Sei sulla pagina 1di 12

Reis MP

ARTIGO et al.
ORIGINAL

Infância, escola e literatura infantil:


livro para criança não precisa
ser educativo
Mariana Pereira dos Reis; Eneida Pena Pereira Torres; Beethoven Hortencio Rodrigues da Costa

RESUMO – Este artigo busca a intersecção entre os temas Infância,


Escola e Literatura Infantil, trazendo reflexões que possam contribuir para
a análise dos livros infantis oferecidos aos alunos na escola, bem como
permitir aos educadores uma visão ampliada das várias possibilidades
oferecidas pela literatura. Para tanto, além da visão teórica, apresentaremos
uma análise sobre uma pesquisa feita com um acervo literário enviado às
escolas estaduais do Estado de São Paulo. A análise das leituras realizadas
constatou uma maior quantidade de livros paradidáticos (79%) em relação
aos livros de literatura infantil (21%). Portanto, pode-se deduzir que a
escola prioriza livros que instrumentalizem o professor a passar conteúdos
desejados, não havendo ênfase nas descobertas ímpares e subjetivas que a
literatura infantil possa promover aos alunos.

UNITERMOS: Criança. Instituições Acadêmicas. Literatura In­fan­


tojuvenil.

Mariana Pereira dos Reis – Pedagoga e Psicopedagoga Correspondência


(UNIMARCO/SP); Bolsista (CAPES) de Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Educa­
Programa de Pós-Graduação em Psicologia Educa­ cional – Centro Universitário FIEO
cional pelo Centro Universitário FIEO (UNIFIEO), Av. Franz Voegelli, 300 – Vila Yara – Osasco, SP, Brasil –
Osasco, SP, Brasil. CEP: 06020-190.
Eneida Pena Pereira Torres – Psicóloga e Pedagoga E-mail: maridosreis@uol.com.br
(UNASP/SP); Bolsista (CAPES) de Doutorado no Pro­
grama de Pós-Graduação em Psicologia Educacio­­nal
pelo Centro Universitário FIEO (UNIFIEO); Do­cen­te do
Curso de Pedagogia do Centro Universitário Adventista
de São Paulo (UNASP/SP), Osasco, SP, Brasil.
Beethoven Hortencio Rodrigues da Costa – Doutor em
Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Psi­­
cologia Escolar e Desenvolvimento Humano da USP.
Bolsista de Pós-Doutorado pelo Programa Nacional de
Pós-Doutorado (PNPD/CAPES) no Programa de Pós-
Graduação em Psicologia Educacional da UNIFIEO,
Osasco, SP, Brasil.

Rev. Psicopedagogia 2016; 33(101): 184-95

184
Infância, escola e literatura infantil

INTRODUÇÃO cessidade de diferenciação, crianças e adultos se


Este artigo busca a intersecção entre os temas misturavam indistintamente nos grupos sociais.
Infância, Escola e Literatura Infantil, trazendo Portanto, para Ariès1, uma nova concepção
reflexões que possam contribuir para a análise sobre a primeira etapa da vida surgiu em meio à
dos livros infantis oferecidos aos alunos na esco- Idade Moderna, com o modelo familiar burguês,
la, bem como permitir aos educadores uma visão baseado na privacidade e nos cuidados com os
ampliada das várias possibilidades oferecidas filhos e teve como pano de fundo um grande
pela literatura. Para tanto, além da visão teórica, movimento, abraçado pela literatura, pelas
apresentaremos uma análise sobre uma pesquisa representações iconográficas religiosas e pela
feita com um acervo literário enviado às escolas pedagogia, que impunha uma nova ideia, a da
estaduais do Estado de São Paulo. inocência infantil, associada à sua pureza divina.
Só podemos falar em literatura infantil se Surge, então, uma verdadeira doutrina moralista
falarmos do entendimento de infância como e religiosa e a necessidade de multiplicarem-se
uma faixa etária diferenciada, formada por in- as instituições de ensino destinadas a aplicá-las.
divíduos que ocupam lugar especial na forma Nesse sentido, a pedagogia ocidental in-
de organização familiar e social. Também só terpretou a infância a partir da concepção de
podemos falar em literatura infantil se lembrar- criança descrita por Rousseau2 em “Emílio ou
mos de sua origem ligada à escola, instituição da Educação”. Para esse autor, a pureza infan-
burguesa do século XVIII destinada a isolar a til, fundamentada na fragilidade biológica e na
infância e ensinar condutas morais e religiosas falta de experiência existencial, necessitava de
a crianças e jovens. proteção. Sustentava a ideia de que o homem é
Segundo Ariès1, na sociedade europeia me­ um ser bom por natureza, sendo sua obra uma
dieval, não havia o sentimento da infância, ou tentativa de mostrar o que se pode fazer para
seja, não havia a particularidade dessa fase da conservar essa bondade natural, preparando a
vida que distinguiria a criança do adulto. Dis­ criança para a vida em sociedade, sem que ela
tin­guia-se, apenas, o grau de dependência da seja corrompida pela podridão moral da vida dos
criança em relação aos adultos, mas tão logo essa adultos. Para tanto, acreditava ser necessário
dependência diminuísse, a criança já entrava o isolamento do educando do convívio com os
no mundo dos adultos. O autor ainda destaca o adultos para se preservar sua ingenuidade.
fato de a criança pequenina não ser importante, Surge, então, os primórdios da escola que
não “contar”, pois, por sua excessiva fragilidade, conhecemos hoje, guardiã da pureza infantil,
podia morrer com muita facilidade e então não mas também centro de formação intelectual e
era costume cultivar sentimentos que levassem moral de crianças e jovens. Deste modo, sob o
ao apego. Essa visão arcaica começa a mudar álibi do preparo para a vida adulta, a escola cria
apenas a partir do século XVI e, especialmente, mecanismos para assegurar a supremacia dos
a partir do século XVII, quando foi possível ob- adultos, por meio de suas normas e ideologias,
servar na arte, na iconografia e na religião uma bem como pelo isolamento das crianças. O bom
tendência a valorizar o sentimento de infância. professor deveria, acima de tudo, lembrar que
Exemplo disso, ainda segundo o autor, foi a es- as almas das crianças são impregnadas de ino-
pecialização dos brinquedos e do traje infantil, cência e devem ser protegidas das armadilhas
que aponta para uma mudança na atitude em mundanas, valorizando o recato e a pureza de
relação à criança. Assinala-se, a esse respeito, linguagem.
que muitos brinquedos, na Idade Média, serviam O sentimento de inocência infantil resultou,
tanto aos adultos quanto às crianças, assim como portanto, em uma dupla concepção moral da
os trajes infantis que eram apenas miniaturas dos infância: por um lado procurava-se preservar
trajes dos adultos. Nesse período, não havia a ne- a criança da sujeira da vida e da sexualidade

