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LIVIA AZEVEDO LIMA

[Livros de Arquivo]: as publicações da Fundação


Casa de Rui Barbosa

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


como exigência parcial para obtenção
do título de Bacharel em Comunicação
Social com Habilitação em Produção
Editorial em Multimeios da Universidade
Anhembi Morumbi.

Orientadora: Maria Cristina de Almeida Rosa

São Paulo
2010
Para Pedro e Gabriel.
Agradecimentos

Primeiramente gostaria de agradecer àqueles que


concederam, com muita boa vontade, entrevistas formais
a este trabalho: Gabriel Moore, do CEDOC – Pinacoteca,
Eduardo Coelho e Raquel Valença, ambos da Fundação
Casa de Rui Barbosa. E àqueles com quem conversei
informalmente: Ângelo Venosa, também da Casa de Rui,
Patrícia Artundo, da Fundación Espigas, Buenos Aires,
Argentina, e Pedro Nery, amigo do peito, além de historiador
e arquivista.
Em seguida, gostaria de agradecer a minha orientadora,
a Profª Cristina de Almeida, pois somente ela, com sua
combinação astral de aquário e escorpião, poderia colaborar
tanto para este trabalho em originalidade e aprofundamento.
E aos demais professores que me apoiaram nesta empreitada,
em especial à coordenadora Maria José Rosolino que
autorizou que eu fizesse uma monografia no lugar de um
projeto voltado para o mercado editorial; Whaner Endo, que
me situou sobre os estudos de editoração e me emprestou
o livro sobre a Edusp, fundamental para este trabalho; e
Paulo Vasconcelos, que desde o princípio apontou para a
necessidade de indicar nesta pesquisa a crítica genética, que
eu veria mais tarde ser realmente fundamental.
Minha reverência aos meus dois tutores intelectuais
Rodrigo Naves e Lúcia Rosa, que me ensinaram, pelo
exemplo, o que significa ter rigor acadêmico e artístico,
respectivamente.
Meus agradecimentos também aos colegas de classe,
que apoiaram minhas escolhas e me incentivaram nas horas
de desânimo. Por falar em desânimo, agradeço imensamente
ao Profº Roberto Ferreira da Silva, que no segundo período
da graduação, quando pensei em abandonar o curso, me
convenceu a permanecer; a minha “fiel escudeira”, Manuela
Rodrigues, que me deu ouvidos, mesmo ocupada com a sua
própria monografia sobre a crise financeira do Brasil, e a
Dario Galvão, meu amado filósofo, que esteve ao meu lado
pacientemente durante todo o tempo em que me dediquei a
este trabalho.
“Quando um arquivo público instala,
alimenta, desenvolve e expande seus serviços
editoriais, culturais e educativos alinhando-os
à sua função informacional administrativa e
científica, ele preenche um lugar por direito e
por conquista na comunidade. Esta deve ver
no arquivo uma tribuna e um manancial de
direitos e deveres, um lugar de entretenimento e
uma real fonte de cultura e saber.”
(BELLOTO, 2006, p.247)
Resumo

Esta monografia propõe-se a analisar as publicações


oriundas de arquivos pessoais produzidas por instituições
arquivísticas. Utilizando a metodologia de estudo de caso,
tem como objeto de estudo a Fundação Casa de Rui Barbosa.
Criada em 1930, no Rio de Janeiro, essa instituição possui
124 conjuntos documentais, entre fundos de arquivo e
coleções, e um amplo catálogo com mais de mil títulos
publicados. Para explicar o processo de transformação
de documentos de arquivo em publicações, traça-se um
paralelo entre a função do arquivista e a do editor, além de
se descrever as etapas que compõem a produção editorial na
Fundação. Destaca-se, ainda, a distinção entre publicações
técnicas e publicações temáticas, na tentativa de sintetizar
os diferentes propósitos de instrumentos de pesquisa e
resultados de pesquisa, respectivamente. Finalmente,
enfatiza-se o caráter alternativo desse nicho de produção
editorial, que, assim como as editoras universitárias, atua
à margem da lógica do mercado, visando à preservação da
memória e ao fomento da pesquisa acadêmica.

Palavras-chave: Arquivo pessoal. Edições de fontes.


Instituições arquivísticas. Instrumentos de pesquisa.
Publicações.
Abstract

The objective of this work is to analyze personal records


publications that are produced by archival institutions.
The methodology used is case study and Fundação Casa
de Rui Barbosa is the institution object of the analysis.
Created in 1930, in Rio de Janeiro, this institution has
124 sets of documents, among founds and collections,
and a broad catalog with more than a thousand of books
published. To explain the process of turning the documents
into publications, it is necessary to compare the archivist’s
function with the editor’s, and to describe the steps of the
editorial production. In addition, the distinction between
technical and thematic publications is analyzed in an
attempt to synthesize the different purposes of the finding
aids and the research results, respectively. Finally, the
work emphasizes the alternative character of this editorial
production’s niche. Likewise university presses, it works
in the margin of market logic concerned with memory
preservation and promotion of academic research.

Keywords: Personal records. Documentary


publication. Archival institutions. Finding aids.
Publications.
Sumário

Introdução...............................................................10

Parte 1- Os Arquivos...............................................17

1.1 O conceito de arquivo pessoal: peculiaridades...........16

1.2 As etapas do tratamento arquivístico.........................23

1.3 Elaboração de instrumentos de pesquisa....................28

Parte 2- Os Livros...................................................34

2.1 As publicações e as linhas editoriais...........................35

2.2 Publicações técnicas versus publicações temáticas......38

2.3 O atrativo dos egodocumentos..................................39

2.4 As leis e os processos que regulam


a publicação de documentos de arquivo....................42

Parte 3- Os Livros de Arquivos...............................45

3.1 Semelhanças e diferenças entre arquivista e editor.....46

3.2 Novas mídias, novos caminhos:


o banco de dados e o livro digital..............................50

3.3 As vantagens de um setor de


editoração em uma instituição arquivística................52

Parte 4- Estudo de Caso:


Fundação Casa de Rui Barbosa...............................57

4.1 Breve histórico da instituição....................................58


4.2 O setor de editoração dentro
da política institucional.............................................64

4.3 A viabilidade das publicações....................................68

4.3.1 Publicações com verbas públicas...............................69

4.3.2 Publicações em parceria com


editoras comerciais e universitárias............................73

4.4 Acervo e catálogo de publicações:


dimensões publicadas................................................77

4.4.1 Dimensões publicáveis..............................................80

Conclusão................................................................84

Referências Bibliográficas.......................................90

Apêndice A: áudio das entrevistas..............................98

Apêndice B: entrevista com Gabriel Moore...............99

Apêndice C: Entrevista com Eduardo Coelho.........122

Apêndice D: Entrevista com Raquel Valença...........134

Apêndice E: Coleção Papéis Avulsos........................146

Apêndice F: Coleção FCRB....................................147

Anexo A: Organograma institucional......................149


[Introdução
]
Durante toda a graduação, tive interesse
por produções editoriais alternativas1. Por isso,
desenvolvi um projeto de iniciação científica
sobre um coletivo de arte que produz livros
artesanais com papelão, o Dulcinéia Catadora.
E também atuei como estagiária no Instituto de
Arte Contemporânea, instituição privada com
finalidade pública, que possui arquivos pessoais de
dois importantes artistas do concretismo brasileiro:
Sergio Camargo e Willys de Castro. Foi a partir
dessas experiências que tomei gosto pela pesquisa
e pela arquivologia, o que me levou a investigar as
funções do arquivista e seu diálogo com a figura
do editor.
Neste trabalho, procuro delimitar como
arquivista e editor podem estabelecer cooperação
em prol da pesquisa e da preservação da memória.
Para isso, atenho-me à produção editorial vinculada
aos fundos de arquivos pessoais sob guarda de
instituições públicas, elegendo como objeto de
estudo a Fundação Casa de Rui Barbosa, do Rio
de Janeiro.
1 Entenda-se alternativas como produções fora do mercado editorial
tradicional.
Introdução • 12

Essa instituição surgiu com o museu-


biblioteca, instituído, em 1928, pelo presidente
Washington Luís, para preservar e divulgar o acervo
de seu titular, o literato Rui Barbosa. Para tal, a
publicação das Obras Completas já constava como
um dever em seu decreto de fundação. De 1942,
data da publicação do primeiro livro da FCRB,
até hoje foram mais de mil títulos publicados.
Grande parte desses livros diz respeito à obra de
Rui Barbosa e a sua fortuna crítica. Neste trabalho,
estudaremos como se dá a produção editorial
vinculada a arquivos pessoais, a partir de um
mapeamento histórico do Setor de Editoração na
instituição e da observação dos livros publicados a
partir arquivo de Rui Barbosa, e, principalmente,
os oriundos dos documentos presentes nos
arquivos pessoais de literatos do Arquivo-museu
de Literatura Brasileira, criado em 19722.
A Fundação Casa de Rui Barbosa possui,
ao todo, 124 arquivos privados de escritores
brasileiros, além de uma coleção de documentos
avulsos. A pesquisa tem como recorte os arquivos
que já passaram pelas etapas de classificação e
já possuem inventários3 publicados – como é o
caso dos arquivos de Manuel Bandeira, Clarice
Lispector, Vinícius de Moraes, Carlos Drummond
de Andrade e Pedro Nava, entre outros –,
2 Conforme a cronologia da instituição disponível no site: http://www.
casaruibarbosa.gov.br/template_01/default.asp?VID_Secao=73&VID_
Materia=72, em 26/04/2010.
3 Segundo o Dicionário de Terminologia Arquivísitica (2005), inventários são
instrumentos de pesquisa e, como tal, permitem identificar, localizar, resumir
e muitas vezes transcrever os documentos do fundo arquivístico.
Introdução • 13

concentrando-se nas publicações que dialogam com


o fundo arquivístico tendo em vista seu conteúdo
e as maneiras como este pode ser organizado em
um produto editorial. Dessa forma, considera-se a
distinção entre as publicações de instrumentos de
pesquisa, como inventários e guias do acervo, e as
aqui chamadas publicações temáticas4, que estão
atreladas ao Centro de Pesquisa.
Esta pesquisa não prevê um mapeamento
exaustivo dos livros publicados pela Edições Casa
de Rui Barbosa, mas, sim, uma análise qualitativa
para observar como se concebe e se opera a produção
editorial, desde a criação do Setor de Editoração,
sua relação com a política institucional, as verbas
destinadas a essa atividade e as coedições até a
escolha dos títulos, sua adequação e sua organização
no catálogo.
O objetivo deste trabalho, portanto, é
entender como se dá a produção editorial
vinculada a uma instituição arquivística que guarda
arquivos pessoais. Para alcançar esse objetivo, se
faz necessário comentar o conceito de arquivos
pessoais, contrapor a função do arquivista à do
editor e descrever o processo de produção editorial
no objeto de estudo eleito, a Fundação Casa de
Rui Barbosa.
Tendo em vista esse objetivo, a metodologia

4 Essa distinção é crucial para entender as diferenças entre a preocupação


do arquivista e a preocupação do editor. Enquanto o arquivista se detém
na proveniência e funcionalidade dos documentos, tendo como objetivo
classificar e preservar os documentos para disponibilizá-los para a pesquisa, o
editor, normalmente, planeja selecionar e reagrupar conteúdos em produtos
editoriais que despertem interesse em um público-alvo específico.
Introdução • 14

se divide em duas frentes: pesquisa de fonte


bibliográfica e estudo de caso. A primeira frente
visa à formação do quadro referencial para a
fundamentação teórica do trabalho. A segunda
frente, o estudo de caso da Fundação Casa de Rui
Barbosa, conta com o apoio de outros tipos de
metodologia, como a pesquisa de fonte documental,
para análise de documentos institucionais referentes
à criação do Setor de Editoração na Fundação Casa
de Rui Barbosa, e as técnicas de História Oral, para
coletar depoimentos dos principais responsáveis por
esse setor e de especialistas em arquivos pessoais.
A estrutura da pesquisa acompanha as
duas frentes metodológicas, dividindo-se em
quatro capítulos5. Os três primeiros, relativos
à fundamentação teórica, necessária para a
apresentação dos conceitos específicos da
arquivologia e sua relação com as normas e técnicas
da produção editorial.
O primeiro capítulo, “Os arquivos”, apresenta
algumas peculiaridades do conceito de arquivo
pessoal em relação ao arquivo institucional,
amparando-s na opinião de duas especialistas no
tema: Ana Maria de Almeida Camargo e Heloísa
Liberalli Belloto. Aponta as etapas do tratamento
arquivístico, da organização à descrição, e termina
indicando os tipos mais comuns de instrumentos
de pesquisa e como são elaborados.

5 Além disso, haverá apêndices com a transcrição das entrevistas realizadas


durante a pesquisa e algumas imagens ilustrativas do logotipo da Edições
Casa de Rui Barbosa e do projeto editorial das coleções Papéis Avulsos e
Coleção FCRB e um anexo com o organograma institucional.
Introdução • 15

O capítulo “Os livros” discorre sobre as


publicações originárias de arquivos pessoais e
as linhas editoriais, distinguindo as publicações
técnicas das temáticas. Destaca, ainda, o atrativo
dos egodocumentos6 e indica algumas leis e
processos que regulam a publicação de documentos
de arquivo.
No capítulo seguinte, “Os livros de arquivos”,
a figura do arquivista e do editor são comparadas,
a fim de observar semelhanças e diferenças.
Da mesma forma, há uma pequena digressão7
comparativa entre banco de dados e livro digital,
considerando que ambos são mídias recentes e
seus usos apontam para novos caminhos, tanto na
arquivologia quanto na editoração. Finalmente,
destacam-se as vantagens de se manter um setor
de editoração em uma instituição arquivística e
como a visibilidade decorrente disso colabora para
a manutenção das atividades finalísticas dessas
instituições: a documentação e a pesquisa.
O quarto capítulo diz respeito ao estudo
de caso da Fundação Casa de Rui Barbosa,
propriamente dito e já apresentado anteriormente.
Nesta pesquisa, a fundamentação teórica
se constitui no maior desafio, pela necessidade
de sintetizar conceitos da área de arquivologia,
tornando-os palatáveis aos leitores oriundos de
outras áreas, e de enfrentar, com o apoio de longas

6 Termo cunhado pelo historiador holandês Jacques Presser para designar os


documentos pessoais mais íntimos, como correspondências e diários.
7 Inspirada no texto “Fim do livro?” de Arlindo Machado (1994).
Introdução • 16

entrevistas8, a escassez de bibliografia específica


sobre o tema escolhido. Ao mesmo tempo, era
preciso contemplar o ponto de vista prático da
própria produção editorial. Igualmente, não
encontramos bibliografia que defendesse uma
normalização definitiva para a editoração desse tipo
de livro, apenas obras que iniciam esse processo,
como o título “Publicações de documentos
históricos”, encomendado pelo Arquivo Nacional
a Emanuel Araújo, em 1985. Para tentar dar conta
dessas necessidades e colaborar minimamente
para o estudo desse tema, foram consideradas três
hipóteses simples, que procuro comprovar ao longo
da pesquisa: 1) as publicações são uma ótima forma
de difusão cultural para instituições arquivísticas;
2) o trabalho do arquivista se relaciona muito com
o do editor e, em algumas esferas, ambos podem ser
complementares e 3) as publicações de instituições
arquivísticas são um novo nicho de mercado que
deve ser explorado.

8 Os entrevistados são Gabriel Moore (CEDOC, Pinacoteca, SP), Eduardo


Coelho (chefe do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da FCRB, RJ) e
Raquel Valença (chefe do Centro de Pesquisa da FCRB, RJ).
[Parte 1:
]
Os Arquivos
1.1 O conceito de arquivo pessoal: peculiaridades

Para compreender o processo de produção


editorial das obras originadas de arquivos pessoais,
é necessário conhecer alguns conceitos da
arquivística e relacionar algumas discussões atuais
sobre os arquivos pessoais propriamente ditos.
Documento, de maneira simplificada, é
“qualquer elemento gráfico, iconográfico, plástico
ou fônico pelo qual o homem se expressa. (...) tudo
o que seja produzido, por motivos funcionais,
jurídicos, científicos, técnicos, culturais ou
artísticos, pela atividade humana” (BELLOTO,
2006, p. 35).
Já os documentos de arquivo têm como
natureza a acumulação natural ou orgânica, porque,
diferentemente de outros documentos, como livros
ou obras de arte, são representações de ações1. Os
documentos de arquivo são, portanto, relacionais,
comprovam ou atestam uma ação. Assim, tudo
1 Sobre as características do documento de arquivo ver DURANDI, Luciana.
Registros documentais contemporâneos como provas de ação. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 13, 1994, p.49-64. Nesse texto,
Durandi aponta como principais características do registro documental:
imparcialidade, autenticidade, naturalidade, inter-relacionamento e
unicidade.
Os Arquivos • 19

aquilo que uma pessoa ou instituição acumula e


produz de documentos, ao longo de sua trajetória,
necessariamente, reflete atividades que dependem
de documentação para que se realizem.
Para que o documento de arquivo mantenha
seu valor histórico, essa acumulação orgânica
precisa ser respeitada. E é isso o que os arquivistas
chamam de princípio de respeito à proveniência ou
ao fundo. Por esse princípio, os arquivos originários
de uma instituição ou de uma pessoa devem manter
sua individualidade, não podendo ser misturados
aos de origem diversa. Fundo, portanto, é uma
unidade constituída pelo conjunto de documentos
acumulados por uma entidade durante sua trajetória.
Existem dois tipos de arquivos permanentes:
os arquivos públicos e os arquivos privados. São
considerados arquivos públicos todos aqueles cuja
existência é prevista pela constituição e seu acesso
é um direito do cidadão2.

A idéia de que público é não só aquilo que é comum


a todos – por afetar a todos –, mas igualmente o que é
acessível ao conhecimento de todos, em contraposição
ao privado, encarado como aquilo que é reservado
e pessoal, é, no plano político, uma idéia ligada à
democracia. (...) uma das acepções da democracia é a
do exercício em público do poder comum, como tal
concebida a obrigação dos governantes de tomarem
decisões às claras, permitindo assim, aos governados
verem como, onde e por que tais e quais decisões foram
tomadas em função do interesse de todos (LAFER,
2004, p. 34-35).

2 Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5-XIV e XXXIII.


Os Arquivos • 20

Arquivos privados são aqueles que,


acumulados por uma empresa (econômicos), por
uma organização social como clubes desportivos
e sindicatos (sociais), ou uma pessoa (pessoais)
podem ou não estar disponíveis à consulta pública.
Quando estão, aproximam-se dos arquivos públicos,
pois dividem com eles a mesma finalidade.
A Fundação Casa de Rui Barbosa é um
exemplo de instituição pública que, além de seu
arquivo institucional, guarda arquivos de origem
privada. Estes, uma vez adquiridos pela instituição,
são tratados tendo em vista sua finalidade pública
de pesquisa.
Como o enfoque deste trabalho são os
arquivos pessoais, daremos maior atenção a eles e
destacaremos as publicações relacionadas ao fundo
de arquivo de Rui Barbosa e aos demais fundos
que integram o Arquivo-Museu de Literatura
Brasileira3. É preciso considerar, no entanto, que
as principais diferenças no tocante ao tratamento
arquivístico residem na distinção entre arquivos
institucionais e arquivos pessoais, daí a relevância
de se apresentar um comparativo no que diz
respeito à formação desses arquivos.
No caso dos arquivos institucionais, o ciclo
vital dos documentos compreende três idades: o
arquivo corrente, o arquivo intermediário e o arquivo
permanente. Na fase do arquivo administrativo,
que dura de cinco a dez anos, os documentos têm

3 O AMLB tem características de um Centro de Documentação, de modo que,


além de fundos, guarda coleções, como veremos adiante.
Os Arquivos • 21

valor primário4, ou seja, estão sendo usados para os


trâmites administrativos. Pelo prazo aproximado de
vinte anos5, esses documentos integram o arquivo
intermediário e possuem valor de prova jurídica.
Nesse período é feita uma avaliação: os documentos
são submetidos a tabelas de temporalidade e há
descartes que definem quando e o que será levado à
terceira idade, quando o documento adquire valor
secundário e passa a ser utilizado como fonte de
pesquisa. Quando “ultrapassado seu uso primário,
iniciam-se os usos científico, social e cultural
dos documentos”. (BELLOTO, 2006, p. 27).
Tratando-se, contudo, de arquivos pessoais, esse
ciclo é reduzido a duas fases apenas:
Na fase do uso primário, como acumulação
e utilização em vida, o arquivo pessoal serve
eminentemente ao próprio titular, em suas atividades
de trabalho e para comprovação de sua existência
civil, deveres cívico, relacionamentos com pessoas e
com instituições, dentro e fora da vida intelectual.
Passando à fase de preservação, estabelece-se o uso
secundário, cujo objetivo não é mais o jurídico ou
profissional do próprio titular do arquivo e, sim,
o da pesquisa científica, feita por terceiros. Aí a
potencialidade dos documentos transfigura-se e
multiplica-se. Pode alcançar um campo infinitamente
mais vasto que a vida e a obra do produtor/ detentor
dos papéis. Evidentemente, é nessa segunda idade,
correspondente à terceira dos papéis públicos, que
esse arquivo passa a ser do interesse do pesquisador
(IBIDEM, p. 267-268).
4 Os conceitos de valor primário e valor secundário são apresentados por
Schellenberg (2008).
5 Esse prazo varia de acordo com o tipo do documento.
Os Arquivos • 22

A historiadora especializada em arquivologia


Ana Maria de Almeida Camargo (2009, p.
26) considera a designação “arquivos pessoais”
equivocada, pois esse termo também evoca
documentos pessoais em arquivos públicos e
documentos identitários de pessoas. Camargo
defende o uso da expressão “arquivos de pessoas”,
ou, conforme a ocupação do titular, arquivos de
estadistas, arquivos de literatos, arquivos de artistas
e assim por diante etc.
Considerando-se essas ocupações, quais
são as pessoas cuja vida é relevante o suficiente
para que seus arquivos sejam recolhidos em
entidades que se encarreguem de sua organização,
preservação e guarda permanente? É o prestígio
do titular do arquivo que determina sua aquisição
e a possibilidade de estender o acervo, incluindo a
biblioteca pessoal, objetos, móveis ou até mesmo
construções arquitetônicas, como é o caso de Rui
Barbosa6. Da mesma forma, os titulares que não
possuem tanto prestígio, podem ter seus acervos
reduzidos apenas ao que supostamente será usado
para pesquisa ou substituídos por relatos coletados
pela metodologia de História Oral, como é o caso
do Museu da Pessoa.

Só se costuma atribuir valor permanente aos arquivos


de pessoas que alcançaram alguma expressão ou
proeminência no mundo da política, da ciência, das
artes, do direito, da filosofia ou da literatura. Como
6 A Fundação Casa de Rui Barbosa está situada na antiga casa de Rui Barbosa
e preserva um museu com sua biblioteca original, devidamente climatizada
para fins de conservação, e seu mobiliário.
Os Arquivos • 23

evitar, nesse caso, escolhas pautadas pelos cânones


vigentes, voltadas para nomes que desfrutam de
visibilidade acadêmica ou social? Até que ponto
tais escolhas, por mais que seus agentes admitam a
transitoriedade dos valores em que se baseiam, limitam
o campo de pesquisa que a instituição de custódia
pretende cobrir? (CAMARGO, 2009, p. 27).

As respostas a essas indagações devem,


segundo Camargo, nortear a política de aquisição
de fundos em uma instituição arquivística. É
fundamental que a instituição tenha em mente
sua missão para adquirir acervos pertinentes a ela,
evitando, assim, problemas futuros no tratamento
dessa documentação.

1.2 As etapas do tratamento arquivístico

Em qualquer instituição de guarda de


arquivo, o tratamento arquivístico se inicia com o
recolhimento da documentação. Normalmente, os
tipos de entrada variam entre acumulação natural,
no caso de arquivos institucionais, e doação,
compra e comodato, para arquivos de pessoas.
A Fundação Casa de Rui Barbosa admite
apenas a doação, pois avalia o comodato como um
regime instável, que oferece riscos e não condiz
com a política da instituição. O comodato é um
acordo de empréstimo, costumeiramente firmado
com a família do titular do arquivo, que dá margem
à revogação, sempre favorecendo os detentores do
direito. Se esses, por exemplo, perderem o interesse
Os Arquivos • 24

pela permanência do acervo na instituição, podem


retirá-lo, desintegrá-lo e vendê-lo separadamente
para colecionadores particulares. No caso de
escritores e artistas plásticos, é cada vez mais comum
que seus projetos, rascunhos e esboços adquiram
valor de obra e, por isso, sejam procurados como
mercadorias. Esse problema afeta diretamente a
unidade de um fundo de arquivo e deve ser evitado
pelas instituições de guarda no momento do
recolhimento via doação. Os arquivistas precisam
impedir que haja uma “seleção” do que deve ser
enviado pela família, informando-a de que, quanto
mais completo for entregue o arquivo, melhor
servirá como fonte de pesquisa.

O arquivista deve estar alerta, porque, depois da entrega


definitiva, nada mais pode ser feito com esse material
inútil senão guardá-lo. Por isso, quando do recolhimento
de arquivos privados, entendimentos e atos notariais
devem ser cuidadosamente realizados. Porque é preciso
lembrar que, no caso dos arquivos privados, a instituição
recolhedora não tem o direito de lavrar e aplicar tabelas de
temporalidade. O descarte, nesta instância, é impossível
(BELLOTO, 2006, p. 267).

Assim que o fundo de arquivo chega à


instituição, deve passar por uma avaliação do
seu estado de conservação, para certificar que os
documentos não têm problemas, como presença
de fungos, que afetariam os demais documentos
em guarda no mesmo espaço. Depois desse
procedimento, os documentos estão prontos para
entrarem nas etapas do tratamento arquivístico,
Os Arquivos • 25

propriamente ditas. São duas as coordenadas


dentro das quais se situam as atividades em um
arquivo: arranjo e descrição.7
O roteiro para organização8, que culmina na
realização do arranjo do acervo, prevê uma busca de
informações gerais sobre o titular, a caracterização
da organização original dos documentos e a
construção de uma cronologia minuciosa do titular.
Ao realizar essas três atividades, o arquivista estará
munido de informações suficientes para cumprir
a sua principal função, que é descrever o contexto
de produção dos documentos, o qual, no caso dos
arquivos pessoais, deve ser procurado nas áreas
de atuação titular em vida, bem como em seus
interesses pessoais. Graças a esse procedimento,
o arquivista identificará com mais facilidade
as relações entre documentos aparentemente
díspares e o significado da presença de certos
itens no arquivo, podendo delinear melhor o
plano de classificação9.
No caso dos arquivos pessoais, a classificação se
realiza pelo método funcional10. Isso significa que a
7 Aqui, tentaremos indicar simplificadamente um caminho para cumprir essas
etapas, lembrando que cada acervo, em particular os arquivos de pessoas,
requer a aplicação de metodologias específicas contemplar a descrição de
todas as suas espécies.
8 Para maior detalhamento desse procedimento, ver a publicação técnica
“Como organizar arquivos pessoais”, disponível no site do Arquivo Público do
Estado de São Paulo: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/saesp_publicacoes.
php.
9 Segundo o Dicionário de Terminologia Arquivística (2005), plano de
classificação é o esquema pelo qual se processa a classificação de um arquivo.
10 A metodologia funcional é criada nos arquivos institucionais como uma
proposta para encontrar soluções de organização dos documentos mais perenes
do que as encontradas por meio da metodologia estrutural, que se ampara
basicamente no organograma da instituição, mutável ao longo do tempo.
Os Arquivos • 26

definição de grupo, subgrupo e série documental11


é feita considerando-se as funções do titular do
arquivo, e não as estruturas administrativas e
hierárquicas da instituição, como ocorre quando
se aplica o método estrutural.
Grupo, subgrupo e série são três unidades
básicas para criação de um quadro de arranjo,
pois já identificam as tipologias documentais.
Além disso, os documentos devem ser nomeados
adequadamente com base nos elementos que os
distinguem um dos outros, como tipo, forma,
formato, gênero e suporte12. Esse procedimento
também é chamado de processamento técnico.
A notação, que nada mais é do que a atribuição
de códigos de endereçamento às unidades do
arquivo, costuma ser posterior ao processamento
técnico, quando o plano de classificação coincide
com o arranjo. Em algumas instituições, contudo,
essa notação é efetuada levando em conta o
armazeamento final do documento em mapotecas
ou gavetas cujas condições de temperatura e
umidade sejam adequadas à conservação do seu
suporte material.
Tanto para auxiliar o arranjo quanto a
descrição, alguns arquivistas defendem que os
tipos documentais devem ser identificados tendo
como base os eventos a que se relacionam. Isso
serviria para melhor apreender o arquivo pessoal

11 Divisões do arquivo: grupo é uma divisão do fundo; subgrupo é uma


divisão de grupo e série é uma divisão de subgrupo que evidencia os tipos
documentais.
12 Ver Dicionário de Terminologia Arquivística (2005).
Os Arquivos • 27

como um corpo orgânico, cujas parcelas só têm


sentido se relacionadas àquilo que as originou.
Os documentos que não puderem ser vinculados
a uma função não deveriam ter o mesmo tipo de
tratamento. Restaria àqueles que permanecessem
descontextualizados uma descrição unitária, típica
de bibliotecas e centros de documentação.
(...) no arquivo, em geral, o tratamento técnico é
dispensado não à unidade, mas às séries documentais que
formam agrupamentos lógicos e orgânicos dentro dos
diferentes fundos. Já o centro de documentação adota um
tratamento que varia segundo a natureza de seu material
(BELLOTO, 2006, p. 39).

