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e Mundo Contemporâneo
Colecção MANRESA
Mistério Pascal
e Mundo Contemporâneo
Editorial A. O. – Braga
Capa: Joaquim Cannas
Impressão
e Acabamentos: Fabigráfica – Pousa – Barcelos
ISBN 972-39-0631-7
Outubro de 2005
©
SECRETARIADO NACIONAL
DO APOSTOLADO DA ORAÇÃO
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SESSÃO DE ABERTURA
dade, que não são mais que um círculo oco, que como buraco negro nos
vai sugando e esvaziando.
Temos medo do sofrimento, e da morte nem queremos ouvir falar. E
quando aceitamos falar, é quase sempre para falar da dos outros. Mas o
sofrimento e a morte estão aí, o mistério da Paixão e Morte do Senhor
toca todas as realidades do nosso mundo, numa expressão de solidarie-
dade que abraça toda a família humana. Não podemos fugir, mas po-
demos, sim, abrir-nos à compaixão, saber estar com quem sofre e morrer
com quem morre.
Não me custa a crer que esta realidade é assustadora e que buscamos
a toda a força outras saídas, outros finais para a história. Mas aceitar
o convite de Jesus a partilhar a sua sorte e a com Ele fazer caminho,
implica aceitar descer aos infernos, para perceber aí que o amor é mais
forte do que a morte, e que sem morrer ao nosso amor próprio não há
vida verdadeira!
Esta certeza inabalável, de que vale a pena dar a vida, não é pro-
clamada à sombra da cruz, em Sexta-feira Santa, mas sim no raiar da
manhã de Domingo de Páscoa. O Pai confirma o Filho no seu projecto
de vida e entrega-nos o seu Espírito, para que nós possamos acolher e
viver, em cada dia, o mesmo projecto de Jesus. Aquele Jesus que se pôs a
caminhar com os desiludidos discípulos de Emaús, fechados em esperan-
ças que mais longe não iam que o próprio umbigo – e por isso mesmo se
constituem como a maior fonte de desânimo e a grande porta de entrada
do mau espírito na nossa vida.
Aceitar que Ele nos saia ao caminho e nos mostre, pela sua vida, que
tudo tem sentido e que muitas vezes, talvez mais do que aquelas que gos-
taríamos, o amor não tem um rosto agradável mas é o ponto de passagem
obrigatório para um nova esperança, a esperança cristã. Esperança que
não é ficar passivamente à espera que as coisas aconteçam, mas é, antes
de mais, colocar os meios para que em cada dia se vá realizando aquilo
em que verdadeiramente acreditamos. Só assim perceberemos que a ver-
dadeira esperança é profundamente transformadora e transfiguradora
deste mundo em que vivemos.
Sessão de Abertura 7
Uma nova era, um novo tempo, uma nova forma de estar que vem
do Alto até nós para nos fazer subir cada vez mais, para nos fazer ascen-
der à imagem e semelhança da Trindade que Se abaixa, esvaziando-Se,
para que nós possamos ali ter lugar e sermos assim lugar de acção e de
partilha do Espírito de Deus.
A Eucaristia, como ponto de partida e ao mesmo tempo como ponto
de chegada de uma vida oferecida, é o espaço privilegiado para que to-
dos possam experimentar que a contemplação para alcançar amor não é
uma consideração abstracta e piedosa da beleza da criação, mas é uma
manifestação de amor por este mundo em que vivemos. Manifestação se-
melhante à declaração de amor da Trindade ao enviar o Filho ao nosso
mundo, para que neste viver de cada dia percebamos o Mistério Pascal
como nosso primeiro e principal compromisso com o mundo real em que
vivemos e ao qual somos enviados.
Tenho esperança de que no final destes três dias saiamos daqui mais
seduzidos pelo caminho de Jesus. Que aceitemos o seu convite a tomar a
nossa cruz e a segui-Lo, vindo assim a perceber que sem Mistério Pascal
não viveremos verdadeiramente.
1
Registamos aqui para memória agradecida os testemunhos de Margarida
Teixeira, Rosário Farmhouse, Nuno Oliveira Dias e Ricardo Roncon que nos
manifestaram o seu modo de ser construtoras e construtores de Esperança.
ASPIRAÇÕES DO MUNDO MODERNO
E MISTÉRIO PASCAL
Não podemos perder de vista uma verdade que sempre foi óbvia
a nosso respeito: a vida, que temos no presente, terminará necessa-
riamente um dia o seu curso. Meditemos nestas palavras do teólogo
Karl Rahner: «Encontramo-nos todos encerrados no cárcere da
10 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
5
Ibidem, pp. 316-317.
6
Rahner, «El escándalo de la muerte», op. cit., p. 158.
12 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
7
Karl Rahner, «Victoria oculta», Escritos de Teología, t. VII, Madrid, Taurus
Ediciones, 1969, p. 169.
8
Inácio de Loyola, op. cit., nº 23.
9
Karl Rahner, «La experiencia pascual», Escritos de Teología, t. VII, Madrid,
Taurus Ediciones, 1969, pp. 176-177.
10
Rahner, «El escándalo de la muerte», op. cit., p. 156.
Aspirações do mundo moderno e o mistério pascal 13
1.3. Em síntese
11
Jean-Marie Ploux, Le christianisme a-t-il fait son temps?, Paris, Les Éditions
de l’Atelier/Les Éditions Ouvrières, 1999, pp. 112-116.
12
Ibidem, pp. 117-119.
Aspirações do mundo moderno e o mistério pascal 15
13
Alain Renaut, A era do indivíduo. Contributo para uma história da subjectivi-
dade, trad. de Maria João Batalha Reis, Lisboa, Instituto Piaget, 2000, p. 17.
16 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
14
Alain Touraine, Critique de la modernité, Fayard, 1992, pp. 13-15.
