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Bianca Furtado Fagnani

A INQUIRIÇÃO DA CRIANÇA VÍTIMA DE ABUSO SEXUAL


INFANTIL

Centro Universitário Toledo


Araçatuba
2016
Bianca Furtado Fagnani

A INQUIRIÇÃO DA CRIANÇA VÍTIMA DE ABUSO SEXUAL


INFANTIL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso


de Direito do Centro Universitário Toledo. Sob a
orientação do Professor Doutor Marcelo Yukio Misaka.

Centro Universitário Toledo


Araçatuba
2016
_____________________________________
Prof.

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Prof.

_____________________________________
Prof.

Araçatuba/SP, _____ de _________ de 2016.


Dedico esse trabalho a minha mãe Gisele, que
em nenhum momento, por mais difícil que fosse,
desistiu de educar a mim e aos meus irmãos,
sempre demostrando o valor da honestidade e
perseverança.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os meus familiares que durante essa trajetória acadêmica não me
deixaram desistir. Ao meu pai Antônio, minha mãe Gisele, meus irmãos Henrique, Gabriel,
Luiza e Pedro, que são a razão de tudo.
Difícil na verdade é agradecer a todos os colegas que passaram e de alguma forma me
auxiliaram a concluir esse curso, mas não posso deixar de agradecer principalmente as minhas
amigas Adriana, Giovanna, Gabrielle e Vanessa, cada uma na sua particularidade e
essencialidade, mas que estiveram nesta jornada comigo desde o início, pelo apoio,
companheirismo, risadas e broncas ao longo do curso e da vida.
Agradecer à Deus por nunca ter me deixado levar pelos pensamentos negativos, e nas
tantas vezes em que pensei em dar um fim na graduação não me deixou desistir.
Não esquecendo dos amigos de trabalho, Bruna, Carlos, Claudinha, Evelyn, Fernando e
Thiago, que mesmo na correria do dia a dia se preocuparam e me ajudaram nos afazeres para
que este trabalho fosse finalizado, e com certeza, pela confiança e amizade formada.
E agradeço ao meu professor orientador Marcelo, pelos ensinamentos dentro da sala de
aula e o interesse que me despertou sobre o tema do trabalho realizado, ao auxílio dado para a
realização do mesmo.
RESUMO

O trabalho realizado aborda o procedimento utilizado na oitiva das crianças que são
vítimas ou testemunhas do abuso sexual infantil. É avaliado o método comum utilizado na oitiva
das crianças e possíveis danos que podem ser causados a elas por esse procedimento não ser
adequado à sua realidade, a uma linguagem informal ao qual ela se sinta confortável para relatar
os fatos de acordo com o que presenciou, e até mesmo a falta de preparo e conhecimento por
parte dos agentes estatais para lidar com elas. Além de analisados os possíveis danos, dá-se
enfoque aos meios alternativos e que ainda não foram regulamentados para que essa oitiva
proceda de maneira menos invasiva a criança, minimizando ao máximo a vitimização
secundária causada pelos agentes estatais (tanto na fase de inquérito quanto na fase de processo
penal). Alguns desses procedimentos especiais já são utilizados por algumas cidades do país e
outros têm como base procedimentos utilizados no estrangeiro, mas que também visam a
proteção das crianças e de seus direitos.

Palavras-chave: Criança. Abuso sexual. Depoimento. Infanto-Juvenil. Dano.


ABSTRACT

The work deals with the procedure used in the hearing of children who are victims or witnesses
of child sexual abuse. It evaluates the common method used in the hearing of children and
possible damage that may be caused to them by this procedure do not be appropriate to their
reality, an informal language to which she feels comfortable to report the facts according to
what witnessed, and even the lack of preparation and knowledge on the part of state agents to
deal with them. In addition to analyzing the possible damage occurs approach to alternative
means and that have not been regulated so that this procedure has be less invasive way the child,
minimizing the maximum secondary victimization caused by state actors (both at the
investigation stage and in criminal proceedings phase). Some of these special procedures are
already used by some cities of the country and others are based on procedures used abroad, but
also aim to protect children and their rights.

Key-words: Child. Sexual abuse. Testimony. Children and Youth. Damage.


SUMÁRIO

Introdução...................................................................................................................................9

I. Vitimologia....................................................................................................................11
1.1 Vitimização primária, secundária e terciária..............................................................12

II. Crimes sexuais contra criança e meios de prova.............................................................15


2.1 Dos crimes sexuais.....................................................................................................16
2.1.1 Estupro e estupro de vulnerável.........................................................................16
2.2 Das Provas.................................................................................................................22
2.3 Depoimento da vítima em crimes sexuais..................................................................27

III. Vitimização secundária das crianças..............................................................................30


3.1 Danos causados à criança quando vai depor...............................................................30

IV. Sugestões para Amenizar o Dano...................................................................................33


4.1 Políticas Internacionais de Redução de Dano............................................................33
4.2 Depoimento Especial.................................................................................................37
4.3 Perícia multidisciplinar..............................................................................................43

Conclusão..................................................................................................................................47

Referências Bibliográficas........................................................................................................49
9

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem a abordagem dos crimes sexuais que podem ser praticados
contra a criança, dando um foco maior na oitiva da mesma e os possíveis danos que podem ser
causados durante a coleta do seu testemunho sobre o crime e possíveis meios que façam com
que o dano causado seja minimizado.
Não podendo deixar de abordar a preocupação pela falta de regulamento específico e
preparo das autoridades do Judiciário Penal Brasileiro para tratar uma criança nessas situações
de abuso, tendo que a expor em procedimentos comuns de oitiva e um desgaste emocional e
mental acerca do tratamento e linguagem utilizados, deixando de observar os seus direitos à
proteção assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e a Declaração Universal dos
Direitos Humanos.
Esse despreparo é uma grande preocupação quanto ao depoimento a ser realizado com
a criança, podendo ocasionar uma revitimização ou um dano maior do que o próprio delito em
si, por ter que a expor reiteradas vezes a pessoas desconhecidas para que ela apresente o que
sofreu.
É colocado para debate e conhecimento algumas formas alternativas para tentar
minimizar o sofrimento causado à criança quando ela se depara com o procedimento e
questionamento feito pelas autoridades judiciais. Estas autoridades, que por sua vez não tem
um preparo para proceder de maneira especial com a criança, necessitam de um auxílio de
profissionais qualificados e que possam instruir a criança de maneira adequada para retirar delas
informações necessárias e concisas sobre o delito penal.
Esses meios alternativos que buscam a proteção ou minimização máxima dos danos
causados a criança são trazidos no trabalho em seu capítulo final, todos eles já são aplicados
em casos no Brasil como em outros países, porém não possuem credibilidade suficiente no
Judiciário e Legislativo para se tornarem regra ou uma prática oficial para fazer a inquirição da
criança. O trabalho vem como forma de expor as características e conceitos de dois meios mais
abordados no Brasil, que são o Depoimento Especial e a Perícia Multidisciplinar.
Sobre a oitiva da criança, são analisados julgados que abordam esse depoimento especial
que deve ser realizado com a criança, e traz também a importância de ser feita essa oitiva pois,
ela é uma das peças fundamentais para se comprovar a materialidade do delito. Porém, esse
depoimento pessoal da criança sempre deve vir acompanhado e adicionado a outros meios de
prova e uma coerência entre os fatos apresentados e o depoimento das testemunhas, pois, as
10

práticas abusivas as vezes não deixam marcas físicas evidentes (ocasionada também pela
demora a procurar o judiciário) e são identificados através da entrevista no depoimento, que
mais uma vez, deverá ser feito em procedimento especial.
11

I. VITIMOLOGIA

Em um breve contexto histórico, o Direito Penal sempre teve como meta desde a Escola
Clássica o estudo da tríade “delinquente-pena-crime”, sendo deixada de lado a vítima. Porém,
com a evolução dos delitos praticados, a sua forma e proporção, o Direito Penal necessitou de
um auxílio para uma melhor análise do criminoso, da pena e do crime, assim, junto com outras
ciências a Criminologia passou a integrar esse grupo de estudos feitos.
O conceito de vitimologia passou a ser questionado e colocado em discussão pelo
criminólogo Hans Von Hentig (que foi o pioneiro nos estudos acerca da vítima) sendo
questionado e abordado também por Fritz Paasch, Franz Exner, Elemberger, Benjamim
Mendelsohn, entre outros estudiosos da época.
Contudo, a partir do ano de 1956 é que se sucedeu as ideias e formas definitivas que
concretizaram a vitimização, como apontam Newton Fernandes e Valter Fernandes em sua obra
(2012, p. 481):

“A partir daí, o assunto tem despertado considerável interesse e, em 1958, foi


amplamente analisado em simpósio de Criminologia realizado na Universidade de
Bruxelas, na Bélgica. Anos após, em 1973, na cidade de Jerusalém, em Israel, foi
levado a efeito o 1º Congresso Internacional de Vitimologia, sob a supervisão do
renomado criminólogo chileno Israel Drapkin. Nesse conclave, que teve larga
repercussão mundial, foram apontados os objetivos da Vitimologia e discutidas as
causas da vitimização, bem como sua pesquisa e prevenção. ”

A vitimologia nada mais é então, do que um braço da criminologia, uma área que
envolve não só o auxílio ao estudo das ciências penais e criminais, mas que visa entender as
consequências do crime na vida da vítima, a sua participação na ocorrência do delito, a sua
proteção jurídica e social, a sua relação com o agente causador do delito e os meios de
vitimização, mas abrange também a sociologia e psicologia criminal... não sendo apenas um
estudo sobre a vítima do delito.
Neste sentido de conceituar o que é a vitimologia, o psicólogo Jorge Elói1 complementa
que:

“Esta disciplina, pressupõe que a vítima possui determinadas características, que a


tornam “vítima”. Isto é, a vitimologia, pressupõe que a vítima terá determinadas
características, psicológicas, comportamentais, económicas, etc. que a faz única e
mais vulnerável de as restantes pessoas.
A vitimologia, não invalida a em nenhum momento a responsabilidade e culpa do
criminoso, mas tenta perceber, porque razão aquele criminoso escolheu aquela vitima
e não outra pessoa.”

1
http://www.psicologiafree.com/areas-da-psicologia/criminologia-vitimologia/
12

Aprofundando mais na vitimologia, nos deparamos com a vitimização ou processo


vitimizatório, tem-se a busca para compreender as consequências do fato delituoso na vida da
vítima. O professor Alvino Augusto Sá descreve ainda o “processo vitimizatório como um
processo complexo, onde uma pessoa se torna o objeto-alvo da violência por parte de outrem”.
Ao tema central do trabalho já, pode-se aprofundar o conceito da vitimização em
relação à criança, onde “o abuso sexual intrafamiliar vitimiza crianças e adolescentes mediante
violência física, moral, psicológica, constrangendo as vítimas à prática sexual bem como
qualquer outro ato libidinoso” (POTTER, 2016, p. 124 e 125).

1.1 Vitimização Primária, Secundária e Terciária

As classificações para a vitimização ocorrem em 3 tipos, sendo a vitimização primária,


secundária e terciária.
A vitimização primária é entendida como a ocorrência do delito em si, pela conduta
violadora dos direitos que a vítima possui, causando danos variados a ela – podendo ser eles
físicos, matérias, morais. É o efetivo sofrimento que a vítima tem com a prática do ato delituoso
diretamente por ela sofrido.
Desta maneira, as consequências da vitimização primária vão variar de acordo com o
ato delituoso contra ela praticado, como por exemplo: se foi vítima de um roubo ou furto, as
consequências e danos sofridos serão materiais; se foi um crime com lesões corporais, será um
dano físico.
São variadas as consequências como se pode notar, e dependendo de como forem, terão
um impacto diferente também na vida a vítima, podendo ser superados prontamente ou terem
um efeito duradouro em sua vida, dependendo de quem foi o infrator do delito. Caso em que,
se o agente infrator for alguém que possua intimidade (família ou amigo próximo), será mais
difícil de afastar o dano por ele sofrido.
Como é o caso da questão a ser estudada neste trabalho, onde se trata de uma vítima
menor de 18 anos de idade que tem praticado contra si um ato delituoso configurado dentro do
abuso sexual, e sofre como consequência um dano material (estupro, por exemplo) por conta
da violência física contra ela aplicada, e o dano psicológico por causa do
trauma/transtorno/desequilíbrio emocional sofrido.
A vitimização secundária (sobrevitimização ou revitimização) é o sofrimento
adicional (já ocorreu a vitimização primária) causada pelas instancias formais do controle
13

social (Polícia, Ministério Público, Administração Penitenciária, a Justiça Brasileira) no