Rev. Psicopedagogia 2016; 33(101): 184-95

185
Reis MP et al.

tolerada em tempos anteriores, conservando- capaz de satisfazer a inquietação huma-


-se sua inocência; por outro lado, buscava-se na, por mais que os séculos passem. São
fortalecê-la, desenvolvendo caráter e razão, também os que possuem qualidades de
tomando as crianças como mais velhas do que estilo irresistíveis cativando o leitor da
realmente eram. Mas essa contradição aparen- primeira a última página, ainda quando
te, destaca Ariès1, só existe para nós, homens nada lhe transmitam de urgente ou de
contemporâneos. essencial4”.
Assim, a revolução da burguesia dos séculos Ao discorrer sobre como fazer um bom livro
XVIII e XIX também foi a grande responsável infantil, a autora defende veementemente o texto
pela expansão e aperfeiçoamento do sistema literário para as crianças, dizendo:
escolar, que apresentou, desde seus primórdios,
“Um livro de Literatura Infantil é, antes
um caráter dicotômico, pois ao mesmo tempo
de mais nada, uma obra literária. Nem
que passou a valorizar a infância, admitindo as
se deveria consentir que as crianças fre-
peculiaridades desse período da vida, solidificou
quentassem obras insignificantes, para
seu caráter de fragilidade e dependência, sone-
não perderem tempo e prejudicarem
gando o direito de expressão da criança que, pelo
seu gosto. Se considerarmos que muitas
modelo escolar proposto, deveria apenas aceitar
crianças, ainda hoje, têm na infância o
as regras em vigor3.
melhor tempo disponível da sua vida,
Nesse contexto, surgem os primeiros livros
que talvez nunca mais possam ter a
para criança utilizados pela escola, marcados
liberdade de uma literatura desinteres-
pela intenção utilitarista da moral vigente. Por-
tanto, podemos dizer que a literatura infantil sada, compreenderemos a importância
esteve ligada, desde o início, a uma concepção de bem aproveitar essa oportunidade.
de criança como sujeito a ser protegido, educado Se a criança desde cedo fosse posta em
e formado em instituições apartadas da socieda- contato com obras-primas, é possível que
de, onde também podia-se transmitir valores e sua formação se processasse de modo
ideologias desejadas pelos grupos dominantes. mais perfeito4”.
Deste modo, a literatura infantil foi utilizada pela Corroborando com essas ideias, a escritora
escola como instrumento de transmissão da visão Marina Colasanti5, vencedora do prêmio Jabuti
adulta de mundo, não havendo a preocupação de melhor livro do ano de 2014, em entrevista à
de provocar na criança um refletir sobre sua Folhinha, afirma que a literatura infantil sofre
experiência e sua condição pessoal. duas doenças: o descrédito da inteligência in-
Como contraponto a essa visão, podemos fantil por parte dos adultos e sua forte ligação
citar uma importante escritora brasileira, Cecília com a educação, o que envenenaria a literatura.
Meireles, que refletiu sobre a literatura infantil Ressalta, ainda, que as grandes obras escaparam
nas primeiras décadas do século XX. Sua con- dessa amarra, como por exemplo Alice no país
tribuição foi muito importante, pois defendeu o das maravilhas, de Carroll, que não colocou
valor literário das obras oferecidas às crianças e nada de educativo no livro. Segundo a autora, a
a formação de uma biblioteca clássica da infân- literatura é formadora por si só, não precisando
cia, sugerindo a supremacia de certas obras e de lições e ensinamentos embutidos.
descolando delas a necessidade de um objetivo Enfim, como discutem as autoras mencio-
pedagógico ou moralizante: nadas, o fenômeno literário pode ser entendido
“O certo, porém, é que os livros que têm em seu caráter formador e não simplesmente
resistido ao tempo, seja na Literatura didático ou pedagógico. O autor-adulto comuni-
Infantil, seja na Literatura Geral, são os ca ao leitor-criança uma mensagem existencial
que possuem uma essência de verdade ou sobre o mundo que o cerca, que precisa ser

