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J. P.

GALVÃO DE SOUSA

DIRETORIA DO ICT

Diretor Presidente: Dr. José Barbosa de Almeida


Diretor Primeiro Vice-Presidente: Dr. Ruy de Azevedo Sodré
Diretor Segundo Vice-Presidente: John Francis Snyder

CAPITALISMO,
Diretor Primeiro Secretário: Olavo Previatti
Diretor Segundo Secretário: Dra. Augusta B. de Carvalho Ribeiro

SOCIALISMO E
CONSELHO CONSULTIVO

A. F. Cesarino Junior Joviano de Araújo


COMUNISMO
Antonio Pereira Magaldi João Wagner
Antonio Alves de Almeida Mário Lopes de Oliveira
Augusta B. de Carvalho Mário Toledo de Morais
Ribeiro Leopoldo Brissac
Camilo Aschar Olavo Previatti
Elcio Silva Oswaldo Silva
George Meany Orlando Coutinho
Hélcio Maghenzani Padre Pedro Velloso S. J.
Humberto Monteiro Rômulo Teixeira Marinho
José Barbosa de Almeida Ruy de Azevedo Sodré
José Rotta Serafino Romualdi
John Francis Snyder William Medeiros
Joseph A. Beirne

ADMINISTRAÇÃO

Superintendente: Professoar J. V. Freitas Marcondes

Gilbert Richmond: Representante do Instituto Americano para 1965


o Desenvol\'imento do Sindicalismo Livre ..
' Instituto Cultural do Trabalho
São Paulo - Brasil

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Série de Monog;afias Trabalhistas


Direção do Professor ]. V. Freitas Marcondes

Volume 1 PRIMEIRAS ATIVIDADES


Diversos Autores íN DIC E
Volume 2 RADIOGRAFIA DA LIDERANÇA SINDICAL
PAULISTA Apresentação ..................................... 7
J. V. Freitas Marcondes Advertência ...................................... 11
Volume 3 - SINDICALISMO E COOPERATIVISMO
Diva Benevides Pinho l.ª PARTE

Volume 4 - A R:í!.DE SINDICAL PAULISTA


Tentativa de Caracterização (pesquisa) O CAPITALISMO, FORMA ECONôMICA DAS
Ophelina Rabello SOCIEDADES MODERNAS
Volume 5 CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMU­
NISMO ·c.J..-:.- A ordem econômica do capitalismo modern o e o seu
José Pedro Galvão de Sousa espírito ............................. ......... 17
Volume 6 - DOIS ANOS DE ATIVIDADES
/'\
Origens e desenvolvimento do capitalismo ........ 25
�.'
Diversos Autores 3_.. O apogeu do capitalismo: revolução industrial e li-
,. / beralismo econômico ........................... '.H
;4. A nova ordem política e a questão social ........ 37
5/ Transformações do capitalismo ............... _ .. 45
PRóXIMAS PUBLICAÇÕES: /

Volume 7 - INFLAÇÃO E SINDICALISMO Notas suplementares (da Primeira Parte)


Dorival Teixeira Vieira 1 . O capitalismo, a secularização da sociedade e o Estado
Volume 8 - CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO moderno S5
J. V. Freitas Marcondes 2. As causas da questão social segundo a Rerum novarum 56
9 - O LfDER SINDICAL BRASILEIRO 3. Liberalismo, socialismo e concepção cristã do trabalho 57
José Arthur Rios
2.ª p ARTE

O SOCIALISMO: REALIDADE E UTOPIA

INSTITUTO CULTURAL DO TRABALHO ;.1


1. O significado do socialismo .................... . 61
Rua Líbero Badaró, 293 - conjunto 24-C
SÃO PAULO - BRASIL 2. Modalidade do socialismo ....................... 69
6 J. P. GALVÃO DE SOUSA

3. O marxismo . . ." . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131


4. A tática fabiana e o trabalhismo ................. 89
5. O socialismo entre a utopia e a realidade ......... 93
6. Socialismo, planejamento e nacionalização ........ 99 APRESENTAÇÃO
3.ª PARTE

O COMUNISMO OU A DIALÉTICA REVOLUCIONARIA "A República econômica norte-americana criou


novas fôrças, alcançou resultados nunca sonhados
1. O processo revolucionário . . ........... ...... .. . . IO!J e deixou muito para trás o capitalismo do sé­
2 . A dialética da ação ........ ........ ... . .. ....... 115 culo XIX. Em conseqüência, são obsoletos tanto
o capitalismo clássico, quanto o marxismo- Am­
3 . A tecnocracia materialista .. ......... ... ...... ... 121
bos deveriam, realmente, estar num museu de­
dicado ao pensamento do s éculo passado".
Adolf Berle Jr.

Quando o INSTITUTO CULTURAL DO TRABALHO


organizou o seu programa educacional, com. o objetivo de formar
uma nova liderança sindical em nosso país - autênticamente
brasileira e democrática - foi procurar entre os expoentes do
magistério universitário, entre os dirigentes sindicais, jornalis­
tas e alguns fJatrões esclarecidos e progressistas, os seus profes­
sôres. O Professor José Pedro Galvão de Sousa, da Pontifícia
Universidade Católica, atendeu ao nosso apêlo desde o primeiro
momento. SemfJre foi um entusiasta do nosso programa. Aplau­
diu a criação da nossa "Série de Monografias Trabalhistas'', na
qual já foram publicados quatro estudos, inclusive duas fJesqui­
sas d.e campo e agora mais esta monografia. Como um estudioso
e autoridade na matéria, aceitou.. o convite que lhe fizemos para
lecionar a cadeira intitulada "Capitalismo, Socialismo e Comn­
nismo". Êste tema, atualíssimo, constitui um dos dezoito prele­
cionados em nossos Cursos Básicos de Liderança Sindical, cuja
duração é de três meses, com oito horas de estudos diàriamente.
Aliás, diga-se de passagem que na EurojJa êsses cursos existem
desde o século passado e, nos Estados Unidos, centenas de uni­
versidades também os possuem há dezenas d.e anos, inclusive Har-
1
s 1
1
vard. No ICT cada professor jJrofere, durante uma semana, inten­ comunismo; muitas, num conjunto como o desta monografia e,
sivamente, dez aulas, preside a cinco mesas redondas e fornece outras, sejJaradamente- Entretanto, podemos dizer que estudos
25 a 50 questões práticas jJara que os alunos pesquisem e res­ como o presente jJodem trazer novas luzes, novas maneiras de
pondam jJor escrito nas horas de biblioteca. Semanalmente, os interpretar e de exjJor problemas, como o fêz, inteligentemente,
alunos têm duas matérias, com um professor no, período da ma­ o Autor. Esta monografia, além de exjJositiva, é também inter­
nhã e, outro, no período da tarde. jJretativa, jJredominando, sempre, em tôdas as suas páginas, a
A presente monografia constitui um dos cursos proferidos clareza, a lógica e a didática.
pelo Professor José Pedro Galvão de Sousa, acrescido de algumas Estamos certos de que a quinta publicação da nossa "Série"
considerações, visando também atingir outros tijJos de leitores terá a mesma aceitação e produzirá os mesmos efeitos - não só
e estudiosos. Podemos dizer que êste trabalho não e um estudo entre os trabalhadores que desejam progredir culturalmente -
de economia, de jJolítica ou de filosofia, esjJecificamente, mas é mas também entre os estudantes e estudiosos das ciências sociais
tudo isso reunido num só conjunto- Através dêstes ensinamen­ entre nós.
tos, temos a certeza de que o futuro dirigente sindical não mais
permanecerá em dúvidas ao se encontrar numa encruzilhada J. V. Freitas Marcondes
ideológica. O leitor ou o estudante, mesmo leigo, poderá esco­ Superintendente do ICT
lher um caminho, conscientemente� ou uma filosofia de vida
a seguir neste emaranhado de idéias, doutrinas ou escolas que
caracteriza o mundo de nossos dias. É comum ouvirmos dizer
que os Estados Unidos são o país mais socialista do mundo jJor­
que é onde encontramos um maior contingente humano inte­
grando a classe média e gozando de um grande confôrto e bem­
-estar, sàmente usufruído por uma pequena classe social nos
países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Por outro lado,
é co1num ouvirmos dizer que a Rússia, China e outros jJaíses
da chamada "Cortina de Ferro" estão se tornando cada vez mais
capitalistas ... frizando ainda, alguns, que o cajJitalismo hodier­
no é bem diferente daquele do século jJassado, portanto, mais
aceitável.
Tudo quanto ressaltamos nestas linhas foi focalizado com
detalhes pelo Professor José Pedro Galvão de Sousa, advertindo,
ainda, que no esquema adotado jJrocurou relacionar os diferen­
tes tipos de fenômenos com os fatos históricos e as princifJais
transformações sociais. Dentro dessa moldura., o Autor estudou
o capitalismo como um sistema de vida que tanto pode ser indi­
vidual como estatal. Em seguida abordou, analzticamenk,
alguns sistemas socialistas, desembocando, alguns dêstes, no dis­
cutido plano comunista.
Milhares de obras já foram publicadas, no mundo inteiro,
versando sôbre diferentes aspectos elo cajJitalismo, socialismo e
ADVERT:tNCIA

Um sistema econômico não pode ser julgado em abstrato,


isto é, independentemente de suas rei.ações com a moral, sua
inserção num determinado meio social, suas conexões com os
fatos históricos. Assim é que para compreender o capitalismo
moderno, nas suas origens, temos que o consider ar em face
das transformações sociais e religiosas dos séculos XIV, XV e
XVI, e ainda sob a influência do mercantilismo e da política
seguida pelos Esta dos europeus depois dos grandes descobri­
mentos marítimos. Por sua vez, o esplendor do capitalismo no
século XIX, não o podemos entender devidamente senão em
função da ideologia que passou a inspirar o sistem a : o libe­
r alismo.
A importância das ideologias, quer no domínio político,
quer no econômico, foi-se acentuando a partir da Revolução
francesa. O socialismo, que se propõe substituir o capitalismo
na organização do trabalho e da produção,' mais do que um
sistema econômico surge como uma nova concepção da socie­
dade e do Estado, que encontra pela primeira vez a plena reali­
zação no comunismo soviético.
Se quisermos considerar o capitalismo, o socialismo e o
comunismo não de um modo abstrato e por assim dizer geo­
métrico, mas nas realidades que têm significado, devemos ne­
cessàriamente recorrer ao conhecimento da vigência histórica
expressa por tais pa lavras, que se tornaram em nossos dias
vocábulos ,explosivos.
O capitalismo nasceu quando o capital e o trabalho se
dissociaram, nos fins da Idade · Média. í.sses dois elementos
' da produção achavam-se unidos, nas mãos de homens perten­
\ centes à mesma categoria social e enquadrados no regime cor­
porativo. Na pequena indústri a manufatureir a dos tempos
medievos, os trabalhadores eram possuidores e proprietários
\ dos instrumentos de produção, tinham a sua oficin a, ao se tor-

\
CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO
13
12 J. P. GALVÃO DE SOUSA

o "Capitalismo, So cia­
n arem mestres eram ao mesmo tempo pa trões e operários. socialismo. J ustifica-se, porém, o títul
último um produto
Quando o empresário, dono dos meios d e produção, passou a lismo e C omunismo", destacando-se, neste
IX e o desagu,adou-
contratar operários retribuindo -lhes o trabalho com um salá­ d,:> capitalismo privado liberal do secul� �
0 verter as correntes socialis
tas de nossa e poca.
r io, então s urgia o sistema capitalista. r o em que va- · -
. unis na sua rea1·a i ade
Além d isso, importa considerar o com . , .
mo
.
Trata-se aqui do capiglismo=P!.-i�do, mas cumpre obser­ l c10n ana ai q uma
histórica atu al, como dinâmica revo
u m s u e
var que a mesma característica - separação entre capital e tr;i­
balho - vale para o capitalismo de Estado. Neste caso, o Es­ concepção dogmática. _ , _ , .
utr s is e a ec no m 1c os tem_ coexis-
t ado é o único em presário , o único pro prietá ri o, o único pa trão.
C om O capitaJismo o o s t m s o
- r que estepm por
Diante dêle todos os homens são reduzidos à mesma condição ti.do, e na0 desapareceram nem d.evemos pensa . . , .
de ec on omia dom est ica,
desaparecer. Formas não. capitalistas
de trabalhadores . O ct;t��:!:.Jis_?JJ:.2-k..§st(J;_!Jo é o sistema econô­
de economia coo perativa, de
. ,
ec o_nomia agrana vao resis tmd o
. - · ·
ª?
mico do regime comunista, ou seja, do socialismo mais ava n­
em asp1-
çado, razão pela qual se fala também em S2Efl{iS1TJ&...iiJL§JJ.EJo. impacto do capitalismo industrial, emb o,:a sem poder _
rar à primazia nos domínios da produça o . E m c : s p a1ses ,
rt o
Nas atuais condições da humanidade, com o desenvolvi­ mpuls�. Po:i.· is� o . �esmo,
0 artesanato floresce e recebe nôvo i .
mento econômico e o progresso técnico que at ingimos, o capi­
apesar do capitalismo ter sido d 1:1�ª
e � o rr e nci a da tecmc: mo­
_
talismo veio a se generalizar. Ao lado do capi talis mo da e�­ , ena errad o reduzir to �a a
der na e das transformações sociai s s
prêsa particular, fundado no direito de propriedade, vemos dispu­
vida econômica de hoje e as perspectivas do futur _ u�a
o a
surgir o capjtalismo�deEs.tado, mediant e a s ocialização estatal , n re s quais aliás há um
ta entre O capitalismo e o sociali smo e t o
de todos os bens de produção . bé u paren te c .
antagonismo, mas há tam m m s o
q_u com,ll;;lli!l.2.. é, pois, �iEfu.mg,� isto é, uma das formas
do sistema econômico capitalist a, baseado na dissociação entre
o capital e o trabalh o. Nem se diga que, sendo o comunismo
a expressão de uma sociedade em que todos são trabalhadores,
desaparece o proprietário capitalista, uma vez que não mais se
reconhece o direito de. propriedade na ordem privada, e tudo
passa a ser de todos. Com efeito , a propried ade, no regime
comunista, passa para a coletividade, mas deixa de ser de cada
um dos trabalhado res, e essa co.Jetividade se corporifica no Es­
tado, que a representa e a organiza, e até mesmo a dirige tota­
litàriamente. 1 0 Estado, portanto, fica sendo o proprietário e
patrão, o grande capitalista, que fornece o trabalho e dá os
meios de vida necessários a cada um dos homens, os quais pres­
t am seus serviço s à coletivid ade estatal..

O socialismo de Estado realiza-se completamente no regime


comunista, sendo o comunismo marxista o colet ivism o integral.
Dêle se d iferencia o so cialismo associativo ou grupalista. Dian­
te das várias modalidades de socialis mo e daquelas duas formas
de capitali smo, êsse volume com mais precisão poderia deno­
minar-se: "Capitalismo e S ociali smo". O comunismo entraria
como uma das espécies do capitalismo ou uma das variantes do
I.ª PARTE

O CAPITALISMO, FORMA ECONôMICA DAS


SOCIEDADES MODERNAS
l. A ORDEM ECONôMICA DO CAPITALISMO
MODERNO E O SEU ESPfRITO.

A lei fundamental da economia é a lei do trabalho, e está


cor.tida naquele preceito dado pelo Criador ao primeiro homem,
depois do pecado: "Comerás o pão com o suor do teu rosto".
Pelo seu trabalho, o homem atua sôbre a natureza e, armaze­
nando bens, constitui um capital.
Natureza, trabalho e capital são os três elementos da pro­
dução. A economia primitiva resulta do simples aproveita­
mento daquilo que a natureza proporciona, como se dá no
regime da colheita ou na caça e na pesca. Com pouco traba­
lho, e sem necessidade de nenhum capital, os homens encon­
tram tudo de que precisam para satisfazer às suas necessidades
vitais de ordem material. Mas logo começam êles a transfor­
mar a natureza, ou fazê-la proêluiir mais e melhor, surgindo
assim a agricultura. Com o correr dos tempos o trabalho hu­
mano vai exercendo em proporções cada vez maiores essa ação
transformadora, para o que não bastam as habilidades pessoais
ou a fôrça braçal de cada um, mas são necessários instrumentos
adequados. Graças à sua inteligência, pode o homem inven­
tar e fazer êsses instrumentos, daí resultando as máquinas e a
indústria, que, juntamente com o dinheiro necessário para a
compra da matéria prima e a montagem do maquinário, for­
mam o capital.
i A atividade econômica vai passando, pois, por diversas
1 fases, na utilização dos produtos naturais e das fôrças cósmicas
pelo trabalho. humano. A colheita, a economia agropastoril, o
artesanato e a indústria mecanizada sucedem-se sem que o apa­
recimento de uma destas formas implique a extinção da ante­
rior ou das anteriores, que podem subsistir mas deixam de ser
exclusivas ou de manter a primazia. Vemos hoje a mecaniza­
ção, depois de dominar o trabalho industrial, ser estendida à
lavoura.
18 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO
19

Na economia moderna, aos dois primeiros elementos men­ Jho, sem preocupação de auferir grandes lucros e de acumular
cionados acima - a natureza transformada e o trabalho trans­ riquezas.
formador - acrescenta-se o capital com um papel de direção Na ordem econômica instaurada pelo capitalismo moder­
cada vez mais acentuado. no, uns contribuem com os instrumentos de produção, e outros
A economia medieval pode considerar-se pré-capitalista. O com o seu trabal�o pessoal para fazer com que tais instrumentos
papel primacial cabia ao trabalho, e a produção ficava restrita produzam. Daí a separação entre capital e trabalho, provocan­
às necessidades do consumo. A atividade econômica de cada do a formação de classes que, pelos motivos indicados mais
um se dirigia simplesmente à obtenção do necessário para asse­ adiante, se tornaram antagônicas e hostis.
gurar a própria subsistência. Os artífices especializad�s eram Como nota Nell-Breuning, essa dualidade Capital-Traba­
conhecedores do seu ofício e o dominavam com verdadeira arte, lho "só poderá ser inteiramente evitada na emprêsa individual
sem os excessos de especialização da indústria moderna, em que ou na familiar. Quanto maior o emprêgo de "meios artificiais
por vêzes os operários não sabem senão fazer funcionar deter­ de produção" (não mais simples ferramentas e aparelhos, mas
minada peça de uma grande máquina, repetindo a mesma ope­ gigantescas instalações de maquinaria), tanto mais sobrepujam
ração durante horas e horas, monótona e automàticamente. as indústrias as possibilidades do trabalho de um só homem ou
Estavam organizados em corporações, que regulamentavam a de uma família, exigindo a cooperação de um grande número
produção e o comércio.. Os próprios trabalhadores tinham, de fôrças de trabalho, sem as quais êsses poderosos estabeleci­
mentos não poderiam de forma alguma funcionar. É preciso,
pois, a direção da vida econômica e possuíam os seus instrumen­
tos de trabalho, não havendo oposição entre capital e trabalho, pois, que muitos trabalhadores trabalhem com os mesmos meios
de produção; nos mesmos altos fornos, nas mesmas esteiras e
ou entre "empregadores" e "empregados" como classes distintas.
nas mesmas linhas de montagem. Pretender- que o operário
Isso pelo que diz respeito ao trabalho nas pequenas cida­ industrial trabalhe com seus próprios meios de produção, como
des, que precederam os grandes centros urbanos da época do fazia e faz ainda hoje o artesão, é simplesmente impossível.1
capitalismo. Era o artesanato livre, sob o regime corporativo. Isto quer dizer que o capitalismo moderno, com a grande
Quanto ao trabalho dos campos, nas terr�s pertencentes �os �enho­ indústria, veio também separar a família da oficina do trabalho.
res feudais, estava ainda em regime servil. Com a suavizaçao dos Esta foi substituída pela fábrica, na qual se dá uma concentra­
costumes, graças à influência da Igreja, deixara-se a escravidão ção de operários que vêem reduzida ao mínimo a convivência no
dos tempos do paganismo antigo, e a condição dos trabalhador,:s lar doméstico. No artesanato há o trabalho em família, mas na
em tôda parte melhorara sensivelmente. O servo da gleba nao grande indústria isto se torna impossível. Desta forma, a família
era um pária, como o escravo antigo; estava ligado à terra e não deixou de ser unidade de produção para continuar apenas como
ao senhor, razão pela qual não podia deixar a gleba em que tra­ unidade de consumo. A família do agricultor ou do artesão é
balhava, adquirindo assim uma situação de estabilidade. reforçada na sua coesão pelo fato de ser uma comunidade de
Mas o que importa aqui considerar, num paral�lo entre a
_ .
economia medieval pré-capitalista e a economia capitalista mo­
derna, é aquela ausência da dualidade de classes entre os q�e I. Oswald Von Nell-Breuning, CA]:>ITALISMO E SALÁRIO
se entregavam à produção no regime da incipiente indústria J{JSTO (Tradução portuguêsa), São Paulo: Editôra Herder, 1964,
manufatureira da época. Outro traço característico de funda­ p. 23.. O fundamento jurídico-social do capitalismo, segundo a ca­
racterização dêste sistema feita por Getzeny, repousa em três pon­
mental importância na economia medieval é_ o fato de que esta
tos: l) propriedade privada; 2) separação entre capital e trabalho;
se achava tôda voltada para atender às necessidades do consumo. 3) preponderância do capital. Cf. H. Getzeny, CAPITALISMO E
Os artífices produziam para viver com o produto do seu traba- SOCIALISMO, Pôrto Alegre: Livraria do Globo, 1939, p. 29.
20 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 21
:j
trabalho reunindo o marido, a mulher e os filhos em tôrno da não tanto o fruto de seus esforços, e talvez de seu espírito de em­
mesma tarefa e das mesma preocupações, ao passo que a famí­ preendedora iniciativa, antes produto do patrimônio empregado
lia do operário fabril, no industrialismo absorvente, fica mais para fins de lucro. O emprêgo acertado do patrimônio (no pe­
exposta à desagregação. ríodo de reconstrução, em emprêsas de reequipamento; na fase
Quanto à produção, que antes se destinava à cobertura do de escassez, na armazenagem dos bens que faltam, etc.) é que
consumo, passou a ser ordenada ao lucro. Neste sentido é que decide do êxito".
se diz que a economia medieval era uma economia de consumo "3) Patrimônio expresso em uma cifra monetária: o lucro
e a ecõriorriia capitalista moderna é de produção, pois ela tende visado é posto em relação com a cifra de dinheiro que o repre­
ao lucro do empreendedor e ao aumento da produção, cami­ senta, e calculado pela percentagem dela. Não importará tanto
nhando para a superprodução e utilizando-se da propaganda, que acrescentar a êsse patrimônio sempre mais parcelas constituti­
muitas vêzes faz surgir necessidades artificiais para dar vazão às vas, como seriam a ampliação dos locais de uma emprêsa ou a
mercadorias. Vemos, no capitalismo, como ponto de partida, anexação de novos setores, mas antes o aumento da cifra mone­
uma soma de capital a ser empregada com fito de lucro. tária do patrimônio. Será secundário saber quais as coisas cujo
A ordem social da Idade Média não estava orientada tão valor vem adicionar-se a essa cifra monetária; o de que se trata
fortemente para as atividades econômicas. 'Produzia-se para vi­ em última análise é a cifra monetária, como tal. Os capitalis­
tas típicos dessa espécie interessam-se, por conseguinte, mais
ver, não se vivia para produzir. ·o objetivo de lucro introduzido
pelo trabalho de escrituração (contabilidade, balanço), na qual
pelo capitalismo foi criando a mentalidade do "homem econô­
aparecerá demonstrada a decisiva cifra monetária, do que pelas
mico" moderno, e trouxe desde logo os g·ermes do comunismo. emprêsas em que são produzidos os valores que aparecerão
Na sociedade comunista, prevalece a idéia de uma ordem social afinal nessa cifra, podendo acontecer até que êles jamais tenham
em função das fôrças econômicas, e o homem é considerado pri­ visto suas emprêsas". 2
mordialmente um agente produtor. Essa análise torna patente a verdadeira revolução operada
Ainda no 4izer do autor citado, o capitalismo moderno pode pelo capitalismo na vida econômica dos povos: a economia es­
ser entendido como processo econômico para aumentar um pa­ sencialmente ordenada à produção, a produção para o lucro e
trimônio lucrativo expresso em cifra monetária. Nesta concei­ o lucro como fim em si mesmo. As ativi_dades econômicas e
tuação, encontramos os seguintes elementos: financeiras passaram à ser orientadas no sentido da formação e
"l) Patrimônio, lucrativo: uma pessoa possui um patrimô­ do reinvestimento do capital.
nio e deseja servir-se dêle para lucrar; em outras palavras: para Na economia pré-capitalista tínhamos o seguinte esquema:
aumentar êsse patrimônio". Por aí se pode perceber a dinâmica
da produção capitalista, impulsionando para a supeTprodução do
hipercapitalismo. Para que o aumento do patrimônio? Res­ MERCADORIA - DINHEIRO - MERCADORIA
ponde o mesmo autor: "para tornar a aumentar, e ainda em
maior escala, o patrimônio aumentado". Um trabalhador produzia alguma coisa a fim de, com o di­
nheiro alcançado pela venda dêsse produto, comprar outra
''2) O lucro deverá obter-se jJelo patrimônio. Isso não
coisa de que precisasse para o seu uso.
significa que o possuidor do patrimônio lucrativo (o "capitalis­
Com o sistema capitalista os têrmos se inverteram:
ta") não queira trabalhar também. Muitos e mesmo a maioria
dêsses proprietários trabalham até o limite de suas fôrças ... até
esgotá-las prematuramente. Mas o lucro é, . no parecer dêles, 2. Breuning, obr. cit. P'.P· 14-15.
·'1
1
i
22 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 23

rêsse individual. Neste sentido, pois, capitalismo quer dizer a


DINHEIRO - MERCADORIA - DINHEIRO corrupção do sistema capitalista, quando ao capital se atribui uma
função indébita de tal maneira que êle se torna "iníquo pela
O capital inicial serve para produzir alguma coisa, cuja sua origem, desproporcionado pelas suas aplicações concretas,
venda, segundo o valor que ela alcança no mercado, vai dar um nocivo pelos seus efeitos, transformando-se por sua vez as classes
lucro, permitindo aumentar o capital. superiores correspondentes em fator de desordem social mais
No primeiro caso o que vemos é a economia à medida do do que elemento de conservação e progresso".4
homem. O fim da produção é a necessidade pessoal do produtor.
No segundo caso, o homem coloca no lucro o fim da sua
atividade, e o que se tem em vista é, no dizer de Nell-Breuning,
a cifra monetária como tal.

!-
ftste espírito de lucro fàcilmente se transforma em desme­
dida gananciosidade, pela avidez de enriquecer indefinidamente,
daí resultando o exercício da atividade econômica não mais su­
bordinada à lei moral.
Se a dissociação entre o capital e o trabalho caracteriza o
sistema capitalista, esta separação entre a economia e a moral
gerou o espírito individualista dominante no capitalismo libe­
ral-burguês dos séculos XIX e XX.
Daí a distinção feita pelo grande economista Toniolo entre
dois sentidos da expressão "economia capitalista": "um primeiro
e correto, i�to é, de um sistema de relações econômicas, em que
prevalecem pela importância comparativa as classes superiores
possuidoras do capital. Neste sentido a palavra denota uma
fase normal da economia dos povos, afirmação de uma certa ma­
turidade e medida de um crescente poder do homem" .3
O segundo sentido corresponde ao sistema capitalista vi­
ciado por aquêle espírito individualista, oriundo do naturalis­
mo econômico moderno. Então, "economia capitalista" ou "ca­
pitalismo" são expressões comparáveis a egoismo, parlamenta­
rismo, socialismo, que significam a perversão de um conceito
normal. O egoismo é o amor próprio desordenado, o parla­
mentarismo é a perversão do sistema representativo parlamen­
tar e o socialismo é uma concepção que exagera o predomínio
que de fato deve reconhecer-se ao interêsse social sôbre o inte-

3. Giuseppe Toniolo, CAPITALISMO E SOCIALISMO, Ro­


ma: Edizione del C omitato Opera Omnia di G. Toni.olo, 1947, pp.
201-202. . ;,,, ,,J,.; ,.j;�
0
4. Tonioflo, obr. cit., p. 204
2. - ORIGENS E DESENVOLVI MENTO DO CAPITALISMO.

