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IDE E FAZEI

DISCÍPULOS

OS DESAFIOS DA EVANGELIZAÇÃO

Produzido pela CASA DA BÍBLIA


Sérgio para:
Matos
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Título: IDE E FAZEI DISCÍPULOS — OS DESAFIOS DA EVANGELIZAÇÃO


Autor: Sérgio Matos
Tema: BÍBLIA; EVANGELISMO
Categoria: RELIGIÃO
Data da 1ª edição: 2017

_________________________

II
Índice

Introdução 2

1 A gloriosa missão da Igreja 5

2 O grande Evangelista 31

3 Evangelização, prioridade máxima 19

4 Evangelização e santificação 43

5 Evangelização e batalha espiritual 51

6 Discipulado, segredo da evangelização 65


com frutos

7 Evangelização e crescimento numérico 81

Conclusão 91
Aos irmãos, que tanto me têm ensinado e inspirado,

que todos os dias batalham valorosamente

na evangelização do nosso País.


INTRODUÇÃO

Este livro resulta da experiência de evangelização realizada


em conjunto com muitos irmãos ao longo dos anos. Não é
portanto um livro teórico, uma vez que reflete essa
aprendizagem que temos vindo a fazer com as Igrejas com
que temos convivido. As reflexões que a seguir expomos
pretendem, de forma especial, constituir o quadro de
referência dos Cursos de Formação em Evangelismo e
Liderança (CFEL), que têm vindo a ser ministrados
recentemente.
Abordamos aqui alguns dos princípios bíblicos fundamentais
da evangelização, que não devem ser confundidos com
estratégias e métodos práticos (a que nos referiremos apenas
de forma superficial). Estes últimos, por mais importantes que
sejam, devem resultar dos primeiros, sob risco de a
evangelização se transformar numa mecânica difícil de
entender e justificar.
Ao escrever, tivemos sempre em mente a realidade do nosso
País, que é complexa. Somos, por um lado, uma nação antiga,
zelosa das suas tradições e cerceada por fortes
condicionamentos religiosos e culturais. Por outro lado,
estamos em rápida transição para um modelo novo de
sociedade. Esse modelo, de que nos aproximamos cada vez
mais, é o que já há décadas se tem afirmado na Europa e no
Ocidente em geral e que nos configura como uma sociedade
pós-cristã e, em aspetos fundamentais, declaradamente anti-
cristã.

2
As Igrejas bíblicas nacionais vivem por isso uma situação
paradoxal nos nossos dias. Por um lado, sofrem o preconceito
religioso, que discrimina aqueles que não seguem a Igreja
tradicional oficial. Por outro, enfrentam, sobretudo em meios
urbanos, a emergência de uma geração pós-cristã e neo-pagã
que, à semelhança do que sucede no chamado ocidente
cristão, nega os pressupostos mais básicos da fé. Por isso, a
Igreja vive hoje, inegavelmente, “tempos trabalhosos” (2 Tim.
3:1), pouco propícios à atividade de propagação do
Evangelho. Qualquer tentativa de procurar levar alguém a
uma conversão a Cristo corre mesmo o risco de ofender a
cultura prevalecente.
Mas esta realidade não deve justificar qualquer falta de
empenhamento da Igreja de Cristo na batalha pela salvação
de almas. A Igreja apostólica dos primeiros séculos enfrentou
desafios maiores e sabemos como obteve vitórias gloriosas.
Se há uma ideia chave que atravessa todo este livro é a recusa
à auto indulgência, acentuando o nosso dever e privilégio de,
neste tempo profético, cumprirmos com fidelidade a nossa
missão. Deus escolheu-nos para proclamarmos as boas novas
da salvação neste país a esta geração, no preciso contexto
histórico e profético em que vivemos — e não outro. Como
Mardoqueu lembrou à rainha Ester, “quem sabe se para tal
tempo como este chegaste a este reino?” (Ester 4:14).
O crescimento das igrejas evangélicas (igrejas bíblicas de
modelo neo-testamentário) no nosso país tem sido muito
insatisfatório. Procurar números mais reconfortantes, que
glorifiquem a Deus, é legítimo e necessário, e depende em
larga medida da fé e do labor de cada um de nós. Vivemos
talvez um rara oportunidade de fazer prosperar a seara como

3
nunca antes. Temos de aproveitar o resto de dia que ainda
vivemos antes de a noite descer definitivamente (João 9:4).
Por isso, as páginas que se seguem foram escritas com um
sentimento de urgência. Cristo vai voltar em breve e o tempo
de que a Igreja dispõe é escasso. Que Deus nos ajude a remir
esse bem precioso (Ef. 5:16), dedicando-nos de coração à
evangelização, certamente a tarefa mais desafiadora e mais
gratificante de toda a nossa vida.


4
1 | A GLORIOSA MISSÃO DA IGREJA

“E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a


toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; mas quem
não crer será condenado.” Marcos 16:15,16
“Deus deu aos crentes a responsabilidade de espalhar o
Evangelho por todo o mundo, e nós precisamos de usar tudo
o que temos ao nosso dispor para realizar essa tarefa”.
Theodore Epp

Há uma história que, apesar de fantasiosa, tem o mérito de


nos ajudar a compreender a nossa responsabilidade e o nosso
privilégio de anunciadores das boas novas da salvação.
Nessa história imagina-se um diálogo entre o Senhor, logo
após a sua ascensão aos céus, e os anjos. O Senhor narrou
aos seres celestiais, ávidos de informação, como tinha sido a
sua vida na terra. De forma especialmente carinhosa, contou-
lhes como tinha escolhido doze discípulos, a quem ensinou e
que formou com todo o desvelo. Um deles, desgaçadamente,
tinha-o traído, mas permaneceram onze fiéis. Um deles, no
entanto, temendo ser denunciado por uma criada, chegou a
negar por três vezes que o conhecia. E os restantes, quando
foi preso e levado à cruz, praticamente acabaram todos por
fugir, cheios de medo, e abandonaram-no. Mas tudo isso
passou quando chegou o terceiro dia e a vitória da
ressurreição. Todos foram perdoados e restaurados pelo amor
do Mestre.

5
Nesse momento, os anjos irromperam em louvor ao Rei dos
reis. Não cessavam de comentar, maravilhados, a vitória
extraordinária do Filho de Deus, ao triunfar na cruz e ao
derrotar a própria morte levantando-se de entre os mortos!
Passado algum tempo, inquiriram:
— “Senhor, e como irão os homens na terra beneficiar da
grande salvação que conquistaste para eles?”
Sem qualquer hesitação, o Rei respondeu que seria através da
pregação das boas novas, que deveriam ser propagadas por
todo o mundo. Quem cresse seria salvo, sem que importasse
o seu estado aos olhos do Pai.
Os anjos mais uma vez se maravilharam, encantados com
tamanha graça e tão elevada sabedoria. Durante algum
tempo conferenciaram entre si, discutindo algum assunto que
visivelmente não tinham coragem de expor ao Rei.
Finalmente, um deles, bem conhecido e respeitado, guerreiro
valente de muitas batalhas, interpelou o Senhor, curvando-se
humildemente perante o trono:
— “Senhor, perdoa a nossa curiosidade. Mas supomos que
ainda te falta confirmar um último detalhe do teu maravilhoso
plano. Quem irá anunciar aos habitantes da terra que podem
escapar da condenação e gozar vida eterna na tua presença?
Quem será o portador dessas Boas Novas?”
Houve um sussurro entre os anjos e o porta-voz, ganhando
coragem, insistiu:
— “Seremos nós, Senhor? Oh! como nos deleitaria cumprir
essa sublime missão! É esse o teu plano, ó Rei dos reis?”
O Senhor sorriu e respondeu:

6
— “Não. Esquecestes que eu separei homens para serem
meus discípulos e que os treinei durante três anos? Vós, seres
celestiais, ministrareis em favor dos que hão-de herdar a
salvação, mas não vos competirá a missão de anunciar as
boas novas do meu reino. Aqueles que vão ter essa gloriosa
responsabilidade serão os meus discípulos. O Espírito Santo
estará com eles e eles mesmos levarão o evangelho até aos
confins da terra!”
Houve um burburinho que, sem chegar a ser desrespeitoso,
era pouco usual. Os anjos comentavam entre si como seria
possível que criaturas tão pouco fiáveis como aqueles
discípulos, que tinham traído e negado o seu Mestre e que o
tinham abandonado quando este mais precisava deles,
pudessem receber o encargo de tamanha responsabilidade.
Finalmente um deles, encurvando-se e cobrindo
temerosamente o rosto, expressou o que todos pensavam:
—“Ó Rei dos reis, não te ires com a nossa pergunta, porque
bem sabemos que é bom e perfeito tudo quanto fazes.
Apenas te queremos perguntar: e se eles falharem, que outro
plano tens concebido na tua infinita sabedoria?”
Os céus iluminaram-se ainda mais, como se o sol brilhasse
com uma força redobrada. Quando o Rei respondeu, a glória
da sua voz era tão intensa que todos os seres celestiais se
prostraram, ao escutar as palavras definitivas do Senhor:
— “Não tenho outro plano. Eu confio nos meus discípulos.
Eles não vão falhar.”

7
O MINISTÉRIO DA RECONCILIAÇÃO
Deus não tem um plano B para salvar a humanidade. Ele
escolheu-nos a nós para esta missão — obviamente auxiliados
pelo Espírito Santo, sem o qual o desempenho da tarefa seria
impossível. Ao longo dos séculos, todas as gerações da Igreja
têm enfrentado o mesmo dilema, que hoje se torna nosso:
vamos frustrar a confiança que o Mestre deposita em nós,
seus discípulos, ou vamos honrá-la, dando o melhor das
nossas vidas para lhe obedecer?
Muitos servos do passado reconheceram que o trabalho de
salvação de almas é o mais importante da vida do cristão.
Charles Finney, famoso avivalista e evangelista do séc. 19,
escreveu:
“A grande ocupação de cada cristão é salvar vidas.
As pessoas queixam-se de que não sabem como
podem desmpenhar esta tarefa. Porquê? A resposta
é muito simples: nunca estudaram como o fazer.
Nunca se deram ao trabalho necessário para se
qualificarem para esse trabalho. Se o leitor não
considerar como matéria de estudo a questão de
saber como pode com sucesso edificar o reino de
Cristo, estará como Cristão a agir de forma
malévola e absurda.” 1
A Bíblia descreve nas suas páginas a maior alegria que existe
no universo e também a maior dor. Nada provoca maior
alegria na eternidade do que a salvação de um pecador:

1 Charles G. Finney, Lectures on revival [Preleções sobre reavivamento].


Revival Press, 2006 [1835].

8
“Digo-vos que assim haverá alegria no céu por um
pecador que se arrepende, mais do que por
noventa e nove justos que não necessitam de
arrependimento.” Lucas 15:7
O Senhor Jesus comentou com os discípulos, quando estes
regressaram de uma expedição evangelística durante a qual
tinham visto maravilhas e sinais acontecer:
“Mas, não vos alegreis porque se vos sujeitem os
espíritos; alegrai-vos antes por estarem os vossos
nomes escritos nos céus.” Lucas 10:20
Não há maior alegria do que esta: ter o nome escrito do Livro
da Vida. Mas a mesma Bíblia descreve a maior dor que se
pode imaginar:
“E aquele que não foi achado escrito no livro da
vida foi lançado no lago de fogo.” Apocalipse 20:15
O lago de fogo, ou o inferno, foi criado para o diabo e os
seus anjos, não para os seres humanos. Todavia, a louca
decisão de rejeitar a Cristo e seguir a serpente enganadora
conduz inevitavelmente o homem a esse terrível destino
eterno. Alguém é capaz de imaginar o que será escutar da
boca do Salvador, que julgará os vivos e os mortos (2 Timóteo
4:1), estas terríveis palavras?
“Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno,
preparado para o diabo e seus anjos.” Mateus
25:41
A nossa missão na terra é esta: advertir os incautos que se
encaminham para a perdição, apontando-lhes um outro
caminho, que conduz à salvação e felicidade eterna. Fazemos
esse convite em representação do próprio Senhor; nesse

9
sentido, somos embaixadores de Cristo, como Paulo escreve
numa célebre passagem que todo o evangelista deveria
conhecer bem:
“Deus estava em Cristo reconciliando consigo o
mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs
em nós a palavra da reconciliação. De sorte que
somos embaixadores da parte de Cristo, como se
Deus por nós rogasse. Rogamo-vos, pois, da parte
de Cristo, que vos reconcilieis com Deus.” 2
Coríntios 5:20
Há duas coisas a notar neste extraordinário texto: a primeira é
que era usual, antes de uma guerra onde havia uma grande
desvantagem para um dos lados, que fosse enviado um
embaixador à parte mais fraca, propondo uma rendição. Mas
aqui a proposta é de reconciliação — como se Deus
abdicasse do seu poder, infinitamente superior ao dos
pecadores, e do seu direito de os punir justamente, para lhes
oferecer, magnanimamente, perdão completo (“não lhes
imputando os seus pecados”) e a possibilidade de
restabelecer o relacionamento quebrado com Ele (“Deus
estava em Cristo reconciliando consigo o mundo”).
O segundo aspeto, igualmente notável, é que Cristo coloca-
se numa posição de humildade, ao “rogar” ao pecador que
aceite a reconciliação. Essa mesma deve ser a nossa atitude:
“Rogamo-vos, pois, da parte de Cristo, que vos reconcilieis
com Deus.” E se a mensagem da reconciliação não for aceite?
Então virá o inevitável juízo e condenação, mas cabe-nos lutar
para que o maior número possível dos nossos semelhantes
escape a esse funesto destino, suplicando-lhes, se necessário,
que aceitem a proposta divina de reconciliação.

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Será que estamos apercebidos da grandeza e da seriedade
da nossa função no mundo? É este o “ministério da
reconciliação” (2 Cor. 5:18) que Deus nos confiou. John
MacArthur2 comenta assim esta gloriosa missão:
“É portanto nosso dever dizer às pessoas que se
podem reconciliar com Deus. A nossa missão [é]
levar a mensagem da reconciliação aos pecadores,
pregar-lhes o evangelho, as boas novas, [dizendo-
lhes] que a relação de hostilidade, a relação de
ódio, a relação de animosidade, a relação de
inimizade, a relação de alienação entre Deus e o
homem pecador podem ser completamente
alteradas, de modo a que inimigos possam tornar-
se para sempre amigos. É este o evangelho. São
estas as boas novas. É possível aos pecadores
reconciliarem-se com Deus. E a nossa chamada é
pregar esta reconciliação”.
Sem esta visão do valor eterno de uma alma, dificilmente o
cristão deixará o conforto da sua posição para evangelizar e,
por essa via, correr o risco de ser mal compreendido, troçado,
rejeitado e até perseguido. Pelo contrário, quando
compreendemos o quanto depende de nós na tarefa da
salvação de almas preciosas, nada será mais importante na
nossa vida do que esta missão. Afinal, Deus não tem um
plano B e o nosso Mestre confia em nós para a levarmos a
cabo.

2 [Online] http://www.gty.org/Resources/Sermons/47-38.

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PRINCÍPIOS VÊM ANTES DE MODELOS
Recentemente foi realizado um inquérito nos Estados Unidos
entre líderes evangélicos, procurando averiguar a razão por
que o número de conversões (traduzida em batismos) tinha
diminuído drasticamente nas últimas décadas.3 As principais
15 razões apresentadas foram as seguintes:
1. Os cristãos não têm o sentido da urgência de alcançar os
perdidos.

2. Muitos crentes e membros de Igreja não convivem nem


passam tempo com não-salvos.

3. Muitos crentes e membros de Igreja são preguiçosos e


apáticos.

