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P OLIANDRIA À BRASILEIRA : CONSIDERAÇÕES SOBRE A FAMÍLIA ,

O CONTROLE SEXUAL , O PAPEL DA MULHER E A ACEITAÇÃO DO


DIFERENTE NA TV E NO CINEMA BRASILEIRO

Ligia Mendes Calazans∗

R ESUMO : Este artigo busca investigar sobre mudanças ocorridas na formação da família, no papel social
da mulher e no controle da vivência da sexualidade, do ponto de vista de personagens da ficção brasileira
que vivem em um relacionamento poligâmico, cuja mulher tem mais de um marido ou companheiro. Por
que essas relações têm espaço em nossa sociedade, quais são suas características, quem é a mulher pós-
moderna, qual o seu papel e o do homem, são algumas perguntas que tentamos responder ao longo dessa
reflexão. Para isso, nos basearemos em estudos antropológicos e sociológicos sobre a poliandria, suas
características, ocorrência e dificuldades; sobre a história da família desde sua formação, ainda na pré-
história, até os dias atuais, passando pelos mais importantes acontecimentos históricos que determinaram
as modificações nas estruturas familiares, bem como nos papeis sociais dos homens e das mulheres. De
posse desse conhecimento, analisaremos as relações formadas em seis obras brasileiras da literatura, da
televisão e do cinema, verificando suas similaridades e diferenças, a fim de sabermos o que há de antigo
e de novidade na formação dos relacionamentos neste novo milênio.
PALAVRAS - CHAVE : cinema; televisão; família; relacionamento e sociedade.

Índice Introdução

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 ONA Flor2 , mesmo casada com Dr. Teodoro,


1 Poliandria / Poliginia . . . . . . . . . . 2 D mantém relações íntimas com seu falecido
marido; Darlene3 , além de seu marido Osias, man-
2 O controle da polis . . . . . . . . . . . 4 tém relações com outros dois homens, agregados
3 Mulheres diversas . . . . . . . . . . . . 5 da casa; Karinna4 vive uma paixão conturbada
Considerações finais . . . . . . . . . . . . . 7 com os amigos Naldinho e Deco; Alice5 se diverte
com o casal homoafetivo formado por Osmar e
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 Narciso, enquanto Aline6 divide a cama com seus
dois namorados, Pedro e Otto. Grávida, Suellen7
∗ Universidade Estadual de Santa cruz 4 Personagem de Cidade Baixa, filme de Sergio Machado

(2005).
c 2017, Ligia Mendes Calazans. 5 Personagem da novela Viver a Vida, de Manuel Carlos

c 2017, Universidade da Beira Interior. (2009-2010)


O conteúdo deste artigo está protegido por Lei. Qualquer forma 6 Personagem do cartunista Adão Iturrusgarai. Primeiramente

de reprodução, distribuição, comunicação pública ou transforma- publicadas pela Folha de São Paulo, virou especial de final de ano
ção da totalidade ou de parte desta obra carece de expressa auto- da Rede globo em 2008, e foi transformado no seriado Aline, vei-
rização do editor e do(s) seu(s) autor(es). O artigo, bem como a culado na mesma emissora, em duas temporadas: uma em 2009 e
autorização de publicação das imagens, são da exclusiva respon- outra em 2010.
sabilidade do(s) autor(es). 7 Personagem da novela Avenida Brasil, de João Emanuel Car-
2 Personagem de Dona Flor e seus dois maridos, romance de neiro, 2012.
Jorge Amado (1966). 8 Personagem da novela Avenida Brasil, de João Emanuel Car-
3 Personagem de Eu, Tu, Eles, filme de Andrucha Waddington neiro, 2012.
(2000) baseado em fatos reais.
Ligia Mendes Calazans

