associado a um sujeito concreto
determinado, ainda que mentalmente possamos, por um esforço de abstração,
atender separadamente ao conceito.
A tela do pintor, ao expressar mediante cores, é sempre apreciada em termos de
juízo. O que ela expressa se diz de um sujeito qualquer. Seja uma representação
da árvore. O apreciador a pensa assim:

- isto é uma árvore.

Se continua pensando mais, transpõe o predicado anterior para o lado do sujeito,


e diz:

- esta árvore é verde.

Em novas progressões poderá dizer:

- esta árvore verde é grande.

Depois:

- esta árvore verde e grande é bonita.

Evidentemente não precisará o apreciador enunciar cada vez os predicados


passados para o lado do sujeito.

Mas é assim que marcha o pensamento, operando o objeto como no juízo:


unindo o que os conceitos dão em separado.

Entretanto, não pode haver juízo sem os prévios conceitos, que conceituam os
termos unidos à maneira de sujeito e predicado.

444. Sobre a distinção entre sujeito e predicado. A região clara do juízo se


encontra no lado do conceito na posição de predicado. Obscuro é o conceito
posto como sujeito.

Tem o sujeito a posição de existente (= indivíduo, ou sujeito que existe), ao


passo que o predicado tem a posição de essência (= modo de existir).

Aliás, a missão do predicado é dizer algo do sujeito, exatamente porque o


sujeito pouco diz de si mesmo.

445. Primeiramente a cor é expressão própria. Sem o uso do contexto somente


há expressões próprias, em virtude das quais elas se limitam a exprimir aqueles
objetos com os quais se assemelham.
Por si mesmas, as cores exprimem apenas o que lhes é semelhante e nada mais.
É desta morfologia que tratamos agora, deixando o resto como procedimentos
vindos através de outros recursos, que não pertencem às cores em si mesmas.

Na prosa estes outros recursos são o contexto, na poesia a associatividade das


imagens. Terminado o esclarecimentos sobre semantemas e morfema, também
importa tratar o contexto (vd 450) e a associatividade (vd 638).

446. Tratando agora ainda da morfologia da expressão que as cores exercem


por si mesmas, sem outros recursos que se lhes acrescentem, perguntamos, -
como é que as cores primeiramente operam?

As cores expressam operando por meio de mimese, que permite significar por
assemelhamentos de espécie, de valor, de intensidade, de movimento.

Nesta operação de assemelhamento ocorre o seguinte:

- às espécies de cor operam, - conforme já se; adiantou (vd 435), -


como semantemas;

- os valores, intensidades, movimentos da cor se acrescem como morfemas

Posto o objeto a ser expresso em cor, a expressão começa por estabelecer a


especificidade do mesmo. Eis posto o morfema, o que é o principal.

A seguir a expressão adata a cor ao valor do seu brilho, ao grau de saturação


cromática, ao movimento ou ritmo que ocorrer. Estão postos então também os
morfemas diacríticos.

447. A expressão própria tanto ocorre na expressão do objeto concreto


(figurativo) como do abstrato.

O contexto se faz necessário para distinguir na arte entre a expressão


própria concreta e a expressão própria abstrata; é que na expressão abstrata se
precisa determinar ao que se deve atender e ao que se deve abstrair. Mas aquela
parte não abstraída continua funcionando por conta da semelhança natural.
Conclusão: a pura expressão em cor, sem contexto, apresentando ao objeto por
sua cor específica (semantema colorístico) e suas nuances por meio do valor
saturação e ritmo da cor (morfemas colorísticos) é sempre uma expressão
própria e concreta.

§2. A expressão contextual na prosa pictórica conceitual.

3911y450.

451. A propósito da expressão contextual nos aguardam os seguintes temas:

- Definição de contexto (vd 452);

- Expedientes do contexto (vd 455);

- O contexto na pintura figurativa (vd 460);

- O contexto na pintura abstrata (vd 466).

I - Definição de contexto.

3911y452.

453. Contexto é um expediente expressional, que amplia a capacidade da


expressão, mediante um esforço da própria mente, operando a partir do objeto
expresso.
Já não se trata da expressão como objetivamente está construída com materiais,
como a cor, a forma plástica, o som, a convenção da linguagem.

Portanto, o contexto está mais além dos semantemas e morfemas. Quando estes
já não dispõem de capacidade de maior fogo de expressão, apela-se ao contexto.

O termo é peculiar à linguística, mas seu significado vale também para


qualquer arte.

O que acontece no contexto está pelo lado do conteúdo, ou seja do objeto


indicado pela expressão. O objeto, depois de apreendido pela mente, permite
calcular o resto, que nele se encontra, ou em estado implícito, e atingível por
simples análise, ou em estado virtual, e atingível por um cálculo demonstrativo.

Então, o que diretamente não está expresso na obra de arte, assoma na mente. A
pintura, por exemplo, poderá colocar sobre a tela uma fortaleza, e a mente
prossegue, inferindo o mais a partir do conceito de fortaleza.

Portanto, o contexto não é algo inteiramente objetivo na obra mesma de arte,


cuja expressão não o contém explicitamente, como se fosse um dado
meramente fenomenológico. Pelo contexto, algo mais é alcançado; embora este
algo seja alcançado a partir do explicito, não é um novo explícito, mas
encontrado a partir do que ele oferece ao poder da mente.

454. Com referência à poesia, que opera com a associação de imagens, é uma
procedimento distinto daquele do contexto, mas contém aproximações.

Primeiramente, o contexto é lógico. Ele continua diretamente a estender o


conteúdo expresso na expressão direta da prosa. Num novo tempo, o próprio
contexto poderá provocar uma conotação poética.

Por exemplo, a árvore expressa em cores é apenas a representação daquela


grande planta verde. Com o contexto, operado pela mente, ela é também
capacidade de produção, alimentação, aproveitamento final em lenha. A seguir
poderá esta conversão em lenha, pela operação do machado, despertar a
imagem de crueldade. Começa agora a associatividade das imagens, que são a
poesia.

Na verdade, a poesia, também é um contexto, porquanto um acréscimo por


cima da expressão direta. Mas é um contexto na área da imaginação, ao passo
que o contexto prosaico é aquele resultante do cálculo da inteligência.
II - Expedientes do contexto.

3911y455.

456. Opera o contexto mediante procedimentos vários, de que se apontam ao


menos três:

- a morfologia de identificação negativa,

- o jogo do ultra-cotidiano,

- a morfologia de identificação positiva.

No contexto o que importa é distinguir um objeto de outro, sempre que isto for
conveniente. Mas, sempre que possível, a diferenciação passa a um grau maio.

457. A identificação negativa acontece nos binômios, em que os termos


simplesmente se opõem, ou se denominam como pares diferenciados. É o
suficiente caracterizar sempre a um, para que o não caracterizado fique por
suficientemente diferenciado.

Na linguagem, de alguns idiomas, é frequente dar-se como masculino o


substantivo que não tiver determinação alguma, desde que não seja uma
terminação feminina.

Na declinação das palavras, certas línguas não caracterizam o nominativo; fica


ele consequentemente diferenciado dos casos com morfemas diacríticos.
Na pintura bizantina e medieval a auréola dourada em torno da cabeça
caracterizava aos santos; negativamente os demais eram dados como não
pertencendo a esta categoria.

No plano das caracterizações naturais o fenômeno da identificação negativa é


mais distribuidor. No caso do sexo, o homem tende a querer estar sempre
diferenciado, rejeitando objetos de uso feminino e aos seus hábitos
comportamentais.

Mas a mulher pode imitar ao homem e é bem sucedida se assume o estilo


artístico masculino. Todavia ela dispõe de um grande número de características.
Se ela sempre usa cabelos mais longos, admite-se que, quem não têm cabelos
compridos é homem. Se a mulher sempre ostenta um busto avantajado,
depreende-se que quem não o tem é homem. A mulher se apresenta com
notória preocupação estética; induz-se que quem não procede assim é homem.

Entre as características que usualmente só se observam nos homens estão o


barba e os órgãos sexuais ostensivos; o contexto conclui que o indivíduo sem
estas características pode ser mulher.

A arte que se expressa em cores está atenta a tudo isto quando tem de apelar ao
contexto, quer para identificar os objetos expressos, quer para dar mais vigor
contextual à expressão.

458. O jogo do ultra-cotidiano é a expressão que, através de um contexto,


consegue ultrapassar aquele ordinário lugar comum que o dia a dia dá às coisas.
Revelar o ser das coisas, eis um dos objetivos do jogo do ultra-cotidiano.

Na linguagem as palavras significam geralmente apenas o ordinário, sem


atingir o todo; uma torção no modo de exprimir poderá ir além.

Na pintura de um objeto, uma disposição inusitada permite lançá-lo


subitamente em sua verdadeira realidade.

Os objetos pintados por Van Gogh assumem esta súbita realidade, que os faz se
revelarem na realidade maior que eles são como seres maiores do que o
cotidiano. Advertiu-o Heidegger muito bem ao comentar o quadro dos sapatos
da camponesa.

Alguns tentam o jogo do ultra-cotidiano situando objetos fora do seu contexto


ordinário, com um pinico sobre a mesa. Vale a técnica, mas é difícil encontrar
profundidade em alguns destes expedientes utilizados pelos artistas.

Similar ao jogo do ultra-cotidiano é a caricatura, alongando traços ou


destacando cores para advertir sobre o detalhe, levando ao exagero.

O jogo da ultra-cotidiano é um dos recursos mais característicos da grande arte.


Ela como que nos instala no grande tema, aquele que a todo tempo se aspira
alcançar e que torna a arte um instrumento didático eficaz.

De outra parte, porém, não se pode definir a arte como sendo só isto. O ultra-
cotidiano é o triunfo da arte, que por seu através atinge o seu ápice, mas não é
só do ápice que consiste a montanha.

459. A polissemia controlada é um dos mais importantes recursos do contexto


expressional. Assim como o literato aprende a controlar a polissemia das
palavras pelo seu uso correto, também os pintores tratam de arranjar a cor em
seu devido lugar, sem oscilações semânticas da expressão.

O contexto, ao operar no sentido de controlar a polissemia, também permite


que a mesma expressão seja aproveitada em nuances várias e possa expressar o
mais também com precisão.

Na linguagem falada a polissemia é aquele recurso que dispensa a


multiplicação excessiva das palavras, porque a estas se dá umas variações de
nuances, que se abre como um leque de possibilidades de significação.
Indicando primeiramente o objeto pelo recurso direto do semantema e morfema,
a seguir o mencionado objeto conduz ao contexto válido naquele caso
específico.

Se se disser "mar bravio", o objeto "mar" é suficiente para se entender que


"bravio" está em acepção imprópria , com o sentido de "mar muito agitado" e
não na acepção própria, com o sentido de ferocidade animal.
Nas artes por semelhança natural como é o caso da pintura, a polissemia se diz
da possibilidade de uma semelhança natural poder significar uma certa
variedade de objetos, porquanto objetos admitem variações de cores.

Somente o contexto conseguirá controlar esta polissemia.

Por vezes a aliança com outra arte resolve o problema, ou ao menos cria o
contexto.

É o caso do desenho sempre aliado à pintura. Ainda que repitam as cores, as


mais diversas flores se distinguem pelo desenho.

Para cada objeto e suas circunstâncias há uma grande variedade possível de


espécies de cor (vd 174), de valores luminosos, de grande saturação cromática,
de variação de ritmo. Aprende o artista das cores a lidar com as tintas e as
fontes de luz. Isto quer dizer, que aprende os recursos de controle da polissemia,
estabelecendo os elementos de fixação do contexto.

Há cores para o sol, para a luz, para a atmosfera, para os planos longínquos e
próximos, para as estações (inverno, verão, outono, primavera), para as árvores,
ramagens e frutos, campos e estradas, edifícios e rochas, pisos e chão de barro,
rios, lagos e oceanos, navios e barcos, pessoas e animais, natureza morta e em
decomposição.

Os pintores, no cuidado de controlar a polissemia e amplicar o contexto, tratam,


pois, de arranjar a cor em seu devido lugar, garantindo-se contra oscilações
semânticas da expressão.

III - O contexto na pintura figurativa


(de objeto concreto).

3911y460.
461. O contexto na pintura figurativa, isto é, de temas concretos, atende à
regras. Podemos encontrá -las com frequência nas instruções dos mestres.

Eis alguns exemplos, em que estes são de tinta a óleo e de como devem
combinar-se.

1) Para céu em pleno dia mais ou menos límpido:

Branco anil e um pouco de rúbia rosa.

Branco cobalto, rúbia rosa ou laca carmim.

Branco cobalto ou esmalte.

Branco cobalto e vermelho saturno.

Branco cobalto, laca carmim e pouquíssimo amarelo claro de Nápoles.

2) Crepúsculos:

Branco cobalto e anil.

Branco anil e laca carmim.

Cobalto, avivado com vermelho índio.

Branco ultra mar e laca carmim.

3) Para sol posto, expressando posições diferentes do astro:

Branco cobalto e rúbia rosa.

Branco cobalto, rúbia rosa ou parda, ou vermelho índio e ocre amarelo.

Branco, cádmio e vermelho índio e rúbia rosa.

Branco rosa, vermelho índio ou rúbia púrpura.

Branco gomaguta ou ocre amarelo e rúbia rosa.

Branco amarelo claro de Nápoles e rúbia rosa.

4) Para nuvens intensas e crepúsculos sem influência de raios solares:


Óxido de chumbo, amarelo índio e cádmio.

Óxido de chumbo, vermelho índio e mínio.

Óxido de chumbo e amarelo de cádmio.

5) Para nuvens de tom purpurino:

Branco, vermelho índio e cobalto.

Branco, laca parda e cobalto.

Branco, vermelho claro, rúbia rosa ou laca carmim e cobalto.

Rúbia parda, ocre claro e cobalto.

6) Para nuvens vaporosas e pouco marcadas:

Branco, vermelho claro e cobalto.

Branco, vermelho saturno e cobalto.

7) Para nuvens intensas e crepúsculos sem influência de raios solares:

Branco, ultramar e vermelho inglês claro.

Branco anil e vermelho índio.

Branco, ultramar e vermelho índio e ocre claro.

Branco laca, pardo Van Dyck e anil.

8) Para efeitos da Lua:

Céu:

Atmosfera gris uniforme:

Branco anil e pardo Van Dyck.

Branco, cobalto, pardo Van Dyck e laca parda.

Branco anil e ultramar.


Nuvens:

Branco, pardo Van Dyck, laca parda e anil.

Branco, negro marfim e ultramar.

Branco anil, ultramar e laca parda.

Bordos iluminados pela lua:

Branco, óxido de chumbo, cobalto e azul celeste.

462. As normas gerais de composição das tintas em uma tela reclamam


meticulosidades, que conduzem até ao fim a articulação contextual entre uma
expressão e o tema.

Sobre a composição das tintas, no caso do céu em pleno meio dia mais ou
menos límpido, a observação cabível é a seguinte:

"O cobalto se pode substituir pelo ultramar; com o primeiro, sem dúvida, se
obtém tintas mais cheias de luz e de ambiente.

Haveremos de ser mui parcimoniosos no emprego do anil, porque enegrece.

Por branco se entende sempre o branco de prata, a não ser que se o queira
substituir pelo de zinco.

Ao compor as tintas siga-se a norma de começar pela cor predominante,


acrescendo as outras pouco a pouco e por graus" (J. Ronchetti, Moderno
manual da pintura, p. 42).

463. Observação sobre crepúsculos:

"Estas tintas são próprias para as partes superiores do céu; para outras,
geralmente mais claras, que se encontram em proximidade do horizonte, podem
servir outras... " (J. Ronchetti, Ib., 43).

464. Com referência aos efeitos da lua e o céu em geral:


"O céu assume grandíssima importância se ocupa uma porção considerável do
quadro. Deve afastar-se, expressar a sensação de vazio e do espaço, isto é, do ar;
não fará nunca o efeito de uma superfície plena, sensivelmente colorada, posto
que no horizonte o céu nos parece muito mais afastado que quando o
contemplamos sobre nossas cabeças. Não há nada que possa guiar-nos para
apreciar sua distância real. Enquanto isto, uma grande série de objetos
interpostos entre nós e o horizonte, nô-lo faz aparecer por comparação, em dito
ponto, muito mais afastado.

A reprodução pictórica do céu, por causa dos riquíssimos e variados tons


fugazes, é muito difícil, tanto mais, se se encontra coberto de camadas
vaporosas ou de nuvens resplandecentes de luz e cor.

A execução de um céu límpido e sereno apresenta menor dificuldade e se reduz


a encontrar a precisa relação entre os tons, e uma fusão ampla e insensível das
tintas de transição. Um céu límpido é sempre mais azul ao meio dia que pela
manhã e pela tarde, ao pôr-se o sol, adotando nestas horas uma tintura mais ou
menos avermelhada ou amarelenta.

O sol tem muita influência sobre o tom das nuvens; de bordos das que se
encontram sob seus raios tomarão o tom da cor predominante; porém, neste
caso, há que aplicar as tintas e as meias tintas com suma cautela, porque o valor
deste tom depende da conformação e densidade das nuvens; algumas
aparecerão completamente iluminadas; outras devem oferecer meias tintas mais
ou menos diferentes; as muito densas, entretanto, nas partes escuras,
apresentarão uma sombra completa com reflexos vivos ou apagados, segundo
sua proximidade do sol.

As nuvens mui próximas do sol, inteiramente penetradas de seu resplendor,


terão aparência metálicas; nas mais agastadas, as partes expostas à luz, ainda
que de um modo débil, aparecerão sempre iluminadas diretamente.

Quando o sol se aproxima do ocaso, um matiz róseo ou esbranquiçado pastoso


se estende pelo ambiente, por graus, em uma tinta fria de cor piçarra (argilosa).
Chega o crepúsculo, e ofuscando-se cada vez mais, esta tinta, dá à natureza um
mistério indefinido, no qual os fortes contrastes do céu fazem mais harmoniosa
a paisagem, confundindo-se suavemente com o ar as partes mais distantes.

As nuvens não devem nunca figurar como sobrepostas em uma superfície plana
continuada; devem fazer o efeito de outras tantas porções de camadas fugazes,
umas mais afastadas que outras; ademais, especificarão com claridade, não só
sua forma, senão o grau de vaporosidade, de densidade e sua altura,
caracterizando a espécie.
As nuvens como formadas por uma acumulação de vapores, cambiam até o
infinito de forma, devido tanto à sua posição respeito à altura, quanto à força e
influência do vento. Por causa da elevação, algumas apresentarão a aparência
de um véu delicado privado de sombra; outras mais baixas, semelharão imensas
massas sólidas, de formas sumamente variadas e iluminadas debilmente; outras,
enfim, serão tão ligeiras, tão vaporosas, que suas partes de sombra parecerão
confundir-se com o ar. Estas últimas se vêem mui a miúdo nos dias quentes de
verão; denominam-se geralmente nuvens de bom tempo.

As nuvens que cobrem os cimos das montanhas e pressagiam chuva, se se as


apresentam separadas, interrompidas, formam massas escuras e imponentes;
quando são compactas, ocultam por completo o céu.

Observando atentamente a natureza, se notará, pela manhã ou ao pôr-se do sol,


que as sombras das nuvens, por cima de nós têem um tom cálido, enquanto que
as luzes o têm frio; pelo contrário, no horizonte, as sombras se esfriam pouco a
pouco, e as luzes, em troca, avigoram sua tinta.

Em presença da natureza, não olvidem os principiantes e aficcionados estas


observações, que lhes ajudarão muito para estudar e compreender a fundo as
mais variadas manifestações da atmosfera" (J. Ronchetti, Ib, 48-49).

IV - O contexto na pintura abstrata.

3911y466.

467. Na parte abstrata o controle da polissemia é mais problemático, e


precisamos examinar como o problema ocorre na arte que utiliza as cores.

Em princípio, a arte abstrata opera expressando algumas perspectivas,


reduzindo pois o objeto a alguns elementos, deixados os restantes. Por causa
desta limitação a uma parte da realidade, esquecida a outra, ela se diz abstrata.

Não obstante, mesmo a arte abstrata se exterioriza como qualquer outro objeto
concreto, e portanto com todas as perspectivas que o ser concreto contém.
Mesmo que a arte abstrata deseje eliminá-las, elas continuam ali.
Resta senão o recurso do contexto, por meio do qual a inteligência do
apreciador fica advertida, que deverá atender às perspectivas intencionadas pela
expressão, esquecidas as demais. A advertência consiste em não trabalhar as
perspectivas a serem esquecidas, enquanto que as de interesse o são.

Portanto, a pintura abstrata opera acentuando diretamente os elementos a serem


expressos, evitando intencionalmente de trabalhar os elementos que possam
advertir para aqueles que devem ser esquecidos, isto é, abstraídos.

Este procedimento poderá ser exercido no tratamento das cores, e então o


procedimento é especificamente pictórico; ou poderá ser exercido pelas artes
em aliança com a cor, especialmente pela forma (desenho) e pela convenção
(símbolo). Criado o contexto, através deste recurso, a expressão dirigirá a
mente para o objeto abstrato e que está em vista na obra.

468. O abstrato em pintura se apresenta mais subtil, quando o expediente


contextual se processa a partir das mesmas cores ou ainda simplesmente a
partir da luz. Isola-se, ou uma cor, ou um valor luminoso, ou uma intensidade
cromática, para com sua força psicodinâmica, dizer algo a parte naquele
contexto.

A grande tela de Picasso Guernica, ainda que em preto e branco (isto é, sem
cores) é um quadro de luz e sombras, em que a própria ausência de cor
específica, dá ao todo um contexto. E assim também o jogo de luz do preto e
branco cria uma atmosfera, a qual direciona a interpretação geral em vista.
Embora a cena se refira a um bombardeio concreto sobre a cidade espanhola
eleita por Franco para ser bombardeada pela aviação de Hitler, seu aliado
nacionalista e anticomunista, a composição gera uma sequência de
considerações que vai além do fato singular.

469. Os recursos aos quais apela o contexto abstracionista da pintura estão


quase sempre combinados com a forma do desenho. As coisas concretas
fundamentalmente se determinam em um espaço, ao qual adere
secundariamente a cor. Este espaço importa em ser dominado pelo contexto,
para que não direcione para o concreto, em vez de encaminhar para o abstrato.
O espaço usualmente tem figurações determinadas pela natureza.
Forma se diz também das coisas de fisionomia variável; figura apenas da
forma natural fixa.

Destruindo a forma natural, o pintor cria o contexto abstrato.

Este foi o instrumento desenvolvido pelo conceitualismo do cubismo. Les


demoiselles d’Avignon (1907) de Picasso parecem feitas a machado, com o
exato propósito de perder de vista o figurativismo natural em favor de um novo
tema, de ordem mais abstrata.

470. O simbolismo também cria o contexto abstrato. Neste caso o rompimento


com a figura natural é menos postulado. Ainda que a figura pintada o seja tal
qual, ela se torna o equivalente do objeto abstrato.

Permite o simbolismo um certo formalismo, porque basta pintar o símbolo


apenas segundo a essência da espécie. Por exemplo, qualquer pomba com um
ramo no bico expressa a paz, sem que as figuras concretas prejudiquem a
advertência para o abstrato. Muito conhecido é o símbolo abstrato da justiça,
uma figura feminina de olhos vendados. Outra é a da balança de dois pratos.

Contudo, também no simbolismo a figura concreta poderá ser afastada,


sobretudo para estabelecer tão só o conceito universal. Como o interesse não
está em uma determinada pomba (grande, ou pequena, clara ou escura, etc.)
mas apenas na pomba essencialmente, ela poderá ser estilizada, isto é,
formalizada).

471. Acepções da expressão. A polissemia de um mesmo semantema leva a


perguntar quantas são as variedades possíveis. Este é o estudo que em
linguagem ficou conhecido na Idade Média por "suposição dos termos"
(supositio terminorum).

A multiplicidade das significações de uma mesmo termo, ou semantema, é algo


a que os estudiosos da língua deram sempre muita importância, mas que faz
parte também do bom acabamento dos estudos de qualquer arte, mesmo da
pintura.

Um semantema, ou palavra, pode ter:


- acepção própria;

- acepção imprópria.

Esta divisão geral é bem conhecida, como em Estrela do Céu e Estrela do


Palco.

472. A acepção própria se subdivide em:

- acepção material (como em estrela é um substantivo);

- acepção formal (estrela é um astro ou uma artista).

De novo a acepção formal poderá ser simples e personal; finalmente, a personal


é, ou singular, ou comum.

Mas continuam as subdivisões das acepções.

A significação comum é também, universal. Por sua vez, a significação


universal é, ou coletiva, ou distributiva. Finalmente a universal distributiva é,
ou completa, ou incompleta.

473. Eis em quadro visualizado:

Acepção própria

<<<<Entra fig. do quadro>>>>


474. A acepção imprópria, - passando pois à segunda alternativa geral inicial, -
é eminentemente favorável à arte abstrata. Ela poderá ser: metafórica, alegórica,
por sinédoque, por metonímia, por hipérbole.

Tudo está no quadro abaixo:

<<<<Entra fig. do quadro>>>>

475. Há oscilações no ajuste entre a expressão e o tema, que ao contexto cabe


firmar. É que nem sempre a matéria da arte admite uma forma que lhe dê a
exata feição do objeto a expressar.

Na linguagem é conhecido o caso em que as palavras deslizam de uma acepção


própria para uma imprópria, como na metáfora.

O mesmo sucede na pintura, em que a articulação exata pode admitir novas


significações, que são impróprias. Esta circunstância alarga a capacidade de
expressão da mesma; não fosse assim, as cores expressariam objetos somente
na mesma linha de suas cores e não poderiam remeter a atenção os temas
incolores tais como os sentimentos interiores.

Funda-se a expressão imprópria na propriedade que a qualidade possui de ter


graus. Acontece, então, que a semelhança caminha por graus, que vão da
semelhança na mesma linha até o último grau de analogia, próximo do
equívoco.

Está pois, o contemplador sujeito a erro, quando a expressão não revela


suficientemente o contexto de suas cores.

Na ordem objetiva, as acepções possíveis são várias, pois em cada grau desliza
a semelhança; se o artista não aponta o exato contexto, oscila a atenção do
apreciador para interpretações várias possíveis. O defeito poderá também
ocorrer por parte do contemplador, despreparado para perceber o contexto.

Circunstâncias históricas poderão ter rompido um contexto claramente


expresso. A pintura das cavernas e algumas dos egípcios se movem em
contextos hoje perdidos. Uma vez que objetivamente as articulações possíveis
são muitas, as nossas interpretações saltitam de uma para outra, sem podermos
determinar qual foi a que efetivamente fora desejada pelo artista.

476. O estudo teórico de todas as "suposições" expressionais admite ser feito,


mostrando como a pintura opera em cada caso, para, mediante o contexto
determinar a acepção a ser alcançada.

O mesmo pode ser conseguido dispersivamente em diferentes oportunidades,


ora na exposição sobre o estilo, ora na análise da aliança das artes, em que
sobretudo o desenho da forma determina o que as cores pretendem exatamente
expressar.

No que se refere ao estilo, é a oportunidade em que se acentua a direção


formalista tomada pela arte egípcia, pelo fato de se haver concentrado nos
temas expressos pelo símbolo, o qual passou a ser indicado apenas em sua
essência (ou espécie) em vez de em sua individualidade. O mesmo fenômeno
aconteceu no simbolismo cristão primitivo e medieval.

E no que se refere à aliança com a forma do desenho, surge sempre a questão


da figura natural, capaz de indicar com precisão de que objeto se trata.

477. Conclusão sobre o objeto do conceito, em pintura. Deixou-se claro que a


expressão em cores consegue indicar o objeto simplesmente, sem ainda lhe dar
a feição que depois assume no juízo e no raciocínio, que são as seguintes
operações mentais.

Nestas simples indicação do objeto o recurso é a mimese, operando, ao modo


como acontece mais claramente na linguagem, com semantemas e morfemas
colorísticos.

Nisto ainda com os recursos peculiares ao contexto, quando a razão opera com
a lógica interna dos objetos.

Conforme já foi advertido, muito do que se diz do conceito, poderá ser dito
também do juízo e do raciocínio, para onde devemos seguir agora, examinando
também ali a influência das operações mentais na formação da pintura em
prosa.

ART. 3o. OS JUÍZOS NA PROSA PICTÓRICA.

3911y479.

480. O tema central na prosa pictórica está em como operar um juízo mediante
cores. Neste sentido se consideram dois itens:

- a frase pictórica (§ 1.) (vd 482);

- a diversidade das frases na descrição e na narrativa (§ 2.) (vd 488).

§1. A frase pictórica.

3911y482.

483. A frase pictórica é uma afirmação que é realizada por meio de cores.
Na arte da linguagem, o juízo, quando transformado em vocábulos, leva o
nome de frase. Por transposição, na pintura pode-se dizer "frase pictórica"; na
música, "frase musical"; na escultura, "frase escultórica".

Numa primeira operação ocorre a simples expressão do objeto; na mente isto


equivale ao objeto do conceito. Segue a segunda operação, à maneira de
complementação da primeira, juntando a afirmação; na mente equivale ao
objeto do juízo.

As cores, dentro de um certo contexto, são capazes de exprimir mais, do que o


objeto contido nas simples enunciações de conceitos. Adequadamente colorida,
uma tela tem a capacidade de oferecer judicativamente interpretações do seu
objeto.

Acontece, pois, uma frase pictórica e que passamos a analisar mais


exaustivamente.

484. No juízo o objeto é visto de maneira mais complexa do que na imagem.


No juízo há sempre dois ou mais termos, que se dividem ao mesmo tempo que
se unem em um todo complexo. No juízo, por exemplo, de "a porta é verde"
ocorre a divisão entre porta e verde, que entretanto se unem.

A expressão judicativa enuncia as partes, dando-lhes a condição de sujeito e


predicado (vezes dito predicativo, para efeito de formulações gramaticais) esta
enunciação e feita pelo verbo ser. Este verbo ser é apenas pensado em separado,
não é algo real separado, posto entre o sujeito e predicado. O verbo ser enuncia
a união real dos termos que se unem. A relação que os une está dentro deles e
não é como um cordel exterior a enlaçá-los.

Na linguagem é possível subestabelecer uma partícula, chamada verbo ser, para


indicar a condição pela qual sujeito e predicado se afirmam um do outro. Na
ordem efetiva da coisa não há este meio termo que é apenas uma partícula
linguística em que se exterioriza a afirmação.

A expressão pictórica não exterioriza este verbo ser, como o faz a linguagem. O
verbo ser exprime a união de predicado e sujeito por intermédio do contexto.

Importa ficarmos atentos ao que a expressão diretamente indica. Uma


expressão não exprime outra expressão, mas ao objeto da outra expressão.
Portanto, a expressão da mente, a expressão linguística e a expressão pictórica
sempre indicam diretamente o objeto.

Não exprimem a linguagem e a pintura um juízo da mente, mas o objeto que o


juízo da mente oferece. Qualquer expressão se transpõe para outra, sem que
uma expressão expresse a outra expressão. Quando se usa, todavia, dizer
"expressão pictórica do juízo" entende-se o juízo materialmente, portanto pelo
seu conteúdo, ou seja pelo objeto complexo que ele indica.

Com precisão, acontece o seguinte: a expressão artística indica o objeto senão


primeiramente através das faculdades de conhecimento, e depois o transporta à
expressão artística. Por causa desta tradução pode-se, dentro de contexto, dizer
que há uma expressão pictórica do juízo (mas este materialmente considerado,
isto é, pelo seu objeto).

485. Para a compreensão total da frase pictórica, atende-se para o que


efetivamente ocorre na arte como expressão não conscientizada; a obra não
sabe de si mesma; ela apenas possui relações com o objeto que, num processo
de interpretação que lhe aplica o apreciador, se transforma em conhecimento.

Agora, na expressão material objetiva da pintura ocorrem condições tais, que


passam a oferecer oportunidades para o exercício de uma enunciação judicativa.
Quem se exprime em cores, ou quem consome esta arte, não só a interpreta em
conceitos, faz também juízos.

486. Distinga-se entre a expressão elementar da frase e aquela que põe a frase e
logo outra e outra, num desenvolvimento concatenado de muitas frases.
Fundamentalmente as novas frases não passam de repetição da estrutura da
primeira. Todavia elas deverão ordenar-se, de tal maneira, que a expressão
mesma diga ocorrer dita ordenação de uma para a outra. O contexto poderá
fazer isto. Na linguagem existe ainda o expediente das partículas denominadas
conjunções, das quais umas são simplesmente coordenativas, outras ainda
subordinativas. Como é que se dá isto tudo na ordenação das frase pictóricas?

Já se disse que um recurso é o contexto. Deve o contexto facultar


primeiramente que se interprete a expressão pictórica como uma frase, na qual
se atribuam o predicado a um sujeito, e deve ainda possibilitar que perceber
que umas frases se coordenam em relação às outras. Ordinariamente um
instante presente da pintura apresenta uma só frase; mediante novos quadros se
oferecem as frases pictóricas seguintes, devendo o contexto gerar a
coordenação à maneira do que a conjunção faz na frase linguística.

Examinando a frase elementar na sua formulação simples de predicado e


sujeito, descobrem-se vários instrumentos contextuais através dos quais ele
atinge sua enunciação. Qualquer indicação que transfira a atenção para um
sujeito, já é um fazer juízo. A indicação funciona como conceito que assume a
posição de predicado. Junta-se o predicado ao sujeito, porque em concreto são
uma só coisa.

A unidade das partes num todo resulta no processo fundamental criador do


juízo, em qualquer arte, mesmo no próprio pensamento. É que, na sua essência,
o juízo opera em termos de totalidade, ou seja, em termos de verbo ser; afirma
que o predicado cabe no sujeito.

Sempre, pois, que o intérprete encontra unidade em uma obra de arte, surge
nele o juízo; as artes são interpretadas como integrando-se umas nas outras;
nasce dali, portanto, o juízo.

Na arte figurativa a unidade se manifesta pela coordenação funcional dos


objetos representados. Numa cena de "jantar" tudo converge para a comida, os
instrumentos e o olhares. O interesse intencional das pessoas e dos animais se
denomina "coesão moral" da composição.

Na arte meramente formal, a unidade se obtém pela coordenação dos aspectos


abstratos. Se se quiser exprimir a dinâmica das sucessões, põem-se
efetivamente as partes em sucessão, de sorte a caminhar a atenção de uma para
a outra.

A harmonia das cores se exprime situada umas em relação às outras, de tal


maneira que a vista se organiza ao observá-las, caminhando de uma para outra;
da cor dominante caminha para a dominada. A harmonia exprime, pois, a
harmonia, afirmando-a com frase.

487. A organização da unidade de atenção se consegue reforçar com recursos


específicos os mais diversos, dos quais uns são especificamente pictóricos,
outros tomados por aliança às artes vizinhas, ou mesmo à situações do objeto.
A maior e menor luminosidade das cores é recurso pictórico específico que
oferece excelentes oportunidades de organização do quadro.
O afumato dissolve os elementos sem importância; vê-se utilizado por
Leonardo da Vinci (observa-se a sua Virgem da rocha).

§2. Diversidade das frases na descrição e na narrativa.

3911y488.

489. A frase pictórica diverge em seus expedientes, os quais se diferenciam


com a diversidade dos gêneros de objeto. Uns são estáticos, outros dinâmicos, e
assim outros e outros oferecem suas peculiaridades.

O estático se observa no gênero artístico denominado descrição, e o dinâmico


no gênero artístico narrativa.

Dos gêneros artísticos trataremos oportunamente (vd 520), mas aqui já devemos
nos referir à frase pictórica, que os referidos gêneros utilizam.

A feitura da frase, quer na descrição (estática), quer na narrativa (dinâmica), é


uma questão de procedimento operacional. A frase diverge quando afirma a
esteticidade da descrição e quando a dinamicidade da narrativa.

490. A frase pictórica no gênero descrição. Na pintura a descrição se


apresenta como algo justaposto, mas de tal maneira que se entenda haver uma
atribuição. Na representação simbólica da justiça - a mulher com os olhos
vendados - deve-se poder entender: a justiça (sujeito) é cega. E não a inversa: a
cegueira é a justiça.

A descrição esbarra com a dificuldade da tridimensionalidade do objeto, ao


passo que a pintura (diferente da escultura) conta apenas com duas dimensões:
a terceira dimensão poderá ser indicada pela sugestão ou associação imaginosa,
em que cooperam sobretudo a perspectiva e as ilusões de luz, capazes de
aproximar, ou afastar. A perspectiva começa a ter um tratamento adiantado no
século XIV, com Giotto (1266-1337) e os humanistas.

Também então começa a perceber-se que a luz possui a propriedade de


aproximar e afastar, de sorte a oferecer a oportunidade de separar as figuras
como estátuas. Ainda oferece dificuldade à descrição pictórica a disposição de
lugar, porquanto uns objetos estão dentro, outros fora, umas partes dentro e
outras fora. O expediente volta a ser a da sugestão e associação, por exemplo
corpo revelado pelas formas da veste.

O cubismo soluciona a descrição das partes que se furtam mediante a técnica da


análise, expondo de frente o que se põe efetivamente atrás, pondo ainda pelo
lado de fora o que se esconde dentro.

A técnica do cubismo sofre certamente muitos reparos; enquanto atende por um


lado a precisão descritiva muitos reparos; enquanto atende por um lado a
precisão descritiva, não atende, por outro, à integridade do mesmo objeto.

O reparo mais importante é o seu choque com a associação evocativa. O que


não aparece, fá-lo aparecer pelo rompimento. Não será necessário tanta
violência se a evocação controlada também exprime por outra maneira o que
está oculto. O rompimento evoca desordenadamento.

O cubismo se presta a prosa pura, enquanto expressa tudo diretamente.

Suas alterações da forma conduzem em direções contrárias precisamente


porque não consegue libertá-las de novas evocações resultantes da deformação.

O cubismo aproveita o que o desenho industrial e didático vinha fazendo desde


sempre: apresentar em separado os planos de maior interesse. Isto supõe que as
apresentações sejam em prosa e não por via evocativa. Podemos citar também
aqui o expediente egípcio, que apresentava em quadros sucessivos do mural as
diversas partes do tema. O livro também cria a formulação sucessiva, pela
sequência das páginas, onde em quadros distintos se trata do mesmo tema.

491. A frase pictórica no gênero narrativa. Em sentido estrito, a narrativa


descreve o enredo de uma ação que se desenvolve, outro de chegada, que são
distintos momentos que a expressão pictórica precisa expressar com as
referidas distinções.

Como descrever em cores um enredo?

Do ponto de vista do tempo, há um modo de descrever reproduzindo em


tempos sucessivos, com novas cores, a ação que muda: este é o processo usado
no cinema e televisão, em que as expressões se sucedem; aliás, o expediente
ocorre também na música e na linguagem, em virtude da facilidade com que as
cores se substituem. A substituibilidade das cores não goza da mesma
facilidade, precisando dos métodos complicados do cinema, ou da televisão.

Outro modo de descrever o enredo mediante cores é a expressão a simultâneo;


num tempo presente se mostra a situação atual da ação, ao mesmo tempo que
indicando, por expediente qualquer, o estado anterior, bem como aquele a que
haverá de chegar.

O processo apresenta-se possível, em virtude da estabilidade das cores e a


grande variedade de conteúdo presente que são capazes de oferecer, o que não
sucede com os sons, instáveis e individualmente pouco expressivos. A pintura é
a arte que opera mediante cores, mantendo-se num instante dado, fixo,
aproveitando os recursos de um momento estático. Então, o enredo, se ele
houver de ser enunciado, precisa encontrar recursos que o possam expressar a
simultâneo, sem apelar a uma sucessão física de cores que se substituem.

492. Recursos da frase em pintura a simultâneo. Técnicas difíceis têm sido


experimentadas na criação da frase pictórica, em pintura a simultâneo, visando
expressar o enredo de acontecimentos sucessivos.

Dois são os principais recursos da frase pictórica na pintura a simultâneo:

- o contexto, por vezes combinado com a associatividade;

- a repetição das fases sucessivas da narrativa sobre a mesma tela, justapondo


as cenas.
493. O contexto é o principal recurso da frase pictórica em pintura a simultâneo.
Neste campo costuma haver a combinação dos métodos da prosa e poesia,
completando a indicação contextual direta com a associativa (ou evocativa).

Eis um expediente habitual. Posta a evocação à serviço da prosa, o objetivo não


é o conteúdo da mesma evocação, mas o da prosa; por isso, verdadeiramente se
trata de prosa poética.

A associação imaginosa evocativa prende o conteúdo expresso pela indicação


direta da prosa, com os novos conteúdos trazidos à tona pela evocação.

494. Fases narrativas. Num enredo narrativo, vai para a tela, ou a fase inicial
da ação, ou a fase em desenvolvimento, ou a fase final concluída.

Eleita uma das fases e posta na tela por indicação direta, eis o instante da prosa;
as restantes fases ficam por conta da evocação.

Escolhido o instante inicial, ele indicará, por sugestão, o desenvolvimento e o


final.

Mas, se escolhido o instante em desenvolvimento, este indicará o precedente e


o posterior. Mas se o escolhido for o termo final, a este caberá, de algum modo,
sugerir o que já passou desde o início.

Suponhamos as figuras bíblicas de Adão e Eva, como episódio a ser narrado.


Houve um antes, um decorrer e um depois. Impossível situar a todos num
tempo presente, sobre a tela. Precisa-se, então, escolher.

Alguns pintores elegem o primeiro instante; apresentam, então, os belos corpos


como nus e inocentemente descontraídos; mas, para que ocorra a narrativa, algo
deve haver que possa indicar o desenvolver futuro; a habilidade do pintor
descobrirá uma atmosfera qualquer e, pronto!, a representação se terá
convertido e ampliado em narrativa, da espécie prosa poética.
Outros os representam na hora do pecado (o colher da fruta). Então, a narrativa
deverá sugerir o que os corpos eram (passado), e o que passaram a ser
(presente).

Enfim, outros pintam no instante final do episódio, quando da expulsão. Agora,


a dramaticidade de todo o acontecimento deverá aparecer, não apenas a nova
situação. Observe-se Adão e Eva (1426) de Masaccio, que é, na história da
pintura, a primeira representação de profunda interpretação dramática do
episódio atribuído aos protoparentes.

495. O recurso da repetição pictórica na pintura a simultâneo. Outro expediente


narrativo de enredo consiste na repetição sobre a mesma tela das diferentes
fases do enredo.

O Tributo (1426) Masaccio mostra um centro em que Jesus, seus apóstolos e o


cobrador do tempo discutem; a esquerda num plano reduzido, Pedro retira a
moeda da boca do peixe; outra vez Pedro, à direita, faz o pagamento,
completando assim três presenças na tela.

A fórmula da repetição pictórica na pintura a simultâneo é, em princípio válida.


Deve-se contudo zelar pela unidade e proporcionalidade do conjunto.
Efetivamente, está posta em perigo a unidade do conjunto, que somente se
salva mediante o realce da cena principal, em função da qual se colocam as
demais e que ficam em menor destaque, ainda que lhe caiba o detalhe.

A evolução desdobrada ainda se obtém por cenas sucessivas no tempo ainda


que simultânea na tela, quando os personagens não são os mesmos, mas se
fazem suceder temporalmente no enredo. Tal se consegue por uma espécie de
alongamento.

É o que faz a representação das Núpcias Aldobrandinas, de 0,92 x 2,42 m., do I


século de Roma; como que há três cenas, quase que em três alcovas, na do
centro (principal) os nubentes, na da esquerda pessoas preparando, na da direita
jovens com uma lira para o Epitalámio.

Miguel Ângelo fez um desdobramento similar aproveitando a sucessão dos dois


lados da árvore do Paraíso. Estabeleceu de um lado uma cena de Adão e Eva,
que num outro lado desta mesma árvore são pintados no momento posterior,
mais ainda em função a esta árvore.

496. O desdobramento ascencional é possível nos temas transcendentais.

O expediente foi aproveitado por El Grecco no Enterro do Conde


d’Orgaz (1586). Num primeiro plano, e portanto como início do episódio,
reproduz o milagre (Santo Agostinho e Santo Estevão teriam procedido à
cerimônia depositando o corpo extinto no sepulcro, estando este com as vestes
pomposas de Conde). No alto sobre as nuvens o mesmo Conde, agora
desvestido da condição primeira, nu, somente com uma tanga, apresenta-se de
joelhos ao Cristo julgador, ao mesmo tempo que suplica de joelhos o favor da
Virgem.

Os espectadores se isolam como cena intermediária; ainda que secundária, esta


cena possui personalidade própria, ao mesmo tempo que entrosada no enredo.
A sucessão das cabeças, como os colarinhos tipo babador branco, os isola da
cena do enterramento, ao mesmo tempo que os distingue com a cena do alto,
tanto por causa da altura, como por causa das nuvens. Ligam-se ao enterro, por
que o presenciam, ao mesmo tempo que se unem a cena de cima, pois um
oficiante eclesiástico dirige o olhar para cima. Desta sorte a coesão une todas as
partes do enredo.

497. Deslocamento para o fundo da composição. A evolução desdobrada por


cenas sucessivas também se obtém deslocando uma delas para o fundo da
composição do quadro pictórico. Uma se destacará da outra, ou por mais luz,
ou por separações emolduradas, como de uma porta, janela, clareira na mata,
ou mesmo mediante outra tela, inclusive de televisão.

Colocada assim a cena no fundo, ficará menor, permitindo o destaque da do


primeiro plano. Esta poderá inclusive alcançar a ênfase de um close-up, como
de um rosto em grande destaque.

Observa-se o uso deste expediente no Cristo em casa de Maria e Marta, num


quadro de Velasquez (1599-1660). No primeiro plano, em toda a largura, se
encontra Marta, na cozinha, ocupada com peixes e ovos, entretanto preocupada,
com o que ocorria distante, na sala; no segundo plano, moldurando por uma
abertura, se observa a outra cena.

No desdobramento pictórico do enredo, deslocado para cenas em campos de


distinta profundidade no espaço, ocorre uma espécie de cubismo narrativo e
futurismo. No enredo cubista se desdobram cenas simultâneas no tempo; no
futurismo, cenas sucessivas no tempo.

Já na antiguidade faraônica os egípcios organizávamos elementos sucessivas da


narrativa pictórica, situando-os em quadrículas, dispostas em diferentes alturas
da parede.

498. Concluindo sobre a prosa pictórica, o que nela mais importa, - como já se;
advertiu, - é a frase pictórica, através da qual as cores não se limitam à
apresentar a apenas a imagem frontal do objeto expresso, mas ainda o
acompanhando com uma afirmação.

Este passo importante da prosa pictórica é possível. A seu respeito não deve
haver não somente a capacidade técnica de o fazer, mas ainda a consciência de
que ela é um elemento importante de toda a pintura. Não pode a arte das cores
ficar reduzida ao estaticismo fotográfico; importa-lhe ainda ser uma afirmação.

ART. 4o. O RACIOCÍNIO NA PROSA PICTÓRICA.

3911y500.

501. Expressaria a prosa pictórica não somente objetos dos conceitos e juízos
mas também dos raciocínios?
Neste sentido se consideram dois itens:

- o entinema pictórico (§ 1.) (vd 503);

- Diversidade dos entinemas doutrinários (§ 2.) (vd 513).

§1. O entinema pictórico.

3911y503.

504. Três são as operações mentais, de que a do raciocínio é a mais complexa e


por isso mais difícil para a prosa pictórica.

Mostramos ser fácil a expressão objetos oferecidos pelos conceitos, pela


simples representação mimética, na qual as cores imitam aos referidos objetos.

Também já mostramos ser possível a expressão de objetos afirmados em forma


de juízos, onde a expressão se realiza pela via da frase pictórica (vd 482).

Finalmente, com referência aos objetos apresentados pela terceira operação


mental, ocorre no plano da expressão em cor, o entinema pictórico.

A consideração sobre a prosa pictórica se procede em três momentos didáticos:

- Esclarecimento, como pressuposição, sobre a natureza mesma do raciocínio, quer


dedutivo, quer indutivo;
- Comentário ao problema oferecido pela expressão pictórica do objeto do raciocínio.
- Exposição sobre o entinema pictórico.

505. No raciocínio o objeto está oculto, como o efeito se encontra virtual na


causa da qual pode decorrer. É assim que no precedente a conclusão se
encontra virtualmente.
Na dedução raciocinativa o precedente é constituído por premissas (ou juízos)
que geram a conclusão, por um processo de comparação, resultando por síntese.

Na indução raciocinativa o precedente é constituído de dados (afirmados como


juízos), que geram a conclusão por um processo de análise, do qual resulta a
conclusão generalizante.

A partir dos dados ou das premissas se vai saber, que lá adiante está ele, - o
objeto, - embora oculto à nossa apreensão intuitiva imediata.

A evidência da conclusão raciocinativa se diz virtual (porque causada por


efeito formal), distinta da evidência explícita (fenomenal, intuitiva), e também
distinta da evidência implícita (realmente contida, como nos princípios e
axiomas).

506. Atenda-se para a diferença entre os raciocínios dedutivo e indutivo,


porquanto não usam o mesmo caminho para atingir o objeto da conclusão. Num
e noutro caso a pintura também se diferenciará, no modo como apresentará o
antecedente, com vistas a uma expressão mais firme.

Opera o raciocínio dedutivo por síntese, como se vê nas premissas, que


previamente comparam os termos da conclusão com um terceiro termo
(chamado médio, ou seja instrumental); marcham a seguir logicamente para a
conclusão, conforme o resultado da comparação.

O princípio é este, - dois termos iguais a um terceiro são iguais entre si; se
desiguais a um terceiro, são desiguais entre si.

Diferentemente, o raciocínio indutivo opera por análise de dados. Conjetura-se,


que atrás dos dados singulares em repetição deva existir uma lei, ou natureza
responsável por esta repetibilidade. Todavia, achamos também razoável que
enquanto não surgir algo em contrário admitamos aquela lei ou natureza geral.

507. Como expressar o enredo raciocinativo em termos de pintura? Certamente


poderemos expressar alguns elementos, deixando o mais pelo cálculo do
contexto.
O raciocínio é exatamente um cálculo em direção do não conhecido. A pintura
utiliza o mesmo procedimento quando quer expressar um objeto, cujo
conhecimento contém relações que importem em uma espontânea conclusão
raciocinativa.

Com este objetivo de marcha, expressa a pintura elementos que conduzam a


mente, estimulada pelo contexto, até lá onde se esconde a face restante do
objeto.

508. Diferente capacidade das artes para o objetivo do raciocínio. A linguagem


falada, operando por equivalentes convencionais para cada detalhe, não
somente com palavras substantivas e verbos, mas também com preposições e
conjunções, consegue mais facilmente formular um raciocínio com alta
precisão. Por exemplo: se A é igual a B, e se B é igual a C, deve A ser igual a C.

Ainda que o raciocínio pictórico não alcance aqueles detalhes que somente a
expressão literária é capaz, por meio de preposições e conjunções, e consegue
todavia mais ênfase intuitiva na apresentação substantiva do conteúdo das
premissas, sobretudo quando se trata de coisas concretas.

Alguns raciocínios estão mais próximos da realidade concreta e por isso mais
acessíveis ao artista da cor. Este é o raciocínio que se compõe de uma premissa
particular; esta, como fato concreto poderá ser enfaticamente apresentada pela
composição pictórica. A outra premissa deverá ser sugerida, de tal sorte que a
mente a possa interpretar na apresentação do fato particular.

509. Raciocínios pictóricos. A apresentação de um efeito pode conduzir à causa.


O efeito desastroso pode ainda condenar a causa.

Apresentados em pintura os males da guerra, estes exprimem


raciocinativamente a desrecomendação dela.

O argumento contém uma premissa geral, que ficou no contexto.


Guernica, de Picasso, poderá ser visto como um silogismo contundente contra
a guerra civil em geral e o caso particular ocorrido na Espanha.

Pandora (c. 1548) de Poussin, como causa dos males que fluíram para a terra,
pousa a primeira mão no vaso que retinha os flagelos e a segunda no outro lado
sobre uma caveira; assim a sensação de causa e efeito flui pelos braços e
através dos corpo da formosa primeira mulher (do mito grego) até o mundo
vítima.

510. Estrutura formal do entinema pictórico. No caso do silogismo, pois, as


premissas apresentam um princípio geral e um fato concreto. Pinta-se o fato
concreto; pressupõe-se conhecida a declaração do princípio geral.

A pintura se comporta então como um entinema, pois é o entinema o silogismo


em que não se enuncia uma das premissas, por ser considerada conhecida,
enquanto a outra está suficientemente expressa no contexto. Por exemplo:

- a guerra provoca miséria e destruição;


- ora, a miséria e a destruição devem ser evitadas (premissa conhecida por obra do
contexto, e que pode ser omitida);
- logo, a guerra deve ser evitada (conclusão, que também pode ser omitida).

Que é que se pinta? Somente a premissa: a miséria e a destruição provocada


pela guerra. Não se pintam, nem a outra premissa, nem a conclusão.

511. Num contexto mais amplo, o raciocínio busca provar um todo doutrinário,
ou ideológico. Neste caso, a conclusão, a que pretende chegar a arte
argumentativa, se denomina "tese". Para a mesma confluem as partes, não só
conceitos, mas também juízos, descritivos e narrativos.

A tese se encontra latente, ou virtual, quando se apresenta no instante que


corresponde às premissas; clara, quando se mostra diretamente como se situa
na conclusão do argumento.
§2. Diversidade contextual dos entinemas doutrinários.

3911y513.

514. A argumentação da prosa pictórica varia de acordo com os gêneros


doutrinários. Cada gênero cultiva um modelo contextual.

Os objetos determinam um gênero de arte. Dos gêneros como gêneros


trataremos depois; o que agora está em questão é o raciocínio, o argumento, o
silogismo.

Quando dizemos que cada gênero cultiva um modelo contextual, importa


acrescentar que o modelo contextual é sobretudo peculiar quando se passa ao
plano argumentativo. Cada argumentador costuma ter sua platéia e se adata ao
seu contexto.

Por isso é que ocorrem subtilidades semânticas que distinguem entre arte
doutrinário, ideológica, engajada, social, etc.

Isto tudo se reflete finalmente no entinema da prosa pictórica.

515. A arte doutrinária, na sua acepção mais geral, é a que está a serviço do
esforço de qualquer ciência ou filosofia.

Ela é didática quando utilizada no ensino.

É ainda ideológica e engajada, quando está a serviço partidário, portanto de


doutrinas já definidas, e que seus propugnadores querem levar à convicção de
um grupo.

Também são artes doutrinárias as que se diferenciam por setores, como arte
social, arte religiosa, arte nacionalista, arte ecológica.

Todas estas modalidades de arte doutrinária operam, em última instância, com


os argumentos de uma tese, enfim com silogismos.
A pintura discursiva, a argumentar por exemplo em favor de ideologias, requer
um desenvolvimento mui subtil, para que atinja todas as propriedades da arte.
Preocupada em comunicar muito, facilmente descura a logicidade da prosa,
esquecendo de aliá-la com a poesia, que é sempre um complemento espontâneo
da boa prosa.

516. Concluindo sobre a noção mesma de prosa, - a qual tratamos com


referência à expressão em cores, - ficou claro, que há uma expressão mais
fundamental, gerada pela mimese, anterior à que se opera pela associatividade
poética.

E esta prosa, tanto é capaz de operar os objetos em função à operação mental


dos conceitos, como dos dos juízos e raciocínios, - conforme também deixamos
evidenciado.

O que assim apresentamos sobre a prosa, e em particular sobre a prosa em


pintura, - onde se destacam os semantemas e morfenas colorísticos, a frase
pictórica, o entimema pictórico, - se encontra no campo meramente formal de
sua natureza, pois cuidamos apenas de sua essência e propriedades decorrentes.

Importa ainda o exame da prosa enquanto se adata ao diferentes objetos a


expressar, quando, pois, ocorrem os gêneros de prosa. A tarefa, por conseguinte,
de esclarecer a pintura em prosa, ainda se alonga.

CAP. 4

GÊNEROS DA PINTURA EM PROSA. 3911y518.

- Estética das Cores -

520. Introdução aos gêneros artísticos em geral. A expressão é influenciada


pelo objeto, do qual ela é fundamentalmente a imitação.

De outra parte os objetos em si mesmos já estão distribuídos em gêneros. Em


decorrência o gênero de objetos provoca, no plano da expressão, o fenômeno
paralelo dos gêneros de arte.
Pelo visto, os gêneros de arte se definem pelo objeto expresso, não pela obra
que os exprime.

São gêneros artísticos bastante conhecidos: retrato, natureza morta, paisagem,


descrição, narrativa, novela, romance, ensaio, tratado, discurso, arte figurativa,
arte abstrata.

Os objetos não são totalmente equívocos. Apresentam faces comuns, em


função dos quais se classificam eles em si mesmos em gêneros.

Exercendo-se a arte antes de tudo pela mimese, - como já se advertiu, -


e imitando aos objetos que expressa, resulta que também a arte apresente
gêneros, conforme as classes de objetos que exprime, deles tomando algumas
características.

Acontece isto não só na expressão em prosa, que mais se caracteriza pela


mimese. Também a poesia desenvolve gêneros, porquanto a evocação se
diferencia de acordo com as classes dos objetos de que se ocupa.

521. Universalidade dos gêneros artísticos. Uma vez que o gênero se define a
partir do objeto expresso, todas as artes têm os mesmos gêneros, e podem usar
as mesmas denominações.

Há uma narrativa na linguagem, na música, na escultura, na pintura. Há uma


arte abstrata na linguagem, na música, na escultura, na pintura.

De outra parte, porém, os gêneros, embora ocorram em todas as artes, não


apresentam em cada uma a mesma fisionomia, e por isso nem sempre usam as
denominações com as mesmas nuances.

Diz-se, por exemplo, que em pintura há um gênero denominado natureza morta;


não se fala assim na linguagem. Há um gênero pintura abstrata. Em linguagem,
apesar da capacidade da palavra para enunciar o abstrato, não se usa a
expressão gênero da linguagem abstrata, ainda que efetivamente se trate de um
gênero.
522. Classificação dos gêneros artísticos. Os gêneros são muitos, de onde
uma sequência um tanto desordenada ao serem citados.

Em vista da multiplicidade dos gêneros de expressão, convém reordená-los em


gêneros maiores. Considerando a importância das operações mentais, - que são
o conceito, o juízo, o raciocínio, - a nos apresentarem os objetos tais como eles
nos alcançam, é possível ordena-los superiormente, ainda que exteriormente,
sob este ponto de vista.

Dali resulta uma ordem didática de temas, que orientou o estudo da prosa
pictórica em função às três operações mentais, e que mais uma vez orientará a
presente abordagem sobre os gêneros de prosa pictórica:

- gêneros conceptuais de prosa pictórica (arte abstrata, arte figurativa, retrato,


natureza morta, etc.) (art. 1-o) (vd 3911y525);
- gêneros judicativos de prosa pictórica (descrição, narração) (art. 2-o)
(vd 3911y564);
- gêneros raciocinativos de prosa pictórica (discurso, tese, tratado, etc.) (art. 3-
o) (vd 3911y600).

523. Gêneros interartísticos. Ainda ocorrem os gêneros interartísticos, pela


aliança de duas ou várias artes. Isto acontece, porque as artes podem
complementar-se, reforçando sua capacidade de expressão.

Na arte em aliança com outra arte, a execução do gênero pode ocorrer em uma
só das matérias portadoras de significado e não na outra. Por exemplo, embora
o essencial na pintura seja expressar em cor, o figurativo poderá ser exercido
principalmente pela forma plástica do desenho, e não pela cor. Não obstante, a
cor é o instrumento essencial da pintura; a forma não passa de um elemento
expressional que se aliou à pintura, sem dela fazer parte constitutiva.
ART. 1o. GÊNEROS CONCEITUAIS DE PINTURA.

3911y525.

526. Sobre os gêneros conceituais de pintura importa primeiramente apresentar


uma noção sobre a especificidade do gênero conceitual frente aos judicativos e
raciocinativos, e a seguir abordar um a um os gêneros conceituais mais
destacados. Dali decorre o seguinte temário:

- Noção de gênero conceitual de pintura (§ 1-o) (vd 528);

- pintura figurativa e pintura abstrata (§ 2-o) (vd 534);

- pintura de tema objetivo e pintura de tema interior (§ 3-o) (vd 550);

- pintura de objeto real e pintura de objeto ficção (§ 4-o) (vd 556).

§1. Noção de gênero conceitual de pintura.

3911y528.

529. Definido preliminarmente o gênero artístico pelo objeto que ele exprime
(vd 520), e considerado que as operações mentais caracterizam três grandes
gêneros artísticos, passamos a caracterizar o primeiro deles, - o
gênero conceitual, - e este no plano da pintura em prosa.

Eis que o conceito é a primeira operação mental, e que apresenta o objeto


simplesmente como uma imagem, sem afirmar, sem raciocinar.

Neste estágio inicial a prosa da pintura reproduz em cores simplesmente os


objetos, pela imagem que estes oferecem.
530. O gênero conceitual, ao mesmo tempo que se define pela sua mesma
consistência interna de imagem, se diferencia por não operar como os gêneros
judicativos (descritivos, narrativos) e raciocinativos (discursivos).

Na construção ordinária da expressão os conceitos não permanecem isolados,


compondo-se logo em juízos e raciocínios, razão porque não estão sempre
claramente diferenciados.

Da mesma sorte, a pintura de gênero conceitual, seja abstrata ou figurativa, real


ou ficção, interior e exterior, axiológica ou indiferente, se une imediatamente
aos procedimentos descritivos e narrativos da expressão judicativa,
formulando frases pictóricas, e ainda aos procedimentos do discurso
raciocinativo, com entinemas pictóricos.

Estamos acostumados a apreciar a ficção e a realidade em termos de descrição


e narrativa. Contudo ser ficção, ou ser realidade, já começa na interioridade do
conceito.

Efetivamente, ser ficção ou realidade pode mesmo começar nas representações


dos sentidos externos, - da vista e do ouvido, olfato, gosto, tato, -e dos sentidos
internos, - imaginação e memória, - e dali passar à primeira operação mental, -
o conceito.

A consistência real ou fictícia dos objetos da narrativa (da operação do ;juízo)


se funda na anterior representação imaginativa dos sentidos e dos conceitos,
qualquer seja o desenvolvimento acrescido ulteriormente na forma dos objetos
do juízo (que une e divide) e do raciocínio (que apresenta o objeto por cálculo).

531. De outra parte, há gêneros aparentemente conceituais, que todavia são


vagamente judicativos.

Mencionamos neste sentido os subgêneros do gênero descrição, denominados


retrato, nu, natureza morta, paisagem, vista (veduta). Apesar da aparência de
conceituação, eles não são apenas isto; são também judicativos, como o são são
alias os dados da experiência em geral. Estas expressões supõem um sujeito ao
qual se predicam os elementos postos no quadro. Na mente se traduzem pelo
dizer: isto (sujeito) é o retrato de Fulano (predicado). E assim também não
surgem sem uma atribuição o nu, a natureza morta, a paisagem, a vista.
O mesmo equívoco poderá ocorrer com o gênero narrativo, quando a ação se
reduz a um simples episódio e por isso se apresenta estático, como um close-up,
mas só aparentemente.

Esta é geralmente a pintura de cenas domésticas (denominada pintura de


gênero), a pintura religiosa (mitos e fatos), a pintura moral e social (episódios
ilustrativos). Por mais simples que seja o conteúdo, estes objetos ultrapassam a
feição de mera imagem conceitual e sensível, para se estabelecerem
como afirmação, portanto como objeto de juízo, que une algo a algo.

532. Terminologia. As denominações dos gêneros conceituais, costumam ser


binômios, em que geralmente se dá nome a um dos gêneros, e não sempre ao
gênero seu contrário; fica este outro para ser reconhecido por contexto negativo
ou simples omissão de denominação.

Por exemplo o gênero ficção pressupõe a arte de objeto real, que não se usa
assim denominar, embora exista e seja a maior parte da da pintura. Assim
também o gênero pintura axiológica (religiosa, moral, ideológica, política,
social, engajada, com prometida) supõe o gênero correspondente não
denominado; esta seria a pintura não axiológica (não religiosa, amoral, não
ideológica, apolítica, não social, não engajada, não comprometida).

O que no uso ordinário não se usa denominar por binômios tão opostos, a
teorização todavia não pode esquecer e nem deixará de examinar de algum
modo.

§2. Pintura figurativa e pintura abstrata.

3911y534.
535. Uma pintura figurativa apresenta aos objetos naturalisticamente, - como a
representação de uma flor, de um animal, de uma pessoa humana.

Diferentemente, uma pintura abstrata representa um aspecto apenas de coisa


concreta, - como a felicidade, a virtude, o bem.

Importa examinar isto com melhor detalhe, explicando as condições da pintura


figurativa e logo também da pintura abstrata.

I - Pintura figurativa.

3911y537.

538. Um objeto poderá ser apreendido como um todo concreto e assim


expresso. No plano da mente, se trata de um conceito concreto; no plano da
linguagem, de um substantivo concreto; no plano da expressão em cor, de
uma pintura figurativa.

Poder-se-ia dizer também pintura concreta, ainda que não esteja em uso esta
denominação.

Com referência à expressão pintura concretista (vd 878), a denominação se


consagrou (pelo menos por algum tempo) para designar a aliança de várias
artes, conforme propugnou o "movimento concretista", ou da "arte concreta".

Entende-se, pois, por pintura figurativa aquela que representa o objeto como
um todo concreto, e que portanto traz uma figura, que se transfere para a
expressão.

539. Semanticamente figura tem significado menos amplo que forma. Na


linguagem tradicional da filosofia se denomina figura aquela forma que os
objetos apresentam por natureza. Forma, por sua vez, seria uma fisionomia,
que poderia ser, tanto natural, como eventual. Tem pois a árvore uma figura, o
bolo uma forma. Todavia a árvore também possui forma, o bolo tem forma e
não figura.

Certas formas eventuais têm contudo alguma estabilidade, e por isso também se
usam denominar figura. Em tal condição se diz a figura de uma casa. Todavia
restam elementos numa casa que são muito variáveis, e que por isso continuam
a denominar-se forma.

Prosseguem as variações semânticas do lado da forma, que se complica mais


que as acepções de figura. Tem a forma dois níveis de significado.

Num primeiro, que é seu sentido estrito, forma significa a maneira como as
partes de um corpo se distribuem no espaço. Neste sentido estrito se usa a
palavra, quando se define a escultura como arte da forma, distinta da pintura
como arte da cor.

Um sentido mais amplo eleva a forma ao sentido de essência; esta essência se


refere ao conjunto de elementos de que a coisa se constitui entitativamente; tal
conjunto de elementos constitutivos entitativos se diz forma, no sentido de
essência, porque apresenta uma analogia com as partes da forma corpórea. Em
consequência forma, como essência, passou a ser uma palavra importante em
filosofia. Quando se diz abstração total (vd 545) e abstração formal (vd 546)
entende-se a acepção de forma como essência, conforme pouco adiante
veremos.

A ocorrência destes dois sentidos de forma (forma do corpo e forma como


essência de algo) cria um uso aparentemente confuso da palavra, obrigando-nos
a uma atenção maior ao contexto com que a palavra está inserida na frase. Aqui
continuamos ainda a tratar da forma antes de qualquer divisão em suas partes
abstratas, a fim de definir a pintura figurativa.

Quando se diz pintura figurativa, não somente se faz referência a objetos com
figura natural e objetos com forma relativamente estável. Pintura figurativa se
refere a todo e qualquer objeto concreto, inclusive aos de forma eventual.
Todavia, a forma eventual fica entendida apenas na acepção de forma no
primeiro nível de acepção, qual seja o de distribuição material das partes no
espaço. Portanto, a representação de um monte de areia, qualquer seja a forma
que se lhe dê, é uma obra classificada como gênero figurativo. Eis-nos diante
de mais uma complicação semântica.
As expressões naturalismo artístico e arte naturalista são equivalentes de arte
figurativa. Na natureza as coisas são concretas. Apenas na mente do homem os
objetos assumem caráter abstrato.

540. A rigor, o ser concreto não é apenas o sensível; também o mundo interior,
a alma e Deus poderão ser concebidos como concretos, isto é, como não
dissociados em estratos por obra da abstração.

Encontramo-nos aqui com novas alternativas semânticas, porque em certa


linguagem, que convém evitar, o termo abstrato indica o espiritual, por
conseguinte o tema interior, ainda que concreto, não alcançado por
dissociações.

Distinta é a situação gnosiológica do concreto interior e do concreto sensível,


porque o concreto interior não é alcançado pelos sentidos, pois não tem figura
espacial.

Também o objeto "próprio" do pensamento é o ser do sensível singular: Nestas


condições, o que com propriedade pensamos, são objetos sensíveis, assim como
pedras, plantas, mesas, cadeiras, enfim tudo o que se põe ao alcance dos
sentidos.

Mesmo quando o pensamento parece inteiramente espiritual, seu ponto de


partida e conteúdo permanente é o ser do sensível. Somente as coisas naturais
têm figura. Ora, não tem figura espacial os temas concretos do mundo interior,
ainda que concretos.

Já se vê que "figurativo" e "concreto" (como temas) não coincidem,


rigorosamente.

Definir a arte figurativa, como sendo a que se ocupa dos temas concretos,
atribui ao figurativo uma acepção movediça e ampla; permitiria então a
subdivisão em gênero figurativo exterior (naturalístico) e gênero
figurativo interior (expressionístico).

Definir a arte figurativa como sendo a que se ocupa com os temas exteriores, é
dar uma definição em sentido estritíssimo.
Importa mais a ênfase na distinção entre concreto e abstrato, do que entre
exterior e interior.

Ficam então aceitáveis as expressões: gênero figurativo exterior e gênero


figurativo interior.

541. A legitimidade da pintura figurativa importa em ser destacada, frente ao


prestígio da pintura abstrata moderna.

Efetivamente, o tema concreto, sem dissociação em estratos abstrativos, é o


preferido da mente humana. Ele é espontaneamente pensado e por isso
espontaneamente transposto à expressão artística.

Uma vez que o homem comum não segue mais além, a arte figurativa apresenta
uma temática conveniente às sua possibilidades.

Também para o homem erudito, o concreto se mantém como estado espontâneo


de suas faculdades de conhecimento e ponto de partida para as operações
abstratas. Ainda que se dedique horas inteiras à ciência e à filosofia, toma
intervalos de recreio para um retorno ao mundo concreto que se lhe apresenta
sem esforço.

O objeto "próprio" do pensamento é o ser sensível singular (o ser concreto


sensível), como se advertiu. Já o asseverava Aristóteles. Nada de universal
pensa o homem, sem o referir a um sujeito singular. Ainda que as idéias sejam
sempre abstratas e universais, elas não existem senão como atribuídas a algum
sujeito.

Consequentemente, a arte figurativa, com tema concreto, se antepõe, pela


ordem do seu tema, à arte de tema abstrato formal. Dali segue ainda a sua
perfeita legitimidade.

Como estado espontâneo do espírito, a arte figurativa é a única, do ponto de


vista temático, que tem condições para ser amplamente aceita, quer pelo
indivíduo rude, quer pelo mais culto.

O artista de qualquer área, como o filósofo, não se limita apenas a operar


abstrações e se isolar nelas. A vida do espírito não é apenas um adejar
abstrativo; é também luz concreta por entre nuvens verdadeiras e panoramas
reais.

II - Pintura abstrata.

3911y543.

544. A pintura abstrata apresenta objetos dissociados em perspectivas,


tomadas a parte. Este objeto exige um certo esforço mental, esforço maior
ainda quando se trata de expressá-lo em obra de arte.

Na linguagem o recurso de expressão abstrata se oferece com facilidade,


porque simplesmente se convencionam palavras para este fim; inclusive há
morfemas que permitem dar a qualquer nome concreto a formulação abstrata
correspondente, como em bom e bondade, matéria e materialidade.

Na pintura, que opera mediante semelhanças naturais, a expressão de objeto


abstrato não se opera com a mesma facilidade, devendo fazer-se torções e
utilizar o contexto, conforme já se explicou a propósito das operações em prosa.

545. Pintura abstrata, de abstração total, ou da forma ao sujeito. A mais


simples das abstrações é a que considera apenas a forma.

Mas a forma tem dois tratamentos, o da mera abstração total e o da abstração


formal, que conduz avante as abstrações.

Há, pois, duas espécies gerais de abstração: a total e a formal.

Pela abstração total consideramos que um objeto, ao estar concretamente


multiplicado para muitos indivíduos, possa ser considerado sem estes.
Abstraímos então esta multiplicidade numérica de sujeitos dentro da mesma
espécie, e ficamos somente com o objeto como espécie, isto é, como essência,
como forma (no sentido amplo de forma como essência).

Há pois distinção entre um pensador e o pensador.

No primeiro caso - um pensador - trata-se de indivíduo numericamente


determinado em sua total concretitude.

No segundo caso - o pensador - o contexto é apenas o do conceito de espécie,


portanto só de essência ou forma, em consequência da abstração total. Quando
alguém pintar um homem pensando, e denominar esta pintura de O pensador (à
semelhança da escultura O pensador de Rodin), terá evidentemente um tema
abstrato, um tema de espécie, um tema de essência, um tema de pura forma.

A arte clássica, mesmo quando representa indivíduos, os ajusta o mais possível


a este modelo ideal da espécie; mas não exclui a individualidade, a qual ficou
apenas idealizada, perfeita, retocada. Escolher o modelo da espécie para
reproduzi-lo no referido indivíduo, constitui algo de eventual; por isso, o
classicismo é uma questão de estilo e não de arte abstrata. O clássico tanto pode
operar a arte figurativa, como a abstrata.

546. Pintura abstrata, de abstração formal, ou da forma à forma. Pela


segunda abstração, a formal, se gera quase toda a arte abstrata, ou pintura
abstrata. Depois de afastados os indivíduos, pela abstração formal, e restando
apenas a forma (a espécie, a essência), esta forma passa a ser redividida em
formas abstratas as mais diversas.

Por exemplo, num corpo, como a pedra, podemos encontrar perspectivas como
quantidade, qualidade, temporalidade, situação, posição, corporeidade, entidade,
coisa (coisidade), algo, unidade, bondade, verdade, beleza, limitação, força,
potência, etc. Num ser humano, podemos encontrar racionalidade, socialidade,
bondade, beleza, delicadeza, maldade, etc.
547. A diferença entre os objetos de abstração total (apenas abstração numérica
dos sujeitos) e os de abstração formal (abstração de formas às formas) e de tal
dimensão que as duas espécies de arte resultantes merecem denominações pelas
quais se possam indicar simplesmente.

Considere-se que na abstração total os objetos concretos não se desvestem da


figura. Um homem e o homem mantém a forma humana. As diferenças que se
possam fazer não retiram a figura essencial. Um homem, entendido
concretamente, poderá ter formas individualizadas com ocorrem em Pedro, ou
em João

O homem, entendido abstratamente sem a sua individualidade, mas apenas


como espécie homem, dispensa de assumir estas ou aquelas individualizações.
Por isso, nas artes de estilo formalista, a figura da espécie tende a ser reduzida
às formas essenciais, ficando o mais geometrizado, ou subordinado ao
esteticismo das linhas. Tal acontece geralmente com os símbolos, tão
frequentes na arte egípcia; está aliás, de maneira geral é formalista.

Consequentemente, a arte abstrata por manter a figura de seus objetos pode


denominar-se figurativo-abstrata.

Se garantirmos o contexto também se pode dizer: arte figurativo-formal (em


oposição ao formal não figurativo).

A expressão arte meramente formal (ou puramente formal) admite nuances


subtis, capazes criar oscilações semânticas. Meramente formal poderá
significar a exclusão da individuação, em favor da espécie; então meramente
formal também se traduziria por meramente figurativa (=figura sem a
individuação numérica).

Meramente formal poderia significar precisamente só a forma, no sentido de


abstração; mas já então teríamos de cuidar em não invadir as restantes
abstrações de formas às formas.

548. Na mesma tela poderá haver ambas as preocupações, a figurativa e a


meramente formal. Os pintores acadêmicos do século XIX tendem ao
figurativo puro, por isso foram ainda narrativos e literários.
Os modernos posteriores se aplicam de preferência ao tema plástico, ainda que
ao mesmo tempo façam a figuração.

A Primeira Missa no Brasil, de acadêmico Victor Meirelles se preocupa


primeiramente com o figurativo; dali sua exatidão histórica.

Diferentemente, Portinari que é posterior, ao pintar o mesmo tema se preocupa


com o elemento plástico das cores e da composição.

Na tela Primeira Missa no Brasil, de Victor Meirelles, ocorre um figurativo


exterior. Uma tela poderia criar-se como um figurativo interior, expressando a
atmosfera espiritual, mística, pictórica, cívica, patriótica.

Mas, nem o tema exterior e nem o interior, constituem ainda a arte meramente
formal abstrata. Esta se ocupa diretamente com a mensagem da cor em abstrato
e outros elementos do gênero formal.

Se ao figurativo interior já não importa a segurança histórica, ao meramente


formal, não importa sequer a figuratividade interior da alma, porque então
interessam apenas as cores e as disposições plásticas.

Na arquitetura, as perspectivas meramente formais poderão ser linhas, áreas,


volumes, ora estáticos, ora dinâmicos, ora rítmicos. Deixando geralmente de
ser figurativa, a arquitetura ocupa os olhos com elementos meramente formais.

O mesmo faz a pintura quando se exerce sem a preocupação de expressar


coisas concretas, mas se concentra em expressar a harmonia das cores.

Identicamente, a música pode desenvolver-se na composição meramente formal


dos sons, sem figurar sequer coisas do mundo interior. A expressividade
figurativa é deixada pela formal. Ocupa-se com um "não-objeto" (entendido um
"não-objeto concreto"), para ater-se a uma forma abstrata deste objeto (ou seja
com um objeto abstrato). Concentra-se em objetos abstratos, que não se isolam
aqui e ali, pois não se situam nem neste sujeito e nem naquele, porque
prescindem de sujeitos.
549. Qual a legitimidade da pintura abstrata? Modernamente se
desprestigiou a pintura figurativa. Depois da invenção da fotografia, que
reproduz com extrema precisão a figura dimensional e as cores dos objetos,
teve o pintor razões de sobra para enveredar pelos temas em que aquela
invenção não entrava certamente com a mesma versatilidade, - o mundo
interior e sobretudo o mundo do abstrato.

Além disto, a validade do mundo interior é, em si mesma, muito grande. Nesta


validade do mundo interior se insere a legitimidade da arte expressionista, ou
seja do figurativo interior, de que trataremos ainda a parte.

Com referência ao mundo do abstrato, eis um objeto seguramente legítimo para


ser expresso em pensamento e em obra de arte.

O mundo do abstrato sempre foi amplamente tratado pelo artista da palavra. A


literatura científica e filosófica foi verdadeiramente considerável desde a
antiguidade helênica.

Entretanto, na pintura do passado predominou sempre a preocupação pelo


colorismo concreto e pelo espaço (linhas, áreas, volumes, especialmente a
perspectiva). Este espaço de que tão bem trataram os pintores renascentistas é
um objeto, que ocupou uma predominância verdadeiramente avassaladora na
arte da pintura. Fora preciso implodir o espaço, remontando o desenho de outra
forma, para que o objeto a ser expresso já não fosse primeiramente o espaço, e
sim o objeto, abstrato.

O cubismo foi um movimento de implosão do espaço-objeto, para favorecer os


objetos abstratos. Foi o cubismo conceitualista, no sentido de que tentou
expressar os objetos como vinham ao nosso conhecimento através de conceitos
abstratos.

§3. Pintura de tema objetivo e pintura do mundo interior.

3911y550.
551. Pintura expressionista. Há uma série de objetos, chamados do mundo
interior do homem, que ele mesmo espontaneamente exprime através de sua
fisionomia, que, consequentemente se converte em expressão dos mesmos.

Ainda que toda a arte seja uma expressão, esta palavra no uso ordinário se diz,
em primeiro lugar, da expressividade aflorada no rosto e do comportamento
geral do indivíduo. A arte que se ocupa da expressividade se denomina
arte expressionista.

Tornou-se frequente a pintura expressionista a partir de 1910, quando na


Alemanha apareceu o grupo Cavaleiro Azul, que tem precursores em Van Gogh
e no fauvismo francês, espalhando-se rapidamente por toda a Europa e América.

O expressionismo é próprio de todos os tempos, porque é a manifestação de


uma parte dos objetos do ser humano, os fenômenos do seu mundo interior.

Mas se manifesta mais e certas épocas, por ocasião de grandes desajustamentos


sociais, ódio e sofrimento. É possível também que seja mais do gosto de certos
povos, como os saxônios e eslavos, enquanto o classicismo seria peculiar aos
povos mediterrâneos, sobretudo gregos e latinos.

552. Oferece a pintura expressionista vários enfoques, dos quais agora nos
interessa a do gênero de objeto a que ele pertence. O mundo interior do homem
se constitui de um complexo de objetos, dentre os quais se destacam para o
interesse da arte os estados psíquicos, denominados também estados de alma,
estados de espírito, sentimentos, paixões, emoções.

Entre os objetos do mundo interior se classificam como notórios o amor, desejo,


prazer, gozo, delícia, satisfação, deleite, alegria, felicidade, delírio, sofrimento,
mágoa, pesar, aflição, ódio, rancor, raiva, cólera, ira, aversão, repulsa, desprezo,
violência, furor, exaltação, arrebatamento, entusiasmo, frenesi, veemência,
impetuosidade, fortaleza, segurança, solidez, energia, constância, força moral,
estabilidade emocional, rigor, severidade, virtuosidade, vício, fraqueza, temor,
medo, terror, inquietação, timidez, humildade, vergonha, vaidade, orgulho,
arrogância, atrevimento, intolerância, imprudência, esperança, expectativa, fé,
confiança, ambição, desesperança, desespero.
Os estados de alma são qualidades conforme já advertia Aristóteles, as
qualidades têm como propriedade terem grau, contrário e semelhante. Por isso,
os estados de alma são muito variados, expressando-se com um sem número de
palavras, na arte da linguagem, e por muitas modalidades de expressão na arte
da cor.

Aliás, a cor também é uma qualidade, que, por conseguinte oferece um número
interminável de variações, quer objetivas, quer psicodinâmicas e associativas,
através das quais se instrumentaliza a pintura para obter suas expressões do
mundo interior.

553. A expressividade pode vir aliada com a pintura figurativa dos objetos
exteriores, e pode também isolar-se inteiramente em seu mesmo objeto do
mundo interior. A escolha de uma e outra modalidade de pintura é apenas uma
questão de opção frente aos objetivos em vista.

A pintura figurativa de todos os tempos buscou ao mesmo tempo a


expressividade. Manter-se apenas na figura exterior dos objetos seria um não
aproveitar tudo o mais que enriquece a expressão.

Contudo é verdade que a pintura meramente figurativa também possui o seu


sentido como no desenho industrial e em expressões funcionais, como em
placas de trânsito, nas quais a cor contém uma informação, ordinariamente sem
objetivos expressionistas. Exceto estes casos, a pintura figurativa tem
vantagens certas na inclusão de elementos expressivos do mundo interior.
Mesmo quando se trata de objetos mortos e de paisagens, ela se avantaja se
incluir elementos psicodinâmicos e de interesse a partir do apreciador.

Mas é sobretudo na pintura figurativa humana, como no retrato, que importa a


expressividade.

São particularmente expressivos os trabalhos de Leonardo da Vinci, cuja


famosa Gioconda (ou Monalisa) é de olhos irresistíveis.

Também sempre citadas pela sua expressividade são as criações de Rembrandt.


Para ele todos os objetos serviam para uma tela, porque, em vez de atender aos
objetos em si mesmos, os atingia por uma expressividade com que
participavam no contexto interior humano. Os rostos de Jesus dos quadros de
Rembrandt, apesar de figurativamente não serem o Jesus histórico, ultrapassam
a si mesmos, pelo misticismo e divindade.
Na arte moderna, decorrência inclusive de fotografia que substituiu
grandemente a pintura figurativa, tende a prevalecer o expressionismo puro. O
mundo interior subordina dominantemente as formas exteriores, cujo
figurativismo espontâneo é propositalmente cerceado.

Duas tendências se observam no expressionismo puro, a que enfatiza a forma


plástica e a que acentua a carga psíquica do tema.

Estes objetivos são alcançados pelas cores simples e elementares em vista de


sua força psicodinâmica definida, diferentemente das nuances e tons do uso dos
pintores impressionistas.

O simbolismo acrescido à cor já era praticado por Van Gogh, um dos


precursores do expressionismo histórico. Todavia, no impressionismo a luz
rompe as superfícies naturais; agora o rompimento passa a ser utilizado para
expressão dos objetos do mundo interior.

554. Não se pode contudo levar o expressionismo ao exclusivismo pelo seu


estabelecimento como única forma válida de pintura. Já fora um exagero de
outros definir a arte como expressão exclusiva do objeto sensível.

Para Baumgarten (1714-1762) a arte é conhecimento sensível e obedece a uma


"lógica interior"; aliás, dentro de sua concepção cartesiana, a sensação é
pensamento confuso.

Konrad Fiedler (1841-1895), defensor da doutrina de que a arte é expressão,


fazia a arte ser expressão do sensível. Nestas condições definia a pintura
como visão.

Benedeto Croce (1866-1952) insistiu que a arte se restringe à imaginação


sensível. Quando a linguagem exprime pensamentos, a denomina de prosa; a
poesia se limitaria ao plano das imagens.

R.G.Collingwood, pretendem que a arte exprima sentimentos; não seria, pois,


representativa dos demais temas:

"Nenhuma arte é representativa; em todo o caso este é o ponto de vista da


maioria dos artistas e os críticos cuja opinião vale a pena considerar"; "Nada
poderia ser mais inteiramente um lugar comum que dizer que o artista expressa
as emoções" (Collingwood, Os princípios da Arte, III § 2 e VI § 2).
A validade das assertativas acima ocorre apenas no sentido da importância do
mundo interior e não de sua exclusividade como objeto único da expressão
artística.

Fosse válido definir a arte apenas pelo tema sensível, - nestas condições seria
claro que não se trata senão de uma limitação da palavra arte. A poesia opera
mediante imagens, que evocam outras; esta região evidentemente é apenas
sensível. Ora, limitar a arte a este processo redunda em dizer, - sem prová-lo, -
que seu tema é apenas o sensível.

§4. Pintura de objeto real e pintura ficção.

3911y556.

557. Há objetos reais e objetos que apenas se imaginam. O tratamento dessas


duas modalidades de objeto admite uma diversidade tão grande que dela
resultam dois gêneros artísticos profundamente distintos.

Na expressão de objeto real o artista ocupa-se primeiramente da exatidão


gnosiológica; ele tem de conseguir a expressão mais verdadeira possível, como
um objeto que simplesmente descobre e tem de expressá-lo sem falseá-lo.

Embora escolha perspectivas, como acontece principalmente na arte abstrata,


elas terão de ser tais como se encontram no todo concreto do qual as abstrai.

Diferentemente, no objeto ficção o artista começa por criar na mente a ficção,


que deseja tornar o objeto de sua arte.

Quando o artista já encontra ficções, - como acontece ao tomar conhecimento


das lendas populares -, elas têm variedade de versões. Ao expressá-las, o artista
pode ainda recriá-las, avivá-las, torcê-las conforme os objetivos intencionados.

Apenas o cientista procura restabelecer a lenda conforme era primitivamente; já


então, se trata de uma ficção tratada historicamente, como uma espécie de
realidade cultural.
A ficção propriamente dita é simplesmente o que não é real. O que não é real
orienta o artista de um modo diferente do que um objeto real.

558. Ficção do gênero descrição. Ocorre uma preferência do artista e do


consumidor da arte pelo objeto ficção, quando tem objetivos meramente
psicológicos, como a esteticidade e a ludicidade. Ausente a preocupação com a
expressão como veículo de comunicação de conhecimentos úteis, basta que o
artista apresente simplesmente o objeto imaginativo, o qual no resto se amolda
facilmente aos objetivos estéticos e lúdicos.

Em consequência da preferência estética e lúdica pelo gênero ficção, este


gênero de arte adquire um desenvolvimento próprio e por vezes até uma
denominação própria.

Em linguagem o nome é literatura (em sentido estrito); ordinariamente se


entende por literatura a arte de ficção, em suas mais diversas manifestações:
conto, novela, romance, poesia, anedota, etc.

Apenas num sentido amplo, se diz literatura filosófica, literatura técnica,


literatura jornalística. E assim também haveria um nome próprio para a pintura
ficção.

559. Acontece a ficção principalmente na categoria da ação, e com isso


prontamente posta em enredo.

A sequência de um enredo se expressa adequadamente pelo juízo,


consequentemente pelos gêneros ficcionais do conto, novela, romance, poesia,
anedota, etc.

Deste novo desdobramento cuidaremos depois, a propósito dos gêneros


judicativos (vd 595). Mas, em sua constituição primeira, a ficção já começa no
plano do conceito e da imagem da fantasia.

Também a ação como categoria de ser se situa como objeto do conceito. Seu
desdobramento é que finalmente se expressa nos procedimentos próprios de
serem expressos pelo juízo. O que este afirma outra vez é um como se fosse
verdade, e portanto também é ficção.

560. Na ficção o artista cria o objeto, seja como simples imagem, seja como
enredo (conto, novela, romance, apólogo), seja como discurso argumentativo.

Na pintura estas criações se expressam figurativamente, como se fossem seres


concretos, naturalmente existentes.

Mas, o contexto adverte em tempo que se trata de ficção. Este contexto está
embutido na própria imagem por ser irreal. Por exemplo, um cavalo com asas
prontamente é tido como fantasia.

561. A criação ficcional, ainda que ordinariamente seja trabalho do artista, não
é a mesma arte; depois de criada a ficção vem a função do artista que então cria
a expressão desta ficção.

Vale muito a arte, quando seu objeto também é valioso. Dali porque importa ao
artista criar a ficção de modo excelente, ainda que esta criação da ficção não
seja a arte em si mesma.

Também é a ficção uma expressão, todavia situada na mente, onde tem as


formas de idéia, juízo, raciocínio, imagem da fantasia. Ato contínuo esta
expressão mental é transferida para a nova expressão paralela, a expressão
artística.

Há expressões mentais ficcionais cuja criação, conforme já advertimos, o


artista já recebe prontas, bastando-lhe então apenas criar a artística.

Os mitos, por exemplo, existem de longa data. Muitos deles se elevam ao nível
de verdade de fé, para os que assim os tomam.

O mesmo sucede com a ideologia e a ciência que o artista tão só expressa. O


objeto é sempre o mesmo; faz-se apenas a transposição deste objeto de uma
expressão para a outra, isto é, da expressão mental para a artística.
Ninguém recebe uma ficção de outro, sem que este outro já o tenha em
expressão artística (palavra, pintura, escultura). O artista de hoje recebe a arte,
que ele recria em nova arte. Por vezes ele recebe via palavra para recriá-la em
pintura. Há muitas que nos atingem via pintura e escultura, que por último
voltam a ser expressas em palavras.

Geralmente os mitos se expressam primeiramente na palavra (literatura oral);


depois são transpostas à pintura e à escultura.

562. Concluindo sobre os gêneros conceituais de pintura em prosa,


pudemos advertir que em seu plano se encontram questões polêmicas, e que
importava equacionar antes de partir para os gêneros judicativos e
raciocinativos.

Efetivamente não podemos deixar de entender os questionamentos sobre


pintura figurativa e pintura abstrata, nem sobre pintura de tema objetivo e
pintura de tema interior, finalmente nem sobre pintura de objeto real e pintura
de objeto ficção.

Aliás, ficção como ficção é uma posição situada no plano do conceito; mas
internamente ação poderá ser posta em ação, e então o enredo decorrente passa
a ser de natureza judicativa, e que importa tratar a seguir.

ART. 2o. GÊNEROS JUDICATIVOS DE PINTURA.

3911y564.

565. Sobre os gêneros judicativos se oferecem os seguintes temas, a que, por


antecipação, já se tem feito referências:

- Noção de gênero judicativo de pintura (§ 1-o) (vd 567);


- pintura do gênero descritivo (§ 2-o) (vd 572);

- pintura do gênero narrativo (§ 3-o) (vd 583);

§1. Noção de gênero judicativo de pintura.

3911y567.

568. Geralmente atendemos aos objetos como nos são apresentados pelo juízo,
num estágio mais desenvolvido que o das imagens dos sentidos e dos conceitos.

A apresentação do objeto pela operação mental do juízo o mostra dividido, em


algo que está como sujeito e em algo que se atribui a este sujeito.

O mesmo se transpõe à expressão artística, onde, por exemplo, a representação


de uma casa nos permite verificá-la como um objeto do qual
dizemos: isto (sujeito) é uma casa (predicado).

569. Classificação dos gêneros judicativos. A variedade dos gêneros


judicativos se se ordena ordinariamente a dois, - a descrição e a narrativa.

O ponto de vista é pragmático. O gênero descrição reúne os objetos que são


meramente descritivos.

O gênero narrativo reúne os objetos que caracterizam a sua descrição pela alta
presença da ação, e que por isso se dizem narrativos.

Como se adiantou, esta classificação é de ordem pragmática, sendo útil por


causa de sua abrangência.

São caracterizados mais pela essência do objeto, os gêneros judicativos de


nome: retrato, paisagem, vista, e similares. Referem-se a objetos bem definidos.
Há aqueles gêneros que não se limitam ao campo de uma só operação mental.
O gênero religioso, ora é meramente descritivo, ora também é narrativo, e pode
mesmo ser argumentativo.

Há o gênero narrativo real e o gênero narrativo ficcional, este


reunindo conto, novela, romance, apólogo, anedota, piada.

570. Os recursos para expressão dos objetos que diferenciam os gêneros variam
de arte para arte. No caso dos gêneros judicativos a língua consegue diferenciar
melhor o que é conceptual, judicativo, raciocinativo.

Mas os gêneros não dependem diretamente dos recursos que uma arte dispõe.
Eles são condicionados pelos objetos.

§2. Pintura do gênero descritivo.

3911y572.

573. O tema da descrição é estático. Todos os temas estáticos têm um


denominador comum nesta estaticidade que, em função destas características,
se torna um gênero de expressão. Vai logicamente o gênero estático da
descrição diferenciar-se do gênero dinâmico da narrativa.

A descrição é mais intuitiva que a narrativa. Os termos são simultâneos no


tempo. Na pintura descritiva, por exemplo de uma casa, os elementos
constitutivos da mesma simplesmente se apresentam: paredes, janelas, portas
telhado. Os elementos comparecem como que integrais e como que definitivos.

Esta apresentação difere de uma narrativa; se narrássemos a sequência


cronológica de uma casa em construção, a pintura deverá poder indicar na
expressão algo que pelo contexto, dissesse de uma sequência temporal, em que
os elementos atuais não se apresentam como que integrais, e como que
definitivos. Neste sentido é que a descrição é mais intuitiva, menos
condicionada à um contexto.
574. A pintura descritiva reúne gêneros menores (ou subgêneros) dos quais
alguns têm denominação conhecida: retrato, nu, paisagem, vista, natureza
morta. O caráter diferenciado de cada grupo de objetos faz com que naquele
plano se desenvolva uma pintura descritiva e assim se formalize o gênero
respectivo.

Os gêneros descritivos menores mencionados têm cada um também a sua


história. Alguns estão mais presentes no curso do tempo. Outros têm altos e
baixos, por vezes indo até o quase desaparecimento, quando de súbito
reaparecem com nova inspiração.

575. O retrato é um gênero de pintura descritiva que tomou desenvolvimento a


partir da Renascença.

Não sem razão, por falta então da arte fotográfica (inventada apenas em 1822),
o retrato renascentista se orientou para o realismo, extremando-se na perfeita
representação das fisionomias exteriores dos retratados

Destacaram-se como retratista nos séculos XV e XVI: Piero Della Francesca,


Mantegna, Giovani Bellini, Ticiano, Dürer, Holbein, Rembrandt, Hals, Van
Dyck. Já exploram elementos do mundo interior El Greco e Goya, mais tarde
Ingres e Monet.

Não fossem os grandes retratistas nos faltariam agora as fisionomias dos


homens que inauguraram a Idade Moderna: o descobridor Cristóvão Colombo,
o Papa Alexandre VI, Imperador Carlos V, o humanista Erasmo, o reformador
Lutero, o filósofo Descartes, o cientista Galileu e tantíssimos outros, dos quais
nos restariam os nomes e não a expressão da fisionomia.

576. Hoje o retrato pintado somente tem sentido como expressão do mundo
interior. Somente este pode rivalizar com a excelente técnica dos grandes
posters.

Não obstante importa cuidado com o retrato da expressividade interior. Este


implica na capacidade do artista captar o que é essencial no mundo do outro.
O falseamento do retrato interior ocorre quando o artista ao outro a partir de si
mesmo, isto é, do mesmo artista. Tal se afirma de certos retratos realizados por
Rembrandt.

O mesmo fenômeno de transferência do autoretrato pode ocorrer quando se


pintam pessoas do passado remoto. Assim acontece com os diferentes retratos
de Jesus e Maria, Buda e Maomé.

577. O nu como gênero de pintura se desenvolveu combinado com quadros


mitológicos do final da Renascença clássica, a partir do início dos tempos
modernos, quando passou a ocorrer o abrandamento dos rigorismos do passado
cristão.

Na antiguidade grega o nu artístico foi vastamente praticado pela estatuária, de


que restam numerosos exemplos. Aquele praticado pelos pintores praticamente
se perdeu todo, mas deverá ter sido similar ao escultórico.

A mitologia foi o tema frequente dos grandes pintores do gênero nu, da


Renascença, desde o fulgurante Botticeli (1447-1510), autor de Nascimento de
Vênus, até o final do século XVIII.

Foram os temas mitológicos que advertiram para o lado estético do corpo


humano. Influiu também a idealização clássica. Acresceu-se logo ainda a força
do colorismo apaixonante e a pujança de formas do estilo barroco, em que o
clássico se transformara por superação de si mesmo. Os nus bem saudáveis de
Rubens são o melhor exemplo deste estado de espírito.

Mas o nu como gênero autônomo não é apenas a representação desvestida do


ser humano envolvido em outros episódios, sejam míticos, sejam heróicos,
sejam eróticos, como já sempre vinha sendo feito. Como gênero, que agora
passou a ser praticado, o nu é um destaque ao corpo humano. Este destaque tem
uma validade especial, como objeto igualmente específico mais valioso, entre
tantos outros, para ser artisticamente expresso.
578. Diferentes aspectos diversificam os nus artísticos praticados. Um deles é
o nu estético (ou puramente estético). Poderá ser tratado como nu idealizado ao
modo clássico, isto é, segundo o modelo da espécie. Este foi o nu praticado na
antiguidade clássica, e continuou sendo o nu do Renascimento e barroco,
neoclássicos e acadêmicos. Teve sua origem, conforme já adiantamos, na
pintura mitológica do renascimento e do barroco.

Veio finalmente o nu estético naturalista, de que um dos primeiros exemplos


é Maja desnuda (1805) de Goya.

Não demoram os nus dos pintores impressionistas. Considerando que o corpo


da mulher é mais luminoso (em consequência de sua pele mais delicada e
permitindo o curso sanguíneo mais manifesto), dele fizeram os impressionistas
um objeto preferido para os efeitos de luz e de cor que buscavam.

Neste sentido apreciem-se os nus fascinantes de Renoir.

É mais frequente a prática artística do nu feminino, que do nu masculino. Tem a


exploração do nu feminino como uma de sua perspectivas o ponto alto de
louçania que atinge no curso de uma beleza fugaz, que a arte fixa, antes que
amanhã se extinga; seria mais ou menos como se faz com a bela flor, da qual se
colhe um retrato no momento mais raro de sua exuberância.

Mas outra e outras razões explicam a maior frequência com que se retrata o nu
feminino.

Com referência ao nu masculino é difícil estabelecer uma filosofia clara para


seu exercício. Os gregos praticavam a pose olímpica, inclusive para os reis,
como se conhece de excelentes estátuas deste gênero. O nu olímpico coere
certamente mais para o homem, do que qualquer outro nu, mesmo mais que o
puramente estético.

Miguel Ângelo, consciente ou inconscientemente, fê-lo renascer no século XVI.


Em Juízo final pintou Cristo como um herói olímpico decidindo sobre a sorte
de todos. Em outra sua obra de arte, um Cristo ressuscitado inteiramente nu
empunha olimpicamente a cruz qual fosse um herói grego.

Não obstante o nu olímpico da concepção de Miguel Ângelo não vingou, salvo


em algumas poses de atletas.
Pratica-se hoje também o nu como cena doméstica, na assim chamada pintura
de gênero. Já então ele não é apenas um gênero descritivo do mesmo nu, mas
também gênero narrativo das circunstâncias em que se faz presente. Podem
combinar-se ambos os gêneros, de sorte a haver um nu descritivo, ao mesmo
tempo que narrativamente envolvido na cena doméstica.

Este é o caso do Nu a contre jour (Nu a contra luz) (1908) de Bonnard, do


Museu de Belas Artes de Bruxelas, em estilo pós-impressionista, num cenário
de luz, reflexos e colorismo.

579. A paisagem como gênero de pintura já fora praticada na antiguidade


grega e no império romano, conforme revelam os afrescos reencontrados nas
escavações de Pompéia e Herculano.

Interrompe-se a tradição paisagística durante a Idade Média Cristã. A pintura


bizantina e gótica mantinha o fundo de seus quadros em um dourado misticista.

Com Giotto, já no século 14, se desenvolveram umas primeiras representações


de fundo, mas ainda não verdadeiramente paisagísticas.

O gênero paisagem reapareceu como fundo de quadro no curso da Renascença,


quando também se descobriu a perspectiva e com isto a organização precisa do
espaço.

Como fundo de quadros religiosos verifica-se a paisagem no século 15, - já em


pleno Renascimento, com o flamengo Van Eyck, os italianos Antonello,
Giovani Bellini, Paulo Ucello.

No século 16 a paisagem se tornou um gênero independente, com Brueghel e


os holandeses em geral, os italianos Rafael, Giorgione, Ticiano.

Mesmo que em estilo realista e naturalista, há na paisagem sempre algo de


subjetivo, em vista da escolha que se deva fazer. A paisagem não é apenas algo
em si; é aquele espaço da natureza enquanto visto pelo homem.
Mas o lado subjetivo injetado na representação da paisagem começa com a
pintura ao ar livre da mesma, iniciada nesta condição pelo inglês John
Constable (1776-1837). Atento às mutações da luz, pintou diferentes versões
do mesmo espaço.

Com este procedimento ao ar livre e atenção às mutações de luz, influenciou


Constable aos primeiros impressionistas franceses, notadamente Monet, Manet,
Pissarro. Apesar de tudo, o impressionismo, é ainda um naturalismo.

A paisagem foi o gênero de pintura que melhor resistiu em sua forma figurativa
à avalanche expressionista que dominou os demais gêneros. Não obstante,
formas expressionistas de paisagem foram criadas.

580. A vista (veduta), como gênero de pintura, variante da paisagem, tem por
objeto perspectivas urbanas de interesse histórico, estético, arquitetônico,
peculiarmente originais e turisticamente deliciosos. Muito explorado pelo
cartão postal, a vista é também um objeto que a pintura pode expressar de
modo diferente do da simples fotografia.

No passado o gênero vista criou documentários que de outra forma se teriam


perdido. Anotam-se como primeiros grandes trabalhos os de Saendredam e de
Jan van der Heyden que atuaram em Amsterdam, de Piranesi em Roma, de
Antônio Cabaletto e Guradi em Veneza.

Ainda hoje continua a vista a prestar seu serviço, quer pelo gosto que os artistas
mais sensíveis têm pelos valores culturais, quer porque advertem ao público
para valores esquecidos, que, entretanto, constituem a memória visual da
cidade.

581. Natureza morta como gênero de pintura não dista muito da paisagem e
da vista, sendo um recorte deles, de elementos ordenados em pequeno conjunto,
como vaso de flores, ou como bandeja com frutas, ou mesmo como animais de
pequeno porte.
A denominação é do holandês Houbreken, do século 18. Foi aliás na Holanda,
do século 17, que o gênero natureza morta refloresceu com Snyders, Heda, de
Heen, para estar no início da tradição ocidental atual deste objeto da pintura.

Desenvolver-se-à logo na França com Chardin, para finalmente com Cézane


tornar-se a natureza morta um dos mais importantes temas da pintura
contemporânea em qualquer dos seus estilos.

Mas já se praticava a natureza morta nos mosaicos do período helênico e em


Roma, bem como na China no III e IV séculos. Apesar de praticada pelos
primeiros cristãos, a tradição medieval ocidental a perdeu de vista, para só
reaparecer timidamente durante a Renascença, até que no século 17 florescesse
definitivamente, a partir, conforme dissemos, da Holanda.

§3. Pintura do gênero narrativo.

3911y583.

584. A narrativa é o gênero artístico que tem por objeto o desenvolvimento de


uma ação. É a ação uma categoria do ente, a qual pode ser ativa (do sujeito
agindo sobre outro) e passiva (do sujeito recebendo o efeito da ação). O que
acontece é afirmado em termos de juízo, e que é possível nos recursos
peculiares à frase pictórica.

A ação como acontecimento é um fato concreto em um ser concreto. Por isso, o


gênero narrativo está embutido no gênero figurativo. Mas o gênero figurativo
se concentra na forma do conceito, ao passo que o narrativo na forma do juízo,
que se exerce como afirmação.
585. A novidade narrativa. O gênero narrativo apresenta várias características
apreciáveis, entre elas o ritmo da novidade narrativa, com que os elementos em
sucessão se oferecem.

Sobretudo é apreciada a novidade que surge como solução de


situações dramáticas. Esta fisionomia da narrativa a torna altamente apreciada,
razão porque se tem dado atenção à dramaticidade e porque se desenvolveu
o drama.

Consequentemente, um tratamento adequado do gênero narrativo postula da


expressão um certo ritmo de apresentação da novidade.

586. Ritmo da narrativa é a sequência ordenada dos seus elementos em fluxo.


Pode o ritmo uma sequência real, como cores que se substituem, sons que se
sucedem; pode ser também uma sequência subjetiva, de elementos, que embora
em si mesmos estáticos, são apreendidos sucessivamente pela vista e pelo
atenção; como no caso de cores justapostas, ou de pontos e curvas ao longo de
uma linha.

O ritmo real não acontece em uma tela. O contexto contudo poderá expressá-lo,
inclusive com a ajuda do ritmo subjetivo. Mas acontece o ritmo real na
sucessão das cores, ao modo feito pelo cinema e pela televisão.

O ritmo antropológico da narrativa é aquele exigido pela limitação da


capacidade de apreensão das faculdades humanas. Acima, a novidade não
consegue ser toda apreendida. Abaixo, não há novidade suficiente.

Em virtude do ritmo antropológico, a sequência rítmica da narrativa obedece a


uma velocidade em suas novidades, a que o artista deverá estar muito atento, a
fim de obter os resultados de rendimento informático e de rendimento estético,
lúdico, catártico, etc.

Conhecer o fim antecipadamente desfaz em princípio todo o arranjo artístico da


narrativa interessante.
587. O dramático, peculiar a qualquer narrativa, é tão apreciado, que usa ser
explorado pura e simplesmente como um gênero a parte. Diz-se dramática a
situação absoluta, sem alternativa previsível, senão a de enfrentar o perigo. O
dramático heróico é aquele que até a solução parece totalmente descartada.

Dentre os gêneros dramáticos explorados a parte ressalta o da representação


teatral. Já este, o teatro, é um complexo de artes; nele participa a arte das cores,
na fisionomia e vestes dos artistas, como ainda na pictoridade dos cenários.

O dramático sobre a tela se destaca sobretudo mediante as cores, mais do que


pelo desenho.

Como gênero artístico, o teatro se destaca sobretudo como texto; é então um


gênero literário segundo estes textos.

Através dos textos chegou até nós o teatro de um longo passado, que remonta à
antiguidade grega, quando chegou a um elevado desenvolvimento.

588. Ponto de vista de abordagem. Na abundância dos acontecimentos de


uma sucessão narrativa é possível um ponto de vista de abordagem, de sorte a
ordenar a informação, que do ponto de vista do ritmo sequencial cronológico,
que do ponto de vista sequencial lógico do manifesto e do oculto.

O ponto de vista ocorre em todos os gêneros, mas importa especialmente no


gênero narrativo e nos gêneros poéticos, estes por isso classificados em líricos e
épicos. Também há pontos de vista na ciência, que por isso se divide em
gêneros e espécies, que resulta em uma ordenação rigorosamente sistemática
em sua apresentação.

Ainda há o ponto de vista no gênero figurativo, que o faz subjetivo, como no


impressionismo, ou objetivo, quando expressa o objeto tal qual é. O ponto de
vista pode ser reduzido a uma questão de estilo, porque se trata de uma
alternativa meramente opcional.

Para efeito do gênero narrativo, os pontos de vista utilizados são:


- ponto de vista do narrador, situado como sujeito onisciente, que sabe o que
está dentro e fora dos recintos, que sabe inclusive o que pensam os personagens,
que até mesmo prevê o que vai acontecer;

- ponto de vista do personagem da narrativa, ficando o narrador na expectativa


do que vai acontecer.

589. Episódios completos. Restringe-se o gênero narrativo em pintura


geralmente a episódios em si mesmos completos, sem ir a uma sequência maior
destes episódios. Por exemplo, uma batalha é em si mesma um episódio
completo, e que portanto pode constituir o tema de uma tela.

Enquanto o literato, em virtude dos recursos próprios da linguagem, tende para


a exposição ampla da novela e do romance, o pintor inclina-se para o episódio,
por causa dos limites de sua arte.

De outra parte e em compensação, a pintura, no seu episódio, é mais densa.


Mediante elementos intuitivos alcançados pela cor, a pintura consegue mais
compreensão; a literatura, que ganhara, em extensão, perde em compreensão.

A pintura acadêmica tem sido peculiarmente narrativa. A moderna ocupa-se


com outros temas, todavia sem deixar de ser narrativa, quando preciso. Mas
esta narrativa soma uma quantia maior de elementos expressinonísticos e até
mesmo abstratos. É bem o caso de Guernica, de Pablo Picasso.

Frisando a importância do movimento, o futurismo, - que nasceu na área da


poesia literária e logo se estendeu para a da pintura, - exprime enfaticamente a
convulsionada dinâmica das coisas, particularmente das criações do homem
moderno.

Atende ao narrativo mais que ao movimento em abstrato. Contudo, não se


limita ao meramente episódico da narração, conforme acontecia
dominantemente na pintura acadêmica. De acordo com a tendência da arte
moderna, o episodismo é injetado com a expressividade e o conceitual.
Também se deve observar que o futurismo usou de uma técnica particular na
expressão do movimento. É possível frisar o movimento e utilizar outras
técnicas. Qualquer seja a técnica, o problema fundamentalmente é o mesmo, -
se é legítima, ou não, a ênfase prioritária atribuída ao movimento. Uma coisa é
representar o objeto com movimento, outra é representar este objeto frisando
nele uma situação em que o movimento seja o principal.

Importa aceitar do futurismo a temática do movimento, mas não sua


enfatização exclusivista e nem a exclusividade da técnica de o representar.

590. Narrativa em cores móveis. O gênero narrativo em cores ganhou etapa


de desenvolvimento, ao se tornarem móveis estas cores.

Alguma mobilidade já gozava o indivíduo e que assumiu desenvoltura no teatro.


Cresceu com a invenção do cinema, mas sobretudo com a televisão.

Ali também se combinam com outras artes, gerando todas em conjunto um


concretismo de grande capacidade de expressão.

Na coordenação de várias artes a agirem em comum, a participação da arte da


cor obedece a novos e complicados critérios, que são examinados no item
dedicado à aliança das artes.

591. Alguns gêneros narrativos, a nível de objeto real, merecem ser destacados:
pintura histórica, pintura de cenas familiares (pintura de gênero), pintura
religiosa (mitos e fatos), pintura moral e social (episódios ilustrativos).

Depois disto, ocorrem ainda os gêneros narrativos a nível de ficção (conto,


novela, romance, anedota, apólogo, segundo denominações tomadas à
literatura).

592. A pintura histórica se ocupa principalmente com assuntos políticos e


militares, em que sobretudo as batalhas e revoluções de decisivo confronto
decidiram importantes rumos da humanidade.
Quando os fatos sofrem uma interpretação, converte-se o juízo em raciocínio.
A pintura simplesmente histórica narra apenas o fato, como acontecimento.
Neste plano se identifica como gênero pictórico judicativo.

Sempre existiu a pintura histórica. Na antiguidade é notável o grande mosaico


da vitória de Alexandre Magno sobre Dário.

Nos tempos modernos o episodismo narrativo das batalhas e grandes decisões é


uma constante da pintura acadêmica, a qual neste particular se expressou com
uma falsa teatralidade. Deste estilo são as vitórias de Napoleão, na forma
exibicionista dadas às telas de Jacques Louis David.

No Brasil as batalhas e acontecimentos das grandes telas dos acadêmicos Pedro


Américo e Vitor Meirelles, também denotam estilo teatral.

O estilo teatral dos acadêmicos foi retido pelo realismo dos pintores
impressionistas, que passaram aos temas diretamente constatáveis no cenário
humano.

Mais recentemente a interpretação dos fatos que acontecem nas frentes de


batalhas passaram a ser documentos pela fotografia e televisão. E assim
desapareceu a pintura histórica oficial sobre acontecimentos recentes.

593. A pintura de cenas familiares, denominada também pintura de gênero,


encontrou seu clima contemporâneo com a extinção da idealização clássica, e
com a preferência pelos objetos sobre os quais fosse possível ver a incidência
direta da luz. Mas o tema já vem sendo cultivado desde o século 17 pelos
flamengos holandeses Adriaen Brower, Steen, Terborch, de Hooch, Vermeer.

A melhoria social levando à massa recursos que antes serviam apenas à elite
contribuiu para o desenvolvimento da pintura de cenas familiares. Todavia este
lugar foi tomado sobretudo pela fotografia.

594. A pintura religiosa foi sempre uma constante como gênero artístico, com
particular desenvolvimento no plano da narrativa.
É todavia um gênero muito diversificado internamente, por causa da
diversidade mesma das concepções religiosas, geralmente muito deformadas.

O tema religioso em si mesmo é transcendente, peculiar para ser tratado pela


arte abstrata e pelo simbolismo. O culto religioso é o centro da religião. Mas,
não é disto que geralmente se ocupam os artista, costumam derivar para o
episodismo narrativo.

O que é transcendente de pronto costuma declinar nas mentes menos


preparadas, assumindo formas imaginativas, e, - pior do que isto, - para o
episodismo. Os visionários, desde os antigos profetas aos dias de hoje, têm
nisto sua mais notável contribuição negativa.

E isto que se expressa deficientemente no plano mental, se transpõe com igual


deficiência ao plano exterior da arte, por exemplo na pintura.

A pintura mitológica grega e renascentista se desenvolveu numa linha de


idealização clássica notória, com influencia profunda sobre toda a cultura,
mesmo depois do desaparecimento da crença naqueles mitos, trocados que
foram por outros.

No Ocidente cristão se desenvolveu a pintura de gênero religioso a base dos


episódios narrados pela Bíblia judaico-cristã. O virtuosismo artístico desta
pintura religiosa atingiu à época do Renascimento elevado padrão. Mas o
desconhecimento dos verdadeiros usos e maneiras de ser da antiguidade, fez
desta extraordinária pintura cristã um lamentável anacronismo, que
descontribui para a apreciação da justa verdade.

Contemporaneamente, com menor anacronismo, a pintura religiosa cristã de


alguns têm procurado novos caminhos no abstracionismo.

595. Ficção pictórica narrativa. Os gêneros narrativos também se


desenvolvem no plano da ficção. Dizem respeito não à ficção enquanto ficção,
- por que esta em princípio se encontra no plano do conceito (vd 559), - mas ao
desdobramento da ação dentro da ficção. Afirmar a ação e todo o seu enredo, já
é operar com objetos que assumem a forma de juízos.

De outra parte, a a ficção narrativa não vai ao plano mais complexo do mito.
Efetivamente, há uma diferença entre o gênero ficção e entre as ficções dos
mitos. Resultam os mitos de um esforço interpretativo com que os indivíduos
tratam assuntos religiosos e fenômenos extraordinários.

Ainda que sejam falsas as religiões como as entendem os visionários e as


massas incultas, elas se mantêm num contexto determinado por raciocínios.
Diferentemente, a ficção é apenas determinada pelo juízo. A ficção
simplesmente une, por exemplo, cavalo com azas. Os mitos se fundam em
raciocínios, embora equivocados.

596. Na literatura a ação se desenvolve amplamente, como se observa no conto,


novela, romance.

Diferentemente, na pintura a ação se limita aos episódios curtos de personagens


em cenas isoladas.

Entretanto, o caráter intuitivo da pintura empresta aos personagens de cenas


isoladas uma alta densidade, de que a narrativa literária não é capaz.
Consequentemente ambas se podem associar em aliança de bom resultado. É o
que ocorre quanto a pintura de cenas isoladas ilustra pictoricamente uma
narrativa literária.

O teatro, o cinema, a televisão permitem superar a estaticidade da ficção da


pintura. Além disto, o teatro, o cinema e a televisão se ocupam também da
narrativa de ação real, portanto não só da ação dentro da ficção.

597. Na narrativa ficcional criam-se novos gêneros, em virtude do


comportamento mais criativo que a ficção permite.

O gênero literário da ficção científica se desenvolveu amplamente a partir da


década de 1920. Transpôs depois com sucesso suas imagens literárias para a
pintura, para o cinema e para a televisão.

598. Conclui-se, pois, que há diversos gêneros de prosa pictórica no plano do


juízo.

A frase pictórica, - apesar de suas limitações, porquanto opera apenas com os


recursos do contexto, - consegue efetivar, como se mostrou, diferentes gêneros,
como a descrição e a narração, em cada caso com curiosas variantes
descritivas e narrativas.