4. Somos mais conhecidos por aquilo que aparentamos ser em


vez de por aquilo em que acreditamos.

5. As nossas igrejas seguem uma estratégia evangelística


ineficiente do tipo “eles virão até nós” em vez de “nós
devemos ir até eles”.

6. A membresia da igreja está hoje mais preocupada em retirar


benefícios para necessidades pessoais do que em alcançar
os perdidos.

7. Muitos membros de Igreja pensam que evangelizar é função


do pastor e do pessoal contratado.

8. Os membros da Igreja estão em modo de retirada, à


medida que a cultura se torna mais mundana e antibíblica.

9. Muitos membros de Igreja não acreditam de facto que


Cristo é o único caminho para a salvação.

3 Inquérito conduzido por T. Rainer [online]: http://thomrainer.com/2015/02/


fifteen-reasons-churches-less-evangelistic-today/

12
10. As nossas igrejas deixaram de ser casas de oração
preparadas para alcançar os perdidos.

11. As igrejas perderam o foco de fazerem discípulos que por


sua vez serão equipados e motivados para alcançar os
perdidos.

12. Os cristãos não querem partilhar a verdade do evangelho


com medo de ofender os outros. O politicamente correto é
excessivamente comum mesmo entre cristãos.

13. A maioria das igrejas tem como membros pessoas não


regeneradas, isto é, que elas mesmas não receberam Cristo.

14. Algumas igrejas têm sistemas teológicos que não encorajam


a evangelização.

15. As nossas igrejas têm demasiadas atividades; estão


ocupadas demais para fazerem o que realmente é
importante.

É este o diagnóstico de muitas igrejas de hoje. Podemos não


nos reconhecer em vários aspetos deste retrato, mas temos
de aceitar com humildade o facto de estarmos muito aquém
do desejável no que toca à evangelização.
Poderíamos talvez acrescentar uma 16ª razão à lista acima
apresentada: a excessiva preocupação com modelos de
evangelização, fórmulas e atividades. A verdade é que, como
certa vez observou Leonard Ravenhill, “qualquer método de
evangelização funciona se Deus estiver nele”. Inversamente,
podemos concluir que mesmo que tenhamos o melhor
modelo do mundo, se Deus não estiver presente para
derramar a Sua graça, nada irá funcionar.
De facto, falar de evangelização evoca geralmente na nossa
mente estratégias, técnicas e modelos; coisas práticas como

13
distribuição de folhetos, reuniões e atividades especiais, em
que a Igreja sai da sua vida normal para realizar algo que é
considerado excecional. Ora, antes de mais, a evangelização
deve fazer parte da rotina da vida da Igreja, em vez de ser
considerada como algo extraordinário. Em segundo lugar,
mais importante do que atividades e modelos são, como
veremos a seguir, os princípios bíblicos que subjazem a todo
o trabalho de evangelização. Os modelos são adaptáveis e
transitórios; os princípios são imutáveis e perenes. Por isso,
propomo-nos refletir cuidadosamente sobre alguns desses
princípios da evangelização. Essa reflexão levar-nos-á a
algumas conclusões importantes, a partir das quais será
possível avançar com segurança para uma abordagem de
como a efetivar na prática.

14
Aplicação pessoal
1. Estou consciente de que Deus escolheu não usar outra forma
de tornar conhecida a mensagem da salvação a não ser através
de mim e dos meus irmãos?

2. Creio sem reservas no que a Bíblia ensina a respeito dos dois


destinos eternos do ser humano — morte ou vida eterna?

3. Creio sem reservas que só através da fé em Cristo, o único


Caminho, o homem poderá ser salvo?

4. Pense nos seus familiares e amigos. Quantos neste momento


estão preparados para se encontrar com Deus?


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2 | EVANGELIZAÇÃO: PRIORIDADE
MÁXIMA

“Ai de mim se não pregar o evangelho!”


1 Coríntios 9:16
“Se você, irmão, tivesse a cura para o cancro não a
partilharia com os outros? …Você tem a cura para a
morte… Saia de onde está e partilhe-a!”
Kirk Cameron

Jesus apresentou-se várias vezes como aquele que “veio


buscar e salvar o que se havia perdido” (Lucas 19:10). Ele
conversou com inúmeras pessoas, como Nicodemos ou a
samaritana, sentou-se à mesa com pecadores e até, para
escândalo de muitos, ficou hospedado na casa do chefe dos
publicanos, Zaqueu. Nos seus últimos instantes de vida, na
cruz, conduziu um dos malfeitores ao paraíso, e o soldado
romano creu nele só de observar a sua conduta e escutar as
suas últimas palavras.
Ao lermos os evangelhos torna-se muito óbvio que Jesus
tinha a salvação dos perdidos no coração. A parábola do bom
pastor (Lucas 15:4-6) é talvez uma das peças mais notáveis do
seu ensino que evidenciam essa paixão pelos perdidos. Nela,
Jesus mostra que ir em busca de uma ovelha perdida justifica
deixar noventa e nove no deserto — sem dúvida bem
guardadas e cuidadas. O mesmo pensamento é expresso na
parábola das dez dracmas e do filho pródigo (Lucas 15:8-32).

16
Nesta última, ver o pai de família, que tradicionalmente
assumia sempre uma posição de autoridade grave, correr
como uma criança ao encontro do filho para o abraçar é das
cenas mais comoventes de toda a Bíblia.

PRIORIDADE DA IGREJA
Através do seu ensino e exemplo, o Senhor Jesus mostrou
com toda a clareza que a salvação de vidas é a sua grande
prioridade. Na verdade, a Trindade divina está fortemente
empenhada na salvação dos homens. O Pai ama tanto os
perdidos que deu o seu Filho unigénito para os salvar (João
3:16). O Filho foi à cruz e ali ofereceu o sacrifício supremo da
sua vida em favor dos pecadores (Romanos 5:8). E hoje o
Espírito Santo batalha sem descanso com a consciência dos
pecadores, procurando convencê-los da sua necessidade de
salvação (João 16:8). Cabe agora à Igreja proclamar as boas
novas desta perfeita salvação, para que muitos possam ser
resgatados da morte eterna. Irá a Igreja alhear-se deste
esforço tremendo de Deus, deixando perecer os pecadores
que o Pai, o Filho e o Espírito Santo tanto anseiam resgatar?
Ou vai assumir decididamente a tarefa da proclamação do
Evangelho como sua missão prioritária na terra? É esse hoje o
nosso grande dilema.
Compreender a cruz é o primeiro passo para quem deseja
evangelizar. Foi para abrir a porta da salvação que o Filho de
Deus foi à cruz e ali ofertou a sua vida. A grandiosidade do
seu feito tem um alcance não apenas terreno como cósmico,
ao restaurar o perfeito Reino de Deus no universo:
“…[o mistério da sua vontade] de tornar a
congregar em Cristo todas as coisas, na

17
dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que
estão nos céus como as que estão na terra”. Efésios
1:10
Por isso Jesus ensinou-nos a orar: “venha o teu reino!” Esse
reino eterno já está entre nós, mas ainda não chegou o tempo
da plenitude da sua manifestação. Mas é uma questão de
“um pouquinho de tempo, e o que há de vir virá, e não
tardará” (Hebreus 10:37).
Para nós, filhos de Adão, a cruz tem uma implicação
fundamental: a maldição do pecado foi anulada (Gálatas 3:13)
e, durante este tempo da Graça, todo aquele que crer no
Filho tem direito à vida eterna:
“Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas
aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a
ira de Deus sobre ele permanece.” João 3:36
Esta salvação é universal porque se destina a todos (“todo
aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”, Rom.
10:13; cf. 1 Tim. 2:4), mas não é de todos porque não é
automática: requer o exercício da fé, que é uma ação da
vontade livre do homem. Surge assim neste processo a
necessidade da evangelização, do anúncio das boas novas,
para que o pecador possa exercer o seu livre arbítrio, crendo
e assim sendo salvo:
“Como, pois, invocarão aquele em quem não
creram? e como crerão naquele de quem não
ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue?
(…) De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela
palavra de Deus.” Romanos 10:13-17

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“Como crerão naquele de quem não ouviram?” Estas
palavras, de uma lógica simples e demolidora, devem estar
gravadas a fogo no coração de qualquer discípulo de Jesus.
Elas motivaram milhares de irmãos nossos do passado e da
atualidade a sacrificar a própria vida para que o evangelho
pudesse ser escutado em todas as nações da terra e, assim,
muitos pudessem crer.
Mas, para que não restassem dúvidas sobre a importância e
urgência desta tarefa, as últimas palavras de Jesus foram
claras: “Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda
criatura. Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não
crer será condenado” (Marcos 16:15-16). As últimas palavras
de alguém que nos vai deixar por um longo período de
tempo são sempre reservadas para a mensagem mais
importante que deseja transmitir. As últimas palavras de Jesus
foram destinadas a perpetuar este mandamento de
evangelizar, também conhecido como a Grande Comissão.
Foi esta a última e a mais importante mensagem do Mestre
aos seus discípulos.
Ao considerarmos a Obra da Trindade divina, a vida terrena
de Jesus (o seu exemplo e o seu ensino), o princípio da
salvação pela fé, a Grande Comissão — de que mais precisa a
Igreja para concluir que a evangelização é a sua grande
prioridade?
A realidade das nossas igrejas é por vezes bem diferente. Sem
que nos demos conta, frequentemente assumimos muitas
atividades laterais (que em regra sobrecarregam quase
sempre um mesmo pequeno grupo). A evangelização é
encarada apenas como uma de entre muitas dessas
atividades; por exemplo, podemos manter um culto semanal

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de evangelização (o que não significa que seja muito
diferente dos outros, talvez apenas no tipo de mensagem);
podemos ocasionalmente distribuir folhetos, embora
saibamos de antemão que os resultados concretos desse
trabalho serão escassos; podemos realizar reuniões especiais
de evangelização, sempre proveitosas, mas que necessitam
de um seguimento para resultar em frutos duradouros.
O certo é que a vida da Igreja decorre quase exclusivamente
no interior do templo. Vamo-nos habituando a viver entre as
suas quatro paredes, esquecendo que os perdidos estão lá
fora e que o Senhor nos mandou buscá-los. “Ide” — e não
“ficai” — foi o mandamento do Senhor. A única vez em que
Jesus mandou a Igreja ficar foi para que aguardasse o
revestimento de poder do Espírito Santo a fim de que
pudesse ir (Lucas 24:49). Mas a nossa tendência é ficar no
interior da comodidade do templo. Por via desse isolamento,
adquirimos facilmente formas de comportamento e uma
linguagem fechada que só nós entendemos e com a qual nos
damos bem, mas que soa a uma espécie de igrejês misterioso
para quem chega de fora.
Ainda assim, o Senhor sempre opera salvação. Há sempre
alguns irmãos que testemunham e convidam. A nossa fórmula
preferida de evangelizar, de facto, é convidar: “venha comigo
à minha Igreja”. E há sempre alguém que aceita e vem. Há
sempre um milagre que acontece, uma vida que é tocada,
uma operação do Espírito Santo através do louvor, da Palavra
pregada ou dos dons espirituais. E os irmãos da Igreja são em
geral afáveis e sabem receber quem visita. Por isso, há
sempre alguém que se converte.

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Mas… como estamos distantes do fervor do nosso Mestre,
que deu a própria vida pelos perdidos! Como ficamos longe
de tantos irmãos do passado e do presente que, por vezes
enfrentando duras condições, fizeram do Evangelho uma
mensagem transformadora de milhões de almas! Como nos
contentamos com atividades que, por mais importantes que
sejam, deveriam ocupar apenas um lugar secundário
relativamente à missão que o Senhor nos confiou! Como são
magros os frutos, mesmo que cada um deles seja um milagre
que nos deve levar a agradecer e glorificar a Deus! Não
poderá a Igreja fazer mais, ser mais frutífera, contribuir mais
para esvaziar o tenebroso lago de fogo e encher a pátria
celestial?
Só há uma forma de corrigir esta distorsão: assumir realmente
como prioridade absoluta da Igreja o trabalho de salvação de
vidas. O evangelista David McGee disse, com razão, que
“deveríamos estar mais preocupados em chegar aos perdidos
do que em mimar os salvos”. São palavras duras, mas
verdadeiras. Talvez as nossas igrejas tenham demasiados
crentes mimados e poucos trabalhadores na seara. Como é
possível ter na Igreja irmãos que nunca levaram uma alma a
Cristo? E outros que, embora tenham muitos anos de Igreja,
até hoje não sabem evangelizar uma pessoa, ou tremem só
de pensar nessa possibilidade? Como é possível que alguns
destes mesmos irmãos ocupem lugares de destaque no grupo
de louvor, ou de intercessão, no grupo de professores da
EBD, ou que até alguns deles sejam obreiros e líderes?
Temos de repensar esta situação, não à luz de estratégias e
modelos humanos, mas à luz da Palavra de Deus. Não para
apontar o dedo e condenar os irmãos, mas para que todos

21
possam desfrutar da alegria de ver almas salvas e, na
eternidade, receber o justo galardão.
“Os que forem sábios, pois, resplandecerão como o
fulgor do firmamento; e os que a muitos ensinam a
justiça, como as estrelas sempre e eternamente.”
Daniel 12:3-3
Como vemos, há um princípio bíblico a que a Igreja de Cristo
não pode escapar: salvar vidas é a grande missão que o
Mestre confiou aos seus discípulos; como tal, a evangelização
deve ser a sua prioridade. Não adianta escondermo-nos atrás
de rótulos denominacionais nem de ortodoxia doutrinária.
Como justamente observou G. Campbell Morgan, “chamar
evangélico a uma pessoa que não é evangelista é uma
profunda contradição”.
Em última análise, será que faz sentido que a Igreja exista se
não cumprir esta missão? Alguns acham que não:
“A Igreja não tem razão de existir a não ser que faça
avançar o Reino em áreas nunca antes alcançadas.”4
Seja como for, é muito claro que a Igreja tem uma chamada
irrecusável vinda do Senhor. Graças ao Pentecostes,
revestidos com o poder do Espírito Santo, temos todas as
garantias de sucesso nessa tarefa. Como resumiu o escritor
Charles R. Swindoll:
“[Jesus] chama-nos à ação, e a forma como ele
exprimiu essa chamada prediz sucesso. Ele não
disse que ‘poderíamos’ ser suas testemunhas, ou

4 John Willis Zumwalt, Passion for the Heart of God. HGM Publishing, 2000.

22
que ‘deveríamos’ ser suas testemunhas. O que Ele
disse foi: ‘sereis minhas testemunhas’ .” (Atos 1:8)
Esta certeza deve animar a Igreja na sua tarefa
evangelizadora, mesmo no contexto de frieza e indiferença
espiritual em que vivemos. Por isso a Igreja deve organizar-se
atribuindo a esta missão prioridade máxima. Se fizermos a
nossa parte, seguramente o nosso Mestre fará a Sua.

RESPONSABILIDADE DE CADA CRISTÃO


Charles Spurgeon afirmou certa vez, de forma bastante
contundente: “Ou o Cristão é um missionário ou é um
impostor”. Talvez alguns membros das Igrejas simplesmente
não estejam suficientemente apercebidos da sua
responsabilidade na evangelização. Talvez outros achem que
evangelizar é dever do seu pastor e líderes, por exemplo.
Pelo contrário, ao observarmos a Igreja do Novo Testamento
constatamos que esta tinha uma consciência clara de que a
tarefa de divulgação do evangelho não era exclusiva da
liderança apostólica, mas de cada membro da comunidade
dos crentes. A este respeito, é significativo o que lemos em
Atos 8, quando foi movida uma grande perseguição à Igreja
de Jerusalém, logo após a morte de Estêvão:
“Todos foram dispersos pelas terras da Judeia e de
Samaria, exceto os apóstolos. (…) Mas os que
andavam dispersos iam por toda a parte,
anunciando a palavra.” Atos 8:1-4
Os apóstolos, que anunciavam o evangelho e o proclamavam
com grande poder e ousadia, permaneceram em Jerusalém.
Que fizeram os que fugiram para escapar à perseguição?

