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A guerra entre o lugar de fala e o lugar de escuta

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão
e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”
Art. 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948)

O Iluminismo foi um movimento intelectual ocorrido, principalmente, no século XVIII, que


defendia a prevalência da racionalidade humana sobre os preconceitos, os fatalismos, as crenças
e as superstições. Como mostrou Condorcet (1743-1794), em livro publicado em 1794, o
iluminismo defendia princípios universais como “Dignidade da pessoa humana” (todos nascem
livres e iguais em direitos), “Progresso econômico e humano”, “Combate às desigualdades
sociais dentro de cada nação”, “Destruição da desigualdade entre as nações”, “Igualdade de
direitos entre homens e mulheres)”, “Fim da escravidão”, “Combate ao colonialismo”, etc. Tudo
isto, de certa forma, ficou sintetizado no lema da Revolução Francesa: “Liberdade, Igualdade,
Fraternidade”.

O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) escreveu, originalmente, em 1783, a definição


mais citada sobre a concepção iluminista: "O iluminismo é a saída do ser humano de sua
menoridade, da qual é o próprio culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir de seu
entendimento sem a direção de outrem. O homem é culpado por essa menoridade quando sua
causa não reside numa deficiência intelectual, mas na falta de decisão e de coragem de usar a
razão sem a tutela alheia. Sapere aude! Ousa servir-te de tua razão! Eis a divisa do Iluminismo”
(Kant, 1985, p.25).

Mas, na prática, a ideia de razão e progresso dos iluministas não trouxe, para as sucessivas
gerações, todos os sonhos imaginados e, inclusive, trouxe muitos pesadelos indesejados. O
imperativo categórico kantiano (agir de tal modo que a máxima da tua ação possa valer como
lei universal) não é fácil de se materializar. Como mostrou outro pensador alemão, Max Weber
(1864-1920), a razão universal é difícil de encontrar de forma pura, pois não há como ignorar a
oposição existente entre uma “razão substantiva” (capaz de pensar fins e valores) e uma “razão
instrumental” (que é relativa e busca ajustar os meios aos fins).

Seguindo na trilha alemã (Caetano Veloso disse que “só é possível filosofar em alemão”), Karl
Marx (1818-1883) inaugurou a percepção de que não existe uma racionalidade no abstrato, pois
a razão seria formada a partir da posição social dos indivíduos e que a “consciência de classe”
depende da inserção das pessoas na estrutura produtiva. Para Marx existia uma contradição

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fundamental entre capital e trabalho e seria impossível qualquer tentativa de conciliar os
interesses e as aspirações de classes opostas. A consciência e o “lugar de fala” proletário é
inconciliável com a consciência e o “lugar de fala” da burguesia. O que sai da boca de um não
entra no ouvido do outro. São dois mundos irreconciliáveis.

No pensamento marxista, não existe ponto de encontro, acordo e conciliação, pois o capitalismo
só existe por meio das relações sociais baseadas na dominação e na exploração do trabalho. A
única solução é a superação das relações capitalistas, por meio da não democrática fórmula da
“expropriação dos expropriadores”. Para Marx, a história da humanidade é a história da luta de
classes e o proletariado seria a classe que deteria o poder de transcender as sociedades
fraturadas e estabelecer a verdade absoluta e objetiva de um mundo sem dominação e
exploração.

Ou seja, a racionalidade proletária estaria de acordo com o materialismo dialético e a destituição


e destruição dos proprietários particulares dos meios de produção (fim da burguesia). A
revolução das classes produtoras de mais-valia estaria de acordo com uma suposta verdade
teleológica da história. Para construir o futuro de harmonia entre todas as pessoas de todos os
lugares, seria necessário a implementação de uma “ditadura do proletariado” para reprimir e
suprimir os interesses (e a fala) das classes dominantes até a criação de uma sociedade
comunista e sem classes, isto é, uma sociedade sem “consciência de classe”, mas com uma
consciência universal onde todas as pessoas entenderiam a mesma linguagem.

No comunismo não haveria “lugar de fala” e nem “lugar de escuta”, pois haveria a prevalência
do princípio harmônico e universal: “De cada pessoa, segundo sua capacidade; a cada pessoa,
segundo suas necessidades”.

