Sei sulla pagina 1di 208

TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA

EM MOTRICIDADE OROFACIAL

ORGANIZADORES
Irene Queiroz Marchesan
Hilton Justino da Silva
Giédre Berretin-Felix
Copyright © 2012 by Pulso Editorial Ltda. ME
Avenida Anchieta, 885 (Jardim Nova América)
São José dos Campos – SP.
CEP 12242-280 - Telefone/Fax: (12) 3942-1302
e-mail: atendimento@pulsoeditorial.com.br
home-page: http://www.pulsoeditorial.com.br

Impresso no Brasil/Printed in Brazil, com depósito legal na Biblioteca Nacional


conforme Decreto no. 1.825, de 20 de dezembro de 1907.

Todos os direitos reservados – É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer


parte desta edição. A violação dos direitos de autor (Lei no 5.988/73) é crime
estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Editor responsável: Vicente José Assencio Ferreira


Diagramação: Alexandre Marinho Vicente
Capa: David de Aguiar Felicino
Impressão e acabamento: Editora Parma Ltda.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Terapia fonoaudiológica em motricidade orofacial /
organizadores Irene Queiroz Marchesan, Hilton
Justino da Silva, Giédre Berretin-Felix. --
São José dos Campos, SP : Pulso Editorial, 2012.


Vários colaboradores.
Bibliografia.
ISBN 978-85-89892-91-9

1. Boca - Músculos 2. Face - Músculos
3. Fonoaudiologia - Terapia 4. Músculos -
Motricidade I. Marchesan, Irene Queiroz. II. Silva,
Hilton Justino da. III. Berretin-Felix, Giédre.

12-05775 CDD-616.885

Índices para catálogo sistemático:


1. Terapia fonoaudiológica 616.885
ORGANIZADORES

IRENE QUEIROZ MARCHESAN


Fonoaudióloga
Docente e Diretora do CEFAC Pós-Graduação em Saúde e Educação
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP)

HILTON JUSTINO DA SILVA


Fonoaudiólogo
Doutor em Nutrição pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Mestre em Morfologia/Anatomia pela UFPE
Especialização em Motricidade Orofacial pelo CEFAC Pós-Graduação
em Saúde e Educação
Especialista em Motricidade Orofacial pelo Conselho Federal de
Fonoaudiologia (CFFa)
Terapeuta no Conceito de Reabilitação Orofacial e Corporal Castillo
Morales da Argentina
Professor Adjunto III do Departamento de Fonoaudiologia da UFPE
Líder do Grupo de Pesquisa Patofisiologia do Sistema Estomatognático
UFPE/Diretório de Grupos de Pesquisa – CNPq

GIÉDRE BERRETIN-FELIX
Fonoaudióloga
Pós-Doutorado em Distúrbios da Deglutição pela Universidade da
Flórida
Doutora em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina de Botucatu
(UNESP)
Docente do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de
Odontologia da USP
CORPO EDITORIAL
Irene Queiroz Marchesan
Hilton Justino da Silva
Giédre Berretin-Felix

PARECERISTAS
Adriana Tessitore
Adriana Rahal
Andréa Rodrigues Motta
Daniele Andrade da Cunha
Giédre Berretin-Felix
Hilton Justino da Silva
Irene Queiroz Marchesan
AGRADECIMENTOS

A Associação Brasileira de Motricidade Orofacial (ABRAMO), em


nome dos seus organizadores, agradece a todos os palestrantes que trou-
xeram seu conhecimento ao V Encontro Brasileiro de Motricidade Orofacial
realizado nos dias 15 e 16 de junho de 2012 na cidade de Curitiba - PR. É im-
portante que se saiba que todos os professores cederam de forma gratuita
seu conhecimento, tanto para as palestras, como para os capítulos do livro
que foi gerado nesse evento. A renda gerada no evento será utilizada para
oficializar a ABRAMO e manter seu site.

Irene Queiroz Marchesan


COLABORADORES

Adriana Rahal
Mestrado em Ciências pela USP-SP (2001)
Doutorado em Ciências pela USP-SP (2009)
Fonoaudióloga Clínica desde 1987
Chefe do Departamento de Eletromiografia do CEFAC-SP
Professora do Curso de Graduação da Faculdade Santa Casa de SP
Professora dos cursos de especialização em Motricidade Orofacial do
CEFAC Pós-Graduação em Saúde e Educação
Email: rahal-carvalho@uol.com.br

Adriana Tessitore
Fonoaudióloga clínica
Especialista em Motricidade Orofacial pelo CFFa
Mestre em Ciências Médicas pela UNICAMP
Doutora em Ciências Médicas pela UNICAMP
Terapeuta e Mestre no Conceito de Reabilitação Orofacial e Corporal
Castillo Morales
Docente do CEFAC Pós-Graduação em Saúde e Educação
Email: adria@terra.com.br

Ana Maria Toniolo da Silva


Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana (Fonoaudiologia)
pela Universidade Federal de São Paulo
Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade
Federal de Santa Maria-RS
Professora Adjunta do Departamento de Fonoaudiologia da
Universidade Federal de Santa Maria-RS
Email: amariatoniolo@gmail.com
Andréa Rodrigues Motta
Especialista em Motricidade Orofacial pelo CFFa
Mestre em Fonoaudiologia pela PUC-SP
Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP
Professora Adjunto do Departamento de Fonoaudiologia da UFMG
Membro do Grupo de Motricidade Orofacial e Disfagia de Belo Horizonte
Membro da Associação Brasileira de Motricidade Orofacial ABRAMO
Email: andreamotta19@gmail.com

Angela Busanello-Stella
Fonoaudióloga Clínica
Especialização em Fonoaudiologia Hospitalar
Mestre em Distúrbios da Comunicação pela Universidade Federal de
Santa Maria - RS
Doutoranda pelo mesmo programa
Email: angelafonoaudiologia@yahoo.com.br

Cláudia Tiemi Mituuti


Fonoaudióloga
Especialista em Motricidade Orofacial pelo Hospital de Reabilitação de
Anomalias Craniofaciais – USP
Mestre em Ciências pela Faculdade de Odontologia de Bauru – USP
Doutoranda do Programa de Ciências Odontológicas Aplicadas da
Faculdade de Odontologia de Bauru – USP
Email: claudinhatm@usp.br

Cynthia Dacillo
Licenciatura em Educação Especial com Especialização em Distúrbios
da Comunicação pela UNIFÉ – Universidade Femenina del Sagrado
Corazón de Lima – Perú.
Especialista em Motricidade Orofacial pelo CPAL – Centro Peruano de
Audición y Lenguaje de Lima – Perú – CEFAC
Email: cynthia.dacillo@hotmail.com

Daniele Andrade da Cunha


Fonoaudióloga
Doutorado e Mestrado em Nutrição pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE)
Especialista em Motricidade Orofacial pelo Conselho Federal de
Fonoaudiologia (CFFa)
Pesquisadora Institucional da Faculdade Estácio do Recife
Líder do Grupo de Pesquisa Patofisiologia do Sistema Estomatognático
UFPE/Diretório de Grupos de Pesquisa – CNPq
Email: dhanyfono@hotmail.com

Esther Mandelbaum Gonçalves Bianchini


Fonoaudióloga CRFa1773/SP
Especialista em Motricidade Orofacial CFFa 018/96
Mestre em Educação – Distúrbios da Comunicação, PUCSP
Doutora em Ciências – Fisiopatologia Experimental da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP
Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação Mestrado em
Fonoaudiologia da Universidade Veiga de Almeida, RJ
Professora do CEFAC Pós-Graduação em Saúde e Educação
Diretora da Clínica E. Bianchini Fonoaudiologia
Endereço para acessar CV: http://lattes.cnpq.br/9878104937562238
Endereço eletrônico: www.estherbianchinifono.com.br
Email: esther@estherbianchinifono.com.br

Franklin Susanibar
Fonoaudiólogo formado pela FAP – Faculdade Adventista Paranaense
Docente da UNMSM – Universidade Nacional Mayor de San Marcos
Lima-Perú y da UPCH
Docente da Universidade Peruana Cayetano Heredia Lima - Perú
Autor do Dicionário Terminológico de Motricidade Orofacial
Encarregado da área de diagnóstico e intervenção em Motricidade
Orofacial do Instituto Psicopedagógico EOS-Perú
Pertence a equipe de diagnóstico e intervenção em Motricidade
Orofacial do Policlínico Peruano Japonés – Lima - Peru
Membro fundador da CMOL – Comunidade de Motricidade Orofacial
Latinoamericana
Fundador da RevMOf Revista Digital Especializada em Motricidade
Orofacial
Email: frank_susanibar@yahoo.com.br

Giédre Berretin-Felix
Fonoaudióloga
Mestre em Odontologia – Faculdade de Odontologia de Piracicaba –
UNICAMP
Doutora em Fisiopatologia em Clínica Médica – Faculdade de Medicina
de Botucatu – UNESP
Pós-Doutora em Distúrbios da Deglutição – University of Florida
Professora Associada do Departamento de Fonoaudiologia da
Faculdade de Odontologia de Bauru – USP
Email: gfelix@usp.br

Hilton Justino da Silva


Fonoaudiólogo
Doutorado em Nutrição pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE)
Mestrado em Morfologia/Anatomia pela UFPE
Especialização em Motricidade Orofacial pelo CEFAC Pós-Graduação
em Saúde e Educação
Especialista em Motricidade Orofacial pelo Conselho Federal de
Fonoaudiologia (CFFa)
Terapeuta no Conceito de Reabilitação Orofacial e Corporal Castillo
Morales - Argentina
Professor Adjunto III do Departamento de Fonoaudiologia da UFPE
Líder do Grupo de Pesquisa Patofisiologia do Sistema Estomatognático
UFPE/Diretório de Grupos de Pesquisa – CNPq
Vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Saúde da
Comunicação Humana - UFPE
E-mail: hiltonfono@hotmail.com

Irene Queiroz Marchesan


Fonoaudióloga pela Pontifícia Universidade Católica - SP (PUC-SP) em
1977
Mestrado em Distúrbios da Comunicação PUC-SP em 1989
Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP) em 1998
Diretora do CEFAC Pós-Graduação em Saúde e Educação
http://lattes.cnpq.br/3237385454152639
Email: irene@cefac.br

Jaime Luiz Zorzi


Fonoaudiólogo pela Pontifícia Universidade Católica - SP (PUC-SP) em
1976
Mestrado em Distúrbios da Comunicação PUC-SP em 1988
Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP) em 1997
Diretor do CEFAC Pós-Graduação em Saúde e Educação
http://lattes.cnpq.br/1009139853780079
Email: jaime@cefac.br

Lúcia Dantas Giglio


Fonoaudióloga
Especialista em Laboratório do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-
USP)
Especialista em Motricidade Orofacial pelo Conselho Federal de
Fonoaudiologia (CFFa)
Mestranda em Ciências Médicas pelo Departamento de Oftalmologia,
Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP-USP
E-mail: lgiglio@fmrp.usp.br

Luciana Vitaliano Voi Trawitzki


Fonoaudióloga
Especialista em Motricidade Orofacial pelo Conselho Federal de
Fonoaudiologia (CFFa)
Mestre em Fisiologia Oral pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba
da Universidade Estadual de Campinas (FOP-UNICAMP)
Doutora em Biociências Aplicada à Clínica Médica pela Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP)
Docente do Curso de Fonoaudiologia e Pós-Graduação do Departamento
de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço
da FMRP-USP
E-mail: luvoi@fmrp.usp.br

Marcela Maria Alves da Silva


Fonoaudióloga
Mestre em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades
em Bioengenharia da Escola de Engenharia de São Carlos – USP
Doutoranda do Programa de Ciências Odontológicas Aplicadas da
Faculdade de Odontologia de Bauru – USP
Email: marcelam@usp.br

Marileda Cattelan Tomé


Graduação em Fonoaudiologia pela Universidade Federal de Santa
Maria – UFSM-RS
Mestrado em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade
Federal de Santa Maria-RS
Doutorado em Ciências da Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação
Humana pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofacias –
USP Bauru
Professora do Curso de Graduaçao em Fonoaudiologia da Universidade
do Vale do Itajaí – UNIVALI-SC
Equipe técnica da Clínica SerFono – Joinville-SC
Email: ledatome@uol.com.br

Silvana Brescovici
Formada em Fonoaudiologia pela Universidade Federal de Santa Maria
– UFSM-RS, em 1983
Mestrado em Ciências Médicas na Faculdade de Medicina pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2004
Especialista em Motricidade Orofacial pelo Conselho Federal de
Fonoaudiologia (CFFa) desde 2004
Trabalha em clínica privada e como docente na Universidade Luterana
do Brasil – ULBRA desde 1994
Email: silvana@brescovici.com.br
Tais Helena Grechi
Fonoaudióloga
Especialista em Motricidade Orofacial pelo Conselho Federal de
Fonoaudiologia (CFFa)
Assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP) pela
Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do HCFMRP-USP
Mestre e Doutoranda em Ciências Médicas pelo Departamento de
Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço
da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo (FMRP-USP)
E-mail: thgrechi@hotmail.com

Tatiana Vargas de Castro Perilo


Fonoaudióloga
Especialista em Motricidade Orofacial pelo CFFa
Mestre e Doutoranda em Bioengenharia pela UFMG
Fonoaudióloga do Hospital das Clínicas da UFMG
Membro do Grupo de Motricidade Orofacial e Disfagia de Belo
Horizonte.
Emal: tativcp@yahoo.com.br e tatiana_vargas@hotmail.com
PREFÁCIO

Prezados Colegas

Em 2004 um grupo entusiasta da Motricidade Orofacial (MO) se


reuniu em São Paulo nos dias 20 e 21 de agosto para realizar a 1ª Reunião
Científica do Comitê de MO da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia
(SBFa). O evento denominado “Convergências e Divergências em MO” teve
como coordenadores os fonoaudiólogos Irene Marchesan, Adriana Rahal, Lia
Duarte, Lilian Krakauer, Silvia Pierotti e Patrícia Junqueira. Com 16 mesas e
50 participantes entre palestrantes, debatedores e coordenadores, a reunião
foi considerada de grande sucesso. Foram abordados todos os temas da MO
e mais uma mesa central de discussão sobre terminologia e parâmetros em
MO com a participação de fonoaudiólogos, neurologistas, dentistas e fisiote-
rapeutas. O evento gerou um livro “Motricidade Orofacial: como atuam os
especialistas” organizado por Irene Marchesan e editado pela Pulso Editorial,
com 36 capítulos os quais tratam das diversas opiniões sobre a avaliação e a
terapia em MO, além de um breve histórico sobre o comitê de MO da SBFa.
A renda da venda do livro é destinada, até os dias de hoje, ao Comitê de Mo-
tricidade Orofacial da SBFa.

Em 2005, durante o 1º Encontro Internacional de Deglutição reali-


zado em agosto na cidade de São Paulo, foi realizada a 2ª Reunião Científica
do Comitê de MO da SBFa. Nesse encontro foi gerado um livro “Tratamento
da Deglutição: a atuação do fonoaudiólogo em diferentes países”, organizado
por Irene Marchesan, editado pela Pulso Editorial, constando de 21 capítu-
los. Nesse evento tivemos a participação de fonoaudiólogos brasileiros, ar-
gentinos, chilenos, americanos, peruanos, portugueses e venezuelanos. Na 2ª
Reunião Científica do Comitê de MO da SBFa em conjunto com os palestran-
tes nacionais e estrangeiros mais os membros do CFFa e do CRFa 2ª região,
ficou decidido que iniciaríamos encontros nacionais em diferentes regiões
do Brasil, com a finalidade de divulgar a MO em diferentes partes de nosso
país, assim como buscar especialistas nessa área que realizassem trabalhos
inovadores e diferenciados em cada região brasileira.

Em 2008 foi realizado, no dia 7 de agosto, o I Encontro Brasileiro de


MO na cidade de Goiânia-GO coordenado pela Fga. Mestre Christiane Tani-
gute. O objetivo dos encontros regionais, é o de atingir os profissionais da
MO de determinada região permitindo que os mesmos tenham a oportuni-
dade de apresentar seus trabalhos e também se reciclarem.

Em 2009 foi realizado, no dia 22 de agosto, o II Encontro Brasileiro


de MO na cidade de Recife-PE coordenado pelo Fgo. Dr. Hilton Justino. Nesse
evento foram discutidos quais deveriam ser as ações para alavancar a MO do
Brasil.
Ainda em 2009 ocorreu na cidade de São Paulo, nos dias 25 e 26
de setembro, a 3ª Reunião Científica de MO. Estiverem presentes 62 fono-
audiólogos de 16 estados do Brasil, quatro fonoaudiólogos do Peru, uma da
Argentina e uma da Espanha. A temática abordada foi a discussão sobre qual
seria o melhor nome para a especialidade de MO, onde o Conselho Federal
de Fonoaudiologia participou ativamente enviando a Fga. Carla Girodo. Em
seguida foram apresentados protocolos utilizados em diferentes centros e fo-
ram apresentadas as pesquisas que estão sendo desenvolvidas pelos grupos
de MO no Brasil.
Resumidamente poderíamos dizer que o mais importante de cada
Reunião Científica é o que se segue:

1ª Reunião Científica de MO – agosto de 2004


– O evento foi organizado pelo Comitê de MO. Esse evento gerou
um livro com 36 capítulos, editado pela Pulso Editorial, expondo a atuação
dos especialistas nas diferentes áreas da MO. A renda da venda do livro des-
de 2004 é doada para o Comitê de MO da SBFa.

2ª Reunião Científica de MO – agosto de 2005


– O foco dessa reunião foi a discussão da avaliação e da terapia da
deglutição. Foram convidados para expor sua atuação com a deglutição 10
fonoaudiólogos especialistas em MO do Brasil e 11 fonoaudiólogos de seis
países: Estados Unidos da América (1), Argentina (3), Venezuela (1), Peru (2),
Chile (3) e Portugal (1). Esse evento ocorreu em agosto de 2005 e culminou
com um livro chamado “Tratamento da Deglutição – a atuação do fonoaudió-
logo em diferentes países” editado pela Pulso Editorial, contendo 21 capítulos
sobre tratamento da deglutição.

3ª Reunião Científica de MO – setembro de 2009


– O foco dessa reunião foi a discussão sobre qual seria o melhor
nome para a especialidade de MO seguida da apresentação dos protocolos
utilizados pelos diferentes centros e apresentação das pesquisas que estão
sendo desenvolvidas pelos grupos de MO no Brasil. Um documento foi ge-
rado nessa reunião e publicado na Revista Cefac, Vol.11, suplemento 3, 2009
– O que os especialistas em Motricidade Orofacial têm feito no Brasil.

Em 2010 foi realizado, nos dias 18 e 19 de junho, o III Encontro Bra-


sileiro de MO na cidade de Belo Horizonte-MG coordenado pela Fga. Dra.
Andréa Motta.

Em 2011 foi realizado, nos dias 10 e 11 de junho, o IV Encontro Brasi-


leiro de Motricidade Orofacial na cidade de Natal-RN organizado pelos docen-
tes do curso de Fonoaudiologia da UFRN, professores Leandro Pernambuco,
Renata Cavalcanti, Hipólito Magalhães e Lourdes Bernadete com o apoio dos
discentes do curso. O evento, teve o objetivo de divulgar a Motricidade Oro-
facial e reunir os especialistas na área, contando com cerca de 300 inscritos,
entre profissionais e estudantes de todo o país, que nesses dois dias puderam
atualizar seus conhecimentos sobre terapia fonoaudiológica e avanços tecno-
lógicos na motricidade orofacial. Um marco importante do evento foi a criação
oficial da Associação Brasileira de Motricidade Orofacial (ABRAMO), entidade
formada pelos profissionais especialistas na área, que surge para fortalecer e
lutar pelos interesses da Motricidade Orofacial no Brasil. A primeira reunião da
ABRAMO foi realizada durante o evento e contou com representantes de diver-
sos estados do país. Nesse ano, o Encontro trouxe novidades como a exposi-
ção de 60 painéis e a instituição do Prêmio “Irene Marchesan” para premiar o
“Destaque Científico”. Além disso, ocorreu o lançamento do livro “Atualidades
em Motricidade Orofacial”, organizado pelos professores da UFRN que coorde-
naram o Encontro e pelo Prof. Hilton Justino da UFPE, editado pela Revinter. O
livro reuniu capítulos escritos por todos os palestrantes presentes no Encontro.
Em 2012 o V Encontro Brasileiro de Motricidade Orofacial será rea-
lizado na cidade de Curitiba-PR nos dias 15 e 16 de junho. Seguindo a tradição
esse evento contará com pôsteres concorrentes ao Prêmio “Irene Marche-
san” e será lançado um livro com o conteúdo das palestras do evento.

Tudo isso mostra o grande avanço da Motricidade Orofacial do Bra-


sil e sua força no cenário nacional.

Dra. Irene Queiroz Marchesan


SUMÁRIO
Capítulo 1 ......................................................................................... 23
O Clínico Também é um Pesquisador
Irene Queiroz Marchesan
Jaime Luiz Zorzi

Capítulo 2 ......................................................................................... 31
Bases da Terapia de Motricidade Orofacial
Esther Mandelbaum Gonçalves Bianchini

Capítulo 3 ............................................................................................. 43
Exercícios Utilizados na Terapia de Motricidade Orofacial (quando
e porque utilizá-los?)
Adriana Rahal

Capítulo 4 ............................................................................................ 51
Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e sua
Importância na Terapia de Motricidade Orofacial
Franklin Susanibar
Cynthia Dacillo

Capítulo 5 ............................................................................................ 87
Terapia Fonoaudiológica em Respiração Oral (como eu trato)
Daniele Andrade da Cunha
Hilton Justino da Silva

Capítulo 6 ........................................................................................... 111


Terapia Fonoaudiológica em Ronco (como eu trato)
Adriana Tessitore

Capítulo 7 ............................................................................................. 123


Terapia Fonoaudiológica em Mastigação (como eu trato)
Luciana Voi Trawitzki
Tais Helena Grechi
Lúcia Dantas Giglio
Capítulo 8 ........................................................................................ 139
Terapia Fonoaudiológica em Mastigação (como eu trato)
Andréa Rodrigues Motta
Tatiana Vargas de Castro Perilo

Capítulo 9 ......................................................................................... 147


Terapia Fonoaudiológica em Deglutição (como eu trato)
Giédre Berretin Félix
Marcela Maria Alves da Silva
Cláudia Tiemi Mituuti

Capítulo 10 ........................................................................................ 163


Terapia Fonoaudiológica em Deglutição (como eu trato)
Silvana Brescovici

Capítulo 11 .................................................................................. 181


Terapia Fonoaudiológica na Fala (como eu trato)
Marileda Catellan Tomé

Capítulo 12 .................................................................................. 195


Terapia Fonoaudiológica na Fala (como eu trato)
Angela Busanello-Stella
Ana Maria Toniolo da Silva
O Clínico Também é um Pesquisador – Irene Queiroz Marchesan & Jaime Luiz Zorzi
Capítulo 1
O Clínico Também é um Pesquisador

Irene Queiroz Marchesan


Jaime Luiz Zorzi

Quando pensamos que temos todas as respostas,


a vida vem e muda todas as perguntas.
autor desconhecido

Quando falamos de pesquisas na área das ciências da saúde, sem-


pre temos a sensação de que isso não é para os clínicos. Fonoaudiólogos,
e mesmo outros profissionais, tendem a dividir o universo das ciências em
duas partes: aqueles que fazem o dia a dia da profissão e aqueles que pes-
quisam. O clínico pode não estar muito consciente, mas ele também é um
pesquisador, por natureza. Ele avalia, diagnostica e trata muitos casos seme-
lhantes, normalmente classificando-os, o que permite  repetir e sistematizar
conjuntos de ações e procedimentos os quais se mostraram eficazes ao longo
do tempo. O clínico tem um grande conhecimento de técnicas que devem ou
não ser utilizadas em diferentes casos. Ele adquire conhecimentos a respeito
daquilo que dá certo e o que não dá. Porém, apesar de saber muito, aplica
esse conhecimento em um círculo restrito, limitando-o à sua própria ativida-
de. Por que esse saber não se torna público? Talvez porque ainda não tenha
se dado conta de que ao pensar, categorizar, juntar dados utilizando-os e os
retestando também está fazendo ciência. O clínico se vê apenas como um
bom profissional e nunca como alguém que, efetivamente, e em circunstân-
cias bastante específicas, exerce uma forma de pesquisa.

O que exatamente um pesquisador faz?


E um clínico?
Vamos iniciar consultando o velho e bom dicionário que sempre
nos faz refletir sobre o uso correto das palavras.
23
Segundo o dicionário Houaiss (p. 2200) pesquisa corresponde a um
Capítulo 1

“conjunto de atividades que têm por finalidade a descoberta de novos co-


nhecimentos no domínio científico, literário, artístico, entre outros”. Pesqui-
sa é entendida como “a investigação ou indagação minuciosa, ou ainda exa-
me de laboratório”. Existe a pesquisa de mercado que faz o “levantamento e
exame de dados relativos às tendências dos consumidores com a finalidade
de tornar mais racional e fácil a venda de produtos”. Existe a pesquisa de mo-
tivação, pesquisa de opinião, pesquisa operacional, pesquisa fundamental,
que “serve para trabalho científico que não prevê aplicações práticas e ime-
diatas para suas propostas ou descobertas”. Pesquisa envolve o “buscar com
cuidado, procurar por toda a parte, informar-se, inquirir, perguntar, indagar
profundamente, aprofundar”. O pesquisador é “aquele que faz pesquisa”.
Pesquisar, portanto, significa “procurar com aplicação, com diligência, tomar
informações a respeito de algo”.
Para a palavra “clínico” no Dicionário Houaiss (p. 740) encontramos
a seguinte definição: “Relativo a clínica ou ao tratamento médico; aquele que
por observação direta, ou por exames laboratoriais, colhe informações sobre a
doença”. Clinicar corresponde ao “exercício da profissão de clínico na medicina
ou odontologia”, por exemplo. Ou seja, significa praticar a clínica, como também
se faz na fisioterapia e na fonoaudiologia. Clínica pode ser definido como o “local
onde o clínico faz a prática ou o exercício” de sua profissão, ou seja, ele “clinica”.
O que se espera, na área da saúde, de um bom pesquisador e/ou
de um bom clínico? A expectativa é de que eles busquem, com toda a aten-
ção, informações a respeito de algo. Como é muito comum nesse campo de
conhecimento, espera-se que ambos investiguem minuciosamente, e com
muito cuidado, os sintomas de uma doença, suas causas, medicamentos, tra-
tamentos, uma vez que pertencem a área da saúde.

Onde então, pesquisadores e clínicos se diferenciam?


O clínico, a partir de seus estudos, sistematizações e sucessivos
atendimentos, elenca os procedimentos que ele entende como os mais efi-
cazes para conseguir os objetivos que pretende atingir em sua avaliação e
terapia. O clínico pode ter a oportunidade de dividir com seus colegas as
ações que permitiram resultados mais efetivos e também pode pedir auxílio
para seus pares quando não encontra caminhos para resolver os inúmeros
problemas que surgem durante sua atividade terapêutica.
24
Quando o clínico, frente a tais desafios, busca soluções, tanto teóri-

O Clínico Também é um Pesquisador – Irene Queiroz Marchesan & Jaime Luiz Zorzi
cas quanto práticas, mais eficazes para atingir seus objetivos, está sistemati-
zando conhecimentos e procedimentos os quais, ao serem aplicados de forma
repetitiva, podem produzir resultados que confirmem ou não se estão adequa-
dos. Envolvido com sua tarefa de atender e solucionar o problema do paciente,
este profissional, da prática, dificilmente imagina que seu modo de agir pode-
ria ser parte de uma pesquisa científica mais formal, com uma metodologia
bem planejada, envolvendo grupo controle, duplo cego, análise estatística e
outras alternativas que garantam certos rigores que são fundamentais em tal
tipo de pesquisa.
Provavelmente não passa por sua cabeça o quanto que este tipo de
ação pode ser importante para comprovar suas descobertas, ou seja, o co-
nhecimento que ele sistematicamente utiliza, e que, empiricamente, conduz
a bons resultados. Aliás, por que deveria comprovar? O mais importante para
o clínico é resolver o problema do paciente que está sob seus cuidados e que
confia nele. Isto nos faz lembrar daquela antiga frase sempre citada por aque-
les que vivem com a mão na massa: “De acordo com a minha experiência
clínica...”. Afirmações como esta, que em muitos momentos de nossa história
soaram como uma comprovação praticamente incontestável de saber (só os
clínicos com muita experiência podiam dizer isso), atualmente tem perdido
seu prestígio. Considerando tendências atuais, somente procedimentos cien-
tificamente controlados são capazes de produzir conhecimentos confiáveis.
De fato, não há como contestar os avanços que a ciência tem pro-
duzido em todos os campos do saber graças, principalmente, aos rigores e
controles aplicados às pesquisas. O grande problema do clínico, porém, é
que, com muita frequência, a ciência ainda não tem todas as respostas apro-
priadas para os problemas que a prática lhe impõe no dia a dia. Nem sempre
os pesquisadores demonstram sensibilidade à demanda gerada por questões
de ordem clínica ou prática elegendo, como foco de seus estudos, temas que
dificilmente virão a ser aplicados no dia a dia dos atendimentos.
Voltamos, novamente, à questão dos conhecimentos práticos e de
como eles têm sido difundidos no decorrer dos tempos. Uma das formas
muito valorizadas de ensino, ao longo dos tempos, tem sido a transmissão
de experiências, ou seja, o conhecimento passado diretamente pelo mais
“sábio” a seus “discípulos”. Nesta condição, os aprendizes colocam-se em
volta do mestre para ouvi-lo e com ele aprender. Esta é uma das formas mais
25
eficazes de ensino. Podemos nos lembrar, por exemplo, que cabia, quase que
Capítulo 1

exclusivamente, às mães ensinar a suas filhas como deveriam proceder para


cuidar de seus bebês e educá-los. Essas mulheres, quando na condição de
avós, transmitiam não somente o que haviam aprendido com suas próprias
mães, mas também tudo aquilo que elas mesmas vivenciaram na medida em
que criaram seus filhos. Elas podiam oferecer uma experiência prática, resul-
tante de todo o conhecimento que foram adquirindo ao cuidar de suas pro-
les. Nestas situações, assim como em outras, a experiência dos mais velhos
tendia a ser muito considerada: pais e avós serviam como fontes sistemáti-
cas de consulta. Nos dias de hoje as mães podem contar com outras fontes
de orientação, de cunho científico, recorrendo a fonoaudiólogos, médicos,
psicólogos e assim por diante. Todos eles têm a oferecer os conhecimentos
científicos que adquiriram durante sua formação, assim como aquele saber
que a prática lhes proporciona.
Nossos comportamentos e crenças sofrem, cada vez mais inten-
samente, grande influência dos avanços que as pesquisas científicas pro-
movem, sendo que a área da saúde é uma grande testemunha desse fato.
Buscamos na ciência a solução de muitos de nossos problemas. Nosso com-
portamento, enquanto profissionais, reflete essa realidade: precisamos, a
todo o momento, sair à procura de novos conhecimentos. Porém, como an-
teriormente apontamos, nem sempre eles estão disponíveis ou acessíveis.
Seria muito bom termos respostas prontas para todas as dúvidas e questões
que nossa atuação nos impõe. Infelizmente não chegamos a este ponto e
creio que sequer ele será atingido. A produção científica se, por um lado, gera
respostas, por outro cria novas dúvidas e questões, num ciclo que podemos
considerar interminável. Em outras palavras, conhecimentos gerados pela
prática e, principalmente, a sistematização de procedimentos e o controle de
seus resultados, ainda têm seu papel e valor em nosso fazer profissional. Po-
demos afirmar que deveria existir uma forte relação de reciprocidade entre
a pesquisa científica formal, cujos resultados influenciam a prática clínica e a
própria experiência clínica, a qual pode gerar novas pesquisas e até mesmo
teorias, na medida em que constantemente lança novos desafios.

Um pouco de realidade, nem sempre interessante


O que a maior parte de nossos estudantes, ao entrar em uma sala
de aula cuja disciplina é “Metodologia Científica”, pensa sobre essa matéria?
26
Literalmente, que é uma chatice. Pesquisar afinal não é com eles. Eles não se

O Clínico Também é um Pesquisador – Irene Queiroz Marchesan & Jaime Luiz Zorzi
sentem preparados ou motivados para fazer isso com competência e serie-
dade: muito trabalho, muito estudo, muitas regras e muitos detalhes. Acredi-
tamos que para ser um pesquisador precisamos ter olhar científico, curioso,
indagador e criativo, características estas que, infelizmente, não fazem parte
de toda nossa formação educacional. Consequentemente, pesquisa não é
para eles, talvez seja para os “nerds”.
Além dessas falhas típicas das distorções de nossa vivência acadêmi-
ca, podemos colocar mais um agravante que diz respeito à imagem que mui-
tos pesquisadores projetam ao se colocarem em um lugar que parece ser, aos
simples mortais, impossível de alcançar. De uma forma geral, o distanciamento
entre um pesquisador, sua forma de falar, de olhar, e as demais pessoas, parece
algo muito difícil de superar. Por outro lado, o profissional com enfoque clínico,
muitas vezes apresenta-se como menos “preocupado”, aparentemente menos
formal, com ideias muito práticas e imediatas para resolver os problemas que
ocorrem na clínica. E isso é bom? Seria bom, se houvesse algum controle, mais
rígido e sistemático, daquilo que o clínico está fazendo.
Esta seria, para mim, uma grande mudança, a qual muito auxiliaria
o fonoaudiólogo a caminhar mais seguramente e de uma forma mais “con-
trolada”, podendo apresentar resultados mais consistentes naquilo que faz.
Neste sentido, uma postura mista entre ser clínico e pesquisador poderia ser
bastante favorável para a profissão. Bons clínicos são essenciais para qual-
quer profissão da área da saúde. Ser clínico e coletar dados para um melhor
controle de resultados não é tão impossível de ser feito. Tal procedimento
pode gerar dados para que pesquisadores profissionais venham utilizar em
seus estudos, em busca de respostas que podem, por sua vez, beneficiar a
própria atividade clínica.
De maneira em geral, todos nós adoramos coisas objetivas, eficien-
tes, eficazes, práticas além de rápidas. Vejamos alguns exemplos muito simples
que poderiam ser “ensinados” e “estimulados” pelos professores para todos
os seus alunos. Alguns desses alunos se tornariam melhores clínicos, e outros
desenvolveriam a veia “curiosa” e “metódica” necessária para um bom pes-
quisador e, muito provavelmente, ambos seriam melhores profissionais nas
duas categorias. O distanciamento entre eles diminuiria e aquela sensação de
“muita inteligência e perspicácia” de um lado e “falta de organização e controle
dos dados obtidos” do outro, poderia não desaparecer, mas diminuiria muito.
27
Quando um fonoaudiólogo formado, ainda nos dias de hoje, me
Capítulo 1

pergunta, por exemplo, quais exercícios ele deve fazer com o paciente para
colocar a língua na papila, eu sempre me pergunto – quem o formou e como?
Onde estará o raciocínio clínico desse profissional? A minha resposta é: ele
não tem culpa de fazer essa pergunta, quem o formou tem a culpa. E o pro-
cesso de ensino, muitas vezes, começa com a resposta que daremos para
esse clínico, que está em busca de soluções aparentemente simples como
essa. Devemos responder perguntando-lhe algumas coisas básicas, como por
exemplo: Quem é o paciente? Quantos anos ele tem? Como é a oclusão dele?
E o tônus? Ele tem problemas respiratórios? Qual é a sua hipótese do por que
a língua dele estar se projetando para fora da boca?
Imagino que você, neste momento, está se perguntando onde está
a relação entre clínicos e pesquisadores? A relação está exatamente aí: na
postura analítica e reflexiva que ambos devem ter. Ensinar a pensar, ensinar
a coletar dados, estimular o fazer relações entre os dados coletados em um
bom exame clínico e assim por diante. Estas atitudes fazem toda a diferença.

Transformando bons terapeutas em bons pesquisadores, ou


seja, como produzir excelentes clínicos
Contando com a colaboração de um grupo de seis fonoaudiólogas
especialistas em Motricidade Orofacial (MO), sendo que duas delas também
eram especialistas em voz, decidimos realizar um trabalho de sistematização
de procedimentos na área da MO. Nosso primeiro passo foi comprovar a im-
portância da utilização de protocolos totalmente preenchidos para todas as
avaliações que eram realizadas no Instituto Cefac. Também mostramos que
os dados inseridos no prontuário de cada paciente, se tratados isoladamente,
somente poderiam servir para entender o problema daquele indivíduo em
particular. Porém, se os dados obtidos com cada um desses pacientes fossem
colocados em tabelas (Excel, por exemplo), o conjunto desses dados poderia
nos trazer informações simples, mas de fundamental relevância como, por
exemplo, a faixa etária, o gênero e, muito importante, as queixas mais co-
mumente encontradas entre eles. Também pudemos identificar quem nos
enviava pacientes, de que locais eles vinham, por que procuravam por nós e
não outras clínicas, entre outros.
Quando a tabela já contava com uma grande diversidade de in-
formações provenientes de muitos de nossos pacientes, passamos a fazer
28
perguntas sobre quais dados poderiam ser cruzados entre si. Tais cruzamen-

O Clínico Também é um Pesquisador – Irene Queiroz Marchesan & Jaime Luiz Zorzi
tos poderiam vir a elucidar muitas “crenças” presentes entre terapeutas,
mas nem sempre comprovadas ou devidamente estudadas. Desta forma,
começamos a buscar uma série de relações entre esses dados. Dentre uma
enorme gama de possibilidade de análises tomemos, como exemplo, algu-
mas dessas questões: “Será verdade que quem chupa chupeta até tarde tem
alteração de tônus?”, ou “Será que quem respira pela boca sempre tem alte-
ração de oclusão ou lábio inferior evertido?”.
Essa experiência foi muito frutífera e animadora para o grupo. A
maior parte de nossos terapeutas, excelentes por sinal, nunca havia envia-
do trabalho para congressos porque, dentro de uma perspectiva clínica, isso
parecia algo distante da realidade em que viviam. Submeter trabalhos para
congressos ou escrever artigos para revistas científicas era algo para estudan-
tes ou pesquisadores experientes: eles eram “apenas” clínicos.
Rompendo com tal mito, inicialmente produzimos pequenos traba-
lhos, com perguntas simples, apenas para incentivar a curiosidade de todos
os que ali trabalhavam e que estavam envolvidos com o projeto. Começamos
a correlacionar os achados que foram surgindo com dúvidas e questões li-
gadas ao próprio trabalho terapêutico que era realizado com os pacientes.
Todos foram estimulados a refletir sobre suas práticas, a partir dos dados
obtidos, visando a obtenção de melhores resultados terapêuticos.

O que resultou dessa forma de pensar e agir por acreditar


que clínicos também são pesquisadores e podem trazer respostas
consistentes para a clínica e para a pesquisa científica?
Em oito anos foram apresentados, por nosso grupo, 79 trabalhos na
área da Motricidade Orofacial em diferentes congressos do Brasil e também
fora de nosso país. A maior parte dos trabalhos teve impacto na forma de
agir na clínica. Somente alguns desses estudos foram publicados em revistas
científicas. Infelizmente, a maior parte dos clínicos, ainda não tem a percep-
ção da importância de publicações técnicas, da divulgação de seus dados,
principalmente quando os achados desmistificam formas questionáveis de
atuação e trazem outras técnicas e maneiras de pensar.
No entanto, no nosso caso, a “veia de pesquisadores” passou a
pulsar fortemente em todos eles. Dos seis profissionais participantes desse
processo, apesar de todos permanecerem como clínicos, um fez mestrado e
29
doutorado tornando-se professor universitário; outro fez mestrado com dis-
Capítulo 1

sertação realizada a partir de seus dados clínicos, resultando em publicação


internacional e tornando-se professor de cursos de especialização; outro fez
mestrado com publicação nacional; um está fazendo o mestrado; outro fez
mais uma especialidade além das duas anteriores e o último permaneceu
somente na clínica. Para completar a lista, alguns fonoaudiólogos de outras
clínicas e que participaram de alguns dos trabalhos realizados por esse grupo,
também buscaram o mestrado.
A partir de experiências como essa relatada, não tenho dúvidas ao
afirmar que todo clínico, a partir de reflexões sobre seu trabalho, a partir da
percepção que seus dados podem, e devem fazer parte de estudos e de pu-
blicações científicas, também é capaz de ser um pesquisador, contribuindo,
com sua experiência, para o fortalecimento da prática clínica e, ao mesmo
tempo, lançando temas e desafios para nossos pesquisadores profissionais.
Poderemos ter, desta forma, uma grande parceria, com benefícios para am-
bas as partes.

Referência

Houaiss A. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Obje-


tiva, 2004.

Bibliografia recomendada

Assencio-Ferreira VJ. Artigo Científico. São José dos Campos: Pulso, 2003.
Goldenberg M. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em ciên-
cias sociais. Rio de Janeiro: Record, 1997.
Goldenberg M. Noites de Insônia. Cartas de uma antropóloga a um jovem
pesquisador. Rio de Janeiro: Record, 2008.
Volpato LP. Dicas para redação científica. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.

30
Bases da Terapia de Motricidade Orofacial – Esther Mandelbaum Gonçalves Bianchini
Capítulo 2
Bases da Terapia de Motricidade Orofacial

Esther Mandelbaum Gonçalves Bianchini

Introdução

A Motricidade Orofacial é uma área da Fonoaudiologia que muito


se desenvolveu nos últimos anos, atualmente dividindo-se em muitas outras
sub-áreas. Nesse universo, o objetivo central da reabilitação fonoaudiológi-
ca volta-se para a obtenção organizada das funções estomatognáticas, inde-
pendente das causas que levaram às alterações encontradas. Esse trabalho
estabelece interfaces principalmente com a Odontologia e a Medicina, Fisio-
terapia, Psicologia, entre outras, associado a situações como hábitos deleté-
rios, respiração oral, alterações das funções estomatognáticas que levem a
pressões atípicas ou condições interferentes na organização estrutural, assim
como alterações da articulação da fala.
Alguns problemas específicos envolvem a atuação fonoaudiológica
integrada a equipes interdisciplinares ainda mais completas tais como nos
casos de: problemas funcionais do paciente idoso, doenças neuromusculares
evolutivas, má formação e síndromes que incluam alterações craniofaciais,
bebês de risco, alterações e disfunções da articulação temporomandibular
(ATM), problemas associados a deformidades dentofaciais ou secundários
aos traumas de face, paralisia facial, apneia e ronco, ressecções por câncer
de cabeça e pescoço, paralisia facial, dentre outros.
31
A terapia miofuncional orofacial é um processo que tem como obje-
Capítulo 2

tivo a adequação ou viabilização das funções orais em pacientes de todas as


faixas etárias e nas mais diversas disfunções orofaciais.
Sem dúvida a principal base da terapia em Motricidade Orofacial
é um diagnóstico preciso no qual não apenas se constate a alteração, mas
principalmente se estabeleçam as causas ou fatores determinantes da alte-
ração que está sendo vista. As análises de quais músculos estão envolvidos
no problema e o vínculo, primário ou secundário do comportamento desses
músculos, é que irão determinar o que deverá ser feito em terapia. Não se
pode deixar de mencionar que muitos pacientes têm estruturas de tecidos
duros, musculatura e praxia neuromotora relativamente organizadas, porém
realizam as funções estomatognáticas de maneira alterada ou fora do espe-
rado, interferindo negativamente no desenvolvimento ou na estabilidade das
bases ósseas e da oclusão.
Nesse processo, o inverso também deve ser considerado. Muitas
vezes um padrão genético desfavorável determina má proporção entre as
bases ósseas, sendo o comportamento miofuncional uma resposta adap-
tativa, uma forma compensada de comportamento funcional muitas vezes
favorável, pois possibilita a realização das funções estomatognáticas. O que
muda nesses casos é a hierarquia dos tratamentos envolvidos e o prognósti-
co. Conseguiremos modificar uma adaptação para outra, mais benéfica, mas
não conseguiremos trazê-la para um dito “padrão esperado” ou “normal”.
Portanto quando existirem muitos fatores estruturais interferentes, esses de-
vem ser tratados antes da reabilitação miofuncional fonoaudiológica.
Entramos aí no primeiro ponto controverso do diagnóstico e conse-
quentemente das bases da terapia em Motricidade Orofacial. Muitas vezes
o que vemos são aplicações de excelentes protocolos de avaliação que irão
mesmo determinar o que e por que o paciente tem determinada alteração
funcional. Entretanto o que ainda pode ser constatado é que o planejamento
terapêutico nem sempre leva em conta os dados dessa completa avaliação.
Os procedimentos realizados em terapia são quase sempre os mesmos para
todos, como se os dados do exame fossem esquecidos ou deixados em se-
gundo plano em função da ânsia em “dar a terapia”.
Os modelos terapêuticos que enfatizam as listas de exercícios fazem
parte de nossa história. Materiais ditos facilitadores para a realização de exercí-
cios existem aos montes. O próprio paciente diz que vai ao Fonoaudiólogo fazer
32
exercícios, até porque quem indicou o tratamento fonoaudiológico, seja o orto-

Bases da Terapia de Motricidade Orofacial – Esther Mandelbaum Gonçalves Bianchini


dontista, cirurgião e/ou médico, informou isso ao paciente. É uma pena que as
coisas não sejam assim tão fáceis. Apenas exercícios não mantém a musculatu-
ra por muito tempo e ninguém vai fazer exercícios para sempre.
Nesse sentido, voltamos ao diagnóstico e sua aplicação clínica tera-
pêutica. Algo realmente grandioso que exige habilidade, perspicácia e muita
atenção do terapeuta em perceber se o indivíduo em tratamento tem as ca-
racterísticas básicas para o desenrolar satisfatório da terapia.
Poderíamos elencar alguns pontos fundamentais a serem conside-
rados na elaboração do plano terapêutico, que definem as bases da terapia
em MO, com alguns exemplos ilustrativos.
1. A existência real de disfunção, como por exemplo, postura inade-
quada de lábios e de língua com a possibilidade estrutural e espa-
cial de organização. Um problema funcional.
2. A percepção do paciente em relação ao motivo que o levou a pro-
curar atendimento. A verificação da queixa é fundamental afinal,
grande parte dos pacientes relata, por exemplo, que “a língua em-
purra os dentes”, mas nunca percebeu nem mesmo a existência
da língua, quanto mais onde ela apoia. O que ocorre é que nem
sempre a queixa é do paciente, mas sim do profissional que o en-
caminhou. Alguns pacientes não reconhecem essa queixa e sem
essa não há o que ser tratado. Nesses casos será preciso direcionar
a percepção para gerar uma queixa.
3. A atenção e interesse do paciente em relação ao problema. Mui-
tas vezes pacientes adultos narram o motivo da consulta ao Fo-
noaudiólogo, com distorções importantes na fala, e mencionam
que não se importam com esse padrão. Por outro lado, existem
aqueles que atribuem aos distúrbios miofuncionais suas outras di-
ficuldades. Os esclarecimentos quanto ao que é importante e por
que tratar deve ser explorado.
4. A determinação dos músculos modificados funcionalmente, pela
manutenção sistemática da função alterada, e quais músculos são
esses especificamente. Esse é o papel do terapeuta, mas o pacien-
te deve ser esclarecido em relação à musculatura e suas atribui-
ções funcionais.

