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A macumba e o samba como poéticas da subversão
Conferência realizada na Universidad Nacional de las Artes (UNA), Buenos Aires, Argentina.
10 de outubro de 2017
MARCOS RAMOS
I
Agradeço a presença dos senhores aqui hoje, agradeço especialmente ao professor
Eduardo Corbo Zabatel, a Cátedra Livre de Estudos Brasileiros e as pessoas desta
Universidade que tornaram possível este encontro. Para iniciar esta exposição que será
seguida de uma conversa, gostaria de dizer que se por um lado meu objetivo é
apresentar certos aspectos que constituem a formação cultural do Brasil, com ênfase
nos elementos africanos presentes nesse amálgama;; por outro lado, há um objetivo
político e urgente de denúncia internacional do atual cenário de discriminação religiosa
e racial presentes no país.
No mês de setembro, no Brasil, pelo menos dois vídeos foram amplamente
compartilhados nas redes sociais expondo casos de violência por motivação racial e
religiosa. No primeiro deles, um homem adepto à religião de matriz africana é obrigado
a arrebentar todos os colares que simbolizam sua devoção religiosa, o que chamamos
de guias, e é terrivelmente ameaçado: “É só um diálogo que estou tendo com você”,
afirma o agressor portando um bastão de madeira, e completa: “Da próxima vez eu
mato”. Em outro vídeo, uma Ialorixá é obrigada a quebrar todas as imagens presentes
no espaço onde se realiza o ritual. Segundo o agressor, as imagens precisam ser
quebradas porque assim “Todo o mal será desfeito, em nome de Jesus”.
As casas de cerimônia onde os vídeos foram gravados estão situadas em uma região
do Rio de Janeiro chamada Baixada Fluminense que compreende os municípios de
Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São João de Meriti, Nilópolis, Belford Roxo, Queimados
e Mesquita, todos ao norte da capital. Esses municípios tem uma característica em
comum: receberam um enorme contingente de ex-escravizados, e descendentes de
escravizados, com origem na região nordeste do Brasil. Estamos falando da região que
comporta parte substância da população negra e pobre do estado do Rio de Janeiro.
Foi justamente a imigração desses negros e pobres (o que nos países construídos sob
o signo da escravidão é quase um sinônimo) que favoreceu a formação de polos
religiosos de matrizes africanas.
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É importante esclarecer que esses casos não são isolados. A intolerância na Baixada
Fluminense não é uma exceção, tampouco a violência dirigida ao povo negro no Rio de
Janeiro é uma exceção. Há um projeto de extermínio da população negra, assim como
há um projeto de aniquilação da população indígena, em curso no Brasil. Esse projeto
começa com a apropriação da terra, passa pela inviabilização da cidadania e termina
com o aniquilamento do corpo – sem se esquecer da destituição dos bens culturais. É
sintomático que mais de 200 peças retiradas de casas de candomblé e de umbanda ao
longo da Primeira República no Brasil (1889-1930) permaneçam até hoje sob o domínio
da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Isso significa que, caso alguém dessa plateia queira
conhecer um vasto acervo da religiosidade afro-brasileira, terá que se dirigir ao Museu
da Polícia Civil. É mais sintomático ainda que, até 2010, as imagens de orixás e os
instrumentos utilizados em cerimonias religiosas tenham sido expostos ao lado de
armas, falsificações e bandeiras nazistas apreendidas.
Popularizou-se no Brasil, pelo menos desde as publicações dos célebres livros Raízes
do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, e Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre,
uma leitura equivocada de que o brasileiro é cordial e que o processo de colonização é
fruto de uma pretensa “democracia racial”. Os livros foram publicados na década de 30
e se comparado ao fascismo italiano ou ao nazismo alemão, o Brasil, em 1930, ainda
que comandado pelas mãos de ferro de Getúlio Vargas, parecia para muitos intelectuais
brasileiros a terra da prosperidade. O problema é que essa comparação ocultou o fato
de que existiu, e persiste, uma violência institucionalizada no país. E foi essa brutalidade
institucionalizada que, no passado, assassinou de maneira infame Zumbi dos Palmares,
o mais importante símbolo da insubmissão do negro escravizado;; assassinou, em
Salvador, no ano de 1835, africanos, e descendentes de africanos, de origem
muçulmana temendo um haitianismo;; e arruinou, há 120 anos, Canudos, a segunda
maior cidade da Bahia, degolando toda comunidade, receando um poder paraestatal.