não sabe se seu filho é de Leandro ou de Roni, e como o casamento, ou ajuntamento, formado por
os três vivem, harmoniosamente, na mesma casa. um homem e várias mulheres, simultaneamente.
E, Cadinho8 se casa com três mulheres na mesma É, também, displicentemente generalizada e cha-
cerimônia. mada de poligamia, desconsiderando-se o outro
Do ano 2000 a 2012, tivemos pelo menos formato.
seis representações poligâmicas, sendo que em Registros formais de Poliandria no Brasil são
cinco delas, é a mulher que tem mais de um ma- raros, mas sabe-se que sua prática ocorreu em tri-
rido/companheiro. Todas elas de considerável su- bos indígenas que sofreram pouca interferência
cesso da TV e do cinema brasileiro. O que nos dos colonizadores. Por isso da pouca utilização de
chama a atenção, considerando que tais obras são autores brasileiros na investigação de suas caracte-
retratos da sociedade contemporânea. Indepen- rísticas, motivações e formas de manutenção.
dentemente da linguagem ou do formato, a produ- Para os estudos clássicos, há poligamia e suas
ção artística nacional vem, especialmente depois variações, desde que haja coabitação entre os pa-
da segunda metade do século XX e, com mais in- res9 , o que significa haver acordo e partilha do
tensidade neste início de século XXI, registrando mesmo espaço de habitação por todos os envolvi-
modos de relacionamentos diversos daqueles ide- dos. A poliandria é vista como um sistema marital
alizados pela religião ou legalizados pelo Estado e que ocorre, principalmente, por causa da necessi-
arraigados na cultura ocidental. Coincidentemente dade de adaptação ao ambiente em que se vive.
ou não, a justiça brasileira, nos últimos cinco anos,
tem validado uniões, anteriormente, inimagináveis Em conjunto com muitos antropólo-
tais como: a união estável entre pessoas do mesmo gos socioculturais, biólogos evolucio-
sexo e as uniões compostas por mais de duas pes- nistas geralmente afirmam que a po-
soas. liandria é praticada quando circuns-
Partimos, assim, para um estudo que investiga tâncias econômicas, demográficas ou
sobre a história da família, o controle sexual femi- de ecossistema, limitam a habilidade
nino, o papel social da mulher, com enfoque espe- do homem, sozinho, de suportar, ade-
cial na sua participação para a formação da famí- quadamente, mulher e filhos (Levine;
lia contemporânea, a fim de identificarmos as mu- Silk, 1997: 376)10 .
danças no comportamento social e de sabermos da
importância e o papal dos medias para essas trans- Sua forma mais praticada, segundo tais pesqui-
formações. sadoras, já que esse sistema busca evitar a divisão
Para isso, definiremos os modos de Poligamia, de recursos naturais entre diversas famílias é a cha-
traçaremos o histórico da família, falaremos sobre mada Fraternal Polyandry, quando irmãos se rela-
o controle das populações e os artifícios utiliza- cionam com a mesma mulher. Mas há, também, o
dos para isso; pontuaremos os momentos de mo- formato em que o homem compartilha sua esposa
dificação no papel social da mulher na sociedade com parente próximo.
e levantaremos, a partir das personagens citadas Melvyn Goldstein (1976), que no século XX,
acima, as características da mulher e os modos de estudou in loco grupos em três vilas tibetanas, com
família do século XXI. predominância de arranjos poliândricos, viu que
o número de homens e de mulheres era, pratica-
mente, o mesmo, descartando a hipótese de dese-
1 Poliandria / Poliginia
quilíbrio social e, constatando que a situação so-
Poliandria, palavra de origem grega formada por cioeconômica é fator determinante de motivação
poly, que significa muitos e andros que signi- desse arranjo.
fica homens, pouco conhecida e definida, muito Naquela sociedade, a poliandria ocorre por ha-
brevemente nos dicionários de língua portuguesa, ver escassez de terra e por causa da difícil subsis-
como sendo o estado da mulher casada, simulta- tência de todos. De modo geral, as famílias des-
neamente, com vários homens. Poliginia, também ses vilarejos dão preferência ao casamento poli-
de origem grega, poly significando muitos e ginia ândrico, evitando que suas terras sejam divididas
(gynaika), mulher ou esposa, é historicamente a entre os filhos e suas novas famílias, e que o sus-
mais bem aceita forma de poligamia. Configura-se tento de todos fique cada vez mais difícil. Quando
9
www.britannica.com acesso em 4 de outubro de 2012. economic, ecosystemic, or demographic circumstances limit in-
10
Along with many sociocultural anthropologists, evolutionary dividual men’s ability to support women and their children ade-
biologists generally contend that polyandry is practiced when quately (Levine; Silk, 1997, p. 376).

