Sei sulla pagina 1di 9

Quadrinhos e luta cultural

EDMILSON MARQUES*

Resumo: A proposta deste texto é discutir a relação entre quadrinhos e luta


cultural. No primeiro momento a luta cultural é discutida, no sentido de
demonstrar os pressupostos fundamentais de sua existência na sociedade
moderna e as implicações e importâncias desta nos quadrinhos. Em seguida
foi proposta uma análise de elementos que constituem os quadrinhos, no
sentido de esclarecer o processo de manifestação da luta cultural nas HQ’s e,
por fim, concluímos com uma breve discussão sobre o papel dos quadrinistas
diante da luta cultural. Não objetivamos analisar um quadrinho ou gênero
específico, por considerar que a luta cultural perpassa todos os gêneros, desta
forma, é uma análise que pode contribuir com os quadrinistas que dedicam à
produção de quadrinhos em qualquer gênero existente. Este texto, portanto,
propõe-se uma análise sobre a luta cultural como pressuposto para a criação
de quadrinhos, no sentido de discutir a importância dos quadrinhos na luta
cultural e sua contribuição na luta pela emancipação humana. Este é também
o pressuposto deste texto que está sendo apresentado ao leitor.
Palavras-chave: Axionomia; axiologia; quadrinistas; cultura.
Comics and Cultural Struggle
Abstract: The purpose of this paper is to discuss the relationship between
comics and cultural struggle. At first the cultural struggle is discussed in
order to demonstrate the fundamental assumptions of their existence in
modern society and the implications and importance of this in comics. Then
we proposed an analysis of elements that constitute the comics, in order to
clarify the process of manifestation of cultural struggle in comics and finally
conclude with a brief discussion on the role of cartoonists in the face of
cultural struggle. Do not aim to analyze a comic or specific genre,
considering the cultural struggle that permeates all genres, thus, is an
analysis that can contribute to the cartoonists who engaged in the production
of comics in any existing genus. This paper therefore proposes a analysis on
the cultural struggle as a precondition for creating comics, to discuss the
importance of comics in the cultural struggle and its contribution in the
struggle for human emancipation. This is also the premise of this text is
presented to the reader.
Key words: Axionomia; axiology; comics; culture.

*
EDMILSON MARQUES é Professor da Universidade Estadual de Goiás dos cursos de história e
economia, e doutorando em história pela Universidade Federal de Goiás.

11
A relação entre a luta cultural e os ausência de produções conscientemente
quadrinhos ainda é uma temática a ser críticas em outros. A quase inexistência
desbravada. Pela importância que da luta cultural no sentido crítico em
assumiu a luta cultural com a algumas histórias se torna evidente, a
emergência e desenvolvimento do modo exemplo do que ocorre com o gênero da
de produção capitalista, e pela super-aventura, como afirma Nildo
necessidade imediata da intensificação Viana (2005, p. 68),
desta luta em uma perspectiva crítica é
que propomos aqui neste texto discutir a A luta cultural que existe nos
relação entre a luta cultural e os demais gêneros das histórias em
quadrinhos. Para este intento, quadrinhos está praticamente
ausente no mundo dos super-heróis.
apresentaremos primeiramente uma
Neste mundo, criado a partir de um
breve discussão sobre a luta cultural. contexto histórico preciso e voltado
Posteriormente, analisaremos elementos para satisfazer necessidades de uma
das HQs que expressam a luta cultural nação em guerra (os primeiros
nos quadrinhos e por fim o papel dos super-heróis da história – Super-
quadrinistas diante da luta cultural. Homem e Capitão América –
surgem nos Estados Unidos, tanto
A luta cultural é um fenômeno típico os da Marvel Comics quanto os da
das sociedades de classes. É a expressão DC Comics, e só depois começam a
da luta de classes no plano cultural. ser criados também em outros
Com o desenvolvimento e ampliação da países e só nestes casos começam a
luta entre a classe burguesa e o romper com o conservadorismo
proletariado, a luta cultural se tornou exacerbado existente nos EUA),
não se poderia esperar nenhuma
para este último, uma arma de luta
mudança revolucionária consciente.
contra a sociedade que lhe explora. Já Tal mundo se desenvolve de forma
para a burguesia, que conseguiu criar ligada às grandes empresas
uma sociedade à sua imagem e oligopolistas, mantendo íntima
semelhança, onde desfruta dos relação com o poder. Isto esvaziou
privilégios que as riquezas produzidas o seu conteúdo crítico consciente.
lhes proporcionam, a luta cultural
objetiva a manutenção e reprodução da Ocorre, porém, que mesmo que os
ordem existente. meios de produção cultural sejam
dominados pela burguesia ou
O fato de um conjunto de instituições controlados pelo estado, isso não
serem dominadas pela burguesia e pelo impede que neste contexto ocorra a
estado possibilitou que a cultura produção de uma cultura que caminhe
produzida e reproduzida na sociedade em sentido contrário, ou seja, que
fosse predominantemente dominada por busque fazer a crítica da realidade, no
valores burgueses. A consequência disto sentido de revelar a verdadeira essência
é que o público “continua mantendo do capitalismo (a exploração, a opressão
padrões de gosto de consumo integrados e dominação) e atuar no sentido de
aos marcos culturais da burguesia” demonstrar a transitoriedade do
(DORFMAN e JOFRÉ, 1978, p. 163). capitalismo e a tendência para a
Isso possibilitou que a burguesia emergência de uma nova sociedade. As
reinasse sozinha no campo de diversas produções culturais críticas, no entanto,
produções intelectuais, no caso dos são amplamente marginalizadas, por
quadrinhos, sendo predominante em não compartilharem dos valores
alguns gêneros e provocando assim, a burgueses e divulgarem uma cultura