Apesar desse quadro tão cruel quanto incompleto, um estudante brasileiro nunca leu
em um livro de História do Brasil a expressão Guerra Civil. Não falamos em Guerra Civil
quando o Rio Grande do Sul se separou por dez anos do Brasil, na Cabanagem, na
Sabinada, não falamos em Guerra Civil na Balaiada, não falamos em Guerra Civil na
Revolução de 32 de São Paulo, e continuamos sem falar em Guerra Civil quando em
junho de 2013 o Estado brasileiro repreendeu com grande brutalidade manifestantes
que foram às ruas lutar por melhorias sociais;; quando no final de 2015 jovens estudantes
pobres e negros foram violentados durante a ocupação das escolas públicas;; quando a
mesma Polícia Militar brasileira assassinou Wesley, Wilton, Carlos, Roberto e Cleiton,
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cinco jovens de periferia, anônimos para o mundo, no Complexo da Pedreira, em Costa
Barros, com 111 tiros;; ou quando uma jovem foi estuprada por 30 homens no Complexo
da Praça Seca, zona oeste do Rio de Janeiro.
Hoje, a intolerância racial e religiosa no Brasil é mais um quadro dessa guerra civil não
declarada. Segundo a Secretaria de Direitos Humanos (Disque 100), de 2014 a 2016,
no Brasil, houve um aumento superior a 273% das denúncias. É preciso dizer que não
se trata, pois, de uma violência ampla e irrestrita, ao contrário, estamos falando de uma
violência programática e dirigida. Em 2016, a Comissão de Combate à Intolerância
Religiosa, publicou que 70% dos casos documentados de violência tinham como alvo
as religiões afro-brasileiras. Ou seja: é o povo negro e pobre que permanece sendo alvo
privilegiado.
A violência não é uma novidade para esse povo, quer no Brasil ou em qualquer parte
do mundo, mas quero começar essa conversa destacando que as formas como a
intolerância tem se revelado, pelo menos a partir de 2013, só encontra precedentes nas
ditaduras e na escravidão do período colonial. E, longe de ser um problema particular
ou nacional, a intolerância racial e religiosa que apavora o Brasil hoje é uma das frentes
do extermínio protagonizado pelo recrudescimento do conservadorismo no Mundo. Um
conservadorismo que elege Donald Trump, que potencializa partidos de extrema-direita
na Europa, que apoia a ascensão de políticos fascistas na América do Sul e a condição
em que se encontram Santiago Maldonado, na Argentina, ou Rafael Braga, no Brasil.
Um conservadorismo que promove diariamente linchamentos nas redes sociais, a
idolatria de figuras como Jair Bolsonaro, e que vai às ruas, em nome de Deus, da família
e dos bons costumes, exigir o retorno de uma ditadura militar.
Portanto, se estamos aqui esta noite para conversar sobre as religiosidades afro-
brasileiras e o samba, é porque entendo que estamos no outro time. No time daqueles
que acreditam na soberania do povo, no valor da pluralidade cultural, étnica, religiosa,
e de gênero, no time daqueles que sabem que tolerar é pouco, é preciso transformar
tolerância em admiração. Por tudo isso, é com grande satisfação que estou aqui
partilhando esse momento.
