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Direito

Administrativo I

Daniel Lourenço
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Daniel Lourenço Turma B
O Contencioso Administrativo como Berço do Ato Administrativo EM BUSCA CO ATO
O conceito de ato administrativo tem sido sempre recortado em função da
ADMINISTRATIVO
PERDIDO
fiscalização da atividade administrativa, pelos tribunais, pelo que o

estudo do ato administrativo tem de ser feito pela compreensão do

contencioso administrativo.

A génese do contencioso administrativo remonta-se à Revolução

Francesa e ao seu entendimento do princípio da separação de poderes

que determinou o pecado original do contencioso administrativo. Pois,

a legislação revolucionária, em nome do princípio da separação dos

poderes, vai proibir aos tribunais comuns de se imiscuírem do

domínio da Administração, considerando que a resolução de litígios

administrativos (diferentemente dos litígios inter-privados) não

deveria estar submetida a controlo jurisdicional.

Em causa esteve a interpretação dada ao princípio da separação de

poderes, que determinou a criação de uma justiça especial para a

Administração. Tao especial que, nesta primeira fase, nem chega

sequer a existir, dada a total confusão estabelecida entre

administrar e julgar, decorrente do facto da legislação

revolucionária ter tido como primeira consequência subtrair o

contencioso administrativo a qualquer juiz. Com efeito, em vez de se

considerar que julgar a Administração é, ainda, julgar preferia

considerar-se que julgar a Administração é ainda Administrar e que

a jurisdição era o complemento da administrativa.

O julgamento dos litígios administrativos é remetido para os órgãos da

Administração ativa, originando uma situação de verdadeira confusão

entre administradores e juízes. A Administração transforma-se em

juiz em causa própria: é o sistema juiz-administrador.


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A justiça administrativa é fruto da combinação de novas ideias liberais com velhas receitas do Antigo

Regime. A este respeito, é necessário perceber:

 Que, por de trás da conceção francesa de separação dos poderes, que determinou a formação

do contencioso administrativo, se encontrava a figura do Estado;

 Que a proibição dos tribunais judiciais conhecerem dos litígios é, em grande parte,

explicável como uma reação contra o modo de atuação dos parlamentos no Antigo Regime;

 Que a criação do Conselho de Estado, exercendo funções em matéria de contencioso

administrativo se filia diretamente numa outra instituição, o Conselho do Rei, existente no

Antigo Regime;

 Que existe uma certa relação de continuidade, ao nível da técnica jurídica entre o período do

Antigo Regime e o período pós-revolucionário;

 Que existe uma certa relação de continuidade ao nível da técnica jurídica, entre o período do

Antigo Regime e o período pós-revolucionário.

O conceito de Estado surgiu no renascimento para dar resposta à realidade política do continente

europeu. O Estado tinha por função resolver o problema político da dispersão do poder, típica da

Idade Média, através da criação de uma entidade que concentrava e unificava em si todos os

poderes da sociedade, e que encarnava a pessoa do príncipe.

O Estado é, pois, uma realidade criada artificialmente pelo Homem para dar resposta e atingir

determinados objetivos é, por isso, independente de qualquer intervenção sobrenatural. A primeira

forma de separação de poderes é a da rutura do poder espiritual e temporal. Maquiavel traça

também a distinção entre política e moral.

Afastados os limites decorrentes da teoria da origem divina do poder e da dependência da política

relativamente à moral, o que surgiu foi o reforço do poder do Estado e do príncipe, emancipado da

antiga submissão a que estava vinculado. O Estado nasce, como um projeto racional e secularizado, que

vai ser manuseado com a ética da Razão de Estado, que atende sobretudo ao princípio da necessidade,

mais do que a exigências morais ou religiosas.

Esta afirmação do Estado teve duas consequências imediatas, por um lado, a supremacia a nível

interno, ou seja, reforçou e unificou o poder do rei, ao contrário do que acontecia na época medieval, o
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monarca passou a ser encarado como o verdadeiro centro do poder do reino e, por outro lado, levou

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à determinação do poder do monarca e a independência de outros vínculos no plano internacional,

entre eles o Império e o Papado. Ao Estado vai ser, então, associada a característica de soberania (Bodin).

Na história do Estado, há um primeiro momento de máxima concentração e unificação do poder, que

corresponde à teorização do Estado Ditatorial (Maquiavel, Bodin, Hobbes, Rousseau), e um segundo

momento, em que o Estado se sente já suficientemente forte para ir à procura do Homem, para

estabelecer uma organização política que seja o garante da liberdade e dos direitos individuais dos

cidadãos, através do expediente técnico de separação dos poderes, que corresponde à teorização liberal

(Locke e Montesquieu).

O Estado Liberal surge, portanto, como resultado da conjugação de duas visões antagónicas, destes

dois momentos da história do Estado. Hobbes e Rousseau contribuíram para este modelo de Estado

com a teorização do elemento democrático, a ideia de pacto social como origem do poder,

fundamentando o Estado na vontade das pessoas que constituem a sociedade. Porém, para estes autores a

democracia esgotava-se no preciso momento em que era posta em prática, dando origem a um Estado

autoritário (Leviathan; Vontade Geral). Por seu lado, Locke e Montesquieu teorizaram o elemento liberal

do Estado, a ideia de autolimitação do poder político como garantia da liberdade individual. Com eles

a democracia passou a ser uma realidade que se projetava no quotidiano das sociedade políticas, o que

implicava uma organização estadual assente na separação de poderes e virada para a garantia dos direitos

individuais.

O Estado Liberal era, no fundo, o resultado de um compromisso entre princípios liberais, ao nível

da organização do poder político, e princípios autoritários, ao nível do funcionamento e controlo

da Administração.

A raiz comum do liberalismo político e a teorização da separação dos poderes por Montesquieu vão dar

origem a dois tipos totalmente diferentes de sistemas (inglês e francês).

A diferença essencial entre os dois sistemas reside no facto da Inglaterra desconhecer a noção de Estado,

que, pelo contrário, assume uma importância decisiva na caracterização do sistema francês. A própria

palavra Estado é estranha ao sistema inglês, quanto mais o conceito. Em vez deste, encontramos o de

Coroa, que se refere a toda a organização administrativa. Para além disso, os tribunais são encarados

como órgãos autónomos, não são órgãos da Coroa, antes a expressão do direito na terra, não é um
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produto da vontade do príncipe mas obra do costume e das decisões judiciais.

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Diferentemente se passam as coisa no continente europeu,, onde a separação de poderes vai ser

entendida no quadro da noção unificadora de Estado.

A obra de Montesquieu apresenta um outro aspecto que vai marcar decisivamente a construção política

dos revolucionários franceses, e que é a conceção do poder judicial. Segundo Montesquieu, o poder

judicial era aquele através do qual o Estado pune os crimes e julga os diferendos dos particulares, o que

significa que, para este autor, a resolução dos litígios em órbita administrativa não pertencia à

órbita dos tribunais. Desta forma, o julgamento dos litígios administrativos é, por Montesquieu,

concebido apenas como devendo ir a par com a ação de administrar; e, por conseguinte, como devendo

estar incluído nas atribuições dos próprios órgãos da Administração ativa.

Ao subtrair o controlo da Administração ao poder judicial, os revolucionários franceses podiam,

portanto, invocar o princípio da separação de poderes, encontrando cobertura para essa interpretação

do pensamento de Montesquieu. A revolução queria instaurar a separação de poderes e, no fundo, a

separação das autoridades administrativas e judiciais é entendida, na época, como a sua

consequência natural.

É este entendimento do princípio da separação de poderes que vai encontrar a sua concretização na

revolução francesa, e que vai ter consequências quanto ao modo de conceber o controlo da

Administração pelos tribunais.

 Enquanto que na Inglaterra, o princípio da separação de poderes implicava a existência de

um poder judicial autónomo dos demais, cabendo aos tribunais ordinários tanto a

resolução de litígios entre particulares e entre particulares e entidades públicas;

 Na França, em nome do mesmo princípio da separação de poderes, o poder judicial vai

ficar limitado aos conflitos inter-privados, encontrando-se os tribunais ordinários

impedidos de conhecer dos litígios entre particulares e a Administração.

É óbvio que a criação de um contencioso privativo da administração nada tem a ver com a

separação de poderes. Julgar a administração é, ainda, julgar, não devendo confundir-se com a

atividade administrativa.

Se os revolucionários o afirmaram o contrário, foi porque, por detrás da conceção francesa de


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separação dos poderes, se encontra a ideia de Estado. Com efeito, a existência de uma jurisdição
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administrativa foi, durante muito tempo, considerada como impensável e contrária ao Estado e,

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mesmo quando, mais tarde, surge a justiça administrativa, ela era vista somente como instância

de controlo do sistema de formação da vontade do Estado, e não como um verdadeiro tribunal

para fazer valer direitos subjetivos dos indivíduos contra o Estado. O Estado (Administração), não

se podia submeter ao controlo dos seus próprios tribunais, e esta dificuldade em conceber que os

atos estaduais podiam estar submetidos a julgamento constituía o principal obstáculo teórico à

construção do Contencioso Administrativo.

Desta forma, o Estado Liberal, em França, vai dar origem a um novo compromisso entre

princípios liberais, ao nível da organização do poder político, e princípios autoritários, ao nível

da administração pública e das instituições que a controlam. Daí que a conceção que permaneceu,

quanto ao contencioso administrativo, sob fachada jurídica, traduzia uma conceção política

herdada da experiencia do Antigo Regime: a desconfiança perante o poder judicial.

Aquilo que se criou em nome do princípio da separação das autoridades administrativas e judiciais, não

foi a separação mas a confusão entre o poder administrativo e judicial, o que se erigiu foi um sistema em

que o administrador era juiz e o juiz era administrador. O pecado original do contencioso administrativo

foi a criação de um juiz doméstico.

Mas o contencioso administrativo surge também como uma reação dos revolucionários franceses à

atuação dos tribunais na fase terminal do Antigo Regime. Com efeito, no período final do Antigo Regime,

os tribunais franceses tiveram um importante papel na luta contra a conceção do poder real. Os juízes

pretendiam controlar e limitar a atuação do monarca e, essa situação, fez com que se falasse

mesmo num “governo de juízes”.

Os juízes que, de acordo com o modelo de Montesquieu, deveriam ser somente a boca que pronuncia as

palavra da lei, seres inanimados que não podem moderar nem a força nem o rigor daquela, apareciam,

então, em vez disso, como intervenientes ativos no processo político, verdadeiros porta-vozes das

pretensões da nobreza na luta contra a concentração régia do poder.

Conscientes da experiencia anterior, os revolucionários franceses, após a conquista do poder, receavam

que o controlo da atuação da Administração pelos tribunais ordinários pudesse pôr em causa a nova

ordem estabelecida, criando desnecessários entraves à atuação das autoridades administrativas.


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Isso resulta nitidamente do preâmbulo da legislação de “separação dos poderes” de 1789: “a Nação não
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esqueceu o que se deve aos Parlamentos (poder judicial); só eles resistiram à tirania (...) a nossa

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magistratura está constituída, precisamente, para resistir ao despotismo, mas este já não existirá

de ora em diante”. Esta forma de magistratura não é, pois, necessária.” Pelas palavras do professor

Vasco Pereira da Silva “que é como quem diz que os revolucionários estão muito agradecidos pela

atuação dos parlamentos no Antigo Regime, mas não querem que ela se venha a repetir no futuro,

uma vez que, agora, são eles que detêm o poder, pelo que uma tal atuação já não é mais necessária.”

Existia, portanto, um sentimento geral de desconfiança em relação ao poder judicial, inspirado

pela recordação dos Parlamentos do Antigo Regime, que levava a ver nele um rival do poder

Administrativo.

Esse sentimento de desconfiança muito grande relativamente aos tribunais vai ser decisivo para a

interpretação particular do princípio da separação de poderes, surgida com a revolução francesa. A

criação de um contencioso privativo da Administração é determinada pelas circunstancias históricas que

envolveram a instauração do liberalismo em França e, em grande medida, justificável como uma reação

dos revolucionários franceses contra aquela que tinha sido a atuação do poder judicial no período final

do Antigo Regime.

Há uma relação de continuidade entre o Antigo Regime e o Estado Liberal que se espelha em vários

pontos:

 Interdição dos tribunais julgarem os litígios administrativos. É, sem qualquer dúvida, uma

herança do Antigo Regime, era precisamente por causa da independência dos tribunais que o

monarca, pretendendo fortalecer o seu poder, era levado a retirar-lhes o conhecimento dos

assuntos que interessavam diretamente ao seu poder, e a criar para seu uso privativo, ao lado

deles, uma espécie de tribunal mais independente, que pudesse apresentar aos seus súbditos

uma aparência de justiça. Este exemplo do Antigo Regime vai ser seguido pelos revolucionários,

conquistado o poder, os liberais franceses vão considerar indesejável que os tribunais possam

criar obstáculos à atuação da Administração, e é por isso que vão justificar a interdição de

controlo judicial das atuações administrativas com base no princípio da separação de poderes.

 A criação, num momento posterior, do Conselho de Estado, como órgão fiscalizador da

Administração, é, também, explicável como a adoção de uma velha receita do Antigo Regime.

Pois, tinha por modelo, o inspirador Conselho do Rei, da monarquia absolutista. As razoes
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justificativas são semelhantes. Como expõe o professor Vasco Pereira da Silva: “tal como na
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sociedade do Antigo Regime, a desconfiança em relação aos Parlamentos levara à criação do

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Conselho do Rei, também na França pós-revolucionária, o receio de que os tribunais judiciais

seguissem o exemplo dos parlamentos do Antigo Regime, levou à criação do Conselho de

Estado como juiz privativo da Administração”.

 Outra influência do Antigo regime é a que diz respeito à continuidade de técnicas e

instrumentos jurídicos de controlo da Administração, antes e depois da revolução. Pois,

muitos dos meios e instrumentos jurídicos de controlo da Administração no Antigo Regime são,

mais tarde, utilizados e aperfeiçoados pelo Conselho de Estado. Termos como “incompetência”;

“vicio de forma”, “violação da lei”, eram já conhecidos dos Parlamentos;

 Houve uma continuidade de muitos juízes num e noutro regimes. Foram, aliás, os juízes

formados sob o Ancien Regime que elaboraram o princípio “Julgar a Administração é ainda

administrar”.

O “Pecado Original” do Contencioso Administrativo

O pecado original do contencioso administrativo foi o de ter nascido como um contencioso privativo da

Administração. Os circunstancialismos histórico vão refletir-se na criação de um sistema de

isenção judicial da Administração. Contudo, a relação entre Administração e Justiça não se apresentou

sempre de forma unívoca, pode falar-se na existência de 3 fases:

 A Fase de Controlo pelos Próprios Órgãos da Administração Ativa (1789-1799);

Nesta fase, o julgamento dos litígios administrativos era remetido para os próprios órgãos da

Administração ativa. O contencioso administrativo confunde-se com a própria Administração e

cabe às mesmas autoridades. Verifica-se uma confusão total entre administrar e julgar. Assim, não só

o poder administrativo era juiz em causa própria, como, ainda por cima, essa tarefa estava cometida aos

órgãos da Administração ativa, cabendo às autoridades administrativas decisoras o controlo dos atos

que elas próprias tinham praticado.

 A Fase de Justiça Reservada;

Esta fase inicia-se em 1799, com a criação do Conselho de Estado, passando a decisão dos litígios

administrativos a caber a órgãos da Administração consultiva: o Conselho de Estado e o Conselho de

Prefeitura. Já não eram os órgãos decisores da Administração a resolver os litígios com os particulares,
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mas essa decisão continuava a caber a órgãos administrativos, e os pareceres que estes emitiam
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careciam de homologação por parte do Chefe de Estado, basicamente, a última palavra continuava a

depender dos órgãos de Administração Ativa.

 A Fase de Justiça Delegada;

Esta fase fica a dever-se à própria atuação do Conselho de Estado que vai construindo um espaço de

maior autonomia. O Conselho de Estado adquiriu grande prestigio pelo rigor jurídico das suas consultas,

de tal forma de o Governo as homologava sempre, ou quase sempre. Daí que o passo seguinte, na

evolução do contencioso administrativo, tenha sido a delegação aos órgãos consultivos do poder de

decidir dos litígios administrativos, deixando as decisões daqueles de estar sujeitas a homologação

por parte dos órgãos da Administração ativa.

Introduzia-se, então, uma transformação importante no sistema de controlo da Administração, mas, ao

contrário do que defende o professor Freitas do Amaral, o professor Vasco Pereira da Silva, não crê que

se tenha verificado, ainda, a passagem do sistema administrador-juiz para o sistema dos tribunais

administrativos. Uma vez que, continuando a exercer meros poderes delegados (e não poderes próprios

de natureza jurisdicional), o Conselho de Estado (órgão consultivo da administração) não é ainda um

verdadeiro tribunal, mas antes, um corpo meio-administrativo, meio judiciário; um corpo em que se

harmoniza o espirito da Administração e o sentido de Justiça.

A rutura introduzida em1872 pelo sistema de justiça delegada, constituirá mais um passo na caminhada

do contencioso administrativo no sentido da sua plena jurisdicionalização, mas não se trata ainda do

passo derradeiro. Ao contrário do que é dito por alguns autores, esta alteração, não significou, ainda, o

corte do cordão umbilical existente entre a Administração e a Justiça administrativa.

Na verdade, os órgãos do contencioso administrativo não se transformam ainda em verdadeiros

tribunais. Fundamentalmente por 3 razões:

 Porque a natureza dos órgãos da justiça administrativa continuava a ser a de órgãos

administrativos consultivos;

 Porque os poderes de julgamento não eram considerados coo próprios, mas meramente

delegados pelo executivo;

 Porque durante algum tempo mais as decisões do Concelho de Estado continuaram a ser
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entendidas como um recurso de apelação das decisões dos ministros, perante os quais os
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pedidos deviam ser formulados.

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O sistema de justiça delegada era, pois, um modelo meio-administrativo, meio-jurisdicionalizado, porque

simultaneamente ainda ligado à Administração, enquanto manifestação derradeira do sistema

administrador-juiz, e dela autonomizado, em virtude da delegação do poder de julgar.

Desta forma, o sistema da justiça delegada espelhava, no fundo, um compromisso entre as

conceções autoritárias e as conceções liberais que estavam subjacentes ao modelo de Estado liberal,

instituído pela Revolução Francesa.

Mesmo daí em diante, a Justiça Administrativa continuará, portanto, a ser marcada pela experiencia

precedente: a jurisdição do contencioso administrativo não terá, em absoluto sobre a Administração os

mesmos poderes que o comum dos tribunais em relação aos sujeitos a eles submetidos, mas limitar-se-á

ao julgamento das atuações administrativas. Vestígio dessa influência é, por exemplo, a limitação dos

poderes do juiz à anulação dos atos administrativos.

Os Milagres da Justiça Administrativa : Direito e Tribunais Administrativos

Para o professor Pereira da Silva, o grande milagre, aqui, surge pelo facto de uma instituição, que

nasceu com objetivo de proteger a Administração do controlo dos tribunais, se ter transformado

num verdadeiro tribunal através da sua atuação e de ter dado simultaneamente origem ao

Direito Administrativo, cujo fim não é a defesa da Administração mas a garantia dos direitos

particulares. Verdadeiramente, deve falar-se em dois milagres, pois em causa está a criação do Direito

Administrativo e a transformação de um quase-tribunal num verdadeiro tribunal.

O Direito Administrativo obteve a sua consagração através de um acórdão, atestando o seu surgimento.

Em causa estava uma situação banal e triste, uma questão de responsabilidade civil decorrente do

atropelamento de uma criança de cinco anos, Agnés Blanco, por um pequeno vagão carregado de tabaco,

empurrado por quatro operários de uma empresa tabaqueira de natureza pública. O Tribunal de Bordéus

tinha-se declarado incompetente para decidir o problema de responsabilidade civil envolvendo a

Administração Pública e a questão ascendera ao Tribunal de Conflitos.

O acórdão do Tribunal de Conflitos remetia a decisão da questão em litigio para o contencioso

administrativo, salientando as especificidades do Direito Administrativo, e afirmando que o Estado se

encontra submetido a regras especiais, que visam conciliar os direitos do Estado com os direitos dos
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privados.
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Este episódio triste marcou a criação do Direito Administrativo. Criado mais com o objetivo de assegurar

a primazia da Administração do que preocupado com a proteção dos particulares, o Direito

Administrativo só paulatinamente é que se vai libertando dos traumas provocados por uma infância

difícil. Pois, de inicio, as normas criadas pelos tribunais administrativos eram fortemente marcadas

pela ideia de administração como poder do Estado, dotada de poderes de autotutela das suas

decisões, e devendo, por isso, gozar de um estatuto especial embora limitado pela consideração dos

interesses dos particulares.

O Direito administrativo debatia-se com a tarefa de assegurar a primazia da Administração sem, no

entanto, desprezar a proteção do particular. Era necessário conciliar, por um lado, a faceta autoritária,

que implica a ideia da posição privilegiada da Administração e, por outro lado, a faceta liberal, que obriga

a que à Administração sejam impostas restrições especiais no interesse dos cidadãos. Só a pouco e pouco

é que o Direito Administrativo vai deixando de ser o direito dos privilégios especiais da

administração para se tornar no direito regulador das relações jurídicas administrativas .

Mas milagre existe também na transformação de um quase-tribunal num verdadeiro tribunal, em virtude

da sua atuação. Em França, é graças ao privilégio alcançado pela atuação do Conselho de Estado que o

contencioso administrativo se vai progressivamente autonomizando do poder administrativo, podendo

afirmar que os tribunais administrativos se construíram a si mesmos.

A Administração Pública no Estado Liberal

O compromisso teórico entre elementos autoritários e liberais permite falar numa certa continuidade

entre modelos de Estado absoluto e liberal.

Estão aqui em causa princípios conflituantes e, prima facie, opostos. Assim , por um lado, os grandes

princípios da revolução (liberdade, garantia dos cidadãos, legalidade, divisão dos poderes)

destinavam-se a conseguir uma limitação efetiva do poder estadual, concretamente, do poder

executivo, mas, por outro lado, o interesse da nova classe dominante e a própria dinâmica do

processo político dão à luz um poder muito mais forte e temível do que o Estado absoluto, que os

revolucionários da primeira hora pretendiam evitar. Partindo destas diferenças ideológicas, surge a

necessidade de compromissos intermédios relativos ao funcionamento dos centros do poder. Um desses


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compromissos tem, hoje, como nome Direito Administrativo.


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No que respeita à Administração Pública e ao seu controlo existe, portanto, uma continuidade entre as

velhas instituições do Antigo Regime e as novas instituições liberais. Continuidade não é, no entanto,

sinónimo de plágio, ou de total ausência de rutura e de inovação no que respeita à Administração Pública

do Estado Liberal. As instituições do Antigo Regime vão ser entendidas e enquadradas no âmbito de

novas conceções do liberalismo político, o que altera a sua natureza e modo de funcionamento.

O modelo de administração pública surgido com o Estado liberal pode ser, em traços gerais,

caracterizado:

 No que respeita às formas de atuação, por fazer do ato administrativo o seu modo quase

exclusivo de agir;

 Quanto à organização administrativa, por apresentar uma estrutura concentrada e

centralizada;

 E relativamente a fiscalização, pelo sistema de justiça delegada.

O modo normal de agir da Administração Pública era o ato administrativo. Ele era visto como uma

manifestação autoritária do poder estadual relativamente a um particular determinado. O ato

administrativo era encarado como uma manifestação do poder da administração. O ato administrativo

vai, então, conciliar uma vertente autoritária, de exercício de um poder do Estado, com uma vertente de

garantia dos cidadãos, decorrente do princípio da legalidade, reproduzindo assim, a este nível, aquele

compromisso que estava subjacente o conceito liberal de Estado. Neste sentido, o ato administrativo era

encarado como um ato de autoridade (espelho do poder do Estado) e, por outro lado, um instrumento de

garantia dos cidadãos.

A característica mais marcante (e que, por sinal, é herdada do Antigo Regime) é a centralização e a

concentração administrativa do poder. O exemplo mais marcante é a administração napoleónica, a partir

deste momento, vai surgir um modelo de poder público típico dos países da Europa continental com

algumas características comuns que se podem considerar dominantes.

A razão de ser deste modelo de organização administrativa prende-se com as exigências a que o

liberalismo vai procurar dar resposta. Com efeito, a burguesia necessitava e uma estrutura

administrativa racional e centralizada, que permitisse eliminar as disparidades locais e


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conseguir a formação de um mercado nacional, bem como eliminar os perturbadores entraves


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feudais, e também precisava de uma Administração robusta e enérgica, que procedesse à criação

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das infra-estruturas e serviços necessários para potenciar a atividade económica (estradas,

canais, caminhos de ferro,...) e que permitisse a instauração de uma ordem pública vigorosa.

A Administração adquire, então, uma estrutura unificada e hierarquizada, em que as competências dos

diversos órgãos se encontram escalonadas e encadeadas à semelhança de uma pirâmide.

Concebida à imagem de um Homem em ponto grande, a organização administrativa apresenta uma

estrutura unificada e racionalizada em função de um centro que é o Governo. O Estado Liberal , através

do seu modelo da justiça delegada vai procurar conciliar os interesses da Administração com a proteção

dos particulares.

 Por um lado, assegurava-se a primazia da Administração através da sua fiscalização por um órgão

que, apesar de se reconhecer que exercia uma função jurisdicional, se integrava no poder

administrativo e cujos poderes de fiscalização se limitavam à anulação dos actos administrativos.

Desta forma, o contencioso era reconhecido como um auto-controlo da Administração, tendo

como objetivo principal a prossecução da legalidade e do interesse público, e só secundariamente

a defesa dos direitos dos indivíduos, cuja proteção estava confiada ao poder legislativo.

 Por outro lado, garantia-se a proteção dos direitos individuais, a qual era realizada sobretudo

através da lei e não dos meios jurisdicionais. De acordo com a ideologia do liberalismo político, a

Administração era vista como uma entidade agressiva, cuja intervenção era potencialmente

lesiva dos direitos dos cidadãos. A Administração deveria assim submeter-se ao princípio da

legalidade, entendendo-se que a melhor defesa dos direitos dos cidadãos era a que provinha da

lei, enquanto manifestação da vontade geral, uma vontade que tinha preferência dobre a

Administração e que poderia estabelecer espaços de reserva, nos quais a Administração estava

impedida de entrar.

De uma forma geral, o Estado Liberal caracteriza-se por:

 Ato administrativo;

 Organização administrativa concentrada e centralizada;

 Contencioso semi-administrativo/semi-jurisdicional.

Este modelo de atuação, organização e controlo da Administração, que foi ensaiado pela Revolução
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Francesa, vai ser exportado para os restantes países Europeus.


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O Estado Liberal e o Ato Administrativo como Conceito Central de Direito

A noção do ato administrativo surge, em França, como manifestação da conceção francesa da separação

de poderes

Ato e contencioso encontram-se, assim, intimamente ligados. A noção de ato administrativo, surgida no

contencioso, vai passar por duas fases distintas:

 Numa primeira fase, as noções de ato administrativo serve para delimitar as ações da

Administração Pública excluídas por lei de fiscalização dos tribunais judiciais. Esta noção de ato

administrativo resultava da interpretação francesa do princípio da separação dos poderes, que

originou a criação de um contencioso privativo da administração. O ato administrativo gozava de

total isenção do controlo jurisdicional, enquanto manifestação de poder de um Estado que não se

submetia à fiscalização dos seus próprios tribunais. Nesse período a única fiscalização que o ato

administrativo admitia era interna, sendo esse autocontrolo efetuado, num primeiro momento,

pelos próprios órgãos decisores da Administração ativa, e mais tarde por órgão consultivo.

 Num momento posterior, a noção passa a ser utilizada para definir as atuações da Administração

Pública sujeitas ao controlo dos tribunais administrativos. O ato administrativo passou a se um

conceito que funciona ao serviço das garantias dos particulares.

Assim, o conceito de ato administrativo serve primeiro como garantia da Administração, passa a servir

depois como garantia dos particulares. O milagre francês de transformação dos órgãos encarregados do

controlo administrativo em verdadeiros e próprios tribunais, bem assim como do surgimento do Direito

Administrativo, enquanto conjunto de normas que não se limitam a conferir um estatuto especial à

Administração Pública e a sujeitam também a especiais restrições.

Ou seja, a evolução do ato Administrativo, seguiu a própria evolução do contencioso administrativo. No

Estado Liberal, o conceito de ato administrativo que emerge do contencioso administrativo apresenta

uma função dupla:

1. Por um lado, é encarado como um privilégio da Administração, manifestação do poder

administrativo no caso concreto, um ato unilateral cujos efeitos são suscetíveis de ser

impostos aos particulares por via coativa;


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2. Por outro lado, ele constitui um instrumento de garantia dos particulares, na medida em

que abre a via de acesso à Justiça, permitindo a defesa dos privados relativamente às lesões

administrativas lesivas dos seus direitos.

Assim, a noção de ato administrativo, no Estado Liberal, apresenta-se, simultaneamente como

manifestação do poder da administração e instrumento de garantia dos particulares.

Durante muito tempo, o ato administrativo vai ser o centro de toda a dogmática, no ponto central

encontra-se o conceito de ato administrativo, desenvolvido na perspectiva da atuação agressiva,

enquanto expressão de um poder público. O seu centro de gravidade é constituído pelas questões de

legalidade e da proteção jurídica individual. A Administração é encarada como uma Administração

agressiva, representante de um Estado forte, que prossegue o interesse público e, portanto, dificilmente

lhe pode ser oposto um direito de um particular.

De acordo com a conceção liberal, o problema da liberdade individual colocava-se, sobretudo, em face do

Estado, sendo a não intervenção deste e separação radical entre Estado e Sociedade a melhor garantia de

liberdade política. O Estado encontrava-se numa posição de superioridade, atuando através da lei geral e

abstrata e não intervindo, ou intervindo o mínimo, na vida da sociedade. A sociedade era a sociedade

burguesa, que se entendia estar representada no Parlamento, eleito por sufrágio censitário. Assim, a

lógica de separação entre Estado e sociedade, típica do liberalismo político, levava ao entendimento de

ambos como sistemas distintos, dotados de uma lógica própria.

Neste modelo, o Estado relacionava-se com a sociedade por intermédio da lei geral e abstrata, que definia

os limites dos direitos individuais em razão do interesse geral e, simultaneamente, balizava a atuação da

Administração Pública. Desse modo, a garantia da liberdade individual era essencialmente realizada

através da lei.

Era a lei que estabelecia um espaço de reserva, vedado à atuação da Administração (princípio da reserva

de lei), e que manifestava uma vontade estadual que prevalecia sobre a vontade dos órgãos

administrativos (princípio da preferência de lei).

A crença no valor da lei conduziu a uma desvalorização da figura dos direitos subjetivos pela dogmática

jurídico-administrativa do Estado de Direito. Todos os direitos subjetivos determinais e pessoais entre o


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Estado e o cidadão tinham de desaparecer. Apenas entre os cidadãos, no Direito Privado, podiam existir
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direitos subjetivos e pessoais e, mesmo esses, colocavam-se à disposição da vontade do Estado sob a

forma de lei.

O entendimento da lei como expressão lógica e do bem comum, e do direito objetivo como ordenação

superior, acima de todos os direitos subjetivos, assim, como a confusão entre Estado e Direito,

decorrente da consideração deste último como produto exclusivo da vontade estadual, implicavam

logicamente uma noção de Estado de Direito meramente formal. O Estado era Estado de Direito

porque a formação da sua vontade se fazia segundo regras jurídicas, uma vez que ele era o

próprio Direito.

Há, claramente, uma manifestação de compromisso entre uma vertente liberal ao nível da organização

do poder político e uma vertente autoritária no domínio do poder administrativo, que estava na matriz

do modelo de Estado Liberal, dos Direitos do Homem e do Cidadão, constitucionalmente consagrados,

mas totalmente esquecidos quando estava em causa a atuação da Administração Pública. Algo

paradoxalmente, os direitos fundamentais, que tinham sido construídos para evitar as agressões da

Administração na esfera privada, delimitando um espaço livre da intervenção administrativa, eram

totalmente inoperantes em todas aquelas circunstancias em que a Administração não estava impedida de

atuar, em que havia discricionariedade administrativa.

O compromisso entre uma noção liberal de poder político e uma noção autoritária de Administração era

dogmaticamente traduzido pelo reconhecimento de direitos políticos e civis, valendo contra o poder

político e nas relações interprivadas, mas simultaneamente pela negação da existência de direitos

subjetivos nas relações entre os particulares e o poder administrativo.

A doutrina formulava este não reconhecimento de duas maneiras:

 De acordo com uma das orientações, o particular não era titular de direitos subjetivos perante a

Administração, logo, o recurso de anulação perante a Administração era visto como um processo

feitos a um ato, em que o particular não defendia posições jurídicas próprias. Esta conceção

afasta o direito subjetivo do muno do ato administrativo. O particular não era titular de

direitos subjetivos nas relações administrativas, tendo somente um mero interesse

material na anulação do ato administrativo ilegal. Os únicos direitos que lhe eram
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reconhecidos eram de natureza privada, os quais deviam ser respeitados pela atuação
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administrativa, mas que não eram específicos das relações administrativas. O particular não era

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titular de direitos subjetivos nas relações administrativas, tendo somente um mero

interesse material na anulação do ato administrativo ilegal. Os únicos direitos que lhe eram

reconhecidos eram de natureza privada os quais deviam ser respeitados pela atuação

administrativa, mas que não eram específicos das relações administrativas. No contencioso

administrativo o particular não faz valer nenhum direito subjetivo, mas possui apenas um

interesse direto na anulação do ato. Não sendo o particular titular de direitos subjetivos, ele

desempenha no contencioso de anulação o papel de colaborador da Administração. Sem dúvida,

que o recurso é do interesse dos administrados, mas o interesse que eles têm na anulação do ato

coincide com o próprio interesse da boa administração e eles desempenham um papel de um

Ministério Público. O particular é, assim, entendido como um súbdito da Administração

toda-poderosa, ao serviço da qual se encontra, podendo os seus interesses de facto vir a

ser ocasionalmente protegidos pelas normas jurídicas.

 Segundo uma outra orientação, o particular aparentemente podia ser titular de posições

jurídicas substantivas em face da Administração, mas o conteúdo desses direitos

subjetivos em nada se distinguia das normas jurídicas objetivas, não sendo eles mais do

que meros reflexos do direito objetivo (Marcelo Caetano). Para Otto Mayer, defensor de uma

conceção objetiva do direito subjetivo públicos, o direito subjetivo é definido como o poder da

vontade, conferido ao sujeito para seu benefício, delimitando a sua vontade relativamente aos

poderes da vontade dos outro sujeitos, esta noção levava a criar algumas dúvidas quanto à

existência de um direito subjetivo face ao Estado. O grande obstáculo quanto ao reconhecimento

de um direito subjetivo público era precisamente o conceito de Estado, que justificava todos os

compromissos liberais. Esta conceção objetiva de direito subjetivo consiste tão só na

possibilidade de utilizar um poder público em benefício próprio, não é um poder que seja

oponível ao Estado, mas tão só, a possibilidade de exigir que um poder estadual seja exercido de

uma forma favorável ao indivíduo. Para Marcelo Caetano, o direito subjetivo público é aquele

que é conferido à pessoa para prosseguir interesses que sejam também fins do Estado ou tenham

direta relação com o seu desempenho.

A atribuição de um direito subjetivo de conteúdo objetivo não equivale ao reconhecimento efetivo de

posições jurídicas substantivas dos particulares nas relações com a Administração, mas à sua denegação.
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Ambas as posições referidas encontram-se fortemente marcadas por uma visão objetivista do
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contencioso administrativo. O particular que não era titular de direitos subjetivos perante a

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Administração, ou cujos pretensos direitos subjetivos nãos se distinguiam da legalidade objetiva ocupava

no recurso de anulação uma posição de colaborador da Administração, auxiliando na prossecução do

interesse público e na realização da legalidade administrativa.

De um ponto de vista teórico, pode dizer-se que a criação do Estado como pessoa jurídica surgiu

essencialmente por duas razões, que eram:

 A institucionalização do poder, substituindo a vontade do rei pela vontade do Estado e,

possibilitando a subordinação do Estado ao Direito. A finalidade do atributo da personalidade

jurídica era assim, a de tornar impessoal o poder soberano, desvinculando o Estado da figura do

monarca e submetendo o próprio monarca ao Estado (e ao direito), aí onde anteriormente o

Estado era soberano em relação ao Estado e ao Direito.

 A centralização do poder, uma vez que a personalização do poder estadual favorecia um

entendimento centralizado e hierarquizado da organização administrativa, concebida à maneira

de um “homem em ponto grande”.

Outra característica do Estado liberal era a da natureza puramente executiva da Administração, limitada

à concretização das opções contidas nos textos legislativos. À Administração Pública cabia a tarefa

mecânica e hetero-condicionada de realização da vontade do Estado manifestada sob a forma de lei.

Trata-se da influência do liberalismo e do positivismo, os quais, na procura de proteção para o cidadão e

de um fundamento seguro de observação para a ciência, apostaram tudo na lei, reduzindo o direito à lei.

Para eles, o direito é o produto de uma vontade constitucionalmente habilitada e a Administração tende a

ser encarada dentro das leis.

A ideia de uma Administração puramente executiva conduzia a um problema teórico insolúvel, que era o

de saber porque é que se a Administração era execução de leis gozava de tanta liberdade de escolha? A

doutrina esforça-se por resolver o problema mediante afirmação de que o poder discricionário só existia

nos caso expressamente previstos na lei, o que era só uma resposta aparente, uma vez que, por um lado,

o número de leis era diminuto e, por outro lado, essas lei atribuíam à Administração poderes de escolha

muito amplos.

O que é facto é que tal Administração executora gozava de amplos espaços de liberdade de conformação
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material. A doutrina, incapaz de conseguir conciliar o poder discricionário com o princípio da legalidade,
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vai olhar para a desconfiança para a discricionariedade, considerando que ela deveria ser

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progressivamente diminuída em resultado do aumento quantitativo de leis e dos avanços da ciência

jurídica. O poder discricionário vai, então, ser visto como um poder fora-da-lei, uma espécie de

criminalidade tolerada.

Podem encontrar-se várias discussões e teorias sobre a natureza do ato administrativo, todavia, são de

destacar duas principais:

 Maurice Hauriou – trata-se de um ato produtor de efeitos jurídicos, aplicáveis de forma

autoritária, e é realçado o aspeto voluntária da conduta, o poder é uma realidade que acresce a

uma conduta voluntária

 Otto Mayer – o ato administrativo é a manifestação da Administração autoritária que determina

o direito aplicável ao súbdito no caso concreto.

Em ambas as teorias, o ato administrativo é encarado como o exercício do poder administrativo.

Diferente é o modo como o poder é configurado, em Hauriou trata-se de um ato produtor de efeitos

jurídicos, aplicáveis de forma autoritária, e é realçado o aspeto voluntário da conduta; em Mayer está-se

perante um ato de definição do direito aplicável a um particular, pelo que o aspeto voluntário carece de

autonomia.

Em qualquer das suas versões, a noção de ato administrativo corresponde à lógica de funcionamento da

Administração do Estado Liberal pendia para uma noção autoritária.

No sistema de Otto Mayer, o conceito central era o de ato administrativo, uma manifestação da

Administração autoritária e soberana que determina o que deve valer como direito para o súbdito, e,

uma tal construção, sobreviveu à mudança de Estado para a qual foi concebida, continuando a ser

habitual, nos dias de hoje, substituída a desatualizada expressão de súbdito pela de destinatário ou de

lesado.

Em Portugal, a conceção clássica do acto administrativo foi adotada e teorizada por Marcelo Caetano no

quadro de um regime político autoritário.

A passagem do Estado Liberal para o Estado social, com a consequente alteração do ambiente político-

jurídico, teve como consequência a necessidade de mudança de paradigma da Ciência do Direito


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Administrativo. A mudança de modelo de Estado representou o fim da “idade de ouro” o conceito clássico
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de ato administrativo, obrigado agora a defrontar-se com realidades diferentes daquelas para as quais

tinha sido criado.

A Administração Prestadora do Estado Social e Suas Consequências

O Estado, durante muito tempo apenas preocupado com o domínio do político, parece descobrir agora

uma nova vocação. A questão social e as crises cíclicas do capitalismo, dos finais do séc. XIX e inícios do

séc. XX, vieram colocar novos desafios ao poder político, chamando o Estado a desempenhar novas

funções de tipo económico e social. Por um lado, pede-se ao Estado a criação de legislação e de

instituições que permitam pôr termo às condições de miséria operária, e que assegurem um mínimo de

sobrevivência a todos os cidadãos; por outro lado, requer-se a intervenção do Estado na vida económica,

como forma de correção das disfunções do mercado. Podem distinguir-se 3 fases deste novo tipo de

Estado:

 A fase de intervenção estadual na regulação da relação laboral. Neste primeiro momento, o

Estado assume a tarefa de interferir autoritariamente no domínio das relações de trabalho,

enfrentado as desastrosas consequências que para a classe operária tinham sido a

industrialização, a liberdade contratual e o crescimento urbano. Surgem, então, no fim do séc. XIX

ou inícios do séc. XX, as primeiras leis do trabalho (Bismark), que levam à criação de seguros em

caso de doença, ou em caso de acidentes, bem como o estabelecimento de reformas.

 A Fase de Intervenção Generalizada do Estado no Funcionamento da Economia. O Estado

vai, então, chamar a si a orientação e a regulação da atividade económica e financeira, exercendo

mesmo tarefas produtivas.

 A fase do Apogeu do Estado Social, surgida a partir do Final da Segunda Guerra. O Estado

social apresenta-se como um aparelho prestador.

A grande modificação introduzida pelo Estado social tem que ver com o crescimento quantitativo e

qualitativo das funções por si desempenhadas. As funções do Estado vão sofrer uma dupla

transformação, verificando-se, em simultâneo, o aumento da intensidade das funções tradicionais e o

surgimento de novas tarefas nos domínios económicos e sociais.

Por um lado, as tarefas tradicionais do Estado sofrem um extraordinário incremento, em virtude das
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transformações técnicas então sucedidas.


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Por outro lado, assiste-se a uma assunção cada vez maior de novas tarefas por parte do Estado. O Estado

social faz sua missão de prover ao conjunto da sociedade os sistemas vitais (serviços públicos essenciais)

e de prestações (emprego, segurança social, saúde, acesso a bens culturais) que garantem o seu

funcionamento e um nível mínimo de bem estar. O Estado social é, pois, antes de mais, um Estado de

prestações.

As antigas sociedades tornam-se em sociedades seguradoras. Assumindo novas funções de caráter

económico e social e garantindo o bem-estar dos indivíduos, o Estado surge como uma espécie de

divindade laica, qual sucedâneo terreno de proteção divina. O Estado-Providência exprime a ideia de

substituir a incerteza da providência religiosa pela certeza de providência estatal.

Surge, então, o Estado Administração, este Estado social tem como principal missão a de assegurar o

bem-estar dos indivíduos em sociedade.

A mudança do modelo de Estado implicou, sobretudo, transformações ao nível da função administrativa.

Já que, num Estado que se transformou social, a Administração, até então, apenas considerada como

agressiva dos direitos dos particulares, vai ser entendida como o principal instrumento de realização das

novas funções e de satisfação das novas necessidades que são, agora, atribuídas ao Estado. Assim, a

Administração passa de agressiva a prestadora ou constitutiva, e essa sua nova função torna-se a

principal característica do Estado social que é, necessariamente, um Estado-Administração.

A passagem de uma administração agressiva para uma Administração prestadora trouxe consigo o

aumento da dependência do indivíduo relativamente aos poderes públicos.

A independência do indivíduo relativamente à Administração não constitui apenas uma realidade

objetiva, mas também um estado de espirito. A situação de dependência efetiva dos particulares perante

a Administração origina sentimentos de insegurança e de insatisfação e de insatisfação, que levam os

indivíduos a reclamar uma maior intervenção dos poderes públicos.

Com o Estado social desaparece a clássica separação entre Estado e sociedade, e entre Administração e

privados. Uns e outros encontram-se, agora, relacionados por relações duradouras, que implicam uma

interpenetração e colaboração recíprocas. O relacionamento entre a Administração e os particulares já

não é mais entendido como um confronto episódico e fugaz de entidades contrapostas, mas ante como
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uma relação continuada e duradoura entre as partes cooperantes.


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Esta superação de barreiras é bem visível em diferentes fenómenos:

 O estabelecimento de relações de prestação que afastavam a conceção liberal de que tanto os

indivíduos como a sociedade veriam os seus interesses melhor defendidos, quanto menos os

poderes públicos atuassem;

 O crescimento do aparelho administrativo, determinado pelas novas funções do Estado

prestador, que levou ao aumento do emprego público.

Desaparecia a ideia de uma Administração meramente agressiva, o relacionamento entre Administração

e o particular deixa de ser exclusivamente episódico e conflitual, para se tornar permanente e de

colaboração. As relações com a administração vão mesmo para além da vida e da morte dos indivíduos

que as estabelecem. Com efeito, o nascituro goza da prestação duradoura da proteção da segurança, na

segurança social relativa a acidentes de trabalho, e quem morre sabe que os seus descendentes são

protegidos para além da morte, através do direito a uma pensão em caso de morte.

Essa alteração do relacionamento entre a Administração e os privados implica o reconhecimento de

direitos subjetivos dos particulares perante os poderes públicos, pois, sem direitos próprios, o indivíduo

seria um mero súbdito e objeto da atividade estadual.

Aos indivíduos devem, agora, ser reconhecidos direitos subjetivos também perante a administração

pública, e não somente direitos de caráter político ou do domínio das relações interprivadas. Na verdade,

uma das condições essenciais de um Estado orientado para a construção de uma ordem livre,

democrática, social e de direito é o reconhecimento ao indivíduo da qualidade de sujeito de direito,

conhecendo-lhe a possibilidade de atuar com independência perante o estado e de exigir a observância

das leis que lhe dizem respeito.

O particular coloca-se, em face a Administração, como um sujeito de direito perante outro,

estabelecendo, de igual para igual, uma relação jurídica. O reconhecimento do direito dos cidadãos surge

como uma exigência da opção constitucional por uma ordem jurídica assente na dignidade da pessoa

humana cujos direitos fundamentais vinculam diretamente os poderes públicos.

Ao lado dos clássicos direitos de liberdade surgem também os direitos de participação, em vez da ideia

da garantia dos direitos individuais obtida exclusivamente através da abstenção dos poderes públicos
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aparecem-nos agora os direitos a uma prestação por parte da Administração.


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As transformações respeitam, em primeiro lugar, aos próprios direitos fundamentais, que não são mais

vistos como tendo por objeto a definição de uma reserva para impedir a intervenção dos poderes

públicos, antes se considerando que a sua efetivação depende, em muitos caos, da própria atividade

administrativa, incumbida de os realizar.

Perante a Administração Pública, o particular não é mais um mero objeto do poder administrativo, mas

um sujeito titular de direitos e de obrigações.

Com a passagem do Estado liberal ao social, a administração pública deixa de ser concebida como

meramente executiva para se tornar cada vez mais uma atividade prestadora e constitutiva. A

Administração prestadora chamou a si um conjunto de tarefas que não se esgotam na noção de aplicação

da lei ao caso concreto, ou de execução do direito, mas que implicam a ideia de uma capacidade

autónoma de concretização dos objetivos estaduais.

Este fenómeno de afastamento do modelo de uma Administração meramente executiva da lei, pode ser

apreciado a dois níveis distintos:

1. Por um lado, cresceram, em número e em importância, as atividades de pura administração, sem

nada de jurídico, e que não se diferenciem e atividades similares desenvolvidas por privados

(produção de bens, por exemplo).

2. Por outro lado, no que respeita à atuação jurídica da Administração Pública, a possibilidade do

legislador poder prever todas as situações e regular todas as matérias, assim como o crescimento

das tarefas administrativas, implicou a atribuição de um maior ou menor grau de autonomia às

autoridades administrativas, na sua tarefa de satisfação das necessidades coletivas, tornando a

sua função muito mais criadora.

Mas o distanciamento entre a lei e o ato administrativo é também grande no domínio das tradicionais

atividades administrativas de caráter jurídico, em resultado cada vez maior, e mais necessária,

autonomia da Administração na prossecução de fins públicos. A lei, num número crescente de casos,

limita-se à definição de grandes objetivos, bem como à indicação de princípios gerais de atuação,

deixando às autoridades administrativas amplas margens de apreciação no que respeita à sua

concretização.
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Num Estado de Direito material, outra é a perspetiva do princípio da legalidade, ou da juridicidade, como

lhe chamam alguns autores, na sua dupla dimensão de preferência de lei e reserva de lei, a legalidade é

estendida de modo a abarcar a ideia do Direito e os seus princípios gerais.

Quer se use a expressão “princípio da juridicidade” ou princípio da legalidade, o que há que ter presente

é que se está perante uma noção positiva de legalidade, enquanto modo de realização do direito pela

Administração, e não apenas como limite da atuação administrativa, e que por lei se entende não apenas

a lei formal, mas também todo o Direito.

O princípio da legalidade aparece aqui na sua aceção mais ampla, abrangendo quer os poderes

discricionários quer vinculados, e implicando não a mera submissão à lei em sentido formal ou material,

mas todo o direito. O princípio da legalidade deixa assim de ter uma formulação unicamente negativa

(como no período do Estado Liberal) para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o

fundamento, o critério e o limite de toda a atuação administrativa. Por outo lado, a submissão ao direito

vai muito além de um entendimento positivista da ordem jurídica, implicando a submissão a princípios

gerais do Direito, à Constituição, a normas internacionais, a disposições de caráter regulamentar, a atos

constitutivos de direitos,...

Este novo entendimento do princípio da legalidade teve como consequência a reconciliação do poder

discricionário com o Direito. A discricionariedade já não era mais vista como uma exceção à lei, uma

realidade marginal que deveria ser a todo o custo limitada, e se possível eliminada, mas sim como um

instrumento normal e adequado de realização do Direito pela Administração Pública no desempenho da

sua tarefa de prossecução dos fins estaduais.

Um entendimento correto do poder discricionário implica a superação dos mitos de uma noção restritiva

de legalidade. A conceção da perversidade do poder discricionário, muitas vezes semanticamente

identificado com arbítrio, baseia-se numa memória da Administração do Estado de Polícia, que hoje tem

de se superada em face da legitimidade democrática e social do poder administrativo. Hoje em dia, pelo

contrário, o poder discricionário, entendido no seu sentido atual, além de não ser um mal necessário é

uma peça importante na estrutura do Estado democrático.

No modelo de Estado social, a atribuição de poderes discricionários à Administração Pública é


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imprescindível para assegurar uma decisão correta no caso concreto. Num Estado de Direito, o poder
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discricionário deve ser entendido como uma forma da administração manifestar a vontade do

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ordenamento jurídico relativamente a uma situação concreta. A lei não pode prever todas as situações,

pelo que à Administração é, muitas vezes, atribuída uma possibilidade de escolha entre várias situações

legalmente possíveis, a fim que sejam os órgãos administrativos a concretizara vontade legislativa, em

função das situações jurídicas que vão ser reguladas.

Aplicar a lei já não é, então, uma simples tarefa de subsunção lógica, mas uma atividade criadora. O

aplicador do direito tem uma função verdadeiramente criadora, reconstruindo o espirito do sistema e

integrando aquela concreta manifestação de vontade do legislador no âmbito mais vasto do

ordenamento jurídico.

O poder discricionário não é assim nenhuma realidade extrajurídica, antes algo que se enxerta no

processo de reconstituição, que é a interpretação e a aplicação do direito.

A maior capacidade de autodeterminação de que goza a Administração Pública não significa menor

responsabilização pelos seus atos, mas, pelo contrário, implica um acréscimo de fiscalização jurisdicional.

Entendido o poder discricionário como modo de realização do direito, e não enquanto liberdade de

escolha extrajurídica, daqui resulta necessariamente uma maior amplitude de controlo jurisdicional. A

discricionariedade continua a ser uma zona de indeterminação, mas já não de indiferença normativa. A

escolha discricionária não representa para o Direito uma livre escolha da Administração.

A fiscalização jurisdicional do poder discricionário tem por objetivo a apreciação da conformidade da

decisão com a lei e o direito e não a procura de uma melhor apreciação.

O ideal de Estado social de Direito não é a erradicação da discricionariedade, mas a sua juridicização, o

seu entendimento como modo de realização do Direito. Para além das vinculações resultantes de uma

concreta lei, entende-se hoje que a Administração está ainda sujeita, por exemplo, às vinculações

resultantes dos princípios constitucionais.

O Estado social implicou ainda profundas transformações no que respeita à organização administrativa.

A máquina administrativa cresceu em tamanho e em complexidade, de forma a poder dar resposta às

novas tarefas que foi chamada a desempenhar. A administração unificada e hierarquizada do Estado

liberal deu lugar à Administração descentralizada e desconcentrada do Estado social.


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O modelo centralizado da administração Napoleónica que representava o paradigma de Estado Liberal,

vai caindo progressivamente em desuso, e em vez de uma organização administrativa unificada, assiste-

se ao seu desdobramento numa multiplicidade de entes diferenciados.

Assim, da Administração como bloco unitário passou-se a uma pluralidade de Administrações. Mas a

organização administrativa do estado social também já não apresenta as características de

hierarquização e de concentração de poderes, típicas do modelo anterior. A necessidade de prosseguir

fins estaduais muito díspares vai implicar a necessidade de proceder à repartição de competências

decisórias entre os diferentes órgãos administrativos.

Antes a Administração surgia como um corpo estruturado em função de um centro, que era o Governo. A

Administração Pública deixou de ter um centro, não apenas em virtude da partilha interna de

competências decisórias, e da distribuição do poder por entidades distintas, mas também em virtude das

novas tarefas nos domínios da saúde, educação, segurança social, que o Estado prestador chamou a si, e

que são desenvolvidas não em função do centro, mas da coletividade.

Ao nível da fiscalização da Administração verificaram-se profundas transformações. O período clássico

pode ser caracterizado como a fase do pecado original do contencioso administrativo, devido à intima

ligação existente entre órgãos fiscalizadores e autoridades administrativas, que fazia dele um

contencioso privativo da Administração. Agora, dá-se o batismo do contencioso administrativo, que

consistiu na sua jurisdicionalização plena, desaparecendo as ligações entre órgãos da Administração e

tribunais administrativos.

No sistema francês, o ano de 1872 representou um ano da viragem, com o surgimento da justiça

delegada. Mas essa data marcou o início do processo de tribunalização do Conselho de Estado. O

Conselho de Estado Francês, concebido inicialmente como uma entidade semi-administrativa e semi-

jurisdicional, só paulatinamente é que se vai transformando num verdadeiro tribunal, tendo alguma

dificuldade em libertar-se dos traumas provocados por uma infância difícil.

Etapa decisiva, nessa via de jurisdicionalização progressiva, foi uma decisão do Conselho de Estado de

1889, o arrêt Cadot. Através deste acórdão consumava-se o abandono da doutrina Administrador-juiz, e

punha-se termo às relações promiscuas entre Administração e Justiça, que tinham perdurado, mesmo
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antes da instauração do sistema de justiça delegada, por intermédio da consideração do ministro como
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primeira instância de apreciação contenciosa. A partir deste momento, o Conselho de Estado abandonou

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formalmente esta doutrina, acolhendo um recurso direto apresentado perante ele sem passar pela

jurisdição ministerial.

Mas se este acórdão representa um ponto de viragem dos tribunais relativamente à Administração, no

direito francês, a separação entre essas duas esferas é lenta e resulta de uma evolução paulatina da

jurisprudência. O conselho constitucional, numa decisão de 1980, reconheceu a natureza jurisdicional do

Conselho de Estado, considerando como integrado no poder judicial. Doravante, a existência da

jurisdição administrativa é reconhecida constitucionalmente em igualdade com o juiz ordinário, no

quadro de um poder judicial independente dos poderes legislativo e executivo. Depois da Revolução

Francesa ter estabelecido a proibição do controlo das autoridades administrativas pelo poder judicial,

foram as próprias entidades fiscalizadoras que transformaram esse contencioso privativo da

Administração num verdadeiro processo jurisdicional.

O aprofundamento da noção de Estado de Direito, que vem associada ao Estado social, vai obrigar a que

os litígios entre a Administração e os particulares sejam julgados por verdadeiros tribunais. É assim que,

nuns casos mais cedo, noutros caos mais tarde, em todos os países europeus se vai verificar o corte do

cordão umbilical que ainda ligava a Administração e o contencioso Administrativo, dando lugar a uma

plena jurisdicionalização da fiscalização dos atos da Administração.

As Transformações da Forma de Atuação Pública e as Suas Consequências Para a Dogmática do

Ato Administrativo

As transformações introduzidas pela Administração prestadora são de uma importância decisiva. É de

realçar o crescimento do número de atuações administrativas, bem como da diversidade de modalidades

de que elas se revestem. Em vez de uma intervenção esporádica, característica de uma Administração

agressiva, assiste-se, hoje, à regularidade, frequência e ao caráter duradouro do agir da Administração

prestadora.

Agora o ato administrativo já não tem só por missão determinar autoritariamente o direito aplicável ao

particular, mas também a prossecução de interesses públicos através da satisfação de interesses dos

privados, a quem presta bens e serviços.

Figura típica do domínio da Administração prestadora é, desde logo, o ato administrativo favorável aos
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particulares, ou constitutivo de direitos.


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Agora, o particular, numa situação de dependência perante a Administração, não somente deseja que a

Administração atue, como solicita mesmo essa intervenção. O ato administrativo deixou de ser visto

apenas como uma agressão da esfera individual, para passar a ser igualmente um instrumento de

satisfação de interesses individuais.

O particular espera da Administração o reconhecimento dos seus direitos, a atribuição de direitos novos,

ou a prestação de bens e serviços e, uma vez obtida essa vantagem através de um ato administrativo,

pretende vê-la garantida os problemas jurídicos novos colocados pelos Atos da Administração

prestadora dizem, por isso, respeito, já não à garantia do domínio individual por intermédio da atuação

das autoridades administrativas, mediante o reconhecimento e atribuição de direitos, ou pela satisfação

de interesses privados.

De acordo com a doutrina clássica, o indeferimento do pedido do particular pela Administração não

constituía um ato contenciosamente recorrível.

Ora, uma tal solução, surgia agora como inadmissível, no quadro de uma Autorização prestadora, em que

a recusa de uma prestação, enquanto negação de atribuição de vantagem a um particular, se deveria

configurar como uma atuação lesiva dos interesses dos privados. O particular, dependente das

prestações da Administração, não poderia ficar indefeso perante um ato de recusa de atribuição de uma

vantagem, a que ele se julgava com direito, devendo, por conseguinte, caber-lhe um direito de recurso

contencioso.

Houve, de facto, uma expansão da proteção judicial no domínio da Administração prestadora, mediante o

alargamento da categoria dos atos recorríveis para abranger os atos negativos.

Outro problema, está relacionado com a relevância das omissões administrativas. Na lógica da

Administração prestadora, a não atuação significa a recusa de um beneficio a um particular, pelo que

deve ser considerada um ato recorrível. Ora, esta negação de uma vantagem existe tanto naqueles casos

em que a Administração indefere expressamente um pedido de um particular, como naqueles outros em

que a Administração nada diz, omitindo uma determinada atuação, pelo que ambas as situações devem

ser juridicamente tratadas de forma idêntica.

De facto, a possibilidade de o particular poder reagir contra atitudes omissivas ilegais da Administração
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é de grande importância, sobretudo, a partir do momento em que a Administração passa de agressiva a


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constitutiva, sendo chamada a desempenhada a chamar uma atividade prestadora favorável aos

particulares.

Diferentemente da Administração agressiva, que fazia do acto de autoridade o instrumento privilegiado

da sua intervenção, a Administração prestadora tende cada vez mais a flexibilizar e a diversificar os seus

modos de atuação, substituindo o uso dos meios autoritários por outras formas de agir mais consensuais.

A privatização, a contratualização, a tecnicização são os principais pontos de fuga da

Administração do ato administrativo.

Esta utilização dos meios jurídico-privados por parte da Administração manifesta-se, quer ao nível da

organização administrativa, quer relativamente à atividade desenvolvida pelas autoridades

administrativas. Assim, por um lado, no que respeita ao domínio da organização surgem e multiplicam-se

os fenómenos de Administração Pública sob formas privadas. Realidades que são consequência direta do

aumento das tarefas públicas do Estado prestador, que tanto implicou o crescimento do aparelho

administrativo , como obrigou a necessidade de encontrar formas de organização mais adequadas à

satisfação dos novos fins públicos de carácter económico e social.

Na organização administrativa assiste-se, portanto, não apenas ao crescimento do tradicional aparelho

administrativo burocrático, como à criação de entidades de carácter público que atuam segundo o

regime de gestão privada, como ainda ao surgimento de novas modalidade de Administração que adotam

formas jurídico-privadas, de forma a conseguir uma mais adequada realização dos fins públicos.

A Administração concertada manifesta-se, além disso, na procura constante da aceitação e da

consensualidade, mesmo quando sejam utilizadas formas de atuação de tipo unilateral. Busca do

consenso que implica a existência de mecanismos institucionalizados de audição e de participação dos

interessados na formação de decisões administrativas.

Em resultado de todas as transformações ao nível das formas de atuação da Administração Pública, o ato

administrativo perdeu a sua posição de quase exclusividade, ou de monopólio, no âmbito das relações

Administrativas. Em vez de ser a manifestação, por excelência, do poder administrativo, a forma de

atuação-tipo da Administração Pública, ele é, cada vez mais, somente uma forma de atuação entre muitas.

Está-se, pois, perante uma crise do ato administrativo, a qual não resulta apenas da proliferação de
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novas, e muito frequentes, formas de atuação distintas, mas decorre também de se ter passado a
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considerar a decisão final da Administração apenas como um momento da atuação administrativa, que

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tem de ser entendida em função daquilo que a precede, assim como das ligações jurídicas a que dá

origem, ou de que é resultado, e não como uma realidade isolada, final e perfeita.

O Estado Pós-Social e a Administração de Infra-Estruturas

A partir da década de 70, começa a ser evidente o esgotamento do modelo de Estado de Providência,

incapaz, também ele, de continuar a dar uma resposta satisfatória aos mais recentes problemas

colocados pela evolução da sociedade. A crise do estado social surge, então, em resultado de um conjunto

de circunstâncias que vêm mostrar as limitações desse modelo de organização estadual para responder a

novas exigências de caráter político, económico e social.

Crise que parece se o conjugar de fatores tão distintos como:

 A influência económica da intervenção de um Estado que cresceu gigantescamente se tornou

omnipresente, à imagem do polvo de mil tentáculos. Pois, o acréscimo de Estado nem sempre

veio ligado ao aumento do bem-estar individual, mas antes a um desmesurado crescimento da

burocracia, que tornou a Administração num aparelho pesado e de funcionamento moroso.

 O constante aumento das contribuições dos indivíduos para o Estado, mais do que proporcional

às prestações dele recebidas, gerador de um sentimento de desconfiança e de insatisfação dos

privados, que se traduz num défice de legitimação dos poderes públicos e que obriga à colocação

do problema de saber se não existem limites relativamente ao grau de socialização tolerável de

um certo numero de bens e serviços.

 O risco da menor imparcialidade do Estado que, tendo abandonado a sua posição clássica de

separação e de superioridade relativamente à sociedade, perdeu o seu distanciamento perante

ela.

 Ou, ainda, o alheamento dos cidadãos em face dos fenómenos políticos (agravado pelo fenómeno

de desideologização decorrente da falência do modelo comunista e do desaparecimento da

divisão política do mundo em blocos antagónicos.

Todas estas transformações são fonte de perturbação, provocando reações de caráter contraditório nos

indivíduos e na própria sociedade.

Existe, por um lado, um sentimento de satisfação e de plenitude históricas, fundado na obtenção de um


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grau de desenvolvimento económico-social e, portanto, de riqueza e de qualidade de vida, bem como de


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aperfeiçoamento da convivência política, sem paralelo na história. Mas, é igualmente notório, por outro

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
lado, um sentimento de insatisfação, desassossego e insegurança decorrente do paulatino esgotamento

do modelo de desenvolvimento e progresso, especialmente visível no afloramento dos seus limites e na

dificuldade de que padece para resolver de forma satisfatória os problemas de integração social que ele

próprio suscita. É também perante a incapacidade do sistema para encarar com êxito complexas e novas

questões (ameaçado equilíbrio do meio ambiente, progresso cientifico e tecnológico), e é facto a crise de

confiança no Estado, quanto à sua capacidade de direção e controlo dos problemas sociais, bem como de

resolução satisfatória dos problemas de convivência política.

A crise do Estado social constitui a face visível de um processo e transformação e de revitalização dos

fenómenos políticos. O que desapareceu não foi, sem mais, o Estado, mas um certo modo de o entender. É

por isso que, mais do que a morte de uma certa forma de organização, o que o professor destaca é o

surgimento de um novo modelo de Estado, que representa uma tentativa de responder aos problemas

com que se defrontam as sociedades atuais.

O modelo do Estado pós-social trouxe consigo preocupações novas, tais como a necessidade de

problematização do crescimento do Estado e das funções por ele desempenhadas, procurando

reequacionar o papel do Estado e redimensionar a extensão do seu aparelho; o realçar da importância da

participação dos indivíduos na tomada de decisões, a importância dos direitos dos indivíduos, como meio

de defesa deste contra todas as formas de poder.

Está-se, pois, perante um novo pacto social, que implica o reequacionamento do papel do Estado na

sociedade, assim como a necessidade de proteção integral e eficaz do indivíduo perante toda e qualquer

forma de poder.

Ele constitui um modelo novo, porque novos são os desafios que se lhe colocam e novas as necessidades

a que tem de dar resposta, mas trata-se também de mais um momento na história do Estado,

beneficiando como tal de memória dessa evolução, traduzida nos contributos dos modelos anteriores.

Daí que o atual modelo possa ser caracterizado pela coexistência de opções em princípio contraditórias:

por um lado, a generalização e a enfatização de valores claramente individuais (recuperação de um

espaço de autodeterminação e realização das pessoas), por outro, a persistência e insistência em valores

de solidariedade social (que invocam a cobertura coletiva de riscos e requerem a solução e gestão

públicas de velhos e novos problemas sociais com o objetivo da justiça social).


30
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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
As duas questões principais continuam a ser o entendimento que se tem de Administração Pública e

da sua atuação e o posicionamento do indivíduo perante as autoridades administrativas.

Relativamente à Administração Pública, a opção por formas de atuação concertadas. Assim como a crise

da noção autoritária de ato administrativo, vão passar a necessária adaptação das estruturas e dos

modelos de organização administrativos. Característico desta moderna Administração concertada é a

crescente dificuldade, não só da autónoma definição do interesse público, mas especialmente da sua

realização pela via autoritária e unilateral. De uma forma crescente, portanto, o interesse público vê-se

na necessidade induzir a colaboração da economia privada e chegar a fórmulas de concerto, transação e

cooperação com grupos sociais e agentes privados.

Mas as transformações do Direito Administrativo dizem igualmente respeito à importância renovada do

papel dos particulares, não apenas enquanto destinatários e comparticipantes da atuação administrativa,

mas também enquanto autónomos sujeitos de um verdadeiro relacionamento jurídico com a

Administração Pública. O Direito Administrativo deixa de ser o direito de uma Administração toda-

poderosa, para passar a ser o Direito dos particulares nas suas relações com a Administração.

Todas estas manifestações se manifestam de uma forma nítida n domínio do contencioso administrativo,

tal como nos primórdios do Direito Administrativo, os tribunais Administrativos são chamados a

refundar o Dirieito Administrativo, já não enquanto Dirieito especial da Administração, mas enquanto

Direito dos particulares em face da Administração. Daí que as modernas constituições do Estado de

Direito tenham reafirmado a natureza jurisdicional do contencioso administrativo e acentuado a sua

função de proteção dos direitos dos particulares nas suas relações administrativas.

O aperfeiçoamento do controlo jurisdicional dos atos da Administração, de forma a garantir a tutela

efetiva ou a proteção integral do particular nas relações administrativas.

O Dirieito Administrativo, no seu funcionamento, deixou de ter como lógica e único objetivo, unicamente

a resolução pontual de questões concretas para se tornar conformador da realidade social.

Na verdade, aquilo que caracteriza a Administração Pública de hoje, mais do que cada um dos seus atos

isolados, é a dimensão social dessa atividade, são os efeitos que ela produz relativamente à sociedade no

seu conjunto. Essa dimensão “infra-estrutural” da Administração manifesta-se, não apenas quando a
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Administração atua através de atos genéricos, mas também quando a Administração atua de forma
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individual, uma vez que esses atos, na grande maioria dos casos, não afetam unicamente os seus

Direito Administrativo I
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imediatos destinatários mas produzem efeitos que vão muito para além das pessoas por eles diretamente

visadas.

A atividade administrativa complexifica-se e os seus instrumentos de atuação extravasam dos esquemas

tradicionais, implicando o surgimento de um conjunto de bens jurídicos que não se enquadram

satisfatoriamente, nem no esquema da Administração agressiva, nem do da Administração prestadora.

A atividade administrativa, mais do que instrumento de definição autoritária do direito aplicável, vaai

tornar-se num mecanismo de composição dos interesses, que se manifestam no procedimento, e que os

órgãos decisores devem regular, de maneira a tornar a decisão mais adequada e que melhor salvaguarde

os direitos subjetivos e os interesses em presença. A realidade administrativa já não se esgota na

contraposição entre “agressão” “prestação”.

A Administração é certamente uma grande entidade atribuidora de serviços públicos, mas é também uma

pluralidade de centros de regulação de interesses, frequentemente na base de prescrições legislativas,

que apenas estabelecem regras formais ou objetivas muito pobres.

A nova realidade administrativa é caracterizada pela multilateralidade, pelo alargamento da proteção

jurídica subjetiva, pela durabilidade das relações jurídicas, pelo esbatimento da diferenciação entre

formas de atuação genéricas e individuais.

A multilateralidade surge como a característica mais marcante da Administração do Estado pós-social. As

decisões administrativas, típicas da administração prospetiva ou prefigurativa, não dizem respeito a um

relacionamento meramente bilateral entre os privados e os órgãos decisores, mas correspondem antes a

um relacionamento multilateral, uma vez que produzem efeitos suscetíveis de afetar um grande número

de sujeitos.

Isso acontece, desde logo, quando a Administração atua de forma genérica, uma vez que tais decisões

produzem efeitos relativamente a uma multiplicidade de destinatários. Mas não só, pois aquilo que é

característico dos atos da Administração de infraestruturas é que, mesmo quando se trata de decisões

individuais, elas não possuem uma eficácia limitada ao particulares visados, antes os seus efeitos podem

afetar imediatamente outros sujeitos, apresentando um caráter multilateral.


32

Desta forma, pode-se afirmar que a diferença fundamental em relação à Administração agressiva e
Página

prestadora é a da multilateralidade da Administração de infra-estrturas, dado que as suas atuações não

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
tem a ver medidas, ou mesmo decisões vinculativas, em situações concretas relativamente a pessoas

determinadas, antes criam as condições gerais para tais medidas ou decisões.

O que significa que no domínio da moderna Administração de infra-estruturas, mesmo as decisões

individuais podem possuir uma dimensão social, e que o ato administrativo deixa de ser apenas uma

forma de atuação relativa a um concreto particular, já que produz efeitos que também afetam outros

sujeitos.

Esta multilateralidade dos atos da Administração constitutiva implica, por conseguinte, a necessidade de

alargamento da proteção jurídica subjetiva perante a Administração. Uma vez que as atuações

administrativas podem afetar indivíduos distintos dos imediatos destinatários, torna-se necessário

salvaguardar as posições jurídicas desses sujeitos, o que pode ser conseguido, quer através do

alargamento da noção de direito subjetivo (orientação subjetiva), quer mediante a tutela de interesses

difusos ou coletivos (orientação objetiva).

De acordo com uma orientação subjetivista (direito alemão e português), o alargamento da proteção dos

privados faz-se mediante o recurso a um conceito mais amplo de direito subjetivo, que tem por base os

direitos fundamentais. Surgem, assim, direitos subjetivos novos, como o direito dos vizinhos, do dono da

obra, o direito dos utentes do ambiente, os direitos dos moradores vizinhos de centrais nucleares e

muitos outros.

De acordo com uma orientação objetivista (direito italiano) o alargamento do controlo da Administração

e da proteção dos particulares, exigido pela atual realidade jurídico-administrativa, é conseguido através

da criação de possibilidades de intervenção no procedimento e no processo administrativo aos titulares

de interesses difusos e coletivos. Esta conceção valoriza, sobretudo, a ideia de abertura a interesses

individuais mais amplos, assim como um entendimento do contencioso administrativo mais virado para

a legalidade e a correção da administração do que para a proteção jurídica subjetiva.

Característica da Administração conformadora da atualidade é igualmente do caráter duradouro das

relações administrativas, dando sequência a uma tendência que já vinha do período anterior, mas que de

contrapõe à visão clássica. Em vez de uma atuação pontual e singularizada, a Administração multiplica os

momentos de exteriorização da sua vontade, ainda para mais, resultantes, em regra, de procedimentos
33

em que a decisão é tomada com a participação dos interessados, o relacionamento entre as autoridade
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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
administrativas e os privados prolonga-se cada vez mais no tempo, adquirindo durabilidade e

estabilidade.

Outra característica ainda associada à Administração de infra-estruturas é o esbatimento da

diferenciação entre meios de atuação genéricos e individuais, em resultado da multilateralidade das

decisões.

Por outro lado, no que se refere às decisoes singulares, é necessário ter em conta que a eficácia do ato

relativamente a terceiros atenua a dimensão individualistica do instituto, assim como o desenvolvimento

da atuação administrativa massificada conduz à padronização e ao carácter repetitivo da Atividade da

Administração Pública, pondo em causa a ideias do ato administrativo como instrumento regulador de

uma situação individual num caso concreto.

O ato isolado integra-se numa série de atos, em princípio iguais, pelo que a dinâmica da constituição é,

em regra, deslouvada uma vez que se refere menos à especificidade do caso concreto do que à regulação

geral, ao padrão.

Tal como à Administração agressiva correspondia o conceito de ato desfavorável e à Administração

prestadora a noção de ato favorável, a Administração prospetiva vai ficar associada ao ato administrativo

com eficácia em relação a terceiros. Os efeitos destes atos não se limitam a atingir um indivíduo numa

situação concreta, mas repercutem-se também na esfera jurídica de outros indivíduos.

Por exemplo, na autorização de construção, que favorece a posição jurídica do dono da obra, mas

prejudica a situação fática dos vizinhos, na medida de em que eles são atingidos pelo projeto de

construção. Pelo que tanto o particular autorizado, como os seus vizinhos se devem considerar afetados

por esse ato administrativo.

Daí a necessidade de não considerar isoladamente o ato administrativo, nem de reduzir a ele a ligação

entre a Administração e os privados, mas sim de entender a decisão como um momento de uma relação

jurídica , que se mantém para além da prática do ato e que, em muitos casos, é mesmo anterior a ela.

A relação jurídica multilateral constitui assim a modalidade de relação jurídica, típica da Administração

de infra-estruturas, adequada para explicar os vínculos jurídicos que se esbatem entre todos os
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intervenientes das complexas relações administrativas modernas.


Página

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Outra questão suscitada pela Administração de infra-estruturas é a da proliferação de decisões genéricas,

nomeadamente sob a forma de disposições-programa ou de tipo finalístico que permitem à

Administração uma ampla liberdade de escolha dos meios necessários para alcançar estes fins.

Problema jurídico colocado por esta forma de atuação é o da necessidade de conciliação de finalidades

distintas por parte das autoridades administrativas envolvidas no processo decisório, uma vez que as

decisoes-plano apontam, com frequência, para vários fins, a ser prosseguidos conjuntamente, no mesmo

ou em diferentes momentos.

Característico da Administração de infra-estruturas é, portanto, o aparecimento de relações jurídicas

multilaterais, tendo por sujeitos autoridades administrativas e todos os particulares envolvidos, os quais

compreendem tanto os destinatários das atuações administrativas como aqueles que por elas são

meramente afetados. O conceito de relação jurídica multilateral permite explicar todas aquelas situações

de relacionamento entre os indivíduos e a Administração onde se admite a existência de direitos de

terceiros.

35
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Direito Administrativo I
Os Direitos Subjetivos dos Indivíduos Perante a DIREITOS SUBJETIVOS
Daniel Lourenço Turma B

Administração Pública PUBLICOS E RELAÇÃO


JURÍDICA
A noção de direito subjetivo encontra-se intimamente ligada com
ADMINISTRATIVA
a de relaçao jurídica, não só porque os direitos subjetivos

públicos integram o conteúdo daquelas, mas também porque eles

são uma condição lógica da existência de relações jurídicas

administrativas.

Daí que se possa afirmar que a relação jurídica administrativa se

prenda diretamente com os direitos subjetivos públicos; ela é em

parte consequência, em parte condição dos direitos

subjetivos. Isto porque é o reconhecimento de direitos subjetivos

que faz com que o particular deixe de ser tratado como objeto do

poder, passe de súbdito a cidadão, se transforme num sujeito de

direito em condição de estabelecer relaçoes jurídicas com os

órgãos do poder público. O reconhecimento ao individuo da

titularidade de direitos subjetivos constitui o próprio fundamento

da admissibilidade de relações jurídicas entre ele e o Estado.

O individuo titular de direitos fundamentais não ocupa já uma

posição de subalternidade perante as autoridades publicas, antes

goza de um estatuto que lhe permite relacionar-se com elas de

igual para igual. Os direitos fundamentais transformaram-se as

relações de poder em verdadeiras relações jurídicas, elevando um

simples termo de referência objetiva, que era o de administrado, à

categoria de centro de imputação subjetiva de direitos e deveres.

Não é verdadeira a afirmação de que o reconhecimento de

direitos subjetivos dos indivíduos perante o Estado é

juridicamente irrelevante, uma vez que a Administração já está

obrigada a cumprir as suas vinculações jurídicas, a observar e


36

aplicar a lei, pelo que o cidadão não recebe mais com o direito
Página

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
subjetivo do que aquilo que, sem ele, lhe é concedido pelo direito objetivo. Em vez disso, é o

reconhecimento dos direitos subjetivos que faz do individuo um sujeito de direito autónomo e na

uma simples peça de engrenagem estadual integrado numa estrutura que totalmente o

transcende. Sem direitos próprios o individuo seria um mero súbdito e o objeto da atividade

estadual, pois é o direito subjetivo que conforma decisivamente a ligação Estado-cidadão. O

direito subjetivo põe em vigor a dignidade e personalidade da pessoa constitucionalmente

garantida.

O reconhecimento da titularidade de direitos subjetivos perante as autoridades públicas, enquanto

projeção jurídica da dignidade da pessoa humana, constitui um principio essencial do Estado de

Direito, cuja consagração determina importantes consequências práticas no domínio do Direito

Administrativo.

Assim, a titularidade de direitos subjetivos deve ter como consequência a atribuição ao particular da

possibilidade de atuação no procedimento para a defesa preventiva dos seus direitos perante a

Administração. Nesta perspetiva, o procedimento surge como um instrumento adequado para a

conciliação do interesse público com os direitos dos indivíduos, pelo que é de exigir que ele tenha lugar,

pelo menos, em todos os casos em que estejam em causa direitos fundamentais. Daí a tendência moderna

para ligar o procedimento e os direitos fundamentais, acentuando a dimensão de garantia de

procedimento contida nesses direitos. E a consideração de que os reflexos dos direitos fundamentais no

procedimento vinculam tanto o legislador, que tem de constituir um procedimento efetivador dos

direitos fundamentais, como a Administração, que tem de completar o direito do procedimento existente

através de uma atuação conforme aos direitos fundamentais.

Ao nível do contencioso administrativo, tem de existir uma tutela efetiva e integral desses direitos e em

que se verifique a equiparação das posições da Administração e do particular. O significado prático dos

direitos subjetivos públicos reside na possibilidade da sua imposição jurisdicional, o que

pressupõe a ideia de um órgão administrativo e de um cidadão que, de forma igual, se encontram

limitados pelo tribunal, no qual devem defender as suas posições jurídicas.

Desta forma, o reconhecimento dos direitos subjetivos públicos não é uma simples posição teórica, é uma

opção jurídica com consequências decisivas para todo o domínio jurídico-administrativo. Na verdade, o
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direito subjetivo é o mesmo quer o obrigado a atuar de uma certa maneira seja uma entidade
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pública ou um particular. O direito não muda a sua natureza por mudar o seu sujeito passivo. O

Direito Administrativo I
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facto de uns direitos estarem regulados numas leis e outros noutras, não influi na sua natureza e as leis

não se diferenciam pelos direitos e obrigações que regulam. É por isso que falar em direitos

administrativos, ou públicos, não significa nenhuma diferença de natureza relativamente aos

demais, mas essa qualificação apenas exprime a origem dos direitos e das obrigações.