Aspirações do mundo moderno e o mistério pascal 17
15
Gilles Lipovetsky, L’ère du vide. Essais sur l’individualisme contemporain,
Gallimard, 1993, pp. 315-316.
18 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
24
Ibidem, p. 54.
25
Ibidem, p. 37.
26
Lipovetsky, O império do efémero, pp. 354-355.
27
Ibidem, p. 246.
Aspirações do mundo moderno e o mistério pascal 21
28
Jean-Claude Guillebaud, La refondation du monde, Éditions du Seuil, 1999,
pp. 305-308.
22 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
29
Paul Valadier, L’Église en procès. Catholicisme et société moderne, Flamma-
rion, 1989, p. 81.
30
Ibidem.
Aspirações do mundo moderno e o mistério pascal 23
31
Ibidem, pp. 78-79.
32
Ibidem, pp. 81-82.
33
Ibidem, p. 82.
24 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
1
“ Dor é uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a um dano
real ou potencial dos tecidos, ou descrita em termos de tais desilusões”, segundo a IASP
– Associação Internacional para o Estudo da Dor.
2
Segundo o DSM-IV(Diagnostic and Statiscal Mental of Disorders, 1994) ,
para a dor ser considerada aguda, a sua duração deve ser inferior a seis meses e no
caso de ser considerada crónica, o período é de seis meses ou mais.
30 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
bastante não só porque exige tempo como depende daqueles que nos
rodeiam. Do seu apoio e da qualidade das relações.
Assim, o sofrimento num dos membros da família provocado,
por exemplo, por uma alteração de saúde, é visto como uma ameaça
às estabilidades económica, social, relacional e emotiva de todos. A
primeira reacção é, regra geral, de ansiedade. Muitas vezes verifica-
-se, posteriormente e como mecanismo de defesa psicológica, uma
projecção da agressividade, regressão e processo depressivo. Facil-
mente se instala uma crise na família. É importante perceber que,
para além da satisfação das necessidades fisiológicas básicas, a pessoa
que sofre necessita de segurança frente à ameaça, de relações afecti-
vas com a família e os amigos, de consideração e estima (Sandrin et
al, 1989). Na falta deste suporte relativamente ao medo, ansiedade,
agressividade e depressão, a pessoa ainda sofre mais e a crise na famí-
lia acentua-se.
Diversos modelos teóricos têm sido desenvolvidos para explicar
os mecanismos de adaptação das famílias relativamente a situações
de stress, sofrimento e mesmo crise.
temos que confiar em Deus e aceitar o filho que Deus nos deu e confor-
marmo-nos...”). Se o estado de saúde da criança se agrava e a morte é
iminente, os pais vendo o seu filho em grande sofrimento, apoiam-se
novamente na religião. Não existirá necessariamente rancor mas um
sentimento de que não se espera mais nada da medicina. A família
e os médicos estão a fazer tudo o que é humanamente possível para
salvar a criança que está muito doente, que tem cancro, por exem-
plo. Resta o conforto em Deus como se vê pelo testemunho “Desde
o dia em que vi o meu filho cheio de picadas, a sofrer sem melhorar,
entreguei-o a Deus. Entreguei e não me arrependo, de corpo e alma. Eu
tenho o meu filho na minha vida mas ele não é meu.” Ou, outro teste-
munho: “Até hoje, eu não tinha entregue o meu filho a Deus, mas hoje
entreguei-o. Se o Senhor tiver que o levar, desta vez eu aceito porque
chegou a hora, o Senhor preparou-me...Seja feita a sua vontade”.
36 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
des como, por exemplo, a morte violenta, o homicídio, o holocausto, a morte por
acidente, a morte precoce.
Que sofrimento? Que morte? 37
2. A eutanásia
“Pedi à minha irmã para desligar a máquina. Era uma obsessão que
me atormentou durante quase um ano...Sentia-me ultrajado por esta
vida inanimada, por este corpo sem utilidade que não obedecia às or-
dens do meu cérebro. Queria acabar com isto.” – o italiano Ambrogio
Fogar (desportista) quando, há 6 anos e na sequência de um acidente
de automóvel, pedia eutanásia. Assim, pedia insistentemente às suas
irmãs que o levassem para a Holanda para poder morrer. “Era difícil,
inacreditavelmente difícil, e eu não queria que isto continuasse. Então
subitamente, uma noite compreendi que agora, para mim, viver era um
dever (...) Agora sei que a vida vale a pena. Porque as emoções estão
dentro de nós, mesmo se somos prisioneiros de um corpo inútil. Tu estás
no mar, num novo mundo, com outras leis. E, por isso, embora os dias se
sucedam sem mudanças aparentes, já não estou aborrecido”. (Corriere
della Sera, 10 de Setembro de 1998).
Há testemunhos de muitas pessoas que, depois de terem perdido
o sentido das suas próprias vidas e começarem a desejar a morte, o
re-descobrem, de certa forma em conjunto com o sentido da vida
humana em geral. Estes testemunhos tornam bem claro que os pedi-
dos de eutanásia como, em muitos casos, as tentativas de suicídio são
o resultado deste vazio de sentido da existência que pode dominar
algumas pessoas em certas situações.
Vitor Frankl (1978) foi um psiquiatra que dedicou grande parte
da sua vida e do seu trabalho clínico e de investigação a reflectir
sobre o sentido da vida e a ajudar os que tinham perdido este sen-
tido a voltar a encontrá-lo – inventou um método psicoterapêutico
designado por “logoterapia e análise existencial”. Foi determinante o
que experimentou enquanto médico nos campos de concentração de
Auschwitz e Dachau no que se refere a humilhação, exploração e ex-
termínio dos seres humanos. Percebeu que a chave para sobreviver,
não apenas fisicamente mas psicológica e espiritualmente, se baseava
na capacidade de encontrar um sentido para a própria vida.
