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Candido A. C. Gomes**
1. Introdução;
2. O enfoque marxista;
3. O neomarxismo;
4. A "nova sociologia da educação";
5. Os "utópicos";
6. Teoria da dependência;
7. Conclusões.
1. Introdução
O paradigma do conflito, conforme o nome indica, enfatiza os processos dissocia-
ti vos da sociedade. Podemos tomar o exemplo de uma fábrica. De um lado, as
pessoas que nela trabalham participam de vários processos sociais que as mantêm
unidas, trabalhando e aceitando a autoridade dentro de certos limites. De outro,
este grupo apresenta competição entre as pessoas por um sem-número de posições,
possui rivalidades pessoais, tensões entre empregados e patrões, disputas motivadas
por salários, condições de trabalho, etc. Quando a teoria funcionalista focaliza
uma fábrica como esta, enfatiza os meios pelos quais os seus diferentes componen-
tes trabalham em conjunto, o consenso, a interdependência e a cooperação. Até
certo ponto a teoria não esconde os conflitos existentes na organização, mas os en-
cara como problemas que podem ser resolvidos através de processos integrativos.
• As duas primeiras partes deste trabalho foram publicadas por Forum Educacional em seu
v. 7 (2): 3-25, abr./jun. 1983 e (3): 85-104, jul./set. 1983.
•• Doutor em Educação pela Universidade da Califórnia, Los Angeles; professor do Departa-
mento de Educação da PUC/RJ.
Esta explicação, ainda que didática, tem dois inconvenientes. Primeiro, o perigo
inerente a todas as generalizações. O paradigma do conflito envolve uma grande
variedade de posições, de tal maneira que a de~crição feita inclui tendências tão
diversas entre si quanto as abordagens marxista, neomarxista, neoweberiana, a teo-
ria das elites de Pareto e o enfoque ecológico de Park e da Escola de Chicago. Ade-
mais, alguns autores se baseiam ao mesmo tempo nos paradigmas do consenso e do
conflito. Assim, é importante frisar que o paradigma do conflito não é sinônimo
de radicalismo e mudança revolucionária.
2. O enfoque marxista
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timos. Tendo a filosofia idealista de Hegel como sua fonte intelectual mais impor-
tante, Marx inverteu os ensinamentos do seu mestre e substituiu a ênfase hegeliana
sobre as idéias como determinante crucial da história pela filosofia materialista.
2. A história é a história da luta de classes. As classes sociais são os grupos mais im-
portantes da sociedade e se encontram em oposição, com base em sua posição eco-
nômica e interesses divergentes. A história segue, pois, um movimento dialético de
oposição de classes.
Sociologia da educação 25
é necessário um sistema educacional adequado para produzir-se a mudança das cir-
cunstâncias sociais (Marx, 1964).
1. Educação e classe social. Não pode haver educação livre ou universal enquanto
existam classes. Embora possa utilizar disfarces sutis, a escola é o instrumento da
classe dominante. Numa sociedade socialista, a escola deve tornar-se a condutora
da influência do 'proletariado. Lenine, em sua ação pol ítica e seus escritos, atacou
a tradição secular da educação pública moderna, derivada da fase mais tardia do
iluminismo. De acordo com esta tradição, a educação deveria ser colocada sob o
controle de grupos autônomos de intelectuais, a fim de formar uma opinião públi-
ca racional. No entanto, Lenine escolheu para a educação um papel subordinado,
sob controle governamental, servindo à luta de classes através da conscientização
das massas (Lilge, 1978; p.556 segs.). Portanto, tendo sido a educação um meio de
dominação pol ítica no sistema capitalista, cabe a ela servir como condutora do
comunismo, segundo a ótica marxista.