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na TV e no cinema brasileiro

a família tem apenas um filho, não há perigo de di- Sempre quis viver um amor diferente dos modelos
visão de terra, então, mantém-se o casamento mo- existentes, se diverte com suas experiências e tem
nogâmico. dinheiro para bancar suas aventuras. Já Aline é
No Tibete, as regras são bem definidas. Há uma menina saindo da adolescência passando pela
ocorrência de monogamia, poliandria e de Frater- experiência de viver “sozinha”, no centro de São
nal Polyandry. Também são encontrados arranjos Paulo. Ela faz sua vida e suas próprias regras. Já
simultâneos de poliginia e poliandria - em que dois divide o apartamento com um rapaz e precisa en-
ou mais irmãos compartilham mais de uma mulher. contrar outro parceiro. Convence o amigo de que
As relações extraconjugais são toleradas, apenas é mais vantajoso terem um parceiro do sexo mas-
quando praticadas por homens. Nas sociedades culino. Independente, acaba ajudando os rapazes.
poliândricas, geralmente, a organização familiar é Karinna é garota de programa e se envolve com
feita em torno da mãe, pela dificuldade de certeza os dois amigos: Naldinho e Deco. Ela é indepen-
da paternidade, sendo os filhos considerados de to- dente, deixa claro que não recebe ajuda financeira
dos os homens envolvidos (Goldstein, 1976). dos parceiros e que, com seu trabalho, acaba tendo
Comparando as regiões de acordo com o modo remuneração superior. Simplesmente não conse-
de poligamia praticado, para Claude Lévi-Strauss gue escolher entre um e outro e gostaria de poder
(1982), a poliginia é uma forma de organização viver com os dois. Não entende a resistência de-
das sociedades com elevado nível econômico. Em les, já que aceitam que ela mantenha relações se-
contrapartida, a poliandria tem como fator deter- xuais com outros homens. Suellen é a piriguete,
minante a pobreza e a dificuldade de sobrevivên- expressão popular que identifica e classifica a mu-
cia dos indivíduos das comunidades que a praticam lher sem moral nem princípios, interesseira, volú-
(Levine; Silk, 1997). vel e sexualmente livre. Tenta tirar vantagens de
Nas obras brasileiras, a formação das relações todo relacionamento que estabelece. Tem sempre
tem diversas motivações que não apenas a con- vários homens, mas com Leandro e Roni, aquieta
dição econômica: Dona Flor viveu com um ma- e vive uma vida familiar.
rido nada rotineiro ou enquadrado nas normas so- Em sociedades que permanecem primitivas,
ciais. Em seu segundo casamento, reproduz todos em tese, pouco afetadas pela doutrina cristã, a poli-
os quereres da sociedade. Sentindo o peso do papel andria já é um sistema difícil de ser mantido, ape-
que tem de desenvolver, ela se sente sufocada, des- sar da necessidade de subsistência. Como, hoje,
valorizada e sexualmente incompleta. Com as pos- após milhares de anos de opressão, de construções
sibilidades da Literatura Fantástica, ela se entrega de identidade masculina e feminina, e de educação
ao seu falecido marido, que apimenta a sua vida e judaico-cristã, consegue-se esse desprendimento?
lhe dá fôlego para as obrigações sociais, com toda Um ponto levantado, sobre essa dificuldade,
a garantia de permanecer uma benquista “mulher diz respeito à relação de poder. Levine et Silk
da sociedade”. (1997) afirmam que, para haver sucesso em todo
Apesar de viver em situação de pobreza, Dar- e qualquer tipo de poliandria, deve-se haver uma
lene tem uma casa, um marido aposentado, um fi- relação de equidade entre os homens que compar-
lho e um trabalho (mal) remunerado, que dá para tilham sexualmente a esposa. Pois, a partir do mo-
suprir a subsistência de todos. No entanto, por ra- mento em que um deles se sentir superior, desejará
zões alheias à sua vontade, seu marido abriga o ter acesso exclusivo à sua mulher, como é o caso
primo Zezinho: homem prendado e atencioso. So- do triângulo amoroso em Cidade Baixa. Quando
brecarregada de afazeres, Zezinho se solidariza a Deco e Naldinho deixam de ver Karinna apenas
Darlene e conquista sua confiança e carinho as- como garota de programa, se envolvem com ela,
sumindo diversas tarefas ditas femininas. O sexo passam a sentir ciúmes e a competir pela preferên-
entre eles é carregado de pureza e acontece como cia da dama. Outro fator determinante, nessa rela-
uma forma de retribuição à sensível melhoria de ção, é a gravidez de Karinna. O filme deixa enten-
qualidade de vida que ele a proporciona. Já Ciro, der que ela não estaria grávida de um cliente, ideia
seu colega de trabalho, é a paixão de Darlene. que também não passa pela cabeça dos rapazes.
Chega para passar uma noite e vai ficando. Eles Sendo assim, a paternidade seria facilmente des-
têm um sexo carnal, carregado de paixão e prazer. coberta, posto que, por um lado, trata-se de uma
Com seu marido, o sexo é raro e por obrigação ma- relação multiétnica: Deco, interpretado por Lázaro
rital. Ramos, é negro; Karinna, vivida por Alice Brada
Alice vive nas histórias da classe média do Le- e Naldinho, por Wagner Moura, são pardos. É o
blon, Rio de Janeiro. É bonita, rica e descolada. caso, também, em Eu, Tu, Eles, quando Ciro pede

