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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

HELENA MARIA AFONSO JACOB

Gastronomia, culinária e mídia


Estudo dos ambientes midiáticos e das linguagens
da comida e da cozinha

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

São Paulo
2013
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP

HELENA MARIA AFONSO JACOB

Gastronomia, culinária e mídia


Estudo dos ambientes midiáticos e das linguagens
da comida e da cozinha

Tese apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São
Paulo como exigência parcial para
a obtenção do título de Doutor em
Comunicação e Semiótica, sob a
orientação da Profª Drª Lucrécia
D’Alessio Ferrara

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

São Paulo
2013
Banca Examinadora

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________
A Pedro e Anderson, os homens da minha vida

À Maria, meu pequeno ponto de luz no Atlântico

Aos meus queridos “nove”, companheiros de jornada


Agradecimentos

À minha orientadora, Profª Lucrécia D’Alessio Ferrara, pela generosidade em compartilhar


tamanha sabedoria e conhecimento. Sua infinita paciência, calma e incisividade (quando
necessária) foram essenciais para o desenvolvimento deste trabalho. Jamais terei palavras
para agradecer tamanha dedicação.

À CAPES, que financiou e possibilitou que esta pesquisa acontecesse durante os últimos
quatro anos.

Aos professores do COS pelos ensinamentos e pelo apoio ao longo deste percurso.

A Fábio Sadao, que me empurrou neste caminho do doutorado desde o início, indicando a
direção correta e que me ajudou na sua finalização, sempre generoso em dar apoio.

Ao grupo de Comunicação e Semiótica dirigido por Regiane Nakagawa, pelas discussões


preciosas, que clarearam o céu nebuloso nos momentos necessários.

À Cida Bueno, pela atenção sempre carinhosa e prestativa na Secretaria do COS.

Aos meus pais, por terem construído raízes tão sólidas.

A André Amaral, Andréa Vialli, Darlan Alvarenga, Édson Gushiken, Fabiana Caruso, Fabio
Uria, Lyara Oliveira, Márcio Rodrigo e Paula Camargo, por transformarem meus dias em
encontros, festas, conversas e amores essenciais à vida.

À Ana Paula Santos, Daniela Osvald, Leslye Revely, Paula Barros e Rogério Martins:
trabalhar vale a pena porque nos faz conhecer e cultivar novos amigos.

Ao meu irmão, Fernando Jacob e à minha cunhada, Virgínia Jacob, pelas viagens, apoio e
momentos vividos tão bons.

À Carol Baggio e à Mônica Nóbrega: sem nossas conversas, salvadoras e deliciosas, não
teria recobrado o equilíbrio em momentos tão dificeis.
RESUMO
Esta pesquisa intitulada “Gastronomia, Culinária e Mídia – estudo dos ambientes
midiáticos e das linguagens da comida e da cozinha”, sob a orientação da Profª Drª Lucré-
cia D’Alessio Ferrara, investiga a construção das linguagens da gastronomia e da culinária
nos ambientes midiáticos da comida e da cozinha, e sua importância no universo midiático
contemporâneo. Considera-se nesse cenário que o sistema da cultura constituído pela mí-
dia é ressignificado pelo sistema da cultura da gastronomia e vice-versa, construindo uma
nova teia de significados para ambos. Tanto a gastronomia como a culinária constituem
linguagens dos espaços qualificados, portanto de espacialidades, importantes para a aná-
lise da mídia contemporânea. Na comunicação dos meios de massa pode-se observar,
nos últimos 10 anos, a exacerbação do uso da culinária e, especialmente, da gastronomia
como temática de revistas, jornais, programas de televisão e sites de internet, fazendo tal
sistema cultural se processar como mídia modeladora de preferências, gostos e paladares
sociais, econômicos e culturais. A esta pesquisa interessa a investigação de como a mí-
dia, tanto a impressa, em jornais e revistas, quanto as televisiva e digital constroem esses
ambientes midiáticos e como tal estratégia comunicativa está afetando a relação simbó-
lica das pessoas com o alimento. O referencial teórico foi constituído principalmente pela
Semiótica da Cultura de Iuri Lotman, e pelos trabalhos de Lucrécia Ferrara e Muniz Sodré.
Por meio da observação do corpus de pesquisa constituído por exemplos da construção
da linguagem e das estratégias de comunicação da culinária e da gastronomia na mídia, a
pesquisa se direcionou para a consolidação da hipótese principal: acreditamos que hoje a
gastronomia se transformou em uma mídia independente tamanha é a importância comu-
nicativa e cultural de sua atuação.

Palavras-chave: culinária, gastronomia, mediação, midiatização, espacialidade.


abstract
Under the guidance of Professor PhD Lucrecia D’Alessio Ferrara, this research en-
titled “Gastronomy, Cuisine and Media - a study of food and cooking media environments
and languages” investigates the gastronomy and cuisine language construction in food
and cooking media environments, and its importance in contemporary media universe. It
is considered that in this scenario the culture system composed by the media is reframed
by the gastronomy culture system and vice versa, creating a new meaning web for both.
Both the gastronomy and the cuisine form languages of qualified meaning spaces - so
spatialities - which are important to a contemporary media analysis. In the last 10 years, it
is possible to notice in mass media communication the intense use of cuisine and espe-
cially gastronomy themes in magazines, newspapers, television shows and internet sites,
making such a system to be processed as a media capable of shaping social, economic
and cultural preferences, tastes and palates. This research concerns on how media - both
print (newspapers and magazines), television and digital ones - build these media environ-
ments and how such communication strategy affects the symbolic relationship between
the people and the food. The theoretical framework was constituted primarily by Semiotics
of Culture of Yuri Lotman, and the work of Lucrécia Ferrara and Muniz Sodré. Throughout
the analysis of the research corpus, which is consisted of language construction and com-
munication strategies examples towards cuisine and gastronomy in the media, the resear-
ch was conducted in order to consolidate the main hypothesis: we believe that nowadays
gastronomy has become an independent media, such is the communication and cultural
relevance of its performance.

Keywords: cooking, cuisine, mediation, mediation, media, spatiality.


Lista de figuras
Figura 1: Banner afixado na porta do restaurante El Bulli no dia do encerramento de suas atividades,
31 de julho de 2011. Fonte: site El Bulli 48

Figura 2: Foto Crème Brûlée. Fonte: site Chamuleau de Cuisine 56

Figura 3: Foto Crema Catalana Fonte: site Recetas diárias 56

Figura 4: Foto Leite Creme Fonte: site Petiscos.com 56

Figura 5: Reprodução site Bráz Pizzaria 59

Figura 6: Anúncio linha Fun Milk, O Boticário. Fonte: revista Claudia, janeiro de 2008 61

Figura 7: Produtos linha Fun Milk, O Boticário. Fonte: site O Boticário 61

Figura 8: Reprodução Folha de S. Paulo, Página 1, Caderno Vitrine, 19/07/2008 63

Figura 9: Reprodução Folha de S. Paulo, Página 2, Caderno Vitrine, 19/07/2008 64

Figura 10: Anúncio Linha Natura Tododia Amora e Amêndoas. Fonte site Natura 66

Figura 11: Linha Natura Tododia Cereja e Avelãs. Fonte: site Natura 66

Figura 12: Capa livro Panelinha - Receitas que funcionam. Fonte: site Panelinha 73

Figura 13: Capa livro Cozinha de Estar. Fonte: site Panelinha 73

Figura 14: Reprodução site Panelinha 73

Figura 15: Foto Pasteis de Bélem: pastelaria Pasteis de Belém em Lisboa. Fonte: arquivo pessoal 77

Figura 16: Foto fachada da pastelaria Pasteis de Belém em Lisboa. Fonte: arquivo pessoal 77

Figura 17: Capa livro Dona Benta, edição 1948. Fonte: blog Pecado da Gula 80

Figura 18: Capa livro Dona Benta, edição 1974. Fonte: blog Pecado da Gula 80

Figura 19: Capa livro Dona Benta, edição 2010. Fonte: blog Pecado da Gula 80

Figura 20: Reprodução pág 417 da edição 2010 de Dona Benta 81

Figura 21: Reprodução coletânea de capas coleção Culinária de todas as cores 84

Figura 22: Reprodução página 145 do livro 200 receitas de saladas nutritivas 85

Figura 23: Banca de jornais Rua Peixoto Gomide (centro de SP). Fonte: arquivo pessoal 88

Figura 24: Reprodução blog Cafezinho das Cinco. Data: 30 jan.12 90

Figura 25: Júlia Child em seu programa na televisão norte-americana. Fonte: site Biography 95

Figura 26: Cartaz do filme Julie&Julia. Fonte: divulgação 95

Figura 27: Capa do livro Mastering the Art of French Cooking. Fonte: site Biography 95

Figura 28: Ofélia Anunciato. Fonte: site Vila Mulher 97

Figura 29: Ana Maria Braga. Fonte: site Vila Mulher 97

Figura 30: Palmirinha Onofre Fonte: site Vila Mulher 97

Figura 31: Suflê de Goiabada com calda de Catupiry do restaurante Carlota. Fonte: blog Carlota 124
Figura 32: Selo A.O.C (Appellation d’origine contrôlée), França. Fonte: site Gourmandise sans Frontieres 126

Figura 33: Selo D.O.C. (Denominazione di Origine Controllata), Itália. Fonte: site Gourmandise sans Frontieres 126

Figura 34: Selo Queijo Serra da Estrela, Portugal. Fonte: blog Sal e Sol 126

Figura 35: Selo Vale dos Vinhedos, denominação de origem controlada do Vale dos Vinhedos, produtor
de vinhos no Rio Grande do Sul, Brasil. Fonte: site Vila Mulher 126

Figura 36: Tabela Moda à Mesa, da Folha de S. Paulo, 11 mai. 2011 134

Figura 37: Cupcakes da Wondercakes, de São Paulo. Fonte: site Wondercakes 141

Figura 38: Capa revista Prazeres da Mesa, out. de 2012. Fonte: reprodução 143

Figura 39: Capa revista Gula, out. de 2012. Fonte: reprodução 143

Figura 40: Capa revista Gosto, out. de 2012. Fonte: reprodução 144

Figura 41: Capa revista Menu, out. de 2012. Fonte: reprodução 144

Figura 42: Capa Michelin, edição França 2012. Fonte: site Michelin 147

Figura 43: Capa Zagat, edição Londres 2013. Fonte: site Bloomberg Businessweek 147

Figura 44: Logotipo do programa televisivo Guerra dos Cupcakes. Fonte: site Discovery Brasil 150

Figura 45: Programa Guerra dos Cupcakes. Fonte: site Discovery Brasil 150

Figura 46: Página 47 revista Monet, edição agosto de 2012 152

Figura 47: Programa televisivo Que Marravilha!. Fonte site GNT 153

Figura 48: Fotomontagem com imagens com reprodução dde vídeos retirados do portal Youtube 156

Figura 49: Jamie Oliver no programa Jamie’s Great Italian Escape Fonte site GNT 158

Figura 50: Bizarre Foods, edição Bangkok, Tailândia. Fonte: site Andrew Zimmern 161

Figura 51: Nigella Lawson. Fonte: site Nigella Lawson 162

Figura 52: Reprodução de vídeo do Larica Total, temporada 2012. Fonte: site Canal Brasil 165

Figura 53: Reprodução de vídeo do Larica Total, temporada 2012. Fonte: site Canal Brasil 165

Figura 54: Reprodução blog Aventuras Gastronômicas 167

Figura 55: Reprodução blog de Carla Pernambuco (Carlota) 167

Figura 56: Reprodução blog Gastrolândia 168

Figura 57: Reprodução blog Comes e Bebes 168

Figura 58: Reprodução site Basilico 169

Figura 59: Reprodução tela inicial do aplicativo para iPad Where to eat 172

Figura 60: Reprodução tela inicial do aplicativo para iPad Navegador Época São Paulo 172

Figura 61: Reprodução tela inicial do aplicativo para iPad Jamie Oliver’s Recipes 173

Figura 62: Reprodução tela inicial do aplicativo para iPad Nigella Quick Collection 172

Figura 63: Reprodução tela inicial do aplicativo para iPad Larica Total 173
Figura 64: Montagem de fotos do evento Chefs na Rua . Fonte: blog Cozinha pra 1 179

Figura 65: Montagem de fotos do evento Chefs na Rua . Fonte: blog Cozinha pra 1 180

Figura 66: Montagem de fotos do evento Chefs na Rua . Fonte: blog Cozinha pra 1 181

Figura 67: Montagem de fotos do evento Chefs na Rua . Fonte: blog Cozinha pra 1 182

Figura 68: Montagem de fotos do evento Chefs na Rua . Fonte: blog Cozinha pra 1 183

Figura 69: Montagem de fotos do evento Chefs na Rua . Fonte: blog Cozinha pra 1 184

Figura 70: Pratos do restaurante Noma. Fonte: site Noma 193

Figura 71: Fotos de pratos do restaurante El Bulli. Fonte: site El Bulli 193

Figura 72: Foto de prato do restaurante The Fat Duck Fonte: site The Fat Duck 194

Figura 73: Foto de prato do restaurante DO.M. Fonte: site D.O.M. 194

Figura 74: Anúncio de imóvel em São Caetano do Sul. Fonte: site OLX 198

Figura 75: Anúncio de imóvel em São Caetano do Sul. Fonte: site OLX 198

Figura 76: Panetone Gourmet Olivier Anquier da marca Pullman. Fonte: site Exame 200

Figura 77: Kits de Natal O Boticário 2012. Fonte: site O Boticário 201

Figura 78: Logotipo loja Brigaderia, de São Paulo. Fonte: site Brigaderia 201

Figura 79: Aplicativo Epicurious. Fonte: Facebook 202

Figura 80: Reprodução capa revista Monet, edição ago.2012 213

Lista de QUADROS
Quadro 1: Características da cozinha “ogra”, segundo o crítico André Barcinski 137

Quadro 2: Diferenças entre receitas clássicas e receitas desconstruídas 195

Quadro 3: Tabela do jornal O Estado de S.Paulo compara trabalhos de Adriá e Redzepi 196

SUMÁRIO
SUMÁRIO
Comida, cozinha e cultura: uma apresentação 25
Comida,
O espaçocozinha e cultura:
vivenciado uma apresentação
e o estudo
da comida e da cozinha 23
31

1. Cozinha e alimentação: breve histórico 33


1.1. A culinária 35
1.2. A gastronomia 40
1.3. As transformações do século XX 44

2. A comunicação do alimento 51
2.1. Transformar o alimento na cozinha 53
2.2. Mediações e midiatizações 59

3. A comunicação da culinária 69
3.1. A construção da linguagem culinária 71
3.1.1. As receitas como textos-código 71
3.1.2. A receita: comunicação e incomunicação 74
3.2. A midiatização impressa 79
3.2.1. Livros e receitas 79
3.2.2. Revistas: cozinhar em palavras e fotos 86
3.2.3. Os blogs de culinária 89
3.3. A culinária em movimento 94
3.3.1. Os programas de culinária na televisão 94

4. Entre a culinária e a gastronomia 101


4.1. O espaço entre a culinária e a gastronomia 103
4.2. Trocas culturais 107
4.3. As duas linguagens da cozinha e da comida 109
4.4. Modelização e espaço intervalar 111
4.5. Nomear o espaço 114
5. A Comunicação e a Gastronomia 117
5.1. A construção da linguagem gastronômica 119
5.1.1. Os textos da cultura e a gastronomia 119
5.1.2. A ação dos textos da gastronomia 122
5.1.3. O espetáculo gastronômico 127
5.2. A gastronomia nos meios de comunicação 128
5.2.1. A midiatização da cozinha 128
5.2.2. A gastronomia nas páginas impressas 131
5.2.3. Os guias de gastronomia 145
5.3. A televisão que se come com os olhos 149
5.4. Redes sociais e blogs gastronômicos 165

6. Gastronomia como mídia 175


6.1. A gastronomia midiatizada 177
6.1.1. O fator cozinha mundializada 190
6.1.2. O fator novidade constante 192
6.1.3. Convergência de mídias, redes sociais e a gastronomia 197
6.2. Gastronomia em imagens: gastronomídia 204
6.2.1. Imagens e gula 204
6.2.2. A imagem como objeto iconofágico na gastronomia 206
6.3 Meios, mensagens e gastronomídia 208
6.4. Para além da gastronomídia 209

Bibliografia 215
Introdução
- 25 -

Comida, cozinha e cultura: uma apresentação

Comer faz parte da vida, e não apenas do ponto de vista nutricional.


Não comemos apenas para matar a fome, mas também para nos alimentar
de convívio social, assim como de tendências da moda e de imagens. Afinal,
o mundo da alimentação é também um mundo de imagens, transfigurado em
fotos de revistas, cenas de programas de televisão, fotos de comida com-
partilhadas nas redes sociais. E também de embalagens, de cartazes, filmes
publicitários e até mesmo de espaços imobiliários, tal é a inserção da comida
na cultura que vai além da cozinha no contemporâneo.
Por tal amplitude, interessa a este trabalho a diversidade comunicativa
do ato de comer e de cozinhar, e mais especificamente, a análise sobre como
se processam os vínculos entre as pessoas e a comida mediada e media-
tizada nos ambientes midiáticos da comida e da cozinha. Mediada porque
a comida media relações entre pessoas, ou seja, estabelece vínculos entre
quem consome e quem produz a comida, assim como media a relação entre
quem cozinha e quem serve a comida, por exemplo. E mediatizada porque
amplamente explorada em todos os meios de comunicação contemporâneos
e até mesmo no seu próprio conteúdo.
Tal estudo se mostra pertinente visto que temos assistido a uma ex-
plosão da exposição midiática da comida e, principalmente, das imagens da
comida. Há culinária, gastronomia, panelas e receitas por
1. A expressão se refere à
todos os lados: na televisão, nos jornais, nas revistas, no Virada Cultural de 2012, evento
realizado em maio de 2012
rádio, nas livrarias, na publicidade, nas bibliotecas. Comer
na cidade de São Paulo. Pela
virou moda, tema que desperta paixões e leva pessoas a primeira vez a gastronomia fez
parte do evento, assunto que
formar filas em madrugadas chuvosas e geladas em busca será explorado no capítulo 6
deste trabalho.
de um naco de experiência gastronômica1.
- 26 - Não queremos dizer aqui que cresceu a importância da alimenta-
ção, mas certamente cresceu o poder de sua comunicação. O quadro hoje
observado foi construído ao longo de milênios da história humana, e é
esse processo histórico que nos leva a fazer uma investigação arqueoló-
gica do desenvolvimento da comunicação do alimento, tal como veremos
no capítulo 1 deste trabalho.
Partindo do pressuposto de que a alimentação se comunica a partir
de duas linguagens distintas e, ao mesmo tempo, muito semelhantes, a
gastronomia e a culinária, tentaremos achar os pontos comunicativos mais
importantes nesse entendimento. Para isso, analisaremos o processo de
comunicação, do alimento à gastronomia, nos capítulos 2 (A comunicação
do alimento), no 3 (A comunicação da culinária) e no 5 (A comunicação da
gastronomia). Já no capítulo 4, que intermedia a passagem importantíssi-
ma da culinária à gastronomia, buscaremos elucidar o ponto histórico da
comunicação que deu origem ao aumento da exponibilidade da gastrono-
mia perante a culinária. Por fim, no capítulo 6, discutiremos a exponencia-
lização da atuação midiática da gastronomia como mídia independente.
No percurso dessas transformações e, principalmente, na observa-
ção do modo como a comunicação da cozinha se transforma em gastrono-
mia, se constrói a hipótese desta tese: a de que a gastronomia hoje acaba
por se constituir em uma mídia própria e independente da culinária e da gas-
tronomia, que estrutura e organiza espacialidades que revelam as faces cul-
turais, históricas, econômicas e sociais do alimento na era contemporânea.
O corpus de pesquisa foi construído por meio de exemplos dos
meios de comunicação impresso, audiovisual e digital contemporâneos,
além de exemplos pertinentes ao estudo de tais linguagens advindos da
publicidade e até do ambiente imobiliário, escolhidos de acordo com o
ponto estudado e delimitados a partir de 2002. A última década foi esco-
lhida por concentrar um alto índice de transformações da gastronomia do
ponto de vista comunicacional, especialmente em relação à criação de
mídias especializadas no tema.
Ao analisar a representação contemporânea da comida, lançamos luz
sobre a construção de imagens da cozinha e da alimentação. E essas ima-
gens passam por uma intensiva mediação do processo industrial alimentar,
que recodifica os alimentos e os transforma em outros textos da cultura.
A partir deste ponto, cabe esclarecer que utilizamos neste trabalho
os conceitos da Semiótica da Cultura de origem russa, advindos principal-
- 27 -
mente da obra de Iúri Lótman. Esta linha de estudos da semiótica analisa
o processo de transformação cultural por meio da observação do funcio-
namento dos sistemas da cultura, trabalhando com o conceito de que os
produtos da cultura seriam os seus textos, uma abordagem conceitual que
vai muito além da associação imediata com o texto escrito:

El concepto de texto fue objeto de una transformación sustancial. Los


conceptos iniciales de texto, que subrayaban su naturaleza unitaria
de señal, o la unidad indivisible de sus funciones en cierto contexto
cultural, o cualesquiera otras cualidades, suponían implícita o explíci-
tamente que el texto es un enunciado en una lenguaje cualquiera. La
primera brecha en esta idea parecía obvia, fue abierta precisamente
cuando se examinó el concepto de texto en el plano de semiótica da
cultura. Se descubrió que, para que un mensaje dado pueda ser de-
finido como “texto”, debe estar codificado, como mínimo, dos veces.
Así, por ejemplo, el mensaje definible como ley se distingue de la des-
cripción de cierto caso criminal por el hecho de que pertenece a la vez
al lenguaje natural y al jurídico, constituyendo en el primer caso una
cadena de signos con diversos significados, y en el segundo, cierto
signo complejo con un único significado (Lótman,1996, p.78).

