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1
Discente no Programa de Pós-Graduação de Psicanálise: clínica e cultura pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
2
Goldenberg, R. Desler Lacan. São Paulo: Instituto Langage, 2018, pp. 30-58.
A obra de Jean-Claude Milner é de suma importância no diálogo entre psicanálise e
ciência, sua interpretação impacta de maneira bastante profunda o modo como esse assunto é
tratado atualmente. A respeito disso, ele afirma que Freud buscou sustentar sua descoberta
tomando o modelo da química e da física presente no seu contexto histórico. Essas disciplinas
seriam tomadas como modelo de ciência ideal que sustentaria o edifício teórico freudiano.
Todavia, o autor comenta que Lacan não tomou qualquer ciência como ideal, mas, pelo
contrário, buscou mostrar o que há de irredutível no objeto da psicanálise diante dela. Para
Freud teríamos um modelo de ciência ideal, enquanto que para Lacan teríamos um ideal de
ciência que preservasse o que há de específico na psicanálise. O autor comenta o seguinte:
Não faz, portanto, sentido perguntar em que condições a psicanálise seria uma
ciência. Tampouco faz sentido apresentar alguma ciência bem constituída
como um modelo que a psicanálise teria de seguir. Em outros termos, já que
não há ideal da ciência em relação à psicanálise, tampouco há para ela ciência
ideal. A psicanálise encontrará em si mesma os fundamentos de seus
princípios e métodos. Melhor, ela se verá suficientemente segura para poder
questionar a ciência.3
O autor afirma que já que não existe relação com qualquer ideal de ciência em Lacan,
também não haveria qualquer modelo de ciência para ser seguido. Nesse sentido, é no próprio
campo da psicanálise que são encontrados os fundamentos de seus princípios e métodos. A
extraterritorialidade da psicanálise lhe asseguraria não apenas enquanto campo autônomo
diante da ciência, como também essa posição lhe tornaria capaz de interrogá-la.
A partir do método da desleitura podemos questionar se o modo como Jean-Claude
Milner interpreta o diálogo entre psicanálise e ciência é realmente condizente com o que Lacan
sustenta. A extraterritorialidade da psicanálise diante da ciência seria algo sustentado pelo
próprio Lacan ou já seria uma interpretação de Milner? Vejamos o que o psicanalista francês
diz sobre isso.
Ao fazer o seu diagnóstico da situação da psicanálise no ano de 1954, Lacan afirma o
seguinte:
3
Milner, J-C. A obra clara: Lacan, a ciência, a filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996, p. 31.
4
Lacan, J. Situação da psicanálise em 1956. Em: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 492.
Ele comenta que os analistas se colocam numa posição extraterritorial diante da ciência,
assim como argumentado por Milner, mas ele não diz que também sustenta essa posição. Lacan
complemente dizendo que os analistas respodem com um tom professoral o interesse suscitado
pela psicanálise nos campos vizinhos. Passamos para outra citação onde ele comenta novamente
o caráter extraterritorial da psicanálise.
Notamos com isso que Lacan não sustenta uma posição extraterritorial como também
alinha seu programa de investigação no campo científico. Isso possibilita que nossa
interpretação caminhe na direção contrária daquela sugerida por Milner, ou seja, possibilita uma
desleitura sobre o sentido que foi introduzido por ele no texto. O método de desleitura
possibilita que seja realizado o trabalho crítico sobre o modo no qual vem sendo discutida
algumas questões no nosso campo de investigação, mantendo acesso o ambiente de
investigação do campo.
5
Lacan, J. Variantes do tratamento-padrão. Em: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 331.
6
Lacan, J. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. Em: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1998, p. 285.
Ainda resta perguntar qual modelo de ciência que Lacan está buscando aproximação e
o que isso representa para o dispositivo psicanalítico. Nossa investigação prosseguirá o caminho
delineado pelo próprio Lacan7 e utilizará como guia o filósofo e historiador da ciência moderna
Alexandre Koyré.
7
“Koyré é nosso guia aqui, e sabemos que ele ainda é desconhecido”. Ver em: Lacan, J. A ciência e a verdade.
Em: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 870.