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UTOPIA/UCRONIA E DESTINO MANIFESTO:

O ideário utópico no proselitismo protestante norte-americano do século XIX.

Sergio Willian de Castro Oliveira Filho*1

“A utopia é um horizonte de esperança.”


(Rubem Alves)

A formação dos Estados Unidos da América como Estado-Nação


independente concretizada politicamente ao findar do século XVIII, deu-se, em grande
medida, a partir de um ideário utópico que se desenvolveu e rearticulou várias vezes desde
o início da colonização da costa leste da América do Norte por parte dos colonos
peregrinos protestantes ingleses.
De certa forma, nas raízes deste pensamento utópico estão elementos muito
particulares do utopismo, o primeiro deles consiste na valorização da viagem a um novo
mundo desconhecido. Como afirma Antonis Liakos (LIASKOS, 2007:29) um dos
elementos que dava significado à utopia era justamente o fato de ela ocorrer em um lugar
remoto, desta forma, a perspectiva de levar a cabo uma longa viagem até um continente
desconhecido, cuja motivação primordial da maioria destes viajantes era a de
reconstrução de suas próprias vidas, trazia em seu bojo as esperanças do
encontro/construção de um verdadeiro “novo mundo”, não apenas geográfico, mas
também de felicidade e de novas relações sociais.
A isto pode ser acrescentado o fato de que, enquanto a Europa convulsionava-
se com as guerras religiosas e perseguições governamentais por conta da fé decorrentes
do surgimento das mais variadas seitas religiosas da pós-Reforma Protestante, as colônias
inglesas do outro lado do Atlântico ofereciam esperança de liberdade religiosa, o que se
constituiu como um fator de atração deveras poderoso. Como afirma Merril Jensen:

Havia uma oportunidade de experimentação social, religiosa e política na


América, impossível em qualquer outro lugar do mundo (...) A América,
portanto, atraía um número sempre crescente de grupos religiosos e políticos


Doutorando em História pela Universidade Estadual de Campinas.
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do continente europeu, alguns dos quais estabeleceram sociedades comunistas,
decalcadas sobre a dos primeiros cristãos. As colônias inglesas estavam tão
distantes dos controles sociais e políticos da Inglaterra que, praticamente,
qualquer experiência era possível. Nem todas as experiências tiveram êxito,
mas o importante é que as colônias inglesas eram lugares onde elas podiam ser
tentadas. (JENSEN, 1972:39)

Apesar de teóricos da utopia, tais como Raymond Trousson (TROUSSON,


2005:130), afirmarem categoricamente que o pensamento religioso seria um obstáculo à
formação de utopias, na medida em que o mesmo não concebe outros mundos, mas
somente “o outro mundo”, houve por parte de alguns dos colonos peregrinos-protestantes
ingleses na América uma “procura de felicidade ativa” a partir da idealização de novas
configurações sociais, as quais nasciam de uma demanda da tragédia e do drama histórico
vivenciados; tudo isto configurava-se segundo o próprio Trousson como elementos do
discurso utópico.
Essas novas possibilidades de configuração social se deram dentre certos
grupos influenciados pelos mais diversos milenarismos ingleses que se prolongaram na
América do Norte. Para alguns destes milenaristas as colônias inglesas do além-mar eram
vistas como um paraíso na terra, a terra prometida, o jardim das delícias, local repleto de
belezas e riquezas extraordinárias.
Desta forma, o elemento religioso não pode de modo algum ser posto de lado
na tentativa de compreensão da formação dos Estados Unidos enquanto Nação, levando-
se em consideração que o puritanismo inglês aportado na América no século XVII forjou-
se, em grande medida, a partir da reelaboração do milenarismo em um pós-milenarismo
que postava nas mãos dos homens a tarefa de constituir o reino dos céus na terra.
Esta nova perspectiva milenarista pôde forjar no decorrer do século XVIII o
que Jean Delumeau (DELUMEAU, 1997:246) denominou de “milenarismo civil” o qual
propunha que a principal causa de Deus na terra seria a liberdade e a luta contra a tirania.
Assim, ganhava vulto nas colônias inglesas da América e, posteriormente, nos Estados
Unidos da América a convicção de que seu povo tinha um chamado de Deus para
desempenhar um “papel relevante na redenção do mundo” (DELUMEAU, 1997:246).
Coadunavam-se a essa visão de mundo várias alegorias bíblicas, dentre elas
a da existência de um “povo eleito”. Segundo Fernando Catroga, os Estados Unidos
forjaram-se como nação a partir de uma série de analogias tais como: “O seu Genesis (o