ART. 3o. GÊNEROS RACIOCINATIVOS DE PINTURA.

3911y600.

601. Considerando, que o gênero artístico é determinado pelo objeto, e


considerando, que o objeto do raciocínio é muito peculiar, ele gera
necessariamente gêneros diferentes daqueles, que são
meramente conceituais (de simples imagem do objeto) e que são
meramente judicativos (de descrição e narração das partes e da sucessão das
partes em ação).

O raciocínio conduz a um objeto distante, oculto, alcançado por cálculo, a


partir de dados ou de premissas. Utilizando dados e premissas como um
antecedente, passa à conclusão.

No caso da prosa pictórica, este raciocínio se processa ao modo de


um entinema (vd 503), conforme já esclarecido. No entinema pictórico, pinta-se
um fato concreto de tal modo, que possa levar a pensar ao modo de uma
conclusão raciocinativa. Por exemplo, os males do vício levam a concluir que
se deva cuidar da virtude; os males da guerra conduzem a pensar nos bens da
concórdia e da paz.

Quais são os principais gêneros raciocinativos de pintura? Não vamos agora


repetir como se faz um raciocínio pictórico; deste pressuposto já tratamos. A
questão agora é dos seus gêneros. Atendendo aos objetos em si mesmos, e que
o raciocínio alcançou, devemos mostrar que tais objetos raciocinativamente
alcançados diferenciam também as maneiras de expressar o raciocínio, criando
gêneros.
602. Os gêneros de prosa raciocinativa vão ocorrer, porque as formas de
expressão ficam influenciadas pelo tema. Cada gênero de objeto sobre o qual se
estabelece o raciocínio vai, pois, criar o respectivo gênero de prosa pictórica
raciocinativa.

Arrolam-se como gêneros de raciocínio pictórico, com denominações por vezes


mui vagas: pintura de propaganda, pintura moral, pintura social, arte engajada,
arte ideológica, arte religiosa, arte nacionalista, arte ecológica, - na pintura cada
uma, a seu modo, modelizando o entinema pictórico.

603. A propaganda, apresentando as imagens de produtos, serviços,


espetáculos, etc., é um gênero de raciocínio pictórico muito praticado, e em que
ocorre o discurso argumentativo. Efetivamente, a propaganda não narra apenas,
mas quer provar algo, procura convencer a alguém com o seu argumento.

A propaganda é uma espécie de discurso, porque ela argumenta com razões que
levam ao convencimento e à adesão.

Geralmente a propaganda alia palavra e imagem pictórica. Há uma formulação


literária da propaganda, ao mesmo tempo que uma imagem com elementos do
contexto. Nesta combinação de imagem e palavra, ocorre uma aliança de artes,
em que as expressões convergentes se complementam e se reforçam.

Na pintura a propaganda assume com frequência a forma de cartaz, este


exposto, ora como outdoor ao público de estrada, ora como impresso em jornal
e folheto, ora exibido na televisão.

Pelo contexto, o cartaz apresenta os objetos não apenas como informação, mas
em contexto de argumentação. A simples criação da necessidade, que a
informação possa produzir, leva embutido o contexto da conclusão, - pois então
compre, ou pois vá ao espetáculo tal.

Nos cartazes raciocinativamente perfeitos funcionam como elementos


persuasivos da retórica do discurso, imagens atraentes, como fisionomias de
criança sorridente, de mulher insinuante, de homens de personalidade. Na subtil
atração está funcionando um vago apoio argumentativo.
Há placas, similares aos cartazes, que são meros letreiros informativos, no
sentido do gênero judicativo. Tais são também as placas figurativas de trânsito
e parte da chamada arte concretista. Mas os cartazes de propaganda têm outro
direcionamento, qual seja o de encaminhar informações que funcionam como
dados de indução e dedução, situando-se, pois, como gênero raciocinativo.

604. Gêneros de pintura moral. Há ainda gêneros raciocinativos de pintura


situados no plano dos objetos dependentes argumentativamente de princípios
axiológicos, cuja base última são os princípios de não contradição e o princípio
de dever ser bom.

Tais são os gêneros de pintura moral e social. Estes gêneros são muito difíceis
do ponto de vista da prova filosófica dos seus objetos, que são todavia em geral
aceitos pragmaticamente, a partir deles orientando-se os indivíduos nos valores
a que obedece sua vida moral e social.

Temos em vista primeiramente definir o gênero de pintura moral e social, como


sendo do gênero mais geral raciocinativo, a partir do qual somente poderemos
compreender sua interna maneira de proceder.

A pintura moral apresenta sua argumentação nos mais diversos contextos, os


quais em cada caso devem conduzir ao objeto situado na conclusão, que diz:
deves proceder desta forma, não daquela. O encaminhamento dum argumento
de filósofo far-se-á com sutilezas, inclusive com dificuldades e muita polêmica.

No encaminhamento ingênuo, principalmente infantil e pedagógico,


apresentam-se ponderações mais simples e que a pintura moral tem melhor
oportunidade de expressar.

Apenas na expressão literária o gênero moral dispõe de recursos para se


desenvolver plenamente. Todavia, quando o pintor tem o domínio da
argumentação filosófica do raciocínio que conduz às conclusões morais,
também ele encontrará na expressão pictórica um contexto que levará ao
objetivo.

No passado o gênero moral se funde por vezes com o religioso, por causa da
visão do saber vulgar que concebe inadequadamente a Deus como um senhor
cuja função principal é atender e recompensar os bons, repudiar e danar os
maus, além de receber de todos eles muitas honras e aproveitar-se deles como
se fossem feitos principalmente para serem servos.

O artista tem de possuir uma cabeça certa, para não praticar o gênero moral
argumentando em favor de algo em si mesmo errado, ou pelo menos deficiente.

O objeto moral é específico e por isso se constitui em gênero de expressão


raciocinativa, distinto do gênero religioso de um Deus senhorial.

Gênero artístico moral não se confunde com arte moralista do classicismo. O


moralismo está no plano da idealização clássica, em virtude da qual o objeto da
arte é tratado pela espécie e não pelos seus casos individuais, numéricos,
eventuais. Neste moralismo artístico classicismo, a coisa se expressa como está
quando boa, e o indivíduo como está quando bom.

Diferentemente, a arte do gênero moral expressa, na forma de argumentação, o


dever ser; expressa mostrando o que surge no final das premissas, como sendo
bom, e o que lá se conclui como sendo mau.

605. Pintura social. É o social um valor moral a que sobretudo os modernos se


fizeram sensíveis, imprimindo novos desenvolvimentos a um gênero artístico
que sempre existiu.

Há uma diferença entre pintar um trigal a partir dos olhos do dono e um trigal a
partir dos olhos de todos os trabalhadores.

Insistiram alguns socialistas em distinguir entre arte burguesa e arte social.

606. A arte doutrinária, na sua acepção de expressão argumentativa, é a que


está a serviço da ciência e da filosofia em geral.

Diz-se arte didática, quando opera no ensino.


A arte é do gênero ideológico e engajado, quando se coloca a serviço de uma
causa doutrinária, do tipo partidário, com doutrinas já definidas, e que se
propõe à aceitação de um grupo.

Todas estas modalidades de arte doutrinária operam, em última instância, com


os argumentos de uma tese, enfim com silogismos.

607. Concluindo sobre o capítulo referente aos gêneros da prosa pictórica, ha


advertir de novo sobre o afirmado de início, - de que a expressão é influenciada
pelos objetos expressos.

Já estes se encontram distribuídos em gêneros, e em assim sendo, ao ser


praticada a mimese da expressão artística, os produtos finais não podem ter
deixado de se diferenciar, e que são os chamados artísticos.

Além disto, as operações mentais influenciam a nossa percepção dos objetos, e


por isso, mais uma vez se ordenam os gêneros, - conceituais, judicativos,
raciocinativos, - conforme acabamos de expor.

CAP. 5

PINTURA EM POESIA. 3911y610.

- Estética das Cores -

611. A poesia já foi tema, quando inicialmente (cap. 1-o, art. 2) (vd 55) se
explicou a arte como expressão por imitação mimética (ou prosa) (vd 58)
e expressão por associatividade (ou poesia) (vd 64).

Agora passamos a abordar a poesia simplesmente em si mesma, em especial a


poesia em cores, praticada principalmente em pintura.

Didaticamente, a poesia em cores oferece de imediato os temas seguintes:

- natureza essencial e propriedades da poesia (art. 1-o) (vd 3911y613);


- operações associativas da poesia (art. 2-o) (vd 3911y637).

Também pertence ao estudo da poesia si mesma, sua distribuição


em gêneros poéticos. Isto o faremos entretanto com destaque num capítulo
especial, logo a seguir (cap. 6-o).

O que importa aqui e agora é, pois, definir plenamente os procedimentos da


poesia como evocação associativa, tendo como referencial sempre a poesia em
cores.

ART. 1o. NATUREZA ESSENCIAL E PROPRIEDADES DA POESIA.

3911y613.

614. A redivisão didática, do que se propõe neste primeiro artigo sobre a poesia,
é óbvia:

- Natureza essencial da poesia pictórica (§1.) (vd 615);

- Propriedades da poesia (§ 2.) (vd 626).

Importa esta distinção para que se defina a poesia pelo que lhe é efetivamente
essencial e não simplesmente se a defina apenas pela indicação de suas
propriedades.
§1. Natureza essencial da poesia pictórica.

3911y615.

616. É impossível observar um cenário de cores, como num arranjo de flores,


sem que em nós ocorra o despertar de imagens, por vezes inúmeras, que são a
frequente poesia de nossa vida, em função da qual ela se torna esteticamente
agradável.

Dessa poesia vamos agora tratar com detalhe e sequência sistemática em sua
abordagem. Já cuidamos da expressão em prosa. Completamos o estudo da
expressão, pelo exame também da expressão em poesia.

Para fazermos o tratamento da poesia em cores temos de levar desde logo em


conta que em pintura, prosa e poesia andam praticamente sempre juntas, tão
juntas que não se torna uso falar ora em prosa, ora em poesia, como acontece
na linguagem. Enquanto na arte literária, prosa e poesia se podem distanciar em
textos separados, na pintura o usual é a prosa e a poesia estarem combinadas na
mesma obra. Apenas em casos especiais, ocorre uma pintura sem poesia, como
nas ilustrações didáticas, nas representações ilustrativas de revistas e jornais, no
desenho industrial, na reportagem jornalística.

Diferentemente, na linguagem os procedimentos em prosa e poesia são de tal


maneira distintos, que a prosa se publica em textos separados daqueles da
poesia, e a poesia se distribui até mesmo de forma diferente sobre a página.

Todavia também na pintura, prosa e poesia são maneiras muito distintas de


expressar, ainda que ambas as formas de expressão se juntem na mesma tela,
ou na mesma representação de teatro, cinema e televisão.

Importa ir fundo na diferença dos dois procedimentos, para operar


conscientemente num e noutro expediente de expressão.

617. Definição nominal de poesia. Define-se a poesia ora nominalmente,


ora essencialmente, ora descritivamente, por qualquer de suas propriedades.
Convém ficar atento a estas diferenças de definição, as quais dependem de um
ponto de vista.

Em definição nominal, poesia (do étimo grego póiesis) significa uma obra.
Semanticamente, porém, queria-se entender uma obra em termos de linguagem,
e esta por sua vez metrificada.

Pelo visto, a definição nominal não indica essencialmente o que a poesia é


como expressão associativa. A definição nominal adverte apenas para o que
genericamente se pode dizer de toda a obra de arte. Por isso mesmo continua a
resvalar o significado do nome para referir-se à poesia também nas demais
artes, como em poesia na pintura, poesia na escultura, poesia na música.

Etimologicamente o nome para a expressão referida seria melhor se lembrasse


a associatividade, a evocação, a inspiração, a sugestão. Mas isto não aconteceu
na história da etimologia e da semântica.

618. Definição essencial de poesia. Geralmente se aborda a poesia a partir de


um elemento descritivo qualquer. Importa, porém, chegar a uma definição
essencial da mesma.

A poesia se define como sendo a expressão associativa que, à partir da


expressão anterior de um objeto estímulo, indica ato contínuo as imagens que
se busca despertar na memória (ou no subconsciente, o que é o mesmo).

O poeta exprime num primeiro tempo objetos capazes de, num segundo tempo,
associar imagens.

Sabe o poeta, que alguns objetos são mais evocativos e por isso, de preferência
ele os exprime no primeiro tempo de sua composição.

São objetos conhecidos como bastante associativos: sol, lua, estrela, noite,
nuvem, flor, perfume, mulher, criança, insetos, aves, árvores, choupana, mar,
noite, manhã, coração, namoro, desejo, prazer, frustração, dor, esperança,
objetos de nossa vivência, como um cajueiro, ou uma choupana, ou um sitio, ou
uma cidade, etc. Estes objetos têm na composição poética, - conforme já
advertido, - como segundo objetivo a evocação de imagens que tais objetos vão
despertar no subconsciente, aflorando à superfície, como um clima de novos
significados.

Eis o que é a poesia. Quem for capaz de praticar a arte desta maneira é poeta,
seja poeta pela palavra, ou música, seja poeta pela pintura, ou escultura.

Insistimos nos dois tempos sempre havidos na poesia. Num primeiro acontece a
expressão direta de um estímulo. Num segundo ocorre a resultância da
mensagem poética.

Não se faz e nem se interpreta a poesia como prosa, expressão de um tempo. A


poesia é uma técnica de expressão em dois tempos através dum objeto estímulo
adequadamente selecionado.

A definição de poesia acima exposta e já introduzida, quando explicávamos a


arte pela teoria da mimese (prosa) e associatividade (poesia), deverá ser agora
desenvolvida.

A este desenvolvimento se acrescerá o estudo de suas propriedades, as quais


também podem descritivamente definir a poesia, pois conduzem a ela. Tal é,
por exemplo, a definição que diz ser a poesia uma expressão alógica,
diferenciando-se da prosa por ser esta uma expressão lógica.

619. Não importando, pois na poesia, o objeto inicial, este pode até se banal,
desde que rico em capacidade associativa.

Para a evocação associativa serve um qualquer cajueiro da infância, em que


brincávamos como meninos de trepar. Ou um bananal, de onde derivavam
frutas baratas e boas. Ou um rancho velho, no qual não se exigiam
formalidades para conversar e dizer pilhérias.

Considerando que, como estimulador de imagens tudo vale em poesia, pode-se


até afirmar, que não há banalidade que algum poeta não houvesse cantado, nem
assunto medíocre que algum pintor não tenha retratado. É que as coisas sem
significação no primeiro tempo da expressão poética não têm por função
exprimir coisas profundas e nem grandiosas. Elas têm por objetivo despertar
imagens; sim, estas imagens devem ser significativas, para que mereçam
apreço.
620. A poesia na pintura difere da que se pratica em outras artes, isto porque
cada uma dispõe da diferentes recursos para expressar o objeto estímulo das
imagens e também diferentes para indicar as mesmas imagens associadas. Mas
em si mesmo o processo evocativo é igual para a poesia em qualquer arte. Ou
seja, a "poesia interna", que funciona apenas ao nível da mente, esta é sempre
idêntica em seu processo.

Posto o diferencial no instrumento de expressão, o qual indica o objeto


estimulo, passemos a anotar como o expressa a pintura. Por exemplo, se uma
poesia toma com conteúdo a alegria que a presença das crianças oferece, a
pintura apresenta a figura mesma das crianças com seres coloridos e variações;
todavia e alegre colorido somente o consegue a pintura evocar.

O mesmo não consegue a música; esta apresentará o ambiente sonoro típico das
crianças, que aliás não pudera ser expresso pelas cores da pintura.

A linguagem falada dispõe um código de significados, que aponta com precisão


para os objetos estímulos da evocação; porém de novo ocorre uma limitação,
porquanto a sonoridade da linguagem não imita à das crianças e nem consegue
a linguagem representar a imagem visual delas.

621. A prosa e a poesia de cada arte se complementam respectivamente na


prosa e na poesia da outra. Recomenda-se, pois, a aliança de todas formas de
expressão.

O perfume, o prazer e a dor não o evocam adequadamente os sensíveis


superiores do som e da cor.

A fragrância dos perfumes das flores não o conseguem expressar diretamente


nem a pintura, nem a música, nem a linguagem, senão inadequadamente
através de uma atmosfera característica.

O que em uma arte logra ser mimeticamente expresso em cores, em outras


somente o pode ser por associatividade, e ainda assim com limitações. O que a
pintura diretamente indica não o consegue a música. De outra parte o que a
música exprime adequadamente, não o conseguirá a pintura.

As artes, em seus limites, se suplementam sobretudo com a associação poética.


Por isso, embora cada uma principie por seu instrumento (cor, som, forma,
símbolo) e exprima o seu tipo de aspectos adequados, vão finalmente, por meio
da evocação associativa aproximar-se entre si; o que uma exprimia diretamente,
a outra o consegue associativamente. E então rolando na direção da mesma
praia, desdobram a mensagem no mesmo tapete de águas. Fazendo encontro na
imaginação, as artes terminam aproximando-se pela identidade de resultados.

As flores que bailam em um canteiro de jardim oferecem oportunidade de


poesia. A pintura indica formas e cores, mas não a musicalidade; esta apenas
pode ser evocada poeticamente.

A música mostra o frêmito sonoro e o movimento rítmico, mas não indica as


mesmas formas e cores, que são as flores; então, através da sonoridade rítmica
adequada sugere evocativamente, isto é, mediante poesia, o canteiro enflorada.

E a fragrância dos perfumes? Nem a pintura e nem a música a indicam


diretamente; mas o clima atmosférico poderá sugerí-lo e então novamente é a
poesia que nos faz perceber e apreciar o perfume das flores.

622. As outras artes tentam evocações na direção da cor. Seguramente, todas as


sensações se associam com o visual; em sendo a vista o melhor dos sentidos,
que obtém o maior número de diferenças e portanto a maior nitidez,
espontaneamente tudo é esclarecido em função a ele.

Depois da vista, o ouvido é o mais desenvolto dos sentidos. A prova está em


que não falamos em música sem logo fazer comparações de natureza visual. A
imprecisão dos sons, faz com que esta arte apele à evocação, particularmente
dos objetos visuais. No decorrer da música, a fantasia movimenta um baile de
cores, despertando objetos e situações: campinas, arvoredos, rios, córregos,
pássaros, flores, mulheres, dançarinas, volúpias, relevos, subidas pelo ar,
nuvens que passam, flocos de lã, luminosidades, etc.
Os críticos descrevem a música com o apelo constante às imagens que a música
evoca na área da vista. Fala-se em efeitos de exibições pirotécnicas... ondas
sonoras e seu cimo desfeito em plumas luminosas... violino a tecer elegantes
variações...

623. A preocupação pictórica evocativa dos poetas simbolistas foi marcada


pelas cores atribuídas às próprias vogais:

"A noir, E blanc, I rouge, U vert, O bleu..." (Artur Rimbaud, Voyelles).

Em tradução:

"A negro, E branco, I rubro, U verde, O azul... vogais,

Algum dia direi vossas fontes latentes:

A, - torso penugento e negro de esplendentes

moscas, zoando ao redor de podridões mortais,

Golfos de sombra; E, - fumo branco, alvos, tendais,

flechas de gelo, reis de luar, pálios trementes;

I, - púrpura, hemoptise, ébrios lábios candentes,

belos, em risos de ira ou penitentes ais;

U, - ciclos vibrações de oceanos verdes, paz

das veigas pastoris e das rugas que faz


na fronte do alquimista o longo investigar;

O supremo clarim de estranhos sons profundos,

Silêncios através dos anjos e dos mundos:

- O, Ômega, fulgor lilás do seu olhar!"

(Tradução de Brant Horta).

Aprecie-se o soneto Som e Cor, de Guerra Junqueiro:

"Alucina-me a cor! A rosa é como a lira,

A lira pelo tempo há muito engrinaldada,

E é já velha a união, a núpcia sagrada,

Entre a cor que nos prende e a nota que suspira".

624. A organização ampla dos estímulos evocativos vem dar lugar a


composição poética em plenitude. Conhecida na poesia literária
como composição poética de muitas estrofes, a composição na poesia pictórica
acontece quando toda a tela inspira sentimentos e novas imagens.

Em si mesmas, as cores-estímulos operam isoladamente. Podem-se entretanto


organizar, tanto os estímulos como as associações geradas, em estruturas
externas. Estas estruturas externas de amparo organizacional podem vir da
mente (logicidade do pensamento) ou do tratamento objetivo e subjetivo do
sentimento. Destes fatores todos resulta finalmente a composição poética ampla
da tela.
§2. Propriedades da poesia.

3911y626.

627. A poesia é um processo expressional alógico. Consequentemente, a poesia


se diz alógica. Isto quer dizer que seu processo essencial não é exercido pela
razão, mas pelas faculdades sensíveis da imaginação e memória (ou
subconsciente).

Devemos advertir que se tem dado três sentidos, ou acepções, à palavra alógico.
Nós aplicamos um ao definir a poesia como alógica. Um segundo não aplicado
por ninguém à poesia. O é um terceiro, como veremos.

Alógico, por sugestão do a privativo (do grego a-logikós) é o que não contém
palavra, que é sem razão. Nesta acepção se enquadra a expressão poética,
quando a interpretamos como algo cujo procedimento essencial o situamos nos
sentidos da imaginação e memória, portanto fora do campo lógico da
inteligência, porque lhe é anterior.

Associar imagens não é uma operação mental de conceituação, nem é


ajuizamento e raciocinação. É um procedimento normal anterior ao trabalho da
razão. Sendo anterior, admite ser dito pré-lógico e não apenas a-lógico.

Colocada a associação das imagens, o trabalho da mente se pode acrescer


normalmente logo após, como ainda pode, por antecipação, ocorrer
anteriormente, com vistas a controlar o processo.

A conotação de uma imagem por outra, ou o despertar de uma imagem por


efeito de um estímulo se opera por motivos que são
de vivência, contraste, semelhança sensível, sem necessidade de uma relação
lógica entre a imagem e a causa que a fez despertar.

628. As outras duas acepções de alógico poderão ser usadas por equívoco na
definição de poesia.

Semanticamente, alógico tem o seu significado deslocado para o que lhe está
próximo. Então alógico passa a significar o ilógico, o irracional, o contraditório,
o incoerente.
Não é certamente nesta segunda acepção que se diz ser a poesia uma expressão
alógica. A poesia não contém nada de incoerente, mas apenas de factual,
conforme são as verificações dos sentidos, mesmo quando inesperadas,
paradoxais. Isto quer dizer que não são necessariamente calculáveis do ponto
de vista da lógica, podendo ser até incongruentes e não desejáveis, pelo fato de
estabelecerem conotações que a mente preferia fossem outras. Por isso é que a
mente, ao intervir, quer anteriormente, quer posteriormente, no elenco das
evocações, assume um comportamento seletivo, em função da qual melhora a
expressão poética.

Ainda semanticamente, alógico poderá significar um procedimento da razão ao


operar acima ou além do seu procedimento normal. Este acima ou além é posto
por alguns (como Bergson) como uma razão específica, ou quase específica.

Na história da filosofia moderna são conhecidos vários filósofos que acreditam


na existência desta faculdade alógica e nela fundam seu sistema filosófico
arracional ou alógicista. E geralmente por meio desta razão metalógica
explicam a poesia, e tem como consequência uma interpretação falseada da da
mesma. É o que aconteceu com Bergson ao citar a poesia poesia como gerada
pela intuição da inteligência superior. O mesmo parece acontecer na rusticidade
filosófica de alguns poetas e críticos literários.

Não há como acreditar em uma tal faculdade excepcional, por carência de


dados. Estes são redutíveis sempre à razão comum. Ainda que haja
procedimentos muito peculiares da mente, ele se reduzem em última instância a
uma só espécie de conhecimento.

Mas, fica a hipótese deste tipo de alogicismo para quem acreditar nele e por
meio dele desejar explicar a poesia.

629. Há uma participação externa da inteligência na poesia e que precisa ser


determinada. Ainda que o elemento essencial seja a conotação alógica das
imagens, estas conotação é antecipada pela expressão em prosa do objeto
estímulo.

Esta expressão em prosa se exerce como obra procedida pela razão, ao mesmo
modo como qualquer outra operação em prosa. Uma expressão em prosa opera
por meio de imitação (mimese), cuja interpretação é um trabalho mental.
Somente a inteligência sabe que uma estátua significa um outro objeto, por
exemplo, um herói. Os sentidos tão somente observam a estátua como algo
absoluto. Assim a consideram as aves que pousam sobre ela.

Constituída, pois, a expressão poética por dois tempos, no qual o primeiro é o


da expressão de um objeto estímulo de imagens, este primeiro tempo é o
momento lógico, que precede à poesia, ainda que não o objetivo principal da
referida expressão poética. Destinado para a poesia, este momento lógico
pertence à poesia, mas apenas no sentido de lhe oferecer aquilo, que, no
segundo tempo, irá provocar a associatividade.

Pelo visto, o trabalho racional do poeta tem, na prévia construção da expressão


do objeto estímulo, uma complexa participação, para finalmente atingir a
totalidade da construção. Neste primeiro tempo deverá colocar muito de sua
capacidade de raciocínio. Conforme se dispõem as linhas do fundamento, pode
ele gerar as diferentes possibilidades da sobre-estrutura. Sem adequado
trabalho na estruturação do objeto estímulo, a expressão poética definitiva não
surgirá adequadamente. O sucesso da poesia deverá estar previsto no
fundamento.

No caso da poesia pictórica, o quadro de cores precisa ser manejado


adequadamente a fim de que possa gerar as evocações que estão nos objetivos
de quem se expressa poeticamente.

A estrutura interna do objeto estímulo segue toda a ordem lógica da prosa. Os


conceitos já obedecem a uma ordem de classes. Os juízos se desdobram em
descrições narrativas. Os raciocínios, passando para mais além dos juízos,
podem proceder a longos discursos, - tudo sempre visando criar o processo
gerador da evocação poética.

630. O ordenamento posterior das evocações, eis onde mais a inteligência


consegue interferir na alogicidade da poesia. Este ordenamento posterior se
observa na poesia literária, quando frases alógicas se misturam com os
expedientes meramente evocativos. Na verdade, porém, tudo isto já deverá
tomar partida desde a criação do objeto estímulo. A ordenação posterior ocorre
apenas como que exteriormente.
Na pintura a ordenação racional posterior da evocação poética se dá pela
inclusão de expressões de efeito prosaico, com sentido em si mesmas. Estas
não se exercem evocativamente. A evocação é exercida por outros elementos.
Assim, de para a parte, uns elementos prosaicamente, outros poeticamente,
colaboram para a ordenação geral da expressão total de uma tela.

Pintam-se, com frequência, casas cujo interesse prosaico se situa em alguns


elementos, os quais interessam em absoluto, aos quais justapõem outros mais,
desta vez com outros poéticos, que apenas, conotam imagens, sem que em si
mesmos despertem interesse.

631. Há também uma participação pós-associativa da razão, que comparece na


poesia depois de concluída a associatividade, todavia ainda não apreciada.

A participação pós-associativa consiste em entender a mensagem da associação


criada. Também o animal tem associação de imagens, todavia sem interpretá-
las racionalmente, por lhe faltar o suficiente exercício da razão.

O animal, por falta de sua participação pós-associativa, não é poeta, apesar de


sua extraordinária capacidade associativa.

Atenda-se para todo o composto do processo do conhecimento humano que se


realiza por sucessões até chegar o nível da razão.

Primeiramente, num primeiro processo, os sentidos vêem a cor; a imaginação


cria a imagem da cor; a memória conserva a imagem da cor no subconsciente,
onde é despertada por um objeto estímulo.

Em um segundo processo a inteligência entende a cor, dela formando o


conceito de cor, o juízo de cor, o raciocínio de cor.

Num terceiro processo, a inteligência também entende a imagem da cor vinda


do subconsciente, de onde surge quando despertada pela associatividade,
conforme acontece na poesia.

Nas sucessões acima mostra-se como a imagem despertada associativamente


pelo objeto estímulo da poesia também é complementada pela compreensão
final exercida pela inteligência. Ora, ali está última das participações da razão
na poesia.
O animal também percebe as imagens despertadas por associatividade, mas não
as compreende como a participação pós-associativa que é exercida pela razão
humana.

632. Pelo exposto até aqui, a participação da inteligência na poesia, apesar de


esta ser expressionalmente alógica, se dá por três procedimentos: expressão
prosaica do objeto estímulo, ordenamente exterior das evocações, compreensão
intelectual pós-associativa das imagens poéticas.

O pintor, no exercício poético de sua expressão mediante cores, exerce uma


atividade intelectual intensa em torno das evocações que maneja. Quanto
melhor consciência tiver das participações da mente na poesia pictórica, seu
trabalho será mais crítico e eficaz.

A participação da inteligência não substitui a evocação, mas dela tirará o


melhor partido possível.

Se esta evocação faltar, o trabalho da mente não poderá solucionar o caso


essencialmente. Mas, no caso de faltar a evocação, o trabalho da inteligência
dirá desta falta, e o pintor irá para outra tentativa, com a esperança de encontrar
um objeto evocativo.

No caso de ser pouca a evocação, a inteligência dela tirará o melhor proveito


possível, bem como também tentará evocações mais expressivas,. Para isso
contará com a capacidade crítica de sua mente, que para isto foi preparada,
aprendendo quais são as participações da razão na poesia.

633. Inspiração poética é aquele momento de percepção em que o poeta


seleciona o instrumento exato capaz de exercer a evocação que ele tem em vista.

A inspiração já ocorre na mente, a qual, atendendo ao objeto estímulo de


imagens, fixa qual o objeto que as estimula e quais são os significados das
imagens em si mesmas. Depois a expressão poética mental é transposta à
expressão exterior, ou seja à obra de arte, como de palavra, pintura, escultura,
música.
Não se trata de expressão de expressão, mas de expressar o mesmo objeto por
meio de outra expressão que também o exprime. Todavia, a sequência das
expressões principia sempre pela da mente, sem a qual não temos
conhecimento dos objetos. Uma vez atingidos os objetos, a estes exprimirão as
artes.

Mais detalhadamente, - a inspiração é um procedimento mental, à maneira de


um juízo. Na inspiração, como em todo o juízo, se faz pois a comparação entre
termos, até que se encontrem aqueles que se unem e podem por conseguinte ser
afirmados um do outro. Neste sentido, a inspiração é sempre um juízo.
Enquanto a inspiração demora, é o juízo que não se consegue formular.

Todo o juízo é uma comparação, em que os elementos são primeiramente


procurados, depois comparados e finalmente afirmados.

Também se pode dizer que a inspiração é uma seleção, neste sentido que rejeita
o que não funciona e escolhe o que finalmente serve.

A inspiração é também uma pergunta enquanto está em andamento. A pergunta


é senão um juízo que se está formando pela via da comparação de termos.

A inspiração é complexa na poesia, porque ela ainda atende a diferentes


operações através das quais a associatividade se dá. Disto cuidaremos logo
adiante, abordando a associatividade pelas suas três modalidades operacionais -
vivência, semelhança, contraste.

Aqui apenas advertimos que a inspiração poética escolhe o procedimento


viável, seja a nível de vivência, seja a nível de semelhança, seja a nível de
contraste.

634. O estado de espírito influencia a evocação, que não é a mesma em


espíritos normais e nos deficientes, ainda que geniais.

Com certa raridade, encontram-se nos doentes psíquicos artistas excepcionais.


Esta circunstância lhes pode exacerbar o mundo subconsciente das imagens e
criar obras verdadeiramente admiráveis como foram as do delirante Van Gogh.
É sabido que poetas doentes, estimulados pela tuberculose pulmonar,
compuseram versos os mais expressivos.
Mas eles não criam toda a arte, e por isso são necessários também os geniais
artistas normais. Foram artistas certamente de grande saúde mental, para a arte
da linguagem, que inspirou a pintura, os poetas Homero e Dante.

Na Renascença se destacaram pela sua robustez mental os pintores Da Vinci,


Rafael, Boticelli, e sobretudo Miguel Ângelo.

No período barroco se admira a saúde mental de Rubens, com seu modo de


exprimir sempre poderoso, quer no vigor físico das suas gordas figuras
femininas, quer na potência da virilidade dos seus homens robustos.

Na arte contemporânea se destaca de novo, por exemplo, a saúde mental das


representações de Renoir, Rodin, Picasso, Kandinski, Portinari.

Quanto aos medíocres, o desequilíbrio psíquico por vezes os excita de tal modo,
que nesta quase paranormalidade, criam obras inúmeras, em que eventualmente
no meio da palha surgem aquelas que se recolhem como apreciáveis. A fama
destas permite que vendam também as demais, principalmente para aqueles que,
pela sua burrice, têm vocação de comer capim.

Os poetas doentios exploram geralmente a dor, porque somente dela possuem


grande vivência, em geral muito dramática. Os que superam a mediocridade,
atingem ao menos a dor universal. Então, em vez de se ocuparem com sua
própria dor, passam à dor de sua classe, de seu grupo, de sua nação, finalmente
à dor da humanidade e até mesmo do universo, nos termos da filosofia de
Schoppenhauer. Admirem-se tais poetas, mas normalmente não sejam imitados.
A poesia é um estado normal do homem, e não o estado peculiar apenas de
paranormais.

Não pode uma temática integral manter seus limites ao que a experiência de
vidas mal vividas consegue expressar. Tais limitações são próprias de uma arte
vertida apenas situações subjetivas eventuais, sobretudo a destes homens, que
observam as coisas secundum quid, isto é, segundo as evocações de que são
capazes. Em vista de serem incapazes para uma temática integral, não
produzem uma arte verdadeiramente grande.

Somente o homem normal é artista pleno. Ainda que nem todo o homem
normal tenha os dotes para grande artista, é no circulo do homem normal que se
espera apareçam os maiores nomes da arte, o que o futuro relembrará como
protótipos de uma época.

Os demais ficarão para a história simplesmente, isto é, apenas como


precursores de certas experiências. A arte verdadeiramente grande não atola ao
longo dos caminhos do tempo. Falando a todos os tempos, a grande arte sempre
será relembrada, sobretudo quando for verdadeiramente poética.

635. Concluindo sobre a essência da poesia, pensamos haver estabelecido


que seu expressar essencial procede mediante associatividade; mais
especificamente, na a poesia pictórica é a que, a partir das cores, evoca o seu
objeto. Distingue-se da prosa, a qual opera imitando diretamente ao objeto
significado.

E assim pensamos haver deixado claro que a alogicidade é apenas uma


propriedade da poesia, a qual pode por ela se identificada e apreciada, todavia
não essencialmente definida.

ART. 2o. OPERAÇÕES ASSOCIATIVAS DA POESIA.

3911y637.

638. A conexão, em virtude da qual um objeto evocativo-poético suscita o


despertar de uma imagem, se pode dar por três modalidades operativas:

- a vivência (ou contiguidade),

- a semelhança,

- o contraste.
Dali decorrem três modelos operativos de poesia. A partir deles redividimos
didaticamente o presente artigo sobre as operações da poesia, em três
parágrafos; a eles convém acrescer mais outro sobre o ritmo operacional destas
mesmas operações:

- Poesia operada por vivência (§ 1). (vd 641);

- Poesia operada por semelhança (§ 2). (vd 647);

- Poesia operada por contraste (§ 3). (vd 652);

- O ritmo nas operações poéticas (§ 4) (vd 656).

639. As leis da associação das imagens já foram estudadas por Aristóteles.


Desde sempre foram espontaneamente praticadas na poesia. Estudadas
teoricamente, contribuem para melhor entender o processo e para enfim
aperfeiçoá-lo.

Um objeto estímulo, desde que apresentado, por exemplo pela pintura do


mesmo, desperta imagens, - ou porque elas foram vividas junto com este objeto
e a ele se associaram; - ou porque são semelhantes a ele e tomam como que o
seu lugar tornando-se equivalentes; - ou porque pelo contraste como que se
ligam como faces opostas da mesma linha.

A pintura poética não faz operacionalmente senão representar objetos que


estejam ligados, ou por vivência, ou por semelhança, ou por contraste.
Desenvolver operacionalmente a poesia da arte que opera com cores é nada
mais, nada menos que agilizar a expressão de objetos com conotações geradas
por vivência, semelhança e contraste.

Quando do estudo das cores do ponto de vista psicodinâmico ( cap. 2-o, art. 4),
foram adiantadas muitas considerações sobre a associatividade exercida por
cada uma, isto é, pelo azul, amarelo, verde, etc.

Agora coordenamos este mesmo temário com vistas à consideração de sua


função operacional na poesia.
§1. Poesia operada por vivência.

3911y641.

642. Os objetos, quando estão postos em contiguidade, e passam assim a ser


percebidos pelos sentidos, suas imagem também ficam ligadas entre si, na
memória, ou no subconsciente.

Em outra oportunidade ao ser despertada diretamente a imagem de um deles,


mediante um objeto estímulo apresentado novamente pelo sentido exterior, não
somente ressurge a imagem daquele objeto equivalente ao objeto estímulo, mas
se restabelecem também as imagens dos demais.

A evocação portanto acontece, porque na primeira oportunidade em que os


referidos objetos estavam sendo vividos juntos, a faculdade da imaginação os
fotografou em um contexto único, formando como que um quadro de família.
Agora, não é possível mais retirar do arquivo a imagem de um dos objetos, sem
que venha todo o conjunto do quadro.

O poeta se aproveita do fenômeno associativo das imagens para expressar-se de


maneira mais ampla. Um objeto estímulo traz para a superfície da lembrança
todo um arquivo de recordações.

Além disto, o fenômeno do processo associativo por vivência favorece a


recordação do que hoje ha não existe ou do que se encontra distante.

A poesia por associação de vivência, denominada também de contiguidade, é


peculiar sobretudo para expressar a saudade. É a saudade um sentimento de
algo bom que somente resta no passado, e que continuamos usufruindo no
presente pela simples lembrança, que pode ser recordada desta forma por
objetos estímulos. A saudade é quase sempre um estado de poesia.
A evocação por vivência ou contiguidade é muito frequente na pintura, porque
as cores são vividas em circunstâncias bem definidas, quer quanto ao tempo,
quer quanto ao lugar. Basta então indicar um objeto colorido e prontamente ele
associa outras e outras situações. O azul sempre presente no céu, conota a este
quando o azul estiver em outro espaço.

Associam-se as cores com os estados de espírito que sua psicodinâmica


usualmente gera.

O azul, por exemplo, de fraca luminosidade, psicodinamicamente sereno,


sugere a paz.

O vermelho, se associa por contiguidade, com a violência; por ser de


luminosidade intensa, o vermelho pode nesta condição associar também a vida,
o agrado sexual, a riqueza das manifestações festivas.

A cor rara conota mais eficazmente as imagens a ele relacionadas por


contiguidade. O vermelho, por exemplo das flores, ocupa menos espaço na
natureza dominada pelo verde. Por isso o vermelho se exerce com poder
evocativo considerável, comparável à rima rara na literatura.

A sensação sinestésica conota facilmente com a visão do corpo em pé. O


linearismo da pintura de Botticelli explora o cenestésico, tirando o corpo da
linha de equilíbrio, simulando leveza da dança.

643. Na poesia à base da associação por vivência se complementa com


o contexto desta vivência.

Diz-se que na apreciação da poesia importa conhecer o poeta. Isto vale


sobretudo na modalidade de poesia por conotação de vivência.

No caso das cores, efetivamente a variação conotativa destas exige


considerável apoio no contexto quando a expressão poética funciona à base da
vivência, em vista da eventual desigualdade com que essa vivência se forma
nos diferentes indivíduos. Basta ligeira estatística e prontamente o constatamos.

Em vista da variabilidade da vivência, a apreciação da expressão poética em


cores deverá ficar atenta ao que é maioria, bem como definir bem o contexto.
Por causa desta variabilidade vivencial, a mesma cor situada em contexto
oposto poderá associar o inverso.

644. Os sentidos inferiores, pela sua índole menos definida, surpreendem pela
variedade consequente de suas conotações com a cor.

O paladar, ou seja o gosto, se deixa influenciar mui variadamente pela cor das
comidas, que podem ser amargas, azedas, salgadas, doces. O amargo se associa
mais ao amarelo e ao verde, mas ainda bastante ao preto, já muito menos ao
marrom e ao roxo.

Evita-se, pois, a associação com o amargo, enveredando para outras cores, que
não o amarelo, verde, preto, senão também o marrom e o roxo. É possível que o
amargo se associe por vivência com o verde por causa do verde da bílis e do
amargo das frutas verdes.

O azedo é associado dominantemente com o verde. Muito depois pelo amarelo,


praticamente nada pelo vermelho, roxo, azul, preto. Certamente a vivência do
azedo com o verde se deve em grande parte pela cor verde das frutas na fase
em que elas se manifestam azedas.

O doce e o salgado se associam ambos em primeiro lugar com o branco. Na


vivência doce do branco influi certamente a psicodinâmica da riqueza da luz
banca que brilha normalmente sobre todas as coisas.

Mas, o branco do açúcar também muito influencia a vivência doce do branco.

De outra parte, o branco associando-se ao salgado, quando em seu devido


contexto, se deve mais à vivência pura e simplesmente, em virtude da cor do
sal, do que à psicodinâmica do branco. Esta psicodinâmica do branco leva antes
a associar o doce, do que o amargo.

Em virtude da normalidade do doce ele também se associa bastante ao azul.


Este o azul se associa ao que está normal, como em céu azul.

645. A diversidade da vivência associativa, inclusive da cor, é muito


influenciada pelos sentidos inferiores.
As pessoas, sobretudo as mais rústicas e menos desenvolvidas, apreciam os
sabores com associações de vivência com a cor dos objetos que os causam. Por
isso, o verde tende a associar o azedo (das frutas verdes), e o branco o doce (do
açúcar), bem como o salgado (do sal).

Na medida que as pessoas apuram seu paladar, ele se desprende das vivências
comuns, - mas não de todo, - para atender à psicodinâmica do gosto pura e
simplesmente; na mesma proporção associam as cores a gostos com
psicodinâmica correspondente. Esta tendência é perfeitamente compreensível e
é constatada pelas estatística.

Já se vê como o artista pintor deverá estar atento a um contexto subtil e amplo


quando exerce a poesia através de uma operação fundada na associatividade
por vivência.

Deverá estar atento sobretudo com as vivências, quando estas se dão com os
sentidos inferiores, como por exemplo com o do paladar.

§2. Poesia operada por semelhança.

3911y647.

648. A semelhança tem como propriedade indicar diretamente o seu objeto


assemelhado. Nestas condições lógicas o semelhante é a expressão do seu
assemelhado. Até aqui ocorre a mimese, como procedimento específico da
expressão em prosa.

Mas a semelhança também opera por associatividade. Eis quando ocorre uma
operação típica da poesia, e que amplia o leque de capacidade da expressão por
semelhança.

Portanto, uma semelhança pode ser interpretada pela razão, ao modo de


mimese, gerando então a arte em prosa. A esta semelhança prosaica se junta a
semelhança poética, a qual gera associações imaginativas.
649. A associatividade por semelhança, sobretudo em cores e formas, é a mais
universal no que se refere à interpretação, dispensando notoriamente o contexto,
pelo menos muito mais que a associatividade por vivência.

Um objeto, ao ser conhecido, estimula o despertar de imagens do subconsciente


que lhe sejam similares, não somente as que sejam rigorosamente idênticas. Os
elementos coincidentes, para que despertem uma imagem, não precisam atuar
todos. Consequentemente, o objeto estímulo provoca o surgimento conotativo
de um leque de imagens, as que lhe são iguais, como ainda as que contém até
uma certa porcentagem de elementos idênticos.

A pintura, ao apresentar seus objetos, ainda que eles se ofereçam com


contornos definidos, fazem como que rebrilhar em torno um halo definido de
imagens; as vezes estas imagens são mais fulgurantes, como se fossem aqueles
raios que refletem dos cristais colocados ao sol. Pintar assim, é fazer pintura
com poesia. Quase sempre a pintura é assim. Sendo onipresentes nunca deixam
as cores de encontrar alguma semelhança, em consequência do que despertam
imagens, criando halos de conotações e lembranças. Esta universalidade
poética da pintura se deve antes de tudo à associatividade por semelhança,
porque, conforme dissemos, as cores encontram por toda a parte as suas cores
semelhantes.

650. Aliada sempre ao desenho, a pintura prossegue no seu trabalho de


expressar-se com semelhanças de efeitos associativos.

Pela via do desenho ordena-se todo o quadro, que se converte com ele, ora num
jardim de flores do qual evoluem conotações, ora numa roda de crianças do
qual estrugem as evocações como gritos de alegria, ora num panorama de
motivos da natureza do qual resplendem associações contundentes, ora num
cosmos de astros que no espaço silencioso perguntam pelo seu próprio mistério.

A Tempestade de Giorgione é um redemoinho de imagens que não se


encontram nem nas cores, nem nos traços da grande tela; levantam-se na
imaginação ao sopro do vento que agita o espaço e os objetos ali representados.
§3. Poesia operada por contraste.

3911y652.

653. O processo associativo por contraste é complexo. Cada um dos objetos


contrastados desperta de seu lado imagens. Há uma oposição, isto é, de choque
entre os termos.

A seguir mais uma vez poderá haver um choque entre as imagens evocadas.

Considerem-se alguns contrastes: preto e branco, pedra e pó, jovem e velho,


grande e pequeno, belo e feio, rico e pobre, perfeito e estragado, guerra e paz,
sereno e agitado, morto e vivo, anguloso e redondo, triste e alegre, riso e choro.

Na compreensão da poesia por associação de contraste importa também a


participação da inteligência. O choque primeiramente entre os termos
contrastados e depois entre as imagens resultantes já é uma percepção da
inteligência. Na composição - flores que enfeitam a vida e flores que enfeitam a
morte, - há evocações na primeira instância (a vida) e evocações na segunda
instância (a morte). O chocante entre uma e outra situação escapa ao processo
associativo, mas é avaliado pela mente.

654. Em alguns gêneros de expressão, como no moral e social, a evocação por


contraste é uma constante. Mas em todos eles a expressões é exercida com
eficiência, isto é, com resultado.

Efetivamente o contraste define bem as colocações, e consequentemente


adverte para a mensagem precisa em tela.
É apreciável, neste sentido, de Goya, a coleção de gravuras Desastres da
Guerra, dentre as quais se destaca Populacho, de um realismo chocante.

§4. O ritmo nas operações poéticas.

3911y656.

657. Ritmo e poesia. Ocorre o ritmo quando elementos distintos, -


denominadas partes, - entram em sucessão e estão sob a medida de um tempo
determinado.

Em princípio, o movimento não é uma qualidade que por si só seja capaz de se


tornar portador de expressão. Os elementos, ou partes, é que estão em
movimento.

No ritmo da poesia as partes operadas são os objetos estímulos, operando por


vivência, semelhança, contraste.

Na medida que estes elementos expressionais se sucedam numa velocidade


menor ou maior, poderão gerar associações, isto é, a poesia.

E ainda poderão ser modulados em seu movimento, quer em menor e maior


velocidade, quer ainda ordenados por meio de tônicas, assim gerando as mais
variadas modalidades de expressão poética.

Há sucessões reais, como as cores que se substituem na sequência temporal da


marcha do cinema e da televisão. E há sucessões subjetivas, como a da vista
que percorre a sequência das cores.

Esta sequência subjetiva pode associar-se ainda ao cenestésico, como no


linearismo das figuras de Botticelli.
658. Facilita-se o ritmo das cores, quer em prosa, quer em poesia, quando é
operada em combinação com os materiais de outras artes, sobretudo da forma,
onde o destaque é o desenho, o plano e o volume.

O desenho define notoriamente as partes em sucessão, mais fácil do que as


cores o fazem por si sós.

Todavia, na colocação das cores em uma tela, como em qualquer outra


composição, obedece também estas sustentam um ritmo subtil, a partir do qual
se geram conotações poéticas.

659. O ritmo da pintura e de todas as formas de expressão em cor se processa


mais visivelmente pela via da forma plástica, começando, como já se adiantou,
pelo desenho. Favorece o desenho a determinação das sucessões pictóricas.

A composição artística, que reúne num todo integrado os elementos de uma


representação, requer ordem interna, em que as partes desenrolam um certo
ritmo, de que resulta principalmente a evocação poética.

O futurismo em pintura é uma combinação de cores e formas do desenho, que


destacam o movimento e, através dos elementos em sucessão, criam a evocação
poética.

A pintura concretista (vd 370) é uma aliança de artes, em que a cor surge como
componente principal; exerce-se a expressão em cor em uma composição em
que participam também outras artes, principalmente a forma plástica (linha,
área, volume). Como se sabe, o concretismo foi apreciado também como estilo
(vd 978).

Podem acrescer-se à pintura concretista, a linguagem e a música, sendo porém


a participação destas uma junção menos intima.

660. Concluindo sobre a natureza e operações poéticas, tendo por referencial a


arte pictórica, pensamos ter deixado claro:

- que a poesia é essencialmente uma expressão por meio da associatividade;


- que tem por propriedade ser alógica, porquanto a associatividade não é uma
operação mental e sim do mundo da imagem sensível;

- que, finalmente as operações da poesia são de vivência, semelhança, contraste,


e tudo isto operado nas medidas de certo ritmo preferencial, em que as cores
são controláveis sobretudo quando operadas ao mesmo tempo aliadas com os
materiais de outras artes, sobretudo da plástica do desenho.

CAP. 6

GÊNEROS POÉTICOS DE PINTURA. 3911y680.

- Estética das Cores -

681. Introdução. Conclui-se o estudo da poesia em pintura, pela menção aos


seus gêneros.

Neste sentido importa considerar:

- definição e classificação dos gêneros poéticos de pintura (vd 683);

- Alguns gêneros poéticos de pintura (vd 691).

Pode-se considerar breve o assunto, porque prosa e poesia e poesia; costumam


estar aliadas.

I - Definição e classificação dos gêneros poéticos de pintura.

3911y683.
684. Os gêneros de poesia são determinados pelos correspondentes gêneros de
objetos com os quais se ocupam.

Havendo grupos de objetos similares, que se diferenciam de outros grupos de


objetos similares, o resultado final é a criação de distintos gêneros de expressão
distintos dos respectivos outros gêneros de expressão.

E assim também há gêneros de pintura em prosa e gêneros de pintura em poesia.


Nos gêneros de pintura em poesia nos fixamos agora.

Há preferência de uns artistas por determinados gêneros, de outros por outros,


cada qual dando ao de sua preferência especial dedicação e desenvolvimento.

Há os que são apenas líricos, enquanto outros são épicos.

Dentre os líricos, há os que preferem pintar o lirismo da paisagem, enquanto


outros pintam o lirismo das cenas do dia a dia.

Dentre os épicos, há os que representam em cores fortes o triunfo dos heróis da


conquista, enquanto outros e outros exploram a aventura e a sorte.

Mas há também os artistas universais, que de tudo experimentam, ainda que


nem em todos os gêneros da poesia pictórica tenham o mesmo resultado.

Se para cada gênero se estabelece uma sabedoria a parte, muita sabedoria;


importa para tratar de todos.

685. Em pintura os gêneros poéticos não se diferenciam claramente dos


gêneros em prosa. Como já se adiantou frequentes vezes, em pintura a prosa e a
poesia usam ir de mãos dadas..

Não obstante o que anda junto na realização concreta da arte, não se confunde
do ponto de vista essencial. Na mesma expressão há tanto o procedimento
meramente prosaico e com os seus gêneros, como o procedimento
especificamente poético, inclusive com os seus gêneros. Separar teoricamente o
que em concreto vem unido, importa em algum esforço para o qual nos
propomos agora.
Contudo, o pintor acentua, ora o lado prosaico, ora o poético, apesar de no todo
operar com ambas as formas de expressão. Quando isto acontece, há mais
facilidade de isolar prosa e poesia na composição.

A pintura industrial é caracterizadamente prosaica, e por isso tem seus gêneros


também bem definidos do lado da prosa.

Paralelamente, a pintura campestre (ou bucólica) é por tendência mais poética,


e por isso seus gêneros poéticos também se definem melhor.

686. A classificação dos gêneros poéticos tende a ser paralela em todas as


artes, porque os gêneros são determinados a partir do objeto e não a partir da
expressão. Esta, ao imitá-los para expressá-los por mimese, se adata a ele, e por
isso dá origem aos gêneros, porque gêneros de objetos vão resultar em gêneros
de expressão.

Além disto, cada arte pode traduzir a outra a partir de seu objeto. Não expressa
uma arte a expressão de outra arte, mas o objeto da outra. E assim mais uma
vez ocorre o paralelismo que vai permitir que os mesmos gêneros aconteçam
em todas as artes. Consequentemente, todos os gêneros da literatura são
repetíveis na pintura, como todos os gêneros da pintura na literatura, ainda que
com as respectivas adatações. Estas respectivas adatações podem provocar
alterações nas denominações dos objetos, sem que mude essencialmente o tema
da mensagem.

687. A denominação dos gêneros poéticos de cada arte pode ser a mesma, ainda
que por vezes varie.

Este paralelismo decorre do fato que os gêneros se denominam geralmente a


partir dos objetos ou temas expressos.

Assim, por exemplo, há gêneros épicos e líricos da literatura, e gêneros épicos


e líricos da pintura.

688. Entre as artes, é a da linguagem que geralmente se desenvolve por


primeiro. Por isso, os objetos que a pintura apresenta já usam ser denominados
expressionalmente pela palavra oral. E assim também os gêneros literários são
conhecidos ordinariamente antes, que os gêneros pictóricos.

A consequência geral é que as denominações dos gêneros poéticos literários


transitam mais facilmente para os gêneros poéticos da pintura, e não vice-versa.

Há, entretanto, uma certa tradição dentro de cada arte no que se refere aos
gêneros cultivados. Apesar do paralelismo dos gêneros em todas as artes, eles
tem algo de próprio em cada arte. O Lacoonte da Ilíada não é exatamente o
mesmo na escultura, nem o mesmo na pintura.

689. Na tradução dos gêneros poéticos de outra arte para os gêneros


equivalentes da pintura, importa transpor não só o lado prosaico mas também o
lado poético.

Ocorrendo na poesia primeiramente um objeto estímulo, o qual cria a evocação,


este objeto é expresso de maneira prosaica, isto é, por mimese. Não basta
simplesmente proceder a esta tradução; o objeto prosaico deverá ser
apresentado de tal maneira a não perder sua capacidade evocadora.

Os objetos mencionados num poema épico, como por exemplo o navio de


Ulisses, e seus homens, não podem ser apresentados na tradução para a pintura
de poesia épica como apenas um navio e apenas homens nele colocados. Este
navio e estes homens deverão ser envolvidos na pintura, com o mesmo clima
épico com que se apresentam na descrição literária primitiva.

As pombas que saem umas após outras, segundo a poesia do soneto literário
que as faz sair com um conotar evocativo, também deverão evocar
poeticamente a partida, na imagem ilustrativa que delas fizer um pintor.

Os gregos transpuseram para a pintura e a escultura os heróis épicos de suas


narrativas heróicas, como ainda suas criações líricas. Observa-se nos resultados
de seus trabalhos bastante poder evocativo transposto para a obra plástica, que
reproduzem a mesma poesia, de acordo com os gêneros poéticos em que elas se
situam, o épico, o lírico, o dramático.

II - Alguns gêneros poéticos da pintura.

3911y691.
692. Épico e lírico. Os muitos gêneros poéticos se classificam em gêneros
maiores. Usualmente todas as artes dão-se para a poesia como principais
gêneros maiores o lírico e o épico.

Não se trata de uma classificação feita a base de um ponto de vista sistemático,


que deveria proceder a partir dos gêneros maiores dos objetos. A poesia é toda
e qualquer evocação, e seus gêneros são os mesmos gêneros dos objetos
evocados.

A divisão da poesia em épica e lírica é antes descritiva, que essencial. Fez-se


sob um ponto de vista exterior ao mesmo objeto, - o do tratamento dado pelo
poeta, ora objetivo, ora subjetivo.

O lírico é dito da sentimentalidade a partir do sujeito, o épico a partir de uma


consideração objetiva simplesmente. Sendo a evocação um procedimento
sensível, sempre se prende ao estado psíquico sensível, ou seja a algum
sentimento. Em consequência qualquer gênero poético não diretamente
caracterizado pelo sentimento, se reduz a algum deles pelos efeitos
sentimentais, ou subjetivos, ou objetivos a que se prende.

693. O lirismo artístico é gerado principalmente pelas cenas banais do dia a


dia. Com elas a pintura também se ocupa em forma prosaica, mas sobretudo
poética. Na proporção em que os objetos em si mesmos perdem sua
importância, como que ficam liberados para outras conotações, inclusive da
trivialidade.

Aliás, um dos sentimentos mais profundos do dia a dia é a trivialidade, que a


vida cotidiana poeticamente exprime.

Acontecimentos sempre novos vão se acumulando na memória juntamente com


estes objetos triviais do dia a dia, os quais vão sempre aumentando sua
capacidade associativa futura. O poder de nostalgia e saudade das coisas velhas,
conservadas ainda no presente, é considerável.

Apresentam importância para o lirismo da pintura as choupanas, as casas


antigas, velhas árvores, os cajueiros, os bananais, os laranjais, as roseiras do
jardim, as mais diversas relíquias que agora ainda conotam um passado bom,
do qual temos saudade nostálgica.

Pelo visto, os gêneros líricos da pintura se diferenciam, como na literatura, pela


variação dos diferentes grupos de objetos.

Como o advento da fotografia que substitui a pintura prosaica das cenas do dia
a dia, o lugar da pintura lírica deste mesmo gênero de objetos, contudo se
conservou. É que a associatividade postula certa seleção de elementos que a
fotografia não encontra, mas o pincel tem todavia como criar.

694. Subdivisões do gênero lírico. Em princípio podem ser tantos os gêneros


líricos, quantos forem os tipos de sentimento, que a psicologia
sistematicamente classifica.

Em concreto os sentimentos se situam na mesma pessoa e se agrupam em


circunstâncias que ela vive.

Vários podem ser portanto os pontos de vista para subdividir e ordenar os


gêneros líricos, e que na poesia das cores se multiplicam sob nomes geralmente
vagos e tomados às outras artes.

São gêneros líricos literários o hino, o soneto, o idílio, com réplica na pintura.

695. O hino é uma expressão de um estado de espírito gerado por uma situação,
seja do indivíduo, seja do grupo, seja dum movimento promocional. Tal
acontece em hinos de gratidão, hinos nacionais, hinos de agremiações, hinos de
movimentos de promoção.

Neste último caso lembramos, por exemplo que o movimento de promoção


para uma língua universal, o Esperanto, possui seu hino: "Ao mundo veio um
novo sentimento". Em cores o sentimento esperantista é traduzido pelo verde,
cuja forma plástica é a estrela verde.
Na pintura o objeto considerado pelos hinos é reproduzido pela apresentação
das pessoas envolvidas neste estado de espírito, caracterizadas pictoricamente
de tal maneira que possam evocar o referido objeto.

Uma pintura-hino expressiva é a do homem ecologista frente à paisagem da


natureza.

696. O soneto é uma expressão relampejante e organizada para um efeito


máximo em um mínimo de elementos.

Na linguagem assumiu o soneto a forma peculiar de 14 versos, além de sua


novas formas na poesia concreta.

Na pintura-soneto o objeto se apresenta como um quadro inteligentemente


preparado, com vistas a um efeito claro e de rápida eficácia evocativa.

697. O idílio tem como objeto elementos característicos campestres e pastoris,


em tons suaves.

É um gênero literário frequente, com expressões paralelas na música e pintura.

698. O épico em poesia contém fundamentalmente o tratamento objetivo do


sentimento evocado, opondo-se neste particular ao tratamento lírico. O gênero
épico foi praticado primeiramente na literatura, onde gerou a epopéia (narrativa
de longo curso), o hino e o soneto (de curso menor).

Do ponto de vista semântico, épico se diz sobretudo da epopéia, cujo tema é a


história heróica, aquela em que a ação humana ultrapassa os parâmetros
ordinários. Pode acontecer nas guerras de conquista (como Tróia, pelos gregos),
nas aventuras (como as de Ulisses), nas grandes navegações (como a dos
portugueses às Índias, objeto dos Lusíadas de Camões).

Na pintura a poesia épica tende a limitar-se a episódios, em virtude da


estaticidade de suas telas.
Quando se inspira em uma epopéia literária, a pintura isola um dos seus
episódios, tirando dele o máximo de resultado.

699. A pintura histórica não raro assume caráter puramente poético na linha
do gênero épico. Ainda que se refira a um acontecimento histórico, o
tratamento é dominantemente evocativo.

Mesmo as telas neo-clássicas de Louis David (1748-1825), como Serment des


Horaces, têm mais de poético, que de preocupação prosaica.

Inversamente a Primeira Missa do Brasil de Victor Meirelles, porquanto


destaca o aspecto histórico, típico da prosa, ainda que contenha muito de
poético.

700. Conclui-se aqui um conjunto de temas sobre a estética, ou a arte das cores,
que a explicam a partir da essência, - a cor como expressão, a cor como
portadora de expressão, as formas da expressão em prosa e poesia.

Em contraste ao substancial, resta algo também importante, - o estilo.

O que se concluiu foi o mais difícil, o que resta é o lado mais apreciado da
pintura. Todavia, não há como atingir adequadamente o mais apreciado, sem o
que se apresentou mais difícil.

Não obstante ser um elemento acidental, o estilo reforça a evocação poética.


Assumindo maneiras próprias em cada forma e gênero de expressão.

CAP. 7

O ESTILO NA PINTURA. 3911y702.

- Estética das Cores -


703. A filosofia faz apenas a abordagem teórica do estilo, definindo-o como
elemento constitutivo acidental da expressão artística e classificando sua
possíveis modalidades.

Há também uma abordagem experimental do estilo, em que uma das mais


praticadas é a histórica, descrevendo os estilos que efetivamente ocorreram e
como interagiram em seus mais diversos estágios de formação.

A abordagem histórica dos estilos é muito útil, exatamente por causa da


característica da eventualidade que eles oferecem. Quando em função à
abordagem teórica, as demais considerações, - as históricas, - se fazem por
acréscimo, ainda que sejam distintas.

Cedendo às considerações acima, tem-se o seguinte esquema didático, em dois


artigos:

- Abordagem teórica do estilo (Art. 1-o) (vd 3911y705);

- Estilos históricos de pintura (Art. 2-o) (vd 3911y760).

Considerando que estilo é um tema que ultrapassa os limites da arte, não cabe
aqui esgotá-lo. Assim também os estilos históricos não são aqui esgotados,
porque abordados apenas para ilustrar seu aspecto teórico.

ART. 1o. ABORDAGEM TEÓRICA DO ESTILO.

3911y705.

706. Didaticamente se oferecem os seguintes temas na abordagem teórica do


estilo:
- Definição de estilo (§ 1.) (vd 708);

- Classificação sistêmica dos estilos (§ 2.) (vd 716);

- Estilos propriamente artísticos (da expressão) (§ 3.) (vd 724);

- Estilos pré-artísticos (do portador da expressão) (§ 4.) (vd 753).

No cursos dos detalhes oferecidos nestes questionamentos teóricos,


conseguiremos a linguagem adequada para depois abordar adequadamente os
estilos históricos.

§1. Definição de estilo.

3911y708.

709. Definição nominal. Como denominação, estilo derivou de estilete (do


latim stilus = vareta), com que se picavam os caracteres ideográficos nas
tabuinhas recobertas de cera e que serviam para nelas se escrever.

Do fato de cada qual desenvolver um modo característico de escrever as letras,


evoluiu estes caráter para o modo de compor a própria linguagem

No sentido nobre, estilo passou a significar a boa linguagem.

Por último, estilo alargou seu uso para a maneira de se expressar de todas as
artes, passando-se a dizer também estilo de pintura, estilo de escultura, estilo
musical e arquitetônico. Alargando-se mais ainda, estilo também significa o
modo de qualquer fazer, como em estilo de remar, de jogar, de vestir. E ainda
modo de agir, como estilo de vida. Ou ainda, modo de pensar, como em estilo
de pensar.
Derivado do latim, como se acabou de mostrar, estilo não é um nome grego.
Mas os gregos já se referiam aos modos acidentais de se expressar, agir e fazer.
Entre outros nomes, usavam o de método. Mas veio dos gregos caligrafia,
como maneira bela de escrever.

710. Pela sua definição real, estilo é a maneira eventual com que a obra de
arte se apresenta. O estilo, ora acontece por eleição do artista; ora se impõe por
injunção de circunstâncias.

Mas o estilo sempre se define como algo, que não é, nem a natureza essencial
da arte, nem as propriedades a ela inerentes. Uma pintura, por exemplo, pode
ser mais rigorosa, enquanto outra é mais diluída; uma notoriamente idealizada,
enquanto outra é realista. Sempre se trata de opções de estilo.

711. Há uma proximidade muito grande entre propriedades da arte


e acidentes de estilo. É que as propriedades geralmente são qualidades, e estes
admitem graus. Na graduação eventual se encontra o estilo.

O uso, por exemplo, de mais cores e menos cores, mais rigor no delineamento
das figuras e menos rigor, mais perspectiva e menos perspectiva na composição
geral, maior idealização em vez de mais realismo - tudo isto resulta em estilos
pictóricos.

Em virtude da grande aproximação entre propriedades da arte e seus acidentes


de estilo, acaba por admitir falar em propriedades de estilo!

712. Atração do estilo. A importância do estilo, sempre de notória atração, se


deve ao caráter exterior dos acidentes, fáceis de serem imediatamente atingidos
e apreciados.

Certas maneiras eventuais com que a arte se apresenta agradam mais que outras.
Os estilos, quando comparados entre si, não são igualmente estéticos, de onde
uma tendência em favor de uns estilos contra outros.
Não se deve a atração do estilo ao seu valor intrínseco, porque é por definição
algo acidental e portanto de presença eventual na expressão artística.

Efetivamente, não importa a maneira acidental como se façam as operações de


mimese da prosa e as associações evocativas da poesia, desde que
essencialmente exerçam sua função essencial de expressar.

713. O estilo leva ao interesse pela arte em geral. A partir da desigualdade


estética do estilo das artes podem nascer perguntas críticas de avaliação.

O interesse, aliás, pelos estudos da arte começa ordinariamente pelo atrativo do


seu estilo, em função do qual as pessoas, diferentemente impactadas, ficam
solicitadas a fazerem indagações.

A nível pedagógico, o ensino da arte, embora deva desenvolver-se


sistemicamente, adverte constantemente para os estilos, os quais em
consequência conservam o interesse pelo todo.

Na preferência de uns estilos pelos outros, interfere ainda o prazer da novidade


e que a mudança dos mesmos pode oferecer, tal como acontece com tudo o que
é eventual, inclusive com as modas de vestir diferentemente estéticas. Importa
contudo liberar o espírito dos efeitos da moda, ponderando sobre os estilos
considerando-os em absoluto. Isto se consegue avaliando com espírito crítico
os caracteres de cada um.

714. Estilos de mais valor. A acidentalidade do estilo se situa em vários níveis,


de que alguns são objetivamente mais apreciáveis. Mas importa que o artista,
bem como apreciador em geral, tenham compreensão disto, para que não
passem a apreciar de preferência o que é de menos valor.

Considerando que o essencial em arte é a expressão, neste plano se situam as


perfeições de estilo que mais interessam.

As perspectivas de estilo apreciáveis no plano da expressão, ocorrem desde


os graus de perfeição gnosiológica, - em virtude do qual ela se apresenta
mais evidente, verdadeira e certa, facilitando sua compreensão, - até os mais
diversos níveis de efeitos psicológicos, em que se destacam o
sentimento estético e o prazer da novidade.

Em consequência da função exercida pelo estilo sobre o publico consumidor,


também os artistas se preocupam com ele. Têm os artistas as suas preferências
pessoais em estilo. Atendem também pragmaticamente ao estilo conforme a
preferência do consumidor.

Na pintura, - que agora está em questão, - o estilo é um dos seus componentes


mais discutidos.

Não faltam os que apenas cuidam da arte enquanto estilo. Este comportamento
é contudo prejudicial ao desenvolvimento maior do artista. Importa manter as
coisas em seu lugar, colocando acima de tudo a arte como expressão.

Se não é possível entender exaustivamente de estilo senão através do que é


essencial à arte, - a expressão, - também não é possível entender de estilo, sem
atender ao que nele mais importa, - ser grau de perfeição da mencionada
expressão.

§2. Classificação sistêmica dos estilos.

3911y716.

717. Como sistematicamente classificar os estilos? Não há um ponto de vista


intrínseco ao mesmo estilo, porque como acidente se põe em dependência, ou
da expressão, ou do portador da expressão. No caso da pintura, o estilo se
encontra, ou nas cores enquanto exprimem (estilo propriamente artístico), ou
nas cores enquanto são simplesmente elas mesmas (estilo pré-artístico).

Com facilidade nos referimos aos mais diversos estilos, sem todavia ordená-los.
Assim dizemos: estilo claro, severo, diluído, ou estilo estético, espontâneo, leve,
pesado, difícil, ou estilo clássico, romântico, realista, ou ainda estilo
impressionista, cubista, futurista, etc.

Importa, entretanto, descobrir a ordem dessas denominações, chegando às


classes, ou seja espécies e gêneros de estilo.

Para classificar precisamos reconhecer previamente o ponto de vista em função


do qual se pratica a classificação.

Conforme já advertido, os estilos não contêm um ponto de vista de


classificação a partir de sua mesma essencialidade. No estilo as situações são
eventuais, cuja acidentalidade depende sempre de algo que lhe é extrínseco e à
que adere.

Acidente (do latim accido, -ere = cair junto de) é o que adere a outro, tendo
nele o sujeito de adesão; sem sujeito em si mesmo, o acidente como que se
define em função ao outro no qual adere. O estilo, como um acidente, se
classifica em decorrência desta sua condição em função àquilo de que é
acidente.

Classificam-se os estilos em função à essência constitutiva da expressão; e


ainda em função à sua entrada na existência, isto é, em função a sua história.

718. Na arte ocorrem dois elementos constitutivos, - a expressão (ou


significado), que é a arte propriamente dita, e o portador da expressão (ou
significante), que é o instante pré-artístico. Estes constitutivos da arte fundam
duas classes de acidentes e portanto de estilos:

- estilos propriamente artísticos (ou acidentes da expressão);

- estilos pré-artísticos (ou acidentes da matéria portadora da expressão).

720. Novas subclassificações seguem a partir dali para os elementos


subsequentes que a análise for apresentando.
Do ponto de vista da forma da expressão, os estilos propriamente artísticos (ou
acidentes da expressão) ocorrem na expressão em prosa e na expressão em
poesia. Há, pois, estilos de prosa e estilos de poesia, que redividem os
propriamente artísticos.

Outras subdivisões se podem aplicar aos estilos propriamente artísticos, quer


sejam da expressão em prosa, quer da expressão poética. Entre entre estes
outros estilos propriamente artísticos se anotam:

- estilos gnosiológicos (em função à evidência, verdade, certeza);

- estilos psicológicos (estéticos);

- estilos utilitários;

- estilos de comunicação;

- estilos didáticos;

- estilos pedagógicos.

721. Os estilos da matéria portadora, ou do significante, são pré-artísticos,


porque não se dizem da expressão mesma da arte. Derivam da técnica de
construção da obra sensível.

Há, por exemplo, estilos de pintura mural, de pintura à óleo, de mosaico, de


encaustico, de iluminura, de água marinha, etc.

A estas modalidades se somam ainda os estilos de imagem cinematográfica e


de televisão, quer no plano da expressão, quer no plano pré-artístico.

722. Estilos históricos. Há aquele momento em que um estilo entra a existir.


Depois outro e mais outro. E já temos uma classificação histórica de estilos.

Com referência aos estilos históricos, eles dizem respeito tanto àqueles estilos
formados a nível de significado e significante. História quer dizer apenas o fato
de algo começar a existir e permanecer, não importa o que existe e permanece,
seja no plano da matéria portadora, seja no da expressão portadora.
Como fato concreto não surge a obra de arte dentro de um só estilo
abstratamente denominado. Em concreto a obra de arte se reveste de todos os
acidentes que lhe cabem. Ainda que estes acidentes sejam opcionais, não é
possível fazer que a obra surja, sem que se tenha eleito todo um elenco deles.

O histórico, em abstrato, é apenas o fato do ponto de vista de seu surgir no


tempo. O restante a explicar no estilo histórico pertence ao conceito mesmo de
cada estilo e que se define em termos de essência, com elementos constitutivos.

A pura classificação histórica dos estilos é um elenco curto. As considerações,


sobre as quais se alongam os tratados de história da arte, são acrescidas de
outras procedências sistemáticas.

Portanto, ainda que os estilos históricos sejam a sua eventualidade, não se


reduzem simplesmente à história. Razões objetivas os separam entre si, dizendo
respeito às modalizações que assumiram suas propriedades gnosiológicas e
estéticas. A história apenas constata quando estas modalizações ocorrem, mas
não as conceitua e nem as coloca em julgamento de valor.

Mas é possível desenvolver um tema com o espírito da interdisciplinaridade.


Neste caso, o estudo histórico dos estilos os aborda ordinariamente de maneira
eclética, por exemplo, historicamente e filosoficamente

O ecletismo da exposição é admissível, desde que se o pratique


conscientemente, sem confundir o que é distinto do ponto de vista sistemático.

§3. Estilos propriamente artísticos

(da expressão).

3911y724.

725. Passamos aqui a detalhes sobre a classificação que distinguiu entre estilo
propriamente artístico e estilo pré-artístico.
Passamos a considerar o que é de mais valor em estilo, ainda que outros valores
devam contudo não ser descurados.

726. Estilo prosaico e estilo prosaico-poético são duas denominações pelas


quais se indica, ora a dominância do uso dos recursos exclusivos da prosa, sem
os da poesia, ora a presença muito evidenciada dos expedientes associativos da
poesia.

Considerando que prosa e poesia podem andar juntas, em uma aliança muito
proveitosa, a escolha de uma e outra modalidade de expressão é algo eventual,
e portanto de estilo; o fato de se adotar a aliança, é um estilo, e o de não
praticá-la é outro estilo.

Ambos os estilos mencionados são em prosa, com a diferença que o primeiro, o


prosaico, pratica a expressão sem apelar aos elementos poéticos como faz o
segundo, o prosaico-poético.

Geralmente o estilo prosaico-poético é o melhor estilo. Na arte da linguagem é


conhecido pela denominação que simplesmente o chama de estilo literário. Na
arte da pintura é também o estilo prosaico-poético apreciado como o melhor.

Semanticamente, estilo poético significa o exclusivamente poético. Todavia,


dentro de contexto, o estilo prosaico-poético pode ser denominado por
brevidade simplesmente de estilo poético.

Como denominar um estilo dominantemente poético, com elementos prosaicos?


Caberia dizer poético-prosaico; este nome é a inversão de prosaico-poético. De
ordinário não há um poético puro.

O que há são estilos menos poéticos (quase poéticos) e mais poéticos (quase
poéticos puros). O objeto estimulo das imagens poéticas, mesmo quando o
objeto é sem importância, contém, contudo, algo não desprezado.

O cajueiro, que o poeta relembra como evocador de imagens de sua infância,


também possui algum valor em si mesmo, e que faz parte da história real do
poeta. É mais poético, quando apenas foi lembrado como estímulo das imagens
poéticas; e menos poético, quando efetivamente o poeta quis fazer a história
real de sua infância.

727. Os estilos gnosiológicos se dizem das propriedades da expressão,


sobretudo da expressão em prosa, de acordo com os graus de evidência,
verdade e certeza alcançados.

As propriedades fundamentais do conhecimento, como de toda e qualquer


expressão, se conhecem como sendo a evidência, a verdade, as certeza. Estas
propriedades estão na mesma linha de expressão.

Portanto, a expressão deverá exprimir com perfeição de evidência; neste


sentido a evidência deverá ser clara e distinta, e não obscura e confusa.

Exprimir com perfeição de verdade, para que o objeto seja efetivamente aquele
e não um falso objeto.

Exprimir com perfeição de certeza, a fim de que o sujeito desta expressão


esteja subjetivamente assegurado, isto é convicto, do conteúdo oferecido.

Estas propriedades gnosiológicas decorrem necessitantemente da natureza da


expressão. Mas, tendo a condição de qualidades, elas admitem graus de
perfeição. Eis onde finalmente se encontra o lugar do estilo gnosiológico, o
qual resulta dos graus de perfeição expressional eventualmente conseguidos.

Qualquer seja o fato da eventualidade dos graus de perfeição gnosiológica,


nestes graus se situam os estilos gnosiológicos.

728. A nível de evidência há estilos claros e estilos distintos, estilos


obscuros e estilo confusos. Estas diferenças se definem em função às diferentes
classificações de evidência.

Uma evidência é perfeita, quando é clara e distinta. Pela clareza a evidência é


em sim mesma intensa em seu brilho; seu contrário é a evidência obscura. Pela
distinção, a evidência diferencia entre si os objetos; seu contrário é a
evidência confusa.
Consequentemente, o estilo é claro, quando a expressão apresenta o objeto com
ênfase: o estilo é obscuro se a apresentação do objeto se faz de maneira
apagada.

Há, pois, um jogo entre o mais e menos na força da expressão, que decorre em
estilos claros e obscuros, conforme o nível de ênfase atingido.

O estilo é distinto quando a expressão, deixa os objetos inconfundíveis, nem


diferenciados, ou suficientemente definidos.

Do contrário, o estilo se apresenta confuso porque os objetos não oferecem


como suficientemente diferenciados.

Os instrumentos da expressão com vistas a se tornar precisa então


primeiramente na mesma expressão, e por acréscimo no contexto. No jogo
combinado de ambos a expressão assume graus de evidência, que em cada
nível podem formar outro estilo, ora mais direto, ora mais contextual, conforme
a eventualidade eleita.

Não obstante, acontece uma indefinição objetiva nos objetos, com que, por
exemplo; Leonardo da Vinci se ocupou mediante seu "claro-escuro", e os
impressionistas como os rompimentos provocados pelos raios de luz.

Agora é uma questão de evidência objetiva pelo lado da coisa; já não é a


evidência pelo lado da expressão. Por este lado expressional, o que não é claro,
deve efetivamente ser dito não-claro. Os objetos, quando em conjunto, como
que se integram numa atmosfera única, em consequência dos efeitos da luz.

730. A verdade no estilo é aquilo que dá à expressão maior e menor proporção


entre o que se exprime e o que está no objeto expresso.

Pela verdade pictórica a expressão em cor deve apresentar autenticamente o


que exprime.

Dali resultam outras e outras propriedades decorrentes e que fazem o estilo ser
conciso, vigoroso, correto, em vez de redundante, frouxo, falseado.
A verdade da expressão importa sobretudo quando, alem de expressar, ainda
deve exercer a função de comunicar.

Importa ainda a verdade à pintura histórica, sobretudo quando não houve


fotografia do fato passado. Se esta pintura for um abstrato, supõe-se que o lado
abstrato cuide da verdade, enquanto os outros aspectos forma omitidos.

A verdade como estilo na pintura histórica é o grau de capacidade de atingir o


objetivo proposto.

731. Estilo certo. Haveria um estilo a partir do grau expressional de certeza? O


contrário de certo é o duvidoso, também com graus. Há efetivamente um estilo
certo, como ainda o seu contrário, o estilo duvidoso.

A expressão requer estar segura de si, para produzir certeza no apreciador dessa
expressão. A certeza é uma propriedade gnosiológica decorrente da evidência
clara e distinta. Mas a evidência clara e distinta está na expressão, ao passo que
a certeza se encontra no sujeito, como sendo um seu estado psíquico. Mas
decorrendo um do outro, há pois um estilo certo, desde que antes haja um estilo
claro e distinto.

Apesar da distinção entre os estilos que se dizem em função aos graus de


evidência e os graus de certeza, situam-se sempre como sequências. Portanto, o
estilo claro e distinto, é também um estilo certo. Um estilo obscuro e confuso, é
também um estilo duvidoso. Este paralelismo sequencial se deve ao fato de que
a evidência clara e distinta gera a certeza; a evidência obscura e confusa gera a
dúvida.

732. Estilo clássico e estilo não clássico se dizem da expressão tratada em


função ao objeto idealizado ou não idealizado.

Este tratamento idealizado é uma questão de estilo, porque não afeta


intrinsecamente a expressão, senão em seus graus. Uma vez admitido o
dualismo entre o indivíduo e o tipo ideal, fica uma questão de opção expressá-
lo, ora como indivíduo, ora como idealizado.
A idealização se faz em função à realidades universais que se denominam por
diferentes maneiras: natureza geral, leis naturais, universais, princípios,
axiomas. Em decorrência, o estilo clássico é um estilo axiológico.

Similar é a questão do estilo formalista. Se o indivíduo é ao mesmo tempo


indivíduo e sua espécie, quando não for necessário expressar mais que sua
espécie, basta representá-lo nos elementos essenciais desta espécie.

Há, todavia, vários formalismos, em que um é mais natural e outro mais


geometricista, porque segue a plasticidade meramente harmônica das linhas,
das áreas e dos volumes.

O formalismo acontece facilmente quando se trata de expressar um símbolo;


este simplesmente poderá ser expresso nos elementos de sua espécie. A arte
egípcia foi dominantemente formalista do tipo geometricista.

Há uma afinidade entre os estilos gnosiológicos (de evidência, verdade e


certeza) e os estilos axiológicos (de tratamento idealizado e formalizado do
tema) em todas as instâncias. A questão gira em torno do tratamento dado ao
objeto na expressão, no atinente ao conteúdo. Mas, no que se refere aos estilos
axiológicos acontece um destaque muito maior com referência a este conteúdo.

733. O habitat da obra de arte clássica assume fisionomia definidamente


reconhecível.

Os sentimentos são equilibrados, na expressão lírica.

Também os heróis épicos se comportam de maneira a jamais perderem sua


grandeza.

Os nus clássicos encaminham mesmo para a idealização harmônica da


estabilidade emocional e portanto como algo muito normal. Por isso, no
clássico são particularmente preferidos os nus alegóricos e míticos, angélicos,
virginais e infantis. Para que estes nus não sejam interpretados fora da
idealização clássica, eles não podem ser apresentados com posições eventuais
do corpo, porque este seria o nu real. No clássico o nu ocorre sempre em
posição estudada.

Diferentemente os nus do futuro impressionismo de Monet, em suas


criações Olímpia e Almoço sobre a relva são apresentados como de primeiro
intuito acontecem; por isso chocaram ao critério neoclássico da exposição de
Paris.

No clássico o desequilíbrio informal apenas se pode apresentar com o reclame


de uma pronta resolução. Nestas condições, a arte se torna a expressão de algo
eminentemente harmônico e belo.

A Grécia real dos artistas clássicos não teve certamente a beleza idealizada de
suas estátuas nuas e o equilíbrio emocional que revelam os heróis e as mulheres
assim representados.

Nem foram as mulheres do Renascimento e do Barroco tais como aparecem nas


empolgantes cores e linhas de Botticelli e Tintoreto, Rafael e Rubens.

734. A idealização parece algo difícil. Mas também a arte inversa incorre em
aspectos difíceis.

Aquela exata linha idealizada do clássico oferece efetivamente dificuldade para


ser alcançada. Depende até de uma filosofia, sobre o que seja o ideal. Mas,
depois de adquirida a noção do ideal e de como expressá-lo, nada mais há a
aprender.

De outra parte, a arte de temas não idealizados se expande para uma


diversidade maior de peculiaridades, que nunca se esgotam. Por este lado não
alcança jamais o virtuosismo. Sob este aspecto se apresenta mais difícil, o que
não acontece com o clássico, onde uma vez atingida a perfeição, tudo tende a
ser gerado perfeitamente.

Todavia, o clássico, a fim de ganhar rendimento, requer altíssimo gênio; a


idealização unifica, de sorte que facilmente recai na repetição e monotonia.

A idealização, ao tender para um equilíbrio emocional, dificilmente consegue


dar ênfase à vida em todo o seu esplendor. É que a vida se manifesta no
desequilíbrio e que retoma o equilíbrio. No clássico ocorre um retorno perfeito
ao equilíbrio, o que não acontece na expressão individualizada do não clássico.

Ao retomar o equilíbrio, parece que a vida perde sua


expressividade. Gioconda de Leonardo da Vinci, é um exemplo de grande vida
clássica, que só um gênio poderia atingir. Um artista clássico ordinário não
teria chegado até lá.

Os acadêmicos, geralmente frios, raras vezes criam obras geniais. Deixam-se


vencer mui depressa por um fotógrafo hábil.

735. Clássico, como nome, deriva da antiguidade latina e teve já então um


sentido nobre. Isto acontecia, porque o pessoal escolhido para a marinha era
uma classe, porque requeria um preparo profissional maior.

Refletiu-se a nobreza inicial do nome para a expressão artística, primeiramente


para a literária. Distinguiu Aulus Gellius (125-165 d.C.) entre classicus
scriptor e proletarius scriptor, referindo-se às duas classes sociais, das quais
uma escrevia perfeitamente, outra mal, isto é, com vulgaridade.

Depois a expressão clássico emigrou para as demais artes, desde então se


passou a falar em uma pintura clássica e outra não clássica.

736. Os períodos clássicos se alternaram através dos tempos com movimentos


não clássicos.

Foi dita clássica a arte grega do 5-o século a.C. (época de Péricles); a arte
helênica lhe pertence ainda como uma espécie de barroco moderado.

Novamente foi clássica a arte romana do I século d.C (tempo de Augusto).

Com o Renascimento dos séculos 15 e 16 mais uma vez acontece o clássico,


sucedido pelo barroco.

Finalmente ocorre o neoclássico na passagem dos séculos 18 e 19, continuada


pelo academismo pelo século 20 adentro, ao mesmo tempo que concorrendo
com os modernistas.
737. Os períodos não clássicos, a rigor, não possuem denominação comum
positiva, senão pela formulação negativa.

São denominados, com algumas nuances:

- individualismos, enquanto se opõem ao absoluto;

- realismos, contra o tipo idealizado;

- subjetivismos, contra o objetivismo dos tipos idealizados.

Portanto, os estilos anticlássicos se caracterizam diferentemente, de acordo


como o ponto de vista realçado: individualista, realista, subjetivista.

Ocorrem neste campo ainda as denominações com nuances étnicas e históricas,


como estilo helenístico, estilo gótico, bizantino, romântico, naturalista,
modernista.

O romantismo se caracterizou pelo subjetivismo, o modernismo pelo


individualismo, o naturalismo pelo realismo.

Nos espaços entre os clássicos os estilos são, ora mais anti-clássicos, ora menos,
mas sempre o suficientemente contrários, para marcarem uma divisa. A história
dos estilos se ocupa com este jogo dialético de afastamentos e aproximações
dos modelos ideais.

738. Avaliação. Depende a validade da arte clássica diretamente da existência


dos modelos ideais.

Para um realista, empirista, positivista, existencialista, não há senão o indivíduo;


o acontecer tumultuado das coisas apresenta uma certa ordem, a qual se
confunde com a existência de leis preexistentes a regularem o todo.
De outra parte, para filosofias, - como as de Parmênides, Pitágoras, Sócrates,
Platão, Aristóteles, e para as filosofias racionalistas de diferentes formas que os
seguiram por reformulações variadas, como o estoicismo, o neoplatonismo, o
escolasticismo, medieval, o cartesianismo moderno, o materialismo dialético, -
há algo absoluto, a natureza geral e leis. Estas natureza geral e estas leis
naturais se tornam o parâmetro a ser realizado pelos indivíduos.

739. Estilo clássico e estilo projetivo. A existência dos modelos ideais poderá
ser considerada de dois modos:

- Ou como modelos efetivos, e então o estilo se dirá clássico, no sentido


tradicional;

- ou como modelos eleitos, e então o estilo será projetivo, no sentido de que


obedece a uma unidade que de certo modo o idealiza.

A idealização clássica tem como efetiva a existência dos modelos que


idealizam a arte. Este é o modo como os modelos são entendido por todos os
racionalismos de todas as formas.

Em princípio os estilos não clássicos não incluem a repetição do mesmo estilo


em todas as obras que o artista produza. Cada obra poderá ter um novo estilo.

Mas, desde o momento que o artista escolha manter uma certa unidade, ele
ingressa para a arte de modelo projetivo.

Por exemplo, o pintor que elege atribuir uma certa angulosidade às suas figuras,
ele se aproxima de um modelo clássico, ainda que livremente eleito. Torna-se
um pintor projetivo.

Na arte de modelo projetivo, o referido modelo universal surge como projeto


humano, para a sua criatividade.

Semelhantemente o matemático imagina a linha infinita, sem que realmente ela


o deva ser. Mais ou menos assim, ao modo das opções matemáticas, podem
operar os desenhos plásticos da arquitetura, escultura, bem como das linhas,
áreas, volumes da pintura. Similar é a moda, porquanto obedece ao modelo
eleito pela mídia.

Mesmo a arte clássica tende a operar, tanto segundo o modelo do universal real,
quanto segundo o modelo projetivo. Isto é possível porque a criação faz-se a
partir do artista, e não a partir do objeto real. Para efeito do homem, somente
existe o que se manifesta e ele elege como verdade.

O homem começa captando o objeto pela expressão mental. Depois faz a


transposição deste objeto para a expressão artística. Este objeto atingido pela
expressão mental é o único que ele alcança. Depende dele concebê-lo, ou
apenas projetivamente, ao modo do infinito matemático, ou como modelo
universal ontológico.

Para esculpir e pintar o ser humano, o estilo clássico criou módulos, ou regras,
ou cânones), que unificam o estilo de sua arte em função a padrões que
considera imutáveis.

Muito diverso comportamento assume o artista não clássico e que contudo


queira assumir modelos projetados por ele mesmo. Também este artista não
clássico tem a mesma faculdade de expressar-se à maneira daqueles módulos,
enquanto os considera livremente elegíveis.

Um artista clássico fica sendo um clássico euclidiano, enquanto o outro elege o


formalismo não euclidiano.

740. O estilo denominado pelo objeto. O tema em si mesmo não decide sobre
a validade da arte. Todavia é importante, quer porque, pela sua diversidade,
resulta na formação de gêneros (vd 520), quer porque finalmente influencia o
estilo.

Não deixa a arte de se constituir como arte, ao ferir os valores, quer efetivos,
quer tão só projetivos. Uma coisa é a arte como expressão, o que lhe é essencial.
Outra é a arte obediente a um estilo, quer seja clássico, quer seja projetivo, que
tenha um estilo para cada produção.
A arte é deficiente ou mesmo falsa, se não satisfizer o que é essencial à
expressão.

A validade do tema em si mesmo, - conforme se advertiu, - não define a arte.


Basta que tenha um tema, ao qual expressa. Entretanto, o tema lhe transfere
características de estilo, as mais variadas.

Estas variações que a arte apresenta em função do tema, podem nem sempre
receber denominação expressa como sendo de estilo. Elas usualmente recebem
a denominação a partir do tema.

Eis o que diz por exemplo de certa arte arte, que ela é falsa, imoral, anti-social,
antipedagógica, irreligiosa, ou muito verdadeira, moral, social, pedagógica,
religiosa. Por redundância, a arte é falsa e má quanto ao tema, não todavia
necessariamente em sua expressão, que poderá ser perfeita, atingida embora
por eventualidades de estilo.

741. Estilo figurativo e estilo expressionista. A preferência, ora pelos


assuntos figurativos exteriores, ora pelos figurativos da alma interior, mais uma
vez marcaram uma inclinação acidental do artista. Ambos os temas são válidos,
ainda que um possa apresentar maior valor.

Aliás a questão entre o figurativo e o mundo interior se reduz ao objeto em


geral (vd 549), nem um e nem outro decidindo essencialmente sobre a validade
da arte. Mas, sobretudo estes dois objetos, o figurativo exterior e o mundo
interior da pessoa influenciam radicalmente os estilos.

Estilos introspectivos têm sido os bizantinos, os góticos, os românicos e


particularmente o moderno expressionismo (vd 961), este a partir de 1920.

O estilo figurativo também se opões ao abstrato.

742. Um destino para a arte. Independendo em sua essência da retidão do


tema, importa contudo no quadro geral dos objetivos humanos, atribuir uma
finalidade à arte. Acidentalmente este fato lhe atribui um estilo. Já
anteriormente, o tema determinava gêneros de arte (vd 518).

Particularmente no plano teorético, o saber pelo saber busca a ciência de todas


as coisas; ora, a arte como expressão sensível e objetiva do saber se exerce com
paralelismo.

Consequentemente, a arte tudo exprime na mesma linha dos interesses do saber.


Desta sorte não se limita aos seres que se realizam segundo seu arquétipo ideal
e modelo típico da espécie, mas se distende para a universalidade dos temas.

Comandadas substancialmente pela verdade ontológica, a ciência e a arte, ainda


que andem por todas as demais campinas, tendem a conhecer todos os graus do
ser, sobretudo os mais perfeitos.

Se este mais não existe, elas o projetam. Ciência e filosofia, pintura e escultura,
linguagem e música, comparecem, então, no quadro do universo como
positividades e grandezas.

E se este mais, como os universais, existem? Talvez seja melhor, porque


funcionarão com traves ordenadoras do universo.

A saúde universal, eis o que garantem os valores ao prenderem em suas malhas


o saber e as expressões da arte. Gigantes ocultos da natureza, os valores
axiológicos a tudo dariam sentido e rumo certo. Semelhantes à gravidade
universal, que controla estrelas e pequeninos planetas, os valores ordenariam a
constelação dos mais diversos temas, os típicos e os degradados.

Na pintura o aspecto moral do tema é importante, em virtude da contundência


intuitiva com que a cor representa objetos da área que afeta à moral. Vemo-lo
na pintura, como cor estática, e sobretudo como cor dinâmica no teatro, no
cinema, na televisão. Por isso, mais do que à literatura e à música, as leis e os
regulamentos públicos interferem na arte em cores. Nem tudo o que em
idênticas circunstâncias se tolera dizer, admite-se pintado, ou representado em
cena, teatral, cinema e televisão.

A questão da arte social (portanto também da pintura social) deve igualmente


ser lançada em termos de objeto idealizado. Não se trata senão de impor
modelos típicos, visando o objetivo da comunidade. Modernamente, sobretudo,
a arte se tem encaminhado nesta direção.

Particularmente os países de ordem jurídica bem estabelecida, põem a


expressão artística em função à comunidade.
743. O enfoque do objeto influencia certamente os estilos, mais do que os
materiais usados. Pintar é ver e fixar na tela. Todavia não vêem todos os
artistas a mesma coisa no objeto.

Uns vêem no objeto um símbolo de algo outro, tendo neste outro o seu
interesse. Dali resulta o formalismo com que se apresenta o primeiro objeto,
aquele que é apenas símbolo. Basta apresentá-lo apenas em sua espécie, e já
indica ao outro objeto, o simbolizado. E é recomendável que seja formalizado,
afim de não atrair a atenção sobre si mesmo. Os povos primitivos usando
símbolos com frequência, tendem para a arte formalista. O formalismo é a
marca da arte egípcia. O seu formalismo é geometrizante e formulado com
elegância.

Não é o formalismo necessariamente uma arte abstrata, como à primeira vista


parece. Há um formalismo do simbólico, como expusemos. Há também um
formalismo com vistas ao objeto abstrato. Não tem então a forma um interesse
em si figurativamente; o interesse está no aspecto abstrato a expressar.

744. O estilo pode acentuar um lado do objeto, por exemplo a narrativa. É o


que acontece em certos períodos históricos. Em si mesma a narrativa é um
gênero; dar-lhe o acento já pode ser uma característica de estilo.

É notável a preocupação narrativa, dos estágios menos adiantados da cultura.


A arte acadêmica do século 19 é também narrativa de acontecimentos, embora
com visão mais erudita. Preocupa-se com o detalhe dos episódios. Não obstante
alcançar as vezes boa forma, o interesse vai, todavia, na direção temática da
narrativa.

745. Diferentemente uma certa fase da pintura moderna se desinteressou da


índole literária, isto é, narrativa, para concentrar-se na maneira de expressar.

De 1870 a 1920 foi diminuindo progressivamente a preponderância da


narrativa até ingressar na exaltação do abstrato não figurativo.
Entretanto já houve exemplos notáveis na pintura primitiva de expressão
abstrata. Os povos primitivos oferecem espetáculos de geometrização nas
cerâmicas pintadas. Admiram-se as manifestações artísticas islâmicas e mesmo
das cavernas do neolítico europeu.

746. Novos detalhes na maneira de encarar o tema, continuam a diferenciar


sistematicamente os estilos. Os homens das diferentes épocas vêem coisas de
um modo distinto. A escolha de uma ou de outra perspectiva é mais uma vez
modalização de estilo.

Os egípcios, gregos, bizantinos e góticos, viam as figuras de um quadro como


se estivessem em sucessões justapostas e sem profundidade na tela.

Também as representações pictóricas da Grécia clássica não se preocuparam


em representar o quadro em profundidade. Como que não tinham necessidade
disto, porquanto as figuras as representavam todas em um plano só de propósito,
e o quadro tinha em consequência um só plano. É o que se observa na pintura
em vasos.

O Renascimento, que já tem sinais na pintura de Giotto (1266-1337), passou a;


criar o espaço, de início porém pouco profundo. O recinto estreito e profundo
se destacaram na pintura veneziana e barroca.

747. Os contornos e o estilo. Preocupam-se diversamente os artistas sobre os


aspectos plásticos da pintura, mas todos com a pictoricidade. Uns acentuam os
contornos, enquanto outros tendem a rompê-los, dali derivando diferenças de
estilo, da pintura.

Na arte egípcia se observa a firmeza dos contornos e pintura plana, isto é, sem
nuances.

O sombreamento das figuras, realçando os volumes, começa no quinto século a.


C., em Atenas, com Apolodoro.
A Renascença insistiu nos contornos.

A luz opaca e caprichosa iluminou os objetos da arte barroca.

O neoclássico e o academismo do século 19 deu novamente contornos severos.

Subitamente, os impressionistas rompem as superfícies dos objetos situados


sob o efeito da luz e da impressão pessoal do apreciador.

A preocupação com a atmosfera teve seus primeiros sinais na Escola Veneziana


e no barroco, para eclodir amplamente no impressionismo dos modernos.

Há nisto tudo diferentes preocupações temáticas e perspectivas sempre


objetivas. A eleição ora desta, ora daquela perspectiva, ou maneira de olhar o
objeto, reduz-se ao acidental, portanto a uma eventualidade de estilo.

748. Estilos psicológicos. Graus nas propriedades psicológicas,-


principalmente de esteticidade, ludicidade, catarse, diversão, - resultam em
variações de estilo artístico.

Seguramente que muitos se aproximam da arte da pintura e de qualquer de suas


formas dinâmicas de cor em teatro, cinema e televisão, em vista da esteticidade.

Consiste esta propriedade psicológica no agrado que o conteúdo da expressão


veicula; esta esteticidade da expressão é muitas vezes reforçada pela
esteticidade pré-artística anterior à expressão, em que a cor por si só,
entitativamente agrada.

Outros se ocupam ludicamente, ou fazem catarse, ou divertem, eis mais


dimensões psicológicas da arte, inclusive da cor, e que assume a condição de
estilo, quando ocorrem níveis apenas de graus.

Do ponto de vista psicológico há estilos leves, graciosos, pesados, solenes.

Acontece uma aproximação entre estilos estéticos, lúdicos catárticos e de


diversão com os gêneros artísticos.
Depois de estabelecido o gênero, segue o respectivo estilo. O estético está
presente nos gêneros de ficção. A leveza é própria da diversão. O solene
acontece na expressão épica.

749. Os estilos utilitários subordinam variadamente a expressão às funções


não estéticas que ordinariamente as artes também exercem.

Quando o utilitário comparece, o estético psicológico tende a se reduzir,


deixando costumeiros enfeites. Em consequência do útil, torna-se o estilo mais
sóbrio e severo.

Tal acontece nos gêneros ocupados com objetos reais, como no ensaio
científico e no jornalismo (no plano literário), no desenho industrial e didático.

Foi eminentemente utilitário estilo egípcio. Sem maiores preocupações


estéticas, dedicou-se a arte egípcia às funções fúnebres e à sobrevivência da
alma junto ao corpo mumificado.

Também não era centrada na estética a pintura medieval, mas sim aos objetivos
do culto e à narrativa dos episódios bíblicos.

750. A comunicação e o estilo. Quando a expressão visa diretamente a


comunicação, ela se ordena em função a este objetivo exterior, e adquire, em
consequência um estilo. Então a arte tem de assumir feições, que possibilitem
sua interpretação adequada por outros, aos quais se destina a expressão é
destinada.

Para servir de comunicação, a pintura adquire um estilo peculiar. O mesmo


acontece na linguagem, por excelência destinada à comunicação.

Inversamente, o estilo da arte, quando não destaca a comunicação, explora


antes a expressão que o mesmo autor deseja simplesmente fazer. Tende, então,
mais à ludicidade, catarse, esteticidade.
§4. Estilos pré-artísticos

(do portador da expressão).

3911y753.

754. Os estilos pré-artísticos, situados na matéria portadora da expressão


artística, decorrem do tratamento diferenciado que a mesma expressão recebe
em função à diversidade da matéria. Materiais e técnicas de uso dos mesmos
resultam em variações de estilo. Os artistas prehistóricos pintaram diretamente
sobre paredes naturais, geralmente no flanco das pedras.

No Egito antigo passou-se a pintar sobre as paredes das construções


arquitetônicas, com a técnica do afresco, pintura mural pela aplicação das tintas
sobre o reboco ainda fresco. Aperfeiçoada a técnica do afresco no início do
século 16, a inovação permitiu novas modalidades de estilo.

O encaustico, aplicação de cera a quente sobre o mármore ou muro, com efeitos


translúcidos, foi gerador de estilos entre os gregos e romanos.

Os gregos introduziram a pintura de cavalete, como novas tintas, além de


permitir o quadro móvel. Esta vantagem foi contudo prejudicada pela fácil
perda futura dos quadros.

O mosaico, técnica de pintura como pequenas pedrinhas, já existente em Ur


(3500 a.C.), foi um instrumento da arte grega do período helênico-romano.
Dificulta a técnica do mosaico a criação dos volumes e espaços profundos.

Favoreceu, todavia, o mosaico a expressão misticista, em decorrência do brilho


individual dos pequenos elementos justapostos e pouca possibilidade de
destacar as curvas sensuais do corpo humano.

755. A introdução da pintura a óleo no século 15 revolucionou a capacidade da


pintura e a variedade do estilo.
A combinação do afresco mais a pintura a óleo possibilitou o sucesso da
pintura clássica do Renascimento, logo seguido do barroco.

As tintas acrílicas, surgidas industrialmente na década 1960, muito duráveis e


pouco afetadas pelo calor, criaram mais uma vez; novas possibilidades e
facilidades para a pintura, além de novos estilos.

Finalmente o auxílio do computador fez dos mestres das imagens coloridas os


magos da arte.

756. A contingência artística se tem manifestado muito mais na arte que


representa mediante cor, do que na das formas esculturais. Por causa das
dificuldades com que se faziam as tintas, a pintura veio mudando através dos
tempos.

Ao mesmo problema se reduz o suporte, como de muro, mármore, tela de


cavalete, vidro. A moderna instrumentação da indústria das tintas, do cinema e
da televisão, conseguiu novas modalidades de fazer cor pelo controle direto da
luz.

O que efetivamente interessa na arte mediante cores, não está na tinta e nos
fotons da luz, mas na cor como qualidade sensível que afeta aos olhos. A arte
da pintura, no seu sentido essencial, independe de ser mediante tinta ou
mediante luz. Portanto, a distinção entre pintura, cinema e televisão, é apenas
de suporte e de estilo.

Não obstante, ficou a palavra pintura limitada ao estilo que opera com tinta.
Etimologicamente pintura significa arte de criar cores mediante resinas. A
partir do étimo pois, pintura não indica toda arte da cor. Mediante a cor em
forma de luz direta e mediante a cor em forma de tintas, dispõem-se hoje
modalidades muito distanciadas do estilo de arte da cor. O distanciamento
ocupa também diferenciadamente o interesse dos artistas e dos apreciadores da
arte, que levam a manter em separado os exames dos estilos da pintura
mediantes tintas.

"As obras mestras dos tempos antigos hão de ser uma fonte inesgotável de
cultura para o mundo. Para o artista, entretanto, que é chamado a coisas
grandes, devem ser um ponto de vista superado" (Konrad Fiedler, Escritos, 54).
757. Concluindo sobre a natureza teórica do estilo, deixamos claro que ele, -
embora uma situação acidental e eventual da arte, - não é tão insignificante
como possam ser outros acidentes.

Assim sendo, importava uma classificação teórica dos estilos, com as


respectivas conceituações, para, em novo momento, abordar adequadamente o
seu acontecer histórico.

ART. 2o. ESTILOS HISTÓRICOS DE PINTURA.

3911y760.

761. Em função à história dos estilos da pintura, se podem arrolar os seguintes


parágrafos, com vistas à uma exposição didática, nos termos interessantes à sua
compreensão filosófica:

- Estilo de pintura do antigo Egíto (§ 1) (vd 764);

- Estilo da pintura grega (§ 2) (vd 777);

- Estilo da pintura romana (§ 3) (vd 724);

- Estilos medievais de pintura: Bizantino, Românico, Gótico (§4) (vd 807);

- Classicismo renascentista (§ 5) (vd 826);

- Renascimento Tardio (§ 6) (vd 857);

- Estilo Barroco (§ 7) (vd 885);

- Estilo rococó (§ 8) (vd 909);

- Estilo neoclássico (§ 9) (vd 918);

- Estilo romântico (§ 10) (vd 928);


- Realismo como estilo (§ 11) (vd 943);

- Pintura impressionista (§ 12) (vd 947);

- Expressionismo (§ 13) (vd 961);

- Plasticismos: Cubismo, Futurismo e outros (§ 14) (vd 979).

- Estilos recentes (§ 15). (vd 996).

Neste exame sobre os estilos, cuidamos por vezes também sobre a história da
arte em geral, para que tudo se possa ver mais integradamente.

762. Foi no dia a dia da criação artística que os estilos se foram estabelecendo.
Na repetição, ainda que se aperfeiçoando, a expressão se estabiliza em um
determinado estilo. Ocorrendo a aprendizagem, primeiramente por imitação, e
depois por estudo, os estilos se foram repetindo e fizeram história. Sobretudo
estes estilos que fizeram tradição apresentam importância no tempo. Contudo
cada estilo possui certa importância intrínseca, que por si só o faz ser objeto
interessante de estudo.

Há estilos pré-históricos, que não sabemos se estão na linha de continuidade


dos estilos de hoje.

O estilo histórico mais antigo, além de sua importância intrínseca, e que se


encontra na linha de continuidade dos estilos de hoje, é o egípcio, que
transferiu influências aos gregos, sobretudo aos de Creta.

Deixou o Egito também influências culturais nos fenícios e judeus. Devemos,


pois, estudar especialmente o estilo egípcio. Mas muito especialmente o dos
gregos, os quais deram o primeiro grande impulso à arte. Nos estilo históricos
acontecem preocupações sempre repetidas, entre as quais se destaca a do
tratamento do espaço e relevo.

A luminosidade da cor oferece variações capazes de criar a representação do


espaço e do relevo. Observa-se que a pintura primitiva, dos povos menos
civilizados, é plana, sem o aproveitamento das nuances e luminosidades. Os
egípcios desconhecem inteiramente a noção de espaço pictórico.
Apenas com Gioto, em começos do século 14, principia o tratamento do espaço,
e que se desenvolve com o Renascimento. Cores vivas trazem os objetos para
frente, as menos luminosas como que os retêm. Pintando de verde os montes
próximos, de azul os distantes, o pintor aproxima e distância a uns e outros;
além disto ocorre a lei de associação de imagens, que percebe serem
efetivamente os montes azuis mais distantes, fenômeno que se deve ao azul do
ar e dos vapores nele havidos.

A perspectiva, somente atingida com perfeição no século 15, eis outro


expediente para representar a distância dos objetos.

§1. O estilo de pintura do antigo Egíto.

3911y764.

765. Introdução. O estilo de pintura do antigo Egito esteve condicionado, mais


do que qualquer outro estilo histórico, ao tipo de civilização do seu país.

Foi o antigo Egito eminentemente conservador por todo o tempo que subsistiu
como país independente.

No curso do terceiro milênio a.C. inventou a escrita. Este fato certamente ainda
agravou o conservadorismo, porque permitiu transmitir intacta a ideologia do
passado. Por melhores que sejam os efeitos do conhecimento da escrita, ela
pode produzir um efeito inverso, - o de provocar a paralisia mental, sobretudo a
religiosa e a dos costumes.

Também nas outras partes do mundo o efeito conservador da escrita se


manifestou a partir de quando foi inventada, ou de quando datam os primeiros
escritos de fundo religioso e moral.

Graças a alguns textos fundamentais também outros povos semitas


conservaram uma linha de continuidade através do tempo.
Outrossim é ainda comparável ao exemplo do Egito conservador, por efeito de
escritos antigos, a civilização da China, mais ou menos paralisada até aos
tempos modernos no tradicionalismo consolidado pelos textos de Confúcio.

Semelhante fenômeno ocorreu na Índia, cujo conservadorismo foi gerado pelo


livros brâmanes.

Ainda que mentalmente mais dinâmicos, os povos do Ocidente e de parte do


Médio Oriente também sofreram considerável retenção ideológica, em
consequência do proselitismo dos pregadores à base de textos antigos por estes
considerados intocáveis.

Entretanto, já cedo, vigorou na Grécia o espírito crítico, que gerou a filosofia.

766. Não obstante ao conservadorismo trimilenar do Egito e, apesar de haver


sido por causa disto relegado ao esquecimento ao ponto de haver sido perdido o
código de sua escrita, fizeram as circunstâncias que sua civilização exercesse
contudo mais influência sobre o Ocidente grego, que a da antiga Mesopotâmia.

E fez também que o povo judeu, apesar de originário da Mesopotâmia e ter


trazido dali as mais antigas versões sobre a criação do mundo e sobre o dilúvio,
formulasse o texto definitivo de sua ideologia religiosa no Egito.

Até o neolítico, quando se adotou a agricultura no 5-o milênio a.C. a


agricultura, a civilização e a cultura na Europa e no norte da África, onde se
situa o Egito, haviam sido mais ou menos iguais, pelo decurso de dezenas de
milhares de anos.

Por causa de sua adequação à agricultura, as terras às margens do rio Nilo


facultaram uma progressão às populações ali estabelecidas, que foi ganhando
frente já considerável no curso no 4-o milênio.

Politicamente organizadas em cidades autônomas, estas se foram unindo pelo


poder dos mais fortes até que por volta de 3300 eram dois reinos, Sul (Alto
Egito, capital Menfis) e Norte (Baixo Egito, ou Delta, capital Sais).

A primeira capital faraônica foi Menfis, até o fim do Império Antigo (c. 2000
a.C.). Depois, sucessivamente, serão Tebas e Sais.
Principiou a época faraônica, ao se estabelecer pela volta de 3200 a união dos
dois reinos, tendo como primeiro rei da dinastia o Faraó Menes. Nasceu então
também a escrita que se tornou uma necessidade administrativa.

O símbolo do Império do Norte do Egito antigo foi o abutre. O do Império do


Sul do Egito, a cobra. Em consequência da união, ambos os símbolos se
aplicam na fronte do mesmo faraó.

Acontecerá a conquista persa em 525 a.C., a de Alexandre Magno em 333 a.C.,


a Romana 30 a.C., quando se considera encerrada a civilização egípcia.

767. Ficou como fonte fundamental dos conhecimentos sobre o Egito o


livro Egípcias (Aigyptiaka), escrito em grego c. do ano 240 a.C. pelo sacerdote
Maneto, que, por saber ainda ler documentos originais, transferiu importantes
informações, inclusive da sequência dinásticas.

A arqueologia completou admiravelmente estes conhecimentos a partir da


expedição de Napoleão em 1789.

As descobertas arqueológicas se converteram também em objeto de pilhagem,


que enriqueceram praças e museus da Europa e muitos outros países do mundo.
Inclusive no Brasil, o Museu Nacional do Rio de Janeiro conseguiu, por
compra aos pilhadores, numerosas múmias, que se destinavam ao mercado de
Buenos Aires (Argentina).

A pilhagem no Oriente Médio teve desenvolvimento com as Santas Cruzadas


da Idade Média, quando se dera início ao longo colonialismo que massacrou, a
diferentes pretextos, as nações do Oriente Médio e Norte da África.

Somente a partir de 1902 passou a diminuir uma pilhagem generalizada.

768. Dependendo a arte muito dos objetos aos quais expressa, dali aliás
surgindo os gêneros, esta dependência foi marcadamente uma característica da
arte egípcia. Trata-se, portanto, de uma dependência cuja forma eventual
assumiu, portanto, a qualificação de ser um estilo, o egípcio.

Não se consegue uma clara noção do estilo egípcio sem atenção à mentalidade
com que eram vistos os objetos que representavam. Não representava a arte
egípcia aos objetos dentro de todas as suas perspectivas, e sim apenas das
perspectivas consagradas pelo uso que então se fazia da arte. Neste sentido se
assevera que a arte egípcia foi utilitária (geralmente
materialista), hierática (sagrada, sobretudo funerária e a serviço dos
mortos), áulica (da corte e da elite).

Como arte utilitária, a arte egípcia serviu a objetivos essenciais e não


meramente estéticos, como o da decoração. Não é uma arte pela arte. É uma
arte que serviu a um homem surgido de uma situação econômica gerada pelo
progresso da agricultura ao longo do grande oásis formado pelo Rio Nilo.

Mas os objetivos utilitários deste homem do tio Nilo foram profundamente


marcados pela interpretação animista da natureza e em que ele continuava
participando como um espírito sobrevivente post-mortem. A este serviço
continua o objetivo utilitário da arte. Não se compreende, portanto, a temática
da pintura encontrada nos sarcófagos e recintos mortuários sem uma tomada de
conhecimento de como os egípcios conceituavam o ser humano.

A crença numa vida futura da alma, a qual requeria um corpo, por lhe ser
considerado natural, sugeriu e desenvolveu a mumificação, como ainda a
construção de pirâmides mortuárias, depois sepulturas no fundo da terra. As
múmias e estátuas dos mortos serviam de apoio físico das almas dos mortos.

Mais do que nos templos e palácios, conservou-se a arte egípcia da pintura nas
câmaras mortuárias e nos sarcófagos.

Pelo seu destino, a arte egípcia foi, sobretudo no começo, a arte para os áulicos,
para os alto funcionários, para os ricos proprietários das terras, para os
sacerdotes que compartilhavam com o poder.

Do ponto de vista sócio-econômico o Egito antigo viveu um feudalismo similar


ao europeu da Idade Média. As grandes propriedades eram dos nomos (nobres)
e se perpetuavam na respectiva casta, enquanto o povo era servo. O poder
pertencia à casta sacerdotal hereditária.

O mesmo continuará a acontecer com os judeus, que levaram consigo esta


maneira de pensar, a saber, a da hereditariedade do sacerdócio pela tribo de
Levi. Em função desta concepção ainda hoje persiste na Igreja Católica o
princípio do sacerdócio eterno daqueles que o exercem.
O Faraó não é senão o sumo sacerdote da casta sacerdotal. Em consequência, a
arte egípcia assumiu a expressão dos interesses teocráticos e nobiliárquicos das
elites dominantes. No Médio e Novo Impérios se estenderam as vantagens
sociais, ampliando-se os indivíduos alcançados pelas vantagens funerárias.

769. Do ponto de vista da história da cultura, quer no plano das idéias, quer no
das artes, foram transmitidas aos povos mais recentes através dos gregos,
iniciando por Creta, e dos judeus, que reemigrando do Egito, trouxeram dali
costumes moralistas e conceitos religiosos, que, por sua vez retransmitiram aos
cristãos.

Vem, efetivamente, do Egito o moralismo, que contrasta com a abertura moral


dos babilônios. Ainda é do Egito a idéia da recompensa após a morte, quando a
alma do morto é sujeitada a um tribunal.

O Livro dos mortos dos egípcios é um predecessor da Bíblia judaica.

Importa considerar o importante conceito egípcio sobre a unidade da natureza


humana, em vista da qual corpo e alma são considerados componentes naturais
do todo do homem. É também a doutrina homérica, e portanto dos gregos. Na
extrema oposição está o dualismo oriental, vindo para o Ocidente através de
denominações várias: orfismo (do sacerdote Orfeu, 6-o século a.C.),
pitagorismo (de Pitágoras, 5-o século a.C.), gnosticismo (1-o século a.C.),
maniqueísmo (3-o século d.C.).

O cristianismo, que se mantém no primeiro conceito, é contudo afetado pelo


dualismo, no que se refere às idéias de pecado original e salvação como o
batismo, além de assimilação de noções típicas persas referentes à doutrina dos
anjos e a de reino dos céus (vitória sobre o mal).

A partir dessas considerações se pode avaliar o que a pintura poderá ter como
objeto quando praticada dentro de tal ou tal visão do homem.

Hoje em virtude das escavações e redescoberta (no século 19) da escrita e das
artes egípcias, passamos a um contexto ainda maior com o Egito antigo.
Definitivamente ficamos sabendo que lá se encontram remotas raízes de várias
crenças e maneiras de pensar, que interpretações posteriores a uma revelação
divina.
770. Estilização formalista da arte egípcia. Quanto ao tratamento temático a
diretriz da arte egípcia é classicista. Portanto ela exprime sempre o tipo e não o
indivíduo. Idealização tema, em especial estilizando a forma e moralizando a
ação.

Também a partir dali desenvolve o convencionalismo, o intelectualismo, o


espírito de análise e o já mencionado formismo estilizante.

A arte egípcia é sobretudo formalista, o que não é exatamente o mesmo que ser
clássica. O formalismo esquece os detalhes naturais individualizantes das
figuras, tendo em vista uma outra verdade, da qual as figuras são apenas um
símbolo, ou sistema. Assim sendo, o aspecto naturalístico da figura não importa,
podendo ser reduzida às suas linhas essenciais suficientes, como se fosse uma
taquigrafia. No caso egípcio, a outra verdade é sempre a religiosa.

