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APOSTILA
MÉTODOS E TÉCNICAS DE
TRABALHO COM A FAMÍLIA
ESPÍRITO SANTO
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O NEOLIBERALISMO, AS POLÍTICAS
PÚBLICAS E SOCIAIS
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burocracia, a órgãos que conceberiam e programariam políticas. Estas devem ser de
responsabilidade do Estado, mas implantadas, implementadas e mantidas num
processo de decisões que envolvem, junto ao governo, diferentes organismos e
agentes sociais a elas relacionados. Políticas públicas não devem ser reduzidas a
políticas estatais, mas implicar no entrelaçamento entre Estado e sociedade.
No delineamento das políticas públicas, é importante ressaltar o processo de
diferenciação da área social. Muitas vezes, o ―social é entendido apenas como a
parcela excluída da população, traçando-se uma diferença entre ―social e
―sociedade, na qual a sociedade representaria a parcela economicamente
produtiva. Esta distinção é falaciosa e implica várias consequências. Inicialmente, ao
considerar as políticas públicas como voltadas a um ―social‖ excluído, perde-se seu
caráter democratizante, reproduzindo a desigualdade: políticas de saúde, educação,
previdência devem alcançar a todos e implicar a participação de todos, de modo que
a própria gestão estatal possa adquirir um caráter democrático efetivo. Além disso,
confundem-se estratégias de regulação da própria estrutura socioeconômica, que
atingem a vida pública e coletiva, com ações caritativas e assistencialistas. Políticas
públicas não são ―boas ações‖ do Estado, mas são garantias mínimas, financiadas
com o dinheiro de impostos pagos por toda a população, contra a precarização das
condições de vida da sociedade num contexto capitalista de exploração do trabalho
e produção de desigualdades. Neste sentido, é preocupante o discurso emergente a
partir dos anos 90 em relação ao trabalho voluntário e ao estímulo da substituição
das ações de Estado pelas ações de Organizações Não governamentais, por
conferir às ações sociais um cunho caritativo que obscurece sua real função e
constituição histórica.
As políticas sociais têm raízes nos movimentos populares do século XIX,
vinculadas aos conflitos entre capital e trabalho surgidos nas primeiras revoluções
industriais. As políticas sociais implicam ações voltadas para a redistribuição dos
benefícios sociais, que determinam o nível de proteção social implementado pelo
Estado, visando diminuir as desigualdades estruturais produzidas pelo incremento
econômico do capital e se relacionam às próprias condições de manutenção do
sistema capitalista. Um exemplo desta relação é a emergência do Estado de Bem-
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Estar social na Europa, fomentado economicamente no período pós-guerra como
garantia de manutenção do capitalismo face à ampliação socialista no leste.
Desse modo, pode-se, por exemplo, entender a educação como política
pública social, cujas ações são informadas por uma acepção particular de Estado.
Essas formas de interferência do Estado visam a manter as relações sociais de certa
formação social. No caso brasileiro, muitas políticas de implementação de escolas
técnicas, por exemplo, vinculam-se à concepção de uma formação pouco crítica e
meramente instrumental voltada ao mercado de trabalho e dirigida à população de
menor poder aquisitivo. Assim, a divisão de uma ―formação para os ricos‖ e uma
―formação para os pobres‖ consistiu numa política de reprodução de desigualdades
sociais pela diferenciação de escolarização (PATTO, 2005). Offe (1984) ressalta que
seria equivocado pensar nos objetivos da política educacional voltados apenas para
a qualificação da força de trabalho conforme interesses de determinadas indústrias
ou formas de emprego, afirmando que:
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o Estado de Bem-Estar Social de Keynes (1883-1946), oriundo de uma visão liberal
originada no racionalismo francês, o neoliberalismo defende enfaticamente
liberdades individuais, acredita nas virtudes reguladoras do mercado e critica a
intervenção estatal, numa concepção individualista, utilitarista e competitiva da
sociedade. A promoção e a proteção do indivíduo, dos interesses e das relações que
individualmente se estabelecem e se equilibram naturalmente na sociedade são
destacados por Friedman:
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instrumento que, no contexto predatório da sociedade de mercado, está se
revelando um desastre para os interesses globais da Humanidade. (p.127)
Além disso, o viés econômico na análise neoliberal das relações sociais tem
ocultado dados ligados à real condição de vida da população. Por exemplo, mede-se
a pobreza por diversos critérios que mostram seu agravamento, mas ela é
desvinculada do exame de outros aspectos, utilizando-se como critério o dado
macroeconômico do PIB per capita. Esse índice, porém, descreve apenas a esfera
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econômica e enxerga o conjunto pela média, cego à sua distribuição real, não
considerando que, em países como o Brasil, tal média é permeada pelo contexto
histórico de desigualdade econômico-social. O discurso neoliberal, que se dispõe
como discurso único e verídico sobre as relações sociais e políticas, não pode
ocultar as decorrências sociais e culturais que seu modelo e sua racionalidade
geram presentes na expansão do desemprego, na piora da condição de trabalho, na
fragilização de vínculos trabalhistas, no aumento da violência, da miséria e da
marginalização. Seus efeitos se notam ainda na constituição das subjetividades e
das relações humanas, com influências na família, no trabalho, na escola e todos os
espaços de socialização, trazendo para eles a lógica das relações humanas como
mercadorias e do ―lucro‖ social, subjetivo, educacional, político. Uma gestão
pública informada por uma acepção crítica de Estado, que considere seu papel
atender toda a sociedade, sem privilegiar interesses de grupos detentores do poder
econômico, deve ter como prioritários programas de ação universalizantes, que
compreendam as ações públicas sob uma lógica democrática e não sob uma lógica
de mercado, e possibilitem o acesso e a participação equitativa nas conquistas
sociais por todos os cidadãos, visando reverter o desequilíbrio social. Mais do que
oferecer "serviços" sociais, as ações públicas articuladas com as demandas da
sociedade, devem se voltar para a construção de direitos sociais.
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diferenças na distribuição de renda e nas oportunidades de inclusão econômica e
social. No contexto desses trinta anos, as concepções sobre a pobreza e sobre seu
combate guardaram diferentes vínculos com o discurso ideológico liberal, por vezes
estimulando políticas reformistas e compensatórias em detrimento de mudanças na
estrutura social e favorecendo a retificação das relações de classe da sociedade
capitalista. A ideia de pobreza como insuficiência de emprego, em voga ao fim dos
anos 60 e início dos 70, indicava o modelo de desenvolvimento econômico atado ao
aumento da dívida externa e à ênfase no setor privado e nas multinacionais,
privilegiado pelos países latino-americanos a partir dos anos 50. Tal modelo,
pautado por uma relação colonialista com países desenvolvidos, não incorporou as
massas urbanas, que permaneceram excluídas de direitos de cidadania, condições
de trabalho e renda. Pautado no discurso liberal de justiça social pelo crescimento
econômico, tal modelo gerou o aumento do subemprego, do setor informal e da
marginalidade urbana, num processo de industrialização e crescimento econômico
de caráter nitidamente excludente.
