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Abstract: Plato’s public lecture about the


Good, given by Aristoxenus, is included among
the historical facts of the First Academy but, on
the other hand, gives us a significant matter for
concern. After Plato, in his “Dialogs”, had
denied many times and formally to speak and
write about the Good and about divine matters,
Palestra pública de Platão sobre o suddenly he contradicts everything that he had
Bem: fracasso ou sucesso? defended about philosophical education and
communication, and decides to present a
Plato’s public lecture on the Good: public lecture about the subject. In this article,
failure or success? debating facts and testimonies of the tradition,

1 we try to show that is possible to overcome the


Rubi Rodrigues
Centro Universitário de Brasília contradictions in this episode, if we agree to
radicalize the notion of esoteric teaching
associated with the Academy.
Resumo: A palestra pública de Platão sobre o
Bem, de que nos fala Aristoxeno, inscreve-se Keywords: Public lecture of Plato. First
Academy. Not writing teaching. Esoteric
entre os fatos históricos da Primeira Academia teaching.
que suscitam perplexidade. Depois de Platão,
nos diálogos, ter negado, tantas vezes e tão
peremptoriamente, a falar e escrever sobre o
Bem e sobre as coisas divinas, Introdução
repentinamente, contrariando tudo o que já
havia defendido sobre ensino e comunicação As circunstâncias costumam ser
filosófica, resolve apresentar uma palestra
fundamentais para se interpretar um fato.
pública sobre o tema. Neste artigo, articulando
Quando se trata, então, de um fato
fatos e testemunhos da tradição, tentamos
histórico distanciado no tempo, o
mostrar que as contradições envolvidas nesse
desconhecimento das circunstâncias pode
episódio podem ser superadas, caso
concordemos em radicalizar a noção de simplesmente inviabilizar o entendimento.
ensino esotérico associado à Academia. A palestra pública de Platão sobre o Bem
inscreve-se entre os fatos da Primeira
Palavras-chave: Palestra pública de Platão.
Academia que suscitam perplexidade.
Primeira Academia. Doutrina não escrita.
Ensino esotérico. Depois de Platão, nos diálogos, ter

1
negado, tantas vezes e tão
Rubi Rodrigues é economista, pesquisador
em Metafísica, escritor e membro da peremptoriamente, a falar e escrever
Academia Maçônica de Letras do Distrito
sobre o Bem e sobre as coisas divinas,
Federal. E-mail: rubigrodrigues@gmail.com

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repentinamente resolve apresentar uma nos preocupamos em levantar todos os


palestra pública sobre o Bem e determina trabalhos acadêmicos que já trataram da
a convocação para o evento não apenas questão, uma vez que as nossas
dos membros regulares da Academia, circunstâncias ensejam apenas
mas de todos os atenienses interessados. apresentar e justificar a hipótese
Na apresentação, no entanto, não facilita interpretativa, visando a provocar o
o entendimento e, ao contrário, opta por debate. Para tanto, basta considerar cinco
explorar as matemáticas na sua testemunhos históricos, três dos quais
capacidade de produzir complexidade, a foram gentilmente disponibilizados pelo
partir de suas raízes mais simples, e professor Gabriele Cornelli em seu
culmina, assimilando o Bem ao Um. trabalho recente sobre o jogo de esconde-
Ninguém entendeu nada, e o resultado foi esconde de Platão (CORNELLI, 2016).
frustração geral e críticas pela fracassada Quanto ao valor hermenêutico da chave,
tentativa. Essa historinha suscita convém esperar a palavra de quem
perplexidade porque envolve uma série de domina a obra.
contradições e inconsistências, a começar
O fato e as perplexidades que desperta
pela contradição maior de tratar-se de um
tema que exigia, segundo o próprio O professor Cornelli traz-nos o
registro do fato nos seguintes termos:
Platão, uma alma excepcionalmente bem
preparada como destinatária, exatamente
o oposto do que se pode esperar em uma Desta lição nos fala Aristoxeno, citando
uma história frequentemente narrada
plateia pública. por Aristóteles, em seus Elementos
Harmônicos (II, 30-31). Aristóteles
Existe, porém, uma chave censurava Platão, na ocasião, por este
interpretativa segundo a qual tudo ganha não haver anunciado antes da lição qual
seria o esquema geral (a ementa) e
sentido. Essa chave implica uma hipótese creditava a esta falha de metodologia
didática de Platão o insucesso da lição.
sobre o real significado de ensino
(CORNELLI, 2016, p. 80).
esotérico associado à Academia, na
época de Platão. Neste pequeno trabalho,
Acrescentamos, a seguir, a citação
tentaremos arrolar testemunhos e
de Aristoxeno:
evidências suficientes para suportar tal
hipótese – que não se coloca com
pretensões historiográficas, mas apenas
Como o próprio Aristóteles costumava
visa a oferecer uma maneira de interpretar contar, era exatamente isso que
aconteceu à maioria das pessoas que
os fatos, capaz de harmonizar as ouviu a lição sobre o Bem de Platão.
Cada um veio, de fato, com a
contradições envolvidas. Isso significa
expectativa de aprender algo sobre as
que, além de não se esgotarem os coisas que são geralmente
consideradas boas para os seres
testemunhos e as evidências, tampouco humanos, como a saúde, a força física