Rev. Psicopedagogia 2016; 33(101): 184-95

186
Infância, escola e literatura infantil

decodificada por esse segundo, no ato de ler. Nas forma parcial da experiência do real e das es-
palavras de Coelho6, a literatura infantil é, antes truturas linguísticas, intelectuais ou afetivas que
de mais nada, literatura, ou melhor, é arte: “[...] caracterizam a idade adulta.
fenômeno de criatividade que representa o mun- A produção escrita sobre literatura infantil,
do, o homem, a vida, através da palavra. Funde no Brasil, ganhou força na segunda metade
os sonhos e a vida prática; o imaginário e o real; do século XX, após a constituição da literatura
os ideais e sua possível/impossível realização”. infantil como disciplina nos cursos de formação
de professores e, a partir da década de 70, com a
Estudos sobre a Literatura Infantil criação e expansão dos cursos de pós-graduação.
Neste momento, vale a pena voltarmos no A produção acadêmica brasileira sobre o tema,
tempo e mencionarmos a evolução dos estudos portanto, vem crescendo na medida em que
sobre os livros dirigidos às crianças que, num crescem os cursos de pós-graduação no País e
primeiro momento, tiveram negada sua natu- também vem aumentando as áreas do conhe-
reza literária ou foram considerados como texto cimento envolvidas com o tema, inicialmente
literário menor. Isto porque os críticos aplicavam ligado apenas à área de Letras8.
aos livros infantis os mesmos critérios utiliza- Segundo Mortatti & Oliveira9, entre 1970 e
dos para avaliar a qualidade literária dos livros 2012 foram defendidos, no Brasil, 480 trabalhos
adultos. Contra essa posição, surgiram autores acadêmicos sobre o tema, 83 teses e 397 disser-
que se propuseram a atender primordialmente tações, sendo que no intervalo de 2010 a 2012,
ao êxito dos livros entre seus destinatários, a quantidade de trabalhos foi de 42,5% do total
crianças e jovens, reivindicando uma avaliação da produção sobre o tema, o que sugere que
a partir da experiência que eles tivessem com o a literatura infantil vem sendo cada vez mais
livro. Na Inglaterra, esses dois grupos ficaram objeto de interesse de pesquisadores brasileiros.
conhecidos como book people e children book, Ainda segundo Mortatti & Oliveira9, em rela-
respectivamente, e representavam duas posições ção às teses de doutorado, até 1990, todas foram
extremistas7. defendidas na área de Letras e Linguística. Ape-
Foi na década de setenta que uma nova nas em 1992 uma tese foi defendida na área de
formulação dos pressupostos teóricos sobre Psicologia e, em 1994, foi defendida a primeira
literatura infantil e juvenil surgiu. Bourdieu tese na área de Educação, mais especificamente
passou a considerá-la como um campo literário na área de História. Embora Letras continue
específico e Townsend, um dos grandes críticos sendo a principal área na qual se produzem teses
literários anglo-saxões, afirmou que a literatura sobre literatura infantil, continuam as autoras,
infantil compreendia todos os livros presentes o tema vem sendo expandido, gradativamente,
nos catálogos de livros para crianças. A partir para outras áreas, especialmente a Educação.
daí, os esforços centraram-se em definir as prin- Quanto às dissertações produzidas sobre o tema,
cipais características da literatura infantil e seu observou-se um movimento de interdisciplina-
julgamento estaria circunscrito ao êxito no uso rização, sendo crescente a diversificação e va-
das convenções do gênero7. riação das áreas do conhecimento que dialogam
Foi Soriano, segundo Colomer7, que ofere- com a literatura infantil, especialmente a partir
ceu a primeira teorização consistente do campo da década de 2000.
específico da literatura infantil, passando a Como curiosidade e dado para reflexão, Mor-
compreendê-la como uma forma especial de tatti & Oliveira9 ainda destacam que São Paulo,
comunicação humana, localizada no tempo e no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Ge-
espaço, entre um locutor ou um escritor adulto rais são os estados com maior número de teses e
(emissor) e um destinatário criança (receptor) dissertações sobre literatura infantil, coincidindo
que, por definição, não dispõe senão de uma com a localidade das instituições universitárias

Rev. Psicopedagogia 2016; 33(101): 184-95

187
Reis MP et al.

e programas de pós-graduação mais antigas e como a literatura infantil ocidental se desen-


tradicionais do País e que a Educação é a segun- volveu e quais valores foram privilegiados nos
da área em quantidade de trabalhos acadêmicos textos infantis:
sobre o tema, podendo indicar uma tendência “[...] até a década de 1960, valores como
a uma releitura das finalidades instrucionais o enaltecimento à pátria, à família,
da literatura escolar, vinculada, atualmente, obediência e respeito aos mais velhos,
à necessidade de implementação de políticas noções de higiene, etc. eram intensa-
públicas para a Educação Básica. mente presentes na produção destinada
à criança. Após o processo de renovação
Literatura Infantil no Brasil da literatura para criança, que no Brasil
No Brasil, estudos registram a origem do ocorreu a partir dos anos 1970 [...], outros
gênero Literatura Infantil a partir do final do valores emergem, como, por exemplo,
século XIX, com a publicação de livros escolares ser crítico em relação ao modo de ser
voltados ao ensino da leitura, a maioria deles da classe dominante, ser criativo, ser
traduzidos ou adaptados de livros clássicos eu- bastante informado, ser contestador das
ropeus10,11. A base dessa origem encontra-se no regras tradicionalmente estabelecidas,
projeto republicano de nação, baseado na moder- entre outros12.”
nização, urbanização e escolarização de massas9.
E continuando sua reflexão sobre a relação
Assim, segundo Arroyo10, a literatura escolar
entre literatura infantil e escola, a autora12 ainda
desempenhou importante função no processo
registra:
de formação da literatura infantil propriamente
“[...] mais recentemente, apoiados nas
dita, que se inicia, segundo a maioria dos auto-
orientações educacionais em nível na-
res, com a publicação de Narizinho Arrebitado,
cional (Parâmetros Curriculares Nacio-
de José Bento Monteiro Lobato.
nais, 1998), alguns livros infantis foram
Portanto, é evidente a influência de Monteiro
Lobato para o desenvolvimento da literatura in- produzidos enfatizando valores como:
fantil nacional. Com sua genialidade inquestio- aceitação à pluralidade cultural, respeito
nável, apostou no humor para se relacionar com à sexualidade, defesa pelo equilíbrio do
os leitores infantis, assim como vários autores ecossistema.”
fazem até hoje. No entanto, para Zilberman11, o Observa-se que a literatura infantil tem sido
sucesso do empreendimento literário do escritor cada vez mais utilizada nas escolas públicas
justifica-se por seu posicionamento em relação brasileiras através de programa educacionais dos
ao papel do leitor infantil. Por este aspecto, as governos federal e estaduais, como o Programa
obras de Lobato representaram um divisor de Nacional Biblioteca na Escola (PNBE) e o Pro-
águas na medida em que, dispensando o caráter grama Nacional do Livro Didático (PNLD), que
pedagógico que predominava nos textos dirigi- buscam levar à sala de aula acervos que abar-
dos às crianças, puderam trabalhar conteúdos quem vários gêneros literários (contos, fábulas,
libertadores, contrariando normas em vigor e poesias, etc), bem como fomentem o debate sobre
endossando a possibilidade de representação da vários assuntos.
realidade sob a ótica infantil. Em Lobato, portan- Um dos assuntos mais recorrentes na escola
to, o leitor infantil é resgatado de uma posição atual é o respeito às diferenças. Embora não seja
passiva e sua palavra autônoma e questionadora possível eliminar todas as formas de preconceito,
é recuperada. concordamos com Heller13 ser possível eliminar a
Para se compreender melhor os caminhos organização sistêmica dos preconceitos e um dos
da literatura infantil, há que se observar as ide- caminhos indicados pela autora é a construção
ologias implicadas em cada momento histórico, da capacidade de julgar corretamente o singular.

