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10 SUMÁRIO

Vera Beatriz Siqueira (Universidade do Estado do Rio de


Janeiro) - Aquarelas do Brasil: a obra de Jean-Baptiste
Debret ................................................................ 109
Eucanaã Ferraz (Universidade Federal do Rio de Janeiro) -
Le Corbusier: Palavras, obras -ação! .................. 117
Cléia Schiavo Weyrauch (Universidade do Estado do Rio de
Janeiro) - O futuro posto em questão na obra de Stefan
Zweig .................................................................. 135
Paulo Henriques Britto (Pontifícia Universidade Católica - Rio)
- Elizabeth Bishop como mediadora cultural....... 143
Fernanda Peixoto (UNESP / Araraquara) - Roger Bastide e o
Brasil: Na encruzilhada de pontos de vista .......... 153
Victor Hugo Adler Pereira (Universidade do Estado do Rio de
Janeiro) - A lógica do atraso e seu efeito bumerangue - o
caso Ziembinsky ................................................. 161
Olavo de Carvalho (UniverCidade) - Otto Maria Carpeaux 171
Gustavo Bernardo Krause (Universidade do Estado do Rio de
Janeiro) - O estrangeiro ..................................... 177
Roberto DaMatta (Universidade de Notre Dame) - De volta aos
tristes trópicos: notas sobre Lévi-Strauss e o Brasil 185

Gilberto Freyre: Uma teoria de exportação


Enrique Rodríguez Larreta (Instituto do Pluralismo Cultural) -
O caminho para Casa-grande. Itinerários de Gilberto Freyre195
João Cezar de Castro Rocha (Universidade do Estado do Rio de
Janeiro) - As raízes e os equívocos da cordialidade bra
sileira .................................................................. 205
Marcos Chor Maio (Fundação Oswaldo Cruz) - Quando o Brasil
foi considerado diferente: 50 anos do Projeto UNESCO de
relações raciais.................................................... 221
Mary del Priore (Universidade de São Paulo) - Sobrados e
mucambos: "a carne e a pedra" no Brasil oitocentista 237
Ricardo Benzaquen de Araujo (IUPERJ / Pontifícia Universidade
Católica - Rio) - Raios e trovões. Plasticidade, excesso e
modernidade na obra de Gilberto Freyre ............ 243
NENHUM BRASIL EXISTE - PEQUENA ENCICLOPÉDIA 11

Simon Schwartzman (IUPERJ) - As ciências sociais brasileiras


no século XX....................................................... 253

Cultura
Francisco José Calazans Falcon (Pontifícia Universidade Católica
- Rio) - As reformas pombalinas e a cultura colonial 261
Pedro Meira Monteiro (Universidade de Princeton) - Cairu,
moralista............................................................. 291
Valdei Lopes de Araujo (Pontifícia Universidade Católica - Rio)
- Política como história, como literatura: Um estadista do
Império ................................................................ 303
Roberto Ventura (Universidade de São Paulo) - Manoel Bomfim:
Estado e elites como parasitas do povo-nação ..... 313
Luiz Costa Lima (Universidade do Estado do Rio de Janeiro /
Pontifícia Universidade Católica - Rio) - D. João VI no
Brasil ................................................................... 325
Tarcísio Costa (Universidade de Brasília) - Cidadania em Rui
Barbosa: "Questão social e política no Brasil" ..... 335
Tereza Virginia Almeida (Universidade Federal de Santa Catari
na) - Retraio do Brasil no contexto pós-moderno . 343
Ângela de Castro Gomes (Universidade Federal Fluminense /
Fundação Getúlio Vargas) - USA e Brasil: capitalismo e
pré-capitalismo segundo Oliveira Vianna............ 349
Marcelo Jasmin (IUPERJ / Pontifícia Universidade Católica -
Rio) - A viagem redonda de Raymundo Faoro em Os
donos do poder ..................................................... 357
Robert Wegner (Fundação Oswaldo Cruz) - América, alegria
dos homens: uma leitura de Visão do paraíso e de
Wilderness and Paradise in Christian Thought ........ 367
Margarida de Souza Neves (Pontifícia Universidade Católica -
Rio) - Para descobrir "a alma do Brasil". Uma leitura de
Luís da Câmara Cascudo ..................................... 377
POLÍTICA COMO HISTÓRIA, COMO LITERATURA: UM
ESTADISTA DO IMPÉRIO

