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22/11/2019 Contemporânea — Entrevista a Nuno Faria

Ed. 01 / 2018
(https://contemporanea.pt/)

Entrevista a Nuno Faria

— por José Marmeleira

"Gosto de explorar o museu como um lugar onde o


espectador se constitui."

Há cinco anos na direcção artística do Centro Internacional das Artes José de


Guimarães (CIAJG), Nuno Faria conversou com José Marmeleira sobre a realidade que
a sua programação tem construído. Guiada por ideias, gostos, aspirações, com as
obras e os artistas.

Numa entrevista ao Público, em Novembro de 2016, disse que o país conhecia mais
ou menos o CIAJG. Considera, um ano depois, que o conhece melhor?
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22/11/2019 Contemporânea — Entrevista a Nuno Faria

Uma das melhores medidas de notoriedade de um lugar, sobretudo no âmbito da


cultura, é quando as pessoas sabem que existe. Desse ponto de vista, o CIAJGEd. 01 / 2018
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no mapa, tem uma intensidade e energia que são reconhecidas. Há pessoas que o
visitaram mais que uma vez, que usufruem dele. Portanto, a minha impressão, muito
parcial, é a de que o museu goza de um certo prestígio, que o trabalho que
realizámos tem uma certa originalidade. Também já desperta alguns ódios de
estimação, o que significa que tem uma programação com personalidade. Mas ainda
não encontrou a frequência de visitas que gostaríamos que tivesse. E dou um
exemplo: em 2017, nenhum dos críticos dos jornais portugueses que regularmente
acompanha as exposições de arte, visitou o CIAJG. Isso quer dizer que é um sítio que
ainda está num limbo.

Como explica essa ausência dos críticos? Ainda se deverá à perceção de que as
coisas acontecem em Lisboa e no Porto e menos no resto do país? Essa dicotomia
em termos culturais ainda é uma realidade?

Talvez, apesar de haver uma maior abertura. Há mais lugares qualificados, com uma
programação constante, do que havia em 1997, quando o Instituto de Arte
Contemporânea se afirmou, e se verificou uma maior atenção do Estado
relativamente à arte contemporânea. Por outro lado, há pouco espaço nos jornais,
impõe-se uma seleção e é natural que os críticos, estando baseados em Lisboa,
deem mais atenção ao que acontece aí. Mas, em geral, a crítica em Portugal
encontra-se cerceada por falta de condições efetivas de independência, de
autonomia e de valorização. Considero muito revelador e relevante que quem faça
crítica, faça outras coisas, produzindo conhecimento, mas a crítica é um exercício
muito específico para o qual é preciso uma independência de afeições, de
compromissos, de cumplicidades. Em Portugal não há condições subjetivas para um
exercício crítico totalmente autónomo, há uma promiscuidade muito grande. Não
digo que essa promiscuidade seja negativa, porque existe um respeito mútuo entre
as pessoas, mas é sempre toldada por uma proximidade que considero excessiva.

Não podem as escolhas ser determinadas essencialmente por uma questão de


gosto?

O gosto está no âmago da crítica, desde o Baudelaire. E é essa a crítica que me


interessa, uma crítica de gosto, mas feita de uma forma lapidar. Creio que o contexto
artístico em Portugal é muito pouco ordenado. Há muitas situações híbridas, e não
me excluo dessa hibridez. Mas sinto, também, que a diversidade da produção
artística e das diferentes formas de visibilidade que ela vai tendo, se encontra muito
mal coberta do ponto de vista crítico. Claro que há condicionamentos, mas a
diversidade do meio não está devidamente plasmada no retorno crítico.