Porém, desde a morte de Marx muita coisa mudou. Surgiu e desapareceu a URSS. Os partidos
comunistas ou acabaram enquanto força política significativa ou viraram partidos social-
democratas. A China virou um “capitalismo de Estado”. As vias autoritárias de transformação
social perderam legitimidade. Atualmente, há uma rejeição ampla, geral e irrestrita à ideia de
uma “ditadura da fala e dos interesses proletários”. Mesmo porque, o desenvolvimento da
economia urbana-industrial e a reestruturação produtiva reduziram o percentual de
trabalhadores que produzem mais-valia, além de complexificar e confundir a polarização entre
as classes sociais. Desta forma, na contemporalidade, uma sociedade sem classes (ou
“uniclassista”) é uma possibilidade cada vez mais distante.

Na verdade, a imaginada bipolaridade entre as classes sociais se transformou em


multipolaridade entre os estratos socioeconômicos e o surgimento de diferentes atores sociais
– nem sempre com interesses e perspectivas gerais equivalentes e convergentes – deu voz a
grupos com identidades socialmente construídas de gênero, raça, geração, orientação sexual,
religião, local de nascimento, cultura, nacionalidade, etc.

Em um possível imperativo categórico do iluminismo os princípios da igualdade de


oportunidades, da luta contra a exclusão econômica e do combate a todas as formas de
discriminação e privilégios, reforçado por um arcabouço legal adequado, seria suficiente para
lidar com uma estrutura social complexa e desigual.

Porém, a transposição do aparato teórico da ideia de luta de classes para lidar com os conflitos
específicos e com as diferentes visões de mundo dos diversos grupos identitários é não somente
uma atitude anacrônica, como também uma atitude revisionista e reducionista da filosofia
marxista. Embora mantenha o mesmo viés autoritário.

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Desde 1948, e especialmente depois da Conferência de Viena, em 1993, a concepção dos
Direitos Humanos inalienáveis, indivisíveis e universais tem servido de base para as sociedades
democráticas, onde as minorias são legalmente protegidas das investidas da maioria. Nas
sociedades democráticas – mesmo com todas as suas imperfeições – as diferenças, em geral,
não são sufocadas em nome de uma visão hegemônica. Numa sociedade onde as diferentes
visões de mundo não podem ser eliminadas (por exemplo, via uma ditadura) torna-se necessário
regras de convivência e de respeito mútuo, com base em princípios racionais e universais.

As sociedades democráticas, na medida do possível, tentam combater os preconceitos e


implementam medidas para combater o sexismo, o racismo, o escravismo, o colonialismo, o
idadismo, o especismo, a homofobia, ou a discriminação fundada em religião, casta, local de
nascimento, etc. Para tornar a luta contra a desigualdade e os preconceitos mais efetiva são
adotadas políticas de “discriminação positiva” buscando tomar ações efetivas para a promoção
da igualdade.

Evidentemente, que cada pessoa e cada grupo de pessoas – com suas características sociais e
culturais específicas – enxerga o mundo de maneira própria e possui um forma de se relacionar
com as demais pessoas e camadas sociais. Mas numa sociedade não estagnada e com
mobilidade espacial e social os relacionamentos não são fixos, nem os valores ficam congelados.
Por exemplo, uma pessoa que nasceu no meio rural em uma família com baixa instrução e se
muda para o meio urbano e adquire um nível mais elevado de educação provavelmente vai
passar por uma mudança cultural relevante.

No geral, as características sociais de cada grupo são perpassadas por marcadores individuais
transversais, como gênero, geração, raça, religião, nível de renda e educação, etc. Um homem
branco, idoso, heterossexual, católico, assalariado e de baixo nível de escolaridade e renda deve
ter um tipo de comportamento e uma visão de mundo algo diferente de uma mulher branca,
jovem, agnóstica e que trabalhe por conta própria ou um homem negro, de meia idade,
evangélico, empresário ou uma pessoa LGBT de alto nível educacional e profissional liberal. Isto
é, a combinação de características individuais e sociais é quase infinita. Mas as diferenças
individuais não são obstáculos ao progresso coletivo se as pessoas são iguais em direito e em
oportunidades para desenvolver plenamente suas potencialidades.

