A VOZ DA COMUNIDADE
Ano I 1ª Edição
Famílias lutam contra o preconceito e pelo
direito ao acesso democrático ao tratamento
Muitas mães e familiares
esbarram no preconceito e
no alto custo quando buscam
o tratamento para seus entes
queridos, dificultando e impe-
dindo o acesso a um medica-
mento que pode ser a diferença
entre ter ou não qualidade de
vida. Muitas vezes entre viver
e morrer.
Esse é o caso da família da
pequena Lauren Rosa, que
desde que nasceu, cerca de
um ano e três meses atrás, não
conseguiu deixar o hospital e
vive uma batalha judicial para
poder ter o direito de usar a
Cannabis no tratamento da
filha.
Sua mãe Daniela Pereira da
Silva, de 39 anos, conta que sua
filha nasceu com uma Síndro-
me rara, chamada KCMT1, que
causa entre outras coisas, mui-
tas crises convulsivas. “Ela tem
de 10 a 20 convulsões por dia e
nos piores momentos chegou a
ter quase 100”, conta Daniela.
A alteração genética só foi
descoberta depois de um estu-
do genético e de lá até hoje a fa-
mília luta dia após dia para ter
acesso a um tratamento eficaz
para sua bebe. A mãe conta que
o diagnostico da filha fez com
que ela e seu marido, Gerald de
Souza, 32 anos, abandonassem
suas vidas profissionais para
cuidar de Lauren. E que isso
acarretou em várias dificulda-
des financeiras. Que isso acar-
Lauren luta há um pouco
mais de um ano pelo
direito ao tratamento
com Cannabis Medicinal
retou no atraso com convenio
médico da família, que na pri-
meira oportunidade cancelou o
contrato e transferiu a menina
para um hospital público.
Segundo Daniela, antes de
serem transferidos, eles pedi-
ram ao hospital em um ato de
desespero, e depois de muitas
pesquisas e conversa com outras
famílias, que entrassem com o
tratamento a base de Cannabis,
para tentar diminuir as crises
convulsivas e que o hospital
2º Semestre de 2019
se negou. Após isso a família
entrou e ganhou na justiça o
direito ao tratamento, inclusive
com a medicação custeada pelo
hospital. Mas as dificuldades fi-
zeram com que as mensalidades
atrasassem e mesmo depois de
um acordo financeiro, a empresa
recusou manter Lauren em suas
dependências.
Sem a presença da mãe a
menina foi transferida para
um hospital infantil e a luta
continuou. Ao insistir no tra-
tamento a revelia da equipe
médica, que segundo a mãe,
diz não reconhecer a maconha
medicinal como opção clínica, a
denunciou ao conselho tutelar
e passou a se recusar a tratar
a menina, deixando apenas so-
bre cuidados paliativos. Segun-
do ela porque argumentam que
não podem se responsabilizar
por um tratamento que não
reconhecem.
O fato é que depois que co-
meçou a medicar a menina, as
crises convulsivas diminuíram
e houve uma significativa me-
lhora na deglutição e em algu-
mas respostas neurológicas da
criança, e que o preconceito da
equipe médica retirou dela até
a rede de apoio, como a fono-
diologa e a fisioterapia.
Daniela e Gerald lutam pelo
poder de escolha do tratamen-
to, porque reconheceram nele
sua única opção, após a tentati-
va de muitos outros tratamen-
tos e vivenciaram a melhora
de sua filha. Se esbarraram
no alto custo d medicação im-
portada, a única que poderia
ser administrada no hospital,
quase perderam a guarda da
filha, que lutam para manter
viva e como tantas outras fa-
mílias (leia mais na página 5)
a custa da falta de informação
e do preconceito e pela demora
da universalização do acesso
a Cannabis Medicinal e seus
derivados.