23
Esconderam-se, temerosos, mantendo em silêncio o segredo
da sua fé enquanto aguardavam pela chegada dos apóstolos?
De forma alguma. O que lemos é o oposto: “os que andavam
dispersos iam por toda a parte, anunciando a palavra.” Os
cristãos tinham uma consciência clara da sua responsabilidade
pessoal e deram continuidade ao anúncio do evangelho,
divulgando-o por muitos lugares, o que originou certamente
um enorme crescimento da Igreja. Mais do que membros que
se limitavam a assistir a cultos, eles eram verdadeiros
discípulos de Cristo.
Também nós, se somos discípulos de Cristo, temos de imitar
o nosso Mestre. Se Ele viveu para “buscar e salvar o que se
havia perdido” (Lucas 19:10), nós não devemos viver de forma
diferente. No entanto, nem sempre sucede assim:
“A triste realidade é que há muitos cristãos que […]
não se preocupam com as almas dos perdidos. Que
contraste belo nos oferece o Senhor Jesus Cristo! A
sua paixão pelas almas trouxe-o do Céu à terra. A
sua paixão pelas almas motivou uma atividade cheia
de compaixão. A sua paixão pelas almas forçou-o a
ir até à rude cruz onde Ele entregou a sua vida para
salvar os perdidos.” 5
Há várias razões para que esta falta de empenho pessoal na
evangelização ocorra. Referir-nos-emos a sete que julgamos
serem as mais importantes.
1. D e s c o n h e c i m e n t o — H á s e r v o s d e D e u s q u e
simplesmente não estão devidamente informados do que
o Senhor espera deles. Bastará ler o final de cada

5 John Willis Zumwalt, op. cit.

24
evangelho e o livro de Atos para que esse
desconhecimento seja substituído por uma forte
consciência do plano de Cristo para a Sua Igreja.
2. Falta de vida espiritual — Quando não há vitalidade
espiritual, gerada por uma vida de submissão, oração e
santificação, o coração torna-se endurecido e perde a
sensibilidade. Só o amor de Cristo derramado nos nossos
corações (Romanos 5:5) nos pode contagiar, despertando-
nos para a necessidade dos perdidos.
3. Incredulidade e medo (a “síndrome dos dez espias”) —
Quando Moisés enviou doze homens espiar a terra, dez
deles voltaram com um relatório deprimente da situação
que tinham observado. Deus tinha ordenado que
avançassem e que Ele seria com o povo. No entanto, o
resumo das palavras dos espias contradizia a ordem do
Senhor: “Não poderemos subir contra aquele povo,
porque é mais forte do que nós” (Números 13:31).
Falaram do que viram e basicamente o seu relatório era
objetivamente correto. Josué e Calebe não contestaram a
realidade desse relatório; apenas acrescentaram:
“A terra pela qual passamos a espiar é terra muito boa.
Se o Senhor se agradar de nós, então nos porá nesta
terra, e no-la dará. (…) O Senhor é connosco; não os
temais.” Números 14:7-9
Os dez espias falaram apenas do que os seus olhos tinham
visto; Josué e Calebe viram a mesma realidade, mas na
perspetiva do que o Senhor tinha falado. Que importava a
superioridade numérica ou a altura dos habitantes de
Canaã se o Senhor Deus estivesse com eles?

25
A síndrome dos dez espias é essa mistura de medo,
pseudo-realismo e, sobretudo, falta de confiança na
Palavra de Deus. Quando dizemos que evangelizar é difícil
e que as pessoas em princípio não se interessam pelo
evangelho, e que podem até voltar-se contra nós, não
estamos a faltar à verdade. Mas tudo muda se o Senhor
estiver connosco, com a sua graça, os dons do seu Espírito
e a Palavra do seu poder.
Como combater esta síndrome? É preciso tomar posse
pela fé das promessas contidas na Palavra de Deus e
buscar o revestimento do poder sobrenatural do Espírito
Santo, que transforma o fraco em forte e o temeroso no
evangelista mais ousado.
4. Receio do insucesso — Hoje tudo é medido pelo critério
tirânico do sucesso: quais os resultados, que números? É
curioso que Billy Graham, considerado talvez o evangelista
de maior sucesso do séc. 20, afirmou que “as Escrituras
em momento algum nos dizem para procurar resultados,
nem as Escrituras repreendem os evangelistas se os seus
resultados forem escassos”.
O Senhor valoriza acima de tudo a nossa fidelidade (“Bem
está, servo bom e fiel”, Mateus 25:21). Os resultados serão
diferentes de acordo com o campo em que a Palavra é
semeada. Hoje em dia, em determinadas partes do globo,
a recetividade ao evangelho é tal que basta um anúncio
simples do evangelho e logo muitos se convertem. Noutras
sociedades, sobretudo entre as chamadas sociedades pós-
cristãs (como infelizmente é o caso de boa parte da
Europa), a indiferença espiritual e o endurecimento de
coração são esmagadores, talvez tão assustadores como os

26
gigantes cananeus que Israel teve de enfrentar. Não nos
esqueçamos, no entanto, que a Igreja primitiva proclamou
o evangelho do Reino a uma sociedade pagã, imoral e
estruturalmente idólatra. Em cima disso, enfrentou graves
perseguições, o que não impediu que o evangelho tivesse
atingido um imenso território no espaço de apenas uma
geração. Hoje, poderemos experimentar o mesmo milagre,
“se o Senhor se agradar de nós”.
5. Vergonha — Tal como a incredulidade, a vergonha de
testemunhar de Cristo afeta mais cristãos do que
possamos imaginar. Deixemos que as palavras das
Escrituras nos exortem:
“Qualquer que de mim e das minhas palavras se
envergonhar, dele se envergonhará o Filho do
homem, quando vier na sua glória, e na do Pai e
dos santos anjos.” Lucas 9:26
“Portanto, não te envergonhes do testemunho de
nosso Senhor, nem de mim, que sou prisioneiro seu;
antes participa das aflições do evangelho segundo
o poder de Deus”. 2 Timóteo 1:8
6. Motivos errados — A motivação para evangelizar deve ser
a obediência a Cristo e o amor aos perdidos. Se queremos
evangelizar apenas para fazer crescer a nossa Igreja ou por
outros interesses obscuros, Deus contempla o nosso
coração e conhece a nossa real motivação. No entanto, a
necessidade e a urgência de anunciar o evangelho é de tal
ordem que Paulo escreveu:
“Mas que importa? Contanto que Cristo seja
anunciado de toda a maneira, ou com fingimento

27
ou em verdade, nisto me regozijo, e me regozijarei
ainda.” Filipenses 1:18
Isto é, a falha mais grave continua a ser, não a de pregar
por motivos errados, mas ficar calado nesta hora em que
Deus deseja salvar. Talvez esta verdade nos ajude a
entender por que Deus tolera e usa certos vasos
imperfeitos como seus instrumentos, apesar das suas
notórias falhas. Não podemos ficar calados nesta hora.
“Então disseram uns para os outros: Não fazemos
bem; este dia é dia de boas novas, e nos calamos;
se esperarmos até à luz da manhã, algum mal nos
sobrevirá; por isso agora vamos, e o anunciaremos à
casa do rei.” 2 Reis 7:9-9
7. Substituição por outras atividades — Quando uma Igreja
não elege a evangelização como sua atividade prioritária,
torna-se fácil para um crente dispersar-se por múltiplas
atividades, criando a ilusão de que está a cumprir
zelosamente a sua função.
Seria porventura uma experiência constrangedora, mas
poderíamos averiguar junto dos nossos músicos
(instrumentistas), cantores do grupo de louvor, professores
e dirigentes em geral na Igreja que tipo de empenho
prático têm assumido na evangelização dos perdidos.
Talvez as respostas nos deixem preocupados, mas
lembremos que essa situação pode ser revertida se, com
amor e paciência, mostrarmos como a missão de
evangelizar é incumbência de cada um de nós e nossa
tarefa prioritária.

28
Aplicação pessoal
1. Observando a sua Igreja (sem espírito de condenação, mas com
amor), acha que a salvação de vidas constitui a prioridade
máxima?

2. Observando a sua Igreja, acha que ela tem crescido


satisfatoriamente em número de salvos?

3. E você, irmão, acha que se tem esforçado por cumprir a Grande


Comissão de Cristo? Quantas pessoas já foram salvas por seu
intermédio?

4. Para si pessoalmente, qual tem sido o maior obstáculo a uma


vida de evangelização mais ativa e produtiva?


29
30
3 | O GRANDE EVANGELISTA

“E, quando ele [o Consolador] vier, convencerá o mundo


do pecado, e da justiça e do juízo.” João 16:8
“Em vez de se orgulhar da sua esperteza, reconheça quão
fraco você é… tão fraco que tem de depender totalmente
do Espírito de Deus.”
(Irmão André, autor do best-seller “O contrabandista de Deus”)

Podemos imaginar a perplexidade dos discípulos quando o


Senhor os enviou a pregar “até aos confins da terra”. Apesar
das estradas e pontes que o Império de Roma tinha
espalhado por toda a parte, viajar era naquela época uma
tarefa árdua e perigosa. Como poderia aquela meia dúzia de
homens e mulheres cumprir o mandamento do Senhor?
Quando o Senhor comissionou a Igreja a evangelizar o
mundo, nunca foi sua intenção que os discípulos
enfrentassem essa tarefa munidos dos seus recursos próprios.
Por isso, nas suas últimas palavras, o Senhor de certa forma
proibiu os discípulos de fazer alguma coisa, incluindo anunciar
a boa nova da ressurreição, antes de receberem “a promessa
do Pai”, isto é, antes de serem revestidos com o poder do
Alto:
“E, estando com eles, determinou-lhes que não se
ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a
promessa do Pai, que, disse ele, de mim ouvistes.”
Atos 1:4

31
A grandiosidade da tarefa e o grau de exigência do desafio
da evangelização são de tal ordem que nenhum ser humano,
por mais dotado, sábio ou experiente que seja, tem recursos
que lhe permitam sequer começar a realizar essa obra. No
plano eterno de Deus sempre esteve previsto que a
evangelização do mundo seria feita por seres humanos, mas
homens e mulheres regenerados, equipados e dirigidos pelo
Espírito Santo. Qualquer tentativa de realizar esta missão sem
o Espírito Santo está por isso à partida votada ao fracasso.
Historicamente, o Pentecostes assinala o momento em que o
Espírito de Deus invade a Igreja para ficar com ela e nela, e
nunca mais a deixar. Por isso, jamais poderemos esquecer a
realidade do Pentecostes e o seu significado para a Igreja e
para cada um de nós individualmente. David Wilkerson, autor
do best-seller “A cruz e o punhal”, escreveu:
“Quando se lhe retira tudo o mais, o Pentecostes
significa poder e vida. Foi o que entrou na Igreja
quando o Espírito Santo desceu no dia de
Pentecostes.”
Poder e vida: tudo o que precisamos e que não conseguimos
gerar por nós mesmos. Certamente que sem a operação do
Espírito Santo, a evangelização é simplesmente uma
impossibilidade. Se entendermos esta verdade básica, a
nossa vida evoluirá em dois sentidos: nunca mais andaremos
ansiosos e sobrecarregados com o peso de evangelizar;
vigiaremos para que o Espírito Santo esteja bem presente na
nossa vida e dependeremos cada vez mais dele.
Iremos rever neste capítulo alguns aspetos da operação do
Espírito no que concerne especificamente à evangelização—

32
princípios que cada evangelista deve ter em mente e colocar
em prática.

O ESPÍRITO SANTO CONVENCE


Jesus deixou bem claro que o batismo de poder e uma vida
diária cheia do Espírito Santo é condição sine qua non para
que o cristão possa evangelizar e realizar a Obra de Deus.
Seria irresponsável e um ato de arrogância pretender conduzir
alguém à salvação sem a direção, o poder e a intervenção do
Espírito de Deus. O Espírito Santo é o agente central da
evangelização e a chave do seu sucesso.
“Todavia digo-vos a verdade, que vos convém que
eu vá; porque, se eu não for, o Consolador não virá a
vós; mas, quando eu for, vo-lo enviarei. E, quando ele
vier, convencerá o mundo do pecado, e da justiça e
do juízo.” João 16:7,8
Jesus explicou que seria vantajoso para os discípulos que ele
partisse. Esta afirmação deve ter causado, mais que surpresa,
um grande choque entre os apóstolos. Para eles era quase
impossível imaginar sequer como poderiam viver sem a
presença física de Jesus ao seu lado. Como poderiam
concordar que isso seria benéfico para eles? A explicação que
Jesus deu é que o Espírito Santo seria enviado em seu lugar e
ficaria com eles e neles, não apenas durante algum tempo e
num local específico, como sucedia com Jesus na terra, mas a
todo o instante e em qualquer parte da terra.
Mas haveria outra vantagem: não seriam eles os responsáveis
por convencer o mundo da verdade e realidade do

33
Evangelho. Essa seria uma atribuição do Espírito Santo, que
falaria através deles:
“Porque não sois vós quem falará, mas o Espírito de
vosso Pai é que fala em vós.” Mateus 10:20
Todos os que evangelizam sentiram já o desafio que se lhes
depara: como convencer aquela pessoa de que precisa de se
arrepender e crer em Jesus? Pois bem, o Senhor explicou que
o Espírito faria isso: “ele convencerá o mundo do pecado, e
da justiça e do juízo.”
Alguns irmãos acham que esta verdade significa que não
devem perder tempo a argumentar com os descrentes.
Alguns até usam o exemplo da pregação de Paulo em Atenas
como evidência de que um discurso muito argumentativo,
como o que Paulo usou com os atenienses, produz muito
poucos frutos. Mas não é isso que a Palavra de Deus diz.
Pedro, por exemplo, escreve: “estai sempre preparados para
responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a
razão da esperança que há em vós” (1 Pedro 3:15).
O servo de Deus deve ser um estudioso diligente e, dentro
das suas capacidades, deve preparar-se para responder às
perguntas mais frequentes que hoje as pessoas fazem sobre
Deus, como Criador e Projetista do universo, sobre a Criação,
o sofrimento, as profecias messiânicas, a multiplicidade de
religiões em contraste com a singularidade de Cristo, a
fiabilidade das Escrituras, a realidade factual da ressurreição
de Cristo, etc. São questões que em geral se integram na área

34
da apologética (que significa defesa da fé)6 e que devemos
procurar conhecer, de forma dimensionada ao contexto em
que vivemos. É constrangedor ver irmãos totalmente
despreparados neste campo, incapazes de apresentar uma
explicação organizada e perceptível do porquê da sua fé. W.
Lane Craig defende que a apologética não é uma
necessidade na evangelização, mas é de grande utilidade: por
um lado conduz o descrente mais prontamente à fé, na
medida em que desmonta preconceitos e abre pistas para
respostas satisfatórias a algumas interrogações; por outro,
inspira o crente a partilhar a sua fé com segurança e ousadia.
Mas não podemos cair no erro de supor que uma simples
argumentação racional irá conduzir alguém à conversão. Não
serão nunca os nossos argumentos que gerarão fé no coração
do nosso interlocutor. Essa é uma função inalienável do
Espírito Santo, cuja operação nada poderá substituir.
“Segundo a sua vontade, ele nos gerou pela palavra
da verdade, para que fôssemos como primícias das
suas criaturas.” Tiago 1:18
Fazemos bem em argumentar, é mesmo nosso dever expor o
evangelho e fazer ver a irracionalidade de certos argumentos
anticristãos. Mas os muros de Jericó só cairão ao som da voz
poderosa do Senhor. Precisamos do príncipe dos exércitos
perante o qual Josué se ajoelhou; precisamos de ter
connosco o grande Evangelista, o Espírito Santo.

