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(Crédito da Imagem: By Erinc Salor from Amsterdam, Netherlands (Umberto Eco) [CC BY-SA 2.0 (http://creativecommons.org/licenses/by-
sa/2.0)], via Wikimedia Commons (imagem cropada))
Esquecimento sem dúvida sintomático da sociedade líquida da qual nos fala o pensador italiano, que na
verdade é o aprofundamento do sem sentido no qual mergulhou há muitos séculos, quando os triunfadores
cristãos impuseram e reiteraram sua versão da história, baseada na degradação do diferente. E o advento do
racionalismo não fez muito mais do que legitimá-la sob a vestimenta do discurso científico.
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09/01/2020 Umberto Eco e a influência islâmica no imaginário europeu
Só assim se entende a absurda desconexão entre o pensar e o sentir explicitada por Eco. Ainda que qualquer
cidadão médio europeu tenha conhecimento dos fatos sobre os avanços proporcionados pela presença árabe-
islâmica no continente durante oito séculos na Idade Média, num momento em que a cultura europeia era
periférica, admitir qualquer coisa em comum com o islamismo é, literalmente, outra história. E o respeito e o
diálogo intercultural que poderiam contribuir para a solução dos atuais conflitos são substituídos pela
estranheza e a mecanicidade defensiva.
Também foi com base nesta desconexão que os intelectuais de distintos séculos nunca sequer desconfiaram,
durante os 600 anos que separam o estudo de Palácios da publicação da Divina Comédia ,desta
permeabilidade cultural islâmica na obra, apenas recentemente aceita pelos especialistas. E estamos falando
de uma das obras mais estudadas da literatura mundial!
A importância de Asín y Palácios, que curiosamente era padre jesuíta, foi sobretudo romper a censura cristã e
racionalista, já que naquele momento a intelectualidade limitava a inspiração dantesca a Aristóteles e São
Tomás de Aquino. Segundo ele – que dedicou sua vida a estabelecer os paralelos no desenvolvimento das
ordens monásticas do sufismo e ascetismo – muitas obras filosóficas e teológicas consideradas cristãs no
meio acadêmico foram influenciadas pela mística sufi. Em sua análise, Dante teria se inspirado no texto do
sábio árabe-espanhol Ibn Arabi, que viveu entre os séculos XII e XIII, cuja obra até hoje é tida como
referência desta corrente.
Sua tese da influência escatológica islâmica foi aceita após uma polêmica que se estendeu até o início dos
anos 90, quando finalmente seu estudo foi publicado na Itália. Antes disso, uma importante descoberta, em
1949, havia corroborado suas afirmações: foram encontradas duas traduções, para o latim e o francês antigo,
do Livro da Escada de Maomé, ambas de 1264, às quais Dante poderia ter lido. Contudo, para a maioria dos
estudiosos o poeta italiano teria se inspirado apenas nas descrições cênicas e da arquitetura dos espaços,
deixando de lado quaisquer implicações teológicas, filosóficas ou metafísicas. Entre outros argumentos,
baseiam-se no fato de Maomé ter sido colocado no Inferno e na ausência da sensualidade característica de
textos escatológicos muçulmanos.
Parecem esquecer-se da perseguição das heresias instaurada pela Igreja Católica naquele período. O próprio
Dante adverte os leitores, no início do poema, para a “doutrina que se esconde sob o véu dos versos
estranhos” (Inferno, IX, 61-63). Assim, olhos atentos podem ter encontrado sensualidade implícita em
distintos trechos do poema, como no canto que narra o encontro do poeta com sua amada Beatriz, anunciada
pelo verso “Veni, sponsa, de Líbano”, alusão ao Cântico dos Cânticos, que é o mais erótico dos textos
bíblicos (Purgatório, XXX, 11).
Deste ponto de vista, parece que acima de uma adesão religiosa, a escolha da escatologia muçulmana
encaixa-se plenamente no projeto de escrita anunciado por Dante na Vida Nova, de louvor à Beatriz “como
nenhuma outra mulher havia sido louvada por um poeta” que, em última instância é um hino ao amor, como
ele próprio destaca diversas vezes.
O amor como via de acesso à experiência mística está presente em diferentes tradições culturais. E o amor
sensual como expressão do Sagrado é recorrente no sufismo, com destaque para a poesia de Rumi, que viveu
no século XIII na Pérsia e é o mais conhecido expoente desta corrente no Ocidente. Para o humanista italiano
Salvatore Puledda, a Divina Comédia teria sido inspirada nos escritos deste sábio, que chegaram a ele por
meio de traduções trazidas pelos Templários.
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09/01/2020 Umberto Eco e a influência islâmica no imaginário europeu
Segundo o antropólogo Mircea Eliade, antes da Idade Moderna, tanto o amor como a sexualidade eram
interpretados como manifestação do Sagrado, através dos quais é possível alcançar uma experiência
transcendente integral, ou seja, com o corpo e a alma. Na Idade Média, retomando Umberto Eco, a
sensibilidade estética caracterizava-se justamente por uma visão simbólico-alegórica do universo, na qual
apesar do mundo parecer caótico é criação divina e, como tal, em tudo se manifesta uma verdade superior
ligada a desígnios transcendentes.
Toda essa multiplicidade de significados foi esquecida no Ocidente devido à reiteração da versão cristã e
racionalista da História, que mais do que nunca precisa abrir-se novas interpretações. Uma grande empreitada
para a qual Eco deu uma contribuição fundamental, com seu originalíssimo legado literário e intelectual pelo
qual será eternamente lembrado!
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