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“Mayflower Compact”), o seu Exodus (a Declaração da Independência), os seus Dez
Mandamentos (a Constituição, o Bill of Rights)” (CATROGA, 2005:30).
De modo diferente às nações européias, as quais buscavam sua legitimação a
partir da constituição de um passado, os Estados Unidos da América postavam-se como
nação legitimada a partir da certeza da consecução de um futuro glorioso. Em um artigo
de 1839, John Louis O’Sullivan, jornalista democrata, que propugnou o ideal do Destino
Manifesto Norte-Americano afirmava que “Yes, we are the nation of progress, of
individual freedom, of universal enfrachisement... Who, then, can doubt that our country
is destined to be the great nation of futurity?” (CATROGA, 2005:68).
Este futuro legitimador configurou-se com maior clareza com a expansão
territorial norte-americana durante o século XIX, que forjou a Teoria do “Destino
Manifesto”, a qual por sua vez legitimava o ideário de expansão. Segundo tal teoria:

Tendo a América sido escolhida por Deus, a sua história só pode ser a da
objectivação de um manifest destiny
(...)
Em termos concretos, reivindicava-se o direito de os EUA ocuparem todo o
continente, em nome da realização dos valores consignados nos seus textos
fundadores. Com isto, o conceito sintetizava as promessas do messianismo
secular, há muito semeadas pela religião civil. (CATROGA, 2005:67-68)

Tal perspectiva postava como grande mérito e valor estadunidense ser esta
nação a “oficina da liberdade” (GAY, 1972:54) e como tal configurava-se como um
exemplo aos povos do mundo, isto é, “A América do Norte era nova, não tinha modelo,
mas era um modelo para os outros” (GAY, 1972:54).
Nos Estados Unidos o Destino Manifesto embasava não apenas a perspectiva
de uma nação construída sob os auspícios divinos, mas também que tinha por dever a
propagação da graça divina aos recantos do mundo. Esta empreitada alimentou, por sua
vez, os projetos de missionarismo protestante que tomaram fôlego nas igrejas
estadunidenses, no século XIX.
Antonio Gouvêa Mendonça (MENDONÇA, 1995:63) afirma que, entre os
últimos anos do século XVIII e os primeiros vinte anos do XIX, já havia nos Estados
Unidos mais de vinte sociedades missionárias protestantes (presbiterianas, batistas,
congregacionais e metodistas) voltadas à evangelização dos povos nativo-americanos. Na

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década de 1830 surgiram os comitês de missões estrangeiras levando os olhares
protestantes estadunidenses para as outras nações.
O alargamento da “Fronteira” até o Pacífico concluiu-se em conjunto com a
efervescência dos chamados movimentos avivamentalistas (revivals) nas igrejas
protestantes, os quais exigiam de seus fiéis maior investimento e dedicação no trabalho
missionário para além das fronteiras; e tal processo reforçou-se com a conjunta
propagação do ideário do Destino Manifesto.
Tal perspectiva caminhava em uma direção em que a linha de raciocínio era
a seguinte: como detentores da “verdade” os protestantes estadunidenses deveriam estar
convencidos de seu supremo dever em compartilhar tal “verdade” às nações que ainda
não haviam tido acesso a este privilégio concedido pelo próprio Deus.
Assim, o expansionismo norte-americano oitocentista ia para além do
espectro territorial, postando-se como “desígnio agora secularizado e apresentado como
um destino simultaneamente pragmático (o expansionismo), religioso e utópico”
(CATROGA, 2005:68).
Esse ethos utópico apresenta-se, segundo Rubem Alves, na ideia de uma
“utopia social protestante”, que constituiria a melhor sociedade possível:

A melhor sociedade possível será aquela em que todos forem protestantes.


Uma sociedade protestante será livre, democrática e rica. Será livre e
democrática porque o “livre exame” e a própria organização política das
Igrejas protestantes o exigem. Será rica porque o senso de responsabilidade
individual, exigido pela doutrina da mordomia, e a bênção de Deus sobre
aqueles que se submetem à sua vontade produzirão o máximo de bem-estar
econômico. (ALVES, 2005:275)

Tal constituição de pensamento dialoga com algumas das características de


um discurso utópico, dentre as quais o seu caráter antropocêntrico (TROUSSON,
2005:128). Isto é, os missionários protestantes propunham-se não apenas à pregação da
salvação das almas dos homens de outras nações, mas também, à busca pela construção
de uma sociedade terrena mais feliz, embasada pela moral cristã protestante.
Tal sociedade tratar-se-ia de uma comunidade cujos marcos seriam o amor, o
perdão e a liberdade, e, além disso, apesar da crença cristã da imperfectibilidade do ser
humano, tal comunidade utópica embasada na moral protestante teria menos sofrimentos,