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pra Darlene ir embora com ele, ao sentir que é o da seguinte maneira: na pré-história havia o ca-
preferido dentre os outros. samento por grupos. Homens e mulheres viviam
separadamente e se encontravam para o acasala-
2 O controle da polis mento. Eles se pertenciam livremente. Os filhos
eram criados pela mulher e separados de acordo
No século XVIII, mais do que em qualquer época, com o sexo quando entravam na puberdade. Vendo
o Estado e a Igreja intervêm, fortemente, na vivên- a dificuldade da mulher de se proteger e arranjar
cia da sexualidade e na formação da família. Práti- alimento quando estavam grávidas ou com filho
cas que eram, antes, toleradas e tratadas em aberto recém-nascido, homens e mulheres se unem para
até o início do século XVII, passaram, segundo se protegerem mutuamente, dando início à distin-
Foucault (1988), a serem consideradas "anoma- ção dos papéis sociais entre os gêneros e a uma re-
lias"sociais: lação de interdependência entre eles: homens ca-
çam; mulheres colhem vegetais e cuidam dos fi-
Gestos diretos, discursos sem vergo- lhos. O casamento continuava a ser por grupo e
nha, transgressões visíveis, anatomias não havia sentimento de posse entre eles. Os fi-
mostradas e facilmente misturadas, lhos eram considerados da mãe e de todos os pais.
crianças astutas vagando, sem incô- Por isso, a organização era feita pela linhagem ma-
modo nem escândalo, entre os risos terna.
dos adultos: os corpos ‘pavoneavam’
(Foucault, 1988: 9). Com o tempo, os grupos começam a se fixar
em um território, criando a agricultura e a domes-
Já no século XIX, a conduta sexual a ser se- ticação dos animais. Os homens, que até então,
guida encontra-se engessada e já não dá lugar a ignoravam a reprodução, perceberam que as ove-
tais práticas em ambiente público e estão “cuida- lhas só ficavam prenhes quando o cabrito as co-
dosamente encerradas”, servindo apenas para a re- bria. A partir daí, destaca Badinter (1986), inverte-
produção: se o poder de procriação. A mulher, que até àquele
momento, era respeitada, cultuada e venerada por
Muda-se para dentro de casa. A famí- ser considerada única responsável pela gestação,
lia conjugal a confisca. E absorve-a, passou a ser sexualmente oprimida, devendo es-
inteiramente, na seriedade da função tabelecer relações monogâmicas, e aprisionada no
de reproduzir. [...] o decoro das atitu- espaço doméstico para que não gerem filhos bas-
des esconde os corpos, a decência das tardos. Instala-se a organização social pela linha-
palavras limpa os discursos. E se o gem paterna, o que chamamos de organização pa-
estéril insiste, e se mostra demasiada- trilinear e, o Sistema Patriarcal, que dá plenos po-
mente vira anormal: receberá este sta- deres ao homem sobre a mulher e a sociedade.
tus e deverá pagar as sanções. [...] O Esse sistema é, futuramente, validado e reforçado
que não é regulado para a geração ou tanto pela Igreja quanto pelo Estado e vigoraria,
por ela transfigurado não possui eira, de forma soberana, até a Segunda Grande Guerra
nem beira, nem lei. Nem verbo tam- Mundial. Obviamente, havia exceções à regra.
bém. É ao mesmo tempo expulso, ne- Como a poligamia, por exemplo.
gado e reduzido ao silêncio. Não so-
mente não existe, como não deve exis- A formação da civilização ocidental, entre a
tir e à menor manifestação fá-lo-ão pré-história e durante a Antiguidade, é marcada
desaparecer – sejam atos ou palavras pela proibição da poligamia, mais energicamente,
(Foucault, 1988: 9-10). da poliandria; embora sua ocorrência se faça pre-
sente em todos os períodos da humanidade. En-
Essa é a lógica construída na Era Vitoriana, quanto Engels (2007) aponta a fixação do homem
que permanece em nosso subconsciente e que es- em um território, o inédito acúmulo de riquezas e
morece a cada dia. Contudo, nem sempre foi as- a preocupação com a paternidade como fatores de-
sim. Saímos da liberdade sexual para o controle terminantes dessa proibição, Fustel de Coulanges
sexual feminino e daí partimos para o controle do (1998) atribui à Religião Doméstica a fonte limi-
sexo de forma generalizada. Baseada nos estu- tadora das ações humanas e organizadora das po-
dos de Friedrich Engels (2007), Fustels de Cou- pulações, criando leis que moldaram o desenvol-
langes (1998) e Elisabeth Badinter (1986), a his- vimento do magistrado, das cidades e do Estado.
tória da família pode ser contada, resumidamente, Entretanto, a poliginia continua a ser praticada em