6 O Prof. W. Lane Craig, conhecido escritor e apologeta cristão, define


assim apologética: “A apologética cristã pode ser definida como o ramo da
teologia Cristã que procura providenciar uma garantia racional às
reivindicações de verdade do Cristianismo”.
[online] http://www.reasonablefaith.org/christian-apologetics-who-needs-
it#ixzz4I58e4gVK

35
O PODER DO ESPÍRITO SANTO
Quando lemos o livro de Atos dos apóstolos, é impossível
deixar de constatar que a pregação do evangelho era quase
sempre acompanhada de sinais e maravilhas. Muitos milagres
autenticavam a mensagem que era anunciada, despertando
para a fé multidões que jaziam nas trevas da idolatria e da
ignorância.
Devemos esperar que hoje Deus opere sinais semelhantes?
Sabemos que há duas grandes correntes históricas na Igreja
cristã a este respeito. Há os que pensam que essas
manifestações sobrenaturais marcaram o início da época da
Igreja mas que, uma vez estabelecidos os seus fundamentos,
deixaram de ser necessários. E aqueles que defendem a
continuidade dessas operações do Espírito Santo, dado que
nada na Palavra de Deus permite inferir uma cessação dos
sinais que Jesus prometeu (por exemplo, em Marcos 16) que
acompanhariam a pregação do Evangelho.
O apóstolo Paulo sistematizou e doutrinou a respeito dessas
manifestações do poder de Deus, sob a designação de
charismata, dons espirituais (1 Coríntios 12, 14). Não é nosso
propósito fazer aqui uma análise desses dons, mas apenas
realçar a importância do seu uso. Como se sabe, há duas
grandes correntes no que toca à relevância atual dos dons
espirituais: os cessacionistas, que defendem que os dons
deixaram de se manifestar na Igreja logo após os primeiros
séculos da sua existência; e os continuístas, que não
encontram na Bíblia qualquer indicação de que os dons
tenham cessado, pelo que a sua manifestação nos nossos dias
é expectável e desejável. Mas não basta assumir uma posição
doutrinária que confirma a atualidade e relevância dos dons. É

36
preciso que eles sejam efetivamente usados e que haja
evidências da sua manifestação na vida diária de uma Igreja
bíblica.
Evangelizar tem forçosamente uma dimensão sobrenatural.
Cada um de nós que hoje serve ao Senhor já se deve ter
interrogado muitas vezes: como é possível eu estar aqui hoje,
ter fé, gozar de comunhão com Deus, sendo eu o que era? A
resposta é sempre a mesma: milagre! Nós não temos
capacidade para produzir milagres, mas Deus tem poder para
realizar tudo o que for necessário para que uma alma preciosa
seja salva. Por isso, a nossa mensagem pode ser biblicamente
correta, mas tem de ser acompanhada de sinais de poder.
Como Paulo nos lembra em 1 Coríntios 4:20, “o reino de
Deus não consiste em palavras, mas em poder.” Esse poder é
indispensável para enfrentar o reino das trevas: “Eis que vos
dou poder para pisar serpentes e escorpiões, e toda a força
do inimigo, e nada vos fará dano algum” (Lucas 10:19). Por
isso, todo o crente, mas sobretudo todo o evangelista. deve
ter em mente a injunção da palavra, que nos exorta: “No
demais, irmãos meus, fortalecei-vos no Senhor e na força do
seu poder” (Efésios 6:10).
Os dons espirituais são portanto recursos insubstituíveis na
evangelização, pelo menos em dois sentidos: na direção da
execução da evangelização, nomeadamente através dos dons
de revelação; na confirmação da mensagem do evangelho
com dons de poder, como curas, libertações e milagres vários.
Basta ler o livro de Atos para constatarmos como estes dons
operavam de forma visível na vida diária da Igreja. Há uma
grande razão para que a evangelização (e a vida cristã de
forma geral) seja impossível sem a manifestação do poder do
Espírito Santo. Como explica Henry Blackaby:

37
“Irá Deus alguma vez pedir-vos para fazerdes algo
de que não sois capazes? A resposta é sim —
constantemente! É assim que as coisas devem ser,
para glória de Deus e do Seu reino. Se funcionarmos
apenas de acordo co a nossa capacidade, a glória é
nossa; se funcionarmos segundo o poder do Espírito
em nós, é Deus quem recebe a glória. Ele deseja
revelar-se a Si mesmo a um mundo atento.” 7
O facto de Deus enviar o Seu Espírito com o objetivo de
capacitar o crente a realizar a Sua Obra tem uma
consequência associada: por que haveria o Senhor de
derramar o Seu Espírito sobre quem não quer obedecer-lhe—
no caso em apreço, quem não está disposto da evangelizar?
O mesmo Blackaby (op. cit.) continua esse raciocínio,
afirmando:
“O Espírito Santo não precisa de o equipar a si [o
leitor] para aquilo que você não vai fazer; por isso, se
estiver em rebelião contra Jesus, recusando o Seu
direito de Senhor, Ele não precisa de enviar o Santo
Espírito para o equipar para o serviço. E assim,
tragicamente, você acaba por perder a alegria que
isso traz. Portanto, deixe o Espírito Santo lidar com
alguma coisa que o esteja a impedir de obedecer a
Cristo.”
Esta verdade é simples e até óbvia, mas fundamental. Muitos
querem receber os dons espirituais e só depois consideram a
possibilidade de evangelizar. Mas os dons manifestam-se no

7Henry T. Blackaby, Experiencing the Spirit: The Power of Pentecost Every


Day [Experimentando o Espírito: o Poder do Espírito Todos os Dias],
Random House Inc., 2009.

38
processo da obediência, resultando da fé que se concretiza
em ação. Os doze e depois os setenta discípulos que Jesus
enviou (Lucas 10:1, 17) só viram a manifestação gloriosa do
poder de Deus quando partiram, em obediência à ordem do
Mestre.8 Esta é uma razão acrescida que nos deve motivar a ir
para o campo anunciar o evangelho do reino: teremos o
privilégio de ver com os nossos próprios olhos muitas
maravilhas de Deus, que até ao momento só conhecíamos de
ler e ouvir falar.

A NECESSIDADE DE BUSCAR O ESPÍRITO SANTO


Como receber o poder do Espírito Santo? Jesus usou uma
analogia simples, que qualquer um entende.
“E no último dia, o grande dia da festa, Jesus pôs-se
em pé, e clamou, dizendo: Se alguém tem sede,
venha a mim, e beba. (…) E isto disse ele do Espírito
que haviam de receber os que nele cressem; porque
o Espírito Santo ainda não fora dado, por ainda
Jesus não ter sido glorificado.” João 7:37-39
Para “beber” do Espírito Santo há uma condição prévia: ter
sede espiritual. A sede é das sensações de privação mais
terríveis do corpo humano. A ciência moderna provou que a
perda de água a partir de 10% do volume total de água do
corpo pode causar grave deterioração física e mental, e que
entre os 15 a 25% provoca mesmo a morte. O Espírito Santo
é concedido ao sedento, àquele que sente que morrerá a
menos que beba do dom divino. Talvez esta condição

8 Por isso Jesus disse que os sinais seguiriam os que creem (Marcos 16:17).

39
explique por que muitos não recebem mais poder de Deus
nas suas vidas: não têm ainda sede suficiente.
Em segundo lugar, é necessário descansar em absoluto nas
promessas de Deus, contidas na Sua Palavra, e confiar na Sua
bondade infinita. Se Ele prometeu que derramaria sobre nós
do Seu Espírito, como podemos duvidar da Sua Palavra?
Em terceiro lugar, é essencial que compreendamos que o
Espírito Santo é um dom ou uma dádiva. Não tem a ver com
o que eu mereço, com o facto de ter orado e jejuado muito,
ou ter-me santificado de forma especial. Nenhuma obra nos
levará a merecer aquilo que a Bíblia caracteriza como um dom
da graça. Deus espera de nós uma atitude quase infantil de
fé, como um filho que confia inteiramente no seu pai,
sabendo que Ele lhe dará tudo o que houver de bom. Por isso
Jesus explicou:
“Pois se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas
aos vossos filhos, quanto mais dará o Pai celestial o
Espírito Santo àqueles que lho pedirem?” Lucas
11:13
Em quarto e último lugar, é preciso saber receber. Há irmãos
que sabem pedir, e passam uma vida inteira pedindo, mas
não sabem receber. Quantas vezes o próprio Senhor testifica
por vários meios que já atendeu ao clamor do suplicante, mas
este continua clamando, voltando constantemente ao início
do processo.
A fé é nesse instante fundamental. A Palavra recomenda:
“abre bem a tua boca, e ta encherei” (Salmos 81:10), e não
“se sentires que eu enchi a tua boca, abre-a”. Se Deus já
atendeu à oração, resta crer que a bênção já desceu do céu e
agir em conformidade. Quando há um movimento inicial de

40
fé, logo chegarão as confirmações da presença de um novo
poder — que não vem de nós, mas do bendito Espírito Santo.
Evangelizar sem o poder do Espírito Santo? Tarefa impossível!
Jesus ordenou:
“Ficai, porém, na cidade de Jerusalém, até que do
alto sejais revestidos de poder.” Lucas 24:49
A vontade de Deus é que cada um dos seus servos seja
capacitado pelo Seu Espírito para realizar a missão de ir por
todo o mundo anunciar o evangelho. Se O buscarmos,
certamente Ele cumprirá a Sua promessa na vida de cada um
dos seus filhos.

41
Aplicação pessoal
1. Biblicamente, é possível evangelizar sem a intervenção do
Espírito Santo? É capaz de dar algumas razões que apoiem a
sua resposta?

2. Valerá a pena investir tempo na preparação de bons


argumentos de defesa da fé (apologética)? Se alguém o
confrontar com alguma questão, sente-se preparado para
responder?

3. Qual a sua experiência pessoal com o Espírito Santo? Já


experimentou o batismo com o Espírito Santo e os dons
espirituais?

4. Responda para si mesmo: ao evangelizar, tenho confiado no


Espírito Santo, ou dependo excessivamente de mim mesmo?

42
4 | EVANGELIZAÇÃO E
SANTIFICAÇÃO

“Segui a paz com todos, e a santificação,


sem a qual ninguém verá o Senhor.” Hebreus 12:14

“Ninguém pode esperar fazer progressos em santidade


se não estiver frequente e longamente a sós com Deus.”
Andrew Murray

Lembrámos no capítulo anterior que necessitamos de ter


connosco o Espírito Santo, o supremo Evangelista. Para tal,
torna-se vital que o crente não apenas seja batizado com o
Espírito Santo, como também busque os dons espirituais e
aprenda a viver este tipo de vida no poder do Espírito, que
não se resume a um episódio ocorrido uma vez na vida, mas
que se traduz num constante fluir das águas vivas no coração
do servo de Deus.
Como viver na plenitude do Espírito? A Palavra de Deus
ensina-nos alguns segredos, que resumiremos sob a
designação genérica de vida no altar, inspirando-nos no
conhecido apelo de Paulo:
“Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus,
que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo,
santo e agradável a Deus, que é o vosso culto
racional. E não sede conformados com este
mundo, mas sede transformados pela renovação

43
do vosso entendimento, para que experimenteis
qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de
Deus.” Romanos 12:1,2
Colocar diariamente a vida no altar é o preço a pagar para
que a evangelização seja bem sucedida. Deus não usa
objetos ou métodos para salvar almas, mas homens e
mulheres que colocam a vida à Sua disposição. O evangelista
tem uma forma de viver caracterizada por algumas opções
específicas que o distinguem dos outros. Neste capítulo
falaremos da vida de santidade e de consagração que é
requerida ao evangelista. No capítulo seguinte abordaremos
outras vertentes desta forma de vida.

SALVOS DE E SALVOS PARA


A salvação pode ser vista no tempo como uma sucessão de
três etapas: o momento inicial da conversão, caracterizada
pelo arrependimento e novo nascimento; o processo da
santificação, que ocupa todo o restante da vida do crente
nesta terra; e a glorificação, quando o servo fiel entrar na
glória do Senhor.
Vivemos neste momento a segunda etapa, a santificação.
“E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e
todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam
plenamente conservados irrepreensíveis para a
vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.” 1
Tessalonicenses 5:23
No processo da santificação destacam-se dois aspetos que
coexistem em simultâneo: a batalha contra o pecado e a
nossa entrega ou consagração ao Senhor. Em primeiro lugar,

44
trava-se em nós uma batalha interior entre a carne o espírito,
a velha e a nova natureza. À medida que usamos os recursos
espirituais da graça de Deus, o novo ser espiritual gerado
pelo Espírito Santo vai subjugando o velho homem, ainda
dominado pelo pecado (cf. Gálatas 5:16-22; Romanos 6:22).
Trava-se uma luta sem tréguas contra o pecado, de que
devemos ter plena consciência. Há fraquezas da nossa vida
que o Senhor começa a revelar e com as quais Ele deseja
lidar.
É óbvio que não é possível querer evangelizar (de facto,
querer servir o Senhor em qualquer área) e permanecer sob o
domínio do pecado.
“Nós, que estamos mortos para o pecado, como
viveremos ainda nele?… Não reine, portanto, o
pecado em vosso corpo mortal, para lhe
obedecerdes em suas concupiscências… Porque o
pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais
debaixo da lei, mas debaixo da graça.” Romanos
6:12-14
Por isso, temos de expor o nosso coração com abertura e
honestidade ao Espírito Santo, permitindo que Ele nos torne
conscientes das áreas em que precisamos de transformação e
nos capacite para vencer o pecado.
Concretizemos um pouco mais dando alguns exemplos:
• Como pode um crente dado à má língua ser usado para
falar da salvação (Tiago 3:11)?
• Como pode alguém inclinado à imoralidade sexual
(incluindo a pornografia) ser um vaso cheio do Espírito
Santo (1 Tessalonicenses 4:3-5)?

45
• Como pode um cristão dado à mentira fácil proclamar a
verdade do Evangelho (Colossenses 3:9)?
• Como pode alguém que se veste e comporta de forma
indecorosa convidar uma pessoa para uma reunião da
Igreja (1 Pedro 3:3-4)?
• Como pode um lar onde há constantes gritarias e palavras
torpes acolher os necessitados em busca de salvação
(Colossenses 3:8)?
• Como pode uma Igreja onde há divisões e inimizades entre
irmãos ser porto de abrigo para pessoas feridas pelas
agruras da vida?
Estes são apenas alguns exemplos da necessidade que todos
temos de nos afastarmos do pecado que há no mundo,
seguindo o conselho de Paulo:
“Não comuniqueis com as obras infrutuosas das
trevas, mas antes condenai-as.” Efésios 5:11
A santificação é um processo cuja direção vai no sentido de
dentro para fora. Não deve ser confundida com o legalismo,
que consiste na imposição de regras, usos e costumes de fora
para dentro, e que só produz derrotados e hipócritas. Se
temos no nosso coração um desejo sincero de mudar, o
Espírito Santo irá conduzir-nos nesse maravilhoso processo.