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na medida em que o respeito à propriedade, à família e à integridade física estariam no
cerne dessa comunidade.
Não obstante a premissa de que tais protestantismos constituíam-se a partir
de uma lógica teológica cristã na qual a escatologia não podia ser lançada, essa espécie
de utopia protestante admitia a esperança de construção de uma comunidade feliz na terra
a partir do esforço ativo dos fiéis e da adequação a uma conduta moral condizente aos
ensinamentos cristãos.
Para Alves, tal perspectiva pode ser considerada como utópica na medida em
que:

A proposta utópica se propõe a pensar o real a partir do possível. (...) Os


homens não dão o próximo passo em decorrência do passo anterior. Eles dão
o próximo passo em função do horizonte de esperança para onde caminham. É
a esperança do futuro que gera a dinâmica do presente. A utopia é um horizonte
de esperança. Horizonte que ao ser alcançado, se negará a si mesmo, na medida
em que ele se abre para novos horizontes. (ALVES, 2004:61)

Este protestantismo embasava-se em uma espécie de “teologia


antropológica”, na medida em que postava grande valorização no homem, tendo-o como
ser ativo e livre. Desta maneira, buscava-se “conduzir o pensamento cristão a uma
unidade orgânica com o ponto de vista evolucionista, com os movimentos de reconstrução
social e com as esperanças de “um mundo melhor”” (MENDONÇA, 1995:58).
De certa maneira, pode-se afirmar que o desenvolvimento técnico e científico
dos séculos XVIII e XIX culminou em uma significativa mudança de rumo da utopia. A
perspectiva de um “não lugar” cuja felicidade fosse possível começou a dar mostras de
decadência na medida em que cada vez mais o globo era menos desconhecido e perdia-
se o encantamento de descobrir um lugar idílico em algum ponto remoto do planeta como
era a ilha seiscentista de Thomas Morus.
Surge então o discurso da Ucronia, isto é, a utopia se desloca do paradigma
geográfico para o temporal. Como afirma Reinhart Koselleck, ocorre neste período uma
temporalização da utopia, a qual modifica seu status na medida em que:

With the utopia of the future, it was different: the future cannot be observed or
checked; as the future, it cannot be captured by the experience. In the
repertoire of constructing the fiction, the utopia of the future is, therefore, a

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genuine and pure achievement of the author’s mind. Even the imagined
support of spatial controls break free. In this way, the fictional status of a
temporal utopia differentiates itself from a spatial utopia. (KOSELLECK,
2002:87)

Assim, durante o século XIX ocorre uma polifonia discursiva que elenca e,
por vezes, coaduna elementos que remontam ao progresso, a um futuro feliz, a transição
rumo a uma sociedade nova, enfim, à ucronia. Vê-se então uma miscelânea entre utopias,
projetos igualitários e esperanças milenaristas, as quais Delumeau considera como
propagadores da passagem do alhures ao futuro (DELUMEAU, 1997:267).
Neste contexto, o protestantismo proselitista das missões norte-americanas
tomaram o Brasil como um de seus alvos a partir da segunda metade do século XIX;
assim, diversos comitês de missões estrangeiras de variadas vertentes denominacionais
protestantes enviaram missionários ao Império do Brasil, os quais acabaram por fundar
várias de suas igrejas no território brasileiro.
Ao findar do século XIX grande parte dos líderes protestantes no Brasil ainda
eram naturais dos Estados Unidos, nação que trazia, sob os auspícios da doutrina do
Destino Manifesto, o baluarte da República, da democracia, da liberdade e do
protestantismo na América.
Dentre estes líderes estava o reverendo presbiteriano De Lacey Wardlaw, que
havia partido dos Estados Unidos rumo ao Brasil em 1880 e que em 1882 seria designado
para fundar uma igreja Presbiteriana na cidade de Fortaleza. Wardlaw que se utilizava de
um jornal local, o ‘Libertador’, como meio de propaganda da missão presbiteriana no
Ceará, escreveria em 1890 acerca da proclamação da república e da abolição da
escravidão no Brasil nos seguintes termos:

Enquanto o mundo civilisado contempla admirado o espetáculo sem parallelo


na historia, de um povo que sem derramar uma gota de sangue esmigalha de
uma só vez e para sempre o jugo da escravidão, emancipando milhões dos seus
semelhantes por meio d’um nós queremos e está feito; e em seguida
despedaçando o jugo monarchista sem sequer sacrificar uma só vida, levanta-
se livre e independente; a nação triumphante, caminha, a passos largos, o
progresso, esse filho da liberdade – a liberdade política – que dá a nação o
direito de se governar a si mesmo – a liberdade religiosa – que garante ao
individuo o pleno direito de seguir conscienciosamente as suas convicções
religiosas.
O que em outras nações custou longos annos de guerra – guerras sanguinárias
que deixaram o solo pátrio ensopado com o sangue de seus próprios filhos,