Mas toda a concepção geral de uma sociedade democrática com igualdade de oportunidades –
sendo todos os cidadãos iguais perante a lei - é deixada de lado quando se adota a perspectiva
identitária. A ideia de que os discursos sobre a condição da mulher devem ser formulados e
enunciados por mulheres, aqueles sobre a condição dos negros por negros, dos indígenas por
indígenas, dos LGBTs pelos LGBTs e assim por diante, fragmenta não só a sociedade, mas
fragmenta a perspectiva do cidadão universal. É como se a essência fosse mais importante que
a existência ou que fosse instaurado o império do determinismo essencialista.

Por exemplo, a exigência de uma essência feminina para fundamentar o movimento feminista
ignora que diversos homens tiveram um papel fundamental na formulação e na ação do
feminismo internacional, tais como François Poullain de la Barre (1647-1725), Marquês de
Condorcet (1743-1794), William Godwin (1756-1836), Charles Fourier (1772-1837), John Stuart
Mill (1806-1873), August Bebel (1840 – 1913), etc.

Um fato incontestável é que a racionalidade universal dos iluministas foi utilizada (na concepção
weberiana) de maneira instrumental pelas classes dominantes do Ocidente para justificar o
colonialismo e para subjugar classes e minorias étnicas e sociais. Sem dúvida, estas elites eram
predominantemente masculinas e brancas (mas não podemos esquecer que muitas atrocidades

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coloniais também foram cometidas pelas “elites masculinas e amarelas” do Japão antes e
durante a Segunda Guerra, assim como as elites chinesas cometem outras atrocidades na
atualidade).

De qualquer forma, não parece historicamente correto culpar apenas um determinado grupo
(por exemplo, todos os homens brancos) por atrocidades cometidas na modernidade. E nem
parece correto querer resgatar os pontos de vista das minorias relegadas e subjugadas culpando
as “elites masculinas de olhos azuis”, pois seria jogar a culpa histórica nas características dos
autores ao invés de combater as políticas que sustentaram o colonialismo, a dominação e a
exploração. Fazer isto é cair na armadilha “Ad hominem”, que é uma falácia que ocorre quando
se critica o indivíduo (ou grupo de indivíduos) e não o conteúdo implementado por estas
pessoas.

Mas a questão mais complexa é quando se usa o “lugar da fala” como argumento de autoridade,
como se os grupos não hegemônicos fossem portadores de uma verdade histórica ou, ainda de
maneira mais radical, fossem portadores da chama revolucionária que vai reparar as injustiças
do passado e construir uma sociedade multicultural e justa, simplesmente negando a ordem
nacional e internacional vigente. Ou seja, buscar transpor o constructo da luta de classes do
marxismo como plataforma dos grupos identitários é o mesmo que repetir a história como farsa
e como tragédia ao mesmo tempo.

Evidentemente todas as pessoas devem ter direito à palavra e à opinião. Ninguém deve se calar
à força. Mas impor a associação entre a fala e o lugar de onde se fala é o mesmo que restringir
a inteligência humana. Os sentidos e a vivência são fundamentais para o conhecimento, mas as
ideias possuem uma dinâmica, em muitos aspectos, independente da materialidade do dia-a-
dia. Nenhuma pessoa é capaz de conhecer ou experimentar a totalidade da diversidade do
mundo, mas isto não impede de se ter uma visão cosmológica global.

Além do mais, todo “lugar de fala” é sempre parcial. Um homem negro pode reivindicar o “lugar
de fala” para denunciar o racismo, mas, ao mesmo tempo esconder o seu sexismo ou seu
menosprezo pelos indígenas ou ciganos. Uma mulher de classe média pode utilizar o discurso
público feminista para combater a sociedade patriarcal, mas reproduzir relações classistas e
hierárquicas de patroa-empregada no âmbito privado e doméstico. Crianças, adultos e idosos
podem expressar seus direitos essenciais, no tempo e no espaço, mas sem entrar em acordo
sobre as transferências intergeracionais e a solidariedade entre gerações. Uma pessoa LGBT
pode fazer um belo discurso contra a heteronormatividade hegemônica e, ao mesmo tempo,
ser especista, ecocida e a favor da escravidão animal. E assim por diante, nas diversas
combinações que as pessoas protagonizam, explicita ou implicitamente, na dialética e na
vivência de vítimas ou algozes, no cotidiano da elementar microfísica dos poderes.