12
proveniente das classes oprimidas e expressões ideologêmicas, axiológicas e
exploradas, pautadas em valores ideológicas2 e as expressões
axionômicos1, e desta forma, não terem axionômicas e teóricas, que é a
espaço no mercado distribuidor. George expressão da luta de classes no plano
Grosz, pintor e desenhista alemão, cultural, é o que denominamos por luta
esclarece esta questão quando afirma: cultural. Ou seja, de um lado
Dibujaba y pintaba por espíritu de predominam as produções culturais
contradicción, buscando, mediante burguesas, que buscam reproduzir a
mis trabajos, convencer al mundo sociedade existente, e de outro, de
de que este mundo estaba enfermo forma marginal, estão as produções
y era odioso y mentiroso. No tuve culturais que buscam revelar o caráter
un éxito resonante, no me hacía burguês das produções axiológicas e
ninguna ilusión al respecto, pero me ainda revelar as relações de exploração,
sentía totalmente revolucionario y opressão e dominação que permeia a
transformé mi resentimiento en sociedade capitalista, além de
conciencia (GROSZ, 1979, p. 30). demonstrar a possibilidade de uma nova
O estado também atua dificultando a sociedade.
proliferação destas expressões, Concluímos, portanto, que os
criminalizando aqueles que fazem quadrinhos é uma produção cultural,
pichações, protestos, greves, fruto
manifestações etc. Enfim, a maior parte
da cultura produzida no capitalismo é Da imaginação de determinados
proveniente de empresas privadas que indivíduos que vivem em
determinados contextos históricos,
tem como objetivo fundamental o lucro,
portadores de determinados valores,
e, desta forma, as produções são isto é, indivíduos que possuem
controladas pelos censores auxiliares da determinados interesses e vão
burguesia, cujo conteúdo deve ser expressá-los, consciente ou
voltado para constranger as pessoas ao inconscientemente, no mundo
consumo. Por isso que “é na própria raiz ficcional (MARQUES, 2011, p.
do consumo que se focaliza a maior 96).
importância dos quadrinhos” (CIRNE, Estes indivíduos especializados na arte
1972, p. 16). de criar quadrinhos, os quadrinistas, no
Mesmo assim vemos despontar um entanto, integram a sociedade de
conjunto de produções culturais que classes, e enquanto produtores de
buscam fazer a crítica das produções cultura, contribuem de uma forma ou de
culturais burguesas, no sentido de outra para a luta cultural. Não estão
revelar seus reais interesses, valores etc. livres e sobrepostos à luta de classes,
Assim, o conflito existente entre as pelo contrário, integram a luta de
classes e influenciam a sua dinâmica.
1
Para uma leitura aprofundada sobre axionomia
2
e axiologia, ver VIANA (2007). Viana chama Nildo Viana faz uma distinção entre as
de axionomia, “uma determinada configuração expressões ideologêmicas e a ideologia. A
de valores humanos autênticos. Ela é uma ideologia é uma falsa consciência da realidade
determinada forma assumida pelos valores elaborada de forma sistemática, fruto do
autênticos, expressando, geralmente, os trabalho de intelectuais. Já a primeira é
interesses das classes exploradas e/ou grupos consequência da ideologia, porém, sendo
sociais oprimidos” (VIANA, 2007, p. 35). A “fragmentos de uma ideologia, isolado e
axiologia é o padrão dominante de valores numa reproduzido sem a totalidade da ideologia que
determinada sociedade (VIANA, 2007, p. 33). lhe deu origem” (VIANA, 2010).