33
5. A dependência entre as funções estomatognáticas, em especial da
Capítulo 2

respiração, que possibilitará ou não a mudança da postura habitu-


al, do padrão mastigatório, de deglutição e de fala. Outros trata-
mentos associados podem ser necessários.
6. Querer mudar ou melhorar. Não basta ter consciência do proble-
ma – é preciso estar incomodado com ele para conseguir direcio-
nar ou descobrir outro modelo funcional e automatizá-lo.

Apesar de que muitos desses pontos dependam do interesse e ade-


são do paciente ao processo terapêutico, cabe ao terapeuta criar condições
para isso. A motivação para o tratamento e principalmente para as mudanças
funcionais que são almejadas deve ser enfocada durante todo o processo, re-
petidas vezes. Para isso, o papel do fonoaudiólogo é decisivo e deve ser calca-
do em reforços positivos. A constante apresentação dos ganhos e mudanças
que vão sendo obtidas, mesmo as pequenas, deve ser relevada.
O entrosamento terapeuta/paciente também é crucial. Nesse senti-
do a empatia é importante, mas alguns valores pessoais devem ser deixados
de lado num processo terapêutico. Por exemplo: com crianças não se deve
reproduzir o papel familiar – os limites na terapia devem ser impostos, mas
com foco profissional. Ilustrando, podemos citar a criança que sempre vem
à terapia com as mãos, boca e dentes sujos. Esse fato merece ser abordado
diretamente, pois se não há incômodo, observação e cuidado nem quanto à
higiene, imagine como será a percepção e estimulação da região oral. Seja
direto. Leve o paciente para se lavar e escovar os dentes aproveitando a si-
tuação para explicar a importância dos estímulos. Aproveite a situação de
higiene para direcionar um exercício ou treino funcional – por exemplo, por
onde respira quando escova os dentes, e assim por diante. A família deverá
ser igualmente orientada com relação a isso, sem deixar que pareça uma crí-
tica ou intromissão quanto aos hábitos de higiene.
De maneira geral, a base da motivação encontra-se na compreen-
são do problema e do que realmente pode ser obtido. Esses pontos devem
ser continuamente explicados durante o processo terapêutico, desde o pri-
meiro encontro, ainda na avaliação. Devem ser checados, também conti-
nuamente, para que o terapeuta possa acompanhar o que realmente foi
compreendido e para que tenha como retomar os pontos que não estão
claros ao paciente.
34
Nesse sentido, um protocolo básico de tratamento fonoaudiológico

Bases da Terapia de Motricidade Orofacial – Esther Mandelbaum Gonçalves Bianchini


miofuncional orofacial deve ser seguido, com controle de objetivos e princi-
palmente de prazos.
Em nossos estudos e acompanhamentos clínicos temos verificado
que para pacientes com alterações miofuncionais associadas a encaminha-
mento ortodôntico, otorrinolaringológico e/ou busca própria do indivíduo, os
resultados da terapia fonoaudiológica miofuncional podem ser obtidos com
média de tempo de terapia semanal de 4 meses (mínimo de dois meses e
meio e máximo de seis meses, aproximadamente). O acompanhamento após
o tratamento é mantido, visando verificar a eficácia da terapêutica institu-
ída e manutenção dos resultados. Os resultados dos tratamentos e dessas
revisões têm mostrado a fala como a função mais estável. O acompanha-
mento longitudinal tem mostrado que a respiração, mastigação e deglutição
são funções de mais difícil estabilidade após a alta inicial, necessitando de
manutenção cuidadosa. As revisões e acompanhamentos a médio e longo
prazo favorecem esse tipo de reforço e verificação.

Processo Terapêutico em Motricidade Orofacial


O tratamento é um processo que envolve o preparo dos músculos
(geralmente feito com exercícios), o desenvolvimento da percepção do que
está alterado e o treinamento funcional corretivo dirigido. O planejamento
terapêutico é sempre individual e direcionado para as dificuldades específi-
cas constatadas.
O atendimento de Motricidade Orofacial segue basicamente um
protocolo que inclui:
1. Avaliação inicial
2. Documentação inicial
3. Planejamento terapêutico
a. Definição da frequência das terapias
b. Planejamento específico muscular
c. Planejamento específico funcional
4. Reavaliações periódicas com documentação completa
5. Alta ou finalização assistida do processo

Cada um desses itens deve ser revisado e analisado constantemen-


te. Podemos sintetizar alguns pontos importantes de cada um deles:
35
1. Avaliação inicial: anamnese e o exame clínico. A partir dessa
Capítulo 2

avaliação serão definidos os pontos fundamentais do caso


tais como: necessidade ou não de exames complementares
(eletromiografia de superfície, exames de imagens ou diag-
nóstico de outros profissionais); diagnóstico e prognóstico
miofuncionais; planejamento terapêutico quanto ao número
e frequência das terapias. Desde o início da avaliação já deve
ser iniciado o processo de motivação para o tratamento. Além
da cuidadosa verificação da queixa, deve-se questionar so-
bre o conhecimento do paciente (e/ou da família) sobre esse
tipo de terapêutica fonoaudiológica. Pergunte diretamente:
o que você acha que o fonoaudiólogo tem a ver com isso?
Você verá quantas respostas surpreendentes irão surgir. Ex-
plique em seguida as relações: o que será realizado e porque,
certificando-se que foi compreendido. Durante o exame os
procedimentos e achados deverão ser apontados e imediata-
mente explicados. Todo esse cuidado busca a compreensão
do que será tratado.
2. Documentação inicial: O exame será fotografado e filmado
para complementar o processo de avaliação clínica e possi-
bilitar revisões. Após a avaliação deverá ser feito um relatório
com os resultados do exame e associações, a conduta e as in-
dicações necessárias. Na primeira terapia esse material deverá
ser mostrado ao paciente para despertar a percepção, mas já
com foco explicativo e com reprodução voluntária do compor-
tamento funcional que está sendo mostrado.
3. Planejamento terapêutico
a. Frequência das terapias: depende da idade do paciente e
da gravidade do problema diagnosticado na avaliação. É co-
mum eleger-se uma vez por semana, eventualmente duas.
Existem ainda casos que podem realizar um processo tera-
pêutico mais flexível, desde que se conte com apoio familiar
ou com revisões e direcionamento à distância (web).
b. Planejamento específico muscular: definição quanto à ne-
cessidade de exercícios e quais, dependendo estritamente

36
dos dados de avaliação e dos objetivos a serem alcançados.

Bases da Terapia de Motricidade Orofacial – Esther Mandelbaum Gonçalves Bianchini


Nesse ponto, especial atenção deve ser dada à situação fun-
cional que o paciente apresenta e ao que quer ser alcan-
çado. Por exemplo: situação funcional com língua projetada
anteriormente e exame da musculatura mostrando muscu-
latura extrínseca de língua propulsora prevalente, associa-
da à intrínseca (transversos) em hipotonia funcional. Nesse
exemplo não devem ser realizados exercícios de contração
dos transversos ou afilamento de língua com essa projeta-
da para fora da boca, pois manteríamos a valorização dos
extrínsecos propulsores, reproduzindo o modelo funcional
que se quer retirar. O foco em apenas um grupo muscular
pode não ser adequado para o outro.É apropriado mostrar
desenhos ou fotos dos músculos, vídeos ou qualquer outro
apoio que torne o exercício escolhido compreensível para
o paciente. Ele deve compreender por que deve fazer
determinado exercício e qual a relação desse com o ob-
jetivo funcional almejado. Nenhum exercício deve ser
solicitado sem vínculo com os objetivos funcionais. Os
exercícios deverão ser distribuídos e associados à rotina
do dia a dia. Não recomendamos que faça os exercícios em
uma única etapa ou em horários específicos. Os exercícios
deverão ser realizados várias vezes ao dia, principalmente
associados com suas atividades normais como ao escovar
os dentes, voltar da escola, etc. Assim a musculatura será
estimulada o dia todo e o paciente se lembrará de que deve
estar atento à postura e funcionalidade orofacial.
c. Planejamento específico funcional: definição dos treinos
funcionais que serão trabalhados em terapia e como serão
solicitados em casa. Os treinos são divididos em perceptuais
e corretivos. Os treinos perceptuais referem-se à realização
do modelo que o paciente tem, por meio de reprodução
voluntária do que faz automaticamente. Solicita-se então a
descrição dos apoios usuais, contatos das estruturas – quais
estruturas e onde se tocam – em cada uma das funções.
Dessa forma, busca-se que o paciente sinta o que faz e
37
descreva detalhadamente. O terapeuta deverá conseguir
Capítulo 2

fazer como o paciente após suas narrações. A cada tenta-


tiva, por tratar-se de controle voluntário, é esperado que o
paciente modifique gradativamente o que e como faz de-
terminada função.
d. Os treinos corretivos devem ser direcionados pelo tera-
peuta e orientados de maneira facilitadora inicialmente.
Por exemplo: para possibilitar a percepção dos movimen-
tos desenvolvidos durante a mastigação pode-se direcionar
mastigação unilateral. Cada porção deverá ser mastigada
apenas de um lado, alternando-o na próxima porção. Des-
sa forma, os movimentos labiais, de bucinadores, de língua
e de mandíbula podem ser percebidos mais facilmente, as-
sim como a migração do bolo alimentar para região pos-
terior da boca pela ação associada de sucção. A variação
do tipo de alimento oferecido em cada terapia também
mostrará as diferenças quanto ao número de ciclos mas-
tigatórios, número de deglutições por porção e tempo de
mastigação. Durante as terapias deverá ser explicado qual
grupo muscular está sendo trabalhado e por que, tanto nos
exercícios quanto na realização dos treinos funcionais. Se o
paciente compreender o que propomos, a realização do ex-
ercício e dos treinos fará mais sentido. Explicar sempre, que
só o exercício não é eficaz. Fazer terapia fonoaudiologia de
Motricidade Orofacial significa mudar e reprogramar algo
que não está adequado e está automático, portanto terá
que treinar essas mudanças. O apoio de vídeos, realizados
e analisados numa mesma sessão de terapia, auxilia muito.
Por exemplo: o paciente acaba de deglutir corretamente,
pois estava realizando a deglutição passo a passo sob o
comando do terapeuta e em seguida realiza uma segunda
deglutição, na maioria das vezes imediata, no padrão inad-
equado que se encontra automatizado. Tendo sido filmado,
mostra-se ao paciente o comportamento recém-realizado
e é ele quem deverá constatar a segunda deglutição fora
do que foi direcionado.Direcionar instruções funcionais, e
38
solicitar os treinos de como faz usualmente (treino percep-

Bases da Terapia de Motricidade Orofacial – Esther Mandelbaum Gonçalves Bianchini


tual) e do que deve fazer (treino corretivo) de forma inter-
calada. Usar as situações funcionais propícias do dia a dia:
enquanto estuda, no computador, enquanto se alimenta,
entre outras. Dessa forma é possível fazer o que foi solicita-
do mesmo que o paciente não tenha tempo para parar suas
atividades, embora sejam necessárias percepção e atenção
constante até o padrão adequado ser automatizado. Isso é
o que irá permitir a estabilidade final do trabalho.
4. Reavaliação e nova documentação completa. Para trabalhar
com controle de resultados e de prazos devem ser realizadas
reavaliações periódicas após o início das terapias (em torno
de seis a oito semanas), dependendo do tipo de problema e
dos objetivos propostos. A reavaliação deve ser analisada pelo
terapeuta, retomando-se a queixa, a documentação anterior
e os objetivos que tiverem sido elencados na definição do
caso. Essa análise, comparada com a documentação da aval-
iação inicial deve ser apresentada ao paciente para que ele
aponte as mudanças, o que melhorou e o que falta. Portanto,
esse processo serve para o paciente e para o terapeuta verifi-
car os ganhos e o que falta. Acostuma-se com a característica
do paciente, compreende-se facilmente o que ele diz e assim
pode-se perder a real evolução do tratamento. Afinal as sema-
nas passam rapidamente e nem se nota quantas sessões foram
realizadas. O paciente por sua vez vai perdendo a motivação
se não vir os resultados. As faltas e atrasos devem ser com-
putadas e apresentadas nessa reavaliação, pois podem definir
perdas na obtenção dos objetivos e, consequentemente, no
tempo do tratamento. Porém, mais que isso deve ser cuida-
dosamente analisado. Atrasos e faltas constantes, mesmo que
“justificados” podem indicar desinteresse e nesse caso uma
parada, para analisar todo o processo, deve ser realizada.
5. Alta ou finalização assistida. O término do tratamento é ba-
seado sempre nas análises das reavaliações realizadas a cada
seis ou oito semanas. Quando definido (juntamente com o pa-
ciente) que os objetivos foram alcançados e, principalmente,
que se encontram estáveis, o tratamento está terminado. Essa
39
finalização deverá ser acompanhada em revisões periódicas,
Capítulo 2

com frequência mensal, seguindo-se para bimestral. Assim, o


paciente deve retornar algumas vezes para verificação da esta-
bilidade dos resultados.

A proposta aqui delineada refere-se aos princípios básicos da terapia


em Motricidade Orofacial. Vale ressaltar que a linguagem terapêutica deve
respeitar faixa etária, nível cultural e viabilidade da proposta dependendo do
tipo de distúrbio e doença.
Com crianças, por exemplo, o foco também é direto, porém precisa-
mos criar situações e atividades que interessem a elas. As explicações sobre a
musculatura e funções orofaciais serão realizadas de forma lúdica, por meio
de brincadeiras, utilização de softwares próprios e valorização das conquistas.
As verificações dos vídeos das avaliações e das reavaliações, com repetições
das cenas que se quer trabalhar, são usualmente bem aceitas e interessantes
mesmo às crianças menores. Uma grande diferença é também a necessidade
do envolvimento da família auxiliando o tratamento por meio de ajuda em
casa. Não se espera que, sozinha, uma criança queira fazer os exercícios e trei-
nos em casa. A família precisa participar do processo, lembrá-la não apenas
de fazer os treinos, mas principalmente criar condições em casa de melhora
funcional e seguir as orientações profissionais.
Com idosos, o fundamental é lembrar-se que eles não são crianças.
Nunca use diminutivos – é comum ver terapeutas usando-os para falar com
idosos. A abordagem deve ser respeitosa e não infantil. Pode ser necessário
ajuda familiar, porém os direcionamentos devem ser pontuais e com as devi-
das explicações buscando o necessário envolvimento.
Apesar de que a proposta deva sempre ter foco direto, uma tera-
pêutica baseada em motivação e detalhamentos explicativos ficará restrita ou
inviável para pacientes com deficiência cognitiva. Nesses casos, assim como
para várias doenças ou alterações estruturais que reflitam em alterações mio-
funcionais orofaciais, outros tipos de processos diretivos específicos podem
ser necessários.

40
Bibliografia recomendada

Bases da Terapia de Motricidade Orofacial – Esther Mandelbaum Gonçalves Bianchini


Beurskens CHG, Heymans PG. Positive effects of mime therapy on sequelae
of facial paralysis: stiffness, lip mobility, and social and physical aspects of
facial disability. Otol. Neurotol. 2003; 24:677-681.
Bianchini, EMG. A ajuda fonoaudiológica. In: Bianchini EMG (organizadora)
Articulação Temporomandibular, Implicações, Limitações e Possibilida-
des Fonoaudiológicas. Carapicuíba/SP: Pró-Fono, 2010. p. 321-61.
Bianchini EMG. Results and efficiency of the orofacial treatment – longitudi-
nal study. Int J of Orofacial Myology, 2010; 36:61
Bianchini EMG, Luz JGC. Nossos casos especiais In Bianchini EMG. Articulação
Temporomandibular: Implicações, Limitações e Possibilidades Fonoau-
diológicas, Carapicuíba: Pró-Fono, 2010. p.363-401
Felicio CM; Melchior M; Silva MAMR. Effects of orofacial myofunctional ther-
apy on temporomandibular disorders. Cranio. Journal of Craniomandibu-
lar Practice, 2010; 28:249-59.
Marchesan, IQ. Intervenção fonoaudiológica nas alterações da mastigação e
deglutição. In: Fernandes FDM, Mendes BCA, Navas ALPGP (organizado-
res) Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo/SP: Roca; 2010. p.471-76.
Marchesan IQ, Sanseverino NT. Fonoaudiologia e Ortodontia/ Ortopedia Fa-
cial. Esclarecendo dúvidas sobre o trabalho conjunto. São José dos Cam-
pos – SP. Pulso, 2004.
Tanrikulu R, Erol B, Görgün B, Söker M. The contribution to success of various
methods of treatment of temporomandibular joint ankylosis (a statistical
study containing 24 cases). Turk J Pediatr. 2005; 47(3):261-265.

41
Capítulo 2

42
Exercícios Utilizados na Terapia de Motricidade Orofacial (quando e por que utilizá-los) – Adriana Rahal
Capítulo 3
Exercícios Utilizados na Terapia de Motricidade Orofacial
(quando e por que utilizá-los)

Adriana Rahal

Introdução

Inicio este capítulo introduzindo e diferenciando duas linhas de ra-


ciocínio dentro da Área de Motricidade Orofacial, as quais têm como objetivo
o restabelecimento das funções orofaciais.
A primeira destas, que é utilizada desde os primórdios da Motrici-
dade Orofacial, é a mioterapia, a qual visa modificar o comportamento mus-
cular por meio da execução de exercícios. A segunda linha, terapia miofun-
cional, começou a ser utilizada para atuar na modificação muscular por meio
do restabelecimento das funções orofaciais. Ambas têm um objetivo comum:
adequar tais funções, como respiração, sucção, mastigação, deglutição e fala.
É, no entanto, importante esclarecer que são linhas terapêuticas completa-
mente diferentes; é necessário que, ao eleger uma destas, o terapeuta tenha
total conhecimento do porquê dessa escolha.
Antes de o terapeuta escolher os exercícios que trabalhará, é funda-
mental que se realize a avaliação fonoaudiológica que compreende anamne-
se e exame clínico. Atualmente, faz-se uso de protocolos específicos de ava-
liação na área de Motricidade Orofacial, como o protocolo MBGR (Genaro et
al., 2009) que auxiliam muito o diagnóstico clínico e também o planejamento
terapêutico. Além disso, recentemente na Fonoaudiologia, têm se realizado
43
exames complementares, como a eletromiografia de superfície (EMG), que é
Capítulo 3

um exame considerado objetivo, uma vez que quantifica a atividade elétrica


de um músculo durante a contração muscular (Rahal e Goffi-Gomez, 2009).
O exame clínico, em conjunto com os dados eletromiográficos, auxilia o fono-
audiólogo em seu diagnóstico.
O sistema estomatognático é formado por estruturas ósseas, den-
tárias, vasculares, articulares e músculos orofaciais, dentre os quais estão os
mastigatórios, supra-hioideos, infra-hioideos, língua, palato mole, faringe e
todos da expressão facial. Como todo sistema, tem características que lhe
são próprias, mas depende de um bom funcionamento de outros sistemas,
como o nervoso e o circulatório, pois é parte integrante do organismo. Para o
fonoaudiólogo que trabalha na área de Motricidade Orofacial, é de extrema
importância o conhecimento de todo o sistema estomatognático para que
possa identificar quando há uma inadequação e assim trabalhar adequada-
mente.
Considero importante que conversemos sobre isso, pois percebo
que muitos terapeutas utilizam os exercícios como um meio de preencher
o vazio da terapia, sem uma meta determinada. O exercício não deve ser o
objetivo da terapia, mas sim uma maneira para que possibilite ao paciente
melhorar sua percepção e adequar seu tônus. Quando se começa a realizar
exercícios diversos sem se saber a razão e trabalhar com todos os músculos
simultaneamente, com certeza se está no caminho errado.

Aplicabilidade dos Exercícios na Clínica
Antes de se pensar na realização de exercícios, fazem-se necessá-
rias algumas considerações:
• O terapeuta deve ter conhecimento anatômico e fisiológico de todos
os músculos orofaciais.
• A realização de exercícios e/ou massagens deve seguir sempre a direção
de contração das fibras musculares quando se pretende aumentar o tô-
nus e, na direção oposta, quando a intenção é alongar a musculatura.
• A terapia miofuncional não deve ser preenchida com exercícios, uma
vez que, para o músculo sofrer transformações, será necessário reali-
zar exercícios diários, duas ou três vezes ao dia, durante um período de
três meses (é um tempo suficiente para que o músculo sofra mudança
em seu estado, comprovado por meio da eletromiografia de superfície)
44
• Não é necessário solicitar ao paciente que faça vários tipos de exercícios

Exercícios Utilizados na Terapia de Motricidade Orofacial (quando e por que utilizá-los) – Adriana Rahal
para um único músculo. A mudança constante de exercícios leva a uma
resposta mais lenta das fibras musculares e de suas unidades motoras.
Dessa maneira, é prudente manter os mesmos exercícios por um perío-
do que compreende dois a três meses.
• A escolha de exercícios deve estar relacionada aos músculos orofaciais
que serão importantes para adequar determinada função orofacial.
• É necessário que o paciente compreenda por que realizar determinado
exercício, pois isso pode garantir que ele o fará no seu dia a dia.
• É fundamental que os exercícios comecem a fazer parte das ativida-
des de vida diária do paciente. Como sugestão, pode-se associá-los aos
momentos de escovação dentária.
• Sempre que há uma assimetria entre os lados da face, um lado com tô-
nus melhor, devem ser feitos exercícios seguindo a proporção dois para
um, isto é, duas vezes para o lado pior e uma vez para o lado melhor.
• É importante orientar o paciente a deglutir no final da série de exercí-
cios para que relaxe sua musculatura.

Neste momento, é fundamental diferenciar os tipos de exercícios


que podem ser utilizados. Existem exercícios isotônicos, que têm como ob-
jetivo melhorar a mobilidade do músculo e são indicados para aumentar a
oxigenação e o aumento da amplitude dos movimentos. Normalmente são
realizados com maior velocidade; exercícios isométricos, que têm como ob-
jetivo aumentar a força dos músculos e são efetuados de modo mais lento
e, muitas vezes, mantendo a contração; exercícios isocinéticos, que são co-
nhecidos como exercícios de contra resistência, isto é, resistência contrária ao
movimento, fazendo com que ocorra um trabalho mais intenso na ativação
das unidades motoras e, consequentemente, há um aumento da força e tam-
bém da mobilidade. É importante ressaltar que todos os músculos orofaciais
têm possibilidade de serem trabalhados das três maneiras. É fundamental es-
colher o tipo de exercício de acordo com as necessidades do paciente. Cabe
ressaltar que quando há necessidade de fazer os três tipos de exercícios, é
interessante iniciar pelo isotônico, seguido pelo isométrico e, por fim, o isoci-
nético. Esta ordem está relacionada ao grau de dificuldade, afinal, não é indi-
cado solicitar a um paciente realizar um exercício isocinético se seu músculo
45
está flácido. Será preciso que antes ele trabalhe com exercícios isométricos
Capítulo 3

para melhorar seu tônus.


As massagens podem ser indicadas com objetivos distintos. Para
aumentar o tônus muscular, devem ser feitas, externamente, no sentido da
contração das fibras musculares. Visando ainda o fortalecimento muscular,
podem-se fazer as massagens indutoras, isto é, realizadas com o músculo
em contração. Por exemplo, para fortalecimento do músculo bucinador,
mantém-se os lábios abertos retraídos e realizam-se massagens com os de-
dos externamente, iniciando nas comissuras labiais e seguindo em direção as
orelhas. Para alongar o músculo, podem ser feitas dois tipos de massagens
sempre no sentido contrário a contração do músculo. O primeiro externa-
mente e o segundo de modo bi-digital, ou seja, um dos dedos é colocado
na fibra muscular que se pretende alongar internamente e o outro segue na
mesma direção só que externamente.
Para se obter resultados positivos, a terapia miofuncional deve
seguir alguns passos. O primeiro a ser trabalhado é a conscientização, isto
é, o terapeuta deve explicar ao paciente qual seu problema, quais funções
orofaciais estão alteradas, qual será seu prognóstico e quanto tempo deverá
permanecer em terapia. Além disso, o paciente precisa entender o proces-
so fisiológico normal de uma determinada função orofacial. Por exemplo, é
fundamental que um paciente respirador oral entenda o que significa ser um
respirador nasal, quais as diferenças entre ser respirador oral e nasal e o que
isso pode acarretar em seu desenvolvimento ósseo e/ou muscular. Além do
mais, é crucial que o terapeuta esclareça os limites do tratamento. Digo isso
porque muitas vezes o fonoaudiólogo não tem condições de curar o paciente
por uma série de variáveis, mas pode minimizar suas alterações, auxiliando-
-o muito. Em seguida, deve-se trabalhar com a percepção, que a meu ver,
é o passo mais difícil e mais importante para o sucesso terapêutico. Difícil
porque o paciente precisa perceber e sentir o que faz errado para que possa
começar a se corrigir. Este é um processo que ocorre inicialmente nas ses-
sões terapêuticas para que possa gradativamente ser transferido para seu
dia a dia. Costuma ser demorado e muitas vezes o fonoaudiólogo abandona
esta etapa. Simultaneamente ao trabalho com percepção, devem-se realizar
exercícios que auxiliam o trabalho com a percepção. Desta forma, o pacien-
te vai aos poucos percebendo as diferenças na musculatura que está sendo
trabalhada. E por fim, o trabalho com a automatização. Neste momento, o
46
paciente já tem condições para realizar determinada função adequadamente

Exercícios Utilizados na Terapia de Motricidade Orofacial (quando e por que utilizá-los) – Adriana Rahal
e deve ser capaz de espontaneamente se auto corrigir.
Poderia ter escrito um capítulo com uma lista enorme de exercícios,
mas antes de dar qualquer um deles, julguei melhor esclarecer esses aspec-
tos, que considero muito mais importantes do que passar exercícios que na
maioria das vezes não faz sentido algum para o paciente. Que fique claro:
não sou contra os exercícios, desde que eles façam sentido para o tratamento
miofuncional. É ainda mais importante discutir que cada paciente é único,
com uma alteração específica e que jamais se pode generalizar os exercícios.
Tudo está relacionado às condições estruturais e funcionais de cada paciente.

A seguir vou exemplificar para, alguns grupos musculares, dois ti-


pos de exercícios:

Músculos levantadores da mandíbula (temporal, masseter e pteri-


goideo medial):
• Objetivo de fortalecer: lábios para dentro com massagem in-
dutora no sentido da contração muscular (oito repetições).
• Objetivo de alongar: dentes entreabertos realizar massagens
externas no sentido contrário a contração muscular (10 vezes).

Músculo bucinador:
• Objetivo de fortalecer: com os dentes fechados, o paciente deve
colocar o dedo indicador na região interna da bochecha e forçá-la
para fora. Em seguida deverá forçar o fechamento da bochecha
fazendo um bico com os lábios. (cinco vezes de cada lado).
• Objetivo de alongar: massagens bi-digitais no sentido con-
trário à contração, isto é da orelha em direção a comissura
labial ( cinco vezes de cada lado).

Músculo orbicular da boca:


• Objetivo de fortalecer: lábios para dentro, manter três segun-
dos e estalar (repetir oito vezes).
• Objetivo de alongar: com massagens bi-digitais alongar o
filtro e orbicular da boca, iniciando na região do nariz para
baixo (8-10 vezes).
47
Músculos supra-hioideos:
Capítulo 3

• Objetivo de fortalecer: varredura com a ponta da língua


primeiro com a boca aberta e em seguida com a boca fecha-
da (10 repetições).
• Objetivo de fortalecer: forçar ponta da língua na região
da papila palatina durante três segundos e relaxar (8-10
repetições). O tempo de contração pode ir aumentando gra-
dativamente, podendo chegar até dez segundos.

Musculatura extrínseca da língua:


• Objetivo de fortalecer: língua sugada em palato, manter três
segundos e estalar (8-10 repetições). O tempo de contração
pode ir aumentando gradativamente, podendo chegar até 10
segundos.
• Objetivo de fortalecer: forçar com a ponta do dedo indica-
dor o terço anterior da língua dentro da boca manter três
segundos e relaxar (5-8 repetições). O tempo de contração
pode ir aumentando gradativamente, podendo chegar até
oito segundos.

Musculatura intrínseca da língua:


• Objetivo de fortalecer: língua afilada manter três segundos
e relaxar (5-8 repetições). O tempo de contração pode ir au-
mentando gradativamente, podendo chegar até oito segun-
dos.
• Objetivo de fortalecer: levar a língua afilada para as comis-
suras labiais lentamente sem encostar em dentes incisivos e
lábio inferior (cinco vezes para cada lado).

Considerações finais

É importante que o fonoaudiólogo antes de pensar em exercício te-


nha em mãos o planejamento terapêutico que só poderá ser realizado depois
de seu diagnóstico clínico. E, jamais se esquecer de que cada paciente é único
com suas particularidades e limitações. Portanto, não é admissível realizar o
mesmo tipo de exercício com todos os pacientes. Vale sempre lembrar isso.
48
Referências bibliográficas

Exercícios Utilizados na Terapia de Motricidade Orofacial (quando e por que utilizá-los) – Adriana Rahal
Berretin-Felix G, Araújo ES. Fisiologia da contração do músculo esquelético
e do exercício aplicada à Motricidade Orofacial. In: Silva HJ, Cunha DA.
(org.). O Sistema Estomatognático: anatomofisiologia e desenvolvimen-
to. São José dos Campos: Pulso Editorial; 2011.
Bianchini EMG. A cefalometria nas alterações miofuncionais orais – diagnós-
tico e tratamento fonoaudiológico. São Paulo: Pró-Fono Departamento
Editorial; 1993.
Cattoni DM. Alterações da mastigação e da deglutição. In: Ferreira LP, Befi-
Lopes DM, Limongi SCO.Org do Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo:
Roca;. 2004. p. 277-92.
Genaro KF, Berretin-Felix G, Rehder MIBC, Marchesan IQ. Avaliação miofun-
cional orofacial – protocolo MBGR. Rev CEFAC. 2009 Abr-Jun;11(2):237-25.
Goldberg S. Descomplicando Fisiologia. Porto Alegre: Artes Médicas: 1997.
Marchesan IQ. Motricidade Oral – visão clínica do trabalho fonoaudiológico
integrado com outras especialidades. São Paulo: Pancast; 1993.
Marchesan IQ. Fundamentos em Fonoaudiologia – Aspectos Clínicos da Mot-
ricidade Oral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005.
McArdle WD, Katch FI, Katch VL. Fisiologia do exercício: energia, nutrição e
desempenho humano. 4ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998.
Rahal A, Goffi-Gomez, MV. Clinical and electromyographic study of lateral
preference in mastication in patients with longstanding peripheral facial
paralysis. International Journal of Orofacial Myology. 2009 Nov; 35: 19-
32.

49
Capítulo 3

50
Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e sua Importância na Terapia de Motricidade Orofacial – Franklin Susanibar & Cynthia Dacillo
Capítulo 4
Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e
sua Importância na Terapia de Motricidade Orofacial

Franklin Susanibar
Cynthia Dacillo

Introdução

A harmonia das funções orgânicas estão regidas e reguladas pelo


sistema nervoso, graças à informação que o recebe dos diversos receptores
como da visão, tato, olfato, gustação, movimento, audição, dor, entre ou-
tros1-7. Estes informarão o estado externo e interno do organismo frente às
demandas fisiológicas exercidas, produzindo reações reflexas imediatas ou
armazenadas (“memorizadas”)1-3, como, por exemplo, a fome, que deman-
dará a escolha dos alimentos, que posteriormente serão mastigados, deglu-
tidos, digeridos, entre outros processos que acontecerão na alimentação. O
sistema nervoso controlará e coordenará estas funções pelo fenômeno de
reflexos armazenados pela experiência3. Além de facilitar as demandas fisio-
lógicas, os receptores também contribuirão para que o sistema nervoso crie
adaptações frente às dificuldades que se apresentem durante um processo
fisiológico ou patológico; por exemplo, no primeiro caso ante a fome o in-
divíduo decide ingerir um pão com muitos dias guardado, que poderá ser
mais difícil de ser mastigado e de formar o bolo. Esta informação será levada
pelos receptores ao sistema nervoso e este criará novos ajustes musculares
(maior contração dos elevadores da mandíbula), glandulares (maior secreção
de saliva) e funcionais (maior número de golpes mastigatórios) para conse-
guir preparar o bolo e poder ser deglutido. Contudo, se durante a mastiga-
ção os receptores detectam uma pequena pedra que pode causar lesão nos
dentes, eles informarão o sistema nervoso, e este suspenderá a mastigação,
evitando a lesão1,2 e coordenará os movimentos das estruturas orais para
51
que os receptores selecionem a pedra e a expulsem, para logo restabelecer a
Capítulo 4

função. No segundo caso, patológico, frente a uma disfunção da articulação


temporomandibular (DTM), que causa dor, esta informação nociva é captada
pelos receptores nociceptivos que informa o sistema nervoso, criando no-
vas adaptações musculares e funcionais, como a escolha de alimentos mais
brandos, uma mastigação unilateral (do lado sem dor), menor amplitude dos
movimentos, entre outras, para conseguir efetuar a função e, ainda, se a dor
é muito intensa, a função poderá ser suspensa ou inclusive evitada. Dessa
maneira é notável a importância dos receptores sensoriais nas funções fisio-
lógicas e patológicas para conseguir a homeostase.
As funções neurofisiológicas dos receptores sensoriais podem ser
evocadas por estímulos efetuados pelo terapeuta e assim facilitar ou adequar
a homeostase de uma ou mais funções.
A procura do especialista que avalia, habilita e reabilita as funções
orofaciais e cervicais tem levado ao aprofundamento no estudo da fisiologia
destas regiões com a finalidade de poder basear e sustentar seus procedi-
mentos de atuação em fatos neurofisiológicos, fazendo da atuação Fono-
audiológica em Motricidade Orofacial, Voz e Deglutição, mais respeitadas e
aceitas pelos profissionais relacionados a estas áreas.
Sendo assim, a fonoterapia baseada na mioterapia orofacial, pro-
cedimento onde se atua sobre um músculo ou grupo muscular através de
exercícios isotônicos, isométricos, isocinéticos e auxotônicos8-11, ou terapia
miofuncional orofacial onde se promovem mudanças no tônus muscular, mo-
bilidade e nos patrões funcionais através do trabalho direto com a função8-11,
necessitam ser fundamentadas nos princípios neurofisiológicos regidos pelos
receptores das regiões orofacial e cervical.
No presente capítulo descreveremos, inicialmente, os aspectos ge-
rais do sistema somatossensorial e, logo após, procuraremos consignar as
características de todos os receptores das regiões orofacial e cervical, além
de remarcar a importância de cada um deles nas funções estomatognáticas e
suas implicações na mioterapia ou terapia miofuncional orofacial.

Aspectos gerais dos sistemas sensoriais


A sensação, na sua definição ampla, representa o sentimento, im-
pressão ou conhecimento consciente ou subconsciente de um estado ou si-
tuação do médio, intra ou extracorpóreo11-13.
52
Os sistemas sensoriais são encarregados de recolher informação

Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e sua Importância na Terapia de Motricidade Orofacial – Franklin Susanibar & Cynthia Dacillo
do meio que nos rodeia e do interior do organismo através de células espe-
cializadas, transmitindo esta informação ao sistema nervoso central (SNC)
através da transdução sensorial, para seu processamento, análise e respos-
ta reflexa4,14-16. A transdução sensorial é o processo de transformação das
propriedades físicas, químicas, luminosas e álgicas em impulsos nervosos17,
que é uma transferência qualitativa traduzida pela geração de um potencial
elétrico (gerador ou de ação), de natureza diferente do fluxo de entrada1,5.
A informação do meio externo e interno é utilizada para (Figura 1):
1) captar as sensações e percepções;
2) a regulação da função dos órgãos internos e externos;
3) o manutenção da vigília/proteção;
4) o controle do movimento e
5) conservação da homeostase do organismo4.

Figura 1. Esquema sensorial.

Todas as funções efetuadas pelos sistemas sensoriais se iniciam ao


nível do receptor sensorial1,2, que é uma estrutura nervosa terminal através da
qual o sistema nervoso detecta uma modificação, seja in­terna ou externa1,2,11,18.
53
A função do receptor é a de cap­tar a diferença de determinados valores e ge-
Capítulo 4

rar um fluxo de saída que é um potencial elétrico. O re­ceptor age por um me-
canismo de transdução, trans­formando um determinado tipo de energia em
outro, que agora constitui o fluxo de saída do receptor. Se esta energia que sai
é um potencial elétrico é denominado como potencial gerador do receptor,
que também é conhecido como potencial receptor ou potencial gradativo1,2.
Por exemplo, a sensação mecânica do tato, movimento ou vibração é captada
pelo receptor e transformada (transdução) em um sinal elétrico que sai do
receptor (potencial gerador) para o SNC. O mesmo aconteceria com uma sen-
sação química como o odor ou paladar, ou térmica do frio e calor.
Os componentes sensoriais do SNC compreendem a sensação so-
mática (soma que se refere ao corpo e sensorial igual à sensação - sensação
do corpo através da pele e outros tecidos do corpo)6,12,13,18 e os sentidos espe-
ciais (visão, olfato, audição, vestibular e sabor)5,6,12,13.

Sensação somática: conhecida também como sistema somatos-


sensorial, é um dos componentes do sistema nervoso que se encarrega de
captar e transmitir a informação sensorial11, que em certo grau percebemos
conscientemente5, proveniente da:
1. derme, epiderme e mucosa pelas sensações táteis (tato, pres-
são e vibração), térmicas (calor e frio);
2. músculos, tendões e articulações através da propriocepção
(sensação da posição estática – postura; percepção do movi-
mento – dinâmica) e finalmente a dor que pode ser percebida
em todas as estruturas anteriormente mencionadas12,13.

Sentidos especiais: também chamados de sentidos primários26 ou


órgãos dos sentidos1,2. Engloba os cinco sentidos clássicos: visão, audição,
gustação, olfação e tato. Cada um deles possui submodalidades, que ao se
misturar, dão lugar a experiências sensoriais complexas4. Eles possuem vias
específicas, ou seja, a partir de certos grupos de exteroceptores que formam
estruturas receptivas mais ou menos complexas1,2.

Ainda que estes sistemas (sensação somática e sentidos especiais) se-


jam muito diferentes entre sim, algumas regras fundamentais governam a forma
como o SNC ocupa-se de cada uma destas modalidades de sensibilidade 3,15-17.
54
Os sistemas sensoriais tem uma estrutura e princípios básicos de or-

Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e sua Importância na Terapia de Motricidade Orofacial – Franklin Susanibar & Cynthia Dacillo
ganização similares em toda a escala filogenética4.

Do ponto de vista estrutural


• Todos possuem receptores sensoriais, que são células especializadas
encarregadas de captar a informação que logo depois será enviada ao
SNC.
• Os receptores possuem campos receptivos, ou seja, a área em que se
encontram os receptores e que ao serem estimulados, são ativados.

Do ponto de vista de organização


• Possuem uma organização com hierarquia ou em série, ou em paralelo
ou topográfica.
• Exercem um controle das aferências periféricas.

Do ponto de vista neurofisiológico


• Todo receptor tem como fluxo de saída (ou função) a geração de um
potencial elétrico, denominado potencial gerador1,2 e de ação5,14.
• Todo receptor tem um estímulo adequado.
• Todos os receptores têm um limiar mínimo de ação.
• Quase todos chegam a adaptar-se ou acomodar-se.
• Quase todos respondem a lei de Weber-Fechner.

No presente capítulo apresentaremos, brevemente, a sequência de


fenômenos que acontecem na produção da sensação e, imediatamente, des-
creveremos as propriedades neurofisiológicas dos receptores.
A produção de sensação requer que os seguintes fenômenos acon-
teçam12-14 na seguinte sequência:

Estimulação do receptor
Cada receptor é sensível ao estímulo para o qual a sido desenhado3
que é a especificidade do receptor1,2,21. É por isso que normalmente responde
a um só tipo de estímulo22 e, sendo assim, para que isso aconteça deve apare-
cer um estímulo adequado ou apropriado12,13 que deverá ser dado numa área
específica denominada como campo receptivo1,2,12,13,19.

55
• Um estímulo adequado ou apropriado é a mínima energia/intensida-
Capítulo 4

de requerida para ativar um determinado receptor19,20-22(Figura 2 A).


• Campo receptivo é o conjunto de pontos de uma determinada área de
uma só fibra sensitiva (receptor), a partir dos quais se iniciam excitações
que vão influenciar a atividade elétrica de um determinado neurônio
central1,2,4,23. Estes podem ter limites amplos como 50 e 200 milímetros
quadrados e com frequência que se superpõem ao campo receptivo dos
receptores vizinhos17,23. Um menor campo receptivo permite maior reso-
lução ou capacidade de localizar o estímulo4.

Exemplificando o mencionado anteriormente, os corpúsculos gus-


tativos (receptores) são estimulados com os sabores (doce, salgado, azedo,
amargo e umami) que são os estímulos adequados. Assim, estes receptores
não respondem, por exemplo, a estímulos luminosos, vibratórios ou térmicos
e o campo receptivo destes corpúsculos está na língua. Isto quer dizer que, se
colocamos um estímulo de sabor na pele, nariz ou olhos, não obteremos uma
resposta gustativa porque essas regiões não são o campo receptivo destes re-
ceptores, ou seja, o estímulo é inadequado (Figura 2 B).

Campo Mecanorreceptor
de ação Mecanorreceptor Não se cria o
potencial gerador

Estímulo Potencial Potencial de ação Estímulo Não se cria o potencial


adequado gerador (impulso nervoso) inadequado de ação (ausência de
impulso nervoso)
(A) (B)
Figura 2. Esquema do estímulo adequado (A) e do inadequado (B).

56
Transdução do estímulo

Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e sua Importância na Terapia de Motricidade Orofacial – Franklin Susanibar & Cynthia Dacillo
Uma vez que o estímulo adequado é dado no campo receptivo apro-
priado o receptor transformará ou converterá (transdução) a energia desse
estímulo (mecânico, luminoso, gustativo, ou térmico) em uma energia elétri-
ca1,2,12-16 (eletroquímica4, electromagnética7 ou bioeletrica14,21) que ao momen-
to que sai do receptor é denominado potencial gerador1,2,5,15,16,21,24 (lembrar
que também é denominado como potencial receptor3,4,7,15-17,19,24 ou potencial
gradativo12,13), esta é uma transferência qualitativa traduzida pela geração de
um potencial elétrico, de natureza diferente do fluxo de entrada1,2,4,12,13,19.
Seguindo o exemplo anterior os estímulos químicos dos sabores
serão transformados (transdução) pelos corpúsculos gustativos (receptores)
em um sinal elétrico. Este sinal, sairá do receptor (potencial gerador) com
uma determinada voltagem1,2.

Geração do impulso nervoso


Quando um potencial gerador alcança um limiar, que é a mínima in-
tensidade de estímulo1,2,4,34, produzirá uma voltagem apropriada que permitirá
atingir o limiar do potencial de ação descarregando assim um ou mais “trens”
impulsos nervosos em direção ao SNC1,2,4,12,13, 22,23, isso quer dizer que se o estí-
mulo não atingir o limiar do receptor não chega a produzir um potencial recep-
tor ou sua voltagem não será a suficiente como para atingir o limiar do poten-
cial de ação e, por conseguinte, não se produziram os impulsos nervosos que
levem a informação ao SNC. Só quando o estímulo atingir o limiar do receptor
que existirá a transmissão da informação do sistema nervoso periférico (SNP)
ao SNC para ser processado4,12,13,14. A intensidade e duração de um potencial
gerador determina a duração e frequência de potenciais de ação1,2,17.

Então podemos afirmar que:


• Um potencial gerador é evocado por um estímulo que alcançou o li-
miar do receptor e se o potencial gerador existe com uma voltagem
apropriada, também existirá um potencial de ação1,2,12,13 (impulso ner-
voso) que, uma vez produzido, segue com velocidade e voltagem
constantes em direção do sistema nervoso central, podendo va-
riar apenas na sua frequência1,2.
• Limiar é a intensidade mínima que requer o receptor para criar um
potencial gerador 4,1,2.
57
• Se um estímulo não tem a intensidade mínima para sensibilizar o recep-
Capítulo 4

tor o potencial gerador não existirá e, por conseguinte, o potencial de


ação tampouco existirá e a informação não chegará ao SNC (Figura 3).

Nociceptor Nociceptor

Campo de ação

Ausência de
potencial gerador

Estímulo Potencial Presença de Estímulo Ausência de


(pressão intensa) gerador potencial de ação (pressão leve) potencial de ação

(A) (B)
Figura 3. Para evocar o potencial gerador e desencadear o potencial de ação
o estímulo deve ter intensidade acima do limiar (A – pressão intensa). Caso
contrário (B – pressão leve) não se observará o potencial de ação.

A frequência do potencial de ação, ou seja, o número de descargas


de impulsos nervosos por segundo, está relacionada à intensidade do estí-
mulo1,2,4, que no caso é a relação (frequência intensidade):
• Dos receptores de temperatura, dor e de estiramento é linear, ou seja,
se a intensidade do estímulo aumenta a frequência do potencial de ação
(número de descargas de impulsos nervosos por segundo) aumentará
paralelamente4,5, ou seja, quanto maior for a intensidade do estímulo
maior será a magnitude do potencial gerador e maior a frequência de
potenciais de ação. Esta é a função denominada de Stevens1,2,4.
• O contrário acontece com todos os outros receptores já que a rela-
ção entre frequência de descargas e intensidade não é linear, sen-
do, na verdade, maior, ou seja, existe maior descarga de impulsos
nervosos (potenciais de ação) com estímulos de intensidades me-
nores e se o estímulo é muito intenso a frequência de potenciais de
ação diminuirá. 1,2,4,17
58
A duração dos potenciais de ação se codificam pela duração do po-

Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e sua Importância na Terapia de Motricidade Orofacial – Franklin Susanibar & Cynthia Dacillo
tencial gerador1,2,17,34, este se mantém durante todo o tempo que um estímulo
adequado age1,2,34, mas o potencial gerador, depende do tipo de adaptação
do receptor (rápida ou lenta). 4,12,13,17 Assim podemos dizer:

• A adaptação ou acomodação é uma propriedade da maioria dos re-


ceptores19 definida como a diminuição da intensidade do potencial
gerador até chegar ao sinal ausente1-4,19,21,22 porque sua voltagem de-
cresce até, em determinado momento, ser insuficiente para atingir
o limiar do potencial de ação1,2 e, por conseguinte, a frequência do
potencial de ação diminui no tempo21. Este fenômeno é causado por
um estímulo constante no tempo, que não modifica sua intensidade
(Lei de Weber-Fechner), debilitando-se ou extinguindo-se a percep-
ção da sensação ainda que o estímulo continue12,13,22. Geralmente os
autores reconhecem dois tipos de receptores: de adaptação rápida
e lenta,4,12,13,17contudo, Douglas (2002, 2006) menciona um terceiro
tipo, o receptor sem adaptação1,2 .
A adaptação pode-se exemplificar, da seguinte forma: se entramos
num ambiente onde existe um cheiro muito forte de cigarro, imediata-
mente perceberemos o cheiro, mas se permanecemos um tempo nes-
se ambiente deixaremos de perceber o cheiro do cigarro, e isso ocorre
porque os receptores olfatórios se adaptaram ao estímulo.