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algumas situações e sociedades, como descreve a que quer. Alice é sondada por Osmar e convidada,
pesquisadora Danda Prado: por ele e seu companheiro, a participar da vida do
casal homoafetivo. Ela gosta da ideia e aceita o
No caso de uniões polígamas, há um
convite. Ou seja, nessas representações os arran-
"status"definido para cada esposa em
jos familiares têm a mulher como organizadora ou
relação às outras. As mulheres são
ativa participante nas tomadas de decisão.
freqüentemente favoráveis à poliga-
mia quanto aos homens. A mulher,
serva, sobrecarregada de serviços, de-
3 Mulheres diversas
seja uma companheira para dividir
seus encargos (Prado, 1979: 40). Todo um processo de modificações na construção
Além do motivo da subsistência, Michel Fou- e na vivência da família, fez com que as mulheres
cault (1985) nos descreve uma forma de polian- desempenhassem diversos papéis em seu meio e
dria, ocorrida no século XVII. Naquela época os em seu tempo (na maioria das vezes, acumulando
arranjos familiares em que o homem compartilha tarefas), tendo que se adaptar e readaptar às mais
sua esposa com o irmão ou com parente próximo variadas realidades e condições. Na Pré-História,
eram comuns. Nesse caso, o homem se ausenta por por exemplo, a mulher tinha por função sobreviver
longo tempo de casa para guerrear ou fazer nego- e cuidar de seus descendentes. Quando em relação
ciações e, "empresta"sua esposa, a fim de manter de complementaridade, sua função é cuidar dos fi-
suas terras, status e/ou títulos, revezando, com seus lhos e fazer a coleta de grãos e vegetais. Com a
parentes, o lugar de provedor, tanto na tarefa de instauração do Sistema Patriarcal, ela tem o dever
administrar a propriedade, como no direito de ser de cuidar da casa, da plantação, dos seus perten-
"cuidado"pela mulher. O marido legítimo garante, ces, da domesticação, de cuidar e de prover, sem-
assim, a segurança dele e de todos – o nascimento pre, filhos legítimos ao marido (Badinter, 1986).
dos filhos é festejado sem que a investigação da pa- Com a Religião Doméstica, ela deixa de ser pro-
ternidade seja necessária, pois o que importa é que priedade do pai para ser propriedade do marido e,
tudo esteja em família. Neste exemplo, a mulher posteriormente do filho primogênito. Acumula a
tem um marido de cada vez. No entanto, parece obrigação de casar virgem e de ter filho legítimo
haver um acordo, uma harmonia entre os homens do sexo masculino (Coulanges, 1997).
envolvidos em tal arranjo. Durante a Idade Média, a Igreja se incube de
É curioso notar que em toda a pesquisa rea- manter o controle, de construir novas identidades
lizada a respeito do tema, a mulher nunca é res- e de reprimir práticas em torno do sexo e do ca-
ponsável pelas relações estabelecidas. Elas eram samento. Segundo Stuart Hall (2005), uma im-
obrigadas a cumprir as determinações dos homens, portante ruptura com os ideais medievais se deu
geralmente de acordo com a situação socioeconô- a Renascença e o Iluminismo, que marcou, na fi-
mica do momento. O que vemos, atualmente, nas losofia e nas artes, o fim da Idade Média e início
relações apresentadas na literatura, no cinema e na da Idade Moderna. Com isso, houve o surgimento
TV , é uma mudança significativa na participação do chamado “indivíduo soberano”, visto como o
da mulher ao constituir esse tipo de relação. Pra motor que pôs todo o sistema social da moder-
começar, todas elas são financeiramente indepen- nidade para funcionar, culminando na Revolução
dentes. Em segundo lugar, estão no centro das to- Francesa, que dá início à Era Moderna, simboli-
madas de decisão. Por exemplo: Dona Flor é a zando, para Badinter (1986), o fim do patriarcado
mais famosa professora de culinária e sustenta Va- e do poder da Igreja, espalhando o ideal de Liber-
dinho – seu primeiro marido. Após o segundo ca- dade, Igualdade e Fraternidade:
samento, continua trabalhando e, mesmo em con-
flito entre ser uma mulher respeitável ou adúltera, A soberania popular nasceu do parri-
não resiste às investidas de Vadinho. Darlene é cídio. Matando o rei-pai, o povo, por
bóia-fria. Ganha pouco, mas tem o seu dinheiro. muito tempo considerado menor, ga-
Mostra-se bastante articulada frente à necessidade nha a autonomia do adulto. Para isso,
de manter todos os homens na casa e no relaciona- foi preciso guilhotinar o soberano em
mento, cuidando de todos os filhos. Aline é sem- praça pública... Realizado o ato, a
pre quem comanda a situação. Seus namorados derrubada dos valores tornava-se efe-
têm postura obediente, mesmo quando contraria- tiva. O tríptico Liberdade, Igualdade e
dos. Suellen é uma mulher independente e só faz o Fraternidade substituiu o antigo: Sub-