Valdei Lopes de Araujo1

A imponente figura do advogado, político e diplomata Joaquim


Nabuco, quase esconde o escritor da primeira grande síntese da história
do Império brasileiro. A propósito da biografia do senador Nabuco de
Araújo, Joaquim Nabuco compõe, a um só tempo, a história do Im-
pério, do Imperador e do pai.
Nascido em 1849 em uma importante família de políticos do
nordeste, Joaquim Nabuco, igual a muitos representantes da elite
política imperial, teve a infância de jovem senhor, cuja vontade não
encontrava resistência na escravaria ou agregados. 2 Nos primeiros
anos da infância, foi criado por uma tia-madrinha viúva, de quem
herdou uma propriedade rural, imediatamente vendida para custear
sua primeira viagem à Europa, entre 1873 e 1874. Sua passagem pelo
velho continente o marcaria de forma profunda. O estilo europeu no
trajar, falar, pensar e escrever, firmou-se com sua atividade de adido
da legação diplomática brasileira, primeiro em Washington e, logo a
seguir, em Londres.
O modo europeu de Nabuco, em parte influência da cultura urbana
do Recife3 , em parte impacto da vida diplomática, não passou des-t
percebido por seus contemporâneos, que o acusavam de ter os pés no
Brasil e a cabeça na Europa. Na geração modernista, a "moléstia-de-

1
Foi Professor substituto de Historiografia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Doutor
em História Social da Cultura na Pontifícia Universidade Católica — Rio.
2
Para a biografia de Joaquim Nabuco, ver Nabuco, "A vida de Joaquim Nabuco".
3
Ver Mello, "O fim das casas-grandes".
304 VALDEI LOPES DE ARAUJO

Nabuco" era sinônimo da artificialidade e europeísmo4 dos intelectuais


brasileiros. O historiador Sérgio Buarque de Holanda, ilustraria o fenô-
meno na fórmula "somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra,"
fixada no parágrafo de abertura de seu mais influente livro, Raízes do
Brasil (1936).
Estudos recentes, entretanto, vêm contribuindo para a correta
compreensão deste aspecto da formação de Nabuco. O historiador
Raymundo Faoro, salientou o cosmopolitismo do autor de Um estadista
do Império, leitor crítico dos construtores da historiografia no século
XIX: Ranke, Mommsen, Curtius, Taine e Burckhardt e Macaulay.5 Por
sua vez, Evaldo Cabral de Mello aponta a experiência modernista, entre
as décadas de 20 e 30 do século XX, como o fenômeno cultural que blo-
queou "nossa capacidade de compreender a sensibilidade do brasileiro
do Segundo Reinado e da República Velha".6 A obsessão pela identidade
nacional que marca o intelectual brasileiro desde então, acabaria por
impedir o entendimento do verdadeiro significado do cosmopolitismo
do Nabuco.
Seguindo a trilha aberta por Evaldo Cabral de Mello, poderíamos pensar
que a recepção de Joaquim Nabuco foi decisivamente condicionada pela
descontinuidade cultural entre a Monarquia e a República. Mais do que
simplesmente uma substituição de regimes políticos, o que vemos surgir
é a problematização do "lugar" do Brasil no mundo civilizado.7 Se a
Monarquia, após décadas, havia estabelecido um "lugar," marcado pela
continuidade com a cultura européia e ocidental, o que permitia a
Nabuco sentir-se em casa no Rio de Janeiro, em Paris ou em Londres,
para a República, este "lugar" estava definitivamente perdido. Quando
da morte de seu pai em 1878, a eleição de Nabuco à Câmara de
Deputados já estava acertada entre os amigos e aliados políticos do velho
senador. A trajetória do jovem Nabuco seguiria naturalmente o seu
curso, não fora a marcha dos acontecimentos. Ao assumir a cadeira de
deputado em 1879, rompeu com seu destino ao levantar a bandeira da
emancipação dos escravos. A luta pela libertação rapidamente deixou a
Câmara, onde tinha poucas possibilidades, e, em 1880, transformou-se
na Campanha Abolicionista, o primeiro movimento