• Lei de Weber-Fechner, refere-se ao fato do li­miar de tato, temperatura


ou dor serem variáveis, de acordo com a eventual aplicação prévia de
outro estímulo. No caso da adaptação o receptor se adapta por um
estímulo constante que atingiu o seu limiar; se este estímulo mudar
a sua intensidade poderá ser novamente captado pelo receptor, mas
esta intensidade precisaria ser maior que a primeira 1-3.
Seguindo o exemplo anterior, se os receptores olfatórios se adaptaram
ao odor de cigarro com uma determinada intensidade, para perceber
novamente o cheiro a cigarro, teríamos que aumentar a intensidade
do estímulo como, por exemplo, ficando perto de uma pessoa que
está fumando um cigarro. Outro exemplo é quando provamos o mel,
o estímulo do doce é tão forte que quando provamos uma fruta ou
sorvete, não percebemos o doce delas, isso é porque para sentirmos o
59
que esses alimentos são doces necessitaria extravasar o limiar do mel
Capítulo 4

e sensibilizar os receptores (Figura 4).

Figura 4. Esquema da Lei de Weber-Fechner.

Os receptores de adaptação rápida ou fásicos4 deixam de gerar um


potencial de ação rapidamente se o estímulo se prolonga1,2,12,13 ou não muda
sua intensidade, ficando inativos17. Estão especializados para indicar mudanças
nos estímulos. Estes estão associados à pressão, tato e olfação12,13,21(Figura 5A).
Os receptores de adaptação lenta ou tônicos4 são aqueles que de-
moram um tempo maior para diminuir a frequência de potenciais de ação
(impulsos nervosos) enquanto o estímulo persista ou não mude a sua inten-
sidade. Estão associados à postura corporal, mecanorreceptores da cavidade
oral1,2 composição química do sangue entre outros12,13. São duas as ca­tegorias
distintas dos receptores com adaptação lenta1,2 (Figura 5B).

• Adaptação lenta do tipo 1 ou AL-1, que ocorre no receptor de Meckel


(complexo célula epi­telial-neurito), que, quando estimulado, o padrão
de impulsos é de tipo irregular, em particular na fase es­tática de apli-
cação do estímulo.
• Adaptação lenta do tipo 2 ou AL-2, que possui descargas irregula-
res, ainda sem receber o estímulo adequado. Porém, ao aplicar o es-
tímulo, o trem de impulsos se torna regular. Em geral, cor­responde
à terminação de Ruffini, que responde ao estiramento e demonstra
60
excitabilidade em apenas uma direção. Aliás, se caracteriza por ter

Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e sua Importância na Terapia de Motricidade Orofacial – Franklin Susanibar & Cynthia Dacillo
campos re­ceptivos pequenos.

Receptor de adaptação rápida Receptor de adaptação lenta


Corpúsculos de Paccini Corpúsculos de Merkel

Potencial
(A) de ação Potencial
(B)gerador
Figura 5. Esquema do receptor de adaptação rápida (A) e adaptação lenta (B).

Os receptores sem adaptação (ou praticamente sem) não apresen-


tam descargas enquanto estiver presente o estímulo e, assim, o receptor des-
carregará impulsos com frequência constante. Isto ocorre com os receptores
retinianos ou os receptores da dor (quimiorreceptores, em partícula)1,2, com
os receptores do corpo carotídeo e do corpo aórtico que informam sobre a
saturação de O2 no sangue21.
A importância da adaptação ou acomodação do receptor no fato de
que, quando o estímulo necessita ser acompanhado e monitorada pelo SNC
permanece reconhecido, ou seja, não se extingue (não se adapta), como su-
cede com a dor (nociceptores - Figura 6)1,2 com a finalidade de procurar uma
solução ou resposta que elimine ou diminuía este estímulo. Por exemplo, se
um dente apresenta dor por cáries, esta dor não desaparecerá (será acom-
panhada pelo SNC), em muitos dos casos, sem a aplicação de analgésicos ou
extração do dente.

Nociceptor

Figura 6. Esquema do receptor tipo nociceptor.

Também será monitorada pelo SNC com a finalidade de evitar


que algum agente, como a água ou comida, exacerbem a dor ou para criar
61
adaptações funcionais, como promover a mastigação pelo lado que não dói.
Capítulo 4

Entretanto, quando o estímulo pode ser “eliminado” pelo SNC, porque não é
relevante ou não representa perigo para o organismo, como no caso de um
anel no dedo, a carteira no bolso da calça, da postura mandibular, o receptor
rapidamente se adapta e o SNC deixa de receber informação de excitação,
porque, não há necessidade dos receptores ficarem “nos lembrando”, conti-
nuamente, do anel, da carteira ou da posição da mandíbula22.
Também poderíamos concluir que para evitar a adaptação devemos
aplicar um estímulo mais forte e assim sensibilizar novamente o receptor, já
que seu limiar aumentou devido ao primeiro estímulo (lei de Weber-Fechner).

Condução aferente do impulso nervoso


A geração do impulso é transmitida do SNP ao SNC pela via aferente.
Os interoceptores que captam as variações das funções viscerais em geral, estão
ligados ao SNC através de fibras aferentes pertencentes ao sistema nervoso au-
tônomo e, em particular, à divisão parassimpática sacral. Os proprioceptores e
os extero­ceptores levam suas informações através de fibras nervosas aferentes,
que se denominam, em geral, de fibras sensitivas, ocorrendo a sensação após
a che­gada das aferências informativas a determinados núcleos ou centros do
SNC. Algumas aferências sensitivas possuem vias específicas, como ocorre com
os assim chamados órgãos dos sentidos ou sentidos especiais, ou seja, a partir
de certos grupos de exteroceptores que formam estruturas receptivas mais ou
menos complexas, como ocorre com a visão (retina), audição (ór­gão de Cor-
ti), gustação (corpúsculo gustativo), olfa­ção (mucosa olfativa) e equilíbrio (ca-
nais semi­circulares)1,2. A condução dos impulsos sensoriais é através da medula
(sensibilidade do corpo)3-6,12,13,15-17,19,21,26, do nervo trigêmeo (principal condutor da
sensibilidade da região orofacial e V nervo craniano)1,2,14,25,26; facial (VII nervo
craniano), glossofaríngeo (IX nervo craniano) e vago (X nervo craniano)26, além
da sensibilidade dos sentidos especiais conduzida pelos nervos olfatório (I nervo
craniano), óptico (II nervo craniano) e vestíbulo-coclear (VIII nervo craniano).

Integração das aferências sensitivas


As sensações conscientes ou percepções integram-se no córtex
cerebral , primário19, que é o centro integrador de toda a informação sen-
12,13

sorial captada por muitos receptores14. Esta ocupa a circunvolução parietal


ascendente ou pós-rolândica. Este córtex realmente está formado por duas
62
áreas: SI (córtex somatossensorial primário) e SII (córtex somatossensorial

Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e sua Importância na Terapia de Motricidade Orofacial – Franklin Susanibar & Cynthia Dacillo
secundário)1,2,4. A área SI loca­liza-se no giro pós-central e paracentral pos-
terior, imediatamente atrás do sulco central e que posteriormente limita
com o sulco pós-central1,2,27,34. Histologicamente o SI está constituído pe-
las áreas 3 (3a e 3b),1 e 2 de Brodmann4,15,16,26,27,34. A área SII localiza-se na
parede su­perior do sulco lateral (lobo parietal), ou seja, atrás e abaixo da
área I. Deve-se salientar que SII recebe fibras de ambos os lados do cor-
po, enquanto SI so­mente recebe aquelas originadas no lado contrala­teral.
Apresenta-se também, no córtex somestésico, uma clara somatotopia, bem
mais definida em SII; sendo que outras regiões estão mais representadas
que outras como é no caso da face, mãos e pés além de que a distribuição
especial é distorcida, sem uma correspondência geométrica exata, como
está exemplificada no homúnculo (Figura 7) 1,2,4.

Figura 7. Representação esquemática do homúnculo com áreas de integração


sensorial.

Condução eferente do impulso nervoso


A resposta de saída é o resultado da integração das informações
aferentes totais recebidas. O caminho que percorre a informação denomina-
-se via aferente14.

Resposta, reflexo e efetor


A informação ou resposta é finalmente enviada pelo SNC ao último
componente do arco reflexo conhecido como efetor (músculo ou glândula),
63
desencadeando uma mudança que dá lugar a resposta reflexa14,19. O reflexo
Capítulo 4

é a unidade básica de toda atividade neural integrada e representa a se-


quência de eventos provocados pelo estímulo sensorial periférico, tendo
como efeito final a resposta reflexa14,19. O reflexo total, incluindo a resposta,
acontece com frequência sem consciência da pessoa14. Como resultado da
resposta, contração muscular esquelética, do músculo liso ou estimulação/
inibição da secreção glândula, do efetor, o estímulo primário (mudança am-
biental captada pelos receptores) que desencadeou esta sequência total
de eventos pode ser controlado ao menos em parte14,19. Ao ser controlado
o estímulo por uma resposta do efetor, se reduz a atividade do receptor, de
tal maneira, que o fluxo de informação sensorial do receptor ao centro in-
tegrador volta ao nível original e assim também a atividade do efetor volta
ao seu ritmo inicial14.
Arco reflexo é a unidade básica da atividade reflexa. Está consti-
tuída por um receptor, um neurônio aferente, uma ou mais sinapses na es-
tação integradora central ou gânglio sináptico, um neurônio eferente e um
efetor14,21(Figura 8).

Figura 8. Resumo de toda a sequência do arco reflexo.

Sensibilidade do Sistema Estomatognático


O sistema estomatognático é uma unidade nervosa, anatômica e fi-
siológica integrada e coordenada, constituída por um conjunto de estruturas
64
esqueléticas, musculares, nervosas, glandulares e dentais, da região superior

Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e sua Importância na Terapia de Motricidade Orofacial – Franklin Susanibar & Cynthia Dacillo
do corpo humano, tendo como limite inferior a cintura escapular. Este sis-
tema se organiza ao redor das articulações occipito-atloidea, atlo-axoidea,
vertebrocervicais, temporomandibulares, dento-alveolares e oclusais. Além
destas encontram-se ligadas orgânica e funcionalmente com os sistemas di-
gestório e respiratório, e os sistemas sensoriais especiais (gustação, olfato,
visão, audição-vestibular)11,29.
Este sistema efetua funções:
a) sensoriais somáticas exteroceptivas, interoceptivas, viscerocep-
tivas e proprioceptivas que favorecem o desempenho das funções motoras
deste sistema e da homeostase geral. As funções motoras podem se classifi-
car em posturais (de mandíbula) e dinâmicas; estas últimas podem ser clássi-
cas (sucção, deglutição, mastigação, respiração e fonoarticulação) e adaptati-
vas (náuseas, tosse, cuspir, arrotar)1,2,11,29.
b) A região orofacial possui uma quantidade enorme de receptores
sensoriais pertencentes aos dos sistemas discutidos anteriormente, à saber,
somatossensorial e especiais. Estes são extremadamente importantes para
a realização apropriada das funções orofaciais, homeostase estomatognáti-
ca e do organismo. Contudo, estas funções serão influenciadas pela postura
da cabeça e, portanto, a informação dos proprioceptores provenientes dos
músculos do pescoço influeciam na atividade dos motoneurônios alfa trige-
minais14.
Como foi mencionado anteriormente, quase toda informação
somatossensorial procedente da região orofacial é conduzida ao tron-
co do encéfalo principalmente pelo nervo trigêmeo (V nervo crania-
no)4,14,17,19,27, mas também algumas fibras dos nervos glossofaríngeo (IX
nervo craniano) com a sensação procedente do terço posterior da língua
e músculo palatoglossso19,14, facial (VII nervo craniano) e vago (X nervo
craniano) que transmitem a informação sensitiva somática geral de uma
pequena zona cutânea ao redor do ouvido19,14,27. Assim mesmo é aceito,
na atualidade, que algumas terminações axônicas do trigêmeo descen-
dem até os segmentos medulares C2 e C314 e numerosas fibras simpáticas
e parassimpáticas se unem aos ramos do V nervo craniano através de
interconexões com os nervos motor ocular comum (III nervo craniano),
troclear (IV nervo craniano), facial (VII nervo craniano) e glossofaríngeo
(IX nervo craniano)30(Figura 9).
65
Capítulo 4

66
SISTEMA ESTOMATOGNÁTICO
éa
Unidade

nervosa, anatômica e fisiológica

integrada e coordenada
posturais
(mandíbula) Clássicas
constituída por Sucção
dinâmicas Deglutição
ORGANIZA-SE ESTRUTURAS Mastigação
ao redor das Respiração
Fonoarticulação
motoras

esqueléticas
articulações sistemas Da região s Náuseas
musculares Tosse
superior
do corpo Cuspir
angiológicas com a Arrotar
adaptativas

occipito-atloidea digestório humano, finalidade funções


efetuar

tendo como de
atlo-axoidea respiratório limite inferior nervosas
exteroceptivas
à cintura
vertebrocervicais sistema glandulares
escapular interoceptivas
sensoriais
temporomandibulares especiais dentais visceroceptivas
sensoriais
somáticos

dento-alveolares
propioceptivas
oclusais

Figura 9. Esquema funcional do sistema estomatognático.


Além dos núcleos sensitivos, principal e espinhal, se encontram in-

Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e sua Importância na Terapia de Motricidade Orofacial – Franklin Susanibar & Cynthia Dacillo
terconectados com os diferentes núcleos motores do tronco encefálico de
vários nervos craniais (Quadro 1) com a finalidade de coordenar as diferentes
funções estomatognáticas14 assim como evocar respostas neurovegetativas,
como lacrimejamento (parassimpático), reação pupilar, reflexo de vômito,
entre outros1,2.

Quadro 1. Conexões dos núcleos sensitivos principal e espinhal, com os ner-


vos cranianos14,31 que determinam funções/reflexos.

Núcleo motor do nervo craniano Finalidade/Reflexo

Trigêmeo (V) Reflexo mandibular.

Facial (VII) Reflexos periorais e palpebral.


Salivar superior (VII) e
Salivação durante a mastigação.
Salivar inferior (X)
Interdorsal do Vago (X) Reflexo de vômito.
Reflexos linguais e coordenação da
Hipoglosso (XII) língua durante a mastigação e fonoar-
ticulação.

67
Assim como a sensibilidade somática tem um papel fundamen-
Capítulo 4

tal nas funções estomatognáticas a sensibilidade dos sentidos especiais:


gustação, visão, olfato e audição contribuem com a estabilidade e fun-
cionamento de este sistema durante a fonoarticulação, mastigação e
deglutição 22,31(Quadro 2).

Quadro 2. Nervos relacionados com a sensibilidade das regiões orofacial e


cervical.

Sensibilidade
Nervo
Somática Região Especial Região

Face, região anterior do couro ca-


beludo, mucosas das cavidades
Tato, oral e nasal, seios paranasais, dura-
Tempera- -máter, nasofaringe, 2/3 anteriores
tura e Dor da língua, pele da região temporal,
conduto auditivo externo, orelha,
Trigêmeo
glândulas lacrimal, parótida sub-
–V
maxilar e sublingual22, membrana
do tímpano22.
Proprio- Músculos mastigatórios, ligamen-
cepção to periodontal, ATM. Possivelmen-
te dos músculos extrínsecos do
olho e faciais30.
Tato, Região retroauricular, tuba audi-
1/3 posterior
Tempera- tiva, cavidade timpânica, muco- da língua
sa nasofaríngea e orofaríngea,
Glossofa- tura e Dor ( s e n s ível
tonsilas palatinas22, istmo das Gustação
ríngeo IX ao doce e
fauces, parte posterior do palato
amargo) e
duro30 e palato mole22.
palato mole.
Interoceptor Artéria carótida22.
Base da lín-
Região retroauricular da orelha, gua, fossa,
Tato
porção do conduto auditivo exter- glossoepi-
Vago X Tempera- Gustação
no, mucosa da oro e laringofaringe glótica, epi-
tura e Dor
e laringe30,34,36. glote e farin-
ge12,13,30.

68
Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e sua Importância na Terapia de Motricidade Orofacial – Franklin Susanibar & Cynthia Dacillo
Vértice e
Tato, bordas da
Mucosa do palato mole22, terço
Tempera- língua, 2/3
médio da orelha, conduto auditivo
tura e Dor anteriores,
Facial VII externo, tímpano. Gustação
mais sensí-
Proprio- veis aos sa-
Músculos faciais30,26.
cepção bores salga-
do e azedo.
Cavidade
Olfatório I Olfato
nasal.
Órgão de
Audição
Corti.
Acessório Proprio- Musculatura esternocleidomastoi-
XI cepção deo e o trapézio32.
Couro cabeludo, pescoço, tórax,
Tato,
parte superior do conduto audi-
Tempera-
Plexo cer- tivo.
tura e Dor
vical
(C1-C4) Musculatura do pescoço, incluí-
Proprio-
dos o esternocleidomastoideo e
cepção
o trapézio30.

Os impulsos sensoriais provenientes dos diferentes recepto-


res (exteroceptores, interoceptores, visceroceptores e propiocepto-
res) do Sistema Estomatognático induzem atividades reflexas dos seus
mecanismos neuromusculares periféricos, que exerceram seu controle
e regulação sobre as unidades motoras trigeminais, determinando fi-
nalmente a função glandular e/ou somática estomatognática1,2,14,20 e,
por conseguinte, das diferentes estruturas das regiões orofaciais e cer-
vical25 relacionadas às funções estomatognáticas (Quadro 3).

Quadro 3. Receptores encontrados no sistema estomatognático.


(em folha anexa ao livro).

69
Armazenamento da informação sensorial na memória
Capítulo 4

Guyton e Hall (2006) referem que a maior parte da informação que


chega no SNC é armazenada no córtex cerebral para ser utilizada posterior-
mente na regulação dos atos motores e na manutenção da homeostase do
organismo e só uma parte dela gera uma resposta imediata. Este processo de
armazenamento denomina-se memória, que constitui uma função das sinap-
ses. Se estes sinais já passaram muitas vezes pela sinapse aumenta a capaci-
dade de transmitir os mesmos sinais nas vezes seguintes (facilitação) e estes
sinais transmitem impulsos seguindo a mesma sequência da sinapse mesmo
que os receptores sensoriais não tenham sido excitados. Isto acontece, por
exsemplo, quando provocamos respostas viscerais imaginando o nosso prato
preferido. O pensamento/memória emite respostas motoras mesmo sem es-
tar frente a frente a essa comida. As lembranças são armazenadas no sistema
nervoso, associando-as com as novas experiências importantes e podem ser
canalizadas para utilização posterior, gerando alterações nas áreas motoras,
gerando respostas corporais.
Este evento tem muita relevância na automatização dos padrões
neuromusculares da fonoarticulação e mastigação, em que o cérebro da
criança armazenará padrões de movimentos musculares específicos para
mastigar determinados alimentos aos quais foi exposto com certa frequên-
cia. Por exemplo, comer pão é muito diferente do que comer um pudim, gra-
ças ao registro na sua memória o Sistema Estomatognático se prepara, no
caso do pão, segregando muita mais saliva que para o pudim; a musculatura
se prepara para efetuar mais golpes mastigatórios, entre outras adaptações
que ocorrerão graças ao armazenamento dessas experiências na memória. O
contrário acontece com as crianças que não são estimuladas com alimentos
de diferentes cores, cheiros, sabores, texturas e consistências; seu sistema
sensorial Estomatognático, muitas vezes, interpretará os novos alimentos
como nocivos, rejeitando-os, ou inclusive vomitando.
A seguir se abordará, brevemente, cada tipo de receptor encontra-
do no Sistema Estomatognático destacando a sua importância na realização
das funções orofaciais e sua implicação na terapia em Motricidade Orofacial.

1. Exteroceptores
São os receptores adaptados para que captem as modificações
que se originam no meio externo ao organismo ou provindas do ambiente
70
exterior. Encontram-se na superfície externa do corpo ou perto dela, de

Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e sua Importância na Terapia de Motricidade Orofacial – Franklin Susanibar & Cynthia Dacillo
onde proporcionam informação ao SNC relativa a este meio. Estão localiza-
dos no tegumento externo (pele, tecido conectivo e subcutâneo), mucosa
ectodérmica que cobre cavidades e anexos (cavidade oral, nasal). As sen-
sações especiais – auditivas, visuais, olfatórias e gustativas – assim como as
somáticas – térmicas, táteis, pressão e vibração – são mediadas por estes
receptores 1,2,11-14,18,37,38. Como descrito anteriormente, todos estes recepto-
res sensoriais pertencem ou tem uma estreita relação com o Sistema Esto-
matognático.

1.1 Receptores auditivos


O órgão de Corti apresenta dois tipos de células sensoriais deno-
minadas a) células ciliadas internas com um número aproximado de 3,500 e
b) células ciliadas externas que são quase entre 12,000 e 20,00022,27. Estas
células são encarregadas de detectar os estímulos auditivos mediante um
mecanismo muito complexo que não será explicado neste texto. Dentro da
gama ampla de sons que são captados, frequências entre 20 a 20000 Hz,
encontram-se os da fala, entre os 80 e 1230 Hz1,2.
A produção da fala, para ser mais específico da fonoarticulação
(componentes fonéticos e fonológicos), além da prosódia, não poderiam ser
desenvolvidos numa criança que apresente alteração nas células ciliadas (per-
da auditiva neurossensorial) e a fala de um adulto se deteriora quando estas
células são lesadas (perda auditiva induzida pelo ruído). No primeiro caso as
células captaram o estímulo auditivo (fala do adulto) e ajudam a criança a
criar os patrões fonéticos (neuromusculares) e fonológicos (linguísticos), as-
sim como a prosódia da sua língua1,2,3940. No segundo caso o feedback auditivo
da própria fala do indivíduo o ajudará a ajustar os mecanismos neuromus-
culares para a produção da fonoarticulação14,22,26,39-41. A grande maioria das
crianças adquire os padrões normais da fala recebendo do adulto não mais
do que estímulos auditivos39.

APLICAÇÃO NA TERAPIA
Tendo como primórdio que a audição é chave na aquisição da fala
e muito importante na autorregulação no adulto, alguns autores, como Ho-
dson e Paden (1983) 39, chegaram à conclusão que a estimulação auditiva
adicional (bombardeio auditivo) é produtiva na reabilitação de crianças com
71
transtorno fonológico. Também se sabe que a audição requer a associação
Capítulo 4

com as sensações proprioceptivas1,2,14,22,26,39-41 para poder produzir os fones


da fala. Sabe-se ainda que as alterações fonéticas da fala estão mais rela-
cionadas a distorções, omissões e substituições, geralmente causadas pelo
déficit da movimentação, dificuldade no posicionamento das estruturas fo-
noarticulatórias durante a produção dos sons, alterações estruturais, entre
outras. Se a audição tem influência sobre a autorregulação da movimentação
ou posicionamento das estruturas fonoarticuladoras por meio do feedback
auditivo-propioceptivo poderia também se utilizar a mesma sobre estimula-
ção auditiva (bombardeio auditivo) como um dos recursos terapêuticos nos
pacientes com alterações fonéticas da fala.
Outras propostas terapêuticas para a reabilitação das alterações da
fala de origem neurogênica também levam em consideração a estimulação
auditiva. Darley, Aronson e Brown (1975)42 sugerem como um dos princípios
gerais na reabilitação dos pacientes apráxicos o monitoramento onde o pa-
ciente deve ouvir seus erros e tentar realizar os ajustes para melhorar sua
fala. Rosenbek e cols (1973) propõem como um dos passos da terapia que
o paciente olhe e escute, e os dois juntos articulam a palavra. Nos pacien-
tes disartrofônicos o uso de aparelhos que oferecem um atraso no feedback
auditivo propiciam excelentes respostas no aumento da precisão articulató-
ria42. A retroalimentação acústica também se utiliza na reabilitação destes
pacientes oferecendo uma retroalimentação auditiva43. Assim muitos outros
autores apresentam o biofeedback auditivo como um método que favorece a
melhoria da fonoarticulação e prosódia43,44,45.
Além disso, terapias que visam a reabilitação da disfagia46 e altera-
ções neuromusculares utilizam o estímulo auditivo47 como a técnica de facilita-
ção neuromuscular proprioceptiva que sugere como um dos procedimentos a
utilização de ordens verbais claras e num volume adequado com a finalidade
de dirigir apropriadamente ao paciente e o movimento que este efetue11, 48..

1.2 Receptores da visão


Os receptores visuais (cones e bastonetes), chamados de fotorre-
ceptores são os encarregados de captar os estímulos luminosos e contribuir
na criação de um, “mapa”, código topográfico do mundo visual27. Alguns au-
tores referem a participação da visão na regulação e realização das funções
de fonoarticulação26,41. Também na alimentação, permitindo a escolha dos
72
alimentos e preparando o organismo para a digestão46,49. Desse modo pode-

Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e sua Importância na Terapia de Motricidade Orofacial – Franklin Susanibar & Cynthia Dacillo
mos interpretar que as funções de mastigação e deglutição serão preparadas
segundo as experiências do indivíduo.

APLICAÇÃO NA TERAPIA
O número de autores que falam sobre o feedback visual como es-
tratégia na reabilitação das diversas alterações é muito grande. A sugestão
da intervenção utilizando a retroalimentação visual vai desde, por exemplo, a
solicitação para que o paciente observe os movimentos do terapeuta e regule
a sua articulação42-44. Também se utiliza técnicas de biofeedback visual atra-
vés da videolaringoscopia para facilitar a adução glótica42,44. Para melhorar
o funcionamento adequando do mecanismo velofaríngeo através da nasofi-
broscopia42,44. Além de isso, para facilitar ou melhorar a mobilidade das es-
truturas fonoarticulatórias ou dissociar e controlar as sincinesias, é sugerido
o uso de espelho ou EMG como mecanismo de feedback visual47,48,50-54.
Com a finalidade de encorajar e preparar o organismo para a mas-
tigação e deglutição é sugerido mostrar os alimentos antes de oferecê-los 46;
assim também nas crianças com paralisia cerebral tem-se sugerido oferecer
o alimento permitindo que o sigam visualmente com a finalidade de evitar
posturas reflexas inadequadas55 e permitir o armazenamento da informação
sensorial na memória.

1.3 Receptores olfatórios


Os receptores olfatórios, chamados de quimiorreceptores, se situ-
am na mucosa nasal (neuroepitélio especializado), que tem em média 5,0cm2,
localizada no teto da cavidade nasal, próximo do septo, principalmente, na
parte posterior1,2,34. A olfação, é um dos sentidos que permite a interação
do neonato com a mãe, que, também, lhe permite detectar e discriminar
os odores oriundos da aréola do seio da mãe entre outros, favorecendo a
alimentação31. Este sentido tem como função a) protetora contra o perigo:
do fogo, gasolina, alimentos estragados ou envenenados; b) prazerosa: sexo,
perfumes, alimentos e flores1-3,31. Tem uma relação muito especial do sabor
com os receptores que preparam o organismo para a alimentação31 podendo
inclusive modificar o componente preparatório ou de saciedade no contexto
da alimentação (Yeomans, 2006)31, atividades que provavelmente estão rela-
cionadas ao armazenamento da informação sensorial na memória.
73
Capítulo 4

APLICAÇÃO NA TERAPIA
Devido a sua importância relevante durante a alimentação, alguns
autores sugerem a apresentação do alimento, permitindo que o paciente por
meio dos estímulos olfatórios prepare o organismo para a alimentação, de-
sencadeando a secreção salivar46. A estimulação dos odores dos alimentos
será mais intensa se estiverem aquecidos31.

1.4 Receptores gustativos


Os poros gustativos56 também denominados como quimiorecepto-
res, são monitores da composição química de matérias alimentícias, antes
que elas sejam ingeridas, sinalizando, via nervos aferentes, o cérebro se o
alimento é venenoso ou palatável1,2,31,34. A maioria dos poros gustativos está
na língua, mas alguns são encontrados tanto no palato mole como no palato
duro, na mucosa da epiglote, na laringe, na mucosa da faringe e mesmo na
mucosa dos lábios e das bochechas, bem como em alguns indivíduos, na por-
ção inferior da língua e no assoalho da boca. Também, os botões gustativos
são encontrados sobre a úvula, palato mole, epiglote, na porção rostral do
esôfago e também sobre a membrana mucosa cobrindo a cartilagem larín-
gea, bem como sobre os lábios e bochechas, especialmente no recém-nasci-
do. Ainda, células semelhantes aos receptores gustativos foram encontradas
na mucosa do estômago e intestino31.

APLICAÇÃO NA TERAPIA
O sabor é muito mais sugerido como sentido que estimula a ali-
mentação, sugerindo a estimulação com os sabores primários sabor, doce,
salgado e azedo46,57-59 (Quadro 4).

1.5 Receptores Térmicos


São dois tipos de terminações livres que respondem a mudanças
de temperatura. Encontram-se na pele e mucosa. Alguns respondem ao frio
e outros ao calor11-13,17,19,22.
Os receptores do frio ou corpúsculo de Krause ativam-se com tem-
peraturas entre 10 e 40 0C e descarregam seu máximo potencial de ação com
temperaturas entre 25-30 0C. Existe uma maior densidade nos lábios e palato
mole1,2,11-13,17,19,22.
74
Os receptores ao calor ou de Ruffini são menos abundantes que

Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e sua Importância na Terapia de Motricidade Orofacial – Franklin Susanibar & Cynthia Dacillo
as do frio, ativam-se com temperaturas que oscilam entre os 32 e 48 0C e
descarregam seu máximo potencial de ação com temperaturas entre 40-45
0
C. Sua densidade é maior próxima da mucosa do palato duro e dos lábios.
1,2,11-13,17,19,22
. As temperaturas menores de 10 0C e maiores de 48 0C ativam os
nociceptores. 12-13.

Quadro 4. Aplicação do sentido especial gustação em fonoterapia.

Papel funcional do olfato e sabor no apetite, escolha de alimento e ingestão31.


1.- Preparam o organismo para a digestão do ali­m ento por causar se-
creções salivar, gástrica, pancreática e intestinal, as quais são deno-
minadas respostas da fase cefálica.
2.- Detectar e distinguir as qualidades nutricionais exigidas entre os ali­mentos
de aparência duvidosa. De fato, a atividade em neurônios do sabor é realmen-
te modificada pela necessidade fisiológica transitória.
3.- Seleção de uma dieta nutritiva; aprender a associação entre um sa-
bor de alimento (ou odor) e seu efeito pós-ingestão e assim ajustar a ingestão
de alimento em antecipação de sua importância nutricional. Assim
as sensações gustativas servem como um indicador do valor nutri­cional
do alimento.
4.- Iniciam, mantém e concluem sinais sobre a ingestão e, portanto, de-
sempenham uma grande função na quantidade de alimento que é con-
sumido.
5.- Induzem o sentimento de saciedade e são reforços principais para
se alimentar.
6.- A percepção do sabor é responsável pela avaliação do alimento
básico e concede ao organismo valioso poder discriminatório.
7.- O sabor dos alimentos sustenta comportamentos que mantém a
estrutura básica e função de to­dos os sistemas do corpo.
8.- Teff (1996) revisou um número de estudos demonstrando que a
palata­b ilidade da ingestão de alimento sólido ou líquido tem o po-
tencial para influenciar de que modo ele será digerido, absorvido e
metabolizado. Ainda, as implicações desse estudo são que a redução
das sensações de sabor e de olfato podem interferir com os reflexos
autonômico e endó­c rino que será o fundamento de alterações meta-
bólicas associadas com a ingestão de nutrientes.

75
Capítulo 4
9.- Parece que o sabor possui duas funções: primeira - ele convida-nos,
pelo desper­t ar de nosso prazer, a repor a perda constante a qual nós
sofremos através da nossa existência física; segunda - de uma varieda-
de de substâncias presentes na nature­za, ele ajuda a escolher aquelas que
são melhor adaptadas para a nossa nutrição.

APLICAÇÃO NA TERAPIA
A aplicação do frio (crioterapia) é sugerida por diversos autores
como uma técnica para facilitar a contração muscular 51 quando aplicado de
forma rápida60 antes de iniciar outros exercícios 54, como analgésico, diminui-
ção do edema e dos espasmos musculares50. Pode ser utilizada para estimular
as células intraorais e como nesta região há um grande número de termor-
receptores para o frio, a sensação tende a permanecer por mais tempo. O
estímulo a ser utilizado é de forma rápida, promovendo a contração muscular
pela criação de um potencial de ação no fuso60. Também ficou comprovado
que é eficaz para reduzir a incontinência salivar60
A aplicação de calor é sugerida porque promove o aumento do flu-
xo sanguíneo (vasodilatação), relaxamento muscular, aumento da extensão
de tecidos moles, analgesia, diminuição dos espasmos musculares e aumen-
to da elasticidade50.
Também é sugerida a estimulação térmica com calor e frio na ca-
vidade oral dos pacientes disfágicos46,57-59. O tempo de disparo do reflexo da
deglutição pode ser melhorado com alimentos frios (Rosenbek et. al 1996)46.

1.6 Receptores de Tato


Os mecanorreceptores ou mecanoceptores1,2 são receptores encap-
sulados17 que se distribuem na superfície da pele4,19 e o tecido celular sub-
cutâneo. São receptores que respondem à movimentação e velocidade do
estímulo4. Respondem as qualidades táteis, de pressão, toque e vibração13,19.
Entre eles estão Meissner4, Merkel19, Pacini22 e folículo piloso4. A sensibilidade
mecanorreceptiva favorece a organização das funções motoras. Assim, por
exemplo, a criança tem que aprender a associar os estímulos auditivos aos
táteis para atingir o nível do adulto39 e no futuro saber se autorregular22. Tam-
bém têm uma participação importante durante a mastigação qualificando a
76
textura, o tamanho, a consistência do alimento, para ser triturado e pulveri-

Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e sua Importância na Terapia de Motricidade Orofacial – Franklin Susanibar & Cynthia Dacillo
zado e, assim, facilitar a deglutição14.

APLICAÇÃO NA TERAPIA
A estimulação tátil extra e intra-oral tem sido sugerido em diver-
sas patologias, como: alterações na fala, mastigação, deglutição, ausência de
mobilidade, hipossensibilidade, hipersensibilidade, assim como em diversas
idades, neonatos, crianças e adultos, e oferecendo diversos estímulos como,
toque, pressão, vibração22,39,43,46,47,57-59.
Antes de estimular de forma tátil o paciente, devemos saber exata-
mente o que ele tem; uma vez identificado devemos planejar uma estratégia
baseando-se nas características de limiar, adaptação e a lei de Weber-Fechner.
Assim podemos observar as seguintes possibilidades:
a) Hipersensibilidade: indicando que os receptores estão apresentando
um limiar muito baixo e captam estímulos muito baixos, é por isso
que não permitem o contato na região orofacial.
b) Hipossensibilidade: indicando que os receptores apresentam um
limiar muito alto e não estão captando os estímulos que deveriam,
requerendo que o estímulo tenha maior intensidade.

No primeiro caso procuraremos adaptar os receptores para que


deixem de gerar um potencial de ação. Sabemos que para adaptar o receptor
devemos oferecer o estímulo por um tempo “prolongado”, isso quer dizer
que temos que manipular muito o paciente, se possível mais de uma vez
ao dia. No caso que apresente ainda muita hipersensibilidade é necessário
que se trabalhe com a palpação. Podemos seguir a lei de Weber-Fechner,
oferecendo um estímulo com intensidade elevada e, em seguida, poderemos
trabalhar manipulando a face ou a cavidade oral já que o estímulo é menor
que o primeiro e não atinge o limiar do receptor.
No segundo caso é ao contrário. Os receptores não estão captando
a informação, por conseguinte, precisarão ser estimulados, mas não de ma-
neira prolongada, porque do contrário eles se adaptarão e a pouca informa-
ção que transmitiam se perderá. A maneira de estimulá-los seria de maneira
intermitente e por períodos curtos, várias vezes ao dia.
Além de regular a sensibilidade orofacial, ela pode servir para
provocar movimentos de língua, lábios43,47,55 e favorecer outras funções. Por
77
exemplo, o feedback sensorial pode ser utilizado para melhorar o funciona-
Capítulo 4

mento adequando o mecanismo velofaríngeo procurando a autopercepção


do fluxo nasal através da sustentação das vogais “i” e “u” no dorso da mão42.
Alguns destes reflexos são conseguidos graças ao fato de que o nú-
cleo motor do facial está interconectado com os núcleos sensitivos do vago,
glossofaríngeo e trigêmeo. Estas numerosas interconexões estão implicadas
no controle dos movimentos da língua como resposta aos estímulos táteis,
nociceptivos, gustativos, térmicos e proprioceptivos de origem oral, lingual
e faríngeo30.

2 Proprioceptores
São receptores que captam variações das funções somáticas2-14.
Localizam-se nos músculos, tendões, articulações, ouvido interno, entre ou-
tros. Encarregam-se de fornecer informação e, com isso, contribuem com o
controle do movimento, postura que o corpo adota em relação ao espaço e
sinergismo muscular11,13-14. O Sistema Estomatognático caracteriza-se por pos-
suir um número elevado destes receptores, denotando assim a complexida-
de das funções executadas por este sistema.

2.1 Receptores da ATM


Em cada articulação temporomandibular existem numerosos pro-
prioceptores1,2,14,20. As fibras sensitivas dos nervos terminam em forma de
terminações livres (transmissão da sensação de dor) e encapsulados. Os pro-
prioceptores encapsulados levam informação referente à posição da mandí-
bula durante a postura habitual, da direção e velocidade dos movimentos e
funções mandibulares normais1,2,20. Também contribuem com a discriminação
do tamanho de objetos interpostos entre os dentes2.
A informação sensitiva das ATMs é transmitida ao núcleo sensitivo
principal e a unidade rostral do núcleo espinhal via o gânglio de Gasser14.
Segundo Greenfiel e Wyke existem quatro tipos funcionais diferen-
tes de receptores na ATM: GW-I, GW-II, GW-III e GW-IV 1,2,14,20,47..

APLICAÇÃO NA TERAPIA
O conhecimento da função destes receptores é fundamental porque
norteará as possibilidades que se tem para estimular e corrigir a mobilidade e
postura habitual da mandíbula e durante as funções estomatognáticas.
78
A postura habitual de falta de oclusão, com 1-3mm de espaço entre

Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e sua Importância na Terapia de Motricidade Orofacial – Franklin Susanibar & Cynthia Dacillo
a maxila e a mandíbula, é mantida durante a posição de alerta, mesmo que
o indivíduo esteja deitado, sentado ou em pé1,2,11. A postura da mandíbula é
estabelecida durante o contato dos incisivos centrais decíduos1,2 e é mantida
por uma serie de mecanismos físicos e reflexos. Entre os mecanismos refle-
xos os receptores estomatognáticos desempenham um papel muito impor-
tante destacando-se o receptor da ATM GW I que é encarregado de manter
o tônus muscular dos músculos que rodeiam a mandíbula (elevadores e de-
pressores)1,2,11,20.
Estimular este receptor poderá contribuir com a estabilidade da
postura mandibular apropriada mantendo uma falta de oclusão.
Bobath (1954)62, Crickamay (1974), Muller (1979)61 e Morales (1999)47
sugerem realizar a manobra do “controle mandibular” com a finalidade de
estabilizar a mandíbula dos pacientes com lesões neurológicas durante as
funções de deglutição e fonoarticulação. A manobra pretende oferecer novas
sensações proprioceptivas e buscar que o paciente gradualmente assuma o
controle da postura mandibular61,62,47.
Sem dúvida, é importante frisar que a mandíbula apresenta sua
postura habitual principalmente pelo controle proprioceptivo e não depende
diretamente da musculatura mastigatória1,2,14,20. Com a finalidade de compro-
var essa dependência proprioceptiva e não muscular, podemos anestesiar
localmente a ATM em sujeitos humanos normais tendo como resultado a
eliminação do sentido de posição. Sabemos, entretanto, que os propriocep-
tores musculares se encontravam inalterados, resultando em um marcada
deteriorização na precisão dos movimentos oclusais e mandibulares volun-
tários. Contrariamente, o sentido de posição se conserva se os músculos são
desnervados ou anestesiados e a ATM permanece inalterada14.

2.2 Receptores da mucosa


São os mecanorreceptores que se encontram em toda a mucosa
oral: gengivas, palato, língua, lábios, entre outros14. A mucosa é muito rica em
diversidade de receptores. São de natureza proprioceptiva e incluem vários
visceroceptores, osmoceptores, pressoceptores e, também, nociceptores.
Exercem funções bastante variadas e complexas1,2 e respondem à deformação
do tecido em que se encontram14. Geralmente, a frequência da terminação
nervosa é mais elevada na parte anterior da boca do que na parte posterior20.
79
2.3 Receptores periodontais
Capítulo 4

Estes podem ser encapsulados simples e complexos. Conhecidos


como mecanorreceptores porque respondem a estímulo de tipo mecânico,
sensíveis à pressão e tato dentário contribuindo com a sensação consciente
das forcas oclusais que se desenvolvem entre os dentes durante a função
mastigatória. A sua função é altamente relevante para a mastigação captan-
do a textura, dureza e outras características dos alimentos ajustando o tônus
dos músculos de acordo ao alimento. Também protegem os dentes frente a
agressores que podem ferir a dentina e tecido periodontal, quando alguns
de eles ajustam o tônus muscular dos mastigadores e participam na postura
mandibular de falta de oclusão e outros captam a dor. Ainda hoje se conhe-
cem cinco tipos de receptores periodontais1,2,14,20.

APLICAÇÃO NA TERAPIA
As propostas de reabilitação neuromotora ou proprioceptiva neu-
romuscular apresentam uma série de estratégias para a evocação dos movi-
mentos de língua, além dos reflexos de mastigação e deglutição baseando-se
nas propriedades neurofisiológicas dos diversos proprioceptores do Sistema
Estomatognático43-49,55,57,59,61,62,47, que, por serem diversas, não serão especifi-
cadas aqui.

2.4 Receptores musculares


Nos músculos e tendões existem proprioceptores que transmitem
informação ao SNC referente ao comprimento e/ou tensão dos músculos
com a finalidade de regular e coordenar suas atividades1-7,12-14.
Descrevem-se dois tipos de receptores, os fusos neuromusculares e
os órgãos tendinosos de Golgi1,2,14,20.

Órgão tendinoso de Golgi


São receptores localizados nos tendões musculares que proporcio-
nam informação mecanossensitiva ao SNC sobre o grau de tensão de peque-
nos segmentos de cada músculo5,15,19. São consideradas terminações nervo-
sas livres, mielínica grossa (tipo IB ou AB) e aferente primária19. Situa-se na
união do tendão com o músculo14,19, não obstante, alguns autores o conside-
ram como um receptor encapsulado14.. Quando o músculo é alongado, tanto
os fusos musculares como os de Golgi estão com baixa tensão14. A principal
80
diferença entre a excitação do órgão tendinoso de Golgi e o fuso neuromus-

Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e sua Importância na Terapia de Motricidade Orofacial – Franklin Susanibar & Cynthia Dacillo
cular é que o fuso detecta o comprimento do músculo e as mudanças do
mesmo, enquanto que o Golgi detecta a tensão muscular5.
O reflexo que este receptor provoca é denominado reflexo miotá-
tico inverso, já que faz o contrário do fuso, ao detectar alongamentos extre-
mos envia um sinal e relaxa a musculatura43-49.

Fuso neuromuscular
É um proprioceptor encapsulado13 altamente especializado que se
encontra localizado na maior parte dos músculos esqueléticos, inclusive no
Sistema Estomatognático. Os músculos faciais são inervados proprioceptiva-
mente22,25,30,46. Embora os fusos formem apenas uma pequena parte da
massa muscular, na maioria dos músculos da região orofacial existe
mais fi­bras nervosas inervando os fusos do que fibras musculares prin-
cipais, o que indica a importância do fuso20. Sem dúvida, alguns autores
mencionam que os músculos faciais, diferem dos outros músculos esque-
léticos porque não possuem fusos musculares10. Contudo possuem, ainda,
unidades motoras pequenas, tendo uma relação de 25 fibras musculares por
motoneurônio, o que permite maior complexidade de movimento63.
São denominados de fusos musculares, por sua peculiar forma de
fu­sos , isto é, centralmente globulosos e seus dois extremos afilados 2. Nos
19,20

ex­tremos polares, se localizam finas fibras musculares esqueléticas2.


Está formado por terminações de fibras nervosas e fibras muscula-
res estriadas especiais (intrafusais), todo isso envolto por uma capsula fibro-
sa que se fixa ao músculo por ambos os lados19. Este receptor proporciona
informação ao SNC sobre o comprimento muscular18. Este é inervado tanto
por fibras aferentes como eferentes20. O reflexo que o fuso evoca é a contra-
ção muscular chamado de reflexo miotático.

APLICAÇÃO NA TERAPIA
As características neurofisiológicas destes receptores têm sido
aproveitadas pelas técnicas de reabilitação neuromuscular, evocando os re-
flexos de contração (miotático) ou relaxamento (reflexo miotático inverso).
Os diversos recursos utilizados como o “taping”45 ou “batidinhas”51
com as pontas dos dedos, alongamentos45, tração, pressão, vibração47 são
empregadas para aumentar o tônus muscular. Todas estas técnicas utilizadas
81
visão evocar o reflexo miotático. Algumas destas técnicas são modificadas
Capítulo 4

para vibração prolongada47, alongamento mantido45, com a finalidade de pro-


curar o reflexo miotático inverso e com ele o relaxamento.
Ainda outras técnicas utilizam estratégias que além das menciona-
das acompanham movimentos guiados pelo terapeuta com a finalidade de
evitar reflexos patológicos, gravar novos engramas neuromusculares através
das aferências sensoriais especiais e somáticas e facilitar a fala, mastigação,
respiração e deglutição.

Conclusões
Os mecanismos sensoriais comandam a funcionalidade do Sistema
Estomatognático. Os estudos fisiológicos tem-nos aproximado a esse univer-
so, muitas vezes pouco conhecido, complexo, mas de suma importância para
a atuação do Fonoaudiólogo em Motricidade Orofacial. Olhar, cheirar, palpar
e ouvir o paciente nos introduzirá a esse mundo sensorial levando-nos a pen-
sar sobre os fundamentados neurofisiológicos da nossa prática.

Referências bibliográficas

1. Douglas, C. Tratado de fisiología aplicada a fonoaudiología. Brasil: Robe;


2002.
2. Douglas, C. Tratado de fisiologia aplicada a fonoaudiologia. 2ª ed. Brasil:
Robe; 2006.
3. Guyton, A. e Hall, J. Tratado de fisiología médica. 11ª ed. España: Elsevier;
2006.
4. Cingolani y Houssay. Fisiología Humana. 7ª ed. Buenos Aires: El Ateneo;
2000.
5. Ganong, W. Fisiología médica. 18ª ed. México: Manual moderno; 2002.
6. Porth, C. Fisiopatología. 7ª ed. Buenos Aires: Médica Panamericana; 2006.
7. Snell, R. Neuroanatomía clínica. 5ª ed. Buenos Aires: Panamericana; 2003.
8. Meyer, L.A. (2004) citada por Abello. Importancia de la terapia miofun-
cional en los tratamientos de ortopedia maxilar. Resumen de present-
ación en Jornada de actualización en la Sociedad Colombiana de Ortope-
dia Maxilar; Abril 18 de 2007.
9. Degan, Puppin-Rotani. Removal of sucking habits and myofunctional
therapy: establishing swallowing and tongue rest position. Rev. Pró-Fono
R. Atual. Cient. vol.17 no.3 Barueri Sept./Dec; 2005.