decorrer do processo de registro e apuração do crime.
Nesta classificação de vitimização, pode se ter como exemplo uma menina que é
estuprada, ela vai até a delegacia prestar uma queixa sobre o ocorrido e lá tem que espera um
tempo razoável para ser atendida, relata o ocorrido para o escrivão, depois para o Delegado
competente, após, ao curso do processo tem que relatar novamente ao Juiz. Esse processo de
ficar repetidas vezes relatando o delito contra ela praticado e o despreparo por parte dos agentes
públicos que (mesmo não intencional) a revitimiza, traz a sensação de humilhação e
constrangimento por recordar tudo o que com ela já aconteceu.
Existe uma preocupação de a vitimização secundária deixar uma sequela maior do
que a vitimização primária, pois é esperado que as instâncias de controle social sirvam para
proteger a vítima e evitar que ela sofra revitimização, o que na maioria das vezes não ocorre
pela falta de preparo profissional por parte dos agentes que não tratam a vítima da maneira que
deveriam, utilizando as peculiaridades dos casos para evitar algum tipo de constrangimento da
vítima ao depor sobre os fatos ocorridos.
A vitimização terciária abrange o desamparo ou a discriminação por parte dos
familiares da vítima, da própria sociedade, pessoas do seu convívio de trabalho e meio social,
quando não a acolhe e na maioria das vezes não incentiva a denunciar o delito as autoridades
competentes.
É a vitimização em si, agora realizada pelas pessoas que a vítima tem afinidade e
acreditava em poder confiar, mas que na verdade fazem o oposto, a reprovando e fazendo se
sentir humilhada e constrangida novamente, desestimulando a vítima a prestar queixa contra o
ocorrido.
As classificações da vitimização possuem uma ordem por nomenclatura, conforme
apresentado, mas não quer dizer que a vitimização deva ocorrer nessa ordem ou que tenha que
passar pelas três.
O indivíduo necessariamente deve protagonizar a vitimização primária, para a
ocorrência do delito e aí sim se tornar uma vítima, mas não precisa sofrer a secundária para
depois ter que passar pelo desamparo da família; ela pode sofrer o delito e em seguida falar
sobre ele com um familiar, por exemplo, e este não se sensibilizar com o ocorrido e apresentar
que ela não deve ir até a autoridade policial relatar o fato pois o mesmo ocorreu porque ela foi
descuidada ou porque mereceu.
Por último e fazendo agora uma ligação entre a vitimização secundária e terciária, pode
ocorrer as chamadas cifras negras, que nada mais é do que a falta de conhecimento por parte do
14

Estado do número de crimes cometidos. Essa omissão pode ocorrer por falta de confiança por
parte da vítima com o sistema penal, ou então com base na vitimização terciária e por falta de
apoio familiar a vítima não vai até as autoridades competentes. O medo de haver a reiteração
do delito ou até mesmo uma vingança por parte do infrator, auxiliam a concretização das cifras
negras.
15

II. CRIMES SEXUAIS CONTRA CRIANÇA E OS MEIOS DE PROVA

Para começarmos a falar os tipos dos crimes sexuais praticados contra as crianças,
primeiro devemos realçar a qualificação (conceito) dada as mesmas segundo a Lei nº 8.069, de
13 de julho de 1990, mais conhecida como o Estatuto da Criança e do Adolescente, que em seu
artigo 2º, traz:

Art. 2º. Considera-se criança, para os efeitos dessa Lei, a pessoa até doze anos de
idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto
às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

Vale ressaltar também que neste ano de 2016 foi sancionada a Lei nº 13.257, de 08 de
março, que traz em seus primeiros artigos uma aprofundada conceituação da idade estipulada
para as crianças, trazendo uma nomenclatura diferenciada para tal e, algumas alterações:

Art. 1o Esta Lei estabelece princípios e diretrizes para a formulação e a


implementação de políticas públicas para a primeira infância em atenção à
especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil
e no desenvolvimento do ser humano, em consonância com os princípios e diretrizes
da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); altera
a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);
altera os arts. 6o, 185, 304 e 318 do Decreto-Lei no3.689, de 3 de outubro de 1941
(Código de Processo Penal); acrescenta incisos ao art. 473 da Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943; altera
os arts. 1o, 3o, 4o e 5o da Lei no 11.770, de 9 de setembro de 2008; e acrescenta
parágrafos ao art. 5o da Lei no 12.662, de 5 de junho de 2012. (Sem grifo no original)

Art. 2o. Para os efeitos desta Lei, considera-se primeira infância o período que
abrange os primeiros 6 (seis) anos completos ou 72 (setenta e dois) meses de vida da
criança.

A alteração na nomenclatura e a nova classificação da criança (primeira infância até os


6 anos completos e, criança dos 6 até 12 anos de idade incompletos) e do adolescente (de 12 à
18 anos de idade) em nada altera o estudo e trabalho a ser realizado.
O ECA traz em seu artigo 5º em clara e específica forma que aqueles que tentarem contra
a dignidade da criança ou do adolescente serão punidos:

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,


discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei
qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
16

2.1 Dos Crimes Sexuais

É considerável que, a maioria dos crimes sexuais praticados contra a criança ocorre em
âmbito intrafamiliar, onde o agressor vai ser um membro da mesma família, consanguíneo ou
não, ou ainda, uma pessoa que tenha contato frequente e intimo com a família da vítima.
Luciane Pötter2 (2016, p. 67) apresenta em sua obra um conceito que trata bem sobre a
desestruturação da família, onde estão presentes características que podem ser causadoras do
incesto intrafamiliar:
“Não podemos deixar de reconhecer que famílias não estruturadas, econômica e
psicologicamente, monoparentais, ou ainda a presença de crises conjugais, falta de
amor, subversão de normas, valores e expectativas socais, acabam fragilizando as
relações familiares e proporcionando a violência que amotina os membros da família,
em especial os mais vulneráveis.”

Os crimes sexuais que tratam da relação abusiva entre as crianças/adolescentes e o


adulto, podem ser observados em alguns tipos penais, como por exemplo: o artigo 244-A do
ECA (Lei 8.069/90) que trata da submissão à exploração sexual ou prostituição da criança; o
artigo 218 que traz a indução do menor de 14 a satisfazer a lascívia de outrem; o artigo 218-A
traz também a satisfação da lascívia de outrem ou própria, fazendo com que o menor presencie
uma conjunção carnal ou ato libidinoso; artigo 218-B que apresenta o favorecimento de
prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou vulnerável; e, a
mediação para servir a lascívia de outrem, como apresenta o artigo 227, todos do Código Penal.
São também objeto de estudo dos crimes sexuais: estupro e o estupro de vulnerável e,
por serem eles mais incisivos ao tema central, que é a condição da inquirição da
criança/adolescente que sofreu abuso sexual infantil, serão estudados de uma maneira mais
aprofundada.

2.1.1 Estupro e Estupro de Vulnerável

Começando pelo ESTUPRO, ele é tratado no Código Penal Brasileiro, em seu artigo
213 com a seguinte redação:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação
dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de
2009)

2
Obra: Vitimização secundária infanto-juvenil e violência sexual intrafamiliar por uma política de redução de
danos. 2ª Edição. Salvador: Editora JusPodivm, 2016.
17

§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de


18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 2o Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

A objetividade jurídica do tipo penal é a proteção da liberdade sexual da vítima, a


faculdade de escolher quando, como, onde e com quem irá compartilhar seus desejos e
necessidades sexuais.
O estupro é um crime comum - pode ser praticado por qualquer pessoa, e visa o
constrangimento ilegal destinado a satisfação sexual do agente, sob violência ou grave ameaça,
essa por sua vez não precisa ser injusta, basta ela aniquilar a liberdade da vítima e, as duas
formas de constrangimento devem ter aptidão a intimidar a vítima. Traz também como tipo
subjetivo o DOLO do agente, a livre vontade e consciência de praticar os atos de
constrangimento com consequentes atos libidinosos.
Ao caput do artigo 213, é colocado a efetuação da conjunção carnal ou de qualquer outro
ato libidinoso.
Por conjunção carnal temos a livre e expressa definição da introdução do órgão genitor
masculino (pênis) na cavidade vaginal da mulher. E o ato libidinoso, que é conceituado pelo
ato com conteúdo sexual que tenha por finalidade a satisfação da libido do agente; os atos mais
comuns são o beijo lascivo, a masturbação, a conjunção carnal, a prática de sexo oral e qualquer
outro ato que possa satisfazer a instigação sexual do agente, o ato libidinoso pode ocorrer por
duas formas: permitido (ocorre a participação passiva da vítima) ou praticado (a vítima realiza
o ato libidinoso – assume uma postura ativa).
Não esquecendo que é imprescindível a discordância da vítima para a prática do ato.
A consumação do estupro via de regra se consagra com o contato físico entre o órgão
genitor masculino com a cavidade vaginal feminina. Assim, a introdução do membro masculino
ao feminino já é suficiente para formalizar a consumação do tipo penal, inexistindo a
necessidade de ejaculação. A consumação pode eventualmente ocorrer sem o contato físico,
mas desde que exista a presença física das partes, por exemplo, se a vítima é ameaçada mediante
arma de fogo a ficar nua para que o agente se masturbe, configura um ato libidinoso (crime de
estupro) sem o contato físico direto. (NUCCI; Guilherme de Souza, 2009)
As qualificadoras do crime de estupro são apreciadas nos §§ 1º e 2º do artigo 213 do
Código Penal. Onde no § 1º é abordada a qualificadora se da conduta resulta lesão corporal de
natureza grave ou se a vítima tem entre 14 e 18 anos de idade. Se a vítima tiver 14 anos exatos,
será aplicada a qualificadora.
18

A pena do crime de estupro também pode ser aumentada de ¼ se o crime for cometido
em concurso de 2 (duas) ou mais pessoas (artigo 226, inciso I, CP) e, da metade se o agente for
ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor
ou empregador da vítima ou por qualquer outro título de autoridade sobre ela (artigo 226, inciso
II, Código Penal). A pena pode ainda ser aumentada da metade se do crime resultar gravidez
(artigo 234-A, inciso III, Código Penal) e, de um sexto até a metade, se o agente transmite à
vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador (artigo 234-
A, inciso IV, Código Penal).
Tratando agora do ESTUPRO DE VUNERÁVEL, ele vem tipificado no Código Penal:

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14
(catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém
que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para
a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer
resistência. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 2o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: (Incluído pela Lei nº
12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 4o Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Aqui a objetividade jurídica é a proteção da dignidade sexual do vulnerável, o seu sadio


entendimento e desenvolvimento sobre a sexualidade.
Assim como o estupro (artigo 213, CP), o estupro de vulnerável também é considerado
um crime comum e, tem como sujeito passivo a pessoa vulnerável (criança).
A vulnerabilidade trazida no tipo penal pode ser subdividida em três grupos: os menores
de 14 anos; pessoas com enfermidade ou doença mental sem discernimento à prática do ato;
ou, a pessoa que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Por ter esses três
grupos de pessoas vulneráveis, vou discorrer separadamente sobre tais.
Praticar o ato libidinoso de qualquer espécie com o menor de 14 anos configura o crime
(hediondo) e traz a discussão sobre a vulnerabilidade da vítima, se ela é absoluta ou relativa. Se
for considerada absoluta (regra), não é admitida prova em contrário, o agente que praticar
qualquer tipo de ato sexual ou libidinoso com o menor de 14 anos vai incorrer - sempre - no
tipo penal, agora, se a vulnerabilidade for relativa (exceção), vai ser admitida a prova em
contrário, ou seja, será possível demonstrar a partir de casos concretos que o menor de 14 anos
sabia o que é a relação sexual (possibilitando a atipicidade do fato) e consentiu para que
acontecesse a relação. No sentido de a vulnerabilidade ser relativa, deve ser levado em
19

consideração que “a tutela do direito penal, no campo dos crimes sexuais, deve ser absoluta,
quando se tratar de criança (menor de 12 anos), mas relativa ao cuidar do adolescente (maior
de 12 anos)” (NUCCI, 2015, p. 866).
Em se tratando agora dos enfermos ou doentes mentais (art. 217-A, § 1o, CP), a sua
vulnerabilidade é relativizada, no meio em que o dispositivo aponta apenas aqueles não têm o
necessário discernimento (imprescindível a perícia para atestar a sua falta) para a prática do ato
sexual, ou seja, ainda que tenham precária esfera de conhecimento, eles podem evidenciar
capacidade suficiente para absorção do ato, e consentir com sua prática. Deste modo, é correto
afirmar que dependendo da deficiência mental do indivíduo, é possível seu consentimento
válido para a prática do ato sexual, sendo ilógico considerar o deficiente como vítima absoluta
do crime de estupro de vulnerável.
Tratando agora da última parte do §1º do artigo 217-A, temos a figura do vulnerável que
não tem discernimento suficiente ou que não possa oferecer resistência a prática do ato
libidinoso ou conjunção carnal. Deve haver uma atenção especial ao interpretar este caso, pois
o seu vasto conceito pode abranger inúmeras situações não previstas pelo artigo.
Assim, podemos incluir como sujeitos desse grupo de vulneráveis, por exemplo, as
pessoas viciadas em drogas, as que ingerem medicamentos devido tratamento médico
(antidepressivos), e as quais não poderiam manter relações sexuais (por conta de condições
pessoais que não permitam tal ato). Neste grupo, as vítimas não são capazes de consentir, então,
havendo resistência nula ou perturbação total, é configurado o art. 217-A, §1º, CP. O crime é
cometido por quem abusa da condição da vítima, e não por quem por ventura venha a deixá-la
sem resistência.
O tipo objetivo trazido no caput é o condicionamento da pratica de relação sexual
(conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso) com o menor de 14 anos. Aqui, o conceito
e a caracterização da relação sexual se igualam ao que já foi apresentado ao estupro (art. 213,
Código Penal). Se iguala também frente a consumação do delito, uma vez que para os menores
de 14 anos a vulnerabilidade é considerada absoluta pela maioria da jurisprudência. Em regra,
é pacífico o entendimento de que o delito se consuma com a prática de qualquer ato libidinoso
ofensivo à dignidade sexual da vítima menor de 14 anos.
E em recente decisão unânime da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, houve a
ratificação do conceito utilizado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, que
considerou legítima a denúncia por estupro de vulnerável, mesmo sem contato físico do
agressor com a vítima. O número do processo não foi divulgado por correr em segredo de
justiça (trata-se de uma investigação de uma rede de exploração sexual de menores em MS e
20

envolve políticos e empresários da região de Campo Grande), mas em seu voto o relator
ministro Joel Ilan Paciornik disse:

“a maior parte da doutrina penalista pátria orienta no sentido de que a contemplação


lasciva configura o ato libidinoso constitutivo dos tipos dos artigos 213 e 217-A do
Código Penal, sendo irrelevante, para a consumação dos delitos, que haja contato
físico entre ofensor e ofendido”.