É na descrição de conteúdo – que nos


arquivos é feita tendo como base a série – que se
fornecem informações relativas à autoria, à função
implícita, aos assuntos, às datas e à tipologia do
documento, muitas vezes, já identificada durante
o arranjo. Atualmente, todas essas informações
são informatizadas em banco de dados que ao
mesmo tempo como como ferramentas de gestão e
instrumentos de pesquisa. Em algumas instituições,
a digitalização completa dos documentos integra
sua política de preservação – limitando o acesso
aos suportes materiais que ficam acondicionados
em reservas técnicas – e de segurança – atuando
como backups para o caso de sinistros implicarem
na perda completa do acervo ou de parte dele.

Apesar da descrição em arquivos, como já


foi dito, voltar-se para conjuntos definidos pelos
Os Arquivos • 28

tipos documentais ou séries, alguns instrumentos


de pesquisa adotam a descrição unitária, como é
o caso dos catálogos. A estrutura e funcionamento
da administração de um arquivo se concentram no
tratamento do acervo, “entre receber, processar,
guardar e recuperar”13. Os instrumentos de pesquisa
atuarão como mediadores entre os arquivistas e os
pesquisadores que não compreendem a fundo as
etapas desse trabalho.

1.3 Elaboração de instrumentos de pesquisa

Uma das funções do arquivista é facilitar a


pesquisa e o acesso aos documentos. Para tal, como
foi dito anteriormente, são necessárias várias etapas,
que culminam na elaboração de instrumentos
de pesquisa.
A designação instrumentos de pesquisa vem
do francês instruments de recherche (instrumentos de
pesquisa), mas possui algumas derivações. Na França
também se utiliza a expressão instruments de travail,
(instrumentos de trabalho) com a mesma acepção dos
instrumentos de trabajo (instrumentos de trabalho)
ou instrumentos de descripción (instrumentos de
descrição) espanhóis. Já Portugal segue a linha inglesa
finding aids (ferramentas de busca) e adota o termo
meios de busca. A variação de nomenclatura é relevante
para compreender a serventia dessas ferramentas para
a pesquisa e o trabalho do arquivista na descrição e
recuperação de dados.

13 De acordo com entrevista com Gabriel Moore, disponível no Apêndice B


Os Arquivos • 29

Os instrumentos de pesquisa podem ter a


forma de publicação, como no caso dos inventários
e dos guias de acervo, ou podem ser ferramentas
mais dinâmicas, como o banco de dados. Em
ambos os casos, contudo, identificam, localizam,
resumem ou transcrevem, em diferentes graus
e amplitudes, fundos, grupos, séries e peças
documentais existentes num arquivo permanente,
com a finalidade de controle e de acesso ao acervo14.
Neste trabalho, concentraremos nossa atenção
nos instrumentos de pesquisa extrovertidos via
publicações – aqui chamadas de publicações
técnicas – e especialmente nos inventários, cuja
elaboração é uma prática sistematizada na Casa de
Rui Barbosa. Além dos inventários – instrumento
de pesquisa em que há uma descrição exaustiva
ou parcial de um fundo ou de uma ou mais de
suas subdivisões, tomando por unidade a série,
respeitando ou não seu arranjo físico –, é necessário
traçar um breve panorama dos demais tipos de
instrumentos de pesquisa, esclarecendo para que
se destinam.
Os guias do acervo servem como um mapa
geral das fontes disponíveis em um arquivo e
localizam fundos, grupos ou séries relativos a
determinado tema. Toda instituição arquivística
aberta para consulta pública deve somar esforços
para produzir um guia do acervo e mantê-lo
atualizado, pois o guia é a primeira forma de
divulgação e promoção do arquivo em meios

14 Definição do Dicionário de Terminologia Arquivística (2005).


Os Arquivos • 30

escolares, administrativos e culturais em geral.


Devido ao seu caráter genérico e globalizante, o
guia deve ser o primeiro instrumento de pesquisa
elaborado por essas instituições.

Quanto aos instrumentos de pesquisa por definição,


aqueles destinados ao público como meio de acesso
informacional ao acervo, eles devem constituir uma
espécie de família hierárquica, na qual o guia ocupa
o vértice. Tendo um guia geral, o arquivo poderá
dispor do tempo necessário para ir efetivando,
criteriosamente, seus trabalhos de descrição parcelada
(BELLOTO, 2006, p. 181).

Os instrumentos de pesquisa de descrição


parcelada são aqueles com maior nível de
detalhamento, que tratam especificamente de uma
parcela do acervo. Nesse grupo entram inventários,
catálogos, catálogos seletivos, índices e também a
publicação de documentos na íntegra, chamada de
edição de fontes.
A principal diferença entre os inventários e
os catálogos é a unidade do fundo tomada para
descrição. Nos inventários, há descrição exaustiva
ou parcial das séries documentais, enquanto
os catálogos se dedicam à peça documental
– daí a subdivisão catálogos seletivos, que
descrevem documentos previamente selecionados,
pertencentes a um ou mais fundos ou instituições
arquivísticas, segundo um critério temático. Os
índices também são organizados tendo em vista a
recuperação posterior do conteúdo de documentos
e informações. Produto da indexação, processo
Os Arquivos • 31

pelo qual se relacionam de forma sistemática


descritores ou palavras-chave, os índices podem ser
usados como instrumentos de pesquisa autônomos
ou como complemento de outro.
De todas as possibilidades de instrumentos de
pesquisa a serem elaborados por uma instituição
arquivística, são as edições de fontes que motivam
maiores debates sobre a maneira como serão
produzidos e para que público se destinam. As
edições de fontes consistem na transcrição e/ou
reprodução de documentos e estão situadas no limite
entre as publicações técnicas e o que chamamos,
neste trabalho, de publicações temáticas, que são
aquelas com maior alcance comercial, voltadas para
um público mais abrangente do que o pesquisador.
Belloto (2006, p. 216) destaca que para se
elaborar uma boa edição de fontes são necessários
estudos básicos e práticas anteriores nos campos
da paleografia, da diplomática, da ecdótica e da
heurística. Da mesma forma que, para produção dos
índices, deve-se recorrer à análise documentária.
A publicação de textos na íntegra tem duas
finalidades. A primeira diz respeito à preservação
dos documentos originais, ao evitar que sejam
manuseados, e à facilidade de acesso ao texto
completo, possibilitando que sejam realizadas
pesquisas “a distância”. A segunda finalidade,
de acordo com o especialista em edição
Emanuel Araújo (1985, p. 7), relaciona-se “ao
reconhecimento ou à legitimação da unidade
e da memória nacionais”.
Os Arquivos • 32

Araújo situa o surgimento desse tipo de


publicação na Europa, como uma iniciativa do
movimento historicista do século XVIII, que, por
sua vez, se baseou na técnica de edição de textos da
Antiguidade Clássica. O primeiro exemplo notável
de publicação integral foi o projeto editorial da
coleção “Fontes históricas da Alemanha de 500 a
1500”, iniciado pela Sociedade para o Estudo da
Antiga História da Alemanha em 1819 e em curso
até hoje – um modelo que inspirou sociedades
idênticas na França, Inglaterra, Holanda, Itália,
Bélgica e Espanha.
Apesar da grande quantidade de fontes que
a coleção alemã pretendia publicar, sua estrutura
foi exemplarmente concebida como uma unidade
coerente, tornando-se uma das referências para que,
em meados da década de 1980, como supervisor
das publicações do Arquivo Nacional, Emanuel
Araújo empreendesse a tentativa de resolver um
problema peculiar a todos os arquivos brasileiros:
publicações desconectadas entre si, dependentes de
critérios individuais de historiadores ou de editores
de texto, sem qualquer normalização aplicável de
modo uniforme por todos.
Dessa busca de solução nasceu o livro
“Publicação de documentos históricos”, com o qual
Araújo iniciou um trabalho de nrmalização que
ainda precisa contar com a adesão das instituições
e suas atualizações, de acordo com as necessidades.
Na obra, a função última do arquivo de
fornecer subsídios históricos a todos os cidadãos,
Os Arquivos • 33

fica clara na variedade de formas de publicação,


cada uma voltada para um público. Segundo
Araújo (1985), são seis as possibilidades de edição
de fontes: edição fac-símile, com reprodução
absolutamente fiel do texto original; edição
diplomática ou paleográfica, com transcrição do
texto original; edição técnica, que consiste no texto
fac-símile com sua respectiva transcrição; edição
crítica, em que há interferência de um editor no
texto, evidenciada nos sinais gráficos e notas que se
somam ao texto original; edição popular, na qual o
original se submete a uma leitura contemporânea
e muitas vezes é seguido por comentários
esclarecedores para torná-lo mais acessível; e ainda
a edição escolar, em que há uma compilação de
extratos de documentos para uso didático.
Todas as formas de publicação de documentos
são oportunas e úteis, mas algumas são preferíveis
a outras por apresentarem menor quantidade
de erros: a edição técnica, considerada a forma
mais perfeita de reprodução, embora destinada
a um número reduzido de leitores por sua baixa
inteligibilidade, e a edição crítica, que será discutida
no próximo capítulo.
[Parte 2:
]
Os Livros
2.1 As publicações e as linhas editoriais

Ao delimitar o recorte desta pesquisa, a


pesquisadora se defrontou não apenas com uma
grande quantidade de arquivos pessoais sob
guarda da FCRB, mas também com diversos livros
publicados a partir desse acervo, além de pesquisas
sobre ele.
A princípio, o AMLB despertou maior
interesse por reunir arquivos pessoais de escritores
brasileiros. No entanto, no decorrer da pesquisa, foi
impossível desconsiderar a importância do arquivo
histórico da FCRB, o arquivo pessoal de Rui
Barbosa, central para todo o trabalho desenvolvido
na instituição.
Com o auxílio dos documentos que compõem
tal arquivo, que situa a história de vida e a obra
de seu titular, são produzidas as edições das Obras
Completas de Rui Barbosa. Foi para divulgar e
tornar conhecido o trabalho do titular que a
instituição se firmou, desde sua fundação, com
missão publicadora. Até mesmo os setores de
pesquisa que funcionam na FCRB foram criados
para dar suporte à missão de difundir a obra de
Os Livros • 36

Rui Barbosa. Os primeiros setores de pesquisa


criados na FCRB foram os de direito e filologia.
Atualmente, é o Setor Ruiano que se responsabiliza
pela elaboração das pesquisas no arquivo do titular
e também desenvolve as edições críticas das Obras
Completas dele.
As Obras completas de Rui Barbosa compõem
um projeto editorial de grande proporção. São
170 tomos1, para cada um dos quais se realiza um
trabalho de fixação do texto, tendo como método
a crítica genética ou crítica textual, que prevê o
cotejamento das inúmeras cópias existentes de um
texto para o estabelecimento do texto definitivo.

Ao editor impõem-se, naturalmente, certas restrições,


em particular quando se trata de texto literário,
onde o autor é soberano para realizar fraturas na
linguagem e na ortodoxia das regras gramaticais.
Mesmo aqui, não obstante, distinguem-se o ‘estilo’
literário e o ‘estilo’ gráfico, visual, da apresentação
e representação material dos originais – em última
análise, do livro impresso. A fronteira entre ambos os
‘estilos’ nem sempre é muito nítida, mas ela existe e
ao editor cumpre divisá-la com clareza em benefício
da legibilidade e até da inteligibilidade do texto,
neste último caso sobretudo na edição crítica (a mais
difícil), quando seu trabalho se confunde quase por
inteiro com o do filólogo. (ARAÚJO, 2008, p.35)

Esse trabalho exige apuro crítico,


concentração e detalhamento da pesquisa,

1 Tomo, segundo o Dicionário Aurélio (2009), é uma unidade ideológica de


uma obra, determinada pelo autor, e que pode coincidir ou não com divisão
em volumes no trabalho editado.
Os Livros • 37

pois prevê o cotejamento de todas as versões,


manuscritas e editadas, de um mesmo texto de
Rui Barbosa. E, como a FCRB é um centro de
excelência nesse assunto, o trabalho deve ser
efetuado com o máximo de precisão e qualidade.
Por isso, é natural imaginar que nesse setor atuam
especialistas que, além das Obras Completas,
produzem pesquisas inéditas sobre a vida e
obra de Rui Barbosa, assim como sobre temas
diretamente relacionados. Essas pesquisas muitas
vezes resultam em publicações.
Da mesma forma, os outros setores de pesquisa
da FCRB também têm livros como resultado de
seus projetos. Mais tarde mostraremos que isso
é crucial para que o Setor de Editoração esteja
subordinado ao Centro de Pesquisa, mas, por ora,
basta considerar esses dois tipos de publicações
desenvolvidas na instituição: as publicações técnicas
(guias do acervo, inventários, etc), apresentadas
no capítulo anterior, e as publicações temáticas
(grande parte resultado do trabalho de pesquisa),
apresentadas aqui.
Compreender as características desses dois
tipos de publicação nos permite compreender de
como se construiu a linha editorial da FCRB. Essa
linha reflete as atividades desenvolvidas por Rui
Barbosa em vida – seus interesses como jurista,
político, jornalista e literato – e, por paralelismo,
está atrelada às atividades finalísticas da FCRB: as
atividades de documentação e de pesquisa.
Os Livros • 38

2.2 Publicações técnicas versus publicações


temáticas

As publicações técnicas resultam das


atividades de documentação, enquanto as
publicações temáticas são fruto das atividades de
pesquisa.
Para entender melhor a diferença entre
esses dois tipos de publicação, pode-se compará-
las ao trabalho do arquivista e do pesquisador:
as publicações técnicas vêm antes das temáticas,
assim como o trabalho do arquivista antecede
o do pesquisador, facilitando o acesso deste
às fontes primárias.
Dessa forma, as publicações temáticas
funcionam como um desdobramento das
técnicas, o que as classifica, segundo Eduardo
Coelho2, em publicações-fim e publicaões-meio,
respectivamente. Ou seja, assim como o trabalho do
arquivista, as publicações técnicas estão atreladas
à função do documento, à atividade que motivou
sua produção, enquanto as publicações temáticas
se amparam no conteúdo, na informação presente
no documento.
Até o momento, apresentamos as publicações
temáticas como resultantes da pesquisa. Apesar
de o grupo de publicações temáticas ser o mais
relevante em número, é preciso ressaltar que, entre
as publicações técnicas, existem algumas formas de
edição que também têm como finalidade a difusão
2 Segundo Eduardo Coelho, em entrevista transcrita na íntegra no
Apêndice C.
Os Livros • 39

de conteúdo. São elas as edições de fontes, tipo de


instrumento de pesquisa que publica documentos
em reprodução e/ou transcrição, como foi exposto
no capítulo anterior. Algumas edições de fontes
contêm cartas e diários íntimos, para designar esse
tipo de documentos o historiador holandês Jacques
Presser propõe o termo egodocumentos.

2.3 O atrativo dos egodocumentos

As edições de fontes estão no limite entre


as publicações técnicas e as temáticas porque são
instrumentos de pesquisa que contém a reprodução
ou transcrição dos documentos, e, ao mesmo
tempo em que apresentam conteúdos no que diz
respeito ao uso do documento histórico.
Muitas das atuais edições de fontes privilegiam
os documentos relacionados ao processo criativo
de seu autor ou às revelações de sua intimidade.
É cada vez mais comum encontrar rascunhos de
uma obra literária ou esboços e estudos de uma
obra visual sendo vendidos em leilões. Da mesma
forma, as correspondências e diários íntimos,
quando vertidos em publicações, despertam o
interesse de um público amplo, tornando-se até,
em alguns casos, best-sellers.
Um exemplo de diário íntimo traduzido para
diversos idiomas e considerado uma leitura para
jovens, devido à idade de sua autora, é “O Diário
de Anne Frank”, que retrata a situação dos judeus
durante a Segunda Guerra Mundial. Esse diário
Os Livros • 40

foi descoberto pelo historiador holandês Jacques


Presser, que escreveu um artigo recomendando-o
à publicação e direcionou seus estudos de História
para esse tipo de documento histórico, que ele
denominou egodocumentos.
Para Presser (apud DECKKER, 2002), são
considerados egodocumentos os documentos em
que o autor delibera ou acidentalmente escreve
sobre si mesmo, sobre seus atos, pensamentos e
sentimentos, escondendo-se ou expondo-se. Ao
registrar os fatos e suas impressões pessoais sobre
eles – mesmo que esse registro seja uma construção
parcial e subjetiva –, o autor revela o ponto de vista
de um período e de uma classe social. Por isso, os
egodocumentos se aproximam da micro-história3 e
são considerados fontes históricas relevantes.
Entre os historiadores, muito se discute a
respeito da falsificação deliberada do próprio
passado que permeia os depoimentos pessoais,
desabilitando-os, portanto, como fontes e
tornando-os classificáveis apenas como
anedotas. Nos estudos de ciências sociais e
história econômica, ainda não há espaço para
os egodocumentos, assim como a referência à
teoria freudiana, cujo conceito de ego inspirou
o termo, é praticamente uma exceção dentre os
historiadores. Na linha de estudos da história das
ideias, contudo, os egodocumentos obtiveram

3 Um bom exemplo de micro-história é o livro O queijo e os vermes do


historiador italiano Carlo Ginzburg, editado no Brasil pela Companhia
das Letras. Trata-se da história do moleiro italiano “herege”, condenado à
fogueira porque achava que a Lua era um queijo que estava sendo devorado.
Os Livros • 41

status e são usados para debater, entre outros, o


conceito da “autoidentidade”, que é flexível, dá
margem a inúmeras interpretações e também é
historicamente determinado.
Esse conceito desperta a discussão sobre
os limites entre o público e o privado, o que,
no âmbito das publicações, faz com que os
egodocumentos sejam muito atraentes. Existe
um fetiche que percorre toda a extensão do livro:
do texto, que revela a experiência do outro, sua
vida e seus pontos de vista, à apresentação visual,
principalmente quando se trata de uma edição
fac-símile de manuscritos, em que o indivíduo
se revela ainda mais ao expor sua letra. Há, no
Brasil, uma série de livros editados com essas
características, alguns dos quais produzidos por
instituições arquivísticas, como é o caso de duas
publicações do Instituto Moreira Salles: “Poemas
da Pasta Rosa”, organizado a partir do arquivo
da poeta carioca Ana Cristina César, e a edição
crítica de “Alguma Poesia”, de Carlos Drummond
de Andrade4.
O desejo de conhecer a intimidade do outro,
no entanto, é restringido por lei. O acesso a
esses documentos é limitado por conta do sigilo
(direito à privacidade), presente em documentos
de arquivo público, e pelas leis de direito autoral
que protegem as obras intelectuais, como é o caso
das obras literárias aqui citadas.

4 A pesquisa para a produção deste livro foi feita no arquivo de Carlos


Drummond de Andrade, que pertence ao Arquivo-Museu de Literatura
Brasileira da FCRB.
Os Livros • 42

2.4 As leis e os processos que regulam a


publicação de documentos de arquivo

De acordo com a lei nº 8.1595, que dispõe


sobre a política nacional em arquivos, quando
os fundos de arquivos privados são identificados
pelo poder público como de interesse público e
social, não podem ser alienados com dispersão ou
perda da unidade documental, nem transferidos
para o exterior6. E o acesso aos documentos desses
arquivos deve ser feito mediante autorização de
seu proprietário ou possuidor; ou o arquivo pode
ser doado ou depositado a título revogável, muitas
vezes em regime de comodato, em instituições
arquivísticas públicas.
Nos arquivos públicos, há leis que regulam
o acesso e o sigilo dos documentos públicos.
São considerados sigilosos os documentos cuja
divulgação ponha em risco a segurança da sociedade
e do Estado, bem como aqueles necessários ao
resguardo da inviolabilidade da intimidade, da
vida privada, da honra e da imagem das pessoas.
O acesso aos documentos sigilosos referentes
à segurança da sociedade e do Estado é restrito por
um prazo máximo de 30 anos, a contar da data de
sua produção, podendo esse prazo ser prorrogado,
por uma única vez, por igual período. Quando se
5 Lei assinada pelo então presidente Fernando Collor e publicada no Diário
Oficial da União, de 09 janeiro de 1991, e publicada com retificação em 28
de janeiro de 1991.
6 Em caso de alienação, é assegurado ao Poder Público o direito de preferência,
com o qual todos os bens de interesse público devem ser primeiramente
oferecidos para compra à União.
Os Livros • 43

refere à honra e à imagem das pessoas, o acesso


é restrito por um prazo máximo de cem anos, a
contar da sua data de produção.
Também os documentos de arquivo privado
que são obras intelectuais estão sujeitos ao prazo
de 70 anos após a morte do autor para entrarem
em domínio público. Até atingir esse prazo, a
publicação desses documentos, a pretexto de
anotá-los, comentá-los ou melhorá-los, está
sujeita à autorização do autor, dos herdeiros
ou detentores de direito.

O direito autoral é questão delicada e complexa, já


que envolve vários interesses de, pelo menos, três
partes importantes: editores, autores e tradutores. Ele
parte do justo princípio de que nenhuma propriedade
é tão pessoal quanto os produtos da mente humana
(MARTINS FILHO; ROLLEMBERG, 2001, p. 81).

Na Fundação Casa de Rui Barbosa, a


reprodução de documentos é analisada caso a caso,
de acordo com o uso que será feito da reprodução.
Para reproduzir um documento de arquivo em
edição com fins comerciais, é necessário ter
autorização dos herdeiros. Já para publicações com
finalidade acadêmica, basta assinar um termo de
responsabilidade assegurando que os herdeiros
serão contatados no caso de a obra vir a ter
caráter comercial.
Atualmente, o Conselho Nacional de Arquivos
(Conarq), órgão central do Sistema Nacional de
Arquivos (Sinar), define a política nacional de
Os Livros • 44

arquivos. Apesar disso, quase inexistem na legislação


regrais gerais para a publicação de documentos de
arquivos pessoais. E, como a arquivística se baseia
em princípios gerais, não em normas, também
não há qualquer regulamentação consensual do
trabalho em arquivos pessoais como um todo.

A arquivística, no âmbito dos arquivos permanentes,


não dispõe e nem pretende dispor de códigos e tabelas
universais prestabelecidos de arranjo e descrição.
Isto porque, ao contrário da biblioteconomia, ela
não trabalha com documentos múltiplos e nem com
tipologias uniformes, passíveis de se submeterem a
uma estrita normalização de processamento técnico.
No entanto, não se pode dizer que a arquivística não
tenha doutrina e metodologias próprias; muito menos
se pode taxá-la de isenta de princípios gerais que
possibilitem o entendimento entre seus profissionais e
entre estes e os usuários dos acervos a recolher, arranjar,
descrever e divulgar (BELLOTO, 2006, p. 13).

Assim, tanto o trabalho do arquivista quanto


o do editor dependem de contratos e acordos
específicos entre as partes envolvidas. Esta é apenas
uma das semelhanças entre essas duas atividades,
que examinaremos mais detalhamente a seguir.
[Parte 3:
]
Os Livros de Arquivo
3.1 Semelhanças e diferenças entre arquivista e
editor

Durante o desenvolvimento desta


fundamentação teórica, foi possível
reconhecer que a arquivística guarda muitas
semelhanças com a editoração. As atividades
do arquivista e do editor, já reconhecidas como
complementares, se aproximam no que diz
respeito às qualidades que o sujeito precisa ter para
desempenhá-las com precisão.
“Cabe ao arquivista identificar, descrever,
resumir e indexar. O historiador saberá selecionar,
interpretar e ‘explicar’. Entretanto, para que isso
se realize, faz-se necessário que o fluxo não seja
interrompido” (BELLOTO, 2006, p. 26). A
figura do historiador aqui apresentada pode ser
transposta para a figura do editor, desde que se
guarde a devida distinção entre editor e publisher,
preservada na língua inglesa. Nessa língua, editor é
aquele encarregado de organizar, isto é, selecionar,
normalizar, revisar e supervisionar, para publicação,
os originais de uma obra e, às vezes, prefaciar e
anotar textos de um ou mais autores. Já o publisher
Os Livros de Arquivos • 47

é o responsável ou proprietário de uma empresa


organizada para a publicação de livros. Aqui
trataremos do editor, mais precisamente do editor
de texto, “o profissional encarregado de conferir
uniformidade global ao texto através de padrões
formadores, conformadores e até informadores do
livro” (ARAUJO, 2008, p. 55).
Tanto o arquivista como o editor têm a
difusão cultural como um de seus principais
objetivos. Isso implica, para o arquivista, garantir
acesso aos documentos e, para o editor, asseguar,
por meio de um suporte físico, que várias pessoas
conheçam determinada informação. Seja para
elaborar instrumentos de pesquisa ou para produzir
edições críticas, o arquivista e o editor devem ter
concentração, clareza, concisão, noção de contexto
histórico e social e atenção aos detalhes.

Os programas de publicação e de instrumentos de


busca de um arquivo estão intimamente ligados.
Normalmente, os documentos devem estar descritos
em instrumentos de busca antes de serem publicados.
Tais instrumentos de busca facilitam o trabalho de
seleção e preparo. Na elaboração desses instrumentos
de busca em que se descrevem peças individuais,
como, por exemplo, nas listas, o arquivista deve
dar meticulosa atenção ao detalhe quanto um
editor daria à publicação de tais peças. Resumindo,
ambos os trabalhos requerem a mesma perícia
(SCHELLENBERG, 2008, p. 340).

Apesar de apresentarem tantas semelhanças,


arquivista e editor se diferenciam na maneira
Os Livros de Arquivos • 48

particular como enxergam um documento a que


têm acesso. Estabelecendo um paralelismo com as
publicações técnicas e as publicações temáticas,
pode-se afirmar que o arquivista sempre se
concentrará na função do documento – para qual
atividade ele se presta –, enquanto o editor buscará
o conteúdo desse documento – as informações que
nele estão contidas.
Em ambos os pontos de vista está presente a
noção de contexto: o arquivista apreende a relação
do documento com seu fundo de arquivo e o
editor identifica um diálogo dessa informação
com outras de uma mesma temática. E essa
diferença gera dois tipos de relação, divisadas
pela ordem em que ocorrem: o arquivista
organiza (atividade-meio) e então o editor pode
fazer, a partir desse material organizado, uma
seleção de conteúdo (atividade-fim).
A experiência de trabalho em arquivo pode
colaborar para o trabalho do editor e vice-versa.
Um exemplo disso é a trajetória profissional de
Eduardo Coelho, atual chefe do Arquivo-Museu
de Literatura Brasileira da FCRB. Formado
em Letras, Coelho trabalhou como estagiário
na FCRB, onde teve seu primeiro contato com
a pesquisa de fonte documental. Tornou-se
professor da UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro), onde se formou e fez mestrado
e doutorado sobre a obra de Manuel Bandeira.
Trabalhou como editor-chefe da editora Língua
Geral e, atualmente, além de chefe do AMLB
Os Livros de Arquivos • 49

(Arquivo-Museu de Literatura Brasileira), presta


consultoria de serviços editoriais.
Em entrevista concedida especialmente para
esta pesquisa, Eduardo Coelho reconhece o quanto
o seu trabalho de arquivista foi enriquecido ao
incorporar recursos da editoração. Ele aponta que
a falta de unidade nos instrumentos de pesquisa
ocorre pela arbitrariedade na eleição de termos
durante a descrição arquivística. A definição pouco
rigorosa de termos como comentário, consideração
e análise, por exemplo, dificulta a especificação dos
tipos de conteúdo. E foi justamente por isso que
Coelho iniciou no AMLB oficinas de descrição
com ênfase na elaboração de resumos e realizou o
cotejamento das descrições já realizadas com seus
respectivos documentos.
Outro procedimento que Coelho aproveitou
diretamente de sua experiência como editor
foi o planejamento a partir da elaboração e do
cumprimento de cronogramas. O trabalho do editor
é inteiramente atrelado a prazos, indispensáveis
para atender às demandas comerciais de produção.
Na arquivística, apesar de os prazos não serem
determinantes, as atividades demandam uma
produção de longo prazo, de modo que seguir um
cronograma geral de trabalho é, provavelmente, a
melhor forma de gerenciá-las.
As semelhanças entre as atividades do arquivista
e do editor estendem-se, ainda, aos produtos que elas
geram, como instrumentos de pesquisa/publicações
temáticas e banco de dados/livro digital.
Os Livros de Arquivos • 50

3.2 Novas mídias, novos caminhos: o banco de


dados e o livro digital

O banco de dados é um instrumento de


pesquisa, uma ferramenta de gestão e, no caso do
arquivo que já nasce digital, pode ser entendido
como o arquivo em si1. Essas duas últimas definições
para banco de dados evocam características que
justificam sua comparação com o livro digital.
No artigo “Fim do livro?”, Arlindo Machado
(1994) defende a tese de que, após ter contribuído
para revolução do mundo moderno, o livro “parece
hoje resumir-se a um acontecimento datado”,
constrangido a justificar seu papel numa sociedade
governada pela velocidade da comunicação digital.
Daí a necessidade, segundo o autor, de reconceituar
o livro como dispositivo de informação, de modo
a oferecer-lhe a possibilidade de apresentar uma
nova estrutura de organização do pensamento,
capaz de ser penetrada de maneira não-linear,
como ocorre com os chamados livros de referência
(dicionários, manuais e enciclopédias). Ao
permitirem a navegação por meio de dispositivos
ágeis de pesquisa, os novos livros propiciariam
o retorno da informação em diversos níveis de
aprofundamento ou leituras, sendo interessantes
tanto para um leigo, que pode apropriar-se das
ideias gerais do texto, quanto para um especialista
que destrinchará todos os subtemas e referências.
Assim também ocorre com o banco de dados,
1 Segundo Gabriel Moore em entrevista concedida especialmente para este
trabalho, no Apêndice B.
Os Livros de Arquivos • 51

que retorna a informação pesquisada dentro do


conjunto total que armazena em distintos níveis
de acesso (administrador, usuário etc.).
Do mesmo modo que o banco de dados serve
à pesquisa, também o livro digital possui uma
estrutura que o torna perfeito para publicações
acadêmicas. O historiador Robert Darnton (2010,
p. 88) acredita que essa é a verdadeira vocação
desse formato:

A melhor defesa que pode ser feita em relação aos


e-books tem relação com a publicação acadêmica, não
em todos os campos, mas num número considerável
de áreas das ciências humanas e sociais onde se
tornou proibitivamente caro produzir monografias
convencionais. Essa dificuldade é tão severa que
vem transformando o panorama do saber. Surgiu
como resultado da convergência de três problemas,
fazendo a monografia parecer uma espécie em
risco de extinção.