Rev. Psicopedagogia 2016; 33(101): 184-95

188
Infância, escola e literatura infantil

A literatura infantil escolar tem sido um caminho em sua função de comunicação e expressão.
para as crianças refletirem sobre o tema. Todavia, outras funções importantes podem ser
Buendgens & Carvalho14, em sua pesquisa, observadas, como veremos a seguir.
afirmam que nos livros ofertados pelo PNLD Segundo Candido16, a literatura apresenta
de 2013, as principais diferenças tratadas re­ uma função humanizadora:
lacionam-se às características comportamentais, “Entendo aqui por humanização [...] o
deficiência, condições sociais, cor de pele e etnia. processo que confirma no homem aque-
Além disso, os personagens ilustrados nas his- les traços que reputamos essenciais,
tórias avaliadas são, em sua maioria, crianças como o exercício da reflexão, a aquisição
de cor branca, do sexo feminino e carregam do saber, a boa disposição para com o
o estereótipo de herói frente às adversidades, próximo, o afinamento das emoções, a
des­­responsabilizando, assim, a sociedade mais capacidade de penetrar nos problemas
ampla pelas diferenças e preconceitos. Daí a im- da vida, o senso da beleza, a percepção
portância do educador para ampliar as reflexões.
da complexidade do mundo e dos seres,
o cultivo do humor16”.
Potência da Literatura Infantil
Para Petit17, a literatura também apresenta
O processo de seleção de livros para crianças
uma função terapêutica, pois em momentos de
é extremamente complexo, especialmente na
crise e desamparo, o texto literário pode estru-
prática escolar atual. A inclusão da literatura
turar o caos presente no interior das pessoas,
infantil na escola pauta-se sempre por múltiplos
promovendo um equilíbrio psíquico. A autora
aspectos e muitos deles ainda estão estritamente
nos conta que é bem antiga a ideia dos livros
relacionados às questões pedagógicas, principal-
mente quanto à temática e nem todas as obras poderem contribuir para o bem estar das pessoas,
têm um reconhecido valor literário ou estético. ajudando na reconstrução de si e dando mais
O ensino de língua materna, mais voltado às sentido à vida em situações de crise, sejam elas
funções de comunicação e expressão, permitiu causadas por uma guerra, por uma violência
e incentivou a entrada na sala de aula de vários repetida, pelo deslocamento forçado de popu-
tipos de textos (literários, informativos, instrucio- lações ou por problemas econômicos abruptos.
nais...), favorecendo o crescimento da literatura Relata-nos, ainda, que existem programas de
infantil (ou textos infantis, simplesmente), mas leitura desenvolvidos em diferentes lugares do
dificultando a análise da qualidade das obras mundo para ajudar crianças, jovens e adultos
que, como vimos anteriormente, passou por um na construção de um espaço psíquico capaz de
árduo processo histórico de reconhecimento sustentar sua posição de sujeito, especialmente
como gênero literário, assim como a infância, em situações de crise e desamparo. A autora
historicamente, demorou a ser compreendida defende, portanto, que “os textos ajudarão a pro-
como uma etapa diferenciada da vida. duzir sentido, a organizar uma experiência e, em
Peter O’Sagae15, em seu artigo “Literatura particular, a elaborar uma espécie de narrativa
infantil e habilidades de leituras”, lista noventa interna que desempenha um papel essencial na
e oito habilidades que a leitura poderia propor- construção ou reconstrução de si”17.
cionar aos alunos. Segundo ele, os professores Nessa mesma ótica, Paiva18 afirma que a li-
de Educação Infantil e das séries iniciais do En- teratura infantil tem uma função humanizadora
sino Fundamental, ao elaborarem uma proposta e também terapêutica, sendo um ótimo recurso
didática, poderiam selecionar combinar, ordenar, para se trabalhar os conflitos emocionais da
ou mesmo reescrever, dez ou doze habilidades criança. Ainda segundo a autora, a Biblioterapia
entre aquelas todas que ele propõe. Com essa seria uma proposta terapêutica utilizada por
lista, percebemos a valorização da literatura profissionais da área da saúde e da biblioteco-