Esta não é a única forma de encarar os direitos subjetivos, o professor Vasco Pereira da Silva fala em 6

formas diferenciadas:

1. Uma mera situação de interesse de facto que confere aos indivíduos legitimidade processual, uma

vez que possuem um interesse próximo do da Administração. Esta conceção parte do principio

de que os particulares não defendem através do recurso a nenhuma posição jurídica em face da

Administração.

2. Um direito à legalidade, ou direito reflexo, que os indivíduos fazem valer no processo.

3. Duas modalidades de posições jurídicas distintas: os direitos subjetivos e os interesses

legítimos, consoante o poder de vantagem do individuo resulte imediata e intencionalmente das

normas jurídicas, ou seja atribuída apenas de forma mediata e reflexa.

4. Igualmente, as duas modalidades de direitos subjetivos e de interesses legítimos, mas que se

distinguem, já não com base no caráter mediato ou imediato do modo de proteção pela norma,

mas antes consoante se trate ou não de uma situação dependente do exercício do poder

administrativo.

5. Duas situações diferentes: os direitos subjetivos clássicos ou ativos, e os direitos subjetivos

novos, ou reativos, ou o que denomina estes últimos de direitos eventuais ou futuros.

6. Uma única categoria de situações jurídicas dos particulares, a dos direitos subjetivos.

O professor Vasco Pereira da Silva entende que as primeiras duas posições já não são defensáveis em

virtude do quadro jurídico-constituional. Quer a conceção que nega aos particulares qualquer posição

jurídica substantiva nas suas relações com a administração, quer a que defende a existência de um

direito à legalidade geral e abstrato, que não se distingue de direito objetivo, e que se reduz numa mera

posição processual, é o resultado dos vestígios de um estado autoritário. Tal entendimento não se afigura

com o Estado de Direito Democrático. É contrário a uma ordem fundamental democrática e liberal que os

particulares, nas suas relações com o poder do Estado, sejam tratados como meros objetos da ordem
38

jurídica, considerados como súbditos de direito, em vez de ativos colaboradores na realização dos fins do
Página

Estado e do direito, equipados com os correspondentes poderes jurídicos, os direitos pessoais, como

Direito Administrativo I
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sujeitos de direito. Tal como é incompatível com a constituição portuguesa, cuja opção pelo tratamento

do individuo como sujeito de direito não permite a negação aos particulares da titularidade de posições

substantivas, e não meramente processuais, nas suas relações perante a Administração Pública.

O professor Vasco Pereira da Silva considera o particular como titular de direitos subjetivos nas

relações jurídicas administrativas. Nos termos da teoria da norma de proteção, e aceitando o seu

alargamento no domínio dos direitos fundamentais, o individuo é titular de um direito subjetivo em

relação à Administração, sempre que de uma norma jurídica que não vise apenas a satisfação do

interesse público, mas também a proteção dos interesses dos particulares, resulte uma situação de

vantagem objetiva concedida de forma intencional, ou ainda quando dela resulte a concessão de um

mero beneficio de facto decorrente de um direito fundamental.

Ainda que o texto constitucional fale em direitos e interesses legalmente protegidos (art.286/3, 4 e

5CRP), o professor Vasco Pereira da Silva considera que não devem existir duvidas de que a Constituição

equipara os direitos subjetivos e os interesses legalmente protegidos, tratando-os, ambos, como

situações jurídico-materiais dos indivíduos. Entidades da mesma natureza, direitos subjetivos e

interesses subjetivos devem ser reconduzidos à categoria unitária dos direitos subjetivos, no que em

nada se contrariam as disposições constitucionais.

Direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos são, pois, no ordenamento jurídico português,

duas formas de designar a posição jurídico-subjetiva dos privados perante a Administração Pública, às

quais corresponde sempre o mesmo regime jurídico.1

Não tem, pois, qualquer cabimento legal, distinguir direitos da primeira categoria de direitos de segunda

categoria. Trata-se, em todos os casos, de posições substantivas e não meramente processuais dos

1
O legislador português não se ocupa, em separado, dos direitos subjetivos e dos direitos legalmente
protegidos, antes usa as duas expressões em sinonímia, para designar as posições jurídicas de vantagem do
particular perante a Administração, dotadas de um regime exatamente idêntico. Não só o ordenamento
jurídico português, em caso algum, diferencia expressamente o tratamento material a dar aos direitos
subjetivos e aos interesses legítimos, antes associando, em regra, os dois termos numa denominação
conjunta, como, também, nos raros casos em que a lei não utiliza cumulativamente estas duas designações,
39

são sempre utilizadas disposições de caráter genérico (como “direitos dos particulares”, ou “direitos,
liberdades e garantias”), que se destinam a compreender, tanto os direitos subjetivos, tradicionalmente
Página

considerados como tal, como também, outros que se denominava por interesses legalmente protegidos.

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particulares em relação à Administração, concedidas objetiva e intencionalmente por uma norma

jurídica que visa a satisfação, não apenas do interesse público, mas também dos interesses dos

particulares. A diferença entre direito subjetivo e o denominado interesse legitimo não respeita,

portanto, à existência do próprio direito, mas a uma, maior ou menor amplitude do seu conteúdo.

Os direitos dos particulares, para alem de um conteúdo mais ou menos amplo, podem também

corresponder a diferentes categorias, abrangendo direitos de crédito ou direitos reais, direitos absolutos

ou direitos relativos, direitos subjetivos (em sentido restrito) ou direitos potestativos. Tudo depende da

concreta relaçao jurídico-administrativa estabelecida entre o particular e a Administração e da

interpretação das normas jurídicas aplicáveis.

Ao falar em direitos subjetivos dos particulares perante as autoridades administrativas estamos,

portanto, a referimo-nos a uma panóplia de posições jurídicas muito distintas e não a um figurino único

(da mesma maneria de que quando se fala em direitos subjetivos em qualquer outro domínio jurídico,

eles podem apresentar diferentes modalidades). Mas, em todos esses casos, estamos perante verdadeiros

direitos subjetivos, posições de vantagem dos particulares em face das autoridades administrativas, enão

quaisquer “pseudo-direitos”, “semi-direitos”, “quase-direitos” ou direitos de segunda ordem.

Evolução Histórica do Conceito de Direito Subjetivo Público

A noção de direito subjetivo público é uma construção que teve origem na dogmática alemã e foi, em

primeiro lugar teorizado por BUEHLER, que o define como qualquer posição jurídica do súbdito

relativamente ao Estado, que tem por base um negócio jurídico, ou uma disposição jurídica vinculativa

emitida para a proteção do interesse individual, por intermédio da qual ele se pode dirigir à

Administração para exigir algo do Estado, ou pela qual se lhe permite fazer algo relativamente ao Estado.

Assim, segundo esta autor, para que exista um direito subjetivo é necessário que se verifiquem 3

condições:

1. A existência de uma norma vinculativa;

2. A intenção do legislador de proteger interesses individuais;

3. A tutela jurisdicional da posição individual. Pois, só poderia falar em direito subjetivo, quando

essa atribuição pela norma tenha como efeito o facto de os interessados poderem recorrer por
40

causa dela, quer dizer, quando existam meios destinados a obter determinada conduta por parte
Página

dos órgãos administrativos.

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Esta definição representou um considerável avanço doutrinário tanto relativamente às conceções que

negavam a possibilidade de existência de direitos subjetivos do particular perante a Administração,

como em relaçao àquelas que reduziam esses direitos subjetivos ao cumprimento do direito objetivo.

Diferentemente, na época, o conceito de direito subjetivo público tendia a prevalecer. O próprio OTTO

MAYER vai criticar a noção de direito subjetivo de BUEHLER, por considerar que a ideia de um poder do

individuo sobre o Estado é uma conceção equívoca. Assim, MAYER, sem pôr em causa a existência de

direitos subjetivos públicos, desvirtuava o seu conceito, atribuindo-lhe um conteúdo objetivado.

O direito subjetivo público mais não seria do que o exercício de um poder público, do qual resultavam

benefícios para o particular. Ele representava a possibilidade, conferida ao indivíduo, de utilizar um

poder estadual em seu beneficio próprio, mas nem por isso este deixava de ser um poder próprio do

Estado.

A noção de BUEHLER de direito subjetivo é extremamente importante, uma vez que ela vai proceder ao

separar das águas, permitindo distinguir claramente os direitos subjetivos do direito objetivo. O direito

objetivo existe independentemente da minha pessoa é, como é obvio, algo diferente do meu direito, que eu

tenho relativamente a outrem.

Mas se a noção de direito subjetivo público de BUEHLER significou uma importante transformação na

dogmática do Direito Administrativo, ela surgia ainda no contexto de um modelo de Estado Liberal, em

que ao individuo apenas era reconhecido um limitado número de direitos subjetivos, para além de se

considerar que esses direitos dos particulares se integravam numa ligação individuo-Estado,

caraterizada como uma relação de poder.

Subjacente a esta conceção estava a lógica autoritária da Administração agressiva, que se manifestava,

desde logo, num entendimento restrito e num número limitado de direitos subjetivos dos súbditos, já

que esses direitos eram apenas os expressamente conferidos pela lei, e que a lógica não intervencionista

do Estado Liberal implicava um reduzido número de leis.

Desta forma, em face do poder global do Estado surgem direitos subjetivos dos súbditos, os quais são por

eles concedidos, atribuídos ou reconhecidos. O individuo e o Estado não se encontram numa posição

equivalente, que lhe permite estabelecer verdadeiras relaçoes jurídicas: as autoridades administrativas
41

exercem o poder estadual e, por isso, são consideradas como detendo um estatuto especial, enquanto que
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o súbdito é mais um objeto do poder exercido do que um verdadeiro sujeito, encontrando-se numa

Direito Administrativo I
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posição subalternizada e funcionalizada, não possuindo na esfera administrativa senão escassos direitos

que a lei expressamente lhe conceda.

Este conceito inicial vai ser profundamente transformado por BACHOF. A primeira transformação foi,

aparentemente, de ordem terminológica, mas que correspondia a uma nova conceção do posicionamento

do individuo perante o Estado e que levou à substituição da expressão súbdito pela de cidadão, ou de

pessoa física.

De seguida BACHOF vai retornar as 3 condições de existência do direito subjetivo, ao mesmo tempo que

procede à sua reformulação no quadro do novo ambiente jurídico-constitucional. O que vai implicar a

seguinte reformulação:

1. Deslocação da exigência de norma jurídica vinculativa para a necessidade de existência de

vinculações jurídicas. O que implicou, de facto, um novo olhar para a noção de discricionariedade

e para a própria atividade administrativa. A discricionariedade foi afastada da ideia do domínio

livre do direito, passa-se a defender a existência de direitos subjetivos públicos relativamente aos

limites da discricionariedade, uma vez que o dever de cumprimento desses limites é vinculativo e

que, devido a eles, pode surgir uma pretensão. Daí que as autoridades administrativas se

encontrem sempre, pelo menos, obrigadas a deveres de conduta relativamente aos particulares

resultantes das limitações do poder discricionário.

2. Alargamento das normas que se considera estarem ao serviço da proteção de interesses

individuais. A questão de saber se uma norma protege ou não interesses individuais é domínio da

interpretação e da aplicação do direito. Essa interpretação deve ser feita de acordo com critérios

objetivos e atualistas, assim como à luz das normas constitucionais, que tratam o individuo como

um sujeito jurídico, suscetível de ser titular de direitos subjetivos perante a administração. Daí

que, de acordo com a ordem constitucional da Lei Fundamental todas as situações de vantagem

objetiva e intencionalmente concedidas transforma-se em direitos subjetivos.

Assim, de acordo com a teoria da norma de proteção, sempre que uma norma de direito objetivo

se destine à proteção de interesses de cidadãos individuais, o individuo não é por ela favorecido

apenas de forma reflexa, antes goza de um poder jurídico para imposição dos seus interesses

protegidos de forma jurídico-objetiva. O que tem como consequência que os interesses


42

individuais e os direitos subjetivos tornam-se praticamente idênticos ou de forma mais exata,


Página

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
qualquer interesse individual protegido de forma jurídico-objetiva contra o poder público é

configurado pela ordem constitucional como direito subjetivo.

3. Finalmente, no que respeita à característica do direito de recurso, ela praticamente caiu em

desuso como condição de existência do direito subjetivo, a partir do momento em que foi

instituída a garantia constitucional do recurso contencioso, concebida em termos genéricos.

Assim, no direito alemão, a passagem de um sistema de contencioso tendo por base o “principio

da enumeração”, pelo qual eram taxativamente enumeradas as categorias de atos recorríveis,

para um sistema de cláusula geral, segundo o qual é recorrível qualquer atuação administrativa,

desde que o particular alegue a titularidade de direitos subjetivos, veio alterar os dados da

questão. Agora, é a recorribilidade do ato administrativo que passou a estar dependente da

presença de um direito subjetivo, e não o direito a ser condicionado pela existência de

recorribilidade.

Mais ainda, BACHOF, considera que a ordem constitucional da Lei Fundamental, com a sua

profissão de fé no primado da pessoa humana e a preferência pela liberdade humana

relativamente aos poderes do Estado, com a sua declaração de Estado social, bem como, por

último, com a sua tendência para realizar uma limitação e controlo gerais das manifestações do

poder estadual, consagra uma verdadeira presunção legal de existência de direitos subjetivos dos

particulares nas suas relações com a Administração. E uma tal presunção de existência de direito

subjetivo obriga a considerar que a concessão de uma vantagem jurídica intencional, na dúvida, é

um direito subjetivo.

O critério verdadeiramente relevante para averiguar da existência ou não de direitos subjetivos passou a

ser, portanto o do sentido da norma, ou seja, o da determinação dos interesses protegidos pela norma

jurídica.

Mas aquilo que de decisivo vai trazer esta teoria da norma de proteção, mais ainda do que a alteração do

conceito de direito subjetivo público, é o alargamento do âmbito de aplicação dos direitos dos privados,

bem como do numero de direitos considerados, que é igualmente uma consequência do novo

entendimento da posição do individuo perante a Administração no Estado de Direito dos nossos dias. A

doutrina e a jurisprudência alemãs, utilizando o cânone da norma de proteção, vão progressivamente

alargando o âmbito de aplicação dos direitos subjetivos públicos, através de uma interpretação do
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sentido das normas favorável aos particulares, que decorre do entendimento do individuo como sujeito
Página

de direito nas relações com a Administração.

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
A doutrinada norma de proteção implicou, portanto, uma importante mudança no modo de avaliação do

interesse protegido em muitas normas. Um grande numero de normas jurídicas, que anteriormente eram

consideradas como protegendo somente o interesse público, são hoje diferentemente avaliadas, sendo o

seu fim agora visto como sendo o da proteção de interesses individuais. Isto foi particularmente visível

no que respeita à consideração de direitos de caráter social, em resultado das transformações induzidas

pelo desenvolvimento da Administração Prestadora.

A jurisprudência, utilizando os cânones da norma de proteção, veio reconhecer que o individuo não pode

mais ser considerado pelo tribunal como um mero objeto de atuação estadual. Pelo contrário, ele é uma

personalidade moralmente responsável e, consequentemente, é-lhe reconhecida a titularidade de

direitos e deveres. O que deve valer, em especial, quando está em causa a própria possibilidade de

subsistência do individuo.

Novo Alargamento dos Direitos Subjetivos Públicos no Atual Direito Administrativo

As transformações sofridas pela atividade administrativa dos nossos dias, designadamente as

decorrentes do surgimento da Administração prospetiva ou infraestrutural, cujas atuações produzem

efeitos que vão para alem dos imediatos destinatários e, quase sempre, em domínios de escassa

densificação normativa, veio obrigar a recolocar o problema da proteção jurídica dos particulares

perante a Administração.

Esta nova realidade veio abrir uma crise no conceito de direito subjetivo, tal como tinha sido inicialmente

formulado pela teoria da norma de proteção, e que assentava na ideia de atribuição de direitos subjetivos

aos particulares pelo legislador ordinário. Isto porque, agora, em muitas das novas situações em que

estava em jogo a defesa dos particulares perante a Administração, não se podia dizer que as normas

jurídicas aplicáveis tivessem sido elaboradas para proteger interesses de privados, uma vez que elas

eram praticamente desprovidas de conteúdo material, limitando-se na maior parte dos casos, a permitir

a atuação das autoridades administrativas em domínios determinados, ao mesmo tempo que fixavam

alguns objetivos relativamente vagos a ser prosseguidos.

A crise do direito subjetivo publico era, em grande parte, a consequência natural de uma certa ótica

legalista de que enfermava o entendimento inicial da teoria da norma de proteção. Partia-se do principio
44

de que os direitos subjetivos públicos eram apenas aqueles que eram diretamente atribuídos pelo
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legislador ordinário, e tendia-se a esquecer que esses direitos subjetivos podiam igualmente resultar da

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
própria Constituiçao, de normas regulamentares, ou mesmo de atos administrativos e de contratos em

que interviesse a Administração. Por outras palavras, prestava-se muita atenção à lei, no que dizia

respeito à fundamentação dos direitos subjetivos, mas era quase esquecida a necessidade de se olhar

para o direito.

Isso era particularmente evidente no que respeitava aos direitos fundamentais. A teoria da norma de

proteção nascera com o objetivo de alargar o âmbito dos direitos subjetivos públicos, fundamentando-os

na lei, só que, algo paradoxalmente, tal orientação produziu o efeito perverso de fazer com que as

atenções da dogmática se concentrassem exclusivamente na legislação ordinária, conduzindo ao

dualismo doutrinário dos direitos fundamentais como direitos subjetivos, por outro lado, não se fazia uso

deles no domínio das relações administrativas, considerando-se que os direitos os privados eram apenas

os que constavam da lei ordinária, com o esquecimento da Constituição.

Havia, assim, uma contradição teórica entre a afirmação da identidade de natureza dos direitos

subjetivos fundados na Constituição, ou na lei ordinária e o tratamento separado das duas categorias de

direitos.

A crise do conceito de direito subjetivo decorrente da intensificação da atividade administrativa e da

diversificação do seu relacionamento com os privados, trazida pela moderna Administração, veio chamar

a atenção para a necessidade de abandonar óticas exclusivamente legalista de consideração do direitos

subjetivo, e conduziu ao tratamento unitário de todos os direitos subjetivos dos particulares perante a

Administração, resultem eles de lei constitucional ou ordinária, de regulamento, ato ou contratos

administrativos.

Mas foi a jurisprudência, e não a doutrina, que salientou em primeiro lugar a necessidade de se proceder

ao alargamento da noção de direito subjetivo-público no Estado pós-social, a fim de assegurar uma

proteção completa dos privados perante a Administração.

Por ação da jurisprudência, e muitas vezes sem grande elaboração teórica, começaram cada vez mais a

ser discutidos e reconhecidos direitos de particulares que não decorriam diretamente de uma norma

jurídico-administrativa, nem tinham como titulares os imediatos destinatários da atividade

administrativa, os quais, à falta de melhor designação, foram impropriamente denominados “direitos de


45

terceiros”.
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Direito Administrativo I
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A expressão “direitos de terceiros” não é inteiramente correta mas acabou por se generalizar, no direito

alemão, por via da atuação da jurisprudência.

A atuação da jurisprudência veio, assim, tornar mais evidente a necessidade de reformulação do conceito

de direito subjetivo, estendendo-o àquelas situações em que o particular é juridicamente lesado pela

atuação da Administração sem que possa alegar uma norma ordinária concreta , que dê imediata

cobertura à sua posição. O que a dogmática veio fazer, seguindo a jurisprudência, foi recorrer aos direitos

fundamentais, aplicando-os diretamente às relações jurídicas administrativas. Direitos fundamentais

que, como se viu, são direitos subjetivos que equiparam o estatuto dos particulares ao da Administração,

alem de serem também diretamente invocáveis nas relações administrativas, oferecendo cobertura

jurídica para numerosíssimas situações de lesão da posição do particular pela atuação das autoridades

administrativas.

Esta reformulação do conceito de direito subjetivo público através do recurso aos direitos fundamentais

seguiu 3 orientações principais na doutrina alemã:

1. A doutrina da norma de proteção, que agora passou a recorrer direta e expressamente aos

direitos fundamentais para justificar os direitos subjetivos dos particulares perante a

Administração. Direitos fundamentais que são utilizados tanto como critério de interpretação e

de integração de lacunas de normas jurídicas ordinárias, a fim de determinar quais os interesses

que eles visam proteger, como também para fundamentar imediatamente direitos subjetivos dos

particulares perante a Administração.

2. Uma outra orientação pretende recorrer ao conceito de relação jurídica para justificar a

existência de direitos subjetivos dos privados nas relações administrativas.

3. Outros autores, partindo da caracterização constitucional da posição do individuo como sujeito

de direito, consideram que desses estatuto decorre que qualquer lesão sofrida por um particular,

em virtude da atuação de uma autoridade administrativa, é sempre de configurar como um

direito subjetivo público.

O recurso aos direitos fundamentais para justificar as posições subjetivas dos indivíduos perante a

Administração decorre do reconhecimento pela dogmática da dependência constitucional do Direito

Administrativo.
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Direito Administrativo I
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Desta forma, a doutrina da norma de proteção vai interpretar e integrar o sentido das normas jurídicas

administrativas em função dos direitos fundamentais, procurando determinar se elas visam, ou não,

proteger interesses individuais, a fim de saber se está em causa a atribuição de um direito subjetivo

público. A averiguação dos interesses protegidos pelas normas deve, portanto, ser feita através do

recurso aos direitos fundamentais, deles dependendo em muitos casos o reconhecimento de direitos

públicos.

Por outro lado, os direitos fundamentais, que são direitos subjetivos públicos, se é certo que possuem

uma dimensão positiva, primacialmente dirigida ao legislador, e obrigando-o a criar as condições

necessárias para a sua realização, são igualmente, sobretudo, na sua vertente negativa imediata, direitos

de defesa dos indivíduos perante quaisquer agressões dos órgãos do poder público. Os direitos

fundamentais são, em primeiro lugar, “direitos de defesa” contra os poderes estaduais.

Desta forma, os direitos fundamentais atribuem incontestados direitos de defesa contra atuações

estaduais, não apenas contra agressões intencionais, como também contra prejuízos incidentais da

liberdade e da propriedade das pessoas causados por atuações estaduais.

Estes direitos de defesa, de que fala a doutrina alemã, são direitos subjetivos decorrentes da agressão por

parte da Administração da esfera jurídica individual garantida pelos direitos fundamentais. Eles não são

meros poderes processuais de exigir a intervenção dos tribunais, mas possuem um efetivo conteúdo

material, que resulta do direito fundamental agredido pela atuação das autoridades administrativas. A

ideia de defesa, ou de reação, tem apenas que ver com a circunstância de ter sido violado um dever de

omissão, por parte das autoridades administrativas, que decorre de um direito fundamental e cuja

agressão faz surgir um direito subjetivo do particular ao afastamento dessa conduta ilegal numa concreta

relação jurídica administrativa, o que não deve ser confundido com uma qualquer conceção reducionista

do direito subjetivo, que pretenda limitá-lo a um simples poder processual de ação.

Para a teoria da norma de proteção o que é relevante não é o poder de ação mas o direito substantivo

violado, o qual tanto pode ser conferido por intermédio de uma norma de direito ordinário, como através

de uma norma constitucional. No caos de estar em causa a agressão de um direito fundamental, a defesa

ou reação concedida pela ordem jurídica traduz-se na atribuição de um direito subjetivo público que é

correlativo do dever de abstenção que a Administração violou, não se tratando apenas de um simples
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direito de ação judicial.


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Direito Administrativo I
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Nos novos domínios da Administração, designadamente, no quadro da denominada atividade

infraestrutural, assistiu-se a um fenómeno de déficit generalizado de conteúdo material das normas

jurídicas, que tornava problemática a proteção do individuo, perante a Administração, pondo em causa a

Administração a ideia de fundamentação de direitos subjetivos públicos exclusivamente nas normas

jurídicas aplicáveis.

Dada a falta de densidade dessas normas jurídicas, para saber se um particular podia ou não ser titular

de um direito subjetivo não bastava olhar para a norma jurídica, mas era preciso igualmente saber se os

particulares seriam ou não afetados por ela, ou seja, não era suficiente ter em atenção apenas o sentido

da norma, mas era preciso olhar também para a sua eficácia jurídica. Nestes casos, o ponto de partida

continua a ser, nos termos da teoria da norma de proteção, a respetiva norma jurídica de planeamento,

que indica a finalidade da lei, no entanto, e uma vez que, com frequência, a concreta agressão da posição

jurídica individual só se verifica no quadro da aplicação da lei, só pode ser neste último, que se pode

verificar a afetação, sendo preciso olhar também para a concreta lesão produzida para saber se o privado

é ou não titular de direitos subjetivos.

Assim, a existência de um direito subjetivo público só deve ser considerada quando a norma jurídica

apenas favorece um particular no plano fáctico, mas tendo como fundamento uma decisao jurídica

superior. O que é uma consequência da interpretação da lei de proteção imposta pela constituição, pois

qualquer norma infra-constitucional está vinculada à constituição e deve ser interpretada à luz da

constituição e dos direitos fundamentais. Daí que nos domínios onde as previsões legais sejam vagas e

difusas, a questão de existência do direito subjetivo seja com frequência respondida através do recurso

às normas constitucionais, que possuem uma função completamente clarificadora do sentido das leis

ordinárias. A doutrina da norma de proteção permite, pois, a procura da proteção jurídica para

interesses de terceiros lesados através do recurso imediato aos direitos fundamentais. Para alem das

pessoas a quem as normas de direito ordinário atribuem diretamente direitos subjetivos, e mesmo que

não se trate dos imediatos destinatários de uma atuação administrativa, também os particulares lesados

pela Administração num seu direito fundamental (os chamados “terceiros”), podem-se valer desse seu

direito subjetivo público perante a Administração.

Mas a jurisprudência e a doutrina têm entendido que estes denominados “terceiros”, no caso de não
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serem os destinatários de uma atuação administrativa, que os atinge apenas em segunda linha, só podem
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Direito Administrativo I
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fazer valer esses “direitos de defesa” perante a Administração quando se trate de uma lesão grave e

insuportável dos seus direitos fundamentais.

Assim, na ausência de lei atributiva de direitos subjetivos, e estando em causa um particular que não é

diretamente afetado por uma atuação administrativa, deve o juiz, no caso concreto, proceder à avaliação

dos direitos fundamentais e possibilitar a sua proteção jurídico-subjetiva. O terceiro deve alegar factos

que possibilitem mostrar a lesão de uma norma que proteja também os seus interesses, ou, no caso de se

tratar da lesão de direitos fundamentais, deve alegar que não se trata de uma lesão meramente

insignificante dos seus interesses de liberdade decorrentes dos direitos fundamentais, mas uma agressão

especialmente qualificada desses mesmos direitos.

Isto porque se entende o contencioso administrativo como uma natureza fundamentalmente subjetiva,

de proteção dos direitos dos indivíduos, e não como uma forma de garantia da legalidade objetiva.

Entendimento diferente, do proposto pela doutrina da norma de proteção, apresentam os autores que

indicam a relação jurídica geral ou abstrata como fundamento unitário de todos os direitos subjetivos

dos particulares perante a Administração. Diga-se, desde logo, que a compreensão dos direitos subjetivos

públicos a partir da relação jurídica administrativa representa, de certa maneira, a atitude inversa da

teoria da norma de proteção, para a qual a existência de direitos subjetivos constitui uma condição dessa

mesma relação jurídica.

HENKE adota uma noção ampla, definindo-o como a possibilidade que me é atribuída como individuo (e,

também, secundariamente, como pessoa jurídica) de exigir alguma coisa de outrem.

De acordo com o autor, da mesma maneira que os particulares podem ser sujeitos de direito, também as

pessoas coletivas e as autoridades administrativas participam em relações jurídicas, e nelas possuem

direitos subjetivos, sendo esse igualmente o significado das suas competências soberanas.

Característico do pensamento de HENKE é a teorização de uma relaçao jurídica geral, na qual

participariam todos os sujeitos de direito de uma comunidade, criada diretamente pelo ordenamento

jurídico, e no âmbito da qual o individuo é titular de direitos absolutos relativamente à Administração,

que se transformarão, depois, em direitos de caráter relativo ou pretensões, quando os privados e as

autoridades administrativas entabularem elações jurídicas concretas.


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Direito Administrativo I
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Assim, num primeiro momento, existiria uma relação jurídica geral integrada por direitos absolutos, que

não criam nem fundamentam ainda nenhuns direitos subjetivos mas constituem o fundamento para que

essas pretensões surjam da lei.

Com base nessa relação e nesses direitos de caráter abstrato surgiriam, mais tarde, as relações jurídicas e

os direitos subjetivos concretos.

BAUER vai adotar uma posição muito próxima da apresentada nas linhas anteriores e, no seu trabalho,

vai apresentar criticas aos defensores da teoria da norma de proteção.

As criticas iniciais à teoria da norma de proteção, segundo este autor, assentavam em duas ordens de

considerações: de um ponto de vista teórico, BAUER criticava a dependência daquela em face do

legislador, assim como a dualidade de tratamento dos direitos fundamentais relativamente aos demais

direitos subjetivos públicos; de um ponto de vista mais prático, as críticas a essa teoria incidiam,

sobretudo no casuísmo e na incerteza a que conduzia a sua aplicação.

Na opinião do professor VASCO PEREIRA DA SILVA, as duas primeiras críticas, de caráter teórico, não são

válidas, a não ser perante versões da teoria da norma de proteção que não levem em devida conta os

direitos fundamentais, adotando uma perspetiva exclusivamente legalista dos direitos subjetivos. O que,

como se viu, já não corresponde mais ao modo como a atual doutrina da norma de proteção considera o

problema.

Quanto ao casuísmo, se é certo que constitui um risco sempre teoricamente possível, enquanto

degeneração de um qualquer método dogmático que atribua alguma margem de manobra à

jurisprudência e que se preocupe mais com a correta composição dos interesses do caso concreto do que

com a beleza lógica das soluções, não parece que corresponda à atual situação do direito alemão.

Além de que a criticada abertura do conceito de direito subjetivo da teoria da norma de proteção,

enquanto figura dinâmica e adaptável às circunstâncias, permite ao aplicador do direito dar resposta aos

problemas, com que se venha a defrontar, de proteção dos privados perante a Administração, em função

das necessidades e dos interesses em jogo no domínio administrativo.

A orientação que o professor VASCO PEREIRA DA SILVA considera e julga ser a mais correta quanto ao
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entendimento do direito subjetivo é a correspondente à da atual perspetiva da teoria da norma de


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proteção. Que é uma perspetiva que não esquece os direitos fundamentais interpretando os demais

Direito Administrativo I
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direitos subjetivos públicos à luz deles, mas que recorre também diretamente à Constituição para

invocar autónomos direitos subjetivos de defesa. Aderir à doutrina da norma de proteção não significa,

portanto, utilizar uma ótica exclusivamente legalista da consideração dos direitos subjetivos, antes

implica a consideração da globalidade da ordem jurídica, tratando de forma unitária e integrada todas as

posições subjetivas dos particulares, independentemente da sua fonte. Para além dos casos em que a lei

projeta de forma objetiva e intencional os interesses dos particulares (ainda que em simultâneo com

interesses públicos), devem ser consideradas como integrando o âmbito dos direitos subjetivos, todas

aquelas situações em que o ordenamento jurídico apenas concede um mero beneficio de facto,

decorrente de um direito fundamental.

Mas o professor VASCO PEREIRA DA SILVA entende serem corretas as considerações de BAUER, ao

pretender “fazer a ponte” entre a teoria dos direitos subjetivos e a perspetiva da relação jurídica. Os

direitos subjetivos não são apenas condição de existência de relações jurídicas, como integram também o

respetivo conteúdo, pelo que a perspetiva da relação jurídica permite uma melhor compreensão da

posição dos sujeitos administrativos, facilitando a apreciação integrada dos direitos fundamentais com

os demais direitos subjetivos públicos, a conjugação dos direitos e deveres recíprocos dos sujeitos, assim

como o entendimento de problemas como o dos denominados direitos de terceiro, para alem de permitir

ainda enquadrar sistematicamente a posição de sujeitos jurídicos das autoridades administrativas.

Novos Direitos Subjetivos Públicos e Relações Administrativas Plurilaterais

Os novos direitos subjetivos públicos devem ser integrados e entendidos no âmbito de relações jurídicas

administrativas. Só que estas relações jurídicas apresentam uma particularidade: elas não são já

simplesmente bilaterais, não se estabelecem entre dois sujeitos – de um lado o particular, do outro, a

autoridade administrativa - , mas são antes multilaterais – elas implicam o envolvimento de diferentes

particulares e autoridades administrativas, situados em polos diferenciados dessa mesma ligação.

O alargamento dos direitos subjetivos públicos com base nos direitos fundamentais implicou, portanto, a

reformulação do conceito de relação jurídica, obrigando a considerar como sujeitos das ligações

administrativas outros privados que não apenas aqueles a quem são aplicáveis normas ordinárias de

cariz indiscutivelmente subjetivo, ou que são os imediatos destinatários de atos administrativos. Esses

particulares, titulares de direitos subjetivos públicos, já não podem mais ser considerados terceiros em
51

face à Administração, ou perante aqueloutros privados imediatamente destinatários da sua atuação,


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antes como autónomos sujeitos de uma relação multilateral, que tem de incluir direitos e deveres

recíprocos dos particulares e da Administração.

Por exemplo, a autorização jurídica de poluição ou de produção atómica significa uma vantagem

para o empresário constituindo um prejuízo para o vizinho atingido pelas emissões. Ela surge no

quadro de uma relação trilateral entre a Administração, o requerente ou titular da licença, e os

titulares do direito fundamental lesado. Os particulares lesados no seu domínio privado protegido

pelos direitos fundamentais, ao exercerem o seu direito de recurso jurisdicional não contestam o

empresário mas o Estado que autorizou o particular a emitir. O proprietário afetado não se dirige

contra o titular da licença administrativa.

A relação jurídica multipolar surge-nos, portanto, como uma manifestação da moderna Administração

prestadora e constitutiva e representa uma transformação importante da sua forma de atuar e de se

relacionar com a sociedade. A confrontação da Administração com estruturas de interesses multipolares

(p.e., nos direitos de construção, da economia e do meio ambiente), conduziu à relativização da tradicional

conceção da relação bilateral entre a Administração e um cidadão, mostrando que o Direito

Administrativo de hoje já não pode ser mais concebido como um direito de colisão entre interesses

públicos e interesses privados, mas sim como uma espécie de direito de distribuição entre interesses

privados perante a Administração Pública. A Administração dos nossos dias já não se posiciona perante o

cidadão como uma entidade meramente autoritária, ou como limitada à atribuição das prestações

individualizadas, mas assume também uma função constitutiva da sociedade, procurando a realização do

equilíbrio entre posições jurídicas individuais contrapostas.

O ato administrativo com eficácia dupla foi teorizado e desenvolvido por LAUBINGER, a propósito das

autorizações de construção, no Direito do Urbanismo. Segundo este autor, o ato administrativo com

eficácia dupla é um ato de autoridade, que cria ou declara um direito subjetivo público ou privado, ou

uma vantagem especial juridicamente relevante a favor de uma pessoa, e que simultaneamente atinge

um direito subjetivo privado ou público, ou uma situação jurídica especial, de uma outra pessoa, ou ainda

que contém uma declaração desfavorável relativamente a um direito ou uma situação jurídica desta.

De facto, como destaca o professor VASCO PEREIRA DA SILVA, o ato administrativo com eficácia dupla

integra-se na relaçao jurídica multilateral, mas não a esgota nem se confunde com ela. Mais. É o próprio
52

direito aplicável e a constelação dos interesses em jogo, numa determinada matéria, que implica que o
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ato administrativo seja de eficácia múltipla, e não a eficácia do ato que determina a necessidade de ter

Direito Administrativo I
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em atenção os interesses de pessoas distintas dos imediatos destinatários. Daí que seja a necessidade de

compreender a integralidade dos direitos e dos deveres dos sujeitos intervenientes a implicar o recurso à

figura da relaçao jurídica multilateral.

Só a relaçao jurídica multilateral permite, assim, a compreensão de todos os direitos subjetivos públicos

independentemente da sua fonte. Diferentemente do direito subjetivo público tradicional, a dogmática da

relaçao jurídica não se refere exclusivamente à relaçao Estado-cidadão. Com a relaçao jurídica tripolar ou

multipolar, a dogmática tem à sua disposição a possibilidade de proceder a uma adequada determinação

dos direitos e deveres de todas as partes, sem precipitadamente limitar a sua perspetiva a um único

participante, com esta relaçao jurídica multipolar ou tripular abre-se caminho para uma mais ampla e

integradora consideração da relaçao jurídica.

Direitos Fundamentais e Novos Direitos Subjetivos Públicos no Ordenamento Jurídico Português

A ordem jurídica portuguesa trata os indivíduos como sujeitos de direito, titulares de direitos subjetivos

perante as autoridades públicas e suscetíveis de estabelecer relaçoes jurídicas com a Administração

(art.1º; 2º; 18º/1; 268º/4 e 5 CRP). O nosso ordenamento jurídico consagra ainda um entendimento

amplo dos direitos subjetivos públicos, segundo o qual eles podem ter por fonte a Constituiçao, o direito

internacional (art.8ºCRP), a lei ordinária, o regulamento, o ato administrativo, ou o contrato (art.266ºe ss

CRP). É o Direito, e não apenas a lei, que define o estatuto jurídico dos particulares e da Administração, e

que regula o seu relacionamento jurídico.

Mas, mais do que isso, a consagração de direitos fundamentais, assim como a necessidade de entender os

direitos subjetivos públicos à luz deles, implica que possam ser protegidos particulares que não apenas

aqueles cujos direitos subjetivos decorrem da aplicação de normas de direito ordinário, ou que são

imediatos destinatários de atos administrativos, mas também aqueloutros que sejam lesados pela

atuação administrativa no domínio protegido por esses mesmo direitos constitucionalmente fundados.

Titulares de direitos subjetivos públicos são, pois, tanto os indivíduos a quem eles foram concedidos

diretamente pela ordem jurídica, como aqueles que foram lesados por uma atuação administrativa, que

não os tinha por imediatos destinatários, mas que em virtude dessa agressão (ou da eventualidade dela)

podem alegar um direito de defesa decorrente dos direitos fundamentais. Porque “todos os cidadãos

gozam de direitos (…) consignados na Constituição” (art.12/1CRP) e podem invocá-los, quer no caso da
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agressão administrativa em causa estar destinada a atingir diretamente a esfera privada do seu titular,
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Direito Administrativo I
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quer no caso dela se ter produzido em resultado de um ato dirigido a um outro particular, mas que, no

entanto, provocou a lesão desses direitos.

Este entendimento amplo dos direito subjetivos públicos resultava já, desde logo, das normas

constitucionais que consagram os direitos fundamentais (art.12º e ss CRP). Mas, além disso, ele veio

ainda encontrar consagração legislativa no CPA, designadamente no artigo 532, que estabelece a

legitimidade para intervir no procedimento. E isto porque:

i. No nº1, do artigo 53 CPA 3confere-se legitimidade para intervir no procedimento aos titulares de

direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos, assim como aos titulares de interesses

coletivos (associações sem caráter politico ou sindical que tenham por fim a defesa desses

interesses). Ou seja, atribui-se legitimidade procedimental àquelas entidades a quem a ordem

jurídica conferiu imediatamente a titularidade direitos subjetivos público.

ii. De acordo com a alínea a), do nº2, do artigo 53º, possuem ainda legitimidade procedimental “os

cidadãos a quem a atuação administrativa provoque ou possa previsivelmente provocar

prejuízos relevantes em bens fundamentais como a saúde pública, a habitação, a educação, o

património cultual, o ambiente, o ordenamento do território e a qualidade de vida. Ora, se bem se

reparar, esta denominada “legitimidade para a proteção de interesses difusos” corresponde em

todas as hipóteses referidas , ao âmbito de aplicação de direitos fundamentais (direito à proteção

da saúde; direito à educação, direito à habitação,…). Daí que se possa dizer que aquilo que está

em causa neste artigo é o expresso reconhecimento legislativo de direitos de defesa dos

particulares ancorados nos direitos fundamentais.

Aquilo que o legislador consagrou, mediante a expressão “legitimidade para a proteção de interesses

difusos”, foi o direito de intervenção no procedimento dos particulares que alegam vir poder a ser

lesados nos seus direitos fundamentais pela atuação das autoridades administrativas. Está-se, pois,

perante o reconhecimento pela ordem jurídica de um direito de defesa, decorrente dos direitos

fundamentais, relativamente aos privados suscetíveis de ser afetados por uma agressão futura por parte

da Administração. Direito de defesa no procedimento, que possui um caráter preventivo de agressões


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ATENÇÃO, tese escrita em 1995, anterior à reforma de 2015.
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ATENÇÃO, tese escrita em 1995, anterior à reforma de 2015.

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administrativas futuras, e que é completado, em caso de efetivação da lesão, pelo direito de recurso

jurisdicional, que cabe aos particulares lesados.

Não é esta a única forma de resolver doutrinariamente o problema. A construção dogmática destes

poderes de intervenção no procedimento administrativo pode igualmente ser concebida, à maneiro do

direito italiano, como correspondendo à proteção de um direito difuso (o qual segundo a doutrina

maioritária italiana constituiria um “interesse legitimo”).

Tal é, por exemplo, a orientação defendida entre nós pelo professor FREITAS DO AMARAL, que inclui

entre as inovações da recente codificação do procedimento administrativo o alargamento da

legitimidade aos titulares de interesses difusos.

O professor VASCO PEREIRA DA SILVA considera mais correto reconduzir esses interesses difusos aos

direitos subjetivos públicos, enquanto direitos de defesa decorrentes dos direitos fundamentais

(seguindo a orientação de origem germânica). Ao alargar a legitimidade para a intervenção no

procedimento aos particulares afetados em bens fundamentais pela atuação administrativa, o CPA está a

reconhecer a existência de direitos subjetivos públicos, fundados na Constituição, mesmo quando os seus

titulares não são os imediatos destinatários das medidas administrativas.

Na opinião do professor, nada impede à doutrina de qualificar como direitos subjetivos (de defesa),

baseados nos direitos fundamentais, estas posições substantivas de vantagem dos privados.

Em síntese, o professor VASCO PEREIRA DA SILVA considera que se está aqui perante verdadeiros

direitos subjetivos públicos porque:

a) Na nossa ordem jurídica, não há que negar a titularidade de direitos subjetivos dos privados

perante a Administração, nem que distinguir esses direitos em razão da sua fonte. O

ordenamento português trata indiscutivelmente os particulares como sujeitos de direito,

suscetíveis de titularidade de direitos subjetivos perante a Administração, os quais tanto podem

ter por fonte a constituição (art.12 e ss CRP – que tratando-se de direitos liberdades e garantias,

são mesmo diretamente aplicáveis e vinculam imediatamente as entidades públicas, conforme

resulta do artigo 18º CRP), como a lei, o regulamento, o ato administrativo ou o contrato. Direitos

subjetivos públicos são, portanto, tanto aqueles expressamente conferidos pela ordem jurídica,
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como aqueles que decorrem de uma agressão administrativa na esfera privada protegida pelos
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direitos fundamentais;

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b) Os direitos de intervenção no procedimento para a defesa de bens constitucionalmente

protegidos correspondem a posições jurídicas, que são os direitos fundamentais. Está-se, pois,

perante verdadeiros direitos subjetivos públicos.

De um ponto de vista teórico, não parece correto distinguir entre direitos subjetivos de primeira

categoria e direitos de segunda, ou mesmo de terceira ordem, antes todas as posições substantivas de

vantagem dos privados perante a Administração devem ser entendidas como direitos subjetivos. Dai que

entre os denominados direitos subjetivos, interesses legítimos, e interesses difusos, não existam

diferenças de natureza, mas – quando muito – de conteúdo.

Isto porque quando se fala em direitos subjetivos públicos está-se perante um conceito-quadro que inclui

modalidades de conteúdos tao diferentes como sejam direitos relativos e absolutos, pessoais e reais,

potestativos… Todos eles, no entanto, constituem posições de vantagem juridicamente protegidas,

poderes jurídicos conferidos para a proteção de interesses dos indivíduos , ou bens ou coisas

juridicamente atribuídas ou devidas a particulares, pelo que são sempre de considerar como direitos

subjetivos.

A adoção desta noção ampla de direito subjetivo implica a necessidade de reconhecimento de novos

direitos subjetivos públicos e a utilização do esquema das relaçoes jurídicas multilaterais. Sujeitos das

relaçoes jurídicas administrativas podem ser, portanto, não apenas os imediatos destinatários dos atos

administrativos, mas também aquelas pessoas que sejam afetadas pela atuação administrativa, podendo

invocar para tanto um direito fundamental atingido por uma atuação administrativa ilegal. Veja-se

diferentes exemplos de novos direitos subjetivos na ordem jurídica portuguesa:

A. Direitos subjetivos decorrentes dos direitos fundamentais relativamente à Administração podem

ser invocados no domínio do direito policial. Uma vez que a policia, de acordo com o artigo

272º/1 CRP não tem apenas por função a defesa objetiva da legalidade democrática e a garantia

da segurança interna, mas igualmente os direitos dos cidadãos. O que significa que as normas de

direito de policia, interpretadas à luz da Constituição, também têm por objetivo a defesa dos

interesses individuais e podem fundamentar a existência de direitos subjetivos dos privados.

Direitos subjetivos públicos que podem ser relativos a omissões de agressão da policia no

domínio protegido pelos direitos fundamentais, como também direitos a uma atuação das
56

autoridades policiais, quando os direitos fundamentais dos particulares estejam a ser atingidos
Página

por uma atuação ilegal de terceiros.

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Assim, relativamente a estes direitos a uma atuação policial, por exemplo, as pessoas que

habitam na proximidade de um estádio de futebol podem invocar um direitos subjetivo a que

policia intervenha para retirar da via pública os automóveis que bloqueiam os acessos às suas

habitações nos dias em que se realizam eventos desportivos; tal como os moradores de zonas não

policiadas podem invocar um direito subjetivo público a uma adequada vigilância das zonas

habitacionais, ou o direito a que as autoridades policiais intervenham para pôr cobro a atos de

violência ou vandalismo, ou o direito de exigir a instalação de uma esquadra da policia.

B. A violação de normas jurídicas objetivas pode, portanto, originar também a lesão de direitos

subjetivos dos vizinhos, quando esteja em causa o seu direito fundamental de propriedade

(art.62/1CRP). Assim, por exemplo, pode-se falar num direito subjetivo do vizinho a que a licença

de obras não contrarie as disposições de planeamento, quando a preterição destas implique uma

grave lesão do seu direito de propriedade; de um direito subjetivo a que as autoridades

administrativas ordenem a demolição de construções que ameacem ruir para cima do terreno do

vizinho.

C. Do mesmo modo, no domínio do Direito do Ambiente, o particular pode alegar o seu direito

fundamental ao ambiente e à qualidade de vida (art.66/1 CRP), para fazer valer a sua posição

jurídica subjetiva em face da Administração e do poluidor. Deve-se falar igualmente, nestas

circunstâncias, na possibilidade de surgimento de uma relaçao jurídica multilateral entre a

Administração, o poluidor e o privado que é lesado de forma grave no seu direito fundamental.

D. A mesma problemática da relaçao administrativa plurilateral deve ser colocada a propósito das

normas reguladoras da atividade industrial. Pois, a regulação da atividade industrial não visa

proteger unilateralmente um interesse, privado ou público que seja, mas uma multiplicidade de

interesses públicos e privados, que se entrecruzam combinam.


57
Página

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
“A Cultura a Que Tenho Direito” TEORIA DA
Vasco Pereira da Silva
NORMA DE
PROTEÇÃO E
Encontramos 3 momentos de evolução da teoria da norma de DIREITO
proteção: SUBJETIVO
DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA
1. BUHLER – teorização das 3 condições de um direito subjetivo

público:

a) Uma norma jurídica vinculativa;

b) Intenção legislativa contida na norma de proteção de

interesses individuais;

c) Consagração de meios de tutela jurisdicional para a

proteção desses interesses individuais legalmente

protegidos;

2. BACHOF – reformulou a noção de direito subjetivo público,

em termos adequados a um Estado social de direito, o que

levou ao alargamento do âmbito de aplicação da proteção

jurídica subjetiva. Desta forma, BACHOF revisita as condições

jurídicas de existência do direito subjetivo público,

reformulando-as e reduzindo a 2.

a) Desloca a condição de norma vinculativa para as

vinculações legais, considerando que existe um direito

subjetivo na medida dessas vinculações jurídicas – o

conteúdo do direito é igual ao conteúdo do dever a que

a entidade pública está obrigada

b) Nos termos da condição considerada mais importante –

procede-se ao alargamento do direito subjetivo a todos

os casos em que uma qualquer vinculação jurídica

proteja simultaneamente interesses públicos e privados

– o que engloba, na categoria dos direitos os interesses


58

que a doutrina portuguesa denominava interesses


Página

legítimos – considerando BACHOF existir nos modernos

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Estados de direito, uma presunção a favor do direito subjetivo. Isto porque face à ordem

constitucional todas as vinculações que resultam de normas conferem situações de

vantagem objetiva e intencionalmente concedidas transformaram-se em direitos subjetivos.

c) A proteção jurisdicional deve passar a ser vista como consequência e não mais como direito

subjetivo, umas vez que as modernas constituições de Estado de direito consagram o

princípio da proteção plena e efetiva dos particulares – artigo 268º nº4 CRP

d) A construção de BACHOF da teoria do direitos subjetivo público de BUHLER encontrou

aceitação doutrinária generalizada na Alemanha

3. Verificamos aqui um renascimento da teoria da norma de proteção – BAUER – decorrente da

reformulação conceptual e do alargamento dos direitos subjetivos públicos a partir da doutrina

dos direitos fundamentais. Esta nova preocupação da doutrina da norma de proteção decorre da

reafirmação dos direitos fundamentais como direitos subjetivos e da adoção de conceções

unitárias acerca da natureza de todas as posições subjetivas públicas de vantagem.

Os direitos fundamentais, desta forma, são utilizados tanto como critério de interpretação e

integração de lacunas de normas jurídicas ordinárias, a fim de determinar quais os interesses que

elas visam proteger, como também fundamentar os direitos subjetivos dos particulares perante a

AP. Esta reformulação vem acentuar o papel dos direitos fundamentais – o que representa o

desenvolvimento da perspetiva inicial, mais virada para a determinação do sentido das normas

do direito ordinária – o prof. Considera que corresponde à posição maioritária na Alemanha.

Partindo dos direitos fundamentais, enquanto direitos subjetivos e enquanto criadores de um

estatuto constitucional dos cidadãos, chega-se ao reconhecimento de novos direitos subjetivos

públicos dos particulares – antes considerados como terceiros e agora como sujeitos – em

relações administrativas multilaterais, em especial, nos novos domínios da AP – ambiente,

consumo, urbanismo e saúde.

A evolução da doutrina dos direitos subjetivos públicos segundo a teoria da norma de proteção vem pôr

termo ao dualismo doutrinário que separava os direitos subjetivos de direito administrativo e os direitos

subjetivos de direito constitucional, o que levou ao alargamento dos direitos subjetivos públicos nas

relações jurídicas multilaterais tendo como base a CRP.

Desta forma, é unânime o reconhecimento de que a unificação dogmática dos direitos subjetivos
59

públicos, a partir dos direitos fundamentais, deu bons frutos ao direito administrativo.
Página

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Este alargamento não sucedeu no direito constitucional no que toca aos direitos fundamentais,

continuando a ser restringida aos direitos de primeira geração – direitos, liberdades e garantias.

Na ideia do prof. VPS, é tempo de, reafirmando a ideia de unidade dos direitos subjetivos públicos

independentemente da sua fonte, procurar retirar as consequências dogmáticas da conjugação do direito

constitucional com o direito administrativo, numa base de reciprocidade.

Desta forma é necessário repensar a noção de direito fundamental, percorrendo o caminho inverso, ou

seja, se até aqui percorremos o direito constitucional para o direito administrativo, agora é necessário

repensar partindo do direito administrativo para o direito constitucional.

Sem isto, continuaremos a manter um grave e insustentável situação de esquizofrenia ao nível dos

direitos subjetivos públicos.

Imagine-se – direito ao ambiente:

 Na ótica do direito administrativo há um direito ao ambiente que leva à intervenção das

autoridades públicas para verificar se estão ou não a ser cumpridos os limites estipulados – além

da vertente negativa de não violação, há uma vertente positiva

 Para o direito constitucional o direito ao ambiente é reconhecido como um direito subjetivo

público, todavia, apenas na sua vertente negativa, como um direito de abstenção

Há um contrassenso – é um absurdo lógico face ao mesmo direito fundamental.

Neste sentido, o professor VASCO PEREIRA DA SILVA considera necessário uma nova fase da teoria da

norma de proteção:

a) Noção unitária de direito subjetivo público com influência no direito administrativo e

constitucional

b) Reconstrução da noção de direito fundamental, considerando uma dimensão positiva e negativa

O professor considera ainda que esta noção de distinção de direitos e interesses também é contra a lógica

no direito constitucional, pois mais uma vez, a distinção não é tanto de foro material, mas essencialmente

formal que se reconduzem a resultados idênticos.


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Página

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Vejamos:

1) A lei atribui um direito subjetivo, através de uma norma jurídica, qualificando como uma posição

jurídica de vantagem – doutrina clássica qualifica sem dificuldade um direito subjetivo

2) A lei pode estabelecer um dever da administração no interesse do particular, o qual, no âmbito de

uma relação jurídica, é correlato da posição de vantagem do particular. Neste caso não obstante a

diferente técnica legislativa, o particular goza também de uma posição jurídica de vantagem, cujo

conteúdo é delimitado de forma negativa pela norma jurídica

3) A lei pode atribui um direito subjetivo mediante disposição constitucional – pode estabelecer

deveres de abstenção, de violações ilegais por entidades públicas e privadas, bem como

estabelecer deveres e tarefas necessários para a sua concretização – direitos fundamentais. Neste

caso, não obstante a técnica jurídica encontramos um direito subjetivo dos particulares, que tem

como conteúdo o dever de abstenção, quer eventuais deveres de atuação das autoridades

públicas, mas não as genéricas tarefas de natureza programática dependes de realidade

extrajurídicas. Neste sentido os interesses difusos equivalem a direitos subjetivos decorrentes da

CRP.

Neste sentido nas 3 qualificações estamos perante posições jurídicas substantivas de vantagem dos

particulares, destinadas à satisfação de interesses individuais, configurando-se como verdadeiros

direitos subjetivos. Neste sentido, o professor VASCO PEREIRA DA SILVA rejeita a tripartição de direitos,

interesses legítimos e interesses difusos, preferindo proceder ao tratamento unificado dessas posições

substantivas de vantagem no conceito-quadro do direito subjetivo – que não obsta a que este possa

apresentar diferentes espécies e conteúdos.

“Contencioso Administrativo No Divã da Psicanálise”

Vasco Pereira da Silva

A pretensa distinção entre direitos subjetivos e interesses legítimo e difuso assenta mais do que em

caraterísticas materiais diferenciadas, assenta sobretudo numa distinção de ordem formal, que decorre

da utilização da ordem jurídica de diferentes técnicas de atribuição de posições de vantagem, ainda que

levando a resultados idênticos:


61

1. A lei pode atribuir um direito subjetivo, através de uma norma jurídica que qualifica como tal
Página

essa posição jurídica de vantagem. Neste caso a doutrina administrativa clássica não tem

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
dificuldade em qualificar a posição do particular perante a AP como um direito subjetivo –

apenas neste

2. A lei pode estabelecer um dever da AP no interesse do particular, o qual, no âmbito de uma relaão

jurídica, é correlato da posição de vantagem do particular. Nesta situação, não obstante a técnica

legislativa utilizada, o particular goza igualmente de uma posição jurídica de vantagem, cujo

conteúdo é delimitado de forma negativa pela norma.

São 2 formas de atribuição de posições substantivas de vantagem que no direito público não importa

distinguir:

O funcionário que tem direito a uma regalia é semelhante ao funcionário que como concorrente de um

cargo público tem uma série de direitos conferidos no seu interesse. Da mesma forma que no direito

privado é indiferente no que toca à atribuição de direitos subjetivos e a distinção das relações.

No direito privado não há dúvidas que apesar da técnica legislativa utilizada, tanto nos casos em que a lei

qualifica diretamente uma posição como um direito, como os casos em que a lei cria um dever jurídico

estabelecido no interesse de outrém, como sendo um direito subjetivo.

O direito público por outro lado não tende a seguir estas qualificações. Além das situações referidas, a

ordem jurídica pode atribuir um direito subjetivo mediante disposição constitucional consagradora de

um estatuto, que atribui aos particulares a possibilidade de fruição individual de um bem jurídico, livre

de agressões ilegais provenientes de atividades públicas ou privadas, além de estabelecer deveres ou

tarefas aos poderes públicos necessários para a sua concretização – caso dos direitos fundamentais.

Neste caso, não obstante a técnica legislativa utilizada, encontramo-nos em face de um direito subjetivo

dos particulares, que tem como conteúdo o dever de abstenção (com o consequente direito de defesa)

quer eventuais deveres de atuação das autoridades públicas (não as genéricas tarefas de natureza

programática muitas vezes dependentes de realidades extra-jurídicas), no âmbito de relações jurídicas

concretas. Neste sentido o prof. VPS encara os direitos difusos como direitos subjetivos públicos

decorrentes da Constituição.

Neste sentido para o professor VASCO PEREIRA DA SILVA independentemente da técnica legislativa

utilizada, estamos perante situações jurídicas substantivas de vantagem, destinadas à satisfação de


62

interesses individuais, possuindo idêntica natureza ainda que podendo apresentar conteúdos
Página

diferenciados, que são por isso configurados como direitos subjetivos.

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Portanto o professor VASCO PEREIRA DA SILVA entende que não podemos distinguir direitos de

primeira ou de segunda, como seriam os direitos subjetivos, interesses legítimos e os interesses difusos,

sendo preferível proceder a um tratamento unificado dessas posições substantivas de vantagem no

conceito-quadro do direito subjetivo – o que não obsta a que este possa diferenciar as espécies e

conteúdos, como sucede nos restantes ramos de direito.

Direitos E Interesses Legalmente Protegidos

Paulo Otero

O professor qualifica como situações jurídico-administrativas as relações entre particulares e

administração.

Posição jurídica – toda a situação de uma pessoa regulada pelo direito. As posições jurídico-

administrativas podem referir-se a 2 tipos de sujeitos:

a) Entidades integrantes da AP – posições jurídicas da AP ;

b) As particulares (pessoa singular ou coletiva) que se relacionam com a AP, utiliza-se a expressão

posições jurídicas dos administrados, ou posições jurídicas subjetivas dos particulares;

A ordem jurídica cria posições jurídicas diferenciadas e essa diferença sente-se na sua relação com a AP –

as posições jurídicas dos administrados não são todas iguais.

Princípio da igualdade – não exclui que atendendo à diversidade das posições jurídicas de que cada um

se encontra investido, exista um tratamento diferenciado da AP.

Para o professor Paulo Otero seria injusto que o tratamento surgisse como tal. Para o professor

encontramos sempre numa norma jurídica o fundamento das posições jurídico-administrativas, verifica-

se no entanto que os administrados podem ser investidos nas suas posições jurídicas através de vias

distintas:

a) As posições jurídicas podem resultar direta e imediatamente de normas jurídicas, sem

necessidade de intervenção de qualquer outra estrutura decisória de concretização – situações

jurídicas gerais de concretização ope legis;

b) Podem as situações jurídicas resultar, primeiramente, de normas de competência que habilitem a


63

AP a proceder à sua criação, verificando-se ser só num 2º momento, através da decisão


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Direito Administrativo I
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administrativa concretizadora, que as posições jurídicas dos administrados são estabelecidas –

situações jurídicas individuais de concretização administrativa.

Como referência o conteúdo das posições jurídicas – 2 configurações possíveis:

1. Posições jurídicas ativas – situações de vantagem ou favoráveis para a satisfação dos interesses

do respetivo titular – pressupõe poderes

2. Posições jurídicas passivas – situações de desvantagem ou desfavoráveis aos interesses de quem

as deve suportar – envolvem deveres

Nem sempre há uma separação rígida entre as normas que estabelecem as posições jurídicas ativas e

passivas:

i. Por vezes, a norma que estabelece posições jurídicas ativas constitui, simultaneamente, fonte

de uma pluralidade de posições jurídicas passivas – criando um dever geral de respeito das

posições jurídicas ativas – direito a realizar o exame em silêncio;

ii. Em igual sentido a norma que cria posições jurídicas passivas pode servir de fonte geradora

de posições jurídicas ativas para 3ºs – limitações a emissões de fumos.

Posições jurídicas ativas:

Ora se a dicotomia entre posições jurídicas ativas e passivas significa que nem todas as posições dos

administrados são iguais perante a AP, da mesma forma nem todas as situações vantajosas beneficiam de

uma tutela idêntica ou gozam de igual intensidade – as posições jurídicas ativas não são uniformes.

Existem, essencialmente, 2 tipos nucleares de posições jurídicas ativas:

a) Direitos subjetivos: confere direta ou imediatamente ao seu titular um poder, isto é, meios que

lhe permitem a afetação jurídica de um bem à prossecução de um interesse próprio, exigindo de

um, vários ou de todos os restantes sujeitos uma conduta positiva ou negativa apta à sua

satisfação;

b) Interesses legalmente protegidos – definidos como todas as posições jurídicas subjetivas de

vantagem tituladas por administrados que não se reconduzem a direitos subjetivos, gozam de um

estatuto garantístico menos consistente e enérgico do que o direito subjetivo – categoria residual

de vantagens, alicerçada na presunção que todo o interesse digno de proteção normativa


64

constitui sempre um interesse legalmente protegido.


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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Comparação:

O direito subjetivo confere uma maior proteção jurídica ao administrado, vinculando a AP a satisfazer a

sua pretensão, afetando-lhe o bem pretendido, sem margem de livre apreciação decisória de conceder ou

não conceder, sem prejuízo da possível concorrência provocada por outros direitos subjetivos idênticos e

a escassez de meios financeiros aptos à satisfação de todos eles – há uma relevância operativa do

conceito de reserva do financiamento possível.

Interesses legalmente protegidos – apesar de não obrigarem a AP a decidir favoravelmente no sentido

pretendido pelo administrado, permitindo sempre que a decisão se traduza na negação de acesso a um

bem, efeitos:

a) O acesso do interessado a determinado bem se encontra dependente do exercício de um poder de

livre apreciação administrativa, segundo um juízo alicerçado nos postulados decorrentes da

prossecução do interesse público, a existência de um interesse legalmente protegido obriga a AP

a tomar em consideração essa posição jurídica subjetiva, ponderando-a, no respeito pela

legalidade

b) Se o administrado entender que a AP não cumpriu, ou não irá cumprir, a legalidade na decisão

que aprecia a sua pretensão de acesso a um bem, a circunstância de ser titular de um interesse

legalmente protegido atribui-lhe ainda os meios judiciais que lhe permitem exigir esse respeito

nos tribunais nunca podendo sofrer decisões ilegais desfavoráveis à simples apreciação

administrativa das suas pretensões

Notas:

 A consagração de um interesse legalmente protegido no plano substantivo tem aparelhada,

enquanto sua garantia judicial, a atribuição de um direito subjetivo processual – o direito de ir a

tribunal exigir a reposição da legalidade violada na apreciação administrativa do interesse

legalmente protegido

 Aquele que sendo titular de um interesse legalmente protegido junto da AP, obtém desta decisão

favorável, satisfazendo o seu interesse, passa por intervenção decisória administrativa, a ser

titular de um direito subjetivo – o interesse legalmente protegido pode converter-se, por decisão
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administrativa, num direito subjetivo


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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Neste sentido o mesmo enunciado normativo é suscetível de conferir diferentes posições jurídicas. A

realidade entre interesse legalmente protegido e cidadão é mutuamente influenciado sendo que a grande

diferença é o pressuposto de decisão final favorável que está subjacente ao direito subjetivo.

Os direitos subjetivos e os interesses legalmente protegidos assumem sempre natureza composta e

complexa, subdividindo-se em 2 tipos de posições jurídicas ativas menores:

 Poder – disponibilidade de meios para se alcançar um determinado fim, traduzindo um

instrumento de efetivação de interesses lícitos;

 Faculdade –conjunto de poderes unificado numa designação comum;

Classificação de direitos subjetivos atendendo ao seu objeto no relacionamento com a conduta

administrativa, os direitos subjetivos dos particulares face à AP são os seguintes:

 Direitos subjetivos substantivos – são aqueles que o particular goza à luz do direito material

regulador da conduta administrativa, consubstanciando-se em posições jurídicas de vantagem

traduzidas em atos de satisfação de pretensões nele alicerçadas – direito de utilizar o domínio

público ou ao subsídio de desemprego;

 Direitos subjetivos procedimentais – dizem respeito a posições jurídicas de vantagem que são

conferidas aos particulares no âmbito das sucessivas fases de tramitação decisória no âmbito do

procedimento interno da AP, visando a defesa das respetivas posições jurídicas materiais –

direito de audiência prévia, direito a ser informado do andamento dos processos que lhe digam

respeito;

 Direitos subjetivos processuais – posições jurídicas tituladas pelos particulares e cujo exercício é

feito junto dos tribunais contra a AP, nos termos das leis processuais – direito à impugnação

judicial dos atos administrativos lesivos.

Tendo como presente a respetiva força jurídica e os meios de tutela dentro do ordenamento vigente, os

direitos subjetivos dos particulares perante a AP podem ser:

 Direitos fundamentais – direitos subjetivos reconhecidos e garantidos por normas da CRP formal,

ou nos termos do artigo 16º nº1 – expressão uma dimensão aberta de direitos fundamentais:

a) Direitos liberdades e garantias


66

b) Os direitos económicos, sociais e culturais


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Direito Administrativo I
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 Direitos subjetivos em sentido estrito – todos os direitos subjetivos provenientes de normas sem

valor, natureza ou qualificação como sendo constitucionais, englobando todos os direitos

subjetivos que não merecem qualificação jurídico-constitucional enquanto direito fundamental,

dentro destes há 2 categorias:

a) Perfeitos – conferidos em termos plenos, isto é que não pode ser enfraquecidos ou

condicionados por via de uma atuação administrativa preventiva ou condicionante

b) Imperfeito – direitos enfraquecidos, condicionados ou comprimidos por efeito de uma

sujeição normativa a intervenções administrativas preventivas, condicionantes ou

sucessivas (autorização de licença, condições em que é autorizada, termo ou modo,

revogação da mesma e suspensão)

Classificação de interesses legalmente protegidos:

 Quanto à titularidade:

1. Interesses individuais – sempre passíveis de subjetivação ou apropriação individual da

respetiva titularidade, podem ter 2 configurações:

a) Emergir de atos que direta e imediatamente visam proteger interesses de determinadas

pessoas, sendo interesses legítimos ou diretamente protegidos;

b) Resultar de atos que só reflexa ou indiretamente visam a proteção de interesses

individuais, pois no imediato eles visam proteger o interesse geral – interesses

reflexamente protegidos;

2. Interesses difusos – representam a subjetivação não individualizada ou não individualizável

de interesses públicos que são passíveis de satisfação coletiva através de bens indivisíveis e

insuscetíveis de apropriação individual, encontrando-se na circunstância de se estar diante

de um interesse de todos. 2 tipos de interesses:

a) Interesses difusos concretos – defesa do ambiente

b) Interesses difusos abstratos – defesa da legalidade da atuação administrativa

Critério classificativo – dinâmica evolutiva da normatividade consagradora de interesses legalmente

protegidos:
67

1. Normas que criam ex novo interesses – passando a ser interesses legalmente protegidos – 2
Página

variantes:

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
a) Interesses legalmente protegidos equiparados a direitos subjetivos;

b) Interesses legalmente protegidos sem equiparação ao regime dos direitos subjetivos;

2. Normas que operando o reconhecimento jurídico de meros interesses de facto, convertem esses

interesses de facto em interesses legalmente protegidos;

3. Normas que protegem interesses que podem evoluir ou originar verdadeiros direitos subjetivos –

expetativas jurídicas;

4. Normas que efetuam ou permitem a degradação da conversão de direitos subjetivos em meros

interesses legítimos.

Critério do fim subjacente à instituição normativa de interesses legalmente protegidos, pode verificar-se

a seguinte classificação:

a) Interesses de legalidade – conferem ao respetivo titular um poder de exigir o cumprimento pela

AP da normatividade vinculativa, habilitando os seus titulares de aceder ao tribunal;

b) Interesses de mérito – traduzem um reflexo subjetivo da exigência de conveniência e

oportunidade da atuação administrativa discricionária, envolvendo sintonia entre interesse

individual ou coletivo com uma melhor prossecução do interesse público ou dever de boa

administração, encontrando-se a sua garantia no acesso dos titulares a mecanismos políticos,

graciosos e arbitrais de controlo;

Distinção quanto à tutela que os interesses legalmente protegidos recebem:

1. Interesses legalmente protegidos perfeitos – são todos aqueles que têm tutela judicial,

verificando-se com a violação a possibilidade de controlo dos tribunais, num modelos semelhante

aos direitos subjetivos no que toca à violação por ação ou omissão;

2. Interesses legalmente protegidos imperfeitos – não gozam de tutela judicial, sendo apenas

passíveis de controlo através de tutela graciosa ou política;

3. Interesses legalmente protegidos semiperfeitos – sendo passíveis de tutela graciosa e política,

podem ainda ser objeto de controlo arbitral, encontrando-se excluída, todavia, a intervenção dos

tribunais administrativos.
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Direito Administrativo I
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Freitas do Amaral

Princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares: não aceita a

definição do 266º nº1 da CRP – referência cidadãos não cobre o universo – particulares de forma a levar

em conta todos os sujeitos de direito – indivíduos e pessoas coletivas.

O sentido do artigo 266º nº1:

 Necessidade do direito administrativo conciliar as exigências do interesse público com as

garantias dos particulares;

 Anteriormente entendia-se que o princípio da legalidade seria suficiente para tal proteção;

 O princípio da legalidade não é suficiente, não basta o escrupuloso cumprimento da lei por parte

da AP.

Formas alternativas que acrescem ao princípio da legalidade na proteção dos cidadãos:

 Possibilidade de suspensão jurisdicional da eficácia do ato administrativo, quando na execução

possam resultar prejuízos de difícil reparação para o particular;

 Extensão do âmbito de responsabilidade da AP por ato ilícito culposo, não apenas a casos em que

o dano resulte de um ato jurídico ilegal, mas também de casos em que o dano resulte de factos

materiais que violem as regras de ordem técnica e de prudência comum que devem ser tidas em

conta pela AP;

 Extensão da responsabilidade da AP aos danos causados por factos causais, bem como de atos

lícitos que imponham encargos ou prejuízos aos particulares;

 Concessão aos particulares de direitos de participação e informação no procedimento

administrativo antes da decisão final;

 Imposição de um dever de fundamentação em relação a atos administrativos que afetem

diretamente os interesses legalmente protegidos dos particulares – artigo 124º CPA;

 Abertura aos particulares de uma via contenciosa não fundada na ilegalidade para obter

reconhecimento de um direito subjetivo ou interesse legítimo;

 Imposição expressa do limite do respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos às

atividades de natureza policial, inclusivamente, quando tenham por objeto a prevenção de crimes
69

contra a segurança do Estado;


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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
 Alargamento constitucional da responsabilidade civil da AP aos casos em que o dano a

indemnizar consista apenas na violação de direitos, liberdades ou garantias do cidadão – artigo

22º CRP;

 Conceção do direito de acesso dos particulares ao provedor de justiça, a fim de prevenir e reparar

injustiças, sobretudo quando não consistam simultaneamente em ilegalidades – artigo 21º CRP;

Distinção entre direito subjetivo e interesse legalmente protegido: o professor FREITAS DO AMARAL

entende que tanto no direito subjetivo como no interesse legítimo existe um interesse privado

reconhecido na lei.

Todavia:

A) Direito subjetivo – proteção direta e imediata – de tal modo que o particular pode exigir à AP

um ou mais comportamentos que satisfaçam plenamente o interesse privado, e assim obter a

plena realização em juízo em caso de violação ou não cumprimento.

B) Interesse protegido – indireta – é um interesse público, o particular não pode exigir à AP que

satisfaça o seu interesse, mas apenas que não o prejudique ilegalmente, e, em caso de ilegalidade,

o particular não pode realizar plenamente o seu interesse em tribunal, mas somente eliminar os

atos ilegais que o tenham prejudicado.

Direito subjetivo – um direito de satisfação de um interesse próprio – tem direito a decisão final

favorável.

Interesse protegido – direito à legalidade das decisões que versem sobre um interesse próprio – o que

se pode fazer é remover o obstáculo ilegal à satisfação do seu interesse.

Por exemplo, um concurso para professor Catedrático – concurso público e há determinados requisitos

para este concurso, os quais um de 3 candidatos não preenche e é escolhido. Os outros 2 candidatos

podem recorrer da decisão e pedir a anulação pelos tribunais, mas isto não faz nascer um direito em

qualquer um de ocupar o lugar, apenas de remover o obstáculo ilegal e de reiniciar o processo, o júri não

tem obrigação de nomear nenhum dos dois – apenas tem o direito a não ser preterido. Distinção

jurisdicional em Itália da responsabilidade civil:

1. Violação de direitos subjetivos pela AP – tribunais judiciais;


70

2. Violação de interesses pela AP – tribunais administrativos;


Página

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Relação Jurídico-Administrativa

João Caupers

As antigas construções do direito administrativo não pressuponham um conceito de relação jurídica

administrativa, isto porque a AP estava radicada num quadro ideológico que se considerava

essencialmente como um poder ao qual os administrados se encontravam sujeitos.

Na perspetiva do professor VASCO PEREIRA DA SILVA o privado encontra-se perante a AP, não como um

objeto de poder, ou um simples administrado, mas sim como um autónomo sujeito jurídico, que ocupa no

direito uma posição semelhante à AP. O professor JOÃO CAUPERS não subscreve o entendimento, pois

considera que o cidadão não está na mesma posição que a AP.

Considera que a AP tem mais poderes, e igualmente mais deveres jurídicos, estes têm é que se encontrar

numa posição de equilíbrio, como condição de existência do Estado de Direito. Considera que o mais

importante desenvolvimento do professor VASCO PEREIRA DA SILVA foi o conceito de relação jurídica.

O professor VASCO PEREIRA DA SILVA reconhece que a relação jurídico-administrativa não é útil para o

tratamento de matérias como a organização administrativa pública ou os regulamentos administrativos,

bem como a rejeição pelo abandono do estudo do ato administrativo.

Interesse público e interesse dos particulares: na prossecução do interesse público a AP tem que levar

em conta o interesse dos particulares (artigo 266º nº1 CRP e artigo 4º do CPA).

Antes o equilíbrio era conseguido através do princípio da legalidade, todavia, com o alargamento da

intervenção pública na sociedade, o princípio da legalidade tornou-se insuficiente.

Nestes sentido:

a) Dever de fundamentação do ato administrativo;

b) Princípio da proporcionalidade;

c) Tutela jurisdicional cautelar;

d) Provedor de justiça;

O professor CAUPERS distingue entre:


71

i Direitos subjetivos
Página

i Interesses legítimos

Direito Administrativo I
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O direito subjetivo é uma situação jurídica ativa que possibilita a satisfação de um interesse próprio do

seu titular, razão pela qual é lhe conferida proteção jurídica direta.

Interesse legítimo – não possibilitaria a satisfação de um interesse próprio, mas apenas a satisfação de

um interesse público, que ao sê-lo, poderia reflexamente corresponder a um interesse privado conexo – a

sua proteção jurídica é indireta, por estar acoplada como parece estar à proteção do interesse público.

Neste sentido, nem a AP teria o dever de satisfazer o interesse legítimo, nem o particular poderia exigir

que este seja satisfeito, ao contrário do direito subjetivo.

A distinção remonta a Itália que serviu como delimitação da jurisdição dos tribunais administrativos e

dos tribunais comuns.

O professor VASCO PEREIRA DA SILVA não vê qualquer utilidade nesta distinção no ordenamento

jurídico português. Neste sentido sustenta que os interesses particulares correspondem a direitos

subjetivos públicos decorrentes da CRP. O professor FREITAS DO AMARAL, por outro lado, encara a

distinção conforme a amplitude do termo. O professor VIEIRA DE ANDRADE defende que não se deve

entender, no âmbito do direito público, um definição restrita do conceito de direito subjetivo, que

sempre foi causador de controvérsia, mesmo no direito privado. VIEIRA DE ANDRADE divide a questão

de 2 formas:

a) Por um lado, as posições jurídicas substantivas (direitos e interesses legalmente protegidos ou

direitos em sentido amplo);

b) Por outro lado, interesses simples ou de facto.

O professor CAUPERS entende que não estamos perante um problema de quantidade do objeto ou do

conteúdo da posição jurídica ativa, mas sim da sua qualidade.

Neste sentido não estamos perante uma distinção de ordem formal, antes estamos perante realidades

qualitativamente diversas:

i. Obter um benefício imediato, na sua esfera jurídica, com o exercício de uma faculdade

ii. Apenas poder obtê-lo de forma indireta e eventualmente, após a reposição da legalidade ofendida

A distinção não é hoje relevante para justificar o acesso dos particulares à justiça administrativa – a
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legitimidade ativa para propor uma ação administrativa, bastará, com a titularidade de interesses diretos
Página

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
e pessoais, que existirá quando ocorra uma lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos do

autor. Princípios que vinculam a AP no 266º:

 Princípio da proporcionalidade – exigibilidade, adequação e proporcionalidade;

 Princípio da igualdade, imparcialidade, boa fé e justiça;

 Princípio da responsabilidade.

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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Evolução Histórica EVOLUÇÃO
HISTÓRICA DA
Do ponto de vista estrutural , há quem apresente uma visão do
ADMINISTRAÇÃO
pequeno para o grande, do mínimo para o máximo, de uma
PÚBLICA
administração rudimentar para uma administração tentacular. A
FREITAS DO AMARAL
evolução na palavra correta teria sido linear, constante e de tipo

quantitativo.

Do ponto de vista funcional, muitos autores sublinham o contraste

entre o século XIX e o século XX, consideram que a evolução se fez

do liberal para o social , só abstencionismo para o intervencionismo

económico , do Estado-autoridade para o Estado-proteção , da

Administração como mero aparelho incumbido da execução da lei

para a Administração como conjunto de entidades promotoras do

bem-estar, do Estado-guarda-noturno para o Estado-providência.

A evolução histórica não foi de sentido linear , antes apresenta

avanços e retrocessos , e em qualquer caso não comecou no século

XIX.

A administração pública no Estado Oriental

Estado Oriental  tipo histórico de estado característico das


civilizações mediterrânicas e do Médio Oriente na Antiguidade
Clássica (do terceiro ao primeiro milénio A.C)

 Principais as petos políticos :


a) Larga expressão territorial;
b) Estado Unitário;
c) Monarquia teocrática.
 Regime autoritário ou totalitário
 Nulas garantias do individuo face ao poder

Segundo o entendimento do professor FREITAS DO AMARAL, é com

este tipo de Estado que verdadeiramente nascem as primeiras

administrações públicas dignas desse nome. Sabe-se como as


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civilizações da Mesopotâmia e do Egito surgiram em torno dos rios


Página

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
e do aproveitamento das suas aguas pelas populações. Os detentores do poder político compreenderam a

necessidade vital das obras hidráulicas: e o Estado chamou a si vastos programas de obras públicas. Para

as executar foi necessário cobrar impostos, que por sua vez eram igualmente indispensáveis à

sustentação dos exércitos para fins de caráter militar .

As primeiras administrações públicas da história nascem quando os imperadores constituem, sob a

sua imediata direção, corpos de funcionários permanentes, pagos pelo tesouro público, para cobrar

impostos, executar obras públicas e assegurar a defesa contra o inimigo externo. A administração

pública, como atividade característica dos poderes públicos, surge assim sob o signo do intervencionismo

económico e social.

Ao lado dos fenómenos acima referidos, outros despontam na mesma época histórica e apresentam o

maior interesse para nós – a criação de órgãos e serviços centrais junto do imperador; a divisão do

território em áreas ou zonas onde são instalados os delegados locais do poder central; a adoção de medidas

e práticas fiscalizadoras da atividade dos particulares, e a assunção pelos poderes públicos de

responsabilidades diretas no campo económico, social e cultural.

Os impérios burocráticos em que se traduz o Estado Oriental proporcionam quase todos os elementos

essenciais que definem o modelo administrativo típico de um pais moderno.

A Administração Publica No Estado Grego

Na direta dependência da assembleia politica, ou de uma comissão restrita, surgem magistraturas

dotadas de poderes administrativos e judiciais. E essas magistraturas aumentam de numero e

especializam-se por assuntos.