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Uma questão importante é como estes ideais ortodoxos têm sido implementados
em sociedades socialistas. A resposta é difícil, não só em virtude das diferenças
em termos de tempo e espaço, mas também por causa da informação fragmentária
que temos. Várias alternativas mais ou menos distantes da ortodoxia têm sido ado-
tadas, com grau variável de sucesso: trabalho como parte da educação formal;
socialização pol ítica através do currículo formal e atividades culturais; uso de in-
centivos morais, como o prestígio, para professores e estudantes, em lugar de re-
cursos em dinheiro; universidade orientada para matérias técnicas, visando à inte-
gração com as atividades produtivas da economia; administração popular de esco-
las; emprego de trabalhadores como professores; experiências com pessoal escolar
de tempo parcial em geral, isto é, indivíduos que tenham duas ocupações, uma no
sistema educacional e outra fora do mesmo; combinação de recomendações polí-
ticas e seleção baseada no mérito, etc. (cf. Bastid, 1978; Carnoy e Wertheim,
1978; Hawkins, 1974; Lilge, 1978; Price, 1977; Wald, 1978).
Todavia, tais medidas de pol ítica educacional, como as demais, enfrentam obstá-
culos e contradições entre os valores que as norteiam e a respectiva prática. Parece
que as demandas de mão-de-obra qualificada e as exigências do desenvolvimento
econômico em geral, como a eficiência, são os mais sérios obstáculos às pol íticas
socialistas. A insuficiência crônica de mão-de-obra, particularmente de pessoal ci-
entífico e técnico, além da escassez de recursos econômicos na Rússia, durante o
período de Lenine, levaram à manutenção de um sistema educacional dualista. No
período de Stalin as escolas voltaram a" ser livrescas e a enfatizar graus e exames
(Lilge, 1978; p.561 segs.). Nos anos 60 os padrões de desigualdade no acesso à
educação superior, relacionados ao nível de escolaridade, ocupação e aspirações
dos pais, continuavam a ser um assunto politicamente muito importante na
URSS (Dobson, 1978). Em Cuba, a demanda de mão-de-obra especializada, se-
gundo Carnoy e Wertheim (1978; p.583 segs.l, levou a uma tendência elitista, em
virtude da seleção baseada no aproveitamento escolar para certas escolas secundá-
rias que, por sua vez, conduzem à universidade. Segundo aqueles autores, esta ten-
dência pode facilitar a autoperpetuação de uma elite através da educação. Na
China, algumas contradições foram identificadas e analisadas por Mao Tsé-tung.
Uma delas se expressava na oposição entre capacidade técnica e fidelidade pol íti-
ca, que levaria à necessidade de !ntegração entre a consciência pol ítica e a aq uisi-
ção de conhecimento. Quando a fidelidade pol ítica predominava, o antiintelectua-
lismo e as prioridades sócio-pol íticas tomavam lugar. Quando a capacidade técnica
predominava, os critérios b"aseados no desempenho e no mérito eram enfatizados.
Períodos alternados podem ser identificados numa visão panorâmica da história
recente da educação chinesa; em uns existe forte tendência à busca da competên-
cia têcnica, do conhecimento teórico e à centralização administrativa. Em outros,
Sociologia da educaçaõ 27
como o da Revolução Cultural, tal tendência é substitu ída por uma inclinação à
fidelidade pol ítica acima da competência, à valorização do conhecimento prático
e à descentralização administrativa (Hawkins, 1974; Bastid, 1978).
3. O Neomarx ismo
Bourdieu e Passeron têm escrito uma obra bastante variada sobre os meios pelos
quais os fenômenos culturais e a educação formal reproduzem as características
básicas da estrutura social e do sistema de poder. Tem sido dada atenção especial
a um fato já mencionado, quando tratamos das sociedades sociaiistas: a herança da
cultura de geração a geração (Bourdieu e Passeron, 1964). No entanto, o trabalho
mais importante dos dois pesquisadores para a sociologia da educação é La Repro·
duction: éléments pour une théorie du systeme d'enseignement (1970). Um dos
temas deste trabalho é o meio pelo qual o ensino superior transmite privilégios,
aloca status e infunde respeito pelo status quo. Segundo os autores, numa socieda-
de estratificada os grupos e classes dominantes controlam os significados culturais
mais valorizados socialmente. Tais significados simbólicos medeiam as relações de
poder entre grupos e classes.