INSTRUMENTALIDADE
Este é o primeiro aspeto da santificação: salvos de — salvos
do poder do pecado. Mas há um segundo aspeto:
santificação é também sermos salvos para — salvos para nos

46
tornarmos instrumentos consagrados para servir o Senhor na
sua obra.
A instrumentalidade é uma dimensão profética da salvação.
Quando Ananias foi orar por Saulo, o Espírito falou-lhe o
seguinte:
“Vai, porque este é para mim um vaso escolhido,
para levar o meu nome diante dos gentios, e dos
reis e dos filhos de Israel.” Atos 9:15
É demasiado comum encontrar servos do Senhor que se
consideram inúteis e que estão convencidos de que o Senhor
jamais os irá usar. Esse pensamento é biblicamente erróneo e
só pode ser gerado e alimentado pelo adversário. A Palavra
de Deus garante que todos os que creem são “batizados num
corpo” (1 Coríntios 12:13), onde cada um se torna num
membro com uma função. Mais: muitas vezes Deus dá mais
honra ao mais fraco! (1 Coríntios 12:22, 24).
Mas Deus só pode usar aqueles que são dele. Por isso, o
caminho para a vitória começa pela consagração ao Senhor.
Deus pode usar de forma extraordinária o vaso mais simples,
desde que este se consagre a Ele.
Henry Varley, amigo de D. L. Moody (1837-99), proferiu certa
ocasião palavras que tiveram um enorme impacto na vida do
jovem evangelista. Disse ele: “Moody, o mundo ainda está
para ver o que Deus pode fazer com um homem totalmente
consagrado a Ele”.
Estas palavras tocaram profundamente aquele que viria a ser
um dos maiores evangelistas da Igreja do séc. 19, que pensou

47
consigo mesmo: “Então, eu serei esse homem!” 9 A história
confirma que Deus usou tremendamente este servo, que
alcançou milhares de almas para Cristo. O seu segredo?
Consagração.

CONSAGRAÇÃO
Mas o que é a consagração? Há uma história na vida do Dr. F.
B. Meyer (1847-1929), pastor, evangelista e prolífico escritor,
que nos ajuda a entender o que significa consagrar a vida a
Deus. Escreveu ele que numa certa fase da sua vida o seu
ministério era infrutífero e faltava-lhe poder espiritual. Um dia,
quando orava a esse respeito, sentiu que Cristo se apresentou
diante dele e lhe disse: “Dá-me as chaves da tua vida”. A
experiência era tão real que Meyer meteu a mão ao bolso e
tirou o seu molho de chaves. “Estão todas aqui?” “Sim,
Senhor, todas exceto a chave de um pequeno quarto da
minha vida.” Jesus disse-lhe: “Se não és capaz de me confiar
todos os quartos da tua vida, eu não poderei aceitar qualquer
chave”. O Dr. Meyer ficou tão perturbado com a sensação de
que o Senhor se retirava, porque ele O tinha excluído de uma
área da sua vida pessoal, que começou a gritar: “Senhor,
volta, e toma as chaves de todos os quartos da minha vida!”
O nosso problema é que frequentemente a escala das nossas
prioridades está invertida. Se considerarmos quatro áreas da
nossa vida — Deus e o seu reino, profissão, família e o
restante — qual delas ocupa verdadeiramente o primeiro
lugar? Leonard Ravenhill (1907-1994), pastor e evangelista

9 John Pollock (1963). Moody - a Biographical Portrait. Grand Rapids,


Zondervan, pg. 99.

48
que se notabilizou pela busca de um avivamento para a Igreja
contemporânea, afirmou que a grande pergunta a que hoje
temos de responder como discípulos de Cristo é muito
simples mas decisiva: “Quem ou o quê tem prioridade na
minha vida?”
Muitos estão a colocar em primeiro plano a profissão,
erigindo a carreira como o seu grande objetivo de vida.
Alguns vivem para si mesmos, para as coisas materiais, para
os seus pequenos prazeres e divertimentos. Outros ainda
colocam a família em primeiro lugar. A família é de facto tão
importante que ela deve ocupar o segundo lugar da nossa
vida, mas o primeiro lugar só pode pertencer a uma pessoa: o
nosso Deus.
Tal como o Dr. Meyer, muitas vezes estamos dispostos a
entregar a Deus tudo, excepto uma pequena chave. Damos
tudo mas retemos uma pequena parte para nós, como
Ananias e Safira tentaram fazer com os apóstolos em
Jerusalém. Mas Deus não aceita isso: ou Ele é Senhor de tudo
ou então seremos nós os senhores.
Alguém contou uma ilustração bastante didática a este
respeito. Um certo homem adquiriu um terreno de muitos
hectares e, passados alguns anos, alguém quis comprar-lho.
O homem concordou com uma condição: venderia todo o
terreno mas ficaria com uma pequena porção, uma área
insignificante quando comparada com a totalidade do
terreno. O negócio estava quase a ser fechado quando o
comprador lhe perguntou onde se localizaria a fração de terra
que ele desejava. O vendedor apontou para uma parte que
se situava precisamente no centro do terreno. Claro que o
negócio não avançou. A lei permitia que fosse construído um

49
acesso àquele pequeno pedaço de terra e uma proteção em
seu redor, o que iria estragar o terreno no seu todo. Assim é
com a nossa vida: se não dermos tudo ao Senhor, sempre
haverá no nosso coração um acesso para que as coisas do
mundo e das trevas nos alcancem quando menos esperamos.
Vida no altar implica, portanto, vitória sobre o pecado e
entrega da nossa vida sem reservas ao Senhor. Esta é uma
parte essencial do preço que temos de pagar10 , para que
Deus nos use abundantemente. Vale a pena? A decisão é de
cada um.

Aplicação pessoal
1. O irmão entende que a instrumentalidade está embutida na
salvação? Em que medida tem servido o Senhor?

2. Há áreas da sua vida onde o pecado se instalou e que o irmão


não tem conseguido vencer? Deseja de todo o coração vencer
o pecado ou está acomodado a uma vida de derrota?

3. Deus confia em si e considera-o um valente como Gideão. Mas


qual a imagem que o irmão tem de si mesmo? Olha para si com
desânimo, ou com os olhos de Deus?

4. Já entregou verdadeiramente a sua vida em consagração ao


Senhor? O que o impede de o fazer hoje mesmo?

10Sim, é pela graça, mas temos de pagar um preço! Cf. por exemplo Isaías
55:1.

50
5 | EVANGELIZAÇÃO E BATALHA
ESPIRITUAL

“Sujeitai-vos, pois, a Deus, resisti ao diabo, e ele fugirá de


vós.” Tiago 4:7
“O homem atinge o seu ponto mais alto quando dobra os
seus joelhos em oração.” Beth Moore

Estamos a falar sobre a vida no altar, condição para que o


Espírito Santo nos dirija e use com poder na sua Obra. No
capítulo anterior falámos de santificação e de entrega ou
consagração. Neste capítulo iremos observar que evangelizar
coloca-nos sempre num contexto de uma batalha espiritual, o
que implica que o evangelista se adestre no uso de armas
espirituais, como a oração e o jejum. Igualmente, como bom
soldado de Cristo, deve estar preparado para sofrer, se
necessário, por amor do evangelho do Reino.

ORAÇÃO E JEJUM
Jesus advertiu-nos que, sem Ele, nada poderíamos fazer (João
15:5). Esta advertência é válida para qualquer área de serviço
na Obra, mas particularmente verdadeira no que respeita à
evangelização. A evangelização bem sucedida tem um preço:
para além de uma vida santificada e consagrada ao Senhor,

51
requer o uso de meios de graça11 como a oração e o jejum.
Sem esta vida no altar, não podemos receber e sobretudo
manter a bênção do Espírito Santo nas nossas vidas. Um
evangelista sem poder é como um carro sem combustível, um
candeeiro sem luz, ou um soldado sem armas.
“Do que a Igreja mais precisa hoje em dia não é de
mais ou melhor maquinaria, não é de novas
organizações ou métodos em maior quantidade e
mais modernos, mas de homens que o Espírito
Santo possa usar — homens de oração, poderosos
em oração. O Espírito Santo não flui através de
métodos, mas através de homens. Ele não unge
planos, mas homens — homens de oração.” 12
Talvez o erro mais comum do evangelista seja este: a falta de
preparação espiritual. Pode haver boas intenções,
entusiasmo, conhecimento bíblico, domínio de técnicas —
mas nada disto pode substituir uma vida cheia do Espírito
Santo.
Antes da batalha, Davi entrou no rio e ali achou os seixos com
que feriu Golias (1 Samuel 17:40). Antes da queda dos muros
de Jericó, o povo rodeou a cidade em silêncio e só no último
instante gritou, fazendo ruir as muralhas (Josué 6:20). Não
podemos ir para a guerra sem primeiramente entrar no rio das

11Meios de graça são recursos que Deus colocou à nossa disposição para O
buscarmos e recebermos o seu favor. Assim como há muita formas de tirar
água de um poço, do mesmo modo podemos achar a graça divina por
diversos meios, tais como: oração, madrugada, vigília, jejum, louvor, clamor
pelo Sangue de Jesus, leitura e consulta da Palavra, etc. A oração e o jejum
são os mais básicos e mais frequentes.

12 E. M. Bounds, Power Through Prayer [“Poder pela oração”].

52
águas vivas e ali encher o coração com os recursos do Espírito
Santo. Não podemos chegar à cidade fortemente murada —
e como são poderosas nos nossos dias as resistências ao
evangelho! — e irromper em gritos sem primeiro a rodear
com oração. A proclamação do evangelho só vem depois do
Pentecostes, quando a operação do Espírito é de tal ordem
que os corações convictos do seu pecado se quebrantam e
perguntam ansiosamente: “que faremos pois?” (Atos 2:37)
O uso dos meios de graça, como a oração e o jejum,
constituem o meio que Deus determinou para nos abastecer
de todos os recursos de que necessitamos. Se não os
usarmos, simplesmente não alcançaremos os recursos
espirituais necessários para vencer na batalha da
evangelização. Andrew Murray exprimiu de forma eloquente
essa necessidade:
“Orar é ir em busca do invisível; jejuar é colocar em
plano secundário tudo o que é visível e temporal.
Orar ajuda a expressar, aprofundar, confirmar a
resolução de que estamos prontos a sacrificar
qualquer coisa, até nós mesmos, para atingir o que
buscamos para o reino de Deus”.
Quando oramos e jejuamos estamos a mostrar a Deus o
quanto valorizamos a Sua bênção e o quanto desejamos que
essa bênção seja concedida. Muitas vezes enfrentamos
inimigos poderosos, que nos querem impedir de falar de
Cristo. Alguns são exteriores a nós, mas muitos deles estão
instalados dentro de nós mesmos, como o medo e a timidez.
Para os vencer, precisamos de orar com o mesmo fervor dos
discípulos quando foram ameaçados para não falarem de
Cristo:

53
“Agora pois, ó Senhor, olha para as suas ameaças,
e concede aos teus servos que falem com toda a
intrepidez a tua palavra, enquanto estendes a mão
para curar e para que se façam sinais e prodígios
pelo nome de teu santo Servo Jesus. E, tendo eles
orado, tremeu o lugar em que estavam reunidos; e
todos foram cheios do Espírito Santo, e
anunciavam com intrepidez a palavra de Deus.”
Atos 4:29-31
Cada irmão deve buscar a Deus cada dia. Esse tempo a sós
com o Senhor é um momento precioso e insubstituível,
quando podemos ler a sua Palavra, falar com Ele em oração e
ouvir a sua voz falar connosco. Não importa a quantidade de
tempo ou a hora do dia, nem é importante seguir
determinado ritual. Importa, sim, que imitemos o nosso
Mestre:
“E, despedida a multidão, subiu ao monte para
orar, à parte. E, chegada já a tarde, estava ali só.”
Mateus 14:23
“Ele, porém, retirava-se para os desertos, e ali
orava.” Lucas 5:16
“E aconteceu que naqueles dias subiu ao monte a
orar, e passou a noite em oração a Deus.” Lucas
6:12
A importância que Jesus atribuía à oração era de tal grandeza
que dedicou tempo considerável a ensinar os discípulos a
orar. Ao lermos as páginas de Atos notamos que eles
aprenderam bem a lição, pois vemos que a Igreja apostólica
era uma Igreja que orava constantemente.

54
O jejum é uma arma que acompanha e potencia a oração.
Jesus ensinou que o jejum deve em particular ser praticado
quando precisamos da presença do Esposo connosco:
“E disse-lhes Jesus: Podem porventura andar tristes
os filhos das bodas, enquanto o esposo está com
eles? Dias, porém, virão, em que lhes será tirado o
esposo, e então jejuarão.” Mateus 9:15
A Igreja apostólica jejuava frequentemente (ver por exemplo
Atos 13:1). Servos de Deus ao longo da história da Igreja
jejuaram, obtendo gloriosas vitórias. Por que não haveríamos
nós hoje de jejuar? Em Mateus 6:16 e 17, ao ensinar sobre o
jejum, Jesus usa a expressão “quando jejuares”. Derek Prince,
autor de um livro sobre o jejum13, observa que, para Jesus,
jejuar não é questão de se mas de quando; deve por isso
fazer parte integrante da vida devocional regular do crente.

A REALIDADE DA GUERRA ESPIRITUAL


A oração e o jejum são armas essenciais nas batalhas
espirituais. A par de outros recursos14 , são meios pelos quais
nos apropriamos, pela fé, da graça de Deus. Temos de
compreender que evangelizar é uma ação de guerra.
Seríamos muito imprudentes se pensássemos que a
evangelização é uma amena troca de argumentos entre um
crente e um descrente. O Senhor Jesus deixou bem claro o

13Fasting - Releasing God’s Power in Your Life [“Jejum - Liberando o poder


de Deus na sua vida”], Whitaker House, 1986.

14V. o texto clássico de Paulo sobre a armadura do soldado cristão (Efésios


6:11 ss).