4
Considerando o emprego desta expressão por Mário de Andrade, ver Neves 278.
5
Faoro 23.
6
Mello, "No centenário de Minha formação" 13.
7
Sobre a solução imperial, vide Mattos 80-101, principalmente 101.
NENHUM BRASIL EXISTE - PEQUENA ENCICLOPÉDIA 305

organizado de opinião pública no Império, tendo à frente homens


como José do Patrocínio, André Rebouças e o próprio Joaquim Nabuco.
A Câmara de 1879 foi dissolvida e Nabuco teve que disputar
novamente a eleição em 1881, desta vez sem o apoio dos aliados pater-
nos e mesmo do seu partido. Não se surpreendeu com a derrota: a mili-
tância em torno da emancipação o havia tornado popular, mas ele
negligenciou os velhos mecanismos políticos necessários para se eleger
um deputado. De resto, nenhum dos abolicionistas venceu as eleições
naquele ano.
Seja em suas viagens à Europa, onde proferiu palestras e partici-
pou de encontros internacionais, seja no Parlamento, para o qual foi
eleito em 1885 e 1887 com uma plataforma dedicada à abolição, ou
mesmo na atividade de jornalista e escritor, Joaquim Nabuco dedicou-
se quase exclusivamente à causa da emancipação.
Em 1888, antes mesmo das previsões mais otimistas do próprio
Nabuco, a abolição foi aprovada na Câmara. Com a libertação dos
escravos, outra campanha, que cresceu paralelamente a esta, viu-se
fortalecida, desta vez tendo Nabuco nas fileiras da reação. Tratava-se da
campanha republicana. Defensor da monarquia e do parlamentarismo,
admirador do modelo político inglês, Nabuco viu-se duplamente frus-
trado com uma república presidencialista. Temia que o Brasil tivesse o
mesmo destino das nações latino-americanas, devastadas por guerras
civis, tendo a vida política dominada por grupos militares em constante
revolta. Proclamada a República em 1889, afastou-se por dez anos da
vida político-parlamentar, embora mantivesse uma moderada atividade
em favor da restauração monárquica.
O retorno à vida pública aconteceu em 1899, quando foi nomeado
defensor da causa brasileira na disputa com a Inglaterra em torno dos
limites com a Guiana Inglesa. No ano seguinte, acumulou esta função
com a de chefe da legação diplomática do Brasil em Londres. O fracasso
na disputa com a Inglaterra coincidiu com a criação da embaixada do
Brasil em Washington, para a qual Nabuco foi nomeado primeiro
embaixador em 1905, posto que ocupou até sua morte em 1910. No
contexto da doutrina Monroe, a atuação entusiasmada, e às vezes ingê-
nua de Nabuco em defesa do pan-americanismo 8 , marcaria o início do
deslocamento do centro diplomático brasileiro de Londres para
Washington.

