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VI Seminário da Pós-Graduação em Ciências Sociais –UFRB

9 a 11 de novembro de 2016. Cachoeira.Bahia.Brasil


GT 01 - Cultura Popular, Festejos e Rituais

NAS TRILHAS DA HISTÓRIA ORAL: MEMÓRIA E PRÁTICAS CULTURAIS


NO DISTRITO DE COQUEIROS/BA

Roseane Araújo das Neves (UFRB)

Cachoeira- BA, Brasil.


2016
NAS TRILHAS DA HISTÓRIA ORAL: MEMÓRIA E PRÁTICAS CULTURAIS
NO DISTRITO DE COQUEIROS/BA1

Roseane Araújo das Neves (UFRB)2

RESUMO

Neste trabalho utilizo parte da pesquisa realizada para a elaboração da minha


dissertação de Mestrado intitulada “Representações e Práticas Sociais em Relação à
Cultura Material: Etnografia do Processo Social de Produção e Circulação da Cerâmica
de Coqueiros - BA”. Trata-se de um artigo onde apresento o resultado das análises
realizadas sobre alguns aspectos da história e da cultura de Coqueiros, localizada no
Município de Maragogipe-Ba, relacionando-os com a preservação da memória e a
construção de uma identidade entre os moradores do local. Utilizo as ferramentas da
História Oral como método de investigação. Para tanto, foram feitas entrevistas com os
líderes e outros moradores que se relacionam com os elementos culturais envolvidos na
pesquisa. Através da análise desses relatos, procurei compreender as relações entre
memória, tradição e identidade no Distrito. Neste sentido, iniciei com uma discussão
sobre a relevância histórica e econômica do recôncavo da Bahia enquanto uma unidade
geográfica “inventada” historicamente e “configurada” culturalmente. A partir da
compreensão desses aspectos, apresento o Distrito de Coqueiros, analisando a sua
organização social. Em seguida, analiso algumas manifestações culturais do local, a
exemplo da produção da cerâmica e do samba-de-roda, enquanto expressões
indenitárias. Essas práticas são analisadas de forma a compreendermos o que elas
representam, e como contribuem para a construção de laços de sociabilidade e
construção da identidade do grupo em questão.

Palavras-chave: Práticas Culturais; Tradição; Memória; Identidade.

1
Trabalho apresentado no VI Seminário da Pós Graduação em Ciências Sociais: Cultura, Desigualdade e
Desenvolvimento - realizado entre os dias 09, 10 e 11 de novembro de 2016, em Cachoeira, BA, Brasil.

2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Recôncavo
da Bahia.

2
INTRODUÇÃO

Neste artigo, trabalho com parte da minha pesquisa em nível de mestrado no


PPGCS/UFRB, que se encontra ainda em fase inicial, o qual tem como tema central
Etnografia do Processo Social de Produção e Circulação da Cerâmica de Coqueiros-
BA , este artigo mostra o resultado das analises realizadas em relação aos aspectos da
história e da cultura do Distrito de Coqueiro relacionando os mesmos com a preservação
da memória e com a construção da identidade dos moradores.
Vale ressaltar, que neste trabalho numa perspectiva interdisciplinar, procurei
dialogar com autores da Antropologia, História e Sociologia em busca de compreender
meu objeto de investigação como um todo. Dessa forma, ao dialogarmos com outros
campos do conhecimento, torna-se possível compreender a diversidade dos fenômenos
sociais intrínsecos ao nosso objeto de estudo. (MACARAJÁ, 2012)
O Distrito em questão está localizado no município de Maragogipe, no
Recôncavo baiano3.
Os moradores de Coqueiros se veem enquanto comunidade tradicional4, ou seja,
se dizem pertencentes a mesma. Contudo, “a ideia de comunidade é articulada para
recuperar identidades, seja para controlar os fluxos socioculturais decorrentes de uma
economia globalizada, seja para assegurar um status político e social” (FUSER, 2008,
p.22).

Segundo Manoela Carneiro da Cunha (2010), o uso do termo "populações


tradicionais" é propositalmente abrangente. Entretanto, essa abrangência não deve ser
confundida com confusão conceitual. Para a autora definir as populações tradicionais
pela adesão à tradição seria contraditório com os conhecimentos antropológicos atuais.
Vale ressaltar que o termo comunidade pressupõe coesão, sociedade fechada, sem

3
É designado Recôncavo uma vasta faixa litorânea que circunda a Baía de Todos os Santos, à entrada da
qual se ergue a cidade de Salvador, capital do Estado da Bahia (Brandão, 1998:30).
4
Segundo o artigo 3º, do Decreto nº 6040, de 7/02/2007, entende-se por povos e comunidades
tradicionais grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas
próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua
reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e
práticas gerados e transmitidos pela tradição

3
processos sociais, sem conflitos e sem diferenciações internas, como bem propõe Barth
e Thompson, que serão discutidos mais adiante, portanto é importante entender a cultura
como uma "arena de elementos conflitivos", havendo embates e contradições.

Este trabalho se insere nessa dinâmica, de analisar a importância desse local


enquanto lugar de memória5, onde a identidade e a cultura dos portugueses, africanos e
indígenas foram preservadas. Dessa forma, enquanto pesquisadora estarei contribuindo
no sentido de enriquecer as discussões sobre a temática.

O objetivo geral da pesquisa foi analisar as memórias dos moradores de


Coqueiros, e suas práticas culturais procurando analisar como ambas contribuem com
a sua identidade étnica.
Assim, escrever a história desse local é extremamente importante, tendo em vista
que essas memórias documentadas, problematizadas, ficarão registradas para que as
gerações futuras tenham acesso à história dos seus antepassados.
Ressalta-se que o tema de pesquisa nasceu de reflexões, que foram surgindo no
decorrer do trabalho de campo da minha pesquisa de mestrado em Ciências Sociais da
UFRB ainda em curso, no entanto, busquei aprofundá-lo, dando-lhe um novo enfoque,
no presente trabalho, seja no processo metodológico, a exemplo dos sujeitos da
pesquisa, seja na mudança do quadro teórico e, também, dos resultados da investigação.

Com relação ao caminho metodológico, utilizado na pesquisa optei pelo método


da História Oral que segundo (ALBERTI, 2011) permite “histórias dentro da história”
ampliando as possibilidades de interpretação do passado.

A História Oral por um longo período não era considerada como um método
histórico, os relatos obtidos por meio da oralidade não possuíam valores documentais.
Entretendo, nas últimas décadas, a Historia oral se tornou adepta aos historiadores
passando a ser muito valorizada pelo fato de se dar mais ênfase a história das minorias,
das manifestações populares como parte importante para o entendimento da história.

5
A expressão lugar de memória serve para indicar lugares especiais utilizados por uma sociedade para
marcar fatos importantes de sua memória. Trata-se de lugares organizados e evocativos da memória tais
como museus, arquivos, bibliotecas, datas, comemorações, festas. (NORA, 1980, apud MASCHIETO,
2002, p.27)

4
Em minha pesquisa em Coqueiros, optei pelos moldes da entrevista temática6 e,
mediante esta escolha, preparei um roteiro que não foi seguido rigidamente. Eu busquei
transformar as entrevistas em momentos de descontração, as conversas fluíam e aos
poucos os assuntos do roteiro eram abordados, procurando na medida do possível diluir
as dificuldades iniciais. As entrevistas foram feitas com representantes, e outros
moradores que se relacionam com os elementos culturais envolvidos na pesquisa,
além dos mais idosos, pois, “seu talento de narrar lhe vem da experiência; sua lição, ele
extraiu da própria dor, sua dignidade é a de contá-la até o fim, sem medo”, (BOSI,
2009, p. 91) os quais são fundamentais para uma parte deste trabalho que trata
fundamentalmente das memorias de Coqueiros.
Em seu livro Manual de História Oral Verena Alberti ressalta que a história oral
não é um fim em si mesma e sim uma forma de produção de conhecimento, que tem em
vista estudar as versões dos entrevistados acerca de um objeto de pesquisa. Deste modo,
essas versões acabam tornando-se objeto de análise. É nesse sentido quer a autora
destaca a necessidade de documentos escritos como suporte à investigação e como
recurso para análise das entrevistas.