“Sempre que havia uma oportunidade para isso, tínhamos de dar-
-lhes uma razão, um objectivo para as suas vidas, para lhes darmos
forças para aguentarem o terrível estado das suas existências. Aquele que
Que sofrimento? Que morte? 43
com angústia não via na sua vida nenhum sentido, nenhum objectivo
nem propósito e portanto nenhum ponto para continuar, a breve trecho
estava perdido...” refere Frankl (1978, p.76).
Mas não são só os que estão em situação desesperada que perdem
o sentido da vida. As circunstâncias de maior facilidade e conforto
de algumas sociedades, são um meio propício ao desenvolvimento
deste fenómeno. As pessoas que têm que lutar pela vida todos os
dias, raramente perdem o interesse pela vida – também não há ano-
rexias nos países em que há fome, só nos países de abundância é que
encontramos essa perturbação. Frankl (1978) refere-se a esta perda
do sentido da vida causadora de profundo sofrimento como um
“vazio existencial”. Vazio existencial que pode ser mais ou menos
profundo e de duração curta ou prolongada. Habitualmente este
vazio está associado a um tipo de neurose que provém de problemas
de consciência, de choque de valores, de uma frustração existencial.
De facto, a vida não foi dada ao ser humano para sofrer. O so-
frimento, qualquer que seja a sua origem, surge-nos, em primeiro
lugar, como um mal, como um obstáculo ao desenvolvimento da
vida. Impossível de se lhe conhecer o porquê, impossível de contor-
nar, permanece um mistério intangível (Silveira Rodrigues, 1990).
E aqui temos uma grande escolha. Podemos viver com sofri-
mento ou viver com o sofrimento. Se vivemos com sofrimento esse é
o nosso pano de fundo e até o sofrimento vivemos de forma sofrida.
Se, pelo contrário, vivemos com o sofrimento, sofrimento esse que
sabemos ser incontornável, podemos fazê-lo de várias formas: com
resignação, com esperança, com revolta, com coragem, com medo,
dando-lhe ou não um sentido. Oferecendo ou não esse sofrimento.
Viver com o sofrimento, isso é compaixão, conviver (viver com) o
sofrimento. Quando cuidamos de quem sofre com uma equilibrada
proporção de razão e coração, pode, então, falar-se de compaixão.
E é a inteligência que nos mostra que há uma significativa distância
entre viver com o sofrimento e viver com sofrimento...
Quem não sentiu já em si, ou naqueles que o rodeiam, o efeito
“formativo” do sofrimento? As doenças, os desgostos, as deficiências,
as desilusões, as incompreensões, enfim tudo o que causa sofrimento
pode ser ocasião de aprendizagam para a pessoa, podendo ajudá-la a
descobrir valores novos que a fazem progredir. A busca de um senti-
do para o que está a viver e o apelo à transcendência tornam-se mais
agudos quando a pessoa passa por uma situação de crise que provoca
sofrimento.
48 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
está disposto a buscar o sentido dessa dor... Esta é a resposta que devemos
dar ao doente que se nos confia” .
Para Frankl (1978), o pedido da eutanásia é um pedido de anula-
ção voluntária da própria vida, do próprio eu. Dizer que a vida não
tem mais sentido é dizer que a própria pessoa não tem mais sentido.
Assim, a mensagem deverá ser: “Não é verdade que a tua vida não
tenha mais sentido; não estás capaz de o encontrar e eu compreendo-te.
Mas a tua vida, mesmo nestas condições, tem um sentido. Porque tu
tens um valor que não depende do teu estado: tens valor porque és tu
próprio. Continuarei a estar junto de ti e a ajudar-te; e continuarei a
tentar ajudar-te para que possas encontrar o teu sentido e o teu valor até
ao último momento. Simplesmente porque gosto de ti.”
O sentido da vida encontra aqui, no amor, a sua última inspira-
ção. Na experiência de amar ou de ser amado por a(A)lguém. Como
escreve João Paulo II na Redemptor Hominis, n.10: “O homem não
pode viver sem amor. Ficaria incompreensível para si próprio. A sua
vida ficará sem sentido se o amor não lhe for revelado, se não encontrar
amor, se o não experimentar e se o não fizer por si próprio, se não tiver
uma vivida participação nele.”
Na nossa perspectiva cristã, a vida não acaba, apenas se transfor-
ma. A morte é, assim, um elo necessário, uma porta de entrada na
Vida.
Bibliografia
30 de Outubro de 2004
A DESCIDA AOS INFERNOS
DA HUMANIDADE
2. Segundo nível.
As patologias do desejo e as alienações subjectivas
3. Terceiro nível.
As patologias sociais e as alienações objectivas
4. Quarto nível.
As patologias globais e as alienações mortíferas
lhe advirá uma resposta ao seu sonho, resposta que não poderia ser
outra senão a de um dom não merecido e sempre esperado? Se assim
for tratar-se-á da graça de um novo itinerário, o itinerário da graça.
Mas na sua solidão com os outros o ser humano fica mudo nessa
expectativa.
A SAÍDA: O AMOR QUE DÁ A VIDA
saída para todo o povo que agora é filho. Uma saída – que é Salvação
– para a Criação, da qual não nos podemos desligar.
– Tem a Criação saída?
Se nós temos saída, a Criação também. A saída para Deus do que
vem de Deus.
Dizendo de outro modo: Um primeiro nível, mais “psicológi-
co-espiritual”; um segundo, que é processo de saída antropológica
que eu diria “ética”, e um terceiro nível, o de uma saída ou de um
regresso “escatológico” do Egipto, um regresso ao Pai.