Rev. Psicopedagogia 2016; 33(101): 184-95

189
Reis MP et al.

nomia com a proposta de tentar ajudar pessoas da leitura, desta maneira, “não representa uma
em conflitos emocionais, por meio de livros e simples absorção de uma mensagem, mas sim
atividades lúdicas. Na educação, poderia ser uma convivência particular com o mundo criado
utilizada no apoio a crises, como situações de pelo imaginário”3.
morte, separação e conflitos com amigos, entre
outras, contribuindo para a verbalização dos MÉTODO
problemas e sua elaboração psíquica, além de O Programa “Ler e Escrever” teve início em
promover maior socialização e aumento da au- 2007 e constitui-se de um conjunto de ações arti-
toestima. culadas, propostas pela Secretaria de Educação
Segundo Corso19, a infância mudou muito e do Estado de São Paulo, para as escolas de Ciclo
as crianças modernas preferem histórias que não I do Ensino Fundamental, visando à melhoria do
tenham embutida a intenção de educá-las. A lite- ensino. Entre suas ações, destacamos o acervo
ratura tem que incentivar nelas a curiosidade, a literário enviado às escolas em 2013, através do
criatividade e a capacidade de questionamentos Projeto “Livros na sala de aula”, compondo 675
e reflexões, ultrapassando os limites didáticos. títulos, de diferentes gêneros literários. Junto a
As crianças modernas adoram opinar, são filhas outras estratégias, tal acervo pretende fomentar
de um ideal democrático e não aceitam nada práticas de leitura nas escolas. Os livros foram
que não tenham compreendido ou elaborado. entregues em caixas, destinadas especificamen-
Questionam leis, regras, e o tema dos limites te a cada série e deveriam ser rodiziadas entre
é motivo de constante polêmica, da qual elas as diversas salas da mesma série. Caberia ao
participam ativamente. professor o manuseio, a organização e a leitura
Para Barone & Scoz20, a escola de hoje está das obras, explorando-as sob vários aspectos,
longe de considerar a subjetividade do aprendiz como, por exemplo, promovendo a antecipação
e do professor. A aprendizagem da leitura apenas de conteúdos, comentando sobre os autores e
é tratada sob o ponto de vista de seus aspectos as ilustrações e solicitando as interpretações e
cognitivos e instrumentais. Acreditam que a impressões dos alunos, podendo, ainda, estabe-
leitura poderia ser incentivada como fonte de lecer critérios para empréstimos entre os alunos.
prazer e enriquecimento subjetivo, acrescen- Para analisar como as temáticas e as finali-
tando que se quisermos que a criança leia, é dades são abordadas nos livros oferecidos pelo
imprescindível que lhe aticemos o desejo. referido projeto, selecionamos parte do acervo
Enfim, segundo Zilberman3, a relação entre enviado às escolas públicas estaduais em 2013,
literatura e escola se dá pela natureza formativa referente ao segundo ano do Ensino Fundamen-
que ambos compartilham. No entanto, embora tal. Consideremos tal extrato por se tratar de
compartilhem tal função, literatura e escola não momento especial no processo de alfabetização,
se identificam, uma vez que a literatura infantil com objetivo de investigar se outros aspectos,
na atualidade atingiu um estatuto de arte literá- além da função pedagógica, são considerados
ria, afastando-se de sua origem comprometida no acervo.
com a pedagogia, trazendo uma visão original Através de visitas a uma escola estadual, de
da realidade que ocupa as lacunas resultantes um total de 102 livros foram feitas leituras inte-
da restrita experiência existencial do leitor, grais de 100 livros do acervo, sendo que 2 livros
através da linguagem simbólica. Portanto, para da lista oficial não foram encontrados. Para a
esta autora, a adequação de um texto literário compreensão dos conteúdos dos referidos livros,
diz respeito ao grau de abertura para a realidade procedeu-se a uma categorização dos mesmos
vivenciada pelo leitor, seja ela de natureza íntima em livros de literatura infantil e livros paradidá-
ou social, causando um intercâmbio cognitivo e ticos, baseado nas considerações de Azevedo21,
existencial entre o texto e o leitor. O fenômeno a seguir explicitadas:

Rev. Psicopedagogia 2016; 33(101): 184-95

190
Infância, escola e literatura infantil

1) Literatura infantil: Alguns elementos 1. Conteúdos informativos: informações


identificadores - é uma arte feita de pa- além do conteúdo escolar;
lavras, utiliza quase sempre o recurso 2. Conteúdos curriculares: relativos aos
da ficção, tem motivação estética, não componentes curriculares, como ensino
é utilitário, recorre ao discurso poético, da língua materna, matemática, história
vincula-se à subjetividade, ao ponto de e ciências;
vista particular sobre a vida e o mundo, 3. Conteúdos fantásticos: narrativas que es-
pode brincar com as palavras, tem a ver, timulam a imaginação além da realidade;
por exemplo, com conceitos como a aven- 4. Conteúdos moralizantes: pretendem en-
tura, o romance, o suspense, a tragédia, a sinar conteúdos éticos e morais;
comédia, etc., costuma tratar de assuntos 5. Contos modificados: referentes aos contos
subjetivos, busca do autoconhecimento, a tradicionais, com modificações ou refe-
amizade, a alegria, os afetos, as perdas, o rências aos personagens clássicos;
desconhecido, o imensurável, a busca da 6. Escrita em versos: apresentam conteúdos
felicidade, a astúcia, o ardil, os sonhos, a diversos, mas o destaque é para a forma.
dupla existência da verdade, a relativi-
dade das coisas, a injustiça, o interesse RESULTADOS E DISCUSSÃO
social versus o coletivo, o livre arbítrio, a A análise das leituras realizadas constatou
passagem inexorável do tempo, o parado- uma maior quantidade de livros paradidáticos
xal, o conflito entre o velho e o novo etc. (79%) em relação aos livros de literatura infantil
2) Livros paradidáticos: Assim como os livros (21%). Portanto, pode-se deduzir que a escola
didáticos, são essencialmente utilitários, prioriza livros que instrumentalizem o profes-
mas pretendem abordar assuntos parale­los sor a passar conteúdos desejados, não havendo
ou transversais às matérias do currículo ênfase nas descobertas ímpares e subjetivas que
regular, de forma complementar. Através a literatura infantil possa promover aos alunos.
de uma história inventada, pretendem O que corrobora com a ideia de Colasanti5,
passar algum tipo de lição ou informação de que os livros que chegam às crianças no Bra-
objetiva e esclarecedora, ainda que através sil, normalmente, chegam via escola, ou seja, é
de ficção ou de linguagem poética. Podem o governo quem compra e escolhe tais livros.
apresentar diferentes graus de didatismo e Além disso, continua a escritora, como os pro-
de ficção. Exemplos de assuntos tratados: fessores não costumam ler, escolhe-se os livros
preservação do meio ambiente, educação mais simples, empobrecendo as possibilidades
sexual, cidadania, fobias, as maravilhas que a literatura pode oferecer. Complementan-
da matemática, características da vida do do a visão da autora, Azevedo21 acredita que
campo e da cidade, etc. uma das razões que levam a escola a lidar com
A partir dessa primeira categorização, lite- dificuldade com temas humanos concretos,
ratura infantil e livros paradidáticos, buscou-se portanto não informativos, pode ser a formação
elaborar subcategorias que pudessem abarcar dos educadores, pois costumam estabelecer uma
conteúdos e formas encontrados nas obras ana- relação não dialógica com seus alunos, cabendo
lisadas. apenas a eles a transmissão do conhecimento.
Desse modo, para a categoria literatura in- Ainda, acrescenta o autor, é preciso que ao
fantil, acrescentou-se a subcategoria híbridos, lado do aprendizado das matérias oficiais, seja
que abarca além das características literárias, o criado espaço para interferências mais amplas,
utilitarismo típico da obras paradidáticas. que apresentem a existência humana na sua
Na categoria livros paradidáticos, por sua complexidade, como processo essencialmente
vez, foram destacadas seis subcategorias: contraditório, contribuindo para a busca do

Rev. Psicopedagogia 2016; 33(101): 184-95

191
Reis MP et al.

autoconhecimento e para a construção do sig- Parte dos livros paradidáticos (8%) apoia-se
nificado da vida. na literatura clássica dos contos de fadas, através
Fica evidente, portanto, o interesse em uti- do que chamamos genericamente de contos mo-
lizar os livros como meio de se adquirir conhe- dificados. Segundo Martins25, a proliferação de
cimentos, curriculares (16%) ou informativos releituras revisionistas de clássicos da literatura
(15%), fato que se aproxima do universo das infantil representa a oportunidade da apreciação
antigas enciclopédias, embora, na atualidade, de histórias tradicionais a partir de novos pon-
sob uma nova roupagem, os livros também uti- tos de vista, promovendo novas leituras, novas
lizem a ficção ou a poesia para passar conceitos escrituras, que se recusam a dar continuidade
e informações, especialmente aqueles presentes à tradição patriarcal. Por outro lado, embora
nas Propostas Curriculares Nacionais (PCNs)22 alguns poucos visam questionar estereótipos
como temas transversais, tais como pluralidade dos contos de fadas tradicionais, a maioria se
cultural, meio ambiente, saúde, orientação se- apoia em universos já conhecidos pelas crian-
xual e temas locais. Percebemos que dentre os ças para assim poderem contar suas histórias e
conteúdos analisados, destaca-se o respeito à impor seus ensinamentos, não investindo em
natureza e à cultura indígena. novos ambientes imaginários para enriquecer
Entre os livros paradidáticos, é grande o o universo infantil.
número de obras que buscam conteúdos morais Observou-se que a maioria das obras, literá-
(23%), fato que nos remete à origem dos livros rias ou paradidáticas, aposta nos animais como
escolares1. Entre esses conteúdos, destaca-se a personagens. Os animais, segundo Silva &
necessidade de enfrentar o medo. Segundo Gui- Piassi26, quando transportados para a literatura
marães23, enquanto que nos textos da literatura infantil, apresentam características antropomór-
infantil clássica o medo aparece para confirmar ficas, perdendo sua relação com a natureza e a
que a vida gera medo e que as crianças devem realidade, pois os animais passam a personificar
ouvir os mais velhos para não serem engolidas ações, sentimentos e emoções humanas, confor-
ou mortas por lobos ou devoradores de crianças, me a representação cultural que temos deles.
evitando atitudes impulsivas, nos textos mais Quanto à literatura infantil propriamente
modernos, tais mensagens são exploradas de dita, destacam-se os contos clássicos, ora de-
forma diversa, com mensagens explícitas de nominados híbridos (6%), presença certa na
como as crianças devem se arriscar com cora- educação infantil e nos primeiros anos do ensino
gem, evitando o medo do novo, valorizando a fundamental, inclusive no material didático.
descoberta. Parte da justificativa para essa tendência se deve
Algumas obras paradidáticas exploram a fan- à publicação do livro “Psicanálise dos contos de
tasia (3%), ou a escrita em versos (16%), podendo fada”, de Bruno Bettelheim. Acredita-se que o
estar a serviço de qualquer conteúdo, como as contato com os contos de fadas possibilitará à
aventuras de um rei humilde ou versos sobre as criança o ensaio de vários papéis sociais, pro-
características dos animais. O que nos chama a porcionando a construção de uma personalidade
atenção é a qualidade dos textos ou versos, nem sadia, promovendo o desenvolvimento da imagi-
sempre primorosa. nação, da percepção de mundo, bem como uma
Segundo Riscado24, é importante rever o maior socialização. Bettelheim27, afirma:
papel da crítica de literatura infantil na medida “Só partindo para o mundo é que o he-
em que é crescente o número de produções rói dos contos de fada (a criança) pode
pelo mercado editorial, mas é preciso avaliações se encontrar; e fazendo-o, encontrará
cuidadosas e criteriosas, efetuada por equipe de também o outro com quem será capaz de
especialistas, desde a psicologia à linguística, viver feliz para sempre; isto é, sem nunca
passando pela literatura e pela arte. mais ter de experimentar a ansiedade de