O tema das identidades não é novo nas ciências sociais. Mas com a queda do Muro de Berlim e
o fim da União Soviética, as questões de classe foram sendo substituídas pelo tema do
multiculturalismo e seus dilemas, particularmente as noções de caráter antitético como
igualdade, diferença, tradição, modernidade, dentre outros. Antes a esquerda considerava que
as questões identitárias dividiam a luta de classes. Mas com o definhamento da proposta
socialista a esquerda preferiu trocar uma coisa pela outra. As diferenças culturais, simbólicas e
valorativas deslocaram o primado do determinismo da inserção no modo de produção. Não
obstante, as questões identitárias não tem a mesma transcendência teórica da luta concepção
de classes e das “leis que regem a produção e distribuição dos bens materiais na sociedade”.

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Indubitavelmente é positivo reconhecer que a sociedade é diversa e plural e que é preciso dar
visibilidade às partes e não reproduzir um discurso único dominante do todo. É super válido
reforçar os movimentos que lutam pela afirmação de suas expressões culturais plenas e livres e
as “políticas de reconhecimento” são importantes para visibilizar a identidade única e singular
de indivíduos ou grupos. Contudo, se a afirmação do “lugar de fala” pode ser bom para chamar
a atenção para a opacidade das diferenças e a denúncia da exclusão pode também reforçar os
guetos e os particularismos sectários.

Os grupos que buscam lidar com concepções especificais e não princípios gerais e abstratos
podem entrar em choque com outros grupos que possuem suas próprias concepções
específicas. Parece ser ingenuidade imaginar uma interseccionalidade capaz de unir todos os
grupos identitários contra um inimigo dominante único. Sociedades plurais significa a
coexistência de uma variedade de modos de vida, padrões morais e religiosos, sem,
necessariamente, oferecer um mínimo denominador comum.

Não é fácil encontrar o meio-termo entre os princípios da igualdade e da diferença. Mas nas
democracias, geralmente, se busca os pontos de concordância apesar das diferenças, enquanto
em regimes autoritários se busca ressaltar as diferenças a despeito dos pontos de convergência.

Conviver com direitos iguais, respeitando a diferença, é particularmente difícil para quem tem
uma visão teleológica da história. Adicionalmente, a grande dificuldade é que, num certo
espírito de sociedade pós-moderna, passa a não existir mais uma verdade, mas sim diversas
verdades, levando ao mundo da pós-verdade, onde as emoções e as experiências pessoais e
identitárias tem mais relevância do que os fatos objetivos. Numa sociedade desigual, injusta e
em regressão econômica, com a brasileira, tudo é encarado de forma relativa neste novo mundo
da pós-verdade. Sem referências básicos, a opinião pública fica à mercê das “fake News” (onde
até os terraplanistas encontraram o seu “lugar de fala”). Surge um campo fértil semeado pelas
redes sociais pulverizada por perfis falsos e robôs que espalham dúvidas, intrigas e calúnias.

Neste contexto, e no intuito de dar voz ao diferente, o “lugar de fala” acaba por estigmatizar a
diferença e pode contribuir mais para o silêncio (imposto ou obsequioso) do que para o diálogo.
Como diz o ditado popular: “Quem fala o que quer ouve o que não quer”. Mais bizarro ainda é
a situação de quem fala para ouvidos moucos. É praticamente impossível unificar e libertar os
“fracos e oprimidos” trocando o universal pelo particular.

Assim, sem distanciamento das especificidades, faltaria diálogo, pois o “lugar de fala” não
consegue encontrar correspondência e nem pontos de contato no “lugar de escuta”. Ao invés
de construir canais de comunicação se blinda as portas e janelas à transposição dos sons. Ao
invés de pontes se constrói muros. A esperança seria a adoção de uma linguagem universal -
tipo o Esperanto – para que o combate às desigualdades respeitasse as diferenças reforçando,
ao mesmo tempo, a igualdade de oportunidades para todas as pessoas num ambiente
democrático.

De fato, numa sociedade radicalizada, fraturada e pouco cordial predomina a lacração e passa a
existir um abismo entre o que se fala e o que se ouve, potencializando uma guerra entre as
trincheiras da boca e as trincheiras do ouvido. Por conseguinte, apelar para o “lugar de fala”
tende a contribuir mais para a confusão do que para a solução dos graves problemas brasileiros.

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José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

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