Povo ainda não saído de todo da primitividade, não deu apreço aos demais
valores humanos, como acontecerá depois com os gregos. Uma vez bastando
apenas a linha essencial das figuras, estas são desenhadas formalisticamente,
com uma liberdade que poderá simplesmente assumir o caráter estético das
linhas e volumes, estilizando a imagem do homem, dos animais, das flores.

O egípcio é um grande estilizador, preferindo pois a linha pura, de seguimento


lógico. Por isso mesmo melhor desenvolveu sua capacidade de traçá-la.
Quando, após a arte grega, os primitivos cristãos retornam à arte formalista,
não conseguirão tanta perfeição quanto a dos egípcios de séculos anteriores.

O convencionalismo intelectualizante se manifestou em convenções frequentes,


em que a mais destacada é do homem, representado sempre com pele marrom,
e a da mulher, sempre com a cútis amarela clara. Ele, talvez, porque mais
estorricado pelo sol, ela porque mais delicada. A mancha azul é a cor
convencional da água, também marcada com linhas escuras em zigue-zague.

A quebra do convencionalismo é rara, todavia proposital no tempo anti-


convencionalista de Amenofis IV. No retrato das I Filhas de Amenófis IV os
corpos nus das adolescentes se mostram em tom vermelho.
Também foi o intelectualismo que favoreceu o desenho analítico das pessoas e
que não impediu que o rosto fosse de perfil e o olho de frente. Certamente que
se orientavam aqui os egípcios por uma convenção analiticista, e não por uma
limitação de capacidade de desenho, pois até uma criança tende a fixar um
rosto de frente e com dois olhos, para um corpo de perfil.

771. Na pintura egípcia há um estilo, que resulta não só de certas conceituações


temáticas de sua natureza classicista e mais tarde expressionista, como também
de uma série de elementos técnicos e limitações dos materiais utilizados para o
veículo da expressão, o significante.

Já contava o pintor egípcio com certa variedade de tintas. O preto o obtinha


com ossos calcinados. O branco o produzia com gesso, de mistura com mel ou
albumina. A ocra, vermelha e amarela, a formava com argila misturada com
sulfureto de arsênico, cinábrio e vermelhão, adequadamente. O azul o
conseguia do lápis-lazuli, ou do vidro colorido com sulfureto de cobre e
respectiva pulverização.

Para conservação, o pintor egípcio aproveitou a goma de adraganto que


adicionava aos pós no ato da solução. Contribuiu para esta conservação a
circunstância de serem hermeticamente fechadas as câmaras mortuárias, em
que se realizaram grande numero de pinturas.

Ainda que dos outros povos igualmente antigos do oriente próximo e mesmo
do período neolítico europeu se conservem alguns documentos pictóricos,
nenhum deles teve a sorte do egípcio, cujo acervo transferido até nós é
suficientemente grande, para definir variações de estilo, graças às câmaras
mortuárias, que tiveram a função conservatória de efetivos museus. Se daqueles
outros povos se estudam os monumentos arquitetônicos e as escultura, do
egípcio se examina especialmente a pintura.

São os egípcios inventores da pintura denominada fresco (ou afresco). Consiste


a técnica em pintar a fresco, sobre o reboco ainda úmido. As tintas combinadas
com a água e a cal, depois de ressequidas e influenciadas pela transformação
química do reboco, se tornam firmes. Realizadas em muros também se
denominam pintura mural.

772. Do ponto de vista meramente formal da pintura, do virtuosismo da


execução, o egípcio revelou grande capacidade de desenho das linhas puras,
isto é, das de segmento lógico. A mesma versatilidade não a alcançou nas
particularidades episódicas da natureza, até mesmo porque não teve esta
preocupação temática.

As pinturas e esculturas se orientam para o perfeccionismo anatômico. Não só


estiliza a flora, os animais, mas também o homem e os deuses. O simbolismo
intelectualizante favorece a fuga do episódico, do naturalístico e do anatômico.

Não atende o egípcio à perspectiva e nem a profundidade no espaço. Divide a


parede do mural em secções quadriculadas, -chamadas registros, - de sorte a
pintar em cada uma cenas com igual perspectiva. Quanto mais alto, o registro,
mais longe significa estar a cena, em relação às mais baixas, por outro lado,
mais perto, resultando uma espécie de coleção de quadros justapostos.

A quadriculação permitia a fácil reprodução dos modelos, segundo o original,


porquanto se desenvolvia sem as particularidades da perspectiva e das relações
com o todo.

Os egípcios submetem o corpo a um tratamento analítico, em parte proposital e


em parte talvez por deficiência: os olhos sempre de frente, com o rosto em
perfil. Também o tórax de frente (ainda que também se soubesse desenhá-lo de
perfil, como se vê numa representação de bailarinas, do túmulo de Nakt).

Raras vezes uma figura se sobrepõe encobrindo parte de outra. Ainda a arte
bizantina e a gótica pintará as figuras lado a lado. Apenas no pré-renascimento
do século 14 com Giotto, começará a se desenvolver o tratamento do espaço.

Modernamente, os cubistas (vd 3911y980) deram também aos volumes um


tratamento analítico, colocando de frente as faces menos expostas do objeto.

773. Pela ordem cronológica, a pintura egípcia se desenvolveu depois da


escultura, talvez por causa da dificuldade obvia da técnica da obtenção das
tintas, de sua dependência do mural, de sua maior exigência de abstração.

No Antigo Império (3200-2270 a.C.), capital Menfis, predominou a escultura.


Em Patos de Meidum (c. de 2600) á se verifica uma técnica evoluída de pintura.

Ainda no Médio Império (2270-1555 a.C.), capital Tebas, continua pouco


frequente a pintura.
É apreciável o calcário pintado representando o Faraó Amemhemet ente a
esposa e um Deus, com os caracteres da técnica egípcia de pintura lisa, -
marrom no homem, amarelo na mulher, olho de frente, contorno de desenho em
preto, linhas estilizadas.

774. O Novo Império (1555-1090 a.C.), ainda com capital em Tebas, marca o
período áureo da pintura egípcia. As novas modalidades de construção de
câmaras mortuárias terão também tornado a pintura mais fácil que a escultura
em relevo.

775. Elenco das pinturas egípcias mais apreciáveis:

1) Tocadoras de dupla flauta e bailarinas, um mural do túmulo de Nakht.


Reproduz os divertimentos livres de uma época de esplendor. Mostra a
evolução da arte pictórica, liberdade criadora, inclusive na circunstância de
representar as bailarinas de perfil.

2) Userhet caçando, pintura mural de Tebas. Sobressai pela vivacidade do


desenho, tanto do carro como e sobretudo do movimento gracioso e dinâmico
do cavalo em salto aberto rumo à caça.

3) Retrato da filhas de Amenófis IV, pintura mural de Tell-el-Amarna. Indica


prontamente a orientação revolucionária ocorrida no tempo do chamado rei
herético. A coloração amarela convencional do corpo feminino é abandonada.
Nuances e flexibilidades novas são dadas ao comportamento anatômico em
geral. O sombreamento, que os egípcios voltaram a abandonar por força da
reação convencionalista, os gregos o alcançariam novamente no século 5-o a.C.
com Apolodoro.

4) A esposa da Ramsés II, conduzida por Ísis, da tumba de Nefertari (Necrópole


Tebana) . Observa-se na rainha uma elegância peculiar que o pintor capta com
segurança.
5) A vida social além túmulo se aprecia em pintura mural da tumba de Ra-
Djeser-Ka-SNB (Necrópole Tebana). As figuras femininas numerosas, com
música dança e palestra, criam boras alegres ao sepulto.

6) Deus Anubis, das paredes do Palácio de El Deir El Bahari. Representado


com cabeça de chacal, um simbolismo, é o zelador das múmias.

7) O cortesão Senudem e esposa, das paredes do Palácio El Deir El Bahari,


sacrificam à deusa Ísis.

§2. O estilo da pintura grega antiga.

3911y777.

778. Introdução. Tomada em conjunto, a arte grega antiga oferece três


períodos de senvolvimento.

A arte grega do primeiro período se chama arcaica, e cobre os anos de 1500 a


470 a.C. Neste espaço evolutivo apresenta-se bastante dura em suas linhas e
pouco habilidade na composição. Destacou-se então a arte cretense, inclusive
da pintura. Foi a ilha de Creta o núcleo inicial da cultura grega. Filtram-se por
seu através as influências iniciais do Egito, o que era fácil por encontrar-se a
meio caminho marítimo entre aquele velho país e a Grécia continental.

No decurso dos séculos 5-o e 4-o a. K. se desenvolveu o período da arte


grega clássica, brilhando sobretudo na cidade de Atenas.

Dissolvida a hegemonia da Grécia continental, inicia em 336 a.C. o período


helenístico, com a respectiva arte helenística. Sob o impulso da política
cosmopolita de Alexandre Magno, conquistador do império persa, que a este
tempo Babilônia e Egito, espalhou-se a cultura e a arte grega a um mundo
maior, ao mesmo tempo com liberdade de concepção.

779. O mural, frequente na antiga Creta, foi sendo aos poucos abandonado,
ainda que não de todo, pelos pintores dos tempos clássicos e posteriores. Isto
veio dar destinos diversos a arte das cores.

A pintura de cavalete permitiu ser vendida e transportada. De outra parte, a tela


frágil, de conservação mais precária que a dos murais, dissolveu-se no curso
dos tempos.

Dali resultou que temos hoje um documentário relativamente grande do Egito


dedicado aos murais, e pequeno da Grécia, apesar de haver este pintado
muitíssimo mais em número e qualidade artística. Não sobram hoje
documentários expressivos que nos facultem apreciar a pintura grega, tão bem
quanto a egípcia e como a romana posterior. As notícias que nos dão os
historiadores já não se podem conferir nas obras.

Contudo, a pintura grega inexistente é importante de ser teoricamente


considerada, no que for possível, porque de sua tradição direta fluiu a que se
fez depois.

780. A arte grega foi caracterizada profundamente pela índole de seu povo,
como já acontecera no Egito. Mas, a caracterização grega foi mais feliz, porque
se direcionou para o homem universal, tornando-se com isso capaz de inspirar
indefinidamente através da história a arte de todos os povos.

O grego clássico mostrou-se dominantemente inclinado ao real e ao humano.


No convívio democrático, formou o seu espírito moderado, atento ao
minucioso, perspicaz ao lógico, não excedido no imaginoso, inclinado
sobremaneira à perfeição do indivíduo, ainda que para ele estabelecesse um
modelo de espécie, e que, se executado, o faria perfeito e belo.

Exerceu-se a arte grega com motivação estética bem maior que a egípcia, que
foi antes mais utilitária. Por isso na arte grega se observa a frequência das
motivações meramente ornamentais. São variados os modelos conhecidos por
"gregas", que se apreciam sobretudo na decoração dos vasos e que também
aparecem no enfeite dos vestidos. Paralelamente, a ornamentação ocorre
outrossim na arquitetura, confirmando sempre a direção esteticista da arte grega.

781. Revelando sua desenvoltura mental e a forte intelectualização, os gregos


interessaram-se por todas as formas fundamentais da arte e por todas as
temáticas.

Primaram pelas formas literárias, mais do que qualquer povo até então.

Deram amplo desenvolvimento à escultura, onde a capacidade de desenho se


manifestou notória. O mesmo desenho seguro se manifestou na arquitetura.

O desenho se manifestou igualmente capaz nos nos traços da pintura.

Apenas a música vinha com certo atraso em relação às outras artes. Todavia,
ainda esta alcançou importantes crescimentos na notação. Mas foi a música
sempre uma arte difícil para todos os povos, os quais na antiguidade forma
muito pouco além do canto monódico.

Do ponto de vista temático, foi a vida real a ocupação da arte grega. Ainda que
a arte egípcia fosse utilitária, este seu utilitarismo se direcionou para objetivos
de além túmulo, bem como para o simbolismo em geral. Apesar de
representarem com frequência a figura dos deuses, os gregos o fizeram a
maneira humana, como se os deuses participassem da realidade do dia a dia
terreno.

Apesar do realismo, os temas gregos são tratados ao modo idealizado clássico.


Mas é uma idealização do real, e não uma idealização formalista do simbolismo.
Este outro tema, como foi tratado pelo simbolismo egípcio é a da espécie
simplesmente; por isso aconteceu a geometrização clássica tem diferentemente
como objetivo o indivíduo, ao qual idealiza, tornando-o uma realização perfeita
em todos os detalhes.

A preocupação com o tipo ideal revela o caráter lógico da inteligência grega.


Por isso na poesia, embora conotativa, não insiste o grego no extraordinário da
imagem e na tragicidade da emoção.
I - Pintura cretense.

3911y783.

784. A pintura cretense, ou minóica, é fantasista e graciosamente colorida. Sua


pictoricidade é significativamente maior que a pintura egípcia. A minúcia,
leveza, graciosidade indicam também liberdade dinâmica. A temática apresenta
acentuada naturalismo, com indicações de flores e de pássaros, além de
motivos marinhos.

Um pintura mural, a da Casa dos Afrescos, das proximidades do Palácio de


Cnosso, apresenta um pássaro entre rosas silvestres, lírios e mais flores. Esta
pintura mural é um modelo característico da estilização fantasista da decoração
minóica.

As figuras de pessoas são humanas, graciosas, elegantes, fugindo ao


convencional das cortes. Um fragmento de afresco do Palácio de Cnossos
representa uma jovem de nariz arrebitado, a que se deu hoje o significativo
nome de A Parisiense. O príncipe, entre flores de lis do Palácio de Cnossos,
exprime elegância e orgulho peculiar.

A representação do olho humano, de frente, em rostos de perfil, recorda a arte


egípcia.

Povo ilhéu e ligado à navegação, o cretense teria necessariamente de


influenciar-se com as culturas maiores como a do Egito.

785. Os vasos minóicos, elegantemente decorados, são inclusive exportados.


No Egito, ainda hoje puderam ser encontrados.

A predominância dos motivos destes vasos é de animais marinhos. A temática


sugere claramente que se trata de um povo ligado às ocupações do mar.

O modo do desenho é calculadamente assimétrico. Progride até ao linerismo


meramente formal e figurativo, muito além da estilização egípcia. Observe-se o
polvo, comum nos vasos, e o desenho formal da jarra funerária, encontrada em
Mocchlos (Museu de Cândia).
II - Pintura grega clássica

(séculos 5 e 4 a.C.).

3911y787.

788. Derrotados os persas assim afastados da Grécia, inicia-se o grande


desenvolvimento clássico da arte grega, inclusive da pintura. O clássico arcaico
atinge agora a perfeição do clássico propriamente dito.

Preocupa-se o velho classicismo com os mínimos detalhes, no trançado das


cestas, nos costados dos navios, nas formas de um trono, na disposição do
cabelo, nas partes do corpo, nas escamas da serpente, nas finas plumas das aves,
nas pregas dos vestidos. Ora já há nisto uma valorização do objetivo, contra o
subjetivo. Este realismo se idealiza crescentemente.

O classicismo despe cada vez mais a figura humana, para pôr a atenção na
expressividade do corpo nu. Mas as deusas nuas aparecerão apenas mais tarde,
no período helênico.

Já não mais existem os quadros originais. Eles se reproduzem todavia nos vasos,
dentre os quais são logo do início da pintura clássica o Vaso Francois (Museu
do Louvre) e a Taça Sosias (Berlim), como o equilíbrio do estilo severo
clássico.

789. No século 5 a.C. o ateniense Apolodoro deu um passo decisivo na pintura


grega, sombreando as figuras, de sorte a superar a pintura plana mediante o
tratamento dos volumes.

Relatou-se que Apeles conhecia as leis da composição do volume, da


perspectiva e das relações de luz e sombra. Dele, porém, nada sobrou que
chegasse até nós.

Deste tempo são também os nomes renomados de Zeuxis e Parrásio, que, sem
serem de Atenas, ali trabalharam.

Outro famoso é Aristofonte. Mas dele, como dos demais, sobrou senão a
notícia e a fama.
Também nada sobrou do eminente Polignoto de Tasos, de quem se sabe haver
criado representações inspiradas nos poemas homéricos, como as cenas da
tomada de Tróia. Mas estas foram transpostas para as pinturas de vasos, por
cujo através chegaram até nós. Entre outras se mencionam as da Cratera de
Orvieto, depois levada para Leningrado (São Petersburgo).

Nícias de Atenas (século 4 a.C.), que trabalhou para Praxíteles, teve a sorte de
permanecer numa cópia de Pompéia que se lhe atribui. Trata-se da Libertação
de Andrômeda por Perseu (Museu de Nápoles). A tradição é do 5-o século.
Utilizou a técnica do claro e do escuro. Os desenhos dos vasos mostram o
conhecimento da perspectiva e do espaço. Revelam expressão e graciosidade.

Este tipo de pintura chegou abundantemente até nós, imitando recursos


similares aos dos afrescos, sutis. Falam bem alto da situação das artes na Grécia.
Iniciada a cerâmica decorada em Creta, continua no continente a oferecer os
mesmos espetáculos de gosto artístico, com novos motivos ornamentais,
sempre mais complexos, ainda que não se desenvolvam os esmaltes e as cores.

Sobretudo Atenas se especializou. Primeiramente criou os vasos em figuras


negras" (660-500 a.C.), ainda com a severidade arcaica e subordinadas a planos
sucessivos. Depois apresentou os vasos "em figuras vermelhas" cada vez mais
desenvoltas e se libertando do enfileiramento horizontal.

790. São modelos ilustrativos da pintura da Grécia clássica, anterior ao período


helênico, ainda sobrantes desse tempo:

A Cratera de Francois (recipiente de vinho achado por Francois, de 66 cm de


altura, 1,81m. de círculo, Museu Arqueológico de Florença) é digna de especial
apreciação. Define-se como "Bíblia ilustrada dos gregos", porque nela estão
250 figuras, em 15 cenas, divinas e heróicas, homéricas.

Pintada por Clissia, data de 550 a.C., no estilo de figuras negras, um tanto
severas, do tipo da cerâmica ática.
Os Infernos (370 a.C.) é uma cratera muito apreciável, decorada em estilo
apúleo, da Magna Grécia (sul da Itália), que imita o estilo ático, em graciosos
traços, floridas cores, com decorações que vão ao sobrecarregado pelo número
e pela maior variedade de cores.

As cenas são mitológicas e se inspiram no teatro grego. As figuras são plásticas,


umas; ricamente vestidas, outras.

Koré, estatueta de mármore, fragmento de 70 cm., dos fins de 500 a.C., um


raríssimo exemplo, do uso grego, que pintavam as estátuas. Suas vestes mui
graciosas conservam o verde de uma das áreas e o claro da mantilha que desce
de um dos ombros. Há uma visível preocupação estética na distribuição das
dominâncias das áreas de cor.

No que diz respeito colorirem os gregos suas estátuas, não se guiaram por falso
caminho, porque a arte da cor não pertence apenas às superfícies planas. O
colorido das estátuas das igrejas cristãs remonta à antiguidade grega, como
também o colorido da arquitetura.

III - Pintura helenística

(323-31 a.C.).

3911y792.

793. Um novo mundo criara Alexandre Magno, da Macedônia, em apenas 13


anos de reinado (336-323 a.C.). Conquistando o vasto Império Persa que se
estendia do Egito às fronteiras da Índia, e um mundo helênico, além de dar à
própria Grécia nova modalidade de vida.

Como se sabe, os persas, duzentos anos antes, haviam conquista Babilônia e o


Egito, bem como uma parte do mundo grego, correspondente à Jônia. Este fato
houvera dado já então oportunidade que os gregos facilmente visitassem toda
esta parte do mundo antigo e se iniciasse um geral interpenetração das culturas.
Tenha-se em conta que os persas eram indo-europeus, cujo domínio fez passar
a liderança; do mundo das mãos dos semitas a um novo grupo étnico.
A cultura helenística penetrou também o Ocidente, alcançando os etruscos e,
através destas, aos romanos, os herdeiros finais das grandes mudanças da época
antiga. Quando em 31 a.C. os romanos completavam na batalha de Ázio a
anexação do mundo helênico, não faziam senão deslocar mais para o Ocidento
o polo das decisões políticas. Continua o espírito ecumênico (de oikumene =
mundo civilizado) com uma civilização e cultura de tendência a se tornar
comum, ao mesmo tempo que mantinha a noção de uma certa individualização
e liberdade do cidadão.

As artes se desenvolveram; todavia a pintura quase toda se perdeu. Nada restou


de Apeles. Nem sequer os vasos contribuíram para sua conservação, porque os
helênicos haviam passados para outras espécies de ornamentação e de relevo.
Em compensação todavia os afrescos de Pompéia, Herculanum e Stábia,
soterrados pelo Vesúvio no I século d.C., contêm cópias aproximadas de
criações helênicas. Sobram ainda originais preciosos de mosaicos. E ainda
estelas funerárias de Pagase (Tessália), das quais duzentas conservam traços de
pintura, estando cerca de vinte bem conservadas.

Começa no período helênico a técnica do encaustico sobre gesso e mármore


pela aplicação de cera derretida. Apresenta a vantagem de melhores nuances e
mais brilho. Atribui-se a Aristides, da escola tebana do 4-o século a invenção
do mencionado encaustico, graças ao qual se conservam ainda hoje cenas como
a das graciosas Jogadoras de Astrágalo.

O mosaico adquire técnicas mais refinadas, como o do vermiculatum, capaz de


ar a impressão de verdadeira pintura, tal a pequenez das partículas, como se
observa na Batalha de Alexandre e Dario em Isso (cf. n.130).

Desenvolveu-se a técnica dos efeitos em claro-escuro, que já vinham do


período clássico.

794. A arte helênica conserva ainda algumas direções clássicas puras


idealizadoras do objeto. A tendência todavia é para o aumento de imaginação e
liberdade.

A nova arte dos helenos, superando o equilíbrio clássico, com a dinamicidade –


típica de um novo tempo - é um classicismo barroco de espontaneidades
entumescentes, sob inspirações do Oriente semítico, ao mesmo tempo que
algumas direções realistas latentes da Grécia anterior.
Na escultura estão os exemplos claros em Vênus de Milo, Lacoonte, Vitória de
Samotrácia, ligeiramente liberados do equilíbrio estático e da idealização
figurativa. O mesmo acontece na pintura, mais realista, enérgica, quando senão
também cômica e popular (cf.n.131==).

Quanto ao uso da imaginação, que se deve à influencia oriental, é preciso notar


que os gregos, notadamente lógicos, nunca foram altamente imaginosos,
ficando nisto também abaixo dos demais ocidentais.

O Renascimento Clássico do século 16 será também notoriamente mais


imaginoso que o clássico antigo por ele restaurado.

795. Do ponto de vista temático, ou seja dos gêneros artísticos, ocorre no


período helênico a grande pintura comemorativa. Nela se teria destacado
Apeles, pintor de Alexandre. Eco remoto desta temática é também o
mosaico Batalha de Alexandre e Dario em Isso, encontrado em Pompéia, onde
felizmente se conservou

Desenvolveu-se a pintura de gênero, como de animais, flores e frutas, coisas


insignificantes pelo conteúdo, personagens cotidianas. É notável o mosaico
dos Músicos Ambulantes, Pompéia, da autoria de Dioscúrides de Samos.

Em Alexandria se tratou inclusive o humano burlesco, com cabeças de animais


sob influencia mitológica egípcia, como na Taça Farnese. Este rumo
nitidamente anticlássico é, em parte, retido pelo retorno à pintura clássica no I
século a.C.

796. Passemos a apreciar com detalhe algumas obras helenísticas.

Jogadoras de Astrágalo, de Herculanum, monocromia sobre mármore (42 cm),


em técnica helenística, parece retomar antigo baixo relevo, pois sua índole é do
clássico neo-ático, de cenas de gênero, com assinatura de Alexandre Ateniense.

O desenho monocromo, com o uso do esfumado discretamente aplicado nas


formas, é de um efeito gracioso notável, obtido em uma composição simples.

A representação obedece a dois planos. Em pé estão Niobé e Latone, no


episódio da discussão antes de serem mães. Em perfil menor, vem à esquerda
Foibe, para induzir à reconciliação. Aglaé e Eleaira continuam, reclinadas, seu
jogo. Há, pois, uma perfeita lógica interna, além do tratamento rítmico da
composição. Animado e gracioso educadamente feminino, como era próprio
das deusas.

A Taça Farnese, de ônix, diâmetro 20 cm (Museu Nacional de Nápoles) é uma


peça rara da arte helenística alexandrina. Na representação, as divindades
monstruosas da velha tradição egípcia foram substituídas por seres humanos, ao
modo grego, expressando admiravelmente o sincretismo helênico.

Um ancião é o Deus Nilo. A seus pés Eutêmia Iside. No centro Horus


Tritolemo. À direita as duas filhas de Nilo simbolizando as estações da
inundação fertilizadora e a colheita. Em torno os ventos Etésios.

A Batalha de Alexandre e Dario em Isso é o triunfo do mosaico na técnica do


vermiculatum. Trata-se de um milhão e meio de pequenos cubos de mármore,
distribuídos no espaço de 5,12 x 2,71 m. Do 2-o século d. Cr., da casa de Fauno,
em Pompéia, hoje no Museu de Nápoles.

A temática helênica e o aspecto barroco da violência das linhas e cores se


revelam como um eco dos antigos afrescos egípcios. Conforme várias
conjeturas, talvez reproduzisse a composição de Filosseno de Eretria.

O episódio apresenta em destaque o rei Dario, sobre grande carro de guerra. O


movimento unidirecional das lanças expressam um poder extraordinário de
força, revigorado pelo fundo mais claro e irradiante deste centro.

Alexandre com aspecto mais escuro e tremendo, irrompe do lado esquerdo. Sua
lança comprida atravessa um cavaleiro persa, que ainda se interpõe e protege
Dario.

O cromatismo de fortes claros-escuros, em sucessão aumentam a tragicidade


das fisionomias e do aspecto geral da composição. A nitidez dos perfis reforça
a dramaticidade e põe uma significação certa em cada rosto.

O auriga do carro de Dario está na fustigação furiosa dos cavalos, com um


tremenda empatia.

À frente de Dario apeia um cavalariano persa para atender a um ferido. O


cavalariano tem na fisionomia a resolução, o cuidado, o terror da sensação de
um inimigo irreversível.
O artista emprestou às fisionomias de Dario e de Alexandre a graciosidade dos
reis em batalha.

Rito ou Mistérios Dionisíacos, de Pompéia, reproduz criações helenísticas.


Observa-se a dança ritual, que reproduz uma fase da iniciação.

§3. O estilo da pintura romana.

3911y798.

799. Inicialmente Roma se desenvolveu na ambiência cultural dos etruscos,


situados pouco ao Norte. ao norte. A importância dos etruscos está em haverem
influído sobre Roma, futura capital do mundo. Dali Roma recebeu a arquitetura
e a pintura, o combate de gladiadores, a fé na vida ultra terrena.

Os etruscos procederam possivelmente da Ásia Menor, estando sua arte sob


influência oriental, sobretudo egípcia, cretense e por último helênica em geral.

Da conjunção de etruscos, sabinos, palatinos se formou Roma. Os últimos reis


de Roma, até 510 a.C. eram etruscos. A influência helênica sobre os etruscos
ingressou assim bastante cedo para dentro de Roma.

A expansão helênica se dera na direção do Oriente. No Ocidente se reteve


apenas no Sul da Itália, sem nunca ter dominado politicamente Roma.

Paulatinamente ocorreu o inverso. Roma conquistou a parte grega da Itália (o


Sul, denominado anteriormente Magna Grécia). Depois de destruir Cartago em
146 a.C. e anexar todas as suas colônias na África e Espanha, partiu Roma em
148 a.C. para a conquista do mundo helênico no próprio Oriente;
sucessivamente caíram em sua mãos primeiramente a Grécia e a Macedônia, a
seguir a Síria e finalmente em 31 a.C., o Egito, onde em Alexandria estava o
maior centro cultural do mundo de então.
800. Inicialmente as cores da pintura etrusca são lisas, com prévio desenho de
contorno. À maneira egípcia, o olho é pintado de frete ainda que a imagem
esteja de perfil. A tendência temática é realista, todavia cada vez mais
influenciada pelo classicismo grego.

Como valor, é notável uma Cabeça de Mulher, pintura mural, do túmulo de


Orco, cerca do ano 340 a.C., em Tarquínia. Uma das mais célebres da
antiguidade, já apresenta o olho de perfil, primeiros sinais etruscos de
aproveitamento da técnica claro-escuro. Como pintura funerária, a boca denota
leve amargura, o olhar ligeira melancolia, e isto tudo sem perder a graça
feminina.

801. Datam as primeiras notícias sobre a pintura de Roma já do 3-o século a.C.,
mas os documentários são posteriores e já do tempo em que se iniciara o
funcionamento com a cultura grega, em vista da conquista em 148 a. C. da
Grécia e Macedônia. Com a opulência de Roma afluem os artistas gregos.

O documentário sobrante da pintura em Roma é reduzido. Mas se compensa


com o acervo das cidades soterradas pelo Vesúvio em 79 d.C., de Herculanum,
Pompéia e Stabia. As luxuosas residências de verão que a classe rica
estabelecera sobretudo em Pompéia, concentrando ali os requintes da época,
em decoração e arte, oferecem uma pequena amostra da suntuosidade romana
do I século de nossa era.

Os romanos superam o estilo funerário etrusco entregando-se também a


decoração dos edifícios públicos e das residências. Introduzindo o uso helênico
de cobrir as paredes com chapas de mármore, fazia-se também o equivalente
mediante telas pintadas. Que reproduzem episódios e paisagens, flores e
objetos. Dali passaram à decoração ampla.

802. O período clássico ou neoclássico, romano, ou do império (a começar do


ano 14 d.C. até Constantino) se dá em fases sucessivas de desenvolvimento
estilístico oscilando entre a frieza mais pura do clássico verdadeiro e a
desenvoltura barroca. Aumenta a variação temática, com cenas originais de
caça, competições atléticas, navegação e batalhas, de mistura com a mitologia
grega. Os murais de mosaico são numerosos, como revelam as casas de
Pompéia.

As artes de Roma se fizeram conhecer como:

- estilo I do ano 200 a 70 a.C.;

- Estilo II de 70 a.C. a 20 d.C. (tempo de Augusto);

- Estilo III, de Augusto até Nero;

- Estilo IV, tempo de Nero, de 54 a 68.

Todas as modalidades têm exemplares em Pompéia, Herculanum e Stabia, além


de em outros achados na mesma cidade de Roma.

803. Comparada com a grega, a arte romana não supera a grega senão talvez
apenas no que se refere às construções arquitetônicas, que conquistaram a
organização de maior espaço pelo uso do arco e da cúpula. Com referência à
escultura e pintura mantém contudo importantes conquistas dos gregos.

O rosto das estátuas e pinturas romanas são expressivos. Perde a expressividade


dos corpos. A este respeito se pode teorizar que os romanos eram mais
moralistas e que, menos ocupados com o corpo nu, dele perderam a noção
estética e dinâmica que tinham os gregos. Os corpos são apresentados com
mais dureza, mesmo quando nus. Quando bem vestidas as figuras, não
conseguem a graça das representações gregas.

O mosaico Vírgilio, ladeado por musas (século II ou III, Museu Bardp, Tunis),
apresenta uma musa de cada lado, cujos corpos são abrutalhados e assim
também as vestes sem composição artística adequada.
804. Ocorrem algumas criações valiosas da pintura romana do Império,
sobretudo do acervo de Pompéia, Herculano e Stabia, e que merecem algumas
considerações mais.

Retrato de Mulher, mosaico de Pompéia, século I (Museu Nacional de


Nápoles). Mostra o evidente realismo que frisou a curva a meio caminho do
comprimento do nariz e outra nos lábios superiores.

Amores de Vênus e Marte, pintura mural, da casa de Marco Lucrécio Fronto,


Pompéia, no I século. O Cromatismo é evidente. O realismo é de retrato, sem a
clássica idealização. Vênus está bem vestida e discreta sentada frente a Marte,
de capacete romano com penacho vermelho. O clima do ambiente é marcado
pela figura central de Eros, somente este personagem se ostentando
mitologicamente desnudo.

Paisagem Meridional, de Pompéia, possivelmente do ano 73 (Museu de


Nápoles). É apontado como exemplo da visão impressionista já existente na
época romana. Luzes e sombras realçam formas, enquanto destroem outras, tais
como o brilho da luz nos traz os objetos em um instante dado. Além da
orientação impressionista consegue realizar este objetivo admiravelmente bem.
Desta sorte o mural chega a se constituir em precioso documento, da variada
época do mundo helênico-romano.

Aquiles em Schiro, mural da casa dos Dioscuros (Castor e Polux), Pompéia,


(Museu de Nápoles). Na composição Ulisses e Diomedes desmascaram a
Aquiles, fantasiado de mulher, no palácio de Liacomedes. No fundo o rei e sua
amada, Diademia, a qual, aterrorizada retira-se precipitadamente. A tela é um
exemplo, entre tantos outros, de transposição para as casas romanas das
criações helênicas mais antigas. A execução é altamente policromada e
academicista.

Perseu e Andrômeda, do IV estilo, afresco da casa dos Dioscuros (Museu de


Nápoles). Andrômeda está luxuosamente vestida, com relativa graça. Perseu é
um esbelto nu, que lembra aproximações com a versatilidade artística dos
gregos anteriores.
805. O quadro Núpcias Aldobrandinas (0,92 x 2,42 m) é uma celebridade rara
do I século, da arte romana, principalmente por causa de sua conservação.

Descoberta cerca de 1605, foi conservada na residência do cardeal


Aldobrandini, de onde o nome, está hoje na Biblioteca Vaticana.

Representa um episódio nupcial desdobrado em três cenas justapostas vividas


em três aposentos. A alcova nupcial é a do centro, com um realce que talvez
pudesse ser maior. A esposa desalentada em vestes claras e véu, sentada, escuta
os conselhos de Afrodite. Esta se apresenta com cabelos longos e escuros,
corpo quase desnudo. Hemenaios, Deus das núpcias, postado no tope do leito
coroado de flores e folhas, reclina-se ao chão.

Na cena à esquerda mostram-se preparativos. Uma senhora de idade menciona


mergulhar a mão numa vasilha. Fá-lo com espontaneidade o que melhora o
realismo do quadro um tanto acadêmico.

A cena da alcova do outro lado se compõe de jovens elegantes. Uma toca lira,
para o epitalêmio.

Do ponto de vista pictórico, evidência-se a harmonia das cores. Uma atmosfera


delicada compensa a pouca dinâmica das cenas.

O alargamento do fundo azul por detrás da última alcova, contribui para a


queda da simetria afastando a monotonia da grande largura da composição
ternária do episódio.

§4. Estilos medievais de pintura:

Bizantino, Românico, Gótico.

3911y807.
808. Introdução. A pintura medieval, sucedeu à helênico-romana, é
dominantemente cristã, acrescida da muçulmana no Oriente Médio, norte da
África e da Espanha árabe.

Foi precedida de uma pintura cristã antiga e simplista, que se ocupou


principalmente só simbolismo e por este através foi formalista.

Após a queda de Roma (476) a arte cristã do ocidente tomou direção própria,
diferenciando-se progressivamente da cristã oriental, que passou a denominar-
se bizantina. Mais expressiva inicialmente, a arte bizantina cedeu aos poucos
em importância, frente à arte romântica do Ocidente. Mas também esta arte
romântica se transmuda no gótico, que foi ser o principal estilo da Idade Média
ocidental.

809. Do ponto de vista estético e estilístico aconteceu uma dialética entre o


linearismo, que predominou na Idade Média, e o plasticismo, que finalmente
venceu e marcou a Renascença..

Talvez mais favorável aos objetivos de expressão do misticismo, a linha do


desenho é sempre mais forte na pintura medieval e é por ela que se faz
reconhecer de pronto. O plasticismo, não só das áreas e volumes, como também
das cores, é certamente muito adequado para a expressão sensual e humana,
que, todavia não é a medieval, porque se reteve no linearismo.

Importa ainda considerar que o colorismo subtil não é alcançado pelas


sociedades menos evoluídas, que preferem as cores em tons fortes e simples.

O utilitarismo também domina a arte cristã medieval, que não a cultiva por
motivos estéticos e sim pela função a exercer, predominando a do culto. A
Idade Média não cultivou a arte pela arte, ou seja simplesmente como
expressão e esteticidade.

Nem nos palácios dos reis e nobres chegou a pintura a ser um objetivo
decorativo.

As representações numerosas nos muros e vitrais das igrejas visam a função de


catequizar os fiéis. Neste longo milênio de analfabetismo das massas, para estas
se apontava, como ideal, a perfeição moral, e não a perfeição pelo saber.

Instruíam-se os que tinham função a exercer, como os príncipes, os clérigos, os


artífices, como médicos e arquitetos. Mas nem estes se instruíam para fazer da
instrução ideal de perfeição. Neste clima a pintura somente poderia ser
utilitarista, para advertir sobre os episódios bíblicos e sobre as esperanças de
um céu inadequadamente imaginado.

I - Estilo bizantino.

3911y811.

812. Como cidade, Bizâncio, - depois Constantinopla por último Istambul, - é


uma fundação grega do 7-o século a.C.

Depois do afluxo generalizado das tribos germânicas esta região se tornou


estratégica, para ela removendo-se a capital do Império Romano,
primeiramente para Nicomédia, depois para Bizâncio, em área especialmente
construída, ali se instalando em 330 sob a nova denominação de Constantinopla.

Resistiu até 1453, quando caiu em poder dos turcos, passando à denominar-se
Istambul. Exerceu Constantinopla a importante função de transmissora da
cultura grega clássica aos tempos modernos.

Havendo Contantinopla mantido durante a Idade Média, na Itália, o exarcado


de Ravena, teve aqui seu posto avançado, facilitando as relações entre Oriente e
Ocidente.

813. Houvera um primeiro momento quando o Império romano se dividira,


para de novo se reunificar. Quando Constantino reunificava o Império, e tendo
tido o apoio dos cristãos, passaram estes a gozar de igual liberdade que os
adeptos das religiões tradicionais.

Ainda que ele mesmo não fosse Cristão, Constantino não demorou em permitir
o prevalecimento político dos cristãos. Dali resultou formar-se um poder
teocrático através do qual o cristianismo, na forma oficial da Igreja Católica, se
impôs, inclusive com uma estrutura hierárquica que imita o Império Romano.
Em Roma, o anterior Pontífice passou a ser o bispo cristão, ou seja o Papa.
Neste novo estado de coisas, ganhou desenvolvimento a arte cristã, ao mesmo
tempo que se destruía sistematicamente a arte pagã.

Finalmente redividiu-se de novo o Império o Império Romano. Em 487 cai


definitivamente o Império Romano do Ocidente. De pouco em pouco
estabeleceram novos poderes no Ocidente, com especial destaque o dos
carolingeos, com sede na Europa Central. Novas línguas passaram a ser faladas,
tendo o latim língua da diplomacia e das escolas.

814. Limitou-se, pois, a área de influência do Império Bizantino, de sorte a se


formarem dois estilos cristãos paralelos, o bizantino e o românico. No Ocidente
o estilo bizantino se mantém dominante apenas na região de Ravena. Fora deste
núcleo, o bizantinismo se reduz a ser uma influência, a qual é caracterizada
principalmente pelo linealismo, a frontalidade das figuras, o misticismo dos
fundos dourados.

Cultivou a arte bizantina amplamente o mosaico, sua técnica difícil encontra


dificuldades de representação dos volumes. O linearismo e o desenho plano se
apresentam pois como sua solução. A frontalidade se torna uma consequência
quase inevitável. O brilho natural dos elementos favorece a criação só
misticismo, que está nos objetivos da mentalidade de época.

O afresco voltou ao uso nos séculos 11 e 12 como técnica mais barata, em


contrapartida do material do mosaico, progressivamente mais caro. Cresceu
então a liberdade do desenho e melhorou a representação plástica dos volumes.

A decoração dos escritos como iluminuras, a criação de ícones, a ilustração de


escritos profanos permitiu diversas formas de arte transportável, que favoreceu
não só o comércio de exportação, mas conduzia para longe a influencia da arte
bizantina. Estas outras formas de arte permitiam também a escapar aos modelos
da arte oficial, controlada com parâmetros dogmáticos e idiossincrasias.

815. Mencionamos algumas obras da pintura cristã antiga e de estilo


bizantino.
Discípulos de Emáus, pintura de Roma, da catacumba de Pretestato, fim do
século V. As linhas duras de desenho são fortemente vincadas contra um fundo
luminoso. O impressionismo, já existente em outras criações antigas, se
coordena com o misticismo da temática.

Justiniano e sua Corte, mosaico da Igreja de São Vital, Ravena, Itália, séc. 6-o.
O painel histórico é de colorido brilhante, ambiente místico e abstrato. A área
aumentada com pedrinhas de mosaico acentua as linhas do desenho e do brilho
da composição.

Teodora e sua Corte, mosaico da Igreja de São Vital, Ravena, séc. 6-o.. De
colorido brilhante, muito requintado, feminino, aristocrático.

II - Estilo românico.

3911y817.

818. À medida que o Império Carolíngeo, criado em 800 por Carlos Magno, se
dissolve, se aprofundam as diferenças dos grupos nacionais. O latim deixou
paulatinamente lugar às línguas vulgares, às quais se deu o nome de românicas
(hoje neolatinas). A denominação que diz estilo românico é de origem posterior,
cerca de 1825.

Também a nova arte plástica se diferenciou da anterior bizantina e se veio a


chamar românica. Já é um estilo bem definido no século X e atinge o apogeu
no século 12. Com o advento do gótico, resiste na Itália até se dissolver
posteriormente nas formas novas do Renascimento clássico.

O novo estilo, apesar das diferenças regionais, manteve técnicas comuns, como
o arco e a abóbada.

São expressões arquitetônicas do estilo românico, as catedrais alemãs de Achen


(ou Aix-la-chapelle), de Tréveris, de Worms, de Speyer, e na Itália a catedral
de Pisa.
819. A pintura em estilo românico é primitivista, quanto ao seu adiantamento
mental. Conserva do bizantino os fundos dourados e coloridos resplandecentes.
Esta peculiaridade misticista se transmitirá ao gótico, para ser superada apenas
pelo humanismo do século 14. Também se conserva na pintura românica a
marcada frontalidade e justaposição dos figuras. A modelagem se processa com
traços grosseiros e escuros.

O linearismo, que já vem do estilo bizantino, continuou a se acentuar em alguns


representantes do românico (que o transmitem ao gótico), se atenua em outros,
até se dissolver no século 14 no plasticismo humanista em Florença. Nestas
condições o estilo românico deu origem ao gótico e ao mesmo tempo ao
renascimento anti-gótico. Foi o caminho de trânsito da antiguidade clássica e
bizantina para o gótico e o renascimento.

O estilo românico abandonou os mosaicos bizantinos em troca da pintura mural,


decorando abóbadas e apsides das igrejas. Destes murais restam poucos
documentários, por exemplo, em Colônia, Berlanga, Santo Isidoro de Leon.

Adverte-se para duas escolas românicas de pintura mural, a de fundos claros e a


de fundos azuis. Mais ocidental e de tradição carolingea, a escola de fundos
claros, com predominância do amarelo pálido, modela as figuras com mais
vigor estático dos mosaicos bizantinos e destaca o luxo das vestes. Encontra-se
em Berzé-la-Ville, século 11.

Os artistas românicos não praticaram a pintura portátil, mas sim a iluminura, a


que deram um desenvolvimento admirável. Estão as iluminura sob influências
bizantinas, de mistura com temas bárbaros (nacionais), que são árvores e folhas,
animais estilizados e ricas cores.

III - Estilo gótico

(1200-1400).

3911y821.
822. Como nome, estilo gótico é uma referência à gente da tribo germânica dos
godos (no caso dos visigodos), que se haviam estabelecido no sul da França e
na Espanha.

O estilo gótico se diz em primeiro lugar de um tipo de arquitetura nascido na


França, cuja característica é o uso do arco ogival, facultando grandes alturas
sem muitas paredes, com um linearismo muito visível das estruturas de
sustentação.

A dispensa de paredes de sustentação permitiu o vasto uso do vidro e a


consequente iluminação. A consequência para a pintura foi a diminuição do
espaço para o mural, podendo todavia emigrar para a pintura de cavalete e
do vitraux, nascendo dali os grandes vitrais. Reapareceu também a pintura de
cavalete, na forma de quadro ou retábulo.

Liberou-se ainda o gótico dos mosaicos e ícones, tão característicos dos


bizantinos.

A escultura também assumiu um novo lugar, distribuindo-se em nichos fáceis


de incrustar em diferentes posições junto às colunas e portais.

A pintura de estilo gótico é a que nasceu da influência do estilo que a


condicionou. Deixa-se reconhecer prontamente por um marcado linearismo,
sobretudo do drapejamento das vestes. Nisto acompanhou o aspecto exterior
dos arcos e ogivas góticas, com os quais devia evidentemente harmonizar-se,
tanto no seu aspecto, como em suas sugestões.

Não nasceu, pois, a pintura de estilo gótico em função a algum novo importante
princípio interno à mesma pintura. O linearismo em si mesmo já era uma
característica do estilo bizantino. No mais continua com os fundos dourados e a
distribuição das figuras.

Quanto à arquitetura gótica, esta sim tomava seu ponto de partida em um


princípio novo, que era a ogiva. Por sobre a nervura saliente o arco se sustenta
com um reforço que lhe permite sustentar melhor as cúpulas. Principalmente o
arco quebrado se adata à ogiva; além disto facilita a cúpula alongada, de onde
se gerarem as longas naves.

Estes efeitos em cadeia, internos antes de tudo na mesma arquitetura, foram


enfim condicionar a pintura, que se gotizou.

823. Ocorreu uma evolução interna da antiga arquitetura gótica para o gótico
flamejante, mais gracioso em seu linearismo. Mais uma vez sofrerá a pintura o
efeito externo do gótico arquitetônico, tornando-se ela também mais graciosa e
versátil em suas linhas, como se observa na pintura de tendência linearista de
Fra Angélico e do renascentista de Botticelli, em que o gótico finalmente se
deixou superar.

O linearismo encontra seu campo próprio nas vestes, que, para o moralismo
cristão medieval deviam ser abundantes.

Os temas do gótico vão sendo progressivamente influenciados pelas mudanças


da economia, que vai saindo de sua forma anterior agrária feudal dominante
para a economia manufatureira e mercantilista, geradora de crescimento das
cidades e da burguesia, preparatória da Renascença. É sobre os rendimentos
desta nova classe que as catedrais góticas vão sendo paulatinamente
construídas. E assim também todo o seu elenco de artes, inclusive dos coloridos
vitrais.

As carroças, que levavam as mercadorias, no retorno traziam com frequência


pedras para a construção do edifício, o qual se ia erguendo como expressão
fálica da comunidade em progressão. Os burgueses, ao darem a Deus,
negociando com ele uma proteção para seus negócios.

A mudança das condições econômicas e a criação da burguesia facultou


evidentemente novas funções para a arte, que não apenas a religiosa. A
exclusividade desta é peculiar da sociedade agrária, sobretudo quando
dominada pelas linhas de poder teocrático a que está frequentemente sujeito a
estrutura política feudal.

Aparece agora timidamente a pintura profana, que de início será evidentemente


gótica. Mas como o gótico, por suas potencialidades de sugestão, se presta
antes para o misticismo, esta pintura de novo gênero tenderá para um não
goticismo, ou para uma paulatina humanização da mesma.

Os painéis do Palazzo Público de Siena, criados pela volta de 1337 e 1339, por
Ambrogio Lorenzetti, são de conteúdo político. Fazem-se também ilustrações
de tratados científicos e calendários com motivos clássicos tomados a Esopo e
Ovídio. Surge o retrato, de que um exemplo é o de João o Bom (1350-1364). O
novo gênero terá continuidade na Renascença, que o cultivou amplamente.

Progride o gótico internamente ao desenvolver a terceira dimensão. Por este


através ganha corpo o plasticismo e a humanização da pintura, em que Giotto
representa um ponto de partida para um novo estilo. Vai desaparecendo o
gótico sem que morra, transformando-se paulatinamente, para encontrar-se no
estilo renascentista.

Bosch (+1528) e Grünwald (1528) já estão praticamente fora da pintura gótica,


a cujo final eles ainda estão ligados.

824. A escola de Paris, do gótico flamejante, oferece um frontal de altar


(guardado no Museu del Bargello, de Florença) episódios apreciáveis do mais
característico flamejante em pintura.

A Adoração dos magos é um tumulto de áreas de desenhos bem vincados e


curvilíneos, elegantes e vivos. Admiravelmente, as linhas flamejantes se
concentram nas vestes dos reis, que vêm chegando e já prosseguem em fila
tumultuada, enquanto que o flamejar da virgem é mais sereno.

A Crucificação, do mesmo altar Del Bargello, mostra um ritmo flamejante


mais pacífico, ascensional e místico.

O Gótico Sienense, de Siena, Itália, é uma concessão constante ao humanismo.


Em Florença estão os principais representantes deste gótico.

Fra Angélico, também de Florença, é um gótico já com inspiração humanista.

Na Europa do Norte, Alemanha, a pintura gótica é mais analítica, minuciosa,


do detalhe, como se fosse para ser vista de perto, ou "cheirada" como dirá
depois. Rembrandt. Continua influenciada algum tanto pelas miniaturas
anteriores. Não opera com as grandes sínteses. Mas o detalhe se encaminha
para a representação do espaço e do volume, para a perspectiva e o claro-escuro;
cresce o realismo da paisagem e do corpo humano, declinando a predominância
emocional religiosa.

§5. O classicismo renascentista.

3911y826.
827. Introdução. O Renascimento é mais que um movimento artístico; é todo
um novo modo de pensar antimisticista a respeito do mundo exterior e do ser
humano, colocado agora como o centro da atividade pensante e dos objetivos
de realização.

Para o movimento artístico, sobretudo das artes plásticas, o Renascimento é o


exaltação da beleza física do homem e da mulher cujos corpos a Idade Média
havia mantido escondidos e exorcizados para que não fossem objeto de pecado
para a vista e ocasião de más ações para as mãos.

Na figura humana medieval somente há um rosto e duas mãos. Uma nova visão
traz subitamente para primeiro plano da expressão artística o corpo humano.
Até o Jesus dos crucifixos é agora um ser mais natural. De outra parte, como
esta visão realidade já existira ao tempo de Grécia Clássica, sua retomada
passou a ser denominada adequadamente de Renascença.

O nome Renascença (no francês Renaissance) como designação do período de


renovação que se seguiu à Idade Média pela retomada dos ideais gregos, surgiu
no século 19 na França, firmando definitivamente com a obra de Jules
Michelet La Renaissance (1855).

Na língua portuguesa, para contestar como galicismo o nome de Renascença,


introduziu-se o de Renascimento. Todavia firmaram-se ambos os termos; mas é
evidente que o de Renascença, que pela origem, quer pela singularidade, é mais
expressivo. A adjetivação renascentista se tem de fazer contudo através
de renascimento.

Humanismo é um nome quase equivalente ao de Renascença, porque usado


para expressar seu conteúdo, o homem. Por causa do passado semântico deste
nome, ele conota sobretudo a renovação das letras humanas como distintas das
letras divinas ou sagradas. Humanistas são portanto, em primeiro lugar, os
homens de letras do Renascimento. Deve-se ao alemão Georg Voigt o uso
de humanismo para denominar este período, em obra publicada em 1859.
828. Mas os homens do Renascimento não estavam preparados pra os novos
ideais humanos. Um longo esforço foi preciso ir sendo feito, até alcançar uma
normalidade relativa. Enquanto isto ia demorando, a Renascença pagou caro.

Não havia uma suficiente ciência histórica para julgar sobre uma religião que
vinha de um longo passado. Em consequência as reformas religiosas foram
muito tumultuadas.

Não havia conhecimentos científicos matemáticos, físicos, químicos. Em


decorrência proliferou a alquimia, a astrologia, o empirismo da navegação, até
que viessem Copérnico, Galileu, Descartes.

Não havia uma biologia, para obstacular doenças. E uma grande massa morreu
da sífilis que aparecera à época do Descobrimento da América. Desta catástrofe
nem mesmo escapou o rei Henrique VIII da Inglaterra.

Não havia uma ciência social, um direito internacional, e nem princípios claros
de um ética humanista; dali decorreu uma política das mais interesseiras,
movida por vezes por por homens sem caráter, por exemplo, Cesare Borgia
(filho do papa Alexandre VI) e doutrinadores como Maquiável. O mundo foi
dividido entre Espanha e Portugal pelo Tratado de Tordezilhas, pelo Papa
Alexandre VI, provocando a reação do Rei da França, que perguntou, se isto
estava escrito em algum lugar da Bíblia.

Era necessário todavia aprender fazendo, como na democracia em que se acerta


o passo praticando-a.

No despreparado científico e histórico se motiva o anacronismo com que a arte


cristã renascentista realizou a pintura religiosa de acontecimentos bíblicos. Em
alguns presépios o nascimento de Jesus aconteceu ao som do violino, de
descoberta recente! Os apóstolos de Jesus se vestem como cortesões. Maria,
mãe de Jesus, é uma dona européia do tipo princesa. O mesmo Jesus
dificilmente se parece com um judeu.

Veio, pois, o ideal do Renascimento e os pintores não estavam preparados para


expressarem o gênero histórico ao qual se propunham. Foi um virtuosismo sem
validade de conteúdo!

De qualquer maneira os renascentistas preencheram o vácuo que a Idade Média


havia deixado no campo da pintura.

829. Cronologicamente, a Renascença é o período clássico dos povos modernos,


vai desde a Proto-renascença do século 14, passando pelo Pré-renascimento do
século 15, Renascimento Clássico do século 16, continuando pelo Pós-
renascimento, Barroco, Rococó, até o Neoclássico do século 18, para ainda
entrar no século 19, com Napoleão (Estilo Império).

As novas idéias surgiram no centro da Idade Média, em diferentes camadas


intelectuais, quando se citam em primeiro plano os literatos italianos Francisco
Petrarca (1304-1374) e João Bocaccio (1313-1375) e o pintor florentino Giotto
(1267-1337). Esta é a fase por vezes denominada Proto-renascença que, na
pintura consiste no rompimento com os padrões bizantinos, que vigoravam
ainda no Ocidente.

Na fase seguinte chamada do Primeiro Renascimento (1420-1500) ocorrem na


pintura: Masaccio, Pierro della Francesca, Filipo Lippi, Botticelli. Pintaram
tipos idealizados e reforçaram a unidade da composição.

A plenitude do Renascimento se dá no século 16, quando assume a


denominação de classicismo, ou Renascimento clássico, ao qual sucede o Pos-
renascimento. Enquanto Bramante, Palládio e Miguel Ângelo são os arquitetos
do Renascimento clássico, e ainda Miguel Ângelo eminente pintor, ao lado de
Rafael e Leonardo da Vinci.

A partir de 1500 desenvolveu-se o classicismo em três fases: século 16 (escola


quinhentista), século 17 (escola setessentista, arcádica, néo-clássica). Observa-
se, por conseguinte, que os tempos modernos principiaram sob inspiração
clássica. Tudo isto se apoiava também na filosofia do tempo, principalmente a
cartesiana, que continua acreditando na existência dos universais. O empirismo
já nascente se desenvolverá tão só posteriormente, quando se prestará como
filosofia do anticlassicismo.

Em resumo, no Renascimento a arte é idealizadora, isto é, de espírito clássico.


Esta idealização chegará à plenitude nos séculos 15 e 16.

Em função a esta perspectiva, o século 14 anterior, - como se disse, - foi


denominado Pré-renascimento, com um classicismo tímido, e os séculos
posteriores de Renascimento Clássico.

O Pós-renascimento se chamará também barroco. Repete-se o fenômeno antigo


do Pré-clássico de arte arcaica grega, seguida da idealização clássica e da
ligeira liberalidade helênica.
I - Proto-renascimento.

3911y831.

832. Os sinais precursores do Renascimento é possível achá-los mesmo antes


do chamado Primeiro Renascimento do século 15, conforme já nos referimos às
letras renovadas de Petrarca e Bocaccio e a alguns pintores.

Trata-se do Proto-renascimento do século 14. E a estes pintores que


precisamos destacar agora, e que são na Itália, Cimabue, Pietro
Cavalini, Duccio di Buoninsegna, sobretudo Giotto.

Cimabue (c. 1240-1302), ainda com ecos bizantinos e até góticos, aplica às
suas criações plasticidade nova, mais real e humana. O fundo amarelo dourado,
quando subsiste, começa a perder importância, dada a força nova das mesmas
figuras.

O seu Crucifixo (na igreja de S. Domingos, Arezzo), é de uma corpulência


plástica não bizantina e uma expressividade peculiar nova do rosto.

A Virgem em Majestade (Florença, Uffisi) também fortemente bizantina, pelo


seu hieratismo, revela colorido e desenho novo, além de um início de
humanidade dos rostos.

O S. Francisco (detalhe da virgem em Majestade, em Assis) apresenta o


poverelo em sua humildade tocante e aqui algo entristecido.

Pietro Cavalini (c.1250- c.1325) abandonou a estilização ideal e acética do


bizantinismo, fazendo agora transparecer no rosto das figuras o espiritual
juntamente com o humano.

Neste sentido dá um tratamento à cor em sucessivas degradações de claro e


escuro; já não acentuando o vinco das bordas do desenho, realça a luz das cores.
É o que se deduz da Virgem (afresco, 1293, Domo de S.Cecília, Roma) e
do Juízo Final (idem). Nas asas cambiantes o verde se aclara pelo efeito da luz
e da modelagem compacta grandiosa das vestes.

Duccio di Buoninsegna (c.1250-1319) conseguiu profundidade de espaço.


Neste sentido observe-se a paisagem na coroação da Maestá (Catedral de Siena,
Museu dell’Opera), no detalhe da fuga para o Egito.

Imprimiu, o que não é próprio do bizantino, certa elegância e graça às figuras,


ainda que de um tom melancólico. Duccio mantém entretanto ainda uma forte
influência gótica, aliás comum em toda a arte de Siena.

833. O grande Giotto (1267-1337), um burguês de Florença , pinta com


plasticidade, sem o linearismo gótico e sem o misticismo acético bizantino.

Elegeu decididamente novos temas, que são os da natureza exterior e do


homem. Não está fixo em um outro mundo, por desprezo deste. Nem repudia a
plasticidade deste corpo humano, em troca de um que receberia depois
sublimado. O mundo de Giotto é aquele ali em frente. A ele dá um tratamento
desenvolvido, comparado com o que davam outros pintores de sua época.

O espaço e a luz são tratados como nunca antes na Idade Média. Já não está ali
o fundo dourado das figuras, mas uma natureza verdadeira. A perspectiva, a
que dá uma atenção desconhecida de seus pares da pintura, é uma insistência
que será conduzida com crescente versatilidade de agora em diante, até que
alguém do século seguinte (século 15) lhe der a solução. Valorizando a luz,
diminuiu a importância dos contornos, que eram características da pintura
bizantina e gótica. Aumentou, por conseguinte, a pictoricidade pura das áreas
coloridas.

O poder evocador das fisionomias caracterizou a pintura de Giotto. Reforçando


a expressividade, dirige a atenção do observador mediante poucas figuras, num
ambiente rarefeito e sem tumulto.

Frisou os estados de alma. Ocupado com o humano, expressou os dramas


espirituais e realista, mas não o alegre e gracioso. Esta última característica já
existe no seu tempo em Maestro dele Vele.
O Sermão dos pássaros (das Histórias de S.Francisco, na Igreja de Assis)
apresenta a doçura do Santo, no rosto e nas mãos, no momento de se dirigir às
aves sobre a relva, a lhes falar "Irmãos passarinhos, parai de cantar, enquanto
dizemos nossas orações...".

A coesão é evidente, na direção unidirecional dos pássaros atentos ao Santo,


bem como ainda pelo estado interior de admiração do rosto e da mão do frade
que acompanha S.Francisco. Observe-se também o tratamento do espaço: o
campo solitário e o azul do céu são realçados por uma árvore em primeiro
plano e duas à distância. Sem tumulto e com ordem interna evocaram-se os
objetivos necessários à representação do episódio.

O Beijo de Judas (detalhe da Paixão, de uma capela de Pádua) é


expressivamente dramático, fixando o instante imediatamente anterior ao beijo.
Judas se sente inibido e confuso, diante do olhar fortemente persuasivo de Jesus.
O olhar deste, em área mais luminosa, movimenta-se forte e bondoso.

O obscuro e a menor dimensão do olhar inibido de Judas, subtilizam a intenção


obstinada deste, apesar de inibido. A cena se exerce com realidade e sem
misticismo, o que foi conseguido pelas fortes áreas coloridas e humanas, ainda
que dramáticas.

São Francisco recebendo os estigmas (afresco da capela Bardi) fixa uma clara
manhã, esbatendo luz contra uma barranca esguia e esbranquiçada, ao mesmo
tempo que atenua os contornos, quando o Poverelo foi alcançado pelo
fenômeno.

A atitude do Santo ajoelhado é de espanto e apreensão; a expressividade


continua no rosto que se volta e mira no alto a aparição do crucificado que as
vermelhas asas de fogo sustentam no ar.

Nos poucos elementos postos na composição, há um notório poder de síntese.

II - O Primeiro Renascimento

(1420-1500).

3911y835.
836. Um retorno retórico à antiguidade inspirou o Primeiro Renascimento que
decorreu no século 15. Ele foi decorativo, sem maior profundidade. Os ideais
desse Primeiro Renascimento conseguirão todavia desenvolver-se logo depois,
no Renascimento Clássico do século 16, mais estruturalista.

Na passagem para o século 15 a pintura caminhou para a valorização das


formas plásticas, além das pictóricas. Em valorizando o plástico, acentua o lado
humano das atitudes.

No plano técnico da composição principia a espacialização na direção do fundo


do quadro, de sorte a eliminar definitivamente os fundos planos e dourados da
pintura anterior. Consequentemente a luz recebeu melhor tratamento. E assim
também progrediu o tratamento do espaço; as cenas de grupo se desenvolveram
não só no primeiro plano, mas no espaço inteiro.

Um novo conceito de unidade e coesão ordena os muitos elementos de sorte a


não haver soma de individualidades completas, mas uma só grande cena. O
comportamento do apreciador é ordenado no sentido de apreciar o conjunto,
preocupado com as relações.

Apesar do colorido que tende a destruir contornos, os humanistas zelam pelo


relevo natural das figuras, o que requer habilidade consciente.

Na arquitetura se destacou Bruneleschi (1377-1466), na escultura Donatelo


(1386-1466).

Na pintura , depois de Giotto, se fez conhecido o admirável Fra Angélico


(1387-1445) com forte ligação passadista. A inovação pertence particularmente
a Masaccio (1404-1428), Pierro dele Francesca (1416-1492), Leonardo da
Vinci (1452-1519), este na primeira fase. Os venezianos (Mantegna, Giorgione,
Bellini) já são precursores do colorismo do século 16.

Difundindo-se o movimento para toda a Europa, apreciamos sobretudo a escola


flamenga. Nesta se destaca Van Eyck (1390-1441), que aperfeiçoou a pintura à
óleo.

Alguns dos nomes mencionados merecem maior destaque.


837. O maravilhoso Fra Angélico (1387-1445) representa a contribuição
dominicana para o Pré-renascimento e para a liderança florentina no
movimento. Aliás, os dominicanos haviam atuado até ali em Siena goticista, de
onde se transferem alguns para Florença; explica esta circunstância as
influencias remanescentes do gótico.

Os franciscanos, desde longa data em Florença, vinham mais ligados a Giotto o


qual produziu sua obra em função a S.Francisco.

A atividade de Fra Angélico foi precedida em Florença dominicana por Andrea


Bonaiuto, ainda de tendências góticas clássicas, com seu linearismo e fundos
dourados. Logo Fra Angélico surge com criações do mais alto valor. Situando-
se já dentro da idade da Renascença pela modalidade humana da pintura,
mantém-se contudo em temas religiosos exclusivamente, com a conceituação
anterior. Por isso, não se pode situar sem ressalvas Fra Angélico como
renascentista.

De 1433 sobre a mais antiga pintura, o Retábulo dos linheiros (altar da


Corporação dos Linheiros) em que se vêem a Virgem com o Menino e doze
anjos; sobretudo estes são muito apreciados. O fundo ainda é dourado; as cores,
porém, são pastosas, fugindo já ao linearismo gótico.

Sobras, de fundo dourado e de linearismo em estado de abandono, se observam


em sua Anunciação (da Igreja de S.Maria Novela). A idealização mística dos
rostos é também característica remanescente gótica e bizantina.

No Convento de São Marcos, em Florença, decorou Fra Angélico, de1438 a


1446, quarenta e quatro celas de monges, com mais duas decorações no
claustro e uma no capítulo.

Os afrescos tornaram o convento dominicano em um museu de arte e


documentário histórico, porque há aqui uma nova pintura, sem linearismo
gótico. Ao em vez domina a composição plástica e o espaço, propriedades do
humanismo renascentista, que já está com seus grandes nomes nascidos.
Apenas difere o tratamento dado à temática religiosa.

É apreciável o Noli me tangere, do referido Convento de São Marcos.


Madalena veste amplo cor de rosa e exibe cabeleireira similar, no colorido vivo
do amor. Com um joelho em terra, o outro avançando, tem o manto distendido
em leve cauda, fazendo uma base ampla e suave pousando sobre a relva; neste
espaço a relva assume o verde escuro para realçar o perfil claro.

A luz converte o rochedo do sepulcro marmoreamente belo e de contornos


acetinados.

Os fundos, que marcam o Monte das Oliveiras, recebem um tratamento de


espaço inexistentes no gótico anterior.

838. Masaccio (1401-1428), nascido em San Giovani, estabeleceu-se em


Florença, que liderou o movimento renascentista, como depois Roma o clássico.
Abandonou a maneira gótica Sienense de pintar. Distribui equilibradamente os
volumes. Tal como Giotto, não tumultuou o quadro com excesso de figuras. A
expressão psicológica também recebeu o mesmo expressivo tratamento de
Giotto. Conseguiu realçar o grupo e localizar a ação em toda área do espaço.

Crucificação (do pórtico de Pisa, 1426) revela a unidade de cena mediante


confluência dos contrastes.

Cristo concentra dominadoramente a dramaticidade com seu rosto sereno.

Maria se conforma e o contempla.

João inclina a cabeça dominado pela dor.

Maria Madalena, todavia, é um grito pictórico ao pé da cruz; prostada, o


vermelho do manto, que seus braços erguidos ampliam, são a ampla expressão
deste grito dramático. Vendo-se-lhe só os cabelos louros vivos e de trás, e que
se fundem com o manto. O cromatismo gritante e dolorido se reforçado indo ao
patético.

Na Adoração dos Magos (Pisa, 1426) ainda que haja a longa fila não se reduz
ela apenas ao conceito de fila, porque há figuras em todas as posições de
profundidade.

Esta distribuição da ação é conseguida por meio de tratamento de luz e da


perspectiva que produzem os relevos e as distâncias.
Adão e Eva (Florença, 1426), da capela Brancaci, é uma das primeiras grandes
representações dos protoparentes, com profunda interpretação do dramático e
movimento das figuras. Vencida a expressão meramente formal, entra agora a
pintura para a profundeza humana.

Adão se move sem esperança e cobre o rosto.

Eva, com o vivo sentimento feminino, parece ainda implorar misericórdia no


rosto erguido, desmantelado, chocante de dor, enquanto um gesto de pudor
colhe os seios dramaticamente.

O Tributo (Florença, 1426), da capela Brancaci, executa outro processo raro em


pintura, o do episódio em vários tempos narrativos. Há um domínio total do
centro (Cristo, o encarregado do Tributo do templo, Pedro e os demais
apóstolos).

Apenas, como efeito da decisão de Cristo, multiplicam-se os episódios


marginais; à esquerda encontra Pedro a moeda na boca do peixe; à direita, está
outra vez Pedro, entregando-a ao cobrador.

839. Pierro della Francesca (c.1416-1492) é o classicista puro, de


personagens idealizadas e felizes.

É o que se observa na harmonia humana do episódio Rainha de Sabá, em visita


a Salomão (Lenda da Santa Cruz) e no esplendor ambiental do dia da Vitória de
Constantino (c. 329).

Em Pierro della Francesca não se encontra o tilintar subtil da sensibilidade


humana de Filipo Lippi e Sandro Botticelli, também do Pré-renascimento.

840. Filipo Lippi (1406-1469), de Florença, prosseguiu no estilo de Masaccio,


todavia com maior elegância.

Sem resvalar em exageros linearistas, conseguiu um desenho gracioso e rítmico;


alguns apontam neste linearismo sobras do goticismo remanescente que
perpassa toda a renascença.
Um tratamento vibrante para a luz, empresta encanto ao ambiente e calor
humano às personagens.

Em Dança de Salomé, no afresco sobre o festim de Herodes (1456), são


notáveis a luz e o encanto da jovem, a linearidade bem distribuída, nas vestes e
nos movimentos, com elegância e calor.

841. Multiplicam os pintores italianos de qualidade.

Pollaiolo soube imprimir forte movimento às figuras. Neste sentido dão


apreciáveis Apolo e Dafne (c.1470).

Verrochio, pintor e escultor, importa porque foi mestre de Leonardo da Vinci.

As soluções em claro-escuro, como se vêem no seu Batismo de Jesus, foram


levadas a pleno desenvolvimento por seu notável discípulo.

Filipino Lippi (1459-1504), filho de Filipo Lippi, se encontra no fim da vida


sob influencia da escola de Flandres, encerrando assim uma fase do humanismo
em Florença e na Itália.

842. Botticelli (1444-1510), em Florença deu prosseguimento ao linearismo


gracioso de Filippino Lippi, acrescentando-lhe sempre maior musicalidade
levitante. Tematicamente se dedicou às alegorias pagãs, agora em cores
humanistas. Imprime aos personagens um que de levitante, o que consegue
tirando-os do eixo de gravidade natural, ao mesmo tempo que dando aos pés
uma atitude dançante.

A alegoria da Primavera (Florença, 1478) solta as imagens no espaço, como


penas voejantes e rítmicas. Tentou transferir a pureza angélica à figuras pagãs.
Conseguiu-o de modo eminente em Nascimento de Vênus (Florença, 1485).
Giovanna degli Albizzi e as Quatro virtudes cardeais (1486) são mais um
exemple dos movimentos tardos, levitantes e graciosos do estilo de Botticelli.

A Virgem e o Menino mostra como se transmite o mesmo tratamento gracioso


aos sentimentos femininos.

Apesar de paradoxal, o gracioso o repetiu em Judite (Florença, 1470), com a


espada na mão.

Depois da pregação reformista e radicalizante de Savonarola, inclinou-se


Botticelli para uma pintura introspectiva, como se vê no Retrato de Giuliano de
Medici, Calunia de Apeles, Histórias de Lucrécia.

Prenunciou Botticelli os novos tempos do século 16, que ele aliás alcançou, nos
seus últimos 10 anos de vida.

843. Jean Van Eyck (c. 1390-1441) é o primeiros renascentista da Escola


Flamenga e Borgonhesa do Norte da França, seguido logo por Roger Van der
Weyden (c. 1400-1464).

Van Eyck, nascido às margens do Mosa, foi pintor de Felipe le Bon, duque de
Borgonha. Aperfeiçoou as tintas à óleo e as empregou na pintura. Desta sorte
criou uma nova fase técnica, a qual, sendo mais prática, do que a pintura mural
de afresco, relegou a esta ao paulatino esquecimento.

Já na primeira pinturas, Virgem numa igreja (1420) e a Anunciação (c. 1425),


Van Eyck se situa quase inteiramente fora do estilo gótico, pela luz, tratamento
do espaço e implantação dos volumes.

Aperfeiçoando adequadamente os contornos e valendo-se do jogo da luz,


conseguiu também libertar as figuras, separando-as do meio, imprimindo-lhes
quase a autonomia das estátuas em três dimensões. É o que ainda podemos
observar no meio ambiente da Virgem do Chanceler Rolin (c. 1422), que
mostra a paisagem de Liege, em que se move o rio e ainda atravessam pessoas
pela ponte.

Realista, Van Eyck se dedicou também ao retrato. O seu Homem do turbante


vermelho (1433) olha na direção do espectador, o que é mais uma novidade
introduzida por Van Eyck. Dali resultou um efeito novo, a consonância entre o
retratado e o espectador.

Através da meticulosidade exterior, conseguiu revelar a singularidade interior;


é bem o caso do retrato do Cônego Van der Paele, que se encontra numa tela
da Virgem.

A admiração converge sobretudo para o Casal Arnolfini (1434), tanto nos


retratos, como no tratamento dos espaços e da luz. Vive a fisionomia o seu
interior nobilíssimo, concentrando-se principalmente nos olhos. A evocação e
coesão se faz até nos objetos e mesmo no cão, símbolo este da fidelidade.

Adverte-se como característica dos retratos de Eyck a imobilidade somática das


figuras. Tudo é posto na fisionomia, retratando interior, e não na dinâmica dos
movimentos dos movimentos do corpo.

A principal e talvez a maior obra de Van Eyck é a Adoração do Cordeiro


Místico, tela em que o autor usa ainda o mesmo processo de perspectiva dos
egípcios e românicos, isto é, de registros sucessivos dentro do espaço da altura
do quadro.

844. Roger Van der Weyden (c.1400-1464), como Van Eyck, foi seguro no
detalhe, e que se faz tradição na escola flamenga. Calcando as linhas do
desenho, parece revelar a intenção de atingir as formas as mais exatas.

Cabeça de Virgem (1450) é um desenho a buril, com uma segurança admirável,


em que o traço firme é de um tal acerto, que não enrijesse, mas acentua os
objetivos de marcar a doçura e suavidade.

No Retrato de jovem senhora (1455) mais uma vez é o desenho que conduz a
composição ao requinte, apesar das cores simples, quase lisas e sem reflexos de
luz.

845. Jean Fouquet (1420-1480), pintor e miniaturista francês, apresenta


afinidades com o flamento Van Eyck. Esteve também em Roma. Na Itália
conheceu Fra Angélico, que o influenciou.
Cultivou a beleza clássica da forma. Veja-se o rosto da Virgem do díptico de
Melun (1451). A originalidade, além disto, é evidente, por causa da cor irreal,
de índole abstrata, e o modo contemporâneo de compor o cabelo.

846. Os surrealistas dos Países Baixos, Bosch (1450-1516) e Bruegel (1528-


1569) são potencialmente parte do maneirismo (vd 860) , que virá em breve.

Já exploram princípios anti-clássicos contidos no próprio classicismo do


Renascimento, razão porque a história posterior retorna a mencioná-los.

III - Renascimento clássico

(século 16, 1500-1520).

3911y848.

849. O sucesso das artes, no século 16 se deslocou de Florença, para Roma.


Para a sede da Igreja Romana afluía o dinheiro dos devotos peregrinos e o
tesouro dos Estados Pontifícios, bem o resultado da pregação
de indulgências em outra regiões da cristandade. Este fato em determinado
momento facilitou a expansão da arte, sobretudo religiosa, com destaque da
arquitetura e da pintura.

Nas primeiras décadas daquele século de Renascimento Clássico fora a Igreja


penetrada por um espírito mais tolerante, o que facilitou a liberalidade típica da
grande arte. Não muito depois a Igreja voltará ao seu anterior espírito rigorista,
que atingirá seus resultados mais rijos por ocasião do Concílio de Trento
(1545-1563).

O domínio pleno das formas artísticas, que então se obteve, e que define o
Renascimento clássico, alcançou uma situação inigualável, tanto em Roma,
como nos demais países.
Esta condição classicista ocorreu sobretudo nos anos de 1500 a 1520. Um tanto
decorativo, em especial na arquitetura, o anterior Primeiro
Renascimento (vd 835) foi superado pelo clássico, que agora se estabeleceu,
porque este passou a insistir nos elementos estruturais, tanto na arquitetura,
como na composição da pintura. A mesma orgânica da figura faz o ornamento,
que já não vem por acréscimo.

A índole histórica do Renascimento Clássico do século 16 é o de termo de


chegada. Isto quer dizer que antes já valiam os mesmos ideais, ainda que não
chegassem a ser formulados.

Um movimento ascensional, - que teve seu início no século 14, quando


aparecem as primeiras manifestações da idealização clássica e humana de
Cimabue, Cavalini e Ducio (vd 831), progredindo através de Giotto, de Fra
Angélico e de todo o Primeiro Renascimento do século 15 (vd 835) , -
o Renascimento clássico chegou enfim ao altiplano da arte plena com Leonardo
da Vinci, Rafael, Miguel Ângelo (primeira fase).

Daqui para frente far-se-à apenas a superação, como espécie de recuo da


idealização. A superação será o barroco, de coloridos resplendentes, formas
entumecidas, libertas, extremistas, dialéticas.

Além do abandono do decorativismo, o Renascimento clássico ofereceu mais


profundidade ao espaço. Existente anteriormente, agora tende a se desenvolver
como um túnel central, que foge na direção dos fundos, como bem se observa
na Escola de Atenas de Rafael.

Na mesma direção, os coloristas venezianos, da mesma fase do Renascimento


clássico, distenderão os panoramas.

850. Leonardo da Vinci (Florença, 1452-1519), filho genial de um amor


romântico de um notório com uma camponesa de nome Catarina, foi o maior
pintor da Renascença clássica. Ainda como sábio fez pesquisas de biologia,
física, matemática, mecânica, além de haver exercido a profissão de engenheiro
e arquitetura.
Na sua fase inicial de vida encontra-se situado no Primeiro Renascimento do
século 15. Pintando de começo com linhas claras e contornos bem definidos,
passa às divisórias difusas, integrando o objeto no ambiente. Nesta unidade do
principal, fusão das figuras no ambiente, integração da arquitetura do quadro
com a paisagem, impressão de que os objetos brotam do meio em que estão.

A Virgem das Rochas (Louvre, c. 1488), encomendada por Milão em 1483 e


concluída muito depois, é um caso típico de sfumato. O volume dos objetos
principiam sem se determinar a partir de onde comecem. Mergulhados no
ambiente, tornam-se impalpáveis. A luz ilumina os elementos dominantes do
tema e que são; a face da Virgem, o corpo do Menino e do anjinho, o céu
distante visto através de uma abertura das rochas.

A Anunciação (Louvre, c. 1478), difusa e integrada no ambiente, precedida por


uma outra Anunciação (Galleria degli Uffizi, de Florença, 1472), de linhas bem
definidas, conforme seu estilo original, com o panorama de árvores de
fisionomia nítida. Aliás esta é uma primeira Anunciação pintada como se o fato
ocorrera fora de recinto fechado.

Leda (1503-1505), representa a princesa mitológica, de que nasceu Helena, por


obra de um amor de Zeus, somente restou uma cópia (Coleção da Condessa
Spiridoni, Roma). Este nu admirável está em função às preocupações de
Leonardo sobre o nascimento da vida.

Conota-se com as pinturas anteriores da Anunciação. Apresenta em obra de


arte uma crença vigente à época grega e no mundo antigo em geral, de que
grandes homens nasciam de mulher sem a participação do homem, e sim de um
Deus.

No caso da Anunciação, segundo a convicção dos cristãos, sobretudo católicos,


foi "por força do Altíssimo".

No caso de Leda o operante foi Zeus na forma de um Cisne. No Oriente se crê


que Buda teria nascido de uma princesa fecundada pelo raio de luz de uma
Elefante celeste. Platão é chamado Divino, porque este eminente sábio teria
nascido por obra de um Deus, o mais belo deles, Apolo.

Mas, nem Leonardo, nem outro importante artista transpôs para a tela a
significativa lenda que consagra o eminente filósofo na conceituação popular.
Leonardo em Leda apresenta sugestivamente entre as meias partes de cascas de
ovo o nascimento de crianças. O claro-escuro destaca o reluzente nu de Leda,
contra o escuro difuso da rocha contígua.
Última Ceia, (pintada na ampla parede do refeitório do convento dominicano
de Santa Maria dele Grazzie, de Milão (1495-1497), ali se conserva ainda hoje,
graças a muitas restaurações. Por causa de sucessivas danificações resta pouco
do que era mesmo o original.

Apesar da frontalidade peculiar à arte bizantina, a composição da Última Ceia é


muito variada, inclusive com cenários de fundo, e se tornou muito apreciado do
grande público.

Indica o episódio no momento da asserção de Jesus no momento, quando disse,


- "um de vós me trairá".

A tela fixa as reações consequentes, enquanto o Cristo permanece em solidão.


De três em três os seus discípulos de interpelam, porém cada grupo à sua
maneira. Todavia, a formulação dos grupos de três resulta do equilíbrio próprio
da composição clássica.

Outro artista, ao tomar uma cópia do original, desfez um dos grupos de três,
colocando Judas pelo lado da frente da mesa. Hoje, esta cópia é a mais
difundida.

La Gioconda (retrato de Monna Lisa, como também é conhecida (Museu de


Louvre, onde é muito visitada, 1503-1505), fixa um estado interior peculiar de
doçura, mediante um ligeiro sorriso, que os olhos acompanham.

Estes os olhos, que as fotografias não conseguem reproduzir quanto são vivos
no original, são algo de impressionante. Revelando um estado interior
permanente e não apenas uma situação instantânea, contém o que mais importa
num retrato. O permanente mostra integralmente a personalidade.

Gioconda, por sua adorável jucundidade, é um triunfo da arte clássica, pois na


temática idealizada sempre é difícil libertar-se da frieza e da monotonia. Muito
se escreve e se teoriza sobre a famosa tela, hoje em Paris, num vasto salão,
sempre cheio de visitantes. Inclusive se criam hipóteses sobre quem seria
mesmo aquela personagem. Talvez o próprio Leonardo.
851. Rafael Santi, ou Raffaello Sanzio (Urbino 1483-1520) viveu os anos
exatos do Renascimento Clássico em Roma e alcançou ele mesmo a exata
realização dos ideais desta fase artística, cujo sucesso foi haver equilibrado o
humano e o transcendente.

Um quadro de Rafael é doce, ao mesmo tempo que grandioso. Na ordenação do


quadro controlou todos os conflitos, realizando a alegre consonância dos
motivos.

A Escola de Atenas, famoso mural de uma sala papal do Vaticano, organizou a


multidão dos filósofos antigos. A profundidade, vista apenas no centro, pôs
ordem no espaço. Ao mesmo tempo, nesta direção central situou a Platão e
Aristóteles, que se destacam sem que venham até o primeiro plano. Nestas
condições se convertem também no centro geométrico da composição, aliás,
dentro da função de núcleos de irradiação do pensamento grego e do mundo.

Se em outras telas o destaque foi conseguido pela grandeza das figuras em


primeiro plano, aqui não foi aplicado o recurso, porque se deu uma solução
nova e mais adequada com o mencionado posicionamento dos dois filósofos
chefes.

Nos muitos Retratos de sua autoria, Rafael conseguiu ser sóbrio e expressivo.
São talvez melhor qualificados que suas Madonas.

Estas, as madonas, são figuras suaves e adocicadas, e talvez por isso mesmo,
tenham alcançado apreço do grande público.

Tendo morrido cedo, aos 37 anos, talvez por isso mesmo Rafael não se tivesse
encaminhado para a criação de formas vigorosas, como ulteriormente fará
Miguel Ângelo.

Viveu Rafael apenas a fase moderada do classicismo puro e harmonioso que se


encerra com ele mesmo. Tal é o clássico As três Graças (1500). Nuas e macias,
volumosas e leves, bailam as graciosas ao azul luminoso do céu, tendo ao
fundo uma paisagem esvaecente.

No entrelaçamento de linhas, criou três horizontes: no meio o horizonte natural


da esvaecente paisagem; acima o horizonte da ondulação formada pelos braços
bailantes; abaixo uma equivalente ondulação horizontal das formas pomposas
das três Graças, em que a do meio está de costas, as outras duas de frente
formando níveis diferentes e calculados.
852. Miguel Ângelo Buonarotti Simoni (Caprese 1475 - Roma 1564), antes
de tudo arquiteto, também um dos maiores escultores e pintores do
Renascimento Clássico, depois ainda participante do Renascimento Tardio,
começou contudo seus estudos pela pintura, em Florença. Logo passando
também à escultura, notabilizou-se bastante cedo com sua realização
espetacular, David (Galeria da Academia, Florença 1501-1504), um nu
masculino capaz de rivalizar com qualquer estátua grega antiga. E pouco antes
em Roma realizava outra escultura considerada obra prima, Pietá (1498-1499).

Depois de David pintou em Florença um afresco que se perdeu. Em Roma


realiza a estátua de Moisés (1513-1546). Ainda Cristo ressuscitado (1519-1520)
em pose olímpica.

Como pintor Miguel Ângelo realizou de 1508 a 1512 os afrescos do teto da


Capela Sixtina (43 por 13 metros de área). Sob encomenda do Papa Julio II
(+1513). A obra será completada mais tarde com o mural dianteiro, sob
encomenda do Papa Paulo III, Juízo Final (1536-1541).

Em 1547 projetou a cúpula da Basílica de São Pedro. Dentre os inúmeros


detalhes do teto da Capela Sixtina se destacam A Criação de Adão, O pecado
original, A sibila délfica, O profeta Jonas, O nu de uma jovem.

Pintou também a versão bíblica da criação do homem. Contrasta a vigorosa


majestade de Deus, figura ao mesmo tempo airosa e misteriosa, estendendo o
braço que vivifica, de outro lado a Adão, cujo braço e mão ainda estão sem
vitalidade, prestes a recebê-la.

O mural do Juízo Final se caracteriza pelo comportamento vigorosamente


heróico das figuras ao mesmo tempo que dotadas de um estável equilíbrio
clássico. O corpo possante de Cristo Juiz é equilibrado por uma cabeça jovem e
visivelmente intelectual, pensativa, que evita olhar, pois tem de pensar.

Uma mulher, ao mesmo tempo que olha com firmeza de mãe advertida, com o
braço forte protege sua filha, é uma cena única nunca antes vista em outra obra.
Fosse para analisar todos os detalhes da obra de Miguel Ângelo em função a
este tipo de expressividade significativa, importaria em escrever um livro. Os
apreciadores, hoje principalmente os turistas, são ocupados horas pelos guias,
sem que esgotem as explicações de valor.
Algumas das vestes sumárias aplicadas às figuras nuas do Juízo Final foram
executadas por artista do Renascimento Tardio por incumbência do Papa. Esta
iniciativa foi interpretada de maneira vária.

Pelos princípios que contêm a arte de Miguel Ângelo, ela deu início ao
movimento que se lhe seguiu, o maneirismo, ou seja, a arte segundo uma nova
maneira, a de Miguel Ângelo, da qual finalmente resulta o barroco. Tendo
alcançado a longevidade, o próprio Miguel Ângelo inclina-se cada vez mais na
direção do movimento que se expandia. Desta sorte, ainda que represente o
período anterior do Renascimento Clássico, penetra no seguinte. Em potencial,
Miguel Ângelo é o maior maneirista e barroco, porque ele foi como que sua
semente.

IV - Primeiros grandes coloristas venezianos.

3911y853.

854. Veneza, - uma república independente, desde 811, quando se desligou de


Bizâncio, assim se conservando durante toda Idade Média, até tempos
adentrados da época moderna, - foi sempre evolutiva nas artes e
ideologicamente liberal.

Na época da Renascença, o território de Veneza incluía Verona, Vicenza,


Pádua, Cremona, Bréscia, Ravena (antiga sede do exarcado de Bizâncio),
cidades estas expressivas também pelas criações artísticas.

Hoje se procura pôr na escola dos pintores venezianos a origem remota da


pintura impressionista moderna. Antes do Renascentimento tardio, Veneza já
teve os seus primeiros grandes coloristas.

855. Principais nomes dentre os coloristas venezianos: Mantegna, Georgione,


Bellini.
Mantegna (1431-1506) é o primeiro humanista de grande expressão no Norte
da Itália. Criou figuras viris e as descreveu com realismo, sem idealizações
graciosas.

Observe-se o caráter marmóreo do São Sebastião (Louvre) postado a uma séria


coluna corintia.

No tratamento do espaço criou o alargamento das paisagens de fundo com uma


ilusão de abertura atmosférica agradável e característica da escola veneziana.
Do ponto de vista temático, se ocupa de episódios antigos, com mensagens ou
lições atuais.

Aprecie-se o Triunfo de César. Via o passado romano como glória a ser


relembrada no presente, inclusive para inspiração artística.

Giorgione (1478-1510), com raras obras de atribuição segura, como Vênus


adormecida, Três filósofos, Concerto Campestre, inspirou, com esta última
o Dejeneur sur l’herbe (o Almoço sobre a relva, 1863) de Manet, o precursor
do impressionismo francês.

Efetivamente, Giorgione fez as figuras da composição contribuir para a


evocação ambiental da atmosfera, cedendo de certo modo o lugar em beneficio
da natureza que brilha ao impacto da luz.

Giovani Bellini (1429-1516) acentuou as cores e deu tratamento subtil aos


elementos colorísticos, inclusive da atmosfera. Este caráter se desenvolveu na
escola veneziana do Renascimento (Giorgione, Tiziano, Veronese e Tintoreto)
e prosseguiu evoluindo vagarosamente até que no século 19 resultou na
explosão do impressionismo.

Determinou Bellini relações de espaço por meio de tons de cor e não só


mediante perspectiva. Esta peculiaridade pictórica do espaço constitui técnica
importante e que, embora já conhecida no passado, ingressou agora em pleno
desenvolvimento. A luz aproxima. As trevas afastam.

Podem ser lembrados aqui os coloristas venezianos os destacados pintores


Tiziano, Veronese e Tintoreto, que entretanto são estudados sob
o maneirismo (vd 860).
§6. Renascimento Tardio

(1520 - 1600).

3911y857.

858. A expansividade das formas e do colorismo transmuda o anterior


Renascimento Clássico (1500-1520) em direções peculiares.

Algumas formas vieram a ter denominações próprias, como


o maneirismo (ou manierismo, a partir do italiano maniera = maneira).

Outras formas são indicadas simplesmente pelos nomes de seus países, onde o
renascimento adquiriu caracteres nacionais. Aliás, o maneirismo,
ou manierismo, chamado também italianismo.

Títulos a considerar do Renascimento tardio:

- Maneirismo (vd 860);

- Estilos da Renascença francesa (vd 869) ;

- Holandeses renascentistas do século 16. Surrealismo (vd 873);

- Renascimento na Alemanha (vd 878).

I - Maneirismo, ou italianismo.

3911y860.
861. Não dominando embora o maneirismo o estilo de todos os artistas do
tempo, pois lhe saem um pouco pela tangente realistas como Holbein
e idealistas como Tiziano, há contudo em cada um algo que conota o seu
espírito. De um lado tentando reforçar expedientes de forte expressividade, de
outro lado tentando equilíbrios, o maneirismo não conseguiu de fato este
equilíbrio de tensões.

Porque uns queriam este equilíbrio mais para cá, outros mais para lá, derivou
finalmente o maneirismo para a exacerbação barroca. Nesta condição o
maneirismo é um estilo de transição. Em si mesmo tem seu sentido intrínseco,
que entretanto não conseguiu estabilizar e manter, como que caindo da corda
bamba, pelo lado de lá, enquanto outros desejariam que houvesse ficado pelo
lado de cá (de moderação classicista).

Os tempos modernos contemporâneos reavaliam o maneirismo pela sua


significação intrínseca, porquanto ele contém elementos que se restabeleceram
hoje. Até mesmo o surrealismo consegue espelhar-se nele.

Os maneiristas, pelas suas manifestações por vezes individualistas e excêntricas,


são difíceis de classificação em seu mesmo contexto, de sorte a não se poder
definir o movimento por esta ou aquela personalidade.

El Grecco pintou isoladamente; Tiziano e Tintoreto são contrários entre si;


Giuseppe Arcimboldi pintou retratos excêntricos combinados com livros e
legumes; Brueghel passou a um rompimento de espaços e um onirismo tão
diversificado que já não parece ter relação com o mesmo movimento.

A denominação maneirismo surgiu a este tempo como pejorativo, dado no


século seguinte pelo historiador das artes plásticas Giovani Bellori, que assim
denominou aos que exageradamente imitavam os grandes Miguel Ângelo e
Rafael.

Retificada esta interpretação, o maneirismo se define positivamente como


progressão de princípios anticlássicos já existentes potencialmente no
classicismo anterior, e que começaram a se manifestar em Rafael, como se
percebe em sua Transfiguração (Pinacoteca Vaticana) e em Miguel Ângelo,
sobretudo em suas obras tardias.

Uma das características, do maneirismo em que claramente se percebe seu


afastamento do equilíbrio clássico, é a figura "serpentinata" (serpentizada),
introduzida por Miguel Ângelo, reaparecida em El Grecco, que será finalmente
a figura convulsionada do barroco. Este procedimento da
figura serpentinata não é senão um exemplo do abandono do equilíbrio perfeito
do clássico por formas subjetivamente dinâmicas eleitas. Estas não
concordavam, nem com as formas universais do idealização clássica, nem com
as formas naturais do realismo. Em consequência, nem clássicos e nem
anticlássicos realistas puderam aceitar o maneirismo, combatendo-o como um
horror, finalmente reduzindo os seus representantes ao esquecimento.

Mas o estilo contemporâneo modernista de hoje viu novamente ali um seu


antepassado, que foi posto a ressurgir. Foi o maneirismo reabilitado, como se
viu claramente na exposição de Amsterdam (1958) sob o título O Triunfo do
Maneirismo.

Decaiu muitas vezes o maneirismo em um decorativismo sem profundidade,


quando a versatilidade livre no uso do espaço e do colorismo devia ser
procedido a partir da estrutura essencial dos objetos. Mas esta ressalva não se
pode fazer ao maneirismo em si mesmo e que teve pontos altos com Ticiano,
Veroneze, Tintoreto, El Grecco, Brueghel, Gruenwald.

862. As divisas do Maneirismo do Renascimento Tardio com o antes e a depois


são difíceis de definir, porque seu conteúdo tanto preexiste no classicismo
anterior, como prossegue depois no barroco. Sem ser apenas um movimento de
transição, existiu em si mesmo, sendo portanto possível arrolar nomes que o
representavam, e estudá-los a parte.

Maneiristas mais representativos são os coloristas venezianos Ticiano,


Veroneze, Tintoreto.

Por seus contatos com os Venezianos, El Grecco é estudado neste momento.

A este tempo vai começando a Renascença Francesa (século 16), com Jean
Cousin, que certamente tem aproximações com Ticiano. Também já se
manifesta o Renascimento na Alemanha, com Duerer, Holbein, Grüenwald,
Cranach, todos sob influencia italiana, ainda que não alcançados fortemente
pelo maneirismo.

Importantes são os pintores surrealistas dos Países Baixos Hieronimus Bosch


(c.1450-c.1516) e Pieter Brueghel (1528-1569), por causa dos rompimentos de
espaço que utilizaram como recursos novos de expressão.
Foi, portanto, o maneirismo sobretudo um fenômeno da Itália. Nomes: Ticiano,
Veronese, Tintoreto, e os nomes menores Jacopo da Oassano, Giulio Romano,
Giorgio Vasari, Il Pontormo, Giovani Battista Rosso, Frederico Zuccari, e
muitos outros.

863. Ticiano (1490-1576) é figura culminante da escola veneziana, pelo


colorismo com que retratou o mundo interior das figuras. Atingiu mais as
regiões do coração que as da inteligência. Exprimiu os sentimentos, não pelo
gesto, mas pelas cores e fisionomias evocadoras. Em vez dos gestos, deu
pompa aos coloridos das vestes, das faces e mesmo dos olhos. Fez, entretanto,
que as figuras participassem do meio ambiente; viu-as, portanto, a partir de fora
e não apenas como em si mesmas, com músculos e conforme em Miguel
Ângelo.

Dentre as telas de Ticiano Alegoria das três idades da vida (Edimburgo, 1513),
é muito significativa, com sugestões que vem de Giorgione.

A Assunção (1516) tem a grandeza vigorosa de Miguel Ângelo e a graça de


Rafael.

Bacanal (Prado, 1519) apresenta a todos as figuras em ligeira diagonal, a fim


de favorecer os efeitos de luz.

Similarmente explora os efeitos de luz em Vênus de Urbino (1538).

Mas é sobretudo admirável pelo colorismo e composição Vênus com organista


e cachorrinho (Prado, 1549).

864. Veronese (1528-1588) exprime pictoricamente a alegria superficial, com


se vê nas Bodas de Caná.

Pretendem os críticos aproximar suas Bodas de Caná ao Almoço dos


barqueiros do moderno Renoir, do ponto de vista pictórico e impressionista.

A composição de Veronese, no caso, é intuitiva, apanhando a primeira


impressão, porém pouco técnica para os grandes grupos. A mesma visão
intuitiva e impressionista colhe, nas demais telas, a alegria e o gozo do fausto
veneziano.

Sua orquestra de cores, dedicada à exaltação de uma cidade rica, encontrou um


título acertado em uma das obras finais: Glória de Veneza.

865. Tintoreto (1518-1594), discípulo de Ticiano, é um colorista que captou a


vida em ação. Nisto está com Miguel Ângelo e com ele se encaminha para a
espontaneidade do barroco.

Dotado de imaginação fecunda, Tintoreto povoou o palácio dos Doges com


rico tesouro de figuras em movimento

Os espaços vazios entre uma e outra figura os aproveitou para criar ritmo sem
apelo à linearidade; esta organização se observa nitidamente em Lava-
pés (1550). O mesmo acontece em José e a mulher de Putifar (c.1544).

Sob a influencia manierista vigente praticou Tintoreto ainda o alongamento das


figuras, para os mesmos efeitos de ritmo e movimento entre cores e outras
cores, entre formas e outras formas.

O ritmo e a leveza das sucessões em espaços distintos recebeu tratamento


peculiar em Baco e Ariadne (c.1578); a movimentação jogou um personagem
no espaço, criando quase um brinquedo de roda.

866. Além dos três grandes nomes, Ticiano, Veronese, Tintoreto, um elenco de
outros se coletam por toda a Itália por uma ou outra forma se ligam ao
maneirismo.

Jacopo da Bassano (c.1510-1592), pintor fecundo, que influenciou El Grecco,


destacando-se em Adoração dos pastores (Galeria Borghese, Roma), As bodas
de Caná (Louvre).

Bronzino (Florença, 1503-1572), pintor maneirista a serviço de Cósmo I,


retratista notável e autor de quadros de criações cortesãs, como Vênus,
Cúpido, Loucura e o Tempo (National Gallery, Londres).
São maneiristas italianos Giulio Romano (1452-1546), Giorgio Vasari (1511-
1574), Il Pontormo (1494-1556), Giovani Battista Rosso (1494-1540), este com
trabalho em Fontainebleau e Paris, Frederico Zuccari (1542-1609).

Menciona-se finalmente também o teórico do maneirismo, Francesco Mazzola


(1503-1540), dito Il Parmesan, autor da delicada e famosa Virgem do pescoço
comprido (Florença, 1534-1540).

867. El Grecco (Creta 1548 - Toledo 1614) pintor grego, que transitou fácil
para o Ocidente, porque a este tempo Creta estava sob jurisdição de Veneza,
para onde efetivamente veio. Transferiu-se depois para Toledo, então ainda
capital da Espanha.

Influenciado por Tintoreto, combinou o alongamento dos corpos do


maneirismo, com a representação abstrata.

Foi um evocador exímio do mundo supra-sensível dos estados de alma,


mediante coloridos e deformações serpentinadas as vezes chocantes. As últimas
criações se modelaram diretamente à luz: Amor divino e amor profano, São
João e os mistérios do apocalipse, Morte de Lacoonte e de seus filhos.

Com os venezianos se situou como um dos precursores remotos do


impressionismo. No seu tempo El Grecco está mesmo na origem do barroco.

II - Estilos da Renascença Francesa

(século 16).

3911y869.

870. A Renascença penetrou na França sob a forma de italianismo, e prosperou


sob a proteção oficial, numa época em que a nação se desenvolvia sob o signo
do absolutismo de grandes reis.

Principia com a escola de Fontainebleau, onde se construía em 1527 esplêndido


palácio, e onde trabalharam os maneiristas italianos Rosso e Primatice, ali
chegados em 1531 e 1532. Os nus mitológicos então criados, o foram com
fisionomias francesas.

Dentre os renascentistas franceses destacam-se Mestre de Flore, que atuou de


1540 a 1560, Francisco Clouet (+1572) e sobretudo Jean Cousin.

871. Jean Cousin, o Pai (+1560), foi o mais o renascentista francês mais
expressivo da escola de Fontainebleau.

Criou Eva Pandora (c.1548), a linda primeira mulher da mitologia grega.


Esbelta e alongadamente reclinada, se exerce num clima intelectualizado, bem
evocado por sua fisionomia francesa.

A concepção associa o drama de Pandora, à qual os deuses ensinaram todas as


graças do sexo feminino e que fora mandada a Prometeu com um vaso
contendo todos os males, do qual, depois de aberto, dimanaram as desgraças
para a humanidade.

A sensação de causa e efeito flui de uma das mãos para a outra, através dos
braços e do corpo de Pandora, porque de um lado pousa a mão no vaso e no
outro se apóia na caveira. A concepção de Cousin não se reduz ao
superficialismo vulgar tão frequente nos nus femininos.

Interpreta-se a Pandora de Cousin como imitação da Venus de Ticiano.

III - Holandeses renascentistas do século 16.

3911y873.

874. Já tinham no século 16 os pintores holandeses uma considerável tradição


atrás de si, ao contrário do que acontecia na vizinha Alemanha, que somente
agora despertava para a Renascença.
Desenvolvia-se também a Holanda para uma expansão política que não
demoraria a ser internacional.

Destacaram-se os pintores Jeronimus Bosch e Pieter Brueghel.

875. Jeronimus Bosch (c.1450-1516) praticou uma pintura surrealista, em que


a imaginação certamente lhe foi facilitada pela grande presença ainda então da
fantasiosa obsessão popular medieval do homem em perigo, obsidiado por
demônios, sujeito a ser levado para o Inferno, povoado de monstros, animais
estranhos, metade gente e metade animais e outras fantasias sobre a existência
de um demônio chifrudo.

Com esses recursos Bosch criou uma pintura surrealista até então sem igual em
originalidade e composições imprevistas, havendo semeado sobre as telas uma
abundância enciclopédica de tais figuras.

Não há registro de datas nas criações de Bosch. Mas, pela análise interna e
destinatários se fixam sequências aproximativas. Uma das primeiras grandes
realizações terá sido Os sete pecados capitais; o rei Felipe II a fez pendurar em
seu quarto de dormir, conservando-se ainda hoje no Escorial.

São também apreciáveis, e sempre de fundo religioso: Jardim das delícias, ou


o Reino Milenar (Prado); Tentação de Santo Antônio (Lisboa, c.1500); Ecce
homo (Frankfurt).

De fundo moral e crítica social: O filho pródigo (Rotterdam, 1510); Carro de


feno (Prado), Morte do avaro (Bruxelas).

Mas foi mesmo por causa dos temas fantasiosos que os modernos, sobretudo os
surrealistas, retiraram a Bosch do esquecimento em que caíra e se encontrava
ainda no século 19.

876. Pieter Brueghel (c.1528-1569) estudou a pintura com um discípulo de


Bosch. Depois de passar pela Itália, radicou-se em Bruxelas, ali criando a maior
parte de suas obras.
Com um novo perfil retomou o mundo fantasioso de Bosch, destacando a
natureza, criando paisagens e valorizando o folclore flamengo. Transpôs temas
clássicos ao gênero popular.

Foi mais vigoroso e monumental que Bosch. Foi mesmo o mais original dos
flamengos do século 16. Como maneirista praticou a técnica de alteração do
espaço, que, para os clássicos era apenas um espaço homogêneo.

Na pintura de paisagem Brueghel se destacou em Os meses (Viena 1565).

Em temas populares: Casamento rústico (1568), Jogos infantis (1560), Dança


camponesa (1568), Caçadores na neve (1565) (todos em Viena), Provérbios
flamengos (Berlim, 1559), em que expressou com sua competência de filho de
camponês, que ele mesmo era, a alegria franca do homem rural holandês ou
flamengo.

Em cenas religiosas ou antigas: Massacre dos inocentes (Viena, 1566), Torre


de Babel (Viena, 1563-1569), Queda de Ícaro (Bruxelas), Adoração dos
reis (Londres).

Em temas demoníacos: Queda dos anjos rebeldes (Bruxelas, 1567), Margarida


a louca (Antuérpia), Os vícios (1556-1557), Dulle Griet (1563-1569), Parábola
dos cegos (Nápoles, 1568), Triunfo da morte (1562-1563).

IV - Renascimento na Alemanha.

3911y878.

879. O Renascimento Clássico desenvolveu-se na Alemanha sem ter tido atrás


de si aquela tradição de um longo século, como na Itália.

Nem teve as mesmas preocupações estéticas da beleza plástica italiana,


ocupando-se mais com a beleza do caráter. Apresentou-se com toques
românticos e com fisionomia nórdica.

As guerras políticas e religiosas impediram o desenvolvimento pleno do


Renascimento alemão.
880. Albert Duerer (Nuremberg 1471-1528), viajando cedo à Itália, assimilou
ali os módulos clássicos.

A gravura sobre cobre de Adão e Eva (1504) é uma produção de formas


expressivamente clássicas, ainda que se possam ver nelas influências
geométricas. Seu Auto-retrato apresenta agradável grandeza e não sem volume
pictórico.

881. Holbein (1497-1543) também esteve na Itália renascentista e por último


na Inglaterra.

Foi retratista de grande conteúdo psicológico. Deixou para a história os retratos


interiores de Henrique VIII (1540) e Erasmo.

882. Matias Gruenewald (1460-1528), pintor de profunda paixão interior.


Colorista de gloriosa claridade, outras vezes de uma atmosfera abismal de
penumbras, estranhamente patética e violenta.

Seu expressionismo alcança os temas interiores com clareza abismal,


notadamente os religiosos e místicos. O seu famoso retábulo de Isenheim
contém detalhes apreciáveis: A Crucificação, São João Evangelista, A
Virgem e Madalena.

Explorou o realismo repugnante, como se observa em Tentação de Santo


Antônio e em Crucificação.

883. Lucas Cranach (1472-1553), conseguiu representar a graciosidade da


figura feminina, mal repousando no solo, braços dançantes, cabeça indefinível.
É o que se observa em Vênus (Leningrado, 1509).
Tornaram-se famosos seus nus sem sensualidade, de que é também um
exemplo a mencionada Vênus.

Os nus eróticos aparecerão numa outra fase como as Vênus de Roma (Frankfurt,
1532) e Munique, e sua obra Ancião e uma cortesã.

Alongou as figuras femininas, para aumento de sua esteticidade, como


em Vênus e Amor (Berlim), em que Amor, pelo seu mínimo de altura aumenta a
impressão esguia da moça.

Criou também o retrato de Lutero (1529). Assim também de A filha de Lutero (Paris)
e O julgamento de Páris (1529).

§7. O estilo barroco

(1600 - 1710).

3911y885.

886. Introdução. Iniciado na Itália, o barroco logo se expandiu, podendo-se


estudá-lo por países:

- Barroco na Itália (vd 891);

- Barroco nos Países Baixos (vd 895);

- Barroco na Espanha (vd 900);

- Barroco na França (vd 905).

A preocupação do artista barroco se concentrou no tema da dinâmica geral,


fosse da vida, fosse da natureza, fosse das idéias, fosse das vontades. Nessa
dinâmica via também o contraste: a vida contra a morte, os elementos da
natureza em conflito, as idéias em luta de ideologias, as vontades empenhadas
no bem e na resistência ao mal. Deus ou o Diabo. Ser e não ser.
A verdade do barroco é, pois, a tensão, a qual deve ser expressa na arte,
representando pois a mesma tensão das coisas em permanente conflito. Aliás, a
arte é mimese; a arte expressa as coisas imitando-as.

O conflito de forças, o perpétuo vir a ser, o tumulto dos elementos, a agitação


das idéias e a perplexidade diante do bem e do mal, somente se podem exprimir,
- no entender do artista barroco, - por um outro conflito de forças, por um outro
vir a ser, por um outro tumulto de dois elementos, por uma outra agitação de
idéias e por uma outra perplexidade diante do bem e do mal.

Expressar com equilíbrio é expressar o inexistente; não é expressar a verdade.


Os classicismos de toda a espécie são estilos da mentira. Somente se validam se
o objetivo por o ideal como um objetivo de vida.

Não quer o homem barroco por objetivo final um puro vir a ser; também ele
aspira alcançar o repouso final. Todavia, este repouso ainda não chegou. A
verdade efetiva é o conflito, a oposição dialética dos opostos em luta.
Consequentemente a arte, quando reflete a realidade como seu significado, é
uma arte de tensões. O barroco está com um tema certo, que o define como
estilo.

Entretanto, a convicção por algum tempo vigente era a de o barroco houvesse


sido um falseamento da arte. A denominação corria até como pejorativo. Com
o surgimento da arte contemporânea (impressionismo e expressionismo) na
segunda metade do século 14, que tem afinidades como o barroco, bem como
com o maneirismo, começou uma reavaliação de conceitos. Mas, ainda para
Jacob Burkhardt e Benedeto Croce o estilo barroco é uma arte decadente e de
mau gosto.

A reavaliação se deve aos estudos de Cornelius Gurlitt, Carl Justi, Heirnrich


Woelfflin, Werner Weisbach, restituindo ao estilo suas categorias formais.

887. Os barrocos podem variar em função a uma interpretação que se dê à


dinâmica das coisas.

Ela poderá ser emocional, como o caráter luxuoso do culto católico da contra-
reforma até a entrada do século 20.

Poderá ser também ao modo da convicção racional, como se pratica a


propaganda na televisão.
Nos pintores se observam variados barrocos:

- o de Miguel Ângelo (se é que já foi um barroco) é a dinâmica da vida pensada


ao modo do engenheiro;

- de Rubens e a de corpos roliços expressando exultação em meio de


planejamentos descontraídos;

- o de Rembrandt é de clima espiritual;

- o de tantos outros é o de liberação de excelências sensuais; de conquista de


colônias, etc.

As tentativas de revigoramento espiritual de iniciativas dos reformistas


protestantes, ou dos contra-reformistas da Igreja-Católica constituíram-se em
movimentos capazes de dinamizar importantes camadas populares e políticas,
que se degladiaram por um século.

Dentro das tensões religiosas e políticas resultantes, o estilo barroco encontrou


clima favorável de manifestação. Aconteceu também o esforço dialético dos
países colonialistas europeus, dali resultando não só a expansão dos conflitos
religiosos europeus e a difusão do cristianismo com colorido ocidental, mas
todo um clima político favorável ao contexto temático do barroco.

888. Descrito exteriormente, como a primeira vista se apresentam as obras de


pintura dos artistas barrocos, eles são de uma notória profundidade no espaço
(sem a frontalidade plana).

Tem formas abertas sequencialmente (não fechadas, como que concluindo o


todo).

Apresentam grande unidade de coesão dos elementos que participam da


composição (sem dispersão) ou multiplicidade dos temas). Tudo se envolve
numa claridade relativa controlada pelo claro-escuro.

Fugindo à cor única e repousante, o barroco em pintura foi quase sempre


policromia abundante, numa dialética em que participam todos os contrastes.
Associa-se ao desenho flamejante e tumultuado. As linhas curvas e fluentes, ao
mesmo tempo que fecundas, desenvolvem-se na composição, que produz
impressões ousadas de perspectiva, colunas em torcimento, balaustradas que
enriquecem, grandes cortinados e de considerável efeito pictórico.

Prefere evidentemente o barroco o que está em movimento. E se algo não está,


concebe-o em tensão. Firmamentos azuis ou largamente enublados participam
da composição grandes paisagens favorecem o efeito das cores e das formas.
As nuvens se avolumam.

Dissolvem-se as fronteiras entre as paredes e o teto. Aberturas atingem também


o teto. As cúpulas movimentam o teto e se desdobram em aberturas e interiores
decorados.

889. O barroco nasceu em Roma, particularmente do ponto de vista


arquitetônico. Era ainda a Roma capital dos Estados Pontifícios, onde tudo
convergia para a pompa do Pontífice. Iniciava pois o barroco em lugar propício.

Encontrou imediatamente o clima no colorismo e claro-escuro da pintura


maneirista da Itália, então ainda dividida em vários países, nos quais dominava
a pompa dos príncipes.

Encontrou o barroco também destaque nos Países Baixos, na Espanha e


Portugal, de modo geral nos países católicos e respectivas colônias.

Por último derivou para o exibicionismo do estilo rococó (vd 909).

I - Pintura barroca na Itália.

3911y891.

892. Sem ter ainda este nome, a pintura barroca começou em Roma com a
tumultuada contestação de Caravaggio ali aparecido pela volta de 1590,
praticando um claro-escuro, que deu aos seus liderados a denominação
de tenebrosi (=os tenebrosos). A pratica então dominante em Roma era a do
maneirismo, equilibrando formas de Rafael e de Miguel Ângelo.
Ao mesmo tempo atuava em toda a Itália o prestigio manierista dos Carraci de
Bolonha, cuja Academia, entretanto, se inclinou logo também para a diretriz
barroca.

Dentre os três Carraci - Anibal, Lodovico, Agostinho - era o primeiro o mais


significativo pintor. Desta escola mencionam-se os discípulos mais importantes
Guido Reni e Guercino, tendo este último aderido aos pontos de vista de
Caravaggio.

A influência de Caravaggio se estende ainda mais amplamente. O Espanhol


Ribera encontrava-se em Nápoles e, a partir dele, influenciado por Caravaggio,
o barroco penetrou na Espanha.

A influência do novo estilo alcançou Rembrandt na Holanda, através de


Honthorst.

Também Rubens transitou por Roma.

893. Caravaggio (1573-1610), cujo nome é Miguel Ângelo Merisi. Fez-se


todavia conhecer pelo nome de sua cidade natal, Caravaggio, junto de Milão.
Estudou nesta outra cidade. Depois de transitar por Veneza, fixou-se finalmente
em Roma, por volta de 1590. Espírito altamente contestador, apaixonado e
impulsivo, rejeitou os modelos clássicos antigos, para buscá-los nas tabernas e
na natureza.

Não podendo estabelecer-se só por conta própria, trabalhou para o pintor


Giuseppe Cesari. Contratado por um Cardeal, realizou também quadros
religiosos, todavia as vezes rejeitados, porque na verdade eram modelados
pelos homens como eram efetivamente encontrados no meio contemporâneo.

Membro da Academia de São Lucas, parecia que Caravaggio se ia firmando,


até que, por causa de suas animosidades, se envolveu num homicídio em 1806,
quando teve de refugiar-se em Nápoles, então de domínio Espanhol. Passando à
Ilha de Malta, prosseguiu suas criações, para de perecer prematuramente, aos
37 anos.

Obras significativas: Descida da cruz (Vaticano), Morte da Virgem (Louvre).


São consideradas obras primas de Caravaggio três telas da Igreja de São Luís
dos franceses em Roma: Vocação de São Mateus, São Mateus e o
Anjo, Martírio de São Mateus.

Adverte-se ainda para Conversão de São Paulo e Martírio de São Pedro, da


Igreja de Santa Maria del Popolo em Roma, em virtude do claro-escuro
misterioso e os gestos mais violentos verificados naquelas composições.

A expressividade barroca, de realismo cru, contrastando com a idealização da


composição harmoniosa de até então, se verifica na Pietá (Vaticana), em
lamentação veemente, e na Morte de Maria (Louvre).

Os tipos populares estão manifestos em Baco (Florença), Madona do


Rosário (Viena) e Madona dos palafreneiros (Roma), em que, no caso das
madonas, os seus veneradores são populares. Também outros personagens
bíblicos são apresentados com tipos vulgares.

II - Barroco nos Países Baixos.

3911y895.

896. Depois de 1609, as tréguas entre a Espanha e os Países Baixos, oferecem a


estes, ainda que divididos agora, oportunidade de progresso notável.

No Sul católico (Bélgica) a arte da pintura barroca teve seu expoente máximo
em Rubens (1577-1640), tendo por discípulos Van Dyck e Jordaens.

No Norte (Holanda) a grande figura está em Rembrandt (1606-1669), ao lado


de Franz Hals e Vermeer de Delft.

Comparando, talvez no barroco belgo-flamengo a nota seja a de mais


vivacidade, que o do holandês mais calmo.

897. Rubens (1577-1640), havendo nascido em Siegen, na Westphalia


(Alemanha), viveu em Antuérpia, na Bélgica. Trabalhou longos anos na Itália.
Esteve também em Paris e Espanha.
Expressou-se com possança imaginosa e viril. Admite ser comparado a Miguel
Ângelo, sendo todavia mais quente e pictórico. Rubens foi toda mais animado e
barroco do que este.

Assimilou o colorismo dos venezianos e a técnica dos flamengos, formando um


estilo pessoal.

A temática de Rubens se projeta com luz, energia, movimento, vitalidade,


saúde mental, profundeza de alma. As figuras são titânicas e fortes; têm
impulsividade dramática, força muscular abundante, o que se exprime em
formas imensas e luz sem medida, até mesmo nas atuantes figuras femininas.
Tudo em todos é vitalidade, energia e graça vigorosa, elegância forte e muita
beleza

As 3000 obras de Rubens são todavia de valor desigual, mas nenhuma é


medíocre.

São obras extraordinárias: Adoração dos Magos (Museu do Prado,


1609); Quermesse (Louvre, 1636-38); Jardim do Amor (Museu do Prado,
1632-34).

Os motivos clássicos antigos receberam um tratamento peculiar da possança


imaginosa de Rubens, do poderio, do titanismo, da dramaticidade, que se revela
em volumes entumescentes e cores abundantes ao modo barroco.