Os descobrimentos marítimos e as grandes invenções assi­


nalam o início da era moderna, marcados também profunda­
mente pela revolução espiritual decorrente da Renascença e
sobretudo do protestantismo. Todos êstes acontecimentos his­
tóricos tiveram a sua influência bastante acentuada na formação
d,:::i capitalismo.
Da economia medieval para a economia moderna não há
um salto ou uma súbita mudança. O _ca�tomou im_}lli.l�
sçi___ _ç9_1'.!l as. xrnvegªçõ�s._,e.. o __ÇOJ!!tr_cjo �X._t�_r:_ip_:r, mas já se vinha
constituindo nos últimos séculos da--Iclade Média.____ Su_as pr_imei-
ras manifestações se encontram na época do desenvolvimento da
vida urbana e dos mercados. Nas cidades italianas, onde estêve
também o berço da Renascença, e nos Países Baixos, que sem­
pre foram uma porta aberta no norte da Europa ao comércio
c:::im o Oriente, a classe dos mercadores foi ganhando prestígio
e os pequenos artífices, fora dos quadros rígidos das corporações,
c::>meçaram a produzir tendo em vista não apenas o consumo
local mas também as solicitações de mercados longínquos. O
que verdadeiramente representa o início do capitalismo é a
economia de mercado. Frente aos grandes domínios agrícolas e
aos burgos senhoriais, surge o mercador, um elemento de trans­
brmação, apoiado na pequena indústria. A Europa vai então
ceixando uma economia autárquica e regionalmente dividida,
em lugar da qual se expande um sistema econômico baseado
na troca à distância, na mobilidade da riqueza e no trabalho
livre. A intensificação do tráfico, o aperfeiçoamento da circu­
lação monetária e o desenvolvimento do crédito são elementos a
favorecerem êste nôvo sistema. 5

5. J. Calmette, LE MONDE FÉODAL, "Clio", IV, Presses


Universi,taires de Paris: France, 1951, p. 184; H. Pirenne, HISTORIA
ECONOMICA Y SOCIAL DE LA EDAD MEDIA ( tradução espa­
nhola), Mexico: Fondo de Cultura Economica, p. 189.
1
l BIBLIC) 1
26 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 27
!
O capitalismo, de início comercial, passa depois a ser fi­ Um aspecto importante a considerar no capitalismo monár­
nanceiro e finalmente atinge o carater industrial. Em seguida quico das nações ibéricas é que êle não se ordenava apenas a
ao mercador aparece o banqueiro, um e outro preparando o am­ objetivos econômicos ou a satisfazer simplesmente à "razão de
biente para as grandes emprêsas da indústria moderna, que pres­ Estado" - essa norma formulada por Maquiavel e que come­
supõem o crédito e se destinam à conquista dos mercados. çava a inspirar a política dos Estados europeus - mas estava su­
O capitalismo é uma economia de mercado e uma econo­ bordinado a um ideal superior. A obra da navegação e das con­
mia de emprêsa. Quanto a· esta última, a seu respeito escreve quistas, desde os seus primórdios em Portugal, com o Infante
François Perroux: "A emprêsa combina tecnicamente e econô­ D. Henrique, e do seu impulso inicial na Espanha, com os Reis
micamente fatores da produção que lhe são trazidos por agentes Católicos, realizava, segundo a linguagem de Camões, a dilatação
distintos do empreendedor. São os trabalhadores salariados. da Fé e do Império-. A conquista de novos mundos dava-se em
São os capitalistas emprestadores. Enquanto a exploração arte­ continuidade histórica com a epopéia da Reconquista, cujas
sanal sob suas formas originais implica combinação de fatores lutas duraram quase oito séculos até que aquelas nações penin­
que, na sua maior parte, são fornecidos pelo próprio artesão, sulares \chegassem a expulsar definitivamente do seu solo os
a emprêsa só aparece quando o mercado dos fatores da prodn-. adeptos do islamismo. É bem significativo que tenham ocor­
ção lhe fornece uma parte substancial ou a mais larga parte do rido no mesmo ano a ocupação de Granada, último reduto ára­
_trabalho e do capital que ela emprega".6 be na península, e o descobrimento da América.
A emprêsa é assim "o microcosmo capitalista, a instituição Tal aspecto não escapou a Sombart: em sua clássica obra sô­
cardeal do capitalismo", na expressão do mesmo autor, o que, é bre o capitalismo moderno, observa êste autor que sôbre os es­
bem de ver, se aplica ao capitalismo industrial, cujo surto ocor­ panhois se projetava um reflexo da Idade Média.8 Precisamen­
reu após o aparecimento da máquina. te na época da expansão marítima luso-espanhola, que é também
O desenvolvi_mento do capitalismo acompanha o da bur­ a da Renascença e do protestantismo, a unidade espiritual da
guesia, a classe social beneficiária dêste sistema econômico, er­ Idade Média se desfaz e os povos separados geogràficamente pelos
guido sôbre as ruínas do mundo feudal. Os historiadores as­ Pirineus passam a constituir dois mundos culturais distintos: de
sinalam, no século XIV, uma espécie de revolução democrática, um lado, a Europa protestantizada e depois racionalista, do ou­
pela entrada da burguesia na cena política de alguns povos. Em tro o mundo hispânico em expansão, fiel aos ideais da Cristan­
Portugal foi quando se deu a ascenção do Mestre de Aviz ao dade medieval. Filipe II, unificando debaixo de sua soberania
trono, conduzido pelo povo de Lisboa e tendo os seus direitos os imensos territórios conquistados por espanhóis e portuguêses,
.defendidos perante as Côrtes pelo Dr. João das Regras, perten­ naquele império "em que o sol não se punha", surge como o
cente, como todos os legistas, à classe burguesa. O capitalismo campeão do Catolicismo em face de luteranos ou calvinistas,
em Portugal e na Espanha apresenta característicos especiais, em como os seus antecessores o haviam sido na luta contra os mao­
virtude da ação da Coroa dirigindo a grande obra das nave­ metanos.
gações, do comércio exterior e do povoamento das terras desco­ Se os descobrimentos marítimos representam uma fonte fe­
bertas.7 cunda do capitalismo moderno, um dos fatos mais significativos
a assinalar no seu desenvolvimento histórico é o deslocamento
6. F. Perroux, LE CAPITALISME, Paris: "Que sais-je?", n.0 do eixo do capitalismo monárquico de Portugal e da Espanha
315, P. U. F., 1958, p. 15.
7. Quanto a Portugal, veja-se Manuel Nunes Dias, O CAPI-­
:TALISMO MONARQUICO PORTUGUES (1415-1549), Contri­ 8. Sombart, DER MODERNE KAPITALISMUS, III: DAS
buição para o estudo das origens do capitalismo modemo, Coim­ WIRTSCHAFTSLEBEN IM ZEITALTER DES HOCHKAPITALIS­
.brà, volume I, 1963. MUS (1.ª parto), Berlim: Duncker & Humblot, p. 60.
"Ci-···
28 J. P. GALVÃO DE SOUSA . CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 29
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para as potências européias de além-Pireneus, ao mesmo tempo mo os homens começavam a se sentir livres de tais restrições de
em que os proveitos do comércio do Nôvo Mundo iam escapan­ ordem moral. Essa influência foi muito bem estudada por
do àquelas duas nações para cair nas mãos da Inglaterra, da Ho­ i Max Weber e outros autores, entre os quais o próprio Sombart. 12
landa e da Franca. 9 A teologia calvinista favorecia a criação da nova mentalidade
Foi nesse mundo europeu, transformado pelo naturalisml) capitalista com a teoria da predestinação, segundo a qual todos
renascentista e pelo protestantismo, que se formou o moderno os homens são desde a eternidade destinados por Deus ao céu
espírito capitalista, sendo de notar um fato de importância ca­ ou ao inferno, independentemente do seu procedimento nesta
pital: a influência dos judeus, expulsos da Espanha por Fernan­ vida, sendo o bom êxito nos negócios um sinal da futura sal­
do e Isabel, e passando a exercer uma atuação decisiva nos ne­ vação.
gócios e na política de outros povos.10 Com as monarquias absolutas o sistema capitalista encon­
trava sua primeira fundamentação doutrinária, entre os adeptos
O capitalismo financeiro, oriundo do capitalismo comer­
do mercantilismo. Cumpre lembrar que as monarquias medie­
cial, fomentava a circulação das riquezas e dava origem à acumu­
vais haviam sido tipos de govêrno limitado, não só em virtude
lação dos capitais. As bolsas suplantavam as grandes feiras, e
dos grandes poderes reconhecidos aos senhores feudais, mas ainda
eis bancos iam ganhando uma preponderância cada vez maior,
pela atividade da Igreja na vida pública e pelo regime das liber­
resultante do desenvolvimento do crédito.
dades locais, de comunas ou cidades e regiões, regime tão flores­
O empréstimo a juros muito contribuiu para êsse nôvo es­ cente, por exemplo, entre os reinos da península ibérica (fueros) .
tado de coisas. Durante a Idade Média, a Igreja condenara, Depois da Renascença, e ainda aqui por influência do protes­
combatendo a especulação e os excessos do comércio do dinhei­ tantismo, o poder real foi-se fortalecendo cada vez mais, em de­
ro.11 Nos países em que era maior a influência do protestantis- trimento daquelas unidades autônomas que antes o limitavam.
O aumento do erário público, com o ouro e a prata da América,
as novas armas de guerra, resultantes do uso da pólvora e tor­
9. Henri Sée, LES ORIGINES DU CAPITALISME MODER­ nando obsoletos os sistemas de defesa dos castelos senhoriais,
NE, Paris: Lib. Arrnand Colin, 1930, págs. 49 e 67.
favoreciam o crescimento do poder do rei, cuja interferência na
10. São bem conhecidos os trabalhos do grande historiador do
capitalismo moderno, Werner Sombart, em tôrno do assunto, nos vida das corporações econômicas e da própria Igreja preludiava
livros sôbre OS JUDEUS E A VIDA ECONÔMICA e O BURGUÊS, a enorme centralização do Estado moderno.
além da obra fundamental já citada. Assim como o direito romano vinha dar ao absolutismo
11. Até meados· do século XVIII tanto a lei eclesiástica como suas bases jurídicas - com o princípio "o que agrada ao prín­
as leis civis proibiam o empréstimo a juros. Esta prática tornou-se cipe tem fôrça de lei" - da mesma forma o mercantilismo for­
hoje corrente e passou a ser admitida pelo direito canônico e peln necia aos monarcas uma justificação para a tarefa de direção da
direito civil. O princípio de justiça em que se fundamentava a vida econômica, que começavam a assumir.
proibição de outrora e a permissão de hoje é sempre o mesmo. O
que mudaram foram as circunstâncias. Com a significação que a
moeda passou a ter em nossos dias, o empréstimo sem juros é que conseqüentemente a agiotagem. Cf. Valere Fallon, PRINCIPES
poderia redundar em injustiça. Tenha-se em conta o fenômeno da D'ÊCONOMIE SOCIALE, 5.ª ed., Museum Lessianum, L'Êdition
desvalorização e os surtos inflacionários. As seguintes circunstân­ Universelle (Maison d'édition A. Wesmael - Charlier), 1935, págs.
cias ou títulos acidentais podem justificar a percepção de juros: 323-331.
dano emergente, lucro cessante, risco do capital, perigos do atraso ou 12. Max Weber, DIE PROTESTANTISCHE ETHIK UND
da mora. Tudo isto faz com que no regime econômico atual um DER GEIST DES KAPITALISMUS, publicado pela primeira vez
juro razoável seja exigido nos empréstimos. O que é sempre con­ no ARCHIV FüR SOZIALWISSENSCHAFT UND SOZIALPOLI­
denável e imoral é a usura - juros não: devidos ou exagerados - e TIK, volumes XX e XX (1904-1905).
30 J. P. GALVÃO DE Sous.&

O mercantilismo não chegou a ser uma escola ou uma teoria


elaborada metàdicamente, mas aquêles que o punham em prá­
tica partiam de certas idéias gerais difundidas na época. Assim,
Colbert, ministro de Luís XIV, foi um dos expoentes da política
mercantilista, cujas normas se encontram nas suas instruções, nas 3. Jrf APOGEU DO CAPITALISMO: REVOLUÇÃO
suas cartas ou em exposições de motivos de seus decretos, e não INDUSTRIAL E LIBERALISMO ECONôMICO
em um tratado ou uma obra sistemática. Depois da afluência
Na primeira fase do capitalismo moderno, homens de negó­
do ouro e da prata procedentes da América, começou-se a iden­
tificar a riqueza com os metais preciosos. Os governos procura­ cio empreendedores surgiam das várias camadas sociais, espe­
cialmente da burguesia. Já nos tempos do Imperador Carlos V
vam aumentar a quantidade da moeda em circulação, controlar
a importação, para que não excedesse a exportação, e assegurar os Fugger, de Augsburgo, a princípio comerciantes, depois pro­
um sistema de tarifas aduaneiras ao mesmo tempo em que su­ prietários de minas e finalmente banqueiros, tornavam-se verda­
primiam ta.,---cas internas. deiros potentados na sua época. Mas os verdadeiros dirigentes
econômicos foram príncipes como Gustavo Wasa, Frederico II,
Francisco I e outros, e mais tarde altos funcionários ou ministros
como Colbert, na França, e posteriormente Pombal em Portu­
gal. O centro propulsor estava nas esferas governamentais, o
Estado começava a exercer uma atividade no '.mundo dos negó­
cios e o poder político servia-se dos banqueiros para a realiza­
ção dos seus fins._ Desta forma, o capitalismo monárquico se
sobrepunha ao comercial e ao financeiro. 13
A partir da segunda metade do 1:Século XVIII)o capitalismo
entra no seu período de esplendor, oriundo do desenvolvimento
das indústrias. O século XIX assinala de um modo cada vez
mais acentuado êsse apogeu, cujo têrmo final podemos colocar
num dêstes dois acontecimentos: a guerra mundial de 1914 ou
a crise econômica de 1929.
Segundo Sombart, o traço mais saliente dessa época de apo­
geu é a mudança da direção da vida econômica, passando esta
para as mãos dos empresários capitalistas. É claro que isto não
se verifica nas esferas da economia agrária fora dos moldes capi-

13. A economia pré-capitalista da Idade Média tinha um


cunho comunitário, e a direção da produção e do trabalho cabia às
c�rporaçõ�s de ofíci�. Dêstes grupos· dependia a estruturação da
_
vida econonnca. Assrm mesmo destacavam-se, na economia rural, os
senhores feudais com os seus intendentes e os abades dos mosteiros
e nas cidades os �ais antigos mestres dos grêmios corporativos e ;
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patriciado comercial em ascenção.
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32 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 33

talistas, nem no artesanato ou na economia pública. Mas nas Alguns anos antes da segunda guerra mundial, uma revista
\
unidades de produção industrial, em que se realiza plenamente 1 francesa, publicando interessante reportagem sôbre o assunto,
a idéia da forma capitalista como economia de emprêsa, recaem trazia na sua capa a enorme roda dentada de uma fábrica tri­
sôbre o empresário tôdas as responsabilidades e tôdas as possi­ turando um operário, com esta legenda: "fim de uma civili­
bilidades de ganhar ou perder. A fôrça propulsara da economia zação?"
capitalista moderna é, assim, o empresário capitalista. Sem êle Depois das duas conflagrações que sacudiram a humanida­
nada se faz, dêle dependem o capital e o trabalho, e mediante a de e das crises econômicas gerando o desemprêgo em massa, des­
sua iniciativa ou o seu apoio' são realizados os inventos téc­ faziam-se as ilusões da era vitoriana inglêsa, dos tempos da jJros­
nicos.14 perity, e a linguagem dura dos fatos vinha desmentir o otimis­
Quantq,,à emprêsa capitalista, unidade de produção, tem mo dos que afirmavam a evolução dos povos na linha de um
por fim o)ucro'do empreendedor. Este objetivo determina uma progresso indefinido.
atividade cada vez mais intensa, da qual resulta o aceleramento Mas consideremos agora o capitalismo naquela fase, início
do ritmo da vida, valorizando-se de um modo equivalente o di­ do seu auge, coincidindo com a introdução da máquina e o de­
nheiro e o tempo (time is rnoney). Na economia artesanal tra­ senvolvimento da grande indústria. É importante levar em
balha-se mais vagarosa e despreocupadamente, e há mais lugar conta um elemento de natureza ideológica sem o qual a evolu­
para a preocupação artística. Os trabalhos em sêda no Oriente, ção do capitalismo não teria sido o que foi: o liberalismo eco­
os bordados e tapeçarias se executam lentamente. Como na nômico.
Europa medieval, entre os povos orientais de hoje ainda se es­ Ao mercantilismo controlador e protecionista, protegendo
creve e fala sem pressa e com muitas cerimônias. Tudo isto vai especialmente as manufaturas e o comércio, veio opor-se a dou­
aos poucos desaparecendo com a racionalização da vida econô­ trina dos fisiocratas, entre os quais se destaca o economista
mica pelo capitalismo, racionalização esta em que o homem vai Quesnay, autor do TABLEAU ÉCONOMIQUE.1 5 Preco­
sendo anulado pelo predomínio da máquina e, em nossos dias, nizavam o domínio da natureza nas relações econômicas,
pela automação. donde o nome de "fisiocracia": Partiam da hipótese difun­
A aplicação da máquina a vapor às indústrias foi o acon­ dida no século XVIII de um "estado de natureza" anterior à
tecimento histórico de maior importância na história do capita­ vida social, em que o homem seria bom e feliz. As condições
lismo. Transformou inteiramente as condições de trabalho, deu dêsse estado primitivo deveriam, segundo os fisiocratas, ser res­
novas e imensas possibilidades à produção, preparou a era tec­ tabelecidas mediante um regime de ampla liberdade individual
nológica. A técnica, em si mesma, deveria favorecer o homem e no respeito às leis naturais que governam a atividade econô­
no domínio da natureza e na extensão a tôda a sociedade mica, leis estas às quais o Estado não deve opor-se com suas
de condições de vida mais favoráveis, Os benefícios do progres­ interferências e regulamentações. Daí a famosa fórmula: laisscz
so técnico, na ordem do bem-estar material, fizeram-se sentir, faire, laissez passer. Ou como diriam os italianos: il mondo 11a
mas nuvens sombrias vieram toldar um panorama luminoso: o da se. Limitando-se a garantir a segurança das pessoas e dos
modo pelo qual foi utilizada a máquina suscitou gravíssimos bens, o Estado tornar-se-ia um mero mantenedor da ordem, pro-
problemas sociais, provocando um desajustamento entre as clas­
ses e uma crise que acabou por atingir o sistema capitalista,
pondo-o em cheque. 15. Quesnay era médico de Luís XV. A exemplo de Colbe1t,
na época do mercantilismo, teve também a "fisiocracia" um minis­
tro de Estado a defender e aplicar os seus princípios: Turgot, no
14. Sombart, DER MODERNE KAPITALISMUS, volume ci­ tempo de Luís XVI. Outros nomes da mesma corrente: Mirabett,
tado, capítulos I e II. Mei-cier de la Riviere,, Dupont de Nemours, Gournay.
34 J'. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 35

porcionando aos indivíduos uma ampla �ib�rdade_ de produçã?, além das necessidades do consumo interno. Por outro lado, nada
de trabalho, de concorrência e de comercio. Disso resultaria tinha aquêle país a temer da importação, pois os outros países
espontâneamente o equilíbrio e a prosperidade geral. não estavam em condições de se lhe avantajar na concorrência.
Tais idéias foram também as do liberalismo econômico, em­ Tal era o estado da política econômica exterior, ao fim das
bora mais mitigadas em alguns autores. O título de um livro guerras napoleónicas. O liberalismo dominou durante todo o
de Bastiat é bem significativo: "As harmonias econômicas". século XIX. Houve, entretanto, nas últimas décadas dêsse sé­
Estas harmonias resultariam, a seu ver, do livre jôgo dos inte­ culo uma volta à orientação dos tempos do mercantilismo. A
rêsses e da conformidade com a ordem natural. Adam Smith economia liberal, na concepção de Smith, correspondente ao .
exerceu grande influência no liberalismo inglês, e depois dêle capitalismo em expansão, admitia um aumento indefinido· da
Ricardo, enquanto na França]. B. Say dava uma coloração mais produtividade e conseqüentemente uma prosperidade geral, sem
forte às idéias de Smith dentro do quadro geral criado pelo que as riquezas das nações mais favorecidas acarretassem o em­
liberalismo político da Revolução de 1789. A Escola de Man­ pobrecimento de outras. Segundo o mercantilismo, pelo con­
chester pregava um liberalismo intransigente, e na mesma linha trário, as nações tôdas participavam de uma riqueza comum e
do pensamento economista liberal se destava Stuart /11.ill, dou­ em princípio limitada, de tal maneira que o enriquecimento de
trinador político e filósofo. cada uma só poderia verificar-se com o sacrifício das demais. Isto
Na obra fundamental de Adam Smith? sôbre a riqueza das porque o mercantilismo considerava a riqueza tendo por fontes
nações, editada pela primeira vez em Londres em 1776 e tradu­ o ouro e a prata, ao passo que o liberalismo concebia-a em fun­
zida em várias línguas, o autor sustenta a tese de que os homens ção da produção industrial no crescendo indefinido resultante
são sempre impulsionados pelo interêsse pessoal, daí resultando da técnica e dos novos processos de trabalho. Mas êste mesmo
também um benefício para a coletividade, pois procurando cada liberalismo, assegurando campo aberto para a expansão das fôr­
um satisfazer ao seu próprio interêsse serve melhor à sociedade ças produtoras, fazia com que tais fôrças começassem a cuidar
do que se se propusesse fazê-lo. Vemos nisto o utilitarismo da fi­ dos seus interêsses e de vencer na concorrência, chegando a um
losofia inglêsa na tradição procedente sobretudo de Bentham, e ponto em que precisavam servir-se do Estado para a sua defesa.
daí o individualismo e o sensualismo econômicos passam tam­ A necessidade de proteger os interêsses capitalistas e fortalecer a
bém para outros autores, como o de Say. economia interna fêz surgir o chamado neo-mercantilismo, ex­
Smith dava grande importância à divisão do trabalho, para pressão econômica do imperialismo.
o aumento da produtividade. Tornou-se êste princípio uma ._ Na época do mercantilismo, o Estado dirigia a economia.
das molas propulsaras do sistema capitalista. Argumentava-se Depois, com o liberalismo, passou a desinteressar-se dela. Fi­
com fatos bastante convincentes, como êste: pela divisão do tra­ nalmente, as fôrças econômicas começaram a controlar o poder
balho dez operários conseguiriam fazer 48.000 alfinetes por dia, político, e assim a economia a dirigir o Estado. Ao afã de lucro,
ao passo que cada um trabalhando isolado não faria mais do que característico do capitalismo, acrescentava-se o afã do poder,
vinte. estendendo-se para além das fronteiras, na busca de mercados ·
Com o maquinismo e a divisão do trabalho a economia capi­ e de matéria prima e na política de colonização .is
talista ia se expandindo mais e mais, ao mesmo tempo em que
o livre câmbio permitia o alastramento, pelo mundo afora, das
riquezas e dos bens produzidos, bem como a conquista de mer­ 16. W. Sombart, volume citado, capítulo VI; H. Hauser, ].
cados para dar vazão à produção crescente. Maurain e P. P. Benaerts, DU LIBÉRALISME À L'IMPÉRIALISME
(vol. XVII da coleção PEUPLES ET CIVILISATIONS), P. U. F.;
O movimento livre-cambista era sobretudo do interêsse da M. Baumont,. L'ESSOR INDUSTRIEL ET L'IMPÉRIALISME CO­
Inglaterra, saturada de produtos industriais, que iam muito LONIAL ( vol. XVIII da mesma coleção).
36 J. P. GALVÃO DE SOUSA

Nesta fase da sua história, o capitalismo viu deslocar-se o


eixo da vida econômica. Surgiram, como potências dominan­
tes, a Inglaterra, a Alemanha e os Estados Unidos. O que ex­
plica o grande progresso industrial dêsses povos é a reserva car­
bonífera existente no seu solo e permitindo a utilização da má­
4. A NOVA ORDEM POLfTICA E A QUESTÃO SOCIAL.
quina.17 Basta lembrar que, dos meados do século passado até
cêrca de 1920, 80% da extração mundial do carvão era feita em
jazidas daqueles três países, refletindo-se proporção equivalente Êsse espírito peculiar ao capitalismo liberal expandiu-se t'
no progresso da siderurgia. triunfou não apenas por efeito de uma doutrina econômica, mas
principalmente de uma revolução política. O liberalismo eco�
Nascido na Itália da Renascença e nos Países Baixos, o ca­ .
nômico pôde ser aplicado graças ao liberâii'sino político, inspi­
pitalismo florescera nas monarquias católicas e latinas: Portu­
ga�, Espanha e de�ois a França. Passava em seguida a países rando a nova ordem instaurada nos Estados europeus sob o in­
CUJO subsolo fornecia a matéria prima indispensável ao surto in­
fluxo dos princípios da Revolução de 1789, princípios êstes que
dustrial da era da máquina a vapor. Tratava-se de povos pro­ da França se espalharam por outros povos e empolgaram as
testantes, com ambiente propício à formação da mentalidade ou elites dirigentes dos países americanos na época da indepen­
do espírito capitalista descrito por Toniolo e analisado por dência.
Sombart e Max Weber. O Estado liberal, dentro de cujos quadros se constituíram
as democracias do século XIX, deu ao capitalismo a cobertura
jurídica. Não o podemos compreender senão em função de uma
v1são do universo e do homem preparada pelo humanismo da
Renascença e o iluminismo do século XVIII. Passou-se a con­
siderar o homem como um ser moralme.nte autônomo devendo
guiar-se só pela sua razão sem reconhecer uma lei superior dada
por Deus. 18 Os fins da atividade humana, por sua vez, começa­
ram a ser valorizados por si mesmos, independentemente de
uma subordinação ao fim último para que Deus nos criou: a
felicidade eterna. Assim, o objetivo de lucro, determinante da
atividade econômica no sistema capitalista, tornou-se para mui­
tos um fim em si. A liberdade deixou de ser considerada um
meio para o homem alcançar a sua perfeição, sendo erigida em
valor supremo e absoluto. Donde, a autoridade não mais exer-

18. Aliás a lei de Deus estabelece a norma de agir do homem


na sua natureza racional, tal como foi criado por Deus. Por isso
mesmo ela é acessível à luz natural da razão, quando não perhir­
bad� pelas paixõe� ( lei natural):_ Kant, o filósofo por excelência
_
do liberalismo·
17. Ver a respeito o notável trabalho de J. Pires do Rio O , qms fazer da razao de cada um a suprema legisla­
COMBUSTÍVEL NA ECONOMIA UNIVERSAL, São Paulo: ' Li­ dora, através do "imperativo categórico". Do pensamento kantiano
vraria José Olympio Editôra. decorre a idéia de uma absoluta autonomia da vontade' fundamento
. do liberalismo jurídico.
38 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 39

cer a função de ordenar a liberdade para o bem, limitando-se gas corporações de ofício, com as suas regulamentações, traziam
a conciliar as liberdades de uns e outros no desempenho de um uma série de restrições a que era preciso por fim, uma vez aceita
papel de amortecedor dos choques ou conflitos sociais. aquela idéia otimista do liberalismo econômico no sentido de
que a "ordem natural" imperasse sem sofrer limitações da parte
Tanto a economia como a política eram separadas da moral,
da autoridade do Estado ou de autoridades corporativas.
e a religião não mais era reconhecida como algo que deve infor­
mar tôda a nossa vida, mas ficava confinada ao interior das igre­ Além disso, a nova ordem política partia de uma concep­
jas e da consciência privada de cada um. Operava-se uma es­ ção individualista da sociedade. Rousseau, no "Contrato so­
cial", ensinava que a sociedad-e se fundan;ienta · numa conven­
tranha cisão entre a consciência privada e a consciência públi-
ção entre indivíduos cujo estado ideal é o "estado de natureza",
ca dos empresários ou dos cidadãos: quando o indivíduo entra-
devendo a liberdade ampla dêste estado primitivo ser a meta su­
va na sua fábrica, no seu escritório, numa repartição pública ou
prema visada pelas organizações políticas. Dizia também que
no parlamento deixava do lado de fora os princípios em que
não deve haver sociedades parciais no Estado, e desta forma ·a
fôra educado num lar cristão. A isto se chama a secularização
_ comunidade política perdia o caráter orgânico que histàrica­
da vida, e o Estado liberal laicista, em nome de uma falsa liber­
mente sempre teve, constituída por um conjunto de famílias e
d�de de consciência, foi mais longe: suprimiu o ensino de reli­
outros grupos, para se transformar numa poeira de indivíduos
gião nas escolas oficiais, violando assim a liberdade de educa­
em face do poder do Estado.
ção religiosa.19
Alguns países, como a Inglaterra, mantinham a tradição
Da mesma forma, o liberalismo, de cunho nitidamente indi­
associativa, sem por isso conseguirem escapar aos efeitos da re­
vidualista, negou a liberdade de associação. Isto ocorreu nos volução industrial no desequilíbrio que esta provocava entre as
seus primeiros tempos, produzindo conseqüências das mais de­ classes, pois de qualquer modo o liberalismo inspirava as leis
sastrosas 1�0 campo social e econômico. Depois do édito de e a orie�1tação dos governos. · Maior se tornava a devastação in­
Turgot dissolvendo as corporações, em 1776, a famosa lei C ha­ _ .
dividualista entre os povos que adotavam, em suas constituições
p_elier, �-e 1791, abol�a totalmente na França o regime corpora­ políticas, os princípios da Revolução de 1789 levados ao extre­
tivo, ahas de há mmto em decadência, e o Código Penal che­ mo e proclamados "imortais".
gava a punir a coligação de patrões ou de operários.20 Tudo
Assim surgiu a chamada "questão social", ponto de interse­
isto em nome da liberdade de trabalho, por se achar que as anti- ção e de conflito entre o capitalismo e o socialismo. Tormen­
tosa questão, manifestando um flagrante contraste entre as con­
dições aflitivas da população, operária e o bem-estar da classe
19. �eja-se, em_ nota_ suplementar, a penetrante síntese de
Sombart sobre o capltahsmo, a secularização da sociedade e O Es­ burguesa, beneficiada pelo lideralismo e em plena euforia de
tado moderno. um otimismo progressista.
drásticas do C6digo Penal francês contra o A expressão "questão social" pode ser empregada em duplo
. _20. A;, dis��i�?es_
? Jreito � e _ coahza� _vier �m a ser mais tarde revogadas. Quanto sentido. Primeiramente, para significar o problema da vida do
a� assocraçoe� prof1ss1ona1s, na França, puderam novamente orga­ homem em sociedade, e como o homem é um ser naturalmente
m�ar-se depms �e 1884 (lei Waldeck-Rousseau). Veja-se a res­ s�ci�l êste prob�e�a se conh�nde com o da sua própria exi.s­
:peit�, com
_ brevidade e clareza, a exposição sôbre o conteúdo, as . _
tenc1�. Num sigmficado mais restrito, ela se cinge ao campo
1mphcaçoes e as conseqüências práticas da doutrina individualis­ .
econo m1co, decorrendo das relações suscitadas pelo trabalho
ta e liberal feita por Diva Benevides Pinho em SINDICALISMO E
COOPERATIVISMO: EVOLUÇÃO DOUTRINARIA E PROBLE­ humano. Quando muitos falam em "questão social" aplicam
�t6� ATUAIS, São Paulo: Instituto Cultural do Trabalho:, pp. 13 êste têrmo às relações entre o capital e o trabalho, tendo em vista
sobretudo a produção dos bens e a remuneração do trabalhador.
40 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 41

