Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
that exemplifies an ideal of magical efficacy that people struggle to realize in other domains. vii.
Nicholas Thomas
Introdução
(Rohrig, 2005: 49). Na margem brasileira do Atlântico, vale lembrar que “angola”
ancestrais.
1
origens” que reforçaria certas tendências afrocêntricas presentes em outras
timbres de afinação, mas também alguns ruídos que devem ser ouvidos.
qualquer prática que sequer lembre vagamente a capoeira, como seria o caso
do N’golo2.
2010: 92).
2
casa de Kamosso, que terminou com uma alegre roda de berimbaus, imagem
bastante familiar para muitas pessoas hoje, tanto no Brasil como nos mais de
jogando à sua frente, parece ser motivo de desconforto, e que o leva a sair do
Luanda nos dias atuais nos leva a notar a importância que assume o berimbau
nas notas que seguem, mantendo como recorte dois momentos da consolidação
século XX. O primeiro deles, menos mencionado, mas bem audível, canta os
3
No intermédio destes dois momentos, o que se procura ressaltar é a
objeto mediador da agência social, conforme sugerido por Gell para análise de
obras de arte (1998: 7). Embora a classificação como “objeto de arte” para o
sequences of particular type, that is, events caused by acts of mind or will or
intention, rather than mere concatenation of physical events. An agent is one who
para tanto o lugar daquele que realiza a ação, ou daquele que a recebe.
desenvolveu.
4
Nesse caso, a afirmação de autoridade se baseia no aprendizado dos
no que se refere aos efeitos sobre intelectuais e artistas (não somente da Bahia),
113).
em nome da estrutura de poder cultural da nação (Hall, 2003: 59). Após a década
5
ambivalente pela sua relevância como arte, mantendo-a distante do aspecto
Foi meu pai qui me deu/ Esse gunga é meu/ Eu não dô a ninguém
Canção de capoeira
2005: 110). Manuel Querino, em A Bahia de Outrora (1922), teria sido o primeiro
a notar o jogo comandado pelos acordes, não lhe dando, porém, maior
A partir de então, e cada vez com maior força, a capoeira baiana se eleva
6
alcançando ainda a publicação de revistas e a realização de grandes encontros
“desafricanizar” o espaço público (Dias, 2006: 26; Albuquerque, 1999: 24) e seus
criminalizava a prática.
nececaria para barulho a sua defeiza está em sua mão não são todos
7
capoerista que sabe deste definição que o birinbão é uma arma a verga7
inimigo esta instrucão é dos velhos metres que sabe entra e sair de um
fortalecida no período em que deixa seu relato, o mesmo não ocorrendo com a
função de arma.
século XX9. Esta distinção que assume caráter geracional, toma como critério o
seja, de uma briga ou confusão11. É o período que será qualificado pelo etnólogo
8
Édison Carneiro como da “capoeira venenosa”, segundo explicação que deu a
Nos relatos do disco que lançou no mesmo período, o mestre deixa mais
da dor ele deixa de ser instrumento para ser uma foice de mão...” (Pastinha,
tempo eu usava também uma foicezinha do tamanho de uma chave, a foice vinha
mão, eles passava entendia de quere tomá, pá quebrá, aí inflamava né, por isso
tinha muito capoeirista que não queria perder seu instrumento, intão nós tinhamo
9
A centralidade que o berimbau ocupa como elemento de violência nas
período, que identificam seus praticantes junto às páginas policiais, tal como
ocorria no Rio de Janeiro, Recife, Pará, etc. Sua utilidade como arma de combate
atitude de quem observava alguma coisa; que decorrido este tempo, o dito
mediando agência social (Gell, 1998: 7), é possível tomar entre tais objetos
madeira específica e arame de aço retirado de pneus não eram das mais fáceis
(Biancardi, 2006: 112), uma vez que somente a partir da segunda metade do
10
século XX a produção de berimbaus vai ganhar escala, na medida em que se
turismo15.
de música tocados com o berimbau e usados nas rodas de capoeira 16, o estilo
1968: 63) é mencionado como um aviso comum quarenta anos antes, quando a
Rego situa também neste nível o lugar do berimbau, chamado aqui de “gunga”,
Esse gunga não é meu, eu não posso vendê/ Panhe esse gunga, ou me venda
ou me dê/ Esse gunga não é meu, e não posso vende” (1968: 53). O amigo
íntimo dos barulhos de então era cantado como instrumento de uso, bloqueado
“Quem, neste país, a esta altura do século, ainda não viu um berimbau?”