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Um dos mais importantes conceitos da obra de Bourdieu e Passeron é o de capital
cultural, que se refere à competência cultural e lingüística socialmente herdada e
que facilita o desempenho na escola. Este conceito é usado no sentido de bens
econômicos que são produzidos, distribu ídos e consumidos pelos indiv íduos. O ca-
pital cultural, obviamente, não é distribuído eqüitativamente entre os grupos e
classes sociais, de tal modo que as possibilidades de sucesso na escola são também
desiguais. O currículo, através de sua ênfase à abstração, ao formalismo, à palavra
oral e escrita e a outros aspectos, limita as possibilidades dos estudantes. Aqueles
que dispõem de uma grande quantidade de capital cultural são bem-sucedidos, en-
quanto os demais enfrentam barreiras, em virtude déi descontinuidade entre a esco-
la e o seu background. Ademais, existe uma auto-seleção baseada nas aspirações
- e que está relacionada às oportunidades objetivas - de tal modo que parte dos
estudantes não consegue atingir os níveis mais altos de escolaridade.
Não existe também um simples determinismo nas relações entre o sistema educa-
cional e a estratificação social. Como o primeiro tem capacidade auto-reprodutiva
e interesse na proteção do valor de mercad? do capital cultural, o sistema educa-
cional mantém uma autonomia relativa. Em conseqüência, ele pode resistir com
êxito a reformas inconvenientes aos seus próprios interesses. Além disto (e em par-
te por isto), pode haver falta de sincronia entre o sistema educacional e as deman-
das do mercado de trabalho.
De acordo com este ponto de vista, pelo qual o capital cultural é similar a um bem
econômico, Bourdieu e Passeron estudaram as estratégias adotadas por diferentes
classes na França desde a II Guerra Mundial: a) a nova classe média, que tradicio-
nalmente possui pouco capital cultural, está investindo muito da sua riqueza em
educação e, por isto, demanda preparação profissional do sistema escolar; bi a eli-
te intelectual tradicional defende as artes iiberais e se manifesta contra a orienta-
ção profissionalizante das universidades; c) as frações dominantes da classe alta in-
tensificam a acumulação de capital cultural (de que já são ricas), a fim de competi-
rem com a nova classe média.
Sociologia da educação 29
Como outros autores, Bourdieu e Passeron têm ampla orientação marxista, mas
possuem também outras fontes teóricas, como Weber e o funcionalismo, conforme
Lourau (1971; p. 173 segs.) e Swartz (1977) assinalam. O modelo de estratêgias de
classe para a reprodução do capital cultural e o investimento em educação está ba-
seado na visão weberiana de estratificação social: esta é um continuum e não uma
estrutura fraturada, onde classes dominante e dominada se opõem. Esta parece
ser uma abordagem teórica mais compat ível com uma sociedade onde os estratos
de assalariados são ricos em diferenças e onde as credenciais educacionais são im-
portantes componentes do modelo de sucesso.
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trabalho é baseada no mérito. Critérios falsamente objetivos, como o OI e as no-
tas, disfarçam o fato de que o sucesso está fortemente relacionado à classe social.
Há de fato, alta correlação entre OI e sucesso econômico, mas quando a classe
social é controlada, o OI exerce apenas uma fraca influência sobre a renda (Bowles
e Gintis, 1978). Portanto, tais critérios servem à legitimação da ordem social.