 2 A VOZ DA COMUNIDADE
Médicos, cursos, associações são a melhor
saída para democratizar o acesso à Cannabis
O debate acerca da Cannabis
e suas propriedades medicinais
nos parlamentos e agências re-
guladores em todo mundo e as
freqüentes notícias nas páginas
de jornais sobre as proprieda-
des medicinais da maconha,
tem aumentado a procura pelas
terapias e medicamentos a base
da planta. Contudo, os pacientes
ainda esbarram em algumas di-
ficuldades: a burocracia em ob-
ter o medicamento legalmente,
o alto valor dos medicamentos
importados, a falta de informa-
ção de alguns médicos ou ainda
a relutância em prescrever.
Apesar de o Conselho Fede-
ral de Medicina ter autorizado
oficialmente a prescrição de
derivados da maconha, muitos
médicos resistem em prescre-
ver por receio de eventuais
punições ético-profissionais.
Isso acontece porque o Código
de Ética Médica impede que o
médico prescreva substâncias
não aprovadas pelas autorida-
des sanitárias. O contraponto é
que a ANVISA libera a importa-
ção dos medicamentos da Can-
nabis e pede, como parte dos
documentos, a receita médica.
Isso faz com que o restrito
rol de médicos que prescrevem
e debatem a terapia canábica
ganhe notoriedade, e a procu-
ra por esses especialistas seja
cada vez maior, principalmente
quando o paciente e seus fa-
miliares já tentaram inúmeras
outras terapias convencionais,
buscam alternativas para tra-
tamentos cheios de efeitos
colaterais, ou uma terapia mais
natural e ampla, de forma inte-
grativa e preventiva.
Dra. Eliane Nune, Psiquiatra
De São Paulo, é diretora da
Sociedade Brasileira de Estudos
da Cannabis, a SBEC, e uma das
maiores militantes da causa
Dr. Paulo Fleury Teixeira
De Minas Gerais, é clinico
geral e pesquisador e tornou-
se referência em autismo
Esse é o caso de alguns dos
médicos no quadro acima, que
além das suas agendas lotadas
de pacientes, tem rodado o país
difundindo os benefícios da
Cannabis Medicinal e a impor-
tância em regulamentar a pes-
quisa, a produção, a prescrição e
o uso dos medicamentos a base
de Maconha.
Contudo, como a lista desses
profissionais ainda é pequena,
muitos pacientes acabam sem o
acesso, muitas vezes recorrendo
ao uso sem supervisão médica,
de medicamentos de procedên-
cia duvidosa. Então qual seria o
caminho para o paciente?
Munidos de muitas informa-
ções, pacientes podem tentar
convencer seus médicos a fazer
a prescrição do tratamento,
mostrando estudos indicando
Novembro de 2019
Dra. Carolina Nocetti, clinica geral Dra. Paula Dall’Stela Dr. Remo Rotella Jr, Psiquiatra
Atende em São Paulo, é Pós-graduada em neuro-oncologia, De São Paulo, é Especialista
PhD na área da cannabis, atende pacientes com câncer e outras Psicogeriatria, Psicanálise
com formação nos EUA, é doenças crônicas em São Paulo e é faz Sexualidade Humana, Medicina
coordenadora da ABMedCAN, parte do comitê científico da Ama+me da Dor e Acupuntura
Dr. Carlos Augusto Takeuchi, de SP Dr. Pedro da Costa Mello Neto Dr. Pedro Antonio Pierro Neto
Neurologista Infantil, tem usado De Pernanbuco, é médico De S. Paulo, é neurocirurgião especializado
Cannabis no tratamento dos seus acumputurista e especializado no em cirurgias de controle de dor, de
pacientes no hospital infantil Sabará uso de Cannabis no combate a Dor transtorno do movimento, para epilepsia
potencial terapêutico da Canna- O curso de extensão, que em
bis no tratamento da sua doença, Março inicia sua terceira turma,
mostrando as resoluções con- teve apoio de vários profis-
selhos de medicina autorizando sionais e associações, como o
médicos a prescrever, exempli- Cebrid e a Sbec, e contou com
ficando casos de pacientes que palestras de renome, tanto na
fizeram tratamento e tiveram área médica, quanto na área
bons resultados e colocar seu jurídica e associativa. Segundo
médico em contato com asso- os organizadores, as inscrições
ciações que podem auxiliar na para as próximas turmas já es-
prescrição e na obtenção de mais tão abertas e é possível acompa-
conhecimento sobre o tema. nhar as aulas na internet.
