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Ed. 01 / 2018
(https://contemporanea.pt/)
Numa entrevista ao Público, em Novembro de 2016, disse que o país conhecia mais
ou menos o CIAJG. Considera, um ano depois, que o conhece melhor?
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22/11/2019 Contemporânea — Entrevista a Nuno Faria
Como explica essa ausência dos críticos? Ainda se deverá à perceção de que as
coisas acontecem em Lisboa e no Porto e menos no resto do país? Essa dicotomia
em termos culturais ainda é uma realidade?
Talvez, apesar de haver uma maior abertura. Há mais lugares qualificados, com uma
programação constante, do que havia em 1997, quando o Instituto de Arte
Contemporânea se afirmou, e se verificou uma maior atenção do Estado
relativamente à arte contemporânea. Por outro lado, há pouco espaço nos jornais,
impõe-se uma seleção e é natural que os críticos, estando baseados em Lisboa,
deem mais atenção ao que acontece aí. Mas, em geral, a crítica em Portugal
encontra-se cerceada por falta de condições efetivas de independência, de
autonomia e de valorização. Considero muito revelador e relevante que quem faça
crítica, faça outras coisas, produzindo conhecimento, mas a crítica é um exercício
muito específico para o qual é preciso uma independência de afeições, de
compromissos, de cumplicidades. Em Portugal não há condições subjetivas para um
exercício crítico totalmente autónomo, há uma promiscuidade muito grande. Não
digo que essa promiscuidade seja negativa, porque existe um respeito mútuo entre
as pessoas, mas é sempre toldada por uma proximidade que considero excessiva.
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22/11/2019 Contemporânea — Entrevista a Nuno Faria
E de um ponto de vista…
Sim, um ponto de vista, mais que uma autoria, é verdade. Há questões que me
interessam muito e têm que ver com as coleções do centro. Uma delas é a
prevalência da potência da arqueologia sobre a história, para indagar o que se
passou. A arqueologia tem esta abordagem material, do toque, mais do que do olhar.
A mim interessa-me uma arte que não seja retiniana, com também me interessa a
questão do anonimato versus a autoria. Quero explorar este lastro anónimo da
produção de objetos artísticos. Em Janeiro, vamos dedicar a sexta edição dos
“Encontros para além da História” ao nascimento da arte e, em particular, ao livro
homónimo de George Bataille, sobre a caverna Lascaux. Aí serão debatidos o
apagamento da autoria, a ideia de uma arte que é extemporânea, que vem fora do
seu tempo, que surge sem tempo, sem origem precisa, que tem um fundamento mais
antropológico do que cultural ou estético. São temas que venho a trabalhar há algum
tempo, que anunciara aqui e ali, noutras exposições, e que se juntaram todos no
espaço do CIAJG, num projeto que me trouxe grande alegria e empolgamento. Numa
programação concebida por mim, estas questões passaram a ter um sentido mais
total. É uma linguagem que está ali. Por outro lado, interessam-me bastante os
universos artísticos que são mais marginais, ou que se conformam menos às
categorizações, que manifestam dúvidas ou ceticismos em relação a esta máquina
mediática associadas às instituições. O Otelo MF, a Mumtazz…
Pode-se afirmar que o trabalho do Nuno Faria tem vindo a contribuir para a
visibilidade desses artistas?
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22/11/2019 Contemporânea — Entrevista a Nuno Faria
Há aí um risco…
Sem dúvida e uma fratura. É isso que me interessa num museu. Ser um lugar
imponderável e só pensável a partir desta forma de visitação e presentificação que é
ativada pelo espectador. Por isso, digo que o museu é um espaço onde o espectador
se constitui, muito mais que um espaço que preserva ou mostra objetos.
Sim, exatamente. E essa experiência não acontece apenas num museu, mas também
na leitura de um livro. A experiência muda connosco, mas o livro permanece. Por isso,
gosto muito do museu clássico, porque é um museu onde as coisas não mudam.
Nesse sentido, o CIAJG é uma experiência espiritual, mas também é iminentemente
física, judicativa, estética e antropológica. E há poucos sítios onde isso acontece. O
museu não é um sítio de distração, mas de concentração, de contemplação.