8
Ver Prado.
306 VALDEILOPES DE ARAUJO

Um ano após a morte do Imperador em 1891, Joaquim Nabuco


mencionou em carta, o "velho" projeto de escrever a vida de seu pai.
Um estadista do Império apareceria em três tomos entre 1897 e 1899. O
espírito do livro manifesta-se desde a introdução. Ao narrar as tarefas
que antecederam a composição, revela: "Esse trabalho preparativo
ocupou-me de 1893 a 1894, principalmente durante os meses da
Revolta, quando ao revolver a poeira de nossas antigas lutas pacíficas
eu ouvia fora o duelo da artilharia do mar e da terra nesta baía".9 O
livro deveria ser não só a biografia do pai, mas, sobretudo, o registro de
uma época com seus costumes, seus homens, seu destino.
O texto de Um estadista do Império está dividido em oito partes. Os
primeiros seis livros seguem cronologicamente a trajetória do biografa-
do, o senador Nabuco de Araújo (1813-1878). Todo material está reu-
nido em torno dos gabinetes ministeriais, como se esse acontecimento
da vida política fosse naturalmente a medida de organização da história
do Império. O sétimo livro rompe a homogeneidade cronológica do
texto, ao apresentar três capítulos temáticos. Nestes capítulos, a orde-
nação cronológica é subordinada ao tema, ou seja, a atividade de juris-
consulto do senador Nabuco: advogado, Conselheiro de Estado e reda-
tor do Código Civil. O fio geral da narrativa é retomado no livro oitavo,
conclusivo, no qual trata do período que vai da morte do pai até o fim
do Império, em 1889, extrapolando os limites da vida do velho senador,
falecido em 1878.
Para o liberal Nabuco, escrever a história do Império significava
traçar o retraio de seus construtores, das individualidades que, no par-
lamento ou na burocracia do Estado, construíram a nação. Sobretudo,
deveria ser narrar a biografia do homem que estava no centro da vida
nacional, o Imperador:
Escrevendo a vida do último senador Nabuco de Araújo, não dou
senão uma espécie de vista lateral de sua época. A figura central do
segundo reinado é o próprio Imperador, e só quem lhe escrevesse a Vida
e a ilustrasse com os documentos que ele deve ter deixado poderia pôr
em foco, em seu ponto de convergência, a Grande Era Brasileira,10 a qual
lhe pertence.

9
Nabuco, Um estadista 31.
10
Nabuco, Um estadista 32.
NENHUM BRASIL EXISTE - PEQUENA ENCICLOPÉDIA 307

Em carta datada de 1894, lamentou desconhecer o destino do


arquivo particular de Pedro II, coisa com a qual "estimaria dedicar o
resto de minha vida, uma Vida de Dom Pedro II escrita à luz dos docu-
mentos que ele deixou". 11 Mais de uma vez, ao longo do livro, comenta
a posição privilegiada de Pedro II, que recebia todas as versões dos
conflitos, cartas e documentos dos diferentes partidos e interesses.
Simbólica e materialmente, o Imperador estava no centro da vida
política. Entretanto, o livro vai muito além de uma história política
tradicional. Em Um estadista do Império podemos encontrar uma das
mais ricas descrições da vida política e social, sem a contaminação do
exotismo romântico.
A trajetória do senador Nabuco de Araújo, narrado por seu filho,
não tem surpresas. O velho Nabuco encarna o tipo médio da elite
política imperial: forma-se em Direito pela faculdade de Olinda, ocu-
pa cargos na burocracia, é promotor público do Recife, Deputado,
Presidente de Província, Senador e, por fim, Conselheiro de Estado.
Eis a vida de Nabuco de Araújo, típica da elite política brasileira, tal
como caracterizada pelo historiador José Murilo de Carvalho. Se-
gundo este autor, foi a homogeneidade de formação e de trajetória
um dos principais fatores responsáveis pela integridade política e ter-
ritorial do Império brasileiro, em contraste com a fragmentação ocor-
rida na América Espanhola.12
É sobre este pano de fundo nada extraordinário que Nabuco
reconstruirá os principais acontecimentos da história imperial, tendo
sempre em vista a compreensão geral da "Grande Era" do Brasil, mar-
cada pela estabilidade e continuidade. Mesmo rupturas não tão tran-
quilas, como o golpe de estado que força a abdicação de Pedro I em
1831, são descritas num tom conciliador: "No fundo, a revolução de
Sete de abril foi um desquite amigável entre o Imperador e a nação". 13
O período mais conturbado da história imperial, marcado por
diversas revoltas políticas e sociais, é proveitosamente revertido por
Nabuco em favor da monarquia. Em sua interpretação, estas revoltas
foram resultado de nossa primeira experiência republicana, ou seja, o
período regencial que vai da abdicação de Pedro I, em 1831, até a an-
tecipação da maioridade de Pedro II, em 1840. Do seu ponto de vista,