A noção de pobreza como insuficiência de renda tomou corpo na primeira
metade dos anos 70, supondo que os setores chamados modernos das estruturas
produtivas crescem e se alimentam pela presença dos setores atrasados. Nessa
vertente, pobreza e processo de exclusão social se verificariam no interior mesmo do
núcleo moderno dessas sociedades, como resultado do próprio processo de
modernização, sendo necessária a realização de políticas compensatórias que, no
entanto, não modificariam a estrutura econômica. A ideia de pobreza como
carências múltiplas, que define grupos mais sujeitos ao processo de exclusão social,
se fortalece nos anos 80. Nesse quadro, crescem estudos sobre população idosa e
juventude, por exemplo, e propostas de políticas emergenciais: para debelar a fome,
conseguir o primeiro emprego ou uma renda familiar mínima. Fragmentando as
dificuldades sociais, tal noção ofusca a dinâmica social produtora das desigualdades
e verte o atendimento público a grupos miseráveis.
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Com o avanço dos efeitos da política neoliberal, inclusive em regiões de
industrialização avançada, como América do Norte e Europa, o debate sobre a
pobreza ressurge como contraponto às teses e políticas liberais. Vários analistas
ressaltam o caráter massivo de fenômenos como o aumento da pobreza, do
desemprego, da desigualdade e exclusão social e da violência, ligando-os às
mudanças operadas na ordem político-econômica, por força de interconexões
globais, metamorfoses no mercado de trabalho e da redução da proteção social.
Na América Latina, a globalização e liberação dos mercados, priorizando a
abertura comercial e financeira e a
estratégia de integração à ALCA, a
estabilidade econômica, a reforma do
Estado pelas privatizações, aliadas à
ausência de uma política industrial
ativa, tiveram consequências
destrutivas sobre o emprego e os
direitos sociais. Durante as duas
últimas décadas, os processos de
globalização da economia e
reestruturação produtiva tiveram alto
impacto sobre os centros urbanos,
gerando o aumento do déficit habitacional, a deterioração das condições ambientais,
o encarecimento do solo urbano, o aumento do desemprego, do custo de vida e do
subemprego, a intensificação de desigualdades sociais, da pobreza e da violência.
No mesmo período, a maioria dos governos latino-americanos adotou reformas
estruturais de caráter setorial, enquanto tomava medidas de ajuste fiscal na política
macroeconômica. Tais reformas afetaram o mercado de trabalho, agravando o
desemprego a partir da década de 90, diminuindo o padrão salarial e de renda e
aumentando a participação dos trabalhadores no setor informal.
Em políticas públicas na saúde, tem-se um exemplo desse processo: a
dinâmica demográfica e a mudança na faixa etária da população, ligada à miséria e
às más condições de vida nos bolsões populacionais, geraram a justaposição de
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perfis epidemiológicos em que coexistem problemas de higiene e saúde, fazendo
ressurgir doenças que se pensava controladas. De outro lado, políticas cada vez
mais voltadas a dispositivos privados fragilizaram a atenção pública em saúde,
mormente em ocasiões de cunho epidemiológico, dificultando a redução de
situações de vulnerabilidade e o atendimento aos mais excluídos.
Ao considerar o avanço neoliberal nos países subdesenvolvidos, destaca-se a
fragilidade dos organismos de justiça social e de representação política. Na Europa,
onde a exploração de colônias nos séculos precedentes e a ascensão do Estado de
Bem-Estar Social no pós-guerra, como contraposição ao avanço do socialismo,
admitiram erigir uma forte estrutura econômico-social de proteção dos cidadãos, a
fragilização das conquistas sociais e os efeitos colaterais da política econômica,
como a violência e o desemprego, se dão de modo mais gradativo e menos
impactante. Em revés, no cenário latino-americano, sobretudo brasileiro, séculos de
dominação colonial, desigualdade social e governos autoritários levaram ao frágil
estabelecimento de direitos sociais e da participação democráticos, somente
conquistados com alguma segurança nas lutas sociais após o período ditatorial, nos
anos 80. Desse modo, a estrutura autoritária de governo e a pouca força política da
participação social abriram terreno ao progressivo avanço neoliberal e às rápidas
sequelas sociais de suas ações.
No caso brasileiro, a agenda neoliberal começou a se efetivar na década de
90, já que a ofensiva popular que acompanhou a redemocratização do país nos anos
80 adiou o domínio neoliberal. No entanto, a própria ideologia elitista dos governos
autoritários anteriores favoreceu o posterior programa neoliberal no Brasil, que
ultrapassou a reforma da gestão de Estado e incidiu na continuidade do
autoritarismo político pelas alianças de elite formadas após a ditadura militar, sobre o
vazio político da recém-constitucionalização, num contexto em que ainda não
haviam sido implantadas as diretrizes da Constituição de 1988. Por exemplo, o
governo Cardoso (1994-2002) deflagrou um uso exponencial de medidas
provisórias, gerando reformas constitucionais seguidas, que significaram a revisão
de vários de seus contratos básicos numa direção liberal, ―com intensidade inédita
na história republicana do século XX‖ (CODATO, 2005). Assim, a manutenção das
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relações autoritárias constituídas historicamente nas instituições brasileiras, inclusive
com o dispositivo de subordinação do Congresso Nacional ao Executivo, favoreceu a
implantação da política neoliberal a despeito da opinião popular.
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mínimo do papel do Estado em ações sociais, dirigindo o restante ao mercado e a
políticas assistenciais voltadas localmente a grupos de extrema penúria (Vianna,
1998), com base nas ideias de carências múltiplas e população de risco.
No projeto de redução do Estado, conforme Guimarães (2001), os impostos
indiretos e a carga fiscal aumentaram muito para assalariados, mas os ganhos do
capital foram protegidos de tributação e novos subsídios favoreceram grandes
capitalistas, inclusive multinacionais e proprietários recentes de empresas estatais.
Houve um deslocamento patrimonial do Estado estimado em 30% do PIB para
grupos privados. Setores estratégicos da economia brasileira, vitais em qualquer
plano de soberania econômica, foram vendidos de modo pouco claro. Esse projeto,
cuja conjuntura atual é marcada pela crise, é palco de uma disputa política na qual a
agenda neoliberal ainda possui hegemonia, mas encontra sólida oposição.
Igualmente, o modelo de crescimento econômico como base da justiça social mostra
sua falência, pois esse crescimento diminuiu impedido pela própria dívida pública,
pelo déficit externo e a desestruturação do setor produtivo estatal: 1,8% nos anos
90, cerca de um terço do obtido entre 1945 e 1980. No contexto desse
desinvestimento, ocorrem crises em setores estratégicos, como no setor energético
no governo Cardoso ou no aéreo no governo Lula. O plano neoliberal ampliou ainda
a desigualdade, cogerindo a explosão da violência urbana.
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POLÍTICAS DE EMANCIPAÇÃO NO ESTADO CAPITALISTA
Transferência de Renda
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No Brasil, a ascensão de movimentos sociais contribuiu para a aprovação do projeto
de lei do senador Eduardo Suplicy (PT/SP) em 1991, instituindo o Programa de
Garantia de Renda Mínima (PGRM), no qual toda pessoa de 25 anos ou mais que
não recebesse o equivalente ao salário mínimo teria direito de 30% a 50% da
diferença entre esta quantia e sua renda. A elevada concentração de renda é
marcante na sociedade brasileira, cujos índices de desigualdade estão entre os mais
altos do mundo. Neste cenário, implantar a garantia de uma renda mínima – a
transferência monetária para pessoas que não alçam um nível mínimo de renda – é
uma das políticas compensatórias e meio de combate à miséria.