13
Esta influência se dá por expressarem do pressuposto da neutralidade e como
determinados valores, determinados objetivo final o entretenimento. Mas
interesses de classes por intermédio de isso nada mais demonstra o lado
suas produções e, por conseguinte, burguês das histórias em quadrinhos.
mobilizar ações daqueles que têm Em uma sociedade de classes, assumir a
contato com este gênero de leitura. neutralidade como pressuposto criativo
Mesmo que ainda seja considerada uma equivale a assumir o lado daqueles que
leitura pouco atraente, desprovida de dominam, já que não apresenta a
parcialidade, embora esta concepção possibilidade de crítica da realidade
esteja mudando em ritmo acelerado, os existente, reproduzindo, desta forma, os
quadrinhos influenciam e atuam na elementos desta mesma sociedade.
formação de determinados indivíduos,
como coloca Moacy Cirne, “não Esta neutralidade foi uma questão
existem quadrinhos inocentes” (1982, p. fundamental para que Millar criasse, por
11). exemplo, a história Os Supremos, que
por trás de sua trama se esconde a
Hoje é mais perceptível o quanto os ideologia do estado norte-americano do
quadrinhos são marcantes para a vida de “eixo do mal”, nome de uma série dos
determinadas pessoas. Pela presença quadrinhos. Quando questionado por
desta leitura na infância ou na juventude um repórter da Marvel sobre a posição
de muitos indivíduos, uma grande parte de Os Supremos, Millar responde: “Eu
desses acaba fazendo dos quadrinhos o sou um liberal, tenho orgulho de ser
seu meio de vida. Surgem os liberal e tenho reputação de liberal na
quadrinistas, os editores, críticos dos indústria. Mas, para me forçar, escrevi
quadrinhos, amantes e colecionadores de propósito essa série tanto para
de quadrinhos, enfim, é uma realidade a soldados quanto para ativistas pela paz.
influência desta leitura, e esta influência Ele não toma partido” (MARVEL,
constrange à criação e ampliação do 2013).
mercado consumidor.
Mesmo que os quadrinistas apresentem
Podemos citar o exemplo de Mark um interesse em não assumir uma
Millar. Em uma entrevista à Marvel posição política, um partido como
(2013), revelou que era amante dos colocado por Millar, acabam por
quadrinhos quando criança o que contribuir com a organização social
despertou nele o interesse de ser um estabelecida, uma vez que não
quadrinista. Mark Millar se tornou um apresentam críticas à mesma. Isso
famoso quadrinista da DC Comics e é revela o seu lado político, e revela que
atualmente um dos principais está ao lado da classe burguesa. Enfim,
responsáveis pela expansão do mercado os quadrinhos são expressões de
consumidor de quadrinhos da Marvel. determinados valores, de posições
Millar revelou também que a questão políticas etc., e estas questões aparecem
política está presente em suas histórias, nos quadrinhos de várias formas. Aqui
o que revela um lado dos quadrinhos precisaremos nos deter um pouco mais
que para muitos são negados, ou seja, os na análise dos elementos que
quadrinhos como expressão política. constituem os quadrinhos, pois se
tratam dos meios através dos quais a
Um dos elementos que dificulta a
luta cultural se expressa. Iniciaremos
percepção dos quadrinhos como
pela mensagem que é repassada pelas
expressão política, está no fato de
histórias.
algumas histórias serem criadas a partir