Rapto das filhas de Leucipo (Munich, 1615-1617) é um vigoroso redemoinho


de formas rolantes de volumes femininos, homens e cavalos, de que todos
participam.

O estado interior permanente e não só o momento instantâneo é alcançado por


Rubens em seus retratos. Neste sentido, se aprecia Helena de Fourment (Viena,
1638), que faz transparecer na luz fisionômica a ternura íntima do estado de
alma permanente desta mulher.

A frescura própria da idade dos onze ou doze anos aparece também no retrato
dos filhos Alberto e Nicolau (1625), de Rubens.
898. Rembrandt (1606-1669) holandês, inicialmente em sucedido com os
rendimentos de seu quadros, caiu na pobreza, porque foi um gênio
incompreendido pelos seus contemporâneos. Na verdade, porém, foi um dos
pintores mais admiráveis de todos os tempos, sobretudo no que diz respeito à
expressividade interior.

Operou mediante o claro-escuro, fazendo desaparecer contornos, com o fim de


despertar perspectivas de interesse, inclusive das manifestações profundas.
Preocupado com o mundo invisível, infundiu sentimento aos objetos materiais.
Em si mesmos pouco significativos, foram valorizados na pintura de
Rembrandt.

Haja vista a Lição de anatomia (1632), o Boi esfolado (Louvre), ou as


paisagens holandesas.

Em Peregrinos de Emaús (Louvre), exprimiu até mesmo a sensação de silêncio


dos dois a escutar o desconhecido.

Bethsabé no banho (Louvre, 1654), ao ouvir as declarações de amor de David,


manifesta um olhar de sonho, ainda que surpreendida desnuda.

Foi sempre muito anotada a coesão moral e não apenas a forma das
composições de Rembrandt. A atenção concentrada une os Síndicos dos
tecelões (Museu de Amsterdam, 1661). O mesmo ocorre na Lição de anatomia,
que representa os olhos na direção do interesse da lição. O claro-escuro,
processo adotado por Rembrandt, foi, aliás, sempre um processo adequado para
eliminar os objetos e áreas que não participam da obra.

Entre as grandes obras de Rembrandt, é apreciada ainda Filósofo em


meditação (Louvre).

III - O barroco na Espanha.

3911y900.

901. A pintura espanhola se destaca a primeira vez a partir do barroco, numa


época em que seu relacionamento político se estendia à Nápoles e à Holanda.
A partir do colonialismo espanhol o barroco se espalha por todas as suas
colônias na América. Dali também penetra Portugal e Brasil.

Destacaram-se primeiramente como pintores barrocos da


Espanha, Ribera e Zurbaran, seguidos depois por Murilo, Velasquez.

Um certo realismo e impressionismo destes pintores influirá futuros


modernistas.

Ribera (c.1588-1652), da província de Valência se transferiu jovem para


Nápoles, então sob o domínio espanhol. Não retornando embora, muitos dos
seus quadros foram enviados para a Espanha.

Sob a influência barroca de Caravaggio, foi, em uma primeira fase, um pintor


realista e dramático, com vigorosa expressão. Estas qualidades bem se
observam em seu Martírio de São Sebastião (Museu do Prado).

Inaugurou um novo período em 1635, quando deixou seu claro-escuro inicial e


suas fortes pinceladas, em troca de um colorido mais suave e doce. A este estilo
pertencem Adoração dos pastores (Louvre), Santa Inês (Desden), Anão
coxo (Louvre), o curioso Retrato de uma mulher barbada (Toledo), A sagrada
família com Santa Catarina (Metropolitan Museum of Art, N. York). Pinta
figuras mitológicas, além de populares e da corte a que servia.

Zurbaran (1598-1664), da corte de Felipe IV. Em pintura foi místico, colorido,


suntuoso, sóbrio em relação ao barroco, na segunda fase mais suave que na
primeira. Preferiu temas religiosos como a Virgem e os Santos (São Tomaz,
São Boaventura), penitentes. Em assuntos profanos: Trabalhos de Hércules.

902. Murilo (1617-1682), de Sevilha, por último viveu em Madrid. Seus


quadros foram objeto da pilhagem napoleônica à época da invasão francesa da
Espanha.

Gozou de grande popularidade no período da contra-reforma católica. A crítica


não admite mais sua elevação ao mesmo nível de Zurbaran e de Velasquez.
Afigura-se a arte de Murilo à de Corregio e antecipa elementos do rococó.
As vezes superficial e ingênuo, pintou com doçura, graça e simpatia os temas
populares e cristãos. Embora realista, imprimiu um tom levemente místico à
expressão.

É apreciável como exprimiu a ternura nos temas da infância de Jesus e de São


João. Chamou-se-lhe mesmo (ainda que sem suficiente fundamento) de "Rafael
Espanhol".

Caracteriza na tela tipos populares, como em Meninos comendo uvas e melão.


Citam-se como notáveis: A Imaculada Conceição (Prado), A cozinha dos
anjos (Louvre).

903. Velasquez (1599-1660), o maior pintor espanhol do século 17, esteve


duas vezes na Itália (1629-31, 1649-51), evoluindo sob esta influência.

Um realista, não imprimiu sentimento místico às figuras; mas o seu realismo se


exerce com sobriedade.

Impressionista embora, captou os objetos tais como se apresentam. O


impressionismo se observa nas áreas coloridas, em que a luz cintila quase como
pequenas vírgulas, ora nos bordados e galões, ora nas fitas e jóias, quando não
na mesma pele. Seu impressionismo acentuou-se no final da vida e
entusiasmava depois a Monet.

Orientando por esta linha realista e impressionista, Velasquez construiu os


objetos da mitologia clássica em fisionomias espanholas.

Excelente retratista, os seus temas foram os da corte de Felipe IV, a quem


retratou em diferentes oportunidades, as vezes individualmente, outras com a
família. Tem-se apreciado As meninas (Prado, 1656), em que a Infanta
Margarida aparece em primeiro plano e contrasta com as outras figuras; o
virtuosismo é pictórico, sem sair do real e sem ingresso no místico.

Outras obras apreciáveis: A túnica de José (Escorial, 1630), A forja de


Vulcano (Prado), As lanças ou A rendição de Breda (Prado, 1634-
1635), Coroação da Virgem (Prado, 1641), Esopo (Prado, 1636).
Venus ao espelho (Londres, 1651), o único nu de Velasquez, tem sido
interpretado como uma réplica a Tintoreto, mas conservando ainda a frescura
do realismo e certo caráter fisionômico espanhol. A largura dos espaços lembra
o ritmo das sucessões pictóricas e de formas de Tintoreto, sem dúvida.

IV - O barroco na França.

3911y905.

906. O barroco penetrou na França por artistas inspirados em Caravaggio


(vd 893) que utilizavam seu penumbrismo claro-escuro.

O primeiro a inspirar-se nesta linha foi Le Valentin, sóbrio autor de Judith


(Tolouse, c.1620).

Mais representativo foi Georges de la Tour (1593-1652), de tendências místicas


e simbólicas, autor de São Sebastião lamentado por Santa Irene (Berlim,
1640), O recém-nascido (Louvre, 1640).

907. Não aconteceu no barroco francês a dramaticidade emocional dos


barroquistas italianos.

Terminado em 1620 o Palácio de Luxemburgo em Paris, veio decorá-lo Rubens


(vd 897), que, em consequência orientou parte do barroco francês para o estilo
flamengo.

Nesse período trabalhou também o pintor Nicolas Poussin (1594-1665), autor


de paisagens e temas históricos. É considerado o principal mestre do
classicismo francês desse tempo. A partir de 1640 está em Roma.

§8. Estilo Rococó, em especial na França

(1720 - 1780).
3911y909.

910. No curso do século 18 o barroco, ainda que não o de todos os artistas,


derivou para criações fantasiosamente galantes e decorativas, explorando a
beleza graciosa, frequente até nas coisas fúteis, delicadas curvilíneas. Esta
beleza, ou graça, ou esteticidade pode encontrar-se nas festas galantes, idílios
campestres, episódios da velha mitologia, mesmo na religião dos crentes atuais,
e nas coisas sérias.

Não está correto definir o rococó como o estilo do fútil em si mesmo. Mas
poderá ser um estilo da beleza leve e graciosa, que eventualmente pode estar
tanto no fútil como no sério. Assim concebido, o rococó é um estilo autêntico
de objeto perfeitamente formalizado.

Há espíritos que são dominantemente rococó, e assim também poderá haver


épocas mais rococós. Mas normalmente também o espirito profundo aprecia na
totalidade dos seus interesses a graciosidade da beleza, encontradiça na
galanteria, no idílio, na coqueteria, na ingenuidade, inclusive religiosa.

O dia a dia está cheio destas coisas vazias. Elas podem ser vazias, mas são
suficientemente cheias para as um grande número das pessoas elegantes, que
transitam ostentando o fino do bem vestir e a expressividade corporal estudada,
até mesmo na maneira afetada de falar.

O belo é o preferido, já dizia Aristóteles. Esta frase antiga é a filosofia do


rococó, com a diferença que este estilo busca o belo gracioso, mesmo nas sem
importâncias da vida, nas coisa leves e fáceis, numa aparente super valorização
do fútil; mas não é o fútil, que é valorizado, e sim o belo nele contido, ainda
que por vezes só na graciosidade de suas linhas, formas e cores.

O virtuosismo do rococó não pode ser julgado, em função da coisa que é


graciosa, mas do gracioso em si mesmo. É neste plano, que o artista se propõe
destacar, que se julga a sua arte. Este tratamento, poderá ser profundo, apesar
de a coisa por baixo seja fútil. Esta profundidade é o que fez serem grandes
alguns dos artistas do rococó.

911. O estilo rococó tem dois planos de manifestação, o pré-artístico (ou do


portador da arte) e o propriamente artístico (a expressão mesma da arte).
No instante pré-artística o estilo rococó simplesmente explora a esteticidade da
graciosidade. Neste momento não atinge a arte em sentido estrito, pois ainda
não contém um conteúdo de significação temática.

Nesta condição pré-artística o rococó nasceu na arquitetura e sobretudo nela se


desenvolveu. O pré-artístico também ocorre em todas as artes, que podem
explorar a esteticidade pura e simples das cores, formas plásticas, sons musicais,
as palavras.

A música foi sempre antes de tudo apreciada pela esteticidade pura e simples
dos sons. Não acontece o mesmo com a pintura e a escultura, formas artísticas
que, além do significante material, tratam também da significação, expressando
conteudisticamente algo. Expressar graciosamente aos objetos, eis onde está o
estilo artístico rococó propriamente dito.

912. O rococó foi sobretudo o estilo da França do século 18, onde recebeu o
nome: estilo rocaille. Este nome lembra rocha (= roc) e incrustações de
conchas (= rocaille), o que sugere a origem do mesmo na arquitetura, dali
passando ao uso da escultura e pintura.

Também foi chamado estilo Luís XV, rei da França de 1715 a 1774. Ainda se
fez conhecer como estilo de regência, pois tendo Luís XV sido declarado rei
aos 5 anos, aconteceu uma regência, que durou de 1715 a 1723. Mas os
primeiros sinais do rococó já se manifestam na construção do palácio de
Versalhes pelo anterior rei Luís XIV, quer na arquitetura, quer na pintura.

Sucederam-se quase pelo espaço de uma geração os três grandes pintores do


rococó francês: Watteau, Boucher, Fragonard. Estão sob a influência anterior
do barroco flamengo de Rubens e dos coloristas venezianos, criando todavia
em estilo próprio.

913. Jean-Antoine Watteau (1684-1721), pintor de espírito poético na linha


do fantástico e onírico, foi aproveitado pelos decoradores das festas nos
palácios de Paris. Estudou os colorismos de Rubens e dos italianos Ticiano e
Veronese.
Realizou seus melhores trabalhos na ultima década de sua vida, que foi curta, e
com estilo próprio. Pintou com linhas delicadas, ainda que vibrantes e nervosas,
ao estilo gracioso do rococó.

A tela contém uma atmosfera envolvente, integrando os personagens na


composição do todo. Neste sentido é apreciável Reunião no Parque (Louvre).

Nas telas deu vida ao vestuário suntuoso da época. Neste particular sabia como
imprimir aquela ligeira desordem pela qual o corpo consegue deixar que
adivinhem sua graça.

Não obstante criou dois nus: Julgamento de Páris (Louvre), Júpiter e


Antíope (Louvre).

Das festas galantes retratadas são: Parque de St.Cloud (Prado), Casamento


Campestre (Prado), Festa Veneziana (Edimburgo), O embarque para
Citera (Louvre).

Watteau, que era um introspectivo, retratava como espectador inteligente e que


goza esteticamente com profundidade a graciosidade fluente do que tem diante
dos olhos.

914. François Boucher (Paris 1703-1770), depois de aprender de Watteau,


ainda visitou a Itália, onde conheceu as obras de Tiepolo, o herdeiro dos
coloristas venezianos e criador do decorativismo rococó da península.

Pintor do rei da França e de Madame Pompadour, o estilo de Boucher, além de


decorativo, sensível e erótico, se tornou monumental nos palácios de Versailles,
Louvre, Fontainebleau.

Fez o retrato de Madame Pompadour (coleção Rothschild, Paris).

São representativos da fase galante da pintura francesa, do espírito grácil do


rococó e da fineza pessoal de Boucher, os quadros: Nu sobre o
sofá (Munich), Encanto da vida campestre (Louvre), Diana após o
banho (Louvre).
915. Jean’-Honoré Fragonard (1732-1806) estudou com Chardin e Boucher
em Paris, com estadia em Roma de 1756 a 1761, praticando a pintura com
perfeito conhecimento dos grandes coloristas.

Com um erotismo suave e delicioso pintou para a clientela da burguesia e


nobreza da capital francesa.

São apreciáveis: Beijo furtivo (Leningrado), Mulher retirando a


camisa (Louvre), As banhistas (Louvre) Rinaldo nos jardins de Armida (Col.
Particular, Paris). Pintou também quadros para a sala de jantar de Luís XV em
Versailles e para o palácio de Madame Pompadour. O virtuosismo com que
Fragonard maneja os tons da cor e as sombras coloridas, as silhuetas e os
fundos, prenuncia os modernistas.

916. Fora da França houve sinais de rococó na pintura de vários países.

Na Itália destacou-se como pintor de estilo rococó o veneziano Giambattista


Tiepolo (1696-1770), com encomendas nas mais diversas cidades da península,
e fora dela na Alemanha e Espanha.

Na Espanha Goya principiou pintando no estilo rococó, fazendo-se depois um


realista.

§9. Estilo neoclássico.

3911y918.

919. A volta ao clássico, agora denominado neoclássico, se deu em


circunstâncias sócio-culturais e mesmo políticas diversas daquelas que geraram
o clássico do Renascimento.

Surgindo como reação em favor do clássico, os princípios deste já não


dispunham do embasamento filosófico tradicional. Os excessos do maneirismo,
do barroco e do rococó não tinham mais como ser desfeitos com o salto ao
extremo oposto. Se contudo este extremo oposto foi tentado pelo neo-
classicismo, não teve condições de durabilidade, ocorrendo um retorno
próximo ao centro, para o romantismo.

De agora para a frente o mundo tenderá para o liberalismo e a democracia,


ainda que tumultuadamente.

Em meio aos tumultos ocorrerão sempre as reações absolutistas, como por


exemplo o do absolutismo napoleônico contra a anarquia gerada pela
Revolução Francesa, de 1789. Em si mesma válida, esta revolução perdeu seu
curso normal, e acabou por abrir espaço aos excessos do absolutismo, ao
mesmo tempo que dava lugar aos extremismos do neoclassicismo.

Portanto, dentro do ponto de vista formal, ou filosófico, reafirmaram-se com o


neo-classicismo os conceitos universais e eternos, mas sem todavia reaquirirem
a mesma incidência dos conceitos universais e eternos, como haviam sido
estabelecidos na anterior filosofia, com base expressa em Platão e Aristóteles.

O racionalismo moderno não é mais o mesmo de antes. O novo racionalismo,


qual seja o do subjetivismo apriorista kantiano e idealista em geral, não é mais
ontológico.

Paralelamente cresceu o poderio do empirismo e positivismo, essencialmente


individualistas e contrário a qualquer absolutismo.

Convertidos os absolutos do idealismo filosófico em apriorismos do indivíduo,


a partir dali foi ocorrendo a gestação do romantismo, abalroando as bases do
neo-clássico.

Foi sobretudo no ambiente do idealismo subjetivo que se desenvolveu o


romantismo. Por isso, tão logo o frágil neoclassicismo ceder lugar no palco da
história da arte, o romantismo será o seu sucessor imediato. Nele se dissolverá
o neoclássico, até que finalmente, tudo deságue no realismo e modernismo.

920. Por fora do quadro artístico ocorreram reações sociais. Na Franca, o


crescimento das idéias liberais e republicanas deu origem à explosão
revolucionário de 1789. Contra os demandos desta mesma revolução, surgiu o
absolutismo reformador de Napoleão, que teve ação até 1714.
Ora, em função deste clima o neoclassicismo veio a se denominar
também Estilo Império. Passados estes fatores eventuais de geração do novo
estilo, passou o neoclássico a sobreviver, algum tempo, na oposição ao
romantismo, pelo qual foi contudo finalmente vencido.

921. As primeiras manifestações do neoclassicismo, opondo-se ao estilo


barroco e rococó, já se observam no Petit Trianon, realizado em 1762-1764,
com colunas jônicas, em meio ao conjunto palaciano de Versalhes, por
Jacques-Ange Gabriel.

A notável realização do Petit Trianon despertou o interesse pela harmonia e


proporção da arte antiga.

Também os novos achados arqueológicos criaram um novo sentimento de


simpatia pela arte clássica.

As escavações em; Herculanum se realizavam desde 1719. Em Pompéia, desde


1749.

Consolidam-se teoricamente as novas idéias sobre o antigo com a publicação


da obra de Frederico Winckelmann História da Arte Antiga (1766), ilustrando e
complementando seu anterior ensaio Pensamentos sobre a imitação das obras
da arte grega (1755).

Para Winckelmann a arte busca o belo; este não se encontra na natureza,


devendo ser procurado como idealização, o que a antiguidade clássica já havia
feito, e que se deveria agora retomar.

Em pintura, o neoclassicismo foi logo adotado por Vouet, que tem por
discípulo Jaques-Louis David, o que por sua vez teve também um grande
discípulo em Jean-Auguste-Dominique Ingres. Estes artistas exploram a
imobilidade majestosa e deixando a mobilidade do rococó a título de ilusória.

A filosofia destes neoclássicos firmou o rigoroso estoicismo da Velha


República Romana. O nu artístico praticado pelos neoclássicos não é o nu real
e movediço da graciosidade rococó, e sim o nu ideal. No mito e na alegoria é
mais fácil encontrá-lo. Dali resultou também o predomínio do desenho sobre a
cor e a eliminação da teatralidade, dos contrastes, das tensões, peculiaridades
ao barroco e ao rococó.

922. Jacques-Louis David (1748-1825), pintor parisiense que chegou a ser


deputado, e ficará no exterior, em Bruxelas, depois da derrota de Napoleão.
Estudou desenho com Joseph-Marie Vien, um egresso da arte rococó.

Por influência de Vouet, define-se pelo neoclassicismo em 1771, quando de seu


quadro Combate de Minerva e Marte (Louvre). Em 1772, por efeito de um
prêmio, partiu para a Itália, visitando as escavações de Pompéia. Seu
virtuosismo artístico o fizeram ser logo admirado como o chefe do movimento
anti-rococó, sobretudo a partir de O juramento dos Horácios (1784), que é
apenas um da série sobre temas da república romana.

Deputado da Constituinte, propôs a criação do Museu do Louvre. Votou pela


morte de Louis XVI.

Pintou cenas revolucionárias: O juramento do Jeu de Paume (Versailhes,


1791), Marat assassinado (Bruxelas, 1793), As Sabinas (Louvre, 1804).

Com a ascensão política de Napoleão, - ou seja, de; um gênio militar e político,


de um grande reformista, que deu combate também ao colonialismo inglês em
favor de um próprio, o francês, do qual se tornou o Imperador em 1804, -
tornou-se Jacques-Louis David, também este um político, o pintor oficial da
Casa Imperial, no mesmo sentido, como os reis anteriores tinham o seu.

Do período Império são: Sagração de Napoleão (Louvre, 1805-


1807), Distribuição das águias (.....), e um sequência de Batalhas.

Destacam-se também os retratos: Madame Recamier (Louvre, 1800), Napoleão


a cavalo (........).

Nos últimos trabalhos de Jacques-Louis David retorna ao severo


neoclassicismo anterior. Este aliás, por algum tempo parecia estar cedendo por
alguns sinais de romanticismo. Deste final é Marte desarmado por
Venus (Bruxelas, 1825).
923. Jean-Auguste-Dominique Ingres (1780-1867), pintor francês formado
no atelier de Jacques-Louis David. Seguiu em 1806 para Roma, ali
permanecendo 18 anos, sempre pintando sob a influência de Rafael.

Destacou-se no desenho, que é aliás peculiar ao neoclassismo, de que foi o


maior representante neste particular.

No seu período, - pois sobreviveu 42 anos a Jacques-Luis David, a dialética do


neoclassicismo já não é com o rococó, mas com romantismo, que tem em Paris
um dos seus representantes máximos em Delacroix. Para ali houvera Ingres
retornado por algum tempo Ingres. Mas seguiu de novo para Roma como
Diretor da Vila Medici.

Todavia, apesar de ser um neo-clássico, a espontaneidade do desenho delicado


e sensual de Ingres, o colocam muito próximo do romantismo.

Criou para a rainha Carolina, de Nápoles, uma obra prima: Grande odalisca
deitada (1814).

Outras obras: Rogério salvando Angélica (Louvre, 1819), O banho


turco (Louvre), A fonte (Louvre), A pequena banhista (Louvre), Venus
Anadyomene (Chantilly), além de inúmeros retratos.

924. Francisco José de Goya (1746-1828), pintor espanhol com um estilo


multifácies, que viveu ao longo do tempo que durou o neoclassicismo, cujas
qualidades ele tem, mas não se define apenas por elas certamente. Ele saiu do
rococó, no qual iniciou, e adiantou elementos do futuro, que já começava no
fim dos seus anos, com o romantismo, ao qual não se ligou, futuro que adiantou
também em relação aos impressionistas e expressionistas modernos.

Como colorista está relacionado com o final do barroco e rococó, explorando as


cores sobretudo para os efeitos severos e expressionísticos. Como desenhista
tem o poder dos neoclássico, tendo se encontrado em Toma como o chefe deles,
Jacques-Louis David. Retorna em 1774, trabalhando desde então para a corte
de Madrid, tornando-se enfim seu primeiro pintor em 1799. Em decorrência
pintou A família de Carlos IV (Prado, 1800) e outros retratos da nobreza.

Mas, desde 1792 Goya estava surdo, o que contribuiu para o seu
ensimesmamento, exploração de temas expressionistas, crítica social, um certo
caráter doutrinário, aliás próprio do intelectualismo do neoclássico. É a partir
de sua surdez, 1792, que ingressou na fase de suas grandes telas. Mantém-se
reservado durante a ocupação da Espanha por Bonaparte. Restaurada a corte
em 1814 por Fernando VII, o qual restabeleceu também a Inquisição. Goya que
houvera pintado duas majas (=moças) - Maja vestida e Maja desnuda (1800-
1805) - teve de responder ao interrogatório inquisitorial do porquê daquela
moça despida.

Sempre expressivo, Goya criou os retratos e cenas da corte como o reflexo da


vida interior dos personagens. Preferiu as pessoas em seu aspecto natural, sem
as sofisticações dos vestuários cortesãos da época, ainda que assim devesse
pintar os integrantes da nobreza. Tudo para Goya continha valor; mesmo
quando pintava figuras agrestes, as realizava com meticulosidade.

O realismo de Goya não inclui a alegria da vida, mas a severidade, como nos
quadros históricos Dois de Maio e Três de Maio (Prado, 1814, fuzilamentos
dos patriotas espanhóis pelos franceses).

A dureza aparece mesmo nos quadros religiosos como em Predica de Santo


Antônio (Ermida de la Florida, Madrid). Assim também a Maja desnuda é
selvagem comparada com as delicadas Venus dos coloristas anteriores.

Em direção selvagem, dura e macabra está Sábado das bruxas (Prado).


Selvageria e horror se apresentam em Os desastres da guerra (1810-1814).
Humor negro e alucinação absurda se revelam nas gravuras da
série Caprichos (1797-1798), uma sátira aos costumes e vícios sociais,
e Disparates ou Provérbios (c.1820-1824), sátira sobre as bruxarias e crenças
populares. A sensibilidade moderna está no realismo de A ferraria (1819).

926. Arte Acadêmica é a de estilo remanescente neoclassicista, resistindo as


inovações.

O nome "acadêmico", usado para denominar a orientação artística neoclássica


remanescente no curso do século 19 se diz em função a Real Academia
Francesa de Belas Artes, criada em 1664, por Luiz XIV. Portanto, diz respeito à
arte oficialmente ensinada na Academia.
Em todo o século 19 isto significava a arte neo-clássica. A arte acadêmica, no
sentido de arte remanescente, será combatida sucessivamente pelo romantismo,
realismo e finalmente pela assim chamada "Arte Moderna", que principia por
volta de 1870. O academismo, entretanto, resistiu e penetrou mesmo o século
20, sob suas diversas formas neoclássica, e depois ainda com elementos
românticos e realistas.

927. Academismo brasileiro. Victor Meirelles. Difundiu-se o neoclassicismo


por todo o mundo ocidental, havendo-se tornado a arte dos países novos da
América.

Neo-clássica foi a Missão Artística Francesa, de 1816, mandada vir por D.


João VI, para o Rio de Janeiro.

Desta missão nasceu o academismo brasileiro, de que são representantes Vitor


Meirelles (1832-1903) e Pedro Américo (1843-1905). São desenhistas exatos
como os neoclássicos e não colorista à maneira dos barrocos e românticos.

Vitor Meirelles, revela qualidades de composição geral da tela. É bom


desenhista, monótono nas cores, frio no contexto geral, como um neoclássico
(ou acadêmico).

§10. Estilo romântico.

3911y928.

929. O romantismo supõe em sua retaguarda uma concepção gnosiológica geral


sobre a mente, concepção que repercute sobre o agir humano e finalmente
também sobre a expressão artística. Neste sentido, a arte é o homem. Aos
poucos um novo homem fora concebido nos tempos modernos, e que na
passagem para o século dezenove gerou uma arte anticlássica.
Primeiramente as características desta arte se fizeram conhecidas pelo nome de
romantismo. Esta concepção de homem continuará a evolver-se, de sorte a
gerarem-se novas formas de arte anticlássica, o realismo, o modernismo.

Importa distinguir, na formalização conceitual do estilo romântico, aquilo que


lhe é essencial como anticlassicismo, daquilo que foram suas diferentes
realizações, que divergem por exemplo na França e noutros países. O essencial
o devemos de pronto definir, que é o seu anti-classicismo, em que confere
genericamente com elementos preexistente potencialmente no maneirismo,
barroco, rococó, e com elementos que vão persistir posteriormente no realismo
e modernismo.

A concepção gnosiológica a agir na retaguarda do romantismo é aquela em


virtude da qual a filosofia vem interpretando crescentemente a realidade a partir
do sujeito, em desfavor do objeto. O romantismo é o primeiro triunfo do
subjetivismo moderno. A filosofia moderna no seu primeiro período se dividiu
em dois movimentos, o racionalista de Descartes (1196-1650), dominante,
sobretudo na França, e o empirista de Francisco Bacon (1561-1726), de início
com ação na Inglaterra.

Para o empirismo ficara desde logo estabelecida a não existência de universais


a se imporem exteriormente como parâmetros e como espécies aos indivíduos.
Esta filosofia não foi desde logo atuante e nem coerente. No século dezoito o
empirismo se divulgou na França, e será inspiradora da Revolução de 1789.

A filosofia cartesiana, apesar de eminentemente racionalista por causa dos


universais que estabeleceu, introduzirá um fundamento subjetivista sobre o
objeto exterior, apesar de tudo ainda justificado. Progressivamente foi-se
subjetivizando o objeto exterior, reduzido finalmente por Kant (1704-1804) a
uma projeção meramente fenomenal, que a mente elabora com formas
apriorísticas.

Transformava-se o racionalismo realista em racionalismo idealista. A este


mesmo resultado havia chegado também o empirismo de Hume (1711-1776).
Passando o homem a ser o gerador da exterioridade, mesmo quando tomasse
características lógicas e apodícticas, a arte, como criação do homem, passava
também a ser entendida mui diversamente.
A fonte subjetiva da inspiração artística era um princípio vagamente presente
em todas as épocas, sobretudo para a poesia. Agora vai criando forma na
filosofia moderna e nas meditações dos teóricos da arte, bem como dos
próprios artistas. Esta formulação surge mais cedo em uns, que em outros, e
não se dá rigorosamente igual em cada país. Além disto, ela se desenvolveu em
uns a partir do racionalismo de Descartes e Kant, em outros a partir do
empirismo de Bacon e Hume.

Nem em todos acontece com a mesma clarividência. Além disto, conserva-se a


trincheira paralela dos neoclássicos, remanescentes sobretudo nas academias
oficiais, e por isso chamados também acadêmicos.

Desenvolveu-se entre os filósofos da arte a teoria do gênio, que, do fundo de si


mesmo, gera a concepção artística. Esta teoria encontrou amparo
principalmente nas filosofias idealistas panteístas, marcadamente da de
Schelling (1775-1854). Para este filósofo do romantismo alemão, a natureza e o
espírito se reduzem a um único absoluto indiferenciado, de dentro do qual tudo
se gera, inclusive a inspiração artística.

930. Pré-romantismo. Houve um período de gestação ideológica das bases do


romantismo do século 19 no curso do século anterior, isto é, 18, que hoje é
denominado de pré-romantismo. Tudo começa na Inglaterra sob a inspiração
filosófica do Conde de Shaftesbury, Anthony Ashley Cooper (1671-1713).

O clima agnóstico criado pelo empirismo levou a aqueles que por isso já não
acreditavam na indagação racional a buscar uma outra via de progressão, um
caminho alógico.

Este então se denominava senso comum (commom sense). A partir dali, o belo
passou a ser uma destas categorias não racionalizadas, conhecidas como senso
do belo (sens of beauty). Prepara-se consequentemente o ideário pré-romântico,
primeiramente a nível literário e logo também de pintura.

Na Alemanha o pré-romantismo teve como primeiros representantes teóricos,


sobretudo literários, Johann Georg Hamann (1730-1788), Maximilian Klinger
(1752-1831), Johann Herder (1744-1803), Schiller (1759-1805) e inicialmente
Goethe (1749-1832).

Fez-se conhecer então o notável movimento literário Sturm und


Drang (Tempestade e Ímpeto), dos anos 1760 a 1785.

Na Itália, por onde transitou Shastesbury, as idéias prerromânticas tiveram a


importante teorização de João Batista Vicco (1668-1744).

Na França se destacou o pré-romântico Jacques Rousseau (1712-1778), que,


apesar do predomínio classicista reinante, foi um firme sentimentalista.

Depois da gestação da ideologia do romantismo em um quase século de pré-


romantismo, surgiu ele fortíssimo, levando vantagens sobre o neoclassicismo,
sobretudo após Napoleão.

939. A pintura romântica abandonou a ênfase do desenho, no que reagiu


portanto ao neoclassicismo. Voltou ao colorismo do barroco mas com vistas ao
clima ambiente e não à tensão do movimento ou dos contrários em luta.
Acontece nisto alguma aproximação com a doçura de Rafael.

O tema peculiar do romantismo é o sentimento, como clima do indivíduo e


como atmosfera envolvendo a natureza. Valoriza consequentemente os motivos
nacionais, e a cultura popular, recuando mesmo às origens.

Para os europeus estas origens se prendem à Idade Média, que fica pois,
valorizada, inclusive sua arte gótica.

Para os americanos o tema é o vasto continente e o índio. Envolvidos no clima


sentimental romântico, o índio deixa quase de ser o que era, porque é visto a
partir do artista sentimentalizado.
Variam, pois, os temas quanto ao conteúdo, mas não no seu tratamento
subjetivo. Nestas condições há romantismos ocupados com a religião. Talvez
só na França o romantismo não esteja ligado ao religioso.

940. Eugéne Delacroix (1798-1863) foi o maior pintor romântico francês. Foi
talvez ainda o maior de todo o movimento romântico, pela superioridade
intelectual de conteúdo e pelo virtuosismo de sua expressão pictórica cheia de
emoção e energia.

Conseguiu seus resultados românticos com fortes contrastes de cores,


combinadas com um desenho adequadamente tenso e composição
movimentada, por vezes até turbilhonante.

Tendo estudado os clássicos na Escola de Belas Artes de Paris foi mais


influenciado pelo maneirista veneziano Veronese e pelo barroco flamengo de
Rubens.

Jovem ainda, foi bem sucedido no Salon de 1822 com Dante e Virgílio no
Inferno (Louvre).

Viajando pela Inglaterra (1825), Marrocos, Argel e Espanha (1831-1832)


aprendeu e coletou motivos para as suas criações.

Desde A morte de Sardenapalo (Louvre, 1827) foi visto como o chefe do


romantismo francês, em viva oposição com o neoclassicismo de Jacques-Louis
David e de Ingres.

Pintou temos tipicamente românticos: Fausto (Louvre, 1827), Hamlet (Louvre,


1834).

Referente ao episódio político de Julho de 1830: A liberdade guiando o


povo (1831). Executou obras para o rei, no Palácio Bourbon (1833-1836) e na
Biblioteca do Palácio Luxemburgo (1849-1861).

Também executou temas históricos como: Entrada dos cruzados em


Constantinopla (Louvre, 1854), referente à tomada daquela cidade em 1204.
Foi tenso e patético em: A caça aos leões (Boston, 1859), Cavalo atacado por
uma pantera (Louvre, 1860).

Da viagem à África resultara uma série de desenhos e aquarelas, que destacam


a luminosidade da região. Finalmente, criou a tela: As mulheres de
Alger (Louvre, 1863).

941. O romantismo, - melhor sucedido em pintura, literatura e música, do que


em escultura e arquitetura (renovação do gótico), - encontrou fáceis adeptos por
toda a parte, porque era senão uma retomada sob nova definição do movimento
maneirista, barroco rococó interrompido pelo episódio neoclássico.

Assim já acontecia desde o pré-romantismo na Alemanha, Itália, além do


sucesso na França de Delacroix.

Nos Estados Unidos da América desenvolveu-se também a pintura romântica.

Mas no Brasil persistiu o neoclassicismo tardio, ou acadêmico, praticado por


com Victor Meireles (vd 927) e Pedro Américo, todavia não sem algumas
tendências românticas.

§11. Realismo como estilo.

3911y943.

944. O realismo artístico, como estilo de pintura, começa em 1848, em Paris,


por ocasião da revolução, tendo como principal representante o pintor Gustave
Coubert (1819-1877), contrário ao neoclassicismo e ao romantismo. Deixando
o modelo idealizado e o sentimento, o realismo apresenta o objeto tal como é, e
não idealizado, nem como eventualmente percebido pela nossa subjetividade. O
realismo envolve também o homem como se encontra em sua realidade social,
tangível.

Ocorrem na pintura de todas as épocas criações realistas, mas sem uma


definição formal desse estilo, como acontece agora. O realismo de Coubert
consegue estabilizar-se e recebe importantes adesões, entre as quais são mais
significativas as dos pintores franceses Honoré Daumier (1808-1879) e Jean
François Millet (1814-1875).

No curso histórico em que se situa, o realismo de Courbet abriu caminho para


o impressionismo de 1870. Este não é senão um novo realismo, prestes todavia
a abandonar o próprio realismo impressionista em favor do expressionismo.

Dentro do realismo acontecerão formas outras e outras de realismo. Por


exemplo, o naturalismo, o verismo e o neorrealismo.

945. Gustave Courbet (1819-1877) pintor francês, filho de um viticultor, que


o desejava engenheiro, mas o deixou ir em 1839 estudar direito em Paris.
Acabou por tornar-se um autodidata da pintura, operando ainda em causas
sociais, movimentos de esquerda.

Foi já na década de 1840 que fez suas primeiras conquistas de espaço. Depois
de viagens pelos Países Baixos, instalou-se definitivamente em Paris, a partir
de 1848, sempre em ativismo social, discursos republicanos nos cafés, ligado
também a Beaudelaire, Proudhon, Champfleury, Henri Murger.

Contestando o neoclassicismo e o romantismo, pintou o que via ante os olhos,


ainda que sintetizando, pela eliminação do supérfluo, e organizando a
composição. Seu realismo é consequentemente objetivo e documental. Fixando
situações eventuais, não cria relações abstratas entre formas e linhas, nem se
preocupa como o ritmo das partes, fixando energicamente os detalhes.

Em 1844 conseguira Courbet fosse aceito um seu quadro realista no Salon de


Paris, Retrato com cão negro. Ganhou uma medalha de segunda classe, em
1849, no Salon pelo seu quadro Após o jantar em Ornans (Museu de Lille).
Compareceu ao Salon em 1850, com um motivo proletário: Quebradores de
pedra (Dresden), e ainda com Enterro em Ornans (Louvre).

Anos seguidos, ora é aceito, ora rejeitado, até que em 1855 instalou, em salão
próprio, 40 dos seus quadros. Acontece aqui um precedente do futuro Salon des
refusées instalado em circunstâncias semelhantes pelos impressionistas.

Courbet tornou-se um retratista apreciado. No gênero criara O


guitarrista (1845), O homem com cinto (Louvre).

Tornou-se notável, como crítica social, O encontro (Montpelier), um retrato do


autor e que passou a ser chamado também "Bom dia, Senhor Coubert"
(Bonjour, monsieur Courbet). Representa um seu criado saudando Coubert,
para significar o dinheiro saudando a arte.

Em 1855 havia enviado 11 telas à Exposição Universal, que depois levou para
a exposição particular. Foi então recusado um seu enorme quadro O
atelier (Louvre), por ele denominado "alegoria real". Nele estão retratados os
personagens do contexto do autor, contra e a favor. Ele mesmo está
representado no centro, pintando uma paisagem. À sua direita está Beaudelaire,
o poeta realista. Um boneco pendurado atrás do cavalete significa as ridículas
convenções artísticas. Simbolizando seu desprezo ao romantismo estão atirados
ao chão um chapéu de mosqueteiro e um violão.

Foi bem sucedido no Salon de 1860.

Viajou pela Bélgica e Alemanha (1858-1859), quando difundiu suas idéias.

Pintou uma temporada em Saintonge, em companhia de Corot, experimentado


paisagista de grande luminosidade e que influiu sobre os impressionistas.

Em 1865 Courbet deu lições a Manet e Whistle, este último um americano


fixado em Londres.

Cresceu Courbet ao ser eleito, em 1870, Presidente da Comissão dos Museus.

Recusou, com escândalo oficial, a condecoração da Legião de Honra, para não


a receber de Napoleão III.

Foi desmontada com sua participação a coluna de Vendome, por decisão da


Comuna de abril de 1871. Mas assim que o poder conservador se impôs, foi
condenado a seis meses de prisão. Condenado ainda a apagar a reconstrução,
fugiu em 1873 para a Suíça. Foram então seus bens e telas sequestrados para
aquele fim.

Não obstante, o realismo de Gustave Courbet, Honoré Daumier e Jean François


Millet teve prosseguimento, bem como novas modalidades, como o pré-
impressionismo de Manet (vd 951).

§12. Pintura impressionista.

3911y947.

948. Os impressionistas começaram como pintores de paisagem e se


caracterizavam como "pintores da maneira clara".

Enquanto os impressionistas usavam a pintura cromática, fazendo a umas


diferenciar as outras, os pintores do neoclássico tinham como técnica as
diferenças tonais, em que finalmente predominava o escuro como principal
diferenciador.

Esta técnica escura dos neoclássicos continuava ainda a haver nos realistas
Courbet e Daumier. O interesse de pintar ao ar livre dava oportunidade aos
impressionistas de determinar cuidadosamente a nova técnica, que inclusive
mostrava haver diferença na luminosidade dos objetos com a variação das
horas do dia e incidência da luz. A técnica de luz das paisagens foi a seguir
levada para a prática da pintura em geral, como retratos e interiores.

Os impressionistas contavam também com as experiências científicas de


Chevreul (1786-1889) e de Helmholtz (1821-1874) neste campo. Aplicaram à
pintura as influências recíprocas das cores.

Efetivamente realçam-se as cores complementares, quando postas uma ao lado


da outra, mais do que as cores análogas, que no disco se situaram lado a lado.
Esta simpatia pelas cores complementares introduziu, portanto, mais
rendimento pictórico, razão porque o artista as pode usar por um motivo
meramente plástico, desatento se na realidade objetiva elas de fato ocorrem em
tais combinações.

Equipados dos conhecimentos óticos, os impressionistas ficaram atentos às


modificações que a luz do sol produz na coloração dos objetos nos instantes
sucessivos do dia. Ocuparam-se em fixar estas variações, pintando aos objetos
dentro de seu momento luminoso.

Aboliram a condição preta da sombra porque também ela contém alguma luz.

A pintura impressionista é, não obstante, objetivista, isto é, ocupa-se com o


figurativo exterior, e não com o mundo interior. Não cuida da atmosfera
sentimental, como fazia a pintura romântica, ao envolver aos objetos, com a
sentimentalidade do apreciador. Mas retrata a pintura impressionista apenas da
atmosfera objetiva, como ela rebrilha de fato.

O expressionismo será posteriormente introduzido, ocorrendo com isso novas


formas de pintura moderna.

949. Quanto ao desenho, ele perdeu importância no impressionismo, embora


tenha um tratamento peculiar. Posto o destaque no cromatismo sob os efeitos
da luz, ocorrem rompimentos antes não vistos na arte neoclássica e realista.

Já não ocorre tanta diferença entre o desenho do impressionismo comparado


com o maneirismo, barroco e rococó. A avaliação do desenho terá
reconceituações em pintores modernos posteriores ao impressionismo.

Ocorreram fases no movimento dos "pintores da maneira clara". Dali as


expressões pré-impressionismo (1860-1870), impressionismo (1870-
1885), pós-impressionismo ( ou Neo-impressionismo) (1886-1920).

950. O Pré-impressionismo de 1860 a 1870, que já poderia ser denominado


um impressionismo em sentido amplo, não contém ainda aquilo que será o mais
característico do impressionismo, o rompimento luminoso das superfícies. O
Pré-impressionismo, de que Manet (1832-1883) foi como que o presidente,
descendeu diretamente do realismo. Buscando alguns destes novas maneiras de
pintar, descobriram o realismo impressionista.
As influências para o impressionismo derivam também dos românticos mais
sensíveis à luz, e que por isso foram considerados seus precursores.

Esta função de pré-impressionionistas é atribuída a dois pintores românticos


ingleses William Turner (1775-1851), autor de O grande canal de
Veneza (Nova Iorque, Metropoolitano), Fundação de
Cartago (Londres), Regata em Cowes (Londres, Museu Vitória e Albert), John
Constable (1776-1837), autor de O campo de trigo (1826), Cavalo
branco (1825). Ambos influíram sobre o maior dos românticos franceses
Delacroix (1798-1863).

As telas de Turner (1775-1851) influíram sobre Monet e Pissarro, quando estes,


durante a guerra de 1870, visitaram Londres. O tratamento da luz em telas
como Sol nascente no nevoeiro (1807), Geada Matinal (1813), Iates no
Solente (1827) lembram efetivamente o que os impressionistas levaram para
adiante.

Escrevia Constable:

"Aquilo a que atendo nas minhas pinturas é a luz, o orvalho, a brisa, a


florescência, a frescura".

Escreveu também Delacroix:

"Tudo se encadeia pelo reflexo. Pretende-se suprimir isto em pintura? Podemos,


mas há, então, um pequeno inconveniente. É que a pintura é suprimida de
golpe".

Introduzindo a separação das pinceladas, criou Delacroix a técnica própria dos


impressionistas.

951. Edouard Manet (1832-1883), francês, com muitas viagens, inclusive ao


Rio de Janeiro (1848), que, depois de não poder fazer carreira na Escola Naval,
dedicou-se à pintura.
Em 1863 fez uma exposição de 14 quadros, chocando negativamente ao
público. No mesmo ano o Salão rejeitou Le dejeuneur sur l’herbe (O almoço
sobre a relva, Louvre) como indecente. Ainda em 1863 criou Olímpia (Louvre),
aceito em 1865 pelo Salão, chocando este nu ao público pelo seu realismo.
Novamente foi recusado em 1866 ao apresentar O tocador de flauta (Louvre).

Voltou finalmente a ser aceito em 1873 com O copo de cerveja e O repouso.


Mas é somente em 1873 no período Argenteuil que Manet adota plenamente as
técnicas impressionistas das cores claras com pinceladas separadas, como se
constata em No barco (Nova Iorque, 1874).

Manet pintou com rápidas pinceladas. Esta é uma técnica empregada pelo
impressionismo sem ser ainda todo o impressionismo. Ocupou-se com a
matização da luz e da atmosfera, com ressaltes cromáticos, de onde mais uma
vez partirão os impressionistas, avançando até a falta de forma.

Os nus de Manet deixaram de ser alegóricos e mitológicos, como as Ninfas e


Venus dos pintores até este tempo dentro de certo modelado. Este novo nu
estava fora das estimativas morais da época, razão porque os responsáveis do
Salão de 1863 rejeitaram O almoço sobre a relva representando uma mulher
realmente nua, e chocou o público em 1865 diante de Olímpia também
realmente nua. Mudada a opinião do público, uma subscrição adquiriu em
1889 Olímpia para o Museu Nacional.

952. O impressionismo (1870-1885):


Manet, Monet, Degas, Renoir, Sisley, Pissarro. As raízes principais da
pintura moderna estão no impressionismo, preocupado com a luz dissolvente
sobre os objetos. Surgiu o movimento depois dos acontecimentos políticos da
França de 1870.

Ao realizar a primeira exposição em 1874, o impressionismo ganhou seu nome.


Um tanto por equívoco, assim chamou um crítico de arte a estes novos pintores,
que acabaram por aceitar o nome em vista de certa adequação.

O quadro de Claude Monet, intitulado Impression, soleil levant (Impressão, sol


surgente), apresentando uma cena de barcas num amanhecer de brumas,
mostrava formas a se dissolverem nas vibrações da luz. Fazendo crítica mordaz,
escreveu Louis Leroy sob o título "Exposição dos Impressionistas":
"Impressionistas na verdade! Estes homens agrestes, estes selvagens obstinados,
desdenham - seria preguiça ou incompetência? - terminar seus quadros.
Contentam-se em dar umas pinceladas para representar suas impressões. Que
farsantes. Impressionistas!".

Consolidou-se por algum tempo (1870-1885) o movimento impressionista,


operando com exposições: 1876 (já com a tabuleta "Exposição dos pintores
impressionistas"), 1877, 1879, 1870, 1881, 1882 (esta a primeira bem sucedida).

Dali o impressionionismo passou a exposições internacionais.

Em 1886 há uma exposição bem sucedida em Nova Iorque, sob o título "Works
in oil and pastel by the impressionists".

953. Pós-impressionismo (1886-1920). Quando da oitava exposição


impressionista em Paris (1886) já se via nascer o pós- ou neo-impressionismo,
entre os seus mesmos representantes, além de novos.

Num balanço, a situação gerada teve o seguinte desdobramento: pelas suas


adesões, o impressionismo cresceu de 1874 a 1878. Manteve-se ainda forte até
1885, a partir de quando o passo lhe vai sendo atravessado pelas primeiras
formas de expressionismo.

Mas persistiu, contudo, o trabalho dos remanescentes até cerca de 1920, além
da expansão para outros países, onde obedeceu a diferentes cronologias.

Em 1874, ano inaugural, o impressionismo era constituído de Monet, Degas,


Renoir, Pissarro, aderindo então também Manet e Cesane.

Mantiveram-se impressionistas ao longo de todo o curso histórico do


movimento: Manet e Monet.

Quanto a Degas e Renoir desenvolvem-se pessoalmente em novas formas


modernas.

Pissarro passou ao divisionismo e punctilismo de Seurat e Signac.

Também Cesane passou a um movimento novo, ao praticar o plasticismo, a


partir de onde ocorreram derivações para o expressionismo, até mesmo porque
Van Gogh, estabelecido em Paris de 1886 a 1890, foi influenciado sobretudo
por este pintor.

954. Claude Monet (1840-1926), pintor francês 8 anos mais novo do que
Manet, todavia com uma vida muito mais longa, tendo sido o apoio
principalmente do impressionismo, a que sempre foi fiel. Desde cedo bem
relacionado com os pintores de cores claras de Paris, Pissaro na Academia
Suíça, Bazille, Renoir e Sisley no Atelier de Gleyre.

No decurso da guerra franco-alemão (1870) recolheu-se à Londres, onde


conheceu a pintura luminosa de Joseph Turner (1775-1851) e John Constable
(1776-1837).

Antes de regressar à França em 1872, passou algum tempo na Holanda.


Trabalhou em atelier instalado num barco em Argenteteuil. Pintando com
feitura luminosa, sem os tons terrosos e cinzas, com pinceladas de cores puras
do prisma, pinceladas rápidas como se fossem vírgulas, Monet executou em
1872 o famoso quadro Impression, soleil levant (Impressão, sol surgente),
levado à exposição em 1874.

O chefe do impressionismo, de tantas criações anteriores à inauguração do


Salon d e 1874, continuou produzindo numerosas telas, dentre as
destacam: Regata em Argenteuil (Louvre, 1872), Girassóis (Nova Iorque,
1881), Monte feno (1890), Catedrais (1893-1894), Crisântemos (1901-
1904), Margem do Tâmisa (1901-1904), Veneza (1908).

955. Edgard Degas (1834-1937), pintor francês, participante do


impressionismo, com 10 obras na exposição histórica de 1874.

Seu interesse contudo esteve no desenho e foi efetivamente aceito como um


grande desenhista. A luz e a cor, ainda que a tivesse trabalhado segundo a
técnica impressionista, não foram entretanto sua preocupação central, nem
antes, nem depois de 1874. Por isso Degas não é o mais típico dos
impressionistas.
Foi aluno do romântico Ingress. Na Itália preocupou-se com a pintura histórica,
de onde seu quadro Moças espartanas (Londres).

A partir de 1885 se notabilizou pela pintura de bailarinas e mulheres nuas.

Retratou cavalos e pessoas, bailarinas e músicos, com especial predileção pelo


movimento.

Ganharam apreço: Ensaio de Balé no palco (Louvre); O concerto (Nova Iorque,


1875-1877).

956. Pierre Auguste Renoir (1841-1919) é o impressionista francês mais


gracioso e encantador. Também foi um dos mais bem sucedidos.

Romantizou-se a partir de 1881, quando em Roma analisou a arte de Rafael,


com adesão também a pontos de vista de Ingress (neo-clássico ), Boucher e
Fragonard (rococó), deles retirando o que tinham de mais gracioso e delicado.

A partir de 1890 pinta luminosos nus femininos.

Consideram-se como mais destacadas realizações de Renoir: Moinho de la


Galette (Paris, 1876), As papoulas (Louvre, 1873), As grandes
banhistas (Filadélfia, col. Tyson, 1884-1887), Gabrielle ao espelho (Genebra,
col. Skira), Retrato de Claude (São Paulo, Brasil), Madame Charpentier e suas
filhas (Nova Iorque, 1878), Leitora (Louvre, c.1876), Almoço dos
barqueiros (Washington, 1881), As moças no prado (Nova Iorque, 1890).

957. O impressionismo se difundiu vastamente, a partir da França, e foi ser


logo gerador de novos movimentos, principalmente do expressionismo.

Na Alemanha se destacou-se sobremaneira o pintor impressionista Max


Liebermann (1847-1935).

Na Inglaterra notabilizou-se como impressionista o americano James Whistler.


O maior talvez seja Walter Sickert (1860-1942).
958. Pós-impressionismo. O pós-impressionismo ( ou neo-impressionismo)
reúniu tendências que, a partir do impressionismo, caminharam de novo na
direção do tema interior e do desenho.

Enquanto o impressionismo se ocupa com os objetos exteriores, ainda que sob


o impacto da atmosfera, a nova orientação se transportou cada vez mais na
direção do mundo interior, preludiando o expressionismo definitivo, que virá
depois.

A circunstância do rompimento das superfícies bem definidas, no


impressionismo, veio favorecer a expressão do mundo interior, que precisava
desta liberdade. Sob este ponto de vista, o pós-impressionismo se pode definir
como sendo o conjunto de escolas derivadas do impressionismo, - discordando
deste, mas partindo dele, - situadas historicamente de 1885 para frente,
alcançando pelo menos 1920. Entre outras se arrolam o neo-impressionismo
(1885-1890), o Cubismo (1907), o Dadaísmo (1916-1920).

959. Divisionismo e punctilismo (1885) - Seurat. Denominado pela técnica


empregada, divisionismo e punctilismo, este movimento estilístico teve seus
predecessores no impressionismo e em Delacroix.

Os anteriores já faziam a divisão de cores em pinceladas justapostas, a fim de


obter mais brilho, porquanto a cor empastelada não consegue o brilho que tem
na natureza.

O punctilismo, fundado em 1885 pelos franceses Georges Seurat (1859-1891) e


Paul Signac (1863-1935), lança as cores puras em pontos justapostos. Unindo-
se na impressão da vista, formam as cores intermédias. Por exemplo, pontos de
azul e amarelo resultam em impressão de verde, pois o verde é composto da
mistura de azul e amarelo. O resultado é de um brilho maior e peculiar.

O movimento, - que nascera do impressionismo, transformando-o recebeu


adesões várias, como por exemplo do francês Camile Pissarro (1830-1903),
bem como de pintores belgas, alemães, italianos, espanhóis, - encontrou
resistências todavia. A morte prematura de Seurat, líder de valor, deixou a
escola não; muito além de sua fase de primeiras experiências. Recebeu mais
tarde, do governo francês, um museu.

Do ponto de vista temático, o neo-impressionismo envereda para as emoções


do mundo interior. Não tendeu para a narrativa, aliás como toda a pintura cheia
de luz do impressionismo não tendera. Colheu a impressão direta, com a
respectiva emoção estética, das paisagens e sobretudo das cenas marinhas, mas
também das flores, das vestes e das figuras femininas.

Seurat criou como primeira grande obra Cena de Banho (1883), recusada
pelo Salon de 1884. Teve grande destaque: Domingo de verão na ilha de
Grande Jatte – Une dimanche d’été à la Grande Jatte (Nova Iorque, 1884), de
notável magia.

Paul Signac , também pintor, foi o principal teorizador do puntilismo e do neo-


impressionismo, havendo apresentado um estudo minucioso da luz, no ensaio
sobre pintura moderna De Eugène delacroix ao neo-impressionismo.

Camile Pissarro, que foi pontilhista por algum tempo, se destacou pelas suas
paisagens de Rouen e Paris: Telhados vermelhos (Louvre), O chalé, a casa
rosa (Louvre), A colheita (Louvre, 1876), Banhista na floresta (Nova Iorque,
1896), Boulevar dos italianos (Washington, 1897).

960. O plasticismo pós-impressionista de Paul Cézanne (1839-1906). Foi


pintor impressionista francês, sem perder de vista alguns valores do realismo de
Courbet e do romantismo de Delacroix. Ainda que já fosse pintor antes de
aparecer o impressionismo, e ainda que fosse assimilado pelo impressionismo,
vale pelo que veio a fazer depois do impressionismo, ao qual encaminhou para
o plasticismo. Sua noção forte do desenho e das combinações plástica lançando
mão das cores, não permitiram que se conformasse com a imponderabilidade
impressionista.
Conduziu então o movimento impressionista para o que considerou seu reto
caminho. Aliou-o com o desenho, combinando a plástica dos espaços com a
plástica das cores. Nestas condições Cézanne é o precursor do cubismo e da
pintura moderna da expressão intelectual abstrata.

Abandonou, ainda que não inteiramente, o claro-escuro e a gradação de


tonalidades, que eram os instrumentos clássicos de criar os volumes e as
distâncias. Os tons quentes e frios se tornam os novos meios de criar estes
resultados. A isto chamou de modulação, linguagem corrente em música, e que
se presta à pintura. Unindo a cor aos objetivos do espaço e da perspectiva,
alcançou novos resultados.

Procurou também olhar os objetos da mesma tela a partir de várias posições.


Assim os tornou mais presentes. O quadro começou a assumir o aspecto de um
tapete, ou uma relva plana. Deixou de afigurar-se como algo que se olha na
distância, a partir de uma janela.

Com o fim de aproximar o objeto, Cézanne torceu, por exemplo, o caminho,


que dispara para a distância, fazendo-o em vez sair para trás de um bosque, ou
de um edifício. O relevo, que ainda se conserva, se compara antes ao de um
baixo relevo escultórico, que tudo mantém perto.

O tratamento passou, portanto, a ser bidimensional, com as características da


própria tela. Dizia Cézanne que na natureza tudo se reduzia a cubos, esferas e
cilindros.

Os objetivos de Cézanne se apóiam no desenho, antes de tudo. O desenho


oferece a primeira oportunidade de alteração dos objetos. Na verdade, o
realismo, que nada altera, não enfatiza o desenho. Miguel Ângelo, a quem
Cézanne estudou e aproveitou, exercera o desenho com notável segurança, ao
transformar os músculos dos personagens.

No final de sua vida, os quadros de Cézanne se encaminham para um desenho


cada vez mais geométrico, realçando a preocupação das estruturas. Esta análise,
levada a uma ênfase cada vez maior, resultou, por volta de 1908, no cubismo de
Picasso e Braque.
Obras de Cézanne: A casa do enforcado (Louvre, 1872), Dálias em um vaso de
Delft (Louvre, 1879), Os jogadores de cartas (Louvre, 1888), As grandes
banhistas (Filadélfia, 1900-1905).

§13. Expressionismo

(c. 1910-1930).

3911y961.

962. Houve em todos os tempos sinais de expressionismo, até mesmo porque a


expressividade interior é um dos objetivos visados pela arte.

Expressionistas foram algumas das manifestações da arte pré-histórica,


sumeriana, cretense, clássica arcaica, africana, pré-colombiana, gótica.

Há manifestações de expressionismo nos primeiros modernos Duerer, Cranach,


Bosch, Brueghel, el Grecco, Goya e até no realista Honoré Daumier 1808-
1879).

Estes expressionistas de todos os tempos são


denomináveis remotos precursores do mesmo.

Os precursores imediatos do expressionismo se encontram em Van Gogh


(1859-1890) (vd 964) e Paul Cézanne (1839-1906) (vd 960).

Houve uma sequência no acontecer da formação do expressionismo moderno


que veio desde as primeiras oscilações do impressionismo, quando Van Gogh
esteve em contato em Paris com Pissarro (punctilista pós-impressionista) e
Cézanne (plasticista pós-impressionista).

Passa a sequência pelo fauvismo (vd 965) de Gauguin e Matisse, para chegar à
forma definida de expressionismo, nos anos 1910, conhecidas por A
ponte (Dresden) e Cavaleiro azul (Munique).
Deve-se todavia entender o expressionismo de Van Gogh, - falecido
prematuramente, - como um fenômeno que, por algum tempo, foi apenas
individual. Sem que seu expressionismo tivesse interrupção, teve continuidade
imediata em uns poucos, até que se tornou o expressionismo como um
movimento de maior envergadura.

963. Na sequência percorrida, conforme adiantamos, o expressionismo teve em


Van Gogh (1853-1890) como seu precursor bem marcado e talvez seu maior
representante.

Mas será, como também se disse, a partir de Van Gogh (1853-1890) e de


dentro do Pós-impressionismo que o expressionismo se converterá em
movimento, e muito variado. No contexto desta variedade é preciso sempre
citar o fauvismo francês e as réplicas germânicas da Ponte e do Cavaleiro Azul.

Depois disto, a arte contemporânea não pratica mais do que, de um lado


diferentes variações de expressionismo, com pinceladas de impressionismo,
realismo, classicismo; de outro lado, diferentes variações de plasticismo
intelectualístico, sobretudo abstrato.

964. Vincent Van Gogh (1853-1890), antes de se dedicar à pintura, teve uma
experiência religiosa, como missionário numa região carvoeira da Bélgica.
Insucedido, abandonou aquela atividade, e se dedicou à pintura sob influencia
de Rubens, que é seu período holandês (1883-1885).

Tendo um irmão mais novo em Paris, veio para a capital francesa, onde passou
a trabalhar com os impressionistas, entre outros, Pissarro e Cézanne. Teve uma
grande produção, mas seus problemas psíquicos levaram-no finalmente ao
suicídio, em 1890.

Com Cézanne desenvolveu novas maneiras de tratar o espaço e por meio dar
cores exprimia o mundo interior: "procurei com o vermelho e o verde exprimir
as terríveis paixões humanas". As pinceladas rápidas, separadas, ondulantes e
como vírgulas, peculiares ao impressionismos foram conduzidas a um
virtuosismo extraordinário, não só expressando as impressões imediatas da luz,
mas também do mundo interior.
Tendo da escola impressionista o brilho e a luminosidade das cores, inaugurou
um expressionismo vigoroso, em que seu mundo interior encontrou
instrumento adequado para manifestar-se. Deixou as sensações para ocupar-se
com os sentimentos. Os pontinhos coloridos da técnica impressionista se
desdobram em raios impacientes, o desenho se torna flamejante. O desenho não
é calmo, obedecendo às curvas da expressão emotiva.

A textura, com que se cobriam as áreas planas, receberam novo tratamento de


Van Gogh; desenhos peculiares e cromatismos singulares, imprimem funções
expressivas a estas áreas.

"Com o vermelho e o verde exprimirei todas as paixões humanas", dizia.

"O amarelo é a cor da amizade".

Em consequência deformou as cores da realidade objetiva, exagerando-as ou


até substituindo-as por outras, para expressar o mundo diferente do
subjetividade emocional.

Enquanto Cézanne, com seus desenhos geométricos e intelectualizados criou o


ambiente para o cubismo, próprio do mundo real e intelectual, Van Gogh deu
começo à emoção expressionista, particularmente dos fauves (1905).

Mesmo em objetos, como sapatos, imprimiu a ternura e a presença do trabalho,


atribulações e esforço. As espirais dão vida a todo o quadro e movem a vista a
percorrê-lo integralmente. O processo põe vida nas coisas mortas. As árvores
são braços estendidos, as janelas olhos abertos, os sapatos objetos que falam de
uma presença.

965. Fovismo (1905-1907). Define-se o fovismo (ou fauvismo a partir do


francês fauve) pela construção do espaço pictórico não pelo desenho, mas pela
cor, com um técnica de largas pinceladas justapostas, sem transições de
atmosfera do modo peculiar do impressionismo.

Em consequência não importava a correção anatômica. Improvisando o


desenho afastaram-se totalmente da rigorosa anatomia das figuras. Tratando-se
de um expressionismo, deviam as cores expressar emoções e não simplesmente
ao objeto como o percebem os sentidos.

Sobre a preferência da pintura expressionista sobre a cor em vez do desenho,


acontecerá sempre esta dialética, - uns tentarão a expressividade pela forma
envolvendo as cores e outros simplesmente pelo psiquismo das mesmas.

O desenho é mais intelectual, a cor mais emocional e mais capaz de expressar a


partir das zonas elementares da consciência.

Assim sendo, o expressionismo pode tomar dois rumos, ou do desenho, ou da


psicologia das cores.

A primeira forma do expressionismo tenta a expressividade do mundo interior,


que se manifesta nos sinais fisionômicos. Ora, estes são desenháveis.

Desta sorte o desenho dos olhos e das contrações do rosto podem indicar, com
muita precisão, a calma, a tranquilidade, a tristeza, o espanto, o ciúme, o tédio,
a cólera, o horror, além de todos os conteúdos variados de um sorriso ou de um
choro.

A outra forma do expressionismo enfatizou a expressivamente das cores


simplesmente.

O uso preponderante das cores, radicalizada pelo fovismo, adquiriu


peculiaridades próprias. Excluído o desenho firme, a cor ganha uma força, que
não acontece no colorido harmonioso. A cor se torna expressão livre, lançada
na tela uma ao lado da outra, as vezes em largas pinceladas.

Com a técnica fovista e outras similares não acontece a estruturação do espaço,


ficando a pintura praticamente plana, principalmente nas áreas indiferenciadas
de cor contínua. Não há perspectiva. Não há narrativa. Somente expressividade.

966. O expressionismo inicial da pintura moderna se fixou na cor como seu


instrumento, por meio dela criando seus instrumentos e estilos.

Van Gogh nas variadas formas de seu expressionismo colorístico, na sua fase
colorida, deu uns primeiros sinais do fovismo ,que depois se definiria melhor.
O mesmo fenômeno fovista das cores planas acontecia em Gauguin.

Entre 1900 e 1903 já se pode detectar um pré-fovismo nos quadros de Matisse


e Albert Marquet, o que se pode interpretar como influência de Van Gogh, de
Gauguin, e ainda do divisionismo e punctilismo de Seurat e Signac.

Enfim, som a liderança de Matisse, sai a exposição de 1905, no Salão do


Outono, com um aglomerado de artistas, em cujos quadros se define um novo
estilo. Além de Matisse, expuseram Rouault, Dufy, Braque, Derain, Marquet,
Vlaminck, Friesz, Manguin, Louis Valtat.

Ainda sem nome, o movimento artístico do grupo comandado por Matisse, vai
recebê-lo por ocasião de sua segunda exposição em 1906 no Salão dos
Independentes.

A propósito de umas estatueta de bronze ali colocada e que era da escultura de


Albert Marquet e de estilo à maneira florentina, publicava o crítico Louis
Vauxelles uma crônica em 17 de outubro, dia seguinte à abertura da exposição,
sob o título Donatello entre as feras (Donatello chez le fauves).

Mas a não repetição da exposição dos fovistas dispersou o grupo, até porque
vários dos componentes tomaram outras direções. Matisse será o mais fiel.
Rouault, com o seu expressionismo místico, também se mantém próximo dele.

967. Henri Matisse (1869-1954), notável pintor francês, foi o líder principal
do movimento fovista, com vasta influência fora do seu país, sobretudo Estados
unidos e Rússia.

Pintando sem preocupação com o tema, fez da expressão pictórica um arabesco


quase puro, formas planas realizadas. Difundiu a felicidade visual das cores.
Sua capacidade psicodinâmica elementar.

Obras mais importantes: A odalisca de calções vermelhos (), A


música (Moscou, 1909), Sobremesa (), Banhistas com um tartaruga (Saint
Louis, 1908), As três irmãs (), O artista e seu modelo (Nova Iorque,
1919), Meditação (Nova Iorque, 1920), Figura decorativa sobre fundo
ornamental (Paris, 1927), Nu rosa (1933), A dança (Meyron, EUA, 1933).
Quase no fim da vida, decorou Matisse a Capella do Rosário de Vence (1948-
1951).

968. Georges Rouault (1871-1958) pintor expressionista francês, com as


pinceladas largas do fovismo, de estilo sempre muito pessoal, sem se ter ligado
estreitamente a nenhum dos movimentos de sua época.

Caracterizou-se muito pelos temas eleitos, palhaços, prostitutas, burgueses,


juízes nos quais encontra em diferentes níveis o trágico, a mesquinhez, o
orgulho, a hipocrisia, a ternura.

As cores escuras as tornou mais claras a partir de 1910, quando também passou
a preferir temas religiosos. O destaque do ódio dado às primeiras telas se
converteu no da piedade, sobretudo depois de 1932.

Como gravurista, ilustrou livros, principalmente a partir de 1917. No gênero


gravura Misere foi considerada uma obra prima.

No elenco de suas inúmeras produções destacam-se: A moça ao espelho, que é


uma prostituta disforme (Paris, 1905), Três juízes (Chicago, c.1907), Torso
nu (Chicago, 1906), O velho Clown (Calif., 1917), Três palhaços (St. Louis,
1917), Crucificação (Filadélfia, 1917), O aprendiz de operário (Paris, 1925,
auto-retrato patético), A santa face (Paris, 1933), Cristo ultrajado (Paris,
1933), O velho rei (Pittsburgh, 1937), Clown (Boston, 1938), O Cristo da
piedade (vitral da igreja de Assy, 1948).

969. Expressionismo do grupo A Ponte (1905). Na então cidade de Dresden,


1905, iniciam as manifestações coletivas do grupo de pintores, que se fez
conhecer como expressionista, cultuando o holandês Van Gogh e o norueguês
Edward Munch.

Era o grupo de jovens pintores de A ponte constituído de Ernst Ludwig


Kirchner, Eric Heckel, Karl Schmidt Rottluff, Max Pechstein, Emil Nolde.

A denominação de A ponte (Die Bruecke) tomada pelo grupo fora uma


referência a uma criação de Munch O grito, que apresenta um personagem em
meio a uma ponte com expressão de medo e pavor.
Como réplica alemã ao fovismo francês, os artistas de A ponte cultivaram a
prevalência da cor na construção do espaço da pintura e seu manejamento
expressionista. A ponte é mais dramática. Predominou também na Alemanha o
tema social. O elemento de ligação entre A ponte e o fovismo foi Kees van
Dongen.

Organizados embora sob a denominação A ponte ficaram contudo conhecidos


sob a denominação dada mais tarde por Herwarth Walden, da
revista Stuermer (Tempestades).

Finalmente em 1913 dissolveu o grupo A ponte, ou seja Die Bruecke.

970. Expressionismo do grupo Cavaleiro Azul (1911). O grupo Cavaleiro


Azul, que tomou o nome de sua revista, foi fundado em 1911 na cidade de
Munich, capital da Baviera.

Deste grupo participou o erudito pintor russo Vassili Kandinski, estabelecido


em Munich desde 1908, que anteriormente conhecera os fovistas na França e
mesmo já estivera em 1896 em Munich. Com Franz Marc editou em 1912 a
revista Cavaleiro Azul. A orientação do grupo é expressionista.

Ainda quanto a Kadinski produziu nesta época quadros expressionistas, sem


todavia se haver ligado a nenhuma escola conscientemente. Suas paisagens de
1906 a 1908 são expressionistas, de cores independentemente das da natureza.
Após 1910 tendeu para o abstrato não figurativo, com envolvimentos místico-
metafísicos das cores. Disto tratou teoricamente em seu livro Sobre o elemento
espiritual da arte (1911).

971. Depois do recesso da I Guerra Mundial os expressionistas se reaglutinam.


Vetados pelo nazismo (1933), reapareceram mais uma vez após a II Guerra
Mundial, desenvolvendo agora também o expressionismo abstrato.

Menos preocupados com as propriedades estéticas e lúdicas da arte, os


expressionistas elegeram como centro a comunicação temática e, neste plano, o
tema interior (dali o nome expressionismo).
Mas o tema interior, é sobretudo aquele do dramaticidade, interrogação,
amargura, pessimismo, tudo com propósito ético, social, político frente às
situações que provocam aqueles sentimentos.

O expressionismo apareceu pois como um novo romantismo, e sob um novo


nome. Surgido no mundo nórdico é peculiar a ele. Já o mundo latino se
destacou pelo plasticismo estético da superfície das formas.

Surgiu como reação ao impressionismo centrado no realismo visual das cores,


instantâneo e otimista. Desligado neste oticismo naturalista, o impressionismo
não abordava os temas humanos integralmente, como acontece agora com o
expressionismo.

Do ponto de vista técnico, o expressionista se manifesta com espontaneidade e


pureza, cada pintor com sua técnica muito pessoal, conforme os impulsos de
sua paixão. Difícil pois a obediência a cânones tradicionais.

972. Expressionismo Dadá (1916). Nasceu o dadaísmo com o clima criado


pela guerra irracional, que levou alguns artistas a se refugiarem na Suíça, onde
se reuniram em Zurich.

Pretendendo expressar a irracionalidade e sem sentido dos valores da


civilização, estes artistas tomaram como tema o sem sentido das coisas.

O poeta Tristan Tzara (húngaro), abrindo o dicionário Larousse, deixou cair o


dado sobre uma palavra qualquer, que foi Dadá, designação infantil de cavalo.
E com isto estava o movimento com um nome, que significava nada.

Entre os artistas concentrados na Suíça esteve o pintor e escultor francês Jean


Arp, que havia exposto em Munich (1912) com o grupo Cavaleiro Azul.

Arp, além de escritor, se tornara um dos representantes mais significativos do


movimento Dadá. Fixando-se em Paris, se tornou surrealista a partir de 1926.

O princípio básico da nova estética, um tanto indefinida, passou a se


estabelecer como sendo um certo automatismo psíquico. Abandonado o
princípio diretor do pensamento lógico e consciente, a espontaneidade psíquica
passou a ser a fonte da criação artística; a obra de arte exprimia o que
espontaneamente se manifestava.

No após guerra, poesia literária, pintura e teatro assumiram rumos peculiares,


especialmente na França (André Breton) e Alemanha (Tristan Tzara).

973. O estado de espírito do movimento Dadá se repetiu em similares, como o


surrealismo e formas que as vezes se têm denominado neo-dadaístas: arte do
lixo, pop-art, ready-made (de Duchamp), fatagata (de Arp e Ernst), happenings.

974. Surrealismo (1924). A temática do surrealismo é tomada ao inconsciente


(abaixo do subconsciente) e sua fonte de inspiração é o automatismo psíquico.
A atmosfera deste automatismo é onírica. Nos instantes irrefletidos, são
burladas as censuras do subconsciente, como se observa nas simples distrações,
esquecimentos, coisas que fazemos sem pensar. Estas manifestações vindas
diretamente do subconsciente hão de ser traduzidas em expressão artística. Em
geral, as inspirações surrealistas se fundam no sonho, humor e maravilhoso.

Já se vê que a temática surrealista está condicionada a uma valorização do


inconsciente. "O sonho e a realidade são vasos comunicantes" diz o poeta
André Breton, o autor do Manifesto Surrealista, de Paris, 1924.

O movimento surgiu entre os dadaístas, particularmente na França. Ocupou


especialmente aos poetas (literatos): Louis Aragon, André Breton, Guillaume
Apollinaire, Paul Eluard (franceses), Meyring (alemão), parcialmente Garcia
Lorca, Alberti, Cernuda.

Na pintura ocorreu um surrealismo figurativo, que reproduziu "paisagens de


sonho", com rigorosa exatidão. Em tais condições se acham Salvador Dali,
Picasso (espanhóis), Chirico (italiano), Chagall (lituano), Ende, Gilles
(alemães).

O surrealismo abstrato criou formas indefiníveis, semi-abstratas. Neste quadro


se encontram Juan Miró, Yves Tanguy, Hans Arp (este desde 1926).
975. Tachismo, o francês tache (=mancha), é uma forma de pintura abstrato-
informal, em que o artista age instintivamente, obediente aos impulsos
informais de sua personalidade.

Expressa de maneira veemente e exasperada, muitas vezes em coloridos que os


apreciadores desta modalidade de arte consideram estética.

976. Grafismo (Acting paiting = pintura de ação) é uma apreciada modalidade


do tachismo, em que o movimento de criação se processa em vertiginosa
caligrafia, da qual resultam efeitos surpreendentes.

A prática foi inaugurada pelo americano Jackson Pollock (1912-1956).

§14. Plasticismos:

Cubismo, Futurismo e outros.

3911y978.

979. Redestacando o desenho contra o impressionismo e o expressionismo


pictórico, diversos movimentos, por vezes isolados, mas afins nos objetivos de
base se desenvolveram no contexto da pintura contemporânea, sem todavia
abandonar o anticlassicismo generalizado.

Teoricamente correlatos entre si são o pensamento do cubismo, futurismo,


construtivismo, suprematismo, neoplasticismo, concretismo (vd 539). Todos
estes movimentos da pintura têm em comum a importância do desenho, não
obstante romperem a figura natural do objeto, com vistas a atingirem o mais,
que a vista não atinge diretamente, mas se sabe acontecer.
980. Cubismo (1907 em diante), historicamente, é aquele aquele estilo que se
iniciou pela volta de 1907, como um movimento a que então estavam ligados
os nomes de Georges Braque (1882-1963) e Pablo Picasso (1881-1973), com
uma primeira exposição em 1911.

O primeiro teórico do cubismo foi Guillaume Apollinaire (1886-1918) desde a


primeira exposição, em 1911, em cujo catálogo apresentou o Prefácio: As três
virtudes plásticas. Também em 1911 se referiu-se a primeira vez em termos de
"quarta dimensão" para dizer do espaço pictural cubista.

Em 1912 apareceu um primeiro livro dedicado ao movimento Do cubismo (Du


cubisme), em que aparecem análises de Gleizes, Metzinger, Kahnweiler.

Em outro livro Kahnweiler O caminho do cubismo (1920), o autor situou a


origem do cubismo em As donzelas de Avignão (1906).

981. A definição formal do cubismo é a de que a expressão não somente poderá


indicar o que se vê, mas também o mais que se sabe do objeto.

A expressão do algo mais que se sabe do objeto pode resultar em modificações


da estrutura do mesmo, quando expresso. Então pode a expressão do objeto
assumir aspecto de cubos e cilindros. Este gerou a denominação, usada a
primeira vez em 1908, por Matisse).

Mas, não é por este eventual aspecto exterior que o cubismo se define, mas por
aquela extensão transvisual do objeto expresso.

982. O princípio cubista sempre dominou a arte da linguagem. Efetivamente, a


composição frasal expressa o objeto a partir do que se sabe dele, e não somente
a partir do que oferece um ou mais sentidos. O romance pode ser escrito não só
a partir do personagem que se vê, mas também do que se sabe mais, inclusive a
partir do que se imagina estar sendo raciocinado na mente dele. O autor
literário é um omnisciente.

O mesmo procedimento da linguagem, quando empregado nas artes visuais,


gera o cubismo. É pelo contexto, que uma expressão pode ultrapassar a si
mesma. Todavia o contexto não esgota a totalidade do expressável. Alguma
forma nova poderá conduzir avante a dimensão do conteúdo expresso. É então
que o rompimento da figura natural se torna um recurso.

Efetivamente, porém, houve sempre algum cubismo ao longo da história da


pintura. O classicismo tem alguma relação com o cubismo porque impõe ao
objeto algo mais, que o artista supõe saber dele: o modelo ideal a que os
objetos individuais se subordinam e procuram realizar como seu termo final de
chegada. Todavia o cubismo clássico depende da existência de um modelo
absoluto, no qual o filósofo racionalista acredita. Em consequência, o cubismo
clássico é próprio de um espírito de época, como o do primeiro período do
pensamento moderno.

O cubismo não clássico é aquele que introduz na expressão outros elementos


que se sabe haver no objeto como sua extensão transvisual. Até mesmo num
simples objeto podemos desejar saber, ao mesmo tempo, o que está dentro e o
que está fora, na frente, atrás, em cima e embaixo.

983. Com referência ao caráter geometricista do cubismo, devemos ponderar


que a técnica de expressar o não visual é aquela do abstracionismo em geral.
Consiste em evitar as figuras naturais, porque estas sempre encaminham a
atenção, por efeito da mimese perfeita, a algo concreto.

A figuração exótica, como a geométrica e feita como que a machado,


alheiando-se da figuração habitual dos objetos, cria um contexto mais
operacional para expressar o abstrato, bem como tudo o mais que a face
intuitiva dos objetos não oferece. Alguma figuração sempre tem de haver,
porque as artes visuais operam, por definição, com ela. Mas, é preciso mediante
certas figuras menos naturais criar o contexto que conduza a aquilo tudo o mais
do transvisual.

Atento, pois, às perspectivas intelectuais do objeto, o cubismo separa as


diversas partes do mesmo, oferecendo-as de frente, sob a observação direta do
apreciador. Dali resulta o aspecto quebradiço e anguloso do objeto. Justapostas
as partes ocultas aos olhos, com as que de natureza já se mostram, o objeto
como que se abre em uma vitrine de exposição. Para consegui-lo, o cubismo
afasta algumas das áreas já conhecidas, pondo em seu lugar as ocultas.
Teoricamente correlatos ao pensamento cubista estão o futurismo, o
construtivismo, o suprematismo, o neoplasticismo, porque acrescentam algo de
transvisual ao objeto expresso, e que intelectualiza a expressão.

984. Não principiou, pois, o cubismo com uma teoria geral, senão com algumas
assertivas bem definidas, como a de que o objeto visual poderia expressar mais
do que seu aparecer diante dos olhos.

Pouco antes dizia Cézanne (+1906), que a natureza deveria ser representada "a
partir do cilindro, da esfera, do cone, tudo posto em perspectiva, de modo que
cada lado de cada objeto, de cada plano, se dirija para um ponto central".

Ora, dele se fazia uma retrospectiva em outubro de 1907, ano em que aparece o
quadro de Picasso, que se aponta como ponto de partida do cubismo: As
donzelas de Avignon (Les demoiselles d’Avignon, Nova Iorque, 1907).

É também próprio do cubismo expressar o transvisual pela fuga à figuração


natural. No jogo destes dois elementos se processou a arte cubista. Quem não
estiver atento aos dois elementos ao mesmo tempo poderá não compreender as
variações do próprio Picasso, principalmente quando este faz aproximações
com o figurativismo e o classicismo. Efetivamente, aquele o mais, o transvisual,
não conta exclusivamente como recurso de expressão a fuga do figurativismo
natural. Outras formas são possíveis, como a do simples contexto, para
expressar aquele tudo o mais.

Para o cubismo, portanto, o artista expressa de maneira omnisciente,


combinando o visual como o intelectual. Por isso, o objeto da obra de arte se
encontra como que desdobrado, pois há aquelas perspectivas que são acessíveis
à mente e não aos olhos. Neste particular, o cubismo é radicalmente o contrário
do impressionismo, o qual somente expressa ao objeto como se apresenta ao
primeiro intuito dos sentidos.

Para a inteligência o objeto admite dois momentos de consideração, o concreto


e o abstrato. No caso do concreto, a parte compreendida exclusivamente pela
inteligência e não alcançada pelos sentidos, é um objeto do cubismo concreto.
Aquela outra parte, puramente abstrata é um objeto do cubismo abstrato.
Percebe-se por esta distinção que é possível um cubismo concreto, tanto quanto
um cubismo abstrato. Não é, portanto, o cubismo necessariamente um
abstraccionismo.

O cubismo, embora não seja um realismo ótico, admite ser um concreto


intelectual. Finalmente, uma consideração frente à questão de um parâmetro
ideal, o concreto intelectual do cubismo poderá ser visto, ora idealisticamente,
como procederia um cubismo classicista idealizador do objeto, ora
realisticamente, como operaria um cubismo não classicista realista, e não um
cubismo classicista.

O cubismo histórico, que nasceu em 1905 é um cubismo realista, tanto o


cubismo abstrato, como o cubismo concreto. O transvisual é o de um objeto
não idealizado. Neste particular o cubismo se encontra na mesma tradição do
impressionismo. É portanto o cubismo um impressionismo ao qual se somou o
transvisual, sem idealização frente a parâmetros eternos.

985. Pablo Picasso (1881-1973), pintor cubista espanhol, talento precoce com
passagem pelas Escolas de Belas-Artes de Barcelona e Madrid, estabeleceu-se
em Paris a partir de 1904, onde desde antes já estava em estreita colaboração
com George Braque, o coofundador do movimento cubista..

De 1900 a 1906 se desenvolveram as duas fases de Picasso


denominadas azul e rosa, em função às tonalidades dominantes representam as
influências pós-impressionistas recebidas de Picasso em Paris, porquanto sua
fase espanhola ainda é realista.

Evoluindo destas formas maneiristas, Picasso chegou aos traços fortes do


cubismo de As donzelas de Avignão (Nova Iorque, 1907). Em Cannes, este
seu As donzelas de Avignão foi o primeiro grande sucesso de Picasso.
Interpreta-se este quadro, como ainda bastante naturalista, e como deformações
da arte ibérica pré-romana.

Atinge os rompimentos de superfície finalmente no cubismo analítico, como


em O guitarrista (Paris, 1910).

Em 1913 praticou colagens, transitando para um cubismo chamado sintético.


Depois da visita a roma (1917) ficou sob influência clássica que se manifesta
na estilização, levando ainda seu cubismo inicial para além dos anos 1920.
Desta fase se apreciam Compoteira e violão (1924), A dança (Londres, 1924).
É semi-abstrato em O pintor e o seu modelo (1927).

Após 1930 é um quase neo-clássico dentro do cubismo, porque decorativo,


rítmico, curvilíneo, quase narrativo, criando neste procedimento estilístico sua
obra mais famosa Guernica (Prado, 1936; é quadro ao mesmo tempo cubista,
expressionista, surrealista). Picasso não se subordinava a um estilo. Pintava,
fazendo o estilo como resultância. E seu modo de pintar eventualmente
aconteceu ser aquele, mais ou menos coerente com a definição do cubismo.

986. Georges Braque (1882-1963), pintor cubista francês, dos mais


significativos pela qualidade de seu desenho. Nascido em Argenteuil, perto de
Paris, onde deram tantos acontecimentos de início da renovação da pintura
moderna, foi ele que complementou o impressionismo e o fovismo com a
solidez do desenho, introduzindo também a expressão geometrizada. Esteve a
partir de 8 anos no Havre, vindo em 1900 para Paris.

Ganhou notoriedade seu Nu (Paris, 1907) já em estilo cubista. Desde então


juntamente com Picasso, promoveu o cubismo, dentro de um novo conceito de
espaço distinto da perspectiva naturalista vigente desde a Renascença.

São deste período: Homenagem a J.-s. Bach (Paris, 1912, Clarinete (Nova
Iorque, 1913), Violão (Nova Iorque, 1914).

Convocado para a guerra, voltava em 1917, ferido. Desde então passou a um


estilo menos técnico, do ponto de vista cubista, agora com um desenho menos
anguloso, mais de acordo com a sobriedade tradicional francesa.

Criou neste neste período Caniphores (mulheres com braçadas de


frutas), Cheminées (consoles de lareira, com frutas e
violões), Guéridons (mesinhas de um pé só com objetos).

Mais tarde ainda as séries: Billards e iseaux


Como técnica nova Braque introduziu na pintura a inclusão de caracteres
tipográficos, de que O português (1911) é um primeiro exemplo.

Usou também a técnica da colagem de papéis e tecidos diretamente sobre a tela.


Houve que chamasse isto uma revolução do cubismo na arte. Como colagem
aprecie-se Tabuleiro de damas (Paris, 1913).

Depois de 1930 Braque acentuou o grafismo, enriqueceu as cores, amenizou os


relevos. Criou agora figuras humanas de duas faces. São destaques mais
recentes da pintura de Braque: O pintor e seu modelo, com duas faces (Nova
Iorque, 1939), O atelier (Paris, 1949).

987. Futurismo (1909), como movimento artístico, foi literário e também das
artes plásticas.

A definição do futurismo é a de o objeto, por ser dinâmico, deve ser


apresentado com a atmosfera movente que o envolve e não apenas como é
esteticamente. Na intenção de apresentar este algo mais, o futurismo se
assemelha com as teses do cubismo. Na pintura a semelhança se mostra
claramente.

Para expressar o algo mais, que é o movimento, o futurismo defendeu como


técnica a multiplicação dos aspectos visuais da coisa em movimento. Em
consequência há um rompimento da figura, como acontece também no cubismo.

A diferença de temática exercida pelo cubismo, fez com que este explorasse os
objetos estaticamente, ao passo que o futurismo o mesmo objeto
dinamicamente. Não é essencial ao cubismo ser estático; os temas que explorou
foram os estáticos, como por exemplo, a representação simultânea do dentro e
do fora do mesmo objeto. Essencialmente, o antes e o depois da temporalidade
do movimento constitui um tema tão mental, quanto os demais temas do
cubismo. Efetivamente, só a mente poderá imaginar que o movimento possui
dois tempos; no presente há somente uma só figura da coisa.

Poder-se-ia buscar uma denominação mais genérica e que possa integrar num
só conceito o cubismo histórico e o futurismo histórico a partir de um
significado semântico da palavra. Do ponto de vista meramente semântico,
cubismo indica a característica exterior que a expressão assume ao expressar o
transvisual. Por sua vez, futurismo, do ponto de vista semântico indica um dos
temas transvisuais mais significativos, o movimento. Por extensão semântica é
que um e outro termo vai significar a totalidade da envolvida. Note-se todavia
que o cubista Georges Braque nos seus últimos anos se ocupava com pintura de
pássaros voando, na série Oiseaux e em O Atelier.

Há um acerto na postulação do tema do futurismo, que é o movimento que se


tornou tão presente em nossos dias. As técnicas do futurismo é que poderão
merecer críticas. Certas em parte, e talvez deficientes em parte, como um todo
são aperfeiçoáveis. Cubismo, futurismo e todas as formas derivadas são
movimentos essencialmente válidos, e nesta perspectiva são de validade
consolidada.

988. Manifesto futurista de Marinetti. Nasceu o futurismo oficialmente em


20 de fevereiro de 1909, quando o escritor de língua italiana Marinetti (1876-
1944), nascido no Egito e formado em Paris, publicou um Manifesto Futurista
literário em "Le Figaro" conhecido órgão da imprensa da capital francesa:

"Sabeis que o esplendor do mundo se enriqueceu com uma coisa nona: a beleza
da velocidade. Um automóvel, com seu corpo ornado de tubos como serpentes
explosivas, um automóvel que ruge e parece correr sobre a metralha, é mais
belo que a Vitória de Samotrácia... cantaremos os motores, as multidões, as
vibrações noturnas dos arsenais, as fábricas, as pontes e os vapores aventureiros,
as locomotivas, o vôo dos aeroplanos".

No ano seguinte, 1910, foi lançado o Manifesto dos artistas plásticos da Itália,
proclamando uma renovação das artes, subscrito por Umberto Boccioni, Carlo
Carrá, Luigi Rossolo, Giacomo Balla, Gino Severini. Dizem os manifestantes:

"A arte só é vital quando integrada em seu meio.

Nossos antepassados retiraram a matéria de sua arte da atmosfera religiosa, que


lhes pesava sobre a alma, enquanto a nós cabe buscar inspiração no milagre
tangível da vida contemporânea, na metálica rede de velocidade que envolve a
terra, nos cabos submarinos, nas belonaves das esquadrilhas maravilhosas que
sulcam o céu, na obscura bravura dos navegadores submarinos, na dura luta
pela conquista do desconhecido.

E como poderíamos ficar indiferentes à vida febril das grandes metrópoles


modernas, à psicologia da vida noturna, às figuras inquietas
do viveur, cocotte, do apache e do toxicômano?" (trad.port.in supl. do Jornal
do Brasil, 1-8-1959, F.G.).

989. A técnica futurista para representar o movimento está influenciada pela


sua própria maneira de encarar o movimento como um concreto absoluto.
Deixa então em segundo plano a semelhança figurativa do objeto, para atender
ao movimento em si mesmo, mediante linhas de força e planos de luz.

É característico haver Boccioni denominado a uma de suas telas, com planos de


luz e cor, Linhas de força de uma rua.

De Marcel Duchamp são curiosos os títulos Nu descendo uma


escada (Filadélfia, 1913), Noivos no trem (idem), com ausência do figurativo
natural, exprimindo apenas o dinamismo de uma tal situação.

Sobre a maneira de conceber o movimento, e sobre a maneira de o representar


em obra de arte, dizia o Manifesto técnico futurista de 11-4-1910:

"Nossa sede de verdade não se aplacará pela forma e pela cor tradicionais! Para
nós, um gesto não será mais um momento imobilizado dentro do dinamismo
universal: será definitivamente sensação dinâmica mesmo... Tudo se move,
tudo corre, tudo gira. Um rosto nunca está passivamente parado diante de nós,
mas aparece e desaparece incessantemente.

Graças à persistência das imagens na retina, as formas em movimento se


multiplicam, deformam-se, sucedem-se uma à outra, como vibrações no espaço
em que se deslocam. Por isso, um cavalo correndo não tem quatro pernas; tem
vinte, e seus movimentos são triangulares. As dezesseis pessoas que estão à sua
volta num bonde em movimento são uma, dez, quatro, três: elas estão paradas e
se movem; vão e vem, ressoam ao longo da rua, são devoradas num jato de luz
solar, detêm-se de novo - símbolos persistentes da vibração universal.

E às vezes na maçã do rosto da pessoa com quem conversamos, na rua vemos


um cavalo que passa distante. Nossos corpos penetram o divã em que nos
sentamos e o divã penetra-nos os corpos, do mesmo modo que o bonde
deslocando-se entre as casas precipita-se sobre elas, que, por sua vez, caem em
cima dele e a ele se fundem...
Os pintores nos têm sempre mostrado figuras e objetos arrumados à nossa
frente. Nós colocamos o espectador no centro do quadro.

Proclamamos... que o dinamismo universal será interpretado como sensação


dinâmica; que o movimento e a luz destroem a substância dos objetos.

Lutamos... contra o arcaísmo superficial e elementar baseado nas cores planas


que reduzem a pintura a uma síntese impotente, infantil e grosseira; contra o nu
em pintura que se tornou tão tedioso e nauseante quanto o adultério em
literatura. Somos os primitivos de uma sensibilidade nova e radicalmente
transformada" (trad. publicada no supl. dominical, Jornal do Brasil, F.G., 1-8-
1959).

990. Merecem destaque alguns pintores do futurismo italiano.

Carlo Carrà (1881-1966). Nascido em Alexandria, mas estabelecido na Itália,


destacou-se com as obras futuristas: Enterro de um anarquista; A musa
metafísica; Penélope; Canal.

Giàcomo Balla (1881-1958). Futurista italiano, mantendo-se no movimento até


1930. É notável pelo seu movimento O cão atrelado. Outros
quadros: Sensibilidade transformada no espaço empírico (1916,
Roma), Incêndio da cidade (1924, Roma).

Umberto Boccioni (1882-1916). Futurista italiano, um dos mais destacados do


estilo, criador do procedimento denominado linha de força.

Famosos: Busto de mulher (Galeria de Arte Moderna, Milão, 1912), com


técnica facetada à semelhança do cubismo, todavia com destaque do
movimento; Il bevitore (O bebedor) (Milão, 1912), Decomposição de uma
figura na mesa (Milão, 1912), Desmembramento de uma garrafa no
espaço (1912, Nova Iorque), Formas únicas na continuidade do
espaço (1913, ibidem).

Gino Severini (1883-1966). Futurista italiano, em Paris desde 1916, onde atuou.
Seus quadros futuristas contêm elementos cubistas, e mais tarde se passou ao
neoclassicismo.

991. Marcel Duchamp (1887-1968). Pintor futurista francês, com passagem


por Nova Iorque. Famosos: Nu descendo a escada (1913, Museu de
Filadélfia), Noivos no trem (Idem). Antecipou alguns aspectos do surrealismo.

992. Nos Estados Unidos o futurismo teve presença com Marcel Duchamp (já;
citado) e influenciou as criações de Joseph Stella, Lyonel Feininger (1871-
1956), este a partir de 1920.

993. Na Rússia também foi praticado o futurismo e teve formas, como o


raionismo.

Tiveram destaque Mikhail Larionov e sua esposa Natália Gontcharova (1881-


1962). Estabelecidos em Paris, desde 1912, criaram uma arte sob influência do
cubismo e com temática do folclore russo.

995. A Optical Art (Op Art) se caracterizou pela matéria utilizada como
instrumento de expressão: efeitos de luz no espaço

Nasceu na área de abstracionismo formal, do concretismo, do construtivismo,


desenvolvendo-se na França e Estados Unidos, logo também na Suíça, Itália,
Inglaterra, Argentina, Brasil, Venezuela, Canadá.

Considera-se pioneiro da Op Art , Victor Vasareli. Nascido em 1908, em Peca,


Hungria, transferiu –se para, em 1930. Preparado em desenho, arquitetura e
artes gráficas, conheceu os elementos matemáticos e o material que a nova arte
requer.

Como arte, a Op art explora os elementos estéticos contidos no ritmo, variação


de luz, harmonia das diferentes perspectivas óticas oferecidas por um objeto
sob a ação da luz.

Do ponto de vista temático, as situações óticas poderão limitar-se ao


meramente formal do ritmo e da harmonia dos elementos que se oferecem. Mas,
poderão ainda ser portadores de expressividade subjetiva.

Tem-se afirmado que Vasareli imprimiu preocupações humanas em sua Optical


Art, pelo menos mais do que os americanos que expuseram em 1965, na VIII
Bienal de São Paulo (Larry Bell, Barnet Newman, Larry Poons, Frank Stella).

Brasileiros da Op Art (com exposição na VIII Bienal): H. Barsetti, H. Kuhn, R.


Ludolf, A. Palatnik, Ana Saule, Décio Vieira, Lothar Charoux.

§15. Estilos pictóricos recentes.

3911y996.

[Texto que a Enciclopedio Simpozio oportunamente também


disponibilizará na Internet].

998. Concluindo sobre o estilo, mais uma vez advertimos que à filosofia cabe
principalmente a abordagem teórica do estilo (vd 703), definindo-o como
elemento constitutivo acidental da expressão artística e classificando sua
possíveis modalidades.
Todavia, como se tem constatado, de muito serve à filosofia a abordagem
experimental do estilo, em que uma das mais praticadas é a histórica sobre os
seus mais diversos estágios de formação.

Como se disse, a abordagem histórica dos estilos é muito útil, exatamente por
causa da característica da eventualidade que eles oferecem.

Aliás, todas as ciências, - filosóficas e positivas, - se integram. Em sendo


pontos de vista separados apenas por abstração, se unem em torno do mesmo
objeto concreto. Assim sendo, os estilos serão melhor compreendidos se deles
se formar uma noção integradora a partir de todas as ciências. Portanto, sem
conhecimento filosófico dos estilos, não há bom conhecimento dos mesmos.

999. Finalmente encerrando sobre a estética das cores em geral, - tendo em


vista esclarecer o que neste campo pertence à filosofia, - pensamos ter
esclarecido um considerável número dos seus questionamentos.

Apesar das inúmeras referências ao lado meramente positivo, - e que pertence à


ciência experimental, inclusive à história, - o objetivo da filosofia da cor, tem
por meta primeira e essencial esclarecer aquilo que na arte pertence ao
meramente inteligível. Este meramente inteligível se encontra para além
daquilo que também se constata experimentalmente na obra.

Vimos que sobretudo a expressão reclama as explicações filosóficas.


Efetivamente, a ciência experimental somente constata o exercício da
expressão artística. Mas desde o momento que o cientista passa a também
compreender como se torna possível expressar, ele se alia ao trabalho do
filósofo. Na base desta filosofia está sempre o princípio, de caráter tipicamente
inteligencial: por efeito formal, o semelhante acusa o assemelhado.

E mais, - a filosofia da arte, iniciando pela explicação mimética da expressão,


segue deste momento essencial para as distinções entre prosa e poesia, gêneros
de expressão, propriedades, estilos.

Eis a tarefa que nos ocupou e agora termina.

Evaldo Pauli.
ESTÉTICA DAS FORMAS.

APRESENTAÇÃO TÉCNICA DO TEXTO. 2283y003.

3. No quadro da Enciclopédia Simpozio, Estética das formas é um texto híper,


o qual polariza em torno do artigo atômico do mesmo nome (vd 2283) todos os
temas que se encontram no mesmo contexto.

Por sua vez Estética das formas se coordena com outros textos híper, para se
estabelecer como 4-a subunidade do grupo maior denominado Megaestética.
A numeração em 8 dígitos contém internamente a letra y para a seguir dar lugar
aos números divisionários.
Na versão original em Esperanto a referida letra y é substituída pelo traço - e
que é a única característica que distingue a versão internacional com a versão
em língua nacional, permitindo ao consulente alternar-se na preferência.
Para uso interno do texto, basta o número divisionário para fazer as referências.
As ilustrações visuais do texto terão um tratamento em separado, a ser inserido
de futuro.

INTRODUÇÃO À ESTÉTICA DAS FORMAS. 2283y004.

§ 1. Definição da estética das formas. 2283y005.

5. Formas são linhas, áreas e volumes.


Com linhas, áreas e volumes se faz a arte das formas.
Observa-se a arte das formas no desenho, na escultura, no gesto do orador.
Ainda aparece a arte das formas atrás das cores da pintura.
As formas também são apreciadas na arquitetura e mesmo na estudada
apresentação dos produtos industriais.
Igualmente se admiram as formas na natureza, as quais se destacam nas flores,
nos panoramas, inclusive na beleza física das pessoas.
Servem as formas como portadoras da expressão artística, isto é, de
significados; eis onde nos vamos concentrar principalmente.
Antes de as formas exercerem a função de expressar, elas são simplesmente as
formas. Neste momento meramente material das formas está o
seu instante pré-artístico, quando já poderão despertar interesse, antes que se
tornem arte. Ainda que também nos ocupemos do momento pré-artístico, o que
verdadeiramente nos vai importar é o momento formalmente (essencialmente)
artístico das formas. Não buscamos tudo o que a filosofia ainda mais
remotamente poderá dizer das formas em si mesmas absolutamente, mas
enquanto se encaminham materialmente para serem portadoras de expressão.
Finalmente nos concentramos nesta mesma expressão artística.

6. Estética das formas é o estudo da arte, que tem a forma como portadora da
expressão artística. Por exemplo, a escultura e o desenho operam com formas,
sendo por isso objeto de estudo da estética das formas.
Em contraste com as formas estão as cores, que constituem a estética das cores;
os sons, constituindo a estética da música; os equivalentes convencionais, como
as palavras, constituindo finalmente a estética dos símbolos, de que a principal
é a estética literária, ou da linguagem.
A definição acima apresentada importa em análise dos termos usados, tanto do
de forma, como do de estética.
E mais do que estes termos, importa atender ao sentido da arte simplesmente.
Não se limita a arte à arte das formas; esta é apenas uma entre as várias
espécies de arte. Há, pois, a preceder pressupostos comuns a todas as artes;
embora não rediscutidos por ocasião das estéticas específicas, hão de ser
levados em conta, bem como de quando em quando lembrados, nos aspectos
solucionados diferentemente pela filosofia geral da arte (vd 0531y000).
Entretanto, didaticamente, sobre os pressupostos poderá ocasionalmente ser
retomada a discussão, sobretudo quando isto servir para mostrar a coerência
entre uma filosofia especial da arte, com a filosofia geral da mesma arte.
Quando isto acontecer, é preciso ter consciência de que os pressupostos são do
contexto geral, a fim de não romper a sistemática interna do todo do contexto
particular da filosofia especial da arte.
Por sua vez, também didaticamente, o texto de cada estética especial é
intencionalmente repetitivo em suas exposições.

7. Pressupostos são aqueles elementos, que, em uma exposição sistemática,


ficam como se já houvessem sido tratados. A partir deles prossegue
coerentemente o novo texto, simplesmente como nova etapa no percurso do
saber.
Há dois tipos de pressupostos.
Uns são pressupostos que pertencem inteiramente a outras ciências.
Neste sentido estejamos advertidos, que a definição de qualquer ciência é dada
pela lógica; somente a ela pertence mostrar o fluxo meramente formal dos
conhecimentos. Apenas a lógica se define a si mesma. Quanto às demais
ciências, elas não se definem a si mesmas como sendo tal ciência específica,
mas apenas constróem o seu campo de saber. Por isso, uma introdução à
determinada ciência, ou parte dela, como agora a introdução à estética das
formas, é apenas uma pressuposição, a qual devemos ter como sabida, antes de
ingressar no seu campo. Nesta linha de pressupostos vindos pela via da lógica
se encontram ainda os temas relativos à divisão e ao método; por isso eles são
tratados já na introdução.
Outros pressupostos são internos à mesma ciência tratada. A estética das
formas, como estética especial restrita a uma arte muito determinada,
pressupõe a estética geral. Dentro deste quadro ocorrem subgrupos temáticos,
entro os quais a estética das formas pertence ao da filosofia geral da arte. O
mesmo acontece com outras estéticas especiais, como da pintura, da música, da
língua, que também são especiais em relação à filosofia da arte como um todo.
Uma estética especial, após pressupor os conceitos mais abrangentes sobre a
estética e sobretudo sobre a arte, continua a mesma discussão, para completá-la
em seus detalhes, portanto sem retornar cada vez aos fundamentos gerais.
Entretanto, pressupor aos fundamentos não significa ignorá-los, mas levá-los
em conta, com vistas a prosseguir coerentemente com eles.

8. Forma, - um conceito ao qual importa retornar muitas vezes com novas


explicações, - é o aspecto adquirido pelos objetos, em consequência da
distribuição de suas partes no espaço. Este é o sentido primeiro de forma, a
partir do qual se desenvolveu para significar outros e outros aspectos mais dos
seres.
Uns entendem o espaço como um vazio, para o qual se dilata o corpo material;
melhor é entender o espaço como sendo a própria espacialidade deste corpo, e
que assim adquire sua forma. Como se verifica desde logo, o conceito de forma
nos deixa imediatamente um tanto estupefactos.
No seu primeiro instante a forma é a distribuição das partes no espaço, ora
como linhas, ora como áreas, ora como volumes; portanto, a arte das formas, ao
operar as formas, opera com linhas, áreas, volumes . Nesta condição de partes
distribuídas no espaço, compondo-as como linhas, áreas, volumes, a arte das
formas se distingue da arte da cor (ou pintura); muito mais ainda se diferencia
da arte do som (ou música), bem como da arte da linguagem, que opera por
equivalentes convencionais. Em função destas distinções também resultam
respectivamente a Estética das formas, a Estética das cores, a Estética da
música, a Estética literária.
As artes podem associar-se. Então as artes se misturam, ao menos
aparentemente, quando não se tornam quase inseparáveis, porque os materiais
utilizados como que se fundem. Por exemplo, a pintura, embora essencialmente
só se diga arte da cor (sensível próprio da vista), opera indiretamente também
com a forma (sensível comum a todos os sentidos), sobretudo com linhas e
áreas. O mesmo acontece com a escultura, na qual as formas esculpidas não se
podem desfazer de alguma cor, podendo até ser tocadas com as mãos,
alcançadas mesmo pelo gosto da língua e cheiro do nariz. Até mesmo os sons
se localizam no espaço, assumindo pois alguma forma. Não obstante a tudo o
que acontece, as expressões se distinguem, ainda que convivam (vd 153 ss).
A arte das formas se observa sobretudo na escultura, eventualmente ainda na
arquitetura, no gesto do orador, na representação teatral, na graciosidade do
balé, mesmo na espacialidade da pintura, no enredo dinâmico do cinema e da
televisão. Em todas essas modalidades artísticas há partes que se dispõem no
espaço, ora como linhas, ora como áreas, ora como volumes,
independentemente das cores e dos sons.

9. Há aquelas formas que, embora não sejam portadoras de expressão artística,


são entretanto esteticamente agradáveis, mesmo que não contendo um
significado do tipo mensagem.
Bela se diz ser a natureza; em especial o belo está nas flores, nos panoramas, no
vasto oceano, no céu luminoso, na noite estrelada. É também tal a condição das
formas do corpo humano, quer como um todo, quer pelas suas partes, - rosto,
olhos, braços, ombros, seios, e assim também as discretas e melindrosas
cúpulas das nádegas, coxas e pernas.
Outrossim belas poderão ser as obras do homem, os artefatos e produtos
industriais, construções arquitetônicas. Ainda que algumas das obras do homem
se denominem "belas artes", o termo "artes" está agora em um sentido muito
amplo, não apenas como expressão significadora em matéria sensível, mas
ainda como expressão objetiva de um produto humano bem articulado.
O belo, como o perfeito em realce, é digno de um Tratado do belo (vd
0764y000). Aqui, não obstante, o tema se restringe sobretudo com o sentido
estrito de arte como expressão significadora de algo; e, neste campo, com a arte
em formas expressando um tema.
Distingue-se entre forma artificial e forma natural (ou figura).
Denomina-se figura a forma natural, que um objeto já possui como uma
constante determinada pela natureza, como por exemplo, a figura do ser
humano, a figura da árvore, a figura da montanha.
Mais amplamente, forma significa tanto a forma artificial, como a natural da
figura. Tal diferença já se encontra apontada por Aristóteles.
Na arte a forma não é natural; neste sentido a arte é forma e não figura. A arte
se diz figurativa apenas em um outro sentido, quando com as suas formas
artificiais exprime a figura natural de um objeto, por exemplo de uma árvore.
Então a figura não é natural à arte, mas ao objeto que esta tomou para expressar
(vd 80).

10. E continua a forma a apresentar novas e novas perspectivas, que vamos


abordando, até nos fixar no uso artístico da forma.
Por analogia, as essências também se dizem formas, porquanto as diferentes
maneiras oferecidas pelas essências são como que uma distribuição de suas
partes, que o espírito como que situa no espaço.
Neste sentido amplo, qualquer essência, principalmente uma qualidade
determinadora e aperfeiçoadora, se denomina forma.
Assim nos referimos a formas de pensamento, isto é, à diferentes distribuições
que as idéias, juízos e raciocínios assumem na mente.
No mesmo sentido, objeto formal de uma ciência, significa seu objeto essencial.
E é ainda neste sentido que se fala em definição formal, como equivalente à
definição essencial. Importa, por conseguinte, em que acepção se usa o termo
forma nos mais diversos contextos.
Etimologicamente, forma é raiz latina. Conservou seu significado antigo, e que
mais ou menos se repete em termos como formar, formal, formoso, fórmula,
informe.
Em virtude da instabilidade da forma das coisas, a raiz oferece ligeiro aspecto
de ação, e por isso é verbal, como em formar e fórmula. O correspondente
grego é morfé e que aparece em morfologia (vd. 77).

O que ainda nos faz ocupar com a forma dos objetos é o fato de que ela pode
servir de portadora da expressão artística, como já adiantamos. Nesta condição,
uma forma, enquanto semelhante a uma outra forma, poderá ser utilizada para
significar ao objeto respectivo. Uns poucos traços, quando desenhados na
forma de uma ponte, imediatamente a expressam, levando a ela a atenção
daquele que observa e interpreta os referidos traços.
Ocorrem, portanto, dois momentos: forma como um absoluto pré-artístico,
enquanto é simplesmente ela mesma, e aquele outro, em que a forma remete
para o seu assemelhado, significando-o.
A estética das formas não trata das formas simplesmente, mas enquanto são
capazes de expressar algo. O proposto se restringe, pois, à arte das formas.
Todavia, não podemos exaurir o estudo da arte das formas sem examinar a
condição pré-artística das mesmas. Há uma dialética entre esses dois elementos:
a forma simplesmente como forma de certa matéria e a forma como expressão
de algo.
A forma, como distribuição das partes no espaço, é uma das
muitas qualidades dos corpos.
Mas ainda há outras qualidades nos corpos. Como qualidades especificamente
distintas da forma, estão ali a cor e o som. Também estas outras qualidades são
importantes para a criação de artes, de novo por assemelhamento.
No seu primeiro instante a forma é distribuição das partes no espaço, ora como
linhas, ora como áreas, ora como volumes.
Nesta condição de partes distribuídas no espaço, a forma se distingue da cor e
do som.

11. Arte é expressão em matéria sensível. Expressão é o mesmo que significado.


Algo se torna expressão, ou significado, quando diz algo de algo. A
expressão conduz, pois, a atenção para fora, para um objeto, ao qual indica
intencionalisticamente. Quando o dedo aponta para algo, não olhamos apenas
para o dedo; assim faz o animal, incapaz de perceber o conteúdo da expressão.
Mas olhamos para aquilo que o dedo aponta.
O portador do significado se denomina significante. Há pois, na arte
um significante e um significado.
Readvertimos que semanticamente a palavra arte se usa em dois níveis de
acepção, o amplo do qual não cuidamos agora, e o restrito, do qual precisamos
ter a exata noção.
No sentido amplo arte é que está bem ajustado, bem feito. Nesta acepção, arte é
o realizado de modo perfeito e belo. Eis o sentido que a palavra contém ao se
dizer "belas artes", para as obras da arquitetura.
Etimologicamente arte significa no sentido amplo indicado, do latim ars, -
tis (= maneira de ser, arte, ofício, arte liberal), no quadro da raiz indo-
européia ar- (= idéia de junção, arranjo). Dali também procedem as palavras:
artelho, articulação, artigo, arma, armada, arranjo, rito. Neste sentido de bem
articulado e perfeito é que se diz de coisas bem feitas, que elas são artísticas.
Portanto, sem conterem a expressão, se dizem artísticas (portanto em sentido
lato).
Diferentemente, quando em sentido estrito, arte é sempre uma expressão a falar
de algo, expressão essa que se encontra em um portador sensível denominado
significado. Neste sentido estrito, por exemplo, a escultura é uma arte, pois
significa algo, diferentemente da arquitetura, a qual, em princípio apenas trata
de organizar o espaço a serviço do homem. Não é que o sentido estrito de arte
venha de uma outra origem etimológica. A arte em sentido estrito nada mais é,
que um dos muitos sentidos latos levados a uma restrição de contexto.

12. A mimese ( do grego mímesis = imitação) explica a arte. O semelhante


acusa o assemelhado.
Ampliam o poder significador da arte a associatividade das imagens e
o contexto. A arte mediante formas exprime, pois, imitando, associando e
atendendo ao contexto.
Da mimese como explicadora da arte cuidaremos oportunamente, com vistas a
mostrar como a arte das formas exprime (vd 33), mostrando como as formas,
em imitando aos objetos, os significam. Quanto à associatividade e ao contexto,
são eles recursos que completam os meios de expressão da arte, inclusive a arte
das formas.
Um elemento comum - a forma - coordena a escultura, o gesto do orador, os
movimentos no teatro e no cinema. Em cada caso, a operação começa pela
imitação, completando-se pela associatividade e pelo contexto. Não acontece,
em principio, esta operação na arquitetura; opera com formas, não tem a
intenção direta de fazê-las portadoras de expressão, senão eventualmente.
É importante referirmo-nos em especial à categoria da qualidade, porque é na
mesma que encontramos os instrumentos de expressão em formas. Apenas
a qualidade tem semelhante. Por sua vez, tão só a semelhança explica a
possibilidade do conhecimento, seja aquele vindo através da expressão mental,
seja o vindo através da expressão artística. É que o semelhante adverte para o
assemelhado. Devemos, pois, sair a procura das qualidades, porque, através das
semelhanças, as quais somente existem nas qualidades, se gera a expressão.
Ora, na forma quantitativa ocorre uma qualidade. Eis a qualidade que as coisas
quantificadas têm de distribuir suas partes umas ao lado das outras. Oferece,
pois, a forma quantitativa a oportunidade de uma arte, - a arte das formas, - e
que deve ser examinada de perto.

13. A denominação estética das formas requer uma discussão à parte,


começando pelo de estética simplesmente.
Estética é o estudo da arte, conforme uso introduzido por Alexandre
Baumgarten, autor de um livro com este título, publicado em 1750. O nome
entretanto se apresenta com um conteúdo oscilante, por que sua etimologia (do
grego " Ç F 2 0 F 4 H = sensação; " Æ F 2 0 J 4 6 ` H = perceptível, relativo à
sensação, que possui a capacidade de sentir) não lhe fixa com precisão o
significado de ciência da arte, o que aconteceria apenas pelo uso que se atribuiu.
Etimologicamente também pode significar o estudo do sensível em geral, como
aliás logo depois Kant usou o mesmo termo.
Não obstante, a acepção que primeiramente se lhe deu, por iniciativa de
Baumgarten, não deixa de ter sentido, porque a arte sempre está em um
portador sensível, assim se diferenciando do portador puramente mental da
idéia. Baumgarten estava ainda no contexto da filosofia cartesiana, em que o
belo era interpretado com a perfeição do sensível, e a verdade como a perfeição
do inteligível.
Além disto, a arte, ao tempo de Baumgarten, era entendida no sentido amplo de
toda e qualquer criação bela, ao modo como quando se diz "belas artes". Hoje,
em sentido estrito, usamos o contexto em que a arte se diz ordinariamente
apenas expressão significadora de algo. Entretanto estética se usa com mais
frequência para o belo em geral do que o termo artístico. Por exemplo se diz
que as pessoas se vestem com esteticidade, e não tão frequentemente que se
vestem com arte.
No sentido psicológico, estética também significa o sentimento resultante da
apreciação da arte e do belo em geral. Este significado psicológico do termo
estética é o mais frequente. Podemos mesmo entender por estética o estudo do
sentimento estético; cabe então também este outro título: estética psicológica.
Não podemos libertar-nos de acepções consagradas pela língua em que
escrevemos. Mas, desde logo devemos definir em que contexto usamos agora
os termos.
Ao dizermos estética das formas estamos no contexto de estética como estudo
da arte, que usa as formas como portadoras de expressão. No mesmo sentido de
estudo da arte dizemos estética literária, estética das cores, estética da música.
Todas as estéticas em conjunto formam a estética geral, ou seja, a filosofia
geral da arte. Não obstante podemos separar com nuances estas últimas
denominações, ampliando ainda o sentido de estética geral para o campo da
psicologia do sentimento estético e da inspiração artística, deixando filosofia
geral da arte apenas para a expressão artística pura e simplesmente.
Com referência ao sentimento estético, ele é uma propriedade psicológica,
resultante, quer da matéria portadora da expressão, quer da mesma expressão,
quer das coisas belas em geral.
No presente ensaio sobre a arte das formas, a estética psicológica aparece
apenas indiretamente, enquanto a arte é uma das produtoras de sentimento
estético. Dir-se-á que a arte apresenta numerosas propriedades, como por
exemplo a de ser útil, e assim também é de ser geradora de esteticidade.
Estética das formas, ou filosofia da arte das formas, ao destacar a palavra
"forma", parece a melhor denominação genérica para todas as artes que de
algum modo utilizam as qualidades do espaço como instrumento de expressão.
Conforme a distribuição das partes no espaço, a expressão vai significando os
objetos que deseja.

14. Subespecificam-se as artes que usam a forma como recurso; mas de todas
nos ocupamos agora, sob o título de estética das formas.
As denominações, ora são mais genéricas, como em artes plásticas, ora mais
específicas, como em escultura e arquitetura. Tais denominações já não
indicam a ciência que cuida destas artes, porque elas são apenas diretamente
indicadas. Para nos referir à ciência sobre as mesmas teremos de
apor: estética das artes plásticas, estética da escultura, estética da arquitetura.