Tais programas se ampliaram por municípios e estados: é criado em 1995 o
PGRM de Campinas, (gestão Magalhães Teixeira) e o Bolsa-Escola, do Distrito
Federal (gestão Cristovam Buarque). Os resultados positivos no Distrito Federal
tornaram o programa Bolsa-Escola referência para vários países (VAN PARIJS,
2000). No nível federal, a Bolsa-Escola passou a vincular renda mínima e política
educacional: a complementação busca elevar a renda de famílias pobres e ainda
incentivar a escolarização de seus filhos, atendendo hoje 5% da população, em
5.531 municípios brasileiros dos 5.561 existentes. No programa federal, cada criança
entre 6 e 15 anos, frequentando regularmente escolas da rede pública, tem direito a
R$ 15,00 mensais, até o máximo por família de R$ 45,00. O dinheiro é mensalmente
sacado por cartão magnético pela mãe ou responsável legal, nas agências da Caixa
Econômica. A escolha de favorecidos obedece a critérios legais e o pagamento é
suspenso em caso de frequência escolar
mensal inferior a 85%, cujo controle é feito
pelas prefeituras participantes do programa,
trimestralmente. Em comparação às
políticas sociais tradicionais no Brasil, os
programas de transferência de renda
avançam politicamente ao dispor metas
sócio-educativas e explicitar a preocupação
de articular políticas diversas. Assim, Van
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Parijs (2000) elogia o programa brasileiro como promotor da autonomia dos
cidadãos.
Há, porém barreiras para articular os diversos programas de política social,
pois mesmo com a grande quantia de recursos envolvidos e pessoas atendidas nos
programas nacionais, eles não conseguem formar em seu conjunto uma política
nacional unificada. Assim, muitas vezes, programas de transferência monetária
acabam atuando de modo isolado e regional, sem maior articulação a programas de
educação, saúde, trabalho e outros. Seria preciso sua articulação às iniciativas em
torno do desemprego do país, numa política nacional de cidadania instituída de
modo descentralizado e coordenado. É preciso ainda lembrar que estas políticas não
questionam modelo econômico de pobreza estrutural e podem não implicar
participação popular, mostrando-se vulneráveis ao contexto político.
GESTÃO
DEMOCRÁTICA EM
EDUCAÇÃO E SAÚDE
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produtividade no desenvolvimento das ações. No Brasil, a gestão pública acaba se
vinculando aos princípios empresariais, dada sua característica capitalista, em que
os interesses do capital atuante nas organizações se reproduzem nas relações
políticas e sociais, que se adaptam a esse modelo hegemônico. Segundo Paro
(1996), na sociedade capitalista "as regras capitalistas vigentes na estrutura
econômica tendem a se propagar por toda a sociedade, perpassando as diversas
instâncias do campo social" (p.48). Nesse contexto, supervisores de ensino,
coordenadores de saúde ou diretores de escola passam a atuar compreendendo
suas funções básicas como organizar e administrar num prisma produtivo e
avaliando as ações em termos de eficácia, eficiência e produtividade em contextos
em que seria mais próprio pensar em termos de pertinência, efetividade, cooperação
e participação social. Assim, para entender os paradigmas presentes na gestão
social pública, é preciso antes delinear historicamente os conceitos de administração
na sociedade capitalista, que vêm condicionando a gestão em instituições e
organizações.
Hora (1997) demonstra que a teoria administrativa do século XX se
desenvolveu em três escolas: a clássica, que tem como critério central a eficiência
(capacidade real de produzir o máximo com o mínimo de recursos), representada
pela teoria científica de Taylor, pela teoria de Administração Geral de Fayol e pela
administração burocrática, concebida por alterações da teoria da racionalidade de
Weber; a psicossocial, representada por Mayo e Dickson, que substitui o critério da
eficiência pelo da eficácia, em que os objetivos a alcançar são intrínsecos ao
sistema, e a contemporânea, que tem como critério a efetividade (capacidade de
criar a resposta desejada). Embora com ideias distintas, as duas primeiras teorias
têm como objetivo central obter lucro. Elas nortearam a organização institucional na
sociedade capitalista, trazendo a noção de lucro ao interior das instituições, que
passou a permear as relações humanas, com implicações sociais e políticas.
Ao entender os recursos humanos não como recursos do homem (técnicas e
procedimentos), e sim o homem como recurso (PARO, 2002), tais concepções
desumanizam as relações humanas, pois deslocam o homem, de sujeito, a objeto do
processo, desconsiderando que "o homem é meio, não fim" (PARO, 2002, p.25), e
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gerando relações de dominação. Na Administração capitalista, a produção, que visa
lucro, "só se sustenta a partir da exploração do trabalho alheio" (Ibid., p.44). Paro
(2002) aponta dois campos de administração: a "racionalização do trabalho", ligada
à utilização dos recursos materiais e conceptuais, e a "coordenação", ou seja, o
emprego do esforço humano coletivo.
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universalidade das políticas, com leis asseguradas na nova Constituição. Assim,
abordou-se a contradição entre o alto gasto social e os medíocres resultados
alcançados. Institucionalmente, tais metas nortearam ações de descentralização,
maior transparência nos processos decisórios e ampliação da participação social.
Porém, após o processo constituinte, em seguida ao curso de implantação da
nova legislação, as pressões do jogo de forças políticas não se dirigiram a esse
olhar progressista. Mobilizações corporativistas e mecanismos clientelistas, quase
sempre associados a práticas populistas
dos governos, buscaram capturar as
demandas e ensaios de reformas,
impondo limites ao exercício democrático
e à participação popular nas novas
políticas públicas. Embora a constituição
de 1988 fosse um avanço, essas ações
tolheram a efetiva construção de uma
opção democrática na modernização e
reforma das políticas sociais ainda nos
anos 80.
Nos anos 90, os termos da
reforma do sistema brasileiro de proteção
social foram redefinidos. Compõe o
cenário a maior estabilidade política e democrática, mas também de globalização
econômica, avanço da hegemonia neoliberal e queda do Estado de bem-estar social.
Assim, as políticas públicas e sociais são palco de lutas e jogos de forças entre
discursos econômicos focados na redução do Estado e movimentos sociais e
políticos que alertam para a situação ainda mais excludente e perversa delineada na
terceira fase do capitalismo, buscando participação popular democrática e acesso a
condições de desenvolvimento humano melhores. No quadro internacional, nota-se
um novo jogo de forças entre Estado e mercado, em que organizações
multinacionais e conglomerados empresariais, por seu poder econômico, acabam
impondo acordos e exigências aos países, muitas vezes reivindicando a fragilização
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de condições de trabalho e menores dispêndios tributários e sociais, afetando
conquistas sociais históricas. Nossos governos, sob forte pressão financeira
internacional, teriam optado por um lado da balança - o do ajustamento econômico e
fiscal. Para Narita (2004),
A opção por um modelo neoliberal limita o papel do Estado que, por meio
das políticas econômicas e sociais, não universaliza os direitos sociais à
saúde e à educação. Isso porque o Estado - democrático e de direito -
existe formalmente, mas de fato, grande parte da população vive sob a
condição de não-cidadania, participando de um contrato social excludente,
em um não-Estado de direito. E, com as reformas do Estado, de cunho
neoliberal, torna-se mais difícil construir um Estado público, democrático e
que assegure os direitos sociais e a cidadania plena a todos (p.26).
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problemas estruturais de duração secular, agravados atualmente pelo desemprego,
a instabilidade do trabalho e a redução da renda das famílias.