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e, em geral, algo como uma felicidade indispensáveis para uma correta


maravilhosa. Mas, quando vieram as
demonstrações matemáticas, incluindo interpretação da obra platônica. Szlezák
os números, as figuras geométricas e a (2005, 2009, 2011a), em particular,
astronomia, e, no final, a afirmação de
que o Bem é Um, isso deve ter-lhes desponta no trabalho de análise e
parecido, posso muito bem imaginar,
completamente surpreendente e catalogação das passagens de retenção,
estranho. Assim, enquanto alguns nas quais Platão intencionalmente
deram pouca atenção aos argumentos,
outros os rejeitaram abertamente. ( desconversa e deixa o interlocutor do
MACRAN, 1902, apud CORNELLI, diálogo sem os esclarecimentos que
2016, p. 80-81).
deveriam seguir-se, mas também sem
deixar de insinuar que algo de mais
O próprio professor Cornelli é,
precioso e fundamental situava-se mais
ainda, insubstituível na descrição da
além.
perplexidade decorrente:
Aristóteles constitui a fonte indireta
Por que razão Platão teria dedicado
uma lição tão técnica, se não esotérica, mais importante a testemunhar a
a um público tão vasto e ordinário, que
existência de uma teoria platônica dos
teve compreensíveis dificuldades para
compreender os fundamentos princípios, distinta da sua teoria das
ontológicos da ética platônica? Todos
os comentadores contemporâneos, sem ideias. Esse testemunho revela-se,
exceção, a partir de Guthrie (1978, 244), entretanto, impreciso, confuso e, por
revelam certo desamparo hermenêutico
frente a este testemunho de uma única vezes, até contraditório com respeito ao
lição e que Platão teria ministrado não
“no interior da Academia”, mas para a conteúdo axiomático da teoria. Aristóteles,
multidão. (CORNELLI, 2016, p. 81). em sua Metafísica (BINI, 2006), faz
referências à teoria dos princípios de
A questão central, aqui, é o fato de Platão, mas demonstra que tinha mais
o tema do Bem constituir, na concepção familiaridade com a teoria das ideias e
filosófica de Platão, o alicerce básico da nela concentra a sua crítica. Essa crítica
sua teoria dos princípios e o ponto mais opõe-se à existência das ideias
elevado da sua dialética, assuntos dissociadas dos casos singulares que elas
centrais e decisivos na sua proposta moldam, mas também e sobretudo pelo
filosófica, mas que, apesar disso, caráter fixo e imutável das ideias,
aparentemente não receberam, nos seus condição na qual elas resultam
textos, registros suficientemente claros logicamente incapazes de gerar
para possibilitar a compreensão requerida. movimento e, consequentemente, de
A teoria dos princípios e a dialética responder pelo seu próprio advento. A
constituem justamente os conteúdos das conhecida passagem 991a 20 não deixa
doutrinas não escritas, as quais a Escola dúvidas: “Dizer que as formas são
de Tübingen – Milão demonstra serem modelos e que outras coisas delas