Bowles e Gintis têm recebido inúmeras críticas. Sarup (1978, p. 172 segs.) assina-
lou a contradição das suas diversas fontes de teoria e metodologia. Apesar dos seus
princípios marxistas, eles têm uma visão estrutural-funcionalista de sociedade. A
base lógica de sua epistemologia é o positivismo, sua metodologia é o empirismo e
sua ontologia é determinista. O método estatístico é tratado como um procedi-
mento neutro e amplamente utilizado como apoio aos seus argumentos. Por outro
lado, a correspondência entre relações de trabalho e relações de educação é meca-
nicista. Por fim, seu modelo passivo e determinista do homem é um dos fatores
que tornam difícil a explicação da mudança radical da sociedade.
Karabel e Halsey (1978) escreveram que mesmo Bowles e Gintis, sofisticados pes-
quisadores, não estão imunes à tendência de apresentar formulações marxistas que
são apenas equivocadamente comprovadas por evidências empíricas. Um exemplo
é a relação entre hierarquia e eficiência, que pode ser bem mais complexa do que a
visão dos dois autores. Além disto, a atribuição das desigualdades educacionais e
da divisão hierárquica do trabalho ao capitalismo exige análise mais profunda. As
ra ízes das desigualdades vão muito além da propriedade privada dos meios de pro-
dução, como o caráter hierárquico da educação e do trabalho em sociedades como
a da URSS, tem demonstrado. Karabel e Halsey afirmam que na URSS existe forte
relação entre economia e educação, sob a égide de uma política explícita de plane-
jamento de mão-de-obra. Assim, a abolição do capitalismo não assegura necessaria-
mente a emergência de um sistema educacional não hierárquico.
No in ício dos anos 70, a chamada "nova sociologia da educação", criada por um
srupo de sociólogos britânicos, fez uma crítica aos modelos de input-output para a
análise das relações entre educação e estratificação social. Foi então proposta uma
nova abordagem, voltada para o conteúdo da educação e o funcionamento interno
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da escola. O curr ículo foi considerado como uma seleção de conhecimentos, apro-
vados pela sociedade e distribu ídos a diversos grupos sociais em dosagens diferen-
tes (Young, 1971). A primeira etapa da seleção consistiria da escolha dos conteú-
dos da cultura considerados necessários e adequados aos estudantes. Com base na
sociologia do conhecimento, tais autores afirmaram que toda sociedade define o
que é conhecimento e não-conhecimento. Portanto, há diferentes padrões de
conhecimento aprovado, que pode ser inclu ído no currículo. Além disso, o conhe-
cimento é dividido em setores de status mais e menos aito, de tal forma que o cur-
rículo é estratificado em matérias segundo o seu prestígio. Assim, as matérias de
mais alto status estâ"o associadas a maiores recompensas e tendem a ser reservadas
aos alunos "mais capazes". O conhecimento de elevado status, de acordo com a
hipótese de Young (1971a), tende a não ser relacionado com a vida diária e a ex-
periência cotidiana. Além da seleção e estratificação dos seus componentes, a or-
ganização do currículo é também importante. Bernstein (1977) distinguiu hipote-
ticamente dois códigos educacionais, isto é, princípios subjacentes que modelam
o currículo, a pedagogia e a avaliação. São eles o tipo justaposto (collection type),
com estrutura rígida e formas fechadas de classificação, e o tipo "integrado" (inte-
grated type l. com estrutura flex ível e formas abertas de classificação. A classifica-
ção se refere ao grau de rigidez da fronteira entre os conteúdos. A estrutura se re-
fere ao grau de influência que professores e alunos têm sobre a seleção, organiza-
ção e pedagogia do conhecimento, bem como a rigidez da fronteira entre o que
pode e o que não pode ser transm itido na relação pedagógica. Estruturas rígidas
fazem do conhecimento educacional algo que não é comum e que dá destaque a
quem o possui. Em certos casos, uma fronteira flexível entre a educação e o
conhecimento cotidiano é reservada aos alunos considerados menos capazes.
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Lawton (1975, p. 58 segs.) advertiu contra os perigos do relativismo. Se a própria
racionalidade é questionada, temos que indagar como tal questionamento pode ser
feito sem o uso de métodos racionais, o que é uma contradição.