Junto a essas questões, há a distorção dos mecanismos de participação
conquistados na década de 80. Sobretudo nas políticas de educação, assistência
social e saúde, os últimos quinze anos registram um elevado grau de alterações e
inflexões nos programas, afetando desde concepções até financiamento, modo de
operação, organização e estilo de gestão. Projetados para o conjunto das áreas
sociais, os dados registram relevantes mudanças nas metas, orientações e eixos.
Ainda assim, há ganhos para a gestão democrática, cujas diretrizes na Constituição
permitiram a formação de conselhos populares e cuja execução em saúde e
educação tem constituído os melhores resultados nestas áreas.
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Já a segunda posição é contra qualquer tentativa de organização escolar
burocrática, reagindo ao caráter autoritário das relações sociais contemporâneas,
devido à histórica cultura empresarial em gestão, na qual a maioria dos estudos
considera o modelo empresarial capitalista como ideal de gestão escolar. Paro
(2002) aponta certas diferenças dessas instituições, mostrando que é impossível
colocá-las no mesmo patamar. Quanto aos objetivos, a escola visa fins de difícil
mensuração, enquanto a gerência capitalista visa produzir um bem ou serviço
determinado. Além disso, a aula é uma atividade em que se buscam resultados
contínuos: o educando apropria-se de um saber que o leva à sua transformação
prolongada por toda vida. É inviável medir prontamente o alcance dos resultados,
assim como não há um mecanismo de sanção efetivo, já que quem provê e regula a
escola é o Estado e não se pode automatizar a educação para otimizar sua
produção: a mão de obra na escola é item permanente. A escola é, ainda, uma
instituição prestadora de serviço onde o aluno não é apenas beneficiário (como o
cliente capitalista), mas também participante sujeito e objeto da educação. Ele é a
matéria prima (que se altera no processo), mas não pode ser selecionado como nas
empresas. A aula é produzida e consumida ao mesmo tempo e as relações
escolares, mesmo no trabalho de seus agentes, não se pautam pela produção de
lucro. O trabalho pode ser produtivo para o empregador, mas não para o aluno.
Hoje, também a gestão escolar é similar à gerência capitalista, referida ao
comando administrado do trabalho alheio. A decisão final é do diretor, que está no
topo da hierarquia, responsável pela supervisão das atividades, que têm funções
específicas, facilitando seu controle. Além de pressões de órgãos superiores, todo o
corpo escolar (professores, alunos, pais, funcionários) cobra do gestor, que tem de
conciliar interesses de ambas às partes, inclusive naquilo que não tem domínio
direto (recursos, por exemplo), e quando tais solicitações não são ouvidas, sua
imagem se estigmatiza como autoritário. Nesse quadro, o diretor da escola:
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cumprir as determinações emanadas dos órgãos superiores do sistema de
ensino que (...) acabam por concorrer para a frustração de tais objetivos.
Tais órgãos bombardeiam a unidade escolar com um número enorme de
leis, pareceres, resoluções, portarias, regulamentos, etc. assoberbando as
atividades do diretor, que se vê, assim, na contingência de dedicar parte
considerável de seu tempo ao atendimento de formalidades burocráticas.
Tais formalidades aparecem de forma ainda mais embaraçosa quando se
interpõem como obstáculo à solução dos múltiplos problemas que o diretor
deve enfrentar em seu dia-a-dia, principalmente daqueles relacionados à
escassez de recursos de toda ordem (...). Envolvidos, assim, com inúmeros
problemas da escola e enredado nas malhas burocráticas das
determinações formais (...) o diretor se vê (...) tolhido em sua função de
educador, já que pouco tempo lhe resta para dedicar-se às atividades mais
diretamente ligadas aos problemas pedagógicos no interior de sua escola
(PARO, 1996 p. 133).
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apenas se buscarão os procedimentos administrativos mais adequados" (1996,
p.13).
Assim, compreende-se que a transformação social inicia-se pela análise de
antagonismos e desigualdades sociais, pela conquista de espaços mais amplos na
sociedade civil, visando à transformação do Estado em prol de uma relação menos
coercitiva e mais democrática e convergente com o interesse popular. A educação
escolar pode servir de artifício em poder dos grupos sociais dominados, visando à
autonomia, como aponta Freire (1993): a apropriação crítica do saber historicamente
forjado leva à emancipação cultural, desconstruindo relações de opressão. Hoje, a
educação atenta para os requisitos
intelectuais ligados ao treino de funções
de produção, em prejuízo da autonomia e
do pensamento crítico, pois o saber
veiculado é guiado por critérios
econômicos de produção e consumo, não
por metas de ascensão social coletiva. O
papel do educador voltado a mudanças
sociais é valorizar sua ação,
questionando, pesquisando e refletindo a
realidade para entendê-la e superá-la. Para mudanças efetivas na escola, deve-se
incluir a produção pedagógica, além de uma gerência que explicite os alvos que
deseja alcançar e perceba os reais interesses da população que atende. O gestor
deve estar cônscio da ação tecnocrática de seus órgãos superiores, questionando a
função de mero burocrata, obrigado a fazer cumprir programas educacionais que
muitas vezes desconsideram a realidade e necessidades da comunidade escolar. O
ideal de gestão que separa concepção e execução leva a ações centralizadoras e
autoritárias, voltadas ao controle e inspeção de atividades. Isso gera uma ação
fragmentada do professor, na qual ele efetua uma prática pedagógica planejada por
especialistas incumbidos ainda do seu controle, cerceando o saber constituído nas
relações forjadas em sala de aula e desvinculando sua própria habilidade de pensar
e tecer relações favorecedoras da autonomia com os alunos.
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É preciso também reconhecer o hiato entre formulação de políticas sociais e
sua implantação, vinculado tanto ao modo muitas vezes técnico de formulação das
políticas, que desconsidera as experiências e relações concretas nas quais a ação
ocorrerá, quanto à implantação das políticas, que amiúde desobedece à formulação,
seja pela má gestão, por mudanças de governo ou pelo enfoque em índices
quantitativos, desfavorecendo caminhos qualitativos de progresso social. Um
exemplo é o sistema de progressão continuada, inserido no conjunto da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996. As mudanças centrais se
dão na avaliação: criação da recuperação paralela ao ensino através de classes de
aceleração; apoio a meios de avaliação diversificados e flexíveis; auto-avaliação.
Tornar a avaliação "formativa" e "diagnóstica", focalizando o processo de ensino-
aprendizagem e não apenas o produto final, é a intenção da proposta segundo o
Conselho Estadual de Educação ( CEE). As mudanças não se restringem à
avaliação, mas envolvem uma "alteração radical" da organização da escola, da
proposta pedagógica e da concepção de educação, segundo o CEE. Embora seja,
sobretudo, uma diretriz pedagógica, baseada na ideia de ciclos da aprendizagem,
que questiona o processo de ensino-aprendizagem tradicional, ela muitas vezes
permite a promoção automática de alunos. Assim, o processo de implantação do
sistema contraria seu conjunto de propostas, e problemas de aprendizagem são
protelados para anos seguintes, maquiando estatísticas de repetência escolar para
atender exigências das instituições internacionais.