Para tanto, inicialmente, farei uma sucinta discussão teórica que se embasam nos
pensadores Pesavento e Geertz, dando sustentação a nossa intenção de evidenciar a
metodologia da pesquisa como um dos mecanismos indispensáveis na construção do
conhecimento, para tanto farei breves explanações sobre cada um.
Logo após, discutirei a história e a tradição em Coqueiros, caracterizando-o,
apresentando relatos de lideres da mesma e analisando aspecto da sua cultura como o
samba-de-roda.

Por fim, tratarei da memória e da identidade de Coqueiros através da análise da


produção de cerâmica. Problematizarei essa prática cultural e o significado da mesma na
construção da Identidade e preservação da memória.

1. DISCUSSÃO TEÓRICA

6
As entrevistas temáticas são as que versam prioritamente sobre a participação de entrevistado no tema
escolhido (ALBERTI, 2008, p. 175)

5
A História Cultural tem sido um método escolhido por muitos historiadores, visto
que é uma corrente muito importante para os historiadores culturais, pois, “trabalha com
uma concepção que não acredita apenas em uma verdade absoluta, mas possíveis
interpretações advindas das fontes disponíveis”.(VIERO,2016, p. 2).

Tendo em vista que neste trabalho utilizo a prática interdisciplinar, ao passo que
dialogo com vários campos do conhecimento como já foi dito anteriormente, resolvi
dialogar com a Nova História Cultural. De acordo com Pesavento:

Por vezes, se utiliza a expressão Nova História Cultural, a lembrar que antes
teria havido uma velha, antiga ou tradicional História Cultural. [...] Também
foram deixadas para trás concepções que opunham a cultura erudita à cultura
popular, esta ingenuamente concebida como reduto do autêntico.
(PESAVENTO, Sandra Jatahy, 2005. p. 14).

Dessa forma, um dos autores que ajudará na minha pesquisa, no que se refere ao
conteúdo teórico e conceitual, será Peter Burke, historiador britânico que é um dos
mais importantes representantes da Nova História Cultural.
Vale ressaltar que nem sempre houve essa política de boa vizinhança ente História e
Antropologia ou vise e versa. As ideias de Geertz sobre a situação atual da antropologia
e sua relação com a história, presentes em textos publicado em Nova luz sobre a
antropologia (2001), me levam a subsidiar considerações acera da relação entre estas
duas áreas do conhecimento. A primeira noção básica, tomada pelo autor para iniciar
sua discussão é de que na rivalidade entre historiadores e antropólogos, estes últimos
eram indiferentes à mudança ou hostis a ela, enquanto os historiadores consistiam em
apenas contar histórias admonitórias. Há ainda outro elemento da convergência:

Outra coisa a que a briga pode se referir são o Grande e o Pequeno. O pendor
dos historiadores para os grandes movimentos do pensamento e da ação [...] e
o dos antropólogos para o estudo de pequenas comunidades bem delimitadas
[...] levam os historiadores a acusarem os antropólogos de gostarem de
minudências, de se atolarem nos detalhes do obscuro e do sem importância, e
levam os antropólogos a acusarem os historiadores de esquematismo, de
perderem o contato com os dados imediatos e as complexidades, de não
terem sensibilidade[...] para a vida real. (GEERTZ 2001, p.112-113)

6
Contudo, atualmente essas peculiaridades foram superadas. Os historiadores
lançaram mão de temas em pequenas comunidades, se dedicando nos detalhes enquanto
os antropólogos têm procurado temas mais amplos.7
Segundo Amaral (2011), há também outras discussões que se deram no campo
das documentações, das fontes. Os antropólogos reclamavam que os historiadores eram
dependentes dos documentos escritos, privilegiando a história da elite e silenciando os
relatos dos oprimidos, já os historiadores ressaltavam que a confiança dos antropólogos
nos testemunhos orais, os prendiam às tradições inventadas. Hoje, notamos que tanto
historiadores como antropólogos dão valor aos relatos orais por acreditar que a
oralidade valoriza a historia daqueles que não tiveram acesso à escrita e não puderam
escrever sua história ou deixar suas memórias registradas, porém sem esquecer que o
documento escrito também tem seu valor, podendo-se fazer uso das duas fontes juntas o
que leva a enriquecer ainda mais a pesquisa.
A autora também discute que o que tem aproximado antropólogos e
historiadores, apesar das rivalidades, é o interesse que ambos tem de compreender o
“Outro”. Deste modo, de acordo com Geertz:

[...] Na verdade, nem mesmo o“ nós”, o “self” que busca essa compreensão
do “Outro”, é exatamente a mesma coisa aqui, e é isso que explica, a meu
ver, o interesse de historiadores e antropólogos pelo trabalho uns dos outros,
bem como os receios que surgem quando esse interesse é levado adiante.
(GEERTZ, 2001, p.113)

Assim, para a autora o que se ver é um deslocamento de um para o campo do outro,


isso tem colaborado para o crescimento dessas áreas tanto no plano quantitativo como
qualitativo, alargaram-se o número de trabalhos bem como a quantidade de perguntas.
Desta forma, em sua obra “O Saber Local”, Geertz tece considerações de ordem
metodologia, fazendo uma reflexão a respeito do desmantelamento daquela ideia que,
por muito tempo, foi mantida no meio acadêmico: “[...] O mito do pesquisador de
campo semicamaleão, que se adapta perfeitamente ao ambiente exótico que o rodeia,
um milagre em empatia, tato, paciência e cosmopolitismo [...]”. (GEERTZ 2009, p.85).

7
(AMARAL, 2011, p.34)

7
Portanto, o autor critica a noção de que seria possível essa empatia, segundo ele
para compreender alguém não se trata de se identificar, e sim de observar os detalhes e
através das descrições, traduzir o objeto pesquisado. Procurar compreender como os
indivíduos entendem e percebem o mundo ao seu redor. 8
Dessa forma, se a antropologia defendia que para compreender o outro deveria
se colocar no lugar desse outro, Geertz mudou a forma de se encarar a cultura,
disseminando uma nova discussão, pois para ele, assim como um texto, a realidade
também pode ser lida, os símbolos devem ser interpretados. Sendo assim, Clifford
Geertz propõe que as culturas devem ser interpretadas como se fossem textos. Assim,
para o autor em sua obra “A Interpretação das Culturas”, Geertz propõe:

O conceito de cultura que eu defendo, e cuja utilidade os ensaios abaixo


tentam demonstrar, é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max
Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele
mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise;
portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como
ciência interpretativa, à procura do significado. (GEERTZ, 2008, p. 40)