Apple (1978, p. 42) advertiu para o perigo de afirmar que todo o conhecimento
transmitido pela escola é conhecimento ideológico, uma vez que tal afirmação
pode ser também mais uma assertiva ideológica. Esta observação é muito significa-
tiva, pois evidencia o risco de radicalismo das posições de Young. Se tudo é consi-
derado relativo, a própria afirmação de que tudo é relativo pode ser considerada
relativa. Se tudo é considerado ideológico, esta mesma afirmação pode ser conside-
rada ideológica.
Bates (1978) assinalou que o maior problema é que Young levou seus questiona-
mentos muito além da sociologia do conhecimento, incluindo questões epistemo-
lógicas relativas à validade do conhecimento, ou melhor, desejou localizar episte-
mologias dentro de grupos sociais particulares. Com isto, ele evitou o problema
mais geral da objetividade e confundiu crença com conhecimento. Em outro arti-
go, porém, Bates (1980), ao examinar obras posteriores de Young, concluiu que o
autor lançou as bases para a superação do relativismo.
5. Os "utópicos"
Vários autores, apesar de não serem sociólogos, têm trazido importante contribui-
ção aos estudos sociológicos da educação. Eles não podem ser adequadamente in-
clu ídos em nenhuma das correntes anteriores, tendo em vista, entre outros as-
pectos, sua diversidade de fontes teóricas. Mas eles têm em comum a falta de inte-
resse na validação de suas propostas através dos métodos das ciências sociais. Além
disto a viabilidade de suas propostas tem levado alguns a classificá-los como "utó-
picos" (cf. Paulston, 1977). Dentre tais autores destacamos IlIich e Freire.
5.1 IIlich
IlIich, um ex-padre católico, tem em Sociedade sem escolas (1973) seu trabalho
mais famoso. Sua crítica compara a fé contemf?orânea na educação à fé medieval
na salvação através da Igreja. Os pa íses pobres vêem a educação como a chave para
superarem o seu atraso, enquanto as pessoas em geral a concebem como o ca-
minho para a realização pessoal e a prosperidade. No entanto, esta fé precisa ser
abandonada, porque ela perpetua as diferenças entre países e pessoas de diversas
classes sociais.
Sociologia da educação 33
lugar dela, é preciso constituir quatro tipos de "redes". O primeiro consiste em
oferecer acesso direto dos estudantes às coisas e pessoas com quem precisam ter
contato. Os setores da sociedade, como a indústria e o comércio, devem, pois, ser
abertos para exploração. A segunda "rede" seria a troca de habilidades, isto é, os
estudantes teriam acesso direto às pessoas que realmente possu íssem as habilidades
desejadas. A terceira seria baseada no contato entre colegas, funcionando como
um sistema pelo qual pessoas de interesses idênticos poderiam entrar em contato
entre si. Computadores facilitariam tais contatos. A última "rede", a dos educado·
res profissionais, seria um meio pelo qual as três primeiras "redes" poderiam ope·
rar e adquirir coerência. Os "I íderes educacionais" ajudariam os estudantes, que,
de outra forma, se sentiriam perdidos no sistema.
Elias (19761, por sua vez, entre outras objeções, escreveu que os pontos de vista de
IlIich sobre o homem são idênticos aos da visão de uma sociedade transcendente
proposta pelos socialistas' utópicos. Seu conceito utópico de homem é uma base
pouca sólida para a crítica da sociedade e de suas instituições. Por outro lado, não
há evidências empíricas de que a escola produza todos os males denunciados pe:o
autor. A proposta de IlIich deve ser aprofundada e não está livre de riscos. Um de-
les seria que muitas pessoas em regiões pobres não seriam capazes de adquirir ha-
bilidades essenciais através das "redes" descritas.
5.2 Freire
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lico, existencialismo e pragmatismo. Freire define o homem como sujeito, agente
da história, em suas relações ativas com o mundo. Ele pode transcender a realida-
de, graças à sua relação com Deus, que é uma relação de liberdade, não de domina-
ção. Porém, o homem pode também acomodar-se ao seu mundo, como um animal.