A Semiótica da Cultura afirma que a própria cultura é um grande tex-


to, erguida que está na junção e no intercâmbio entre tantos outros textos
que ali se autodeterminam e se modificam. No caso deste estudo, a cultura
da alimentação agrupa todos os textos já gerados que se relacionam à co-
mida e à cozinha, desde o primeiro alimento consumido pela espécie huma-
na até o prato mais sofisticado surgido em um laboratório experimental de
cozinha: todo e qualquer texto deste sistema da cultura faz parte do tecido
cultural da alimentação. E na junção entre eles estruturam-se os vínculos
comunicativos que constroem novos textos, em um processo contínuo de
semiose e de recodificação inerente a qualquer sistema cultural.
Nas ambiências da cozinha e do alimento, pode-se observar uma farta
geração de textos que, por sua vez, acabam gerando imagens que comu-
nicam significados dessa cultura. Se Ferrara (2008) afirma que comunicar é
representar, toda constituição de textos gerada pelo processo cultural e pelo
processo comunicativo é uma representação que, por sua vez, gera uma ima-
gem. Unindo o conceito de texto ao de sistema da cultura, pontuamos que a
alimentação é um sistema da cultura que produz textos modelizados pelas
transformações culturais naturais do processo histórico. Assim, retomando o
conceito de texto de Iúri Lótman, lembramos que todo texto da cultura é um
arranjo sígnico originado por um sistema da cultura que relaciona e estrutura
- 28 - os códigos ali presentes em certa ordenação que faça sentido, ou seja, que
estabeleça uma linguagem. Tal sentido é dado exatamente pela modelização
dos sistemas, processo de semiose que inter-relaciona sistemas criando no-
vos signos e, portanto, novas linguagens compreensíveis para aquele sistema
e para outros sistemas próximos ou correlatos.
No caso do sistema cultural da alimentação e da cozinha, tal orde-
nação dá origem a duas linguagens distintas: culinária e gastronomia, que
são dependentes da dinâmica própria da cultura para se distinguirem uma
da outra e, exatamente por isso, acabam por se confundir e se hibridizar
em um grande número de situações comunicativas.
Essa transformação constante e ativa da cultura se dá por meio da
ação dos sistemas modelizantes, que atuam na organização dos textos
para que estes sejam compreensíveis dentro de uma dada linguagem. O
conceito de modelização advém dos sistemas de máquinas, com origem
na cibernética e na informática como coloca Machado:

Vale lembrar que o termo ”modelização” foi forjado no campo da in-


formática e da cibernética, para designar a operação que, no contexto
das máquinas, se encarregava da auto-organização e do controle sem
os quais a comunicação não pode ser pensada como organização do
que está disperso. No campo da cultura passa a designar processos
de regulação de comportamento de signos para constituir sistemas.
Diante disso entende-se que a palavra ”modelização” deve ser en-
tendida aqui como “um programa para análise e constituição de ar-
ranjos” e não a simples “reprodução de um modelo”, uma vez que a
idéia de um programa permite a existência de configurações sígnicas
particulares, especificas e ainda comunicantes, como que postas em
continuidade em uma cadeira de linguagens. A modelização cumpre,
igualmente, o desígnio de explicitar a vinculação histórica do sistema
que não surge do nada, mas elabora e redesenha procedimentos da
experiência cultural (Machado, 2007, p. 29).

Neste ponto, é fundamental lembrar que a geração de textos do siste-


ma cultural da alimentação organiza e estrutura linguagens, se dá em proces-
sos de mediações altamente complexos, que trabalham sempre com a vincu-
lação inerente ao processo de mediações como a de preparar os alimentos, a
de cozinhar ingredientes, de usar o próprio corpo para fatiar, picar e cortar, de
mesclar ingredientes para seguir uma receita e obter um prato como resultado
final. Todas elas realizam vinculações e comunicações no sistema cultural da
comida e da cozinha, lembrando que o próprio ato de cozinhar pode ser visto
como uma grande mediação, estruturada na linguagem da culinária e/ou da
gastronomia, o que nos leva a processos de midiatização complexos.
Quando se aborda o processo comunicativo do alimento, é preciso - 29 -
lembrar que existem inúmeros processos mediativos envolvidos nesse sis-
tema, como o do agricultor que escolhe uma determinada semente para
plantar um tomate e depois o colhe, armazena e vende, ou a mediação da
cozinheira que transforma o tomate em molho. A definição de mediação é de
uma complexidade ímpar, que pode ser percebida nas palavras de Cimino:

Mediação é um daqueles termos que passou a identificar diversas ma-


nifestações comunicativas sem que se tivesse clareza de sua acepção
conceitual. Em decorrência disso, ao invés do esclarecimento sobre
seus possíveis empregos, esta polissemia acabou revelando sua vagueza
terminológica. Tal fragilidade conceitual acabou transformando as pes-
quisas em comunicação num imbricado campo cognitivo. Consequente-
mente, isto exige do pesquisador uma enorme precisão analítica acom-
panhada de um redobrado esforço interpretativo (CIMINO, 2010, p. 21).

A autora coloca ainda a necessidade de se trabalhar com o conceito


de vinculação como mediação, lembrando que o caráter transformador da
mediação só se dá quando há a criação de vínculos. Afinal, a mediação é o
ato de estabelecer relações, e no caso dos estudos comunicativos, de es-
tabelecer processos de comunicação, e a vinculação é fundamental para
que se possa obter sucesso no processo. Cimino reflete que a mediação é
uma questão fundamental:

Portanto, mediação não é uma questão irrelevante. Sua adequação


conceitual se justifica na medida em que não é possível estudar os
diferentes contextos da comunicação por meio de uma mesma de-
signação (mediações) para todas as formas do agir comunicacional. É
necessário, portanto, a construção de determinadas categorias epis-
temológicas que vão discutir naturezas distintas daquilo que se enten-
de por comunicação. Daí que meio, mediação e midiatização dizem
respeito a processos comunicativos distintos, marcados por objetos e
procedimentos metodológicos completamente diferentes. As práticas
comunicativas mediativas são necessariamente, vinculativas, já que
produzem um movimento de desestabilização das hierarquias, dos
códigos, dos princípios, dos fundamentos de todo e qualquer ato de
comunicação (Ibidem, p.22).

Muniz Sodré, em entrevista à revista digital Ciberlegenda, diz que a
midiatização abrange uma nova capacidade de vinculação da sociedade con-
temporânea, que estaria baseada não apenas numa inevitável midiatização da
comunicação, mas transformada por um tempo e espaço virtuais. O autor fala
da geração que está em constante interação tecnológica e o quanto essa mi-
diatização – que ele também chama de tecno-interação – estaria impactando
a vinculação entre indivíduos:
- 30 - Um desafio de redescrever o homem diante das novas tecnologias:
esta é a questão da antropologia ético-política da comunicação. Re-
descrever como o homem, o indivíduo, o sujeito humano se situa
diante de uma sociedade que é por inteira, mesmo nas suas zonas
de pobreza, atravessada por tecnologias. Depois, levar em conta as
transformações da consciência, dos jovens que agora estão brincan-
do o tempo inteiro com computador, com videojogos, sob o influxo de
uma ordem cultural que é de ordem simulativa.  Essa geração parece
ter contato com o mundo das simulações. Ocorre um fenômeno novo,
que nós poderíamos chamar de midiatização, diferente de uma inte-
ração qualquer. O que nós estamos observando agora é uma tecno-
-interação, uma interação por meio de tecnologia, que se processa
desde o telefone até os meios de comunicação. Estamos assistindo
a uma multiplicação, uma disseminação das tecno-interações na vida
social. Pois bem, tudo isso que é midiatização é um processo abran-
gente, enorme na vida social; tudo isso diz respeito ao campo da mí-
dia, dos meios de comunicação, mas a comunicação não se esgota
aí. A comunicação diz respeito, na verdade, à vinculação, quer dizer,
como e por que estamos socialmente juntos. Por que nós nos ama-
mos, ou nos odiamos, nos respeitamos, por que nos matamos, ou
por que morremos, às vezes, pelo grupo, numa guerra, para defender
a família, sei lá... Significa, no fundo da questão da comunicação, a
aproximação humana, e a questão da mídia é um dos aspectos dessa
aproximação. A mídia diz respeito mais à relação do que a vinculação;
o vínculo passa por músculo, passa por consciência, por carinho, afe-
to, passa por ódio (PEREIRA; SANTOS, 2001).

Levando este pensamento de Sodré para o universo da alimenta-


ção, percebemos que essa tecno-interação está mudando a vinculação
do homem com o seu alimento, e mais do que nunca a imagem da comida
se comunica mais diretamente com as pessoas do que a própria comida.
A imagem do que se vai comer ou o que se pretende comer impacta mais
nessa sociedade tecno-interativa do que a própria alimentação, em um
processo contínuo de midiatização da cozinha e dos alimentos.
No mundo contemporâneo, é mais do que comum vermos aplicati-
vos2 de culinária e de gastronomia para smartphones, iphones e ipads, o
que coloca a cozinha em exposição tecno-interativa em tempo integral e
há que se considerar a complexidade do processo de construção desses
novos ambientes midiáticos. Tais ambientes constroem novas relações
mediativas, envolvem o alimento e quase o disfarçam com o uso de mí-
dias que transformam essa comida em instrumento do espetáculo da
própria mídia. Esse tipo de observação interessa ampla-
2. Aplicativos são softwares,
programas de computação mente a este estudo, pois acreditamos que a mediação e
desenvolvidos principalmente a midiatização do alimento ocupam um importante espa-
para dispositivos móveis
como celulares e tablets. ço nos estudos da comunicação. Tais processos comu-
nicativos podem ser entendidos por meio do estudo das espacialidades, - 31 -
ou seja, do espaço qualificado pela cultura e que constitui o objeto prin-
cipal para que consigamos entender como se estruturam as linguagens
dos sistemas culturais da alimentação e da cozinha.

O espaço vivenciado e o estudo da comida e da cozinha


Ao se verificar transformações da mediação entre homem e alimen-
tação ao longo do percurso de formação da sociedade humana, é funda-
mental pontuar que este estudo trata-se de uma análise do modo como
a comida e a cozinha constituem imagens na cultura e na comunicação.
E de como tais imagens revelam espacialidades que as identificam como
signos comunicativos, estruturando as linguagens da culinária e da gastro-
nomia e uma nova linguagem, como propõe a principal hipótese da tese.
Acreditamos que as mediações do alimento ao longo do processo
histórico originam as espacialidades que alteram a representação desse
alimento. Observar, apreender e analisar as espacialidades construídas
no processo de comunicação é um caminho que demanda, a priori, um
descolamento do conceito tradicional de espaço, no sentido ortogonal e
euclidiano do termo, e nas bases da filosofia e da física. Ferrara esclarece:

Sem desprezar aquelas bases filosóficas e físicas, visto que im-


põem os paradigmas fundamentais da cultura ocidental até mea-
dos do século XIX, mas revendo-os para atingir outra possibilidade
de estudo, este trabalho tem como eixo de investigação considerar
o estudo do espaço como aquele fenômeno que se situa entre a
comunicação e a cultura. Portanto, este espaço não apresenta ba-
ses definitivas e estáticas que o situam física ou conceitualmente,
mas se mostra e se deixa apreender no modo como se constrói
e, portanto, através do modo como se ilumina e se torna evidente
enquanto elemento que se comunica e, desse modo, interfere na
história da cultura (FERRARA, 2008, p. 8-9).

Percebemos o espaço pela linguagem, na medida em que esse es-


paço se manifesta por meio dos signos que o constituem e também pelo
modo como esse espaço atua nas relações comunicativas constituindo
espacialidades. A espacialidade é uma categoria de análise que possi-
bilita desvelar as mediações e midiatizações como as que se pretendem
estudar neste trabalho.
Visto que a espacialidade é o espaço experimentado e vivencia-
do, só podemos apreender as espacialidades ao analisar as semioses
- 32 - que originam as representações e organizações signicas dos sistemas da
cultura. Tais semioses se evidenciam também em outras categorias de
análise do espaço que acompanham a espacialidade: comunicabilidade,
a visualidade e a visibilidade.
A visualidade trata do modo de expressão visual do espaço, cami-
nho que permite que a espacialidade se mostre, comunique sua constru-
tibilidade, ou seja, a maneira como foi construída aquela linguagem. E a
comunicabilidade pode ser entendida como a capacidade que a espacia-
lidade tem de comunicar o seu significado.
Em relação às linguagens do alimento na mídia, a construtibilidade
do alimento se altera, modifica sua espacialidade e o modo como se dei-
xa ver no espaço, como ele se deixa apreender. Daí que a visualidade é
totalmente alterada, como no exemplo da batata transformada em purê.
Se aliarmos esse processo à rede de meios e veículos de comu-
nicação que passaram a comunicar os novos produtos alimentares e
domésticos, tanto no período da Revolução Industrial, quanto e princi-
palmente no mundo contemporâneo, observamos mediações e midia-
tizações do alimento diferenciadas e significativas no universo cultural
da gastronomia.
Abrimos, nesse sentido, território para o estudo da categoria de
análise que é a visibilidade, que se relaciona ao ser visto e querer ser
visto. Apoiada na visualidade, a visibilidade configura-se no território da
midiatização que pressupõe uma alta exponibilidade comunicativa.
Pretendemos neste estudo apreender e estudar as espacialidades
das linguagens da alimentação e da cozinha por meio da observação de
como ambas são representadas nos seus respectivos ambientes . Acredi-
tamos que as categorias de análise vistas serão naturalmente desveladas
nesse percurso e que a descoberta do funcionamento de tais representa-
ções do espaço nos levará a uma melhor compreensão do que a culinária e
a gastronomia significam hoje na comunicação contemporânea.
Cozinha e
1
Alimentação
Breve Histórico
1
- 35 -

1.1. A culinária
Podemos começar esse percurso histórico destacando que os pri-
meiros hominídeos alteraram seu modo de vida graças às dificuldades ou
às facilidades de conseguir e obter alimento - e foi nessa procura constan-
te que a espécie humana passou de coletora de raízes e sementes a caça-
dora de animais. A caça, particularmente, foi um momento definidor para o
homem, pois para caçar era necessário estar acompanhado, ter ajuda para
carregar e limpar o animal, cortar sua carne e assá-la, argumento defendi-
do pelo sociólogo Edgar Morin:

A caça deve ser considerada um fenômeno humano total; não só atu-


alizou e exaltou aptidões pouco utilizadas até então como suscitou
novas aptidões; não só transformou a relação para com o meio am-
biente; também transformou a relação de homem para homem, de
homem para mulher, de adulto para jovem. Mas ainda: seus próprios
desenvolvimentos, correlativamente às transformações operadas
transformaram o indivíduo, a sociedade, a espécie (1979, p.67).

Passando do estágio inicial de coletor a caçador, o homem fez uma


grande descoberta: o fogo e o seu poder de transformar o alimento, tor-
nando carnes e legumes mais macios e de digestão mais fácil, e fornecen-
do também uma quantidade maior de nutrientes. Pèrles acrescenta:
- 36 -
O uso regular do fogo no universo doméstico modificou profunda-
mente a alimentação, assim como os comportamentos sociais a ela
relacionados. O gosto pela carne cozida (consumida depois de incên-
dios naturais) é corrente entre muitos carnívoros. Todavia, só o homem
pôde fazer disso uma prática regular e dar os primeiros passos em
direção à alimentação cozida e, depois, à cozinha. Ora, é impressio-
nante constatar que, com as primeiras fogueiras, apareceram também
os primeiros indícios de cocção dos alimentos (...). Além da vantagem
nutricional da cocção dos alimentos, logo ficou patente sua importân-
cia no plano social: ela favorece, com efeito, a comensalidade, ou seja,
o hábito de fazer refeições em comum, introduzindo no seio do grupo
uma divisão de trabalho mais efetiva, um ritmo de atividades comum
a todos, e, de modo geral, um nível mais complexo de organização do
grupo (PÈRLES, 1996, p. 44).

O ato de cozinhar nasceu justamente da descoberta das inúmeras


novas possibilidades de modificar os alimentos que o fogo proporcionou. A
transformação da comida “in natura” – como frutas, verduras, legumes, car-
ne recém-caçada – em pratos cozidos e até mais elaborados alterou a per-
cepção da alimentação: comer começou também a ganhar ares de prazer
gustativo. Com essas descobertas, inúmeras possibilidades de cozimentos
mais rápidos ou demorados, combinações entre ingredientes e outras ino-
vações alimentares fizeram surgir pratos e até mesmo sabores. Foi sendo,
assim, estruturada uma nova relação sensível entre o comer para sobreviver
e o comer para sentir, que é uma das bases do ato de cozinhar.
Outra contribuição fundamental do ato de cozinhar foi a possibilida-
de de agrupar as pessoas em volta do fogo onde se preparava alimento,
em um ritual agregador que encontra ecos no comportamento de pratica-
mente todas as culturas do mundo contemporâneo – afinal, comer e co-
zinhar tornaram-se, ao longo dos séculos, atos que costumeiramente são
partilhados em agrupamentos de pessoas.
Uma das primeiras manifestações da transformação da culinária em
ritual social de agregação foram os banquetes ritualísticos
registrados na Mesopotâmia, em cerca de 2000 a.C. Esse
3. Já se pode aventar aqui
um início do processo tipo de banquete era restrito às classes ricas e considerado
comunicacional que será
desenvolvido ao longo desse um meio mágico3 de oferecer ao grupo a possibilidade de
trabalho: a alimentação como comunicar-se com os deuses (Chaves; Freixa, 2009, p.
um meio de comunicação,
que serve para expressar 33). Nesse exemplo verificamos a capacidade agregadora
mensagens por meio da sua
visualidade, como no caso do do alimento, tanto no meio comum ao juntar pessoas, quan-
grande e pomposo banquete to no mundo religioso e mágico de se ter contato com deu-
mesopotâmico.
ses. Essa agregação trazida pelo ato de se alimentar elevou
- 37 -
a complexidade cultural do homem e trouxe, com esse tipo de reunião, a
mediação do conjunto de pessoas que degustariam aquela refeição.
Assim, podemos dizer que a comida é sempre cultura para o ho-
mem, nunca apenas natureza em estado bruto. Montanari (2008, p. 10)
pontua justamente que a comida para os seres humanos é cultura em seus
formatos de comensalidade, apresentação e comunicação. O mesmo au-
tor reforça a importância da questão:

Comida é cultura quando produzida porque o homem não utiliza ape-


nas o que encontra na natureza (como fazem todas as outras espé-
cies), mas ambiciona também criar a própria comida, sobrepondo a
atividade de produção à de predação. Comida é cultura quando pre-
parada, porque, uma vez adquiridos os produtos-base da sua alimen-
tação, o homem os transforma mediante o uso do fogo e de uma ela-
borada tecnologia que se exprime nas práticas da cozinha. Comida é
cultura quando consumida, porque o homem, embora podendo comer
de tudo, ou talvez justamente por isso, na verdade não come qual-
quer coisa, mas escolhe a própria comida, com critérios ligados tanto
às dimensões econômicas e nutricionais do gesto quanto aos valores
simbólicos de que a própria comida se reveste. Por meio de tais re-
cursos a comida se apresenta como elemento decisivo da identidade
humana e como um dos mais eficazes instrumentos para comunicá-la
(Ibidem, p. 15).