No mesmo sentido que já foi defendido aqui, e no caso da rede de exploração de menores
a cima, o Ministério Público Federal defende que “o ato de observar a criança nua preenche os
requisitos previstos na legislação para ser classificado como um caso de estupro, por se tratar
de menor sem chances de defesa e compreensão exata do que estava ocorrendo”. Desta forma,
pode-se concluir que para a consumação do estupro de vulnerável não é necessário o contato
físico entre os agentes, bastando que este ato libidinoso satisfaça a lasciva de quem está na
condição de ser o abusador.
O estupro de vulnerável tem a sua forma qualificada quando da conduta resultar lesão
corporal de natureza grave (§ 3º) e, se da conduta do agente o menor vier e falecer (§ 4º). As
suas causas de aumento serão as mesmas incorridas ao crime de estupro, onde serão aplicados
os artigos 226, I (concurso de pessoas) e II (agente que possui poderes sobre a vítima) e, 234-
A, III (resulta gravidez) e IV (agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível),
ambos os artigos do Código Penal.
Tratando agora sobre o estupro e o estupro de vulnerável, ambos os artigos são citados
na Lei número 8.072, de 25 de julho de 1990, a Lei dos Crimes Hediondos, essa Lei tem como
definição serem repugnantes os delitos praticados, ao conhecimento dos seres humanos, que
são cometidos com crueldade e sadismo. Segue abaixo o artigo 1º que traz o rol dos tipos penais
considerados hediondos – precisamente os delitos estudados:

Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-


Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou
tentados:(Redação dada pela Lei nº 8.930, de 1994) (Vide Lei nº 7.210, de 1984)
V - estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o); (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o); (Redação dada pela
Lei nº 12.015, de 2009)

Como colocado ao caput do artigo 1º, os crimes são hediondos tanto na sua forma
simples quanto na forma qualificada, como podemos ver em dois julgamentos abaixo:

RECURSO DE AGRAVO. EXECUÇÃO PENAL. LIVRAMENTO


CONDICIONAL. REGIME SEMIABERTO. CONDENADO POR HOMICÍDIO E
ESTUPRO DE VULNERÁVEL (CRIME HEDIONDO). REQUISITO OBJETIVO
SATISFEITO. REQUISITO SUBJETIVO NÃO PREENCHIDO. EXAME
CRIMINOLÓGICO - PARECER TÉCNICO DESFAVORÁVEL: PSIQUIÁTRICO
21

E SOCIAL - PREPONDERANTE FRENTE ÀS PECULIARIDADES DO CASO


CONCRETO. AGRAVO DESPROVIDO. 1) "Delitos de estupro e atentado
violento ao pudor, ainda que cometidos em sua forma simples e mesmo com
violência presumida, são considerados crimes hediondos. Precedentes do STF e
desta Corte. (...) Recurso provido, nos termos do voto do relator."(Resp 761763/RS,
5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 24/10/2005) 2) Art. 83, CP - O juiz poderá
conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou
superior a 2 (dois) anos, desde que: V - cumprido mais de dois terços da pena, nos
casos de condenação por crime hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico
em crimes dessa natureza. (sem grifo no original)
(TJ-PR - SL: 11265368 PR 1126536-8 (Acórdão), Relator: Miguel Pessoa, Data de
Julgamento: 07/11/2013, 4ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 1235 null)

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO.


DESCABIMENTO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VIOLÊNCIA PRESUMIDA.
CRIME PRATICADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 12.015/2009.
NATUREZA HEDIONDA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
WRIT NÃO CONHECIDO. - O Superior Tribunal de Justiça, seguindo o
entendimento da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, passou a inadmitir
habeas corpus substitutivo de recurso próprio, ressalvando, porém, a possibilidade de
concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante constrangimento ilegal. - Firme
a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que o crime de estupro de
vulnerável, com violência presumida, mesmo praticado antes da vigência da Lei
nº 12.015/2009, configura crime hediondo. - Habeas corpus não conhecido. (sem
grifo no original)
(STJ - HC: 280538 SP 2013/0356715-5, Relator: Ministra MARILZA MAYNARD
(DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), Data de Julgamento:
24/04/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/05/2014)

Há o entendimento ainda pela jurisprudência de que a tentativa de qualquer um desses


dois artigos (art. 213 e 217-A, CP) também vai estar tipificada na esfera do crime hediondo:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL.


ESTUPRO DE VULNERÁVEL TENTADO. CRIME HEDIONDO. SUFICIÊNCIA
PROBATÓRIA. TENTATIVA RECONHECIDA. DOSIMETRIA DA PENA
ALTERADA. Ainda que a conduta do réu não tenha deixado vestígios, até mesmo
porque a descoberta do fato deu-se alguns dias após o ocorrido, permitindo que
desaparecesse o "vermelhidão" visualizado pela genitora da menina de 05 anos de
idade, restou evidenciado que o réu a atraiu para dentro de sua casa e, deitando-a em
seu leito, encostou o pênis em sua vagina, sem forçar a penetração. Tentativa.
Reconhecimento. Tendo o réu forçado a menina a ingressar em sua casa e a
deitado em seu leito, seminua, poderia ter realizado a cópula vagínica, mesmo
encontrando resistência da mesma, o que permite que se reconheça a forma
tentada, em fração de 1/3, pois esteve próximo da consumação do estupro. Dosimetria
da pena alterada. Mantida a basilar em 08 anos e 02 meses de reclusão, reduzida em
1/3 pela tentativa, para restar definitiva em 05 anos, 05 meses e 10 dias de reclusão,
em regime inicial semiaberto. Ainda que hediondo o delito, possível que o réu
responda em regime prisional semiaberto, conforme art. 33, § 2º, letra b do CP.
APELAÇÃO DEFENSIVA PARCIALMENTE PROVIDA. MAIORIA. (Apelação
Crime Nº 70060558111, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Ícaro Carvalho de Bem Osório, Julgado em 25/09/2014). (sem grifo no original)
(TJ-RS - ACR: 70060558111 RS, Relator: Ícaro Carvalho de Bem Osório, Data de
Julgamento: 25/09/2014, Sexta Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da
Justiça do dia 02/10/2014)

Desta forma, pode-se finalizar apontando que o crime hediondo é aquele que possui uma
penalidade mais contundente, destacando os delitos mais graves que são praticados com mais
22

frieza e que causam maior aversão à coletividade. É previsto para esses crimes, que a sua
punição comece a ser cumprida em regime fechado, com a possibilidade de progressão da pena
conforme o artigo 2º, §§ 1º e 2º, da Lei 8.072/1990:

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e


drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: (Vide Súmula Vinculante)
§ 1o A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime
fechado. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007)
§ 2o A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste
artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for
primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de
2007)

2.2 Das Provas

Ao tratar do abuso sexual infantil, não se pode deixar de apontar as principais espécies
de provas a serem realizadas no curso da ação penal. A prova no processo penal é a busca da
verdade, a demonstração da certeza do que se alega, com isso “a produção da prova objetiva-se
demonstrar os fatos e as circunstâncias, de modo a convencer o magistrado a decidir com base
em fatos e não em processos intuitivos” (PÖTTER, 2016, p. 153).
Os destinatários das provas (atividades que demonstrarão a verdade dos fatos que são
relevantes para o julgamento) em regra são para aqueles que devam ter a sua convicção formada
e, de modo geral são produzidas para o órgão jurisdicionado (magistrado ou tribunal) que tem
competência de julgar o delito.
Por elemento da prova, explica Renato Brasileiro (2015, p. 575) que “são todos os dados
objetivos que confirmam ou negam uma asserção a respeito de um fato que interessa à decisão
da causa. Elemento de prova é representado por aquilo que, introduzido no processo, pode ser
utilizado pelo juiz como fundamento da sua atividade julgadora”.
Os sujeitos da prova são os meios em que ela é derivada, podendo ser eles reais ou
pessoais. A real é objeto em si que demonstra as informações sobre o delito (o ferimento) e, a
prova pessoal é aquela que vem da afirmação de um ato de conhecimento.
O modo pelo qual as provas serão apresentadas em juízo, podem ser nas formas:
testemunhal, documental e material. O autor Renato Brasileiro (2015, p. 576) traz:

“Documento, do latim documentum, de docere (mostrar, indicar, instruir) é o papel


escrito que traz em si a declaração da existência (ou não) de um ato ou de um fato
(v.g. escritos públicos ou particulares, cartas, livros comerciais, fiscais, etc.). A prova
material é aquela que resulta da verificação existencial de determinado fato, que
demonstra a sua materialização, tal como ocorre com o corpo de delito, instrumentos
23

do crime, etc. Por fim, testemunhal é a prova que consiste na manifestação pessoal
oral. A prova testemunhal é espécie do gênero prova oral, que é mais abrangente, já
que inclui os esclarecimentos de perito e assistente técnico, bem como eventuais
declarações da vítima.”

A fonte da prova, seu meio de prova e a maneira pela qual ela é obtida estão interligadas,
onde a fonte da prova é manejada para indicar as pessoas ou coisas que se consegue a prova,
dando-se a classificação como fontes pessoais (testemunha, acusado, ofendido e peritos) e as
fontes reais (documentos variados). As fontes surgem através do fato delituoso, elas são a
introdução ao processo penal. Os meios de prova são a maneira pela qual as fontes de provas
vão ser introduzidas ao processo, onde as partes e o magistrado vão tomar seu conhecimento,
lembrando que elas podem ser lícitas ou ilícitas (o artigo 1573 do CPP traz a inadmissibilidade
das mesmas). Por fim, a obtenção das provas regula certos procedimentos das provas regulados
em lei, que não precisam necessariamente ser realizado pelo Juiz (por exemplo, busca
domiciliar ou pessoal).
Adentrando agora sobre as provas a serem produzidas no caso de criança vítima ou
testemunha de abuso sexual, deve-se lembrar que poderá ocorrer uma produção antecipada de
provas, com base no artigo 155 do Código de Processo Penal em que é prevista sua produção
antes mesmo do início da fase investigatória do processo.