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II
De modo geral, falar em religiosidade afro-brasileira significa lidar com cosmogonias,
mitos, poemas, músicas, danças e, naturalmente, práticas rituais, originadas na
diáspora africana no Brasil. Antes é preciso considerar que os africanos escravizados
que aportaram no Brasil são originários das mais distintas etnias. A historiografia
identifica quatro ciclos distintos do tráfico negreiro: durante o século XVI, o ciclo da
Guiné;; a partir do século XVII, o ciclo de Angola e Congo (bacongos, ambundos,
benguelas, ovambos e outros);; no século XVIII, o ciclo da Costa da Mina, centrado no
atual Benin, antigo Reino do Daomé (iorubas, jejes, minas, hauças, etc);; e o último ciclo,
o período de tráfico ilegal entre 1831 e 1851, que incluiu, além dos já mencionados, o
trafico de moçambicanos. Esse panorama breve ainda é superficial, mas permite
vislumbrar a imensa pluralidade linguística, religiosa e cultural da diáspora. Traduzindo
em números, sabemos hoje que entre os séculos XVI e XIX, mais de 12 milhões de
africanos foram escravizados e vendidos, e mais de 5 milhões desses africanos
desembarcaram no Brasil. Os dados atualizados são do Banco de Dados do Tráfico
Transatlântico de Escravos.
MAPA: Volume e direção do tráfico de escravos transatlântico, de todas as regiões africanas a todas as regiões americanas
Este mapa resume e reúne os muitos caminhos diferentes pelos quais os cativos partiam da África e chegavam às
Américas. Embora houvesse fortes conexões entre determinadas regiões de embarque e desembarque, não era raro
que os cativos de qualquer uma das principais regiões africanas desembarcassem em praticamente qualquer grande
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região das Américas. Mesmo os cativos vindos do sudeste da África, a região mais afastada das Américas, podiam
desembarcar na América do Norte continental, no Caribe ou na América do Sul. Os dados deste mapa são baseados em
estimativas do total do tráfico de escravos, e não em partidas e chegadas documentadas. (http://www.slavevoyages.org)
A tabela a seguir elenca algumas manifestações religiosas de matrizes africanas, mas
não expõe a totalidade de divindades cultuadas em cada uma dessas religiões, todavia,
considerando apenas um dos aspectos fundamentais de cada religião, deixa claro a
dimensão da diversidade.
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Exú e Pomba
Ogum Gu Hongolo Oxum Lissá
Giras
Oxóssi Possum Kindembu Caboclos Yemanjá Naeté
Iansã (Oiá) Heviossô Kaiango Preto Velhos Orixalá Sogbó
Xangô Sogbô Matamba Crianças (Erês) Irmãs Turcas
Dom Luís Rei
Obá Tobossi Kisimbi
da França
Exú Legbá Ndanda Lunda Dom João
Dom
Erê Fá Mikaia
Sebastião
Rei da
Ibeji Bessém Zumbá
Turquia
As colunas não estabelecem relações de equivalência/sincretismo.
Antes de seguir, gostaria de definir melhor o termo “macumba” que utilizo no título dessa
conferência. Em sua Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana, Nei Lopes define o
termo como um nome genérico usado para designar as religiões afro-brasileiras,
especialmente o candomblé e a umbanda. Apesar de reconhecer a origem controversa
da palavra, Nei Lopes opta pela etimologia da língua quicongo, assim, makumba seria
o plural de kumba “feitiços”, “fatos miraculosos”. No Brasil, o termo também originou um
instrumento musical similar ao reco-reco. A maneira como utilizo o termo tem maior
relação com a primeira definição. Em resumo, considero como “macumba” justamente
o produto dessa mistura entre as mais variadas culturas religiosas (afros, indígenas e
cristãs) que vigoraram no Brasil.