Esse apoio e conhecimento As associações, por sua vez,
podem ser obtidos em associa- também possibilitam um acesso
ções ou cursos, em debates e democrático entre pacientes e
em páginas sérias na internet. médicos e ainda auxiliam na bus-
Um exemplo disso é o curso que ca de medicamentos “artesanais”
acontece desde o começo de de boa procedência. Um bom
2019, em Ermelino Matarazzo, exemplo é a Associação Abra-
na Zona Leste de São Paulo, em ce Esperança, da Paraíba, que
parceria com a Unifesp, dentro com autorização judicial para a
dos salões de uma igreja cató- produção e cultivo, fornece óleo
lica, dirigida pelo Padre Ticão. medicinal para todo o Brasil.
Novembro de 2019 A VOZ DA COMUNIDADE 3
3

O tratamento com a Cannabis Medicinal pode

ser a chave para a cura de vários males
“A Cannabis é uma chave que
abre diversas fechaduras em
nosso corpo”. Essa é uma das
principais falas da Dra. Caroli-
na Nocetti, ao descrever qual
o efeito dos canabinóides no
nosso organismo. Mas para en-
tender essa fala simples melhor
primeiro é preciso falarmos que
os seres humanos e outros ani-
mais, incluindo mamíferos e até
invertebrados, possuem em seus
organismos um sistema chamado
endocanabinóide.
O sistema endocanabinóide
é um conjunto de receptores e
enzimas que trabalham como si-
nalizadores entre as células e os
processos do corpo, permitindo
a comunicação e coordenação
entre as células. Ele possui um
papel importante em diversas
reações bioquímicas do corpo
humano e está relacionado ao
nosso processo de homeosta-
se, ou seja, equilíbrio interno.
O sistema endocanabinóide é
constituído pelos receptores
canabinóides, chamados CB1 e
CB2, os seus ligantes endóge-
nos, os endocanabinóides, que
mimetizam os fitocanabinóides,
e as proteínas envolvidas na sua periféricos como o tecido adipo- uso terapêutico para doenças nal não tem a mesma eficácia em
síntese e degradação. so, fígado, músculo esquelético e neuro-degenerativas, como Al- todos os pacientes? A resposta
É como se esse sistema fosse trato gastrointestinal. zheimer e Esclerose, no câncer, pode ser diferença na maioria
um interlocutor entre o cérebro E o que a Cannabis tem a ver auto-imunes, nas epilepsias e epi- d o s t ra t a m e n t o s , s e j a m e l e s
e resto do o corpo, estando di- com isso? A Cannabis Sativa e to- lepsias refratárias, no autismo, fitoterápicos, sejam eles alopá-
retamente envolvido em vários das as suas variedades tem entre nas doenças gastrointestinais, ticos ou homeopáticos: muitos
processos fisiológicos, como a seus compostos fitocanabinóides na ansiedade, nos distúrbios do pacientes procuram um remédio
modulação de todos os eixos que acabam regulando o sistema sono, na depressão, na recupe- milagroso, sem alterar nenhum
endócrinos, a modulação da dor, endocanabinóide humano e ani- ração muscular em atletas, na aspecto seu estilo de vida, que
regulação da atividade motora, mal. É como se os canabinóides cicatrização óssea relacionada à muitas vezes é o desencadeador
o controle de processos cogni- presentes na Maconha, que são fraturas, nas dores crônicas, além da doença ou do agravamento do
tivos, a modulação da resposta vários, se encaixassem perfei- de um potente anti-inflamatório. quadro. Um exemplo disso é não
inflamatória e imunológica, a tamente em lacunas vazias de Vários estudos já provaram manter uma alimentação mais
ação anti-proliferativa em células todo esse complexo, “abrindo as que os fitocanabinóides presen- saudável, não realizar exercícios
tumorais, o controle do sistema fechaduras” para o bom funciona- tes na Cannabis tem ação anti- físicos regulares, não tomar sol
cardiovascular, entre outros. mento de todo o organismo. -proliferativa, anti-migratória de maneira adequada, não ter
Isso explica porque alterações e causam a morte celular em qualidade do sono entre outros.