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos
elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares,
não repetíveis e antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições
estabelecidas na lei civil. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

Os ilícitos sexuais infanto-juvenis necessitam quase que sempre dessa antecipação, para
que seja preservada as mínimas características do delito praticado na memória da criança e as
marcas físicas deixadas pelo acusado no momento de impor contra a criança algum tipo de lesão
corporal, também para que não seja veiculada a sua revitimização fato de ela ter que passar por
diversos agentes públicos que tomarão o seu depoimento, evitando que em uma segunda
inquirição ela sinta medo ou não queira falar. Caracterizados também os requisitos de
relevância, urgência e proporcionalidade, fica mais claro que com a antecipação da prova

3
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as
obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das
ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem
ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. § 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só,
seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao
fato objeto da prova. § 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será
inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. § 4o VETADO.
24

testemunhal é benéfica ao processo, ao passo que ela poderá determinar se ocorreu ou não o
delito, podendo desfigurar algum possível acusado.
O amparo legal que essa medida está firmada foi colocada cuidadosamente por Luciane
Pötter (2016, p. 155 e 156) em sua obra, não cabendo alterações ao que foi escrito por ela e que
traz dispositivos legais das mais variadas legislações brasileiras:

“O amparo legal da medida, está no artigo 156, inciso I, e por extensão ao ar. 225,
ambos do CPP. No Estatuto da Criança e do Adolescente, cujos artigos 1º e 3º já
enfatizam o dever de aplicação do Princípio da Proteção Integral à Criança e ao
Adolescente às situações em que se vislumbra a possibilidade de algum dano, físico
ou psíquico, a essa categoria de pessoas. Outroassim, o artigo 4º do ECA positiva o
Princípio da Absoluta Prioridade à Infância e à Adolescência, preceito que se
harmoniza integralmente com o artigo 227 da Constituição Federal, que define o dever
do Estado, ao lado da família e da sociedade, de assegurar a efetiva e prioritária
proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes pondo-as a salvo de todo tipo de
violência, institucionalizada ou não, notadamente a violência de cunho sexual. De
acordo com o artigo 156, inciso I, do Código de Processo Penal, é permitida mesmo
antes de iniciada a ação penal, a produção de prova considerada urgente e relevante,
observada a sua necessidade, adequação e proporcionalidade, ou seja, ainda no curso
do inquérito policial, busca-se realizar a tomada do depoimento da
criança/adolescente, cujo valor de prova definitiva, poderá embasar a ação penal.
Poderá ser a primeira e única vez que a criança/adolescente seja ouvida. No entanto,
salientamos, é possível a reinquirição da suposta vítima a qualquer tempo, reservado
ao juiz da ação de conhecimento deliberar sobre a conveniência e utilidade dessa
medida. E, se houver concreto cerceamento de defesa, o processo poderá ser anulado
e repetido. ”

Sobre os meios de prova em espécie, podemos dar uma grande ênfase às provas
contraídas mediante o exame de corpo de delito e perícias relacionadas.
O corpo de delito em si seria o conjunto de vestígios deixados após a infração penal.
Não necessariamente os vestígios devam estar no corpo de uma pessoa, mas são os vestígios
ligados a materialidade do delito, que são percebíveis ao conhecimento do homem.
As perícias relacionadas ao exame de corpo delito, são aquelas cujo o seu conhecimento
não está ao alcance do Juiz, que necessita de ajuda de especialistas específicos de várias áreas
distintas para que se possa esclarecer sobre o fato delituoso praticado.
Renato Brasileiro (2015, p. 642) conceitua o laudo pericial como sendo “a peça técnica
elaborada pelos peritos quando da realização do exame pericial”.

Art. 160. Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão minuciosamente


o que examinarem, e responderão aos quesitos formulados. (sem grifo no original)
Parágrafo único. O laudo pericial será elaborado no prazo máximo de 10 dias,
podendo este prazo ser prorrogado, em casos excepcionais, a requerimento dos
peritos.

O laudo pericial, além de ser aquele que apura no corpo da vítima se este contém marcas
da violência contra ela praticada, possui uma vertente que é o laudo pericial psicológico.
25

Nos casos de abuso sexual infanto-juvenil nem sempre vão restar vestígios no corpo da
criança ou então essas marcar podem desaparecer caso a perícia física no corpo demore a ser
realizada. Assim, as análises e avaliações realizadas por psicólogos podem gerar um ótimo
laudo que reflete as marcas gerais deixadas pelo agressor, necessitando serem objetivos ao
fornecer as informações ao magistrado, sendo elas precisas e de relevância para o processo.
As perícias feitas incluem uma entrevista com as vítimas e seus responsáveis/familiares,
onde o psicólogo deverá analisar os relatos por parte da vítima, comparando com o que foi dito
pelos familiares, o comportamento da vítima diante das perguntas mais incisivas ao abuso e ao
falar do suposto acusado, deve verificar também se existe a indução por parte de algum familiar
para a criança estar relatando o ocorrido (alienação parental, por exemplo).

“É necessário que se atente para o maior número possível de elementos disponíveis,


como a coleta do relato da situação vivenciada, a análise das repercussões físicas e
psicológicas, entrevistas com os responsáveis, registros escolares, entre outros, a fim
de que se obtenham conclusões confiáveis com relação às situações relatadas” (Welter
& Feix, 2010 apud SCHAEFER, 2012)4.

O principal objetivo da perícia é a de auxiliar o magistrado com referências sobre a


vítima e o fato delituoso que não são perceptíveis ao olho nu, como em marcas no corpo, mas
sim visualizar se existem danos psicológicos causados, e demonstrar como estes afetaram a vida
da vítima.
Verificando que o laudo pericial psicológico é um meio de prova tão importante quanto
os outros, segue:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ESTUPRO DE
VULNERÁVEL. PRISÃO PREVENTIVA PARA A GARANTIA DA ORDEM
PÚBLICA MANTIDA NA SENTENÇA CONDENATÓRIA. PERICULOSIDADE
CONCRETA DO AGENTE. GRAVIDADE DO DELITO PERPETRADO. ABUSO
DE CONFIANÇA DA INFANTE EM DECORRÊNCIA DA RELAÇÃO DE
PARENTESCO. LESÕES NÃO ATESTADAS NO LAUDO DE CONJUNÇÃO
CARNAL. RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA. HABEAS CORPUS NÃO
CONHECIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência
da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas
corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao
recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante
ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja
cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. 2. A prisão preventiva do
acusado foi mantida para a garantia da ordem pública, evidenciada pela periculosidade
concreta do agente, que se aproveitou da condição de tio e padrinho da vítima, uma
criança de apenas 7 anos de idade, para a prática de atos libidinosos diversos da
conjunção carnal. 3. Não há que se falar em ausência de lesividade à vítima pelo
fato de o laudo de conjunção carnal haver concluído pela inexistência de lesões,
visto que os atos libidinosos praticados não consistiram em conjunção carnal e,
portanto, podem não ter deixado vestígios capazes de serem apurados mediante exame
de corpo de delito. 4. Na hipótese, conforme consignado pelo Juízo sentenciante,
"a materialidade delitiva, considerando os atos executórios do crime descritos na

4
http://www.scielo.br/pdf/ptp/v28n2/11.pdf
26

denúncia, consubstancia-se pela prática concreta de atos libidinosos que embora


não tenham deixado vestígios físicos a serem apurados por ocasião da realização
do exame de corpo de delito, deixaram sequelas psíquicas detectadas por
profissionais da área". 5. Em delitos sexuais, comumente praticados às ocultas, a
palavra da vítima possui especial relevância, desde que esteja em consonância com as
demais provas acostadas aos autos. Precedentes. 6. Habeas corpus não conhecido.
(STJ - HC: 258943 MT 2012/0236376-8, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI
CRUZ, Data de Julgamento: 13/05/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação:
DJe 27/05/2014) (sem grifo no original)

Portanto, a perícia psicológica abrange a entrevista, a seleção, a aplicação e o


levantamento de testes e de fatos da vida referentes ao passado e ao presente do sujeito e do
episódio ocorrido, de acordo com as necessidades e questões levantadas em cada processo.
Exige do psicólogo, portanto, a capacidade de integrar as informações obtidas a partir de
diferentes fontes em um relatório coerente e consistente. Convém ressaltar que os instrumentos
empregados pelo psicólogo devem obedecer à determinação do órgão máximo profissional, o
Conselho Federal de Psicologia (Rodrigues, 2004 apud SCHAEFER, 2012). Lembrando que
em alguns casos, esse laudo pericial pode ser requerido de maneira antecipada.
Outro meio de prova bem aplicável aos casos de abuso sexual infanto-juvenil é a oitiva
das testemunhas no processo. A testemunha é aquela pessoa que não é um sujeito direto da
relação processual, mas que por ter conhecimento de algo envolvendo o delito é chamada ao
processo para esclarecer ao Juiz o que ela presenciou ou tomou conhecimento, devendo sempre
ser imparcial e dizer a verdade.
O artigo 212 do Código de Processo Penal regula que a oitiva deve ocorrer de forma
direta e cruzada, sem muita interferência do magistrado, devendo ele atuar em “segundo plano”,
interferindo apenas quando os questionamentos feitos ultrapassarem os ditames legais ou já
induzirem a resposta da testemunha:

Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não
admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a
causa ou importarem na repetição de outra já respondida. (Redação dada pela Lei nº
11.690, de 2008)
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a
inquirição. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

Mais uma vez, pela situação do delito sexual praticado contra o menor ocorrer quase
que sempre de maneira discreta e sem presença de testemunhas, é de suma importância a oitiva
daqueles que de alguma maneira tenham notado um comportamento diverso por parte da
criança, ou visualizado alguma marca em seu corpo. Dessa forma, quando da oitiva das partes
e da testemunha e a sua harmonia com os fatos alegados, tem-se um conjunto probatório eficaz
capaz de comprovar ao Juiz a materialidade do delito, mesmo que sem a presença de um exame
de corpo delito.
27

2.3 Depoimento das Vítimas em Crimes Sexuais

A tomada das declarações do ofendido durante a instrução penal não pode ser
confundida com a oitiva das testemunhas do processo, uma vez que as testemunhas são
obrigadas a prestar compromisso de dizer a verdade durante o seu depoimento e o ofendido não
possui esse compromisso, porém nada impede que a vítima seja ouvida.
O valor probatório das declarações do ofendido é relativo, todavia, naquelas infrações
penais praticas na clandestinidade, as declarações do ofendido ganharão mais importância (não
quer dizer que serão absolutas). Os delitos realizados na clandestinidade são aqueles que
ocorrem longe das vistas de qualquer cidadão.
O artigo 201 do Código de Processo Penal traz a previsão da prova por meio das
declarações do ofendido:

Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as
circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que
possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações. (Redação dada pela Lei nº
11.690, de 2008)
§ 1o Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o
ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade. (Incluído pela Lei nº 11.690,
de 2008)
§ 2o O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à
saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e
respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem. (Incluído pela Lei nº 11.690,
de 2008)
§ 3o As comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço por ele
indicado, admitindo-se, por opção do ofendido, o uso de meio eletrônico. (Incluído
pela Lei nº 11.690, de 2008)
§ 4o Antes do início da audiência e durante a sua realização, será reservado
espaço separado para o ofendido. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
§ 5o Se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para
atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência
jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado. (Incluído pela Lei nº 11.690,
de 2008)
§ 6o O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida
privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de
justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos
a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação. (Incluído pela Lei
nº 11.690, de 2008)

Aprofundando agora nas declarações prestadas pelas crianças e adolescentes vítimas de


abuso sexual vale ressaltar a sua importância, pois é a partir dela que vai esclarecer a ocorrência
do delito, que na sua maioria são cometidos sem testemunhas presenciais.
Como já falado, o art. 201 do CPP disciplina a forma que vai ser ouvida a vítima (adulta)
e não possui nenhuma norma específica para a oitiva da vítima infanto-juvenil, restando assim,
proceder a oitiva da mesma maneira da vítima adulta.
28

Mesmo não obtendo uma norma específica que regulamenta de maneira adequada a sua
oitiva, a palavra da criança nesses crimes é de essencial relevância, posto que a sua oitiva na
maioria das vezes vai ser a única afirmação sobre o fato delituoso e em coerência com
depoimentos de testemunhas e laudos médicos, deve ser dada a devida credibilidade e aceitação.
Segue agora algumas jurisprudências que realçam a importância da oitiva da vítima:

PENAL E PROCESSUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. RÉU SEMI-


IMPUTÁVEL. PROVA SATISFATÓRIA DA MATERIALIDADE E AUTORIA.
VALOR PROBANTE DO DEPOIMENTO INFANTIL. TESTEMUNHA
OCULAR DO FATO. SENTENÇA CONFIRMADA. 1 Réu condenado por infringir
o artigo 217-A, do Código Penal, depois de acercar-se de uma menina com quatro
anos de idade, que brincava pendurada na grade do portão da casa e lhe acariciou a
genitália enfiando a mão por dentro do short, mesmo estando do lado de fora do lote.
2 O depoimento vitimário sempre foi reputado da maior importância na
apuração de crimes, devendo, contudo, ser analisada com especial critério
quando se trata de criança vítima de abuso sexual. Todavia, deve ser acolhido
quando se apresenta lógico, consistente e vem amparada no depoimento de
testemunha ocular e prova pericial indicando anomalia psíquica do agente
configurando a semi-imputabilidade. 3 Não há o que corrigir na sentença que
converteu a pena corporal em medida de segurança com tratamento ambulatorial, ante
a semi-imputabilidade do réu indicada por perícia médica. No sistema vicariante da
reforma penal de 1984, o inimputável é isento de pena e se submete à medida de
segurança, mas o semi-imputável, “fronteiriço” ou border line, sofrerá os rigores da
pena corporal ou de medida de segurança, nunca concomitantemente, como ocorria
no antigo sistema do duplo binário. As circunstâncias pessoais do infrator
determinarão a resposta adequada: se houver necessidade de tratamento, cumprirá
medida de segurança, mas se isso for insuficiente para assegurar uma punição
razoável, deverá cumprir pena com a redução do artigo 26, parágrafo único. Não
havendo recurso acusatório, não há como alterar a fração redutora em detrimento do
réu nem afastar o tratamento ambulatorial para impor o recolhimento do réu à prisão,
diante do princípio non reformatio in pejus. 4 Apelação desprovida.
(TJ-DF - APR: 20120910032594 DF 0003138-59.2012.8.07.0009, Relator: GEORGE
LOPES LEITE, Data de Julgamento: 15/12/2014, 1ª Turma Criminal, Data de
Publicação: Publicado no DJE : 02/02/2015 . Pág.: 197)

APELAÇÃO CÍVEL. ATO INFRACIONAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL.