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missão, Hierarquia e Paternidade (Ba- liberalizam-se as restrições. Outro


dinter, 1986: 170). exemplo clássico: o apelo às mulheres
(solteiras ou casadas) para que parti-
Período igualmente importante foi a Revolu- cipem da luta, ou apoio clandestino
ção Industrial, que encerrou o Feudalismo, alte- em caso de revoluções, guerras, do-
rando toda forma de relação com o trabalho, dando mínio estrangeiro etc. Nessa hora,
início ao sistema Capitalista. Esse novo sistema evidentemente há o afrouxamento das
econômico e de produção termina por absorver limitações impostas às mulheres, na
mulheres e crianças no mercado de trabalho. Ape- sua vida particular e pública (Prado,
nas com a Primeira e a Segunda Guerra Mundial 1979: 170).
é que se modificam, terminantemente, os lugares
de ação da mulher, com o deslocamento massivo Na década de 1960, a invenção e a populari-
de homens para os fronts de batalha. Ela se torna zação da pílula anticoncepcional, proporcionam a
chefe de família, passa a ocupar lugares ditos mas- não obrigatoriedade da gestação e revolucionam o
culinos, entra em contato com o mundo sindical comportamento sexual das mulheres. A Guerra do
e político e descobre seu prazer e sua capacidade Vietnã traz forte mobilização artística e social que
para o trabalho. Alteram-se não apenas seu com- se espalhou por todo o mundo, pregando a paz e o
portamento e sua perspectiva de vida futura, mas amor entre os povos; o amor livre, transformando
também, os modos de formação da família, como de vez as formulações familiares, o poder dos pais
nos confirma Michelle Perrot (2005): sobre os filhos e a vivência da sexualidade. Pela
primeira vez, o sexo deixa de ser visto, ao me-
Elas descobrem novos espaços de li-
nos pela mulher, como instrumento de procriação
berdade. Tornam suas roupas mais le-
e consequente aprisionamento, para ser um instru-
ves, vivem de maneira mais rápida,
mento de prazer.
circulam mais livremente, dirigem
Caem por terra os discursos fundantes da hu-
ambulâncias e motocicletas. A pres-
manidade: a Igreja, o casamento, os conceitos de
são da vigilância familiar afrouxou-
homem e de mulher, a família; as amarras sociais
se. As conveniências atenuaram-se
são, ideologicamente, desfeitas na chamada Era
diante dos horrores da guerra. Os
Pós-Moderna. Surgem as identidades e os indiví-
rituais de noivado, tão prolongados
duos, cada vez mais fragmentados.
na Inglaterra vitoriana, desenlaçaram-
se na emergência. O encontro amo-
O que está acontecendo hoje é, por as-
roso e sexual foi apressado, transfor-
sim dizer, uma redistribuição e realo-
mado pela obsessão pela morte (Per-
cação dos “poderes de derretimento”
rot, 2005: 438).
da modernidade. Primeiro, eles afeta-
Apesar de toda essa mudança, com o fim da II ram as instituições existentes, as mol-
Grande Guerra, faz-se pressão para que a mulher duras que circunscreviam o domínio
retorne ao lar. Sinal de que a ideologia patriar- das ações-escolhas possíveis, como os
cal, em que o homem deve prover o sustento da estamentos hereditários com sua alo-
família, ao mesmo tempo em que a mulher deve cação por atribuição, sem chance de
manter-se, exclusivamente, ocupada com os deve- apelação. Configurações, constela-
res domésticos, permanecia: ções, padrões de dependência e in-
teração, tudo isso foi posto a derre-
Com freqüência, num mesmo grupo ter no cadinho, para ser depois nova-
social, transformações políticas ou mente moldado e refeito; essa foi a
culturais determinam a repressão de fase de “quebrar a forma” na história
uma autonomia anterior, já adquirida da modernidade inerentemente trans-
pelas mulheres daquele meio. Ex: gressiva, rompedora de fronteiras e
após as guerras, as catástrofes coleti- capaz de tudo desmoronar. Quanto
vas etc., a natalidade é estimulada, a aos indivíduos, porém – eles podem
maternidade é tornada quase obriga- ser desculpados por ter deixado de
tória, limitando a escolha autônoma nota-lo; passaram a ser confrontados
da esposa. Aos poucos, essa neces- por padrões e figurações que, ainda
sidade tornando-se menos premente, que “novas e aperfeiçoadas”, eram