nesse sistema podem acarretar Principais indicações células cancerígenas. Enquanto Já se sabe que muitas dessas
em problemas com os processos A Cannabis é indicada, por que nas células saudáveis, por práticas está diretamente li-
descritos anteriormente. Além de esse trabalho modulador dos exemplo os neurônios, eles es- gados aos processos inflama-
processos ligados à modulação seus compostos, para diversos tão relacionados ao crescimento tórios e podem contaminar o
do apetite, ingestão alimentar e transtornos. É enorme o núme- e sobrevivência celular. organismo ou interferir em seu
balanço energético, e em órgãos ro de estudos que associam seu Mas então a Cannabis Medici- equilíbrio.
 4 A VOZ DA COMUNIDADE Novembro de 2019

Muitas vidas e famílias transformodas

pelo uso da Cannabis Medicinal
Muitos pacientes, famílias e
mães, na busca de um remédio
eficaz, depois de muitos anos
tentando vários tratamentos
convencionais, entrando e
saindo de hospitais e espe-
cialistas, vêem na Cannabis a
esperança. Porém a falta de
informação e de a terapia ca-
nabinóide estar presente nas
faculdades e cursos de saúde,
fazem com que encontrem
uma rede de preconceito e
desinformação.
Todas essas dificuldades
acabam empurrando algumas
dessas famílias para a ilega-
lidade, buscando remédios Contudo, muitos habeas cor- do SUS não são autorizados lias que podem arcar com esse
artesanais, muitas vezes sem pus são negados e nem todos a preescrever remédios não tratamento. Um tratamento
procedência. Algumas, con- conseguem facilmente acesso listados, pagam consultas que natural, que pode ser fitoterá-
seguem legalmente o direito a advogados e médicos espe- beiram os mil reais e podem pico, universal e que cada um
de importar o remédio ou de cializados. comprar os importados por poderia fazer o auto-cultivo,
fazer o auto-cultivo de plantas Aqueles com poder aqui- duas vezes esse valor. Um tra- como no caso daqueles que
medicinais para a confecção sitivo, com acesso à médicos tamento de mais de 3 ou 4 mil tem a sorte de conseguir um
dos seus próprios remédios. particulares, já que os médicos reais. Mas quantas são as famí- habeas corpus?

Gisele Thame é biomédica.

Foi diagnosticada com um
câncer no cérebro e antes de
aderir ao tratamento relutou
bastante. Depois de muita
insistência do seu filho Raul
começou um tratamento
com óleo de Cannabis. Depois
de algum tempo a Doutora
Gisele conseguiu um Habeas
Corpus que lhe permite culti-
var e confeccionar o próprio
medicamento. “Hoje eu acho
que quem rejeita o tratamento
é por pura falta de conheci-
mento”, afirma. Ela conta que
depois de um pouco mais de
um ano teve resultados sur-
preendentes, pois seu câncer
diminuiu significativamente de
tamanho.
Novembro de 2019
Uma vida de luta e pesquisa
pela Cannabis Medicinal
Para democratizar o acesso a
Cannabis Medicinal no Brasil é
preciso união e conhecimento.