Um aspeto novo e que marca um importante progresso é sem duvida o regime de responsabilidade a que

se acham sujeitos os magistrados: no termo das suas funções, que normalmente duram apenas um ano

para evitar abusos, os magistrados têm de prestar contas às logistai , comissões de verificação que

elaboram relatórios sobre a gestão que fiscalizaram. O tribunal dos heliastas examina essas contas e pode

condenar penalmente os magistrados. Contra estes tem ainda qualquer cidadão o direito de formular

criticas perante os enthynoi , que podem levar o caso a tribunal. O principio do controle administrativo e

judicial dos mais importantes órgãos superiores da Administração fica assim consagrado.
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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
À medida que as exigências da Administração Pública aumentam e se tornam mais complexas , o estado

grego não consegue dar-lhes resposta cabal.

A Administração Publica No Estado Romano

Roma começa por ser uma cidade-estado, com as mesmas deficiências administrativas que se notaram na

Grécia. Mas com o tempo consegue supera-las e dotar-se de um imponente e notável aparelho

administrativo. Com o império romano, a partir de Augusto , nasce e aperfeiçoa-se extraordinariamente a

estruturação administrativa do mundo europeu ocidental.

De um modesto conjunto desordenado de funcionários não pagos e nomeados por períodos curtos

passou-se a um numeroso funcionalismo publico, pago, profissionalizado, e com perspetivas de uma

longa carreira. Estabeleceu-se uma organização vertical, definindo-se poderes e responsabilidades em

função do grau hierárquico.

No topo do Estado encontra-se o Imperador , titular dos poderes legislativos , executivo e judicial, e que

por vezes se rodeia de um consilium principis. Mas a maior parte das funções executivas são por ele

delegadas no pretor que funciona para este efeito como primeiro-ministro.

Já em Constantinopla , os pretores eram quatro e casa um tinha a seu cargo uma área geográfica do

império.

E o que fazia a Administração Publica romana ? Defendia as fronteiras, mantinha a ordem e a

tranquilidade publica, cobrava os impostos, administrava a justiça e executava um espetacular programa

de obras publicas. Os cinco pilares fundamentais da administração publica - defesa militar , policia,

finanças , justiça e obras publicas – aos quais mais tarde seria subtraída a justiça.

Para estes fins os funcionários iam aparecendo cada vez com maior especialização. O gabinete pessoal do

Imperador também se desenvolveu e diversificou. Os romanos legaram-nos também a fundamental

distinção entre o direito publico e o direito privado , assim como a clara demarcação entre o património

publico e os bens pessoas do imperador, que tão grandes consequências haviam de ter , uma e outra , na

evolução de administrações publicas europeias.

A cidade de Roma não dispunha de qualquer grau de autodeterminação , nos assuntos de tipo municipal:
76

quando não era dirigida pelo imperador pessoalmente, governava-a um seu delegado que tinha a seu
Página

cargo a custodia urbis.

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Daqui arranca a tradição de uma intervenção do estado na administração municipal das capitais dos

países europeus maior do que na generalidade dos municípios.

Quanto aos municipia criados por Roma na sua expansão colonial , tinham em regra três órgãos

dirigentes – assembleias populares ( comícios), conselho permanente ( curia ou senado), magistrados

executivos eleitos pelas assembleias que podiam ser quatro ou dois.

Os municípios tinham capacidade jurídica para numerosos efeitos , eram regulados pelo direito privado e

eram considerados entes distintos do Estado. Quando se verificavam grandes desregramentos

administrativos ou financeiros na gestão municipal, Roma enviava inspetores imperiais ou colocava os

magistrados eleitos na dependência de um delegado do imperador.

Inicialmente as decisoes do pretor eram soberanas, não havendo qualquer recurso contra elas por parte

dos administrados. Com Diocleciano surge o direito de recorrer no prazo de dois anos, o que representa

uma importante garantia dos particulares perante o Estado. O recurso tinha por fundamento a má

aplicação da lei, quer dizer, a ilegalidade da decisão do pretor .

A administração publica no Estado Medieval

Durante a Idade Media alguns sinais evidenciam a presença da administração publica na vida coletiva.

Entre eles destaca-se a existência de órgãos centrais, de delegados locais do Rei em todo o território, e de

funcionários régios cobrando impostos, abrindo estradas, construindo edifícios, etc.

O enfraquecimento do poder central, a dispersão do povoamento e a necessidade de auto-organização

espontânea das populações das vilas e aldeias conduzem entretanto ao aparecimento de formulas de

governo local, ou de autoadministração , através das quais as comunidades locais formadas na base dos

laços da vizinhança chamam a si o desempenho das mais variadas funções de administração publica, tais

como construção de estradas e caminhos, regulamentação de feiras e mercados, gestão de baldios,

questões de urbanismo e de intervenção económica.

Por esta altura, os poderes públicos cabiam , por tacita divisão de poderes secularmente sedimentada, à

Igreja Católica e às suas instituições. Mas cedo se verificou que, tratando-se de atividades de manifesto

interesse coletivo, a Administração Pública não podia deixar de as regulamentar e fiscalizar: as


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Misericórdias foram consideradas como corporações administrativas, e como tal sujeitas ao controlo dos
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poderes públicos.

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
A ação da Coroa e dos Municípios alarga-se e diversifica-se constantemente, sobretudo a partir do seculo

XIV. A força crescente da realeza , as necessidades militares e a sustentação de um dincionalismo em

expansão exigem uma poderosa e numerosa administração fiscal implantada em todo o territorio

nacional

Continua a haver indiferenciação entre a Administração e a Justiça. O rei administra e julga; os

corregedores e juízes de fora, delegados do soberano nos vários lugares do reino, exercem

simultaneamente a administração e a justiça.

A Administração Publica No Estado Moderno

A) Estado Corporativo

O direito romano foi recebido em Portugal sobretudo no seculo XIII, influenciou os monarcas e os seus

ministros a adotar atitudes inspiradas no modelo imperial, contribuindo para o fortalecimento do poder

real, e portanto, para o relevo crescente da Administração Pública. Em meados do seculo XV as

Ordenações afonsinas integram numerosas normas de direito publico, atinentes quer à Administração

central quer a administração local. A burocracia do estado vai crescendo: O conselho de El-Rei; a casa de

justiça da corte; a cobrança dos impostos da lugar a uma rede nacional de agentes régios ; os armazéns

do rei intervêm na circulação de bens e são geridos por almoxarifes e escrivães; o comércio proveniente

do ultramar dá origem à casa de Ceuta, à casa da Mina e Tratos da Guiné.

Quanto à Administração Local, a representação do Rei continuava confiada aos corregedores das

comarcas. Nos Concelhos , as Câmaras eram presididas por juízes da terra, eleitos, ou por juízes de fora,

nomeados pelo Rei. Para além dos juízes ordinários havia numerosos juízes especiais. Em cada concelho

havia anualmente 24 almotacés, além de almotacés-menores, a quem competiam vastas funções de

intervenção económica.

É neste período que surge e se desenvolve a intervenção dos mesteres na administração municipal de

Lisboa , que eram vinte e quatro, designados pelas respetivas assembleias, que passaram a reunir desde

o final do seculo XV na casa dos vinte e quatro.

O rei Manuel I 1497-1522 procedeu a reforma dos forais que substituiu todos os forais velhos por forais
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novos ou reformados, e publicou em 1504 uma espécie de Código Administrativo.


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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Entretanto , a publicação das Ordenações Manuelinas ( 1512) e as Ordenações Filipinas ( 1603) codifica o

direito comum e reforça a posição do poder politico.

Nos finais do seculo XVI e principio do seculo XVII acentua-se a complexidade da administração central:

D. João III funda em 1532 a Mesa da consciência e Ordens; D. Sebastião em 1569 cria o conselho do

Estado ; em 1591 Filipe I organiza o conselho da Fazenda; D. João IV recria o Conselho Ultramarino em

1642 e institui o Conselho da Guerra. Parece ser com D. Afonso V que surge pela primeira vez o cargo de

Escrivão da Puridade, equivalente ao atual primeiro-ministro. D. João IV cria dois departamentos centrais

em 1643 e um terceiro um pouco mais tarde. Com D. João V em 1736, nova reforma da administração

central começa a revelar o embrião do que seria, dai em diante, a estrutura governativa.

É justamente neste período – seculo XV a XVII – que surge o mercantilismo , o qual favorece quer no

campo do comercio externo, quer na regulamentação das profissões e das industrias, quer ainda na

assunção pelo Estado de ordens religioso-militares e suas terras de empreendimento económicos , e de

monopólios discais ou comerciais. O Estado não era apenas autoridade , mas património. Era o chamado

Estado Patrimonial.

B) Estado Absoluto

Com o Absolutismo Real, novos e importantes avanços têm lugar no crescimento e aperfeiçoamento da

máquina administrativa. Em frança consolida-se o Estado Moderno, assente na centralização do poder

politico e administrativo e na organização e expansão dos grandes serviços públicos nacionais.

O maior ponto fraco deste importante sistema administrativo é o modo de recrutamento e promoção do

funcionalismo publico, sendo admitida como legitima e normal a transmissão dos cargos públicos através

de venda ou por herança. Quem encontrou resposta para esta debilidade das administrações latinas foi a

Prússia, onde se reconheceu a necessidade de colocar ao serviço do Estado um corpo de funcionários

competentes e profissionalizados, altamente disciplinados e hierarquizados, e por isso recrutados apenas

com base no mérito.

A Administração e o funcionalismo civil prussiano, assim colocados em regime quase militar de tipo

espartano, atingiram o seu auge no tempo de Frederico o Grande.


79

Poderá dizer-se que no século XVIII a Administração Pública é limitada e abstencionista? O professor
Página

FREITAS DO AMARAL entende que não. Por um lado, a substituição do mercantilismo pela fisiocracia

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
como doutrina económica dominante inclina à redução dos intervencionismo de tipo comercial e

industrial e à primazia dada à agricultura e à descoberta das leis naturais que regulam a atividade

económica. O absolutismo politico reforça o controlo do Estado sobre a sociedade e promove uma

intervenção crescente nos domínios cultural e assistencial.

Em Portugal, as reformas pombalinas vão no mesmo sentido – aperfeiçoamento técnico dos serviços ,

maior disciplina dos funcionários, supressão dos emolumentos indevidos, abolição da venalidade dos

ofícios. Os conselhos da Coroa veem a sua relevância atenuar-se muito. Em 1760 é criado por Pombal o

Erário Régio, que centralizará toda a contabilidade das receitas e despesas publicas.

O poder central fortalece-se e alarga a sua ação a novos setores da vida nacional. O ataque a nobreza , aos

jesuítas e à Universidade visa consolidar o absolutismo real. A instituição da Real mesa censoria (1768)

e da Junta da Providência Literária (1770) , bem como a reforma da Universidade de Coimbra (1772)

traduzem a vontade de controlo político-administrativo dos Poderes Públicos sobre a cultura e o ensino.

No campo económico acentua-se o intervencionismo pela criação de institutos de carater comercial ou

industrial, verdadeiras prefigurações das empresas publicas ou dos organismos de coordenação

económica do nosso tempo, integrados no contexto de um mercantilismo intensificado. As garantias

individuais perante o Estado Absoluto não podiam ser fortes.

C) A Revolução Francesa

Com a revolução francesa triunfam os ideias de liberdade individual contra o autoritarismo tradicional

da Monarquia Europeia. Os cidadãos passam a ser titulares de direitos subjetivos públicos, invocáveis

perante o Estado. Estabelece-se o principio de separação de poderes :

 Poder Legislativo – Parlamento

 Poder Judicial – Tribunal

 Poder Executivo – Monarca

O principio da legalidade impede a Administração de invadir a esfera dos particulares ou prejudicar os

seus direitos sem ser com base numa lei emanada do Poder legislativo. Administrar converte-se em

sinónimo de executar as leis. Se os órgãos da Administração violam a lei e com isso ofendem a esfera
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subjetiva dos cidadãos, estes podem recorrer ao tribunal para fazer valer os seus direitos frente á
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administração.

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Nasce a preocupação de conferir aos particulares um conjunto de garantias jurídicas, capazes de os

proteger contra o arbítrio administrativo cometido sob a forma de ilegalidade: surge assim o direito

administrativo. É pois, o constitucionalismo monárquico do seculo XIX que institui o primeiro sistema

geral e satisfatório de controlo sobre a ação administrativa, em favor dos particulares.

A França é dotada de um conjunto de leis e instituições que aperfeiçoam a estrutura e alargam a

intervenção do Estado ou na vida coletiva. Cinco ministérios superintendem na Administração Central,

cada um deles dividido em direções e repartições. É criado um Conseil d´État, com funções

administrativas de consulta.

A educação pública é fortemente desenvolvida e as Universidades passam a constituir monopólio do

Estado, com reitores nomeados livremente pelo Governo. A política de obras publicas é valorizada, sendo

a sua execução confiada a corpos altamente especializados de funcionários. O controlo financeiro sobre

toda a Administração Central e Local é reforçado através de um serviço administrativo particularmente

poderoso e de um tribunal especial justamente temido.

D) A Revolução Liberal Em Portugal E As Reformas De Mouzinho Da Silveira

Uma das principais reformas introduzidas em França no período da revolução foi a separação de poderes

entre a administração e a justiça, confiando-se as tarefas executivas a órgãos administrativos e a função

jurisdicional aos tribunais. O mesmo sucedeu em Portugal. A Constituição de 1822 determinou a

separação dos poderes legislativo, executivo e judicial:

 Poder Legislativo – Cortes

 Poder Executivo – Rei

 Poder Judicial – Juízes

Cada um destes poderes é de tal maneira independente que um não poderá arrogar a si as atribuições do

outro. A Carta Constitucional de 1826 também proclamava a divisão e harmonia dos poderes políticos,

garantia a independência do poder judicial e determinava que nenhuma autoridade poderia avocar as

causas pendentes, ou fazer reviver os processos findos.

Havia que concretizar estes princípios em legislação ordinária, que fosse pormenorizada e facilmente
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inteligível por todos os funcionários da Administração Central e Local. Esta tarefa coube a Mouzinho da
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Silveira. Este homem elaborou e fez aprovar um conjunto de diplomas fundamentais que modificaram de

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
uma ponta à outra a Administração Portuguesa – decretos nº 22, 23 e 24 de 16 de Maio de 1832 –

procederam respetivamente á reforma da Justiça , á reforma da administração e á reforma da Fazenda.

Não é de modo algum exagerado dizer que em 1832, nos Açores, pela mão de Mouzinho da Silveira,

nasceu a moderna Administração Publica Portuguesa. Nos seus fundamentos jurídicos e doutrinais, ainda

hoje se mantem o essencial dessas reformas: a separação entre a administração e a justiça. “A mais bela

e útil descoberta moral do seculo passado foi sem duvida a diferença de administrar e julgar”.

A novidade fundamental das reformas de Mouzinho da Silveira aprovadas em 1932 foi, pois, a

diferenciação das funções administrativas e jurisdicional , bem como a correspondente separação entre

órgãos administrativos e tribunais.

O decreto nº23 sobre a reforma da Administração , teve alem daquele um outro objetivo: introduzir uma

marcada centralização, de inspiração napoleónica, no sistema administrativo. O modelo centralizador de

1832 foi logo substituído em 1836 por uma descentralização mais na linha tradicional. Mas a separação

entre administração e justiça, essa, manteve-se até aos nossos dias.

E) O Estado Liberal

Em consequência do principio da separação de poderes, ocorreu, neste período, a separação entre

Administração e Justiça, ou seja, a distinção material entre a função administrativa e a função

jurisdicional e, simultaneamente, a entrega das competências administrativas aos órgãos do poder

executivo e a atribuição das competências jurisdicionais aos órgãos do poder judicial.

Em Portugal só a partir da Regeneração, é que se instaurou um longo período de estabilidade politica e

desenvolvimento económico.

Logo no ano de 1851 é criado um novo ministério que durante praticamente um século vai ser o grande

motor do fomento económico – Ministério das Obras Publicas, Comercio e Industria – aumenta

igualmente o numero de funcionários; e o Estado multiplica as obras publicas e cria diversos serviços

públicos no domínio dos transportes, correios e telecomunicações – Fontes Pereira de Melo

Também o poder local conhece sensíveis modificações: Passos Manuel reduz drasticamente o numero de

municípios; surgem também códigos administrativos.


82

Do ponto de vista económico, o seculo XIX é a fase do Estado Liberal por excelência. Se o Estado Liberal
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não nacionaliza empresas privadas, nem cria empresas publicas, começa em todo o caso a sentir-se

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
obrigado a criar alguns serviços públicos de caracter cultural e social e lança uma estimulante politica de

obras publicas , investindo a fundo nas redes nacionais de comunicações.

Agua, Gás, eletricidade, transportes públicos – em certos casos a exploração destes serviços é assumida

diretamente pelas autarquias locais, noutros casos, é dada em concessão a empresas privadas, mas estas

são obrigadas a comportar-se como colaboradoras da Administração Publica e ficam sujeitas a definição

unilateral das exigências do interesse publico feita por ato de autoridade da entidade concedente.

Assim vai crescendo uma burocracia posta de pé para ajudar a resolver problemas económicos, sociais e

culturais, umas vezes por influencia de doutrinas ou ideologias, outras por efeito de pressões e

necessidades reais pragmaticamente assumidas pelos governos.

Por último, acentue-se que este é também o primeiro período da historia em que as garantias dos

particulares perante a Administração são, deliberadamente, melhoradas e reforçadas. Depois da vitoria

do liberalismo em 1834 estas inovações chegam depressa :

i Conselho de Estado em 1845;

i Supremo Tribunal Administrativo em 1870;

i Inicio do ensino universitário do Direito Administrativo como disciplina autónoma desde 1853.

O Estado Liberal afirma-se como Estado de Direito.

F) O Estado Constitucional Do Século XX

Situando-nos no quadro das democracias ocidentais, diremos que antes mesmo da 1º Guerra Mundial, o

processo de crescimento e complexificação da Administração Pública conhece novas fases em Inglaterra

e França.

A 1º Grande Guerra dá o sinal para um novo ciclo de expansão do intervencionismo económico – O

estado fiscaliza e controla cada vez mais a produção de bens económicos e a prestação de serviços

técnicos, culturais e sociais. A crise económica de 1929 reforça este estado de coisas e converte

momentaneamente o intervencionismo em dirigismo. Começa a falar-se no aparecimento de uma

Administração Económica.

Com a 2º Guerra Mundial mais se avança na mesma direção: falta de mão de obra, penúria de bens,
83

necessidades da industria militar, controlo do comercio e tantas outras facetas definem o perfil de uma
Página

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
autentica “economia de guerra” . Feita a paz , tanto em Inglaterra como em França surge uma forte vaga

de nacionalizações.

A intervenção e o dirigismo económico traduzem-se na proliferação de organismos autónomos ligados à

Administração central mas não integrados nos ministérios; e as nacionalizações dão origem a numerosas

empresas publicas.

A intervenção e o dirigismo constituem a chamada administração indireta do Estado que, juntamente

com os ministérios ou administração direta compõe o setor publico administrativo.

Não é, alias, apenas o intervencionismo económico que caracteriza a Administração Publica dos nossos

dias – a ação cultural e social do estado também. Ação cultural – cultura , ciência , educação física,

desporto. Incumbe ao Estado assegurar aos cidadãos o direito à saúde, o direito à segurança social, o

direito à habitação, o direito ao trabalho, e ainda a proteção na infância no desemprego, na terceira idade,

o apoio à família , a defesa do ambiente, da natureza e da qualidade de vida.

A melhor formula para retratar a passagem do seculo passada ao atual é vê-la como uma evolução do

Estado liberal de Direito para Estado social de Direito.

A Evolução Em Portugal No Seculo XX

A Primeira República ( 1910 – 1926 ) demonstrou fortes preocupações culturais e sociais , embora sem

uma ideia clara da politica económica a prosseguir. A enorme instabilidade politica que decorreu privou

este regime de realizar obra útil e duradoura em muitos domínios. A estrutura do Governo e da

administração central cresceu bastante.

Na Segunda República, ou Estado Novo ( 1926 – 1974), manteve-se o principio geral da separação entre a

administração e a justiça. Instalou-se um claro predomínio da Administração Central sobre a

Administração Municipal. O Estado, movido pelo autoritarismo politico e pelo intervencionismo

económico , converteu-se na mais importante peça de todo o aparelho administrativo; as suas funções, os

seus serviços e os seus funcionários tornaram-se muito numerosos. A extensão da administração central

suplantou a Administração Municipal.

Não houve apenas um aumento da posição da Administração Central em extensão, passou também a
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haver um controlo ou predomínio do poder central sobre os órgãos locais. Acentuou-se fortemente o
Página

intervencionismo estadual na vida económica, social e cultural.

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Quanto às garantias particulares houve por um lado notória diminuição em todas as matérias que

revestissem ou pudessem de algum modo envolver qualquer espécie de conotação politica; mas as

garantias nos outros casos foram aperfeiçoadas e reforçadas, mercê da influencia e da pressão de certos

setores da doutrina e de alguma jurisprudência.

Com o 25 de abril de 1974 , entramos na 3º Republica. A partir dai a Administração Publica iniciou uma

nova fase da sua existência. Assim as transformações operadas na Administração Portuguesa levam a

caracterizá-la atualmente do seguinte modo:

a) Consolidou-se o principio da separação entre a Administração e a justiça.

b) Manteve-se o predomínio da administração central sobre a administração municipal, embora

atenuado. A atenuação resulta do facto de todos os órgãos das autarquias locais terem passado a

ser livremente eleitos no âmbito das comunidades a que respeitam. Mas o predomínio subsiste,

apesar de tudo, porquanto continuam escassas as receitas e despesas locais em confronto com as

estaduais, e ainda porque entretanto varias atribuições até aqui municipais foram retiradas aos

municípios e transferidas para o Estado.

c) A administração estadual continua a ser a mais importante, mais vasta e a mais pesada de todas

as formas de administração publica.

d) E a tendência para a hipertrofia do Estado é tanto maior quanto é certo que , face às atividades

económicas privadas, o Estado assumiu com a Revolução novos e extensíssimos encargos.

e) Deu-se um forte aumento do intervencionismo estadual, nomeadamente através da socialização

dos principais meios de produção: mais relevante e significativa modificação ocorrida na

Administração Publica portuguesa.

f) Nacionalização da banca, dos seguros , transportes coletivos, da energia e de varias industrias

básicas.

Deste modo o Estado sem perder nenhum desses poderes ou funções, antes reforçando-os e alargando-

os, assumiu uma nova feição, que no período anterior só em escala reduzida assumia, ou seja, passou a

revestir a natureza de empresário económico: o Estado tornou-se banqueiro, segurador, comerciante,

industrial, proprietário e agricultor.

É certo que sobretudo a partir da revisão constitucional de 1989 – eliminou o principio da


85

irreversibilidade das nacionalizações – começou um movimento de sentido inverso, que tem transferido
Página

bancos, companhias de seguros, empresas industriais e terras agrícolas para o setor privado. Mas isso

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
não reduziu o peso do Estado na economia: através dos impostos e da divida publica o Estado absorvia

em 1992 mais de metade da riqueza nacional.

A instituição de um regime democrático trouxe consigo uma liberalização do sistema de garantias dos

particulares contra os atos de administração: criação do provedor de justiça , maior jurisdicionalização

do Supremo Tribunal Administrativo. Mas há que reconhecer, sobretudo à luz do direito comparado dos

países da UE , que os progressos já alcançados estão ainda longe de esgotar o quadro das soluções

possíveis e necessárias para que os particulares sejam integralmente tratados, frente à Administração

Publica, como cidadãos dotados de garantias plenas.

É curioso sublinhar ao comparar a Administração Pública do Estado Novo com a 3º republica , que , ao

mesmo tempo que no plano económico a Administração passou do liberalismo para uma certa forma de

autoritarismo, no plano político-jurídico deu-se uma evolução de sentido contrario: do autoritarismo

para a liberdade.

Enquanto sob o aspeto económico o Estado cada vez mais condiciona as atividades privadas, sob o ponto

de vista politico o cidadão vê cada vez mais reforçadas as garantias que o protegem contra o arbítrio

estatal: o Estado acha-se cada vez mais limitado pelas normas que defendem os direitos e interesses

legítimos dos particulares contra os comportamentos ilegais ou injustos da Administração. A

Administração Publica apresenta-se-nos sendo hoje politicamente condicionada e

economicamente condicionante.

O Direito Administrativo Atual: Rumo a um Novo Direito Administrativo?

Desde meados da década de oitenta do século passado que se vive em todo o mundo ocidental um

processo de acentuada transformação da realidade politico-ideológica (politicas neoliberais de Ronald

Reagan e de Margaret Thatcher). Os fenómenos de liberalização, de privatização, da desregulação, da

maior confiança do mercado, da procura de maior racionalização, eficiência e eficácia da ação

administrativa, o desenvolvimento das análises de custos-beneficios das medidas administrativas, entre

muitos outros, passaram a fazer parte do discurso do dia a dia das administrações públicas e, por

inerência, do direito que as regula.

Especialmente na Alemanha, a análise destas transformações tem conduzido uma parte muito
86

representativa da doutrina a aludir a emergência de um novo direito administrativo para cujo estudo se
Página

reclama uma nova ciência do direito administrativo.

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
A generalidade da doutrina portuguesa ainda não aderiu a esta construção, visto que é considerado que a

principal forma de atuação da Administração continua a ser o ato administrativo, não obstante o seu

entendimento, na atualidade, de forma diferente, como uma forma jurídica mais flexível, menos

petrificada ou estabilizada, reclamando-se a necessidade da sai adaptação às flutuações do interesse

público, não mais entendido como uma realidade estática e pacificada no momento da prática daquele

ato. Tendo o ato administrativo demonstrado capacidade e flexibilidade de adaptação suficientes para

continuar a constituir a principal forma jurídica de atuação da Administração, tento em termos práticos

como dogmáticos.

Todavia, deve e pode recorrer-se à proposta alemã da nova ciência do direito administrativo para

mostrar algumas das principais alterações e inovações que se têm feito na Administração Pública e no

Direito Administrativo.

A explicação da nova realidade assenta numa série de conceitos chave que pretendem resumir as

principais notas de alteração. É neste contexto que se fala de privatização da Administração Pública, na

sua europeização e internacionalização, na digitalização da atividade administrativa, na economização da

administração e do direito administrativo, na informalização da atividade administrativa, entre outros

conceitos fundamentais.

Privatização

Uma das tendências mais fortes dos últimos cem anos, relacionada com o ambiente geral de liberalismo,

afirmação do protagonismo do mercado e diminuição do peso e do alcance da intervenção pública na

economia e na sociedade é, sem dúvida, a privatização. A privatização passa, sobretudo, pela retração do

papel do Estado e das suas responsabilidade operativas ou de execução e por uma confiança muito maior

nas forças da própria sociedade e da economia, também devido às exigências do direito europeu.

A privatização está diretamente ligada à liberalização dos grandes serviços públicos, ao acentuar dos

méritos e da importância do principio da livre concorrência, atribuindo a realização de muitas tarefas,

até há pouco tempo, consideradas públicas a atores privados e colocando-as na dependência das forças

de mercado. O conceito de privatização material passa precisamente pela transferência da realização de

tarefas do setor público para o privado, tudo conduzindo a diminuir a intervenção do Estado, em geral, e
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das administrações públicas, em particular, na vida económica e social. Não houve só uma privatização
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das tarefas, fala-se, também, na privatização da organização, na privatização do património

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
(transferência de bens públicos para os particulares), bem como da privatização financeira, funcional e

procedimental.

A diversidade e complexidade do movimento de privatização traduz-se também na emergência de novos

fenómenos cujo exato enquadramento jurídico ainda não é pacifico, como acontece com as parecerias

público-privadas.

A Importância da Regulação

A regulação traduz desde logo o facto de ao lado do Estado se afirmarem agora entidades responsáveis

pelo desenvolvimento de atividades administrativas que assentam num novo modelo, menos autoritário

e muito mais próximo dos administrados. Para além disso, as formas de ação administrativa

diversificaram-se e modernizaram-se, com o recurso a meios mais suaves e flexíveis de exteriorização do

direito, numa perspectiva de maior colaboração e proximidade com os regulados.

É neste contexto que se afirma a regulação administrativa, principalmente no setor económico, para

fazer face às falhas e às ineficiências do mercado, mas também no campo social, pretendendo referir a

ordenação ou disciplina das atividades privadas suscetíveis de pôr em causa o funcionamento da

economia, da sociedade e de alguns interesses públicos fundamentais. Assim, para além dos domínios da

banca, dos seguros, do mercado de ações, a regulação alastra-se hoje ao domínio ambiental, sanitário, da

assistência social,..

A Desregulação

A desregulação é entendida como o recuo das tarefas ordenadoras e disciplinadoras do Estado e das

entidades públicas, em benefício de uma maior crença nas possibilidades e na efetividade de estruturas

regulatórias que incentivam e se apoiam nos interesses próprios dos regulados.

A ideia básica é a da maior libertação do Estado das atividades reguladoras, o que assenta tanto nos

clamores da sociedade e dos agentes económicos privados nesse sentido como na própria conceção

política e pública destas matérias. No fundo, recuo do Estado e atribuição de mais e maiores

responsabilidades à sociedade e às forças económicas privadas.

A Economicidade da Atuação Administrativa


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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
A prática da atividade administrativa tem cada vez mais atenção aos aspetos económicos da atividade,

em nome de uma análise muito mais cuidada dos seus custos e da sua ponderação em face dos respetivos

benefícios e, nestes termos, pela eficiência e efetividade da atuação administrativa.

Esta maior atenção aos aspetos económicos da atividade administrativa relaciona-se de perto com as

tendências de liberalização e privatização do setor público, de afirmação do protagonismo crescente do

mercado e com a tentativa de aliviar um Estado assoberbado não apenas com as atividades que estava

diretamente incumbido de prosseguir mas também com a limitação dos recursos disponíveis e com os

constrangimentos económico-financeiros que aquela prossecução exigia.

Em Portugal salienta-se uma referência implícita ao princípio da al. C) do artigo 81 CRP, a qual inclui

entre as incumbências próprias do Estado, no campo económico e social a de assegurar a plena utilização

das forças produtivas, designadamente zelando pela eficiência do setor público. E saliente-se, ainda, a

introdução no novo CPA do princípio da boa administração segundo o qual a Administração deve pautar-

se por critérios de eficiência (art.5º). a eficiência tem precisamente a ver com a relação entre os custos de

uma determinada ação e o fim perseguido (benefício esperado), procurando alcançar o máximo de

benefício com a menor quantidade possível de meios empregues.

Os Novos Papéis do Estado

Houve uma profunda alteração do papel do Estado e uma assunção de novas e diferentes formas de

responsabilidade para com a realização do interesse público.

Para além da passagem de um Estado interventor e prestador para um Estado regulador, há hoje uma

série de conceitos que procuram explicar esse novo papel do Estado, entendido enquanto pessoa coletiva

que, sob a direção do Governo, procura criar as condições concretas de realização de interesses públicos

referidos a toda a comunidade nacional.

Logo à cabeça, salienta-se neste contexto o facto de o Estado procurar ser cada vez mais magro ou

mínimo, por contraposição ao peso e robustez excessivos que ele havia ganho ao longo do século XX

(objetivo que se tornou uma verdadeira necessidade em face da falta de capacidade financeira dos entes

públicos para manterem as prestações estaduais no patamares que alcançaram na segunda metade do

século XX).
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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Destaca-se ainda o facto do Estado ser uma entidade que atua em rede com outros Estados e outros

centros do poder e de decisao, o que tende a relativizar ou perspetivar de maneira diferente a soberania

e o poder estadual (o fenómeno de rede pretende, antes de mais, explicar as diferentes formas de

colaboração entre os diversos entes com protagonismo na nossa sociedade global as quais não se

consubstanciam numa realidade unitária, mas antes numa colaboração assimétrica ou paritária, em

virtude da dependência reciproca entre todos eles), tendência reforçada pelo novo protagonismo do

conceito de governance ou governança, entendido como uma forma de administração em que o

governo central perde o protagonismo, sendo apenas uma organização entre outros centros que

partilham o poder e o exercem de forma muito mais suave, dúctil, partilhada e de forma cooperativa.

Fala-se também na responsabilidade de garantia em que o Estado assume a obrigação de disciplinar e

enquadrar legalmente as estruturas do mercado, não se responsabilizando pelo fornecimento de

prestações à sociedade mas assegurando a sua realização por particulares.

Ainda é de referir a noção de Estado ativador, que estabelece com os particulares relaçoes de cooperação

e de colaboração, no sentido de uma satisfação dinâmica, eficaz e eficiente do direito público.

A Europeização do Direito Administrativo

O termo europeização é pluri-sigificativo, sendo utilizado em contextos muito diferentes. Pode-se dizer

que é um fenómeno complexo que se desenvolve de formas distintas:

 Com a integração das Administrações nacionais entre elas e com a supranacional;

 Através do condicionamento comunitário da independência das autoridades de regulamentação;

 Mediante a rutura do nexo tradicional entre nacionalidade e função pública;

 Com a regulação comunitária de algumas das principais matérias administrativas, como os

contratos;

 Mediante a afirmação dos princípios comunitários, como o da não discriminação e transparência;

 Com a difusão comunitária de princípios de direitos administrativos nacionais, como o da

proporcionalidade.

Ao nível jurídico está, sobretudo, em causa a influência que o Direito Europeu foi exercendo sobre os

seus congéneres nacionais, ao longo do processo de construção de uma integração europeia mais sólida,
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mas também uma série de processos que passam pela própria administração comunitária e pela
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afirmação de regras próprias para a disciplinar.

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Nestes termos, o direito administrativo europeu abrande o direito administrativo comunitário, o direito

administrativo próprio da administração comunitária e o conjunto de normas que regulam a cooperação

administrativa entre a União e os Estados.

É, todavia, incontornável a influência das regras europeias sobre os direitos administrativos nacionais,

nomeadamente por intermédio da obrigação de transposição das diretivas, as quase constituem o

impulso fundamental para o desenvolvimento de alguns direitos administrativos especiais, como

acontece com o direito do ambiente, por exemplo. Assim, o direito administrativo europeu afigura-se

como um direito que pretende a harmonização de normas e a adoção das medidas necessárias para a

execução das metas e objetivos fixados nas fontes normativas europeias.

O direito administrativo europeu é mais um fortíssimo impulso no sentido da renovação e modernização

da Administração Pública e do direito administrativo, podendo entre outros aspetos mencionar-se o

contributo para o reforço do princípio da cooperação administrativa, bem como para a afirmação mais

enfática da procedimentalização do direito administrativo, os reptos e desafios que lança à renovação de

conceitos, institutos e formas de ação e de organização administrativas e, ainda, para sublinhar a

importância da partilha do poder e do conceito de governança na realidade atual das administrações

públicas.

A Internacionalização e Globalização do Direito Administrativo ou a sua Transnacionalização

Para além do contexto geral de europeização onde se faz sentir o esbatimento de fronteiras dos Estados

nacionais e onde o mundo político, econômico, financeiro, social, académico e jurídico é, cada vez mais,

um mundo internacionalizado e globalizado.

Emerge, verdadeiramente, um direito administrativo global. Uma das principais notas de rutura com o

status quo tradicional é a perda de protagonismo dos Estados nacionais e, por consequência, de um

direito administrativo centralizado, baseado na supremacia e autoridade dos órgãos responsáveis pelo

desenvolvimento das atividades públicas, em particular da estadual. Isto na medida em que num mundo

global o Estado tem de partilhar a sua autoridade com outros entes, pretendendo a noção do direito

administrativo global refletir a existência de uma pluralidade de ordenamentos jurídicos em que o

direito surge num ambiente de cooperação internacional, onde a informação, os estudos, os institutos, as
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organizações, os procedimentos e os instrumentos jurídicos assumem cariz internacional.


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Direito Administrativo I
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O direito administrativo global aponta também para as formas menos impositivas e mais suaves,

partilhadas, abertas e flexíveis de ditar o direito, ocupando um lugar de destaque no seu seio as

associações e organizações privadas, as quais são incluídas nas redes administrativas internacionais. A

partilha da informação e os sistemas de comunicação que se estabelecem entre os vários atores que

desenvolvem a sua ação no campo transnacional afigura-se como um meio fundamental para fazer

funcionar o sistema, sendo no seio de uma organização em rede que esses agentes estabelecem relaçoes

recíprocas, sem qualquer autoridade superior a servir de centro de referência. Daí serem marcas

características desta sociedade mundial a complexidade normativa e o pluralismo jurídico, mas também

a afirmação de princípios jurídicos comuns e o protagonismo da defesa dos direitos fundamentais dos

cidadãos.

A nível de formas de atuação administrativa há especificidade relevantes a notar, em particular as

levantadas figuras do ato administrativo transnacional, isto é, a decisao administrativa ditada por um

Estado mas cujos efeitos se produzem ou fazem sentir em ordenamentos jurídicos diferentes daquele

onde ocorreu a sua prática.

Saliente-se, ainda, a introdução no CPA do princípio da cooperação leal com a EU que impõe um quadro

de cooperação entre a Administração Pública nacional e a Administração Pública de outros Estados-

membros.

Outras Alterações

Destaca-se, ainda, a profunda renovação das formas de atuação administrativa.

Outra das tendências marcantes das últimas décadas é a que passa pela informatização ou digitalização

da atividade administrativa. Na verdade, a utilização de meios eletrônicos, o reforço das técnicas de

informação e comunicação com base na Internet e uma serie de realidades próximas modificaram e

melhoraram de forma muito notória os serviços prestados pela Administração e o seu relacionamento

com os cidadãos.

Assume grande importância, na atualidade, o direito administrativo da informação. A revelação partilha e

o trabalho sistemático sobre a informação é hoje uma peça fundamental, num modelo de abertura das

administrações públicas e de colaboração efetiva com os cidadãos e as forças sociais em geral.


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Direito Administrativo I
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Saliente-se, neste âmbito, a introdução no CPA do princípio da Administração eletrônica (art.14), com

corolários importantes para a concretização do princípio da continuidade dos serviços públicos,

independente da abertura ao público dos serviços, dentro ou fora do horário de expediente, e com

disponibilização de sítios eletrônicos institucionais e de meios de comunicação à distância.

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Funções do Estado
FUNÇÕES DO
A Atividade Constitucional do Estado ESTADO
Elementos do Estado BLANCO DE MORAIS

O Estado pode ser entendido como uma coletividade territorial na

qual está fixado um povo e se encontra instituído um poder político

soberano, cujo processo de decisão, tomado no âmbito de um

ordenamento jurídico, visa a satisfação de interesses gerais.

Elementos:

 Povo (conjunto de pessoas ligadas a uma determinada

coletividade territorial pelo vinculo jurídico da

nacionalidade);

 Território (Espaço físico de uma coletividade territorial,

demarcado por fronteiras terrestres, marítimas e aéreas);

 Poder Político Soberano /sistema de órgãos que

desempenham funções de autoridade);

 Ordenamento Jurídico (Sistema regido pelo Direito).

Estado Ordenamento e Estado Pessoa

O Estado Ordenamento integra na sua esfera, não uma mas diversas

pessoas coletivas públicas. O Estado-Pessoa é a entidade a quem são

constitucionalmente confiadas as atividades soberanas do Estado-

Ordenamento. Também no Estado Ordenamento, como entidades

secundárias, dotados de diferentes graus variáveis de autonomia,

destacam-se outras pessoas coletivas territoriais (estados federados,

regiões autónomas, autarquias,…), bem como pessoas coletivas

púbicas não territoriais (institutos públicos e universidades).


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Funções do Estado

Existem dois sentidos possíveis de função do Estado:

 Fim, tarefa ou incumbência correspondente a certa necessidade coletiva ou a certa zona da vida

social – neste primeiro sentido, a função traduz um determinado enlace entre a sociedade e o

Estado, assim como um principio de legitimação do exercício do poder, a crescente complexidade

das funções exercidas pelo estado (de garantia da segurança perante o exterior, da justiça e da

paz civil à promoção do bem estar, da cultura e da defesa do ambiente) decorre do

alargamento das necessidade humanas, das pretensões de intervenção dos governantes e dos

meios de que se podem dotar, e é ainda uma maneira de o Estado e os governantes, em concreto,

justificarem a sua existência ou a sua permanência no poder. A função, representada neste

sentido, não tem apenas que ver com o Estado enquanto poder, tem também que ver com o

Estado enquanto comunidade. Estes fins principais do Estado encontram-se, em parte, no

artigo 9 da CRP.

 Num segundo sentido diz respeito à atividade com características próprias, passagem a ação,

modelo de comportamento e, neste momento, o termo função, entronca nos atos e atividades que

o Estado constantemente, repetida e repetivelmente vai desenvolvendo, de harmonia com as

regras e os princípios que o conformam. Neste sentido, a função não é outra coisa se não a

manifestação especifica do poder politico e carece de ser apreendida numa tríplice

perspetiva (material, formal e orgânica).

A tarefa mais não é que um fim do Estado concretizado em certa época histórica, em certo regime ou

constituição material. Por seu turno, a função enquanto atividade não vem a ser senão um meio para

atingir esse fim, qualificado sob certo aspeto.

O artigo 9 CRP ocupa-se das tarefas fundamentais do Estado.

Sobre as funções-atividades versam, naturalmente, as normas de organização do poder politico,

sobretudo as que estabelecem as competências dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do

poder local e as relativas aos seus processos e procedimentos de agir (arts. 161º, 164º, 199º, 227º,

237º, 239º CRP ).


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A Função no Sentido de Atividade

A função no sentido de atividade pode definir-se como um complexo ordenado de atos, destinados à

prossecução de um fim ou de vários fins conexos, por forma própria. Consiste na atividade que o

Estado desenvolve mediante os seus órgãos e agentes, com vista à realização das tarefas e

incumbências que, constitucional ou legalmente lhe cabem.

Cada função ou atividade oferece, assim, três características:

a) É especifica ou diferenciada pelos seus elementos materiais (as respetivas causas e os

resultados que produz), formais (formalidades que exige) e orgânicos (os órgãos ou agentes por

onde corre);

b) É duradoura – prolonga-se indefinidamente, ainda que se desdobre em atos localizados no

tempo que envolvem pessoas e situações diversas;

c) É, consequentemente, globalizada – tem de ser encarada como um conjunto, e não como uma

serie de atos avulsos.

Se as funções do Estado dependem das normas (e, antes de mais, das normas constitucionais) que as

regem, então todas as funções do Estado e todos os atos em que se desdobram não podem deixar de ser

funções jurídicas e todos os atos jurídico-públicos. Não há atividade do Estado à margem do Direito.

Enunciam-se correntemente como funções do Estado a legislativa, a governativa, a jurisdicional, a

administrativa e ainda a técnica.

O Estado tem ou tende a ter o monopólio dos três primeiros e só com o seu consentimento ou por

delegação outras coletividades ou entidades dão corpo a atos cuja natureza se reconduza a uma ou outra

dessas funções. Ao invés, no que concerne à função administrativa e à chamada função técnica, o Estado

não é senão um (embora o de maior “peso e volume”) dos sujeitos que as podem promover. Ao lado do

Estado outras pessoas coletivas públicas, ou mesmo privadas, desempenham também a função

administrativa, havendo então que harmonizar os diferentes interesses por elas prosseguidos.
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Funções Critérios Materiais Critérios Formais Critérios Orgânicos


 Definição primária
e global do
 Liberdade ou
interesse do
discricionariedade  Órgãos (políticos ou
Função Política Estado;
máxima (contudo, governativos) e
(Legislativa e  Inovação/Criação
submetida à CRP); colégios em conexão
Governativa/Politica no Ordenamento
 Ausência de direta com a forma e o
Stricto Sensu) Jurídico;
sanções sistema de governo.
 Interpretação dos
especificas;
fins do Estado;
 Direção do Estado
 Iniciativa (indo ao
encontro das  Dependência
 Satisfação
necessidades); funcional, com
constante e
 Parcialidade (na sujeição, no interior
Função quotidiana das
prossecução do de cada sistema a
Administrativa necessidades
interesse publico, o ordens e instruções e
coletivas;
que não impede a recurso hierárquico;
 Prestação de bens
imparcialidade no  Coordenação e
e serviços.
tratamento dos subordinação;
particulares;
 Independência de
 Declaração do
cada órgão, sem
Direito;
prejuízo de recurso
 Decisão de  Passividade (outra
para órgãos
Função Jurisdicional questões jurídicas, entidade tem de
superiores;
seja em concreto pedir);
 Atribuição a órgãos
perante situações  Imparcialidade;
específicos, os
de vida, seja em
tribunais, formados
abstrato;
pelos juízes.

A Doutrina tem propostas diferentes para as classificações das funções do Estado, porém, normalmente

identifica-se uma divisão tricotómica: Função Politica, Função Administrativa e Função

Jurisdicional.
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Direito Administrativo I
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Função Política

A função politica divide-se em duas grandes atividades: a atividade legislativa e a atividade governativa.

A CRP alude ao exercício da atividade politica, nomeadamente, quando se reporta no nº1 do art. 197º da

CRP ao “exercício de funções politicas do Governo” quando dispõe as competências “politica e legislativa”

da Assembleia (art. 161º).

Uma interpretação textual da constituição distinguiria as funções legislativas e politica. Contudo, verifica-

se no plano doutrinário e jurisprudencial que a função legislativa é, por excelência a mais importante

atividade politica dos poderes constituídos, já que a lei se define como um critério politico de decisão. A

lei não é mais do que uma manifestação da função politica.

 Função Governativa – Definir objetivos políticos, fixar metas e tentar atingi-las. Os vários

órgãos do poder politico desempenham a função legislativa.

 Função Legislativa – Poder de criação e modificação da ordem jurídica, mediante a

aprovação de normas com conteúdo politico e eficácia externa e que, legitimado aos

princípios da constitucionalidade e do sufrágio popular direto e secreto, reveste uma

natureza primacial e subordinante às demais funções constituídas do Estado-Ordenamento.

Os objetivos políticos não se prosseguem só através da atividade de Governo

A Lei é um ato normativo que cria na ordem jurídica, toda a ordem jurídica assenta na feitura da lei

(sempre subordinada à constituição).

De uma forma geral, toda a função politica está subordinada à constituição. A vinculatividade

constitucional garante-se na relação entre lei e constituição.

As leis que estão a ser elaboradas têm de respeitar os princípios da Constituição e garantir o

cumprimento das formalidades, modo de feitura e a relação com os demais atos legislativos.

Normas constitucionais conduzem o desenvolvimento da função legislativa.

Em suma, pode, assim, definir-se a função legislativa como a atividade politico-normativa traduzida

num poder de criação e modificação da ordem jurídica operado pelos órgãos competentes para o
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efeito, cujos atos assumem a forma de lei e vinculam o exercício das demais funções estaduais.
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A atividade legislativa pode ser entendida como um poder de criação e modificação da ordem jurídica,

mediante a aprovação de normas com conteúdo político e eficácia externa que, fundadas e submetidas ao

principio da constitucionalidade, regulam a vida coletiva e prevalecem sobre a generalidade dos atos

emanados das demais funções constituídas do Estado.

Neste sentido, os atos da referida função, não só não podem ser revogados ou integrados, com eficácia

externa, por atos emitidos ao abrigo de outras funções (art. 112º/5 CRP), como também constituirão

parâmetro de validade destes atos emitidos ao abrigo de atividades subordinadas.

Pode falar-se em várias características, entre as quais se destacam: a normatividade politica, inovação e

supremacia hierárquica sobre funções não politicas.

De um ponto de vista formal os atos desta função, recorrendo ao artigo 112º/1 CRP, devem revestir uma

das 3 formas previstas no artigo: lei, decreto-lei, decreto legislativo regional.

De um ponto de vista orgânico, a função legislativa, nos termos da alínea c) dos artigos 161º, 198º e 227º

da CRP, consiste numa atividade jurídico-publica que se encontra, respetivamente, reservada à

competência da Assembleia da República, do Governo e das Assembleias Legislativas das Regiões

Autónomas.

Isto significa a necessidade de esses centros de poder, quando legislam, se moverem no âmbito das suas

competências constitucionais, mas igualmente a falta absoluta de competência de outros órgãos

constitucionais em poderem exercer a atividade legislativa.

A função politica stricto sensu assenta na produção de atos e na externalização de condutas que

corporizam, predominantemente:

 O sistema de freios e contrapesos do sistema político (principio da interdependência dos

poderes, através de faculdades de direção e de fixação de controlos inter e intra-orgânicos);

 O exercício da politica externa;

 O uso de poderes excecionais de defesa da republica;

 As formas de exercício da democracia direta ou semi-direta.


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É possível referir, como elemento distintivo de ordem formal que enquanto o exercício da aividade

legislativa se traduz na emissão de normas jurídicas, o exercício da atividade politica envolve, tanto a

emissão de atos singulares, como de atos normativos.

Ainda no plano formal, enquanto os atos emitidos ao abriga da função legislativa têm de ter a forma de

lei, os atos normativos e não normativos da atividade politica assumem formas muito variadas, todas elas

de carácter não legislativo, por exemplo, os decretos do Presidente da República, moções e resoluções da

AR e das Resoluções do Conselho de Ministros.

Os atos políticos fluem, por excelência no universo de interdependência de poderes (art. 111/1 CRP), a

constituição distribui competências relativas ao exercício de funções entre diversos órgãos, mas estes

são constrangidos a cooperar entre si na formação da vontade do Estado. Essa cooperação envolve, no

exercício do poder, a observância de limites, controlos recíprocos e o exercício de competências

partilhadas entre órgãos.

A constituição como estatuto do poder politico, limita e ordena em termos funcionais, sendo impensável

que um dos órgãos exercesse as suas competências sem controlo dos restantes.

Podem dividir-se os atos em dois grandes grupos: atos de direção politica e atos de controlo.

Os atos de direção politica, consistem em decisões que envolvem uma escolha potencialmente livre de

opções primárias relativas ao funcionamento das instituições do Estado e determinam objetivos de ação

politica, fixando, se for caso disso, meios ou vias para a sua prossecução.

Ao contrário do que acontece na função administrativa, a direção politica não implica a possibilidade de

um órgão de soberania poder arrogar-se a uma posição de hierarquia em relação a outro órgão, nem a

faculdade de lhe dar ordens, instruções ou injunções. Supõe, invés, poderes positivos de escolha e

orientação e poderes constitutivos exercidos no contexto das relações pontuais de primazia de um órgão

sobre o outro e no estrito âmbito de relações especiais de responsabilidade politica fixadas na

constituição.

O Presidente da Republica é, por excelência, o órgão que dispõe de uma maior panóplia de atos

desta natureza.
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 Nomeação de titulares de órgãos constitucionais (alguns são formalmente independentes –

nomeação do Representante da República-, outros envolvem uma competência partilhada o

Governo – por exemplo, nomeação e exoneração dos membros do Governo);

 Atos de direção que se projetam sobre a subsistência de órgãos de soberania em funções

(renuncia do Presidente, dissolução do Parlamento);

 Exercício de poderes diretivos sobre o funcionamento dos órgãos colegiais (convocação

extraordinária da AR e o exercício extraordinário da presidência do Conselho de Ministros);

 A Prática de atos de projeção institucional relevante para a proteção da República e da

vontade popular diretamente expressa, no contexto de competências partilhadas –

declaração do estado de sitio e de emergência sujeita a autorização parlamentar; declaração de

guerra e feitura de paz sob proposta do Governo e convocação dos referendos sob proposta do

Governo ou do Parlamento.

Também a AR exerce importantes poderes de direção que se projetam sobre a subsistência dos outros

órgãos em funções, como é o caso do executivo, com o voto de moções de censura e confiança e quando

submete o seu programa a votação.

Outras manifestações do poder de direção implicam a designação de titulares dos órgãos constitucionais

como é o caso da eleição parlamentar do Provedor de Justiça e de juízes do TC, pode falar-se a inda na

proposta de convocação de referendo.

O governo e os respetivos titulares exercem poderes de direção quando, por exemplo, o PM propõe ao PR

a nomeação de titulares de órgãos constitucionais no âmbito de competências partilhadas, quando

apresenta a sua demissão e quando decide apresentar um pedido de confiança ou, ainda, quando propõe

ao Presidente a declaração de Guerra, a convocação de referendos e aa nomeação de titulares de órgãos

constitucionais ou de embaixadores.

Podem destacar-se vários tipos de atos e decisões no cumprimento da função politica em stricto sensu:

 Decisões de responsabilização politica e jurídica inter-orgânicas (convocação dos membros


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do Governo pelo Parlamento,…);


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 Poderes de livre apreciação do mérito de atos de outros órgãos (veto e promulgação, por

exemplo);

 Autorização, atestações e confirmações (referenda ministerial dos atos do PR, autorização

parlamentar da confirmação do estado de sitio e estados de emergência decretados pelo PR);

 Atos de garantia Jurídica da ordem Constitucional (controlo preventivo e sucessivo da

constitucionalidade);

Os atos portadores de eficácia jurídica são aprovados pelos órgãos constitucionais competentes para o

exercício da função politica, assumem conteúdo individual concreto e o sentido obrigatório e imperativo

que deles dimana projeta-se, exclusivamente, na esfera jurídica dos órgãos do poder politico.

Está-se perante atos não normativos, embora dotados de conteúdo jurídico imperativo, sem prejuízo

dessa imperatividade não assumir eficácia intersubjetiva (ou seja, não obriga diretamente os cidadãos),

mas antes exibir uma eficácia circunscrita aos órgãos e aos atos que são destinatários do mesmo

comando.

Quanto às normas gerais e abstratas emitidas ao abrigo da função politica, haverá a assinalar: o decreto

normativo do PR que declara os estados de sitio e de emergência; as resoluções normativas e a decisão

referendária vinculativa de caráter nacional, regional ou local, na medida em que obrigue o conteúdo de

normas jurídicas.

No plano externo, o Estado, pode aprovar atos da função politica com conteúdo normativo ou não

normativo.

Entre os atos não normativos podem destacar-se: notificação, confirmação, denuncia, expulsão de

diplomatas ou suspensão de relações diplomáticas.

No quadro dos atos normativos podem distinguir-se certos atos unilaterais (protesto, renuncia,

promessa) e a aprovação de convenções internacionais (tratados e acordos internacionais).


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Função Administrativa

Duplamente Subordinada

 Constituição;

 Lei (Princípio da Legalidade da Administração);

Toda a função tem de ser desenvolvida segundo a lei, não pode ir contra lei. Não é o domínio de uma

função criativa, trata-se de executar e aplicar a lei. Reserva de lei – Administração não pode atuar sem

existência de uma lei prévia, tem de existir lei ordinária anterior a habilitar a lei a fazê-lo (Precedência

de Lei) e o Principio da preferência da lei – valor da lei é sempre superior, tem sempre preferência

face a um ato administrativo.

Lei – Fixa objetivos políticos

Função Administrativa- Trata de aplicar a lei  Regulamentos Administrativos;


 Portarias;
 Tratos Regulamentares;

Normas de Aplicação da lei;


;

Normas Administrativas subordinadas;

A função administrativa consiste numa atividade traduzida na concretização e execução das leis e

na satisfação permanente das necessidades coletivas legalmente definidas, mediante atos,

contratos e atuações materiais, dimanados de órgãos e agentes dotados de iniciativa e

parcialidade na prossecução do interesse público.

Os elementos substanciais da definição reportam-se, nomeadamente, à natureza dependente ou

secundária da função administrativa; aos objetivos que prossegue.

A natureza subordinada dessa atividade resulta do facto de a função administrativa se vincular não
103

apenas à Constituição, mas também à lei (art. 266º CRP), dependendo a validade dos atos e contratos que
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dela promanam, não só da habilitação legal, mas também da respetiva conformidade com a lei. Na

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verdade, as opções primárias fundamentais relativas à satisfação das necessidades publicas encontram-

se determinadas na lei, pelo que, à função administrativa caberá fundamentalmente, a atividade

secundária de providenciar, no concreto, essas necessidades.

Os centros de decisão administrativa devem exibir iniciativa (ou seja, capacidade própria para

realizar criativamente os comandos legais e ir ao encontro das necessidades coletivas) e

parcialidade na prossecução do interesse público (seguindo os objetivos políticos traçados por lei

e atuando como parte interessada na realização das referidas necessidades, realizando o Estado

os objetivos de forma algo similar aos particulares).

O carácter parcial não prejudica o imperativo de a Administração ter de obedecer ao principio

constitucionalmente consagrado da imparcialidade no tratamento dos particulares.

O artigo 226 aborda a imparcialidade, está vinculada ao cumprimento da lei, só podem ser ponderados

fatores relevantes, particulares têm que ser tratados da mesma forma. Não pode favorecer ou prejudicar

os particulares com base em critérios subjetivos ou arbitrários.

O principio da imparcialidade tem duas vertentes, uma negativa, a proibição de privilegiar alguém e uma

positiva, tem de ser recolhida e analisada toda a informação relevante e não pode ser considerada a

informação irrelevante.

Há uma exigência não só de seriedade real mas como um aspeto de seriedade (exemplo, o afastamento

do júri de alguém cujos os familiares são concorrentes de um concurso).

Constitucionalidade, legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa fé são alguns

dos princípios constitucionais gerais que, nos termos do nº 2 do artigo 266º CRP, devem ser observados

no exercício da atividade administrativa.

Em suma, através da função administrativa realiza-se a prossecução dos interesses públicos

correspondentes às necessidades coletivas prescritas pela lei, sejam esses interesses da comunidade

politica como um todo ou com eles se articulem relevantes interesses sociais diferenciados.

A Administração está organizada hierarquicamente, mesmo dentro de cada pessoa coletiva, existe uma
104

cadeia hierárquica.
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O órgão superior é o governo, debaixo do governo há uma multiplicidade de pessoas, a hierarquia serve

para assegurar a unidade da ação administrativa (inviabilizar atos contrário) e para assegura a cadeia

responsabilidade democrática da administração, que é imputada ao Governo.

Só com esta cadeia hierárquica é possível responsabilizar a Administração.

Como esclarece o artigo 182º CRP, o Governo é o “órgão superior da Administração pública” exercendo

poderes de hierarquia ou direção sobre a administração direta, poderes de superintendência ou

orientação sob a administração autónoma.

No tocante aos atos da administração importa distinguir:

 Os atos normativos, os quais assumem a natureza de regulamentos administrativos e que se

definem como normas gerais e abstratas, subordinadas à Constituição e à lei que são aprovadas

por órgãos da Administração pública;

 Os atos administrativos que, são decisões de órgãos da Administração que, ao abrigo de normas

de direito público, visam produzir efeitos jurídicos numa situação individual concreta.

Quanto aos contratos administrativos, estes caracterizam-se como acordos plurilaterais de vontade

celebrados entre entidades públicas ou entre essas e particulares e que se destinam à constituição,

modificação ou extinção de uma relação jurídica administrativa.

Legalidade Administrativa e Discricionariedade

A relação entre a Administração Pública e o direito representa, porventura, a razão de ser do direito

administrativo e um dos maiores pontos de contacto entre o direito público e a realidade social e

económica em que ele opera, dado que essa relação varia em função dessa realidade. A análise do

princípio da legalidade da administração e da discricionariedade administrativa permite‐nos constatar

os reflexos das situações de crise económica no direito administrativo e o seu papel nessas situações, daí

o relevo desta questão.

O princípio da legalidade da administração consiste na subordinação da Administração e da sua

actividade à lei. O poder administrativo é limitado pela lei, está vinculado a ela, ou seja, assegura‐ se o
105

controlo do poder legislativo sobre o poder executivo. Todavia esta vinculação pode ser tão estreita que à

Administração pouco mais resta do que declarar o conteúdo da prescrição legal, ou pode ser mais
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flexível, cabendo à Administração um papel mais intenso na aplicação do direito na prossecução do

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interesse público, sendo que nesses casos se atenua o controlo judicial da atividade administrativa, por

respeito à prossecução do interesse público que incumbe à Administração. Estes dois tipos de situações

são designados pela doutrina, respetivamente, de poderes vinculados e de poderes discricionários da

Administração, um campo intimamente ligado ao princípio da legalidade, sendo certo que a atividade

administrativa é simultaneamente vinculada e discricionária, não havendo atos puramente vinculados e

atos puramente discricionários.

O princípio da legalidade exprime-se em dois subprincípios:

 O princípio do primado da lei, que implicava, num sentido negativo, a proibição de violação da

lei por parte da Administração, e a sua consequente subordinação ao poder legislativo do

Parlamento;

 O princípio da reserva da lei, que estabelecia as áreas que só podiam ser reguladas por lei

parlamentar, estando vedada à Administração qualquer intervenção nessas matérias sem

autorização legal, sendo que as áreas reservadas à lei seriam as dos direitos dos particulares por

excelência: a liberdade e a propriedade, cerne da livre iniciativa privada, sendo esta reserva

entendida, num triplo sentido, como reserva de Parlamento, enquanto área de competência

exclusiva do órgão representativo; como reserva de função legislativa, no sentido de se entender

a lei como norma geral e abstrata criada pelo Parlamento respeitante aos direitos dos

particulares; e como reserva de direito, sendo jurídico apenas o que respeita aos direitos dos

particulares, não sendo direito tudo o que não caiba neste campo.

Função Jurisdicional

A função jurisdicional pode ser definida como uma atividade que resolve questões de direito que

emergem de interesses ou posições conflituantes, através da aplicação da constituição e das lei, mediante

decisões que em regra assumem carácter individual e concreto e são tomadas pelos tribunais, órgãos que

se caracterizam pela sua independência, imparcialidade e passividade.

Materialmente, a função jurisdicional pode ser traduzida na operação intelectual de resolução de

questões que envolvem a aplicação do direito, em termos concretos, julgam-se situações singulares de
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vida e questões presas à validade das normas, mediante a resolução de uma questão jurídica, tendo em

vista a garantia da justiça material e da paz jurídica.


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Tem uma natureza secundária ou subordinada como atividade jurídico-pública destinada a dar aplicação

à Constituição e à lei, normas em relação às quais se encontram subordinadas (art. 203 e 204 CRP).

Esta subordinação e o artigo 112/5 não impedem a interpretação e a integração de lacunas na lei, o

artigo apenas impede que sejam dotadas de eficácia externa e força obrigatória para os sujeitos situados

fora do processo onde um determinado feito se encontra em julgamento.

Esta relação de subordinação, também, não impede os Tribunais de declararem, por exemplo, a

inconstitucionalidade de uma lei.

Função de declaração do Direito que vigora. Os tribunais resolvem conflitos jurídicos, seja entre

particulares, seja entre os particulares e o Estado.

Resolução de litígios entre partes, quer sejam dois particulares, duas entidades publicas, pessoas

singulares e coletivas.

A Constituição no artigo 202º diz que compete aos tribunais aplicar a justiça em nome do povo. A

função da justiça é aplicação do Direito correto, a obtenção da paz jurídica.

Segundo o professor Jorge Miranda na função jurisdicional define-se o Direito (júris dictio) em

concreto, perante situações da vida (litígios entre particulares, entre entidades publicas e entre

particulares e entidades publicas, e aplicação de sanções), e em abstrato, na apreciação da

constitucionalidade e da legalidade de normas jurídicas.

Independência é uma das características mais importantes, são órgãos que se autoadministram, a

autoadministração evita setores de pressão. Inamovibilidade – juiz não pode ser movido de onde

está a não ser quer cumpra uma falha grave. O artigo 217 salienta que a nomeação, a colocação, a

transferência e a promoção dos juízes dos tribunais judiciais e o exercício da ação disciplinar

competem ao Conselho Superior da Magistratura, nos termos da lei.

Outra caraterística é a irresponsabilidade, não são suscetíveis de responderem em tribunal pelos

danos causados pelas suas decisões. Não há responsabilidade da função jurisdicional.

Os processos que podem abrir são quanto ao Estado, o juiz representa o Estado, a não ser em
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casos muitos excecionais em que houve dolo.


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Os tribunais são órgãos do Estado, são independentes dos órgãos do poder politico mas fazem

parte do Estado.

O elemento orgânico reporta-se aos tribunais como centros institucionais de poder formados por juízes

que, com independência, desenvolvem especificamente a função jurisdicional. A independência dos

tribunais (extensível aos juízes que são investidos no artigo 216/1 num estatuto de independência e

irresponsabilidade), manifesta-se, seja em face dos demais órgãos do poder, seja entre si, sem

prejuízo do regime de recurso para instâncias superiores.

O elemento formal reconduz-se às decisões jurisdicionais. Estas decisões, quando vertem sobre o

fundo da controvérsia, são qualificáveis como “sentenças”.

O conteúdo das sentenças é, em regra, individual e concreto, ressalvada a exceção das declarações de

inconstitucionalidade proferidas pelo TC com força obrigatória Geral.

Separação e Interdependência

O principio da separação de poderes consagrado na constituição não assume o mesmo significado ao

principio da divisão dos poderes do liberalismo. É necessário perceber o contexto e toda a evolução

histórica, o liberalismo foi muito marcado pela ambição da burguesia e num conjunto de garantias que

queria ver asseguradas, entre elas, a propriedade. A maneira mais fácil de garantir essas ambições e

evitar a centralização do poder seria através de uma visão rígida dos poderes e funções do Estado.

Atualmente, existe uma visão dualista, ou seja, ainda existe separação uma vez que cada um dos órgãos

tem um conjunto de características que lhe são constitucionalmente atribuídas mas existe a possibilidade

de interferirem na atividade dos restantes órgãos de soberania.

Como corolários do principio da separação dos poderes, na esfera dos órgãos de soberania, importa

sublinhar:

 A repartição da atividade politica stricto sensu entre o PR, a AR e o Governo;

 A repartição da atividade legislativa entre a AR e o Governo, sem prejuízo do primado da

Assembleia e da centralidade do Governo no exercício dessa função;


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 A exclusão da atribuição da função administrativa, com eficácia externa, à AR;


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 A reserva de jurisdição confiada aos Tribunais.

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A ideia de interdependência de poderes, também configurada no artigo 111º CRP traduz a ideia que a

repartição de funções e competências pelos órgãos do poder, no quadro constitucional adotado, não

reveste uma natureza estanquicista, dado que não prejudica relações de colaboração e a aplicação de

institutos de controlo entre os mesmos órgãos.

Trata-se, fundamentalmente, do universo dos “checks and balances” estabelecidos entre os órgãos do

poder.

No plano de colaboração formal pode destacar-se: as iniciativas legislativas do Governo, as autorizações

dadas ao Governo, nomeação do representante da República pelo PR, ouvido o Governo…

No plano do puro controlo politico interorgânico, cumpre referir, os institutos de promulgação e veto

presidencial, demissão do Governo e dissolução do Parlamento,…

Teoria da Lei (Blanco Morais)

Lei no Constitucionalismo Liberal

A história do constitucionalismo liberal português compreendeu dois sistemas monistas (Constituição

de 1822 e 1911 – relação direta entre o sistema representativo parlamentar e a lei, Parlamento

era titular exclusivo de aprovar leis, tidas como máxima expressão normativa da vontade geral) e

dois sistemas dualistas (Carta Constitucional de 1826 e Constituição de 1838 – conjugação de duas

legitimidades – a monárquica e a representativa parlamentar – o dualismo refletia-se no plano do

Parlamento aprovar leis mas o rei ter o direito de veto absoluto).

Associado ao liberalismo está um conceito de lei geral e abstrata para tentar contrariar a tendência de

uma sociedade marcada pelos privilégios e pela desigualdade.

A Lei na Ordem Constitucional de 1976

A Problemática do Conteúdo de Lei

A constituição avança com critérios positivos e negativos para a caracterização do conceito de lei. É

importante verificar se a Constituição autoriza a lei a assumir qualquer conteúdo ou lhe impõe, antes, um

conteúdo necessariamente geral e abstrato.


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Importa saber se os legisladores parlamentar e governamental podem, em qualquer circunstancia,


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emprestar às leis por si editadas o conteúdo que considerarem mais conveniente, mesmo que consista na

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adoção de meros atos individuais e concretos de aplicação de outras leis e, como tal, enquadráveis

substancialmente no universo das decisões próprias de uma atividade materialmente administrativa,

solução que implicaria uma apropriação pelo legislador de uma atividade materialmente administrativa.

Dispondo a Assembleia da Republica ao abrigo da alínea c) do art.161 da CRP, de uma competência

genérica para fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas ao Governo e podendo este ultimo

legislar em todos os domínios não reservados ao parlamento (alínea a) do nº1 do art. 198), verifica-se

que, na esfera do Estado-Pessoa não existem matérias que se encontrem horizontalmente subtraídas à

lei.

Existe, assim, existe uma reserva total de lei, em sentido horizontal, ou seja, a lei pode dispor sobre

todas as matérias sem exceção.

No Plano Vertical a situação revela ser bem mais complexa, importa aqui saber se a densidade

reguladora da lei poderá ser de tal modo intensa que implique a expropriação por via legal do domínio

confiado constitucionalmente à autonomia privada, administrativa e jurisdicional.

Reserva Vertical de Lei e os Seus Limites Implícitos Respeitantes à Esfera da Autonomia Privada e

a Domínios Reservados à Administração

O AC. Nº 374/2004, a propósito da negociação e contratação coletiva do trabalho, é referido que a lei,

mesmo nas zonas da reserva, não pode ser tao densa ao ponto de esvaziar o conteúdo de um direito

reconhecido aos privados.

Em suma, existem limites impostos hierarquicamente pela Constituição que ditam restrições à liberdade

do legislador quando este dispõe sobre domínios como o dos direitos, liberdades e garantias e limitam a

densidade reguladora das leis sempre que estas devam respeitar domínios reservados da autonomia

privada.

No que em particular respeita à tensão entre as funções legislativas e administração está em causa aferir

o grau de legitimação dos atos do poder legislativo, como atividade jurídico-publica dominante ou

primária, em pré-ocupar o domínio material da Administração, substituindo-se a um poder

administrativo dimanado de uma função secundária ou subordinada.


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Trata-se da ideia segundo a qual o principio da separação de poderes veda à lei a faculdade de absorver
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integralmente, no plano vertical, mediante uma disciplina caracterizada pelo seu carácter singular, o

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universo material útil correspondente exercício da função administrativa, deixando-a sem campo

próprio de atuação.

O Tribunal Constitucional admite em abstrato a existência de um “núcleo” da atividade administrativa,

imune a apropriações intoleráveis ou abusivas por parte do poder legislativo.

A haver no plano jurídico-constitucional âmbitos matérias reservados à função administrativa, tal

implicará que uma lei formal que ofenda ou se aproprie do núcleo dessa função seja tida por

inconstitucional, por ofensa ao principio da separação de poderes, pilar fundamental do Estado Direito

democrático e que supõe que o exercício de cada poder ou função seja necessariamente limitado e

controlado.

A quase generalidade dos autores não se opõe à validade do que designam por atos administrativos

praticado sob forma de lei, contanto que simultaneamente sejam sindicáveis juto da jurisdição

administrativa. Isto, pese o facto de alguns autores continuarem a defender a falta de competência do TC

para apreciar atos administrativos praticados sob a forma legal.

Nota Doutrinal Sobre o Conteúdo da Lei e os Respetivos Limites

Luis Pereira Coutinho adotou uma perspetiva radicalmente substancialista, esta perspetiva argumenta,

perante a indefinição do conceito de lei presente na constituição, seria de rejeitar a tese segundo a qual,

fora dos domínios onde a Constituição imporia um conteúdo geral e abstrato (nº3 do artigo 18), os atos

legislativos poderiam assumir qualquer conteúdo.

Isto porque a construção geraria uma solução que se chocaria com o “sentimento de um sistema politico-

constitucional que expressamente se projeta como sistema de um Estado de Direito Democrático e

porque não seria possível, a partir dos mesmo preceitos inferir um principio geral não excecionado. O

principio de Estado de Direito, consagrado no artigo nº2 da CRP, imporia limites ao conteúdo da lei, já

que o mesmo se identificaria com imperativos de limitação do poder politico, e, por conseguinte, de

limitação aos diversos poderes do Estado, os quais deveriam ser exercidos à margem da arbitrariedade,

da imponderabilidade, da imprevisibilidade ou da incontrolabilidade.

Para lá de dificuldades derivadas do sistema de hierarquia das fontes, verificar-se-ia que os órgãos
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legislativos (Assembleia) e políticos (PR) deveriam agir como órgãos administrativos ao exercer um
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poder de controlo sobre este ato administrativo sob a forma de lei, realidade esta que não iria encontrar

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qualquer apoio na Constituição. Não faria sentido que o PR promulgasse e vetasse atos “administrativos”

e a AR procedesse à sua apreciação para efeito da sua cessação e da sua alteração.

Em suma, uma lei ou um decreto-lei apenas deveriam ser tidos como constitucionalmente válidos se

assumissem um conteúdo geral e abstrato. E apenas excecionalmente seria admissível a existência de leis

inovadoras que prescindissem de uma ato administrativo de aplicação.

Tomando uma perspetiva substancialista pragmática, Jorge Miranda, embora admita a validade das leis

individuais e concretas que, por detrás dos respetivos comandos, tenham uma prescrição ou um

principio geral, considera que se a Assembleia da Republica vier aprovar uma lei cujo conteúdo se

resuma a um ato administrativo, o mesmo será organicamente inconstitucional, pois este órgão não é

titular da função administrativa.

Paulo Otero, embora considere que a generalidade é uma característica própria ou natural da lei, admite

a validade de atos administrativos praticados sob forma legal, ou de leis com um conteúdo idêntico a um

ato administrativo, desde que essas leis se apliquem as exigências constitucionais impostas aos atos

administrativos, entre as quais a obrigatoriedade ou justificação.

Numa dimensão mais politica e formalista, autores como Gomes Canotilho ou Marcelo Rebelo de

Sousa deram o seu respaldo à validade dos conteúdos individuais e concretos assumidos pelos atos

legislativos desse que conformes com as regras e os princípios constitucionais (igualdade,

proporcionalidade,…) e sem prejuízo do disposto no artigo nº4 do artigo 268º da CRP.

Posição Adotada: uma Aceção Estrutural de Lei Limitada Pelos Domínios Constitucionalmente

Reservados à Administração

Apreciação Crítica Às Teses Substancialistas

As teorias substancialistas assentam na teoria da separação dos poderes. Existem, contudo, algumas

objeções de fundo ligadas à positividade do sistema constitucional português que dificultam a aceitação

dessa construção.

 Em primeiro lugar, a aceção constitucional de lei tem de partir daquilo que é a lei no Direito
112

Constitucional positivo e não de uma mitologia da lei radicada em soluções de jure condendo. Os

próprios princípios de separação dos poderes e do Estado de direito democrático devem ser
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interpretados à luz do sistema politico de governo vigente. Em Portugal, o principio da separação

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dos poderes foi concebido, desde 1976, à luz de uma lógica de intervencionismo legislativo

governamental, o qual se estriba na outorga ao Governo do maior acervo da competência

legislativa existente na EU. A ideia de um ato legislativo passível de abarcar qualquer conteúdo,

mesmo o de um ato administrativo, fundou-se na logica originária da Constituição de 1976 que

concebeu o ato legislativo como um instrumento utilitário de transformação e mudança que

reduziria radicalmente o espaço de autonomia da função administrativa.

Desde a origem da constituição e, especialmente depois da primeira revisão constitucional, a lei passou a

ser definida estruturalmente na base de elementos permanentes, como o conteúdo politico, a forma e a

força.

E, salvo nos casos em que a CRP impõe à lei, explicita ou implicitamente, conteúdos gerais (leis de bases)

ou gerais e abstratos (leis restritivas de direitos, liberdades e garantias – art. 18/3), ela exibe sensível

indiferença sobre o conteúdo dos comandos legislativos, habilitando implicitamente o decisor legislativo

a desenhar ou recortar esse mesmo conteúdo. Logo, salvo nas áreas em que a CRP não impõe

generalidade ou abstração à lei, o conteúdo singular desta não é proibido, emerge como um

principio geral favorável à liberdade relativa de escolha do conteúdo legal fora do campo da

reserva de lei material. Considerar, como faz a doutrina substancialista em apreço, que a imposição

constitucional de generalidade como condição de validade normativa se aplicaria não só a essas

situações determinadas, mas a todas as demais, seria converter a imposição do artigo 18º, numa não

imposição e, como tal, numa previsão inútil, questionando-se a coerência de pensamento do legislador.

“Para quê, na verdade, consagrar exigências de materialidade só para certas leis, se todas as leis deveriam à

suposta luz do sistema de separação dos poderes, revestir conteúdo material?”

 Em segundo lugar, a adoção desta construção implicaria a inconstitucionalidade de todos os atos

legislativos singulares editados desde 1982;

 Em terceiro lugar, é indubitável que o principio de Estado de Direito Democrático pressupõe que

nenhuma função do Estado se substitua a outra e ocupe o seu núcleo fundamental. Só que, o

poder expansivo das funções primárias ou dominantes é incomparavelmente maior do que o das

funções secundárias. Se uma lei constitucional vier a ocupar o espaço que atualmente caberia a
113

um ato administrativo, dificilmente se poderia falar na sua inconstitucionalidade, a não ser que
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violasse um limite material da revisão constitucional. De um mesmo modo, a lei ordinária, sendo

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produzida por uma função dominante, pode corporizar um elevado grau de concretização que é

muitas vezes sobreponível com o âmbito material da função administrativa, valendo-se da sua

força para impor a respetiva preferência, seja contendo um comando politico auto-aplicativo seja

pré-ocupando, dentro de certos limites, o lugar que seria preenchido por um ato administrativo.

Em conclusão, não é, pois, possível erigir a imposição genérica do paradigma de lei geral e

abstrata, sem mais, a parâmetro de constitucionalidade dos atos legislativos, independentemente

de tal ser, eventualmente, desejável no quadro de uma futura recomposição das funções do

Estado em que as leis parlamentares ganhem claramente em ater-se ao domínio da materialidade

normativa, em nome da subtração do exercício da função administrativa à Assembleia da

Republica.

Exclusão de uma Aceção Puramente Formal de Lei

A Pré-Ocupação Legal de Domínios da Atividade Administrativa

A supremacia da função legislativa pressupõe a faculdade de a mesma poder, em certa medida, reger

domínios da função administrativa, seja no campo regulamentar, seja mesmo na esfera material da

edição de atos e critérios relativos à celebração de contratos administrativos.

A questão principal não consiste em saber se a lei se pode apoderar de esferas próprias do

exercício da função administrativa, mas sim em que medida e com que limites o poderá fazer.

Tal como defende grande parte da doutrina e da jurisprudência constitucional, não existe na constituição

de 1976 uma reserva geral de Administração, mas sim uma pluralidade circunscrita de espaços

reservados à Administração central e autónoma.

No plano governamental existem domínios que decorrem de imposição implícita da Constituição, ditada

pelo princípio da separação dos poderes entre órgãos de soberania (art. 111 CRP). Este princípio

assegura uma esfera ou margem útil do governo, em face do Parlamento, para poder concretizar a lei no

universo administrativo, com subordinação a esta, mas com a garantia de que a lei não irá assumir o

conteúdo de um puro ato concretizador. A separação de poderes não compromete a validade das leis do

Parlamento que assumam um carácter auto-aplicativo (dispensando atos de execução).


114

Inibirá, sim, a intromissão, por via legal no poder de direção do Governo relativamente à administração
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direta, mormente através de normas que reduzam o sentido útil desse poder de direção ou de atos

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materialmente administrativos editados tacitamente pelo Parlamento sob a forma de lei, suscetíveis de

constituir uma inversão do critério nuclear de separação dos poderes.

O Governo, como órgão soberano, goza de uma reserva nuclear de execução, a qual pode ser

subsidiarizada por normas auto-aplicativas, mas que não pode ser defraudada por atos administrativos

editados sob a forma de lei parlamentar.

Lei e Regulamento

Fora de domínios específicos onde seja suposta uma reserva necessária de regulamento

(autarquias locais, regiões autónomas e certas autoridades administrativas independentes), a lei

pode dispensar a sua concretização por parte de normas administrativas.

Pode se extrair da opinião jurisprudencial a ideia de que, não existindo, uma reserva geral de

regulamento, a lei parlamentar pode, em razão da sua hierarquia superior, revogar normas

regulamentares e pré-ocupar domínios antes regidos por regulamentos, sem prejuízo de a mesma lei

dever observar um conjunto de limites ao seu poder revogatório e conformador, derivados de um

necessário respeito pelo núcleo da função administrativa reservada ao Governo.

Nesta linha de entendimento, a jurisprudência constitucional fez as seguintes precisões:

 O Parlamento, quando legisla, “tem de respeitar a separação entre os órgãos de soberania

não podendo usurpar as funções próprias do Governo, designadamente as de direção da

administração direta do Estado”.