82
10. Coutrin; Ulhôa e Motta. Treinamento muscular na face: a prática dos

Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e sua Importância na Terapia de Motricidade Orofacial – Franklin Susanibar & Cynthia Dacillo
fonoaudiólogos de Belo Horizonte. Rev. Soc. Brasilera Fonoaudiología;
2008;1 3(2):127-35.
11. Susanibar e Parra. Diccionario terminológico de Motricidad Orofacial.
Madrid: EOS; 2011.
12. Tortora, G. y Grabowski, S. Principios de anatomía y fisiología. México:
Xalco; 2003.
13. Tortora, G. y Derrickson, B. Principios de anatomía y fisiología. 11ª ed.
México: Panamericana; 2006.
14. Manns, F y Díaz, G. Sistema Estomatognático. Santiago de Chile: Facultad
de Odontología, Universidad de Chile; 1988.
15. Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara, Williams.
Neurociencia. 3ª ed. Médica Panamericana; 2008.
16. Purves, Augustine, Fitzpatrick, Hall, LaMantia, McNamara, Williams. In-
vitación a la Neurociencia. 4a ed. Buenos Aires: Médica Panamericana;
2001.
17. Pocock, G. y Richards. C. Fisiología Humana: La base de la medicina. 2ª
ed. Barcelona: Masson; 2005.
18. Mosby. Diccionario Mosby. Medicina, enfermería y ciencias de la salud.
5ª ed. Madrid: Harcourt; 2003.
19. Tresguerres; Villanua y López-Calderón. Anatomía y fisiología del cuerpo
humano. Madrid: McGraw Hill; 2009.
20. Moyers, R. Ortodontia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1987.
21. Steiner, A. e Middleton, S. Fisiología Humana. Santiago de Chile: Univer-
sitaria; 1991.
22. Zemlin, WR. Princípios de anatomia e fisiologia em fonoaudiologia. 4ª ed.
Porto Alegre: Artmed; 2000.
23. Bustamante, J. Neuroanatomía funcional. Santafé de Bogotá: Celsus;
1996.
24. Rains. Principios de neuropsicología humana. México: McGraw-Hill;
2004.
25. Okenson. Tratamiento de Oclusión y afecciones temporomandibu-lares.
5ª ed. España: Elsevier; 2004.
26. Love, R. y Webb, W. Neurología para los especialistas del habla y del len-
guaje. 3ª ed. Madrid: Médica Panamericana; 1998.
27. Haines, D Principios de Neurociencia. 2ª ed. España: Elsevier; 2003.
28. Gil, R. Neuropsicología. 4ª ed. España: Elsevier; 2007.
29. Barreto, JF. Sistema estomatognático y esquema corporal. Colombia. Mé-
dica; 1999.
30. Felten, Jozefowicz e Ralph. Atlas de Neurociencia Humana de Netter.
Bronchura: Artmed; 2008.
83
31. Netto, C. Paladar. Sao Paulo: FUNDEC-Editora; 2007.
Capítulo 4

32. Rouviére, H. y Delmas, A. Anatomía humana: descriptiva, topográfica y


funcional. 11ª ed. Barcelona: Masson; 2005.
33. Norton, N. Anatomía de cabeza y cuello para odontólogos. Barcelona:
Masson; 2007.
34. Kandel, ER, Schwartz, JH, Jessell TM. Principios de neurociencia. 4ª ed.
España: McGraw-Hill; 2001.
35. Wilson-Pauwels L, Akesson EJ, Stewart PA e Spacey AD. Nervios Cra-
neales: en la salud y la enfermedad. Buenos Aires: Panamericana; 2006.
36. Palmer, J. Anatomía para a fonoaudiología. 4ª ed. Rio de Janeiro: Guana-
bara Koogan; 2003.
37. Mosby. Diccionario de Odontología. 2ª ed. Madrid: Harcourt; 2009.
38. Dorland. Diccionario médico de bolsillo. 26ª España: McGRAW-HILL;
2003.
39. Mota HB. Terapia fonológica para os desvios fonológicos. Rio de Janeiro:
Revinter; 2001.
40. Pereira LD. Sistema auditivo e desenvolvimento das habilidades auditi-
vas. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. Tratado de Fonoaudiolo-
gia. São Paulo: Roca; 2004. p.547-552.
41. Mysak, ED. Patologias dos sistemas da fala. São Paulo: Atheneu; 2002.
42. Ortiz, KZ. Distúrbios neurológicos adquiridos: Fala e Deglutição. 2ª ed.
São Paulo: Brasil; 2010.
43. Melle, N. Guía de Intervención Logopédica en la Disartria. Síntesis: Es-
paña; 2007.
44. Murdoch, B. Disartria: uma abordagem fisiológica para avaliação e trata-
mento. São Paulo: Lovise; 2005.
45. Puyuelo, M. Problemas del lenguaje en la parálisis cerebral: Diagnóstico y
tratamiento. In. Puyuelo, M.; Póo, P.; Basil, C.; Le Métayer, M. Logopedia
en la parálisis cerebral: diagnóstico y tratamiento. Masson, S.A. Barce-
lona; 1996.
46. Castillo Morales. Terapia de Regulação Orofacial: Conceito RCM. Brasil:
Ediciones cientificas MEMNON; 1999.
47. Adler, S.; Beckers, D. y Buck, M. La facilitación neuromuscular propiocep-
tivo en la práctica: guía ilustrada. 2ª ed. Madrid: Médica Panamericana;
2002.
48. Furkim AM, Mattana A. Fisiologia da deglutição orofaríngea. In: Ferreira
LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo:
Roca; 2004. p.212-229.
49. Furkim AM, Mattana A. Fisiologia da deglutição orofaríngea. In: Ferreira
LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo:
Roca; 2004. p.212-229.
84
50. Lianza S, Nogueira MA. Tratamento médico da paralisia facial periférica

Aspectos Fisiológicos dos Receptores Estomatognáticos e sua Importância na Terapia de Motricidade Orofacial – Franklin Susanibar & Cynthia Dacillo
na visão do fisiatra. In: Lazarini PR, Fouquet ML. Paralisia facial: avaliação,
tratamento, reabilitação. São Paulo: Lovise; 2006. p. 131-138.
51. Fouquet ML, Serrano DM, Abbud IE. Reabilitação fonoaudiológica na par-
alisia facial periférica: fases flácida e de recuperação do movimento. In:
Lazarini PR, Fouquet ML. Paralisia facial: avaliação, tratamento, reabili-
tação. São Paulo: Lovise; 2006. p. 131-138.
52. Goffi-Gomes MV. Reabilitação fonoaudiológica na paralisia facial perifé-
rica após reinervação: fase de sequelas. In: Lazarini PR, Fouquet ML. Par-
alisia facial: avaliação, tratamento, reabilitação. São Paulo: Lovise; 2006.
p. 131-138.
53. Cury RW, Fouquet ML, Lazarini PR. Reabilitação da paralisia facial perifé-
rica por biofeedback eletromiográfico. In: Lazarini PR, Fouquet ML. Par-
alisia facial: avaliação, tratamento, reabilitação. São Paulo: Lovise; 2006.
p. 131-138
54. Goffi-Gomez MV, Vasconcelos LG, Bernades DF. Intervencao fonoaudi-
ológica na paralisia facial. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO.
Tratado de Fonoaudiología. São Paulo: Roca; 2004. p.513-526.
55. Le Métayer, M. Reeducación de la Motricidad Bucofacial: tratamiento de
la alimentación. In Puyuelo, M.; Póo, P.; Basil, C.; Le Métayer, M. Logope-
dia en la parálisis cerebral: diagnóstico y tratamiento. Barcelona: Masson
S.A.; 1996. p.17-91.
56. Sociedade Brasileira de Anatomía. Terminología Anatômica. São Paulo:
Ed. Manole Ltda.; 2001.
57. Marchesan IQ, Furkim AM. Manobras utilizadas na reabilitação da de-
glutição. In: Costa MM. Tópicos em deglutição e disfagia. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan; 2003. p. 375-384.
58. Furkim AM, Mattana AV. Disfagias neurogênicas: Terapia. In: Ortiz, KZ.
Distúrbios neurológicos adquiridos: Fala e Deglutição. São Paulo: Manole;
2010. p. 302-319.
59. Angelis EC, Fúria CL. Tratamento fonoaudiológico em hospital oncológi-
co: Disfagias em câncer de cabeça e pescoço. In: Hernandez AM, Marche-
san IQ. Atuacao fonoaudiológica no ambiente hospitalar. Rio de Janeiro:
Revinter; 2001. p. 81-108.
60. Resende; Ramos; Santos; Rodrigues. Crioterapia como recurso para di-
minuir a sialorréia em criança com disfunção neuromotora: Relato de
caso. Rev CEFAC, São Paulo, v.7, n.3, 300-6, jul-set; 2005.
61. Crickmay MC. Logopedia y el enfoque Bobath em paralisis cerebral. Bue-
nos Aires: Panamericana; 1977.
62. Bustos CM. Reeducación del habla y del lenguaje en el paralitico cerebral.
España: Gréficas Torroba; 1993.
85
Capítulo 4

86
Terapia Fonoaudiológica em Respiração Oral (como eu trato) – Daniele Andrade da Cunha & Hilton Justino da Silva
Capítulo 5
Terapia Fonoaudiológica em Respiração Oral
(como eu trato)

Daniele Andrade da Cunha


Hilton Justino da Silva

Introdução

A respiração nasal, uma função vital, é considerada a matriz fun-


cional do crescimento craniofacial e do desenvolvimento orofacial principal-
mente do terço médio e inferior da face1.
A Respiração Oral (RO) ocorre quando a respiração nasal é substitu-
ída por padrão de suplência oral. Pode estar relacionada a fatores genéticos,
hábitos orais inadequados e obstrução nasal de gravidade e duração variá-
veis. A criança que respira cronicamente pela boca pode desenvolver distúr-
bios da fala, deformidades da face, mau posicionamento dos dentes, postura
corporal inadequada e alterações no sistema respiratório2,3.
As causas da RO são diversas, mas, de modo geral, pode apresentar
etiologia obstrutiva, como a hiperplasia das adenóides e amígdalas, desvios ou
deformidades do septo nasal4, quando há impedimento mecânico à passagem
do ar nas vias aéreas. E, viciosa ou não-obstrutiva, quando ocorre devido a
hábitos orais prolongados, alterações musculares, edema transitório da mu-
cosa nasal, obstrução reparada nas vias aéreas5. O padrão oral da respiração,
além da alteração da aeração nasal, poderá ocasionar alterações craniofaciais
e dentárias, dos órgãos fonoarticulatórios, das funções orais, das alterações
corporais, e do sistema respiratório com déficit nas forças dos músculos6,7,8.
87
O objetivo deste capítulo é apresentar os aspectos da contribuição
Capítulo 5

da fonoterapia nos casos de Respiração Oral.

Fonoterapia na Respiração Oral


Embora uma das características principais do indivíduo que respira
pela boca seja a boca aberta, ainda há um equívoco comum entre alguns
profissionais sobre a ideia de que é preciso fechar a boca para o indivíduo
respirar pelo nariz. Assim, algumas práticas fonoaudiológicas têm a preocu-
pação e foco no fechamento da boca utilizando utensílios que podem gerar
compensações musculares (Figura 1).

Figura 1. Abordagem inadequada para fechamento da boca promovendo


compensação e tensão musculares.

Também observamos, na prática clínica, que ainda há certo des-


conhecimento de técnicas que atuem diretamente no modo respiratório e
muitas vezes as práticas relatadas por alunos e profissionais são direcionadas
apenas para a adequação do tipo respiratório (Figura 2).

88
Terapia Fonoaudiológica em Respiração Oral (como eu trato) – Daniele Andrade da Cunha & Hilton Justino da Silva
Figura 2. O trabalho com o tipo respiratório muitas vezes torna-se mais im-
portante que a adequação do modo respiratório em algumas abordagens fo-
noaudiólogicas.

Acreditamos que o indivíduo deve adequar o modo respiratório para


que possa fechar a cavidade oral. Nosso trabalho tem como base os estudos de
Marchesan9 e Krakauer10 que são pioneiras na elaboração de uma sistemática
para fonoterapia na respiração oral. Nosso grupo de pesquisa tem também
proposto recursos para reabilitação do olfato e do paladar que somados às
recomendações das autoras, tornam o trabalho fonoaudiológico mais efetivo.
Assim, o objetivo geral da fonoterapia proposto pelas autoras, nes-
tes casos, deve ser direcionado para reabilitação do modo respiratório nasal.
Para alcançar este objetivo deve-se iniciar o trabalho com orientação inicial
direcionada à queixa. Um aspecto que merece destaque durante a fonote-
rapia é o registro da aeração nasal para melhor acompanhamento do caso.
A técnica de limpeza da região nasal deve ser constante durante
todo processo terapêutico, acompanhada sempre na melhora da percepção
do uso do nariz.
89
A busca do equilíbrio da musculatura orofacial deve ser aliada ao
Capítulo 5

trabalho com adequação do modo respiratório.


A verificação das possibilidades de vedamento labial e da posição
habitual da língua dependerá das possibilidades individuais de cada cliente.
Investimos na adequação da força mastigatória por acreditar que
esta fortalecerá a musculatura elevadora da mandíbula e favorecerá a postu-
ra adequada dessa estrutura.
Nossas pesquisas têm mostrado a importância da avaliação e tra-
tamento do olfato e do paladar em respiradores orais o que tem merecido
atenção em fonoterapia.

Orientação inicial direcionada à queixa
Tanto para o adulto como para criança a conscientização deve ser a
base da terapia na Respiração Oral. Sem conscientização e propriocepção a
terapia fonoaudiológica está fadada ao fracasso. Mostrar como o nariz fun-
ciona através de recursos visuais, modelos anatômicos (Figura 3), material da
web ou mesmo com exames do próprio cliente são alternativas para este fim.
Mesmo com crianças muito pequenas o trabalho de conscientização deve ser
feito junto aos pais e familiares e maior contato com os menores.
Neste processo de orientação é importante demonstrar a anatomia
do nariz, as funções de umidificação, proteção e filtragem do ar pelo nariz.
Esses passos são essenciais para que o trabalho fonoaudiológico seja com-
preendido e assim os resultados sejam mais facilmente atingidos. A relação
do olfato e paladar em respiradores orais, deve ser discutida e, em especial,
a tentativa de explicar quais as repercussões na alimentação provocadas pelo
modo inadequado de respiração. Ao identificar estas associações, os familia-
res e profissionais precisam ser alertados para que se compreendam os efei-
tos na nutrição do cliente e sejam feitos os possíveis encaminhamentos.

Figura 3. Conscientização e a propriocepção do problema deve ser a base da


fonoterapia em respiração oral.
90
Importância do registro da aeração nasal

Terapia Fonoaudiológica em Respiração Oral (como eu trato) – Daniele Andrade da Cunha & Hilton Justino da Silva
Antes da aplicação de qualquer técnica utilizada em fonoterapia
temos sugerido o exame para avaliação do grau de aeração nasal. Para este
procedimento é utilizado o Espelho milimetrado de Altmann (Figura 4) de
acordo com as instruções de uso do produto.
Este espelho consta em uma placa metálica, com um lado liso e
outro com marcação milimetrada.

Figura 4. Espelho milimetrado de Altmann. Utilizado para avaliação da aeração nasal.

O espelho é colocado logo abaixo do nariz do cliente que se encon-


trará sentado e com a cabeça reta durante a avaliação (Figura 5). Após duas
expirações é mensurado o escape de ar nasal, marcando com hidrocor azul a
área embaçada, ao passo que, é utilizada para anotação uma folha especial,
milimetrada como o espelho (Figura 6). A análise da aeração nasal objetiva
a verificação da saída uni ou bilateral do ar e a relação de simetria entre a
narina direita e a esquerda.

Figura 5. Registro da aeração nasal. Marcação do embaçamento do espelho


durante a expiração.
91
Capítulo 5

Figura 6. Folha milimetrada para anotação. Utilizada como protocolo dos re-
gistros de aeração.

Após a coleta as imagens podem ser importadas para o computador


através de scanner. A análise pode ser realizada no software Scion Image for
Windows (Alpha 4.0.3.2). Neste programa é utilizada a mensuração da área
de acordo com a transformação da escala de 76 pixels por 1cm² (Figura 7).

Figura 7. Ilustração do software Scion Image. Esboço da aeração nasal onde o


traçado contínuo representa a aferição da aeração nasal do paciente e o traçado
pontilhado representa a mensuração pelo software para determinação da área.
92
Técnica de limpeza nasal

Terapia Fonoaudiológica em Respiração Oral (como eu trato) – Daniele Andrade da Cunha & Hilton Justino da Silva
Como foi dito anteriormente, o restabelecimento do modo respira-
tório deve ser a principal preocupação do fonoaudiólogo no atendimento a
indivíduos respiradores orais.
A técnica de limpeza e massagem da região nasal traz benefícios
imediatos ao cliente promovendo maior liberdade respiratória nasal e relatos
de melhora de qualidade de sono e vida devido a essa liberdade.
A aplicação do soro fisiológico auxilia a limpeza nasal. Utilizamos
flaconetes de soro fisiológico de 10 ml (5ml em cada narina) ou seringas.

Figura 8. Flaconetes de soro.

Posteriormente, são realizadas massagens circulares para cima com


o dedo indicador na região nasal lateral, duas vezes de cada lado (Figura 9).
Em seguida, solicita-se ao cliente assoar uma narina por vez, retirando toda
a secreção9, 10.
Mesmo com indivíduos com obstrução nasal e com processos alér-
gicos este objetivo específico mostra trazer benefícios aos nossos clientes. É
possível observar um aumento significante na aeração nasal após as mano-
bras de massagem e limpeza nasal11.
93
Capítulo 5

Figura 9. Técnica de limpeza nasal com soro fisiológico, massagem nasal e


assoar o nariz.

Outra técnica que auxilia o restabelecimento da respiração nasal é


a inalação de vapor de água quente. Solicita-se que o cliente inale vapor de
água quente oriundo de um recipiente com água com alta temperatura que
proporcione a produção de vapor. A entrada do vapor no nariz desprende
melhor a secreção e facilita ensinar a assoar o nariz.

Melhora da propriocepção do uso do nariz


O objetivo específico de ensinar a usar o nariz possibilita além do
treino da respiração nasal a propriocepção tão importante para o processo
terapêutico. Uma das técnicas sugeridas é a alternância nasal solicita-se
a vedação de uma das narinas seguidas de inspiração profunda, logo após
94
é solicitado a vedação da narina que inspirou o ar e a expiração do ar pela

Terapia Fonoaudiológica em Respiração Oral (como eu trato) – Daniele Andrade da Cunha & Hilton Justino da Silva
narina oposta. Para favorecer a alternância a mesma narina que expirou o ar
é a que se efetuará a inspiração (Figura 10).

Figura 10. Técnica de alternância nasal.

O uso de utensílios como o scape scope, aeronaso, aspirador na-


sal infantil, garrafas para exercícios respiratórios (Pró-Fono® http://www.profono.com.br/),
bola de sopro ou língua de sogra podem ser utilizados com cuidado na região
nasal para atingir este objetivo específico.

Figura 11. Utensílios para exercícios nasais.


95
É necessário explicar aos clientes e familiares a possibilidade de
Capítulo 5

sensação de ardor, coceiras e pequenos sangramentos na região nasal duran-


te as primeiras manobras, visto que trata-se de uma região pouco explorada
pela entrada de ar e, como consequência, bastante sensível.

Busca do equilíbrio da musculatura orofacial


A flacidez da região orofacial muito comum na respiração oral leva
à recomendação da melhora do tônus como objetivo específico.
Para cada um dos terços da face são recomendado exercícios iso-
métricos.

Exemplos:

• A contração do terço superior (cara de assustado) e do terço médio


(cara de cheiro ruim) três repetições de 20 segundos ( Figura 12).

Figura 12. Exercícios isométricos para terço superior.

• Para o terço inferior, o bico sustentado e o sorriso aberto (Figura 13).


96
Terapia Fonoaudiológica em Respiração Oral (como eu trato) – Daniele Andrade da Cunha & Hilton Justino da Silva
Figura 13. Exercícios isométricos para terço inferior.
Salienta-se que embora o músculo orbicular dos lábios possa encon-
trar-se flácido, os seus antagonistas podem estar rígidos (músculos levantador
comum da asa do nariz e do lábio superior, levantador do lábio superior, zigo-
mático menor, zigomático maior, levantador do ângulo da boca, risório, depres-
sor do ângulo da boca, depressor do lábio inferior e mentual). Em virtude disto,
recomenda-se a soltura dessa musculatura com manobras bi-digitais (Figura 14).
A musculatura do músculo depressor do septo nasal também preci-
sa ser liberada. Ao liberar esta musculatura contraída, haverá também libera-
ção do lábio superior, auxiliando assim o vedamento labial.

Figura 14. Manobras bi-digitais.


97
Para musculatura da língua, recomendamos exercícios de contra-
Capítulo 5

-resistência devido às características da musculatura da língua (embriológica,


inserções e fisiologia muscular) (Figura 15).
Exercícios para a musculatura posterior da cavidade oral são efi-
cientes para o equilíbrio da musculatura desta região que encontra-se flácida.

Figura 15. Exercícios para musculatura da língua.

O quadro 1 mostra as possibilidades de exercícios miofuncionais


orofaciais segundo o tempo e numero de execução.

98
Quadro 1 . Exercícios Miofuncionais Orofaciais segundo tipo, tempo e

Terapia Fonoaudiológica em Respiração Oral (como eu trato) – Daniele Andrade da Cunha & Hilton Justino da Silva
número de execuções.

Número de Tempo de Tipo de


Exercício
execução execução exercício

Franzir a testa sustentando 20 segun-


três vezes isométrico
“Cara de assustado” dos

Franzir o nariz sustentando 20 segun-


três vezes isométrico
“cara de cheiro ruim” dos

20 segun-
Bico fechado sustentado três vezes isométrico
dos

20 segun-
Sorriso aberto sustentado três vezes isométrico
dos

Lateralização de língua
20 segun- Contra-
afilada fora da boca com três vezes
dos resistência
resistência de espátula

Resistência de bochecha na 20 segun- Contra-


três vezes
espátula na região intra-oral dos resistência
Soltura da musculatura
antagonista do orbicular Contra-
três vezes -
dos lábios com manobras resistência
bi-digitais
Soltura do músculo depres-
Contra-
sor do septo nasal com três vezes -
resistência
manobra bi-digital

99
Verificação das possibilidades de vedamento labial e da
Capítulo 5

posição habitual da língua


A postura adequada dos lábios e da língua só será possibilitada pela
forma existente. Deve-se levar em consideração, nesse objetivo específico,
a tipologia facial e as condições da arcada dentária. Estudo das condições
cefalométricas podem auxiliar na adequação das possibilidades existentes.
A pressão exercida com a respiração nasal e vedamento labial cer-
tamente levarão a um equilíbrio intra-oral e possivelmente adequarão a pos-
tura habitual da língua o mais próximo da normalidade esperada (Figura 16).

Figura 16. Postura labial.

Adequação da força mastigatória


O trabalho com a força mastigatória é um dos objetivos que pode
favorecer o fortalecimento dos músculos elevadores da mandíbula que au-
xiliarão o equilíbrio da postura mandibular em repouso. O uso de alimentos
duros e que favoreçam pouca amplitude dos ciclos mastigatórios são os mais
adequados para o trabalho com força mastigatória. Sugere-se a utilização de
100
castanhas, uvas passas, damascos secos, amendoim e alimentos que exijam

Terapia Fonoaudiológica em Respiração Oral (como eu trato) – Daniele Andrade da Cunha & Hilton Justino da Silva
uma maior força mastigatória sem solicitação de um alongamento muscular
em ciclos mastigatórios com maior amplitude (Figura 17).

Figura 17. Força mastigatória.

Para observação dos ganhos terapêuticos do trabalho com força


mastigatória sugerimos o uso do protocolo para Registro Diário de Consis-
tência da Alimentação (Quadro 2). Este é um recurso para acompanhamento
das mudanças de consistências nos hábitos alimentares do cliente em todas
as refeições durante o dia.
101
Deve-se chamar a atenção do cliente para direcionar o registro para
Capítulo 5

consistências e quantidade dos alimentos com os objetivos de:


• identificar a forma como este alimento foi consumido (como comeu -
utensílio usado, alimentos cortados, amassados, triturados, etc.);
• identificar a presença de utilização de líquidos (como bebeu - antes,
durante ou depois do alimento, utensílio utilizado, etc).

Quadro 2. Registro diário de consistência da alimentação.

Protocolo elaborado pelos fonoaudiólogos Daniele Andrade da Cunha


e Hilton Justino da Silva

Nome: _________________________________________DATA:__________
Alimentos Líquidos

• Consistência • Quantidade
• Quantidade • Como bebeu (antes,
• Como comeu (utensí- durante ou depois do
lio cortou alimentos, alimento, utensílio)
amassou...)
Café da
manhã

Lanche da
manhã

Almoço

Lanche da
tarde

Jantar

Lanche da
noite

102
Caso haja necessidade o trabalho com a fala, mastigação e degluti-

Terapia Fonoaudiológica em Respiração Oral (como eu trato) – Daniele Andrade da Cunha & Hilton Justino da Silva
ção deve ser executado com técnicas específicas. Os capítulos direcionados
para estes aspectos neste livro são uma boa base para a fonoterapia dessas
funções que podem ser adequadas.

Tratamento do olfato e do paladar


Para estimular a discriminação da função olfatória utilizamoos o
teste de identificação de 12 cheiros – The Modified Brief Smell Identification
Test (MBSIT)TM desenvolvido pela Sensonics, Inc.TM, semelhante Brief Smell
Identification (B-SIT)TM, contendo odores mais fortes e familiares, adequa-
dos para diversas culturas 9,10. O MBSIT consiste na apresentação de 12 odo-
res, contidos em microcápsulas de polímeros de ureia-formaldeído com 10 a
50 micrômetros, fixados em tiras localizadas no canto inferior de 12 páginas
de um livreto único (Figura 18).

Figura 18. Utilização do Brief Smell Identification Test (B-SIT) teste padronizado,
comercialmente aceito para avaliar a função olfativa.

103
Para reabilitação do paladar utilizamos “tiras gustativas”, baseado
Capítulo 5

no teste validado por Muller et al13. As tiras são de papel de filtro de 8 cm


e 0,2 cm2 impregnadas com diferentes concentrações dos sabores: salgado,
doce, amargo e azedo; contendo ainda duas tiras com água destilada (sem
sabor) para validar o estudo, totalizando-se 18 tiras. São utilizadas as seguin-
tes concentrações: azedo – 0,3 g/ml, 0,165 g/ml, 0,09 g/ml e 0,05 g/ml de
ácido cítrico; amargo – 0,006 g/ml, 0,0024 g/ml, 0,0009 g/ml e 0,0004 g/
ml de cloridrato de quinino; doce – 0,4 g/ml, 0,2 g/ml, 0,1 g/ml e 0,05 g/
ml sacarose; sal – 0,25 g/ml, 0,1 g/ml, 0,04 g/ml e 0,016 g/ml de cloreto de
sódio (Figura 19). As tiras são posicionadas na metade da língua do voluntá-
rio, numa distância aproximada de 1,5 cm da ponta da língua, sendo o teste
iniciado com a concentração mais baixa (Figura 20). Após a administração
de cada tira, o cliente fecha a boca e escolhe entre cinco possíveis respostas
(salgado, doce, amargo, azedo e sem sabor).

Figura 19. Foto ilustrativa da apresentação das concentrações dos sabores e


das tiras de papel de filtro.

104
Terapia Fonoaudiológica em Respiração Oral (como eu trato) – Daniele Andrade da Cunha & Hilton Justino da Silva
Figura 20. Utilização do teste para avaliação do paladar desenvolvido na pós-
-graduação em Patologia e curso de Farmácia da Universidade Federal de
Pernambuco.

Uso de eletroestimulação na fonoterapia em respiração oral


Nos respiradores orais, a flacidez dos músculos elevadores da man-
díbula, alteram todo o movimento mastigatório e a elevação da mandíbula14.
A eletroestimulação apresenta-se como mais uma possibilidade de reabilita-
ção da musculatura do sistema estomatognático.
A eletroestimulação apresenta entre outros efeitos terapêuticos a
facilitação da reeducação e o fortalecimento muscular, no entanto pouco se
fala do seu efeito sob a musculatura mastigatória.
Nosso grupo de pesquisa tem investigado e sugerido protocolos
para o uso da eletroestimulação na musculatura nos casos de Respiração
Oral. Utilizamos a corrente do Estimulação Elétrica Funcional (FES) para
reeducação funcional e fortalecimento muscular. O programa de eletroes-
timulação tem duração de 20 minutos sendo constituído de quatro fases:
aquecimento muscular, atrofia muscular, potencialização de fibras rápidas,

105
tonificação e relaxamento das fibras musculares, realizado duas vezes por
Capítulo 5

semana, durante três meses (Figura 21).

Figura 21. Estimulação elétrica nos músculos masseter para promoção do


fortalecimento e reeducação muscular (FES – Estimulação Elétrica Funcional).

Biofedeback na fonoterapia em respiração oral


Nas alterações musculares associadas à respiração predominante-
mente oral o biofeedback eletromiográfico tem sido uma ferramenta com-
plementar e eficaz para se alcançar os objetivos propostos no atendimento
em Motricidade Orofacial. Para acompanhar o desempenho da mobilidade
das estruturas e funções durante a fonoterapia podem ser utilizados apoios
visuais e auditivos15,16,17 (Figura 22) .

106
Terapia Fonoaudiológica em Respiração Oral (como eu trato) – Daniele Andrade da Cunha & Hilton Justino da Silva
Figura 22. Exemplo de biofeedback eletromiográfico para o músculo mas-
seter. O cliente pode ser estimulado a superar etapas durante a contração
muscular e o equipamento oferecer o apoio visual da atividade elétrica dos
músculos.

Considerações finais
O nosso trabalho com a reabilitação em Respiração Oral tem de-
monstrado a eficiência da fonoterapia nessa função. Mesmo quando existe a
limitação de obstrução mecânica ou processos alérgicos, observamos evolu-
ção positiva nos quadros tratados.
Os depoimentos dos pais e familiares na melhoria da qualidade de
vida dessa população são os maiores indicadores que elevam nossa atuação
na área de Motricidade Orofacial.

107
Referências bibliográficas
Capítulo 5

1. Tessitore A, Cattoni DM. Diagnóstico das alterações de respiração, masti-


gação e deglutição. In: Fernandes FDM, Mendes BCA, Navas ALPGP (org.)
Tratado de Fonoaudiologia, segunda edição. São Paulo, ROCA, 2010.
2. Díaz MJE, Fariñas CMM, Pellitero RBL, Álvarez IE. La respiración bucal y su
efec to sobre la morfología dentomaxilofacial. Correo Científico Médico
de Holguín 2005;9(1)
3. Abreu RR, Rocha RL, Lamounier JA, Guerra AFM. Prevalence of mouth
breathing among children. J Pediatr. 2008; 84(5):467-70
4. Abreu RR, Rocha RL, Lamounier JA, Guerra AF. Etiology, clinical manifesta-
tions and concurrent findings in mouth-breathing children. J Pediatr (Rio
J). 2008;84(6):529-535.
5. Arévalo RT, Weckx LLM. Characterization of the voice of children with
mouth breathing caused by four different etiologies using perceptual and
acoustic analyses. Einstein (São Paulo). 2005;3(3):169-73
6. Pires MG, Francesco RCD, Grumach AS, Mello Jr. JF. Avaliação da pressão
inspiratória em crianças com aumento do volume de tonsilas. Revista
Brasileira de. Otorrinolaringologia, 2005; 71(5): 598-602.
7. Branco A, Ferrari GF, Weber SAT. Orofacial alterations in allergic diseases of
the airways. Rev Paul Pediatr 2007;25(3):266-70.
8. Lemos, CM; Mello Júnior, JF; Mion, OG; Wilhelmsen, NSW. Alterações fun-
cionais do sistema estomatognático em pacientes com rinite alérgica:
estudo caso-controle. Anais do 6º Congresso da Fundação Otorrinolarin-
gologia, Rio de Janeiro, Prov. 53, 2007
9. Marchesan IQ. Avaliação e terapia dos problemas da respiração. In: Mar-
chesan IQ. Fundamentos em fonoaudiologia: aspectos clínicos da motri-
cidade oral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998. p. 23-36.
10. Krakauer LH. Terapia do respirador oral. In: Krakauer LH, Di Francesco RC,
Marchesan IQ, organizadores. Respiração oral. São José dos Campos:
Pulso; 2003. p. 119-25.
11. Melo FMG, Cunha DA, Silva HJ. Avaliação da aeração nasal pré e pós a
realização de manobras de massagem e limpeza nasal. Rev CEFAC.
2007;9(3):375-82.
12. Cunha DA, Silva HJ, Fontes ML, Paixão C, Maciel A. Reeducação postural
global (RPG): contribuições ao paciente respirador oral em fonoterapia.
Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2002; 7 (2): 53-9.
13. Mueller C, Kallert S, Renner B, Stiassny K, Temmel AF, Hummel T, Kobal G.
Quantitative assessment of gustatory function in a clinical context using
impregnated “taste strips”. Rhinology. 2003; 41(1): 2-6.

108
14. Cattoni DM, Fernandes FD, Di Francesco RC, Latorre MRDO. Characteris-

Terapia Fonoaudiológica em Respiração Oral (como eu trato) – Daniele Andrade da Cunha & Hilton Justino da Silva
tics of the stomatognathic system of mouth breathing children: anthro-
poscopic approach. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2007
19(4):347-51.
15. Silva HJ. Inovações tecnológicas no atendimento em motricidade orofa-
cial. Anais do 16º Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia; 2008; Cam-
pos do Jordão, São Paulo, Brasil.
16. Silva HJ. The use of biofeedback in orofacial myology treatment. 39th An-
nual Convention International Association of Orofa cial Myology – IAOM;
2010; São Paulo: Rev CEFAC [Suppl] 2010.
17. Silva HJ, Cunha DA, Pernambuco LA. Contribuições das tecnologias de
saúde para a motricidade orofacial. In: Pernambuco LA, Silva HJ, Souza
LBR, Magalhães Jr HV, Cavalcanti RVA. Atualidades em motricidade oro-
facial. 1aed. Rio de Janeiro: Revinter 2012: 40-52.

109
Terapia Fonoaudiológica em Ronco (como eu trato) – Adriana Tessitore
Capítulo 6
Terapia Fonoaudiológica em Ronco
(como eu trato)

Adriana Tessitore

A área de motricidade orofacial é ampla e vem conquistando, cada


vez mais, aspectos da reabilitação das funções orofaciais, como a sucção, a
deglutição, a fala e a respiração.
Nosso tema aqui é o ronco, que faz parte de aspectos da respira-
ção, portanto vamos raciocinar em relação à reabilitação. Em primeiro lugar,
devemos verificar, junto ao médico otorrinolaringologista, a ocorrência de
fatores predisponentes e/ou agravantes de obstruções das vias aéreas supe-
riores, como a presença de hipertrofia da adenoide, desvio de septo, cistos,
hipertrofia dos cornetos, dentre outros. A liberação da coluna aérea superior
é fundamental para o tratamento do ronco.
Alterações como anomalias craniofaciais e esqueléticas, microgna-
tia/retrognatia, Síndrome Pierre Robin, miastenia grave, distrofia muscular,
miopatias, alterações metabólicas, hipotireoidismo e obesidade, também
apresentam grandes possibilidades de obstrução das vias aéreas superiores.
Geralmente, a presença de ronco é um fator que corrobora para
a ocorrência de apneias. A presença do ronco, seja primário ou secundário,
gera flacidez da musculatura do palato e da orofaringe (Figura 1).

Figura 1. Esquema ilustrativo do ronco (http://www.roncoesono.com.br/


site/wp-content/uploads/2010/11/RONCO-300x243.jpg).
111
A orofaringe faz parte da faringe e essa se divide em rinofaringe,
Capítulo 6

orofaringe e laringofaringe. Veja na Figura 2 a divisão da faringe.

Rinofaringe

Orofaringe

Laringofaringe
ou
Hipofaringe

Figura 2. Esquema didático da divisão da faringe entre as faixas horizontais. A


linha escura na cavidade nasal ilustra a passagem de ar pelo nariz. A passagem
de ar pela boca esta ilustrada na linha mais clara (CD room - Frank Netter).

A faringe forma o cruzamento entre o sistema respiratório e o siste-


ma fonatório e deglutitório. Realiza distintas funções, participando da deglu-
tição, respiração, fala e na defesa da via aérea inferior.
A região da orofaringe pode apresentar alterações que comprome-
tem a passagem do ar como úvula larga e pendular, hipertrofia das amígdalas
ou tonsilas palatinas, hipertrofia do véu palatino, macroglossia, tumores ou
cistos faríngeos.
O ronco é a tradução sonora da diminuição ou estreitamento da Via
Aérea (VA) durante a passagem de ar (Figura 1).
O ronco primário é um ruído inspiratório de igual amplitude para
cada ciclo (40-60 ciclos/s), suave e contínuo, e sem nenhum risco à saúde.
O ronco secundário é pesado e cíclico; chega a atingir 85dB (1000 a
3000 ciclos/s) e pode desencadear Hipopneia e Apneia do Sono (HAS), apre-
sentando predisposição à isquemia cardíaca e cerebral.
112
A vibração constante nos músculos da Vias Aéreas Superiores (VAS)

Terapia Fonoaudiológica em Ronco (como eu trato) – Adriana Tessitore


abaixa o tônus muscular, mudando o tamanho, a largura e a espessura.
O estreitamento total, ou o fechamento, gera o colapso da via aérea
– apneia (Figura 3).

Figura 3. Esquema ilustrativo da apneia (http://www.polisono.com.br/img/


apneia.png).

A avaliação dos espaços livres, ou não, da orofaringe são funda-


mentais para definição de conduta e prognóstico.
A classificação de Mallampati é outro marcador importante na ava-
liação da orofaringe. Quanto mais estruturas visíveis, melhor a condição mus-
cular e de espaço para a passagem de ar (Figura 4).

Classe I = visão total da parede posterior da


faringe, arcos das fauces e úvula.
Classe II = visão parcial da úvula (aproximada-
mente 50% do corpo) e parede posterior da
faringe.
Classe III = visão parcial do úvula, limitada por
sua inserção no palato mole, sem visão da pare-
de posterior da faringe e arcos das fauces.
Classe IV = visão completamente obstruída, so-
mente com pequenos pedaços visíveis de pala-
to mole.

Figura 4. Classificação de Mallampati (http://www.ronco.net.br/uploads/


imagens/classificacao-de-mallampati-modificada.jpg).

113
O exame considerado como “padrão ouro” para definição do diagnós-
Capítulo 6

tico médico é a polissonografia. É um método objetivo para a avaliação do sono


e de suas variáveis fisiológicas, possibilitando ser feita uma análise quantitativa e
qualitativa do sono. Esse exame avalia a atividade cerebral, movimento dos olhos
e da mandíbula, movimento das pernas, fluxo aéreo, esforço respiratório (tórax e
abdominal), eletrocardiograma (ECG) e a saturação de oxigênio.
As causas de obstrução da orofaringe mais encontradas são: exces-
so de tecido na parte posterior da garganta como amígdalas ou úvula; dimi-
nuição do tônus dos músculos que sustentam as vias aéreas abertas; dimi-
nuição do tônus dos músculos da língua; algumas características faciais dos
pacientes, como a retrusão mandibular; e obstrução nasal.
Vários marcadores podem ser utilizados como referência dos trata-
mentos como a classificação de Mallampati, a medida da circunferência cervi-
cal, a medida da circunferência abdominal, a escala de sonolência de Epworth,
o questionário de qualidade de vida/sono de Pitisburg, o questionário de Berlim
para o ronco e a aplicação do protocolo de avaliação fonoaudiológica para Sín-
drome da Apneia Obstrutiva do Sono desenvolvido por Guimarães, em 2009.
As alterações fonoaudiológicas mais encontradas nos pacientes
com ronco e apneia são: respiração mista (tipo e modo); secura na boca, diur-
na e noturna; sensação de obstrução nasal; sensação de “bolo” na garganta;
deglutição com dificuldade; padrão mastigatório rápido por esmagamento
lingual; aumento da altura dorso lingual; alongamento do palato mole; dor
na região da articulação temporomandibular (ATM); flacidez da parede late-
ral faríngea; flacidez do bucinador; pouca mobilidade nos órgãos fonoarticu-
latórios (OFAs); flacidez na musculatura supra-hioidea; diminuição do espaço
aéreo; úvula flácida e longa; e “rouquidão”.
O objetivo da fonoterapia tem como base fisiológica ampliar o diâ-
metro da coluna aérea da via aérea superior e diminuir a resistência do fluxo
de ar, por meio da organização da musculatura comprometida e da adequa-
ção das funções estomatognáticas.

Tratamento
Para tratarmos o ronco e a apneia, temos que raciocinar em relação
à cadeia muscular que envolve a respiração e o ronco.
A faringe, em especial a orofaringe, será nosso foco principal. As
Figuras 1 e 2 ilustram essa região.
114
A musculatura que divide a rinofaringe da orofaringe é a muscula-

Terapia Fonoaudiológica em Ronco (como eu trato) – Adriana Tessitore


tura do esfíncter velofaríngeo (Figuras 5 e 6).

1. M. tensor do
véu palatino
2. M. levantador
do véu palatino
3. M. constritor
da faringe
4. M. palato faríngeo
5. M. da úvula
(A) (B)

Figura 5 e 6. Esquema anatômico do esfíncter velofaríngeo (A) e da cavidade


nasal e orofaringolaríngea (B).

(Figuras adaptadas do Atlas de Anatomia Humana Frank Netter).

Continuando a análise anatômica da cavidade oral temos os mús-


culos da língua, que atuam em todas as funções orais, assim como no ronco.
A língua atua na sucção, na deglutição, na fala, na mastigação, late-
ralizando os alimentos e na tensão para a posição habitual da língua.
A língua se divide em dois grupos musculares, os extrínsecos e os in-
trínsecos. Os músculos extrínsecos da língua atuam nos grandes movimentos,
a saber: protrusão, retração ou retropulsão, lateralização e elevação.
Já os músculos intrínsecos, atuam com contrações constantes que
modificam a forma da língua como afilar/afinar, alargar, virar/torcer e canolar.
Formam a “glosso” propriamente dita, a língua que enxergamos na boca. Os
músculos que formam o corpo da língua são os músculos longitudinal supe-
rior e inferior, músculo transverso da língua e o músculo vertical ao lado do
septo lingual.
A musculatura da língua é fundamental no tratamento do ronco e
da apneia. Muitos exercícios que ampliam a orofaringe são realizados com
exercícios de movimentos da língua, que detalharemos na apresentação do
protocolo do tratamento.
115
Seguindo o raciocínio das cadeias musculares, a mandíbula se mo-
Capítulo 6

vimenta durante a mastigação e a fala. A musculatura mandibular é compos-


ta pelos músculos mastigatórios e pelos supra-hioideos (Figuras 7 e 8).

1. M. temporal 1. M. pterigoideo lateral


2. M. masseter 2. M. pterigoideo medial
Figuras 7 e 8. Músculos da mastigação.
(Figuras adaptadas do Atlas de Anatomia Humana Frank Netter).

Essa cadeia muscular vai se relacionar com a musculatura do pescoço


(Figura 9), que ilustra toda a relação dessa cadeia muscular com a orofaringe.

Cadeia muscular do
pescoço

Figura 9. Esquema ilustrativo da cadeia muscular da região do pescoço.

Nessa Figura 9, ilustramos toda a musculatura anterior, lateral e


posterior do pescoço. A musculatura anterior do pescoço é composta pe-
los músculos infra-hioideos (Figura 10); na lateral do pescoço encontramos
116
o músculo esternocleidomastoideo, músculos escalenos, superior/médio/

Terapia Fonoaudiológica em Ronco (como eu trato) – Adriana Tessitore


inferior e o músculo platisma. E como na musculatura posterior temos como
músculo principal do pescoço o músculo trapézio.
As figuras 10 e 11 demonstram claramente a relação do complexo
cervical com o corporal. Durante a respiração, temos a atuação da muscula-
tura torácica, assim como da abdominal, incidindo na musculatura do pesco-
ço, chegando à orofaringe.

Figuras 10 e 11. Esquema ilustrativo da musculatura supra e infra-hioidea e


da musculatura abdominal e torácica. Fonte: vídeo recortado de http://you-
tube/yo0rmxC-poc - Roger Fiametti et la respiration totale.

A musculatura do complexo cervical absorve e neutraliza as tensões


provenientes das partes superior e inferior do corpo.
Com esse raciocínio, vamos definindo a musculatura em que devere-
mos atuar.

Atuação fonoaudiológica propriamente dita


Após avaliar a necessidade específica de cada caso, definindo suas
capacidades e suas dificuldades, definiremos o planejamento terapêutico.
Segundo estudo desenvolvido por Guimarães (2009), a terapia
miofuncional deve:
• adequar a respiração nasal diafragmática
• mudar o padrão de mastigação e deglutição
• observar o afilamento lingual (altura / largura)
• observar a retropulsão lingual (região posterior)
• observar a elevação palato mole
117
• observar o palato mole: vibração, elevação e força;
Capítulo 6

• observar a face: funcionalidade muscular;


• adequar músculos laterais orofaríngeo;
• adequar musculatura supra-hioidea.

Geralmente atendemos em sessão de meia hora, uma vez por se-


mana. Avaliamos a necessidade de manter nessa sistemática a cada quatro
sessões. Assim que o paciente estiver dominando e evoluindo com as condu-
tas domiciliares, passamos o atendimento para quinzenal até a alta.
A terapia miofuncional é dividida em atuação clínica e atuação do-
miciliar. A atuação clínica consiste na terapia propriamente dita e a domiciliar
são os exercícios propostos para seu fortalecimento.
Primeiro devemos checar as condutas domiciliares, corrigi-las e, se
necessário, acrescentar ou retirar exercícios.
Na atuação clínica propriamente dita, iniciamos com a preparação
e o aquecimento muscular.
- Trabalho passivo: (o paciente está deitado em uma maca, com
cunha em triângulo para a cabeça (Figuras 12a, 12b, 12c) e quando necessário
usar cunha triangular grande junto com a pequena, para o melhor posiciona-
mento da cabeça e do pescoço). Sempre colocar o rolo abaixo do joelho para
melhor postura da coluna lombar e, consequentemente, da cervical.

a b c

Figura 12a. Posicionamento com uso de todos os apoios, duas cunhas cervicais e rolo.
12b. Uso da cunha pequena.
12c. Uso da cunha grande.

118
• Soltura da musculatura do pescoço;

Terapia Fonoaudiológica em Ronco (como eu trato) – Adriana Tessitore


• Atuação no Complexo Orofacial intra e extra-oral, com deslizamentos
e alongamentos das fibras musculares;
• Atuação na musculatura occiptofrontal, temporal e masseter;
• Atuação na região da cabeça e do pescoço, com manobras manuais.