É verdade que existem espaços de culto doméstico aos ancestrais africanos desde o
primeiro século de colonização, os chamados calundus, de origem banto (congo-
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angolana). No entanto, a estruturação dos rituais e a criação dos espaços consagrados
aos rituais data do século XIX, a partir da intensificação do tráfico de escravos
sudaneses. Depois de 1850, principalmente, o Brasil recebeu um número muito grande
de africanos do Benin e da Nigéria, esses africanos vão ocupar sobretudo a região do
Pelourinho, em Salvador, na Bahia. Uma região muito especial porque povoada também
por escravos libertos fundadores da Igreja da Barroquinha. Sabe-se que já no séc. XVIII
uma escrava de origem ioruba, da cidade de Ketu, no Benin, chamada Danãdana, teria
iniciado ali o culto a seus ancestrais, trazendo para o Brasil o Assentamento, isto é, a
materialização do lugar-ritual, da divindade patrono de sua cidade, Oxóssi. A partir de
então um grupo cada vez maior de africanos e descendentes iniciou sua congregação.
A primeira compra de terreno efetivamente documentada com fins de sediar uma casa-
ritual, isto é, a primeira casa de candomblé do Brasil (e das Américas), data de 1830.
Trata-se de um terreno no bairro Engenho Velho, em Salvador, batizado com o nome
Ilê de Mãe Nassô, ou Casa de Mãe Nassô. O termo nassô, na cidade iorubana de Oyó,
cujo patrono é Xangô, significa “aquela que cuida dos rituais”. Essa casa de candomblé,
que no futuro se chamaria Ilê Axé Iyá Nassô Oká, ou Casa Branca do Engenho Velho,
nasceu das reuniões da Confraria Feminina Nossa Senhora da Boa Morte – um grupo
de senhoras descendentes de africanos, ainda presente no recôncavo baiano, na cidade
de Cachoeira. Um dos objetivos da confraria era comprar terras e fixar grupos religiosos
de origem africana.
Ainda no séc. XIX, surgem outros terreiros de grande importância para a cultura
brasileira, como o Alaketu. Vale a pena observar que, como cada grande cidade
iorubana é consagrada a uma divindade (em Iré, Ogum;; em Oyó, Xangô;; em Oshogbô,
Oxum, etc.), as casas de candomblé fundadas neste lado do Atlântico trazem no nome
também um patrono homenageado. Cito apenas dois exemplos de templos tradicionais,
o Ilê Axé Opô Afonjá, sediado em Salvador e no Rio de Janeiro, consagrado a Xangô
Afonjá, e o Ilê Axé Oxumaré, também de Salvador, consagrado a Oxumaré. É preciso
compreender que mais do que um lugar de rituais, essas casas de candomblé (ou
terreiros) são espaços onde os africanos exilados e os afrodescendentes podem pensar
a liberdade, falar sua língua, contar a história dos seus ancestrais, entoar seus orikis, e
novamente encontrar uma condição de humanidade perdida na escravidão. O terreiro
de candomblé é ainda hoje o lugar em que essas culturas foram melhor preservadas. E
porque a instituição da escravidão promoveu o estilhaçamento dos laços familiares, os
terreiros são espaços privilegiados da sua reconstrução. Os zeladores dos terreiros são
chamados de Pais ou Mães de Santo, os iniciados são intitulados Filhos de Santo, e
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usa-se comumente a expressão Família de Santo para designar um grupo de iniciados
na mesma casa. É interessante observar que inclusive as proibições sexuais familiares
(o incesto) também serão reconstruídas simbolicamente nestes espaços. Pessoas que
passam pelo processo de iniciação religiosa juntas – se diz: “iaôs do mesmo barco” –
não podem ter relação sexual. Faz parte do preceito.