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tão duras e indomáveis como sempre bico, Leila e Rafaela (duas empresárias bonitas e
(Bauman, 2001: 13). de sucesso), formado pelas atrizes Silvia Pfeifer e
Christiane Torlone, por má aceitação do público.
Para Stuart Hall (2005), o feminismo, que Apenas quinze anos à frente, temos, por meio das
emergiu nos anos de 1960, marco da Modernidade personagens estudadas, não apenas a aceitação do
Tardia, questionou a distinção entre “público” e público como também, significativas modificações
“privado”, contestou politicamente a família, a se- no nosso entorno. O casamento civil entre pes-
xualidade, o trabalho doméstico, a divisão domés- soas do mesmo sexo foi reconhecido pelo Estado
tica do trabalho, o cuidado com as crianças etc., e os cidadãos têm conseguido regularizar, juridi-
enfatizou a questão das construções simbólicas de camente, seus relacionamentos com mais de uma
identidade e de gênero, questionou a diferença se- pessoa ao mesmo tempo, obtendo os mesmos di-
xual e a ordem social apoiada nos binarismos (ho- reitos que os cidadãos casados conforme as nor-
mem/mulher, negro/branco, hetero/homossexual, mas da família nuclear.
entre outros).
Em conjunto com todas essas modificações, vi-
Considerações finais
vemos, hoje, o ápice da Revolução Tecnológica
que, além de potencializar essas mudanças, tem al- Com esta investigação sobre a história da família,
terado nossa relação com o tempo e com o espaço, sobre o controle sexual e papel social da mulher,
imbricando, à velocidade dos pulsos elétricos, as pudemos identificar as diferenças que há na vivên-
mais diversas culturas e modos de vida. Os modos cia da poliandria hoje, em comparação com o pas-
pelos quais intercambiamos informações em tex- sado. A questão econômica já não é determinante,
tos, em áudio, em imagens paradas ou em movi- visto que as personagens femininas são indepen-
mentos, têm revolucionado cada canto do planeta. dentes. Não há, também, status ou terra para ser
Afetamos e somos, constantemente, afetados por defendida. As motivações parecem girar em torno
seus conteúdos. da satisfação pessoal ou da carência afetiva dos
A tv, fundamental ferramenta de consolidação indivíduos ditos pós-modernos. Percebe-se, tam-
da Nação Brasileira, vem, ao longo de cinco déca- bém, o desejo da mulher de não se sentir apri-
das, se firmando como o principal meio de infor- sionada em um relacionamento tradicional a dois
mação e entretenimento, tendo grande importância (homem-mulher) que se tornou sinônimo de sub-
na manutenção dos modelos sociais e no enquadra- jugação. A mulher pós-moderna do mundo capita-
mento da sociedade. Por meio das novelas da Rede lista tem seus direitos (ao casamento, ao divórcio,
Globo, por exemplo, por serem as mais acompa- à propriedade, à herança, à pensão, etc.) garanti-
nhadas pelos telespectadores brasileiros e já trans- dos, livre acesso ao mercado de trabalho, poder de
formadas em produto de exportação, uniformiza- compra. Com isso, a mulher se torna incluída em
se o modus vivendi do país e o propaga ao redor todas as instâncias sociais e se torna cada vez mais
do planeta. exigente quanto à escolha de seu parceiro e quanto
Com sua alta qualidade técnica e tecnológica à qualidade da relação estabelecida por ela.
de produção, unida às habilidades de amarração de Na década de 1960, Jorge Amado mostrou,
suas histórias, as telenovelas conseguem, além de com Dona Flor, que a mulher quer sentir-se se-
alcançar todo o território nacional, construir simu- gura e protegida em um relacionamento ao mesmo
lacros da vida real, tendo importante atuação na tempo em que quer ser sexualmente atendida e sa-
cultura do povo brasileiro, no que diz respeito aos tisfeita em sua plenitude. Darlene, além de segu-
valores, aos comportamentos, aos papéis sociais e, rança, aspira companheirismo e diversão com seu
neste trabalho, nos interessa enfocar nos papéis fe- homem. E ela consegue isso unindo os três ma-
mininos e nos modelos de família. ridos. Karinna vê nos rapazes o que nunca teve
Mas qual a importância da TV neste quesito? em sua família: amor e companheirismo. Infeliz-
Renato Janine Ribeiro (2002), afirma que embora mente, eles entram em disputa. E o sexo, nesse
a TV não tenha por finalidade, desestruturar os po- contexto, ao invés de trazer vida, traz sofrimento,
deres dominantes, ela tem efeito positivo na pro- guerra e iminência de morte.
pagação de certos ideais tidos como diferentes ou Aline e Alice não têm desejos de constituir
inaceitáveis, ajudando na sua naturalização. O uma família. Alice, pelo contrário, sempre quis
que proporcionaria certa tolerância ao diferente. viver numa relação que fosse antagônica aos pre-
Por exemplo, em 1998, a novela Torre de Babel, ceitos de família nuclear, aprisionadora da mulher.
da Rede Globo, teve que tirar do ar o casal lés- Elas têm desejo de liberdade e de vida plena. Su-