Artes plásticas ( do grego B 8 V F F T = modelar; B 8 V F J 0 H = escultor; B


8 V F J 4 6 ` H = plasmado, plástico) significa a espécie de arte que dispõe
materiais no espaço, com vistas a criar formas expressivas.
Por causa da nuance que sugere a ação dinâmica do trabalho de dispor o
material no espaço, a denominação artes plásticas atinge adequadamente
também a pintura e não somente a escultura e a arquitetura. No que tange à
pintura, ela não se refere propriamente ao aspecto pictórico das cores, mas à
espacialização das mesmas. O desenho é o lado especificamente plástico da
pintura. Na escultura as formas adquirem um predomínio evidente sobre a cor
que também podem somar.

Escultura (do latim sculptura, por sua vez do verbo sculpere) é um termo
ligado ao sentido fundamental de cortar desbastando, entalhando, conforme o
étimo indo-europeu kel- e skel-. O termo escultura manteve-se bastante estável
no seu significado, pouco derivando para outras nuances.
Sendo de origem latina, não era escultura o nome usado pelos gregos, que se
haviam mostrado os mestres insuperáveis desta arte. Na linguagem deles se
dizia ( 8 L N Z (= escultura), ( 8 L N , b H (= escultor); ( 8 b N T (= esculpir).
15. Arquitetura é um nome já antigo e nem sempre se situa no campo
específico da arte no sentido estrito de expressão de um tema.
No contexto geral dos idiomas indo-europeus, a raiz tek- apresenta o sentido
geral de fabricar. Tekton em grego é o carpinteiro, Tektaino é trabalhar em
madeiras. Arkitekton é o construtor principal. Evoluía depois arquitetura como
denominação das obras em pedra. Hoje inclui as obras nos mais diversos
materiais.
Recentemente introduziu-se também a denominação engenheiro, de formação
latina a partir de ingenium (= propriedade, entendimento, aparelho), de sentido
mais amplo que o de construtor de edifícios. A engenharia inclui também a
construção de estruturas móveis e produtoras de movimento, como máquinas,
veículos, motores, aparatos eletrônicos.
No latim ocorre ainda um derivado do grupo tekton que
diz texere (tecer), Textum (= texto), tela (= tela). No francês tela foi para toil e
dali toilete. Teríamos, então, na toilete de hoje uma espécie de "arquitetura" da
aparência estética do corpo humano e dos arranjos de vestir.
O conceito arquitetura não inclui necessariamente o de arte como expressão
significadora de algo. Mas é comum que a obra arquitetônica expresse algo
sugestivamente. Então já não é apenas algo belo, como no conceito de "bela
arte", mas ainda uma escultura significadora ao modo da arte em sentido estrito.
Só neste último sentido, - qual seja o de expressão temática, - cuidamos
diretamente da arquitetura neste ensaio sobre estética das formas.

§ 2. Valor da filosofia da arte das formas. 2283y016.


16. Certamente como instrumento de comunicação a arte da linguagem supera
em importância a todas as demais modalidades de expressão artística. A
alfabetização se promove com insistência universal, porque a linguagem é a
mais eficiente instrumentização de transmissão de pensamento.
Mas, à medida que avançamos no uso da linguagem, anexamos as demais artes.
Depois de deixarmos de ser analfabetos da língua, deixamos também de ser
analfabetos da música, das artes que operam com expressões em forma e cor,
da pintura e escultura, gesticulação, representação, ciência cinematográfica,
televisionada.
A aliança e integração de todos os meios de expressão aumenta a capacidade de
expressão, quer para transmitir, quer para aprender. Uma filosofia da arte
esclarecendo-nos universalmente sobre a totalidade das maneiras de expressar,
converte-nos em personalidade completa; então, falam as letras, como também
nos falarão as estátuas, os edifícios, bem como ainda a música e a pintura.
A alfabetização integral do homem implica em conseguir o conhecimento de
todas as artes. Ainda que não sejam iguais as inclinações, deve cada um
dedicar-se ao cultivo de todas as modalidades de expressão artística.
Nos estabelecimentos de ensino a alfabetização nas letras separa os retardados,
a fim de os recuperar; não faz que eles desistam. Do mesmo modo, os que não
propendem para a música, - ainda que não sejam destinados a cantar no grande
coral e a tocar na orquestra sinfônica, - serão levados também a estudar
elementos de música, a fim de se recuperarem de algum modo.
De igual sorte, a arte da expressão em formas deve ser levada a todos os alunos,
mesmo aos pouco prendados; estes hão de ser tratados de maneira especial.
Desta sorte haverá uma educação para todos, em todas as artes. Uma
alfabetização integral, então, ocorrerá.

17. Ainda que a arte das formas não possa concorrer com a da linguagem, no
que diz respeito à capacidade de comunicação, ela apresenta contudo certas
vantagens em função de particularidades que lhe são específicas.
Entre estas vantagens específicas da arte das formas se encontra a capacidade
de apresentar as mesmas formas físicas das coisas, em linha, área e volume.
Embora a linguagem muito explique, certas coisas melhor se representam
através de um desenho ou escultura. Dali vem que os textos literários,
sobretudo enciclopédias, costumam aduzir ao objeto que definem, ainda o
desenho ou a fotografia do mesmo. A este procedimento se
denomina ilustração de texto.
A linguagem é mais inteletual, porque opera mediante equivalentes
convencionais e estes podem sofisticar-se adatando-se às operações inteletuais
de conceitos, juízos e raciocínios, enquanto a arte das formas é mais sensível,
operando diretamente com as semelhanças corporais das linhas, áreas, volumes.
Outra peculiaridade da arte das formas, é o fato de que, na aliança já
mencionada entre as artes, ela participe com um sensível comum a todos os
sentidos (vd 42), enquanto as outras operam apenas com sensíveis próprios,
isto é, específicos a apenas um sentido.
A pintura, o som da música e a linguagem, em última instância, não podem
libertar-se do espaço.
Combina-se por exemplo a cor, com as formas que a espacializam na tela, ou
mesmo a colocam em terceira dimensão na escultura.
Também a linguagem, constituída de sons, se estrutura com as formas do gesto
do orador, com as formas na movimentação cênica do teatro, do cinema, da
televisão.
Até mesmo a música se espacializa e apresenta direções a partir de onde vem
até nós.
O resultado é que, no fenômeno da aliança das artes, a arte das formas ocupa
posição central, ou seja, é a arte através da qual todas as artes se aliam.

§ 3. Um pouco de história da estética das formas. 2283y018.

18. Algum conhecimento teórico espontâneo sobre a expressão em forma no


espaço ocorre em todas as pessoas. Desde sempre o homem gesticula e cria
formas plásticas em desenhos e esculturas; um desenvolvimento profissional
veio sendo adquirido sobretudo a partir dos gregos.
Refletindo sobre este uso espontâneo e profissional, desenvolveu o homem
também uma ciência e uma filosofia sobre a arte das formas, como já se
observa em textos de Platão (427-347 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.),
Vitrúvio (1º séc. a.C.) Este último é autor de Dez livros sobre a arquitetura, o
único restante da antiguidade e que influenciou a arte da Renascença.
No que se refere à escultura, os antigos teorizaram principalmente sobre a arte
figurativa. Esta não somente a praticaram com muito virtuosismo os gregos,
aos quais dificilmente se haveriam depois de equiparar os renascentistas e
modernos em geral, como também estabeleceram cânones para a mesma. Na
então falta de recursos fotográficos, a arte figurativa teve por isso mesmo
grande validade para o homem antigo, como também transmitiu para a história
fisionomias que de outro modo não se teriam documentado.

19. A psico-dinâmica das formas, ainda que bastante cedo praticada pelos
artistas na escultura e na arquitetura, não foi teoricamente muito bem conhecida
no passado. Entretanto esta ordem de conhecimentos deve encontrar-se no
fundamento de qualquer sistemática no campo da pré-estética das formas.
Em si mesma a psicodinâmica das formas constitui-se apenas um objetivo pré-
estético, a ser considerado já antes de receber a expressão que informa
intencionalisticamente sobre algo.
Todavia, num segundo momento, esta psicodinâmica das formas permite ser
aproveitada também como instrumento de expressão. Alcançada a expressão
fundamental através da mimese das formas, passa a receber por associatividade
as sugestões psicodinâmicas para evocativamente alcançar mais expressão.

20. A arte abstrata será possivelmente a glória dos modernos, que tanto a
praticam, como a teorizam até mesmo com insistência.
Ainda que até agora quase toda a arte moderna seja um lixo, quer pela
expressão deficiente, quer pela falta de conteúdo apreciável da mesma, este fato
não diminui a validade dos seus princípios.
Wassily Kandinsky (1866-1944) chamou a atenção para o atraso dos estudos
elementares, de que dependem as artes plásticas. E ele mesmo escreveu o
tratado Ponto e linha frente ao plano (1926), em que retomou alguns
elementos já conhecidos e desenvolveu uma ciência da arte em proporções
maiores.
"A opinião dominante até o dia de hoje, - segundo a qual seria fatal dissecar,
decompor a arte, porque tal decomposição conduziria indefectivelmente à
morte da arte, - se origina em uma ignorante sub-estimação daqueles elementos
postos a descoberto e de suas forças primárias.
A arquitetura ... a música ... possuem bases científicas e ninguém se
escandaliza por isso.
Se as outras artes se mantiveram mais ou menos atrasadas neste sentido, a
magnitude deste atraso corresponde ao grau de evolução de cada uma delas ...
A pintura, em especial, deu no curso dos últimos decênios um salto realmente
fabuloso ...
É um fato curioso aquele de que os impressionistas destruíram, em sua luta
contra o acadêmico, os últimos restos da teoria e que, não obstante sua
afirmação de que a natureza constitui a única teoria para a arte, tenham sido
eles quem, sem demora, ainda que inconscientemente, puseram a pedra
fundamental da nova ciência da arte " (Kandinsky, Ponto e linha frente ao
plano, Introd.).
A teorização sobre a arte se ocupou principalmente dos estilos (veja-se cap. 7º,
nrs. 226 a 308). Em filosofia da arte não é todavia o estilo o principal. Não
obstante, o aspecto histórico dos estilos oferece elementos consideráveis para a
compreensão mesma da arte, sobretudo da arte das formas, muito influenciada
pela descoberta de novas técnicas, como por exemplo a produção industrial dos
materiais utilizados e invenção dos recursos eletrônicos.

§ 4. Divisão da estética das formas. 2283y021.

21. O estudo da estética das formas se divide obviamente nos dois elementos de
que se compõe qualquer obra de arte, o significado (ou expressão) e o
significante (ou portador da expressão). Temos, por conseguinte os títulos
abaixo :

A forma como expressão (cap. 1-o.);


A forma como significante (cap.2o.).
Considerando que o aspecto mais importante é o significado (ou expressão),
este deverá ser examinado com maior detalhe. Todavia ocorrem algumas
interações entre o significado e o portador. Por isso importam algumas
alternâncias. Apenas exposto o que há de mais geral sobre a expressão,
passamos ao portador material da expressão. Num novo momento serão os
seguintes os temas de detalhe, já agora de volta à expressão:

Da prosa na arte das formas (cap.3-o.),


Gêneros em prosa da arte das formas (cap. 4-o),
Da poesia na arte das formas (cap.5-o.),
Gêneros de poéticos da arte das formas (cap. 6-o),
Do estilo na arte das formas (cap. 7-o.).

CAP. 1-o.
A FORMA COMO EXPRESSÃO. 2283y022.
22. Diante de formas, como linhas, áreas e volumes, adequadamente operados
como arte, distinguimos de pronto entre o que tais formas são simplesmente
como formas (significante), e algo mais, pelo que dizemos ocorrer ali uma
expressão (significado).

Esta expressão precisa ser determinada em sua mesma natureza geral (Art. 1-o),
e depois explicada por uma teoria (Art. 2-o), com complementos sobre o seu
caráter de expressão objetiva interpretável (Art. 3-o) e propriedades (Art. 4-o).

Dali nascem ponderações ora difíceis de acompanhar, ora muito interessantes, e


que nos colocam no mesmo fundamento do que virá depois.

ART. 1-o. NATUREZA GERAL DA ARTE COMO EXPRESSÃO. 2283y023.

23. A questão sobre o que a arte fundamentalmente é, constitui um pressuposto


que a estética das formas já supõe resolvido, conforme já advertimos (vd 7).
Mas importa em considerar a questão, para determinar em que rumo a estética
das formas praticada agora está sendo colocada.

No intuito de estabelecer o que a arte fundamentalmente é, - e portanto de


definir um pressuposto à arte das formas, - se oferecem duas interpretações
fundamentais sobre a arte, a practicista e a intencionalista.

Conceberia o artista seus objetos apenas como objetos absolutos, sem relação
intencionalística, como se fossem meramente entitativos, para se apreciar em si
mesmos, apenas como novos objetos acrescidos aos objetos já existentes?

Ou, pelo contrário, conceberia o artista aos seus objetos como instrumentos de
significação, que expressam intencionalisticamente, como sendo signos de
outros objetos?

Eis o questionamento fundamental em qualquer filosofia da arte, antes que se


vá para esta ou aquela modalidade artística, - formas, cores, música, linguagem.
§ 1. Concepção practicista da arte. 2283y024.

24. Para o practicismo artístico os objetos de arte são meramente entitativos;


são absolutos, sem a referência significadora para fora de si mesmos, ainda que
isto secundariamente possa acontecer. A arte seria apenas a recta ratio
factibilium.

Entre os objetos meramente entitativos, há os naturais, assim oferecidos pela


natureza, como as flores, árvores, montanhas, e os artificiais, assim criados
pelo homem, como por exemplo os artefatos de fábrica. Os naturais não visam
ser portadores de significação, ainda que por vezes acidentalmente venham a
ter esta condição; é o caso quando blocos de nuvens parecem construir castelos
e muralhas. Os objetos artificiais usualmente também não se destinam a ser
portadores de significado, e então restam como meramente entitativos.

Considerando aos objetos artificiais meramente entitativos, criados geralmente


por razões de utilidade ou função, também eles merecem ser apreciados como
obra humana guiada pela razão, da qual são ao menos expressão objetiva.

Estes produtos artificiais são tipicamente humanos, porque são criados sob
orientação de uma idéia, ou imagem, guiando a ação. Até mesmo quando
sonhamos, a imagem pode guiar a ação, conforme se observa em alguns casos,
inclusive no dos sonâmbulos. Quando produzidos pelo homem guiado pela
razão, ou por imagem, os objetos se dizem artificiais frente aos naturais.

A grande diferença, pois, da obra humana, mesmo a não artística pela qual se
cria um artefato, é a presença de uma idéia exemplar, - a recta ratio
factribilium, - que ilumina a ação e a orienta. Por isso as obras do homem
assumem peculiaridades distintas das coisas achadas na natureza.

Não obstante, a própria natureza, enquanto vista como criação de Deus, admite
a mesma consideração; teria Deus operado, considerando uma idéia exemplar.
Ordinariamente, porém, não apreciamos as coisas da natureza como contendo
uma idéia, como acontece com a obra humana. Esta sempre se faz como
realização de uma idéia. Neste contexto, continua a diferença entre a obra da
natureza e a obras humana.
É possível sudistinguir os objetos artificiais em meramente entitativos, como os
artefatos, e os que são portadores de expressão, aos quais queremos nós
denominar como sendo unicamente as expressões artísticas.

Entretanto, não faltam aqueles que colocam como especificidade da arte outros
aspectos e que podem encontrar-se em objetos de produção meramente
entitativa.

Hegel simplesmente considera arte o objeto no qual se realizou uma idéia;


praticamente toda a obra especificamente humana é produzida sob o comando
de uma idéia, e por isso se realizaria como obra de arte. Outros definem como
arte a obra criada para gratuita apreciação, e que, portanto, não importe em
utilidade.

Por isso, uma tela de arte pode ficar; simplesmente pendurada numa parede,
sem outro objetivo que não a de ser apreciada. Igualmente a música não
passaria de uma sequência estética de sons, sem outra finalidade senão a de se
fazer ouvir.

Na concepção practicista exposta a arte seria apenas a criação entitativa de um


objeto. Em tais condições, - ainda que não se use dizer, - a arte ocorreria
também nos objetos industriais, porque são criações do homem, e portando
distintos dos demais objetos da natureza. A pintura, a escultura, a música, a
linguagem não seriam artes pela circunstância, de se exercerem como falantes;
isto o fariam acidentalmente. Mas, seriam arte apenas porque são obras de
criação prática. O fazer físico de tais coisas, eis a que se reduziria o exercício
da arte.

25. Contestando. Não nos parece que a arte seja apenas um criar novos objetos,
pois não basta serem artificiais, sejam produtos de uma razão, sejam para a
apreciação gratuita e fora de outra utilidade.

Todavia, não obsta que nos entreguemos a este tipo de atividade, desde que não
a confundamos com a mesma arte. Podemos criar objetos simplesmente
como novos objetos. Estes novos objetos seriam para efeito meramente estético
inclusive útil.
Assim, para efeito meramente estético, é possível lançar cores sobre as paredes
das casas simplesmente para que se possam ver as belas cores; é o que de fato
se usa fazer. Assim também se vestem belamente as pessoas e arrumam
internamente suas casas. Igualmente se pode criar sequências de sons sem nada
significar, senão para sentir a harmonia sonora. Nesta mesma direção está a
indústria quando cria seus manufaturados com formas agradáveis de se ver.

Alguns parecem entender assim a arte, defendendo pois a uma concepção


practicista para a mesma. Arte seria então, uma expressão meramente entitativa
e não uma expressão significadora, não seria falante, não seria teoreticista. Não
haveria na arte a distinção entre significante e significado; em outras palavras, a
arte não seria o portador de uma expressão a falar de algo.

Mas não basta a idéia exemplar realizada para que uma obra de arte se diga tal.
A presença da idéia exemplar guiando a ação apenas distingue a ação da
natureza da ação inteligente do homem. Dali não resulta mais que a distinção
entre criação pela natureza e criação artificial pelo homem. Além destas idéia
exemplar, a obra de arte deve ser expressão significadora. Qualquer artefato
humano é guiado por uma idéia exemplar, sem com isso tornar-se uma
expressão significadora. Importa ainda a intenção de colocar algo na obra, que,
pela sua semelhança (natural, ou convencional) efetive uma significação.

Como se verifica, nos pressupostos da estética das formas estão questões que já
vêm discutidas desde a filosofia geral da arte (vd 0531y000) e que ali devem
ser resolvidas.

26. A arquitetura constrói de acordo com uma idéia prática, segundo a qual
organiza as formas de um espaço, para torná-lo útil ao uso do homem.

Até aqui a arquitetura é apenas uma obra fechada em sua entidade, sem
intenção de se tornar um objeto portador de significado. Ela se reduz ao mesmo
plano de todos os objetos artificiais, de caráter meramente entitativo.

Contudo destaca-se a arquitetura pelo tamanho de seus envolvimentos. Preparar


o espaço para o uso do homem envolve todo um programa, pelo qual os
espaços são definidos de acordo com suas diversas funções, que podem ser de
moradia, de locais de fábrica, de sistema urbano, de máquinas, navios, aviões,
veículos, etc. Tais funções são de um tal envolvimento, que todo este programa
implica mesmo em legislação própria, que determina por exemplo as inter-
relações e dimensões das partes de uma residência e o afastamento em relação
às ruas de tráfego.

Eventualmente,- como já se advertiu, mas só por acréscimo, não por essência, -


a arquitetura poderá passar a constituir-se em expressão artística, se puder
transcender a si mesma, levando a atenção para um objeto, ao qual significa, ou
por semelhança, ou por sugestão.

Exerce-se, então, a obra arquitetônica como arte, porque passou adicionalmente


a significar algo.

Comportar-se-á a arquitetura eventualmente como arte figurativa, se expressar


um objeto concreto, por exemplo uma tenda, um navio, um cálice.

A realização arquitetônica passará a ser uma arte abstrata, se expressar apenas


uma idéia, por vezes apenas um sentimento meramente psicodinâmico
ascensional, como no gótico.

São exemplos de arquitetura figurativa, a igreja de Pampulha (Oscar


Niemeyer, em Belo Horizonte) e o pavilhão de Philips, na Exposição Universal,
Bruxelas 1958 (Le Corbusier).

As esculturas espaciais figurativas de tipo arquitetônico são raras e não se


recomendam quando prejudicam a função principal, que é a organização do
espaço.

Mais frequentes em arquitetura são as expressões meramente formais (ou


abstratas), como do ritmo, da empatia, da sensação de leveza, da magnitude e
majestade. Principalmente os grandes edifícios falam esta linguagem subtil, não
necessária à arquitetura, mas muito adequada, com a qual seus recintos, mesmo
quando vazios, não silenciam.

Tais edifícios de expressão abstrata e de sugestões poéticas são, neste caso, a


expressão daquilo a que vieram.

São expressão mística, se se erguem como templo.


Expressão de pompa, se como palácios do poder.

Expressão de excitação, se foram construídos como lugar de recreio.

Expressão de aconchego, se como moradia do homem de paz.

27. A arte como objeto especial? Na concepção practicista não intencionalista,


as obras de arte são criadas simplesmente para que elas em si mesmas ofereçam
objeto de apreciação. Colocam-se tintas nas paredes, para que haja tintas a
ocupar os olhos, criam-se formas esculturais com o fim de que haja formas para
se apreciar, imprimem-se ordenamentos dinâmicos nas construções
arquitetônicas, para que estes edifícios se mostrem diretamente como
dinâmicos.

A preocupação de tais artistas poderá ser, então, a de construírem objetos que


em si mesmos ofereçam a melhor oportunidade de se fazerem apreciar. Isto
certamente é válido e muito se faz na música e na arquitetura. Importa,
entretanto, responder se exatamente nisto está a arte.

Para a concepção não intencionalística da arte, a obra apresenta condições de


"objeto especial". Dir-se-ia objeto atendendo a circunstâncias gnosiológicas
originárias da palavra, de origem latina, na qual a
preposição ob significa diante, contra. Então ob-jeto significa estar diante ...
isto é, em frente de quem conhece a coisa.

Diz-se que o objeto é especial, com a intenção de distingui-lo daquele estado


anterior em que a matéria não transcendia sua própria obscuridade. Distingue-
se, pois, entre a matéria em absoluto e a matéria em estado relativo de
assunção.

A terminologia "objeto especial" não é necessariamente patrimônio da teoria


practicista da arte. Mas se presta particularmente para esta interpretação não
intencionalista da arte resultante por mero deslocamento de objetos cotidianos,
como se pratica na arte de objetos já feitos (ready-made).
O processo da "colagem" é um exemplo. Um simples deslocamento põe
dimensões novas nos objetos. Colocado um prego sobre a tela, novas
dimensões assumiu este objeto, retirado do meio anterior.

A revelação que o objeto especial dá a seu mesmo respeito poderá ser contudo
interpretada a maneira da teoria teoreticista intencionalista. Ele pode ser
interpretado ao modo de significante e significado isto é como algo que
exprime algo.

28. Independe a interpretação dos filósofos da arte, do que fazem os artistas.


Certamente ocorre a arte ao se proceder uma deslocação de objeto, como na
colagem ou em qualquer outra modalidade de objeto especial. Ocorreu na
iluminação e saída da obscuridade; basta esta tendência para que inicie a arte,
ainda que de maneira elementar, como foi praticada ingenuamente por
numerosos artistas, profissionais do lixo artístico.

"O uso do papel colado, da areia e de outros elementos poéticos e real e postos
dentro do quadro já indica a necessidade de substituir a ficção pela realidade.
Quando mais tarde o dadaísta Kurt Schwitters constrói o seu Merzbau - feito
com objetos ou fragmentos de objetos achados na rua -, ainda é a mesma
intenção que se amplia, já agora livre da moldura, no espaço real. Nesta altura,
a obra da arte e os objetos parecem se confundir.

Sinal desse mútuo extravasamento entre a obra de arte e o objeto é a célebre


blague de Marcel Duchamp, que então enviou para a Exposição dos
Independentes, em Nova Iorque (1976), um urinol-fonte, desses que se usam
no mictório dos bares.

A técnica do ready made foi também adotada pelos surrealistas. Ela consiste
em revelar o objeto deslocando-o de sua função ordinária e assim
estabelecendo entre ele e os demais objetos novas relações" (Ferreira
Gullar, Teoria do não-objeto, Jornal do Brasil, Supl.9-1950).

Não resta dúvida, porém, que a terminologia objeto especial se presta para a
interpretação não intencionalista da arte ainda que não importe necessariamente
nela.
A interpretação não intencionalistica admite a terminologia do "não-objeto", no
sentido de "não tema". Criar-se-ia a obra de arte com o fim em si mesma, de
sorte a não cuidar de um remeter intencional para um objeto intencionalmente
distinto dela mesma. Não fazendo representação de objeto, a arte seria uma arte
de não-objeto.

Que pensar desta terminologia? Em filosofia a palavra "objeto" tem função


eminentemente geral. Admite a distinção entre o objeto concreto e objeto
abstrato. Quando a arte representa um objeto concreto (que tem
necessariamente uma figura), denomina-se arte figurativa.

Se se disser de uma arte que ela é uma arte de "não objeto" apenas por que não
apresenta "objetos concretos", outra coisa não sucede do que estabelecer que
ela não é figurativa. Resta ainda lugar para que dita arte exprima de maneira
meramente formal; então, há também objetos, ainda que não concretos. Visados
estes objetos de maneira intencionalística pela obra de arte, esta se dirá
expressão, de acordo com a teoria não practicista.

Para que "arte de não objeto" indique uma interpretação não intencionalística,
requer-se que o "não objeto" exclua os objetos de toda a ordem, concretos e
abstratos; então esta arte se fixará apenas na obra, fazendo dela em si mesma o
fim da apreciação. A obra de arte se reduzirá à sua mesma aparência singular
sensível. Será apenas um novo ente. Não transmitirá a atenção, nem para o
figurativo, nem para o meramente formal, por que não significa nada.

"Toda obra de arte verdadeira é, portanto, um não-objeto, e se adotamos agora


esta denominação é porque ela nos ajuda a enfocar os problemas da arte atual
de um ângulo que nos parece novo.

A expressão não-objeto foi, por sugestão minha, adotada por Lygia Clark para
designar os seus últimos trabalhos que são construções feitas diretamente no
espaço. Mas no sentido de tal expressão não se restringe a ser o nome de
trabalho particulares, pois não-objetos são também as esculturas de Amilcar de
Castro e Franz Weissmann, as últimas obras de Hélio Oiticica, Aloísio Carvão
e Décio Vieira, bem como os livros-poemas dos poetas neoconcretos (Ferreira
Gullar, Ibidem).

Não podemos afirmar que ditos artistas criaram a arte de não-objeto; há quem
assim a interprete; de fato, parece-nos que também ocorre intencionalidade na
referida espécie de arte dita de não-objeto.
§ 2. Concepção intencionalista da arte. 2283y029.

29. Na concepção intencionalistica da arte, uma escultura não é apenas obra


que se aprecia como um objeto que se contempla, mas é algo que transcende a
si mesmo e nos conduz a um novo objeto; este novo objeto assume a
denominação de tema, que o anterior objeto exprime.

Ocorre aqui uma clara distinção entre significante, que é o primeiro objeto na
função de portador, e expressão, situada ainda no primeiro objeto, a partir de
onde conduz ao segundo.

Distingue-se subtilmente entre a expressão, situada no primeiro objeto, e o


objeto da expressão. Todavia há dois objetos da expressão: um é o objeto
interno à mesma expressão, outro que é o objeto externo da expressão, aquele
que é visado em última instância pela intencionalidade cognitiva.

Há um termo intencional intrínseco (ou conteúdo), que é o objeto expresso na


obra; este objeto interno à expressão é o que as vezes se denomina imagem; por
vezes também conteúdo da expressão, ou mesmo conteúdo da imagem. E há
um termo intencional extrínseco, que é o objeto efetivo; é aquele em que por
primeiro se pensa ao se falar em objeto da expressão. Conforme o contexto, a
mesma maneira de falar sobre o objeto expresso poderá referir-se, ora ao
interno, ora ao externo.

Na arte figurativa, o objeto concreto está situado inteiramente fora; é o que


observamos em uma estátua. Este estar inteiramente fora acontece mesmo
quando se representa um herói distante ou já no passado.

Na arte meramente formal, de objeto abstrato, como o belo, a verdade, a


harmonia, o objeto também se situa no exterior da expressão artística, ainda
que de um modo especial. Mesmo que se diga que a beleza se encontra na
mesma obra, não se confunde com uma expressão. A cor concreta (em que está
a expressão) poderá falar da cor simplesmente (cor em abstrato), eis um
exemplo de arte meramente formal, e assim também o belo em abstrato poderá
ser indicado no belo concreto.

E como se distinguiria a expressão (ou significado ) e a obra (ou significante)


em que ela se encontra? Apresenta-se na obra um elemento absoluto e físico;
este é a obra simplesmente como matéria e que não se confunde com a
expressão. Nasce de dentro da forma física uma relação intencional que é a
expressão; já não se confunde com a base física de sustentação Esta relação
intencional é uma marcha da mente, que vai ao termo extrínseco, o objeto, ou
tema. O termo intrínseco é o conteúdo expresso, a informação propriamente
dita, o conteúdo. O termo extrínseco é aquilo de que a informação trata.

O caminhar da atenção se compara com o andar físico, ainda que apenas


exteriormente, por analogia. Em verdade, o movimento intencional é de
natureza gnosiológica, portanto de índole mui peculiar, enquanto que o andar
físico é de locomoção corporal. Por vezes ambos se combinam: atende a
inteligência à estátua e o corpo se encaminha para ela. "Ver com as mãos" é
uma expressão que ilustra este fato das duas maneiras de ir ao mesmo objeto.

30. A concepção intencionalistica da arte a distingue pois notoriamente da


simples entidade de um ser. Assim como o conhecimento se distingue de tudo o
que é entidade por si só, a expressão artística também não é ente simplesmente,
é um ente sui generis vertido para fora de si.

Esta concepção da arte não exclui a aliança de mesma arte com elementos não
artísticos. A geral integração das artes entre si e das artes com funções não
artísticas é um fenômeno normal (vd 157). A música, por exemplo, flui grande
parte senão como sonoridade estética, sem que nada signifique; como arte,
todavia, sua essência está em exprimir algo, por pouco que seja. Há na música
o momento pré-estético da sonoridade material, e o momento artístico
propriamente dito do significado. O mesmo acontece com a arte das formas,
que é estética como material e estética pelo significado de que é portadora.

Como decidir ? Ou seja, como provar ? Por primeiro tentaremos a verificação


direta. Valerá o que efetivamente se apresentar como fato. A partir dali nos
orientaremos para prosseguir.

Que é que nos faz aproximar de uma obra de arte? Sempre nos ocupa em saber
o que ela exprime. Portanto, a teoreticidade, ou seja, a expressão informante, é
o motivo da arte; a teoreticidade é sua significação central.

Que pretende um artista, ao criar sua obra? Ainda que faça como obra física,
que entra para a existência, ao modo de qualquer outra coisa concreta, o que
verdadeiramente leva o artista a criá-la é uma função teórica. Portanto, a arte
não é apenas o surgir de mais um ente ao lado de outros entes; é uma expressão
a transcender para fora de si mesma.
Não nos aproximamos de uma obra de arte, com a preocupação de atender à
sua criação na ordem prática existencial, pois ninguém faz do ponto de vista
meramente artístico perguntas como estas: existe a obra ? Resiste a obra a ação
do tempo ? É eterna a obra ? Tais preocupações pertencem à ordem existencial
prática e são da área da criação na ordem prática. Podem interessar ao
empacotador, ao transportador, ao guarda, e não ao consumidor da arte em si
mesma.

31. Dúvida certamente não há a respeito do caráter intencionalístico da


escultura. As estátuas são de uma mensagem gritante. Servem de instrumento
de eternização dos indivíduos nelas representados, sejam políticos, sejam
esportistas, sejam heróis. O desenho figurativo também nos fala prontamente.
Com poucos traços a atenção é transferida para uma casa, para uma árvore,
para um rosto, para um idéia abstrata.

O orador não faz gestos apenas com reflexos entitativos de sua passionalidade,
seus gestos também querem representar algo. Quando aponta com o dedo, não
o faz que olhemos seu dedo simplesmente, mas para onde ele indica.

O arquiteto cuida evidentemente em primeiro lugar da organização do espaço


que coloca a serviço do homem, porque sua construção visa primeiramente
uma função. Mas costuma acrescer algo mais que se instrumentaliza como
expressão significadora. Mesmo que não crie figurações de coisas concretas,
faz ao menos sugestões vagas, como que em poesia.

Tal acontece com a idéia, que não surge na mente como um acontecimento
meramente psíquico, mas como informação sobre algo, também a expressão
artística não se limita a ser um objeto que ocupa fisicamente um lugar; ela é um
dizer algo à maneira de mensagem.

32. A simples "iluminação de um objeto", retirado à obscuridade cotidiana,


como acontece na colagem, ainda não o faz estabelecer-se como arte. As novas
relações devem converter a obra em portadora das mesmas, à maneira de signo
para um significado; então, o deslocamento de um objeto, de suas relações
ordinárias, para outras, se converte em oportunidade de expressão.
Ocorre uma simples iluminação, em qualquer ciência, pois a ciência apenas
procura saber mais; então, a seus olhos os objetos não se mostram apenas como
nos aparecem no dia a dia, mas revelam algo mais.

Esta iluminação, a tirar o objeto de sua situação quotidiana consiste apenas em


uma dissecação, tal como quem passa a conhecer melhor uma pessoa depois de
lhe fazer a anatomia dissecante.

Um urinol visto no bar, depois na vitrine, depois ainda na exposição de arte se


revela apenas mais e mais. Nestas condições, se trata apenas de mais ciência.
Entretanto, um mictório, por outras circunstâncias poderá assumir a função de
expressão de algo. Então sim já não se trata de uma iluminação direta, como de
uma dissecação, que dá mais saber. Agora, o mictório se instrumentaliza como
signo. Só nestas condições as colagens e as artes de objeto feitos (ready made)
se elevam à condição de arte em sentido estrito. Mas então se discuta ainda se
qualquer objeto merece ser expresso!

As concepções não intencionalísticas, ao estabelecerem a arte como um


apreciar direto da entidade da obra a se revelar apenas a si mesma mais
intensivamente, não defendem senão aquilo que é buscado pela mesma ciência,
- como já se advertiu. Esta sempre consistiu na busca mais perfeita possível dos
objetos, surpreendendo-os com suas estruturas e relações maiores.

Confundir a arte com a ciência é simplesmente anular sua especificidade. E não


perceber que a arte se processa como signo. Mas, depois de iluminado o objeto,
expressá-lo com toda a iluminação, eis quando acontece a arte, sobretudo a
grande arte, pois uma das razões que torna grande a arte é a de expressar
grande conteúdo. A outra poderá não ultrapassar o nível do folclore da
sabedoria popular.

A ciência é um saber sobre o objeto; a arte é a expressão deste saber. Mas


importa compreender que a ciência se direciona ao objeto com vistas a
descobri-lo, e assim também a arte expressa o referido objeto, revelando-o ao
apreciador. Como expressão, ciência e arte estão próximas entre si,
encontrando-se no objeto, - a ciência para descobri-lo, a arte para expressá-lo.

ART. 2º A ARTE EXPLICADA PELA MIMESE E


ASSOCIATIVIDADE. 2283y033.
33. Na arte uma coisa fala de outra coisa. Efetivamente, formas nos falam de
coisas que têm formas. Cores, nos falam de coisas coloridas. Sons, de coisas
que de algum modos se ligam aos sons, seja naturalmente como na música, seja
por convenção, como na linguagem.

O que assim verificamos diretamente, como um dado da fenomenologia,


importa ser explicado agora a partir de dentro, por meio de uma teoria.
Responde a teoria à pergunta porque isto acontece.

Em princípio, a teoria que explica uma das artes, também explica


fundamentalmente as outras, porquanto em todas o fenômeno é o mesmo, -
algo a falar de outra.

A hipótese sobre a qual trabalha a teoria da arte é a de que ela utiliza as


qualidades sensíveis, e que toda a qualidade tem como propriedade ter
semelhante.

É por exclusão, que chegamos às qualidades e à sua propriedade de ter


semelhante, porque onde estes dois elementos não ocorrem, não acontece a arte.

Repetimos, - os sons, as cores, as formas são qualidades. Levanta-se então a


pergunta - seria a qualidade enquanto qualidade o fundamento da arte?

Examinando esta possibilidade, que haveria na qualidade para que pudesse


servir como instrumento de expressão artística?

Ora, atentos ao fato já advertido por Aristóteles, de que somente as qualidades


têm semelhante, e que o semelhante remete a atenção para o assemelhado,
porque o imita, fazemos logo a pergunta certeira:

- seria a expressão artística fundamentalmente uma mimese?

Ainda que a expressão utilize adicionalmente outros recursos, como


o contexto e a associatividade das imagens, a teoria da mimese se apresenta
como uma hipótese a examinar em primeiro lugar.
Metodologicamente o que propomos examinar é especificamente filosófico,
porque é um esclarecimento pela via das considerações meramente racionais.
Depende do conhecimento racional da categoria da qualidade e de suas
propriedades.

Partindo embora dos fatos, a consideração marcha do explícito ao implícito. No


caso, o acusar do semelhante para o assemelhado é um efeito formal.

Importar atender para a diferença entre efeito formal e efeito na ordem da causa
eficiente. Enquanto na causação formal o efeito permanece na mesma causa
formal, o efeito na ordem da causa eficiente se separa do causante, o que se
pode observar empiricamente.

Mas mesmo neste efeito na ordem da causa eficiente ocorrem elementos


puramente racionais. Empiricamente observamos somente que uma coisa vem
após a outra, sem podermos rigorosamente inferir que aconteceu uma causação
produtora. Apenas pelo raciocínio podemos dizer que existe uma causa
eficiente, com o respectivo efeito, como quando dizemos que o artista produz a
sua obra.
§ 1. A mimese como essencial à expressão. 2283y034.

34. A teoria explicadora da arte, que se ergue desde a antiguidade é a


da mimese. Assim se denomina a partir do grego : \ : 0 F 4 H (= imitação). Esta
teoria é complementada pela associatividade, ou evocação poética (vd).

Os assemelhados se acusam, porque os semelhantes têm a propriedade de se


poderem indicar mutuamente, de sorte a poder caminhar a atenção de um para
o outro.

Dali a teoria sobre a expressão mental, segundo a qual a idéia informa sobre o
objeto, por ser semelhante de algum modo a ele; do mesmo modo a arte
exprime ao seu respectivo objeto, por ter com ele alguma semelhança.

A semelhança, como ocorre no conhecimento, é interpretada pelo indivíduo


racional, e não pelo animal sem inteligência. Portanto a arte
exige competência para a interpretação da mimese, possibilidade que o simples
reflexo condicionado não oferece.
Dentro desta teoria, as formas, desde que imitem outras, as exprimem
exatamente por que as imitam, bem como as exprimem na mesma proporção
que se fizer a imitação.

Diferentemente, os objetos muito disparatados oferecem dificuldades para


serem imitados uns pelos outros. As formas físicas não imitam estados
interiores senão mui inadequadamente; os sons, de índole mui diversa que os
objetos materiais sólidos, não exprimem adequadamente a estes. Conseguem
todavia mais rendimentos na expressão de sentimento do mundo interior. Por
isso, a música é mais a expressão dos estados de alma, a arte das formas é, por
excelência, a expressão da natureza física.

35. O ajustar da obra artística com o tema a expressar importa em um


aprofundamento, porque varia de arte para arte. Aqui visamos especificamente
a arte mediante formas.

Como já se adiantou, a forma se constitui de uma disposição de partes, as quais


fundamentalmente são a linha, a área, o volume. Redutíveis embora a estas três
modalidades principais, todas as formas admitem uma grande variação.

Por causa da grande variação das qualidades denominadas formas, estas, -


encontradas no material portador da expressão, - podem articular-se
minuciosamente com as formas do tema. As linhas, áreas e volumes de um lado
articulam-se com as linhas, áreas e volumes do outro, o objeto a ser expresso
por imitação.

O desenhar, por exemplo, uma galinha, se exerce articulando as linhas do


desenho com as mesmas flexões das linhas observadas naquela grande ave
doméstica. Sobre as muitas particularidades da articulação, cuidaremos
oportunamente; aqui trataremos do processo apenas em essência, enquanto
esclarece porque a arte se capacita para a função de exprimir.

Somente a qualidade possui semelhante; ora, o semelhante e o dissemelhante se


dizem unicamente das qualidades. Uma coisa não é semelhante a uma outra,
por nenhuma outra razão, senão porque é qualificada, já disse Aristóteles
(Categorias, 11a 18).
O que distingue os seres entre si é a qualidade, pois, pela qualidade se
dizem uma tal e qual coisa; equivale a dizer, porque são um tal e qual ser. No
"qual" temos um adjetivo, que, substantivado, passa a dizer-
se qualidade. Nenhuma outra noção se ocupa diretamente desta função.

A qualidade, no seu instante mais fundamental, é o mesmo que essência; enfim


a essência é o modo de existir, mas não o mesmo existir. Quer pela essência
fundamental, quer pela qualidade mais de superfície, as coisas que se dizem ser
fundamentalmente de tal e qual essência, ou diferenciadas por tal e qual
qualidade superficial.

Ora, enquanto a qualidade distingue os seres entre si, estes começam por se
determinar como semelhantes e dissemelhantes, à medida que a distinção
diminui ou aumenta.

Passemos a aplicar tudo à forma de um corpo aproveitado pela arte. Esta forma,
como disposição das partes no espaço, é uma qualidade. Portanto, a forma, por
ser qualidade, tem semelhante. À medida que as formas de um e outro ser se
aproximam, estas formas se dizem mais semelhantes; à medida que se separam,
mais se dissemelham.

O artista, quando lança mão da forma espacial para expressar temas, não faz
senão amoldar as formas, cujas partes ajusta de maneira a se assemelharem às
partes das formas dos seres que visa indicar.

36. Signo formal. A expressão, - voltamos a insistir, - tem por efeito formal,
indicar o objeto. Operando, portanto, por um efeito situado na ordem da causa
formal, não é como um efeito na ordem da causa eficiente.

É a expressão um signo formal; não é um signo instrumental (chamado


impropriamente de signo), como a fumaça é o sinal exterior do fogo, porquanto
o fogo é apenas causa da fumaça no plano da eficiência, e estão entre si
fisicamente separados; pode o fogo se apagar, e a fumaça continua.
Diferentemente a causa formal e o efeito formal não se separam; para que algo
deixe de ser semelhante e deixe de significar, precisa ser destruída desde o
fundamento de sua semelhança.
Permanece na estátua este signo pelo qual contentemente indica ao objeto sobre
o qual informa. Ela, a estátua, é semelhante ao referido objeto, e enquanto esta
semelhança permanece, mantém-se no exercício de sua expressão; esta persiste
na estátua, tal como a idéias se retêm na mente, exprimindo os seus objetos,
mesmo depois que estes se afastam ou desaparecem. Em princípio a idéia
enquanto persiste equivale ao efeito da memória. Do mesmo modo as obras de
arte do longínquo passado são a memória dos seus objetos, mesmo que desde
há muito já desaparecidos.

Entre o signo formal e o objeto assinalado ocorre uma coesão mais estreita que
a verificada entre o signo instrumental e seu respectivo assinalado. O signo
formal brota da relação de semelhança; o signo instrumental é sugerido pelas
relações de causa e efeito, como entre o fogo e a fumaça. O signo formal acusa
diretamente; de um dos assemelhados, a atenção salta prontamente para o outro;
tal ocorre na idéia, que fala de uma conteúdo; o mesmo acontece na arte, em
que a mimese existente entre expressão e a coisa expressada funciona
automaticamente. Não acontece o mesmo no processo pelo qual se conhece a
relação entre causa e efeito na ordem da causa eficiente. Seja o caso do signo
instrumental; nele se requer o conhecimento preliminar de ambos os termos,
um como causa eficiente e o outro como efeito; somente a seguir, toda vez que
vemos a fumaça, podemos calcular que esta fumaça tenha tido uma causa que
lhe deu origem.

Na arte, que aproveita a forma (agora a forma é espacial) como recurso de


expressão, o saltar intencional da forma para o objeto expresso é exercido
prontamente. Não é essa uma relação de causa e efeito na ordem da causa
eficiente entre a forma e a mensagem, a forma na arte não é um signo
instrumental. A relação entre a forma e o objeto se revela, por conseguinte
como sendo de outra espécie; é a relação entre natureza e sua propriedade. Já
começa por se mostrar que não se apresenta mui exato dizermos que a forma
é instrumento de expressão artística, ou que o mármore é o instrumento da
mensagem não há verdadeiramente ali um instrumento no sentido como quando
dizemos "signo instrumental". O termo, empregado inadequadamente, quer
dizer que a forma ou o mármore serviram de apoio da expressão artística.
Apenas é admissível o uso da palavra instrumento se lhe dermos um sentido
novo, e que não seja o de causa e efeito na ordem eficiente, mas de causa
formal e efeito formal.

37.O saber ver as formas, para imitá-las. Posto que a arte é exercida
mediante imitação e sugestão, precisa o artista conhecer aquilo que vai imitar e
sugerir. Não pode conscientemente imitar e sugerir aquilo que não conhece.
Portanto, a prévia condição de quem imita e sugere, com vistas a se expressar, é
conhecer com antecipação o tema.

Nas artes visuais, o prévio conhecimento do objeto, que servirá de tema,


consiste em ver bem. O saber ver é uma condição de quem exprime por meio
de cores e formas. Neste instante cuidamos da arte mediante formas; esta
precisa que vejamos as formas do tema, a fim de imitá-las e sugeri-las.

Na arte figurativa, que é uma arte de temas concretos, consegue-se prontamente


verificar o que afirmamos. Sobretudo, isto é claro no desenho. Seja um objeto
quadrado a ser expresso. Desenhamos um quadrado; se não tivermos boa
prática, podemos tomar uma régua centimetrada e reproduzimos, com este
expediente meramente técnico, o quadrado. Quem não soube ver, que se tratava
de um quadrado, não poderá construir este desenho.

Passamos a querer desenhar uma casa, que temos diante; se vemos que ela se
apresenta mais alta que larga, estamos em condições de desenhá-la com estas
proporções; mas, quem ainda não tiver o espírito de observação, para vê-la com
estas proporções, poderá, sem se aperceber, desenhá-la com outras proporções,
menos alta, que larga. Uma das primeiras preocupações do desenhista é ver as
proporções de largura e altura; com isso faz o enquadramento do objeto, isto é,
do tema. Procurando ver, passa a fazer o desenho; mas, quem não aprendeu a
ver, não poderá desenhar verdadeiramente.

Do ponto de vista pedagógico, muito importa aprender a desenhar, visto que


habitua a ver com detalhe. Quem não desenha, costuma ter uma visão
superficial e aligeirada da fisionomia dos objetos. Passando a desenhar, começa
a atender às proporções de altura e largura; continuando a atender às distinções
de áreas e volumes, até completar todas as relações matemáticas. O mesmo
ocorrerá no plano da pintura e da música, aprenderá a discernir espécies de cor
e som, e respectivas relações de harmonia e desarmonia.

38. Os que nunca desenharam diretamente um modelo (quer se trate de um


cilindro, quer de uma cadeira, quer de um animal, quer de uma pessoa)
acreditam serem incapazes, apenas porque são incapazes de mover a mão
convenientemente. Não; ali não está a incapacidade. O problema está no saber
ver. A mão, ainda que a do indivíduo mais incapaz, consegue desenhar aquilo
que seus olhos vêem com nitidez. A pouca técnica, não é impossível de se
adquirir. O que mais custa obter é a visão nítida do objeto, portanto do tema.
Suponhamos um bule de café situado diante de nós, numa distância de cinco
metros.

Que devemos ver nele para desenhá-lo? Coloquemo-lo numa situação bem
especificada - a alça para um lado, o bico despejador para o outro.

O desenhista capaz prontamente percebe, se as extremidades da largura total


são mais largas ou não, do que a altura total do bule.

Suponhamos que a largura seja mais ampla; então o enquadramento geral terá
mais largura. Ora, é que o observador comum não terá notado. Depois o
desenhista procurará ver as relações de cilindro. Ele poderá observar que a
largura é duas vezes e um quarto maior que a largura da base. Eis mais uma
relação da qual o indivíduo comum não se apercebe e que não poderá
certamente desenhar este bule com exatidão.

E assim por diante, o desenhista é o homem capaz de ver tudo, para tudo
desenhar com perfeita configuração dos objetos.

39. Na arte abstrata a criação continua dependendo do bom observador.

Quem sabe ver, observa as relações entre a linha reta e o infinito.

Igualmente anotará as analogias das curvas com a graciosidade

Atento a sutis relações entre as formas e as imagens do mundo interior, se


capacita para expressar mediante as representações sensíveis os temas abstratos.

40. O mesmo acontece com a poesia. As sugestões que as formas oferecem,


escapam talvez ao observador comum. Mas, quem sabe ver, percebe as
associações de imagens que se prendem às linhas, áreas e volumes. Se for um
artista, saberá criar aquelas formas específicas, capazes de gerar, isto é, de
sugerir, ou evocar, as imagens desejadas.
§ 2. A associatividade como explicadora adicional da arte. 2283y041.

41. Ainda que a mimese explique a essência da arte, ela se completa com
recursos acidentais, em que se destacam sobretudo a associatividade, peculiar
às imagens, e o contexto (vd 44), operado pela razão. A arte não opera apenas
com a mimese, complementando-se notavelmente com os dois recursos
indicados.

Analisamos aqui em especial a associatividade, tendo em vista finalmente as


formas que se associam umas às outras, ampliando portanto o poder da
expressão.

As imagens sensíveis se guardam no subconsciente, onde se encontram


associadas umas às outras. De maneira geral, o subconsciente é um notável
complicador da expressão, e que habilmente utilizado em muito a reforça com
seus recursos.

A associatividade é uma parte da memória. Todavia usamos o termo memória


apenas para indicar o processo de conservação das imagens e de sua
reprodução. A associatividade indica os procedimentos pelos quais umas
imagens evocam outras.

Seja o exemplo comum de uma flor. Apresenta-se a flor, e já não somente é


relembrada sua anterior imagem, e sim também surgem outras imagens, não
somente de outras flores, mas também do jardim, por vezes ainda de pessoas e
circunstâncias. Então basta mencionar a flor, para que tudo o mais se acenda
em nossa mente.

Assim, por associatividade, também denominada evocação, se processa a


poesia, uma importante modalidade de expressão artística. Opera em dois
tempos, num primeiro momento se expressa uma imagem estimulante. Num
segundo aparece a imagem estimulada.

Como explicar a associatividade? Quando a mente fixa uma imagem, fotografa


o todo do panorama em que se encontra. Basta, então, em outro momento
voltar a perceber um só dos objetos fotografados, para que venha à tona toda a
imagem captada no dia anterior e à qual pertence aquele objeto como parte.
Nosso subconsciente não devolve pois as imagens subdivididas em partes,
isoladamente como um dicionário oferece as palavras uma a uma, mas como
um panorama. E isto dá ensejo ao sistema de expressão por evocação,
processada em torno da expressão de base.

A evocação, eis pois onde se complementa a explicação da arte. Depois de


havermos iniciado a expressão, as primeiras imagens expressas estimulam
outras que dormiam no subconsciente, o qual sob esta perspectiva se diz
memória.

Na maioria das pessoas o processo, pelo qual despertam as imagens por um


estímulo qualquer, se dá do mesmo modo; por isso o campo poético da
expressão de uns serve também ao de outros. Indivíduos excepcionais são
capazes de brilhantes procedimentos, enquanto outros são pobres de
imaginação. Enfim, há os paranormais deste campo e que já não se ajustam ao
comum dos homens.

Compreende-se prontamente que a arte, ao ser interpretada pelo homem,


criando imagens e idéias, vai num segundo tempo, agitar o mundo interior das
imagens. Evocam-se as imagens umas às outras. Neste associar de imagens,
encontra-se o que se denomina evocação, associação, sugestão, poesia. As
formas espaciais, que se observam na escultura, na arquitetura, nos gestos do
orador, despertam evocações. Eis pois, a arte das formas explicada não somente
pela mimese; complementarmente ainda, a memória e a imaginação, com suas
leis peculiares, participam desta operação.

O ajustamento das formas da expressão artística de tal maneira, que elas não só
exprimam por mimese, mas também por evocação, merece um aprofundamento.
Nesta articulação entre o significante e o significado, importa, por conseguinte
atender não só à mimese, pela qual a obra de arte exprime o seu objeto por
imitação; é preciso também estar atento ao que, por acréscimo, se exprime por
associatividade.

Quanto à detalhes, a associatividade se processa por procedimentos vários,


como de vivência, contraste e semelhança (vd 221).

A expressão assume pois duas modalidades de feição, a da prosa e a da poesia.

Na prosa, a expressão indica seu objeto pelo recurso fundamental e primeiro;


basta uma semelhança com o tema e já o indica.
Diversamente, na expressão poética, a expressão importas em um segundo
tempo, o da evocação complementar; acontece como um novo tempo depois da
indicação prosaica, que é seu estímulo preliminar.

Na arte em formas, tão bem como na arte em cores, em sons musicais e em


palavras, ocorre a expressão, tanto em prosa, como em poesia

Há formas que facilmente imitam outras e por isso apontam seu objeto com
rigor lógico, peculiar à prosa; tais são os desenhos e esculturas figurativas.

Mesmo estas figurações fáceis se fazem, com frequência, acompanhar de


sugestões imaginosas, produtos da imaginação, cujas imagens a memória
guarda interconectadas. Linhas sinuosas evocam movimento. Linhas quebradas
interceptando-se violentamente podem sugerir ação e mesmo luta. Linhas
horizontais erguem da memória lembranças, calma, quietude, paz. Por último
as linhas verticais podem indicar energia e estabilidade.

Com prosa e poesia desenvolve-se a arte, inclusive a das formas no espaço.

42. Quando o objetivo principal da expressão artística é a imagem expressa em


primeiro intuito, com interesse apenas secundário nas imagens evocativas, tem-
se a prosa poética; na verdade, então, apesar da evocação, o principal continua
sendo a prosa, a qual contém o núcleo principal da mensagem.

Quando se coloca o interesse maior nas imagens evocadas, que na imagem do


objeto estimulo, ocorre a poesia prosaica.

Geralmente resta em toda a poesia algum interesse pelo objeto-estímulo. É pura


somente a poesia que praticamente situa o interesse da mensagem apenas nas
imagens evocadas. Isto acontece, por exemplo, quando os objetos estímulos são
muito triviais, não servindo senão como evocadores; por exemplo, a velha porta
da antiga morada dos pais, que já não se abre como quando nela se batia ao
tempo em que aqueles pais eram ainda vivos.
43. Pela ordem a prosa é sempre anterior à poesia, mesmo na expressão poética.

Primeiramente a expressão em prosa indica o objeto-estímulo, o qual por sua


vez se relaciona evocativamente com as suas imagens evocadas.

Por isso, o que importa em primeiro lugar, é ser prosador. Mesmo o poeta
deverá bem saber como, pelos recursos da prosa, expressar o objeto estímulo.

44. O contexto é um procedimento de progressão racional, distinto do


evocativo. Apelando ao cálculo intelectual, o contexto caminha através da
conexão lógica havida entre o objeto primeiramente expresso e os demais
elementos assim conectados.

O explícito leva ao implícito e ao virtual, como por exemplo, o rei supõe o


palácio.

A causa importa na potencialidade do efeito; inversamente, o efeito reclama a


causa.

O todo leva, por análise, às partes. Basta, por conseguinte, expressar


laconicamente os objetos, para que, pela via das conexões racionais, esteja
expresso todo o contexto dos mesmos.

Cabem na mesma expressão os recursos do contexto e da evocação. É bem o


caminho ordinariamente usado pela arte das formas.

Uma estátua por exemplo, ao apresentar uma certa posição peculiar ao homem
que pensa, permite, pelo contexto, expressar simplesmente o pensador,
sugerindo ainda o seu esforço mental e desligamento com o meio. Lembre-se
aqui exatamente uma estátua de A. Rodin (1840-1917).

45. A universalidade temática da arte, ainda que relativa, é possível, porque, o


que a mimese não exprime diretamente, poderá fazê-lo pela evocação e pelo
contexto.
Os recursos da mimese já por si só são muito amplos, porque, além da
expressão própria, há ainda os da expressão imprópria, mediante, por exemplo,
a analogia e a alegoria, tudo anterior aos recursos que restam por último pela
via da associatividade.

Especialmente amplos são os recursos da associatividade que poderão dar-se


por vivência, semelhança e contraste, conforme oportunamente cuidaremos de
analisar com novos detalhes.

Consequentemente, nenhuma arte fica limitada a um certo tema, ainda que cada
uma tenha aqueles para os quais melhor se destina.

A linguagem falada tudo consegue dizer, porque opera com signos


convencionais e por meio destes se refere aos objetos na maneira como estes
são referidos pelas operações mentais, em conceitos, juízos e raciocínios.

De outra parte, se a música, a pintura, a escultura não conseguem ser tão


flexíveis na expressão operacional dos objetos como eles ingressam na mente,
são mais intuitivos. Mas tudo consegue cada arte exprimir; mais ainda quando
se associam entre si, desde a poesia até a mais alta filosofia.

Se o tema da arte é aquilo que puder objetivamente estar indicado na obra sobre
o tema, qualquer seja o expediente, já se pode prever a consequência desta
situação no que diz respeito à universalidade temática (vd ).

Não há sentido, então, limitar a arte à temas muito determinados, como só aos
sentimentais, ou só aos inteletuais.

ART. 3º. A ARTE COMO EXPRESSÃO OBJETIVA


INTERPRETÁVEL. 2283y046.

46. A obra de arte não tem consciência de si mesma; portanto, é apenas


expressão objetiva, não consciente de sua função significadora.

Pelo contrário, a expressão mental sabe de si mesma. Sabemos, quando


sabemos. Não acontece isto com a obra de arte que é apenas uma coisa concreta
e como que maciça.
A expressão artística se destina apenas para efeito extrínseco na mente de um
intérprete. Tão só na cabeça do intérprete surge como efetiva expressão.
Observando-a, o intérprete faz nascer em sua mente idéias, juízos e raciocínios;
também nascem em sua imaginação as imagens pelo processo da
associatividade.

A rigor, na obra de arte não há expressão de idéias, mas só elementos objetivos


que diretamente se assemelham com os objetos aos quais expressam; de sua
interpretação nascem na mente as idéias. Também não há expressão de juízos,
na obra; em apreciando a obra, o intérprete tem a oportunidade de fazer juízos e
mesmo raciocínios.

A expressão, na obra de arte não é ideativa; isto quer dizer que ela exprime o
objeto, e não uma idéia do objeto, ainda que a idéia influencie o modo de o
exprimir. Em si mesma, a obra é algo inconsciente, sendo um objeto a imitar
outro objeto. A expressão é apenas expressão objetiva posta para ser
interpretada por outrem.

47. Arte pedagógica, didática, popular, folclórica. O caráter objetivo da


expressão artística tem como consequência tornar a capacidade temática de
uma obra subjetivamente dependente do intérprete. Não adianta criar
expressões artísticas para animais incapazes de interpretação.

A arte para a infância e para os adolescentes deverá ser pedagógica, sob pena
de restar sem interpretação.

Para os adultos a arte deverá ser ao menos didática ao nível das diferentes
camadas sociais a que se destina.

Acontece, então, a arte popular, destinada ao povo, mesmo que criada pelo
grande artista.

A arte folclórica é a que a mesma sabedoria popular cria.

Finalmente, há também a arte erudita, ou arte absoluta, que simplesmente cria,


apelando a todos os recursos do material portador.
Na linguagem é notória a diferença da linguagem erudita frente à popular. Eis
uma das diferenças entre as línguas nacionais, que são na verdade línguas
folclóricas, porque resultantes da sabedoria popular, e a língua planejada,
ou erudita, (como é o caso da Língua Internacional Esperanto), com as
melhores regras e aplicadas absolutamente, isto é, sem exceções. Todavia as
línguas folclóricas permitem um tratamento erudito, o que se observa sobretudo
na linguagem científica.

O mesmo acontece no campo da música, vastamente diferenciada entre a


popular e a erudita.

No plano da arte das formas, - onde queremos chegar, - é evidente também a


diferença entre o que todos praticam e só alguns criam com grande
competência, seja no uso dos gestos, seja na prática da escultura e das artes
plásticas em geral.

48. Expressão direta do objeto. A arte não é expressão de expressão, como


quer a teoria ideativa. Ao contrário, pois, do que pretende a teoria ideativa da
arte, a palavra não exprime diretamente uma idéia, nem qualquer outra obra de
arte exprime o pensamento do artista. Ainda que seja este o modo frequente de
nos imaginar a arte, na verdade não é bem assim.

A obra de arte exprime diretamente os objetos aos quais se refere, ainda que
sob a influência do modo como o pensamento e os sentidos os atingem. Não é
pois a obra de arte a expressão de uma idéia da mente a propósito do referido
objeto.

Uma escultura de homem, por exemplo, não exprime a idéia de homem, mas
efetivamente o homem. Do mesmo modo, - e muito paradoxalmente, - não é
exato dizer (embora este seja um uso consagrado), que a linguagem falada ou
escrita expressa conceitos, juízos, raciocínios, pensamentos em geral. Ainda
que o objeto expresso pela arte seja influenciado pelo conhecimento, o que
efetivamente a arte diretamente significa é o objeto em si mesmo.

Há na expressão algo diretamente similar ao objeto, que estabelece portanto


este fato da expressão direta. E que a expressão surge por causa da relação de
semelhança entre ela e o objeto significado.
Entretanto, sendo a expressão artística apenas uma relação objetiva, isto é, uma
relação ela mesma não consciente de si mesma, importa uma posterior
interpretação, e que se dá com as idéias, juízos e raciocínios, que surgem na
mente do intérprete. Mas o expressar objetivo e o imediato interpretar podem
parecer confundir-se e dar a impressão de que a arte expressa idéias e não
diretamente os objetos. Por causa desta equivalência, admite-se mesmo afirmar
que expressamos idéias quando na verdade expressamos objetos.
Transposição de arte para arte. 2283y049.

49. A transposição de uma arte para outra espécie de arte é o procedimento


pelo qual o objeto expresso por um recurso, passa a sê-lo também por outro.
Assim, o mesmo objeto de que fala uma lenda, poderá ser pintado ou esculpido.

Não se trata de uma arte passar a expressar a outra arte. O que se pinta, pode
também ser esculpido; não se trata entretanto de esculpir uma pintura, mas de
esculpir o objeto do qual se fez a pintura. O objeto é tão diretamente imitado
pela pintura, quanto a escultura passa a representar diretamente aquele mesmo
objeto da pintura.

A tradução de uma língua para outra língua é também uma transposição de


uma arte para outra arte, porém numa escala muito menor, do que a que se faz
de uma arte especificamente distinta para uma outra arte especificamente mais
distante.

No extremo oposto se situam as expressões do pensamento e as expressões da


arte. O pensamento também representa diretamente os objetos. Há pois uma
transposição da expressão mental para a expressão artística, sem que a artística
seja a expressão do pensamento, mas do objeto. Qualquer que seja a expressão,
seja mental, seja artística, a intencionalidade dirige-se sempre para o objeto e
nunca de uma expressão para outra expressão. A rigor, portanto, não podemos
dizer que a arte expressa pensamentos.

Acontece todavia uma complicação. O objeto exterior é primeiramente


conhecido pela mente e depois pela arte. O artista primeiramente conhece o
objeto: vendo-o, ouvindo-o, pensando-o; depois vai criar a representação
artística. Equivale dizer que a transposição de expressão para expressão dá-se
numa só direção; primeiramente dá-se a expressão mental, depois a expressão
artística do objeto. Mas, a expressão mesma sempre se dirige ao objeto, ao qual
imita ou sugere; nunca é expressão de outra expressão.
50. Polivalência. Ordinariamente não há um ajuste exato entre a expressão
artística e o tema, porque a semelhança se estabelece com graus. O que é
semelhante a um objeto, pode ser ainda similar a um segundo, ou terceiro. Por
isso, a mesma expressão parece poder falar de temas diversos.

Trata-se de uma polivalência da expressão, e que pelo menos o contexto deve


determinar, mesmo que seja só o contexto do artista. Este, quando cria sua
expressão à base de uma vivência que poderá não ser a do intérprete, está
sujeito a não se fazer entender na obra.

Ao artista compete escolher qual o tema exato que pretende expressar em sua
obra. Há, então, uma intenção temática. Ainda que a expressão possa referir-se
a muitos objetos, um só é eleito, para ser pensado como tema.

Enquanto há um tema na intenção do artista, os outros não deixam de possuir as


bases que os sustentam; as outras semelhanças não desaparecem, porque são
objetivas, fundando-se nas semelhanças que, embora relegadas, subsistem.

Quando o contexto se encontra na dependência de ambientes sociais muito


determinados, pode ocorrer até a perda definitiva do exato significado de uma
obra; tal sucedeu com representações pré-históricas e egípcias. Outras vezes
alcança-se o contexto por indicação prévia do artista, atribuindo um nome
adequado à sua obra; como nem sempre elas são feitas, acontece haver obras de
arte cujo significado subjetivo verdadeiro se desconhece, principalmente
quando se trata de detalhes.

51. A expressão objetiva não se manifesta por igual nas artes de mimese natural
e nas artes por convenção.

As artes de mimese natural exprimem com recursos bastante concretos, à base


da figura natural dos objetos; por isso não exprimem diferenciadamente os
objetos como se apresentam as operações mentais de idéias, juízos, raciocínios.
Estas operações não se refletem, pois, claramente em artes como escultura,
pintura, música. O intérprete das artes de mimese natural desenvolverá idéias,
juízos e raciocínios, todavia de maneira muito aleatória
Diferentemente, as artes por convenção , como por exemplo a linguagem,
orientam esta convenção para os objetos expressos de tal maneira, que as idéias,
juízos e raciocínios, surgem com bastante precisão operacional. Os objetos das
idéias são expressas por palavras; os dois juízos são expressos pela ligação das
palavras pelo verbo (afirmando ou negando); os dos raciocínios são expressos
pela coordenação dos juízos que indicam premissas (na dedução) ou fatos (na
intuição).

Pelo exposto, a expressão artística em formas não goza das vantagens das
expressões da linguagem. Não obstante, na arte das formas a mimese natural é
muito eficaz; pela abundância do concreto, a interpretação, apesar de aleatória
na escolha das idéias, juízos e raciocínios, os produz em grande abundância,
conforme se orientar a atenção. Embora um livro se leia sequencialmente, o
mesmo não acontece quando se observa uma escultura. Pode-se observá-la
todos os dias, cada vez com outra ordem sequencial ditada pela atenção e novos
interesses, que se mantêm ao longo dos anos. Diferentemente acontece com o
livro, o qual depois de lido costuma ser deixado por encerrado.

ART. 4º. PROPRIEDADES DA ARTE DAS FORMAS. 2283y052.

52. Uma estátua deve ser convincente, ao mesmo tempo que estética e
exercendo uma função de algum modo útil, além de ser um material em si
mesmo belo. Eis uma sequência de propriedades artísticas que devemos
examinar em sistema e de acordo com as propriedades da arte em geral.
Além de sua característica essencial de ser expressão, a arte contém
propriedades. Em sendo propriedades, não constituem o essencial, podendo
todavia ser muito importantes e por isso mesmo decisivas para o apreço à arte.

Algumas são importantes para a perfeição da arte, como as propriedades


gnosiológicas da evidência, a verdade e a certeza, em função das quais a arte se
torna convincente. Outras são importantes pelo seus efeitos psicológicos, como
a esteticidade, a catarse, a ludicidade, ou pelos seus rendimentos úteis, como a
sua capacidade para exercer a comunicação.

A amplexidade das propriedades artísticas recomenda ficarmos atentos à ordem


interna em virtude da qual elas se agrupam em gêneros.

Primeiramente, a distinção entre significado (ou expressão) e significante


(portador da expressão), permite determinar como propriedades propriamente
artísticas aquelas que se dizem diretamente da expressão, e propriedades pré-
artísticas aquelas que se prendem apenas à matéria sensível utilizada na obra
de arte. Estas são evidentemente secundárias todavia capazes de fortemente
impressionar aos sentidos.

Entre as propriedades propriamente artísticas se agrupam: 1)


propriedades gnosiológicas, muito importantes, verdade, evidência, certeza; 2)
propriedades psicológicas, muito apreciadas, como esteticidade, catarse,
ludicidade, ordenação mental; 3) propriedades úteis, entre as quais é
excepcionalmente importante a comunicação.

Entre as propriedades pré-artísticas estão sobretudo aquelas em virtude das


quais as matérias utilizadas impressionam nossos sentidos como pureza dos
mesmos e sua resistência, por exemplo aquelas diferenças entre este e aquele
mármore, entre esta e aquele timbre de voz.

53. Varia a significação das propriedades artísticas entre esta e aquela arte. A
língua serve sobretudo por causa de sua capacidade maior de comunicação. A
música destaca-se pela esteticidade das propriedades pré-artísticas. A arte das
formas caracteriza-se pela frequência com que se combina com outras funções,
por exemplo, com as funções arquitetônicas e industriais. Está também presente
na pintura, cinema, televisão.

Em consequência das variada maneira com que as propriedades artísticas se


oferecem nas diferentes espécies de arte, elas passam a ser praticadas também
diferenciadamente.

A língua é preferida pela sua capacidade de comunicação; ela é a primeira arte


aprendida pela criança e a que mais interessa às ciências e sobretudo à filosofia,
cujo abstracionismo requer o apoio das palavras.

A música se destaca no uso da diversão e do prazer em geral.

A arte das formas, além de servir complementarmente à comunicação, serve


também à arquitetura, à criação bem formada dos artefatos industriais, à
estética em geral, sobretudo do vestir e do compor ambientes.
§ 1. Propriedades gnosiológicas da arte. 2283y054.

54. Dizem-se gnosiológicas aquelas propriedades resultantes da expressão


enquanto conteúdo de conhecimento.
Neste sentido há propriedades gnosiológicas, tanto da expressão mental, como
da expressão artística.

Ajustando a expressão ao tema que expressa, este objetivo pode ser alcançado
com maior ou menor plenitude e perfeição.

Em função deste ajuste ao tema, a expressão artística, tal como a mental, se


diz evidente, verdadeira, certa. As referidas três propriedades gnosiológicas tocam
muito de perto a essência mesma da arte, que, devendo expressar algo deve consegui-
lo com evidência, verdade e certeza, sem o que a expressão apresentar-se-á pouco
eficiente em sua tarefa principal de exprimir.

A evidência se diz do objeto que a expressão indica; é este objeto enquanto


perfeitamente se apresenta.

A verdade se diz em relativo; comparada a expressão e o objeto expresso, um é


a perfeita informação do outro.

A certeza põe a expressão sob o enfoque do sujeito que a possui; à vista da


evidência e verdade, o sujeito coloca-se num estado de segurança da
informação e diz-se estar certo.

55. A evidência apresenta-se com nuances, e que se dizem com estes outros
termos: clareza, distinção, brilho, apodicticidade.

Considerando que a forma é uma disposição das partes no espaço, resulta que a
clareza na arte das formas se diz sobretudo da apresentação das relações
espaciais das partes de cada objeto (quer como linhas, quer como áreas, quer
como volumes), bem como das relações de diversos objetos entre si, de sorte a
articulá-los no espaço geral que ocupam.

A visibilidade perfeita das formas acontece na expressão que adquire as


propriedades gnosiológicas da clareza, brilho e evidência artísticas.
56. A verdade, que se diz em relativo, é a proporção entre a expressão e o
objeto indicado. Refere-se, pois, a verdade diretamente à informação.

Há uma verdade do pensamento como expressão mental do objeto e uma


verdade artística como representação suficientemente exata do mesmo objeto
na obra sensível.

Na arte figurativa a exata verdade apresenta-se mais fácil, porque a igualdade


entre os termos é possível com propriedade na mesma espécie de qualidade,
sem apelo à analogia. Formas imitam formas. Quando os objetos expressos se
encontram em níveis diferentes, a verdade é apenas analógica.

Também o contexto pode afirmar a verdade da expressão.

O excesso de elementos a garantirem a verdade da expressão, provoca


uma redundância inútil, contra a qual advertem os estilistas.

Não obstante, a redundância é um expediente de que se vale a didática e a


pedagogia. Importa, portanto, assumir a posição com relatividade dos objetivos
da expressão.

57. A certeza, que se diz da segurança do sujeito psicológico, supõe antes de


tudo a condição subjetiva de compreender o que se encontra na expressão.

O deficiente mental não tem condição de alcançar certezas.

De outra parte, porém, a condição objetiva também é requerida, em virtude da


qual ela necessita das propriedades anteriores da evidência e verdade. Estas,
enquanto produzem objetivamente a certeza, se constituem em critérios da
certeza. Portanto, si se verifica haver evidência e verdade, está posta a certeza.

Na filosofia acontece uma preocupação muito grande com os critérios da


certeza, sendo ali tema vastamente examinado, sobretudo no ponto de partida
sistemático de todo o conhecimento.
Com referência à expressão artística a dificuldade se encontra na produção
mesma da obra, esforçando-se os artistas em tornar sua mensagem o mais
possível contundente, isto é, o maximamente verdadeira, evidente, certa.

§2. Propriedades psicológicas da arte. 2283y058.

58. Toda a atividade psíquica é seguida de um estado psíquico subsequente, e


de que cada qual possui experiência imediata, de que é preciso entretanto fazer
um fenomenologia de ordenamento.

Ocorre uma proporção entre a diversidade das atividades psíquicas e os


respectivos estados psíquicos subsequentes. Resultam dali as nuances com que
se denominam os estados psíquicos, - ora sentimento, ora emoção, ora paixão.

Estados mais específicos, e que os psicólogos tentam classificar, levam


denominações
como amor, alegria, entusiasmo, esteticidade, catarse, ludicidade.

Estes últimos sentimentos - esteticidade, catarse, ludicidade - são os mais


diretamente ligados à arte, como suas propriedades psicológicas mais
apreciadas, e por isso advertidas pelos estilistas.

Os estados psicológicos não se confundem com as atividades das quais são


decorrências. Conhecer, por exemplo, é uma atividade; sua decorrência poderá
ser um estado de satisfação, chamado estético. Assim da arte também poderá
decorrer a catarse e a ludicidade.

A arte, por ser uma expressão que informa, poderá ter ditas decorrências
psicológicas e portanto ser apreciada como estética, catártica, lúdica. Eis o que
temos diante de nós para examinar, sobretudo frente à arte das formas.
I - Esteticidade da arte das formas. 2283y059.

59. Estátuas, edifícios, formas as mais diversas, como as do balé, do gesto


retórico e mesmo da pintura, cinema, televisão, criam no apreciador um agrado
muito especial, que se diz sentimento estético.

Como definir o sentimento estético? Distinguindo entre


operações impulsivas (instintivas e volitivas) e
operações cognoscitivas (sensitivas e inteletivas), podemos denominar de
sentimentos comuns aqueles que se seguem às operações impulsivas;
sentimentos estéticos aqueles que seguem às operações do conhecimento.

Não se confundem os sentimentos estéticos, com os sentimentos comuns.


Acontece o sentimento estético em função de um conhecimento; decorre da
realização dos atos de conhecimento, porquanto agrada conhecer. Está neste
agrado do conhecimento o sentimento estético.

Subclassificam-se os sentimentos estéticos. Os sentidos fazem conhecer; eis um


primeiro grupo de conhecimentos que se fazem seguir de sentimentos estéticos,
que resultam do ver e ouvir, do sentir odores, gostos e tatos. A inteligência, ao
conhecer, também tem como resultado um sentimento de agrado, que por
conseguinte é um sentimento estético.

A arte faz conhecer, ainda que através da interpretação da inteligência. Há, pois,
um sentimento estético artístico. Este sentimento estético não é sensível, é de
ordem superior; é um estado da razão.

Os irracionais percebem o portador material da expressão artística, sendo pois


capazes do sentimento pré-artístico; não entendendo a mesma expressão da arte,
não têm como exercer um sentimento estético propriamente artístico. Similar é
a situação dos estultos; incapazes de compreender adequadamente as obras de
arte mais eruditas, também não gozam convenientemente do sentimento
estético artístico, ficando praticamente reduzidos ao conhecimento sensível
destas obras; não são capazes de entender a linguagem do erudito, nem a
música erudita, nem a arte erudita das formas.

Os objetos de sentimento estético, como já advertido, encontram-se também


fora do círculo da arte, e mesmo antes dele. Resultam em sentimento estético a
contemplação da natureza, em especial das flores, dos panoramas, das linhas do
horizonte, das nuvens, do céu estrelado; ainda nos seres vivos, citando-se
especialmente o corpo humano, o qual além dos demais prazeres, sobretudo o
sexual, é ainda um espetáculo alucinante de flexibilidade de formas.

Do mesmo modo, sobretudo para o homem superior pela erudição, é também


prazer estético o saber científico e o filosófico. A solução de um problema, tal
como o de uma questão matemática, provoca satisfação; mais ainda produz
satisfação o alcance de respostas abrangentes sobre o sentido do universo e da
vida.
O perfeito em destaque, ou seja o belo (que assim se define), é o maior
causador de todos os sentimentos estéticos. Diante disto o estudo da estética
não se limita necessariamente à filosofia da arte, em que a esteticidade se limita
a uma das propriedades desta.

60. O volume, ou grau da esteticidade depende das condições do objeto


conhecido.

Em princípio, é o maior mais estético, que o menor. A razão está em que o


maior oferece mais volume de conhecimento. Também por isso o belo, quanto
maior em sua escala, é mais estético e entusiasmador. Por semelhante razão, a
grande arte é mais estética. O sentimento estético surge com tanto mais
intensidade quanto maior for o conteúdo da expressão.

Sobretudo os objetos concretos, pelo seu forte impacto, apresentam força


estética. Ao menos no primeiro intuito, a arte figurativa provoca mais depressa
intensa esteticidade.

Os objetos abstratos, que a arte formal ou abstrata oferece, também provocam,


apesar de seu intelectualismo, o sentimento estético.

Assemelha-se a esteticidade da arte abstrata à esteticidade dos objetos


científicos.

O conhecimento produzido pelas obras de arte, por mais diverso que seja,
resulta em esteticidade. Mas, fundamentalmente, agrada por ser objeto que se
faz conhecer e não simplesmente por ser belo.

Os degraus inferiores do ser também são objeto, e por isso a escalada do saber
se compraz em subir por todos os degraus.

Varia o grau de esteticidade da arte, conforme o objeto que a expressão


apresenta e ainda conforme a espécie de arte. Mais agradam as formas
múltiplas que as pouco variadas.
A diferença de esteticidade no que se refere à intensidade de impacto
manifesta-se peculiarmente de uma espécie de arte para outra. Enquanto umas
artes, como a arte das formas e pintura, operam com a vista, outras, como a arte
da língua e da música, com o ouvido. Os sentidos superiores são mais capazes
de detalhe nas informações, inversamente os inferiores provocam mais prazer,
e portanto mais esteticidade.

Considerando que sob o aspecto de intensidade de impacto os sentidos


interiores são mais vivamente estéticos que os superiores, porque se
manifestam com mais violência, ao passo que os superiores se destacam pelo
maior número de detalhes mas que oferecem com serenidade, infere-se que as
artes da vista, apesar de mais expressivas, apresentam-se menos estéticas, que
as artes do ouvido (sentido inferior em relação à vista).

Reagimos com fraca insistência às coisas visualmente feias. Mas repelimos


fortemente aos sons dissonantes. Assim como também tocados com menos
intensidade pelas coisas belas visuais, do que pelos sons agradáveis; estes
prontamente nos raptam e cativam.

Com esta teoria explicamos porque a música é mais estética que as artes
visuais. Sumamente agradável, a música é a mais agradável das expressões
artísticas convencionais. Dali porque pôde dizer Dante Veoleci: "Mais
agradável que a música, só mesmo o silêncio".

Todavia não é toda a verdade. Bem mais forte é a esteticidade do gosto e do


tato, não somente como sentimento pré-artístico, como também como
expressão artística, ainda que convencionalmente não leve este nome.
Efetivamente, os gestos combinados com o tato são mais significativos como
expressão e mais fortes como sentimento estético. Tais gestos são de variada
espécie, como o dar a mão, abraçar, beijar, acariciar, tocar intimamente.
II - Catarse da arte. 2283y061.

61. Uma tensão acompanha o curso da atividade quando se cria uma expressão,
seja da mente, seja da arte. Ao concluir-se, o produtor sente como que um
alívio, com característica de catarse, isto é, de libertação e purificação.

Em especial se diz catarse, quando a tensão toma aspectos de angústia, e então


se resolve pela expressão.
A dor e o sofrimento, com o simples fato de se expressar, comunicando-se,
parecem aliviar-se. Um problema, quando se verbaliza, provoca um sentimento
de alívio.

Este verbalizar-se com alívio não é apenas próprio da expressão falada;


acontece com a expressão em todas as artes, na das formas e cores, na musical
e literária.

No que tem de mais geral, a catarse é apenas uma das muitas formas que
assume a geral dinâmica interna das coisas. Tudo o que se move ou age tem de
chegar a um termo, em que a atividade se conclui e repousa. Por isso é que,
quando um objeto se faz conhecer à mente, uma cadeia de fenômenos continua
acontecendo, os quais são ações e fazeres que se guiam à luz daquele primeiro
conhecimento. Um dos termos finais do processo incontido dessa dinâmica
geral das coisas é a expressão exterior em palavra, pintura, arte e assim por
diante.

62. A poesia, não só a literária e musical, mas também a em cores e formas no


espaço, é uma das maneiras mais frequentes de catarse. Eis a base catártica do
caminhar, do passear, do exercício ginástico, de muitas das práticas orientais.

A angústia é o sentimento mais comum expresso na poesia, apesar de não ser o


único. A grande produção poética está geralmente infestada de produtos de
poetas chorões. Mas, não há senão tolerá-los.

Também a alegria apresenta-se com necessidade incontida de expressão. Na


linguagem, o hino é seu gênero artístico frequente, sobretudo quando se une ao
entusiasmo. A alegria pura expressa-se no ato simples. Na arte das formas a
expressão da alegria acontece frequentemente na dança, no balé, na
gesticulação retórica.
III- Ludicidade da arte. 2283y063.

63. Ludicidade (latim ludus = jogo) , sugerindo embora o jogo e o brinquedo,


passou a significar também o movimento pelo movimento, ou a ação pela ação,
contida no mencionado jogo e brinquedo. Neste sentido a arte caracteriza-se
também pela sua ludicidade, enquanto tende a ser exercida como atividade pela
atividade.
Toda ação, seja de conhecimento, seja volitiva e intuitiva, tem como resultado
final um estado de repouso, agradável. Em função à isto, o simples exercício
lúdico da arte, é uma propriedade psicológica que se lhe encontra unida.
Ludicidade é o exercício constante da ação pela ação, do fazer pelo fazer, do
movimento pelo movimento; portanto do falar pelo falar, do pintar pelo pintar,
do moldar formas pelo moldá-las, e assim por diante. O que é o mesmo que
dizer, praticar a arte simplesmente pela arte.

64. A diversão e a distração, que a arte também tem como uma de suas
propriedades poder provocar, é uma das formas mais frequentes da sua geral
ludicidade.

Divertem-se muitos com os espetáculos cênicos. Distraem-se outros com a


leitura, em que sobretudo as narrativas são parte.

E assim também a arte em formas diverte, como bem se nota em algumas


modalidades de dança e balé, esculturas, mímicas e gestos cômicos. A televisão
possibilita o uso amplo da arte como diversão e distração.

Quando a diversão e a distração se tornam o objetivo da arte, ela assume o


caráter de gênero artístico especial. Notam-se sobretudo a comédia e o burlesco
§ 3. A arte como organização mental. 2283y065.

65. A arte distribui as informações no espaço sensível da matéria, e por isso


lhes dá uma sucessão que as ordena. Embora haja uma ordem lógica na mente,
sua atividade é rápida como a explosão da faísca. A esta ordem lógica mental
acrescenta-se a outra que lhe vem das partes ao lado das partes, que
caracterizam a matéria.

No texto literário o pensamento humano se torna linear, porque se distribui ao


longo das linhas e das páginas. O mesmo ordenamento acontece a seu modo
nas outras artes.

A organização no espaço é característica sobretudo das formas. O desenho é


com frequência usado para este ordenamento das informações.
Cada arte ordena ao seu modo. Na linguagem ocorre uma ordenação importante,
pela qual se distinguem conceitos, juízos e raciocínios. Tal ordenação é apenas
inadequadamente alcançada pelas artes plásticas. Todavia estas se destacam
sempre que figurativamente as partes devam ser apresentadas em suas linhas,
áreas, volumes. Eis quando o desenho da pintura e as composições da escultura
são insubstituíveis.
§4. Funções da arte, em especial da de comunicação. 2283y066.

66. Além de se exercer como expressão, a arte consegue instrumentalizar-se


como meio de comunicação. Em sendo sensível, a expressão artística se oferece
à interpretação universal dos que a apreciam. Desta sorte, o que uns expressam,
outros interpretam. A arte, consequentemente, transforma a sua expressão em
mensagem.

Percebe-se prontamente que a mensagem não é o centro da arte e sim uma


função secundária, ainda que uma razão decisiva para ser tão praticada.

Alguns, como Tolstoi, parecem estabelecer a essência da arte com sendo


a comunicação. Estão desatentos a que antes da comunicação deva haver
a expressão, como condição sine qua non, da mesma comunicação.
Primeiramente terá de existir como expressão de algo, para que possa num
novo momento ser interpretada pelo apreciador.

Particularmente a arte da linguagem é aproveitada do ponto de vista de sua


função comunicadora. É tão significativo o uso da língua como instrumento de
comunicação, que se passou ao costume de a definir como instrumento de
comunicação. Entretanto, a língua é em primeiro lugar expressão, e, se não
fosse primeiramente expressão, impossível lhe seria passar a servir como
comunicação.

De outra parte, a linguagem recebe especial adatação para que sua função seja
perfeitamente viável.

Não acontece o mesmo com a música, de interesse sobretudo estético.

A arquitetura apenas secundariamente se empenha na expressão e comunicação,


porque sua função principal é a organização do espaço a serviço do homem.
Também na escultura não importam em primeiro lugar os rendimentos de
comunicação ou mensagem; verdadeiramente os artistas plásticos se empenham
acima de tudo em expressar.

Então a arte converte-se em um falar sozinho despreocupada de que possa também


servir como comunicação.

Todavia, a comunicação, apesar de apenas uma propriedade da arte, é um


importante serviço que a arte pode exercer, mesmo no caso das artes plásticas.
Por isso, há estátuas nas praças públicas e se abrem teatros ao povo em geral,
não só pela mera expressão, mas pela comunicação, que converte a citada
expressão em mensagem.

67. A comunicação se instrumentaliza como sequência de


elementos: transmissor ( o
artista), receptor (intérprete), signo (significante), mensagem (expressão, ou
significado).

Trata-se, pois, de um sistema de sequências com resultado, portanto, de uma


técnica. A sequência já ocorre em significante e significado; complementa-se
pela anteposição de um gerador-transmissor (o artista) e um consequente final,
o receptor, que interpreta o que recebe.
§ 5. Propriedades pré-artísticas da arte. 2283y068.

68. Antes que chegue a ser expressão, a matéria existe e contém propriedades
que não desaparecem depois de utilizada, continuando a influir, não podendo o
fato ser desprezado.

O portador material da arte das formas está sempre essencialmente


espacializado. Tal é a condição do barro, da pedra, da madeira, e também dos
produtos industriais que progressivamente foram sendo utilizados como o
bronze, o ferro, o tijolo, o cimento, o plástico.

O homem, como forma, também executa materialmente a arte, - no gesto, no


teatro, no balé.

Finalmente, os meios eletrônicos criaram modalidades excepcionais de criação


e transmissão de imagens. Neste plano da matéria portadora da expressão
artística, - como já se advertiu, - antes mesmo que se crie a expressão já se
situam os efeitos pré-artísticos.
A matéria portadora da expressão contém variadamente as possibilidades de
servir à expressividade da arte. No que se refere às possibilidades, cada matéria
portadora contém seu nível de capacidade para expressar por meio da
semelhança e complementarmente por meio do contexto e da associatividade,
gerando a poesia já desde o instante pré-artístico.

Ora o mármore, ora o bronze, ora outro material são escolhidos pelo escultor,
porque os efeitos resultantes são outros e outros.

69. A conclusão sobre as propriedades da arte nos leva a crer, que é em virtude
delas que as artes em geral são tão apreciadas.

Umas artes, como a linguagem e os símbolos convencionais, são apreciadas


mais pelo poder de comunicação.

Outras artes, como a música, a pintura, escultura, são apreciadas mais pela
força estética, porquanto operam por mimese natural dos sons, das cores, das
formas.

CAP. 2-o.
A FORMA COMO SIGNIFICANTE. 2283y070.

70. Introdução. Na arte, a forma sem a expressão, é apenas forma distribuída


no espaço. Nesta condição ela ainda não é arte, ainda que por outras razões,
como sua esteticidade pré-artística, desde logo gera apreço.

Deve contudo ser a forma estudada neste seu instante absoluto, para sabermos
como melhor aplicar-lhe depois a expressão.

Estudando agora o significante com vistas ao significado, abordaremos o


assunto apenas no que genericamente vai interessar à filosofia da arte, e não em
toda a sua extensão como se procede na ontologia e cosmologia sobre esta
categoria de ser. Neste outro campo se encontra especialmente o belo, de que se
ocupa o Tratado do belo (vd 0764y000).
A pergunta pela matéria absoluta, ou pelo significante, se faz no estudo de todas as
artes, ainda que subordinada ao seu interesse específico. A música e a linguagem
ocupam-se do som. A pintura, da cor. E assim a escultura e similares, ocupam-se da
forma. Um certo paralelismo ocorre, portanto, neste particular, em todas as artes.

O paralelismo recomenda a semelhança nos métodos, inclusive da linguagem


usada, por exemplo, em denominações como significante e significado. Assim
também podemos falar em flexões dos sons; como também em flexões das
formas; harmonia dos sons e harmonia das formas.

Este procedimento paralelista vale também no tratamento da expressão, -


conforme já vimos em capítulos anterior, - como em prosa e poesia literária, e
de novo em prosa e poesia das formas

Contribui o paralelismo, praticado tanto na filosofia geral da arte (vd


1963y000)., como em cada uma das artes, para a compreensão integrada de
todas elas.

O sequencial didático do estudo da forma indaga pela ordem seguinte:

- natureza gnosiológica e física das formas (Art. 1-o);

- espécies de formas e suas propriedades (Art. 2-o),

- e ainda outros detalhes (demais artigos).

ART. 1-o. NATUREZA GNOSIOLÓGICA E FÍSICA DAS FORMAS. 2283y071.

71. O mundo das formas apresenta-se no primeiro intuito como a coisa mais
normal e admissível. Entretanto, a pergunta pelas formas resulta em um
pandemônio de indagações filosóficas e num complicado enredo físico, que
desafia aos pesquisadores da ciência.

Contudo a questão das formas não se apresenta tão intrincada para os artistas,
ainda que não saibam bem dizer o que acontece. Entretanto, não se trata agora
apenas dos artistas, mas da filosofia da arte, a qual deverá pelo menos ordenar
alguns conceitos de fundamento, para compreender sobretudo o porque da
integração das artes entre si.
§ 1-o. A forma como sensível comum. 2283y072.

72. É a forma um sensível comum a todos os sentidos, os quais, cada um o


percebe, sob o seu sensível próprio. Sob a cor está, por exemplo, a forma, e
assim também tudo o que é peculiar a ela, como linhas, áreas, volumes.

Não dispõe o homem de um sentido especial para a percepção direta da forma,


como acontece com a cor, objeto próprio do sentido da visão, ou como com o
som, objeto próprio do ouvido. Mas apenas indiretamente, sob a cor, sob o som,
sob o gosto, sob o tato, sob o odor, - são objetos próprios dos sentidos, -
percebemos as formas com suas partes distribuídas no espaço.

Sobretudo os olhos vêem as coisas no espaço. É que eles percebem as coisas


com tanto detalhe, que tudo se apresenta com as relações de espaço muito
claras, e por vezes também de tempo.

Não obstante, também o tato percebe o espacejamento das formas. E assim até
o ouvido percebe de que direção do espaço vem os sons.

Muito difícil é ao odor e ao gosto perceber o espaço, que todavia também é


alcançado por eles de algum modo. Há animais que se direcionam pelo olfato.
Os peixes se orientam pelo tato.

Classificam-se, pois, as sensações em específicas, ditas também próprias, como


a cor para os olhos, o som para o ouvido, e sensações genéricas, ditas
também comuns, como a forma no espaço para todos os sentidos.

Considerando que os olhos bem percebem as formas do espaço, usamos


estabelecer a escultura como arte visual, sem que de fato seja apenas visual,
porquanto os demais sentidos também conseguem perceber de algum modo as
partes no espaço. Não é sem sentido que se diz "ver com as mãos"; assim
também se fala em "direção do som" e em "som distante".

Em princípio pode haver uma escultura feita só para o tato, outra só para o
ouvido, outra ainda só para a língua, ou mesmo só para o nariz. Do mesmo
modo, as pessoas namoram, ou só com a vista, ou só com o som, ou só com o
tato das mãos. A dança tem muito de visual, todavia também muito de tato,
sobretudo erótico.

Diferentemente, pois, do som e da cor, que são percebidos pelos sentidos


específicos do ouvido e da vista, o sensível da forma no espaço é percebido em
comum por vários sentidos ao mesmo tempo, e assim deve ser explorado pela
arte.

O caráter de sensível comum da forma é uma circunstância que se reflete ainda


em todo o sistema da arte das formas no espaço, porque permite a fácil aliança
das artes entre si.

Através da forma que os sentidos alcançam em comum (veja cap. 2, art. 4) (vd.
153 ss), processa-se amplamente a integração das artes (vd).

Os sensíveis comuns, no elenco apresentado por Aristóteles, são: "movimento,


repouso, figura, grandeza, número, unidade" (Da Alma 425a 15). Todos os
sensíveis mencionados por Aristóteles se dizem comuns porque percebidos,
como já foi advertido, por vários sentidos, através dos respectivos
sensíveis próprios.

A figura e magnitude (grandeza) são perceptíveis pelos olhos e pelo tato.

O movimento e a quietude tornam-se perceptíveis a seu modo, pela vista, pelo


tato, às vezes também pelos seus em sucessão temporal, ou dispostos em
diversas posições.

Também o número se consegue perceber pela vista e descobrir pelo tato. Mas
de nenhum sentido é objeto próprio.

Os sensíveis comuns são afins entre si. O movimento e a quietude exercem-se


de maneira complementar, de sorte a estar um corpo ora em movimento, ora em
estado de quietude.

Os outros três sensíveis comuns complementam-se igualmente entre si. A


grandeza ( ou extensão) é o fundamento, da qual a figura é a limitação, o
número é a divisão ou multiplicação, a unidade é o componente
Usualmente apenas a forma, dentre os sensíveis comuns se institui como
matéria de uma espécie de arte; ficam todavia os demais como participantes
nos procedimentos exercidos pelas variações ocorridas na forma, que assume
figurações, movimentos, sucessões, etc.

Decompõe-se a mesma forma em linha, área, volume, conforme já advertimos.


Com estes elementos a forma limita as magnitudes no espaço.

No que se refere gnosiologicamente à realidade exterior é bastante aceito que


os sensíveis próprios são apenas uma resposta subjetiva dos sentidos às
afecções exteriores; cores e sons seriam apenas fenômenos dentro de nós,
projetados para cima das formas espacializadas. Mais do que isto, Kant
defendeu mesmo, que até o espaço e o tempo seriam formas a priori do
conhecimento sensível.

Consequentemente o mundo que vemos e ouvimos, inclusive seu espaço, não


corresponderia a uma realidade exterior independente de nós. Como no sonho,
no qual, enquanto sonhamos, não sabemos que é irreal, assim, enquanto
deparamos com o mundo exterior, ele todo funciona como se fosse real; apenas
uma especulação posterior nos poderá dizer o contrário, despertando-nos do
sonho dogmático da realidade.

Mas, se as qualidades sensíveis são, - ou não são reais, - tudo isto não interfere
nos conceitos mesmos da arte.
§ 2-o. Individuação e multiplicidade. 2283y073.

73. A distinção entre a expressão (significado) e matéria sensível portadora


(significante), permite a individuação e a multicidade da mesma obra de arte.
Portanto, criada uma vez a obra de arte, é possível multiplicá-la, sem que se
trate de uma nova e diferente expressão artística. Multiplicam-se as expressões,
mas a essência é sempre a mesma.

No teatro esta multiplicação é evidente, pois cada vez ocorre uma


"representação", isto é, uma "re-apresentação". Na música fazem-se suceder as
repetições, quando as gravações nos repetem a primeira apresentação. Na arte
das formas também ocorrem as reproduções da mesma estátua em novos fac-
símiles. A indústria moderna se especializou em multiplicar em grande escala
os modelos eleitos para reprodução.
A repetição não é um mal em si mesmo. Pelo contrário, a multiplicação é uma
valorização da criação e uma geração de oportunidades para a grande massa
humana.

A diferença entre a primeira criação e as demais que a reproduzem está,


essencialmente apenas na matéria, não na expressão, tal como todos os homens
obedecem ao mesmo conceito de espécie humana.

Se diferenças houver, não houve ainda a exata reprodução, em princípio sempre


possível. O valor da primeira criação por sobre as reproduções é maior, apenas
do ponto de vista extrínseco. A expressão da primeira criação obedece a
cuidados maiores e resulta sempre da vontade do mesmo artista. Nesta primeira
criação ocorre, portanto, um elemento de ordem histórica.

Entretanto, o mesmo artista poderá fazer a multiplicação e no decurso da


mesma aperfeiçoar o primeiro exemplar, por um novo exemplar eventualmente
melhor. No caso do livro este fato acontece com a sucessão das edições
revisadas pelo mesmo autor.

Na arte das formas, a fidelidade das reproduções é mais difícil quando se trata
de matéria pouco dúctil, como o bronze, a pedra e o mármore. Apresenta-se
mais sutil, quando se trata de gestos e manifestações teatrais. Nos modernos
recursos eletrônicos aconteceu uma revolução no domínio das imagens e suas
formas.

Entretanto, ocorrem duas modalidades de reprodução; ou se reproduz a


concepção que o artista houvera tido em sua intenção mental; ou se reproduz a
obra exterior por ele criada. Se a reprodução se fizer a partir da intenção do
artista, ela poderá até se fazer melhor que a obra por ele primeiramente
realizada. Mas, se a reprodução se fizer a partir da primeira realização histórica,
esta se fará mesmo com os defeitos que eventualmente contenha.

Há ainda aquelas reproduções a partir de notas musicais e de texto escrito para


teatro, com vistas a "execução". Nestes casos a reprodução é cada vez uma
espécie de primeira execução, dependendo muito do maestro e do mestre de
cena.
O plágio reduz-se à imitação, e não altera o valor intrínseco da expressão, que
fica o mesmo da expressão originária. Apenas a relação extrínseca de haver
atribuição indevida de autoria, é que configura o plágio. De outra parte, o
plágio poderá ser perfeito e imperfeito; então sim, o perfeito nada mais é do
que a reprodução por multiplicação, bastando corrigir a atribuição, ficando com
o plagiador a posição de copista virtuoso.

Em princípio, tendo por base os direitos fundamentais da pessoa humana,


ninguém está impedido de fazer o que outros fizeram antes. Por isso não é
cômodo defender direitos de autoria e de patentes de invenção, por falta de um
suporte jurídico para a exclusividade de qualquer ato humano; assim fosse, o
primeiro homem a aprender o andar teria adquirido o direito autoral de andar, e
os demais ficariam proibidos de andar, devendo continuar quadrúpedes.

Apenas quando os atos fundamentais se conflitam, eles importam em um acordo. Por


exemplo, o direito de ir e vir, importa em acordo se ambos os indivíduos seguem
sobre a mesma linha; no momento do encontro importa que elejam, cada qual para seu
lado.
§ 3-o. A forma como qualidade. 2283y074.

74. Uma compreensão mais profunda da matéria em que se amparam a


escultura e a arquitetura, o cinema, o teatro, a televisão, nos leva a inquirir pelo
espaço em si mesmo, a quantidade e a forma em que se dispõem as suas partes;
trata-se de noções progressivamente menos gerais.

A qualidade se diz de qualquer quale. A forma é um quale da quantidade.

A substância é uma categoria que está sob as demais, - o que é dito pelo seu
próprio nome, - do latim sub stare (= estar sob). A quantidade é uma
determinação que advém à substância; por último as partes da quantidade a
organizam, dando-lhe a forma como um qual modo de ser quantificada.

Nos corpos acontece a sequência seguinte, de acordo com a filosofia


aristotélica: 1) a substância corpórea; 2) a quantidade; 3) a forma corpórea
como sua qualidade.

No sistema cartesiano, a substância corpórea coincide com a mesma quantidade.


Mas a seguir, as restantes determinações lhe advém por acréscimo, ficando de
novo a substância, como que debaixo.

Para Kant não existe a substância corpórea real, senão como um cálculo da
razão e que por isso é apenas um conceito, com a condição de forma a priori do
entendimento. Também não existe a quantidade, senão como uma forma a
priori dos sentidos externos. Não seriam, pois, a substância e a quantidade
nenhuma determinação real havida em coisas reais, ainda que na mente tenham
o aspecto de realidades.

De sua parte, não seriam as coisas mais que fenômenos sensíveis, como cor,
som etc... Surgiria primeiramente o fenômeno sensível; num segundo momento
seria fenômeno recebido, como que sobre um tecido, ou seja na forma a
priori do espaço; enfim, um cálculo raciocinativo estabeleceria a noção ideal de
substância.

A forma, que a arte utiliza como veículo de expressão, dizendo respeito à


quantidade, é, na filosofia aristotélica, - uma determinação real; também na
cartesiana; já não na kantiana.

75. Que é a quantidade em si mesma? Quer seja substância, quer determinação


acidental, quer forma a priori, a quantidade oferece a feição de algo que se
distribui em partes lado a lado. Ou partes pelo lado de fora das partes, como já
a definiam os clássicos, dizendo-a partes extra partes.

No ponto de vista aristotélico, as partes constituem o próprio espaço. Não é o


espaço um vazio, para o qual vão e voltam as partes. É o espaço mesmo algo
físico, determinador do corpo, tal como o tempo é a duração deste mesmo
corpo. Separado do corpo, o espaço é apenas uma noção abstrata, do mesmo
modo que o tempo separado da realidade que dura é um tempo abstrato.
Também as partes do espaço não se separam dele; pelo contrário, divide-se o
espaço em partes.

O ser não quantificado seria aquele que tivesse as suas artes sem esta
distribuição. Estaria, pois, a alma, - quando entendida pela filosofia dualista
como separada do corpo, - toda inteira em qualquer espaço em que se
distendesse pelo corpo; assim também Deus, - quando entendido pela mesma
filosofia dualista como distinto do mundo, - estaria todo inteiro onde quer que
esteja nos espaços.
A situação das partes ao lado das partes cria também a possibilidade da divisão
dos corpos; parte-se, por exemplo, uma laranja, porque desde seu conceito
fundamental de ser uma realidade com partes ao lado das partes. Mas, não se
parte um espírito, se desde o início é conceituado como não tendo partes
distribuídas umas ao lado das outras.

Estas considerações se ligam à filosofia da arte das formas apenas como seus
remotos pressupostos. O conhecimento destes pressupostos os integra o
apreciador da arte das formas quando busca ir mais além que o nível do mundo
do cotidiano.

76. Ocorrem afinidades entre quantidade, lugar, posição (disposição) forma


(espacial). Derivam sucessivamente estas determinações sucessivamente umas
das outras, não sendo possíveis as últimas sem as anteriores.

a) Primeiramente dá-se a espacialidade como determinação dos corpos com


suas partes ao lado das partes.

A espacialização resulta em determinações que dão vez às categorias de lugar e


posição. As duas novas categorias, como, aliás todas as seis últimas da lista de
Aristóteles, se dizem do ser enquanto este está em função a outros. As
primeiras quatro dizem-se em função a algo que está no mesmo corpo.

b) Pela determinação de lugar, uma coisa diz-se estar dentro ou fora, em


relação a outra.

Por exemplo, o dinheiro está dentro, ou fora da bolsa.

c) Posição é a determinação que resulta das partes de um ser enquanto atendem


à sua localização como partes. Distingue-se entre posição relativa e posição
absoluta.

A determinação das partes é relativa, quando as partes de um ser são vistas em


relação às partes de outro ser; acontece então aquilo que costumeiramente
exprime a palavra posição; em tais condições algo está de pé, ou deitado, em
cima ou embaixo.
A posição absoluta ocorre do ser considerado apenas em si mesmo. Esta noção
é inteligível, ou paradoxal, se o ser é totalmente simples. Mas, se o ser contém
partes internas a si mesmo, cada parte se exerce em relação com as demais
partes internas do mesmo ser a que todas pertencem.

Agora temos aquilo que diretamente indica o nome disposição; em tal


ocorrência dá-se o que se entende por volume, linha, área, círculo, triângulo,
etc... A distribuição se dá sempre no espaçamento como é próprio da
quantidade e do lugar.

d) A posição, vista sob a perspectiva de determinação de algum modo


aperfeiçoadora passa a ser qualidade de se exercer como disposição.
Particularmente interessa à arte a qualidade de se exercer como disposição, que
se diz em função às partes internas de um mesmo ser.

77. Como qualidade, a disposição das partes se diz forma.

É portanto a forma a qualidade em virtude da qual os seres dispõem de certa


maneira as suas partes no espaço.

Enquanto disposição indica diretamente a distribuição espacial das partes, a


forma vê esta disposição à maneira aperfeiçoativa.

Já se percebe que a arte, ainda que se ocupe com elementos quantificativos, não
os toma sob a perspectiva direta de quantidade (partes ao lado das partes) nem
sob a de posição e disposição (lugar das partes) porém, como qualidade.

Por isso, a estátua não representa o herói porque lhe reproduzem o tamanho e
as disposições, porém, a qualidade que ele exerce de possuir tais determinações.

Quanto ao étimo, forma deriva do termo latino forma; o radical é


originariamente latina. O equivalente grego, de outra procedência, é : @ D N Z
(= forma, figura), que se fez conhecer em palavras como morfologia,
antropomorfismo.
78. Quantidade e forma da quantidade não coincidem, pois, como se fossem
determinações idênticas.

Por quantidade indica-se diretamente apenas a ocorrência de partes ao lado das


partes.

A forma não é apenas isso, porque diz respeito ainda à quantificação enquanto
determinação aperfeiçoadora.

As categorias de substância, quantidade, tempo, ação etc., além de dizerem o


que são, resultam, - ao serem vistas como aperfeiçoadoras, - em uma
qualificação determinadora; esta perspectiva, quando tomada em separado,
denomina-se qualidade.

Por conseguinte, os corpos são quantidade e ao mesmo tempo exercem


a qualidade de serem quantificados.

É próprio apenas da qualidade o exercer-se como indicação direta da perfeição.


Esta, - a perfeição, - é sempre uma determinação vista sob o pondo de vista da
perfeição trazida, ao mesmo tempo que é tal determinação. A quantidade
simplesmente não é senão a disposição das partes ao lado das partes; o mesmo,
visto como uma modalidade de perfeição, já não é só quantidade, mas é a
qualidade de ser quantidade.

Redivide-se a qualidade em leque se qualidades, e assim também a forma em


um leque de formas. Nenhuma qualidade define toda a qualidade, e nenhuma
forma define por si só toda a forma. Não se confunde, portanto, a forma
simplesmente, com as espécies de forma.

A diversa possibilidade de dispor as partes resultará em uma variada


classificação de formas, de que trataremos logo adiante (art. 2º.), cada qual
oferecendo possibilidades específicas à mão do artista.

79. Forma em sentido próprio. Também começa a ficar claro que a forma, no
seu sentido próprio, é sempre forma quantitativa.
Em sendo a forma a qualidade resultante da determinação em que incorrem os
corpos enquanto dispõem suas partes ao lado das partes, resulta que a forma é
quantitativa.

A irradiação semântica distende a acepção de forma para qualquer das


determinações que um ser pode receber; então, a forma em sentido estrito será
a forma quantitativa, contraposta à forma em sentido amplo, que inclui também
as formas não quantitativas, como as essências.

Não oferecem a mesma precisão as expressões forma material, forma espacial,


forma corpórea, com o fim de indicar a forma em sentido estrito; é que a forma
em sentido estrito prende-se diretamente à quantidade.

Na outra formulação, a forma poderá abrir-se para alargamentos não admitidos


pela noção bem precisa de forma quantitativa. Por conseguinte, apenas em
contexto nítido poderá ocorrer a equivalência.

80. Forma e figura. Pela origem, formas em sentido estrito são aquelas que
ocorrem eventualmente nas coisas; formas em sentido natural são as que as
coisas já possuem por natureza.

Esta última forma, em sentido natural, se denomina figura. Em tais condições


se diz que as árvores têm uma figura, e que esta figura varia segundo as
espécies.

A distinção entre forma e figura é mais por efeito semântico posterior, do que
pela sua etimologia. Figura, pelo seu étimo indo-europeu dheigh- (= moldar)
significa moldado a partir de barro, ou terra. Dali se formaram os termos latinos
e seus correspondentes neolatinos: figura (= figura), fingere (= fingir), fictio (=
criação, ficção), effigies (= efígie, imagem).

A figura natural admite três estados: sólido, líquido, gasoso.

Evidentemente que o estado sólido, resultante da maior coesão molecular, é o


que mais eminentemente se denomina figura.
De maneira ainda mais restringida, a figura se diz dos sólidos, quando têm a
peculiaridade de serem vivos. Ainda que as pedras, as montanhas, os cristais,
tenham uma figura natural, esta não se apresenta absolutamente rija; por isso é
apenas tolerável falar-se em figura das pedras, figura das montanhas, figura dos
cristais. De modo eminente, pois, figura se atribui em primeiro lugar aos seres
vivos.

No plano da natureza morta, figura se diz em primeiro lugar dos seres em


estado sólido.

Mas, em última instância, também os estados líquidos apresentam alguma


forma, ainda que instável.

O mesmo se dirá dos gasosos, principalmente em grandes massas, como das


nuvens, do sol e das estrelas em geral. Casos mais particulares, como chamas e
faiscas, costumam apresentar também uma certa forma, à qual cabe o nome de
figura, por causa de sua repetência.

Outras peculiaridades mais distinguem as formas de acordo com a matéria, -


mármore, pedras, barro, gesso, madeira, bronze, cimento, etc... Apesar do
caráter secundário destas diferenças de forma, elas adquirem importância na
arte, porque aqueles materiais estão sempre à disposição e são capazes pela sua
natureza de oferecer conotações associativas.

ART. 2º. ESPÉCIES DE FORMAS E SUAS PROPRIEDADES. 2283y081.

81. Variam as formas em espécies, pela maneira vária de colocar suas partes ao
lado das partes. Cada flexão é uma outra forma. Desta variedade, que a forma
tem a capacidade de adquirir, resultam as espécies de forma.

Passando de uma forma à outras espécies de forma, acontece o que podemos


denominar flexões da forma (espécies de forma).

Paralelamente também ocorrem flexões na cor, chamadas cromatismos, que são


espécies de cor; flexões no som, denominadas intonalidades ou tons, que são
espécies de som. Pelo visto, flexão da forma, cromatismo e intonalidade
constituem o mesmo fenômeno, mas em campos materiais diferentes, em cada
campo na respectiva arte.
Também as propriedades da forma são múltiplas:
ter semelhante, graus e contrários.

Este ter semelhante, graus e contrários é peculiar às qualidades em geral. Por


isso, paralelamente a estas propriedades ocorridas nas formas, elas se repete nas
cores, as quais também têm semelhante, graus e contrastes. E assim de novo
também os sons igualmente possuem semelhante, graus, contrastes.

Destas propriedades se vale a arte para criar a expressão, conforme já vimos


(vd 34). O que importa aqui e agora é estudar as propriedades psicodinâmicas
das formas, porque este aspecto pertence às formas como matéria, e é como
matéria que as formas participam na arte com a função de significante portador
da expressão.

O estudo, em absoluto, das flexões da forma e das suas intensidades, não


pertence especificamente à arte das formas, mas ao seu instante pré-artístico,
onde o tema é versado pela filosofia, psicologia, matemática; estudam-se as
flexões das formas, tendo em vista seu aproveitamento para a expressão
artística. Conhecer as formas é apenas uma condição prévia para o emprego
delas na arte.

Este estudo pré-artístico das formas serve também para a estética em geral, por
exemplo da moda no bem vestir, do bem arranjar ambientes, edifícios, praças e
jardins. Tomaremos, contudo, os exemplos de preferência da arquitetura,
porque às suas formas é mais fácil de se referir.

82. Sistematizando, importa classificar as diferentes formas e estabelecer as


propriedades de cada espécie. Para classificar as formas, atenda-se para a
definição mesma de forma, como qualidade: é a qualidade que os corpos têm
de distribuir suas partes pelo espaço.

De acordo com o modo de distribuírem as partes no espaço, mudam as formas.


Há, pois tantas espécies de formas quantas posições diversas for possível dar às
partes de que se compõe a estrutura de um corpo.

Dividido um corpo em uma, duas, três, direções dimensionais, resulta haver


três espécies fundamentais de formas:
- linha (primeira dimensão),

- área (segunda dimensão),

- volume (terceira dimensão).

A partir desta bem conhecida divisão importa prosseguir sistematicamente, de


onde a subdivisão deste artigo nos respectivos três parágrafos tratando
separadamente da linha, da área, do volume.

A linha, ou primeira dimensão, apresenta duas qualidades de forma, também


bastante conhecidas: a linha reta e a linha curva.

A área, ou plano, segunda dimensão, oferece as modalidades


denominadas: círculo, triângulo, quadrado.

Enfim, o volume, terceira dimensão, se mostra mui concretamente


na: esfera, cubo, poliedro.

Prosseguindo na subdivisão, as flexões de forma se especificam cada vez mais,


possibilitando o sistemático estudo da capacidade de cada espécie.

83. Cada forma que qualifica a quantidade possui seu respectivo valor estético
e que a arte leva em conta para estabelecer expressões.

Há aquelas qualidades mui definidas como a reta, na primeira dimensão, o


círculo, na segunda, a esfera, na terceira. Imprimem geralmente a impressão de
equilíbrio.

Opostas a estas qualidades, encontram-se as modalidades variáveis de forma.


Cada variação de curva oferece nova modalidade de efeito.
E assim também os planos e os volumes, à medida que alteram as formas.

A descoberta das formas, exatas para os diferentes conteúdos a expressar,


constitui a preocupação do artista das formas. Por exemplo, a linha curva é a
que melhor expressa o sentimento de graciosidade.

§ 1. Linhas. 2283y084.

84. As linhas oferecem variados aspectos à consideração:

- As linhas em absoluto, sem qualquer referência; então simplesmente


perguntamos pelas propriedades da reta, curva, quebrada.

- Linhas horizontais, verticais, diagonais; agora as linhas são estudadas com


referência a termos extrínsecos;

- Linhas de direção de movimento; marca-se com acidentes em final de linha ou


maneira como se compõem as paralelas.

- Coluna e pilastra; estuda-se particularmente a redondeza da coluna.

- Encontro de direções.

I - A linha reta, a curvilínea, a quebrada. 2283y085.

85. Linha reta é a que está numa só direção.

A apreensão da linha reta é a mais fácil, porque em si mesma está inteiramente


isolada, sem qualquer consideração para com os outros planos, como na linha
paralela, ou na linha diagonal. A vista move-se sobre ela simplesmente de um
ponto a outro, sem entrave, e ainda acionada pela logicidade da compreensão
da reta pela mente..
A índole psicodinâmica da linha reta inspira força, energia, masculinidade,
resistência. A linha reta indica também a moderação, por falta de elementos
redundantes.

Tais qualidades podem ainda ser reforçadas por elementos associativos e


psicodinâmicos.

A linha curvilínea é a que abandona a direção da reta. Nas mesmas condições


encontra-se a linha quebrada. Em uma e outra se encontram as variedades de
que se vale principalmente a estética das formas.

A variação de direção da curvilínea ocorre sem chegar a ser angulosa, isto é,


sem ser por segmentos de retas.

Variam as linhas curvilíneas. A linha suavemente curva desenvolve-se sem


grandes alterações de direção; eis a linha chamada feminina, porque graciosa e
fácil aos olhos, sem a energia e a dureza viril da reta. Repetindo-se no corpo
feminino, as conotações da linha curva são ricas e apreciáveis.

A linha curvilínea brusca oferece dificuldades aos olhos, que se tumultuam no


esforço de acompanhar direções que mudam inesperadamente.

A linha quebrada é constituída de segmentos de retas. Sendo também difícil de


acompanhar, razão porque não consegue agradar. Apresenta-se, portanto, dura.
Participa a linha quebrada dos caracteres da linha diagonal; nestas condições
seu tratamento ultrapassa ao campo da linha tomada em absoluto, sem relações
para fora de si.

a) Particularidades da reta e curva suave. 2283y086.

86. Na linha reta a marcha sucessiva da apreensão das partes não oferece
dificuldades, conforme já foi adiantado. Embora a apreensão seja sucessiva,
devendo por isso o olho tender a começar de uma ponta, para ir sucessivamente
percorrendo o espaço linear, a marcha se exerce desimpedidamente e com
rapidez .
Ocorre até a possibilidade do cálculo raciocinativo. Sabendo a razão que a reta
sempre continua igual, saltita, alcançando prontamente a outra extremidade.
Por isso, a reta mostra-se eminentemente lógica. Mais uma vez apresenta-se
fácil e por isso original no seu desenrolar.