No processo de municipalização do ensino fundamental, intensificado pelo
governo federal a partir da década de 1990 também há este problema. Tornando o
ensino fundamental atribuição das prefeituras, e não mais do governo estadual,
buscava-se aumentar a participação dos cidadãos na elaboração, implementação e
avaliação do processo de ensino-aprendizagem. Na realocação do centro de poder
para secretarias municipais, se permitiria que as negociações ocorressem
diretamente, pois os integrantes do processo – professores, diretores, alunos e pais -
estão mais próximos à administração municipal em comparação ao governo
estadual. Mas essa política mostra também dificuldades em sua implementação,
pois a municipalização criou uma instabilidade profissional para os professores:
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aqueles que reivindicam melhores salários correm o risco de serem transferidos para
escolas distantes de suas residências ou serem demitidos. Outra diretriz referente à
municipalização do ensino que apresenta obstáculos está no Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef),
criado em 1998. Com esse fundo, o governo federal impeliu os municípios a se
responsabilizar pelo ensino fundamental com liberação de recursos para a
educação, mas não os obrigou a tal compromisso. O Ministério da Educação
avaliava que o Fundef aumentaria o número de matrículas no ensino fundamental,
os salários dos professores e a oferta de vagas, favoreceria os planos de carreira
municipais e a capacitação de professores leigos presentes no sistema de ensino,
auxiliando a meta da LDB de permitir que, até 2006, todos os professores tivessem
formação média ou superior. Porém, houve resistência ao processo, pois a
transferência do ensino se deu de modo hierarquizado, sem discussão ampla junto
aos docentes e reorganização conjunta dos sistemas de ensino, criando conflitos e
entraves. Além disso, nem sempre recursos materiais e humanos se fizeram
presentes como deveriam, faltando profissionais preparados para fazer a
capacitação de professores, por exemplo. Além disso, o Fundef se tornou atrativo
para gestores municipais mais preocupados em receber recursos do que em investir
na qualidade do ensino. Por lei, o município deve aplicar 25% da receita na
educação, oriundos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS),
do Fundo de Participação dos Estados e dos Municípios, e de parte do Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI), que devem ser gastos na manutenção e
desenvolvimento do ensino público e na valorização do magistério.
Essa dificuldade em implantar políticas vincula-se ao escasso diálogo entre
legisladores, secretarias de ensino, professores, diretores e alunos. Na passagem da
formulação à implantação, certas medidas tomadas no tocante ao sistema de
progressão continuada pelas Secretarias e Conselhos de Educação acabam por
tornarem-se prescritivas e normatizadoras. A falta de participação na criação e
viabilização das políticas educacionais tem levado ao desencontro entre a escola e a
execução de diretrizes educacionais da legislação. As condições de trabalho dos
professores - jornadas fragmentadas, contrato por hora aula, alta rotatividade e
39
baixos salários – revelam falta de iniciativa para prestar condições de realização de
um trabalho coletivo. Igualmente, políticas de capacitação para professores muitas
vezes ocorrem prescrevendo inovações, relacionando competências que os
educadores devem aprender e aplicando cursos de treinamento. Tais medidas,
pautadas na racionalidade técnica e na lógica dedutiva que pressupõe que as
normas criam a realidade social, desconsideram o que é criado e vivido na própria
escola e buscam modificar a escola por meio de ações externas e alheias a seu
contexto cultural. É preciso, ao contrário, ponderar os modos pelos quais, diante da
legislação e das condições presentes, os professores têm pensado seu papel social
e constituído suas práticas,
considerando os sujeitos
sociais integrantes do
processo de produção de
saberes, criação e
transformação das práticas.
Administração em Saúde:
avanços e percalços
ADMINISTRATIVAS E SOCIAIS
44
(organizações sem fins lucrativos). Há 250 mil organizações da sociedade civil
(OSC‘s) no Brasil, que empregam cerca de 1,5 milhões de pessoas. Muitas de suas
atividades se dão na área social: educação, meio ambiente, geração de emprego e
renda, saúde, cultura, ciência e tecnologia, etc. As OSC‘s mais antigas são de
assistência social ligada à igreja católica, como os orfanatos do período colonial.
45
população de baixa renda. Lopes (2004) relata vários casos de ONG‘S que se
organizam para propor diretrizes políticas condizentes com interesses da classe
média à qual seus integrantes pertencem, prejudicando interesses da população
mais pobre. Essa difusão das políticas toma impulso pelas mudanças promovidas na
economia neoliberal. Com a reforma do estado, torna-se frequente a execução pelo
terceiro setor de funções antes promovidas pelo Estado, muitas vezes com
pagamento deste, instituindo relações de instabilidade econômica e dependência
institucional nas organizações, que a despeito da expansão do setor em grande
parte sofrem crise de recursos. Tais relações podem intervir na qualidade, reduzir ou
fragilizar ações sociais, condições e vínculos de trabalho, contribuindo para compor
a agenda neoliberal de enxugamento do Estado. Também a globalização da
economia com a fragilização de vínculos trabalhistas e a crescente contratação de
empregados como pessoas jurídicas ou associações profissionais leva ao uso dos
dispositivos jurídicos do terceiro setor de modo desviado da função original.
Numa conjuntura de organização recente e relações de dependência com
empresas privadas e com o Estado numa sociedade capitalista como a brasileira, as
OSC‘s enfrentam dificuldades e ambiguidades no tocante à sua organização,
profissionalização e seu papel social. Por um lado, a história de tais organizações,
em grande parte vinculada ao voluntarismo e a instituições religiosas, dificulta a
profissionalização e organização de informações. Por outro lado, o próprio quadro
social, marcado pelo discurso econômico neoliberal e a organização empresarial
capitalista, favorece a adoção deste modelo como modo hegemônico de formação
das ONG‘s. Cabe ressaltar, nesse contexto, a ligação entre o crescimento das
ONG‘s no Brasil e o período de redemocratização, quando diversas organizações
civis se formaram na luta por direitos sociais, para resgatar o caráter político e
vinculado à cidadania pelo qual a expansão de organizações civis se pautou.
Desse modo, para permitir um arranjo coerente, sólido e profissional, é
relevante delinear metas, meios e instrumentos das organizações civis, bem como
definir o público alvo e a comunicação da organização com este e informar com
qualidade potenciais financiadores: os próprios beneficiários, empresas, órgãos de
governo ou fundações. Todavia, é preciso diferenciar a gestão civil da gestão
46
empresarial e do pensamento em termos da ação como um "produto". O trânsito por
várias linguagens e culturas de setores com que a organização se relaciona, como
empresas financiadoras capitalistas, órgãos governamentais de cultura quantitativa,
própria à escala de políticas públicas e usuários que podem cobrar serviços não
pode obliterar uma gestão democrática. Responder a esses desafios implica clareza
do papel da organização, pela definição da missão que orientará o planejamento de
longo prazo, pelo estabelecimento coletivo de metas e meios de realização, de
avaliação de atividades e arranjo da
contabilidade e dos custos. Enfim, uma
transformação das instituições, numa
ação reflexiva que desenvolva
alternativas de gestão vinculadas, de um
lado, à cidadania e participação coletiva
e, de outro lado à gestão profissional e
social das ações. Certas caracterizações
previstas em lei auxiliam à compreensão
da função social do terceiro setor.