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participam é empregar frases ocas e precursor de ideias afins ou úteis ao


metáforas poéticas, pois o que é que cristianismo e, virtualmente, nessa
confecciona coisas no molde das ideias?” condição, teve acesso a esse
2
(Metaph. 991a 20) . conhecimento, que, nitidamente, refere-se
a princípios. Em particular, a afirmação de
Curiosamente, porém, Filón de
que a tétrada – (1 + 2 + 3 + 4) – é em
Alexandria (10 a.C – 50 d.C), situado,
potência o que a década – (10) – é em ato
portanto, em torno de 360, 370 anos
indica uma concepção dotada de sentido
depois da morte de Platão, entende e
gerativo, mesmo quando nos atemos ao
informa ser a década pitagórica a solução
caráter quantitativo da equação: se dez é
platônica para a geração dos fenômenos
quantidade em ato (o aparente), a soma
e, portanto, das ideias:
dos quatro primeiros números constitui a
La tétrada: Ésta es la causa por la que estrutura mais simples que, de modo
primero la tierra broto y se cubrió de
verde. A continuación recibió su orden ontológico e não aparente, pode justificá-
el cielo en el número perfecto de la
tétrada, que no andaria uno errado si lo5. Não cabe, neste pequeno artigo,
dijiera que es el punto de partida y entrar no mérito dessa interpretação
fuente de la década perfecta. En efecto,
ló que es la década en acto, ló es la porque a questão dos princípios foge do
tétrada, asi parece, en potencia. En
efecto, si los números que van de la escopo deste trabalho. Importa, aqui,
mónada hasta la tétrada se considerar que, não havendo razão para
compusieran sucessivamente,
3
generarían la década , la cual es limite duvidar do testemunho de Filón, que
de la infinitud de los números, limite
alrededor del cual, como en el mojón de
atribuía essa concepção a Platão, temos
4
giro , dan vuelta y doblan de regreso. de admitir que a Primeira Academia
(MARTIN, 2009, p. 119).
contava com uma solução gerativa
plausível, que Aristóteles, ao que tudo
Filón era um judeu cristão, com indica, desconhecia.
formação helenista, que, em alguma
Assim sendo, temos uma segunda
medida, pensava Platão como um
perplexidade: como pode um aluno
2
Equivalente posição consta da passagem
brilhante como Aristóteles ter participado
991b 5: É afirmado, no Phaedo, que as
Formas são causa tanto da existência quanto da Academia por duas décadas sem deter
da geração. Entretanto, supondo a existência
das Formas, ainda assim, as coisas que a informação que chegou a Filón tanto
delas participam não são geradas, a menos tempo depois? Aristóteles sabia que
que haja algo para transmitir movimento [...].
(Metaph. 991b 5). Platão tinha uma teoria dos princípios;
3
Es decir, los números que componem da
tétrada (1, 2, 3 y 4) sumados dan 10. (Nota conhecia os dois princípios primeiros de
original 33).
4
Mojón colocado al final de la pista que
5
indicaba el punto donde los corredores o los No mesmo sentido, FERNANDES (2010, p.
carros debían emprender el regreso em las 100) constata: “Ademais, os quatro níveis da
Carreras dobles de ida y vuelta. (Nota tetraktys contêm os elementos básicos de
original 34). toda a aritmética”.

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Pitágoras – o ilimitado e o limitante –; relação entre a casa (privada) de Platão, e


