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Grada Kilomba: “O colonialismo

é a política do medo. É criar


corpos desviantes e dizer que nós
temos que nos defender deles”
Artista multidisciplinar portuguesa, cuja exposição
'Desobediências Poéticas' está em cartaz na Pinacoteca
de São Paulo, questiona as representações de arte e
conhecimento

A artista portuguesa Grada Kilomba. MARESSA ANDRIOLI


JOANA OLIVEIRA

São Paulo - 12 SEP 2019 - 12:05 BRT

Quando Grada Kilomba (Lisboa, 1968) preparava sua vinda para


a Pinacoteca de São Paulo —onde sua exposição Desobediências
Poéticas fica em cartaz até 30 de setembro, aconteceu "uma
coisa muito curiosa". Segundo conta, ao enviar sua biografia, a
acadêmica, psicanalista, filósofa, escritora e artista
multidisciplinar (como melhor se define), teve sua biografia
reduzida por "uma série de instituições" como a “única estudante
negra na universidade e que ganhou uma bolsa e ir para a
Alemanha” —ela mudou-se para Berlim em 2008, para cursar o
doutorado em Filosofia—. Todo o resto desapareceu. E é
justamente na luta contra essa redução que a obra de Kilomba
está centrada. Descolonizar é o verbo que ela, com origens em
São Tomé e Príncipe e em Angola, mais conjuga.

"Como artista negra, todo o teu percurso desaparece muito


rapidamente. E há um certo populismo em reduzir tua biografia a
um roteiro quase de telenovela, uma coisa bem sensacionalista,
que não explica quem tu és, nem a complexidade do teu
trabalho", reflete, em uma de suas instalações na Pinacoteca,
com a fala pausada, em um tom de voz que é quase um sussurro
e que transmite, ao mesmo tempo, firmeza e serenidade. Uma
semana depois da conversa com o EL PAÍS, em julho, Kilomba
tornaria-se a autora mais vendida da Flip 2019 (Festival
Internacional de Literatura de Paraty), com Memórias da
Plantação (Cobogó), em que narra histórias de racismo
cotidiano.

O livro é um exemplo de seu trabalho MAIS INFORMAÇÕES


híbrido e interdisciplinar: o texto surgiu com
um formato acadêmico e transformou-se a
ponto de ser adaptado para o teatro. "Nós “É preciso discutir
temos uma noção muito patriarcal e fálica do por que a mulher
que é o conhecimento. Fazemos muitas negra é a maior
vítima de estupro
coisas, mas há uma hierarquia: aquilo que no Brasil”
está ligado à academia é o verdadeiro
conhecimento e a verdadeira profissão.
Depois, nós nos especializamos numa coisa,
A cultura negra
depois fazemos um mestrado, um
importa
doutorado… É uma coisa bem fálica que vai
crescendo, crescendo, crescendo. Eu acho a
coisa é muito mais cíclica, mais circular, em
que nosso conhecimento atravessa muitas O museu que
vende ‘warhols’
diferentes disciplinas e está em diálogo com
para comprar obras
diferentes formatos", defende. Para de mulheres e
negros
Kilomba, o saber e a arte também são
territórios de descolonização.

Por isso, suas instalações na Pinacoteca dialogam pouco (ou


quase nada) com o acervo do museu. A mostra inclui as
obras Illusions, que remete à tradição oral africana, ou griot, em
que essa mesma tradição é usada para ressignificar mitos greco-
romanos, com estética minimalista e protagonismo de corpos
negros. É assim que Kilomba rebela-se contra o que chama
de white cubes, as salas de museus que integram um sistema que
se propõe universal, mas não é. "A Pinacoteca, que tem um
acervo de arte brasileira composto maioritariamente por duas
disciplinas clássicas, esculturas e pinturas, representa corpos que
não são todos os corpos brasileiros. Portanto, há uma narrativa
do que é o conhecimento, do que é a arte, e dos corpos,
sexualidades e dos gêneros excluídos, e que cria categorias para
desumanizar certos corpos e identificá-los como desviantes,
inferiores, insubordinados, aqueles que não podem representar a
nação. Essa é uma das dimensões do colonialismo, que é
patriarcal, é homofóbico, é toda forma de opressão", resume.