11
Nabuco, Um estadista 1318
12
Ver Carvalho.
13
Nabuco, Um estadista 66.
308 VALDEI LOPES DE ARAUJO

"Se a Maioridade não resguardasse a nação como um parapeito, ela


ter-se-ia despenhado no abismo". 14
Em um comentário sobre o livro deixou clara sua intenção de
polir a imagem dos construtores do Império: "Pintei talvez um quadro
sem sombras, disse o bem que podia dizer de todos, sem acrescentar o
mal que outros poderiam dizer".15 O que não impede que o autor tenha
uma profunda compreensão, talvez um dos primeiros intelectuais brasi-
leiros a tê-la, da dimensão social de alguns dos acontecimentos centrais
da história política.
A dimensão social é perfeitamente desenvolvida na compreensão e
análise da Revolução Praieira de 1848, vista, até então pela historio-
grafia, como uma simples revolta partidária. Nabuco identificou os
vícios da estrutura social na Província de Pernambuco. O "partido" da
Praia, após dominar o cenário político na Capital, Recife, viu suas ten-
tativas de penetrar no interior da província frustradas pela estrutura
rural/patrimonial, onde, em torno de um grande proprietário de terras,
reuniam-se homens livres pobres, ligados por vínculos pessoais e favo-
res. O conflito entre o mundo urbano e o fechado universo rural, aliado
ao problema do abastecimento a varejo na capital, praticamente
monopolizado por comerciantes portugueses, são identificados como as
causas da revolta popular: "A guerra dos praieiros era feita a esses dois
elementos — o estrangeiro e o territorial; mais que um movimento
político, era assim um movimento social".16
Masé na descrição dos tipos humanos que Nabuco parece estar em
seu verdadeiro meio. Considerado por muitos como um homem de
salão, elegante, hábil e observador, Nabuco põe seu talento a serviço da
descrição das sucessivas gerações parlamentares que ocuparam a câmara
ao longo do século XIX. A elegância e a cortesia eram mais que qua-
lidades frívolas, pela disciplina e autocontrole que exigiam eram vistas
como verdadeiras forças sociais: um índice disponível ao leitor capaz de
identificar o tempo, o lugar e a dimensão de seus portadores.
Descrevendo a chegada, em 1843, dos parlamentares da província de
Pernambuco à Corte no Rio de Janeiro, afirma:
A chegada dos leões do norte, como eram chamados, era sempre um acontecimento
social. Eles possuíam uma tradição de maneiras e um tradição

14
Nabuco, Um estadista 67.
15
Nabuco, Um estadista 1354.
16
Nabuco, Um estadista 114.
NENHUM BRASIL EXISTE - PEQUENA ENCICLOPÉDIA 309

tamento fidalgo que os diferençava do resto do mundo político, em geral tão


abandonado e negligente no tom da vida, como indiferente à galan-teria. (...) A
cortesia unida à elegância exige uma atenção de cada minuto e de cada gesto,
mesmo quando se torna uma segunda natureza. Não é só o espírito que tem
sempre de estar alerta, é o caráter que tem de estar em guarda. A igualdade
que reina em nossa sociedade é um efeito da indolência c não uma virtude que
custe o menor sacrifício ou revele generosidade de sentimento. A indolência
de maneiras torna-se facilmente em indolência de caráter e de coração. 17