Na sua compreensão total, esta questão abrange os problemas emprêgo. Concorrência· entre empresários no afã de lucros
concernentes à produção, à repartição e à distribuição dos bens ilimitados, perecendo as pequenas emprêsas e concentrando-se o
materiais na sociedade, não se devendo, pois, esquecer o consu­ capital nas mãos de poucos privilegiados.
mo e os interêsses do consumidor. f A burguesia fizera a revolução liberal, em nome da "liber­
Foi entretanto no tocante ao binômio capital-trabalho, ou !dade, igualdade e fraternidade". Por isso extinguira as corpo­
mais precisamente, "empresário capitalista-trabalhadores indus­ rações, proclamando ampla liberdade de trabalho, e abolira os
triais", que o problema se constituiu em tôda a sua acuidade, ge­ privilégios da nobreza, invocando o princípio da "i_gu<!-ldade_de
rando as crises econômicas e abrindo o caminho para a revolu­ tQclQ_Lperant�". Mas os excessos da liberdade econômica
ção social. provocaram uma desigualdade entre os homens maior que a
Vimos que antigamente os trabalhadores tinham no lar a existente na Idade Média e no regime anterior à democracia
própria oficina, e depois do aparecimento da máquina foram liberal. Cavava-se um abismo entre as classes - a burguesia e o
forçados a se dirigir para as grandes fábricas. Os capitalistas proletariado - e a classe burguesa, amparada por uma leg i sla­
construiam seus estabelecimentos, compravam o maquinário, ad­ ção individualista que a favorecia, era beneficiada pelo privilé­
quiriam matéria prima e faziam produzir mercadorias em gran­ gio do dinheiro. Assim, em lugar da aristocracia constituia-se a
de escala. O que o trabalhador em sua casa levava um dia para plutocracia. 21
fazer, na fábrica podia ser feito numa hora. O produto assim Plutocracia e proletariado eram os dois polos da vida social.
fabricado, com rapidez cada vez maior, graças aos novos pro­ A concentração do capital processava-se ao mesmo tempo em que·
cessos técnicos, começava a ser vendido por um preço muito a classe operária ia sendo proletarizada, isto é, ficando numa de­
abaixo do que custaria idêntica mercadoria produzida na ofici­ pendência servil e num estad9 de condições precárias de vida.
na doméstica. Os trabalhadores que ainda produziam em suas Generalizava-se o pauperismo, que não deve ser confundido.
casas não podiam suportar a concorrência e tinham que bater às com a pobreza.
portas das fábricas, tornando-se operários assalariados. "Pobres sempre os tereis convosco", foi a palavra de Cristo.
Por outro lado, o regime de ampla liberdade econômica das E a igualdade plena -entre os homens nunca passou de miragem
democracias modernas permitia ao patrão fixar à vontade o sa­ enganadora. Quando se tenta alcançá-la mais se agravam os de­
' lário dos operários. A concorrência entre a máquina e o traba­ sequilíbrios sociais. Mas aquela desproporção enorme entre as
·lho humano começava a ser fatal para êste. Máquinas mais condições de vida das classes e o pauperismo - miséria genera­
aperfeiçoadas lançavam no mercado o que antes, no mesmo pe­ lizada numa camada da população - resultava da falta de jus­
ríodo de tempo, só poderia ser feito com 20, 50 ou 100 operá­ tiça e caridade nas relações entre os homens.
rios. Resultado: o desemprêgo. E resultado do desemprêgo: os , � deixava de ser respeitado na dignidade de_ uma.
salários baixos, que capitalistas sem consciência impunham aos \ ação humana, tornando-se simples mercadoria sujeita à lei da
trabalhadores para auferir lucros fabulosos. Um desempregado ,\ oferta e da procura. "Quebrava-se uma máquina?" pergunta
preferia aceitar o trabalho por um salário ínfimo a ter que mor­ � Olgiati, o eminente pensador e mestre da Universidade Cató-
rer de fome. Ou melhor ia morrendo lentamente, sem ter se­ lica de Milão. "Trovões, relâmpagos e raios. Arruinava-se um
quer o necessário para sustentar a família. E daí vinham outros
abusos: o trabalho das mulheres e das crianças, o trabalho no­
turno, o regime de 10, 12, 14 ou até 16 horas de trabalho por 21. No direito civil, o individualismo encontrava sua expres­
são máxima no Código Napoleão, a exemplo do qual outros códigns
dia, sem férias e sem respeito aos domingos e dias santificados. iam sendo elaborados, da mesma forma pela qual a Declaração dos
Concorrência entre a máquina e o trabalho humano. Con­ Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e as constituições fran­
corrência dos trabalhadores entre si na busca desesperada de um cesas eram imitadas alhures.
43
42 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO

h omem? A co isa era ou tra : a carne humana custava tão O mesmo autor transcr-evia êste trecho de Sismondi, apon­
p ouco ..."22 tando uma das chagas da so ciedade moderna, a centra lização
exager*da, qu e em nossos dias acabou por levar ao totalitaris­
E po ndera o mesmo auto r que o sucesso logrado pelo livro
mo: "O fim da sociedade, humana deve ser o progress o dos
���ital" de Marx foi devido não tanto às teorias acêrca do homens e não o das c,o isas. i A centra lização aperfeiç oa ludo nas
tra balho� do valor aí contidas, mas principalmente à documen­
t ação que reproduzia dos inquéritos ofici ais ingleses denuncian­ coisa s, é verdade; ao revés.( destrói tudo nos homens._/ A inde­
do ignomínias e monstruosidades das mais clamorosas no mundo pendência dos pequenos povos foi abso rvida pela cehtra lização
industrial. po lítica ; os direitos provinciais, absorvidos pela centralização
legislativa; os direitos municipais, pela centralizaç ão a dministrati­
.EI? 1891, pela Encíclica Rerum novarum, o Papa Leão
va; os direitos dos ofícios, pela grande indústria ; os direitos do
XIII tmha palavras fortes para verberar a cobiça de uma con­
comércio, pelos grandes magazines ; os direitos dos pequenos
co rrên_ c_!a desenfrea�a: a usura voraz e o pesado jugo impos to à agricultores pelos latifúndios ".2�/
mult1dao de proletan os por u m pequeno número de ricos e
o pulentos.23
A democracia moderna, vendo na so ciedade uma simples
soma de indivíduos, reunidos para constituir o poder do Esta­
Dois anos a ntes da Rerum novarum, o Marquês de La Tour
do pelo sufrágio universal, s ó ao Estado atribuia funções de
du Pi':} desc:evia a situ�ç�o de contras te entre uma parte da po- ·
organizar a vida social. Deixava de reconhecer os direitos dos
p ulaçao nac10na l q':1e v1v1a de rendas ou especu lações , economi­
agru pamentos intermediários existentes entre a família e o Es­
zando cada vez ma is, e ou tra que não podia economizar nada .
tado. D aí a centralizaç ão político-administrativa, correndo pa­
Ao mara vilhoso desenvolvimento do maquinismo e ao aperfei­
r alelamente com a centralizaç ão econômica e a concentração
çoamento dos processos de produ ção não corres pondia, de forma
financeira do capitalismo industrial e bancário, decorrentes da
algu ma, um acréscimo proporcional do bem-estar dos o perários, aplicação de critérios individualistas pelo liberalis mo .
dos lavradores, dos pequenos produto res que não podiam exer­
cer a usura antes l?e sofriam a s deletérias conseqüênci as . La A questão social era o caldo de cu ltu ra para a germinação
: . do sociali smo e do co munismo. A classe bu rguesa, depois de
Tour du Pzn qualificava a usu ra de "g��!'º da econo mia social
-�ode,rna.". E preconizava uma reforma do regime ec-;;;;6�ico ter feito a revoluç ão liberal, tornara- se a classe co nservadora e
do seu tempo, bem co mo do regime p olítico que o sustentava, diante dela se agitava o proletariado industrial urbano dirigido
sob pena de s erem destruidos por u ma revo luç ão sociaJ.24 pelas novas minorias revolucionárias.

22. F. Olg!ati, (\ QUESTÃO SOCIAL (tradução de Monse ­


nhor F. M agaldi), Rio de Janeiro: 2.ª edi1ção, 1939, p. 45.
.
23. Ver, no fmal desta primeira parte, a nota suplementar sô­
bre as causas da questão social segundo a Rerum novarum ( nota 2).
24.!,,�· Tour dt: Pin, VERS UN ORDRE SOCIAL CHRÉTIEN é de um nobre católico, nem conservador nem revolucionário, mas
f nova ed1ça�), �aris , Gabriel Beauchesne, 1929, pá gs . 70-104. E tradicionalista e renovador. E e nquanto os socialistas, ouvindo a
a. pá g� 85: A l �berd �de da indús tria, como a entende a noss a le­ pregação de Marx e Engel.s, apelavam para a revolução social, o
g1sla çao liberal, e, a liberdade dos ladrões e o aprisionamento dos Marquês de La Tour du Pin e seu amigo o Conde Albert de Mun
homens �onestos, reduzidos à mis éria. A des organização social pugnavam pela instauração de uma nova ordem corporativa, apo�­
em q ue v1�emos no �undo do trabalho gera males incalculáveis que tando no socialismo centralizador um agravamento dos males do li­
n .?ss os legisladore s _nao podem �u�peitar. Outrora 1/10 da popula­ beralismo.
çao estava numa s1tuaçao precana, hoje são 9/10". A linguagem 25. 0hr. cit., à mesma página 85.
5. TRANSFORMAÇÕES DO CAPITALISMO

! A livre concorrência, provocando aquêle exorbitante acúmu­


lo de riquezas, reproduziu a história do pote de ferro e do pote
de barro. Do encontro entre os dois não podia resultar senão
que êste último fosse despedaçado. O liberalismo fazia suas
vítimas: não eram apenas os operários industriais, mas os empre­
sários de poucos recursos, os pequenos lavradores, a classe média.
Crescia a proletarização, enquanto, por outro lado, a concentra­
ção de riquezas se tornava cada vez mais pronunciada num grupo
reduzido de privilegiados, diante dos quais era uma ironia falar
aos operários em liberdade de trabalho ou dizer-lhes que todos
eram iguais perante a lei.
Essa situação, no processo histórico do capitalismo, foi muito
bem descrita por Pio XI na Encíclica Quadragesimo Armo: "O
que salta aos olhos, em nossa época, não é somente· a acurriúlação
de riquezas, mas ainda a formação de um grande poder e de uma
prepotência econômica discricionária nas mãos de um pequeno
número de homens que muitas vêzes nem são proprietários, mas
simples depositários e gerentes do capital, que administram a seu
bel-prazer.
"Êstes potentados são extraordinàriamente poderosos quan­
do, senhores absolutos do dinheiro, governam o· crédito e o dis­
pensam segundo o seu próprio capricho. Dir-se-ia que distri­
buem o sangue ao organismo econômico cuja vida guardam em
suas mãos, de tal maneira que sem o seu consentimento ninguém
. pode respirar.
"Uma tal concentração de poder e de recursos, traço distin­
tivo da economia contemporânea, é o fruto natural de uma con­
corrência cuja liberdade não conhece limites: só ficam de pé
aquêles que são mais fortes, o que quer dizer os que lutam com
mais ímpeto e são destituídos de escrúpulos de consciência".
C> afã de lucro e o afã de poder vão acompanhando o capi­
talismo nas suas transformações. A livre concorrência vai-se des­
truindo a si mesma, e essa concentração de poderes, no campo
46 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 47

da economia, leva à conquista do p oder político, cuj os recursos sem anal, ao trab alho das mulheres e dos menores, às condições
e influências sã o explorad os na luta econômica . Além de dis­ de higi·ene nas fábr icas, ao salário mínimo, a férias remunera­
putar a direção do Estado, ou pelo menos exercer uma pressão das, à aposentadoria, à instituição de abonos e de seguros, etc.
sôbre os govern os, as fôrças econômicas são arrasta das, na defesa Por sua vez, os sindicatos organizavam a classe operária para
de seus interêsses ou n a dinâmica do seu expansionismo, ao ter­ a defesa dos seus dir eitos. Surgindo em alguns países como
ren o internacional. Por vêzes os Estados põem o seu poder a re ação contra o individualismo do direito liberal-burguês, f r e­
serviço dos grupos econômicos, out ras vêzes prevalecem-se dêstes qüentemente os sindic�t o_s tcirnava;11_-se inst�umentos da luta �e
p ara resolver litígios políticos. 26
classes pregada por socialistas de van os. matizes e pelos an arq ms­
o,
Lenin via no imperialismo a "última etapa do capitalismo". t as. Enquadrados na estrutura legal e reconheci_dos pelo Estad
entre_ as
Entretanto, não nos devemos esquecer de que h ouve imperialis­ em muitos país es contribui am para o entend1men _to
mais eficaz plicaç ã d s n rmas leg ais . �ob ms­
mo em p aíses de capitalismo incipiente, como o J apão e a Rússia classes e para a o a o
.
eiçao , ten­
antes da primeira guerra mundi al, e por outro lad o· o sistema piração da Igreja, o sindica�is �o assumia . u�na nova f
��pitalig� alcançou g rande desenvolvimento n a Suíça se�- ma� dendo a completar-se p ela 1de1a corporativ ista.
nifestação de n enhuma tendência imperialista. · -�-- O sindicat o, por definição, é uma associaçã� _de classe, ao
_ como _os
De qualquer f orma, o capitalismo continuou a sua marcha, passo que a corporação abrange tanto os empres anos
pr duçã mdust nal
em nosso século, c om a propagação d o crédito, o aumento das trabalhadores de um determinado ramo da o o

s?ci:dades anô!1i1:1as, a f?rmação de trustes e cartéis, e o impe­ interêss�s profi�sio� is d indi­


ou agrícola. Visando à defesa dos �
a
na l rsmo econo m1co unido aos nacionalismos agressivos d as c ndiçã u class s c l, smd1c at o e uma
víduos da mesma o o o e o ia o
grandes potênci as. O estabelecimento das sociedades anônimas, associação operária que encontra diante de si os patrões isolados
e m escala cad a vez maior, veio acrescentar a diss ociação entre o e1:1ia!ões de classe. A� corpora­
ou agrupados t ambém ·em agr .
capital (título s de p ropri eda de ou açõ es) e a direção da empr ê­ ções de ofício da época pré-cap1tahs�a eram const1t�1das p elos
odos
sa, gerando tôda uma série de abusos e i rresponsabilida des. mestres ou empresári os, os companheuos e os aprendizes. T
N o concernente à técnica da produção, transformacões sen­ os pertencentes a uma determinada profiss
ão integ rava� a
sí�ei� se as�ina_lar�m: à en:rgia a vapor acrescentou-se a, energia mesma c ategoria social. Com a separação operada entre capital
eletnca, ate atmgumos hoJ e a fase da energia atômica e da auto­ e trabalho - e conseqüentemente entre a classe patronal e a
mação, abrindo novas e imprevisíveis perspectivas no dese nvol­ operária - a idéia do agrupamento corporativo . signific� a .fo�­
vimento econômico e nas mutações soci ais.
i "
mação de associações que têm por base as unidades smd1ca is
Por fim, consid eremos as alterações do sistema c apitalista classistas.
qu anto às relações entre empregadores e empregados. O indi­ Essa idéia foi comprometida pe lo regime fascista e outro s
vidualismo lib eral foi aos p oucos sendo ultrapa ssado m ediante semelhantes, de t endência para o Estado totalitário. H oje em
a intervenção do Estado para coibir abusos e dar aos trabalha­ dia, para certas pessoas que não conhecem bem o ass�nto, falar­
dores uma prot eção legal que lhes estava faltando . -se em corporativismo é o mesmo que se falar em fascismo. Ora,
.
N as legislações trabalhistas foram send o incluídos disposi- na realidade o corporativismo fascista é a n eg ação da idéia cor­
uvos referentes ao número de h oras de trab alho , ao repouso porativa tradicional e autêntica num dos seus aspectos funda­
mentais. Essencialmente, o corporativismo representa o reco­
nhecimento da autonomi a dos grupos sociais perante o Estado,
26. Além da Quadragesimo anno, ver F. Antônio D'Almeida
Mo:�is Junior, CAPITAL E TRABALHO (2.ª edição), Petrópolis: com capacidade dêstes grupos p ara resolverem as questões que
E_d1tora Vozes, 1943, cap. XI (págs. 101 a 115) e H. Getzeny, obr. lhes dizem respeito, sem interferência do poder político. As an­
czt., págs. 197 a 200. tigas corp orações tinham a seu cargo a regulamentação da pro-
-48 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 49

dução e das condições de trabalho, bem como a fiscalização do Houve patrões que tomaram a iniciativa de distribuir aos
comércio, para reprimir os possíveis abusos. Grande parte desta operários benefícios acrescidos ao salário, prestando:lhes uma
tarefa é o que se encontra hoje disciplinada pelas legisla­ assistência social reparadora da iniquidade de um sistema sem
ções trabalhistas. E o fascismo, em vez de reconhecer a autono­ entranhas. Desta forma procuraram enfrentar os argumentos de
mia das corporações com um poder normativo e disciplinar pró­ injustiça dirigidos contra o regime capitalista, amenizando a
prio - correspondente ao poder legislativo do Estado e à atual sorte dos trabalhadores dêles dependentes e melhorando-lhes as
Justiça do Trabalho - o que fêz foi instituir a corporação como condições de vida. A isto se denominou o capitalismo· paterna­
um órgão do Estado, sujeita ao contrôle político do partido lista, expressão atualizada do conservadorismo burguês.
único. Dêste tipo de capitalismo e daquele capitalismo retrógrado,
Além do sindicalismo e do corporativismo, deve-se levar em que mantém os vícios do individualismo liberal, distingue-se o
conta o desenvolvimento do cooperativismo, com amplas possi­ capitalismo orgânico, abrindo possibilidades para o trabalho ser
bilidades de restaurar a união entre capital e trabalho outrora regulamentado em têrmos de igualdade com o capital.
existente. As cooperativas mais numerosas são as de consumo,
Assim, no caso dos contratos coletivos de trabalho, vemos
tendo sido feitas algumas experiências de cooperativismo de pro­
o patrão ou os representantes de uma associação patronal dis­
dução no âmbito d1.s pequenas indústrias.
cutindo com os membros do sindicato de trabalhadores sôbre
A cooperativa corresponde, pois, à organização da emprêsa, as cláusulas a serem concluídas no acôrdo que se procura esta­
o sindicato à organização da classe e a corporação à da jJro­ belecer. O contrato coletivo fixa as normas a vigorarem daí
fissão.21 por diante para tôda uma categoria profissional, normas estas
O ideal de harmonia e entendimento entre as classes en­ elaboradas sem interferência go·vernamental pelos interessados
controu, nestes últimos tempos, uma forma bastante expressi­ diretos, isto é, patrões e operários.
va no domínio dos contratos de trabalho: a contratação coletiva.
A experiência dessa modalidade contratual, notadamente
Na época do liberalismo manchesteriano, tais contratos eram nos Estados Unidos e na Alemanha, tem produzido os melhores
equiparados aos de locação, se não mesmo aos de compra e ven­ resultados. Salários, férias, condições de trabalho, greve e
da, uma vez que o trabalho entrava no rol das mercadorias re­ lockout, soluções de conflito e outras várias matérias constituem
gidas mecânica e inflexívelmente pela lei da oferta e da pro�ura.
o seu conteúdo, daí resultando um verdadeiro "traço de União"
O salário media-se simplesmente pelo valor dos bens produzidos, ou de compreensão entre o capital e o trabalho.29 Nos Estados
sendo dado a título de ingrediente do preço de custo do produ­
to. Com a formação do direito do trabalho distanciado cada
vez mais do individualismo jurídico, a devida atenção começou balho convenci onado, se não procuram um ao outro, na medida em
a ser dada às condições pessoais do operário e de sua família.28 que isto depende dêles, o que cada um precisa para levar uma vida
honesta segundo o seu estado. E para o homem de qualquer estado
as exigências de uma vida honesta são: a posse de um lar, meios
27. J. P. Gailvão de Sousa, SOCIALISMO E CORPORATIVIS­ de aí educar sua famíla segundo sua condição e a possibilidade de
MO EM FACE DA ENC1CLICA "MATER ET MAGISTRA", São poupar ( épargner) tendo em vista os seus últimos dias, quando
Paulo: Edição Saraiva, 2.ª parte, capítulos V a X; Editôra Vozes, não puder mais trabalhar" (La Tour du Pin, obr. ci,t., pág. 12).
Petrópolis·, principalmente à pág. 46. Do mesmo autor, POLÍTICA
29. J. V. Freitas Marcondes, "O CONTRATO COLETIVO DE
E TEORIA DO ESTADO. TRABALHO COMO BASE DO DIREITO SOCIAL NORTE-AME­
28. Em 1882, quando campeava o liberalismo, escrevia La RICANO, publicado na Re�ista de UCBEU, São Paulo, n. 3, De­
Tour du Pin: "O empresário e o operário não fica11;1 quites em boa zembro 1957, e A SOLUÇAO IDEAL DAS "GRIEVANCES" NA
justiça quando trocam unicamente o preço convenc10nado pelo tra- CONTRATAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO, em PROBLEMAS
50 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 51

Unidos há atualmente mais de cem mil contratos coletivos em lorização do trabalho, na realização daquela fórr_nula: a natureza
vigor. Na Alemanha tendem a desaparecer os contratos indi­ cada vez mais dominada, o trabalho cada vez mais dominante
viduais de trabalho. Noutros países, como a Inglaterra, a Fran­ e o capital cada vez mais proporcionado.
ça, a Itália, o México, o Canadá e o Japão, a contratação cole­ Entretanto, êsse ideal encontra pela frente as duras realida­
tiva é também uma realidade. Entre nós, já existe o instituto des do mundo econômico de nossos dias. O capitalismo liberal,
de longa data, mas tão sàmente no papel, esboçando-se timida­ baseado na livre concorrência e iniciado com as pequenas uni­
mente alguns ensaios. dades de produção, já foi ultrapassado. Em seu lugar, não obs­
O grande valor do sistema de contratação. coletiva, coma tante as restrições legislativas, o incremento à pequena proprie­
meio de solucionar os problemas das relações enti:e o _çªpit<:11� dade e a multiplicação das riquezas, prevalecem hoje o capita­
,.o_tt.aba}ho, está na oportunidade oferecida a estas duas catego­ lismo dos monopólios e dos oligopólios e o capitalismo de Es­
rias para resolverem as questões que lhes dizem respeito com tado, deixando o terreno preparado para a máxima concentra­
plena autonomia em face dos poderes públicos. O Estado ção do capital, nos regimes socialistas.
não deve imiscuir-se, e a Justiça do Trabalho, tal como a temos
presentemente no Brasil, pode assim ser substituída por um ins­
trumento muito mais eficaz para a solução dos dissídios.
O bom resultado do sistema depende de um sindicalismo
bem constituído e de líderes sindicais devidamente capacitados.
Mas o que sobretudo importa é que reine, entre patrões e ope­
rários, aquela mútua e sincera compreensão cuja fonte só pode
ser a prática da justiça e da caridade decorrentes da doutrina
cristã bem conhecida e vivida. Do contrário, em vez de ser ex­
pressão de um legítimo solidarismo entre as classes, torna-se o
sistema de contratos coletivos uma espécie de institucionaliza­
ção da luta de classes.
Sindicatos, cooperativas, organizações corporativas e final­
mente o instituto do contrato coletivo vêm contribuir para a va-

BRASILEIROS, São Paulo, ano II, n. 22, Janeiro 1965. Informa


o autor que mais da metade da população dos Estados Unidos vive,
direta ou indiretamente, ligada a contratos coletivos de trabalho.
Além dos 20 milhões de operários sindicalizados - que, em núme­
ros redondos, considerando as respectivas famílias representam 60
milhões - e da parte mais reduzida do capital, devem ser levados
em conta os consumidores, numa dependência indireta dêste tipo
de_ contratação. Daqui decorre o interêsse com que a opinião pú­
blica, através da imprensa, do rádio, da televisão, acompanha, na­
quele país, a elaboração· de um contrato coletivo. O empregador,
que lá não é sindicalizado, senta-se à mesa para debater e concluir
com os representantes dos sindicatos trabalhistas, sem se aterem as
partes contratantes a qualquer bitola oficial imposta pelo Estado.

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NOTAS SUPLEMENTARES
( da Primeira Parte)
1. O capitalismo, a secularização da sociedade e o Estado
moderno.

No volume citado da sua obra "_O capitalismo moderno"


(ver nota 8 da I.ª parte) Werner Sombart afirma que ''.a se­
cularização do espírito capitalista é um dos fenômenos mais
importantes dos tempos modernos". Faz ver que os empresários
modernos, com exceções, "se acham livres dos laços excessiva­
mente incômodos (sic) da religião e de uma ética baseada na
religião". E conclui: "o traço fundamental da atividade eco­
nômica hodierna é a "ausência de escrúpulos" e esta se har­
moniza mal com qualquer sistema religioso, que por si mesmo
prescreva diretrizes à moral burguesa" (págs. 30-31) .
Apontando os característicos fundamentais do Estado mo­
derno, escreve o seguinte:
"I. O Estado moderno é naturalista-secularizado, quer di­
zer: libertado de tôdas as relações ou vínculos supraestatais,
"soberano", ijJse Deus.
"2. Em sua estrutura interior, o Estado moderno é in­
dividualista-atômico-nominalista".
Observa que êstes princípios, gerados na época absolutista
(absolutismo monárquico), se desenvolvem na época l_iberal
(absolutismo democrático). E assim os explica:
"a) Estabelecimento do cidadão livre, �sto é, a libera­
ção do indivíduo (e da família) de tôdas as associações públicas
ou semi-públicas em que estava essencialmente enquadrado das
quais se verificavam suas relações com o Estado: associação feu­
dal, senhorial, de aldeia, urbana, gremial, cooperativa, etc. Ca­
da um atua por si mesmo e dedica uma parte estritamente li­
mitada de sua fôrça e de seus bens às numerosas organizações e
livres associações de que faça parte. Antes, cada um era pri­
meiramente lavrador, empregado, membro de uma corporação
e por aí eventualmente cidadão. Hoje é em primeiro lugar,
e sem mais, cidadão, e como tal, com uma pequena parte do
seu eu, eleitor, contribuinte, membro de um cartel, membro
-tle uma cooperativa leiteira, etc.
56 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 57

"b) Cada um vai atrás de seus "interêsses" de forma a deve acrescentar-se o monopólio dos contratos de trabalho e dos
romper os laços de ligação de "comunidade" solidária que re­ papéis de crédito, que se tornaram o quinhão de um pequeno
pousavam sôbre o princípio "todos para todos", laços que só número de ricos e opulentos, impondo um jugo quase servil à
na família continuam a ter uma existência lânguida, a se ex­ imensa multidão de proletários".
tinguir lenta e indeclinàvelmente. Relações sociais contratuais Aí vemos apontadas quatro causas, que se reduzem tôdas
unem uns aos outros, e todos se inclinam ao princípio "cada ao liberalismo, causa destas causas. Assim, temos:
um para si". O que significa que os homens não mais estão 1) abolição das corporações de ofício (em nome da liber­
ligados por sentimentos, simpatias, mas por "interêsses" de qual­ dade de trabalho, no sentido individualista);
quer espécie. 2) laicismo ou secularização das leis e das instituições po­
"c) O Estado se m.ostra "fraco" diante desta luta de in­ lítica, com a separação da Igreja e do Estado;
terêsses. Prevalece a tendência de inclinar-se ante os mais fortes 3) usura (atividade econômica separada da moral);
grupos de interêsses e pôr nas mãos de seus· representantes a 4) concentr ação do capital nas mãos de poucos e prole­
direção do Estado, a influência decisiva na direção do mesmo. tarização crescente.
O mais alto interêsse da política interior do Estado parece ser, Patenteia-se assim que a questão social, mesmo no senti­
em todo caso, o "equilíbrio" dos vários interêsses privados ou do econôm ico, isto é, no concernente às relações entre o capital
interêsses de grupos ou a prosperidade de cada um dos cidadãos. e O trabalho, é fundamentalmente uma questão moral e religio­
Isto significa precisamente que a posição do Estado, no con­ sa, e tem ainda os seus aspectos políticos importantíssimos de
cernente ao seu procedimento na política interna, é pronuncia­ que não se deve descurar.
damente individualista-nominalista" (págs. 49-50) . Reduzí-la, com critérios marxistas, a uma questão meramen­
te econômica é falseá-la numa visão incompleta, unilateral e
superficialíssima, impossibilitando qualquer solução.
2. As causas da quetão socíal segundo a Rerum novarum.
i
1
A gênese da questão social, no sentido estrito, isto é, da \

crise oriunda do conflito entre o capital e o trabalho no século 3. Liberalismo, socialismo e concepção cristã do trabalho.
passado, foi indicada por Leão, XIII, na Encíclica Rerum nova­
"Há três escolas irredutíveis em economia social:
rum nestas poucas palavras que elucidam o assunto melhor do
que muitos e muitos volumes escritos acêrca do apaixonante te­ "aquela em que se considera o homem como uma coisa;
ma: "O século passado destruiu, sem as substituir por coisa al­ "aquela em que êle é conceituado como um animal;
gu�a, as antigas corporações de ofício, que eram para os ope­ "aquela em que êle é estimado como um irmão.
rários uma proteção. Os princípios religiosos desapareceram das "Eis alguns exemplos ao vivo:
leis e das instituições públicas. Assim, aos poucos, os trabalha­ "Seja o problema da justa remuneração do trabalho: para a
dores, isolados e sem defesa, viram-se, com o correr do tempo, primeira escola, a medida dessa remuneração está numa fração
entregues a mercê de senhores desumanos é a cobiça de uma con­ arbitrária do valor venal acrescentado pela mão de obra à ma­
corrência desenfreada. A usura voraz veio agravar ainda mais o téria prima; ela é determinada pela "lei da oferta e da procura";
mal. Condenada muitas vêzes pelo juízo da Igreja, não tem dei­ "Para a segunda, ela está no valor social, isto é, no esfôr­
xado de ser praticada, sob uma ou outra forma, por homens ço feito pelo trabalhador em vista de uma relação à coletivida­
ávidos de ganância e de uma insaciável ambição, A tudo isto de da qual êle faz parte; ela é determinada pelo Estado;
J. P. GALVÃO DE SOUSA

"Para nós, ela está na medida do necessário à subsistência


de uma família laboriosa na sociedade humana, para cada um
segundo a sua condição; ela é determinada pelos costumes
cristãos.
"Contra esta última concepção, o clássico (liberal) e o socia­
lista protestam a valer, pois ambos não vêem na sociedade senão
o indivíduo e o Estado. Como poderá o Estado determinar esta
medida? pergunta o primeiro. Como poderá o Estado impô-Ia
ao patrão? Como o patrão poderá preenchê-la?
"A família, diz o segundo, não é mais necessária; o Estado
toma a seu cargo as crianças, os velhos; fica sendo o ,único pa­ 2.ª P AR TE
trão; pagará cada um segundo seu trabalho, restandoHhe ainda
O SOCIALISMO: REALIDADE E UTOPIA
o que é preciso para tratar cada um segundo suas necessidades.
"A história responde simplesmente: o problema do bem­
-estar na família operária foi resolvido durante séculos pela
organização corporativa, sem que se tomassem as crianças para
criá-Ias como pintos na chocadeira e depois no cevadeira. Por
que não o poderia ser ainda segundo os mesmos princípios?
"Assim, uns não concebem como princípio econômico senão
as transformações da luta pela vida, que são a lei da matéria or­
gamca. Outros só pensam na conservação e no bem-estar da
espécie, tendência própria da animalidade. Quanto a nós, con­
cebemos a humanidade vivendo no estado orgânico de corpo
social, cujas partes tôdas são solidárias e devem, por conseguin­
te, prestar assistência umas às outras, pois esta é a sua lei da
vida material tanto quanto da vida moral".*

(*) La Tour Du Pin, VERS UN ORDRE SOCIAL CHRf:­


TIENNE, Paris: Beauchesne, 1929, págs. 107-108.
I - O SIGNIFICADO DO SOCIALISMO.