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Ligia Mendes Calazans

ellen também, mas com forte inclinação a utilizar Coulanges, F. de. (1998). A cidade antiga (trad. F.
os poderes de sedução femininos para obter vanta- de Aguiar), 4a ed. São Paulo: Martins Fontes
gens. – (Paideia).
Um estudo que poderá ser feito posteriormente
Engels, F. (2007). El origen de la familia, la pro-
diz respeito ao papel do homem nessas relações.
piedad privada y el Estado, (prólogo de A.
Se a mulher está procurando se relacionar com
Ciriza) 1a ed. Buenos Aires: Luxemburg.
mais de um deles, ela busca diferentes característi-
cas em cada um. E se há aceitação disso, além de Foucault, M. (1988). História da sexualidade 1:
indicar as necessidades dessa nova mulher, aponta a vontade de saber (trad. M. T. da C. Albu-
para a tomada de consciência do homem de que querque & J. A. G. Alburquerque). Rio de
um indivíduo apenas não consegue (ainda) tudo Janeiro: Graal.
suprir. Indica, também, a dificuldade dele de se
posicionar neste mundo caótico de mudanças tão Foucault, M. (1985). História da sexualidade 3: o
rápidas das identidades, dos papéis sociais e de li- cuidado de si (trad. M. T. da C. Albuquerque;
quidez das estruturas outrora dominantes. rev. J. A. G. Alburquerque). Rio de Janeiro:
Ora, já que a motivação e as características Edições Graal.
dessas relações poliândricas são diferentes das en-
Goldstein, M. (1976). Fraternal polyandry
contradas no passado, o que elas nos mostram,
and fertility in a High Himalayan Val-
também, é a tendência humana ao relacionamento
ley in Northwest Nepal, disponível em:
poliafetivo. Aquele em que não há posse, que
www.case.edu/affil/tibet/booksAndPapers/fr
busca a liberdade e felicidade de todos os envolvi-
aternal.html [consultado a 24 de julho de
dos. São facilmente encontradas, na internet, asso-
2010].
ciações que apóiam as famílias assim formadas. E,
acreditamos que, com a existência de personagens G RANDE E NCICLOPÉDIA Larousse Cultural
e histórias tão bem produzidas, e exibidas em horá- (1988). São Paulo: Círculo do Livro, v.24.
rio nobre na TV brasileira, a sociedade será menos
impactada por essas diferenças na vida real, uma Hall, S. (2005). Identidade cultural na pós-
vez que acompanha pela janela eletrônica os dra- modernidade (trad. T. T. da Silva & G. L.
mas, as dificuldades, os conflitos existenciais, os Louro), 10. Ed. Rio de Janeiro: DP & A.
sabores e dissabores da vida.
Levine, N. E. & Silk, J. B. (1997). Why
polyandry fails: source of instability in
polyandrous marriages, disponível em:
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do parentesco (trad. M. Ferreira). Petrópolis:
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dade dos laços humanos (trad. C. A. Medei- visão, ética e democracia. Cotia, SP: Ateliê
ros). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.. Editorial.

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