14
A mensagem é um elemento essência, o motor da aparência, pela
fundamental nas histórias em aparência, e assim, a essência é
quadrinhos. Esta gira em torno de um ocultada. O que ocorre é que as
tema estabelecido que delimita as ações produções culturais burguesas não
dos personagens. Para expressá-la, é podem revelar a essência, pois, se assim
criado um mundo fictício habitado por o fizesse, estaria contribuindo para
um conjunto de personagens. Os demonstrar que a sociedade é fundada
personagens, ao serem colocados em em relações de exploração e opressão, a
contato uns com os outros, estabelecem razão de ser da enfermidade social que
diálogos e demonstram suas provoca o descontentamento
intencionalidades, e são através destas generalizado existente na sociedade,
relações que seus produtores expressam logo, oferecendo elementos para os
sua mensagem. É fundamental partir do indivíduos lutarem por sua abolição.
pressuposto que os personagens não Assim, uma vez que os quadrinhos
possuem vida própria. Isso pressupõe
contribuem para a divulgação de
dizer que expressam as ideias que seus mensagens que contribuem com a
criadores determinam. Os personagens
reprodução do capitalismo, isso quer
“mudam de humor, expressando
dizer que eles podem também divulgar
emoções diversas (surpresa, ódio,
mensagens que estejam relacionadas
alegria, medo)”, como afirma Sonia
com os interesses universais da
Bibe-Luyten (1987, p. 12), porém, é
emancipação humana. Daí a
preciso considerar que os personagens necessidade de os quadrinhos serem um
dos quadrinhos são aquilo que os seus meio de divulgar mensagens que aponte
produtores querem que eles sejam. a luta de classes existente, sua dinâmica,
O fato de a maioria dos quadrinhos avanço e retrocesso e a tendência
serem produzidos no interior de grandes ascendente para a sua abolição, enfim, o
empresas, que criam estratégias de meio de propagar a possibilidade de
vendagens, inibe mensagens que não uma nova sociedade destituída de
estejam dentro da concepção burguesa classes, de exploração e controle4.
de mundo. As questões presentes no Um exemplo da expressão burguesa nos
cotidiano da sociedade são expressas quadrinhos está no fato de que a maior
com mais intensidade no mundo
ficcional dos quadrinhos, a exemplo da
luta contra o crime, prostituição, o entanto, não buscam ultrapassar as aparências
individualismo, só para citar alguns para explicá-la, pois é papel dos meios
exemplos. Desta forma, a mensagem oligopolistas de comunicação, ocultar os reais
interesses encobertos pela aparência. Assim,
não ultrapassa o campo do aparente,
substitui o essencial pelo superficial.
pautando-se assim, pela aparência em 4
Criar uma HQ que não seja a expressão da
detrimento de sua essência3. Substitui a ciência, no sentido de destituí-la de humor e
prazer, é um exercício complexo, mas é o que
vem ocorrendo com muitas histórias, como
3
Vejamos um exemplo: Uma coisa é o que as aponta Ariel Dorfman e Manuel Jofré: “As
empresas propagam como objetivo, ou seja, nas histórias em quadrinhos se converteram, em
propagandas que produzem dizem trabalhar em muitas ocasiões, num excesso de construção
prol da sociedade para atender aos interesses das intelectual, carentes de humor e pouco
pessoas em geral, porém, isso é apenas uma atraentes” (1978, p. 162). Superar os
aparência, é o que dizem. De forma oculta a isso ideologemas e axiologia é um exercício que
está os seus reais interesses, a questão essencial deve ser feito, o que pode ampliar ainda mais o
que explica a sua existência, ou seja, a busca número de leitores de histórias críticas e
pelo lucro. Os meios de divulgação cultural, no destituídas de valores axiológicos.