Consideremos o socialismo como ideologia e realidade da


nossa época. Não vamos remontar à "República" de Platão,
às manifestações literárias do socialismo nos tempos da Renas­
cença: a "Utopia" de Morus ou a "Cidade do Sol" de Campa­
nela. Não recapitularemos a história dos anabatistas de Tomás
Miinzer, ou a dos levellers da Inglaterra de Cromwell.
Entretanto, uma observação de ordem histórica deve ser
inicialmente feita. E é a seguinte: os povos da antiguidade es­
tavam impregnados de socialismo, o que ocorria também em ci­
vilizações cuja l:istória mal conhecemos, como a dos Incas, na
América. Os impérios orientais se caracterizavam por uma gran­
de concentração de po�eres, sobrecarregando-se o Estado, com
numerosas atribuições. , O Egito dos faraós, particularmente, tem
sido apontado como antecipação do socialismo de Estado e do
Estado totalitário.; A liberdade grega consistia principalmente
na liberdade do cidadão, aliás restrita a uma pequena minoria
da população, quer dizer, a liberdade de votar e ser votado, de
exercer os cargos públicos. A vida dos indivíduos, não só na
Esparta militarizada mas também na democrática Atenas, era
minuciosamente Tegulado pelo govêrno da cidade. O cunho indi­
vidualista do primitivo direito romano não foi obstáculo, antes
até contribuiu para que o indivíduo se absorvesse na_.sociedade do­
méstica, sendo os direitos desta concentrados. nas mãos do pater
familias; e também para que a família se absorvesse no Estado,
·em centralização cada vez mais acentuada.1
Como pondera um tratadista de direito político, "embora
geralmente não se conceba outra espécie de socialismo senão a

1. Sôbre a Grécia e Roma, vejam-se o clássico livro- de Fus­


tel de Coulanges, A CIDADE .ANTIGA, e duas obras mais atuali­
zadas, isto é, mais em dia com averiguações posteriores da pesqui­
sa histórica: Glotz LA CIT:Ê GRECQUE, na coleção de Síntese
Histórica dirigida por H. Berr, ed. "La Renaissance du Livre", e
A. Piganiol, HISTOIRE DE ROME, Paris: "Clio", P. U. F.
62 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 63

que poderíamos chamar de Nação e Estado, há socialismo sem­ sucção das sociedades menores pela coletividade t�tal: E de tudo
_
pre que uma sociedade maior ou menor, completa ou incom­ isto resulta: igualitarismo na sooedade e totalitarismo no Es-
pleta, pública ou privada, usurpa os direitos de seus membros tado.
ou os de outra comunidade inferior, retendo-os e exercendo-os O socialismo implica uma espécie de mística igua�itária. A
em nome da coletividade injustamente detentora" 2 Donde o "
desigualdade na repartição �os bens, acarre_ta__,ndo_ mmtas vezes
concluir o autor que houve socialismo na primitiva família ro­ a miséria de pessoas que vivem em cond1çoes mfra-hu�anas,
mana tanto quanto no Estado federal da Civitas, nas repúblicas desperta naturalmente nos corações :�mpassi_v�s �m dese10 de
gregas e nos impérios asiáticos. Em Roma, a família absorvia melhorar a sorte do próximo e corrigir as m3ust1ças. · Nao se
os direitos dos seus membros, subordinados exageradamente ao · deve, porém, confundir socialismo com justiça social. O bom
poder despótico do chefe, o qual a princípio tinha até mesmo uso dos bens materiais e mesmo, em alguns casos, uma reform,a
o direito de vida e de morte sôbre os que lhe estavam sujeitos; profunda das estruturas sociais, quando estas s: tornam ob��a­
e a Cidade usurpava os direitos das famílias, pelo confisco dos . _
culos ao bem estar de tôdas classes, são 1mperauvos de J_ustrça.
bens e a imposição do culto público. Mas disto não se conclui que a propriedade privada de tais bens
Com a transformação do mundo antigo pelo Cristianismo, deva ser abolida, nem que a constituição das sociedades deva
o socialismo nêle exisi:ente desapareceu. A Idade Média foi de­ ser alterada ao ponto de estabelecer uma igualdade absoluta
nominada a "idade de ouro das comunidades". Valorizou-se em entre os homens.
primeiro lugar a família, e segundo o modêlo da família foi Ora, o socialismo parte da supressão da propriedade privada
estruturado o Estado. Outras comunidades de diversas naturezas do bens de produção para chegar a uma sociedade �!!1 classes,
- as comunas ou cidades (que, em Portugal, eram os "conce­ em que todos sejam iguais.
lhos") , as agremiações corporativas de artes e ofícios, as comu­ . .
· Nesses dois pontos fundamentais, o pensamento sooalrsta
nidades religiosas - floresceram num regime de ampla autono­
vai contra a natureza humana e contra a realidade atestada pela
mia em face do poder real, que se identificava com o Estado
experiência histórica dos. p·ovos. A �ivisão _entre os bens, daí
e tinha atribuições restritas, mínimas se as compararmos com as .
resultando a propriedade particular, e o me10 mais na_tural, <le
funções do poder político na antiguidade e nos Estados modernos.
realizar o efetivo domínio da natureza pelo homem, isto e, a
Tais comunidades, longe de sufocarem os indivíduos que utilização das coisas materiais necessárias para a vi�a. E?tretan­
delas faziam parte, contribuiam para que êles se expandissem to, cumpre ter presente que a todos os home�s _ e preoso as�e­
livremente no cumprimento da sua vocação pessoal. O grupa- .-,,1"

·1
gurar esta utilização, donde as limitações ao d1re1to de propne­
)ismo medieval nada tinha de coletivista, e o que caracteriza o d ade, cuja função social deve ser r:speitada, impedindo-o de_ se
socialismo é exatamente o coletivismo, isto é, o enquadr�mento ton1ar um direito absoluto e egoístico de usar e abusar da corsa,
. dos indivíduos numa coletividade planificada pelo Estado de exercido por alguns privilegiados em proveito próprio e. co�n
um modo compulsório, tendo em vista estabelecer uma padroni­ prejuízo de muitos. Quanto à desigualdade e à d1fere_nc1açao
zação da vida para realizar o ideal da plena igualdade entre os
de classes são de tal maneira inerentes à organização social, q ue
homens. A aspiração igualitária é a mola do socialismo moder­
sempre �ue se quer alterar êste estado de coisas com vistas �
no. Daí decorre a atribuição à coletividade, representada pelo um nivelamento completo entre os homens, surgem nov_os cri­
Estado, de amplos poderes de regulamentação social, a ponto d e térios de diferenciação e a igualdade plena jamais é atingida.
fazê-la absorver direitos dos indivíduos e das famílias. Há uma
Vimos que o liberalismo, extinguindo os privilégios da no­
breza, não conseguiu evitar que se constituísse uma out:a clas­
2. E. Gil Robles, TRATADO DE DERECHO POLíTICO, se privilegiada, a burguesia, com a sua superioridade sooal fun­
Salamanca: tomo II, 1902, pág. 209. ,j- dada na posse das riquezas. Por sua vez, o socialismo, querendo

.::rr : -
::'.
64 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 65

nivelar econômicamente a todos, não pôde evitar, na Rússia so­ Crescem os poderes e as atribuições do Estado, mas a igual·
viética, onde foi pela primeira vez pôsto em prática, o apareci­ dade sonhada pelos socialistas continua sendo uma enganadora
mento de uma "nova classe" de militares, altos funcionários, téc­ miragem. Por isso tôda a história_ do socia\ismo tei:n sido uma
nicos e dirigentes do partido. É bem sig·nificativo o fato de, na­ oscilação perpétua entre_ êsses dois polos: a utopia da pl:na
_
quele país, em certos meios de transporte coletivo existir uma io-ualdade numa sociedade sem classes e a realidade do totalita­
"segunda classe" a preços mais módicos do que a primeira. rismo, realidade que foi a do mundo antigo e está sendo hoje
a dos países comunistas.
É certo que os homens, considerados na sua natureza racio­
nal, na sua origem e no seu fim, cg_mo criaturas de D�s, aJ)e.us J No dizer do conheódo escritor socialista Paul Sweezy, pro-
fessor universitário e homem de administração pública, a pala­
�_iguais. Mas n�o é �enos �erto· que não �á _u�n vra socialismo tem assumido dois significados distintos: por um
homem igual a outro quanto as part1culandades da constitmçao
}ado, desio-na um nôvo tipo de sociedade; por outro, o movimen­
orgânica, do temperamento, da inteligência, dos talentos e ap­
to que se° empenha em substituir a ordem social reinante por
tidões de cada um. Estas diferenças não podem deixar de se re­
êsse nôvo tipo. Ambos os significados se r�lacionam. Quand?
fletir nas relações sociais. Os filhos dependem dos pais, aos quais
alguém alude ao socialismo ame�ic�no, tem em vista º movi­
devem naturalmente submissão e obediência. A autoridade, sem .
mento visando à realização do soe1ahsmo nos Estados Umdos; e
cujo princípio é impossível a vida social, requer uma diferença
quando trata do socialis�o so�iético, a referê�cia fei�� �oncerne
entre governantes e governados. A hierarquia militar, outro
ao sistema social e político vigente na Umao Sovietica. Na
, princípio indispensável para manter a ordem e a paz numa socie­ Rússia, antes de 1917, "socialismo" exprimia um movimento, ao
l
\ dade, acarreta legítimas desigualdades. Da mesma forma na or­
dem econômica, se a todos devem ser abertas oportunidades de
1 melhorar suas condições, não é justo que aos mais capazes e de
passo que hoje a mesma palavra vem enunciar um sistema
social. 3 1
O movimento socialista, impulsionado por uma aspiração
r
:, maior iniciativa se impeça de granjear uma situação mais fa­
1
vorável, da qual poderão advir benefícios para muitos outros.
Transferindo a propriedade dos bens de produção para a
de justiça, que em alguns pode ser muito sincera, mas é sempre
viciada pelo falso critério do igualitarismo, torna-se, por isto
mesmo, sempre utópico. O sistema socialista, que_ acaba por pre­
coletividade, isto é, para o Estado, que representa a coletividade e valecer na realidade, é o de um Estado com ma10r ou menor
deve tomar a seu cargo a administração dêsses bens, o socialismo, intensidade eivado de totalitarismo.
por uma dinâmica incoercível, conduz a uma grande centraliza­ Enquanto movimento de idéias, aspiraçã� reforn:ista e pr��
ção político-administrativa. Além disto, a igualdad: absoluta gação revolucionária, o socialismo tem revestido vánas modah­
almejada pelos socialistas só pode ser realizada mediante uma dades, mas os seus adeptos estão sempre de acôrdo em condenar
imposição do poder público, ao qual cabe reprimir as inevitáveis a propriedade privada na sua utilização lucrativa e na sua trans­
tendências dos homens para se sobreporem uns aos outros e rom­ missão pela herança.
perem o círculo dessa igualdade. .A..s democracias liberais, ado­
A partir de Karl Marx, tôdas as correntes socialistas recebem
tando o lema de 1789 - "Liberdade, igualdade, fraternidade" -
a sua influência, mais sensível numas do que noutras. 1viarx e
acabaram por sacrificar a igualdade em virtude da liberdade de­ Engels, autores do Manifesto Comunista, contribuíram, mais do
sordenada que admitiam, provocando, pelos excessos da livre que quaisquer outros, para que o socialismo passasse a ser uma
iniciativa e da livre concorrência, a concentração do capital e a ex­
ploração da classe proletária. O socialismo, para corrigir tais
abusos e implantar a igualdade entre todos, imola a liberdade 3. Paul M. Sweezy, SOCIALISMO, ( tradução portuguêsa)
nas aras do Estado totalitário. Rio de Janeiro: Zahar Editôres, pág. 27-28.
66 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO. 67

nova concepção da sociedade e da vida humana, na linha do natu­ possível extirpá-lo por meio de instituições adequadas. Assim,
ralismo e do cientificismo dominantes em certas esferas intelec­ pois, considera que a reforma social não supõe nem requer a
tuais no século passado. São bem significativas estas palavras de reforma interior do homem, mas, ao contrário, a nova socieda­
Engels, .R-m!!ridas nos funerais de l\Jarx: 1 "Como Darwin des­ de é que reformará o homem, trazendo-lhe um estado de bem­
cobriu a lei da evolução na natureza orgânica, assim Marx des­ -aventurança. Finalmente, atribui à classe proletária, através
cobriu a lei da evolução na história humana".J da revolução, o cumprimento dessa missão redentora.
-i,,Segundo 1\,1.arx e Engels, a sociedade moderna, que tem por Marx atribuiu ao fator econômico uma primazia entre todos
uma das bases o re&peito à propriedade, há de se transformar os mais nas relações humanas. Nisto consiste o "materialismo
fatalmente sob a pressão das leis econômicas. Na sociedade do histórico", segundo o qual a ordem econômica é uma estrutura
futuro a propriedade privada será substituída pela propriedade fundamental, determinando o sentido das instituições políticas
coletiva, ao mesmo tempo em que desaparecerá a exploração do e da cultura, as ideologias e até mesmo as crenças religiosas. Aí
homem pelo homem. Donde uma espécie de paraíso na terra,
está a consagração máxima do "homem econômico" produzido
que se tornou o mito do socialismo, ao mesmo tempo em que
pelo capitalismo ao fazer a vida girar em tôrno do dinheiro e dos
êste se corporificava nas organizações revolucionárias interna­
cionais. Dêste caráter mítico vem a fôrça expansiva do socialis­ lucros.
mo nas massas da civilização industrializada. 4 Vemos assim como o capitalismo traz em suas entranhas o
A transformação assim anunciada trará, segundo os socialis­ socialismo. O próprio Marx ensinava que o regime comunista,
tas, a felicidade completa entre os homens. lvlarx atribuia às estru­ inaugurando uma nova fase na vida da h�manidade, deveria
turas do mundo capitalista as causas do mal estar social, da mi­ resultar de um amadurecimento das condições criadas pela so­
séria, da corrupção. Através de novas e melhores estruturas, o ciedade capitalista industrial.5 Acontece, pois, neste caso, 0 in­
próprio homem seria melhorado. Com a sua visão naturalista, verso do ocorrido no mito de Saturno: enquanto Saturno devo­
chegando mesmo a um materialismo radical, não foi capaz de rava os próprios filhos, o socialismo vem tragar o capitalismo
entender o sentido destas duas realidades, incompreensíveis fora que o gerou.
dos ensinamentos da Revelação: o pecado e a morte. Se não --.:i;/ O socialismo é um fenômeno típico das democracias de
era otimista como Rousseau, que defendia a tese do "homem na­ massas do nosso tempo. Vimos que o liberalismo, dissolvendo
turalmente bom", há entretanto no fundo do seu pensamento os agrupamentos corporativos, deixou os indivíduos à mercê de
algo de semelhante. Para Rousseau, o homem no estado de na­ si mesmos, em face do Estado. Dêste mesmo esquema, falsean­
tureza é bom e a sociedade o corrompe. Para l\1arx o mal te111 do a realidade histórica, parte o socialismo: vê na sociedade po-
origem sobretudo numa organização social defeituosa, sendo

4. A concepção marxista dá ao socialismo, por fundamento, 5. Precisamente por isso - escreve Sornbart - Marx teve uma
uma filosofia materialista. A natureza material, independente do seu atitude pasitiva e de afirmação para tudo o que há de essencial no
Criador, passa a ser considerada uma fôrça absoluta, determinante mundo capitalista, e as noções essenciais' da sua teoria econômica
de tudo o mais. Daí uma nova concepção da moral e uma religião foram, como veremos adiante, tiradas da economia liberal clássica.
secularizada. Para o líder socialista francês Léon Blum o socialis­ "Como teria podido, para empregar sua própria imagem, desprezar
mo "é uma doutrina, um sistema de moral e quase uma religião", e odiar a mãe que já trazia em seu seio o filho ardentemente dese­
confirmando-o Jules Moch ao qualificar o socialismo "uma religião jado, o mundo nôvo e melhor? Marx foi, pois, inteiramente otimis­
leiga". Vejam-se POUR ."ÊTRE SOCIALISTE de Léon Blum e S0- ta quanto ao futuro da civilização" (W. Sornbart, DER MODERNE
CIALISTE VIVANT de J. Moch. KAPITALISMUS, volume citado, prefácio, pág. 20).
68 J. P. GALVÃO DE $OUSA.

lítica não um conjunto orgânico de grupos, mas a massa de indi-


. víduos que o Estado deve controlar e organizar. · Por estas e
outras razões podemos dizer, com Albert Schaftle, que liberalis­
mo e socialismo, frutos do mesmo espírito de individualismo,
são irmãos siameses. 6 II - MODALIDADES DO SOCIALISMO.

O têrmo "socialismo" foi empregado pela primeira vez, na


sua atual acepção, pelo Cooperative Magazine de Ro-bert Owen,
em 1827. Na Inglaterra e na França começou desde então a
servir para designar os ideais de reforma social preconizados por
Owen, Saint-Simon, Fourier e outros adeptos do que mais tarde
foi qualificado de "socialismo utópico", para se distinguir do cha­
mado "socialismo científico" inaugurado por Marx e Engels.
Êstes dois autores do Manifesto Comunista deram, como já
foi dito acima, um grande impulso e uma nova significação ao
movimento socialista. O Manifesto foi publicado aos princípios
de 1848, um ano tormentoso em todo o continente europeu,
quando revoluções de caráter social pipocavam por vários países,
fazendo o socialismo passar das cogitações intelectuais para a agi­
tação das ruas. O que se tinha em vista não era apenas a modi­
ficação do regime político - objetivo mais restrito de revolu­
ções anteriores àquele ano - más também da organização so­
cial, do regime de propriedade e do estatuto do trabalho.
Na Revolução de 1789, que assinalou o triunfo do libera­
lismo, já tinham aparecido manifestações de um socialismo ra­
dical. Tal foi o caso de Babeuf, preconizando um regime co­
munista, sem falar dos projetos igualitários de Robespierre e
Saint-]ust. Na obra de Rousseau, principal teórico do libera­
lismo francês e cujo nome era freqüentemente citado nas assem­
bléias revolucionárias, encontram-se elementos que conduzem
ao socialismo, ao comunismo e até ao Estado totalitário.
6.. ENCYCLOPJEDIA OF SOCIAL SCIENCES, v . SOCIA­ Owen era um patrão inglês que começou realizando obras
LISM. É verdade que algumas correntes socialistas� como o socia­ de melhoramento das condições dos operários, apelando em se­
lismo guildista, preconizam a reconstituição dos grupos intermediá­ guida para o Estado, a fim de que, através de leis sociais, fizesse
rios e se opõem a uma intervenção muito ampla do Estado. Mas alterar tais condições em benefício da classe proletária. Teve
numa sociedade homogênea e igualitária - idéia predominante no
pensamento socialista - tais grupos não podem subsistir. Por isso em vista sobretudo a agricultura, querendo criar comunidades
mesmo, a realidade das experiências socialistas· mostra-nos o Est8:do modelos, nas quais a propriedade privada desaparecesse. Alguns
ultra-centralizador absorvendo as funções de direção da vida social. de seus discípulos se encaminharam para um socialismo de tipo
70 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 71

cooperativista. Nos ú ltimos anos de sua vida, anunciava a vin­ tecipa a Marx, e como êste considerava que não p odem haver mo­
da do reino de Deus sôbre a terra, numa era de virtude e feli­ dificações na ordem social sem se modificar o regime da pro­
cidade. "Os tempos estão próximos" - proclamava Owen - e priedade. Engels, no seu ANTI-DüRING, louvou a "genial
assim, partindo de um paternalismo patronal acabava numa es­ amplidão de vistas" de Saint-Simon.
pécie de messianism o social ou mi lenarismo leigo.7 Quanto a Proudhon, foi um escritor cheio de p osições con­
No seu pensamento encontramos a idéia de que a sociedade traditórias. Po r vêzes, parece colocar-se numa linha de pensa­
P?de ser reformada mediante a constituição de pequenas comu­ mento tradicionalista, é apologista entusiasta das pequenas uni­
dades sociais contra o estatismo, preco niza o federalismo e o
mdades exemplares. É a mesma idéia de Fourier e Cabet no
mutualismo . Mas um dos p ontos centrais do seu pensamento
socialismo francês da primeira metade do século XIX. Fo�rier
foi a revolta contra a própria idéia de Estado, fazendo- o chegar
preconizava as "falansterias", sociedades fechadas de cêrca de
à concepção de uma sociedade em que o p oder p olítico fôsse
l .600
_ pessoas, que deviam assumir tôdas as funções e exercer
extinto e substituído por livres acordos entre os trabalhadores.
diversos ofícios, revezando-se e substituindo-se umas às outras
Criticava a concepção democrática de Rousseau, por conduzir
para evitar o s males de uma exagerada especialização. Fourier
ao despotismo da "vontade geral", e opunha-se a tôda autorida­
�ão era _comunista, confiava na reorganização da s�ciedade pela
livre -ª�ª? dos seus �1embros, opunha-se a um regime político de, tanto a da Igreja como a do Estado. Sua doutrina era vis­
autontano e centralizad or. Em sentido contrário, Cabet, autor ceralmente anti-re ligiosa e foi inspiradora do anarquismo. No
seu livro QU'EST-CE QUE LA PROPRIÉTE? afirmava que
da VOYAGE E� I��RIE, colocav�-se na linha radical do pen­
a pro priedade é um roub o.
samento revoluc10nano de 89 e considerava que a verdadeira de­
mo cracia está no comunismo. Ambos suscitaram algumas ex­ Ao contrário de Louis Blanc, adepto de um so cialismo go­
periências de organizações sociais, inc lusive nos Estados Unidos, vernamental e da revolução pelo poder, Proudlzon batia-se por
experiências que fracassaram totalmente após uma existência um socialismo estritamente democrático com a revolução feita
efemera. pelo povo. Rompeu com Marx, que o chamava de charlatãt),
mas a sua idéia de uma sociedade sem Estado passou para o
Mais importantes, na primeira fase do so cia lismo moderno
marxismo. Marx escreveu a MISÉRIA DA FILOSOFIA con­
são os nomes de Saint-Simon e Proudhon.
tra a FILOSOFIA DA MISÉRIA de Proudhon; alguns anos
Saint-Simon, de �amília aristocrática, propunha a criação antes, comentando o l ivro de Proudhon sôbre a propriedade,
_
de um Estad o mdustnal fundado na explo ração das riquezas do dissera tratar-se de uma obra fundamental que vinha tornar
globo e em _ , q�e o govêrn _
o co ubesse à classe ocupada no s traba­ possível a revolução da eco nomia política.8
l �o s mais �teis, e�p�cia lme�1 �e os sábio s e o s técnicos. Apolo­ Costuma-se dizer que com Marx e Engels tem início o so­
1s
? � a das elites � ocia1s, admitia a desigualdade e o principa l o b­
cialismo científico, terminando -a fase dó socialismo utópico.
J�tivo do seu sistema era a o rganizaçã o da ec o nomia e do cré­ Isto porque o marxismo pretendeu estabelecer leis de validade
_
dito, situand o os banqueiros no ponto mais alto da hierarquia universal explicando cientificamente o desenvolvimento das so-
social.
P or alguns aspectos da sua obra, Saint-Simon afasta-se das
soluções socialistas, mas na sua crítica à economia liberal se an- 8. F. Olgiati, CARLO MARX, Milão: Vita e Pensiero, 6.ª edi­
ção, cap. VIII, págs·. 235 a 249. Não obstante suas críticas a Rous­
seau, Proudhon é, como nota êste autor, "um filho da Revolução
7. /. Touchard, HISTOIRE DES POLITIQUES' Paris: cole- francesa, da qual quer ser um continuador, respirando numa atmos­
ção "Thémis", P . U . F., II, pág. 555. . fera ilurninística" ( pág. 241).
CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO
72 J. P. GALVÃO DE SOUSA 73

ciedades. Os autores do Manifesto Comunista repeliam o que futuro deve dar-se_ pela ditadura revolucionária do proletariado,
denominavam o socialismo feudal e o socialismo pequeno bur­ idéia que será mais tarde posta em prática por Lenin.lo
guês - formas do socialismo reacionário - bem como o socialis­ Depois do congresso de Gotha foi organizado o Partido So­
mo sentimental e literário. Julgavam ter descoberto o verda­ cial Democrático da Alemanha, vindo êste a ser O partido so­
deiro socialismo, alicerçado numa nova filosofia e na crítica cialista mais considerável antes da primeira guerra mundial. Os
científica do capitalismo. A filosofia era o materialismo histó­ social-demo�ratas alemães exercerai_n grande influência na Segun­
rico e a crítica ao sistema capitalista levava à teoria econômica da Internac10nal, fundada em Pans em 1889, durante comemo­
da mais-valía.9 rações do centenário da Revolução francesa e reunindo dele­
O Manifesto Comunista terminava com aquêle apêlo: "Pro­ gados de 16 países europeus e dos Estados Unidos. A Seo-unda
letários de todos os países, uni-vos". Esta conclamação era reno­ Internacional, com a cooperação de partidos socialistas, durou
vada anos mais tarde em Londres, pelo próprio Marx, no dis­ até o início daquela guerra, em 1914. Nela se refletiram as
curso de abertura de um congresso operário no qual se consti­ três tendências da social-democracia germânica: esquerda, direi­
tuía a Associação Internacional de Trabalhadores, mais conhe­ ta e centro. Na Alemanha os líderes dessas tendências foram
respectivamente Rosa de Luxemburgo, Kautsky e Bernstein.
cida como Primeira Internacional.
Rosa de Luxemburgo e Kautsky mantinham-se mais adstritos ao