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empobrecendo o povo, e sobrecarregando os thesouros nacionaes com dividas
immensas – aqui se obteve em poucas horas, sem sacrifício algum!
Bem pode o povo prorromper n’um grande
VIVA A LIBERDADE !!!
As industrias desenvolvem-se!
O commercio estende-se!
A immigração augmenta-se!
Que futuro não nos espera?! (LIBERTADOR, 1890) 2

De certa maneira tal discurso assemelha-se muito mais a um ideário de


progresso do que o de uma utopia. Porém, se levarmos em consideração o conjunto dos
outros textos deste reverendo sobre uma sociedade futura no Brasil perceberemos que ela
remonta a elementos de uma ucronia ou da “utopia social protestante” citada por Rubem
Alves, conforme as palavras do Reverendo Lacey de 1887:

O Brasil não é um paiz pobre; o seu povo não é naturalmente incapaz de


apprender; porém conserva a religião de seus pais, o carro de boi dos seus pais,
a ignorância de seus pais; e enquanto preserva estas cousas vai ficar atraz dos
outros paízes. O arado, as estradas de ferro, a inteligência, a educação, a Biblia
vão em companhia. O que o Brazil tem de bom vem dos paizes protestantes;
As estradas de Ferros, os vapores, as linhas telegraphicas vem em maior parte
dos paizes protestantes, são geralmente invenções de protestantes e com
dinheiro dos protestantes, e a regra é onde há mais protestantes há mais
progresso ou onde há mais progresso há mais protestantes; cada um pode
decidir ao que é a causa e o que é os effeitos, porém o facto é que o progresso
e o protestantismo andam com mãos dadas. (LIBERTADOR, 1887)3

Percebe-se então, que dialogam aqui dois aspectos centrais da utopia/ucronia


segundo Lyman Sargent: 1. A sociedade que se quer não existe; 2. O autor procura um
caminho para essa sociedade almejada (SARGENT, 2005:157). Isto é, a utopia/ucronia
trata-se de um sonho social, apesar de não tratar-se de uma sociedade perfeita.
Tal sonho social protestante seria para esses missionários estadunidenses
protestantes a consecução de suas missões, ou seja, a conversão de seus “alvos” ao
protestantismo. Esta conversão traria uma radical mudança de comportamento social e,
desta maneira, apesar da continuidade da imperfeição humana, a vida seria mais feliz e
todas as benesses do protestantismo, como, por exemplo, o progresso material, poderiam
ser experimentadas plenamente.

2
Tal trecho foi retirado por De Lacey Wardlaw do periódico “Imprensa Evangélica” de São Paulo, e
publicado no ‘Libertador’ em 06 de dezembro de 1890.
3
Texto publicado em 30 de abril de 1887.
7
Bibliografia:

ALVES, Rubem. Dogmatismo & Tolerância. São Paulo: Edições Loyola, 2004.
_______. Religião e Repressão. São Paulo: Edições Loyola, 2005.
CATROGA, Fernando. Nação, Mito e Rito: Religião civil e comemoracionismo (EUA,
França e Portugal). Fortaleza: Edições NUDOC / Museu do Ceará, 2005.
DELUMEAU, Jean. Mil anos de felicidade: Uma história do Paraíso. Tradução de Paulo
Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
GAY, Peter. O Iluminismo. WOODWARD, C. Van. Ensaios comparativos sobre a
história americana. Tradução de Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Editora
Cultrix, 1972.
JENSEN, Merril. A fase colonial. In. WOODWARD, C. Van. Ensaios comparativos
sobre a história americana. Tradução de Octavio Mendes Cajado. São Paulo:
Editora Cultrix, 1972.
Jornal “Libertador”. Fortaleza, 1887-1890.
KOSELLECK, Reinhart. The Practice of Conceptual History: timing history, spacing
concepts. Stanford: Stanford UP, 2002.
LIAKOS, Antonis. Utopian and Historical Thinking: interplays and transferences. In.
Historein. Volume 7. 2007.
MENDONÇA, Antonio Gouvêa. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no
Brasil. São Paulo: Editora IMS, 1995.
SARGENT, Lyman Tower. What is a Utopia? In. Morus: Utopia e Renascimento.
Número 2. 2005.
TROUSSON, Raymond. Utopia e utopismo. In. Morus: Utopia e Renascimento. Número
2. 2005.

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