Contudo, a reta possui a vantagem específica e única da infinitude, já advertida


por Pitágoras. Sempre parecida consigo mesma, o espírito a pode conceber
como prosseguindo sem fim. Eis a imagem do infinito.

87. A linha levemente curva, ou que progride em sinuosidades sempre suaves,


atende à espontaneidade da atenção das faculdades de apreensão. Ainda que
exija mais esforço que a apreensão da linha reta, encontra-se contudo dentro
dos limites da capacidade natural destas faculdades. Um pequeno trabalho e
esforço não cansa, visto que ele é natural às faculdades.

Além disso, as pequenas mudanças oferecem assunto sempre novo e com isso
atendem à natural curiosidade. Por isso, as curvas não são monótonas, o que
certamente poderá ocorrer com a linha reta, cuja facilidade a faz imediatamente
se esgotar.

88. O desenvolvimento curvilíneo apresenta duas maneiras de evoluir, do ponto


de vista das faculdades: o desenvolvimento sempre individualizado e o
desenvolvimento calculável.

O desenvolvimento individualizado oferece situações não previsíveis, ainda que


não inteiramente súbitas.

O desenvolvimento calculável varia dentro de uma relação de progressividade


aritmética. Ocorre nas espirais. A possibilidade de poder calcular o
desenvolvimento das linhas, as torna raciocinativamente previsíveis. Por esta
razão a novidade não se manifesta com tanta incidência, quanto na linha com
desenvolvimento individualizado. Contudo as espirais oferecem alguma
elegância, principalmente quando variam portanto com alguma progressão.

89. Apesar de todas as vantagens estéticas do curvilíneo, esta linha não goza
contudo daquelas vantagens que são específicas da reta.
A impressão do infinito e, de modo geral, do solene, oferecida pela reta, apenas
são alcançadas de maneira limitada pela curvilínea. Mas, esta aproximação dá-
se na medida que a curvilínea se abre e se aproxima da reta.

A multiplicação das curvas e quebradas amesquinha. O fenômeno observa-se


intuitivamente nas construções arquitetônicas em que os arcos e as cúpulas
somente começam a ter majestade quando se alargam e se alteiam.

A chamada arquitetura monumental, que utiliza arcos e abóbadas, obtém sua


majestade precisamente na grandeza; comparadas com idênticas formas
projetadas no espaço, as pequeninas maquetes, reproduzindo as mesmas formas,
são mesquinhas. É que o alargamento das curvas leva à mesma impressão de
infinitude da linha reta.

A graciosidade do Panteão de Agripa, da Cúpula de Santa Sofia, da Catedral de


Florença, da Basílica de São Pedro de Roma devem-se ao alargamento das
linhas curvas dos zimbórios.

A curva em objeto pequeno, com tendências a se fechar sobre si mesma, foge


da continuidade; sendo notoriamente finita, a imaginação fica a movimentar-se
no redemoinho do espaço finito, ao contrário da curva da grande abóbada, onde
tende a ser reta.

As horizontais dos templos egípcios e dos templos gregos são nitidamente


majestosas, correndo para um infinito, ainda que horizontal.

A longitude das linhas das pirâmides dos faraós, outra vez sugerem algo maior
e que prossegue.

Não teriam as pirâmides o mesmo valor eterno e metafísico, se não fossem


aqueles perfis retos.

O valor do curvilíneo, alargando-se para o infinito da reta, encontra-se também


nas linhas ascensionais do gótico medieval. A Idade Média de religiosidade em
ascensão vertical encontrou nas linhas do arco quebrado um esforço de
ascensão quase retilínea. Quebrando a linha do arco, aproxima-se este da reta,
sem os rendimentos metafísicos correspondentes. Ainda que o novo arco
nascesse de uma nova técnica de construir, sua interpretação em termos de
metafísica da linha reta se apresenta muito feliz.

b) Particularidades da linha quebrada e da linha violenta. 2283y090.

90. O esforço exigido para a apreensão das partes sucessivas da linha quebrada
e da linha violentamente curva dá origem a situações psicológicas, como de
resistência e cansaço.

Na linha quebrada a atenção da vista marcha com espontaneidade quando


súbito deve desviar, outra retomando a maneira anterior de progressão; mais
adiante se repete o desvio; e assim, tumultuando-se a vista, de espaço em
espaço, não pode isto lhe dar uma situação de espontaneidade e satisfação.

91. A linha curvada violentamente oferece situações que mantêm a vista sob
forte insistência de atenção. Devendo a atenção fixar as sucessões em
progressiva alteração, assimiláveis pela atenção espontânea, ela se tumultua
com o restante da linha fortemente curvada. Isto não pode gerar satisfação.

O fenômeno ocorre sobretudo quando as linhas se emaranham, criando


dificuldade de análise. Por isso à distância os desenhos meticulosos se
apresentam pouco apreciáveis, sobretudo quando as linhas se curvam
violentamente nos emaranhados.

92. As linhas quebradas e as linhas fortemente curvas apresentam duas


maneiras de evoluir com efeitos psicodinâmicos sobre as faculdades de
apreensão: o desenvolvimento sempre individualizado e o desenvolvimento
calculável raciocinativamente. Tal ocorria já com a reta e a curva suave, que
admitem as duas modalidades (vd 88).

As linhas quebradas em se desenvolvendo numa só direção, ao se quebrarem,


criam um desenvolver racionalizado, que oferece à mente a possibilidade do
cálculo. As ordenações à maneira das pontas de renda, de serrote, de
bandeirinhas, das letras, dos enfeites chamados "gregas", das áreas em
triângulos, quadrado, oitavado, polígono, etc... ordenam-se ritmicamente numa
só direção; ainda que compostas de linhas fortemente quebradas, suavizam-se
pela racionalização. A mesma ordenação pode criar-se nas curvas violentas.

A individuação total das quebradas e das curvas violentas, cria situações de


inteira originalidade. Estas, portanto, são as mais desagradáveis. Exercem
funções específicas na arte.

A linha quebrada participa também da psicologia da linha diagonal.

93. Os ângulos oferecem uma situação especial. Eles resultam da quebra da


linha, razão porque participam dos efeitos desta. À medida que se acentua o
grau do ângulo, torna-se mais difícil para a apreensão. Com menos de 90 graus,
tende a atenção a acompanhar a quebra, caminhando da primeira linha
observada para a segunda. Altera-se a situação, com um quebra em ângulo mais
agudo; a outra linha como que retorna, o mesmo não mais fazendo a vista, que
salta pela ponta a fora. Por isso, a flecha, por causa de seu ângulo agudo, se
habilita como indicadora de direção; além disso, a função balística da flecha
contribui como sugestão. Orientar com a mão, de maneira a apontar com um só
dedo, produz idêntico efeito das pontas de ângulo agudo.

Nas quebradas violentas, as linhas como que se multiplicam; objetivamente há


apenas a linha quebrada em ângulo agudo; psicologicamente nasce a linha da
atenção que saltou na direção em frente.

II - Linhas horizontais, verticais, diagonais. 2283y094.

94. As linhas exercem relações com o meio ambiente. Dali vêm as qualidades
das linhas horizontais, verticais, diagonais. Por si mesma, a quantidade não
exerce relações, mas enquanto a quantidade é vista como qualidade.

As relações exercidas pelas linhas com o ambiente são reforçadas ainda pelas
impressões cenestésicas de equilíbrio do corpo.

De relações e cenestesias se tecem as propriedades das linhas horizontais,


verticais e diagonais.
Todas muito interessam à arte das formas, pois esta, além de imitar o objeto
expresso, ainda reforça a expressão com tais efeitos associativos e
psicodinâmicos.

95. A linha horizontal oferece, do ponto de vista psicológico, sentimentos de


repouso, quietitude, calma e paz. Este sentir é de natureza associativa e se
prende ao sentido cenestésico; em tal posição é mais seguro o equilíbrio.
Também em horizontal nos deitamos para descanso.

Num outro plano de associações, a linha horizontal lembra as cores frias, que
são as de mais peso.

A relação da horizontal com o descanso e o bem estar associa esta linha com o
verde, cor particularmente repousante.

A horizontal tende a pôr a vista em movimento, no mesmo plano horizontal;


por isso, produz um sentimento de expansão da profundidade e alargamento
das laterais.

96. A linha vertical sugere esforço, energia, firmeza, segurança, movimento e


de função. Indicando movimento e exercício de alguma função, a linha vertical
realiza a tarefa a contento, com esforço, energia, firmeza, segurança, virilidade.

A dinâmica da linha vertical exerce-se de maneira vitoriosa, ao contrário da


oblíqua, que se situa no instante dramático. Comparada à linha vertical com a
horizontal, esta como que está em termo final de movimento e função, de sorte
a ter achado um repouso definitivo; a vertical também encontra um termo de
segurança, mas por meio de um esforço. Na verticalidade as linhas alcançam
seu instante seguro, em contraste com o dramático e difícil da obliqua.

As relações que a linha vertical exerce com as propriedades de esforço e


energia, firmeza e segurança viril, estão associadas com o sentido cenestésico.
Mantém diante de si a sensação do equilíbrio e da gravidade a insistir para
baixo.
Do ponto de vista visual, a linha reta, com suas qualidades energéticas e
dinâmicas, harmoniza-se com o vermelho e as cores quentes em geral.

Como qualquer linha, também a vertical tende a imprimir movimento


direcional, o sentido da vista. Agora, o movimento para cima exerce a
tendência de aumentar a altura, das superfícies, colunas e ambientes em que
ocorrem estas linhas verticais. As poucas linhas de um elevado edifício lhe dão
forte ênfase ascensional. O mesmo ocorre quando as colunas são altas, pois,
quanto mais se encomprida a linha, mais impulso imprime ao movimento, com
o efeito de ultrapassar a altura real.

A ênfase ascensional é influenciada também pela necessidade de erguermos a


vista. Este gesto nos obriga mais esforço do que para a contemplação das linhas
horizontais ainda que muito longas.

97. A linha diagonal é dramática, por excelência. Suas relações com o meio
sugerem primeiramente o desequilíbrio cenestésico. Luta contra a gravidade,
pois não tem o equilíbrio energético da linha vertical. Há uma força violenta na
linha diagonal. Enquanto assim se comporta, como estado não definitivo, a
diagonal é dramaticidade, inquietação, esforço em busca de equilíbrio, situação
irresolvida em busca da solução. Contudo a linha inclinada perifericamente
sugere estabilidade.

A pronunciada divergência direcional da vertical, com referência à horizontal


ou a vertical, cria ângulos fortes e duros para a apreensão visual, Por isso as
verticais não se apresentam harmônicas com o meio natural, além das sugestões
dramáticas cenestésicas. Não se prestam, pois, para composições leves e
harmônicas.

A linha quebrada realiza em geral uma série de diagonais. Por esta razão,
muitas das qualidades da linha quebrada se devem às da diagonal. Estas
propriedades divergem, com três variantes:

1) quebradas, com nenhum elemento horizontal, apenas com verticais;

2) quebradas, com verticais e horizontais;


3) quebradas com verticais e diagonais;

4) quebradas com horizontais e diagonais;

5) quebradas em ângulos fortes;

6) quebradas em ângulos suaves.

Certamente que os efeitos variam; hão de ser estudados em função às figuras


simples, de que tais linhas quebradas se compõem.

A dramaticidade e nervosismo criado pela linha quebrada deve-se às


propriedades que toma à diagonal.

98. A sucessividade perceptiva, em virtude da qual a vista atende ponto por


ponto o desenrolar da linha, influencia a maneira de apreender objetos, como
colunas e cúpulas, de linearidade evidente.

Se um elemento arquitetônico é mais alto, a vista apreende rapidamente a


direção estreita e prossegue movimentando-se ao comprimento da parte mais
longa. Dali a impressão de movimento direcional.

As alterosas colunas dão mais impressão de movimento e altura, do que


pesadas paredes alongadas, ainda que da mesma altura.

Por idêntica razão, paredes de edifícios estreitos, dão mais impressão de altura,
que as de um largo. Ou uma torre estreita, que um arranha-céu largo de altura
correspondente. Ocorre o mesmo com os recintos ou espaços; estreitos e altos,
movem para cima. É o caso dos recintos góticos.

Colunas lisas comparadas com outras estriadas produzem menos sensação de


ascensionalidades que estas; as primeiras mantêm calma, as outras dão vida.
Efeito peculiar exercem também as estrias horizontais; obrigando a caminhar
para fora, dão impressão de mais espessura.
O mesmo efeito para cima pode ser movido em direção horizontal. Corredores
baixos e longos movem horizontalmente. Assim também recintos de pouca
altura movimentam a atenção da vista para a longitude.

99. A participação cenestésica, nos efeitos psicológicos das linhas horizontais e


verticais, é evidente.

Discute-se sobre a natureza do sentido cenestésico; alguns acreditam tratar-se


de um sentido específico, ao lado dos cinco clássicos (vista, ouvido, tato, gosto,
olfato); outros opinam tratar-se apenas de uma forma interna do sentido do tato.
Quer seja como sentido específico, quer como tato, a sensação cenestésica
ocorre no ser humano, pois sente distintamente quando está de pé, e quando
deitado. Esta situação influencia sua percepção das linhas verticais e
horizontais. Cria sugestões, isto é, evocações. O que está de pé lembra sua
própria posição de estar de pé, firme, forte, auto-suficiente, afirmando-se a si
mesmo. O que está deitado, sugere o deitar da mesma pessoa, o alívio,
descanso, a imperturbabilidade, a paz; ao mesmo tempo evoca o nível das
águas, o equilíbrio dos elementos.

O estar de pé evoca o esquema da gravidade, que opera sobre os corpos. Então


as colunas de sustentação e mesmo as paredes associam a função que exercem,
como sustentação.

O fenômeno da sustentação permite que as colunas e paredes passem a ser


interpretadas animicamente, como que fazendo força. Desta projeção
sentimental, ou Einfühlung, nasceu certamente a imagem da cariátide, estátua
feminina, com feição de deusa e função de coluna.

III - Direção de movimento. 2283y100.

100. Há uma direção perceptiva imposta pelas próprias linhas, as quais


impulsionam para cima, ou para baixo, para direita, ou para esquerda.

Colocada uma curva no final de uma reta, por onde principiaria o movimento
perceptivo?
A reta se faz conhecer por primeiro; mais inteligível, sobretudo quando ampla,
absorve primeiramente a atenção e move prontamente na direção da curva no
final. O mesmo acontece com outro acidente posto no final, como por exemplo
um capitel sobre o fuste de uma coluna; primeiramente sobe a percepção ao
longo de coluna.

No gótico, as colunas se desdobram em geral diretamente nas nervuras


ascensionais; se ocupassem com capitéis, as colunas encerrariam neles o
movimento ascensional.

Entretanto o gótico tem espírito de ascensão contínua, e por isso não prefere
capitéis.

Diminuída a reta em relação ao acidente final, cresce a importância deste


acidente final.

Por exemplo, as baixas colunas permitem dar importância às abóbadas e


cúpulas. Tal ocorre, no clássico, não tanto no neoclássico. Este projeta as
cúpulas mais para o alto e com mais transparência.

101. As paralelas, como por exemplo na face das colunas, admitem acidentes
que organizam o movimento.

Em si mesmas e em virtude do seu rigorismo, as paralelas não fixam direção.

O acidente a ser levado primeiramente em conta nas paralelas é a posição de


quem as aprecia. Começa a apreciação pelas posições mais próximas. No caso
da coluna, a posição do espectador em baixo o envereda a contemplá-la a partir
da parte inferior.

Os acidentes de final de linha movem para aquela direção a sucessividade


perceptiva. Tais acidentes poderão ser o alargamento das paralelas. Se, pois,
uma coluna abre descencionalmente, a direção perceptiva também se move
para baixo, enterrando-se no solo. Se, pela inversa, as linhas se vão alargando,
à medida que sobem, o movimento ingressa em pronta ascensionalidade, pois
ainda coopera a posição do espectador, colocado em plano mais baixo.

Se apreciarmos as colunas clássicas, observaremos que a dórica se abre para o


solo, com uma impressão de forte pressão; a coluna de Creta minóica, pelo
contrário, tem alargamento à medida que sobe, com impressões de leveza
ascensional. Semelhante é o efeito ascensional do capitel florado egípcio.
Observa-se ainda em colunas classicistas do começo do século 19.

Além dos acidentes por alargamento das paralelas, outros mais podem influir a
marcha da direção. Os capitéis e os embasamentos oferecem tal efeito.

Um grande capitel move a direção das paralelas, na direção ascensional, ainda


que as mesmas paralelas não se abram.

Inversamente, um grande embasamento, sem capitel no alto, pode mover


descensionalmente.

O equilíbrio do movimento ocorre, ao ser posto no alto um capitel com as


proporções do embasamento.

A coluna também se equilibra quando o seu fuste for mais largo à meia altura,
que em cima e em baixo; então as linhas movem-se para o acidente central.

IV - A redondeza da coluna. 2283y102.

102. A distância aniquila a percepção dos contornos e os objetos tendem a


suavizar suas arestas. A pilastra angulosa se torna ligeiramente cilíndrica,
porque na distância diminui a nitidez das linhas que marcam os ângulos. A
pilastra, que se impõe de maneira violenta, visto que obriga a fazer o
movimento perceptivo das sucessões com quebras bruscas nas quinas, contém
os efeitos das linhas fortemente quebradas. Agora na coluna redonda estes
efeitos são diminuídos ou mesmo aniquilados.

Ocorre também uma lógica na linha do redondo e que facilita a sua apreensão,
mesmo de perto. O centro de equilíbrio se mostra evidente, pois está posto a
igual distância de toda a superfície. Para a inteligência a coluna redonda se
apresenta mais rapidamente compreensível.

Ocorrem ainda os elementos associativos, cooperando em favor da coluna


redonda.

Evoca a redondeza da vida orgânica, de linhas arredondadas, como se observa


no físico do homem e mais ainda no da mulher.

Assim também se constata a redondeza quase sempre bem torneada nos troncos
das árvores e mesmo no aspecto geral da ramagem.

Acresce-se, ainda como elemento associativo o caráter menos áspero das


superfícies arredondadas, em contraste com a pilastra de quinas pronunciadas.

O arredondado parece também cumprir mais inteligivelmente suas funções de


sustentação, particularmente quando não interceptado por outros acidentes.

A coluna retorcida, como bem se observa no barroco, sugere a impressão


inversa. Não é sustentadora, mas decoração emplastada, ou flutuante.

103.Aplicação dos recursos lineares. Dada uma vez à coluna e à pilastra uma
impressão ascensional ou descensional, resulta dali que os edifícios que fazem
substituir suas paredes por colunas ou que fazem as próprias paredes manifestar
suas funções de sustentação, apresentam mais organicidade, inteligibilidade e
vida.

A tão só presença de pilares de reforço nascidos da estrutura da mesma parede,


já só isto dá melhor impressão orgânica.

O estilo funcional, que mantêm à vista as estruturas e promove a decoração a


partir da mesma estrutura, certamente é conveniente.

Na edificação grega, a coluna, com sua forte manifestação funcional de


sustentação, impunha vida total nos peristilos dos templos.
No Renascimento clássico (século16), Bramante e Miguel Ângelo puseram na
estrutura visível a beleza do edifício, fazendo brotar tudo das linhas direcionais
de sustentação, notadas nas mesmas paredes e colunas. Nisto superam o
decorativismo do primeiro renascimento (século15).

Também o estilo gótico aproveita a linearidade viva dos movimentos


particularmente na direção ascensional. Havendo isolado as direções de
sustentação em arcos, que transmitem para colunas, botaréus e pilastras. Esta
situação possibilitou ao estilo tornar-se eminentemente linearista, bem como
explorar a mística de uma tal dinâmica.

Quanto ao ritmo horizontal, ou longitudinal, ele também ocorre no estilo gótico,


visto que as sucessões conduzem a esta sensação.

Mas, a direção horizontal é sempre neutralizada pelas curvas superiores dos


arcos de ogiva; qualquer acidente, no final de uma linha assimila naquela
direção o movimento da atenção; por isso, as sucessões das colunas e janelas
góticas não chega a impor um ritmo horizontal.

Particularmente convence a funcionalidade estrutural do edifício moderno,


principalmente o de grandes proporções. Os enormes arranha-céus, hoje
espetacularmente numerosos, sem precedentes no passado, induzem a imprimir
importância às estruturas. Desta sorte o edifício recebe uma organização linear
lógica, orgânica, certamente agradável.

Do ponto de vista funcional, a arquitetura moderna, quando bem executada,


vence a todas as suas precedentes.

104. Na hipótese dos sustentáculos de cúpula, a pilastra torna-se mais


inteligível, que a coluna cilíndrica. É que o peso da cúpula orienta-se em
direção exterior e não apenas em descensão vertical.

Ora, a coluna, por causa de sua logicidade equilibrada de redondez, é


eminentemente descensional.
Então a pilastra, com efeitos variados, apropria-se e acomoda-se a direções
linearistas dos movimentos de pressão da cúpula e da impressão de quem a
observa.

No caso do gótico, a pesada abóbada da nave central consegue manter-se sobre


colunas delgadas, em virtude dos arcobotantes e derivações ogivais. Esta
particularmente a torna inteligível.

O efeito linearista das cúpulas e abóbadas diminui na medida que se alteiam as


colunas.

Sobre baixas colunas ou pequenas pilastras a abóbada, ou cúpula, domina a


visão do espectador e por isso opera sozinha com seu grande peso a repercutir
na impressão das linhas. A pequenez das colunas e pilastras não tem, de outra
parte, meios para impor outras direções de impressão. Mas, sempre que as
colunas e pilastras ascendem, elas por si só impõem uma outra direção nas
preocupações do espectador.

V - Encontro de direções. 2283y105.

105. Ao tratado sobre os movimentos individuais das linhas, segue-se o dos


movimentos mais complexos.

Seja primeiramente o fenômeno do encontro de direções.

Criado uma vez um movimento psicológico em sentido ascensional e outro


horizontal, ocorrerá um encontro.

As particularidades dos encontros merecem ser levados em conta, pelas


situações novas que criam e pelas aplicações na expressão.

Numa construção arquitetônica interessa particularmente o encontro em cima,


porque o movimento ascensional é o dominante ao se tratar de alturas. Mas
também as linhas encontram-se em baixo, com peculiaridades mui apreciáveis.
Nos encontros de cima ocorrem os frontões e os tetos. Nos encontros de baixo
verificam-se os embasamentos das colunas e das paredes.

As linhas, nos encontros, criam situações psicodinâmicas; conforme o


tratamento que se lhes der, poderão determinar diferenças de estilo.

106. A amenização do encontro de linhas se obtém criando acidentes, em geral


antes do encontro.

Na coluna, o pedestal e o capitel funcionam influenciando as linhas de encontro.

A coluna coríntia é a de maior capitel, dentre as 3 ordens gregas, sendo as


outras a dórica e a jônica. A dimensão do capitel retém efetivamente a
ascensionalidade no instante anterior ao encontro. Além disto, a forma florada e
feminina do capital traz sugestões suavizantes.

As colunas dórica e jônica, de capitéis menores, são mais impulsivas nos


encontros.

Na coluna dórica o encontro com a base apresenta-se particularmente forte e


mesmo entrante; sem pedestal e em alargamento, enterra a atenção vivamente
no subsolo, num visível choque de carga.

107. O frontal organiza o encontro das linhas ascensionais. Ainda que haja
nascido como elemento funcional, a organização estética do frontal faz-se
também valer prontamente.

Na construção grega o frontal resultou de uma evolução da cornija, que ali se


faz cobrir por uma forma triangular e que se acomodava com o estilo da ordem
de coluna adotada.

A decoração do tímpano (parte interna do triângulo) e dos ângulos criou


personalidade estética própria para o frontão. No futuro se criarão os frontões
quebrados, em arco, em voluta, em quadrilátero, em longas fachadas, ou
mesmo será eliminado.
O gótico esqueceu o frontão, como decorrência do prestígio dado à linha
vertical. Nas catedrais góticas a integração da torre no próprio edifício resultou
em uma concepção totalmente nova da fachada do edifício.

No estilo funcional moderno o frontão tende para a eliminação. Assume apenas


feições de um acabamento que se funde com a estrutura geral do edifício. As
linhas tendem a romper as horizontais, seguindo para o indefinido.

Algumas modalidades de edifícios modernos mantêm ainda fachadas, que


significa um certo classicismo, quando não alguma nostalgia. A tendência do
moderno é mesmo a igualdade de tratamento em todas os lados, inclusive do
fundo.

Em princípio o choque de linhas horizontais e verticais pode ser realizado, ora


em favor das horizontais, ora em favor das verticais, ora em favor de ambas as
direções, conforme os comprimentos que se lhes der.

§ 2. Áreas. 2283y108.

108. Na área se podem observar os planos e as linhas circundantes.

Estas, as linhas, exercem um valor em si mesmas, antes de participarem como


limites dos planos, das áreas.

Também as áreas exercem efeitos por si sós, como por exemplo de grandeza.
Mas estas particularidades das áreas se encontram também condicionadas pelas
linhas circundantes.

Não é possível a área, sem linha circundante.

Igual sorte possuem certas linhas, que não podem estabelecer-se sem combinar-
se com uma área; as linhas circulares, ovais, triangulares, enfim as que
possuem muitos ângulos, todas em se fechando sobre si, redundam em
circunscreverem uma área.
As linhas sem área, de certo modo também participam da área, enquanto a
atravessam. Em última instância, quer as linhas, quer as áreas são abstrações
tomadas ao volume concreto.

Ainda que por definição a linha não ocupe o espaço de uma área, porque é
apenas uma sucessão contínua de pontos, não é possível traçar sobre o papel
uma linha, sem que tenha um mínimo de largura. Este mínimo de largura
reduz-se de fato a uma área.

Não é desta linha com um mínimo de largura que trata a estética, quando
diferencia abstratamente linha, área e volume.

109. O quadrado, pelas suas quatro linhas iguais, apresenta-se monótono, mas
não tanto quanto o círculo. Preferem-se por exemplo janelas quadradas, em vez
de redondas. Também a área interna do quadrado possui vantagens não
encontradas no disco.

Talvez por associação cenestésica, o quadrado sugere solidez. O quadrado é


nitidamente estático.

Os ângulos do quadrado são duros. Todavia são lógicos e por isso aceitos sem
rejeição, ainda que não simpáticos.

Pela multiplicação, os quadrados são postos em sucessão, e então fluem em


ritmo fácil. É que a disposição, ora vertical, ora horizontal, facilita o andar da
vista. O mesmo não acontece com a sucessão de triângulos; as diagonais destes
dificultam a apreensão dos mesmos. Os círculos em sucessão oferecem alguma
facilidade por causa de sua inteligibilidade individual; todavia são menos
estéticos que os quadrados em sucessão, porquanto os círculos são mais
monótonos que os quadrados.

As colunas, de fuste unitário, são para a vista, em última instância,


quadriláteros alongados; por isso oferecem ritmo fácil. Todavia as colunas de
variação na ascensão (colunas bojudas, ou colunas tipo Brasília), oferecem
mais dificuldade na fluência rítmica; são aceitáveis quando nelas ocorrer uma
outra razão de ser, que as faça preferíveis assim.
110. O círculo é, essencialmente, uma linha, cuja especificidade é a de ter seus
pontos situados a igual distância de um único centro, sendo ao mesmo tempo a
área cercada.

Nestas condições, o círculo é duplamente racional, pela sucessão linear e pela


igualdade da relação de distância sobre o centro; por causa desta facilidade de
compreensão e mínimo de novidade, o círculo é quase monótono e de mínimo
efeito estético. Figura eminentemente inteligível, o círculo não desagrada,
ainda que não satisfaça, pela sua monotonia, ao desejo de novidade das
faculdades cognoscitivas.

111. O disco é a área circunscrita pelo círculo. Esta área admite alguma
variedade, pelos muitos centros de interesse que pode oferecer. Como área, o
disco não é apenas forma, pois admite ainda a aliança com a cor; por sua vez,
as cores aceitam outras e outras variações.

O interesse pelo círculo e pela área do disco aumentam na medida que se


puderem acrescentar motivos de variação. A simples multiplicação em muitos
círculos e em muitos discos é um dos recursos mais freqüentes da arte. Os
muitos anéis, que se multiplicam e se espalham, compensam de algum modo a
monotonia individual do mesmo círculo. Também no disco, a simples
multiplicação desenvolve o interesse; mas desta vez ainda se torna possível
uma multiplicação interna dos interesses da área.

As limitações estéticas do círculo e do disco fazem com que não exerçam


funções de importância na arquitetura, mas apenas em combinações nas quais
se comportam secundariamente. O círculo e o disco se tornam efetivamente
significativos, quando saem como que de si mesmos, ao assumirem grande
porte, como por exemplo nas grandes cúpulas e principalmente no vasto
horizonte celeste.

112. A figura oval altera a equidistância dos pontos do círculo, do seu


respectivo centro. De par em par, a direita e a esquerda caminham para uma
variação, que ainda não é considerável e pode mesmo ser calculada.
Não alcançando ainda a individuação para cada ponto, a figura oval não
consegue uma esteticidade plena. Sua inteligibilidade a torna contudo aceitável,
como já ocorria com o círculo; não é portanto uma forma esteticamente dura.

Do ponto de vista cenestésico, a figura oval opõe-se à quadrada; uma é


oscilante e a outra segura. Do ponto de vista da variação calculável é similar ao
quadrilátero.

113. O retângulo, com duas faces de comprimento diverso ao das outras duas,
se apresenta-se por isso mesmo mais variado que o quadrado.

Consequentemente o retângulo é menos monótono, mais estético.

Não obstante, o quadrado oferece mais solidez, em virtude da distribuição


equilibrada das partes em apreço.

Todavia, o retângulo goza da preferência na arte das formas, como bem se pode
observar na arquitetura, no desenho dos móveis, na fabricação dos artigos
industriais em geral.

Mediante testes de pesquisa os estetas têm procurado descobrir a relação mais


agradável das proporções entre os lados maiores e os lados menores do
retângulo. Deram uns a relação ideal de 1x1,40. Outros maior. Outros menor.

Observa-se, na prática, que as janelas (na arquitetura) são retângulos; também


as telas (da pintura), o formato de livros, as mesas, os objetos em geral, tendem
a adotar o retângulo. Há todavia os objetos que, por motivos funcionais, são
quadrados, como os lenços, e outros retangulares, como veículos; nestes casos
a forma não é determinada pela estética, ainda que os objetos funcionais
retangulares sejam mais estéticos.

A área do retângulo pode receber a aliança das cores. Sua disposição poderá
mesmo influir sobre a impressão ótica das grandezas lineares.
114. O triângulo apresenta-se como uma das figuras esteticamente mais
difíceis. Se os três ângulos tiverem igual abertura, todos serão agudos;
sobretudo em tais condições manifestam-se difíceis para a apresentação cursiva
do olhar; também a área circunscrita conserva-se monótona por causa da
igualdade dos espaços.

Se tornarmos obtuso um dos ângulos do triângulos começa uma variação que


poderá imprimir algumas correções estéticas.

Quando combinado com o cenestésico, um triângulo de larga base imprime


impressão de acabamento.

Nas variações triangulares, dois lados estão sempre em diagonal. Esta situação
influencia substancialmente qualquer figura triangular, impondo-lhe
características inesperadas.

A largura do triângulo oferece oportunidade de enredo de variação. Ocorre o


enredo de forma, com a mesma variação dos ângulos; estes poderão ser iguais
nas pontas; mas ainda é possível uma pequena variação de graus, de onde
resulta uma diversidade individual para cada um.

O enredo criado no triângulo poderá vir também por aliança de várias artes. É o
caso dos frontões com tímpanos adornados de esculturas.

A pintura, em alguns autores e escolas, tem procurado desenvolver a


composição das figuras dentro da área fictícia de um triângulo. Este foi o modo
frequente de composição adotado na Renascença.

§ 3. Volumes. 2283y115.

115. Como volume, a forma se completa com a terceira dimensão. Havendo


estudado a linha e a área, resta-nos a consideração desta última dimensão, e que
lhe dá a profundidade no espaço.

A disposição didática dos temas estéticos relacionados com os volumes se


apresentam de difícil ordenamento.
Pertencem à consideração do volume a esfera, que tem a superfície
arredondada, e o cubo, que tem por sua vez, a superfície plana.

A esfera tem como uma de suas variações o volume ovóide.

E o cubo se desdobra em infinito número de poliedros, a partir do seis faces


(hexaedro).

116. A esteticidade dos volumes está condicionada à capacidade com que se


consegue assimilar os conhecimentos a seu respeito.

Muitos dos caracteres que se referiam ao curvo, à linha e à área do círculo ,


reaparecem agora a nível de volume, seja da esfera, seja do cubo.

E como situar o arco e a cúpula? Em sendo curvilíneos, participam da linha


curva; todavia também participam, ao menos em concreto, volume. A
arquitetura, no tratamento dos arcos e cúpulas, não considera apenas linhas e
áreas, mas sobretudo espaços, que são de terceira dimensão, e que ordena à
serviço do homem.

O mesmo ocorre com certas linhas e áreas de natureza reta, que se tratam
convenientemente em função à terceira dimensão.

Como distribuir os assuntos, para uma consideração pormenorizada?

Há formas unidas a uma função de sustentação, como o arco e a abóbada.

Outras surgem como formas simplesmente. Entre estas poderá haver as que são
fixas por natureza, como as figuras do corpo humano e da planta; outras podem
simplesmente ser modeladas em disposição livremente escolhida.

a) O arco arquitetônico. 2283y117.


117. O arco é a porção de uma curva. Arquitetonicamente é a porção de
volume que cobre o espaço entre dois pilares.

Do ponto de vista técnico da construção, o arco é um meio para resolver a


suspensão dos materiais de maneira a cobrirem espaços, quando o material
retilíneo não dispões de suficiente resistência.

Com a crescente resistência dos materiais modernos e a produção de grandes


estruturas de cimento armado, passou o arco a ser necessário apenas em vãos
consideravelmente maiores.

Na estrutura de um arco ocorrem peças com funções específicas.

Várias são as modalidades de arco e que se classificam por grupos. Veremos


que até a cúpula é nada menos que uma espécie de arco.

118. O arco de meio ponto é o de semicírculo exato. A altura do arco é o da


metade do diâmetro do círculo correspondente.

O arco ultrapassado, ou transpassado (vulgarmente arco de ferradura) é o do


semicírculo, com os lados inferiores prosseguindo mais um tanto na sua direção
circular de fechar, para depois fechar para cima do suporte. Por isso é
notoriamente alto, mais que a metade do diâmetro.

Uma variedade do arco ultrapassado é a do arco visigodo, agudo na descida, ao


passar do arco ao pé direito.

Ainda outra variedade do arco ultrapassado é a do arco muçulmano califal, em


curva na descida.

Semelhante é o arco peraltado com as extremidades inferiores prolongadas


verticalmente na mesma direção dos pés direitos. A altura novamente passa a
metade do meio diâmetro.
O arco se diz abatido, com aparência oval, quando a altura do diâmetro fica a
menos da metade do meio. Já não se completa o semicírculo, assumindo o arco
a feição de achatado.

Possui então três centros. Dois pertencem aos inícios de arco semicircular, de
cada lado; o terceiro à continuação achatada propriamente dita, que faz
superiormente a crista principal do arco.

O arco esgarçado, com um só centro, é uma variante do arco abatido.

O arco elíptico é o inverso do arco abatido (ou oval). Completaria a elipse, se


continuasse no seu desenvolvimento nas pontas inferiores.

O arco rampante faz os dois lados encontrar-se fora do centro. Estas


modalidade difícil para a pedra talhada, apresenta-se fácil para os resistentes
modernos materiais de construção.

119. O arco ogival é, na essência, um arco quebrado nas junções superiores.


Varia porém pelo tratamento que se der às outras partes. Costuma ser alto,
terminando em ângulo mais ou menos agudo.

O arco arábico-ogival, além do encontro agudo em cima, apresenta um


prolongamento circular em baixo, como no arco de ferradura. Aqui se situa o
arco califal apontado; abrindo-se o espaço abaixo do término da ferradura, o
arco assume a feição de lança.

O arco de quilha desenvolve os dois lados normalmente, para, - em certa atura


do andamento, - subirem, criando uma ogiva pela inversa, e que lembra o corte
da quilha de uma embarcação.

O arco Tudor é semelhante a um arco achatado, cujos lados se erguem antes do


encontro, fazendo uma ogiva.

O arco trilobado converte a parte superior em um arco menor, antecipado por


outros dois menores, um de cada lado; dali vêm os três lóbulos e as duas ogivas
invertidas (quase em quilha). No seu prolongamento, os lados completam um
pequeno círculo para cada um dos três lóbulos.

120. As linhas de força de um arco têm duas direções.

Nos pés do arco ocorre o peso vertical, que é o objetivo sustentador do que lhe
fica em cima.

No alto as duas secções do arco se comprimem uma contra a outra, conduzindo


o efeito da pressão para os lados, obliquamente, equilibrando-se.

Esta última função de equilíbrio é diretamente visada pela construção do arco e


nela se põe ainda o efeito estético.

A ação invisível, que uma metade do arco exerce sobre a outra, mediante
pressão, influencia a apreensão de quem observa o arco.

Nem o peso vertical, nem a ação oculta de pressão das pontas se equilibrando
se confundem com o efeito cenestésico. A ação sustentadora é mais complexa,
ao passo que o equilíbrio cenestésico associa apenas a verticalidade, enquanto
se mantém por si só.

Agora já podemos arrolar uma série de situações estéticas no mesmo arco: 1) o


caráter curvilíneo; 2) situação cenestésica; 3) ação de uma parte sobre a outra.

121. A ação mútua das duas partes do mesmo arco apresenta um encontro, em
que já não há elementos paralelos. Num arco de pedra, eis onde se coloca a
pedra chave.

O elemento de encontro também se denomina broche. Pela sua destacada


posição, o broche costuma ser decorado de maneira peculiar.

Também o arco como um todo admite decorações e que podem reforçar a


impressão de suas linhas de ação oculta.
Ocorre um tal efeito decorativo com a arquivolta, moldura a acompanhar a
volta do arco.

b). Abóbada e cúpula. 2283y122.

122. A abóbada é um arco visto como algo em terceira dimensão.


Ordinariamente não nos damos conta disto. É que o arco nos ocupa
primeiramente como elemento de sustentação. Nesta consideração abstrata nos
concentramos, sem atender que o arco é algo em terceira dimensão.

Define-se a abóbada como sendo um teto curvo, em que as faces ascensionais


de um lado se apoiam nas de outro. Está ali a definição do arco, entendido
agora, com plenitude.

Nada há de essencial na abóbada e que não seja o arco. Sempre ocorre o


semicírculo a se distribuir em duas partes ascensionais, em que as pontas de
baixo se apoiam em algum pé direito e as de cima se contra-empurram
obliquamente para se anularem.

Em princípio são tantas as espécies de abóbadas, quantas são as espécies de


arcos, porque o arco e a cúpula se reduzem essencialmente.

123. Várias são as espécies de abóbada, de acordo com os critérios tomados


como pontos de vista.

a) Do ponto de vista do encontro dos vértices, a abóbada poderá ser, ou


cilíndrica, ou esférica.

A abóbada cilíndrica, também chamada abóbada de canhão, se distende sem


que os sucessivos arcos se interceptem, assumindo a aparência de um túnel;
possibilita alongar o espaço, como se observa nas igrejas de compridas.
A abóbada anular é uma variante da cilíndrica; os arcos de um dos lados não se
distendem tão depressa quanto os do outro de sorte que, na progressão, acaba a
sequência da abóbada fechando o círculo sobre si mesma imitando um anel.

A abóbada esférica, ou cúpula, movimenta os pés dos arcos, sem alterar o


vértice, que para todos os arcos é o mesmo. A sustentação concentrada de
ambas as partes dos lados de todos os arcos converte a cúpula em a mais
resistente forma de arco.

b) Um outro ponto de vista, distingue entre abóbada de berço (única) e abóbada


de arestas (que se entrecortam).

O entrecorte que produz as arestas poderá ocorrer na abóbada cilíndrica (de


canhão), na abóbada anular e na abóbada esférica (cúpula).

A abóbada de arestas está presente nos estilos românico e gótico (vd 123).

A abóbada de claustro é a variante da de aresta, tomada pela inversa. O que


falta na de arestas, fica sendo a abóbada de claustro; esta fica menor, pois os
arcos se aparam, assim que encontram o outro lado, sem deixarem abertura.

A abóbada de arestas deixa abertas as quatro saídas do canhão, ou cilindro.

c) Outras variantes:

- abóbada de almofada (superfície superior central chata);


abóbada ogival (arcos em ogiva, cúpula de ponta);

- abóbada rebaixada (arcos de altura menor que o raio de sua curva);

- abóbada suspensa (com arcos pelos quatro lados);

- abóbada pendente (cúpula menor por sobre outra cúpula).


124. As impressões estéticas da abóbada são específicas. Algumas já são
geradas pelas linhas estruturalmente curvas; linhas retas apenas se encontram
em elementos secundários. Outras impressões procedem das áreas. Enfim
outras, da tridimensionalidade.

A ocorrência da linha curva imprime à abóbada a psicodinâmica limitada do


curvilíneo. Mas, em sendo a grandeza infinita própria da linha reta,
compreende-se que a linha curva da abóbada assume a majestade apenas
enquanto se dilata o curvilíneo para se aproximar do retilíneo; por isso,
somente as grandes abóbadas são grandiloquentes.

A abóbada de cilindro, ou de canhão, possui uma linha reta, que a conduz


adiante torna sua impressão poderosa, o que não aconteceria se se fechasse
como a cúpula esférica.

Deixando de fechar-se sobre si mesma, não se limita como a abóbada


inteiramente esférica.

Há os que efetivamente se impressionam com estes longos cilindros, habituais


em templos góticos, abadias, palácios e túneis:

"Quando é monumental e prolongada, a abóbada de canhão pode deslumbrar e


produzir uma impressão grandiosa; pode ainda despertar o sentimento de
sublimidade.

Estes túneis subterrâneos ou submarinos que vemos em nossos dias atravessar


montanhas, os braços de mar ou de rios, e renovar sob a chave da abóbada os
fúnebres hipogeus do velho Egito, estes túneis encerram algo de misterioso e
terrível...

Estas impressões eram conhecidas pelas comunidades religiosas da Idade


Média. Encontram-se nos mosteiros em que a arquitetura cristã construía um
asilo para as almas dedicadas e contemplativas, para as almas feridas" (Charles
Blanc, Gramática das artes do desenho, XVI, p. 244, ed. Esp.).
Ainda outros aspectos há a apreciar na abóbada, uns acalmantes, outros
dinamizadores, conforme seus recursos básicos e ainda seus aditivos. Os claros
e escuros como que se repetem sobre si mesmos; sem contrastes que sigam para
novas variedades, sossegam-se, acalmam-se, ficam sem ação.

No seguimento da abóbada cilíndrica, os claros e escuros são postos a andar em


sequência contínua: excitando, movimentando, fazem o espírito exercer-se
dinamicamente.

A abertura no alto da abóbada do Panteão de Agripa a libera de muitos de seus


elementos opressivos.

A lanterna, abrindo no alto a cúpula, é mais um expediente que opera contra as


desvantagens da cúpula perfeita, corrigindo-lhe as limitações psicológicas.

Dita lanterna cria uma ação ascendente, provocada pela atração da luz. O novo
rendimento será particularmente grande se já a mesma abóbada for ampla, visto
que então a curvilineidade se alarga na direção da majestade da reta infinita.

Cúpula grande e fechada é a do Cassino e Hotel Quitandinha, de Petrópolis


(Estado do Rio de Janeiro, Brasil), com 50 metros de diâmetro. Tais parecem
ter sido também as condições que Miguel Ângelo imprimiu na cúpula da
Basílica de São Pedro, Roma, de 46 metros de diâmetro.

Tentativas semelhantes foram igualmente praticadas em cúpulas ogivais e


outras.

125. A impressão específica da abóbada esférica, ou cúpula, é a inteligibilidade


serena e doce, que pode mesmo conduzir, quando em espaços grandes, à
admiração pelo sublime.

A inteligibilidade é oferecida pelas linhas sem acidentes fortuitos, pelas áreas


plenamente expostas, pelas linhas de força, ordenando as forças que se movem
na terceira dimensão.
A forma redonda, em vista de sua regularidade, é sempre perfeitamente
compreensível. Recolhe e concentra todas as linhas de força e as equilibra em
um remate. Anulam-se as linhas de força que procedem dos diferentes lados,
estabelecendo-se um equilíbrio por igual. Nesta inteligibilidade perfeita, a
cúpula esférica apresenta as condições peculiares do equilíbrio clássico.
Substituída na Idade Média pela abóbada cilíndrica das catedrais góticas, foi a
cúpula esférica de novo retomada pela Renascença.

O gosto por ela se manteve até o neoclássico do século 19, quando se encerra,
mas não de todo, uma fecunda geração de cúpulas grandiosas.

A presença da abóbada em algumas construções modernas foge quase sempre à


cúpula esférica exata, precisamente porque não quer o equilíbrio estático da
inteligibilidade perfeita.

Erguida no alto das paredes, a passagem destas para a cúpula é geralmente


amenizada pelo tambor intermediário sobre o qual assenta. O tambor admite,
em todo o seu arredor, a criação de aberturas em sequência rítmica.

A intercalação de colunas, como se procedeu no neoclássico, embelezou mais


ainda o sequencial rítmico do tambor. Um exemplo bem conhecido é Panteão
de Paris (construído de 1754 a 1800, altura 80 metros), segundo concepção do
arquiteto Soufflot.

Mais um exemplo marcante, com notórias organizações rítmicas sucessivas, é o


capitólio de Washington (primeira pedra em 1792, altura 87 metros) do
arquiteto Thornton. A evolução a partir do velho Panteão de Agripa, dos
romanos, é evidente, porque este ainda não contém os mencionados detalhes de
enriquecimento.

A ação contra a suavidade monótona da cúpula principiou no estilo romântico,


pelo desenvolvimento dos frisos e depois pelo dos arrebites. O gótico caminha
para a abóbada cilíndrica, com vistas a alongar o corpo principal do templo.

A Renascença, que retomou a cúpula, pôs as estruturas à vista, colocou


aberturas, desenvolveu o cilindro e acentuou a lanterna do topo.

Enfim, o neoclássico desenvolveu no tambor um ritmo de colunas.


c) Outras formas. 2283y126.

126. A figura humana e a fisionomia dos objetos industriais em geral oferecem


considerações que dizem respeito à estética das formas. São levadas em conta
ao se moldarem figuras artísticas. Também é o que se aprecia na beleza física
humana, quando, por exemplo, mulheres são ditas belas.

As formas vivas levam ainda a vantagem do movimento muscular, podendo


passar de uma forma à outra, como se aprecia nos gestos de quem fala e nas
representações cênicas.

127. O corpo humano se modela com tendência para os volumes de formas em


desenvolvimento suave. Sua esteticidade obedece ao que em geral se diz deste
esquema de linhas, áreas e volumes, e que é um cânon a que estão atentos os
artistas quando esculpem a estátua e os que, por qualquer seja o modo se
ocupam da beleza humana.

O alto da cabeça é uma cúpula esférica, ornada pela cabeleira. O aspecto


cupular se evidencia nas faces, ombros, nádegas e outras saliências. As
mulheres evidenciam mais que os homens a sua cupularidade, ganhando
notoriamente em nádegas e seios. Não obstante os homens apresentam mais
cupularidade craniana, no que contudo as mulheres de novo se compensam
com a cabeleira.

As sugestões sexuais interferem na apreciação absoluta da esteticidade humana.


Não se trata de eliminar uma, ou outra das sensibilidades, porque ambas são
legítimas, e sim de combinar a ambas entre si.

A instabilidade emocional no que diz respeito aos estímulos do sexo, conduz


homens e mulheres a preocupações na apreciação de suas mesmas formas.

A veste, como natureza morta, diminui a expressividade do corpo, tanto a


estética, como a sexual. A muita veste morta diminui a beleza do corpo, ao
mesmo tempo que protege ao indivíduo da curiosidade sexual alheia.
Considerando que há mais beleza na exposição do verdadeiro corpo, procuram
principalmente as mulheres, - geralmente mais sensíveis ao estético e ao belo
em geral que os homens, - um equilíbrio entre o que mostram e o que ocultam,
fazendo-o por meio de decotes adequados.

Dispensáveis quando o clima é tropical, continuam as vestes a ser usadas como


expediente de privaticidade.

A apreciação equilibrada das formas humanas foi cultivada com sucesso pela
estatuária de inspiração clássica.

Na pintura tem acontecido o mesmo. Neste sentido aprecie-se na obras de


Leonardo da Vinci os suaves volumes desnudados de Leda, seduzida por um
cisne, em que se encontra encarnado o divino Zeus.

Apreciável também se mostra a transcendência formal das representações de


Botticelli, sobretudo em Nascimento de Vênus.

Miguel Ângelo aplicou estes conceitos até ao Cristo ressuscitado (1519-1520),


num mármore que o representa em pose olímpica, isto é, como herói desnudo
agarrando vitorioso a cruz. Com o mesmo aspecto olímpico o apresenta
julgando os ressuscitados no julgamento final.

Ainda com o mesmo desnudamento arriscaram alguns a pintar a imensidão dos


beatos e beatas do reino dos céus.

O destaque moderno dado ao esporte, como também o movimento naturista


contemporâneo, quaisquer que tenham sido suas motivações ideológicas, têm
contribuído para restabelecer o culto clássico das formas estéticas do corpo
humano.

d) O ponto. 2283y128.

128. O ponto é o elemento constitutivo da linha. Pode ser estudado em si


mesmo, isoladamente, e utilizado como instrumento de expressão; mas
sobretudo quando, frente à linha, à área, ao volume.
Oferece o ponto considerações de ordem mimética, expressando por imitação.
Depois, expressando ainda por contexto e associatividade das imagens.

Transcende o ponto seus próprios limites, quando cresce na direção da área e


do volume.

É do ponto, que nasce a linha. De certo modo é também do ponto, que se gera a
área, quando se alarga no mesmo plano. Ainda do ponto, como núcleo, se
desenvolve o volume, de o centro é o ponto principal.

Em qualquer dos casos, o ponto mantém sua conceituação básica, de parte, de


que se constrói o todo maior, mediante simples expansão.

129. Associações do ponto. No texto gráfico, ponto sugere o fim, e por isso foi
tomado como símbolo de final de frase, e como fim do quer que seja. Em
qualquer outra posição junto às figuras geométricas, ponto é uma advertência.

Diz o ponto enfaticamente onde cessa o falar e principia o silêncio.

"O som do silêncio habitualmente associado com o ponto é tão alto que faz
calar as demais qualidades" (Kandinski).

Esteticamente, o ponto isolado é a mediocridade. O ponto é o instante mínimo


na escala da esteticidade.

O ponto, ao crescer em todos os sentidos, tornando-se esfera, aumenta em


esteticidade.

O ponto ao atingir grandeza passa a ser grandemente estético. Já crescido, o


ponto é a bola. O ponto enorme é o globo terrestre; também assume a forma de
globo na forma dos astros. O ponto imenso é o universo. O ponto sem fim, é o
próprio infinito. Tais coisas chega a ser o ponto, ao menos por associatividade.

ART. 3º. GRANDEZA DAS FORMAS. 2283y130.


(Intensidade qualitativa das formas quantitativas).
130. Noção. Há uma intensidade qualitativa das formas quantitativas. Neste
sentido seja lembrado que, uma coisa é a grandeza, outra é a qualidade de ter
grandeza. Assim, também há o tempo, e a qualidade de ser temporal. O mesmo
jogo acontece com as demais categorias de ser; por exemplo, substância e a
qualidade de ser substância, tempo e a qualidade de ser temporal. Por isso a
categoria da qualidade consegue penetrar em todo o leque das demais
categorias.

Há uma grandeza quantitativa de um corpo, distinta da intensidade qualitativa


de forma quantitativa. Esta se situa no plano da qualidade, e nesta condição
serve à arte, dentro do principio que só a qualidade tem semelhante. Por
conseguinte, a forma exprime os temas por que os imita como qualidade, e não
porque os imita como quantidade.

131. Do ponto de vista estético, os grandes volumes das formas incidem com
mais contundência. A forma abundante se impõe manifestamente.

A notoriedade feminina não se deve apenas aos agrados do sexo. Semelhante


explicação esclarece do porque da beleza dos grandes olhos. Também isto vem
explicar porque os trajes de maior envolvência, compondo em conjuntos
maiores, criam uma esteticidade diferente, daquela das roupas colantes que
mantém individualizadas as unidades menores.

Dá-se entretanto um paradoxo: os trajes envolventes, ganhando embora


esteticidade pomposa pela vastidão das formas, são o belo apenas da natureza
morta, pouco vivificada pelos movimentos do corpo; pelo contrário as formas
menores sob as vestes colantes se apresentam mais próximas da expressividade
do corpo vivo, o qual, além disto, ao menos em parte, está diretamente exposto.

Os grandes volumes das formas produzem a sensação do sublime e majestático.


As montanhas, pelas suas dimensões, produzem impactos de admiração, ainda
que sem outras belezas. Acontece o mesmo com o gigantesco Oceano, ainda
que não passe de um aglomerado de gotas d’água.

Ainda é por efeito de intensidade, que os grandes monumentos satisfazem tão


só pela monumentalidade. Provam-no as pirâmides, os obeliscos, as enormes
estátuas.
Na medida que diminui a intensidade das formas, retrogride a contundência.
Por este motivo são medíocres o alfinete e a agulha; mas, fossem ele grandes
monumentos de cem metros de altura, ganhariam a admiração dos turistas.

Os monumentos urbanos, quando de natureza fálica, se destacam por isso, pela


dimensão do objeto. Mais ou menos é o que acontece com torres e minaretes,
quando feitos para provocar a atenção sobre o grau de importância dos castelos
e templos. Até o advento dos arranha-céus cabia às torres das igrejas contrapor
entre si a importância das cidades. No caso do vestuário masculino, a gravata
expressiva não basta ser elegante; deverá ser também relativamente grande.

Na ausência de intensidade ou interesse do tema, o artista apela a outros


recursos. As vezes explora simplesmente a graça mesma das formas. Na
construção de pequenas casas, certas meticulosidades compensam a falta de
monumentalidade. As referidas graciosidades e meticulosidades são
evidentemente dispensáveis em altíssimos arranha-céus, nos quais o artista joga
como instrumento de expressão a intensidade gigantesca das formas.

132. A quantidade de ser decide sobre o belo, o qual se define como sendo a
perfeição em destaque (vd Tratado do Belo).

Aristóteles insistiu na esteticidade da magnitude:

"A nobreza de alma exige grandeza de ânimo, assim como a beleza exige um
corpo grande. As pessoas pequenas podem ser bonitas e simétricas, porém (sem
grandeza) não são belas" (Ética a Nicômaco, 7. 1123b).

Em outro passo diz também Aristóteles:

"O belo usa existir onde o número e a extensão estão presentes; algo é
excelente por seu número, sua extensão e sua beleza" (Retórica, I,5). "A cidade,
que reúne a grandeza com a devida proporção, é a mais bela" (Política, 7,4.
1326 a 34).

Em estética vale o refrão popular "tamanho é documento!".


Também analisou Aristóteles as razões, colocando-as na intensidade ontológica
a influir sobre as faculdades cognoscitivas:

"Corpos belos e organismos belos devem ter certo tamanho, porém devem ser
facilmente abarcáveis de um só golpe de vista; porque um ser muito pequeno,
visto em lapso de tempo muito curto, escapa à visão, e um demasiadamente
grande, não pode ser abarcado com um só olhar, com a consequência de que
desaparece a sensação da unidade" (Poética, VII. 1450b 36).

Uma vez condicionada a esteticidade à magnitude, e esta em proporção à


capacidade humana, resulta que há uma antropologia estética (vd 128),
condicionada à condições do homem.

Abaixo do limiar mínimo da percepção humana, ou acima de um certo máximo,


a esteticidade não se exerce adequadamente.

133. A intensidade admite uma organização métrica das formas. Tal como na
métrica musical e na métrica da linguagem, as tônicas mais intensas se
aglutinam com os instantes que o são menos. A atração para sobre as tônicas
põe ordem no seguimento.

A ordem das tônicas facilita a apreciação do todo, visto que se ordenam em


sucessões. Usam-se as tônicas não somente na música e na linguagem, também
na ordem sequencial das formas, principalmente quando em grande número
como consequência imediata da ordem no oferecimento das formas, surge o
resultado estético, que sempre ocorre depois da apreensão.

Ainda exerce o ritmo evocação poética. Pela capacidade evocativa do ritmo


todas as artes geram a poesia. Ela se encontra não só no ritmo da música e da
linguagem; mora também na forma, quando se mostram em ritmo as partes da
linha, da área, do volume, ou mesmo em todos maiores como de sequências
justapostas de muitas linhas, muitas áreas, muitos volumes.

A organização métrica se faz com vistas a facilitar o movimento das formas em


sucessão nos corpos que bailam e nos elementos arquitetônicos que se
oferecem ao apreciador. Conforme em seguida se mostrará, a organização
rítmica se processa destacando as unidades maiores, distribuindo em relação a
elas as menores, de maneira a se proceder uma sequência de flexões sob
medida.

ART. 4º. MOVIMENTO E RITMO DAS FORMAS. 2283y134.

134. Ocorrem o movimento e o ritmo em vários planos da arte, e em cada um


com influência sobre o rendimento do processo artístico como um todo.

O movimento e o ritmo poderão dar-se, ou na matéria portadora, que está na


função de significante; ou na mesma expressão, isto é, no conteúdo significado.

Ocupados com a estética das formas, perguntamos, pois, primeiramente pelo


movimento na forma portadora (Art. 1-o), e a seguir pelo movimento nos
conteúdos significados pela expressão em forma (Art. 2-o).

O primeiro item é apenas pré-artístico; o segundo é propriamente artístico,


porque se diz da arte essencialmente em sua mesma expressão.

§ 1. Do movimento e ritmo das formas. 2283y135.

135. Em si o movimento nada é. Não é o movimento uma nova qualidade por si


só, como algo existente em absoluto. Não é mais uma qualidade ao modo como
acontece com a forma, a cor, o som ou com as demais qualidades sensíveis.

O movimento não é portanto uma coisa, como a forma, a cor ou o som, e que
possa, como estas qualidades, servir como portador direto da expressão artística.
Não há por isso uma arte especifica denominada arte do movimento, do mesmo
modo como se diz arte das formas, arte da pintura, arte da música.

O movimento materialmente considerado é a coisa que se move; apenas nestas


condições materiais se pode dizer existir o movimento como algo concreto. O
movimento formalmente considerado se refere apenas à alteração acontecida na
coisa que se move.
O que se move é o mesmo som, a mesma cor, a mesma forma. As qualidades
em transformação transitam de um estado ao outro; o que efetivamente subsiste
é a coisa que se move, e que tinha um estado no ponto de saída e passou ao
estado do ponto de chegada. O movimento em si nada é, senão a desistência de
um estado de ser em favor de outro.

Por isso, como já advertimos, o movimento não é matéria para mais uma
espécie de arte, e sim um recurso interno de cada arte, ou seja da forma que se
move, da cor que se altera, do som que se transforma, das palavras
convencionais que se sucedem.

136. Classificação. Os movimentos se classificam conforme os pontos de vista


formal e material, ocorrendo em ambos os planos classes importantes.

Um movimento é considerado formalmente, quando visto sob a perspectiva


de anterioridade e posterioridade, sem se perguntar que matéria está sendo
ritmada.

Sob esta perspectiva meramente formal, ocorrem movimentos:

rápidos, morosos, ritmados. Trata-se de compassos, expressão usada sobretudo


para determinar o ritmo em música.

Do ponto de vista material são tantas as espécies de movimento, quantas forem


as espécies de seres capazes de abandonar uma determinação anterior em favor
de uma nova. Neste plano, um movimento é local, quando diz respeito à
mudança de lugar; é temporal, quando de uma duração que principia ou
cessa; qualitativo, quando da passagem de uma forma para outra, como do
redondo para o quadrado, ou vice-versa.

Ainda é uma classificação material, a distinção entre o movimento físico (ou


objetivo) e movimento psicológico (ou subjetivo).

No movimento físico ocorre a alteração no mesmo objeto.


No movimento psicológico, é a faculdade de conhecimento que move sua
atenção, passando a atender sucessivamente as partes de um todo concreto. Por
exemplo, quando a vista percorre os pontos de uma linha, os espaços de uma
área, ou as saliências de um volume.

Do ponto de vista sistemático nos situamos já num campo materialmente


definido, o das formas (não das cores, dos sons). Por isso, o movimento que
nos ocupa é o das formas.

Temos como pressuposição o que a filosofia geral da arte (vd 0531y000) diz
sobre a questão, com vistas a todas as artes. Ali já se trata da questão
meramente formal do movimento, e por conseguinte também as modalidades
meramente formais do movimento, entre elas pois o ritmo em geral. Se de novo
nos referimos ao tema do movimento e do ritmo, o fazemos apenas com o
objetivo de aplicá-lo ao caso particular do movimento e do ritmo nas formas.

137. O ritmo, do étimo grego réo (= fluir) é o movimento das partes em


sequências sob medida. A alta variabilidade das sequências rítmicas oferece ao
artista muitas oportunidades de escolha para seus objetivos estéticos e de
expressão.

No campo da música os ritmos estão codificados sob medidas bem conhecidas,


a saber, por exemplo de 3/4, 4/4, 6/8 etc. Na arte das formas não há medidas
convencionais rijas, que normatizem a diversidade das formas em sucessão. Na
escultura tem-se obedecido a certos cânones clássicos. Na arte cênica os atos
costumam limitar-se a um certo número, e que não ultrapassa geralmente a
cinco atos.

Tentaremos fixar alguns aspectos mais sobre o ritmo das formas, orientando-os
pela divisão em ritmos psicológicos (ou subjetivos) e ritmos físicos (ou
objetivos). Ainda que o ponto de vista subjetivo muito importe no ritmo, este
não subsiste sem o objetivo. O tratamento dos ritmos se interpenetra em todas
as classes materiais, também no das formas e nestas, sob a modalidade
subjetiva e objetiva.

I - Ritmos psicológicos (subjetivos) das formas. 2283y138.

138. Quer se trate de linhas, quer de áreas, quer de volumes em três dimensões,
a vista não incide com o eixo principal de sua atenção simultaneamente sobre a
totalidade dos pontos. Por isso deve caminhar, estabelecendo um movimento e
que obedece a um certo ritmo, similar ao físico, objetivo. Este movimento da
atenção não é físico, mas apresenta analogias com ele.

O fluxo do ritmo psicológico tende, no caso do ser humano, para uma


velocidade considerada ótima, e que poderá ser considerada sua lei estética.
Uma lei determina, pois, a marcha de apreensão das sucessivas partes sobre as
quais desliza o olhar. Conhecem-se modalidades de apreensão mais fáceis,
outras mais difíceis. Consequentemente haverá ritmos psicológicos mais
estéticos, outros menos.

Em tese, quanto mais objeto se faz conhecer, mais esteticidade; o prazer


estético resulta da satisfação de se conhecer, simplesmente pelo exercício de
conhecer.

Mas, a apreensão cognoscitiva humana exerce-se com um limite, - como já se


advertiu, - e em que consiste seu limiar antropológico. A atividade de conhecer
implica em esforço, que, levado acima do espontâneo, fatiga. Também abaixo
do espontâneo, entedia. Para a faculdade de conhecimento o ótimo é estar em
contínuo exercício de apreensão do seu objeto.

Dali se infere que há um ritmo padrão, por isso chamado estético. Fora deste
padrão antropológico, estão o ritmo monótono, por causa de sua morosidade em
substituir os elementos da sequência, e o ritmo de variedade excessiva, um e
outro apreciados como menos estéticos, ainda que em casos especiais tenham
também sua função.

É o ritmo padrão, ou estético, uma velocidade antropológica típica do ser


humano, e não absoluta. Varia esta velocidade, de acordo com a idade e
educação, mas sempre dentro de limites peculiares ao ser humano.

Certamente os ritmos normais dos diferentes animais se diferenciam entre si e


em relação ao ser humano. Alguns se movem de vagar e seu berro se alonga,
enquanto outros são muito versáteis e têm um canto estrídulo.

Também varia o ritmo de acordo com a idade, um para a juventude, outro para
a alta idade.
139. Variação no ritmo. A experiência mostra que o ritmo padrão é aquele que,
no seu fluir, se exerce mantendo partes iguais, enquanto outras partes variam.

Portanto, o ritmo perfeitamente estético é ordinariamente aquele que varia aos


poucos.

Este variar aos poucos pode contudo diferenciar-se de pessoa para pessoa, por
motivos de idade, índole e formação, conforme adiantamos.

A sucessão de partes, a se repetirem inteiramente iguais, se apresenta pobre de


resultado estético. Em princípio, portanto, a reta será monótona. Sabido é que a
reta poderá sugerir novas situações; mas, vista a reta objetivamente, apenas
como partes em sucessão, é de uma insistente monotonia. O mesmo sucede
com quadriculações repetidas sobre si mesmas.

A sucessão de partes inteiramente diversificadas impõe esforço violento à


apreensão. As linhas que à cada instante rompem para direções imprevistas, ora
quebrando, ora torcendo, ora se emaranhando, produzem na atenção uma
tensão de atividade não agradável. Além disto, podem gerar sensações
indesejáveis, como de instabilidade, violência, dramaticidade.

Infere-se, portanto, que a diversidade de movimento nas linhas, nas áreas, nos
volumes não deve ser tal que se mantenha abaixo da espontaneidade da
apreensão e nem acima dela, senão quando se trata de obter precisamente os
efeitos especiais ordinariamente não desejados.

II - Ritmos objetivos. 2283y140.

140. O ritmo, como sucessão de elementos que se movem, é antes de tudo


objetivo. Difere do ritmo subjetivo, decorrente da mera sucessão perceptiva. No
ritmo objetivo os elementos em sucessão ali estão fisicamente diante do
apreciador.

No contexto em que agora nos situamos, importam primeiramente os ritmos no


plano físico das formas. De novo pode ser considerado ou só formalmente (isto
é, especificamente) pelas modalidades de movimento), ou materialmente pelas
coisas cujas formas se movimentam.

141. Classificação formal dos ritmos. Do ponto de vista meramente formal, o


ritmo físico poderá ser constituído de elementos reduzidos apenas à
anterioridade e posterioridade. Temos, então, o ritmo uno e simples, só com
anterioridade e posterioridade, encerrando-se a seguir o movimento; e
ritmo múltiplo e simples, se a anterioridade e a posterioridade se repetirem
sobre si mesmas.

Exemplo de ritmo uno e simples:


I I ( só anterioridade e posterioridade).

Exemplo de ritmo múltiplo:

I I I I ... (os representantes da anterioridade e posterioridade vão sendo


multiplicados).

Suponhamos agora que se multipliquem as filas de sequências, uma por baixo


da outra (nas sucessões horizontais), ou simples, no caso de ocorrer só uma
sequência; ritmo complexo, quando as filas e sequências multiplicam. Exemplo
de ritmo uno e complexo:
II

II

II

Exemplo de ritmo múltiplo e complexo:

I I I I I I I I I I I ....
I I I I I I I I I I I ....

I I I I I I I I I I I ....
Nestas composições meramente formais não importa o que se põe em ritmo.
Mas em concreto, temos de escolher algum material.

Aqui a matéria ritmada foram formas. E entre as formas, estas poderão ser
linhas, áreas volumes.
Podemos também ritmar sons, cores, palavras, como ainda pensamentos. Em
cada caso ocorrem as mesmas possibilidades de variar os ritmos.

Com referência às formas em movimento, poderão estas ser dos mais variados
elementos, como pedra, madeira, materiais industriais, e ainda em
circunstâncias diversificadas, ora em arquitetura, ora em escultura, ora em
teatro, - sem que isto altere essencialmente o aspecto formal do ritmo em si
mesmo.

142. Classificação material dos ritmos. Materialmente, os ritmos variam


apenas pela matéria ritmada, e não em si mesmos, como antes expusemos. Com
referência aos ritmos criados com as formas espaciais, estes, pois se distinguem
só materialmente dos ritmos em cores, em sons, em si mesmos. Falamos, por
exemplo, em termos de ritmos material, quando simplesmente dizemos: o ritmo
das formas, o ritmo das cores, o ritmo dos sons, o ritmo das palavras, o ritmo
dos pensamentos. Com mais detalhe, - ritmo das linhas, ritmo das áreas, ritmo
dos volumes.

A linha oferece oportunidade a uma grande variedade de ritmos. Em virtude da


multidirecionalidade do espaço, ela pode assumir flexões praticamente infinitas,
de sorte a permitir uma grande variação no fluir das sequências rítmicas.

A área aumenta esta possibilidade de variação, pois se pode distender tanto


quanto a linha, além das variações peculiares à mesma área.

Repetem-se as oportunidades com o volume, que acrescenta novas modalidades


de variação.

143. Mas, a variação mais impressionante é sempre a linear, porque de


ordinário a vista apreende caminhando linearmente. Outras perspectivas podem
ser consideradas para estabelecer variações materiais de ritmo. Então podemos
apontar sobretudo para as diferenciações categoremáticas (gênero, espécie,
diferença específica, propriedade, acidente) e que podem ocorrer na extensão.
Sob tal perspectiva, a extensão admite a divisão em partes contínuas e partes
discretas (dicotomizadas). Ainda que uma extensão seja contínua, compõe-se
de partes; estas se justapõem, sem intervalos: caminha a atenção,
psicologicamente, de uma parte para a outra. Quando as partes se encontram
separadas, o contínuo diz-se "discreto"; ainda que as partes se distanciam, elas
fazem um contínuo.

As duas modalidades de extensão, a contínua e a discreta, ocorrem tanto na


linha, como na área e no volume.

Do ponto de vista estético, os ritmos de partes contínuas e os de partes discretas


apresentam considerável importância.

Uma classificação dos ritmos, que tenha como primeira divisão a perspectiva
que separa entre partes discretas e partes contínuas, leva em conta que os dois
modos se verificam sucessivamente nas linhas, nas áreas, nos volumes.

144. A variação linear ocorre diferentemente na extensão contínua e na


extensão de partes discretas e na extensão simplesmente contínua.

As áreas discretas se distribuem em três figuras fundamentais: quadriculada,


curva e mista. As variantes dependem dos lados da quadriculação e do raio das
curvas. Exemplo das três áreas fundamentais (fig.):

o¡D

A variação dos volumes também se dá em volumes discretos e volumes


contínuos.

Os volumes discretos se distribuem nas conhecidas duas modalidades: esfera e


formas facetadas (poliedros).

Alterando os elementos indicados (linhas, áreas e volumes) obtêm-se os mais


diversificados ritmos, do ponto de vista material. Ainda que sob a perspectiva
formal se trate do mesmo ritmo, a variação se faz materialmente, por meio da
diversificação das figuras.

Nas realizações das arquitetura e nas decorações se verifica geralmente o ritmo


múltiplo (multiplicação dos elementos alternados) e complexo (multiplicação
das séries paralelas). Estas variações meramente formais podem ainda ser
multiplicadas pela variação material da coisa em que acontece a variação.

Exemplos de ritmo múltiplo-complexo, com figuras discretas (fig.):

oooo----IIII
oooo----IIII
oooo----IIII

Exemplos de ritmo múltiplo-complexo, com figuras contínuas (fig...):

Exemplos de ritmo múltiplo-complexo, com figuras evolutivas (fig...):

Exemplo de ritmo múltiplo-complexo, em que uma das sequências se


diferencia da outra) (fig. ...):

145. A cristalinidade espontânea do ritmo depende de encontrar-se


desimpedido o curso por onde se desenrola a atenção. O ritmo psicológico de
marcha da vista pode emaranhar-se em acidentes vizinhos, como ainda nos
elementos internos das coisas ritmadas.

Num espaço puro, sem acidentes, portanto sem nada que inutilmente atraia a
vista, a progressividade dos elementos ritmados se desenvolve
espontaneamente. Os efeitos gratuitos, a atraírem sobre si mesmos, atropelam a
marcha da atenção. As muitas aberturas de um alto edifício, por exemplo de 20
andares, oferecem excelentes oportunidades de seguimento rítmico; mas, uma
ornamentação pode atrair para outras direções, em prejuízo da dinâmica
estrutural (as aberturas são parte da estrutura de um edifício); por isso os
ornamentos em grandes espaços importam em uma certa sabedoria no trabalho
de composição geral.
Os espaços vazios entre um sistema de ritmo e outro sistema, contribuem para a
cristalização dinâmica dos ritmos. É o que bem se pode observar em planos
diferentes dum mesmo edifício.

Os elementos internos das partes em ritmo requerem condições, que facilitem a


marcha. Observa-se empiricamente ser mais fácil o desenvolvimento da
caminhada visual por sobre as quadriculações, do que por sobre motivos
arredondados. A linha curva tende a fechar-se sobre si mesma, ao passo que a
linha reta conduz em frente, colaborando com o ritmo.

Portanto, para a criação do ritmo prestam-se melhor as linhas retas, os espaços


retangulares, os cubos, do que as figuras curvilíneas, os círculos e os arcos, as
cúpulas e as esferas.

A figura circular, em virtude do seu equilíbrio perfeito, é a que, entre as


curvilíneas, mais se presta para o ritmo. Não conseguindo a mesma
enfaticidade de movimento, as janelinhas redondas prestam-se para quando o
ritmo deve ser amenizado. Pode ocorrer tal conveniência em alguns casos de
construção de templos, cujo ritmo horizontal não deve ser incisivo; então as
aberturas em linha horizontal poderão estabelecer-se com elementos circulares
e de pequena dimensão (fig. do n 134). O contrário se recomenda para uma
grande fábrica, firmemente presa ao solo; principalmente se recomenda
também a veículos longos, como ônibus, trens, aviões, nos quais o impulso tem
por objetivo a marcha horizontal.

A forte insistência dinâmica e rítmica da arquitetura moderna resultou na


eliminação quase total de ritmos com elementos arredondados. Apenas quando
uma nova função se mostra motivo evidente, adota-se o recurso.

Os acidentes, como na coluna da Brasília (Palácio da Alvorada, por Oscar


Niemeyer), podem amenizar um ritmo de colunatas; a fim de que a quebra não
acabe por destruir o mesmo ritmo, um traço dominante poderá frisar a
característica central, estimulando o ritmo. As colunas de Brasília, com um
forte bojo em arrebite, retomam o caráter retilíneo, por meio de uma linha
dominante vertical (fig. ...).

146. A diversificação dos ritmos liberta o espectador da monotonia ou da


pobreza que um só tipo de formas poderia acarretar. Na diversificação, ora se
ocupa com as sequências de partes discretas, ora com as de partes contínuas.
No gênero do ritmo das partes discretas, ora caminha por quadriculações exatas,
ora por figuras alongadas. Concluída a visão de um plano, segue a vista para
outro. Em cada um encontra nova modalidade de sequências rítmicas.

Desta sorte, sempre alimentada com as novidades da variedade, regozija-se a


atenção esteticamente.

Em particular nas grandes áreas arquitetônicas, como nas superfícies dos


arranha-céus, torna-se possível a exploração ampla dos recursos de variedades
rítmicas. Sem o tumulto do rebarbativo, as ordenações rítmicas estabelecem-se,
pois, vastamente.

As vestes são ordenadas, frequentes vezes, com base no ritmo. Seu uso, todavia,
é controlado pelo ritmo maior, que é o das sucessões da moda, variando de ano
para ano.

As saias de muitas pregas em perpendicular, cercando a cintura em todo o


arredor, são um caso de ritmo fácil: de sua inteligibilidade em tropeços, deriva
o apreço que as crianças e meninas exercem por este ornamento. A simetria do
vestuário masculino é também um ritmo e que se torna severo pela moderação
na variação.

Considerando que o ritmo geral do corpo humano é perpendicular, nesta


mesma perpendicularidade tendem os ritmos mais estéticos do vestuário. Já por
isso as pregas das saias costumam ser perpendiculares.

Desnudo, o corpo humano apresenta uma linearidade vertical evidentemente


estética, a qual os bons artistas sabem evidenciar.

As vestes reduzidas, sobretudo as de banho, encontram dificuldade em não


perturbar o linearismo rítmico do corpo humano.

A tanga, ao rodear horizontalmente a cintura, secciona anti-esteticamente o


linearismo vertical do corpo. Os arranjos triangulares as vezes diminuem o
problema.

O atentado ao ritmo, tão comum nos balneários, se torna ainda mais evidente,
quando o tecido é fortemente colorido e trabalhado com elementos rebarbativos.
Formas em movimento físico. 2283y147.

147. Ocorre o movimento, da parte dos objetos, quando estes alteram


efetivamente suas formas. A substituição de umas pelas outras, oferece na arte
das formas excelentes oportunidades de expressão.

A música opera notoriamente com sons que se substituem. O mesmo acontece


na linguagem, sobre a que se faz em verso.

Na arte das formas se consegue fazer o mesmo, como se observa na dança, no


teatro, no cinema, na televisão, nos gestos do orador. Há mesmo os que tentam
a escultura móvel.

Ao ritmo físico se reduz também a optical art; ainda que opere com a luz e as
cores, estas assumem formas no espaço e que se põem em movimento.

148. Movimento e ritmo do corpo humano. Oferece o corpo humana uma


rica fonte de mobilidade aproveitada pela expressão artística. Tendo o corpo
humano suas formas sob o comando fácil dos músculos e dos reflexos
condicionados, bem como incondicionados, tornou-se um instrumental de arte.
Gera assim espontaneamente o gesto e a dança, bem como a dinâmica teatral
do palco, do cinema, da televisão.

As formas utilizadas para a expressão retórica procedem particularmente a


partir da mão e do braço. Mas se apresentam também na fisionomia do rosto e
no comportamento geral do corpo.

A mão assume formas e traça formas no espaço, quando em função retórica.


"Com as mãos, - diz Montaigne, - requeremos, prometemos, despedimos,
ameaçamos, rogamos, suplicamos, negamos, refutamos, interrogamos,
admiramos, nomeamos, confessamos, repetimos, tememos, duvidamos,
mandamos, alentamos, juramos, testemunhamos, acusamos, condenamos,
aplaudimos, bendizemos, nos mofamos, reconciliamos, exaltamos,
entristecemos, desalentamos, desesperamos, surpreendemos, examinamos,
clamamos".
Afinal vemos até com as mãos, isto é, ao mesmo tempo tocando enquanto
observamos.

Os que mais utilizam o corpo como instrumento de arte se denominam


usualmente artistas. Mas até certo ponto, conseguimos todos ser artistas, ainda
que não sempre atores em sentido pleno.

149. Ritmo na dança e balé. O movimento da dança é de formas. Além deste


espetáculo visual, a dança permite gozar o efeito interno dos músculos em ação.

Na dança e balé facilmente se acrescentam os reflexos incondicionados os mais


diversos, com os respectivos efeitos lúdicos do movimento.

Ainda na dança ocorre a suave participação dos reflexos condicionados do


sistema erótico. Dali, porque a dança tende a ser exercida por pares de ambos
os sexos, praticada de preferência pela juventude.

Em consequência resultam as mais variadas apreciações a favor e contra a


dança. Disse alguém: "Seguramente foi o diabo quem ensinou as mulheres a
bailar" (Thomas Fuller, Gnomonologia, n.5319).

Sobretudo o balé, além do prazer táctil interno dos bailantes, apresenta um


espetáculo visual de formas, conforme dizíamos pouco antes. Este movimento
de formas humanas é um dos mais ricos momentos da arte das formas, que aqui
opera por meio do corpo humano como um todo.

A riqueza do balé se encontra em dois planos:

- o primeiro é o pré-estético, em que se destaca a beleza do corpo humano em


desenvolta mobilidade, ao mesmo tempo combinado com elementos eróticos,
naturais ao homem e à mulher;

- o segundo é o da expressividade das formas, portadores de mensagens


indefinidas do enlevo, e que são expressas não somente pelas formas, como
ainda também pelas demais artes, principalmente a música, em cooparticipação
no mesmo espetáculo.

O movimento na escultura. 2283y150.

150. Certas formas consideradas incapazes de movimento passaram a exercê-lo


com os recursos técnicos modernos. A força elétrica ofereceu novas
oportunidades de movimentos meramente decorativos. Apreciam-se, então, as
formas que se movimentam:

As estátuas admitem alguns elementos móveis.

Estatuetas agradecem esmolas....

Bonecas de olhos rolantes....

Presépios com elementos dinâmicos...

Edifícios com cata-ventos...

Chapas móveis...

Serpentinas...

Bóias decorativas...

Repuxos de água...

Formas que se iluminam pela luz fria; são cores, mas também formas. Em tais
condições as cidades modernas admitem uma ordenação artística à noite,
colorida e de formas expressivas, com reclames que se acendem e se apagam,
voltando a insistir.
§ 2-o. Ritmo da mensagem. 2283y151.

151. Os significados, de que a forma se faz portadora, não se podem acumular


excessivamente. Requer-se um adequação à capacidade do consumidor da
expressão, e que assume por conseguinte uma sequência rítmica.

Quer na escultura, quer no teatro, cinema e televisão, os elementos de


informação devem sujeitar-se a um fluxo estético antropológico sob medida. A
estatuária grega é modelar neste particular, de uma moderação em que o
essencial surge claro, e o secundário aparece apenas quando tem uma função a
exercer.

No campo do ensino impõe-se um ritmo didático, tanto para o fluxo dos


conhecimentos em transmissão, como para a sucessão das expressões externas,
as quais são principalmente da palavra e das formas.

O excesso, como também a deficiência de conteúdo, hão de ser evitados em


qualquer arte, sobretudo quando importa o fluxo sob medida dos objetivos
didáticos.

Parece frequente o excesso tumultuante na arte barroca, contrastando com a


pobreza radicalizada de alguns realismos.

152. No ritmo da mensagem, a expressão obedece também à unidade e coesão.


As partes fluem como um todo, em coesão com o motivo principal da obra.
Elementos redundantes deverão ser afastados da composição. Cada obra, ainda
que de muitos elementos, deverá coordenar as partes num todo moral.

O cuidado com a coesão será maior com os elementos secundários, para que
não despertem a atenção do apreciador para fora do eixo principal do tema.
Inversamente, eles se tornam um poderoso elemento para advertir para o
mesmo. Na composição de um conjunto de pessoas poderá haver, por exemplo
um cachorrinho, mas atento ao grupo (veja n. 180).
ART. 5º. ALIANÇA DA ARTE DAS FORMAS COM OUTRAS ARTES E
FUNÇÕES. 2283y153.

153. A convivência das qualidades, - como forma, cor e som, que servem como
significantes materiais da arte, - permite aliar, num só conjunto, várias
expressões artísticas, bem como ainda combiná-las com funções úteis e
situações ambientais.

A pintura quase sempre está aliada às linhas e áreas, porque dificilmente se


pode cuidar apenas das cores.

São significativas as alianças que se dão da forma com a linguagem,


principalmente no teatro lírico, onde inclusive comparece o canto. O teatro
grego estava sempre combinado com um coro. No culto religioso, o templo se
integra com a oração e a liturgia. Neste particular se admira o culto na catedral
medieval, com o seu canto gregoriano misteriosamente a ressoar pelas grandes
arcadas.

Pelo seu porte gigantesco em meio à pequena cidade medieval, a catedral era
por si só a expressão integrada total de uma sociedade sacral que em tudo vivia
para Deus. Ainda que possa haver nisto uma visão distorcida do próprio plano
divino, o que acontecia era um exemplo de integração de expressões e funções.

Desenvolveu-se uma linguagem própria para o fenômeno em que se reúnem


várias expressões artísticas e mesmo funções. Trata-se de uma aliança das
artes e das funções. Neste fenômeno ocorre efetivamente um aliar das artes e
das funções, com vistas a reforçar os objetivos da arte.

Similar é a expressão síntese das artes. Desta vez se destaca o contexto de


união e simplificação.

O mesmo acontece com a denominação integração das artes. Agora se destaca


a coordenação para um objetivo comum. Diz-se, por exemplo, integrar num
todo a arquitetura e a escultura.
Certas alianças praticadas pelos artistas plásticos fizeram-se ainda conhecer
como "arte concreta" (vd 307).

§ 1. Aliança dentro do próprio campo da arte. 2283y154.

154. A aliança, integração, ou síntese das artes acontece com base no


significante, isto é, na matéria portadora. A forma é um recurso material da arte,
com grande capacidade de aliança.

Dá-se a aliança com variadas maneiras, e que exigem alguma subtilidade para
serem percebidas.

a) A aliança com base imediata no significante ocorre primeiramente pela


confluência intrínseca num mesmo objeto de vários instrumentos de expressão.
A forma, como um sensível comum, está presente em todos os sentidos, os
quais têm por objeto os respectivos sensíveis próprios. Ao mesmo temo
convivem o sentido comum denominado forma e os sensíveis próprios de cada
sentido. Em decorrência, a arte das formas se encontra sempre presente nas
artes que utilizam como significante um sensível próprio.

A presença simultânea da forma com outros sensíveis melhor se percebe na cor,


sensível próprio dos olhos; ao mesmo tempo que se põe a cor, também se
coloca uma forma, decorrendo dali uma aliança de dois instrumentos de
expressão, com base imediata no significante.

Assim também acontece com o som, o qual se expressa no espaço, que pertence
à forma. O som revela sobretudo direção no espaço. O som também é visto
pelos olhos, ainda que indiretamente pelas coisas que vibram. Até mesmo há
expressões visuais como som claro, escala cromática de sons.

b) Acontece a segunda modalidade de aliança por justaposição de significantes


fisicamente distintos. Por exemplo, o ator que fala e o ator como figura no
espaço.

Fisicamente distintos são também a linguagem e o gesto que a acompanha; a


linguagem falada se constrói de sons, e o gesto de movimentos da mão. No
teatro esta aliança dá-se por justaposição dos materiais de expressão, que geram
separadamente as palavras, os gestos, os cenários.
O mesmo fenômeno acumulativo acontece também na escultura servindo de
decoração arquitetural, a título de "arte menor". Na igreja medieval a escultura
e a pintura exerciam importante função catequética, porque o povo na
generalidade analfabeto somente em tais artes visuais tinha como aprender algo.

c) No arrolamento das diversas alianças, vem em último lugar a arte que se alia
a elementos de outra ordem, especialmente à funções úteis, como no edifício
arquitetônico e no objeto industrial. Então a aliança já não é de arte com arte,
mas de arte com a não arte.

Este procedimento de união da arte com outras funções acontece normalmente


na arquitetura, a qual, ainda que em primeiro lugar organize o espaço a serviço
do homem, adicionalmente encontra lugar ainda para a expressão, de acordo
com o interesse dos usuários. Cresceram neste plano as artes decorativas.

Nos artefatos industriais com frequência também se dá a aliança com as artes.


Os objetos admitem ser ornados com expressões embutidas nas formas dos
automóveis, nas cores dos tecidos, nos modelos dos instrumentos, nas linhas
dos óculos, etc.(vd 157).

155. Recomenda-se a união das artes por causa do fortalecimento global da


expressão. Visando as artes em primeiro lugar a expressão, é natural que se
aliem, sempre que isto se possa fazer com vantagem. O orador une o gesto à
palavra; temos aqui um caso indiscutível de integração, da mais alta
conveniência.

Também a estátua admite facilmente a pintura. A arte clássica dos gregos


reforçava a expressão das estátuas com uma pintura adequada, de que restam
sinais em algumas de suas realizações. Ainda que hoje se pintem as imagens
religiosas, claro está que o artista possa optar pelas sugestões naturais do
material utilizado.

Melhoraram as condições modernas, para que as vestes do dia a dia sejam


coloridas, e sobretudo as mulheres, mais atentas que os homens ao perfeito e
estético, pintem o cabelo e retoquem o rosto. Pela moderna facilidade de unir a
cor e as formas, o mundo adquiriu a condição para poder ser mais belo. Para
alcançar este objetivo generalizadamente, importa disciplina e bom gosto, além
do equilíbrio com a natureza, cuidados com a saúde, ginástica estética.

156. A cor influencia a dimensão das formas e a sensação cenestésica. Dali


porque importa atender ao modo de aliar a cor à arte das formas. Impossível,
aliás, separar a cor, das formas; em sendo a forma um sensível comum, não
pode ser percebida senão através dos sensíveis próprios. Os olhos percebem a
forma através da cor.

Os ouvidos captam a forma do espaço através dos sons.

Os sentidos inferiores, a saber olfato, gosto, tato, captam as formas através dos
seus respectivos modos de perceber.

Sobretudo o tato, juntamente com a mobilidade das mãos, consegue


acompanhar as formas dos objetos maciços.

As cores vivas aumentam a impressão da grandeza das formas. Aplicadas em


recintos fechados, aproximam de nós as paredes; por isso, neste caso,
diminuem a distância. Também aproximam o horizonte e as montanhas
distantes.

Do ponto de vista cenestésico e da gravidade, as cores de tonalidades claras


sugerem leveza dos volumes. Por isso, os arcos, nestas condições, parecem
mais leves. As cores escuras infundem impressão de peso.

A tranquilidade, que as linhas horizontais oferecem, encontram o seu


equivalente nas cores suaves, como o azul. A intranqüilidade e excitação das
linhas verticais e das quebradas, encontram seus equivalentes nas cores mais
vivas, como o vermelho.

Na combinação das artes da cor e da forma requer-se uma concordância, nas


sugestões. Para as formas que devam indicar grandeza, importam as cores que
tendem a aumentar as periferias.
Inversamente, formas comedidas acomodar-se-ão em cores modestas. Assim
também as formas leves amparam-se em cores claras. As formas tranquilas
vestir-se-ão de cores serenas, e as formas vibrantes, em cores quentes.

Depreende-se, que não há escultura plena, quando não se atende às alianças


compulsórias que as formas mantêm com as cores.

§ 2. Aliança das artes com funções não artísticas. 2283y157.

157. Importante é a integração da arte com outras funções. Neste sentido


importa distinguir entre a função que a própria expressão artística tem a exercer
e a função que preexiste na matéria em que a arte se exprime. Desta última
passamos a tratar agora.

Os edifícios e objetos em geral apresentam formas. Como já esclarecido muitas


vezes, além das funções que exercem, admitem complementarmente expressões
artísticas. Prevalecem obviamente tais funções sejam o principal motivo porque
se buscam tais volumes, cabendo à arte integrar-se..

A integração ainda conta em seu favor o assentimento da lógica; à medida que


as funções se apresentam lógicas, esta cristalinidade as torna receptivas e
agradáveis.

A universal integração leva em conta os próprios materiais de construção.


Caminhou o gótico na direção dos botaréus e arcobotantes como solução para o
teto que tinha em vista.

Depois da invenção do cimento não houve mais razões para manter o velho
modo de construção, que passou a ser obsoleto.

O mesmo aconteceu com inúmeros artesanatos, em decorrência da invenção


das novas técnicas industriais. Embora subsistindo por algum tempo como
técnicas obsoletas, os artesanatos progressivamente foram desaparecendo por
causa da ilogicidade que sua conservação continha.
Considerando que até mesmo o folclore é dinâmico, não há como insistir em
estilos obsoletos e em folclores do passado. Conservar os monumentos do
passado, não é o mesmo que fazer as novas gerações repetir práticas arcaicas.
Distende-se enfim a integração das artes para dentro do próprio organismo
social; particularmente hoje, a vivenda não pode desconsiderar o meio, quer
físico, quer humano.

158. A funcionalidade em arquitetura mostra-se pouco visível nas primeiras


construções gregas. Restrita aquela arquitetura aos meios elementares de
sustentação, ocupou-se na ornamentação da coluna e da arquitrave com
platibanda.

Desenvolveu-se a funcionalidade no período helênico, a começar de Alexandre


Magno. Os arcos criam a amplidão dos espaços. Planejam-se novas cidades, e
se integra o edifício no respectivo meio. Com os romanos continuou a crescer a
funcionalidade da arquitetura.

Ao iniciar no século 15 a Renascença, a arquitetura não parecia encontrar logo


seu verdadeiro caminho; porém, em vez de desenvolver a funcionalidade, se
reteve numa conceituação notoriamente decorativa. Só com Bramante, no
Renascimento Clássico do século 16, ganha realce o aspecto estrutural do
edifício (vd 261 ss).

Já no final do século 16, o manierismo reforça a integração do edifício no meio


ambiente.

Com a descoberta de novos materiais de construção e respectivas novas


técnicas, bem como com a alteração das condições sociais modernas, principia,
no século 19 a total mudança da arquitetura. Indecisões retêm os construtores
em reformulação classicistas e goticistas até que enfim se criou o
chamado estilo moderno. A mesma revolução aconteceu nas demais artes à
base da forma.

Impulso decisivo, na direção da arquitetura moderna, foi dado pela escola


alemã Bauhaus, de Walter Gropius (vd 283). Na insistente integração tomou
em conta as funções, os materiais, a técnica, os móveis, a decoração e o meio
ambiente. O funcionalismo insistente conduziu rapidamente na direção de uma
arquitetura definitivamente nova.
O movimento que se firmou a começar de 1920, teve novos desenvolvimentos
a partir da reconstrução pós-guerra de 1945.

159. Arquitetura figurativa. A junção do figurativo com a arquitetura oferece


dificuldades.

Uma primeira dificuldade se deve à alteração profunda que o figurativo


provoca na funcionalidade. Não pode a figura, mesmo a estilizada, se sujeitar a
todas as peculiaridades da função, de sorte que sua presença dificulta o pleno
exercício da funcionalidade da construção

Outra dificuldade da junção da figura ao edifício arquitetônico resulta da ênfase


do figurativo, sempre capaz de desviar a atenção para fora da função, a qual
deveria dar a diretriz psicodinâmica principal.

Um domicílio ou um templo construídos como um navio, certamente terão


muitas de suas funções distorcidas, por causa da exótica intenção de imitar o
aspecto exterior do barco. Importa que o finalismo da funcionalidade venha em
primeiro plano, ao se tratar de uma construção arquitetônica, bem como de
qualquer artefato destinado ao uso.

O caminho mais adequado da arquitetura e da produção de artefatos, ao se


combinar com a expressão artística, é o da exploração meramente formal ou
abstrata. Neste caso se aproveita diretamente o linearismo, os planos, os
volumes que as formas apresentam naturalmente. A psicodinâmica, o ritmo, a
plasticidade são efetivamente sugestivos e capazes de expressão. Em tais
condições, a arte meramente formal se alia, sem dificuldades, com a arquitetura
e o objeto industrial.

160. A expressão figurativa na arquitetura, uma vez eleita como objetivo,


somente se comportará adequadamente quando sua manifestação se fizer mui
vagamente.

Por isso, parece pouco sustentável a construção de igrejas em forma de tenda


(tenda dos judeus, no deserto), em forma de monte Sinai (local da aliança de
Javé com os judeus), em forma de hangar (Deus imaginado como aterrissando),
em forma de mãos postas (imagem do devoto). Apenas cabe a tolerância,
quando tais procedimentos se fizerem mui vagamente, sem prejuízo ao
programa organizacional da arquitetura e ao uso funcional dos materiais de
construção.

A mesma observação cabe para os elementos, como colunas (cariátides),


capitéis ( em forma da cabeça, ou de vaso de flores). As direções de força da
estrutura sustentadora perdem sua evidência em favor das formas figurativas;
tal não convém.

O figurativismo em arquitetura começa a ser mais aceitável, quando assume


simbolizações menos concretas. Com o simbolismo puro desaparece o
figurativismo das semelhanças dificultantes.

Ocorre o figurativismo puro quando um templo oferece uma torre muito alta,
com tendência linearista para o infinito.

Ou, quando uma igreja cristã situa o batistério de maneira peculiar, de sorte a
simbolizar que ali começa a vida do cristão. A igreja de São Paulo em
Blumenau (Santa Catarina, Brasil) isola a torre, fazendo a escadaria ingressar
por ela; há nisto um símbolo, meramente arquitetônico, sem figurativismo.
Também o antigo Zigurat mesopotâmico, com o altar no topo, obedecia ao
figurativismo simbólico puro, atenta à imagem popular deficiente de que Deus
mora no alto.

Similar é a impressão geral do templo, quando construído sobre colina. Não


obstante seu caráter meramente cultural e mesmo ingênuo, tais figurativismos
continuam válidos, facilitando ao simbolismo arquitetônico.

CAP. 3-o.
A PROSA NA ARTE DAS FORMAS. 2283y161.

161. Introdução. A expressão explica-se pela mimese e associatividade, de


onde haver uma expressão em prosa e outra em poesia.

O que assim já esclarecemos (cap. 1º), passamos a aprofundar, mostrando o que


é essencialmente a prosa (cap. 3º) e quais os gêneros de prosa (cap. 4º); o
mesmo mostrando sobre o que é essencialmente a poesia (cap. 5º) e quais os
gêneros de poesia (cap. 6º).

O significado, ou expressão, é o elemento mais importante em toda a arte.

Importa aprofundar-lhe as explicações muito mais do que já se fez


do significante portador.

Retidos primeiramente a mostrar o que a prosa essencialmente é, neste sentido


temos a explorar:

- natureza da prosa (Art.1-o);

- operações da prosa (art. 2º).

Ainda há a examinar os gêneros da prosa; mas o destaque a ser dado aos


gêneros, permite que este tratamento constitua capítulo à parte (cap. 4º).

ART. 1º. NATUREZA DA ARTE DAS FORMAS EM PROSA. 2283y162.

162. Na literatura é bastante evidente a distinção de um texto em prosa e de


outro em poesia.

Nas artes por imitação natural, como na música, pintura, escultura, esta
distinção é menos visível, porque nelas prosa e poesia costumam andar juntas.
Não obstante devemos nos esforçar, a fim de conceituar distintamente o que na
verdade não se confunde.

Não é habitual utilizar o termo prosa para a expressão em artes plásticas. Este
alargamento semântico do termo é conveniente, em vista da falta de outro
equivalente.

Não importa o termo, mas aquilo que, dentro de um contexto definido, se busca
indicar com ele. O modo direto de significar, que na linguagem se denomina
prosa, se exerce identicamente nas demais expressões artísticas, se indica então
pela mesma palavra.

Etimologicamente o termo prosa é peculiar da arte literária. Deriva do


latim prorsus, através sucessivamente, de prorsus e proversus ( pro =
diante, versus = vertido). Significa vertido para frente, ou seja que a frase
continua sem retornar ao esquema anterior, ao contrário do que faz o verso
poético.

Mas, o objetivo do retorno poético é criar associações evocativas de imagem,


portanto uma expressão indireta. A prosa refere seu tema simplesmente, sem
evocações. O caráter direto da expressão em prosa, por efeito formal da
semelhança a acusar o seu assemelhado, é o que a define.

§ 1. DEFINIÇÃO DA PROSA. 2283y163.

163. A expressão em prosa, - como já se adiantou a propósito da explicação da


arte em geral (vd 33), - é a que indica diretamente seu tema, o que faz por
mimese (vd 34).

Diferentemente, a poesia expressa o tema indiretamente e em dois tempos;


expressa primeiramente por meio da prosa um objeto- estímulo, ao qual num
segundo tempo cabe estimular o surgimento da imagem, que será, ao final de
toda a operação, o tema visado pela poesia. Na prosa, por exemplo, a flor é uma
referência direta à flor; na poesia, ocorrendo embora esta referência à flor, o
que importa é o que a flor, num segundo tempo, poderá associar como tema
último e principal.

Distinguidas as artes pelo seu portador material, ocorrem em cada qual a prosa
e a poesia, a seu modo.

Há uma prosa e uma poesia em linguagem.

Assim há também uma prosa e poesia na música, bem como uma prosa e poesia
na pintura.
Outra vez há uma prosa e poesia em formas. Desta última trata a estética das
formas, evidentemente.

A expressão em formas, quando se limita à expressão direta, reduz-se ao seu


puro caráter de prosa. Acontece isto no desenho industrial e ainda em qualquer
expressão plástica neste contexto básico da prosa.

Habitualmente, porém, ambas as modalidades de expressão se casam.


Sobretudo na grande arte prosa e poesia operam conjuntas. Todavia, para
estudo sistêmico, importa considerar, ora uma, ora outra, isto é, ora a prosa, ora
a poesia.

Conforme já esclarecido, quando domina a prosa sobre a poesia, tem-se a prosa


poética e quando domina a poesia, tem-se a poesia prosaica (vd 42).
Dificilmente se pratica a poesia pura, mas com frequência a prosa pura como é
o caso do desenho industrial e a escultura didática.

164. É inegável a existência da prosa em forma plástica.

A expressão em prosa acontece na estátua, quando seu objetivo principal é


retratar a fisionomia de um indivíduo humano, ou de um outro qualquer ser.
Então a imitação direta das formas do objeto indica o tema sem recurso
principal à associação poética. Se adicionalmente se fizer recurso ao processo
associativo, este ingressa na obra apenas como soma e não como caminho
principal da expressão que aponta para o tema.

Existe prosa no desenho industrial, quando este for portador de expressão que o
referido desenho diretamente indica. O mesmo geralmente acontece nos
desenhos ilustrativos de livros didáticos.

§2. Propriedades da arte da forma em prosa. 2283y165.

165. A desenvoltura, a logicidade e a exatidão caracterizam a expressão em


prosa. Estas propriedades unem-se intimamente na arte em prosa e lhe
garantem uma posição que a torna superior à poesia, ainda que esta se destaque
pela esteticidade e atraia mais adoradores.
De outra parte, sendo embora importantes propriedades da prosa, a
desenvoltura, a logicidade, a exatidão decorrem da essência da expressão em
prosa, sem se confundirem com ela.

Como já adiantamos, as propriedades não definem a essência da prosa, mas a


descrevem como expressão desenvolta, lógica e exata. Admite-se chamar a esta
definição de definição descritiva. Portanto, a definição essencial de prosa é
expressão por mimese, ou seja, através de semelhança; a definição descritiva de
prosa é expressão desenvolta, lógica, exata.

A desenvoltura da prosa consiste na espontaneidade psicológica com que


exprime seu objeto. Não obedece a prosa a padrões, como acontece na poesia
estrutura rijamente pelo verso e pelo ritmo; porquanto o verso e o ritmo devem
excitar a associatividade. Pelo contrário, a prosa é livre, imediata, direta. Por
isso é relativamente fácil; prosadores somos todos nós, mas nem todos somos
poetas.

A desenvoltura da expressão em prosa é decorrente do recurso mesmo que


adota, a semelhança, ou mimese, imitando diretamente as formas dos objetos a
expressar, sem os expedientes intermediários da poesia. O prosador e, por isso,
mais sintético, sobretudo mais preciso e exato, exprimindo num mesmo espaço
de tempo muito mais que o poeta.

Eventualmente a palavra prosa, que vem, conforme já citamos do


latim prorsus, "em frente", indica seu caráter como expressão direta. O nome
lhe vem, portanto, através da propriedade mais característica. Seu contrário, na
arte literária, é o verso, o qual volta à outra linha.

A poesia não conta com total espontaneidade, em virtude da operação requerida,


pela qual transita de um tempo a um segundo. Num primeiro tempo a poesia
apresenta uma expressão auxiliar em prosa, para indicar o objeto-estímulo; no
segundo atende à imagem que foi estimulada e que se denomina evocação
associativa, a qual fica sendo a mensagem principal visada.

166. A logicidade da prosa acontece por causa da semelhança entre a


expressão e o objeto expresso, que prontamente faz que um indique ao outro,
com uma inevitabilidade fatal.
Em linguagem de escola, trata-se de uma ligação causal entre a natureza e a sua
respectiva propriedade. Neste sentido, a qualidade (pois a forma, seja linha,
seja área, seja volume, é uma qualidade) tem por propriedade ter semelhante.

A relação causal entre a natureza e sua propriedade (ou seja, entre uma
qualidade e seu semelhante) é de causa formal e de efeito formal. É o mesmo
que dizer entre causa essencial e efeito essencial.

A relação entre causa formal (essencial) e efeito formal (essencial) é uma


relação necessária. Por isso, a expressão em prosa, quando posta, significa
necessariamente, isto é, logicamente. A prosa da arte em formas (de que
tratamos) exprime com logicidade, seja ela um desenho, seja uma escultura,
seja uma outra qualquer expressão de forma no espaço.

Opera ainda a prosa com o auxílio do contexto, portanto a partir da coerência


interna do objeto. Sobretudo ali se destaca a eminente logicidade da prosa.

Procedendo mediante o objeto trabalhado segundo as operações mentais do


conceito, juízo e raciocínio, a prosa apresenta quadros sempre cristalinos do
ponto de vista da racional compreensão do que oferece.

Diferentemente, a poesia se processa no campo das imagens situadas no


subconsciente. Ali os processos não se dão pelo contexto operacional da mente,
mas pela eventual coexistência de representações que se atraem, por que
fotografadas em um quadro único e por isso capazes de se estimularem
associativamente. O capricho associativo, dependente de vivências eventuais,
nada oferece como a cristalinidade das conexões lógicas.

167. A exatidão da prosa é importante uma sua propriedade importante e que


a faz ser o instrumento de expressão da ciência, quer na linguagem, quer na arte
das formas plásticas. Ainda que a exatidão lhe escape por vezes, ela é todavia o
seu ideal. Decorre a exatidão diretamente da lógica com que se operam os
procedimentos da prova. Sempre se pode dizer o que exatamente importa.

Assim não acontece com a linguagem poética, seja da poesia pura, seja da
prosa poética, que por vezes pode até importunar a segurança do pensamento. É
o que efetivamente acontece em alguns textos de filósofos, como Platão e
Bergson, por causa de imagens e símbolos que usam.

Que poderia significar a alma é um círculo (Platão)!?

Também, por causa do estilo poético, ficaram obscuras ou vagas muitas das
expressões de fundadores de religiões, profetas e místicos. Que significa, por
exemplo, o espírito de Deus pairava sobre as águas?; Eu sou o caminho, a
verdade e a vida? Adorar a Deus em espírito e verdade?

A prosa pura é sempre exata; somente a conotação associativa a pode envolver


de significados imprecisos e que podem ser interpretados um tanto ao bel-
prazer, como acontece com os pregadores religiosos, cada qual a interpretar a
seu modo o lirismo dos assim chamados livros sagrados, não por má fé, mas
porque efetivamente oferecem dificuldade.

§3. Paralelismo das expressões em diferentes artes. 2283y168.

168. O que se exprime em forma, por exemplo, em escultura, admite uma


expressão paralela em outras artes, por exemplo, em pintura, música e
linguagem, ainda que não com a mesma exata perspectiva.

O Lacoonte em estatuária existe também em poema literário composto já na


antiguidade. O sábio Lessing se preocupou em saber como um se traduzira ao
outro.

As lendas costumam ter uma primeira fase em expressão oral, dali passando à
expressão literária, a qual precede geralmente à expressão em pintura e
escultura, em canto e música.

Acontece também um paralelismo entre a expressão mental e a expressão


artística. A sensação e o pensamento exprimem objetos e também a arte os
exprime. O relacionamento entre a expressão mental e a expressão da arte é
mais complexo, porque além do paralelismo expressional, ocorre ainda a
anterioridade da expressão mental sobre a expressão da arte.
Qualquer objeto deverá ser primeiramente conhecido, seja pelos sentidos, seja
pela inteligência, para somente depois poder ser introduzido também como
objeto de arte. Antes que o escultor expresse no mármore um objeto ( como um
homem, por exemplo) deverá ter deste objeto uma noção. Consequentemente,
tudo começa pela mente.

169. A partir desta prioridade da expressão mental poderá surgir uma pergunta
nos seguintes termos:

- expressa a arte diretamente os objetos?

- ou expressa as idéias que temos dos objetos?

A pergunta se faz com frequência na arte da linguagem, pois ali é evidente que
as expressões assumem diferenças claras, parecendo-nos que as palavras
exprimem idéias, e que as frases exprimem juízos e raciocínios.

A rigor isto não é verdade. Ocorre ali apenas um modo inadequado de dizer, o
qual podemos manter, com a condição de entendê-lo corretamente.

O inglês John Locke, em sua interpretação ideativa, defendeu que a linguagem


exprime as idéias que temos dos objetos.

A verdade é outra. A expressão sempre exprime diretamente os objetos e não é


a expressão de outra expressão, nem mesmo no caso da arte literária.

Com referência às artes que exprimem por mimese natural, como a escultura e
a pintura, é mais fácil perceber que a expressão se dirige diretamente ao objeto.

A ilusão se dá, porque na condição humana o objeto há de ser primeiramente


conhecido pelos sentidos e pela inteligência. Somente depois de primeiramente
conhecido o objeto, vamos perceber que é expresso diretamente pela expressão
artística.
Prova-se que a expressão é direta em relação ao objeto expresso, atendendo
para a explicação mesma do processo expressional. Algo é expressão antes de
tudo por causa da semelhança. Ora, entre a escultura e o objeto a relação se
estabelece por causa da semelhança.

Ainda que num momento anterior devamos conhecer o objeto expresso, a obra
que aqui de novo o expressa precisa diretamente assemelhar-se com ele. Num
novo esforço de interpretação, a mente do apreciador caminha da obra para o
objeto, percebendo a semelhança entre esta obra e o objeto expresso.

170. A mente e os sentidos condicionam, contudo, enormemente a expressão


artística, ainda que esta expressão artística indique diretamente seu objeto. Tal
condicionamento acontece porque o objeto importa em ser anteriormente
conhecido.

O mundo é, para nós, aquele que os sentidos e a mente descobrem. O céu


estrelado sobre nós não é aquele que de fato agora vemos ali, porque o brilho
destas estrelas é de muitos milhões de anos atrás; todavia, para nós, sobretudo
para o fotógrafo, o céu estrelado é este que vemos brilhar. Assim também o
horóscopo está sendo feito com constelações que já estão posicionadas em
outro lugar!

Quem pouco vê ou pouco entende, não dispõe de objetos suficientemente bem


verificados e bem compreendidos para uma grande expressão artística. O pintor
e o escultor precisam saber ver; senão a sua pintura e escultura ficam no
superficial.

Bom artista da cor e da forma é aquele que destaca detalhes insólitos; é um


selecionador de grandes validades, que tons e formas enfatizam. Quanto ao
verdadeiro céu sobre nós, ninguém ainda o pintou e nem dele fez o verdadeiro
horóscopo. Ainda que o artista o represente, está na dependência do que sua
mente for capaz de raciocinar.

A mente, com suas operações mentais de conceitos, juízos, raciocínios,


aprofunda o conhecimento dos objetos, aos quais as diferentes artes vão
expressar. Cada arte dispõe algumas vantagens no processo.
A linguagem apresenta a vantagem de criar os equivalentes expressionais para
as diferentes modalizações do objeto expresso pelas operações da mente; se ali
o objeto se apresenta, ora como conceito, ora como juízo, ora como raciocínio,
a linguagem ecoa do mesmo modo, em palavras, frases, discursos.

Mas também na pintura e na escultura, mesmo na música, as validades


atingidas pela mente podem, de alguma maneira, ser expressas, com o auxílio
do contexto.

Consequentemente, os sentidos e a inteligência condicionam enormemente a


expressão artística, tudo dependente da capacidade de perceber e entender de
quem cria a arte e a consome.

Mas, o que afirmamos não significa contudo, que a expressão artística expressa
sensações e pensamentos. Ela expressa os objetos, ainda que a estes como os
apresentam os sentidos e a inteligência.

171. A transposição de um arte à outra se denomina tradução, por exemplo, da


pintura para a escultura.

Ordinariamente se diz tradução, quando se trata da transposição de um código


linguístico para outro, por exemplo, do alemão para o português, ou do
internacional Esperanto para todas as línguas nacionais. Entretanto, o princípio
é o mesmo, qual seja a transposição de um tipo de expressão para outro.

O que em primeiro lugar se troca na tradução é o significante. Mas, não


dispõem os significantes os mesmos recursos, razão porque a tradução pode
não se dar em toda a linha.

Mais fácil é a tradução de um código de convenções para outro. No caso das


línguas ocorre não obstante alguma dificuldade, porque ordinariamente elas
nasceram no tumulto da necessidade do dia a dia, nem sempre com as melhores
regras. Todavia, bem mais espontânea é a tradução de uma língua planejada
para outra igualmente planejada. Ocorre então algo similar ao que acontece
com os diferentes programas de computador, que se transformam uns nos
outros.
Bastante difícil é a tradução das artes que operam por semelhança natural. Não
exprime a escultura do mesmo modo que a pintura e a música. Então a
defasagem é muito grande e deve ser complementada com recursos que advirão
do contexto e da associatividade.

ART. 2º. EXPRESSÃO EM PROSA DO TEMA-CONCEITO. 2283y172.

172. O que na arte se expressa não são os pensamentos, mas os objetos, ainda
que por vezes só por alguns dos seus lados.

Entretanto, os objetos, ao serem expressos pela arte, o são somente segundo a


face conhecida pelas nossas faculdades de conhecimento. Ora os vemos, ora os
ouvimos, ora os tocamos, ora os conhecemos pela mente a partir da
conceituação, ora a partir do juízo, ora a partir do raciocínio.

Embora na arte não se expressem os conceitos, os juízos, os raciocínios, são os


objetos alcançados nos moldes como entram através destes canais operacionais
da mente. Por isso acontece perguntarmos inadvertidamente, - como se
expressam os conceitos, - como os juízos, - como os raciocínios?

Começaremos por examinar como os objetos se expressam quando vistos à


maneira de conceitos. Ou seja, como as formas expressam conceitos.

Ajustando-se a forma ao objeto que haverá de expressar, esta articulação entre


a forma e o objeto terá alguma diferença, quando se trata de conceitos, quando
de juízos, quando de raciocínios.

Na linguagem esta diferença articulatória é mais evidente, porque os


equivalentes são criados convencionalmente e por isso adequadamente.

Mas na expressão mediante formas naturais isto não se apresenta igualmente


fácil. Quando é que a forma do gesto retórico indica um conceito? Quando um
juízo? Quando um raciocínio? E haveria na escultura momentos distintos para
expressar conceitos, juízos, raciocínios?
173. O conceito apresenta o objeto como imagem mental, logicamente anterior
à operação do afirmar e negar, efetivada pelo juízo.

Há pois primeiramente uma imagem mental, o conceito. Significados


semelhantes se dizem pelas palavras idéia, noção, imagem mental.

Inegavelmente acontece no instante inicial de toda a arte a presença a de uma


imagem. A forma da estátua apresenta primeiramente o objeto como imagem,
antes de passar ao negar ou afirmar, ao aprovar ou repudiar, ao enaltecer ou
condenar.

Todavia na mente o conceito (ou idéia) não se desvincula do juízo, no qual


nasce como em seu ninho. O conceito, portanto, está sempre situado, ou como
sujeito, ou como predicado (vd 177), formando uma afirmação. Esta operação
se reflete também na expressão artística, sobretudo na linguagem. Todavia
trata-se agora de aprofundar primeiramente a questão em torno do objeto
enquanto se apresenta como conceito.

174. Na arte em formas, a expressão em prosa opera morfologicamente e


operacionalmente.

A arte é morfológica, quando o significante contém um elemento de efetiva


semelhança (natural ou convencional) com o objeto.

O desenho de uma ponte pênsil, por exemplo, é morfologicamente possível,


porque os traços imitam exatamente as formas da referida ponte. O mesmo
consegue a linguagem pela convenção que cria um vocábulo para efeito de
expressar a ponto. Mas não consegue o mesmo neste caso não consegue a
música, senão pelo contexto, e ainda assim com dificuldade.

Opera o contexto a partir da lógica interna do objeto. A estátua do Pensador, de


Rodin, consegue este contexto, porquanto, pelas suas formas, tanto se expressa
o indivíduo como sua atitude pensante. A primavera a representam a arte
plástica e a arte musical; a plástica através da fisionomia, a musical através dos
sons, mas a plástica sugerindo os sons, a musical sugerindo a fisionomia.
A polissemia, controlada pelo contexto, permite que a mesma expressão, em
diferentes circunstâncias, indique cada vez o seu exato objeto. É notável que as
mesmas expressões, através do contexto, consigam expressar objetos distintos.
Estátuas praticamente idênticas exprimem mensagens variadas. É sempre o
contexto que controla estas polissemia.

Expressão própria e expressão imprópria. 2283y175.

175. A expressão se diz própria, quando as semelhanças utilizadas para


significar o objeto se encontram na mesma linha deste. Uma árvore se exprime
com propriedade, quando as linhas com que é desenhada se encontram também
na referida árvore. Nestas condições, a expressão se revela firme e
desnecessitada de se amparar-se em contextos de conjunto.

176. Há objetos que não se encontram na mesma linha do instrumento que os


expressa. Então acontece o exprimir de maneira imprópria. A forma espacial
não tem como expressar com propriedade a cor; inversamente, nem a cor
expressa com propriedade a forma espacial. E assim também a forma e a cor
não exprimem com propriedade o som, o gosto, o olfato, o tato.

Duas são as razões principais pelas quais uma expressão se torna imprópria:

1) o objeto pode ser concreto, mas situado ao alcance de outra faculdade


sensitiva da qual é objeto próprio, como o som não é objeto próprio da vista, a
cor não é objeto próprio do ouvido;

2) o objeto pode ser abstrato, no sentido de apenas captado pela mente e não
por qualquer dos sentidos, então por natureza escapando da expressão própria
da qualquer arte.

O formalismo, - a cor pela cor, a forma pela forma, o som pelo som, - é um
caso especial de arte abstrata. Ainda que o objeto seja intuitivamente atingido
pelos sentidos, o ponto de vista é abstratamente considerado apenas pela
inteligência (vd 190 ss).

