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* Texto a partir de pesquisa de mestrado (cf. ROOS, 2005) realizada com financiamento
da CAPES no Brasil.
1 BRASIL, 1997, p. 99.
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medida que é dado pelo órgão hierárquico máximo – o Ministério da
Educação e Cultura no Brasil –, no governo do presidente Fernando
Henrique Cardoso, e intocado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Isso
que se pressupõe ser e como se realiza a aprendizagem é dado via
Parâmetros Curriculares Nacionais, o pretenso guia de pensamento e
ação curricular da escolarização formal no Brasil para toda a Educação
Básica, porém, interessando aqui, o que é reservado às Séries Iniciais do
Ensino Fundamental.
Na citação apresentada é possível identificar algumas noções que
orientam o pensamento educacional, quais sejam: uma pré-disposição e
boa vontade de um sujeito aprendente; a necessidade de um caminho de
aprendizagem via saberes já estabelecidos e meios conhecidos e
adequados; tudo isso embasado em um julgamento do que é significativo
e do que é mecânico, embasamento esse possível por um pensamento
sobre a aprendizagem, ou, poder-se-ia dizer, uma imagem do
aprendizado, já feita por alguma área do conhecimento, no caso, uma
Psicologia forjada e fortemente amparada nos escritos de David Ausubel,
Jerome Brunner, Carl Rogers, John Dewey, Jean Piaget, Liev Vigotski, entre
outros, encontrados nas referências bibliográficas dos Parâmetros..., e,
entre seus ecos e desdobramentos, suas repetições e variações e algumas
disputas travadas por referenciais sociológicos.
A Educação busca manter um estatuto de ciência e, para isso,
procura tornar visível e enunciável aquilo que pode ser visto e dito,
verificado, avaliado, provado... A Educação quer-se ciência valendo-se de
outras ciências, de seus saberes, de seus métodos, a fim de elaborar um
conjunto seguro e confiável de elementos nos quais todos possam
ancorar-se, pressupostos que todos possam saber para bem pensar e bem
agir em suas práticas educativas. Assim como qualquer ciência, quer
psicológica, quer social, a Educação é incansável na produção de uma
verdade que todo mundo saiba para realizar aquilo que julga bom. Com
alguns matizes de diversidade, com algumas contraposições entre
vertentes, a imagem de aprendizado que impera nos Parâmetros... é
uma imagem consensual, é a elaboração de um senso comum que cria
acordos de pensamento e prática.
Cabe forçar essa idéia de que todo mundo sabe ou de que todo
mundo deva saber o que mesmo é a aprendizagem ou como exatamente
ela se realiza, quais seus pressupostos, quais seus caminhos, quais
métodos mais eficazes... para, então, poder acontecer algum outro
aprendizado. Questionar o que todo mundo sabe, desconfiar de uma boa
vontade ou de uma tendência que possa existir para o aprendizado,
perguntar se é possível determinar como acontece o aprender. Insinua-se
aqui uma relação muito estreita entre pensar e aprender, em educação,
movimentada por alguns escritos de Gilles Deleuze.
Pensamento e aprendizado
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É no real que tudo ganha forma, ganha voz, onde tudo se faz, onde
atual e virtual coexistem e se relacionam por movimentos duplos entre
formado e informe. As sinuosas e indefiníveis veredas possíveis estão aí,
soltas, atualizando-se ao serem percorridas. Os caminhos forjados, os
mundos, as escolas, os pensamentos e aprendizados acabam sendo
enrijecidos, estratificados, arborificados. As sociedades, as relações,
famílias, ocupações, desenvolvem-se à sombra de grandes árvores. As
árvores dão abrigo, oferecem repouso, possibilitam a feitura de ninhos, de
acomodações, e têm definidos os frutos que serão gerados.
Elas têm origem e germe. São uma unidade que opera por
bifurcações. As árvores têm memória longa e genealógica. Não criam, só
executam o que está programado. Elas são organizadas, estruturam e
centralizam a articulação de suas partes. São históricas e temporais,
enraizando-se para que cresçam e se desenvolvam, firmando-se para que
envelheçam fortes. Elas são grandes arranjos, combinações ou
agenciamentos estáveis, porém, não fixos e imutáveis, mas inter-
relacionados: assim como “existem nós de arborescência nos rizomas”,
existem também “empuxos rizomáticos nas raízes”2 das árvores. Eis a
duplicidade dos movimentos, sua complexidade, articulação e
coexistência.
Essas arborificações ou arborescências provêm de um modelo-
árvore que inventou um jeito de pensar o pensamento, de onde derivam
jeitos de se pensar o aprender, o ensinar, o educar, a escola, o hospital, o
Estado... A forma-árvore está plantada no pátio de cada escola (e não se
excluem as secretarias de educação, as faculdades, o Ministério da
Educação e Cultura e os seus textos) e é à sombra dela que temos
trabalhado, educado, pesquisado, de diferentes formas, umas mais
críticas, outras menos, mas sempre privilegiando o mesmo: conteúdos,
conhecimentos, formação dos sujeitos de boa vontade para pensar e
aprender, preocupação metodológica, aquisição de determinados saberes.