 No universo regulamentar, um ato legislativo parlamentar não pode revogar um

regulamento sem ter previamente revogado a norma legal que o habilitou;

 “As relações do Governo com a AR são relações de prestação de contas (…) não são relações

de subordinação hierárquica ou de superintendência, pelo que não pode o Governo ser

vinculado a exercer o seu poder regulamentar (ou legislativo) por instruções ou injunções

da AR nem esta pode transmutar a forma legislativa num meio enviesado de exercício de

competência de fiscalização, com esvaziamento (…) do núcleo essencial da posição


115

constitucional do Governo.”
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Existindo um domínio material mínimo reservado à Administração impõe-se delimitar, dentro do

possível, as respetivas fronteiras, já que as mesmas supõem a existência de limites verticais ao poder

concretizador da lei.

Para o Tribunal, se uma lei parlamentar, mantiver intocadas as normas legais que regem uma atividade

administrativa a ser prosseguida e se limita a revogar um regulamento aprovado ao abrigo dessa

legislação, que o Governo deve executar, “priva este órgão de soberania dos instrumentos que a

Constituição lhe reserva para prosseguir as tarefas que neste domínio lhe estão constitucionalmente

cometidas (…) violando o principio da separação de poderes.”

Para esta orientação não estaria em causa a faculdade da lei, atenta a sua hierarquia, em poder

revogar um regulamento. Contudo o que lhe seria vedado seria proceder a essa revogação sem

antes ter revogado ou alterado o parâmetro legal onde o referido regulamento se fundaria.

Sem prejuízo de este critério limitativo da discricionariedade legislativa dever ser tomado em devida

nota pela comunidade jurídica, não deixa o mesmo de ser questionável.

Nada obsta, na realidade, por força da hierarquia que a lei goza em face do regulamento, que a mesma

possa proceder à sua revogação, mesmo sem ter previamente modificado a norma legal que constituía o

fundamento do poder regulamentar, na medida em que não existe reserva regulamentar genérica do

Executivo. Se a norma legal que era parâmetro do regulamento permitia ao Governo fazer de novo uso

do seu poder regulamentar depois de consumada a revogação do mesmo regulamento, não havia sequer

razão plausível para que a lei julgada inconstitucional tivesse o ónus de proceder à revogação prévia

dessa norma-parâmetro.

A liberdade de escolha dos meios de criação legal e respetiva execução é vasta, num órgão como o

Governo que exerce simultaneamente a função legislativa e a função administrativa. Existe, como tal, um

espaço natural de validade para o decreto-lei singular, embora fora dos universos específicos onde a

Constituição imponha generalidade e longe de espaços onde a mesma constituição crie domínios

reservados à Administração.

Outra questão polémica consiste em saber se, nos termos do artigo 199/d, existe uma reserva
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administrativa, em face ao Parlamento, no respeitante ao exercício das competências de direcção, de

superintendência e de tutela que a Constituição lhe reconhece.


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 Administração Direta – compreende os serviços não personalizados do estado (direções gerais

e direções de serviços) e os poderes hierárquicos ou de direção do Governo sobre este sector

traduzem-se na emissão de ordens ou injunções;

 Administração Indireta – Institutos públicos, principalmente, sobre ela o Governo exerce um

poder de superintendência, traduzido na emissão de diretrizes e orientações gerais;

 Administração Autónoma – Composta por entes públicos com autonomia administrativa e

financeira que prosseguem interesses próprios. O Governo exerce podere de controlo ou de

tutela da legalidade.

Na opinião do professor Blanco Morais, uma lei que fixasse orientações conjunturais de gestão para uma

empresa ou um instituto publico, invadiria o domínio reservado pela Constituição ao Governo quanto ao

exercício dos seus poder de superintendência, já que tal implicaria o esvaziamento de uma competência

que a Constituição confere ao Executivo, sem partilha ou concorrência com poder legislativo do

Parlamento.

Mais evidente parece ser a existência de uma reserva de “ato administrativo” na esfera dos poderes

hierárquicos do Governo, decorrentes da sua responsabilidade de direção dos serviços do governo.

Consideram-se, nesse contexto, feridas de inconstitucionalidade orgânica , leis singulares do Parlamento,

que procedam, por exemplo, à nomeação, classificação ou responsabilização disciplinar dos funcionários

civis e militares, ou que interfiram na gestão decorrente da Administração.

Este entendimento começa a tomar corpo na doutrina.

A jurisprudência constitucional exibe alguma relutância em relação à limitação do conteúdo

concretizador das leis parlamentares em nome da exigência da controlabilidade ou da responsabilização

democráticas do Executivo pela AR.

A responsabilização democrática deve exercer-se num quadro de fiscalização e não de substituição

do órgão controlado pelo controlador.

Os poderes de direção sobre a Administração Pública revestem natureza administrativa e são


117

atribuídos exclusivamente ao Governo, pelo que o Parlamento excederá os seus meros poderes

de fiscalização (162º/a CRP) se emitir atos legislativos que ocupem o lugar e a função de atos
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administrativos atribuídos ao poder exclusivo do órgão controlado.

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Segundo grande parte da doutrina e, mais concretamente, o professor Blanco Morais, o TC fica investido

no ónus de alargar materialmente os seus próprios critérios jurisprudenciais de censura, a:

 Intromissões da lei parlamentar que ditem operações materiais aos serviços da Administração

sem intervenção do Governo;

 Todas as formas de intromissão intolerável da AR na esfera puramente administrativa do

Governo, em domínios que são próprios da sua esfera puramente executiva, sendo evidente que o

poder de hierarquia faz indissociavelmente de um núcleo essencial da administração ou do

executivo.

Fora destes domínios reservados constitucionalmente à Administração torna-se difícil estabelecer um

limite objetivo ao poder concretizador das leis.

A lei parlamentar continua a poder dispensar em certos casos a prática de atos administrativos e assumir

uma natureza auto-aplicativa, contanto que não resuma o seu conteúdo a um ato dessa natureza.

Síntese Sobre a Problemática do Conceito e do Conteúdo da Lei

A Constituição identifica taxativamente a base de uma tipificação formal (art 112/1 CRP) e hierárquica e

a penas impe exigências de generalidade e abstração ao seu conteúdo a um numero circunscrito de leis,

como é o caso das normas legais materialmente paramétricas de outras leis, bem como das disposições

legais que regulam certas matérias, como as do nº3 do artigo 118º CRP.

No que respeita à forma, observa-se que o principio da “tipicidade das formas de lei” (art. 112/1 CRP)

determina a inexistência de atos legislativos fora de três tipos específicos neles previstos (lei, decreto-lei

e decreto legislativo regional).

A “Força Geral de Lei” trata-se de uma noção que resulta de um nexo causal entre a superioridade

hierárquica da lei sobre as demais normas de natureza não politica dos poderes constituídos e a potência

jurídico-administrativa que dela resulta em termos operativos. Trata-se de uma potência de valor. A

ideia de uma força unitária da lei determinada pelo valor hierárquico do ato estriba-se, quer no

principio da legalidade, o qual supra-ordena os atos da função legislativa em face dos atos das
118

restantes funções constituídas (art 203/2, art 266), quer nos efeitos relacionais do principio da

tipicidade da lei (art. 112/5 CRP), que proíbe a suspensão, alteração, integração ou revogação
Página

desta por atos normativos de distinta natureza.

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Define-se ato legislativo como todo o critério político de decisão produzido e revelado sob a forma

de lei pelos órgãos titulares da função legislativa e que exprime uma supremacia sobre os demais

atos normativos não políticos, de direito interno infra-constitucional.

Quanto aos limites constitucionais ao conteúdo legal, considera-se que o legislador é livre de

conferir o conteúdo que julgar oportuno ao ato legislativo que edita, salvo se:

 A Constituição impuser pelas leis que incidam sobre certos domínios, exigências de

generalidade ou de generalidade e abstração;

 A Constituição consagrar domínios reservados em favor da Administração Pública, que

vedem a intromissão vertical dos atos legislativos no núcleo da atividade regulamentar ou

em domínios reservados da competência administrativa do Governo.

O Acórdão Nº 1/97 do Tribunal Constitucional

Este acórdão aprecia a constitucionalidade do Decreto nº 58/VII da AR que pretendia obrigar o Governo

a criar, através da Portaria, vagas adicionais nas instituições de Ensino Superior no ano letivo de

1996/1997, de forma a garantir o acesso a todos os estudantes que nos exames realizados em Setembro

tinham obtido nota superior ao ultimo aluno colocado na 1ª fase daqueles exames.

Esta injunção da AR entraria em vigor como lei se tivesse sido publicada pelo Presidente da Republica e

obrigaria o Governo a criar mais 1700 vagas.

Contexto e enquadramento legal:

 Nos termos do regime legal em vigor, é ao Governo que compete aprovar, por portaria, o numero

máximo de matriculas anuais no ensino superior (DL nº28-B/96, art 5º e 6º);

 É ao Governo que legalmente compete regulamentar, por portaria, o concurso nacional de acesso

ao Ensino Superior (DL 28-B/96, 23º e 25º);

Neste quadro, o Governo fixou o numero de vagas para aquele ano letivo e regulamentou o respetivo

concurso nacional de candidatura ao Ensino Superior.


119

Depois de algumas perturbações na realização dos exames, a AR considerou e recomendou que os

Exames de Setembro deveriam permitir o acesso a todos os alunos que obtivessem nota superior à
Página

classificação do ultimo aluno admitido em julho e o Governo considerava que o processo de candidatura

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
se deveria concluir de acordo com o regime legal e regulamentar em vigor e publicamente anunciado,

pelo que os exames de Setembro apenas se destinariam a preencher as vagas em falta.

Concluído o processo de candidatura, a entrada em vigor da lei pretendida pela AR significava o seguinte:

 O regime legal de acesso ao Ensino Superior não era alterado;

 A AR substituiria a anterior decisão do Governo acerca da natureza e dos efeitos dos exames já

realizados em Setembro pela sua própria decisão:

 A AR impunha ao Governo a criação de um numero de vagas adicionais substituindo a anterior

decisão governamental que fixava o numero de vagas pela sua própria decisão.

O TC foi chamado a pronunciar-se previamente sobre a constitucionalidade do decreto da AR. O TC não

se pronunciou pela inconstitucionalidade do diploma por causa de problemas relacionados com a

separação de poderes ou com os limites orgânico-funcionais das competências legislativas da AR mas

devido à violação da principio da igualdade e do principio da segurança jurídica.

O TC seguiu 3 linhas de argumentação:

 Não haveria inconstitucionalidade por violação por parte da Assembleia de uma área reservada

constitucionalmente ao Governo e à Administração porque a existência dessa pretensa reserva da

Administração seria incompatível com a dimensão garantista do principio da separação dos

poderes e com a consequente exigência de controlo democrático-parlamentar do Executivo;

 Não haveria também inconstitucionalidade por violação de pretensas competências

especificamente reservadas pela constituição ao Governo, e não haveria inconstitucionalidade

porque no entender do TC, a AR dispõe de competências para legislar sobre quaisquer matérias,

pelo que em quaisquer domínios pode pré-determinar legislativamente a atividade do Governo e

da Administração;

 Não haveria, por ultimo, inconstitucionalidade por violação da posição do Governo porquanto

aquilo que a AR teria feito não seria uma substituição funcional do Governo, mas apenas a criação

de “critérios inovatórios, excecionais, retroativos e de eficácia temporal restrita para um caso


120

concreto”.
Página

Críticas (Professor Reis Novais)

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
 Principio da Divisão de Poderes e Controlo Democrático do Executivo

Para o TC o principio da separação de poderes adquiriu a natureza de um instrumento garantistico de

controlo democrático da esfera do poder, excluído o Governo da direta decisão politica.

O Parlamento e o Governo têm hoje a mesma legitimação para o exercício de poderes fundada na

constituição, estão sujeitos aos mesmo limites constitucionais e são em igual medida potencialmente

passiveis de violação desses limites, pelo que não há hoje nenhum fundamento para identificar a garantia

das liberdades individuas (dimensão garantista do principio da separação dos poderes) com controlo

parlamentar do executivo.

A eventual existência de uma reserva ou reservas de administração, no sentido de um núcleo essencial

do poder executivo imune à invasão parlamentar, não só não é contraditória com sentido actual o

principio da separação dos poderes, como é antes, uma exigência da sua função como principio

organizatório fundamental da nossa ordem jurídica.

 Competência Legislativa Genérica da AR e Limites da Função Legislativa Parlamentar

O TC considera que a existência de uma reserva material de administração seria incompatível com a

competência legislativa genérica da AR. Ou seja, se a CRP dá à CRP a competência para legislar sobre

todas as matérias então isso significa que o Parlamento pode pré-determinar a atividade do Governo.

Há uma clara não consideração da distinção entre competência formal para a prática de um ato e

limites funcionais que o conteúdo do ato tem necessariamente de observar em Estado de Direito

com separação e organização racional dos poderes.

Por exemplo, se aos tribunais é dada a competência para administrar a justiça e dirimir os conflitos de

interesses públicos e privados, significará isso que um juiz pode anular um aumento do preço dos

combustíveis com o fundamento de que seria politicamente preferível aumentar o preço do tabaco?

A AR tem, todavia, de observar os limites orgânico-funcionais que resultam da grantia de um

núcleo essencial das funções atribuídas aos outros órgãos, bem como das competências

especificas que a Constituição expressamente lhes atribuiu.


121

Nem deve ser invocado que os planos são diferentes por força do principio da legalidade da

administração que imporia uma subordinação da Administração à lei. É que, no plano da necessidade de
Página

observância e aplicação da lei tao subordinada é a Administração quanto os tribunais.

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
A AR ao abrigo do artigo 161/d pode legislar sobre o acesso ao Ensino Superior, sobre critérios de

fixação de vagas, natureza dos exames de acesso e pode fazê-lo especifica e detalhadamente para o ano

de 1996/97. Ou seja, a AR pode pré-determinar legislativamente a posterior atuação do Governo.

Mas o Governo ao abrigo da legislação em vigor fixou o numero de vagas para o ano lectivo 1996/1997

em 100 e, realizado o concurso de acordo com os critérios vigentes, a Administração disse que foram

admitidos os alunos A, B, C,…, não pode depois a AR, contra opinião expressa do Governo, encerrado o

concurso e iniciado o respetivo ano letivo, vir determinar por lei que o numero de vagas não era de 100

mas de 110 e que entram mais os alunos R, S, T,…

Legislar com tal conteúdo constituiria uma violação do principio constitucional da divisão de poderes e

das competências governamentais genérica e especifica resultantes dos artigos 111º, 182 e 199.

Não se trata de saber se o Parlamento pode criar os critérios jurídicos que pautem a futura atividade

administrativa do Governo ou da Administração, tomada regularmente no quadro e ao abrigo das

normas constitucionais e legais em vigor, por uma sua própria decisão, ainda que sob a forma de lei.

A divisão dos poderes dos nossos dias é marcada pela separação, mas também pela interdependência,

pela especialização orgânico-funcional, mas também pelas possibilidades de interferência reciproca. O

que está em causa é a possibilidade de esses efeitos se produzirem à posteriori e,

fundamentalmente, sobre um ato que se integra na função essencialmente atribuída ao órgão que

o praticou originariamente, sem que haja fundamento constitucional bastante para a prática do

ato revogatório.

 A Teoria da Lei Criadora de Critérios Inovatórios, Excecionais, Retroativos e de Eficácia

Temporal Restrita a uma Situação Concreta

Por ultimo o TC pretende não se tratar de uma verdadeira substituição funcional do Governo e da

Administração por parte do Parlamento, porque a AR, ao aprovar a lei, não pretendia substituir-se à
122

decisão administrativa, mas estaria simplesmente a criar critérios inovatórios, excecionais ou retroativos

e dotados de uma eficácia temporal restrita a uma situação concreta.


Página

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Na verdade, esta formula do TC não é mais do que admitir que a AR se substituiu à decisão

administrativa do Governo, recorrendo para isso à forma de lei.

Este tipo de decisão parlamentar não coloca apenas em causa o principio da divisão de poderes no

sentido assinalado, ela é também incompatível com o estatuto constitucional do Governo, que nos termos

do artigo 182º CRP, vem definido como “o órgão de condução da politica geral do país e o órgão superior

da administração pública.”

Com efeito, se uma lei consagrasse a possibilidade de um particular recorrer de uma decisão

administrativa do Governo para a Assembleia da republica, essa lei seria claramente incompatível com o

estatuto do Governo enquanto órgão de soberania e, concretamente, com a sua configuração

constitucional como “o órgão superior da Administração Pública.”

Reserva de Lei

Reserva de Lei em Sentido Amplo

A noção de reserva de lei em sentido amplo corresponde a um domínio material necessário da legalidade,

o qual implica:

 Uma prioridade exclusiva de regulação primária de determinadas matérias pela lei

ordinária da qual decorre a fixação de um regime inovatório susceptível de ser

deslegalizado ou substituído em caso de lacuna ou omissão, por regulamentos

independentes;

 A supremacia da lei sobre outros atos normativos internos que lhe confiram concretização

e execução, a qual resulta da superioridade hierárquica dos atos legislativos sobre os atos

das funções secundárias e implica a obrigação de quaisquer atos de valor infra-legal se

fundarem na lei e se mostrarem conformes com a lei quando incidirem sobre as referidas

matérias, sob pena de ilegalidade.

A reserva de lei funda-se no principio da separação de poderes já que este veda a atos de funções

subordinadas do Estado uma incidência inovatória em matérias qualificadas, cuja regulação seja
123

exclusivamente cometida à lei, como norma típica da função politica caracterizada pelo seu carácter

primário e dominante.
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Reservas Específicas de Lei

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
 Quanto ao Conteúdo

 Reserva de lei geral e abstrata (art. 18/3 CRP);

 Reserva de lei de conteúdo geral (a qual, por natureza, respeita às leis de bases, previstas,

no nº2 do artigo 112 da CRP, as quais se restringem à fixação de princípios e diretrizes

gerais destinadas a serem desenvolvidas por outras leis);

 Reserva de lei de conteúdo necessariamente não retroativo: art 18/ ; art. 29/2; art 103/3;

 Quanto ao Órgão

 Reserva Absoluta de Competência Legislativa da Assembleia da República (alíneas b), f) e

h) do artigo 161 e artigo 164 da CRP) a qual respeita a matérias totalmente subtraídas à

regulação de outros órgãos que não o Parlamento;

 Reserva Relativa da Assembleia da República (artigo 165 da CRP) composta por matérias

relativamente às quais a Assembleia da República é o órgão normalmente competente

para legislar, sem prejuízo de poder livremente autorizar o Governo e as Assembleias

Legislativas Regionais a legislar sobre as mesmas;

 Reserva Exclusiva de Competência Legislativa do Governo (reserva de decreto-lei

referente à matéria do nº2 do artigo 198 da CRP);

 Reservas Exclusivas da Competência Legislativa das Regiões Autónomas, a nível de

competências mínimas (alínea l), n) e p) do nº1 do art. 227);

Há que distinguir reservas de densificação total: que abrangem toda a extensão da matéria listada a

qual é consumida, vertical e horizontalmente por um ato legislativo aprovado pelo órgão titular da

reserva; e domínios reservados, relativamente aos quais apenas uma parcela de uma matéria é

disciplinada por lei do órgão titular de reserva (caso das leis de bases as quais coexistem, em regra com

um domínio de desenvolvimento cometido a outros atos legislativos subordinados, os quais podem ser

editados por outros órgãos).

 Quanto à Natureza do Ato Legislativo


124

 Reserva de lei comum (a qual se reporta a leis aprovadas por maioria simples que
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esgotam as matérias englobadas na reserva absoluta ou relativa do Parlamento);

Direito Administrativo I
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 Reserva de lei reforçada pela sua parametricidade material (caso das bases integradas na

reserva absoluta ou relativa do Parlamento, as quais são regidas por conteúdo

subordinante ao de outras, mas aprovadas por maioria simples);

 Reserva de Lei Reforçada pelo Procedimento (por exemplo, o caso das leis orgânicas,

aprovadas mediante um procedimento legislativo mais exigente que o comum, o qual

aumenta a sua rigidez, ou seja, a sua resistência à revogação por outras leis de

procedimento diverso);

Tipicidade da Lei

A CRP alude em vários dos seus preceitos para a fórmula de “lei”. Trata-se de um ato jurídico-publico

definido essencialmente, para além do seu conteúdo politico, pela sua força (art. 112/5 CRP) e pela sua

forma (art. 112/1 CRP).

A forma geral de lei ordinária, desdobra-se em 3 formas especificas, a tipicidade implica que a lei seja

reconhecida, com base num conjunto de características estruturais entre os demais atos jurídico-

públicos.

No seu sentido amplo, a forma e a força de lei são valoradas no artigo nº5 do artigo 112º da CRP pelo

princípio da tipicidade da lei. Deste preceito decorre que:

 É na constituição que reside a verdadeira fonte de lei;

 A lei não pode ser objeto de interpretação, integração, modificação, suspensão e revogação com

eficácia externa, por atos não legislativos, nem que ela própria o autorize, daqui resultando a

expressão de uma força geral de lei, ou seja, de uma potência de valor emergente de um nexo de

conexão entre a posição hierárquica da lei no ordenamento e a sua posição para revogar e para

resistir à revogação intentada por outros atos não legislativos;

 Nenhuma lei (lei, decreto-lei e decreto legislativo regional) pode criar outras formas e categorias

de atos legislativos, na medida em que só a Constituição é titulo habilitante para o efeito, sendo

pois de excluir, por exemplo, a possibilidade de uma lei reforçada criar outra lei também
125

reforçada;

 Certos tipos de deslegalização devem ter-se como proibidos.


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Direito Administrativo I
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A deslegalização consiste numa operação determinada pela lei, através da qual esta confere natureza

regulamentar a normas que, precedentemente, revestiam forma e valor legal.

Existem formas de deslegalização claramente inconstitucionais.

 Em primeiro lugar, o caso de leis que desgraduam alguns dos seus preceitos ou preceitos de

outras leis, conferindo-lhes natureza regulamentar, pese o facto de as mesmas normas incidirem

sobre domínios materiais que a Constituição comete à reserva de lei, como o caso da regulação

dos direitos, liberdades e garantias.

 O caso em que a lei rebaixa alguns dos seus preceitos, ao permitir, sem mais a sua revogação ou

modificação por normas regulamentares (viola o 112/5);

 O cenário de uma lei que deslegalize uma dada matéria mas se limite a conferir a sua regulação a

um regulamento de execução, como uma portaria quando, na verdade, a simples definição da

competência objetiva e subjetiva para a sua emissão reclamaria a forma de decreto regulamentar

(art.112/5, 6 e 7);

 No plano regional, no caso de um decreto legislativo regional revogar um regime inovador

contido noutro decreto legislativo regional e respeitante a uma matéria de reserva de ato

legislativo regional enunciada no estatuto e remeter a disciplina de uma parte dessas opções

gerais e primárias para norma regulamentar, ele operará uma deslegalização ilegítima, pois

violará a reserva de lei regional determinada pela lei estatutária sobre essa matéria.

Considera-se admissível, contudo, que fora da reserva de lei, um ato legislativo desgradue

algumas das suas normas para um nível regulamentar, ou remeta para regulamento

administrativo a regulação de determinadas matérias, desde que o faça expressamente e fixe com

clareza critérios habilitantes da produção regulamentar.


126
Página

Direito Administrativo I
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A ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
MARCELO REBELO DE
SOUSA

O Estado e as suas Funções

O Estado-coletividade é definido como o povo fixado em

determinado território, no qual se institui, por autoridade própria,

um poder relativamente autónomo. Este poder político prossegue

fins diversificados que, contemporaneamente, abrangem a

segurança, individual e coletiva, interna e externa, a justiça,

comutativa e distributiva, e o bem-estar económico, social e cultural.

Por um lado, a realização destes fins exige a existência de entes


127

jurídicos incumbidos da sua prossecução (Estado-aparelho); por

outro, implica o desenvolvimento de atividades ou funções (funções


Página

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
do Estado), que se localizam em planos diversos, de tal modo que, entre elas, é possível estabelecer

relaçoes de primazia e de subordinação.

Assim, o poder politico estabelece, numa Constituição material, as normas (regras e princípios)

essenciais que regem os elementos e as principais estruturas do Estado, bem como o seus fins, a

organização e a atuação da das entidades públicas, as suas relaçoes com os cidadãos e destes entre si

(função constituinte e, nessa exta medida, condicionada pelos limites estabelecidos no seu exercício –

rever a constituição de modo a adaptá-la ao devir coletivo(função de revisão constitucional). A

Constituição circunscreve o desempenho das restantes funções do Estado, que podem, por sua vez,

desdobrar-se em dois patamares: o das funções primárias e o das funções secundárias do Estado, sendo

estas condicionadas pelas primeiras.

As funções primárias são a função politica e a função legislativa. Ambas estão situadas num plano de

paridade constitucional; ambas partilham da essência do poder politico, que reside na realização das

opções sobre a definição e prossecução dos interesses essenciais da coletividade; ambas assumem, por

isso mesmo, um caráter tendencialmente inovatório. Por isso, em certo sentido, também a função

legislativa poderia, em ultima análise, reconduzir-se a um conceito amplo da função politica.

 A Função Política traduz-se na prática de atos que respeitam, de modo direito e imediato, ao

poder político e às relaçoes deste com outros poderes do Estado: assim, os atos políticos não

visam projetar-se, de modo direito e imediato, para fora do universo público, muito menos sobre

os cidadãos, disciplinando a vida social. Alguns deles são atos com relevância jurídica nacional e

internacional, como é o caso dos atos respeitantes ao relacionamento dos Estado com os demais

sujeitos de direito; outros são atos dotados de mera relevância nacional e repercutem-se no

funcionamento do sistema de Governo. Dentro destes ainda é possível distinguir aqueles que se

revestem de projeção indireta ou mediata, por atos legislativos interpostos, na esfera dos

cidadãos (por exemplo, os programas de Governo e os planos económico-sociais não contidos em

leis), daqueles que se reportam apenas às relações entre órgãos do poder político do Estado (por

exemplo, as moções de confiança e de censura e o ato de dissolução da Assembleia da República).

 A Função Legislativa consiste essencialmente na atividade permanente e de caráter politico de

definição de princípios e elaboração de preceitos com eficácia externa, tipicamente com caráter
128

regulador da vida coletiva e, portanto, com vocação primacial de incidência direta e imediata nos
Página

cidadãos; tais princípios e preceitos devem conter-se em atos que revestem determinadas formas

Direito Administrativo I
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taxativamente das formas de lei – que apartam, material e formalmente, a função legislativa da

função política.

As funções secundárias do Estado-coletividade são a função jurisdicional e a função administrativa. A

chave do caráter secundário das funções jurisdicional e administrativa reside na sua subordinação às

funções primárias, que se traduz na não interferência na formulação de escolhas essenciais da

coletividade política, na necessidade de que as suas decisoes encontrem um fundamento em tais escolhas

e de que não as contrariem, e ainda a necessidade de que essas decisoes se reconduzam de forma

valorativamente coerente ao conjunto sistemático formado pelas decisões constitucionais, políticas e

legislativas vigentes.

Quando se fala em funções secundárias não se quer, portanto, exprimir a ideia segundo a qual o exercício

se limitaria à mera execução de decisões previamente adotadas no exercício das funções primárias. Esta

conceção, cara ao pensamento liberal deve hoje ter-se completamente ultrapassada: a falência do modelo

positivista da subsunção e a sua substituição por uma teoria da interpretação jurídica que aceita o relevo

da realidade na determinação do sentido com que as normas valem para o caso concreto, bem como a

existência de espaços de livre decisão do juiz ou do administrador, intencionalmente abertos pelo

normador legal ou constitucional, contribuíram para que às funções secundárias do Estado seja

reconhecida verdadeira criatividade , em detrimento do caráter meramente executivo que antes se lhe

assacava.

Ao contrário do que acontece com as demais funções do Estado, a CRP define, no seu artigo 202/2CRP a

função jurisdicional: esta consiste na administração da justiça , que por sua vez compreende a defesa dos

direitos e deveres legalmente protegidos dos cidadãos, a dirimição de conflitos de interesses públicos e

privados e a repressão da violação da legalidade democrática. A função jurisdicional traduz-se, portanto,

na implementação da Constituição, das leis e dos demais atos normativos vigentes na ordem jurídica,

mediante a sua interpretação, o seu desenvolvimento e a sua concretização, o esclarecimento da sua

aplicação no tempo e no espaço, a apreciação da conformidade constitucional e lato sensu legal dos atos

das entidades públicas e dos cidadaos, designadamente, através da dirimição de conflitos entre

interesses privados, entre interesses públicos e entre interesses públicos e interesses privados.
129

Quanto à função administrativa, existem basicamente duas óticas através das quais se pode proceder à

sua definição. tradicionalmente, era adotado um critério negativo: a função administrativa abrangeria as
Página

atividades públicas que não se pudessem reconduzir às restantes funções do Estado. Mas a função

Direito Administrativo I
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administrativa pode ser definida de modo positivo: ela compreende a

atividade pública continua tendente à satisfação das necessidades


DIREITO
ADMINISTRATIVO
coletivas em cada momento selecionadas, mediante prévia opção

constitucional e legislativa, como desígnios da coletividade política. A NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

atividade em que se consubstancia a função administrativa é

multiforme, abrangendo designadamente a produção de bens e a

prestação de serviços, bem como as atuações que visem a obtenção e a

gestão dos recursos materiais e humanos a alocar ao seu

desenvolvimento; o seu âmbito concreto varia em função dos

interesses públicos que, em cada momento histórico, sejam

constitucional e legislativamente considerados relevantes, o que por

sua vez depende de diversos fatores sócio-culturais e políticos: por

exemplo, se no Estado social atual, se entende caber na função

administrativa a efetivação de prestações de tipo assistencial ou de

solidariedade social aos cidadaos, já no Estado Liberal, pelo contrário, se

entendia que cabia essencialmente à função administrativa apenas a

preservação da ordem e da segurança pública.

A Administração Pública

Conceito de Administração

1. As necessidades coletivas e a administração pública

Quando se fala de administração pública tem-se presente um

conjunto de necessidades coletivas cuja satisfação é assumida

como tarefa fundamental pela coletividade, através de serviços

por esta organizados e mantidos.


130

A satisfação das necessidades exige meios humanos e materiais. Assim,


Página

onde quer que exista e se manifeste uma necessidade coletiva, surgirá

Direito Administrativo I
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um serviço público destinado a satisfazê-la. Quanto a estes serviços, uns são criados e geridos pelo

Estado (polícia, impostos), outros são entregues a organismos autónomos que se autossustentam

financeiramente (hospitais, portos, vias férreas), outros ainda são entidades tradicionais de origem

religiosa hoje assumidas pelo Estado (Universidades).

Destes serviços alguns são mantidos e administrados pelas comunidades locais autárquicas (serviços

municipais de obras, limpeza, abastecimento público), outros são assegurados por instituições públicas e

particulares (estabelecimentos escolares, de saúde, de assistência), outros ainda são desempenhados por

sociedades comerciais (empreiteiros), outros enfim são unidades de produção de caráter

económico criadas com capitais públicos ou expropriadas aos seus primitivos titulares (empresas

públicas, empresas nacionalizadas).

Todos os serviços públicos têm a mesma finalidade, satisfazer necessidades coletivas, que são de três

espécies: segurança, cultura e bem-estar.

2. Os vários sentidos da expressão “administração pública”

São dois os principais sentidos de administração pública:

 No sentido de organização (sentido orgânico/subjetivo);

 No sentido de atividade (sentido material/objetivo).

Existe ainda um terceiro sentido, formal, que tem a ver com o modo próprio de agir que carateriza a

administração pública.

3. A Administração Pública em sentido orgânico

A ideia corrente entre os leigos na matéria é que a Administração Pública consiste fundamentalmente na

organização e serviços centrais do Estado. Todavia, não é assim, a Administração Pública não se limita

ao Estado: inclui-o, mas comporta muitas outras entidades e organismos. Por isso, também nem toda

a atividade administrativa é atividade estadual. Há muitas instituições que não se confundem com o

Estado e que têm identidade própria, constituindo entidades política, jurídica e sociologicamente

distintas (municípios, freguesias, governos civis, serviços concelhios de finanças,…).


131

No séc. XIX, a Administração Pública era sobretudo de âmbito municipal: o Rei e o poder central. Hoje a

Administração pública estadual desenvolveu-se e ocupa o primeiro lugar face às demais


Página

formas/modalidades de administração.

Direito Administrativo I
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Algumas destas modalidades podem ser hoje de um modo geral concebidas como formas de

administração estadual indireta, sendo que, aí, entidades juridicamente distintas do Estado são

incumbidas de exercer, por devolução de poderes, uma atividade administrativa que, embora não

desenvolvida organicamente pelo Estado, é materialmente uma atividade estadual. Outras

continuam a ser formas autónomas de administração pública, como as regiões autónomas e as autarquias

locais. Há ainda outros casos em que a atividade administrativa é desenvolvida por entidade de direito

privado criadas para o efeito pelo Estado ou por outras pessoas coletivas públicas.

A lei admite que a atividade administrativa seja exercida por particulares, que são chamados a colaborar

com a Administração.

A Administração Pública em sentido orgânico pode ser assim definida como o sistema de órgãos,

serviços e agentes do Estado, bem como das demais pessoas coletivas públicas, e de algumas

entidades privadas, que asseguram em nome da coletividade a satisfação regular e contínua das

necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar.

A noção orgânica de Administração Pública compreende duas realidades distintas: as pessoas coletivas

públicas e os serviços públicos e os funcionários e agentes administrativos. A primeira são organizações

e a segunda indivíduos. Chama-se vulgarmente de burocracia, ou função pública, ao conjunto dos

indivíduos que trabalham como profissionais especializados ao serviço da Administração.

4. A administração pública em sentido material

Em sentido material, a administração pública é uma atividade de administrar. Administrar é tomar

decisões e efetuar operações com vista à satisfação regular de determinadas necessidades.

A administração pública em sentido material pode ser assim definida como a atividade típica dos

serviços públicos e agentes administrativos desenvolvida no interesse geral da coletividade, com

vista à satisfação regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar,

obtendo para o efeito os recursos mais adequados e utilizando as formas mais convenientes.

A função administrativa foi inicialmente a atividade meramente executiva. Mas na segunda metade do

séc. XX compreendeu-se que a esta não competia apenas promover a execução de leis: cumpre-lhe
132

também executar as diretrizes e opções fundamentais traçadas pelo poder político, e realizar toda uma
Página

outra série de atividades que não revestem natureza executiva, como estudar problemas, preparar

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
legislação ou produzir bens, atividades estas que, devendo ser sempre realizadas com base na lei, não

podem todavia ser consideradas como mera execução da lei. Deste modo o art.199º CRP alarga muito

substancialmente o conteúdo material da função administrativa para além dessa atividade executiva.

O que a Administração tem de garantir é a satisfação regular das necessidades coletivas de segurança,

cultura e bem-estar económico e social, independente de como o faça.

5. A administração pública e a administração privada

A administração pública e a administração privada distinguem-se pelo objeto sobre que incidem, pelo fim

que visam prosseguir e pelos meios que utilizam.

Quanto ao objeto, a administração pública versa sobre necessidades coletivas assumidas como tarefa

e responsabilidade própria da coletividade, enquanto a administração privada incide sobre

necessidades individuais ou necessidades que, sendo de grupo, não atingem a generalidade de uma

coletividade inteira.

Quanto ao fim, a administração pública tem de prosseguir interesses públicos, enquanto a privada

tem em vista fins pessoais ou particulares, sem vinculação necessária ao interesse geral da

coletividade. O facto de o resultado das atividades privadas ser socialmente útil à coletividade não

significa que o fim dessa administração privada seja a prossecução direta do interesse geral.

Quanto aos meios, a administração privada é caraterizada pela igualdade de meios entre as partes, pelo

que o contrato é o instrumento jurídico típico. A administração pública é caraterizada por meios de

autoridade, que possibilitam às entidades e serviços públicos impor-se aos particulares sem ter de

aguardar o seu consentimento ou fazê-lo contra a sua vontade, pelo que o comando unilateral é o

instrumento jurídico típico.

Mais ainda, a Administração Pública é limitada nas suas possibilidades de atuação por restrições,

encargos e deveres especiais, de natureza jurídica, moral e financeira, a que não estão em regra sujeitos

os particulares na prossecução normal das suas atividades de administração privada.

6. A administração pública e as funções do Estado: comparação


133

 Política e administração pública


Página

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
A política tem com fim definir o interesse geral da coletividade, e a administração pública tem como fim

realizar o interesse geral definido pela política.

O objeto da política são as grandes opções que o país enfrenta ao traçar rumos do seu destino coletivo, o

da administração pública é a satisfação regular e continua das necessidades coletivas de segurança,

cultura e bem-estar.

A política tem natureza criadora e a administração púbica tem natureza executiva. Por isso, a política tem

caráter libre e primário e a administração pública tem caráter condicionado e secundário, subordinada

às orientações da política e da legislação. Resulta que a política pertence aos órgãos superiores do Estado

e a administração pública aos órgãos secundários e subalternos.

Os órgãos políticos são eleitos pelo povo e os administrativos são nomeados ou eleitos por colégios

eleitorais restritos (o Governo é um caso especial porque é tanto órgão político como administrativo).

A administração pública é diretamente influenciada pelas opções políticas de um país. Toda a

administração pública é sempre execução ou desenvolvimento de uma política. Porém, é por vezes a

própria administração que se impõe e sobrepõe à autoridade política enfraquecida ou incapaz.

Enquanto a distinção no plano das ideias é clara, tal não sucede no plano do quotidiano, tanto porque o

órgão supremo da administração é simultaneamente um órgão político fundamental, tanto porque os

atos praticados no exercício de ambas as atividades muitas vezes se confundem.

 Legislação e administração pública

Estando a função administrativa no mesmo plano, ou no mesmo nível, que a política, apresenta as

mesmas diferenças que esta em relação à administração pública.

A grande distinção entre legislação e administração pública está em que a administração pública é uma

atividade totalmente subordinada à lei: a lei é o fundamento, o critério e o limite de toda a atividade

administrativa.

Há pontos de contacto entre estas duas: há casos de leis que materialmente contêm decisões de caráter

administrativo, e há casos de atos de administração que materialmente revestem todos os carateres de


134

uma lei, faltando-lhes apenas a forma e a eficácia da lei.


Página

 Justiça e administração pública

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Estas apresentam traços comuns: são secundárias, executivas e subordinadas à lei. Mas distinguem-se:

uma consiste em julgar e a outra em gerir.

A justiça aplica o direito aos casos concretos, enquanto a administração pública prossegue interesses

gerais da coletividade. Enquanto a justiça é passiva e está acima dos interesses, a administração pública é

ativa e prossegue interesses coletivos.

A justiça é assegurada por tribunais cujos juízes são independentes e inamovíveis, enquanto a

administração pública é exercida por órgãos e agentes hierarquizados.

Também estas se entrecruzam: a administração pública pode em certos casos praticar atos

jurisdicionalizados, assim como os tribunais comuns podem praticar atos materialmente

administrativos.

A administração pública está tanto submissa à lei como aos tribunais, para apreciação e fiscalização dos

seus atos e comportamentos.

 Conclusão

Podemos completar então a noção de administração pública em sentido material: a atividade típica dos

organismos e indivíduos que, sob a direção ou fiscalização do poder político, desempenham em

nome da coletividade a tarefa de prover à satisfação regular e contínua das necessidades coletivas

de segurança, cultura e bem-estar económico e social, nos termos estabelecidos pela legislação

aplicável e sob o controlo dos tribunais competentes.

135
Página

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B

OS SISTEMAS
ADMINISTRATIVOS
NO DIREITO
COMPARADO

Os Sistemas Administrativos no Direito Comparado

A ideia de uma Administração Pública subordinada a um ramo

especial de Direito que lhe atribui poderes de autoridade e lhe

estabelece deveres especiais não é comum a todos os

ordenamentos jurídicos. A estruturação da Administração varia

consoante o tempo e o espaço.

Sistema Administrativo Tradicional

O sistema tradicional da Monarquia europeia assentava nas

seguintes características:

 O Rei era o supremo Administrador e o Supremo Juiz,

podendo exercer tanto a função executiva como a

função judicial, não havia separação de poderes;

 Não havia uma sistemática e rigorosa subordinação da

Administração à lei. Isto quer dizer que ou não havia, de


136

todo, normas que regulassem a Administração Pública,

ou então que essas normas eram nem sempre revestiam


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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
carácter jurídico, podendo ser meras instruções ou diretivas internas, sem caráter obrigatório

externo. Estas normas não vinculavam o poder soberano, não conferiam quaisquer direitos aos

particulares face à Administração Pública. Isto significa que os particulares não se podiam

queixar de ofensas cometidas pela Administração aos seus direitos ou interesses legítimos,

invocando para o efeito as referidas normas para a proteção das suas situações pessoais.

Numa palavra, não havia Estado de Dirieito.

Para o desenvolvimento deste ponto partimos da posição adotada pelo professor Freitas do Amaral, e

não, do professor Pereira da Silva.

O efeito das revoluções foi enorme. Como se proclamou com o artigo 16º DDHC “toda a sociedade na qual

a garantia dos direitos não esteja assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem

Constituição.”

Por um lado, dividiu-se o poder do Rei em funções diferentes e entregaram-se estas a órgãos distintos, a

atividade administrativa passou a ser uma atividade que se distingue materialmente da atividade

jurisdicional, consagrou-se a separação de poderes.

Por outro lado, proclamaram-se os direitos humanos como direitos naturais anteriores e superiores ao

Estado ou poder político e, com isso, não só a Administração Pública ficou submetida a verdadeiras

normas jurídicas, de carácter externo e obrigatórias para todos, como os particulares ganharam o direito

de invocar essas normas a seu favor na defesa de direitos ou interesses legítimos porventura ofendidos

pela Administração. Nasceu o Estado de Direito.

Até às revoluções liberais vigora o Estado de Direito; depois das revoluções liberais, estabelecem-se os

sistemas administrativos modernos, baseados na separação de poderes e no Estado de Direito.

Sistema Administrativo de Tipo Britânico ou de Administração Judiciária

Há um conjunto de aspetos que são fundamentais no direito anglo-saxónico em geral:

 Lenta formação ao longo dos séculos;

 Papel destacado do costume como fonte de direito;


137

 Distinção entre common law e equity;

 Vinculação à regra do precedente;


Página

 Grande independência dos juízes e forte prestigio do poder judicial;

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
As características do sistema administrativo britânico são:

 Separação de Poderes – o rei foi impedido de resolver questões de natureza contenciosa e foi

proibido de dar ordens aos juízes.

 Estado de Direito – culminando uma longa tradição iniciada na Magna Carta, os direitos,

liberdades e garantias dos cidadãos britânicos foram consagrados na Bill of rights, o rei ficou

claramente subordinado ao Direito, rule of law;

 Descentralização – em Inglaterra cedo se praticou a distinção entre administração central e

administração local. Mas as autarquias locais gozavam tradicionalmente de ampla autonomia face

a uma intervenção central diminuta, sempre foram encaradas como entidades independentes,

verdadeiros governos locais;

 Sujeição da Administração aos Tribunais Comuns – a administração Pública acha-se

submetida ao controlo jurisdicional dos tribunais comuns. Os poderes públicos não são isentos:

nenhuma autoridade pode invocar privilégios ou imunidades visto haver uma só medida de

direitos para todos, uma só lei para funcionários e não funcionários, um só sistema para o Estado

e para os particulares. Os litígios que surjam entre a Administração Pública e os particulares não

são da competência de quaisquer tribunais especiais: então na jurisdição normal dos tribunais

comuns.

 Subordinação da Administração Pública ao Direito Comum- em consequência do rule of law,

tanto o rei como os seus conselheiros e funcionários se regem pelo mesmo direito que os

cidadãos anónimos. Todos os órgãos e agentes da Administração Pública estão, pois, em

princípio, submetidos ao direito comum, o que significa que por via da regra não dispõem de

privilégios ou de prerrogativas de autoridade púbica.

 Execução Judicial das decisões administrativas – no sistema administrativo britânico a

Administração não pode executar as suas decisoes por autoridade própria. Se um órgão da

Administração toma uma decisão desfavorável a um particular e atua voluntariamente, esse

órgão não poderá, por si só, empregar meios coativos para impor o respeito da sua decisao: terá

de recorrer a um tribunal para obter deste uma sentença que torne imperativa aquela decisao. Ou

seja, as decisoes da Administração não têm, em princípio força executória própria não podendo
138

por isso ser impostas pela coação sem uma prévia intervenção do poder judicial.

 Garantias Jurídicas dos Particulares – os cidadãos dispõem de um sistema de garantias contra


Página

as ilegalidade e abusos da Administração Pública. Os tribunais públicos gozam de plena jurisdição

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
face à Administração Pública: tal como em relação a qualquer cidadão ou empresa privada, o juiz

pode não só anular decisoes ou eleições ilegais, mas também ordenar às autoridades

administrativas que cumpram a lei, fazendo o que ela impõe ou abstendo-se de a violar.

Estas características encontra-se presentes no designado sistema de administração judiciária, dado o

papel preponderante nele exercido pelos tribunais.

O sistema oriundo de Inglaterra, vigora hoje em dia na generalidade dos países anglo-saxónicos,

nomeadamente nos Estados Unidos da América e, através destes influencia os países da América Latina,

em especial, o Brasil.

Sistema Administrativo de Tipo Francês

Os traços essenciais do direito romano-germânico são:

 Escassa relevância do costume;

 Sujeição a reformas globais impostas pelo legislador em dados momentos;

 Papel primordial da lei como fonte de direito;

 Distinção básica entre direito privado e direito público;

 Função de importância muito variável dos tribunais na aplicação do Direito legislado;

 Maior influência da doutrina jurídica do que da jurisprudência;

 Mais prestigio do poder executivo do que do poder judicial.

As características do Sistema Administrativo Francês são:

 Separação de Poderes – proclamada com a revolução francesa. A administração ficou separada

da Justiça, poder executivo para um lado, poder judicial para outro;

 Estado de Direito – na sequência das ideias de Locke e de Montesquieu; a DDHC, no seu artigo

16 exige um sistema de garantia dos direitos.

 Centralização – com a revolução francesa, uma nova classe social e uma elite dirigente chegam

ao poder. Para impor as novas ideias, para implementar todas as reformas políticas, económicas e

sociais ditadas pela Razão, e para vencer as muitas resistências suscitadas, torna-se indispensável

construir um aparelho administrativo disciplinado, obediente e eficaz.


139

 Sujeição da Administração aos Tribunais Administrativos – antes da revolução francesa, os


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tribunais franceses tinham-se insurgido várias vezes contra a autoridade real. Depois da

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
revolução, continuando nas mãos da antiga nobreza, esses tribunais foram foco de resistência à

implantação do novo regime, de novas ideias, de nova ordem económica e social. O poder político

teve, pois, de tomar providencias para impedir intromissões do poder judicial no normal

funcionamento do poder executivo. Surgiu uma interpretação peculiar do princípio da separação

dos poderes, completamente diferente da que prevalecia em Inglaterra: se o poder executivo não

podia inscumir-se nos assuntos da competência dos tribunais, o poder judicial também não

poderia interferir no funcionamento da Administração Pública. Por isso, a lei proíbe os juízes que

conheçam de litígios contra autoridades administrativas e são criados tribunais administrativos

que, na verdade, não são verdadeiros tribunais mas órgãos da Administração, em regra

independentes e imparciais, incumbidos de fiscalizar a legalidade dos atos Administração e de

julgar o contencioso dos seus contratos e da sua responsabilidade civil.

 Subordinação da Administração ao Direito Administrativo – a força, a eficácia, a capacidade

de intervenção da Administração Pública que se pretendia obter, fazendo desta uma espécie de

exército civil com espirito de disciplina militar, levou o Conselho de Estado a considerar que os

órgãos e agentes administrativos não estão na mesma posição que os particulares; exercem

funções de interesse público e utilidade geral e devem por isso dispor quer de poderes de

autoridade, que lhe permitam impor as suas decisões aos particulares, quer de privilégios e

imunidades pessoais. Sendo o objetivo da Administração o de prosseguir o interesse público,

satisfazendo as necessidades coletivas, há-de poder sobrepor-se aos interesses particulares que

se oponham à realização do interesse geral, e para isso carece de especiais poderes de

autoridade, sendo certo, por outro lado, que a sujeição ao interesse público também submete a

administração a especiais deveres e restrições que não vigoram em relação aos particulares.

 O Privilégio da Execução Prévia – o direito administrativo confere à administração Pública um

conjunto de poderes exorbitantes sobre os cidadãos, por comparação com os poderes normais

reconhecidos pelo Direito civil aos particulares nas suas relaçoes entre si. O privilégio de

execução prévia permite à Administração executar as suas decisões por autoridade própria.

Quando um órgão da Administração toma uma decisao desfavorável a um particular e, se ele não

a acata voluntariamente, esse órgão pode por si só empregar meios coativos, inclusive a polícia,

para impor o respeito pela sua decisao, e pode fazê-lo sem ter de recorrer a u Tribunal para o
140

efeito. Em suma, as decisoes unilaterais da Administração Pública têm, em regra, força executória
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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
própria e podem por isso mesmo ser impostas pela coação aos particulares, sem necessidade de

qualquer intervenção prévia do poder judicial.

 Garantias Jurídicas dos Particulares – o sistema administrativo francês, por assentar num

Estado de Direito, oferece aos particulares um conjunto de garantias jurídicas contra os abusos e

ilegalidades da Administração Pública. Mas essas garantias são efetivadas através dos tribunais

administrativos, e não por intermédio dos tribunais comuns. Por outro lado, nem mesmo os

tribunais administrativos gozam de plena jurisdição face à administração: na maioria dos casos,

estando em causa uma decisao unilateral tomada no exercício de poderes de autoridade, o

tribunal administrativo só pode anular o ato praticado se ele for declarado ilegal: não pode

declarar as consequências dessa anulação, nem proibir a Administração de proceder de

determinada maneira, nem condená-la a tomar certa decisao ou adotar certo comportamento. Se

os tribunais são independentes perante a administração, esta também é independente perante

aqueles. E por isso as autoridades administrativas que decidem como e quando hão de executar

as sentenças que hajam anulado atos seus. As garantias jurídicas dos particulares face à

Administração são aqui menores do que no sistema britânico.

Estas são as características originárias do sistema administrativo de tipo francês, também

chamado sistema de administração executiva, dada a autonomia aí reconhecida ao poder

executivo relativamente aos tribunais.

Este sistema nasceu em França, vigora hoje em quase todos os países continentais da Europa Ocidental e

em muitos dos novos estados que acederam à independência no séc. XX depois de terem sido colónias

desses países europeus.

Confronto Entre os Dois Sistemas

O sistema britânico e francês têm em comum o facto de consagrarem ambos a separação de poderes e o

Estado de Direito. Têm, contudo, vários traços específicos que os distinguem:

 Quanto à organização administrativa, um é sistema descentralizado, o outro é centralizado;

 Quanto ao controlo jurisdicional da Administração, o primeiro entrega-os aos tribunais

comuns, o segundo a tribunais administrativos. Em Inglaterra há, pois, uma unidade de


141

jurisdição, em França existe dualidades de jurisdições;


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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
 Quanto ao direito regulador da Administração, no sistema de tipo britânico é o direito

comum, que basicamente é direito privado, mas no sistema de tipo francês é o direito

administrativo, que é direito público.

 Quanto à execução das decisoes administrativas, o sistema de administração judiciária fá-la

depender de sentença do tribunal, ao passo que o sistema de administração executiva

atribui autoridade própria a essas decisoes e dispensa a intervenção prévia de qualquer

tribunal;

 Quanto às garantias jurídicas dos particulares, a Inglaterra confere aos tribunais comuns

amplos poderes de injunção face à Administração, que lhes fica subordinada como a

generalidade dos cidadãos, enquanto a França só permite aos tribunais administrativos que

anulem as decisoes ilegais das autoridades ou as condenem ao pagamento de

indemnizações, ficando a Administração independente do poder judicial.

Evolução e Situação Atual dos Sistemas Britânico e Francês

O confronto estabelecido baseou-se na pureza original dos dois sistemas. Mas tais sistemas não pararam

no tempo. E a evolução ocorrida no século XX veio a determinar uma aproximação relativa dos dois

sistemas em alguns aspetos:

 Em termos de Organização Administrativa, a administração britânica tornou-se mais

centralizada do que era no final do século passado, dado o grande crescimento da burocracia

central, a criação de vários serviços locais do Estado, e a transferência de tarefas e serviços antes

executados a nível municipal para os órgãos de nível regional, estes mais sujeitos do que aqueles

em Inglaterra à tutela e superintendência do Governo. A administração francesa, por seu lado, foi

gradualmente perdendo o carácter de total centralização que atingiu com o império napoleónico,

aceitando a autonomia dos corpos intermédios, a eleição livre dos órgãos autárquicos, uma certa

diminuição dos poderes dos perfeitos e, bem recentemente, uma vasta reforma descentralizadora

que transferiu numerosas e importantes funções do Estado para as regiões.

 Relativamente ao controlo jurisdicional da Administração, mantêm-se, no essencial, as

diferenças de sistemas analisadas. É certo que em Inglaterra surgiram os administrative tribunals,

e que em França aumentaram significativamente a relações entre os particulares e o Estado


142

submetidas à fiscalização dos tribunais judiciais. Mas só na aparência este duplo movimento
Página

constitui aproximação dos dois sistemas entre si: porque os administrative tribunals não são nada

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
semelhantes aos tribunais franceses, e a administração inglesa continua basicamente sujeita ao

controlo dos tribunais comuns; por seu turno, o aumento da intervenção dos tribunais judiciais

nas relaçoes entre Administração e os particulares em França não significa que o controlo da

aplicação do direito administrativo tenha deixado de pertencer aí aos tribunais administrativos,

mas apenas que cresceu muito o número de casos em que a Administração atua hoje em dia sob a

égide do direito privado, e não há luz do direito público.

 No tocante ao direito regulador da Administração, deu-se efetivamente uma certa

aproximação entre os dois sistemas, na medida em que a transição do Estado Liberal para o

Estado social de Direito, nalguns períodos pontuada por experiencias claramente socializantes,

aumentou consideravelmente o intervencionismo económico em Inglaterra e fez avolumar a

função de prestação de serviços culturais, educativos, sanitários e assistenciais da Administração

britânica, dando lugar ao aparecimento de milhares de leis administrativas: pois isso são hoje

numerosos os tratados e manuais ingleses de administrative law. Por outro lado, a Administração

francesa teve de passar, em diversos domínios, a atuar sob a égide de direito privado: foi o que

sucedeu com as empresas públicas, obrigadas pela natureza da sua atividade económica a

funcionar nos moldes do direito comercial, e com os serviços públicos de caráter social e cultural,

em muitos casos estatutariamente vinculados a agir nos termos do direito civil.

 Quanto à execução das decisões administrativas, a aproximação dos sistemas britânico e

francês, não é tão pronunciada mas também se verifica. O século XX viu surgir na Grã Bretanha

uma nova entidade denominada de administrative tribunals, que não são autênticos tribunais

mas sim órgãos administrativos independentes, criados juntos da Administração central, para

decidir questões de direito administrativo que a lei manda resolver por critérios de legalidade

estrita (pensões sociais, águas, urbanismo...) e, portanto, fazendo proceder a decisao

administrativa de um due processo of law, no respeito ao princípio do contraditório e com recurso

para os tribunais comuns. Os ditos administrative tribunals não são, pois, tribunais

administrativos no sentido que essa expressão comporta nos sistemas de tipo francês: mas as

suas decisoes, tomadas após o que se pode qualificar um verdadeiro procedimento

administrativo, são decisões imediatamente obrigatórias para os particulares, e não carecem de

confirmação ou homologação judicial prévia para poderem ser impostas coativamente, se


143

necessário: deste modo, muitos órgãos da Administração britânica, embora não todos, dispõem
Página

de poderes análogos aos que em França são típicos do poder executivo (privilégio da execução

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
prévia). Do seu lado, o Direito Administrativo francês concede aos particulares a possibilidade de

obter dos tribunais administrativos a suspensão da eficácia das decisoes unilaterais da

Administração: o que, afinal de contas, significa que no Direito Francês muitas das decisões da

Administração só vêm a ser executadas se um tribunal administrativo, a pedido do particular

interessado, a tal se não opuser. Não é o mesmo que em Inglaterra, mas a distância entre a

Administração judiciária e a Administração executiva fica, assim, em muitos casos,

consideravelmente encurtada.

 Por último, no que diz respeito às garantias jurídicas dos particulares, são globalmente

superiores no sistema britânico, quando em relaçao com o sistema francês. Mas importa referir

que em Inglaterra os tribunais não podem por via da regra substituir-se à Administração no

exercício dos poderes discricionários que a lei lhe atribui, o que limita bastante o recurso às

figuras do mandamus e da prohibition. Entretanto, em França, os tribunais administrativos

ganham cada vez mais poderes declarativos face à administração, se não podem condenar as

autoridades administrativas a fazer ou não fazer alguma coisa, já podem, todavia, ir mais longe do

que a mera anulação do atos ilegais, sendo-lhes consentido, em casos variados, e, nomeadamente,

em matéria de execução das suas próprias sentenças, que declarem o comportamento deviso pela

Administração sob pena de ilicitude dos atos dos órgãos e agentes que desobedeçam. Mais

recentemente, ambos os países adotaram, em simultâneo, a mais moderna instituição de

proteção dos particulares frente à Administração Pública – o ombudsman ou o Provedor de

Justiça.

O professor Freitas do Amaral continua a defender que ainda existem muitos traços distintivos dos dois

sistemas.

O princípio fundamental que inspira cada um dos dois sistemas mencionados é diverso, muita das

soluções que vigoram num e noutro lado são diferentes, a técnica jurídica utilizada por um e por outro

não é a mesma.

Mas houve, de facto, uma significativa aproximação entre eles, nomeadamente, na organização

administrativa, no direito regulador da Administração, no regime de execução das decisões

administrativas, e no elenco de garantias jurídicas dos particulares.


144
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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Onde, apesar de tudo as diferenças se mantêm mais nítidas e constantes é nos tribunais a cuja

fiscalização é submetida a Administração Pública – na Inglaterra os tribunais comuns, em França os

tribunais administrativos. Ali unidade de jurisdição, aqui dualidade de jurisdições.

A grande diferença entre o sistema britânico e o sistema francês reside, pois, no tipo de controlo

jurisdicional da Administração, ou seja, a grande diferença entre os dois sistemas está na subordinação

dos litígios suscitados entre a Administração Pública e os particulares aos courts of law, representantes

exclusivos de um poder judicial unitário, ou aos tribunaux administratifs, órgãos de uma jurisdição

especial distinta da dos tribunais comuns

Aliás, o facto dos dois países terem pertencido, durante muito tempo, à EU não deixou de contribuir para

reforçar mais ainda a linha de aproximação que veio sendo seguida por ambos. O mesmo sucederá com

Portugal e com os demais membros da EU. O espaço jurídico europeu começa a nascer e terá óbvios

reflexos no Direito Administrativo dos países membros.

A reforma do contencioso Administrativo de 2002/04, também veio aproximar em Portugal, por

influência do modelo alemão, o nosso direito administrativo do tipo britânico, nomeadamente pelo

reforço dos poderes de controlo dos tribunais sobre a Administração Pública.

Por seu lado, o legislador do CPA de 2015 eliminou do Direito Administrativo português, a explicação que

se impunha, um dos principais traços caracterizadores do sistema de administração executiva, o

privilégio de execução prévia. Por força do disposto no nº1 do artigo 176, a execução coerciva por via da

administrativa, sem intervenção dos tribunais, deixará de valer como principio geral, ficando limitada

aos casos expressamente previstos na lei e às situações de urgente necessidade pública, devidamente

fundamentada.
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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Direito Administrativo como Ramo do Direito
DIREITO
Para haver Direito Administrativo, é necessário que se verifiquem
ADMINISTRATIVO
duas condições: em primeiro lugar, que a Administração Pública e a

atividade administrativa sejam reguladas por normas jurídicas

propriamente ditas, isto é, por normas de caráter obrigatório; em

segundo lugar, que essas normas jurídicas sejam distintas daquelas

que regulam as relaçoes privadas dos cidadãos entre si.

Estas duas condições só ocorrem no Estado moderno, e, mesmo

assim, nem em todos os países se verifica a segunda.

A administração aparece vinculada pelo Direito, sujeita a normas

jurídicas obrigatórias e públicas, que têm como destinatários tanto

os próprios órgãos e agentes da Administração como os particulares,

os cidadãos em geral. É o regime da legalidade democrática.

Tal regime resulta historicamente dos princípios da Revolução

Francesa, numa dupla perspectiva: por um lado, é o corolário do

princípio da separação dos poderes; por outro, é uma consequência

da conceção, na altura nova da lei como expressão da vontade geral

(Rousseau), donde decorre o caráter subordinado à lei e, portanto,

secundário e executivo, da Administração Pública.

O princípio da legalidade é um dos alicerces mais sólidos do Direito

Administrativo e encontra consagração expressa no artigo 266ºCRP.

Este princípio acarreta várias consequências:

 Do princípio da submissão da Administração ao Direito

decorre que toda a atividade administrativa, e não apenas

parte dela, deve subordinar-se à lei – está submetida ao

império da lei.
146

 Em segundo lugar, resulta do mesmo princípio que a


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atividade administrativa, em si mesma considerada, assume

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
caráter jurídico. Porque, estando a atividade administrativa subordinada à lei, isso significa que

tal atividade é, sob a égide da lei, geradora de direitos e deveres quer para a própria

Administração, quer para os particulares, o que quer dizer que tem um caráter jurídico.

 Em terceiro lugar, resulta ainda do mencionado princípio que a ordem jurídica atribui aos

cidadãos garantias que lhes assegurem o cumprimento da lei pela Administração Pública. Daí a

atuação da Administração esteja sujeita ao controlo dos tribunais.

A administração está sujeita ao direito mas, consoante o sistema, de forma diferente: por um lado isto

concretiza-se numa subordinação da Administração ao direito privado e aos tribunais judiciais (sistema

de administração britânico); por outro lado, a subordinação da Administração ao direito administrativo e

aos tribunais administrativos (sistema administrativo de tipo francês).

A existência do direito administrativo fundamenta-se na necessidade de permitir à Administração que

prossiga o interesse público, o qual deve ter primazia sobre os interesses privados (exceto no que toca a

direitos fundamentais). Tal primazia exige que a administração disponha de poderes de autoridade para

impor aos particulares as solões de interesse público que forem indispensáveis. A salvaguarda do

interesse público implica também o respeito por variadas restrições e o cumprimento de grande número

de deveres a cargo da Administração. Não são adequadas as soluções de direito civil e de direito

comercial.

Por exemplo, um particular que precisa de um terreno para construir uma casa tem de o comprar esse o

proprietário do terreno não o quiser vender ele não tem meios para o exigir. Por seu turno, a

Administração Pública não pode ficar à mercê da boa vontade dos proprietários de terrenos para

construir estradas, ruas, barragens: deve tentar obter terrenos para os seus fins através do meio

privado de compra e venda, porém, caso não consiga por esse meio, pode expropriar, isto é, de se

assenhorear dos terrenos por um ato de autoridade.

A atividade típica da Administração Pública é diferente da atividade privada. Daí que as normas jurídicas

aplicáveis devam ser normas de direito público, e não normas de direito privado. A razão de ser dos

tribunais administrativos não reside hoje em dia no privilégio de um foro privativo da administração,

mas na vantagem de uma especialização dos órgãos jurisdicionais.


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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Noção de Direito Administrativo

O professor Marcelo Caetano definia o Direito Administrativo coo o “sistema de normas jurídicas que

regulam a organização e o processo próprio de agir da Administração Pública e disciplinam as relações

pelas quais ela prossiga interesses coletivos podendo usar de iniciativa e do privilégio de execução prévia”.

Na opinião do professor Freitas Amaral, o Direito Administrativo deve ser definido como o ramo do

direito público cujas normas e princípios regulam a organização e funcionamento da Administração

Pública em sentido amplo, a sua normal atividade de gestão pública e, ainda, nos termos e limites da sua

atividade de gestão privada.

Da definição resultam claramente os seguintes aspetos:

 Que o direito administrativo é um ramo de direito público (independentemente do critério

distintivo de direito público do direito privado que se adote):

 As normas de direito administrativo destinam-se a prosseguir o interesse coletivo (tendo

como base poderes de autoridade);

 Os sujeitos de direito que compõem a Administração são, todos eles, sujeitos de direito

público, pessoas coletivas públicas;

 A regulação da Administração é aquela em que ela surge investida de poderes de

autoridade.

 Que o direito administrativo é constituído por um sistema de normas jurídicas de três tipos

diferentes, conforme regulem a Administração, o seu funcionamento e a sua atividade em face de

outros sujeitos de Direito. O Direito administrativo é um conjunto organizado estruturado,

obedecendo a princípios comuns e dotado de um espirito próprio, é um verdadeiro sistema.

Como referido, é constituído por normas de 3 tipos:

 Normas Orgânicas – normas que regulam a organização da Administração Pública. As

normas orgânicas têm relevância jurídica externa, não interessando apenas à

estruturação interior da Administração, mas também, e muito particularmente, aos

cidadãos.

 Normas Funcionais – são os que regulam o modo de agir especifico da Administração


148

Pública, estabelecendo processos funcionamento, métodos de trabalho, tramitação a

seguir, formalidades a cumprir,... Cada vez há maior número de normas deste tipo que são
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normas jurídicas, que têm eficácia externa, e que obrigam a Administração perante os

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
particulares, de tal forma que estes podem, se tais normas forem violadas, invocá-las a

seu favor.

Deste modo, já não é possível, como durante muito tempo foi, que os administrados

defendam que os particulares são os sujeitos passivos do Direito Administrativo, e que a

Administração Pública é o sujeito ativo. Não se considera adequado, na época atual,

designar os particulares por administrados, o que evoca uma situação de receção passiva

da atuação da Administração, é preferível falar em particulares.

 Normas Relacionais – normas que regulam as relações da Administração com outros

sujeitos de direito no exercício da atividade administrativa.

Sabendo que a Administração atua muitas vezes sob a égide do direito público e outras

sob a égide do direito privado, só são normas de Direito Administrativo as que regulam a

atividade administrativa de direito público. Há, na verdade, 3 tipos de relações jurídicas

reguladas pelo Direito Administrativo:

a) Relações entre a Administração e os particulares;

b) Relações entre duas ou mais pessoas coletivas públicas (Estado e autarquia local,

autarquia local e autarquia local,...)

c) Certas relações entre dois ou mais particulares;

Não são só normas de Direito Administrativo apenas aquelas que conferem poderes de

autoridade à Administração; são normas típicas de direito administrativo:

a) Normas que conferem poderes de autoridade à Administração Pública;

b) Normas que submetem a Administração a deveres, sujeições ou limitações

especiais, impostas por motivos de interesse público;

c) Normas que atribuem direitos subjetivo ou reconhecem interesses legítimos face

à Administração.

 Que o direito administrativo não regula diretamente toda a atividade da Administração, mas

apenas uma parte dela: as normas de direito administrativo regulam materialmente a atividade

administrativa de gestão pública.

A Administração atua umas vezes segundo o direito público, desenvolvendo aí uma atividade
149

administrativa pública e outras vezes atua segundo o direito privado, exercendo então uma

atividade administrativa provada (comprar, vender, doar, emprestar). A gestão pública é


Página

justamente uma expressão que se utiliza no nosso direito para designar a atividade pública da

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Administração e utiliza-se a expressão gestão privada para designar a atividade que a

Administração desempenha, ainda e sempre para fins de interesse público, mas utilizando meios

de direito privado. Nos atos de gestão privada a pessoa coletiva encontra-se despida do poder

público e atua numa posição de paridade com os particulares a que os atos respeitam. Na gestão

pública, por seu turno, os atos administrativos independentemente de envolverem ou não coação

e independentemente ainda das regras, técnicas ou de natureza, compreendem-se no exercício de

um poder ou dever público

 Que o direito administrativo tem, em todo o caso, a prerrogativa de definir previamente os

termos e os limites em que a atividade administrativa de gestão privada se pode desenvolver.

Natureza do Direito Administrativo

Quanto à natureza Direito Administração as principais teses são:

 O Direito Administrativo como Direito Excecional, isto é, um conjunto de exceções ao Direito

Privado. O direito civil era a regra que se aplicaria sempre que não houvesse uma norma

excecional de Direito Administrativo aplicável. Havendo um caso omisso na legislação

administrativa, a integração da lacuna far-se-ia com recurso às regras e princípios de direito

privado. Esta lógica está ultrapassada, o Direito Administrativo é um sistema de normas, coerente

e estruturado, com uma lógica interna, e sujeito a princípios próprios.

 Dirieito Administrativo como Direito Comum da Administração Pública – O direito

administrativo é um direito estatutário, porque estabelece a regulamentação jurídica de uma

categoria singulares de sujeitos – as Administrações Públicas. O Direito Administrativo será, pois,

o direito próprio e especifico dessas entidades, enquanto sujeitos de direito.

 Direito Administrativo como Direito Comum da Função Administrativa – o direito

administrativo não é um direito estatutário: ele não se define em função do sujeito

(Administração Pública, mas sim em função do objeto (função administrativa, ou atividade

administrativa de gestão pública). O direito administrativo não é, pois, o direito comum da

Administração Pública, mas antes o direito comum da função administrativa.


150
Página

Função do Direito Administrativo

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
A função do direito administrativo não é, por consequência, apenas autoritária ou apenas garantistica. O

direito administrativo desempenha uma função mista, ou uma dupla função: legitimar a intervenção da

autoridade pública e proteger a esfera jurídica dos particulares; permitir a realização do interesse

coletivo e impedir o esmagamento dos interesses individuais, numa palavra, organizar a autoridade do

poder e defender a liberdade dos cidadãos.

Caracterização do Direito Administrativo

Aquilo que caracteriza genericamente o Direito Administrativo é a procura permanente de harmonização

das exigências da ação administrativa, na prossecução dos interesses gerais, com as exigências de

garantia dos particulares, na defesa dos seus interesses e direitos legítimos.

Esta é a verdadeira essência do Direito Administrativo, a permanente harmonização, em doses variáveis

mas equilibradas, entre as exigências da Administração e as exigências dos particulares (entre a eficácia

do Poder e as exigências dos particulares) que sem dúvida constitui a tarefa fundamental do legislador ao

fazer as opções que se vão traduzir em normas de Direito Administrativo.

Traços Específicos do Direito Administrativo

 Juventude

O Direito administrativo é um direito bastante jovem que nasceu depois da revolução francesa. Cumpre

comparar com o Direito Civil, que nasce na Roma antiga, e tem hoje atrás de si uma tradição milenária.

Nesta comparação, o Direito Administrativo faz figura de muito jovem.

 Influência Jurisprudencial

Em França o Direito Administrativo nasceu por via jurisprudencial: surgiram primeiro os Tribunais

Administrativos, para subtrair à Administração a possibilidade de intromissão no poder Judicial, e foram

depois os tribunais administrativos, ao tomar contacto com os casos surgidos da ação administrativa, que

começaram a ensaiar soluções novas, regras especificas, princípios e conceitos diferentes daqueles que

se aplicavam nos tribunais judiciais à luz do Direito civil. A própria natureza das matérias, as exigências

do interesse público, a necessidade de proteger os particulares contra o arbítrio das autoridades,


151

levavam a que fossem surgindo regras novas.

Muitos dos conceitos e princípios de Direito Administrativo ainda hoje refletem a sua origem
Página

jurisprudencial.

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Em Portugal, o direito administrativo não nasce por via jurisprudencial, nasce por imposição da França,

por via legislativa. Mas a verdade é que também em Portugal a jurisprudência tem grande influência no

Direito Administrativo, a qual se exerce por duas vias fundamentais:

a) Em primeiro lugar, nenhuma regras legislativa vale apenas por si própria. As normas jurídicas, as

leis, têm o sentido que os tribunais lhe atribuírem, através da interpretação que deles fizerem, só

quando ela for aplicada por um tribunal é que nós saberemos qual é o sentido efetivo com que ela

vai valer na ordem jurídica portuguesa.

b) Em segundo lugar, acontece frequentemente que há casos omissos, e quem vai preencher as

lacunas são os tribunais administrativos, aplicando a esses casos normas que os não abrangiam,

ou criando para eles normas até aí inexistentes: portanto, inovando.

 Autonomia

O Direito Administrativo é um ramo autónomo de Direito, diferente dos demais pelo seu objeto e pelo

seu método, pelo espirito que domina as suas normas, pelos princípios gerais que as enformam.

O Direito Administrativo nasceu da necessidade sentida pelos Tribunais administrativos de encontrar

soluções diferentes das do direito privado para os problemas surgidos da atividade administrativa,

sobretudo nas relaçoes entre a Administração e os particulares.

O Direito Administrativo não é um simples conjunto de exceções ao direito privado. O Direito

administrativo é um ramo do direito diferente do direito privado – mas completo, que forma um todo,

que constitui um sistema, um verdadeiro corpo de normas e de princípios subordinados a conceitos

privativos desta disciplina e deste ramo de direito.

Uma vez que o Direito Administrativo se compunha de exceções ao direito privado, não havendo exceção

cair-se-ia na regra geral: e a regra geral seria o direito privado.

Por outro lado, sendo o Direito Administrativo um ramo do direito autónomo, constituído por normas e

princípios, e não apenas por exceções ao direito privado, havendo lacunas a preencher, essas lacunas não

podem ser integradas através de soluções que se vão buscar ao direito privado.
152

Havendo lacunas, há um caminho a seguir:


Página

1. Analogia dentro do Direito Administrativo;

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
2. Princípios Gerais do Direito Administrativo;

3. Analogia nos outros ramos do direito público;

4. Princípios gerais do direito público;

5. Princípios Gerais de Direito;

6. Se o caso omisso não puder resolver-se nem pelo recurso à analogia, nem pelos princípios gerais

de direito, caberá como última solução aplicar o disposto no n3 do artigo 10º CC: a norma que o

intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do espirito do sistema. Deve ter-se em conta que

este espirito do sistema, no caso do Direito Administrativo, deve ser apurado em função,

primeiro, da constituição e dos princípios que a enformam e, em segundo lugar, de harmonia com

os traços específicos do sistema administrativo de tipo francês, ou de administração executiva,

em que Portugal de integra.

Não se pode, sem mais, ir buscar a solução ao direito privado. Todavia, algumas das soluções encontradas

são iguais ou semelhantes às que se encontram no direito privado. Isto porque, por vezes, alguns

diplomas de direito privado contêm princípios gerais de direito, que são comuns quer ao direito privado,

quer ao direito público.

 Codificação Parcial

Um código é um diploma que reúne, de forma sistemática, cientifica e sintética, as normas de um ramo de

Direito ou, pelo menos, de um setor importante de um ramo de Direito.

Em Portugal, semelhantemente ao que acontece na larga maioria dos países, não existe uma codificação

global de Direito Administrativo ou, sequer, da sua parte geral, sendo curioso em todo o caso que exista

um diploma a que se chama oficialmente de Código Administrativo. Contudo, o Código Administrativo só

codificava uma parcela, embora importante, do Direito Administrativo português, aquela que se referia à

Administração Local Comum. Nem sequer toda a Administração estava regulada no Código

Administrativo, mas apenas a Administração local comum, constituída por 3 categorias: autarquias

locais; magistrados administrativos e pessoas coletivas de utilidade pública administrativa local. Aliás,

todo ou quase todo o Código Administrativo se encontra hoje revogado.

Após o 25 de Abril vários Governos manifestaram intenção de preparar o novo Código Administrativo,
153

que incorporasse as transformações verificadas no sentido da democratização do poder local, e que


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estabelecesse uma descentralização maior.

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Há, ainda, a referir duas notas:

 A primeira para referir o movimento que nas últimas décadas se tem verificado no sentido de

promover a codificação de um núcleo muito relevante de normas administrativas de tipo

processual: as normas reguladas pelo procedimento administrativo. Em Portugal, há muito

que a publicação de um código do procedimento administrativo estava a ser preparada. A

própria constituição no atual artigo 267º/5 manda elaborar uma lei especial que regule o

processamento da atividade administrativa.

Em 2015 entrou em vigor um novo Código do Procedimento Administrativo, aproado pelo

Decreto-lei nº 4/2015, de 7 de Janeiro. O novo diploma representa, em substância, uma revisão

extensa de algumas partes do anterior Código, não cortando com as orientações fundamentais

deste (salvo o respeitante ao privilégio de execução prévia).

 A segunda nota é referente ao problema da conveniência ou inconveniência da codificação

administrativa global. As opiniões dividem-se: enquanto uns defendem calorosamente a tese

de conveniência, considerando possível e urgente codificar todo o direito administrativo, ou

pelo menos a sua parte geral, outros entendem que tal tarefa seria temerária em Portugal

nesta fase em que não temos ainda uma elaboração doutrinal suficientemente lograda, com

base na qual tal codificação se possa fazer; apenas seria de tentar, para já, o método das

codificações parciais ou setoriais (ensino, saúde, assistência, impostos,...)

Ramos do Direito Administrativo

O Direito Administrativo não é uniforme: comporta dentro e si divisões. A principal divisão é entre

Direito Administrativo Geral e Direito Administrativo Especial.

 No Direito Administrativo Geral incluem-se as normas fundamentais deste ramo de direito, os

seus conceitos basilares, os seus princípios gerais, as regras genéricas aplicáveis a todas as

situações, quaisquer que sejam as suas características particulares ou especificas.

Designadamente estudam-se as normas reguladoras da organização administrativa , da atividade

em geral e das garantias dos particulares face à Administração Pública.

 Quanto às normas de Direito Administrativo Especial, são as que versam sobre os setores
154

específicos da Administração pública. Os ramos fundamentais do Direito administrativo especial

são:
Página

 Direito Administrativo Militar

Direito Administrativo I
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Ocupa-se da organização das forças armadas, do regime jurídico da defesa nacional, dos deveres e

encargos impostos por razoes de defesa nacional aos cidadãos e, em geral, das regras próprias do

funcionamento das instituições militares.

 Direito Administrativo Cultural

Abrange a regulamentação jurídica do sistema escolar, da defesa do património artístico, entre outros.

 Direito Administrativo Social

Abrange o regime jurídico dos serviços públicos de caráter social, nomeadamente hospitais e outros

estabelecimentos de saúde pública, serviços de assistência social, entre outros.

 Direito Administrativo Económico

Hoje, é cada vez mais, um ramo que se tende a separar do próprio Direito Administrativo.

 Direito Financeiro

A questão da inclusão do Direito Administrativo económico e do Direito Administrativo Especial como

ramos de Direito Administrativo Especial é controversa na doutrina. O professor Freitas do Amaral

entende que são ramos de Direito Administrativo especial porque contêm normas de direito público que

regulam de modo especifico a organização, o funcionamento e o controlo jurídico de setores importantes

da Administração Pública estadual, como são a administração financeira e a administração fiscal.

Fronteiras do Direito Administrativo

 Direito Administrativo e Direito Privado

São distintos pelo objeto, uma vez que enquanto o direito privado se ocupa das relaçoes estabelecidas

pelos particulares entre si na vida privada, o Direito Administrativo ocupa-se da Administração Pública e

das relaçoes do direito público que se travam entre ela e os sujeitos de direito, nomeadamente os

particulares.

São distintos pela sua origem e pela sua idade, pois o Direito privado nasceu em Roma antiga, enquanto o

direito administrativo nasceu depois da revolução francesa. São distintos ainda sobretudo pelas soluções
155

materiais que consagram para os problemas que se ocupam, porque o direito provado adota soluções de
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igualdade entre as partes, por assentar no princípio de igualdade entre as partes, por assentar no

Direito Administrativo I
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princípio da liberdade e da autonomia da vontade, ao passo que o Direito Administrativo adota soluções

de autoridade, por assentar no princípio da prevalência do interesse coletivo sobre os interesses

particulares.

No plano da técnica jurídica, o direito administrativo começou por ir buscar determinadas noções ao

Direito Administrativo, precisamente porque há princípios gerais de direito incluídos em diplomas de

direito privado. Modernamente verifica-se um movimento no sentido contrário, porque o Direito

Administrativo teve, entretanto, oportunidade de aprofundar certas noções, em que hoje é mais rico do

ponto de vista da técnica jurídica do que o direito privado, e de que este, por isso, beneficia. Por exemplo,

o tratamento dado ao ato jurídico unilateral, está hoje provavelmente mais avançado do que o estudo dos

atos jurídicos unilaterais.

No plano dos princípios, o Direito Administrativo é um corpo homogéneo de doutrina, de normas, de

conceitos e de princípios, que tem a sua autonomia própria e constitui um sistema, em igualdade de

condições com o Direito Civil.

Mas, apesar da autonomia, há influencias reciprocas.

i. Assiste-se atualmente a um movimento de publicização da vida privada: devido à evolução dos

tempos, à influência das ideologias socialistas ou socializantes e no predomínio de critérios de

justiça social nas sociedades modernas, muitas matérias que tradicionalmente eram de direito

privado assumiram uma coloração e um significado públicos.

ii. Por outro lado, assiste-se a uma privatização da administração pública, na medida em que o

Estado moderno busca incessantemente maior eficácia, mais produtividade, melhor rendimento,

o legislador permite ou impõe por vezes que a Administração adote formas de atuação próprias

do direito privado.