Dessa forma, o ponto de vista semiótico que Geertz (2008) aplica na definição
de cultura nos leva a entendê-la como um sistema complexo de relações, onde os
acontecimentos, as instituições e as relações sociais devem ser descritas com densidade.
No entanto, existe um problema ao se trabalhar com cultura que é o de tratá-la
de forma homogênea. Segundo Thompson, é necessário observar a cultura para além da
idéia de “sistema de atitudes, valores e significados compartilhados, e as formas
simbólicas (desempenhos e artefatos) em que se acham incorporados” (GEERTZ apud
THOMPSON, 1998, p. 17), defendida em alguns trabalhos etnográficos e históricos.
Isso quer dizer que é importante entender a cultura também como uma arena de
elementos conflitivos onde há sempre trocas, embates e a presença, obviamente, de
contradições sociais e culturais. Portanto, o conceito Cultura deve ser usado como um
termo descritivo vago, para não cairmos numa noção ultraconsensual (THOMPSON,
1998, p. 22).
O antropólogo Fredrik Barth concorda com Thompson na crítica ao conceito de
cultura como um todo homogêneo. Segundo BARTH (2000), há certa dificuldade de
alguns antropólogos em lidar com o desconexo, incoerente e com o multiculturalismo,

8
Idem, p.35.

8
pois eles são habilitados para suprimir tais incoerências presentes nas sociedades em
função de um objetivo acadêmico holista e padronizador. Este tipo de atitude
antropológica desviar-se dos aspectos problemáticos do mundo e reafirma uma
coerência lógica da cultura, conceito difícil de ser defendido, principalmente quando se
estuda culturas complexas, onde diversas correntes de tradições culturais estão
presentes, se entrecruzando e, também, se chocando.
Isto não significa negar quaisquer construções comuns, mas sim compreender
que existem múltiplas correntes culturais nas sociedades complexas, como em Bali
contemporânea, estudado por Barth (2000), ou a própria cidade de Maragogipe no
início do século XXI. Para se analisar tal complexidade cultural, Barth defende que o
foco esteja nos processos sociais e o que os envolvem (BARTH, 2000, p. 126).

2. RECÔNCAVO: UMA “INVEÇÃO HISTORICA”

O recôncavo é uma invenção histórica e uma configuração cultural que


nasceu da aventura de alguns portugueses, e do infortúnio de muitos
africanos e indígenas. Por isso, trata-se de uma unidade regional que foi
concebida e é situada por dentro da história dos engenhos de cana, da
escravidão e da indústria açucareira no Brasil. (Dossiê do samba
2004:25)

É sabido que o Recôncavo baiano é uma região brasileira predominantemente


negra por conta de muitos africanos que foram arrancados do seu continente e trazidos
para serem escravizados, principalmente na produção de cana de açúcar, por conta disso
é notória uma enorme influência das diversas culturas africanas nessas terras as quais
se mesclaram com culturas indígenas da região e com a cultura portuguesa que
dominava politica e economicamente nessa época: “Formaram-se ai o mais extenso
parque de arquitetura barroca do país, um importante núcleo de cultura lusa e a mais
vigorosa comunidade africano-brasileira um complexo histórico-cultural que traduz e
representa muito da própria formação histórica do Brasil” (Brandão1997:32)

O recôncavo, portanto, é visto como uma unidade geográfica, econômica, e


histórica e cultural. Assim, não só geograficamente se não que, desde o ponto de vista
econômico, o recôncavo é também concebido como uma região com caraterísticas
próprias. (KRSTULOVIC, 2016)
9
Atualmente vários estudos contemplam sobre as diversas realidades do
Recôncavo baiano no período colonial, nesse sentindo, podemos citar Kátia Mattoso,
Stuart Schwartz, João José Reis e o mais atual trabalho de B. J. Barickman (2003) que
faz um rico estudo dessa região a partir do viés econômico, no qual ele analisa a
história agrária do recôncavo baiano no século XIX, visto que é um estudo muito
relevante para também compreendermos outras questões relacionadas a esse período.
A análise dessas relações no cotidiano permite assegurar que os escravos faziam bem
mais do que podemos imaginar, como bem coloca o autor: “[...] Serviram aos senhores
como braços na lavoura, artesãos, cozinheiros, carregadores, vendedores ambulantes,
barqueiros, criadas, pescadores, feitores e marinheiros [...]”(BARICKMAN, 2003,
p.17). Para Barickman, essa região foi grande produtora de açúcar e fumo que, segundo
ele , serviu como moeda de troca no comércio de escravos africanos.

O autor Milton Santos, mostra a importância histórica e econômica do


recôncavo quando ele diz que: “o recôncavo foi a primeira rede urbana das Américas,
liderada por centros comerciais como Salvador, Cachoeira, Santo Amaro e Nazaré”,

Segundo Porto Alegre (1988), “o trabalho artesanal doméstico e as pequenas


oficinas, assim como o comércio ambulante das ruas, feiras e estradas são citados de
passagem pelos primeiros historiadores que descrevem as condições de vida dos bairros
pobres da cidade, da periferia e das zonas rurais” no período colonial. Conforme a
autora, essa era uma atividades de pouca importância econômica, que não era de
interesse dos setores dominantes, ocupados com o empreendimento agroexportador,
mas sim das camadas mais pobres da população (homens livres e forros, brancos,
mulatos, negros e índios, marginalizados da estrutura produtiva dominante), além de
escravos de aluguel ou trabalhando para seus senhores (PORTO ALEGRE, 1988, p.20-
21). A autora ainda menciona que foi através desse oficio que boa parte da população
escravizada comprou sua liberdade e foi um dos raros meios de vida dos ex-escravos.
Outro dado relevante é que os habitantes do recôncavo após a abolição se
dedicaram principalmente a roça, pesca e mariscagem. Sendo que muitos dos
sambadores e sambadeiras cresceram na roça, produzindo alimentos para consumo
familiar e comunitário (KRSTULOVIC, 2016)

10
A região também foi o berço do samba brasileiro, tendo sido o lugar onde, por
volta de 1860, teriam surgido as primeiras manifestações do samba de roda. Segundo o
dossiê do IPHAN (2006):
Especificamente no Recôncavo, registros documentais da palavra samba, no
século XIX, são mais raros. Não faltam, porém, registros de batuques e outras
manifestações musicais-coreográficas de negros. João José Reis menciona
um documento de 1808 que fala de uma grande festa de escravos acontecida
em Santo Amaro, com muita música e dança, assistência numerosa de
população branca e beneplácito dos senhores locais, para contrariedade, aliás,
das autoridades policiais de Salvador (Reis, 2002:105ss). O mesmo autor
informa que em 1855 a Câmara Municipal de Maragogipe, outra cidade do
Recôncavo, enviou para exame em Salvador uma postura municipal
proibindo “batuques e vozerias em casas públicas” (Idem: 135ss). (Dossié do
samba de roda 2006, p. 32)

Segundo Nina Graeff (2013), acredita-se que o Samba de Roda tenha sido
levado por migrantes baianos para o Rio de Janeiro em meados do século XIX, dando
origem ao samba carioca conhecido mundialmente. Por sua relevância histórica, o
Samba de Roda foi a primeira prática musical brasileira a ser registrada como Obra
Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade pela UNESCO, em 2005.