Ainda em relação aos aspectos culturais dos banquetes, os de ori-


gem romana são exemplos de rituais que ajudaram a formar o conceito de
grandes refeições. Famoso pelo desperdício de comida que o caracteri-
zava, o típico banquete romano era composto por três etapas: o gustatio,
com saladas e pequenos pratos – as entradas de hoje; os mensai primai,
a etapa principal da refeição, com carnes, especialmente assadas para
a ocasião e os mensaesecundae: doces, bolos, frutas secas e frescas e
muito vinho (Ibidem, p. 51). Neste tipo de evento, podemos observar a
função da comida como símbolo de ostentação de riqueza; enfim, só pode
desperdiçar comida quem a possui em demasia, constituindo um modo
de uso e transformação do alimento que encontrará eco na representação
midiática de toda a história da gastronomia.
Durante a Idade Média mudou a configuração comunicativa da
culinária e da gastronomia, mas nem por isso tais linguagens deixaram
de existir. A economia se tornou feudal, com o poder político, econô-
mico e social centrado na figura do Rei, e o ato de cozinhar se voltou
novamente aos espaços privados, deixando por algum tempo o espaço
- 38 - de banquetes e exibições públicas. A educação e a cultura ficaram sob
o domínio de ordens religiosas, que acabaram por concentrar também
parte da produção de artigos alimentares mais sofisticados, como é o
caso das ordens conventuais, onde monges e freiras deveriam trabalhar
em alguma atividade artesanal: surgiu assim a tradição de doçaria con-
ventual que perdura ainda hoje.
A cozinha dos mosteiros é um exemplo de como a técnica culiná-
ria acabou por se transformar em gastronomia, pois as receitas criadas
a princípio por uma necessidade de alimentar o trabalho diário nos con-
ventos deram lugar a um tipo de doce especial, típico daquele período.
Doces portugueses de ovos desenvolvidos na Idade Média constituem,
por exemplo, um símbolo da gastronomia portuguesa e são hoje um dos
principais elementos da visibilidade da comida daquele país.
Da cozinha europeia desse período destacou-se o hábito culinário
de usar muitas especiarias nos pratos, dentre elas o açúcar. A necessida-
de de obter esses condimentos e buscar novos polos de comércio lançou
os países europeus ao mar, movimento que se articula com o período das
Grandes Navegações, iniciado em 1494, protagonizado principalmente
por Portugal e Espanha. O intercâmbio econômico gerado por esse movi-
mento enriqueceu as cortes da Europa e possibilitou trocas de ingredien-
tes que transformaram as cozinhas de colonizados e de colonizadores.
No Brasil, por exemplo, a influência dos portugueses que migraram para
o país se faz sentir até hoje na doçaria nacional, que tem uma predileção
excessiva pelo açúcar, herança direta do gosto lusitano. Já na mesa dos
europeus passaram a existir ingredientes como o tomate, por exemplo,
hábito herdado das colônias latinas e asiáticas.
O dinheiro gerado pelas Grandes Navegações e pelo comércio entre
Europa, América e Ásia possibilitou o enorme desenvolvimento de algu-
mas cidades europeias no século XVI. Nas artes, o Renascimento se des-
taca e a cozinha caminhou novamente em direção ao espaço público. Em
meados do século XVII começam a surgir, na Europa, estabelecimentos
que vendiam refeições prontas, geralmente estalagens e pequenos hotéis.
Tais locais serviam apenas sopas, pães, e, às vezes, alguma carne assada,
direcionando seu atendimento para viajantes e nômades, no modelo que
serviria para o restaurante da Modernidade.
A burguesia europeia desse período, já caracterizado como Ida-
de Moderna (pós-1494), que patrocinava grandes artistas do Renasci- - 39 -
mento e queria ser reconhecida pela sua sofisticação, trocou a ostenta-
ção das mesas medievais pela delicadeza dos bons ingredientes, pelos
vinhos produzidos regionalmente e pela valorização de chefs formados
nas suas cozinhas. Contrariando o estilo pomposo dos romanos, que
faziam assados que se sabia, seriam vomitados, ou dos nobres da Ida-
de Média, que apreciavam uma mesa com muitas carnes, algumas fru-
tas secas e muitos doces, os burgueses queriam pratos mais leves e
com ingredientes mais frescos.
Strong (2002) na obra Banquete: uma história ilustrada da culinária,
dos costumes e da fartura à mesa, descreve a evolução do banquete nobre
como estratégia de comunicação da corte do Rei Luís XIV. Ao transformar
todas as refeições do Rei em eventos de grande pompa, quando apenas o
monarca comia e os demais convidados o observavam, o banquete nobre
constitui um símbolo comunicativo de valor. Afinal, apenas a figura do Rei
deveria ter tantos alimentos, e nas mais variadas apresentações estéticas,
ao seu dispor. O banquete foi se popularizando, no sentido de tornar-se
banal e comum, e as refeições reais ganharam a privacidade de aposenta-
dos retirados da esfera pública, movimento que se deu concomitantemen-
te ao desenvolvimento das técnicas de cozinha na França. Curiosamente
este país se tornou sinônimo do comer bem na Europa, em processo que
se deu graças à influência da Itália, país já mais avançado naquele mo-
mento no uso de ingredientes, temperos e até em utensílios culinários,
como os ainda desconhecidos garfo e faca.
Quando Catarina de Médici, italiana, se casou com o rei francês
Henrique II, em 1533, e foi morar em Paris, levou consigo cozinheiros, pa-
deiros e outros profissionais italianos para a França. Lá tais profissionais
ensinaram suas técnicas aos empregados locais, disseminando o conhe-
cimento culinário do período (Flandrin, 1996, p. 641). Trata-se de um
processo transformador da técnica culinária em técnica didática, que or-
ganizou os códigos daquela linguagem e possibilitou a sua reprodução em
larga escala. As escolas de gastronomia de hoje ensinam aos seus alunos
técnicas de cozinha que foram desenvolvidas na França durante as Idades
Moderna e Contemporânea. É nesse período que se destaca, na história
humana, o conceito de gastronomia, valorizado exatamente pelo desen-
volvimento da cozinha na França, como veremos adiante.
- 40 - 1.2. A gastronomia
A elaboração do conceito de gastronomia, que teve origem na Gré-
cia e foi recuperado no século XVIII, passa inevitavelmente pela obra Fi-
siologia do Gosto, de Brillat-Savarin (1995). Apaixonado pelos prazeres da
comida, o francês renovou o valor da gastronomia e da discussão sobre
essa linguagem, ao lançar esta obra que é uma coleção de pensamentos
sobre o prazer de comer e cozinhar: puro hedonismo alimentar, caracterís-
tica primária da gastronomia.
A paixão pela cozinha demonstrada por Savarin certamente tem ra-
ízes na criação de um ambiente propício ao investimento na gastronomia
que se desenvolveu na França durante o período entre os séculos XV e
XVIII. Este cenário surgiu graças ao farto incentivo dado pelos reis france-
ses aos seus chefs de cozinha, trabalho que continuou vivo mesmo após
a queda da própria nobreza na Revolução Francesa de 1789. No período
pós-revolução, a capital francesa conheceu chefs, especialmente Auguste
Escoffier e Antonin Carême, que influenciaram decisivamente a gastrono-
mia ao criarem técnicas de culinária usadas até hoje pelas principais cozi-
nhas do mundo.
Após trabalhar nas redes de hotéis Ritz e Carlton em Paris e Lon-
dres no final do século XIX, Escoffier ficou conhecido por ter sistema-
tizado, em manuais, as regras da cozinha francesa, que posteriormente
se transformaram em regras da própria alta gastronomia. O chef também
antecipou tendências futuras, criando pratos com ingredientes frescos,
uma grande transgressão para um período da história que prezava sobre-
maneira os alimentos enlatados e salgados, justamente por durarem mais
tempo. Outra grande contribuição de Escoffier foi a de cozinhar sempre da
mesma maneira, organizando o trabalho dentro da cozinha, criando cargos
e distribuindo tarefas para os ajudantes dos chefs, modelo usado até hoje
na alta gastronomia.
Carême foi outro personagem fundamental da história da gastrono-
mia mundial no século XIX. Criou novos pratos como patês, suflês, tortas
salgadas e doces, muitas delas em formato de esculturas de aves, peixes
e outros animais. Seus bolos foram os primeiros a ser confeccionados em
andares, e decorados com chantilly e confeitos, padrão comum para a
confeitaria contemporânea, mas não para aquele momento, quando de-
corar era sinônimo de enfeitar os bolos com frutas secas. Carême tinha
uma extrema preocupação visual com seus pratos, pois acreditava que
um excelente sabor deveria estar aliado a um aspecto visual irresistível: - 41 -
aqui notamos que o chef antecipou os princípios estéticos que norteariam
a gastronomia desse período em diante.
Por causa de tais inovações, muito significativas na representação
comunicativa da comida, Escoffier e Carême são considerados os pais da
alta gastronomia mundial (Chaves, Freixa; 2009, p. 125-131).
Podemos afirmar que a grande contribuição de ambos foi criar no-
vas mediações dos alimentos, ou seja, utilizar os ingredientes tradicionais
dos pratos de cozinha e recombiná-los em novas formatações, criando
assim novos textos da cultura. Esses novos textos, como os bolos confei-
tados de várias camadas criados por Carême, modificam a comunicação
do alimento, que passa a valorizar sobremaneira a visualidade, ressaltando
a capacidade que esse alimento tem de atrair pela sua beleza estética.
A relação entre o trabalho de Escoffier nos hotéis e suas inovações
na arte da cozinha não é aleatória. Os restaurantes e hotéis atribuem nova
visualidade à comida, pois a colocam em exposição permanente. Os clien-
tes procuram sabor e beleza, e não importa apenas o prato ser gostoso
ou bem feito. Esse prato deve ser bonito, adequadamente apresentado e o
estabelecimento deve contar com um bom serviço, oferecido de maneira
adequada ao seu cliente.
No século XVII se intensifica a prática comercial dos restaurantes,
hotéis e pousadas que, por causa da Revolução Industrial, passam a aten-
der uma grande massa de trabalhadores que migrava do campo e não
tinha mais tempo e disponibilidade para cozinhar e comer nas suas casas.
Desenvolve-se, assim, nesse momento um interesse econômico pela co-
mida vendida pronta: oferecer esse tipo de refeição gerava lucro de uma
maneira nova e promissora, estabelecendo novas relações de mediação
entre pessoas e alimentos.
Rapidamente o modelo de comércio do restaurante se transfor-
mou de um local onde pessoas debilitadas podiam comer
para se recuperar4, para um espaço de comensalidade de
4. Segundo Rebecca Spang
culturas, atos e símbolos, como diz Spang (2003, p. 41). (2003), o restaurante surgiu
no ano de 1752 em Paris e
A autora lembra que a partir desse processo, a “gastrocu- seu serviço era o de oferecer
linária”, como ela conceitua esse momento de passagem uma alimentação equilibrada
e dietética para pessoas
da culinária para a gastronomia, tornou-se seu próprio doentes e debilitadas. A
palavra restaurante vem de
campo de conhecimento, e o bom gosto passou a se dis- restauro, de restaurar forças.
tinguir do mau gosto.
- 42 - Nesse momento passa a se destacar sobremaneira a distinção en-
tre o valor de uso e o valor de troca do alimento. O produtor de leite da
zona rural, por exemplo, se transformou, a partir da Revolução Industrial,
no fornecedor de matéria-prima para a indústria de laticínios. O padeiro ar-
tesanal de Roma se transformou no funcionário de uma fábrica de massas,
assim como o chef de cozinha moderna tornou-se o chef de uma cozinha
profissional. Esses são exemplos que mostram a transformação do cozi-
nhar na passagem do espaço privado para o público e, especialmente, a
transformação do alimento de elemento de valor de uso na sociedade para
elemento de valor de troca.
Sobre valor de uso e valor de troca, Ferrara pontua no artigo “O
signo sem sentido” (2002), ao abordar a questão do design, discorre sobre
o conceito de valor de uso e de valor de troca na sociedade de consumo
contemporânea (gerada a partir da Revolução Industrial de meados do
Século XIX), em considerações relevantes para este trabalho:

No mundo capitalista, a mercadoria se divide em duas categorias di-


vergentes: o valor de uso e o valor de troca. Se o valor de uso estabe-
lece a relação entre o proprietário dos meios de produção e o operário
que é agente produtor, o valor de troca procura salvar a produção atra-
vés do consumo, porém ambos, valor de uso e de troca, se encontram
e desafiam no espaço do mercado onde “a lógica do produtor procura
a massificação do valor de troca e a lógica do consumidor procura a
valorização do uso.” (Ferrara, 1993, p.194). Estimula-se a compra
para criar efetivas condições para a dinâmica produtiva e, nessa estra-
tégia, a forma e as qualidades visuais do produto desenvolvem impor-
tante papel, porque se valor de troca ensinou a consumir, não tardou
para que ele fosse substituído pelo que o distingue. Surge o valor de
posse e passa-se a consumir não somente o produto, mas a grife, a
embalagem, o visual. Na passagem do valor de troca para o valor de
posse percebe-se que, estranha e paradoxalmente, procura-se na sé-
rie, o único, o original, o exclusivo da marca que caracteriza a notabili-
dade da exibição que confirma a posse e retorna-se aos pressupostos
que caracterizavam o culto artístico. Cria-se, assim, uma cadeia de
substituições ou de metamorfoses do objeto, da série e da reproduti-
bilidade: o valor de uso, de troca e de posse (FERRARA, 2002, p. 15).

Dessa afirmação se pode depreender que a culinária para consu-


mo, aquela que surgiu para matar a fome dos indivíduos é valor de uso,
pois é utilizada para suprir necessidades funcionais. Já a culinária que
passa a ser comercializada tanto por produtores quanto por fornecedo-
res de alimentos, constitui um valor de troca, que se desdobra em ações
vinculativas e cria símbolos próprios da linguagem gastronômica.
Neste momento ocorre uma transposição do lugar de se servir a - 43 -
comida, que escapa do espaço privado (os salões reais e as casas parti-
culares) e passa a ser servida também no espaço público dos restauran-
tes. Se a cozinha se mostra como espaço público compartilhado, ela não
é mais apenas um espaço do comer: torna-se um espaço de visualidade
do alimento mediado pela cozinha, que abandona o espaço residencial
destinado à nutrição familiar e migra para o espaço público de comparti-
lhamento, baseado no valor de troca dos alimentos.
Há também que se considerar a mundialização de gostos e sa-
bores criados por esse novo cotidiano das refeições compartilhadas no
espaço público. Ambientes antes restritos a espaços regionais, são po-
tencializados e passam a ser acessíveis a novos consumidores. Surge
nesse momento a cozinha internacional, que quer dizer uma cozinha sem
pratos regionais, acessível a qualquer pessoa de qualquer nacionalidade,
que pode ser apreciada em qualquer lugar do mundo. Nela, é possível
estar em um país como o Brasil e provar pratos de países distantes, sem
sair do lugar. Chaves e Freixa falam a esse respeito:

Nesta altura da história, você consegue adivinhar como surgiu a co-


zinha internacional? Esses famosos hotéis e restaurantes se espa-
lharam rapidamente pelo mundo. Os chefs franceses, para agradar
à clientela local e aos turistas, esmeraram-se em incluir nos cardá-
pios pratos locais. Assim, muitas receitas clássicas de diversos países
foram incorporadas ao “cardápio internacional dos hotéis”, como o
inglês roast-beefe o beef-steak (bisteca) o caviar e o estrogonofe rus-
sos; os italianos frango à spadoni com funghi sec (cogumelos secos)
e folhas de sálvia; a lasanha à bolonhesa, o macarrão, a polenta, o
queijo parmesão e o sorvete; o supremo de frango à cubana, o lombo
à Califórnia. E, claro, muitas opções de clássicos franceses, como o
steak au poivre (filé ao molho de pimenta verde), o cannard á l’orange
(pato com laranja e guarnição de purê de maçã) e a sobremesa Crêpe
Suzette (crepe com laranja). (CHAVES; FREIXA, 1996, p. 136).

Além das intensas mediações entre homem e alimento, observadas


em restaurantes e hotéis surgidos nesse período e do papel da cozinha
internacional de universalizar sabores antes regionalizados, um aconteci-
mento histórico de profundo impacto para a formação do cenário contem-
porâneo da culinária e da gastronomia foi o aumento da tecnologia dispo-
nível na cozinha, proporcionado pelo desenvolvimento industrial verificado
no final do século XIX e início do século XX.
- 44 -
1.3. As transformações do século XX
Uma das transformações históricas mais impactantes para a cultura
dos alimentos foi a II Revolução Industrial, que teve início na Inglaterra em
meados do século XIX. Com o desenvolvimento de avanços tecnológicos
que potencializaram a produção de alimentos, a indústria passou a forne-
cer ao mercado produtos de baixo custo que poderiam alimentar a grande
massa de pessoas que migrava do campo para a cidade em toda a Europa
e América do Norte. E tudo isso com um modo de produção que consumia
menos tempo e com custo extremamente reduzido.
O termo tecnologia envolve o conhecimento técnico e científico e
as ferramentas, processos e materiais criados e/ou utilizados a partir de
tal conhecimento. Assim, uma faca mais apropriada para cortar legumes já
é um instrumento tecnológico (PipoNnier, 1996, p.509-520) e podemos
dizer que a culinária sempre contou com a tecnologia.
No entanto, com as transformações sociais do final do século XIX e
início do século XX aumentou a necessidade de se criar aparelhos que dis-
pensassem a mulher de tarefas complexas no ambiente doméstico, visto
que ela estava cada vez mais envolvida com o mercado de trabalho. Não
havia mais tempo para bater claras em neve à mão, era preciso ter um
motor para a tarefa, ou seja, uma batedeira; não era mais possível gastar
tempo para picar legumes, e o processador de alimentos entrou em cena.
Face a essa necessidade, a indústria, nesse período histórico já dissemi-
nada e estabelecida definitivamente nas sociedades humanas, criou uma
das maiores transformações no universo doméstico: o desenvolvimento de
eletrodomésticos, aparelhos que faziam tarefas exclusivamente mecânicas,
como picar, fatiar, moer, liquidificar, bater massas, por exemplo.
No começo do século XX, a chegada ao mercado de consumo de
instrumentos tecnológicos como torradeiras, batedeiras, liquidificadores,
fornos elétricos modificou o modo de cozinhar e as linguagens da culinária
e da gastronomia. Essa tecnologia facilitou o trabalho de donas de casa e
de chefs de cozinha, aumentando a produtividade dessas atividades, tanto
profissionais quanto domésticas.
Os eletrodomésticos criaram uma nova mediação entre a produção
e o consumo do alimento. Um liquidificador que bate um alimento e o mo-
difica para o formato purê, transforma esse alimento em um novo produto,
um novo signo – agora, purê, não mais batata. Quando esse purê era fa-
- 45 -
bricado apenas pela força humana, a mediação era diferente, assim como
o produto final; certamente o purê resultante continha mais pedaços do
alimento original, o que não ocorre com o aparato mecânico que utiliza a
energia elétrica no seu funcionamento, que tem força para homogeneizar
o purê, tornando todas as suas partes iguais. Assim temos a possibilidade
de padronizar o alimento, abrindo mais uma possibilidade no campo da
geração de imagens da cozinha: ter alimentos iguais em larga escala, tanto
no meio profissional quanto nas cozinhas privadas.
Essa transformação, que pode parecer simples, abriu espaço para a
representação da comida na mídia por meio das fotografias e criou um novo
parâmetro: tenho eletrodomésticos, portanto posso reproduzir na minha casa
o resultado daquela receita da revista. Mesmo que essa reprodução nunca
aconteça inteiramente, a massificação dos eletrodomésticos trouxe um im-
pacto grande ao terreno das simulações na cozinha. “Se tiver uma batedeira
profissional, meu bolo ficará tão bonito e apetitoso quanto o do livro” 5.
Assim abriu-se caminho para a sistematização do ensino e da prá-
tica de cozinha, com o surgimento de escolas voltadas para esse saber,
como a Le CordonBleu em Paris e o The Culinary Institute, em Nova York.
A primeira foi inaugurada em 1895, e a segunda criada logo após o final da
Segunda Guerra Mundial. A necessidade de ter profissionais nas cozinhas
de restaurantes e hotéis de variados países pelo mundo levou à criação
desse tipo de escolas. Hoje, tanto o Le CordonBleu quanto o The Culinary
Institute, são centros de excelência, escolas renomadas internacionalmen-
te como formadoras de chefs e profissionais de cozinha muito especializa-
dos e levaram o conhecimento da gastronomia a todo mundo, incentivan-
do a proliferação de cursos desse tipo. A área tem atraído tanto interesse
no Brasil que o primeiro curso de gastronomia reconhecido pelo Ministério
da Educação e da Cultura (MEC) no país data de 2000. Dez anos depois,
levantamento realizado pelo Ministério apontava 93 cursos autorizados e
em funcionamento, atraindo milhares de estudantes inte-
5. Veremos adiante, no
ressados na profissão de chef de cozinha (TONON, 2012). capítulo de culinária e ao
final desta tese, que essa
A chegada da tecnologia, e o interesse em avaliar a reprodução é praticamente
comida e transformar o universo da cozinha em objeto de impossível graças às
simulações do alimento
ensino, são fatos concomitantes ao aumento da midiati- midiatizado, que sequer
tem aquela imagem no seu
zação da cultura alimentar, especialmente potencializada estado natural.
pelo crescimento da comunicação massificada. Meios de
- 46 - comunicação como jornais, revistas, rádio e, especialmente, a televisão
foram, ao longo do século XX, aumentando o espaço dedicado à culinária
e dividindo-o, posteriormente, com o espaço dedicado à gastronomia.
O sucesso da profissão de chef, por exemplo, levou esse cargo a
um patamar de exposição que tem seu apogeu na época contemporânea,
com a super midiatização da gastronomia. O status social da profissão
evoluiu das características de sistematização e experimentalismo iniciadas
por Carême e Escoffier, para seu atual estágio de profissão promissora
e celebrada, com as imagens de chefs-celebridade como Ferran Adriá,
catalão do restaurante El Buli, encabeçando a lista de “mais famosos” do
mundo da gastronomia.
Chegando ao período mais recente da história da alimentação, a
criação do fast food, termo surgido nos Estados Unidos na década de
1950, é outro aspecto do desenvolvimento da cozinha e do alimento que
desempenha um papel importante no sistema cultural da alimentação
contemporânea. O termo designa um tipo de refeição rápida que pode
ser consumida em lanchonetes e restaurantes funcionais, que não são
projetados para oferecer conforto. Esse tipo de comida adapta-se ao
tempo escasso das pessoas nas sociedades industrializadas do período
pós Segunda Guerra Mundial.
Popularizado pela rede norte-americana McDonald’s, o fast food
se espalhou por países e gêneros alimentares do mundo, traduzindo um
modo de comer às pressas, sem qualquer ritual de preparação e degusta-
ção do alimento que acabou por se tornar um forte símbolo do mundo oci-
dental nas décadas de 1980 e 1990, principalmente. Ainda hoje o fastfood
constitui um verdadeiro império no modo de as pessoas se alimentarem,
tendo se ramificado das lanchonetes à refeições temáticas, como comida
árabe e chinesa, por exemplo.
Logo após o surgimento do fast food, a tradicional cozinha france-
sa se rebelou contra a banalização da comida proposta pelo modelo de
consumo rápido e contra os princípios rígidos das cozinhas tradicionais,
criados por Escoffier. Surgiu assim a nouvelle cuisine, movimento gastro-
nômico francês desenvolvido pelos chefs Jean e Pierre Troisgrois, Paul Bo-
cuse, Michel Guérar, Roger Vérger e Raymond Olivier na década de 1970,
que foi buscar inspiração no minimalismo da cozinha japonesa para criar
uma nova gastronomia francesa distante dos molhos pesados da gastro-
nomia clássica, de fato uma herança da cozinha profissional e dos pratos - 47 -
servidos em grandes porções.
Esse movimento foi o palco de lançamento do trabalho de chefs im-
portantes para o desenvolvimento da gastronomia contemporânea e tra-
balharam de maneira diferente os paradigmas da cozinha clássica. Entre
as inovações, a nouvelle cuisine propôs a redução do tempo de cocção
dos alimentos; uso do sistema de finalização das refeições diretamente
no prato que preconiza a montagem, finalização e decoração do prato
com requinte estético levando, ao cliente, porções pequenas de vários e
diferentes pratos. Esses preceitos dominaram a alta gastronomia durante
as décadas de 1980 e 1990, e o movimento ainda é hoje uma das bases
da gastronomia contemporânea na França, com fortes influências em co-
zinhas de outros países.
Da nouvelle cuisine em diante, a gastronomia passou por uma va-
lorização sem precedentes históricos, auxiliada pela exploração contínua
dos ambientes midiáticos que utilizam esse sistema da cultura. Programas
de TV, livros e revistas de gastronomia, sites e blogs de internet, todas as
mídias possuem hoje veículos que divulgam alguns desses preceitos fun-
damentais para a alta gastronomia contemporânea. A cozinha molecular de
Ferran Adriá e HervéThis, que decompõe a estrutura química dos alimentos;
os terroirs, produtos regionais que ganharam status de obras de arte; a co-
zinha fusión que usa ingredientes de todo o mundo globalizado para novas
combinações de sabores são algumas das tendências contemporâneas que
serão discutidas ao longo deste trabalho, graças a sua contemporaneidade,
e por isso não serão exploradas nesta parte inicial.
No entanto, a gastronomia molecular vive dias de ocaso, com o
fechamento do El Bulli, restaurante de Ferran Adriá, o mais emblemático
chef desse movimento. Em janeiro de 2010, Adriá disse em coletiva de
imprensa realizada no próprio restaurante que o El Buli fecharia por dois
anos a partir de agosto de 2011. Depois de ser eleito três vezes o melhor
do mundo pela revista britânica Restaurant, o El Buli encerraria suas ativi-
dades em 30 de julho de 2011, para reabrir em 2014 com novo formato e
novas tendências, segundo Adriá.
O chef declarou à imprensa mundial que a decisão foi tomada
depois que ele mesmo ter avaliado que o atual modelo do El Bulli não
lhe permitia mais continuar criando novas receitas e experimentan-
- 48 -