Sobretudo, nos últimos dois anos, tem-se notado no CIAJG, em termo programáticos,


a afirmação de um certo enquadramento de sensibilidades, de universos artísticos,
de temas como o animismo, o xamanismo, o desenho, uma certa evocação do mundo
natural, a arte dos não-artistas. Há uma identidade que se vai tornando percetível
nas exposições que o CIAJG apresenta…

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Concordo, essa leitura é interessante. A programação regular do centro começou em


2014 e os
(https:/ dois anos anteriores foram anos de constituição do centro, com a Ed. 01 / 2018
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exposição inaugural, Para além da história, a anunciar um mapa que viria seria
explorado. Houve, em seguida, As lições da escuridão que já se aproximava mais do
formato que queríamos desenvolver. Em 2014, e no ano seguinte, já fizemos
exposições que são muito marcantes das questões que refere. Refiro-me a Ernesto
de Sousa e a Arte Popular, Carlos Relvas - Um homem tem duas sombras, Inquéritos
ao Território: Paisagem e Povoamento, Oracular Spectacular, desenho e animismo.
Já introduzem esses tópicos que serão aprofundados e disseminados noutros
momentos. Pergunto-me, por vezes, sobre o que farei quando não estiver a
programar o centro…esta é uma programação muito específica. Resulta de um
trabalho de raíz, concebido desde o início por mim e outras pessoas, em diálogo com
o José de Guimarães. Talvez se possa falar, por isso, de uma autoria muito marcada…

E de um ponto de vista…

Sim, um ponto de vista, mais que uma autoria, é verdade. Há questões que me
interessam muito e têm que ver com as coleções do centro. Uma delas é a
prevalência da potência da arqueologia sobre a história, para indagar o que se
passou. A arqueologia tem esta abordagem material, do toque, mais do que do olhar.
A mim interessa-me uma arte que não seja retiniana, com também me interessa a
questão do anonimato versus a autoria. Quero explorar este lastro anónimo da
produção de objetos artísticos. Em Janeiro, vamos dedicar a sexta edição dos
“Encontros para além da História” ao nascimento da arte e, em particular, ao livro
homónimo de George Bataille, sobre a caverna Lascaux. Aí serão debatidos o
apagamento da autoria, a ideia de uma arte que é extemporânea, que vem fora do
seu tempo, que surge sem tempo, sem origem precisa, que tem um fundamento mais
antropológico do que cultural ou estético. São temas que venho a trabalhar há algum
tempo, que anunciara aqui e ali, noutras exposições, e que se juntaram todos no
espaço do CIAJG, num projeto que me trouxe grande alegria e empolgamento. Numa
programação concebida por mim, estas questões passaram a ter um sentido mais
total. É uma linguagem que está ali. Por outro lado, interessam-me bastante os
universos artísticos que são mais marginais, ou que se conformam menos às
categorizações, que manifestam dúvidas ou ceticismos em relação a esta máquina
mediática associadas às instituições. O Otelo MF, a Mumtazz…

Pode-se afirmar que o trabalho do Nuno Faria tem vindo a contribuir para a
visibilidade desses artistas?

Sim, com outras pessoas. Já trabalhara com o Otelo MF em 2008, no Algarve, e


colaborámos juntos em vários momentos que culminaram na exposição na
Culturgest do Porto, em 2016 e, mais recentemente, na Galeria Zé dos Bois. A
Mumtazz, o António Poppe, o Thierry Simões, a Andreia Brandão, a Laetitia Morais
são outros artistas com os quais tenho vindo a trabalhar. Há um conjunto de artistas
cujo trabalho é muito marcado por aquele contexto. Por exemplo, na exposição que
fez no CIAJG, o Edgar Martins ampliou muito os próprios modos de apresentação e
de produção. Mas também gosto de explorar a ideia do museu, não tanto como mero

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repositório de objetos, mas como um lugar onde o espectador se constitui. Aí, os


objetos são pontos de ancoragem, elos transmissores, objetos transitivos queEd. 01 / 2018
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uma ligação entre lugares, consciências. Tenho a ambição que o centro seja um
museu dos museus. Por um lado, é uma herança de várias outras coisas que fui
vendo, por outro, escrutina-se de forma muito cuidadosa e subterrânea como lugar
estranho, quase implausível e que só o visitante torna possível. É ele quem aceita
que naquele espaço convivam objetos que provavelmente não foram feitos para se
encontrarem, que foram roubados à escuridão. Nesse sentido, trata-se de um lugar
que exerce violência sobre os objetos, os usos, a sacralidade e o secretismo de
alguns gestos. O museu vive de um paradoxo e tem que o suportar, o paradoxo de
querer dar a ver e preservar objetos que não foram feitos para serem vistos…

Há aí um risco…

Sem dúvida e uma fratura. É isso que me interessa num museu. Ser um lugar
imponderável e só pensável a partir desta forma de visitação e presentificação que é
ativada pelo espectador. Por isso, digo que o museu é um espaço onde o espectador
se constitui, muito mais que um espaço que preserva ou mostra objetos.