sabia que as ideias de Platão o espaço (público) da Academia”
harmonizavam-se com a tradição (CORNELLI, 2016, p. 77). Transcrevemos
pitagórica, possivelmente, tal como Platão ambos, a seguir, tendo em vista que eles
teve acesso aos livros pitagóricos de suscitam conclusões adicionais.
Filolau; passou vinte anos frequentando a
O primeiro deles é o testemunho
Academia; era brilhante. Não refutou a
de Eliano:
teoria das ideias – apenas sua existência
independente dos objetos – procurou, de Uma vez, quando Xenócrates havia
voltado para sua terra natal, Aristóteles
modo insistente, em toda a extensão da atacou Platão, cercando-o com um
grupo de outros como ele. Isso incluía
sua Metafísica, uma justificativa que Mnaso da Fócida e outros. Naquele
possibilitasse às ideias gerar movimento; exato momento, Espeusipo, estando
doente, não podia estar ao lado de
e, no entanto, desconhecia a solução Platão. Platão era na época octogenário
e, devido à idade avançada, sofria de
gerativa representada pela década. Filón, problemas de perda da memória.
quando usa a expressão asi parece indica Aristóteles, demonstrando querer
claramente agredir Platão, lhe dirigiu
não ter domínio pleno da concepção, mas, uma pergunta extremamente arrogante,
com a intenção de querer refutá-lo: isto
de qualquer modo, logrou compreender é, de maneira, portanto, injusta e não
perfeitamente a função criadora da correta. Por causa disso, Platão
abandonou o passeio (περιπάτος) e se
estrutura, justamente o aspecto que fechou em casa com seus
companheiros. Depois de três meses,
escapou a Aristóteles ou que, então, foi-
ao voltar para Atenas, Xenócrates
lhe sonegado. encontrou Aristóteles passeando com
os seus no mesmo lugar onde havia
anteriormente deixado Platão. Havendo
compreendido que eles não estavam
indo encontrar Platão e que este havia
As circunstâncias da primeira se retirado voluntariamente da cidade,
Academia Xenócrates perguntou a uma das
pessoas que estava passeando onde
O desamparo hermenêutico estava Platão. Suspeitava que Platão
pudesse não passar bem; mas a
mencionado pelo professor Cornelli, resposta foi: não está doente, mas
Aristóteles o deixou irritado, fazendo
diante da palestra pública, levou-o a
assim com que ele desistisse dos
buscar informações sobre as passeios. Se retirou para seu próprio
jardim (κήπος) e está se dedicando à
circunstâncias que envolviam o ensino de filosofia nele. Ao ouvir isso, Xenócrates
Platão na Academia e à conclusão de que foi imediatamente à casa de Platão e o
encontrou conversando com seus
esse ensino, além de ministrado em área discípulos. Eles eram bastante
numerosos e célebres, jovens
pública era também público e acessível a destinados a serem excelentes. Quando
quem estivesse interessado. Ampara essa Platão parou de falar e deu a
Xenócrates as esperadas cordiais boas-
conclusão em mais dois testemunhos – de vindas, Xenócrates respondeu a elas da
mesma forma. Quando o grupo dos
Eliano e de Equécrates – que considera companheiros havia finalmente se
esclarecedores “de como se dava a dispersado, e sem que Platão

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percebesse isso, Xenócrates criticou


duramente Espeusipo por ter cedido o
passeio a Aristóteles, e ele atacou Esse segundo testemunho não
pessoalmente o Estagirita com grande
violência e determinação ao ponto de deixa dúvidas quanto ao caráter público
afastá-lo e conseguir reintegrar Platão das aulas e discussões que ocorriam no
em seu costumeiro lugar (χωρίον).
(Eliano Varia História 3. 19, apud espaço público da Academia. Cornelli,
CORNELLI, 2016, p. 77-78).
apoiando-se, ainda, no Filebo, conclui nos
Desse testemunho de Eliano, seguintes termos:
parece possível retirar três conclusões
relevantes ao nosso propósito: (i) Tomo as citações do Filebo (15a-16b)
desavença entre Aristóteles e Platão não como sinais de que os temas que eram
debatidos no jardim de Akademos eram
pode ser reduzida à mera divergência provavelmente os mesmos que Platão
decidiu representar literariamente em
conceitual; (ii) a casa de Platão também seus diálogos. Os diálogos escritos de
era usada para preleções filosóficas; (iii) Platão e os diálogos orais na Academia,
quando lá estava Platão, portanto,
Aristóteles não compartilhava da parecem revelar inéditas consistências.
Uma delas, quiçá a mais importante, é a
intimidade da casa. 6
ausência de Platão . (CORNELLI, 2016,
p. 84).
O segundo testemunho é o de
Equécrates, segundo Cornelli, citado por
Ateneu.
Diante das circunstâncias
relatadas, impõe-se uma conclusão
– Sei muito bem o que dizer deles: vi de adicional que Cornelli certamente
fato nas Panateneias o grupo daqueles
jovens [...] nos parques da Academia, percebeu, mas que deixou de mencionar
prestando atenção a discursos virtualmente para não sair do seu tema: as
indizíveis, de tão absurdos que eram.
Dando definições sobre a natureza, discussões públicas na Academia também
separavam os animais das plantas, e as
espécies, dos vegetais. Entre estes envolviam momentos de retenção, tal
últimos, examinaram a abóbora, como os diálogos contemplam passagens
perguntando-se de que gênero esta
seria. de retenção, posto que, também o público
– E qual foi a definição à qual chegaram não atendesse às condições que Platão
do gênero desta planta? Se você sabe,
pode me dizer? considerava indispensáveis para tratar