Uma das únicas maneiras
de se quebrar o preconceito
é difundir conhecimento, por
isso trabalhos como o do Pes-
quisador Dr. Elisaldo Carlini,
conhecido como o patrono da
Cannabis Medicinal no Brasil,
do Padre Ticão, com o curso
sobre a Cannabis Medicinal em
Ermelino Matarazzo, os cursos
de aperfeiçoamento da Socie-
dade Brasileira de Cannabis
Medicinal, são tão importante.
Por isso um dos primeiros
paços para as famílias e pacien-
tes que desejam iniciar o trata-
mento é buscar conhecimento
e porteriormente apoio em
uma entidade ou associação
A VOZ DA COMUNIDADE 5
Uma rede
internacional de
conhecimento
No dia 14 de Outubro de 2019,
aconteceu na cidade de Pedro
Juan Caballero, Paraguai, o 1
Seminário Internacional de Can-
nabis medicinal, organizado pela
Asociación Cannabica Amambay.
Participaram deste evento pes-
quisadores de diversos países,
abordando os aspectos: legais,
farmacológicos, químicos e me-
dicinais das Cannabis. Estiveram
presentes ainda, representantes
da Paróquia São Francisco de
Assis e o vice-Reitor da Univer-
sidade Nacional de Assunción.
A Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP), bem como o
Centro Brasileiro e Informações
sobre Drogas Psicotrópicas (CE-
BRID) participaram do evento
oferecendo palestra sobre a
etnofarmacologia das Cannabis.
Andreia é mãe de duas
filhas que sofrem com crises
epiléticas e estão no espectro
autista. Uma delas inclusive
com um câncer na boca. Ela
conta que há mais de cinco
ela e suas filhas não conse-
guiam dormir e sofriam com
várias crises convulsivas dia-
riamente. Evangélica, via com
muito preconceito a Cannabis
e hoje tem ela com sua prin-
cipal bandeira. Hoje, está em
busca da autorização para o
auto-cultivo, está montando
uma associação de pacientes
com outras famílias em Mogi
das Cruzes e onde vai, faz
questão de dizer “A Cannabis
mudou minha vida e a vida
das minhas filhas, minhas filhas
dormem, quase não tem mais
convulsões e o câncer de uma
delas regrediu”.
 6 A VOZ DA COMUNIDADE
Muito mais que CBD, a Cannabis é uma planta
completa, que precisa ser mais pesquisada
A Cannabis é um fitoterápico
como qualquer outro. Apre-
senta mais de mil compostos
diferentes, entre eles centenas
de canabinóides.
Canabinóide é um termo
genérico para descrever subs-
tâncias, naturais ou artificiais,
que ativam os receptores
canabinóides do tipo CB1 ou
CB2, encontrados nos siste-
mas nervoso e imunológico
dos animais e seres humanos.
Englobam os fitocanabinói-
des, compostos encontrados na
planta Cannabis, terpenos e os
flavonóides, que junto com os
canabinóides, THC, CBD, CBA e
muitos outros, interagem entre
si, em um efeito chamado de
comitiva. Esse é o efeito que
faz com que o uso integral da
planta seja considerado muito
mais eficaz que o uso dos seus
compostos isolados.
Hoje sabemos, através de
vários estudos cientificos, que
a planta usada de maneira
integral, tem maior resposta
terapêutica do que quando se
utiliza apenas alguns compos-
tos isolados. Esse efeito comi-
tiva não é uma propriedade
só dessa planta, mas sim dos
fitoterápicos em geral. Os fi-
tocomplexos, neles presentes,
interagem entre si.
No simpósio de plantas me-
dicinais, que ocorreu em Se-
tembro de 2018, organizado
pelo Cebrid, na figura do prof.
Dr. Elisaldo Carlini, diversos
trabalhos com fitoterápicos
comprovaram que existe uma
melhor resposta terapêutica
com a utilização da planta in-
teira do que com um composto
isolado
No caso da Cannabis, por
exemplo, não são apenas os ca-
nabinóides que tem o seu valor
terapêutico. Os terpenos, por
exemplo, modulam o efeito dos
canabinóides, aumentando a
interação entre eles, e também
são responsáveis pelas carac-
terísticas organolépticas. Os
flavonóides, por sua vez, são
responsáveis pelas caracterís-
ticas organolépticas e também
tem propriedade terapêutica.
