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RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo principal a análise do tempo e do espaço da peça A moratória
de Jorge Andrade. Pretende-se igualmente, num segundo momento, destacar os signos teatrais existentes na obra.
Tais aspectos (tempo, espaço e signo) conferem novidade e importância artística à peça de Jorge Andrade no
teatro brasileiro, incipiente como sistema, em meados de 1950.
Aluísio Jorge Andrade Franco (1922- 1984) nasceu em Barretos, interior de São Paulo
e estudou Direito na Universidade de São Paulo. Em 1940 abandonou os estudos e retornou à
fazenda de seus pais. Ingressou onze anos depois na Escola de Arte Dramática de São Paulo,
o mais importante estabelecimento do gênero no país, fundado por Alfredo Mesquita.
Concluiu o curso em 1954 e escreveu a peça O Faqueiro de Prata, seguida de O Telescópio e
A Moratória, que acabou sendo encenada em 1955, no Teatro Maria Della Costa, de São
Paulo.
O crítico e ensaísta Anatol Rosenfeld (1970, p.599) disse o seguinte sobre o
dramaturgo e sua obra:
No seu conjunto esta obra é única na literatura teatral brasileira. Acrescenta à visão épica da
saga nordestina a voz mais dramática do mundo bandeirante. É única, esta obra, pela grandeza
de concepção e pela unidade e coerência com que as peças se subordinam ao propósito central,
mantido durante longos anos com perseverança apaixonada, de devassar e escavar as próprias
origens e as de sua gente, de procurar a própria verdade individual através do conhecimento do
grupo social de que faz parte e de que, contudo, tende a apartar-se, precisamente mercê da
própria procura de um conhecimento mais aguçado e crítico, que situa este grupo na realidade
maior da nação.
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Cursa mestrado e especialização em literatura brasileira na Universidade Estadual de Londrina.
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Cursa especialização em literatura brasileira na Universidade Estadual de Londrina.
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ISSN: 1983-8379
durante a Semana de Arte Moderna, a poesia e posteriormente a prosa, esse atraso é também
notável. A partir do século XX, como afirma Prado (1986), o teatro começa a ser cultivado
por aqui. Certo é que nessa época ainda a Europa era a referência. A reação, por assim dizer,
nacionalista, só veio a acontecer nas décadas de 50 e 60. Três pólos se destacaram no Brasil:
Recife, São Paulo e Rio de Janeiro. Em se tratando de A moratória o centro é o de São Paulo
e a temática está mais envolvida com as questões econômicas e/ou políticas.
A peça em foco desenvolve uma temática voltada totalmente para o social, para o
momento vivido, buscando estabelecer contato com a realidade da época. Antonio Candido
(2000, p.4) nos explica que “[...] o externo (no caso, o social) importa, não como causa, nem
como significado, mas como elemento que desempenha certo papel na constituição da
estrutura, tornando-se, portanto, interno.” Sendo assim, a história e as personagens com suas
angústias vão sendo apresentadas na medida em que um problema maior é colocado, mesmo
que não seja de forma explícita, como uma espécie de pano de fundo para evidenciar a
situação das personagens. Jorge Andrade (1959, p.65), ao falar de sua, obra deixa bem claro o
que pretende, já que, como ele mesmo afirma:
Num ambiente onde tudo está em formação, não devemos nos esquecer dos valores, ou melhor,
dos exemplos que o passado encerra. Para escolher o caminho justo, ou saber distinguir os
valores que devemos levar em conta, para a formação de um futuro que justifique tanto os
esforços como os resultados alcançados, não podemos esquecer as grandes verdades encerradas
neste passado; são elas que esclarecem o presente e o justificam. Por que esquecer o que temos,
esquecer nosso passado, nossa realidade, e pensar somente em realidades ou verdades que não
nos dizem respeito? Por que continuar, eternamente, nesta imitação barata de formas que não
nos pertencem? Nunca tive nem tenho a pretensão de inovações. Desejo apenas guiar-me,
sinceramente, pelos exemplos e lições que a realidade brasileira a cada passo nos apresenta.
Através do teatro procuro um meio de expressão e tento exprimir meu próprio meio – nada
mais. (...)
não há peça nenhuma mais genuinamente brasileira do que a de Jorge Andrade. Brasileira, de
início, está claro, pelo quadro social. [...] Mas o seu verdadeiro brasileirismo não é exterior,
não está no cenário, na descrição superficial de certos hábitos e modismos regionais. Brasileira
parece-nos ser a própria qualidade de sua emoção. [...]