 Direito Administrativo e Direito Constitucional

O Direito constitucional está na base e é o fundamento de todo o direito público de um país. O direito

administrativo é, em muitos aspetos, o complemento, o desenvolvimento, a execução do Direito

Constitucional: em grande medida as normas de direito administrativo são corolário de Direito

Constitucional. A Constituiçao inclui muitas normas que formalmente são Direito Constitucional mas que
156

materialmente são direito administrativo, é o caso das normas constitucionais sobre a Administração
Página

Pública em geral, sobre as forças armadas, entre outras.

Direito Administrativo I
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Todas essas normas são formalmente constitucionais, porque se encontram incluídas no texto

constitucional, mas são materialmente administrativas, porque dizem respeito à organização e à

atividade da Administração Pública ou às relações destas com outros sujeitos de direito.

 Direito Administrativo e Direito Judiciário

O Direito Judiciário é constituído pelas normas que regulam a organização e o funcionamento dos

tribunais e disciplinam o desempenho, por estes, da função jurisdicional.

O direito judicial que regula a orgânica e o funcionamento dos tribunais, tem grande semelhança com o

Direito Administrativo: trata-se de regular serviços públicos que visam satisfazer uma necessidade

coletiva (justiça) e que só em homenagem ao principio da separação de poderes é que não pertencem,

hoje em dia, à Administração Pública.

Quanto ao direito processual, há direito processual Judicial, que diz respeito ao exercício da função

jurisdicional pelos tribunais comuns e há Direito Processual administrativo, que diz respeito ao exercício

da função jurisdicional, há entre eles muitas afinidades. Tantas são as semelhanças que existe uma norma

jurídica que manda aplicar, a titulo supletivo, nos tribunais administrativos, o Direito Processual Civil.

 Direito Administrativo e Direito Penal

O direito penal é o ramo de direito público constituído pelo sistema das normas que qualificam certos

facto como crimes e regulam a aplicação aos seus autores de penas criminais. O direito penal visa

proteger a sociedade contra as formas mais nocivas de comportamento anti-social, que são os crimes. E

estabelece para os autores desses factos as sanções mais pesadas da ordem jurídica – as penas criminais.

O direito penal visa proteger a sociedade contra os factos ilícitos mais graves que nela podem ter lugar, e

protege-a estabelecendo para esses factos as sanções mais graves que a ordem jurídica pode aplicar.

O direito administrativo tem outros objetivos: visa a satisfação das necessidades coletivas de segurança,

cultura e bem estar.

Enquanto o Direito Penal é um direito repressivo, isto é, fundamentalmente em vista estabelecer as

sanções penais que hão-de ser aplicadas aos autores dos crimes, o Direito Administrativo é, em matéria
157

de segurança, essencialmente preventivo. As normas de direito administrativo não visam cominar

sanções para quem ofender os valores essenciais de uma sociedade, mas sim estabelecer uma rede de
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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
precauções , de tal forma que seja possível evitar a prática de crimes ou a ofensa aos valores essenciais a

preservar.

Por exemplo, o Direito Administrativo, através do Código da Estrada, impõe um certo número de regras de

prudência quanto à condução de automóveis. O direito administrativo atua, numa primeira fase,

determinando um conjunto de precauções que os condutores devem observar para se não correr o perigo de

ferir ou matar quaisquer pessoas. Se o condutor violou essas regras, ofendendo o Código da Estrada,

cometeu uma contra-ordenação: esta é a forma típica do ilícito administrativo. Mas se dessa contra-

ordenação resultou a morte de alguém e se o condutor teve culpa na criação das condições que levaram à

morte dessa pessoa, há também um crime de homicídio, ainda que involuntário. Pelo crime, o Direito Penal

manda aplicar uma sanção penal, a prisão; pela transgressão às leis administrativas, que obrigam a não

praticar determinadas manobras perigosas e a conduzir com respeito por certas regras, o Direito

Administrativo manda aplicar uma sanção administrativa, que poderá ser, por exemplo, uma coima, ou a

privação da licença e condução.

 Direito Administrativo e Direito Internacional

No Direito Internacional incluem-se certas normas jurídicas que dizem respeito às Administrações

Públicas dos Estados que regulam os aspetos mais importantes da vida administrativa interna. Estas

normas são internacionais pela sua natureza mas administrativas pelo seu objeto e aplicam-se na ordem

jurídica por virtude de obrigações internacionais do Estado em matéria de administração pública

158
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Direito Administrativo I
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Organizaçao Administrativa Portuguesa

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Direito Administrativo I
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Administração Central do Estado ADMINISTRAÇÃO
CENTRAL DO
O Estado
ESTADO
A palavra Estado tem várias aceções:
O ESTADO
1. Aceção Internacional – trata-se do Estado soberano,

titular de direitos e obrigações na esfera internacional;

2. Aceção Constitucional – surge-nos o Estado como

comunidade de cidadãos que, nos termos do poder

constituinte, assume uma determinada forma política para

prosseguir os seus fins nacionais;

3. Aceção Administrativa – O Estado é uma pessoa coletiva

pública que, no seio da comunidade nacional, desempenha,

sob a direção do Governo, a atividade administrativa.

No primeiro caso, o Estado é uma entidade internacional; no

segundo uma figura constitucional; no terceiro, uma organização

administrativa.

Enquanto membro da sociedade internacional, não importa à

qualificação do Estado a sua Constituição, o seu regime político ou o

seu sistema económico-social: segundo o principio da identidade e

permanência do Estado, mesmo em caso de revolução que

modifique radicalmente as instituições, o Estado mantém-se

inalterável no plano internacional, continuando titular dos direitos

e vinculado às obrigações provenientes do regime anterior.

Para a sua concretização no plano constitucional tem de levar-se

em conta a sua forma política interna: se internacionalmente o

Estado Português é o mesmo antes de 1820, de 1910, de 1926 e de

1974, é manifesto que sob o ponto de vista político o Estado não é o


160

mesmo na monarquia absoluta, na monarquia constitucional, na

ditadura corporativa, ou na república democrática.


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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
O que mais releva, no plano administrativo, é a orientação superior do conjunto do conjunto da

administração pública pelo Governo (199/d CRP), é a distribuição das competências pelos diferentes

órgãos centrais e locais, e é a separação entre o Estado e as demais pessoas coletivas públicas – regiões

autónomas, autarquias locais, institutos públicos, empresas públicas, associações públicas.

Coo entidade internacional, o Estado é soberano. Como entidade constitucional, o Estado pode não ser

independente, mas goza sempre do poder constituinte (o que lhe permite alterar a sua forma política) e

exerce a função legislativa. Diferentemente, enquanto entidade administrativa, o Estado não é

soberano nem tem poderes constituintes: exerce apenas um poder constituído, juridicamente

subordinado à Constituição e às leis, e só secundariamente pode participar, em certos termos, da

função legislativa (198CRP).

O Estado como Pessoa Coletiva

Nos quadros do Direito Administrativo, a figura do Estado-administração, que é uma entidade jurídica de

per si, ou seja, é uma pessoa coletiva pública entre muitas outras.

O Estado-administração é uma pessoa coletiva pública autónoma, não confundível com os

governantes que o dirigem, nem com os funcionários que o servem, nem com as outras entidades

autónomas que integram a Administração, nem com os cidadãos que com eles entram em relação.

 Não se confundem Estado e Governantes, o Estado é uma organização permanente; os

governantes são os indivíduos que transitoriamente desempenham funções dirigentes dessa

organização;

 Não se confundem Estado e Funcionários, o Estado é uma pessoa coletiva, com património

próprio, os funcionários são indivíduos que atuam ao serviço do Estado, mas que mantêm a sua

individualidade humana e jurídica. Se um funcionário age como sujeito privado, é o seu

património pessoal que responde pelas dívidas contraídas ou pelos danos causados a outrem; se

o mesmo individuo age como funcionário (no exercício das suas funções e por causa desse

exercício) então é o património do Estado que em principio será responsável pelas dívidas

assumidas ou pelos danos provocados.

 Não se confundem Estado e Outras Entidades Administrativas, não se confunde Estado com
161

RA, nem com AL, nem com as Associações Públicas , nem sequer com os institutos públicos e
Página

empresas públicas: todos constituem entidades distintas, cada qual com a sua personalidade

Direito Administrativo I
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jurídica, com o seu património próprio, com os seus direito e obrigações, com as suas atribuições

e competências, com finanças, com o seu pessoal, entre outros. Enquanto no plano internacional o

“Estado-Soberano” engloba e representa, não apenas o conjunto dos seus cidadãos, mas, também,

as diferentes pessoas coletivas públicas e privadas constituídas no seu território, já no plano

administrativo interno o Estado as não abrange ou representa. P.e, o Governo português pode falar

no Conselho Europeu em nome das autarquias locais de Portugal; mas, na ordem interna, o Governo

não pode substituir-se a nenhum dos municípios existentes, os quais são independentes (art.44 LAL)

e fazem parte do chamado “Poder Local” (art.235CRP). Sendo pessoas coletivas diferentes, entre o

Estado e as outras entidades administrativas autónomas estabelecem-se verdadeiras relações

administrativas.

 Não se confunde Estado com Cidadãos, a personificação jurídica do Estado-Administração

permite construir como autênticas relações jurídicas as relações travadas entre Estado e os

cidadãos. Nestas relações, nem sempre o Estado figura como autoridade e os cidadãos como

administrados: muitas vezes é o cidadão que atua como sujeito ativo, no exercício de direitos, e é

o Estado que surge como sujeito passivo, no cumprimento de deveres.

Nem sempre o Estado foi considerado como uma pessoa coletiva (p.e., em Inglaterra, o que chamamos de

relações com o Estado são construídas como relações com a Coroa, nuns casos, e relações com o Governo,

noutros casos).

Seja como for a técnica jurídica adotada (semelhantemente ao que ocorre na generalidade dos países

da família romano-germância) atribui personalidade jurídica ao Estado. Consequentemente,

considera o PR, a AR, o Governo e os Tribunais como órgãos do Estado.

A qualificação do Estado como pessoa coletiva decorre da própria Constituição. As principais

consequências da qualificação do Estado como pessoa coletiva são:

a) Distinção entre Estado e outro sujeitos de Direito;

b) Enumeração, constitucional e legal, das atribuições do Estado;

c) Estabelecimento, por via constitucional, dos órgãos do Estado;

d) Definição das atribuições e competências a cargo de diversos órgãos do Estado;


162

e) Possibilidade de distinção entre órgãos e representantes, permanentes ou ocasionais do Estado;

f) Existência de funcionários do Estado, categoria diferente dos funcionários das autarquias locais,
Página

ou das RA, bem como diferente da dos trabalhadores das empresas públicas ou privadas;

Direito Administrativo I
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g) Previsão da prática de atos jurídicos do Estado, nomeadamente, atos unilaterais e contratos;

h) Delimitação do património do Estado, correspondente aos bens e direitos patrimoniais da pessoa

coletiva Estado, e portanto distinto quer dos patrimónios de cada uma das restantes pessoas

coletivas púbicas, quer dos patrimónios de cada uma das restantes pessoas coletivas públicas,

quer dos patrimónios individuais dos órgãos, agentes e representantes do Estado, quer ainda dos

patrimónios particulares dos cidadãos e das pessoas coletivas privadas em geral;

i) As restantes pessoas coletivas são, para efeitos de responsabilidade civil, terceiros face ao Estado.

Espécies de Administração do Estado

A Administração do Estado é multiforme e comporta, por isso, várias espécies.

Primeiro distingue-se administração central do Estado e administração local do Estado.

Nem todos os órgãos e serviços do Estado exercem competência extensiva a todo o território nacional;

nem todos são, pois, órgãos e serviços centrais. Há, também, órgãos e serviços locais, instalados em

diversos pontos do território nacional e com competência limitada a certas áreas. Num caso, fala-se de

administração central do Estado; no outro de administração local do Estado.

Mas, atenção, é imperioso não deixar de se dizer “administração local do Estado”, porque há outras

formas de administração local que não pertencem ao Estado – como é o caso da administração regional e

da administração autárquica.

Por exemplo, os diretores das finanças são órgãos locais do Estado; os presidentes das Câmaras são órgãos

locais; mas dos municípios, representam as populações da respetiva área.

O mesmo se diga dos serviços: o Estado tem imensos serviços locais (repartições de finanças, direções

gerais de educação, circunscrições florestais. Mas estes serviços do Estado nada têm a ver com os

serviços locais das autarquias locais: serviço de limpeza, obras, água, gás, eletricidade. Os primeiros

integram-se na pessoa coletiva Estado, e dependem em último termo do Governo; os segundo pertencem

ao Município da respetiva área, e dependem apenas das câmaras Municipais correspondentes.

Também aqui, por conseguinte, se reflete a distinção entre o Estado e as demais pessoas coletivas
163

públicas que compõem a Administração.

Outra distinção relevante é entre administração direta do Estado e administração indireta do


Página

Estado.

Direito Administrativo I
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Trata-se de uma classificação que vem referida no artigo 199/d CRP, embora não explicite em quê que

consiste a distinção: a administração direta do Estado é a atividade exercida por serviços integrados

na pessoa coletiva Estado, ao passo que a administração indireta Estado é uma atividade que,

embora desenvolvida para a realização dos fins do Estado, é exercida por pessoas coletivas públicas

distintas do Estado.

Administração Direta do Estado

Os principais caracteres do Estado e da sua administração direta são:

a) Unidade: o Estado é a única espécie deste género. Enquanto que ao conceito de autarquia local

correspondem alguns milhares de entes autárquicos, ao conceito de Estado pertence apenas um

ente – o próprio Estado;

b) Carácter Originário: todas as outras pessoas coletivas públicas são sempre criada ou

reconhecidas por lei ou nos termos da lei. O Estado não: a pessoa coletiva Estado não é criada

pelo poder constituído. Tem natureza originária, não derivada. Por isso mesmo vários dos seus

órgãos, são órgãos de soberania;

c) Territorialidade: o Estado é uma pessoa coletiva de cuja natureza faz parte um certo território, o

território nacional. O Estado é a primeira, e a mais importante, das chamadas pessoas coletivas

de população e território. Todas as parcelas territoriais, mesmo que afetas a outras entidades

estão sujeitas ao poder do Estado. Todos os indivíduos residentes no território nacional, mesmo

que estrangeiros ou apátridas, estão submetidos aos poderes do Estado-administração;

d) Multiplicidade de Atribuições: O Estado é uma pessoa coletiva de fins públicos, podendo e

devendo prosseguir diversas e variadas atribuições. Nisto se distingue de algumas outras pessoas

coletivas públicas, que só podem prosseguir fins singulares.

e) Pluralismo de Órgãos e Serviços: são numerosos os órgãos do Estado bem como os serviços

públicos que auxiliam esses órgãos. O Governo, os membros do Governo individualmente

considerados, as diretorias-gerais, os governos civis, são órgãos do Estado. Os ministérios, as

secretarias de Estado, as repartições de finanças são serviços do Estado;

f) Organização em Ministérios: os órgãos e serviços do Estado-administração, a nível central,


164

estão estruturados em departamentos, organizados por assuntos ou matérias, os quais se

denominam ministérios. O mesmo não sucede nas autarquias locais ou nos institutos públicos,
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onde a estruturação é mais solta e desligada;

Direito Administrativo I
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g) Personalidade Jurídica Una: apesar da multiplicidade das atribuições, do pluralismo dos órgãos

e serviços, e da divisão em ministérios, o Estado mantem sempre a personalidade jurídica una.

Todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de direito, não são sujeitos de direito distintos.

Cada órgão do Estado, vincula o Estado no seu todo, e não apenas o seu ministério ou o seu

serviço. O seu património é só um.

h) Instrumentalidade: a administração do Estado é subordinada, não é independente nem

autónoma. Constitui um instrumento para o desempenho dos fins do Estado. É por isso que a

Constituição submete a administração direta do Estado, civil e militar, ao poder de direção do

Governo (199/d). Já a Administração indireta fica sujeita apenas à superintendência e tutela do

Governo, e a administração autónoma é controlada por um simples poder de tutela.

i) Estrutura Hierárquica: a administração direta do Estado acha-se estruturada em termos

hierárquicos, isto é, de acordo com um modelo de organização administrativa constituído por um

conjunto de órgãos e agentes ligados por um vinculo jurídico que confere ao superior o poder de

direção e ao subalterno o dever de obediência.

j) Supremacia: o Estado-administração, dado o seu carácter único, originário e instrumental aos

fins do Estado, exerce poderes de supremacia não apenas em relação aos sujeitos de direito

privado, mas também sobre as outras entidades públicas.

Atribuições do Estado

As atribuições do Estado são muito numerosas e complexas. Quando se fala em atribuições estamo-nos a

referir aos fins e objetivos que o Estado se propõe atingir.

Relativamente às outras pessoas coletivas públicas as atribuições resultam expressamente da lei, de

diploma legal, são determinadas em texto legal que as enunciam, o mesmo não acontece com o Estado,

visto que não há um diploma legal, não há uma lista, um catálogo que enuncie as suas atribuições. O que

há são centenas, senão milhares de diplomas legais que a propósito de uma ou outra matéria vêm

conferir determinadas atribuições ao Estado. Ou seja, enquanto as atribuições do Estado se encontram

distribuídas por forma dispersa, as atribuições das restantes pessoas coletivas públicas encontram-se

definidas por forma integrada.


165

Em qualquer caso, tanto para o Estado como para as outras pessoas coletivas públicas, as atribuições

têm de resultar sempre expressamente da lei. O Estado só pode fazer aquilo que a lei permite que
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ele faça: a lei é o fundamento, o critério último, o limite de toda a atuação administrativa.

Direito Administrativo I
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Simplesmente, as leis que conferem atribuições ao Estado são muito numerosas e encontram-se

dispersas.

Quanto às classificações das atribuições do Estado, pode-se dividir em 3 grandes categorias:

1. Dentro das atribuições principais do Estado importa considerar 4 grupos:

a. Atribuições de soberania, incluindo defesa nacional, relações externas, polícia,

prisões e outras;

b. Atribuições Económicas, incluindo as relativas à moeda, ao crédito, ao imposto, ao

comércio externo, aos preços, e à produção nos diversos setores produtivos, tais como

a agricultura, o comércio, a indústria, a pesca, os teletransportes,…

c. Atribuições Sociais, incluindo a saúde, a segurança social, a habitação, o urbanismo, o

ambiente,..

d. Atribuições educativas e culturais, incluindo o ensino, a investigação cientifica, o

fomento do desporto, da cultura, das artes,…

2. Quanto às atribuições auxiliares há a mencionar:

a. Gestão de Pessoal;

b. Gestão de Material;

c. Gestão Financeira;

d. Funções Jurídicas de Contencioso;

e. Funções de Arquivo e Documentação;

3. Finalmente, no grupo de atribuições de comando, isto é, que se destinam a preparar e a

acompanhar as tomadas de decisao pela chefia, surgem as seguintes:

a. Estudos e Planeamento;

b. Previsão;

c. Organização;

d. Controlo;

e. Relações Públicas.
166
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Direito Administrativo I
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Para sabermos quais as atribuições do Estado devemos procurar, em primeiro lugar, na CRP, é na CRP

que se percebem quais as funções do Estado, especialmente numa constituição programática, como a

nossa.

Todavia, a lei ordinária pode atribuir outras funções ao Estado: não pode dispensar o Estado de cumprir as

atribuições que a Constituição lhe fixa, mas pode acrescentar outras.

Órgãos do Estado

Para cumprir as atribuições que lhe foram conferidas pela CRP, o Estado carece de órgãos, aos quais

compete tomar decisões em nome da pessoa coletiva Estado.

Os principais órgãos centrais do Estado são o Presidente da República, a Assembleia da República, o

Governo e os Tribunais. Destes, o principal órgão administrativo do Estado é o Governo.

Alguns dos órgãos indicados não são órgãos da Administração, mas órgãos de outros poderes do Estado.

É o caso dos Tribunais, que nada têm a ver com a Administração Pública, pois formam o Poder Judicial,

não pertencendo ao Poder Executivo; e também a AR, que constitui o Poder Legislativo e, portanto, por

definição, não se integra na Administração, nem faz parte do Poder executivo.

O PR não deve ser, certamente, um órgão administrativo mas, antes, político.

É certo que, na Constituição, alguns preceitos, não muitos, parecem conferir, ao PR, determinadas

atribuições administrativas. P.e., o artigo 133/m) e o 135/a).

Trata-se de fazer intervir o PR para, com a sua assinatura, conferir solenidade especial à investidura de

determinados funcionários, não se trata de fazer dele um órgão administrativo colocado no plano dos

demais órgãos da Administração e submetido ao respetivo regime jurídico. O PR pode negar-se a pôr a

assinatura em determinadas nomeações pretendidas pelo Governo: mas tal atitude deve considerar-se

como um veto político, e não como um ato administrativo, e é, em qualquer caso, um ato interno, sem

qualquer eficácia exterior.

Sublinhe-se que tanto o PR, como a AR, como certos órgãos do Poder Judicial, podem segundo a lei

praticar atos materialmente administrativos, sujeitos a controlo pelos tribunais administrativos. Mas
167

nem por isso se tornam, organicamente, elementos da Administração Pública.


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Direito Administrativo I
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O Governo, além de ser um órgão politico, é um órgão administrativo a titulo principal, permanente e

direto do Estado, com caráter administrativo. Há muitos outros órgãos do Estado, além do Governo. Na

Administração Central são igualmente órgãos do Estado, colocados sob a direção do Governo:

a. Os diretores-gerais, diretores de serviços e chefes de divisão ou de repartição dos ministérios;

b. O Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas;

c. O Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana;

d. Procurador-Geral da República e seus adjuntos;

e. Inspetores Gerais e adjuntos;

f. As numerosas comissões;

Pertencem ainda à Administração central direta:

a. O provedor de Justiça;

b. O Conselho Económico e Social;

c. A comissão nacional de eleições;

d. A Entidade Reguladora da Comunicação Social;

e. Outros órgãos de natureza análoga.

168
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Direito Administrativo I
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III – CARACTERIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PORTUGUESA

1. Organização administrativa portuguesa.

Na Administração há pessoas coletivas, que podem ter natureza pública ou natureza privada,

mesmo que integrem a administração pública.

Quando falamos de privatização referimo-nos a pessoas coletivas públicas, que por razões de

eficiência tornaram-se em pessoas coletivas públicas. Há 3 níveis de privatização:

- O primeiro nível da administração resulta da privatização de empresas públicas.

- O segundo é resultado da interferência do Estado em empresas privada.

- O terceiro são as instituições provindas da sociedade civil, mas que colaboram regular e

continuadamente com o Estado na realização dos interesses público.

Quando falamos em Administração Pública estamos a falar, por via de regra, em apenas pessoas

coletivas públicas. No entanto, há órgãos que não se integram em nenhuma pessoa coletiva, por exemplo

a PGR, mas que integram a Administração Pública.

As pessoas coletivas são um conceito quadro, que corresponde a uma tentativa de fazer

corresponder a atuação dos órgãos a determinada pessoa. Segundo o REGENTE temos de olhar para a

pessoa coletiva como um sujeito de imputação de determinada conduta.

Para além das pessoas coletivas, na Administração Pública temos ainda:

- Os órgãos que e quem atua em nome da pessoa coletiva, são eles que praticam os atos do

direito administrativo

- Os serviços que são as entidades que executam as decisões dos órgãos,

Logo, ao nível da pessoa coletiva Estado, temos vários órgãos (ministros, que se distinguem por

terem atribuições diferentes e realizarem atividades diferenciadas e autónomas) e serviços, de caracter

técnico que ajudam na preparação das decisões (ajudam o processo da tomada de decisão) e executam as

taos decisões.
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A organização da administração pública está regulada na CRP

Devemos chamar ainda a atenção para a descentralização, que é a criação de pessoas coletivas

distintas, e para a desconcentração, que corresponde à criação de poderes decisores. Logo, dentro da

pessoa coletiva pode, ou não, haver desconcentração.

1.1. As modalidades de Administração pública

Segundo o professor REGENTE a Administração Central do Estado organiza-se da seguinte forma:

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Segundo o professor FREITAS DO AMARAL, a Administração Pública organiza-se da seguinte

forma:

2. Administração Central

A palavra Estado tem várias aceções:

- Aceção internacional, em que se tratado do Estado sobrano, titular de direito e

obrigações na esfera internacional;

- Aceção constitucional, em que o Estado surge-nos como uma comunidade de cidadãos

que, nos termos do poder constituinte que a si própria se atribui, assume uma determinada forma

política para prosseguir os fins nacionais. Em tal aceção temos de levar em conta a sua forma política

interna, uma vez que o Estado não será o mesmo na monarquia absoluta, na monarquia constitucional ou

na república liberal.

- Aceção administrativa, em que o Estado é a pessoa coletiva pública que, no seio da

comunidade nacional, desempenha sob a direção do Governo a atividade administrativa. Aqui o que mais
171

releva é a orientação superior do conjunto da Administração Pública pelo Governo (art.199.º/d), a


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distribuição das competências pelos diferentes órgãos centrais e locais e a separação entre o Estado e

demais pessoas coletivas.

2.1. O Estado como pessoa coletiva

O Estado é uma pessoa coletiva pública autónoma, não confundível com os governantes que o

dirigem, nem com os funcionários que o servem, nem com as outras entidades autónomas que integram a

Administração, nem com os cidadãos que com ele entram em relação.

Não se confundem Estado e governantes: o Estado é uma organização permanente; os

governantes são os indivíduos que transitoriamente desempenham as funções dirigentes dessa

organização.

Não se confundem Estado e funcionários: o Estado é uma pessoa coletiva, com património

próprio; os funcionários são indivíduos que atuam ao serviço do Estado, mas que mantêm a sua

individualidade humana e jurídica.

Não se confundem Estado e outras entidades administrativas: o interesse prático maior do

recorte da figura Estado-administração reside, justamente, na possibilidade de separar o Estado das

outras pessoas coletivas públicas. As pessoas coletivas públicas são entidades distintas do Estado, com o

seu património próprio, com os seus direitos e obrigações, com as suas atribuições e competências, com

as suas finanças, com o seu pessoal, etc.

Finalmente, não se confundem Estado e cidadãos: a personificação jurídica do Estado-

administração permite construir como autênticas relações jurídicas as relações travadas entre o Estado e

os cidadãos. Nestas relações, nem sempre o Estado figura como autoridade e os cidadãos como

administrados: muitas vezes é o cidadão que atua sujeito ativo, no exercício de direito, e é o Estado que

surge como sujeito passivo, no cumprimento de deveres.

Posto isto, a qualificação do Estado como pessoa coletiva decorre da própria CRP, dos artigos:

3.º/3, 5.º/3, 18.º/1, 22.º, 27.º/5, 41.º/4, 48.º/2, 54.º/5/f, 65.º/4, 84.º/2, 199.º/d, 201.º/1/b e 201.º/2/b,

269.º/1/2, 271.º/1/4 d 276.º/6.


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As principais consequências da qualificação do Estado como pessoa coletiva pública são:

- Distinção entre o Estado e outros sujeitos de direito, sejam eles pessoas físicas ou

pessoas coletivas;

- Enumeração constitucional e legal, das atribuições do Estado;

- Estabelecimento, por via constitucional ou legal, de órgãos do Estado;

- Definição das atribuições e competência a cargo dos diversos órgãos do Estado;

- Existência de funcionários do Estado, categoria distintas da dos funcionários das

autarquias locais ou das regiões autónomas, bem como diferente da dos trabalhadores das empresas

públicas ou privadas;

- Previsão da prática de atos jurídicos do Estado, nomeadamente atos unilaterais e

contratos;

- Delimitação do património do Estado, correspondente aos bens e direitos patrimoniais

das pessoas coletiva Estado e, portanto, distinto quer dos patrimónios de cada uma das restantes pessoas

coletivas públicas, quer dos patrimónios individuais dos órgãos, agentes e representantes do Estado;

- Entre o Estado e qualquer outra pessoa coletiva pública não há litispendência, nem caso

julgado;

- As restantes pessoas coletivas públicas são, para efeitos de responsabilidade civil,

terceiros face ao Estado.

2.2. Espécies de administração do Estado

Temos a administração central e local do Estado. Nem todos os órgãos e serviços do Estado

exercem competência extensiva a todo o território nacional; nem todos são, pois, órgãos e serviços

centrais. Há também órgãos e serviços locais, instalados em diversos pontos do território nacional e com

competência limitada a certas áreas.

Assim, por exemplo, os diretores de finanças são órgãos locais do Estado.


173

Temos ainda a administração direta do Estado e a administração indireta. A Administração Direta


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é a atividade exercida por serviços integrados na pessoa coletiva Estado (ex.: ministérios, direções gerai),

Direito Administrativo I
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ao passo que a Administração Indireta é uma atividade que, embora desenvolvida para a realização dos

fins do Estado, é exercida por pessoas coletivas públicas distintas do Estado (ex.: Instituto Português do

Desporto e da Juventude, a Fundação para a Ciência e Tecnologia).

2.3. Administração direta do Estado

Segundo o professor FREITAS DO AMARAL, são características do Estado e da sua Administração

Direta:

a) Unicidade: O Estado é a única espécie do seu género (enquanto que ao conceito de

autarquia local correspondem alguns milhares de entes autárquicos);

b) Carácter originário: ou seja, tem natureza originária, não sendo criado pelo poder

constituído (ao contrário de todas as outras pessoas coletivas públicas que são sempre criadas ou

reconhecidas por lei ou nos termos da lei);

c) Territorialidade: o Estado é uma pessoa coletiva de cuja natureza faz parte um certo

território, o território nacional. Todas as parcelas territoriais, mesmo que afetas a outras

entidades (como regiões, autarquias locais) estão sujeitas ao poder do Estado;

d) Multiplicidade de atribuições: o Estado é uma pessoa coletiva de fins múltiplos;

e) Pluralismo de órgãos e serviços: é composto por numerosos órgãos (Governo,

membros do Governo individualmente considerados, diretores-gerais, diretores de finanças, etc.)

e por uma pluralidade de serviços públicos (ministérios, secretarias de Estado, direções-gerais,

governos civis, repartições de finanças, etc);

f) Organização em ministérios: os órgãos e serviços do Estado-administração, a nível

central, estão estruturados em departamentos, organizados por assuntos ou matérias, que se

denominam ministérios;

g) Personalidade jurídica una: apesar da multiplicidade de atribuições, do pluralismo dos

órgãos e serviços e da divisão em ministérios, o Estado mantém sempre uma personalidade

jurídica una. Todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de direito, não tendo
174

personalidades jurídicas distintas. Cada órgão do Estado vincula o Estado no seu todo;
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h) Instrumentalidade: a Administração do Estado é subordinada, não sendo, salvo casos

excecionais, nem independente nem autónoma. Esta constitui um instrumento para o

desempenho dos fins do Estado. A isto se deve a submissão e subordinação pela Constituição da

administração direta do Estado ao poder de Direção do Governo (explicando-se, assim, o dever de

obediência dos funcionários em relação aos governantes e a livre amovibilidade dos alto

funcionários do Estado, por mera decisão discricionária do Governo);

i) Estrutura hierárquica: a administração direta do Estado está estruturada em termos

hierárquicos, i.e., de acordo com um modelo de organização administrativa constituído por um

conjunto de órgão e agentes ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de

direção e ao subalterno o dever de obediência (se assim não fosse, a administração Estado

deixava de ser subordinada e passava a ser autónoma e independente, e nesse caso o Governo

não responderia politicamente por ela perante a AR);

j) Supremacia: O Estado-administração exerce poderes de supremacia não apenas em

relação aos sujeitos de direito privado, mas também sobre as outras entidades públicas. Daí o

Estado-administração ser chamado de ente público máximo, enquanto as demais pessoas

coletivas públicas são designadas por entes públicos menores, ou subordinados.

2.4. Atribuições do Estado

Quando nos referimos a atribuições falamos em fins ou objetivos que o Estado se propõe atingir.

Enquanto nas outras pessoas coletivas públicas, as atribuições são claramente determinadas em textos

legais que as enunciam, o mesmo não acontece com o Estado. Quanto ao Estado não há diploma legal ou

lista que enuncie as suas atribuições, ou seja, estas estão definidas de forma dispersa.

No entanto, e seguindo os ensinamentos de BERNARD GOURNAY, PODEMOS Agrupar as

atribuições 3 categorias:

- Atribuições principais, em que importa considerar 4 grupos:

- Atribuições de soberania, incluindo defesa nacional, relações externas, polícia, prisões e

outras;
175

- Atribuições económicas, incluindo as relativas à moeda ao crédito, ao imposto, ao


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comércio externo, etc.

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- Atribuições sociais, incluindo a saúde, a segurança social, a habitação, etc.

- Atribuições educativas e culturais, incluindo o ensino, a investigação científica, etc.

- Atribuições auxiliares, que dizem respeito à gestão do pessoal, do material, à

gestão financeira, às funções jurídicas e de contencioso e às funções de arquivo e documentação.

- Atribuições de comando, i.e., a que se destinam a preparar e a acompanhar as

tomadas de decisão pela chefia e que incluem: os estudos e planeamento, a previsão, a organização, o

controlo e as relações públicas.

Posto isto, a lei ordinária pode cometer ao estado outras atribuições para além das que a CRP lhe

impõe, mas não as pode dispensar.

2.5. Órgãos do Estado

Para cumprir as atribuições que lhe são conferidas pela CRP e pelas leis, o Estado carece de

órgãos.

Os principais órgãos do Estado são o PR, a AR, o Governo e os Tribunais. Dentro destes, o

principal órgão administrativo do Estado é o Governo.

Alguns dos órgãos indicados não são órgãos da Administração, mas órgãos de outros poderes. É o

caso dos Tribunais, que nada têm a ver com a Administração Pública, pois formam o poder judicial e

também a AR, que constitui o poder legislativo e, portanto, não fará parte da Administração Pública.

Quanto ao PR, segundo o professor FREITAS DO AMARAL, este não é um órgão administrativo, mas antes

político.

Quanto ao Governo este não é só um órgão político, como também órgão administrativo a título

principal, perramente e direto.

São outros órgãos do Estado, colocados sob a direção do Governo:

a) Os diretores-gerais, diretores de serviços e chefes de divisão ou de repartição

dos ministérios, bem como os respetivos secretários-gerais;


176

b) O chefe do Estado-Maior da Armada, do Exército e da Força Aérea;


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c) O Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, bem como os diretores

da Polícia Judiciária, da Polícia de Segurança Pública, do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras e de

outros organismos de natureza análoga;

d) O Procurador-Geral da República (art.220.º da CRP) e seus adjuntos;

e) Os inspetores-gerais e seus adjuntos;

f) Os dirigentes de gabinetes, centros e institutos não personalizados, incluídos na

administração central do Estado;

g) As numerosas comissões existentes, com carácter permanente ou temporário,

quer em cada um dos ministérios per si, quer abrangendo dois ou mais ministérios para fins de

coordenação (comissões interministeriais).

Pertencem ainda à administração central direta, e são portanto órgãos do Estado, embora sem

dependerem do Governo por serem órgãos independentes:

a) O Provedor de Justiça (art.23.º da CRP);

b) O Conselho Económico e Social (art.92.º da CRP);

c) A Comissão Nacional de Eleições (Lei n.º 71/78, de 27 de dezembro);

d) A Entidade Reguladora da Comunicação Social (Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro);

e) Outros órgãos de natureza análoga.

2.6. O Governo

O Governo é um órgão, simultaneamente, político e administrativo, sendo que a preponderância

de determinada característica sobre a outra depende do sistema constitucional vigente. Se se vive em

doutrina, a orientação política fundamental deriva do ditador, individuo que em si concentra a totalidade

poder, sendo que o Governo será um órgão exclusivamente ou quase exclusivamente administrativo. Se o

regime é democrático, o Estado sobressai em relação aos governantes e aos partidos e, como tal, o

Governo será um órgão predominantemente político.


177

Mais para saber se o Governo é um órgão predominantemente administrativo ou político,


Página

devemos olhar para o sistema de governo.

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Sobre as funções do Governo, estas estão previstas no art.199.º de uma forma lógica e racional,

sendo que as podemos agrupar em 3:

- Garantir a execução das leis (199.º/f/c);

- Assegurar o funcionamento da Administração Pública (199.º/a/b/d/e);

- Promoção da satisfação das necessidades coletivas, designadamente através do

desenvolvimento económico, social e cultural do país (199.º/g).

Finalmente quanto à competência do Governo, as suas funções traduzem-se, juridicamente, na

prática de atos e no desempenho de atividades da mais diversa natureza através da elaboração de

normas jurídicas (regulamentos), da prática de atos jurídicos sobre casos concretos (atos

administrativos), da celebração de contratos de cários tipos (contratos administrativos) e exerce, de um

modo geral, determinados poderes funcionais.

Assim, há vários modos de exercício da competência do Governo:

- O Governo pode exercer a sua competência por forma colegial (art.200.º),

através do Conselho de Ministros. As resoluções que tomar desta forma terão de ser adotadas por

consenso ou por maioria no Conselho de Ministros, enquanto órgão colegial.

- O Governo pode, também, exercer a sua competência individualmente, pelos

vários membros do Governo ou pelo PM.

No caso de uma lei atribuir determinados poderes ao Governo, sem especificar se esses poderes

têm de ser exercidos pelo Conselho de Ministros ou podem sê-lo pelo Ministro da pasta a que os assuntos

digam respeito? O caso foi levado ao STA que considerou que o facto de uma lei se referir ao Governo não

implica, necessariamente, que a competência tenha de ser exercida coletivamente pelo Conselho de

Ministros. O STA disse que são os Ministros, singularmente considerados, que exercem em regra as suas

atribuições administrativas do Governo, na parte que diga respeito à sua pasta.


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2.6.1. Estrutura do Governo

A estrutura está prevista no art.183.º da CRP.

A. O Primeiro-Ministro

As funções do PM vêm reguladas no art.201.º/1 da CRP. Segundo o professor FREITAS DO

AMARAL, o Primeiro-Ministro possui dois tipos de funções:

- Por um lado, exerce funções de chefia, que consistem em orientar e coordenar a

conduta que deverá ser seguida pelos Ministros; presidir ao Conselho de Ministros, direcionando os seus

trabalhos e convocando as suas reuniões; e selecionar Ministros para a composição do Governo.

- Por outro lado, está encarregado do exercício das funções de gestão, isto é, gerir

serviços próprios da Presidência do Conselho e orientar as secretarias de Estado integradas na mesma. O

Primeiro-Ministro deverá também representar o Estado, perante citação do Governo português em

tribunais estrangeiros.

B. Os Vice-Primeiro-Ministros

Conforme o disposto nos art.183.º/2 e 185º da CRP poderá existir mais do que um Vice-Primeiro-

Ministro, e este deverá auxiliar o Primeiro-Ministro a desempenhar as suas funções, podendo substituí-lo

em caso de ausência ou impedimento.

Acrescenta-se que, tal como o Primeiro-Ministro, também o Vice-Primeiro-Ministro poderá

coordenar os Ministros entre si.

C. Os Ministros

Cada um dos Ministros possui a seu cargo um ministério, ou seja, um departamento que reúne

subdepartamentos encarregados de uma determinada função. Relativamente a este, o Ministro define os

planos de ação, prepara o seu orçamento anual; nomeia, transfere e exonera todos os funcionários a seu

cargo, exceto quando pertença à competência exclusiva do Conselho de Ministros; exerce poderes

tutelares sobre pessoas coletivas autónomas dependentes ou fiscalizadas pelo seu ministério; assina

contractos celebrados com particulares, em nome do Estado, quando estes versem sobre matéria das
179

suas atribuições; e resolve quaisquer casos concretos que a lei atribua a serviços pertencentes ao seu
Página

departamento por surgirem no seu âmbito (art.201.º/2 CRP). Esta última competência poderá ser

Direito Administrativo I
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apontada como uma das razões pela qual existe uma burocracia tão lenta em Portugal, considerando que

poderão ser admitidos os casos mais banais, desde que versem sobre a matéria do Ministério.

A regra geral é a igualdade entre Ministros. No entanto, existem algumas exceções, como por

exemplo, o caso do Ministro das Finanças que, estando encarregado da elaboração e execução do

Orçamento de Estado, controla os gastos e a quantidade de capital atribuída aos restantes ministérios.

D. Os Secretários de Estado

A sua inclusão deu-se primeira vez em 1958, visto que, após a 2.ª Guerra Mundial, observou-se a

uma tendência cada vez maior de concentrar no Governo o poder de decisão dos assuntos correntes da

Administração Pública, tornando o trabalho dos Ministros e o auxílio dos subsecretários de Estado

insuficientes. Deste modo, determinou-se que os serviços de um Ministério poderiam ser agregados em

Secretarias de Estado (este termo foi extinto com a Lei n.º 4/2004, de 15 de Janeiro mas continua a ser

utilizada informalmente), que seriam geridas por Secretários de Estado.

Atualmente, estes poderão substituir os Ministros em caso de ausência ou impedimento

(art.185.º/2 da CRP) e possuem competência administrativa própria, não obstante a orientação e

supremacia dos ministros, pois um Secretário de Estado nunca poderá revogar, modificar ou suspender

qualquer ato de um Ministro.

E. Os Subsecretários de Estado

São os membros do Governo com menor poder executivo. Ao contrário dos Ministros e dos

Secretários de Estado, os Subsecretários de Estado não praticam funções políticas e legislativas e não

possuem competência própria.

Deste modo, todos os poderes exercidos pelos mesmos são delegados por Ministros e Secretários

de Estado, podendo estes últimos ser substituídos por Subsecretários de Estado.

F. O Conselho de Ministros

De acordo com o disposto no artigo 1.º do Regimento do Conselho de Ministros, este é composto e

presidido por todos os Ministros nomeados e pelo Primeiro-Ministro. Salvo determinação em contrário
180

por parte do Primeiro- Ministro, poderão participar nas reuniões do Conselho de Ministros, sem direito

de voto, o Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, o Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-
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Ministro e o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

Direito Administrativo I
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O artigo 200.º da CRP, por sua vez, determina nas suas alíneas o que compete ao Conselho de

Ministros:

- Definir as linhas gerais da política orçamental, bem como as da sua execução;

- Aprovar os planos e os atos do Governo que envolvam aumento ou diminuição das

receitas ou despesas públicas;

- Deliberar sobre outros assuntos da competência do Governo que lhe sejam atribuídos

por lei ou apresentados pelo Primeiro-Ministro ou qualquer Ministro. Este último ponto, pertencente à

alínea g), coloca a questão de saber se permite que o Conselho de Ministros possa decidir e resolver

problemas sobre qualquer matéria da competência do Primeiro-Ministro ou de um Ministro, pelas

mesmas propostas. Segundo o Professor FREITAS AMARAL, seria uma desobediência aos princípios

gerais sobre a competência dos órgãos administrativos, pois esta não depende da vontade dos órgãos.

Desta forma, o Conselho de Ministros poderá deliberar sobre a matéria, mas somente para aconselhar e

orientar o Primeiro-Ministro ou o Ministro sobre a decisão.

Acrescentam-se às funções do Conselho de Ministros a gestão da função pública, a concessão de

benefícios fiscais, a aplicação de sanções administrativas graves, entre outras. Todavia, e, com o intuito

de impedir a sobrecarga de trabalho, tem sido permitido ao Primeiro-Ministro, aos Conselhos de

Ministros Especializados e a certos Ministros exercer funções administrativas do Conselho de Ministros,

através da lei, ou até mesmo, de delegações.

G. Os Conselhos de Ministros Especializados

O artigo 200.º/2 reconhece a existência dos Conselhos de Ministros Especializados, declarando

que “exercem a competência que lhes for atribuída por lei ou delegada pelo Conselho de Ministros”.

A competência referida poderá ser a preparação das decisões que serão tomadas pelo Conselho

de Ministros (função preparatória), a tomada de decisões em nome do Conselho de Ministros quando

este ou a lei o tenha autorizado (função decisória), e o estudo ou controlo da execução das decisões do

Conselho de Ministros (função executiva). Estes órgãos auxiliares são compostos por alguns dos

Ministros, secretários de Estado e, por vezes, até mesmo altos funcionários.


181
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Direito Administrativo I
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H. A presidência do Conselho

O primeiro dos ministérios do país é a Presidência do Conselho ou, na terminologia

oficial, a Presidência do Conselho de Ministros.

Quanto à sua organização temos duas soluções:

- Uma primeira que corresponde às épocas ou aos regimes em que o chefe de

governo não é, como tal, titular de uma posição autónoma no Governo e desempenha,

necessariamente, uma função de ministro em acumulação com a de chefe de Governo.

- A segunda solução corresponde aos casos, que são hoje a maioria, em que a

função de chefe de governo é uma função autónoma: não coincide necessariamente com a de

ministro de qualquer das pastas e até é, em regra, desempenhada em acumulação com qualquer

outra pasta.

I. Os ministérios

Segundo o professor FREITAS DO AMARAL os ministérios são os departamentos da

administração central do Estado dirigidos pelos Ministros respetivos.

São várias as classificações que podemos adotar. Segundo ZANOBINI temos ministérios

destinados a escolher e distribuir os meios económicos necessários à organização e

funcionamento do Estado (finanças, tesouro, orçamento, participações do Estado), ministérios

relativos às relações internacionais e à defesa militar do Estado (negócios estrangeiros, defesa

nacional), ministérios voltados para a manutenção da ordem pública e da ordem jurídica interna

(interior e justiça) e ministérios destinados à realização do bem-estar e do progresso material e

moral da população.

No entanto o professor FREITAS DO AMARAL preconiza uma classificação diferente.

Segundo o seu critério os ministérios devem agrupar-se em 4 categorias:


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- Ministérios de soberania, que são aqueles em que as atribuições políticas são

dominantes, por lhes estar confiado o exercício das principais funções de soberania do Estado

(Administração Interna, Negócios Estrangeiros e Defesa Nacional).

- Ministérios económicos, que são os que superintendem os assuntos de carácter

económico, financeiro e monetário (Finanças, Planeamento, Agricultura, Comércio, Indústria).

- Ministérios sociais, que são aqueles que se destinam a realizar a intervenção do

Estado nas questões de natureza social e cultural e no mundo do trabalho (Educação, Cultura,

Ciência Juventude, Desporto, População, Emprego, Saúde, Trabalho e Segurança Social).

- Ministérios técnicos, que são aqueles que se dedicam à promoção das

infraestruturas e dos grandes equipamentos coletivos exercendo funções predominantemente

técnicas (Obras Públicas, Habitação, Urbanismo, Ambiente, Transportes e Comunicações).

De qualquer forma, todos os ministérios são simultaneamente políticos e técnicos, Todos

são políticos, porque em todos surgem quotidianamente questões com implicações políticas e

em todos se trata de definir e executar políticas públicas, pelas quais se responde perante o

parlamente e o eleitorado. Todos são técnicos, porque em todos eles os problemas têm de ser

estudados tecnicamente.

3. Administração periférica

Na linguagem administrativa, fala-se modernamente em “periferia” para designar as áreas

territoriais, situadas fora da capital do país, em que a Administração atua: no centro, em Lisboa,

encontram-se instalados e funcionam os órgãos e serviços centrais; na periferia estão e atuam quer os

órgãos e serviços locais (regionais, distritais, concelhios ou de freguesia), quer os órgãos e serviços

sedeados no estrangeiro (embaixadas, consulados, serviços de turismo, núcleos de apoio).

A maioria dos autores (MARCELLO CAETANO, RIVERO, REGENTE) costuma integrar tal matéria

sob a epígrafe “administração local do Estado”, mas para o professor FREITAS DO AMARAL tal não é o
183

mais correto; por um lado, também os institutos públicos e as associações públicas dispõem, muitas

vezes, dos seus órgãos e serviços locais, que não são contudo administração local do Estado; por outro
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Direito Administrativo I
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lado, os órgãos e serviços do Estado no Estrageiro, formando o que se pode chamar a administração

externa do Estado, não constituem administração local.

A administração periférica não pode ser confundia com a administração local autárquica. Esta é

constituída por autarquias locais, ao passo que aquela é composta por órgãos e serviços do Estado, ou de

outras pessoas coletivas públicas não territoriais.

Segundo o professor FREITAS DO AMARAL podemos definir a administração periférica como o

conjunto de órgãos e serviços de pessoas coletivas públicas que dispõem de competência limitada a uma

área territorial restrita e que funcionam sob a direção dos correspondentes órgãos centrais.

Logo, a administração periférica caracteriza-se pelos seguintes aspetos principais:

- É constituída por um conjunto de órgãos e serviços, quer locais quer externo;

- Esses órgãos e serviços pertencem ao Estado, ou a pessoas coletivas públicas de tipo

institucional ou associativo;

- A competência de tais órgãos é limitada em função do território, não abrange nunca a

totalidade do território nacional;

- Os órgãos e serviços da administração periférica funcionam sempre na dependência

hierárquica dos órgãos centrais da pessoa coletiva pública a que pertencem.

A administração periférica compreende as seguintes espécies:

- Órgãos e serviços locais do Estado;

- Órgãos e serviços locais de institutos públicos e de associações públicas;

- Órgãos e serviços externos do Estado;

- Órgãos e serviços externos de institutos públicos e associações públicas.

A. A transferência dos serviços periféricos


184

A situação normal e corrente consiste em os serviços periféricos estarem na dependência dos


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órgãos próprios da pessoa coletiva a que pertencem: assim, os serviços periféricos do Estado são

Direito Administrativo I
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dirigidos por órgãos do Estado, os serviços periféricos de um instituto público são dirigidos pelos órgãos

desse instituto, etc.

Pode acontecer, todavia, que a lei num propósito de forte descentralização, atribua a direção

superior de determinados serviços periféricos a órgãos de autarquias locais. Não se trata em transformar

serviços periféricos em serviços municipais, mas antes encarregar as camaras municipais de dirigir

certos serviços periféricos do Estado, mantendo estes a sua natureza de serviços estaduais.

Tal fenómeno chama-se transferência dos serviços periféricos e é vulgar em Inglaterra, onde um

grande número de serviços periféricos do Estado não são dirigidos pelos órgãos locais do próprio Estado,

mas antes pelas autárquicas locais da respetiva zona.

No entanto, tal não é o sistema que vigora, por via de regra, em Portugal. Cá o Estado não é

apenas senhor de uma grande e poderosa administração central, é também titular de uma vastíssima

administração periférica, nele integrada em regime de centralização, ainda que em alguns casos

temperada por um certo grau de desconcentração, o que se enquadra na política de regionalização

inscrita na CRP (227.º e seguintes).

3.1. A Administração local do Estado

A Administração local do Estado assenta, basicamente, sobre 3 ordens de elementos:

3.1.1. A divisão do território

Esta leva à demarcação de áreas ou zonas, ou circunscrições, que servem para definir a

competência dos órgãos e serviços locais do Estado, ficando delimitada em razão do território.

As áreas ou zonas que resultam da divisão do território chamam-se de circunscrições

administrativas.

O território nacional português está, atualmente, dividido segundo critérios muito variados.

Existe, desde logo, a divisão judicial do território e a divisão administrativa do território, que, por sua

vez, ainda se desdobra em divisão militar e divisão civil ou comum do território.

Dentro da divisão administrativa podemos ainda distinguir uma divisão administrativa do


185

território para efeitos de administração local do Estado e outra para efeitos de administração local
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autárquica.

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A. Circunscrições administrativas e autarquias locais

As circunscrições administrativas são as zonas existentes no país para efeitos de administração

local. Não as devemos confundir com as autarquias locais, são 2 coisas diferentes, definidas com base em

2 critérios.

Em primeiro lugar, a circunscrição é apenas uma porção do território que resulta de uma certa

divisão do conjunto, ao passo que a autarquia é uma pessoa coletiva, uma entidade pública

administrativa que tem por base uma certa área, mas que é composta por outros elementos.

Enquanto a circunscrição se define apenas por um elemento territorial, a autarquia é mais do que

isso: é uma comunidade de pessoas, vivendo numa certa circunscrição, com uma determinada

organização, para prosseguir certos fins.

Por outro lado, as circunscrições administrativas são parcelas do território nas quais atuam

órgãos locais do Estado, ou seja, estamos ainda dentro da pessoa coletiva Estado.

B. As divisões administrativas básicas

Assim, existem 2 divisões básicas: a divisão para efeitos de administração local do Estado e a

divisão para efeitos de administração local autárquica.

Para efeitos de administração local, o território divide-se em distritos e concelhos; sendo que

para efeitos de administração especial (i.e., por sectores ou ramos de administração) existem outras

divisões, como por exemplo, a administração hidráulica (que é com base nas bacias hidrográficas dos

rios)

Para efeitos de administração local autárquica, o território divide-se, atualmente, em freguesias e

municípios. No entanto, está prevista a criação ulterior de regiões administrativas (cfr. art.291.º/1 da

CRP) para o Continente. Na Madeira e nos Açores há que contar com a existência das regiões autónomas.

3.1.2. Os órgãos locais do Estado


186

Estes tratam-se de centros de decisão dispersos pelo território nacional, mas habilitados por lei a

resolver assuntos administrativos em nome do Estado, nomeadamente face a outras entidades públicas e
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aos particulares em geral.

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Segundo o professor FREITAS DO AMARAL, podemos definir os órgãos locais como os órgãos da

pessoa coletiva Estado que, na dependência hierárquica do Governo, exercem uma competência limitada a

uma certa circunscrição administrativa. Logo caracterizam-se por 3 elementos:

- São órgãos, i.e., podem por lei tomar decisões em nome do Estado. Não são meros

agentes sem competência própria, são órgãos que podem praticar tatos administrativos, os quais

vinculam o Estado como pessoa coletiva pública;

- São órgãos do Estado e não órgãos autárquicos. Não pertencem à administração local

autárquica, mas antes à administração local do Estado. Por isso mesmo, estão integrados numa cadeia de

subordinação hierárquica, dependem hierarquicamente do Governo e, por conseguinte, devem

obediência às ordens e instruções do Governo. Fazem parte da administração direta do Estado.

- Têm uma competência meramente local, i.e., delimitada em razão do território. Só

podem atuar dentro da circunscrição administrativa a que a sua competência respeita.

Existem, hoje em dia, numerosos órgãos locais do Estado. Assim, à frente de cada comando da

PSP temos o respeito comandante; as direções distritais de finanças são chefiadas pelos diretores de

finanças, as repartições pelos chefes de repartições de finanças, etc.

E a tendência é, nitidamente, no sentido do aumento constante do número destes órgãos locais

do Estado, criados e robustecidos num propósito de desconcentração de poderes.

3.1.3. Os serviços locais do Estado

Estes são os serviços públicos encarregados de preparar e executar as decisões dos diferentes

órgãos locais do Estado

4. Administração pública indireta

O Estado prossegue uma grande multiplicidade de fins: tem uma grande variedade de atribuições

a seu cargo e estas têm tido a tendência de se tornar cada vez mais numerosas, cada vez mais complexos

e cada vez mais diversificados.

A maior parte dos fins ou atribuições do Estado é prosseguida de forma direta, pois é prosseguida
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pela pessoa coletiva Estado, e imediata, pois é prosseguida sob a direção do Governo, na sua dependência
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hierárquica e, portanto, sem autonomia.

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No entanto, há casos em que os fins do Estado não são prosseguidos dessa forma. Pode haver, e

há, dentro do Estado serviços que desempenham as suas funções com autonomia. São serviços do Estado,

mas não dependem diretamente das ordens do Governo, estão autonomizados, têm os seus órgãos

próprios de direção ou de gestão. Aqui estamos perante aquilo que poderíamos chamar a administração

central desconcentrada, que é ainda uma administração do Estado, constituída por serviços incorporados

no Estado, mas que dispõe de órgãos próprio de gestão.

Há um outro grupo de serviços ou estabelecimentos que, para além de um grau ainda maior de

autonomia, recebem personalidade jurídica: passam a ser sujeitos distintos da pessoa-Estado. Já não são

Estado, já não integram o Estado, já não estão incorporados no Estado: são organizações com

personalidade jurídica própria. É certo que, neste terceiro conjunto de casos, o que está em causa é ainda

a prossecução de fins ou atribuições do Estado, mas não por intermédio do próprio Estado, tal

prossecução é feita através de outras pessoas coletivas distintas do Estado.

É a isto que se chama administração indireta: “administração”, porque trata de prosseguir fins do

Estado e “indireta”, porque não é realizada pelo próprio Estado, mas sim por outras entidades que ele

cira para esse efeito na sua dependência.

Do ponto de vista objetivo ou material, segundo o professor FREITAS DO AMARAL, a

administração indireta é uma atividade administrativa do Estado, realizada para a prossecução dos fins

deste, por entidades públicas dotadas de personalidade jurídica própria e de autonomia administrativa ou

administrativa e financeira.

De um ponto de vista subjetivo ou orgânico, segundo o professor FREITAS DO AMARAL, a

administração indireta define-se como o conjunto das entidades públicas que desenvolvem, com

personalidade jurídica própria e autonomia administrativa, ou administrativa e financeira, ma atividade

administrativa destinada à realização de fins do Estado.

A. Razão de ser da administração estadual indireta

A administração estadual indireta existe em resultado do constante alargamento e da crescente

complexificação das funções do Estado e da vida administrativo.


188

O Estado tem funções – de carácter técnico, económico, cultural ou social – que não se
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compadecem com uma atividade de tipo burocrático, exercida por serviços instalados num ministério e

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despachando diariamente com o Ministro. Por isso, o Estado cria centros autónomos de decisão e de

gestão, descentralizando funções em organismos que, embora mantendo-se-lhe ligados, e com ele

colaborando na realizações de fins que são próprios do Estado, todavia recebem para o efeito toda uma

série de prerrogativas que os erigem em entidades autónomas com a sua própria personalidade jurídica.

Um segundo motivo que tem levado à multiplicação destes organismos autónomos encarregados

da administração estadual indireta é o desejo de escapar às regras apertadas da contabilidade pública -

controlo da despesa, disciplina orçamental, salários fixados rigidamente sem possibilidade de

corresponder às indicações do mercado de trabalho, etc.

Em terceiro lugar, há também quem apresente explicações de tipo político para o fenómeno da

proliferação destes organismos autónomos: proteger certas atividades em relação a interferências

políticas, recrutar facilmente clientelas políticas (political patronage), fugir ao controlo político e

financeiro do Parlamento, alargar fortemente o intervencionismo do Estado, senão mesmo promover a

execução de uma política de orientação socialista. Os adeptos de uma política liberal ou conservadora

insurgem-se, normalmente, contra esta tendência na medida em que ela reduz o campo consentido à

iniciativa privada, reforça o poder não democrático da burocracia administrativa e diminui

consideravelmente o âmbito e eficácia do controlo parlamentar sobre o Governo e a Administração.

B. Características a administração indireta: aspetos materiais

Em primeiro lugar, a administração indireta é uma forma de atividade administrativa, ou seja, é

uma modalidade de administração pública em sentido objetivo.

Em segundo lugar, trata-se de uma atividade que se destina à realização de fins do Estado e por

isso mesmo é uma atividade de natureza estadual. Traduz-se na realização de funções que são tarefas do

Estado.

Em terceiro lugar, não se trata de um atividade exercida pelo próprio Estado. É sim uma atividade

que o Estado transfere, por decisão sua, para outras entidades distintas dele. A essa transferência chama-

se devolução de poderes: o Estado devolve – i.e., transfere, transmite – uma parte dos seus poderes para

entidades que não se encontram integradas nele.


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Esses poderes que o Estado entrega a outras entidades ficam a cargo estas, embora continuem a

ser, de raiz, poderes do próprio Estado, que este pode, em qualquer momento, retirar-lhes e chamar de

novo a si, embora só através de certas formas jurídicas (lei ou decreto).

Em quarto lugar, a administração indireta é uma atividade exercida no interesse do Estado, mas é

desempenhada pelas entidades a quem está confiada em nome próprio e não em nome do Estado. Quer

dizer: os atos praticados por tais organismos são atos deles, não são atos do Governo.

Porque a atividade é desenvolvida no interesse do Estado, é natural que em contrapartida o

Estado tenha sobre essas entidades e organismos consideráveis poderes de intervenção: o Estado dispõe,

em regra, do poder de nomear e demitir os dirigentes destes organismos, possui o poder de lhes dar

instruções e diretivas acerca do modo de exercer a sua atividade, e tem o poder de fiscalizar e controlar a

forma como tal atividade é desempenhada.

Resumindo: a atividade exercida é desenvolvida em nome da própria entidade que a exerce, os

atos praticados são atos dessa entidade e não do Estado, o património é património dessa entidade e não

do Estado, o pessoal ao seu serviço é pessoal dessa entidade e não do Estado, pelas dívidas dessa

entidade é responsável, em primeira linha, o respetivo património e não o património do Estado4. Sendo

que é, ainda, característica essencial da administração indireta a sua sujeição aos poderes de

superintendência e tutela do Governo.

C. Características a administração indireta: aspetos orgânicos

Em primeiro lugar, a administração indireta é constituída por um conjunto de entidades públicas

que são distintas do Estado, i.e., que têm personalidade jurídica própria.

Em segundo lugar, a decisão de criar estas entidades cabe ao Estado e continua a ser hoje,

essencialmente, livre dado o carácter muito ténue dos condicionalismos estabelecidos pelo legislador.

Em terceiro lugar, o financiamento destas entidades cabe também ao Estado no todo ou em parte.

De início, Para constituir capitais com vista ao arranque da iniciativa é o Estado que tem de avançar com

a entrada do numerário que for indispensável. Estes organismos podem também cobrar receitas da sua

atividade, mas se essas receitas não são suficientes só o Estado pode suprir o que falta.
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Só em caso de rutura financeira insanável é que o Estado é chamado a entrar com novos capitais para assegurar a
sobrevivência do organismo.

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Em quarto lugar, estas entidades dispõem em regra de autonomia administrativa e financeira, i.e.,

tomam elas as suas próprias decisões, gerem como entendem a sua organização, cobram ela as suas

receitas, realizam elas próprias as suas despesas e organizam elas próprias as suas contas.

Estas tratam-se de entidades que, em egra, têm uma dimensão nacional, o seja, competência em

todo o território nacional e sede em Lisboa, embora possam dispor de serviços locais.

Finalmente, o grau de autonomia de que dispõem estas entidades e, portanto, o maior ou menor

distanciamento em relação ao Estado é muito variável.

Estas podem atingir um nível máximo de distanciamento, que é o que acontece com as empresas

públicas. Pode assumir uma posição intermédia, que é a que se verifica nos chamados organismos de

coordenação económica, porque a sua atividade não reveste apenas carácter técnico ou económico,

também comporta funções de autoridade. O grau de autonomia é mínimo quando estes organismos

funcionem como verdadeiras direções-gerais do ministério a que respeitam, nestes casos a

personalidade jurídica e a autonomia financeira constituem mera aparência – são um expediente técnico,

jurídico e contabilístico.

D. Organismos incumbidos da administração estadual indireta.

Há várias espécies de organismos ou entidades que desenvolvem uma administração estadual

indireta, ou que pertencem à administração estadual indireta: trata-se fundamentalmente dos institutos

públicos e das empresas públicas.

O instituto público tem natureza burocrática e exerce funções de gestão pública. Já a empresa

pública tem natureza empresarial e desempenha uma atividade de gestão privada.

4.1. Institutos Públicos

Os institutos públicos são um género que abrange várias espécies. Todos os serviços

personalizados do Estado são institutos públicos, mas nem todos os institutos públicos são serviços

personalizados do Estado.

Segundo o professor FREITAS DO AMARAL, o instituto público é uma pessoa coletiva pública, de
191

tipo institucional, criada para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas de

carácter não empresarial, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa coletiva pública.


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Sobre o regime jurídico dos institutos públicos, este é regulado na Lei n.º 3/2004 de 15 de janeiro

(LQIP). No entanto, a designação de “Lei-quadro” não significa aqui que estamos perante uma lei de valor

reforçado, que deva ser respeitada como lei de enquadramento pelos específicos atos legislativos

correspondentes às leis orgânicas dos IP. Na verdade, apenas constituem leis com valor reforçado,

aquelas que sejam pressuposto normativos de outras leis (art.112.º/3), ou seja, o legislador ordinário

não pode por si próprio conferir a determinados atos legislativos valor reforçado. Ora, a CRP não prevê

que o regime jurídico dos IP constitua objeto de uma lei de enquadramento, cujas opções se imponham

ao legislador ordinário, em cada lei orgânica em particular.

O instituto público é uma pessoa coletiva pública (art.3.º/4 e 4.º/1 da LQIP) e, assim, caracteriza-

se por ser sempre dotado de personalidade jurídica (art.3.º/1 da LQIP).

É, ainda, uma pessoa coletiva de tipo institucional. I.e., o seu substrato é uma instituição, não uma

associação: assenta sobre uma organização de carácter material e não sobre um agrupamento de

pessoas.

São criados mediante ato legislativo (art.9.º/1) e modificados e extintos mediante ato de valor

igual ou superior ao que os tenha criado (art.16.º/3).

Por outro lado, é uma entidade criada para assegurar o desempenho de funções administrativas

determinadas (art.8.º LQIP), ou seja, não há institutos públicos para o desempenho de funções privadas,

nem para o desempenho de funções públicas não administrativas e as atribuições dos institutos públicos

não podem ser indeterminadas, não podem abranger uma multiplicidade genérica de fins.

Mais, os institutos públicos só podem tratar de matérias que especificamente lhes sejam

cometidas por lei (art.8.º/3 da LQIP). O Estado, as autarquias locais e as regiões autónomas são entidades

de fins múltiplos; os institutos públicos são entidades de fins singulares. As primeiras têm vocação geral,

os segundos têm vocação especial.

Além disso, as funções desempenhadas pelos institutos públicos hão de ser atividades de carácter

não empresarial (art.3.º/3 da LQIP).

Possuem órgãos próprios, dos quais o principal é em regra um conselho diretivo (art.18.º). Os
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respetivos presidentes são, simultaneamente, órgão dirigente do instituto público e órgão do Estado. O
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pessoal dos institutos públicos está sujeito ao regime de incompatibilidade de cargo públicos

(art.6.º/2/f). O regime laboral é o dos trabalhadores que exercem funções públicas (art.6.º/2/b).

Finalmente, as funções a desempenhar pelo instituto público são funções pertencentes ao Estado

ou a outra pessoa coletiva pública. Os institutos públicos abrangidos pela LQIP devem utilizar a

designação “Instituto, IP” ou “Fundação, IP” (art.51.º). Os institutos públicos podem conceder ou delegar

algumas das suas atribuições a entidades privadas, juntamente com os poderes necessários para o efeito

(art.53.º e 54.º).

A. Natureza jurídica dos institutos públicos

A conceção mais divulgada vê nos instituto públicos um substrato institucional autónomo,

diferente do Estado ou dele destacado, a que a lei confere personalidade jurídica: nestes termos, a ordem

jurídica criará um sujeito de direito com base numa instituição distinta do Estado.

Os institutos públicos serão, pois, entidades juridicamente distintas do Estado e os seus órgãos

dirigentes são, em principio, órgãos do instituto público e não órgãos do Estado; o seu pessoal é privativo

do instituto público e não do funcionalismo do Estado, as suas finanças são para-estaduais, ao são

finanças do Estado e o seu património é próprio.

No entanto, segundo alguns autores, os institutos públicos não são verdadeiras entidades

jurídicas distintas do Estado, com um substrato institucional autónomo e com interesses públicos

próprios: são meros órgãos próprios do Estado, com uma personalidade jurídica apenas para efeitos de

direito privado, nomeadamente patrimoniais.

Posto isto, segundo o professor FREITAS DO AMARAL, são 3 as principais espécies de instituto

público a considerar:

- Os serviços personalizados;

- As fundações públicas;

- Os estabelecimentos públicos.
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4.1.1. Os serviços personalizados

Segundo o professor FREITAS DO AMARAL, os serviços personalizados são serviços públicos de

carácter administrativo a que a lei atribui personalidade jurídica e autonomia administrativa, ou

administrativa e financeira (art.3.º/1/2 da LQIP).

Estes serviços são verdadeiramente departamento do tipo “direção-geral” aos quais a lei dá

personalidade jurídica e autonomia só para que possam desempenhar melhor as suas funções.

No grupo dos serviços personalizados, há ainda uma subespécie muito importante a considerar,

que são chamados de organismos de coordenação económica. Estes são serviços personalizados do Estado

que se destinam a coordenar e regular o exercício de determinadas atividades económicas, que pela sua

importância merecem uma intervenção mais vigorosa do Estado. Estes organismos destinam-se a dar

efetividade à intervenção do Estado sobre a produção ou o comércio de certos produtos mais

importantes na vida económica do país.

Estes podiam ser direções-gerais de um ministério, simplesmente entendeu-se que não seria

conveniente que esta intervenção do Estado em tão importantes sectores da vida económica. A agilidade

com que é preciso efetuar a intervenção no mercado dos produtos não se compadeceria com a pacatez,

lentidão e burocracia que caracteriza sempre a atuação da máquina gigantesca incumbida da gestão de

toda a administração central direta do Estado.

4.1.2. As fundações públicas

Segundo o professor FREITAS DO AMARAL, a fundação pública é uma fundação que reveste a

natureza de pessoa coletiva pública, não tendo fim lucrativo, com órgãos e património próprio e autonomia

administrativa e financeira (art.49.º/1 da LQF e art.3.º/1/2 da LQIP).

Enquanto a generalidade das fundações são pessoas coletivas privadas, reguladas pelo CC, há

umas quantas fundações que são pessoas coletivas públicas, resultando de iniciativa pública, traduzida

em atos de direito público (art.50.º da LQF). Trata-se, portanto, de patrimónios que são afetados à

prossecução de fins públicos especiais, sendo o reconhecimento exigido para atribuição de personalidade

jurídica resultante diretamente do ato-jurídico-público de instituição (art.6.º/3 da LQF). E decorre hoje


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do disposto no art.51.º da LQIP que para um instituto público poder ser designado como fundação deve
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ter parte considerável das receitas assente em rendimentos do seu património e dedicar-se a finalidades

de interesse social.

De qualquer forma, o número relativamente reduzido de fundações públicas foi aumentado há

alguns anos pelo aparecimento das chamadas fundações públicas de direito privado (ex.: a Universidade

do Porto e a Universidade de Aveiro), De acordo com o regime constante da LQF trata-se de fundações

cridas por entidades públicas, isoladamente ou em conjunto com entidades privadas (embora estas

nunca possam deter uma influência dominante) e que embora dotadas, como as restantes fundações

públicas de personalidade jurídica de direito pública têm a sua atividade regulada maioritariamente por

regras de direito privado.

Esta sujeição aos regimes privatísticos, mais ágeis e expeditos, revela-se especialmente vantajosa

para a administração financeira e patrimonial e para a gestão de recursos humanos. Porém, as fundações

públicas de direito privado não deixam também de estar submetidas a importantes vínculos direito

público, nomeadamente os princípios constitucionais de direito administrativo.

Apesar disto, entretanto, o legislador veio proibir a criação de novas fundações públicas de

direito privado (art.57.º/2 da LQF), uma norma que é aliás inútil, pois pode ser contrariada por qualquer

outra lei formal posterior ou decreto-lei autorizado.

4.1.3. Os estabelecimentos públicos

Segundo o professor FREITAS DO AMARAL, os estabelecimentos públicos são institutos públicos

de carácter cultural ou social, organizados como serviços abertos ao público e destinados a efetuar

prestações individuais à generalidade dos cidadãos que delas careçam.

Segundo o professor FREITAS DO AMARAL, é aqui que se integram as Universidades públicas que

não se converteram em fundações públicas de direito privado, embora tal posição não seja unanime.

Outra categoria de estabelecimentos públicos, estes de carácter social, são os hospitais do Estado

que não foram convertidos em entidades públicas empresariais: têm personalidade jurídica e autonomia,

são serviços abertos ao público e efetuam prestações a quem delas careça, i.e., prestam cuidados médicos

aos doentes ou acidentes.


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É possível distinguir os estabelecimentos públicos das outras modalidades de institutos públicos


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através de um critério prático:

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- Se o instituto público pertence ao organograma dos serviços centrais de um Ministério e

desempenha atribuições deste no mesmo plano que as respetivas direções-gerais, é um serviço

personalizado do Estado;

- Se o instituto público assenta, basicamente, num património, existe para o administrar e

vive dos resultados da gestão financeira desse património, é uma fundação pública;

- Se o instituto público não é uma direção geral personalizada, nem um património, mas

um estabelecimento aberto ao público e destinado a fazer prestações de carácter cultural ou social aos

cidadãos, então é um estabelecimento público.

4.2. Empresas Públicas

Nem todas as empresas publicas são de raiz estadual e de âmbito nacional, pois há empresas

regionais e locais e, obviamente, estas não fazem parte da administração estadual indireta, mas sim da

administração municipal ou regional indireta.

Mais, nem todas as empresas públicas são pessoas coletivas.

É, ainda, importante esclarecer que empresas nacionalizadas não são sinónimo de empresas

públicas. As empresas nacionalizadas são uma espécie de empresa pública, logo todas as empresas

nacionalizadas são empresas públicas, mas nem todas as empresas publicas são nacionalizadas. O que

caracteriza as empresas nacionalizadas é o facto de elas terem sido empresas privadas e de em dado

momento serem objeto de uma nacionalização.

Posto isto e quanto à definição de empresa pública, o DL n.º 133/2013 foge à apresentação de um

conceito unitário, preferindo ficar-se pela definição das 2 espécies principais de empresas públicas nos

artigos 5.º e 56.º. De qualquer forma e para tentarmos diminuir o espetro da definição de empresa

pública, podemos afirmar:

- A forma jurídica da empresa pública é irrelevante para a sua definição, uma vez que há

empresas públicas sob a forma de pessoas coletivas públicas e há empresas públicas que são sociedades

comerciais, as quais constituem pessoas coletivas privadas.


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- As empresas públicas sob forma pública tê direção e capitais públicos;


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- As empresas públicas sob a forma privada caracterizam-se pela sua subordinação à

influência dominante do Estado, ou de outras entidades públicas, a qual pode resultar da maioria do

capital, dos direitos de voto, de designar ou destituir a maioria dos membros dos órgãos de

administração ou de fiscalização.

Assim, são elementos essenciais do conceito de empresa pública:

- O facto de esta ser, antes de mais, uma empresa em sentido económico;

- O seu carácter público não lhe advém apenas do facto e a maioria do capital pertencer a

entidades públicas, mas pode resultar da titularidade por tais entidades de direito especiais de controlo,

eu lhes deem sobre a empresa uma influência dominante.

Desta forma, segundo o professor FREITAS DO AMARAL, as empresas publicas são organizações

económicas de fim lucrativo, criadas e controladas por entidades jurídicas públicas.

A. Evolução histórica

FREITAS DO AMARAL estabelece uma repartição da história das Empresas Públicas em Portugal,

em três períodos distintos:

- Anterior à Revolução do 25 de abril de 1974 - Em que as Empresas Públicas eram em

número diminuto, persistindo já por muitos anos. Outras Empresas Públicas foram criadas

através da transformação de serviços públicos tradicionais já existentes.

- Desde da Revolução até 1999 - Após a Revolução do 25 de abril, em 1974, houve um

grande movimento de nacionalização de empresas outrora privadas e forma ainda criadas novas

empresas somente de caráter público.

No entanto, com a entrada de Portugal para a CEE, em 1986, com a moda das

privatizações sentida nos anos 80 e 90, e com a aplicação das diretivas comunitárias e dos

mecanismos de defesa da concorrência, a situação modificou-se por completo.

O crescimento das Empresas Públicas estagnou, verificou-se um aumento exponencial das

Empresas Privadas. Neste período, o estatuto jurídico das Empresas Públicas estava presente no
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DL nº 260/76, de 8 de abril.
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- De 1999 até aos dias de hoje – Este iniciou-se com a substituição do DL n.º 260/76, pelo

DL n.º 558/99, de 17 de Dezembro, tendo este, recentemente, sido substituído pelo atual DL nº

133/2013, de 03 de outubro.

O DL de 1976 ocupava-se, unicamente, dos institutos públicos. Por sua vez, o DL nº

133/2013 passou a regular o setor público empresarial de forma genérica. Este prevê três

espécies de empresas:

- As Empresas Públicas sob forma privada, que são sociedades controladas pelo Estado;

- As Empresas Públicas sob forma pública ou entidade públicas empresariais;

- As Empresas Privadas participadas pelo Estado, que apesar de não serem Empresas

Públicas per se, integram o Sector Empresarial do Estado.

4.2.1. A empresa pública como empresa

Para se chegar ao conceito de empresa é preciso partir do conceito de unidade de produção. As

unidades de produção são, segundo o professor FREITAS DO AMARAL, organizações de capitais, técnica e

trabalho que se dedicam à produção de determinados bens ou serviços, destinados a ser vendidos no

mercado mediante um preço.

As unidades de produção podem estar organizadas e funcionar segundo 2 critérios fundamentais:

ou com fim lucrativo ou sem fim lucrativo. Se estão organizadas e prosseguem um fim lucrativo são

empresas; se, pelo contrário, estão organizadas e funcionam de modo a não prosseguir um fim lucrativo

são unidades de produção não empresariais.

Assim, as empresas públicas são verdadeiras empresas, têm fim lucrativo e, mais do que isso, têm

a obrigação legal de dar lucros.

4.2.2. A empresa pública como entidade sujeita a controlo público

Há, pelo menos, uma de 2 realidades que na empresa pública têm carácter público:

- A empresa pública pode ter maioria de capitais públicos: neste caso, o financiamento
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inicial, que serve para formar o capital da empresa é público e tratando-se de empresas públicas

estaduais, os capitais vêm do próprio Estado.


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- Se o Estado ou outras entidades públicas não detiverem a maioria do capital possuirão

direitos especiais de controlo exercendo influência dominante sobre a empresa pública (DL n.º

133/2013, art.9.º/1)

Logo, basta que um destes 2 aspetos exista para que a empresa seja considerada, por lei, como

empresa pública.

Na prática, as 2 características coincidem na maioria dos casos: o Estado, ou outras entidades

públicas, possuem a maioria do capital e, por isso mesmo, controlam os órgãos de administração e

fiscalizam da empresa. É a situação mais frequente.

Mas podem não coincidir: o Estado, mesmo sem a maioria do capital, pode ter por força de lei,

direitos especiais de controlo. A empresa será então pública, não pela via mais frequente do capital, mas

por força de outros modos de controlo nas mãos do Estado.

4.2.3. Motivos de criação de empresas públicas

As empresas públicas podem nascer da necessidade que, por vezes, o Estado sente de intervir na

economia assumindo “posições chaves”, i.e., posições estrategicamente fundamentais. Tal não resulta

apenas de posições socialistas ou socializantes, pois já o Estado Liberal e até o próprio Estado pré-liberal

consideraram que havia certas atividades que, pela sua importância política, deviam ser detidas e

exploradas pelo próprio Estado. O que variou muito, conforme as épocas, foi a determinação das posições

em que cada momento assim eram qualificadas e, portanto, o número global de posições consideradas

posições-chave.

Este é o caso dos chamados estabelecimentos fabris militares, dedicados no âmbito das Forças

Armadas à produção económica de determinados bens essenciais ao funcionamento da instituição

militar, tais como o armamento e material de guerra.

Outro motivo que leva à criação de empresas públicas reside na necessidade, para maior

eficiência da Administração, de transformar velhos serviços, organizados segundo moldes burocráticos,

em empresas públicas modernas, geridas sob forma industrial ou comercial. Neste caso, a empresa

pública já não aparece como instrumento da intervenção do Estado na economia, mas como factor e
199

instrumento de reforma da Administração Pública, para conseguir maior rendimento da máquina


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administrativa.

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Em terceiro lugar, podem criar-se empresas públicas como sanção, como punição política. Foi o

que aconteceu em França, a seguir à 2.ª Guerra Mundial, onde algumas empresas privadas foram

nacionalizadas e transformadas em empresas públicas, a título de punição por os respetivos

proprietários terem colaborado com os alemães (o caso da Renault). Aqui, a nacionalização não se deu

porque se considerasse fundamental, do ponto de vista económico, que o Estado tivesse nas suas mãos a

produção de automóveis, mas porque se pretendia uma forma de punição política daqueles que tinham

ajudado o invasor.

Também se têm criado empresas públicas por motivos ideológicos, em cumprimento de

programas doutrinários de natureza socialista ou socializante, que consideram necessário, por razões

políticas, alargar a intervenção do Estado a determinados sectores que, até aí, estavam nas mãos dos

particulares.

Foi o que aconteceu em França e em Inglaterra a seguir à 2.ª Guerra Mundial, com a

nacionalização da banca comercial de determinadas indústrias no campo da energia e do aço.

Há outros casos em que as empresas públicas resultam de se considerar que em certos sectores a

atividade económica deve ser desenvolvida em regime de monopólio; e entendendo-se que não se

justifica que o monopólio esteja em mãos de particulares, criam-se as respetivas empresas públicas.