É a educação que pode ajudar o homem a ser sujeito. Não qualquer tipo de educa-
ção, mas uma educação crítica e dirigida à tomada de decisões e à responsabilidade
social e pol ítica. Uma educação baseada no diálogo e não no monólogo.
Baseado em tais princípios, Freire descreveu as cinco etapas do seu método de al-
fabetização: a) estudo do vocabulário dos grupos sociais a que os alunos perten-
cem; b) seleção das palavras geradoras de acordo com o seu valor fonético e seu
significado social para a situação do aluno; c) criação de situações existenciais típi-
cas daqueles grupos sociais; d) elaboração de guias para discussões; e) preparação
de cartões com a decomposição das famílias fonéticas relativas às palavras gerado-
ras escolhidas. Por exemplo, uma palavra geradora para trabalhadores em constru-
ção seria tijolo. Depois da discussão da situação, os estudantes seriam levados a re-
lacionar a palavra à coisa. Após isto, os alunos decomporiam a palavra e compo-
riam outras palavras com suas sílabas.
Não é possível estudar sociologicamente a obra de Freire sem identificar suas raí-
zes filosóficas. O pensamento social católico é, sem dúvida, uma de suas fontes
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mais importantes. Como Elias assinalou (1976, p.24 segs.l. a ênfase no papel
transformador da palavra tem origem na tradição judaico-cristã. A palavra liberta,
é o meio tradicional para o homem atingir a Salvação. Além disto, a filosofia esco-
lástica se reflete nas visões de homem, animal, natureza e cultura. Mais recente-
mente, porém, Freire tem refletido a influência da teologia da libertação.
Por fim, alguns elementos do marxismo se fazem presentes. Alguns deles são os
conceitos de luta de classes, trabalho do homem como práxis, necessidade de re-
volução, função da ideologia e inevitabilidade da dialética são alguns destes ele-
mentos. A educação é considerada como um instrumento de dominação de classe,
embora a pedagogia liberadora possa ser um fator de mudança social revolucioná-
ria. Como Freire se alinha na tendência humanista do marxismo, tais elementos po-
dem coexistir com o existencialismo (cf. Sartre, 1966, p.194 segs.). A grande dis-
cordância que o afasta do existencialismo se refere ao papel do indivíduo, uma vez
que, para Freire, a liberação e a aprendizagem são atos eminentemente coletivos.
Apesar de atrair inúmeros seguidores, Freire tem também severos críticos. Stanley
(1972), por exemplo, discorda do utopismo inerente à crença no papel mágico que
a educação exerceria em favor da mudança social. Ademais, acusa a obra de Freire
de elitismo disfarçado, uma vez que os educadores desempenham o papel de guias
elitistas, conduzindo as pessoas não iluminadas ao seu destino. Para Stanley, Freire
não parece considerar a possibilidade de que uma parte significativa das pessoas
poderia rejeitar tal liberdade radical em favor de um autoritarismo benigno. Além
disto, há necessidade de refinar a teoria, pois nem todos os setores da população
podem ser alfabetizados simultaneamente, segundo o sentido proposto por Freire.
Griffith (1972), por seu lado, assinala algumas contradições do conceito de liber-
dade. Para Freire a revolução popular, uma vez realizada, tem o dever ético de
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reprimir tentativas de restaurar a antiga ordem social. Não há diálogo com os
opressores, nem liberdade de discordar do novo grupo dominante. Freire não
oferece solução também para a distinção entre I íderes autênticos e inautênticos.
Outro problema é a crença em que aqueles que são classificados como oprimidos
serão transformados em pessoas virtuosas pelo ato de vencerem seus opressores.