Por isso a importância de se
utilizar a planta como um todo
e melhorar as respostas tera-
pêuticas através da escolha
correta das cepas.
Diferentes plantas e efeitos
A classificação cientifica
da planta Cannabis é de uma
única espécie, a Cannabis sati-
va L e as variedades Cannabis
sativa sativa, Cannabis sativa
indica, Cannabis sativa rude-
ralis. Alguns pesquisadores
ainda consideram mais uma
subespécie, a Cannabis sativa
afegânista, mas essa classifi-
cação é controversa devido
a algum as diferenças na sua
estrutura física e química.
Existem mais de 3 mil cepas di-
ferentes catalogadas. Cada uma
delas tem uma combinação dife-
rente de canabinóides, terpenos
e flavonóides, o que confere uma
resposta terapêutica diferente
para um mesmo diagnóstico,
mesmo o paciente tendo o mes-
mo peso, altura, sexo.
Cada indivíduo responde
melhor a uma determinada
cepa e determinada dose. E
por isso a necessidade do
paciente testar alguma das
vezes várias cepas diferentes
para até encontrar aquela que
forneça uma melhor resposta
terapêutica. Nosso organismo
possui diversos receptores
canabinóides, espalhados pelo
corpo, principalmente no cé-
rebro e intestino. Ele próprio
produz canabinóides endóge-
nos, num mecanismo chamado
de sistema endocanabinóide.
Novembro de 2019
No Brasil a legislação e a
falta de incentivo a pesquisa
impedem que a Cannabis seja
amplamente pesquisada
De acordo com a deficiência
de diferentes canabinóides no
organismo o paciente neces-
sita de cepas diferentes, ou
seja, de uma combinação de
canabinóides, terpenos e fla-
vonóides diferentes, por isso a
importância de um tratamento
personalizado. De acordo com
o sintoma que o paciente está
sentindo se recomenda uma
cepa diferente, sendo que
dessa forma num mesmo dia
o paciente pode necessitar de
diferentes plantas . Por exem-
plo, uma pela manhã, para lhe
dar mais disposição, outra na
alimentação, para estimular ou
inibir o apetite, outra para dor
e até mesmo outra a noite, para
qualidade do sono.
Se pensarmos nisso, avalia-
remos que nem sempre os re-
médios a base de Cannabis in-
dustrializados, poderão servir
para todos os pacientes de uma
determinada patologia e que o
debate que estamos acompa-
nhando no país deve ser amplo
e despido de preconceitos.
Novembro de 2019
Proibir influencia índices de violência
e diminui a arrecadação de impostos
Discutir a regulamentação da
Cannabis vai além das questões
econômicas e médicas. Quando
falamos dessa planta, precisa-
mos levar em consideração as
questões sociais implicadas.
Pois a proibição da Maconha
também aumenta a população
carcerária, a violência e até
mesmo a corrupção.
A maioria dos casos de con-
denações relacionadas ao por-
te dessa planta relaciona-se
a pequenas quantidades, que
dependendo da interpretação,
poderiam ser consideradas
para consumo, o que não é cri-
me no Brasil. E isso acontece
porque a lei em vigor diz que
“para determinar se a droga
destinava-se a consumo pes-
soal, o juiz atenderá à natureza
e à quantidade da substância
apreendida, ao local e às condi-
ções em que se desenvolveu a
ação, às circunstâncias sociais e
pessoais, bem como à conduta
e aos antecedentes do agente”.
A política de drogas brasilei-
ra não coíbe o consumo ou o
comércio de drogas, promove
o aumento da população carce-
rária, o aumento do número de
mortes decorrentes do tráfico
de drogas e a violência, o au-
mento da corrupção e o fortale-
cimento do crime organizado.