l
Daí por diante foi a Alemanha o país em que o socialismo
marxismo ortodoxo, ao passo que Bernstein proclamava a neces­
alcançou maior expansão, atuando politicamente e tendo que sidade de rever o marxismo em face dos acontecimentos ocor­
enfrentar o govêrno de Bismarck. Formaram-se duas alas no ridos após a publicação das obras de Marx. Assim nasceu 0
socialismo alemão, destacando-se à frente de uma delas Lassalle chamado socialisníÕ�revisfofüsta;ll
e da Outra Wilhelm Liebknecht e August Bebel. Deu-se a fusão Os elementos radicais da esquerda, diante da marcha do
destas correntes num congresso realizado na cidade de Gotha, capitalismo para um período de crises e guerras, que julgavam
em 1875. Daí resultou o Programa de Gotha, recebido com res­
trições por Afarx, que criticou alguns de seus itens mais impor­
tantes. A Crítica do Programa de Gotha tornou-se um dos do­ 10. P. Sweezy, ob. cit., pág. 31 e H. Chambre DE MARX A
cumentos clássicos do pensamento marxista e aí Niarx faz ver MAO-TSE-TUNG, tradução portugu�sa, PUAS CIDÁDES, pág. 191.
que a transição do capitalismo para a sociedade sem classes do No ano de 1870, a Comuna de Pans fora uma tentativa da classe
operária para se .apossar do poder e instituir uma ditadura revolucio­
nária. Do malôgro d�ssa experiê _ _ncia, não dirigida por marxistas,
decorrera uma repressao pre1udicial ao movimento socialista na
9. Um dos principais livros de autoria de Enger!s é o ANTI­ França.
-DüHRING, do qual foram extraídos alguns capítulos para formar, A social-democi:_acia f�� ini_c�lme�te uma expressão do soe
. 11.
em edição à parte, a brochura SOCIALISMO UTÓPICO E SOCIA­ ciah. smo. Quanto aos termos socialismo e "comunismo" vêmo··
LISMO CIENTíFICO. Aí escreve o companheiro de Karl Marx: -los usados por vêzes indistintamente. Na década de· 1340 Marx
"Estas duas grandes descobertas - a concepção materialista da his­ e Engels preferiram evitar as expressões· "socialismo" e "socialista''
tória e a revelação do mistério da produção capitalista por meio para evitar confusões com socialistas que não- consideravam autên­
da mais-v.alía - nós as devemos a Marx. Graças a elas o socialismo ticos·. Escolhera m então a palavra "comunista". N.a Rússia há 0
se tornou uma ciência, que cumpre agora elaborar em todos os seus Partido C?munis�, centro d� t�da a o�ganização política, e o país
pormenores" (em ÉCRITS SUR LE SOCIALISME, Paris: Seghers, se denomma Umao das Republicas Socialistas· Soviéticas. Os teóri­
1963, pág. 119). cos comunistas daquele país entendem que o siistema socialista evo­
luirá para o comunismo integral ( cf. P. Sweezy, obra citada, pág. 33).
E COMUNISMO 75
P. ,CAPITALISMO, SOCIALISMO
74 J. GALVÃO DE SOUSA

iradora do socialismo moderno


A filosofia materialista, insp
inevitável e fatal, eram pa rtidários da ação violenta da classe
especialmente depoi� _d�
Marx, se opuse ram_ alguns soôalista s,
trabalhadora para implantar o regime socialista. Os da direita, Ji.1arx por Henri de Man, pensador
na linha da crítica dirigida a
pelo contrário, achavam o capitalismo em condições de resistir, qui� ir "para além do_ marxismo" e
e político belga. De Ma�
propondo a execução de um programa de reformas graduais,
em 1927 publicava,
com esse titulo - AU DELA �U MAl�­
ao cabo das quais o socialismo fica ria dominando como produ­ çou grande repe rcussao. Re di­
_ XISME - um livro que alcan
to fmal de um processo histórico. o autor recebera sua formação mar­
gido na Alemanha, onde_ .
ulado SôBRE A PSICOLOGIA
Dessa forma ao sociali s mo revolucionário se opôs um tipo xista, foi primeira mente mtit
CHOLOGIE DES SOZIALIS­
de soci alismo evolucioni sta. Esta ori entação foi ta mbém a do DO SOCIALISMO (ZUR PSY
i tençã� d,e . quem o escre�eu, fa­
socialismo de cátedr a, assim chamado porque era ens inado por MUS), o que bem indica � �
h smo lu storrco basear-se sobre as
professôres universitários alemães: tratava-se de um socialismo zendo sua crítica ao matena das
s aspirações mais profundas
de Estado, vindo de cima pa ra baixo, isto é, partindo do pró­ necessidades psicológicas e a
a.
prio govêrno, através de reformas legislativas, e não do povo massas na socie dade modern
a a preocupação da rea­
por uma re volucão. De Man, ao contrário de Marx, tinh
do soci smo.
ali
Isso explica que na Alemanha e em outros países os socia- lização de valores morais através
o ético é, por exe mplo ,
. Uma outra modalidade de soci lism
a
listas ora colaborassem com o govêrno, ora o combates sem, não s ó rança, opondo-se ao comunismo e ao- ca­
0 de Jules Moch, na F
na opos ição parla mentar mas até por meios revolucionários .
ráter ditatorial do regim e soviético e preconizando um "socia-
A penetração progressiva do socialismo, por meio de leis e i3
lismo com liberdade".
, um combativo lider, Jean
�ef�rmas, _ :aracterizou ? socialismo inglês, tendo por principal Antes dêle, no socialismo· fra ncês
elhante, no intento de conci­
orgao mspirador doutrmário a Socie dade Fabiana e por instru­ Jaures, colocava-se em posição sem
o. A seu ver, deviam ser man
e
mento de ação política o Partido Trabalhista .12 liar a liberdade com o socialism
reputadas por êle conquistas da
O ma rxi:mo ficou representa ndo o coletivismo integral. Ao tidas as liberdades individuais,
e de voto, liberdade de consciên­
seu lado havia outras correntes mais mode radas de socalismo Revolução francesa: liberdad
Revolução de 1789 continha-se
sôbre as quais a influência de Marx, embora não fôs se total sem� da, liberdade de trabalho. Na
o regime socialista poderia reali­
um "socialismo humano" e só
pre se fa zia sentir. O socia lismo a grário de H enry Geor;e era Direito_s do �.amem._ faures;
u� :ºletivismo parcial, preconizando a transferência para" a co­ zar plenamente a D�c� aração dos O socialismo e
a dizer:
combatendo o colet1v1smo, chegava
letividade apenas da propriedade da terra e não de todos os bens ivid ual. É o individua lis­
a afirmação suprema do direito ind ce o individua-
de produção. e engr and
mo lógico e completo. Êle continua
e
14
lismo revolucionári'o"

12. No Partido Trabalhista britânico pode haver membros


er a -escola única, rei­
que se decl�r�m não socialistas. Mas o seu programa não deixa 13. Is so não impede a Moch de defend
à liberdade de ensino. Veja-se Jules
margem a duvidas. :E:le se consubstancia no importante documento vindicação socialista contrária rt Laffon. O autor se­
LET US FACE THE FUTURE ( Encaremos o Futuro), publi­ Moch SOCIALISME VIVANT, Paris: Robe o govê mo da Frente Popu-
cado após a segunda guerra mundial, ao concorrer o Partido gue ;_ trilha de Léon Bium, que chefiou
à� �leições._ Aí lemos: "O Partido Trabalhis ta é um partido so­ lar na França.
ET LIBERTÉ, pu­
c1al1sta e disto se org ulha. Seu propósito s upremo, no país·, é O es­ 14. Do artigo de J. Jaures, SOC0IALISME o de 1898 (apud
IS, de 1. de deze mbr
.
tab-elec1mento da Comunidade Socialista da Grã7Bretanha". blicado na REVUE DE PAR
76 J. P. GALYÃO DE SOUSA
CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 77

O extre�o do individ alismo é representado pelo anarquis­ tusiasmo dos franceses, mesmo de socialistas, ante a mobilização.
1:1
mo �e Bakunm e. Kropotkm, corrente de idéias que em muitos Arrastadas pela fôrça emocional do patriotismo, as masas
mo�11?-entos revolu�ionários marcha paralelamente -com grupos operárias desmentiam o marxismo. Na Alemanha socialis­
socialistas e comunistas. Sua influência se fêz sentir particu­ tas irredutíveis em seu internacionalismo se revoltavam contra a
larmente em alguns países, como a França, desde Proudhon a social-democracia empenhada no esfôrço de guerra.
Rú�s�a, a Itáli� e a Espanha, onde alcançou grande significa�ão Depois da conflagração, muitos socialistas voltaram à atitu­
poht1ca, especialmente na República de 1931 a 1936, na forma de anterior, Tecusando-se a colaborar com os respectivos gover­
do anarco-sindicalismo. 15 nos, como o haviam feito duTante a guerra para manter a união
O sindica�ismo :.evolucionário teve em Georges Sorel, autor nacional. Por sua vez, a nova Internacional, isto é, a Terceira,
das REFLEXoES SOBRE A VIOLÊNCIA, um dos teóricos de triunfava com a implantação do comunismo na Rússia sob o pul­
mai�r i?fluência. Na Itália, Antonio Labriola verificou que a so férreo de Lenin. Trotski, separando-se da orientação oficial
. soviética, fundava a Quarta Internacional.
sens1b1hdade popular não acolhia favoràvelmente o marxismo
p�r êle adm�tid�. _ A seu_ ver, as massas, tendo intuição das situa: Mas outro fenômeno surgia então: o despertar do naciona­
çoe: revoluc10nanas, deviam atuar através dos sindicatos, organi­ lismo alemão, como conseqüência do descontentamento provo­
zaçoe_s que lhes eram adequadas e correspondiam à psicologia cado no povo pelas humilhações impostas com o tratado de Ver-
coletiva. salhes.
O_ socialismo depois de Marx tomot: uma coloração interna­ Antes dêsse movimento, que levou Hitler ao poder, já na
. Itália um antigo militante socialista, Benito Mussolini, implan-.
c10nal�sta ?astante_ �centuada. Não só pela organização das In­
ternac10na1s, mobilizando os trabalhadores do mundo inteiro tava um nôvo regime com larga margem de intervenção do Es­
para atender ao apêlo final do Manifesto Comunista, mas ainda tado na vida social. A expressão "Estado totalitário" era empre­
por causa da própria ideologia que ensinava. Com efeito, se­ gada pela primeira vez pelo chefe do govêrno italiano, o Duce,
gundo l\1arx os operários de países diferentes tinham mais afini­ que empolgava as massas. Mais do que o fascismo italiano, o
dades entre si do que co�n- os respectivos compatriotas perten­ nacional-socialismo, como o próprio nome está dizendo, apre­
centes a outras classes sooa1s. A Classe era uma realidade que sentou característicos de um regime socialista, não obstante er­
s� s?brepunha_ à Nação. E o ideal i?ualitário sonhado pelos so­ guer-se para livrar a Alemanha do comunismo.
oahstas devena trazer para a humanidade não só a extinção das Surgiu assim outra modalidade de socialismo, diferente das
classes e o desaparecimento das diferenças entre governantes e examinadas até aqui e fora da linha marxista. Contrapunha-se
governados - segundo a concepção anarquista da sociedade sem ao internacionalismo. Era o socialismo nacional ou totalitarismo
Estado - mas também a abolição das fronteiras entre as nações. da direita, dando ao Estado poderes absolutos para controlar a
Ao deflagrar da guerra de 1914, desaparecia a Seo-uhda Inter­ vida econômica, o ensino, a cultura e a formação das novas ge­
nacional, e o pacifismo de ]aures era impotente para° deter O en- i-ações. Apesar de se defrontarem como inimigos, nazismo e co­
munismo, por tais pontos de seus programas e pela orientação
coletivista em regime de massas, cabiam num mesmo contexto
]. Touchard, ?b:a ,�itada, vol._ I�, pág. 742 ). O pensamento de Jaures socialista. É o que se pode deduzir dos dois memoráveis e im­
corresponde a ideia do socialismo como express·ão do direito dos pressionantes documentos com que o Papa Pio XI condenou um
indivíduos à felicidade completa neste mundo. e outro dêsses regimes, escritos no mesmo ano e publicados com
, 15. _Agitaçõ
_ �s oper�rias ocorri_das en?"e_ nós, no comêço dêste uma diferença de poucos dias: a Encíclica DIVINI REDEMPTO­
seculo, hvernm msp�raçao anarqmsta. E mteressante lembrar 0 RIS, de 1. 0 de março de 1937, corn:ra o comunismo ateu, e a MIT
nome do agitador Rossoni, prêso pela polícia de São Paulo e ex­ BRENNENDER SORGE, de 14 de março, sôbre a situação da
pulso do �rasil. Voltando _ . para a Itália, seu país de origem, lá Igreja em face do nacional-socialismo germânico.
chegou mais tarde a ser mmistro de Estado, nos tempos· do fascismo.
CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO
79
78 J. P. GALVÃO DE SOUSA

países escandina­
Na _França, º ii:iternacionalismo parecia utópico a Marcel guildista, na Inglaterra, e do socialismo dos
vo·, bem como do
, .
�eat,_cu30 neo-sociahsmo levava em conta as particularidades na­ vos, admitindo organizações de tipo. corporati
do que socialismo
c10na1s para a estruturação de uma nova ordem. socialismo cooperativista. Êste último, mais
_ com matiz:� s�ci�lis­
Aquêle mesmo Pontífice, Pio XI, na Encíclica QUADRA­ propriamente dito, é um coope_rativismo
Pelo que p for dito,
GE_Sl�O ANNO, fêz ver a incompatibilidade radical entre ó­ listas. Tal a posição do economista Gzde.
, também pode ser
sooahsmo e a doutrina social católica, ainda em se tratando de Proudhon, por alguns aspectos de sua obra
lismo associonista.
classificado entre os representantes do socia
�ocialis :71� em suas formas mais moderadas. São palavras suas: resulta podermos
?
.
so�ialismo, quer se considere como doutrina, quer como fato De tudo isto, sem esgotarmos o assunto,
lism o moderno, numa
h�stónco, se é verdadeir� socialismo, mesmo depois de se apro- · indicar as seo-uintes modalidades do socia
_ leta e inclui o anar-
xrma_r da verdade e da )ust1ça nos pontos sobreditos, não pode enumeração que não pretende ser comp
. qwsmo:
conoliar-se com a doutrina católica, pois concebe a sociedade de
modo completamente avêsso à doutrina cristã". E conclui· l. socialismo dos precursores (antes de Marx);
"Socialismo religioso, socialismo católico são têrmos contradi� 2. anarquismo (Proudhon e outros);
tórios; ninguém pode ser ao mesmo tempo bom católico e ve;­ 3. coletivismo integral (Marx e Engels);
dadeiro socialista". 4. coletivismo agrário (H. George);
anha) ;
.
Vi1:1os, de início, que, com a ordem social decorrente dos 5. social-democracia (principalmente na Alem
p_rn:cíp10s ?º Cristianismo, desapareceram os elementos de so­ 6. socialismo de cátedra;
oahs�o existente� nas civilizações antigas. Isto se deu porque 7. socialismo fabiano;
);
se de1xou ?e considerar o homem _ como devendo existir apenas 8. socialismo associonista (guildista, cooperativista
para a sooedade. Tendo a criatura humana um fim transcen­ 9. socialismo revisionista;
dente_ e superior ao fim da sociedade em que vive, não pode 10. socialismo ético;
a sooedade absorver os indivíduos, mas deve reconhecer-lhes socialismo religioso;
11.
certos direitos naturais, entre os quais o direito à vida à com- neo-socialismo francês;
tituição de uma família, à propriedade e à herança. 12.
13. nacional-socialismo;
A primazia absoluta da sociedade sôbre os indivíduos ensi­ alismo;
nad 14. sindicalismo revolucionário e anarco-sindic
_ � pelo socialismo, é incompatível com tais princípios. Ó "so­ ou bolche­
cialismo :º� �iberdade" não se opõe a que o Estado imponha 15. marxismo-leninismo (comunismo soviético
tas das cha­
um padrao umco de educação, e quando exalta o valor do indi­ vismo, variante chinesa, regimes coletivis
e Tito na Iu­
víduo, o socialismo não o faz senão para o libertar da submis­ madas "democracias populares", cisão d.
no mundo
são às leis de Deus, como ocorre com a concepção de ]aures. goslávia, socialismo cubano, repercussões
afro-asiático) ;
Apesar de tudo isso, tem-se falado em "socialismo cristão"
o que deve ser entendido para designar o socialismo religios� 16. trotskismo.
de alguns protestantes, especialmente na Alemanha e Suíça, e de
certos adeptos da democracia cristã. Socialismo de fundo re­
ligioso-humanitário foi o de Tolstoi e outros intelectuais russos
antes do bolchevismo.
Finalmente, às correntes mencionadas acrescenta-se o socia­
lismo associonista, �ue diminui os poderes do Estado e reforça
os das pequenas unidades de produção. É o caso do socialismo
f:,

3. O MARXISMO

Judeu alemão, nascido em 1818 e falecido em 1883 em


Londres, onde passou grande parte de sua vida, Karl Marx foi
educado num ambiente racionalista e protestante. Seu pai era
entusiasta do iluminismo francês do século XVIII, cujas idéias
inoculou no filho, e o barão Von Westphalen, que se tornou
seu sogro, contribuiu para que o jovem Marx se abeberasse da
cultura romântica daquela época.
Hegel viera então revolucionar a filosofia, e o seu idealis­
mo exerceu uma influência decisiva no pensamento marxista.
Juntando ao idealismo hegeliano o materalismo de Feu.erbach,
aí temos as bases da concepção do mundo em que l\forx estru­
turou todo o seu sistema. 1\1.arx não é um filósofo. A sua dou­
trina não pode ser considerada uma filosofia, no sentido tradi­
cional desta expressão. É, sim, uma ideologia como instrumento
da ação revolucionária.
Da sua obra O Capital, cuja elaboração durou mais de vinte
anos, num grande esfôrço para compreender os mecanismos eco­
nômicos da ordem capitalista, tendo aparecido o primeiro vo­
lume em 1867, disse Lenin que não pode ser entendida sem·
um conhecimento sério da Lógica de Hegel.16
Vimos que para Engels o socialismo científico assenta nes­
tes dois pilares: a concepção materialista da história e a análise
da produção capitalista com a doutrina da mais-valia.17
Na impossibilidade de uma exposição completa do marxis­
mo - que fugiria às limitações e ao escopo do presente traba-

16. H. Chambre, obra citada, p. 83. A observação de Lenin


é feita nos seus CADERNOS FILOSÓFICOS sôbre a dialética
( 1914-1916). O CAPITAL não é, pois, uma obra de pura técnica
econômica.
17. Cf. sup ra nota 9.
82 J. P. GALVÃO DE SOUSA. CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 83

lho - tenhamos presentes êsses pontos fundamentais, um de l\1arx acentuou a importância da prática como meio de conhe­
carater filosófico e outro econômico. cimento. Aí está um dos traços mais característicos do marxis­
Segundo Hegel a realidade das coisas está num perpétuo mo. Para Marx só a prática - a j1raxis - leva a um conheci­
vir-a-ser, submetida ao processo de evolução dialética, no qual mento verdadeiro, e a missão do filósofo, mais do que em ex­
há três fases: tese, antítese, síntese. Na primeira fase o ser pa­ plicar o mundo, deve consistir em modificá-lo.
rece em repouso. É a tese. Mas a contradição que nêle existe A dialética de Hegel com o materialismo e o humanismo
se opõe a êsse estado anterior, e daí vem a antítese. Finalmente, ateu de Feuerbach fazem l\tf.arx chegar ao materialismo histórico.
depois dêsse antagonismo surge um nôvo estado, que parece de­ Segundo tal concepção, as relações econômicas determinam 0
finitivo: a síntese. Entretanto, como tudo é feito de contras­ conteúdo da consciência social (ciência, arte, religião, política,
tes, torna a aparecer uma negação. A síntese é uma nova tese, etc.) , consciência esta que é um reflexo ou "superestrutura" das
contra a qual se levanta mais uma antítese, seguindo-se outra circunstâncias econômicas da vida. O que há de mais impor­
síntese, e assim por diante. Esta série de conflitos vai condu­ tante e fundamental na vida humana, para Marx, são as reali­
zindo o universo a um aperfeiçoamento incessante mas sempre dades concernentes à produção dos bens materiais. Os meios e
relativo e instável. as técnicas da produção determinam ou condicionam as relações
O sistema de Hegel é o idealismo absoluto. Para êle a Idéia sociais e jurídicas, a ordem moral e as próprias crenças religio.
é a única realidade, entendendo-se pelo têrmo "idéia" não uma sas. Daí o caráter relativo atribuído a tôdas as ideologias. Não
representação intelectual - fenômeno da consciência - mas a há uma verdade absoluta, como não há um critério objetivo de
totalidade do ser. Identifica o "real" ao "racional" e o "racio­ moralidade e justiça.
nal" ao "real". Dêsse idealismo há um passo para o materialis­ Um exemplo daquela influência decisiva da infra-estrutura
mo, ou melhor, em certo sentido, idealismo e materialismo se econômica nas relações humanas e nos sistemas sociais está nas
equivalem. O que é a Idéia para Hegel será a Matéria para, transformações do regime de trabalho. Ao moinho movido a
Marx. Assim, a história, na concepção hegeliana, é o desenvol­ braço humano corresponde a escravidão. Ao moinho de água,
vimento do Espírito universal no tempo; para l\1arx tornar-se-á a servidão. E ao moinho- a vapor, o capitalismo. '
o desenvolvimento da Matéria universal. O materialismo histórico e econômico aplicado ao estudo
Depois da morte de Hegel, seus discípulos dividiram-se em da formação social dos povos faz com que esta · seja explicada
dois grupos. De um lado, a "direita", interpretando a doutrina pela idéia da luta de classes. As classes oprimidas levantam-se
sôbre a racionalidade do real e as concepções religiosas de Hegel contra as opressoras, e isto dá a Marx a chave para explicar tôda
num sentido conservador. De outro, a "esquerda", com uma in­ a história.
terpretação revolucionária. Para os primeiros, se o real é racio­ Assim, no caso da escravidão antiga víamos a classe dos se­
nal., deve ser conservado; para os segundos, se o racional é real, nhores constituindo a "tese" e contra êles a classe dos escravos,
cumpre tornar racional a realidade, transformando-a. que era a ''antítese". A luta terminou pela "síntese" do feuda­
Feuerbach foi um dos principais partidários da esquerda lismo.
hegeliana. A seu ver a realidade em evolução não é o espírito, Com o feudalismo, aos barões (tese), se opõem os servos
mas a matéria. Assim estabeleceu uma ligação da filosofia de e também os moradores das cidades em luta pela sua autonomia
Hegel com o materialismo científico do seu tempo, lançando as (antítese), daí resultando uma nova síntese: o capitalismo.
bases do materialismo dialético. Opondo-se ao Cristianismo e À classe dos capitalistas burgueses, proprietários dos meios
à idéia de Deus, caiu num humanismo radical ensinando que "o de produção, se contrapõem os proletários, isto é, trabalhado­
humano é o divino". Nas suas famosas teses sôbre Feuerbach> res explorados e alienados, que não têm mais do que a fôrça de
84 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO
85
trabalho. Esta fase corresponde a uma situação criada pela má­ pérfluo podem desfigurar a vida espirit .
ua
quina a vapor, surgindo a síntese final da sociedade comunista. mem, mas nem as podem gerar n em d-et l e_ Intelectual do ho-
. · de l'\llarx vem d erm1nar " 1s
Há, pois, consoante essa teoria, uma evolução regular e ne­ Se a filosofia . o ide a 1.isn10 · . ·
.
germânicos, a sua doutnna econôm i e do matena 1ismo
cessária da sociedade, conduzindo, através da luta de classe, até ro
ao comunismo. O comunismo libertará o homem da escravidão sica inglesa, derivando de noções e,ta�:l� _ c�de da escola clás­
odas por Adam Smith
e de tôdas as alienações, cabendo ao proletariado, no desempe­ e Ricardo. O Capital traz por sub•' cI tu 1o·
Política. Tanto nessa obra como F>m · Cr't·z zca da Economia
nho da sua missão messiânica, realizar essa suprema libertação. - outrns escnt · os de sua au-
toria, Marx, ao examinar o sistema cap . �-
Mas - é o caso de se perguntar desde logo - por que a so­ por êl e m es itah sta , o faz tendo em
vista sobretudo a situação, - mo presenc1a . .
ciedade comunista será síntese derradeira? Por que o processo . .
mdustnal na Ing1aterra em meados do s , da, da v1 d,J
da evolução dialética na vida dos povos não há de continuar? eculo XIX
Dominava então incontrastàvelment - ·
Perguntas que nos fazem atingir uma contradição do mar­ e O liberalismo econô­
xismo destruidora do próprio sistema.
mico. Não se encontrara e nem rres º :11
se
para as tensões oriundas do antag�nismo procurava uma saída
Se tôdas as ideologias são reflexos da ordem econômica, e operariado. Acelerava-se a concer:.tração entre � patronato e o
por isso mesmo transitórias, entãô o marxismo é um reflexo das vimos, teve prosseguimento nas décadas s do_ cap!tal, que, como
. .. - da proprie da eOo-ui
. ntes, mas M arx nao -
relações econômicas da sociedade industrial européia no século prevJ.u nem a d 1v1sao de corng·
. m d o a acu mulaçao -
XIX e não poderá prevalecer. Se, pelo contrário, o materialismo das riquezas, nem o melhor amento das .
co
histórico pretende ter um valor em si mesmo, determinando o nem o desenvo1v1mento · do sindinlism o ndiçoes - do tra balho,
e dos contratos coleti-
sentido da sociedade do futuro, então neste caso nem tôda ideo­ vos na Inglaterra e em outros países.
logia é mero reflexo da estrutura econômica. Há teses marxistas que não resiste
m ao exame dos fatos
Marx parte do fato de que as necessidades fundamentais, ocorridos depois de Marx, razão pda _
· al m u1•-
na vida humana, sãci comer, vestir-se_, obter os meios de assegu­ gumdo Marx em muitos · pontos aba qu ,os soCia · 11stas,
- se-
' nd°naram aque 1as teses, ao
rar a própria subsistência, proteger-se contra as intempéries, en­ mesmo tempo em que as bases filoso'f· c
i as
fim coisas diretamente ligadas à matéria. Aí entram o clima, criticadas por, quantos queriam ir "para do , seu sistema eram
. econômica da m . al e m d0 marxism . o"
a saúde, a produção, o consumo, os t::-ansportes. São os aspectos Quanto a teona
econômicos da vida, que, na visão do materialismo histórico, que só o trabalho dá valor às coisas_ª 7
1 alía,
parte
mesma opmião havia
?ª. idéia de
determinam tudo o mais.
A verdade é que não só de pão vive o homem. Sem dúvi­ 18. Nicolas Berdiaeff, LE MARXISM
da, a necessidade da alimentação é mais imperiosa do que, por Paris: ed. "Je Sers", 1931, págs. 13-lL1 p E ET LA RELIGION,
exemplo, a aquisição de conhecimentos científicos ou a produ­ que o "o marxismo é uma patologia e··n- ou<ler.a o mesmo autor.
ção de uma obra de arte. Mas daí não se pode deduzir que o dade humana, cujas doenças êle reflete- �' uma fisiologia da socie­
p ensamento, a criação artística, a vida moral e espiritual sejam suas considerações, mas as funções sã�
n
ª
uma certa verdade nas
social lhe escaparam" ( pág. 29 ). Refere-s: ormais do organismo
e Sombart (cf. supra, i.a Parte, n. II) e . ªº� �rabalhos de Weber
resultados de um processo de nutrição ou de causas materiais.
Como escreve Berdiaeff, "a sociedade humana não pode existir a
a economia e a vida religiosa "foi �uit�� �ahse da relação entre
sem economia, sem a satisfação de suas necessidades vitais, sem o Marx e corresponde melhor aos co::i.heci e ais P:ofunda que a de
que poderia chamar-se a fisiologia da sociedade. Mas daí não é ficas modernos·. Está cientificamente pro � n�s científicos e filosó­
v
possível concluir que a economia da sociedade faça nascer sua vida determinada pela vida religiosa, poi:i não � 0 que a economia é
espiritual e intelectual, que a fisiologia da sociedade determine o homem, como ser integral, sem a part·P? e 3aver economia sem
rcrpaçao de tôdas as suas
a sua psicologia. Os processos de nutrição, a miséria ou o su- fôrças no trabalho" ( pág. 16).
CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 87
86 J. P. GALVÃO DE SOUSA

i a­
sido sustentada por Ricardo e outros economistas clássicos, em­ Note-se que êle não condena, segundo �m critér o de avali
de explo r ç o d e um cl sse p
ção moral, as diferentes formas a a a a or
bora chegando a conclusões diferentes. _
outra, a começar pela escra
vidão. Coloca-se diante delas como
Tôdas as mercadorias, segund o Marx, não passam de traba­ da evolução humana.
-I?o humano cristalizado. O valor deve se r medido pela quan­ fatos históricos, correspondentes a fases
r ç que impede� o_ desen­
tidade de trabalho, e esta pela dura ção do tra balho, isto é, o Repele, isto sim, as formas de expl o a ão
mesm o a atnbmr uma
tempo necessário a um operário de ha bilidade e atividade nor­ volvimento das fôrças produtivas. Cheg a

QTande missão progressista à burguesi a , classe exploradora po r


mais para executar determinada tarefa. O_ capital é fruto da o surto das fôrças
espoli a ção do proletariado e instrumento de sua opressão. To­ �xcelência , por haver a mesma contribuíd ao

memos o exemplo de um operário que tra balha dez horas por materiais produtivas e da grand� indústria, _
s�m qual não teria
a
r a aurora do so-
dia : em seis horas êle produz o que lhe dá em resultado o ne­ surgido o proletariado nem tena podido raia
cessário para a sua subsistência ; nas quatro horas resta ntes, pro­ cialismo.
ns­
duz um excesso de valor chamado a mais-valía, que vai ao pa­ No momento histórico oportuno, o proletariado, com a co
fôrç dialét ic que se lev nta em
ciência de classe, torna -se
a
trão e f orma o capital. A operação se repete em relação a cada a a a
burgu�s- A conce1 tração do
operári o, dia por dia. A ma is-valia, por sua vez, é utilizada para oposição violenta ao capitalismo , !
f rm mbie nt ;. � pr pic10 para o
um a nova produção e dá origem a uma nova mais-valía , de ma­ capital levada ao máximo o a o a
só qu nd pe ano fic sendo pro­
comunismo marxista. E
a
neira que o capital, nascido de uma primeira espoliação, irá sen­ a o o o r
umen t p despe tar d quela
letário êle pode ser inst r a
do acumulad o cada vez mais, servindo a outras tantas espo­ r o ara o

liações. iôrça revolucionária.