Proporciona uma experiência de rotura na nossa experiência quotidiana em que
domina uma permanente distração. No centro, isso acontece não apenas na
apresentação das obras, mas numa dimensão mais existencial, na forma como o ar é
um elo transmissor entre várias épocas. É um elemento que une o espaço ao
visitante, ao espectador.
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22/11/2019 Contemporânea — Entrevista a Nuno Faria
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Guimarães é uma cidade de média dimensão que tem no seu centro vários espaços
culturais e artísticos. Esse é um aspeto é muito aliciante, em termos de
acessibilidade aos lugares. De que forma esta realidade se articula com o fenómeno
da turistificação e com a sensibilização difícil e laboriosa dos públicos para a arte
contemporânea?
Guimarães é uma cidade com um forte apelo turístico, mas o excesso de turismo
ainda se sente pouco. Entretanto, foi desenvolvendo uma sensibilidade à cultura
contemporânea e criando um conjunto de equipamentos, como o Centro Cultural Vila
Flor, o CIAJG, a Casa da Memória, o Centro para os Assuntos da Arte e Arquitetura.
Mas a sua massa crítica não é muito expandida. Está a formá-la, com um trabalho de
fundo desde 2012, com a Capital Europeia da Cultura, que vai dar frutos, assim se
mantenha esta realidade. É, também, uma cidade que quer ser cada vez mais
marcante no ensino artístico, há uma ligação com a universidade cada vez mais
forte. Agora, sinto que em Lisboa teria outra ressonância crítica, outro número de
visitantes. Recordo que aquelas coleções são muito qualificadas. Por exemplo, a
coleção de arte africana está entre as muito boas coleções internacionais do género.
Não é uma coleção menor. Portanto, com outra visibilidade, o centro já teria dado
outro salto, até qualitativo. Dito isto, numa cidade ainda preservada da gentrificação,
em que os ritmos são mais saudáveis, ter um espaço como o CIAG é um luxo, e a
fruição talvez seja mais plena, mas falta o centro ser entendido como um lugar
indispensável à vida quotidiana das pessoas.
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22/11/2019 Contemporânea — Entrevista a Nuno Faria
Há um interesse meu e são questões que têm que ver com as coisas que ali temos,
com as culturas que ali estão guardadas.
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22/11/2019 Contemporânea — Entrevista a Nuno Faria
Perguntava-se sobre o que iria fazer quando já não estivesse no CIAJG. Que os
outros projetos gostaria de desenvolver? Ed. 01 / 2018
(https://contemporanea.pt/)
Estou muito comprometido com o CIAJG, mas tenho o cuidado de não me sentir
dependente de nenhum projeto. É saudável termos o sentido da precariedade,
porque ela existe no nosso meio artístico. Mas uma instituição como CIAJG não deve
produzir apenas exposições, sobretudo, deve produzir conhecimento. Nesse sentido,
há muito trabalho a fazer. É importante que instituições como esta sejam recetoras
da massa humana, de pessoas que trabalhem na área. O projeto deve ter a marca de
uma programação forte, mas não quero que seja fulanizado. Idiossincrático é
seguramente, mas considero importante que se constitua uma equipa própria de
curadores, de investigadores. Esse é uma das tarefas que gostava de ver cumprida
quando um dia sair do Centro. Agora, interesso-me por projetos de diferentes
escalas, por questões mais relacionadas com a investigação. Quero ter tempo de
escrever, de editar coisas. Tenho projetos com outras pessoas que não podem
coincidir com o trabalho no Centro. Estão ligados ao campo da edição e ao contexto
de um trabalho mais próximos dos artistas. É possível que o meu próximo projeto
venha a ter uma escala mais pequena, mais cirúrgica. Mas neste momento não estou
a pensar no que irei fazer depois do CIAJG. Este é tão absorvente que exige uma
dedicação muito grande, sendo que as outras coisas que faço, no campo da
curadoria, são importantes para poder ter outro tipo de respiração…
José Marmeleira
Jornalista e crítico nas áreas da música pop e da arte
contemporânea. Colabora no jornal Público e na revista
Time Out Lisboa. Lecciona Fundamentos do Jornalismo na
Universidade Europeia e está a realizar o doutoramento
em Sociologia no Instituto de Ciências Sociais (ICS UNL).
CIAJG - Centro Internacional das Artes José de Guimarães
(http://www.ciajg.pt/)
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22/11/2019 Contemporânea — Entrevista a Nuno Faria
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