A publicação acadêmica está passando


atualmente por uma grande crise, caracterizada
pelo excesso de produções de baixa qualidade.
Por exigência do sistema de trabalho acadêmico,
quanto mais o pesquisador publica, melhor para
seu currículo e para sua carreira na universidade.
Isso explica o inchaço da produção de
publicações que, em grande parte, jamais
serão lidas.
Quem denuncia essa situação é o editor da
Harvard University Press, Lindsay Waters (2007),
que propõe como saída a intervenção do editor,
Os Livros de Arquivos • 52

responsável por fazer uma seleção criteriosa do que


deve ou não ser publicado.
Robert Darnton (2010) também enfatiza a
relevância desse crivo, mesmo nas edições digitais,
para que as publicações acadêmicas tenham a
qualidade necessária ao cumprimento de seu
objetivo científico. Defende também que, “para se
tornar um livro, uma tese precisa ser reorganizada,
perder trechos e ganhar outros, ser adaptada
às necessidades de um leitor leigo e reescrita do
início ao fim, de preferência sob a orientação de
um editor experiente” (op. cit., p. 92).
O setor de editoração da Fundação Casa
de Rui Barbosa atua nesse sentido ao selecionar,
organizar e editar obras acadêmicas. Além das
publicações dos trabalhos dos pesquisadores da
Casa, ainda há o Prêmio Casa de Rui Barbosa,
que escolhe e publica as melhores monografias
cuja pesquisa utilizou os arquivos da instituição. É
assim que, num contexto de excesso de informação
e poucos veículos confiáveis, o setor de editoração
desempenha uma função social ímpar, conferindo
credibilidade e visibilidade à Fundação.

3.3 As vantagens de um setor de editoração em


uma instituição arquivística

O setor de editoração da Fundação Casa de


Rui Barbosa constitui uma exceção à regra das
instituições públicas que guardam arquivos e até
mesmo das organizações privadas com a mesma
Os Livros de Arquivos • 53

finalidade. Em geral, essas instituições não possuem


profissionais especializados em editoração nem uma
demanda de produção que justifique a contratação
de editores e a manutenção de um departamento
específico para esse fim.
Como a atividade de publicação é
considerada uma maneira de extroverter
as atividades realizadas pelo arquivo e os
resultados das pesquisas, originalmente, o setor
de editoração da FCRB pertencia à divisão de
Difusão Cultural.

Os arquivos públicos existem com a função precípua


de recolher, custodiar, preservar e organizar fundos
documentais originados na área governamental,
transferindo-lhes informações de modo a servir ao
administrador, ao cidadão e ao historiador. Mas,
para além dessa competência, que justifica e alimenta
sua criação e desenvolvimento, cumpre-lhe ainda
uma atividade que, embora secundária, é a que
melhor pode desenhar os seus contornos sociais,
dando-lhe projeção na comunidade, trazendo-lhe a
necessária dimensão popular e cultural que reforça
e mantém o seu objetivo primeiro. Trata-se de seus
serviços editoriais, de difusão cultural e de assistência
educativa (BELLOTO, 2006, p. 227).

As instituições com finalidade arquivística


devem ter uma política de difusão cultural
eficiente, pois, para elas, a visibilidade não é só uma
questão de conceito público – de como a sociedade
enxerga o papel que desempenha –, mas também
de subsistência.
Os Livros de Arquivos • 54

Atualmente no Brasil, a produção cultural


tem se amparado em leis de incentivo, como a Lei
Rouanet2, que permitem abatimento ou isenção
de impostos para as empresas que patrocinam
iniciativas culturais previamente aprovadas pelo
governo, tendo em vista sua relevância. Por isso,
quanto melhor a visibilidade de determinada
instituição, maiores as suas chances de ser bem
recebida pela iniciativa privada e obter apoio via
leis de incentivo ou até mesmo patrocínios diretos.
Para obtenção do apoio financeiro, não basta,
no entanto, ter um conceito público positivo.
É preciso também que a instituição proponha
produtos interessantes aos possíveis investidores
privados, sequiosos por vincular sua marca àquilo
que agregará valor a ela (no caso, publicidade). Por
isso, é muito mais fácil conseguir recursos para
produtos e eventos do que para atividades técnicas
de arquivo, fundamentais ao cumprimento da
finalidade prioritária desse tipo de instituição. Para
além do seu compromisso de difusão cultural, essas
instituições precisam, portanto, propor muitas
outras atividades culturais para obter recursos que
ajudarão a manter as atividades de documentação
e pesquisa.
Existem várias formas de divulgar uma
instituição arquivística e de torná-la conhecida
e próxima de seu público. Instituições cujo

2 Além da Lei Rouanet, Lei Federal n. 8.313, as outras leis de incentivo


cultural em vigor em São Paulo são: a Lei de Incentivo a Cultura - LINC
(Lei Estadual n. 8.819), a Lei do Audiovisual (Lei Federal n. 8.685) e a Lei
Mendonça ( Lei Municipal n. 10.923).
Os Livros de Arquivos • 55

acervo dialoga com as artes visuais, por exemplo,


costumam encontrar nas exposições um canal de
extroversão compatível. Esse é o caso do CEDOC –­
Centro de Documentação da Pinacoteca do Estado
de São Paulo – que guarda o arquivo institucional
do museu e os arquivos pessoais de artistas, críticos
e pesquisadores de artes tanto próprios como do
Instituto de Arte Contemporânea de São Paulo.3
As exposições trazem diversos benefícios
às instituições: provocam a empatia no público,
que pode ser de várias idades e diferentes níveis
de formação, dão oportunidade de desenvolver
trabalhos educativos sobre o acervo e, por serem
geralmente temporárias, refletem o dinamismo da
instituição. Em contrapartida, as publicações são
muito mais perenes e podem circular, atingindo
mais pessoas em mais lugares, o que constitui uma
vantagem para o patrocinador que associa sua
marca a elas.
No Brasil as instituições públicas são
financiadas majoritariamente por órgãos
públicos, sendo bastante escasso o aporte de
verbas via patrocínio privado. Já em países como
a Argentina, que não contam com o amparo de
leis de incentivo para a produção cultural, esse
patrocínio é muito comum, conforme evidenciam
os logotipos das empresas estampados nas capas
dos livros que financiam.
Sediada em Buenos Aires e conhecida
internacionalmente pela coesão de sua linha
3 O IAC, que mantém duas salas de exposição, abriga, em regime de comodato,
os arquivos pessoais dos artistas Sergio Camargo e Willys de Castro.
Os Livros de Arquivos • 56

editorial, a Fundación Espigas4, que guarda fundos


de arquivo relacionados à arte argentina, é um
exemplo de instituição arquivística que estabelece
parcerias com instituições congêneres e empresas
em geral para viabilizar suas publicações.
O exemplo da Fundación Espigas é relevante
também para entendermos por que a visibilidade
é tão importante para a instituição arquivística
pública como o é para a instituição privada. Ao
contrário do que se possa imaginar, a necessidade
de captar patrocínios da instituição privada não
a torna mais dependente de visibilidade do que
a instituição pública, financiada pelo estado. Isso
ocorre porque, num regime democrático, cabe ao
governo orientar suas políticas pelo pensamento e
pelas necessidades da maioria. Daí a constatação
de que, quanto mais a instituição pública for vista
e reconhecida como fundamental para a sociedade,
mais recursos ela poderá obter e, consequentemente,
mais empreendimentos poderá fazer.

4 Para este trabalho, a autora realizou uma entrevista com a pesquisadora


Patrícia Artundo, responsável pelas publicações da Fundación Espigas.
[Parte 4:
Estudo de Caso:
Fundação Casa de Rui Barbosa
]
4.1 Breve histórico da instituição

Rui Barbosa é conhecido por seu trabalho


como advogado, legislador e literato. Colaborou
com inúmeros jornais e revistas de sua época,
defendendo a causa abolicionista. Apesar de ter se
candidatado a presidente três vezes, ficou conhecido
por seu trabalho como constitucionalista. Com sua
morte, em 1923, resta a necessidade de preservar
seu legado intelectual e difundir sua obra.
Em 1924, o presidente Artur Bernardes
autoriza a aquisição do prédio onde vivia Rui
Barbosa na então capital da república, Rio de
Janeiro, bem como do mobiliário, da biblioteca,
do arquivo e da propriedade intelectual da
obra de Rui Barbosa, através do Decreto nº
4.789, 2/01/1924. Mas é somente em 1927
que o presidente Washington Luís inaugura o
Museu Rui Barbosa, que em 1928 evolui para
um museu biblioteca, passando a ser chamado
de Casa de Rui Barbosa. A instituição é então
inaugurada no dia 13 de agosto de 1930 pelo
presidente Washington Luís. Em dezembro
desse mesmo ano, por medida do Governo
Estudo de caso: FCRB • 59

Provisório, a Casa é vinculada ao recém-criado


Ministério da Educação e Saúde Pública.
Em 1934 os serviços da Casa de Rui Barbosa
são reorganizados em função do objetivo ao qual a
instituição se presta. De acordo com o Decreto nº
24.688, de 12/07/1934, a instituição é responsável
não apenas pela conservação da biblioteca e
do arquivo de Rui Barbosa, mas também pela
publicação das suas obras e pela realização de cursos
e conferências. Em 1938, a Casa é tombada pelo
então Sphan (Serviço do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional). O regimento interno é
aprovado em 1941, na mesma ocasião em que é
proposta a publicação das obras completas de Rui
Barbosa. O Centro de Pesquisa, que mais tarde
será responsável pela organização dessas obras
completas, é criado em 1952, mas somente com
a finalidade de dedicar-se ao estudo nas áreas de
direito e filosofia.
Em relação à configuração administrativa, a
Casa de Rui Barbosa vai aos poucos se aproximando
do que é hoje. Em 1956, o presidente Nereu Ramos
aprova o regimento que organiza a instituição em
quatro seções: a Seção Técnica, compreendendo o
Museu, a Biblioteca e o Arquivo Histórico (que
diz respeito ao arquivo pessoal de Rui Barbosa); o
Centro de Pesquisas, a Seção de Administração e a
Zeladoria. Apenas em 1966 a Casa de Rui Barbosa
é finalmente transformada em uma fundação pelo
presidente Humberto Castelo Branco, através da
Lei nº 4.943, de 06/04/1966, que lhe confere
Estudo de caso: FCRB • 60

personalidade jurídica. Nesse mesmo ano, são


aprovados os estatutos da Fundação Casa de
Rui Barbosa. No artigo 4º da Lei nº 4.943, é
oficializado o compromisso da instituição com a
difusão cultural.

Art. 4º A Fundação terá como finalidade o


desenvolvimento da cultura, da pesquisa e do ensino,
cumprindo-lhe, especialmente, a divulgação e o culto
da obra e vida de Rui Barbosa,devendo além de outras
atividades:
a) promover a publicação sistemática da obra de Rui
Barbosa e de sua crítica e interpretação, assim como
de estudos científicos, artísticos e literários;
b) manter o museu e a biblioteca Rui Barbosa
acessíveis ao uso e consulta públicos;
c) promover estudos, conferências, reuniões ou
prêmios que visem a difusão da cultura e da pesquisa;
d) promover estudos e cursos sobre assuntos jurídicos,
políticos, filológicos, ou de outros relacionados com
a obra e a vida de Rui Barbosa;
e) colaborar com instituições nacionais e estrangeiras,
no âmbito de sua finalidade;
f ) colaborar, quando solicitada, com o Governo da
União ou dos Estados, podendo mediante convênio
ou acordo, incumbir-se da prestação de serviços que
forem pertinentes às suas atividades;
g) cultuar, adequadamente, a 5 de novembro de cada
ano, o “Dia de Rui Barbosa”.1

Nos parágrafos 1º e 2º do mesmo artigo 4º de


nº4, a lei esclarece como se promoverá efetivamente
a publicação da obra de Rui Barbosa:
1 A Lei nº4943 pode ser consultada na internet, no link http://www.cultura.
gov.br/site/wp-content/uploads/2007/11/lei-4943-de-1966.pdf.
Estudo de caso: FCRB • 61

§ 1º Mediante convênio com o Governo Federal, a


Fundação poderá incumbir-se da publicação oficial
de coletâneas de leis ou documentos parlamentares.
§ 2º O Departamento de Imprensa Nacional
continuará a executar os serviços públicos gráficos
prestados à Casa de Rui Barbosa, nos termos que vem
fazendo até aqui.

Em 1970, para cumprir a prescrição do item


“g” do artigo 4º – cultuar o dia de nascimento de
Rui Barbosa – 5 de novembro é instituído como
“Dia da Cultura e da Ciência” em homenagem a
figuras representativas da das letras e das ciências
do Brasil e do mundo.
Com o mesmo propósito de valorizar a
memória da produção cultural e dos processos
criativos que a originaram, Carlos Drummond
de Andrade publicou em 11 de julho de 1972
uma crônica no Jornal do Brasil com o título
“Museu Fantasia”. Nesse texto, Drummond
(apud BASTOS e VASCONCELOS, 2005, p.1)
manifesta um desejo, que ele mesmo questiona se
é ou não uma fantasia.

Velha fantasia deste colunista – e digo fantasia


porque continua dormindo no porão da irrealidade –
é a criação de um museu de literatura. Temos museus
de arte, história, ciências naturais, carpologia, caça e
pesca, anatomia, patologia, imprensa, folclore, teatro,
imagem e som, moedas, armas, índio, república... de
literatura não temos.

Segundo Eduardo Coelho, atual chefe do


Estudo de caso: FCRB • 62

Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, em


entrevista concedida para este trabalho, quando
escreveu essa crônica, Drummond era amigo
dos diretores da Fundação Casa de Rui Barbosa.
Naquela época, o advogado Plínio Doyle
costumava promover encontros aos sábados, em
sua biblioteca pessoal, nos quais reunia diversos
intelectuais e artistas, entre eles, o próprio
Drummond e Américo Lacombe, então presidente
da Casa de Rui Barbosa. Foi assim que Lacombe
conheceu e aderiu à proposta de Drummond de
criar um museu de literatura, contando com o
apoio de escritores como Paulo Mendes Campos,
Murilo Araújo, Wilson Martins, Aurélio Buarque
de Holanda, Alphonsus Guimaraens Filho, Pedro
Nava, Afonso Arinos, Raul Bopp, Ciro dos Anjos
e Peregrino Júnior. Meses depois o Arquivo-Museu
de Literatura foi criado2.
Em 4 de janeiro de 1973, Drummond escreve
outra crônica, com o título “Em São Clemente,
134” – endereço da Fundação Casa de Rui Barbosa
–, na qual convoca todos aqueles que tenham
alguma documentação ou objeto de escritor
brasileiro a fazerem uma doação para o “o arquivo-
museu menino, dirigido pelo espírito público de
Plínio Doyle na Casa de Rui Barbosa”3

2 É importante salientar que o Arquivo-Museu teve outros nomes. Em 1987,


quando recebe a biblioteca de Plínio Dolye, passa a se chamar Centro de
Literatura Brasileira, que abrangia três setores: arquivo, biblioteca e museu.
Mas, em 1995, esse nome é novamente substituído por Arquivo-Museu,
agora com a designação “de Literatura Brasileira”, de acordo com os relatórios
de atividades da FCRB de 1987 e 1995.
3 Apud BASTOS e VASCONCELOS, 2005, p.2.
Estudo de caso: FCRB • 63

Drummond lega seu arquivo pessoal para o


Arquivo-Museu e muitos outros se somaram ao dele.
Atualmente são 124 arquivos, entre os quais, os de
Clarice Lispector, Cruz e Sousa, Fernando Sabino,
João Cabral de Melo Neto, José de Alencar, Manuel
Bandeira, Pedro Nava, Rubem Braga e Vinicius
de Moraes. Além dos arquivos pessoais, há mais
de 600 coleções, como a de Guimarães Rosa, sob
a denominação geral de Coleção AML, que foram
acumuladas a partir do pedido de Drummond na
crônica “Em São Clemente, 134”. O acervo Arquivo-
Museu conta também com aproximadamente 1.200
peças, entre móveis, canetas, óculos, medalhas,
caixas de música, esculturas e telas. Recentemente, o
AMLB iniciou negociações para receber o primeiro
arquivo inteiramente digital, do escritor Rodrigo de
Souza Leão.
De 1966 até hoje, a Casa de Rui passou por
muitas mudanças de estatuto. Em 1978, quando
é inaugurado o edifício-sede pelo Presidente
Ernesto Geisel, ocorrem reformulações e ajustes
quanto às atividades desenvolvidas, aos cargos e
aos projetos prioritários. Esse prédio atualmente
abriga a administração geral, o Centro de
Pesquisa, o Centro de Memória e Informação,
o Arquivo-Museu de Literatura Brasileira e
também o auditório, construído em 1984, onde
se realizam palestras e seminários. Em 2003, a
Fundação Casa de Rui Barbosa é vinculada ao
Ministério de Cultura e sofre mudanças para
adequar-se às necessidades desse órgão, aprovando
Estudo de caso: FCRB • 64

um novo estatuto e quadro de cargos, além de


estabelecer uma missão:

A missão da Fundação Casa de Rui Barbosa é


promover a preservação e a pesquisa da memória
e da produção literária e humanística, bem como
congregar iniciativas de reflexão e debate acerca da
cultura brasileira.Desta forma, a instituição pode
contribuir para o conhecimento de diversidade
cultural e para o fortalecimento da cidadania,
assegurando a implementação das demais políticas
do Ministério da Cultura.4

Essa missão, na verdade, atualiza e reafirma o


objetivo da Casa de Rui Barbosa na época da sua
criação em 1930: assegurar a preservação e difusão
da obra de Rui Barbosa. Agora, mais abrangente,
esse compromisso estende-se do titular Rui Barbosa
a toda a produção literária e humanística. No
entanto, é possível observar que, desde o início,
a publicação foi a principal forma apontada para
difundir a produção intelectual e artística desses
literatos e escritores.

4.2 O setor de editoração dentro da política


institucional

A publicação de livros está prevista em todas


as atas e decretos de criação da Fundação Casa de
Rui Barbosa. Os livros são produzidos desde 1942,
inicialmente como uma via para difusão das Obras

4 Disponível no site da FCRB: http://www.casaruibarbosa.gov.br/template_01/


default.asp?VID_Secao=10
Estudo de caso: FCRB • 65

Completas de Rui Barbosa e logo depois para a


extroversão do resultado das pesquisas. A tradição
na produção livreira – o catálogo se aproxima de
mil títulos –, no entanto, não indica que o Setor
de Editoração da instituição tenha autonomia para
determinar sua política editorial.
Durante muitos anos, até meados dos anos 1990,
as publicações da Casa de Rui Barbosa permaneceram
como um apêndice da pesquisa nos registros dos
relatórios anuais de atividades. Esses documentos
relacionam os setores dos Centros de Pesquisa e
cada pesquisa que estava sendo desenvolvida neles,
indicando qual foi publicada, qual estava em fase
de preparação, qual foi publicada em coedição com
editora privada (ou outra instituição) e qual não
possui recursos para publicação.
Além do vínculo com a pesquisa, a história do
Setor de Editoração está atrelada a uma profissional:
Raquel Valença. Ela iniciou seu trabalho na Fundação
Casa de Rui Barbosa como pesquisadora do Setor de
Filologia, até que em 1995, por ter afinidade com
tratamento de texto e com a produção editorial,
foi convidada pelo presidente Mário Machado para
coordenar a Divisão de Difusão Cultural, cargo
que ocupou durante quatro anos e que incluía a
responsabilidade de gerir a editora, pois ainda não havia
o setor de editoração propriamente dito. A partir de
1995, a atividade editorial começa a apresentar o selo
Edições Casa de Rui Barbosa, filia-se à Associação de
Editoras Universitárias e à Liga Brasileira de Editoras,
e passa a se preocupar mais com a distribuição das
Estudo de caso: FCRB • 66

obras em âmbito nacional. Em 1999, Raquel Valença


é transferida para o cargo de diretora do Centro
de Pesquisa, mas permanece cuidando da editora e
procurando meios para formalizar o setor.
Em 2003, quando a Fundação Casa de
Rui Barbosa se torna uma instituição vinculada
ao Ministério da Cultura, é reconhecida
a necessidade de se instituir o Setor de
Editoração, que tem como primeira chefe de
direito Marielza Dalla Costa Fontes. Todavia, é
ainda Raquel Valença quem exerce as funções de
fato, o que mais uma vez transfere a subordinação
desse setor da Divisão Cultural para o Centro de
Pesquisa.
Em entrevista concedida especialmente para este
trabalho, Raquel Valença5 reconhece que essa não é a
estrutura ideal e que a editoração ocupa grande parte
do seu tempo de diretora. Ainda assim, considera essa
atividade fundamental para a visibilidade da Casa.
Recentemente, o Ministério da Cultura solicitou uma
reestruturação do organograma institucional e Raquel
se manifestou a respeito do Setor de Editoração,
sugerindo que voltasse a integrar a Difusão Cultural.
Além disso, observou a necessidade de se criar uma
estrutura interna, desmembrando editoração de
eventos, para que a equipe, hoje muito reduzida6,
5 Ver transcrição da entrevista no Apêndice D.
6 A equipe do Setor de Editoração é muito reduzida, são dois programadores
visuais Stela Kaz (chefe do Setor de Editoração e programadora visual) e
Ângelo Venosa (programador visual e criador do logotipo da Edições Casa
de Rui Barbosa) Benjamin Albagli Neto, Hildeval Araújo (preparadores
de texto) e Raquel Valença, diretora do Centro de Pesquisa, que também
colabora com a preparação de texto e exerce funções administrativas da
editora.
Estudo de caso: FCRB • 67

atenda a todas suas demandas.


Nessa reestruturação, o setor de editoração,
vinculado à Difusão Cultural, divide-se em três
sub-setores: o primeiro dedica-se à programação
visual, à criação; o segundo, ao tratamento do
texto e o último é a editora propriamente dita, que
controla o estoque de livros.
Para compreender a dinâmica na qual o
Setor de Editoração está inserido, é preciso
percorrer todo organograma institucional 7.
A Fundação Casa de Rui Barbosa possui três
grandes órgãos: I - Órgão colegiado, o Conselho
Consultivo; II - Órgãos seccionais e III - Órgãos
específicos singulares. Nos órgãos seccionais,
estão os setores vinculados planejamento e
administração e também o setor de informática.
Nos órgãos específicos, encontram-se o
Centro de Pesquisa 8 e o Centro de Memória e
Informação 9. A Divisão de Difusão Cultural
encontra-se subordinada somente ao presidente
e ao diretor executivo, atuando como uma frente
paralela, daí a designação “divisão”, que auxilia
nas atribuições administrativas e de gestão.
De acordo com o Art. 15 do Decreto

7 Ver organograma institucional no ANEXO A.


8 Dentro do Centro de Pesquisa, estão os setores de pesquisa: Serviço de
Pesquisa em Direito, Serviço de Pesquisa em Filologia, Serviço de Pesquisa
Ruiana, Serviço de Pesquisa em História, Serviço de Pesquisa em Política
Cultural e o Serviço de Editoração.
9 No Centro de Memória e Informação estão a Divisão Museu Casa de Rui
Barbosa, a Divisão de Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, o Serviço
de Biblioteca, o Serviço de Preservação e o Serviço de Arquivo Histórico e
Institucional.
Estudo de caso: FCRB • 68

nº 503910, que aprova o estatuto e o quadro


demonstrativo dos cargos da Fundação Casa de
Rui Barbosa, a Divisão de Difusão Cultural tem
direito a um chefe que, da mesma forma que
os Diretores dos Centros, o Procurador-Chefe
e o Coordenador-Geral e demais dirigentes, se
incumbe de planejar, dirigir, coordenar e orientar
a execução das atividades afetas às suas respectivas
unidades, bem como de exercer outras atribuições
que lhes forem cometidas pelo Presidente ou
pelo regimento interno. Em resumo, a Divisão
de Difusão Cultural, que atualmente tem
Mara Sueli Ribeiro Lima como chefe, é
responsável pelo planejamento e organização de
todos os eventos promovidos pela Casa, sendo
o material gráfico necessário a esses eventos
produzidos no Setor de Editoração, que integra o
Centro de Pesquisa.

4.3 A viabilidade das publicações

Todo processo de produção editorial prevê a


execução de uma série de etapas que são mais ou
menos comuns a qualquer tipo de livro: seleção
do título, elaboração de contrato de direitos
autorais, preparação de texto, projeto gráfico,
revisão de provas, divulgação e distribuição. Na
Fundação Casa de Rui Barbosa, não é diferente.
No entanto, no que diz respeito à viabilidade

10 Assinado pelo presidente da república Luis Inácio Lula da Silva em


07/04/2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2004-2006/2004/decreto/d5039.htm
Estudo de caso: FCRB • 69

das publicações, existem, basicamente, duas


formas de proceder: publicar dentro da margem
orçamentária da própria instituição ou publicar
através de parcerias com outras instituições,
como editoras comerciais, editoras universitárias,
órgãos públicos e empresas privadas.

4.3.1 Publicações com verbas públicas

O trabalho do Setor de Editoração é


orientado por um planejamento anual, o que
demanda a escolha e a priorização dos títulos que
serão publicados no ano seguinte para adequação
orçamentária junto ao Ministério da Cultura. Essa
etapa se dá mediante apresentação de propostas de
cada um dos centros de pesquisa e avaliação delas
pelo conselho consultivo11. Os integrantes do
conselho, amparados pela diretoria do Centro de
Pesquisa, identificam as propostas de publicação
possíveis para aquele ano, considerando três
fatores: adequação do título à linha editorial12,
previsão de custo de produção e prazo. Como a
maior parte das publicações desenvolvidas pela
Edições Casa de Rui Barbosa resulta de pesquisa,
é preponderante levar em conta o fator tempo,
de modo a não incluir na lista de livros a serem
publicados uma pesquisa recém-iniciada, enquanto
outra, já concluída, aguarda verba para publicação.

11 Órgão colegiado formado por pessoas representativas na sociedade em cada


área de atuação da Fundação Casa de Rui Barbosa.
12 Ver mais detalhes sobre a linha editorial da Fundação Casa de Rui Barbosa no
item 4.4.
Estudo de caso: FCRB • 70

A linha editorial da Casa de Rui Barbosa é


essencialmente afinada com as linhas de pesquisa.
Abarca das Obras Completas de Rui Barbosa a livros
sobre as especialidades da Casa: direito, filologia,
história, museologia, arquivologia e, recentemente,
produção cultural. Além das dimensões temáticas,
os livros são editados segundo dois princípios:
excelência textual e acessibilidade. Alinhados
com a finalidade da instituição, esses princípios
agregam-lhe visibilidade, transformando-a em uma
referência nos assuntos nos quais se especializou.
Como órgão público, a Casa de Rui Barbosa
assume o compromisso de difundir conteúdo
a preços acessíveis e de participar de políticas
de doação de livros para bibliotecas públicas e
universitárias no Brasil. Para manter o preço
de capa abaixo do valor de mercado e impedir
que sejam concedidos privilégios a empresas
privadas prestadoras de serviços, o Ministério da
Cultura exige que as terceirizações sejam feitas
por licitação pública.
As etapas de preparação do texto, revisão
ortográfica, projeto gráfico e diagramação são todas
realizadas na FCRB, apenas a impressão gráfica é
terceirizada. Eduardo Coelho e Raquel Valença
salientaram em suas falas13 a dificuldade de realizar
licitação para escolha de gráficas, pois, apesar desse
processo contar com pré-requisitos sistemáticos,
muitas vezes são aprovadas gráficas de outros estados,
o que prejudica a qualidade do serviço prestado.
13 Entrevistas concedidas especialmente para esta pesquisa e transcritas no
Apêndice C e no Apêndice D .
Estudo de caso: FCRB • 71

Além da dificuldade com o serviço de


impressão, outro desafio para a Edições Casa de Rui
Barbosa é a distribuição dos livros. Problema não
exclusivo de instituições públicas, a distribuição no
Brasil enfrenta as barreiras geográficas, certamente,
mas o ponto-chave diz respeito à autorregulação do
mercado e à falta de logística acessível ao pequeno
editor.
A distribuição é uma etapa subsequente
à editoração, que é inteira perpassada por
entraves e burocracias. Do ponto de vista dos
livreiros, interessa ter em suas estantes os livros
que vendem, e o público leitor tende a comprar
aquilo que está em destaque nas livrarias.
Isso gera um ciclo vicioso que privilegia, na
distribuição, as editoras com maior produção e
já conhecidas no mercado.
As empresas que se especializam em
distribuição realizam transporte, contatos com
centros de compra das livrarias e promoção dos
produtos. Para tal, necessitam de uma estrutura
de funcionamento arrojada, com muitos
funcionários especializados, o que faz com que,
cada vez mais, as editoras – pequenas e grandes
– optem por contratar esse serviço. Mas é difícil
optar por uma empresa distribuidora, pois, como
relatam sobre a Edusp Plínio Martins Filho e
Marcello Rollemberg (2001, p. 230):

(...) se a escolha recair sobre uma distribuidora


grande, a editora pequena sem dúvida corre o risco
Estudo de caso: FCRB • 72

de ver seu produto não distribuído, pois ao vendedor


comissionado (distribuidor) é mais fácil colocar um
best-seller que um livro de ensaio no mercado. Se, por
outro lado, a escolha recair sobre uma distribuidora
pequena, o livro não será bem distribuído, porque a
distribuidora não tem estrutura suficiente para cobrir
todas as livrarias de uma cidade ou Estado, quanto
mais de todo o país.