A teoria d o val or-t rabalho é essencial na concepção de Assim se i nstaura a ditadura do proletariado, reforçando os
lYiarx, e no entanto há hoje marxistas que não a admitem. O poderes do Estado nas mãos da cla�se trab alhador , numa fase
a

valor de uma �oisa nã o p�ovém unicamente do trabalho, pois de transição para a sociedade comumst a , sem cl a sse e sem Estado.
depende da raridade da coISa, da necessidade que se tenha dela, Recapitulando, temos:
da sua utilidade, etc. Quant o à noção de mais-valí a, sem nos
a) fundamentação dialética;
determ os n:1m exame m�is_ prolongado, basta lembrar que, no
exemplo acima , se o operano produz o que é necessário para sua b) evolucionismo ;
manutenção em seis horas, isto se dá graças ao concurso do ca­ c) materialismo histórico;
pit al e do trabalho intelectual de di reção. Reduzido a suas pró­ d) lut a de classes;
prias fôrças, o trabalhador precisaria de muito mais tempo. e) teoria do valor-trabalho;
J\,1arx analisa a concentra ção das indústrias e dos capitais nas f) teoria da mais-valí a;
nte;
mã?s de poucos, à qual corresponde, da parte da população ope­ g) concentração do capital e proletarização cresce
rári a, uma proletarização crescente e o empobrecimento das h) tese catastrófica (desab amen to d a o r dem soci al funda­
massas. Trata-se de um fato histórico já indicado na primeira da no capitalismo priv a d o ) ;
p arte dêste tra balho. O capitalismo gera, assim, essa imensa i) visão messiânica da socied ade comunista.
multidão de proletarios cada dia mais numerosa , mais miserá­
vel e mais exasperada em vista do pequeno número de ricos. Pe­
rante uma tal situação diz Marx que a luta de classes, exacerban­
do-se, produzirá o cataclismo em que a atual ordem de coisas
soçobrará para ceder lugar ao coletivism o . 19

19. V. FaUon, obr. cit., pág. 150-152. '

-:.lk.
4. A TÁTICA FABIANA E O TRABALHISMO.

A previsão de Aiarx, segundo a qual o comunis mo, através


da revolução social e mediante a primeira fase da ditadura do
proletariado, devia resultar de um amadurecimento da socieda­
de industrializada pelo capitalismo, não foi confirmada. Nas
diversas etapas a percorrer, em uma evolução regida pelo detei:.­
minismo do processo ºdialético da história, o advento do s;;�f�-
lism;�"i:ipunha o desenvolvimento tla grande indústria. Só en­
tão seria possível esperar o triunfo definitivo d a classe proletá­
ria instaurando a sociedade ideal do futuro. Terminaria assim
a pré-história da humanidade, para começar a verdadeira história.
A implantação do comunismo na Rússia foi um desmentido
a tais ensinamentos. Com efeito, aquêle país estava muito lono·e
de ter atingido o estado econômico d�s sociedades transformad�s
pela grande indústria. Quando Le1_izn e os seus camaradas su-
. biram ao poder e implantaram a ditadura do proletariado, a
Rússia tinha uma estrutura agrária e semi-feudal, estando ainda
numa primeira fase de industrialização. Foi precisamente de.
pois da instauração do regime comunista, que a Rússia entrou
na sua fase de desenvolvimento industrial, alcançando, através
do capitalismo de Estado, a situação que hoje desfruta no mes­
mo plano das potências capitalistas ocidentais, que chegou mes­
mo a superar, a ponto de ameaçar a hegemonia mundial dos Es­
tados Unidos.
Por outro lado, enquanto isso acontecia no antigo império
dos Tzares, na Europa odidental o socialismo tomava novos rumos.
As transformações do capitalismo, conjugadas com reformas polí­
ticas e legislativas, davam margem a que uma espécie de com.
promisso ou conciliação se fôsse estabelecendo entre capitalismo
e socialismo, daí resultando uma penetração gradual dêste últi­
mo nas democracias até então dominadas pelo individualismo
liberal.
Êsse fenômeno, já sensível no período entre as duas guerras
mundiais, tornou-se mais acentuado depois da última guerra. A
91
90 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO

b consi�te na teoria
necessidade dos planej amentos, para fazer face às crises e ao de­ O p onto de p artida � a � outrina f� � ana
oCiahsmo, de Sidney Webb.
senvolvim ento econômico, l evou o Estado a uma interferência da continuidade entre capi tal ismo e s
cio nário u ma conseqüên ­
cada vez maior em di versos setores da vida social. Com a Marx considerava o socialismo revol u
erária e do fraca sso do cap i­
m ult�p�icação das. f unções do Estado e a centralização p olítico­ cia da crescente miséria da classe op
er o p rob le�a da distr �­
-� dmmist rativa_ foi sendo paulatinamente restringida a esfera da t alismo p el a sua incap acidade _em resolv _
gar do capitah�o da �1-
liberdade individua l e das liberdades associativas.20 buição. M as começava a surgir, �m lu
levando o padrao de �ida
sen a, o capitalismo da ab undância, e
Diante dêsse estado de coisas, o ambiente tornou-se favorá­
da s classes menos favor
ecidas . Em face de tais persp ectivas,
vel à expansão de um nôvo tipo de socia lismo, hoj e dominante t e a situa�ão dos tra­
Webb esperava o me lhoramento crescer:i- _ d
em certo_s países europeus, ao p asso que o comunismo, na linha at wa d as riquezas, gr a­
balhadores e uma distribuição mais eqmt
do marxismo -leninismo, aí vem p erdendo terreno, vo ltando suas de trab alho ? u
ç as à legisla ção sôbre sa lários, horas e con ções
di
esperanças para os p aíses latino-americanos e o mundo afro -asiá­ a s, c o mo nas naCio­
impôsto progressivo . Via nestas reform bem
tico: _Por outro lado, a própria Rú ssia que pratica o marxismo-'
nalizações e na admi nistra
çã o pública de indús ias e serviços, tr
-lenmismo es tá adota ndo técnicas e métodos capi talistas . a lismo.2
i
etapas para chegar ao so ci
revol ucionário
Assim vão se ndo disseminadas a mentalidade e a tática dos Dissentiram os primeiros fabianos do método
fabianos, cuj as origens se encontram na Inglaterra. Em 1883 era - agrup ament o
da Federa ção Socia l De mocrátic a de Hyn dman
fundada neste p a ís da M ancha a Sociedade Fabiana, à qual deram ídi t inári s prim e iro p ara
marxis ta - e fornecera m sub s os dou r o
té. d e
s ua adesão Bernard Shaw e Sidney Webb. Pro cede a sua deno­ (1893 ), d ep oi s p a r a o Comi
o IndefJendent Labour Par�y
fin l nt p ra � l P ar tido
Representação Traba lhista
a o tua
minação do r�man� Fábio M1ximoj ..,o Contemporizador (Cunc­ e a � e e
, , p ur d 191 8, f � i n do enca­
Trabalhista , cuj o pro gram e se
ta:or) . A ta uca deste cabo d e guerra consistia em esgotar O ini­ a a a � _ _ ey
diretrizes de Sidn
�i�o J:>ºr meio de retiradas estratégicas, escaramuças e u ma re­ minhado decididamente no sentido das
em vo lumes de
sisteno a prolongada, até consegui r o almej ado tri unfo . N a luta Webb e seus companheiros. Além de publicar
r m t r f rm ação da opinião
com os cartagineses, fazia-os seguir p asso a passo, impedindo-os Ensaios, os fabianos começ a a a a ua na o
l ntes peq n e critos de vu lga -
de receber os necessários víveres e e vitando os comba tes reo-u­ pública através de fôlhas v o a e ue os s

lares. Preconizam os fabianos, em vez da ação direta revolucio­ rização.


nã o se p ode
nária, uma p olítica de conte mpo riza ção p erante a atual estrutura Sem a filosofia d a vida e a tática dos fabianos,
co rab alhismo,
compreender o movimento social ista britâni e o t
capitalista, até se chegar à plena reali zação do socialismo .
em grand e parte por ê le ins
pirado. Mas a sua 1: �uê ncia n�o i f
d de se fez
se restringiu ao Labour Party. Desde �ogo sua ativi � .
nfraq cimen t P r tido Libe­
�?- is. O a
sentir j u nto aos libera e ue o do
�0�110 c�?ciliar O J?lanejamento e a liberdade? É possí v el dada aquela
_
uma planificaçao democratica? Tais têm sido os temas dos estu­ ra l veio confirmar as teses fabianas. Com efeito,
mo, liberalismo
continuidade entre o capitalismo e o socialis
o
dos de Karl Mannheim, traduzidos em várias línguas e obtendo am­ z mais ao s oci li mo, saindo
econômico devia ir cedendo cada v e
a s
pla difusão. Para Schumpeter, em CAPITALISMO, SOCIALISMO E r al cim ento do
DE�OCRACIA, o capitalismo, em virtude do seu próprio desen­ êste daque le como a b orboleta
do casulo. O f o t e
d al di l u ç ão
Partido Trabalhista coincidiu co m a lenta e gra u
sso
vol�i�ento - �obiietudo o desenvolvimento do "espírito de racionali­
zaçao - arruma-se por dentro e se transforma no socialismo. Por d o Partido Liberal.
sua vez, Friedrich A. Hayek, em O CAMINHO DA SERVIDÃO
( edição brasileira da Livraria do Globo de Pôrto Alegre), defendeu
3: tese d� que as · dem ocracia s, através de planificações de tipo socia­ 21. G. D. H. Cdle, FABIANI.SM, in ENCYCLOPJEDIA OF
_
lista, estao se encaminhando para o totalitarismo. SOCIAL SCIENCES.
92 J, P. GALVÃO DE SOUSA

Nem o Partido Conservador escapou à influência, pelo me­


nos indireta, dos fabianos, que contribuíram para difundir a
mentalidade socialista na própria aristocracia. E como escreve
um grande conhecedor da vida inglêsa, "na Inglaterra o triunfo
do socialismo sôbre a organização capitalista da sociedade po­ 5. o SOCIALISMO ENTRE A UTOPIA E A REALibAn
de_rá ser duvido�o e oscilar ainda, em uma ou duas eleições ge­ E.
rais, com as vaolações que sempre cabe esperar das reações das o socialismo nasceu sob o signo da utopia. Todos aq e
massas; porém, salvo uma inesperada modificação, o futuro é les que, depois de Morus, formam a coorte dos chamados � -
.
1 àg1camente . . socta.
socialista, porque o são, ainda que sem o saber, muitos dos con­ listas utópicos, figuram crono na pnm e1ra plana
servadores, assim como o espírito dominante na Inglaterra de · ·
sooahsmo moderno. ' 1 XIX, corpou
N o secu,o -·f·1cou-se O cl do
. '" . a
hoje".22 do socialismo c1enti f ico, mas nem por isso os movime nto1 rna
. ' s so
cialistas' nos diversos pa1ses em que se ma111 .
"festaram v·
, 1erarn
. o entusias
dispensar a utopia para despertar . , . mo dos a deptos
d
seus proocrran1as. e para sair a conquista de novos crentes. F e.
. 01
sempre a utopia o poderoso motor,d� q1:e se serviu a propagan
seu d omm10 sobre as massas.23 da
· ialista para estender o
soc
Os próprios fabianos têm um objetivo final utópico
_
obstante seguirem uma , estratégia de ação indireta e ado� nao
a rem
tàticamente uma pohuc · a rea1 1sta· .24 D·1vergem de Marx .
·
quanto aos m,e�os do que quanto a os f"1ns, e ne'les se reflete O mais
d h Uto-
pismo da Cntzca ao programa e · G ot a, onde se deli neia
urna
sociedade sem Estado e sem classe, realizando ·a felicidade ent
re
os homens.
Daí resulta o anarquismo latente em muitos dos te0, .
.
trabalhistas da lmha _utop1ca, , . observado _P?r Andrew Ea ncos
cker
que enumera os segmntes traços caractensticos dessa tend,enc1. '
· · · , ·
bntan1co: 1 . º) anarquism · o, com o desapare a
do sooahsmo cimento
• autoridade e da coaçao
da - sooa · 1 ; 2 . º) igua
· ld ad e social abs
O 1 Uta;

23. Utopia e mito por vêzes se equivalem . O papel d .


nos movimentos d e massas f01 ob"Je·to dos· conl1ec1·aos ensa ios dem G
. o ito

Sorel, RÉFLECTIONS SUR LA VIOLENCE e E. Cassirer, T E:


H
MYTH OF THE STATE.
24. A preocupação realista nota-se nas pesquisas socia ·8
Beatríce Webb, cujo resultado foi reunido em dezessete vo/ de
No dizer de Co�e (lugar citado), data dêstes trabalhos, c on�m es.
nua.
dos dep-ois por e1a mesma e por seu es poso
, S'd i ney Webb a .
· "
fabiano, orien.
tendo referidas· 'pesqu
22. Ignacio Remando de Larramendi, TRES CLAVES DE LA · 1ismo
tação mais realista do soem isas
VIDA INGLESA, Madrid: Esplandián, pág. 143. versado sôbre a vida e o trabalho da população londrina.
94 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 95,

3.°) estática da sociedade futura qu e, alcançand o a perfeição, A ssim, entre os teorizadores do trabalhismo inglês há uma
atingirá um imobili smo e uma uniformiza ção t otal da vida, an dualidade de concepções sôbre a natureza humana. Distin guem­
Epoch of Rest no dizer de Morris.25 -se n itidamen te os que têm do hom em uma visão de certo modo
Os f�nd amentos dou tri nários do so cialismo, onde quer que ingênua e otimista daqueles p ara os quais a realidade não apre­
_
os pesqmsemos, são de natureza filosófica e mesmo re ligiosa. senta um asp ecto tão risonho, mas antes u ma perspectiva som­
Is to porque as questões soci ai s, no seu sentido mais pro fundo, bria, à cuj a luz bruxoleante mal se pode conceber um estado
são ques tões morais e religiosas , excedendo de m uito o domínio d e f e licidade social neste mu ndo . �stes últimos partem da idéia
restrito da economia, em cuj os limites Marx quis confinar a sua de ser o homem uma criatura decaída, devendo lutar contra as
gênese.26 suas más inclinações, a prevalecerem frequen temente nos indi­
Não admira, p oi s , que em tôdas as questões políticas a cabe­ víduos de maior influência social. Por isso m esmo, o homem
mos sempre por ch egar a questõ es teológicas, como notava Prou­ n unca pode alcançar a sua perfeição neste mundo . É a conse­
dhon no século passado. Em resposta a Proudhon Danoso qüência do pecado original, admitido como fato histórico, pelo
Cortés escrevia o ENSAYO SOBRE EL CATOLICISMO, EL menos de u m modo muito va go, por membros da Igrej a da I n ­
LIBERALISMO Y EL SOCIALISMO, no qual, submetendo ao glaterra p ertencentes ao Partido Trabalhista . Digo de um m o­
esca lpelo de uma análise penetrante ê sse s doi s sistemas sociais,
do vago, e por vêzes "metafórico-", segundo observa H.acker,
que começavam a se defrontar na march a para a conquista das p orque o protestantis mo não mantém a idéia do pecado original
massas , confrontava-os com as verdades f undamentais da R eve­
co m a mesma clareza e o m esmo rigor do dogma católico. De
l a ção cristã, sobretudo no concernen te à nat ureza humana .
q ualquer forma, radica-se nest� i_déia uma visão do homem,
Entre tais verdades está o fat o d o pecado original conside- . quiçá mesmo pessimista , que foi aliás na Inglaterra a de Hobbes,
;,a d o por Andrew Hacker em seu cit ado artigo, onde nos diz: quando dizia ser o homem "u m lobo para outro homem".
um exame dos pressupostos referentes à nat ureza do homem é
Os representantes da outra tendência, pelo contrário, lon ge
vita l para a compreensão d e qua lquer t eoria p olítica , e mes mo
de qua lquer programa prático de ação".27 d e p ertencerem à linha hobbesiana de pensamento, filiam-se _ à
tradicão vinda de São Tomas Morus, o autor da famosa Utopia
dos t�mpos renascentistas. Morus, católico e mártir, canonizado
25. Andrew Hacker, ORIGINAL SIN VS. UTOPIA IN BRI­ pela Igrej a, selou com � san?ue a fideli�a?e aos dogmas_ �a s ua
TISH SOCIALISM, in THE REVIEW OF POLITICS, Indiana: No­ Fé, e com o tal não podia deixar de admitir o pecado ongmal e
tre Dame University, volume 18, n. 2, abril 1956. a corrupção da natureza h umana . M as o seu livro UtojJia,
u ma obra de fantasia política, c ujo, sentido não cumpr e a qui
, :26. Mesmo o materi�l�smo histórico, apesar de repudiar a mc­
taf1S1ca, tem a sua metafisica, procedente do idealismo de Hegel. analisar, era uma verdadeira antecipação da EPOCH OF REST
Por outro lado, A!�rx apresenta a sua doutrina como portadora da de Morris e de u m modo geral das visões da sociedade futura de
men�agem_ de felicidade para o mundo de amanhã, e deifica O pro­ ce rtos teóricos e líd_eres so cialistas, empolgados pela miragem do
letariado, Julgando-o capaz de criar uma ordem social de valor abso­
luto e não meramente rela �i�o �s condições econômicas do tempo, "paraíso na terra".
como foram as_ oi_?'ens s ociais mstauradas pela aristocracia feudal Em oposição à postura mental dos que pressupõe m a natu­
e pela burguesia liberal. Isto já foi dito acima, e vem daí afoma­ reza humana debilitada pela queda, êstes acreditam no ap erfei-
rem Berdia�ft e ou�ros. autores que o marxismo é uma religião.
�7. Cita o articulista estas palavras muito significativas do tra­
balhista C. E. M. Joad, da Universidade de Londres: "O pecado que ficamos constantemente desapontados. Caí1:1 ºs. vítimas _d� um
original _ expressa uma visão profunda da natureza humana. É por­ .
obscuro otimismo, a nos fazer pensar que o mile1110 de fehc;dade
,
que mmtos de nos, educados n a esquerda intelectual, o rejeitamos, está às portas".
'9 6 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 97

ç o�mento incess�nte do homem. A mesma posição f oi a do libe- Partido permaneceu no govêrno. O refôrço da autoridade e a
_ ·
ralism
. o na era vitonana, a era da prosperity , qu ando o evo1 uoo- dilatação da esfera de ação do Estado, também r ecomendados
.
nismo spencenano formula va a lei do progresso i ndefinido in- p or Laski, desviam-se do anarquismo e m esmo do igualitarismo
terpretação sociológica da histó ria da humanidade corres�on­ inerentes à linha de p ensamento da Utopia.
d�nte ao estado �e espírito oriundo do dese nvolvimento indus­ Trata-se do mesmo problema q ue surgiu na Rússia após a
tnal e das conqu istas da ciência naquele t empo . implantação do regime c omunista. Dia a dia foi sendo forta­
Ness': estado de espírito situa-se o novelista H. G. w ells, lecido o poder do Estado e acentuado seu caráter totalitário, ao
q ue ?:'eve u�a 1:ª'? de super-home ns, vivendo numa sociedade mesmo tempo em que se formava uma categoria bem difere n­
planificada cientificamente· A dose de utopi·a nos 1i· vros ele ciada de cidadãos, c onstituída pelos dirig entes do Partido, os
Wel'.s :,, bem s ensível, tan to mais qu e se trata de uma literatu'fa altos funcionários, os chefes militares e os técnicos de indústria ,
d e ficçao. Bas:a lembrar os t emas de suas novelas, como, por em contradição com o igualitarismo preconizado na doutrina.
exemplo, A MAQUINA DE EXP,LORAR O TEMPO, para ter
· do, que sej. a essa men talidade de crença nas possibili- Na Ingla terra, necessidades práticas do govêrno e da admi­
uma i· de, ia
nistração não permitiram que o prog rama delineado por alguns
�ades do ser human�, uma ve z c�ntrolado pela ciência plani­ teóricos de grand e influência no Par tido Trabalhista fôsse cum­
Lcadora. Bem sugesnvo, n ess e sentido, o tí tulo de um dos livros
prido integralmente, sem falar das conseqüências decepcionan­
d o mesmo Wells: ME N LIKE GODS. No fundo' o que o sooa-
ris1:°o pr etende e' sempre essa deificação do homem, numa ten- te s que as nacionalizações por vêzes trouxeram.
O Times de 15 de maio de 1951 observava o seguinte: "os
ta tiva que faz pens �r n� tentação dos nossos primeiros pais p ela
boca da s erpente : , s ereis c om o deuses". homens e as mulher es que, em 1945, acreditaram com tanta con­
fiança que tinham a chave do futur o, descobrem ag ora, após cin­
TiVells é, no socialismo britânico, o mestre- escola da classe
_ co anos e meio de cruel exp eriência e desilusão, que o Par tido
me, dia, e a classe operária t em também o seu doutrinador' Robert
Trabalhista não abri u nenhuma porta para a terra prometida".
Blatchford. Hostil ao Cristianismo, Blatchford nega expressa-
. . E o trabalhista Paul Hend erson c onfessava: "Era magnífico nos
mente o �ecado ongmal e no seu livro GOD AND MY NEIGH-
primeiros tempos. Nós nos deixávamos ficar nas esquinas para
BOUR, citado por Hacker, diz que o pecado não existe . dizer aos trabalh ad ores q ue a nacionalização lhes traria uma no­
D e Owen a Wells a linha da Utopia acompanha O desenv ,,,- oJ -
· · . va justiça, responsabilidades n ovas, um mundo nôvo. Eu amei
v ime nto do sac10hsmo britânico, rem on ando mais longmqua-
t
cada ins tante daquela época. Mas o desgôsto está em que nós
m ente a Morus e chegando em n ossos dias até Harold LaskZ.· LS " _ t ivemos desde então o poder durante s eis anos e me i o, e desco­
'1 · mo, profess or uni ersitári o e oráculo da ala esq uerda do
te u _u _ � brimos que a nacionalizaç ão dos meios de produção e de comér­
Partido Traballusta, deixou vários livros de ciência pol'itica . e, cio n ão traz a resposta a todos os problemas, como acre ditáva­
.
· ei· to c onsti· uc1onal. D epois da últim a guerra, escreveu as RE-
dir 1:_ m os antes".28
_
F�EXoES SOBRE A_ REVOLUÇAO DO NOSSO TEMPO.
, É o que explica também o recuo da política de centraliza­
nao escondendo sua simpatia pela experiência sovi· e' tic " a e pre-
· . . � · ção planificadora em outras exp eriências socialistas. Um caso
comzando uma plamficaçao de tipo col etivista.
frisante, para exemplificar, está no fato de haver o govêrno da
Note-�e: a respeito, uma par ticularidade imp ortante : a socie-
Tchecoslováquia, dian te do fracasso do dirigismo econômico,
dade plamfica d a do f uturo, como a concebem Os s oo• a1ist · as, r e-
.
que� ur�a forte centralização po lítico-administrativa. o Estado
pre�i�a ra contro _Iar tôd a a vida s ocial, idéia esta inspiradora da 28. Marcel Merle, LE BEVANI.SME, OU LA CRISE DU
poht _1ca das nacio nalizações de�endida no Parlamento pel os tra­ PARTI TRAVAILLISTE, in REVUE FRANÇAISE DE SCIENCE
balhistas e p osta em prática nos seis anos durante os quais 0 POLITIQUE, vol. IV, n. 1, janei�o-março, 1954, pág. 110.
98 J. P. GALVÃO DE SOUSA

c
�n�eder, a tít l o experimenta l, liberdade a empresários indus­
u

tna1 s para produzirem se a ndo a lei da oferta e


. u
da procura n m
regime de e onomi. de m r ado q e faz aquêle
b u
c
� a c
país retornar,
u

p el o menos em parte, ao sistema do apitalismo


privado. Por
c

� tro lado, n� comércio, os �ode


u
_ los e os preços começam a ser
fixados de a ordo om as so i itacõe
c c
• s dos freg eses e n-ao ma1s 6. SOCIALISMO, PLANEJAMENTO E NACIONALI­
· . l c
u
p 1 �s s1mp les deter maçõ es dos omis s�rios do govêrno. Na ZAÇÃO.
;- _ :n c

a0 , o ontro le das fazendas oletivas em sido


11cultma c

dando-se aos amponeses par elas de terra em


c
relaxado,
t

c c
pequenas areas Será o socialismo inevitável? Estará nele o futuro. dos povos?
para s erem por eles cu l t1vadas .29
A •

É o que talvez se p desse depreender de um exame das ten­


u

dências da noss a épo a. M:as devidamente analisados, os regi­


c

mes o letivistas da atualidade mostram q e o so ialismo esbar­


c u c

ra, na prátic , om obstác os intransponíveis, tornando irreali­


a c ul

záveis o s seus ideais.


Após a última g erra mundia , t do pare ia indi ar o triun­
u l u c c

fo do so ialismo como regime dos novos tempos. Nas eleições


c

inglesas de 1945, o Partido Trabalhista pela primeir vez conse­ a

guia obter maioria absol ta no Parlamento, sendo os conserva­


u

dores, sob a liderança de Clrnr hill, derrotados na paz depois de c

terem ven ido a guerra. Em vários países da E ropa o idental,


c u c

os par idos socialistas se fortaleciam e amp l iavam os seus q adros.


t u

T do isso enquanto a União Soviética imp nha o marxismo­


u u

-leninismo aos se s países satélites da " ortina de ferro", e a imen­


u c

sa pop l ação da China passava a viver em regime com nis ta.


u u

Entretanto, à medida que o tempo vai orrendo e em face c

das difi uldades encontradas, o so ialismo se manifesta in apaz


c c c

d e l evar avante os seus desígnios . Daí o se re uo em al g ns u c u

p íses, o enfraque imento dos partidos so ialistas no tros e a s


a c c u

con ess ões feitas pel os programas de tais partidos ao sistema


c

e onômico q e pre endiam c1bol ir. Entre as "democra ias po­


c u t c

pulares" vemos reaparecer a economia de mer ado e a ivre c l

competição. O socia ismo alemão vai perdendo a sua feição


l

radical de o trora, a ponto de, no Congresso do Par ido So ial


u t c

Demo ráti o de 1959, se ter afirmado o direito de propriedade


c c

dos bens de produção e o princípio da liberdade de oncorrên­ c

cia. A readmissão do l ro omo motivação da atividade agrí­


uc c

29: Repo�tagem sôbre o soci lismo na Tchecoslová


a
cola e ind strial, em países so ialis as, é um dos sintomas mais
Hungn_ , pub�1c da no U. S. NEWS AND WORLD
a a REf�i{ �: u

evidentes de qu n o é ins stentável uma economia plenamente


a t u
c t

28 de Junho ae 1965 ( p. 8 e seguintes). · coletivista.