Manobras orofaciais manuais com uso de deslizamentos, seguindo


o desenho da fibra muscular (Tessitore, 1995, 2009, 2010).
Solicitamos a realização de exercícios de língua, palato mole e mús-
culos supra-hioideos. Sugerimos trabalhar com execução de quatro exercí-
cios e ir trocando, conforme sua evolução.
Os exercícios devem ser realizados em no mínimo 30 segundos e no
máximo três minutos. Variar o tempo de acordo com a habilidade do paciente:
• Estalar a língua.
• Varredura no céu da boca, da frente para trás.
• Retropulsão da língua, empurrar a língua para trás sem elevar a ponta.
• Fazer /a/ intermitentemente e quando conseguir fazer o tempo má-
ximo, alternar com voz e sem voz, até a mobilidade do palato na
execução sem voz ficar igual ao com voz; daí passar a fazer somente
sem voz.
• Prender a língua no palato com uma sucção e abrir e fechar a boca
(fazer somente quando o estalo de língua estiver dominado).
• Fortalecer a musculatura labial, com contra-resistência do dedo in-
dicador na bochecha. O dedo alonga por dentro no vestíbulo e o
paciente faz força com a bochecha para fechar e o dedo resiste.
• Fazer uso do escudo de fortalecimento labial.
• Inspirar, inflar a bochecha, segurar por quatro segundos, soltar as bo-
chechas sem abrir os lábios e soltar o ar pelo nariz. Repetir 10 vezes.
• Soprar com força, nas garrafas. De 30 segundos até três minutos.

O exercício do sopro, feito com grande pressão intraoral, aumenta


a tensão muscular do músculo tensor do véu palatino, que enrijece o palato
mole. Proporciona elevação, encurta e alarga a faringe e a laringe. E atua
também no músculo palatoglosso, que eleva a língua e abaixa o palato iso-
lando a nasofaringe da orofaringe. Sugerimos o uso das garrafas para o sopro
(Figura 13).
119
Capítulo 6

Figura 13. Estojo de garrafas para exercícios respiratórios Pró-fono.

O paciente deve inspirar pelo nariz e assoprar com o canudo do


lado da garrafa que esta com a água; repetir até passar o conteúdo todo.
Trocar o canudo e repetir, uma vez com a bochecha bem inflada e depois
com a bochecha tensa. Sempre iniciar com 30 segundos e ir aumentando
gradativamente até completar três minutos de execução. Aumentar somente
se necessário.
O uso de ventosa na musculatura facial, também é um bom recurso
terapêutico para o fortalecimento da musculatura labial, dentre outras. A
ventosa deve ser usada com uma pequena pressão e soltar, com várias repe-
tições por um minuto (Figura 14).

Figura 14. Ilustração do uso da ventosa na face.

120
O uso de exercícios isocinéticos, onde colocamos uma força contra o

Terapia Fonoaudiológica em Ronco (como eu trato) – Adriana Tessitore


movimento solicitado, também pode ser de grande valia se houver necessida-
de de aumentar força nos músculos mandibulares de abertura e fechamento.

A) Projeção mandibular com controle e resistência da mão apoiada no queixo.


B) Abertura mandibular com resistência das mãos.

Comentários finais
O objetivo do trabalho fonoaudiológico no ronco e muitas vezes,
consequentemente, na apneia também, é proporcionar o aumento do diâ-
metro da Via Aérea Superior, através da terapia miofuncional focada na ade-
quação da musculatura da orofaringe e da hipofaringe ou da laringofaringe
e quanto aos aspectos anatomomorfológicos e anatomofuncionais. Adequa-
ção das funções orofaciais, gerando uma melhora do quadro diurno e notur-
no e, portanto, ajudando na melhora da qualidade de vida.
A seguir demonstramos dois casos clínicos que exemplificam os
nossos resultados na orofaringe.

Caso 1. Exemplo da eficácia terapêutica na musculatura da língua


em apenas 15 dias de tratamento. Não é a conclusão final do tratamento, mas
sim, o efeito dos exercícios miofuncionais, em 15 dias de tratamento. O que
serviu de grande motivação para a conclusão do caso.

F.M.C. – masculino – 35 anos.


Queixa: ronco, com intensidade alta, sem apneias.

pré-tratamento 15 dias depois

121
Caso 2
Capítulo 6

E.N.S. – masculino – 47 anos.


Queixa: dor para engolir e ronco.

pré-tratamento após quatro meses de terapia


agosto/2011 dezembro/2011

Este segundo paciente conseguiu esse resultado em quatro meses


de terapia miofuncional, apresentando uma melhora grande em sua queixa e
no ronco que apresentava.
Cabe ressaltar que a nossa experiência clínica tem sido com pacien-
tes sem tanto excesso de peso, ou seja, que não tem a obesidade compro-
metendo o quadro clínico, o que torna o prognóstico muito mais positivo,
principalmente no que tange ao ronco propriamente dito.

Referências bibliográficas

Guimaraes KC, Drager LF, Genta PR, Marcondes BF, Lorenzi-Filho G. Effects
of oropharyngeal exercises on patients with moderate obstructive sleep
apnea syndrome. Am J Respir Crit Care Med 2009;179:962–966.
Guimarães KC. Apnéia e Ronco – Tratamento Miofuncional Orofacial. São
José dos Campos: Pulso Editorial, 2009, p.96.
Tessitore, A. - Abordagem mioterápica com estimulação em pontos motores da
face. In: ­Tópicos em fonoaudiologia. 2(5): 75-82, Ed. Lovise, São Paulo,1995.
Tessitore, A.; Pfeilsticker, L. N.; Paschoal, J. R - Avaliação de um protocolo
da reabilitação orofacial na paralisia facial periférica. Revista CEFAC , São
Paulo, V.11, supl3:432-40, 2009.
Tessitore, A., Magna L.A., Paschoal J.R. Angular measurement for determin-
ing myscle tônus in facial paralysis. Pró-Fono Revista de Atualização
Científica. 2010 abr-jun:22(2):119-24.

122
Terapia Fonoaudiológica em Mastigação (como eu trato) – Luciana Vitaliano Voi Trawitzki, Tais Helena Grechi & Lúcia Dantas Giglio
Capítulo 7
Terapia Fonoaudiológica em Mastigação
(como eu trato)

Luciana Vitaliano Voi Trawitzki


Tais Helena Grechi
Lúcia Dantas Giglio

Introdução

A mastigação é uma atividade sensoriomotora que tem por objeti-


vo preparar o alimento para a deglutição (Van Der Bilt et al., 2006). É guiada
pelas informações sensoriais advindas do periodonto, da articulação tempo-
romandibular (ATM), da mucosa oral e dos músculos faciais, da língua e da
mandíbula (Douglas, 1998; Bianchini, 1998; Felício, 1999). Pode sofrer influ-
ências de diversos fatores, como qualquer alteração nos dentes, na oclusão
dentária, interferências oclusais (Santiago Júnior, 1994; Mandetta, 1994;
Bianchini, 1998; Douglas, 1998; Felício, 1999; Felício et al., 2007), disfun-
ções da ATM ou por problemas nos músculos da mastigação (Santiago Júnior,
1994; Bianchini, 1998; Felício, 1999; Bianchini, 2000; Felício, 2009; Felício et
al., 2007), entre outros.
A produção suficiente de saliva também é considerada indispensá-
vel para o adequado desempenho da mastigação (Van Der Bilt et al., 2006).
É conhecido, ainda, que o tipo de alimento ingerido pode interferir
nessa função, devido às suas características específicas (Proschel e Hofmann,
1988; Horio e Kawamura, 1989; Takada, Miyawaki e Tatsuta, 1994; Douglas,
1998; Felício, 1999).
123
A função mastigatória pode ser também influenciada pela maneira
Capítulo 7

como a sociedade se alimenta. Corruccini, Henderson e Kaul (1985) relata-


ram que a mastigação habitual de alimentos mais consistentes, em socieda-
des que vivem de forma mais primitiva, favorece o desenvolvimento oclusal,
o qual depende da demanda funcional da mastigação. Estudos experimen-
tais com ratos concluíram que a função mastigatória diminuída, influenciada
pelo consumo de uma dieta macia, pode levar ao crescimento inadequado
do côndilo mandibular e à mudanças na espessura de sua cartilagem, por
ausência de forças mastigatórias intensas (Kiliaridis et al., 1999).
A contração muscular facial parece ser essencial para o desenvolvi-
mento craniofacial normal, inclusive na vida intra-uterina. A função muscular
estimula o crescimento ósseo, da cartilagem e promove o aumento da massa
muscular (Hall, 2010).
A função mastigatória tem sido utilizada como um recurso terapêu-
tico fonoaudiológico, quando se quer trabalhar com os músculos envolvidos,
principalmente com os músculos elevadores da mandíbula, bucinadores, or-
biculares da boca e músculos da língua.
Compreender as variáveis que podem influenciar o padrão masti-
gatório, como exposto no início do capítulo, pelos vários estudos, nos funda-
menta enquanto terapeutas. Portanto, essas variáveis devem ser considera-
das em um planejamento terapêutico com essa função.
A sugestão dos alimentos nessas práticas fonoaudiológicas deve
estar vinculada ao meio social e cultural dos pacientes, sem caminhar numa
direção contrária, e sem ter o risco de não conseguir modificação alguma
(Marchesan, 1998). Ainda, as indicações da frequência, da carga e do modo
mastigatório devem ser consideradas particularmente.
Estudos mostram consequências funcionais após terapêuticas em-
pregadas e alguns deles serão apresentados a seguir.
O efeito do treino mastigatório foi avaliado em relação à força e
a resistência à fadiga dos músculos mastigatórios. Participaram do estudo
25 adultos saudáveis, os quais formaram o grupo experimental e um grupo
controle. O grupo experimental mastigou uma goma dura por uma hora di-
ária, durante 28 dias e houve um aumento significativo nas forças máximas
de mordida nesse grupo. Os autores concluíram que exercícios mastigatórios
sistemáticos produzem aumento significativo da força mastigatória, especial-
mente em músculos fracos (Kiliaridis et al., 1995).
124
Masumoto, Yamaguchi e Fujimoto (2009) investigaram o efeito do

Terapia Fonoaudiológica em Mastigação (como eu trato) – Luciana Vitaliano Voi Trawitzki, Tais Helena Grechi & Lúcia Dantas Giglio
treino mastigatório com goma de mascar, na área e na força de contato oclu-
sal, em indivíduos saudáveis, sem alterações oclusais e disfunção temporo-
mandibular. Os indivíduos mastigaram a goma por um período de 10 a 15 mi-
nutos antes ou após três refeições diárias. Os autores observaram que quatro
semanas após o treino, a área e a força de contato oclusal foram significativa-
mente maior do que na avaliação inicial. Porém, um mês após o término do
período de treino, esses valores apresentaram um decréscimo significativo.
Entretanto, a recomendação do treino mastigatório deve ser ex-
tremamente cuidadosa. Kalaykova, Lobbezoo e Naeije (2011) estudaram o
efeito do treino mastigatório com goma de mascar no momento de redução
do disco articular em pacientes adultos com deslocamento de disco anterior
com redução, divididos em dois grupos: com e sem história de travamento
mandibular. Os pacientes deveriam mastigar a goma por 60 minutos, alter-
nando os lados a cada cinco minutos. A abertura da boca foi avaliada antes e
depois do treino, pelo sistema optoeletrônico. Os indivíduos com história de
travamento mandibular apresentaram um atraso significativo no momen-
to de redução do disco após o treino e, ainda, não conseguiram completar
os 60 minutos de prova. Os autores discutem que esses dados podem de-
monstrar que o treino mastigatório e hábitos orais deletérios, como mascar
chicletes, podem influenciar a capacidade de redução do disco, facilitando o
travamento mandibular.
Em mulheres saudáveis, sem sinais e sintomas de disfunção tem-
poromandibular, o treino mastigatório, com goma de mascar macia e dura,
foi realizado por 40 minutos. As pacientes foram avaliadas antes e após o
treino, por meio de uma escala visual para investigar a percepção para dor e
fadiga e pela algometria, para avaliar o limiar de dor a pressão dos músculos
masseter e temporal. Os resultados mostraram que os escores de percepção
da dor aumentaram significativamente após o treino e regrediram 24 horas
após o descanso para a goma dura. Já na algometria, não houve diferença
antes e após o treino. Esses resultados indicam que os músculos mastigató-
rios se recuperam rapidamente das atividades mastigatórias em sujeitos sem
disfunção temporomandibular (Farella et al., 2001).
Em outro estudo com mulheres, porém com o diagnóstico de dor
miofascial, os mesmos parâmetros do estudo anterior foram avaliados. As mu-
lheres mastigaram durante nove minutos e descansaram o mesmo período. Os
125
autores observaram uma redução dos limiares de dor à pressão após o treino,
Capítulo 7

e uma recuperação não significativa após o descanso (Conti et al., 2011).


Já em um estudo semelhante conduzido com 14 homens saudáveis,
os voluntários deveriam mastigar uma goma de mascar dura durante cinco
minutos até completar 20 repetições. Os escores para percepção de dor e
fadiga aumentaram significativamente e os limiares de dor a pressão apre-
sentaram um decréscimo, mesmo após 24 horas de descanso. Os sujeitos
também foram classificados quanto aos critérios do Research Diagnostic Cri-
teria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD) e foi observado que após
20 minutos de treino, 12 sujeitos apresentavam sinais de dor miofascial ou
artralgia (Koutris et al., 2009).
Em crianças de 4 a 6 anos, sem alterações oclusais, o treino masti-
gatório com goma de mascar foi realizado. O grupo experimental mastigou
a goma duas vezes por dia, durante quatro semanas. Após este período, foi
observado um aumento significativo da força máxima de mordida e da efici-
ência mastigatória, comparativamente a um grupo controle. Os resultados
foram mantidos em um período de quatro semanas após o término do trei-
no. Os autores discutem que crianças podem ser mais responsivas e podem
manter melhor os ganhos ao aumento da força e da eficiência mastigatória,
comparadas aos adultos (Ohira et al., 2011).
Baseado nos estudos citados sabe-se que o treino mastigatório
pode melhorar a performance dos músculos da mastigação. Entretanto, é
importante ressaltar que tarefas de repetições prolongadas com habilidades
motoras, numa mesma sessão, por exemplo, podem não trazer benefício à
performance motora orofacial, resultando em dor ou fadiga muscular (Bou-
dreau, Farina e Falla, 2010).
A mastigação de goma de mascar ou de alimentos artificiais ocorre
de maneira unilateral, ou seja, não permite a distribuição de maneira unifor-
me nas arcadas dentárias, como ocorre com os alimentos naturais. Indivíduos
que apresentam preferência mastigatória unilateral ou mastigação unilateral
crônica podem ter prejuízos articulares e funcionais quando indicada a mas-
tigação “livre” desse tipo de material. Portanto, essa indicação em práticas
clínicas deve ser criteriosa e embasada em evidências.
Autores brasileiros reconhecem o padrão mastigatório bilateral al-
ternado como um padrão benéfico para o sistema estomatognático. Segun-
do Bianchini (1998) o padrão mastigatório bilateral alternado possibilita a
126
distribuição da força mastigatória, com períodos de trabalho e repouso mus-

Terapia Fonoaudiológica em Mastigação (como eu trato) – Luciana Vitaliano Voi Trawitzki, Tais Helena Grechi & Lúcia Dantas Giglio
culares e articulares, intercalados, o que favorece a sincronia e o equilíbrio
muscular e funcional. Felício (2009) atribui a mastigação bilateral alternada,
como o padrão ideal de mastigação e recomenda que caso esta não ocorra,
é preciso identificar a razão, para que se possam definir metas e condutas a
serem adotadas na terapia. A autora ressalta ainda que para a indicação da
mastigação bilateral alternada, deve-se levar em conta a presença de guias
de desoclusão para ambos os lados, a coordenação e o equilíbrio muscular
para triturar e transferir o alimento de lado, deve-se verificar a ausência de
interferências oclusais do lado de balanceio, de ruídos articulares durante a
mastigação e de dor durante ou após a mastigação.
Yamashita, Hatch e Rugh (1999) revisaram estudos sobre o padrão
de mascar que correspondessem ao melhor desempenho da mastigação. Os
autores ressaltam que o padrão mastigatório é influenciado por uma série de
fatores, o que dificulta a indicação de um padrão mastigatório ideal. No estu-
do de Gomes et al., (2010) os indivíduos com mastigação bilateral alternada
apresentaram uma melhor performance mastigatória do que indivíduos com
mastigação unilateral.
Portanto, a investigação precisa do sistema estomatognático, sua
morfologia, condições posturais, movimentos faciais e mandibulares, se faz
necessária para compreender o seu funcionamento e relacionar esses dados
ao comportamento das funções orofaciais, como a função mastigatória e, as-
sim, poder planejar com mais propriedade a terapia miofuncional orofacial.
Em cada caso avaliado é importante que o terapeuta reflita sobre as
causas evidentes e sobre os benefícios prováveis advindos de terapêuticas com
exercícios ou pela terapia funcional direta, como no caso com a mastigação.
Para uma investigação precisa, sugerem-se os protocolos de ava-
liação miofuncional orofacial com escores (AMIOFE e AMIOFE-ampliado),
validados em populações brasileiras (Felício e Ferreira, 2008; Felício et al.,
2010a). Esses são indicados pela sua reprodutibilidade e praticidade clínica.
Os escores atribuídos na avaliação podem ser comparados em outros mo-
mentos e servir de controle terapêutico.
Outros exames objetivos e complementares podem ser indicados,
para uma investigação mais detalhada, como a avaliação da atividade eletro-
miográfica de superfície dos músculos mastigatórios (Ciccone de Faria et al.,
2010; Felício et al., 2008; Felício et al., 2012; Trawitzki et al., 2006a), avaliação
127
da força de mordida (Trawitzki et al., 2011a) e avaliação da eficiência mastiga-
Capítulo 7

tória (Felício et al., 2008; Picinato-Pirola et al., 2012).


Dessa forma, o terapeuta terá condições de indicar o trabalho com
a função mastigatória a partir das reais necessidades do paciente, selecio-
nando o treino, o alimento e o padrão mastigatório ideal para cada condição
clínica. Nem sempre o padrão bilateral alternado será o selecionado, como
por exemplo, para usuários de prótese total superior e inferior, podendo-se
indicar o padrão bilateral simultâneo (Felício, 2009). Já em algumas condi-
ções clínicas, o trabalho muscular será necessário antes do trabalho com a
função mastigatória. A terapia miofuncional orofacial tem demonstrado efei-
tos positivos na redução dos sintomas e dos sinais clínicos de disfunção tem-
poromandibular, bem como melhora nas funções de deglutição e de masti-
gação (Felício et al., 2010b).
A seguir, alguns casos específicos serão abordados, de acordo com
a experiência das autoras.

Nos casos de deformidades dentofaciais


É comum que sujeitos com deformidades dentofaciais apresentem
dificuldades mastigatórias, principalmente em relação ao corte e à trituração
do alimento. Sabe-se que muitos desses sujeitos buscam o tratamento cirúr-
gico, justamente por essas dificuldades, além da procura pela melhora na
aparência estética, evidentemente.
Enquanto a deformidade dentofacial for a causa direta ou principal
de alterações mastigatórias, devemos saber que, nesse momento teremos li-
mitações. Questionar o paciente sobre os alimentos que são mais facilmente
ingeridos poderá ajudá-lo a diminuir a sobrecarga mastigatória nesse perío-
do. Orientá-lo a manter uma dieta menos consistente, caso ele não o faça,
poderá prevenir sinais e sintomas de disfunção temporomandibular, como
a presença de ruídos articulares, dores na musculatura elevadora de man-
díbula ou associada, dor articular, entre outros já bastante conhecidos na
literatura (Bianchini, 1998; Bianchini, 2000; Felício, 2009; Felício et al., 2009;
Ferreira, Silva e Felício, 2009).
Após a correção cirúrgica da deformidade, seja ela por uma despro-
porção maxilomandibular padrão II ou padrão III, ou por um desequilíbrio de
altura vertical de face, devemos seguir o protocolo do tratamento fonoaudio-
lógico, obedecendo as etapas pós-operatórias e as limitações de cada caso.
128
A sobrecarga na função de mastigação deve ser evitada por pelo menos 45

Terapia Fonoaudiológica em Mastigação (como eu trato) – Luciana Vitaliano Voi Trawitzki, Tais Helena Grechi & Lúcia Dantas Giglio
dias (período estimado de formação de um “calo ósseo” na região operada).
Com o objetivo associado na recuperação da amplitude dos movi-
mentos mandibulares, nesses pacientes, se as condições oclusais estiverem
favoráveis, pode ser recomendado o corte inicial de algum alimento macio
(maçã ou pêra sem casca cortada ao meio, por exemplo) estimulando a aber-
tura e a protrusão mandibular, desde que o paciente já esteja “liberado” para
a mastigação dessa consistência de alimento (Trawitzki, 2009a).
Em casos de uso da fixação maxilomandibular ou também chamada
de bloqueio intermaxilares, comum nos casos operados pela técnica cirúrgica
“osteotomia vertical do ramo mandibular”, o paciente deverá ser orientado a
manter uma dieta líquida, e líquida-pastosa por um período aproximado de
25 dias após a cirurgia. A introdução de alguns pedaços de grãos bem cozidos
pode ser recomendada após a retirada do bloqueio, para que se favoreça
a recuperação dos movimentos mandibulares. Entretanto cabe lembrar que
nesse período deve-se ter uma mastigação branda, sem qualquer esforço.
É importante destacar que, indivíduos com deformidades dentofa-
ciais, apresentam condições morfológicas e funcionais diferentes de indiví-
duos sem as deformidades, ou seja, apresentam poucos contatos oclusais
(Iwase et al., 1998), menores atividades eletromiográficas nos músculos da
mastigação (Trawitzki et al., 2006a), menor espessura no músculo masseter
(Trawitzki et al., 2006b), menores forças de mordida (Trawitzki et al., 2011a)
e menor eficiência mastigatória (Picinato-Pirola et al., 2012). Além dessas al-
terações relacionadas à deformidade, a cirurgia ortognática pode ainda pro-
vocar alterações funcionais como diminuição da massa muscular, fadiga nos
músculos da mastigação e diminuição na força de mordida e na eficiência
mastigatória (Storum e Bell, 1984; Storum e Bell, 1986).
Por isso, nesses pacientes, não é recomendado uma terapia mas-
tigatória com aparatos artificiais como garrote ou alimentos artificiais como
goma de mascar, optosil, optocal, entre outros descritos na literatura (Slag-
ter et al., 1992; Julien, 1996; Christensen e Radue, 1985; Christensen, Tran e
Mohamed, 1996; Trawitzki et al., 2009). Recomenda-se a recuperação fun-
cional e gradativa, em especial dos músculos da mastigação, de forma natu-
ral. O esforço muscular pela trituração do alimento natural será suficiente
para estimular essa musculatura desejada, de maneira crescente quanto à
consistência. Pode-se ter assim um aumento na força de mordida (Iwase et
129
al, 2006), acompanhado pela melhora na eficiência mastigatória (Iwase et
Capítulo 7

al, 2006; Van Den Braber et al., 2001) e um aumento na espessura dos mús-
culos da mastigação, ocorrido em até três anos após a cirurgia (Trawitzki et
al., 2011b).
Em média, 45 dias após a cirurgia, poderá ser indicada a ingestão
de uma dieta um pouco mais consistente que a anteriormente recomendada
(ainda macia), com alimentos variados, sem esforço demasiado. Deve-se ex-
plorar a mastigação bilateral simultânea (mais verticalizada) em casos de his-
tória anterior de dor ou de desconforto nas ATMs durante a mastigação. Na
terapia fonoaudiológica estimula-se o corte inicial do alimento com os dentes
anteriores (estimulando inclusive os movimentos protrusivos da mandíbula),
a presença do vedamento labial e o aumento do número de golpes mastiga-
tórios para favorecer cada vez mais a trituração do alimento.
É importante destacar que a situação oclusal é fundamental nesse
período do trabalho com a função de mastigação. Uma oclusão desfavorá-
vel, por exemplo, na presença de uma mordida cruzada ou de uma mordida
aberta anterior ou posterior, pode dificultar essa função, além de provo-
car dores musculares assim como nas ATMs. Por esse motivo, deve-se es-
tar sempre acompanhando as mudanças oclusais durante o tratamento or-
todôntico pós-operatório, e saber quando realmente introduzir uma dieta
mais consistente. A mastigação bilateral alternada será enfatizada quando
se observar condições favoráveis de movimentos de lateralidade no deslize
mandibular, com ausência de interferências oclusais e quando o paciente
negar qualquer desconforto durante a realização desse tipo de mastigação
(Trawitzki, 2009a).

Nos casos de traumas de face


Os acidentes de trânsito, as agressões físicas e as quedas são as
principais causas dos traumas faciais, ocorridos cotidianamente. A mandíbu-
la é um osso que frequentemente é acometido no trauma facial, devido a sua
topografia, anatomia e projeção no terço inferior da face, sendo a região do
côndilo uma das mais atingidas nesses casos.
Considerando que, em crianças, o côndilo é um importante centro
de crescimento, quando fraturado, pode deixar de fornecer estímulos (Bian-
chini, 2000; Manganello e Silva, 2002) e consequências poderão ocorrer no
terço inferior da face.
130
Em casos de fratura condiliana unilateral, Bianchini (2000) sugere a

Terapia Fonoaudiológica em Mastigação (como eu trato) – Luciana Vitaliano Voi Trawitzki, Tais Helena Grechi & Lúcia Dantas Giglio
reorganização funcional com treinos sistemáticos da mastigação contralate-
ral à fratura.
Em casos de limitações nos movimentos de lateralidade mandibu-
lar, comum nos casos de fratura de côndilo, a mastigação deve ser estimulada
com ênfase no corte do alimento, tanto nos dentes anteriores quanto poste-
riores, usando alimentos macios. Deve-se promover por meio da mastigação,
os movimentos de lateralidade. Em casos de crianças, orienta-se o padrão de
mastigação natural, mais confortável, associado ao padrão unilateral contra-
lateral a lesão (Trawitzki, 2009b).
Feng et al. (2009) apresentaram uma sequência de exercícios fun-
cionais a serem realizados após o tratamento cirúrgico de fraturas faciais.
Os autores destacaram que o treino contribui para a recuperação da função
mastigatória. Além disso, os autores recomendaram as consistências alimen-
tares que devem ser introduzidas a cada semana no período pós-operatório.
Na primeira semana, é indicada a dieta líquida durante a terapia com elás-
ticos para guiar a oclusão. Até a quarta semana, são orientados exercícios
ativos associados à dieta líquida e semi-líquida. Da quinta a oitava semana,
são indicados exercícios passivos com aparatos para recuperação da ampli-
tude de movimentos mandibulares associados à dieta macia. Entre a nona e
décima segunda semana, são indicados exercícios de manutenção associados
à dieta habitual.
Para o acompanhamento desses casos, o fonoaudiólogo deve dis-
cutir com a equipe, com o cirurgião bucomaxilofacial ou cirurgião de cabeça
e pescoço, o ortodontista, entre outros, quando for o caso e seguir uma pro-
posta uniforme e integrada entre os profissionais.

Nos casos de paralisia facial


Nunca ter apresentado queixa para mastigar e de repente esta se
torna evidente, associada ao desvio dos músculos da face. Esse é um proble-
ma comum que ocorre nos casos de paralisia facial periférica, onde o indiví-
duo apresenta uma falta de expressão facial, gerada por uma alteração no VII
par craniano.
Pacientes com paralisia facial periférica frequentemente relatam
escape de líquido e dificuldade para mastigar do lado afetado, devido ao
comprometimento da ação dos lábios e das bochechas (Maio e Bento, 2007;
131
Rahal e Goffi-Gomez, 2009). Esses indivíduos podem apresentar mastiga-
Capítulo 7

ção preferencial do lado sadio observada pela avaliação clínica. Porém,


em avaliações eletromiográficas realizadas em pacientes com paralisia fa-
cial periférica de longa duração, não foram observadas diferenças muscula-
res entre os lados sadio e afetado (Rahal e Goffi-Gomez, 2009).
Numa abordagem terapêutica miofuncional orofacial, a mastigação
nesses casos deve ser orientada. O paciente é incentivado a mastigar tam-
bém do lado afetado, como estímulo a ação dos músculos faciais daquele
lado comprometido. Como já foi abordado anteriormente, a avaliação mor-
fológica oral deve ser investigada e em cada caso deve ser planejada a possi-
bilidade da mastigação bilateral alternada ou até mesmo a simultânea.
A tentativa de lateralização do bolo pode ser reforçada pela ajuda
da língua ou com o auxílio da mão apoiada sobre a bochecha (Goffi-Gomez,
Vasconcelos e Bernardes, 2004), nos casos de maior dificuldade.

Nos casos de respiração oral


Obstruções de vias aéreas superiores podem afetar diretamente
a função mastigatória, podendo interferir em alguns casos, na ausência do
vedamento labial durante a mastigação e na ingestão de líquido associada
a esta função (Valera et al., 2003). Crianças com hipertrofia de tonsilas pa-
latinas e faríngea apresentam, em sua maioria, alterações na motricidade
orofacial antes da cirurgia, incluindo queixas e dificuldades na mastigação,
observadas por uma investigação clínica (Lundeborg et al., 2009; Valera et
al., 2006). Uma melhora clínica na condição miofuncional orofacial foi en-
contrada seis meses após a cirurgia para retirada de tonsilas palatinas e farín-
gea, entretanto essa melhora foi parcial e em muitas crianças não ocorreu a
recuperação espontânea dois anos após a cirurgia, sendo indicada a terapia
miofuncional orofacial (Valera et al., 2006).
Dificuldades na mastigação são frequentemente informadas por
pacientes e seus familiares. São comuns os relatos de crianças que apresen-
tam preferências por alimentos menos consistentes e ainda a ingestão de
líquido durante a mastigação. Nesses casos, também podem ser encontradas
alterações na oclusão dentária, como uma mordida cruzada ou uma relação
em “topo”, um excesso de crescimento vertical da face, associado ou não à
uma mordida aberta anterior, entre outras alterações.

132
No estudo de Andrade e Silva et al., (2007) com 46 crianças respi-

Terapia Fonoaudiológica em Mastigação (como eu trato) – Luciana Vitaliano Voi Trawitzki, Tais Helena Grechi & Lúcia Dantas Giglio
radoras orais e nasais, na fase de dentição decídua, os autores constataram
que o padrão bilateral alternado foi semelhante entre os dois grupos estuda-
dos. No grupo de crianças respiradoras orais verificaram um tempo menor de
mastigação, presença de restos alimentares em vestíbulo, ruído e dificuldade
de vedamento labial durante a mastigação.
O treino mastigatório por meio do tubo de látex colocado trans-
versalmente na cavidade oral (região dos molares bilateralmente) pode ser
recomendado em crianças respiradoras orais com predomínio de cresci-
mento vertical da face e mordida aberta, como forma de estimular os mús-
culos elevadores da mandíbula e favorecer o redirecionamento mandibular
(Felício, 1999).
A mastigação com alimentos naturais também pode ser estimulada,
já que essa é uma queixa familiar e, ainda, considerando o propósito acima,
mas para isso as recomendações descritas previamente devem ser seguidas.
A criança ainda pode ser estimulada a não ingerir líquidos nas refeições, as-
sociada à função mastigatória.
Já, em crianças com mordida cruzada, o treino mastigatório, assim
como a indicação de uma dieta mais consistente, não devem ser recomenda-
dos, antes da correção ortodôntica, evitando adaptações e assimetrias mio-
funcionais (Trawitzki et al., 2009).

Considerações Finais
Conhecer bem as estruturas anatômicas orofaciais e sua fisiologia,
por meio de estudos e de práticas clínicas, se faz necessário. Por sua vez,
conhecer e identificar as razões de uma disfunção mastigatória por meio de
uma investigação precisa e detalhada é um passo essencial para se compre-
ender a dinâmica orofacial de cada caso e para se estabelecer metas e estra-
tégias terapêuticas favoráveis.
O fonoaudiólogo deve ter critérios na indicação da mastigação
como uma estratégia terapêutica, assim como deve considerar os fatores
causais de uma disfunção mastigatória e abordar uma reabilitação com uma
visão integrada e multiprofissional.

133
Referências bibliográficas
Capítulo 7

1. Andrade e Silva, M. S.; Natalini, V.; Ramires, R. R. Ferreira, L. P. Análise


comparativa da mastigação de crianças respiradoras nasais e orais com
dentição decídua. Revista Cefac, v. 9, n. 2, p.190-198, abr. 2007.
2. Bianchini, E. M. G. Mastigação e ATM – avaliação e terapia. In: Marche-
san, I. Q. Fundamentos em Fonoaudiologia. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan. 1998. cap. 5, p. 37-49.
3. Bianchini, E. M. G. Ajuda fonoaudiológica. In: Bianchini E. M. G. (Org.).
Articulação temporomandibular: implicações, limitações e possibilidades
fonoaudiológicas. Carapicuíba: Pró-Fono. 2000. 402p.
4. Boudreau, S. A.; Farina, D.; Falla, D. The role of motor learning and neuro-
plasticity in designing rehabilitation approaches for musculoskeletal pain
disorders. Manual Therapy, v. 15, n. 5, p. 410-4, oct. 2010.
5. Ciccone de Faria, T. S.; Regalo, S. C. H.; Thomazinho, A; Vitti, M.; Felício,
C. M. Masticatory muscle activity in children with a skeletal or dentoal-
veolar open bite. European Journal of Orthodontics, v. 32, n. 4, p. 453-8,
aug. 2010.
6. Conti, P. C. R.; Silva, R. S.; Araujo, C. R. P.; Rosseti, L. M. N.; Yassuda, S.;
Silva, R. O. F.; Pegoraro, L. F. Effect of experimental chewing on mastica-
tory muscle pain onset. Journal of Applied Oral Science, v. 19, n. 1, p. 34-
40, jan.-feb. 2011.
7. Christensen, L. V.; Radue, J. T. Lateral preference in mastication: na elec-
tromyographic study. Journal of Oral Rehabilitation, v. 12, n. 5, p. 429-34,
sept. 1985.
8. Christensen, L. V.; Tran, K. T.; Mohamed, S. E. Gum chewing and jaw mus-
cle fatigue and pains. Journal of Oral Rehabilitation, v. 23, n. 6, p. 424-37,
jun. 1996.
9. Douglas, C. R. Fisiologia do ato mastigatório. In: Douglas, C. R. Patofisio-
logia oral. São Paulo, Pancast, 1998. v. 1. cap. 13, p. 245-71.
10. Faria Gomes,S.G.; Custodio, W.; Maura Jufer, J.S.; Del Bel Cury, A.A.; Ro-
drigues Garcia, R.C.M. Correlation of mastication and masticatory move-
ments and effect of chewing side preference. Brazilian Dental Journal,
v.21, n.4, p.351-355, 2010.
11. Farella, M.; Bakke, M.; Michelotti, A.; Martina, R. Effects of prolonged
gum chewing on pain and fatigue in human jaw muscles. European Jour-
nal of Oral Sciences, v. 109, n. 2, p. 81-5, apr. 2001.
12. Felício, C. M. Desordens temporomandibulares e distúrbios miofuncion-
ais orofaciais. In: Felício, C. M.; Trawitzki, L. V. V. (Orgs.). Interfaces da Me-
dicina, Odontologia e Fonoaudiologia no Complexo Cérvico-Craniofacial.
Barueri: Pro-Fono. v. 1, p. 135-144, 2009a.
134
13. Felício, C. M. Desordens temporomandibulares: métodos e protocolos

Terapia Fonoaudiológica em Mastigação (como eu trato) – Luciana Vitaliano Voi Trawitzki, Tais Helena Grechi & Lúcia Dantas Giglio
para avaliação e o diagnóstico fonoaudiológico. In: Felício, C. M.; Trawitzki,
L. V. V. (Orgs.). Interfaces da Medicina, Odontologia e Fonoaudiologia no
Complexo Cérvico-Craniofacial. Barueri: Pro-Fono. v. 1, p. 145-176, 2009b.
14. Felício, C. M.; Ferreira, C. L. P. Protocol of orofacial myofunctional evalu-
ation with scores. International Journal of Pediatric Otorhinolaryngology,
v. 72, n. 3, p. 367–75, mar. 2008.
15. Felício, C. M.; Folha, G. A.; Ferreira, C. L. P.; Medeiros, A. P. M. Expanded
protocol of orofacial myofunctional evaluation with scores: validity and
reability. International Journal of Pediatric Otorhinolaryngology, v. 74, n.
11, p. 1230–9, nov. 2010a.
16. Felício, C. M.; Melchior, M. O.; Silva, M. A. M. R. Effects of orofacial myo-
functional therapy on temporomandibular disorders. The Journal of Cra-
niomandibular Practice, v. 28, n. 4, p. 249–59, oct. 2010b.
17. Felício, C. M.; Couto, G. A.; Ferreira, C. L. P.; Mestriner Jr., W. Confiabili-
dade da eficiência mastigatória com beads e correlação com a atividade
muscular. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, v. 20, n. 4, p. 225-
30, out-dez. 2008.
18. Felício, C. M.; Melchior, M. O.; Silva M. A. M. R.; Celeghini, R. M. S. De-
sempenho mastigatório em adultos relacionado com a desordem tem-
poromandibular e com a oclusão. Pró-Fono Revista de Atualização Cientí-
fica, v. 19, n. 2, p.151-8, abr.-jun. 2007.
19. Felício, C. M.; Melchior, M. O.; Silva, M. A. M. R. Clinical validity of the
protocol for multi-professional centers for the determination of signs and
symptoms of temporomandibular disorders. Part II. The Journal of Cra-
niomandibular Practice, v. 27, n. 1, p. 62–7, jan. 2009
20. Feng, Z.; Chen, R.; Zhang, Y.; Yang, M.; Lin, Y.; Tian, W. et al. Outcome of
postsurgical sequential functional exercise of jaw fracture. The Journal of
Craniofacial Surgery, v. 20, n. 1, p. 46-8, jan. 2009.
21. Goffi-Gomez, M. V. S.; Vasconcelos, L. G. E.; Bernardes, D. F. F. Intervenção
fonoaudiológica na paralisia facial. In: Ferreira, L. P.; Befi-Lopes, D. M.; Li-
mongi, S. C. O. Tratado de fonoaudiologia. Roca: São Paulo. 1ª edição, p.
512-526, 2004.
22. Hall, J. G. Importance of muscle movement for normal craniofacial devel-
opment. The Journal of Craniofacial Surgery, v. 21, n. 5, p. 1336-8, sep. 2009.
23. Hellmann, D.; Giannakopoulos, N. N.; Blaser R.; Eberhard, L.; Rues, S.;
Schindler, H. L. Long-term training effects on masticatory muscles. Jour-
nal of Oral Rehabilitation, v. 38, n. 12, p. 912-20, dec. 2010.
24. Horio, T.; Kawamura, Y. Effects of texture of food on chewing patterns in
the human subject. Journal of Oral Rehabilitation, v. 16, n. 2, p. 177-83,
mar. 1989.
135
25. Iwase, M.; Ohashi, M.; Tachibana, H.; Toyoshima, T.; Nagumo, M. Bite
Capítulo 7

force, occlusal contact area and masticatory efficiency before and after
orthognathic surgical correction of mandibular prognathism. Internation-
al Journal of Oral Maxillofacial Surgery, v. 35, n. 12, p. 1102-7, dec. 2006.
26. Kalaykova, S.; Lobbezoo, F.; Naeije, M. Effect of chewing upon disc reduc-
tion in the temporomandibular joint. Journal of Orofacial Pain, v. 25, n. 1,
p. 49-55, winter, 2011.
27. Killiardis, S.; Tzakis, M. G.; Carlsson, G. E. Effects of fatigue and chewing
training on maximal bite force and endurance. American Journal of Or-
thodontics and Dentofacial Orthopedics, v. 107, n. 4, p. 372-8, apr. 1995.
28. Koutris, M.; Lobbezoo, F.; Naeije, M.; Wang, K.; Svensson, P.; Arendt, L. et
al. Effects of Intense chewing exercises on the masticatory sensory-motor
system. Journal of Dental Research, v. 88, n. 7, p. 658-62, jul. 2009.
29. Mandetta, S. Causas da mastigação unilateral e importância do ajuste
oclusal das guias laterais na sua correção. Revista Paulista de Odontolo-
gia, v. 16, n. 1, p. 18-20, jan.-fev. 1994.
30. Manganello, L. C.; Silva, A. A. F. Fraturas de côndilo mandibular: classifi-
cação e tratamento. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, v. 68, n. 5,
p. 249-55. oct. 2002.
31. Marchesan, I. Q. Uma visão compreensiva das práticas fonoaudiológicas:
a influência da alimentação no crescimento e desenvolvimento craniofa-
cial e nas alterações miofuncionais. São Paulo: Pancast. 1999. 238p.
32. Marchesan, I. Q. Atuação fonoaudiológica nas funções orofaciais: desen-
volvimento, avaliação e tratamento. In: Andrade, C. R. F.; Marcondes, E.
Fonoaudiologia em Pediatria. São Paulo: Sarvier. 2003. p. 3-22.
33. Masumoto, N.; Yamaguchi, K.; Fujimoto, S. Daily chewing gum exercise
for stabilizing the vertical occlusion. Journal of Oral Rehabilitation, v. 36,
n. 12, p. 857-63, dec. 2009.
34. Picinato-Pirola, M. N. C; Mestriner-Junior, W.; Freitas, O.; Mello-Filho, F. V.;
Trawitzki, L. V. V. Masticatory efficiency in class II and class III dentofacial
deformities. International Journal of Oral and Maxillofacial Surgery (prelo).
35. Proschel, P.; Hofmann, M. Frontal chewing patterns of the incisor point
and their dependence on resistance of food and type of occlusion. Jour-
nal of Prosthetic Dentistry, Saint Louis, v. 59, n. 5, p. 617-24, may. 1988.
36. Rahal, A.; Goffi-Gomez, M.V. Clinical and electromyographic study of lateral
preference in mastication in patients with longstanding peripheral facial pa-
ralysis. International Journal of Orofacial Myology, v. 35, p. 19-32, nov. 2009.
37. Santiago Júnior, O. Incidência de mastigação unilateral em crianças com
dentição decídua e dentição mista em estágio inicial com alimentos fibro-
sos e macios. Revista da Faculdade de Odontologia de Porto Alegre, v. 35,
n. 1, p. 28-31, ago. 1994.
136
38. Storum, K. A.; Bell, W. H. Hypomobility after maxillary and mandibular

Terapia Fonoaudiológica em Mastigação (como eu trato) – Luciana Vitaliano Voi Trawitzki, Tais Helena Grechi & Lúcia Dantas Giglio
osteotomies. Oral Surgery, Oral Medicine and Oral Pathology, v. 57, n. 1,
p. 7-12, jan. 1984.
39. Storum, K. A.; Bell, W. H. The effect of physical rehabilitation on man-
dibular function after ramus osteotomies. Journal of Oral Maxillofacial
Surgery, Philadelphia, v. 44, n. 2, p. 94-9, 1986.
40. Takada, K.; Miyawaki, S.; Tatsuta, M. The effects of food consistency
on jaw movement and posterior temporalis and inferior orbiculares oris
muscle activities during chewing in children. Archives of Oral Biology, v.
39, n. 9, p. 793-805, sept. 1994.
41. Trawitzki, L. V. V. Fonoaudiologia nas Deformidades Dentofaciais junto ä
Equipe de Cirurgia Ortognática.. In: Felício, C. M.; Trawitzki, L. V. V. (Orgs.).
Interfaces da Medicina, Odontologia e Fonoaudiologia no Complexo Cér-
vico-Craniofacial. Barueri: Pro-Fono. 2009a. v. 1, p. 267-88.
42. Trawitzki, L. V. V. Avaliação e Reabilitação Fonoaudiológica nos Traumas
de Face. In: Felício, C. M.; Trawitzki, L. V. V. (Orgs.). Interfaces da Me-
dicina, Odontologia e Fonoaudiologia no Complexo Cérvico-Craniofacial.
Barueri: Pro-Fono. 2009b. v. 1, p. 333-48.
43. Trawitzki, L. V. V.; Felício, C. M.; Puppin-Rontani, R. M.; Matsumoto, M.
A. N.; Vitti, M. Mastigação e atividade eletromiográfica em crianças com
mordida cruzada posterior. Revista CEFAC, v. 11, p. 334-40, 2009. Suple-
mento 3.
44. Trawitzki, L. V. V.; Dantas, R. O.; Mello-Filho, F. V.; Marques Jr, W. Effect of
treatment of dentofacial deformities on the electromyographic activity
of masticatory muscles. International Journal of Oral and Maxillofacial
Surgery, v. 35, n. 2, p.170-3, feb.
45. Trawitzki, L. V. V.; Dantas, R. O.; Mello-Filho, F. V.; Elias-Júnior, J. Effect
of treatment of dentofacial deformity on masseter muscle thickness. Ar-
chives of Oral Biology, v. 51, n. 12, p. 1086-92, dec.
46. Trawitzki, L. V. V.; Dantas, R. O.; Elias-Júnior, J.; Mello-Filho, F. V. Masse-
ter muscle thickness three years after surgical correction of class III den-
tofacial deformity. Archives of Oral Biology, v. 56, n. 8, p. 799-803, aug.
47. Trawitzki, L. V. V.; Silva, J. B.; Regalo, S. C. H.; Mello-Filho, F. V. Effect of
class II and class III dentofacial deformities under orthodontic treatment
on maximal isometric bite force. Archives of Oral Biology, v. 56, n. 10, p.
972-6, oct.
48. Valera, F. C. P.; Trawitzki, L. V. V.; Anselmo-Lima, W. T. Myofunctional eval-
uation after surgery for tonsils hypertrofy and its correlation to breathing
pattern: A 2-year-follow up. International Journal of Pediatric Otorhino-
laryngology, v. 70, n. 2, p. 221-5, sep. 2006.
49. Valera, F. C. P.; Travitzki, L. V. V.; Mattar, S. E. M.; Matsumoto, M. A. N.;
137
Elias, A. M.; Anselmo-Lima, W. T. Muscular, functional and orthodontic
Capítulo 7

changes in pre school children with enlarged adenoids and tonsils. Inter-
national Journal of Pediatric Otorhinolaryngology, v. 67, n. 7, p. 761-70,
jul. 2003.
50. Van Der Bilt, A.; Engelen L.; Pereira, L. J.; Van Der Glas H. W.; Abbink, J. H.
Oral physiology and mastication. Physiology and Behavior, v. 89, n. 1, p.
22-7, aug. 2006.
51. Van Den Braber, W.; Van Der Glas, H. W.; Van Der Bilt, A.; Bosman, F.
Chewing efficiency of pre-orthognathic surgery patients: selection and
breakage of food particles. European Journal of Oral Sciences, v. 109, n.
5, p. 306-11, oct. 2001.
52. Yamashita, S,; Hatch, J.P.; Rugh, J.D. Does chewing performance depend
upon a specific mastigatory pattern? Journal of Oral Rehabilitation, v.26,
n.7,p.547-553, jul. 1999.