Os temas situados em outras direções, à medida que se afastam, se assemelham


cada vez menos com o material de que dispõe a arte. A expressão resvala em
progressivo afastamento. Aproveitadas as poucas relações de semelhanças
restantes, com estas se cria e expressão imprópria, devendo a atenção
estabelecer-se na imprópria mediante amparo de contexto.

Modaliza-se a expressão imprópria em variantes conhecidas pelas


denominações de metáfora alegoria, sinédoque, metonímia, hipérbole. Por estas
vias a arte das formas obtém resultados, que vão para mais além da mera
fotografia.

ART. 3º. EXPRESSÃO EM PROSA DOS JUÍZOS. 2283y177.

177. O conhecimento dos objetos, ainda que se faça em termos de conceitos,


não se processa em que ao mesmo tempo estejam formulados como juízos, nos
quais ocupam a posição de sujeito e predicado.

O juízo apresenta aos objetos como afirmados. Quando os referidos objetos


surgem, estão colocados, ou como sujeito ao qual se a atribui algo, ou
como predicado, que é o conteúdo da afirmação atribuída.

A maneira de se expressarem mentalmente os objetos repercute na obra de arte.


Ainda que a arte signifique diretamente aos objetos, estes surgem ao modo
como as faculdades de conhecimento os apresentam.

O caráter do juízo se exprime mui claramente no texto literário; exemplo, A é


A.

Ainda que não tão claramente, o pensamento se reflete também nas expressões
das demais artes.

Uma composição escultórica poderá ser algo como uma descrição e narrativa.
Sua apreciação desperta não apenas conceitos, mas também juízos. A estátua
do herói é mais do que sua figura; é também uma afirmação de reconhecimento
do seu valor. É isto que acontece em grandes composições escultóricas.

O mesmo no balé. Mas nestas grandes composições acontecem mais elementos


e que devemos ir decompondo até ficarmos nos elementos iniciais e que são,
entre outros, os juízos, os quais apresentam os objetos como afirmados.
Não obstante continuemos advertidos, todavia, que a arte não expressa os
juízos, mas os objetos enquanto contém aquela face afirmativa.

Apenas inadequadamente dizemos que a arte exprime juízos, cabendo ao


contexto complementar o que de fato acontece.

O juízo é um fenômeno mental onipresente. Não pensamos em termos de


conceitos, sem ao mesmo tempo proceder a uma afirmação.

Toda a experiência é um juízo. Se atendemos a um livro, dizemos: isto é um


livro. O "isto" indica um sujeito, que é um portador da natureza "livro".

Na continuação, colocamos o livro pelo lado do sujeito e continuamos: este


livro é grande.

Depois: este livro é meu.

Depois ainda: este meu grande livro é bom.

E assim por diante, somente pensamos em termos de juízo, em que as partes


são conceitos.

178. A arte da linguagem consegue equivalentes para todos os momentos de tal


sorte, que aparecem distintas as expressões do sujeito, verbo, predicado.

Mas as artes que expressam mediante semelhança natural não têm em si


mesmas capacidade de expressar diretamente a afirmação. Elas apresentam
simplesmente ao objeto como imagem. O resto cabe ao intérprete induzir.

Devem, pois, a pintura, a música, a escultura apresentar de tal maneira o objeto,


que o intérprete o venha espontaneamente perceber, por obra da dinâmica
interna das operações cognitivas. Geralmente a percepção se dá por contexto.
A complementação pela qual o intérprete conduz a expressão artística ao nível
de juízo, não é difícil. É a mente espontaneamente exerce o juízo. O difícil
mesmo é reter-se na apresentação puramente conceitual; apesar de a arte reter-
se ali, a mente progride sempre um passo em frente.

Iludem-se os literatos quando, ao usarem apenas palavras, pensam limitar-se às


imagens meramente associativas da poesia. A competência judicativa é própria
do ser humano. A mente é mais veloz que os sentidos. Nem se retém só nas
primeiras operações mentais. O raciocínio tece premissas e escala as mais
diversas direções. Busca as distâncias como seu lugar natural.

Quando a escultura apresenta episódios, por exemplo fatos históricos, o faz por
imagens; todavia o escultor sabe que o apreciador as irá apreender como
afirmações, em virtude da capacidade complementar da inteligência de assim as
interpretar.

Não é necessário escrever adicionalmente no pé da estátua: foi um forte! foi um


herói! Isto a boa estátua do herói diz por si só. E se algo for adicionalmente
escrito, a estátua ainda mais longe levará a mente raciocinativa do apreciador.

179. Composição artística. O juízo poderá progredir para uma sequência de


juízos, exigindo uma expressão igualmente complexa, a chamada composição
artística. Na arte da linguagem se diz composição do texto literário.

Opera-se a composição mediante vários objetos expressos, em que cada


expressão constitui uma imagem a conduzir para um juízo, em que finalmente o
sucesso do conjunto é a composição.

Há composições menores, como uma estátua, um soneto, uma carta, e


composições maiores, como uma sequência estatuária, um livro.

Possui, pois, a expressão artística um tratamento evolutivo, em que o elemento


essencial ao sistema é o juízo, internamente composto de conceitos, e depois
ordenado como premissa de raciocínio.
180. Coesão das figuras. Numa expressão complexa (ou composição), em que
os juízos são muitos, o artista procura coordenar os mencionados diferentes
juízos num eixo comum, marcado pelo tema central. É o que se denomina as
vezes coesão das figuras em torno de um centro da composição. É o estilo
vigoroso, enérgico, firme, o contrário de estilo redundante, dispersivo, frouxo
(veja-se estilo).

Há uma coesão moral e uma coesão física. É moral a coesão em que ela se dá
através da atenção. por exemplo quando todas as pessoas figuradas na
composição olham numa só direção, seja para o leão a ser caçado, seja para o
inimigo a ser perseguido.

Uma coesão física, quando outros procedimentos reais governam a ordem na


atenção. Poderá ser procedida pelo aumento de área da figura central, como a
figura principal do Lacoonte. Também se cria a coesão, sugerindo-a mediante a
ênfase sugerida pelo ritmo, pela multiplicação dos elementos em sequência
( por exemplo colunas, linhas)

181. Enredo da composição. Os recursos para a feitura do enredo dos juízos


são variados sobretudo na pintura, porque esta, na mesma obra, opera
simultaneamente com luz e formas.

A escultura, apesar de não operar com luz, dispõe todavia da terceira dimensão,
facilitando o enredo.

No teatro, que é um composto de artes, as cenas sucessivas e a figura dos atores


constituem o instrumento, da parte das formas, para a criação do enredo da
expressão elevada ao nível de composição.

ART. 4º. EXPRESSÃO DO TEMA-RACIOCÍNIO. 2283y182.

182. No raciocínio a conclusão é o objetivo, todavia como conteúdo virtual do


antecedente.
Não basta expressar a conclusão; ela deve revelar-se como emergindo de um
fundamento, como o edifício arquitetônico, que, pelas suas linhas de pressão,
manifesta existir uma base no subsolo.

Os meandros complexos e abstratos do raciocínio são melhor expressos em obra


sensível pela linguagem falada, do que por qualquer dos meios de expressão artística.
Em termos falados, tudo consegue ser detalhadamente expresso, distinguindo sujeito e
predicado das premissas, e estas finalmente se colocam uma após outra, para gerarem
finalmente a conclusão,

- tudo como no exemplo a seguir:

A = B;

ora, B = C;

logo, A = C.

Diferente, o que o som musical, a cor da pintura, a forma da escultura, - em


qualquer de suas modalidades estáticas e dinâmicas, - nos podem oferecer, é
relativamente pouco, comparado com o que oferece a expressão literária do
raciocínio.

Entretanto, ao modo do entinema, que opera mediante contexto, a força


contextual das artes, que operam com a semelhança natural entre a expressão e
o objeto expresso, pode por si só ser suficientemente grande para despertar no
intérprete o raciocínio.

A expressão adequada de um elemento qualquer provoca o raciocínio, que


surge como que do quase nada.

Não há quem não raciocine diante de cenas fortes de luz, ou de sombras,


sobretudo da grande beleza, ou da grande miséria. O sangue derramado fala
mais forte que a bem argumentada linguagem.
A Guernica de Picasso é um raciocínio, ainda que muito extravagante. Não se
reduzindo a uma descrição dos males da guerra, faz pensar.

O espetáculo aparentemente corriqueiro de um cemitério adequadamente


pintado, pode constitui-se em um hino paradoxal à capacidade cíclica das
coisas.

Habitualmente, sob cada romance está uma tese. Assim também todo o filme,
expressando-se em forma sensível, que fizer o espectador seguir para
conclusões, é, finalmente, um raciocínio. O mesmo acontece com o teatro.
Dado que os temas encenados costumam ser os humanos, a conclusão tirada
espontaneamente após o espetáculo usa traduzir-se pela expressão: Assim é a
vida !

Os episódios de fundo moral, são raciocínios. O expediente usado nestas


expressões artístico-raciocinativas é a indicação intuitiva de um fato; este por
sua vez serve de premissa ao lado de uma outra, que o contexto aduz.

No raciocínio silogístico, a deixa de uma premissa por conta do contexto, se


chama entinema. Exemplo: João bebeu em excesso e morreu. Premissa oculta:
morre quem bebe em excesso. A pressuposição desta premissa faculta à arte
das formas expressar diretamente uma, sem esta outra. O entinema é, pois,
típico do raciocínio da arte das formas.

Também o assim chamado exemplo pode assumir o caráter de raciocínio,


quando apresentado como prova do que se discute. Há exemplos que operam
como vigorosos raciocínios. Em arte das formas os raciocínios se integram
facilmente com o texto literário, quando ao mesmo tempo são expressadas por
ambas as artes mitos, apólogos, lendas, de que a história de Lacoonte é um
antigo exemplo.

183. No balanço geral da expressão em prosa mediante formas, quando se trata


de encarar os objetos como se visualizam através das operações mentais,
praticamente tudo se concentra na expressão do conceito. Somente por este
através se exprime adequadamente o objeto, devendo tudo o mais sobreviver
como um esforço da mente.
Quando se fica a estar longamente diante de um grande conjunto escultórico, é
exatamente para pensar este restante entinemático, fazendo juízos e raciocínios
a partir do contexto de uma imagem inicial.

O crítico de arte, antes de julgar o valor da expressão, procura primeiramente


entendê-la, não só o que diz explicitamente, mas também o que implicitamente
e raciocinativamente.

O estulto não vê mais que esta imagem explícita das obras de arte. Não alcança
os caminhos de um entinema. Aquele, todavia, que tem poder raciocinativo
descobre tudo o mais, para o que obra abriu o caminho com vistas a ser
pensado, até mesmo raciocinado.

O grande artista não é somente aquele que expressa com perfeição o explícito,
mas aquele que também abre janelas para o implícito e virtual, atingível
analiticamente, indutivamente, dedutivamente.

CAP. 4-o.
GÊNEROS EM PROSA DA ARTE DAS FORMAS. 2283y184.

184. Introdução. Os temas, ou objetos expressos, influenciam a expressão.


Dali resulta haver gêneros de expressão artística, tanto em prosa, quanto em
poesia.

Dos gêneros em prosa, alguns são logo reconhecíveis pela própria denominação,
assim nos orientando diretamente para o significado de gênero artístico. Não
obstante estes nomes podem semanticamente envolver outros significados mais.
Por vezes uns incluem outros na abrangência.

São gêneros artísticos em prosa:

- arte abstrata;

- arte figurativa;

- arte de objeto real;


- arte de objeto ficcional (conto, romance, etc);

- arte de objeto exterior;

- arte de objeto interior;

- narração;

- descrição;

- discurso, etc.

Considerando que os gêneros de expressão ocorrem tanto a nível de prosa,


quanto de poesia, tenha-se contudo claro o seguinte: a prosa e a poesia se dizem
do instrumento de expressão, ao passo que o gênero decorre do objeto a influir
sobre as referidas duas maneiras de expressar.

O fenômeno dos gêneros acontece em cada espécie de arte; neste sentido há


gêneros de expressão artística em arte das formas (de que cuidamos agora) e de
novo em arte das cores, em arte musical, em arte da linguagem.

Ainda que os nomes usados para os gêneros em uma espécie de arte não sejam
os aproveitados em outra, dizem todavia no fundo o mesmo e por isso se
podem transpor de uma a outra destas artes.

Para classificar os gêneros de expressão estejamos sempre bem advertidos, de


que a classificação dos referidos gêneros depende das classes destes mesmos
muitos objetos a expressar; ordenando-os em gêneros de objetos, vamos tem-se
o caminho para distinguir os respectivos gêneros de expressão.

A expressão de diferentes gêneros de objetos resulta na criação de gêneros de


expressão, porque cada modalidade de objeto postula um determinado modo de
expressar.
Dois são os fatores a considerar na definição dos gêneros de expressão: como
eles são determinados pelos gêneros de objetos a expressar, e como requerem
um determinado modo de expressão.

Oferecendo cada gênero de expressão uma fisionomia própria, seu estudo


particularizado garante uma prática segura deles. Já ocorre alguma dificuldade
para separar em arte das formas a expressão em prosa e a em poesia; não
obstante, a distinção existe e em conseqüência os gêneros também se
conseguirão tratar em separado, ainda que na prática ordinária da arte
costumem operar-se em conjunto.

185. A multiplicidade dos gêneros nos encaminha para um ordenamento dos


mesmos em classes sucessivamente maiores. Esta ordenação em árvore
porfiriana pode ser feita a partir do objeto, sendo então uma ordenação
essencial, e ainda a partir de critérios eventualmente mais significativos.

Já indicamos a separação em gêneros de prosa e gêneros de poesia, que se


dizem em função à forma da expressão e não ao objeto expresso.

No plano do objeto podemos ordenar os gêneros de expressão pela maneira de


se apresentarem os objetos à mente, através dos operações do conhecimento:
conceito, juízo, raciocínio.

Esta classificação com base nas operações mentais não é intrínseca ao objeto.
Mas ao modo como este se apresenta, e por isso a classificação é apenas
próxima da essencial. Dali resultam:

- gêneros conceptuais de expressão,

- gêneros judicativos de expressão,

- gêneros raciocinativos de expressão.


A importância da classificação dos gêneros a partir das operações mentais está
em que elas apresentam diferenciadamente os objetos à mente humana.

ART. 1º GÊNEROS CONCEITUAIS DE PROSA DA ARTE DAS


FORMAS. 2283y186.

186. Os objetos vêm a nós primeiramente como imagens e conceitos; em tal


condição eles não contêm afirmação e nem negação. Neste plano são mais
notados os gêneros de expressão chamados arte abstrata e arte figurativa, arte
de objeto exterior e de objeto interior, arte de objeto real e de objeto ficcional.

Os gêneros mencionados como sendo conceituais, não deixam todavia de ter


conexão com os gêneros judicativos e raciocinativos. Todavia os destaques
conceituais dos mesmos se mostram claramente, motivo porque devem ser
abordados já sob a categoria de gêneros conceituais.

§ 1º. Arte figurativa e arte abstrata. 2283y187.

187.Introdução geral aos conceitos figurativo, concreto, abstrato. Entende-


se por arte figurativa a que se expressa pela imitação da figura do objeto. Assim
definida ela invade também o campo da arte abstrata, porquanto também esta
apresenta alguma figura. A abstração apenas redivide a figura, para manter
alguns aspectos da mesma figura, os quais se dizem então abstratos. Assim
sendo, a semântica dos termos se torna vaga ao se falar em arte figurativa e arte
abstrata.

A rigor, o abstrato se opõe a concreto, e não à figura. Um objeto se


diz concreto (do particípio latino concretus = crescido, denso), quando, em
contraste com o objeto abstrato, é considerado sem elaboração praticada pela
mente, ficando tal como é encontrado na natureza. Possuindo uma figura, a arte
que o representa se diz arte figurativa. Concretos são a pedra, a árvore, o livro,
o indivíduo humano. Concreto, portanto, é o ser na sua totalidade, antes de
qualquer dissociação abstrativa.

Com mais precisão, num sentido que se diz lógico e gnosiológico, algo é
concreto, quando as determinações que o caracterizam são tomadas em
conjunto com o sujeito ao qual pertencem. Se digo este livro, não entendo
simplesmente a noção de livro, mas o sujeito livro, juntamente com as
determinações que o fazem ser livro. No momento que a forma livro se isolar
do seu sujeito, começa a noção abstrata, e já passamos a falar do livro como tal.

Concreto no sentido gnosiológico descrito faz dizer que são concretos também
o espírito, a alma, o anjo, Deus, o mundo interior, a consciência, enquanto neles
se consideram a individualidade juntamente com o que são como natureza.

Estes mesmos seres espirituais somente passam a ser abstratos, quando


considerados sem a individualidade, como em espírito como tal, a alma como
tal, o anjo como tal, Deus como tal, o mundo interior como tal, a consciência
como tal.

Numa outra semântica do termo concreto, ele se diz do ser alcançado pelos
sentidos; só então se deixa de chamar concreto tudo o que somente a
inteligência alcança.

Posto o abstrato, este, por sua vez, se desenvolve em dois tempos, que se dizem
abstração total (da forma à individualidade) e abstração formal (da forma
redividida), conforme depois aprofundaremos (vd 190). Dada a observação que
a arte figurativa de certo modo invade o abstrato, o fenômeno acontece também
em dois tempos. No caso da abstração total ocorre a chamada arte figurativo-
abstrata (vd 189), enquanto na abstração formal, a arte fica sendo
um abstracionismo puro (vd 191).

I - Arte figurativa. 2283y188.

188. Apresenta-se a arte figurativa mais espontânea que a abstrata, porque


simplesmente reproduz a figura do objeto a ser expresso. As técnicas modernas
de reprodução da imagem evoluíram maximamente, deste a reprodução
fotográfica até a reprodução eletrônica.

Ao figurativo geralmente se limita à arte popular, o folclore. Mas este mesmo


campo admite ser explorado pela arte erudita.

Cedo a escultura figurativa alcançou uma expressão muito adiantada na Grécia.


A beleza do clássico não é uma beleza do abstrato porém do tipo perfeitamente
realizado no indivíduo concreto figurado. O abstracionismo puro, sem
figuratividade, pouco se encontra na escultura grega, senão nos ornamentos.
O concreto contém maior "compreensão" (isto é, maior soma de notas sobre o
objeto) do que o abstrato, que é apenas parte do concreto.

Por conseguinte, a arte figurativa, que exprime o concreto, atrai a nossa


preferência temática.

A outra arte, - a abstrata -, que se ocupa com o desdobramento do concreto,


situa-se portanto como arte de detalhe e desenvolvimento do concreto. O
objetivo final fica sendo o concreto; da soma das formas abstratas, seguimos na
direção do conhecimento exaustivo do ser concreto.

O maior volume de "compreensão" da arte figurativa apresenta mais objeto


mensagem no instante inicial; é portanto arte de grande impacto. Contudo esta
grandeza de impacto e atração parece cessar imediatamente após; com o
decrescer da novidade, progride a atenção do espírito para os detalhes. Estes
tanto podem ser figurativos, como também abstratos.

O bom artista é capaz tanto no figurativo como no abstrato. O grande artista


sabe que, a partir do concreto, pode também expressar o abstrato, e cuida de o
fazer por via do contexto e sugestões.

Na arte figurativa se descobre mais depressa quem é grande artista. Na arte


abstrata é mais fácil criar lixo e iludir o apreciador.

II - Arte abstrata. 2283y189.

189. O objeto abstrato, como já se adiantou, é apenas parte do concreto,


apreendido em separado pelo esforço mental. Por conseguinte, a arte abstrata,
ao projetar na obra apenas o detalhe colhido em separado, não cria obras
segundo o natural.

Reduzido o objeto-tema a apenas parte da figura, esquecida a outra, o resultado


se configura aparentemente mutilado. O que efetivamente o artista fez, foi
eliminar a parte não interessante, para que ela não ocupasse a atenção do
apreciador, o qual passa a ser solicitado apenas pelo elemento abstrato expresso
na obra que tem diante de si.
Tem, pois, o artista abstrato duas tarefas: a primeira é expressar com segurança
o tema a ser expresso; a segunda é saber ocultar os elementos secundários, os
quais não devem tumultuar a compreensão do tema. Os elementos que devem
falar, deverão ter vez para dar a mensagem; os elementos que não devem falar,
devem ser postos em silêncio.

A partir do século 20 a arte abstrata se tornou progressivamente o caminho


preferido dos artistas.

Os mais antigos cuidavam sobretudo do concreto objetivo exterior.

Os modernos, desde o fim do século 19, passaram a se concentrar no mundo


interior, que não chega por si só a ser um abstrato. Este mundo interior tomou
destaque com o expressionismo, sobretudo a partir de 1914. Por último, o tema
se tornou progressivamente mais abstrato.

São movimentos abstracionistas alguns aspectos do cubismo (vd 306)


e futurismo (vd 309); ambos os movimentos foram aliás precursores
do abstracionismo (vd 310ss). Sobretudo é abstracionista o pintor holandês
Pieter Mondrian.

Entre alguns russos ocorreu cedo a temática abstrata, observada no


racionalismo de Larinov e Gontcharova, no suprematismo de Malevitch (vd
312). O que se fez no desenho sobre a tela, também se operou na escultura.

A expressão abstrata, na arquitetura, foi sempre um hábito. Cuidando ela em


primeiro lugar de produzir o espaço organizado, por acréscimo expressou
significados abstratos, para isto usando a psicodinâmica das linhas, espaços e
volumes, tanto nas grandes massas, como nos ornamentos.

Este milenar abstracionismo arquitetônico não se refletiu na mesma proporção


sobre a escultura e a pintura, que só modernamente se aprofundaram nesta
temática (vd 301).

Que dizer da validade do abstracionismo? Desde que admitida a tese da


universalidade temática, não temos como rejeitar a expressão de qualquer tema,
seja figurativo, seja abstrato. Não há como em arte defender exclusividades
temáticas.

Todavia se pode discutir sobre quando dar maior valor aos temas abstratos.
Eles certamente são mais profundos, porque resultam de uma elaboração maior
do espírito; só os homens cultos são verdadeiramente abstratos e neste campo
até sistêmicos.

O ignorante se mantém no nível fácil do figurativo, dos temas concretos; por


isso não pode ser divertido com programas eruditos e abstracionistas. O mesmo
acontece com as crianças e os adolescentes ainda em estágio pedagógico.

A conveniência do abstracionismo ainda se apoia na maior necessidade que os


temas abstratos têm de se deverem expressar em formas sensíveis, ao contrário
dos temas concretos mais frequentemente à mão.

Já advertia Platão não ser necessário criar um simulacro de homem, lá onde é


possível ver o próprio homem. Por isso, embora excluísse de sua República as
artes figurativas, recomendava as que fossem mais favoráveis ao espírito.

O abstrato não o temos visível em lugar algum, de sorte a ser um tema a ser
muito postulado à arte, seja em formas, seja em cor, seja em música, seja em
palavras.

E importa que esta arte, a abstrata, opere com veracidade e profundidade,


porquanto é principalmente pela arte abstrata que o erro entra no mundo e se
transfere através das gerações, e poderá ser também por meio dela que a
verdade brilhará.

190. O abstrato figurativo-formal. Há duas modalidades de abstração,


a total e a formal, divisão esta que nos pode ajudar a ordenar em dois grandes
rumos a arte abstrata.

Nem todos os artistas estão habituados a esta linguagem da filosofia, e que é


típica da escolástica latina, mas operam perfeitamente dentro destes quadros
conceituais, quando possuem noção clara dos temas abstratos que exprimem.
A abstração total, de forma ao sujeito informado, apenas dissocia a totalidade
da forma, que fica sendo considerada sem os muitos sujeitos, ou indivíduos da
espécie, que dela são portadores. Aparentemente a abstração total é a maior das
abstrações; efetivamente é a menor, sendo a formal uma continuação dela.

Na abstração total, como já se adiantou (vd 187) se deixa de atender à


totalidade dos indivíduos da espécie, para atender apenas à forma, ou noção
específica do grupo. Atende-se, por exemplo, ao homem como homem.
Atende-se ao homem como espécie humana, ao animal como espécie animal, à
árvore como espécie desta.

Quando se diz que a ciência estuda o universal e não o individual, aquele


universal é apenas um abstrato total (esquecida a individualidade); neste
sentido a botânica estuda a planta (não esta, ou aquela, mas a planta como
universal da espécie); ainda é assim que se diz, que a antropologia estuda o
homem, a linguística a língua, a zoologia o animal.

Na linguagem ordinária não é hábito denominar abstrato, ao objeto visto apenas


universalmente. Diz-se então que homem (abstrato total) é nome concreto;
humanidade (abstração formal), nome abstrato. Entretanto o universal da
espécie já uma abstração, porque o objeto é visto sem a sua individuação, mas
apenas pela sua espécie.

Semelhante distinção ocorre na gramática, onde são chamados nomes


abstratos apenas aos de abstração formal. Semanticamente são mantidos ainda
como nomes concretos aqueles que se dizem simplesmente da espécie, como o
homem (o homem como tal), a planta (a planta como tal). Não obstante estes
nomes já estão na categoria dos abstratos.

Neste campo da abstração total se desenvolve a arte formal, que apresenta o


objeto pela essência universal da espécie, sem a individualidade. Neste sentido
já é arte abstrata a representação artística do homem como homem, da árvore
como árvore, da dor como dor, do pensador como pensador, em que o abstrato
é apenas um abstrato total (espécie sem a individualidade).

Geralmente o bom poeta não fala da dor deste, ou daquele, mas da dor em si
mesma, da dor universal. Tal poeta, o da dor universal, não é mais poeta, mas
melhor poeta, porque tematicamente é um poeta de maior capacidade.
O formalismo, quando opera com a abstração total, foi uma tendência da arte
do velho Egito, que traçava quase apenas as linhas essenciais dos objetos e
pessoas. Contudo não chegou a ser um formalismo total, porque o objetivo
principal foi ainda a arte figurativa, representando indivíduos bem
determinados.

Este formalismo de abstração total foi também quase o estilo dos clássicos,
quando representaram os indivíduos, mais pelo tipo ideal da espécie, do que
pela pessoa. Mesmo que visem uma pessoa bem individual, a vêem todavia
pelo que tem de mais essencial. Souberam então combinar ambas as coisas o
individual e o universal ideal da espécie.

Assim interpretadas, a arte egípcia de tendência formalista e a arte da expressão


clássica grega não são necessariamente abstratos formais, de tema obtido por
abstração total da individualidade.

O tipo idealizado, da arte clássica, ainda que idealizado, é sempre um indivíduo


concreto, como Sófocles, Péricles, Aristóteles, Cícero, Júlio César, cujas
estátuas se conservam. Na arte abstrata, mesmo em se tratando de abstração
total (que ainda não seguiu as subdivisões da forma, pela abstração formal), o
tema já é integralmente abstrato, sem seu respectivo indivíduo.

Todavia há alguns abstrato-formais na antiguidade. Além de ser obras de estilo


clássico, são também abstrato-formais. Dentre estes abstratos clássicos se
encontram o Discóbulo, o Gladiador moribundo.

Tornou-se mais frequente o abstrato-formal entre os artistas modernos; um


exemplo de abstrato formal é a estátua de Rodin denominada O
pensador, porque representa a espécie pensador, e não este ou aquele pensador
individual.

As perspectivas, resultantes da abstração total, se mantêm bastante próximas da


figura concreta. O homem como tal é quase como este homem concreto, diante
de mim. Temos então uma arte figurativo-formal, distinta da figurativa, apesar
de ainda próxima dela.
A arte figurativo-formal ocorre quando exprimimos certas noções gerais que
expressam a noção em si mesma integralmente, sem todavia individualizá-la.
Ocorre isto, - voltamos quase a repetir, - quando o artista destaca certas figuras
típicas do meio: "o filósofo", "o profeta", "o povinho", "o jornaleiro", o
"político", "o pregador", "o esmoler".

Semelhante coisa ocorre também quando se representam figuras mitológicas,


utilizando o ideal da espécie: "a musa", "a ninfa", "a valquíria", "Zeus
Olímpico", "Apolo", "Vênus".

Geralmente, a representação do "nu" se encontra na área do figurativo formal;


ainda que o artista dê um nome ao nu, como Vênus, Flora, Eva, Susana, Apolo,
Adão, - efetivamente não cogitou em uma individualização concreta, mas num
tipo universal de mulher ou de homem. O mesmo ainda ocorre com as árvores,
as paisagens, a infância, quando indicados sem o seu sujeito.

Distingue-se, pois, entre o figurativo-formal (arte meramente formal) e o


figurativo-ordinário (arte efetivamente figurativa).

São exemplos de arte abstrata-formal (abstração formal) aquelas representações


em que o figurativo é apenas um pretexto. O figurativo não passa, então, de
motivo para a evocação. É bem isto o Pensador, já citado. Semelhante é o caso
das esculturas meramente formais, porém de fisionomia alegórico-figurativa.
Por exemplo, Elegia, de Bárbara Hepworth.

Que dizer das representações de indivíduos dos quais não restaram informações
da respectiva fisionomia? Apesar da idealização praticada pelos artistas,
imaginam-se mais ou menos individuações, e passam a se constituir arte
figurativa e não abstrato-formais.

Antes de haver melhor conhecimento da paleontologia, Adão e Eva foram


representados como um belo casal europeu muito descontraído; na verdade, se
não havia outros seres humanos no Paraíso, não havia de quem se esconder,
senão do bom Deus descrito como fazendeiro a passeio pelo Éden.

Quanto a Jesus de Nazaré, de cuja fisionomia física não resta nenhuma


informação histórica, nem plástica, nem literária, foi quase sempre
representado com barba cultivada, geralmente como um belo judeu
ocidentalizado, vestido à moda do homem medieval ou da Renascença, até que
Miguel Ângelo o moldou como um herói olímpico.

Diferente é o caso dos indivíduos numerosos em sua espécie, como os antigos


profetas, reis, nobres. Basta um rosto místico, portanto um abstrato formal, para
atribuir-lhe a condição de ser este, ou aquele profeta, como acontece nas
criações de Miguel Ângelo.

Assim procederam todos os imaginosos artistas ao representarem os santos e


santas da antiguidade, ainda hoje venerados, - como São Sebastião, Santa
Catarina, etc.

Como arte estritamente figurativa são falsas todas as representações fantasiadas


pelos artistas a respeito de personagens da antiguidade. Todavia podem todas
ser verdadeiras quando interpretadas como criações abstrato-formais.

191. Abstraccionismo puro. A abstração formal, depois de isolada a forma de


seu sujeito portador (pela abstração formal), redivide esta forma (ou essência)
em outras e outras formas (ou essências). Ela é uma abstração de formas à
forma, retalhando progressivamente sua estrutura .

Neste caso, forma equivale a dizer natureza, ou ainda essência. Diz-se então
que a abstração formal divide a natureza ou a essência em suas partes, as quais
são em consequência abstrações.

A arte abstrata de tema resultante de abstração formal apresenta um caráter


abstrato típico, porque seu tema não só se desconecta da individuação, como
ainda de uma parte considerável dos elementos da estrutura de consistência.

Todavia, aquela perspectiva posta em separado conserva ainda alguma


semelhança com os objeto aproveitados pela arte. Estes objetos são por
conseguinte capazes de expressar os elementos da abstração. Mantém-se pois
algo de figurativo, dentro do contexto ainda de que toda a arte é mimese.(vd ).

Agora, porém, a semelhança entre o significante e o significado se apresenta


bastante vaga e distante. O aspecto do que se faz na arte abstrata mostra-se
como que despedaçado.
Se, por exemplo, o objetivo é significar em abstrato a violência, os objetos já
não são apresentados totalmente em si mesmos, mas tão somente nas linhas e
ângulos fortes. Se, pelo contrário, o objetivo é expressar a elevação, os
elementos podem na parte inferior ser arredondados (como geralmente os
balões ou as nuvens por baixo) e na parte superior em ângulos a sugerirem a
direção.

Há uma vantagem na abstração formal, porque ela encaminham separadamente


para todas as partes possíveis de serem consideradas em separado, ainda que
em concreto estejam num mesmo objeto.

Depois de feitas todas as divisões possíveis, e que os conceitos enunciam, uma


nova empreitada, e que pertence à lógica, realiza a classificação dos elementos
obtidos pela abstração. Em primeiro plano se procede à classificação dos
conceitos; depois também a classificação dos juízos e raciocínios.

192. É possível classificar os gêneros dos objetos abstratos. Este é um trabalho


da lógica e que serve também à arte abstrata. Trata de uma ordenação na ordem
das essências e não da existência.

Há noções de predicação unívoca (ou modos especiais do ente) e noções de


predicação analógica (ou modos gerais do ente, ditos também simplesmente
transcendentais).

As noções de predicação unívoca (ou modos especiais do ente) foram


classificadas por Aristóteles em 10 categorias supremas,
denominadas substância, quantidade, qualidade, relação, tempo, lugar,
posição, ação, paixão, posse; a estas categorias supremas reduzem-se todos os
demais conceitos unívocos; por exemplo à categoria de substância se reduzem
vida, corpo, animalidade, racionalidade, homem, etc.

Também assim, pela abstração formal, se dividem as noções transcendentais


(ou modos gerais do ser), de que os mais genéricos e interpenetrantes são coisa,
algo, uno, valor, bom, verdadeiro, belo, cujo caráter é serem de predicação
analógica.
A arte de abstracionismo puro opera com qualquer das noções em que se
dividem os entes. Constituem tantos gêneros de arte (vd ), quantas forem as
variedades fundamentais. Mas, como um todo, a arte abstrata já é um gênero de
arte, em contraste com o gênero de arte figurativa.

Dentro do próprio gênero de arte abstrata, ocorrem os dois subgêneros já


mencionados: figurativo-abstrato (resultante dos temas da abstração total) e
abstrato puro (resultante dos temas da abstração formal).

A rigor, também se deveria reduzir à arte figurativa o concreto espiritual, como


já foi dito. Não somente o físico é concreto. Efetivamente, o espírito, antes de
qualquer dissociação abstrativa, também é algo concreto. Principia a abstração
só quando o espírito for separado do seu respectivo sujeito singular (abstração
total); então é o espírito como tal, em contraste com o espírito como indivíduo,
este ou aquele.

De outra parte, conforme igualmente já se adiantou, em consequência de uma


polissemia, ocorre um outro sentido semântico, pelo qual se denomina abstrato
a todo e qualquer espírito; neste caso são abstratos Deus, a alma, o anjo, o
sentimento, a dor, o pensamento. Entretanto se trata apenas de uma alteração
semântica, sem mudança na questão em si mesma.

Ainda assim, não é contudo sem sentido advertir que a arte não exprime
adequadamente o espiritual, porque opera com materiais sensíveis; neste caso,
porém, a expressão é apenas analógica, admissível também na arte figurativa.

O expressionismo é a orientação que deu importância à representação do


mundo interior. Mas este mundo interior poderá ser considerado, ora como
concreto espiritual, ora como abstrato espiritual.

A rigor, o expressionismo do concreto espiritual não é arte abstrata, porque


seus temas não o são no sentido de abstração formal. O tema do
expressionismo geralmente é o do mundo interior sem abstrações. A arte já se
denomina expressionista, quando o sentido semântico é o de tema não empírico
exterior. Há uma diferença entre esta dor (um concreto) e a dor como tal (um
abstrato). No primeiro caso já temos o expressionismo; só no segundo caso se
poderia falar de um expressionismo abstrato propriamente dito.
Além disto, o mundo interior oferece considerações que vão ligar este gênero
de arte com o gênero chamado subjetivo (vd 194)

Conclusão sobre os gêneros conceptuais de arte em prosa: há, no plano do tema


conceptual, um gênero de arte figurativo e outro de arte abstrata, certamente
distintos. Um e outro coordenam subgêneros de arte.

193. O preferido entre os temas abstratos. O preferido de todos os temas


abstratos, por abstração formal, tem sido o belo. A beleza das formas plásticas,
consideradas apenas no seu plasticismo belo, encantou a todos os artistas. E só
poderia acontecer assim, porque o belo é mais ser; o belo é o perfeito em
destaque.

Poderá o belo ser expresso pela arte figurativo, como expressão de individual
de coisas e pessoas belas; ainda pode ser expresso como figurativo-abstrato,
como acontece em a flor como tal, a donzela como tal, o homem belo como tal,
a mulher bela como tal, os desnudos belos como tais; finalmente, o belo poderá
ser expresso pura e simplesmente. Neste último caso certamente será difícil.
Seria, por exemplo, como a aurora de cinco dedos, sem se ter em vista a aurora
e nem os cinco dedos.

Outros e outros temas abstratos têm tido destaque na criação artística.


Modernamente, o ritmo tem sido um tema abstrato de grande interesse. O
caminhar constante da linha, a desenvolver-se indefinidamente, é mui do gosto
moderno. A estaticidade equilibrada, que é também uma perspectiva abstrata,
eis outro tema e que foi do gosto dos antigos, particularmente dos clássicos.

Ao abstrato, por abstração formal, pertencem todos os temas indicados pela


psicodinâmica das formas, como sugestões da linha reta, da curva, da vertical,
da horizontal, da inclinada, bem como das áreas e volumes, em todas as suas
modalidades abstratas.

Os temas resultantes da abstração formal são a temática frequente das


expressões da arquitetura.

Procuram os arquitetos embutir expressões nas linhas funcionais do edifício,


nas áreas que se distendem, nos volumes que pendem no espaço.
Por isso, a catedral é manifestação de um pensamento metafísico.

O edifício alteroso é expressão de potência.

O palácio é uma significação social.

A residência é uma afirmação fálica.

Semelhantemente, aos artigos industriais se dão expressões, que são geralmente


de ordem abstrata.

Quando se usa a expressão arte geométrica, em contraposição com arte


orgânica se pensa opor o abstrato ao figurativo (incluindo o universal da
espécie resultante da abstração formal); e este abstrato, por sua vez, se situa no
plano da forma, porquanto é peculiar à forma o ter fisionomia geométrica.
Exploraram dita arte geométrica artistas como Mondrian, Jean Arp, Max Bill,
Van Doesburg. Neste campo opera a arte denominada concretista, que todavia
não é apenas geométrica.

Tende a arte geométrica aos temas absolutos, como são aliás os das figuras
geométricas, combinando-os com significados simbólicos, estes também
bastante genéricos e abstratos, longe dos problemas da eventualidade do mundo
orgânico.

§ 2º. Arte de gênero objetivo e de gênero subjetivo. 2283y194.

194. A escultura figurativa das coisas físicas inteiramente exteriores tem sido
útil para os objetos transitórios; em si mesmos fugazes, permanecem agora
estavelmente em sua nova representação. Em se tratando do físico humano,
como nos retratos e nos episódios, admitem também serem combinados com
estados interiores igualmente fugazes.

O mundo concreto se divide em corpóreo (ou exterior) e psíquico, isto é, da


consciência (ou interior).
Dali decorre a divisão da arte em gênero objetivo e gênero subjetivo.

Em arte das formas é notável a facilidade de expressão do mundo exterior,


porque o significante se encontra no mesmo plano do significado, facilitando a
mimese que o exprime.

Os resultados são desiguais nas diferentes artes, quando exploram o figurado


exterior.

Nos temas chamados natureza morta, - como pedras, frutas, vaso de flores, -
raras vezes a escultura parece obter bons resultados; quando praticada, usa
combinar também o exterior com alguns elementos de projeção sentimental.

Na pintura, estas projeções se mostram mais fáceis, porquanto consegue tornar


presente a atmosfera geral de um panorama ou de uma situação, tal como a
tempestade ou o som nascente.

O impressionismo da pintura é capaz mesmo de anotar os efeitos de luz sobre


os objetos, quando destroem a nitidez dos contornos.

Um Moisés iluminado por raios de luz divina (conforme o relato bíblico) é


mais expressivo em pintura do que em escultura, porquanto esta não consegue,
quanto aquela, tão bem sugerir aqueles raios de luz.

Todavia os temas do mundo interior se apresentam de mais difícil expressão,


porque esta sempre é inadequada, processando-se por analogia, ou só por
contexto ou mesmo só por associatividade; contudo, são os temas do mundo
interior que mais nos interessam expressar, porque eles constituem o principal
do viver humano.

Pelo exposto se conclui que a distinção em mundo exterior e interior cria vários
problemas no campo da arte, e que aqui são tratados do ponto de vista de
distintos gêneros artísticos, e em particular no capo das artes em formas.
Em decorrência da divisão dos objetos em exteriores (sobretudo corpóreos) e
interiores (sobretudo psíquicos), decorrem duas alternativas em planos
correlatos: naturalismo versus expressionismo; objetivismo versus subjetivismo.

I - Arte naturalista versus arte expressionista. 2283y195.

195. Arte naturalista. Naturalismo é o nome que designa a preferência


artística para a temática figurativa exterior, em oposição ao expressionismo.

No naturalismo os objetos se apresentam tais como são oferecidos pela


natureza, sem as caracterizações peculiares à expressão que destaca o tema do
mundo interior.

Particularmente os povos primitivos se ocuparam com a arte naturalista; e


assim continua com os indivíduos de hoje ainda em estágio inferior de
desenvolvimento. Vertidos dominantemente para a atenção direta (sem a
reflexa), a ocupação com as coisas da natureza lhes rapta a maior parte das
atenções.

A temática do artista ingênuo é o homem natural, a fauna, a vegetação variada.


Quando se ocupa das coisas espirituais, as trata muito imaginosamente. E se
estes assuntos são religiosos, assumem a tonalidade naturalista e até mesmo
ritualista. Os livros que escreve sobre religião, as estátuas que produz, os
templos que constrói passam a ser escritos sagrados, ídolos de adoração,
lugares especiais de culto.

Os temas dos primitivos gregos (arte arcaica e pré-clássica) foram a caça, a luta
com os monstros marinhos e da terra, as aventuras, piratarias e também as
práticas de amor.

Primeiramente é a natureza marinha que impressionou aos artistas cretenses;


nos vasos e nas esculturas se apresentam os encantos dos segredos e variedades
marinhas, os peixes, os braços das estrelas, lagos e esponjas, os delfins dando
voltas e os contornos das rochas salpicadas de motivos tomados às águas.

Depois, com a transferência da civilização minóica para o continente aqueu e


dórico, ingressam os motivos vegetais; aparece agora o mundo do caçador, os
animais, os arvoredos, porque uma parte dos helenos vindos da costa do Mar
Cáspio trazia uma tradição agrícola, e que lhes garantiu prosperidade.

Apesar da valorização exterior, o naturalismo em arte não tende a uma


hipervalorização dos dados sem importância.

Já os primitivos gregos torciam propositalmente aqui e ali as formas naturais.


Montam-se os cavalos sem rédeas, porque estas podiam ser dispensadas pelo
artista, para melhor efeito estético consequente.

Também os naturalistas modernos eliminam superfluidades.

196. Arte expressionista. No homem, é notória a repercussão da vida interior


nas feições do semblante, nas reações musculares, nos movimentos, nas
iniciativas. A escultura conta, por conseguinte, peculiares recursos para
exprimir o mundo interior, desde a alegria patética à dramaticidade exasperante.

Já os escultores antigos se tem notabilizado na obtenção da leveza do corpo,


inexistente na pesada posição das estátuas egípcias e mesopotâmicas;
geralmente o conseguem tirando-a de um centro de equilíbrio, pois é fora deste
equilíbrio que se manifestam as forças do mundo interior a operarem em
conjunção com o organismo. Não obstante, esta impressão do impulso interior
não está colocada ainda como tema imediato principal da expressão.

O expressionismo (vd 293) veio muito aos poucos conquistando seu espaço.
Este gênero de arte subjetiva, ou seja, do mundo interior, sempre deu muito a
discutir. Anteriormente já advertimos para a distinção entre expressionismo
sem abstracionismo e expressionismo abstrato (vd 193).

"Expressividade" é a palavra que indica a qualidade que uma obra de arte


exerce ao exprimir adequadamente algo do mundo exterior.

A partir de 1911 se introduziu o termo "expressionismo", o qual, apesar de


indicar o então um movimento expressionista tendente a expressar o caos
interno e o caos social, significa também adequadamente a arte da
expressividade interior de qualquer tempo.
Na antiguidade egípcia o expressionismo já ocorrera na escultura de Tothmés
(um dos 4 reis do mesmo nome da metade do 2-o milênio a. C.) e de Amenófis
IV (logo a seguir).

Os gregos igualmente oferecem casos de expressão do mundo interior.


Observa-o Frederico Winckelmann a propósito das figuras do conjunto
estatuário de Lacoonte:

"A expressão de uma alma tão grande sobrepassa a arte de imitar simplesmente
a beleza natural; é preciso que o artista sinta em si mesmo a força de alma que
deve imprimir no mármore. A Grécia contou com homens sábios ao mesmo
tempo que artistas e teve mais que um Metrodoro (pintor e filósofo). A
sabedoria andava de braços com a arte e animava as figuras de uma alma
excepcional" (Da imitação das obras gregas em pintura e escultura, p. 21,
citado por Lessing, Lacoonte, 1).

No curso da Renascença se cultivou algum tanto a expressividade. Consegue-se


descobrir em algumas telas de Leonardo da Vinci, autor de Mona Lisa, a de
sorriso enigmático; e logo depois nas esculturas de Miguel Ângelo, de quem
a Pietà é um extraordinário exemplo. A ternura está presente em todas as linhas
do desenho deste mármore branco exposto na Basílica de São Pedro, em Roma;
na posição da cabeça de ambas as figuras (mãe e filho), na frouxidão dos
braços, nas áreas descobertas e na composição das vestes (vd 262).

Na pintura a expressividade tem sido também a tônica de Rembrandt, que


deixou em cada rosto, antes tudo, a alma. O mesmo se pode afirmar de Goya,
ainda que outro seja o seu estilo.

197. Num crescendo, ocupam-se do mundo interior os artistas românticos e os


respectivos filósofos da arte romântica, particularmente Schelling, Hegel (vd
2766 ss). Diz este:

"O fim da arte não consiste na imitação puramente formal daquilo que existe,
imitação de que só resultam artifícios técnicos, sem nada de comum com uma
obra de arte. A natureza, a realidade, são fontes que a arte não pode dispensar,
como não pode dispensar o ideal que não é algo de nebuloso, de geral, de
abstrato. Mas o fim da imitação consiste em reproduzir os objetos da natureza
tais como são em sua existência exterior e imediata, o que só é próprio para
satisfazer a lembrança. Ora, o que nós esperamos e exigimos, no apelo direto à
totalidade da vida, não é apenas a satisfação da lembrança, mas também a da
alma. Despertar a alma: este é, dizem-nos, o fim último da arte, e o efeito que
ela pretende provocar (Estética, I Introdução séc. 2, 1 pág. 59).

Alegam os filósofos do expressionismo a sem importância das coisas físicas.


Os corpos que não são deuses, perecem; então por que enaltecê-los? Melhor,
então, ocupar-se com a música interior do que com os corpos nus do ideal
greco-romano. Melhor também se concentrar no grito da alma aflita, do que na
tragicidade do gladiador vencido.

Há certamente muito de retórica nas alegações dos expressionistas, mas não


sem alguma razão. E ainda Hegel destacando a arte como instrumento do
mundo interior:

"De um modo geral, o fim da arte consiste em pôr ao alcance da intuição o que
existe no espírito do homem, a verdade que o homem guarda no seu espírito, o
que resolve o peito e agita o espírito humano. Isso é o que compete à arte
representar, e fá-lo ela mediante a aparência que, como tal, nos é indiferente
desde o momento em que sirva para acordar em nós o sentimento e a
consciência de algo mais elevado. Assim, a arte cultiva o humano no homem,
desperta sentimentos adormecidos, põe-nos em presença dos verdadeiros
interesses do espírito" (Estética, I, c. 1, secção 2, item 2 pág. 60, ed. port. ).

Para Hegel, arte é a manifestação sensível da idéia. Na sua ampla concepção


panteísta, é a manifestação do espírito, pois o espírito perpassa toda a matéria.

A realidade é um desenvolvimento dialético a partir de dentro; a totalidade é


uma só, como o novelo de linha volvendo-se sobre si mesmo, e a totalidade é
Deus. Mas, o pensamento começa na ponta inicial do novelo, e à medida que se
desdobra, a grande realidade vai se revelando a si mesma; o método de
progressão é o das contrárias que se vão sugerindo mutuamente. Quando já
para o fim, encontramos o espírito subjetivo a invocar o espírito objetivo; deste
conjunto se evoca o Espírito Absoluto. Mas o Espírito Absoluto no seu instante
inicial de manifestação é sensação; projeta-se diante de si como sensibilidade.
Eis a arte (Hegel, Enciclopédia das Ciências, § 556 ss. ).

Resulta, na concepção de Hegel, que "deste modo se liquida o principio de


imitação da natureza em arte" (Ibidem, § 558).
Para o idealismo de Hegel a expressão da verdade, isto é do Espírito que se vai
manifestando, já vai em adiantado desenvolvimento quando chega ao instante
da arte; esta é fase inicial da manifestação de um dos estágios dialéticos finais.

"A primeira forma desta apreensão é um saber direto e, por


conseguinte, sensível, um saber que todas as coisas considera do ponto de vista
sensível e objetivo e no qual o absoluto é surpreendido pela intuição e
apreendido pela sensibilidade. A segunda forma é a da representação do
Espírito Absoluto. A intuição sensível pertence à arte que confere à verdade a
forma de representações sensíveis" (Hegel, Estética I, c.l, A Idéia, item 1 p.
217).

Saber direto, a arte é o instante sensível da verdade. Universal na idéia, é


apenas particular no sensível. A idéia, que principia a se manifestar no sensível,
eis o que para Hegel é a arte e a beleza.

"A idéia também se deve manifestar exteriormente e adquirir uma existência


definida enquanto objetividade natural e espiritual... O belo define-se, pois,
como a manifestação sensível da idéia" ( Ibidem p. 233). "Uma obra de arte
visa a satisfação intuitiva, dirige-se ao público que, para se identificar com os
objetos, neles se quer ver a si àquilo que constitui o fundo dos suas crenças,
neles quer encontrar um eco dos seus sentimentos e um espelho de suas
verdadeiras representações" (Hegel, Estética II, b3 p. 171).

198. Sobremaneira os modernos mais recentes se encaminham na direção da


expressividade. Primeiramente é o impressionismo do fim do século 19, a
estabelecer rompimentos com o real, retendo-se contudo na atmosfera das
coisas sensíveis do exterior a nos impressionar.

O pós-impressimismo, com os métodos de ruptura das linhas naturais passou a


uma forte manifestação do mundo interior, até que
o expressionismo propriamente dito, já usando este nome, se concentrou nas
manifestações do mundo interior, e tão radicalmente que buscou eliminar os
caracteres da expressão figurativa.
Variantes, em maior ou menor grau, do expressionismo, ao mesmo tempo que
do abstracionismo, são o cubismo, o futurismo, o construtivismo, o surrealismo,
porque todos tratam do tema interior.

Ao expressar-se o artista expressionista no objeto físico exterior, transforma-o


de tal maneira, a ponto de perder suas figurações naturais. Esta facilidade de
romper a forma exterior das coisas, já vem do impressionismo, que mostra o
objeto rompido de acordo com os reflexos de luz. Mas agora, o rompimento
funciona sob a ação da impressão interior.

A supremacia da expressão altera a figura das coisas, ao ponto de torná-las


irreconhecíveis, até mesmo para que não desviem a atenção do tema
efetivamente desejado. Mais frequente na pintura, o expressionismo começou
no campo desta arte, entre outros, com Severini, Boccione, Schafler, Casper,
Munch, Chagall, Max, Raphael.

Dizia este que "a arte reproduzirá admiravelmente o artista". Entre os escultores
aprecie-se Archipenko (russo).

O valor do tema interior cresceu sobretudo para a pintura, em nossos dias,


quando uma outra arte, a da representação fotográfica, se capacitou melhor para
este gênero; ficou para o artista-pintor a tarefa do mundo interior. No plano
literário os temas interior e exterior sempre conviveram, sendo todavia o
interior peculiar aos escritores mais evoluídos.

Quanto à escultura, ela não se deixou superar no que se refere à eternidade dos
seus materiais, assim permanecendo sobranceira nas grandes praças, quer como
representação figurativa, quer como expressão do mundo interior, quer ainda
como significadora de temas abstratos.

199. Deveríamos do ponto de vista da preferibilidade dar preferência à temática


do mundo interior, como quer o expressionismo? Além do que já adiantamos
neste sentido desde que distinguimos entre arte de expressão objetiva e
subjetiva (vd 194), advertimos ainda que a própria preferência contêm muito de
subjetivo, porquanto cada qual alimenta suas preferências pessoais.
Certamente há aqueles artistas que, por índole, se concentram no tema do
mundo interior, e aqueles que preferem consumir este tipo de arte, favorecendo
pois o seu mercado.

A tendência pelo mundo interior não decide a questão da preferibilidade teórica


pelo este tema tão singular.

Independentemente de preferências pessoais, ocorrem efetivamente aqueles


temas do mundo interior que muito nos importam, e que dizem respeito
principalmente à vida intelectual, moral, sentimental. Nesta hipótese o tema
interior realmente é destacável, merecendo pelo menos tanta preferência,
quanto aquele do mundo exterior.

De outra parte, não é bom o mundo interior sem o exterior, pois este atua sobre
ele.

A crescente destruição da natureza, em consequência da ocupação humana,


resulta em um novo destaque do mundo exterior, isto é, da ecologia. Vale o
mundo exterior certamente mais, do que muitas das misérias do mundo interior
de um grande número de versejadores, por melhor que tenham sido suas
capacidades de expressão.

Ainda com referência aos valores, o mais valor não elimina em princípio o
menos valor. No valor existem graus, todos elegíveis. Apenas o não-valor
afasta o valor. Apesar das diferenças de valor, ambos os temas, interior e
exterior, são legitimamente tratados.

II - Arte em expressão objetiva e em expressão subjetiva. 2283y200.

200. Não coincidem as situações objetivas com as impressões. As


peculiaridades óticas do olho humano e a distribuição do objeto no espaço não
permitem ver o objeto tal como é objetivamente.

O objeto da impressão é distinto do objeto da situação objetiva. São conhecidos


os efeitos óticos produzidos pelas colunas, pelas fachadas, pelas linhas curvas.

Os objetos cúbicos tendem a aparecer planos.


As coisas distantes parecem menores.

Aliás, nas outras artes ocorrem situações similares; as cores luminosas rompem
a superfície dos objetos. O que tem sido explorado pelos "impressionistas", é
evitado pela arte em expressão objetiva.

A atitude do escultor tende para a expressão objetiva, porque sua obra permite
ser apreciada por um maior número de ângulos. Por isso, o escultor recria os
objetos nas formas reais, independentemente da posição em que ele mesmo
esteja. Diferentemente, o pintor costuma respeitar a perspectiva, tal como
também acontece na fotografia.

O tratamento da ilusão ótica já aparece na arquitetura egípcia, grega, e romana.


Vitrúvio fez diversas referências teóricas ao fenômeno. Tratamentos teóricos
isolados também se encontram em Leonardo da Vinci, Frederico Winckelmann,
Lessing (em sua "teoria do momento fecundo").

No fim do século 19 o assunto despertou ampla investigação e dividiu os


filósofos e críticos da arte, sobretudo do desenho e pintura. Com precisão,
demanda-se o seguinte: Se a arte deve expressar a forma objetiva da impressão,
ou a forma subjetiva ? Ou seja, se a arte deve tomar como tema o objetivo ou o
subjetivo?

Em face da universalidade temática, todas as modalidades de objetividade e


subjetividade podem ser expressas. Dali entretanto podem nascer tendências de
estilo.

201. Konrad Fiedler (1841-1895) apoiou a tendência que realça o objetivo das
coisas. Mediante alterações óticas, captar-se-ia o objeto verdadeiro, libertando
a vista dos defeitos óticos, da impressão. A arte seria então um fazer ver melhor.
Defendia este ponto de vista, quando na pintura se tentava o inverso, o
impressionismo.

Escreveu Geiger, referindo-se a Fiedler, Hildebrand e Cornelius:


"Toda a arte plástica é representação visual. Daí que seu fim seja representar os
objetos de maneira que ofereçam ao espectador a forma mais perfeita possível.

O aspecto natural e acidental dos objetos não apresenta nenhuma oportunidade


para essa perfeita captação das formas. Um dado, reproduzido tal como se vê
de frente, parece um quadrado; só a perspectiva é capaz de imprimir-lhe seu
característico aspecto de dado.

É mister, antes de tudo, tornar claramente visíveis as relações espaciais dos


objetos entre si e a articulação de cada objeto; cumpre elaborar limpidamente,
em todas as suas partes, a estrutura espacial do mundo objetivo representado.

Este princípio, isto é, que o mais alto fim das artes plásticas é elevar o mundo
visível, imperfeito quanto à maneira ordinária, à uma visibilidade perfeita, foi
primeiramente inferido por Fiedler de premissas teóricas e consideradas
artísticas.

Hildebrand modificou-o, materialmente em exigências artísticas, que Cornelius


transformou em leis particulares da Ciência da arte. Poder-se-ia sustentar que a
representação ótica é insuficiente como critério central de avaliação nas artes
plásticas. Mas o que não se pode negar é que nos achamos perante a primeira
tentativa de realizar análises científicas fundamentais e sistemáticas no domínio
das artes plásticas.

Nestes últimos tempos, Soergel tentou realizar uma síntese de diversas


concepções antagônicas, com referência especial à arquitetura "
(Geiger, Problemática da Estética, ed. port., Universidade da Bahia, 1958, p.
73-74).

Que decidir entre as duas orientações, - a subjetiva e a objetiva? Em princípio,


a arte expressa todos os temas, e pode criar portanto todos os gêneros, -
subjetivos e objetivos, - de acordo portanto com os objetivos em vista.

§ 3º. Arte das formas de tema real e de tema ficção. 2283y202.

202. O tratamento de objetos reais e de objetos ficção apresenta-se diverso na


obra de arte. Em conseqüência desta diferença de expressão, decorrente do
tema, estabelece-se a distinção entre dois gêneros de arte: o gênero artístico
de tema real e o gênero de tema ficção.

Com referência ao gênero de tema real, ele ainda é conhecido, no plano da


linguagem, por tratado, ensaio, tese, discurso, artigo, carta.

No plano da arte das formas é mais complexo diferenciar gêneros em função ao


real e à ficção. No caso, se aproximam a escultura com a pintura, cujos gêneros
operam pelas semelhanças naturais.

Na apresentação do objeto real importa o fato, aquilo que efetivamente


acontece, como claramente se observa na ciência e no jornalismo.

Diferentemente, na ficção o que mais importa é a ação e a esteticidade,


inclusive a ludicidade e a catarse, porque o conteúdo em si mesmo é irreal;
deve então a ação transmitir a mensagem, pela sua semelhança com os
aconteceres da vida humana.

A questão do tema real e do tema de ficção ocorre em toda a linha das


operações mentais.

Ainda que os gêneros do real e da ficção se desenvolvam mais no campo do


juízo, por causa das constantes afirmações e negações, em especial quando se
trata do movimento, tudo começa no instante apresentado pelo conceito.

O objeto em si mesmo deverá ser real ou imaginativo, para em um novo tempo


exercer-se com movimento, transformações, crescimentos, resultados, etc...,
quando então acontece a narrativa da ação, como no conto, novela, romance.

203. No objeto ficção o criador é o próprio artista. Num primeiro tempo cria
ficção, num segundo expressa em obra de arte a sua ficção.

Importa neste procedimento não confundir a arte com o primeiro tempo da


ficção, o qual está situado ainda na imaginação. O ficcionista (seja o
romancista da literatura, seja o escultor de imaginações), não é propriamente
artista enquanto criador de sua ficção, ainda que a crie, com vistas a finalmente
expressá-la em obra.

O artista plástico ao criar ficções, com vistas a expressá-las em formas, ainda


não é o artista da arte em formas, como o romancista ao criar seu enredo, não é
ainda o literato.

Igualmente a ciência e a filosofia são primeiramente um saber da mente, para


somente depois passarem ao texto escrito, convertendo-se só então em um
gênero de expressão, isto é em tratado ou em ensaio.

Em vista da diferente capacidade dos materiais da arte, a ficção tende a ser


criada à sua maneira para o texto literário, de outra para a música e ainda de
outro para a pintura, escultura, cinema e televisão.

Assim acontece que para a arte das formas se cria aquela que mais se adata para
os efeitos nesta área de objetos. Complementares entre si, podem associar-se,
reforçando-se.

204. Na criação de objetos novos tem sido particularmente fértil a imaginação


popular, que estabelece mitos religiosos e explicações sobrenaturalistas para os
fenômenos naturais, convertendo finalmente tudo em uma teologia
relativamente erudita.

Frequentes vezes os artistas retomam os motivos das criações populares, com


novos desenvolvimentos. Em geral, os artistas são inventores apenas no que se
refere aos novos desenvolvimentos; raro é o tema integralmente novo, mas
impressiona fortemente cada vez que consegue inventar ficção inteiramente
nova. Grandes literatos como Schiller e Goethe, apesar do gênio, operaram com
temas antigos, mas por eles habilmente reestruturados. Os artistas em arte das
formas, mesmo os maiores, como Leonardo Da Vinci, Miguel Ângelo,
tomaram temas preexistentes.

Considerando que não é o tema que faz a arte e sim a expressão, o artista, ao
expressar ficções preexistentes, cria essencialmente a obra de arte. Entretanto a
cria duas vezes, como tema e como obra, se o referido tema também for seu, no
todo ou em parte.
A reelaboração periódica de velhos temas se faz necessária, porque geralmente
contêm excessivas banalidades e ingenuidades para os estágios sucessivos da
evolução mental da massa humana.

Se a Renascença pintou os quadros bíblicos com boa arte, porém com


inautenticidade, por exemplo das vestes, ou mesmo dos fato, já não pode o
mesmo procedimento ser o do artista moderno, quando o conhecimento crítico
sobre o passado histórico se encontra mais desenvolvido.

Talvez todos os Cristos da Renascença sejam falsos messias. O artista moderno


cria outros Cristos. Também renasce em todos os tempos a bela Vênus da
antiguidade grega, em novas representações de beleza feminina.

Abstrato-formal é a arte que cria objetos novos pelo simples estabelecimento de


linhas, áreas, volumes geométricos. Consiste na criação de objetos novos,
fictícios. Caracteriza-se pelos limites bem definidos; mas isto não é essencial.
O bem definido é motivado pela intenção de fugir aos aspectos menos
definidos dos objetos reais, principalmente em se tratando de seres vivos reais.

Já ocorrem desde a antiguidade remota os objetos novos, como enredos de


ficção. Quanto aos mitos da imaginação popular, não representam, a rigor, um
objeto de ficção, porque resultam de uma ponderação dada como verdadeira
pelos autores; todas as religiões tradicionais assim pensam a respeito de suas
narrativas história heróica. Mas, estas "verdades" assumem aos olhos dos que
se encontram fora do círculo dos crentes, o aspecto de ficção, portanto de
objetos novos, capazes de serem trabalhados artisticamente. Em decorrência
varia o tratamento artístico dos mitos, conforme estiver feita a cabeça do artista
a seu respeito.

Os ingênuos continuam pintando à Adão e Eva como dois europoides; já um


esclarecido os representará como dois primitivos australopitecíneos na floresta.

205. Embora o tema da arte possa coincidir com a natureza, dificilmente haverá
quem o expresse com exatidão.
A arte de expressão inteiramente exata nunca existiu. Este problema
gnosiológico também acontece com as expressões mentais, que, apesar das
evidência, verdade e certeza alcançadas, são de uma precisão relativa.

Antes de figurar o mundo exterior, o artista deve apreendê-lo; acontece que as


coisas são vistas ao modo de cada um; por isso, a arte é necessariamente
sempre de algum modo impressionista e subjetiva.

A diferença entre o impressionismo histórico (fim do século 19) e o


impressionismo naturalista está em que o histórico faz questão desta impressão
subjetiva, isolando sobretudo a impressão de um instante dado.

Também a arte expressionista, ao tomar por tema o mundo interior, jamais


consegue uma expressão perfeitamente adequada. Cada qual tem o seu modo
de apreciar as coisas do mundo interior; consequentemente, o que expressa não
é a realidade objetiva do que efetivamente acontece.

O naturalismo artístico assume o cuidado de eliminar os elementos


dispensáveis. A escultura naturalista, tal como também a pintura naturalista,
apresenta os objetos que funcionam, eliminados os restantes. Por isso, apesar
do naturalismo, tal obra não confere com a simples fotografia.

ART. 2º. GÊNEROS ARTÍSTICOS JUDICATIVOS DE PROSA EM ARTE


DAS FORMAS. 2283y206.

206. Descrição e narrativa. Há temas em sequência e que chegam até nós


principalmente pela operação mental do juízo. Por sua vez, os temas ajuizados
podem distinguir-se entre si, provocando uma diferença, gerando distintos
gêneros artísticos judicativos de expressão artística.

Os dois mais conhecidos gêneros artísticos de expressão judicativa são


a descrição e a narrativa. Esta divisão se dá a partir do fundamento, podendo a
seguir desdobrar-se, quer em subdivisões da descrição, quer em subdivisões da
narração.
A composição de juízos de objeto simultâneo se denomina descrição; ainda que
a atenção caminhe de uma afirmação à outra, o objeto se apresenta estático e
imutável.

Entretanto, se o objeto entra em movimento, portanto em ação, a composição


leva o nome de narrativa. Um enredo menor se denomina episódio, as vezes
fixado em um só instante, suposto porém que ele tenha um ponto do qual partiu
e outro ao qual chega.

207. A escultura é capaz de, sem dificuldade, realizar um "descrição"; o


ordenamento interno das expressões fará com que a atenção se organize nas
diferentes afirmações a enunciar.

Quem aprecia o Lacoonte, certamente centraliza a atenção na figura maior,


logo depois na enorme serpente, por último nas figuras menores, apreciando
ainda por sucessão a dramaticidade da figura maior e depois das menores.

A tendência de um apreciador diante de uma descrição é analítica, ao mesmo


tempo que concentra as partes em torno de um centro de interesse.

O "enredo" se mostra de fácil expressão na forma em movimento, como se


verifica na forma dos gestos do orador, no desempenho do ator, no desenrolar
contundente do filme cinematográfico e das imagens coordenadas da televisão.

O mesmo sucede na literatura, em que a narrativa anda o longo caminho das


muitas páginas de um livro, como bem se observa romance e na novela.

A narrativa escultórica, apresentando tempos sucessivos de uma ação, apela


também à multiplicação, repetindo as mesmas figuras com uma nova
composição.

Progride a atenção para instantes sucessivos da ação. Sem que a forma


quantitativa mude, como no cinema, salta a atenção para outra forma
quantitativa, onde vai encontrar o instante seguinte da ação.
Este é o expediente usado na Via Sacra cristã, de criação medieval,
representando em catorze episódios a paixão de Jesus, do instante da
condenação ao sepultamento.

A Coluna de Trajano, monumento romano, com 36 metros de altura,


desenvolve uma espiral escultórica narrativa de 22 voltas com os episódios da
guerra contra os dácios (de além Danúbio), ao longo de uma faixa de 200
metros de personificações. No início o exército romano é representado saindo
da cidade para uma primeira expedição, cujos episódios ininterruptos vão até a
11ª volta, onde a representação de Vitória alada é o final enfático, seguindo-se
os episódios da segunda expedição, até a apoteose final.

Imitando este procedimento Paris também construiu sua coluna com uma
espiral escultórica.

208. As propriedades da narrativa dizem respeito antes de tudo à coerência


interna dos elementos em sucessão. A mente espera sempre uma lógica
evidente entre causa e efeito. Consiste esta coerência na verossimilhança.

A sequência requer logicamente a distinção dos elementos sequenciais, de tal


maneira que se perceba o início, a ação em andamento, a progressão para o
dramático, a solução e o término.

ART. 3º. GÊNEROS RACIOCINATIVOS DE PROSA DA ARTE DAS


FORMAS. 2283y209.

209. Os temas alcançados pela via do raciocínio diferem daqueles das


operações mais simples do juízo e do conceito, dali decorrendo a instalação de
mais um gênero artístico fundamental.

O discurso é um raciocínio, portanto um exemplo do gênero raciocinativo em


prosa. Um monumento é um discurso plástico, porque contém razões que o
motivaram.

É evidente que o raciocínio na linguagem revela muito mais claramente as


premissas de onde deriva. A lógica desenvolveu até uma terminologia
apropriada do silogismo, distinguindo entre antecedente e consequente, e ainda
subdistinguindo entre premissa maior e premissa menor, termo médio, maior e
menor.

Por exemplo:

se A é igual a B;

se B é igual a C;

então A é igual a C.

Neste quadro B é termo médio (instrumento de comparação). A (sujeito na


conclusão é termo menor); C (predicado na conclusão é termo maior). Premissa
menor A = B; Premissa maior B = C.

Ainda que na linguagem literária esta estrutura não se apresente assim


estilizada, ela comanda ocultamente o silogismo, e portanto o argumento do
discurso.

O raciocínio na arte das formas não contém a clara estilização do silogismo da


linguagem. Todavia o contém em sua estrutura oculta, como bem se observa na
análise das razões de um monumento.

210. Variados são os objetos alcançados pelo raciocínio; em decorrência


variam também os gêneros raciocinativos da arte.

O discurso, que é um gênero de raciocínio, se modaliza pela necessidade de um


certa emoção que ele também contém; a emocionalidade do discurso se
denomina retórica.

Diferentemente, a exposição didática é apofântica, preocupando-se em oferecer


a informação, atenta ao sequencial metodológico da mente Não se enuncia um
discurso como se exara um texto com sucessão argumentativa meramente
apofântica, ou seja, meramente lógica.
Existe uma escultura-discurso, de que o monumento comemorativo é um
exemplo; e uma escultura apofântica , do tipo exposição didática, quando
simplesmente oferece o conhecimento do que exprime, como acontece em
muitos antigos portais de igrejas e de palácios.

As catedrais góticas medievais costumam estar plenas de estatuetas,


principalmente no pórtico principal, e que serviam para a catequese das massas
cristãs analfabetas de então.

O monumento comemorativo pode associar-se também à exposição didática.


Ele não somente comemora, porque também ensina.

Quanto ao valor de conteúdo dos monumentos, pode-se discutir. Monumentos


heróicos, principalmente militares, constituem geralmente discursos validos
para circunstâncias mentais antigas, quando o conceito de nacionalidade
desconhecia o de humanidade.

Não se pode mais colocar em monumento Moisés matando um egípcio e o


enterrando na areia. A não ser que se queira apresentá-lo como um criminoso.

Um grande número de monumentos nacionais, mesmo na Europa civilizada,


são apenas a glorificação de conquistas, praticadas pelos eventuais vencedores.

Os monumentos tão comuns à independência são mais representativos, quando


expressam a formação da nacionalidade, em vez de destacar simplesmente a
independência como uma guerra separatista.

São particularmente válidos os monumentos dedicados à personalidades


beneméritas, os quais contém como discurso o bem que praticaram.

CAP. 5-o.
DA POESIA EM ARTE DAS FORMAS. 2283y211.

211. Ocorrem na poesia funções várias e operações por faculdades distintas. O


processo cognoscitivo começa pelos cinco sentidos exteriores: vista, ouvido,
olfato, gosto, tato. A seguir entram, em ação os dois sentidos internos:
imaginação e memória.

A faculdade da imaginação cria as imagens correspondentes aos sentidos


externos; portanto, imagens visuais, imagens auditivas, imagens olfativas,
imagens gustativas, imagens tácteis

Fantasia é uma denominação de origem grega e que tinha sua correspondente


latina em imaginação; por tratar-se de dois termos, evoluíram em direções
diferentes. Hoje entendemos por fantasia apenas a operação que a imaginação
exerce, quando compõe imagens entre si, como por exemplo juntando as
imagens de ouro e montanha, em um todo chamado montanha de ouro, ou
juntando as imagens de cavalo e asas, no todo cavalo alado.

A faculdade da memória retém as imagens, como sua primeira operação. Ainda


a memória é capaz de reproduzir as imagens chamando-as à consciência de si,
em determinadas situações. Estas operação da memória se denomina, com
nuances, recordação, evocação, associação.

De acordo com o étimo, as denominações sugerem peculiaridades distintas.

Recordação lembra o acordo com o étimo, as denominações sugerem


peculiaridades distintas. Recordação lembra ainda o ressuscitar do coração
(memória é aprender de coração).

Evocação é chamar as imagens (evocação), de acordo com o étimo evocare (=


chamar).

Associação é conectar, tornando uma imagem sócia da outra. Estas última


denominação indica particularmente uma das leis da memória, que é a de que
uma imagem chama a outra, associando-se simplesmente à ela.

§ 1º. Natureza da poesia em arte das formas. 2283y212.

212. Para tratar exaustivamente da poesia em formas, ou seja em linhas, áreas e


volumes, precisamos ter presente o que é a poesia em geral, sobre cuja natureza
fundamental importa estar atentos.
Acontece a poesia em qualquer espécie de arte, na de formas, cores, sons
musicais e palavra, e acontece sempre quando, depois de um primeiro
significado diretamente expresso, outros significados comparecem por efeito
de associatividade (vd 41ss). Se neste processo em dois tempos o segundo é
visado como principal, ocorre a poesia.

No caso de as imagens associadas constituírem tão só um abrilhantamento


complementar do primeiro tempo da expressão, continua a haver
principalmente a prosa, que então se denominará compositivamente de prosa
poética.

Não há poesia em formas, todavia somente prosa, quando, como no desenho


industrial (vd 308), se busca simplesmente o que as linhas, áreas e volumes
diretamente significam. Mas geralmente todas as formas espontaneamente se
revelam associativas, e portanto com o caráter de prosa poética ou mesmo de
pura poesia. Não exprimem então apenas por imitação, conforme se dá na prosa.
Mas também associativamente, em virtude de alguma vivência que tenham no
nosso cotidiano.

O fenômeno da poesia se esclarece como um acontecimento normal do


processo cognoscitivo, no qual ocorrem sentidos externos, que se combinam
com os internos - imaginação e memória (ou subconsciente).

Quando os sentidos externos atingem objetos, as respectivas sensações se


convertem a seguir em imagens, por obra da faculdade da imaginação, e que se
fixam pela memória, isto é, no subconsciente. Tais imagens ressurgem como
um todo, bastando estimular uma delas.

Se, pois, em situações anteriores foi fixada a imagem de um objeto, este foi
como que fotografado com os demais objetos, com os quais eventualmente
então se encontrava. Acontecido este fenômeno em qualquer tempo do nosso
longo passado, já poderemos nos imaginar o que acontecerá de futuro. Se for
lembrado um só detalhe dos objetos colhidos no passado pela memória, ou
subconsciente, este único detalhe poderá trazer consigo, para o consciente, as
demais imagens associadas.
Basta um objeto-estímulo adequado, e estará feito o clima poético. A obra
poética consiste em representar estes objetos estímulos, para que as imagens se
levantem para a superfície.

O grande poeta não é senão aquele que por palavras adequadas ou por figuras
adequadas cria um enredo de imagens por meio de evocações.

A sabedoria do poeta está, consequentemente, em saber apresentar


adequadamente os objetos estímulos, daqueles objetos que busca lembrar. Sua
habilidade procura criar todo um sistema de evocações, até que produza obra
verdadeiramente apreciável.

213. Em cada espécie de arte ocorre, como já se disse, a respectiva poesia. As


formas fazem a poesia na escultura e no balé, as cores na pintura, os sons na
música. Na literatura a poesia é mais complexa, porque a linguagem opera com
os equivalentes dos objetos e que são palavras convencionais.

Em todas as artes também ocorre a poesia pré-artística, que com anterioridade


se encontra nos materiais usados para a expressão; é distinta da poesia
provocada pela mesma expressão. A poesia pré-artística é muito atuante na
música, mas também se manifesta claramente operante na arte das formas.

A poesia em formas, no sentido pré-artístico, é a que se dá na elementaridade


mesma das formas, já muito antes de serem convertidos em expressão pelo
artista; eis a poesia da natureza, dos panoramas, do mar imenso, do céu
estrelado.

Finalmente, a poesia pré-artística se junta à obra de arte, quer com a expressão


em prosa, quer com a expressão poética propriamente dita, posterior à prosa,
mas provocada a partir da prosa.

Na arte abstrato-formal as evocações pré-artísticas poderão ser convertidas no


próprio tema da expressão. Neste caso tem-se uma espécie de abstrato-formal
poético.

No campo das formas, eis um elenco de evocações poéticas pré-artísticas, de


ordem sobretudo psicodinâmica, universalmente aceitas e praticadas:
- Linhas horizontais - repouso, calma, paz, quietude, tranqüilidade

- Verticais - dignidade, permanência, força, estabilidade.

- Luz em linhas - esperança, amor, ambição

- Ângulos - agitação, choque, insegurança, confusão.

- Raios - unidade, glória, devoção, dever, patriotismo

- Radiação - choque, atenção.

- Espirais - movimento, excitação, poder.

- Triângulos - permanência, seguridade.

- Seqüência rítmica- graça, encanto, movimento.

- Formas quebradas - instabilidade, insegurança.

- Obliquas - combate, choque, confusão

- Retângulos - estabilidade, força, unidade

- Círculos - imensidade, vastidão, eternidade, movimento, igualdade

- Ovais - feminilidade, sensualidade, capacidade criadora, geração, perpetuação.

- Subdivisão informal - atividade, excitação, elasticidade, progresso.


- Subdivisão formal - dignidade, unidade, equilíbrio, formalidade, força.

(Vd figuras).

214. Entende-se por capacidade de associação poética o clima dos mesmos


objetos, que as formas representam.

A flor, por exemplo, não é apenas forma; é todo um contexto concreto, o qual
por sua vez se integra em contexto com outros objetos. E assim a imagem da
flor pode evocar outros e outros objetos. Por este caminho, pois, ampliam-se os
procedimentos da poesia em forma.

O balé constitui poderoso instrumento gerador de evocação poética, a


versatilidade dos movimentos de corpo em ritmo podem ainda combinar-se
com o ritmo sonoro aumentando o poder de evocação.

Os envolvimentos sentimentais do ser humano e mais os reflexos condicionais


criam um elenco de situações que entram para a ação geral, de que resulta um
complexo sistema de imagens associadas. Desta sorte da cabeça aos pés o
corpo bailante produz resultados para a poesia.

Um conjunto de balé não é apenas um ordenamento ornamental. Exprime algo


que não resulta apenas através dos procedimentos da mimese prosaica, mas
sobretudo por via da evocação. Produz poesia o corpo individual de cada
componente do grupo, e ainda todo o grupo, por efeito do conjunto (vd 215).

215. Os símbolos geralmente se apoiam em formas plásticas. Por isso através


dos símbolos a poesia em formas ganha um caminho fácil. Os objetos
simbolizados envolvem-se em contextos, os quais o subconsciente associa
facilmente. Um objeto estímulo dá, pois, origem a uma seqüência associativa
poética, em que a habilidade do artista toma partido.

§ 2º. Propriedades da poesia. 2283y216.


216. A mais característica das propriedades da poesia é sua alogicidade, o que
entretanto, não quer dizer a anarquia, a alogicidade significa que o processo
associativo é eventual, de acordo com o esquema em que as imagens foram
fixadas no subconsciente. Cada qual poderá ter uma outra vivência, ou seja, um
outro sistema de posicionamento de imagens.

A logicidade da poesia quer ainda dizer, que ela não se processa na mente
como uma sequência de operações lógicas, de conceitos, juízos, raciocínios.
Não se trata de pensamentos, mas de imagens associadas, que o objeto-estímulo
evoca. Um texto, que literário, quer em formas plásticas, no qual ocorram
apenas afirmações lógicas, isto é, uma concatenação de pensamentos, não pode
evidentemente ser poético. Faltam nele os elementos associativos.

217. A presença dos elementos lógicos não importuna diretamente a poesia,


desde que estes elementos operem apenas como somatórios.

Por vezes o texto lógico no quadro de uma poesia é oportuno, com vistas a
organizar os elementos associativos que surgem desordenadamente.

Um livro de poesia não é apenas uma sequência de evocações; há por dentro


dele um veio lógico ordenador e cooperativo.

Igualmente uma poesia em forma plástica, admite uma ordem de materiais que,
em última instância, favorece ao funcionamento do evocar poético.

Em vista de haver dois tempos na poesia, é fácil perceber que apenas o segundo
é evocativo e por só ele é isso alógico.

O primeiro tempo é sempre lógico; neste primeiro tempo a expressão procura


indicar diretamente o objeto estímulo, indicação esta que se faz pela mimese, a
qual somente funciona através da interpretação mental.

Apenas a mente consegue interpretar que o semelhante significa o seu


assemelhado.
Na poesia de enredo complexo os objetos estímulos são apresentados com certa
ordem e mesmo como narrativa lógica. No curso deste enredo os objetos
logicamente apresentados evocam também alogicamente.

218. Convém ao poeta, além de sua capacidade criadora do processo evocativo,


ter ainda o conhecimento racional do processo que ele mesmo espontaneamente
opera, para que possa fazer a crítica desta sua criação espontânea e trabalhar no
seu aperfeiçoamento.

Se tiver consciência sobre os dois tempos da poesia, ou seja sobre o objeto-


estímulo e sobre as imagens evocadas, poderá separadamente cuidar de cada
tempo. Aperfeiçoa-se o poeta que dispuser desta capacidade de análise do
processo evocativo.

A associatividade é uma faculdade de todos, mas em alguns ela se apresenta


mais espontânea que em outros. Todavia, mesmo os espontâneos em poesia e
música têm a ganhar se estudarem o processo evocativo e o puserem sob
controle crítico, comparando e escolhendo.

O que é a inspiração poética? O exato momento em que o poeta racionalmente


escolhe entre os associamentos, tem uma inspiração, que é a que
definitivamente cria a obra poética. Supõe a inspiração poética, que a
associatividade ocorra, para em novo ato elegê-la como expressão. Quem não
tem associatividade, falta-lhe a condição básica; e se não tem capacidade crítica,
não tem como ser grande poeta, senão por acaso.

Este é um trabalho crítico, ao qual, como se vê, nenhum poeta prudente se furta,
para não expressar tolices e para fixar o que dispõe de melhor, como o outro
entre a palha. Escolhe as melhores imagens associadas e elege os objetos
estimulados mais adequados.

§ 2º. As operações da poesia em formas. 2283y219.

219. A primeira operação da poesia consiste em apresentar a expressão capaz


de estimular evocações e, ao mesmo tempo, não figuras como objetivo
principal. Se não acontecer a redução do objeto-estímulo à sua condição de
mero estímulo, o significado deste poderá tumultuar a evocação subsequente.
Assuntos banais poderão gerar excelentes evocações; a banalidade em si
mesma, pela sua sem importância, facilitará a redução do objeto estímulo à sua
condição de mero estímulo.

Todavia, se o objeto estímulo oferecer em si mesmo alguma importância,


deverá ser tratado de tal maneira, que as evocações surjam ainda com mais
força; se isto não acontecer, prevalecerá a mensagem prosaica do mesmo objeto
estímulo.

No poema épico o tema é um destes objetos estímulos significativos; mas, por


isso mesmo, deverá instalar uma evocação ainda mais forte, para que a
narrativa dos episódios fique sempre aquém do objetivo poético final.

Como um todo, a apresentação do objeto estímulo é uma operação poética


elementar, porque não passa de um momento anterior à operação principal.

220. A segunda operação poética diz respeito á associação em si mesma. Esta


associação poderá em parte ficar por conta do contexto poético. Ordinariamente
isto é o suficiente.

Mas, quando a expressão puder conter elementos que diretamente também


indiquem alguns elementos associados, estes ficam mais garantidos para a
compreensão do espectador. Os restantes derivam do objeto estímulo, ao
mesmo tempo que do elemento evocado expresso.

221. Leis de associatividade. As operações poéticas dão-se mediante três


operações fundamentais, conhecidas por:

- vivência,

- semelhança,

- contraste.
Os elementos vividos juntos, quando, depois, separados, um recorda ao outro.
A obra poética simplesmente representa a um expressar por evocação ao outro.
Nesta operação consiste praticamente toda a poesia.

Mas em vista da destacada eficácia que exercem as vivências quando


envolvidas com semelhanças e contrastes, estas outras modalidades tendem a se
estabelecer como operações associativas distintas. Na verdade, porém, não
passam de ser momentos fortes da vivência.

ESTÉTICA DAS FORMAS.

CAP. 6-o.
GÊNEROS POÉTICOS DA ARTE DAS FORMAS. 2283y222.

222. A diversidade dos objetos tratados pela poesia resulta também em


diversidade de expressão, de sorte que grupos de objetos finalmente
determinam gêneros poéticos de expressão.

Portanto, além da distinção entre espécies de expressão, como prosa e poesia,


há ainda a diversificação em gêneros de prosa, de que já tratamos (vd 184 ss),
ocorre ainda a diversificação em gêneros poéticos.

É pelos objetos que se classificam os gêneros poéticos. Considerando que os


objetos a serem expressos são praticamente os mesmos para todas as artes,
espera-se encontrar alguma aproximação entre os gêneros poéticos da escultura
e pintura, linguagem e música; em consequência as noções fundamentais sobre
os gêneros poéticos são as mesmas em todas as artes. As diferenças são
provocadas não pelos objetos a serem expressos, mas pelo material de
expressão, que são as formas, as cores, os sons musicais, os equivalentes
convencionais da linguagem.
Um dos temas mais frequentes da poesia e por conseguinte gerador de gênero
poético é o sentimento. Este é tão frequente na poesia que se tornou hábito
diferenciar os gêneros poéticos em função ao modo subjetivo (lírico) e objetivo
(épico) de o tratar.

Mas esta é apenas uma maneira muito exterior de ordenar os objetos criadores
dos gêneros artísticos, os quais mais essencialmente se dividem por outras
categorias, mais profundamente que pelo modo como os objetos são tratados
subjetivamente e objetivamente. Como é sabido, entre os temas mais tratados
pela evocação poética estão o amor e a saudade.

223. Situados no plano da arte das formas, devemos nos advertir que neste
plano não é tão fácil, quanto no da literatura, determinar os gêneros poéticos.

Em literatura a poesia apresenta-se claramente distinta da prosa, e os objetos da


poesia podem ser bem delimitados pelo conteúdo das palavras; de pronto, pelo
seu aspecto exterior, se reconhece o texto poético versificado como distinto do
texto em prosa.

O mesmo não usa acontecer nas outras artes, por exemplo na arte em formas
plásticas.

As obras da arte das formas costumam ser ao mesmo tempo prosaicas e


poéticas.

O desenho industrial é um raro exemplo de expressão meramente prosaica no


campo da forma.

Entretanto a arte das formas, como usualmente se apresenta ao grande público,


é uma arte principalmente poética, ainda que com alguns elementos em prosa.
A poesia prosaica é, pois, a regra na estética das formas.

224. A escultura, ao representar figuras humanas, apesar do seu objetivo


histórico e portanto prosaico, não raro assume também preocupações líricas ou
épicas.
O conjunto estatuário de Lacoonte é evidentemente épico. A Vitória de
Samotrácia é um meio termo entre o lírico e o épico.

225. Os gêneros poéticos praticados pelo balé, dança e similares são bastante
condicionados e, ao mesmo tempo, favorecidos pelos recursos plásticos do
corpo humano. Estes recursos plásticos representam pelos caminhos próprios à
extensão em forma, que imita as formas do objeto expresso.

O ritmo, que a dinamogenia do corpo humano permite, casa facilmente com a


música, a qual também opera ritmicamente os seus sons. Por isso, um grande
número dos gêneros musicais se repetem no balé e dança.

Esta capacidade de aliança das duas artes faz com que o balé ordinariamente
não se reduza apenas a uma dinamogenia lúdica visual, assumindo também os
temas da música. Assim o balé não se limita ao plasticismo da expressão visual,
estendendo-se aos recursos dos gêneros da música.

O mais importante do balé se encontra no extravasamento que conduz a


expressão para além da prosa, adentrando a poesia. Não se limita às formas
lisas do corpo humano, porque este na imaginação rebrilha em novas imagens,
as quais, pela via da associatividade, despertam no subconsciente, e convertem
os corpos dos bailarinos e bailarinas em sonhos faiscantes. Este novo instante
transcendental é o da poesia.

Alcançado o sistema pleno do balé, como instrumento de expressão em prosa e


poesia, importa estabelecer ainda o gênero de objeto a ser assim expresso. É
então que, através das expressões em forma e em música, e em tudo o que mais
com que se alia, deverá definir um objeto, de cujo enredo se ocupará. Este
assunto definirá os gêneros de balé.

O tema do balé poderá ser uma figuração estética. Por isso só a beleza das
formas em movimento e da sonoridade concomitante é um elemento temático
digno de ser expresso. Mas o tema do balé progride facilmente em todas as
demais direções da preferência humana, em vista da alta associatividade do
corpo, seja do corpo em geral, dos braços, das pernas, do rosto.
Certamente a muito digna e desejada volúpia também se integra nos
movimentos do balé, expressando artisticamente a eroticidade, a alegria sensual,
o poder da reprodução. Por esta via, o balé se prende aos temas da raça, da
nacionalidade, da própria humanidade, sempre que conseguir avançar mais
além do individual da mencionada sensação de volúpia.

Mas o balé poderá ir muito mais longe em seus temas, graças às sugestões
psicodinâmicas das formas em movimento e das evocações embutidas pela
seqüência musical. E assim, outros e outros gêneros se vão definindo, de
acordo com os temas levados à expressão corporal.

Modernamente os balés acentuaram os temas de caráter nacional e social. No


que se refere aos temas de caráter nacional, o destaque é sobretudo o folclórico,
porque este como que é o símbolo da sabedoria popular da nação.

Assim há, como gênero e não só estilo, um balé brasileiro, um balé eslavo
(russo, polonês, etc.), oriental (chinês, mongol, nipônico, etc.).

O máximo em questão de temas é o universal em todos os sentidos, o


metafísico, e que balé também vagamente consegue sugerir, quando se destaca
em beleza.

CAP. 7-o.
DO ESTILO DA ARTE DAS FORMAS. 2283y226.

226. Introdução. O estilo admite uma abordagem puramente teórica (Art 1º) e
uma outra histórica (Art. 2º).

Pela abordagem teórica o estilo é caracterizado como elemento acidental da


arte, e que por isso se estabelece com alternativas.

Pode mesmo o estilo identificar-se por vezes com as propriedades da arte,


enquanto estas também são afetadas por alternativas, principalmente de graus
de perfeição.

O caráter não essencial do estilo resulta em poder variar, fazendo história.


É exatamente pela história que costumamos tomar contato direto com os estilos,
sendo-nos então mais fácil uma abordagem didática dos mesmos.

Contudo, antes de cuidar desta história sobre os variados estilos, precisamos


penetrar a noção mesma de estilo como acidentalidade, para depois irmos às
suas eventuais variedades históricas.

O que efetivamente agora nos preocupa não é mesmo fazer uma história do
estilo especificamente como história. Aqui a preocupação é apenas didática.
Queremos apenas caminhar ao longo da história para, como quem coleta flores
ao longo de um caminho, ter a oportunidade de tomar conhecimento com os
estilos que efetivamente têm existido, com isso aprendendo a defini-los.

Em vez de observar os estilos fora do tempo, os situamos ainda historicamente,


por ser assim mais fácil de apreender abrangentemente seu caráter de
eventualidade.

Para este nosso objetivo não importa que tudo entre neste nosso relato de
história sobre a arte das formas; sobretudo não cuidamos do que o último grito
propagandístico apresenta como sendo agora, neste instante, o melhor.

ART. 1º ABORDAGEM TEÓRICA DO ESTILO. 2283y227.

227. Estilo é o modo eventual como a expressão artística se processa. Em tudo


há sempre algo não necessário e que permite uma opção, e que cria um estilo.

Em arte das formas, por exemplo, há estilos conhecidos como clássico, gótico,
romântico, barroco, rococó e outros. Todos estes estilos são modos eventuais
de expressão, que poderiam não ter acontecido, e podem voltar quando os
artistas o quiserem e os consumidores da arte o preferirem.

Pela sua origem, a palavra estilo, do latim stilus (= vareta) indicava


originariamente a vareta com que se escrevia, de onde passou também a
significar o modo peculiar que a escrita tomava ao serem picados os caracteres
ideográficos nas tabuínhas de cera, usadas pelos antigos.
Dali o significado evoluiu semanticamente mais uma vez, ao passar a indicar
o modo da linguagem em geral, finalmente o modo de toda e qualquer
expressão, isto é, de todas as espécies de arte.

No sentido qualificativo nobre, estilo é o modo perfeito de expressar. Diz-se


então não ter estilo, ou ter mau estilo, aquele que se expressa de modo
imperfeito.

O sentido nobre acontece sobretudo, quando o estilo resulta de uma


propriedade realizada em alto grau; por exemplo, alto grau de evidência e de
esteticidade da expressão. Porque a propriedade em si mesma sempre é
necessária, espera-se que seja bem realizada, o que não se pode exigir do estilo
quando resulta de acidentes aleatórios. Uma propriedade, embora seja
necessária, pode contudo realizar-se em graus; ora, estes são aleatórios, e por
isso criam estilos; então estilo em sentido nobre, é aquele que leva a obra de
arte a um elevado grau.

228. Classificação dos estilos. É muito dispersiva a classificação dos estilos,


porque os critérios extrínsecos predominam.

Do ponto de vista da forma, a eventualidade estilística se dá ordinariamente em


dois planos: a meramente acidental e a que se dá como propriedade realizada
em graus.

Um estilo resulta da mera acidentalidade, quando seu caráter se funda em


acidentes em si mesmo de todo não necessários; por exemplo, quando resulta
de uma técnica, como do arco redondo ou do arco agudo, ou da escola de
colunas de sustentação em vez do muro, ou ainda de traços paralelos em vez de
traços largos.

Um estilo poderá resultar de uma propriedade, quando esta, ainda que sempre
necessária à arte, é realizável em graus, em que todos estes graus são
permitidos, sendo portanto eventual sua eleição. Por exemplo, graus de
evidência da expressão, graus de verdade da expressão, graus de certeza da
expressão, graus de esteticidade da expressão, graus de capacidade de
comunicação da expressão.
Do ponto de vista material, os estilos podem ocorrer em qualquer dos
elementos da arte, e que fundamentalmente são o significante (o portador) e o
significado (a expressão).

Assim sendo, o estilo como que tudo invade, podendo acontecer em qualquer
dos elementos constitutivos da arte, quer nos mais essenciais, como o
significante e o significado, quer nos menos essenciais, como nas propriedades,
as quais admitindo graus, permitem uma acidentalidade muito vasta.

O estudo do estilo retoma, como que, todas as questões da arte, por causa da
acidentalidade que pode ocorrer em cada detalhe.

Até a história da arte é vastamente invadida pelo estilo. Não é o mesmo história
da arte e história do estilo, ainda que a questão do estilo mais atraia.

As modalizações do estilo são sistematizáveis, embora não a partir de um


critério intrínseco a ele mesmo, porquanto ele é sempre algo eventual.
Exteriormente, porém, os estilos se sistematizam em função daquilo que eles
estilizam: o significante e o significado.

Quanto ao significante, que é a matéria portadora do significado, os estilos se


dizem pré-artísticos. São determinados, por exemplo, pelo bronze, pelo
mármore, pelo material industrial, pelo volume, pela cor natural, etc.

O significado, ou expressão, também pode ser atingido pela eventualidade dos


estilos. Estes se dizem então propriamente artísticos. O que mais importa na
expressão está nas propriedades gnosiológicas da expressão - evidência,
verdade, certeza. Em função aos graus de evidência atingida o estilo poderá ser,
por exemplo, evidente, claro, veemente, obscuro, confuso. Neste campo se
situam os estilos, que, por variadas razões se dizem, por exemplo, do ponto de
vista axiológico, estilo clássico, realista, subjetivo, romântico, etc.,

229. Clássico e não clássico. Um dos elementos que mais influi na formação
do estilo é a avaliação axiológica do objeto expresso. Querem uns enquadrar os
seres em padrões universais, em função dos quais se dizem belos, bons, etc.
Neste caso, os objetos se idealizam na medida que realizam o seu padrão dentro
da categoria, ou espécie, a que pertencem.

O estilo clássico é aquele que idealiza aos seus objetos, elevando-os pois à
perfeição em destaque, e que nada mais é, senão o belo.

As normas axiológicas dependem de uma filosofia de princípios absolutos,


imutáveis.

Em decorrência, os que não aceitam estas normas passam a desenvolver outros


estilos, em que os padrões são relativos, por exemplo, o da preferência
subjetiva. Neste campo se situam estilos como o rococó, o romântico, os
modernos na sua generalidade.

230. Classificação histórica dos estilos. A classificação dos estilos também se


pode fazer por critérios extrínsecos à arte, e é quando se destaca o critério
histórico, em função do qual os estilos são arrolados à medida que foram
surgindo ao longo da história. Ele é um critério extrínseco, porque não diz
respeito diretamente ao modo em si mesmo de estilizar a obra.

A abordagem histórica indaga o que efetivamente aconteceu ao longo dos


tempos com referência aos estilos. Não importa diretamente sua qualidade,
ainda que esta influa na exterior seleção do mais nos interessa conhecer
historicamente.

Com vistas a esta seleção, a abordagem histórica vem acompanhada de alguma


crítica. A história é a ciência que nos diz haver existido um passado, e o isto o
faz documentalmente, ao mesmo tempo que com apreciação com vistas a
seleção.

A importância do critério histórico está em que nos esclarece a respeito de


circunstâncias que motivaram a aceitação de tais modos, ou estilos. Além disto,
os nomes dos estilos estão ligados também à história.

Enfim o valor do critério histórico se impõe, porque os estilos não têm nascido
por causa de uma especulação inteiramente sistemática em torno das muitas
modalidades possíveis. Porém de inclinações e experiências. Por isso, por
exemplo, é que um clássico antigo não pode ser o mesmo clássico dos anos da
Renascença, cujas diferenças se devem principalmente a novos temas, como os
cristãos.

Ainda que se faça uma classificação sistemática dos estilos, convém, pois,
ainda conhecê-los sob uma perspectiva histórica. Sobretudo os estilos que
dependem de uma técnica superada por melhores recursos, somente existirão
em condições históricas, pois fora delas não seriam racionais. Hoje ninguém
construirá com a técnica gótica, ainda que no seu tempo fora um modo
excelente.

231. Esteticidade do estilo. O efeito estético do estilo é incontestável, e é um


dos motivos que mais atrai o interesse para a arte como arte.

O bom estilo desperta prazer; quando não chega a tanto, pelo menos não
tumultua com o desprazer. Certos modos, com que a arte se apresenta, agradam
mais que outros.

O artista modaliza a expressão de acordo com o agrado estético capaz de


produzir. A função estética da arte influencia o artista a operar de maneira a
tornar sua expressão mais estética. O mesmo acontece com o apreciador, o qual
prefere e procura a arte de efeito estético maior, seja pelo seu instante pré-
artístico, seja pela maneira de expressar, seja pelo conteúdo expresso.

O interesse pelos estudos da arte principia frequentemente pela atração


provocada pelos estilos. Esta preocupação, ainda que superficial, progride na
direção de aspectos mais essenciais, tanto da filosofia da arte, como da filosofia
em geral, bem como ainda da cultura em que os estilos nasceram.

ART. 2º ABORDAGEM HISTÓRICA DOS ESTILOS. 2283y232.

232. Voltamos a advertir, que nesta abordagem dos estilos pela ordem histórica,
não cuidamos em primeiro lugar de fazer uma história (vd 226). Visamos um
arrolamento dos estilos, coletando-os ao longo do caminho do tempo, e sempre
com vistas à estética das formas.
Na eventualidade histórica das maneiras de expressar, a variação maior de
estilo acontece por causa da ênfase diferente que se dá aos elementos
constitutivos da arte: uns enfatizaram ao significante (ou portador), outros ao
significado (ou expressão), outros às propriedades (principalmente à
esteticidade e a utilidade, como o da comunicação), outros ao tema
(principalmente no que concerne à idealização e não idealização, e ao modo
objetivo ou subjetivo de enfocá-los).

As dificuldades iniciais da escultura foram a reprodução exata do ser humano e


o movimento. Só com o decurso do tempo as proporções do corpo são
alcançadas e o caráter estático é superado.

Quanto à arquitetura, sempre se lhe deu algum destaque na abordagem histórica


dos estilos. Em geral ela não ultrapassa a sua condição principal de organização
de espaço a serviço do homem, sem derivar para a expressão artística de
conteúdo.

Todavia, operando com volumes, áreas e linhas, a arquitetura sempre anda


muito próxima das preocupações estéticas do escultor. Dadas as maiores
dimensões do espaço arquitetônico, ela se torna mais facilmente o exemplo
didático para a mostração da estética das formas. Na essência, todavia, a
estética das formas é igualmente válida para qualquer das artes.

Um dos fatores que tem mais influenciado o desenvolvimento histórico dos


estilos foi a qualidade dos materiais. O primeiro homem praticou o uso das
cavernas, um material praticamente pronto. Depois utilizou a madeira para a
construção de cabanas.

A invenção do tijolo, efetuada pelos mesopotâmios, sobretudo pelos babilônios,


foi uma primeira grande revolução na arquitetura. A descoberta dos metais,
principalmente do ferro, possibilitou o uso da pedra talhada, entre outras a do
mármore.

Somente a partir do século 20 o homem se libertou quase totalmente dos


materiais preexistentes, passando à produção industrial dos mesmos, mediante
ferro, cimento, plástico. Dominando as formas, inclusive as formas das
imagens eletrônicas, a estética das formas passou à uma época inteiramente
nova.
§ 1º. Estilo egípcio. 2283y233.

233. O estilo arquitetônico egípcio, que vem já do terceiro milênio a.C., é


geométrico e com tendência a expressar os indivíduos com os elementos
essenciais à espécie.

Situando-se no plano geométrico, o estilo egípcio explorou os elementos


essenciais dos volumes, planos e sobretudo das linhas.

O efeito estético das linhas já é bem notado na arquitetura egípcia e também de


sua pintura plana.

A escultura, quase sempre ligada à arquitetura, representa o homem de maneira


grandiosa, hierática, limitada entretanto à frontalidade.

Transferiu-se a frontalidade da estatuária egípcia para os gregos pré-clássicos,


os quais finalmente vão conseguir representar o movimento e a graciosidade
(vd 237).

Do ponto de vista temático, a arte egípcia foi dominada pelo sentido religioso
da realidade. São as pirâmides nada mais que mausoléus colossais destinados
aos reis. Para o culto construiu igualmente gigantescos templos, apesar dos
limitados recursos da época, em que a monumentalidade é o estilo.

O templo de Amon, em Karnak (1550-323 a.C.), media 300 metros de


profundidade, 130 de largo. A cobertura se mantinha sobre 134 colunas de 13 a
13 metros, em alas de 16. Estas colunas monumentais se destacavam também
pela espessura de 1/6 de sua altura, e eram encimadas por capitéis entalhados,
obedecendo a diferentes ordens, expressando vegetais, como folhas de palmeira,
flor de lotus, ou cabeças de pessoa, de animais, ou mesmo instrumentos de
música.

O egípcio era também moralista, aspecto que não estimulou a escultura humana,
como aconteceria depois com a grega. O moralismo egípcio passou aos
israelitas; estes eram anteriormente mais tolerantes, como os mesopotâmios, a
cujo grupo étnico pertenciam.
Desapareceu a civilização egípcia com a conquista persa (525 a.C.), passando
depois aos gregos, sob Alexandre Magno (332 a.C.), mas não sem antes haver
transferido parte de seu legado cultural.

Continuará o Egito presente na história, mas sob o novo estilo dos helenos (vd
233 ss) e por último, desde 641, dos árabes.

O antigo patrimônio cultural egípcio foi vastamente depredado, parte por


conivência dos nacionais, parte por apossamento indevido de museus europeus
e americanos, inclusive brasileiros. Decorrerá muito tempo, até os defuntos das
múmias sejam devolvidos ao lugar de direito.

§ 2º. Estilo mesopotâmico. 2283y234.

234. A arquitetura mesopotâmica, com destaque a de Babilônia, é volumétrica,


no início.

Evoluiu com posterior introdução das colunas e mesmo da cúpula. Esta foi uma
significativa contribuição mesopotâmica no futuro desenvolvimento da
arquitetura.

Mais tarde a Mesopotâmia será helênica, romana, bizantina, árabe (hoje Iraque),
com sucessividade de estilos de construção, sem que tenha sobrado algo tão
significativo quanto no Egito.

A invenção do tijolo, para a construção e mesmo para a escrita cuneiforme,


representa um passo importante da antiguidade no sentido da produção
industrial do material de construção.

A raridade da pedra fez reservá-la para as colunas. Similar foi o sistema de


construção adotado pelos iranianos, os quais conquistaram Babilônia em 525
a.C.
No centro de Babilônia se encontrava o palácio real, de que se admiram ainda
hoje as ruínas do de Sargão II (722 a.C.), numa área de 10 hectares, com cerca
de 700 dependências.

Destacava-se também o Zigurat, edifício de 90 metros de altura, subindo em


forma escalonada decrescente, com um templo no alto, mas de que hoje
somente restam ruínas. Foi descrito por Heródoto (História, I, 118), ao visitar
Babilônia cerca do ano 460 a.C.

A Torre de Babel é mencionada também pela Bíblia judaica, através de uma


narrativa de caráter lendário. Assevera a Bíblia que, por ocasião de sua
construção, Deus provocou a confusão das línguas (Gênesis, 11, 1 ss.).
Conserva contudo a narrativa o seu valor cultural, revelando que a
multiplicidade linguística não favorece a humanidade.

A escultura mesopotâmica imprime extraordinária dinâmica e dramaticidade às


representações de animais. Quando feridos pelo caçador, mostram o efeito do
ferimento mortal, ou a potência da fuga.

São apreciáveis as agonias da Leoa e do Leão, nos baixos relevos do palácio de


Assurbanipal; o patético alcançou um clímax, raro mesmo em representações
posteriores.

Para mais além da Mesopotâmia se desenvolveram vários grandes estilos


asiáticos, na Índia, Indochina, China, Japão, que todavia não tiveram
oportunidade de influenciar a dinâmica tradição dos estilos ocidentais (vd 297).

§ 3º. Estilo grego. 2283y235.

235. Ainda que se perdesse quase toda a pintura do mundo helênico, muito
restou dos seus desenhos, escultura e arquitetura, para que se tenha dela não só
uma avaliação histórica, mas também ainda real proveito.

A Grécia clássica pela sua arte e sabedoria continua falando aos homens de
hoje.
Ainda que tenha recebido contribuições egípcias e mesopotâmicas, a influência
ecológica determinou uma direção nova na arquitetura grega. A presença da
floresta no Ocidente ofereceu a oportunidade de construir com madeira, de
sorte que, quando esta foi sendo substituída pela pedra, a construção manteve o
caráter leve da maneira anterior de construir. Aliás, arquitetura originariamente
significava carpintaria.

Imitando depois com a pedra as construções de madeira, não apresentam os


edifícios gregos nada da imensidão compacta das criações egípcias, em pedra
montada, e das mesopotâmicas, em largos muros; mas continham em si a
potencialidade da pequena semente, da qual surgiria depois a grande arquitetura.
Também da arte da escultura, nascida quase perfeita, se faria a tradição clássica
de todos os tempos.

A influência egípcia sobre o Ocidente se fez através dos navegadores fenícios


(semitas); e a mesopotâmica por via terrestre por meio dos hititas (indo-
europeus), estes situados de permeio, na Anatólia, onde seu reino, fundado no
2º milênio, durou até 750 a.C.

Também os persas (indo-europeus) influenciaram o Ocidente grego pela


conquista da Ásia Menor. Foram todavia depois dominados pelos gregos.

Ganhou finalmente a arquitetura grega desenvolvimento próprio.

Em toda esta interação de povos e respectivas artes, são indo-europeus os


hititas, persas e gregos, os quais por último acabaram por se sobrepor às
civilizações semitas: de egípcios, mesopotâmios, fenícios.

236. Arte minoica. Na fase mais antiga admiramos a arte minóica, de Creta, do
primeiro milênio a.C., anterior mesmo ao que depois se faria conhecer como
arte grega pré-clássica.

Esta primitiva arquitetura grega utilizou colunas estreitas na base, com peculiar
efeito estético. A escultura foi minuciosa e fantasista, o mesmo acontecendo
com os desenhos e pintura.
237. Da arte pré-clássica e clássica, em geral. De 700 a 470 a.C., quando da
vitória grega sobre os persas, progrediu a arte, depois denominada pré-clássica,
e que se desenvolveu em todos os campos, - escultura e arquitetura, pintura,
literatura, música, teatro, inclusive filosofia.

O pré-clássico grego (700-470 a.C.), ou período arcaico, foi um caminhar na


direção do clássico. Tendo embora por aspiração o clássico, a técnica dos
artistas não conseguiu então ainda romper os naturais entraves da criação
perfeita.

A estrutura social grega, inicialmente agrícola, que bem se reflete na literatura


e nas obras de Esiodo, é dominada progressivamente pela burguesia mercantil e
marítima.

Prosperou o clássico, de 470 até 320 a.C. Trata-se, sob todos os pontos de vista,
- artístico e social, - do brilhante período que se fez conhecer como o Século de
Péricles.

O imenso Império de Alexandre Magno, morto prematuramente em 323 a.C., e


por isso logo redividido, mas entre os chefes gregos, deu origem ao chamado
período helênico. Marcado por Alexandria e Antioquia, e ainda por Atenas,
este período praticou um barroco de formas um tanto livres, até o primeiro
século a.C.

No curso do império Romano, ocorreu um classicismo puro, de que continuam


participando os gregos, integrados agora neste outro império.

O pensamento espontaneamente democrático, racionalista e humano desta


categoria de gente, fez evoluir a arte na direção do classicismo, ainda que não
superasse por muito tempo a dureza das formas arcaicas. Desfazendo-se da
fantasia oriental, ocupa-se com o homem. Buscando um tipo ideal como
modelo de sua realização, a obra artística se racionalizou.

Para os que vêem na arte clássica o ideal definitivo da criação artística, não
podem reconhecer nos outros estágios artísticos, anterior e posterior, senão a
preparação e a decadência do clássico.
Somente o século 5º, o chamado Século de Péricles (referência ao maior
arconte de Atenas) e parte do século 4º, teriam marcado grandeza.
Paralelamente, a arte da Idade Média teria sido uma preparação para o
Renascimento Clássico. São modos de ver, que influenciam a apreciação das
realizações histórica.

Em função à estética das formas, passa-se a seguir a um destaque especial para


a arquitetura e a escultura grega.

238. A arquitetura grega não merece ainda os mesmos encômios que teria a
escultura (vd 239). Do ponto de vista técnico, limita-se ao sistema de
sustentação simples, de colunas, ou paredes, que sustentam arquitraves. As
linhas verticais e horizontais dominam, consequentemente marcando o estilo.

Não conhece a construção clássica estruturas muito complexas a fazer pressões,


para alargamento dos espaços entre as colunas e criação de tetos amplos. A
técnica do arco, da cúpula e finalmente dos botaréus e ogivas serão
introduzidas só em períodos posteriores.

No futuro talvez não se consiga, em escultura, mais do que a grega; o mesmo


não se poderá dizer da arquitetura, a qual no período helênico-romano e na
Idade Média ganhou novos desenvolvimentos.

Não obstante o estreito limite em que se situou a técnica clássica grega, sua
arquitetura foi conduzida a um refinamento inegável, de sorte a se definir como
um belo estilo.

Ponha-se atenção nas colunas gregas, já que exerciam então importante função.
Destacam-se primeiramente a ordem dórica (Grécia Continental e Peloponeso)
e ordem jônica (Ásia Menor), seguidas , no período helênico pela elegante
ordem coríntia (referência à Corinto, porto junto ao isto que liga o Peloponeso
à Grécia Central).

A coluna dórica se caracteriza pela ausência de adorno, simplicidade de linhas,


alargando-se na direção do solo, ao qual como que penetra, porque não possui
embasamento considerável, fuste relativamente grosso, capitel simplificado.
Na multiplicação rítmica desta coluna severa, há um grande poder de
inteligibilidade e beleza estrutural, própria do clássico arquitetônico verdadeiro.

A coluna jônica apresenta um estilo mais gracioso pela delicadeza dos frisos e
menos grossura em relação ao comprido do fuste, capital trabalhando como
travesseiro dobrado em volutas, embasamento anular.

O aspecto decorativo da coluna jônica se impõe com mais evidência, do que o


funcional. Por isso, se encontra mais próxima da coluna coríntia, que lhe
sucedeu.

A coluna coríntia levou até ao fim a leveza graciosa das linhas e a exaltação
imaginosa, pela transformação do capital em cesto de flores.

As manifestações mais exuberantes da coluna coríntia estão de acordo com o


espírito barroco deste novo tempo, e se podiam admirar sobretudo no Templo
de Zeus Olímpico, de Atenas (vd 244).

Outras ordens de coluna se inventaram nas arquiteturas dos diferentes países.


Mas a todas elas suplantaram as ordens gregas, pela sua esteticidade e
coerência interna de linhas.

239. As preocupações óticas são visíveis nos construtores gregos, das quais
algumas já vinham dos egípcios.

O frontal é ligeiramente inclinado para a frente, onde está o apreciador. Esta


inclinação evita a ilusão que a face vertical, apesar de vertical, criaria fazendo-
se parecer inclinada para trás.

A coluna recebeu um ligeiro engrossamento a meia altura (entase), pois a reta


pareceria estrangular-se.

A arquitetura dianteira é flexionada em arco muito de leve para cima, enquanto


que as colunas no alto se inclinam para dentro.
Os frontais caracterizam a arquitetura grega. Triangulares, geralmente,
oferecem um espaço vazio, aproveitado para as decorações escultóricas. Por
esta via chegaram ricos exemplares da escultura grega até nós.

O templo grego é um antigo palácio de rei, entregue agora à residência de um


deus. Em geral pequeno, é iluminado apenas pela luz da porta. As colunas têm
a função arquitetônica da sustentação, ao mesmo tempo que marcam um
insistente ritmo ornamental exterior.

Aprecie-se o Partenon (447-.422 a.C.), sobre uma colina, a Acrópole de Atenas.


É a obra prima da arquitetura clássica pré-helênica. De mármore, foi construído
por Ictinos e Calícrates, ornado pelas esculturas de Fídias. Apresenta oito
colunas na fachada, seguindo as outras pelos flancos, todas no moderado estilo
dórico. Havendo atravessado os séculos, foi prejudicado no século 19. Em vez
de serem recolocadas as esculturas, foram levadas predatoriamente para
museus de Paris e Londres. Não obstante às manipulações diplomáticas e os
méritos dos ocidentais na conservação das antiguidades, importa devolver aos
povos os valores inalienáveis de sua cultura. O Partenon talvez deva, por isso
mesmo, ser reconstruído para receber aqueles materiais.

240. A escultura grega alcançou progresso incontestável, ultrapassando


consideravelmente sua companheira, a arquitetura.

Enquanto a arquitetura não ultrapassa o sistema da simples sustentação de


traves sobre colunas, a estatuária caminha para uma diversidade de recursos
incontestável. Ainda assim, não alcançaram os gregos a escultura meramente
formal; é sempre figurativa. Apenas nos ornamentos aconteceu o meramente
formal.

De começo, - na fase pré-clássica (700-470 a.C.), a escultura grega esteve sob


influência hierática egípcia, marcada pelo posicionamento das estátuas de
frente. Libertando-se cada vez mais da dureza das linhas geométricas e
monumentais, o plasticismo espontâneo se manifesta no real e no ideal, no
masculino e no feminino, no gracioso e no dramático, no heroísmo e no prazer,
no nu e nas vestes.

A arte grega arcaica é esquemática, desfilando os tipos equidistantes, numa


alternação mecânica hierática. Os músculos são apenas formas meramente
espaciais. As vestes caem em pregas decorativas, sem participação dinâmica do
corpo. Os cabelos recebem também tratamento isolado, em bucles sem visível
coesão com o todo. De maneira geral, pois, não participam as partes na
composição de um todo moral.

241. A arte grega clássica propriamente dita (470-320 a.C.), exprimiu o


universal arquétipo, idealizando o indivíduo. Representa os tipos e não os
indivíduos.

Agora, no classicismo, a estátua conseguiu representar os movimentos


espontâneos, distribuindo o peso com naturalidade, em torno de um eixo de
equilíbrio e centro de movimento. Quando o peso carrega mais sobre um pé, se
verifica o correspondente desvio das cadeiras e dos ombros, de sorte a se
estabelecer a coesão das partes entre si.

As vestes são postas em função ao corpo e das formas eventuais que este
assume; por conseguinte não se comportam isoladamente, mas em coesão.

O mesmo princípio de unidade redundou no abandono do anterior tratamento


dos cabelos em bucles, como o faziam os artistas arcaicos. Em vez desta
arrumação artificial, o cabelo passa a ser ajustado mais para junto do crânio,
geralmente reduzido a uma superfície granulada.

Mas, esta espontaneidade da estatuária grega não atingiu ainda uma liberdade
exuberante de movimentos, como depois sucederá no curso do helenismo de
espírito barroco.

Mantém-se o no momento clássico grego o equilíbrio dos movimentos, suaves


e cuidadosos, idealizando o tipo.

Apesar de assumirem as vestes maior dinâmica do que na forma decorativa


arcaica, seu tratamento clássico se retém na composição discreta, como por
exemplo, combinada com a atitude de as colher por qualquer parte. Ou então a
composição da veste fica apenas pendente de um só ombro, pelo efeito de um
broche único no peplo. Também o cinto serve de recurso, ou outro qualquer
acidente.
Apesar de haver prosperado na capacidade oferecer a expressão do movimento,
reteve-se o estilo clássico em sua peculiar moderação, não seguindo para uma
atitude livre exaltada, de véus voejantes e túnicas por demais desembaraçadas,
como ocorrerá no pós-classicismo.

Do ponto de vista temático, a escultura clássica se concentra nos valores


humanos. Nestes particular o classicismo grego influenciará a Renascença e
passou a ser inspiradora eterna do pensamento moderno.