Não é preciso forçar muito para ver que a primeira saída se faz
pelo Espírito e pelo discernimento: pelo deixar-se conduzir pelo
Espírito de amor e de verdade. Uma segunda saída, tem o seu se-
gredo na comunhão no Filho, na relação saudável com o outro, que
nos leva ao Pai. E esta ida para o Pai leva-nos à terceira saída que
apela à transfiguração de tudo e todos. Para todos ou ninguém, na
globalidade; na globalidade do espaço e do tempo e das pessoas.
Do Espírito Santo, no Filho ao Pai: um processo de transfiguração,
amorização, da realidade.
E são estes três níveis que vão, como veremos, desmascarar as
falsas saídas, que tão subtilmente entram por debaixo da pele. En-
tram na nossa cultura com uma força enorme, mas enganadora, de
aparente realização, de aparente desenvolvimento, ou de aparente
personalização.
Explicando melhor o que pretendo dizer, vou tentar particulari-
zar e explorar esses três ciclos de cadeias, que deviam gerar três ciclos
de saídas ou três êxodos, que se englobam uns aos outros e que se
completam.
Saída psico-espiritual
medo – estas coisas de que não há quem não tenha alguma experiên-
cia – e, por outro lado o apelo fortíssimo do Evangelho à humildade,
podíamos dizer, à aceitação... que, cristãmente, não é resignação.
Entretanto convém introduzir aqui um pequeno inciso, porque,
creio bem, muita coisa se confunde por não termos adaptado sufi-
cientemente a nossa linguagem. Nem àquilo que é prisão nem àquilo
que é saída. Estão ou não estão as pessoas desejosas de imortalidade
e de ressurreição? Ou já se esqueceram disso? Acontece muitas vezes
que quando ouvem de nós, cristãos, a palavra ressurreição, ela não
produz eco nenhum, nem faz faísca com aquilo que, no fundo, dese-
jam. Porque se calhar lhes pregámos uma ressurreição não de regres-
so ao Pai mas de “regresso” aqui à terra, ao espaço-tempo... e que,
portanto, não é a transfiguração da ânsia de fundo da humanidade,
mas lhes parece mais um apetecível e morno recuperar o perdido. E
se assim fosse, seria mais uma ocasião de voltar aos conflitos renova-
dos do que uma porta aberta à verdadeira novidade.
Há um deficit da nossa teologia por não ter sabido encarnar, tam-
bém na linguagem, como em toda a necessidade humana. Até tinha
as respostas e as saídas, mas nem sempre as soube comunicar! De facto
é real a dificuldade que temos de expor, apelativamente, aos outros a
nossa saída, mesmo quando dizemos que já a experimentamos.
Voltando ao primeiro nível, ao ciclo da saída para nós próprios,
do desentranhar e discernir o conflito interno de cada um de nós,
é certo que podemos recorrer a muitos meios: à psicologia, ao psi-
quiatra, podemos ir ao padre espiritual, podemos ler um bom livro
e fazer tantas coisas como por exemplo os Exercícios espirituais!... E
Santo Inácio oferece um instrumento muito curioso, um conjunto
de Regras, sábias e práticas, para a tal saída como processo de discer-
nimento, de desenrolamento dos enganos sobre si próprio.
O discernimento é uma grande porta de saída. Porque, perso-
nalizadamente, clarifica as situações e abre caminho. Faz entrar no
deserto em ordem à “terra prometida”. E é uma primeira prática
desta saída, que não é um momento nem uma magia. Conta ele,
St.º Inácio, nas Regras para a 1.ª semana dos Exercícios, três peque-
A saída: o Amor que dá a vida 75
a converter! É certo que se pode obter por aí uma boa ajuda, mas
não toca no âmago da questão, no “eu” que está doente por falta de
Deus; doente por falta de Verdade.
Devíamos estar mais alerta para com estas práticas ditas “espi-
rituais”, de moda. Aparecem-nos “bem embrulhadas” em papel de
ajuda que conforta e podem até criar condições de oração e de vida
interior, mas, depois, não encontrando o sujeito lá dentro, se viram
contra nós, mais ou menos a curto prazo.
Entregando-me a essas práticas, frequentemente individualistas
e apregoando a “paz” do bem-estar por não ter de dar contas a nin-
guém nem a nenhum valor, posso ir resolvendo alguns problemas de
ansiedade, de stress, rendendo-me às energias, (“só vou a casas com
energias positivas!”). É capaz de haver alguma verdade nisso; mas a
absolutização deste pandemónio, ou destas forças suspeitas, gera um
engano profundo na auto-consciência de mim próprio, na verdade
comigo próprio, trocando a humildade por uma técnica e um “sa-
ber” bem oleado.
Saída ético-antropológica
Saída escatológico-teológica
2 . Concluindo:
Bibliografia
Introdução
Deus é amor e o seu amor é eterno. «Ele (que) nos escolheu antes
da fundação do mundo para sermos santos e irrepreensíveis na sua
presença… e nos predestinou para sermos adoptados como seus fi-
lhos por meio de Jesus Cristo, de acordo com o beneplácito da sua
vontade» (Ef 1, 4-5), amar-nos-á apenas durante cem anos que uma
pessoa viva? Se Deus ama com amor eterno – não tem outro – a
ressurreição pertence à lógica do seu amor criador. Se o homem vol-
tasse ao nada na morte, o amor eterno de Deus entraria em profunda
contradição. Deus não ama o nada e não deixa de amar o que existe;
ao amar cria. Se o homem morre, Deus o cria de novo, o mesmo,
mas noutro modo de existência, o Seu, divino: essa é a ressurreição.
1
VTB, 2ª ed., Ciel, Cerf, Paris, 1970, p. 166-167
102 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
aquilo que não sabe. Sabe apenas uma coisa: que se Deus alimenta as
aves do céu que não semeiam nem ceifam, e veste tão bem os lírios
do campo que não trabalham nem fiam, como não fará muito mais
por vós, homens de pouca fé? (Mt 6, 25-30).