parte dos Mestres Noronha e Pastinha, possa ser visto como uma negociação
esporte da capoeira, esta é a razão que todos que vieram do passado tem
1997: 30)
12
Aqui Mestre Pastinha novamente esboça a distinção entre a capoeira
antiga e violenta, e a mais recente; porém, junto à violência ele ressalta o papel
corpo e ritmo, o que, subentende-se, não estaria tão presente nos capoeiristas
notas do berimbau, que seria “o primitivo mestre. Ensina pelo som. Dá vibração
e ginga no corpo da gente” (Pastinha apud Abreu & Castro, 2009: 28).
controle sobre os jogadores, que foi utilizado pelos mestres como uma espécie
Quando este afirmou a invenção de sua capoeira Regional, não o fez apenas
nos golpes ou no “jogo de corpo”, ele o fez também no ritmo, criando um toque
esportiva da capoeira Angola num dos confrontos, que levara dois praticantes de
13
tal modalidade ao Parque Odeon em Salvador, Bimba afirmava que o problema
qualquer lugar, sou atacado e vou esperar pelo berimbao para reagir? ” (apud
para trás. Que fez Bimba? Recriando golpes e tornando mais ofensiva a
claro para mim como pode o berimbau aumentar a energia que passa no
muitas rodas realizadas nas feiras e festas populares, registradas por vários
(Carneiro, 1955: 51); “luta convertida em dança” (Landes, 2002: 154); “diversão
14
A capoeira baiana, assim definida, se aproxima da definição de
criador da capoeira Regional, Mestre Bimba, tenha afirmado que incluiu golpes
controversa: Por que é a capoeira baiana e não a carioca que se nacionaliza 17,
uma vez que esta havia sido tão mais popular e ameaçadora no século XIX (Reis,
1993: 16)? Para ela, a causa poderia estar na negação do governo Vargas em
15
reconhecer uma capoeira tão associada ao passado negro das maltas do século
XIX.
política, o que nos possibilita observar a agência do berimbau para além das
com sua entrada ativa no universo da Música Popular Brasileira (MPB) 18, na
literatura, nas artes plásticas, nos periódicos e nos estudos dos folcloristas
assiste a uma ampla invasão dos toques de berimbau em algumas das mais
cada vez mais sobre o instrumento, procurando fixar sua forma e seus usos,
mas, foi mesmo na década de 1960 que o instrumento assume um novo patamar.
situação ao afirmar:
“O Berimbau está aí. Na onda da Bossa Nova que uns dizem estar
16
solo ou acompanhamento, a verdade é que, de repente, como a capoeira,
discos gravados por alguns mestres de capoeira baianos como Bimba, Traíra e
samba “Berimbau” (1963), ou novos como Wanda Maria, que gravou uma
tempo em que aproveita os estilos dos versos das canções para falar,
volta ao tema, em parceria com Antonio Carlos Jobim para gravar a canção
“Água de Beber”.
Por fim, um exemplo de outra vertente de 1960, nos é dado por Gilberto
17
A penetração das formas musicais e das canções da capoeira na MPB se
décadas de 1950 e 1960, quando há, em termos mais gerais, uma mudança na
urbanas:
18
às rasteiras: “A coisa milhó do mundo/ É se tocá berimbau/ Lá no Rio de Janeiro/
disciplinares e estados-nação.
1
Diversos estudos têm se dedicado a abordar o fenômeno da mundialização da capoeira,
que se inicia desde meados da década de 1960 com as excursões de grupos folclóricos
nas décadas de 1980 e 1990. Ver, entre outros, Barros de Castro, Maurício. (2007). Mestre
19
2
Na definição do pintor angolano Albano de Neves e Souza, quem veiculou esta hipótese
na década de 1960 quando visitou o Brasil, o N’golo ou dança da zebra seria um tipo de
dança realizada por homens no período dos ritos de puberdade nas regiões de Mucope e
Mulondo: “the object of the dance is to hit your opponenet’s face with your foot. A rhythm
for the dance is beaten by clapping hands, and anyone who attempts a blow while outside
http://www.brasileirosnomundo.itamaraty.gov.br/a-comunidade/associacoes-de-
discussão de Angel Rama sobre a “Ciudad Letrada” (1988). É uma ideia que coloca em
relevo outras formas de organização de saberes e poderes num dado espaço urbano, e que
centralidade e hegemonia.
5
O discurso que se configura a partir de obras como Casa Grande & Senzala e Raízes do
a figura do mestiço, que “surge, dessa maneira, constantemente reinvestido como espaço
em 1909, em Salvador, Bahia. Contemporâneo dos outros dois mestres, é citado por
grandes mestres, e que ocorria no início da década de 1940. Em 1993, o pesquisador Frede
Abreu publicou um conjunto de manuscritos escritos pelo mestre ao longo de sua vida,
XX (Coutinho, 1993).
20
7
A verga se refere ao arco do berimbau.
8
A vaqueta se refere à baqueta que percute a corda de aço do berimbau.