Conforme pesquisa realizada
pelo juiz Marcelo Semer, sob a
orientação do professor Mau-
rício Dieter, da Faculdade de
Direito do Largo São Francisco,
cerca de 50% dos encarcerados
em razão da Lei de Drogas fo-
ram presos por estar na posse
de menos de 100 g de maconha
Uma grande parte da
população carcerária é
composta por portadores
de pequenas quantidades
de drogas, detidos pela
primeira vez e que opassam,
ao serem detidos, a ter
contato com criminosos de
grande potencial ofencivo
Números do encarceramento
Ano Total de presos Presos por tráfico
2005 361.402
2006 383.480
2007 422.373
2008 451.219
2009 473.626
2010 496.251
2011 514.582
2012 548.003
2013 574.027
2014 622.202
ou 50 g de cocaína.
E em contraponto, muitas
outras substancias, que podem
ser muito mais nocivas à saú-
de das pessoas são vendidas
legalmente. Esse é o caso do
álcool, do cigarro, de algumas
ervas medicinais, de solventes,
como a benzina. Mas então qual
a solução? Em muitos países a
regulamentação, ao invés da
proibição absoluta, aumentou
substancialmente a arrecada-
ção de impostos e possibilitou
A VOZ DA COMUNIDADE 7
Propriedades
terapêuticas são
reconhecidas
mundialmente
Mundialmente a descrimina-
lização é debatida como medida
para retirar das mãos do crime
o controle sobre a droga e os
lucros que esse mercado pode
proporcionar. O comércio ilegal
global de maconha corresponde
a US$ 15 bilhões de dólares anu-
ais. Cerca de metade das drogas
ilícitas e movimentado cerca de
250 milhões de usuários.
Em março, em Viena, a 62ª
Sessão da Comissão de Entor-
pecentes fez um balanço da
implementação dos compro-
missos assumidos para abordar
e combater conjuntamente o
problema mundial das drogas.
Desde 1961 a Cannabis ocu-
% pava a lista IV da Convenção
32.880 9,10 de Drogas e Narcóticos, que
47.472 12,38 reconhecia a planta como droga
65.494 15,50 potencialmente perigosa e como
77.371 17,50 tal proibia a sua produção, ma-
91.037 19,22 nufatura e beneficiamento, não
106.491 21,46 sendo reconhecido nem o seu
125.744 24,43 uso médico.
138.198 25,21 No primeiro trimestre desse
146.276 25.48 ano, entretanto, o Comitê de
174.216 28 Experts em Dependência de
Drogas (ECDD) da Organização
um controle de acesso melhor. mundial de Saúde (OMS), propôs
Aqueles que defendem o a retirada da Cannabis da lista,
proibicionismo justificam a reconhecendo o uso medicinal,
Lei de Drogas com a diminui- passando a ficar sob controle
ção do consumo. Mas será que determinado por legislação de
isso é mesmo eficaz? Será que cada país.
sendo proibido as pessoas não A proposta também deliberou
têm acesso? Quantas pessoas que preparações contendo CBD
conhecemos que fazem uso de e até 0,2 % THC não devem estar
substancias proibidas? A falta em qualquer lista proibicionista
de regulamentação apenas faz por não haver necessidade do
com que o acesso não seja re- controle internacional já que não
gulamentado e não gere receita oferecem riscos à saúde e não
para o governo. geram dependência.
 8 A VOZ DA COMUNIDADE
Um mercado milionário a ser explorado
A legalização da maconha
no Uruguai e Canadá e alguns
estados dos EUA criou impacto
econômico milionário do merca-
do de valores e uma expressiva
arrecadação de impostos. No
Brasil, apesar das controvér-
sias e da resistência de uma ala
conservadora da sociedade em
debater o tema, chegou a hora do
governo traçar uma boa estra-
tégia para negociar com maior
vantagem possível a entrada de
um mercado que já movimenta
milhões, mesmo sem a regula-
mentação e que atrai dezenas de
investidores e startups estran-
geiros para o país.