138
Terapia Fonoaudiológica em Mastigação (como eu trato) – Andréa Rodrigues Motta & Tatiana Vargas de Castro Perilo
Capítulo 8
Terapia Fonoaudiológica em Mastigação
(como eu trato)

Andréa Rodrigues Motta


Tatiana Vargas de Castro Perilo

Introdução
A abordagem da mastigação nem sempre foi considerada um as-
pecto importante pelos fonoaudiólogos; houve um tempo em que apenas a
função de deglutição era relevante. Atualmente a intervenção na função mas-
tigatória é considerada fundamental, não apenas porque se caracteriza como
a fase inicial do processo digestivo, fragmentando os alimentos em partículas
menores ou pela sua função bactericida associada à mistura do alimento com
a saliva, mas também por proporcionar o bom desenvolvimento dos ossos e
auxiliar na manutenção dos arcos dentários, com a estabilidade da oclusão e
com o estímulo funcional especialmente sobre o periodonto, músculos e arti-
culação (Molina, 1989).
Podemos então considerar que reabilitar a função mastigatória au-
xilia na estabilidade dos ganhos alcançados por meio da intervenção fonoau-
diológica. Não só os músculos mastigatórios como os auxiliares (língua, buci-
nador e orbicular da boca) são recrutados, proporcionando trabalho muscular
constante. A realização de um treinamento muscular exclusivo (mioterapia)
pode apresentar modificações na dinâmica e força das estruturas musculares
que integram o sistema mastigatório, mas não será capaz de manter este
novo padrão por muito tempo (Bianchini, 2005). A aquisição de um novo
padrão muscular somente será mantida pelo treinamento funcional, ou seja,
para aquisição de um novo padrão de mastigação é preciso mastigar. Outras
funções do sistema estomatognático também serão favorecidas com o treino
mastigatório, como a respiração nasal, que é estimulada ao se solicitar veda-
mento labial sistemático no desempenho da função, e um padrão adequado
de deglutição, mediante a preparação eficiente do bolo alimentar.
139
Embora saibamos que diversos fatores podem interferir no desem-
Capítulo 8

penho da função mastigatória, tais como: idade, tipo facial, oclusão/mordi-


da, situação dentária, do periodonto e da articulação temporomandibular
(ATM), tipo de alimento, modo respiratório (Junqueira, 2005; Felício et al.,
2008; Dias-da-Costa et al., 2010), é possível em muitas situações adequar a
mastigação, ou ao menos aproximá-la do desempenho mais eficiente possí-
vel. Assim, esse capítulo se propõe a descrever algumas abordagens junto à
mastigação, considerando condições favoráveis para tanto.

Tratamento das disfunções mastigatórias
A mastigação ideal para indivíduos com equilíbrio dentofacial, ele-
mentos dentários naturais e livres de disfunção temporomandibular, pode
ser definida como aquela em que a mordida ocorre com os dentes incisivos,
os lábios encontram-se vedados, não há presença de ruído ou da participa-
ção exagerada da musculatura perioral, ocorre lateralização mandibular e
simetria de força muscular, devendo ser realizada de forma bilateral alter-
nada (Junqueira, 2005; Felicio et al., 2007; Gomes, Bianchini, 2009). Conse-
quentemente, são consideradas como alterações, demandando intervenção:
mastigação unilateral crônica, mastigação bilateral simultânea, presença de
amassamento, bolo alimentar aumentado ou diminuído, velocidade reduzi-
da ou aumentada, ausência de vedamento labial, presença de ruído, mordi-
da lateral do alimento ou partir com as mãos, e predomínio de movimentos
mandibulares verticais (charneira).
Antes de se iniciar a abordagem específica é importante o processo
de conscientização (Bianchini, 2005). Apenas conhecendo seu próprio modo
de funcionamento é que o paciente terá condições de modificá-lo. Entretanto,
lembramos que informar ao paciente sobre sua condição e o que seria espera-
do não garante a conscientização. É bem mais eficaz levar cada um a descobrir
como ocorre o desempenho de sua função, complementando com as informa-
ções sobre a fisiologia normal. Esse processo de autoconhecimento pode ser
auxiliado com perguntas realizadas pelo terapeuta ou mesmo pela avaliação do
fonoaudiólogo mastigando já que por vezes é mais fácil perceber a alteração
no outro, sendo que o profissional poderá exagerar o problema dependendo
da idade do paciente, facilitando o processo de identificação da alteração. Ou-
tra possibilidade, nesses casos, é lançar mão do uso do espelho, sendo que
para nós o recurso de filmagem se mostra mais eficiente. Se observar sem a
140
oportunidade de monitorar o processo permite que sejamos mais críticos com

Terapia Fonoaudiológica em Mastigação (como eu trato) – Andréa Rodrigues Motta & Tatiana Vargas de Castro Perilo
o padrão realizado. Registrar a mastigação no início do processo terapêutico
também permite que nas reavaliações as filmagens possam ser confrontadas e
as evoluções percebidas, auxiliando, portanto na motivação do paciente.
Inicialmente devemos levar em conta que treinar uma função requer
realizá-la da maneira como esta é desempenhada no dia a dia. Segundo os
princípios de treinamento muscular a aplicação de um estímulo de treinamen-
to provoca sobre o organismo uma resposta específica e relacionada direta-
mente à forma de exercício utilizado (McArdle et al., 2003). Para isso é impor-
tante a seleção dos alimentos; usar apenas uma opção capacita o paciente a
mastigar adequadamente aquele alimento específico e não necessariamente
outros com características distintas. A diversificação torna-se assim extrema-
mente importante, diferentemente do processo de avaliação onde usar apenas
um alimento aumenta o domínio do profissional no processo diagnóstico. Nem
sempre é viável que o fonoaudiólogo conte em seu ambiente de trabalho com
alimentos. Nesse caso cada paciente pode levar para terapia o alimento ao
qual está familiarizado. Essa é também uma forma de se avaliar a alimentação
do paciente, já que por vezes as informações coletadas na anamnese acerca
do assunto podem não se confirmar. No caso de pacientes que sempre levam
o mesmo tipo de alimento para a terapia vale lançar mão de uma lista na qual
não é permitida a repetição. Se o caso é de restrição grave de aceitação de ali-
mentos será necessário realizar encaminhamento para um especialista.
A mastigação é regulada pelo gerador de padrão central que por si
só seria suficiente para determinar padrões rítmicos invariáveis, entretanto, há
a possibilidade da manifestação periférica ser modificada por intervenção de
fatores extrínsecos ao sistema regulatório (Douglas, 2002). Estudos demons-
tram que o cérebro apresenta um mecanismo eficiente de armazenamento de
padrões motores aprendidos, ou seja, novas conexões são geradas em sobre-
posição às redes neurais existentes, fazendo com que o novo comportamento
motor seja aprendido (Lukasen et al., 1994; Fincham et al., 2002; Doyon et
al., 2002; Catz et al., 2008). Na verdade o que ocorre é uma remodelação de
determinados atos motores, que servem para criar uma sequência processual
de novos movimentos, os quais serão mantidos por determinadas regiões do
cérebro (Debas et al., 2010; Wang et al., 2011; Martinez-Garcia et al., 2011).
Assim, é importante que o treino mastigatório seja constante e
consciente. A estratégia de realizar anotações diárias para posterior discussão
141
com o profissional pode auxiliar na automatização da nova função. Devemos
Capítulo 8

lembrar que se trata de uma estratégia de terapia e não de avaliação. Pode


ser interessante inicialmente pedir que o paciente anote como ocorre natu-
ralmente sua função, mas como estratégia terapêutica as instruções devem
ser claramente ministradas. A intenção é que o paciente repita o novo padrão
motor um número suficiente de vezes até que o mesmo seja engramado pelo
cérebro (Lukashin et al., 1994). Ter o compromisso de anotar auxilia o paciente
a se lembrar de treinar o novo padrão diariamente.
Diversos parâmetros podem ser abordados com esse recurso. Para
lateralização do alimento e realização de movimentos mandibulares de latera-
lização, assim como para eliminação do amassamento é possível marcar o lado
em que a função foi desempenhada: direito ou esquerdo. Em caso de crianças
menores basta desenhar um rosto e pedir que seja marcado um “X” no lado
em que o alimento foi mastigado. Acreditamos que iniciar pela mastigação uni-
lateral alternada (Bianchini, 2005) seja mais fácil, sendo que muitas vezes o
próprio paciente já avança para a bilateral alternada sem intervenção direta
neste aspecto. Para adequar a velocidade podemos solicitar que se conte o
número de golpes mastigatórios. Entretanto, é fundamental distinguir se é o
tempo até a deglutição final que se encontra alterado ou a velocidade do golpe
mastigatório (Palmer et al., 2007). Para sistematizar o vedamento labial é pos-
sível que seja anotado se a mastigação ocorreu com a boca aberta ou fechada,
para o volume do bolo alimentar é possível pedir que se classifique o alimento
em “pedaço grande”, “pedaço médio” ou “pedaço pequeno” e assim por dian-
te. Abaixo está exemplificado um modelo de quadro controle que poderá ser
utilizado com crianças, para anotação, e consequentemente treinamento, dos
parâmetros de lateralidade, velocidade e tamanho do bolo (Figura 1).

Figura 1 – Exemplo de quadro controle para treinamento mastigatório.


142
A repetição de um comportamento em um contexto consistente

Terapia Fonoaudiológica em Mastigação (como eu trato) – Andréa Rodrigues Motta & Tatiana Vargas de Castro Perilo
aumenta progressivamente a automaticidade com que esse comportamento
é executado. Esse fato ocorre após um certo número de repetições, sendo
que após esse platô, a repetição não mais influencia a automaticidade (Lally
et al., 2010). Um estudo que teve como objetivo investigar o processo de
formação de hábito na vida cotidiana encontrou uma mediana de 66 dias
para que uma tarefa realizada uma vez ao dia fosse considerada um hábito,
embora tenham sido verificadas grandes variações individuais. Os autores
concluíram ainda que deixar de realizar a tarefa uma vez (independente se
no início ou no final do treinamento) e retomar logo em seguida não impede
a formação do hábito, entretanto, deixar de repetir durante uma semana re-
duz a probabilidade de futuro desempenho e dificulta a aquisição do hábito
(Lally et al., 2010).
Assim, acreditamos que apenas solicitar a realização da função de
uma determinada maneira possa não ser suficiente, visto que muitos pacien-
tes tendem a se esquecer das orientações. Em nossa prática clínica o recur-
so da anotação tem demonstrado bons resultados. Ressaltamos que nossa
abordagem se inicia apenas com um aspecto e dependendo da capacidade
do paciente mais de uma alteração pode ser abordada por vez, não sendo
necessário que cada objetivo seja totalmente alcançado para se iniciar um
novo. Desta maneira os quadros controle devem ser construídos de acor-
do com os aspectos que estão sendo trabalhados em terapia. No caso de
crianças, algumas mães acreditam que são elas as responsáveis por realizar
as observações e anotações, assim, essas precisam ser orientadas acerca da
finalidade dessas marcações.
O treino da força mastigatória é também um objetivo importan-
te em alguns casos de alterações mastigatórias. A força mastigatória pode
alcançar valores máximos entre 60 e 70 kg, entretanto o valor médio gira
em torno de 10 kg (Douglas, 2002). É importante que se tenha em mente
que o valor de força máxima não será demandado no desempenho da fun-
ção. Na prática clínica não é usual realizar essa mensuração, então um bom
parâmetro seria a capacidade dos músculos levantadores da mandíbula em
manter a mandíbula elevada em posição habitual, assim como a capacidade
de triturar alimentos mais fibrosos sem queixas de dor, cansaço muscular
ou demora excessiva. Como técnica podemos trabalhar com um pedaço de
garrote de 11 mm de diâmetro cortado em pedaço de 2 cm para realização de
143
exercício de isometria: o garrote deve ser posicionado na superfície oclusal
Capítulo 8

dos molares e preso por um tempo pré-determinado. Esse treinamento deve


levar em consideração possíveis efeitos sobre a ATM, devendo sua aplicação
ser cuidadosamente avaliada pelo fonoaudiólogo. Em alguns casos, por ques-
tões de segurança, orienta-se amarrar o garrote com um fio dental que será
segurado pelo terapeuta. Manipulações digitais no sentido da inserção para
origem muscular realizadas de forma rápida e com pressão também podem
auxiliar. Entretanto o aspecto mais importante é, sem sombra de dúvida, a
alimentação do paciente. Não adianta aumentar a força de um músculo que
não será utilizado. Pelo princípio da reversibilidade do treinamento muscular
ao se suspender o treino o músculo retornará ao seu estado inicial (McArdle
et al., 2003). Assim é de fundamental importância insistir na diversificação da
alimentação, respeitando a individualidade e preferências de cada um. Uma
boa opção é solicitar um diário dietético do período de uma semana para
que a realidade de cada paciente possa ser levada em conta nas propostas de
adequação. Acreditamos que o uso de chicletes não deve ser indicado pelo
fonoaudiólogo, pois além de poder ser cariogênico não é fisiológico mastigar
algo que não diminui sua resistência ao longo do tempo.
Quanto ao volume do bolo, cabe ressaltar que não orientamos o pa-
ciente a triturar todo o alimento, organizar sobre a língua e deglutir. Sabe-se que
a parte do alimento já processada é deglutida. Assim, uma porção de alimento
introduzida na boca pode demandar mais do que uma deglutição. Ainda se-
guindo os preceitos da fisiologia do sistema estomatognático (Douglas, 2002)
deve-se lembrar que alimentos mais consistentes aumentam a demanda dos
movimentos mandibulares verticais, predominantes na fase de trituração; que
o ciclo mastigatório reduz sua amplitude de acordo com a trituração; e que a
mastigação é composta por movimentos delimitados e repetidos. Conhecer a
fisiologia das três fases da mastigação (incisão, trituração e pulverização) é a
única garantia de que objetivos terapêuticos equivocados não sejam propostos
aos pacientes e familiares, assim como técnicas inadequadas sejam empregadas
(Palmer et al., 2007, Felicio et al., 2007; Liu et al., 2008; Gomes, Bianchini, 2009)
Outro aspecto que deve ser considerado na terapia da mastigação é a
presença de movimento de cabeça durante a deglutição. Geralmente essa alte-
ração está associada à pouca trituração do alimento ou um volume aumentado,
que consequentemente interfere na trituração. Assim, embora a manifestação
ocorra na deglutição, a terapia fonoaudiológica deverá enfocar a mastigação.
144
A participação da família em todo esse processo de modificação de

Terapia Fonoaudiológica em Mastigação (como eu trato) – Andréa Rodrigues Motta & Tatiana Vargas de Castro Perilo
hábitos é essencial. Inicialmente muitos pacientes se esquecem de repetir
os novos padrões, sendo muito importante o apoio familiar. Valem avisos ou
mesmo a combinação de sinais desde que não sejam em tom de cobrança e
sim de apoio à transformação que se deseja.

Considerações finais
Ressaltamos que o objetivo do presente capítulo foi descrever pos-
síveis abordagens na reabilitação da mastigação, considerando condições fa-
voráveis. Não são as únicas ou as melhores, são apenas as que geralmente
adotamos. Entretanto, a realidade das condições do sistema estomatognáti-
co em nosso país por vezes impossibilita a adequação de diversos aspectos.
A abordagem nos casos com limitações será discutida em outro capítulo do
presente livro.

Referências bibliográficas

1. Bianchini EMG. Mastigação e ATM. Avaliação e terapia. In: Marchesan IQ


(org). Fundamentos em Fonoaudiologia: Aspectos Clínicos na Motricida-
de Oral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005.
2. Catz N, Dicke PW, Thier P. Cerebellar-dependent motor learning is
based on pruning a Purkinje cell population response. Proc Natl Acad
Sci U S A. 2008;105(20):7309-14. Erratum in: Proc Natl Acad Sci U S A.
2008;105(29):10269.
3. Debas K, Carrier J, Orban P, Barakat M, Lungu O, Vandewalle G, et al.
Brain plasticity related to the consolidation of motor sequence learning
and motor adaptation. Proc Natl Acad Sci U S A. 2010;107(41):17839-44.
4. Dias-da-Costa JS, Galli R, Oliveira EA, Backes V, Vial EA, Canuto R, et al.
Prevalence of poor self-rated mastication and associated factors in Brazil-
ian elderly. Cad Saude Publica. 2010;26(1):79-88.
5. Douglas CR. Tratado de Fisiologia aplicado à Fonoaudiologia. São Paulo:
Robe; 2002.
6. Doyon J, Song AW, Karni A, Lalonde F, Adams MM, Ungerleider LG. Expe-
rience-dependent changes in cerebellar contributions to motor sequence
learning. Proc Natl Acad Sci U S A. 2002;99(2):1017-22.
145
7. Felício CM, Couto GA, Ferreira CLP, Mestriner Jr. W. Confiabilidade da efici-
Capítulo 8

ência mastigatória com beads e correlação com a atividade muscular. Pro


Fono. 2008;20(4):225-30.
8. Fincham JM, Carter CS, van Veen V, Stenger VA, Anderson JR. Neural mech-
anisms of planning: a computational analysis using event-related fMRI.
Proc Natl Acad Sci U S A. 2002;99(5):3346-51.
9. Gomes LM, Bianchini EMG. Caracterização da função mastigatória em crian-
ças com dentição decídua e dentição mista. Rev CEFAC. 2009;11(3):324-33.
10. Junqueira P. Avaliação miofuncional. In: Marchesan IQ (org). Fundamen-
tos em Fonoaudiologia: Aspectos Clínicos na Motricidade Oral. 2ª ed. Rio
de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005.
11. Lally P, Jaarsveld CHMV, Potts HWW, Wardle J. How are habits formed: mod-
elling habit formation in the real world. Eur J Soc Psychol. 2010;40:998-1009.
12. Liu ZJ, Shcherbatyy V, Perkins JA. Functional loads of the tongue and con-
sequences of volume reduction. J Oral Maxillofac Surg. 2008;66(7):1351-61.
13. Lukashin AV, Wilcox GL, Georgopoulos AP. Overlapping neural networks for
multiple motor engrams. Proc Natl Acad Sci U S A. 1994;91(18):8651-4.
14. Martínez-García M, Rolls ET, Deco G, Romo R. Neural and computa-
tional mechanisms of postponed decisions. Proc Natl Acad Sci U S A.
2011;108(28):11626-31.
15. McArdle WD, Katch FI, Katch VL. Fisiologia do exercício. Energia, nutrição
e desempenho humano. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003.
16. Molina OF. Fisiologia craniomandibular. São Paulo: Pancast; 1989.
17. Palmer JB, Hiiemae KM, Matsuo K, Haishima H. Volitional control of
food transport and bolus formation during feeding. Physiol Behav
2007;91(1):66-70.
18. Wang L, Conner JM, Rickert J, Tuszynski MH. Structural plasticity within
highly specific neuronal populations identifies a unique parcellation of motor
learning in the adult brain. Proc Natl Acad Sci U S A. 2011;108(6):2545-50.

146
Terapia Fonoaudiológica em Deglutição (como eu trato) – Giédre Berretin-Felix, Marcela Maria Alves da Silva & Cláudia Tiemi Mituuti
Capítulo 9
Terapia Fonoaudiológica em Deglutição
(como eu trato)

Giédre Berretin-Felix
Marcela Maria Alves da Silva
Cláudia Tiemi Mituuti

Introdução

A deglutição é uma função extremamente complexa relacionada


aos sistemas estomatognático, digestório e respiratório. Ela depende da con-
dição anatômica e funcional de todos os constituintes envolvidos, além da
integridade do sistema nervoso central e periférico.
Muitos são os fatores que podem comprometer o mecanismo de
deglutição, como alterações estruturais, musculares e sensoriais orofaciais,
além de distúrbios neurológicos e aqueles relacionados às funções de respi-
ração e mastigação.
Modificações em relação à fisiologia normal da deglutição nas quais
apenas a fase oral encontra-se comprometida, sem impacto negativo nas fa-
ses subsequentes, são denominadas de deglutição atípica ou adaptada, cujo
diagnóstico diferencial é estabelecido a partir da definição do fator causal
(Marchesan, 1998, 2005). Por outro lado, quando as alterações anatômicas
ou neurológicas resultam em prejuízos na condução segura do alimento da
boca até o estômago (Groher, 1997), com déficits nutricionais e/ou pulmona-
res (Silva, 2006; Vale-Prodomo; Carrara-De Angelis; Barros, 2009), estamos
diante de quadros de disfagia orofaríngea, classificadas didaticamente em
mecânicas ou neurogênicas, podendo também ser decorrentes do envelheci-
mento (presbifagia), psicogênicas, induzidas por drogas, entre outras.
147
Portanto, a avaliação detalhada de cada uma das fases da deglu-
Capítulo 9

tição orofaríngea possibilitará o diagnóstico diferencial entre os diferentes


distúrbios, bem como o planejamento e prognóstico da terapia fonoaudioló-
gica a ser empregada. Para isso, protocolos clínicos e instrumentais têm sido
desenvolvidos e validados tanto na especialidade da motricidade orofacial
(MO) quanto na da disfagia orofaríngea. Em relação aos instrumentos clínicos
na área de MO, podemos citar o protocolo de Avaliação Miofuncional Oro-
facial com Escores em sua versão inicial (AMIOFE) (Felício e Ferreira, 2008)
e ampliada (AMIOFE-A) (Felício et al., 2010), bem como o protocolo MBGR
(Genaro et al., 2009). Já nas disfagias orofaríngeas, após acidente vascular
encefálico, foi proposto o protocolo ROGS (Silva, 2004), tendo sido emprega-
dos, também, o Protocolo Fonoaudiológico de Avaliação do Risco para Disfa-
gia (PARD) (Padovani et al., 2007) e o Mann Assessment of Swallowing Ability
(MASA) (Mann, 2002), estando o último em processo de tradução transcultu-
ral e validação para o português brasileiro. Destaca-se, ainda, a necessidade
de exames instrumentais para a definição do diagnóstico da disfagia orofarín-
gea, como a nasoendoscopia e a videofluoroscopia da deglutição.

Terapia miofuncional orofacial


Ao iniciarmos o tratamento da função de deglutição em MO, o
primeiro passo consiste na identificação da causa da alteração: forma ou
função. Na presença de desvios da forma, como alterações dento-oclusais,
o diagnóstico e o planejamento terapêutico devem ser realizados de modo
integrado com a odontologia.
Uma vez que a alteração dento-oclusal é determinada como fator
causal da alteração da função de deglutição temos a deglutição adaptada,
ou seja, a língua adapta à forma da cavidade oral ou tipo facial do indivíduo,
podendo intensificar ou manter a má oclusão (Marchesan, 2005). O trabalho
fonoaudiológico nestes casos dependerá dos limites da forma, durante a evo-
lução e em conjunto ao tratamento odontológico.
A deglutição atípica, ilustrada na Figura 1, corresponde ao padrão
inadequado da função de língua, sem que haja alteração da forma da cavi-
dade oral. Em casos associados à presença de hábitos orais deletérios, respi-
ração oral ou alteração na mastigação, em que a deglutição atípica é apenas
parte da problemática, esse conjunto de alterações orofaciais deve ser deno-
minado distúrbios miofuncionais orofaciais (Marchesan, 2005).
148
Terapia Fonoaudiológica em Deglutição (como eu trato) – Giédre Berretin-Felix, Marcela Maria Alves da Silva & Cláudia Tiemi Mituuti
Figura 1. Oclusão pré e padrão de deglutição com interposição de língua
durante a reabilitação odontológica.

Tanto em casos de deglutição atípica como adaptada, na presença


de respiração oral e/ ou disfunção mastigatória, o tratamento dessas disfun-
ções deve preceder o enfoque na deglutição. Especificamente em casos de
deglutição atípica, quando há hábitos orais deletérios, a terapia miofuncional
orofacial associada às técnicas de retirada de hábitos possibilita a adequação
da função de deglutição, como também da postura da língua em repouso
(Degan e Pupin-Rontanii, 2005). Nesse processo terapêutico cabe ao fono-
audiólogo adequar aspectos miofuncionais e sensoriais determinantes no
desempenho da deglutição, além do estabelecimento de um novo padrão
central deglutório ao nível do sistema nervoso central, que possibilitará a
automatização da nova forma de deglutir.
Os exercícios miofuncionais orofaciais executados em terapia visam
preparar a musculatura para a execução da função de deglutição no que se
refere à organização do alimento na cavidade oral, formação do gradiente
pressórico, ejeção e propulsão do bolo. Para isso, podem ser utilizados exer-
cícios isométricos de lábios, língua e bochechas (quando identificado quadro
de hipotonia no exame clínico) e exercícios isotônicos/isocinéticos que per-
mitam o condicionamento funcional da língua, descritos a seguir.

Isométricos
- Lábios: recrutar o músculo orbicular da boca por meio do exercício
de contra-resistência com o botão ou a espátula de madeira. Deve-se
levar em consideração a tonicidade do músculo ao planejar a reali-
zação do exercício. Em casos de hipotonicidade em ambos os lábios
149
(superior e inferior), recomenda-se fazer a contra-resistência com o
Capítulo 9

botão por permitir a aplicação de força igual na musculatura superior


e inferior. Já em casos de diferença de tônus, o uso da espátula de
madeira torna-se mais apropriado por permitir a aplicação de força
diferente no lábio superior e inferior. Para indivíduos com alteração
no comprimento dos lábios, é importante realizar o alongamento
com massagens no sentido da fibra muscular, possibilitando o ad-
equado vedamento labial.
- Língua: abordar a musculatura intrínseca da língua e preferencial-
mente os músculos estiloglosso e palatoglosso por meio do exercício
de pressão da língua contra o palato ou contra espátula de madeira.
Neste momento, é importante selecionar exercícios que favoreçam
a adequação da musculatura da maneira mais próxima àquela usada
na fisiologia normal da deglutição.
- Bochechas: trabalhar o músculo bucinador por meio do exercício
de contra-resistência com a espátula de madeira, aplicada nos três
feixes deste músculo (superior, médio e inferior). Atentar-se à contra-
indicação da realização deste exercício no feixe superior quando o in-
divíduo apresentar atresia de maxila, pois a força muscular exercida
pode influenciar no crescimento do terço médio da face.
Os exercícios isométricos devem ser realizados, inicialmente, em
três séries de 10 segundos cada sendo aumentado o tempo gradati-
vamente, conforme desempenho e necessidade do paciente.

Isotônicos/Isocinéticos
- Língua: recrutar os músculos estiloglosso e palatoglosso, melho-
rando a coordenação entre eles, por meio de movimentos ântero-
posteriores da língua contra o palato como que varrendo o mesmo.
Os movimentos devem ser precisos e ritmados e realizados em três
séries, cada uma delas com 10 movimentos, aumentando-se gradati-
vamente conforme desempenho do paciente.

Durante a adequação da musculatura e posteriormente a adequa-


ção da forma e demais funções orofaciais alteradas (como respiração e mas-
tigação), inicia-se a etapa de conscientização e treino do padrão normal de
deglutição. Na fase de conscientização, o indivíduo é colocado em contato
150
com o padrão de deglutição realizado por ele em contraposição ao normal.

Terapia Fonoaudiológica em Deglutição (como eu trato) – Giédre Berretin-Felix, Marcela Maria Alves da Silva & Cláudia Tiemi Mituuti
Neste processo, o uso de filmagens do próprio paciente e ilustrações dinâmi-
cas são fundamentais. Após esta fase, inicia-se o treino do novo padrão fun-
cional, no qual cada etapa do é marcada com o paciente, desde a respiração
até a ejeção do bolo alimentar, utilizando alimentos de consistências de mais
fácil controle oral até os mais complexos. Para isto, é solicitado ao paciente
que introduza o alimento na boca, organizando o bolo na língua e ocluindo
os lábios, sem contração excessiva, para garantir a formação do gradiente
pressórico que vai auxiliar na propulsão do alimento. Em seguida, é solicitada
a respiração nasal e a deglutição com contato de língua contra o palato. O
paciente não deve apresentar dificuldade na realização destes movimentos
já que o trabalho muscular prévio preparou a musculatura dos órgãos envol-
vidos na fase oral da deglutição para a execução harmônica desta função. Por
isso a importância de selecionar exercícios que adequem os músculos e se
aproximem do padrão fisiológico e funcional. Por fim, o novo padrão aprendi-
do em terapia deve ser colocado em prática no dia a dia, o que consiste a fase
de automatização, a etapa mais complexa do tratamento (Figura 2).

Figura 2. Condição dento-oclusal após reabilitação odontológica e adequa-


ção do padrão de deglutição com a terapia fonoaudiológica.

Tratamento das disfagias orofaríngeas


No tratamento das disfagias orofaríngeas, várias são as propostas de
reabilitação pesquisadas ao longo dos anos (Speyer et al., 2012). Medidas vol-
tadas ao gerenciamento de volumes e consistências alimentares e manobras
posturais que facilitem a deglutição e/ou protegem as vias aéreas durante a
função são descritas como eficazes por apresentarem mudanças fisiológicas
151
em algum aspecto específico da deglutição que traz efeitos benéficos na di-
Capítulo 9

nâmica desta função, principalmente no que se refere à eliminação do risco


de aspiração e aumento da ingestão oral (Silva, 2007; Wheeler-Hegland et al.,
2009; Ashford et al., 2009).
Os exercícios miofuncionais orofaciais também são utilizados no
tratamento das disfagias orofaríngeas (Burkhead; Sapienza; Rosenbeck,
2007), principalmente aqueles relacionados à função de língua (Yoshida et
al., 2007; Palmer et al., 2008; Santoro et al., 2011). Estudos mostram que
o exercício isométrico de pressão de língua contra o palato auxilia na me-
lhora da função de deglutição em indivíduos adultos saudáveis por resultar
em maior contração da musculatura oral (da própria língua, supra-hioidea e
elevadores da mandíbula) envolvida na função em questão (Yoshida et al.,
2007; Palmer et al., 2008), melhorando, inclusive, a ingestão oral em idosos
institucionalizados (Santoro et al., 2011).
O treinamento da musculatura expiratória e o uso de exercícios vo-
cais complementam o grupo de procedimentos de um programa terapêutico
convencional. A força da musculatura expiratória está relacionada à melhora da
função pulmonar, fala e tosse. Durante o treinamento respiratório, há aumento
da força dos músculos relacionados à deglutição, além de aumento da eleva-
ção do osso hioide verticalmente e fechamento do mecanismo velofaríngeo
em indivíduos adultos saudáveis (Weeler; Chiara; Sapienza, 2007; Troche et al.,
2010). De acordo com a literatura, o treinamento da musculatura expiratória é
viável para o tratamento de indivíduos com doença de Parkinson com risco de
aspiração (Pitts et al., 2009) tendo em vista que a diminuição da capacidade de
limpeza de resíduos das vias respiratórias pela tosse voluntária pode exacerbar
os sintomas consequentes da aspiração/penetração, principalmente em indiví-
duos com doenças neurológicas (Pitts et al., 2008).
Já a realização dos exercícios vocais tem como objetivo proteger
as vias aéreas inferiores por meio do recrutamento de determinados grupos
musculares que otimizarão o funcionamento das diferentes estruturas envol-
vidas na deglutição (Motta; Viegas, 2003). Desta forma, são propostos exercí-
cios que proporcionam ajustes do trato vocal e oral como exercícios com sons
agudos, plosão sonora retida, deglutição completa sonorizada, de vibração,
de melodia e emissão de fricativas surdas/sonoras para o condicionamento
muscular laríngeo e faríngeo, maior excursão da laringe, tração do conjun-
to hoideo laríngeo, fechamento do esfíncter glótico, coaptação das pregas
152
vocais e fechamento do esfíncter velofaríngeo. Em indivíduos com a doença

Terapia Fonoaudiológica em Deglutição (como eu trato) – Giédre Berretin-Felix, Marcela Maria Alves da Silva & Cláudia Tiemi Mituuti
de Parkinson, a aplicação do método de tratamento vocal Lee Silverman é
descrita como importante estratégia terapêutica para o controle neuromus-
cular, melhorando a função da língua durante as fases oral e faríngea da
deglutição, além de melhorar a intensidade vocal (El Sharkawi et al, 2002).
A partir da análise dos estudos publicados sobre eficácia da rea-
bilitação nas disfagias orofaríngeas, foi elaborado um protocolo de terapia
utilizando as técnicas anteriormente descritas, o qual está sendo aplicado em
idosos com disfagia orofaríngea neurogênica para validação (Quadros 1 e 2).
O Quadro 1 relaciona as técnicas utilizadas na terapia convencional indireta,
na qual não é utilizado alimento, e o quadro 2 apresenta as técnicas aplicadas
na terapia convencional direta, na qual o alimento é ofertado ao paciente
utilizando a estratégia que permite a ingestão segura e efetiva do bolo ali-
mentar, comprovada anteriormente pelo exame instrumental.

Quadro 1. Objetivos e estratégias terapêuticas a serem utilizadas na terapia


indireta das disfagias orofaríngeas.
Frequência e
Objetivo duração Estratégias
dos exercícios
Lábios: será realizada a contra resistência três-
vezes por 10 segundos com a espátula na região
do vestíbulo bucal em três posições: centro e
Aumento da laterais dos lábios superior e inferior.
tonicidade Língua: será realizada a contra resistência do
dos múscu- ápice da língua contra a papila incisiva, além
los orbicular três séries de 10 disso, será solicitado que realize o exercício da
da boca, contrações, com língua sugada contra o palato três vezes por 10
musculatura intervalo de 10 segundos.
extrínseca segundos entre Bucinador: será realizada a contra resistência
e intrínseca as séries. com a espátula na região jugal contra os três
da língua, feixes do músculo bucinador, três vezes em
bucinador e cada feixe, por 10 segundos.
masseter. Masseter: será realizada a contra resistência ao
movimento de elevação da mandíbula contra os
dedos polegares do terapeuta na região de pré-
molares três vezes por 10 segundos.
153
Capítulo 9
Lábios: serão solicitados os movimentos de pro-
Três séries de 10
trusão e retração alternados e lateralização dos
movimentos no
Aumento da lábios protruídos.
ritmo de um por
mobilidade Língua: será solicitado o movimento ântero-
segundo, com
de lábios e posterior de língua sugada contra o palato, além
intervalo de 10
língua. de lateralização de língua na cavidade oral, to-
segundos entre
cando a região de mucosa jugal direita e esquer-
as séries.
da alternadamente, com lábios ocluídos.
Aumento do fechamento glótico: será realiza-
Dois minutos do o exercício de empuxo com as mãos com a
de exercícios emissão da vogal /a/, além da emissão do /b/
Otimização
inicialmente prolongado (Behlau e Pontes, 2001).
da fase
mantendo 5s Aumento do movimento vertical da laringe:
faríngea da
de produção será realizada a emissão da vogal /u/, seguida
deglutição.
vocal e intervalo da vogal /i/, iniciando-se em registro grave e el-
de 10s entre as evando-se para agudo. Também será realizada a
emissões emissão repetida do vocábulo /mini/ (Behlau e
Pontes, 2001).
Cada indivíduo terá um aparelho utilizado para
Treinamento Cada sessão de melhorar o condicionamento respiratório. Os
da força dos treinamento indivíduos serão instruídos a inspirar a capaci-
músculos consistirá em dade pulmonar total, colocar o bocal do equipa-
respiratórios cinco sé- mento na boca e expirar o mais forte possível,
. ries de cinco realizando uma expiração suficiente para elevar
respirações. a esfera do aparelho (Shaker – NCS) (Baker, Dav-
enport E Sapienza, 2005).

154
Quadro 2. Manobras posturais de proteção e facilitadoras da deglutição.

Terapia Fonoaudiológica em Deglutição (como eu trato) – Giédre Berretin-Felix, Marcela Maria Alves da Silva & Cláudia Tiemi Mituuti
Categoria/Téc-
Execução Razão
nica
Modificar a consistência dos Permitir a alimentação
Modificação da
alimentos. Requer a aceitação segura, efetiva e sem
dieta
do paciente. risco.

Deglutição su- Prender a respiração, deglutir Aumentar o fechamento


praglótica com força, expiração forçada. glótico.

Deglutição com Esforço da ação da língua na Melhorar a propulsão do


esforço deglutição. bolo.
Deglutir várias vezes consecuti- Auxiliar na limpeza de
Deglutição múl-
vas antes da próxima porção de resíduos da cavidade oral
tipla
alimento. e orofaríngea.
Realizar elevação laríngea sus-
Favorece a elevação da
Manobra de tentada guiada pela palpação
laringe durante a deglu-
Mendelsohn manual ou focada na contração
tição.
dos músculos supra-hioideos.
Favorece a proteção da
Inclinação da Inclinar a cabeça para o lado
via aérea inferior e facilita
cabeça bom (não comprometido).
o trânsito do alimento.
Favorece a proteção da
Rotação de Rodar a cabeça para o lado
via aérea inferior e facilita
cabeça fraco (comprometido).
o trânsito do alimento.
Cabeça para Flexionar o queixo em direção Favorece a proteção da
baixo ao peito. via aérea inferior.
Treino direto seguindo as orien-
Estratégia de- tações a seguir: bolo na boca,
scrita por Crary respirar pelo nariz, deglutir Melhorar a propulsão do
et al. (2004) pressionando a língua no palato bolo.
duro e apertando os músculos
da garganta.

Estratégia Mc-
Neill (Carnaby- Melhorar a propulsão do
Deglutir forte e rápido.
Mann; Crary, bolo.
2008, 2010)

155
Cabe ao fonoaudiólogo definir quais técnicas são aplicáveis a cada
Capítulo 9

paciente em tratamento, de modo individual, a partir dos resultados dos exa-


mes clínico e instrumentais realizados. Esta proposta de reabilitação deve ser
utilizada de maneira intensiva, tendo em vista a melhora rápida do paciente,
essencial nos casos de disfagia orofaríngea.

Modalidades coadjuvantes no tratamento dos distúrbios da deglutição


O biofeedback eletromiográfico e a eletroestimulação neuromuscu-
lar (EENM) são modalidades coadjuvantes que também podem ser emprega-
das, em especial em casos com difícil prognóstico.
O uso do biofeedback eletromiográfico como estratégia terapêutica
é descrito em diversas áreas da saúde, inclusive na Fonoaudiologia, com es-
tudos que mostram eficácia clínica para uma variedade de distúrbios neuro-
musculares. Enquanto estratégia terapêutica, o biofeedback eletromiográfico
pode ser usado para auxiliar no treinamento de relaxamento muscular, de
coordenação e/ou padrões de resposta muscular, bem como no recrutamen-
to de maior número de unidades motoras durante atividade do músculo esti-
mulado (Rahal; Silva; Berretin-Felix, 2011).
Desta forma, esta técnica pode ser utilizada como auxiliar no tra-
tamento da deglutição atípica, quando iniciado o treino do padrão normal
bem como na automatização do novo padrão funcional, por possibilitar ao
paciente monitorar o recrutamento da musculatura da língua indiretamente
(músculos supra-hioideos), além dos masseteres e dos lábios, evitando movi-
mentos inadequados e permitindo o ajuste muscular necessário à deglutição
normal por meio do reforço visual e/ou auditivo (Figura 3).
A aplicação do biofeedback eletromiográfico também é descrita
como método coadjuvante no tratamento das disfagias orofaríngeas e mos-
tra melhora na força para deglutir, bem como na coordenação da deglutição
(O’Kane et al., 2010), tanto em casos de disfagia neurogênica quanto mecâ-
nica, com melhores resultados funcionais em indivíduos com disfagia neuro-
gênica (Crary et al., 2004).
A mais nova proposta para a reabilitação da disfagia orofaríngea
trata-se da eletroestimulação neuromuscular (EENM). A EENM tem sido pre-
conizada como uma modalidade coadjuvante para melhorar os resultados
dos exercícios baseados na terapia de disfagia. De acordo com Mysiw e Jack-
son (1996) e Wijting e Freed (2010), a EENM consiste na aplicação de pulsos
156
Terapia Fonoaudiológica em Deglutição (como eu trato) – Giédre Berretin-Felix, Marcela Maria Alves da Silva & Cláudia Tiemi Mituuti
Figura 3. Biofeedback eletromiográfico durante a deglutição de líquido.

de corrente elétrica na pele para estimular o tecido muscular pela estimula-


ção do músculo ou pelos nervos motores periféricos. A corrente causa uma
despolarização do nervo motor periférico geralmente onde o nervo entra no
ventre do músculo (junção neuromuscular ou placa motora terminal) e este,
por sua vez, irá eliciar a contração muscular.
A EENM recebeu atenção dos fonoaudiólogos desde a aplicação ini-
cial para disfagia por Freed et al. (2001). Alguns estudos têm demonstrado
mudanças na fisiologia da deglutição após o uso da EENM, como a melhora
das características fisiológicas da deglutição (Freed et al., 2001; Blumenfeld
et al., 2006; Bogaardt et al., 2009) e da qualidade de vida em indivíduos com
disfagia orofaríngea (Carnaby-Mann; Crary, 2008), e também especificamen-
te em casos pós-AVE (Gallas et al., 2009; Huang et al., 2010; Xia et al., 2011).
Além disso, o aumento da excursão laríngea tem sido descrito como uma
mudança fisiológica na deglutição, como o abaixamento do osso hioide no
repouso em indivíduos com disfagia neurogênica (Humbert et al., 2006; Lu-
dlow et al., 2007) e aumento da elevação da laringe durante a deglutição
(Leelamanit; Limsakul; Geater 2002).
Também foram encontrados estudos que relataram o melhor ní-
vel de ingestão oral (Leelamanit; Limsakul; Geater, 2002; Permsirivanich et
al., 2009), melhores resultados em pacientes com disfagia moderada (Shaw,
2007), aumento da sensibilidade em indivíduos pós-AVE (LIM et al., 2009)
e diminuição da aspiração laringotraqueal (Leelamanit; Limsakul; Geater,
2002) com o uso da EENM. Por outro lado, alguns estudos também relataram
que não foram encontradas diferenças nos resultados clínicos dos pacientes
157
submetidos à reabilitação com a EENM (Kiger; Brown; Watkins, 2006; Bülow
Capítulo 9

Et Al., 2008; Humbert et al., 2008).


A partir da literatura apresentada fica evidente a possibilidade de
aplicação de diferentes recursos terapêuticos voltados aos distúrbios da de-
glutição orofaríngea, cuja indicação e contra indicação só pode ser determi-
nada com o uso de procedimentos de diagnóstico e acompanhamento da
evolução validados cientificamente.

Considerações finais
O uso de protocolos com escores e/ou classificação da gravidade
do distúrbio da deglutição representou um importante avanço, por favorecer
não apenas o diagnóstico, mas também a avaliação da efetividade do proces-
so terapêutico por meio de sua reaplicação após o tratamento proposto. Po-
rém, ainda são escassos os estudos que apresentam protocolos terapêuticos
validados cientificamente com propostas de tratamento para os distúrbios da
deglutição, em especial em casos de deglutição atípica.
Assim, apesar dos avanços científicos em terapia fonoaudiológica,
muitas dúvidas ainda existem sobre a seleção dos procedimentos reabilita-
dores em casos de deglutição atípica e disfagia orofaríngea, existindo a ne-
cessidade de que programas terapêuticos sejam estudados de modo rando-
mizado e controlado, possibilitando a comprovação de sua eficácia.

Referências bibliográficas

Marchesan IQ. Fundamentos em Fonoaudiologia. Aspectos clínicos da motri-


cidade oral. Guanabara Koogan. 1998
Marchesan IQ. Fundamentos em Fonoaudiologia. Aspectos clínicos da motri-
cidade orofacial. Guanabara Koogan. 2005.
Groher ME. Dysphagia: diagnosis and management. Butterworth – Heine-
mann, ____.1997
Silva LM. Disfagia orofaríngea pós-acidente vascular encefálico no idoso. Rev
Bras Geriatr Gerontol. 2006;9(2):93-106.
Vale-Prodomo LP, Carrara-De-Angelis E, Barros APB. Avaliação clínica fono-
audilógica das disfagias. In: Jotz, G, Carrara-De-Angelis E, Barros APB.
Tratado da deglutição e disfagia: no adulto e na criança. Rio de Janeiro,
Revinter, 2009. p.61-67.

158
Felício CM, Ferreira CLP. Protocolo f orofacial myofunctional evaluation with

Terapia Fonoaudiológica em Deglutição (como eu trato) – Giédre Berretin-Felix, Marcela Maria Alves da Silva & Cláudia Tiemi Mituuti
scores. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2008;72:367-375.
Felício CM, Folha GA, Ferreira CLP, Medeiros APM. Expanded protocolo of
orofacial myofunctional evaluation with scores: Validity and reliability. Int
J Pediatr Otorhinolaryngol. 2010;74:1230-1239.
Genaro KF, Berretin-Felix G, Rehder MIBC, Marchesan IQ. Avaliação miofun-
cional orofacial – Protocolo MBGR. Rev CEFAC. 2009;11(2):237-255.
Silva RG. Disfagia neurogênica em adultos: uma proposta para avaliação clíni-
ca. In: Furkim AM, Santini CS. Disfagias Orofaríngeas. 2ª. ed. Barueri: Pró-
Fono; 2004. p.35-48.
Padovani AR, Moraes DP, Mangili LD, Andrade CRF. Protocolo Fonoaudiológi-
co de Avaliação do Risco para Disfagia (PARD). Rev Soc Bras Fonoaudiol.
2007;12(3):199-205.
Mann G. MASA: The Mann assessment of swallowing ability. Clifton (NY):
Thomson Learning Inc, 2002.
Degan VV, Puppin-Rontani RM. Remoção de hábitos e terapia miofun-
cional: restabelecimento da deglutição e repouso lingual.  Pró-Fono.
2005;17(3):375-382
Speyer R, Baijens L, Heijnen M, Zwijnenberg I. Effects of therapy in oropha-
ryngeal dysphagia by speech and language therapists: a systematic re-
view. Dysphagia. 2010Mar;25(1):40-65. Epub 2009 Sep 17.
Silva R. G. da. A eficácia da reabilitação em disfagia orofaríngea. Pró-Fono
2007;19(1):123-130.
Wheeler-Hegland K, Ashford J, Frymark T, McCabe D, Mullen R, Musson N,
Hammond CS, Schooling T. Evidence-based systematic review: Oropha-
ryngeal dysphagia behavioral treatments. Part II – Impact of dysphagia
treatment on normal swallow function. J Rehabil Res Dev. 2009;46(2):185-
94.
Ashford J, McCabe D, Wheeler-Hegland K, Frymark T, Mullen R, Musson N,
Schooling T, Hammond CS. Evidence-based systematic review: Oro-
pharyngeal dysphagia behavioral treatments. Part III--impact of dyspha-
gia treatments on populations with neurological disorders. J Rehabil Res
Dev.2009;46(2):195-204.
Burkhead LM, Sapienza CM, Rosenbek JC. Strength-Training Exercise in Dys-
phagia Rehabilitation: Principles, Procedures, and Directions for Future
Research. Dysphagia.2007;22(3):251–265
Yoshida M, Groher ME, Crary MA, Mann GC, Akagawa Y. Comparison of sur-
face electromyographic (sEMG) activity of submental muscles between
the head lift and tongue press exercises as a therapeutic exercise for pha-
ryngeal dysphagia. Gerodontology. 2007;24(2):111–116

159
Palmer PM, Jaffe DM, McCulloch TM, Finnegan EM, Van Daele DJ, Luschei ES.
Capítulo 9

Quantitative contributions of the muscles of the tongue, floor-of-mouth,


jaw, and velum to tongue-to-palate pressure generation. J Speech Lang
Hear Res. 2008 Aug;51(4):828-35.
Santoro P, e Silva IL, Cardoso F, Dias E Jr, Beresford H. Evaluation of the effective-
ness of a phonoaudiology program for the rehabilitation of dysphagia in the
elderly. Arch Gerontol Geriatr. 2011Jul-Aug;53(1):e61-6. Epub 2010 Nov 18.
Wheeler KM, Chiara T, Sapienza CM. Surface Electromyographic Activity of
the Submental Muscles During Swallow and Expiratory Pressure Thresh-
old Training Tasks. Dysphagia 22:108–116 (2007).
Pitts T, Bolser D, Rosenbek J, Troche M, Okun MS, Sapienza C. Impact of expi-
ratory muscle strength training on voluntary cough and swallow function
in Parkinson disease. Chest. 2009 May;135(5):1301-8. Epub 2008 Nov 24.
Pitts T, Bolser D, Rosenbek J, Troche M, Sapienza C. Voluntary cough produc-
tion and swallow dysfunction in Parkinson’s disease. Dysphagia. 2008
Sep;23(3):297-301. Epub 2008 May 16.
Troche MS, Okun MS, Rosenbek JC, Musson N, Fernandez HH, Rodriguez R,
Romrell J, Pitts T, Wheeler-Hegland KM, Sapienza CM. Aspiration and
swallowing in Parkinson disease and rehabilitation with EMST: a random-
ized trial. Neurology. 2010 Nov 23;75(21):1912-9.
Motta L, Viegas C. Exercícios vocais na reabilitação da disfagia. In: Jacobi JS,
Levy DS e Silva LMC. Disfagia: avaliação e tratamento. Rio de Janeiro – RJ.
Revinter. 2003. p.365-372.
El Sharkawi A, Ramig L, Logemann JA, Pauloski BR, Rademaker AW, Smith CH,
Pawlas A, Baum S, Werner C. Swallowing and voice effects of Lee Silver-
man Voice Treatment (LSVT): a pilot study. J Neurol Neurosurg Psychiatry.
2002 Jan;72(1):31-6.
Behlau M, Madazio G, Feijó D, Pontes P. Avaliação de Voz. In: Behlau, M (Org.)
Voz: o Livro do Especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2001;3:105-115.
Baker S,  Davenport P, Sapienza C.  Examination of Strength Training  and
Detraining Effects in  Expiratory Muscles.  J Speech Lang Hear Res.
2005;48:1325–1333.
Crary MA, Carnaby-Mann GD, Groher ME, Helseth E. Functional benefits of
dysphagia therapy using adjunctive sEMG biofeedback. Dysphagia. 2004;
19: 160-64.
Carnaby-Mann GD, Crary M. Adjunctive Neuromuscular Electrical Stimu-
lation for Treatment-Refractory Dysphagia. Ann Otol Rhinol Laryngol.
2008;117(4):279-87.
Carnaby-Mann GD, Crary MA. McNeill dysphagia therapy program: a case-
control study. Arch Phys Med Rehabil. 2010 May;91(5):743-9.