Além disso, o contrato de distribuição


favorece o distribuidor. A editora envia cerca de 20
exemplares do livro com desconto de 50% a 60%
em consignação, com um prazo de 60 a 90 dias para
pagamento. Já o distribuidor repassa esses livros para
as livrarias com desconto de 30% a 40%, também
em consignação, com o prazo de 30 a 60 dias para
receber. E a FCRB enfrenta também outro obstáculo:
como instituição pública, não pode ter uma política
efetiva nesse assunto, pois a comercialização não
é atribuição do Estado. A Edições Casa de Rui
Barbosa está diante de um paradoxo: é editora,
portanto deveria vender seus livros para que o lucro
fosse reinvestido em futuras edições, mas, como é
pública, não pode ter um posicionamento incisivo a
esse respeito, mesmo que a auditoria anual reclame
que novos livros estão sendo publicados diante de
poucas vendas e acúmulos no estoque. Segundo
Raquel Valença, trata-se de “um questionamento
dúbio: questiona porque vende, questiona porque
não vende, então é complicado”14. Uma saída para
esse dilema foi e tem sido a coedição.

14 Segundo Raquel Valença, Apêndice D.


Estudo de caso: FCRB • 73

4.3.2 Publicações em parceria com editoras


comerciais e universitárias

Além das publicações institucionais atreladas


à pesquisa, a Fundação Casa de Rui Barbosa
edita obras com interesse comercial e obras
comemorativas por meio de parcerias.
A maior parte das coedições com editoras
comerciais se utiliza dos arquivos da Casa, como
o título “Correspondência de João Cabral e
Drummond” em coedição com a Nova Fronteira.
Durante muito tempo, houve parceria assídua
com essa editora, mas, depois que o Ministério da
Cultura regulamentou essas práticas na FCRB, a
coedição precisou ser admitida via concorrência,
para que nenhuma editora fosse privilegiada em
detrimento de outra. Esses trâmites burocráticos
dificultam o processo, pois poucas editoras estão
dispostas a enfrentá-los para publicar um livro que,
embora tenha importante conteúdo, dificilmente
será um sucesso de vendas.
Uma das maneiras encontradas pela FCRB
para continuar fazendo coedições sem tanta
burocracia é pela via dos direitos autorais. A editora
deve negociar com os familiares do titular do arquivo
o direito exclusivo de publicação. Esse documento
de cessão de direitos facilita também a produção
editorial que será realizada quase que inteiramente
pela Casa, com exceção da distribuição, da qual a
editora deve se encarregar.
Ao lado da detenção dos direitos autorais
Estudo de caso: FCRB • 74

de uma publicação, que permite reeditá-la e


incluí-la no catálogo, é a distribuição que torna
essa parceria uma grande vantagem para a Casa,
segundo Eduardo Coelho:

É o que mais vale a pena, uma vez que as instituições


públicas não têm capacidade de distribuição. Por mais
que se perca a manifestação do valor da instituição,
que é dividido com a editora, pelo menos se garante
a distribuição do livro15.

Em contrapartida, a Casa oferece as fontes


primárias, o trabalho de seus especialistas e toda
a produção do livro, incluindo a diagramação. A
editora normalmente faz mais uma revisão de texto,
cria a capa e comercializa a obra, além de cuidar da
assessoria de imprensa e da campanha de marketing.
Aparentemente essas são as condições mínimas
para se estabelecer uma parceria, mas é preciso
ter clareza em relação à política de coedição para
não perder de vista a missão da instituição e sua
linha editorial. Esta parceria em si, além do título
publicado, deve ser vantajosa para ambas as editoras,
fortalecendo-as e agregando valor aos seus catálogos.
A Edusp, em seus primeiros contratos, é um exemplo
de como essa relação é delicada e precisa ser sempre
reavaliada tendo em vista seu propósito primordial:

(...) a universidade não é uma empresa editorial. Ela


deve ser uma instituição em que a atividade editorial
é uma entre as diversas atividades que desenvolve.

15 Segundo Eduardo Coelho, Apêndice C.


Estudo de caso: FCRB • 75

Assim, ela não deve se dedicar – em princípio – à


busca de autores, mas a estimular e promover o
trabalho daqueles que integram a sua comunidade.
Com certeza, sua atividade editorial resulta do
trabalho a que naturalmente se dedica. Por isso,
as publicações da Edusp estarão sempre sujeitas a
avaliações e juízos que, se favoráveis ou desfavoráveis,
não recairão apenas sobre o autor, mas também
sobre a própria instituição que avalizou a obra, de
modo que poderão prestigiá-la ou desprestigiá-la.
Ou seja: o livro universitário deve representar, antes
de mais nada, a imagem institucional, o trabalho dos
professores e pesquisadores de uma instituição, de
tal forma que seu crédito ou descrédito reflitam essa
instituição. (MARTINS FILHO; ROLLEMBERG,
2001, p. 49)

Um aspecto curioso é por que a FCRB


tem poucos livros em parceria com editoras de
universidades públicas. Como a FCRB integra
a ABEU – Associação Brasileira de Editoras
Universitárias – por ter missão semelhante
à dessas instituições e voltar-se ao mesmo
público-alvo, seria de se esperar que os coedições
fossem prática corrente. No entanto, conforme
esclarece Raquel Valença, se para realizar uma
coedição em parceria com editoras comerciais
é necessário um processo de concorrência e a
produção do livro é acompanhada por auditores,
nos acordos com universidades públicas
os entraves se multiplicam. A instituição
universitária também seleciona seus parceiros
e submete-se a auditores que fiscalizam
Estudo de caso: FCRB • 76

integralmente o processo. Daí, a escassez de


parcerias entre entidades tão semelhantes16.
A Edições Casa de Rui Barbosa, assim como
as demais editoras de universidades públicas,
precisou se renovar e ampliar sua área de alcance
e de vendas. Para isso, além das dificuldades com
distribuição, havia dificuldades de divulgação,
pois os livros produzidos não chegavam nem
mesmo ao conhecimento de interessados em
potencial. Foi preciso criar novas estratégias,
como participar de feiras e eventos periódicos,
por exemplo a Bienal do Livro e a Primavera dos
Livros; e se associar às instituições que regulam
e apóiam as atividades editoriais. A Casa, que já
participava das Bienais do Livro do Rio de Janeiro
em estande compartilhado com a Funarte, passa
a integrar a ABEU – Associação Brasileira de
Editoras Universitárias, como foi dito, e a LIBRE
– Liga Brasileira de Editoras e também a adotar
outras políticas de divulgação e comercialização.
Além dessas medidas, provavelmente o que mais
colaborou para a difusão dessas publicações foi
a divulgação e a disponibilização de algumas
delas no site da instituição, que foi também
renovado e ampliado a partir de 2003, quando
a FCRB passa a ser uma instituição filiada ao
Ministério da Cultura.

16 Apesar das dificuldades e em menor número do que gostaria, a Edições Casa


de Rui Barbosa faz parcerias com editoras públicas. Exemplo disso é o título
Sociedades de Economia Mista e Empresas Públicas: jurisprudência e doutrina,
de autoria de Aurélio Wander Bastos, publicado em 1984 em coedição com a
extinta RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A.), do Rio de Janeiro, e a UFMG
(Universidade Federal de Minas Gerais), de Belo Horizonte.
Estudo de caso: FCRB • 77

4.4 Acervo e catálogo de publicações: dimensões


publicadas

O Catálogo de Publicações da Casa de Rui


Barbosa17 é organizado por coleções e por temas.
Das coleções constam: Obras Completas de Rui
Barbosa (divididas em dois blocos, por ordem
alfabética A-H e E-Z); Textos de Trabalho; Papéis
Avulsos e Coleção FCRB. E os temas abrangem:
direito, documentação, história, infantojuvenis,
língua e literatura, políticas culturais,
museologia e Rui Barbosa.
Entre as coleções temáticas, cujo objetivo
é criar vínculos com o público-alvo, a mais
importante é Obras Completas de Rui Barbosa,
projeto editorial com mais de 146 tomos,
cuja publicação, como já foi dito, é uma das f
inalidades da instituição.
A coleção Textos de Trabalho compreende
alguns projetos de pesquisa produzidos pela
na FCRB, como os títulos: Pensamento ou
representação (1994) de Francisco Carlos da
Fonseca Elia, Rui Barbosa abolicionista (1994),
de Ledo Ivo, e Performance e história, (1994), de
Antonio Herculano Lopes.
Merecem ainda destaque, considerando os
propósitos desta monografia, as coleções Papéis
Avulsos e Coleção FCRB, exemplos de projeto
editorial muito bem resolvido e afinado com a
linha editorial geral da Casa de Rui Barbosa.
17 A última edição do Catálogo de Publicações foi impressa em 2002, mas no
site da FCRB é possível encontrar as publicações posteriores a esse período.
Estudo de caso: FCRB • 78

Com projeto gráfico inspirado nos livros da


editora francesa Gallimard18, os livros que integram
a coleção Papéis Avulsos têm impressão simples,
em formato A5, e encadernação grampeada. Não
possuem mais do que cem páginas e reúnem os
produtos parciais de pesquisas em andamento. Seu
compromisso é difundir o trabalho de pesquisa
desenvolvido na Casa para o maior número possível
de interessados. Por isso, cada exemplar não custa
mais do que R$ 10.
Para cumprir o propósito de ampliar o acesso
ao público em geral, além de produtos de pesquisa,
a Papéis Avulsos publica parte dos conteúdos de
outras publicações que possuem um preço de
capa mais elevado. Esse é o caso do título Cabral
- Bandeira - Drummond: alguma correspondência19,
organizado por Flora Süssekind.
A criação da Coleção FCRB foi sugerida por
Flora Süssekind, em uma reunião do Centro de
Pesquisa realizada em 1999, para dar maior unidade
às publicações que estavam muito esparsas. Foram
criadas quatro séries para compor a coleção: Estudos,
Documentos, Aconteceu e Manuscritos. Cada uma
delas destina-se a tipos específicos de publicações, mas
todas são identificadas pelo mesmo projeto gráfico, do
designer Ângelo Venosa20, que lhes confere unidade.
18 Ver imagens comparativas no Apêndice E.
19 Esse título é parte do que está disponível no livro Correspondência de Cabral
com Bandeira e Drummond, também organizado por Flora Sussenkind e
produzido em coedição com a Nova Fronteira.
20 Ângelo Venosa também é o responsável pelo logotipo da Edições Casa de Rui
Barbosa. Ver imagens do projeto gráfico da Coleção FCRB e do logotipo no
Apêndice F.
Estudo de caso: FCRB • 79

A série Estudos publica o resultado das


pesquisas realizadas na Casa e também engloba
as monografias provenientes do prêmio Casa
de Rui Barbosa, que, recebem um selo para se
diferenciarem das demais publicações.
Tanto a série Manuscritos como a série
Documentos são vinculadas aos documentos de
arquivo. A Manuscritos contempla os estudos de
crítica genética, desenvolvidos no setor de filologia
principalmente pelo pesquisador Júlio Castañon
Guimarães, que organizou o único título dessa
série publicado até o momento: Cartas de Murilo
Mendes e Roberto Assumpção. Já a Documentos tem
um caráter mais amplo e engloba roteiros e obras
literárias inéditas, além de livros com tiragem
esgotada cuja temática é relevante para os estudos
na Casa. Entre esses últimos, pode-se citar Uma voz
contra a injustiça – Rui Barbosa e o caso Dreyfus, de
Homero Senna, com organização e notas de Laura
do Carmo e Marta de Senna.
Finalmente, a Série Aconteceu divulga os
anais dos seminários realizados na Fundação
Casa de Rui Barbosa. A designação “anais” foi
substituída por “aconteceu”, termo considerado
mais empático e interessante ao leitor, que
atualmente não possui mais o hábito de ler anais de
seminário. Na elaboração desses títulos, procura-se
manter os textos originais e os palestrantes assinam
previamente uma autorização de cessão de direitos.
Esses livros21 refletem o dinamismo dos seminários

21 A série Aconteceu é a que possui mais títulos publicados na Coleção FCRB.


Estudo de caso: FCRB • 80

promovidos pela Casa e chegam às mãos de muitos


pesquisadores e interessados que não puderam
estar presente aos eventos.

4.4.1 Dimensões publicáveis

Observando a linha editorial da Fundação


Casa de Rui Barbosa, foi possível identificar alguns
temas carentes de publicações e outros para os quais
poderia ser dedicada maior atenção. As publicações
temáticas são encaradas como um cartão de visita
da instituição, pois apresentam seus objetos de
pesquisa. No entanto, a pesquisa na FCRB possui
um diferencial que deve ser evidenciado: ela se dá
majoritariamente a partir de fontes documentais
em guarda na própria instituição, daí a necessidade
de divulgar esses acervos e o trabalho dos técnicos
em arquivologia, museologia e conservação.
No que diz respeito às publicações técnicas,
Eduardo Coelho defende a importância de
publicações de instrumentos de pesquisa mais
amplos, como o guia do acervo, e informa que
há um projeto para realizá-lo em versão ilustrada,
ideal para contemplar a diversidade de suportes
presentes no acervo do Arquivo-Museu de Literatura
Brasileira. Também sobre esse tipo de publicação,
Raquel Valença destacou a necessidade de produzir
mais publicações de arquivologia, museologia e
conservação. Tais obras são muito procuradas,
pois o trabalho desses setores é uma referência
internacional, assim como a FCRB é como Museu-
Estudo de caso: FCRB • 81

Casa. O escopo do trabalho, aplicado e muito


pragmático, foi apontado por Raquel como uma
possível razão para pouca quantidade de títulos
publicados por esses setores, em comparação com
os setores de pesquisa.
A Casa tem duas grandes áreas finalísticas:
pesquisa e documentação, que deveriam estar
igualmente contempladas nas publicações. No
entanto, acaba-se publicando preferencialmente a
área de pesquisa não apenas porque produz mais,
mas principalmente porque produz de uma forma
mais acabada, mais amigável para a editoração.22
Além disso, a Casa de Rui deveria aproveitar
seu setor de editoração para desenvolver materiais
educativos. Tanto Schellenberg (1956) quanto
Bellotto (2006) afirmam que a função do
arquivista só é completamente cumprida quando
há difusão cultural do acervo sob sua guarda. A
publicação é apontada por ambos os autores como
a maneira mais permanente e eficaz para essa
difusão. Belloto sugere, inclusive, como o trabalho
editorial pode se aliar a um projeto pedagógico
em arquivos, o que, de maneira interdisciplinar,
faria com que a instituição atingisse todos os seus
objetivos, atuando diretamente na formação de
novos pesquisadores.
Entre suas diversas recomendações pontuais,
Bellotto (2006, p. 239) destaca um tipo de
publicação que considera fundamental para o
desenvolvimento desse processo:

22 Segundo Raquel Valença, Apêndice D.


Estudo de caso: FCRB • 82

Se for possível contar com uma publicação do tipo


Guia de recursos pedagógicos para o ensino da história
em cada um dos arquivos que prestam assistência
educativa, o trabalho dos pedagogos e arquivistas
seria facilitado. A cada etapa da história nacional e
local já corresponderiam os documentos assinalados,
o que não impediria a renovação de exemplos para
novas abordagens.

Observando todas as publicações produzidas


pela Casa, as Obras Completas de Rui Barbosa,
os diversos títulos resultantes de pesquisa, os
instrumentos de pesquisa, como inventários, a
revista Escritos, que está em seu terceiro número e
reúne ensaios, a coleção Papéis Avulsos e as Edições
FCRB, com destaque para a série Aconteceu, fica
evidente o engajamento da Casa com projetos
educativos. O que não há, de fato, é uma série de
publicações que dê suporte aos educadores e amplie
as possibilidades de uso educativo dos arquivos
em dinâmicas com crianças, como o que já é
realizado no museu da Casa de Rui e na biblioteca
especializada em literatura infantil, que promovem
visitas e oficinas, respectivamente.
Além de fomentar a elaboração de
instrumentos de pesquisa, a produção de títulos
no Centro de Memória e Informação e a criação
de materiais educativos, constata-se, por fim, que
FCRB deveria explorar as vantagens propiciadas
pelos recursos digitais. Nesse sentido, já houve um
projeto de pesquisa, com o apoio do CNPq e da
FAPERJ, em que a pesquisadora Marta de Senna
Estudo de caso: FCRB • 83

re-editou em hiperlink diversos livros de Machado


de Assis23 e criou um banco de dados on-line24
para alocar uma compilação de alusões e aforismos
presentes na obra desse autor.
Os recursos digitais são uma tendência e
devem ser aproveitados por instituições culturais
como a FCRB. Além de minimizarem os custos de
produção do livro, ao eliminar os custos da gráfica,
proporcionam dinamismo e rapidez. A plataforma
digital oferece a possibilidade de compartilhamento
de conteúdos com diversas pessoas, sem os limites
geográficos, permitindo disponibilizar livros para
download gratuito e estabelecer com pesquisadores
e leitores um canal de comunicação direta.
Essa iniciativa somada ao fomento à
elaboração de publicações técnicas e de materiais
educativos complementa a missão editorial da
Casa de Rui. Amplia sua visibilidade e solidifica
sua linha editorial, que já é extremamente
coerente e fundamental para a pesquisa da
ciência e cultura brasileiras.

23 Foram re-editados “Ressurreição”, “A mão e a luva”, “Helena”, “Iaiá Garcia”,


“Memórias póstumas de Brás Cubas” e “Quincas Borba”. Disponíveis em:
http://www.machadodeassis.net/hiperTx_romances/index.asp
24 Disponível em: http://www.machadodeassis.net/.
[Conclusão
]
A Fundação Casa de Rui Barbosa é uma
entidade pública vinculada ao Ministério da
Cultura, cujo trabalho editorial é apenas uma
das atividades que permite que a sua finalidade
institucional seja cumprida.
O principal legado desta monografia é
justamente revelar a produção editorial assume
outros processos quando está fora do mercado
tradicional das editoras comerciais. Foi preciso um
amplo trabalho de pesquisa para comprovar-se o
que já se sabia desde o início: trata-se de uma via
alternativa para as publicações e isso implica em
muitas diferenças.
O conceito de linha editorial, por exemplo.
A princípio, considerou-se desconexo o catálogo
da FCRB e a maneira como os títulos estavam
arranjados em coleções. A Coleção FCRB, criada
em 2003, foi encarada como uma tentativa de
ordenação, pois editorialmente fazia mais sentido
dividir as publicações nas séries “Estudos”,
“Documentos”, “Aconteceu” e “Manuscrito”.
Em conversa com Patrícia Artundo, curadora e
Conclusão • 86

pesquisadora da Fundación Espigas1, ficou claro


que o que afeta a linha editorial de uma instituição
com esse perfil são suas atividades finalísticas –
a documentação e a pesquisa – e a dificuldade
para viabilizar economicamente as publicações. A
Fundación Espigas tinha sido tomada como um
exemplo de instituição arquivística que possuía
uma clareza editorial, mas Patrícia nos fez ver que
essa clareza, anterior à editoração, nascia de um
escopo de trabalho bem definido. A Fundación
é uma organização sem fins lucrativos, de capital
privado, criada para fomentar a pesquisa sobre
artes visuais argentina no mundo e artes visuais do
mundo na Argentina. Esse posicionamento prévio
e o fato de a entidade ser expoente da iniciativa
privada sempre favoreceram a instituição que,
em comparação com a FCRB parece sim ser mais
coesa. Ocorre que a Casa de Rui é uma instituição
muito mais antiga, nascida com um acervo híbrido
– como Museu-Casa –, maior – possui mais de 124
fundos de arquivo – e pública.
O fato de a FCRB ser uma instituição pública
é decisivo para compreender a maneira como
desenvolve seu trabalho. A malha burocrática e
a existência de cargos políticos criam diferenças
entre as funções de direito e as de fato. Isso explica,
por exemplo, por que o Setor de Editoração segue
atrelado ao Centro de Pesquisa, estrutura que faz
sentido se considerarmos que grande parte dos
projetos de pesquisa geram publicações. Além

1 Conversa com Patrícia Artundo realizada no dia 23/07/2010.


Conclusão • 87

dos projetos de pesquisa, há títulos que advêm do


trabalho arquivístico, como os inventários, dos
seminários realizados na Casa – a série Aconteceu
– e de alguns projetos especiais em parcerias com
editoras comerciais e/ou universitárias.
Os livros da Edições Casa de Rui Barbosa são
conhecidos entre os acadêmicos e interessados nos
temas de pesquisa da Casa, como Rui Barbosa,
filologia, história, direito etc. A contribuição
dessas obras para a visibilidade da Fundação só
não é maior do que a proporcionada pelo site
institucional, o que, dadas as devidas proporções,
confirma a primeira hipótese de que as publicações
são uma ótima forma de difusão cultural para
instituições arquivísticas.
Pensando nas esferas da documentação e
da pesquisa, que podem ser extrovertidas via
publicação, acredita-se que, em paralelismo, as
figuras do arquivista e do editor se relacionam e são
complementares, como defendemos na segunda
hipótese. É importante ressaltar, no entanto, que a
figura do editor deve sempre caminhar no sentido da
valorização e manutenção da figura do arquivista, e
não ao contrário. Explico: o arquivista tem a função
de organizar, garantir o retorno da informação e o
acesso do pesquisador aos documentos históricos.
Se o editor passa a ocupar a função de pesquisador,
mesmo que temporariamente, para execução de
um projeto especial, deve assumir as motivações
daquele e efetivamente realizar uma pesquisa, em
vez de obedecer ao imediatismo mercadológico.
Conclusão • 88

O editor, nesse caso, se aproxima do filólogo e


escava no arquivo as diversas versões de um mesmo
texto, que serão cotejadas, uma a uma, para fixação
de um texto definitivo. Atualmente é cada vez
mais raro encontrar editores aptos a desempenhar
esse papel, daí o diferencial da própria FCRB,
que possui especialistas em crítica genética
coordenando parte considerável das edições. Os
cursos de editoração e produção editorial oferecem
ao estudante um leque de procedimentos que
devem ser internalizados para eficiência no mercado
de trabalho, mas não o auxiliam a desenvolver seu
senso crítico. Poucos cursos ainda são privilegiados
nesse sentido, em especial os de humanidades de
universidades públicas, porque, além da tradição
acadêmica, possuem amparo financeiro do
governo, o que lhes permite oferecer programas
essencialmente teóricos.
Como terceira hipótese, defendemos a
existência de um nicho específico de mercado para
publicações em instituições arquivísticas. Apesar
de confirmada a sua existência, esse nicho enfrenta
duas barreiras de ordem prática para se desenvolver.
A primeira, diz respeito à formação acadêmica do
profissional que irá atuar nele. Há duas opções de
formação que poderiam atender a essa demanda,
mas todas as duas são, em parte, ineficientes. Ou se
escolhe a produção editorial, carente de repertório
técnico e teórico, ou a arquivologia/história,
dotadas de repertório técnico e teórico, mas pouco
envolvidas na escala de produção do livro.
Conclusão • 89

Essa falta de profissionalização gera a segunda


barreira: não se constitui como procedimento a
contratação de editores para realização de trabalhos
em instituições museológicas e arquivísticas. Seja
para a produção de um catálogo de exposição ou
para a produção de resultados de pesquisas em um
determinado acervo, são outros profissionais que
costumam assumir essa função, como os próprios
curadores da exposição, no primeiro caso, e os
arquivistas, no segundo. Portanto, não existe, de
maneira reconhecida, um profissional especializado
em editoração vinculada às instituições culturais
atuando no Brasil. Talvez decorra disso a escassez
de pesquisas sobre esse tema. O que nos leva a
concluir que o nicho de mercado deve ser explorado,
e também este tema deve ser levado à academia.
Como possíveis desdobramentos desta
monografia, vislumbram-se uma formação
pessoal para atender a demanda do mercado e a
continuação da pesquisa que a originou em um
projeto de mestrado sobre a edição fac-similar de
egodocumentos.
Apesar da dificuldade para sintetizar e tornar
inteligíveis conceitos que não dizem respeito à área
de comunicação social, espero ter conseguido seguir
os passos de Emanuel Araújo, filólogo e editor a
quem o Arquivo Nacional solicitou a elaboração
do livro “Publicações de documentos históricos”,
em 1985, contribuindo com o debate desse tema
tão fundamental para preservação da memória e
difusão cultural.
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www.casaruibarbosa.gov.br

MACHADO, Arlindo. Fim do livro? In: Estudos


Avançados, 8 (21), p. 201-214, 1994.

MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Memória e cultura


material: documentos pessoais no espaço público.
Seminário Internacional sobre Arquivos Pessoais,
Rio/ São Paulo, CPDOC/FGV-IEB/USP, 1997.

REVISTA ESTUDOS HISTÓRICOS. Arquivos


Pessoais. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do
Brasil - CPDOC/FGV, Vol. 11, nº 21, 1998.

SCHELLENBERG, T.R. Programas de publicações.


In: Arquivos modernos: princípios e técnicas. 6 ed.
Tradução: Nilza Teixeira Soares. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2006. p. 335-344.

WATERS, Lindsay. Inimigos da esperança: publicar,


perecer e o eclipse da erudição. São Paulo: Editora
da Unesp, 2006.
[Apêndices
]
APÊNDICE A

DVD com áudio integral das entrevistas realizadas


especialmente para este trabalho:
A – Entrevista com Gabriel Moore, gestor do acervo do
CEDOC- Pinacoteca. São Paulo, CEDOC-Pinacoteca, 26/05/2010.
B – Entrevista com Eduardo Coelho, chefe do Arquivo Museu
de Literatura Brasileira (AMLB) da Fundação Casa de Rui Barbosa.
Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 15/06/2010.
C – Entrevista com Raquel Valença, chefe do Centro de
Pesquisa da Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, Fundação
Casa de Rui Barbosa, 16/06/2010.
D – Conversa com Patrícia Artundo, acessora de projetos
especiais da Fundación Espigas. Argentina, Buenos Aires, Fundación
Espigas, 22/07/2010.
Apêndices • 99

APÊNDICE B

Transcrição de entrevista com Gabriel Moore, gestor do


acervo do CEDOC- Pinacoteca. São Paulo, CEDOC-Pinacoteca,
26/05/2010.

Livia Lima: Como você poderia definir o conceito de arquivo


pessoal?

Gabriel Moore: O arquivo pessoal é um tema um pouco


controverso ainda dentro da própria arquivística. Tem uma série de
teóricos que ainda vêem com uma certa dificuldade, encaixam com uma
certa dificuldade os arquivos pessoais no hall de conceitos e métodos
tradicionalmente existentes nos arquivos. Mas o princípio pra você
definir é mais ou menos o mesmo do arquivo institucional: é a forma
como esses documentos são acumulados. Então seriam os documentos
que foram acumulados no decorrer da vida do titular daquele arquivo.
Então tudo aquilo que tem função de provar uma atividade, então,
esse é o documento de arquivo por excelência. Os diários, as contas,
tudo isso é documento de arquivo porque representa ou prova alguma
atividade promovida pelo titular no decorrer da sua vida. E aí nesse
caso é muito parecido com a questão dos arquivos institucionais que é
o mesmo caso, né, você tem uma atividade, ela gera documento, esses
documentos são acumulados naturalmente, naturalmente, esse termo
natural é meio controverso também, não no meio arquivístico, mas
principalmente quando o historiador tá envolvido no assunto, eu falo
isso porque eu também sou historiador, então, eu sei que essa coisa do
natural sempre deixa o historiador um pouco confuso, né, porque tudo
tá impregnado de discurso, tensão, aquela coisa meio que tá na moda,
a leitura do Foucault, na moda hoje faz uns vinte anos, né. Então tudo
é impregnado de discurso então você não teria nenhuma naturalidade,
né, mas o que a gente defende no arquivo é que esses documentos eles
não foram criados para ser fonte de história, para serem documentos
interessantes, eles foram criados para provar alguma coisa, uma atividade
gerou estes documentos, não teve uma intencionalidade da empresa em
gerar aquilo com uso posterior, né, eles são criados como ferramenta
administrativa. Ferramenta talvez não seja o mas adequado, mas são
instrumentos administrativos, né. Então, você gera um balancete
porque você tem que coligir a informação financeira da instituição e isso
vai ter que ser apresentado para uma diretoria, para um conselho e até
Apêndices • 100

para fora, né, pros acionistas, pros clientes da instituição, da empresa, e


não porque aquilo um dia pode ser usado por um historiador pra falar
da história do empreendedorismo em São Paulo, na década de 1950,
não, aquilo tem uma função administrativa primeiro e é isso que a
gente costuma levar em conta no arquivo tanto na questão dos métodos
utilizados, que visam justamente preservar esse tipo de contexto
informativo, desses documentos, e o próprio princípio da arquivística:
garantir a preservação dessa relação entre os documentos, que é uma
relação de caráter funcional e não tem a ver com o conteúdo, essa coisa
que é muito complexa e no arquivo pessoal ela vai ser mais complexa
ainda. Essa relação entre conteúdo e função, o foco das ferramentas e
do método que a gente utiliza nunca são conteúdo, é sempre a função e
o contexto de origem, a proveniência dos documentos, então é sempre
uma visão de conjunto e sempre focada na função que o documento
tem e não no conteúdo que ele pode extroverter e na informação que
ele pode conter, então isso seria uma qualidade dele que seria usada
posteriormente. O arquivo histórico, né, esse tipo de demanda acaba
surgindo no arquivo histórico, uma demanda mais de conteúdo, mas
tudo que se faz no arquivo durante o seu ciclo vital que a gente chama,
é tudo sempre focado na questão da função.