Um aspecto fundamental do candomblé é a música. Na religião nagô ela não tem função
estética apenas, há também uma função comunicativa primordial e é por isso que
podemos afirmar que os tambores falam. A orquestra cerimonial do candomblé é
composta por quatro instrumentos: o agogô, espécie de campânula única ou dupla, com
toques altos e baixos, tocada com uma baqueta de metal, com a função de nortear
ritmicamente os outros instrumentos, conferindo unidade, regularidade rítmica e
estabilidade musical;; e os três tambores, chamados de atabaques. Os atabaques
possuem tamanhos, nomes, sons e funções distintas. O mais grave é chamado de
“rum”, o médio é chamado de “rumpi” e o agudo é intitulado “lé”. Devemos considerar
que os atabaques não são, no candomblé, apenas instrumentos da orquestra
cerimonial, são também divindades. Por isso, o mesmo instrumento utilizado nos rituais
não pode ser utilizado em situações cotidianas e profanas, da mesma forma que um
instrumento que não passar pela sacralização não será utilizado no candomblé.
Assim como o agogô tem a função de dar estabilidade rítmica, os atabaques rumpi e lé
devem manter o mesmo padrão sonoro. Os três instrumentos servem como suporte
para que o rum possa emitir suas frases, ou seja, “falar”. A música criada por essa
orquestra de atabaques e o agogô é chamada nos terreiros de “toques”. Os toques de
atabaques, no candomblé ketu, são executados com o auxílio de uma baqueta de
madeira, geralmente de goiabeira, ingá ou pitanga, chamada de aguidavi. Se a música
é fundamental no candomblé, por extensão, aos alabês é dado enorme respeito. Entre
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os três músicos responsáveis pelos atabaques, destaca-se ainda aquele que toca o rum.
Diante da importância desse instrumento, e da complexidade da execução, o
instrumentista deve ser o mais experiente da orquestra.
Gostaria de me dirigir agora a uma função primordial dos tambores, a de promover a
possessão. Como sabemos, a música como elemento propulsor do transe (ou da
possessão) não é uma exclusividade do candomblé, mas talvez existam algumas
características singulares. Na religião nagô, para que a música proporcione a possessão
é preciso que os alabês emitam através dos tambores e do agogô uma mensagem e
essa mensagem precisa ser reconhecida pelo grupo de iniciados para que possa
promover o que chamamos “estado de santo”. Tive a oportunidade de observar muitas
vezes nas cerimonias religiosas como cada toque, quase sempre associado a uma
cantiga, tem o poder de provocar uma transformação no arranjo do ritual. Isso porque o
alabê conhece o toque certo para provocar a presentificação de cada orixá e cada um
dos seus movimentos. O poder da música é tão grande nessas cerimonias que ouvi
algumas vezes que um alabê, ao executar um toque específico combinado a uma
cantiga de guerra, pode provocar até a morte durante o ritual.
Podemos elencar pelo menos 18 tipos de toques diferentes que fazem parte, por
exemplo, das cerimonias na Casa Branca (como já foi dito, o primeiro terreiro de
candomblé da Bahia), mas que são amplamente difundidos em outros terreiros de
candomblé do país. A seguir poderemos ouvir alguns deles. Toribalé, Ramunha,
Aderejá, Aderé, Agueré, Opanijé, Torin euê, Alujá, Xanxam, Ilú, Jicá, Batá, Ibim, Ijexá,
Sató, Bravum, Runtó e Agabi. A tabela demonstra como cada um dos toques está
associado a um tipo de função cerimonial.
Se faz presente no máximo 2 vezes ao longo da cerimonia e sua função está dissociada
Toribalé do canto e da dança. Seu único objetivo é a saudação, em geral de pessoas importantes
adentrando o espaço do terreiro.
Ramunha,
Na maior parte das vezes, os três nomes se referem ao mesmo toque. Esse toque está
avaninha,
associado à entrada e saída dos iniciados no espaço cerimonial, incorporados ou não
avamunha
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Junto com o toque Aderé, este é um toque fundamental do orixá Ogum. Em função da
Aderejá constituição mítica do orixá Ogum, as frases musicais introduzidas pelo Rum nesse
toque denotam sempre movimentos ligados às batalhas.