Bibliografia
Esperança e desilusão
1
Insistir-se-á que apesar das práticas religiosas diminuírem em Portugal, as
crenças religiosas, em termos de identificação social, permaneçam elevadas como
nos diz, M. Villaverde Cabral e a sua equipa: em 2000, 89,3% dos portugueses
afirmavam-se católicos contra 95% em 1991 (INE, Dados do recenseamento).
Trata-se, nuns casos, de praticantes assíduos, noutros de praticantes temporários
ou pontuais e noutros de crentes, que não praticando, nem por isso deixam de
recorrer ao sagrado logo que as situações a isso os impelem.
Nós esperávamos que... 115
Conclusão
esperança de vir a ser como tal ou tal vedeta. Vivemos, numa socie-
dade em que, sob vários aspectos, e muito particularmente para os
jovens se investe no imediato, no efémero, no transitório, nas experi-
ências fragmentadas que fazem com que o tempo seja apreendido no
instantâneo e no inacabado, no novo pelo novo, na moda, na inci-
tação ao prazer e ao gozo imediatos, no consumo, em que o próprio
homem aparece como presa fácil para consumir. Contudo, importa
realçar que a par deste movimento, também se verifica, por parte dos
jovens e de outros grupos etários, um fenómeno de extrema impor-
tância, em termos de esperança que tem a ver com o voluntariado,
da maneira como se empenham em causas de solidariedade e de luta
contra as injustiças sociais.
Por outro lado, tendo consciência que vivemos num mundo
menos portador de esperança que se eleve acima do material mais
imediato, e entre nós numa sociedade em que a Esperança, no sen-
tido teologal e tradicional do termo, tem hoje um menor impacto,
apesar de, teoricamente, se clamar cada vez mais por ela, denota-se
que decorre mais da ordem do imanente do que do transcendente,
ao contrário de outros tempos em que o religioso e a religião tinham
muito maior impacto e legitimação social. No entanto, uma menor
confiança e fé num Deus transcendente, pessoal e criador, nem por
isso implica o abandono de toda a forma de religiosidade. O que se
observa é que esta se caracteriza por uma fé que tem muito menos
em conta o dogma que anteriormente fundamentava a religião e as
razões sociais que lhes estavam associadas. Daí que possamos dizer
que não vivemos num mundo sem esperança, mas antes que, em
muitas circunstâncias, ela é de outra ordem na era da modernidade
inacabada.
Bibliografia
1
António Coimbra de Matos, A Depressão, Climepsi Editores, Lisboa, 2001,
123.
A esperança que transforma e transfigura 143
2
Cf. Juan António PAREDES, Onde está nosso Deus? Diálogo do crente com a
cultura de hoje, Paulus, S. Paulo, 1999, 121s.
3
Ecclesia in Europa, 7.
4
“Todavia, como sublinharam os padres sinodais, «o homem não pode viver
sem esperança: a sua vida perderia o sentido, tornando-se insuportável».” (Ecclesia
in Europa, 10).
144 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
5
Cf. Martin HEIDGGER, Ser e Tempo, vol II, Editora Vozes, Petrópolis,
20029, 34-51.
6
Cf. G. PIANA, “Espérance”, in: Dictionnaire de Vie Spirituelle, Paris, Cerf,
1987, 327.
7
Emmanuel Levinas apresenta como abertura metafísica a uma alteridade
transcendente esta tensão entre desejo ilimitado e consciência dos limites:
“ ‘A verdadeira vida está ausente.’ Mas nós estamos no mundo. A metafísica
surge e mantém-se neste álibi. Está voltada para o ‘outro lado’, para o ‘doutro
A esperança que transforma e transfigura 145
modo’. Sob a forma mais geral, que revestiu na história do pensamento, ela apa-
rece, de facto, como um movimento que parte de um mundo que nos é familiar
– sejam quais forem as terras ainda desconhecidas que o marginem ou que ele
esconda – de uma ‘nossa casa’ que habitamos, para um fora-de-si-estrangeiro, para
um além. O termo desse movimento – o outro lado ou o outro – é denominado
outro num sentido eminente.” (Emmanuel LEVINAS, Totalidade e Infinito, Edi-
ções 70, Lisboa 2000, 21.)
8
G. PIANA, “Espérance”, in: Dictionnaire de Vie Spirituelle, Paris, Cerf,
1987, 328.
146 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
9
Gabriel MARCEL, “Esquisse d’une phénoménologie et d’une métaphysi-
que de l’espérance”, in: HOMO VIATOR. Prolégomènes à une métaphysique de
l’espérance, Aubier - Éditions Montaigne, 1963, 38.
10
“A crise de sentido nasce, com efeito, duma tensão imanente ao ser humano.
Mais profundamente que os nosso estados interiores em conflito, há uma tensão
primordial entre a significação e o sentido, entre a essência e a existência. Esta
tensão não irá ser resolvida. Enquanto o sentido está em crise, poder-se-á parado-
xalmente dizer, conserva a sua transcendência. Situado no termo do desejo, abre
espaço às nossas vontades. Querer, a todo o custo, reduzir o sentido final a deter-
minações bem determinadas para não sofrer mais nenhuma crise seria dar mostras
que a nossa vontade é suicida, decidindo-se a restringir o seu horizonte a formas
tranquilas e minerais da significação imanente. Seria extinguir a esperança. Assim,
a crise do sentido testemunha que no homem há mais do que o homem.” (Paul
GILBERT; “A crise de sentido”, in: Brotéria, 137 [1993], 450.)
A esperança que transforma e transfigura 147
11
Cf. Exercícios Espirituais de Santo Inácio, 23.
12
Cf. Exercícios Espirituais de Santo Inácio, 104.
A esperança que transforma e transfigura 149
13
Exercícios Espirituais de Santo Inácio, 231.