Aqui não se trata de considerar que certos sectores são estrategicamente tão importantes que

têm de estar nas mãos do Estado, mas sim que estes sectores devem ser explorados em regime de

monopólio e, por causa disso, não se considera conveniente que o monopólio esteja em mãos privadas,

converte-se este em empresa pública.

Existem, ainda, outros motivos como o desejo de prestar ao público bens ou serviços em

condições especialmente favoráveis a suportar pelo erário público; a vontade de incentivar o

desenvolvimento de certa região, quebrando uma estagnação difícil de superar por outra via; o

desempenho de atividades em que seja particularmente importante evitar fraudes e irregularidades; a

necessidade de continuação da exploração de serviços públicos cuja concessão haja sido resgatada; a

intenção de fugir aos controlos típicos do Direito Administrativo, como a sujeição às regras da

contratação pública.
200

Sintetizando:
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- De um lado, há motivos políticos e económicos que levam a transformar uma atividade

privada em pública;

- Do outro lado, há motivos administrativos e financeiros que levam a converter uma

atividade pública burocrática em atividade pública empresarial.

4.2.4. Espécies de empresas públicas

Podemos classificar as empresas públicas quanto à titularidade: podendo haver empresas

públicas estaduais, regionais ou municipais, conforme pertençam ao Estado, a uma região autónoma ou a

um município.

Quanto à forma, podemos distinguir as empresas públicas sob a forma privada – é o caso,

designadamente, das que sejam pessoas coletivas públicas - e empresas públicas sob a forma privada – é

o caso, por exemplo, das sociedades comerciais formadas com capitais exclusivamente públicos, bem

como das sociedades com maioria de capital público ou em que a Administração pública detém “direitos

especiais de controlo”.

Quanto ao objeto, temos as empresas públicas que têm por objeto a exploração de um serviço

público ou de um serviço de interesse económico geral (DL n.º 133/2013, artigos 48.º e 55.º).

Serão, assim, empresas de serviço público, ou de serviço de interesse económico geral, as que

asseguram a distribuição ao domicílio de água, gás ou eletricidade, bem como as que exploram as

telecomunicações ou os transportes coletivos.

4.2.5. A missão e enquadramento das empresas públicas

De acordo com o art.4.º do DL 558/995 existe um princípio da dupla missão das empresas

públicas e embora não exista uma norma análoga no DL n.º 133/2013, segundo o professor FREITAS DO

AMARAL, tal princípio mantém-se plenamente válido.

Assim, atentando, por um lado, à natureza empresarial destas organizações e, por outro, à sua

integração no âmbito da Administração Estadual indireta, resulta clara a sua dupla missão:
201

5
Artigo 4.º
Missão das empresas públicas e do sector empresarial do Estado
Página

A actividade do sector empresarial do Estado deve orientar-se no sentido da obtenção de níveis adequados de satisfação
das necessidades da colectividade, bem como desenvolver-se segundo parâmetros exigentes de qualidade, economia,
eficiência e eficácia, contribuindo igualmente para o equilíbrio económico e financeiro do conjunto do sector público.

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- Contribuir para o equilíbrio económico-financeiro do sector público – missão

económico-financeira.

- Contribuir para a obtenção de níveis adequados de satisdação das necessidades coletivas

– missão social.

Quanto ao enquadramento geral da atuação das empresas públicas este está hoje fortemente

influenciado pelo DUE e, em particular, pelas normas de direito da concorrência, logo:

- A existência de empresas públicas que atuem em regime de monopólio é excecional;

- Nenhuma empresa pública, por o ser, pode furtar-se à observância das normas sobre a

concorrência, sob o pretexto de se tratar de uma empresa pública;

- Das relações entre o Estado e as suas empresas públicas não podem resultar situações

que, sob qualquer forma, sejam suscetíveis de impedir, falsear ou restringir a concorrência.

- As empresas públicas que se vejam colocadas em situação económica difícil não podem

pedir, nem obter, auxílios do Estado.

4.2.6. Regime jurídico

O regime jurídico genérico, ou comum, das empresas públicas portuguesas encontra-se

atualmente condensado no DL n.º 133/2013 e embora este verse sobre o “sector público empresarial”, a

verdade é que é o estatuto das empresas públicas.

O referido DL traduziu um importante reforço dos poderes de intervenção do Governo e, em

especial, do Ministério das Finanças na vida das empresas públicas, mesmo daquelas que se organizam

sob forma privada.

Temos, ainda, de ter presente que este diploma também regula as chamadas empresas

participadas, que no entanto exclui do conceito de empresas públicas (art.5.º)

A. Personalidade e autonomia

O atual estatuto das empresas públicas reconhece o traço característico de as empresas públicas
202

serem dotadas de personalidade e de autonomia.


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Com efeito, umas são sociedades e outras são pessoas coletivas públicas. A lei diz também que as

empresas públicas, sob a forma jurídica pública, são dotadas de autonomia patrimonial (art.58.º/1) o

que, sob o ponto de vista técnico, acaba por ser redundante, porque é óbvio que se certa entidade tem

personalidade jurídica, tem necessariamente património próprio.

Quanto à sua designação, as empresas públicas que revistam forma jurídica privada serão

denominadas como sociedades, em regra sociedades anónimas (S.A.). Se revestirem forma jurídica

pública são chamadas de entidades públicas empresariais (E.P.E.) (art.56.º).

B. Criação e extinção

De harmonia com o DL n.º 133/2013, a criação de empresas públicas que revistam a forma de

sociedade é feita “nos termos e condições aplicáveis à constituição de sociedades comerciais”

(art.10.º/1); ao passo que a criação das entidades públicas empresariais é feita por decreto-lei

(art.57.º/1), o qual aprovará também os respetivos estatutos.

A constituição de uma empresa pública (sob forma privada) depende de autorização do Ministro

da Finanças e do correspondente Ministério pelo sector da atividade da empresa. Esta autorização deve

ser precedida de um parecer da Unidade Técnica, que elabora uma análise da viabilidade económico-

financeira da empresa a constituir (art.10.º/1/2). A inexistência desta autorização determina a nulidade

de todos os atos e negócios jurídicos relativos à constituição da empresa (art.12.º/1).

A extinção das empresas públicas ou se faz nos termos prescritos na lei comercial para as

sociedades ou, então, no caso das E.P.E., faz-se mediante decreto-lei (art.35.º/1), o qual pode remeter

para a lei comercial (art.35.º/2), mas se apenas remeter expressamente.

No caso de as empresas públicas apresentarem capital próprio negativo por um período de 3

exercícios económicos consecutivos, devem os órgãos de administração da empresa propor ao Ministro

das Finanças, em alternativa, a extinção da empresa ou a implementação de medidas concretas

destinadas a superar a situação deficitária (art.35.º/3).

C. Órgãos
203

A lei não estabelece, em princípio, qualquer distinção importante entre a estrutura orgânica das

empresas públicas que sejam sociedades e a das que constituam entidades públicas empresariais.
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Na verdade, às primeiras aplicam-se, por definição, as regras próprias do Código das Sociedades

Comerciais (CSC) e às segundas também, por força da remissão do art.60.º/1 do DL n.º 133/2013, para o

regime das sociedades anónimas.

Contudo, a lei não se limita a fazer uma remissão para CSC, prevendo regras específicas de Direito

Administrativo relativas à composição e funcionamento dos órgãos de administração e de fiscalização

das empresas públicas. Assim, começa por exigir que as empresas públicas assumam um modelo de

“governo societário que assegure a efetiva separação entre as funções de administração executiva e as

funções de fiscalização” (art.30.º/1). Depois, prescreve que os órgãos de administração e de fiscalização

devem ser ajustados “à dimensão e complexidade da empresa” (art.31.º/1). Enfim, relativamente à

composição do órgão de administração, a lei prevê que deve integrar 3 membros, salvo quando a

dimensão e complexidade da empresa justificar uma composição diversa (art.31.º/2).

Fixados estes princípios gerais, a lei atribui ao titular da função acionista – Ministro das Finanças

– o poder de definir, nos estatutos de cada empresa, a concreta configuração dos órgãos de

administração e de fiscalização, de acordo com o disposto nos estatutos das empresas públicas e no CSC

(art.31.º/3).

Quanto à designação dos administradores das empresas públicas, esta não é feita por eleição da

assembleia geral da empresa, mas (em regra) por deliberação do Conselho de Ministros (art.32.º/4), nos

termos previstos no Estatuto do Gestor Público.

O conselho de administração integra sempre um elemento proposto pelo Ministro das Finanças, a

quem compete aprovar expressamente qualquer matéria como impacto financeiro superior a 1% do

ativo líquido da empresa (art.31.º/3). No caso de este membro não concordar com o sentido da

deliberação do órgão de administração, o assunto é submetido à votação da assembleia geral e, na

hipótese de não existir assembleia geral, a despacho dos Ministros das Finanças e do sector de atividade

de empresa (art.31.º/5).

As funções de órgãos de fiscalização são, em regra, assumidas por um conselho de fiscalização

(art.33.º/1) composto por um máximo de 3 membros, devendo um deles obrigatoriamente designado

sob proposta da Direção Geral do Tesouro e Finanças (DGTF).


204

D. Superintendência e tutela do Governo


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As empresas públicas, tal como os institutos públicos, estão sujeitas à intervenção do Governo,

que reveste as modalidades de superintendência e tutela.

O art.11.º do DL n.º 133/2013 estabelece a finalidade pricniplal fo Governo: “definir a orientação

estratégica de cada empresa pública”, i.e., definir os objetivos a atingir e os meios e modos a empregar

para atingi-los.

Natural é, pois, que o Estado – a quem em última análise pertencem e dependem as empresas

públicas estaduais – se reserve o direito de lhes definir os objetivos, orientando superiormente a sua

atividade. Assim, o Governo tem, por lei, os seguintes poderes:

- Definição das orientações estratégicas por resolução do Conselho de Ministros, que

“aprova o conjunto de medidas e diretrizes relevantes para o equilíbrio económico e financeiro do sector

empresarial do Estado” (art.24.º/1).

- Exercício dos direitos do Estado, como acionista, através do Ministro das Finanças e em

articulação como o Ministro responsável pelo sector de atividade da empresa (art.37.º/1/2). Estes

direitos são exercidos na assembleia geral da empresa e, no caso de esta não existir, por resolução do

Conselho de Ministros ou por despacho do Ministro das Finanças (art.38.º/2). O exercício da função

acionista compreende o poder de definir “as orientações a aplicar no desenvolvimento da atividade

empresarial reportada a cada triénio” e os “objetivos e resultados a alcanças em cada ano e triénio”

(art.38.º/1/a/b).

- Definição, através dos Ministérios sectoriais, no respeito pelas orientações estratégicas e

sectoriais e pelos objetivos financeiros previamente fixados, da política sectorial a prosseguir e as

orientações específicas de cariz sectorial aplicáveis a cada empresa, assim como os objetivos a alcançar

pela empresa no plano operacional e o nível de serviço público a prestar (art.39.º/4).

- Aprovação do plano de atividades e do orçamento da empresa pelo Ministro das

Finanças e pelo Ministros responsável pelo sector de atividade de empresa, a qual é precedida de um

relatório da Unidade Técnica sujeito a aprovação do Ministro das Finanças (art.39.º/8/9).

- Sujeição a autorização do Ministro das Finanças da realização de operações que se


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traduzam na prestação de garantias em benefício de outra entidade ou na assunção de responsabilidades


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que ultrapassem o orçamento anual da empresa (art.25.º/5).

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- Controlo financeiro, através da Inspeção-Geral de Finanças, destinado a averiguar da

legalidade, economia, eficiência e eficácia da sua gestão (art.26.º/2).

- Exigência de informações sobre a vida económica e financeira da empresa (art.44.º e

45.º).

Finalmente é de referir o controlo económico-financeiro, que se traduz na imposição de

limitações à capacidade de endividamento das empresas públicas não financeiras, as quais no caso de

apresentarem capital próprio negativo, só podem aceder a financiamento junto de instituições de crédito

com prévia autorização do DGTF, após emissão de parecer favorável vinculativo da Agência de Gestão da

Tesouraria e da Dívida Pública.

4.2.7. O princípio da gestão privada

À primeira vista, tratando-se de empresas públicas, que pertencem à Administração Publica,

parceria lógico e natural que as empresas públicas fossem reguladas pelo direito público, tal como os

institutos públicos, que atuam em moldes de gestão pública. Todavia, não é assim: as empresas públicas,

de um modo geral, estão sujeitas ao direito privado. A atividade que desenvolvem não é de gestão

pública, é de gestão privada, é o que consta no DL n.º 133/2013 no art.14.º/1

Se o Estado, através destas empresas públicas, fosse participar diretamente no exercício de

atividades económicas, aplicando ao exercício destas atividades os métodos burocráticos das repartições

públicas ou das direções gerais dos ministérios, é obvio que depararia com dificuldades intransponíveis.

No entanto, o princípio da gestão privada não significa a sujeição da atividade das empresas

públicas apenas ao direito privado, mas a todo o direito normalmente aplicável às empresas privadas – o

que inclui o direito privado, mas também aquela parte do direito público que versa especificamente

sobre a atividade económica das empresas privadas (Direito Fiscal, Direito Processual Civil, Direito Penal

Económico, etc)

De qualquer forma, o princípio da gestão privada desdobra-se em toda uma série de corolários

que em grande parte a própria lei se apressa a extrair e a formular explicitamente:


206

- Contabilidade – A contabilidade das empresas públicas é uma contabilidade empresarial,

não é uma contabilidade administrativa, i.e., a contabilidade das empresas públicas faz-se de acordo com
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as regras próprias da contabilidade comercial ou industrial, não se faz de acordo com as regras da

própria contabilidade pública (art.58.º/1);

- Fiscalização das contas – De acordo com o art.26.º, as contas das empresas públicas

estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas, bem como à fiscalização da Inspeção-Geral de

Finanças;

- Regime jurídico do pessoal – O regime jurídico do pessoal que trabalha nas empresas

públicas é o regime do contrato individual de trabalho (art.17.º/1) e não o regime dos trabalhadores em

funções públicas. No entanto, a lei prevê a aplicação do regime do trabalhador em funções públicas em

matéria de subsídio de refeição, de abono de ajudas de custo e de retribuição devida por prestação de

trabalho suplementar e trabalho noturno aos trabalhadores das entidades públicas empresariais e das

empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público (art.18.º);

- Segurança Social – O regime de segurança social do pessoal das empresas públicas é o

regime geral aplicável aos trabalhadores das empresas privadas;

- Impostos do pessoal – Os funcionários das empresas públicas pagam impostos: o pessoal

das empresas públicas fica sujeito, quanto às renumerações pagas aos trabalhadores das empresas

privadas. Ou seja: quem trabalhe ao serviço de uma empresa pública paga impostos sobre o rendimento

do seu trabalho, nos mesmos termos em que os pagam aqueles que trabalham ao serviço das empresas

privadas;

- Impostos da empresa – As empresas públicas estão sujeitas, em princípio, à tributação

direta e indireta nos termos gerais (art.14.º/2). Isto significa que as empresas públicas, por terem um

regime de gestão privada, têm de pagar impostos ao Estado, como se fossem empresas privadas, ao

contrário do que acontece com os Institutos Públicos;

- Registo comercial – Todas as empresas públicas estão sujeitas ao registo comercial, ou

por serem sociedades, ou porque a lei as submete expressamente a esse regime (art.61.º);

- Contencioso – Nos termos do art.23.º/2, compete aos tribunais judiciais o julgar a

generalidade dos litígios em que seja parte uma empresa pública. Ou seja: a fiscalização da atividade das
207

empresas públicas não fica sujeito aos tribunais administrativos, justamente porque as empresas
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públicas fazem gestão privada;

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- Execução por dívidas – O princípio da gestão privada encontra outro limite no regime

jurídico da execução por dívidas aplicável às empresas públicas. Assim, se se tratar de pessoas coletivas

públicas, não é possível intentar contra qualquer empresa pública processo de falência ou insolvência,

salvo na medida em que determinar o decreto-lei que procedeu à criação da empresa (art.35.º/2);

- Serão as empresas públicas comerciantes? – O professor COUTINHO DE ABREU diz que

sim. O professor FREITAS DO AMARAL também, se forem sociedades comerciais, mas já não o serão se

forem entidades públicas empresariais, até porque, nestes casos, não estão sujeitas à falência.

5. Administração pública sob forma privada

O Direito Administrativo não regula apenas entidades públicas, também regula algumas

categorias de entidades privadas ou, mais precisamente, aquelas que pela atividade a que se dedicam não

podem deixar de ser consideradas na ótica do interesse geral – são as instituições particulares de

interesse público. Tratam-se de entidades privadas, criadas por iniciativa particular, através de atos de

direito privado, mas que prosseguem fins de interesse público e por isso ficam sujeitas por lei, em certa

medida, a um regime parcialmente traçado pelo Direito Administrativo.

MARCELLO CAETANO chamava-lhes “pessoas coletivas de direito privado e regime

administrativo”. No entanto, FREITAS DO AMARAL chama-lhes instituições particulares de interesse

público, porque o regime jurídico dessas entidades não é só administrativo, é um misto de direito

administrativo e direito privado e porque o nome dado por MARCELLO CAETANO deixa na sombra a

natureza de tais entidades. O que acima de tudo importa é que se trata de entidades que ao mesmo

tempo são privadas e revestem de interesse público e, como tal, o seu regime jurídico é traçado em parte

por normas de direito privado, em parte por normas de direito público.

Nas palavras do professor FREITAS DO AMARAL as instituições particulares de interesse público

“são pessoas coletivas privadas que, por prosseguirem fins de interesse público, têm o dever de cooperar

com a Administração Pública e ficam sujeitas, em parte, a um regime especial de Direito Administrativo”.

Este é um fenómeno que ocorre porque:

- A Administração Pública não pode arcar com todas as tarefas que é necessário
208

desenvolver em prol da coletividade e, como tal, faz apelo aos capitais particulares e encarrega empresas
Página

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privadas de desempenharem a função administrativo: é o que se passa com a concessão de serviços

públicos. Em tal caso, estamos perante o exercício privado de funções públicas.

- A lei considera que um certo número de coletividades privadas são de tal forma

relevante no plano do interesse coletivo que, sem ir ao ponto de as nacionalizar, decide contudo

submete-las a uma fiscalização permanente ou mesmo a uma intervenção por parte da Administração

Pública: é o que acontece com as sociedades de interesse coletivo, junto das quais existe um delegado do

Governo. Aqui estamos perante o controlo público das atividades privadas.

- A lei admite que em determinadas áreas de atividade sejam criadas entidades privadas,

por iniciativa particular, para se dedicarem à prossecução de tarefas de interesse geral, numa base

voluntária e altruísta, tarefas essas que serão realizadas em simultâneo com a relação de atividades

idênticas pela Administração Pública. Assim, estamos face à coexistência colaborante entre atividades

públicas e privadas.

Segundo o professor FREITAS DO AMARAL, as instituições particulares de interesse público são

caracterizadas:

- Do ponto de vista orgânico ou subjetivo, por serem entidades particulares, i.e., pessoas

coletivas privadas, resultantes da iniciativa privada.

- Do ponto de vista material ou objetivo, por desempenharem por vezes uma atividade

administrativa de gestão pública, outras vezes pro exercerem uma atividade de gestão privada.

- Do ponto de vista do direito aplicável, o regime jurídico a que estão sujeitas é um misto

de direito privado e de Direito Administrativo.

No entanto, o facto de estarem sujeitas à regulamentação administrativa não as transforma em

elementos integrantes da Administração Pública. Estamos antes perante um fenómeno de

descentralização funcional do sector público por transferência de poderes próprios deste para a órbita

do sector privado ou por autorização da concorrência dos particulares com a Administração no

desempenho de certas tarefas comuns.


209

Até ao 25 de abril, a atual categoria as instituições particulares de interesse público compreendia

sobretudo 3 espécies:
Página

- Sociedades de interesse coletivo (se o seu substrato tivesse carácter de sociedade);

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- Pessoas coletivas de utilidade pública administrativa (se o seu substrato tivesse carácter

de associação ou fundação);

- Organismos corporativos facultativos.

No entanto, com a Revolução de Abril esta matéria sofreu grandes transformações: as sociedades

de interesse coletivo mantiveram-se, as pessoas coletivas de utilidade públicas administrativas sofreram

um enorme crescimento e os organismos corporativos facultativos não sobreviveram.

No entanto, segundo alguns aurores com a revogação da Constituição de 1933, suporte jurídico

do conceito de pessoas coletivas de utilidade pública administrativa no seu art.109.º, n.º 4, e a falta de

referência a tal figura na atual Constituição, esta categoria jurídica desapareceu. Apesar disto, e na

esteira dos ensinamentos do professor FREITAS DO AMARAL, tal não se afigura como possível, pois tal

conceito não é proibido pela Constituição, nem é incompatível com ela, até porque continua a ter

correspondência no direito ordinário.

5.1. Sociedades de interesse coletivo

Segundo o professor FREITAS DO AMARAL podemos definir as sociedades de interesse coletivo

como empresas privadas, de fim lucrativo que por exercerem poderes públicos ou estrem submetidas a

uma fiscalização especial da Administração Pública, ficam sujeitas a um regime jurídico específico

traçado pelo Direito Administrativo.

São exemplos de tais sociedades as concecionárias e outras empresas a que tenha sido confiada, a

qualquer título, a prestação de um serviço público ou de um serviço de interesse geral.

A principal diferença existente entre as sociedades de interesse coletivo e as pessoas coletivas de

utilidade pública é que as primeiras têm fim lucrativo, as segundas não.

Repara-se que a subordinação das sociedades de interesse coletivo a um regime jurídico

específico, traçado pelo Direito Administrativo pode justificar-se:

- Ou porque a empresa, embora privada, se dedica estatutária ou contratualmente, ao

exercício de poderes públicos que a Administração transferiu para ela;


210

- Ou porque as circunstâncias obrigaram a Administração a colocar a empresa privada


Página

num regime de fiscalização especial por motivos de interesse público.

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De qualquer forma, a lei sujeita a este tipo de empresas a um regime jurídico-administrativo, que

se sobrepõe ao regime de direito comum normalmente aplicável às empresas privadas. Este regime

comum continua, obviamente a aplicar-se em tudo quanto não seja contrário às regras especiais de

Direito Administrativo estabelecidas propositadamente por lei para as sociedades de interesse coletivo.

A categoria das sociedades de interesse coletivo revestia bastante importância antes do 25 de

abril, porque a principal forma de intervenção económica do Estado no sector privado era, ao tempo, a

declaração de certas empresas como empresas de interesse coletivo e a sua consequente sujeição ao

Direito Administrativo. Porém, a esmagadora maioria das empresas de interesse coletivo que existiam

antes de 1974 foram nacionalizadas em 1975 tornando-se empresas públicas e deixando, portanto, de

ser sociedades de interesse coletivo, porque as empresas públicas são privadas.

5.1.1. Espécies

São várias as espécies das sociedades de interesse coletivo, temos:

- Sociedades concessionárias de serviços públicos, de obras públicas ou de exploração de

bens do domínio público;

- Empresas que, a outro título, prestem serviços públicos ou serviços de interesse geral;

- Empresas participadas (ou seja, em que as entidades públicas exerçam influência

dominante) que prestem serviços públicos ou serviços de interesse geral;

- Outras empresas, participadas ou não, que exerçam poderes públicos;

- Empresas que exerçam atividades em regime de exclusivo ou privilégio não conferido

por lei geral.

5.1.2. Regime jurídico

O regime jurídico das sociedades de interesse coletivo é um regime duplo, pois é em parte

constituído por privilégios especiais, de as empresas privadas normalmente não gozam, e em parte

constituído por deveres ou sujeições especiais, a que tão-pouco a generalidade das empresas privadas se

acham submetidas.
211

Entre as prerrogativas e privilégios das sociedades de interesse coletivo, podem citar-se os 3


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mais importantes:

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- Isenções fiscais;

- Direito de requerer ao Estado a expropriação por utilidade pública de terrenos de que

necessitem para se instalar;

- Possibilidade de beneficiar quanto às obras que empreendem, do regime jurídico das

empreitadas das obras públicas.

Na categoria dos deveres ou encargos especiais impostos por lei as sociedades de interesse

coletivo pode ocorrer os seguintes:

- Os corpos gerentes destas empresas podem encontrar-se sujeitos a incompatibilidades e

limitações de renumeração estabelecidas por lei para os gestores públicos e, nomeadamente, ao princípio

de que o salário de base mensal não pode exceder o vencimento de Ministro;

- Se se tratar de empresas participadas pelo sector público, ficam sujeitas às regras e

princípios que o Regime Jurídicos do Sector Empresarial Local manda aplicar-lhes;

- O funcionamento destas empresas pode achar-se submetido à fiscalização efetuada pelos

delegados do Governo6.

5.1.3. Natureza jurídica das sociedades de interesse coletivo

Tem-se levantada o problema de saber se as sociedades de interesse coletivo fazem parte, ou não,

da Administração Pública em sentido orgânico ou subjetivo.

As pessoas coletivas privadas não fazem, por regra, parte da Administração Pública. Mas quanto a

estas entidades que ficam submetidas a um regime jurídico-administrativo, em especial quando exerçam

funções de carácter público coincidentes com as atribuições da Administração, pergunta-se se

6
Os delegados do governo são representantes do Estado, que fiscalizam a atividade da empresa; não é órgão da
empresa, é órgão do Estado e fiscaliza em nome do Estado a atividade desenvolvida pela empresa. Os administradores
por parte do Estado, que não devemos confundir com os delegados do governo, são órgãos da empresa, que fazem parte
212

do seu Conselho de Administração, mas são designados pelo Estados nos casos em que o Estado seja acionista dessa
empresa ou tenha por lei o direito de se fazer representar na respetiva administração.
Página

Assim, os delegados do Governo são órgãos do Estado-poder, que fiscalizam o funcionamento da empresa, ao passo que
os administradores por parte do Estado são órgãos da empresa, que representam o Estado-acionista.

Direito Administrativo I
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efetivamente passam, ou não, a ser elementos integrantes da Administração Pública. Há 2 teses

principais sobre o assunto:

- A tese clássica é a de que estas entidades, porque são entidades privadas, não fazem

parte da Administração Pública: são colaboradores da Administração, mas não são seus elementos

integrantes. Esta é defendida pelo professor FREITAS DO AMARAL, porque:

- As entidades privadas sujeitas a um regime administrativo são e continuam a ser

pessoas coletivas privadas, sujeitos de direito privado;

- A generalidade dos seus atos são atos jurídicos de direito privado, não são (em

regra) atos administrativos;

- O regime da responsabilidade civil aplicável a essas entidades é o que vem

previsto no CC;

- O pessoal ao serviço dessas entidades não pertence à função pública, sendo-lhe

diretamente aplicável o regime do contrato individual de trabalho;

- O próprio art.82.º da CRP vem reiterar a tese clássica.

- Segunda tese, segunda a qual as entidades, pelo facto de exercerem funções públicas,

tornam-se órgãos indiretos da Administração. Esta tese é defendida pelo professor MARQUES GUEDES.

5.2. As pessoas coletivas de utilidade pública

As associações e fundações podem ser vistas pela lei como entidades de utilidade particular ou

enquanto entidades de utilidade pública. São de utilidade particular aquelas que embora não tenham um

fim lucrativo, desenvolvam atividades que não interessem primacialmente à comunidade nacional ou a

qualquer região autónoma ou autarquia local, mas apenas a grupos privados. Mais, estas não aceitam

cooperar com a Administração Pública, central ou local.

São pessoas coletivas de utilidade pública as associações e fundação de direito privado que

prossigam fins não lucrativos de interesse geral, cooperando com a Administração Central ou local, isto

conforme a definição dada pelo diploma que regula as pessoas coléticas de utilidade pública, o DL n.º
213

460/77 de 7 de novembro.
Página

Direito Administrativo I
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Assim, as pessoas coletivas de utilidade públicas são pessoas coletivas privadas, que prosseguem

fins não lucrativos de interesse geral, sejam estes de âmbito nacional ou local, tendo estas que cooperar

com a Administração Pública no desenvolvimento desses fins de interesse geral, precisando de obter da

Administração, mais precisamente, do Governo (cfr. art.3.º/1 do DL 460/77) a declaração de utilidade

pública. Logo, não há pessoas coletivas de utilidade pública por mera decisão dos seus criadores (salvo

nos casos de equiparação automática previstos na lei).

Estas distinguem-se das empresas de interesse coletiva por não prosseguirem um fim lucrativo,

são as chamadas “non profit organizations”. Do ponto de vista jurídico, as pessoas coletivas de utilidade

pública assumem sempre a forma de associações, fundações ou cooperativas, ao contrário das empresas

que costumam ser sociedades (art.157.º do CC).

5.2.1. Espécies

Tal como o professor FREITAS DO AMARAL sugere, as pessoas coletivas de utilidade pública

podem ser classificadas segundo diferentes critérios:

- Quanto à natureza do substrato, dividem-se em associações, fundações e cooperativas.

- Quanto ao âmbito territorial de atual são pessoas coletivas de utilidade pública geral,

regional ou local, conforme prossigam fins de interesse nacional ou fins que interessam apenas a uma

região autónoma ou local.

- Quanto aos fins que prosseguem podemos ter três espécies de pessoas coléticas de

utilidade pública: As pessoas coletiva de mera utilidade pública, as instituições particulares de

solidariedade social e as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa.

As pessoas coletivas de mera utilidade pública compreendem todas as pessoas coléticas de

utilidade pública que não sejam instituições particulares de sociedade social nem pessoas coletivas de

utilidade pública administrativa, logo estas prosseguem fins de interessem geral que não correspondam

aos fins específicos das outras 2 categorias. O seu regime jurídico consta do D.L. 460/77 e caracteriza-se

por regalias e isenções, mas também deveres e limitações. A intervenção da Administração Pública no

funcionamento destas entidades é mínimo e não envolve qualquer tipo de tutela administrativa nem
214

controlo financeiro.
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Quanto às instituições particulares de solidariedade social, estas são constituídas para dar

expressão a um dever moral de solidariedade e justiça. O seu regime consta do D.L. n.º 119/83 de 25 de

fevereiro e contém, para além de privilégios e limitações especiais, o direito ao apoio financeiro do

Estado e a sujeição à tutela administrativa deste.

As pessoas coletivas de utilidade pública administrativa são as pessoas coletivas que não sendo

instituições particulares de solidariedade social, prossigam alguns dos fins previstos no antigo art.416.º 7

do CA8, é nomeadamente o caso das associações humanitárias que visam socorrer feridos, doentes ou

náufragos, apagar incêndios ou qualquer outra forma desinteressada de vidas humanas e bens. O seu

regime consta do CA e os seis atos e atividades estão sujeitos às regras da contabilidade pública, ao

controlo do Tribunal de Contas e à fiscalização dos tribunais administrativos (art.4.º/1/d do novo ETAF)

Em todas estas pessoas coletivas há graduação da intervenção da Administração Pública, na

primeira há intervenção mínima, porque os fins de interesse geral das entidades privadas não interferem

com as funções assumidas pela administração; na segunda é de tipo intermédio, porque os fins

prosseguidos coincidem com os da Administração, que favorece e fiscaliza a coexistência colaborante

entre as atividades privadas e públicas; e na terceira é máxima, porque tais entidades foram criadas pela

iniciativa particular para preencher uma lacuna dos poderes públicos e, como tal, correspondem a uma

modalidade de exercício privado de funções públicas, onde a intervenção e o controlo administrativo têm

de ser maiores.

5.2.2. Regime jurídico

Como estas entidades reúnem avultados patrimónios, normalmente obtidos por doação de

particulares, é necessários fiscalizá-las para que não haja dissipação de bens e para que as pessoas

encarregadas de geri-las não administrem os patrimónios no seu interesse pessoa, mas no interesse geral

que presidiu à afetação desses bens aos respetivos fins.

7
Artigo 416.º
Pessoas colectivas de utilidade pública administrativa. Definição
Consideram-se pessoas colectivas de utilidade pública administrativa as associações beneficentes ou humanitárias e os
215

institutos de assistência ou educação, tais como hospitais, hospícios, asilos, casas pias, creches, lactários, albergues,
dispensários, sanatórios, bibliotecas e estabelecimentos análogos, fundados por particulares, desde que umas e outros
aproveitem em especial aos habitantes de determinada circunscrição e não sejam administrados pelo Estado ou por um
Página

corpo administrativo.
8
Referimo-nos ao Código Administrativo, porque o seu regime ainda aí consta não tendo sido substituído por diploma
posterior.

Direito Administrativo I
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Nos termos do DL 460/77, todas as pessoas coléticas de utilidade pública têm o seguinte regime

jurídico-administrativo:

- Não podem desenvolver, a título principal, aticidades económicas em concorrência co

outras entidades que possam não beneficiar do estatuto de utilidade pública, cfr. art.2.º/1/c e 12.º/2/a

- Não podem exercer a sua atividade, de forma exclusiva, em benefício de interesses

privados quer dos próprios associados, quer dos fundadores, art.2.º/1/f

- Têm de estar registadas numa base de dados mantida pela Secretaria Geral da

Presidência do Conselho de Ministros (art.8.º/1)

- Gozam de isenções fiscais previstas em leis tributárias, art.9.º

- Beneficiam de isenção de taxas de televisão e de rádio e de isenção de taxas previstas na

legislação sobre espetáculos e divertimentos (art.10.º/a/e), bem como da publicação gratuito dos seus

estatutos e suas alterações no DR (art.10.º/f)

- Dispõem de tarifas reduzidas no consumo de energia elétrica e de água (10.º/b)

- Podem requerer a expropriação por utilidade pública, mesmo urgente, dos terrenos de

que careçam para prosseguir os seus fins estatutários (art.11.º)

- Têm de enviar anualmente à Presidência do Conselho de Ministros o relatório e contas

do exercício, prestar à Administração Pública quaisquer informações solicitadas e comunicar à Secretaria

Geral da Presidência do Conselho de Ministros as alterações dos estatutos (art.12.º)

Mais é de notar que associações ou fundações que prossigam fins de beneficência, humanitários,

de assistência ou de educação podem ser declaradas de utilidade pública logo no momento da sua

constituição; as restantes só o podem ser após 3 anos de efetivo funcionamento (art.4.º)

Desta forma as pessoas coletivas de utilidade pública têm um regime de carácter misto, pois

beneficiam de certos privilégios que as pessoas coletivas privada não têm, porque se dedica, à

prossecução de interesses gerais, mas ficam também sujeitas a deveres e encargos especiais, porque

prosseguem fins que diretamente interessam à Administração Pública como zeladora do bem comum.
216
Página

Direito Administrativo I
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5.2.3. Natureza jurídica das pessoas coletivas de utilidade pública

Assim, a sua natureza foi largamente debatida na vigência da Constituição de 1933. Segundo

MARCELLO CAETANO estas eram “pessoas coletivas de direito privado e regime administrativo”, “por

resultarem de um substrato criado por iniciativa de particulares para fins por estes determinados, cujo

reconhecimento resulta de ato do Poder público sobre o direito comum.” Já para AFONSO QUEIRÓ estas

eram pessoas coletivas de direito público, integradas na Administração, porque o seu regime era

fundamentalmente um regime jurídico de Direito Público, como por exemplo devido à sua submissão à

tutela administrativa, à aplicação ao respetivo pessoal do regime do funcionalismo público, a sujeição às

regras da contabilidade pública e ao controlo do Tribunal de Contas

De qualquer forma e independentemente da existente discussão doutrinária, a verdade é que o

atual diploma que regula as pessoas coletivas de utilidade pública, considera-as “entidades privadas que

cooperam com a Administração” e não como elementos integrantes desta. Aliás é de notar que a tutela

administrativa já não incide sobre o mérito e resume-se a um mero controlo de legalidade. Mais a

sujeição aos tribunais administrativos não abrange todas as pessoas coletiva de ductilidade pública, mas

apenas as de utilidade pública administrativa e, mesmo assim, não incide sobre toda a atividade destas,

mas unicamente sobre os atos administrativos que pratiquem (cfr. art.4.º/1/d do ETAF)

Assim, como o professor FREITAS DO AMARAL defende, devemos utilizar o conceito anglo-

saxónico de third-sector para classificar as pessoas coletivas de utilidade pública, porque integram um

sector não lucrativo, de fins altruístas, que se integra a atividades humanitárias e em que em tudo se

distingue do sector público e do sector privado. “Estão tão longe do sector público pelo seu espirito quanto

o estão do sector privado lucrativo pelos seus objetivos”

6. Administração pública autónoma

Para o professor FREITAS DO AMARAL a administração autónoma é aquela que prossegue

interesses públicos próprios das pessoas que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com

independência a orientação das suas atividades, sem sujeição a hierarquia ou a superintendência do

Governo.
217

Em primeiro lugar, administração autónoma prossegue interesses públicos próprios das pessoas

que a constituem, ao contrário da administração indireta que, como vimos, prossegue atribuições do
Página

Estado, ou seja, prossegue fins alheios.

Direito Administrativo I
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Em segundo lugar, e em consequência disso, a administração Autónoma dirige-se a si mesma,

apresentando-se como um fenómeno da autoadministração: quer dizer, são os seus próprios órgãos que

definem com independência a orientação das suas atividades, sem estarem sujeitos a ordens ou

instruções, nem a diretivas ou orientações do Governo.

Assim, o único poder que o Governo pode exercer sobre a Administração Autónoma é o poder de

tutela (199.º/4/d, 229.º e 242.º), o que é um mero poder de fiscalização ou controlo que não permite

nem dirigir nem orientar as entidades a ele submetidas.

Posto isto, pertencem à Administração Pública:

- As associações públicas;

- As autarquias locais;

- Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

As primeiras são entidades de tipo associativo; as segundas e as terceiras são as chamadas

pessoas coletivas de população e território. Em todas elas há um substrato humano: todas são

agrupamentos de pessoas, diferentemente do que acontece na Administração Indireta, onde tanto os

institutos públicos como as empresas públicas são substratos materiais.

As Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira integram-se na Administração Autónoma,

embora com algumas especificidades muito importantes que não permitem a sua integral assimilação às

associações públicas e às autarquias locais.

6.1. Associações Públicas

De acordo com o art.157.º e 167.º do CC, uma associação é uma pessoa coletiva constituída pelo

agrupamento de várias pessoas singulares ou coletivas que não tenha por fim o lucro económico dos

associados. Se tivesse por fim o lucro seria uma sociedade.

A maior parte das associações são entidades privadas. Mas algumas associações há que a lei cria
218

ou reconhece com o objetivo de assegurar a prossecução de certos fins ou interesses coletivos, chegando

mesmo a atribuir-lhes para o efeito um conjunto de poderes públicos, ao mesmo tempo que as sujeita a
Página

especiais restrições de carácter público.

Direito Administrativo I
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Segundo o professor FREITAS DO AMARAL, podemos definir as associações públicas como sendo

as pessoas coletivas públicas, de tipo associativo, destinadas a assegurar autonomamente a prossecução

de determinados interesses públicos pertencentes a um grupo de pessoas que se organiza com esse fim.

Estas distinguem-se das empresas e dos institutos públicos, porque estas são pessoas coletivas

públicas de tipo institucional, assentam sobre uma instituição (seja ela um serviço, uma fundação, um

património, um estabelecimento ou uma empresa), enquanto as associações corresponde ao tipo

associativo e têm por esteio um agrupamento de indivíduos e ou de pessoas coletivas com um objetivo

comum. Por outro lado, os institutos públicos e as empresas públicas existem para prosseguir os

interesses públicos do Estado, integrando-se por isso na Administração Indireta do Estado, ao passo que

as Associações Públicas existem para prosseguir interesses públicos próprios das pessoas que as

constituem, pelo que fazem parte da Administração Autónoma. As Associações têm interesses e fins

próprios e, por isso mesmo, dirigem, orientam e gerem os seus destinos, os seus bens, o seu pessoal e as

suas finanças sem estarem sujeitos a diretivas ou orientações exteriores.

Entre Associações Públicas e Institutos Públicos há apenas uma coisa em comum: ambos são

pessoas coletivas públicas, criadas para assegurar a prossecução de interesses públicos determinados e,

por isso, em ambos os casos estamos perante pessoas coletivas de fins singulares.

De qualquer forma, é de referir que as associações, no seu conjunto, têm vindo a assumir uma

importância crescente no seio da Administração Pública, assistindo-se mesmo a um movimento de

proliferação destas entidades. As razões prendem-se, por um lado, com a tendência neocorporativa que

se tem desenvolvido no âmbito das democracias ocidentais, na qual os mecanismos de concertação social

de representação social e de representação de interesses sectoriais ganham um peso crescente e, por

outro lado, o seu crescimento está também ligado à reforma administrativa e à necessidade de

flexibilizar e diversificar as formas de organização e os meios de atuação da Administração Pública,

tornando-a menos burocratizada e mais participada.

6.1.1. Espécies

Toda a associação pública tem sempre como base tem sempre como base, por natureza, um

substrato pessoal e associativo, i.e., um agrupamento de sujeitos de direito organizado em torno de um


219

fim e que tanto pode ser constituído por indivíduos como por pessoas coletivas.
Página

São 3 as espécies de associações públicas:

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A. Associações de entidades públicas

Por vezes, para se designar este tipo de associações utiliza-se a expressão consórcios públicos.

É a categoria menos controversa. Trata-se de entidades que resultam da associação, união ou

federação de entidades públicas menores e, especialmente, de autarquias locais. Trata-se também de

entidades que, nos últimos anos, se têm desenvolvido e multiplicado de uma forma muito intensa,

sobretudo devido ao sucessivo adiamento da criação das regiões administrativas.

Os exemplos mais relevantes deste tipo de entidades são:

- As áreas metropolitanas, que correspondem a pessoas coletivas públicas de natureza

associativa e âmbito territorial, que visam a prossecução de interesses públicos, comuns aos

municípios que as integram. Segundo o diploma que as rege estas são “livremente instituídas

pelos municípios integrantes das áreas geográficas” da grande Lisboa e do grande Porto, sendo-

lhe cometido um significativo conjunto de atribuições que, por sua vez, são transformadas em

competências dos respetivos órgãos: o conselho metropolitano, a comissão executiva e o

conselho estratégico.

- As comunidades intermunicipais, que são constituídas por um contrato, outorgado pelos

presentes dos órgãos executivos dos municípios envolvidos e celebrado em conformidade com a

lei civil. Os estatutos da associação, que são assim instrumentos jurídicos de direito privado, têm

o seu conteúdo mínimo definido por lei: denominação, sede composição, fins, bens, etc. No

entanto, a mesma lei é clara ao estabelecer que as comunidades intermunicipais destinam-se à

prossecução de fins públicos.

- As associações de municípios e de freguesias de fins específicos, que são constituídas

por contrato, que deve incluir os estatutos da nova entidade, nos termos da lei civil. Aqui a

liberdade constituição e adesão é bastante maior do que no caso das áreas metropolitanas e das

comunidades intermunicipais, sem prejuízo de se aplicar também o mesmo sistema de

desincentivo ao abandono por parte dos seus membros

B. Associações públicas de entidades privadas


220

Estas, segundo o professor FREITAS DO AMARAL, são o paradigma das associações públicas.
Página

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Como exemplos podemos apontar as ordens profissionais que basicamente começaram por ser

associações de profissões liberais, embora hoje muitos dos profissionais inscritos sejam trabalhadores

subordinados; e as camaras profissionais. A diferença entre as duas tem a ver com o grau académico dos

associados: curso superior no caso das ordens e curso intermédio no caso das câmaras (art.11.º da

LAPP).

Temos ainda como exemplo as academias científicas e culturais, que são qualificadas como

instituições de utilidade pública, dotadas de personalidade jurídica e autonomia administrativa e,

nalguns casos, estão sob a tutela do Governo ou são órgão consultivo do Governo. Estas são associações

públicas por terem atribuições na área do desenvolvimento, aprofundamento e divulgação do

conhecimento científico das artes e da cultura portuguesa.

C. Associações de carácter misto

Nestas numa mesma associação agrupam-se uma ou mais pessoas coletivas +públicas e

indivíduos ou pessoas coletivas privadas. Nestes casos, há associados públicos e particulares, uns e

outros com direito a participar na assembleia geral ou num órgão deliberativo equivalente, em

proporções variáveis. E nos órgãos executivos estão também presentes, em conjunto, tanto os

representantes do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, como os representantes dos

associados particulares.

Como exemplos temos as Entidades Regionais de Turismo, os centros de formação profissional

de formação profissional partilhada e as cooperativas de interesse público, que desenvolvem as suas

atividades em áreas tão díspares como a música, o apoio social ou a gestão de matas nacionais.

6.1.2. Figuras afins

Convém não confundir as associações públicas com outras entidades que não podem ser

qualificadas como tal:

- Por não serem pessoas coletivas de direito público;

- Por lhes faltar a natureza associativa;


221

- Ou mesmo por não possuírem personalidade jurídica.


Página

Assim, não são qualificáveis como associações públicas:

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- A Associação Nacional de Municípios e a Associação Nacional de Freguesias;

- As associações politicas;

- As igrejas e demais comunidades religiosas;

- As associações sindicais;

- A Cruz Vermelha Portuguesa;

- As federações desportivas;

- As casas do povo;

- Em geral, as associações de solidariedade social, de voluntários de ação social, de

socorros mútuos, bem como as demais associações de utilidade pública;

- As denominadas associações de desenvolvimento regional;

- As camaras de comércio e de indústria;

- A Comissão de Carteira Profissional de Jornalista;

- As organizações de moradores.

6.1.3. Regime constitucional e legal

Ao contrário do que acontece com as empresas públicas e com os institutos públicos, não existe

um diploma legal que regule as associações públicas no seu conjunto. Há contudo diplomas que

disciplinam as espécies mais importantes de associações públicas, como sucede com a LAL (Lei das

Autarquias Locais) e com a LAPP (Lei das associações públicas profissionais).

No entanto, como pessoas coletivas públicas e enquanto entidades integradas na Administração

Pública, são muitas as regras e princípios constitucionais que se aplicam de forma direta à totalidade das

associações públicas, nomeadamente:

- Princípio da validade dos atos de todos os poderes públicos depende da sua


222

conformidade com a CRP (art.3.º/3);

- A regra da vinculação das entidades públicas ao regime dos direitos, liberdades e


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garantias (art.18.º/1);

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- Ao direito dos particulares acederem aos tribunais para defesa dos seus direitos,

impugnando as decisões administrativas (art.20.º);

- Ao princípio da responsabilidade civil dos poderes públicos, por violação ativa ou

omissiva dos direitos dos particulares (art.22.º);

- Ao direito dos particulares solicitarem a intervenção do Provedor de justiça em defesa

dos seus direitos afetados por atuações ou omissões de entidades administrativas (art.23.º);

- Aos direitos de audiência e defesa dos particulares em todos os processos sancionatórios

e contraordenacionais (art.32.º/10);

- Art.112.º/6/8;

- À fiscalização das suas finanças pelo Tribunal de Contas, nos termos do art.214.º;

- À generalidade dos princípios constitucionais sobre organização da Administração

Pública, tais como os princípios da desburocratização, da aproximação dos serviços às populações, etc

(art.267.º);

- A todos os princípios constitucionais sobre atividade da Administração, tais como os

princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé (art.266.º);

- A todos os direitos constitucionais dos particulares (art.268.º);

- Direito à tutela jurisdicional efetiva;

- À fiscalização da constitucionalidade das normas regulamentares ou regimentais por si

emanadas (277.º e seguintes).

Não quer isto dizer que as associações públicas desenvolvam a sua atividade submetidas

exclusivamente ao direito público. Pelo contrário, o recurso ao direito privado é crescente. Assim,

podemos dizer que o recurso ao direito público dá-se quando pretendam agir perante os seus associados,

munidas de poder de autoridade, mas quando desenvolvem atividades instrumentais, as associações

públicas seguem normalmente ao direito privado.


223

Quanto ao direito constitucional e o regime específico das associações temos o art.165.º/1/s,


Página

199.º/d, 247.º, 253.º, 267.º/1, 267.º/4.

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Quanto à criação das associações públicas estas podem ter na sua origem um ato público que, a

partir do nada, procede à sua criação; a transformação de um organismo público de tipo institucional; um

ato jurídico dos seus associados e um ato de publicização de uma associação privada pré-existente.

6.1.4. As ordens profissionais em especial

Segundo o professor FREITAS DO AMARAL, as ordens e câmaras profissionais são associações

públicas formadas pelos membros de certas profissões de interesse público com o fim de, por devolução de

poderes do Estado, regular e disciplinar o exercício da respetiva atividade profissional (art.2.º LAPP).

Estas além da defesa dos interesses gerais dos destinatários dos serviços prestados pelos seus

membros identificam-se outros 4 núcleos fundamentais:

- Funções de representação da profissão face ao exterior;

- Funções de apoio aos seus membros;

- Funções de regulação da profissão;

- Funções administrativas acessórias ou instrumentais.

Assim, as ordens profissionais desenvolvem normalmente uma intensa atividade de defesa da

profissão.

Posto isto, as funções que por lei são desenvolvidas pelas ordens profissionais exigem, como é

natural, que seja colocado na disponibilidade destas um conjunto de instrumentos jurídicos de vária

natureza. Estas dispõem de poder regulamentar, bem como do poder de praticar atos administrativos,

definidores da situação jurídica individual e concreta dos seus membros e mesmo de terceiros (art.9.º e

17.º da LAPP).

As ordens profissionais caracterizam-se ainda pelo facto de o legislador, ao definir o seu regime,

as associar a um conjunto de poderes jurídicos fundamentais ao desempenho das suas funções. Assim, as

ordens profissionais têm as seguintes características:


224

- Unidade, que impede a existência de outras associações públicas com os mesmos


Página

objetivos e o mesmo âmbito de jurisdição

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- Filiação (ou inscrição) obrigatória (art.24.º LAPP). No entanto, esta característica

representa uma restrição à liberdade de associação e uma restrição à liberdade de profissão, que está

prevista no art.46.º da CRP

- Quotização obrigatória

- Autoadministração, numa Administração Pública que se quer descentralizada

democraticamente e participada, a autoadministração faz todo o sentido;

- Poder disciplinar.

6.2. Autarquias locais

A administração local autárquica não se confunde com a administração local do Estado: é uma

forma de administração muito diferente.

Em sentido subjetivo ou orgânico, esta corresponde ao conjunto das autarquias locais, em sentido

objetivo, é a atividade administrativa desenvolvida pelas autarquias locais.

Esta é um imperativo constitucional, estando previsto no art.235.º da CRP.

De qualquer forma, estas são definidas pelo professor FREITAS DO AMARAL como pessoas

coletivas públicas de população e território, correspondente aos agregados de residentes em diversas

circunscrições do território nacional, e que asseguram a prossecução dos interesses comuns resultantes da

vizinhança mediante órgãos próprios, representativos dos respetivos habitantes.

Assim, as autarquias locais comportam 4 elementos essenciais:

- O território – Este é, naturalmente, uma parte do território do Estado, desempenhando a

função de identificar a autarquia local, de definir a população respetiva e de delimitar as atribuições e as

competências da autarquia local e dos seus órgãos, em razão do lugar;

- O agregado populacional – É em função destas que se definem os interesses a prosseguir

pela autarquia e porque a população constitui o substrato humano da autarquia local.

- Os interesses comuns – Estes servem de fundamento à existência das autarquias locais,


225

as quais servem de fundamento à existência das autarquias locais, as quais se formam para prosseguir os
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interesses privativos das populações locais, resultantes do facto de elas conviverem numa área restrita,

unidas pelos laços da vizinhança.

- Os órgãos representativos.

6.2.1. Descentralização, autoadministração e poder local

Onde quer que haja autarquias locais há descentralização em sentido jurídico, o que significa que

as tarefas da administração pública não são desempenhadas por um só pessoa coletiva, mas por várias

pessoas coletivas diferentes, encarregadas de exercer a atividade administrativa.

6.2.2. O princípio da autonomia local

No Estado liberal, a autonomia local constituía um refuto próprio das autarquias face ao Estado,

análogo à liberdade dos cidadãos face ao poder político. Hoje, em pleno Estado social de Direito, o

princípio da autonomia local já não é mesmo.

Hoje, o princípio da autonomia local pressupõe:

- O direito e a capacidade efetiva das autarquias regulamentarem e gerirem uma parte

importante dos assuntos públicos (art.3.º/1 da Carta Europeia);

- O direito de participarem na definição das políticas públicas nacionais que afetam os

interesses próprios das respetivas populações;

- O direito de partilharem com o Estado ou com a região as decisões sobre matérias de

interesse comum;

- O direito de regulamentarem a aplicação das normas ou planos nacionais por forma a

adaptá-los convenientemente às realidades locais.

6.2.3. Espécies de autarquia locais em Portugal

Na CRP estão previstos:

- A autarquia concelhia ou município;


226

- O distrito, sendo uma circunscrição administrativa;


Página

- Freguesia;

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- Região, que irá ser criado no futuro.

6.2.4. Regime jurídico

A. Fontes

Como fontes tempos a CRP, a Lei n.º 75/2013 ou lei das autarquias locais, a Lei n.º 169/99, que

apesar de revogada parcialmente pela LAL, mantém-se em vigor na parte relativa à constituição,

composição e organização dos órgãos autárquicos, a Lei n.º 27/96 que regula as eleições autárquicas.

B. Traços Gerais

Na CRP, no capítulo I do título VIII da parte III, estão previstos os princípios gerais da matéria:

- Divisão do território, que só pode ser estabelecida por lei (art.236.º/4);

- Descentralização (art.237.º);

- Património e finanças locais (art.238.º/1);

- Correção de desigualdades (art.238.º/2);

- Órgãos dirigentes (art.240.º/1/2);

- Referendo local (art.240.º/3);

- Poder regulamentar (art.241.º);

- Tutela administrativa (art.242.º/1);

- As autarquias locais têm quadros de pessoal próprio (art.243.º/1);

- O Estado tem o dever de conceder às autarquias locais apoio técnico e meios humanos

(art.243.º/3).

Mais temos o princípio da reserva de lei em matéria de autarquias locais previsto no art.164.º e

165.º
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6.2.1. A Freguesia

As freguesias são definidas pelo professor FREITAS DO AMARAL como “autarquias locais que,

dentro do território municipal, visam a prossecução de interesses próprios da população residente em cada

circunscrição paroquial”.

A sua origem remonta ao século V, sendo que usava-se a expressão “paróquia”, como sinónimo de

freguesia. Estas até à época do Estado liberal estavam excluídas da Administração pública, passando

depois a integrá-la.

Organicamente, as freguesias são compostas pela Assembleia de Freguesia (o órgão deliberativo

e representativo dos habitantes, art.245.º CRP, que em pequenas freguesias pode ser substituído pelo

Plenário dos cidadãos eleitores) e pela Junta de Freguesia (o órgão executivo, art.246.º CRP).

À Assembleia de Freguesia compete eleger a Junta de Freguesia (função eleitoral), fiscalizar e

superintendê-la (função de fiscalização), discutir orçamentos, aprovar regulamentos, atribuir de poderes

tributários, decidir sobre outros assuntos importantes fora da competência da junta (função decisória).

À Junta de Freguesia compete executar as leis e outras deliberações da Assembleia de Freguesia

(função executiva), resolver os problemas que surgem na comunidade (função de estudo e proposta),

gerir os meios humanos e financeiros da freguesia (função de gestão), apoiar o desenvolvimento na

comunidade (função de fomento), colaborar com a Câmara municipal e demais entidades públicas que

prossigam interesse dos habitantes da circunscrição (função de colaboração).

A freguesia, enquanto integrante das autarquias locais é uma entidade pública que apresenta

uma base territorial. É uma entidade independente, distinta da pessoa coletiva do Estado (art.6.º/1 da

CRP). O artigo 3.º/1 da Carta Europeia de Autonomia Local define ainda o princípio da autonomia local

como impondo "o direito e a capacidade efetiva de as autarquias locais regulamentarem e gerirem, nos

termos da lei, sob sua responsabilidade e no interesse das respetivas populações, uma parte importante dos

assuntos públicos". Parte essa determinável pelo princípio da subsidiariedade (art.6.º/1 CRP e 4.º/3 da

Carta Europeia de Autonomia Local).


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As freguesias têm várias atribuições, que contribuem para esclarecer a sua importância efetiva.

Estas encontram-se enumeradas, de forma exemplificativa e não taxativa, no artigo 7.º do regime jurídico

das Autarquias Locais (Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, também designada de “LAL”). Assim, temos:

- Equipamento rural e urbano;

- Abastecimento público;

- Educação;

- Cultura, tempos livres e desporto;

- Cuidados primários de saúde;

- Ação social;

- Proteção civil;

- Ambiente e salubridade;

- Desenvolvimento;

- Ordenamento urbano e rural;

- Proteção da comunidade.

As atribuições das freguesias abrangem ainda o planeamento, a gestão e a realização de

investimentos nos casos e nos termos previstos na lei.

De facto, durante o Estado Novo, o panorama das atribuições era distinto, conferindo às

freguesias um papel de importância enfraquecida: as freguesias eram alvo de uma diminuição constante

de recursos e atribuições. Hoje em dia, como podemos extrair do referido artigo, a situação é inversa: não

só as freguesias receberam um aumento substancial de recursos, como também de atribuições, por parte

do Estado.

Este aumento exponencial de recursos e atribuições tem uma importância fundamental para

aproximar a Administração Pública aos cidadãos de cada freguesia. Esta ação de aproximação por parte
229

das freguesias realizou-se não só com as populações em zonas mais interiores e remotas do país, como
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também nas freguesias de centros urbanos. Situação esta apoiada pela Constituição, que dispõe que a

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Administração Pública deve ser “estruturada de modo a evitar a burocratização e a aproximar os serviços

das populações” (art.267.º/1) e estruturada de modo a promover a descentralização do poder (art.6.º/1).

As freguesias têm um âmbito de ação ainda mais alargado pela possibilidade legal de realizarem

protocolos com instituições públicas que promovam atividades como a assistência social, educativa,

cultural e a proteção do património.

Além disso, é prevista a possibilidade de delegação de competências das Câmaras Municipais nas

juntas de freguesias em todos os domínios dos interesses próprios das populações destas, em especial no

âmbito dos serviços e das atividades de proximidade e do apoio direto às comunidades locais (art.131.º

LAL).

Mesmo que não haja delegação, a mesma lei estabelece a "Delegação legal", isto é,

automaticamente consideram-se delegadas nas juntas de freguesias um conjunto de competências das

câmaras municipais (art.132.º), como assegurar a limpeza e reparação das vias e espaços públicos, gerir

e assegurar a manutenção de feiras e mercados; assegurar a realização de pequenas reparações nos

estabelecimentos de educação pré-escolar e do primeiro ciclo do ensino básico.

Por fim, é importante destacar que as freguesias assumem um papel de relevo em muitos outros

setores. Assim, no plano político, é de salientar que são as freguesias que apoiam vários processos

eleitorais, como as eleições presidenciais, autárquicas, legislativas, e legislativas regionais.

6.2.2. O Município

Segundo o professor FREITAS DO AMARAL, o município é a autarquia local que visa a

prossecução de interesses próprios da população residente na circunscrição concelhia, mediante órgãos

representativos por ela eleitos.

Os municípios tem importância em termos internacionais, pois é o único tipo de autarquia com

existência universal; históricos; políticos; económicos; administrativos; financeiros; jurídicos.

A CRP veio determinar que pertence à reserva absoluta de lei formal o regime da criação,

extinção e modificação territorial das autarquias locais (art.167.º/n) e que pertence à reserva relativa de
230

lei formal o estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais (art.168.º/1/s).

Mais, por via de regra, cada município tem os limites territoriais que corresponderem aos limites
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das freguesias que o integram.

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Enfim, cada município tem o direito de usar símbolos heráldicos, que o identificam e distinguem

perante terceiros

A. Classificação de municípios

Temos as classificações doutrinais ou cientificas que são feitas pela doutrina do direito

administrativo.

Temos as classificações estatísticas são aquelas que o Instituto Nacional da Estatística, que tem o

monopólio legal da elaboração e produção de estatísticas no pais, entender em seu critério dever fazer,

com base em dados numéricos referentes aos diversos municípios.

Finalmente, temos as classificações legais são as que são estabelecidas por lei, agrupando os

municípios em diferentes categorias para determinados efeitos jurídicos.

A. Atribuições municipais o problema de iure condendo e de iure condito

Quanto às atribuições municipais temo o plano do legislador, que é um plano de iure condendo e o

plano do direito legislador que é um plano de iure condito.

No plano de iure condendo à uma tendência para a centralização económica e para a

descentralização administrativa.

No entanto, no plano do direito legislado temos 3 critérios para definir as atribuições dos

municípios:

- Sistema de cláusula geral consiste em a lei definir numa fórmula sintética e abstrata

quais as atribuições do município, deixando depois a concretização à prática administrativa e, em caso de

dúvida, aos tribunais. É o sistema francês.

- Sistema da enumeração taxativa, em que a lei enuncia de forma expressa e detalhada

todas e cada uma das atribuições dos municípios, ficando entendido que a enumeração legal é taxativa,

i.e., que nenhuma outra atribuição pode ser considerada municipal, para além das que leis avulsas

expressamente indicarem.
231

- Sistema misto, que consiste em a lei fazer uma enumeração exemplificativa das

principais atribuições, remetendo e completando esse elenco com uma clausula geral: a lei
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pormenorizará detalhadamente um certo número de atribuições municipais e depois dirá “e além destas,

todas as que forem do interesse do município”. É o que está previsto no art.23.º/2 da LAL.

B. Transferência de competência dos órgãos do município

Nos termos da LAL, a descentralização administrativa concretiza-se através de 2 instrumentos:

- Transferência legal de competências, em que a transferência faz-se por atos legislativos, sendo

que o faz em termos definitivos e universais (art.114.º), ou seja, sem previsão de duração e para todos os

municípios. No entanto, esta definitividade não pode traduzir-se numa proibição de futura revogação da

lei de transferência de competências, dado que a LAL não tem valor reforçado.

- Delegação de competências – Esta assenta num acordo de vontades (art.116.º), fundando-se na

celebração de um contrato interadministrativo (art.120.º/1) cujo conteúdo deve, à semelhança do que

sucede com a lei de transferência de competências, integrar uma referência aos recursos humanos,

patrimoniais e financeiros necessários e aos estudos que fundamentaram a decisão de celebrar o

contrato (art.122.º). Tais contratos estão previstos no CCP e no CPA (art.120.º/2). Quanto à sua natureza

estes são verdadeiros contratos administrativos (art.1.º/6/b do CCP), a delegação pode apenas ocorrem

em relação às competências delegáveis (art.124.º/2), o período de vigência do contrato coincide com a

duração do mandato do Governo que o subescreveu (126.º/1) e considera-se renovado após a tomada de

posse do novo Governo (art.126.º/2). Finalmente, quanto à cessação do contrato, para além do decurso

do tempo, que determina a sua caducidade, os contratos também podem cessar por revogação (no caso

de acordo mutuo das partes), por resolução (no caso de incumprimento do contrato, art.123.º/2/4/5) e

por denúncia, no prazo de 6 meses após a tomada de posse do Governo ou após a instalação do órgão

autárquico (art.126.º/3).

C. Os órgãos do município

O município é uma pessoa coletiva e, como tal, tem órgãos que tomam decisões, que manifestam a

vontade própria da pessoa coletiva em causa, tal está previsto no art.235.º/2 da CRP.

Os órgãos do município dizem-se representativos quando a designação dos seus titulares provier

de eleição.
232

Uma classificação a que importa aludir está prevista no art.239.º é a diferença entre:
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- Órgãos deliberativos, que são os órgãos que tomam as grandes decisões de fundo e

marcam a orientação ou definem o rumo a seguir pela entidade a que pertencem. Estes são órgãos

colegiais amplos, tipo assembleia. No município este é a Assembleia Municipal.

- Órgãos executivos, que são os que aplicam as orientações gerais no dia-a-dia,

encarregando-se da gestão corrente dos assuntes compreendidas na pessoa coletiva. Estes são órgãos

colegiais restritos e singulares. No município este é a Câmara Municipal e, na opinião do professor

FREITAS DO AMARAL, o presidente da Câmara Municipal.

C.1. Assembleia Municipal

A Assembleia Municipal é o órgão deliberativo do município, i.e., funcionam como autentico um

autêntico parlamento municipal.

O art.251.º da CRP traça a composição da Assembleia. Esta não é toda eleita diretamente é, em

parte, constituída por membros eleitos e, em parte, constituída por membros por inerência que são os

presidentes da junta de freguesia. No entanto, o número de membros diretamente elementos pela

população não pode ser inferior aos dos presidentes das juntas de freguesia, nora que visa assegurar que

os escolhidos por eleição direta não fiquem em minoria perante os designados apenas mediante

inerência.

Quanto ao funcionamento, cfr. art.27.º da LAL, a Assembleia Municipal reúne-se em 5 sessões

ordinárias, em que duas delas têm agenda pré-fixada na lei: trata-se, por um lado, da sessão de Abril na

qual deve ser apreciado o inventário de todos os bens, direitos e obrigações patrimoniais e feita a

respetiva avaliação; por outro lado, temos a sessão de Novembro ou Dezembro em que cumpre aprovar

as propostas das opções dos planos de atividades e do orçamento para o ano seguinte.

Esta não desempenha funções executivas, nem funções de gestão, mas antes funções próprias

deste tipo de órgãos, cfr. art.25.º da LAL:

- Função de orientação geral do município, de que a mais importante é discutir e aprovar

o programa anual de atividades e o orçamento do município;


233

- Função de fiscalização da Câmara Municipal;

- Função de regulamentação, que consiste em elaborar regulamentos, como as posturas


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municipais;

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- Função tributária;

- Função de decisão superior, que se traduz na prática de atos sobre as matérias mais

importantes da vida do município.

C.2. A Câmara Municipal

Esta é o órgão colegial de tipo executivo a quem está atribuída a gestão perramente dos assuntos

municipais. Podemos chamar-lhe, portanto, o corpo administrativo, que é definido pelo professor

FREITAS DO AMARAL como todo o órgão colegial executivo encarregado da gestão permanente dos

assuntos de uma autarquia local.

Esta é diretamente eleito pela população do município.

Diz o art.57.º da Lei da Composição e Funcionamento dos Municípios e Freguesias (LCFA), que a

Câmara é composta pelo Presidente de Câmara, que é o primeiro candidato da lista mais votada para a

Câmara Municipal, e pelos vereadores.

Quanto ao número de vereadores que compõem cada Câmara Municipal é variável conforme a

dimensão do município.

Quanto ao funcionamento, ao contrário do que acontece com a Assembleia Municipal, que tem

um número certo de sessões ordinárias por ano, mais as sessões extraordinárias que forem

expressamente convocada – a Câmara Municipal está em sessão permanente.

No art.33.º da LAL estão previstos 5 tipos de funções:

- Função preparatória e executiva: a Câmara prepara as deliberações da Assembleia

Municipal e, uma vez tomadas, executa-as;

- Função consultiva: a Câmara emite parecer sobre projetos de obras não sujeitos a

licenciamento municipal e participa em órgãos consultivos de administração central;

- Função de gestão: a Câmara gere o pessoal, os dinheiros e o património do Município;

- Função de fomento: a Câmara apoia com outras entidades, o desenvolvimento de


234

atividades de interesse municipal de natureza social, cultural, desportiva ou recreativa;


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- Função de decisão: a Câmara toma todas as decisões de autoridade que a lei lhe confira,

nomeadamente através da prática de atos administrativos e de contratos administrativos.

A forma de exercício da competência da Câmara Municipal que constitui a regra é a do exercício

coletivo, pela Câmara, reunida em Colégio. No entanto, há exceções:

- Nos casos em que a competência da Câmara pode ser exercida pelo Presidente da

Câmara por delegação, cfr. art.34.º/1 da LAL.

- Nos casos em que a competência da Câmara pode ser delgada aos vereadores pelo

Presidente da Câmara, cfr. art.34.º/2 da LAL.

C.3. Presidente da Câmara

As principais competências do Presidente da Câmara estão previstas no art.35.º da LAL, temos:

- A função presidencial: consiste em convocar e presidir às reuniões da Câmara, e em representar

o município, em juízo e fora dele.

- A função executiva: cabe-lhe executar as deliberações tomadas pela própria Câmara;

- A função decisória: compete-lhe dirigir e coordenar os serviços municipais;

- A função interlocutória: cumpre ao Presidente da Câmara fornecer informações aos vereadores

e à Assembleia Municipal, bem como remeter a esta toda a documentação comprovativa da atividade do

Município, em especial no plano financeiro.

Mais além da competência própria, o Presidente da Câmara pode exercer competência delegada

nos termos do art.34.º/1.

C.4. O Conselho Municipal de Educação

O Conselho Municipal de Educação é um órgão de âmbito municipal com funções de natureza

consultiva e de coordenação da política educativa, criado pelo DL n.º 7/2003 de 15 de janeiro (Lei do

Conselho Municipal de Educação).


235

É de notar que os pareceres deste órgão devem ser remetidos diretamente aos serviços e

entidades com competências executivas a que respeitam.


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C.5. O Conselho Municipal de Segurança

O Conselho Municipal de Segurança é um órgão de âmbito municipal com funções de natureza

consultiva, de articulação, informação e cooperação, criado pela Lei n.º 33/98 (Lei do Conselho Municipal

de Segurança). Este reúne uma vez por trimestre, mediante convocação do presidente da Câmara

Municipal.

C.6. Os serviços municipais

Segundo o professor FREITAS DO AMARAL os serviços municipais, em sentido estrito, são os

serviços do município que, não dispondo de autonomia, são diretamente geridos pelos órgãos principais do

município.

O município toma decisões através dos seus órgãos. Mas essas decisões, antes de serem tomadas,

precisam de ser cuidadosamente estudadas e preparadas e, uma vez tomadas, têm de ser executadas. A

preparação e a execução das decisões competem aos serviços.

Os serviços pertencentes ao município chamam-se serviços municipalizados

C.7. Os serviços municipalizados e as empresas locais

Os serviços municipalizados são verdadeiras empresas públicas municipais que, não tendo

personalidade jurídica, estão integrados na pessoa coletiva município.

Estes estão regulados na Lei n.º 50/2012 de 31 de agosto (Regime jurídico do Sector Empresarial

Local).

Os serviços municipalizados são criados por deliberação da assembleia municipal, sendo que é

esta a acompanhar e a fiscalizar a sua atividade. Quanto ao seu objeto estes podem prosseguir: o

abastecimento público de água, gestão de resíduos urbanos, transporte de passageiros, etc (vide

art.10.º/1 da RSEL). Para além destas atividades não é admissível a criação de serviços municipalizados,

embora a lei tenha salvaguardado aqueles serviços já existentes à data da sua entrada em vigor.

Já quanto às empresas públicas locais, estas são regidas pelo RSEL. As empresas locais são

pessoas coletivas de direito privado, de tipo societário, constituídas e participadas nos termos da lei
236

comercial, nas quais a entidade pública participante exerce uma influência dominante. Por sua vez, a
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influência dominante certifica-se pela verificação de algum dos seguintes requisitos (art.19.º/1):

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- Detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto;

- Direito de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de gestão, de administração ou

fiscalização;

- Qualquer outra forma de controlo de gestão.

Consoante o seu objeto podemos ter:

- Empresas locais de gestão de serviços de interesse geral, em que o seu objeto é a

prossecução de um serviço público de âmbito local (art.45.º).

- Empresas locais de promoção do desenvolvimento local e regional, em que o seu objeto

é uma atividade que vise a promoção do crescimento económico ou o reforço da coesão económica e

social (art.48.º).

D. Associações de municípios

Segundo a LAL, as associações de municípios são verdadeiras pessoas coletivas públicas

(art.63.º/1). A sua constituição é complexa que envolve a assembleia municipal e a câmara municipal.

De acordo com o art.109.º da LAL, cada associação de municípios tem estatutos próprias que têm

de estabelecer a sua denominação, o seu fim, sede e composição, as competências dos órgãos, a

contribuição de cada município, entre outras coisas.

E. O referendo local

A possibilidade de efetuar consultas sobre assuntos relacionados com a vivência diária das

populações locais é uma forma de sensibilização dos cidadãos para a existência e necessidade de decisão

de problemas que lhe são próximos.

Este está previsto na Lei Orgânica n.º 4/2000 de 24 de agosto (LRL).

A LRL delimita positiva e negativamente o objeto da consulta:

- Pela positiva está estipulado no art.3.º/1;


237

- Pela negativa temos o art.4.º.


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Quanto aos requisitos temporais nenhum referendo local pode ser convocado ou realizado entre

a data da convocação e data da realização de eleições gerais para os órgãos de soberania. Além disso, não

pode haver cumulação entre os referendos locais e os regionais (art.6.º/3/8 da LRL).

Os limites circunstanciais estão previstos no art.9.º/1 da LRL.

Sobre o âmbito das consultas populares, estas tanto podem ter lugar ao nível da freguesia, como

ao nível do município (art.2.º/2 da LRL).

Já o procedimento tem 8 fases:

- Iniciativa, que é dos deputados dos órgãos deliberativos e aos órgãos executivos

(art.11.º) e de grupos de cidadãos recenseados na respetiva circunscrição territorial (art.10.º/2 e 13.º da

LRL)

- Decisão sobre a realização da consulta, em que a votação para a aprovação, pelo órgão

competente, das propostas apresentadas das quais consta obrigatoriamente o conteúdo das preguntas

(art.23.º);

- Controlo da constitucionalidade e da legalidade do procedimento bem como da

formulação das perguntas, que compete ao TC (art,25.º) e que tem 25 dias para emitir a sua pronúncia

(art.26.º da LRL).

- Marcação da data do referendo, cujos prazos estão previsto no art.33.º/1.

- Campanha de divulgação e de debate, que deverá decorrer com vista à apresentação

pública e ao debate democrático (art.37.º).

- Votação popular, que está previsto no art.96.º;

- Apuramento dos resultados, que está previsto no art.127.º

- Publicação oficial dos resultados, que é feito nos termos do art.145.º

Sobre os efeitos do referendo: estes traduzem-se na sua vinculatividade, desde que na votação

tenha participado mais de metade dos eleitores inscritos no recenseamento.


238

No entanto, o referendo não é a única forma de democracia participativa no âmbito local:


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- O direito de petição de que gozam os cidadãos eleitores da circunscrição administrativa,

traduzindo na possibilidade de apresentação aos órgãos de governo local de pedidos no sentido de

adoção ou cessação de determinadas medidas que considerem relevantes para o interesse público local

(art.52.º/1 da CRP);

- O direito de intervenção nas reuniões dos órgãos colegiais autárquicos, num período

fixado com vista à prestação de esclarecimentos, cuja referência sumária é lavrada em ata

(art.49.º/2/4/5/6 da LAL);

- O direito de requerer a convocação de reuniões extraordinárias dos órgãos deliberativos

autárquicos, sendo certo que a LAL impõe que este requerimento seja subscrito por um mínimo de

eleitores (art.12.º/1/c e 28.º/1/c da LAL).

F. A problemática das grandes cidades e das áreas metropolitanas

F.1. A organização das áreas metropolitanas

Para além das grandes cidades existem os seus arredores. O conjunto formado pela grande cidade

e pelos núcleos populacionais suburbanos ou satélites chama-se área metropolitana.

Em relação ao problema da organização administrativa das áreas metropolitanas, existem 3 tipos

de soluções:

- Sistema de anexação dos pequenos municípios urbanos pelo município da grande

cidade, em que a grande cidade ao expandir-se absorve no seu seio os municípios que, até aí, eram seus

vizinhos. Foi o que aconteceu em Lisboa com Algés e os Olivais.

- Sistema da associação obrigatória de municípios, em que a lei impõe a associação do

município da grande cidade com os municípios limítrofes.

- Sistema de criação de uma autarquia supramunicipal, em que as autarquias municipais

se mantém, mas é criada uma nova autarquia, de nível superior, a qual engloba e substitui a grande

cidade e os municípios dos sus arredores. É o sistema vigente em Londres e Paris.

F.1.1. As áreas metropolitanas e as comunidades intermunicipais


239

A LAL prevê a existência de dois tipos de entidades intermunicipais para a prossecução de fins
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gerais: a área metropolitana e a comunidade intermunicipal. Ambas constituem associações de

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autarquias locais e representam formas de cooperação intermunicipal caraterizadas pela exclusividade e

pela contiguidade territorial.

O regime de ambas é bastante aproximado, o que significa que o modelo de cooperação

intermunicipal adotado passou a tratar de forma praticamente igual realidades bastante diferentes:

núcleos populacionais de milhões de habitantes e núcleos populacionais de pouco mais de 100 mil

habitantes.

Ainda assim, existem algumas diferenças: o caráter voluntário da sua instituição, o alcance das

suas atribuições, e a estrutura orgânica adotada.

Criação: as áreas metropolitanas são aquelas que a lei indicar (art.66º/1 LAL). Já as comunidades

intermunicipais são livremente instituídas pelos municípios que integrem uma determinada área

geográfica previamente delimitada por lei. A lei não obriga à constituição da entidade, mas fixa

previamente quais os municípios habilitados a integrá-la (art.66º/2 LAL). A comunidade constitui-se por

contrato. A eficácia do acordo depende da aprovação pelas assembleias municipais dos municípios

envolvidos (art.80º/1, 2 e 3).

As comunidades intermunicipais não podem ser instituídas sem o acordo de um número mínimo

de municípios que a queiram integrar, vendando a lei a instituição destas com número inferior a cinco

municípios ou que tenham população somada inferior a 85000 habitantes (art. 80º/5 LAL). Estando a

comunidade intermunicipal já constituída, qualquer município habilitado a integrá-la tem o direito

potestativo de a ela aderir, mediante deliberação da câmara municipal, aprovada pela assembleia

municipal (art. 80º/4 LAL).

A lei contempla a possibilidade de criação de 21 comunidades intermunicipais, estando

atualmente todas constituídas.

Atribuições: existe coincidência quase total entre as atribuições prosseguidas pelas áreas

metropolitanas e as comunidades intermunicipais. Entre elas (art. 67º e 81º LAL):

- Funções de planeamento da estratégia de desenvolvimento económico, social e

ambiental do respetivo território;


240

- Função de articulação dos investimentos municipais;


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- Funções de participação na gestão dos programas de apoio ao desenvolvimento

regional;

- Funções de articulação dos municípios com os serviços de administração central

relativamente às redes de serviços públicos.

As áreas metropolitanas participam ainda na definição de redes de serviços e equipamentos de

âmbito metropolitano, assim como em entidades públicas de âmbito metropolitano.

As áreas metropolitanas e as comunidades intermunicipais podem também exercer as

competências transferidas pelo Estado e aquelas que são delegadas pelos municípios que as integram

através da celebração de contratos de delegação de competências (art. 67º/3 e 81º/3 LAL).

Órgãos: no caso das áreas metropolitanos, a lei prevê um órgão deliberativo, o conselho

metropolitano, um órgão executivo, a comissão executiva metropolitana, e um órgão consultivo, o

conselho estratégico para o desenvolvimento metropolitano.

O conselho metropolitano é constituído pelos presidentes das câmaras municipais dos

municípios que a integram (art. 69º/2 LAL). O conselho tem um presidente e dois vice-presidentes,

eleitos de entre os seus membros (art. 69º/3 LAL). Compete-lhe, pelo art. 71º LAL, definir e aprovar as

opções políticas e estratégicas da área metropolitana, aprovar o orçamento e o plano de ação da área

metropolitana, acompanhar e fiscalizar a atividade da comissão executiva, com o poder de a demitir.

Detém ainda competência regulamentar.

A comissão executiva é constituída pelo primeiro-secretário e por quatro secretários

metropolitanos, eleitos pelas assembleias municipais dos municípios que a integram (art. 73º/2 LAL). Os

membros são eleitos através de um processo complexo que consiste na realização de uma eleição a

decorrer simultaneamente em todas as assembleias municipais dos municípios que integram a área

metropolitana e que devem ser convocadas para reunir na mesma data e hora pelos respetivos

presidentes. A votação tem por objeto a eleição de uma lista ordenada de candidatos, previamente

aprovada pelo conselho metropolitano. A lista submetida a votação é eleita se reunir a maioria dos votos

favoráveis num número igual ou superior a metade das assembleias municipais, desde que aqueles votos
241

sejam representativos da maioria do número de eleitores somados de todos os municípios que integram

a área metropolitana (art. 74º LAL).


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Compete à comissão executiva metropolitana, pelo art. 76º LAL, executar as opções do plano e o

orçamento, assegurar o cumprimento das deliberações do conselho metropolitano, bem como dirigir os

serviços metropolitanos.

O conselho estratégico para o desenvolvimento metropolitano é constituído por representantes

das instituições, entidades e organizações com relevância e intervenção no domínio dos interesses

metropolitanos, cuja designação cabe ao conselho metropolitano (art. 78º LAL).