55
que se passa na esfera espiritual quando proclamamos o
evangelho do Reino a alguém:
“Quando o valente guarda, armado, a sua casa, em
segurança está tudo quanto tem; mas, sobrevindo
outro mais valente do que ele, e vencendo-o, tira-
lhe toda a sua armadura em que confiava, e reparte
os seus despojos.” Lucas 11:21,22
O ímpio está à partida dominado, em maior ou menor grau,
pelas trevas. Quando evangelizamos alguém, há um
“valente”, um ser das trevas, que guarda aquela alma e a
quer conduzir para a destruição. E que não vai abdicar dela
facilmente! Mas quando nós vamos em nome de Jesus, chega
um mais valente: o próprio Cristo, com todo o seu poder e
autoridade. Nessa situação, o primeiro valente não tem como
resistir e sucumbe perante o grande valente Jesus.
A Palavra de Deus não deixa lugar a dúvidas, ao afirmar que
“todo o mundo está no maligno” (1 João 5:19) e ao
reconhecer satanás como “o príncipe deste mundo” (João
12:31). É a ele e aos seus sequazes que enfrentamos numa
terrível batalha, como Paulo explica:
”A nossa luta não é contra pessoas, mas contra os
poderes e autoridades, contra os dominadores
deste mundo de trevas, contra as forças espirituais
do mal nas regiões celestiais.” Efésios 6:12 [NVI]
Há neste momento muitos conflitos armados no planeta
terra, mas nos ares trava-se uma batalha muito mais intensa,
entre dois reinos espirituais que se enfrentam em guerra
aberta: o reino das trevas e o reino de Deus. Sabemos que o
reino de Deus já está entre nós (Lucas 17:21). Como? Através
do senhorio de Cristo, nosso Rei, nos nossos corações. E

56
sabemos também que o progresso do Reino da Luz é
imparável e o seu triunfo final é certo, graças à vitória que o
Cordeiro alcançou na cruz e que se manifestou ao ressuscitar
de entre os mortos. O príncipe deste mundo ainda tem algum
poder por algum tempo, mas a sua decadência e dos seus
exércitos é indesmentível e o seu fim está à vista.
“E ouvi uma grande voz no céu, que dizia: Agora é
chegada a salvação, e a força, e o reino do nosso
Deus, e o poder do seu Cristo; porque já o
acusador de nossos irmãos é derrubado, o qual
diante do nosso Deus os acusava de dia e de
noite.” Apocalipse 12:10

O SEGREDO DA VITÓRIA
Desta batalha nós também somos participantes. Vejamos
como:
“E eles o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela
palavra do seu testemunho; e não amaram as suas
vidas até à morte.” (Apocalipse 12:11)
Há três aspetos muito importantes nesta guerra que são
referidos neste texto bíblico. Notemos, em primeiro lugar,
que a vitória não está em nós, nos nossos recursos ou
capacidades naturais, mas no sangue do Cordeiro. Esta é a
bandeira do exército do reino de Deus! Foi na cruz que os
inimigos de Deus foram derrotados e envergonhados
publicamente (Colossenses 2:15). Esta é uma verdade
fundamental para o evangelista: a vitória já foi
antecipadamente ganha pelo Cordeiro. Só temos de tomar

57
posse da herança que Ele conquistou, expulsando aqueles
que, apesar de derrotados, insistem em resistir.
Para melhor entendermos a natureza da batalha em que
estamos envolvidos, pensemos num exemplo simples.
Imagine que um familiar seu lhe legou por herança uma casa.
Mas alguém a ocupou indevidamente e recusa-se a sair,
alegando vários motivos. Que fazer? Vai entrar pela casa
dentro e lutar fisicamente com os ocupantes ilegais? Não é
necessário nem é aconselhável que o faça. Basta ir às
autoridades, provar que a casa é sua e, em devido tempo, os
ocupantes ilícitos serão obrigados a abandonar a casa, pela
força da lei, incluindo a ação policial. Quando uma pessoa
aceita Cristo, a propriedade da casa muda: o dono deixa de
ser o agente das trevas e passa a ser o Cordeiro que remiu
com o seu próprio sangue aquela alma. Talvez o inimigo não
queira sair e nessa situação compete-nos a nós declarar que
Cristo é o Senhor daquela vida e dar-lhe “ordem de despejo”.
É esse o valor único e insubstituível do sangue de Jesus: ele é
o preço pago do resgate das almas perdidas:
“Esse resgate pagou-o não com ouro ou
prata...mas com o precioso sangue de Cristo, o
cordeiro de Deus, sem pecado e sem mancha.”
1 Pedro 1:17,18
Ao evangelizarmos alguém, temos de ter bem definido na
nossa mente que Cristo comprou a salvação daquela vida e
por isso Ele tem direito àquela alma. E que a pessoa que
evangelizamos tem direito à vida eterna, bastando para tal
aceitar a Cristo como o novo Senhor da sua vida.
Em segundo lugar, o texto bíblico de Apocalipse 12:1 torna
claro que a vitória é alcançada porque os soldados do

58
exército de Cristo usam uma arma irresistível: “a palavra do
seu testemunho”. Tal como Paulo, eles não se envergonham
do evangelho de Cristo (Romanos 1:16) e mantêm firme a
confissão da sua fé (Hebreus 4:14). O mundo nega os grandes
atributos de Deus, mas o crente proclama-os com ousadia: o
amor, a justiça, a fidelidade de Deus às suas promessas; tudo
o que a Palavra nos revela e a que temos de ser fiéis.
A palavra do testemunho remete-nos para a essência da
evangelização, uma vez que evangelizar é por definição ser
testemunha de Cristo.
“Ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém
como em toda a Judéia e Samaria, e até aos
confins da terra.” Atos 1:8
“E os apóstolos davam, com grande poder,
testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em
todos eles havia abundante graça.” Atos 4:33
O ato de testemunhar implica a atestação pessoal da
veracidade de um facto. Só pode testemunhar de Cristo
quem o conhece e tem experimentado a verdade da sua
Palavra. Este aspeto distingue a evangelização de meras
declarações doutrinárias impessoais, mesmo que sejam
corretas. Evangelizar é transmitir uma experiência (uma
vivência), algo que pertence mais ao foro existencial do que à
dimensão proposicional (a distinção entre verdadeiro e falso)
— e por isso se encontra revestido de uma autoridade
especial: “eu sei que isto é verdadeiro porque eu vivo isto e
tu podes vivê-lo também”. O evangelista mais eficaz é por
conseguinte aquele que fala da sua experiência pessoal e
transmite a alegria de ter encontrado Cristo.

59
Em terceiro lugar, o empenhamento deste exército de
testemunhas na batalha é de tal ordem que estão dispostos a
dar a própria vida: “não amaram as suas vidas até à morte”. A
palavra grega original para “testemunha” é mártus, de onde
provém a palavra portuguesa “mártir”.15 Este aspeto remete-
nos para um aspeto da evangelização que não podemos
ignorar: quanto estamos dispostos a sofrer para sermos
testemunhas efetivas do nosso Mestre?

O MEDO DO SOFRIMENTO
Em muitos países do mundo, neste preciso momento, esta é
uma questão que muitos dos nossos irmãos se colocam.
Sabem que optar por testemunhar de Cristo pode significar
perseguição, aprisionamento e mesmo morte. Vale a pena?
No ocidente em que vivemos cultiva-se uma cultura cristã do
não sofrimento, do bem-estar e da vida fácil. Uma das
aberrações que emergiu desta cultura, e que se instalou em
muitos lugares na igreja, é o evangelho que coloca o homem
e não Cristo no centro do projeto de Deus. Deus teria,
segundo este falso evangelho, uma espécie de compromisso
de jamais permitir que algo viesse a prejudicar os seus filhos,
poupando-os de qualquer tipo de contrariedade e dor. Por
isso, servir ao Senhor nunca poderia implicar situações em
que o bem-estar pessoal do crente pudesse ser posto em
causa.

15 Por essa razão, algumas versões de Apocalipse 2:13, como a tradução


inglesa King James, traduzem “Antipas meu fiel mártir” em vez de “Antipas
minha fiel testemunha”, que é a tradução portuguesa habitual.

60
Mas a Bíblia jamais ensinou isso. Bem pelo contrário, o
Senhor preparou os seus discípulos para a perseguição:
“Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem
e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal
contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos,
porque é grande o vosso galardão nos céus;
porque assim perseguiram os profetas que foram
antes de vós.” Mateus 5:11,12
Numa das passagens mais comoventes saídas da pena de
Paulo, o apóstolo escreve a respeito das lutas que o cristão
pode ter de enfrentar:
“Em tudo somos atribulados, mas não angustiados;
perplexos, mas não desanimados. Perseguidos,
mas não desamparados; abatidos, mas não
destruídos; trazendo sempre por toda a parte a
mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para
que a vida de Jesus se manifeste também nos
nossos corpos.” 2 Coríntios 4:7-10
Para além da advertência sobre a inevitabilidade de sofrer
perseguições,16 a Bíblia aponta para a grande recompensa
que receberá todo aquele que sofrer pelo evangelho de
Cristo:
“Bem-aventurados os que sofrem perseguição por
causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.”
Mat. 5:10

16 Outros textos do Novo Testamento no mesmo sentido: 2 Tim. 3:12 -


Filip. 1:29 - Mat. 10:17 - Mat. 24:9 - Marc. 10:30 - Luc. 21:12 - Jo. 15:20 -
Jo. 16:33 - Mat. 23:34 - 1 Jo. 3:13.

61
“Se é certo que com ele padecemos, para que
também com ele sejamos glorificados.” Romanos
8:17
“Uns foram torturados, não aceitando o seu
livramento, para alcançarem uma melhor
ressurreição.” Hebreus 11:35
“Alegrai-vos no fato de serdes participantes das
aflições de Cristo, para que também na revelação
da sua glória vos regozijeis e alegreis.” 1 Pedro
4:13
Para além da Bíblia, a história da Igreja está cheia de relatos
de homens e mulheres que deram a sua vida pelo Reino.
Todos nos sentimos alguma vez inspirados pela história dos
mártires dos primeiros séculos e, mais tarde, por muitos
outros, como os cátaros, os lolardos, os hussitas, os
anabatistas, os huguenotes, os puritanos, chegando aos
mártires dos países comunistas do séc. 20 e, já nos nossos
dias, aos crentes clandestinos da China, da Coreia do Norte,
dos países islâmicos da Ásia, da África e do Médio oriente,
onde é crime possuir uma Bíblia e realizar uma reunião
cristã… Perante esta evidência histórica esmagadora, como
queremos nós ser diferentes no séc. 21?
Temos observado que um dos maiores entraves à
evangelização é este: o medo de, ao evangelizar, sofrer algum
tipo de represália — que, bem vistas as coisas, em geral
apenas se salda por alguma perda de prestígio pessoal ou de
um ou outro amigo. Temos de enfrentar esta realidade: somos
tendencialmente uma geração fraca, pusilânime e
condescendente com as nossas fraquezas; por isso
precisamos de nos arrepender seriamente perante Deus e

62
mudar de mentalidade. Os templos não podem estar cheios
de crentes que choram pelos seus problemas e intimamente
se queixam de Deus, e que ao mesmo tempo mantêm os
olhos secos ao contemplarem todos os dias milhares de vidas
preciosas que se encaminham inexoravelmente para o lago
de fogo.
Que cada um de nós possa atender à exortação que Paulo
dirigiu ao jovem Timóteo:
“Tu pois, sofre as aflições, como bom soldado de
Jesus Cristo.” 2 Tim. 2:3

63
Aplicação pessoal
1. Mantém diariamente um tempo a sós com Deus? Considera
satisfatória a sua vida de oração?

2. Entende bem o valor do jejum? Jejua regularmente?

3. Acha que tem tido consciência da dimensão espiritual onde se


travam as verdadeiras batalhas? Ou essa consciência é muito
reduzida ou nula?

4. Acha que não evangeliza por medo ou vergonha? Está disposto


a vencer isso?

64
6 | DISCIPULADO, SEGREDO DA
EVANGELIZAÇÃO COM FRUTOS

Não basta falar de Jesus, distribuir literatura cristã ou


organizar reuniões especiais para assegurar uma
evangelização que produza resultados. Neste capítulo iremos
sublinhar a importância de o Senhor nos ter enviado não
apenas a pregar mas a fazer discípulos, o que nos levará a
refletir sobre o que tal significa na prática da evangelização.

CONVERSÃO IMPLICA SER DISCÍPULO


Se vivêssemos na Palestina no tempo de Jesus, bem
poderíamos ser conhecidos como talmidim do Rabi Yeshua.
Talmid (talmidim no plural) é uma palavra hebraica que
significa “discípulo”. É uma palavra com um grande
significado para qualquer judeu e para os primeiros cristãos,
cujo sentido precisamos hoje de entender melhor, uma vez
que Jesus não apenas nos considera seus discípulos como
nos enviou a fazer discípulos de todas as nações (Mateus
28:19).
Muito antes de Cristo, houve grandes sábios e mestres que
tinham os seus próprios talmidim. Um talmid é antes de mais
um estudante ou aprendiz, mas não como hoje entendemos
este conceito. O discípulo tinha de absorver tudo o que o
Rabi ensinasse, incluindo aspetos práticos da vida, como a
alimentação, a celebração do Shabbat, a realização de obras
de caridade (tzedakah) ou a forma de guardar os
mandamentos (mitzvot) de Adonai. Por isso, o talmid era, para

65
além de um aprendiz, um permanente seguidor do seu
mestre, uma vez que o acompanhava por toda a parte, até se
tornar num reflexo vivo do seu rabi. Uma vez completada a
sua formação, ele mesmo poderia um dia tornar-se um rabi e
ter os seus talmidim.
A palavra grega, usada no novo testamento, que traduz esta
relação discípulo-Mestre é mathetes, que significa “aluno com
uma intenção de aprender ativamente”. O livro de Atos usa
esta palavra constantemente para designar os cristãos,
sublinhando assim que os primeiros cristãos não eram apenas
pessoas que criam em Jesus, mas que o seguiam e aprendiam
dele diariamente.
É esta palavra que Jesus usa quando envia os discípulos a
“fazer discípulos”. De facto, o que o texto original contém é
uma forma verbal, que à letra pode ser traduzida por
“discipulai todas as nações”.
De algumas décadas para cá surgiram vários “movimentos de
discipulado”, que sobrevalorizaram o conceito de fazer
discípulos e em alguns casos enveredaram numa direção
estranha ao sentido bíblico original. O conceito de
discipulado transformou-se numa estratégia de crescimento
da Igreja: um cristão é discipulado por outro e torna-se por
sua vez discipulador de outros, criando uma estrutura
piramidal onde há relações fortes de hierarquia e
dependência.17

17 Alguns desses movimentos entraram claramente num rumo de


manipulação e controlo (conhecido como heavy shepperding, à letra
“pastoreio pesado”), embora reconheçamos que outros têm feito um
esforço por corrigir esses desvios e têm realizado um trabalho meritório.

66
Ao falarmos de discipulado, queremos apenas sublinhar um
ponto simples mas fundamental: o objetivo do mandamento
bíblico e o alvo de toda a atividade evangelística deve ser o
de fazer discípulos — obviamente, discípulos de Cristo e não
de homens, por mais abençoados e bem intencionados que
estes sejam. O que queremos significar, portanto, é que
devemos ter em mente que a verdadeira evangelização não
consiste apenas em levar as pessoas a receber Cristo no
coração, embora esse seja um passo inicial essencial, mas em
transformar essas pessoas em verdadeiros alunos e
seguidores de Cristo. O convertido a Cristo, se a sua
conversão é real, tem de se tornar necessariamente num
discípulo ou seguidor de Cristo.
Numa palavra: a evangelização fica incompleta sem
discipulado. Billy Graham, com a autoridade da sua longa
experiência de evangelista de massas, explicou-o em palavras
simples:
“Evangelismo é mais do que simplesmente encorajar
decisões por Cristo. É exortar as pessoas a tornarem-
se discípulos — seguidores — de Jesus Cristo. Como
tal, o evangelista tem a responsabilidade de tornar
possível que todos quantos venham à fé no seu
ministério cresçam no discipulado”.
C. D. Alexander igualmente chamou a atenção para o perigo
de separar conversão de discipulado:
“Conversão sem discipulado aparece abertamente
implícito em muito do nosso ensino evangélico.
Tornou-se estranhamente possível ser de Cristo sem
tomar a sua cruz.”

67
Dietrich Bonhoeffer definiu bem esta separação artificial, ao
afirmar: “Salvação sem discipulado é graça barata”.
Muitas vezes esta verdade não é reconhecida. O conceito
estático e deficitário de salvação, que ensina “salvo uma vez,
salvo para sempre”, tende a produzir convertidos que podem
nunca vir a tornar-se efetivos discípulos de Cristo. Mas
quando entendemos que a salvação, tendo um início pontual,
é por definição um processo, só podemos concluir que o
discipulado mais não é do que capacitar o crente a perseverar
no caminho da salvação, em santificação e serviço, sendo fiel
a Cristo até ao fim da sua carreira terrena.

O QUE SIGNIFICA SER DISCÍPULO?