Para as ONG‘s, há certificações
que atuam com distintas
regulamentações e níveis, nas esferas
federal ou estadual. As certificações
públicas conferidas pela lei apenas exprimem um atributo da instituição, não
garantindo isenção tributária, que pode ser cassada por órgãos fiscalizadores diante
de infrações às leis que concederam os benefícios fiscais. Os recursos de uma
entidade beneficente provêm inicialmente de doações. Porém, a entidade poderá
recorrer a recursos públicos, efetuando convênios, parcerias e solicitando auxílios e
subvenções a governos municipal, estadual e federal, autarquias e sociedades de
economia mista, além de crédito no BNDES, isenção de tributos, caso seja
reconhecida por filantrópica, e recursos de órgãos internacionais. A entidade pode
ainda agregar a seu quadro associativo um investidor para causas sociais que,
embora seja uma opção para captação de recursos, leva à situação de fragilidade e
47
submissão da instituição a interesses particulares. As empresas que financiam
sociedades civis obtêm vantagens em sua imagem publicitária, propagando
preocupação e envolvimento com questões sociais, bem como na isenção fiscal
conferida pela lei de Responsabilidade Social Empresarial, pois a entidade que tem
Certificação de Utilidade Pública Federal pode fornecer recibo autorizando a
empresa a deduzir a doação como despesa operacional, até o limite de 2% do lucro
operacional.
Concessão de Títulos Jurídicos No Terceiro Setor: mecanismos de
regulamentação na ação social
O título não designa uma pessoa jurídica, mas uma qualificação que pode ser
conferida, suspensa ou retirada. A concessão de títulos jurídicos a entidades do
terceiro setor visa distinguir entidades qualificadas em comparação às comuns,
inserindo as primeiras num regime jurídico de vantagens frente ao Estado. Busca-se
ainda padronizar o tratamento jurídico de entidades que apresentem atributos
comuns e orientar o controle das atividades das entidades, tanto pela concessão do
título quanto pela suspensão e cancelamento. Essa organização, em princípio, pode
ser vantajosa, pois entidades que recebem o título e passam a possuir certificação
de idoneidade têm benefícios garantidos em lei e recebem enquadre jurídico distinto
do comum. A titulação evita ainda que se criem vantagens isoladas em favor de
entidades que visem o interesse coletivo.
Mas existem desvantagens nessa concessão de títulos jurídicos, como na
certificação indevida, por falta de critérios, favorecimento político ou fraude. Há
também desvantagem na insegurança jurídica que acompanha a concessão, pois a
manutenção do título se condiciona ao cumprimento de exigências aferidas
periodicamente pelo governo, e este mecanismo de controle gerencial não possui
previsão jurídica clara nem normas que assegurem às entidades garantias contra o
exercício abusivo do controle. A entidade qualificada está então sujeita a desvios,
inclusive pela corrupção. Algumas dessas desvantagens se observam em situações
relativas ao título de utilidade pública.
48
Crise do título de utilidade pública
A Lei n. 9.637/98 criou título Organização Social (OS) como uma resposta à
crise do título de utilidade pública. A denominação organização social designa um
título conferido a entidades sem fins lucrativos que atendem requisitos de
constituição e atuação que visam assegurar o interesse público e fixar garantias para
uma relação de confiança e parceria entre a entidade e o Poder Público. Embora
tanto o título de Utilidade Pública quanto o de Organização Social (OS) afiancem
benefícios e controles inexistentes a outras pessoas jurídicas privadas (como
vantagens tributárias e fiscalização pelo Ministério Público), o título de OS confere
vantagens e sujeições inexistentes para entidades de Utilidade Pública. Entre estas
está a publicação no Diário Oficial da União do relatório de execução do contrato de
gestão, o uso de bens materiais e recursos humanos de órgãos extintos do Estado,
e a absorção de suas
atividades, contratos e seus
símbolos designativos,
seguidos do símbolo OS.
O título de organização
social busca corrigir desvios
do título de utilidade pública,
restringindo a cessão a entidades
51
de fins comunitários, evitando certificar entidades de favorecimento mútuo. Assim, a
lei dispõe regras para compras e salários; exige um colegiado superior composto por
fundadores, representantes da comunidade e do Estado; prevê auditorias; exige
para fomento público um contrato de gestão com o Estado, que define tarefas a
cumprir; responsabiliza os dirigentes pelo mau uso de recursos públicos, entre
outros critérios ausentes no título de utilidade pública. Mas isso não significa que a
legislação de OS seja imune a desvios: este título foi concedido a apenas duas
entidades no nível da União e, em ambas, a qualificação foi precedida da extinção
de entidade ou órgão público, recaindo em entidades com pouco tempo de
existência, sem ações comprovadas nem capital próprio, salvo o capital humano.
Assim, o título acabou atuando como meio de enxugamento do Estado, com
favorecimento privado.
Essa situação revela lacunas na lei, como falta de exigência das entidades
candidatas de um tempo mínimo de atuação comprovada em sua área de ação. Em
leis estaduais sobre o título de OS, essa exigência tem sido incluída (v.g, Lei
Complementar n. 846/98, do Estado de São Paulo, exige atuação de mais de cinco
anos). Há ainda lacunas na não exigência de patrimônio ou qualificação técnica e na
não exigência de contraprestação por um percentual de serviços gratuitos
diretamente voltados ao cidadão nos contratos entre Estado e OS.
55
estruturadas em torno do casal, refere-se à participação crescente da mulher-
cônjuge entre os ocupados da família, à redução do peso do chefe masculino entre
estes e à diminuição da participação dos filhos. Uma exceção entre famílias
conjugais é encontrada naquelas cujos casais têm mais de 50 anos e há filhos
residentes, em que cresceu a participação do chefe masculino entre os ocupados da
família de forma concomitante à redução da participação dos filhos adultos, afetados
pelo desemprego. A segunda tendência refere-se às famílias com chefia feminina
sem cônjuge, nas quais a participação da chefe entre os ocupados da família
aumenta devido à menor absorção de filhos e parentes jovens pelo mercado de
trabalho. Até o final da década de 90, há a continuidade progressiva destes
rearranjos familiares de inserção no mercado de trabalho.
Essas alterações afetaram a relação família/trabalho, por exemplo, pela
exigência de escolarização, usualmente maior entre mulheres, e geraram mudanças
das relações hierárquicas na família, como diferenças nas relações de gênero ou
idade em seu interior. Mudanças nas vagas, vínculos trabalhistas e padrões de
contratação, entre outros, tais como o aumento do desemprego e de vínculos
flexíveis que não consideram a legislação trabalhista também afetaram
diferentemente os componentes familiares. Sob o aspecto social, transformações na
posição da mulher no círculo familiar, com sua inserção no mercado de trabalho e
um acesso à escolarização que muitas vezes supera os homens geraram
transformações na imagem representada de paternidade e maternidade. Nesse
sentido, constituíram-se novas formas de articulação entre conjugalidade e
paternidade, já bem estabelecidas nos anos 90. As transformações nas práticas e
representações da paternidade estão vinculadas às alterações concomitantes na
conjugalidade. Assim, pesquisas referem uma memória da corte mais velha sobre
seus próprios pais que, a despeito de diferentes nuances, é construída à imagem e
semelhança de um austero e respeitável ―homem de família‖ provedor, casado e
pai.
As tensões introduzidas na relação conjugal ao longo das duas gerações –
pelo trabalho remunerado das mulheres e por suas reivindicações de equidade,
pelos novos padrões de consumo familiar, pela mobilidade social e por projetos de
56
vida crescentemente mais individualistas – e a fragmentação observada na imagem
do homem de família, constituem um campo para a coexistência de distintas
experiências de vivência parental, com uma crise desta figura paterna tradicional,
sem a consolidação de um modelo que a substitua.