Figura 1:
Cartaz colocado
na porta do El Bulli
quando do seu
fechamento, em 31
de julho de 2011: “El
Bulli fecha em busca
de novas aventuras”

do novos formatos. No último jantar do restaurante foi realizado um


evento com 50 pratos preparados especialmente pelo chef. O cartaz da
figura 1, escrito em catalão, diz “31 de julho de 2011: El Bulli fecha em
busca de novas aventuras”.
Vários fatores podem ter levado ao fechamento do restaurante,
como a crise econômica europeia atual mas, em termos de comunicação,
parece uma “retirada estratégica”. Nos últimos cinco anos, o trabalho de
Adriá vem sendo ofuscado pela cozinha nórdica, representada especial-
mente pelo chef dinamarquês René Redzepi, chef do restaurante Noma,
eleito em 2010 e 2011 pela Restaurant como melhor restaurante do mundo
– sucedendo justamente o El Bulli.
O Noma aposta nos princípios mais tradicionais da pouco conheci-
da cozinha dos países nórdicos, utilizando métodos tradicionais de salga,
defumação e preparação de conservas. Outros princípios prezados por
essa cozinha são a caça e a pesca: quanto mais artesanais, melhor. Co- - 49 -
letar alimentos que nascem espontaneamente em florestas, buscar ingre-
dientes orgânicos produzidos localmente e cozinhar respeitando as esta-
ções do ano são outros princípios do tipo de cozinha que está no topo das
avaliações dos críticos contemporâneos.
Na mesma premiação que tem destacado o Noma, figura também o
chef brasileiro Alex Atala, dono dos restaurantes D.O.M e Dalva&Dito, am-
bos localizados na cidade de São Paulo. Com o D.O.M, restaurante onde
o chef cria menus tipicamente brasileiros com inspirações da gastronomia
molecular, Atala figura há 7 edições consecutivas no ranking da Restau-
rant. Em 2012 foi escolhido o quarto melhor restaurante do mundo.
Se considerarmos os últimos exemplos dos movimentos da gastro-
nomia mundial, podemos dizer que, atualmente, esta linguagem faz parte
de um universo que escapa à cozinha. Televisão, imprensa, rádio e hoje
as tecnologias digitais ajudaram a construir um ambiente contemporâneo
da comida altamente mediada e midiatizada. Há que se considerar tam-
bém, além dos meios citados, o envolvimento destes textos da cultura da
alimentação em outros ambientes, como a publicidade e a vida cotidiana,
como veremos adiante.
2
A Comunicação
do Alimento
2
- 53 -

2.1. Transformar o alimento na cozinha


Cocinar hizo al hombre, obra do biólogo espanhol Faustino Córdon,
de 1979, discute como o domínio das técnicas de cozinha transformou a
cultura e a sociedade humanas, destacando especialmente aquelas técni-
cas relacionadas ao cozimento dos alimentos. Tal processo culminou em
uma transformação no modo como utilizamos os alimentos na comunica-
ção e como mediações são realizadas tendo-os como objetos. Visto que
tais mediações transformam os alimentos de modo permanente, podemos
afirmar que cozinhar é uma forma de modelizar os alimentos, alterando
suas características iniciais e transformando-os culturalmente.
No ambiente midiático da comida e da cozinha, essas modelizações
podem ser geradas também pelo modo como o alimento se apresenta
para consumo. Há alimentos que são modelizados pelo frio, pelo fogo,
pela defumação ou até mesmo aqueles que são consumidos crus, mas
transformados por técnicas de corte e pela adição ou não de temperos –
caso da gastronomia japonesa, por exemplo, que se destaca pelo modo
como seus pratos são cortados e pela ausência de temperos em excesso.
Assim, dada a infinita variedade de transformações que podem ser
aplicados aos alimentos, um mesmo alimento pode dar origem a inúmeros
textos da cultura, todos frutos dessa mediação dada pelas técnicas de co-
zinha que atuam como sistemas modelizantes. O chocolate, por exemplo,
- 54 - pode ser consumido de inúmeras maneiras, graças às diferentes formas de
preparo e transformação pelas quais ele pode passar. Consumido salgado
no México, em molho de carnes, ou no formato do mais doce brigadeiro
no Brasil, o cacau, ingrediente que dá origem ao chocolate, é o mesmo.
Variam as quantidades de cacau utilizadas, assim como a técnica de se
fazer um chocolate mais macio ou mais quebradiço. Assim podemos dizer
que o chocolate se comunica de diversas maneiras, falando diretamente
a um tipo de público de acordo com a mediação da qual ele participa: ora
um público que busca um chocolate gourmet, ora um público que busca
um chocolate comum.
Consideramos, a priori, que a mediação entre homem e alimento é
inerente às sociedades humanas, pois se trata de um processo cultural e
comunicativo intrínseco ao processo de sobrevivência da espécie, que car-
rega uma força de transformação cultural fortemente simbólica: Cocinar hizo
al hombre. O neurocientista António Damásio, na obra E o Cérebro criou o
Homem (2011), trata exatamente da questão de como processos cerebrais
– tais como a regulação da fome e do apetite – moldaram o cérebro humano
e o processo de comunicação da espécie. Assim, sentimos fome, mas não
fizemos da busca por “sanar” esse problema apenas um exercício de so-
brevivência diário. Transformamos essa fome em processos culturais com-
plexos, como a criação de receitas e de pratos, gerando textos da cultura.
Tudo isso graças à mente humana criada pelo nosso cérebro que estrutura
e reorganiza processos cerebrais biológicos, como a fome, em processos
cognitivos, como a criação da culinária e da gastronomia.
Por conta de tal processo, o homem atua ativamente sobre o alimen-
to, transformando-o de acordo com seus interesses e criando novas repre-
sentações por meio de modelizações dos sistemas da cultura nesses textos.
Um exemplo da ação da técnica de cozinha como sistema modelizante do
alimento é a gama diversificada do resultado de pratos que são originados
a partir de ingredientes simples e comuns como ovos, leite e açúcar. Esses
três alimentos compõem tanto o Crème Brûlée francês quanto a Crema Ca-
tallana espanhola ou o Leite Creme Português (figuras 2, 3 e 4).
Mesma base de alimentos, modelizações distintas: o Crème Brûlée
incorpora mais ovos à receita e usa um tipo de leite mais gorduroso. Já a
Crema Catallana é cozida no fogo e resfriada, assim como o Leite Creme
que, por sua vez, é mais líquido do que o doce espanhol. Cada uma des-
- 55 -
sas técnicas de preparo e quantidade de ingredientes diferentes gera textos
distintos, ainda que sejam os mesmo ingredientes utilizados no preparo de
todos as receitas citadas. Pontuamos que as técnicas de preparo, quantida-
des, tempo e tipos de cocção modelizam tais textos e são os responsáveis
pela diversidade da comunicação dos alimentos. Afinal, se não houvesse
um rol diversificado de possibilidades de se preparar esses alimentos, a sua
comunicação não seria tão rica e diversificada e o processo de transforma-
ção cultural certamente não arregimentaria tantas faces de distinção cultural
e comunicativa quanto as observadas neste estudo.
Na culinária, a modelização é dada pelas técnicas de cocção, pelo
tipo de tempero empregado, pela quantidade de alimentos, por exemplo
– como no exemplo citado do Creme Brûlée, Crema Catallana e Leite Cre-
me. Já na gastronomia o alimento se transforma em um texto que segue
normas de exposição midiática – no caso dos ovos, leite e açúcar entram
em cena representações simbólicas comuns na comunicação da cozinha,
como a do Crème Brûlée ser um símbolo de uma sobremesa típica da
França. No universo do visível, a configuração simples e a aparência este-
ticamente perfeita o qualificam como uma boa vitrine da comida francesa,
estruturando um texto de alta visibilidade midiática.
De acordo com as circunstâncias culturais, interessa à comunica-
ção do alimento tornar-se invisível, como ocorre quando não se divulga o
segredo de um prato para torná-lo excepcional. Ou melhor, tornar a sua
imagem excepcional, o que ocorre ao se tornar invisível o modo de pro-
dução desse prato. Cria-se assim uma narrativa que estabelece o valor do
prato pelo segredo. “É tão bom que tem que ter um segredo”: essa é uma
frase comum no mundo da cozinha, assim como o compartilhamento de
segredos de receitas entre pessoas que cozinham.
Essa técnica narrativa é tão eficiente que até hoje é explorada em
programas de TV, livros e revistas de receita, mostrando as camadas de
significação que podem estar contidas na representação dos alimentos na
culinária e na gastronomia. Revelar o segredo pode quebrar a magia do
bolo fofinho ou do assado esteticamente perfeito. Lembrando Barthes no
artigo “Cozinha Ornamental”, da obra Mitologias (2003, p.130), o receptor
da mensagem midiática advinda do sistema cultural da alimentação não
quer, a priori, ter consciência da “brutalidade das carnes ou do inesperado
dos crustáceos”. Por isso esse receptor espera uma cozinha midiatizada,
- 56 -

Figura 2:
Crème Brûlèe,
de origem francesa

Figura 3:
Crema Catallana,
de origem espanhola

Figura 4:
Leite Creme, de
origem portuguesa
que seja “de revestimento e de álibi, que se esforça sempre por mascarar - 57 -
ou atenuar, a natureza primária dos alimentos” (BARTHES, 2003, p.130).
Na invisibilidade reside, portanto, a ignorância do modo industrial
de preparo de um tipo de carne muito importante para a cozinha con-
temporânea, a vitela, por exemplo. O seu modo de produção consiste em
confinar filhotes de boi, os bezerros, em cubículos onde não possam se
mexer de forma alguma e alimentá-los com leite e pouco ferro, para que
se possa obter uma carne tenra e branca quando o animal for abatido
aos quatro meses de idade. A produção de vitela é polêmica no mundo
contemporâneo e mesmo deixando totalmente de lado questões éticas,
poderia ser desconfortável para o gourmand6 saber o modo agressivo de
produção de um alimento tão nobre na cozinha. Assim, a comunicação do
alimento torna invisível este fato, não o comunica, deixando visível apenas
o sabor e a maciez do ingrediente. Criam-se assim narrativas da cozinha
que ora destacam os alimentos em sua totalidade e ora os escondem, de
acordo com as estratégias comunicativas criadas para esses ambientes.
Canclini (2008, p.31) lembra que em narrativas como as da cozinha,
há que se considerar o valor do alimento como transformador da função
social de pertencimento. O autor cita o exemplo de grupos de imigrantes
europeus que deixaram seus países no começo do século XX e foram vi-
ver na América Latina. Essas pessoas faziam questão de manter tradições
alimentares como modo de continuar pertencendo à cultura de suas pá-
trias, não perdendo o código do sabor e das práticas alimentares de suas
origens. Tal necessidade de pertencimento mostra que o alimento é peça
fundamental no complexo processo de formação de outros textos nos
sistemas culturais da alimentação. Um tomate pode tanto compor uma
simples salada quanto ser mediado e transformado em um tomate seco,
que varia a sua composição de acordo com a cultura que o produziu: mais
gorduroso na Itália, um pouco mais seco no Brasil.
A pizza, texto-simbólico representativo da cultura italiana, é uma
massa preparada com água, farinha e coberta com queijo e tomate. A re-
ceita, que surgiu no sul da Itália em 1830, é um texto da cultura no qual tais
ingredientes foram mediados pela técnica de misturá-los e assá-los a altas
temperaturas. O resultado é um texto, a pizza, muito dis-
tinto daquela pizza preparada na cidade de São Paulo, por 6. Indivíduo que é dado a
consumir comidas apetitosas
exemplo, mesmo que sejam utilizados nessa cidade brasi-
(ALGRANTI, 2000, p.262).
leira os mesmos ingredientes da massa tradicional italiana.
- 58 - Essa pizza introduzida na cultura paulistana por imigrantes daquele
país no final do século XIX foi modificada pelo contato com a cultura pau-
listana que lhe atribuiu a possibilidade de uso de ingredientes que nunca
seriam usados na Itália, como milho, ervilha e palmito, por exemplo. Foram
criados assim novos sabores com os mesmos ingredientes e com muitos
outros mais. O que diferencia a pizza italiana original da sua tradução para
a versão brasileira é a nova estruturação de alimentos obrigatórios (farinha
de trigo, água, tomate e queijo) e de outros novos, processo que se realiza
no âmbito da linguagem culinária.
Há, portanto, neste exemplo, dois textos da cultura: a pizza original,
quase um sabor natural da Itália, e a pizza transformada, a brasileira, que
representa a própria cultura brasileira, mediada pelo gosto nacional. Cer-
tamente muitos sabores de pizzas brasileiras causariam repulsa aos italia-
nos, mais conservadores quanto aos seus textos da cultura alimentares.
Vale pontuar que Canclini (2003) entende por hibridação dos pro-
cessos socioculturais a convergência de estruturas ou práticas discretas,
que existiam de forma separada e foram combinadas para gerar novas
práticas na cultura. Seguindo o exemplo, a pizza passa por um proces-
so de hibridação nesse contato de culturas entre Brasil e Itália, geran-
do novos textos que vão além dos alimentos originalmente usados para
se produzir uma pizza. Podem ser usados alimentos que carregam forte
simbologia gourmet, como jamón ibérico (presunto defumado espanhol),
trufas negras, mozarella italiana; esses alimentos agregam valor por terem
sido mediados pelos processos culturais. Enquanto a tomate e o queijo
são alimentos comuns, básicos para uma infinidade de pratos, a presença
de trufas, mozarella italiano ou jamón ibérico dará um significado especial,
gastronômico: gourmet.
O cardápio da Pizzaria Paulistana Bráz, constantemente eleita pela
mídia especializada como uma das melhores pizzarias do Brasil, mostra
esse tipo de pizza que usa alimentos com tal carga de simbologia gastro-
nômica (figura 5). Para que uma pizza seja considerada sofisticada e possa
habitar as páginas de uma revista de gastronomia, ela deve ter ingredien-
tes (alimentos) como queijos importados ou especiais, tomates orgânicos
(sem agrotóxicos), além de certos cuidados de preparo e conservação,
entre outras possibilidades – caso do cardápio da Bráz, que apresenta
pizzas de alcachofra, abobrinha, tomate caqui e outros ingredientes a que
se atribui diretamente a simbologia de sofisticados.
- 59 -

Figura 5:
Reprodução do
cardápio online da
Pizzaria Bráz

Desse modo, a pizza gourmet incorpora as qualidades físicas e co-


municativas desses alimentos e os toma na composição de sua mensa-
gem. Uma pizza com queijo francês e tomate orgânico é imediatamente
alçada ao posto de pizza especial dentro desse ambiente midiático. É nes-
se ponto que devemos abordar a processo de midiatização estabelecido a
partir da capacidade de comunicação dos alimentos.

2.2. Mediações e midiatizações


A mediação da comida pelo homem sofre a ação inicial da necessida-
de trazida pela fome, mas também é intensamente modelizada pelo gosto –
tanto que uma determinada cultura em muitas ocasiões se distingue e até se
define por gostar mais de um ou de outro alimento; no Brasil, por exemplo, é
senso comum que o arroz com feijão constitui a base da alimentação diária
- 60 - da maioria da população brasileira, que prefere essa combinação às batatas
que predominam em boa parte da alimentação europeia.
Montanari (2008, p.11) lembra que o gosto é um produto cultural,
resultado de uma realidade coletiva e partilhável, em que as predileções e
as excelências se destacam, não a partir de um suposto instinto sensorial
da língua, mas de uma complexa construção histórica. Ambos, tanto o
gosto quanto a fome, têm capacidade comunicativa e cultural de mediar
o alimento nos seus processos comunicativos. O processo de exposição
midiática comunica um estilo de viver, de se relacionar socialmente e de
construir a sua comunicação. No turismo, o alimento atua como elemento
de “reconhecimento de terreno”, ou seja, como um modo de se conhecer
aquela nova cultura que é visitada.
A mídia especializada em turismo sempre aposta em alimentos sím-
bolos para atrair consumidores a visitarem determinados locais. Assim,
a feijoada tornou-se um sinônimo mercadológico de culinária brasileira,
quando, na verdade, não se come feijoada no Brasil todos os dias; o con-
sumo desse prato se restringe a um ou dois dias por semana, se muito.
Outro exemplo que mostra como o alimento pode ter a função de símbolo
turístico é a apropriação, na simbologia turística relacionada ao Brasil, de
ingredientes asiáticos, como a manga e o coco. Essas duas frutas são
amplamente relacionadas à comida brasileira e hoje podemos dizer que a
sua capacidade comunicativa está amplamente ligada a essa simbologia,
especialmente na mídia do Brasil. Mas se trata de uma construção cultural
que amplia a capacidade comunicativa inerente a esses alimentos.
A partir do momento em que, além de transformado pela culinária, o
alimento passa a exercer outras funções simbólicas, como um tomate que
foi transformado em molho, mas ao qual foi acrescentado
7. Azeite trufado é o azeite um toque de azeite trufado7, esse alimento se adequa à vi-
ao qual foi adicionado o
óleo de trufas, um cogumelo sibilidade típica da gastronomia. Ele não é mais um simples
subterrâneo raríssimo
que é encontrado em alimento e nem um ingrediente culinário, mas um tomate
poucas regiões da Europa, que faz parte de uma receita específica, que constrói sua
especialmente na Itália e
que só é localizado pelo comunicação exatamente pelas suas características de so-
olfato dos porcos. Dadas as
condições de localização e fisticação. Esse modo de se deixar ver e apreender trans-
a raridade do ingrediente, o forma a compreensão do que é esse alimento e interfere
preço é altíssimo, chegando a
cerca de R$20 mil por quilo, de maneira estrutural na sua comunicação, intensificando
ou até mais, dependendo da
espécie. processos de mediação e de midiatização desses textos.
A campanha publicitária do produto Fun Milk, veicula-
da em 2009 pela empresa de cosméticos O Boticário, mostra como a repre- - 61 -
sentação dos alimentos e a assimilação das suas características é de matriz
eminentemente cultural. Para promover a linha Fun Milk, com produtos à
base de leite, a empresa veiculou o anúncio da figura 6 em várias revistas.
Com embalagens que imitavam formatos típicos do sistema cultural
dos alimentos como o litro de leite tetra pak e produtos como Hidratante
Corporal Creme de Leite e Sais de Banho Leite em Pó (figura 7) , o anúncio
se destaca pela frase “Hidratante de iogurte, óleo corporal de leite com
baunilha e sabonete de pudim. Sua geladeira vai ficar com ciúme do seu
banheiro”. Nela fica claro que o alimento aqui é um texto da cultura que foi
transformado em texto do ambiente midiático da cosmética, modelizado
por esse ambiente, levando as boas características desses alimentos para
os produtos de beleza. Assim, o poder de nutrição e hidratação do leite
adequa-se ao sabonete e ao hidratante, carregando magicamente as ca-
racterísticas simbólicas de um ambiente a outro.

Figura 6:
Anúncio linha Fun
Milk, o Boticário,
para revistas

Figura 7:
Produtos da linha
Fun Milk
- 62 - Se considerarmos a página de revista onde o anúncio foi veículo
como o meio dessa comunicação, é necessário lembrar que o processo
de transformação cultural também deve levar em consideração o entorno
desse meio. Maingueneau (2001) lembra que um meio de comunicação
não é apenas mero suporte para a transmissão de um texto, pois a ação de
transporte dessa mensagem e a constituição do suporte interferem direta-
mente na constituição do processo de mediação e, portanto, na comuni-
cação estabelecida. Assim, por ser um anúncio publicitário, a codificação
desse texto da campanha da linha cosmética Fun Milk é constituído por
texto da cultura de alta complexidade, que usa o suporte impresso de
revista para realizar o processo transformador do alimento com o seu en-
torno. O anúncio em questão é um texto de ordem cosmética, seduzindo
e persuadindo o consumidor ao incorporar características representativas
dos alimentos, como a brancura e a maciez do creme de leite e o verme-
lho da maçã. Simula-se, no cosmético, as melhores características dos
alimentos, levando para a estética a ação benéfica, o valor gustativo e até
tátil de alguns desses alimentos.
Verificamos assim uma hibridização dos valores comunicativos
dos alimentos com seus valores nutricionais, constituindo modelizações
dos textos da cultura de alta complexidade representativa. Nas espacia-
lidades que se deixam ver nesse caso, podemos observar a construção
do sabor visual dos alimentos apoiada na sensação do paladar: eu sei
que o creme de leite é cremoso e macio, e assim também será o hidra-
tante de creme de leite. Usa-se a configuração típica do alimento para
criar uma persuasão de consumo que leva em conta as necessidades
atávicas do homem por alimentos saborosos.
Reportagem do jornal Folha de S.Paulo de 19 de julho de 2008
(figuras 8 e 9), anterior à campanha da empresa O Boticário, já mostrava
essa tendência na indústria cosmética. Com o título “Parece, mas não
é”, a matéria do caderno “Vitrine” tinha como foco exatamente o uso do
apelo culinário pela indústria cosmética, dos ingredientes usados nos
produtos e nas embalagens.
Essa técnica de persuasão continua a ser amplamente explorada
no marketing e na publicidade. A empresa de cosméticos Natura possui
uma linha de produtos, a Tododia, direcionada aos sabores da cozinha.
Há cerca de 3 anos, assim como o Boticário, a empresa também testou
embalagens cosméticas que lembravam produtos de cozinha, mas voltou
- 63 -

Figura 8: Página de abertura do caderno “Vitrine” de 19 de julho de 2008


- 64 -

Figura 9: Página 6 do caderno “Vitrine” de 19 de julho de 2008


às embalagens comuns, certamente por razões comerciais. Mas nestas - 65 -
embalagens ganha destaque a composição dos produtos, que sempre
contém algum tipo de alimento.
Na figura 10, vemos a linha de Amoras e Amêndoas Tododia e na
figura 11, a linha de Cereja e Avelã. Ambas propõem que os produtos
anunciados devem incorporar as propriedades de temperatura e de ma-
ciez desses alimentos aos benefícios cosméticos dos produtos. Simula-
-se, assim, a qualidade inerente ao alimento para atrair o consumidor
para um produto distante da cozinha. Como se trata de uma comunica-
ção midiatizada, destacamos que esse tipo de uso comunicativo mostra
a complexa inserção cultural do alimento na cultura humana.
Acreditamos que a codificação dos alimentos que leva à consti-
tuição de uma linguagem da culinária e, posteriormente, da gastrono-
mia, seja a responsável pela alta exposição de ambas as linguagens
nos ambientes midiáticos contemporâneos. Se o alimento pode sair do
seu ambiente natural da cozinha e migrar estéticamente para o banhei-
ro, como na campanha de “O Boticário”, vemos uma supervalorização
e exposição do alimento, que deixa de ser observado apenas nos seus
espaços originais como a cozinha, e migra para espaços inusitados,
como o banheiro. Afinal, o banheiro não é um local onde, a priori, se es-
pera ver produtos com creme de leite ou sorvete, mas pode ser o local
dessas hibridações se lembrarmos das trocas entre cultura e comuni-
cação no contemporâneo.
Esse tipo de estratégia pode ser entendida através do conceito
que Henry Jenkins (2008) nomea como cultura da convergência. O autor
diz que o marketing contemporâneo não busca mais somente apresentar
marcas que apenas identifiquem seus produtos, mas também marcas
que constituam um discurso, um modo de vida para seus consumidores.
A publicidade precisa criar experiências de envolvimento, de participa-
ção e de interação para cativar consumidores:

Por convergência refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplos


suportes midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáti-
cos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comu-
nicação, que vão a quase qualquer parte em busca de experiências de
entretenimento que desejam. Convergência é uma palavra que conse-
gue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e
sociais, dependendo de quem está falando e do que imaginam estar
falando (ibidem, p. 44).
- 66 -

Figuras 10 e 11:
Páginas do catálogo
Natura com produtos
das linhas “Amora
e Amêndoas” e
“Cereja e Avelã”

Assim, observa-se no produto Fun Milk e na linha Tododia que as


linguagens que a comunicação dos alimentos constroem são responsá-
veis pela organização de um texto convergente, no qual o alimento passa
a ser um valor de venda e comercialização do produto cosmético. Estão
em processo de convergência, neste caso, duas mediações distintas: a da
beleza e da higiene proporcionada pelo universo cosmético, com a maciez
gustativa e o conforto sensorial do “estar-nutrido” que só o universo dos
alimentos pode oferecer.
Nada como uma lembrança primitiva para estimular o marketing do
produto, integrando diversos tipos de códigos em suportes diferenciados
que terminam por criar mensagens hibridizadas a partir de vários textos di-
ferentes. Neste sentido, é importante verificar como as mídias – das quais
- 67 -
o marketing é um exemplo - atuam na comunicação das mediações dos
códigos dos sistemas culturais da alimentação, criando mensagens ade-
quadas a tais propósitos.
Nesse percurso retomamos a ideia proposta por McLuhan e Staines
(2005, p.25), de que a mensagem não transporta apenas informação. Além
de conduzir a informação, a mensagem também se transforma graças ao
conteúdo transportado. Por isso McLuhan fala em transformação da men-
sagem quando mediada pelos meios de comunicação e não aborda sim-
plesmente o transporte, como se o meio fosse apenas um canal - aborda-
gem tradicional e equivocada da teoria da informação. Se considerarmos a
mensagem como simples “transportadora” de informação, consideramos
os meios como isolados do mundo e sem interferência na compreensão
dessas mensagens.
Lotman (1996, p.95) coloca a importância dessa característica típica
do texto da cultura. Como os alimentos são textos, é fato que transportar
significados e gerar mensagens usando o suporte do meio de transmissão é
inalienável ao seu processo comunicativo: “En el sistema general de la cul-
tura los textos cunplem por lo menos dos funciones básicas: la transmission
adecuada de los significados y la generación de nuevos sentidos”. Assim,
afirmamos que qualquer alimento transporta significados e é capaz de gerar
novos textos, pois a recombinação é característica inerente da transforma-
ção da cozinha e, portanto, da comunicação dos alimentos.
A questão do meio fica compreensível no estudo do alimento como
código estruturante das linguagens da cozinha e das mediações realizadas
nesse sistema da cultura quando se toma o exemplo de um ingrediente
comum a muitos pratos: a cebola. Mesmo que seja um alimento básico de
temperos e preparações pelo mundo, ele depende do meio utilizado para
que a cebola seja decodificada e se transforme em texto, ou seja, em recei-
ta, onde a mensagem muda. Por mensagem podemos entender também
o aspecto sensorial dos alimentos, representado pelo seu sabor individual
e pelo que acrescenta aos textos aos quais são adiciona-
dos. Se a cebola é mediada por uma técnica de cozimento, 8. Anéis de cebola crua
passados na farinha de
transformando-se em sopa, sua mensagem é diferenciada trigo e fritos em generosa
de uma cebola mediada pela técnica de fritura e que se quantidade de gordura até
atingirem a cor dourada
transformou em um tipo de aperitivo, como as Onion Rings8 e uma boa crostância
(ALGRANTI, 2000, p.370).
típicas das culturas inglesa e norte-americana.
- 68 - Todos esses processos comunicativos devem ser analisados dentro da
semiosfera relacionada à alimentação, cultura e comunicação. A semiosfera
é um continuum semiótico organizado pelos códigos e linguagens, no qual a
semiose estrutura os alimentos como textos e confere a eles a possibilidade
de se comunicarem com outros sistemas e textos da cultura, processo que se
realiza pelas suas fronteiras (Lotman, 1996).
É nessa semiosfera que se organizam tais transformações e é nesse
espaço que a cultura se estrutura e reestrutura continuamente, constuti-
tuindo um universo onde as estruturas dos sistemas da cultura são orga-
nicamente integradas por um mecanismo pensante, de uma semiose que
estrutura a formação dessa linguagem e, portanto, o modo de comunica-
ção dessa cultura.
Na análise dessa semiosfera se inserem as mediações dos alimentos
que interessa a esta pesquisa, porque é nela que a culinária e a gastronomia
passam a ser linguagens resultantes da mediação entre sociedade humana
e alimentos. É nesse momento que a comunicação do alimento se estrutura
e se faz presente como processo mediativo e de arranjo sígnico. Se lembrar-
mos o conceito de Lotman (1996, p.21-42) de que a semiosfera é um espaço
de semiose sem o qual a cultura não produz mensagens e, portanto, não se
comunica, podemos pontuar que é na semiosfera da alimentação que se
processa a construção de mensagens estruturadas a partir dos alimentos,
textos da cultura que são e que criam outros textos e linguagens.
Complexificando o estudo desta semiosfera da alimentação, traba-
lharemos nos próximos capítulos uma proposta de desvelamento de tra-
ços distintivos da linguagem culinária e da linguagem gastronômica, além
de buscar entender o espaço entre tais modos de comunicação do alimen-
to, expondo a importância do processo de comunicação na fronteira dos
sistemas da cultura.
3
A Comunicação
da Culinária
3
- 71 -

3.1. A construção da linguagem culinária

3.1.1. As receitas como textos-código


Mesmo se tratando de uma atividade cotidiana e rotineira, não seria
possível conhecer as transformações da culinária ao longo das décadas
da história se não houvessem ocorrido processos comunicativos que pos-
sibilitassem a estruturação dessa linguagem. Podemos dizer, por exemplo,
que uma determinada cozinha é típica do Brasil porque as receitas que
hoje consideramos representativas do nosso país foram midiatizadas e co-
municadas ao longo do processo de constituição da culinária brasileira.
No entanto, devemos lembrar que a comunicação não pressupõe neces-
sariamente um aparato midiático técnico ou tecnológico para acontecer,
confusão que é comum na era contemporânea dominada por dispositivos
tecnológicos e técnicos de todos os tipos.
No caso específico da culinária, a mediação corporal estabelecida
pelo profissional de cozinha interfere diretamente na transformação do ali-
- 72 - mento como texto da cultura e, portanto, na comunicação por ele estabele-
cida. Ao escolher fatiar, picar, triturar ou moer um alimento, o cozinheiro rea-
liza uma primeira transformação cultural que implicará no tipo de mediação
que irá estruturar o texto prato ou receita dessa linguagem culinária.
Deste tipo de processo mediativo estabelecido pela técnica origi-
na-se a tradição do caderno de receitas de família ou, anterior a esta, a
passagem oral de receitas de geração a geração. Ambos os processos
já revelam uma midiatização da culinária, quando ela deixa o âmbito da
cozinha e passa a criar estratégias comunicativas em outros ambientes.
Acreditamos que foi justamente este tipo de comunicação que deu origem
a um dos textos mais comumente associados à linguagem da culinária: os
livros de receitas.
O mercado de livros de culinária, obras que ensinam a cozinhar
por meio de dicas e receitas simples, revela que o apelo da linguagem
da culinária é muito forte, levando editoras de todo o mundo a lançarem
inúmeros títulos todos os anos nessa área. Um passeio por livrarias já
revela esse uso comunicativo do “aprender a cozinhar” ou do “cozinhar
fácil”, que se destaca amplamente na era do saber rápido, eficaz e he-
donista. Saber fazer culinária e cozinhar com rapidez, eficiência e prazer,
sem ter como resultado muita louça para lavar ou muito trabalho no final.
Tal comodidade certamente sempre virá acompanhada por receitas, a
estratégia comunicativa mais representativa da culinária.
O livro Panelinha: receitas que funcionam (figura 12), escrito pela
chef de cozinha Rita Lobo, tornou-se um sucesso de vendas da editora
Senac que, na sua segunda edição, já passou da marca de 20 mil uni-
dades vendidas9. Tanto que a chef recentemente lançou um novo título:
Cozinha de Estar: receitas práticas para receber (figura 13). Ambos se
destacam com as palavras “funcionam” e “práticas”. Porque a culinária
precisa ser eficiente, oferecer resultados rápidos.
Nessa linguagem a receita tem que dar certo e o prazer de fazer e
comer deve ser rápido, simples e imediato. O leitor que compra um livro que
promete receitas que funcionam vai em busca de eficiência no cozinhar. As-
sim, a estratégia imposta é a da eficiência, por isso todas as receitas do livro
possuem fotos e são concebidas com poucos ingredientes,
9. GIOBBI, 2011. In : http://
www.taste.com.br/destinos/
sem complexidades excessivas que poderiam ser associa-
news/item/6241-livro- das a pratos mais sofisticados. O segundo livro citado, Cozi-
panelinha-rita-lobo.html
nha de Estar, leva um selo na capa que atesta o sucesso do
primeiro: “Panelinha: Receitas que funcionam”. É a estratégia de comunicar - 73 -
a garantia de “compre, vai funcionar”. Cabe destacar também que ambos
os livros são derivados do site Panelinha (figura 14), também de Rita Lobo,
no ar há mais de 10 anos com a mesma estratégia de comunicação que deu
origem aos livros: receitas simples e práticas.

Figura 12, 13 e 14:


Em sentido horário: livro
Panelinha-receitas que
funcionam ; livro Cozinha
de Estar e reprodução do
site Panelinha: produtos
midiáticos assinados pela
chef de cozinha Rita Lobo
- 74 - Nota-se que no sistema cultural da culinária, a receita é um tipo de
texto-código (Lotman, 1996), que organiza os modos de se fazer um deter-
minado prato e estrutura, assim, a transmissão de informações culinárias
em uma organização comunicativa e compreensível. Ainda de acordo com
Lotman (Ibidem, p.143) “el símbolo se define como um signo cuyo signifi-
cado es cierto signo de otra serie o de outro lenguaje”. Acreditamos que a
receita é um texto que foi codificado e que estrutura a formação e o arranjo
signico dos pratos (textos) originados pela sua ação física.
Um exemplo da receita atuando como texto-código pode ser visto
no trabalho de Algranti (2002), em estudo sobre as receitas da irmã Maria
Leocádia do Monte do Carmo, abadessa do Convento de Santa Clara de
Évora, em Portugal. O caderno de receitas da religiosa, guardado desde
1729 até hoje, de geração a geração no Convento, denota “uma intenção
de preservação da memória da instituição e serve de guia a outras doceiras
do convento. Receitas que deveriam ser bem guardadas e não reveladas a
estranhos, pois significavam proventos ao Convento”, como lembra a autora
(ALGRANTI, 2002).
Fica clara nesta passagem a importância da receita tanto como do-
cumento histórico quanto sociológico, ao indicar que desde os primeiros
registros impressos dessas receitas já se qualificava um espaço de co-
municação com dimensões complexas, que ia além do gosto ou valor co-
mercial dos alimentos em discussão. Criar uma receita em um convento,
transformá-la em item de comercialização e depois repassá-la de geração
a geração, sem que o segredo se perca, constitui uma estratégia comuni-
cativa peculiar à culinária: a receita perfeita, com os melhores ingredien-
tes, a técnica mais adequada e o modo de preparo infalível, que só poderá
gerar sucesso na realização do prato. É nesse processo que identificamos
a receita como o elemento-chave estruturante e demarcatório da comuni-
cação da culinária, pois os modos de representação das receitas estrutu-
ram o saber fazer da cozinha nessa semiosfera.

3.1.2. A receita: comunicação e incomunicação


Assim, adentramos o território da representação midiática: se a re-
ceita é representada no meio impresso sem ilustrações, a comunicação
estabelecida visa ativar nossa imaginação, fazendo que, por meio do texto
descritivo, se imagine o prato resultante daquele texto. Se a ilustração
existe, o processo de decodificação da receita já começa afetado por esta - 75 -
imagem, gerando um desejo de se obter similaridade com a foto ao final
da realização do prato. Ou pode ser gerada também uma satisfação de se
degustar a imagem apenas visualmente: ao devorar a imagem, desiste-se
de preparar a receita, resposta muito comum à midiatização da culinária.
Mas não devemos nos ater apenas aos diversos tipos de comuni-
cação possíveis. Existe também a incomunicação na linguagem culinária,
que pode se relacionar às receitas secretas passadas de geração a gera-
ção, por exemplo. O Pastel de Belém, doce típico de Portugal, é uma re-
ceita que exemplifica esse caso. O doce se tornou verdadeiro patrimônio
cultural e mercantil daquele país, visto que “experimentar o verdadeiro
Pastel de Belém” é hoje um passeio turístico obrigatório para quem visita
Portugal – graças à espacialidade construída nos meios de comunicação
que mostra o doce como um símbolo único da alma culinária portuguesa:
qualquer matéria jornalística que enfoque Portugal certamente indicará
o local como obrigatório na lista de locais a se visitar e a comer no país.
O típico Pastel de Belém (figura 15) é um doce de massa folhada,
com recheio de leite e ovos, vendido no bairro de Belém, em Lisboa. O
estabelecimento que fabrica o doce foi inaugurado 1837 – lembrança
exposta na sua fachada (figura 16), nas louças, nas embalagens do local
e até na sua calçada. Afinal, a tradição é um valor simbólico importante
para a culinária, pois estabelece que aquele prato é bom, porque per-
durou ao longo dos anos e tem história. Os proprietários da loja Pastéis
de Belém garantem que desde 1837 os doces são fabricados da mesma
maneira, com uma receita que passa por geração a geração da família
dona do negócio que, por sua vez, não a revela nem aos funcionários
mais antigos do estabelecimento.
As histórias contadas sobre o doce, reproduzidas maciçamente na
mídia especializada de Portugal, afirmam também que são os proprietá-
rios que se encarregam de preparar a receita do recheio todos os dias,
sempre de madrugada, para atender a alta demanda da loja, que abre às
8hs. Assim a tradição do doce é alimentada por uma narrativa repetida na
publicidade da marca, de que só os donos conhecem o segredo, em um
processo comunicativo derivado que valoriza o segredo culinário.
Obviamente existem cópias dos Pastéis de Belém em todo o mun-
do, especialmente em Portugal e no Brasil. Mas a incomunicação do
segredo parece criar uma barreira: muitos acreditam que exista um ingre-
- 76 - diente secreto e que, sem ele, nunca se repetirá com sucesso a receita.
Tal crença alimenta matérias jornalísticas como a que é reproduzida na
sequência, retirada do site do jornal O Globo (AMORIM, 2008):

Chef da Colombo revela segredo


do legítimo pastel de Belém
Publicada em 05/10/2008 às 15h05m
Daniela Amorim
RIO - O chef Renato Freire, da Confeitaria Colombo, revelou no palco
Rio Show de Gastronomia o verdadeiro segredo do famoso pastel de
Belém: o doce, que deveria ter a massa feita de nata, na verdade é
feito de creme de leite.
Renato foi a Portugal pesquisar o tal pastel e trouxe uma nova versão
do doce para a tradicional confeitaria do centro da cidade.
- A Colombo já tinha pastel de nata, um pouco diferente do pastel
de Belém. Trouxe uma nova receita de Portugal e então ficamos com
dois: um de nata e outro de Belém. Depois que a gente foi saber que o
pessoal de Belém disse que nenhum pastel poderia ter esse nome se
não fosse de lá. Mas eu digo que o nosso é de Belém do Pará e fica
tudo certo - brincou o chef.
A receita mostrada pela equipe de pâtisserie da confeitaria foi Quindim
em Camisola.
- Não é uma receita tradicionalíssima da Colombo, é uma receita mi-
nha. Mas feita dentro da tradição, com os mesmos ingredientes, só
que de uma maneira um pouco diferente. É uma variação do pastel de
Belém - explicou.
O segredo da massa folhada que envolve o quindim é espalhar a gor-
dura homogeneamente entre uma camada e outra de massa.
- Usar margarina para folhados também evita que a massa tenha que
voltar para a geladeira por uma hora a cada vez que se passa a gor-
dura - revelou o chef.
Renato contou que a Colombo sempre foi uma casa muito ligada a
Portugal e com uma grande influência da confeitaria portuguesa.
Segundo ele, a equipe à frente da casa hoje mantém a tradição das
primeiras décadas de funcionamento.
São 250 produtos diferentes na Colombo. Tudo é feito lá, até a farinha
de rosca dos salgadinhos. Tudo artesanal. Não compramos nada fora.
É um trabalho hercúleo. Quem está de fora não faz idéia - disse o chef.

Se julgarmos a receita do Pastel de Belém como símbolo represen-


tativo do valor turístico e cultural da tradição da doçaria portuguesa tere-
mos um excelente exemplo de como a linguagem da culinária cria várias
camadas de significação na receita. Assim, a receita atua como um texto-
-código, pois a partir do Pastel de Belém organizam-se arranjos sígnicos
que estruturam camadas da imagem da culinária portuguesa.
A receita é um texto capaz de comunicar o valor “segredo” e essa
“incomunicação” acaba por se tornar um método de enriquecer o negócio
e manter a vitalidade turística das mais de 19 mil unidades do doce que
Figura 15 e 16: - 77 -
Á esquerda: pastéis
de Belém
Abaixo: fachada da
Pastéis de Belém,
em Lisboa

são vendidas por dia em Belém10. Em uma estratégia de alto valor agre-
gado, o segredo é capaz de incomunicar e, ao mesmo tempo, comunicar
uma necessidade de se descobrir esse tão guardado segredo – no mundo
dos negócios, esse ato de descobrir equivale a saborear o Pastel de Belém
e, portanto, ir a Portugal para comê-lo pessoalmente.
Para entender melhor tais processos vinculativos derivados da
culinária, devemos levar em conta a transmissão oral das primeiras re-
ceitas. Provavelmente surgidas quando os homens, ao satisfazerem
suas necessidades nutricionais, começaram a experimentar e a combi-
nar alimentos em diferentes quantidades e tipos, desco-
10. Segundo dados da própria
brindo podiam produzir novos sabores de tais proces-
empresa disponíveis no site:
sos. Armesto lembra que www.pasteisdebelem.pt.
- 78 - A culinária foi a primeira química. A revolução do cozimento foi a pri-
meira revolução científica: a descoberta, por experimentação e ob-
servação, das mudanças bioquímicas que transformaram o sabor e
ajudam a digestão. A carne – apesar de rejeitada pelos nutricionis-
tas modernos que nos ameaçam com as gorduras saturadas – é uma
fonte incomparável de nutrição para o corpo humano, mas cheia de
fibras e músculos. O cozimento faz com que as proteínas nas fibras
musculosas se fundam, transformando colágeno em gelatina. Se lhe
aplicamos o fogo diretamente, como é provável que ocorresse nas
técnicas dos primeiros cozinheiros, a superfície da carne sofre um tipo
de caramelização à medida que os sucos se concentram. Já o amido
é a fonte de energia que tem estado disponível para a maioria das
pessoas durante a maior parte da história registrada, mas é ineficiente
antes de ser cozido. O calor o desintegra, liberando o açúcar que o
amido contém. Ao mesmo tempo o calor seco faz com que as dextri-
nas do amido fiquem marrons, produzindo aquela aparência reconfor-
tante que associamos à comida cozida (ARMESTO, 2004, p.31).

Devemos ressaltar neste trecho do livro Comida: uma história (2004) o


papel comunicativo da transmissão desses saberes das primeiras experiên-
cias culinárias. Afinal, de nada serviria descobrir que a raiz assada satisfazia
mais a fome do que se consumida crua, e não compartilhar tal informação.
Foi exatamente desse modo que se estabeleceram os primeiros registros
orais da culinária. Se considerarmos a descoberta do fogo como essencial
para o processo, podemos entender que é a partir deste fato histórico que a
culinária passa a existir como linguagem do sistema cultural alimentação, e
que começa, portanto, a se comunicar como tal.
Essa troca é um fenômeno típico das funções do texto, e ao abordar
essa questão, Lotman destaca justamente a importância do texto como
um “transportador” e como um símbolo da memória da cultura:

La capacidad que tienen distintos textos que llegan hasta nosotros de


la profundidad del oscuro pasado cultural, de reconstruir capas ente-
ras de cultura, de restaurar el recuerdo, es demostrada patentemente
por toda la historia de la humanidad. No sólo metafóricamente podrí-
amos comparar los textos con las semillas de las plantas, capaces de
conservar y reproducir el recuerdo de estrutucturas precedentes. Así,
pues, en la comprensión actual del texto, este deja de ser un portador
pasivo del sentido, y actua como un fenómeno dinámico, internamen-
te contradictorio – uno de los conceptos fundamentales de la semióti-
ca actual (LOTMAN, 1996, p.23).

As receitas, como portadoras de significado simbólico e de memó-


ria da cultura, são importantes documentos da comunicação da culinária,
e sua função de texto-código é constantemente modelizada nos ambien-
tes midiáticos da cozinha. No entanto, alguns pesquisadores contestam o - 79 -
fato de que, como fórmulas do saber fazer da culinária, as receitas possam
criar “camisas de força” que estanquem o processo criativo na cozinha.
Dória (2008, p.139) afirma que

Considerando as diferenças tecnológicas, as receitas são sempre


prescrições sobre o modo de como proceder na cozinha, assim como
as receitas terapêuticas são prescrições a respeito de como os farma-
cêuticos devem proceder em seus laboratórios.

Assim podemos dizer que os registros orais de receitas que cul-


minaram no contemporâneo em livros, jornais, revistas e hoje em blogs,
aplicativos para tablets e portais de internet, atuam como portadores e
transformadores da linguagem culinária. Mas tais textos não devem ser
considerados como estanques, pois é necessário sempre renovar as re-
ceitas, reinterpretando-as à luz do processo histórico, cultural e comuni-
cativo. Ou seja, a midiatização das receitas compõem também o processo
de midiatização da linguagem culinária, começando pela transcrição das
receitas, antes transmitidas oralmente, em mídia impressa.