15
parte das mensagens divulgadas nelas Algumas histórias, no entanto, mesmo
são pautadas pelo maniqueísmo (o bem sendo predominantemente axiológicas,
contra o mal), a pedra fundamental das expressam a crítica ao estado, a
histórias em quadrinhos. Em alguns exemplo do que é feito através de Hulk,
gêneros, a exemplos da aventura e quando ele diz que “odeia os
super-aventura, é utilizada como homenzinhos” toda vez que se refere à
determinante no desfecho da trama. O polícia. Porém, ao mesmo tempo que
maniqueísmo, por sua vez, oculta o que expressa a crítica, os criadores de Hulk
rege as relações sociais, que são fazem da crítica o meio de fortalecer a
expressas nas relações entre os própria existência do estado. Esta
personagens, ou seja, a luta de classes. inversão ocorre quando Hulk é
É a expressão dos valores burgueses que projetado como um monstro, um ser que
não desejam revelar a essência da ameaça a vida humana, e por isso, a
sociedade. O maniqueísmo cumpre o necessidade de ser combatido. Assim,
papel de ofuscar as relações sociais que se um monstro critica o estado, suas
geram as ações humanas e as ideias acabam sendo convertidas ao seu
autonomizam, tonando-as produtos da contrário, já que concordar com o que
maldade ou bondade inatas (VIANA, um monstro diz pode significar, do
2005, p. 24). ponto de vista burguês, não concordar
com a vida, com o fim daqueles que
Assim, se se fala em luta entre o bem e ameaçam a ordem, e, desta forma,
o mal, não se fala em luta de classes. oculta-se a própria monstruosidade
Uma vez que é divulgada esta existente por trás das ações do estado e
concepção através dos quadrinhos, a da sociedade burguesa. A burocracia,
mesma constrange os indivíduos a assim, é reforçada e reproduzida no
projetarem-na na realidade. mundo ficcional dos quadrinhos.
Desenvolve-se uma concepção de que
esses elementos demonstrados pela Além da mensagem os trajes dos
ficção existem de fato na realidade, e personagens são outros elementos que
assim, converte a realidade em um expressa a luta cultural no campo
elemento consequente da ficção, ou ficcional dos quadrinhos. Há elementos
seja, contribui para se ampliar a ilusão simbólicos nos trajes dos personagens
em detrimento do que seja real. que são intencionalmente utilizado para
fins políticos, o que é mais comum com
O maniqueísmo é transformado em um
a reprodução de símbolos nacionais,
elemento que passa a reger as histórias como bandeiras de determinados países
em quadrinhos. As HQs que são criadas
ou algum símbolo que identifica um
pelas grandes empresas oligopolistas de determinado país, a exemplo da roupa
comunicação expressam na ficção do Capitão América e Mulher
fragmentos da ideologia, segundo a qual Maravilha etc., é o que Bourdieu
o estado é indispensável e necessário denomina de poder simbólico, que para
para a manutenção da vida social. ele, é “com efeito, esse poder invisível o
Passam a ideia de que cabe a ele a qual só pode ser exercido com a
proteção social, o bem estar, a igualdade cumplicidade daqueles que não querem
social, e que é defensor dos interesses saber que lhe estão sujeitos ou mesmo
universais. Desta forma, o que aparece que o exercem” (2009, p. 08). O
no mundo da ficção, reforça ideologias, símbolo representado pela roupa do
constrangendo determinados indivíduos personagem caracteriza a sua posição
ao culto à autoridade estatal. enquanto expressão de determinadas