Assim, pesquisas relatam dificuldades de consagração dessa imagem em
contextos de baixa renda, em que os homens se encontram distanciados do modelo
central da masculinidade. Nesse contexto, as redes de relações e as estratégias
comunitárias de sobrevivência preponderam e, paradoxalmente, há dificuldade para
construir lugares masculinos que não sejam o de provedor, chefe e pai. As ações
dos trabalhadores para aproximá-los do modelo partilhado idealmente vinculam-se a
situações que inviabilizam a efetivação desta demanda, pois os trabalhadores são
marcados por períodos de desemprego e constroem argumentos para legitimar sua
condição de desempregados. Nessa conjuntura, há uma dificuldade de continuar a
reivindicar o lugar tradicional de homem devido a períodos de sustento financeiro
pela esposa, a mãe ou outro membro da família e novas relações de gênero
caminham ambiguamente ao lado de múltiplas situações de providência financeira.
Por isso, trabalhar a dimensão da família brasileira sob a ótica da chefia familiar
representa ainda uma delicada questão epistemológica, na medida em que a maioria
dos estudos sobre família tende a incorporar a perspectiva de gênero como um
problema unicamente feminino.
Dados estatísticos sobre o perfil de homens e mulheres chefes de família
permitem mostrar a permanência de diferenciais em termos educacionais e de
acesso aos serviços e bens de consumo coletivos bem como ao mercado de
trabalho. Esses dados mostram também que, embora entrando no mercado de
trabalho com desvantagens no tocante ao vínculo trabalhista mais frágil, as mulheres
acabam desenvolvendo alguma vantagem em relação à manutenção do posto de
trabalho. Observa-se ainda a alteração de relações, ou constituição de novas
relações de família como, por exemplo, o crescente afastamento da tradicional
imagem de dependente do idoso e sua relativa substituição pela de contribuinte ou
até esteio do grupo familiar. Além disso, vêm se ampliando os interesses e
horizontes sociais dos idosos no que se refere a outros grupos e relações,
57
principalmente por espaços sociabilizadores nos programas de lazer e cultura para a
―terceira idade‖, embora seja mantida a importância da família.
Outro fator para a análise das relações familiares é a transformação, ao longo
das últimas décadas, na compreensão da homossexualidade, alavancada pela
exposição do preconceito com o fenômeno da AIDS. A crescente organização civil
em torno do respeito à homossexualidade, as resoluções de diversos conselhos
profissionais na área da saúde proibindo sua avaliação como doença e o número
crescente de mortos que deixavam parceiros legalmente sem direitos sobre o
patrimônio muitas vezes construído em conjunto contribuiu para que, nos anos 80 e
90, vários países da Europa legalizassem a união entre pessoas do mesmo sexo. Se
a crise da família vem sendo anunciada há alguns anos, a reivindicação do direito a
ser pai e mãe feita por homossexuais, visto como desdobramento desse novo
conjunto familiar, oferece novos matizes à discussão, referindo o surgimento de
novas organizações familiares que fogem ao padrão tradicional, tal como ocorreu há
trinta anos em relação ao divórcio.
No contexto das transformações na formação, estruturação e dinâmica da
família, permanece seu papel central de ―amortecedor‘ social. Frente aos baixos
salários, à carência de serviços públicos e a outros fatores desfavoráveis, o grupo
familiar se viabiliza ―em decorrência de uma lógica de solidariedade e de um
conjunto de práticas no campo de ação de grupos domésticos, que atuam como
unidades de formação de renda e de consumo, procurando maximizar os recursos à
sua disposição‖ (CARVALHO e ALMEIDA, 2003, p. ). Assim, a família mantém sua
importância como espaço de sociabilidade e de socialização, e mudanças em seu
entorno refere-se mais à sua grande capacidade de adaptação frente às
transformações econômicas, sociais e culturais do que a uma pretensa ameaça de
dissolução. Por isto, a família tem sido considerada foco central das políticas sociais,
constituindo o eixo sobre o qual os programas e ações podem possuir maior
efetividade e pertinência.
58
Nesse capítulo, serão discutidas algumas abordagens no trabalho com
famílias, visando apresentar certos modos de compreensão e organização da ação
clínica em saúde em alguns contextos do atendimento público. Essas ações
contextualizadas não visam abranger todo o espectro do cuidado bio-psico-social em
políticas de assistência pública, mas apenas oferecer referências para refletir sobre
modos de ação diferenciados conforme o contexto e demanda em questão.
Desse modo, a compreensão da assistência em políticas públicas se remete à
compreensão de ações de cuidado como clínicas, que em seu sentido etimológico
refere-se ao cuidado e atenção a outro. De acordo com Lévy (2001), clínica refere-se
à palavra grega kline, e tem o sentido
de atenção e cuidado a uma
demanda. Esse modo de
compreender a clínica possibilita
articular o atendimento
multidisciplinar enquanto múltipla
atenção em diferentes direitos da
cidadania, tais como saúde,
educação, moradia, etc. Os problemas relacionados a demandas a múltiplos
profissionais – médico, assistente social, psicólogo, educador, terapeuta
ocupacional, agente de saúde, entre outros – estão geralmente associados a uma
variada e imbricada gama de aspectos e problemas na situação de vida da
população, tais como doenças, crises repentinas que rompem a dinâmica familiar
estabelecida, dificuldades de apropriação e pertencimento aos espaços já instituídos
de socialização ou cuidado público (escolas, dispositivos de saúde, associações de
bairro, etc.), o contato cotidiano com problemas da realidade social, tais como o
tráfico, situações de violência, desemprego, miséria, etc. Assim, apresentar-se-á
alguns trabalhos no âmbito da saúde e assistência social que usualmente possuem
abordagem interdisciplinar.
59
Reintegração Familiar
62
TRABALHANDO COM FAMÍLIAS EM SAÚDE DA FAMÍLIA
63
A relação deve ser construída ao longo das ações de saúde, explorando as
estruturas da família a partir das brechas para, compreendendo-a, preparar uma
estratégia pertinente a cada conjunto familiar. A ocasião de cadastro das famílias, as
mudanças de fase do ciclo de vida destas, o surgimento de doenças crônicas ou
agudas de maior impacto são momentos-chave que devem ser explorados. Estas
situações permitem que o profissional de cuidados primários crie um vínculo
pertinente com membros da família, pois atua no momento de emergência de uma
demanda familiar. O trabalho na atenção primária em saúde da família deve
considerá-la como lócus central de atuação e basear-se na realidade local,
construindo um fazer consistente que parta
dos recursos comunitários para a melhoria
dos indicadores de saúde. Nesse sentido, é
fundamental a constituição de estratégias
de investigação e conhecimento da
comunidade, que podem se dar em
conjunto com a intervenção. O processo
junto às famílias deve considerar diferentes
etapas de trabalho, favorecendo a
aderência e a efetividade do serviço de
atenção primária. Assim, o trabalho pode
ser dividido didaticamente em diferentes etapas – Associação, Avaliação, Educação
em Saúde, Facilitação e Referência – para melhor explicação e compreensão. A
utilização destas etapas depende da situação dada e das necessidades de cada
família atendida.
Associação
Avaliação
65
Uma vez construída a associação com a família, é importante perceber sua
dinâmica, por meio de instrumentos mais objetivos de análise. Essas ferramentas
buscam explicitar as linhas de poder e decisão da família, seu modo de perceber o
processo de saúde e doença, seus recursos concretos e simbólicos e seus apoios
internos e comunitários. A partir desta análise de conjuntura se constituirá o projeto
de intervenção, reconhecendo a crença da família no processo de adoecer e
acordando com ela um plano de ação que respeite o seu modo de vida.