3.2. A midiatização impressa

3.2.1. Livros e receitas


Se a publicação de receitas na mídia se traduz numa adequação da
tradição oral de troca de informações ao espaço da mediação entre indiví-
duos e cozinha, o livro de receitas foi um dos primeiros instrumentos des-
se processo comunicativo. Assim se criou o tipo de mídia que Barbosa e
Gomes (2004, p.3) chamam de “culinária de papel”: “Por culinária de papel
entendemos todo material impresso sobre a arte de cozinhar e/ou relativo
às diferentes cozinhas e culinárias existentes”.
De fato, em inúmeras ocasiões a culinária representada no pa-
pel não pretende ser imitada ou realizada concretamente, mas admira-
da, transformando-se com frequência em um texto de importância ímpar
para aquela determinada cultura. Analisando a tradição brasileira da culi-
nária de papel é interessante observar o livro Dona Benta – Comer Bem
(figuras 17, 18 e 19). Clássico da cozinha do Brasil, a obra teve sua pri-
meira edição lançada em 1940. Trata-se de uma compilação de receitas e
de técnicas de cozinha que ensinou muitos brasileiros a cozinhar ao lon-
- 80 -

Figura 17, 18 e 19:


Da esquerda para a direita: edições Dona Benta-Comer Bem de 1948, 1974 e 2010

go das últimas sete décadas. Editado sem fotografias, ilustrado apenas


com alguns desenhos no começo de seus capítulos – configuração que é
mantida até os dias de hoje –, a obra conta com uma edição de receitas
que vai de pratos simples a complexos. Notamos, assim, uma repetição
constante: toda a narrativa dos textos é construída no sentido didático,
de ensinar o leitor a cozinhar aquele prato de modo certo. A narrativa é
totalmente visual, mesmo sem depender do apoio de imagens ilustrativas
para explicar o passo a passo das receitas.
Como desde 1940 a representação da culinária no Brasil sofreu pro-
fundas alterações, a comunicabilidade das receitas do livro teve que se
adaptar por força das transformações histórico-sociais da relação da so-
ciedade com o alimento. Se os alimentos mudaram, é sinal de que houve
transformação inerente também da estrutura da cultura e que os textos daí
derivados também foram alterados. Assim, Dona Benta teve que passar
por um processo de transformação contemporânea na sua última edição,
a de 2010, a fim de conseguir manter seu valor de troca no negócio de
livros de culinária. Apenas a compilação de receitas históricas, que foi a
estratégia de vendas usada antes da “repaginação”, já não vinha surtindo
efeito de vendas no mercado, principalmente com os novos leitores.
A princípio, o livro parece ter mudado pouco: sua diagramação tradi-
cional foi mantida, com cores sóbrias e a sequência de receitas quebradas
por pequenas ilustrações (figura 20). No entanto, o formato e o conteúdo das
suas receitas mudaram muito, especialmente os ingredientes utilizados. Pe- - 81 -
sos e medidas tiveram que ser ajustados aos novos tempos, diminuindo-se
a quantidade de sal, de açúcar e de gordura dos pratos – condição imposta
pelas atuais preocupações quanto à relação entre saúde e alimentação.
Novos ingredientes, comuns hoje no mercado globalizado, foram
incorporados ao livro, como alho-poró, açafrão, salmão. Até a edição an-
terior da obra, datada da década de 1980, tais ingredientes eram vistos
em revistas estrangeiras e até em algumas publicações, mas não podiam
ser encontrados no mercado brasileiro: ainda não havia um comércio de
produtos globalizado, que acabou por originar o termo cozinha interna-
cional que significa que praticamente qualquer prato possa ser feito em
quaisquer lugares do mundo, independentemente da sazonalidade e do
regionalismo dos ingredientes. Incluir esses “novos” ingredientes no livro o
vincula diretamente ao mundo globalizado da cozinha internacional.
Para fazer tais incorporações, reinvenções e releituras, um chef, Luiz
Cintra, foi chamado para adequar Dona Benta à realidade atual. Na edição
de 2010 foram incluídas 200 sugestões de receitas com os chamados sa-
bores da atualidade, todas testadas e criadas por Cintra. Como exemplo,
receita de Risoto Italiano de Funghi Secci e da sobremesa clássica, tam-

Figura 20:
Páginas 416 e
417 da edição
2010 de Dona
Benta-Comer
Bem
- 82 - bém italiana Tiramissu. Internacionaliza-se, assim, a culinária brasileira.
Mas, como paradoxalmente, o regional vincula os leitores desse mercado
às obras, a editora de Dona Benta preocupou-se em internacionalizar e
regionalizar ao mesmo tempo: outra incorporação da nova edição é que
pratos tradicionalmente associados à culinária brasileira passaram a fazer
parte do compêndio de receitas do livro, como arroz de carreteiro, caldi-
nho de feijão, cambuquira e filé ao molho de mostarda.
Paradoxal, a princípio, o movimento mostra uma tendência do mer-
cado de consumo contemporâneo: precisamos comer de tudo em qualquer
lugar do mundo, mas também queremos retomar nossas origens, buscando
alimentos tradicionais e representativos de um determinado país (de prefe-
rência o nosso). O release11 da obra (informação pessoal), escrito pela as-
sessoria de imprensa da Companhia Editora Nacional, responsável pela pu-
blicação, fala de um “livro definitivo, para esta e para as futuras gerações”.
Afinal, comercialmente a empresa parece acreditar que, ao adaptar
o livro, a obra possa se configurar mais do que nunca como um guia de
cozinha para todos que se interessarem por culinária. Se na primeira edi-
ção de Dona Benta: comer bem o destaque editorial foi a possibilidade de
se aprender a cozinhar, hoje a obra é “palco” do saber cozinhar adequado
à realidade do mostrar que se sabe cozinhar os pratos da moda.
A construção das receitas do livro deixa clara uma nova estraté-
gia comunicativa da culinária construída pelas novas receitas escolhidas
e por aquelas que foram adaptadas. Se a receita que ensi-
11. Segundo Rivaldo Chinem
(2003), o release é o ponto nava o leitor da obra a matar uma galinha para fazer uma
de partida para uma matéria,
como um aviso de algum
“galinhada12” foi substituída por um risoto de cogumelos13,
evento. Trata-se de um nota-se a construção de uma nova qualificação do espaço
texto elaborado nos moldes
estruturais do discurso comunicativo, que deixa ver e até certo ponto impõe outro
jornalístico,objetivando
informar as redações sobre
modo de comunicação adequado àquilo que o leitor imagi-
assuntos de interesse da na querer dentro de uma cultura de imposições de normas
organização.
culinárias. Afinal, nos dias de hoje, matar uma galinha não
12. Prato típico do interior do
Brasil.
parece correto pois não cabe à culinária (e nem à gastrono-
mia) desdobrar-se em tais visualidades cruas. Este tipo de
13. Levando em conta que
não há tradição de se comer atitude cabe aos matadouros invisíveis e industriais, cujas
cogumelos na cozinha
brasileira e que tal hábito é
imagens não cabem nas páginas de um livro de receitas
fruto da expansão econômica simples e tradicionais.
da indústria de alimentos nas
últimas décadas Acreditamos que esse modo de comunicar verifica-
do em Dona Benta orienta a culinária de hoje para uma codificação de - 83 -
alimentos “certos e adequados”, direcionados para a visibilidade da culi-
nária contemporânea. O livro ainda pretende ensinar a cozinhar, mas, mui-
to além disso, precisa ensinar a cozinhar com os ingredientes adequados
para que o leitor passe a ser visível com aquelas receitas. Acreditamos,
inclusive, que ocorra uma modelização no gosto de quem cozinha usando
o livro, modelização que também deve ser atribuída ao processo histórico
que muda os alimentos e as linguagens da cozinha.
Considerando as condições de desenvolvimento do capitalismo no
Brasil da década de 1940, é compreensível que as receitas de Dona Benta:
comer bem tivessem uma composição simples ou mais natural, como era
a culinária desse período, marcada por laços ainda recentes com a vida
rural. Hoje, em um mercado aberto às importações e às influências de ou-
tras culinárias, construir uma nova espacialidade globalizada, cujas recei-
tas possam ser lidas por qualquer cultura, é fundamental para que o livro
tenha viabilidade comercial. Acreditamos que somente colecionadores de
obras antigas se interessariam pelas receitas tradicionais, que não trazem
o glamour buscado nas novas obras de culinária dos tempos atuais.
No setor de livros, as obras de culinária vivem um momento de
euforia editorial no Brasil. É marcante tanto a força do “ensinar a cozi-
nhar” quanto a de publicar receitas, em compilações que se estruturam
em termos como “e, nesta obra, você encontra mais de 200 receitas”.
Em material promocional para a imprensa, a Editora Senac14, afirma que
a comida é um produto cultural que precisa ser consumido tal como a
moda, a ponto de a “a culinária se tornar um conceito. As pessoas que-
rem acompanhar essa tendência e buscam, para isso, referências lite-
rárias” (Molina, 2010)15. As palavras oficiais da Editora Senac mostram
um cenário de passagem dos relatos orais, das receitas transmitidas
de geração a geração, para um momento contemporâneo no qual essa
transmissão de informações se dá através dos meios im-
14. Editora de destaque na
pressos. No caso os livros são um meio importante para
área de livros de culinária
o processo, pois consolidam estratégias de comunica- e de gastronomia no Brasil
atualmente.
ção mais duradouras do que jornais e revistas.
15. Disponível em: http://
A valorização dos livros de culinária se destaca ainda
www.conteudoeditora.com.
mais nos livros ilustrados, cujas receitas têm fotos, pois este br/publicacoes/default.
asp?ec=297&cs=2.
tipo de obra vende mais porque lida com o fator eficiência.
- 84 - Quando o leitor observa a foto do prato, ele acredita que vai reproduzir exa-
tamente aquela imagem. Diferentemente de Dona Benta quando impacta
mais o discurso e a quantidade de receitas da obra, nesta tipo de qualifica-
ção do espaço, observa-se uma necessidade de mostrar o resultado, fazen-
do o leitor buscar a imitação do prato na sua cozinha. Ou no seu pretenso
desejo de cozinhar.
Podemos dizer que este tipo de obra ilustrada compõe a maior parte
desse ramo do mercado editorial. A coleção Culinária de todas as cores, da
editora Publifolha (figuras 21 e 22), exemplifica este mercado: com um tema
por livro, a coletânea se destina a um mercado segmentado, no qual cada
leitor comprará as obras que lhe interessam diretamente, seja por um tema
ou por um ingrediente. Assim, são utilizadas fotos de todas as receitas publi-
cadas, fechando o caminho de comunicação imaginativa: não é necessário
adentrar a narrativa visual das receitas, pois a foto já comunica o resulta-
do a se esperar daquele prato. Esse processo construtivo marca a imensa
maioria dos livros de culinária do ambiente midiático contemporâneo, pois
na era do espetáculo as imagens são mais do que essenciais, são quesito
obrigatório para o sucesso comercial deste tipo de produto.

Figura 21:
Coletânea de
capas da coleção
Culinária de
todas as cores
- 85 -

Figura 22:
Páginas 145
e 146 do livro
200 Receitas
de Saladas
Nutritivas

Vemos a construção de páginas simples, onde texto e foto são dia-


gramados lado a lado, criando uma visualidade de identificação imediata
e clara. A diretora da Editora Publifolha, Ana Busch (apud MOLINA, 2010),
explica a coleção:

Ao destacar que a seleção das obras da Publifolha levam em conta o


tema, o autor, o projeto editorial e a demanda de mercado, Ana diz que
os livros deste segmento devem apresentar, principalmente, qualidade
gráfica e de conteúdo. “Tanto a culinária quanto a enogastronomia exi-
gem belas imagens para orientar o leitor. O apelo visual é essencial”,
conta. A variedade dos temas, por sua vez, atrai diferentes perfis de
leitores. “Se a pessoa mantém um estilo de vida saudável comprará
livros dedicados a comidas leves. Se o objetivo for praticidade, re-
ceitas rápidas atendem melhor. Para quem deseja cozinhar como um
verdadeiro chef, obras que reforçam as técnicas culinárias são mais
atraentes”, acrescenta a executiva (MOLINA, 2010).

Enquanto Dona Benta: comer bem é uma obra que ensina a arte e
a técnica de cozinhar para uma gama diversificada de leitores, Culinária
de todas as cores atende a um perfil diversificado e segmentado. Caso o
leitor se interesse por uma culinária rápida, ele pode comprar o livro deste
perfil. Ou se esse leitor está à procura de receitas de Natal, a coleção tem
um título que contempla tais receitas sazonais. Assim, a comunicação se
torna dirigida e adequada a uma gama maior de leitores, numa modalidade
comunicativa bastante diferente daquele imenso universo apto a atender
todos os tipos de leitores a que Dona Benta se dirigia e ainda se dirige.
- 86 - Nota-se nessas espacialidades da comunicação da culinária nos li-
vros impressos uma intensa valorização da técnica de cozinhar. Vende-se
ao leitor desse tipo de obra o caminho mágico para aprender a fazer, mas
sabe-se, entretanto, que comprar um livro ou uma revista de culinária não
implica, necessariamente, em aprender a cozinhar.

3.2.2. Revistas: cozinhar em palavras e fotos


As revistas de culinária se constituem como veículos especializados
de grande sucesso editorial em todo o mundo; e isso em um mercado seg-
mentado16 e muito disputado. Nas rotinas das redações jornalísticas, espe-
cialmente nas revistas femininas, acredita-se que a publicação de receitas
seja decisiva para o sucesso daquele título, porque é dado como fato repe-
titivo que poucos leitores resistem ao apelo comunicativo de uma receita
– que, em geral, será apenas vista e raramente executada. Fátima Ali, con-
selheira da Editora Abril, pontua no seu livro A Arte de Editar Revistas que

Nem todo mundo gosta de cozinhar, mas é difícil encontrar quem


não goste de comer por isso a culinária é assunto que faz sucesso
entre os leitores. Além das receitas, há uma variedade de matérias
relacionadas a estilo de vida, gente, restaurantes e produtos. Mas as
favoritas são as receitas e aquelas fotos lindas que dão água na boca
(ALI, 2009, p. 216).

De fato, as revistas de culinária dependem muito do apelo visual


das receitas e fotos publicadas. Não basta apenas ter uma imagem sa-
borosa, a receita também deve ser interessante enquanto narrativa. Na
história das revistas brasileiras há registros de publicação de receitas em
títulos antigos, como O Espelho Diamantino de 1827. Até aquele momen-
to, as receitas eram simplesmente publicadas, sem testes prévios sobre
a sua eficácia. Essa nova estratégia editorial, aliando o saber cozinhar ao
provar que a receita será um sucesso, viria com o suplemento Claudia
Cozinha, da revista Claudia, criado no ano de 1968. Utili-
16. A segmentação é a zando o lema “todas as receitas testadas e com fotos”, o
estratégia de dividir as
publicações de acordo com suplemento utilizava receitas enviadas pelas leitoras, ofe-
seu público-alvo específico,
recendo a garantia de que aquele saber manual e técnico
definido por pesquisas de
mercado que, no caso das havia sido testado e, mais do que isso, fotografado, garan-
revistas, são feitas com seus
leitores fixos e com potenciais tindo que o esforço de comprar aquela publicação seria
leitores. In: ALI, 2009, p. 216.
amplamente recompensado.
Senett (2009) fala da comunicação das receitas no capítulo “Ins- - 87 -
truções Expressivas” em sua obra O artífice. Neste texto ele decompõe o
princípio da instrução (mostre ao invés de dizer) em várias etapas e com-
para esses modos de comunicação. Uma receita é mais bem-sucedida
quando acompanhada por imagens, o que já vimos no caso dos livros de
culinária, quando se mostra o que se quer narrar na lista de ingredientes
e no modo de fazer da receita. Senett se debruça sobre o tema de toda
instrução, não só as receitas, como também os manuais de instruções de
equipamentos eletrônicos, por exemplo.
O autor diz que frequentemente se espera que o aprendiz absorva a
lição do mestre por osmose, pois a demonstração desse mestre se refere a
um ato bem-sucedido (Ibidem, p.203). Assim acontece com receitas como
as de Dona Benta: comer bem. O editor espera que as instruções sejam
seguidas a risca e que o leitor consiga reproduzi-las sem grande esforço,
apoiado na certeza de que o manual ali transcrito é livre de erros.
Nesse caminho, ilustrar com imagens, ao invés de transcrever a re-
ceita apenas com palavras impressas, costuma ser mais eficaz do ponto
de vista didático, pois o leitor visualiza o que deverá fazer na sua cozinha.
Discorrendo sobre esses possíveis caminhos, Sennet (2009) nos mostra
que, em geral, é mais bem sucedida comunicativamente a maneira da
“ilustração solidária”, que ajuda o leitor tanto a vislumbrar o resultado a
ser alcançado, quanto a entender a receita passo a passo. Nas revistas, o
processo é semelhante, pois muitos veículos utilizam um passo-a-passo
ilustrado por fotos para instruir seus leitores – e todas as revistas de culi-
nária utilizam fotos para ilustrar se não todas, a maioria de suas receitas.
Podemos apontar nesse contexto as revistas de culinária como um
tipo de comunicação que é um grande palco de visibilidade para as recei-
tas, mas também um ambiente midiático de dispersão da comunicação.
O quadro atual é o de que a oferta de receitas é tamanha que elas perdem
o valor simbólico que lhes é naturalmente conferido ao transformarem a
codificação dos alimentos em uma linguagem. Lembramos, desse modo,
as palavras de Baitello Júnior sobre a invisibilidade que o excesso de ima-
gens gera na comunicação:

A cultura das imagens (e a transformação de toda a natureza tridi-


mensional em planos e superfícies imagéticas) abre as portas para
uma crise da visibilidade, dificultando aqui não apenas a percepção
- 88 - das facetas sombrias, mas até mesmo, por saturação, aquelas regi-
ões iluminadas . Assim, como toda visibilidade carrega consigo a in-
visibilidade correspondente, também a inflação e a exacerbação das
imagens agrega um desvalor à própria imagem, enfraquecendo sua
força apelativa e tornando os olhares cada vez mais indiferentes, pro-
gressivamente cegos, pela incapacidade da visão crepuscular e pela
univocidade saturadora das imagens iluminadas e iluminadoras (BAI-
TELLO JR., 2002, p.9).

As revistas de culinária que apenas reproduzem receitas criam um


verdadeiro turbilhão de opções nas bancas de jornais, que levam a uma
gula pelas imagens impossível de ser satisfeita. Há títulos de todos os
tipos: bolos de milho, molhos de tomate, pratos com arroz. Em uma com-
binação infinita dos mesmos ingredientes, há um exagero comunicativo
que nunca levará a um fim prático. Uma ou outra receita será executada,
certamente, mas o excesso de oferta leva a um consumo puro de ima-
gens, em um processo de devoração que dificilmente chegará a um grau
completo de satisfação.
Já na figura 23, vemos uma imagem de banca de jornal localizada
em rua de alto fluxo de pessoas no centro da cidade de São Paulo (a rua
Peixoto Gomide), local de alta exponibilidade de produtos midiáticos:

Figura 23:
Banca de jornais
na rua Peixoto
Gomide, centro
da cidade de
São Paulo
Tais revistas nem sempre seguem o padrão Claudia Cozinha, aquele - 89 -
de testar e de fotografar todas as receitas publicadas. Na realidade, muitas
dessas receitas nunca foram executadas e são ilustradas com imagens de
arquivo: assim, uma foto qualquer de bolo de milho pode ilustrar uma receita
de bolo de milho com queijo em uma revista. E, na revista seguinte, poderá
ilustrar uma receita de bolo de fubá: o fubá é a farinha do milho, mas não são
o mesmo ingredientes. Sendo assim, as imagens das receitas não deveriam
ser iguais, tratadas indistintamente servindo como ilustração para qualquer
receita de milho neste tipo de revista de culinária.
É importante destacar que tais revistas ativam o colecionismo dos con-
sumidores de produtos de culinária, que podem guardar essas revistas sem
nunca testar as receitas ou trocá-las com outras pessoas. A prática da troca
de receitas é corrente na linguagem da culinária e constitui uma estratégia de
comunicação que vem sendo trabalhada nos blogs. Em se tratando da culi-
nária, os blogs são hoje salas de estar de troca de receitas entre amigos ou,
como é comum, entre completos desconhecidos.

3.2.3. Os blogs de culinária


Blogs são diários digitais, locais da internet onde pessoas contam algu-
mas de suas experiências pessoais. Os blogs dedicados à culinária registram
aquilo que seus autores cozinharam no cotidiano ou em ocasiões especiais,
revelando uma narrativa criada por um amador da cozinha que se satisfaz ao
expor seu trabalho naquele ambiente. Neste tipo de blog, os autores criam
comunidades de amigos virtuais, com os quais trocam experiências de cozi-
nha, assim como ingredientes, técnicas culinárias e, claro, receitas. E, princi-
palmente, fotos dessas receitas. Pode-se afirmar que este tipo de mídia digital
atua como extensão da necessidade das pessoas de contar histórias e expor
suas atividades, características típicas da comunicação digital. Os blogueiros
compartilham experiências, então nada mais lógico do que aqueles que se
dedicarem à culinária compartilharem receitas e dicas de cozinha.
Na construção dos ambientes midiáticos dos blogs,
17. Texto do blog, que pode
pode-se observar uma configuração de comunicação digital ser publicado várias vezes
ao dia, sempre datado,
que simula um ambiente de amizade real. Alguns simulam até assinado e com espaço para
o ambiente de uma cozinha tradicional, com amigas trocando comentários de leitores.

receitas, experiências e truques, como pode ser observado 18. cafezinhodascinco.


blogspot.com.
no post17 abaixo do blog Cafezinho das Cinco18 (figura 24):
- 90 -

Figura 24: Página inicial do blog Cafezinho das Cinco


Ao receber selos e menções de amigas virtuais da blogueira, o - 91 -
blog parece ter a legitimação de um ambiente familiar, de amizade e de
troca de “confidências”. No entanto trata-se de um ambiente midiático
onde a amizade entre as blogueiras citadas deixa a esfera privada dos
amigos e passa a fazer parte de uma suposta esfera pública virtual. E as
pessoas envolvidas nessa comunicação, muitas vezes, sequer se conhe-
cem pessoalmente.
Assim, os blogs de culinária podem ser lidos como espaços de
construção de uma variação da semiose que se processa em outros veícu-
los midiáticos que tratam do mesmo tema. Se nos programas de televisão,
de rádio e em jornais e revistas, a publicação de receitas é um recurso an-
tigo, no meio digital essa prática se potencializa, pois não há limites para o
espaço virtual como há para a quantidade de páginas de livros ou revistas,
ou de horas de programação para a televisão.
Os blogs – assim como as redes sociais como o Facebook e o Twitter,
com suas constantes trocas de impressões, informações e fotos de comida
- oferecem justamente ambientes da mídia onde se pode experimentar o
gosto dessa realidade simulada, buscando sensações perdidas na dimen-
são fragmentada da realidade. Trata-se de um tipo de comunicação onde o
espaço das páginas de internet impõe uma nova velocidade ao tempo, con-
dição que leva a novas dimensões da comunicação, como lembra Ferrara:

O tempo do espaço da cibercultura é aquele da aceleração que vai


além da velocidade, porque não supõe mobilidade, mas vive-se em
aceleração sem sair do lugar e, no mesmo instante, as emoções de
ontem podem se antecipar e fazer viver o amanhã. Em aceleração,
tempo e espaço se sobrepõem ao presente entendido, não como tem-
po em contigüidade entre passado e futuro, mas como continuidade
de instantes aqui e agora. Na cibercultura não há como confundir con-
tigüidade e continuidade (FERRARA, 2008, p. 122).