3. O DISTRITO COQUEIROS: BREVE APRESENTAÇÃO

Com aproximadamente 2.502 habitantes9, Coqueiros é Distrito da cidade de


Maragogipe, distante cerca de 133 km de Salvador e está situado as margens do rio
Paraguaçu, este sofre a influencia do mar, que, devido as marés, suas águas se tornam
salobras e altera seu nível. Em função disso, a fauna desse local é bastante rica, e desses
recursos os moradores tiram bastante proveito na pesca de peixes e mariscos.
O mangue sempre foi o grande potencial de Coqueiros, assim como as outras
vilas do município, era o alimento extra dos escravos que trabalhavam nas fazendas
instaladas na região.
A pesca é uma atividade tradicional, as mulheres marisqueiras e os homens
pescadores. A partir destas categorias, os moradores de Coqueiros “interagem com o
mar, com o sol, com a terra, com as marés, criando e recriando práticas e crenças
culturais e religiosas”10(Silva, 2015, p. 29). Eles costumam extrair ostras, siris,
sarnambis, caranguejos, mapés, robalos, mariscos, etc. e a vendê-los de porta em porta

9
Dados da Unidade de Estratégia Saúde da Família da localidade de Coqueiro.
10
Exemplo de Festa de Bom Jesus dos Navegantes, uma festa dos pescadores que ocorre no dia 01 de
Janeiro em agradecimento as águas por garantir-lhes o sustento.

11
ou nas feiras livres de Maragojipe, Cachoeira, São Felix, Muritiba, e Cruz das Almas.
O salgamento de peixes miúdos (xangô e petitinga) e a defumação de camarões são
outras formas de beneficiamento do pescado na região, vale ressaltar que esses produtos
também são utilizados para o consumo familiar.
Percebe-se, portanto, que a relação de Coqueiros com o rio é determinante da
identidade dos moradores de Coqueiros, assim como é o rio que estabelece as relações
sociais entre os homens e determina suas esperanças.
Porém, dentre os diversos fatores que particularizam essa região, dentre outros
locais rurais de Coqueiros, o trabalho de produção de cerâmicas utilitárias se destaca
como uma marca original. O saber-fazer passado de geração a geração, transformou
essa arte, numa das principais fontes de sobrevivência do povo coqueirense.
Embora territorialmente Coqueiros pertença a município de Maragojipe, existe
uma influencia maior do ponto de vista econômico e logístico, das vizinhas cidades de
São Félix e Cachoeira. Pelo fato de Coqueiros está localizado a pouca distancia delas,
aproximadamente 10 Km ao sul de São Felix, sob a estrada estadual BA-026 e por
estarem sempre do ponto de vista econômico mais desenvolvidas que a sede municipal,
é nas duas cidades vizinhas que se escoa uma parte da produção de Coqueiros, que se
resolvem questões ligadas ao abastecimento e onde se procuram alguns serviços
públicos básicos como hospital, correio, escolas, INSS, bancos, etc. Atualmente existem
empresas de ônibus que ligam Coqueiros com São Félix, Cachoeira e da parte noroeste
com Maragojipe, de onde partem conduções rodoviárias para a capital baiana.11
Coqueiros também possui a via de acesso fluvial que é um importante meio para
a população ribeirinha das localidades próximas que buscam lazer aos finais de semana
nas praias de água doce deste distrito. Sendo que na década de 1980, foi interrompido
um serviço regular de navegações que realizava viagens diárias desde Maragojipe,
atravessando a Baía de Todos os Santos e interligando várias cidades do Recôncavo
transportando cargas e pessoas.
Num mundo onde as minorias étnicas e culturais se sentem cada vez mais
ameaçadas pelas pressões homogeneizadoras da globalização, o que mais nos chama

11
ETCHEVARNE, Carlos. Sobrevivência de Técnicas Ceramistas Tradicionais no Recôncavo
Baiano: um registro etnográfico. Habitus: Revista do Instituto de Pré-História e Antropologia da
Universidade Católica de Goiás. Goiânia V 1, n 1: Ed. Da UCSAL, 2003.

12
atenção, ao chegar em Coqueiros, além dos barcos dos pescadores ancorados à margem
do rio Paraguaçu, e de suas redes quando a maré começa a encher, são as ceramistas do
local. Sentadas na beira das portas de suas casas de trabalho, deparamos com mulheres
brunindo suas louças, colocando o barro para secar à frente de suas casas ou expondo a
louça finalizada na calçada, na expectativa de alguém aparecer para compra-las.
Nos aspectos históricos, não existem relatos de quando suas primeiras casas de
taipa surgiram, mas segundo as documentações existentes, desde o século XVIII, a vila
já progredia à proporção do desenvolvimento de seu ancoradouro, por onde se fazia a
baldeação das pessoas e mercadorias que saiam da capital para o interior, ao sertão ou
vice-versa. Foi, portanto, o “fator Paraguaçu” causa predominante para o
desenvolvimento da vila, como explica Osvaldo Sá, em suas pequenas Histórias. Tanto
Coqueiros, como Nagé cresceram em torno da cultura agrícola de produtos de primeira
necessidade, a única autorizada pela Capital Baiana, pois no período colonial, não era
permitido à instalação de indústrias, nestas regiões. A Farinha de Mandioca sempre foi à
cultura principal dessa região. As raras intenções do plantio do fumo, sempre foram
barradas pelo poderio dos fazendeiros cachoeiranos, assim como, do controle social que
os líderes da Câmara Municipal exerciam sobre os habitantes da terra.12
Ao chegar na localidade, logo avista-se também uma pedreira de granito
destinada à preparação manual de britas e/ou paralelepípedos de pequenos tamanhos. A
mesma ocupa de forma mais ou menos permanente um pequeno número de mão de obra
masculina trabalhando a beira da estrada.
Formado por 830 famílias13, foi constatado atualmente durante as entrevistas em
Coqueiros que muitas famílias ainda vivem situações de precariedade econômica
(renda e trabalho)14, o local possui rede de energia elétrica, rede de esgoto que funciona
no local recentemente segundo alguns moradores, uma quadra de esportes, duas escola
municipais, uma de Ensino Médio, uma escola particular que oferece ensino
fundamental, uma praça pequena e uma capela, cuja padroeira é Nossa Senhora da
Conceição, um posto de saúde, cujo atendimento médico e odontológico se faz por meio
do Programa de Saúde da Família (PSF) e uma casa onde funcionava a Associação das

12
Disponível em: http://historia.zevaldoemaragogipe.com/2011/07/pequeno-historico-do-distrito-de.html.
Acesso em: 21 de abril de 2016.
13
Dados da Unidade de Estratégia Saúde da Família da localidade de Coqueiro.
14
Dados levantados durante a pesquisa realizada no ano de 2011, em conjunto com o Núcleo de Pesquisa
Desenvolvimento Regional, Política Social, Turismo e Cultura do Centro de Artes Humanidades e Letras
da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

13
ceramistas. Despreparados para o desenvolvimento de uma gestão colegiada na
associação, objetivando retornos sociais e econômicos coletivos, os ceramistas de
Coqueiro passaram a utilizar as instalações desta organização para apoio às atividades
culturais da comunidade, como a celebração de cultos religiosos ou ensaios do grupo de
samba de raízes, o ―Samba de Dona Cadu. Presidida atualmente pelo oleiro Ademir
Bernardo dos Santos, a associação não conseguiu obter o reconhecimento da
coletividade, deixando, assim, de contribuir para dirimir as divergências existentes no
grupo em análise; para minimizar a concorrência predatória via preços e também para
facilitar o processo de escoamento das cerâmicas, questões hoje fundamentais à
produção local. (QUEIROZ; SILVA; PEREIRA; SANTOS, 2011, p. 11)

Foto 2: Vista da Praça do Distrito de Coqueiros, incluindo a Igreja N. S da Conceição.


Fonte: Foto da autora 2016.