160
Rahal A, Silva MMA, Berretin-Felix G. Eletromiografia de superfície e biofeed-

Terapia Fonoaudiológica em Deglutição (como eu trato) – Giédre Berretin-Felix, Marcela Maria Alves da Silva & Cláudia Tiemi Mituuti
back eletromiográfico In: Pernambuco LA, Silva HJ, Souza LB, Magalhães
HV, Cavalcanti RVA. Atualidades em Motricidade Orofacial. Rio de Janei-
ro: Revinter, 2011, v.1, p. 49-58.
O’Kane L, Groher ME, Silva K, Osborn L. Normal muscular activity during swal-
lowing as measured by surface electromyography. Ann Otol Rhinol Laryn-
gol. 2010 Jun.; 119(6): 398-401.
Mysiw W, Jackson RD. Electrical stimulation. In Braddom RL (Ed.): Physical
medicine and rehabilitation. Philadelphia, Sauders. pp 464-89. 1996.
Wijting Y, Freed ML. VitalStim therapy training manual. Hixson, TN: Catta-
nooga Group 2010.
Freed ML, Freed L, Chatburn RL, Christian M. Electrical stimulation for swal-
lowing disorders caused by stroke. Respir Care. 2001; 46(5): 466-74.
Blumenfeld L, Hahn Y, LePage A, Leonard R, Belafsky P. Transcutaneos elec-
trical stimulation versus traditional dysphagia therapy: A nonconcurrent
cohort study. Otoryngol Head Neck Surg. 2006; 135(5): 754-7.
Bogaardt H, van Dam D, Wever NM, Bruggeman CE, Koops J, Fokkens WJ. Use
of neuromuscular electrostimulation in the treatment of dysphagia in
patients with multiple sclerosis. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2009; 118(4):
241-6.
Gallas S, Marie JP, Leroi AM, Verin E. Sensory Transcutaneous Electrical Stim-
ulation Improves Post-Stroke Dysphagic Patients. Dysphagia. 2009.
Huang Z, Huang F, Yan HX, Min Y, Gao Y, Tan BD, Qu F. [Dysphagia after stroke
treated with acupuncture or electric stimulation: a randomized con-
trolled trial]. Zhongguo Zhen Jiu. 2010;30(12):969-73.
Xia W, Zheng C, Lei Q, Tang Z, Hua Q, Zhang Y, Zhu S. Treatment of post-stroke
dysphagia by vitalstim therapy coupled with conventional swallowing
training. J Huazhong Univ Sci Technolog Med Sci. 2011;31(1):73-6. Epub
2011 Feb 19.
Humbert IA, Poletto CJ, Saxon KG, Kearney PR, Crujido L, Wright-Harp W, et
al. The Effect of Surface Electrical Stimulation on Hyo-Laryngeal Move-
ment in Normal Individuals at Rest and During Swallowing. J Appl Physiol.
2006;101(6): 1657–1663.
Ludlow C, Humbert I, Saxon K, Poletto C, Sonies B, Crujido L. Effects of surface
electrical stimulation both at rest and during swallowing in chronic pha-
ryngeal dysphagia. Dysphagia, 22(1): 1-10, 2007.
Leelamanit V, Limsakul C, Geater A. Synchronized electrical stimulation in
treating pharyngeal dysphagia. Laryngoscope. 2002; 112(12): 2204-10.
Permsirivanich W, Tipchatyotin S, Wongchai M, Leelamanit V, Setthawatchar-
awanich S, Sathirapanya P et al. Comparing the effects of rehabilitation

161
swallowing therapy vs. neuromuscular electrical stimulation therapy
Capítulo 9

among stroke patients with persistent pharyngeal dysphagia: a random-


ized controlled study. J Med Assoc Thai. 2009; 92(2): 259-65.
Shaw GY, Sechtem PR, Searl J, Keller K, Rawi TA, Dowdy E. Transcutaneous
neuromuscular electrical stimulation (VitalStim) curative therapy for se-
vere dysphagia: myth or reality? Ann Otol Rhinol Laryngol. 2007; 116(1):
36-44.
Lim KB, Lee HJ, Lim SS, Choi YI. Neuromuscular electrical and thermal-tactile
stimulation for dysphagia caused by stroke: a randomized controlled tri-
al. J Rehabil Med. 2009; 41(3): 174-8.
Kiger M, Brown CS, Watkins L. Dysphagia Management: an analysis of pa-
tient outcomes using VitalStim-Therapy compared to Traditional Swallow
Therapy. Dysphagia.2006;21(4):243-53.
Bülow M, Speyer R, Baijens L, Woisard V, Ekberg O. Neuromuscular electrical
stimulation (NMES) in stroke patients with oral and pharyngeal dysfunc-
tion. Dysphagia. 2008; 23(3): 302-9.
Humbert IA, Robbins J. Dysphagia in the Elderly. Phys Med Rehabil Clin N Am.
2008;19:853–866.

162
Terapia Fonoaudiológica em Deglutição (como eu trato) – Silvana Brescovici
Capítulo 10
Terapia Fonoaudiológica em Deglutição
(como eu trato)

Silvana Brescovici

Introdução

A deglutição é uma ação motora automática, neuromuscular com-


plexa e vital que pode ser iniciada voluntariamente. Envolve estruturas do
sistema respiratório, digestório e estomatognático, numa sequência de mo-
vimentos altamente coordenada (Douglas 1998; Marchesan, 1998). Regiões
corticais e subcorticais são fundamentais no controle da deglutição automá-
tica e volitiva. Tem grande flexibilidade funcional acomodando-se às carac-
terísticas do bolo e variáveis relacionadas ao deglutidor (Corbin-Lewis, Liss,
Sciortino, 2009). Quando a fase oral está alterada, é classificada, na especia-
lidade da motricidade orofacial, como atípica ou adaptada, dependendo do
fator etiológico.
Parece ser consenso, na especialidade da motricidade orofacial,
que o sucesso do tratamento fonoaudiológico da deglutição depende:
1. do conhecimento teórico do fonoaudiólogo para o raciocínio clínico;
2. das condições estruturais e funcionais do paciente para deglutir;
3. da seleção, pelo profissional, de técnicas e recursos terapêuticos;
4. da motivação do paciente para modificar o padrão;
5. da participação efetiva dos pais quando se tratar de crianças;
6. da capacidade do paciente para refletir ativamente sobre a aquisição
do novo padrão de deglutição;
7. do automonitoramento necessário para a automatização.

163
Refletir sobre este tema, descrevendo minha prática clínica no tra-
Capítulo 10

tamento da deglutição é o objetivo deste capítulo.

Sobre o conhecimento do fonoaudiólogo


É o conhecimento teórico do processo normal e alterado da deglu-
tição e sobre as estruturas anatômicas envolvidas, em conjunto com os da-
dos obtidos na entrevista e no exame clínico, que me permitem o raciocínio
necessário para estabelecer o diagnóstico, identificar a etiologia da alteração,
definir o momento de atuação, solicitar avaliações complementares, realizar
encaminhamentos, definir prognóstico e elaborar o plano terapêutico eficaz.
Destaco a importância da educação continuada com a realização
de cursos de pós-graduação, grupos de estudos e a atualização por meio de
leitura de artigos científicos da área.

Sobre as condições estruturais e funcionais


É por meio da avaliação clínica e dos exames complementares
que identifico se o paciente apresenta ou não as condições estruturais e
funcionais necessárias para a realização adequada da deglutição. Como ela
é dependente da respiração e mastigação, da morfologia, do funcionamen-
to e da postura das estruturas orofaciais, todos estes aspectos devem ser
avaliados.
Não se fará aqui uma descrição pormenorizada da avaliação, uma
vez que há excelentes publicações sobre o tema (Silva e Cunha, 2005; Mar-
chesan, 2005; Tanigute, 2005) e dos protocolos de avaliação miofuncional
orofacial com escores quantitativos (Genaro, Berretin-Felix, Rehder, Marche-
san, 2009; Felício, Ferreira, 2008; Felício, 2010) que permitem estimar o grau
da alteração ou da dificuldade. Esta mensuração, além de ser útil para a ela-
boração do planejamento terapêutico e definição do prognóstico, favorece
verificação nas reavaliações dos resultados das metas e, portanto, da efetivi-
dade das estratégias propostas.
Entretanto, não se trata de preencher protocolos; faz-se necessário
saber o que preencher. A queixa é que orienta a forma de conduzir a en-
trevista e esta deve direcionar o exame clínico. Ou seja, inicio fazendo uma
avaliação funcional da deglutição, e a partir dos sinais de alteração procuro
identificar cada um dos fatores determinantes. Iniciar a avaliação pela queixa
trazida parece, inclusive, fazer mais sentido ao paciente.
164
Sugiro a seguir uma proposta de avaliação da deglutição:

Terapia Fonoaudiológica em Deglutição (como eu trato) – Silvana Brescovici


a) no momento da entrevista inicial observar a deglutição de saliva
no repouso e durante a fala. Essa última é um importante recur-
so de avaliação também durante o seguimento. Nas reavaliações,
como o paciente já está treinado e sabe o que deve fazer, a ava-
liação tradicional perde o sentido. Por essa razão, o melhor re-
curso é a observação da deglutição durante a fala espontânea.
Entre uma e outra abertura da boca, percebe-se a posição e o
movimento da língua;
b) no exame
• usando um copo de fundo transparente e arredondado (que
permite a ampliação da imagem) solicita-se a deglutição de
água em goles seguidos. Uma boa estratégia é filmar, através
do fundo do copo, para o paciente visualizar e entender como
realiza a deglutição;
• na deglutição com sólidos, observando sinais como movimen-
tação de cabeça ou anteriorização mandibular, decorrentes de
uma preparação oral ineficiente;
• na deglutição de água, gole por gole, separando os lábios ime-
diatamente após a fase oral da deglutição e sem interferir no
processo (Marchesan, 2005).

Há ainda comportamentos sugestivos de melhor ou pior capaci-


dade proprioceptiva, como por exemplo, executar com precisão uma praxia
após o comando verbal é bastante diferente de apenas conseguir realizá-la
com o uso do espelho ou colocando a mão para “sentir” o movimento. A
necessidade da percepção visual e ou do tato das mãos sugere alguma difi-
culdade proprioceptiva.
Para a aquisição do novo padrão de deglutição, condições estrutu-
rais e funcionais devem ser estabelecidas anteriormente ou concomitante-
mente à abordagem específica para a deglutição. A terapia para a respiração
e a mastigação, por exemplo, antecedem à da deglutição. Na Figura 1, a se-
guir, sintetizo as alterações da deglutição mais comumente encontradas e
seus possíveis determinantes.

165
Alterações Determinantes *
Capítulo 10

( ) Tamanho de- ( ) Obstruções


( ) Má oclusão.
sproporcional da ( ) Face longa nasais e farín-
Qual?
língua geas
( ) Respiração ( ) Tonsilas
( ) Falta de força ( ) Frênulo lin-
oral ou oronasal palatinas hi-
da língua gual alterado
(RO) pertróficas
( ) Falta de força ( ) Sucção
( ) Interposição
nos lábios/ausên- ( ) Dieta pas- digital
anterior da
cia de selamento tosa Chupeta Mama-
língua
labial deira
( ) Diminuição
( ) Dificul-
da dimensão
( ) Língua baixa ( ) Face curta dades de or-
( ) Interposição vertical in-
dem afetiva
lateral da íngua traoral
( ) Alteração
( ) Língua mais ( ) Cabeça ante-
na postura cor-
anterior riorizada
poral
( ) Alteração na ( ) Disfunção
sensibilidade Temporoman-
e/ou propriocep- dibular
ção (DTM)
( ) Alteração na
( ) Hábitos orais
mobilidade da
Deletérios
língua

Outro: ( ) Outro

( ) Projeção anterior da língua


( ) Par- ( ) Diminuição da força de lábios e
ticipação língua
exagerada da ( ) Face longa
musculatura
perioral ( ) Má oclusão
( ) Outro
( ) Má oclusão
Qual?
Contração do ( ) Excessiva participação perioral
músculo men- ( ) Lábio superior curto ( ) RO
tual ( ) Ausência de fechamento labial

( ) Outro

( ) Classe II com sobressaliência


Interposição ( ) Lábio superior curto
labial ( ) Ausência de fechamento labial ( ) RO

( ) Outro
166
Terapia Fonoaudiológica em Deglutição (como eu trato) – Silvana Brescovici
( ) Mastigação ( ) Fraqueza
( ) RO
ineficiente muscular
( ) Problemas ( ) Estresse,
( ) Mastigação ( ) Dieta pas-
dentários, peri- ansiedade
unilateral tosa
odontais.
Qual? ( ) Face longa
( ) Mastigação ( ) Alteração
( ) Má oclusão ( ) Apertamen-
bilateral simul- na postura cor-
Qual? to dentário
tânea poral
( ) Movimen- ( ) Prótese mal ( ) Frênulo lin-
tos compen- ( ) Outro
adaptada gual alterado
satórios
( ) Alteração
da cabeça
( ) DTM na postura da
cabeça
( ) Incoorde-
nação dos
( ) Hábitos de-
movimentos
letérios. Qual?
das estruturas
orofaciais
( ) Alteração na
mobilidade da
língua
( ) Alteração na
sensibilidade e/
ou propriocep-
ção
( ) Língua baixa ( ) Dieta pastosa
( ) Ruídos
( ) Fraqueza da língua ( ) RO
( ) Outro ( ) Face longa
( ) Fraqueza muscular ( ) Dieta pastosa
( ) Resíduos
após de- ( ) Diminuição saliva ( ) RO
glutição ( ) Alteração mobilidade língua ( ) Face longa
( ) Alteração na sensibilidade
( ) Outro

( ) Ausência de contração do músculo masseter du-


rante a deglutição de volumes maiores e consistência
mais duras

Obs. Destacados em cinza os determinantes que não são tratados pelo fonoaudiólogo.

Figura 1. Alterações da deglutição e possíveis determinantes (adaptado de


Cattoni, 2004).
167
A resolução de alguns desses fatores são da competência de outros
Capítulo 10

profissionais: da odontologia, no tratamento das alterações dento-oclusais;


da otorrinolaringologia, nas obstruções nasofaringeas; da fisioterapia nas al-
terações posturais.
Dessa forma, é fundamental manter comunicação e discussão do
caso não apenas no momento da avaliação, como também durante o proces-
so de intervenção e de alta. É a compreensão compartilhada do que acontece
com o paciente que possibilitará a definição da melhor conduta a ser adotada
em cada momento terapêutico.

Sobre a seleção de recursos e técnicas terapêuticas


Concluído o processo de avaliação, é fundamental que o fonoaudi-
ólogo consiga responder a seguinte questão:
Este é o momento certo para iniciar a terapia fonoaudiológica, para
encaminhar a outro profissional ou para acompanhar a evolução?
Muitas vezes as alterações estruturais exigem a intervenção de ou-
tros profissionais antes de se iniciar a fonoterapia. Caso a resposta seja afir-
mativa para o início do tratamento, o fonoaudiólogo deve perguntar:
Existe necessidade de terapia fonoaudiológica direcionada a outras
alterações miofuncionais? Que recursos são necessários para o trabalho es-
pecífico com a deglutição?
Normalmente a alteração da deglutição é apenas parte de um qua-
dro maior de comprometimento de distúrbios miofuncionais orofaciais. Des-
sa forma, é bem provável que, no momento de direcionar a intervenção para
a deglutição, o paciente já tenha trabalhado para a adequação da respiração
ou da mastigação e para o equilíbrio da musculatura orofacial. Com a mus-
culatura equilibrada, já tendo sido investido no trabalho proprioceptivo e de
conscientização direcionados para a mastigação e respiração, a aquisição e
o treino do novo padrão da deglutição são mais fáceis de serem entendidos
pelo paciente.
Entretanto, quando a dificuldade encontrada relaciona-se especifi-
camente à deglutição, de um modo geral, na literatura (Cattoni, 2004; Mar-
chesan, 2005; Taylor, 2005) estão descritas as terapias fonoaudiológicas di-
recionadas para conscientização, desenvolvimento da propriocepção, treino
muscular direcionado à função, aquisição e treino da deglutição de várias
consistências além da automatização com transferência para o dia a dia.
168
Para a adequação da deglutição, o paciente precisará avaliar-se e

Terapia Fonoaudiológica em Deglutição (como eu trato) – Silvana Brescovici


monitorar-se constantemente até que a deglutição esteja internalizada e um
novo padrão adquirido. Observam-se melhores resultados nesse processo
quando o paciente assume uma postura ativa, regulando suas mudanças.
Para tal, a cognição desempenha um papel fundamental, devendo ser consi-
derada no processo. Melhores condições cognitivas para regular a autoper-
cepção e o automonitoramento favorecem o desempenho. Dessa forma, as
características cognitivas individuais devem ser compreendidas pelo fonoau-
diólogo, que poderá assim, inferir sobre o prognóstico.
A autorregulação é resultado da interação de conhecimentos, de
competências e de motivações. Ela é necessária para o planejamento, para
a organização, para o controle e para a avaliação das estratégias adotadas
e dos resultados atingidos (Malloy-Diniz et al., 2008). A aprendizagem au-
torregulada pressupõe a capacidade de criar um plano visando alcançar
um determinado objetivo, de selecionar estratégias adequadas para exe-
cução dos mesmos, de revisar sistematicamente as estratégias, bem como
seus objetivos e de fazer redirecionamentos quando necessário. Existe um
caráter fundamentalmente voluntário e intencional subjacente a esse con-
ceito (Freire, 2009). O desenvolvimento das capacidades de autorregu-
lação possibilita que o paciente aja de forma independente e organize o
próprio comportamento.
O desempenho no treino da deglutição envolve a atenção susten-
tada e a inibição do antigo padrão. O comportamento deve ser iniciado,
sustentado ou alterado (dependendo da sua eficácia), interrompido (quan-
do necessário) e integrado a outros dentro do contexto da solução do pro-
blema (Malloy-Diniz et al. 2008). Tais habilidades são conhecidas como
funções executivas (FE), que envolvem processos cognitivos, destinados a
organizar e adequar a conduta em situações que demandam planejamen-
to e tomada de decisão, resolução de problemas, iniciação e inibição de
ações.
Os diferentes componentes das FE (executivo central da me-
mória de trabalho, o controle inibitório, a flexibilidade cognitiva, a ha-
bilidade de planejamento, a velocidade de processamento) demonstram
trajetórias distintas de desenvolvimento de acordo com a complexidade
dos seus domínios. Os componentes executivo central da memória de tra-
balho e inibição apresentam uma evolução progressiva. Já as habilidades
169
de planejamento, de flexibilidade cognitiva e de velocidade de processa-
Capítulo 10

mento parecem apresentar um pico significativo no seu desenvolvimento


por volta dos 11 e 12 anos, estando relativamente maduros nesta idade
(Pureza, 2011). Entre os 11 e os 13 anos de idade são relatadas regressões
desenvolvimentais, sobretudo nas habilidades de autorregulação e de to-
mada de decisões estratégicas, o que parece associar-se ao período de
transição para a adolescência (Anderson, 2002). Dificuldades encontra-
das na automatização da deglutição em alguns pacientes poderiam ser
explicadas por FE ainda não suficientemente desenvolvidas? Apesar dos
avanços na área da neuropsicologia e da fonoaudiologia esse tema ainda
não foi suficientemente explorado.
Quanto menos desenvolvidas as habilidades executivas do pacien-
te, mais importante torna-se o papel dos pais nesse processo. Em maior ou
menor grau, conforme a necessidade da criança, eles podem influenciar no
direcionamento da atenção, na inibição de comportamentos inadequados
para se alcançar os objetivos propostos e no monitoramento durante a exe-
cução das tarefas. A participação dos pais valorizando os esforços despendi-
dos pela criança é um importante fator para a motivação.
Dessa maneira, no processo terapêutico é fundamental a definição
dos objetivos antes da seleção das estratégias e o controle dos resultados de
cada meta, dia a dia. Inicialmente, as metas são estabelecidas primordial-
mente pelo fonoaudiólogo. Progressivamente, torna-se uma tarefa compar-
tilhada com o paciente.
É útil a confecção de agenda de sessão com o paciente, onde são re-
gistrados os objetivos a serem desenvolvidos durante a sessão, as estratégias
utilizadas, seus resultados e a autoavaliação do paciente. O paciente também
pode utilizar uma agenda para o registro fora do ambiente de consultório.
Esse recurso organiza o processo, permite avaliar o efeito específico de cada
estratégia no decorrer do tempo e estimula o automonitoramento (exemplo
no Quadro 1).

170
Quadro 1. Plano de sessão.

Terapia Fonoaudiológica em Deglutição (como eu trato) – Silvana Brescovici


Plano de sessão Data:
Alteração/ Determi- *Resul- **Auto Próximo
Objetivo Estratégia
problema nante tado avaliação passo
Identificar Filmes
Inter- Não per- semelhan- onde as
posição de cebe seu ças / difer- Filmes (-) - alterações
língua problema enças de são mais
deglutição evidentes
Acoplar
Adequar Estimu-
a língua ***(-)
Inter- Língua mor- lação sen-
ao palato, (língua na
posição de alargada fologia e *** (9) sorial nas
abrir e superfície
língua e flácida tensão de laterais da
fechar a oclusal)
língua língua
boca

*Poderão ser utilizadas medidas quantitativas como escores do protocolo, eletromiografia.


** Poderá ser por meio de nota de 1 a 10, desenho ou relatório.
***Discrepância entre resultado e autoavaliação pode indicar falha de autopercepção.

De qualquer forma, estabelecer metas claras influencia os esfor-


ços de autorregulação. Primeiro é preciso ter uma clara ideia de quais são
os objetivos e do que se deve fazer para atingi-los, ou seja, a representação
mental do estado desejado para compará-lo com a sua posição atual.
Futuras tentativas de autorregulação dependem da probabilidade
de ser capaz de diminuir a lacuna entre onde se está e aonde se quer ir. Se as
possibilidades percebidas de reduzir a discrepância forem altas, o paciente
sente-se motivado para efetuar a redução. Se a probabilidade de sucesso for
baixa, ele pode desistir de tentar (Carver e Scheier, 1998).
O estado motivacional não é estático, mas dinâmico e pode ser in-
fluenciado por fatores externos. Aumentar a prontidão para mudança é uma
das metas do fonoaudiólogo. Assim, sugiro dividir os objetivos em etapas
específicas e concretas, orientando a focar em objetivos de curto prazo para
facilitar a conquista dos objetivos de longo prazo.
Porém, muitas vezes, o paciente ainda não está pronto para a mudan-
ça. Estaria nos estágios iniciais do Modelo Transteórico (Anexo 1) proposto por
Prochaska e DiClemente (1992) para explicar os estágios de mudança de compor-
tamento em saúde. Nesta situação, o paciente deve ser sensibilizado para con-
frontar-se com sua problemática, percebendo e entendendo o que lhe acontece.
171
Conscientização e autopercepção
Capítulo 10

É a partir de quando e como o paciente percebe e entende o que


está lhe acontecendo e o que precisa fazer para a realização da deglutição
que ele conseguirá estabelecer seus objetivos, planejar e usar estratégias
para atingi-los, monitorar seu desempenho, reestabelecer novas metas e as-
sim chegar à automatização funcional.
Trata-se de tornar consciente a função que realiza automatica-
mente. Assim, é fundamental que ele reflita sobre a sua deglutição. No iní-
cio, essa aprendizagem é mais conceitual e de representação. Vale lembrar
que uma representação é privilegiada quando ela se encontra em oposição
a outra, de mesma ordem, e em sentido contrário a que a sucede ou pre-
cede. É pelo contraste que espontaneamente o paciente descobre a noção
precisa que a ação recobre. Em outras palavras, ele deve perceber como
engole, as diferentes formas de engolir, com alimentos de diferentes con-
sistências, que estruturas se movimentam, o que acontece quando o lábio
está aberto, quando está fechado, quando a língua se posiciona entre den-
tes, quando fica dentro da boca, e quando ela se apoia no palato. Esse é
um trabalho de construção pessoal. Vivenciando e refletindo a partir do
que tem internalizado, o paciente vai comparando, diferenciando e assim
representando esquemas.
A ação, com base em objetivos, depende da combinação das infor-
mações sensoriais e motoras, ou seja, requer a integração da informação do
que está ocorrendo com o sistema motor. Da mesma maneira, as ações são
produzidas em antecipação às consequências sensoriais. A integração das in-
formações externas com o plano motor, no início da aprendizagem, orienta
para a compreensão da relação entre o movimento e seus efeitos, permitin-
do antecipar as consequências da ação.
Não se trata apenas de informar, mas de estimular a consciência
e autopercepção. O fonoaudiólogo exerce o papel de mediador, apontando
para qual contraste o paciente deve olhar, seja forma ou posição da estrutura
orofacial, seja força, movimento ou coordenação.
Para esta etapa sugiro:
• filmes de pacientes realizando diferentes formas de deglutir;
• fotos para confrontação de estruturas;
• sensibilização oral de pontos ou regiões específicas;
• retirada progressiva do espelho.
172
É importante pontuar que esta não é uma etapa apenas inicial, ela se

Terapia Fonoaudiológica em Deglutição (como eu trato) – Silvana Brescovici


sobrepõe às outras na medida em que o paciente experimenta ações motoras,
novas consistências, novas percepções e novos objetivos. Assim, juntamente
com os familiares (se necessário) vou modelando, ou seja, reforçando sucessi-
vas aproximações até alcançar o comportamento desejado e orientando quan-
to ao estabelecimento de objetivos que sejam desafiadores, porém atingíveis.
Na figura 2 exemplifico com Ficha de Controle desta intervenção.

Consciência do Padrão de Deglutição

Orientação: “Vamos olhar alguns filmes de pessoas engolindo. Você vai observar, ana-
lisar e depois responder a algumas perguntas que vou lhe fazer sobre eles”.

Identificaçao de Semelhanças
1) Filme 1 - Com alteração versus Filme 2 - Sem alteração

a) As formas de engolir são iguais ou diferentes?


( ) igual ( ) diferente
b) O que há de diferenças? (se respondeu diferente na questão anterior)
________________________________________________________________

Orientação: “Agora você vai ver um filme, após lhe apresentarei mais dois e você terá
que selecionar qual se assemelha ao primeiro”.
2) Primeiro momento: Filme 3 - com interposição de língua
Agora seguirão os outros dois filmes, que você observará e apenas depois falará qual
deles é semelhante ao que acabou de ver”.
Segundo momento: Filme 4 - com movimentação da cabeça versus Filme 5 - com
interposição da língua.

a) Qual deles se assemelha ao primeiro?


( ) Filme 4 ( ) Filme 5

Identificação de Região de Esforço


Orientação: “Você observará apenas um filme de cada vez e deverá verificar qual parte
da face ou da boca a pessoa fez mais força para engolir”.
3) Filme 5 - com participação perioral exagerada.

a) Onde se observa maior esforço?


( ) na língua ( ) nos lábios ( ) na cabeça

4) Filme 6 - com movimentação de cabeça.

a) Onde se observa maior esforço?


( ) na língua ( ) nos lábios ( ) na cabeça

Figura 2. Consciência do padrão de deglutição.


173
Treino muscular
Capítulo 10

Nesse processo, muitas vezes é necessário treinar a musculatura


orofacial para melhorar a mobilidade, a força e a coordenação vinculadas
à função. O feedback proprioceptivo melhora com a adequação da tensão
muscular. O alinhamento postural e o apoio plantar que favorecem o funcio-
namento das cadeias musculares e dão estabilidade proximal, juntamente
com preparação facial (aquecimento e soltura da musculatura) são importan-
tes para melhorar a resposta motora.
No Quadro 2 exemplifico as estratégias para alguns dos objetivos
relacionados às condições musculares mais comumente utilizadas no trata-
mento da deglutição.

Quadro 2. Estratégias para adequação muscular.

Para reduzir dimensões e fortalecer a língua:


- Estimular sensibilidade – passar dedo enluvado ou escova macia
ou gelo (do menos ao mais estimulante, quando necessário) nas
laterais da língua elevada dentro da boca.
- Lateralizar lentamente a língua dentro da boca; parar no centro e
sustentar a contração;
- Pressionar a língua contra o palato por um segundo e soltar a
força sem retirá-la da região; num segundo momento aumentar
para três segundos;
- Acoplar a língua no palato, abrir e fechar a boca lentamente.
Para alongar o lábio superior:
- Massagear lábio com o polegar intraoral e indicador extraoral;
- Abaixar lábio superior segurando o mento com indicador e médio
por um segundo; num segundo momento aumentar para três se-
gundos; evoluir para retirar o apoio manual no mento.
Para fortalecer o lábio inferior:
- Bater o lábio inferior com dedo enluvado ou escova macia segu-
rando o mento com o indicador;
- Forçar o lábio contraído em direção posterior, segurando o mento
por um segundo, num segundo momento aumentar para três se-
gundos; evoluir para retirar o apoio no mento.

174
Terapia Fonoaudiológica em Deglutição (como eu trato) – Silvana Brescovici
Para ativar ambos os lábios:
- Protruir segurando o mento por um segundo, após aumentar
para três segundos; evoluir para retirar o apoio no mento;
- Lateralizar lábios inibindo a contração do mento.
Para fortalecer as bochecha:
- Fazer contrarresistência à espátula colocada no vestíbulo com os
lábios em bico aberto.

Aquisição da função e treino funcional


É relevante estimular o apoio da língua no palato duro, tanto o anterior
como o posterior, necessários para o jogo pressórico e para a ejeção do bolo.
Inicio o trabalho da deglutição com água em pequena quantidade.
Parece ser mais fácil, possivelmente pelas informações sensitivas e sensoriais
oriundas da temperatura e volume do fluido. Inicialmente o treino é realiza-
do gole por gole, sendo a água colocada na boca com seringa, para depois o
paciente praticar o sorver do copo, do canudo, da garrafa. Ao sorver, estimulo
a focalização no apoio da língua. Quando o paciente tem interposição lateral,
oriento o apoio da língua em região anterior do palato.
O próximo passo é fazer o paciente praticar com alimentos de
consistências variadas analisando semelhanças e diferenças. Ele deve iden-
tificar qual alimento exige mais força ou mais amplitude de movimento, por
exemplo.
Recomendo realizar o treino da deglutição de saliva na fala dirigida
e, após, na espontânea. Crianças podem praticar realizando diferentes ativi-
dades, inicialmente motoras e posteriormente cognitivas. As atividades de-
vem ser escolhidas com o paciente. Por exemplo: fazer X deglutições de saliva
e entre elas manter a língua apoiada no palato enquanto pula corda, ou faz
malabarismo, ou sempre que a carta vermelha vier seguida da azul.
A última etapa do tratamento envolve a transferência progressiva
desta aprendizagem para o dia a dia. A transferência mais difícil está ligada à
deglutição de saliva. As tarefas devem ser bem definidas e durante atividades
de vida diária, inicialmente muito curtas, tais como no banho, ao pentear o
cabelo, entre outras. Cada estratégia deverá ser autoavaliada, favorecendo
assim a autorregulação.
175
A Figura 3 resume esquematicamente as condições necessárias,
Capítulo 10

etapas e aspectos relativos ao tratamento da deglutição.

Condições estruturais e funcionais adequadas


Conscientização
Percepção

Treino muscular
Aquecimento postura, movimento
Alongamento (dissociação, amplitude,
propriocepção),
Postura corporal

tensão

Definição de objetivos
Aprendizagem

Motivação
novo padrão

Autoavaliação
Preparação Oral Treino novo

Autorregulação
padrão com
consistências
variadas

Treino em
tarefas motoras
Fala e cognitivas

Transferência
dia-dia

Figura 3. Modelo de Terapia de Deglutição na Motricidade Orofacial.


Considerações finais
Concluindo, ao tratar o paciente com alterações de deglutição é pre-
ciso considerar se ele tem estruturas que lhe permitem realizar a deglutição e
se sua respiração e sua mastigação estão adequadas. O desenvolvimento da
autopercepção e da conscientização são fundamentais durante todo o pro-
cesso. Se necessário, o treino muscular funcional é estimulado. A inibição do
antigo padrão, a aquisição e o treino do novo, em diferentes situações, alcan-
çam melhores resultados quando o paciente regula suas mudanças, assumin-
do uma postura ativa, refletindo sobre sua deglutição, avaliando-se constan-
temente, definindo seus objetivos para cada etapa e se mantendo motivado.
Assim, além dos aspectos relacionados à forma e às funções orofaciais, as ca-
racterísticas cognitivas individuais são fatores a serem considerados.
176
Referências bibliográficas

Terapia Fonoaudiológica em Deglutição (como eu trato) – Silvana Brescovici


Anderson VA, Anderson P, Northam E, Jacobs R, Mikiewicz O. Relationships
between cognitive and behavioral measures of executive function in chil-
dren with brain disease. Child Neuropsychology. 2002; 8(4), 231-240
Brocki KC, Bohlin G. Executive functions in children aged 6 to 13: a dimension-
al and developmental study. Developmental Neuropsychology, 2004; 26,
571-593.
Carver CS, Scheier ME. (1998). On the self-regulation of behavior. New York:
Cambridge University Press.
Cattoni DM. Alterações da mastigação e deglutição. In: FerreiraLP, Befi-Lopes
DM, Limongi SCO. (Org.).  Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Roca,
2004. p. 277-91.
Corbin-Lewis K, Liss JM, Sciortino KL. Anatomia clínica e fisiologia do mecan-
ismo de deglutição. São Paulo, Cengage Learning, 2009. p. 96-7
Douglas, C.R. Patofisiologia oral: fisiologia normal e patológica aplicada a od-
ontologia e fonoaudiologia. São Paulo, Pancast, 1998. p. 273-77
Felicio CM, Ferreira CLP. Protocol of orofacial myofunctional evaluation with
scores. International Journal of Pediatric Otorhinolaryngology, v. 72, p.
367-375, 2008.
Felicio CM, Folha GA, Ferreira CLP, Medeiros APM. Expanded protocol of oro-
facial myofunctional evaluation with scores: Validity and reliability. In-
ternational Journal of Pediatric Otorhinolaryngology , v. 74, p. 1230-39,
2010.
Freire LGL. Auto-regulação da aprendizagem. Ciências & Cognição 2009; Vol
14 (2): 276-286.
Malloy-Diniz LF, Sedo M, Fuentes D, Leite WB. Neuropsicologia das Funções
cognitivas. In: Fuentes D,  Malloy-Diniz LF,Camargo CHP,Cosenza RM.  e
Cols. Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: ARTMED, 2008. p.
187-206.
Genaro KF, Berretin-Felix G, Rehder MIBC, Marchesan IQ. Avaliação miofun-
cional orofacial – protocolo MBGR. Rev. CEFAC. 2009; Abr-Jun; 11(2):237-
25
Marchesan I. Deglutição – Diagnóstico e possibilidades terapêuticas. In: Mar-
chesan I. (org.). Fundamentos em fonoaudiologia: aspectos clínicos da
motricidade oral. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1998. p. 51-8
Marchesan IQ. Como avalio e trato as alterações da deglutição. In: Marche-
san IQ. (Org.). Tratamento da deglutição: a atuação do fonoaudiólogo em
diferentes países. São José dos Campos: Pulso; 2005. p. 149-211.
Miller WR, Rollnick S. Entrevista motivacional: preparando as pessoas para
a mudança de comportamentos adictivos. Porto Alegre: Artmed. 2001.
177
Prochaska JO,Diclemente CC. Transtheoretical therapy: Toward a more inte-
Capítulo 10

grative model of change. Psychotherapy: Theory, Research and Practice.


1982 19(3): 276-288
Pureza JR. Funções executivas na segunda infância: comparação quanto à
idade e correlação entre diferentes medida. [Dissertação de mestrado].
Porto Alegre, RS: Faculdade de Psicologia - Pontifícia Universidade Católi-
ca do Rio Grande do Sul (PUCRS), 2011.
Silva JH, Cunha DA. Avaliação e tratamento das alterações da deglutição. In:
Marchesan IQ. (Org.). Tratamento da deglutição: a atuação do fonoaudi-
ológico em diferentes países. São José dos Campos: Pulso; 2005. p. 133-
48. 
Tanigute CC. A documentação como ferramenta para o diagnóstico e con-
trole de terapia. In: Marchesan IQ. (Org.). Tratamento da deglutição: a
atuação do fonoaudiólogo em diferentes países. São José dos Campos:
Pulso; 2005. p.107-16.
Taylor PM. Uma maneira de abordar as alterações miofuncionais orofaciais.
In: Marchesan IQ. (Org.). Tratamento da deglutição: a atuação do fon-
oaudiológico em diferentes países. São José dos Campos: Pulso; 2005.
p.259-71
Velicer WF, Prochaska JO, Fava JL, Norman GJ, Redding CA Smoking cessation
and stress management: applications of the Transtheoretical Model of
behavior change. Homeostasis, 1998. 38, 216–233.

178
Anexo 1

Terapia Fonoaudiológica em Deglutição (como eu trato) – Silvana Brescovici


Estágio Características Abordagem terapêutica

A pessoa sequer consegue Levantar dúvidas, fazer


identificar que tem um pro- com que a pessoa possa
Pré-contem- blema. Não tem intenção aumentar a percepção
plação de modificar o comporta- dos seus problemas
mento nos próximos seis causados pelo compor-
meses*. tamento atual.

Está pensando em mudar. Buscar razões para a mu-


A mudança passa a ser dança, fortalecer a cren-
Contemplação
tanto considerada quanto ça do paciente sobre a
rejeitada. possibilidade de mudar.

Auxiliar o paciente a
Começaram a planejar a
definir a forma mais
mudança. Tem intenções
Preparação apropriada de conseguir
de mudar de atitude. Fase
obter as mudanças de-
muito estável.
sejadas.

Existe engajamento em
Ação ações significativas em bus- Auxiliar na mudança.
ca de mudança.

Auxiliar o paciente a
Praticam à mais de seis
Manutenção identificar estratégias de
meses.
prevenção à recaída.