;

!�
100 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 101

Se o socialismo representa uma tendência que a muitos pode crise econômica muito grave, o Estado ass ume alguma: fu°;çõ�s
parecer irreprimível, isto se dá em vi rtud e d os próprios princí­ extraordinárias para o desempenho d e tarefas de sal�açao publi­
pios cont idos no liberalismo e de condições criadas pelo sistema ca, mas depois, passadas aquelas situa�ões, êle �on�mua a ex er­
capitalista , conforme vimos acima . Daí o impulso do socialis­ cê-las. A tendência é, pois, para um mtervenc10msmo p_rogres­
mo em países como a Inglaterra e a generalização de certa m en­ sivo, com sacr ifício da iniciativa privad� e riscos para a hber�a­
t alidade sociali st a entre os membros de partidos democráticos d e . Ou sej a : quando o Estado põe o pe em algum terren o, nao
não socialistas. o retir a mais.30
Por isso mesmo, o socialismo, onde tem prevalecido e poderá N ão devemos, porém, pensar que se trat_e de um� tendên­
vir ainda a prevalecer, deve ser visto não como expressão de um cia inelutável à qual n ão seja possível fugir. Efetivamente,
mundo nôvo, tal qual o pretendem seus adeptos, mas como liqu i­ DENTRO DOS POSTULADOS DO INDIVIDUALISMO L!­
dação do mundo capita lista liberal. BERAL E DO SOCIALISMO NÃO HA NENHUM CRITE­
A certas pessoas se afigura corresponder o socialismo a uma RIO EFICAZ PARA LIMITAR A �ÇÃO_ DO E:'!'AD�, resul­
necessidade dos nossos temp os, dada a contingência em que se t ando, de tais postul ados uma or:;entaçao pohuc�-sooal em
encontram os governos de hoje , de não poderem fugir ao plane­ antagonismo com a or dem natural e histórica das sociedades hu-
j amento econômico e soci al, p ara atenderem aos problemas da manas . 3i Mas desde que esta ordem venha a ser r estaurada,
·
corrigindo-se a desorganização ori�1:1�ª do libe1:a�i�mo e con du­
hora presente. É o que se verifica particularmente nos países
q ue não atingiram ainda um desenvolvimento normal e naque­ cente, através do socialismo, ao dirigismo t�tahtano, o �st�d�
les onde há uma disparidade muito grande entre o grau de de­ p oderá exercer as suas funções sem que a liberdade dos md1v1-
senvolvimento de umas e outra s regiões. duos e dos grup os chegue a sofrer danos fatai. s.
Além disso, os Estados vêm-se h oje freqüentemente impeli­ Vimos que o individualism? e º, s?cialisn:_10 :e?uzem a so­
dos a p romover a n acionalização de certos bens ou de atividades ciedade polí tica a um agreg ado mo:-gamco de mdiv1duos. Para
econômicas, p or razõ es imperiosas de ordem pública. 0 liber alismo, no seu extremo, que nunca chegou a ser plena-

Não se deve, porém, confundir planejamento ou nacionali­


zação com social ismo . Ê certo que, de um modo geral e dada a
orienta ção político-econômi ca de há m uito tempo predominante 30 o fenômeno foi muito bem analisado por Bertrand de Jou­
n os países ocidentais, q uase não se pode mais conceber a ação venel, �m LE POUVOIR-HISTOIRE NAT��ELLE DA CROI?­
social do Estado senão nos m oldes de um dirigismo de sabor so­ SANCE, Genebra : Bibliotheque du Che".al Ail�, Constant Bourqum
cialista, acaband o por conduzir até mesmo ao totalitarismo. Editeur. No mesmo sentido, vej a-se o citado livro de F. Hayek.
31. Na democraci a de inspir ação liberal apela-se para as garan­
Temos visto q ue a intervenção do Estado na ordem econô­ tias de direitos oferecidas pelas Constituiçõ-�s· e amparadas pelo Poder
mica vai produzindo a seg uinte situação : começando a intervir, Judiciário. Sabemos, entretanto, que tal sistem�, nas presentes co ­
o Estado tende a avançar cada vez mai s, seguind o as vias de um dições, pode ser fàcilmente burlado. �ada mais esclarecedor � re�- �
coletivismo progressivo. Por tôda parte, o aparelhamento do e ·t d que O ocorrido nos Estados Umdos, na luta entre o Presiden­
Estado torna -se mais forte e mais co mplexo. Suas funções, tanto ie ��aJdin Roosevelt e a Côrte Suprema, a propãsito do New Deal.
n os pa íses de capitalismo privado quan to nos países socialistas, A s medida s intervencioni stas preconizadas por aquêl� chefe de �s­
têm crescido consid eràvelmente. O Estado passou a ser o árbi­ t ado foram julgadas' inconstitucionais pel a Suprema Corte, de Ju;tiç_a,
tro ent re o produtor e o c ons umidor, e os interêsses particul ares
mas afinal vieram a ser aceitas com a renovação deste orgao
feita pelo próprio Presidente graç as ao longo tempo �m que, p�r
dependem cada vez mais dêle. suas reeleições, perm aneceu no poder. Torna-s e por :'ezes precan�
Podemos observar ainda que, diante de certas situações ex­ a independência do Judiciário, e a teoria da separaç ao de poderes
cepcionais, por exemplo, em tempo d e g uerra· ou perante uma tem sido desmentida pelos fatos.

____.......__._....,........,......,___L· �
O 103
102 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISM

mente vir a reali­


e as legítimas nacionalizações podem perfeita
�er_J.t: pô�to em pr ática, o Estado deve assegurar as liberdades
md1v1dua 1s, formuladas teoricamente nos te xtos constitucionais, zar-se sem socialismo.
"assim como não é
e cruzar os braços diante das que stões e conômicas, abandonadas N a referida Encíclica lemos o seguinte:
coletividade o que êles
ao livre jô?o da � leis na �urais. O socialismo, pelo contrário, lícito subtrair aos indivíduos e confiar à
as fôrças e indústrias,
p ara rem <:_dia r os mcon vemen s d
� _ í resultantes, preconiza ampla
e a são capazes de fazer com as suas pr ópri
edade maior e mais
mter vençao do Est ado se m limitações garantidoras daquelas li­ da mesma forma passar para uma soci
e s poder iam conse­
be rdades. elevada o que sociedades menores e inferior
v d no e p t u rbação da �rdem
guir, é uma injustiça, um gra e a er
Colocando o indivíduo só e desamparado e m face do Esta­ t d d a sua própn a na­
soci al. Tôda ação da sociedade , e m vi r u e
do, � democracia, na s ua fe ição liberal ou socialista, prepara 0 d - dium - aos seus
tureza, deve consistir em prest a r a j u a subsi
ca�mho p ara o Estado totalitário. Dissolvidos os grupos sociais .
membros, e jamais destruí-los ou a bsorv ê-los"
a � t?nomos, temos de u m l ado os interêsses par tic ulares, dos in­
ao cui­
d1v1cluos, e de outro ? inter êsse geral, representado pelo Estado. E em conclusão: "Deixe , pois, a autoridade pública
. _ f rio s quêl s gócio s d me or impor­
dado de associações i e n
Par� conJ u:-ar os efeitos do conflito entre os i nterêsses indivi­ n e re a e ne
empenhar
duais e o u�t �rêsse da coletividade surge o Estado, i ntervi ndo tância que a absorv am demasiado. Poderá, assim, des
ete, por­
com uma at1v1dade cada vez mais preponderante e absorvente. ma is livre , enérgica e eficazmente o que só a ela comp
confor­
O soci_ alismo, como foi dito de início, tem por característi­ que só ela o pode fazer: dir igir, vigiar, urgir e reprimir,
e todos os
c? _esseno�l exatai:ne�t� essa predominância exagerada da cole­ me os casos e a necessidade o requeiram. Persuadam-s
a rei­
t1v1_ dade sobre os md1v1duos, ou de u ma sociedade maior sôbre que governam que quanto mais perfeita ordem hierár quic
da função
sooedades menores que são por ela absorvidas senão mesmo n ar entre as várias agremi ações, segundo êste princípio
cos, tanto m ior i fl ênci e au tori­
supletiva dos poderes públi a n u a
anu ladas.
o estado de
Para escapar à anarq uia liberal sem cair no socialismo de dade terão êstes, tanto mais feliz e lisongeiro será
_ uma N ação".
Estado nao há outro caminho senão o de reconhecer ao traba­
o Estado e
lho o seu devido �al_or, :orr.io a �ividade de homens organizados O princípio de subsidiariedade vale , pois, para
uo é capaz de
e ?1 estrut u ras p rofiss1ona1s, isto e, em comunidades que os apro­ para qualquer out ra sociedade . Quando o indivíd
ando não, deve
ximam uns dos outros e lhes permitem enfrentar e resolver os fazer alguma coisa, é natural que êle o faça ; qu
ia pode fazer
seus própri_ os p r�ble mas sem precisar recor rer ao paternalismo fazê-la o grupo a que êle pertence. Quando a famíl
_ e imentos; quan_do não p�de,
e statal, mmto faol de se transformar em totalitarismo. A valo­ algo, não há razão para criar imp �
etida a uma sooedade m a10r.
rização �os grupo� �rofissionais e de outras associações e comu­ a tarefa em questão deve ser com
_ , é justo _que realf:c
n ida des mtermedian as, protegendo os indivíduos que delas fa_ Quando o município estiver em condições,
contráno, a regiao
zem parte, levanta bar reiras ao int er vencionismo ilimitado do um determinado empreendimento; em caso
em rel ação à co­
E�tado, permitindo realizar u ma descentralização de funcõe5: ou a província. O mesmo se diga do Estado,
a compõem, atuan­
tais agrupamentos r eservam para si muitas tarefas e O Es,tado munidade nacional com todos os grupos que
.
se descongestiona. do aquêle em lugar dêstes quando fôr necessário
Em vários casos, pode tornar-se l e gítim a a a ção do Estado,
A sociedade, assim, é reconstituída orgânicamente, p assando
rá d s cond ições de cada
o Estado a exercer u ma ação supletiva em relação aos particu­ cujo alcance, maior ou menor, depend e a

lares. país e de cada época.


articulare s não
Eis o qu � sej a o princípio de subsidiariedade, com muita Primeiramente , temos a considerar o que os p
en ã _ empreen­
clareza enunoado pel� Papa Pio _XI na Encíclica QUADRAGES­ são capazes de fazer por suas próprias fôrças, ou � ? ades da
poss1b1hd
SIMO ANNO, e mediante a aplrcação do qual os planej amentos dimentos dispendiosos demais, excedendo as

J,,1,
COMUNISMO
104 J. P. GALVÃO DE Sous� CAPITALISMO, SOCIALISMO E

ação é impos sível em têrmos de


iniciativa privada. É o caso de grandes reprêsas o u estradas dividuai s e coletiv as cuja satisf
obras que vão, além do âmbito de ação d os parti culares e de seu: iniciativa privada.
nalizações. Pa_ra deixar _d�fini-
recursos. Daí os planejamentos e as nac io _
sem cair num regime coletivista e
A in:ervenção do Estado é também legítima quando algun s tivamente a desordem liberal, ­
_ totalitário, cumpre ter
presente o título que justifica a interven
gr�p�s nao se acham em condições de poder atender aos seus da ativid : ad i l: c mp r
ção do Estado em várias e�f�r�s _
soc a o leta
obJetivos, por deficiênci as provindas de anomalias sociais. É dos particulares.
d m1c 1 t1va
e suprir as de ficiências a a
o que oco rre com as famí lias indigentes . Em épocas de crise, os
pode �e_sultar de uma �o�­
grupos se r �ssentem - uns mais, outros menos - podendo d ei­ A boa aplicação dêste princípi � só
ade p lí i , perm:t�ndo a reconstitm­
ce pção orgânica da socied :
o ca
xar de realizar o que normalmente lhes seria acessív el. o Es­ 1d des sooais, como base para
ção e O fortalecimento das comun
a
tado p�ssa a executar certas tarefas pelas quais v em em a uxílio s d E ad o.
uma descentralização das funç õe o st
das sooedades menores enfraquecidas ou desorganizadas.
eita ente nas realidades da
m
Finalmente, �á iniciati�as que não devem pertencer aos par­ T al perspectiva se enquadi:a perf
i era i mo e o malôgr? de certas
.
ticulares po_:que isto pod eria comprometer o interêsse nacional. nossa época, ante o fr acasso do l � � �
-:1 oes �o Estado tem_ s_e mul­
� exploraçao de certos minérios e do petróleo está neste caso exper iências socialistas. Se as atnb1 �
soo ais de ixam de adqmn � uma
figurando -se aí hipóteses nas qua i s a segurança nacional e a inde: tiplicado, nem por isso os corpos _
a afumar sua autonomia em
pendência econô ica do país requerem uma nacionalização.32 pujança cada vez maior, tendendo
. :11 face da estatização crescente.
Assim, o pnncípio de subsidiariedade apresenta os três as­ e, Per Engdahl, a p olíti­
. P ara um autor sueco da atualidad
pectos segumtes: es corpos é a "política do fu-­
ca fundada no fortalecimento dêss
1.0) insuficiência dos particulares em v irtude da própria ça que pesa sôbre o mundo·
turo ". A seu ver a m ais séria amea

1
"conseqüência lógica da de­
natureza d a obra a realizar ; de hoje é a ditadura burocrática,
io , a passagem de funções do
2:º) de_ficiênc i as motivadas por co ndições extrínsecas e aci­ mocracia moderna ". Pelo contrár
rativo significará um cercea­
denta is, em epocas de crise · E stado a organizações de tipo corpo
Estado, que começa a tomar
3.0� rest rições impostas à liv re ação dos particulares por mento à máquina administrativa do
• A v a forma de administ� aç ã�,
exigencias do bem c omum nacional, para atender a razões de proporções gigantescas. Uma �o
ura e serve de . contrapeso as
segur�nça ou para manter a independência efetiva de um povo. independente, nacional, se config
nas democracias contempo-
E certo que o Estado, na missã o de promover o bem comum, tendências para a burocratização
. râneas.33
vai exercendo, e� nossos dias, atribuições cada vez mais a mplas,
por serem tambem cada vez mais numerosas as necessidades in-

32. _Nacionalização é um têrrno empregado freqüe ntemente


para designar o que outros denominam socialização. Êste último
v c�bulo pode dar marg,em a equívocos, trazendo já a idéia de so­
/4 ? \\
�iah�m?. !'1,�s' o fa�o e . que, na linguagem sociológica moderna, t
sociahza�ao quer dizer mtegração social e pode também significar
o fortalec1�ento das pequenas sociedades em face do Estado (cf.
]. P. Galvao de Sousa, SOCIALISMO E CORPORATIVISMO EM ISME, POLLTIQUE DE
FACE DA ENCíCLICA "MATER ET MAGISTRA" especialmen- 33. Per Engdahl, LE CORPORAT
urs, págs. 8 e 17.
te o primeiro capítulo ). .' L'AVENIR, ed. Les Sept Coule
;� rr·-
,t -�--

. ,)

3.ª PARTE

O COMUNISMO OU A DIALÉTICA REVOLUCIONARIA


1. O PROCESSO REVOLUCIONARIO.

Em abril de 1917 um trem blindado transportava o chefe


revolucionário Wladimir Iljitsch Uljanow (Lenin) da Suíça,
onde estava exilado, para a Rússia, através da Alemanha, cujo
Imperador, Guilherme II, fazia conceder garantias ao viajante.
A intenção do govêrno alemão era provocar o colapso dos exér­
citos russos, liquidando assim aquela frente da guerra mundial.
Desde fevereiro ruira o Império dos Tzares, tendo sido procla­
mada a república. O nôvo regime, sustentado por vários parti­
dos democráticos e socialistas, tendo por presidente Kerenski,
enfrentava uma situação difícil: entre os soldados faltava muni­
ção e na retaguarda escasseavam os víveres. Lenin, de raça mon­
gólica, homem de vontade férrea e implacável em suas decisões,
um gênio diabólico da ação revolucionária, e o judeu Leon Da­
vidovitch Bronstein (Trotski), deram o golpe de misericórdia
no regime democrático, que nascera cambaleante, e implantaram
a ditadura do proletariado, concluindo, em princípios de 1918,
a paz de Brest-Litowsk com a Alemanha. A "guerra imperialis­
ta" se transformava em "guerra civil".
Entre Lenin e Trotski houve dissensões, que, depois da mor­
te do primeiro, acabaram por indispor definitivamente Trotski
com o govêrno comunista russo, sendo êle exilado por Stalin e
vindo a falecer assassinado no México, onde fundara a Quarta
lnternacional.
Trotski, adepto da idéia da revolução permanente, julgava,
contra o ponto de vista de Lenin e mais tarde o de Stalin, que
a revolução num só país era impossível. Ou o comunismo russo
desencadearia um movimento revolucionário no resto da Euro­
pa, ou as potências capitalistas terminariam por esmagar o co­
munismo russo.
O Partido Operário Social-Democrata Russo, num congresso
realizado em 1903, dividira-se em duas facções divergindo quan­
to à tácita a ser adotada: a maioria (Bolchinstvo) e a minoria
(Menchinstvo). Estas duas facções tornaram-se dois partidos dis-

_____________..._ .J

·' ; �Ir.
;"-, ,.
. ·� ':/,

110
J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO III
tintos, reivi nd! cand� cad a qual para si
O nome d o Par tido Socia
-DeT?ocrata, vmdo finalmente os bolc l­ executar o pr imeiro plano quinquenal, para reerguimento eco..
hevistas a se denominare'n nômico do pa ís, construindo-se as grandes usinas dos Urais, do
Partido C:omun i sta. Assim davam mai
. or ênfase à sua se ara �o
do tradicw n�l soci alismo moderado ou
Donetz e da Sibéria. Promoveu também a liquidação dos kulaks,
p arlamentar, qu� erZ 0 ou camponeses proprietários, que foram expropr iados, como os
dos menchevi:iu:s _ e �e ou tros grupos
socialistas. Trotski, per­
tence_nte a prinop10 a _ala radical dos c apitalistas o haviam sido em 19 I 8. Foi esta uma das tr ansfor­
mencheviques, tornou-se
dep�is, ao lado de Lenin e Lunatcharsk mações revolucionárias mais profundas, equivalendo, pelos seus
i, um dos chefes dos bol­
chevi stas. efeitos, à revoluçã o de 1917. Ao milhão e meio de vítimas do
O� mencheviques admitiam chegar ao terror e da fome nos primeiros tempos do regime, acrescentava­
socialismo por uma -se agora o grande número de prisioneiros dos campos de con­
ev�luçao �a�ural, ao p�sso que os bolche
vistas queriam a imedia­
ta � nsurreiçao_ pr�letana e a conquist centração e mortos nos violentos expurgos, a abra11gerem chefes
a d o p oder político como
m,e10� de rea h_zaçao do socialismo, militares, dirigentes do Partid o e funcionários graduados caí­
com a posse da terra, d
�ustnas, _das_ riquezas naturais e das n as in­
i stituições financeir as. Foi dos na desgraça.
este o cnténo que prevaleceu na revol A União Soviética tran sformara-se num poderoso Estado
ução de o utubro sob
slogans: "Todo o poder nªos soviets" ' os
. e ,:paz, terra e pão " Os totalitário, aliado ao totalitarismo nazista para a partilha da Po­
soviets eram conselhos de operários lôn ia, e depois em guerra contra o nazismo ao lado das democra­
·, . e camponese , "• dai, 1esu
- I tan-
do as repu, bli' c as soviet icas agregadas na U . R . s. s.'1 cias ocidentais. Desta guerra a Rússia comunista foi a gr ande
_O primeiro período_ do bolchevismo beneficiada, estendendo suas conquistas e passa ndo a dominar,
foi assinalado pelo ter­
ror implantado por me10 da políci com o seu imperialismo, a Europa cen tral e imensas regiões
a pol ític a a Tcheca mais
tarde GPU, depois NKVD e atualme ' asiáticas. Isto era o resultado da famosa conferência de Yalta, e
nte n �1-v' D. e onst.1tu1u · -se
0 _exe , , roto
· .ve�melho como um dos sustent da política alí seguida pelo Presidente Roosevelt.
áculos do reaime. A
cns
: e�onom ica e .ª fome foram os espectros desta fas�, à qual Depois da guerra de 1914 e uma vez triunfante na Rússia,
s: scgmu a nova one ntaçã o da p olítica econ
ômica (NEP)' a ar­
tn_ de 1_921, sendo dada alguma libe o comunismo esteve a pique de obter novos tr iunfo s na Alema­
rdade aos ar tesãos equ!10s
comerciantes, camponeses (kulaks) e n ha e na Itália, chegando a do minar por alguns meses na Hun­
. . cooperativas ope�fr-iãs, sem gr ia, com Bela K.un. Pou cos anos antes da segunda guerra mun­
falar no cham_ am�n ,, t? de capitais e técnicos estrangeir
os. Foi o dial, a Espanha, sob o govêr no da Frente Popular, encaminha­
p on�o de partida d� mdustnalização
da Rússia, intensificada com
:::;n, e des?� e�tao se dizia _que o comunismo eram os soviets va-se decisivamen te para a bolchevização, tendo sido ali desenca­
a eI etnfic a�ao . O Partido Comunista controlava a deada uma das maiores perseguições religiosas da história em to­
- situa-
çao : �ra o �artid o único, ao mes dos os tempos, mas o alçamento de I 936 libertava a quêle país,
mo tempo em que o Estad;>
supnmida a liberdade de i mpren"a preservava a Europa e punha a salvo o Ocidente da dominação
. . . < , manti nha os 3orna1s
oficiais
• • •
ding i a o �en samento e a formaç
• • '

ão da j uventude escolar e e1�'. soviética.


tregava-se a campanha anti -religi A segunda guerra mundial fortaleceu a posição do comu­
osa dos " sem Deus ".
.
. . Depois da morte . de Lenin, ocorrida em I 9?4 - , Sta1·111, subs- nismo em vários países, permitindo-lhe uma grande expansão.
t !·tp1·- ndo-o na secretar ia do Partid • Os comunistas tomaram o poder na Iugoslávia, na Polônia, na
o e n a chef i· a do govern
o, t· ez
Bulgária, na Hungria, na Rumânia, na Tchecoslováquia, na
Albania, na China e em vários lugares da Ásia, sem falar da Ale­
l. John Reed, DEZ DIAS QU
tr�d. 12ortugu�sa, Editôra Fulgor, pref�. ABALARAM O MUNDO, manha oriental, ao mesmo tempo em que a União Soviética an e­
phcaçoes prehminares. ac10 da edição soviética e ex- xava a Lituânia, a Letônia, a Estônia e parte da Finlândia, além
de regiões da Polônia .
112 J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 113

Foi então extraordinàriamente aprimorada a técnica revo­ cumpre remontar às origens do pensament� modem�, isto_ é: ao
lucionária. A ocupação do poder era obra de minorias organiza­ humanismo naturalista da Renascença e a revoluçao religiosa
das atuando sôbre as populações mediante a intimidação, as su­ do protestantismo. A corrente de idéias daí pr�ce_dente gerou a
gestões e as infiltrações até que chegasse o momento do assalto Revolução de 1789 na França e a de 1917 na Russia.
aos parlamentos e aos governos. Quando o último canhão dei­ O lider comunista Thorez, em discurso de 28 de outubro
xava de ressoar, nos campos de batalha da Europa, tinha início de 1937, publicado pelas Edições do Comité popular de p�opa­
a guerra fria, que, na modalidade de guerra psicológica, foi aper­ gandé, reconhece aquela filiação, dizendo: . "Nós, co?1urnstas,
feiçoada por Mao-Tse-Tung, chefe do comunismo chinês.2 somos os discípulos de Niarx e Engels, de Lenin, de Stalm ... dos
Era a guerra revolucionária, estendendo-se por todos os con­ partidários convictos do materi_alis�-º dialético, teoria de van-
tinentes e tendo como centro de irradiação o Kominform, que guarda do proletariado. revoluc10nano. .
em 1947 vinha substituir o antigo Komintern, suprimido nos Somos os herdeiros autênticos e os continuadores do pensa­
anos da guerra por razões de estratégia política. mento revolucionário dos materialistas franceses do século XVIII,
O comunismo é, assim, uma grande fôrça revolucionária em dos grandes Enciclopedistas, êles por sua vez filhos espirituais
andamento. Sua implantação na Rússia deve-se em grande par­ daquele outro grande filósofo francês, J?escartes".
te à política alemã do tempo de Guilherme II e sua expansão Sob tais inspirações é que os comurnstas pretendem dar uma
pelo mundo à política norte-americana de Roosevelt, nos fins, explicacão racional e científica do mundo e de sua evolução.
respectivamente, da primeira e da segunda guerra mundial. Para êl�s, a Revolução é redentora, gera o "homem nôvo" e dá
Não nos esqueçamos também de que o bolchevismo do tem­ sentido à vida. Não a revolução como simples derrubada de um
po de Lenin foi financiado por banqueiros ocidentais, e tudo isto govêrno pela fôrça, alteração violenta de um regime político on
nos faz compreender as razões que levaram Fulton Sheen a res­ subyersão da ordem social, rrias com R maiúsculo: a Revolução
ponsabilizar a consciência do Ocidente pelo comunismo russo. tota�, com repúdio de Deu,; e do sobrenatural, de Cristo _ e da
Isto é verdade quer se considere o aspecto político do comunis­ Igreja, ou seja a Cidade terrena de que fala�a Santo Agostmho,
mo, quer a sua filosofia. Quanto a esta última, resulta da mis­ em ::>posição à Cidade de Deus, pretendendo instaurar uma nova
tura de idéias deísticas e ateísticas vindas do iluminismo do sé­ ordem baseada no naturalismo cientificista e no ateísmo.
culo XVIII e também de correntes de pensamento do século O comunismo é a Revolução total, avançando hoje de duas
XIX. As idéias do comunismo são de origem ocidental e bur­ maneiras que se completam, na penetrante observa�ão de um
guesa. O próprio Lenin assinalava que o marxismo procede· da autor argentino: "Avança porque um centro mundial trabalh�
filosofia alemã, da economia inglêsa e do socialismo francês. 3 para. fazê-lo avançar. Avança, �lém �isso, p�rqu� os povo� debi­
Neste sentido, para uma compreensão perfeita do comunis­ litados pelo naturalismo e o hberahsmo, nao somente nao ofe­
mo, como princípio revolucionário e revolução permanente, recem resistência mas ainda se sentem dispostos a lhe dar aco-
lhida".4
2. Tôdas as revoluções· modernas têm sido feitas por minorias
intelectuais e não pelas massas, sempre dirigidas e controladas. É TICA COMUNISTA, Buenos· Aires: Ediciones Tneoría, pág. 9. Na­
o que vem ocorrendo desde a Revolução de 1789. Ver especialmen­ Rússia o marxismo foi adaptado à mentalidade do povo, conjugan­
te Augustin Cochin, LES SOCIÉTÉS DE PENSÉE ET LA DEMO­ do-se com O niilismo, o populismo e o anarquismo ( cf. N. Berdiaeff,
CRATIE MODERNE, Paris: Plon e George Uscatescu, REBELióN LES SOURCES ET LE SENS DU COMMUNISME RUSSE, trad.
DE LAS MINORIAS, Madrid: Editora Nacional, 1955. francesa Gallimard e S. R. Tornkins, THE RUSSIAN INTELLI­
3. Cf. supra, 2.ª parte, n. III. Fulton Sheen, COMMUNISM GENTSIA MAKERS OF THE REVOLUTIONARY STATE, Nor­
AND THE CONSCIENCE OF THE WEST, Brownan and Nolan man: University of Oklahona Press.
Limited, Dublin: The Ri:echview Press, especialmente págs. 7 e 55. 4. Julio Meinvíelle, EL COMUNISMO EN LA REVOLUCióN
Julio Meínviellle, EL PODER DESTRUCTIVO DE LA DIALÉG- ANTICRISTIANA, Buenos· Aires: Ediciones Theoría, 1961, pág. 62.