Próximo a Igreja Nossa Senhora da Conceição, existe alguns bares restaurantes


com acesso ao rio que recebe visitantes nos fins de semana de verão. Há também
pequenas lojinhas de venda de produtos variados, as vendinhas15 e bares muito simples

15
Nas zonas rurais e nas cidades do interior e do litoral do Nordeste, é comum essa designação para
pequenas vendas ou mercearias onde encontra-se uma grande quantidade de produtos, desde mantimentos
até medicamentos para pessoas e animais.
18
A explicação do processo de fabricação tem como suporte o “Manual de Etnografia” de Marcel Mauss
(1967) e no “Guia Prático de Antropologia” da Comissão do Real Instituto de Antropologia da Grã-
Bretanha e da Irlanda (1971). Ambos recomendam a descrição das etapas da feitura dos artefatos ou
objetos em conformidade com a totalidade da organização social, mostrando todos os envolvidos, no caso
em questão os trabalhadores responsáveis pela produção ceramista. Bem como, demonstrar passo a passo
a modelagem, a queima, a fabricação, dentre outros.

14
representam16 atividades comerciais de pequeno porte que dão sustento a uma
quantidade reduzida de grupos familiares.
Como habitualmente ocorre nas áreas rurais do nordeste, foi constatado durante
as entrevistas que a falta de oportunidade de trabalho na localidade geram, na maioria
das vezes, um aumento da migração de jovens, de Coqueiros , para a capital de
Salvador.17

4. CULTURA E TRADIÇÃO EM COQUEIROS

Segundo Peter Burke entre as décadas de 80 e 90 surge no cenário da


historiografia a Nova História Cultural como um novo paradigma . Afirma, então, que a
“palavra ‘cultural’ distingue-a da história intelectual, sugerindo uma ênfase em
mentalidades, suposições e sentimentos e não em idéias ou sistemas de pensamento” (p.
69).
Além do estudo do cotidiano, das representações, da memoria e do corpo, a história
da cultura material representada pela alimentação, vestuário, moradia e das condições
materiais do trabalho humano, são considerados importantes para a História Social e a
Nova História Cultural. É nesse sentido que podemos notar a importância de certos
conhecimentos adquiridos que são passados por gerações em Coqueiros , demonstrando
a continuidade da sua tradição histórica, podendo ser considerados importantes fontes
de preservação da memória local.

Esses aspectos que se sustentam através da tradição foram colhidos via oralidade
com entrevistas realizadas com a líder da localidade Dona Cadú e com outros
moradores que se relacionam com os elementos culturais envolvidos na pesquisa.

O positivismo durante séculos foi a corrente dominante nas pesquisas de história,


com sua postura metódica de abordagem dos documentos oficiais como as únicas
fontes contendo a narrativa correta dos fatos, ou seja, no princípio, o documento era,
acima de tudo, um texto (LE GOFF, 2003, p. 530), mas, a partir de mudanças
significativas no manejo da História, operadas fundamentalmente pela Escola dos

17
Elementos presentes nas falas dos entrevistados durante a pesquisa de campo.

15
Annales, o conceito de fonte historiográfica foi ainda mais diversificado, não apenas o
documento escrito é considerado fonte de pesquisa histórica. Entre estes novos
elementos , capazes de produzir leituras sobre a História, com os Annales, discutia-se
uma abertura maior para a análise de outros tipos de fontes, como as iconográficas ou
qualquer outro vestígio humano ou indicio que restou do passado pode servir como
fonte ao historiador, que passou a privilegiar temáticas culturais. Entre os objetivos da
História cultural como destaca Chartier: “A História cultural, tal como a entendeu, tem
por principal objetivo identificar no mundo como, em diferentes lugares e momentos,
uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler” (CHARTIER, 1988,
p.16).

A partir da década de 1980, essas convicções sobre o que seria próprio da


História passaram por mudanças. Com a História Cultural e suas novas tendências ficou
viável para o historiador trabalhar com novas fontes da história, permitindo um
conhecimento mais problematizador, “surgiram novos objetos, e os historiadores
passaram a se interessar também pela vida cotidiana, pela família, pelos gestos do
trabalho, pelos rituais, pelas festas e pelas formas de sociabilidade - temas que, quando
investigados no "tempo presente", podem ser abordados por meio de entrevistas de
História oral”. (ALBERTI 2008, p. 165).

Foi esse contexto que permitiu que a história oral se afirmasse como uma nova
fonte de pesquisa para o estudo da história contemporânea. Porém, seu surgimento não
foi nesse período, estima-se que sua origem foi em meados do século XX após a
invenção do gravador a fita (ALBERTI 2008, p. 156). Vale ressaltar que desde o inicio
até os dias atuais a historia oral tem passado por algumas transformações.

As primeiras publicações no campo da História Oral datam dos anos de 1920,


quando pesquisadores poloneses radicais dos Estados Unidos publicaram historias de
vidas de imigrantes poloneses, eles estavam ajustados com as novas tendências de
pesquisas empíricas do departamento de Sociologia da Universidade de Chicago, em
que pela primeira vez os pesquisadores deveriam sair do escritório e ir para o campo. 18
Essas experiências em geral são mostradas “como ‘percussoras’ da História Oral

18
Talvez seja uma das primeiras aproximações da nascente História Oral com a Antropologia,
principalmente com Malinowski e seu conceito de observação participante.

16
‘moderna, que delas se distingue principalmente por exigir a gravação do relato, em
áudio e/ ou em vídeo e também por pressupor uma situação de entrevista com objetivos
bastante específicos”. (ALBERTI, 2008, p.156).

Nos anos 1960 intensificaram-se as entrevistas de história de vida com


indivíduos que não registravam suas experiências. Essa fase ficou conhecida como
história oral ‘militante’19 utilizada por pesquisadores para "dar voz às minorias e
possibilitar a existência de uma História Oral vinda de baixo". (ALBERTI, 2008,
p.156). Esses estudos procuravam se diferenciar dos realizados na Universidade de
Colúmbia que, uma vez que as pesquisas que eram feitas lá privilegiava os estudos das
elites.
Dessa forma, fazendo oposição a historia positivista do século XIX, a história
oral tornou-se o oposto daquela antiga história da antiga nação, agora voltada para o
comunitário, para a história local, no entanto para Alberti, “por trás desse movimento,
estava a crença de que era possível reconciliar o saber com o povo e se voltar para a
História dos humildes, dos primitivos, dos ‘sem história’” (2008, p.158).

No Brasil a história oral chega em 1975, quando a Fundação Ford juntamente


com a Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, tentou promover uma organização
de nível nacional que não vingou por falta de um ambiente democrático. “A proposta
fundadora do programa para estudar o desempenho das elites brasileiras desde a década
de 1930. (ALBERTI, 2008, p.160).

A partir dos anos 80, sobretudo após o regime militar, vários programas foram
criados, em universidades ou em outras instituições voltadas para a preservação da
memória. Do mesmo modo, foi crescendo um número significativo de pesquisadores
que utilizavam a metodologia da história oral na construção de suas teses de mestrado
e doutorado, porém o verdadeiro boom da história oral foi no inicio dos anos 90, tanto a
partir de transformações no próprio campo da história, com o rompimento do paradigma
estruturalista, como também a partir de transformações mais gerais na sociedade
brasileira. (FERREIRA, 1998)

19
Segundo Pollak seriam as ‘memórias subterrâneas’, que se opõem à ‘memória oficial’, no caso a
‘memória nacional’ (POLLAK, 1992: 4).