– No início, estando completamente em


das questões mais elevadas. Assim
silêncio, ficaram todos concentrados e sendo, a resultante parece evidente: ou
curvados e refletiram por muito tempo.
Em seguida, improvisamente, um deles tais questões mais elevadas não eram
disse que seria um vegetal redondo,
tratadas em momento algum ou, então,
outro uma verdura, outro, ainda, uma
árvore. Ouvindo isso, um médico
siciliano se revoltou contra eles, dizendo
que estavam delirando [...]. 6
Ausência que Cornelli – corretamente no
(Athenaeum, Deipnosoph. II, 54, 3-40, nosso entender – considera exigência
apud CORNELLI, 2016, p. 79). estrutural do método dialético adotado por
Platão.

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eram tratadas em ocasiões distintas A distinção entre cursos esotéricos e


exotéricos e a consequente separação
daquelas em que se davam os diálogos dos discípulos não eram motivadas por
orais públicos da Academia. qualquer diferença entre um ensino
secreto místico reservado apenas a
Dado que a primeira alternativa iniciados e um ensino meramente
religioso ministrado a profanos, nos
implica o fracasso do filósofo em moldes, por exemplo, das instituições
preservar o seu saber mais importante, dos pitagóricos. Essa distinção era
puramente pragmática, no sentido de
resta a alternativa da existência de organizar os cursos por nível de
dificuldade (didática) e, sobretudo,
preleções privadas, reservadas para restringir os cursos exotéricos àquilo
poucos, selecionados pelas aptidões que despertava o interesse da grande
maioria dos atenienses, a saber, a
mentais e pela nobreza de espírito, dialética e a retórica. (BINI, 2006, p. 18).
conduzidas em recinto fechado e livre da
intervenção de estranhos. Preleções Adicionalmente, cumpre observar
possivelmente conduzidas mediante que Platão, nos diálogos, faz algumas
liturgia e ritualística próprias, por meio das menções que sugerem a prática de ritos
quais poderia ser criado o clima propício e de iniciação7 e que a sua propriedade
ajustado o ensino ao progresso pessoal particular no Jardim de Akademos
dos educandos; ou seja, mediante um configura-se particularmente bem
método tipicamente iniciático e posicionada para recepcionar encontros
progressivo de ensino, virtualmente nos privados sob um manto de discrição,
moldes do praticado na escola de oferecendo, além disso, privacidade que
Pitágoras. não podia ser contestada.
Edson Bini (2006), que traduziu a
versão da Metafísica de que nos valemos,
ao comentar o uso do conceito de ensino Um Platão pressionado a falar do bem
esotérico, no Liceu – por ocasião da
apresentação dos dados biográficos de Na hipótese de que ocorressem
Aristóteles – fornece-nos interessante tais reuniões privadas na casa de Platão,
testemunho que, ao mesmo tempo em o ensino dito esotérico, na Primeira
que indica a presença desse conceito na Academia, corresponderia ao que,
época da Primeira Academia, também atualmente, está sendo designado de
atesta o afastamento de Aristóteles do doutrinas não escritas, e o mistério
sentido iniciático historicamente vinculado, começa a se dissipar. Alunos mais
o que, sintomaticamente, sugere que ele
7
A passagem mais explícita consta da Carta
não seria um iniciado. VII: “Quanto a mim, tu, com outros, fizeste-
me, quase à força, sentar-me à mesa de
Dionísio e participar com ele do fogo sagrado
e dos rituais [...] eu não estou mais em idade
de combater com quem quer que seja [...]”.
(350a).