Rev. Psicopedagogia 2016; 33(101): 184-95

192
Infância, escola e literatura infantil

separação. O conto de fadas é orientado A literatura infantil contemporânea, entendi-


para o futuro e guia a criança – em ter- da aqui como o conjunto de livros dedicados às
mos que ela pode entender tanto na sua crianças, embora ainda se encontre atrelada à
mente inconsciente quanto consciente – a ótica do adulto e se caracterize por seu caráter
ao abandonar seus desejos de dependên- pedagógico-utilitarista, também pode apresen-
cia infantil e conseguir uma existência tar outro viés, quando se alinha ao interesse da
mais satisfatoriamente independente.27” criança, facilitando experiências existenciais
No entanto, acreditamos que a abertura para sem comprometer-se com o ensino ou com a
vários tipos de textos literários é o que permitirá, moral. Esse é o aspecto artístico do gênero que
em última análise, uma maior imersão da criança apresenta características próprias, como a di-
nas múltiplas possibilidades de ser e existir. Tais versidade de temas e formas, bem como o uso
contos contém um certo hibridismo, na medida de ilustrações. Todavia, questionamos os temas
em que, por meio de histórias envolventes, con- puramente moralizantes e a supervalorização da
seguem também transmitir algum ensinamento, forma e da ilustração no livro infantil, sem que
como o caso do famoso conto Chapeuzinho Ver- haja a mesma preocupação com a qualidade do
melho e sua mensagem sobre o mundo perigoso texto. Claro que é reconhecido o valor artístico da
que nos cerca e a necessidade de obedecermos ilustração e concordamos com Ramos & Nunes28
aos nossos pais. ao afirmarem que uma imagem no livro infantil
Finalmente, também foram observados deva ter substância suficiente que alargue as
alguns poucos livros de literatura de autores vivências do leitor, embora este debate não tenha
consagrados, como Sergio Capparelli, Tatiana sido o foco do presente artigo. O que ora defen-
Belinky, Ruth Rocha, Pedro Bandeira e Rubem demos é o efeito humanizador que um bom texto
Alves. Todavia, o conjunto da obra de tais auto- literário pode provocar no leitor infantil, sem que
res não foi explorado no acervo, o que poderia haja a necessidade de uma mensagem morali-
contribuir para uma apreciação mais crítica e zante ou pedagógica explícita e nem o apoio de
consistente do material literário. imagens, sem o qual o texto não se sustentaria.
A presença de livros infantis e juvenis em
CONSIDERAÇÕES FINAIS todas as etapas da escolaridade é uma prática
Pode-se dizer que é recente o reconhecimento reconhecida e corriqueira, especialmente para
da literatura infantil como um gênero autônomo desenvolver o hábito da leitura e da escrita, mas
e, no Brasil, a produção acadêmica sobre o tema pode também oferecer muitas coisas ao leitor,
é crescente. Os debates atuais giram em torno de havendo a necessidade de se definir melhor os
um duplo registro: por um lado, a necessidade de objetivos da educação literária, explorando suas
definir a literatura infantil como tal e, por outro, múltiplas possibilidades.
a polêmica sobre a conveniência educativa dos Concordamos com Zilberman3 que não é
textos dirigidos às crianças e jovens. atribuição do professor apenas ensinar a crian-
Atualmente, corre-se o risco de voltarmos a ça a ler adequadamente. Cabe a ele, segundo
uma moralização da infância através de livros a mesma autora, o desencadear das múltiplas
dirigidos às crianças e oferecidos nas escolas, visões que cada obra literária sugere em razão da
em sua maioria com conteúdos utilitários e percepção individual do universo representado,
pedagógicos. Por outro lado, é inegável que os auxiliando a criança na reflexão sobre os temas
temas atuais sejam mais específicos e ligados a que afloram, contribuindo para uma reflexão
preocupações mais cidadãs, como as diferenças sobre o mundo e o ser, como sugere Candido16
sociais, os problemas ambientais e o respeito à em sua conceituação sobre o processo de huma-
diversidade. nização através da literatura.

Rev. Psicopedagogia 2016; 33(101): 184-95

193
Reis MP et al.

SUMMARY
Childhood, school and children’s literature:
book for children does not need to be educational

This article seeks the intersection of the themes Childhood, School and
Children’s Literature, bringing reflections that can contribute to the analysis
of children’s books offered to students in school and allow educators a
broad view of the various possibilities offered by the literature. Therefore,
besides the theoretical view, we present an analysis of a survey of a literary
collection sent to state schools in the State of São Paulo. The analysis of
readings carried out found a larger number of textbooks (79%) in relation
to children’s literature books (21%). So, it can be deduced that the school
prioritizes books to serve as a tool for teachers to spend desired contents,
with no emphasis on individual and subjective findings that children’s
literature can promote students.

KEY WORDS: Childhood. Schools. Juvenile Literature.