17
4.1 Memoria e Práticas Culturais no Distrito de Coqueiros

Nesse universo de representações simbólicas, se destaca a senhora Bernardina


Pereira da Silva, mais conhecida como a dona Cadu que mora em Coqueiros e é
matriarca de cerca de 50 ceramistas e suas respectivas famílias. Agora com 97 anos,
conta que desde pequena trabalha com o barro, segundo ela aprendeu com uma senhora
do sertão, quando morava na Fazenda Pilar em Sinunga, local onde nasceu, localizado
na Zona Rural do município de São Félix. Afirmando ser neta de ‘índia pega no mato’,
diz ainda que começou trabalhar ainda criança para ajudar o pai a criar seus irmãos.
Como líder comprometida, além de ensinar outras pessoas nas técnicas do ofício
da cerâmica, Dona Cadu revitalizou uma antiga tradição de samba de roda em
Coqueiros criando o “Samba de Roda Filhos de Dona Cadu 20” motivada pelo desejo de
integrar os jovens numa atividade artístico-cultural (NASCIMENTO, 2012, p.15). De
tal modo, a mesma afirma:

Balbino, meu menino é vocalista do meu grupo. Eles cantam e eu sambo


ajudando eles a cantar, porque eu tenho que ensinar as meninas sambar pra
quando eu não tiver aguentando mais...

Ao pedir para D. Cadu, 97 anos, responder a pergunta “quem sou eu?” e falar
um pouco sobre a sua vida, ela responde com orgulho:

- D. Cadu: Eu sou a líder de Coqueiros, até o governo veio me buscar aqui.


Sou uma pessoa que se eu tivesse condições ajudava muita gente. Eu criei
oito filhos dos outros e eduquei.

- Roseane: Qual a importância dessa comunidade para a senhora?

- D. Cadu: Ela é tudo minha filha. Eu gosto muito daqui. Quando o meu
marido faleceu os meninos (filhos) queriam me levar para Salvador eu não
quis. Aqui eu me distraio fazendo meu barro. A minha vida está aqui.

Dona Cadu evidencia uma forte identificação com Coqueiros ao falar que a
“comunidade” é tudo para ela e que a vida dela está lá. Portanto, não trata-se apenas de
um vinculo material com o local onde vive, mas de um vinculo emocional com as

20
Segundo os integrantes do grupo Filhos de Coqueiros, o grupo Filhos de Dª. Cadu que hoje é composto
por alguns moradores do município de São Félix era formado por pessoas da localidade que
posteriormente resolveram formar um outro grupo que é o Filhos de Coqueiros.

18
tradições, com a memória, e com o significado simbólico que a “comunidade”
representa para a mesma.

O samba de roda é uma atividade marcante que evoca memórias, sentimentos e até
mesmo saudades nos moradores de Coqueiros. As entrevistas realizadas com os
moradores de Coqueiros sobre o samba de roda nos permite analisar o lugar que esta
dança ocupa na memória coletiva e na construção da identidade do local tendo em vista
que o samba de roda é uma atividade bastante presente na realidade e na memoria
dessas pessoas.

As falas dos informantes mostram que o samba de roda representava e representa


muita alegria para todos, no qual grande parte da localidade participava antigamente
através das festas.

Percebe-se em Coqueiros que os moradores sentem a necessidade de se preservar


a tradição e fugir da ameaça do esquecimento. Nesta mesma linha de raciocínio,
D´Alessio assinala que: “Os lugares da memória expressam o anseio de retorno a ritos
que definem os grupos, a vontade de busca do grupo que se auto-reconhece e se auto-
diferencia, o movimento de resgate de sinais de appartanance grupal”21.

Levam o Bom Jesus dos Navegantes pra Ponta de Sousa e depois vão
buscar, todos os barcos vão buscar. Aí todo mundo se diverte sambando e
cantando.(D. Cadu, 97 anos, 22 de agosto de 2016).

Todo mundo acompanhava Nossa Senhora da Conceição depois fazia um


Samba de roda.(Roque de Jesus, 04 de junho de 2016)

Aqui tinha muita festa de rua, hoje em dia, tá caindo cada vez mais, era
muita tradição, enfraqueceu mais... (Dª. Maria Lúcia Evangelista, 70 anos,
22 de agosto de 2016)

Os informantes descrevem com brilho nos olhos ao recordarem como aconteciam


esses momentos de festa. Contam que todos se reuniam na praça, formavam uma roda e
sambavam, se divertindo até o raiar do dia. Os locais onde aconteciam e acontecem o
samba, são nos festejos tradicionais22 de Coqueiros e da cidade de Maragogipe –

21
D´ALÉSSIO, Márcia Mansor. Memória: Leituras de M. Halbwachs e P. Nora. In: Memória, História,
Historiografia. Dossiê Ensino de História. Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/ Marco
Zero, vol.13, n º 25/26, 92/93, p.102

22
Segundo relatos de alguns moradores a festa tradicional que ainda se realiza na localidade é a Festa de
N. Senhora da Conceição, realizada no dia 1º de janeiro.

19
principalmente no famoso Carnaval das Mascaras e na festa de São Bartolomeu,
padroeiro da cidade, que ocorre dia 24 de agosto – além de acompanharem a tradição
das rezas na região; sendo que atualmente segundo alguns entrevistados, o samba
também é lavado para outros locais tocando na maioria das vezes mais fora do que na
localidade. Contudo, “o passado deixou muitos traços, visíveis algumas vezes, e que se
percebe também na expressão dos rostos, no aspecto dos lugares [...] os costumes
modernos repousam sobre antigas camadas que afloram em mais de um lugar”
(HALBWACHS, 1990, p. 68).

Dª. Cadu também relata sobre as rezas para Santo Antônio e São Cosme e Damião
em sua casa:

Eu tenho dois São Cosme aqui em casa, um meu e um do meu pai que ainda
foi do meu bisavô. Todo ano eu faço caruru 23 e rezo os dois São Cosme,
porque meu pai antes de falecer me deu o dele.

Ao perguntar o que o samba de roda representa em sua vida, Dona Cadu


respondeu:

- D. Cadu: Tudo minha filha. É bom porque eu me divirto, saio para dá uma
sambadinha.

- Roseane: Existe alguma diferença entre o samba-de- roda de hoje e de


antigamente?

- D. Cadu: É a mesma tradição.

- Roseane: Como era as festas do samba de roda? Sempre viajou?

- D. Cadu: Antigamente a gente tocava mais, a gente tocava muito por aqui
nas festas dos santo, Iemanjá, Nossa Senhora da Conceição, Bom Jesus dos
Navegantes, todo mundo se divertia. Agora a gente toca mais fora, mas
agora com essa crise minha filha. Sempre viajei, já fui com o samba no
Pelourinho, no Instituto Mauá, Jardim dos namorados, tocava nas festas em
Santo Amaro, Maragojipe.

Reginaldo Moura Santos (Godô), 67 anos, integrante do Samba de Roda Filhos de


Coqueiros e morador da localidade fala sobre a alegria que o samba lhe proporciona:

- Comecei no samba de Dona Cadu, na minha vida o samba é tudo, é uma coisa
que eu nem sei explicar.

23
O caruru, é uma comida baiana feita com quiabo, camarão seco e azeite de dendê, e várias outros
ingredientes, que se realizava e ainda se realiza no recôncavo como promessa a São Cosme e Damião ou a
alguns santos em forma de agradecimento a um pedido feito. O elemento principal do evento é a comida,
o samba de roda era e ainda é o seu complemento, sendo que um dependia do outro para acontecer.