AUSÊNCIA DE PARECER DA EQUIPE INTERPROFISSIONAL.
INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. AUTORIA COMPROVADA. PALAVRA DA
VÍTIMA. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. INOCORRÊNCIA, NO
CASO. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE.
DESCABIMENTO DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS MAIS BRANDAS. 1. A
ausência do Relatório de Investigação Social de que trata o item 16.1 das Regras de
Beijing que, no ECA, equivale ao parecer elaborado por equipe interprofissional, nos
termos de seu art. 186, não enseja, por si só, a nulidade do procedimento, porquanto
se trata de providência facultada ao juízo. Entendimento consolidado na Conclusão
n.º 43 do Centro de Estudos desta Corte. 2. A prática pelos quatro representados da
conduta descrita no art. 217-A, caput, do CP, está comprovada pelas provas
produzidas durante a instrução processual. 3. Nos atos infracionais desta natureza,
que geralmente ocorrem na clandestinidade, longe da presença de testemunhas
e da vigilância de autoridades que possam exercer a repressão física do autor do
constrangimento, a palavra da vítima detém considerável credibilidade quando
prestada de forma harmônica, o que ocorre na espécie. 4. Comprovado que o
quarto implicado concorreu à prática do ato infracional, vigiando a porta para que o
êxito da infração fosse obtido, inviável o reconhecimento da participação de menor
importância. 5. Considerada a gravidade do ato infracional praticado (estupro de
vulnerável, o que poderia até... mesmo ter ensejado a imposição da medida de
29

internação, nos temos do art. 122, I, do ECA), inviável o abrandamento da medida


socioeducativa de semiliberdade imposta na origem. APELAÇÃO DESPROVIDA.
(Apelação Cível Nº 70066778143, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 12/11/2015).

Desta maneira, pode-se concluir que o depoimento da criança é imprescindível para a


apuração do delito apontado na denúncia, por ser ela a única pessoa que presenciou e também
testemunha do ocorrido.
30

III. VITIMIZAÇÃO SECUNDÁRIA DAS CRIANÇAS

3.1 Danos Causados à Criança Quando Ela Vai Depor

Como apontado no primeiro capítulo desse trabalho, a vitimização secundária vai


ocorrer por parte das instancias formais do controle social, que deveriam exercer um papel de
proteção à vítima, a acolhendo e mostrando que ela estará em segurança dentro do procedimento
de apuração do crime.
Ocorre que, conforme o meio inadequado de oitiva e acolhimento da criança pelo
judiciário acaba transformando esse procedimento em uma conduta contrária do que se é
esperado, ocasionando a criança um sofrimento adicional ao delito sexual sofrido.
A autora Luciane Pötter (2016, p. 204) aponta em sua obra uma das maneiras pelas quais
esse dano adicional pode vir a acontecer com a criança:

“Nessa linha, nossa preocupação é direcionada ao significado de determinados termos


e expressões, usadas normalmente de forma inadequada pelos operadores jurídicos,
às crianças e adolescentes vítimas e testemunhas, pois não conhecendo a dinâmica
que envolve o abuso sexual, em especial o intrafamiliar, não se encontram
preparados pedagógica, sociológica, psicológica e emocionalmente para ouvir e
falar às vítimas, rejeitando o ato abusivo, rejeitam a criança ou adolescente,5 e, assim,
atribuem à vítima situação de nova vitimização, com um discurso jurídico que não
está a altura do entendimento da problemática do abuso sexual, especialmente o
intrafamiliar. Com esse discurso os operadores buscam incessantemente a verdade dos
fatos e a produção da prova para punir o agressor, e, nessa busca, esquecem que estão
lidando com sujeitos de direitos – vítimas mirins –, com a vida de seres humanos e
não objetos processuais.” (sem grifos no original)

Nesse sentido é apontado que a linguagem utilizada para instruir e colher o depoimento
da criança não vai ser adequada a sua idade ou posição diante o processo criminal. Os
operadores do judiciário se deixam levar pela obsessão da busca da verdade sobre o fato e
esquecem que diante deles existe uma criança que já veio reprimida e com medo, que necessita
de uma atenção especial e um diálogo de “igual para igual” – só que nas circunstâncias em que
elas se encontram – que as deixem mais confortável e transmita segurança para que possam
falar sobre o delito em si e trazer características específicas capazes de comprovar a sua
materialidade e autoria.

5
Complemento colocado pela autora na sua obra e reproduzido também pela citação exposta: “o inquiridor ao
evitar ou não falar sobre o abuso sexual pelo constrangimento que o tema cria ou para tentar proteger a
criança/adolescente, pode transmitir a mensagem de que está negando ou rejeitando o abuso e dessa forma acaba
por rejeitar a própria vítima que acredita que não desejam ouvi-la ou que sua experiência não tem importância”.
31

Essa escassez do diálogo semelhante entre as partes processuais faz com que a criança
se reprima na hora de contar ao Juiz (que é uma pessoa estranha a ela, e aparenta não ter tanto
interesse assim pela sua fala ou que demonstra não acreditar na mesma – as vezes o magistrado
opta por não fazer a oitiva da criança visando a sua proteção, mas na verdade ele está
evidenciando a ela a sua falta de interesse pelo que ela tem a dizer) os fatos que presenciou, e
a vitimizando mais uma vez (vitimização secundária/revitimização), por essas circunstâncias
pode a criança viciar o seu depoimento pelo “dano adicional” sofrido. Podem ser eles a
apresentação ao Juiz de fatos sem conteúdo relevante para a busca da materialidade do delito,
ou então incorrer na Síndrome do Segredo6 e se manter calada na tomada do depoimento.
Outra maneira pela qual a criança pode se sentir lesada (proporcionando o dano), são
pelas atitudes dos entes públicos com relação ao proceder de seu encaminhamento dentro do
Fórum, onde na maioria das vezes a criança chega e deve permanecer ou passar pelo acusado.
Isso causa um certo constrangimento à criança, podendo, mais uma vez, fazer com que ela se
mantenha calada no depoimento ou até que negue as acusações feitas ao acusado, prejudicando
totalmente a busca da verdade, uma vez que seu depoimento é uma prova quase que essencial
para comprovar o delito.
Uma das mais incisavas causas da vitimização secundária que a criança sofre, são as
reiteradas vezes em que ela deve dar o seu depoimento para as autoridades. Seja ao início do
inquérito policial, ao Delegado, ao Conselho Tutelar, ao Magistrado... todas essas vezes em que
a criança fica recordando e revivendo o episódio do abuso, é uma maneira cruel e violenta de a
revitimizar, causando um dano que pode até ser mais grave do que o próprio abuso em si.
Em pesquisa por julgados que demonstrem a falta de técnicas especiais para tratar do
menor abusado, encontrei um curioso caso onde demonstra veemente o despreparo das
instâncias formais de controle social que deveriam agir em defesa e proteção do abusado, mas
que na verdade apenas comprovam o que já foi narrado neste capítulo:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.


INDENIZATÓRIA. MENOR, EM REGIME DE ACOLHIMENTO, PORTADOR
DE COMPROMETIMENTO FÍSICO E MENTAL, VÍTIMA DE ABUSO SEXUAL.
CRIME ANÁLOGO AQUELES PREVISTOS NOS ARTIGOS 217-A E ART. 217-
A C/C ART. 14, II DO CP, COMETIDO POR ADOLESCENTE ACOLHIDO.
SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DA MUNICIPALIDADE.
- A responsabilidade objetiva da Administração Pública na omissão pressupõe que a
mesma seja específica, isto é, que tenha sido a ausência da atuação do Estado a
situação apta e propícia a criar o dano, quando este tinha o dever de impedir sua

6
A Síndrome do Segredo pode ser caracterizada por ameaças de violência ou morte, por uma alienação parental,
ou até mesmo pelo fato da criança se sentir culpada pelo abuso sexual, fazendo com que ela se mantenha quieta
sobre o ocorrido ou minta para preservar o acusado (que pode ameaça-la dizendo que se contar a sua família irá
se desintegrar). Essa síndrome pode ter a ela relacionada a Síndrome da Adição.
32

ocorrência. - Vale registrar a lição de Ernst Beda1, de acordo com o qual, para que a
noção de dignidade não se desvaneça como mero apelo ético impõe-se que seu
conteúdo seja determinado no contexto da situação concreta da conduta estatal e do
comportamento de cada pessoa humana. - No caso concreto tantos foram os erros
do ente público quantos os prejuízos causados ao menor: a começar pela
transferência desarrazoada - sem qualquer motivação - de uma criança para
uma casa voltada somente para o trato com adolescentes. E, sem embargo da
inobservância do dever de cuidado do Município de inserir um menor em
ambiente totalmente inadequado, desconsiderou a municipalidade por completo as
necessidades especiais do mesmo, portador de demência psíquica e limitações
físicas. - Se isso não bastasse, permitiu o Município que o menor convivesse com
o seu agressor nas dependências da Casa de Acolhimento, sem que houvesse
qualquer vigilância, o que foi determinante para o cometimento do abuso e para
transferência do adolescente para o Instituto Padre Severino. - Quantum
indenizatório fixado a título de dano moral, que se mostra aquém do dano suportado,
porém, incabível a sua majoração haja vista a ausência de apelo neste sentido.
RECURSO DESPROVIDO, FAZENDO-SE PEQUENO REPARO DE OFÍCIO NO
QUE CONCERNE A INCIDÊNCIA DOS JUROS DE MORA. (sem grifos no
original)
(TJ-RJ - REEX: 00151107920128190045 RJ 0015110-79.2012.8.19.0045, Relator:
DES. FLAVIA ROMANO DE REZENDE, Data de Julgamento: 17/06/2015,
DÉCIMA SÉTIMA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 23/06/2015 14:55)
33

IV. SUGESTÕES PARA AMENIZAR O DANO

Diante de todos os fatos já apresentados ao longo do trabalho abordando desde como se


concretiza a vitimização da criança dentre os delitos sexuais que podem ser praticados contra
ela, a produção das provas que evidenciam e comprovam que o crime realmente foi praticado
– na esfera do processo criminal, até a colheita do seu depoimento pessoal e os possíveis danos
que estes podem causar à vítima quando não são manejados de maneira específica ao caso
concreto, é aberto a este capítulo final sugestões encontradas no sistema judiciário brasileiro e
estrangeiro que auxiliam a minimização dos danos (tanto físicos como psicológicos) da
vitimização secundária que são causados às crianças vítimas-testemunhas.

4.1 Políticas Internacionais de Redução de Dano

Ao que tange no âmbito internacional, podemos ver significativas modificações e


precauções quanto à tentativa de reduzir os danos causados às crianças e adolescentes na esfera
do processo penal, nitidamente quanto a tomada de seus depoimentos.
No Brasil a prática é chamada de Depoimento Especial, porém, em outros países que
aderem a essa política de redução de danos, tem-se a denominação de testemunho ou declaração
testemunhal, entrevista (com diferentes qualificativos). O DE7 nos processos judiciais já foi
identificada e encontrada em 28 países de 5 continentes diferentes (PÖTTER, 2016, p. 310),
por exemplo na África, Costa Rica, Cuba, Canadá, Estados Unidos, Argentina, Brasil, Chile,
Colômbia, Equador, Índia, Israel, Jordânia, Alemanha, Espanha, Escócia, Austrália, entre
outros, e aqui na América do Sul, já era utilizada essa técnica desde os anos 90, na Câmara
Gesell, na Argentina.
Mesmo esse projeto sendo inovador no sistema judiciário brasileiro, não é nenhuma
novidade no mundo internacional, motivo este que permite ressaltar a aptidão de implementar
as medidas de redução de danos com o mesmo perfil do projeto.
A legislação espanhola é um grande exemplo no âmbito de proteção das crianças e
adolescentes, Luciane Potter (2016, p. 311 e 312) explica bem como funciona a atuação
legislativa:

“Os programas de atuação junto a crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual são
respaldados por normas penais e processuais a fim de minimizar a revitimização a que

7
Depoimento Especial
34

são submetidas no processo judicial. Nessa mesma linha, decisivas são as


Recomendações do Comitê de Ministros do Conselho da Europa, que regulam a
posição da vítima no direito e no processo penal, com base no Tratado da União
Europeia, especialmente durante o depoimento judicial, devendo-se respeitar a
situação pessoal, direitos e dignidade da vítima, e quando esta for especialmente
vulnerável, o depoimento deve ser efetuado na presença dos pais, tutores ou outras
pessoas qualificadas para assisti-los. Tanto o Direito Penal como o Direito Processual
Penal espanhol foram modificados pela Lei Orgânica 14/99, quanto à matéria de
proteção às vítimas de maus-tratos, acrescentando ao artigo 448 da Ley de
Enjuiciamiento Criminal (Código de Processo Penal) um 3º parágrafo sobre a
possibilidade de uso de meios técnicos ou áudio visuais para obter a declaração de
testemunhas e vítimas, crianças ou adolescentes, a fim de que seja evitado o confronto
visual entre estas e o acusado. ”

Assim, a legislação interna espanhola se adaptou conforme a Ação Comum Europeia


(em matéria penal e processual penal), alterando a produção da prova testemunhal e o choque
entre as vítimas e os acusados. Passando pela alteração legislativa, pode-se ressaltar os
programas de apoio às vítimas sexuais, fazendo referência ao ‘Programa de suporte à
exploração judicial de testemunhas vulneráveis’ do ano 2000 na Cataluña/Barcelona, que tem
como objetivo a redução da vitimização secundária das crianças, que são submetidos a
participar do processo judicial de forma reiterada, proporcionando que as suas declarações
sejam tomadas por pessoal com especialização técnica (dois psicólogos) com uma linguagem
simples mas acessível e que seja gravada por equipamento áudio e visual, em sala especial
(ROYO apud PÖTTER, 2016)8.
Nos EUA existe uma Emenda à sua Constituição Federal, que exige o testemunho
presencial de crianças e adultos nos seus Tribunais. Desta forma, caso se confirme que a criança
é uma testemunha-chave para o caso concreto ela deverá ser ouvida em audiência com sala de
julgamento aberta. Como são grandes as chances de a criança se intimidar e ter um dano
emocional causado de prestar seu depoimento perante o acusado, principalmente nos casos de
abuso sexual infantil, foram criados suportes de assistência as vítimas ao longo do processo e,
programas de preparação da Justiça. Os assistentes são designados pelo Tribunal e ajudam as
vítimas informando-as sobre o procedimento da audiência, como ela vai acontecer, o papel da
testemunha, vai passar informações sobre o caso e ao final da audiência; vai garantir também
que seus direitos (da vítima ou testemunha menor de idade) não sejam violados e vão prestar
apoio emocional a elas quando for preciso. Ao final da audiência o defensor da vítima vai poder
se encontrar com ela e tirar dúvidas a respeito do julgamento e prestar outras informações que
a vítima ou seus responsáveis queiram ter conhecimento.