A artista considera três dimensões intrínsecas ao colonialismo: a


marginalização de certos corpos e certas identidades; a
capitalização da terra, da natureza, do ambiente; e a
militarização das relações humanas. "A política do colonialismo
é a política do medo. É criar o 'outro', criar corpos desviantes e
dizer que eles são assustadores e terríveis e que nós temos que
defender-nos deles como barreiras como passaportes e
fronteiras".

Desmantelar essas estruturas de poder, defende Kilomba, passa


também pela linguagem visual e semântica. "Normalizamos
palavras e imagens que nos informam quem pode representar a
condição humana e quem não pode. A linguagem também é
transporte de violência, por isso precisamos criar novos formatos
e narrativas. Essa desobediência poética é descolonizar", diz.

A exposição é composta por duas instalações em vídeo —em


que a artista interpela o público diretamente ao narrar as histórias
de Édipo e Narciso, interpretados por atores negros em um
infinito fundo branco—, as projeções de The Dictionary, feitas
especialmente para a Pinacoteca, onde ela reinterpreta cinco
palavras
(negação, culpa, vergonha,reconhecimento e reparação) com
uso de textos e sons; e uma escultura, Table of Goods, em que
produtos coloniais como açúcar, café e cacau são inseridos num
monte de terra, em referência ao colonialismo e à exploração de
africanos escravizados.
"Gosto de criar instalações em
que a audiência vem e não sabe
o que é nem como é. Esse
momento de confusão é
descolonização. É quando
começamos a questionar o que
é o conhecimento, o que eu sei
e o que eu não sei, e por que eu
não sei e que relação isso tem
com o ato de silenciar e
invisibilizar. Na arte, todas as
peças são capazes de levantar
essas questões", afirma a artista. Imagem de 'Illusions', instalação
audiovisual de Grada Kilomba na
Pinacoteca de São Paulo.

Centralidades
Arte de Grada Kilomba é de uma estética digital, minimalista e
futurista, quase espacial, em que corpos se movimentos em
espaços em branco. "Tudo isso é parte de uma estratégia do
movimento negro de retirar significados. As pessoas estão à
espera de símbolos que não dou. Esperam uma artista negra,
então vai haver mágica e aquilo e tal, e não há. Gosto de brincar
com essa expectativa colonial", diz.
Frequentemente citada como uma das expoentes da arte
contemporânea, ela não quer ser conhecida exclusivamente
como artista-mulher-negra. "Quero a liberdade de fazer meu
trabalho sem ser reduzida a um corpo, a uma biografia
específica. É uma negociação entre ocupar um espaço e trazer
uma narrativa e, ao mesmo tempo, não ter que ser marcada para
poder estar nesse espaço". Como exemplo, Kilomba fala
de Narciso e Eco, instalação audiovisual em que discute a
"branquitude" como privilégio, "um lugar que se apresenta como
um centro ausente, porque essa centralidade não é vista como
relevante". "É esse privilégio de não ser marcado que produz o
poder, essa ideia de que a branquitude é a condição humana e
que, portanto, não precisa ser mencionada, porque, quando
falamos de pessoas, falamos de pessoas brancas. E quando
falamos de mulheres, falamos de mulheres brancas. E depois
falamos sobre os outros", explica.

Kilomba comenta que há, no Brasil, uma "euforia existencial"


por parte do público na recepção de trabalhos artísticos que
reflitam essas questões. "O público está cem anos à frente das
instituições, para dizer a verdade", ri e completa: "Há um apelo
pela arte que trata das questões de humanidade e igualdade.
Infelizmente, essas ainda são visões muito futuristas no
presente".

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