A moratória conta a história do fazendeiro de café Joaquim, afeiçoado a terra, mas que
acaba sendo levado à ruína por maus negócios em época de crise. É casado com Helena e tem
dois filhos, Marcelo e Lucília, esta acaba por se tornar elemento chave da peça. Antes de suas
terras irem à praça para saldar a dívida, era muito prestigiado e sua família não tinha
preocupações com dinheiro; com a crise são obrigados a mudar-se para a cidade e viver com
dificuldades.
A história acaba girando em torno de Joaquim e, mais ainda, da sua esperança em
retornar às suas terras. Tem setenta anos e seu único orgulho acaba sendo seu nome. A crise
da “máquina” da República Velha não permitiu a venda do café, a colheita não foi boa, a
chuva tardou e o governo não fixou um teto mínimo para o produto, restando agora só a
esperança de poder recuperar a fazenda, esperança encarnada juridicamente na palavra
“moratória” que, todos sabiam, não viria.
No final, finda a esperança de voltar, com a moratória recusada pelo governo, todos
acabam tendo que se conformar, caindo sobre Lucília toda a responsabilidade de recuperar a
dignidade da família. Após o clímax da peça, o momento em que a verdade é colocada em
pauta, vem a resignação pelo fim da “era de ouro”, do ouro verde, desfecho descrito com
simplicidade pelo autor para deixar clara a melancolia em que todos se encontram.
De forma geral, todas as personagens não têm uma mudança de caráter ou de atitude
muito significativa, a única, porém, que sofre mudança é Lucília, a qual, de moça ingênua e
simples, torna-se madura e carrega a dignidade da família quase que sozinha. Como moça
solteira, não poderia trabalhar, mas reage contra a imposição de dependência que a sociedade
patriarcal e rural tenta lhe impor e começa sustentar a família.
Assim, o mais importante não é a personagem em si, mas a coletividade que ela
representa. Ainda que cada um tenha sua individualidade, é a sua classe social (no momento,
decadente) que determina seus destinos. Como explica Décio de Almeida Prado (2001, p.
100-102):
[...] Não se trata de julgar um certo estado de coisas mas de assistir ao sofrimento de alguns
seres humanos privados repentinamente não só de sua riqueza mas inclusive de seus padrões
sociais e morais, de sua forma de existir e de compreender a existência. Enfrentam uma época
difícil e haviam sido educados para viver com facilidade, para mandar e ser obedecido, para
receber mais do que dar, seguindo a rota dos avós e bisavós. Acostumados à liberdade do
campo, têm de se submeter à disciplina da vida urbana, de onde sairão polidos pela pobreza ou
inutilizados em definitivo.
família. Esses fatos são todos narrados, o público e o leitor não têm conhecimento desses
espaços no campo da visão, só se sabe da existência deles quando são comentados,
verbalizados.
De acordo com Issacharoff, citados por Fachin (1998, p.106) “Quando eles [os
espaço] coexistem, o diegético completa, muito frequentemente, o mimético... toda peça é
mimética por definição pelo fato de ser representação concreta.”
O cenário da peça é duplo e as cenas acontecem de forma intercalada. Isso é expresso
pelo dramaturgo no início da peça, quando fala que haverá dois planos: o primeiro plano ou o
da direita, onde haverá a sala de uma casa no tempo presente, aproximadamente três anos
depois da crise, ou seja, 1932. O segundo plano ou da esquerda representa a fazenda de café
no momento da crise em 1929.
Nesse período, marcado entre 1929 e 1932, acontecem basicamente alguns fatos: a
proximidade da crise que teve como conseqüência a perda da fazenda; a pobreza da família
que deixou em evidência as crises familiares; a mudança para a cidade; a esperança de que o
governo fizesse algo pelos fazendeiros; e, por fim, a derrocada completa pela recusa da
nulidade dos processos e pela impossibilidade de declarar moratória (suspensão das dívidas
dos produtores), o que “salvaria” a família.