8
ROYO, Jordi Bajet i. Rol del psicólogo forense em la exploración judicial.
35

No Canadá, por exemplo, eles adotam um programa de preparação das crianças que vão
depor na Justiça. Esse programa consiste em trabalhar individualmente com as crianças, para
que elas compreendam o procedimento e a linguagem utilizada judicialmente. São trabalhados
com as crianças exercícios de relaxamento muscular, respiração e reestruturação cognitiva, e
isso ajudou para que fossem reduzidos os índices de medo e intimidação dos serviços judiciais
comuns.
Diante dessas amostras de legislações de diversos países, podemos constatar a
demonstração de preocupação com a redução dos danos causados às crianças vítimas e
testemunhas de abuso sexual, garantindo assim, a efetividade do artigo 12 da Convenção
Internacional de Direitos da Criança9 que traz no seu teor:

Artigo 12
1. Os Estados Partes assegurarão à criança que estiver capacitada a formular seus
próprios juízos o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os
assuntos relacionados com a criança, levando-se devidamente em consideração
essas opiniões, em função da idade e maturidade da criança.
2. Com tal propósito, se proporcionará à criança, em particular, a oportunidade de
ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que afete a mesma, quer
diretamente quer por intermédio de um representante ou órgão apropriado, em
conformidade com as regras processuais da legislação nacional.

Não esquecendo da Chilhood Brasil10, que possui como tema “informar para educar,
educar para prevenir”, e tem como objetivo a defesa dos direitos da criança e adolescentes e
apoia programas que visam a sua proteção (física, moral, psicológica) focando na violência
sexual.
A visão da organização é de ser reconhecida pela sua luta em favor das crianças
ameaçadas e violadas na sua dignidade e integridade.
Os seus valores são a multiplicação dos conhecimentos e experiências, a cidadania e
responsabilidade social, a qualidade e compromisso com os resultados e a comunidade, a ética,
transparência e integridade com os trabalhos realizados.
E os verbos que podem definir a atuação da Childhood Brasil são: educar (mobilizando
e orientando a dedicação dada pelas organizações, governos e empresas para resultados mais
eficazes contra a violência sexual infantil), informar (por meio de campanhas e atividades que

9
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm
10
Criada em 1999 pela Rainha Silvia da Suécia com o objetivo de proteger a infância e “garantir que as crianças
sejam crianças”, a Childhood Brasil é uma organização brasileira que faz parte da World Childhood
Foundation (Childhood), instituição internacional que conta com mais três escritórios: Estados Unidos, Alemanha
e Suécia. O trabalho nos outros escritórios, no entanto, é diferente do realizado no Brasil. Os escritórios
estrangeiros concentram suas atividades no apoio financeiro a projetos de organizações locais em mais de 16
países. Disponível em: http://www.childhood.org.br.
36

divulguem a sua causa) e, prevenir (por meio de grandes projetos que fortaleçam as instituições
que protegem as crianças em risco).
A Childhood Brasil possui vários programas11 de inclusão e proteção à criança e ao
adolescente, são exemplos desses programas que já foram criados: Programa na Mão Certa;
Programa Refazendo Laços; Concurso Tim Lopes de Investigação Jornalística; Programa
Turismo; Programa Grandes Empreendimentos; entre outros, mas como objeto de pesquisa,
vale a penar citar três que já foram conceituados por Luciane Pötter (2016, p. 262 e 263), que
se encaixam de uma maneira mais precisa ao trabalho:

a) A parceria entre a SEDH – Secretaria Especial dos Direitos Humanos da


Presidência da República e a Childhood Brasil para a realização de duas atividades de
sensibilização sobre o tema da violência sexual de crianças e adolescentes e a
revitimização: uma pesquisa e um seminário. A publicação de uma cartografia de
experiências nacionais e internacionais de tomada de depoimento especial de crianças
e adolescentes chamada depoimento sem medo (?): culturas e práticas não
revitimizantes, registra o conjunto de ações.
b) Em 2012, o CEAJud (Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Poder
Judiciário) em parceria com a Childhood Brasil realizaram curso de capacitação
visando a qualificação dos magistrados e servidores das diversas Varas da Infância e
Juventude do país para atuar na área de escuta de crianças e adolescentes que foram
vítimas ou testemunhas de violência sexual. Este projeto é resultado de balanço das
atividades do departamento criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de
planejamento estratégico da Justiça Brasileira tendo em vista a política de qualificação
para os profissionais do Poder Judiciário. O Projeto iniciou com um curso básico, à
distância, sobre os direitos da infância e da juventude. Os melhores alunos do módulo
foram selecionados para o subsequente: Depoimento Especial e a Escuta de Crianças
no Sistema de Justiça, também realizado á distância. No final desta etapa houve nova
seleção e os melhores foram convidados para um curso presencial, em Brasília, sobre
o emprego das técnicas de entrevistas forenses com crianças e adolescentes.
c) Em setembro de 2012, o Conselho Nacional de Justiça firmou Termo de
Cooperação com a Childhood Brasil para incentivar a qualificação de magistrados e
servidores do Poder Judiciário com atuação na área da infância e juventude, através
de cursos de capacitação. O Depoimento Especial é uma prática recomendada pelo
Conselho Nacional de Justiça por meio da Recomendação CNJ nº 33/2010, de 23 de
novembro de 2010. A orientação sugere “aos tribunais a criação de serviços
especializados para a escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de
violência nos processos judiciais”. O CNJ assinou Protocolo de intenções com o
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) para a realização conjunta de
eventos, cursos e pesquisas sobre a proteção de crianças e adolescentes, bem como
elaboração de estratégias e políticas nesse campo.

Pode se notar então que a extensão para a performance e aperfeiçoamento do


Depoimento Especial está muito bem amparado com a Childhood Brasil, que detém um foco
de educação dos agentes públicos para não deixarem a criança desamparada. Assim como a
mobilização de outras cidades para que não deixem de se preocupar com as políticas públicas
relacionadas à exploração sexual das crianças e adolescentes.

11
http://www.childhood.org.br/programas
37

Por fim, não podendo deixar de realçar a importância da Convenção dos Direitos da
Criança12 que regulariza a maior gama de direitos da criança e à sua proteção, sendo aceita em
mais de 116 países.
E traz em seu preâmbulo que a falta de maturidade física e mental da criança faz com
que ela necessita de proteção e cuidados especiais. Cuidados esses que em relação ao tema do
trabalho serão tratados de uma maneira mais aprofundada.

4.2 Depoimento Especial

Inicialmente, o projeto era denominado como “Depoimento sem Dano”, foi “inspirado
no trabalho monográfico de Veleda Dobke, Abuso Sexual: a inquirição das crianças – uma
abordagem interdisciplinar” (PÖTTER, 2016, p. 229) e idealizado pelo Desembargador Doutor
José Antonio Daltoé Cezar13. O projeto-piloto foi implantado no ano de 2003, no 2º Juizado da
Infância e Juventude de Porto Alegre/RS, assumindo em 2004 caráter institucional.
A ideologia do Depoimento Especial é a de proteger a criança ou adolescente que foi
vítima ou testemunha de abuso sexual, tentando evitar a sua revitimização, como: o seu contato
com o abusador nas dependências do Fórum, no despreparo pelos agentes que não possuem
qualificação adequada para o ato de tomar o depoimento infantil, ou ainda, na falta de estrutura
nas dependências competentes onde as vítimas e testemunhas serão ouvidas, podendo acarretar
em uma maior intimidação pela vítima.
Sobre o cuidado que os profissionais devem ter com o depoimento, após o projeto-piloto
em 2003, e seguindo a linha de proteção e direito a um tratamento digno às crianças, foi
implementada uma Recomendação editada pelo Conselho Nacional de Justiça, de número 33,
de 23 de novembro de 2010, que traz em seu teor:

Ementa: Recomenda aos tribunais a criação de serviços especializados para


escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência nos processos
judiciais. Depoimento Especial. (Publicada no DJ-e nº 215/2010, em 25/11/2010, pág.
33-34)
Origem: Presidência

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso


de suas atribuições constitucionais e regimentais, e;
CONSIDERANDO que a Constituição Federal, em seu artigo 227, impõe
aos Poderes Públicos o dever de assegurar os direitos da criança e do adolescente com
prioridade absoluta sobre os demais;

12
http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10120.htm
13
Autor da obra: Depoimento sem Dano. Uma alternativa para inquirir crianças e adolescentes nos processos
judiciais. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2007.
38

CONSIDERANDO que a Convenção Internacional sobre os Direitos da


Criança, em seu artigo 12, assegura à criança e ao adolescente o direito de serem
ouvidos em todo processo judicial que possa afetar seu interesse;
CONSIDERANDO que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
Federal no 8.069, de 13 de julho de 1990), em seu artigo 28, § 1o e 100, parágrafo
único, inciso XII, assegura à criança e ao adolescente o direito de terem sua opinião
devidamente considerada e de serem previamente ouvidos por equipe
interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão
sobre as implicações da medida;
CONSIDERANDO a necessidade de se viabilizar a produção de provas
testemunhais de maior confiabilidade e qualidade nas ações penais, bem como de
identificar os casos de síndrome da alienação parental e outras questões de complexa
apuração nos processos inerentes à dinâmica familiar, especialmente no âmbito
forense;
CONSIDERANDO que ao mesmo tempo em que se faz necessária a busca
da verdade e a responsabilização do agressor – deve o sistema de justiça preservar a
criança e o adolescente, quer tenha sido vítima ou testemunha da violência, dada a
natural dificuldade para expressar de forma clara os fatos ocorridos;
CONSIDERANDO o deliberado pelo Plenário do Conselho Nacional de
Justiça em sua 116ª Sessão Ordinária, realizada em 9 de novembro de 2010, no
julgamento do ATO no 00006060-67.2010.2.00.0000,

RESOLVE:
RECOMENDAR aos tribunais:
I – a implantação de sistema de depoimento vídeogravado para as crianças e
os adolescentes, o qual deverá ser realizado em ambiente separado da sala de
audiências, com a participação de profissional especializado para atuar nessa prática;
a) os sistemas de vídeogravação deverão preferencialmente ser assegurados
com a instalação de equipamentos eletrônicos, tela de imagem, painel remoto de
controle, mesa de gravação em CD e DVD para registro de áudio e imagem,
cabeamento, controle manual para zoom, ar-condicionado para manutenção dos
equipamentos eletrônicos e apoio técnico qualificado para uso dos equipamentos
tecnológicos instalados nas salas de audiência e de depoimento especial;
b) o ambiente deverá ser adequado ao depoimento da criança e do adolescente
assegurando-lhes segurança, privacidade, conforto e condições de acolhimento.
II – os participantes de escuta judicial deverão ser especificamente
capacitados para o emprego da técnica do depoimento especial, usando os princípios
básicos da entrevista cognitiva.
III – o acolhimento deve contemplar o esclarecimento à criança ou
adolescente a respeito do motivo e efeito de sua participação no depoimento especial,
com ênfase à sua condição de sujeito em desenvolvimento e do conseqüente direito
de proteção, preferencialmente com o emprego de cartilha previamente preparada para
esta finalidade.
IV – os serviços técnicos do sistema de justiça devem estar aptos a promover
o apoio, orientação e encaminhamento de assistência à saúde física e emocional da
vítima ou testemunha e seus familiares, quando necessários, durante e após o
procedimento judicial.
V – devem ser tomadas medidas de controle de tramitação processual que
promovam a garantia do princípio da atualidade, garantindo a diminuição do tempo
entre o conhecimento do fato investigado e a audiência de depoimento especial.
Publique-se e encaminhe-se cópia desta recomendação aos Tribunais de
Justiça dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios.