6. Teoria da dependência
Um último enfoque não pode ser convenientemente indu ído em nenhum dos gru·
pos anteriores. Trata-se da teoria da dependência aplicada à educação. Embora
tenha algumas fontes marxistas e neomarxistas e, no caso de sua aplicação à
educação, fontes "utópicas", pela sua natureza é mais adequado estudá-Ia separa-
damente.
Foi nesta fonte, entre outras, que se baseou o trabalho de Manfredo Berger
(1976). Após a aplicação do conceito de dependência à sociedade e educação bra-
sileiras, Berger constatou que há uma grande distância entre a teoria e a pol ítica
educacional e entre esta última e a realidade. As limitações do sistema educacional
em termos de oportunidades de educação universal, alienação da escola, eficiência
e capacidade inovadora. são, ao mesmo tempo, fatores e conseqüências da depen-
dência. Este fato enfraquece o poder emancipador da educação, quer ao nível
individual, quer ao nível social. Assim, a capacidade transformadora do sistema
educacional deve ser vista no contexto de suas relações com a estrutura de poder.
Sociologia da educação 37
Berger propôs um conceito de educação em que indivíduos e grupos são conside-
rados como sujeitos e não como objetos de processos educacionais e sociais (aqui
se revela uma influência clara de Freire). Tal sistema seria capaz de produzir mu-
danças sociais. Além disto, a nível de ciência, o autor propõe a "redução socio-
lógica" como meio de superar a dependência, já que ela permite reduzir ou ade-
quar pontos de vista alien ígenas à realidade nacional, quando isto se faz necessá-
rio. Esta abordagem metodológica foi desenvolvida por Guerreiro Ramos (1967),
com base na fenomenologia. Ela enfatiza a necessidade de produzir conhecimento
científico para a realidade de cada sociedade. Isto não implica, porém, atitudes
xenófobas, pois o enfoque dá meios para a transferência da produção científica.
Para isto é preciso distinguir os aspectos imanantes dos aspectos transcendentes à
realidade em que a ciência foi produzida. Os primeiros não são transferíveis,
enquanto os últimos o são.
Uma síntese do pensamento dos principais autores aqui analisados pode ser encon-
trada no quadro a seguir. Cabe lembrar que esta síntese é seletiva e que os autores
não representam a totalidade das correntes do paradigma do conflito.
7. Conclusões
O avanço do conhecimento, entre outros fatores, levou a uma visão bem mais
complexa da realidade. Assim, os anos 80 têm pela frente uma perspectiva mais
rica. Primeiro, coloca-se em questão a singularidade da classe dominante. Haveria
uma ou mais classes dominantes? Ou haveria frações da classe dominante, em com-
petição/conflito, com repercussões diversas e, até mesmo, opostàs sobre o sistema
educacional? Além disto, só as chamadas classes dominantes seriam capazes de
influenciar a educação? Por outro lado, levanta-se a questão de que a educação
teria efeitos tão diversos que poderiam ser favoráveis a uma fração da chamada
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classe dominante e não a outra ou, ainda, desfavoráveis a todas as suas frações (cf.
McGinn & Morales, 1982).
Sociologia da educação 39
Segundo esta ótica, é necessário ver os paradigmas do consenso e do conflito me-
nos pelas suas diferenças (que inegavelmente existem) que pelos seus pontos de
convergência. É imperioso reconhecer que ambos os paradigmas não conseguem
explicar adequadamente nem a expansão da escolaridade, nem as relações entre
educação e estratificação social (cf. Hurn, 1978). Cada um dos paradigmas é sus-
cetível de apontar pelo menos alguns fatores relevantes dos fenômenos aqui es-
tudados. No entanto, o pesquisador paga um preço quando se atém somente a
uma teoria, abandonando outra, que também oferece possibilidades explicativas
relevantes. Enfrentar estes problemas faz parte dos desafios desta década para as
ciências da educação.
Quadro 1
Neomarxistas
40 Forum2/84
(Continuação)
Neomarxistas
Sociologia da educação 41
(Continuação )
42 Forum 2/84
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