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distraídos poderiam não perceber, mas Dessa situação de


uma mente brilhante como Aristóteles, constrangimento, havia um precedente na
com o tempo certamente compreenderia história que, virtualmente, era também do
que certos temas eram sempre conhecimento de Platão: a escola de
protelados, e a ocasião de tratá-los não Pitágoras acabou destruída porque ele se
chegava nunca. Aristóteles participou recusou a admitir, na irmandade, um
dezenove anos das atividades da sujeito violento que não tinha o menor
Academia e, juntando fragmentos, pendão para a filosofia. Quem nos relata
sussurros e indiscrições, virtualmente, isso é Jámblico, na obra Vida pitagórica:
acabou percebendo que Platão tinha uma
teoria dos princípios e que existiam certos Cilón, un varón de Crotona, se
temas dos quais ele sempre fugia. Que distinguia entre sus conciudadanos por
su linaje, por su fama y por su riqueza
ele teve sua curiosidade aguçada para a pero, por outra parte, era cruel, violento,
alborotador y despótico de carácter y,
questão constata-se claramente na sua
trás haber puesto todo su entusiasmo
Metafísica, e, provavelmente, tentou obter por integrarse el na comunidad de vida
pitagórica, se había presentado al
respostas junto ao círculo mais íntimo de propio Pitágoras, cuando ya era
persona mayor, y había sido rechazado
Platão.
por los motivos ya dichos.
Do ponto de vista de um círculo
iniciático, a curiosidade de Aristóteles Cuando ocurrió esto, el próprio Cilón y
sus amigos promovieron um
ainda hoje seria interpretada como levantamiento contra Pitágoras y sus
“presença de um profano, forçando a discípulos, y la animadversión personal
de Cilón y sus partidários resultó tan
porta do templo”, e não seria violenta e incontrolada, que se hizo
extensiva a los pitagóricos recientes.
despropositado imaginar que até mesmo Em consecuencia, Pitágoras por este
informações intencionalmente distorcidas motivo se translado a Metaponto, y allí,
según se dice, terminó su vida.
tenham-lhe sido “confidenciadas”, para (LORENTE, 2008, p. 155).
evitar que ele mesmo, por si próprio,
descobrisse o Demiurgo, tal como Platão
admitira ser possível – na passagem 28a
Por outro lado, Konrad Gaiser
6 do Timeu. No entanto, também não é
(1980), no artigo Plato’s enigmatic lecture
difícil imaginar que a retenção de
‘On the Good’, também conclui a presença
conhecimento começasse a ser
de um ensino esotérico restrito no interior
interpretada como sonegação de
da Academia e defende terem sido
conhecimento ou, pior, como
principalmente políticas as motivações da
discriminação de um mestre para com
palestra pública. Esta visaria afastar o
alguns dos seus alunos e, desse modo,
temor de que as reuniões secretas
configurar situação delicada que não
pudessem oferecer risco para a
poderia ser ignorada pela Academia.

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democracia ateniense, já que Platão conhecido: não mentiu, falou realmente