------------. ..
114 J. P. GALVÃO DE SOUSA

Em_ face de sociedades pertencentes à civilização cristã,


nas qu ai s os homens, em grande parte, não conhecem nem vivem
devidame?t: o Cristianismo, e diante das divisões ideológicas e
do matenalismo prático aí reinante, o totalitarismo comu nista
2. A DIALÉTICA DA AÇÃO.
�va��a tenta?do constru ir u ma nmia síntese em que o homem
mdividual _e i rresponsáve l elo liberalismo seja substitu ído pelo ho­
O secretário geral do Partido Comunista chinês, Liu-Chao­
mem colet i vo sob o contrôle do Estado.
Tchi, escreve: "Nossa Revolução é diferente das outras revo­
. � este scny�o, Stalin, embora admitisse provisàriarnente a luções da história. A revol ução burguesa, por exemplo, acaba
vitória do sooah:mo num só país, inculcava aq u e l a idéja aceita geralmente com a tomada do poder do Estado. Mas para o pro­
p elos adeptos mais conscientes do marxismo-leninismo, a saber, letariado, a libertação e a vitória política significam tão sàmen­
qu e a Revolução dev e marchar para a conquista de todos os te o comêço da Revolução"6
povos.
Por su a vez, Marx, ao anunciar o início de uma era nova
_ Eis as _s uas palavras:
_ "A vitória do socialismo num só país para a h u manidade, com o triunfo do comu nismo, não queria
nao é u � fim em s1. A Revol ução vitoriosa n u m só país não de­ significar com isto uma parada na evol ução dos povos e no di­
ve consi?:rar-se como �ma grandeza suficiente a si própria, mas namismo revolucionário. Esta idéia de uma organização social
um auxi liar ou u m me10 para acelerar a vitória elo proletariado
que dispensasse daí por diante a ação transformadora - u ma
em todos os pa�ses. �ois a vitória ela Revolução num só país_ ordem estática e não dinâmica - é a de alg u ns socialistas como
,
no caso, a Russi a - nao e apenas o fruto do desenvolvimento de­ l.iorris, acima citado, e foi a da "Utopia", de Morus 1
sigual e da desagregação progressiva do imperialismo. Nela se
l\,l.arx afirma que o comunismo é a forma necessária e o
encontram, ao mesmo tempo·, o comêço e as primícias da RE­
VOLUÇÃO MUNDIAL".s princípio energético do futuro, mas é uma fôrça atuante per­
manente e não o fim da evolução humana. Isto por uma razão
muito simples: porque o marxismo é o materialismo dialético
e, na sua linha de pensamento, a Revolu ção não pode deixar de
5. J. Stalin, LES QUESTIONS DU LÉNINISME trad. fran­ ser incessante e contínua. 8
c�sa, Paris: �ditions Sociales, 1947, tomo I., pág. 111. Pel� que tem os
visto, _co1?�ms:no, m�rxismo e b?lchevis_ m o nem sem pre têm a mes­
�� . s1g rnf1 caçao. Sobre os primeiros tempos do comunismo so­ TE,
v1etico, umas das m el hores obras: é a de Wa!ldemar Gurian, EL BOL­ 6. Líu-Chao-Tchi, POUR l!TRE UN BON COMMUNIS
CHEVISMO, em tradução espanhola, Sucessores de Juan Gili Barce­ Paris: Editions Sociales · , 1955, pág. 49.
lona, 1932. Sôbre .a experiência russa, David ]. DaUin, THE REAL 7. Ver acim a, 2.ª Parte, n. V.
et citado
SOVIET RUSSIA, edição em ingl ês da Yale University Press, 1944. 8. Ver a respeito o magnífico trabalho de Jean Ouss págs. 104-
E-LÉ NINI SME , princ ipal ente
à nota 5, LE MARXISM
m
Qu�nto �� �aterialismo dialético - sua história e o sistema da filo­ uito expre ssiva
sofia sovietica - obras fundam entais· são as de Gustav A. We tter, -105. O mesm o autor transcreve esta declaração m
cidos teóricos mar­
D�E DIAL�KTISCHE MATERIALISMUS, Friburgo: Herder, e a do professor Henri L efevre, um dos m ais conhe
xistâs na França: "O marxism o não é portador de um humanismo
pnmorosa smtese de J. M. Boche nski, vertida do alem ão para O cas­ sôbre o proletariado por­
te!l1ano, EL MATERIALISMO DIALÉCTICO, Madiid: Ediciones sentimental e piegas. Marx não se debruçou ssão. . . O marx1s 1'
a opre � :
füalp. Bem atualizados e com farta documentação, o HANDBUCH que êle é oprimido, para l a�·entar su é fraco -. caso de cert�,
não se inter essa pelo pro l etariado enqu anto
D�S WELT�OMMUNISMUS, dirigido por J. M. Bochenslci e G. rnalistas smceros ou nao,
N1.emeyer, Fnburgo - Mun:ch: Karl .Alber, 1958 e Jean Ousse t LE pessoas "c;;ridosas", de utopistas, de pateÇA" (págs. 86-87).
MARXISME-L:f:NINISME, Paris: La Cité Cathoiique, 1960. - MAS ENQUANTO l!LE É UMA FôR
117
O E COMUNISMO
CAPITALISMO, SOCIALISM
116
mo de outros tem­
J. P. GALVÃO DE SOUSA
o internacionali
lo es nacionais e prete indo
s

. a dialé­
nsível como de envolvimento
r

_o ma xismo tem a aç ão revolucionária uma co. ncepç ao - mm­


r

pos, i to t do é compree
d
s

é p erfeita­
ém, para m comu nista
r d
u

to ive a a noç ão corrente "e e-vo1uç ao - e que a sim se po e ex-


tica da aç ão. As im tam
s

fim de
u

e tenh a alia o a H itler com o


d rs d d r s d b
s

plicar. em pouca palavra .· P a1 a o l1 omem co ei1 te, que tem


m nte natural que Stalin e nt ado em
s s d
rr

poi a Rú sia oviética tenha


s

m vi ta m em a r aliza�· uma revo1ução é um meio em vista


e

atacar a P olônia e d
r

,
de um fim' que e, ma oCiedade melhor e uráve l. Ta1 nao er ao s
e

i ta . Tudo é feito para atend


s u b e s s
e s

- e
.
evi e ntem ente a concepç ão do m a x1. ta, pa_ra quem _n ão há bem
guerr a com a Alemanh a naz
u s d

pre são
ária, e a Revol ç ão é a ex
s

a aç ão revol cion
s

obj etiv os
d s u

a ealiza , mas sàmente uma .aç ão : con uzi�. A aç ao ev l ucio­ o incessante da co i .


u

da aç ão, na inâmica o fl x
d
r r d r o as s s

nária não é para êle m m · e10. Êl : ª, esep c omo b ra gigan - itária do


d u

a, a soc i dade i gual


d

A miragem do paraíso na terr


u d o

te ca na qual o homem novo e c n ara e O que imp · o •La e, e n- o deve,


e

. ', n. mundo comu nis ta, t ist


_ 1 10n futuro, a vi ão me iânica do
s

º: ;
s r

a época de
o ud

contrar os meio e ta aç ão r vo a. ª _n h m n na era


s : r�� � e, ª m1�en� ex t�e:11 ª e ro uç ão da
ss

poi , se ent n i o como a int


s
s d s e
i a d d

l\1arx um m io e escolha e
a u

o o ­
d

em que, ma ve qz
e d d

-
r

de plenitu e r volucionária
e d s
dos s bs
a uebr

a total insatisfação da classe p1�letá��;-· N ao e a mf hCida e sh ­


u

. ã -, esta prevalece
e
á, in
do p r leta iado, um fim para o marxi ta, co mo se c:e• gera1 mente, táculo à ma cha a Revol ç
d
e d ao o
a r o r b d

n v ç o c i a-
u o

e uma perpétua e
r d

men possibilidade infinita


o r s s

°
r

ma antes na misé ia o proletariad eSta, um m 10 pa a a aç ão


o a ã r
s d
s
s r d e r s

revol cionária".9 dora .


- - da classe pr l tária l vando
u

Temos assim a revol ç ão pela r vº 1uç ao: ?u aç ao Tal o esultado do movim nto
e

pela a ç ão ,
o e

egundo o ma xi ta
, a ci­
e

. será,
à civilizaç ão do tra alho, que
u e r

sem e tar bor ina a a m fi_m, a va 1ore eucos ou oCia _i . J..,"'


r s s
s

s n cial a
s

- . princípio i n p
b

vilizaç ã o do fut ro, ten do por


s su d d u s s s

u ma concepçao estranh a ,ª p 11?- . eira vi. sta, e talvez ifíci l e c m-


or e s e
irad s

d d o u

preende para quem não e s:ep bem enfronh a o d o sentido da Ação.


ó exi te a matéria, não po-
r d

ia léti ca tal como e Hegel passo a Marx. . , P ara o materiali mo d ialético anto
s

ue permanece, m a enq
s

.
d d u s

Hegel acome te uma tarefa ev l uc10�a:ia no omínios do rém a matéria enquanto reali ade q
s u

d a.
perpetuamente transfo ma or
d
u r o s d

pen amento, elab oran o- uma nova metafi�i " ca· sua m · fl,u • nCi· a expres são e fôrç a num a aç ão
r

em x ste
, - na aç ão material, e o hom
s d s

.
e d

e manifesta na i alética marxista . para a qual_ nª� tem sentido N ão h á existência enão
e i

. " . . pró p ç . A reali­


mente pela ua
d s

aquela expr E
" o vang
" essão - elho . Sim, im; nao, nao". O " im" t ansfo man o-se continua
ria a ão
onde o
s

- . - u cada h mem exe rc . D


d s s
d

po e e nao
r

, � vice-ve r a, egun o a conveniência. s da aç ao. dade humana stá na aç ão q


r
e
, . ão ma­
o

ofi ç
e

t ue o marxi m é a filo
d s r s s d s
e

I to e o que explica certa atitu es que à p ime1ra vi ta po em


a a
conclu i Jean Dauja q
a s d

, as im
o

litar i mo da aç ã mat
s s d r d s
s

parecer inc erentes no c munista , mas que _na �er a e s acham


terial pura, ou s j a, um tota
r
ria l e s

, P la
o

- a .
litari mo da xpan ão vit
o s o s d d e s

pe rfeitamente entro de a concepç ao a d1a letica .


e

como o nazismo- foi um tota


l e

de­
e s

. . st
mem faz a hi stória, endo
d ss d s

Quando, por exemplo, na R,u ia sov1. e, t1ca se fiz ram con- sua atividade material, o ho
e a o s

. e cla s ,
explic ada pela lut
ss e

ces õe à li er ade -re1·ig10sa epoi da ca�pan,ha em p ol do senrola da aç ão p od tora,


es ue
s

stór ia tô a
a q d

. Diz Marx e hi
s s b d d s r u

ras
r

ateí mo, ou quan do para at� d n d é o conflito das fôrças produt


r d
a
Quanto
u

n atureza humana.
s q o

guer a , se apelou p�ra � pat�o:fs; o ;�::�, :�:;ta��o�::i�� :a� ç ont ín


é uma t an form er a transpo iç ão
do
r ua da

pen amento, co n id ra-o m


a ão r
c s

ao movimento do
s
e

mem.
s

ta o para o céreb ro do ho
s

. movimento real, tran p a distinç ão


s or d

9.mesma idéia e"pressa p I. H evre na citaçã o da o marxism o nega


. e�ri Lef, Evolucioni mo inte g al que é, os m arxi tas
É a
i �
no ta anterior. Estas l nhas :ão de �u ona e Jean Daufat, em CON- O q
em e o mal.
r
s

ent e a verda e e o êr o, o
s

pans ·· La. Colo mbe, _ra' g. .,_,6


9 . Trata-se aç ão r -
ue

NAITRE LE COMuUNTSME - I
da e, ma as exigência da
r b
d

de um opúsculo de 40 páa-ina; d diz m não exprime uma ve


r e

ª mterpretaçao do- comunismo


s
1"1
d s
r

marxista e da dialé tica c�mo dif�ici mente se encontrará com igual


1:t e

volucionária.
objetividade e lucidez.

------- ---�------ ___, . . ""


119
O E COMUNISMO
CAPITALISMO, SOCIALISM
118 J. P. GALVÃO DE SOUSA
rádio pelo canto,
pela dança, pelo, ci­
j ornal, pelo cart_az, pelo elo sin­
ul� de estudo , pela escola, p
O idealism o de Marx é, pois, materialismo - idéia tram­ n e ma, pelo teat10'. p elo círc pe s dis cursos,
. l as p aradas 1·udiciári . as '
lo
portada para o plano da realidade materi al - e é também um d icato, pel.o-s des"'files, pe cma, d bai
.
rr , d .
e rua,
a de fábrica, de ofi
e o
pragmatismo ab soluto. D aí o dizer Jacques Duelos que a teoria u
pel�s r, rn s � d m as s 1'. far da personalidade : pouco a pouco
e oe
marxista não é um dogma e s im um guia para a ação. P or sua de imovel, acab a p�r t iun ônomo, e torna-s e
o o Pensamento aut
o homem cede, abdica todf
;i:
vez Lenin: "A teoria revolucionária não é uma dogma, ela se
l1ado" · Nu1na pal avra
forma em ligação estreita com a prática de um movimento real­ • · o per eitamente a1·m
literalmente as alm�s, m�����
e
m ente massiço e realmente revoluci onário ". E finalmente �: t��: :�;::;�: esvazia 1
,ª conce itos. O s marxi stas c
Stalin: "Baseada sôbre uma de te rminada etapa da revolução, a vontades, derrub tod�s o s lectual e moral,
ada n o sentido int
e
tática pod e variar s ucessivamente, s egundo o fluxo e o refluxo, isso "mudar o cerebro ; tom . " 11
o surto ou o declínio da revolução".1º , ·mula é literalmente verdadet ra .
essa f01
vo1 ue1· ona, na · prosse gue implacá-
O primeiro objetivo a atingir, para os comunistas, é colo­ Assim a dialética da ação re
car a luta dialética em tôda parte, em todos os meios a serem in­ v el o seu c urso. .
ípI O er� o V erb o.
filtrados. É preciso introduzir a luta de classes onde ela ainda Ensina o Evangelho : no p rinc
não existe, sem o que não haverá revolução nem progresso . No Goethe dizia: no princípio �r� a Açao. . , . . ao fim .
era,
t -lenm1 t , d p rmc:p IO
P ara a dialética marxi s a s a o
mundo capitalista, sert a lut a entre o proletariado e o p atron ato, _ n l.
ente a Açao m at e
a
a revolta das colônias contra a metrópole, a competição e as di­ é e será sempre e exclusivam
v ergênci as de paí ses diversos indo até à guerra. N a soci edade
p olítica, cumpre aproveitar sobretudo as querelas p artidári<;ts .
Na sociedade religiosa, isto é, na Igreja, a contradição há de ser
introduzida suscitando-se divisões, até mesmo no clero e n a hie­
rarqui a, e pela infiltração nos círculos de estudos de leigos e nos
seminários.
Um testemunha ocular da expansão do comunismo na
China, onde a dialética da ação foi ap erfeiçoada pela estratégi a
e a tática de M ao-Tse-Tung e seus seguidores, traz o s eu d epoi­
mento : "Nesta obra, os sofismas di aléticos atuam em c heio.
Mal prep arados para êste gênero de at aque, as vítimas oscilam,
e acabam renunciando, com a consciência em pleno desgovêrno .
Para ser efi caz, esta tática exige uma contirmidade e uma inten­
sidade sem desfalecimento. É o papel da orquestração, da ob­
sessão, por todos os meios de propaganda ; de dia, de noite, em
família, no trabalho, no repouso, só, em grupo, o indivíduo é
cercado , investid o . Essa investida pelo slogan, pela idéia, pelo

10. J. Daufat, obra citada, págs. 19, 21 e 25. A fómrnla de


que o marxismo é um "guia para a ação" procede de Marx e Engels, ,
NTRA A CRUZ NA CHINA
e segundo Lenin aí está um aspecto essencial que não se deve per­ 11. F. Dufay, . A ESTRtLA CO
der de vista na dialética revolucionária ( Lenin, KARL MARX ET 1954, Editôra Vozes, págs. 64-65.
SA DOCTRINE, Paris: Éditions Sociales, pág. 79).
3. A TECNOCRACIA MATERIALISTA.

Marx distinguia entre o "comunismo cru" roher Kom­


munisrnus e o verdadeiro comunismo ou socialismo. O pri­
meiro consiste na abolição da propriedade privada, para satisfazer
ao desejo de apropriação dos bens materiais como o único pro­
pósito da vida. Inclui a comunidade das mulheres, que deixam
o casamento e caem na prostituição. Da mesma forma, o mun­
do da riqueza, deixando a propriedade privada, entra numa pros­
tituição geral com a coletividade. Um tal tipo de comunismo,
na sua "radical.negação da personalidade do homem", de certo
modo continua a propriedade privada. Esta é destruída pela
in-uefa dos que não possuem e querem possuir, e na inveja reapa­
rece a avareza do proprietário sob forma diferente. De fato, num
caso e noutro existe a cupidez dos bens de fortuna. No regime
da propriedade privada, a competição manifesta a inveja e o de­
sejo de nivelamento contra o grande proprietário. O comunis­
mo cru significa a perfeição dêste desejo de nivelamento. O
verdadeiro comunismo é, segundo Marx, a volta do homem a si
mesmo como ser social, um naturalismo humanista completo, a
solução do conflito entre o homem e a natureza, e a decifração
da história. 12
Êsse naturalismo é bem acentuado na obra de Lenin e nas
realizações do comunismo soviético.
Em tempos de moço, aquêle que se tornou o principal chefe
da Revolução de outubro escrevia, num folheto intitulado "QUE

12. Eric Voegelin, THE FORMATION OF THE MARXIAN


REVOLUTIONARY IDEA, in THE REVIEW OF POLITICS, vol.
12, n. 3, Julho 1950, págs. 275-302. As citações de Marx são tiradas
dos seus Manuscritos: K. Marx, OEKONOMISCH-PHILOSOPHI­
SCHE MANUSKRIPTE (1844), GESAMTAUSGABE, vol. III, págs ..
111-113.

=-�-------------..:. .J
123
122
O E. COMUNISMO
J. P. GALVÃO DE SOUSA CAPITALISMO, SOCIALISM
. a de igua is
à
, com u ma valide z e dignid
FAZER?" e pub lica do em 1902: "Sem teoria r evo lu cio nária não manecer inde pe nde ntes
wa .13 . . o tr m . n f· o
pode ha ve r mo vime nto re vo lucionár io". . . es b e1 c d em 1917' co m
"

O regi11:e so v1e, t1co foi � � �e�isivo fo i desem pe nha do


A teori a em que êle ass entou o mo vim en to co mu nista nã o o.
da Re vo luçao de ou �ubr d.ªP1 e a àisc iplinada or ga nização
e
fo i meramen te u ma dou tr ina co ncerne nte à re vo lução e aos se us , me i 1 t . .
pel o P ar t"ido C omu nista . d o - s e da a na rqtu a
reinante na
a

pro cessos , ou mes mo u ma teor ia do Es ta do ou u m sis te ma de eco­ . A r v 1 n . to-


que Ihe der , a . s ta , o P ar tid
o co nse gu m
o ta
e rr1me t zar i ,
e
nin
.
Le
n o mia . Tudo is to é abran gido numa a mpla cos mo vis ão de s enti­ . de
p
,
Russ1 a a po s q ed d . os e se m qu alqu er espec1e
.
r
d
o
s ar ae a1i a .
u a

do pro funda me nte r evolu cio nár io , nu ma co nce pção da vida hu­ m pr o
a

mar o pod"� r so s , f.01-· _


t:i,

Ass im livre de compromis


e
o s.
e
mana e de seu s fins , em o pos ição irredutível à vis ã o ca tólica do co liga ç ã� _co m o utr�s gTu p
s

qü ê cia d
f e l1eb aa r às' últ imas conse
u niverso e às cre nças tra dicio na is do po vo russ o. -lhe f aolitada a tai e a de
n s o

T a l é a fôrça da ideo logia que s er ve de base a o co munismo e seu i� á:��i;���:�t \ ��� _ política ost e tão em t
i
: s da � ,1: r! �:r��:�
ta l o s eu a lca nce n a sub versão da pr ópria me nta lida de hu man a de qu
. Sta lm sobre i· u do a ide ia
p

- des de a no va estru tura do pe nsa mento de corrente da dia lética e L


o alguma e dev e co n-
he gelia na, em opos ição à lógica tra diciona l, até a os méto dos ma is ::�:e ! pree;� ;ã�,ª��o po d� _to lera; opos içã
. vida 14
tro lar o conJ u nto total da xi s ta-
re cen tes de "la va gem d o cérebro" - qu e daí re sulta uma re ligiã o nd: m do -�ºe, o comu ni s mo mar
da m a téri a ou a a nti-religião . É u m na tura lismo radica l, pre­ C . o nso lidando-se e e xpa - o obstant e div er-
a s or wens , na
-lenirn sta m�nte ve -s�, fie l às , . su " ,';' i " tem
as

c n n-
te nde nd o destru ir o s fu nda men tos trans cendentes da vida hu ma­ 0 ao tit smo e mais r
gências su rgidas , do trotsl.._1� . so viét ica e aC hina verme lha.
e e e

na e re du zindo to dos os va lores ao te mpora l e par ticu larmen te uss 1a


ao eco nômico . te nos de sa cordos entre a ma le na realizaç ão
da­
Os comunis ta� p g ue m n a
�; �: ��t�r nJ ro gres so da c iên­
s

qu ele na tura lis mo , que �roe


ossse

P ara o co munis mo , o ho me m não deve co lo car a sua ma i o r


r

. p
·nd us tr ia l so b a di­
1
ur
é c
s

aspiraçã o na vida fu tura e, e m vez de or de nar a própria exis­ o a sooeda


de pe l t c111
cia tra ns forma nd
a a
· a do E s ta do
.
tência em vis ta da sa lva ção eter na , de ve e ntr egar-se e xclus iva men­ re ça '- o da ma, qu m a buro cr átic . g rama do22 .o C o ng
res-
o Ma 111fes to- p
te ao s negócios dês te mundo, pro cura ndo a reden ção pelo É o que nos faz ver d e 196 1.
Mos cou no a no.
ro
. r eu nido e m
e fetivo dom ínio da na tur eza . D a í a necess ida de de ca da homem s o do Pa rti do C. o mun ista. ro , êst e docu me nto c l ca
a de do fu tu
Se J\1arx a nunciava a so c1ed .
o o
dedicar -se de cor po e a lma ao Es ta do, qu e e ncarna a so cieda de , , d .
o e, ndo rus-
s pre � nt
os leitores di
a nte das rea lida de
· hu mana re dimida . D aí a po litiza ção to ta l do ho mem e o fa to º s:� e m se u
e tt
cornda pe o comum
e s

do Es ta do subs titu ir aIgreja na tarefa de orde na ção ética da vida . so de hoj e


e da ca min ha da per
15
Ta is co nse qüências da ideologi a comu nis ta co nduzem ao Es­ alastr am ento pelo globo .
ta do totalitár io . N a j us ta obse rva ção de Waldemar Gurian, os
RELIGIONS, in THE RE-
regimes de Es ta do to ta litário visa m não a penas à modifica çã o 13 . W. Gw·. zan, TOTALITARIAN . i._ro l952. D o me s m o autor,
das ins tituições po líticas e so cia is, mas a té mes mo a u ma re for ma VIEWOF POLITIC . S,vol. 14, n . 1, 1 ane . 158 e
citada , prmc1palm ente pa, g .
da na ture za do home m e da so ci e da de . "ftles pre te nde m ter a EL BOLCHEVISM , edição
O
s

ciênci a verda de ira e o briga tória da vida hu mana e de seus fin s. 3 j ulh_o 1950 .
177-185, n. , STALIN in .THE RE-
S ão into le ra ntes . P ro põe m-s e a extir par tôdas as ou tras dou tr i­ 14 . W . Gurian, FROMLENIN TO
. 12.
na s e filoso fias . N ã o to lera m ne nhuma limita ção aos s eus desíg­ VIEW OF POLITICS, vol �uest-o foi a mplamente divulgado pel a
15. O doc m to e_m
nios e ao seu poder . Os movime ntos to talitários não co ncebem a o or�g inal no PRA
VDA de 30 de ju lho
imprens a m undial. P ubhca � n o s:rn.ana, no
u en

a duç a o,
· RE LAZIONI INTER-
ne nhu m do mínio da vida fora do s eu co ntrôle ; não po de m a ce i­ de 196 1. Um bo tr
26 de agosto claquele ano.
a

NAZIONALl deMilão de
a
ta r que haja o utras dou trinas ou ins titu ições ten do direito a pe r-
124
J. P. GALVÃO
DE SOUSA
Alé�' de _se referir a tem CAPITALISMO, SOCIALISMO E COMUNISMO 125
mente o nacionalismo" as estratég icos e tat , rco
. s - notada
. , expIora do como a rm .
nos 1:11ov1mentos de lib a de prop aganda chega a usar a expressão "moral comunista", procurando codifi­
ertação nacional e
relacronadas com a "co numer osas que car-lhe os princípios. É dada uma grande ênfase às obrigações
· existência pao'fº' " stões
ica - ·
Comumsta focaliza êstes
. dois temas essenc1a . . o nôvo Mamfesto para com a ideologia que o Partido representa. Neste sentido,
oentI'f'ico e a marcha da 1s.· 0 na turahsm . entre os mencionados princípios do nôv o código moral, está, em
i-evolucão. o
primeiro lugar, "a fidelidade à causa do comunismo, o amor pela
. NA T� RALISMO CIE.NTfFICO
- A soci. eda de
a)
msta, na expenencia sov prátria do socialismo e pelos países socialistas", sendo outro prin­
iética' é uma imen . comu.
lho r, uma tecno-burocrac sa tecnocracr· a, cípio "a intransigência para com os inimigos do comunismo, da
ia materiai'ista. ou me-
- A tarefa da sua edific paz e da liberdade do s povos" (sic) .
acão, pelo Estado total . , .
nao apenas a estruturacã . rtano, si ifica b) A MARCHA DA REVOLUÇÃO - As nov,.as diretri­
, o ela - ordem socra I em novas b a gn zes assim dadas não nos devem iludir quanto à substância da sig­
a te, mesmo a reconstruç ses, mas
ão do homem.
O �a� ifesto expõe os nificação ideológica da revolução russa. Esta continua sendo
. objetivos do , Partido no co
ª. base tecmco-material da
sociedade' a d'rreç�- o d n cernente
sempre a mesma, na aplicação do marxismo-leninismo e da dia­
lética da ação. Enganam-se os que pretendem ver nas conces­
cronal e à planificação . a ec o n omia na.
' ao desenv.o1v1me nto industn· a1 e sões feitas desde o tempo de Stalin um recuo do comunismo no
1 a, ao bem-estar mater - agríco -
ial do povo' as que diz respeito, por exemplo, à propriedade, à família, à pátria
m ocraci. a s ocra . .
hsta' aos p··1 oblemas das
. funçoes do Esta d
. o n a de-
1 mg .
, trc nacronah.dades e e à religião. Da mesma forma, a adaptação da ideologia comu­
· u1s as, a, educação instrucão . • .
' ' crencra e cultu ra que stões nista à conjuntura atual do mundo, objetivada pelo programa
dos parse , . . , '
s socralrs tas en'tre si. as re1 ações de 1961, representa uma nova linha estratégica sem alterar a
Pormenores sôbre organ . . ideologia. O que se deve notar é a preocupação com a eficiência
izacã 1 d.
letras e artes, além de ou tras m;t�/;: i_cal,_ vida _r�ral, espo rtes, da estratégia de penetração e de infiltração, deixando-se para um
d1versas, ar figura
. Mas .º. que cumpre sobretudo destacar é m segundo plano a pregação ideológica.
na dos dingentes comun a plena
istas de estarem despe consciên- A propaganda comunista tem procurado envolver os povo s
maneir · a de conceb ' rtando uma nova ocidentais pela publicidade dada às realizações da Rússia sovié­
Irm er o mu 11d o e a v1 da entre o s I
· 1ar · da era tec iomens. No tica nos domíni os da técnica industrial, do progresso científico
nolóo-t:>ica ' aprese11tam-se
grandes vanguardeiros, os comun·rst�s c e das atividades culturais. Viagens maravilhosas são proporcio­
- reivindicando para s1. o.mo os
na renovaça o da humanid . um pione1n . nadas gratuitamente aos estudantes. A conquista do espaço é
ade · O messianismo sob . smo
Marx e Engels redigiram - �UJ· o sig. alardeada pela imprensa dos mais variado s países, firmando o
o primeiro Mamfesto . no
ga ao seu auge. E ao Comunista che prestígio dos cientistas russos. A viagem de um astronauta so­
. . mesmo tempo se compro -
msmo esta, muito . va que o comu- viético em visita a povos estrangeir os, depois de realizada a sua
lona-e de ser mero sis
suª f.orça dessa espécie tema econômic_o, .
t:,

de "mística" oen pois tira proeza, e a recepção que lhe é prop orcionada em meio a mani­
versão já realizada no - t1'f1 co-n atu r hsta. A in-
maten.a1·ismo de Feuerb
a festações de júbilo, vale mais, para a propaganda bolchevista,
1ouca tentativa de divini , ac h , com a sua do que a pregação doutrinária dos princípios marxistas ou a crí­
zacão do bomem, e apli.
de tecnocráti ca do com cada na socied.:i- tica à estrutura político-econômica do capitalismo.
'
uni;mo.
Daí a importância dada Com reconhecida habilidade vão os comunistas promovendo
elo pro_gr ma �. "fo r
1
c�ncepção científica do
mun� o "' cu a � ase rde ��ção de uma a "guerra psicológica" e dominando os veículos de formação da
o � og rca é
x1smo-1eninismo e da qual se faz 1 o ma r- opinião pública pelo mundo todo. Muitas vêzes utiliza-se de
de é(rca com caráter ace decorrer um s••tema slogans que servem para iludir espíritos incautos: "legalidade",
ntuadamente coletrv1st . . •U
p eculiar
a. O Manifesto "democracia", "respeito à Constituição", "nacionalização'',
"autodeterminação dos povos", "coexistência pacífica".
126 J. P. GALVÃO DE SOUSA

Sendo a União Soviética a maior potência colonialista da


hora atual, arvora-se em defensora dos povos oprimidos pelo co­
lonialismo. Preparando-se para destruir a ordem legal do Esta­
do de direito liberal-burguês, os comunistas, a fim de tirarem
partido de certas circunstâncias de crise política, apresentam-se
como campeões da legalidade e pregam soluções que asseguram o
respeito à formalidade constitucional.
Durante as sessões do Congresso do Partido Comunista em
Moscou, naquele ano de 1961, Khruschev fazia anunciar uma pos­
sível explosão da superbomba de cem megatons. Isto depois de
já explodidas vinte e uma bombas nucleares com transtornos
tais na atmosfera que emanações radioativas puderam ser veri­
ficadas a distâncias muito afastadas dos locais de explosão.
Comentando tais fatos, um cronista internacional pergun­
tava: o que aconteceria se, em vez da União Soviética, os Esta­
dos Unidos se entregassem a êsse tipo de chantagem internacio­
nal? As quintas-colunas, os bandos de inocentes úteis, de neu­
tralistas, de pacifistas, de progressistas e até mesmo de certos de­
mocrata-cristãos, tôdas essas linhas auxiliares do comunismo já
teriam organizado por tôda parte comícios monstros de protesto
e colhido milhares de assinaturas nas diferentes camadas sociais
contra tão inomináveis atentados à paz e à saúde dos povos.
Em meio à orquestração internacional da propaganda, a Re­
volução vai executando os seus planos diabólicos, favorecida pela
"curteza de vistas" e a pouca resistência dos seus adversários.16
A inevitabilidade histórica do comunismo, e do socialismo em
geral, é um mito como qualquer outro. Na descristianização dos f:
povos, nas suas divisões internas, nas instituições desentranhadas
da realidade humana e histórica, estão as causas da fraqueza e das 1,,
vacilações que as democracias ocidentais têm demonstrado ao
enfrentarem o avanço comunista.

. ma
of1c . ae - x Lim.onad,
- Ma
d. _ s. Paulo
16. THE DECISIVE DANGER OF THE URSS IS NOT �·· e impresso na
Êste livro foi. compo-,LO
rua s. Domingos, 15
.
CONSTITUTED BY THE USSR ITSELF, BUT BY THE SHORT­ �
COMINGS AND WEAKNESSES OF HER ADVERSARIES
1
( W. Gurian, artigo citado na REVIEW OF POLITICS, vol. 12,
julho de 1950, n. 3, págs. 387-388). No mesmo sentido, Fulto 11
Sheen, na obra citada, e Walter Lippmann em THE PUBLIC PHI­

1
LOSOPHY.

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