A esperança que transforma e transfigura 151
14
Hans Urs von BALTHASAR, Mysterium Paschale, in: Mysterium Salutis,
III/ 6, Editora Vozes, Petrópolis, 1974, 117s.
15
Cf. Ibidem, 119.
16
Ibidem, 120.
17
Cf. Adolphe GESCHÉ, “A agonia da Ressurreição ou a descida aos Infer-
nos” in: A salvação em Jesus Cristo, Editora Rei dos Livros, Lisboa, 1993, 159.
152 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
18
Ibidem, 164.
19
O P. Jean Lafrance relata no seu livro A oração do coração, um episódio rela-
tivo a um jovem noviço, de nome Silouane, dum mosteiro ortodoxo:
“Um dia em que está acabrunhado por sofrimentos e tentações de toda a espé-
cie, pede ao Senhor que lhe diga o que há-de fazer para que o seu coração se torne
humilde. E o Senhor respondeu-lhe: ‘Em pensamento, conserva-te no inferno e
não desesperes.’ Tal como Jesus, desce aos infernos e ao experimentar o seu pró-
A esperança que transforma e transfigura 153
prio pecado comunga com a angústia, o sofrimento e a solidão dos seus irmãos
afastados de Deus. Então, pode clamar para o Pai, suplicar-lhe que tenha piedade
e que o arranque, bem como a todos aqueles de quem é solidário, do abismo do
pecado.” (in: A oração do coração, Edição Cidade do Imaculado Coração de Maria,
Fátima, 1990, 108.)
20
G. PIANA, “Esperance”, in: Dictionnaire de Vie Spirituelle, Paris, Cerf,
1987, 331.
154 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
que devemos percorrer sob o signo da entrega total que o amor ver-
dadeiro requer. A Ressurreição antecipa, em gérmen, os frutos que
estamos chamados a dar.
Se é verdade que vitória de Jesus é para nós e connosco, a todos
alcançando em potência, na misteriosa solidariedade comum ao
género humano (abordada no primeiro ponto), também é verdade
que essa vitória não nos retira de continuarmos a viver, na história,
numa dialéctica interna de cumprimento e de promessa, até que se
cumpra plenamente em nós o Mistério Pascal do Filho. Por isso, a
Ressurreição não é um simples acontecimento já realizado. É obra a
ir sendo realizada desde o interior do tempo histórico em que ainda
vivemos. É um sinal de esperança que atesta, por antecipação, aquilo
que está por vir e acontecer ao Cristo total, ao Corpo Místico.
É esperança que transforma os nossos critérios e prioridades
porque é certeza de uma vitória que virá mas exige uma actuação
concreta sob a forma dum acto de amor afectivo e efectivo. É espe-
rança porque é actividade de Deus em nós! Ele dá resposta e realiza
o desejo de ser-sempre-mais-nós-mesmos na relação de comunhão
com o Outro e os outros. É esperança, ainda, porque o caminho a
percorrer não será feito só de luzes e consolações, mas também de
perplexidades e noites.
Lembrando Lavoisier, podemos afirmar: oferecidos à comunhão
com Cristo, morto e vivente, nada se perde, tudo se transforma. É
uma esperança diferente da espera, embora exija paciência: os ritmos
de Deus não são os nossos. Vive-se no dinamismo do desejo e da
liberdade: é uma vida a gerar-se no acto de entregar-se sem reservas à
vontade do Pai que muitas vezes, não conhecemos nem percebemos
em cada curva do percurso.
Mas sabemos que é fecundo.
4. “Estar de Esperanças”
1
Atilano Alaiz Prieto, As seitas e os cristãos, Edições São Paulo, Lisboa, 1994, 55.
A nova era do Espírito 163
2
Gilles Keppel, La revancha de Dios, Anaya-Mario Muchnik, Madrid, 1991.
164 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
Poderá ser chocante usar esta imagem. Não queria ofender a dis-
crição e simplicidade da terceira Pessoa da Santíssima Trindade. É
que se fala pouco do Espírito e menos ainda se cultiva uma relação
pessoal com Ele. O Espírito é o «Deus desconhecido»6. Faz parte
essencial do «curriculum vitae» a sua infinita discrição, o que não
significa, de modo algum, falta de eficácia.
Não se sabe a data nem o lugar do seu nascimento. Sempre exis-
tiu, para além da criação do tempo e de todo e qualquer lugar. A
3
Os novos movimentos religiosos podem ser comparados às manifestações
religiosas primitivas, que «estão misteriosamente atravessadas de bosquejos e es-
boços proféticos». Cf. L. Bouyer, Il Consolatore. Lo Spirito Santo e vita di grazia,
Paoline, Roma, 1983, 18.
4
André Malraux, François, la fraternité au bord du fleuve, Cerf, 1971, 19.
5
André Frossard, Il y a un autre monde, Fayard, Paris, 1976, 77.
6
Podemos aplicar ao Espírito Santo esta expressão «Deus desconhecido» (cf.
Paulo discursando no Areópago de Atenas: Act 17, 23), tanta é a ignorância a pro-
pósito da terceira Pessoa da Trindade (cf. Victor Dillard, Au Dieu inconnu, Paris,
Beauchesne, 1938).
A nova era do Espírito 165
sua origem é o Pai e o Filho, de quem procede, mas isto exclui pre-
cedências temporais ou subjugações de importância. Na Trindade
realiza-se em infinito o ideal da convivência humana: Todos iguais,
todos diferentes. Todos por um, um por todos. A omnipresença faz par-
te da sua essência.
O Espírito Santo não tem um nome solene e pomposo. Em he-
braico diz-se ruah; a tradução em grego é pneuma; e, em latim, spiri-
tus. Significa sopro, vento. Dá a impressão de ser pouco consistente e
poderoso. Mas é a vida por dentro, interioridade infinita, despojada
de toda a ostentação e aparência exteriores.