20
Na fala da maioria dos moradores do local que conversei, o samba aparece na
memória, ligada ao caruru24 e/ou candomblé25. Nas culturas africanas e indígenas, a
dança, o canto, a música, sempre foram parte do sagrado, e portanto de todos os seus
ritos. É nesse contexto religiosos do caruru onde sempre foi transmitida a memória
ancestral do samba. (KRSTULOVIC, 2016). Valdecira, conhecida como Jó, 42 anos,
também integrante do grupo Filhos de Coqueiros :

- Roseane: Há quanto tempo está no samba de roda?


- Valdecira: Eu participo do samba à 10 anos, a gente fazia parte do Grupo
Filhos de Dona Cadu, depois teve um desentendimento, aí formamos outro
Grupo que é o Filhos de Coqueiros.
- Roseane: O que o samba de roda representa em sua vida?
- Valdecira: Desde criança que eu gosto muito, a minha avó toda época do
Caruru de São Cosme, ela contratava o Samba de roda Filhos de Nagô, aí
depois da reza, fazia o samba, isso me incentivou, fez eu gostar do samba.

José Raimundo (Zé), morador de Coqueiros, tem 46 anos e participa do samba de


roda também a 10 anos desde que nasceu o grupo de Dona Cadu no qual ele fazia parte.
Ao ser questionado sobre o que o samba representa em sua vida Zé responde:
- Representa a cultura da minha terra, eu gosto muito do samba, sou fanático por
instrumentos musicais, toco timbal desde pequeno, porque a minha mãe é Mãe de
Santo e quando tinha os sambas de caboclo26 eu tocava por dom de Deus.
Simone Nunes dos Santos, 47 anos sambadeira do Filhos de Coqueiros, também
respondeu sobre o que o samba de roda representa na sua vida:
Eu sou uma pessoa que gosta muito de samba desde criança, quando não toca eu fico
triste. Desde que eu era pequena a minha mãe fazia São Cosme, ela festejava com
caruru e trazia samba de roda pra tocar aqui.

25
As rodas de samba de roda fazem parte das celebrações religiosas, todas elas acontecem num momento
mais lúdico e descontraído, quase sempre no final da festa, quando os rituais correspondentes acabam e
começa o momento da comida, da dança, da alegria e o compartilhamento.

26
Além dos sambas de caboclo, observei em relatos dos entrevistados que algumas casas de candomblé
convidavam no passado e hoje grupos de samba de roda, principalmente nas festas comemorativas.

21
Integrantes do Grupo Filhos de Coqueiros (Zé e Simone).
Fonte: Autora 2016

O caruru é um assunto constante nas falas dos sambadores entrevistados, que tem
nas lembranças os sambas de roda feitos nos carurus, o que mostra que o caruru foi um
espaço privilegiado de transmissão do samba de roda.
Portanto, a palavra samba “designa o evento, a dança, a letra, a música e o conjunto
musical que a executa, é referido na região como uma entidade substancial - samba é
"sangue", é "vida", é "alegria de viver", entre outros ditos. Assim, a festa não representa
mero divertimento, mas sim elemento integrante e integrador de rituais tanto religiosos
como seculares e, sobretudo, do cotidiano”. (GRAEFF, 2013, p. 2)

4.2 A cerâmica de Coqueiros: Memória e Identidade

O Recôncavo baiano apresenta séculos de história, e a produção de cerâmica


utilitárias de Coqueiros faz parte deste contexto, pois os utensílios de barro, formaram
o cenário que traduziram um espaço de representação na mesa do século XIX, nas
cozinhas dos engenhos e residências em geral, a água era armazenada nas talhas,
purrões, potes e moringas, e os alimentos cozidos nas panelas, caçarolas e frigideiras e
até mesmo servidas em travessas de barro, sendo que as mesmas eram produzidas na
própia região e eram consideradas de baixo custo e de fácil acesso.27
A produção de cerâmica é produzida em três locais situados no interior da Bahia.
Dona Cadu se recorda orgulhosa que já representou Maragogipe em feiras de artesanato

27
Para maiores informações sobre os acessórios utilizados para o consumo de alimentos na Bahia nos
séculos XVI, XVII, XVIII e XIX, ver Tachos, panelas e Cia: pequena historiografia da alimentação na
Bahia. Fundação Pedro Calmon.

22
em Salvador: Eu comecei trabalhar em exposição desde o governo de Roberto Santos.
A primeira exposição que eu fui foi com ele no Campo Grande no Solar na união
deixei Maragojipe em primeiro lugar. E diferencia a cerâmica de Coqueiros em relação
a outros polos de cerâmica da Bahia: “Em Maragogipinho, os homens trabalha usando
os pés para moldar o barro no torno e a louça não tem a resistência que a de
Coqueiros tem, a de lá não serve pra cozinhar, a de Irará também dá pra cozinhar, mas
é uma louça brejeira”. Dona Cadu também fala da cerâmica de Rio Real, que estas
“são mais para guardar água e para enfeite”.
Assim, a cerâmica de Coqueiros é uma das praticas que contribuem na formação da
identidade e preservação da tradição da localidade, reforçando os laços de sociabilidade
entre os moradores do local.
Legado cultural transmitido por gerações, esse artefato passou por modificações e
seguiu novos estilos. Quando indagado sobre a existência de alguma diferença em
relação a produção cerâmica de alguns anos atrás com os dias de hoje o Oleiro28 Ademir
Bernardo ressaltou que, em relação ao consumo local, antigamente cozinhavam mais
nas panelas de barro. Segundo ele mudaram também as formas de vendagem e foram
criadas novas peças como, canoeiras, frigideiras, molheiro, tigelas, rechaud29, etc.

D. Cadu, 97 anos em uma das etapas da confecção.


Fonte: autora 2016.

28
Oleiro é aquele cria, molda e dá forma ao barro.
29
Espécie de fogareiro que serve para manter a comida a ser servida na mesa, sempre quente.

23
Algumas ceramistas durante as entrevistas lembram com orgulho do passado,
período em que, segundo elas, a cerâmica dava bastante lucro. Como afirma D
Raimunda e Maria da fazenda do Rosário:

Antes dava mais lucro, agora tá vendendo pelo amor de Deus, tá difícil de
vender, tem um bom tempo que não vende nada. (Raimunda, 22 de agosto)

Antes tinha mais lucro...Construí minha casa graças a cerâmica..


Antigamente os carros passavam na pista e compravam agora a pista ruim
dificultou mais a venda. (Maria, 04 de junho)

As ceramistas entrevistadas mudam o semblante quando dizem viver do barro,


ou seja, orgulham-se em retirar do mesmo o sustento de toda a família, além do deleite e
alegria em fabricar objetos a serem consumidos com as próprias mãos; pois, é esse
legado deixado pelos seus pais e avós que lhes consente por exemplo, dar aos filhos, o
acesso a alguns bens materiais e simbólicos, conforme aponta D. Cadu e D. Maria
Lúcia:
Eu eduquei meus filhos com esse trabalho. O meu menino se formou, mas eu
dei um duro, minha filha, sofri pelo estudo dos meus filhos. Quando os meu
filho se formou a maioria das pessoas aqui não estudava, mas Deus me
ajudou que meu filho se formou. (D. Cadu, 97 anos, 8 de abril de 2016)

Esse trabalho é muito importante pra mim foi através da cerâmica que eu
criei meus filhos tudo. (D. Maria Lúcia, 70 anos, 22 de agosto de 2016)