No caso das comunidades intermunicipais, a lei prevê quatro órgãos: dois órgãos deliberativos, a

assembleia intermunicipal e o conselho intermunicipal, um órgão executivo, o secretariado executivo

intermunicipal e um órgão consultivo, o órgão estratégico para o desenvolvimento intermunicipal.

A assembleia intermunicipal é constituída por membros de cada assembleia municipal dos

municípios que integram a comunidade intermunicipal, eleitos de forma proporcional, nos termos do art.

83º/1 da LAL: 2 nos municípios até 10.000 eleitores; quatro nos municípios entre 10001 e 50.000

eleitores; estais nos municípios entre 50001 e 100000 eleitores; 8 nos municípios com mais de 100000

eleitores.

A eleição ocorre em cada assembleia municipal e nela só participam os seus membros eleitos

diretamente. Os mandatos são atribuídos segundo modelo de representação proporcional, e o método da

média mais alta de Hondt (art. 83º/2 e 3 LAL).

Nos termos do art. 84º LAL, compete a esta aprovar, sob proposta do conselho intermunicipal, as

opções do plano e o orçamento, bem como apreciar o inventário de todos os bens, direitos e obrigações

patrimoniais e apreciar e votar os documentos de prestação de contas. Compete ainda eleger, sua

proposta do conselho intermunicipal, o secretariado executivo intermunicipal, bem como aprovar

moções de censura a este órgão.

O conselho intermunicipal é constituído pelos presidentes das câmaras municipais dos

municípios que integram a comunidade intermunicipal (art. 88º/1 LAL). O conceito de um presidente e 2

vice-presidente, eleitos de entre os seus membros.

Nos termos do art. 90º LAL, compete a este definir e aprovar as opções políticas estratégicas da
242

comunidade intermunicipal, bem como acompanhar e fiscalizar a atividade do secretariado executivo


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intermunicipal. O conselho tem competência para aprovar regulamentos, sob proposta do secretariado

executivo, e o poder de demitir o secretariado executivo intermunicipal.

O secretariado executivo intermunicipal é constituído pelo primeiro-secretário e até dois

secretários intermunicipais (art. 93º LAL).

Os membros são eleitos pela assembleia intermunicipal, que delibera, em sufrágio secreto, sobre

uma lista ordenada de candidatos previamente aprovada pelo conselho intermunicipal e comunicada ao

presidente da assembleia municipal. Este, por sua vez, assegura que a reunião regular da assembleia tem

lugar nos 30 dias subsequentes à comunicação do conselho intermunicipal (art. 94º LAL).

Nos termos do art. 96º LAL, completa e este este executar as opções do plano e o orçamento,

assegurar o cumprimento das deliberações do conselho intermunicipal e dirigir os serviços

intermunicipais.

O conselho estratégico para o desenvolvimento intermunicipal é constituído por representantes

das instituições, entidades e organizações com relevância e intervenção no domínio dos interesses

intermunicipais, cuja designação cabe ao conselho intermunicipal (art. 78º LAL).

Quanto ao seu funcionamento, aplica-se às entidades intermunicipais o regime jurídico aplicável

aos órgãos municipais (art. 104º LAL).

Sistema de governo: Há semelhança entre ambas as entidades. O órgão executivo responde

sempre perante todas as assembleias municipais dos municípios que integram a respetiva área

metropolitana ou comunidade intermunicipal, podendo ser demitido em resultado da aprovação de uma

moção de censura pela maioria das assembleias municipais (art. 102º/1/a LAL). O órgão executivo

respondem ainda internamente: No caso da área metropolitana, a comissão executiva pode ser demitida

pelo conselho metropolitano, e, no caso da comunidade intermunicipal, porque há dois órgãos

deliberativos, o secretariado executivo pode ser demitido, quero por um quero por outro (art. 102º/1/b

LAL).

Tutela: As entidades intermunicipais estão sujeitas a tutela administrativa do governo, mos

mesmos termos das autarquias locais (art. 64º LAL).


243

F.1.2. Os problemas de constitucionalidade suscitados pelas novas figuras


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O facto de configurarem formas de cooperação intermunicipal para a realização de fins gerais,

torna estas figuras desconformes com a Constituição, por força do princípio da tipicidade da noção de

autarquia (art. 236º/2 CRP). Além disso, a concessão de poder regulamentar a entidades cujos órgãos

deliberativos não tem legitimidade democrática direta representa uma violação da Constituição (art. 24º

CRP).

Relativamente às áreas metropolitanas:

A liberdade de constituição de associações e federações de municípios decorre do direito de

associação (art. 46º CRP), extensível às pessoas coletivas de base territorial, desde que compatível com a

sua natureza (art. 12º/2 CRP). Esta extensão é confirmada pelos art. 247º e 253º CRP, que reconhecem às

freguesias e aos municípios o direito de associação para realização de interesses comuns nos termos da

lei. Assim, o sentido útil do art. 236º/3 CRP terá de encontrar-se para além da consagração de um direito

de associação das autarquias subordinado ao princípio da especialidade, regra basilar da constituição de

quaisquer pessoas coletivas de base associativa.

Permitindo a constituição a criação, nas grandes áreas urbanas, de outras formas de organização

territorial autárquica, conforme o art. 236º/3, impõe-se a leitura conjugada deste preceito com o art.

235º/2 CRP, onde se define o conceito de autarquia local. É relevante a menção da existência obrigatória,

nas autarquias locais, de órgãos representativos das populações respetivas. Ora, as áreas metropolitanas

não prevêem qualquer método de designação democrática dos seus órgãos, maxime do deliberativo. A

afronta aos art. 235º/2 e 236º/3 CRP afigura-se incontornável.

A LAL incorre em nova violação da constituição quando comete aos órgãos deliberativos das

áreas metropolitanas a competência para aprovar regulamentos. A constituição reserva para as

autarquias locais o exercício do poder regulamentar, no art. 241º. Faz sentido que assim seja. A

emanação de regulamentos externos pressupõe a legitimação democrática direta do órgão que os aprova.

Há, por isso, violação clara do art. 241º CRP, bem como do princípio democrático ínsito no art. 2º CRP.

Relativamente às comunidades intermunicipais:

As considerações expendidas a propósito das áreas metropolitanas aplicam, por maioria de


244

razão, às comunidades intermunicipais. A comunidade intermunicipal é uma figura totalmente estranha

ou organograma da administração local referido na constituição, constituindo um novo tipo de autarquia.


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A associação de municípios só pode ser constituída para a prossecução de fins determinados, não

podendo ter como objeto em fim genérico ou global semelhante aos das autarquias locais. Estas não são

pessoas colectivas territoriais que tenham como atribuições tudo o que disser respeito aos interesses das

respectivas populações. Sem este princípio da especialidade, a associação de municípios seria

inconstitucional, porque violaria as normas constitucionais que definem as diversas categorias de

autarquias locais (art. 236º CRP).

A figura da comunidade intermunicipal é, pois, também inconstitucional, por violação dos art.

236.º/3, 235.º/2 e 241.º e 242.º CRP.

F.2. A organização dos núcleos populacionais suburbanos

Como organizar, no plano administrativo, os núcleos populacionais?

Os núcleos suburbanos vizinhos das grandes cidades pertencem a municípios adjacentes as

grandes cidades. O problema é que por vezes surgem grandes aglomerados populacionais no território

desses municípios adjacentes, mas fora das respetivas sedes, e bastante longe do controle dos órgãos

municipais em cujo território estão implantados.

Estes grandes núcleos populacionais carecem de uma estrutura e organização administrativa

especiais, sobretudo produto para garantir a comunidade do público.

Três soluções são possíveis:

a) Criação de delegações dos serviços municipais;

b) Organização desses núcleos em bairros administrativos;

c) Transformação dos núcleos suburbanos em novos municípios.

A primeira solução é mais barata mas a nossa lei não a prevê.

A segunda solução foi adotada pelo decreto-lei n.º 49 268, de 26 de setembro de 1969, e aí

sempre na modalidade de bairros administrativos com delegações dos serviços municipais. A solução

tem o inconveniente de representar uma intromissão do estado na esfera própria da autonomia


245

municipal, porque traduzia-se na entrega da gestão de interesses autárquicos aos administradores do

bairro, que eram magistrados administrativos. Esta solução foi afastada com o 25 de abril.
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Por vezes só a terceira solução satisfaz: Quando o núcleo populacional em causa atinge dimensão

e condições objetivas de autonomia municipal, a única saída tem que ser a criação de uma nova

autarquia. A adoção desta terceira solução, porém, levanta o outro tipo de questões, que têm a ver com os

critérios gerais que devem presidir a criação de novos municípios.

O legislador tem-se mostrado bastante insensível a esta problemática. Tem havido, porém, em

alguns municípios, casos de adoção, quase sempre restrita, da solução a).

G. A intervenção do Estado na administração municipal

Cumpre distinguir três fases bem distintas que a legislação respetiva atravessou nas últimas

décadas:

- Primeira fase (de 1936 a 1974): Foi o período do estado novo. O regime era politicamente

autoritário e centralizado. A tutela administrativa do governo sobre as autarquias locais era tanto de

legalidade como de mérito;

- Segunda fase (de 1974 a 1989): Os primeiros 15 anos após o 25 de abril. A constituição diz

claramente descentralizadora (art.6.º/1 e 267.º/2 CRP) e erigiu as autarquias locais em poder local. A

autonomia municipal foi reforçada e a tutela administrativa do estado reduzida: a primeira LAL limite

total tutela a tutela de legalidade (art.91.º a 93.º). Essa orientação foi consagrada em 1982 na

constituição (art.243.º/1 CRP). Na prática, este regime era precisamente liberal, e revelou-se insuficiente,

e incapaz de proporcionar ao estado meios adequados de tutela sobre as autarquias locais;

- Terceira fase (de 1989 em diante): Iniciou-se com a Lei n.º 87/89, de 9 de setembro, sobre tutela

administrativa das autarquias locais e das associações de municípios de direito público. Atualmente, o

diploma que disciplina a matéria da tutela do estado sobre as autarquias locais e Lei n.º 27/96, de 1 de

agosto.

Objeto: só pode ter por objeto a legalidade (art.242.º/1 CRP).

Espécies: Tutela inspetiva e tutela integrativa. A tutela sancionatória desapareceu do texto atual.

Contudo, a LTA acaba por cometer ao governo uma relevante capacidade de iniciativa pré-processual,
246

atribuindo-lhe competência para, na sequência de um subprocedimento contraditório, decidir sobre se

deve ou não haver lugar à propositura de uma ação judicial. Nem a LTA procedeu ao completo
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esvaziamento da tutela sancionatória do governo, em virtude de ter ainda reservado a iniciativa pré-

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processual, nem tão pouco se verifica uma reserva específica de administração no que concerne ao

exercício da tutela sancionatória sobre os órgãos autárquicos, pois o art.242.º/1 CRP remete para a lei as

formas de atuação do poder de tutela administrativa.

Se é certo que a natureza sancionatória dos atos de tutela visados pelo art.242.º CRP se aproxima

este poder da competência disciplinar, não é menos verdade que a legitimidade democrática dos titulares

dos órgãos autárquicos obriga a um controlo independente e imparcial das causas de dissolução e perda

de mandato, que só os tribunais administrativos podem levar a cabo.

Conteúdo: Não se prevê a possibilidade de o estado utilizar as modalidades da tutela revogatória

ou substitutiva.

Titularidade: A tutela administrativa sobre as autarquias locais é uma atribuição do estado. A que

órgãos do estado compete exercê-la? A dois (art.5.º): Ao governo, através do ministro das finanças e do

ministro competente em matéria de administração local; e aos governadores civis, na área de cada

distrito.

Exercício da tutela inspetiva: Inspecionar significa examinar as contas e documentos, a fim de

verificar se tudo se encontra de acordo com as leis aplicáveis (art. 3º/2/a e 6º LTA). Se se suspeita de

existência de uma situação geral de legalidade numerosas imputáveis a vários indivíduos, procede-se a

uma sindicância (art.3.º/2/c); se se pretende fazer apenas uma inspeção de rotina procede-se inquérito

(art.3.º/2/b).

Podem ser ordenados pela autoridade competente por iniciativa própria, onde é denúncia de

outros órgãos da administração ou particulares. O processo de análise de documentos e recolha de

informações da levada a cabo por funcionários do estado (inspetores) e pode ser mais ou menos

demorado (art.6.º LTA). Os órgãos e agentes visados têm o dever de colaborar, tu pena de

responsabilidades disciplinar ou criminal. Uma vez reunidos os elementos de prova, os inspetores

redigirão um relatório sujeito a apreciação pelo membro do governo competente (art.6.º/3 e 6).

Este, se não optar pelo arquivamento do processo, deverá promover as diligências instrutórias de

modo a salvaguardar os direitos de defesa dos visados e o princípio do contraditório (art.6.º/4 LTA e
247

32.º/1 CRP), bem como solicitar um parecer ao órgão deliberativo sobre a dissolução do órgão executivo

(art.6.º/5). Uma vez apresentadas as alegações ou emitido parecer, o membro do governo decidirá se
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arquiva o relatório ou o envia ao representante do ministério público, para que este, no prazo 20 dias,

proponha ação judicial (art.11.º/3 LTA).

Perda de mandato: Os membros dos órgãos autárquicos estão sujeitos a sanção legal de perda do

mandato, desde que se prove que cometeram determinadas ilegalidade consideradas graves (art.7.º,

8.º/3 e 9.º/i). A LTA entrega o julgamento de todas as ações de perda de mandato, sejam quais forem os

seus fundamentos, os tribunais administrativos. Se relativamente à avaliação das causas de

inelegibilidade a solução se compreende (art.8.º/1/b), já a natureza disciplinar da questão das faltas

(art.8.º/1/a) teria recomendado a manutenção da opção anterior, sem prejuízo da impugnabilidade

contenciosa da deliberação administrativa que decretasse tal sanção.

Na ausência de determinação expressa na lei, uma vez decretada a perda do mandato, a vaga será

preenchida pelo cidadão seguinte na lista apresentada a sufrágio ou, em caso de coligação, pelo cidadão

imediatamente a seguir do partido pelo qual havia sido proposto o membro que perdeu o mandato.

Dissolução: Qualquer órgão colegial autárquico pode ser dissolvido, cessando simultaneamente o

mandato de todos os seus membros, quando lhe forem imputáveis ações ou omissões e legais graves

(art.242.º/3 CRP e art.9.º/3 LTA.)

Presentemente, nos termos do art.11.º LTA, as decisões de dissolução dos órgãos autárquicos ou

de entidades equiparadas são da competência dos tribunais administrativos de círculo. Determinada a

dissolução de um órgão autárquico, a decisão judicial é notificada ao governo (art.15.º/7) e pode suceder

uma 3 coisas:

- Tratando-se da assembleia de freguesia ou da câmara municipal, é nomeada uma

comissão administrativa, de 3 a 5 membros, ficará a gerir os atos correntes da competência do

órgão executivo dissolvido até a realização de novas eleições, que hão-de, em regra, ter lugar no

prazo máximo de 90 dias (art.14.º/3);

- Tratando-se da assembleia municipal, não há nomeação de qualquer comissão

administrativa, devendo ser marcadas novas eleições no prazo máximo de 90 dias (art.14.º/3);

- Tratando-se da junta de freguesia ou de órgãos equiparados de outras pessoas coletivas


248

de base autárquica, também não há nomeação de qualquer comissão administrativa, tendo de se


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proceder, de acordo com as leis aplicáveis, à nova eleição para designação dos titulares dos

órgãos.

Causas de não aplicação da sanção: a LTA torna clara a necessidade de verificação de existência de

culpa como pressuposto da aplicação das decisões de perda de mandato e de dissolução do órgão colegial

(art.10.º).

Efeitos das sanções tutelares: Os autarcas a quem tenha sido aplicada a sanção de perda de

mandato, ou que fossem membros de um órgão dissolvido, ficam impedidos de fazer parte da comissão

administrativa prevista no artigo 14.º (art.12.º/1 LTA).

Este efeito negativo só não se produzirá quanto aos autarcas que não tiverem participado nas

votações ou tiverem votado contra nas deliberações que hajam causado a dissolução (art.12.º/2). Por seu

turno, a renúncia ao mandato por parte do titular do órgão alvo de uma ação de perda de mandato não

prejudicará a produção do efeito sancionatório previsto no art.12.º/1.

Nos termos do art.12.º/4, a dissolução do órgão deliberativo da freguesia ou da região

administrativa envolve necessariamente a dissolução da respetiva junta.

Apreciação final: O regime jurídico da tutela administrativa do estado sobre as autarquias locais e

associações de municípios parece a FREITAS DO AMARAL na generalidade correto e equilibrado, na

parte que toca à tutela de legalidade. Falta porém introduzir alguns casos de tutela de mérito que se

afiguram inteiramente justificados.

6.3. Regiões Autónomas

O Estado Português é unitário, na medida em que, sob o ponto de vista constitucional pressupõe

uma só fonte de poder constituinte e uma só constituição com autonomia político-administrativa. No

entanto, em Portugal existem regiões com autonomia político-administrativa regulada no estatuto

próprio de cada uma, assegurando a competência dos órgãos legislativos da região e os poderes das

respetivas autoridades executivas.

As regiões autónomas dos Açores e da Madeira são pessoas coletivas de direito público, de
249

população e território, que pela Constituição dispõem de um estatuto político-administrativo privativo e

de órgãos de governo próprios democraticamente legitimados, com competências legislativas e


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administrativas, para a prossecução dos seus fins específicos:

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São fundamentos da sua autonomia as suas características geográficas, económicas, sociais e

culturais e as históricas aspirações autonomistas das populações insulares. Mais estas prosseguem fins

próprios: a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-social e a promoção e

defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade

entre todos os portugueses. No entanto, têm os seus limites como a integridade da soberania do Estado e

o respeito da CRP.

6.3.1. Figuras afins

Além de se distinguirem dos Estados federados, estes são entes soberanos na ordem interna e,

por isso, dispõem de Constituição própria.

As regiões autónomas distinguem-se também das regiões administrativas, previstas nos artigos

255.° a 262.° da CRP. Estas não dispõem constitucionalmente de um estatuto jurídico especial, as leis de

instituição em concreto são simples leis ordinárias e, sobretudo, as suas competências limitam-se ao

âmbito da função administrativa, não dispondo elas de quaisquer competências natureza legislativa

enquanto as regiões autónomas correspondem a um fenómeno de descentralização político-

administrativa, as regiões administrativas que surgem através da descentralização administrativa das

regiões autónomas tem também uma natureza jurídica completamente distinta das catuais regiões Norte,

Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve, em que operam as chamadas Comissões de

Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR),atualmente regidas pelo Decreto-Lei n.º 104/2003, de

23 de Maio.

Com efeito, as regiões administrativas são apenas mais uma divisão administrativa do território,

a juntar a tantas outras: os distritos, as regiões militares, os círculos e comarcas judiciais, em que atuam

determinados serviços desconcentrados da própria pessoa coletiva Estado. Mais precisamente, as ditas

regiões correspondem tão só ao âmbito de jurisdição das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento

Regional, que são serviços desconcentrados do Ministério do Ambiente, Habitação e Ordenamento do

Território e que tem fundamentalmente a seu cargo o planeamento e a administração do território e que,

embora disponham de autonomia administrativa e financeira, não possuem sequer personalidade

jurídica. São, no fundo, circunscrições administrativas, não personalizadas, que se dedicam apenas a
250

matérias relacionadas com o ordenamento do território e o desenvolvimento regional.


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Assim, ao passo que as regiões autónomas correspondem a uma ideia de Administração

autónoma, traduzindo um fenómeno de descentralização nomeadamente politico-legislativa e

administrativa, as referidas regiões Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve são meras

zonas de atuação de determinados serviços desconcentrados e periféricos do Estado, integrados

portanto na Administração direta deste último.

6.3.2. O sistema de governo regional

As regiões autónomas são dotadas pela Constituição de órgãos de governo próprios: são eles a

Assembleia Legislativa e o Governo Regional (art.231.°). A estes dois órgãos acresce um terceiro, que não

é tido pela Constituição como órgão de governo próprio, mas que integra também o sistema de governo

regional: o Representante da Republica (art.230.°).

A. Representante da República

Este foi um cargo criado pela Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de julho (Sexta Revisão

Constitucional) para representar a soberania portuguesa em cada uma das regiões autónomas, nos

termos do artigo 230.º da CRP. O Representante da República substituiu o Ministro da República na

arquitetura constitucional como órgão de fiscalização da constitucionalidade das leis regionais e como

especial representante da soberania, transitando a figura para a esfera política do Presidente da

República, de quem passa a ser representante especial.

O Representante da República é nomeado e exonerado livremente pelo Chefe de Estado, após ter

sido ouvido o Governo da República. O mandato de ambos coincide, salvo em caso de exoneração. Se o

cargo ficar vago e nas ausências e impedimentos, as funções do Representante da República são

exercidas pelo Presidente da Assembleia Legislativa da Região respetiva.

São competências do Representante da República junto de cada Região Autónoma:

- Nomear o Presidente do Governo Regional, tendo em conta os resultados eleitorais, nos termos

do art.231.º/4 da CRP;

- Nomear e exonerar os restantes membros do Governo Regional mediante proposta do

respetivo presidente, nos termos do art.231.º/3 da CRP;


251

- Assinar e mandar publicar os decretos legislativos regionais e os decretos


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regulamentares regionais, nos termos do art.233.º da CRP;

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- Exercer o direito de veto sobre as leis regionais, nos termos dos art.278.º e 279.º da CRP.

B. Assembleia legislativa

Em cada Região Autónoma (Açores e Madeira) é eleita uma Assembleia Legislativa Regional, por

sufrágio universal, direto e secreto, de harmonia com o princípio da representação proporcional. Tem

competência legislativa em matérias de interesse específico para a região que não estejam reservadas à

competência própria dos órgãos de soberania.

Esta pode apresentar propostas de lei à Assembleia da República, sendo que a iniciativa

legislativa em matéria de estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas compete,

exclusivamente, a si, podendo os Deputados e o Governo apresentar propostas de alteração no decurso

do processo de discussão na Assembleia da República.

Os eleitores são todos e quaisquer cidadãos portugueses recenseados nas regiões, não apenas os

naturais dos Açores e da Madeira.

A eleição dos deputados regionais faz-se por círculos eleitorais, que correspondem, nos Açores, a

cada uma das nove ilhas e, na Madeira, a cada um dos onze municípios existentes. Os direitos e deveres

dos deputados regionais encontram-se definidos no 231.°/6 da CRP e nos estatutos politico-

administrativos.

Quanto aos poderes dos deputados no âmbito do funcionamento da assembleia legislativa, os

estatutos político-administrativos destacamos os seguintes:

- Apresentar projetos de decreto legislativo regional;

- Apresentar propostas de resolução;

- Apresentar moções;

- Requerer do governo regional informações e publicações oficiais;

- Formular perguntas ao governo regional sobre quaisquer atos deste ou da

administração pública regional;


252

- Provocar, por meio de interpelação ao governo regional, dois debates em cada sessão
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legislativa.

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No entanto, estes não desempenham só a função legislativa, nem tão-pouco as suas competências

se desenvolvem apenas no âmbito da função legislativa e da função politica, designadamente no que toca

a fiscalização da atividade do governo regional. As assembleias legislativas possuem também uma

importante competência de natureza administrativa, que resulta da conjugação da primeira parte do

art.227.°/1/d com o art.232.°/1 da CRP, têm competência para regulamentar, no âmbito regional, toda a

legislação emanada dos órgãos de soberania, quando estes não reservem para si essa mesma

regulamentação.

Assim, podemos agrupar as competências das assembleias legislativas:

- Regulamentar a legislação regional e as leis gerais emanadas dos órgãos de soberania

que não reserve para estes o respetivo poder regulamentar;

- Adaptar o sistema fiscal nacional a especificidade regional, nos termos de lei-quadro da

Assembleia da República.

- Fixar, nos termos da lei, as dotações correspondentes a participação das autarquias

locais na repartição dos recursos públicos aplicados em programas comunitários específicos para

a Região;

- Definir atos ilícitos de mera ordenação social e respetivas sanções, sem prejuízo do

disposto no art.l65.°/1/d da Constituição;

- Elaborar o seu regimento.

C. Governo Regional

O governo regional é definido nos estatutos político-administrativos como o órgão executivo de

condução da política regional e o órgão superior da administração pública regional.

Importa aqui ter em conta um importante aspeto relativo ao governo regional, diz respeito a sua

estrutura e organização interna. O art.231.°/6 da Constituição diz que é da exclusiva competência do

governo regional a matéria respeitante a sua própria organização e funcionamento, trata-se de uma

disposição semelhante ao art.198.°/2 da Constituição, respeitante ao Governo da República e que


253

corresponde a manifestação de um princípio geral de auto-organização dos órgãos complexos e dos

órgãos colegiais.
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Em consequência, considerando que o executivo regional não possui competência legislativa, a

chamada lei orgânica do governo regional, consta necessariamente de um regulamento independente,

fundado de modo direto naquele preceito constitucional e nas disposições estatutárias que o

reproduzem. Isto é, a lei orgânica do governo regional não é uma lei, antes assumindo a forma de decreto

regulamentar regional.

A estrutura orgânica do IX Governo Regional dos Açores compreende além do presidente e de um

vice-presidente, oito secretários regionais, que possuem competência própria e delegada, e um único

subsecretario regional, este com competência delegada. Os secretários regionais assumiam nessa

orgânica as seguintes pastas:

- Presidência;

- Educação e ciência;

- Habitação e equipamentos;

- Assuntos sociais1;

- Economia;

- Agricultura e florestas;

- Ambiente e do mar;

- Adjunto do vice-presidente.

Cada secretário regional está, naturalmente, à frente de uma secretaria regional, exceto o da

presidência e o adjunto, que partilham, com o presidente e o vice-presidente do governo, os serviços da

presidência do governo regional.

Para além disto por força de um princípio de desconcentração interna consagrado no estatuto

açoriano, as secretarias regionais têm as suas sedes repartidas por Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e

Horta e o conselho do governo regional te, de reunir, ao longo do ano, pelo menos uma vez em cada uma

das nove ilhas do arquipélago.


254
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Por sua vez, no diploma orgânico do governo regional da Madeira, prevê-se a existência, de além

do presidente, um vice-presidente e de sete secretários regionais, estes com atribuições nos seguintes

domínios;

- Recursos humanos;

- Turismo e cultura;

- Equipamento social e transportes;

- Assuntos, sociais;

- Educação;

- Plano e finanças;

- Ambiente e recursos naturais.

O governo regional é, portanto, semelhante ao Governo da República: este como órgão complexo

tem pelo menos um presidente e vários secretários regionais, os quais formam no seu conjunto o

conselho governo regional.

6.3.3. Estado e as Regiões Autónomas

Ao contrário das autarquias locais, as regiões autónomas dos Açores e da Madeira não se

encontram constitucionalmente sujeitas a um poder de tutela administrativa do Estado, uma vez que não

integram a noção estrita de Administração Autónoma.

O legislador nacional, a quem cabe sempre decidir sobre se a execução de um determinado

regime nos Açores e na Madeira, adotou uma solução de meio-termo: reserva ao Governo da República a

titularidade das competências de execução, mas delega o seu exercício nos governos regionais. No

entanto tal opção tem consequências: o Governo da República, enquanto órgão delegante, pode fiscalizar

a forma como os órgãos delegados fazem uso das competências que lhes foram confiadas, aplicando aos

casos concretos os regimes legais em causa. E pode também, naturalmente, revogar a delegação e

reassumir as competências de que e titular.


255

A ausência de um poder geral de tutela do Governo da República sobre as autoridades regionais


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não significa que aquele esteja constitucionalmente impedido de dispor de poderes de supervisão nos

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casos em que as leis nacionais aplicadas pelas regiões autónomas sejam para estas leis imperativas, i.e.,

tenham sido emanadas ao abrigo de uma competência legislativa reservada dos órgãos de soberania e

para se aplicarem uniformemente em todo o território nacional.

6.4. Universidades

São várias as posições doutrinárias acerca da matéria das universidades públicas e da sua

natureza jurídica:

Segundo o Professor FREITAS DO AMARAL, desde a época Pombalina (1772), as universidades

públicas têm sido estatizadas e burocratizadas, transformando-se em institutos públicos. No entanto, a

evolução recente, imposta pelo artigo 76.º da Constituição da República Portuguesa e concretizada pela

Lei da Autonomia Universitária (Lei n.º 108/88 de 24 de setembro, hoje revogada) confere às

universidades públicas uma forma de funcionamento interno de índole corporativa, que já levou à

proposta da sua qualificação como associações públicas e à sua integração na Administração Autónoma.

Contudo, estas ideias, segundo o professor, não se adaptam à realidade das nossas universidades

públicas, sendo estas compostas por professores que são funcionários públicos do Estado, apoiadas no

financiamento estadual e estruturadas burocraticamente de modo a fornecer prestações educativas aos

alunos que são obrigados a admitir.

Portanto, classifica as universidades públicas como uma modalidade particular de institutos

públicos estaduais, caracterizados pelo funcionamento participado e por um elevado grau de autonomia

garantido constitucionalmente. O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (Lei n. º62/2007,

de 10 de setembro) vem dar força a esta posição ao determinar que é aplicável às instituições de ensino

superior o regime das demais pessoas coletivas públicas de natureza administrativa, tal como a Lei-

Quadro dos Institutos Públicos (Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro) que é aplicada de forma subsidiária.

Já de acordo com o Professor CAUPERS as universidades são institutos públicos, considerando

estes como “um conjunto heterogéneo de pessoas coletivas que apresentam entre si de comum a

personalidade jurídica pública; a criação pelo Estado, que lhes fixa os objetivos e interfere ativamente na

respetiva prossecução; e a estrutura não empresarial - a parte mais significativa das suas receitas provém

de dotações do orçamento de Estado”. Mais concretamente são institutos de prestação, visto que a sua
256

atividade consiste na prestação de serviços à coletividade.


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Segundo o Professor MARCELO REBELO DE SOUSA (posição que é seguida pelo REGENTE), as

universidades públicas são pessoas coletivas públicas. Têm sobretudo natureza associativa, pelo

predomínio do elemento pessoal do substrato. Todavia, não as considera como associações públicas,

tendo em conta o menor peso dos respetivos interesses próprios sobre os interesses transferidos pelo

Estado. Possuem fins específicos, não lucrativos. Quanto à estrutura, são tendencialmente perfeitas,

podendo integrar outras pessoas coletivas de capacidade de gozo e de exercício e não tendo qualquer

base territorial. Até à Lei da Autonomia (Lei n.º 108/88, de 24 de setembro) as universidades pertenciam

à Administração diretamente dependente do Estado-Administração, mas hoje, segundo o professor,

integram a Administração autónoma.

Deste modo, permite-se o cumprimento da Constituição da República Portuguesa, que consagra a

“autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira das universidades públicas”, no

seu artigo 76.º/2. A liberdade de criação cultural sob forma de criação científica postula a autonomia

universitária, de que depende a autonomia financeira.

Assim, o Professor MARCELO REBELO DE SOUSA considera a universidade pública uma pessoa

coletiva como sendo associativa ou institucional, conforme impere o elemento pessoal ou patrimonial do

substrato. Se se aceita a natureza associativa ou corporacional, não podem as universidades públicas ser

institutos públicos, já que estes se definem como pessoas coletivas públicas do tipo institucional (na

expressão do próprio Professor DIOGO FREITAS DO AMARAL).

Finalmente, o Professor PEREIRA COUTINHO salienta uma pretensa natureza dualista das

universidades, em que, a cada uma, corresponde um serviço público estadual e um substrato associativo.

Com base nos artigos 74.º/4, no artigo 75.º/1 e no artigo 9.º/b/d/f da CRP, a responsabilidade

constitucional do Estado de assegurar a investigação e o ensino universitário pressupõe a

disponibilização de meios adequados para tal.

Os dois elementos da natureza dualista das universidades têm momentos lógicos distintos. Um

primeiro momento estabelece a criação e manutenção de um serviço público pelo Estado, podendo

constituir um estabelecimento público ou uma fundação pública com regime de direito privado. Um

segundo momento diz respeito à formação de uma associação pública (universidade em sentido estrito),
257

através da consolidação da liberdade académica de docentes, investigadores e estudantes. Este segundo

momento – o momento associativo – exprime uma lógica constitucional concretizadora das liberdades
Página

académicas.

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Desta forma, não é uma base democrática sustentada na categoria de associações públicas, que

justificará a administração autónoma universitária, mas sim a titularidade individual de liberdades

académicas, concebendo-se um outro tipo de associações públicas – as associações públicas funcionais de

direitos fundamentais. Uma das vocações deste tipo de associação compreende a constituição de um

espaço de conciliação e de concordância entre titulares individuais de direitos fundamentais, ou seja,

cabe conferir aos membros da universidade um grau de participação ao nível das decisões que afetam o

seu exercício.

7. A administração pública independente

O Professor MARCELO REBELO DE SOUSA define os órgãos independentes como órgãos e serviços

do Estado-Administração que não se integram em nenhum ministério, acabando, em rigor, por servir todo o

Estado-Administração.

Já o Professor JORGE MIRANDA identifica os órgãos independentes da Administração como

órgãos que interferem no exercício da função administrativa sem dependerem de direção, superintendência

ou tutela do Governo e cujos titulares, quase sempre eleitos, no todo ou em parte, pelo Parlamento, gozam

de inamovibilidade. Segundo ele, uns são criados diretamente pela Constituição, outros pela lei ordinária,

embora com fundamento naquela pela sua instrumentalidade com direitos, liberdades e garantias e com

princípios gerais de Direito eleitoral.

O Professor VITAL MOREIRA afirma que as autoridades administrativas independentes são

particularmente adequadas para superintender naquelas atividades que, pela sua natureza ou melindre,

devem estar acima da luta partidária e da maioria governamental de cada momento.

Assim, a Administração independente é situada fora do âmbito do Governo e tem como missão

regular um determinado setor da sociedade.

Alguns dos pontos fulcrais desta Administração encontram-se:

- Na inamovibilidade durante o mandato, que deve ser entendida como uma medida para

reforçar a imparcialidade da atuação perante os órgãos de soberania. Este mecanismo impede

que os titulares dos cargos sejam demitidos no caso de proferirem decisões consideradas
258

incorretas ou politicamente inconvenientes pelo bloco maioria parlamentar/Governo;


Página

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
- Na independência funcional traduzida na inexistência de ordens e da obrigação de

prestação de contas;

- Na independência face aos interesses envolvidos na sua atividade, traduzida na ausência

de título representativo na designação dos membros dirigentes, pois quando um membro é

nomeado é-o enquanto especialista.

A Administração independente prossegue interesses de cuja realização o Estado está incumbido,

mas que necessitam de uma tutela de proteção jurídica que implica a sua execução por entidades

“independentes”.

Podemos classificar as tarefas fundamentais do Estado português desempenhadas pela

Administração independente em várias espécies:

- Tarefas de organização política, através da realização do princípio da democracia

representativa.

- Tarefas de garantia da efetivação dos direitos fundamentais à informação, à liberdade de

imprensa e à independência dos meios de comunicação social, bem como à liberdade de

consciência e à reserva da intimidade da vida privada e familiar.

- Tarefas adequadas à realização da democracia económica, social e cultural, mediante a

vigilância pelo funcionamento eficiente dos mercados.

7.1. Órgãos independentes e Entidades Administrativas Independentes

A Administração independente é composta pelos órgãos administrativos independentes, que são

qualificados como tal pela Constituição e pela lei e pelas entidades administrativas independentes,

referidas no artigo 267.º/3 CRP. Para designar conjuntamente os órgãos e entidades independentes, é

utilizada a expressão autoridades administrativas independentes.

7.1.1. Órgãos Administrativos Independentes

Apesar de o Governo ser “o órgão superior da Administração Pública” (182.º CRP), não significa

que tenha o monopólio da função administrativa. Pela sensibilidade de algumas matérias e porque essas
259

mesmas requerem um distanciamento em relação ao Governo por tratarem da tutela dos direitos,
Página

liberdades e garantias, a Constituição prevê qual o órgão independente que deve assegurar o

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
desempenho dessa função, impondo ao legislador que o institua ou pode somente determinar que é

necessária a criação de uma entidade que proteja certo direito fundamental, ficando o legislador com

total liberdade.

São exemplos disso:

· - O Provedor de Justiça (art.23.º CRP), que protege todos os direitos dos cidadãos contra

ações ou omissões dos poderes públicos, destacando-se o Governo como órgão superior da

Administração Pública.

- A Comissão Nacional de Eleições (CNE) (art.49.º e 113.º CRP), que visa proteger o livre

exercício do direito de voto e o respeito pela vontade popular, garantindo que todos os processos

eleitorais decorrem com respeito pela lei.

- A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) (art.35.º CRP), que visa tutelar o

respeito pela privacidade e segurança dos dados informatizados das pessoas contra todas as

entidades públicas e privadas que os detenham, incluindo as bases de dados da Administração

Pública.

- Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) (art.39.º CRP), que deve garantir a

independência dos órgãos de comunicação social do setor público simultaneamente perante o

poder político – onde o Governo se integra – e o poder económico. O artigo 38º CRP diz que a

estrutura e o funcionamento dos meios de comunicação social do setor público são

independentes perante o Governo e a Administração e também é tarefa da ERC assegurar que

assim sucede.

- Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) (art.268.º/2 CRP), que

funciona junto da AR e visa a defesa do direito à informação dos administrados contra o Governo

e contra os seus serviços, em benefício do princípio da transparência.

- Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República (SIR) (arts.26.º e 34.º

CRP), que visa evitar que estes serviços, que operam em áreas muito delicadas e em estreita

relação com o Primeiro-Ministro e outros membros do Governo, extravasem as suas funções e


260

ponham em causa direitos dos cidadãos, como a inviolabilidade das suas comunicações, dos seus
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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
dados pessoais, da reserva da intimidade da vida privada, ou mesmo a sua segurança e

integridade física.

Importa também realçar que há algumas diferenças entre os órgãos: no caso do Provedor de

Justiça, este tem uma competência genérica de intervenção na defesa dos direitos fundamentais dos

cidadãos, enquanto os restantes órgãos têm somente uma competência limitada a um único direito ou

conjunto de direitos com relação entre si. Ao contrário dos restantes órgãos, o Provedor de Justiça não

tem nem poderes decisórios nem sancionatórios, tendo somente poder de influência.

Posto isto e quanto à designação dos membros dos órgãos independentes esta é feita com a

participação da Assembleia da República, o que dá mais garantias aos cidadãos.

7.1.2. Entidades Administrativas Independentes com Funções de Regulação

Estas visam o desempenho de diversas atividades económicas. Para que determinadas atividades

económicas se pretendem expandir ao mercado concorrencial, como a energia ou as comunicações,

torna-se necessário criar uma entidade pública reguladora que garanta a concorrência e proteja os

consumidores. Isto resulta com a transparência da lei-quadro que rege a totalidade das entidades

reguladoras – Lei n.º 67/2013, de 28 de Agosto – com exceção do Banco de Portugal e da ERC.

Estas entidades gerem-se pelos critérios específicos do mercado concorrencial e é segundo esses

critérios que gerem os interesses económicos conflituantes. O n.º3 do artigo 267º da Constituição diz que

“a lei pode criar entidades administrativas independentes”. Para melhor controlar a liberdade dada ao

legislador, o artigo 6.º da referida lei-quadro das entidades reguladoras estabelece um conjunto de

parâmetros positivos e negativos que indicam quando pode e quando não pode ser criada uma nova

entidade com esta natureza.

Segundo o Professor FREITAS DO AMARAL a referida lei-quadro não tem valor reforçado e, como

tal, nada impede o legislador de criar mais uma entidades e a juntar ao Banco de Portugal e às nove que

por agora aquela lei enquadra: Instituto de Seguros de Portugal; Comissão de Mercados de Valores

Mobiliários; Autoridade da Concorrência; Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos; Autoridade

Nacional de Comunicações; Autoridade Nacional de Aviação Civil; Autoridade da Mobilidade e dos


261

Transportes; Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos; Entidade Reguladora da Saúde.
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Direito Administrativo I
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A independência destas entidades administrativas não resulta de qualquer imposição

constitucional, é uma opção reversível e não impede que as mesmas sejam “associadas a um ministério”,

denominado “ministério responsável” (artigo 9º) que pode somente solicitar informações e

documentação.

1. A organização administrativa

Organização administrativa é o modo de estruturação concreta que, em cada época, a lei dá à

Administração Pública de um dado país.

Há que analisar os elementos dessa organização, depois os sistemas de organização possíveis ou

consagrados, e por fim os princípios constitucionais reguladores da organização administrativa.

Quanto aos elementos são essencialmente dois: pessoas coletivas públicas e serviços públicos.

Quanto aos sistemas de organização, há três grandes opções: concentração vs desconcentração;

centralização vs descentralização; integração vs devolução de poderes.

As pessoas coletivas públicas

1. Preliminares

Será necessário fazer algumas observações prévias.

A primeira consiste em sublinhar que as expressões pessoa coletiva pública e pessoa coletiva de

direito público são sinónimas.

Em segundo lugar, convém sublinhar a importância da categoria das pessoas coletivas públicas e da

sua análise em Direito Administrativo. É que, na fase atual da evolução deste ramo do direito, a

Administração Pública é geralmente representada, nas suas relações com os particulares, por pessoas

coletivas públicas: na relação jurídico-administrativa, um dos sujeitos é em regra uma pessoa coletiva

pública.

Isto não significa que a Administração seja formada por pessoas coletivas públicas e apenas por elas.

Constitui um fenómeno corrente nas últimas décadas a criação, por parte de entes públicos, de pessoas

coletivas de direito privado destinadas exclusivamente à satisfação de necessidades coletivas. Apesar da

aparente taxatividade do elenco do art. 2º/4 CPA, a Administração tem de ser compreendida hoje como

um conjunto formado por dois setores: o setor público tradicional e o setor privado administrativo (que

engloba as associações, fundações e cooperativas públicas de direito privado, bem como as empresas
262

públicas).
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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
Por outro lado, os indivíduos que dirigem como órgãos as pessoas coletivas públicas, ou que para elas

trabalham como funcionários, não são eles próprios, juridicamente, a Administração. Quando um

particular entra em contacto com a Administração Pública, politicamente tratará com pessoas físicas

(Ex.: ministro), mas juridicamente a relação que se trava não tem do outro lado como sujeito esses

indivíduos, antes será estabelecida com a pessoa coletiva pública ao serviço da qual eles se encontram

(ex.: Estado).

Ao fazer-se distinção entre pessoas coletivas públicas e pessoas coletivas privadas, não se pretende

inculcar que as primeiras são as que atuam, sempre e apenas, sob a égide do direito público e as

segundas as que agem, apenas e sempre, à luz do direito privado; nem tão-pouco se quer significar que

umas só têm capacidade jurídica pública e que as outras unicamente possuem capacidade jurídica

privada. Mas já sabemos que as pessoas coletivas públicas atuam por vezes segundo o direito privado, e

que algumas instituições particulares de interesse público funcionam por vezes nos termos do direito

público. O critério de distinção tem de ser mais complexo e subtil.

A distinção é possível, é útil e é necessária. É a própria lei que a faz.

2. Conceito

Vários têm sido os critérios propostos na doutrina para traçar a linha entre pessoas coletivas públicas

e privadas. Na verdade, há múltiplos critérios que atendem a um ou vários fatores:

 Iniciativa da criação da pessoa coletiva;

 Fim prosseguido;

 Capacidade jurídica;

 Regime jurídico global;

 Subordinação ou não da pessoa coletiva ao Estado;

 Obrigação ou não de a pessoa coletiva existir;

 Exercício ou não da função administrativa do Estado pela pessoa coletiva.

Para Freitas do Amaral, para distinguir claramente há que adotar um critério misto que combine a

criação, o fim e a capacidade jurídica. Assim, para o Professor, são “pessoas coletivas públicas” as pessoas

coletivas criadas por iniciativa pública, para assegurar a prossecução necessária de interesses, e por isso

dotadas em nome próprio de poderes e deveres públicos:

 São pessoas coletivas;


263

 São entidades criadas por iniciativa pública. Nascem sempre de uma decisão pública, regida
Página

pelo direito público, tomada pela coletividade nacional, ou por comunidades regionais ou

Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
locais autónomas, ou proveniente de uma ou mais pessoas coletivas públicas já existentes.

“Iniciativa pública” é uma expressão ampla que cobre todas as hipóteses e acautela os vários

aspetos relevantes;

 São criadas para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos. Existem para

prosseguir o interesse público. Há pessoas coletivas privadas que também prosseguem

interesses públicos; mas podem fazê-lo ou deixar de o fazer e, quando o fazem, podem

simultaneamente prosseguir interesses privados. Por outro lado, mesmo quando tais

entidades privadas exerçam realmente funções de interesse público, fazem-no sempre sob a

fiscalização da Administração Pública. Não apenas as pessoas coletivas públicas prosseguem

interesses públicos, mas sobretudo asseguram essa prossecução;

 São titulares, em nome próprio, de poderes e deveres públicos. A titularidade em nome

próprio serve para distinguir as pessoas coletivas públicas das pessoas coletivas privadas que

se dediquem ao exercício privado de funções públicas. Dizer “poderes e deveres públicos” em

vez de “poderes de autoridade” é preferível, porque há pessoas coletivas públicas que não

exercem poderes de autoridade, embora sejam titulares de poderes públicos lato sensu e

porque o Direito Administrativo não se carateriza apenas pelos poderes públicos que confere

à Administração, mas também pelos deveres públicos a que a sujeita.

3. Espécies

Quais são as categorias de pessoas coletivas públicas no direito português atual (art. 2º/4 CPA)?

 Estado;

 Institutos Públicos;

 Empresas públicas, na modalidade de entidades públicas empresarias;

 Associações públicas;

 Entidades administrativas independentes;

 Autarquias locais;

 Regiões Autónomas.

A lista está ordenada segundo o critério da maior dependência para a menor dependência do Estado,

sendo os institutos públicos e as empresas públicas os mais dependentes, e as regiões autónomas as

menos dependentes.
264

Quais são os tipos de pessoas coletivas públicas a que estas categorias se reconduzem?
Página

Direito Administrativo I
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 Pessoas coletivas de população e território, que incluem o Estado, as regiões autónomas e as

autarquias locais;

 Pessoas coletivas de tipo institucional, que são os institutos públicos e as empresas públicas

qualificadas como entidades administrativas independentes;

 Pessoas coletivas de tipo associativo, que são as associações públicas.

4. Regime jurídico

O regime jurídico das pessoas coletivas públicas não é um regime uniforme, não é igual para todas

elas: depende da legislação aplicável. No caso das autarquias locais, todas as espécies deste género têm o

mesmo regime. Mas já quanto aos institutos públicos, empresas públicas e associações públicas, o regime

varia muitas vezes de entidade para entidade.

Os aspetos predominantes do seu regime jurídico são:

 Criação e extinção: a maioria delas são criadas por ato do Poder central, mas também pode ser

por iniciativa pública local. As pessoas coletivas públicas não têm o direito de se dissolver: não

se podem extinguir a si próprias. E nem sequer estão sujeitas a falência ou a insolvência: não

pode ser extinta por iniciativa dos respetivos, credores, só por decisão pública;

 Capacidade jurídica de direito privado e património próprio: todas as pessoas coletivas públicas

possuem estas caraterísticas, cuja importância se salienta principalmente no desenvolvimento

de atividades de gestão privada;

 Capacidade de direito público: as pessoas coletivas públicas são titulares de poderes e deveres

públicos. Assumem especial relevância os poderes de autoridade, aqueles que denotam

supremacia das pessoas coletivas públicas sobre os particulares e consistem no direito que

essas pessoas têm de definir a sua própria conduta ou a conduta alheia em termos

obrigatórios para terceiros. Exemplos de poderes públicos de autoridade são o poder

regulamentar;

 Autonomia administrativa e financeira: as pessoas coletivas públicas dispõem de autonomia

administrativa e financeira;

 Isenções fiscais;

 Sujeição ao regime da contratação pública e dos contratos administrativos: a regra, embora com

relevantes exceções (art. 2º/2 e art. 3º/1/b CCP), é que as pessoas coletivas privadas não
265

estão sujeitas ao regime da contratação pública e não podem celebrar contratos


Página

administrativos com outros particulares;

Direito Administrativo I
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 Bens do domínio público: as pessoas coletivas públicas são ou podem ser titulares de bens do

domínio público e não apenas de bens do domínio privado;

 Regime da função pública: o pessoal das pessoas coletivas públicas está submetido a regimes

laborais publicisticos. Isto por via de regra: já sabemos que as entidades públicas empresariais

constituem uma das exceções;

 Sujeição a um regime administrativo da responsabilidade civil: as pessoas coletivas públicas

respondem nos termos da legislação própria do Direito Administrativo, máxime o RCEE, e não

nos termos da responsabilidade regulada pelo CC. Isto com a mesma exceção das entidades

públicas empresariais;

 Sujeição a tutela administrativa: a atuação das pessoas coletivas públicas está sujeita à tutela

administrativa do Estado;

 Sujeição à fiscalização do Tribunal de Contas: as contas das pessoas coletivas públicas estão

sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas;

 Foro administrativo: as questões surgidas da atividade pública destas pessoas coletivas

pertencem à competência dos tribunais do contencioso administrativo, e não à dos tribunais

judiciais.

5. Órgãos

Todas as pessoas coletivas são dirigidas por órgãos. A estes cabe tomar decisões em nome da pessoa

coletiva ou manifestar a vontade imputável à pessoa coletiva. Há teorias quanto à natureza dos órgãos:

 A primeira, defendida pelo Professor Marcello Caetano, considera que os órgãos são

instituições, e não indivíduos;

 A segunda, defendida por Afonso Queiró e Marques Guedes, considera que os órgãos são os

indivíduos, e não as instituições.

Para a primeira conceção, os órgãos são instituições, i.e., são centros institucionalizados de poderes

funcionais, a exercer pelos indivíduos ou colégios de indivíduos que neles estejam providos, com o

objetivo de expressar a vontade juridicamente imputável à pessoa coletiva. Os indivíduos agem como

titulares dos órgãos destas, pois os órgãos são instituições, são centros institucionalizados de poderes

funcionais, são feixes de competências.

Para estes autores, há, pois, que distinguir muito claramente entre o órgão e o titular do órgão. O
266

órgão é o centro de poderes funcionais; o titular é o individuo que exerce esses poderes funcionais em
Página

Direito Administrativo I
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nome da pessoa coletiva. Por exemplo o Prof. B não é um órgão do Estado, é o titular do órgão Primeiro-

Ministro.

De acordo com a segunda conceção, o órgão não é centro de poderes e deveres. O conjunto de poderes

funcionais chama-se competência, não se chama órgão: é a competência do órgão. Para estes outros

autores, o órgão é o indivíduo.

Porque, se se define órgão como aquele elemento da pessoa coletiva a quem cabe tomar decisões em

nome dela, ou a quem compete manifestar uma vontade imputável à pessoa coletiva, é evidente que o

órgão tem de ser o individuo, porque só os indivíduos tomam decisões. O órgão é o indivíduo. E esta

conceção vê mesmo uma contradição no pensamento de Marcello Caetano, porque ele, por um lado,

considera que o órgão é um centro de poderes funcionais, mas por outro lado, mais adiante, quando se

trata de definir o ato administrativo, diz que “ato administrativo é a conduta voluntária de um órgão da

Administração”. E acrescenta mesmo: “para saber se estamos perante um ato administrativo é, pois,

necessário apurar se há uma ação ou omissão provenientes de um órgão da Administração”. Ora, os

centros de poderes funcionais não adotam condutas voluntárias.

Para a segunda conceção, pois, os indivíduos é que são os órgãos; os conjuntos de poderes funcionais

não são órgãos, são competências.

Para FREITAS DO AMARAL, ambas as conceções estão parcialmente certas, mas erram quando

pretendem abarcar com exclusivismo toda a realidade, pelo que devem ser conjugadas para se ter uma

noção completa da realidade global.

Há fundamentalmente três grandes perspetivas na teoria geral do Direito Administrativo: a da

organização administrativa, a da atividade administrativa e a das garantias particulares. Tudo depende de

nos situarmos numa ou noutra das situações.

Se nos colocarmos na perspetiva da organização administrativa, é evidente que os órgãos têm de ser

concebidos como instituições. Quando estudamos o Governo, é óbvio que aquilo que interesse ao estudo

não são os indivíduos que exercem essas funções, mas as funções em si mesmas. Por conseguinte, quando

estudamos estas matérias na perspetiva da organização administrativa, o órgão é uma instituição; o

individuo é irrelevante.

Mas, se mudarmos de posição e nos colocarmos na perspetiva da atividade administrativa, i.e., na

perspetiva da Administração a atuar, a tomar decisões, nomeadamente a praticar atos administrativos,


267

então veremos que o que aí interessa ao direito é o órgão como individuo: quem decide, quem delibera,
Página

são os indivíduos, não são os centros institucionalizados de poderes funcionais. Numa palavra, quem

Direito Administrativo I
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pratica atos administrativos são os indivíduos: daí a definição do ato administrativo como “conduta

voluntária de um órgão da Administração”. Aqui, o órgão da Administração é o indivíduo, não é a

instituição.

Em resumo: para nós, os órgãos da Administração devem ser concebidos como instituições para

efeitos de teoria da organização administrativa, e como indivíduos para efeitos da teoria da atividade

administrativa.

Na primeira das aceções é que tem sentido fazer a distinção entre os órgãos e os seus titulares.

6. Classificação dos órgãos

 Órgãos singulares e colegiais: são singulares aqueles que têm apenas um titular, e colegiais os

compostos por dois ou mais titulares. A figura do órgão com dois titulares é raríssima, sendo

que atualmente o órgão colegial tem, no mínimo, três titulares, e deve em regra ser composto

por um número impar de membros. Esta classificação é bastante útil, dado o regime específico

dos segundos, e o próprio CPA a recolhe, no art. 20º/2;

 Órgãos centrais e locais: órgãos centrais têm competência sobre todo o território nacional

enquanto os locais têm a sua competência limitada a uma circunscrição administrativa;

 Órgãos primários, secundários e vicários: órgãos primários são os que dispõem de uma

competência própria para decidir matérias que lhes estão confiadas; órgãos secundários são

os que dispõem de competência delegada; órgãos vicários apenas exercem competência por

substituição de outros órgãos (ex.: Vice-Presidente que apenas atua por substituição de outro

que deixou de atuar. A regra geral, constante do art. 22º/1 CPA, determina que em caso de

ausência ou impedimento do presidente e do secretario a suplência caiba ao vogal mais velho,

i.e., decano, e ao vogal mais moderno, respetivamente);

 Órgãos representativos e órgãos não representativos: órgãos representativos são aqueles cujos

titulares são livremente designados por eleição, e os restantes serão não representativos;

 Órgãos ativos, consultivos e de controlo: órgãos ativos são aqueles a quem compete tomar

decisões ou executá-las. Órgãos consultivos são aqueles cuja função é esclarecer os órgãos

ativos antes de estes tomarem uma decisão. Órgãos de controlo são aqueles que têm por

missão fiscalizar a regularidade do funcionamento de outros órgãos;

 Órgãos decisórios e executivos: os órgãos ativos podem por sua vez ser decisórios e executivos.
268

Aos decisórios compete tomar decisões e aos executivos compete executar tais decisões.
Página

Dentro dos órgãos decisórios, distinguem-se os órgãos deliberativos que têm caráter colegial;

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 Órgãos permanentes e temporários: são órgãos permanentes os que têm duração indefinida e

são temporários os que são criados para atuar apenas durante um certo período. É uma

classificação acolhida expressamente no CPA, pelo art. 20º/2;

 Órgãos simples e complexos: os órgãos simples são os que têm estrutura unitária, a saber os

singulares (um só titular) e os colegiais, cujos titulares só podem atuar coletivamente quando

reunidos em conselho. Os órgãos complexos têm estrutura diferenciada, i.e., são órgãos (ex.

Governo) constituídos por titulares que exercem também competências próprias a título

individual (ex. Ministros) e são em regra auxiliados por adjuntos, delegados e substitutos (ex.:

Secretários de Estado, Subsecretários de Estado);

 Alegada distinção entre órgãos diretos e indiretos: seria órgãos diretos os que atuam em nome

da pessoa coletiva a que pertencem, e órgãos indiretos os que atuam em nome próprio,

embora no exercício de um poder ou de uma função alheias. FREITAS DO AMARAL discorda,

porque não podemos conceber que haja órgãos que não atuem em nome da pessoa a que

pertencem; e porque a sugerida definição de órgão indireto confunde-se com a de órgão

delegado, tendo esta expressão a vantagem de ser muito mais clara, além de cientificamente

bem identificada.

7. Dos órgãos colegiais em especial

Durante décadas, não houve em Portugal nenhum diploma legislativo que regulasse de forma genérica

o regime jurídico da constituição e funcionamento dos órgãos colegiais da Administração Pública.

A situação inverteu-se em 1991 com o primeiro CPA. O CPA vigente manteve e aprofundou as

orientações do anterior, dedicando inteiramente aos órgãos colegiais o Cap. II da Parte II, que integra os

art. 21º a 35º.

Temos então de analisar determinada terminologia:

 Composição e constituição: composição é o elenco abstrato dos membros que hão-de fazer

parte do órgão colegial, uma vez constituído (por ex.: Presidente, dez vogais, etc); a

constituição é o ato pelo qual os membros de um órgão colegial, uma vez designados, se

reúnem pela primeira vez e dão inicio ao funcionamento desse órgão;

 Marcação e convocação de reuniões: a marcação é a fixação da data e hora em que a reunião

terá lugar; a convocação é a notificação feita a todos e cada um dos membros acerca da
269

reunião a realizar, na qual são indicados, além do dia e da hora da reunião, o local desta e a
Página

respetiva “ordem do dia”;

Direito Administrativo I
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 Reuniões e sessões: a reunião é o encontro dos respetivos membros para deliberarem sobre

matéria da sua competência. Se o órgão colegial é de funcionamento contínuo, diz-se que esta

em sessão permanente, embora possa reunir apenas uma vez por semana; se se trata de um

órgão colegial de funcionamento intermitente, dir-se-á que tal órgão tem duas, ou três, ou

quatro sessões por ano; em cada sessão poderá haver uma ou varias reuniões. As sessões são

os períodos dentro dos quais podem reunir os órgãos colegiais de funcionamento

intermitente. Tanto as reuniões como as sessões podem ser ordinárias, se se realizam

regularmente em datas ou períodos certos, ou extraordinárias se são convocadas

inesperadamente fora dessas datas ou períodos;

 Membros e vogais: os membros são os titulares do órgão colegial. Mas o presidente, que existe

sempre, e os vice-presidentes, secretários e tesoureiros, quando existam, são membros mas

não são vogais. Vogais são apenas os membros que não ocupam uma posição funcionam

dotada expressamente de uma denominação apropriada;

 Funcionamento, deliberação e votação: o funcionamento é o desempenhar das funções para

que foi criado o órgão. O seu funcionamento realiza-se através de reuniões, e cada reunião

começa quando é declarada aberta pelo presidente e termina quando por ele é declarada

encerrada. A parte essencial é deliberativa, i.e., aquela em que o órgão colegial é chamado a

tomar decisões em nome da pessoa coletiva a que pertence. O processo jurídico mais

frequente pelo qual os órgãos colegiais deliberam chama-se votação, que permite apurar a

vontade coletiva pela contagem das vontades individuais dos membros. Há casos, porém, que

certos órgãos colegiais podem deliberar sem ser através de votação: são os casos de

deliberação por consenso, ou seja, por assentimento tácito informal nos termos em que for

interpretado pelo presidente;

 Quórum: número mínimo de membros de um órgão colegial que a lei exige para que ele possa

funcionar regularmente ou deliberar validamente. Há assim que distinguir entre quórum de

funcionamento e quórum de deliberação;

 Modos de votação: há votação pública, em que todos os presentes ficam a saber o sentido do

voto de cada um e há votação secreta ou escrutínio secreto em que o sentido de voto de cada

um não se toma conhecido dos demais;


270

 Maioria: a lei exige, normalmente, para se poder considerar ter sido tomada uma decisão, que
Página

nesse sentido tenha votado a maioria. A maioria é habitualmente definida como metade dos

Direito Administrativo I
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votos mais um, esta definição é porém incorreta. Deve por isso definir-se maioria como sendo

mais de metade dos votos. A maioria diz-se simples ou absoluta, se corresponde a mais de

metade dos votos; relativa, se traduz apenas a maior votação obtida entre várias alternativas,

ainda que não atinja mais de metade dos votos; e qualificada ou agravada, se a lei a faz

corresponder a um número superior à maioria simples;

 Voto de desempate e voto de qualidade: a forma mais usual para resolver um empate consiste

na atribuição ao presidente do órgão colegial do direito de fazer um “voto de desempate” ou

um “voto de qualidade”. No primeiro, procede-se à votação sem que o presidente vote e, se

houver empate, o presidente vota desempatando; no segundo, o presidente participa como os

outros membros na votação geral e, havendo empate, considera-se automaticamente

desempara a votação de acordo com o sentido em que o presidente tiver votado;

 Adoção e aprovação: se a votação é favorável a uma certa proposta ou projeto, diz-se destes

que foram adotados ou aprovados pelo órgão colegial; a partir desse momento, tais propostas

ou projetos deixam de exprimir o ponto de vista do membro apresentador ou proponente

para se converterem numa decisão do órgão em causa e, portanto, na vontade da pessoa

coletiva a que o órgão pertence;

 Decisão e deliberação: há quem distinga decisões como as resoluções dos órgãos singulares e

deliberações as dos órgãos colegiais. Mas é mais correto admitir que todo o ato administrativo

é uma decisão, sendo a deliberação o processo específico usado nos órgãos colegiais para

tomar decisões;

 Atos e atas: atos são as decisões tomadas e atas são as narrativas das reuniões afetadas;

 Dissolução e demissão: há quem entenda que a dissolução é o ato que põe termo coletivamente

ao mandato dos titulares de um órgão colegial, sendo a demissão o ato que faz cessar as

funções de um órgão singular. Mas não é bem assim. Só há dissolução quanto a órgãos

colegiais designados por eleição; se os titulares do órgão colegial são nomeados, o ato que põe

termo coletivamente às suas funções é uma demissão.

Quais as principais regras em vigor no direito português sobre constituição e funcionamento dos

órgãos colegiais?

 Cada órgão colegial terá um presidente e um secretário, eleitos pelos próprios membros (art.
271

21º/1 CPA). Na sua falta, servirá como presidente o vogal mais antigo e como secretário o
Página

mais moderno;

Direito Administrativo I
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 Compete ao presidente abrir e encerrar as reuniões, assegurar a sua boa ordem, dirigir os

trabalhos e assegurar o cumprimento das leis aplicáveis e a regularidade das deliberações

(art. 21º/2). Pode suspender ou encerrar antecipadamente as reuniões, quando

circunstâncias excecionais o justifiquem, mas essa decisão pode ser imediatamente revogada

por maioria de 2/3 dos membros (art. 22º/3);

 Ao secretário cabe redigir os projetos de atas das reuniões, passa-las ao livro respetivo uma

vez aprovadas, organizar o expediente e coadjuvar o presidente;

 O presidente pode reagir em tribunal contra as deliberações tomadas pelo órgão a que preside

e que ele considere ilegais (art. 21º/4; 55º/1/e CPTA). O presidente é pois um órgão

defensor e fiscalizador da legalidade administrativa (art. 21º/2);

 Cabe ao presidente fixar os dias e horas das reuniões ordinárias (art. 23º/1). Quanto às

extraordinárias, terão lugar quando o presidente as convocar, por sua iniciativa ou a pedido de

pelo menos um terço dos vogais (art. 24º/2);

 Qualquer órgão colegial só pode deliberar em reunião formalmente convocada e realizada;

 Nenhum órgão colegial pode reunir e deliberar sem estar devidamente constituído;

 Um órgão colegial só pode deliberar sobre matéria constante da ordem do dia, a menos que se

trate de reunião ordinária e que pelo menos 2/3 dos membros reconheçam a urgência da

deliberação imediata sobre outros assuntos (art. 26º);

 As reuniões não são públicas, salvo quando a lei dispuser o contrário (art. 27º). Nas reuniões

públicas, os assistentes podem intervir, caso a lei o preveja ou o órgão assim tenha deliberado,

com a finalidade de comunicar ou pedir informações, ou de expressar opiniões (art. 27º/3);

 A violação das disposições sobre convocação das reuniões gera a ilegalidade das deliberações

tomadas, salvo se todos os membros do órgão comparecerem à reunião e nenhum deles

suscitar oposição à sua realização (art. 28º);

 Os órgãos colegiais só podem em regra deliberar em primeira convocação quando esteja

presente a maioria do número legal de seus membros com direito a voto (art. 29º/1). Não

comparecendo o número mínimo exigido, deve o presidente convocar nova reunião podendo

nesta o órgão deliberar, desde que se verifique a presença de pelo menos 1/3 dos membros

com direito a voto (art. 29º/3);


272

 O quórum dos órgãos colegiais compostos por três membros é sempre de dois (art. 29º/4);
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 A votação é precedida por uma votação das propostas apresentadas, desde que qualquer

membro manifeste nisso interesse (art. 31º/1). Passado um período razoável, a maioria pode,

a requerimento de qualquer deles, dar a discussão por encerrada e decidir passar

imediatamente à votação;

 Nos órgãos consultivos, não são permitidas abstenções. Não são igualmente permitidas

abstenções nos órgãos deliberativos sempre que estes estejam a exercer funções consultivas

(art. 30º);

 Os membros que se encontrem legalmente impedidos de intervir num procedimento não

devem votar nem participar na discussão das propostas relativas a tal procedimento, nem

sequer estar presentes na reunião durante essa discussão e votação (art. 31º/3);

 As deliberações são tomadas por votação nominal, salvo se a lei impuser ou permitir o voto

secreto (art. 31º/1). São sempre tomadas por escrutínio secreto as deliberações que

envolvam a apreciação do comportamento ou qualidades de qualquer pessoa (art. 31º/2);

 A generalidade das deliberações são tomadas por maioria absoluta dos membros presentes à

reunião. Excetuam-se os casos em que a lei ou os estatutos exijam maioria qualificada ou

estabeleçam como suficiente a maioria relativa (art. 32º/1);

 Dependendo a aprovação de maioria absoluta, e não se formando esta, nem ocorrendo

empate, repete-se a votação. Mantendo-se tal resultado, a votação é adiada para a reunião

seguinte, sendo então suficiente para a aprovação a maioria relativa (art. 32º/2);

 Em caso de empate, o presidente terá voto de qualidade, salvo se a lei ou os estatutos

determinarem a adoção do voto de desempate (art. 33º/1). Em qualquer caso, numa votação

que tenha sido efetuada por escrutínio secreto nunca o empate é desfeito por intervenção

qualificada do presidente: a votação será repetida precedendo nova discussão, na mesma

reunião e, se o empate se mantiver, adiar-se-á a deliberação para a reunião seguinte; se o

empate ainda se mantiver, proceder-se-á então à votação nominal, sendo suficiente a maioria

relativa (art. 33º/2 e 3);

 Se a lei exigir que determinada decisão seja fundamentada, não pode fazer-se a votação senão

com base numa ou varias propostas também fundamentadas (v. porém o caso especial da

fundamentação das deliberações tomadas por escrutínio secreto, regulado no art. 31º/3);
273
Página

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 De cada reunião será lavrada ata, devendo indicar pelo menos, a data e local da reunião, a

ordem do dia, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas, a

forma e o resultado das votações e as decisões do presidente (art. 34º/1);

 A ata de cada reunião será aprovada no final da reunião ou no início da reunião seguinte, só

votando neste último caso os membros presentes na reunião anterior (art. 34º/2 e 3). Porém,

a aprovação da ata no final da reunião pode ser substituída pela aprovação de uma minuta

sintética, que deverá depois ser convertida em ata e submetida, em reunião subsequente, à

aprovação dos membros que estiveram presentes na reunião a que diga respeito (art. 34º/4);

 As decisões, mesmo que definitivas, só adquirem eficácia depois de aprovadas as atas

correspondentes. A eficácia das decisões pode também ser conferida pela assinatura da

minuta, mas esta eficácia é temporária e condicionada, ficando dependente da reprodução do

seu conteúdo na correspondente ata (art. 34º/6);

 As atas são redigidas pelo secretário e, uma vez aprovadas, assinadas por este e pelo

presidente (art. 34º/2);

 Os membros do órgão colegial que votarem vencidos podem fazer constar da ata o seu voto de

vencido e respetiva justificação (art. 35º/1) e devem fazê-lo quando se trate de pareceres a

enviar a outros órgãos administrativos (art. 35º/3);

 Se alguma deliberação tomada for ilegal, ficam responsáveis por ela todos os membros que a

tiverem aprovado. Os que votaram vencidos ficarão isentos de tal responsabilidade se fizerem

registo na ata da respetiva declaração de voto (art. 35º/2);

 Nos casos omissos na lei administrativo, e na falta de costume aplicável, a constituição e o

funcionamento dos órgãos colegiais da Adm. Pública serão regulados pelo regimento da AR.

8. Atribuições e competência

Os fins das pessoas coletivas públicas chamam-se atribuições. Atribuições são os fins ou interesses que a

lei incumbe as pessoas coletivas públicas de prosseguir.

Para o fazerem, as pessoas coletivas públicas precisam de poderes, são os poderes funcionais. Ao

conjunto dos poderes funcionais chamamos competência. Competência é o conjunto dos poderes

funcionais que a lei confere para a prossecução das atribuições das pessoas coletivas.

Em princípio, nas pessoas coletivas públicas as atribuições referem-se à pessoa coletiva em si mesma,
274

enquanto a competência se reporta aos órgãos. A lei especificará, portanto, as atribuições de cada pessoa
Página

coletiva e, noutro plano, a competência de cada órgão.

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Resulta portanto uma dupla limitação: o órgão fica limitado pela sua própria competência e limitado

pelas atribuições da pessoa coletiva em cujo nome atua. Atribuições e competências limitam-se

reciprocamente umas às outras.

Isto é particularmente nítido na administração local autárquica e, em especial, no município. As

atribuições do município vêm reguladas nos art. 2º e 23º LAL e a competência de cada um dos seus

órgãos nos seus art. 25º, 33º e 35º. De um lado, temos as atribuições do município e do outro temos as

competências de cada um dos órgãos municipais.

Esta distinção entre atribuições e competências tem a maior importância, não só para se compreender

a diferença que existe entre os fins que se prosseguem e os meios jurídicos que se usam para prosseguir

esses fins, mas também porque a lei estabelece uma sanção diferente para o caso de os órgãos da

Administração praticarem atos estranhos às atribuições das pessoas coletivas públicas ou atos fora da

competência confiada a cada órgão: enquanto os atos praticados fora das atribuições são atos nulos (art.

161º/2/b CPA), os praticados apenas fora da competência do órgão que os pratica são atos anuláveis

(art. 163º/1 CPA). Tudo isto é assim nas pessoas coletivas públicas diferentes do Estado, porque neste é

mais complexo o problema.

Porque, no Estado, o que separa juridicamente os órgãos uns dos outros não é apenas a competência

de cada um, são também, e sobretudo, as atribuições. No Estado, as atribuições estão repartidas entre

Ministérios.

Em termos práticos, se o Ministério A pratica um ato sobre matéria estranha ao seu ministério,

porque incluída nas atribuições do Ministério B, a ilegalidade desse ato não será apenas a incompetência

por falta de competência, mas sim a incompetência por falta de atribuições. Quer dizer: o ato não será

meramente anulável, mas nulo.

Resumindo: “tudo depende de a lei ter repartido, entre os órgãos da mesma pessoa coletiva, apenas a

competência para prosseguir as atribuições desta, ou as próprias atribuições com a competência

inerente”.

9. Da competência em especial

Como é que se delimita a competência entre os vários órgãos administrativos?

O primeiro princípio é que a competência só pode ser conferida, delimitada ou retirada por lei: é

sempre a lei (ou o regulamento) que fixa a competência dos órgãos da Administração Pública (art. 36º/1
275

CPA). É o princípio da legalidade da competência. Daqui decorrem alguns corolários:


Página

 A competência não se presume, excetuando a figura da competência implícita;

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 A competência é imodificável;

 A competência é irrenunciável e inalienável: esta regra não obsta a que possa haver hipóteses

de transferência do exercício da competência, designadamente a delegação de poderes e a

concessão, nos casos e dentro dos limites em que a lei o permitir (art. 36º/1 e 2);

10. Idem: critérios de delimitação da competência

A distribuição de competências pode ser feita por quatro critérios:

 Em razão da matéria: por exemplo, quando a lei diz que à Assembleia Municipal incumbe fazer

regulamentos;

 Em razão da hierarquia: quando, numa hierarquia, a lei efetua uma repartição vertical de

poderes, conferindo alguns ao superior e outros aos subalternos;

 Em razão do território: a repartição de poderes entre órgãos centrais e órgãos locais, ou a

distribuição de poderes por órgãos locais diferentes em função das respetivas áreas ou

circunscrições;

 Em razão do tempo: em princípio, só há competência administrativa em relação ao presente.

Por isso, é ilegal, em regra, a prática pela Administração de atos que visem produzir efeitos

sobre o passado (efeitos retroativos) ou regular situações que não se sabe se, ou quando,

ocorrerão no futuro (efeitos diferidos). Esta regra pode comportar algumas exceções.

Um ato administrativo praticado por certo órgão da Administração contra as regras que delimitam a

competência dir-se-á ferido de incompetência – v.g. incompetência em razão da matéria, da hierarquia,

em razão do território, em razão do tempo.

Os quatro critérios expostos são cumuláveis e todos têm se atuar em simultâneo.

11. Idem: espécies de competência

Principais classificações de competência:

 Quanto ao modo de atribuição legal da competência: a competência pode ser explícita ou

implícita. É “explícita” quando a lei confere por forma clara e direta, e é “implícita” se apenas é

deduzida de outras determinações legais ou de certos princípios gerais de Direito público,

como por ex. “quem pode o mais pode o menos”;

 Quanto aos termos do exercício da competência: pode ser “condicionada” ou “livre”, conforme o
276

seu exercício esteja ou não dependente de limitações especificas impostas por lei ou ao obrigo
Página

da lei;

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 Quanto à substância e efeitos da competência: pode ser “dispositiva” ou “revogatória”.

Dispositiva quando o poder de emanar um dado ato administrativo sobre uma determinada

matéria, pondo e dispondo acerca do assunto. Revogatória quando tem o poder de revogar (ou

anular) esse primeiro ato, com ou sem possibilidade de o substituir por outro diferente.

Partindo do mesmo princípio, chega-se à classificação em “competência primária ou de 1º

grau” e “competência secundária ou de 2ºgrau”, envolvendo aquela o poder de praticar atos

primários sobre certa matéria, e esta o poder de sobre a mesma matéria praticar atos

secundários;

 Quanto à titularidade dos poderes exercidos: será própria se os poderes exercidos por um

órgão são poderes cuja titularidade pertence a esse mesmo órgão, será delegada ou concedida

quando o órgão exerce nos termos da lei uma parte da competência de outro órgão, cujo

exercício lhe foi transferido por delegação ou concessão;

 Quanto ao número de órgãos a que a competência pertence: a competência é singular quando

pertence a um único órgão, e é conjunta quando pertence simultaneamente a dois ou mais

órgãos diferentes, tendo de ser exercida por todos eles em conjunto;

 Quanto à inserção da competência nas relações interorgânicas: a competência pode ser

dependente ou independente, conforme o órgão seu titular esteja ou não integrado numa

hierarquia e, por consequência, se ache ou não sujeito ao poder de direção de outro órgão e ao

correspondente dever de obediência. Dentro da competência dependente há que considerar

os casos de competência comum e de competência própria: há competência comum quando

tanto o superior como o subalterno podem tomar decisões sobre o mesmo assunto, e há

competência própria pelo contrato, quando o poder de praticar um certo ato administrativo é

atribuído diretamente por lei ao órgão subalterno;

Dentro da competência própria temos três sub-hipóteses: competência separada (o subalterno é por

lei competente para praticar atos administrativos, mas estes não são definitivos, pois deles cabe recurso

hierárquico necessário), competência reservada (o subalterno é por lei competente para praticar atos

administrativos definitivos, mas deles, além da correspondente ação em juízo, cabe recurso hierárquico

facultativo) e competência exclusiva (o subalterno é por lei competente para praticar atos

administrativos dos quais não cabe qualquer recurso hierárquico, mas, porque não é órgão
277

independente, o subalterno pode vir a receber do seu superior uma ordem de revogação do ato
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praticado.

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 Competência objetiva ou subjetiva: esta distinção surge no art. 112º/8 CRP. Mas tem

terminologia inadequada. Competência objetiva é o mesmo que competência tout court:

conjunto de poderes funcionais para decidir sobre certas matérias. E competência subjetiva é

uma expressão sem sentido, que pretende significar “a indicação do órgão a quem é dada uma

certa competência”.

12. Regras legais sobre a competência

O CPA tem algumas regras importantes em matéria de competência dos órgãos administrativos:

 A competência fixa-se no momento em que se inicia o procedimento, sendo irrelevante as

modificações de facto e a maioria das modificações de direito que ocorram posteriormente

(art. 37º/1 e 2 CPA). Quando o órgão competente passar a ser outro, o processo deve ser-lhe

remetido oficiosamente;

 Se a decisão final de um procedimento depender de uma questão que seja da competência de

outro órgão administrativo ou dos tribunais, deve o órgão competente suspender a sua

atuação até que aqueles se pronunciem, salvo se da não resolução imediata do assunto

resultarem graves prejuízos (art. 38º/1 CPA);

 Antes de qualquer decisão, o órgão administrativo deve certificar-se de que é competente para

conhecer da questão que vai decidir (art. 40º/1 CPA): é o autocontrolo da competência. Se

tiver dúvidas, deve procurar esclarecê-las junto do seu superior hierárquico;

 Quando o particular dirigir um requerimento (ou petição, reclamação ou recurso) a um órgão

que se considere a si mesmo incompetente para tratar do assunto, o documento deve ser

enviado oficiosamente ao órgão competente (art. 41º CPA).

13. Conflitos de atribuições e de competência

Na prática da vida administrativa ocorrem conflitos de atribuições e conflitos de competência, i.e.,

disputas ou litígios entre órgãos da Administração acerca das atribuições ou competências que lhes cabe

prosseguir ou exercer. Podem ser positivos ou negativos.

Há um conflito positivo quando dois ou mais órgãos da Administração reivindicam para si a

prossecução da mesma atribuições ou o exercício da mesma competência; e há conflito negativo quando

dois ou mais órgãos consideram simultaneamente que lhes faltam as atribuições ou a competência para
278

decidir um dado caso concreto.


Página

Direito Administrativo I
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Entende-se por conflito de competência aquele que se traduz numa disputa acerca da existência ou do

exercício de um determinado poder funcional; e por conflito de atribuições aquele em que a disputa

versa sobre a existência ou a prossecução de um determinado interesse público.

É costume falar em conflito de jurisdição quando o litígio opõe órgãos administrativos e órgãos

judiciais, ou órgãos administrativos e órgãos legislativos.

Como se solucionam os conflitos?

 Se envolverem órgãos de pessoas coletivas diferentes ou autoridades administrativas

independentes, os conflitos são resolvidos pelos tribunais administrativos, em processo que

segue os termos da ação especial, com algumas alterações (art. 51º/1/a CPA e 135º/2

CPTA);

 Se envolverem órgãos de ministérios diferentes, na falta de acordo os conflitos são resolvidos

pelo Primeiro-Ministro (art. 201º/1/a CRP e art. 51º/1/b CPA);

 Se envolverem órgãos de secretarias regionais diferentes, os conflitos são resolvidos pelo

Presidente do Governo Regional (estatutos político-administrativos dos açores e madeira,

art. 79º/1 e 73º/1, respetivamente, e 51º/1/d CPA);

 Se envolverem pessoas coletivas autónomas sujeitas ao poder de superintendência do mesmo

Ministro, na falta de acordo os conflitos são resolvidos pelos respetivo Ministro (art. 51º/1/c

CPA);

 Se os conflitos envolverem órgãos subalternos integrados na mesma hierarquia, serão

resolvidos pelo seu comum superior de menos categoria hierárquica (art. 51º/2 CPA).

A resolução administrativa dos conflitos pode ser promovida por duas formas diversas (art. 52º

CPA): por iniciativa de qualquer particular interessado ou oficiosamente, quer por iniciativa suscitada

pelos órgãos em conflito, quer pelo próprio órgão competente para a decisão.

No primeiro caso, o interessado dirigirá um requerimento fundamentado ao órgão competente para a

decisão do procedimento ou do conflito, solicitando-lhe que resolva o conflito; no segundo, um ou ambos

os órgãos em conflito deverão fazer uma exposição ao órgão competente para a decisão (art. 52º/1

CPA).

O órgão competente deve ouvir os órgãos em conflito, se estes ainda não se tiverem pronunciado

sobre as razoes do conflito; e deve proferir a sua decisão no prazo de 30 dias (art. 52º/2).
279

Os serviços públicos
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1. Preliminares

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Os serviços públicos constituem as células que compõem internamente as pessoas coletivas públicas.