REFERÊNCIAS 10. Arroyo L. Literatura infantil brasileira: en-


1. Ariès P. História social da criança e da família. saio de preliminares para sua história e fon-
Rio de Janeiro: LTC; 1981. tes. São Paulo: Melhoramentos; 1968.
2. Rousseau JJ. Emílio ou da educação. Trad. 11. Zilberman R. Literatura infantil: livro, leitu-
Ferreira RL. São Paulo: Martins Fontes; 1995. ra, leitor. In: Zilberman R, org. A produção
3. Zilberman R. A literatura infantil na escola. cultural para a criança. Porto Alegre: Merca-
São Paulo: Global; 2003. do Aberto; 1990.
4. Meireles C. Problemas da literatura infantil. 12. Ferreira NSA. Livros infantis: uma estraté-
3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1984. gia editorial. In: Ferreira NSA, org. Livros,
5. Colasanti M. Livro para criança não pre- catálogos, revistas e sites para o universo
cisa ser educativo. Entrevista concedida escolar. Campinas: Mercado de Letras/Asso-
a Bruno Molinero. Folha de São Paulo, de ciação de Leitura do Brasil; 2006. p.137-52.
3/1/2015. Acesso em: 24/5/2016 Dispo­ní­vel 13. Heller A. O cotidiano e a História. 8ª ed.
em: http://www.folha.uol.com.br/folhinha/ Trad. Coutinho CN, Konder L. São Paulo: Paz
2015/01/1568552-livro-para-crianca-nao- e Terra; 2008.
precisa-ser-educativo-diz-vencedora-do- 14. Buendgens JF, Carvalho D. O preconceito e
jabuti.shtml; 2015. as diferenças na literatura infantil. Educ Real.
6. Coelho NN. Literatura infantil: teoria, análi- 2015;41(2):591-612.
se, didática. São Paulo: Moderna; 2000. 15. O’Sagae P. Literatura infantil e habilidades
7. Colomer T. A formação do leitor literário. São de leitura. Disponível em Dobras da Leitu-
Paulo: Global; 2003. ra, Ano VI, nº 28, São Paulo. Acesso ao site
8. Oliveira FR. História do ensino da literatura www.dobrasdaleitura.com no dia 18 de no-
infantil nos cursos de formação de professo- vembro de 2015; 2005.
res primários no estado de São Paulo, Brasil 16. Candido A. O direito à literatura. In: Can-
(1947-2003) [Tese de Doutorado]. Marília: dido A, ed. Vários escritos. São Paulo: Ouro
Faculdade de Filosofia e Ciências na Uni- sobre azul; 2011.
versidade Estadual Paulista; 2014. 344p. 17. Petit M. A leitura em espaço em crise. Rev
9. Mortatti MRL, Oliveira FR. Infância, Litera- Bras Psicanálise. 2006;40(3):149-67.
tura e Educação. Rev Teias. 2015;16(41):10-32. 18. Paiva A. A produção literária para crianças:

Rev. Psicopedagogia 2016; 33(101): 184-95

194
Infância, escola e literatura infantil

onipresença e ausência das temáticas. In: São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e
Paiva A, Soares M, orgs. Literatura infantil: Ciências Humanas da Universidade de São
políticas e concepções. Belo Horizonte: Au- Paulo; 2010.
têntica; 2008. 24. Riscado L. A crítica literária de literatura in-
19. Corso DL, Corso M. Fadas no divã: psicanáli- fantil e as escolhas do público. In: Casa da
se nas histórias infantis. Porto Alegre: Artmed; leitura. Originalmente para: II Encontro Na-
2006. cional de Investigação em Leitura, Literatura
20. Barone LMC, Scoz BJL. Através das vidraças Infantil e Ilustração E publicada em: Leitura,
da escola, vi uma coisa soberba. In: II Coló- Literatura Infantil e Ilustração. Investigação
quio de Psicologia da Arte, 2007, São Paulo. e Prática Docente 2. Braga: Centro de Estudos
A correspondência das artes e a unidade dos da Criança da Universidade do Minho; 2001.
sentidos. São Paulo: Instituto de Psicolo­gia- 25. Martins MC. “Remendo novo em pano ve-
USP, p. 45; 2007. lho”: a mesma história, outra história, em
21. Azevedo RJD. Vestígios dos contos populares relei­turas de contos de fadas de Angela Carter,
na literatura infantil [Dissertação de Mestra- A. S. Byatt e Margaret Atwood. Itinerários.
do]. São Paulo: Departamento de Letras Clás- 2013;37:31-47.
sicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, 26. Silva TP, Piassi LPC. Animais na literatura
Letras e Ciências Humanas da Universidade infantil: uma leitura reflexiva nas séries ini-
de São Paulo; 1997. Disponível em: <www. ciais. Trabalho apresentado em Intercom –
ricardoazevedo.com.br/wp/wp-content/ Sociedade Brasileira de Estudos Interdisci-
uploads/como-o-ar-nao-tem-cor-1.pdf> plinares da Comunicação – XIX Congresso
22. Brasil. Parâmetros Curriculares Nacionais: de Ciências da Comunicação na Região Su-
apresentação dos temas transversais. Brasília: deste – Vila Velha, ES; 2014.
MEC/SEF; 1997. 27. Bettelheim B. A Psicanálise dos contos de
23. Guimarães EJ. As formas do medo em litera- fadas. São Paulo: Paz e Terra; 2014.
turas infantil/juvenil de língua portuguesa: 28. Ramos FB, Nunes MF. Efeitos da ilustração
da exemplaridade à busca de alternativas do livro de literatura infantil no processo de
para a superação [Dissertação de Mestrado]. leitura. Educar em Revista. 2013;48:251-63.

Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação Artigo recebido: 21/2/2016


em Psicologia Educacional – Centro Universitário Aprovado: 16/5/2016
FIEO, Osasco, SP, Brasil.

Rev. Psicopedagogia 2016; 33(101): 184-95

195

Potrebbero piacerti anche