LL: Sobre essa questão do conteúdo que eu acho que é mais


uma coisa do editor, enquanto que a função é uma coisa mais do
arquivista. Então a ideia do trabalho é tentar combinar isso de
uma maneira que ajude principalmente o arquivista e não o editor,
né. Eu acho que essa é a ordem de subordinação. E eu queria
perguntar para você o que você considera relevante pra um editor
ou pra própria instituição arquivística publicar a partir de acervos
pessoais?

GM: Eu acho que o recorte para a publicação ele vai passar


de certa forma pelo conteúdo a não ser que você esteja publicando
as ferramentas de acesso ao arquivo, né. Então você vai publicar o
guia, um inventário, um catálogo, você não tá falando de conteúdo,
você tá falando da organização, do arranjo que se deu em termos de
função para esse conjunto documental, aí acho que a gente tá falando
de outra coisa, mas eu imagino que você esteja falando de uma política
de publicação, uma política editorial, no sentido de extroverter
a informação contida naqueles conjuntos, né, então é uma coisa
realmente ligada aos possíveis conteúdos que podem ser explorados
naquele conjunto. Então acho que vale a pena eu recolocar a questão do
conteúdo porque não é, apesar do nosso foco ser sempre a questão da
função e do uso administrativo pra instituição que aquele documento
teve ou tem, acho que vale a pena recolocar ela pra entender que o
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conteúdo é uma demanda também. Então mesmo dentro da instituição


essas ferramentas que a gente tem na área de arquivo não dão conta
de atender demandas as vezes até internas da instituição que passam
pela questão do conteúdo. Vou te dar um exemplo: a Pinacoteca é um
museu, então a pesquisa é uma das principais atividades na instituição
e a pesquisa é um setor e atividade que mais recorre aqui ao centro de
documentação e ao arquivo da Pinacoteca, então o tipo de demanda
que eles tem vai ser mais ou menos por assunto, por conteúdo, então
pra eles interessa menos saber da série completa de recibos ou de
relatórios, eles querem saber informação sobre um artista, sobre uma
obra, sobre um evento que aconteceu aqui. Na nossa ferramenta, no
banco de dados, a gente tem que dar conta disso daí também. Então eu
acho que a coisa vai um pouco além, acho que não dá pra prescindir das
ferramentas tradicionais de arquivo, o arranjo, o plano de classificação,
trabalhar com os documentos de forma seriada, né, a partir da tipologia
documental, né, isso não dá pra abrir mão, mas depois a gente tem que
agregar outras do banco de dados, no caso que a gente elegeu como
sistema, hoje inclusive não tem outra saída, porque a coisa ficou mais
complexa, as demandas são mais dinâmicas, então tem que ser um
banco de dados mesmo pra dar conta disso. Então é muito comum
você agregar outras ferramentas, você pode trabalhar com descritores
de assuntos que são coisas mais do campo da biblioteconomia, por
que não agregar isso no seu banco de dados se isso é uma demanda de
informação? Não é o nosso foco de atenção principal, mas como eu
encaro o arquivo como um serviço dentro da instituição, então tem
que atender essas demandas da própria instituição, além das demandas
externas, mas o foco prioritário são as demandas internas. Então se ele
demanda esse tipo de coisa, eu tenho que criar uma ferramenta que dê
conta disso. Aí eu acho que a questão no arquivo pessoal já passando pro
arranjo, a questão da função, do conteúdo, no arquivo pessoal, a coisa
se dá de outra forma, a questão conjuntos menos estruturados, né. A
instituição tem todo uma burocracia, que gera um trâmite, que produz
os documentos, vários documentos são formatados, são baseados em
formulários, então você consegue identificar a função, o formato, a
espécie pelo próprio documento... no arquivo pessoal isso também
acontece, mas menos, é um arquivo menos estruturado. Então por
exemplo, se você vai fazer tipologia de correspondência institucional,
você tem basicamente alguns tipos de espécies características, você
tem ofício, carta, não sei o que, e os tipos específicos na instituição
que são muito pautados nas atividades... na função que o documento
tem. No arquivo pessoal, a correspondência é uma coisa muito mais
ampla, você pode ter uma carta que trata de oito, nove, dez assuntos e
como é que você vai eleger o prioritário pra fazer uma tipologia daquele
tipo de correspondência, né? É complicado. Então a coisa fica até um
Apêndices • 102

pouco mais nebulosa o que torna até bastante desafiador o arranjo de


arquivos pessoais, como você bem sabe, né. Então às vezes quando toda
o ferramental toda a metodologia foi criada pro arquivo institucional a
gente tenta transplantar isso pra realidade do arquivo pessoal, às vezes
é muito difícil, né, a questão da tipologia, estabelecer a tipologia de
alguns documentos de arquivo pessoal é muito complicado porque
você é obrigado a fazer uma eleição que é artificial, por mais objetivo
que você tenha que ser, no final ela vai ser um recorte artificial. Por
isso eu acho que é interessante a experiência do Instituto Fernando
Henrique Cardoso, com o que a professora Ana Maria de Almeida
Camargo desenvolveu lá, porque tenta dar conta disso daí de outra
forma, focando nos eventos mais do que nessa questão de se prender
a uma tipologia estrita. Trabalha com tipologia também, mas o foco é
nos eventos que deram origem aos documentos aí eu acho que a gente
tem uma maior tranqüilidade na hora de definir e de descrever esses
documentos. Eu acho também que é uma opção metodológica que é
baseada no banco de dados, uma ferramenta tradicional de descrição de
arquivo não daria conta dessa complexidade.
A questão do editor, aqui a gente não tem esse trabalho específico
de edição, aqui isso acontece mais quando a gente faz um trabalho de
pesquisa dentro do arquivo, né. Porque aí isso tem que ser extrovertido
de alguma forma, né, as melhores, as formas mais permanentes são em
forma de publicação. Aí aquilo que a gente tava falando, passa pelo
recorte de conteúdo, né, isso é difícil a relação entre pesquisador/editor,
tô colocando o editor no mesmo, né, junto do pesquisador porque
é o uso da informação que vai se dá aqui, né, lógico que a política
editorial num arquivo... aí a coisa passa por outra instância, mas
falando especificamente do uso. Eu acho que essa relação é complexa
porque nosso foco não é conteúdo, apesar do arquivo ser procurado
prioritariamente por causa do conteúdo que ele guarda. Então na hora
de fazer esses recortes, a interferência do arquivista é menor, até ajuda
porque a gente conhece muito bem o acervo então é fácil de identificar
os assuntos, os eixos temáticos demandados pelo pesquisador, mas acho
que tem grandes temas que é possível delinear, aí é que eu acho que a
política editorial deve caminhar. Por exemplo, a Pinacoteca é um museu
de arte, então apesar do arquivo da Pinacoteca que tá aqui guardado
representar uma as atividades do museu, que tem a ver com a atividade
fim que é a exposição, a ação educativa, tem um monte de coisa que não
tem nada a ver com isso que são as atividades meios que suportam, que
proporcionam essa todas as atividades do museu, então tem recursos
humanos, administração predial, isso tudo vai tá registrado no arquivo.
Para o recorte editorial, certamente o que vai interessar mais é o que
tá ligado à atividade fim da instituição, ou seja, o que a instituição faz
de diferente e de único o que define ela como museu que a coisa do
Apêndices • 103

acervo de arte, da exposição de arte e dos eventos ligados a área de arte.


Então eu acho que é um recorte possível e acho que é por aí, ninguém
vai se concentrar em fazer uma linha sobre os recursos humanos em
museus ou coisa parecida. Então a partir daí já dá pra gente traçar
alguns pontos de acesso comuns. Então tudo vai girar em torno do
artista, da obra e do evento expositivo, basicamente isso vai compor, se
bem que às vezes em recortes muito mais específicos e pontuais, mas
os grandes temas vão sempre passar por essas três entradas, o artista,
a obra, o acervo, obras que passaram pela instituição em exposições
temporárias e os próprios eventos expositivos e eventos científicos que
tem a ver com a produção cultural, eventos científicos de cultura e
de artes, então acho que o recorte passaria por aí. Agora tem a coisa
da história institucional, né. Porque talvez o maior mérito do arquivo
seja ser por essência a fonte da história institucional pelos documentos
que foram gerados, pelas atividades que fazem parte do arquivo, ele é
a fonte por excelência disso daí. Isso acho que é, uma opinião minha,
cada vez mais mal utilizado pelos historiadores. O enfoque não passa
por toda a complexidade, por tudo aquilo que o arquivo pode oferecer
de informações sobre a instituição, quase ninguém se interessa por isso,
geralmente é uma coisa muito pontual quero saber como é a Pinacoteca
na gestão de tal diretor com as exposições de gênero, então é uma coisa
muito recortada. Então o arquivo dá conta disso também, mas ele tem
muito mais informação em relação a experiência da instituição, de sua
trajetória. Acho que deve passar pelos dois lados, mas acho que vai
variar, por exemplo, hoje aqui nos somos um centro de documentação
que além do arquivo da Pinacoteca, do arquivo do museu, a gente tem
fundos de artistas. Então tem os arquivos pessoais dos artistas também.
Então aí você tem um outro hall de interesses de recortes para essa
política editorial. Também é uma coisa interessante, porque os arquivos
se fossem completos, porque a maior parte dos arquivos de artistas
não são, né, porque geralmente ou eles são doados ainda em vida pelo
artista o que não é não é muito adequado porque o arquivo vai ser
sempre incompleto até o passamento (sic) do titular. Ele sempre acaba
vindo pra cá recortado, por que ele foi recolhido, e o interesse em torno
dele é porque o titular é um artista, e o nosso eixo temático, eu falo que
o CEDOC coleciona arquivos de artista, Ana Maria não gosta muito
disso porque entra na coisa da coleção que é artificial, mas não deixa de
ser porque a gente tem um interesse temático que é as artes visuais em
São Paulo, então você vai recolher arquivos que tem esse valor para esse
enfoque temático. Então são artistas que ou trabalharam em São Paulo,
tem alguma ligação com a Pinacoteca, então esse eixo comum ele
permanece, ne, esse enfoque de interesse, mas as possibilidades de uso
disso são vastíssimas, apesar disso se concentrar na atividade do artista,
e o arquivo deveria se mais que isso, deveria envolver documentos
Apêndices • 104

familiares, outros interesses e atividades que não são artísticos e não


tem a ver com o que ele produziu nesse sentido, mas geralmente já vem
uma coisa recortada e às vezes é até difícil enxergar o arquivo, porque
essa incompletude, às vezes o arquivo vem muito retalhado, a viúva
separou só o que ela achava importante, então tem dois recortes ou ela
vai separar o que é da carreira artística do cara, você só tá pegando um
pedacinho do arquivo e depois ela vai separar o que ela acha importante
desse outro recorte, já tem o recorte do recorte e é isso que muitas
vezes vem parar e acaba sendo o que vai permanecer como arquivo
do artista porque é o que vai sobrar porque entrou na instituição de
guarda permanente, é interessante isso também. Mas aí acho que a
coisa acaba se expandindo porque você tem o circuito, como você tem
o arquivo do museu, arquivo até de outras instituições, por exemplo
aqui a gente tem o arquivo da Coleção Brasiliana, né que administrava
uma coleção de arte brasiliana no século XVII, XVIII, XIX, e hoje
foi incorporado ao arquivo do museu e o arquivo veio pra cá, então
também é uma outra possibilidade. Você tem arquivos de críticos de
arte também. Então na verdade o grande eixo vira a questão da arte,
né, da produção artística, da circulação da obra de arte. E eu acho que
a tendência é mais ou menos o que aconteceu na Fundação Espigas, né,
as publicações, a linha editorial sempre vai caminhar pra esse hall de
interesses, né. Então, o papel das galerias, os grandes colecionadores,
que lá eles vão um pouco além daqui, né, tem arquivo das galerias, dos
colecionadores... mas tudo gira em torno disso.

LL: Se você conseguisse subdividir esse hall de interesses


em temas menores seria fundamental pra definir linhas editoriais?
Porque por exemplo a FCRB tem vários arquivos, mas eu acho
que eles não conseguem fazer uma subdivisão específica dos temas
relacionados aos arquivos, por exemplo, misturar os inventários com
correspondência publicada em co-edição com editora comercial...

GM: Eu acho que é fundamental reconhecer primeiro a


diferença dos instrumentos que você tá publicando e dos trabalhos
que são pesquisas com recorte de conteúdo e de assunto específico
oriundo daquele arquivo. Às vezes, até, publicar as cartas, dependendo
da forma como você publica, tem menos a ver com a ferramenta de
acesso e mais com uma coisa de extroversão de conteúdo, de pensar
a relação. Os recortes são muito pontuais, né, você pode pegar a
troca de correspondência do arquivo do Rui Barbosa com o Barão do
Rio Branco, e é uma coisa específica, é uma coisa pontual dentro do
arquivo, é uma das relações que lê mantinha e a partir disso você faz
uma coligação que de certa forma tá ligada a documentação do próprio
arquivo. (pausa) Mas eu não sei, acho que é difícil mesmo estabelecer
Apêndices • 105

recortes muito específicos porque quando você parte do conteúdo eles


são muito variados, é uma infinidade de possibilidades. Por mais que
você tenha um grande tema, na Casa de Rui você pode falar da literatura
e a história do Brasil num período, mas isso são coisas enormes, né, aí
você pode achar tudo, fazer uma tese sobre Rui Barbosa e a questão do
gênero, Rui Barbosa e a política externa, Rui Barbosa e a literatura, a
questão da genealogia, tem milhões de abordagens, né. Mas geralmente
gira em torno da figura do titular, no caso do Rui Barbosa, porque o
grande trunfo do arquivo é esse...

LL: Isso eu achei bacana porque eles separaram tudo


relacionado ao Rui Barbosa, dentro das publicações da FCRB,
então o primeiro grande bloco diz respeito ao titular.

GM: Isso é interessante. É uma coisa engraçada pensar nisso,


porque na verdade, o assunto é o titular, diferente do que tá presente
no arquivo, que são as atividades do titular que tão representadas ali
por meio de documentos. O titular como assunto também é uma coisa
de possibilidades enormes, né, em termos de recortes de conteúdo,
de temas, mas acho que é interessante, porque é a aproximação mais
óbvia, né, gira em torno do titular. Aqui na Pinacoteca você tem livros
produzidos sobre a instituição, sobre a coleção, aí é mais próximo do
fato do tipo de informação que você vai encontrar no arquivo, que
vai tá disponível, focado na trajetória da instituição, do que recortes
mais amplos que podem envolver a Pinacoteca de forma superficial,
subjetiva. A gente tem muita pesquisa aqui que fala, por exemplo, dos
espaços expositivos do começo do século XX, então a Pinacoteca entra
como uma das referências, né, um dos espaços. Mas também não deixa
de ser um eixo temático interessante que também vai tá presente no
conjunto em termos de conteúdo. Mas eu acho que você tem razão,
é complicada essa separação, talvez ela seja até perigosa no sentido de
enquadrar muito as coisas.

LL: Acho que a única coisa que daria pra fazer é separar essa
questão das publicações técnicas, dos instrumentos de pesquisa,
das temáticas, né. Você concorda com essa separação?

GM: Eu concordo, eu não sou um grande entendedor da área


editorial, mas eu imagino que a abordagem vai variar de acordo com a
tipologia, com o tipo do material, o conteúdo do material que você vai
publicar, a função que ele vai ter, então no caso, uma tese de doutorado
é bastante diversa de um inventário.

LL: Outra coisa que eu queria perguntar pra você é o


Apêndices • 106

que você acha dessa coisa das correspondências e dos diários, se


transformarem em um fetiche por conta das edições fac-similares.
Se você concorda que isso deve ser feito em co-edições com editoras
comerciais que possam financiar esse tipo de trabalho e distribuir
adequadamente, porque é uma coisa que as pessoas têm interesse
de compra, né.

GM: Eu acho isso interessante. Se não envolver nenhum tipo de


interferência na qualidade ou na hora de você transcrever essas coisas,
se for sempre com um alto grau de fidelidade, eu não vejo nenhum
problema, aliás, tem que ser buscado, né. Quanto mais alcance tiver,
melhor. Se é uma editora que tem condições de distribuir no Brasil
inteiro contra uma editora minúscula que distribui só em São Paulo, só
no Rio, por que não apostar, né. É lógico que tem que ser interessante
pra instituição, contratualmente, e nas outras coisas que isso envolve.

LL: As questões de direito...

GM: É, de direito também. Porque de preferência parte dos


direitos, é lógico que os direitos de propriedade intelectual são do
autor, os direitos de propriedade do titular acabam se estendendo pros
familiares, pros descendentes, alguns nem tem mais porque já venceu,
mas acho que os créditos, parte dos direitos tem que ser da instituição
de guarda, né, alguma coisa tem que trazer de retorno pra instituição.

LL: Mais que visibilidade, né.

GM: Não só visibilidade. Acho que a visibilidade é importante


porque traz tudo, né, traz facilidade na hora de captar recursos, a
visibilidade é muito importante. Mas tem que ficar muito claro que
aquilo só foi possível devido a essa atividade de preservar esses materiais
únicos, né, que são arquivos pessoais, esses conjuntos... uma das maiores
qualidades do arquivo é que ele é único, né. Muitas vezes tem até alguns
documentos do arquivo que podem existir em outros lugares, mas a
relação que eles mantém entre si é única, então isso também torna,
mesmo os documentos que podem estar em outros lugares, únicos,
dependendo desse contexto, né. Mesmo assim, a grande maioria só
existe lá, como os diários e as cartas que só vai ter no arquivo, pode até
ter alguma cópia em outro lugar, mas o original só vai tá num lugar.
Então eu acho que isso tem que ser aproveitado de certa forma pra
reconhecer esse papel, que nem sempre é bem entendido pela sociedade,
né. Você investir em eventos é muito fácil pra conseguir recursos. Pra
fazer uma publicação, é muito fácil pra você conseguir recurso, primeiro
porque ela pode ter um retorno financeiro, você pode vender aquilo e
Apêndices • 107

aquilo pode ser um sucesso, pode trazer um retorno pra editora e pode
interessar a editora só por isso, além do valor histórico que isso possa
ter. Agora a preservação desse tipo de material que é muito custosa,
envolve uma metodologia muito específica, equipamentos caros, um
corpo técnico muito bem treinado, por conseqüência bastante caro, é
mais difícil de você convencer o financiador, porque é uma coisa sempre
a médio, longo prazo. Você captar 200 mil reais pra uma exposição, pra
uma publicação, é uma coisa, você captar 200 mil por ano pra fazer
a manutenção de um grande arquivo, de um grande acervo, é outra
coisa. Então acho que essas coisas têm sempre que caminhar juntas, pra
essa extroversão editorial, em forma de publicação, facilitar a captação
de recursos pra manutenção permanente do arquivo. É por isso que
invariavelmente esses arquivos acabam caindo na mão do Estado,
porque na iniciativa privada quando você tem uma pessoa que quer
manter a instituição ela perdura, mas quando essa pessoa não tiver mais
interesse ou não tiver mais lá, quem que vai garantir os 100 mil reais
por ano pra fazer aquela coisa se manter em pé. Aí acaba indo tudo pro
Estado. A gente tem inúmeros casos de fundações que falem e o acervo
vai pro Estado e o Estado também não quer mais isso, porque vira
uma coisa muito onerosa também. Eu acho que é um problema muito
constante e o recorte editorial, como a publicação é feita a partir do
arquivo, isso pode ajudar muito nessa situação de trazer visibilidade.
De certa forma... aí acho que é um trabalho específico, como você
exterioriza essa realidade. Você pode publicar inúmeras coisas sobre
o arquivo do titular, falar das cartas... e não falar nada a respeito do
arquivo. Então eu acho que essa realidade tem que tá sempre presente,
porque a sociedade tem que tá ciente que esse trabalho é muito custoso
e muito importante, (...) então quanto mais essas publicações puderem
enfatizar isso daí, trazer atenção pra essa questão, melhor.

LL: E tem um outro lado, né, um limite para não ficar uma
coisa panfletária. Acho que é um cuidado que tem que ser tomado
para que não fique uma coisa para a visibilidade. É que nem você
falou, eu acho que tem que ser um serviço e daí o serviço é que
traz a visibilidade. Você faz um aglomerado temático que fomente a
pesquisa e daí isso vai ser relevante.

GM: É, esse vínculo com a universidade é uma outra coisa muito


interessante pra esse veio editorial. Porque se você tem um grupo de
pesquisa da Fapesp, da Faperj associado à instituição, pesquisa naquele
tema baseado nos conjuntos documentais preservados de cunho
arquivístico, é super interessante, isso também gera conhecimento,
recursos... Na verdade quanto mais você utilizar o arquivo, seja pelas
informações, por sua capacidade de prova, melhor, mais atenção você
Apêndices • 108

presta pra ele e mais reconhecimento do seu valor. Eu imagino que


tem outras formas de extroverter isso, mas a publicação é a forma
mais duradoura e mais... (pausa) quando fala em termos de valor é
complicado, mas por exemplo, eu valorizo mais uma publicação, uma
pesquisa bem feita, do que um evento passageiro. É lógico que você
tem exposições que são muito bem feitas, né. Mas a exposição ela tá
circunscrita num... tá, ela pode ser muito bem documentada, pode
ter um catálogo e aí sim é muito interessante, mas ela tá circunscrita a
um evento. E como o foco da gente que trabalha com acervo é sempre
essa coisa da permanência, das informações, dos documentos, então
a publicação ela cumpre mais esse papel de ter um valor permanente
mais intrínseco nesse sentido. Ela não é uma coisa que começa e acaba
como uma exposição, ela perdura.

LL: Lá na Casa de Rui, o setor de editoração cuida tanto


das publicações quanto das exposições, dos eventos, do material
promocional. Queria te perguntar se tem vantagem pra uma
instituição de grande porte manter um setor desse feitio?

GM: Eu acho fundamental. Acho até uma pena que isso não seja
entendido como uma necessidade. Geralmente a política editorial é
uma coisa improvisada nas instituições. Na própria Pinacoteca. Aqui se
produz 40 exposições por ano, dessas 40 se produz o catálogo de umas
20, tirando as outras publicações que não tem a ver com exposição.
Tem uma produção grande, mas a gente não tem um setor que pense
isso devidamente. Seria ótimo pra Pinacoteca, porque as coisas acabam
saindo, primeiro que você não tem um padrão, né. E tem coisas
específicas no fazer editorial. A produção de uma publicação ela pode
ser muito complexa, ainda mais quando tá ligada a um evento. E eu
acho que a gente perde não tendo isso, essa especialidade. A tendência
é sempre tercerizar hoje, mas eu não sei até que ponto. As instituições
tem foco e víeis muito específicos, né. Então você pega uma grande
produtora de publicação e ele atende você como ele atende o banco...
e talvez, talvez não, eu tenho quase certeza que o tipo de publicação
que se produz num museu público com acervo representativo de tal
período, ela vai caminhar pruma especificidade em termos de forma
também, não só do texto, mas visualmente, plasticamente... então acho
que é muito interessante ter isso.

LL: Você conhece os livros da Casa de Rui?

GM: Eu conheço algum, eu não lembro o título agora, mas eu


tenho algumas coisas em casa, eu tenho mais as ferramentas...
Apêndices • 109

LL: E nessa questão da forma você poderia apontar alguma


coisa que você ache interessante?

GM: Visualmente assim eu não lembro...

LL: Porque essa é uma dificuldade. Eu tenho visto assim o


IEB, o CEDIC daqui de São Paulo e até os do Rio de modo geral.
Toda vez que é vinculado a uma instituição de arquivo eu vejo que
tem um tratamento muito bom no conteúdo, assim tudo tá sempre
muito bem organizado, muito bem apresentado, mas a questão da
forma às vezes é muito deficiente até nas coisas básicas da impressão.

GM: O que prejudica muito a própria circulação desse material.

LL: Pois é. Porque as pessoas têm preconceito, o livro é feio,


não é agradável...

GM: Então, mas eu acho que aí tem a ver com aquilo que a
gente tava discutindo antes, que arquivos importantes, grandes centros
de pesquisa, não têm esse setor que pensa essas coisas, então as coisas
não têm padrão nenhum. Então você consegue publicar o catálogo do
arquivo da Pinacoteca, conseguiu uma grana da... não é uma política
institucional, depende de um projeto, aí sai uma grana da Fapesp, aí
eu faço isso com um profissional, com essa equipe que tá aqui e tal. Aí
depois, pra fazer uma outra publicação, é um outro projeto, é difícil
você ter uma política editorial entrelaçando essas coisas. Por isso que
as coisas são tão fora de padrão, editorialmente não tem consistência,
porque são coisas que não deveriam ser tão pontuais, mas acabam
sendo, então não tão interelacionadas como essa coisa de uma série de
publicações da instituição. Porque se tivesse um padrão, uma marca,
se você reconhecesse aquela publicação, por exemplo, essa aqui é uma
publicação do Arquivo Nacional. Se você for ver o que o Arquivo
Nacional produz ele produz bastante coisa, mas o material publicado,
é complicado, é tudo super simples, umas cartilhas, às vezes não tem
padrão, as vezes se repete, uma coisa que se você precisa fazer uma re-
edição você repete com aquele formato, com aquele padrão da década
de 1970, 1980, fica uma coisa até anacrônica visualmente que não tem
tanto atrativo pro público leitor, pro usuário. Fica complicado isso,
mas tem a ver com a coisa do recurso, também. Eu digo até que é a
coisa do segredo Tostines. Você não sabe da onde vem o problema. Se o
problema existe porque não existe essa perspectiva editorial e você não
produz uma identidade editorial pra instituição ou se é culpa da pré-
produção. Uma coisa tá ligada à outra.
Apêndices • 110

LL: E você não consegue sair disso, né?

GM: É, vira um ciclo vicioso. Mas a gente sempre acaba caindo


na questão do recurso. Alguém tem que investir nisso. Criar um setor
editorial envolve recursos, né. Se bem que eu diria hoje, pras grandes
instituições, porque as pequenas e médias têm outras dificuldades, que
é mais uma questão de prioridade de investimento de recursos do que
de falta de recursos. Então aí a gente tem uma questão complicada, não
é que você não tem recurso, é que isso não é prioridade pra instituição.

LL: As vezes o Circo de Soleil é mais relevante...(risos)

GM: É, as vezes o Circo de Soleil é mais relevante, as vezes


uma mega exposição... é porque a forma de financiamento dos grandes
eventos e dos projetos dos arquivos, dos museus, também é complicada.
Porque quando ela passa pela lei Rouanet, por exemplo, ela vai envolver
a visualidade que o patrocinador quer ter no evento ou no projeto. E é
incomparável, né, o tipo de inserção que o cara vai ter dando patrocínio
pra uma exposição como Andy Warhol aqui na Pinacoteca ou que ele
vai patrocinar uma troca de acondicionamento do acervo de parte do
arquivo da Pinacoteca, entendeu? Que interesse que isso tem? Como
é que você vai divulgar a marca do cara em relação a isso? São outras
coisas... então você fica muito preso à coisa do evento. A publicação é
interessante porque ela também tem essa alta capacidade de associar
a marca do patrocinador, coisa que essas outras atividades do arquivo
não tem. Acho que até por isso que deve ser uma coisa muito pensada
proximamente, porque ela traz isso pro arquivo também.

LL: Acho que seria a melhor forma de gerar produto. Porque


o maior entendimento das pessoas pra poder investir é que tenha
alguma coisa palpável.

GM: É, você tem razão. Tudo bem, é um arquivo importante e


você tá guardando ele há sessenta, setenta anos, mas o que foi produzido
a partir desse arquivo?

LL: É, as pessoas precisam de números...

GM: Tem essa coisa pragmática de dar um retorno. Aqui a gente


atende vários pesquisadores, nem todos geram publicação, mas quando
gera, em termos de visibilidade, é muito mais interessante. (pausa).
Aqui essa coisa também é um cuidado, né, como publicar quando não
são iniciativas da instituição. As vezes vem um pesquisador de fora
que elege alguns documentos e quer publicar num livro que ele fez
Apêndices • 111

sobre um recorte temático específico. Essas regras, esse padrão também


é importante e talvez o olhar do editor contribua pra isso. Agora todos
os documentos que forem publicados em qualquer livro que seja tem
que ter o padrão tal. Então se o cara quiser publicar uma carta do
arquivo ele tem que seguir as normativas que eu fiz junto com o setor
de editoração. Tem que ter um tamanho mínimo, não pode ser usado
como tumbneail que desvaloriza o documento, tem que ser usado com
a referência correta, a questão dos créditos, da cor, do tipo de papel,
se vai usar pra fotografia, são coisas bem específicas, mas que tem um
retorno se você faz muito bem feito isso. Acho que seria até outro papel
pra existência de um setor com essa especialidade.

LL: Agora num roteiro mais específico, eu queria que você


falasse um pouco de você, da sua trajetória, como foi sua formação
e como você começou a trabalhar com arquivo e a questão do
CEDOC na sua vida. O que você tem no CEDOC, o que você queria
fazer com o CEDOC.