Discipular alguém implica ajudar o crente a caminhar com
Cristo. Significa arrependimento, concretizado numa mudança
de vida, vencendo o pecado e andando diariamente no
Espírito. Significa obediência, submissão à palavra de Deus e
à direção do Espírito Santo. Significa compromisso, uma total
disponibilidade para ser instrumento nas mãos do Mestre.
Significa perseverança, enfrentando tentações e provas e
aprendendo a ser um vencedor. Significa ir-se tornando mais e
mais semelhante a Jesus, de tal modo que o mundo veja no
discípulo um verdadeiro reflexo do Mestre divino. Significa
viver em comunidade com outros discípulos, cujo intento é o
mesmo: seguir e servir o Mestre Jesus.
Ser discípulo de Jesus é muito mais do que crer em algumas
verdades bíblicas e assistir a cultos da Igreja. É o maior
desafio da vida do crente. Numa linguagem desafiante, Lee
Camp explica esta ideia de forma eloquente:

68
“Jesus de Nazaré vem sempre convidar os discípulos
a seguirem-no — não apenas a ‘aceitá-lo’, ou ‘crer
nele’, ou ‘adorá-lo’, mas a segui-lo: ou a pessoa segue
a Cristo ou não. Não há qualquer comparti-
mentalização da fé, nenhuma área, nenhum esfera,
nenhum negócio, nenhuma política da qual o
senhorio de Cristo seja excluído. Ou fazemos dele
Senhor dos senhores, ou o negamos como Senhor de
alguma coisa.” 18
Foi isto que Jesus nos mandou fazer, não apenas pregar o
evangelho, atividade imprescindível na evangelização, mas
“fazer discípulos”. Significa isto que o trabalho de
evangelização deve ter como meta levar a pessoa a crer em
Jesus Cristo como Salvador e a aceitá-lo como Senhor e
Mestre, com todas as implicações que esse senhorio acarreta.

GANHAR E CUIDAR
A grande comissão de Jesus surge nos três evangelhos
sinóticos. Há três verbos que resumem o essencial da ação
que o Mestre ordenou aos discípulos: pregar (Marcos
16:15-16 e Lucas 24:47); ensinar (Mateus 28:20); e fazer
discípulos (Mateus 28:19). Em todos se acrescenta a ordem de
batizar os que crerem.
Como pode a Igreja executar esta missão que o Senhor lhe
confiou? O que implica cumprir a grande comissão no seu
sentido mais amplo? Iremos a seguir referir três vertentes que

18Lee Camp, Mere Discipleship: Radical Christianity in a Rebellious World


[“Discipulado Simples: Cristianismo radical num Mundo Rebelde”], Brazos
Press, 2003

69
integram necessariamente o cumprimento da grande
comissão: evangelização (em sentido estrito, entendida como
a pregação ou anúncio inicial do evangelho), ensino e
acompanhamento. São três aspetos inseparáveis que se
intersetam em vários sentidos. Mas distingui-los é útil para
deles tomarmos consciência e lhes darmos o devido relevo.
Procuraremos também defender que, embora o trabalho de
evangelização em grupo e até em massa seja necessário, é na
relação um a um que a evangelização obtém maiores e mais
duradouros frutos.

1. A fase inicial da evangelização

A palavra grega κήρυγμα (kérygma) é usada no Novo


Testamento19 com o significado de “proclamar”, “anunciar” e
“pregar”. Provém de um verbo usado para descrever o grito
de um arauto quando transmitia uma mensagem em público.
A proclamação ou pregação do evangelho, com autoridade
espiritual, é indispensável à evangelização. Através da
pregação, o Espírito Santo opera poderosamente sinais e
maravilhas que confirmam a mensagem do Evangelho. Nada
pode substituir um púlpito onde homens santos e cheios do
Espírito Santo proclamam as boas novas da salvação20 ou
qualquer outro contexto em que é dado testemunho da obra
redentora do Calvário aos que estão perdidos.

19 Cf. Lucas 4:18-19, Romanos 10:14, Mateus 3:1.

20Muitas vezes os púlpitos são primacialmente dedicados ao ensino. Graças


a Deus quando os púlpitos são ocupados por bons ensinadores; mas
ensinar (didaskalía) não substitui a proclamação (kerygma) do Evangelho.

70
Nesta fase inicial, evangelizar consiste simplesmente em
anunciar, no poder do Espírito Santo, a salvação que há em
Jesus Cristo. É pregar Cristo e este crucificado (1 Coríntios
1:23). Não é fazer a apologia da nossa Igreja, não é discorrer
sobre religião, filosofia e moral, é simplesmente transmitir a
boa nova da esperança que há no Cordeiro de Deus
sacrificado em nosso lugar. Lembrando sempre a grande
responsabilidade de quem evangeliza: as pessoas serão
julgadas, não pela sua posição religiosa ou pela denominação
em que se filiaram, mas pela opção que fizeram de aceitar ou
rejeitar a Cristo.
Logo nesta fase inicial se verifica que a relação um a um é de
importância vital. Quando pensamos em pregação do
Evangelho, imaginamos facilmente um grande recinto onde
um pregador anuncia o evangelho e onde há pessoas que
decidem aceitar Jesus como Salvador. Mas nem sempre assim
sucede. Por vezes, o Espírito Santo desperta a consciência de
um visitante que é confrontado com a Palavra de Deus, dá
sinais de querer avançar na fé, mas não sabe o que fazer.
Torna-se necessário que alguém lhe exponha com clareza o
plano da salvação. Só assim aquela pessoa poderá tomar uma
decisão consciente de entregar a sua vida a Cristo.
Vemos então que, mesmo nesta primeira fase da
evangelização, a relação pessoal é fundamental. Não é
incomum encontrar pessoas que frequentam uma Igreja
durante um tempo considerável sem nunca entenderem —
porque nunca ninguém lhes explicou — o que devem fazer
para serem salvas. Passam por um processo de aculturação à
Igreja e parecem convertidos, quando de facto nunca deram
um passo definido de fé. Para que o façam, é necessário um

71
dia confrontá-las com a necessidade de fazerem uma escolha
por Cristo e de viverem de forma consequente essa decisão.
Há um outro grupo nas Igrejas, os hesitantes, que necessitam
também de um trabalho pessoal. São pessoas que já sabem
que devem fazer uma escolha mas, por falta de alguém que
os incentive e ajude, vão adiando a sua decisão por Cristo,
alegando que não se sentem suficientemente preparadas.
Torna-se decisiva nesse contexto a intervenção de um
evangelista, para que esse bloqueio seja ultrapassado. O Dr.
M. Lloyd-Jones exemplifica este tipo de problema e explica a
sua estratégia para o ultrapassar:
"Para ser bastante prático: eu tenho um teste muito
simples. Depois de ter explicado o caminho de Cristo a
alguém, eu digo: ‘Agora está pronto para assumir que é
um cristão? 21’ E a pessoa hesita. E então eu pergunto:
‘Qual é o problema? Por que está a hesitar?’ E quantas
vezes as pessoas respondem: ‘Eu não sinto ainda que sou
suficientemente bom. Acho que não estou preparado para
dizer neste momento que sou um cristão.’

Imediatamente percebo que me fizeram perder o meu


tempo. As pessoas ainda pensam em termos de si
mesmas. Sentem necessidade de o fazer. Parece muito
h u m i l d e a f i r m a r : ‘ B e m , e u n ã o m e c o n s i d e ro
suficientemente bom’, mas isso é uma total negação da fé.
A própria essência da fé cristã é dizer que Ele é
suficientemente bom e que eu estou Nele.

[Por isso explico que] enquanto você continuar a pensar


sobre si mesmo dessa maneira, dizendo: ‘Eu não sou
suficientemente bom; oh! eu não sou suficientemente

21No sentido de assumir a fé em Cristo como Salvador — e não apenas ser


adepto da religião cristã.

72
bom!’, o que está a fazer é a negar a Deus — negar o
evangelho — negar a própria essência da fé e por isso
nunca vai ser feliz. Acha que está melhor em certas
ocasiões, mas depois descobre que não está tão bem
noutros momentos como já esteve anteriormente. Vai
andar aos altos e baixos para sempre.

Como explicar esta verdade de modo claro? Não importa


se no passado você já quase entrou nas profundezas do
inferno. Não importa se é culpado de homicídio ou de
qualquer outro pecado horrendo. Isso não importa
absolutamente nada para ser justificado perante Deus. A
sua posição é a mesma posição de total desespero em que
se encontra a pessoa mais moral e respeitável do
mundo.” 22

São muitos os que hesitam na sua decisão porque dependem


de emoções e acham que não estão a “sentir Deus” o
suficiente. Outros, porque receiam que tomar uma decisão
por Cristo seja sinónimo de assunção de responsabilidades
imediatas na Igreja. Enfim, estes e muitos outros obstáculos
podem surgir para impedir uma tomada firme de decisão —
que é o exercício do livre arbítrio — que tornará possível que
a porta da graça se abra para aquela vida. Nesta fase, é
crucial que alguém da Igreja esteja ao lado da pessoa para a
ajudar, assim como uma parteira auxilia o trabalho de
nascimento de uma criança.
Pregar o evangelho, portanto, não pode ser entendido
apenas como expor a pessoa a uma pregação do púlpito feita
num templo. É preciso que alguém permaneça ao lado da
pessoa até que o Espírito Santo a leve a fazer a pergunta

22Martyn Lloyd-Jones, Depressão espiritual: suas causas e cura. Editora


Publicações Evangélicas Selecionadas, 1987.

73
decisiva: “e agora, que devo fazer para ser salvo?” É essa
pergunta que escutamos nas Escrituras em diversas situações:
“E, tirando-os para fora, disse: Senhores, que é
necessário que eu faça para me salvar?” Atos 16:30
“E disseram-lhe: Mestre, que devemos fazer?” Lucas
3:12
“E a multidão o interrogava, dizendo: Que faremos,
pois?” Lucas 3:10
“Então disse eu [Saulo]: Senhor, que farei?” Atos
22:10
“E, ouvindo eles isto, compungiram-se em seu
coração, e perguntaram a Pedro e aos demais
apóstolos: Que faremos, homens irmãos?” Atos 2:37
O anúncio do evangelho implica portanto uma definição
muito clara dos dois caminhos que se colocam diante da
pessoa evangelizada — assim como Moisés levou o povo a
contemplar a bênção e a maldição do Monte Gerizim e Ebal
(Deut. 27). Implica também acentuar que Deus já fez tudo por
ela e que agora depende apenas da sua decisão a escolha do
seu destino eterno. O kerygma tem necessariamente essa
natureza confrontacional, no bom sentido. O evangelista não
pode rodear tempo demais a questão crucial: “escolhei hoje a
quem sirvais…” (Jos. 24:15).
É nesse momento da decisão que a pessoa evangelizada não
pode ser deixada sozinha. Imaginemos que uma jovem
grávida vai dar à luz pela primeira vez. Chega ao hospital e
uma enfermeira, carinhosa e eficiente, explica-lhe o que é o
parto e como deverá agir. Explica tudo com pormenor, dá-lhe
um folheto com todas as instruções e depois… vai-se embora,

74
deixando a parturiente sozinha num dos momentos mais
difíceis da sua vida. Não é o que por vezes fazemos com uma
pessoa que está a despertar para a fé mas que ainda não
passou por um “parto espiritual”? Paulo usou essa imagem e
cada evangelista deve retê-la na sua mente:
“Meus filhinhos, por quem de novo sinto as dores de
parto, até que Cristo seja formado em vós.” Gálatas
4:19
Por isso, quando nos deparamos com uma pessoa claramente
trabalhada pelo Espírito Santo, temos de ajudá-a naquele
parto, conduzindo-a não apenas à fé como à confissão
explícita dessa fé. Só assim será dado um passo decisivo no
caminho da salvação.
“Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e
em teu coração creres que Deus o ressuscitou
dentre os mortos, serás salvo.” Romanos 10:9
Temos portanto de ultrapassar o quadro que frequentemente
encontramos nas Igrejas: os crentes da Igreja podem até estar
bem motivados para convidar pessoas para um culto. E
depois? Que se segue? Imaginemos que, no final da reunião,
um irmão leva o seu convidado ao pastor, e apresenta-o,
dizendo: “Pastor, eu fiz a minha parte. Trouxe este meu
amigo. Agora é a sua vez. Cuide dele.” Cada irmão pode e
deve estar bem motivado e preparado para convidar
visitantes para reuniões; mas necessita de aprender a
anunciar-lhe, com simplicidade mas com autoridade, o
caminho da salvação.

75
2. O ensino dos primeiros passos

Como sabemos, após a primeira grande experiência do novo


nascimento, o recém convertido tem diante de si um longo
caminho a percorrer. Vai ter de enfrentar tentações e provas,
vai ter de escolher entre o mundo e o Reino, e vai ter de se
deixar transformar pelo Espírito Santo. Sobretudo nos tempos
iniciais, ele vai precisar de toda a ajuda possível para não ficar
parado na jornada da fé, ou, pior ainda, voltar atrás. A
primeira fonte de ajuda advém do ensino da Palavra de Deus.
A segunda consiste no acompanhamento pessoal. Ensino e
acompanhamento são como duas irmãs gémeas; não
podemos prescindir de uma em favor da outra e caminham
geralmente a par. Iremos começar pela primeira, o ensino
bíblico, e falaremos da segunda mais adiante.
Como mencionámos atrás, evangelização, ensino e
acompanhamento sobrepõem-se em vários momentos.
Muitas vezes evangelizar já implica ensinar, no sentido de
informar e esclarecer. Um bom exemplo disso é o episódio de
Filipe e o eunuco:
“E, correndo Filipe, ouviu que lia o profeta Isaías, e
disse: Entendes tu o que lês? E ele disse: Como
poderei entender, se alguém não me ensinar? E
rogou a Filipe que subisse e com ele se
assentasse.” Atos 8:30-31
Eis aqui o caso de alguém visivelmente interessado em
chegar-se a Deus, mas a quem falta o entendimento
necessário para poder avançar. Podemos considerar que
nesta fase inicial da evangelização há três momentos a ter em
conta:

76
(a) Despertamento (ação do Espírito Santo na consciência da
pessoa);
(b) Esclarecimento (o que Filipe fez com o eunuco ao explicar-
lhe a profecia de Isaías);
(c) Assistência na decisão (o momento que atrás referimos
como “parto espiritual”).
Mas o ensino ultrapassa largamente a fase do esclarecimento
inicial do evangelho. De facto, o ensino acompanhará a vida
do novo crente até ao fim da sua existência terrena, porque a
Palavra de Deus é um manancial inesgotável de revelação e
sabedoria.
É necessário que em cada Igreja haja um programa de ensino
para visitantes e novos convertidos. A experiência mostra que,
tal como sucedeu com o eunuco a quem Filipe evangelizou, é
muitas no decorrer desse ensino que o visitante abre o
coração e tem uma experiência com Deus.
À medida que o novo convertido evolui no seu entendimento
da Palavra, deve haver ensino no sentido da sua preparação
p a r a o b a t i s m o . L e m b re m o s q u e J e s u s m a n d o u
explicitamente batizar os que cressem. O batismo é um
momento especialmente marcante na vida do novo crente e
deve ser preparado com todo o cuidado.
Este ensino básico pode ser considerado um “leite” para o
novo convertido, essencial para um bom crescimento.
“Como crianças recém-nascidas, desejem de
coração o leite espiritual puro, para que por meio
dele cresçam para a salvação, agora que provaram
que o Senhor é bom.” 1 Pedro 2:2,3 (NVI)

77
No entanto, o novo crente não pode ficar por aqui. É preciso
que cresça e deixe de ser menino.
“Qualquer que ainda se alimenta de leite não está
experimentado na palavra da justiça, porque é
menino.” Hebreus 5:13
O crescimento espiritual vem através da continuidade do
ensino e do aprofundamento na Palavra. Assim, após a
passagem por módulos básicos de ensino bíblico, é bom que
o novo convertido aprenda as grandes doutrinas que
configuram a identidade da Igreja.
Mas o crescimento vem também pela prática. Assim que
batizado, o novo crente deve ser envolvido no serviço ao
Senhor nas diversas áreas disponíveis da Igreja, muito
especialmente na evangelização. O principal objetivo é que
ele testemunhe a outros e passe a ajudá-los a seguir pelo
caminho que ele está a experimentar.