16
classes. Nos quadrinhos a posição social apropriada e exercida pela burguesia,
dos personagens é, em sua maioria, auxiliada pela burocracia. V, é
expressa através da vestimenta. projetado como um personagem que
assume um lado político, que pode ser
As imagens dos personagens também
notado no próprio símbolo em torno de
atuam no campo da luta cultural, através
seu nome. O V de seu nome é colocado
das quais se expressa valores e
no interior de um círculo vermelho, que
interesses das classes sociais em luta na
se assemelha ao símbolo do
sociedade. A maior parte dos
anarquismo.
personagens que coloca a ordem do
mundo ficcional em perigo, os vilões,
por exemplo, que são considerados Sua concepção é uma expressão do
monstros, criminosos, que devem ser descontentamento das classes oprimidas
combatidos, são projetados com uma e exploradas com esta sociedade, a
imagem assustadora. Considerando que exemplo da luta constante pela
na realidade a burguesia, com o auxílio liberdade e contra o controle e a
do Estado, busca reprimir aqueles que repressão, enfim, a luta contra o estado.
lutam pela emancipação humana, pode- Embora suas histórias não avancem
se concluir que a imagem dos para a determinação do Estado, as
personagens no mundo dos quadrinhos relações de exploração, ainda assim,
é a expressão dos valores de contribui para a crítica da sociedade
determinadas classes sociais. burguesa. Desta forma, esta HQ,
Há personagens que expressam a expressa no campo da luta cultural a
corporificação do padrão burguês de posição das classes exploradas e
beleza, a exemplo do queixo e rosto oprimidas, e expressa através da
quadrado, nariz pequeno e pontiagudo, imagem de V, a busca pelo avanço da
estatura alta e com o corpo dentro dos cultura proletária no campo dos
padrões burgueses. O exemplo clássico quadrinhos.
é o Super-Homem, Mulher Maravilha,
Capitão América, etc. Por outro lado há
Os personagens, no entanto, atuam em
personagens que representam
um determinado contexto, e esse é outro
claramente uma determinada posição
elemento através do qual os produtores
política na sociedade, a exemplo de V
dos quadrinhos expressam valores que
de Vingança. Alan Moore e David
contribuem com a luta cultural. O
Lloyd tomaram como referência para a
cenário que compõe as histórias é um
criação da máscara de V o rosto de Guy
prato cheio para os quadrinistas
Fawkes, um inglês que participou de A
esbanjarem valores e darem a sua
Conspiração da Pólvora, início do
contribuição na luta cultural. O contexto
século XVII, o qual tentou explodir o
ficcional que aparece no mundo das
parlamento inglês junto com todos os
HQs, como já colocamos anteriormente,
seus integrantes, principalmente o rei
expressa as relações sociais
Jaime I.
estabelecidas na sociedade. O crime, o
A luta de Guy tinha um propósito, lutar dinheiro, o trabalho alienado, a divisão
contra a repressão estabelecida pelo rei social do trabalho, símbolos estatais,
Jaime I. Ocorre que a repressão daquele propagandas de empresas, enfim, um
tempo perdurou pela posteridade, conjunto de questões existentes no
alterando apenas as personalidades, capitalismo aparece em demasia nas
saindo das mãos dos reis e sendo HQs, o que demonstra que a HQs são a

17
projeção da realidade da luta de classes mais explorado6. Às vezes que foi
no mundo da ficção5. utilizado, no entanto, contribuiu para
Ocorre, porém, que cabe ao quadrinista reforçar a mensagem que se queria
passar.
expressar esta realidade, e aqui entra o
seu papel. Sua arte, mesmo quando Estudiosos já comprovaram que a
aparentemente ingênua, jamais será cultura é mobilizadora, ou seja, ela leva
inocente (CIRNE, 1982, p. 23). Pode as pessoas a agirem. Os quadrinhos, por
dar uma conotação ilusória à realidade, sua vez, exercem influências neste
reforçando e reproduzindo-a, mas pode processo. Mesmo que aparentemente
buscar fazer dos quadrinhos um meio seja apresentada como uma leitura
para superar a própria ficção e ilusão descompromissada, por trás de suas
que permeia as interpretações da histórias há elementos políticos que
realidade. Muitos quadrinhos, por podem assumir dois lados, ser ocultados
exemplo, são a expressão apologética ou tornarem-se mais claros por seus
do estado, é o que faz através da produtores. A possibilidade de uma ou
reprodução de símbolos estatais sem a outra vai depender de diversas questões,
menor preocupação em criticá-la. É entre elas, e a fundamental, os valores
desta forma que aparecem os símbolos que os quadrinistas querem expressar e
de bandeiras nacionais nos cenários das o grau de liberdade de produção das
histórias, o estado como salvador da histórias.
humanidade etc. Uma bandeira Um quadrinista que busca contribuir
soviética colocada como pano de fundo com a luta cultural pela emancipação
de uma história que defende o humana, deve colocar esta questão
progresso, a exemplo do que ocorre na como pressuposto fundamental de suas
série “A Foice e o Martelo” do Super- histórias, e, desta forma, o quadrinho
Homem, acaba sendo convertida em produzido deve ter como objetivo
uma expressão do progresso através da revelar o processo que estabelece a
atuação estatal, e, ao mesmo tempo, a efetivação e reprodução das relações
reprodução da ideologia estatal. sociais de exploração, opressão e
O quadrinista pode também expressar dominação. Como aponta Grosz,
um cenário que contribua para “sostengo firmemente que todo artista
compreender as reais determinações que que cuenta con el reconocimiento futuro
perpassam as relações sociais na tiene la íntima esperanza de que
sociedade. Tomemos como exemplo O cambiarán las condiciones humanas y
Capital em quadrinhos ilustrado e de que él, como artista, ayuda
comentado por K. Ploeckinger e G. ciertamente a provocar tal cambio”
Wolfram. Embora o cenário possa ser (1979, p. 25-25). Já o quadrinista que
imaginado através do diálogo dos
personagens, poderia ter sido um pouco 6
A maior parte da história aparece um fundo
branco, abstraindo assim, as relações sociais que
estão em torno dos personagens. Além disso,
por ser desenhado em branco e preto, isso não
5
Além dos elementos analisados anteriormente, torna nem um pouco atrativo para leitores que
outras questões poderiam ser abordadas e que não tenham tanta habilidade com leitura, a
poderiam contribuir com a luta cultural, como a exemplo de crianças em processo de
sobreposição dos planos dos quadrinhos, a desenvolvimento da leitura [crianças,
forma dos balões, etc. Devido o espaço que aprendendo a ler leriam “o capital em
temos para discussão aprofundaremos esta quadrinhos”? deixe claro que se trata de uma
questão em uma futura oportunidade. observação genérica].