GM: Então, eu comecei em 1999, como estagiário do arquivo


do IGC, do Instituto Geográfico Cartográfico, que fica dentro da USP,
mas é ligado à Secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo.
Então eu comecei trabalhando nesse arquivo, foi quando eu tive acesso
às primeiras leituras sobre o tema, eu nem sabia que existia uma coisa
chamada arquivística. Então foi meu primeiro contato com a coisa,
eu tava no primeiro ano de História, então foi muito interessante, eu
desconhecia completamente, então foi o primeiro contato mesmo. E
lá pude mexer com um acervo muito interessante porque o IGC tinha
parte dos arquivos da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo,
que fez o levantamento dos rios no século XIX, então tinha agendas
dos engenheiros, Teodoro Sampaio, os relatórios de estudo de campo,
uma documentação muito bacana. E eu pude me aproximar dessa
outra vertente do trabalho do historiador que é lidar diretamente com
os documentos. Acho que não é muito interessante misturar as duas
coisas porque são coisas muito diferentes o uso que o historiador faz
do documento com a gestão de acervos que contém esses documentos.
Apesar de eu ser historiador, a gente tem que fazer um esforço muito
grande pra manter essa separação porque são perspectivas muito
diversas. Bom, depois de lá, eu fiquei dois anos lá, depois fui fazer
outras coisas, fui trabalhar com pesquisa mais na área de história, pra
conteúdo de livro, essas coisas, e aí acabei voltando pra questão do
arquivo só em 2004, quando eu fui trabalhar com o arquivo pessoal de
um empresário do interior de São Paulo, de uma usina de açúcar, aí foi
o primeiro contato com a questão dos arquivos pessoais. E aí que eu
comecei de fato a estudar a coisa, fiz vários cursos e tal, aí eu acho que
Apêndices • 112

o interesse, eu fui fisgado de forma mais forte, né, no começo foi uma
apresentação, digamos assim, eu fui apresentado ao arquivo, fiz umas
leituras, mas a entrada mesmo no mundo profissional foi com esse
trabalho de 2004 que perdurou até 2008. E aí, logo na seqüência, em
2005, eu já vim trabalhar na Pinacoteca, no final de 2005, na organização
do Centro de Documentação e Memória que, na verdade, surgiu a
partir da organização do arquivo histórico do museu, não era o acervo
do Centro de Documentação e Memória, era o arquivo permanente da
Pinacoteca. Mas como tem essa questão que é até uma coisa interessante
de se falar, que a própria professora Ana Maria ressalta com muito
importância, é que o arquivo não tem sex appeal. Trabalhar em museu
é chique, né, tem obra de arte e tal, até a biblioteca tem mais atrativo
nesse sentido do que o arquivo, né. Então tem até uma tendência pra
você não chamar o arquivo de arquivo, porque o arquivo é um termo
pejorativo, aquela coisa velha que ninguém usa, o arquivo morto, então
você tá começando algo novo que você quer que tenha importância
então pra que você vai chamar de arquivo? Então aqui virou o Centro
de Documentação e Memória. Hoje de fato a gente se aproxima de ser
um Centro de Documentação mesmo porque tem outros conjuntos
arquivísticos e não-arquivísticos girando em torno de um tema que é o
tema das artes visuais em São Paulo, então de fato a gente é um Centro
de Documentação hoje, mas antes de fato era só o arquivo do museu. E
aí participei do meu primeiro congresso, apresentei trabalho em 2004,
mas aí eu ainda não tava aqui, tava no Memorial Resende Barbosa que
é esse Centro de Documentação que a gente organizou pra guardar
o arquivo do fundador da empresa. Aí eu acabei entrando na área,
fui me interessando por essas coisas. Entrei aqui em 2005 pra cuidar
da alimentação do banco de dados, pra participar da alimentação,
tinha um outro consultor que desenhou a ferramenta, estipulou os
procedimentos e ia ter alguém pra participar da alimentação, aí acho
que surgiu interesse por essa coisa da ferramenta informatizada que
depois acabou me levando pro tema do... tanto do trabalho de final de
curso da especialização do IEB que eu fiz em 2007, quanto do mestrado
que eu defendi agora esse ano. Sempre passando pela coisa do banco de
dados, da ferramenta informatizada como a solução pra gestão desses
grandes conjuntos de documentos arquivísticos.

LL: Sobre essa questão do banco de dados, que é o seu tema


de mestrado, eu queria que você apontasse a importância do banco
de dados tanto pra essa coisa da preservação quanto da gestão do
acervo.

GM: A questão da gestão é muito complexa no arquivo. Eu


inclusive participei de algumas discussões... Então o que acontece no
Apêndices • 113

arquivo? Como ele tem isso que a gente chama de ciclo vital, então ele
tem uma parte que tá ligada à função administrativa que foi o que gerou
o documento, então não tem nada a ver com cultura, nada a ver com
história... então esse documento existe pra representar uma atividade,
pra provar alguma coisa, tem um papel, uma função administrativa
dentro da instituição que o gerou. Então ele vai ter essa coisa do valor
histórico atribuído, mas isso vai ser depois, quando ele perder esse uso
administrativo. Então o que acontece, tem vários países do mundo,
tem várias escolas que separam, até são profissionais diferentes que
lidam com essas duas questões. Nos Estados Unidos, é assim: você tem
os records que são os documentos que a gente chama de correntes, de
intermediários aqui, que são ligados à coisa administrativa que tem um
profissional formado pra cuidar disso e você tem os archives que são os
arquivos que é o que a gente tem aqui como arquivo permanente. Então
essas duas fases tão divididas até... é lógico que elas tem procedimentos
diferentes, mas nesse caso, nos Estados Unidos, é até comum você ter
profissionais absolutamente diferentes tratando dessas duas etapas do
ciclo de vida do arquivo. Então, eu tendo a entender a coisa como ela
mais integrada, então eu acho que não dá pra você abrir mão do que
acontece na fase administrativa pra entender o arquivo histórico e até
pra definir, né, aliás até a ferramenta de avaliação dos arquivos que
define os trânsitos de um arquivo pro outro, de uma fase pra outra,
ela tem que ser feita com essa visão de perspectiva geral. É difícil você
separar de forma estanque, não aqui eu só cuido do corrente, mas se
você não tem uma ideia do que ele vai ser, pra onde você vai depois,
então você tem uma coisa muito complicada, principalmente a coisa
da conservação envolvida. Então tem uma resistência muito grande
em relação a isso de se enxergar essas coisas separadas. Então o termo
gestão, por exemplo, que eu uso muito no mestrado, não é recorrente
pra todas as pessoas que tratam do assunto, mas que lidam com o
arquivo histórico permanente, aliás tem vários dicionários que tratam
do termo gestão e só utilizam ele para o arquivo corrente, então você
só faz gestão no arquivo corrente. E a gestão não envolve preservação,
justamente ela tá ligada à essa primeira fase, então tem muita gente
que caminha por aí, eu não concordo com essa visão, pra mim a gente
tem que falar de gestão do processo como um todo, que pensa tudo,
desde o protocolo da formatação dos documentos até sua guarda final
de cunho permanente. Então, lógico que é uma coisa complicada,
aqui a nossa própria experiência de Centro de Documentação também
partiu de um arquivo que era permanente então supostamente já devia
ter sido avaliado e sofrido os descartes dos documentos que não eram
de guarda permanente, mas não é bem assim, você pega os conjuntos
que na verdade nunca foram tratados, quase nunca alguém fez uma
tabela de temporalidade, obedeceu a uma lógica para descarte ou para
Apêndices • 114

classificação desses documentos... então hoje por exemplo a gente tem


uma coisa que eu defendo muito no procedimento de organização dos
arquivos é que é quando você for pensar na questão da informatização,
você tem que ver de que lugar que você tá falando quando você propõe
isso, uma coisa é você falar do Arquivo Nacional, outra coisa é você
falar da Pinacoteca ou de uma instituição menor, com uma outra
realidade jurídica, administrativa, com um outro alcance em termos
de atividade... então a tendência nas instituições menores é você não
ter essa coisa separada: eu tenho o arquivo corrente, o intermediário e
depois eu vou ter o arquivo histórico. Pra que vai gastar três espaços e
três equipes de funcionários diferentes? A tendência é que essa coisa se
aglutine, então aqui hoje o CEDOC é responsável pela gestão integral
dos documentos da Pinacoteca, a aplicação da tabela de temporalidade
da Secretaria de Cultura, o plano de aplicação, tudo quem faz é a gente
aqui, apesar de ser só um arquivo histórico. E o que acontece também é
que quando você tem ferramentas, tá tudo informatizado e a recuperação
é muito rápida, as pessoas começam a mandar os documentos antes
do prazo pra cá, então essa própria distinção dos ciclos vai sendo um
pouco esfacelada, né? Então, o cara tem um contrato super importante
lá, invés de deixar na gaveta dele, ele manda pra cá que é um lugar
onde todo mundo vai ter acesso, não só ele, mas o diretor se quiser
ver o contrato tem aqui. Então antes de vencer o contrato, dele deixar
de ter um valor de prova pra atividade que o gerou, as vezes ele já tá
aqui. A coisa fica mais embolada, no sentido de tratar de forma integral
o arquivo, sem essas coisas estanques. Eu acho que o banco de dados
é a única solução pra isso. Nosso banco de dados surgiu como um
banco de referência de documentos, dos documentos históricos que
tavam aqui, hoje, nessa última base, já estamos inserindo ferramentas
de gestão de temporalidade, então tem que saber se ele tá aqui quando
é corrente, quando é intermediário, quando deixa de ser, quando ele
pode ir pra consulta pública, se ele é restrito, se não é... a atividade
de gestão tem que ser integrada e a ferramenta pra isso é o banco de
dados. Foi essa a visão que propus no meu mestrado, mas nem todo
mundo entende dessa forma, inclusive grandes especialistas da área,
alguns que eu me baseio, tem outra visão da ferramenta do que é o
banco de dados. Pra mim, a gente tá começando a vislumbrar o que isso
pode ser, a importância deste tipo de ferramenta. Uma questão que eu
coloco lá e que pra mim não tem resposta ainda, mas de certa forma eu
questiono o que foi apontado por um dos grandes projetos que pensa a
questão da preservação do arquivo digital, documento contemporâneo,
que é o projeto Enterpares, que um projeto internacional, mas sediado
na Universidade de Columbia no Canadá, e que eles entenderam
quando fizeram uma primeira avaliação em 1998, 1999, que o banco
de dados pode ser encarado como um documento de arquivo, ou
Apêndices • 115

como o próprio arquivo em si, porque tem essa questão da preservação


envolvida com como você faz o recorte, o que é histórico dentro de
um banco de dados, como é que você recorta pra tirar a informação,
porque essa coisa da separação do documento histórico, do documento
administrativo, é uma coisa que sempre foi um marco muito
importante na arquivística, tem que ser uma coisa bem delimitada,
ficar em locais separados, os procedimentos são separados. Mas hoje,
você pode cada vez mais aproximar isso, a ferramenta permite que você
tenha vários procedimentos, alguns até contraditórios, você consegue
até compor isso na ferramenta, você não é obrigado a optar por um
ou por outro procedimento, você pode ter todos inseridos, então você
faz uma coisa bem desenhada, bem integrada, isso é possível. Uma das
coisas que eu coloco lá é que algumas empresas privadas de grande
porte já tem nos seus sistemas informatizados que são três bancos de
dados, onde o documento é produzido, tramitado e arquivado dentro
do próprio sistema, aí eu faço uma comparação que esse sistema é o
próprio arquivo. Porque guardar separadamente, extrair o documento
deste sistema não é um grande negócio, porque vai sair do contexto e
as vezes tem códigos, regras de tramitação intricado ao sistema, então
você tem que criar uma ferramenta muito complexa pra fazer isso e
manter nesse sistema toda essa relação de informações... então foi isso
que eu apontei, pra mim o banco de dados tem uma outra qualidade
nesse sentido. Eu acho que ele pode ser, é a tendência de que ele vá
virar o próprio arquivo da instituição. Tudo vai ser feito via sistema
informatizado, então você não vai conseguir nem separar as coisas do
sistema e o seu sistema vai ter que dar conta disso.

LL: Acho que as pessoas ficam muito inseguras diante da


tecnologia.

GM: É, eu também fico, né, porque papel... a gente viveu isso


recentemente aqui com as fotografias. A gente sofreu uma certa pressão
pra passar todos os registros fotográficos do museu, exposição, abertura
de exposição, eventos, serem todos digitais. Eu tenho resistido à isso
porque, parece até um contra-senso, mas pra questão da preservação
a gente não tem muitas respostas ainda (...) porque a preservação de
documentos digitais envolve um monte de coisas, não é só você salvar
o documento. Tem formato de arquivo, extensão, programa que usa
pra ler, o drive, a mídia, é um negócio muito complexo. (...) Tem coisa
aqui que eu não leio mais. Eu recebi um disquete zip, eu não tenho
nem drive pra isso, uma coisa que não tem nem dez anos. Então o
que vai ser isso daí? Não sei. Por isso é que tem essa resistência muito
grande. O papel é uma coisa auto referente, você consegue identificar
o que ele diz, qual que é o formato. O arquivo digital você precisa do
Apêndices • 116

computador, você precisa conseguir ler o programa. O papel não, você


largou no canto ali, daqui dez anos, se nenhum bicho comeu, se não
choveu, você consegue ler o que tá escrito nele, assim como a foto, o
negativo. O digital não, tem uma série de ações que intermedeiam esse
acesso a ele, então é complicado mesmo. Eu entendo essa resistência e
também tenho muita resistência em relação a isso, mas é um troço muito
complexo. (...) Mas essa coisa do digital, uma hora a coisa vem e você
não tem como resistir.

LL: Uma digressão sobre isso. Tem um texto do Arlindo


Machado, que chama “Fim do livro?” em que ele compara a
navegação do banco de dados com o livro digital. Queria te
perguntar como você vê essa questão do livro digital vinculado ao
livro acadêmico e o que poderia ser feito a partir do acervo, você
acha que teria uma relação entre um banco de dados...

GM: Eu acho que tem muita gente que quer chamar atenção
com essa coisa do fim da história, do fim do livro, mas a coisa é
muito mais complexa, tanto é que se provou que a indústria editorial
até cresceu em termos de produção nos últimos dez anos. Pro livro,
tem muitas questões envolvidas. É muito simplista você achar que é
só uma questão de produção e circulação. Tem o fetiche pelo livro...
quem compra livro não vai deixar de comprar pra baixar o negócio.
Eu coleciono livro, pra mim não faz nenhum sentido substituir o livro
papel pelo digital. Eu posso até ser um cara retrógrado, mas eu não sei
se é isso, as livrarias tão aí pra provar isso. A Livraria Cultura há dez
anos atrás tinha uma loja, hoje tem oito. O Brasil, você pode falar o
que quiser, é um país subdesenvolvido, mas cresceu o consumo, é o
negócio do fetiche, o mercado do livro, mas é o livro, né. Eu acho que
a coisa da publicação digital tem que ser pensada criticamente. Se você
me falar para publicar em papel uma ferramenta de acesso ao arquivo,
talvez eu ache que o formato digital seja melhor, pela facilidade de
circulação e pela facilidade de você dinamizar ele, se você conseguiu
completar a discrição de uma série, você atualiza. Quando você vai
ter dinheiro pra fazer outra publicação? Nesse sentido, a publicação
em papel é limitada, e o digital traz essa outra possibilidade. Agora,
pras coisas acabadas, no caso de uma tese, eu acho que a publicação
em papel ainda é a melhor forma inclusive de garantir a permanência
desse troço, então não é só uma questão de dar acesso à informação, é
de fazer com que ela perdure. (...)
(Conversa sobre publicação universitária digital e auto-
publicação, não transcrita pois não se trata do foco desta entrevista).

LL: Voltando para a questão do arquivo: a gestão também


Apêndices • 117

é uma maneira de se posicionar politicamente. Por exemplo, a


questão da aquisição de novos acervos, como você entende isso, que
critérios que você utiliza e como você se posiciona diante disso em
relação à instituição?

GM: Essa coisa da definição do papel do gestor varia muito de


instituição pra instituição. Aqui na Pinacoteca, o meu papel é mais de
avaliar [um fundo de arquivo] e fornecer um parecer pro conselho da
Pinacoteca e pra direção, pra eles tomarem uma decisão se isso vai ser
incorporado ou não. Então, da parte técnica, cuido eu. Eu vejo se tem a
gente tem condições técnicas, se está em condição de conservação, posso
até fazer uma pesquisa pra ver se ele tem uma importância histórica
dentro do tema que a gente escolheu como central aqui no Centro
de Documentação, mas a decisão mesmo não passa pelo CEDOC, na
hora de incorporar, passa pela diretoria, pelo conselho da Pinacoteca.
Então, nosso papel nesse sentido aqui é mais fornecer subsídios para
uma tomada de decisão em outra instância. O ideal seria que o gestor
participasse também, tivesse pelo menos um voto na hora de... até que,
no parecer, vão perguntar minha opinião de alguma forma, mas eu acho
que poderia ser oficialmente esse papel do gestor na hora de definir a
entrada dos acervos nos nossos conjuntos deveria ser mais reconhecida.
Eu não sei como funciona em outros lugares, mas eu imagino que a
coisa sempre caminhe para outros níveis que não o do gestor do acervo.

LL: Eu tinha uma pergunta sobre a função do arquivista.


Mas agora que você falou sobre o gestor, acho que é importante
comparar gestor e arquivista, se tem diferença, qual a função?

GM: O gestor de um acervo arquivístico, o ideal é que ele


tivesse alguma formação na área. Ideal não, acho fundamental até. O
arquivista em si é um troço complicado porque se a gente tá falando
de profissão, tem aquela coisa no Brasil de que é regulamentada, então,
eu não sou arquivista, eu não tenho carteirinha, eu não tenho diploma,
então eu não posso ser arquivista, mas eu trabalho com isso e tenho
experiência. Então, é um troço complicado aqui no Brasil porque é
uma profissão que em vários países no mundo não é regulamentada
em termos de demandar uma graduação específica pra exercer a mesma
e aqui tem esse caminho que às vezes até complica a própria profissão
aqui. Em São Paulo, a maioria das pessoas que fazem gestão de acervo
são historiadores, não são arquivistas de formação, até porque quase
não tem curso de formação em arquivo no Brasil. Em São Paulo tem
uma graduação em Marília. Então, é muito complicado... eu acho
também, sendo bastante sincero com você, eu acho que o arquivista
perdeu o bonde da história, no sentido de que vários profissionais
Apêndices • 118

foram ocupando essa função, ou partes dessa função, e hoje, nas


grandes empresas, quem que contrata um arquivista? Você tem um
administrador, o você tem o cara técnico do almoxarifado que ao
mesmo tempo cuida do arquivo, a secretária que faz o protocolo, então
é uma coisa que... onde tá o arquivista? Será que só tem lugar pra ele
no Arquivo Nacional? Então, eu acho que é uma profissão que por não
ter se organizado com uma dinâmica suficiente, acabou perdendo um
pouco dessa capacidade de se adaptar ao que... falar mercado é meio
deprimente, mas de fato é isso, né, é o que o mercado manda.

LL: Mas em termos ideais, pra que serve o arquivista?

GM: Em termos ideais, pra trabalhar com esse tipo de conjunto


que tem uma qualidade específica e que demanda procedimentos
específicos pra ser mantido com as mesmas qualidades. A forma de
organizar o arquivo é diferente da biblioteca, do museu, passa mais
pela função do que pelo conteúdo. Então, aplicar essas ferramentas,
o arquivista é que faria esse papel. Mas a questão passa também pelo
aquilo que eu tava falando de experiência, você aprender a metodologia
e conhecer bem um acervo que você quer aplicar um ferramental
adequado pra garantir a preservação e o uso desses documentos, não
necessariamente passa por você ter uma carteirinha de arquivista. Aliás,
diga-se de passagem, quem produz conhecimento na área de arquivo no
Brasil, a maioria não é arquivista, é historiador ou da biblioteconomia.
Então, é uma situação meio estranha, mas eu diria que é isso, pensando
no ofício, mas no ofício que na produção, eu diria que a importância
é essa: saber lidar com esse tipo de material que é muito específico.
Os acervos arquivísticos demandam muitas pesquisas em relação
a outros tipos de acervo, aí que entraria a figura do arquivista, um
profissional que domine essas ferramentas, não necessariamente que
tenha um canudinho, uma carteirinha do sindicato não sei do que.
Isso, de certa forma, acho que é até um retrocesso no Brasil. Pra mim, a
regulamentação às vezes não é a melhor saída nem pros profissionais da
área. É o que aconteceu com a biblioteconomia, o negócio fica estagnado,
se não fosse por isso, talvez a profissão fosse muito diferente do que é
hoje se não passasse por essa coisa meio burocrática, sindicalizante,
não importa se você é bom, importa se você tem carteirinha, isso é
contraproducente, sabe? Lógico que tem outras coisas envolvidas, o
reconhecimento da profissão, regulamentar tudo proporciona melhores
condições de trabalho, mas nesse sentido a biblioteconomia que tem
um conselho organizado, não ganhou muita coisa também. O cara
é mal remunerado, mal reconhecido, muitas vezes só ocupa espaço
porque é obrigatório, é parecido com a questão do arquivo, a questão
do museólogo também passa por aí, todas as três tem essa discussão.
Apêndices • 119

LL: Mas você acha que muda muito ser uma instituição
pública ou privada?

GM: Muda bastante. Se isso aqui fosse uma instituição pública,


ela é pública, no sentido de que a Pinacoteca é do Estado, mas quem
administra é uma organização privada sem fins lucrativos e eu sou
contratado por CLT. Talvez se fosse via concurso, eu não estaria por aqui,
porque eu não sou arquivista, eu não poderia nem prestar o concurso.
Pra ser arquivista tem que ter diploma, eu posso ter mestrado o raio
que o parta, mas eu não sou. Então, nas públicas tem uma tendência
pra ter dificuldade de lidar com essa compartimentalização do mercado
de trabalho profissional. (...) As públicas tem menos condições de lidar
com isso de forma flexível, numa empresa o cara contrata quem ele
quiser.

LL: Sobre essa coisa de procedimento, eu queria que você


falasse um pouco da rotina diária das etapas de organização,
conservação...

GM: Aqui no CEDOC deve ser parecido com qualquer


instituição de guarda de arquivo, a gente basicamente faz o recolhimento,
que pode ter vários tipos de entrada, pode ser feito por doação, por
acumulação natural, os setores da Pinacoteca enviam periodicamente
pra gente os documentos. Aí, chegando, primeiro a gente faz uma
avaliação do estado de conservação, vê se não tem nada que possa
causar um problema ao ser trazido pra mesma sala de guarda do arquivo
permanente, faz uma avaliação, depois a questão da identificação do
material, o cotejamento dele com o plano de classificação e avaliação,
então a gente faz a classificação e avaliação dos documentos, tem a
parte de higienização de preparação do material para ser arquivado
permanentemente, desmetaliza, faz a limpeza, substitui o grampo
por linha de algodão, põe nas pastinhas de material de qualidade
arquivística, depois vem a informatização que normalmente é feita
antes do acondicionamento final, pra facilitar o trabalho. Depois de
classificado e avaliado, você insere as informações no banco de dados,
digitaliza se for o caso, quando tem demanda pra digitalização, depois
ele vai ser acondicionado e vai pro acondicionamento final. É mais
ou menos esse trâmite. Aí tem a outra parte que é o atendimento aos
pesquisadores, recebimento de consultas. Essa é a parte de tratamento
da documentação, depois tem essa parte de atendimento dos
consulentes e dos pesquisadores, tanto internos quanto externos. Entre
outras atividades que envolvem a captação de recursos, fazer projetos
conjuntos de extroversão do acervo, agora a gente tem uma exposição
Apêndices • 120

que a gente vai fazer junto com a curadoria da Pinacoteca, baseada no


uso do arquivo... tem publicações, a gente já fez aqui o livro da história
do museu, que partiu aqui do CEDOC. Tem esses outros projetos,
mas eu diria que 80% do nosso trabalho é em torno do tratamento do
acervo entre receber, processar, guardar e recuperar.

LL: Então as publicações estariam nessa parte de projetos.

GM: Entrariam nos projetos. A organização é fundamental pra


você dar esse outro passo, se não tiver organizado, você não consegue
nem acessar os documentos de forma racional, então como você
vai conseguir transformar aquilo em fonte de pesquisa? Acho que a
organização realmente é um trabalho anterior.

LL: Queria te pedir pra comparar arquivo pessoal de artista


e arquivo de escritor.

GM: Acho que são duas coisas muito similares, tem tipologias
próximas, mas uma coisa que vai fazer diferença é que a grande produção
do titular literato vai ser de caráter textual e no caso do artista não. Aí
temos coisas complicadas, tanto de um lado quanto de outro, no sentido
de confundir o que é documento de arquivo, o que é documento final.
Aqui tem uma tendência muito grande, no arquivo de artista, de você as
vezes ter uma atribuição de sentido, considerar obra de arte aquilo que não
é obra de arte, aquelas coisas do valor, tanto cultural, quanto do mercado, a
obra de arte tem um status diferenciado em relação ao trabalho de arquivo,
então essa diferenciação é complicada aqui no arquivo de artista. (...) Que
é uma coisa que eu acho que acontece menos nos arquivos de literatos,
apesar de ter essa relação do texto original de um grande romance antes da
publicação, ela vai ser considerado obra ou ele vai continuar no arquivo,
acho que ele acaba ficando no arquivo porque não iria pruma biblioteca,
só se fosse uma biblioteca especializada. Acho que essas questões vão variar
de acordo com a atividade do titular e com a forma como ele tá inserido
na sociedade. (...) As formas de extroversão acho que variam também.
Não que você não possa fazer extroversão com o arquivo do literato,
exposição é uma forma muito pungente de extroverter conteúdo, é muito
participativa, dinâmica, agora aqui (no CEDOC) é mais óbvio, então
sempre que houver uma exposição do artista que envolva sua obra, você
pode fazer uso do arquivo, é mais natural que isso aconteça no arquivo de
artista do que no arquivo do literato.

LL: Se você tivesse uma pessoa trabalhando com você que


correspondesse à figura do editor você já teria projetos a partir do
seu acervo?
Apêndices • 121

GM: Eu nunca pensei nisso, porque o arquivo é muito pequeno,


mas eu já pensei na questão da Pinacoteca ter uma figura do editor,
não eu ter um no arquivo aqui junto comigo. Nesse outro caso eu
já pensei, tenho vários projetos, e as coisas teriam outra condução se
tivesse essa figura, porque você acaba assumindo de forma improvisada
esse papel, quando essa figura teria uma função importante. Mas,
essa não é uma demanda só minha, vários profissionais acham que a
Pinacoteca deveria ter essa figura da produção editorial que pensasse as
publicações da Pinacoteca como um todo, num sentido mais amplo de
criar uma identidade visual, uma identidade editorial, que eu acho que
é muito importante. Como a função editorial é recorrente em parte das
principais seções da instituição, é fundamental pensar isso. Acho que
vinte publicações por ano, teria que ter essa figura.
Apêndices • 122

APÊNDICE C

Transcrição da entrevista com Eduardo Coelho, chefe do


Arquivo Museu de Literatura Brasileira (AMLB) da Fundação Casa
de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa,
15/06/2010.

(Livia Lima explica do que se trata sua pesquisa: as


publicações da Casa de Rui Barbosa vinculadas ao AMLB)

Eduardo Coelho: Os inventários analíticos dos Arquivos de


Escritores Brasileiros são publicados pela Casa de Rui Barbosa. A gente
não tem ainda um trabalho de publicação da parte museológica, como
fotografias, porque também aqui tem um sério problema, porque quase
todos os arquivos aqui do Arquivo-Museu ainda não caíram em domínio
público. Então se a gente quiser usar uma carta do Manuel Bandeira,
a gente vai precisar pedir autorização aos familiares. A gente até está
organizando agora um guia de fundos ilustrado pra divulgar o acervo,
porque a gente tem 124 arquivos e quase todo mundo conhece cinco,
seis, então a ideia foi fazer esse guia porque assim a gente consegue
divulgar mais esses outros que ficam meio à margem, mas a gente vai
precisar entrar em contato com os familiares, menos Machado de Assis,
Cruz e Souza que já caíram em domínio público, né.

LL: A questão dos arquivos pessoais tem as pessoas que são


citadas também e que podem processar se quiserem.

EC: Também. Então por exemplo, uma carta de Manuel


Bandeira ao Drummond, a gente vai precisar da autorização dos
herdeiros de Manuel Bandeira e dos herdeiros de Drummond. Então
todo documento vai precisar de uma autorização duplicada, o que
duplica o nosso trabalho consequentemente. Até agora a gente só fez
inventários, no inventário a relação com o editor é uma coisa muito
simples, mas tem com muita freqüência pesquisadores e editores que
vêm aqui pra recolher material pra fazer seus livros. Agora por exemplo
o IMS tem vindo aqui com muita freqüência porque eles têm lá um
setor de editoração. Eles têm arquivos pessoais também, mas eles
têm com a função quase de fazer livros, é quase o arquivo como um
pretexto pra fazer livro. Então eles conseguem estabelecer essa relação
entre o arquivista, o pesquisador e o editor é muito mais estreita.
Apêndices • 123

Porque na verdade o arquivista quando começa a organizar ele já sabe


que possivelmente vai ter um livro sobre aquele arquivo, então ele já
encontra alguma coisa bacana...

LL: Já tem um viés de conteúdo, né?

EC: É. Aqui a gente tem um trabalho mais de atividade meio.