É um toque caracteristico de Oxossi, o orixá da caça. Em função da força do toque, é
Agueré notória também a sua função de atrair para o espaço cerimonial a presença de outros
orixás
É um toque executada para Omolu. Segundo Pierre Verger, o termo significa "ele mata
Opanijé qualquer um e come". Omolu, o Deus da Terra, é o orixá da cura. Como é comum, a
relação entre o toque e a coreografia é mediada pelos mitos correspondentes ao orixá.
Korin Ewe significa "o canto das folhas" é um toque associado ao orixá Ossaim. Tem
Torin euê ou
certa semelhança com o Aguerê de Oxossi, sua principal distinção reside da maneira
Korin Ewe
com é tocado o Rum.
São toques associados ao orixá Xangô. São tocados juntos, em sequencia. Na África
Alujá, tonibodê
(e em Cuba) os toques Alujá e Tonibodê são executados por um tambor chamado Batá,
e acacaumbó
diferente dos atabaques mais populares no Brasil
O termo "ilu" significa "atabaque", o termo "daró" significa "lamentar com saudade a
Ilú ou Daró ausência de alguém". Trata-se de um toque executado para Iansã também conhecida
como Oyá.
Como já foi dito, além de ser um toque, é o nome de um tambor africano que não é
utilizado no candomblé. Enquanto toque, não se associa a um orixá específico. Tem a
Batá
função de acompanhar a entrada dos orixás no espaço cerimonial depois de estarem
vestidos e caracterizados com seus objetos.
Ibim significa "caracol", mas para alguns autores, também designa um tipo específico
Ibim de tambor. O toque de Ibim é muito lento sugerindo justamente o movimento do caracol.
É um toque associado ao orixá Oxalalufã, uma qualidade de Oxalá velho.
É sem dúvida o toque mais popular do candomblé, pois foi amplamente divulgado pelos
carnavais da Bahia. Diferente dos outros ritmos, esse toque é executado sem o
Ijexá
aguidavi, ou seja toca-se apenas com as mãos. Esse toque tem especial relação com
Oxum, mas também se associa a Ogum e Oxaguiã, a qualidade de Oxalá jovem.
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É um toque, provavelmente, oriundo da tradição jeje e incorporado aos nagôs. Associa-
Sató
se a Omolu, Obaluaê, Nanã e Oxumarê.
Bravum Também é um toque de origem jeje e está associado ao orixá Oxumarê.
Runtó Mais um ritmo de origem jeje para Oxumarê.
Nesse toque, o rum é executado com as mãos enquanto os outros atabaques usam o
Agabi
aguidavi, o toque acompanha cantigas de Exu, Xangô e Ogum.
Como vocês têm observado até agora, quando nos referimos à música de candomblé,
estamos falando de uma riqueza incrível e de uma complexidade enorme. Lembro a
vocês que nossa análise até agora se limitou à música de apenas um tipo de
religiosidade afro-brasileira e cada uma delas guarda suas singularidades.
Assim como as macumbas são muitas e têm muitas origens, o samba também não é
único (há o samba de roda, o samba de partido-alto, o samba de enredo, o samba de
quadra, o samba canção, o samba-jazz, a bossa nova, entre outros). Apesar dessa
multiplicidade, é consenso entre os estudiosos e sambistas que o samba é uma
manifestação cultural não-religiosa, mas, muitas vezes, vinculada a determinados
espaços de religiosidade. Na Bahia, o samba de roda, está muito associado ao
candomblé;; no Rio de Janeiro, o samba de partido alto e o samba de enredo estão
vinculados à umbanda, por exemplo. Pessoalmente, já ouvi muitas vezes de um dos
compositores e pesquisadores da cultura afrobaiana mais importantes, Roque Ferreira,
uma frase que ilustra a força desse vínculo: “Sambista que não se interessa por
candomblé não é sambista de verdade, porque samba não é só uma música, é muito
mais do que isso.”