Assim, verifiquei entre as artesãs sentimentos como orgulho delas mesmas,


reconhecimento e satisfação, quando se referem à sua produção, tão fortes, que mesmo
elas relatando as dificuldades encontradas no dia-a-dia do trabalho e as poucas
vantagens econômicas, percebe-se que jamais abandonariam essa tradição.
Há casos também de ceramistas que mesmo com a idade avançada trabalham na
produção, pois segundo eles gostam do que fazem. Dessa forma, há artesãs que não
conseguem ficar sem “por a mão na massa” e não deixam de trabalhar com o barro,
senão ficam doentes, como relatam D. Cadu e D. Maria Lúcia:

Todo dia cinco e meia da manhã eu estou aqui. Meu distraimento é meu
trabalho... Eu me sinto muito bem aqui. Eu tenho que trabalhar todo dia. No
dia que eu não trabalho não tem nada certo pra mim. (D. Cadu, 8 de abril)

(...) Gosto muito do meu trabalho, peço a Deus saúde e força pra trabalhar.
Os meus meninos fala: A senhora não tem necessidade é aposentada, recebe
pensão... aí eu digo: Enquanto Deus me der vida e coragem eu to
trabalhando.(D. Maria Lúcia, 22 de agosto)

24
Hoje a cerâmica de Coqueiros é comercializada na beira da estrada e em feiras
da região e da capital Salvador, e após a vinda da UFRB para as suas cidades vizinhas
(Cachoeira e São Félix), houve um súbito interesse dos pesquisadores na Cerâmica,
assim como de outros atores sociais.30
Os ceramistas falam com muita tristeza do fechamento do Instituto de Artesanato
Visconde de Mauá31, que só adquiria produtos tradicionais, como ressalta Dona Cadu
quando indagada se a cerâmica é valorizada pelo poder público a ponto de desenvolver
ações que considerasse esse legado e pudesse implementar alguma melhoria nas
condições de venda: “Só na época do Instituto Mauá, hoje em dia depois com esse novo
governo acabou tudo, não tem mais nada minha filha”.
Com um investimento por parte do Governo da Bahia, na década de 80, 90 até os
anos 2000, novos lugares, específicos para exposição e venda dos produtos foram
gerados.
Há mais de 40 anos, durante a atuação do Instituto Mauá houve um auge da
cerâmica de Coqueiros, houve feiras de cerâmica nas capitais (Salvador, Rio de Janeiro,
São Paulo, Curitiba, dentre outras). Os ceramistas participavam, principalmente, com o
apoio das instituições governamentais (Isto foi/é importante para o escoamento da
produção). Contudo:
Essas mulheres, com baixa escolaridade, praticamente desassistidas pelos
poderes públicos, ainda não conseguiram organizar-se, efetivamente, para
uma produção em parceria, objetivando benefícios coletivos. Um grande
passo nessa direção foi dado há cerca de 10 anos atrás, com a criação da
Associação de Ceramistas de Coqueiro, uma iniciativa local, apoiada pela
Prefeitura Municipal de Maragogipe e pela empresa Votorantim, responsável
pela construção das instalações que passaram a abrigar a sede da organização
comunitária (QUEIROZ, SILVA, PEREIRA, 2011, p.10).

Segundo Aldemi Rildon e Geferson Carneiro, essa empresa em 2005 implantou


no local a “Associação Ceramista de Coqueiros”, oferecendo oficinas com a finalidade
de fortalecer o sentimento de cooperativismo, porém, não demoraram muito de
deixarem de proporcionar incentivo a Associação. A estrutura continua a mesma,

30
Durante a minha Graduação em Museologia, participei do Grupo de pesquisa “As mãos que modelam o
barro” que tinha como objeto de estudo a cerâmica de Coqueiros, assim como durante a pesquisa de
campo para o desenvolvimento deste trabalho encontrei na localidade alguns pesquisadores de diversas
partes do Brasil.
31
Era uma autarquia vinculada à Secretaria do Estado e Ação Social, que realizava ações que foram
sistematicamente desenvolvidas durante 76 anos, seu objetivo era proporcionar o aproveitamento do
potencial criativo e valorizar a cultura artesanal regional de modo a promover e a impulsionar o seu
desenvolvimento.

25
entretanto, as reuniões não são feitas. A cooperativa das ceramistas foi desviada do seu
verdadeiro sentido”.
As entrevistadas em seus relatos mostraram o fazer cerâmica como uma técnica
que o tempo não apaga de suas memórias e que apesar desse tipo de artefato não ter o
valor comercial que tinha antigamente para quem o produz, tem um valor simbólico
muito grande para os mesmos, pois, além de representar uma profissão, proporciona
muita satisfação para seus fabricantes, sendo um dos elementos que representa o local
para seus visitantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A intenção desta pesquisa foi de fazer uma reflexão não só das memórias dos
meus informantes, mas também das práticas culturais que os mesmos praticam em seu
dia-a-dia, procurando analisar como estas memórias e estas práticas culturais
contribuem com a sua identidade étnica.
Com relação ao samba de roda cheguei à conclusão de que esta pratica foi no
passado e continua sendo momentos de sociabilidades e muita alegria entre os
moradores. Os festejos na localidade que envolvia o samba de roda são contados pelos
mais velhos demostrando saudades. Por outro lado foi constatado na fala da maioria das
pessoas que entrevistei que o samba aparece na memória, ligada ao caruru, pois tem em
suas lembranças os sambas de roda feitos nos carurus de seus pais e avós, o que mostra
que o caruru foi um espaço privilegiado de transmissão do samba de roda.
Compreendemos também que o samba de roda contribui na construção da identidade
étnica da localidade, por meio do relacionamento com outros grupos, quando o samba
de roda é apresentado em outros locais.
A análise da produção de cerâmica em Coqueiros teve em vista não apenas o
objeto em si, mas sobretudo proporcionar uma discussão sobre os significados que a
cerâmica tem para as ceramistas. Foi constatado no campo que a cerâmica é uma
técnica passada de geração a geração, e que somente três homens da localidade
desenvolve a prática e que a mesma é importante para as ceramistas, não só
economicamente, mas sua importância também acontece ao fortalecer os laços de
sociabilidade entre as mesmas, visto que, a cerâmica não dá lucro, mas eles persistem na
atividade porque foram socializados nela desde a infância. É mais do que um trabalho. É
um modo de vida, é uma atividade que forja a identidade social desses sujeitos. Além

26
disso, o que define uma das identidades das mulheres de Coqueiros é a identidade das
ceramistas. Elas demonstram sua diferença cultural em relação a outros grupos
ceramistas, quando apresentam seu trabalho como sendo um dos poucos trabalhos que
ainda conserva seu “modo de fazer”.
Por fim, essa pesquisa nos ajudou compreender que as memórias dessas pessoas,
suas práticas culturais, mantida em interações com outros grupos sociais, colaboram na
formação da sua identidade étnica.
Percebe-se aqui, portanto, que abri uma discussão na qual reina a
impossibilidade de um ponto final a respeito das memórias e das práticas culturais dos
coqueirenses. Ainda é necessário um apanhamento histórico bem mais profundo, que
der continuidade aos estudos já desenvolvidos no local em relação à compressão do
dia-a-dia desses agentes. Dentro daquilo que já foi discutido, espero ter trazido ao leitor
deste trabalho um pouco da minha inquietação e interesse no que diz respeito ao estudo
da localidade em questão.

REFERÊNCIAS

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CHARTIER, Roger. “Introdução. Por uma sociologia histórica das práticas culturais.”
In: A História Cultural entre práticas e representações. Col. Memória e sociedade.
Trad. Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988, p.13 - 28.

27
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FERREIRA, Marieta de Moraes. Desafios e dilemas da história oral nos anos 90: o caso
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