O Espírito, diferentemente do Pai e do Filho, não tem represen-
tação humana. Baste considerar a iconografia trinitária: à frente do
Pai eterno, cheio de vigor, está Cristo Salvador, em tudo igual a nós
menos no egoísmo, ostentando a cruz da redenção do mundo; por
cima, quase que já fora do quadro, uma pomba e línguas de fogo,
parecendo mais um elemento de decoração do que o coração do re-
trato. O Espírito Santo não tem rosto. «Ele não é para nós um face
a face, não é um Tu, mas permanece um Ele. Tal como a terceira
pessoa dos quadros da nossa gramática (…), Ele é aquele de quem
se fala, não é um parceiro a quem nos dirigimos»7. Perdoem-me a
pequenez da comparação: o Espírito está presente em plenitude na
realidade de Deus como o fotógrafo que se oferece para ficar fora da
fotografia para que os outros fiquem nela.
Falando agora do emprego ou ocupações do Espírito Santo, e
forçando a impropriedade dos humanos termos até ao extremo, po-
demos dizer que é especialista em construir pontes de unidade e em
traduzir a diversidade de línguas.
Sem Espírito Santo, não existia Deus. O Pai e o Filho seriam dois
quase-deuses, duas forças concorrenciais, o que, a nível infinito, seria
uma infinita tragédia. Ora o Espírito Santo é o amor absoluto que
circula entre o Pai e o Filho e vice-versa, fazendo a ponte da unidade
7
Bernard Sesboüé, Pensar e viver a Fé no terceiro milénio, Gráfica de Coimbra,
Coimbra, 2001, 462.
166 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
8
João Paulo II, O Espírito Santo na vida da Igreja e do mundo – Carta Encíclica
«Dominum et vivificantem», Editorial AO, Braga, 5.ª edição, 1997, nº 10.
A nova era do Espírito 167
to (cf. 1 Cor 12, 13; 2 Cor 1, 21). É o Espírito Santo que nos torna
«participantes da natureza divina» (1 Pd 1, 4). O Espírito é a porta
de entrada e o caminho ascendente para chegar, por Cristo, ao Pai.
Não há outra alternativa cristã. Só o Espírito Santo nos pode cris-
tianizar. Deveríamos pedi-lo ao Pai, com insistência corajosa, como
nos recomenda Cristo: «Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas
aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo
àqueles que lho pedem!» (Lc 11, 13).
O tema merecia ser aprofundado, mas, por falta de tempo, fica
apenas o aceno. Julgo que agrade ao Espírito esta brevidade. Na vida
de Cristo, relatada pelos quatro evangelistas, nunca encontramos o
Espírito a falar. Nada diz, mas age com a discrição dos eficazes.
9
Sobre a dimensão pneumatológica dos Exercícios Espirituais, ver Rogelio
García Mateo, Ignacio de Loyola – Su espiritualidad y su mundo cultural, Ediciones
Mensajero, Bilbao, 2000, 353-371.
10
J. M. Lera, La contemplación para alcanzar amor, el Pentecostés de los Ejerci-
cios, em Manresa 63 (1991), 166.
11
Cf. Dizionario Enciclopedico di Spiritualità, Città Nuova Editrice. Roma,
1990, 100-103.
12
Cf. Cândido de Dalmases, em Diccionario Histórico de la Compañía de Jesús
- I, Universidad Comillas, Madrid, 2001, 86.
A nova era do Espírito 171
13
Jesrónimo Nadal, Diálogos, nº 17. FN II, 252.
A nova era do Espírito 173
14
João Paulo II, O Evangelho da Vida – Carta Encíclica «Evangelium Vitae»,
Editorial A.O., Braga, 1995, nº 5.
15
48.º Congresso Eucarístico Internacional, A Eucaristia, luz e vida do novo
milénio – Documento preparatório, Editorial A.O., Braga, 2003, nº 24.
174 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
16
Conferência Episcopal Portuguesa, Crise de sociedade, crise de civilização
– Nota pastoral, Lisboa, 2001, nº 8.
17
João Paulo II, À entrada do novo milénio – Carta Apostólica «Novo millennio
ineunte», Editorial A.O., Braga, 2001, nº 55.
A nova era do Espírito 175
Nem sempre por culpa dos clérigos, o que é certo é que a Igreja
tem sofrido de clericalização. A nossa última Congregação Geral,
realizada no ano de 1995, ressaltou que uma leitura dos sinais dos
tempos a partir do Concílio Vaticano II mostra, sem lugar para
dúvidas, que a Igreja do próximo milénio será chamada a “Igreja
dos leigos”. A Companhia reconhece, como uma graça dos nossos
tempos e uma esperança para o futuro, que os leigos “tomem parte
activa, consciente e responsável, na missão da Igreja neste momento
decisivo da história”18. É interessante que este decreto 13 «Colabo-
ração com os leigos na missão», sendo dos mais arrojados, foi dos
poucos que alcançou o voto unânime dos 229 participantes, repre-
sentando os 5 continentes.
Não se trata de uma mera solução técnica, de uma concessão
ocasional, dada a escassez de vocações à Companhia, para o Sacer-
dócio e para outras Ordens e Congregações religiosas. Trata-se de
responsabilizar os leigos pela sua vocação baptismal, membros da
Igreja com pleno estatuto, nos seus direitos e deveres.
Julgo que o caminho está aberto, mas ainda falta andar muito
para que esta relação de colaboração seja mutuamente aceite, por
ambas as partes, com inventiva e criatividade apostólicas.
18
Congregação Geral XXXIV – Selecção de textos, Cúria Provincial, Lisboa,
1996, 93.
176 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
19
Conferência Episcopal Portuguesa, Crise de sociedade, crise de civilização
– Nota pastoral, Lisboa, 2001, nº 9.
A nova era do Espírito 177
Roma, 2002.