Esse museu solicita um espectador exigente….

O museu é um espaço que veio substituir outros espaços, espaços de sacralidade.


Nele, o espectador tem ser exigente consigo próprio. Uma das coisas que sempre me
fascinou nos museus foi a possibilidade de ver um só objeto ao longo dos tempos.
Porque ver as coisas não é a única experiência que o museu nos proporciona, ele
também nos dá a medida do tempo que passa sobre nós, o das nossas próprias
transformações…

A objetividade das coisas contra a nossa subjetividade…

Sim, exatamente. E essa experiência não acontece apenas num museu, mas também
na leitura de um livro. A experiência muda connosco, mas o livro permanece. Por isso,
gosto muito do museu clássico, porque é um museu onde as coisas não mudam.
Nesse sentido, o CIAJG é uma experiência espiritual, mas também é iminentemente
física, judicativa, estética e antropológica. E há poucos sítios onde isso acontece. O
museu não é um sítio de distração, mas de concentração, de contemplação.
Proporciona uma experiência de rotura na nossa experiência quotidiana em que
domina uma permanente distração. No centro, isso acontece não apenas na
apresentação das obras, mas numa dimensão mais existencial, na forma como o ar é
um elo transmissor entre várias épocas. É um elemento que une o espaço ao
visitante, ao espectador.

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Guimarães é uma cidade de média dimensão que tem no seu centro vários espaços
culturais e artísticos. Esse é um aspeto é muito aliciante, em termos de
acessibilidade aos lugares. De que forma esta realidade se articula com o fenómeno
da turistificação e com a sensibilização difícil e laboriosa dos públicos para a arte
contemporânea?

Guimarães é uma cidade com um forte apelo turístico, mas o excesso de turismo
ainda se sente pouco. Entretanto, foi desenvolvendo uma sensibilidade à cultura
contemporânea e criando um conjunto de equipamentos, como o Centro Cultural Vila
Flor, o CIAJG, a Casa da Memória, o Centro para os Assuntos da Arte e Arquitetura.
Mas a sua massa crítica não é muito expandida. Está a formá-la, com um trabalho de
fundo desde 2012, com a Capital Europeia da Cultura, que vai dar frutos, assim se
mantenha esta realidade. É, também, uma cidade que quer ser cada vez mais
marcante no ensino artístico, há uma ligação com a universidade cada vez mais
forte. Agora, sinto que em Lisboa teria outra ressonância crítica, outro número de
visitantes. Recordo que aquelas coleções são muito qualificadas. Por exemplo, a
coleção de arte africana está entre as muito boas coleções internacionais do género.
Não é uma coleção menor. Portanto, com outra visibilidade, o centro já teria dado
outro salto, até qualitativo. Dito isto, numa cidade ainda preservada da gentrificação,
em que os ritmos são mais saudáveis, ter um espaço como o CIAG é um luxo, e a
fruição talvez seja mais plena, mas falta o centro ser entendido como um lugar
indispensável à vida quotidiana das pessoas.

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De que modo os artistas têm trabalhado a colecção José de Guimarães?


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É muito frequente haver uma primeira intervenção mais pontual na coleções, para
depois haver um trabalho de fundo com cada artista. Aconteceu isso com o Vasco
Araújo, pela relação que o seu trabalho tem com o colonialismo e o pós-colonialismo,
que também interessam ao Centro. Aconteceu com a Filipa César, com o Daniel
Barroca, com f.marquespenteado. E com artistas que, à partida, não teriam uma
relação forte com aquele lugar, como foi o caso de Edgar Martins. O arquivo e o
mapeamento da morte foram temas que trabalhámos e a sua abordagem, em termos
de investigação e documentação, revelou-se muito próxima de questões que são
sensíveis ao centro. A nossa programação é bastante lata. Há uma diversidade
grande de propostas artísticas, mas é um ponto muito importante haver uma relação
com temas como o animismo, o xamanismo, a contracultura…

Há um interesse por esses tópicos…

Há um interesse meu e são questões que têm que ver com as coisas que ali temos,
com as culturas que ali estão guardadas.