Então você organiza pra que os outros depois façam essa seleção de
conteúdo. Agora eles (IMS) vêm muito aqui, por exemplo nos últimos
seis meses, saiu aquela edição de “Alguma poesia” em fac-símile, quase
tudo, a não ser o livro, foi copiado, reproduzido daqui, as cartas,
manuscritos. E aí eles perguntam coisas pra gente...

LL: E como funciona a questão dos direitos, eles têm que


pagar pelo uso de imagem?

EC: Pra Casa não. Eles pagam pros herdeiros. Primeiro


eles pedem autorização dos herdeiros e precisam vir pra cá já com
autorização. Ou então eles podem reproduzir, mas precisam assinar
um termo de responsabilidade dizendo que aquilo só tem finalidade
acadêmica e caso venham a produzir algo com fins comerciais eles
garantem à Fundação que entram em contato com os familiares. Então
é esse tipo de relação que se estabelece. Aí eles vêm aqui, nesse caso a
gente facilita a consulta (...). Da Companhia das Letras também acaba
tendo uma relação estreita em relação ao acervo de Vinícius de Moraes
porque eles começaram a reeditar, de uns anos pra cá, toda obra. Eles
fizeram uma fortuna crítica reunindo artigos que foram publicados na
época em que o livro foi publicado, então eles terminam vindo aqui
pra ver recortes de jornal e tem um caderno de imagens no início que
também é a partir do nosso acervo.

LL: Essa questão da coleção e dos arquivos. Eu vi que vocês


têm os dois. Como vocês fazem uma distinção do que pertence a
um e a outro?

EC: É. O Arquivo foi criado em 1972, em função de uma sugestão


que o Drummond deu em uma crônica que é “Museu Fantasia” em que
ele diz que pensa há tantos anos em criar um arquivo-museu, que era
um sonho que ele tinha, do escritor brasileiro, mas que a tanto tempo
que ele pensava fantasia. Então ele se questionava se era ou não uma
fantasia. Como os diretores da Fundação na época eram todos amigos
do Drummond, eles entraram em contato com ele e falaram “olha, a
gente pode fazer um arquivo-museu aqui”, aí em pouco menos de um
mês eles criaram, na época só Arquivo-Museu de Literatura, não tinha
Apêndices • 124

ainda de Literatura Brasileira. Aí o Drummond escreve uma crônica


logo em seguida que chama “São Clemente 134”, que é o endereço
daqui, então ele diz que foi criado o arquivo-museu e que todo mundo
que tiver um documento, um manuscrito, datiloscrito, ou um objeto
de um escritor brasileiro, pra mandar pra cá. Então começou a chegar
muita coisa pelo correio ou então as pessoas deixavam aqui. A partir
desse material, entregue pela sugestão original do Drummond, é que se
formaram as coleções, foi, sobretudo, a partir daí. Então você tem, por
exemplo, a coleção João Gumarães Rosa que tem doação da filha, do
Plínio Doyle, do primo, então aquele acervo não se constitui como um
arquivo porque foram várias pessoas acumulando aqueles documentos
e a gente separa como arquivo o acervo que foi acumulado por uma
única pessoa que vem a ser o titular do arquivo. (...)

LL: E tem um certo recorte?

EC: A gente divide em séries. Tem os documentos pessoais,


correspondência pessoal, correspondência de terceiros, produção
intelectual, documentos diversos, iconografia, tem toda essa separação,
que pra gente tem um fato mais complexo que é você ter arquivo e
museu misturados, que são coisas muito distintas. (...)

LL: Mas para os objetos vocês atribuem valor de museu ou


chamam de documento tridimensional?

EC: Não, a gente chama de tridimensional. É... tem também


um outro aspecto quando o objeto acaba ganhando um status de texto.
Não de texto em si, mas ele participa do processo de criação, ou seja,
tem certos objetos que terminam tendo uma aderência histórica. O
Bandeira por exemplo, tem um poema chamado gesso sobre esse gesso
(aponta para estátua) que caiu no chão e quebrou a parte de trás. Então
até que ponto esse gesso não vale também como um documento textual
que revela parte de um processo? É um objeto museológico, mas ele é
mais do que isso por estar em um arquivo museu. (...)

(Digressão sobre o trabalho do IMS, o arquivo de Ana


Cristina César e a publicação de “Alguma Poesia”)

EC: Quase todo mundo que vem ao Arquivo-Museu tem um


estudo na área de ou de teoria da criação, ou da área de filologia, de
crítica textual ou crítica genética e algumas pessoas procuram porque
querem publicar livros, então procuram aquela carta que trata de um
momento específico da criação porque isso também pode ser muito
revelador.
Apêndices • 125

LL: Vou passar pro roteiro de perguntas. A princípio eu


queria que você falasse um pouco de você, da sua trajetória, porque
pelo que eu vi no seu currículo você teve uma formação toda em
literatura e daí depois você teve uma experiência grande como
editor da Língua Geral e daí eu queria que você falasse um pouco
relacionando essas atividades de arquivista e editor.

EC: É engraçado porque a atividade de editor termina sendo


tão importante quanto a de pesquisador. Porque quando você faz um
inventário analítico tem mais de uma pessoa trabalhando naquilo.
Então quando você lê os resumos, eles apresentam características
diferentes. Então eu vejo com muita freqüência em diversas instituições,
você pega um inventário e ele não tem uma unidade. Se usa com uma
certa arbitrariedade comentário, consideração, análise, não há uma
especificação pra cada tipo de conteúdo. Então a primeira coisa que eu
fiz quando eu cheguei aqui foi pegar o inventário e cotejar a descrição
com cada documento, que foi no arquivo do Carlos Castelo Branco,
eu fiz isso um a um e a partir disso fui levantando o que me carecia
problemas na criação do inventário analítico, então comecei a sentar
com a equipe e a gente passou a fazer oficina de descrição, sobretudo
voltada ao resumo (...). A gente tem que interferir o mínimo possível
no documento, por isso a gente tentou criar critérios mais precisos:
quando você usa comentário, quando usa consideração, então a gente
passou a fazer um manual descrevendo todo esse processo. E também
procuramos evitar lugares comuns da arquivologia, por exemplo, no
resumo de cartas é comum você encontrar a frase “envio de notícias”,
mas toda carta é envio de notícias, você não precisa acrescentar isso no
resumo. Ao mesmo tempo em que o resumo tem muitas imprecisões,
ele tem certas precisões que são muito necessárias, então a gente passou
a fazer esse trabalho cotidianamente, que na verdade é um trabalho
de edição. (...) E quando o pessoal da Casa me chamou pra trabalhar
aqui, eles pensaram justamente nesse meu lado de editor que poderia
favorecer o arquivo, eles achavam que eu podia criar alguns modos de
trabalho novos.

LL: E não no Setor de Editoração?

EC: É, mas pensar livros pro Arquivo-Museu também. Tem o


fato também de que em livro você trabalha com produção e geralmente
com produção em larga escala, então pra coordenação de trabalho de
arquivo é um pouco parecido, você tem que seguir cronogramas, você
tem que estabelecer prazos. Então, assim que eu cheguei a gente fez
um cronograma pra terminar tudo o que estava em aberto, foi um
Apêndices • 126

cronograma de 4 anos e três meses. É um procedimento de editor,


porque editor não trabalha sem cronograma, porque marca viagem do
autor, tem evento, tem a FLIP, tem Ouro Preto, tem Porto de Galinhas,
então se você não trabalhar com um cronograma muito ajustado, você
perde essas datas de venda mais intensa, dias das mães, natal...

(Eduardo conta que na verdade começou a trabalhar em um


arquivo, na própria FCRB como bolsista de iniciação científica
sobre o Manuel Bandeira, auxiliando o trabalho do pesquisador
Julio Castanho, cuja especialidade é crítica genética e crítica textual)

Então na verdade eu aprendi a ser editor com o Julio, aqui


dentro. E o trabalho que eu fiz com ele foi estabelecer o texto dos dez
primeiros livros de poemas de Drummond praquela Archive, que é
uma coleção da Unesco, que por fim parou de ser publicada. Então,
o meu papel era vir pro arquivo e procurar os poemas de “Alguma
Poesia” ou “A Rosa do Povo” ou “Sentimento do Mundo” que foram
publicados em periódicos. Então eu pegava jornais de 1920 a 1930 e
começava a procurar a primeira publicação em jornal daqueles poemas.
Então se fazia um levantamento de todas as vezes que aquele poema
tinha sido publicado e depois se fazia um levantamento de todas as
alterações que o poema sofreu, isso quem fazia era o Julio, meu papel
era de pesquisa bibliográfica, mas eu comecei a pesquisar em arquivo.
Aí teve um período que o Julio me chamou pra fazer a pesquisa de
um livro de crônicas do Gonzaga Duque, que foi o primeiro crítico
de artes plásticas no Brasil que começou a freqüentar ateliê, porque
até então os críticos não faziam isso, eles iam até a exposição, viam
e ponto final (...) e tinha uma informação de que ele tinha escrito
crônicas pro jornal O País durante onze anos. Daí eu fui pra biblioteca
pesquisar esse jornal durante onze anos, eu fiquei um ano e pouco
fazendo isso porque era um jornal diário e na verdade ele só publicou
um texto. Mas era um pouco chato, porque você nunca encontrava o
seu objeto de estudo, daí eu ficava lendo o jornal. Era muito freqüente
eles intercalarem uma matéria da outra com notícias de suicídios que
eram muito ficcionalizadas, você percebia que eram histórias que não
podiam ter acontecido de fato numa cidade como o Rio de Janeiro,
aí eu comecei a pensar em fazer a dissertação usando essas notícias de
jornal, por causa do “Poema tirado de notícia de jornal”, do Bandeira,
então termina se cruzando um pouco o trabalho de arquivo com o
trabalho editorial e de crítica da literatura, eu tive uma formação meio
atípica por ter passado por aqui. Então eu aprendi a ser editor aqui,
eu aprendi a editar um livro aqui, depois eu fui professor da UFRJ
por dois anos, daí eu fui editor e depois eu voltei pra cá, então se eu
contabilizar o tempo que eu passei ou trabalhando ou prestando serviço
Apêndices • 127

aqui pra Casa Rui tem 12 anos, eu comecei aos 18 e vim até agora.
Então pra mim foi fundamental essa experiência na Filologia. Isso de
saber qual livro pra reproduzir, qual a reprodução correta, isso de saber
fazer cotejamento, que é uma coisa que quase nenhum editor faz e por
outro lado esse estudo de arquivo, eu ficava vendo muita emenda, e
eu acabei aprendendo a fazer emenda porque eu ficava olhando o que
tinha sido escrito e alterado, daí eu falava isso melhorou mesmo ou
aqui parecia correto e ele consertou pra isso e aí era gramática... Esse
estudo de original me serviu muito pro editor que faz um trabalho
interventivo no texto, um trabalho de preparação... E como a Língua
Geral publicou muitos autores jovens, esse trabalho de intervenção era
fundamental, era tudo autor publicando o primeiro livro, o segundo
livro, com uma série de problemas, então havia esse trabalho de
edição com muitas sugestões de emenda, sempre tentando destacar o
máximo possível o próprio estilo do autor, porque autor jovem tem
muito disso, quando você pega obra deles tem certos problemas que
são problemas justamente porque eles não destacam aquilo que é mais
característico deles. Na verdade ele já tem uma característica, mas ele
deixa de aproveitar essa característica com mais intensidade porque ele
ainda não se percebeu de todo, porque não teve recepção crítica ainda.
Isso faz muita diferença. Porque um autor de cinqüenta anos que já
publicou cinco, seis livros, ele já tem experiência de receber crítica
quase todo ano, já tem dissertação de mestrado, tese de doutorado
sobre ele, o jovem autor só tem o amigo pra fazer comentário, então ele
termina mesmo tendo menos consciência do processo de escritura e das
características fundamentais da obra dele.

LL: A gente falou um pouco das políticas de aquisição...

EC: É. A gente busca, mas a gente não paga. É política da Casa.

(Cita o exemplo do arquivo do escritor Rodrigo de Souza


Leão)

Acho que tem um grande problema o Comodato. Porque a


pessoa deixa o arquivo aqui, daí você restaura, você organiza, você
higieniza e depois a pessoa quer o arquivo de volta. É mais ou menos
como você doar pra União uma lata velha, daí a União substitui todas
as peças, recauchuta o carro inteiro e depois você quer de volta. Aí eu
acho melhor não aceitar por comodato. Porque ou dá ou não dá, essa
coisa de deixar emprestado, isso não existe. A questão é que a obra
ganha valor a longo prazo ou perde valor, e se ela perder valor, ele vai
ter interesse de deixar aqui, mas se ela ganhar valor ele não vai mais ter
interesse, porque as pessoas vendem hoje acervo.
Apêndices • 128

LL: Como obra até...

EC: Como obra. As pessoas fazem leilão dos manuscritos,


cartas, originais, o que antigamente isso não tinha o mínimo valor,
então chegava o Arquivo-Museu e perguntava “a gente pode levar pra
lá e cuidar disso”, e era muito bom. Depois isso foi ganhando valor
comercial, você tem original hoje que se compra por quatro mil reais,
ele vai querer mandar pra cá ou vai querer vender? (...)

LL: Sobre essa questão de ganhar valor, tem uma corrente


que estuda egodocuments, que são as cartas, os diários íntimos.
Eu observei que aqui na Casa de Rui quando vocês fazem edições
fac-similares vocês costumam fazer em parceria com editoras
comerciais. Você acha que vale a pena?

EC: Acho que é o que mais vale a pena porque as instituições


públicas não têm capacidade de distribuição. Então por mais que você
perca a manifestação do valor da instituição, porque você tá dividindo
valor, o valor que você tem agregado a uma obra publicada só pela Casa
Rui e uma obra publicada pela Casa Rui e pela Nova Fronteira, você
tá dividindo valor, o valor da importância da obra. Agora não adianta
você também ter o valor por inteiro se você não distribui o livro. Eu
acho reacionário isso, tem que botar o livro na rua.

LL: Principalmente os que têm interesse comercial...

EC: Tem interesse comercial, sobretudo voltado à academia.


Quem quer comprar isso é o cara que estuda na universidade de
Fortaleza, de Salvador, de São Paulo, no Rio Grande do Sul, de Porto
Alegre... Então não adianta você ter mil exemplares só da Casa Rui
dentro de um galpão sem força de distribuição. É melhor você dividir
mil pra Casa Rui e mil pra editora e a editora põe o livro na rua. (...) Eu
acho que a co-edição é uma beleza pra editora porque na verdade ela já
recebe o livro produzido, até diagramado, a Casa quando faz co-edição
ela faz todo o trabalho e entrega o livro pronto praticamente. A editora
faz mais uma revisão, faz a capa, comercializa, assessoria de imprensa,
marketing... agora o trabalho pesado de edição quem faz é a Casa.

LL: O que eu observei é que as publicações feitas a partir de


um arquivo se dividem em dois blocos: publicações técnicas (guia
de acervo, inventário, banco de dados) e as publicações temáticas
que seriam essas de correspondência, pesquisa sobre o acervo, etc.
Você concorda com essa divisão?
Apêndices • 129

EC: É. Bem, são coisas de natureza distintas. Uma publicação


na verdade é meio, a outra publicação é fim. De certa forma, uma
publicação se dá muito em função da outra, é um desdobramento (...).
E tem outra coisa: essa publicação em forma de guia ou de inventário
ela não é capaz de reavaliar historicamente a obra de um autor, já a
outra é. Ou seja, uma não tem a capacidade, a força ou a natureza de
alterar conceitos sobre uma obra, mas já o que vai ser realizado a partir
dela, que é essa de conteúdo, tem. Então são efeitos distintos. Eu acho
que é válida a separação, não é incorreta não.

LL: Você acredita que é possível criar uma linha editorial


afinada com o acervo e com a instituição?

EC: Totalmente.

(Livia cita o exemplo da Fundación Espigas, na Argentina)

EC: Na verdade aqui a gente tem um problema na instituição


porque você tem um setor que quase não tem funcionários, tem
dificuldades pra estabelecer parcerias. (...) Mas é difícil... a Casa já teve
até um número de publicações muito maior, muito mais regular. E
edições importantes como aquela da correspondência Manuel Bandeira,
João Cabral e Drummond, o próprio trabalho da Raquel Valença que
é a chefe do Centro de Pesquisa e do Julio com edição crítico genética
dos primeiros três livros do Bandeira, então a Casa tinha um trabalho
regular nesse sentido. Mas eu acho que nessa inviabilidade de se fazer
pela Casa, aí eu acho que se justifica mais ainda se fazer co-edição. (...)
Mas na verdade tem muita coisa o que se fazer ainda. Se você pegar
quantos livros dá pra fazer com o acervo da Casa, você faz mais de mil.

LL: Essa é uma pergunta que eu tenho pra você. Sobre o


Manuel Bandeira e o arquivo. O que você publicaria?

EC: Olha, as correspondências do Bandeira são deliciosas. A


correspondência dele ao Ribeiro Couto, por exemplo, eu acho que
é uma das coisas mais valiosas a se publicar do Bandeira. Porque o
Bandeira se correspondeu com dois autores muito importantes: o
Ribeiro Couto e o Mário de Andrade. Com o Mário de Andrade ele só
discutia questões profissionais e com o Ribeiro Couto ele praticamente
só discutia o cotidiano. Se você pegar a correspondência que ele fez com
o Mário e a que ele fez com o Ribeiro Couto, você faz uma biografia
do Bandeira, porque você tem o registro do lado profissional e tem o
registro do lado biográfico.
Apêndices • 130

(Eduardo continua explicando a relevância dessa


correspondência e comenta fatos da vida e da obra de Manuel
Bandeira)

É interessante porque por meio da correspondência você pode


analisar a manipulação do biográfico e a construção do poético. Então,
publicar cartas do Bandeira que se revela tanto do seu processo criativo
é uma maravilha.

LL: Minhas duas últimas perguntas são sobre o setor de


editoração. Eu queria saber se vocês desenvolvem projetos juntos
e como funciona, se você apresenta projetos pra eles, como é essa
dinâmica?

EC: Não temos projeto juntos, mas os inventários terminam


sendo projetos em comum. Porque depois que o inventário fica pronto
aqui, a gente manda pro centro de pesquisa, aí a Raquel recebe e
manda pra editoração. Então vai ter uma revisão lá de cima (refere-se
à localização física dos setores no prédio). E às vezes o professor Cury
que é um grande professor de língua portuguesa que trabalha no setor
de filologia e adora fazer revisão, então antes mesmo de mandar pra lá, a
gente manda às vezes pro professor Cury que comenta. Dúvidas que nós
temos, a gente acessa os pesquisadores. O Julio, por exemplo, conhece
pra caramba o arquivo do Bandeira, se tem alguma duvida em relação ao
Bandeira em outro arquivo, a gente consulta o Julio. (..) Então não é um
projeto comum, o que em parte é um problema que a instituição tem.

LL: Pelo o que eu entendi o setor de editoração acaba ficando


meio restrito à produção, inclusive das exposições e dos eventos?

EC: É fica restrito à produção. Ele faz a divulgação dos eventos,


folder, etc, e ele fica responsável por produzir os livros, as pesquisas
dos pesquisadores do centro de pesquisa e também coisas da biblioteca
como um guia da biblioteca, um inventário da biblioteca ou então
alguma coisa do arquivo, além de publicações que às vezes tem de
pessoas de fora, porque a Casa também publica pesquisas de fora
quando tem a ver com o acervo da Casa.

LL: Não existe uma autonomia criativa de pensar uma linha


editorial? Isso é mais feito aqui e na pesquisa?

EC: É, mas sobretudo na pesquisa. O setor de editoração está


submetido ao Centro de Pesquisa.
Apêndices • 131

(Eduardo sugere uma entrevista a Raquel Valença, chefe


do Centro de Pesquisa. Informa que é ela quem faz revisão e
provavelmente quem aprova os títulos de pesquisadores de fora,
etc)

Na verdade eu acho que as editoras se aproveitam pouco do


Arquivo-Museu, porque tem tanta coisa pra publicar... Assim, não é
nada de muita força comercial, é coisa na verdade pra estudioso.

LL: Mas acho que hoje com essa questão do livro digital
existe a possibilidade de você fazer um marketing mais voltado pra
nicho que dá chance de você fazer umas coisas que não se faziam.

EC: É, a natureza do conteúdo...

LL: E editoras universitárias? Não ocorre a parceria?

EC: Às vezes ocorre. Existe um caso ou outro de UFMG que


houve procuração, mas não é uma coisa muito freqüente porque aí
a burocracia pega pesado, aí você vai ter dois procuradores federais:
um da Fundação, outro da universidade. Daí pra você chegar a um
consenso... porque antes as parcerias eram muito na boca, ah vamos
fazer uma parceria com Casa Rui, fazia na boca, hoje em dia você não
pode mais fazer na boca. Então o processo pra você estabelecer uma
co-edição entre dois institutos ou duas fundações ou uma fundação e
uma universidade é pesado.

LL: E o que você acha dos livros daqui? Você acha que é
vantajoso pra instituição em termos de visibilidade, pra extroverter
o trabalho que é feito aqui?

EC: Eu acho que poderia ser mais se houvesse distribuição.


Eu acho fundamental porque na verdade você está levando ao
público a produção científica da instituição. Porque sem o livro
as pessoas não sabem o que está sendo feito aqui, vira uma coisa
abstrata. Assim, eu não sei o que as pessoas estão fazendo aqui. Se
você me perguntar do Centro de Pesquisas quantos trabalhos de
pesquisadores eu conheço... eu conheço de uns sete ou oito. Agora
se a Casa tivesse uma publicação regular destas pesquisas... se eu não
sei, imagina as pessoas de fora.

LL: Isso poderia até motivar alguns eventos, né?


Apêndices • 132

EC: Antes tinha mais disso, se fazia um evento, fazia publicação,


também era mais regular. Era mais fácil também você publicar. Hoje
você tem a licitação e é muito complicado. Licitação é uma porcaria
porque em gráfica, a lógica é a seguinte: quanto mais caro melhor. Não
tem como contornar. Se você quiser fazer o melhor livro do Brasil você
tem que procurar a gráfica mais cara. Porque um bom livro é aquele
que vai usar um bom acabamento, que é caro, uma boa máquina de
impressão, que é cara, e bons profissionais que são mais caros. Então
você faz licitação, vai fazer porcaria. Aí o livro vem mal costurado, vem
mal cortado, com o vinco torto.

LL: Daí não dá nem pra falar em design, né?

EC: Eu acho a licitação no que diz respeito a setores de


editoração em qualquer instituição, eu acho que é um crime porque
você tem todo um trabalho de pesquisa de anos, você tem todo
um trabalho de revisão, trabalho gráfico e no fim aquilo fica uma
porcaria. Fica mal impresso, o papel, por fim não é um papel de boa
qualidade, a cola... porque burla também, por mais que você fiscalize
o cara burla. Como você sabe se a cola é de má qualidade? Você só
sabe um ano depois que o livro ficou pronto e ele começa a descolar.
Porque cola você tem vários tipos de cola. Você pode comprar cola
baratinha e pode comprar cola cara. Quando é pro governo, compra
a baratinha. (...) Essas burocracias foram aumentando demais, não é
a toa que reduziu. Reduziu por falta de dinheiro, reduziu por excesso
de burocracia, reduziu pela própria dificuldade de distribuição, acho
que isso termina arrefecendo um pouco o mercado, a produção, pra
que você vai fazer um livro se você não vai distribuir? Por fim vira um
produto cult, né?

LL: Volta pra questão do fetiche...

EC: Exatamente, um fetiche. E a Casa já publicou coisas


muito interessantes. A obra reunida do Araripe Junior, que do ponto
de vista da literatura é fundamental... antigamente as exposições que
eram feitas aqui sempre tinham um livretinho que era excelente, que
já não se faz mais hoje, a obra de Nestor Victor, que é um poeta
simbolista... do ponto de vista da história da literatura essa é uma
obra que tava perdida e que só uma instituição pública vai publicar
a obra do Nestor Victor, ou é a Academia Brasileira de Letras ou
é a Casa Rui, se nenhuma das duas publicar, ninguém vai publicar
o Nestor Victor, ninguém vai publicar o Araripe Junior, são coisas
fora do mercado, essa coisa sem valor comercial, que você precisa
criar esse valor comercial, mas na verdade o que você precisa criar é
Apêndices • 133

uma revalorização intelectual daquilo, consequentemente você volta


a agregar um valor comercial também, mas isso é uma das coisas
publicadas pela Casa.

(Eduardo mostra o catálogo de livros publicados e indica


alguns títulos interessantes. Comenta também a particularidade
da coleção Papéis Avulsos que é uma linha editorial de baixíssimo
custo).
Apêndices • 134

APÊNDICE D

Transcrição da conversa com Raquel Valença, chefe do


Centro de Pesquisa da Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro,
Fundação Casa de Rui Barbosa, 16/06/2010.

Raquel Valença: Eu trabalho aqui desde 1977 no setor de


Filologia, como pesquisadora. Em 1995 eu fui convidada pelo
presidente Mário Machado, que tava chegando na Casa na época, pra
ser coordenadora da área de Difusão Cultural e a editora Casa de Rui
Barbosa estava subordinada à área de Difusão Cultural. Então durante
quatro anos eu fiquei como diretora aqui da Difusão Cultural e já
cuidando da editora. Em 1999 eu vim para este cargo, diretora do
Centro de Pesquisa, já tava aposentada como pesquisadora, mas fiquei
com o cargo de diretora do Centro de Pesquisa. E o presidente, Mário
Machado, resolveu trazer a editora para o Centro de Pesquisa para
que continuasse comigo. Então hoje a Edições Casa de Rui Barbosa é
subordinada ao Centro de Pesquisa o que não é ideal, o lugar mesmo
dela seria na divisão de Difusão Cultural, mas como o Dr. Mário achava
que eu já tava cuidando, que tava tudo certo, ele deixou aqui comigo.
As Edições Casa de Rui Barbosa elas surgiram, quer dizer, a
Casa publica livros desde 1942, o que por lei, há uma lei federal antiga
de 1941 que dá à Casa de Rui Barbosa a atribuição de publicar as obras
completas de Rui Barbosa. O Rui escreveu muito, foi muito produtivo
como intelectual, como jurista, político, enfim. Ele deixou um arquivo
muito completo, o arquivo histórico aqui da Casa era o arquivo de Rui
Barbosa, mas as publicações ele não deixou organizadas, ele deixou uma
montanha de discursos, uma coleção de pareceres jurídicos, discursos
parlamentares, enfim, o que houver naquele ano. Então, eu considero o
maior projeto editorial do Brasil porque são 137 tomos já publicados até
hoje e estamos publicando quatro esse ano, vai a 141 e são na verdade
170 tomos. Eu não conheço nenhum outro projeto editorial tão grande
quanto esse. Então, basicamente a editora Casa de Rui Barbosa tem
como objetivo publicar as obras completas de Rui, mas isso não é tão
simples porque a preparação das obras completas é demorada, é lenta, é
na verdade uma pesquisa, ele é o nosso autor número um, assim como
nos temos os escritores, nos temos nosso autor número um que é o
Rui. E por que tem que ser muito bem publicado? Porque nós temos
elementos aqui pra isso, nos temos os originais no arquivo, então a
gente não pode errar, a gente não pode publicar edições que não sejam
absolutamente fidedignas. Então, às vezes o que tá no manuscrito nos
Apêndices • 135

parece estranho, então a gente vai no jornal da época pra ver se era
aquilo mesmo, a gente vai usar anais da câmara, os anais do senado...
é uma coisa muito trabalhosa e a gente sofreu, como todos os órgãos
públicos, um esvaziamento de pessoal. Os pesquisadores antigos
que começaram com esse projeto tão se aposentando, aí não houve
imediata renovação, só viemos a ter concurso em 2002 aí entraram três
pesquisadores no Setor Ruiano pra trabalhar com as obras completas,
foi aí que a gente conseguiu acelerar pra preencher uma lacuna porque
durante algum tempo ficou muito caído, muito sem pessoal. Afora isso,
as Edições Casa de Rui Barbosa publicam coisas referentes ao acervo
e pesquisas produzidas aqui. Então nós temos, no tocante ao AMLB,
uma série inventário de arquivo que já tá, se não me engano, no número
nove, em que a gente publica para os estudiosos da área um inventário
dos acervos que tem aqui. O primeiro foi o do Dr. Thiers Martins
Moreira que foi o primeiro diretor do Centro de Pesquisa, o criador
do Centro de Pesquisa, e ele deixou o arquivo pessoal dele aqui, então
foi o primeiro inventário publicado. Depois fizemos Clarice Lispector,
fizemos Manuel Bandeira e tal e o primeiro que foi mais trabalhoso, o
primeiro dos grandes, foi o do Drummond, que já teve uma segunda
edição porque entre a primeira e a segunda edição do inventário houve
mais doações, os netos deixaram mais coisas aqui, então a gente fez
uma versão atualizada do inventário do arquivo do Drummond. Essas
publicações são muito importantes pros pesquisadores porque nós
publicamos o inventário de como é dividido o arquivo, cartas pessoais,
documentos pessoais, originais... então o pesquisador, digamos, uma
pessoa de fora do Rio que está pesquisando a obra do Pedro Nava,
de posse desse, como a gente dá um resumo de cada documento, o
pesquisador já vem sabendo o que vai interessar a ele. A gente fez uma
distribuição muito ampla nas bibliotecas das faculdades de Letras,
bibliotecas públicas das principais cidades, porque é um livro de
trabalho, não é um livro de leitura, é um livro de trabalho. E assim,
dentre outras coisas, a gente publica... nós temos o Prêmio Casa de Rui
Barbosa que todo ano é feito o concurso de monografia sobre temas
pesquisados aqui, quer dizer, pessoas que utilizaram os acervos da Casa,
isso é uma forma da gente estimular a pesquisa dos acervos porque
trabalhar aqui é consideravelmente mais simples do que trabalhar em
qualquer outra instituição de pesquisa ou de acervo no Brasil. Por
exemplo, na Biblioteca Nacional você tem uma série de regras, de
limitações, aqui o acesso ao material é bem mais simples. Já foi até
mais simples do que é hoje, mas infelizmente houve problemas como
em outras instituições de roubo, de danificação do material, então
hoje há muito mais regras, mas ainda é muito simples. Pra estimular
a produção de trabalhos relacionados aos acervos daqui, a gente faz
esse concurso de monografia que aceita indistintamente monografias
Apêndices • 136

sobre o arquivo histórico, o arquivo do Rui (cita exemplos), sobre o


acervo museológico, mas basicamente a maior parte das monografias
é sempre sobre literatura porque nós temos quase cem arquivos
pessoais, dos mais variados, desde escritores muito conceituados, muito
visíveis, muito conhecidos, como Drummond e Pedro Nava e Clarice
Lispector, até escritores quase desconhecidos ou novatos, como é o caso
do Cacaso, mas que é um arquivo muito importante que a gente se
orgulha muito de ter aqui e tem gerado também boas monografias.
Então a gente publica também os vencedores do Prêmio Casa de Rui
Barbosa porque é uma forma de estimular. De uns anos pra cá, é uma
editora muito antiga que vem desde 1941 ela tem atualmente quase
1000 títulos publicados, uma grande parte é esgotada e a gente tem
sempre uma demanda de reedições, mas como as nossas dimensões de
trabalho são ínfimas, às vezes eu fico envergonhada em contato com
as pequenas editoras comerciais, ditas pequenas editoras, como a Casa
da Palavra, Dantes, que são nossas parceiras na LIBRE, que é a liga de
pequenas editoras, eu fico envergonhada porque eles têm assim seis
programadores visuais, dez revisores, nós aqui contratamos revisores,
porque trabalhamos como uma equipe reduzida.