Atribuiu a clássica escultura grega importância à pratica do atletismo e dos


concursos olímpicos enaltecedores dos campeões da raça, como estímulos para
o aperfeiçoamento da expressão artística dos elementos anatômicos ideais do
tipo humano.

As próprias concepções mitológicas suavizam os exageros de seus episódios,


tornando-se os deuses mais terrestres, à semelhança dos mortais, quando não
até passam a ser tão somente símbolos dos ideais que motivam o homem a se
desenvolver assim.

Na medida que o classicismo grego se inclinou para o humano, tendeu a


superar a si mesmo, caminhando do ideal para o individual. E assim já se
prenunciam os retratos, substituindo as cabeças ideais, por reais.

As poucas estátuas deste tipo, como os tiranicidas da autoria de Krítias e


Nesiotes (que obraram pelos anos 470 a.C.), e a cabeça de um guerreiro
barbado de Acrópole, revelam muito realismo; contudo, não parecem ainda
tiradas diretamente do modelo, conservando ainda resquícios das cabeças ideais.

Note-se também que o grego clássico não foi imaginoso, prevalecendo nele o
inteletual. Quando busca o tipo ideal, o procura para as coisas naturais e
concretas. A fantasia Oriental não lhe é peculiar. Mesmo na evocação poética,
mostra-se moderado, nisto sendo amplamente vencido pelos clássicos do
Renascimento.

Não se deve confundir a arte com a história de um povo, se esta arte for a
clássica, porque o clássico expressa os tipos ideais, e não os indivíduos. Eis
porque a Grécia clássica não foi o que dizem as suas estátuas, sua poesia, suas
narrativas, nem todos os homens eram atletas.
Nem todas as mulheres constituíam protótipos de beleza e nem andavam
graciosamente nuas com a equilibrada inocência das fascinantes estátuas de
Vênus.

Nem os homens eram capazes do exibicionismo e aventuras amorosas de um


divino de Zeus. Os futuros entusiastas do classicismo bem deverão distinguir
entre a arte clássica e o grego do período clássico.

242. Artistas gregos clássicos. Algumas obras primas da escultura grega são
de autores cujos nomes se desconhecem ou são atribuídas especulativamente.

Observa-se a idealização no Guerreiro moribundo do frontão do templo de


Afaia (Egina). A rigidez arcaica subsiste, mas com tendência a ser vencida,
fazendo desta obra uma realização de transição para o classicismo, nos fins do
século 6º.

O Auriga (cerca de 490 a.C.) é outra idealização, pelo fino tratamento da


cabeça e a vestidura ampla, todavia com severidade no comportamento geral do
corpo.

Desembaraçado e majestoso é o Zeus, na estátua clássica. E assim


também Possêidon, um bronze reconquistado do fundo do mar (bronze de
Eubéia, séc. 5º a.C., Museu Nacional de Atenas); seu equilíbrio sobre pernas
abertas, sem paralelismo, e igual abertura dos braços em horizontal,
acompanhado a motivação da cabeça para uma ação pelo lado esquerdo, além
da serenidade, mostram aqui o deus do mar em investidura perfeitamente
clássica.

Myron (+ c. 423 a.C.) fixou em Discóbulo o instante complexo dos músculos


organizados de todo o corpo, em sincronia com o impulso dos braços, inclusive
com o cálculo sereno da cabeça pensante.

Nesta e noutras esculturas clássicas pode-se apreciar a perfeita coesão das


partes, todas contribuindo para um mesmo objetivo geral da composição.
Fídias (c. 490-431) é apreciado como o maior escultor do século 5º a.C., de
quem são os frisos e frontões de Partenon (447-32).

De sua Átena, do Partenon, de nove metros, restou uma representação em


moeda; a deusa tutelar de Atenas se apoia em uma lança, com o escudo no
braço. Zeus de Olímpia, do mesmo escultor, chegou também até nós uma cópia.

Polícleto, do mesmo século clássico, fixou um cânon para a escultura, do qual


seu Doríforo, de um físico idealizado e viril, é um exemplo concreto. Nenhum
movimento de Doríforo é paralelo, mas todos próximos dele, de sorte a haver
uma serenidade e espontaneidade combinadas.

Praxíteles (392-330 a. C.), entre os perfeccionistas clássicos, foi dos que


atingiu mais alto grau de humanização e espontaneidade.

Hermes e Dionísio Criança, com leve inclinação geral da figura do Deus que
acaricia o pequeno, é algo inteiramente delicado do ponto de vista escultórico.

E assim também a mui leve inclinação de Vênus de Cnido faz dizer que a deusa
desnudada está prestes a ir banhar-se. De Praxíteles também é apreciável Apolo,
o deus grego que encarna o ideal da beleza.

O último grande clássico é Skopas (c. 420-350 a.C.), cuja beleza impessoal de
expressão já oferece elementos individualizantes.

§ 4º. Estilo barroco helenístico. 2283y243.

243. A helenização do mundo torna-se definitiva com o jovem Alexandre


Magno, que em seus 13 anos de fulminante reinado (336-323) imprimiu nova
estrutura política ao mundo, eliminando e absorvendo o grande Império Persa,
ao mesmo tempo que mantendo unida a Grécia.

Além disto, no Ocidente, Cartago e Roma evoluirão sob a inspiração


helenística. Logo Roma dominará Cartago e sucessivamente também os reinos
em que se subdividira o império de Alexandre Magno, conservando todavia o
espírito dos mesmos.
Nasceu o estilo helênico diretamente da superação do clássico, por obra de
concessões à fantasia oriental, de sorte a evoluir na direção das liberdades da
espontaneidade barroca.

Não se trata apenas de um influência ativa do Oriente, mas de uma


predisposição mental do grego clássico, cujo espírito filosófico e religioso se
encaminhara na direção de um ceticismo e individualismo nada favoráveis ao
tipismo dos modelos absolutos a que obedecera o clássico.

Através dos tempos se notará mesmo esta constante, a saber, superação do


clássico, toda a vez que ele aparece em formas livres, como foi o caso da
Renascença sucedida pelo barroco (vd 265).

A nova situação política ofereceu oportunidades antes não havidas para o


desenvolvimento da arquitetura e da escultura.

Planejam-se agora as cidades. E assim aparecem centros urbanos, ao mesmo


tempo que artísticos, em Alexandria, Antioquia, Magnésia, Priena, Pérgamo,
Éfeso, Delos, Rodes, além de Atenas.

Em torno de amplas praças previamente planejadas, se constróem as


residências, palácios, lojas, armazéns.

244. Monumentalidade. A arquitetura helenística liberta-se das simetrias e dos


equilíbrios, passando a tender para o colossal e o ornamental. Ainda que um
fenômeno ornamental, os ritmos não nascem apenas das decorações, mas
também das próprias estruturas e composição de espaço, o que é importante na
verdadeira arquitetura.

Exemplo da arquitetura helenística é o templo de Zeus, em Pérgamo (capital do


reino helenístico do mesmo nome, na Ásia Menor), o qual apresenta uma
estruturalidade estética evidente.

A arquitrave e as colunas de sustentação continuam como técnica dominante


das construções do período helênico. Já principia o emprego das arcadas, que
são frequentes nas lojas, que se ampliam, alcançando sucessões de 100 metros,
outras vezes formam em andares, térreo e superior. Também se observa o arco,
inclusive o arcobotante na construção dos portais das fortificações, ginásios e
aquedutos.

Em assunto de monumentalidade, aprecie-se o Templo de Zeus Olímpico de


Atenas, terminado depois de século por Adriano, em 131 d.C. , com as
respeitáveis dimensões de 107, 75 metros de longo, por 41 de largo.

As elegantes colunas coríntias mediam 17, 25 metros de alto, por 1, 60 metros


de espessura, totalizando 104, em três filas de 8 colunas na fachada, duas filas
de 20 laterais.

A concepção obedecia ainda, como se induz pelo número de colunas, à técnica


de simples sustentação de arquitraves.

Do mesmo estilo helenístico grandioso era o Santuário de Apolo perto de


Mileto, de 110 metros de longo por 51 de largo, com três portas monumentais.

Famoso pela grandiosidade e exuberância foi o mausoléu de Halicarnasso,


capital da Cária, na Ásia menor, mandado construir pelo rei Mausolo (377-353
a.C.), terminado depois. O monumento funerário foi transposto para Berlim, de
onde foi predado mais uma vez para outra capital européia em decorrência dos
resultados da 2ª guerra mundial.

Atenda-se para a altura do Farol de Alexandria, de 180 metros, um das 7


maravilhas do mundo antigo, construído em 280 a.C., na ilha de Faros. Deste
nome aliás vem a nossa palavra farol.

Igualmente grandioso é o Templo de Zeus, em Pérgamo, há pouco já citado;


com suas escadarias e alas, oferece originalidades não encontradas em outros
edifícios da antiguidade anterior.

245. A escultura helenística envereda pela liberdade individualizante, ora


realista, ora dramática, ora lírica, sempre com exuberância, mais além das
medidas severas da idealização clássica pura. Os rostos deixam de ser ideais;
agora são rostos de pessoas.
O mapeamento das vestes vai ser flamejante, diferenciando-se neste sentido das
clássicas anteriores.

As figuras da estatuária helenística são conduzidas à desenvoltura do nu, em


particular quando tratadas como figuras abstrato-formais de tipos humanos. São
notáveis as estátuas desvestidas de Vênus deste período.

Os frisos do Templo de Zeus, de Pérgamo, de que só a grande luta dos deuses


contra os gigantes é de 120 metros, são por si só, um documento de 15 artistas
da mais elevada expressão do estilo do tempo com a exuberância e vida que são
próprias do barroco.

Muito apreciada é Vitória de Samotrácia (Museu do Louvre). De vestes ao


vento e asas abertas, sobressai-se como obra das mais expressivas do barroco
helenístico.

O mais afamado torso feminino, Vênus de Milo (museu do Louvre) é obra


helenística o 2º século a.C., porém com alguma sobriedade clássica. Do ponto
de vista helenístico é humana, levemente dramática nos olhos, que vão ao longe,
e lábios com ligeira mágoa. Evade-se, portanto, à idealização clássica anterior.

A Morte de Lacoonte (Museu do Vaticano) é outro produto barroco do


helenístico, pela tragicidade do rosto e dos movimentos, como também da
inclinação geral do conjunto para um dos lados, evitando desta forma o
equilíbrio clássico.

O Gaulês ferido produz a impressão clara do forte vencido, de cabeça a resistir


antes de se dobrar na direção fatal do solo. O caráter é único porque é um
gaulês, ainda que idealizado, e não um grego.

§ 5º. Estilo romano. 2283y246.

246. Roma cresceu primeiramente em paralelismo com o mundo helênico.


Depois o conquistou e o foi assimilando culturalmente.

Aliás, a civilização grega já acontecia muito antes em todo o sul da Itália, ali
denominada Magna Grécia, onde floresceu o Reino de Siracusa. Também nesta
Magna Grécia se desenvolveram as escolas filosóficas dos eleatas e dos
pitagóricos.

O crescimento da cidade de Roma se fez em torno do Palatino, havendo


chegado a um milhão de habitantes no 2º século d.C. Entretanto, jamais
conseguiria realizar uma reforma urbana perfeitamente estruturada. O que hoje
se chama o Quirinal fica ao norte do velho Palatino; o Vaticano também se
situa ao norte e do outro lado do Tibre.

No Palatino, uma das sete colinas de Roma, estava o Capitólio (colina sagrada)
e o velho Fórum Romano, de cujas ruínas sobra quase nada. Ali foram
construídos lado a lado e sucessivamente os vários fóruns romanos, ou praças:
Fórum de Augusto, Fórum de Trajano ( de que resta a coluna de Trajano),
Fórum de Júlio, Fórum de Nerva.

No conjunto do Fórum Romano se viam a Cúria, o templo de Júlio, o templo da


Concórdia, o templo de Saturno, o templo de Castor e Polux. Deste ainda estão
de pé três colunas, unidas por uma sobra da arquitetura e que emprestam um
caráter peculiar ao panorama das ruínas do Fórum Romano.

No longo milênio dos Estados Pontifícios decaiu Roma até cerca de 50 mil
habitantes. Em virtude da falta de conservação e constante depredação perdeu-
se grande parte daquilo que chegara a ser o esplendor da antiga arte.

Na Roma clássica aconteceu a evolução simultânea da construção civil e


religiosa. Sob César Augusto (63 a.C.- 14 d.C.) retomou-se o estilo clássico.

Vitrúvio, na segunda metade do primeiro século, teorizou no seu Tratado de


Arquitetura, as concepções vigentes na antiguidade grega e agora acrescidas de
um acento funcional, peculiar à mentalidade prática dos romanos.

O classicismo romano, em arquitetura, é contudo bem mais progressivo que o


dos clássicos gregos, no que se refere à criação de estruturas complexas.

247. A arquitetura Romana define-se como sendo uma reelaboração em


dimensões maiores e melhorada da helenística, com o aproveitamento de
elementos pré-romanos tomados dos etruscos, como o arco e a cúpula, bem
como a maneira de construir em forma redonda.
Se aos gregos cabe a glória da escultura, deve-se aos romanos a da arquitetura.
Ela é a síntese feliz das conquistas anteriores, recebidas dos gregos, com as dos
etruscos, a partir de onde seguiu ainda para novos desenvolvimentos estruturais
e utilitários.

Todavia é necessário julgar o mundo romano como um todo mediterrâneo e


não apenas como um mundo latino centrado no pequeno Lácio.

Particularmente reforçaram os romanos o elemento funcional das estruturas,


atendendo sobretudo à utilidade da construção.

De acordo com o gênio organizador dos romanos, passa agora a arquitetura a


construir pontes, teatros, anfiteatros, aquedutos, além dos templos e palácios.

Não se reproduzem templos apenas no estilo linear da simples sustentação


(colunas e arquitraves). Novas modalidades surgem com o rompimento do
corpo do edifício em forma de cúpula, de que o Panteão é um exemplo.

Outras vezes constrói-se com arcadas como se verifica no Coliseu. Entre os


templos redondos destaca-se o das o templo de Vesta. A forma redonda
prevaleceu também nos edifícios fúnebres e nas fortalezas.

A tendência barroca reaparece ao tempo de Nero, imperador de 54 a 68. Sabe-


se das resistências que encontrou e que contribuíram para enfatizar sua energia,
por vezes efetivamente cruel, outras vezes exagerada pelos seus adversários,
inclusive cristãos.

São apreciáveis algumas das realizações arquitetônicas romanas.

O Templo de Vesta (c. 30 a.C.), já citado, apresenta a original disposição


circular, de influência etrusca, ao mesmo tempo que trabalha com o ritmo das
colunas clássicas. Também ocorre a mesma circularidade em alguns grandes
túmulos.
O Teatro Marcelo, de Roma, não se apoia na rampa de uma encosta à maneira
grega, mas se sustenta em três planos de arcos circularmente dispostos.

O Coliseu, ou Anfiteatro de Flávio, para 50 000 espectadores, é outra


realização espetacular à base de sucessivos arcos de sua sustentação.

Resta do mesmo um terço e em ruínas. Iniciado por Vespasiano, concluído em


80 por Tito, ambos imperadores da família dos Flávios, é a realização mais
espetacular da arquitetura romana à base de arcos sucessivos de sustentação, de
que subsiste ainda uma terceira parte da antiga construção.

O nome Coliseu (ou Colosseum) aparece a primeira vez em Beda, 8º século,


sugerido sem dúvida pela sua forma colossal, isto é, gigantesca; trata-se de
termo do latim tardio, derivado do grego kolossaios. Serviu para espetáculos os
mais diversos, como também para combate de feras e de gladiadores. As
assertivas sobre o martírio de cristãos neste local tem sido impugnadas.

Panteão de Agripa é um edifício tipicamente romano, ainda que único, e em


estado de conservação. Construído em 27 a.C. com altura e largura iguais, de
43, 20 metros.

Corpo circular, cobre-o cúpula esférica com entalhes em gavetas, as quais


insinuam a leveza da cobertura. A distribuição interna dos espaços, mediante
nichos amplos e arcadas, é revolucionária.

O elemento grego do Panteão é a fachada, com aspecto retilíneo de colunas


sustentando uma arquitrave e frontão triangular. O nome é tomado
ao Panteão grego, dedicado igualmente a todos os deuses.

A forma romana do Panteão deu origem a outros similares, sugerindo as igrejas


de amplas cúpulas do renascimento clássico, notadamente a de S. Pedro, e do
neoclássico, de que é o Panteão de Paris e toda a descendência dos capitólios
dos Estados Unidos e demais imitadores. Há, entretanto, nas equivalentes
modernos uma integração nova do frontispício e da cúpula.

O Arco de Triunfo, de invenção romana, prestou-se a motivações estéticas


pronunciadas. No acesso às praças, ou em avenidas, o arco associava-se à
urbanística romana, Augusto construiu 17 na península itálica.
A Porta de Adriano, em Atenas, mostra o encontro de duas concepções
arquitetônicas: a parte inferior é o amplo arco romano a permitir passagem; em
cima, a colunata decorativa é uma reprodução de colunas com a arquitrave, de
acordo com o aspecto retilíneo da construção grega.

Modernamente as imitações de multiplicaram, quer sob a denominação de Arco


de Triunfo do Carroussel, de Paris (1806), quer sob outras denominações e
estilos, como Portão de Brandeburgo, de Berlim, Porta de Alcalá, de Madrid
(1778).

248. A escultura romana é pouco original, sobretudo nas motivações


mitológicas, em que repete a estatuária grega. Geralmente o faz com
virtuosismo, ainda que sem inspiração nova.

Nos motivos humanos, conseguiu a escultura romana realizações apreciáveis,


perfeitos retratos. Fugindo a idealização excessiva dos clássicos, mantém a
nova tradição helenística.

A estátua equestre de Marco Aurélio marca uma composição original, sem


precedente grego. O animal, pela sua cabeça, é fogoso. Em relação às pequenas
patas, o corpo é desproporcionalmente grande.

Inspirou a estátua equestre de Marco Aurélio as equivalentes da Idade Média,


entre outras a de Carlos Magno (pequeno bronze do séc. 9º), do Renascimento
e dos tempos modernos.

O jovem Antínoo (Instituto di Beni Rustici, Roma) é a lânguida representação


do favorito do Imperador Adriano, que o divinizou, depois que em 130 se
afogou. Na arte romana tardia representa o ideal de beleza.

A cabeça colossal Constantino apresenta forte modelação, olhar pessoal, boca


severa.
Eis efetivamente aquele o Imperador, pertinaz e irreversível, que construiu
Constantinopla e modelou o cristianismo ao modo da anterior religião pagã do
Império.

A individualização desta cabeça colossal bem marca a fuga ao clássico


idealizado.

O retrato de Faustina, mulher de Antonino Pio, traduz o requinte e o sonho de


uma bela mulher.

O Tibério (museu do Vaticano) apresenta o imperador romano (14-37 d.C.),


posando à maneira helenística, torso nu, apenas com um manto decorativo.

Agripina assentada (museu do Capitólio) revela o panejamento rico da época


(fim do II século).

Vênus Callypygia (museu de Nápoles) é uma exploração original de formas


femininas, desta vez de invenção romana.

§ 6º. Estilo na arte cristã primitiva. 2283y249.

249. Há um estilo romano cristão de variadas direções. No Ocidente vai até o


século 10º, quando definitivamente se define como estilo românico.

No Oriente, onde se caracterizou pelos mosaicos e cúpulas originais, passou a


denominar-se estilo bizantino, referência ao primeiro nome de Constantinopla.

A novidade do estilo cristão situa-se nas funções e na temática. Manifesta-se o


culto cristão de um modo novo após o Edito de Milão, emitido pelo Imperador
Constantino em 313, garantindo a liberdade religiosa, estão essencial para o
cristianismo; logo também se tornaria a religião oficial do Império, como
anteriormente o fora o paganismo.

Posteriormente outros imperadores, dentro do oficialismo cristão, proibiriam


também os banhos nas termas e os jogos olímpicos, bem como fechariam as
escolas de Atenas, entre as quais a Academia de Platão. Destroem-se as
estátuas não-cristãs e muitos dos templos pagãos. Este fanatismo foi de um
prejuízo artístico sem precedentes. Achados posteriores puderam reconstruir
algumas destas estátuas.

Em contrapartida, a religião cristã trouxe também valores, e que se refletiram


finalmente na arte.

Até Constantino uma religião de estrutura simples, a Igreja Cristã passou a se


organizar, projetando socialmente o pessoal de sua hierarquia: papas e bispos
passam a assumir muitos dos elementos exteriores do sacerdócio pagão, tanto
no ritualismo crescente das cerimônias, como na estrutura administrativa cada
vez mais elitizada, controlada finalmente pelo pomposo Colégio Cardinalício.

250. Templo basilical. No ocidente a arquitetura cristã é marcada pela Basílica.


Primeiramente ela foi retangular, à maneira antiga dos tribunais. Rompeu mais
tarde as paredes laterais, estabelecendo a forma de cruz. A introdução de três
naves representou mais uma importante inovação.

Exemplos de Basílicas cristãs primitivas são, em Roma, as de S. Pedro (no


século 16 substituída pela atual), de S. Paulo, de São João de Latrão, de Sta.
Maria Maggiore, de S. Clemente.

Ao receber torre, a basílica a manteve inicialmente como elemento justaposto.


Não fazendo parte da estrutura do edifício, foi por vezes construída como
campanário autônomo.

No futuro, a igreja gótica fará a torre nascer diretamente de sua mesma


estrutura. Similarmente as primeiras sacristias são construídas como anexos.
Assim não raro também a capela mor aparece como anexo de fundo. São em
menor número as igrejas primitivas que as integram inteiramente no edifício.

251. A igreja bizantina obedece à cruz grega de braços iguais.

Assim foi que, em Constantinopla, a Igreja de Santa Sofia (depois mesquita),


recebeu a cúpula exatamente no cruzamento central das naves.
Construída de 532 a 537, quando o estilo bizantino já era definido, seu estilo
foi levado à subtilidade e à grandeza.

Foi a basílica de Santa Sofia o templo cristão maior da Idade Media, quando
todo o peregrino aspirava chegar até ele. A cúpula, com 31 metros de diâmetro
e 24 janelas em torno, se apoia sobre meias cúpulas menores; estas dão um
aspecto peculiar ao todo.

A solução arquitetônica, apoiando a cúpula maior em outras menores,


caracteriza o bizantino. O mesmo se observa na Igreja de S. Marcos, em
Veneza, já do período gótico.

Aconteceram algumas influências do estilo bizantino no Ocidente europeu,


principalmente na Itália. Mesmo depois da divisão do Império e finalmente da
formação de novos Estados no Ocidente, se manteve uma frágil interação entre
as duas regiões cristãs.

Na Itália, depois da queda do Império Romano do Ocidente (ano 476), o poder


político teve por algum tempo sua capital em Ravena, em mãos dos Ostrogodos
(488-552), por outro tempo em mãos dos mesmos bizantinos. Em consequência
restam em Ravena construções em estilo bizantino, desde o 6º século: Igrejas
de S. Vital e de S. Apolinário em classe, além do Mausoléu do Imperador
ostrogodo Teodorico (cerca de 520).

A decoração bizantina é um rico documentário oriental no Ocidente. Com a


expansão comercial de Veneza, ocorreu também nesta cidade o estilo bizantino,
marcando sobretudo a catedral de São Marcos.

§ 7º. Estilo românico (séculos 10º-13º). 2283y252.

252. Românico é dito do que nasceu imediatamente depois do romano e a partir


do romano. Neste sentido se fala em estilo românico e línguas românicas, estas
derivadas do latim. A denominação é todavia de uso recente e data de cerca de
1825, quando se passou a denominar assim tais idiomas, e por paralelismo, o
estilo correspondente.
Politicamente, o estilo românico foi praticado ao tempo final dos carolíngios,
quando depois da morte imperador Carlos Magno (814), se dividiram, sendo
que desde então França e Alemanha se separaram, com o conseqüente
desenvolvimento das respectivas línguas nacionais.

253. Em arquitetura a característica do estilo românico deriva da introdução da


abóbada de pedra, em substituição do teto plano da basílica. Resultou dali o
reforço dos muros e a pouca abertura das paredes. O gótico dará depois solução
para a abertura das paredes pela introdução do arco quebrado (vd 255).No
futuro remoto, os materiais resistentes da construção moderna, darão ainda
melhor solução.

A partir do estilo românico, a preocupação arquitetônica se concentra na


solução dos problemas da abóbada, introduzindo o uso da abóbada de arestas
(vd 123), lutando pela criação de arcadas firmes, cada vez mais abertas, quando
possível.

Nasce também a ogiva, que depois será aproveitada sobretudo na abóbada de


estilo gótico (vd ; este, aliás, não é senão o mesmo estilo românico
desenvolvido com novas soluções para o problema da abóbada e das
sustentações.

Comparado com o gótico, que o sucedeu, o estilo românico é mais sereno e


mais próximo do clássico. Mantém a disposição basilical, de uma a três, ou até
cinco naves.

Nasceu o estilo românico a partir da basílica, sob influência nórdica, mas


também bizantina e muçulmana.

Da tradição romana, através da basílica, o românico mantém os arcos.

Os nórdicos contribuíram com a ornamentação geometricista e vegetal, que


sempre lhes foi peculiar.

Rústicas e toscas, algumas das realizações românicas chegaram a ser


grandiosas.
Reparte-se o românico em várias orientações estilísticas particulares.

A capela palatina de Carlos Magno foi construída de 795 a 805, inspirando-se


na igreja de S. Vital, de Ravena (bizantina). Apresenta arcadas relativamente
amplas.

O Duomo de Pisa, de 100 metros e sua famosa torre inclinada (séc. 12-13), é a
principal expressão do românico italiano, ao mesmo tempo que revela todas as
influências, inclusive do clássico.

Por último, há os edifícios românicos que transmitem na direção do clássico.

A escultura românica é pouco expressiva.

254. Primitivismo da escultura cristã românica. Havia a cristã trocado a


temática helênica pelos temas bíblicos, numa virada espetacular. As
características deste fenômeno assume novas peculiaridades no curso do
período românico.

Os temas cristãos como que se vestem exteriormente com a roupagem das


estátuas pagãs, do mesmo modo que o Papa os bispos desde Constantino já
haviam assumido o vestuário pomposo dos pontífices e sacerdotes pagãos.

A nova estatuária preferiu, entretanto, imitar os deuses pagãos rústicos, em vez


das formas requintadas dos deuses idealizados; assim trocou Hermes
(mensageiro de Zeus) pela figura similarmente rústica do Bom Pastor.

O dogmatismo e tradicionalismo típico do cristão, além de vetar aos não


cristãos, reteve e impôs, através dos tempos, uma certa repetitividade no campo
dos seus próprios temas, reflexo do baixo desenvolvimento mental deste
período de poucas letras da primeira parte da Idade Média ocidental.
No período românico diminuiu a preocupação plástica da arte, porque se
trocava o homem exterior pelo interior, o humanístico pelo rigorístico um tanto
maniqueu. A temática interior conduziu na direção expressionista.

O que ocorreu na escultura, também aconteceu no mosaico e na pintura.


Marcando um longo retrocesso, a plástica desaparecerá por muito tempo da
escultura e da pintura, dominada pelo linearismo, para reaparecer só na época
já avançada de Gioto (1266-1337), um burguês florentino, que revalorizou os
volumes humanos.

§ 8º. Estilo gótico (séc. 12-15). 2283y255.

255. O gótico nasceu do românico, ao qual, no plano da arquitetura,


transformou por meio de soluções estruturais lineares. Em decorrência pôde
desfazer as grosas paredes sobre que apoiava o peso da abóbada. Havendo-se
desenvolvendo-se do século 12 a 14, recebeu o nome ao final de sua histórica
evolução, ao ceder seu lugar ao renascimento clássico. Os renovadores do
classicismo chamaram ao estilo passado despectivamente de gótico, isto é,
godo, e com isso conotavam-no com o bárbaro.

Não obstante, foram os godos (ostrogodos e visigodos, ou germânicos orientais


estabelecidos no Norte da Itália, Sul da França e Espanha) o primeiro povo
germânico a se alfabetizar, havendo Úlfilas (c. 311-383) inventado o alfabético
gótico e traduzido a Bíblia para o germânico oriental!

Tem ainda o estilo gótico muito das qualidades do francês, a logicidade, a


formalidade, a seriedade, a organização. Nasceu o estilo gótico na França, onde
se expressou em grande número de catedrais, e dali se difundiu aos países em
torno.

O arco partido, a principal característica exterior do gótico, foi adotado por


uma razão técnica, ainda que tenha conotações imediatas com a
ascensionalidade do espírito.

Uma vez quebrado o arco, avizinha-se cada metade do arco à sua vertical. Com
isto a pressão para fora ficava diminuída. Conservando, embora, as pilastras
com contrafortes e botaréus, já conhecidos dos românticos, os góticos
encontraram no arco quebrado o recurso que lhes permitiu a construção das
avantajadas catedrais medievais, que se multiplicaram sobretudo na França,
mas que marcaram então a Europa Ocidental de modo geral.

O gótico aperfeiçoou também os arcobotantes (arcs-boutants = arcos que


empurram) com o fim de reforçar o empuxo das nervuras sobre as quais, por
sua vez, pressiona a abóbada.

Conserva o gótico a mesma abóbada de arestas (vd 123), já em uso no estilo


românico. Abandonou, porém, a cúpula (abóbada cilíndrica), a qual, por
alongamento, passou a ter o comprimento do edifício.

A abóbada de aresta ao comprido da nave passou a organizar o edifício em toda


a sua extensão, integrando inclusive a torre.

Acentuam-se as arestas da abóbada, com nervuras, chamadas ogivas; já


existentes no estilo românico, as ogivas recebem agora por vezes as feições de
arco quebrado.

256. O linearismo é a característica mais enfática do estilo gótico, e que já


vinha da pintura bizantina.

O efeito decorativo e de organização rítmica do linearismo ogival é evidente.

Acentua-se no desdobramento de linearismos auxiliares, trançando


desenvolvimentos flamejantes, sobretudo na última fase do gótico.

Muitas vezes as ogivas dispensam os capitéis, de sorte a terem continuidade de


desdobramento pelo fuste da coluna. Apreciada a coluna ascencionalmente,
esta se desenvolve vegetalmente em leque vibrante de linhas que percorrem o
alto.

Distribuído o peso da abóbada pelas linhas de força, que o conduzem às


pilastras, começam a ser dispensáveis as paredes, à semelhança da técnica do
edifício moderno de cimento armado sobre estruturas de ferro. Por isso
tornava-se possível a abertura das janelas amplas e a criação de enormes alturas,
com os respectivos vitrais.
Ora, como as arcadas já existiam no romântico, isto quer dizer que, neste
particular, o gótico é a eflorescência técnica plena de um estilo anterior, ao qual
acresceu o arco quebrado. Apresenta-se, portanto, o gótico como o triunfo da
técnica, da matemática, da razão. Como sistemática, é uma escolástica em
pedra racionalizada.

A solução dos problemas de estrutura por meio da linearização das pressões de


peso, produziu um estilo essencialmente linearista e que no linearismo
encontrou seu recurso estético. Ainda que dominantemente abrupto, também o
linearismo curvilíneo é próprio do estilo gótico. Tratava-se de dissolver
volumes plásticos em linhas, quaisquer que estas fossem.

O contrário do gótico é o plástico. Na pintura e estatuária, o linearismo não


insiste no arco quebrado. A resistência ao gótico, e que surgiu primeiramente
na Itália, foi o da grande validade humana da plasticidade dos volumes, e que
os linearismos prejudicavam. Foi disto que se advertiram os precursores do
humanismo renascentista, dentre eles Giotto.

O linearismo por si só é capaz de produzir intensidade rítmica e insistência de


vida.

Mas, o ritmo abruptamente curvilíneo, ou mesmo quebrado, possui outros


recursos estéticos.

Em sendo abrupto, o linearismo obriga a atenção a um esforço psicodinâmico


pronunciado, com um efeito de vida intensa.

Contrariamente, as linhas suaves, que a vista percorre sem esforço, não


despertam a mesma vida mental. No gótico, de curvaturas fortes, há por
conseguinte, ação e movimento.

O gótico evita propositalmente a monotonia. O processo adotado é o da criação


de motivos sobrepostos. Neste sentido cooperam a linha curva, quebrada e a
oferta de novos acidentes de tamanho menor.
Os arcos, uma vez quebrados, tendem a tomar altura e sugerir a elevação
espiritual.

257. O desenvolvimento do gótico se deu em dois períodos:

- o gótico francês ou comunal;

- gótico internacional, ou flamejante.

O gótico francês inicial não conseguiu uma total libertação da severidade


românica, conservando muito das paredes pesadas.

Aprecia-se este gótico nas catedrais de Saint-Denis, Seulis, Laon, Noyon, para
resultar no de Notre-Dame, de Paris

Na conhecida catedral parisiense, iniciada em 1163, já ocorre o domínio das


janelas sobre os muros, mas ainda não o ritmo orgânico e leve do linearismo
flamejante.

As linhas transversais, como bem se observa na fachada, insistem levemente


contra o ascensionalismo, dando ao todo um equilíbrio louvável, porque sem
elas a ascensão seria excessivamente rápida, como é próprio das linhas que
correm livres.

A catedral Notre-Dame de Reims, iniciada em 1221, retoma o aspecto geral da


de Paris, com acabamento mais elegante e suntuoso, além de uma riqueza
inigualável de decoração em estátuas.

Notórias são ainda as catedrais Notre-Dame de Amiens (1220-1269), pela


altura, comprimento (143 m.), 2 torres, luminosidade, e São Pedro de Beauvais.

A catedral de Colônia (Alemanha), inspirada nas de Amiens e Beauvais,


iniciada em 1248, ainda que terminada só em 1880, é admirável pelas
dimensões (altura 160 metros), linearismo e decorações. A repetição rítmica
dos elementos lhe dá um quê de monotonia.
Denomina-se gótico radiante a tendência cenográfica que domina este estilo no
século 14. Já se o nota no século 13 da catedral de Reims. O amaneiramento se
acentua nas igrejas de Amiens, Beauvais, Santo Urbano de Troyes, Saint-
Chapelle de Paris, quer pela graciosidade das linhas, quer pelas esculturas.

A liberdade expressionista continua até alcançar no século 15 o gótico


flamejante, que é o final barroco do admirado estilo medieval.

O Duomo de Milão (148 metros), iniciado em 1386, é o gótico italiano mais


próximo do estrangeiro.

Distingue-se pela sua não concentração dianteira, mas em torno da cúpula


octogonal. Além disto se expande em largura notória em relação ao
comprimento, como cinco naves pouco ascensionais.

A abside, todavia, é claramente ascensionalizante, como é próprio do estilo


gótico.

Tem-se discutido vastamente sobre o caráter do Duomo de Milão, sem claras


conclusões. Enquanto uns insistem em estilo eclético, outros pensam tratar-se
de um estilo original.

258. A escultura gótica, do ponto de vista meramente formal, é linearista,


dissolvendo as formas plásticas simplesmente.

São peculiares os panejamentos das estátuas. Curvas incisivas e agudas marcam


todas as superfícies.

Do ponto de vista figurativo, o gótico ocupa-se preferencialmente com o


transcendental. Ingressa com frequência no simbolismo. Multiplica as figuras,
porque um dos objetivos é catequizar visualmente um povo que na idade Média
Cristã era quase todo analfabeto.
O gótico executa os temas concretos dentro da conceituação de tipo da espécie,
não do indivíduo, com duas orientações, uma inteiramente idealizante, outra
mais próxima do indivíduo e do retrato. Enquanto idealiza, o gótico mantém
relações com o clássico. Seus tipos são o rei, o bispo, o profeta, o apóstolo, o
cavalheiro, a virgem, o anjo.

Emocionalmente, o equilíbrio gótico é outra vez clássico. Não exprimem as


estátuas excessos de espontaneidade; solenes, sem serem pesadas, exercem uma
função espiritual constante, geralmente religiosa, mas também de
cavalheirismo.

O São Luiz da igreja de Quinze-vingt (Paris) em tudo o bom homem. Aprecie-


se a Virgem Dourada (da Catedral de Amiens), coroada rainha, é suntuosa e
majestática, ao mesmo tempo que combina a ternura para com o menino.

O Anjo, que sorri maliciosamente, da fachada ocidental da catedral de Reims, é


a amostra da tendência de individualização de uma das escolas.

A pintura gótica, em virtude do seu linearismo, depende consideravelmente da


estética das formas.

No gótico o festival das linhas toma conta do panejamento das vestes e até
mesmo das linhas do corpo e dos cabelos, dominando portanto as cores. O
contrário acontece na pintura clássica, ou classicista em geral. Uma vez
dispondo de áreas livres da linearidade, ela passa ao domínio luxuriante das
cores. Sem o linearismo, sobretudo as formas volumosas se convertem em
sensuais e excitantes de que as cores as revestem, seja na pintura, seja nas
estátuas, seja nos seres em geral. Inversamente no linearismo gótico nada disto
acontece.

§ 9º. A arte do Renascimento, em especial das formas 2283y259.

259. Já antes do fim da Idade Média nascem muitas das idéias que farão surgir
um novo tempo. Este novo tempo, que se chamará época moderna, surge no
Ocidente sem qualquer grave rompimento político; as mesmas nações
anteriores passam a um novo estágio de desenvolvimento pela superação feliz
de seu estágio evolutivo anterior.
Ocorreu no Renascimento uma substituição de valores, pela retomada do
humanismo grego, do seu classicismo e também do seu plasticismo (vd 241).

Aconteceu também a paulatina transformação da economia, construída pela


classe burguesa, que gerou o progresso da idade moderna.

No Oriente sim, desmoronou o império bizantino, tomado pelos islâmicos, que


se apossaram de Constantinopla em 1453.

Em contrapartida, no Ocidente recuaram os árabes, deixando a península


ibérica; desenvolvem-se outra vez espanhóis e portugueses, os quais ainda
passam a descobrir novas rotas marítimas.

Cronologicamente, chama-se Primeiro Renascimento aquele do século 15, com


precursores já no século 14.

Veio depois Renascimento Clássico, que marcou sobretudo o início do século


16, de que o barroco seria logo depois apenas um desdobramento liberalizador.

260. O Primeiro Renascimento foi um paulatino desabrochar de novas idéias


em todos os planos e que também desde logo influenciaram a arte das formas a
partir de dentro do gótico. A Itália foi o berço do primeiro Renascimento.

A literatura teve seus precursores classicistas em Petrarca (1304-1374) e


Bocaccio (1313-1375).

A nova pintura se manifestou cedo com um primeiro grande representante em


Florença com o plasticismo humanizador de Giotto (1266-1337).

A arquitetura, que além de abandonar o linearismo gótico, pela retomada do


arco redondo e da cúpula, tem suas primeiras grandes manifestações em
Bruneleschi (1337-1446), autor da catedral de Florença.

Na França o Renascimento na arquitetura começa como italianismo e tem a


missão de substituir o gótico na terra que mais o consagrara.
As construções de Fontainebleau, nas proximidades de Paris, receberam
durante todo o Renascimento peculiaridades de cada uma de suas fases.

Na Inglaterra a tradição gótica se manteve por mais tempo. Os muros entretanto


ainda se conservaram como pesados apoios decorativos, para só no final do
Renascimento emergirem como estruturas funcionais.

A escultura do Primeiro Renascimento expressou o homem a começar de


dentro.

Ghiberti (1378-1455) esculpiu a porta principal do batistério de Florença, por


contrato datado de 1403. Os numerosos baixos-relevos criaram um novo marco
na história da escultura, afirmando a Renascença.

Donatello (1386-1466) se notabilizou com o Davi (de chapéu).

Lucca della Robia (1400-1488) esculpiu baixos relevos para o púlpito de


mármore da catedral de Florença, muito apreciados.

261. No Renascimento clássico do século 16 a arquitetura e escultura


caminharam para uma notória sensibilidade. As linhas de sustentação das
construções libertadas dos muros, passaram a permitir a eliminação destes.

O relevo da função da coluna e das arquitraves, bem como dos arcos,


imprimiram uma nova plástica aos edifícios os quais encontraram sua estética
no mesmo organismo e já não na simples decoração.

Além disso, a valorização dos elementos de sustentação permitiu a expansão da


grandiosidade do edifício.

Do ponto de vista utilitário, a arquitetura e a escultura do Renascimento


Clássico não servem apenas à religião. Valorizados os outros elementos
humanos, desenvolvem-se amplamente as construções civis, como palácios e
residências.
Além da valorização humanística ocorreu também o absolutismo dos reis da
época dos descobrimento e dos grandes domínios mundiais. Francisco I ,
Carlos V, Felipe II, representam as grandes figuras da época, cujas realizações
deram novas oportunidades à arte.

O estudo do Renascimento clássico, feito por países, mostra quanto foi rico de
produção este período da arte.

262. Na Itália, como já se adiantou (vd 260), é que a arquitetura e


a escultura do Renascimento Clássico por primeiro surgiram e logo se
destacaram, sobretudo em Florença e logo também na velha Roma. Nesta os
recursos da Igreja foram postos a seu serviço, com a clara intenção de
abrilhantar todo o seu aspecto exterior.

Não é possível falar do Renascimento clássico sem primeiramente identificá-lo


com a arte na Itália. Como renascentistas clássicos se destacaram
sobretudo Bramante (1444-1514) e Miguel Ângelo. Depois, já tomando a
direção do barroco, avultam os nomes de Vignola (1507-1573) e Palládio
(1508-1580).

Bramante, vindo de Milão, vem fixar-se em 1503 na cidade de Roma,


construindo então o Tempieto de San Pietro in Montorio.

Este edifício, cupulado e cercado de colunas, sem ornamentos, senão os da


mesma estrutura, diretamente inspirado no antigo clássico, é a definição do
novo estilo para o século que se abria.

Eliminou Bramante no edifício clássico a importância da muralha, cuja anterior


presença nua reclamava ornamentos. Agora a estética se impõe através da
mesma estrutura dos elementos de sustentação, - as colunas -, e dos sustentados,
- a arquitrave e a cobertura, no caso a cúpula. A lógica do raciocínio
arquitetônico tem como imediato efeito a energia convincente da construção,
em vez da luxuriante decoração, embevecedora apenas dos olhos superficiais.

A Basílica de São Pedro em Roma foi também iniciada por Bramante. O


espírito da grandeza romana era reencontrado. Com isso também chegara o
tempo certo do ponto de vista da evolução artística de se construir a Sé da
Igreja. Efetivamente passa a ser realizada na vigorosa concepção estruturalista
achada pelo Renascimento Clássico. Passou o Papa à coleta dos recursos, com
concessão de indulgências, fórmula que veio a ser contestada como venda
de indulgências, o que serviu de mais lenha para a fogueira de questões que
então dividiu os cristãos em católicos e protestantes.

Na basílica de São Pedro trabalharam sucessivamente vários arquitetos, com


plantas reformuladas no decurso das obras. Em 1505 é lançada a pedra
fundamental e então dirige Bramante as obras. Demoliu previamente uma
construção tentada em 1452 e paralisada. A planta assemelha-se ao Panteão,
isto é, com cúpula romana e frontispício grego, enquadrado o conjunto em uma
cruz de braços iguais.

Sucederam a Bramante os arquitetos Rafael, Peruzzi, San Gallo. Este último


introduziu a cruz latina, estendendo o corpo da basílica para frente. Foi decisiva
a ação de Miguel Ângelo, já o quinto arquiteto, o qual em 1546 conseguiu
levantar a cúpula da Basílica de São Pedro.

A grande cúpula de 46 metros de diâmetro já tem os sinais dos tempos novos


que prenunciam o barroco por causa de uma certa liberdade das formas. A
preocupação insistente de Miguel Ângelo foi a monumentalidade, o que
implicou no cuidado precisamente das estruturas. Em 1564 entrou a trabalhar
Vignola, ainda obediente à função estruturalista.

Ainda que logo se passasse a uma ornamentação abundante para preencher


todos os vazios, as estruturas dominam e dão o ictus estético ao todo.

Altares e colunas secundárias obedecem a vitalidade entumescente e vegetal do


barroco; este, a partir de agora, inicia sua marcha triunfal pelo mundo,
principalmente no católico, porquanto os protestante já se encontravam
definitivamente separados.

No Brasil-colônia o barroco se fez conhecer como estilo colonial, o qual


todavia evitou a cúpula e procurou soluções mais econômicas.

Na escultura italiana do Renascimento ocorreu também o sucesso acontecido


na arquitetura. Por vezes, a escultura fora praticada pelos mesmos arquitetos.
Miguel Ângelo (1475-1564) conduziu o poder da arte da escultura à
culminação, dentro dos ideais clássicos, rompendo muitas vezes na direção do
expressionismo, para ganhar força.

No Davi (grande nu de Florença) Miguel conseguiu o equilíbrio clássico de


forma e sentimento, em que supera possivelmente o próprio classicismo grego.
Ainda que posando com serenidade, o corpo inteiro exerce funções. As partes
obedecem a uma estruturação orgânica e não funcionam como ornamentos
isolados. Coesão e expressão idealizada se realizam nesta criação.

Moisés (da Basílica de S. Pedro, Roma), igualmente sereno, mantém


ativamente as tábuas da Lei; sua posição sentada não é repouso inerte; nem sua
cabeça, dirigida de modo a atirar para longe o olhar, está sem participação. Este
olhar participa com o todo, que é o de império do chefe.

Aprecie-se, também como sendo da autoria de Miguel Ângelo, Piedade (da


mesma Igreja de S. Pedro, Roma).

O drama interior da pessoa revela-se nas produções ulteriores O dia e A noite.

263. Na França o Renascimento clássico, que transformou radicalmente o


panorama artístico, principia por volta de 1495 (ano da expedição de Carlos
VIII à Itália), desenvolvendo-se até 1589, fim da dinastia Valois, com a morte
de Henrique III.

O classicismo francês foi estimulado especialmente por Francisco I, sobretudo


no espaço de 1530 a 1547 (ano de sua morte), quando o italianismo, então já
influente na França, se transformou definitivamente numa forte expressão
renascentista neste país.

Agora os modelos já não se limitam aos renascentistas italianos, mas a


inspiração se dirige à mesma antiguidade clássica. Em 1546 Jean Martin
traduziu para o francês a Arquitetura de Vitrúvio, clássico romano.
Morto Francisco I, a viúva Catarina de Medicis, continuou a animação
classicista.

Delorme (1515 -1570) construiu em Paris o Palácio real das Tulherias (1553),
junto ao recém iniciado do Louvre, e o castelo D'Anet; o portal deste foi
concebido como um arco de triunfo antigo. Nas Tulherias executou o pavilhão
central da ala ocidental.

Bullant (cerca 1510 - 1578) prosseguiu os trabalhos de Delorme nas Tulherias,


executando as alas.

O referido Palácio das Tulherias, que fora a residência dos reis da França
(junto do Palácio do Louvre), é marcante pelas colunas com tambores, arcadas
esbeltas, disposição fantasiosa dos tetos.

O Palácio do Louvre, ao lado das Tullherias, foi construído, na parte inicial,


segundo os desenhos de 1541, do arquiteto Pierro Lescot (1510 - 78). A maior
parte será construída ao tempo de Luís XIV (1638-1715), pelo desenho de
Claude Perrault (1613-1688)

É o maior palácio antigo de Paris e está unido ao das Tulherias por uma galeria.

Desde 1793 (após a Revolução) passou a museu, afamado pelo acervo de obras,
particularmente clássicas, acumuladas facilmente durante o crescente
colonialismo francês. O edifício, êmulo do palácio da Chancelaria, obedeceu às
formas canônicas, tendo as colunas enquadradas com perfeito equilíbrio nas
fachadas, sem artificialidade e sem excessos.

Lescot marca um ponto alto no Renascimento Clássico francês, que já não é


cópia do italiano. Ou seja, não é mais um italianismo, - mas um movimento
igualmente adulto.

O Palácio de Fontainebleau, onde trabalharam italianos e franceses, por


décadas sucessivas, representou um marco na arquitetura da França, que
adquiriu súbita configuração nova, mesmo porque é com os reis absolutistas do
século das descobertas do Novo Mundo, que começam as grandes construções
civis.
A escultura do Renascimento clássico francês encontrou seu maior
representante em Jean Goujan (c. 1510-c. 1568). Fora também arquiteto.

As decorações de Jean Goujon (1510-1568) animam as fachadas sem quebra da


serenidade clássica.

Apreciam-se as decorações da Fonte dos Inocentes, do Louvre, particularmente


as Ninfas. Levemente esguias, as vestes sutilizadas, transmitem a volúpia
serena das simpáticas figuras da mitologia, que ali deitam água na fonte.

No Louvre, ainda de Jean Goujon, se admiram as decorações exteriores, as


quais expressam figuras alegóricas, como a Paz, a Guerra, a Vitória, a História,
a Glória do Rei.

Germain Pilon (1535 -1590), mais robusto e mais francês do que Goujon, é
autor da escultura funerária do rei Francisco I e da rainha Catarina de Medicis,
deitados justapostos (1583).

264. A arte do Renascimento Clássico se universaliza.

Na Espanha, agora convertida em grande potência, há a observar que, como já


ocorrera com referência ao estilo gótico, o Renascimento Clássico ficou
também sob a influência geometricista da arte mudejar (árabe-espanhola), por
sua insistência ornamental, presença de arcos de ferradura.

Apenas sob Felipe II, já na época da austeridade da contra-reforma do Concílio


de Trento, observamos o predomínio da estrutura. Há, pois, uma fase de
Renascimento sob Carlos V, que abdicou em 1556, e outra a seguir sob Felipe
II.

O mosteiro do Escurial (1567-1584), mandado construir por Felipe II em


função a um voto, a cinquenta quilômetros de Madrid, é a obra mestra do
Renascimento Espanhol. Foi traçado Batista de Toledo e João Batista de
Herrera, ambos com trânsito pela Itália e ligações com Miguel Ângelo.
Como na Espanha, a arte clássica, renascida na Itália, e desenvolvida na França,
penetrou nos demais países modernos e em cada qual assumiu algumas
particularidades nacionais. Ao mesmo tempo aconteceu o pós Renascimento
sob a forma de barroco.

§ 10. MANIERISMO E BARROCO (século 17). 2283y265

265 .Depois de 1520 começa a se desenvolver uma liberdade crescente nas


linhas clássicas, que por último, vai dar no Barroco do século 17. A pintura
(mesmo sem recuar na ênfase dada às cores), a escultura, a arquitetura, passam
a destacar a estética das formas.

Um desenvolver indeciso e irreversível ocorreu a começar de 1520, mas


suficiente para se manifestar diferenciadamente como sendo uma nova fase
artística frente ao anterior Renascimento Clássico dos primeiros anos daquele
século.

Quanto ao nome do novo tempo, uns o chamaram Renascimento Tardio, outros


(os alemães, desde 1920) Manierismo; estas denominações indicariam pois as
inovações de estilo que, a partir de 1520 continuaram a se transformar.

O manierismo, em geral gracioso, indicaria sobretudo a preocupação de


integrar a obra no ambiente. Os arquitetos manieristas cuidaram especialmente
da fachada e mesmo da urbanística.

Esta orientação não incluiria contudo o nome de Andrea Palladio (1508-1580).


Desta mesma fase.

Na pintura, a integração consistiu em associar a atmosfera, pintando a paisagem,


o clima e a luz; a escola veneziana é o exemplo. A estética das formas está
muito presente na pintura manierista, porquanto a liberdade das figurações
graciosas dependiam também do desenho. É bem o caso dos alongamentos,
como se observa na fulgurante Virgem do pescoço longo (1534-1540, Museu
dos Ofícios, Florença).
E que é o barroco? Como nome, barroco é alusão a uma pérola averrugada, que
serviu de comparação para denominar o novo estilo. Já outros pensam que o
nome veio da língua portuguesa, alusão à objetos, ou mesmo casas rústicas
feitas de barro.

Os contrastes, a exuberância, a vegetalidade são aspectos exteriores do estilo


barroco. Este caráter encontra raízes na vitalidade interior das pessoas, que
assim passaram a exprimir-se exteriormente.

Depois de Miguel Ângelo (+1564) acentua-se o interesse em refletir na obra o


mundo interior do artista. A reforma da Igreja pelo Concílio de Trento (1545-
1563) conduz a uma espiritualidade que tende a superar a frieza objetiva do
clássico, em troca de um expressionismo vivente. Nestas condições o barroco
adquire o amparo de uma situação espiritual do tempo.

Difundido sobretudo pelos jesuítas, que da Europa, com o apoio dos governos
coloniais, enviam missionários para todas as direções, o estilo barroco ganhou
o mundo. Como referência ao então Brasil colônia o barroco respectivo passou
a denominar-se Estilo Colonial; por tendência era simplificado e sem cúpula.

Do ponto de vista funcional, os movimentos livres, que retorcem colunas e as


deixam sem base, são típicos de uma atenção que não atende as estruturas de
sustentação, mas a expressão livre de um sentimento interior de vida.
Desaparece pois aquela estrutura lógica a que chegara Bramante. Isto não quer
dizer todavia que recuasse a técnica de construção; apesar da técnica, o barroco
ainda introduz o poder da expressão.

266. Na arquitetura o barroco se define com Vignola (1507-1573), arquiteto da


Basílica São Pedro desde 1564. Ao criar a nova concepção, representada na
igreja II Gesù (1568), foi estas construção, dos jesuítas de Roma, considerada o
protótipo do novo estilo.

Atento às renovações reformistas do Concílio de Trento, que passou a valorizar


a pregação, propôs-se Vignola a instituir a amplidão do recinto da igreja
mediante uma só nave. Eliminadas consequentemente as naves laterais,
passaram as capelas laterais a brotar diretamente da grande nave única.
Combinando este objetivo funcional com a exuberância de linhas e decorações,
resultou que a igreja barroca assumiu o aspecto de amplo salão festivo, e
geralmente com cúpula, como acontece no II Gesù.
Também ocorreram as criações de teto simplesmente decorado. Nesta última
forma se desenvolveu dominantemente o estilo colonial brasileiro, conforme já
citado.

Bernini (1598-1580) consagrou definitivamente o prestígio das formas curvas


do barroco. Construiu os altares da Basílica de S. Pedro, caracterizando-os
pelas colunas retorcidas. Criou a soberba colunata dórica da Praça dianteira.
Concluiu também os campanários da Basílica. A fachada, porém, é de Maderna,
que a concluiu em 1612.

Borromini (1598-1667) contribui ao lado de Bernini, para a vitória da linha


curva. Ele é o grande artesão do barroco. Inventivo criou as curvas mais
diversas, inclusive fachadas com planta curva para dentro, como da igreja de
Santa Inês, de Roma. O solene e taciturno clássico, aparece agora vivo,
gracioso, feminino.

Na França, a arquitetura barroca foi desenvolvida por Claude Perrault (1613-


1688), um dos arquitetos da segunda fase do Louvre (vd 263).

Mansart (1646-1708) e Le Vau (1612 -1670) são os principais realizadores do


palácio de Versalhes.

Couberam a Le Vau a realização da Galeria dos Espelhos, Capela, Colunata do


Parque. Edificou ainda o Castelo de Vaux.

O decorativismo marcaram as construções de C. Lebrun (1619-1690), Berais,


Boulle e muitos outros.

267. A escultura barroca recebeu importantes contribuições de Bernini (1598-


1680), além de seus trabalhos arquitetônicos (vd 266). A exuberante
movimentação dada à estátua, tira-lhe a solidez clássica anterior. Conservou
Bernini contudo a liberdade renascentista para as figuras a descoberto, o que
concorda com a exuberância de vida do estilo barroco.

Apolo e Dafne, eis um motivo clássico em impulso barroco.


Davi é representado na ação intensa, ao contrário das posições em quase
repouso dos de Donatello, Verrochio, Miguel Ângelo.

O Êxtase de Santa Tereza (1646) é um panejamento expressivo e um encanto


voluptuoso se bem considerarmos a cabeça do anjo.

No estilo barroco esculpiu também o Rapto de Proserpina e o conjunto Eneias


e Anquises.

ROCOCÓ (ESTILO LUÍS XV). 2283y268.

268 À medida que se adentra o século 17 (o das Luzes), cresce a tendência para
o retorno ao clássico, ao mesmo tempo que o barroco tende para a exacerbação.

Rococó é o estilo que a começar de 1725, até 1780, enveredou por um


decorativismo flexuoso, imitando rochas, fauna, motivos vegetais, concepções
grotescas, em assimetria e abundância.

Na França levou o nome Rocaille. Também é conhecido por estilo Luís XV (rei
de França de 1715-1774). Ainda se chama estilo Regência, com vistas ao
regente de Luís XV (1715-1723).

É possível buscar as primeiras raízes do rococó na arquitetura italiana de


Bernini e Borromini, do século anterior.

Na França o Rococó se observa em interiores do Palácio de Versalhes,


construído por Luís XIV entre 1661-1708, nele vivendo a corte francesa de
1682 a 1789.

Neste estilo construiu Boffrand (1667-1754), realizador do Palácio de Nancy.

Encerra-se assim o estilo barroco através do rococó, sucedido finalmente pelo


neoclássico.
§ 11º. ESTILO NEOCLÁSSICO E O ACADÊMICO. 2283y269.

269. Como uma espécie de retorno à Renascença Clássica, o final do século 18


fez surgir outra vez edifícios idealizados, esculturas plásticas serenas, música
harmoniosa, literatura equilibrada.

Não se tratava apenas de uma desistência da desorientação barroca e rococó. O


estímulo para o neoclássico foi dado ainda pelas novas descobertas de
monumentos antigos. Cava-se em Herculanum (1719) e Pompéia (1748).

O alemão Frederico Winckelmann (1717-68), estabelecido por algum tempo


em Roma, se fez em teorizador dos estudos da arte antiga. Ao mesmo tempo
que pugnou pela volta ao classicismo, combateu o espírito do barroco. Publicou
com sucesso Pensamentos sobre a imitação das obras gregas (1755); A
história da arte da antiguidade (1764).

270. Na França o estilo neo-clássico se desenvolveu primeiramente com


Souflot (1713-1780), construtor em Paris do Panteão (1764-80). Destinado
primeiramente a servir como igreja, adaptou-se às novas funções, mesmo por
causa de sua concepção similar ao do Panteão clássico da Roma Antiga.

A versão neoclássica caracterizou-se pelo tambor de colunas, que se antecipam


à cúpula, ficando esta jogada mais para o alto. A abundância das colunas, que
em ritmo formam o contorno, são o característico do neoclássico, que assim se
manifestou até em residências particulares.

No império Francês ocorrem frias reproduções antigas, que valem pelo menos
o mérito do virtuosismo. É o caso da igreja Madeleine, 1817, levantada em
Paris como cópia de um templo de Corínto.

Imprimem rumos novos ao neoclássico francês Fontaine (1762-1853) e Percier


(1764-1838), que construíram o Arco do Triunfo do Carroussel (1806), já
entrando em nova fase.
A escultura neoclássica criou obras apreciáveis; todavia nada se pode comparar
ao que Jacques Louis David conseguiu no plano da pintura, também
neoclássica.

Rude (1784-1855) foi o mais original. Sua Partida dos Voluntários, 1792, é
uma criação convincente, conhecida também como a Marselhesa de Pedra.

271. Na Inglaterra o neoclássico é eruditamente propagado em arquitetura por


Robert Adam (1728-1792) e seus irmãos. Dentre os belos edifícios néo-
clássicos ingleses destaca-se a Catedral de São Paulo, de Londres; ela é uma
espécie de correspondente neoclássico da Basílica de São Pedro dada como o
clássico do Renascimento. O estilo dos irmãos Adam é delicado, em alguns
aspectos original.

Depois de 1800 a Inglaterra se reencaminhou para o gótico, como se observa


nos edifícios do Parlamento e a catedral Católica de Westminter, exemplo de
adaptação feliz de estilo ultrapassado.

As últimas manifestações do estilo clássico inglês, são pesadas; ocupam-se em


reproduzir a arte grega, com intenção de grandeza, mas com algumas
simplificações. Assim o vemos nas construções de John Nash (1752-1835) e
John Soane (1753-1837).

Na Alemanha o neoclássico ocorreu nas construções de Langhans (1732-1808),


e Karl Schinkel (1781-1841), autores de edifícios que transformaram Berlim.

Aprecie-se de Karl Schinkel São Nicolau de Potsdam (1843-1849).

Na Espanha a arquitetura neoclássica se aprecia particularmente em Museu do


Prado (Madrid), criação de Juan Villanueva (1739-1811).

272. Nos países do continente americano, notadamente na jovem nação dos


Estados Unidos da América, então sob influência Francesa, o neoclássico
penetrou também muito cedo.
Em 1791 foi criado o plano da cidade de Washington pelo Francês Pierrô
Charles L'Enfant e todos os edifícios monumentais são projetados em estilo
neoclássico.

O Capitólio de Washington foi iniciado em 1793, por Thornton. Queimado o


edifício em 1814 pelos ingleses, foi reedificado em 1827 por Bulfinch,
aproveitando já o ferro na cúpula. Pela monumentalidade é dos mais belos
edifícios do mundo, com 284 metros de comprimento, 108 de largura e 87 de
altura.

A Catedral de Baltimore inspira-se no Panteão do Paris, por Latrobe (1805-


1821).

273. O estilo acadêmico denomina a orientação artística neoclássica


remanescente do século 19. O nome se diz em função à Real Academia
Francesa de Belas Artes, criada em 1664, por Luís XIV. Portanto, diz respeito a
arte oficialmente ensinada na Academia. No século 19 isto significava
primeiramente a arte neoclássica; depois também a romântica(1820), por
último a realista.

Contra o estilo acadêmico opor-se-á a assim chamada "Arte Moderna", que


principia por volta de 1870. O academicismo, entretanto, resistiu por longo
tempo e penetrou o século 20, sob suas diversas formas já citadas - clássica,
romântica, realista.

274. Depois do classicismo do 1º império (Napoleão I) a linha clássica teve


prosseguimento nos arquitetos Fontaine (1762-1853) e Percier (1764-1838).
Após Bonaparte, eles se associam, orientando o estilo Império para uma
unidade mais evidente. De haverem erigido o Arco do Triunfo do Carroussel
(1806), passaram a novos projetos, como residências imperiais, em Malmaison,
Louvre, e Compiégne. Pertence ainda a Fontaine a Capela Expiatória (em
memória de Luís XVII).

Prosseguiram outros a linha classicista, sem inspirações novas, mas com


frequente ecletismo, ora imitando a antiguidade, ora a Renascença. O segundo
Império apresentou-se particularmente eclético.
Charles Garnier (1825-1881), construiu em estilo suntuoso a Ópera de
Paris (1861-1875). O decorativismo evidente reuniu quase todas as formas
decorativas clássicas neste destacado edifício.

275. O classicismo alemão encontrou novas possibilidades a começar do


movimento de unificação, esta consumada em 1871. Ainda são poucas as
manifestações de valor no espaço de 1850-1870.

Com grande influência na época ocorreu a atuação progressista de Gottfried


Semper (1803-1879), com os trabalhos em Dresden (Teatro de Ópera 1837-
1841), Hamburgo (Igreja São Nicolau) Viena (reconstrução da cidade) e escola
politécnica de Zurich (Suíça, onde dirigiu a Escola Politécnica 1858-1871).

Cresceu a influência germânica na criação da arquitetura moderna, à medida


que a direção clássica se foi revelando insuficiente e se ofereciam novas
oportunidades com a criação dos materiais industriais de construção.

Em 1871 Berlim se tornava a capital de um império e desde então se converteu


em centro de artes e de influência.

Principiando por imitações renascentistas e românicas, a nova fase germânica


de arquitetura se encaminhou para o Jugendstill (veja n. 277). Este ainda um
tanto carregado de ornamentos, já é um estilo a meio caminho do moderno. O
principal representante do Jugendstill foi Bruno Schmitz, autor do
monumento Batalha das Nações (Leipzig, 1900-1912).

A fisionomia clássica ainda se manterá até o conflito mundial de 1914, que,


para efeito de arquitetura se comporta como o encerramento do século XIX.

Outras manifestações ocorrem e que prenunciam as novas idéias.

Alfred Messel (1853-1909) constrói em estilo claro, ainda que com


reminiscências góticas; veja-se o edifício dos estabelecimentos Werthein, em
Berlim.
Ludwig Hoffmann, de um classicismo claro, uma com discrição os elementos
decorativos, como figuras humanas e Gárgulas, ou vegetais, mantendo o realce
da função construtiva. A torre do Novo Congresso de Berlim atrai a atenção
pelas soluções simples e estruturais. Desenvolvendo-se por entre colunas
sucessivas, a torre sobe, esbelta, concluindo-se em uma pequena cúpula final.

De maneira geral, o classicismo alemão, de após 1870 se peculiariza pela


grandeza das construções, neste particular contrastando com o último
classicismo francês, mais severo e funcional, prenuncia claramente tempos
novos.

A mesma observação, referente à forte manifestação dos elementos dominantes


da construção, se pode fazer sobre José Polaert, autor do Palácio da
Justiça (1866-1883) de Bruxelas.

§ 12º. AS FORMAS ROMÂNTICAS OU GÓTICAS MODERNAS. 2283y276.

276. O movimento romântico (veja n. 187) reavivou o interesse pelas tradições


nacionais.

O interesse pela história atraiu a atenção para os monumentos sobrantes dos


séculos passados.

Em 1837 criou-se na França a Comissão dos Monumentos Históricos, que


chamou a atenção para a arquitetura medieval.

Também lançou-se a idéia de que o gótico é uma arquitetura nacional, para a


França. Cresceu com isso a relação entre o romantismo e o goticismo.

Em direção semelhante vinham alguns "ecléticos". Estes são arquitetos


clássicos que, "em nome da própria antiguidade" tentam progredir, utilizando
os novos materiais e adaptando-se às peculiaridades do clima, bem como das
funções.

Viollet-le-Duc (1814-1879), um arquiteto teórico e restaurador dos velhos


edifícios góticos, adaptou os elementos decorativos tradicionais aos objetivos
da construção agora com funções novas; veja-se, neste sentido, o palácio da
Justiça, de Paris.

Labrouste (1801-1875), utilizou largamente o ferro (na Biblioteca Santa


Genoveva), subordinando rijamente a decoração à estrutura da construção.

O romantismo gótico cria desenvolvimento quando principiam os trabalhos de


reconstrução dos edifícios góticos, que são orientados primeiramente por
Lassus (1807-1857) e depois Viollet-le-Duc.

Passou-se também a construir em estilo gótico, tal como já havia feito com o
clássico. E assim, uma segunda vez na história, há um estilo gótico. Observe-se
neste sentido a Igreja Sainte-Clotilde, por Gau (1790-1853).

277. O paralelo inglês, é Augustus Pudgin (1812-1852). O estilo gótico, que


ainda não havia desaparecido totalmente, adquiriu novo interesse.

Ainda que sem criações inteiramente novas, o estilo gótico inglês do século 19
foi marcado pela capacidade de adaptação às novas funções.

Destruído o palácio de Westminster, por incêndio de 1834, passou a ser


reconstruído por Charles Barry, com a assistência de Pudgin. O edifício do
Parlamento imprimiu importância desta renovação do gótico do século 19.
Junto se encontra a abadia gótica de Westminster (secularizada como Panteão
Nacional dos reis e personagens ilustres).

278. Transpôs-se também para as colônias e ex-colônias o estilo gótico. A


exportação de missionários europeus, para a exportação dos interesses
religiosos do velho mundo, resultou também na universalização do estilo gótico
para construções cristãs.

Nos Estados Unidos da América ergueram-se edifícios góticos expressivos,


como a Catedral Saint Patrick (1858-1879) de Nova Iorque. Refletiu-se o
gótico mesmo em alguns arranha-céus.
No Brasil levantou-se na cidade de São Paulo a maior catedral gótica do
mundo, com a particularidade de ter inclusive uma cúpula. Igrejas góticas são
frequentes nos demais estados brasileiros, principalmente do sul do pais, onde
influiu o imigrante germânico, ou o clero estrangeiro no curso da primeira
metade do século 20.

Apreciam-se a Catedral de Curitiba (PR), a Matriz de Sombrio (SC), Igreja de


Santa Cruz do Sul (RS).

279. Os estilos na arquitetura caminharam mais devagar que na pintura e


literatura.

Durante o século 19 o classicismo conservou-se na Academia Francesa de


Belas Artes e o goticismo dos românticos desenvolveu-se como um movimento
paralelo. Há pois duas tendências estilísticas no curso daquele século, a clássica
e a romântico-gótica.

Representam estas duas orientações um movimento de transição para o


moderno. Os novos materiais e as novas maneiras de pensar não admitiam uma
repetição pura e simples, nem do clássico nem do gótico, razão, porque os
novos materiais admitiam outras e outras concepções, com melhor resultado
funcional e também bom efeito estético.

O espírito romântico do gótico estava, porém, num elemento sutil, a


continuidade indefinida e desenvolta.

Esta continuidade se transmitiu à arquitetura moderna, de linhas sem


paralisação, a saírem pelo alto da fachada, sem anteparos intersectantes, ou a
penetrarem diretamente no solo e no teto, sem prévia amenização em bases
alargadas ou em capitéis amplos.

O arranha-céu como que substitui a torre gótica dos medievais.

§ 13º. Estilo moderno arquitetônico. 2283y280.


280. O moderno em arte das formas se deu por fatores que atuaram ao mesmo
tempo sobre a arquitetura e sobre a escultura, inclusive sobre a pintura.

Um novo espírito atuou amplamente sobre as artes plásticas, valorizando as


formas funcionais, geométricas, abstracionistas.

A estes valores se juntou também o fator industrial, com seu novos materiais, e
que marcou um caminho totalmente novo para as possibilidades da realização
arquitetônica.

A produção industrial dos materiais de construção e em decorrência a


descoberta de novas técnicas de construção, sobretudo a do cimento armado em
estruturas de ferro, ofereceu oportunidades inteiramente novas à arquitetura e
demais artes, que deixaram substancialmente superadas diversas maneira
antigas de construir e expressar.

Em arquitetura não somente se fez um novo estilo. Proliferaram os estilos, mas


todos os estilos formam como que um gênero de novos estilos, nenhum se
confundindo com o passado, em consequência do tamanho das novas
possibilidades de estender formas no espaço e organizá-lo a serviço do homem.
Praticamente tudo pôde ser novo com o cimento armado, inclusive a velha
figura de telhado desapareceu da fisionomia dos grandes edifícios.

Com o estilo arquitetônico moderno uma nova estética tomou conta das cidades,
as quais passaram também a crescer verticalmente. Além disto as condições
sociais se alteraram profundamente, como decorrência da explosão industrial,
da ciência, da técnica, do aumento enorme da população.

Em todos os sentidos, a velocidade de transformação da civilização aumentou;


as mudanças que antes levavam séculos, passaram a se fazer de geração para
geração, quando não no curso de uma só geração.

Já existia o ferro há milênios, quando a partir do século 19 se passou a usa-lo


amplamente nas construções. Por exemplo, na Biblioteca de Santa Genoveva
(Paris, 1843), Torre de Eiffel (Paris, 1887-1889), e assim generalizadamente se
construíram colunas de ferro, pontes de ferro; grandes máquinas, trilhos, trens,
navios.
O que principalmente revolucionou a arquitetura moderna foi o concreto,
especialmente moldado e solidificado, mediante cimento (um novo produto à
base de calcário), uma estrutura de pedra e areia, tudo armado ao longo de
filamentos de ferro.

O primeiro cimento artificial foi inventado em 1796 por James Parker, na


Inglaterra, por calcinação de marga, um calcário argiloso. Recebeu o nome de
"cimento romano", por causa de um cimento já conhecido pelos romanos, o
cimento natural, resultante de certos tufos vulcânicos. Desenvolvidas novas
técnicas, foi o cimento Portland, patenteado em 1824 pelo pedreiro Joseph
Aspadin (Leeds, Inglaterra), e recebeu este nome como referência às pedras da
Ilha de Portland. Misturado o cimento com água, endurece em razão de reações
químicas entre os elementos, assumindo a propriedade de uma pedra de alta
resistência mecânica, que pode ainda ser reforçada por filamentos de ferro ou
aço; nesta resistência está o novo recurso obtido pela arquitetura moderna e
também pela escultura.

No curso do século 20, evoluíram também outros e outros materiais industriais,


como por exemplo o plástico, aproveitados na construção, eletrodomésticos,
veículos, e mesmo na escultura.

281. Além da influência dos materiais, o estilo moderno também se definiu em


função às novas maneiras de entender a arte e as funções da arquitetura. Tem-
se advertido para a influência do cubismo (1908), cuja tendência geometricista
ou atenção aos volumes, imediatamente alcançou alguns mestres da arquitetura.
Cedo o cubismo influenciou tendências como o purismo de Osenfant e
Jeanneret, este mais conhecido pelo seu pseudônimo Le Corbusier (vd 292).

Em particular o cubismo sintético, em virtude da divisão racional que imprime


às superfícies, articulando geometricamente os elementos, influenciou as novas
formas arquitetônicas, que o cimento tornou possíveis. Esta lógica construtiva
do cubismo sintético está presente no purismo geométrico das construções de
Le Corbusier e outros arquitetos expressivos dos novos tempos.

282. Não obstante sua novidade, o estilo moderno herdou elementos universais
da estética, sobretudo aqueles referentes ao belo. Recebeu do clássico o
ritmo das partes em sequência, e do gótico, o andamento indefinido, quer das
partes, quer das linhas.
O clássico distribui as partes em distâncias calculadas. O movimento, porém,
tende a equilibrar-se, e o faz em campos menores. Diferentemente, o estilo
moderno, em vista dos seus recursos maiores, conduz o ritmo como se fosse
equilibrá-lo apenas no infinito. O andamento moderno é quase contínuo,
aspirando grandes distâncias, com uma velocidade típica da trepidação do
progresso.

O gótico, antes do tempo moderno, já destacou os movimentos lineares.


Progride a coluna gótica sem parar em capitel; continua o movimento pelas
nervuras ogivais, percorrendo a abóbada. Mas não cria o gótico tão
insistentemente as sequências rítmicas de partes justapostas.

O estilo moderno, como o gótico, também faz as linhas andarem


indefinidamente, ora penetrando o teto, ora prosseguindo para além das
fachadas. Também os planos caminham na arquitetura moderna.

A tendência de realçar o desenvolvimento indefinido das linhas conduz à


eliminação dos elementos secundários. A coluna, também a de ferro, se desfaz
dos elementos decorativos, mesmo dos capitéis aparentemente funcionais.
Agora ela se lineariza em favor da autêntica linha de força sustentadora.

283. Com o moderno cimento armado desenvolveram-se as estruturas de


sustentação. Aqui acontece mais uma analogia com a maneira gótica de
construir.

As novas estruturas permitidas pelo cimento armado se assemelham ao


esqueleto gótico que anulava as paredes. O moderno conduz pois avante a
maneira gótica de construir. Como o gótico, abandona o muro como
sustentação; mas, em vez de apelar aos arcos de sustentação, dirige as direções
de carga e sustentação para o ferro e o cimento armado.

O linearismo, também peculiar do gótico, das estruturas de sustentação tornou-


se particularmente notável nos edifícios altos modernos. Primeiramente se
erguem as estruturas, seguindo-se o fechamento das paredes, que podem ser de
vidro. O cimento armado oferece, entretanto, a possibilidade de estruturas
menos espessas e espaços mais amplos, que na técnica do gótico.
284. A transparência, eis outra característica do gótico e do moderno, que se
torna todavia muito maior neste último. Depois de eliminado o muro de
sustentação, a parede gótica permitia a inundação generalizada da luz. A
perfuração das paredes modernas já ocorre nos primeiros construtores, como se
observa nos Porret. Dali decorre o uso amplo e peculiar do vidro.

Observe-se ainda que o moderno dispõe da luz elétrica e de cores brilhantes, o


que não acontecia em seu tempo com os interiores góticos, relativamente
escuros, apesar das grandes aberturas. O edifício moderno possui controle
maior de suas aberturas, mesmo com o uso de cortinas. Pode até ser
subterrâneo. A cúpula pode inclusive fechar até ao chão, ou mesmo se inverter,
- como no caso do Parlamento brasileiro.

Há, pois, como se advertiu, na arquitetura moderna um controle maior ou


menor na transparência dos seus edifícios, em função de seus recursos mais
amplos e em função do uso que deles se fizer.

Funcionalidade. 2283y285.

285. A arquitetura moderna se caracteriza pela prioridade que deu ao funcional;


apenas depois de cumprido programa das funções, trata da forma estética. Por
isso, a forma estética assume o caráter da função. Em vista da sua
funcionalidade, desvincula-se também a arquitetura moderna bastante da
expressão escultórica; dada, porém, a considerável capacidade dos materiais
industriais, continua restando sempre lugar para arquitetos insistentemente
simbolistas.

A funcionalidade já aparecia na arquitetura anterior, quando esta atendia aos


elementos estruturais de sustentação. Bramante e Miguel Ângelo
(Renascimento Clássico) imprimem ênfase exteriorizada nos elementos de
sustentação; estes não somente exercem a função sustentadora, mas também a
exprimem, com evidente efeito estético. Na verdade, a função de um edifício
não se limita ao estritamente arquitetônico; o edifício tem um destino, portanto
mais funções, e que se podem denominar ultra-arquitetônicas.
Modernamente, as funções criaram novas modalidades de edifícios, como as
máquinas, os automóveis, os aviões, além do desenvolvimento dado às fábricas
e aos edifícios de grandes ajuntamentos urbanos.

A arquitetura é sempre a resposta física à função a ser exercida em um espaço.


Este se constitui de vazios e volumes, os quais se exercem dimensões e inter-
relações.

A diversificação nas funções resulta em programas, em que uns se destinam a


fins culturais e educacionais (escolas, universidades, bibliotecas, teatros, etc.);
outros à saúde (hospitais, maternidades, clínicas, etc.); à habitação (residências,
conjuntos habitacionais, edifícios de apartamentos); ao culto (templos, igrejas,
capelas).

O crescente humanismo e respeito à igualdade das pessoas, fez descobrir novas


funções que cabem também à residência cumprir. Tais como são as máquinas
de correr e voar, também a casa passou a ser vista como aquelas máquinas de
correr e voar, isto é, principalmente de acordo com a função a ser exercida.

Com referência ao acento maior e menor no funcional, divide-se o estilo


moderno em duas direções: o mais funcional e o menos funcional. Todavia,
todos são funcionais.

O estilo mais funcional, ou purista, é o que fica apenas na funcionalidade.

O estilo menos funcional, ou simbolista, é o que admite aditivamente


preocupações artísticas nas linhas e alguma expressividade significadora.

A funcionalidade não surgiu na arquitetura moderna apenas como um princípio


teórico. Tendo podido libertar-se de um grande número de problemas de
sustentação, mediante os grandes recursos oferecidos pelo cimento armado, a
arquitetura moderna pôde adatar-se muito mais diretamente à função do que a
anterior. As escadarias, por exemplo, conseguem limitar-se a função
sustentadora. As largas aberturas, os grandes espaços vazios, as coberturas
amplas, tudo isto pode exercer quase diretamente as funções, sem a
preocupação com os antigos arcos, grossas colunas, etc...
O vidro amplamente utilizado para fechamento dos espaços vazios entre as
estruturas de sustentação, veio não só trazer um elemento novo para a
arquitetura, mas ainda deixou à vista as estruturas funcionais de sustentação.
Mais uma vez, a funcionalidade decorre dos materiais modernos de construção.

286. A orientação mais rijamente funcional vê na mesma funcionalidade a


beleza, e somente nela, eliminando decorações aditivas. Não busca diretamente
senão a funcionalidade; nestas condições o funcionalismo também se
denomina racionalismo arquitetônico.

Constrói o racionalismo arquitetônico levando em conta a geologia, a


meteorologia, a biologia, a sociologia, a química. Desta sorte, os edifícios para
habitação, para as fábricas, para os escritórios, para as lojas e supermercados
são construídos com rigorosa atenção ao fim a que se destinam tal como se
constróem máquinas, pontes, navios, automóveis, refrigeradores para um fim
mui determinado.

Nesta direção funcionalista racionalista marchou sobretudo Walter Gropius,


com sua Bauhaus.

O funcional em arquitetura integra a construção em seu meio ambiente. Esta


tendência naturalista faz como que a natureza ingressar no edifício. Aproveita,
como se fossem elementos arquitetônicos, as pedras, as árvores, os jardins, as
cascatas, os perfis panorâmicos. Certamente que tais elementos oferecem um
valor apreciável e produzem sentimento estético.

Precursores, iniciadores, continuadores do estilo moderno. 2283y287.

287. O tratamento histórico do estilo moderno da arquitetura pode distinguir


entre, iniciadores e continuadores.

Quanto aos precursores, uns o foram para certos elementos, outros o foram
para outros. E assim começa por se tornar difícil apontar com quem principia a
novo estilo. A arquitetura moderna herdou, conforme já anotamos, elementos
do gótico e outro do clássico; então, iniciar o moderno consiste em abandonar
os elementos já impróprios e manter os que ainda se mantém dentro do novo
espírito, juntamente com os novos desenvolvimentos.
Além do nome genérico estilo moderno, proliferaram muitas outras
denominações e que passaram a caracterizar variantes.

Alguns dos iniciadores do estilo moderno, bastante marcados pela liberdade de


ornamentação, denominaram seu estilo art nouveau (= arte nova). Este nome
refere o estilo praticado na Europa e ainda fora dela entre os anos de 1890 e
1910, mantendo-se ainda pelo menos até 1925 nas decorações. O nome foi
introduzido em 1895, quando em dezembro daquele ano se inaugurava em
Paris uma loja de artigos decorativos; 4 salas haviam sido decoradas pelo
arquiteto belga Henry van de Velde.

Na variedade das denominações, o nome em uso na França era Style


moderne, sobrevindo agora mais um, o de Art nouveau.

Assim aconteceu logo também na Bélgica, Inglaterra e Estados Unidos da


América.

Na Alemanha se fixou a denominação Jugendstil (= estilo da mocidade), em


função à revista Jugend, fundada em Munique, 1896.

Na Itália tornou-se corrente stilo floreale (= estilo floral).

Na Áustria ganhou o nome Sezessionsstil (= estilo secessionista), em conexão


com um grupo de jovens de vanguarda que publicava uma revista
intitulada Sezession, 1897.

Por ocasião da Exposição Universal de 1900, de Paris, o novo estilo se


consagrou, e veio ainda a ser denominado Style 1900 e Style lumière (= estilo
1900 e estilo das luzes).

Aquela fase do estilo moderno denominada Art nouveau se caracterizou pela


liberdade com que se usaram as decorações, na base da arte pela arte. Na
medida que elas foram sendo superadas, por obra da funcionalidade, o Art
nouveaux passou a ser o legítimo estilo moderno.
288. A Inglaterra entra para a arquitetura moderna com as tentativas
do Arts and Grafts e logo também com as tentativas de Art nouveau. Aponta-se,
com primeira casa em estilo moderno, o Red House (1859), de William Morris
(1834-1896), em Bexley Heath, Kent.

O estilo nasce atendendo ao espírito gótico e medieval, porque põe em relevo


as estruturas. Como Morris constróem Ashbee, Berlage e muitos outros.

O estilo que se inaugura leva em conta os novos objetivos a serem realizados


pela arquitetura, como casas de muitos pisos, fábricas, hospitais, escolas. Esta
modalidade de construções não poderia obedecer ao padrão clássico. As
paredes lisas e as exposições dos ladrilhos, eis uma nova preocupação e que
deveriam ser estilizados. Sacodem-se os ornamentos néo-clássicos e começa-se
uma nova experiência estética. As paredes desnudas e a descrição das próprias
estruturas se convertem em um novo recurso de expressão.

Passa-se também a obedecer à situação do terreno e à simetria irregular dos


espaços. São os medievais ainda a inspirarem esta modalidade de construir, em
virtude de sua urbanística irregular. A velha maneira clássica não se apropria
aos espaços irregulares, pois não poderia realizar nestes a pomposidade
peculiar ao seu estilo.

Não admitem alguns que os sinais de estilo novo na Inglaterra sejam de


importância. O movimento moderno teria vindo de fora, especialmente
recebido e estimulado por John Brunet. Este já se encontra situado no trânsito
para o século 20.

289. Na Bélgica, prosperou o ondulante premoderno Art Nouveau, com o


arquiteto Victor Horta (1861 - 1947), autor da Casa Tassel (1893), em Bruxelas.
O belga Henry van de Velde (1861 - 1847) é um dos maiores expoentes da
arquitetura do Art Nouveau. O espanhol Antônio Gaudi (1852 - 1926) é um dos
mais fantasistas, mencionando-se como seu projeto mais significativo a Igreja
de Sagrada Família, de Barcelona.
Em Art Nouveau o tratamento particular dada à linha de força realça a função.
Evita as definições geométricas ásperas que se acentuam depois na arte
moderna.

A linha de Horta é dinâmica. Deu ondulação total ao volume da Maison


du Peuple, de Bruxelas.

Em Van de Velde a linha parte para um linearismo simbólico (Einfühlung).

John Root e Daniel Burnham projeção curva as janelas que sobem em coluna
saliente ao comprido do arranha-céu Monadnock Block (Chicago, 1891).

Entre os escultores do Art Nouveau se destacou Max Klinger (1857 - 1920).

290. Na Áustria a Escola Secessionista de Otto Wagner (1841-1918), de Viena,


é um movimento paralelo ao Art Nouveau da Bélgica, e surge mesmo como
uma das primeiras expressões válidas da arquitetura moderna.

Na Escola Secessionista se observam os primeiros sinais de arquitetura


moderna e que serão desenvolvidos por seus discípulos Olbrich e José
Hoffmann.

Com bom gosto Otto Wagner atende às funções, emprega os materiais


convenientemente, realiza a decoração de maneira floral e linear, sempre com
alguma simplicidade. De Otto Wagner aprecia-se a Igreja do Hospital
Nacional (Viena); ainda que de feição clássica, não se atém simplesmente às
formas tradicionais; seu pórtico dos anjos atrai a atenção como mui
característico. Otto Wagner é autor de Moderne Arquitektur (Viena, 1895), que
alguns chamaram de Bíblia da arte nova. Era também o ocupante, desde 1894,
da cátedra de Arquitetura da Academia de Viena. Bem situado para pregar as
novas diretrizes, era todavia acusado por muitos de um mero "experimentador
da arte" e "negociantes de sensações, veículo da moda em trânsito" (1897).

Josef Hoffmann insiste nos elementos verticais; começa já então, o novo modo
de construir ser denominado as vezes de estilo "vertical". A decoração interior
também passa a ser simplificada. As novas idéias são discutidas e amplamente
propagadas.
Richard Neutra (1892 - 1970), natural da Austrália e em 1923 emigrado para
os Estados Unidos da América, foi um dos arquitetos mais notáveis. Trabalhou
com o americano Frank Lloyd Wright e realizou trabalhos similares aos dos
europeus Le Corbusier e Mies Van der Rohe. Atendeu a funcionalidade da casa
de Gropius.

Introduziu Neutra nos Estados Unidos o Estilo Internacional nos anos 1930.
Notabilizou-se em construções de prédios para escritórios, moradias,
universidades, igrejas, centros culturais. Mencionam-se
especialmente: Kaufman Desert House (1949 - 1947) e Tremaine House, ambas
na Califórnia.

291. Na Holanda, Hendric Petrus Berlage, autor da Bolsa de


Amsterdam (1903), empregou racionalmente os materiais (ferro e ladrilhos),
atento as estruturas e sem perda de atenção em decorações postiças.

Já em nova evolução, - contrariando a Escola de Amsterdam, de Berlage e seus


antecessores, - apareceu em 1917 o famoso grupo da revista De Stijl, liderado
pelo pintor Theo van Doesburg (1883 - 1931) e Piet Mondrian (1872 - 1944).

Neste mesmo grupo, a partir de 1920, se desenvolveu o neoplasticismo, com o


qual se relaciona o movimento concretista brasileiro da volta de 1950.

O concretismo estrutura o obra de arte a partir de seus valores materiais


concretos e não a partir da natureza ou da sociedade.

292. Na França as novas tendências em arquitetura foram desenvolvidas pelos


irmãos Perret (nascidos na Bélgica); Augusto (1874-1954) e Gustavo (n. 1876).
Na mesma época operaram Tony Garnier e Sauvage.

O moderno já se encontra, em Augusto Perret, indecisamente na casa da rua


Franklin (1903), com janelas amplamente alargadas, mais definida no Teatro
dos Campos Elíseos (1911 - 1913), peculiarmente na igreja de Raincy (1922 -
23).
A modernidade na França se deve a Augusto Perret:

"... um arquiteto de excepcional valor, pertencente a uma linha de construtores


empresários. Um temperamento tão nitidamente determinado, se consagra,
cerca de 1900, ao problema do cimento armado que ele introduzirá validamente
na arquitetura. Uma vida de luta contra uma raça profissionalmente eriçada
(seus colegas diplomados), uma vida de valentia, de pureza profissional
consagrada a ingressar na arquitetura os materiais reprovados, odiados,
desterrados pelo academismo. Tem êxito. Triunfa. Em vista e em seus dias de
velhice é homenageado: tem imposto respeito a todos. Seu esforço foi realizado
neste sentido e não em outro. Vós já haveis reconhecido nosso herói: Augusto
Perret" (Le Corbusier, Mensagem aos estudantes de arquitetura, 1957).

Tony Garnier acentua a presença das estruturas. Cria o movimento de massas,


com volumes sem ornamentação. Realiza os novos conceitos no Estádio de
Lyon.

Quanto ao mesmo citado Le Corbusier (1887-1965), foi um dos mais


destacados arquitetos dos tempos modernos, como também um dos seus
grandes teóricos. Suíço naturalizado francês, foi também pintor, escultor,
matemático, e cujo verdadeiro nome é Charles Edouard Jeanneret-Gris.

Destacando as funções, Le Corbusier racionalizou a arquitetura, ao mesmo


tempo que reformulou o tratamento dos materiais e do espaço urbano. Autor na
França dos projetos da Cidade Universitária de Paris, da Capela de
Ronchamp (1955). Traçou projetos para outros países; por exemplo, projeto
do Palácio da Liga das Nações (Genebra, Suíça); Ministério do Planejamento
Econômico em Moscou (Rússia); Suprema Corte, em Chandigarth (Índia,
1954).

293. Na Alemanha, depois da unificação dos estados alemães (1871), o


classicismo alemão (vd 275) passa progressivamente a dar os primeiros sinais
do moderno e que se manifestam primeiramente com Peter Behrens (1868-
1939), com forte atuação antes da primeira guerra mundial.

As construções de Behrens surpreenderam como sendo sóbrias, mesmo quando


amplas, aliando a serenidade germânica ao sentido da serenidade funcional
moderna. Nele o clássico se transforma em moderno, numa fase de nítida
transição; bem se observa na Fábrica A.E.G. (1912), de Berlim, as paredes
amplamente limpas, grandes aberturas de vidros e outras menores em sucessão
rítmica, sem que este ritmo se tumultue com decorações; o ladrilho a
descoberto e o cristal revelam, neste edifício de Behrens, também a aplicação
de materiais modernos. No seu tempo, revelou-se como um dos maiores
arquitetos.

Hans Poelzig também constrói com Ladrilho, como se vê na fábrica de


superfosfatos de Potsdam (1910).

Na época o Werkbund, associação fundada em 1908, que desenvolveu os


conceitos de materiais modernos para a arquitetura, em que indústria e
construção se associam.

Ao Werkbund sucede em influência o movimento Bauhaus, com ideais


semelhanças, mas diretivas ainda mais avançadas, que se fazem valer sobretudo
após a primeira guerra. Este movimento, sediado primeiramente em Weimar
(Turingia e depois em Dessau (Saxônia, junto ao Elba) e comandado por
Walter Gropius (1883-1969), já se encontra em pleno estilo moderno; não é
nenhum movimento de transição.

Walter Gropius se destacou como um dos mestres mais decisivos da


arquitetura moderna. Deu-lhe uma escola de nível superior, com
desenvolvimento duradouro, a Bauhaus (1919), em Weimar (Turingia), depois
transferida para Dessau (Saxônia) e que dirigiu pessoalmente. Transferiu-se em
1937 para os Estados Unidos da América, onde lecionou na Universidade de
Harvard.

O moderno já é definitivo, em Gropius, na Fábrica Fagus, (1911), em Alfeld;


melhor ainda se observa em Colônia, na silhueta dos edifícios de uma fábrica e
oficina (1914). A parede de cristal, prosseguindo sem solução de continuidade
até a cobertura por meio de união curva, é caracterizadamente moderna e se
manterá como uma maneira de construir.

À semelhança da Bauhaus de Gropius se instituem outras escolas, como


institutos superiores de formas arquitetônicas e de desenho industrial.
Em Ulm se estabeleceu a "Escola Superior da Forma" (Hochschule
für Gestaltung), tendo por reitor o suíço Max Bill, afamado como arquiteto,
desenhista industrial, pintor e escultor. Formado na Bauhaus, assume posições
contrárias em alguns aspectos, a mesma Bauhaus. Insiste na qualidade e na
beleza, que define como sendo também funções que interessam ao homem.
Este busca diretamente a qualidade e a beleza; portanto não se trata de
particularidades meramente acidentais à função útil.

Tomas Maldonado, outro Reitor de Ulm, afastara-se de começo do esteticismo


de Max Bill, depois de começar, recomeça a volta.

294. Na Itália Boito, Basile e Caetano Moretti são alguns dos nomes que mais
se destacam no primeiro impulso de renovação enlaçado com o estudo da Idade
Média" peculiar ao novo estilo moderno. Depois de 1900 difundem na Itália,
primeiramente como estilo floral, os arquitetos Raimondo d’Anonco (1857-
1932), Giuseppe Sommaruga (1867-1917).

295. Nos Estados Unidos os primeiros sinais da arquitetura moderna estão em


Richardson Root e Louis Sullivan (1856-1924). Em Richardson está o
goticismo e em Sullivan a art Nouveau nas decorações internas, mas em ambos
uma certa liberdade nos exteriores não decorados. Ainda no contexto do art
nouveau, atuou em Nova Iorque Louis Comfort Tiffany (1848-1933), que
estudou em Paris e participou da exposição de 1895. Fez uma nova decoração
da Casa Branca em Washington.

Frank Lloyd Wright (1867-1959), que estudara na Escola de Belas Artes de


Paris, cria as primeiras construções de tipo moderno e, depois defende suas
idéias por escrito. Está na linha de Sullivan, ao qual desenvolveu e conduziu
avante. Construiu primeiramente casas e vilas, com materiais ricos, com mais
simplicidade de composição.

É Wright autor do Museu Solomon R.. Guggennheim (Nova Iorque, Quinta


Avenida), com galeria em rampa espiralada. Notável é a linearidade moderna
da Fábrica de Sabão Larkin (1903), em Búfalo. Os planos se desenvolvem sem
serem tumultuados com ornamentos; realçam os diferentes lances do edifício
como todos; a ascensão linear progride de maneira indefinida, como também
alguns frisos horizontais. O aspecto ciclópico da fábrica apresenta uma
peculiaridade que todas tendem a assumir no futuro como empresas em
expansão.
Ainda que um tanto isolado, sem discípulos imediatos, Wright configura-se
como um dos profetas da arquitetura moderna, tanto pela sua posição no tempo,
como pelos seus escritos, que, depois, de mais algum tempo, alcançam
aceitação generalizada.

296. A necessidade da construção de arranha-céus, que revolucionou a cidade


moderna, motivou também a nova maneira de construir. Foram os Estados
Unidos que por primeiro se notabilizaram neste campo.

Em 1900 Burnham construiu o Flat Iron Building, com 20 andares (no ângulo
da Broadway, New York). Em 1908 já se observa 45 andares, no Woolworth
Building. Uma floresta de tais edifícios passa a tomar conta das cidades novas e
progressistas. Sem o tumulto das decorações, mais uma forte insistência nas
funções de estrutura, fazem dos arranha-céus realizações típicas de um novo
estilo.

297. Todos os países da Ásia, apesar de sua firme tradição arquitetônica


milenar, fortemente influenciada pelo espírito islâmico na Ásia Ocidental,
brâmane na Índia, budista na Ásia remota, aderiram por último ao estilo
moderno, em consequência das vantagens resultantes dos materiais produzidos
industrialmente.

Hoje muitos países asiáticos, notadamente Japão e China, são exemplos no que
se refere ao estilo moderno em arquitetura e artes das formas em geral. O
mesmo há a dizer da Oceania, sobretudo da moderníssima Austrália. Claro está,
que a nostalgia do passado resta por toda a parte (vd 308).

O arquitetônico moderno no Brasil. 2283y298.

298. A arquitetura moderna, no Brasil é a primeira expressão brasileira


significativa em arte de construção.

Ainda que dignos de citação, o barroco colonial e o neoclássico nos deram


apenas umas poucas valiosas igrejas e palácios, e que se encontram em raras
cidades. Grande parte de nossos edifícios antigos estão concebidos ainda no
obsoleto método de sustentação sobre grossos muros.

Quando da renovação do gótico, também surgiram alguns templos góticos, sob


influência da imigração alemã e do clero que a acompanhou .

Mas, a arquitetura moderna brasileira se encontra em todo o país e prontamente


se projetou no mundo. Ainda que os primeiros sinais demorem, tomam vulto
imediatamente.

Neoclássico edifício da Academia de Belas Artes se construía no segundo


quartel do século 19, por Augusto Henri Victor Grandjean de Montigny, em
que ele mesmo, como Mestre, criou o ensino acadêmico. Um século depois,
após a Revolução política de 1930, se reformava a Academia, enveredando
então para o racionalismo funcional da arquitetura moderna.

Já nos primeiros anos da década de 1900 chegavam ao Rio de Janeiro


decorações importadas de Art Nouveau. Arquitetos vindos do exterior e
brasileiros formados também no exterior encaminharam paulatinamente a visão
brasileira do estilo moderno.

Influenciaram sobre o Brasil Gropius (da Bauhaus), Mies van der Rohe, Franck
Lloyd Wright, Le Corbusier.

299. Uma primeira fase da arquitetura efetivamente moderna do Brasil é


marcada pela realização de residências do novo tipo em São Paulo e Rio de
Janeiro. O primeiro grande feito foi o de A Noite (Praça Mauá, Rio de Janeiro,
capital do país até 1960).

Acontece em 1925 o primeiro manifesto pró arquitetura moderna no Brasil. Foi


elaborado por Gregori Warchavchik (1896-1972), arquiteto brasileiro de
origem russa, atuando em São Paulo.

O arquiteto Lúcio Costa (1902- ), líder maior da modernização da arquitetura


brasileira, atraiu Warchavchik para o Rio de Janeiro, onde como professor da
Academia das Belas Artes reformou o ensino de arquitetura. Em 1933
compareceu à Exposição da Arquitetura Tropical.
Na geral modernização da arquitetura brasileira importa também anotar a
competente participação de Engenheiro Emílio Baumgart (Blumenau, SC.,
1890-1943), especialista no uso do concreto armado.

"O edifício A Noite pode ser considerado o marco que delimita a fase
experimental das estruturas adatadas a uma arquitetura avulsa, da fase
arquitetônica consciente de projetos já integrados à estrutura e que teria, depois,
como símbolo definitivo o edifício do Ministério da Educação e Saúde (Rio de
Janeiro). Significativamente, tanto uma como outra estrutura, foram calculadas
pelo mesmo engenheiro, Emílio Baumgart, cujo engenho, intuição e prática do
ofício, a princípio mal vistos pelos pensamentos catedrático dos doutos,
acabaram por consagrá-lo, tal como merecia, mestre dos novos engenheiros
especializados na técnica do concreto armado. O seu imenso escritório
instalado no próprio edifício da Praça Mauá, onde levas de engenheiros recém-
formados se exercitavam nos segredos das novas técnicas, capitalizando
precioso cabedal de conhecimentos, embora, por vezes, se presumissem lesados,
preencheu honrosamente as funções de uma verdadeira escola particular de
aperfeiçoamento" (Lúcio Costa, Arquitetura Brasileira, p. 28 - 29, Rio, 1952).

Ainda na fase anterior do edifício do Ministério da Educação (RJ),


encontramos a presença de Marcelo Roberto (1908 - 1964), diplomado em
1930 na Escola Nacional de Belas Artes, criando soluções originais para
controle da luz e sombra. Tal se observa no edifício da Associação Brasileira
da Imprensa (A.B.I), projetados em 1935. Os quebra-sóis postados em ritmo,
são lajes fixas, de dois centímetros de espessura, com oitenta de profundidade,
abrindo-se numa passagem estreita. A modalidade dos quebra-sóis se difundiu
por todo o País.

300. Uma fase eminentemente evoluída da arquitetura moderna no Brasil é


marcada pelo edifício do então Ministério da Educação, alto e de vidro. Lúcio
Costa e uma equipe o traçavam em 1936, aproveitando um risco de Le
Corbusier.

Brasileiros que se projetam em arquitetura: Lúcio Costa (n. 1902), autor do


Plano Piloto de Brasília; Oscar Niemeyer (n. Rio de Janeiro, 1907), autor do
conjunto de Pampulha (década de 1940) e dos palácios de Brasília (1960),
Joaquim Cardoso, de Olinda, poeta e engenheiro (1897 - 1978), Luiz Nunes,
José Reis (que atua no Rio, se transpõe para Recife), Afonso Eduardo Reidy
(autor do Museu de Arte Moderna, Rio, 1954).
A capacidade de investimento se ofereceu primeiramente em S. Paulo e Rio de
Janeiro, que receberam por isso as primeiras construções modernas do País.
Cresceram logo também as das capitais de Estado Porto Alegre (RS), Curitiba
(PR), Belo Horizonte (MG), Salvador (BA), Recife (PE), Ceará (CE).

Depois da década de 1970, por causa do novo sistema financeiro, os edifícios


mais variados, luxuosos e econômicos, passaram a surgir em todas as cidades
de médio porte do país e nos balneários junto ao Oceano.

Como fase muito especial de investimento e excelente oportunidade ara o estilo


moderno ocorreu a fundação de Brasília, inaugurada em 1960, como nova
capital do país. Destacaram-se já então o urbanismo de Lúcio Costa, autor do
plano-piloto de Brasília, e os edifícios públicos de Oscar Niemeyer, entre
outros, o conjunto da Praça dos Três poderes da República, a saber, o edifício
do Congresso Nacional (do poder legislativo), Palácio de Despachos (do
Executivo), Supremo Tribunal (do Judiciário); e ainda, o Palácio da
Alvorada (residencial do Presidente), Ministério do Exterior (ou Palácio dos
arcos, projeto 1967)

Conceitos estéticos de Oscar Niemeyer:

"Procuro orientar meus projetos caracterizando-se sempre que possível pela


própria estrutura. Nunca baseado nas imposições radicais do funcionalismo.
Mas sim na procura de soluções novas e variadas. Se possível lógicas, dentro
do sistema estético. E isso sem temer as contradições de forma com a técnica e
a função. Certo que permanecem unicamente as soluções belas, inesperadas e
harmoniosas com esse objetivo. Aceito todos os artifícios. Todos os
compromissos. Convicto de que a arquitetura não constitui uma simples
questão de engenharia, mas uma manifestação do espírito, da imaginação e da
poesia" (tomado de um cartaz, na VIII Bienal de Arte Moderna, S. Paulo, 1965).

§ 14. Estilo moderno em desenho e escultura. 2283y301.

301. Em desenho e escultura o moderno é habitualmente anticlássico. Isto quer


dizer que sobretudo não idealiza o tema.
O moderno também se caracteriza pela valorização do desenho, sobretudo após
os impressionistas, por reação de Cezane a estes. Ainda que todas as escolas
anteriores se ocupassem com o desenho na pintura figurativa, são contudo os
modernos os que dão mais ênfase às formas que se encontram por detrás da
cores.

Enfim, o moderno ainda se identifica pela temática, ora do mundo interior,


como no expressionismo, ora da visão abstrata dos objetos, como nos mais
diversos tipos de abstracionismo. Importa, entretanto advertir, que, quando a
questão se refere ao tema, se trata antes de gênero artístico (vd 274ss, que de
estilo. Todavia, a preferência pelos temas provoca indiretamente a criação dos
estilos respectivos.

Sobretudo no expressionismo e no abstracionismo ganha importância o


desenho quer das linhas, quer das áreas, quer das formas volumétricas. Portanto,
embora o expressionismo, abstracionismo e o formalismo em geral importem
na questão de preferência temática, representam também estilos.

Sem ser necessariamente abstracionista, o moderno também se manifestou nos


temas do mundo interior, como é o caso do expressionismo, concentrado,
traduzindo sobretudo a desordem espiritual e o caos da vida social. O
movimento expressionista é dado como surgido em Munique e Berlim, por
volta de 1910, fazendo-se conhecido como Cavaleiro Azul. No Brasil teve
representantes em Portinari e Segall.

302. O impressionismo, do qual derivam diferentes formas de expressionismo


(vd 196 e 198), inaugura a pintura propriamente chamada moderna, pelo menos
na França. Não tem o impressionismo preocupação direta com o desenho.

O nome impressionismo foi dado pelo crítico Leroy, a partir da tela de


Monet Impression, soleil levant, 1874.

Ocupa-se o pintor impressionista com a impressão simultânea dos efeitos de luz,


espaço e cor, de sorte que sua tela poderá apresentar os rompimentos de
superfície provocados pelos reflexos da luz.
304. Augusteo Rodin (1840-1917) experimentou o impressionismo na
escultura pelo modelado abocetado, provocando contrastes de sombra e luz.
Destacou os fortes sentimentos, ao contrário do equilíbrio e da inércia
acadêmica. A criação que o perenizou foi um bronze O pensador (1880, Musée
Rodin, Paris). Pelo tema e pela expressividade também é muito lembrado O
beijo.

305. Pós-impressionismo. Paul Cezane (1839 - 1906), já como pós-


impressionista, adota também o desenho como um instrumento de expressão
moderna. O importante pintor francês ocupa este mérito entre os modernos.
Mostra que a forma está onipresente; uma arquitetura de linhas, áreas e
volumes comanda as coisas. A expressão artística deve dar ênfase a esta
situação; somente em tais condições a pintura conseguirá uma expressão
vigorosa e bela.

Nas criações de Cezane é possível observar um esqueleto sustentador das cores.


É possível mesmo separar o desenho traçando-o de novo ao lado da tela. Os
olhos do apreciador conseguem ver nesta pintura o comando invisível e secreto
das formas. Há pois uma aliança de duas artes, a da cor e a da forma plástica.
Esta junção, por não ser necessária, constitui uma eventualidade, portanto um
estilo.

306. O Cubismo (Picasso, Braque, Gris, Léger) é um movimento artístico


nascido em 1907 em Paris, com tendências geometrizantes, com a respectiva
valorização do desenho. Por intermédio deste, se põe a descoberto a arquitetura
total do objeto. O mérito do sucesso do cubismo está sobretudo nos trabalhos
de Pablo Picasso (1881-1973), espanhol na França, e Georges Braque (1882-
1963), citando-se também Juan Gris (1887 e 1927), outro espanhol na França, e
Fernand Léger (1881-1955).

Relacionadas com o cubismo e com o desenho, ao qual valorizam, mencionam-


se os movimentos chamados plasticismo, construtivismo, concretismo. Formas,
volumes, áreas, linhas são enfatizadas como instrumento de expressão,
particularmente das manifestações mais criativas do espírito.

307. O exclusivamente formal. Do ponto de vista temático, a escultura


moderna e pintura moderna se inclinam fortemente para o meramente formal,
que é quase o mesmo que o abstracionismo puro. As apresentações abstratas
tiram frequentes vezes o lugar das figurativas. De certo modo o abstracionismo
existiu em todos os tempos, porque o abstrair é uma capacidade ordinária da
mente. Mas, com o peculiar desenvolvimento do homem moderno, o
abstracionismo caracteriza sobretudo a contemporaneidade.

Esta situação é eminentemente moderna, visto que no passado a prática da


escultura figurativa era quase exclusiva; as preocupações meramente formais
quando ocorriam, não se faziam independentemente da representação figurativa.
Os modernos, pelo contrário, criam a escultura esclusivamente formal.

Não há esquemas didáticos dominantes para o estudo do formalismo na arte


moderna, senão ordenamentos muito acidentais.

308. O desenho industrial geralmente é estético, apelando ao belo. Quando


ingressa no plano da expressão artística, opera com a arte meramente formal.
Esta modalidade de expressão artística transformou notavelmente as feições da
indústria. Nada de semelhante se encontra na antiga modalidade industrial,
senão no artesanato, este geralmente primitivista e folclórico.

309. Futurismo. O abstracionismo puro é precedido por uma época de


transição. O abstracionismo moderno teve um particular predecessor
no futurismo, do poeta italiano Marinetti, que inicia em 1909.

Pertenceu ao grupo Umberto Boccioni; a abstração aparece nos planos fugados,


nas linhas em ângulos agudos e intersecções violentas, que não se podem
reduzir inteiramente o figurativo de suas criações; é o que bem observa
em Cabeça + Casa + Luz.

De maneira geral, o futurismo plasma a velocidade; esta tomada em separado é


um tema abstrato.

310. São notáveis as tendências abstracionistas do cubismo na arte do


russo Osip Zadkine (1890-1967), radicado em Paris. Seu estilo pessoal é cheio
de lirismo. Tornou-se notório pelo seu monumento que tematiza a destruição de
Rotterdam, 1953-1954. Em geral os russos amenizaram o cubismo.
Na Holanda, a diretriz abstracionista estava sendo tomada pelo grupo filiado ao
movimento De Stijl (vd 291), do pintor neoplasticista Theo Van Doesburg
(1883-1931) e do pintor neoplasticista Piet Mondrian (1871-1944). Foram estes
os fundadores da revista De Stijl, inspiradora do neoplasticismo. Passou depois
Mondrian a Paris e por último a Nova Iorque.

Alexander Archipenko (1887-1964), escultor norte-americano de origem russa,


praticou um cubismo policromado, influenciado pela arte egípcia antiga, de
pintura plana, e que denominou arquipintura, ou esculto-pintura.

311. A esquematização abstracionista também se observa na escultura do


escultor francês Henri Laurens (1886-1954), com tratamentos rotundos e
geométricos. Trabalhou primeiramente com Le Corbusier e depois aderiu ao
cubismo.

Em 1909 apareceu a aquarela abstracionista do francês Francis Picabia (1879-


1953), sendo então ainda fato isolado. Depois de participar do movimento
cubista, dadaísta, surrealistas, Picabia se tornou um figurativista, além de
escritor e poeta.

O volume abstrato orienta a escultura de Pablo Gargallo (1881-1934),


espanhol com trânsito em Paris, e que se inspirou no barroquismo espanhol,
além de suas afinidades com o russo americano Archipenko (vd 310)..

312. O abstracionismo se manifestou cedo e insistentemente na vanguarda


russa. Começara o desenvolvimento modernistico na Rússia com a exposição
internacional de Arte havia em 1899, em Petersburgo, organizada por Serge
Diaghilev (1872-1929), crítico de arte russo e revolucionador da estética do
balé coreográfico. O impressionismo francês está presente.

Os artistas russos prontamente assimilam as tendências abstracionistas do


movimento cubista e futurista, derivando para o construtivismo.

O rompimento radical com o figurativo ocorre com o suprematismo do cubista


Kazimir Malevitch (1878-1935), que atuou principalmente como pintor. Foi
apreciado em uma composição suprematista indicadora da sensação da vontade
mística (1915) e em Branco sobre Preto (1918). Malevitch e o holandês Piet
Mondrian (1872-1944) influenciam fortemente a arte na direção das formas
abstratas.

313. Sob o poderoso governo comunista de Stalin (1924-1953) ocorreu a


intervenção estatal na arte de vanguarda. Enquanto alguns se acomodaram,
outros se evadiram do grande país. Em decorrência desta evasão passou a haver
uma influência russa na arte em várias regiões do mundo.

Kasimir Malevitch (1878-1935), líder cubista na Rússia e um dos criadores do


suprematismo, estabeleceu-se na Alemanha, onde imprimiu o livro O mundo da
não-representação.

Destacou-se o russo Eliezer Lissitzki (1890-1941), engenheiro formado na


Alemanha, pintor não figurativo e teórico da estética moderna, com influências
mesmo no Brasil.

"A arte de Lissitzki tinha mais compromissos com as idéias vigentes na Europa
Ocidental e representava uma tentativa de conciliação entre os dois pólos. Sua
influência foi vasta, sobretudo nos grupos de vanguarda da Suíça e da
Alemanha, mas o lado mais importante, mais revolucionário da vanguarda
russa e que talvez seja um caminho para a arte contemporânea foi posto de lado.
Não é por acaso que o movimento neoconcreto, nascido no Brasil como uma
reação ao concretismo racionalista de formas escritamente ópticas, reaproxima-
se da vanguarda russa, particularmente das experiências de Malevitch e daquele
aspecto, a que nos refirimos, que se define por uma procura de um novo objeto
para a pintura. O concretismo brasileiro, derivado de Ulm, levou a
consequências extremas aquela tendência óptica induzida na Alemanha e na
Suíça por Lissitzki.

O neoconcretismo, reagindo a essa especialização da visão, recoloca o


problema posto por Malevitch, e reata o caminho interrompido" (Ferreira
Gullar, Jornal do Brasil, 28 - 11 -1959).

314. Prosseguem no abstracionismo crescente do construtivismo, com


preferência de materiais transparentes e com movimento, os destacados artistas
os irmãos russos Pevsner. O abstracionismo está presente também no
construtivismo de Vladimir Tatlin(1885-1953) e no objetivismo de Rodchenko
e

No Manifeste realista (1920) destacam que a escultura se fundava no espaço e


tempo, e portanto também no movimento.

Efetivamente, a escultura não está destituída do movimento, o qual sobretudo


as técnicas modernas permitiram ter maior desenvolvimento (vd 150).

O mais destacado entre os irmãos Pevsner foi o escultor Naum Gabo (1890- ),
como se fez conhecer. Criou o monumento do Instituto de Matemática e
Ciências Físicas de Moscou. Com seu irmão Antoine Pevsner (1886-1962),
esteve por último na França, desde 1922. Esteve também algum tempo na
Alemanha com o pintor Kandinski até o advento do Nazismo. Em Paris
participou do grupo Abstraction-Création, 1932.

Caminhou então a escultura moderna francamente para o abstracionismo puro.

315. O concretismo de certo modo reage ao abstracionismo e pretende ir mais


longe que o abstrato. Não obstante ocupar-se do concreto, é todavia um
abstrato. Sua temática, é incontestavelmente abstrata. A variedade da produção
e teorização realizada pelos concretistas envolve-se em contextos difíceis, não
sendo facil a tarefa de determinar quem está com a razão e quem realizou obra
de importância.

Os experimentos e manifestos do concretismo ocorrem com Larionov,


Malevitch, Kandinski, Mondrian, Doesburg.

Desenvolveu-se o concretismo em modalidades como as de Mortensen,


Deyrolle, Poliakoff, Dewasne e muitíssimos outros, que o correr dos anos dá
oportunidade a que se apresente ao mercado da arte e das exposições.

§ 15. Estilos nostálgicos. 2283y320.

321. Importa conservar os monumentos do passado, como expressões dos


estilos praticados. Entretanto, há os que reproduzem com materiais modernos
estilos do passado, simplesmente porque os apreciam, quando não por uma
certa nostalgia pelos valores do passado ou mesmo de nostalgia pelo país de
origem de onde emigraram seus antepassados.

Os estilos nostálgicos acontecem principalmente em arquitetura, mas ocorrem


em todas as artes. Tais estilos assumem por vezes o caráter de folclore, porque
resultam mais da sabedoria popular do que de uma verdadeira erudição.

322. No Brasil com frequência ainda se constróem casas em estilo colonial,


todavia com alguns retoques, adatando-as aos usos atuais. A flexibilidade dos
materiais modernos o permite. Estas residências costumam ter sobretudo
melhores e mais amplas aberturas, que as do passado. Também não se
apresentam as paredes como simples muros de sustentação.

Nas prósperas regiões de imigração alemã e suíça do sul do país se têm


estimulado a construção típica, visando a caracterização européia com vistas ao
turismo. Já não é necessário ir à Europa com vistas a ver cidades de fisionomia
alemã. Um disto há na cidade de Blumenau, Estado de Santa Catarina.

A imigração de orientais asiáticos para a América trouxe, também sob forma


nostálgica, para o novo continente várias formas de estilo dos respectivos
países de procedência. Japoneses, chineses, árabes se fizeram notar, não
somente em suas residências e lojas comerciais, como ainda pelos seus
edifícios religiosos.

Por si só a nostalgia e a tipicidade também são funções que interessam ao


homem. Por este lado as referidas construções se justificam. De outra parte, não
importa que os materiais sejam novos, isto é, produzidos industrialmente.

CONCLUSÃO. 2283y323.

323. Através dos tempos crescem os recursos da arte das formas, por evolução
dos materiais industriais e ultimamente por desenvolvimento da imagem
eletrônica, a qual ao mesmo tempo transmite as cores.
Superadas as limitações materiais do significante, importa a seguir desenvolver
com a mesma flexibilidade a expressão.

A flexibilidade com que agora se opera a veiculação da imagem elevou a arte


das formas quase ao mesmo nível de importância da linguagem falada. Este
crescimento não busca propriamente superar a linguagem; o que importa é
tornar a ambos os processos uma operação simultânea, pela aliança das duas
artes de expressão.

Anteriormente tínhamos o orador com alguns gestos; agora temos


costumeiramente mais do que isto, o professor com um projetor, o noticiarista
apresentando ao mesmo tempo a imagem dos fatos a respeito dos quais teceu a
linguagem.

O teatro, onde a forma se combinava paralelamente com a imagem do ator,


passou a ser superado em muitos aspectos pelo cinema, e finalmente ainda mais
pelos efeitos maiores das representações eletrônicas, entre elas as televisivas.

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