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Resumo
A saga de filmes Harry Potter pode ser considerada uma das histórias mais influentes
dos últimos tempos e, como toda obra de arte, reflete a visão da sociedade a que
pertence servindo como promotora de padrões, impulsionadora de atitudes e
disseminadora de normas.
A discussão proposta se centra no campo das construções de gênero e sua conexão
com a educação. Hermione ilustra as construções do feminino do mesmo modo que
seus amigos Harry e Rony tratam as construções do masculino; as questões
educacionais dentro de Hogwarts dialogam com a maneira como o gênero e a
heteronormatividade atravessam o currículo produzindo demandas nos indivíduos; e por
fim, é possível apontar diferenças na construção dos filmes em relação aos livros,
reforçando a normatividade para esse público.
Palavras chave: educação, gênero, cultura, cinema, Harry Potter, Hermione Granger
Não existe o bem e o mal, somente o poder e aqueles que são muito fracos para
possuí-lo
Entendendo que filmes acessam muito mais pessoas que livros e que em geral
esses públicos são diferentes, temos o cinema como um veículo de massa quando
comparado a literatura. Segundo SALES (2013), a heterossexualidade não está
garantida e é feito um intenso investimento cultural para que ela seja descrita como
norma e produzida como a sexualidade correta. Este investimento pode ser observado
através de modificações, como inclusões e exclusões de histórias e mudanças nas
personalidades de personagens, que ocorreram durante a transposição das histórias da
literatura para o cinema.
Quando Hermione, Harry e Rony começam os desafios para encontrar a pedra
filosofal, o desafio que caberia somente a Hermione resolver é cortado da trama. Esse
desafio na literatura mostra a incrível capacidade de raciocínio lógico da personagem. A
cena onde Hermione se assusta ao ver o hipogrifo só existe na versão para o cinema.
Assim como o comentário que ela faz sobre seu cabelo, quando ela e Harry usam o
vira-tempo para voltar no tempo e salvarem Sirius. Durante o torneio tribruxo, apenas
uma mulher é selecionada para competir, e na prova final ela aparece se desesperando
de medo, mais uma vez, somente no cinema. Hermione, ainda no início da saga, funda
um movimento chamado F.A.L.E. (Frente de Apoio à Libertação dos Elfos) porque a
situação de trabalho escravo dos elfos domésticos a incomoda profundamente. Isso não
é retratado no filme, tirando do personagem de Hermione essa faceta ativista e
profundamente humana. O ativismo pelos elfos a acompanha durante vários anos nos
livros, até que na guerra final, os elfos de Hogwarts se juntam à batalha em grande parte
por sua causa. Todas essas alterações reforçam o ideal de feminino e de lugares onde
mulheres pertencem. De acordo com CARDOSO (2011), mulher e espaço privado têm
sido relacionados historicamente, já que em muitas sociedades suas funções eram de
cuidar da casa e reproduzir, e embora essa ideia venha sendo transformada, mulheres
ainda são vistas como as melhores para organizar e arrumar o lar, sendo assim elas até
podem ser brilhantes ou exercer profissões, contanto que isso não as tire de seu reinado
domiciliar e maternal.
Uma das cenas mais emblemáticas usadas para transmitir papéis de gênero é a
entrada das delegações de Beauxbatons e Durmstrang. Na literatura ambas as escolas
são mistas, sendo a primeira coordenada por uma mulher a segunda coordenada por um
homem. Ambas as escolas chegam a Hogwarts para o torneio tribruxo, um torneio de
jogos de guerra; elas entram no salão principal, são aplaudidas e se sentam. Na obra
cinematográfica Beauxbatons se torna uma escola somente para meninas e quando
entram no salão principal de Hogwarts o fazem executando passos de dança, soltando
borboletas e suspirando, e Durmstrang se torna uma escola só para meninos que entram
no salão principal com bastões, movimentos de luta e gritos de guerra. Esse episódio
tem, além de todas as questões citadas nesse texto, uma implicação para a visão que
temos de uma mulher competindo jogos de guerra. Fleur Delacour no livro é da escola
Beauxbatons e é escolhida para jogar contra os rapazes das outras duas escolas. Ela é
a campeã de sua escola mista, significando ter sido uma mulher melhor do que vários
homens para jogos de guerra. E mais à frente no filme aparece a já citada cena onde ela
tem um ataque de pânico na última prova. Demonstração nítida de que o sexo biológico
é encarado como um obstáculo para competições, como se corpos guerreiros não
pudessem ser constituídos por mulheres.
Por fim a heteronormatividade também atua, retirando cenas que possam parecer
alguma espécie de carinho entre dois homens, reafirmando as bordas da
heterossexualidade e definindo a quantidade de parceiros que uma mulher deve ter. A
luta entre Cedrico e Harry no labirinto, durante a última prova do torneio tribruxo só
existe no filme, no livro Harry ajuda Cedrico. No final Harry doa o prêmio que ganhou
pelo torneio para Fred e Jorge Weasley (é o dinheiro que eles usam para iniciar os
experimentos dos doces e para abrirem sua loja). Gina Weasley começa namorando
Miguel Corner, termina com esse e começa a namorar Dino Thomas, e quando esse
relacionamento acaba ela começa a namorar Harry. Rony, seu irmão, desaprova e tenta
envergonhá-la por ter trocado de namorado, entretanto ela não se abala e manda o
irmão cuidar da própria vida; essa retirada diminui muito a força dessa personagem e
seu desenvolvimento ao longo da história.
Malfeito feito
Gênero, heteronormatividade e questões sociais atravessam nossas construções
sociais e ao mesmo tempo são atravessados por elas. Os papéis de gênero e a
heteronormatividade se apresentam como linhas frágeis e borradas. Ao mesmo tempo
vemos como o poder do discurso atua regulando corpos e desejos, quando ao sinal de
que alguém cruzou uma fronteira evoca-se uma punição e faz-se isso à exaustão até
que o indivíduo deixe de ser tão desatento e se contenha dentro do espaço que todas
essas forças separaram para ele. Há também exemplos de seres que existem e
persistem perambulando por essas fronteiras, mesmo todo o discurso atuando, existem
como uma possibilidade, como seres que ao cruzar a fronteira passam a fazer parte
dela, passam a fazer parte do que delimita o que é constituído como o normal.
Referências Bibliográficas