3. O acompanhamento pessoal

Como procurámos explicar, o ensino bíblico deve ser sempre


acompanhado por um trabalho paralelo de acompanhamento
pessoal. O ideal será que um irmão da Igreja (com
maturidade espiritual de devidamente preparado para essa
tarefa) faça esse acompanhamento pessoal.
Não há como exagerar a importância do que aqui chamamos
acompanhamento 23 para uma evangelização bem sucedida.
O acompanhamento consiste na assistência personalizada ao

23 Outros chamam-lhe assistência, aconselhamento, follow-up ou mesmo


discipulado.

78
novo convertido. Caminha a par do ensino, mas vai muito
mais longe e tem objetivos distintos. Como referimos já, o
acompanhamento pode e deve começar logo na fase inicial
de evangelização e pode prolongar-se até à sua plena
integração no Corpo de Cristo.
Jesus é o grande exemplo de uma abordagem personalizada
na evangelização. Embora dedicasse tempo às multidões,
fazia-o com o propósito essencial da proclamação do Reino e
do ensino. Mas era nos encontros pessoais que Ele conseguia
ultrapassar barreiras e chegar ao coração das pessoas. Os
Evangelhos estão cheios de relatos desses encontros, como a
mulher do fluxo de sangue, o leproso, o cego de Jericó,
Zaqueu, Nicodemos, a mulher samaritana e tantos outros,
sem esquecer os seus próprios discípulos.
O ensino promove o entender; a assistência visa o ser e o
viver. Há várias fontes de assistência de que o novo crente
pode beneficiar:
(a) A assistência pessoal
O ideal é que cada visitante, sobretudo quando se converte,
tenha uma pessoa da Igreja que se ocupe dele: acolhendo-o
nos cultos ou nas reuniões de grupo; orando por ele;
contactando-o fora do contexto da Igreja (encontros, visitas
ou simples telefonemas); e esclarecendo-o mediante um
ensino básico (estudos do módulo 1 acima referidos).
Chamaremos conselheiro a este irmão que assume o encargo
de prestar esta assistência. Quem pode ser usado como
conselheiro? Lembramos uma observação feita por um autor
que certamente fala por experiência:

79
“O único requisito indispensável para produzir
Cristãos piedosos e maduros são Cristãos
piedosos e maduros.” Kevin DeYoung
Um irmão que não tem uma vida espiritual sólida certamente
não poderá formar novos convertidos com raízes espirituais
duradouras. O conselheiro tem de ser um crente cheio do
Espírito Santo, com sabedoria para falar o que e quando
convém, com um coração cheio de amor e paciência para não
desistir deste trabalho tão delicado. O conselheiro deve ser o
melhor suporte do novo crente, sem no entanto adquirir
direitos de propriedade sobre a vida espiritual do novo
convertido. Deve conhecer os seus limites, levando ao
conhecimento do pastor ou obreiros responsáveis as
situações que estejam além das suas capacidades e
competências. Acima de tudo, deve ser um irmão de oração,
que sabe que é de joelhos que se ganham as batalhas
espirituais.
(b) A assistência do grupo e da Igreja
Logo que possível, o novo irmão deve ser integrado num
pequeno grupo—um grupo de assistência. Ali ele vai
conhecer mais irmãos e iniciar de forma natural um processo
de integração. Convém que esse grupo seja o mesmo do seu
conselheiro.
Ao mesmo tempo, vai conhecendo outros irmãos da Igreja. É
muito importante que a Igreja seja sadia, com irmãos de bom
testemunho. Sabemos que o exemplo dos mais maduros é
essencial para a formação dos novos discípulos de Cristo (“sê
o exemplo dos fiéis, na palavra, no trato, no amor, no espírito,
na fé, na pureza” - 1 Timóteo 4:12. “Sede meus imitadores,
como também eu de Cristo” - 1 Coríntios 11:1).

80
(c) A assistência pastoral
Finalmente, é muito importante que o novo crente seja
apresentado ao pastor e que este ore e converse
regularmente com ele. As pessoas têm em geral uma ideia,
que lhes foi imposta pela religião, de um pastor ou sacerdote
como alguém distante do povo e algo inacessível. É
importante que o irmão comece a ver o pastor como um
amigo e alguém a quem pode recorrer sempre que
necessário.
O contacto com o pastor torna-se mais fácil nas situações de
ensino, onde as aulas são em geral ministradas por pastores
da Igreja. Essa é uma excelente oportunidade de o pastor se
aproximar dos novos e procurar conhecê-los melhor.

Aplicação pessoal
1. Procure explicar a diferença entre um “convertido” e
um “discípulo”. Porque devemos procurar fazer
discípulos e não apenas convertidos?
2. Procure explicar por palavras suas as três vertentes do
discipulado: evangelização, ensino e assistência. Qual
aquela em que se sente mais à vontade? Gostaria de
ser usado nessa área?
3. Na sua experiência pessoal, qual o motivo principal
por que novos convertidos abandonam a fé?
4. Estaria disposto a iniciar um Grupo de Evangelização
com outros irmãos na sua Igreja? Porque não fala com
o seu Pastor nos próximos dias?

81
7 | EVANGELIZAÇÃO E CRESCIMENTO
NUMÉRICO

“De sorte que as igrejas eram confirmadas na fé, e


cada dia cresciam em número.” Atos 16:5
“A oração é o poder por detrás dos princípios.
Simplesmente não existe um princípio mais importante
para o crescimento da Igreja do que a oração. As orações
da Igreja primitiva libertaram o poder de Deus e
adicionaram milhares à Igreja. Aconteceu então. Está hoje
a acontecer em algumas igrejas. E pode acontecer na sua
Igreja.” Tom Rainer

O trabalho de discipulado que procurámos descrever aqui


pode ser considerado penoso e demorado, mas produz frutos
duradouros. A alternativa seria uma Igreja com “convertidos”
que ao primeiro abalo logo abandonam o caminho da fé ou
se transformam em religiosos cristãos, infrutíferos até ao fim
dos seus dias. D. Kinnaman está correto na sua observação,
que certamente não se aplica apenas ao seu país:
“A maior parte das pessoas na América, quando
são expostas à fé Cristã, não estão a ser
transformadas. Dão um primeiro passo à entrada e
a sua caminhada termina ali. Não lhes está a ser
permitido, ou não são encorajadas ou equipadas
para amar e pensar como Cristo. No entanto o
foco numa formação espiritual [discipulado]
corresponde àquilo que uma nova geração está

82
realmente à procura. A transformação é um
processo, uma jornada, não uma decisão de um
momento só.” 24
Cremos que a tríplice for ma de discipulado que
apresentámos, realizado através de uma evangelização inicial,
de um ensino bíblico básico e de uma assistência pessoal,
trará dois benefícios essenciais: criará um ambiente favorável
à conversão genuína da pessoa e ao seu crescimento
espiritual; fechará a famosa “porta dos fundos” da Igreja, por
onde muitos dos que entram acabam por sair, ou pelo menos
torná-la-á muito mais apertada. Além disso, oferecerá uma
oportunidade aos membros da Igreja de desenvolverem os
dons e ministérios que o Senhor lhes concedeu, uma vez que,
ao invés de se limitarem a uma atitude passiva de recetores
de bênção, passam eles mesmos a ser veiculadores de
bênção para os outros.
Queremos concluir chamando a atenção para um outro
benefício, que é de suma importância. Referimo-nos ao
crescimento numérico da Igreja. Realizando bem este
trabalho de evangelização em que o discipulado está incluído,
a Igreja, com a graça de Deus, irá ver muitos daqueles
visitantes que um dia chegaram à Igreja serem transformados
em discípulos de Cristo que, por sua vez, vão trazer outros à
salvação. É este o fator de multiplicação que poderá trazer
um novo impulso de crescimento numérico à Igreja.

24David Kinnaman. Unchristian: What a New Generation Really Thinks about


Christianity...and Why It Matters [Não-cristão: o que uma nova geração
realmente pensa sobre o Cristianismo… e por que isso importa]. Baker
Books, 2007.

83
É por vezes um pouco frustrante verificar como alguns irmãos
e até pastores desprezam o crescimento numérico da Igreja.
Consideram que estar preocupado com números é de algum
modo sinal de falta de espiritualidade. Quantas vezes
ouvimos frases contendo meias verdades, como “Deus dá o
crescimento que for da sua vontade”, “os números são
secundários”, ou “não nos devemos preocupar com números
mas com crescimento espiritual”. É verdade que a Bíblia diz
que “é Deus quem dá o crescimento” (1 Coríntios 3:7), mas a
mesma Palavra nos exorta a trabalhar com zelo de forma a
sermos produtivos. O próprio Jesus nos mandou negociar até
que Ele venha (Lucas 19:13), o que significa trabalhar visando
um lucro. No tribunal de Cristo será recompensado quem se
esforçou por servir no Reino. Há portanto alguma confusão a
este respeito e convém por isso observar brevemente o que a
Palavra de Deus nos ensina a respeito de crescimento em
número.
Comecemos por ler a profecia de Isaías a respeito do Senhor:
“Quando a sua alma for oferecida por expiação do
pecado, então terá uma multidão de filhos, uma
posteridade imensa. E tornará a viver; os planos de
Deus hão-de prosperar nas suas mãos. E quando vir
que tudo isso foi realizado através da angústia da
sua alma, ficará satisfeito.” Isaías 53:10,11 [trad. O
Livro]
A angústia de Jesus na sua morte de cruz é indescritível. Mas
ela tem um prémio ou recompensa para Ele: a salvação de
uma “multidão de filhos” ou uma “posteridade imensa”. Ele
tinha em mente essa multidão quando suportou a agonia da
cruz e por esses “filhos” dispôs-se a sofrer de forma tão

84
terrível. O Cordeiro não morreu para arrancar das garras de
satanás apenas uma mão cheia de remidos, mas uma
“multidão incontável”:
“Depois destas coisas olhei, e eis aqui uma
multidão, a qual ninguém podia contar, de todas as
nações, e tribos, e povos, e línguas, que estavam
diante do trono, e perante o Cordeiro, trajando
vestes brancas e com palmas nas suas mãos…”
Apocalipse 7:9

Todos nós ansiamos por avivamento. A notícia de muitos


supostos avivamentos tem surgido nas últimas décadas, mas
nem sempre passam pelo crivo que permite discernir os
avivamentos genuínos dos que não o são. Os verdadeiros
avivamentos estão sempre associados a um impulso da ação
evangelizadora e missionária, e produzem como fruto a
salvação de muitas almas. Outros supostos avivamentos
esgotam-se rapidamente em animação inconsequente que
pouco ou nada produz para a eternidade.
Um bom exemplo desta verdade é o notável avivamento
morávio do século 18, ocorrido na Saxónia (na atual
Alemanha), que teve início em Julho de 1727. Menos de um
ano depois, em Janeiro de 1728, foi organizada a primeira
reunião missionária. A partir dessa data e durante os 25 anos
seguintes, foram enviados para diversas regiões do globo 100
missionários “radicais”, número que chegou aos 300 em 65
anos. O que era um “missionário radical”? Era aquele que
partia só com um bilhete de ida. Em muitos casos, era
praticamente certo que nunca mais regressaria. Conta a
história que dois irmãos de sangue embarcaram num navio

85
para uma dessas missões radicais e, enquanto acenavam aos
familiares que deles se despediam em lágrimas no cais,
gritavam-lhes: “O Cordeiro é digno de receber o fruto do
trabalho da sua alma! Ele é digno!” Eles tinham entendido a
profecia de Isaías.
Se queremos agradar a Cristo, demos-lhe o que Ele mais
preza: almas remidas pelo seu precioso sangue—quantas
mais, melhor! É esta realidade que devemos ter em conta:
Jesus é digno de receber como prémio da sua dor não
apenas alguns poucos mas milhares e milhares de remidos, e
é para esse fim que a Igreja é chamada a desenvolver todos
os esforços possíveis. Buscar crescimento numérico não é
ambição carnal, mas denota o entendimento de que cada
vida é preciosíssima para o Cordeiro e que é nosso dever
arrancar o maior número possível dessas almas das trevas e
trazê-las aos pés do Salvador.
Além disso, a própria Bíblia nos mostra como os números são
importantes e por isso foram registados. Na primeira
mensagem de Pedro, no dia de Pentecostes, lemos que 3000
almas foram salvas; passados uns dias, mais 5000 se lhes
juntaram. E esse número continuou a crescer, como o livro de
Atos regista:
“Ora, naqueles dias, crescendo o número dos
discípulos…” Atos 6:1
“De sorte que as igrejas eram confirmadas na fé, e
cada dia cresciam em número.” Atos 16:5
“Assim, pois, as igrejas em toda a Judéia, e Galiléia
e Samaria tinham paz, e eram edificadas; e se
multiplicavam, andando no temor do Senhor e
consolação do Espírito Santo.” Atos 9:31

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Quando a Igreja evangeliza, uma das suas preocupações deve
ser esta: estamos a conseguir alcançar efetivamente os
perdidos? Quantas almas foram “agregadas à Igreja” (Atos
2:41) no último ano? Que percentagem significa esse
número? É satisfatório? Se fizermos as contas de modo
honesto, verificaremos que os números (que são em regra
cruéis, mas em última análise nossos amigos) irão
provavelmente apontar-nos para uma necessidade: a de
despertarmos para um trabalho mais intenso de salvação de
muitas mais vidas.
Devemos por isso ter alvos numéricos: crescer x% ao ano, por
exemplo. E orar e trabalhar nesse sentido, com o objetivo de
tirar da morte eterna o maior número possível de vidas
preciosas e, desse modo, oferecer ao Cordeiro o justo salário
do trabalho da sua alma.

Aplicação pessoal
1. Considera viável a sua Igreja crescer bastante mais em
pouco tempo?
2. O que seria necessário alterar na sua Igreja para que
ela cresça mais e mais rapidamente?
3. Sente-se motivado a desenvolver mais a sua vida de
testemunho pessoa e a cooperar no trabalho de
evangelização da Igreja?
4. O que pretende fazer para traduzir essa motivação em
ação?

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CONCLUSÃO

As palavras do nosso Mestre continuam a ecoar através dos


tempos e chegam hoje até nós:
“Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações,
batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do
Espírito Santo.” Mateus 28:19
É uma tarefa repleta de desafios. Mas foi para isso que o
Senhor nos chamou.
Muito em breve Jesus voltará. Não queremos partir de mãos
vazias, mas desejamos levar ao nosso Amado o fruto que Ele
mais deseja: preciosas almas que Ele tanto ama e pelas quais
verteu o seu Sangue.
“Levanta-te, vento norte, e vem tu, vento sul;
assopra no meu jardim, para que destilem os seus
aromas. Ah! entre o meu amado no jardim, e coma
os seus frutos excelentes!” Cantares 4:16

Outros títulos
O ENIGMA DE JESUS DE NAZARÉ (livro) — Tom Wilson

Opúsculos

O CAMINHO — O plano de Deus para a salvação do homem

SOBRE ESTA PEDRA — Quem é a pedra: Pedro ou Cristo?

FÁTIMA — VERDADE OU ILUSÃO?

DISCIPULADO 1 — Quatro estudos no Evangelho de João

DISCIPULADO 2 — Como fortalecer a sua fé

DISCIPULADO 3 — Mais do que vencedores

Folhetos apologéticos

Deus ou o acaso?

Todos os caminhos levam a Deus?

Podemos confiar no Novo Testamento?

O túmulo vazio

O Messias das profecias

Rua Teixeira Lopes, 176 4400-320 Vila Nova de Gaia

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