No pensamento de Deleuze, e em sua parceria com Guattari [1980],
as árvores não aparecem como uma metáfora, mas mostram uma imagem
2 DELEUZE; GUATTARI, 1995a [1980], p. 31; cf. DELEUZE; GUATTARI, 1995a [1980], platô
1; DELEUZE; PARNET, 1998 [1977], p. 29-45.
que se tem do pensamento, que é dogmática, e que possui um
funcionamento bem determinado e funções bem estabelecidas: um
pensamento reto para a produção de idéias justas. Essa imagem
arborescente do pensamento é calcada na recognição, no
reconhecimento. Esse é o seu método. Para esse registro, pensar significa
conhecer e o conhecimento é um processo de adequação entre o intelecto
e os objetos; é a clássica busca pela verdade das coisas, por sua essência
mesma; é a busca da definição e da identificação.
É aí que se pressupõe uma boa vontade do pensador e uma
natureza reta do pensamento. É nesse entendimento que o exercício das
faculdades mentais, com o uso de um sentido único, de um bom senso,
desenvolvem um senso comum concordante, uma opinião sobre
determinado objeto. A busca do reconhecimento de um objeto em um
modelo, entendido como algo transcendente ou ideal, em uma conotação
platônica, é o que oferece seu fundamento. Um referente é indispensável
para se poder dizer do ser de alguma coisa. O método, além de passar por
um processo de checagem da cópia encontrada com seu suposto original,
precisa garantir a retidão desse processo, para que o conhecimento seja
estabelecido, para que se alcance o saber.
Em meio a sua problematização, Deleuze situa o aprender como
condição para o pensar. Aprender em detrimento do saber: “Aprender é o
nome que convém aos atos subjetivos operados em face da objetividade
do problema (Idéia), ao passo que saber designa apenas a generalidade
do conceito3 ou a calma posse de uma regra das soluções” e, também, “é
o saber que nada mais é do que uma figura empírica, simples resultado
que cai e torna a cair na experiência”, enquanto o “aprender é a
verdadeira estrutura transcendental que une, sem mediatizá-las, a
diferença à diferença, a dessemelhança à dessemelhança, e que introduz
o tempo no pensamento [...]”.4 A ênfase é dada à experimentação e à
problematização e, conseqüentemente, à possibilidade de um aprender,
acontecimento ligado ao virtual, oferecendo um deslocamento em relação
3 Vale lembrar que o conceito clássico de conceito que Deleuze utiliza aqui não é o
mesmo talhado em O que é a filosofia? (1992 [1991]).
4 DELEUZE, 1988 [1968], p. 269 e 272.
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à preocupação teleológica com os resultados e soluções, ligados ao atual,
conforme descrito no 8º postulado da IDP, desenvolvido em Diferença e
repetição (1988 [1968]). Uma opção pelo movimento e não mais pelas
formas fixas.
Para pensar uma outra imagem do aprendizado, faz-se necessário
trabalhar com uma imagem do pensamento que está preocupada com o
aprender e não com a aquisição ou perpetuação dos saberes. A máquina-
Deleuze agencia pensar e aprender. Necessita-se de uma imagem do
aprendizado na qual se sinta e se pense o aprender como movimento,
como deslocamento, gerado e mobilizado por um problema. Onde se
queira a liberação da absolutização dos saberes e dos modos já
conhecidos de saber, de suas generalidades, de seus conceitos
enrijecidos, de suas soluções regradas e tranqüilizadoras.
Com Nietzsche, Deleuze (s.d. [1962]) aponta que a primeira coisa a
ser mexida e arejada é a preocupação com a verdade e a falsidade do
pensamento. O pensamento, olhado de um outro modo, só pode ser visto
em seu sentido e em seu valor. Ele é dependente disso, ao mesmo tempo,
tudo vai depender do valor e do sentido daquilo que se pensa, e “tem-se
sempre a verdade que se merece de acordo com o sentido do que se diz,
e de acordo com os valores que se faz falar”.5
O estabelecimento de uma verdade passa pela efetuação de um
sentido ou pela realização de um valor. Cada verdade é produzida e seu
começo está ligado ao sentido. Uma verdade se cria por um jogo de forças
que valoram e dão o sentido, que dizem a direção e constituem uma
dimensão empírico-transcendental, isto é, sem transcendência e sem a
relação forte de um sujeito sobre objetos. Uma verdade se produz em
meio a um susto, quando somos ligados de súbito às virtualidades que nos
cercam. Uma verdade é uma atualização de sentido. A verdade como
sentido, o sentido como efeito. Produção. Pois o sentido “não é, de modo
algum, um reservatório, nem um princípio ou uma origem, nem mesmo
um fim: ele é um ‘efeito’, um efeito produzido, cujas leis de produção
devem ser descobertas”.6
Referências bibliográficas:
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