* É utilizado o padrão de seis meses porque se considera que este é o fu-


turo mais distante no qual as pessoas planejam mudanças específicas para
comportamentos-problema.
Fontes: Prochaska et al (1992); Velicer et al (1998); Miller e Rollinick (2001). Estágios Motivacio-
nais segundo o Modelo Transteórico

179
Capítulo 10

180
Terapia Fonoaudiológica na Fala (como eu trato) – Marileda Cattelan Tomé
Capítulo 11
Terapia Fonoaudiológica na Fala
(como eu trato)

Marileda Cattelan Tomé


No escopo dos distúrbios de que trata a Fonoaudiologia, as alte-


rações de fala ocupam um lugar de destaque. Apesar de não termos dados
epidemiológicos concretos, a quantidade de trabalhos produzidos na área,
especialmente nas últimas duas décadas, apontam que são muito comuns
as alterações ligadas a “erros de fala”, seja de ordem fonética, seja de ordem
fonológica. Isso somente intensifica a premissa de que o fonoaudiólogo, em
algum momento de sua vida profissional, será procurado por alguém com
queixa de alteração na fala.
Em se tratando de erros de fala é importante retomar em que dire-
ção estamos falando. Dentro das classificações das alterações da fala, Zorzi
(1998) aponta para categoria de erros de origem musculoesquelética, por-
tanto, pertencentes a etapa de processamento motor da fala. Nesse capítulo
trataremos de alterações da fala dessa ordem, ou seja, dos complexos mo-
vimentos necessários para a fala que estão prejudicados por alteração em
estruturas ósseas e ou musculares e outras funções orofaciais.
Ao final dos cinco ou seis anos a criança já tem o sistema fonológi-
co praticamente completo, entretanto, desvios fonológicos, que caracterizam
um sistema linguístico simplificado, ainda podem ocorrer (Wertzner, 2004). Da
mesma forma, distorções dos sons da fala também podem ocorrer, principal-
mente na presença de fatores de origem estrutural. De forma geral, quando
existem erros motores permanentes na produção de um som sob o ponto de
vista articulatório, estaremos diante de alterações fonéticas. Nestes quadros o
sujeito consegue produzir contrastes entre o som distorcido e os demais sons
da língua, ou seja, ocorre a substituição de um som padrão por um som não pa-
drão, evidenciando que não há falhas no sistema fonológico (Wertzner, 2004).
181
Erros dessa ordem são chamados de desvios fonéticos ou, por al-
Capítulo 11

guns autores, distúrbios articulatórios, e pertencem ao aspecto motor da lin-


guagem. Envolvem falhas relativas a tempo, direção, pressão, programação
e integração dos movimentos da articulação, que resultam na ausência ou
inadequação dos fones (Santana et al, 2010).
O desvio fonético, segundo Costa (2009), irá ocorrer quando existir
uma inadequação ou um déficit na articulação da fala. Estruturas ósseas e ou
musculares e outras funções orofaciais alteradas serão as responsáveis pelas
alterações na fala. Aqui se situam as alterações relacionadas a lábios, língua,
bochechas, palato mole, dentes, maxila e mandíbula, faringe e laringe, mus-
culatura da respiração, alterações da face e da boca e de suas estruturas,
alterações na oclusão, respiração oral, aumento ou diminuição da quantida-
de de saliva, frênulo alterado, língua com macroglossia, alterações da ATM,
piercings linguais, próteses dentárias, dentre outros (Marchesan, 2004). En-
tre esses fatores que podem colaborar para o aparecimento de alterações na
fala, situam-se os que são internos ao indivíduo, como as tonsilas hipertrófi-
cas e outros externos, como a presença de próteses dentárias.
Entre os fatores internos, modificações das estruturas e/ou espaço
intraoral são os responsáveis pelas frequentes distorções na fala (Oliveira e
Oliveira, 2004). Modificações estruturais da cavidade oral, tais como atresia
do arco superior, má oclusão, face muito curta ou outras alterações decor-
rentes de traumas ou cirurgias, alteram os pontos articulatórios ocasionando
uma fala com distorções ou imprecisões, o que é bastante comum em sons
fricativos e líquidos, especialmente por dependerem em grande parte da lín-
gua enquanto órgão fonoarticulatório, sendo esta o órgão que parece ser o
mais passível de colaborar para a alteração de fones (Farias et al 2006; Fon-
seca et al 2003; Casarin et al, 2006).
De acordo com Marchesan (2010), no estudo geral das alterações
de fala, estruturas ósseas e/ou musculares e outras funções orofaciais têm
sido menos descritos na literatura. O que se observa é um movimento na
tentativa de compreender as especificidades de cada quadro em que se
verificam tais alterações. Como afirma Marchesan (2004) “saber que o in-
divíduo fala errado e identificar o que ele faz é, de maneira geral, bastante
simples, porém, compreender a natureza dos erros (....)” representa o real
e importante papel que o profissional tem ao estabelecer seu protocolo
de tratamento.
182
Primeiramente, os estudos se deram no processo de avaliação na

Terapia Fonoaudiológica na Fala (como eu trato) – Marileda Cattelan Tomé


área de MO. Para tal, os autores sugeriram protocolos mais objetivos com
a possibilidade de quantificar os dados da avaliação (Genaro et al, 2009),
inclusive de forma escalar (Felício e Ferreira, 2008), demonstrando que a ava-
liação miofuncional orofacial pode ter instrumentos com boa sensibilidade e
especificidade (Folha, 2010).
Concomitantemente, muitos outros estudos têm se derivado e o
momento parece ser o de entender a especificidade de cada quadro em par-
ticular. Na área da fala, especificamente, pesquisas têm sido desenvolvidas
com o objetivo de elucidar melhor sobre qual seja a relação entre alterações
de fala, praxias orais e estruturas do sistema estomatognático (Fonseca et
al, 2003; Casarin et al, 2006; Farias et al, 2006; Marini,2010; Costa, 2011;
Gubiani, 2011).
Ainda há um caminho a percorrer na tentativa de compreender
como uma alteração miofuncional, ou simplesmente o rebaixamento de tô-
nus/tensão em uma determinada estrutura que participa da fala, poderá in-
terferir/alterar a praxia não-verbal realizada por esta determinada estrutura
e/ou causar alterações na fala. Apesar de haver correntes na literatura que
negam veementemente essa relação (Lof e Watson, 2010; Lof , 2009), outros
a defendem, inclusive como abordagem para o tratamento das alterações
da fala (Marshalla, 2012). Lof (2009) aponta que, se os clínicos objetivam
melhorar a fala, devem trabalhar atividades que estejam diretamente ligadas
à própria fala. Se o objetivo é produzir fala inteligível, fortalecer órgãos fo-
noarticulatórios ou trabalhar sua mobilidade, na visão do autor, não garante
melhora na fala, uma vez que esta é considerada uma função complexa e não
uma simples atividade motora.
Em nosso país pesquisas recentes têm sido realizadas nessa área,
demonstrando que a temática ainda merece maior investigação (Fonseca et
al, 2003; Casarin et al, 2006; Farias et al, 2006; Costa, 2010; Gubiani, 2011).
É inegável que a precisão dos pontos articulatórios sofre influên-
cia da presença e posição dos dentes, da mobilidade de lábios e de boche-
chas, da posição e mobilidade de língua e posição de mandíbula, entre ou-
tros (Bianchini et al., 2003; Cunha et al,2003; Tomé et al, 2004). Farias et al
(2006) chamam atenção ao fato de que é importante conhecer as caracte-
rísticas estruturais e funcionais dos articuladores da fala quando se avalia a
produção dos sons. Geralmente as alterações na emissão dos fones ocorrem
183
devido a uma modificação no órgão articulador que irá adaptar-se à alteração
Capítulo 11

estrutural ou condição muscular para conseguir a produção. Surgem então as


distorções, imprecisões e travamentos articulatórios. Alguns indivíduos con-
seguirão fazer compensações quase imperceptíveis ao olho e ouvido huma-
no, enquanto outros não têm o mesmo êxito.
Nesses casos, por exemplo, o contraste entre um som distorcido
e os demais sons da língua é mantido, diferente da substituição onde uma
classe de sons é substituída por outra e um som padrão é substituído por um
som não padrão (Leite et al, 2008). Os indivíduos que distorcem, estão bus-
cando ajustes ou compensações para uma fala mais inteligível (Casarin et al,
2006) e cabe ao profissional compreender tais compensações para abordá-
-las terapeuticamente.
Nesse sentido, as pesquisas relativas à fala, com e sem alteração,
têm avançado e o campo da motricidade orofacial, dentro das alterações de
origem musculoesqueléticas, têm recebido várias contribuições.
Com o objetivo de verificar a existência de relação entre a fala, o tô-
nus e a praxia não-verbal do sistema estomatognático em pré-escolares, Farias
et al (2006) avaliaram 120 pré-escolares com idades variando entre quatro e
cinco anos e 11 meses. Foram avaliados, inicialmente, o tônus e a mobilidade de
lábios e de língua, tendo em vista que as alterações do tônus e da mobilidade
podem interferir na avaliação da praxia não-verbal. As autoras indicaram haver
relação entre o tônus e a praxia não-verbal de língua, sugerindo que a condição
muscular pode interferir na realização de sequência de movimentos de língua.
Da mesma forma os achados, evidenciaram a influência da praxia não-verbal
de língua sobre a produção dos sons da fala e sugerem que o exercício das ha-
bilidades práxicas não-verbais pode minimizar as alterações de fala.
Fonseca et al (2003), por sua vez, com o objetivo de investigar a
relação entre a produção do r-fraco e as praxias linguais, estudaram um gru-
po de crianças com produção adequada do fone [r] e outro grupo que não
o produzia. Entre outras, as autoras concluíram que o grupo que não tinha
o som em seu inventário teve dificuldade na realização de algumas praxias
linguais, evidenciando a necessidade de discussão da relevância de aspectos
fonéticos e fonológicos no processo de aquisição do r-fraco, assim como no
planejamento terapêutico de indivíduos com desvio de fala.
Costa (2011) mostrou que a abordagem miofuncional foi eficiente
nos casos de desvio fonológico, fonético e fonético-fonológico, uma vez que,
184
com a minimização das alterações funcionais, minimizam-se as alterações de

Terapia Fonoaudiológica na Fala (como eu trato) – Marileda Cattelan Tomé


fala. Em relação às estruturas, as relacionadas à língua, foram as que mais
influenciaram na produção dos fones, e a tensão muscular diminuída era a
que apresentava maior influência.
Tendo em vista que a avaliação em motricidade orofacial contem-
pla vários aspectos relativos à morfofisiologia do complexo sistema esto-
matognático, pesquisas que abordem temáticas como tônus, praxias orais,
funções orofaciais e modelos de terapêutica, têm importantes contribuições
para a clínica. De forma geral, o que precisa ser efetivado, é a realização de
pesquisas com número amostral ampliado, a fim de verificar, entre outros, a
eficiência da abordagem miofuncional nas diferentes alterações de fala, con-
forme recomendam os pesquisadores dessa área (Costa, 2011).
Entre as principais alterações de origem musculoesquelética, com
resultantes na fala, estão a distorção, entendida como os ajustes ou com-
pensações utilizadas para a produção de um som ou um grupo de sons; a
imprecisão, quando a fala aparece imprecisa como um todo e não em sons
específicos; e como travamento, quando há diminuição da abertura de boca
para a produção da fala (Marchesan 2004).
As distorções nos sons fricativos e líquidos são bastante comuns.
O fone [s] é classificado como fricativa alveolar, necessitando de uma fricção
leve em região alveolar inferior, sem que a língua ultrapasse essa fronteira
em relação aos dentes. Concomitantemente, as laterais da língua deverão ser
elevadas em direção a maxila , impedindo que o fluxo de ar saia pelas laterais
das arcadas dentárias. Alterações da forma da arcada dentária, somadas a
hipofunção da musculatura de língua, principalmente, tendem a ser os fato-
res associados mais frequentes nos quadros de ceceio anterior e lateral. O [r]
fraco, por sua vez, é articulado na parte anterior da cavidade oral, por uma
corrente de ar que impulsiona a língua até os alvéolos, que em movimen-
tos rápidos e repetidos produzirão a característica acústica normal do som.
Quando não ocorre a elevação da ponta da língua até a região dos alvéolos,
mas sim a elevação de sua porção médio posterior, resultará em uma distor-
ção desse som, produzindo-se um som semelhante ao [g].
Se a fala é o resultado do planejamento e execução de sequências
de movimentos que requerem coordenação neuromuscular muito precisa
(Wertzner, 2004), esmiuçar cada som alterado acima descrito é a primeira eta-
pa do trabalho. De forma geral, na motricidade orofacial, cada movimento
185
assumido pelo órgão fonoarticulatório, cada maneira de executar uma deter-
Capítulo 11

minada função, pode ser um indício a mais sobre o motivo pelo qual um de-
terminado fone está alterado. Tomemos, como exemplo, a ocorrência de uma
distorção em fricativa, derivando em um quadro de ceceio anterior ou lateral.
O primeiro passo nesses casos é compreender as peculiaridades de como é
o movimento alterado. Em um caso de ceceio lateral, trabalhar afilamento
lingual, tonificação de laterais de língua e exercícios que promovam com que
esta estrutura assuma uma posição o menos alargada possível e mais cen-
tralizada na cavidade oral, pode ser o caminho para chegar ao ponto do som
correto. O caminho para a correção virá tanto pelos exercícios, acima exem-
plificados, quanto pelo treino da postura lingual durante funções de que a es-
trutura participe (por exemplo, deglutição e mastigação) e, também, durante
o repouso. Assegurado que a estrutura está ganhando esta nova forma, con-
comitantemente, é importante dar o modelo visualmente, mostrando passo a
passo como o som é produzido e, principalmente, auditivamente, mostrando
a diferença entre um som chiado/com ruído de saliva (que é a característica
do ceceio lateral) e um som de fricção limpa, fluida, que é a característica do
fone fricativo [s], corretamente produzido.
Nesse aspecto é interessante contar com o uso de imagens em ví-
deo e suas possibilidades em relação a velocidade (normal, slow motion, con-
gelamento de imagem). Tais registros auxiliam terapeuticamente para além
de uma ferramenta avaliativa, uma vez que em terapia o sujeito tem como
analisar detalhes de imagem, comparar, e, portanto, perceber-se melhor.
Além disso, a análise de quais são passíveis de serem pronuncia-
dos corretamente dentro da mesma classe de sons, costuma ser bastante
importante. Extrair o som de um outro da mesma classe, é uma forma de
estratégia. Por exemplo, quando as africadas [ tʃ ] e [dʒ] não estiverem alte-
radas, e isso é bastante comum, pode-se extrair o som correto do [ ʃ ] e [ʒ] a
partir da produção destas, apenas fazendo um ajuste leve no posicionamento
lingual. Quando as fricativas palatais [ ʃ ] e [ʒ] não estiverem alteradas, estas
podem servir de apoio para a produção das alveolares [s] e [z], que são as
mais prováveis de estarem distorcidas. Nesse sentido, é a representação do
som correto e o que se produz por meio deste que vai servir de modelo para
a construção do novo som. Em determinado momento da terapia, após re-
petição de sequências do som correto partindo para o que se quer trabalhar,
solicita-se ao paciente que apenas pense no som correto, mas que, em seu
186
lugar, produza efetivamente aquele que está sendo trabalhado. Então, o que

Terapia Fonoaudiológica na Fala (como eu trato) – Marileda Cattelan Tomé


se propõe é uma aproximação do som correto com precisão e coordenação
articulatória, para se chegar na correção do som alterado.
No caso do [ ʃ ] para [s], o sujeito deverá fazer um [ ʃ ] prolongado,
consciente do local que as laterais da língua estão posicionadas e do som que
ouve e, durante o prolongamento, modificar a posição de ponta de língua,
do “quase contato” com a região incisal superior para o “leve contato” com
o alvéolo inferior, resultando no som de [s] por aproximação. Pistas visuais,
auditivas e táteis-cinestésicas, permeiam todo o processo e cabe ao terapeu-
ta ser criativo o suficiente para utilizar desde recursos mais simples, como os
conhecidos “remos de ar”, até os mais sofisticados softwares para servirem
de base nesse processo.
No momento em que o sujeito conseguir fazer corretamente o som
por aproximação, deverá repetir em sequências (duas, três, quatro) e logo
após com variação de velocidade, de ritmos etc. Por fim, tudo é repetido
pensando no som do [ ʃ ], mas produzindo efetivamente o som do [s]. Todas
as etapas serão trabalhadas com base em lista de palavras com o fone [s], no
caso de ceceio lateral, seguido de diferentes vogais, em sílabas tônicas e áto-
nas e nas posições de início de sílaba e início de palavra (onset inicial), início
de sílaba dentro de palavra (onset medial), final de sílaba e dentro de palavra
(coda medial) e final de sílaba e final de palavra (coda final), sempre que pos-
sível. Vale ressaltar que, na intenção de instalar o som correto, inicialmente é
interessante que se trabalhe com pseudopalavras, já que nesse caso não há
um modelo prévio de produção registrado no sistema do falante.
Ao terapeuta cabe estar atento às produções científicas que, pro-
duzidas pelos especialistas em Fonoaudiologia, irão sustentar suas práticas.
Os resultados do trabalho de Leite et al (2008) servem de exemplo ao que se
demonstra no caso do [s]. O estudo foi desenvolvido, entre outros, com o ob-
jetivo de investigar a existência de correlação entre o ceceio e a tonicidade da
sílaba, a co-articulação com as diferentes vogais e as diferentes posições na
palavra e observar se alguns desses contextos facilitam a produção correta de
[s] e se poderiam ser indicados como recurso terapêutico. De acordo com as
autoras, as posições de ataque inicial e medial, parecem ser facilitadoras da
produção de [s] e devem, portanto, ser consideradas na escolha do recurso
e material a ser utilizado em terapia, mais uma vez denotando a importância
dos resultados das pesquisas cujo fim, auxiliam a prática clínica.
187
A terapia, por mais que pensem alguns leitores, não é morosa. Na
Capítulo 11

medida em que um sujeito descobre sua possibilidade de emitir um som di-


ferente do que sempre fez (e para isso o seu ouvido será trabalhado para que
perceba o som errado como estranho a si), seu sistema linguístico está “con-
taminado” e o caminho para a correção é uma questão de treino e de desejo.
Nesse sentido, ouvir e reconhecer o correto e o incorreto, como parte de um
trabalho perceptual auditivo, é fundamental. Costumo dizer para meus pacien-
tes que “treinamos no aclive para quando estivermos em linha reta seja mais
fácil ganhar a corrida”, uma vez que há um motivo pelo qual se treina um mes-
mo som de tantas formas diferentes. Em relação à questão do desejo, está for-
temente ligado ao relacional, aspecto que merece uma reflexão própria para a
qual teríamos que abrir um novo capítulo, mas que, felizmente, a motricidade
orofacial, pode usufruir de contribuições importantes de outras áreas.
De forma geral, pode-se dizer que o tratamento é de base multissen-
sorial (informação tátil, cinestésica e visual) como preconizado por Issler (1996),
com pistas fonéticas dirigidas para a percepção do som alterado e a sua correção.
Informações advindas da cinestesia e tato permitirão que o sujeito aumente sua
percepção da área articulatória pela conscientização das sensações provenientes
dos movimentos e contatos realizados para a produção de determinado som. A
percepção visual auxiliará o sujeito a perceber em que local o gesto articulatório
acontece, uma vez que a observação de movimentos labiais influencia profunda-
mente a percepção da fala (Skipper et al, 2007). A terapia miofuncional, pode-se
afirmar, será planejada com base em propriocepção, percepção funcional, além
de exercícios específicos de apoio, quando o órgão articulador assim requerer.
É importante a contribuição de Santana et al (2010) que refere que
embora o desvio fonético de forma geral seja caracterizado como erro mo-
tor, não significa que a totalidade destes quadros remeta para uma situação
de lesão orgânica, havendo, além da afetação de níveis anatômicos e fisioló-
gicos, as problemáticas de sequenciação e aprendizagem motora e/ou difi-
culdades auditivas/perceptivas. Isso nos faz crer que, ao tratar, teremos que
considerar que tais habilidades também precisam ser trabalhadas.
Os sujeitos com alteração de fala são levados a perceber a altera-
ção, modificar e engramar um novo modelo. Nesse contexto, além de tudo o
que foi discutido, o sucesso do tratamento estará na dependência de fatores
tais como maturidade, estimulabilidade, redes nas quais os sujeitos estão
inseridos, estilos de vida. Eis o grande desafio de um terapeuta.
188
Para elucidar algumas questões discutidas ao longo do capítulo, uti-

Terapia Fonoaudiológica na Fala (como eu trato) – Marileda Cattelan Tomé


lizarei, resumidamente, dois casos clínicos, com alguns “nós” na condução do
trabalho, que demonstram o quanto ainda é preciso avançar em termos de
protocolo de tratamento.
No primeiro caso, a família de um menino de quatro anos e seis me-
ses, procurou por atendimento porque a criança não falava o [r]. Embora não
tenham trazido outras queixas relativas a fala, a criança também apresentava
associado ceceio anterior com componente de lateralidade à direita. Na história,
chamava atenção procedimento de frenectomia que havia sido realizado ao final
dos quatro anos e extrema falta de espaço transversal em maxila, ocasionando
mordida em topo. No momento estava sendo submetido a tratamento ortopédi-
co facial associado. A redução do encontro consonantal e supressão dos demais
processos relacionados a esse som foram rapidamente suprimidos após, aproxi-
madamente três semanas de intervenção. O ceceio anterior, embora tendo dimi-
nuído a projeção lingual visível, ainda continuava presente na fala da criança. A
língua, apesar da falta de espaço, não tinha comprometimento importante em
relação à tensão. Nesse caso, levantaram-se as seguintes hipóteses: a frenecto-
mia, realizada tardiamente, quando a criança já havia estabelecido seu sistema
de sons, teria sido suficiente para liberar a língua para a produção do fone [r],
embora conjuntamente existisse um fator etário, que colaborava para o apare-
cimento do som. Por outro lado, os fricativos [s] e [z] necessitavam de espaço
intraoral que a criança ainda não dispunha e, portanto, por mais que conseguisse
entender como era produzido o som correto, no momento da emissão espontâ-
nea, deparava-se com a falta de espaço, o que promovia desvio mandibular para
a direita e, consequentemente, levava a língua consigo. Essa criança teve alta
temporária do tratamento fonoaudiológico para a correção ortopédica, embora
tenha ficado a dúvida do quanto a manutenção do tratamento fonoaudiológico,
ainda que em regime de menor frequência, pudesse ser importante para manu-
tenção dos resultados até então conseguidos.
Em um segundo caso, a família de uma criança de quatro anos procu-
ra por atendimento, pois a mesma apresenta alterações tais como omissão de
líquidas e dessonorização de todos os fonemas que tem o par surdo correspon-
dente. Há a informação de que a criança havia realizado, por indicação médica,
cirurgia de frênulo lingual ao nascer. Apesar disso, aos quatro anos ainda se ob-
servava a dificuldade de elevação lingual. Não havia alteração oclusal e o exame
auditivo revelava audição nos padrões de normalidade. A criança acompanhava
189
a escola sem problemas e nos demais aspectos da linguagem tudo estava den-
Capítulo 11

tro do esperado para a idade, com exceção da alteração fonêmica e da fala


imprecisa, muito provavelmente pela limitação da abertura da boca, causada
pelo frênulo alterado. Na época a família não queria submeter a criança a ava-
liação de nova intervenção cirúrgica, por esta já ter sido realizada. O processo
terapêutico transcorreu no sentido de suprimir o processo de dessonorização, o
que ocorreu. A menor adquiriu a líquida [l], apesar de não a utilizar no EC. Tendo
em vista a faixa etária, optou-se em dar alta e solicitar retorno para acompanhar
o caso, uma vez que pela dificuldade de elevação lingual, precisaria ser investido
um tempo maior com exercícios de língua que, embora saibamos, não influencia-
riam em nada em relação ao tamanho do frênulo, poderiam auxiliar na melhor
coordenação da mobilidade do órgão. Aos sete anos, restando a alteração na
fala, a criança retorna para atendimento e os sons [r] e [l] estão totalmente ins-
talados, no EC e em outras posições da palavra, mas o [r] é produzido de forma
distorcida, com o médio dorso da língua. Nova etapa é iniciada, agora contando
com maior maturidade da criança, fator que pode ser decisivo em um processo
terapêutico. A criança adquiriu os grupos com todos os fonemas, pelo menos à
percepção auditiva humana, excetuando-se [tr] e [dr], estes notadamente distor-
cidos. Nesse caso a conclusão em pouco tempo foi de que, sem a revisão da ci-
rurgia de frênulo, não seria possível a aquisição do fone sem o distorcer, uma vez
que a produção do [t] e [d] , no mesmo local do [r], implicaria em produção com
muito mais precisão do que a exigida para EC do [r] com sons como o [k], [g], [f],
[v], por exemplo. A permanência da alteração nesses fones era a indicação clara
de que o frênulo precisava ser reavaliado. Entendido o processo como necessá-
rio, a família, receosa, ainda consultou o pediatra, que recebendo a indicação por
escrito, também entendeu como necessário e deu o encaminhamento para a
frenectomia. Após a cirurgia , a criança finaliza o tratamento apenas com o que
já havia sido trabalhado anteriormente. Ou seja, quando da liberação do médico
para o retorno a terapia, não houve necessidade de continuidade do tratamento
pois os grupos com [tr] e [dr] estavam instalados.
Finalizando, acredito que, dentre todas as etapas de tratamento
das alterações de fala de origem musculoesquelética, o momento da automa-
tização, é o mais complexo. Embora auditivamente um terapeuta consiga per-
ceber a evolução de um som que foi ajustado, certificar-se se o mesmo faz uso
dessa “nova fala” em momentos espontâneos, não é tarefa fácil. Se criança,
o interlocutor da família poderá dar esse feedback, se adulto ele terá que se
190
auto-observar ou eleger o seu avaliador, o que não parece a melhor escolha,

Terapia Fonoaudiológica na Fala (como eu trato) – Marileda Cattelan Tomé


uma vez que envolve exposição pessoal. A conversa espontânea do início de
cada sessão é o momento perfeito para tal avaliação. A partir daí, quando a
produção alterada soa estranha para a pessoa que a emite, é terminado o
processo de tratamento, mesmo que o uso efetivo de um determinado som
possa ainda necessitar de um período para realmente ficar totalmente insta-
lado como um novo programa no gerador central.
Aqui vale retomar o que discute Santana et al (2010) quando afirma
que a Linguística, atualmente, já busca uma dissolução das fronteiras rígidas
entre Fonética e Fonologia, porém considera-se necessária e salutar a manu-
tenção de estatutos linguísticos distintos para ambas, uma vez que a lingua-
gem humana articula-se em vários níveis, cada um com suas especificidades,
embora atuando em conjunto em seu funcionamento (Santana et al, 2010).
A automatização, o uso funcional da fala sem o marcador da distorção ou de
qualquer outra alteração, dá-se no ato de linguagem e, nesse sentido, reesta-
belecer a fala sob essa ótica parece mais razoável.
Quando recebo crianças tão pequenas e já tão marcadas pelo lu-
gar que sua “fala errada” ocupa no meio social em que vivem, entendo que
o papel de um terapeuta vai muito além do que reconstruir um sistema
alterado de sons. Wertzner (2004), ao abordar as considerações de cura de
alterações de fala de origem musculoesqueléticas, refere “a fala abre pos-
sibilidades de experiências educacionais e sociais. Nesse sentido contribui
para o bem estar e a saúde do homem” e esse, acredito, seja a nossa função
enquanto fonoaudiólogos.
O que se aplica tecnicamente para “reconstruir” um som alterado me
parece que é a parte simples do processo. Entretanto, descobrir como efetivar
o caminho dessa construção, representa a parte árdua do mesmo processo.
Furkin (2012)*, em reflexão sobre a terapêutica dos distúrbios da deglutição,
relata que esta depende da condução dos processos de comunicação com o
paciente, muito mais do que a aplicação da técnica em si. Em sua fala, perme-
ada por ricas experiências no tratamento desse tipo de alteração, reflete que
a ação somente é efetiva quando continua mesmo quando o elemento não
está presente – nesse caso entendido como o terapeuta – a ação continua.
Nesse sentido, entende que para que se efetive um processo de tratamento,
*FURKIN, A.M. Comunicação pessoal. Abordagem terapêutica nas disfagias. Módulo de atuali-
zação em fonoaudiologia hospitalar, Instituto Fisiomar- Itajaí, março 2012.

191
a comunicação deva ser vista como relacional. Relacional com a criança e sua
Capítulo 11

família, relacional com o próprio adulto. O técnico, segundo a autora, é man-


datório, imprescindível a qualquer profissional, mas o relacional e o ético es-
tão em outra instância, muitas vezes inacessível ao terapeuta pouco atento.
Como consideração final, considero extremamente importante re-
gistrar que a reflexão que apresentei neste capítulo está baseada apenas nas
práticas que ao longo de anos de trabalho tenho experimentado. Embora re-
cursos ou instrumentos mais objetivos sejam utilizados na pesquisa, ainda há
carência de validação dos mesmos quando voltados à aplicação clínica. Isso
não significa que não possamos utilizá-los, mas é importante que tenhamos
consciência de que muitos dos recursos atualmente comercializados como
instrumental da fonoaudiologia, ainda carecem de validação no sentido de
produzir evidências científicas que subsidiem sua aplicação.
De forma geral, na determinação dos protocolos de tratamento,
estes seguem uma lógica semelhante, mas são dependentes das particulari-
dades da alteração da fala que se apresenta e, obviamente, do sujeito que a
traz. Portanto não dispensam o caráter da individualidade. As estratégias são
simples e não demandam grande investimento tecnológico, embora exista
uma tendência no uso de recursos digitais, para o qual ainda o mercado
carece de investimentos. Não se dispensa, entretanto, que todos esses re-
cursos, do ponto de vista de aplicabilidade mereçam investigação para serem
validados. Este será, sem dúvida, um campo promissor para os futuros pes-
quisadores da área.

Referências bibliográficas

Casarin MT, Gindri G, Keske-Soares M. Alterações do sistema estomatognáti-


co em distúrbios da fala. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol., São Paulo, v.11, n. 4,
p. 223-230, out/dez. 2006.
Costa AVR. Alterações fonéticas em adultos: a perspectiva do falante / An-
dréa Veríssimo Reis Costa, 2009. 46p. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado)
– Universidade Veiga de Almeida, Mestrado em Fonoaudiologia, Estu-
dos dos procedimentos, técnicas e produtos ligados à fala,linguagem e
audição, Rio de Janeiro, 2009. Disponível em http://www.uva.br/mestra-
do/dissertacoes_fonoaudiologia/andrea_verissimo.pdf, acesso em 30
mar 2012.

192
Costa PP. Abordagem terapêutica miofuncional em casos de desvios fonológi-

Terapia Fonoaudiológica na Fala (como eu trato) – Marileda Cattelan Tomé


co, fonético e fonético-fonológico./ 2011. 109f.:il.;30cm. Dissertação
(Mestrado) – PPG Distúrbios da Comunicação Humana. Universidade
Federal de Santa Maria RS.
Cunha DA. et al. Como alterações do sistema estomatognático podem com-
prometer a fonoarticulação. Jornal Brasileiro de Fonoaudiologia. Curiti-
ba, v.4, n.15, p.120-126, 2003.
Felício CM, Ferreira CLP. Protocol of orofacial myofunctional evaluation with
scores. International Journal Pediatric Otorhinolaryngology, v. 7, n. 3, p.
367-375, 2008.
Folha GA. Ampliação das escalas numéricas do Protocolo Avaliação Miofun-
cional Orofacial (AMIOFE), validação e confiabilidade. Dissertação de
Mestrado, apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP.
Área de concentração: Morfofisiologia de Estruturas Faciais.
Fonseca RP, Dornelles S, Ramos APF. Relação entre a produção do r-fraco e as
praxias linguais na infância. Pró-Fono R. Atual. Cient., Barueri (SP), v. 15,
n. 3, p. 229-240, set.-dez. 2003.
Genaro KF, Berretin-Felix G, Redher MIBC, Marchesan IQ. Avaliação Miofun-
cional Orofacial - Protocolo MBGR. Rev CEFAC. 2009; 11(2):237-55.
Gubiani MB. Habilidades práxicas orofaciais pré e pós-terapia em crianças
com desvio fonológico, 2011. 91p. Dissertação (Mestrado) – Universidade
Federal de Santa Maria, Mestrado em Distúrbios da Comunicação Hu-
mana, Santa Maria, 2011.
Issler S. Articulação e linguagem. Rio de Janeiro: Antares; 1996.
Leite AF. et al . Caracterização do ceceio em pacientes de um Centro Clíni-
co de Fonoaudiologia. Rev. soc. bras. fonoaudiol., São Paulo, v. 13, n. 1,
Mar. 2008 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1516-80342008000100007&lng=en&nrm=iso>. access on
31 Mar. 2012. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342008000100007.
Lof GL. Why Nonspeech Oral Motor Exercises Should Not Be Used (Evidence-
Based Practice). 2009 TSHA Convention, Austin, TX . Available from
http://www.txsha.org/_pdf/Convention/09Convention/New%20Folder/
Lof,%20Gregory-For%20Clinicians,%20An%20Articulation_Phonolo-
gy%20Update.pdf Access on 28 Mar. 2012
Lof GL, Watson M. Five Reasons Why Nonspeech Oral Motor Exercises
(NSOME) Do Not Work School-Based Issues, December 1, 2010; 11(4):
109 - 117. Avaiable from <:// http://www.lshss.asha.org/cgi/content/
short/39/3/408. Access on 28 Mar. 2012.
Marchesan IQ. Alterações de fala músculoesqueléticas: possibilidades de
cura. In: Comitê de Motricidade Orofacial da Sociedade Brasileira de

193
Fonoaudiologia. Motricidade Orofacial: como atuam os especialistas. São
Capítulo 11

José dos Campos: Pulso Editorial; 2004. p. 243-9.


Marchesan IQ. Alterações de Fala de Origem Músculoesquelética. In: FERREI-
RA, L.P., et al. (Org.). Tratado em Fonoaudiologia da Sociedade Brasileira
de Fonoaudiologia. São Paulo: Editora Roca, 2004. p. 292-303.
Marini C. Habilidades praxicas em crianças com desvio fonológico evolutivo
e com desenvolvimento fonológico típico. 2010 111f. il. 30cm Dissertaçao
(Mestrado) – Universidade Federal de Santa Maria, Mestrado em Distur-
bios da Comunicaçao Humana, Santa Maria, 2010.
Marshalla P. (2012). Horns, whistles, bite blocks, and straws: A review of tools/
objects used in articulation therapy by Van Riper and other traditional
therapists. Oral Motor Institute, 4(2). Available from www.oralmotorin-
stitute.org/mons/v4n2_marshalla.html. Access on 28 Mar. 2012.
Oliveira JTN, Oliveira ZSB. Desvio fonético X desvio fonológico: algumas con-
siderações. J Bras Fonoaudiol., v.5, n. 20, p. 172-6, 2004.
Santana AP. et al . O articulatório e o fonológico na clínica da linguagem: da
teoria á prática. Rev. CEFAC, São Paulo, v. 12, n. 2, abr. 2010 . Disponível
em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
18462010000200004&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 06 abr. 2012. Epub
23-Abr-2010. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000029.
Skipper JI. et al. Small Hearing Lips and Seeing Voices: How Cortical Areas
Supporting Speech Production Mediate Audiovisual Speech Perception.
Cereb Cortex. v.17, n.10, Oct. 2007 Avaiable from <http://www.ncbi.nlm.
nih.gov/pmc/articles/PMC2896890/ >. Access on 23 Mar. 2012. http://
dx. doi:10.1093/cercor/bhl147.
Tomé MC, Farias SR, Marchiori S, Schimitt BE. Ceceio interdental e alterações
oclusais em crianças de 03 a 06 anos. Pró-Fono R. Atual. Cient., Barueri
(SP), v. 16, n. 1, p. 19-30, jan.-abr. 2004.
Wertzner HF. Fonologia: Desenvolvimento e alterações. In: Ferreira, Les-
lie Piccolotto; Befi-Lopes, Debora Maria; Limongi, Suelly Cecília Olivan.
(Org.). Tratado de Fonoaudiologia. 1a ed. São Paulo: Editora Roca Ltda,
2004, v.1 , p. 772-786.
Wertzner HF. Alterações de fala musculo-esqueleticas: possibilidades de
cura. Cap.30 IN: Comitê de Motricidade Orofacial da Sociedade Brasileira
de Fonoaudiologia. Motricidade Orofacial: como atuam os especialistas.
São José dos Campos: Pulso Editorial; 2004. p. 243-9.
ZorziI JL. Diferenciando as alterações da fala e da linguagem. In: Marchesan
IQ. Fundamentos em Fonoaudiologia: aspectos clínicos da motricidade
oral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;1998. p. 59-74.

194
Terapia Fonoaudiológica da Fala (como eu trato) – Angela Busanello-Stella & Ana Maria Toniolo da Silva
Capítulo 12
Terapia Fonoaudiológica da Fala
(como eu trato)

Angela Busanello-Stella
Ana Maria Toniolo da Silva

Introdução

Os problemas de fala de origem musculoesquelética são uma cons-


tante na prática clínica do fonoaudiólogo e não se restringem somente aos
especialistas em motricidade orofacial.
Entretanto, na maioria das vezes, estas alterações não aparecem
de modo isolado, e sim associadas com problemas em outras funções do sis-
tema estomatognático; com outros tipos de alterações de fala; ou fazendo
parte de comprometimentos mais complexos, como quadros sindrômicos e
alterações de linguagem. O somatório de alterações em um único paciente
exige mais do clínico, uma vez que é necessário eleger as prioridades cor-
retas, com as estratégias mais coerentes, a fim de alcançar um tratamento
objetivo e eficiente.
Nosso objetivo aqui não é trazer ideias inéditas, mas sim propor
uma reflexão sobre o que já é feito e estruturado, ou seja, como e quando
tratar1, baseando-se em nossa prática clínica.

Processo terapêutico
Faz-se necessário reforçar, primeiramente, alguns conceitos. De
modo mais amplo, podemos encontrar alterações de fala de origem fonoló-
gica e de origem fonética.
As alterações fonológicas são aquelas que ocorrem ao nível fonológico
da linguagem e produzem modificações que contrastam o conceito da palavra.
Neste tipo de problema o indivíduo, geralmente ainda na infância, possui altera-
ções de fala que não são justificadas por atipias estruturais na cavidade oral 2,3.
195
Por sua vez, as alterações fonéticas, que também podem ser cha-
Capítulo 12

madas de alterações de origem musculoesqueléticas, referem-se aquelas de-


correntes de algum problema na cavidade oral4, o que pode gerar distorções
em algum(ns) fone(s). Entre as principais, e mais frequentes, encontram-se o
ceceio anterior, o ceceio lateral e as interdentalizações, que acometem res-
pectivamente fones fricativos e linguodentais. E, com menor frequência, as
posteriorizações e distorções de líquidas, entre outros. Existe uma gama bem
maior de distúrbios musculoesqueléticos, mas os citados aqui são a realidade
encontrada em nossa prática clínica.
Tendo em mente a caracterização das alterações de fala, é preciso
pensar na avaliação dos nossos pacientes. Ela deve ser completa o suficien-
te a fim de sanar todas as dúvidas do terapeuta. Este processo tem evolu-
ído muito à medida que encontramos cada vez mais objetos de avaliação
estruturados que nos auxiliam no dia a dia. Fazer uso de protocolos como o
MBGR5, por exemplo, traz para a nossa prática um caráter muito mais con-
creto e padronizado, desde o momento da devolutiva ao paciente até o seu
acompanhamento durante o tratamento. A partir do momento que começa-
mos a utilizar esta ferramenta o processo terapêutico ficou muito mais rico
e fidedigno.
Somando os dados desta etapa, aos coletados em uma anamnese
detalhada, é possível delinear um raciocínio clínico lógico e coerente. Dize-
mos raciocínio clínico lógico, pois parte-se do princípio que o estabelecimen-
to das estratégias e metas terapêuticas deve seguir a relação causa e efeito.
Ou seja, em um paciente onde se observa ceceio anterior e mor-
dida aberta anterior significativa, é necessário tratar primeiro a alteração
oclusal, que estaria atuando como causa, para assegurar que a língua tenha
condições de passar por um processo de reabilitação. Aqui o fato de a língua
interpor-se anteriormente seria, provavelmente, uma consequência da falta
de espaço.
Outro exemplo que merece atenção quanto à necessidade de um
raciocínio correto seria o de um paciente que já passou por vários tratamen-
tos insatisfatórios para o ceceio anterior e que, atualmente, realiza ceceio
lateral somado a uma articulação diminuída. Esta nova alteração ocorre em
situações de fala direcionada com o terapeuta, mas não em situações de des-
contração e fala espontânea. Um terapeuta treinado e cuidadoso, que tenha
raciocínio coerente percebe que isto pode estar ocorrendo pelo fato de o
196
paciente já apresentar noções dos tratamentos anteriores e estar realizando

Terapia Fonoaudiológica da Fala (como eu trato) – Angela Busanello-Stella & Ana Maria Toniolo da Silva
uma tentativa de forçar a língua para não anteriorizar gerando, porém, alte-
rações musculoesqueléticas secundárias.
Um terceiro aspecto a ser considerado sobre o raciocínio lógico,
seria o estabelecimento de metas quando existem alterações fonológicas e
fonéticas concomitantes. Em uma criança, por exemplo, com quatro anos de
idade que apresenta anteriorização de plosivas, ceceio anterior, sobressaliên-
cia acentuada (cinco milímetros por exemplo) e mordida aberta anterior (três
milímetros), o que seria correto tratar primeiro? Bem, se pensarmos que o
ceceio pode estar ocorrendo pelas alterações oclusais6 e, além disso, que
nesta idade ainda não há a estabilização necessária do sistema estomatogná-
tico para permitir o tratamento destas alterações7, mas já é possível a realiza-
ção das plosivas adequadamente, seria natural que tratássemos inicialmente
as trocas fonológicas. Ainda orientaríamos a procura por tratamento oclusal
e acompanharíamos as trocas fonéticas neste período. Medidas e raciocínios
como estes são importantes, pois diminuem a possibilidade de equívocos,
bem como de tratamentos longos e/ou mal sucedidos.
Assim, vamos seguir retomando alguns fatores cruciais no processo
terapêutico das alterações de fala:
• idade do paciente: este ponto alerta para se de fato existem
condições maturacionais das estruturas, pois algumas distor-
ções, como o ceceio anterior, por exemplo, necessitam de tal
estabilização para as correções necessárias. Esta estabilidade
tem ponto determinante por volta dos seis anos com a erupção
dos molares8.
• existência de fatores causais ainda atuantes: isto pode prorro-
gar o início do tratamento dos problemas musculoesqueléticos.
• a complexidade dos fatores associados às alterações de fala:
o que pode influenciar principalmente na frequência dos aten-
dimentos.
• a motivação do paciente para o tratamento.

Nos pacientes adultos, geralmente encontramos maior motivação


para o tratamento, pois a consciência sobre as limitações físicas e as barreiras
sociais que o padrão incorreto de fala lhe causa é maior, caso contrário nem
procurariam pelo tratamento. Além disso, nesta fase da vida as estruturas
197
estomatognáticas já estabilizaram, principalmente devido à dentição, que já
Capítulo 12

é permanente. Por outro lado, as crianças e, sobretudo, os adolescentes po-


dem apresentar obstáculos importantes quanto à motivação, uma vez que,
em muitos casos, os mesmos comparecem aos atendimentos puramente por
iniciativa dos pais.
A idade é na verdade uma variável bastante controversa quando se
pensa em tratamento das alterações de fala musculoesqueléticas. Isto por-
que ela pode ser analisada por diversos pontos de vista:
• quanto à motivação a pouca idade pode atrapalhar;
• quanto ao crescimento e desenvolvimento das estruturas oro-
faciais, especialmente quanto à erupção dentária, os mais no-
vos também podem ter a indicação terapêutica prejudicada;
• quanto à automatização, desde que existam condições anatô-
micas e maturacionais para o tratamento de fala (erupção den-
tária dos molares), quanto mais cedo o mesmo for realizado,
mais fácil pensa-se que seja o processo de automatização.

Refletidos estes temas, faz-se necessário abordarmos os tópicos


que pensamos serem necessários ao processo terapêutico propriamente
dito. Qualquer tratamento, independente da área da Fonoaudiologia e da
idade do paciente, deve partir da formação de vínculo terapeuta/paciente.
Para alguns pode parecer que dedicar mais tempo a essa relação seja perda
de tempo, porém quanto mais o paciente confiar no terapeuta, maiores serão
as chances de adesão ao tratamento e cumprimento das tarefas propostas.
Mas não se trata somente de empatia, e sim de uma relação construída atra-
vés da confiança passada ao paciente, dos esclarecimentos que eles querem
e devem saber; além da nossa flexibilidade e bom senso, adequando nossas
tarefas aos interesses das crianças e às rotinas diárias dos adultos.
Superada a etapa de criação de vínculo, o que nem sempre é fácil,
devemos explorar e melhorar a conscientização do paciente perante seu pro-
blema. Assim como aquele motivado, o que percebe as suas dificuldades tem
mais chances de sucesso no acompanhamento. Podemos ir além, e dizer que
um paciente sem essa conscientização não é um bom paciente e as melho-
res estratégias escolhidas estarão fadadas ao insucesso. Quando falamos das
crianças esta percepção deve ser mais ampla ainda, pois o trabalho com os pais
e seus responsáveis (ou seja, cuidadores) é crucial. Um pai que não entende
198
o motivo do tratamento do seu filho e que não acredita nele, passará pouca

Terapia Fonoaudiológica da Fala (como eu trato) – Angela Busanello-Stella & Ana Maria Toniolo da Silva
confiança para a criança, bem como acatará de forma superficial as orientações
e tarefas propostas em terapia. É fundamental ter os pais ao nosso lado e por
isso o vínculo deve se estender a eles também e ser reforçado a cada encontro.
Em nossa prática, no consultório e na clínica escola, temos adotado
a premissa de que cada paciente é um caso. Em outras palavras a elaboração
de metas e o raciocínio clínico devem ser totalmente diferenciados. Sabe-se
que as funções de mastigação, deglutição e respiração devem anteceder o
trabalho da função de fala, por exemplo, já que em termos evolutivos tam-
bém a precedem. Porém, para alguns pacientes, isso não é possível ou até
mesmo necessário, seja quanto às necessidades de vida do paciente, seja
quanto à configuração das alterações de fala e das demais funções ou pela
própria evolução do tratamento. Por isso o nosso grande foco é na individu-
alização dos planejamentos.
Na maioria das vezes o trabalho muscular é necessário e realizado
para oferecer condições mínimas para que a fala seja desempenhada de modo
correto. O que não quer dizer que o treino da musculatura seja feito totalmen-
te separado da função. Conforme a terapia avança e a funcionalidade começa
a ser trabalhada, estes exercícios vão sendo gradualmente eliminados. Eles po-
dem ser isométricos, isotônicos e/ou isocinéticos e serão escolhidos conforme
as necessidades de cada paciente. Ou seja, nos casos de ceceio anterior, fre-
quentemente exercícios de tonificação da língua (isométricos) são necessários,
porém pacientes com a mesma patologia podem necessitar de frequências e
intensidades diferentes de exercícios. Um deles pode apresentar condições de
realizar um estalo de língua mantido por dez segundos com dez repetições (op-
ção que usamos muito na clínica) e outro não conseguir manter inicialmente os
dez segundos de contração. Ou ainda nos casos de posteriorização de líquidas
um trabalho mais específico de relaxamento do dorso lingual será necessário e
o enfoque muscular será totalmente diferente do exemplo anterior.
De modo geral, conforme a musculatura que necessita ser trabalha-
da para auxiliar no tratamento das alterações de fala, seja ela das bochechas,
dos lábios ou da língua, usamos no início do tratamento basicamente exer-
cícios isométricos e, conforme o paciente evolui, aumentamos a dificuldade
tornando-os exercícios isocinéticos (com resistência). Os exercícios isotônicos
(movimento) também são bastante utilizados, mas o fazemos com o objetivo
de trabalhar a mobilidade, quando esta interfere na produção dos fones e
199
também para o desenvolvimento das praxias não verbais que auxiliam no de-
Capítulo 12

senvolvimento das verbais.


No treino articulatório propriamente dito seguimos uma inserção
coerente do ponto articulatório correto que vai desde a produção do fone
isoladamente, passa pela produção em sílabas, palavras pequenas, palavras
maiores, frases e textos, até alcançar a fala espontânea. Esta etapa ocupa um
tempo variável dentro do tratamento e dependerá da resposta e da facilida-
de de cada paciente. Aqui estratégias lúdicas são imprescindíveis no caso das
crianças, e toda e qualquer estratégia que possa ser usada e que mostre ao
paciente seu desempenho, como filmagens e gravações devem ser utilizadas.
Embora a superação desta fase ofereça ao paciente grande sensa-
ção de melhoria e bem estar, uma vez que ele possui controle sobre a pro-
dução dos fones que não conseguia anteriormente, ainda falta uma parte
fundamental, sem a qual o tratamento não se dá por finalizado e completo,
a automatização. Automatizar refere-se a tornar rotineira uma determinada
tarefa aprendida, ou seja, inserir e manter na vida diária uma determinada
função até que ela se torne automática. Por esse motivo, o nosso tratamento
não será satisfatório e estará extremamente suscetível a recidivas, se tudo
o que ensinamos aos pacientes não se tornar rotina, não se tornar uma ato
automático, para o qual o cérebro não precise prestar atenção para reali-
zar. Para tanto, nesta etapa as sessões tornam-se gradativamente espaçadas,
com a finalidade de se observar justamente como o paciente se mantém sem
os reforços semanais dos atendimentos, até que a alta completa seja pos-
sível. Este processo não possui um tempo correto e exato, como já falamos
anteriormente ele dependerá de vários aspectos do próprio paciente.
Mesmo assim, existem casos em que a alta de modo exemplar como
o clínico gostaria não é possível, ou porque os procedimentos solicitados não
foram realizados na íntegra, ou porque o paciente não cooperou como deve-
ria, entre outros. Porém, nestes casos sempre devemos deixar extremamente
esclarecido ao paciente, aos seus responsáveis e aos outros profissionais que
o acompanham, tais condições (de preferência ainda no início do tratamento).
Cabe aqui comentar a frase de um médico que certa vez teve sua entrevista
televisionada, mas que de momento não será recordado o nome. Ele falou a
seguinte frase ao ser questionado sobre o processo terapêutico de determi-
nada doença “tudo que você passa de orientações para o paciente antes do
tratamento é esclarecimento, mas o que você passa depois dele é desculpa”.
200
Considerações finais

Terapia Fonoaudiológica da Fala (como eu trato) – Angela Busanello-Stella & Ana Maria Toniolo da Silva
Cada profissional, em distintas regiões do país, pode apresentar
realidades e condutas diferentes de trabalho, porém em nosso contexto a
estruturação e raciocínios apresentados neste capítulo têm resultado bas-
tante êxito. Quando falamos de terapia em motricidade orofacial sabemos
que embora exista grande objetividade em tudo que fazemos, trata-se de um
trabalho bastante árduo, onde cada fase do tratamento tem sua importância
e o que faz um tratamento satisfatório é a somatória de todas estas fases
bem sucedidas.

Referências bibliográficas

1. Oliveira CF, Busanello AR, Silva AMT. Ocorrência de má oclusão e distúrbio


articulatório em crianças respiradoras orais de escolas públicas de Santa
Maria, Rio Grande do Sul. RGO. v. 56, n.2, p.169-174, 2008.
2. Motta HB. Terapia Fonoaudiológica para os desvios fonológicos. Revinter:
2001.
3. Mota HB, Bagetti T, Keske-Soares M, Pereira LF. A generalização baseada
nas relações implicacionais em sujeitos submetidos à terapia fonológica.
Pró-Fono R. Atual. Cient., Barueri (SP), v. 17, n. 1, p. 99-110, jan.-abr. 2005.
4. Marchesan IQ. Alterações de Fala Músculoesquelética: possibilidades de
Cura. In: Comitê de Motricidade Orofacial. Motricidade Orofacial – como
atuam os especialistas. Edit. Pulso, 2004.
5. Genaro KF, Berretin-Felix G, Rehder MI, Marchesan IQ. Avaliação Miofun-
cional Orofacial – Protocolo MBGR. Rev. CEFAC. v. 11, n. 2, p.237-255 Abr-
Jun, 2009.
6. Pereira AC, Jorge TM, Ribeiro Junior PD, Berrtin-Felix G. Características das
funções orais de indivíduos com má oclusão classe III e diferentes tipos
faciais. Rev Dent Press Ortodon Ortopedi Facial. v.10, n. 6, p. 111-9, 2005.
7. Frias JS, Foresti FNR, Carmona AS, Di Ninno CQMS. Relação entre ceceio an-
terior e crescimento facial e hábitos de sucção não nutritiva em crianças
de 3 a 7 anos. Rev CEFAC, v. 6, n.2, p.177-83, 2004.
8. Issao M, Guedes-Pinto AC. Manual de Odontopediatria. 10. ed. São Paulo:
Pancast, 1999.

201
Fundação da ABRAMO no IV Encontro Brasileiro de MO
Natal 10 a 11 de junho de 2011
Diagramação realizada utilizando
fonte 11, 12 e 14 Calibri regular, negrito e itálico
Impresso em papel Couche Magno Star (Brilho) 115g/m²

Potrebbero piacerti anche