O desenho tem sido outro campo muito explorado…

O desenho interessa-me, como a fotografia também me interessa. São disciplinas


que, de uma certa forma, são indisciplinas. São meios muitos ligados ao universo
artístico, mas que estão nas margens. Interessam-me como linguagens
protoartísticas, como membranas que estão entre tempos, entre lugares, que são
fantasmagóricas. E também, muitas vezes, como segmentos, partes das obras dos
artistas que são consideradas menores e invisíveis e onde se vê a raíz ou a verdade
da obra, da linguagem dos próprios artistas.

Em que medida o encontro do Nuno Faria com a coleção e o património arqueológico


da região contribuiu para a definição programática da curadoria?

A programação pode ser vista como um afloramento de um conjunto de questões


que me interessam há muitos anos e que foram sendo refinadas, retrabalhadas.
Quando olho para trás, encontro ideias que acabaram exploradas e aprofundadas de
uma forma mais expandida, instrumental e concentrada no CIAJG. O projeto é feito
com um conjunto de objetos que tínhamos, mas, também, com um território que
ocupámos. Desde o início que procurámos esta convivência entre os fetiches da arte
africana e os objetos da região, como os ex-votos em cera. Esta relação entre a
estranheza e a familiaridade, entre a proximidade e a distância, entre a autoria e o
anonimato, ficaram muito postas em casa. O programa junta estas coisas todas e,
por isso, expande e, ao mesmo tempo, coloca em causa os próprios fundamentos da
autoria da arte contemporânea. Por isso, é um sítio muito desafiador e
eminentemente crítico do processo canibalístico da produção artista
contemporânea. É um sítio um bocadinho alienígena e que, ao mesmo tempo vai aos
fundamentos da coisa.

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Perguntava-se sobre o que iria fazer quando já não estivesse no CIAJG. Que os
outros projetos gostaria de desenvolver? Ed. 01 / 2018
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Estou muito comprometido com o CIAJG, mas tenho o cuidado de não me sentir
dependente de nenhum projeto. É saudável termos o sentido da precariedade,
porque ela existe no nosso meio artístico. Mas uma instituição como CIAJG não deve
produzir apenas exposições, sobretudo, deve produzir conhecimento. Nesse sentido,
há muito trabalho a fazer. É importante que instituições como esta sejam recetoras
da massa humana, de pessoas que trabalhem na área. O projeto deve ter a marca de
uma programação forte, mas não quero que seja fulanizado. Idiossincrático é
seguramente, mas considero importante que se constitua uma equipa própria de
curadores, de investigadores. Esse é uma das tarefas que gostava de ver cumprida
quando um dia sair do Centro. Agora, interesso-me por projetos de diferentes
escalas, por questões mais relacionadas com a investigação. Quero ter tempo de
escrever, de editar coisas. Tenho projetos com outras pessoas que não podem
coincidir com o trabalho no Centro. Estão ligados ao campo da edição e ao contexto
de um trabalho mais próximos dos artistas. É possível que o meu próximo projeto
venha a ter uma escala mais pequena, mais cirúrgica. Mas neste momento não estou
a pensar no que irei fazer depois do CIAJG. Este é tão absorvente que exige uma
dedicação muito grande, sendo que as outras coisas que faço, no campo da
curadoria, são importantes para poder ter outro tipo de respiração…

José Marmeleira
Jornalista e crítico nas áreas da música pop e da arte
contemporânea. Colabora no jornal Público e na revista
Time Out Lisboa. Lecciona Fundamentos do Jornalismo na
Universidade Europeia e está a realizar o doutoramento
em Sociologia no Instituto de Ciências Sociais (ICS UNL).
 
CIAJG - Centro Internacional das Artes José de Guimarães
(http://www.ciajg.pt/)
 
 

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Imagens: Cortesia de CIAJG. Fotografias: Vasco Célio e


Ricardo Nascimento/Stills. 

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