9
O que podemos supor pelas datas de alguns eventos mencionados nos manuscritos.
10
Dias informa que nos conflitos que envolveram capoeiristas, entre 1910 e 1925, “49%
das armas utilizadas por nossos personagens eram navalhas e diferentes tipos de faca...”
com meretrizes, jogos de azar e brigas com a polícia eram situações tão comuns na vida
que havia repressão a capoeiragem, todavia ela não era absoluta e também havia maneiras
“...so acin esta festa de Santa Luzia tinha suceigo por que a policia tomou muita precação.
14
Ou de visibilidade para antropólogos: “Dizem que Querido de Deus luta hoje. Vi um
grupo levando berimbaus nessa direção” (Landes, 2002: 147), foi o que ouviram Ruth
Landes e Édison Carneiro ao interpelar um pai de santo a caminho de uma das feiras de
Salvador em 1938.
15
Não identificamos mensurações, porém, um bom exemplo é o que ocorre com Mestre
e 1970, mas que se especializará em produzir berimbaus, muito admirados pelas pinturas
Rego notava que, em meio a tal variedade, eram os seguintes toques que se repetiam com
21
regularidade entre diferentes capoeiristas: Angola, São Bento Grande, São Bento
usadas sempre juntas como se fossem escritas com traços de união, passaram a
vez mais urbano – esteve no centro de muitos debates, nos quais o papel
Gal Costa, Golden Boys, Hermeto Pascoal, Margareth Menezes, Os Mutantes, Rita Lee,
Rogério Duprat, Duofel, entre outros. Informações extraídas do site oficial de Gilberto
2010).
21
Waldeloir Rego oferece longa lista de músicas que incorporavam motivos do berimbau
22
BIBLIOGRAFIA
Abreu, Frede e Barros de Castro, Maurício (org.). (2009). Coleção Encontros – Capoeira.
Acuna, Jorge Mauricio Herrera. (2010). Entre rodas de capoeira e círculos intelectuais:
Dantas, Beatriz G (1988). Vovó nagô, papai branco. Rio de Janeiro: Graal.
23
Dias, Adriana Albert. (2006). Mandinga, manha e malícia: uma história sobre os
Editora, 7°edição.
Holanda, Sérgio Buarque de. (1978). Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José
Olympio Editora.
Landes, Ruth. (2002). A cidade das mulheres. 2ª.ed.rev. – Rio de Janeiro: Editora UFRJ.
Oliveira, Josivaldo Pires de. (2004). Pelas ruas da Bahia: Criminalidade e poder no
Departamento de História/Unicamp.
Decânio, Angelo. (1997). A Herança de Pastinha. Coleção São Salomão, Salvador, s/ed.
Itapuã.
Routledge: London.
24
Sandroni, Carlos. (2004). Adeus à MPB. In: Cavalcante, B.; Starling, H. M. M.;
canção popular moderna brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo:
Schwarcz, Lilia Katri Moritz. (1995). Complexo de Zé Carioca. Sobre uma certa ordem
17-30.
Shaffer, Kay. (1977). O berimbau de barriga e seus toques. Rio de Janeiro: Ministério da
Educação e Cultura.
Silva, Roque & Albano, Manuel. (2013). Grande homenagem ao Mestre Kamosso.
Disponível em
<http://jornaldeangola.sapo.ao/cultura/musica/grande_homenagem_ao_mestre_kamosso
Sodré, Muniz. (2002). Mestre Bimba: corpo de mandinga. Rio de Janeiro: Manati.
Discografia
Capoeira Angola – Mestre Pastinha e sua Academia. Rio de Janeiro: Polygram, 1968.
Filme
25
Resumo
capoeira praticada hoje no Brasil e ao redor do mundo, existe uma história minorizada de
tal instrumento nos devires que assumiu ao longo do século XX. Os sons, canções, toques
entre luta, jogo e dança que a capoeira repercute e reitera entre 1930 e 1960. Estas notas
imaginação nacional da capoeira, assim como para o controle dos corpos e hierarquias de
seus praticantes.
Abstract
Berimbau and its social “ginga”: notes to the comprehension of agency in capoeira
26
Although the berimbau is widely acknowledged as part of capoeira nowadays - in Brazil
and around the world - there is a “minimized” history of this instrument in its becoming
through the XX century. The sounds, songs and notes of the berimbau, as well as its
circulation among the ‘capoeiristas’, artists, athletes and intellectuals, were quite
important for the historical shift from a “poisonous” capoeira to the “nonpoisonous”
styles. The last ones were the same styles that became national with sufficient
maliciousness to keep the ambivalence among fight, game and dance, as featured and
echoed by the capoeira between 1930 and 1960. These notes aim to approach the object
the control of the body and to promote hierarchies among its practitioners.
27