178 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
21
La intimidad del Peregrino – Diario espiritual de San Ignacio de Loyola, Men-
sajero / Sal Terae, Bilbao, 1990, nn. 113-114.
ITE, MISSA EST
P. António Vieira
(Sermão de Todos os Santos, cap. II)
que se passará com ela. Maria, ao declarar o seu “fiat”, mostra que
compreende na fé o facto singular da sua maternidade, e ao visitar
a prima mostra que também o tinha compreendido na universali-
dade da caridade. A união indissolúvel da palavra com a acção é a
prova completa da sua aceitação da vontade de Deus. Se a nossa fé,
declarada numa palavra, não nos levar à visitação de Isabel, não rea-
lizaremos a verdade; se o nosso “amén” no momento da comunhão
eucarística não nos conduzir ao lava-pés, a nossa fé está morta. Só a
caridade é fonte de vida, “só o amor permite conhecer plenamente o
Mistério”1.
Ao colocarmos agora, conclusão includente, a questão do envio
– “Ite, Missa est” –, estamos a perspectivar, nos seus contornos ime-
diatos, concretos, em “sinais” que se tornam “aplicação de sentidos”,
a compreensão da palavra que aqui testemunhámos. A VI Semana
de Estudos de Espiritualidade Inaciana, sem esta prova real, não rea-
lizará o que pretende significar, permanecerá puramente estética,
numa espécie de visibilidade irresoluta. Como se passa do dizer ao
fazer? Como se passa do sentir ao trabalhar? S. Inácio, no final da
primeira meditação proposta nos Exercícios, reúne, numa só expe-
riência espiritual, as intenções, acções e operações do exercitante:
“Imaginando a Cristo nosso Senhor diante de mim e pregado na
cruz, fazer um colóquio: como de Criador veio a fazer-se homem, e
de vida eterna a morte temporal, e assim a morrer por meus peca-
dos. E, assim, interrogar-me a mim mesmo: o que tenho feito por
Cristo, o que faço por Cristo, o que devo fazer por Cristo; e vendo-o
a Ele em tal estado e assim pendente na cruz, discorrer pelo que se
me oferecer” (EE, 53). Note-se que este exercício se realiza diante
de Cristo crucificado, “mistério da fé”, numa síntese admirável de
contemplação e acção, em que o “fazer”, insistentemente repetido e
conjugado em todos os tempos e modos, nunca é dissociado da visão
exterior (imaginando) e interior (discorrendo). Se a meditação em
1
Instrução da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Socie-
dades de Vida Apostólica, Partir de Cristo, Braga, Editorial A. O., 2002, nº 23.
Ite, Missa est 183
2
Partir de Cristo, nº 4.
Ite, Missa est 185
3
Daniel Faria, Homens que são como lugares mal situados, 1ª ed., Porto, Fun-
dação Manuel Leão, 1998, p. 77. Sobre a poesia de Daniel Faria, consultar Vítor
Moura, “O giroscópio”, Relâmpago, revista de poesia, nº 12, 4/2003, p.53.
186 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
4
Partir de Cristo, nº 26.
Ite, Missa est 187
5
Partir de Cristo, nº 36.
6
Partir de Cristo, nº 29.
188 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
7
João Paulo II, À entrada do novo milénio, Braga, Editorial A. O., 2001, nº
43.
8
Daniel Faria, Dos Líquidos, 1ª ed., Porto, Fundação Manuel Leão, 2000, p.
125.
Ite, Missa est 189
9
João Paulo II, A Eucaristia, vida da Igreja, Braga, Editorial A. O., 2003, nº 8.
190 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
10
Partir de Cristo, cf. nº 20.
Ite, Missa est 191
Conclusão
11
Daniel Faria, Homens que são como lugares mal situados, 1ª ed., Porto, Fun-
dação Manuel Leão, 1998, p. 79.
192 Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo
Olhai como Deus quis facilitar o Céu, e o ser santos, que pôs a bem-
aventurança e a santidade em uma cousa, que ninguém há que não
tenha, e a mais livre e mais nossa, que é o coração. Assim como o coração
é a fonte da vida, assim é também a fonte da santidade; e assim como
basta o coração para viver, ainda que faltem outros membros e sentidos,
assim, e muito mais, basta a pureza de coração para ser santo, ainda
que tudo o mais falte. Se o ser santo dependera dos olhos, não fora santo
Tobias, que era cego: se dependera dos pés, não fora santo Jacob, que era
manco: se dependera de algum outro membro do corpo, não fora santo
12
Daniel Faria, Dos Líquidos, p. 69. A poesia de Daniel Faria encontra-se hoje
praticamente toda no volume Poesia, Vila Nova de Famalicão, Quasi Edições,
2003.
Ite, Missa est 193
Job, que estava tolhido de todos, e só lhe ficou a língua e ainda que não
tivera língua, também fora santo, porque Santa Cristina, sendo-lhe a
língua cortada, louvava a Deus com o coração; e com o coração sem
língua, eram tais as suas vozes, que as ouviam, não só os anjos no Céu,
senão também os circunstantes na Terra. De sorte que para um homem
ser santo, não é necessário cousa alguma fora do homem nem ainda é
necessário todo o homem: basta-lhe uma só parte, e essa a primeira que
vive, e a última que morre, para que lhe não possa faltar em toda a vida,
que é o coração13.
13
P. António Vieira, Sermões, vol. III, Porto, Lello, 1993, p. 951.
ÍNDICE
Bibliografia ...................................................................................... 49
2. Concluindo ................................................................................. 88
Bibliografia ...................................................................................... 90
Introdução ....................................................................................... 91
1. Diálogo com o mundo ................................................................ 94
2. A Ressurreição de Cristo e a nossa ............................................... 96
3. Uma transfiguração da existência ................................................. 98
4. Purificação do amor ou reincarnação ........................................... 103