Livia Lima: E tudo é feito aqui?

RV: Tudo é feito aqui, menos a impressão, a gente só terceiriza


a impressão. E uma coisa que a gente se orgulha muito é a qualidade
das publicações, ou seja, a qualidade gráfica, porque o nosso principal
programador visual é um artista plástico, o Ângelo Venosa, que é um
escultor famoso, um artista plástico internacionalmente conhecido,
mas que trabalha aqui desde 1981 como programador visual, então o
Ângelo realmente faz coisas de bom gosto de qualidade, então a gente
tem esse viés, a Stela (kaz) que também é programadora visual, que
atualmente é a chefe da editoração, também é uma pessoa nessa linha.
Por outro lado, a gente zela muito pela qualidade do texto, porque
seria uma coisa assim no mínimo vergonhosa na Casa de Rui Barbosa a
gente deixar as coisas saírem com erro.

(Raquel comenta que ela sempre revisa tudo antes de entregar


a diagramação. Comenta que inclusive quando terceiriza ela relê.
Comenta a edição de “Meu Caro Rui, Meu Caro Nabuco).

RV: A editora publica pouco, nós publicamos de dez a doze


livros por ano, mas para equipe que a gente tem, pros recursos que
a gente tem, a gente faz milagre. Por exemplo, nunca fazemos livros
luxuosos, temos um ou dois livros de luxo no nosso catálogo, mas
são livros resultantes de co-edições, por exemplo nós fizemos com a
Apêndices • 137

Secretaria de Cultura do Pará um livro muito bonito sobre o Dalcir


de Jurandir que é um escritor paraense cujo acervo está aqui (...).
Nós entramos com o trabalho e eles entraram com o pagamento da
impressão, então é um livro de capa dura, ilustrado, mas mesmo assim
quando veio de lá na prova houve coisas que eu achei horríveis, então
eu disse isso aqui não está de acordo com o nosso padrão editorial,
porque o nosso padrão editorial é um padrão discreto. Esse mesmo Dr.
Mário, antes de ser presidente daqui ele tinha sido diretor executivo
da Funarte, então ele tinha muito apreço pelas coisas da Funarte, e eu
também tenho, a Funarte é uma co-irmã do Ministério da Cultura, mas
a Funarte tem outros objetivos, tem outro perfil. E aí o Mario Machado
chegou aqui um dia com um livro do Jacob do Bandolim, o livro é todo
colorido com umas letras douradas, daí o Mário Machado disse assim
“eu queria saber quando é que nós vamos ter um livro desse tipo”, aí
eu falei “enquanto eu estiver aqui nós não vamos ter esse tipo de livro”.
Aí ele ficou vermelho, ele tinha atacas de raiva às vezes, era muito bom
dirigente, mas tinha ataques. “Por que?”, ele falou, “porque eu acho
esse livro... ele tem os seus méritos, suas qualidades, mas pra Jacob do
Bandolim, não para as coisas que nós fazemos aqui, porque nós temos
um padrão, a cara da nossa editora é outra.

LL: Um compromisso inclusive com o custo, né?

RV: Pois é, se nós formos botar letras douradas nós fazemos um


livro por ano, letras douradas em relevo tem um preço que a gente não
tem, não tá acostumado.
De uns anos pra cá, acho que foi em 1999, numa reunião com os
pesquisadores, porque eu já era do Centro de Pesquisa, surgiu da Flora
Sursekinsk uma sugestão, ela disse, “sabe Raquel o que eu acho, que as
nossas publicações ficam assim muito esparsas, a gente devia ter uma
coleção, uma coisa como era antigamente”. Porque muito antigamente
aqui na Casa a gente tinha a coleção Bernardo Pereira de Vasconcelos
que era de textos históricos, e depois houve um momento em que
ficou tudo muito solto, então a Flora deu essa sugestão e nós criamos a
coleção FCRB que tem quatro séries: estudos, porque a maior parte do
que a gente publica aqui é trabalho de pesquisa, o pesquisador conclui
um trabalho e ele publica pela Casa...

LL: Eu percebi que mais pesquisa do que arquivo


propriamente...

RV: Então a gente tem a série estudos e quando são estudos


provenientes do prêmio Casa de Rui Barbosa recebe um selinho
“Prêmio Casa de Rui Barbosa”, aí temos a série Manuscritos,
Apêndices • 138

que aí sim é documento de arquivo, o Julio Castanhõn publicou a


correspondência do Ribeiro Couto com Roberto Assunção, enfim,
são coisas de arquivo, temos a série documentos que também é um
pouco ligada a arquivo, mas pode não ser, uma coisa que não era
um manuscrito, mas é documento, nós publicamos, por exemplo, os
originais de uma rádio-novela “Herança de ódio” que foi resultante de
um trabalho de uma pesquisadora que escreveu um ensaio sobre o rádio
e de uma outra que editou uma rádio-novela, então saiu em estudos e a
outra em documentos, e temos a série Aconteceu que fica sendo a mais
trabalhosa porque são anais de seminários. Aí a gente tirou o nome
anais porque ninguém lê anais de seminários, porque é uma coisa que
ficou muito datada, ficou velha. Então quando a gente faz eventos aqui,
a gente procura manter os textos, as pessoas assinam uma autorização
e a gente publica na série aconteceu coisas muito interessantes, muito
várias. (Cita alguns tipos de evento).

(Dá à pesquisadora uma cópia do Catálogo de Publicações,


editado em 2002)

LL: Quando o setor de editoração foi criado?

RV: Pois é, o setor de editoração na verdade ele nunca existiu,


a Casa publicava... houve há muitos anos uma tentativa, foi em
oitenta e poucos, uma tentativa de estruturar o setor de editoração,
eu era pesquisadora na época, mas eu colaborei porque eu sempre fui
muito ligada, eu adoro livros, então o diretor da época, o Dr. Homero
Serrano, me nomeou representante da Casa na comissão de editoração
da ABNT. Então era elaboração de normas, discussão de normas, as
editoras privadas fazendo muito lobby contra as normas ABNT e havia
um grupo da área pública que defendia os interesses gerais... Então
no início da década de 1980 teve uma tentativa de organizar o setor
de editoração e o diretor executivo da época, o presidente ainda era o
Dr. Marcon, o diretor executivo conversou comigo, perguntou se eu
queria chefiar o setor, mas o Dr. Homero não aceitou porque eu era
pesquisadora e eu ia fazer falta. Aí em 1995, quando houve essa tentativa,
o setor de editoração não era um setor ainda, ele era dentro da Difusão
Cultural, que eu era coordenadora, e tudo acontecia ali exposições...
e nessa época a Difusão Cultural era muito mais atuante porque ela
tinha muito mais recursos, tinha um programa orçamentário, não era
grande coisa, mas a gente fazia exposições, cursos, todo tipo de coisa,
havia um planejamento: qual é a programação da difusão cultural?
(Cita exemplos de eventos) E aí a editoração funcionava aí dentro, e na
verdade a editoração serve à Difusão Cultural, todo material gráfico pra
eventos sai também da editoração, então eu dizia assim “ninguém aqui
Apêndices • 139

liga pra livros, é o tempo todo esses eventos!”, já havia esse conflito,
quando a gente passou para o Centro de Pesquisa, aí eu reivindiquei
ao Mário Machado “a gente precisa ter um setor de editoração”, aí não
tinha a função gratificada pro chefe, “vamos pedir em Brasília”, mas
não tem, aquelas coisas que o governo Fernando Henrique foi muito
contido pra dinheiro mas mesmo assim nós começamos o setor, tinha
uma chefe que era da área administrativa que eu chamei e disse assim
“você aceita ser chefe da editoração?”, ela não entendia nada de livros,
inclusive ela era uma pessoa que até falava errado, mas ela era uma boa
administradora e eu precisava aquilo com prazos, com cronogramas
e ela foi espetacular e sem BAS, ela não tinha gratificação, mas ela
aceitou esse desafio. Quando foi criado o BAS ela ficou com o BAS até
se aposentar.

LL: E quando foi criado?

RV: O BAS foi criado em 2003.

LL: Aí se instituiu o setor...

RV: É, aí se instituiu o setor oficialmente. Agora nos fizemos um


plano de reestruturação da Casa, porque o Ministério da Cultura estava
pedindo, e eu fui a primeira a reconhecer que o lugar da editoração
não é no centro de pesquisa, é na Difusão Cultural, mesmo que isso
signifique que eu, se ficar aqui, mas vou ficar sem a editoração. Eu acho
que quando você organiza uma instituição você não pode pensar em
pessoas, você tem que pensar na estrutura, então a Difusão Cultural
é que tem que ter a editoração, porque a editoração na verdade tem
duas grandes frentes de trabalho que são eventos e livros. A produção
dos livros ela fica sempre prejudicada porque o evento é uma coisa pra
semana que vem, o programador visual larga o que tá fazendo pra fazer
um folder, aí depois volta pro livro, não tem continuidade porque a
equipe é pequena, eu acho que isso atrapalha muito. E por outro lado,
há uma frente da editoração que não é técnica porque a editoração
tem a área de texto, tanto que nessa reestruturação eu criei um setor
de editoração ligado a Difusão Cultural, a coordenação de Difusão
Cultural tem um setor de editoração e um setor de eventos; no setor de
editoração você tem três sub-setores, que a parte de programação visual,
de criação, a parte de texto e a terceira que é a editora, que controla
o estoque de livros e todo ano tem que ter um inventário porque nós
somos um órgão público, eu tinha 200 livros, vendi 100, doei 50, eu
tenho que ter 50 no estoque e todo ano eu tenho que provar isso,
isso é uma trabalheira, então tudo isso faz parte. Na movimentação da
editora a gente atende pedidos de compra pela internet, a gente tem a
Apêndices • 140

venda presencial agora recentemente e a gente tem doações e isso é a


parte que eu mais adoro porque a gente recebe cartas manuscritas em
folhas de caderno de pessoas do Brasil inteiro pedindo obras de Rui
Barbosa, então a gente manda um kit que é a cronologia da vida e da
obra do Rui, aí a gente manda “Orações aos moços”, a gente manda um
tomo das obras completas, e tem os colecionadores de obras completas
( Raquel comenta que eles tem uma reserva de livros de Rui Barbosa
usados, recebidos por doação, que eles doam a esses colecionadores)
Eu brinco que a editoração consome metade do meu tempo
e todos os setores de pesquisa consomem a outra metade, porque os
setores de pesquisa são solidamente estruturados com chefes que estão
aqui há anos, os pesquisadores são muito bons, eles às vezes dão algum
trabalhinho pra mim, alguma função administrativa, a discussão do
que vai ser pesquisado, da programação de eventos, de pesquisa, é
uma coisa muito leve pra mim, é uma alegria, são pessoas que estão
aqui há muitos anos, que não me dão trabalho, agora a editoração
é uma trabalheira. Apesar dessa trabalheira, eu fico triste de perder
para a Difusão Cultural se eu for ficar aqui, porque é uma coisa muito
envolvente, porque tem as co-edições...

LL: É isso que eu ia te perguntar como funciona esse processo


de co-edições com editoras universitárias?

RV: Antigamente era muito simples fazer uma co-edição, como


essa que a gente fez com a Universidade Federal do Pará, fizemos
uma coleção com a Nova Fronteira, de um tempo pra cá os auditores
começaram a levantar uma questão como se fazia uma co-edição
com a Nova Fronteira dando vantagem a uma editora, então a Nova
Fronteira vai co-editar com a Casa de Rui e pega o livro pronto e paga
a publicação, por que a Nova Fronteira e não a Record e não a outra?
Eu até escrevi um parecer me defendendo da auditoria...

LL: Isso tá no arquivo institucional?

RV: Deve tá, mas eu tenho aqui no meu computador também. É


engraçado porque eu digo a eles talvez se a gente editasse Paulo Coelho
invés de Rui Barbosa, porque Paulo Coelho vende milhões, mas eu não
ofereço, quando uma editora me liga querendo fazer uma co-edição
eu fico tão feliz, porque nós não temos livros altamente vendáveis, e a
co-edição interessa pra nós por causa da distribuição, porque a nossa
distribuição é muito precária, porque a gente vende fazendo co-edição.
Nós somos uma editora sem fins lucrativos, nós não vivemos dos lucros
que os livros nos dão, a gente não tem prejuízo, mas lucro também a
gente não corre atrás. Agora o problema é que quando você faz uma
Apêndices • 141

co-edição do livro x do pesquisador tal aquele livro esgota porque ele


tá na livraria Siciliano, porque ele tá na Saraiva, na Travessa, então as
pessoas vêem e compram porque ele tem qualidade, quando a gente
não faz co-edição, a pessoa tem que comprar ali com o Antonio Carlos
naquela lojinha e é muito complicado, o livro custa a vender e aí o
auditor também implica com o fundo editorial “por que vocês tem esses
encalhes de livros, não houve planejamento?”, é um questionamento
dúbio: questiona porque vende, questiona porque não vende, então é
complicado.
A gente faz o convênio com editoras públicas, é muito
trabalhoso, mas a gente consegue fazer, já fizemos com a UFMG,
estamos fazendo uma com a Universidade Federal de Juiz de Fora (...).
Montar o processo é trabalhosíssimo, até o CPF e a identidade do
reitor a gente tem que pedir, mas enfim, faz-se isso, mas agora com
as editoras particulares é mais complicado porque entra essa questão
de dar vantagem à editora. Recentemente começamos a fazer uma
co-edição com a Cosac Naify, um trabalho do Julio Castañon que é
a edição crítica da poesia de Drummond, um trabalho monumental
porque a gente cotejou toda a poesia de Drummond e esse trabalho
tava aqui toda a poesia do Drummond mais notas e aparato crítico e
a Casa não publicava porque publicar aquilo significaria publicar só
aquilo em um ano, então veio a Cosac Naify querendo publicar com
a gente e por que nós conseguimos? Porque a Cosac Naify apresentou
um documento com os netos do Drummond dando a ela o direito de
publicação dessa edição, então nós não tínhamos escolha. Nós temos
a edição pronta feita na Casa, nos temos uma editora detentora dos
direitos, então faz-se porque não existe nenhuma editora que tem essa
autorização, e a gente pode fazer com a Cosac Naify.

(Comenta as futuras co-edições com a editora Dantes)

A editoração ocupa 80% do meu tempo de diretora, mas eu


acho que é uma coisa muito boa porque é o que dá visibilidade à Casa.
Por exemplo, nós participamos das Bienais do Livro, sempre no estande
da ABEU – Associação de Brasileira de Editoras Universitárias que nós
somos filiados, e participamos da Primavera dos Livros que acontece
em São Paulo e no Rio. Na Primavera, é sempre da editora ter um corpo
a corpo com o leitor, não é assim de você colocar lá um empregado lá
vendendo, não, o próprio editor ou dono da editora vai, pela Casa
sempre quem vai sou eu ou o chefe da editoração. Eu saio da Primavera
dos Livros, que é sempre num fim de semana e chego aqui na segunda-
feira me sentindo maravilhosa, porque lá você vê o conceito que a Casa
de Rui Barbosa, as pessoas interessadas nesses livros que te dão o maior
trabalho pra fazer que você se aborrece, chora e se desespera, mas aí você
Apêndices • 142

vê a pessoa pegando o livro, querendo informação, querendo conhecer


os autores, então isso é uma coisa muito boa, que me deixa muito feliz.
Agora, a vinda do Eduardo pro AMLB foi ótima, porque a
Eliane, chefe anterior, tinha um perfil de pesquisadora, então ela era
ótima chefe, mas não do ponto de vista editorial, daí com a vinda
do Eduardo, que é egresso do mercado editorial, ele foi editor de
uma editora, a Língua Geral. Então o Eduardo já teve várias ideias de
aproveitamento, eu sempre achei que o AMLB tinha que ter um livro,
os arquivos importantes tem que ter um livro sobre eles.

LL: Um guia, né?

RV: Um guia. E tem que ser um livro bonito, a gente pode


conseguir dinheiro na Fapesp, porque a Fapesp tem uma linha pra
editoras, a gente pode conseguir fazer um livro caro, bonito, com
imagens... então ele tem ideias e tem gás pra isso, a Eliane, ótima chefe
pra outras coisas, mas isso ela não tinha essa motivação. Aí tem outros
inventários de arquivo que estão sendo preparados, o último que a
gente publicou foi o do Antonio Salles...

(Conta a história da revisão do inventário de Vinicíus de


Morais que ela fez por conta própria durante suas férias de verão)

A nossa equipe aqui é mínima. Temos dois programadores


visuais, na área de texto só temos um preparador que é o Benjamim. E o
trabalho de fazer um livro é artesanal, as tarefas foram muito facilitadas
pelo computador, mas não tudo. A gente fica entre a necessidade de
cumprir os prazos e a necessidade de ter qualidade.

LL: E a escolha dos títulos, como se dá?

RV: Se dá da seguinte maneira, mais ou menos em outubro os


pesquisadores e a área de documentação, eles fazem a programação do
ano seguinte. No caso dos pesquisadores tem as pesquisas, os eventos
programados e as publicações. Mas eles confundem tudo, porque estão
começando a pesquisa e já botam pra publicação, daí eu consolido
aquela programação e tem trinta coisas para serem publicadas, mas
disso, só oito tem concretude. Então eu olho a programação e levo
pra diretoria, a diretoria da Casa funciona também como conselho
editorial, não é o meu sonho, meu sonho é que a editora tivesse um
conselho editorial, eu luto por isso desde 1995, mas, por exemplo, o
Dr. Mário Machado era inteiramente contra isso “o dinheiro é meu e
agora vem um sujeito vindo dizer o que eu devo publicar”, no fundo,
no fundo é a diretoria que quer manter essa prerrogativa de escolher os
Apêndices • 143

títulos. Aí tem as prioridades, o ano passado nós fizemos um seminário


sobre o centenário da campanha civilista, este ano a gente tem que
publicar os anais desse seminário, aí tem um álbum sobre a campanha
civilista, isso se impõe como o principal assunto desse ano, só que nós
estamos no dia 16 de junho e o livro não me foi entregue ainda. Além
disso nós temos quatro obras completas de Rui Barbosa, tem quatro
tomos inteiramente prontos, aí notas de rodapé, os pesquisadores me
entregaram, aí quando eu fui mandar pras indexadoras de índice de
assuntos, eu fui olhar os textos e não me satisfizeram, aí eu passei três
semanas ajeitando esses tomos das obras completas... esse ano então fica
mais ou menos pré-definido. Aí tem um seminário de uma pesquisadora
que tem que publicar esse ano, tem esse aí que é do aniversário do
museu, que tá em cima, é dia 13 de agosto, vai ter que ir pra gráfica já,
são coisas assim que mais ou menos se impõem.

LL: Então antes de ir pra gráfica é aprovado pelo conselho?

RV: Antes de ir pra gráfica não. O conselho define assim “o


que vai ser publicado esse ano?”, aí a gente começa a trabalhar neles.
Antes de ir pra gráfica só eu que aprovo. Eu não acho esse sistema
ideal, eu gostaria de ter no Centro de Pesquisa um comitê externo
pra avaliar as propostas dos pesquisadores, porque eu acho que uma
instituição pública tem que ter um vínculo com a sociedade. Não só
a editoração, mas por exemplo, quando os pesquisadores apresentam
suas pesquisas eu gostaria de consolidar aquilo e dizer “a proposta do
Centro de Pesquisa para 2011 é tal assim assim” e ter por exemplo uma
Heloísa Buarque de Holanda, pessoas da academia de fora da Casa que
dissessem “isso aqui não tem a menor importância”. Porque fica pra
mim uma carga muito grande, nós temos, por exemplo, a área de direito,
eu não sou especialista em direito, então há coisas que obviamente eu
percebo que tem relevância, por exemplo o atual projeto deles eu acho
interessantíssimo, que é a elaboração de um dicionário do pensamento
jurídico brasileiro, eu acho que é o papel da Casa de Rui Babosa fazer
isso, ou então coisas de história constitucional porque Rui Barbosa foi
um constitucionalista, foi o autor da primeira constituição no Brasil,
mas às vezes vem propostas que não tem nenhuma relevância. Uma vez
um pesquisador do setor de história sugeriu uma pesquisa sobre o Zen.
Isso não tem nada a ver com as nossas linhas de pesquisa. Aí, eu tenho
um ótimo relacionamento com os pesquisadores, sou colega deles, mas
aí fica uma coisa pessoal, fica “a Raquel não quer o Zen”. Não é que
eu não queira o Zen, é que não tem sentido aqui nesse contexto. Eu
ficaria mais tranqüila se a aprovação disso viesse de um conselho, de um
board, um representante da sociedade, pessoas que são nossas parceiras
e que tem uma clareza do papel da Casa de Rui Barbosa. Porque nós
Apêndices • 144

somos uma das poucas instituições de pesquisa independente, porque


a pesquisa hoje é vinculada à universidade, então uma instituição de
pesquisa que não é uma instituição de ensino, ela tem a meu ver um
papel de vanguarda. É o que eu digo a eles quando eles reclamam, “vou
arrumar uns alunos aqui pra vocês”, porque o que eles estão fazendo, só
pesquisar, no Brasil é um privilégio maravilhoso, então não faz sentido
perder tempo com coisas que não tenham muita importância e da
mesma forma as publicações.

LL: Nesse sentido você concorda que os livros são divididos


entre os técnicos que auxiliam o acervo, como inventários, etc, e os
temáticos das pesquisas?

RV: Acho que sim. Porque na verdade, a Casa tem duas grandes
áreas finalísticas: pesquisa e documentação, então as duas deveriam
estar igualmente contempladas nas publicações. E se não é assim, é
porque a área de documentação não tem produzido o suficiente,
quer dizer, nós temos três livros do arquivo, um Guia do Arquivo,
uma [Tabela] de Temporalidade e o Thesaurus que é bem antigo, tem
um que é “Repensando a arquivística contemporânea”, que é da série
papéis avulsos... mas a área de documentação aqui é conhecidíssima...

LL: Relevância nacional e internacional...

RV: Pois é. Eu gostaria de ter muito mais material da área


de documentação pra publicar, porque vende como pão quente,
é uma coisa impressionante, sai tudo... mas eles não produzem. Dá
pra entender porque, são pessoas voltadas para um trabalho muito
pragmático, daí as publicações...

(Conta a história da antiga chefe da restauração que enviou


um livro para publicar que já havia sido publicado)

Eu acho que é uma lacuna e a gente acaba publicando


preferencialmente a área de pesquisa porque produz mais e
principalmente porque produz de uma forma mais acabada, mas
amigável pra editoração.

(Conta o exemplo de um curso da restauração de uma cubana


Milagros, que até hoje não foi publicado)

Eu fico triste porque, por exemplo, a série de museus-casa


que nos fizemos aqui é das mais procuradas, até pessoas no exterior
querem, porque é um assunto novo, é um segmento da museologia,
Apêndices • 145

e a museologia é muito carente de bibliografia, como a arquivística


também, então você tem uma demanda impressionante, mas eu não
tenho material pra publicar, fico triste.

LL: Só para fechar, Raquel, eu gostaria de te perguntar sobre


livro digital. Eu vi no site que vocês tem hipertextos do Machado
de Assis que é um projeto novo e como que tá isso dentro do setor?

RV: Isso na verdade é um projeto de uma pesquisadora da Casa


que é machadiana, a Marta de Senna, que ela fez um site de citações e
alusões de Machado de Assis que foi um projeto dela de pesquisa aqui na
Casa, ela conta com a ajuda do Eduardo, que é o técnico de informática
aqui do setor, aí depois que ela terminou esse projeto de alusão e citação
ela resolveu fazer Machado de Assis com hipertexto. Já tem quatro
publicados e ela agora recebeu uma proposta de uma editora, tá na pauta
do procurador, e a editora Azougue quer publicar porque considerou
que a edição dela é o melhor texto de Machado de Assis disponível no
momento, então eles querem publicar os quatro que já tem prontos, em
um livro. Então a gente tá engatinhando nessa questão, o portal da Casa
ele nos daria muito mais recursos do que o que a gente utiliza. Agora eu
acho que o Centro de Pesquisa deveria ter uma pessoa que você cabeça,
que tivesse totalmente voltada pra informática, mas que conhecesse
também o universo da pesquisa para nos abrir essas possibilidades,
porque os pesquisadores são pessoas como eu, ligadas ao papel, então pra
gente dar esse salto leva um tempo. Agora a gente conseguiu, a Casa tava
atrasada nesse aspecto da tecnologia da informação, agora o Ministério
Público nos ofereceu uma acessoria, ele pagou uma consultoria à Casa
pra fazer o nosso plano de tecnologia da informação para o ano que vem.
Isso ajudou muito e foi criado um comitê, e nos pusemos nesse comitê
o Ângelo Venosa que é nosso programador visual, mas que na verdade o
Ângelo foi a pessoa que introduziu na Casa de Rui Barbosa o primeiro
computador, porque a área de programação visual foi uma das primeiras
a absorver a tecnologia. (...) E com isso eu tô esperançada que a gente
avance muito nessa área porque as possibilidades são enormes.

LL: Mais dinâmicas e baratas, né?

RV: Mais dinâmicas, mais baratas... é. Por exemplo, há muitos


textos hoje em dia que a gente não pensa mais em publicar em livro, por
exemplo, a coleção Papéis Avulsos, que são livros pequenos, hoje estão
disponíveis na internet, no portal da Casa, e a pessoa baixa gratuitamente,
não tem problema. Então a gente tenta contemplar com livro, com o
impresso, aquilo que fica, que tem uma permanência, que não é meramente
um texto de trabalho. Mas esse caminho tá, pra nós, começando.
Apêndices • 146

APÊNDICE E

Projeto Gráfico da Coleção Papéis Avulsos

O projeto gráfico da coleção Papéis Avulsos foi inspirado no


projeto gráfico da editora francesa Gallimard. Capa em papel cartão
bege, com poucos elementos, somente aqueles fundamentais à
apresentação do livro – título, autor, editor – escritos em vermelho.
Abaixo imagem da capa do livro “Lettres à Madeleine” de Guillaume
Apollinaire, lançado pela Gallimard em 2005 e o número 26 da coleção
Papéis Avulsos da FCRB, “Cabral. Bandeira. Drummond – Alguma
Correspondência” de Flora Süssekind (1996).
Apêndices • 147

APÊNDICE F

Projeto Gráfico da Coleção FCRB

Projeto gráfico do designer Ângelo Venosa para a Coleção


FCRB. Como exemplos, foram usados, respectivamente, os livros
“Alusão e Zombaria: citações e referências na ficção de Machado de
Assis”, de Marta de Senna, título seis da série Estudos, lançado em
2008; e “Imprensa, história e literatura”, organizado por Isabel Lustosa,
título quatro da série Aconteceu, publicado também em 2008.

Capa dos livros. Destaque para a cor do fundo – que varia em


cada título – e para o selo, seguido de um número que identifica a
série à qual o livro pertence (“e” usado para a série Estudos e “a”, para
Aconteceu) e informa qual o número do título dentro da série.

Lombada do livro. Destaque para o ícone do logotipo da


Edições Casa de Rui Barbosa, que também foi criado pelo designer
Ângelo Venosa.
Apêndices • 148

Imagem da quarta capa, que contém uma apresentação da


Coleção FCRB (em destaque), uma sinopse do livro, os contatos da
FCRB, o logotipo do Ministério da Cultura e o código de barras do
livro.
[Anexo
]
ANEXO A

Organograma da Fundação Casa de Rui Barbosa:

Organograma institucional retirado do Relatório de Atividades


da Fundação Casa de Rui Barbosa de 2008, p. 12.

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