18
compartilha os valores axiológicos, tem Referências
como compromisso a comercialização BIBE-LUYTEN, Sonia M. O Que é História
dos quadrinhos, consequentemente, o em Quadrinhos. São Paulo: Brasiliense, 1987.
lucro. Desta forma, o quadrinho é para BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio
ele um meio de atingir o sucesso, status, de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.
dinheiro. Nesse sentido, os valores CIRNE, Moacy. A Explosão Criativa dos
axiológicos pululam de sua imaginação Quadrinhos. Petrópolis: Vozes, 1972.
e tornam-se o elemento fundamental de
______. Uma Introdução Política aos
criação. Quadrinhos. Rio de Janeiro: Angra/Achiamé,
Enfim, os quadrinhos, por mais que haja 1982.
discordância, queiram ou não os DORFMAN, Ariel & JOFRÉ, Manuel. Super-
intelectuais que discutem quadrinhos e Homem e seus amigos do peito. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1978.
os quadrinistas, integram a luta cultural
no capitalismo. Desta forma, exercem GROSZ, George. El Arte y La Sociedad
certa influência na dinâmica da luta de Burguesa. In: GROSZ, PISCATOR &
BRECHT. Arte y Sociedad. Buenos
classes. Assim, a luta cultural oculta por Aires/Argentina: Caldén, 1979. p. 15-35.
trás desta arte continuará sendo uma
constante. O lado que assume dependerá MARQUES, Edmilson. Super-Heróis: ficção e
realidade. In: VIANA, Nildo & REBLIN, Iuri
do interesse daqueles que os produzem. Andréas. Super-Heróis, cultura e sociedade:
A luta pela emancipação humana se aproximações multidisciplinares sobreo
apresenta, assim, como uma mundos dos quadrinhos. Aparecida-SP:
necessidade de ampliar a produção de Idéias&Letras, 2011. p. 93-119.
quadrinhos conscientemente críticos, MARVEL. Entrevista com Mark Millar.
ampliando assim, a luta cultural pela Disponível em
liberdade. Por fim, ao contrário do http://hotsitepanini.com.br/guerracivil/intern
a.php?secao=artistas&heroi=millar&origem
ponto de vista que predomina, que os =. Acesso em 01 de fevereiro de 2013.
quadrinhos são uma arte
descompromissada, os quadrinhos são VIANA, Nildo. Cérebro e Ideologia: uma
crítica ao determinismo cerebral. Jundiaí:
expressões artísticas carregada de Paco, 2010.
valores e interesses e enquanto tal,
______. Heróis e Super-Heróis no Mundo dos
integra a luta cultural no capitalismo.
Quadrinhos. Rio de Janeiro: Achiamé, 2005.
______. Os Valores na Sociedade Moderna.
Brasília: Thesaurus, 2007.

Recebido em 2013-02-07
Publicado em 2013-03-11

19

Potrebbero piacerti anche