O indivíduo é a unidade de análise do livro. Cada personalidade


guarda parte dos segredos daquela história, registra, em sua oratória,
seus gestos, suas roupas, o espírito de cada geração, que unidas, for-
mam o grande panorama do Império. Embora a figura do Senador
Nabuco de Araújo domine o quadro, algumas das linhas mais vivas são
dedicadas a outros personagens, não raro adversários políticos do
Senador, como a impressionante descrição de Ângelo Muniz da Silva
Ferraz:
Na tribuna da Câmara era um adversário terrível. Tinha a palavra naturalmente fácil,
abundante, expressiva, modulada, vigorosa, de ordinário comum, por vezes fulminante, e
que pelo seu modo de atacar sempre a fundo, descobrindo-se todo, ainda mais
arrebatava o espectador. Ardente, impetuoso, às vezes rude, corajoso sempre, Ferraz era
também uma natureza generosa e fácil de captar.18

Na maioria das vezes os perfis são traçados em contrastes ora dico-


tômicos ora complementares. Por vezes, em frases rápidas, quase fór-
mulas, decifra certas estruturas sociais, como se estivessem refletidas
em seus personagens. É o caso de um dos grandes chefes políticos per-
nambucanos: "Boa Vista era o diplomata, o grand seigneur, a figura
ornamental de sua corte provinciana formada de parentes, aderentes,
parasitas".19
Nabuco narra, com envolvimento quase emocional, as transfor-
mações sociais, materiais e simbólicas que a sociedade brasileira atra-
vessou ao longo do século XIX. Pelos olhos de seu pai, podia reviver o

17
Nabuco, Um estadista 74.
18
Nabuco, Um estadista 175-76.
19
Nabuco, Um estadista 403-04.
310 VALDEI LOPES DE ARAUJO

século que se despedia como se anunciasse o encerramento de


uma era. Visto da perspectiva do fim da monarquia, todo o século
parecia uma desagregação progressiva de gerações políticas,
mesmo que o progresso material indicasse o contrário:
A marcha, o engrandecimento do país desde 1822 é um fato
incontestável, mas quem não sentirá (...) que realmente os costumes têm
outra seriedade, a vida outra dignidade, a sociedade outros vínculos, o caráter
outra têmpera, à medida que se remonta ao passado. 20

A nostalgia de Nabuco tem duas fontes bem distintas. De um


lado, o liberal lamenta a perda de um regime político, a
monarquia parlamentarista, que acreditava ser o único modelo
capaz de mediar os conflitos internos da sociedade brasileira. De
outro, sente falta da sociedade aristocrática, senhorial, cujas
relações sociais pareciam estar solidamente assentadas na tradição.
É a mesma saudade do escravo, descrita em sua autobiografia. 21
Ao longo de Um estadista do Império, estes dois tipos de nostalgia
aparecem; por vezes, é quase impossível distingui-las.
Poucos homens conseguiam sobreviver à passagem das
épocas. Alguns, como Paes Barreto, seriam, por suas proporções
medianas, como o "anel de ferro, [que] podia unir as duas
extremidades da cadeia de modo a ter toda ele a mesma força e
resistência" (Idem, 406). A continuidade entre as épocas, cujas
gerações políticas decaíam na direção inversa do crescimento da
riqueza material, é o maior desafio que Nabuco registra em seu
livro. Na maioria dos casos, a marcha do tempo devora o homens
que permanecem apegados à sua época, é o caso de Antônio
Rebouças e Teófilo Ottoni. Sobre o primeiro diz:
Tudo nele recorda outra época, passada e esquecida: espírito, maneiras,
formas de argumentação; mais que tudo, porém, é ele uma natureza singular,
que reunia o refinamento aristocrático e esse espírito de igualdade próprios dos
que possuem no mesmo grau o sentimento de altivez e o da equidade.22