Essa recomendação colocada pelo CNJ traz um serviço especial para o procedimento da
abordagem feita à criança ou adolescente que vai depor em juízo. Esse procedimento consiste
em uma abordagem da criança em uma sala separada da sala de audiência normal, onde ela vai
conversar com um profissional especializado (e não o magistrado), com gravação áudio e
39

visual. Lembrando que é uma recomendação, e não uma imposição, os juízes seguirão essa
recomendação de acordo com o seu ideal.
De acordo com a organização elencada por Luciane Pötter 14, o Depoimento Especial
possui uma dinâmica separada por três etapas, sendo elas o acolhimento inicial, a entrevista
forense propriamente dita e o acolhimento final.
O acolhimento inicial procede com a intimação da criança/adolescente para comparecer
à audiência com pelo menos 30 minutos de antecedência, junto com o seu representante legal.
Esse tempo que vai anteceder o início da audiência serve para que a técnica responsável do
depoimento possa explicar para a vítima/testemunha e o seu representante como procederá o
processo de colheita do depoimento e o motivo de estarem em uma sala separada, explicar o
papel das autoridades e parte presentes na sala de audiência, e também, de analisar o
comportamento da criança. Nesse momento, a técnica já vai ter analisado o processo e vai estar
a par dos fatos apresentados e do grau de parentesco da criança e do réu.
Esse acolhimento serve também, para evitar o mais recorrente dos problemas, que é o
encontro do acusado com a criança nas dependências do Fórum, ocasião que pode causar um
abalo psicológico na criança e fazer com que ela não dê o seu depoimento.
O depoimento/inquirição/entrevista forense propriamente dita é a audiência de
instrução realizada nas formas da Lei, com o Juiz a presidindo, e possuindo em média uma
duração de vinte a trinta minutos, para a inquirição da criança.
Neste momento vão estar na sala especial somente a criança e a técnica especializada,
junto com os equipamentos ligados à sala comum de audiência, por meio de TV e áudio. Para
o início da coleta do depoimento, o magistrado verifica se todos os equipamentos estão
corretamente ligados e se comunica com a técnica para confirmar se pode começar os atos do
interrogatório. Após a sua confirmação é perguntado a criança se ela se incomoda que o réu
esteja na sala comum de audiência, para ouvir o seu depoimento, se ela comunicar que se sente
incomodada com a presença do acusado, este deve se retirar da sala (conforme art. 21715 do
CPP).
As perguntas são inicialmente feitas pelo Juiz, depois pelo representante do Ministério
Público, seguido dos advogados de defesa, e essas perguntas são feitas diretamente a técnica

14
Obra: Vitimização secundária infanto-juvenil e violência sexual intrafamiliar por uma política de redução de
danos. 2ª Edição. Salvador: Editora JusPodivm, 2016, p. 274 a 276.
15
Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento
à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por
videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na
inquirição, com a presença do seu defensor. Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput
deste artigo deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram.
40

que vai prontamente fazê-la a criança, só que de maneira específica ao seu linguajar e de modo
que a criança se sinta à vontade para falar, sem forçar a sua memória, deixando-a falar de acordo
com o que lembra.
No acolhimento final é feita uma conversa com a criança, seus responsáveis e familiares
e a técnica, com uma duração de trinta minutos. Nesse bate papo, não existe mais a presença do
equipamento audiovisual, e é colocado em questão os sentimentos que a criança teve na coleta
do depoimento, se existe algum tipo de raiva, tristeza, medo, vergolha... para que se necessário
sejam feitos atendimentos junto à rede de proteção física e mental da família. Afastando a ideia
de que o depoimento da criança foi utilizado apenas como um objeto processual.
Ao termino de toda a instrução processual, os depoimentos são todos gravados em um
DVD e anexados ao processo, para que se evite uma nova tomada de depoimento das crianças
e para que se necessário em fase recursal os julgadores tenham acesso às informações e emoções
contidas no depoimento. As declarações gerais da audiência ficam consignadas em ata assinada
pelo magistrado, porém, contendo apenas o que ele achou que fosse necessário para julgar o
fato delituoso.
Os técnicos acima mencionados são profissionais especiais capacitados para tomar o
depoimento da criança sem que ela se sinta pressionada ou com medo, ele (técnico) vai retirar
aquela formalidade toda apresentada pelo Juiz e não deve, em hipótese alguma, forçar o
depoimento da criança e verificar se ela está apta emocionalmente para falar.
Por ser o mediador entre o magistrado e a criança vítima ou testemunha, este técnico
deve possuir uma qualidade de trabalho quanto à eficiência na coleta e pós testemunho, na
qualidade acerca dos relatos e na transparência de confiança para com a criança. Diante desses
motivos, são elencados alguns aspectos16 que devem ser levados em conta pela equipe técnica
que auxilia o Depoimento Especial (PÖTTER, 2016, p. 277 e 278):

1) Compreensão da dinâmica do abuso sexual e da violência doméstica;


2) Estar atento acerca do desconforto da criança/adolescente o momento da
inquirição (utilizar técnicas de compreensão e apoio). Estar sensível à emoção da
criança, ao choro, não rejeitando as suas emoções;
3) Procurar saber acerca do perfil do possível abusador e/ou funcionamento da
família em que a criança está inserida;
4) Ter conhecimento acerca dos pilares da democracia como o contraditório e a
ampla defesa processual e a familiarização com as normas legais que disciplinam
questões sobre o abuso sexual: Constituição Federal, Estatuto da Criança e do
Adolescente/ Códigos Peal e Civil, Códigos de Processo Penal e Civil;
5) Possuir um mínimo de conhecimento doutrinário acerca de temas como
exploração sexual e trabalho infantil;

16
Orientação indicativa de Curso da Escola Nacional de Formação de Aperfeiçoamento de Magistrados.
Depoimento Especial de Criança e Adolescente em Situação de violência. Curso EAD 2013. Brasília-DF.
41

6) Observar intervalo de tempo transcorrido entre o provável evento abusivo e o


momento do depoimento, tendo presente questões de memória e falsas memórias;
7) Conhecer políticas públicas de atendimento à criança e ao adolescente, cem
como quais as formas de encaminhamentos;
8) Fazer a auto avaliação quanto ao seu próprio sentimento para manejar situações
de abuso sexual, adequando seu vocabulário para falar e estar disposto a ouvir a
criança;
9) Os técnicos devem fazer estudo prévio das principais peças do processo,
procurar conhecer a trajetória da criança desde a notícia dos fatos até o momento do
depoimento e identificar os estímulos que ela já teve para falar sobre o fato;
10) Identificar o objeto específico do depoimento, estabelecendo de antemão o
foco das perguntas que serão inicialmente realizadas. Se necessário, técnicos e
magistrado devem reunir-se previamente para estabelecer o foco;
11) Verificar se existem indicadores de que a criança/adolescente estaria sob
coerção para o depoimento em relação aos maus-tratos ou abuso sexual;
12) Compreender o estágio de desenvolvimento cognitivo da criança, observando
o nível de entendimento que possui de tempo (quando), lugar (onde), identificação
(quem), assim como verificar o desenvolvimento de sua linguagem;
13) Compreender o estágio de desenvolvimento emocional da criança, percebendo
como se sente em relação a si, bem como o tipo de ligação que tem com as pessoas
com quem convive, em quem confia, e que permite identificar se ela está ou não sob
proteção, e ainda, qual a sua ligação atual com o possível agressor;
14) Compreender o estágio de desenvolvimento social, sua interação com o
ambiente familiar, escolar e com os amigos;
15) Compreender o estágio de desenvolvimento físico da criança, observando seus
aspectos físicos, aparência pessoal, e verificação do resultado dos exames médicos
juntados aos autos.

Por fim, o que se espera dos técnicos e operadores do direito é que eles tenham o mínimo
de conhecimento sobre as áreas envolvidas no delito a ser apurado, que tenham capacidade de
apurar as situações dentro de suas peculiaridades e buscar a solução mais concreta para as
necessidades apresentadas pelas crianças, deixando a coleta do depoimento mais sucinta e
transparente o possível.
Sobre os técnicos profissionais, é importante fazer uma última observação, onde o novo
Código de Processo Civil (Lei 13.105 de 16/03/2015) também traz uma previsão de
acompanhamento da instrução do depoimento com um profissional especializado, frisando a
preocupação por parte do legislador com a criança e o adolescente, poupando-as de perguntas
que possam ser inadequadas, conforme o artigo 699:

Art. 699. Quando o processo envolver discussão sobre fato relacionado a abuso ou a
alienação parental, o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz, deverá estar
acompanhado por especialista.

Como anteriormente apresentado, o Depoimento Especial teve seu início no Estado do


Rio Grande do Sul, porém não foi difícil ou demorado para que outras cidades e Estados
começassem a seguir essa Recomendação editada pelo CNJ, como exemplo a citação feita por
Luciane Pötter (2016, p. 272 e 273) em acordo a cartilha da Desembargadora Cleonice Silva
Freira, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão:
42

“ A infância tem direito e cuidados e assistência especiais, previstos na Declaração


Universal dos Direitos Humanos e na Constituição Federal. Com base nesse preceito,
o Poder Judiciário do Maranhão dispõe de um serviço apropriado para receber e
escutar crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência física, sexual ou
psicológica. O ‘Depoimento Especial’ reserva a meninos e meninas o tratamento que
eles merecem: prioritário, sigiloso e seguro. Com o trabalho conjunto dos operadores
do Direito, garantiremos às crianças e adolescentes a sua integridade física e
psicológica, ao tempo em que preservamos a sua imagem e identidade. ”

O Estado do Maranhão conta com uma ótima estrutura para a continuidade do


Depoimento Especial, lá contém atualmente mais de 14 salas especiais17 que foram implantadas
no local em que os Juízes desejaram. Lá a produção das provas ocorre de maneira antecipada
e, para fazer uso das salas existe um pré-requisito onde os magistrados devem ter capacitação
por cursos de violência envolvendo crianças e adolescentes. Alguns magistrados estão fazendo
uso das salas de Depoimento Especial em casos de violência doméstica e alienação parental.
Por fim, tratando sobre a oitiva especial das crianças, é importante citar a Diretiva
2011/92/EU18, editada pelo Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia, que traz uma
recomendação específica sobre o depoimento especial de crianças e adolescentes, expressa no
seu artigo 20, item 3 e 4:

“Artigo 20.o Protecção das crianças vítimas de crimes em investigações e acções


penais
3. Sem prejuízo dos direitos da defesa, os Estados-Membros tomam as medidas
necessárias para garantir que, no inquérito relativo aos crimes referidos nos artigos
3.o a 7.o:
a) A audição da criança vítima do crime se realize sem demoras injustificadas logo
após a denúncia dos factos às autoridades competentes;
b) A audição da criança vítima do crime se realize, se necessário, em instalações
concebidas ou adaptadas para o efeito;
c) A audição da criança vítima do crime seja feita por profissionais qualificados para
o efeito ou por seu intermédio;
d) Sejam as mesmas pessoas, se possível e adequado, a realizar todas as audições da
criança vítima do crime;
e) O número de inquirições seja o mais reduzido possível e as inquirições sejam
realizadas apenas em caso de estrita necessidade para efeitos da investigação e do
processo penal;
f) A criança vítima do crime seja acompanhada pelo seu representante legal ou, se for
caso disso, por um adulto à sua escolha, salvo decisão fundamentada em contrário no
que se refere a essa pessoa.
4. Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para garantir que, no
inquérito sobre qualquer dos crimes referidos nos artigos 3.o a 7.o, todas as audições
da criança vítima do crime ou, se for caso disso, da criança que testemunhou os actos,
possam ser gravadas por meios audiovisuais, e que as gravações possam ser utilizadas
como prova no processo penal, de acordo com as regras previstas na legislação
nacional.

17
http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=visualiza_noticia&id_caderno=&id_noticia=131306
18
Directiva 2011/92/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, relativa à luta contra
o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, e que substitui a Decisão-Quadro
2004/68/JAI do Conselho. http://www.dgpj.mj.pt/sections/noticias/directiva-2001-92-ue
43

Essa Diretiva só concretiza o que é conceituado na recomendação do Depoimento


Especial, mostrando que o Brasil está caminhando corretamente no que tange a proteção da
criança e adolescentes, no momento de colher os seus depoimentos.