esteve convivendo com o déspota sobre o Bem, mas, em lugar de facilitar o
Dionísio. Esse fator político pode entendimento, usando metáforas,
realmente ter influenciado a decisão de alegorias e exemplos, valeu-se da
Platão, não apenas para desarmar matemática mais árida e culminou,
preocupações de lideranças assimilando o Bem ao Um. Depois, ficou
democráticas, mas, virtualmente, também saboreando a perplexidade e o
para afastar o risco de Platão ser desconcerto geral. Aristóteles
denunciado por impiedade, tal como possivelmente pensou que Platão
aconteceu com Sócrates. Ocorre que, cometeu um erro metodológico
sendo o caso de tratar-se de uma escola imperdoável.
iniciática, os procedimentos de ensino
Conclusão
contemplariam pedagogia própria, liturgia
determinada, linguagem simbólica, Vale reiterar que não temos aqui
alegorias, histórias e contos mitológicos. pretensões historiográficas. Move-nos
Dado que o Bem constituía tema central apenas a percepção de que, ao interpretar
desse ensino esotérico, caso esse Bem, os acontecimentos sob a hipótese da
na ocasião, já tivesse o sentido de presença de um ensino realmente
princípio necessário próprio da Metafísica, esotérico na Primeira Academia, as
resulta provável que a liturgia adotada na contradições desaparecem, a coerência
escola envolvesse elementos da mitologia volta a prevalecer, e o enigma que
egípcia, uma vez que ela preconiza um Cherniss (1993) percebeu – sem
deus único (GADALLA, 2003) e seria mais realmente entendê-lo – dilui-se.
adequada do que a mitologia grega de Na expectativa de superar essas
constituição politeísta. Nesse caso, a perplexidades, talvez essa chave
seleção de iniciados envolveria, além de interpretativa possa ainda ser útil aos
inteligência apurada e espírito sensível, estudiosos das doutrinas não escritas que,
também elevada confiabilidade e desde o colóquio organizado por Gadamer
discrição, pois, nessa situação, o segredo para discutir as teses da Escola de
seria também questão de segurança. Tübingen, em 1996, defrontam-se com a
Enfim, motivos para pressionar Platão não questão agendada por Szlezák, inquirindo
faltavam. sobre a confiabilidade e o valor do
De qualquer modo, Platão testemunho de Aristóteles a respeito da
encaminhou uma solução inteligente: teoria dos princípios de Platão (PERINE,
“Está certo, vou proferir uma palestra 2014, p. 183). Segundo essa chave, fica
pública sobre o Bem e que toda Atenas comprometido o testemunho de
seja convidada para o evento”. O resto é Aristóteles, no que diz respeito ao

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conteúdo axiomático da teoria dos escritura. Universidad de Navarra,


Pamplona, España: Disponível
princípios.
em:<http://dadun.unav.edu/bitstream/1017
Outras questões platônicas 1/726/5/3.%20PLAT%C3%93N%20FIL%C
3%93SOFO-
também se iluminam. Por exemplo, por
EDUCADOR,%20EL%20VALOR%20ALU
que Aristóteles não sucedeu Platão na SIVO%20DE%20LA%20ESCRITURA,%2
0PATRICIA%20BONAGURA.pdf.>.
direção da Academia; ou por que, com a
Acesso em: 3 mar. 2015.
morte de Platão, Espeusipo e Xenócrates
CHERNISS, Harold. (1993). El enigma de
reorientaram os estudos na Academia
la primera academia. Tradução Suzana
para o pitagorismo; ou, ainda, por que Marín Delgado. México, UNAM.
Espeusipo vai, pela primeira vez, na
CORNELLI, Gabriele. (2016). Onde está
Academia mencionar a década pitagórica Platão? A Academia de Atenas no tempo
de Platão como lugar de ausências.
– que Cherniss vai chamar de década
Redes Culturais nos Primórdios da Europa
matemática e o levar a entender que - 2400 Anos da Fundação da Academia
de Platão. Humanítas Supplementum,
Espeusipo discordava de Platão e teria
Estudos Monográficos. Imprensa da
refutado completamente a sua teoria das Universidade de Coimbra, 2016, p. 69-86.
ideias (CHERNISS, 1993, p. 41).
FERNANDES, Edrisi. (2010). Santuário,
Finalmente, vale observar que, jardim e pólis pitagorismo, epicurismo,
urbanidade e política. In: CORNELLI,
caso seja possível confirmar proximidade
Gabriele (Org.). Representações da
mais estreita entre a Academia Antiga – cidade antiga. Edição do Centro de
Estudos Clássicos e Humanísticos, com
considerada berço da filosofia ocidental –
apoio do Decanato de Pesquisa e Pós-
e uma escola iniciática típica de Graduação da Universidade de Brasília.
Coimbra, Universidade de Coimbra.
orientação pitagórica, talvez ganhem
sentido certas reivindicações quanto à GADALLA, Moustafa. (2003). Cosmologia
egípcia: o universo animado. Tradução
origem egípcia de alguns conhecimentos
Fernanda Rossi. São Paulo, Madras.
(JAMES, 2009; RAMOS JURADO, 1997),
GAISER, Konrad. (1980). Plato’s
e a própria aventura do pensar filosófico
enigmatic lecture ‘On the Good’.
de orientação metafísica ganhe uma Phronesis, 25 (1):5-37. Disponível em:
<http://philpapers.org/pub/1141/1980?pub
pitada de mistério, e possa tornar-se,
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