Dessa maneira, há que se considerar a implicação do processo de


produção de blogs com conteúdo privado e/ou público na rede. Nesse
contexto, pode-se levantar como questão a necessidade de entender-se
como os ambientes construídos por essa mídia fazem parte do bios midi-
ático que Sodré (2002, p. 25) classifica como um quarto bios, uma espécie
de quarto âmbito existencial, onde predomina a esfera dos negócios, com
uma qualificação cultural própria, a “tecnocultura”. Nesse novo “bios” as
relações entre aqueles que produzem os blogs e aqueles que os lêem são
- 92 - interativas, visto que tais espacialidades possuem, como característica
primordial, a participação de seus leitores nos comentários deixados em
cada post publicado. No caso dos blogs de culinária, tal participação
lembra uma esfera afetiva, uma estratégia sensível de relacionamento
entre pessoas que sequer se conhecem que é proporcionada pela cha-
mada “blogoesfera”.
Em Cafezinho das Cinco1 destaca-se o subtítulo do blog: “Você está
convidado”, que é ilustrado por uma xícara de café branca no canto médio
superior direito, com a mensagem “Aceita um cafezinho?”. Além de fazer
uma alusão clara ao título do produto midiático, a mensagem é também
um convite que prova a simulação da cozinha presente nesta estratégia:
justificando o nome do blog, trata-se de um convite para um simples café,
algo corriqueiro no sistema cultural da cozinha brasileira.
Aceitar o convite para o café é seguir o blog, fazer as receitas e
enviar novas, além de se interagir com o anfitrião daquele espaço, elogian-
do suas criações. Se hoje vive-se um mundo em que a troca de comuni-
cação primária, ou seja, de pessoa para pessoa, é cada vez mais rara e
complexa, pois envolve variáveis como deslocamento espacial misturado
a congestionamentos e violência urbana, a tecnologia assume o papel de
mediadora dessa comunicação, possibilitando um modo de interação pes-
soal considerado “seguro”.
Nesse processo, a receita, que é rapidamente associada à culinária,
modifica-se e se reconstrói de maneira transmidiática, citando novamente
Jenkins (2008). O autor observa que a transmídia é a convergência que
atravessa diversas mídias, criando uma nova mídia com elementos da-
quelas pelas quais ela passou no caminho. Tal processo de transmediação
nada mais é do que o consumo e incorporação de imagens por imagens,
em um processo estudado por Baitello Jr. (2005), que resulta em uma ico-
nofagia dessas imagens.
Na transformação da necessidade primária de se comer na lingua-
gem estruturada da culinária, em códigos dos utensílios e dos ingredien-
tes, mediados pela técnica da cozinha, encadeiam-se em estruturas com-
preensíveis e imagéticas:

Imagens, em um sentido mais amplo, podem ser configurações de


distinta natureza, em diferentes linguagens: olfativas, gustativas, tá-
teis, proprioceptivas ou visuais. Portanto, nesse sentido, já a maioria - 93 -
delas é invisível e pode apenas ser percebida por seus vestígios e
pelos outros sentidos que não a visão. Além do mais, aquelas que são
passíveis possuem também, ao menos algumas facetas e aspectos
invisíveis aos nossos olhos. Isto quer dizer que ao lado ou atrás da vi-
sibilidade de uma imagem emergem numerosas configurações que as
acompanham e que nossos olhos não conseguem ver. E, mais do que
isso, os procedimentos dessas configurações invisíveis são imprevisí-
veis, pois elas se alimentam das camadas, da história e das histórias,
soterradas do homem, se enraízam nas profundezas invisíveis do es-
quecimento (BAITELLO JR., 2005, p. 45).

Nessa estrutura de construção de camadas da comunicação, além


de destacarmos as estratégias do blogs como simulações da cozinha tra-
dicional enquanto espaço domiciliar e físico, precisamos também abordar
as novas midiatizações dos tablets. O tablet é um aparelho relativamente
novo da indústria de informática, que promete ser um mini computador
e um leitor digital ao mesmo tempo. Nele se baixam softwares repletos
de conteúdos, os aplicativos, altamente segmentados e que podem ser
personalizados. Unindo boa parte das estratégias citadas neste capítu-
lo sobre a comunicação da culinária, há aplicativos de culinária de todos
os tipos: aqueles criados por empresas para promover receitas com seus
produtos (Nestlé, Unilever, Quaker, por exemplo); aplicativos de sites e re-
vistas que prometem simplificar a busca por conteúdos de culinária (Guia
de Cozinha, Cybercook); aplicativos de portais de internet que convergem
para os tablets (Cuisine.TV e Food Network), entre inúmeras outras opções
que são criadas diariamente.
Os tablets, como exemplo mais acabado que temos hoje de conver-
gência midiática, oferecem a possibilidade de ter a receita, o vídeo de seu
preparo e até a narrativa em áudio do processo de se cozinhar esse prato
ao toque de um dedo. Porque o tablet configura um dispositivo maquíni-
co obrigatoriamente operado por uma tela de touch screen (sensível ao
toque). Trata-se de uma comunicabilidade do hiper-real e hiper-sensível,
que aproxima todos os processos cognitivos de apreensão que são traba-
lhados na culinária e operacionaliza muitos outros, especialmente aque-
les que se encontram na comunicação da gastronomia. Destacamos que
a principal contribuição da comunicação via tablets para a linguagem da
culinária é antiga: criar mais um suporte tecnológico para o compartilha-
mento infinito de receitas, além de revistas, jornais e livros, por exemplo.
Se os blogs publicam receitas acompanhadas por fotos e dicas, os
- 94 - aplicativos de tablets customizam e personalizam essa busca: posso bai-
xar um aplicativo apenas de comida italiana ou argentina, todas as receitas
com fotos e explicações. Não precisa sequer interagir, é só acessar. No-
vamente podemos dizer que vemos a receita atuando como texto-código
intrínseco da culinária, assim como ocorre na mídia audiovisual.

3.3. A culinária em movimento

3.3.1. Os programas de culinária na televisão


Na midiatização da linguagem da culinária, um dos tipos de mídia
que se destaca é a dos programas audiovisuais projetados e editados
para a televisão. Ainda que hoje possamos verificar uma quantidade muito
grande de programas de gastronomia nas grades de tevê de todo o mun-
do, é importante lembrar que aqueles referentes ao universo da alimen-
tação iniciaram-se no formato, hoje clássico e ainda muito utilizado, dos
programas de culinária.
Neles, uma(um) cozinheira(o) ensina o público a preparar um prato
(geralmente uma receita por programa) ou um menu completo (o que ocorre
raramente). O formato pouco varia: há uma apresentação da receita, mos-
tram-se os ingredientes que serão utilizados (que já foram estrategicamente
retirados de latas e embalagens que possam fazer propaganda de marcas
que não sejam anunciantes daquele programa) e começa o preparo da re-
ceita. Por fim, a(o) cozinheira(o) mostra aos seus telespectadores o resulta-
do final, que quase sempre é um prato preparado previamente, não aquele
cozinhado durante o programa19. Simula-se um tempo que
19. Por questões de não pode ser reproduzido ali por questões técnicas do for-
tempo seria impossível,
principalmente no caso de mato televisivo, certamente trazendo consequências para a
assados, mostrar o resultado
final dos pratos.
comunicação daquele alimento.
Na tevê norte-americana fez tanto sucesso a incursão
20. Norte-americana que
viveu alguns anos em da culinarista Julia Child20 (figura 25) em programas matinais
Paris, onde estudou na
escola Le Cordon Bleu e
que ensinavam as donas de casa a cozinharem como fran-
escreveu o livro Mastering cesas nas décadas de 1970 e 1980, que Julia virou tema de
the Art of French Cooking,
grande sucesso de vendas um filme lançado em 2009. Julie&Julia (figura 26), dirigido por
no mundo todo e que
impulsionou a carreira da
Nora Ephron, tem como tema a paixão de uma secretária (Ju-
autora em programas de lie Powell) pelos programas e livros de Julia Child. Inspirada
culinária na tevê dos EUA.
na obra da cozinheira, Julie se propõe um desafio: cozinhar
em um ano todas as receitas do livro mais vendido de Julia, Mastering the - 95 -
Art of French Cooking (figura 27). O blog se torna um sucesso e Julie vira es-
critora profissional, em um caso verídico que foi transposto para o cinema.

Figura 25:
À esquerda, Júlia Child
em seu programa
na televisão norte-
americana

Figura 26:
Abaixo, à direita, cartaz
do filme Julie&Julia
– destaque para a
frase “Um fantástico
banquete”

Figura 27:
Abaixo, à esquerda,
capa do livro
Mastering the Art of
French Cooking de
Julia Child
- 96 -

Figura 28:
Imagem
encontrada no
Google de
Ofélia Anunciato.
Embora a
apresentadora
tenha marcado
época na tevê,
suas imagens
são muito raras
na internet

Já na tevê brasileira o exemplo de Ofélia Anunciato (figura 28) é o


mais oportuno para analisar o tema programas de culinária. Ofélia, que
acabou por se tornar um ícone da tevê no Brasil, estreou como cozinhei-
ra na TV Santos em 1958 e, depois de seis meses de sucesso, começou
a trabalhar na TV Tupi, apresentando o quadro de culinária do programa
Revista Feminina. A cozinheira permaneceu na emissora até 1968, quando
ela e sua equipe foram contratadas pela Rede Bandeirantes, onde cria-
ram a Cozinha Maravilhosa de Ofélia, interrompido somente com a morte
da apresentadora em 1998. Nesse programa, Ofélia preparava um prato
diferente a cada dia, sempre auxiliada por uma ajudante. A atração era
matinal, e ia ao ar de segunda a sexta-feira.
No programa de culinária, fórmula seguida no Brasil com sucesso
por programas como Mais Você, da apresentadora Ana Maria Braga na
Rede Globo (figura 29) e TV Culinária, de Palmirinha Onofre, no canal Bem
Simples (figura 30), o que importa é ensinar a cozinhar. Explica-se a receita
em um processo didático, que visa mostrar ao espectador como preparar
aquele prato. No entanto, poucos são os espectadores que testam tais
receitas. Muitos são aqueles que apenas se distraem assistindo a esses
programas de culinária. O programa de tevê referente à gastronomia tam-
bém ensina o telespectador a cozinhar, mas não só. Sua abordagem se dá
- 97 -

Figura 29:
Ana Maria
Braga no seu
programa de
tevê Mais Você,
da Rede Globo
de Televisão

Figura 30:
Palmirinha
Onofre em ação
no programa TV
Culinária, da
TV Gazeta

em esferas mais complexas de significado, quando a comunicação entre


sistemas da cultura se eleva a níveis de maior contato e troca de informa-
ções entre seus sistemas (Lotman, 1996).
Julia Child e Ofélia Anunciato mostravam o modo de preparo do pra-
to, mas não “harmonizavam” vinhos com ele ou preparavam uma sobreme-
sa com um ingrediente especial que irá transformar aquele menu em uma
pretensa obra-de-arte, como fazem programas de gastronomia veiculados
atualmente na televisão brasileira, assim como nas tevês de todo o mundo.
Quando nos propomos a analisar o programa de televisão volta-
do para a culinária, trabalhamos com uma série de signos compostos
- 98 - que organiza um texto da cultura, tal qual foi colocado anteriormente
sobre os produtos da mídia impressa, como livros e revistas. No caso
da tevê não há dúvidas sobre o uso de imagens para construir a visu-
alidade desses produtos, pois se trata de um formato que traz o visual
na sua própria denominação.
A série de signos que constitui o programa só se realiza e faz senti-
do se este for criado e estruturado levando em consideração seu público
receptor e as aspirações dele. Para um público de culinária, predominan-
temente composto por donas de casa, o foco do programa se localiza na
realização de um prato, um texto da cultura que ganha forma na televisão,
que tem os seus “segredos” e passo a passo de realização desvendados. É
a construção de uma espacialidade comunicativa que se revela na estrutu-
ra do programa que, geralmente, conta com uma apresentadora/cozinheira
que conversa com os telespectadores enquanto cozinha.
Esse diálogo, pretensamente face a face estabelecido entre público e
apresentador, é uma das linhas constituintes desse tipo de comunicabilida-
de, pois cria uma relação entre emissor e receptor que é fundamental para
que o público sinta-se “na sua cozinha” ao ver aquela atração. Na cozinha
do programa de culinária não se exporá um corte de carne sangrento ou um
bolo que deu errado. Assim como na revista, interessa a esse tipo de veículo
de mídia a perfeição absoluta. Perfeição que o telespectador dificilmente
conseguirá reproduzir na sua casa, onde não terá acesso aos truques de
enquadramento e produção que norteiam qualquer atração televisiva.
O programa de culinária é ordenado por uma realidade construída e
ficcionalizada, cuja melhor tradução é a simulação do ato de cozinhar ex-
pressa na necessidade imposta pela produção de tevê de se ter várias eta-
pas da receita do dia preparadas antes da gravação do programa. Explica-
-se: para que a realização de todo tipo de prato caiba temporalmente em
um tempo pré-definido de programa (30 minutos de exibição, por exemplo),
etapas mais complicadas das receitas são explicadas por quem apresenta
o programa, mas o resultado é deixado pré-preparado para não atrapalhar.
Usa-se uma comunicabilidade simulada na cozinha, que visa à ima-
gem da receita infalível e perfeita ao final do programa. Assim, um bolo re-
cheado, por exemplo, não será assado ao vivo, porque só o tempo desse
único processo é maior do que os 30 minutos do programa, em geral. As
massas do bolo são produzidas com antecedência, assim como o recheio.
Reproduz-se na tela o modo de fazer e vão sendo deixadas de lado as eta- - 99 -
pas que consomem mais tempo. Assim o bolo que consome duas horas
do tempo da telespectadora no mundo real, demora 30 minutos para ficar
pronto na mídia televisiva. Suprime-se o tempo, em uma estratégia co-
municativa que sempre qualificará a linguagem culinária como aquela da
valorização da artesania, da perfeição do ato de cozinhar. Saber a receita,
fazê-la funcionar e “dar certo”, de preferencia até fotografar o resultado
final são prerrogativas dessa midiatização da culinária na televisão.
Hoje os vídeos de programas de tevê são frequentemente compar-
tilhados na internet, em canais como YouTube ou mesmo nos sites dos
próprios programas de televisão. Uma atração como o Mais Você, da TV
Globo, programa onde a apresentadora Ana Maria Braga prepara uma re-
ceita diariamente, já contam com a extensão dos meios na internet: a apre-
sentadora anuncia sempre que a receita pode ser obtida no site e que lá
também há outras receitas interessantes e úteis.
Podemos dizer que os sites e portais se tornaram o caderno de re-
ceitas de outrora. Se na época de programas como os de Ofélia Anunciato
o modo de se ter aquela receita apresentada era anotá-la em papel en-
quanto os ingredientes eram repetidos e o modo de fazer se desenrolava
na atração televisiva, hoje é possível assistir o programa e depois acessar
confortavelmente o site e baixar a receita. Além desta, os programas cos-
tumam disponibilizar dicas de preparo do prato e até sugestões de onde
comprar os ingredientes, em uma tentativa de aumentar o número de infor-
mações e prender os internautas – estratégia que, curiosamente, costuma
levar ao mesmo tipo de dispersão verificada no excesso de revistas de
receitas ofertado nas bancas de jornais e revistas.
A passagem da comunicação culinária do oral para o impresso e,
posteriormente, para o audiovisual, foi se adequando aos novos aparatos
técnicos que surgiram, criando, dessa forma, novas midiatizações dos ali-
mentos. Hoje tais aparatos, como computadores e tablets, levam a essa
convergência inescapável, característica da comunicação contemporânea.
Neste trabalho separamos anteriormente os meios audiovisuais da-
queles digitais na construção da comunicação da culinária apenas por um
aspecto de análise metodológica, pois o que se observa na contempora-
neidade é uma junção cada vez maior de todas as mídias. Na internet, as
fronteiras que separam o audiovisual do digital praticamente não existem,
- 100 - visto que a rede mundial de computadores é um meio convergente por ex-
celência e nele a troca de receitas, típica da culinária, acontece em escala
exponencial. Tal midiatização leva a uma complexidade das linguagens da
alimentação e da cozinha que se desdobra na alta exponibilidade da gas-
tronomia atual. Para entendermos o processo, trabalharemos no próximo
capítulo com o ponto de giro que, acreditamos, é o responsável pela pas-
sagem do domínio da linguagem culinária para a prevalência da linguagem
gastronômica na contemporaneidade.
4
Entre a culinária
e a Gastronomia
4
- 103 -

4.1. O espaço entre a culinária e a gastronomia


Se a gastronomia é a linguagem do excesso, do hedonismo de co-
mer e cozinhar, há que se lembrar sempre que sua estruturação depende
da linguagem culinária. Assim, pretendemos analisar qual foi o momento
histórico do ponto de vista comunicacional que possibilitou, no contexto
cultural do Ocidente, a passagem da culinária à gastronomia. É possível
definir que esse momento ocorreu durante os complexos processos de-
correntes da Revolução Industrial do século XIX.
Esse movimento alterou profundamente o modo de se trabalhar no
mundo ocidental, fazendo a estrutura laboral passar de artesanal para in-
dustrial. Dessa grande transformação que ainda não terminou de trazer
mudanças para a sociedade humana, a partir de 1870 foram identificadas
novas fontes de energia combustível e novos avanços científicos e téc-
nicos que impactaram o modo de produção de bens materiais, conheci-
mento e, claro, de cultura e de comunicação. Sevcenko (2005, p.59-88)
discorre sobre a mudança de percepção que as máquinas, a tecnologia
e até o conceito de sociedade de massa trouxeram para a sociedade e
a mente humanas. É nesse espaço temporal que localizamos a fronteira
entre culinária e gastronomia.
- 104 - Graças às transformações sociais, políticas, econômicas e culturais
que a industrialização trouxe para o homem ocidental, uma nova ordem de
textos da cultura foi criada e acreditamos que seja nesse momento que a
mecanização e a exposição da culinária abriu a possibilidade do surgimen-
to da linguagem gastronômica como conhecemos hoje. Acreditamos que
esse momento de explosão da cultura esteja relacionado com a Moderni-
dade e o Movimento Moderno, por terem sido momentos de organização
social impactantes para a estruturação das linguagens comunicativas.
Ao trabalharmos o conceito de explosão da cultura precisamos lem-
brar que essa terminologia não é a de destruição, como pode lembrar a
ideia de explosão advinda de fenômenos físicos. No campo de estudo das
ciências humanas, momentos de explosão são aqueles configurados por
momentos de alta imprevisibilidade que levam ao surgimento de novas
configurações no cenário da cultura. Assim, em um momento de intensa
transformação como a Revolução Industrial, que introduziu a tecnologia
ao trabalho e ocasionou a migração de um grande número de pessoas da
vida rural para a vida urbana, ocorre uma intensa explosão de transforma-
ções culturais. A ordem da cozinha rural passa a ser reestruturada pela
cozinha urbana e até mesmo pelas refeições realizadas fora de casa, uma
novidade para as estruturas familiares do período.
Na semiosfera da alimentação, tais momentos de explosão lidam
com a heterogeneidade típica das linguagens. Ao tratar especificamente
de cultura e explosão, em obra de mesmo nome, Lotman (1999, p.159)
coloca a importante questão de que o espaço semiótico é formado pelos
fragmentos de estruturas variadas, que conservam sua memória inicial,
mas quando em choque uns com os outros, acabam por se reconfigurar
em novos textos. É a prova de sobrevivência dos sistemas semióticos,
pois ao trocarem informações em colisão no espaço fronteiriço, tais sis-
temas se reconfiguram e, portanto, mantêm o seu funcionamento. Assim,
acreditamos que, em relação aos sistemas da alimentação, tal momento
explosivo de transformação deu-se a partir da Modernidade.
Em Modernidade e Identidade (2002), Anthonny Giddens refere-se à
modernidade como tempo em que as instituições e os modos de comporta-
mento estabelecidos pela primeira vez na Europa logo após o feudalismo, se
tornaram mundiais em seu impacto sóciocultural, especialmente no século
XX. Ele coloca ainda que a Modernidade está amplamente ligada ao pro-
cesso de industrialização, mas que ela se relaciona ainda a várias questões
institucionais, não podendo ser reduzida apenas à Revolução Industrial (GI- - 105 -
DDENS, 2002). No âmbito de uma revolução como essa, as relações sociais
passaram por intensas transformações, envolvendo novas estruturas hie-
rárquicas de trabalho e, principalmente, o uso de aparelhos mecânicos que
substituíram ou ampliaram a força de trabalho dos operários.
Na sequência do desenvolvimento da Modernidade, precisamos nos
ater também ao Movimento Moderno. Os dois termos costumam ser confun-
didos entre si, mas não têm o mesmo significado e são importantes para o
objeto de estudo deste trabalho. Podemos dizer que o Modernismo é o movi-
mento social de transformação verificado do final do século 18 e se estendeu
até meados do século 20, enquanto a Modernidade corresponde ao modo
de pensar e viver inaugurado, no século XIV com a nova percepção cosmo-
lógica desenvolvida naquele período. A Modernidade seria a espacialidade do
mundo vivido desde a Renascença, com todas as transformações culturais
e históricas decorrentes deste processo histórico. Já o Movimento Moderno
marca, na Modernidade, o momento que se desenvolve como decorrência da
Revolução Industrial e suas transformações econômicas, sociais e culturais.
Segundo Lucrécia Ferrara21 (informação verbal) ao abordarmos o Mo-
vimento Moderno, tratamos de um processo histórico que se instalou na me-
tade do século XIX e que foi definidor para o conceito contemporâneo de co-
municação. Tal movimento se desdobra em três momentos: no primeiro há a
mudança do ambiente de trabalho rural para a cidade, levando massas traba-
lhadoras a mudarem suas vidas nesse novo ambiente. “A forma de produção
da matéria de trabalho sai da lógica da artesania e passa à lógica mecânica”
(Ferrara, 2012, informação verbal)22, graças à intensa mudança histórica, e, por
conseguinte, comunicativa, proporcionada pela Revolução Industrial.
Notamos que, especificamente no caso do objeto de
estudo desta tese, com as transformações do Movimento 21. Anotação em aula de
conteúdo ministrado pela
Moderno, a culinária deixa de pertencer massivamente ao Profª Lucrécia D’Alessio
Ferrara na disciplina
âmbito do privado e passa a partilhar como nunca o es- “Ambientes Midiáticos
paço público, tanto nos refeitórios coletivos dos locais de e Processos Culturais:
comunicação, processos
trabalho como nos restaurantes, bares e cafés. culturais e visualidades”
oferecida no 1º Semestre
Já que o Movimento Moderno prega uma nova or- de 2012 no Programa de
dem social e, portanto, uma nova ordem do trabalho, o Estudos Pós-Graduados em
Comunicação e Semiótica da
cozinheiro típico começa a ser relegado a uma invisibi- PUC-SP.
lidade comunicativa na sua cozinha e vai se consolidan- 22. Idem nota anterior
do a figura do chef de cozinha como um técnico que se
- 106 - aproxima continuamente do gênio artístico. Tal valorização do cozinhar,
consolidou-se no contemporâneo na figura do chef de cozinha como fi-
gura criativa e altamente midiatizada, capaz de arregimentar seguidores
e de ser comparado a um artista de fato.
Este é um bom exemplo da passagem do trabalho do artesão para
o trabalho do mecânico, marcante no Movimento Moderno: o chef genial
nunca cozinha sozinho, pois há um trabalho intenso ao seu redor. O sub-
chef gerencia o cotidiano da cozinha, o lavador de pratos mantém o am-
biente organizado, enquanto o chef de sobremesas cuida dos doces. Mas
importa a imagem e não o cenário por detrás dessa imagem.
Em um segundo momento definidor para o Movimento Modern há
um intenso aumento do território de trocas, simbólicas e econômicas,
quando lugares antes distantes passam a se comunicar com maior veloci-
dade, graças aos meios de transporte mais eficientes, como o trem a va-
por e, em muitos países da Europa, o metrô. Na ampliação desse território
de trocas aumentado é possível que uma população europeia prove ingre-
dientes asiáticos que não chegariam ao seu mercado antes da invenção
dos meios de transporte de massa. Ter acesso a “tudo, do mundo todo” foi
uma das prerrogativas do Movimento Moderno que se ampliou no mundo
globalizado dos séculos XX e XXI. Hoje, tal conceito ainda é forte no mer-
cado econômico, mas sofre pressões como a constante busca pelo regio-
nalismo, que é impulsionada pela preocupação com questões ambientais
de preservação da natureza. Afinal, ter tudo do mundo todo, o tempo todo,
gera gastos com transportes e combustível não-renovável, que já não co-
loca a premissa de um mundo repleto de produtos disponíveis o tempo
todo como um pensamento evoluído e refinado.
A rapidez do meio urbano e o alto desenvolvimento da comunicação,
que se torna massificada e de grande alcance no final do século XIX e início
do século XX, graças aos meios impressos e ao rádio, abre a passagem para
o terceiro momento: a consolidação do Movimento Moderno no mercado de
trocas, quando se desvanece a figura obrigatória do vendedor, e a persuasão
da compra passa a ser feita pela própria mercadoria. Tal questão é fundamen-
tal para a definição do espaço entre culinária e gastronomia pois, na lingua-
gem gastronômica, encontramos traços intensos do Movimento Moderno.
A assinatura de quem prepara uma refeição é uma legitimação, um
selo de qualidade para aquele prato – ir à Paris e não comer no restaurante
de Alain Passard significa não ter experimentado o melhor da cidade, o
- 107 -
equivalente simbólico a não ter ido à capital francesa, segundo os guias
de turismo. Acreditamos que essa evolução contemporânea é fruto de am-
bientes midiáticos globalizados, onde as trocas culturais se processam
em ritmo muito mais acelerado. Ao procurarmos o espaço histórico entre
culinária e gastronomia, nos deparamos com a questão de trocas cultu-
rais, típica da situação de momentos de imprevisibilidade da cultura, como
essa que trata do espaço entre culinária e gastronomia.