4.3 Perícia Multidisciplinar

Para que se possa de fato proteger a vítima infanto-juvenil que sofreu violência sexual,
deve-se investir em alternativas para lidar com ela no procedimento de inquirição e processo
penal. Algumas alternativas já foram apresentadas nos primeiros dois pontos deste capítulo, e
uma outra alternativa é a perícia multidisciplinar, que consiste em um meio de prova por uma
perícia técnica em assuntos específicos.
Na perícia multidisciplinar são exigidas habilidades específicas por parte dos peritos,
pois variados são os danos e comportamentos apresentados pelas crianças vítimas do abuso
sexual. Deste modo, será necessária uma equipe com uma diversidade de profissionais (tratado
no artigo 159, §7o do CPP19) que atuem em áreas diferentes, para que possam auxiliar o
magistrado (enriquecendo de informações o conjunto probatório do processo) e assim fazer as
entrevistas em suas respectivas áreas, compondo a perícia.
O autor Renato Brasileiro (2015, p. 679) traz também a ideologia da perícia:

“Caso o magistrado entenda necessário, poderá encaminhar o ofendido para


atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência
jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado.”

Este laudo apresentado pelos peritos deve conter o máximo de informações sobre a
vítima, descrevendo detalhadamente cada relato por ela apresentado, sem deixar passar nenhum
detalhe e, devem sempre trazer respostas aos quesitos apresentados pelas partes (artigo 16020,
caput, do CPP). Caso o laudo apresentado necessite de complementação, as partes poderão
requerer esclarecimentos sobre o que foi apresentado ou, requerer a oitiva do perito (artigo 159,
§5º, I, do CPP21).

19
Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma
de curso superior.
§ 7o Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á
designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico.
20
Art. 160. Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão minuciosamente o que examinarem, e
responderão aos quesitos formulados.
21
§ 5o Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia: I – requerer a oitiva dos
peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos
ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo
apresentar as respostas em laudo complementar;
44

Ao terceiro capítulo deste trabalho foi abordado a forma de vitimização secundária por
parte do estado com a vítima infanto-juvenil e, como forma de prevenção dessa revitimização
o autor Eduardo Cambi22 (2014, p. 544 apud MISAKA, 2014, p. 119 e 120) elenca:

“A análise multidisciplinar pode contribuir para aperfeiçoar e corrigir as falhas já


observadas na oitiva de crianças e adolescentes, tais como:
i) a dificuldade de prevenir, identificar e contornar relatos provenientes de falsas
memórias;
ii) a orientação de genitores e familiares para que, apesar do choque emocional, sejam
acompanhados por professionais preparados para diagnosticar suspeitas de abusos
sexuais, evitando perguntas indutoras e diretivas de respostas, as quais podem
contribuir para a manipulação da realidade;
iii) a ausência de conhecimento e de técnica faz com que professionais formulem
perguntas de maneira inadequada, conduzindo as respostas das crianças, o que pode
prejudicar o seu atendimento e a induzir respostas para se buscar um culpado;
iv) a necessidade de maior qualificação técnica dos profissionais para cogitar e lidar
com a Síndrome da Alienação Parental, evitando que a criança seja manipulada por
um genitor contra o outro (falsamente acusado).”

Os pontos colocados pelo autor são as características esperadas dos peritos e mais ainda,
uma preparação por parte do Estado com os seus servidores, para que eles estejam e sejam aptos
a reconhecerem a necessidade de se ter uma oitiva e um tratamento diferenciado para a criança,
que saibam como se portar para se comunicar no mesmo nível do menor ofendido.
E uma capacitação maior ainda por parte do magistrado que irá determinar e analisar
esses laudos periciais multidisciplinares, estes por sua vez que não irão apontar apenas se houve
o abuso físico da criança, mas irão apontar também como ela foi traumatizada
psicologicamente, se houve algum dano emocional e se ela está preparada ou não para depor
novamente na fase de instrução processual. Determinando também se a criança realmente
sofreu o abuso, se foi induzida ou fantasiou sobre os fatos, o que será fatal para o julgamento
do caso, determinando a condenação ou não do acusado e se ocorrer um erro por parte do
judiciária nesta fase, será fatal para qualquer uma das partes, levando a condenação de um
inocente ou a sobrevitimização da criança.
Por isso o magistrado deve se atentar e buscar o auxílio de todos os meios possíveis.
Analisando esse julgado abaixo, pode-se notar que a perícia é um meio de prova
indiscutivelmente relevante para o processo (não absoluta) – em conjunto com outros meios,
que irão demonstrar e ajudar o magistrado em seu julgamento e, a sua primeira
avaliação/entrevista feita (pode ser gravada por áudio e vídeo) impede uma possível
revitimização pelo fato da vítima ter que relatar repetidas vezes o abuso, segue:

22
CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalistmo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e
protagonismo judiciário. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
45

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL.


ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PRELIMINAR DE NULIDADE POR
CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADA. MÉRITO. PROVA DÚBIA. PROVA
TESTEMUNHAL EIVADA DE CONTRADIÇÕES E INCONSISTÊNCIAS.
CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS VAGAS E IMPRECISAS LEVANDO A MERAS
SUSPEITAS. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. ABSOLVIÇÃO. Preliminar de
Nulidade. A decisão que indeferiu pedido de habilitação de assistente técnico para
realizar nova perícia psicológica com a vítima está devidamente fundamentada. A
reiterada avaliação da vítima gera revitimização, situação desaconselhável em
casos como o presente. Além disso, não se pode ignorar que o Juízo dispõe de
equipe técnica especializada e isenta para a realização das perícias psicológicas,
não se extraindo da atuação da profissional atuante qualquer parcialidade em
sua avaliação. Mérito. As provas, laudos periciais e contexto familiar revelados
nos autos apresentam inúmeras situações dúbias e de difícil avaliação, o que gera
uma situação de dúvida a respeito dos abusos atribuídos ao réu. Não sendo
possível extrair uma versão contundente a respeito da ocorrência e intensidade
dos abusos, a absolvição é o melhor caminho. PRELIMINAR DE NULIDADE
REJEITADA. APELO DA DEFESA PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº
70049133788, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ícaro
Carvalho de Bem Osório, Julgado em 22/08/2013)
(TJ-RS - ACR: 70049133788 RS, Relator: Ícaro Carvalho de Bem Osório, Data de
Julgamento: 22/08/2013, Sexta Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da
Justiça do dia 30/08/2013)

Em uma abordagem geral, e seguindo o raciocínio de SOARES e OLIVEIRA23 (2011


apud MISAKA, 2014), pode-se elencar quatro maneiras/procedimentos para se buscar por meio
das perícias multidisciplinares os danos e consequências do possível abuso, são: a entrevista,
escalas e questionamentos, testes projetivos e exames clínicos.
Os exames clínicos nada mais são do que aqueles exames físicos realizados por médicos
pediatras, com um foco maior nas áreas em que pode ter ocorrido o abuso sexual (órgão genital,
boca).
Os testes projetivos utilizam instrumentos que interligam a realidade interna da criança
com o mundo externo, tentando obter informações sobre a sua realidade mental acerca do delito
cometido.
Um exemplo seria o uso do Teste de Fábulas de Duas, que contém 10 fábulas de fácil
entendimento, que pode detectar uma luta interna na criança, que demonstra medo, vontade ou
outro sentimento ligado ao abuso, que a criança passa para o personagem da fábula. Outra forma
é através de desenhos, brinquedos ou brincadeiras expostas pelo perito pela qual a criança
expressa o que está sentindo.
A entrevista seria um dos meios mais utilizados para realizar essa perícia, uma vez que
é através dela que o profissional vai conversar diretamente com a criança, ele vai conduzir a
entrevista mas vai deixar a criança falar abertamente, sem a interromper), podendo acompanhar

23
SOARES, Sandra Cristina; OLIVEIRA, Rodrigo Grassi. Instrumentos de avaliação do abuso sexual na infância.
In FERREIRA, Maria Helena Mariante; AZAMBUJA, Maria Regina Fay de Azambuja (org). Violência sexual
contra crianças e adolescentes. Porto Alegre: Artmed, 2011.
46

a maneira como ela se porta ao falar de certos assuntos ou situações, e também é nessa hora que
o perito deverá interpretar o máximo de informações possíveis e detalhadamente. Ele deve
tomar cuidado com as perguntas feitas, para não induzir a criança a uma resposta. Uma boa
tática a ser seguida é a de pedir para a criança contar uma história de sua vida, sempre
demonstrando interesse ao que é dito.
Por fim, as escalas e questionários que consiste basicamente em um questionário feito
pelo perito, sob determinados assuntos, que é feito à vítima. E no final, ao juntar todas as
respostas o perito consegue um chegar a uma conclusão concreta a respeito do delito.
Um dos exemplos desses questionários (que se enquadram à primeira parte deste
capítulo, como uma política internacional para amenizar os danos) é o Childhood Trauma
Questionnaire24, que busca a compreensão por meio de questionário25 das experiências
traumáticas na infância, como a morte, o divórcio, violência, abuso sexual, doença, entre outros.
Existe também o Child Sexual Behavior Inventory (CSBI) que é descrito no seu site como um
“desenvolvimento voltado para avaliar crianças abusadas sexualmente ou suspeitas de terem
sido abusadas. A medida destina-se a ser preenchida por um cuidador do sexo feminino. É uma
das medidas mais amplamente utilizado de comportamentos sexuais. ”26
O que se pode concluir e é defendido por essa ideia de redução de danos é que a
conclusão dada pelos laudos periciais será mais concreta do que os outros meios de redução de
dano aplicados isoladamente no Brasil por esses laudos serem realizados por profissionais
específicos e especializados nas áreas em que estão atuando, são merecedores de uma maior
capacidade de apuração e investigação.

24
Disponível: http://www.midss.org/content/childhood-trauma-questionnaire
25
Questionário disponibilizado: http://www.midss.org/sites/default/files/trauma.pdf
26
Disponível: http://www.nctsn.org/content/child-sexual-behavior-inventory-csbi
47

CONCLUSÃO

Para finalizar o trabalho, não posso deixar de concluir que a vitimização secundária
exposta no Brasil é de grande preocupação, uma vez que as instâncias formais de controle
parecem não ter responsabilidade para lidar com o abuso sexual de menor, e na maioria das
vezes sempre vai ser caracterizada a sobrevitimização, independente de qual instância a
conduziu.
Acredito que a falta de preparo dessas não ocorra por má vontade, já que em diversos
Fóruns já está ocorrendo a mudança para se obter uma Vara Especializada para acolher o menor,
mas seria de interesse da coletividade como um todo que alguma norma fosse regulamentada
logo para começarmos a evitar desde a denúncia que haja reincidência da vitimização.
A respeito dos delitos penais que podem ser praticados contra o menor não existe dúvida
ou incerteza, ocorre que o meio pelo qual vai se comprovar o abuso não são concretos. Dessa
maneira, o meio pelo qual vai se formar o conjunto probatório fica corrompido, assim, o
magistrado deve sim buscar o auxílio com profissionais competentes e com carreira
especializada para poder conversar com o menor, buscando amenizar o máximo possível as
diferenças de linguagem e superioridade existente.
Não se pode deixar acontecer igual no rito comum de oitiva, onde o magistrado utiliza
da sua superioridade para intimar quem vai depor, para que digam a verdade, aí volta mais uma
vez ao despreparo dos agentes públicos, onde o magistrado em ocasiões diversas, por tentativa
de preservar a criança ou não conseguir se comunicar com ela de forma igualitária, deixa de
colher o seu depoimento. Essa conclusão que ele tem de não colher o depoimento da vítima faz
com que ela pense que o que ela tem para falar não é interessante, ocorrendo a revitimização.
Sobre a vitimização secundária da criança, depois das pesquisas feitas, pode ser
abordado sobre a sua oitiva as incessantes vezes que ela deve se comunicar e contar todo o
caminho do abuso para pessoas que são estranhas para ela; ou então, por não ter um
procedimento especial para a sua oitiva, a sua permanência no mesmo ambiente que o acusado,
essas e algumas outras formas descritas acima no trabalho, só fazem com que a criança fique
revivendo tudo, atormentando a sua mente, causando um dano “em dobro”. É inaceitável que
isso ocorra.
A conclusão que pode-se tirar de tudo o que foi apresentado e estudado até aqui é que
deve sim ser concretizada alguma forma legal para trabalhar com a criança vítima de abuso
sexual infantil, sendo por meio do Depoimento Especial, que já traz várias comprovações pela
48

aplicabilidade dada no Estado do Rio Grande do Sul e em outras cidades do Brasil, ou pelo uso
da perícia multidisciplinar, que trata da criança de uma maneira mais psicológica, mas que deve
ter a forma especial.
Esse procedimento especial deve vir pautado na importância da oitiva da criança, pois
a sua palavra sobre o abuso é de suma importância, tendo vista que na maioria dos casos de
abuso sexual infantil ocorre “às escuras” e sem nenhuma testemunha.
Desta forma, a inquirição correta da criança, buscando a verdade, mas sem a desrespeitar
deve ser a prioridade; deve-se usar de meios que façam com que a criança se sinta segura para
contar e sim, tudo gravado por sistema audiovisual, para não colocar a criança na revitimização.
Acredito também ser importante que essas inquirições sejam feitas pelo respaldo do
magistrado e com ele acompanhando o procedimento, para ele garantir os direitos da criança e
o seguimento conforme os dispositivos da Lei Penal Brasileira.
49

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