Em outros países o mercado
canábico é um negócio milio-
nário de banqueiros e gran-
des investidores de mercado.
Segundo Bank of America, a
maconha tem um potencial de
até US$ 166 bilhões por ano
mundialmente. Para se ter ideia
do quanto esse negócio é lucra-
tivo, três dos maiores bancos
espanhóis: BBVA, Bankinter
e Caixa, já possuem grandes
investimentos em empresas
produtoras e processadoras de
maconha. Em fins de novembro
de 2017, o BBVA, por exem-
plo, comprou por 1 milhão de
Euros 58 mil ações do grupo
canadense Canopy Growth,
maior produtor de cannabis do
mundo. No fim do ano passado
a empresa multiplicou por três
seu valor em bolsa.
Nos Estados Unidos o setor
conta com companhias gigan-
tes como Canopy, Aurora e
Cronos, movimentando a bolsa
de valores. A Aurora Cannabis
e a Cronos Group, avaliadas
em US$ 7,6 bilhões e US$ 5,5
bilhões, respectivamente por
exemplo, estão entre as cinco
empresas mais procuradas por
jovens investidores no país.
Apesar do entusiasmo juve-
nil, a negociação de títulos de
empresas ligadas à cannabis
não se restringe a uma faixa
etária. Grandes fundos, como JP
Morgan e Golden Opportunity,
também investem no setor, que
movimentou cerca de US$ 20
bilhões na economia americana
em 2017 e deve chegar a US$
77 bilhões em 2022 – montante
equivalente ao PIB dos Esta-
dos de Idaho e West Virginia,
juntos.
A indústria da maconha nos
Estados Unidos e Canadá já em-
prega cerca de 200 mil pessoas
e fatura anualmente cerca de 20
bilhões de dólares. Deve che-
gar aos 200 bilhões em 2026
de acordo com estimativas do
Banco de Montreal.
Estes números comprovam
que a maconha já é um setor
do agronegócio reconhecido
mundialmente e com ações
cotadas nas principais bolsas
de valores. O uso recreativo
não é o principal negócio. O
que dá dinheiro de verdade são
os remédios, óleos, bebidas,
alimentos e até cosméticos que
utilizam canabidiol, o princípio
ativo da maconha. Além de uma
movimentação financeira, com
a regulamentação do mercado
a figura do traficante perde
espaço para empreendedores.
Novembro de 2019
Economia para
pacientes e para
os cofres públicos
Os medicamentos, hoje a
maioria importados, tem alto
custo para pacientes e tam-
bém para os cofres públicos.
Com exceções aos pacientes
que conseguem o acesso ao
medicamento artesanal ou in
natura, via justiça, a maioria
dos pacientes que precisam e
conseguem por meios legais
precisam, após os entraves bu-
rocráticos, comprar remédios
caros. Aqueles que não podem
custear o tratamento e tem
acesso a justiça, lutam para
que o SUS custeie o tratamento
e acabam se deparando com
a ausência ou intermitência do
tratamento, graças aos entraves
das secretárias de saúde res-
ponsáveis pela compra.
Entretanto desde 2018 já é
possível encontrar nas farmácias
do Brasil um medicamento à
base de canabinóides para tra-
tamento da esclerose múltipla,
com princípios ativos com THC
e CBD, em que uma caixa com
três frascos de spray com 10 ml
custa mais de R$ 2 mil e duram
cerca de 45 dias de tratamento.
Via importação o custo men-
sal da terapia gira em torno de
R$ 1.500,00. Mas esse valor pode
aumentar muito mais, depen-
dendo do tratamento. E esse
dinheiro é captado pelo mer-
cado internacional, onerando
o governo duplamente.
Associações que têm autori-
zação da Justiça para fazer o
plantio e fornecer aos pacientes
o óleo de cannabis conseguem
fornecer um tratamento por um
custo menor. E quando o trata-
mento vem do auto cultivo, esse
valor é menor ainda.