É curioso que essa vinculação, algumas vezes, como acontece na umbanda carioca,
promove um intercâmbio tão intenso que uma música de carnaval pode extrapolar os
limites do profano e ser entoada nos rituais. É o caso de Rádio Patrulha, um samba dos
anos 50, de Silas de Oliveira, compositor do Império Serrano, usado na invocação de
uma entidade da falange dos malandros, do grupo de entidades intituladas como exus
catiços, Seu Pelintra.
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estrutura rítmica são claros elementos de vinculação com o candomblé. É um consenso
entre os pesquisadores que é justamente esse samba executado ainda hoje na Bahia a
base para o samba que se desenvolveu e se popularizou no Rio de Janeiro do século
XX.
E porque há um amplo movimento de aniquilação do negro e da cultura afrodiaspórica
no Brasil, o samba só se tornou oficialmente parte constitutiva da identidade brasileira,
no século XX, durante a ditatura nacionalista de Vargas, porque passou por um
processo de transformação – para muitos críticos, uma domesticação. Não temos tempo
de desenvolver mais essa questão neste momento, caso seja do interesse, voltamos a
ela na nossa conversa. Mas gostaria de dizer que mais importante do que destacar as
maneiras como o samba ao longo da ditadura varguista foi domesticado talvez seja
sublinhar as suas estratégias de resistência. Gostaria de narrar uma delas, estudada
pelo historiador Luiz Antonio Simas, porque é muito significativa e simbólica.
Encerro minha exposição reiterando que o tambor é um tempo, um espaço e uma língua
de pertencimento do povo negro, mas é mais do que isso, o tambor é um instrumento
de resistência, de evocação e convocação. O tambor, em seu sentido mais amplo –
estou falando do batuque, da roda de samba, da capoeira, das macumbas, do carnaval,
da batucada irrestrita –, é o epicentro da confraternização e do princípio dinâmico que
transforma a festa em fresta. É preciso entender o tambor, pois, com uma dimensão
poética e com uma dimensão política.
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Há ainda uma outra dimensão dos tambores, e agora no seu sentido mais restrito aos
cultos de candomblé, sobre a qual não poderemos por hora nos estender, mas que
precisa ser mencionada: a filosófica. As religiões de matrizes africanas têm sido vistas
pelo senso comum de modo limitado como um conjunto de crenças e rituais. No entanto,
o que pesquisadores como Roger Bastide, Juana Elbein dos Santos e Muniz Sodré, só
para citar alguns, têm demonstrado é que existe um sistema filosófico amplo, sofisticado
e coerente nessa cultura diaspórica.
Frente a atual conjuntura dos estudos acadêmicos e a insurgência de movimentos que
advogam pela descolonização do pensamento ou por aquilo que Boaventura de Souza
Santos tem chamado Ecologia de Saberes, empreender um esforço de compreensão
desse dado que é novo na história dos estudos acadêmicos e elaborar uma gramática
do diálogo entre as sutilezas e singularidades dessa filosofia afrobrasileira e o vigente
sistema filosófico eurocentrado é uma responsabilidade que a Universidade precisa
assumir. Em outras palavras, não se trata mais de uma revelação sociológica e
antropológica do valor dos aspectos simbólicos da religiosidade afrobrasileira, porque
isso já foi feito, mas, no plano do que poderíamos perceber como um deslocamento
epistemológico, reconhecer um sistema que podemos chamar filosófico. Mas isso, eu
espero, ficará para um outro momento.
Gostaria de dedicar esta conferência a meu pai, o alabê que me introduziu no mundo
das religiosidades afro-brasileiras, aos meus avós de quem também sou filho de Santo,
Carlinhos e Helena da Oxum, aos meus amigos músicos percussionistas com quem
tenho aprendido muito, especialmente nas rodas de samba da vida, Marcão Gabriel,
Léo de Paula, Saulo Santos, Edu Sjzajnbrum e Robertinho Silva, por fim aos meus dois
maiores professores na música, meus padrinhos Zé Moreira e Roque Ferreira.
Obrigado por me ouvirem.
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