Dentro de cada pessoa coletiva pública funcionam diversas organizações, que são os serviços públicos.

A pessoa coletiva é o sujeito de direito, que trava relações jurídicas com outros sujeitos de direito, ao

passo que o serviço público é uma organização que, situada no interior da pessoa coletiva pública e

dirigida pelos respetivos órgãos, desenvolve atividades de que ela carece para prosseguir os seus fins.

2. Conceito

Os serviços públicos são organizações humanas criadas no seio de cada pessoa pública com o fim de

desempenhar as atribuições desta, sob a direção dos respetivos órgãos.

 Os serviços públicos são organizações humanas, i.e., são estruturas administrativas acionadas

por indivíduos;

 Os serviços públicos existem no seio de cada pessoa coletiva pública, são um componente, um

elemento integrante, uma peça essencial;

 Os serviços públicos são criados para desempenhar as atribuições da pessoa coletiva pública:

é pelas direções-gerais situadas no centro e pelas delegações, repartições e outros serviços

colocados na periferia que o Estado realiza as suas funções de polícia, educação, saúde, obras

públicas, transportes, etc.;

 Os serviços públicos atuam sob a direção dos órgãos das pessoas coletivas públicas: quem

toma as decisões que vinculam a pessoa coletiva pública perante o exterior são os órgãos dela;

e quem dirige o funcionamento dos serviços existentes no interior da pessoa coletiva são

também os seus órgãos. Mas quem desempenha as tarefas concretas e especificas em que se

traduz a prossecução das atribuições das pessoas coletivas públicas, são os serviços públicos.

Quanto às relações entre os órgãos e os serviços públicos, são de dois tipos: os órgãos dirigem a

atividade dos serviços e os serviços auxiliam a atuação dos órgãos. As decisões dos órgãos têm de ser

rodeadas de particulares cuidados, daí que se torne necessário desenvolver uma atividade prévia de

preparação e estudo das diversas soluções possíveis. Além disso, uma vez tomadas as decisões, elas têm

de ser executadas. Os serviços públicos desenvolvem a sua atuação quer na fase preparatória da

formação da vontade do órgão administrativo, quer na fase que se segue à manifestação daquela vontade.
280

Convém distinguir serviços e institutos públicos. Os serviços não tem personalidade jurídica, são um

elemento integrado na organização interna de certa pessoa coletiva pública. Os institutos públicos têm
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personalidade jurídica e comportam, no seu seio, vários serviços públicos.

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3. Espécies

Os serviços públicos podem ser classificados segundo suas perspetivas: uma funcional e estrutural.

 Os serviços públicos como unidades funcionais: os serviços públicos distinguem-se de acordo

com os seus fins: por exemplo, serviços de polícia, ou de educação. É com base neste critério

que se dividem as varias direções-gerais dos ministérios e os respeitos serviços executivos;

 Os serviços públicos como unidades de trabalho: os serviços públicos distinguem-se não já

segundo o fim mas antes segundo o tipo de atividade que desenvolvem. Com efeito, em cada

departamento os serviços diferenciam-se consoante a natureza das tarefas que

desempenham: assim, por exemplo, temos os serviços de estatística e recolha de dados, e os

serviços de gestão de património e do pessoal.

Os serviços públicos, quando considerados do ponto de vista estrutural, podem ser de dois tipos:

principais e auxiliares.

Os serviços principais são aqueles que desempenham as atividades correspondentes às atribuições da

pessoa coletiva pública a que pertencem. Por sua vez, os serviços auxiliares são aqueles que desempenham

atividades secundárias ou instrumentais, que visam tornar possível ou mais eficiente o funcionamento dos

serviços principais.

De entre os serviços principais, distinguem-se os burocráticos e os operacionais.

Os serviços burocráticos são os serviços principais que lidam por escrito com os problemas diretamente

relacionados com a preparação e execução das decisões dos órgãos da pessoa coletiva a que pertencem.

Dentro destes serviços podemos fazer ainda três subdivisões: serviços de apoio, executivos e de controlo.

Os serviços de apoio são os serviços burocráticos que estudam e preparam as decisões dos órgãos

administrativos. Os serviços executivos são aqueles que executam as leis e os regulamentos aplicáveis,

bem como as decisões dos órgãos dirigentes das pessoas coletivas a que pertencem. Os serviços são os

que fiscalizam a atuação dos restantes serviços públicos.

Temos ainda os serviços operacionais, que desenvolvem atividades de caráter material, correspondentes

às atribuições da pessoa coletiva pública a que pertencem. Também estes têm três subespécies: os

serviços de prestação individual, os serviços de polícia e os serviços técnicos. Os serviços de prestação

individual são os serviços operacionais que facultam aos particulares bens ou serviços de que estes

carecem para a satisfação das necessidades coletivas individualmente sentidas. Os serviços de polícia são
281

os que exercem fiscalização sobre as atividades dos particulares suscetíveis de pôr em risco os interesses
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públicos que à Administração compete defender. Os serviços técnicos são todos os restantes serviços

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operacionais cuja atividade não consista em prestações individuais aos particulares, nem em vigilância

sobre as respetivas atividades.

4. Regime jurídico

Os princípios fundamentais do regime jurídico dos serviços públicos são:

 O serviço público releva sempre de uma pessoa coletiva pública;

 O serviço público está vinculado à prossecução do interesse público: são elementos da

organização de uma pessoa coletiva pública. Estão, pois, vinculados à prossecução das

atribuições que a lei puser a cargo dela;

 A criação e extinção de serviços públicos, bem como a sua fusão e restruturação são aprovadas

por decreto-regulamentar. Já quanto aos serviços municipais, a competência para a sua

criação e extinção pertence à Assembleia Municipal;

 A organização interna dos serviços públicos é matéria regulamentar: contudo, a prática

portuguesa é no sentido de a organização interna dos serviços públicos do Estado ser feita e

modificada por decreto-lei, o que é reprovável, pois deviam ser usadas para este fim formas

regulamentares (art. 21º/4 e 5 LAD);

 O regime de organização e funcionamento de qualquer serviço público é modificável;

 A continuidade dos serviços públicos deve ser mantida; é esta, sem dúvida, uma das principais

responsabilidades de qualquer Governo. Sejam quais forem as circunstâncias pode e deve ser

assegurado o funcionamento regular dos serviços públicos, pelo menos dos essenciais;

 Os serviços públicos devem tratar e servir todos os particulares em pé de igualdade (art. 13º

CRP);

 A utilização dos serviços públicos pelos particulares é em princípio onerosa: os utentes

deverão pagar uma taxa, como contrapartida do benefício que obtêm. Faz-se recair sobre os

utentes, e não sobre todos os cidadãos, a totalidade ou a maior parte do custo da existência e

do funcionamento do serviço;

 Os serviços públicos podem gozar de exclusivo ou atuar em concorrência;

 Os serviços públicos podem atuar de acordo quer com o direito público quer com o direito

privado;

 A lei admite vários modos de gestão dos serviços públicos: por via de regra são geridos por
282

uma pessoa coletiva pública, mas também pode suceder que a lei autorize que a gestão de um
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serviço público seja temporariamente entregue a uma empresa privada, por meio de

concessão, ou a uma associação ou fundação de utilidade pública, por delegação de poderes;

 Os utentes do serviço público ficam sujeitos a regras próprias que os colocam numa situação

jurídica especial. As relações jurídicas que se estabelecem entre os utentes do serviço público

e a Administração são diferentes das relações gerais que todo o cidadão trava com o Estado.

Os utentes acham-se submetidos a uma forma peculiar de subordinação aos órgãos e agentes

administrativos, que tem em vista criar e manter as melhores condições de organização e

funcionamento dos serviços, e que se traduz no dever de obediência em relação a vários

poderes de autoridade;

 Natureza jurídica do ato criador da relação de utilização do serviço público pelo particular: a

tendência geral é no sentido de os administrativistas verem nesse ato ou um simples facto

jurídico privado do particular, ou um ato administrativo de admissão, enquanto os civilistas se

inclinam para um contrato civil de prestação de serviços ou como atuações geradoras de

relações contratuais de facto. FREITAS DO AMARAL entende-o como um contrato

administrativo.

5. Organização dos serviços públicos

Os serviços públicos podem ser organizados segundo três critérios: organização horizontal, territorial

e vertical. No primeiro caso, em razão da matéria ou do fim, no segundo em razão do território e no

terceiro em razão da hierarquia.

A organização vertical atende à distribuição dos serviços pelas pessoas coletivas e à especialização

dos serviços segundo o tipo de atividades a desempenhar. É através da organização horizontal que se

chega à consideração das diferentes unidades funcionais e das diferentes unidades de trabalho.

A organização territorial remete para a distinção entre serviços centrais e periféricos. É uma

organização que tem no topo os serviços centrais, e os diversos níveis, em decrescente, são preenchidos

por serviços daqueles dependentes e atuando ao nível de circunscrições de âmbito gradualmente menor.

A organização vertical, ou hierárquica, traduz a estruturação dos serviços em razão da sua

distribuição por diversos graus ou escalões do topo à base, que se relacionam entre si em termos de

supremacia e subordinação. Por seu turno, também há uma hierarquia de chefias.

6. A hierarquia administrativa
283

Para o Professor Marcello Caetano, a hierarquia é “o ordenamento em unidades que compreendem


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subunidades de um ou mais graus e podem agrupar-se em grandes unidades, escalonando-se os poderes

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dos respetivos chefes de modo a assegurar a harmonia de cada conjunto. (…) A esta hierarquia

corresponde uma hierarquia das respetivas chefias. Há em cada departamento um chefe superior,

coadjuvado por chefes subalternos de vários grupos pelos quais estão repartidas tarefas e

responsabilidades proporcionalmente ao escalão que se acham colocados”.

Para o Professor Cunha Valente, a hierarquia é “o conjunto de órgãos administrativos de

competências diferenciadas mas com atribuições comuns, ligados por um vínculo de subordinação que se

revela no agente superior pelo poder de direção e no subalterno pelo dever de obediência”.

Para o Professor Paulo Otero, é essencial determinar que:

 A hierarquia é um fenómeno jurídico complexo, não sendo definido integralmente por um

único elemento;

 A estrutura interorgânica da competência não permite recolher qualquer elemento integrável

na noção de hierarquia administrativa;

 O poder de direção é o elemento essencial da hierarquia, mas não é o seu único elemento. I.e.,

não há hierarquia sem poder de direção, mas não pode existir poder de direção sem

hierarquia administrativa;

 Esta comporta uma supremacia da vontade do superior perante o subalterno;

 Esta é um modelo de organização da Administração Pública, apenas verificável entre órgãos

com atribuições comuns.

Deste modo, a hierarquia administrativa deve ser configurada como resultado do conjunto de três

elementos: a hierarquia administrativa é o modelo de organização vertical da Administração Pública; a

hierarquia consubstancia uma relação jurídico-funcional entre uma vários órgãos da mesma entidade

pública; a hierarquia envolve um processo de decisão administrativa decorrente de um órgão ter

competência para dispor da vontade decisória de todos os respetivos órgãos subalternos.

Deste modo, para o Professor Paulo Otero, a “hierarquia administrativa consiste num modelo de

organização vertical da Administração Pública, através do qual se estabelece um vínculo jurídico entre uma

pluralidade de órgãos da mesma pessoa coletiva, conferindo-se a um deles competência para dispor da

vontade decisória de todos os restantes órgãos, os quais se encontram adstritos a um dever legal de

obediência”.

Para o Professor Freitas do Amaral, a hierarquia é “o modelo de organização administrativa vertical,


284

constituído por dois ou mais órgãos e agentes com atribuições comuns, ligados por um vínculo jurídico que
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confere ao superior o poder de direção e impõe ao subalterno o dever de obediência”.

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Claro que há formas de organização horizontal, mas nesses não se verifica uma hierarquia. Mais ainda,

no nosso país, a maioria dos serviços públicos, na parte referente a relações entre órgãos singulares,

obedece ao modelo vertical hierárquico, herdado do Império Romano.

Ora, para o Professor Freitas do Amaral, os traços essenciais da hierarquia administrativa são: a

existência de um vínculo entre dois ou mais órgãos e agentes administrativos; que as atribuições

prosseguidas pelos superiores e subalternos sejam comuns; a existência de uma “relação hierárquica”,

i.e., um vínculo jurídico típico entre superior e subalterno – esta é uma relação interorgânica (não é entre

sujeitos de direito, mas entre órgãos ou entre órgãos e agentes da mesma pessoa pública.

Cabe analisar aqui uma crítica feita pelo Professor Paulo Otero a uma definição de “hierarquia”

apresentada anteriormente pelo Professor Freitas do Amaral, porque permite analisar um elemento

essencial. A crítica surgiu porque não só há atribuições comuns como também podem haver

competências comuns.

Porém, discorda do Professor Paulo Otero, na medida em que este diz que o traço característico da

posição de supremacia do superior hierárquico se cifra na “competência para dispor da vontade decisória

de todos os restantes órgãos”, ou ainda que o superior hierárquico tem “plena disponibilidade da vontade

decisória” do subalterno. Por um lado, o subalterno não é um autómato. Por outro lado, a vontade do

superior tem, em regra, mais força jurídica do que a do subalterno, mas não dispõe desta, nem a

substitui: o subalterno é que decide se acarreta a ordem. Mesmo quando o subalterno atua no

cumprimento estrito de ordens legais emanadas dos seus superiores, não é irrelevante o caráter livre e

esclarecido da vontade por ele manifestada.

7. Hierarquia em sentido jurídico vs em sentido impróprio

O Professor Freitas do Amaral realiza uma distinção a título explicativo entre a hierarquia em sentido

jurídico, a que está em causa na administração, e outros conceitos denominados de hierarquia mas que

não correspondem aos critérios de uma hierarquia jurídica.

Fala-se em hierarquia dos tribunais para significar que a organização judiciária se encontra

estruturada por graus. Todavia, não temos aqui um vínculo característico da hierarquia em sentido

jurídico, que é o vínculo de subordinação. Não é função do Supremo Tribunal de Justiça dar ordens aos

Tribunais da Relação, nem é função destes dar ordens aos Tribunais de 1ª Instância.

Fala-se também em hierarquia de postos, i.e., uma forma de organização de carreiras em que os
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funcionários “progridem” passando de postos menos relevantes para outros que o sejam mais. Mas não
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existe aqui hierarquia em sentido jurídico. O Professor Freitas do Amaral exemplifica este caso dizendo

que entre um 1º oficial e um 2º oficial não há superiores. São todos subalternos de um chefe de secção.

Por fim, fala ainda de uma hierarquia política, como aquela para as relações em que não se pode negar

certas formas de supremacia e subordinação, como entre o Primeiro-Ministro e os restantes Ministros.

Mas, novamente, não há aqui uma hierarquia em sentido jurídico, porque não há entre estes órgãos

poderes de direção e deveres de obediência.

8. Hierarquia interna vs externa

A hierarquia comporta duas modalidades: externa e interna.

A hierarquia interna é um modelo de organização da Administração que tem por âmbito natural o

serviço público. É um modelo em que se toma a estrutura vertical como diretriz, para estabelecer o

ordenamento das atividades em que o serviço se traduz: a hierarquia interna é uma hierarquia de

agentes.

Nesta há sobretudo vínculos de superioridade e subordinação entre agentes administrativos. Não se

trata da atribuição de competência entre órgãos, mas da divisão de trabalho entre agentes.

Não está em causa o exercício da competência da pessoa pública, mas o desempenho regular das

tarefas de um serviço público. Ou seja, está em causa a prossecução de atividades e não a prática de atos

jurídicos.

O Professor Freitas do Amaral define-a como “modelo vertical de organização interna dos serviços

públicos que assenta na diferenciação entre superiores e subalternos”.

A hierarquia externa surge no quadro da pessoa coletiva pública. Também aqui se toma a estrutura

vertical como diretriz, mas desta feita para estabelecer o ordenamento dos poderes jurídicos em que a

competência consiste: a hierarquia externa é uma hierarquia de órgãos.

Os vínculos de superioridade e subordinação estabelecem-se entre órgãos da Administração. Está em

causa a repartição das competências entre aqueles a quem está confiado o poder de tomar decisões em

nome da pessoa coletiva. Os subalternos não se limitam a desempenhar atividades, mas praticam atos

administrativos. São atos externos, projetam-se na esfera jurídica de outros sujeitos de direito.

Importa aqui que os subalternos são, também eles, órgãos com competência externa.

9. Poderes do superior
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Cabe aqui analisar quais os poderes atribuídos ao superior. Atentemos aqui a uma divergência

doutrinária entre o Professor Paulo Otero e o Professor Freitas do Amaral.


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Por seu lado, o Professor Paulo Otero agrupa os poderes do superior em: poder de direção, poderes de

controlo (nos quais integra os poderes de: inspeção, supervisão e disciplinar) e poderes dispositivos da

competência (nos quais integra os poderes de: resolução de conflitos de competência, de delegação e de

substituição primária). Por sua vez, o Professor Freitas do Amaral não agrupa os poderes, e reconhece

menos poderes, sendo que reconhece como os três principais: o poder de direção, de supervisão e

disciplinar. Reconhece ainda o poder de inspeção, o poder de decidir recursos, o poder de decidir

conflitos de competência e o poder de substituição.

Vamos então analisar cada um destes poderes:

 Poder de direção

Tanto o Professor Freitas do Amaral como o Professor Paulo Otero autonomizam este poder.

O Professor Freitas do Amaral define o poder de direção a “faculdade de o superior dar ordens e

instruções, em matéria de serviço, ao subalterno”. O Professor Paulo Otero define-o enquanto a “faculdade

de o superior hierárquico emanar comandos vinculativos a todos os órgãos subordinados”, ambos

prosseguem pela distinção entre ordens e instruções.

Os comandos emanados pelo superior podem ser específicos para uma situação concreta e

individualizada (denominados estes por ordens), ou podem gozar de aplicação generalizada e abstrata

para situações futuras (denominados estes por instruções). Correspondem, respetivamente, a um poder

de direção concreto e a um poder de direção geral. O superior não se encontra também impedido de

emanar diretivas sobre a atividade dos subalternos, conferindo a estes uma maior liberdade de ação na

concretização dos objetivos determinados.

O poder de direção mostra-se suscetível de abranger todas as atividades dos órgãos hierarquizados,

independentemente da competência destes últimos, não encontrando limites materiais de incidência,

segundo o Professor Paulo Otero. Esse direito ilimitado confere ao poder de direção um estatuto central

na caracterização da hierarquia administrativa.

O poder de direção tem duas concretizações diversas: os comandos podem limitar-se a reproduzir a

lei, tendo natureza declarativa, ou podem introduzir elementos inovatórios na concretização desse

espaço de discricionariedade, tendo estes natureza constitutiva.

Este poder atribui ao superior a faculdade de dar unidade aos serviços colocados na sua dependência,

promovendo a coordenação de tarefas, de forma a determinar uma maior eficiência na atividade


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administrativa. Este poder atribui então uma faculdade geral de ingerência na atividade dos subalternos.
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Sendo, aliás, um limite inerente ao poder discricionário dos órgãos subalternos.

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A circunstância de o superior poder emanar comandos sobre qualquer área da competência do

subalterno e este estar vinculado a um dever geral de obediência, confere ao primeiro órgão uma

faculdade global de interferir sobre todas as matérias da competência dos subalternos. Uma tal

interferência tem de significar, forçosamente, a existência de um nexo de competência comum entre

superior e subalterno.

Enquanto ao nível da competência externa não existe necessariamente identidade de competência

material entre superior e subalterno (logo o superior não pode praticar atos externos sobre as matérias

de competência do subalterno), ao nível da competência interna há sempre a suscetibilidade de o

superior emanar atos internos sobre quaisquer matérias da competência dos subalternos.

Terão os comandos hierárquicos natureza jurídica? Para o Professor Paulo Otero, não só a

circunstância de os comandos serem suscetíveis de produzir efeitos jurídicos, como o facto de estes,

possuindo fundamento jurídico, serem caracterizáveis como atos de natureza jurídica, dá-nos a resposta.

Demonstrado o seu caráter jurídico, cabe determinar se os comandos hierárquicos esgotam os efeitos

no interior da relação hierárquica, ou se podem produzir efeitos externos? Para o Professor Freitas do

Amaral, as manifestações do poder de direção esgotam-se no âmbito da relação, não produzindo efeitos

jurídicos externos. Estes comandos são meros preceitos administrativos internos, não são normas

jurídicas, logo não podem os particulares invocar perante um tribunal administrativo a violação de uma

instrução ou ordem para fundamental o pedido de anulação de um ato administrativo. Em oposição, o

Professor Paulo Otero discorda, afirmando que, apesar de os comandos hierárquicos serem atos

eminentemente internos, tal não exclui a possibilidade de os mesmos produzirem certos efeitos reflexos

a nível externo. Ainda assim, não pode ser conferida a tais atos internos a possibilidade de modificar

normas externas e muito menos de reduzir as garantias dos administrados.

Existe entre os comandos hierárquicos ligação hierárquico-normativa? O Professor Paulo Otero

parece defender que sim, assumindo dois diferentes critérios: critério orgânico (os atos internos

estruturam-se hierarquicamente segundo o posicionamento do respetivo autor no contexto da

organização vertical dos serviços) e critério material (os atos internos ordenam-se hierarquicamente de

acordo com o seu conteúdo próprio. Os atos de conteúdo individual devem subordinar-se aos de

conteúdo geral do mesmo órgãos ou do seu superior hierárquico).

 Poder de supervisão
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Ambos os autores analisados o consignam, embora o Professor Paulo Otero o integre na categoria dos
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poderes de controlo. Mais ainda, ambos parecem concordar nas definições apresentadas.

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Este poder será, assim, o poder de o superior hierárquico revogar, modificar ou suspender, total ou

parcialmente, os atos praticados pelos subalternos. Pode ser acionado de duas formas: por iniciativa do

superior ou por recurso hierárquico por parte do interessado. A supervisão pode fundamentar-se em

razões estritamente jurídicas e em razoes de oportunidade e conveniência.

Ambos concordam que a faculdade de revogação é o elemento essencial deste poder, e que esta pode

operar de duas formas distintas: pode consistir de um ato com o objetivo de fazer cessar os efeitos

produzidos por um outro ato anterior, ou pode verificar-se através da prática de novo ato cujo conteúdo

da sua regulamentação seja incompatível com os efeitos de um ato anterior sobre a mesma matéria.

 Poder disciplinar

Novamente analisado por ambos os autores, o Professor Paulo Otero integra-o no grupo dos poderes

de controlo.

Este poder consiste na faculdade de o superior punir o subalterno, mediante a aplicação de sanções

legalmente previstas como consequência de infrações da disciplina da função pública cometidas.

É importante salientar que o poder disciplinar não é uma mera garantia de cumprimento dos

comandos hierárquicos do superior. Tal poder, ao ser suscetível de incidir diretamente sobre a esfera

jurídica do subalterno, determina da parte deste uma maior preocupação no cumprimento da legalidade

em geral e na concretização do dever de boa administração.

 Poder de inspeção

Ainda analisado por ambos os autores, é o último dos poderes de controlo.

Este poder consiste na faculdade de o superior fiscalizar continuamente o comportamento dos

subalternos e o funcionamento dos serviços, para providenciar como melhor entender e de,

eventualmente, mandar proceder a inquéritos ou processos disciplinares. É um poder instrumental,

porque é com base nas informações por este recolhidas que o superior decidirá usar ou não um dos três

poderes principais.

 Poder de resolução de conflitos de competência

Embora tanto o Professor Freitas do Amaral como o Professor Paulo Otero consagrem este poder, o

Professor Paulo Otero integra-o no conjunto dos poderes dispositivos da competência.

Verificando-se uma situação face à qual dois ou mais órgãos se consideram competentes (conflito

positivo) ou incompetentes (conflito negativo) para a resolução de determinado assunto, compete ao


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superior hierárquico decidir qual o órgão competente. Este poder pode ser exercido por iniciativa do
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superior, a pedido de um dos subordinados conflituantes, ou através de pedido formulado por um

administrado interessado.

Contrariamente ao defendido na maior parte da doutrina, o Professor Paulo Otero considera que o

superior, pode não só decidir entre um dos dois órgãos, como pode considerar ter a lei conferido a

competência em questão a um órgão alheio ou ainda considerar que a competência para o exercício recai

sobre ele.

 Poder de delegação

Este poder apenas é consagrado expressamente pelo Professor Paulo Otero, que o integra no conjunto

dos poderes dispositivos da competência.

Este poder consiste na faculdade atribuída por lei a um órgão, mediante a qual este tem a

possibilidade de escolher entre duas formas legais de prosseguir parte da sua competência: ou a exerce

em exclusivo, ou permite que outro órgão a exerça em concorrência, através de um ato de delegação.

Visto ser a delegação de poderes um tópico de aprofundamento, remete-se para o trabalho a ser

realizado perante este tema.

 Poder de decidir recursos

Este apenas aparece consagrado pelo Professor Freitas do Amaral.

Este poder consiste na faculdade de o superior reapreciar os casos primeiramente decididos pelos

subalternos, podendo confirmar, anular ou revogar os atos impugnados. A este meio de impugnação dá-

se o nome de “recurso hierárquico”.

 Poder de substituição/substituição primária

Ambos os Professores analisados mencionam que a existência deste poder é, de facto, contestada,

sendo que parte da doutrina não o considera como verdadeiro.

O poder de substituição seria, pois, a faculdade de o superior exercer legitimamente competências

conferidas, por lei ou delegação de poderes, ao subalterno. Por um lado, o Professor Marcello Caetano e o

Professor Paulo Otero, entre muitos outros, entendem que tal poder existe verdadeiramente. Sendo que

se costuma exprimir o pensamento desta corrente de opinião pela fórmula “a competência do superior

abrange sempre a dos subalternos”. Por outro lado, o Professor Freitas do Amaral entende que, em regra,

a competência do superior hierárquico não engloba o poder de substituição, mesmo que no caso

disponha de um poder de revogação. I.e., não é válida, como princípio geral, a máxima de que a
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competência do superior abrange a dos subalternos. Sustenta, aliás, a sua posição invocando as
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finalidades que levam a lei a desconcertar a competência dos superiores nos seus subalternos: melhor

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prossecução do interesse público pelos órgãos situados na maior proximidade dos problemas a resolver

e mais ampla proteção dos direitos e interesses dos particulares, através da possibilidade de controlo da

primeira decisão pelos superiores hierárquicos.

10. Deveres do subalterno e o dever de obediência em especial

Aos poderes do superior corresponde certos deveres dos subalternos. Estes são de vária índole: há os

que dizem diretamente respeito à relação de serviço (como o dever de obediência, assiduidade, zelo,

aplicação, respeitos pelos superiores, etc…), mas há também outros que extravasam já o âmbito da

relação (deveres na vida privada).

Ainda que o estudo dos deveres dos subalternos não caiba no âmbito do estudo da hierarquia,

cabendo ao estudo da matéria do estatuto dos agentes administrativos, será de particular interesse o

estudo do dever de obediência.

O dever de obediência consiste na “obrigação de o subalterno cumprir as ordens e instruções dos seus

legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e sob a forma legal”. Resultam os seguintes

requisitos: os comandos hierárquicos provenham de legitimo superior hierárquico, que sejam dadas em

matéria de serviço, e que revistam a forma legalmente prevista.

Logo, não existe dever de obediência quando o comando emane de quem não seja legítimo superior

do subalterno (por este não ser órgão da Administração ou não pertencer à cadeia hierárquica onde este

está inserido), quando respeite a um assunto da vida particular ou quando tenha sido dada verbalmente

se a lei exigia que fosse escrita. Nestes casos, a ordem é extrinsecamente ilegal, logo não impende sobre o

subalterno a obrigação de a acatar. Mas o que sucede quando, cumprindo os requisitos apresentados, o

comando seja intrinsecamente ilegal, i.e., implique, se for acatada, a prática de um ato ilegal por parte do

subalterno? Tal divide a doutrina.

Enquanto uma parte da doutrina, denominada de corrente hierárquica, onde se encontra Otto Mayer,

defende que existe sempre dever de obediência, sendo que admitir o contrário seria subverter a razão de

ser da hierarquia; outra parte da doutrina, a corrente legalista, defendida por Hauriou, defende que não

existe dever de obediência em relação a ordens julgadas ilegais. Em Portugal, a primeira tese foi

defendida pelo Professor Marcello Caetano ainda que temperada nos termos das leis portuguesas. Já o
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Professor João Tello de Magalhães Collaço adotou a segunda tese.

À primeira vista, parece não haver grande problema: se o nosso sistema é submetido ao princípio da
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legalidade, então não se pode sequer admitir que os subalternos cumpram ordens ilegais. Mas não é tão

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simples: primeiro, admitir o direito/dever de desobedecer a ordens ilegais é um fator de indisciplina nos

serviços público, permitindo ao subalterno examinar e questionar a interpretação da lei perfilhada pelo

respetivo superior hierárquico; depois, consagra que entre duas interpretações diferentes da lei, o

sistema jurídico deve por princípio preferir a do subalterno. Deste modo, o Professor Freitas do Amaral

inclina-se para a corrente legalista mas numa versão moderada, dadas as considerações realizadas.

Porém, o mais importante não é explicar uma tese, mas conhecer o que nos diz o direito vigente. O

sistema que prevalece atualmente é um sistema legalista mitigado, que resulta do art. 271º, n.º2 e 3 CRP

e do art. 177º LGTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). Logo, não há dever de obediência:

senão em relação aos comandos emanados de legítimo superior hierárquico, em objeto de serviço e com

forma legal (art. 271º, n.º2 CRP e art. 73º, n.º8 LGTFP); mesmo em relação a estas, não há dever

quando o cumprimento do comando implique a prática de um crime (art. 271º, n.º3 CRP e 177º, n.º5

LGTFP) ou quando os comandos provenham de ato nulo (art. 162º, n.º1 CPA). Há dever de obediência:

em relação a todos os restantes comandos, i.e., as que emanarem de legítimo superior hierárquico, em

objeto de serviço, com forma legal, e não implicarem a prática de um crime nem resultarem de um ato

nulo; contudo, se forem comandos ilegais, o funcionário ou agente que lhes der cumprimento só ficará

excluído da responsabilidade pelas consequências da execução da ordem se antes da execução tiver

reclamado ou tiver exigido a transmissão ou confirmação delas por escrito (art. 177º, n.º1 e 2 LGTFP).

Quando, porém, tenha sido dada ordem de cumprimento imediato, basta para a exclusão da

responsabilidade de quem a cumprir que a reclamação seja enviada logo após a execução (art. 177º, n.º4

LGTFP).

O Professor Paulo Otero levanta a questão do fundamento para a obediência aos comandos ilegais se

traduzir numa exceção ao princípio da legalidade. Conclui, aliás, que não, porque resulta da própria lei

ser legal o cumprimento de uma ordem ilegal. É uma legalidade especial circunscrita ao âmbito interno

da atividade administrativa. Porém, o Professor Freitas do Amaral não concorda com esta teoria. Para

este autor, as leis ordinárias que imponham o dever de obediência a ordens ilegais só serão legítimas se,

e na medida em que, puderem ser consideradas conformes à CRP. Esta exige a subordinação aos órgãos e

agentes administrativos à lei (art. 266º, n.º2). Porém, há um preceito constitucional que expressamente

legitima o dever de obediência às ordens ilegais que não impliquem a prática de um crime (art. 271º,

n.º3). Conclui, pois, que o dever de obediência às ordens ilegais é uma exceção ao princípio da legalidade,
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mas é uma exceção que é legitimada pela própria CRP.


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Sistemas de Organização Administrativa

Concentração e desconcentração

1. Conceito

Tanto o sistema da concentração como o sistema da desconcentração dizem respeito à organização

administrativa de uma determinada pessoa coletiva pública. Não tem nada a ver com as relações entre o

Estado e as demais pessoas coletivas públicas: é uma questão que se põe apenas dentro do Estado, ou

apenas dentro de qualquer outra entidade pública.

A concentração ou desconcentração têm como pano de fundo a organização vertical dos serviços

públicos, consistindo basicamente na ausência ou na existência de distribuição vertical de competência

entre os diversos graus ou escalões da hierarquia.

Assim, a concentração de competência é o sistema em que o superior hierárquico mais elevado é o único

órgão competente para tomar decisões, ficando os subalternos limitados às tarefas de preparação e

execução das decisões daquele, e a desconcentração de competência é o sistema em que o poder decisório se

reparte entre superior e um ou vários órgãos subalternos, os quais todavia permanecem sujeitos á direção

e supervisão daquele.

A desconcentração traduz-se num processo de descongestionamento de competências.

É claro que será difícil encontrar uma concentração ou desconcentração em sentido puro. O que

normalmente se encontra é sistemas mais ou menos concentrados, ou mais ou menos desconcentrados.

Entre nós, o princípio da desconcentração administrativa encontra consagração constitucional no art.

267º/2 CRP).

A concentração e a desconcentração não devem ser confundidas com a centralização e a

descentralização administrativas. Aquelas correspondem a um processo de distribuição da competência

pelos diferentes graus da hierarquia no âmbito de uma pessoa coletiva pública, ao passo que a

centralização e a descentralização assentam na inexistência ou no reconhecimento de pessoas coletivas

públicas autónomas, distintas do Estado. Assim, são teoricamente possíveis quatro combinações:

centralização com concentração; centralização com desconcentração; descentralização com

concentração; descentralização com desconcentração.

No primeiro caso, haverá apenas uma pessoa coletiva pública, o Estado, ficando reservada ao Governo

a plenitude dos poderes decisórios para todo o território nacional; no segundo caso, ainda existindo
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apenas a pessoa coletiva pública Estado, as competências decisórias repartir-se-ão entre o Governo e
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órgãos subalternos do Estado; no terceiro caso, existindo uma multiplicidade de pessoas coletivas

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públicas, em cada uma delas haverá apenas um centro decisório; na quarta hipótese, haverão múltiplas

pessoas com repartição de competência entre múltiplos órgãos.

2. Vantagens e inconvenientes

Principais vantagens da desconcentração:

 Aumenta a eficiência dos serviços públicos;

 Maior rapidez de resposta às solicitações dirigidas à Administração;

 Melhor qualidade de serviço, já que a desconcentração viabiliza a especialização de funções;

 Liberta os superiores da tomada de decisões de menor relevância, criando condições para

ponderarem a resolução de questões de maior responsabilidade que lhe ficam reservadas.

Porém, haverá inconvenientes:

 A multiplicidade dos centros de decisão pode inviabilizar uma atuação harmoniosa, coerente e

concertada;

 A especialização tenderá a converter-se na redução do âmbito de atividades dos subalternos, o

que gera a desmotivação;

 O facto de se atribuírem responsabilidades a subalternos, por vezes menos preparados para as

assumir pode levar à diminuição da qualidade do serviço, prejudicando-se com isso os

interesses dos particulares e a boa administração.

A tendência moderna é a de favorecer e desenvolver a desconcentração.

3. Espécies de desconcentração

Quais são as espécies de desconcentração? Estas apuram-se à luz de três critérios: níveis, graus e

formas.

Quanto aos níveis de desconcentração, há que distinguir entre desconcentração a nível central e

desconcentração a nível local;

Quanto aos graus de desconcentração, ela pode ser absoluta ou relativa: no primeiro caso, a

desconcentração é tão intensa e é levada tão longe que os órgãos por ela atingidos se transformam de

órgãos subalternos em órgãos independentes; no segundo, a desconcentração é menos intensa e mantém

a subordinação destes aos poderes do superior. Neste caso, a descontração e a hierarquia coexistem;

Quanto às formas de desconcentração, temos de um lado a desconcentração originária e do outro a


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desconcentração derivada: a primeira é a que decorre imediatamente da lei; a segunda, carecendo

embora de permissão legal expressa, só se efetiva mediante um ato específico praticado para o efeito
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pelo superior.

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A desconcentração derivada, portanto, traduz-se na delegação de poderes.

4. A delegação de poderes. Conceito

Por vezes sucede que a lei, atribuindo a um órgão a competência normal para a prática de

determinados atos, permite no entanto que esse órgão delegue noutro uma parte dessa competência.

Para FREITAS DO AMARAL, a delegação de poderes é o ato pelo qual um órgão da Administração,

normalmente competente para decidir em determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro

órgão ou agente pratiquem atos administrativos sobre a mesma matéria (art. 44º/1 CPA).

São três os requisitos da delegação de poderes:

 A lei deve prever expressamente a faculdade de um órgão delegar poderes noutro: é a

chamada lei de habilitação. Só pode haver delegação de poderes com base na lei, a própria CRP

declara que “nenhum órgão de soberania, de região autónoma ou de poder local pode delegar

os seus poderes noutro órgãos, a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos na

Constituição e na lei” (art. 111º/2);

 É necessária a existência de dois órgãos, ou de um órgão e um agente, da mesma pessoa

coletiva, ou de dois órgãos de pessoas coletivas públicas distintas, dos quais um seja o órgão

normalmente competente (o delegante) e o outro, o órgão eventualmente competente (o

delegado);

 É necessária a prática do ato de delegação propriamente dito.

5. Idem: figuras afins

A delegação de poderes é uma figura parecida com outras, mas que não deve ser confundida:

 Transferência legal de competências: consubstancia uma forma de desconcentração originária,

sendo a delegação de poderes uma forma derivada; por outro lado, a transferência legal de

competências é definitiva, enquanto na delegação de poderes é precária;

 Concessão: tem de semelhante o ser um ato translativo, e de duração em regra limitada. Mas

difere na medida em que tem por destinatário uma entidade privada. Além disso, a concessão

destina-se a entregar a empresas o exercício de uma atividade económica lucrativa, que será

gerida por conta e risco do concessionário, enquanto na delegação de poderes o delegado

passa a exercer uma competência puramente administrativa;

 Delegação de serviços públicos: também tem em vista transferir para entidade particulares,
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sem fins lucrativos, a gestão global de um serviço público de caráter social ou cultural;
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 Representação: os atos que o representante pratica são em nome do representado, e os

respetivos efeitos jurídicos vão-se reproduzir na esfera jurídica deste. Na delegação de

poderes, o delegado exerce a competência delegada em nome próprio e os efeitos inserem-se

na esfera jurídica da pessoa coletiva pública a que o delegado pertence;

 Substituição: dá-se esta quando a lei permite que uma entidade exerça poderes ou pratique

atos que pertencem à esfera jurídica própria de uma entidade distinta, de forma a que as

consequências jurídicas do ato recaiam na esfera do substituído;

 Suplência: quando o titular de um órgão administrativo não pode exercer o seu cargo, manda

que as respetivas funções sejam asseguradas, transitoriamente, por um suplente. Não é o

órgão impedido, ausente ou vago que chama o suplente: o início das funções é automático

(art. 42º/1 CPA);

 Delegação de assinatura: quem toma as decisões é o superior, cabendo ao subalterno apenas

assinar a correspondência. Mesmo que esta se destine a comunicar a pratica de um ato

administrativo, este ato surgirá sempre como proveniente do seu autor e não como ato

praticado por quem assina o oficio;

 Delegação tácita: por vezes, a lei, depois de definir a competência de um certo órgão, A,

determina que essa competência, ou parte dela, se considerará delegada noutro órgão, B, se e

enquanto o primeiro, A, nada disser em contrário. A chamada delegação tática, contudo, é

antes uma forma de desconcentração originária, na qual o delegante nada delega, porque sem

necessidade de qualquer delegação, o poder de decidir pertence ope legis ao impropriamente

chamada delegado.

6. Idem: espécies

Importa distinguir as espécies de habilitação para a prática de poderes, e as espécies de delegações de

poderes propriamente ditas.

Quanto à habilitação, ela pode ser genérica ou específica. No primeiro caso, a lei permite que certos

órgãos deleguem, sempre que quiserem, alguns dos seus poderes em determinados outros órgãos, de tal

modo que uma só lei de habilitação serve como fundamento a todo e qualquer ato de delegação praticado

entre esses tipos de órgãos. É o que sucede, nos termos do art. 44º/3 e 4 CPA, nos casos: delegação do

superior no seu imediato inferior hierárquico; delegação do órgão principal no seu adjunto ou substituto;
296

delegação dos órgãos colegiais no seu presidente.


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Direito Administrativo I
Daniel Lourenço Turma B
A lei impõe uma limitação importante (art. 44º/3 in fine): só podem ser delegados poderes para a

prática de atos de administração ordinária, i.e., atos não definitivos, bem como os atos definitivos que

sejam vinculados ou cuja discricionariedade não tenha significado ou alcance inovador na orientação

geral da entidade pública a que pertence o órgão.

Quanto às espécies de delegação, as principais são:

 Sob o prisma da sua extensão, pode ser ampla ou restrita, conforme o delegante resolve

delegar uma grande parte dos seus poderes, ou apenas uma pequena parcela deles.

Atualmente a delegação total de poderes é impossível: seria aceitar que o delegante

renunciasse ao desempenho do seu cargo, mantendo dele apenas as honras e o vencimento e

há competências indelegáveis por determinação da lei e pela sua natureza;

 No que respeita ao objeto da delegação, esta pode ser específica ou genérica, i.e., pode

abranger a prática de um ato isolado ou permitir a prática de uma pluralidade de atos: no

primeiro caso, uma vez praticado o ato, caduca a delegação (art. 50º/b CPA);

 Há casos de delegação hierárquica, i.e., a delegação dos poderes de um superior num seu

subalterno, e delegação não hierárquica;

 Há ainda delegação propriamente dita ou de 1º grau, e subdelegação de poderes, que pode ser

de 2º, 3º.. grau, conforme o número de subdelegações que forem praticas. A delegação é uma

delegação de poderes delegados.

7. Idem: regime jurídico

A figura da delegação de poderes é genericamente regulada pelo CPA (art. 44º a 50º), sem embargo de

haver referencias à figura em alguns diplomas especiais.

Quais são as linhas gerais do regime jurídico da delegação de poderes?

 Requisitos do ato de delegação

Quanto ao conteúdo, deve o órgão delegante especificar os poderes que são delegados ou os atos que

o delegado pode praticar (art. 47º/1 CPA). É através desta especificação de poderes delegados que se

fica a saber se a delegação é ampla ou restrita, e genérica ou específica. A indicação do conteúdo da

competência deve ser feita positiva e não negativamente. Há na competência dos órgãos da

Administração poderes delegáveis e poderes indelegáveis: na dúvida, deverá interpretar-se o ato de

delegação no sentido de que não terá querido abranger poderes indelegáveis. O conteúdo deve incluir
297

ainda a indicação da norma que atribui o poder delegado, e a norma habilitadora da delegação (art.
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47º/2/2ªparte CPA).

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Daniel Lourenço Turma B
Quanto à publicação, deve ser feita em Diário da República, ou na publicação oficial da entidade

pública, assim como no sítio institucional da Internet (art. 47º/2 e 159º CPA).

A falta dos requisitos quanto ao conteúdo leva a que o ato de delegação seja inválido, enquanto a falta

de requisitos de publicidade leva à ineficácia.

 Poderes do delegante

Em que posição fica o delegante após a delegação?

Sustentam alguns autores (Marcello Caetano) que o delegante não perde nem os sues poderes, nem a

possibilidade de os exercer: delegante e delegado ficarão investidos de competência simultânea sobre as

matérias que foram objeto da delegação, qualquer deles podendo praticar um ato relativo a esse objeto.

FREITAS DO AMARAL discorda. Não faz sentido que o delegante confira poderes ao delegado para

continuar a poder exercer esses poderes como se não os tivesse delegado e tal nem é conveniente.

O que o delegante tem é a faculdade de avocação de casos concretos compreendidos no âmbito da

delegação conferida (art. 49º/2 CPA): se avocar o delegado deixa de poder resolver esses casos, que

passam de novo para a competência do delegante. Mas em cada momento há um único órgão

competente.

O delegante tem ainda o poder de dar ordens, diretivas ou instruções ao delegado, sobre o modo como

deverão ser exercidos os poderes delegados (art. 49º/1 CPA). Isto porque o delegante continua a ser o

órgão responsável pela totalidade da função. Se estivermos perante uma delegação hierárquica, o

delegante orientará o delegado através de ordens; se se tratar de delegação não hierárquica, o delegante

só poderá emitir diretivas, que traduzirão o exercício do seu poder de superintendência.

No passado discutiu-se se o delegante poderia ou não revogar os atos praticados pelo delegado ao

abrigo da delegação. A resposta atualmente é que sim (art. 49º/2).

Algumas leis especiais dão ao delegante o direito de ser informado dos atos que o delegado for

praticando ao abrigo da delegação.

 Requisitos dos atos praticados por delegação

Sob pena de ilegalidade, os atos administrativos praticados pelo delegado ao abrigo da delegação

devem obediência estrita aos requisitos de validade ficados na lei. A sua legalidade depende ainda da

existência, validade e eficácia do ato de delegação.

Os atos praticados pelo delegado devem, naturalmente, obedecer aos requisitos genéricos exigidos
298

por lei para os atos administrativos, bem como aos requisitos específicos do tipo legal de ato a praticar.
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Há ainda um requisito especial: devem conter a menção expressa de que são praticados por

delegação, identificando-se o órgão delegante (art. 48º/1 e 151º/1/a CPA). Esta menção é importante

porque pode condicionar a escolha da via de impugnação adequada, pelo particular que queira

questionar a validade do ato assim praticado. Se no ato se referir que a sua prática se fundamenta em

delegação de órgão competente para a prática de atos definitivos, o ato delegado será imediatamente

impugnável perante um tribunal administrativo.

No caso de o particular ser induzido em erro por o delegado mencionar uma delegação inexistes ou

não mencionar uma delegação existes, quid júris? De acordo com o art. 48º/2 CPA, os interessados não

podem ser prejudicados no exercício dos seus direitos pela falta ou incorreção das menções relativas à

delegação de poderes. O art. 60º/4 CPTA determina que é inoponível ao interessado um eventual erro

ou omissão quanto à existência de delegação de poderes. O ato será apreciado na instancia que lhe

corresponder em função das menções que efetivamente foram feitas, e não daqueles que deveriam ter

sido feitas.

 Natureza dos atos do delegado

Entre nós, os atos do delegado são definitivos nos mesmos termos em que seriam se fossem

praticados pelo delegante (art. 44º/5 CPA).

De acordo com o art. 199º/2 CPA, o recurso dos atos do delegado para o delegante só pode ter lugar

por expressa disposição legal. O recurso depende em qualquer caso de expressa consagração em norma

legal.

Não é todavia isenta de dúvidas a articulação deste regime com o que dispõe quanto aos poderes do

delegante sobre os atos do delegado no art. 49º/2, onde é consagrada com caráter de princípio geral a

competência para anular, revogar ou substituir tais atos. De facto, tem-se entendido que nos casos em

que a lei confira a um órgão poderes de revogação oficiosa de certos atos existirá também a possibilidade

de os interessados impugnarem tais atos.

Este paralelismo entre o âmbito da revogação oficiosa e o âmbito do recurso administrativo sofre

agora um desvio por força do art. 199º/3 CPA: a exigência de normas específicas para que desses

mesmos atos os interessados possam interpor recursos para o delegante.

 Extinção da delegação

Para além da prática do ato para a qual era pretendida, a delegação pode extinguir-se por anulação ou
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revogação (art. 50º/a CPA), ou por caducidade sempre que mudar a pessoa do delegante ou do delegado
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(art. 50º/b), isto porque o delegante tem de continuar responsável em último termos pelo exercício dos

seus poderes.

 Regime jurídico da subdelegação

Salvo disposição legal em contrário, qualquer delegante pode autorizar o delegado a subdelegar (art.

46º/1): passou pois a haver uma habilitação genérica permissiva de todas as subdelegações de 1º grau;

Quanto às subdelegações de 2º grau e subsequentes, a lei dispensa quer a autorização prévia do

delegante, que a do delegado, e entrega-as à livre decisão do subdelegado, salvo disposição legal em

contrario ou reserva expressa do delegante ou do subdelegante (art. 46º/2 CPA).

8. Idem: natureza jurídica da delegação de poderes

Há três conceções principais acerca da natureza da delegação:

 Tese da alienação: a delegação de poderes é um ato de transmissão ou alienação de

competência do delegante para o delegado: a titularidade dos poderes passa por força desta;

 Tese da autorização: preconizada por Marcello Caetano. A competência do delegante não é

alienada nem transmitida. O que se passa é que a lei de habilitação confere desde logo uma

competência condicional ao delegado, sobre as matérias em que permite a delegação. Antes da

delegação, o delegado já é competente: só que não pode exercer essa sua competência

enquanto o delegante lho não permitir. O ato de delegação visa pois facultar ao delegado o

exercício de uma competência que, embora condicionada, já é uma competência do delegado;

 Tese da transferência de exercício: perfilhada por FREITAS DO AMARAL. Segundo esta, a

delegação de poderes não é uma alienação, porque o delegante não fica alheio à competência

que decida delegar, nem é uma autorização, porque antes de o delegante praticar o ato de

delegação o delegado não é competente. Logo, a delegação de poderes constitui uma

transferência do delegante para o delegado: não, porém, uma transferência de titularidade dos

poderes, mas antes de exercício dos poderes.

A primeira não se afigura correta devido à sua incapacidade de explicar adequadamente o regime

jurídico estabelecido na lei para a delegação de poderes. Se esta fosse uma autêntica alienação, isso

significaria que os poderes delegados deixariam de pertencer ao delegante: a titularidade de tais poderes

passaria para o delegado, e o delegante ficaria inteiramente desligado de toda e qualquer

responsabilidade quanto aos poderes delegados e quanto à matéria incluída no objeto da delegação. A
300

responsabilidade pela totalidade da função é do delegante, sinal de que ele é o dominus da competência.
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Quanto à segunda tese, há muitos argumentos contra.

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Primeiro, esta tese é contrária à letra da lei. Pode delegar: quer isto dizer que o órgão A, quando

delega, vai atribuir ao órgão B alguma coisa, algo que ele ainda não tem.

Depois, se o potencial delegado já fosse competente por lei antes de o ato de delegação ser praticado,

não se perceberia que pudesse aparecer qualificado como mero agente (art. 44º/1 CPA).

De seguida, se o potencial delegado já fosse titular da competência antes de o ato de delegação ser

praticado, teria de se lhe reconhecer um interesse legítimo na pretensão de exercer a competência

delegável, uma vez que esta competência seria uma competência própria sua: o subalterno teria

legitimidade para requerer ao superior hierárquico que lhe autorizasse o exercício da competência

delegável. O espirito da lei é no sentido de dar ao potencial delegante, em regra, toda a liberdade quanto

à decisão de delegar ou não os seus poderes. Seria manifestamente uma subversão da hierarquia que o

subalterno pudesse legitimamente requerer ao superior que este lhe desse delegação nos casos em que a

lei a permite. O mesmo se diga nos casos de delegação sem hierarquia. Isto prova que a competência não

pertence ao delegado, e que este só se torna competente por força do ato de delegação.

Em quarto, a tese da autorização harmoniza-se dificilmente com a frequente omissão da identificação

do órgão destinatário da delegação ou subdelegação.

Depois, a tese da autorização harmoniza-se dificilmente com a possibilidade, consagrada na lei, de

uma delegação de poderes entre órgãos pertencentes a pessoas coletivas públicas diversas, pois tal

implicaria que o legislador estivesse a conferir competências a um órgão de uma pessoa coletiva para

prosseguir atribuições de uma outra.

Em sexto lugar, se fosse verdadeira a tese, o delegado praticaria atos compreendidos no objeto da

delegação no exercício de uma competência própria, ou seja, de uma competência que diretamente lhe

teria sido atribuída pela lei. Ora, isto é incompatível com o poder de orientação a cargo do delegante que

existe na delegação de poderes, inclusivamente quando não há hierarquia. Se se tratasse do exercício de

uma competência própria do delegado, não faria sentido que o delegante tivesse sobre ele qualquer

poder de orientação.

Depois, a tese da autorização também não é compatível com o poder de revogar ou anular a delegação.

Esta solução não faria sentido se se tratasse de uma simples autorização do exercício de uma

competência própria do delegado, porque em Direito Administrativo a autorização do exercício de

poderes próprios é um ato constitutivo de direito, por isso mesmo em princípio irrevogável.
301

Por último, esta tese não é compatível com o poder que o delegante tem de revogar os atos praticados
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pelo delegado no exercício da delegação.

Direito Administrativo I
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A melhor solução é, pois, a que vê na delegação de poderes um ato que transfere para o delegado o

exercício de uma competência própria do delegante. É assim o exercício em nome próprio de uma

competência alheia.

O delegado recebe a faculdade de exercer uma parte da competência do delegante e, mesmo quanto a

essa parte, a sua faculdade de exercício é limitada pelo alcance dos poderes de superintendência e

controlo do delegante. E o delegante não transfere para o delegado o exercício de toda a sua

competência: mesmo nas matérias em que delegou, ele conserva os poderes de exercício que já tinha e

adquire poderes que antes dela não detinha.

A delegação de poderes é um ato que transfere, com limitações e condicionamentos, uma parte do

exercício da competência do delegante.

Esta conceção tem consequências práticas importantes:

 Dela resulta que o potencial delegado não pode requerer ao delegante que delegue a sua

competência;

 Se o potencial delegado praticar atos a descoberto, i.e., atos compreendidos no âmbito da

matéria delegável mais que ainda não foram efetivamente objeto de uma delegação, tais atos

estão viciados de incompetência;

 No caso de o potencial delegado não ser um órgão da pessoa da Administração, mas um

simples agente, se ele praticar um ato a descoberto, estamos perante um caso de inexistência

jurídica do ato, porque os atos administrativos têm de provir sempre de órgãos da

Administração ou de autoridade devidamente habilitadas para o exercício de poderes jurídico-

administrativos.

O Professor Paulo Otero criticou esta teoria:

 Se toda a competência resulta sempre da lei, não é admissível que um órgão da Administração

exerça poderes que lhe são confiados por simples ato de natureza administrativa;

 É impossível que um órgão público exerça poderes sem possuir a titularidade dos mesmos;

 Admitindo que o delegante perde o exercício dos seus poderes durante a delegação, teriam de

se reconhecer como viciados de incompetência os atos praticados pelo delegante sobre

matéria delegada;

 Em caso de subdelegação, como pode o delegado exercer sobre o subdelegado os poderes


302

típicos do delegante se não tem nem nunca teve a titularidade desses poderes e se através da
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subdelegação, transferiu para o subdelegado o respetivo exercício?

Direito Administrativo I
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PAULO OTERO apresenta então uma teoria nova sobre a natureza jurídica da delegação de poderes,

que se pode resumir assim:

 É a própria lei de habilitação que confere ao potencial delegado a titularidade dos poderes que

declara serem-lhe delegáveis, mas condiciona o exercício desses poderes a um ato específico

do delegante;

 O delegado não recebe da lei de habilitação a capacidade de exercício dos poderes delegáveis:

recebe apenas a respetiva titularidade. A delegação de poderes é o ato que atribui ao delegado

a faculdade de exercer os poderes de que já é titular pela lei de habilitação, mas que sem ela

não pode exercer;

 Pelo ato de delegação, o delegante não perde a faculdade de exercer a sua competência

própria, antes alarga essa possibilidade ao delegado;

 O mesmo se passa na subdelegação.

FREITAS DO AMARAL descarda as criticas feitas pelo autor:

 O princípio da legalidade da competência tanto é respeitado pela atribuição dos poderes feita

diretamente por lei como por uma atribuição por ato da Administração expressamente

previsto por lei e nos termos por ela permitidos (art. 36º/1 e 2, in fine);

 Pode haver no direito público cisão entre titularidade e exercício de determinados poderes;

 Nunca disse que o delegante perde, total e incondicionalmente, o exercício da competência

delegada: o exercício dos poderes delegados fica suspenso, e é recuperável pelo delegante,

quer caso a caso mediante avocação, quer globalmente através da revogação da delegação;

 Quanto à subdelegação, parece evidente que o delegado, ao subdelegar, recebe da lei a

titularidade e o exercício dos poderes de superintendência e controlo sobre a atuação do

delegado, e não fica privado deles porque não são esses os poderes cujo exercício ele transfere

para o subdelegado, mas sim os poderes delegáveis e subdelegáveis.

Quanto à nova tese por este apresentada, FREITAS DO AMARAL dispõe:

 Se a lei de habilitação, ao permitir a certos órgãos que deleguem parte da sua competência

noutros órgãos ou agentes, estivesse nesse momento a atribuir a titularidade de todas as

competências delegáveis a todos os potenciais delegados, bem como a titularidade de todas as


303

competências subdelegáveis a todos os potenciais subdelegados, isso seria uma administração


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sujeita ao princípio da desconcentração (art. 267º/2 CRP), todas as competências delegáveis

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seriam comuns. Deixaria de haver órgãos normalmente competentes e órgãos eventualmente

competentes; a delegação deixava de ser uma forma de desconcentração derivada, para passar

a ser uma forma de desconcentração originária; qualquer órgão ou agente que a lei de

habilitação destacasse como potencial destinatário de uma delegação ou subdelegação de

poderes ministeriais passaria a ser co-titular desses poderes e, portanto, co-titular de uma

grande parcela da competência de um órgão de soberania;

 O segundo argumento é contraditório com a sua posição de princípio sobre a impossibilidade

de cisão, em direito público, entre a titularidade e o exercício das competências. Como aceitar

então que a faculdade de exercer as competências delegadas não provenha de lei, mas do ato

de delegação? Se assim for, será a vontade da Administração, e não a lei, a decidir quem exerce

as competências legais dos órgãos administrativos;

 FREITAS DO AMARAL também acha que a delegação não tem como efeito a perda do exercício

da competência do delegante, mas apenas a sua suspensão. Que a delegação alarga a

competência do delegado, aceita-o bem: toda a divergência está em que, para PAULO OTERO

esse alargamento consiste em receber a faculdade de exercer uma competência própria, ao

passo que para FREITAS DO AMARAL ele se traduz em receber a faculdade de exercer, em

nome próprio, competência alheia;

 O mesmo se diga para a subdelegação.

No fundo, a grande diferença entre a teoria de FREITAS DO AMARAL e de PAULO OTERO, está em que,

para o primeiro, a lei em direito público pode conceber a desconcentração derivada por duas formas: ou

a lei entende que a iniciativa de ajuizar da necessidade de B em exercer parte da competência de A cabe

nas responsabilidades de A, e então reserva essa iniciativa a A, e não confere qualquer legitimidade a B

para solicitar mais poderes a A: é o mecanismo da delegação de poderes; ou a lei considera que quem

pode melhor ajuizar da necessidade ou conveniência de um alargamento da capacidade de B é o próprio

B, e então fá-lo co-titular de parte das competências de A, legitimando B a solicitar de A que a

transferência se faça: é o mecanismo da autorização do exercício de poderes.


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Centralização e descentralização

1. Conceito

A centralização e a descentralização poem em causa várias pessoas coletivas públicas ao mesmo

tempo.

No plano jurídico, centralização é o sistema em que todas as atribuições administrativas de um dado

país são conferidas por lei ao Estado e descentralização é o sistema em que a função administrativa esteja

confiada não apenas ao Estado, mas também a outras pessoas coletivas territoriais.

Do ponto de vista político-administrativo, há centralização quando os órgãos das autarquias locais

sejam livremente nomeados e demitidos pelos órgãos do Estado, quando devam obediência ao Governo ou

ao partido único, ou quando se encontrem sujeitos a formas particularmente intensas de tutela

administrativa, sendo que haverá, então, descentralização quando os órgãos das autarquias locais são

livremente eleitos pelas respetivas populações, quando a lei os considera independentes na orbita das suas

atribuições e competências, e quando estiverem sujeitos a formas atenuadas de tutela administrativa.

É necessário sublinhas que os conceitos de centralização e descentralização em sentido jurídico são

conceitos absolutos, ou é uma coisa ou outra, enquanto que em sentido político-administrativo são

conceitos relativos.

A razão pela qual convém fazer esta distinção é que a descentralização jurídica pode na prática

constituir um véu enganador que recobre a realidade de uma forte centralização político-administrativa.

Era o que sucedia em Portugal durante o Estado Novo. Atualmente, tanto Portugal como, por exemplo,

França, são países que gozam de descentralização em sentido jurídico, mas seria engano pensar que

desfrutam de igual grau de descentralização em sentido político-administrativo: esta é menor em

Portugal do que em França, sendo que ainda é maior na Alemanha.

2. Vantagens e inconvenientes

A centralização tem como vantagens: assegurar melhor a unidade do Estado; garantir a

homogeneidade da ação política e administrativa desenvolvida no país; permitir uma melhor

coordenação do exercício da função administrativa.

Tem como desvantagens: gerar a hipertrofia do Estado, provocando o gigantismo do poder central;

ser fonte de ineficácia da ação administrativa; causar elevados custos financeiros relativamente ao
305

exercício da ação administrativa; abafar a vida local autónoma; não respeitas as liberdades locais; fazer

depender todo o sistema administrativo da insensibilidade do poder central à maioria dos problemas
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locais.

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A descentralização tem como vantagens: garantir as liberdades locais, sendo base de um sistema

pluralista de Administração Pública, que é uma forma de limitação do poder político – o poder local é um

limite ao absolutismo; proporcionar a participação dos cidadãos na tomada das decisões públicas em

matérias que concernem aos seus interesses, e a participação é um dos grandes objetivos do Estado

moderno (art. 2º CRP); permitir aproveitar para a realização do bem comum a sensibilidade das

populações locais relativamente aos seus problemas; proporciona soluções mais vantajosas do ponto de

vista do custo-eficácia.

Tem como desvantagens: gerar alguma descoordenação no exercício da função administrativa; abrir a

porta ao mau uso dos poderes discricionários da Administração por parte de pessoas nem sempre bem

preparadas.

É por isso que hoje em dia, na generalidade dos países do mesmo tipo de civilização e cultura que o

nosso, o debate não é entre centralização e descentralização, mas sim, no quadro de um sistema

juridicamente descentralizado, entre um sistema mais ou menos descentralizado do ponto de vista

político-administrativo e do ponto de vista financeiro.

Em Portugal, o art. 6º/1 CRP estabelece que “o Estado é unitário e respeita na sua organização os

princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da

administração pública”. No mesmo sentido vai o art. 267º/2 CRP. Constitucionalmente, o sistema

administrativo português tem de ser descentralizado: toda a questão está em saber qual o grau, maior ou

menor, da descentralização que se pode ou deve adotar.

3. Espécies de descentralização

Temos de distinguir as formas e os graus de descentralização.

Quanto às formas, pode ser territorial, a que dá origem à existência de autarquias locais, institucional,

a que dá origem aos institutos e empresas públicas ou associativa, a que dá origem às associações

públicas.

Para FREITAS DO AMARAL, esta terminologia não será a mais correta. Prefere adotar

“descentralização” apenas para a descentralização territorial, sendo que os outros dois tipos são formas

de “devolução de poderes”.

Quanto aos graus:

 Simples atribuição de personalidade jurídica de direito privado;


306

 Atribuição de personalidade jurídica de direito público;


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 Além da anterior, atribuição de autonomia administrativa;

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 Além das duas últimas, atribuição de autonomia financeira;

 Além das três últimas, atribuição de faculdades regulamentares;

 Para além de todas as anteriores, atribuição de poderes legislativos próprios.

No primeiro caso, há descentralização privada; nas quatro hipóteses seguintes há descentralização

administrativa (autoadministração); no último caso há descentralização política (autogoverno).

4. Limites da descentralização

A descentralização tem de ser submetida a determinados limites. São estes de três ordens: limites a

todos os poderes da Administração, e portanto também aos poderes das entidades descentralizadas;

limites à quantidade de poderes transferíveis para as entidades descentralizadas; limites ao exercício dos

poderes transferidos.

Os de primeiro tipo são várias, tendo como exemplo o caso em que a lei delimita as atribuições e

competências de uma autarquia local.

Dos de segundo tipo fala o art. 267º/2 CRP, quando dispõe que a descentralização administrativa

será estabelecida por lei” sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de ação”.

Os de terceiro tipo são os que resultam, sobretudo, da intervenção do Estado na gestão das autarquias

locais. De todas as formas possíveis de intervenção, a mais importante é a tutela administrativa.

5. A tutela administrativa. Conceito

A tutela administrativa é o conjunto de poderes de intervenção de uma pessoa coletiva pública na gestão

de outra pessoa coletiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua atuação. Tem então como

caraterísticas:

 Pressupõe duas pessoas coletivas distintas: uma a pessoa tutelar e outra a tutelada;

 Uma delas é necessariamente uma pessoa coletiva pública, sendo que a outra o será na maior

parte dos casos;

 Os poderes de tutela são de intervenção na gestão de uma pessoa coletiva;

 O fim da tutela administrativa é assegurar, em nome da entidade tutelar, que a entidade

tutelada cumpra as leis em vigor e garantir que sejam adotadas soluções convenientes e

oportunas para a prossecução do interesse público.


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6. Idem: figuras afins

A tutela administrativa não se confunde com a hierarquia: esta é um modelo de organização situado

no interior de cada pessoa coletiva pública, ao passo que a tutela administrativa assenta numa relação

jurídica entre duas pessoas coletivas distintas.

Não se confunde também com os poderes dos órgãos de controlo jurisdicional da Administração, tais

como os tribunais administrativos, porque a tutela é exercida por órgãos da Administração e não por

tribunais.

Não se confunde ainda com certos controlos internos da Administração, tais como a sujeição a

autorização ou aprovação por órgãos da mesma pessoa coletiva pública. Também aqui falta o requisito

da existência de duas pessoas coletivas em relação uma a outra.

7. Idem: espécies

As principais espécies de tutela administrativa distinguem-se quanto ao fim e quanto ao conteúdo.

Quanto ao fim, pode ser tutela de legalidade ou de mérito. A de legalidade visa controlar a legalidade

das decisões da entidade tutelada, e a de mérito visa controlar o mérito das decisões administrativas da

entidade tutelada.

Quando averiguamos da legalidade, estamos a apurar se essa decisão é ou não conforme a lei, e

quando averiguamos do mérito estamos a indagar se essa decisão é conveniente ou inconveniente,

oportuna ou inoportuna, correta ou incorreta do ponto de vista administrativo, financeiro, técnico, etc.

Esta distinção é importante porque atualmente o Governo já não tem tutela de legalidade e mérito

sobre as autarquias locais, mas apenas de legalidade (art. 242º/1 CRP). Daqui não se segue que não

possa haver tutela de mérito sobre os institutos públicos ou até sobre as associações.

Quanto ao conteúdo, a tutela pode ser: integrativa, inspetiva, sancionatória, revogatória e substitutiva.

A tutela integrativa é o poder de autorizar ou aprovar os atos da entidade tutelada. Distingue-se a

tutela integrativa a priori, que consiste em autorizar, e a a posteriori, que consiste em aprovar.

Quando um ato está sujeito a autorização tutelar, isso significa que a entidade tutelada não pode

praticar o ato sem que primeiro obtenha a devida autorização; quando um ato está sujeito a aprovação

tutelar, isso significa que a entidade tutelada pode praticar o ato antes de obter a aprovação, mas não o

poder pôr em prática.

No primeiro caso, a entidade tutelada elabora um projeto de ato, envia-o para a entidade tutelar e
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espera que esta autorize a prática do ato. No segundo caso, a entidade pratica o ato, mas espera pela
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aprovação para ser executório. No primeiro caso a tutela é condição de exercício da competência e no

segundo é condição da executoriedade do ato praticado.

A exigência de autorização é uma condição de validade, que é sanável, e a exigência de aprovação é

uma condição de eficácia, que não é sanável.

Ainda quanto à segunda modalidade, a regra geral é a de que a entidade tutelada pratica o ato para

que é competente, envia-o para aprovação e aguarda. Mas há uma modalidade diferentes em que a

entidade tutelada, depois de praticar o ato, apenas tem de comunicar à entidade tutelar que o praticou, e

esta tem o poder de se opor à execução do ato que lhe foi dado a conhecer.

Tanto uma como outra podem ser expressas ou tácitas, totais ou parciais, puras, condicionais ou a

termo. O que nunca podem é modificar o ato sujeito a apreciação.

A tutela inspetiva é o poder de fiscalização da organização e funcionamento da entidade tutelada.

A tutela sancionatória é o poder de aplicar sanções por irregularidades que tenham sido detetadas na

entidade tutelada.

A tutela revogatória é o poder de revogar os atos administrativos praticados pela entidade tutelada.

A tutela substitutiva é o poder tutelar de suprir as omissões da entidade tutelada, praticando, em vez

dela e por conta dela, os atos que forem legalmente devidos.

Tem-se discutido entre nós se, face à CRP, é legítimo que a lei ordinária estabeleça formas de tutela

integrativa, sancionatória, revogatória ou substitutiva face às autarquias locais. Há quem diga que não,

com base num elemento meramente literal do art. 242º/1. FREITAS DO AMARAL discorda, porque

“verificar o cumprimento da lei” é uma operação de controlo da legalidade que tanto pode existir na

tutela inspetiva como em algumas outras modalidades ou espécies de tutela administrativa.

Já é mais duvidoso o caso quanto à tutela sancionatória e revogatória: em relação a estas, verificada a

ilegalidade por um órgão competente da administração ativa do Estado, a aplicação da sanção ou a

obtenção da anulação do ato ilegal duma autarquia local deve ser efetivada através dos tribunais,

mediante ação do MP (art. 169º CRP).

Quanto à tutela substitutiva não é compatível com o art. 243º/1 CRP, nem com o princípio da

autonomia do poder local.

8. Idem: regime jurídico

Linhas gerais do regime jurídico da tutela administrativa:


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 A tutela administrativa não se presume, pelo que só existe quando a lei expressamente a prevê
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e nos precisos temos em que a lei a estabelecer;

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 A tutela administrativa sobre as autarquias locais é hoje uma simples tutela de legalidade, pois

não há tutela de mérito sobre estas (art. 242º/1 CRP);

 Discute-se se a autoridade tutelar possui ou não o poder de dar instruções à entidade tutelada

quanto à interpretação das leis e regulamentos em vigor ou quanto ao modo de exercer a

competência própria da segunda. Seria hoje inconstitucional, por violação dos art. 112º/6 e

242º/1. Os órgãos autárquicos podem, se assim o entenderem, consultar o Governo sobre

dúvidas de interpretação de diplomas em vigor, ao que a Administração central deve estar

preparada para responder. Mas as respostas do Governo não são ordens, nem instruções, nem

diretivas: são meros pareceres;

 A entidade tutelada tem legitimidade para impugnar, quer administrativa, quer

contenciosamente, os atos pelos quais a entidade tutelar exerça os seus poderes de tutela (art.

55º/1/c CPTA).

9. Idem: natureza jurídica da tutela administrativa

Há três orientações quanto ao modo de conceber a natureza jurídica da tutela administrativa:

 A tese da analogia com a tutela civil: a tutela administrativa seria no fundo uma figura

semelhante à tutela civil. A tutela administrativa, tal como a civil, visaria portanto suprir as

deficiências orgânicas ou funcionais das entidades tuteladas;

 A tese da hierarquia enfraquecida: tese do professor MARCELLO CAETANO. A tutela

administrativa é como que uma hierarquia enfraquecida, ou melhor, os poderes tutelares são

no fundo poderes hierárquicos enfraquecidos porque se exercem sobre entidades autónomas;

 A tese do poder de controlo: tese do professor FREITAS DO AMARAL. A tutela administrativa

não tem analogia relevante com a tutela civil, nem com a hierarquia, e constitui uma figura sui

generis, correspondendo à ideia de um poder de controlo exercido por um órgão da

Administração sobre certas pessoas coletivas sujeitas à sua intervenção, para assegurar o

respeito de determinados valores considerados essenciais.

Porque rejeita o professor FREITAS DO AMARAL as duas primeiras teses?

Não pode aceitar-se a tese da analogia. Esta pressupõe a existência de um sujeito de direito a quem a

lei não reconhece capacidade para exercer os seus direitos. A tutela administrativa não: as pessoas

coletivas a ela sujeitas não são incapazes. A lei receia, porém, os excessos a que essa plenitude de
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capacidade e competência possa levar, e pretende impedir que a descentralização administrativa se


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transforme em federalismo político.

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Quanto à ideia de os poderes tutelares serem poderes hierárquicos enfraquecidos, esta tese é aliciante

porque assenta numa verdade incontroversa: os poderes tutelares têm por destinatários entidades

autónomas, e são mais fracos ou menos intensos que os poderes hierárquicos. Porém, se tal opinião fosse

correta, seria de esperar que, tal como na hierarquia, também a tutela administrativa existisse sem

necessidade de texto expresso, e como se sabe, não é isso que acontece: os poderes de tutela

administrativa não se presumem, e por isso só existem quando a lei explicitamente os estabelece, ao

contrário dos poderes hierárquicos que se presumem existirem sempre que haja hierárquica. Na tutela

administrativa, portanto, a lei não surge para limitar poderes que sem ela seriam mais fortes, mas para

conferir poderes que sem ela não existiriam de todo em todo.

Mais ainda, a tutela pressupõe o poder de direção do superior, este é o núcleo essencial do poder

hierárquico, só havendo hierarquia enfraquecida onde houver, na titularidade de um órgão da

Administração, a faculdade de dirigir a atuação de outros órgãos ou entidades, e não é o que sucede na

tutela administrativa.

Os poderes tutelares não são, então, poderes hierárquicos enfraquecidos ou quebrados pela

autonomia. Então o que são? São poderes de controlo, o que torna os órgãos tutelares em órgãos de

controlo.

Do que se trata é de controlar a atuação das entidades tuteladas para assegurar o acatamento da

legalidade, bem como o mérito da ação por elas desenvolvidas, se tal for o caso. Controlar não é apenas

fiscalizar, mas simultaneamente fiscalizar e garantir o acatamento de certas normas, valores ou decisões.

Ora, é disto mesmo que se trata na tutela administrativa: não apenas de fiscalizar a atuação da entidade

tutelada, mas também de garantir ou assegurar o respeito da legalidade e, quando for caso disso, do

mérito da atividade desenvolvida.

Integração e devolução de poderes

1. Conceito

Os interesses públicos a cargo do Estado podem ser mantidos pela lei no elenco das atribuições das

entidades a que pertencem ou podem ser transferidos para uma pessoa coletiva de fins singulares,

especialmente incumbida de assegurar a sua prossecução. Reside nessa alternativa a distinção entre

integração e devolução de poderes.


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Integração é o sistema em que todos os interesses públicos a prosseguir pelo Estado, ou pelas pessoas

coletivas de população e território, são postos por lei a cargo das próprias pessoas coletivas a que
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pertencem. Contrariamente, a devolução de poderes é o sistema em que alguns interesses públicos do

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estado, ou de pessoas coletivas de população e território, são postos por lei a cargo de pessoas coletivas

públicas de fins singulares.

2. Vantagens e inconvenientes

A principal vantagem da devolução é permitir maior comodidade e eficiência na gestão, de modo que

a Administração Pública funcione de forma mais eficiente, descongestionando a gestão da pessoa coletiva

principal.

Inconvenientes: proliferação dos centros de decisão autónomos, de patrimónios separados, de

fenómenos financeiros que escapam em boa parte ao controlo global do Estado. O perigo é o da

desagregação, da pulverização do poder e do descontrolo de um conjunto demasiado disperso.

A tendência atual é a da devolução mas controlada.

3. Regime jurídico

A devolução de poderes é sempre feita por lei.

Os poderes transferidos são exercidos em nome próprios pela pessoa coletiva criada para o efeito.

Mas são exercidos no interesse da pessoa coletiva que os transferiu, e sob a orientação dos respetivos

órgãos.

As pessoas coletivas públicas que recebem devolução de poderes são entes auxiliares ou

instrumentais, ao serviço da pessoa coletiva de fins múltiplos que as criou. Estas não exercem

autoadministração. Esta existe nas autarquias locais, não existe nos organismos incumbidos de

administração indireta.

Não são os órgãos destas entidades que podem traçar as linhas gerais de orientação da sua própria

atividade. Quem define a orientação é o Estado, ou a pessoa coletiva pública de fins múltiplos que os

criou, não são os próprios institutos ou empresas. Eles dispõem de autonomia de gestão, mas não são

organismos independentes.

Toda a autarquia local tem o direito de elaborar, discutir e aprovar livremente, sem qualquer

interferência do Estado, o sue plano de atividades para cada ano, bem como o respetivo orçamento. Ao

passo que, no caso dos institutos públicos e das empresas públicas, eles preparam e elaboram o plano de

atividades e o orçamento para o ano seguinte, mas quem os aprova é o Governo.

4. Idem: sujeição à tutela administrativa e a superintendência


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Os institutos públicos e as empresas públicas estão sujeitos a tutela administrativa. Mas as entidades

que exercem administração indireta por devolução de poderes estão sujeitas a mais do que isso, estão
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ainda sujeitas à superintendência (art. 199º/d CRP).

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A superintendência é o poder conferido ao Estado, ou a outra pessoa coletiva de fins múltiplos, de definir

os objetivos e guiar a atuação das pessoas coletivas públicas de fins singulares colocadas por lei na sua

dependência.

É um poder mais amplo, mais intenso, mais forte, do que a tutela administrativa. Num caso, são as

próprias entidades autónomas que definem os objetivos da sua atuação e vão conduzindo por si próprias,

ainda que sujeitas ao controlo de uma entidade exterior; no outro caso, é a entidade exterior que define

os objetivos e guia, nas suas linhas gerais, a atuação das entidades subordinadas, dispondo estas apenas

de autonomia para encontrar as melhores formas de cumprir as orientações que lhes são traçadas.

A distinção entre estas tem base jurídica no art. 199º CRP, que distingue três realidades diferentes:

 A administração direta do Estado: o Governo enquanto superior hierárquico, dispondo de

poder de direção;

 A administração indireta do Estado: ao Governo cabe a responsabilidade da superintendência,

possuindo poder de orientação;

 A administração autónoma: ao Governo cabe desempenhar a tutela administrativa,

competindo-lhe um conjunto de poderes de controlo.

Tradicionalmente, o poder de superintendência era um dos poderes típicos da hierarquia. Ora, esta

orientação não pode ser mantida. Primeiro, porque a ideia de superintendência deixou de aparecer

ligada à hierarquia para surgir ligada à administração indireta do Estado. E depois porque tem agora um

conteúdo jurídico diferente daquele que tinha no contexto da relação hierárquica. Por isso, passámos a

chamar à faculdade de revogação o poder de supervisão do superior hierárquico, e à superintendência

demos a noção já descrita.

A superintendência difere também dos poderes de controlo típicos da tutela administrativa como do

poder de direção típico da hierarquia. É um poder mais forte que a tutela, porque a tutela controla mas a

superintendência orienta. Mas é menos forte que o poder de direção, porque este consiste na faculdade

de dar ordens ou instruções, e aquele traduz apenas a faculdade de emitir diretivas ou recomendações:

 Ordens são comandos concretos, específicos e determinados, que impõem a necessidade de

adotar imediata e completamente uma certa conduta;

 Diretivas são orientações genéricas que definem imperativamente os objetivos, mas que

deixam liberdade de decisão quanto aos meios a utilizar e às formas a adotar para atingir
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esses objetivos;
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 Recomendações são simples conselhos.

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10. Idem: natureza jurídica da superintendência

São três as teses possíveis:

 Superintendência como tutela reforçada: conceção mais generalizada. Para esta, os poderes da

autoridade responsável são poderes de tutela, só que comportam mais uma faculdade, o poder

de orientação, entendo então que se trata de uma tutela mais forte;

 Superintendência como hierarquia enfraquecida: a que mais influencia a nossa prática.

Consiste em transportar a anterior tese do mesmo nome referente à tutela administrativa;

 Superintendência como poder de orientação: tese do professor FREITAS DO AMARAL. A

superintendência é uma figura sui generis.

Quanto à primeira tese: de facto, a tutela administrativa é um conjunto de poderes de controlo:

pretender encaixar nesta noção um poder de orientação é confundir o inconfundível. Orientar é definir

objetivos, controlar é apenas fiscalizar e garantir o respeito.

Quanto à segunda: se fosse verdade, a sua principal consequência seria que os poderes jurídicos a

exercer a título de superintendência não careceriam de consagração legal expressa, um por um. A teoria

dos poderes implícitos seria suficiente para reconhecer à autoridade superintendente todos os poderes

próprios do superior hierárquico. É isto que se tem passado na nossa prática administrativa: é ao abrigo

desta conceção que os governos se têm permitido os mais latos poderes de intervenção na gestão dos

institutos públicos.

Só que isto não é aceitável. A CRP distingue nitidamente entre a direção sobre a administração direta

e a superintendência sobre a administração indireta (art. 199º/d CRP). Por outro lado, no tempo em que

a doutrina e a lei tratavam a superintendência como forma de tutela administrativa, sempre se

considerou unanimemente aplicável aos institutos públicos o princípio de que a tutela não se presume:

pretender agora o contrário seria um retrocesso na história do nosso direito.

A superintendência também não se presume.

FIM
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Direito Administrativo I

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