20
Nabuco, Um estadista 184.
21
Nabuco, Minha Formação 162.
22
Nabuco, Um estadista 406.
NENHUM BRASIL EXISTE - PEQUENA ENCICLOPÉDIA 311

E sobre Ottoni, a conhecida passagem a respeito das eleições de


1860:
(...) a situação era de Teófilo Ottoni. Se este não fosse então, em frase de Disraeli,
'um vulcão extinto', um homem acabado, de outras eras, que não renovara desde 1831
o seu cabedal político, um veterano novato, aparecendo ao lado de gerações
modernamente educadas como um anacronismo vivo.23

Escrever história política era, para Nabuco, quase uma redundân-


cia: história e política tornam-se sinônimos.24 Em sua autobiografia,
explica a opção pela história, vista como um campo das belas letras:
"Ainda assim, talvez tenha apenas havido entre elas as letras e a políti-
ca uma verdadeira fusão (.,.). A história é, com efeito, o único campo
em que me seria dado ainda cultivar a política".25 Escrever a história do
Império era uma forma de permanecer no campo da ação política, não
só pela defesa da monarquia, que sua interpretação sugere, mas princi-
palmente pela missão de registrar para a memória nacional essa
"Grande Era Exemplar".
Na sua busca do tempo, também Nabuco terá seus redescobri-
mentos. Sua narrativa assume a tarefa de encontrar a verdade que
sobrevive à passagem das épocas. Daquela sociedade, da qual fora uma
das promessas, e que agora não mais existia, restavam os sentimentos,
as idéias e as lições. Explicando, em sua autobiografia, a opção pelas
letras e o afastamento da vida ativa, assinalou a missão que assumia.
Desejava reservar o resto de sua vida "para polir imagens, sentimentos,
lembranças que eu quisera levar na alma". 26

Bibliografia
Acízelo, Roberto. O império da eloquência. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999.

Carvalho, José Murilo de. A construção da Ordem. O teatro de sombras. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ;
Relume Dumará. 1997.

23
Nabuco, Um estadista 422.
24
Sobre a problemática autonomização das esferas estética, científica e moral no Brasil, ver Costa Lima, Terra ignota,
principalmente capítulos I e V. Sobre a manutenção do ensino da retórica no Brasil, ver Acízelo O império da eloqüência.
25
Nabuco, Minha Formação 219.
26
Nabuco, Minha Formação 220.
312 VALDEI LOPES DE ARAUJO

Faoro, Raymundo. "História e arte". Joaquim Nabuco. Um estadista do Império. 5a ed. Rio de Janeiro: Topbooks,
1997. 21-30.

Lima, Luiz Costa. Terra ignota. A construção de Os sertões. Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 1997.

Mattos, limar Rohloff de. O tempo saquarema: A formação do Estado imperial. São Paulo:Ed. Hucitec, 1990
[1987].

Mello, Evaldo Cabral de. "O fim das casas-grandes". História da vida privada no Brasil:Império. Luiz Felipe de
Alencastro (org.). São Paulo: Companhia das Letras,1997. 385-437.

______."No centenário de Minha formação". Joaquim Nabuco. Minha formação. Rio deJaneiro: Topbooks, 1999.
9-16.

Nabuco, Carolina. A vida de Joaquim Nabuco. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INL,1979.

Nabuco, Joaquim. Um estadista do Império. 5ª ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997 [1897-1899].

______. Minha formação. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999 [1900].

Neves, Margarida de Souza. "Da maloca do Tietê ao Império do Mato Virgem. Mário deAndrade: Roteiros e
descobrimentos". A História contada: Capítulos de história socialda literatura no Brasil. Sidney Chalhoub e
Leonardo de Miranda Pereira (orgs.).Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. 265-300).

Prado, Maria Emília. "O cavaleiro andante dos princípios e das reformas: JoaquimNabuco e a política". 0 Estado
como vocação. Maria Emília Prado (org.). Rio deJaneiro: Access, 1999. 239-66.

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