A análise clínica do grupo familiar permite entender os caminhos pelos quais
surgem as diferentes situações de agravo à saúde, como os motivos da grande
incidência familiar do alcoolismo, ou das dificuldades de um paciente hipertenso em
controlar sua hipertensão. Minuchin & Colapinto, por exemplo, descrevem a situação
de gêmeas idênticas portadoras de diabete que mostravam controle desigual da
moléstia. Ao analisar as relações familiares destas meninas, constataram que a que
possuía mal controle da doença manifestava-a como sintoma devido aos problemas
de relacionamento dos pais – sempre que estes brigavam, ela apresentava uma
crise na diabete. Assim, além da eficácia das medicações e da pertinência das
orientações profissionais, é necessária uma compreensão das situações de saúde e
doença no conjunto de fatos e relações no cotidiano do sujeito e da família, para
prevenir doenças e suas consequências.
A avaliação adequada do papel da pessoa portadora de qualquer agravo em
sua estrutura familiar (como esta doença é percebida pelos membros do grupo, em
que coisas eles acreditam ou gostam de fazer), possibilita a efetividade e aumenta a
resolutividade das intervenções e ações em saúde. Por exemplo, uso de álcool em
tradições familiares e em momentos de comemoração da família dificulta sua
percepção como risco à saúde ou a compreensão da situação de consumo frequente
como um passo inicial para a dependência. Intervenções que proponham enfrentar o
alcoolismo devem considerar seu significado para o grupo alvo e usar as
representações deste nas ações em saúde, para melhorar os resultados na
prevenção e tratamento. Já o enfrentamento de doenças crônicas deve investigar
como o paciente e sua família entendem a doença, ampliando seu conhecimento
66
através de orientações em linguagem apropriada à compreensão, sobretudo no
tocante à influência da modificação de hábitos na prevenção ou no retardo da
evolução de doenças. Essas negociações só são possíveis pela efetuação
satisfatória do processo de associação e avaliação, permitindo resultados mais
consistentes e duradouros no acompanhamento do paciente.
Dentre as ferramentas de avaliação disponíveis em atenção primária, há
algumas particularmente úteis, como o Genograma, um instrumento de identificação
de padrões de repetição de patologias que permite uma visualização rápida das
ações a serem desenvolvidas pela família em estudo. O Ciclo de Vida das Famílias é
outra ferramenta relevante, pois identifica as situações mais frequentes de
surgimento de disfunções. Percebe-se, por exemplo, que o surgimento de doenças
aumenta nas fases de transição e estresse, em que a família é desafiada a se
reestruturar. A análise do Ciclo de Vida permite auxiliar a família a compreender e
construir modos de atravessamento dessas transições.
Um terceiro instrumento é a Rede Social, que permite vislumbrar os apoios e
crenças da família, identificando pessoas-chave para a busca de amparo e
compreendendo as bases culturais de interação familiar. Os contatos e estruturas da
comunidade permitem buscar soluções a partir do próprio núcleo, criando alicerces
para o auto cuidado. A cartografia (MORATO, 1999) da comunidade e do núcleo
familiar também constitui um importante método clínico, que permite reconhecer
relações, compreensões e percepções da família, buscando vias de passagem e
construção de soluções. Pode-se, assim, partindo da intervenção e escuta clínica
dos problemas relativos a certo tema, resgatar recursos negados socialmente
(SZYMANSKI, 2004). A enquete clínica (LEVY, 2001), por sua vez, permite conhecer
profundamente vivências e representações sociais de grupos e indivíduos, sendo útil
na investigação de obstáculos, facilitações e motivações da família para a aderência
às ações em saúde. Para um aprofundamento dos instrumentos de avaliação
pertinentes a intervenções em atenção primária, pode ser encontrado material
adequado nas referências bibliográfica.
Educação em Saúde
67
A constituição de um processo de educação em saúde deve favorecer o
desenvolvimento do auto cuidado e de hábitos de vida saudáveis, antecipando
situações que permitam às famílias e pacientes compreender o processo de adoecer
e como ele pode impor alterações e restrições a suas vidas. Um dos momentos mais
pertinentes para abrir espaços para a educação em saúde é quando a família ou o
paciente procura a equipe de saúde para resolver um problema, pois permite uma
discussão sobre o processo de adoecer que deu origem à demanda que encontra
maior receptividade do paciente.
Nessa fase, é mister lembrar que o
viver e o fazer da população possibilitam
novos modos de construção de caminhos,
de produção de cultura e de criação de
soluções, e que considerar os recursos e
discursos da família e da comunidade é a
melhor maneira de promover ações em
saúde, bem como de criar novas ações
pertinentes ao contexto. As possibilidades
são dadas pela própria comunidade, que
tem parâmetros e crenças, sobre os quais deve trabalhar o profissional, no diálogo
entre suas informações e as percepções dos clientes. Muitas vezes, os pacientes
não seguem orientações do profissional de saúde porque essas foram elaboradas
sem atentar para a contextualização e o sentido das informações e ações junto à
história, experiência e possibilidades da comunidade em questão.
Para possibilitar a discussão e transformação de hábitos perante situações
tratamento e prevenção de doenças, a educação em saúde deve considerar as
informações que a comunidade traz, valorizando as "dicas" expressas de modo
velado e respeitando os caminhos e soluções da comunidade. Muitas vezes, alguns
procedimentos não são possíveis por falta de possibilidades financeiras, por
inadequação às circunstâncias familiares ou outras razões, e será preciso buscar
soluções alternativas. A discussão e percepção de valores, referências e relações,
68
bem como a abertura de espaços de expressão dos clientes, permite encontrar
recursos pertinentes, que muitas vezes não são reconhecidos por não serem os
tradicionais. Não perceber o modo como as pessoas vêem e lidam com questões de
saúde pode levar à oposição perante as propostas apresentadas.
Facilitação
Referência
Conclusão
71
levar em conta estas prioridades locais, de modo que, ao se introduzir um conceito
ou propor uma ação, eles possam ser legitimados dentro da comunidade como
coadunados aos seus interesses.
Muitas das ações propostas pelas equipes de saúde são embasadas em
saberes que a população pode dominar, porém pode não conseguir incorporar a seu
cotidiano. Assim, as ações em saúde lidarão com os sistemas de vida e suas
correlações e é nesta direção que se mostra a necessidade de um sentido prático
para ações conectadas com o pensamento local, constituído e analisado pela
investigação clínica e interventiva dos modos de sentir, pensar, dizer se relacionar
das famílias, favorecendo a eficiência na implantação de um estilo de vida mais
saudável, com intervenções e resultados em longo prazo. Outro relevante aspecto
da atenção primária em saúde é o trabalho em equipe multidisciplinar. A visão de
vários profissionais sobre uma situação permite uma percepção ampliada de seus
múltiplos aspectos, possibilitando maiores interconexões e construção de caminhos
no sentido da aproximação das aspirações da comunidade. Olhares compartilhados
vislumbram as várias faces do caleidoscópio familiar em sua inter-relação com a
ação clínica, facilitando a compreensão do processo de adoecer e a identificação
dos recursos comunitários para apoiar o caso em questão.
1
Intervenção é compreendida aqui tal como apontada por Heloísa Szymanski (2004) significando
interpor os bons ofícios. Refere-se assim a uma ação constituída em conjunto, de modo dialógico e
plural e não unidirecionalmente.
72
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES
75