Como esses fatos não são mostrados exatamente como uma continuidade, mas sim
como entrelaçamentos, as trocas de plano ganham significação, cujo efeito principal é a
tensão entre o pavor de perder a fazenda e a esperança de recuperá-la. Esse entrelaçamento é
assim resumido por Magaldi (2001, p. 232-233):
[...] O passado, com a perda da fazenda, ainda não concluíra o retrato da família e era
necessário, assim, pintá-la na vida medíocre da cidade, tentando em vão recuperar as posses
antigas. As idéias e os movimentos das personagens não se adaptaram às novas condições de
existência e, para enunciar a constante psicológica, o texto joga com uma certa atemporalidade:
sugere-se um conflito no presente e ele será desenvolvido no passado, como se fosse futuro,
porque naquele mundo nada se altera de fato.
No primeiro plano, o tempo tem a duração de mais ou menos uma semana e os fatos
apresentados são conseqüência imediata dos anteriores, culminando na perda da fazenda. No
segundo plano o espaço é um pouco maior, pois os fatos vão desde a esperança de que algo
mude até o resultado final em que não se consegue a ajuda esperada. O elemento tempo é um
outro diferencial na peça, já que passado e presente aparecem juntos. Não se pode afirmar que
este tempo seja essencialmente cronológico ou psicológico, na peça ocorre a fusão dos dois, já
que as ações não acontecem com um início, meio e fim consecutivamente, há uma alteração
na ordem temporal; ao leitor são dadas pistas para que ele próprio faça associações de maneira
que se liguem os fatos coerentemente.
Essa mudança de planos feita por Jorge Andrade, como nos adverte Magaldi (2001, p.
299-230), acaba por
[...] deixar bem marcada a queda irremediável da aristocracia rural. Há ironia e quase sadismo
na repetição do jogo de esperança e desespero, até que o pano baixe sobre um silêncio mortal.
Apenas 1929 seria o retrato da crise, da perda da fazenda com o aviltamento do preço do café.
Mas um grupo não morre de uma vez, a não ser pela revolução, e A Moratória compraz-se em
consignar os estertores, a última tentativa de sobrevivência. [...].
uma natural tranqüilidade campestre é contrastada com uma antinatural intranqüilidade urbana.
O "mundo moderno", tanto em seu sofrimento quanto, de modo crucial, em seu protesto contra
o sofrimento, é mediado pela referência a uma situação perdida que é melhor que ambos e que
pode situar ambos: uma situação imaginada a partir de uma paisagem e de uma observação e
uma memória seletivas.
Dessa forma, as pessoas foram obrigadas a se adequar à nova forma de vida das
cidades. Helena, mãe de Marcelo comenta sobre essa industrialização:
O que Jorge Andrade faz foi mostrar essa situação de modo a fazer com que o leitor,
seu coetâneo, reflita sobre o problema, como aponta Décio de Almeida Prado (2001, p.98):
Além da questão tempo-espaço, outro fator muito interessante na peça se refere aos
signos teatrais encontrados no decorrer da peça e que devem ser levados em consideração. O
maior signo da peça talvez seja o próprio cenário que por si só já determina o tempo e o
espaço da narrativa. Como nos explica Tadeuz Kowzan (1977, p.73), o cenário é um dos
muitos signos teatrais existentes e sua tarefa
consiste em representar o lugar: lugar geográfico (paisagem com pagodes, mar, montanha),
lugar social (praça pública, laboratório, cozinha, café) ou dois de uma só vez (rua dominada
por arranha-céus, ação com vista parar a torre Eiffel). O cenário ou um de seus elementos pode
também significar tempo: época histórica (templo grego), estação (tetos cobertos de neve), hora
(sol poente, lua). Além de sua função semiológica de fixar a ação no espaço e no tempo.
As personagens são talhadas em traços vivos e fortes, o que, embora com prejuízos da sutileza
e da complexidade, lhes confere caracteres esculturais. Se aduzirmos que o veículo é um
diálogo excelente – objetivo, vigoroso, teatral, sem devaneios literatizantes – concluiremos que
A Moratória é uma obra feliz.
ABSTRACT: This work has as mainly purpose analyses the time and space of the play “A moratoria” by Jorge
Andrade. Intend, also, in a second moment, highlight the theater signs in the work. Such aspects (time, space and
sign) give new and artistic importance for the play by Jorge Andrade in the Brazilian theater, incipient as a
system, in mid-1950.
REFERÊNCIAS