4.2. Trocas culturais


Ao trabalharmos os conceitos de Modernidade e de Movimento Mo-
derno, começamos a entender o contexto cultural intenso de transforma-
ções que nos levaram à massificação da linguagem gastronômica e que
criaram as raízes da intensa exponibilidade contemporânea deste texto da
cultura. Precisamos marcar aqui a mudança de papéis de gênero (masculino
e feminino) na cozinha profissionalizada, elemento que compõem também
este espaço entre culinária e gastronomia.
Giard (1994a, p. 218) faz uma importante e pertinente ponderação
sobre o papel social das práticas culinárias, mais associadas ao papel da
mulher na administração da casa, e as práticas da alta gastronomia, notada-
mente associadas aos homens, os grandes chefs de cozinha:

As práticas culinárias se situam no mais elementar da vida cotidiana, no


nível mais necessário e mais desprezado. Na França é tradição que a
responsabilidade caiba quase sempre às mulheres e que essas tarefas
sejam objeto de sentimentos ambivalentes: a cozinha francesa é valori-
zada em relação às das suas nações vizinhas, a importância da alimen-
tação infantil e da higiene da família é sublinhada pela mídia, a respon-
sabilidade e o papel da dona de casa como principal compradora do lar
são valorizados. Ao mesmo tempo esse trabalho é considerado monó-
tono e repetitivo, desprovido de inteligência e de imaginação. É mantido
fora do campo do saber, negligenciando-se nos programas escolares a
educação dietética. (...) Cozinhar é o suporte de uma prática elementar,
humilde, obstinada, repetida no tempo e no espaço, com raízes na ur-
didura das relações com os outros e consigo mesmo, marcada pelo ro-
mance familiar e pela história de cada uma, solidária das lembranças de
infância como ritmos e estações. (...) Atividade multiforme considerada
tão simples, até um pouco tola, salvo nos raros casos em que elevado à
excelência, ao extremo requinte – mas isso já é uma questão de grands
chefs, que são homens, claro (Ibidem, p.218).

A autora coloca um tom de ironia em um território complexo e po-


lêmico. No ambiente midiático da gastronomia existe a imagem simbólica
- 108 - de que apenas os homens sabem preparar pratos da alta gastronomia: so-
mente os homens sabem ser chefs de cozinha. À mulher é legado o papel
de “fazedora” cotidiana de comida, de responsável pelas tarefas domésti-
cas, inclusve a rotina da cozinha. Ainda que possa parecer uma novidade,
esse papel feminino liga-se à Modernidade, à mudança de papéis sociais
característica do período. Posicionar o homem no centro do status de chef,
enquanto à mulher é reservado ao dia-a-dia da cozinha simples, se encai-
xa naquilo que Doria (2008, p. 233) chama de perversão: “Já no seu nasce-
douro a gastronomia é uma perversão: não visa saciar a fome e se projeta
como promessa prazerosa escondida além da saciedade”.
Para ser esse espetáculo do engenho humano que beira a perver-
são, a gastronomia precisa de diferenciais simbólicos, e a atuação do ho-
mem como chef de cozinha é um deles. O esperado na culinária é que
as mulheres comandem a cozinha. Hoje, acredita-se no universo da gas-
tronomia que as cozinhas profissionais devem ser dirigidas por homens.
Além desse espetáculo, é importante lembrar a história: na verdade, os
homens se tornaram chefs por conta de atribuições braçais, mais ligadas
à culinária: coube aos homens administrar cozinhas graças à natureza de
tarefas como cortar carnes duras e pesadas, por exemplo, que exigiam
alto desempenho muscular. Ou seja, a artesania da culinária deixou suas
marcas na linguagem da gastronomia, mas a imagem midiatizada desse
processo não foi a do homem forte na cozinha, mas sim a do chef genial
e criador, que se consolidou nos dias de hoje – mesmo que as cozinhas já
não precisem de um trabalho braçal tão intenso.
Tanto a promessa de sabor inigualável das receitas quanto a de
“compre um livro de culinária francesa e cozinhe como um francês” são
armadilhas do espetáculo da comunicação, que geram imagens como as
páginas de Culinária de todas as cores, por exemplo. Olhar para aquelas
páginas parece mostrar o acesso fácil e simples a um mundo naturalmente
comestível, tanto para os olhos quanto para a boca. Lembrando Debord,
na sua terceira tese sobre a sociedade do espetáculo:

O espetáculo é ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria socie-


dade e seu instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade,
o espetáculo concentra todo o olhar e toda a consciência. Por ser
algo separado, ele é o foco do olhar iludido e da falsa consciência; a
unificação que realiza não é outra coisa senão a linguagem oficial da
separação generalizada (DEBORD, 1997, p.14).
A visualidade real do processo ficou escondida com a valoriza- - 109 -
ção do homem genial nas panelas, imagem construída pelo trabalho de
chefs altamente midiatizados como Escoffier e Carême. Hoje subsiste
e se destaca a visibilidade do chef criativo e original, mola propulsora
da gastronomia contemporânea. Curiosamente, no entanto, ao procu-
rarmos as raízes da gastronomia, tal visualidade permanece escondi-
da e se revela apenas sutilmente. Em busca do espaço de formação
da distinção contemporânea entre culinária e gastronomia, lembramos
que o espaço “só se mostra quando sobre ele se debruça uma aten-
ção cognitiva capaz de revelá-lo nas flutuações que o comunicam e
no modo como, através dele, se constrói a cultura” (Ferrara, 2008,
p.9). Tal espaço entre comunicação e cultura na cozinha revela algumas
das espacialidades mais desafiadoras dos sistemas culturais da cozi-
nha, híbridas e heterogêneas que são. Ele revela também a constituição
de uma espacialidade particularmente destacada entre as duas lingua-
gens, que deve ser descoberta para que se entenda mais amplamente
a constituição da comunicação da gastronomia e as consequências de
sua ação na cultura contemporânea.
Considerando que tal espaço “entre” está cronologicamente rela-
cionado ao tempo pós-Revolução Industrial, à criação da indústria de ele-
trodomésticos e à expansão da mídia eletrônica, nos interessa aqui buscar
como se deu a seguinte transformação: quais foram os caminhos trilhados
pela linguagem da culinária, intimista e restrita a ambientes privados, para
chegar a transmutar-se na linguagem da gastronomia, naturalmente midia-
tizada, que precisa se expor no espaço público para existir.

4.3. As duas linguagens da cozinha e da comida


Para fins didáticos, situaremos essa busca do espaço “entre” no
final do século XIX e início do século XX. Trata-se de um espaço obscuro
que se encontra entre a atuação e o desdobramento da culinária e a gêne-
se da gastronomia, e precisamos tentar iluminá-lo, procurando encontrar
os pontos de acesso ao seu conhecimento. Um deles é uma distinção ini-
cial entre o espaço público e privado da culinária e da gastronomia.
Podemos pontuar que a comunicação da culinária acontece tanto
no espaço público quanto no privado, porque ela não se restringe nem
ao ambiente doméstico da dona de casa e nem ao ambiente público do
- 110 - restaurante. A linguagem da culinária é tão atuante comunicativamente
que perpassa todos os textos culturais derivados da cozinha. Propiciadora
de mediações complexas, a culinária se ocupa do cozinhar, enquanto ato
técnico, e do congregar e compartilhar, atos sociais. Podemos dizer que
a culinária habita igualmente os dois espaços, pois se trata de uma lin-
guagem que pode ser decodificada em diferentes sistemas da cultura: de
aldeias isoladas de índios à programas de televisão, passando por redes
sociais, revista, tablets e outros ambientes de mídia.
Já a gastronomia depende sobremaneira da comunicação, pois ela
precisa “dizer” que existe para de fato existir. O indivíduo que quer per-
tencer e fazer gastronomia deve anunciar tal intenção. Se o restaurante
não for conhecido por um prato em destaque e, principalmente, pelo seu
chef renomado, não é gastronomia. Se uma festa não se desdobra em um
grande evento com comidas variadas, também não há a existência da lin-
guagem gastronômica naquele texto. Se um programa de televisão exibe
receitas, mas não usa ingredientes exóticos e caros – gourmets - e nem os
harmoniza com o vinho mais adequado, também não temos as caracterís-
ticas típicas da gastronomia.
A gastronomia é puramente dotada de comunicabilidade e de vi-
sibilidade, levando as imagens por ela geradas a uma espetacularização
em série, que expõe cada vez mais a gastronomia como modo de vivên-
cia contemporânea. Gastronomia e culinária, como linguagens que são,
mediam relações culturais por meio dos resultados de sua produção em
textos, que são receitas, pratos e mídia, por exemplos. Ferrara fala sobre
esse movimento da cultura e da comunicação:

Ao lado do comunicar, a cultura se coloca como outro pólo que res-


gata o meio através do qual se assinala a produção, a consecução
de um artefato e sua troca. Este meio constitui manifestação material
do desenvolvimento humano e do alcance de um modo especifico
de vida. Desse modo, o reconhecimento da natureza de um meio de
comunicação, sua diferença constatada, publicada e divulgada situa e
identifica a cultura, ao mesmo tempo em que empresta, à comunica-
ção, território físico, político e social” (FERRARA, 2008, p.11).

A culinária que se metamorfoseia em gastronomia fornece uma


nova construtibilidade ao espaço, gerando uma comunicabilidade ex-
ponencializada, que cria uma espacialidade do show, do grande acon-
tecimento – aquilo que Lipovteski (2010) afirma ser típico da sociedade
do hiperconsumo: a busca pelo diferente e exótico. Ao contrário da - 111 -
sociedade de consumo, não basta possuir e usar marcas famosas; no
hiperconsumo, ao se consumir passa-se a fazer parte da marca, bus-
cando se diferenciar nessa fusão de mente e produto (LIPOVTESKY,
20109. É preciso ter uma experiência de vida, comer algo muito diferen-
te do seu cotidiano e, principalmente, ter histórias para contar.
Daí o diagnóstico de que nesse espaço descobrimos um am-
biente midiático onde operam altos índices de modelização dos textos
da cultura – textos da culinária em constante troca com os textos da
gastronomia. O que observamos nesse contexto é a construção de um
vínculo comunicativo que liga as modelizações dos textos do sistema
cultural cozinha, em constantes mediações comunicativas que demar-
cam o espaço “entre” as duas linguagens.

4.4. Modelização e espaço intervalar


Lembrando Cimino (2010, p.33), a comunicação é uma agenciadora
de intercâmbios simbólicos dentro dos sistemas econômicos e sociais.
Acrescentamos que o mesmo papel de agenciamento se dá nos sistemas
culturais e, por consequência, os transforma, gerando novas simbologias
comunicativas. Neste caminho, podemos afirmar que o espaço entre a
culinária e a gastronomia situa-se na continuidade-descontinuidade da
cultura. Se há um processo contínuo entre a construção dos textos culiná-
ria e gastronomia, e daí linguagens que organizam outros textos, podemos
também dizer que há um contínuo espaço intervalar de construção e des-
construção de textos.
Se a espacialidade é o modo de organizar um dado espaço a fim
de comunicá-lo, a organização da gastronomia em espacialidades se deu
também com a aceleração da produção dos meios de comunicação no
final do século XIX. Ainda que tal afirmação soe como um clichê repetitivo,
é fato que a gastronomia contemporânea é fruto principalmente deste pro-
cesso histórico – assim como boa parte das características da sociedade
ocidental que conhecemos hoje. Ferrara (2008, p.36) afirma que estudar
uma história do espaço supõe resgatar os ecos do passado que fazem
tempo e espaço se comunicarem numa duração histórica. Assim, preci-
samos entender as raízes da culinária na gastronomia, a fim de melhor
compreender a linguagem contemporânea da cozinha.
- 112 - O restaurante, por exemplo, um dos “atores” principais da constru-
ção da linguagem da gastronomia, passou por uma série de transforma-
ções que mostram como o espaço entre culinária e gastronomia é fluido e
móvel. Sempre dependente das técnicas de cozinha, o restaurante nasceu
com a função de restaurar a saúde de seus clientes por meio de pratos
preparados para esse fim. Hoje, o restaurante é um lugar tanto de refei-
ções rápidas, quanto de encontro e de degustação de pratos especiais,
em mediações que, em tais casos, se ligam diretamente à gastronomia.
Curioso observar que o chef, essa estrela da gastronomia contem-
porânea, era uma figura escondida, que pertencia ao privado e se nomea-
va como cozinheiro. Nos restaurantes da cidade de Paris23 no período pós-
-revolução de 1789, Spang (2003, p.190) lembra que “para a maior glória
e decência do prato preparado, o cozinheiro precisava permanecer longe
dos olhos. A ocultação e o segredo atraíam o comensal”.
Spang (Ibidem, p.193) coloca ainda que o restaurante era, no século
XIX, um espaço de separação do bom gosto privado dos assuntos públi-
cos – ou, seja, ali não deveriam ser discutidos temas políticos e econômi-
cos. Curioso observar que no mundo contemporâneo ocorra o oposto e o
restaurante seja usado como espaço de realização de novos negócios e
de grandes acordos políticos, o que mostra que o restaurante agora é um
verdadeiro espaço público de midiatização. Portanto, um espaço reple-
to de visibilidade, que procura esconder a visualidade do preparo real de
alimentos, que envolve geração de lixo e de detritos que não devem ser
mostrados no espetáculo gastronômico.
O espaço entre culinária e gastronomia leva a tal explosão das visi-
bilidades que hoje, muitos chefs de cozinha se dizem cansados de tama-
nha exposição. Santi Santamaria, respeitado e já falecido chef de cozinha
espanhola, afirma na sua obra A Cozinha a Nu, de 2008, estar farto da
“moda” da gastronomia e afirma que, neste contexto, que a própria cozi-
nha tem dificuldades para se definir na contemporaneidade:

23. O livro A invenção do


restaurante aponta Paris O ofício de cozinheiro transformou-se em algo tão valorizado quan-
como a capital da alta to discutido, acusado de frívolo, consumista e vulgar por alguns in-
gastronomia e conta a telectuais, ou, muito ao contrário, elevado aos altares dos grandes
história da criação do modelo criadores artísticos do século XXI. Esta é uma situação praticamente
de restaurantes na capital nova no processo histórico do ofício de cozinheiro, algo tão novo e
francesa – modelo que foi tão difícil de explicar como a própria definição de arte, ou seja, atri-
copiado por todo o mundo, buir a condição de arte a esta ou aquela expressão humana (SANTA-
especialmente o ocidental. MARIA, 2008, p.211).
Curiosamente, aproveitando a sua fama no universo da alta gastro- - 113 -
nomia, Santamaria (2008) criou uma série de princípios para sua cozinha
que, lidos com a atenção, mostram que a base da gastronomia é realmen-
te a culinária. Afinal, são princípios do cozinhar bem, de tratar a comida
de modo a ter o melhor gosto para os seus comensais – mas princípios
hibridizados com traços culturais da gastronomia – no caso a fama do chef
que os formulou. São estes os termos:

I. CULTURAL
É preciso aceitar a existência de uma história culinária que nos condicio-
na e que faz de nós o que somos. A cultura catalã é a minha expressão.
Pertencemos a uma Europa onde o culto à mesa é como uma religião.

II. NATURAL
É preciso utilizar produtos da temporada, seguindo o calendário das
estações e rejeitando substâncias químicas ou artificiais alheias ao
produto. É preciso transformar os alimentos sem destruí-los, man-
tendo e potencializando o seu sabor.

IIl. EVOLUTIVA
É preciso avançar no exercício da profissão através da experiência,
melhorando os processos produtivos graças às novas tecnologias. É
preciso promover uma cozinha onde a síntese seja um valor, onde
a simplicidade seja uma forma de expressão para fazer a sociedade
compreender a arte da cozinha.

IV SOCIAL
Aperfeiçoar a cada dia a qualidade de vida; todo avanço social na pro-
fissão em prol da qualidade humana melhora os resultados culinários.
O cozinheiro deve se envolver, fluir, fazer ouvir sua voz entre as corren-
tes que desejam uma sociedade mais justa e solidária.

V ARTÍSTICA
A cozinha como ato de criação é mais uma de nossas belas-artes. Emo-
cionar, mais que alimentar, é o meu objetivo. Minha modernidade não
é a estética superficial, mas a sublimação do sentido do gosto interior.

VI. UNIVERSAL
Não devemos deixar de ser locais. Temos que empreender a busca
de uma verdade própria, autêntica, de maneira que ninguém tenha de
renunciar às influências dos demais, dos produtos e das pessoas do
mundo todo, apesar de nossa terra nunca deixar de ser percebida em
nossa cozinha (SANTAMARIA, 2008)24.

Já o principal desafeto de Santamaria, o renomado


24. Cada um dos princípios
Ferran Adriá, líder do chamado G9, grupo que agrega os compõem a abertura dos
capítulos da obra Cozinha a
auto-renomados principais chefs de cozinha do mundo, lan- Nu, de Santi Santamaria.
çou em setembro de 2011 o documento “Carta de Lima”
- 114 - (apud MARQUES, 2011), que prega uma série de princípios para o ofício de
chef de cozinha contemporâneo – tais quais os princípios de Santamaria:

Em relação com a natureza


“Seu trabalho depende dos frutos da natureza. Como resultado, tem a
responsabilidade de defender a natureza e de usar sua cozinha e sua
voz como meio de recuperação e divulgação de determinadas varie-
dades e espécies.”
Em relação com a sociedade
“Você é o resultado da cultura, portanto, é herdeiro de um legado de
sabores, costumes gastronômicos e técnicas de cozinha.”
Em relação com o saber
“Você tem a oportunidade de gerar novos conhecimentos, seja desen-
volvendo novas receitas ou participando de projetos de investigação
profundos. E como tem o benefício de ensinar os outros, tem a res-
ponsabilidade de compartilhar seu aprendizado.”
Em relação aos valores
“Vivemos em uma época em que a cozinha pode ser uma bela for-
ma de auto-realização. A cozinha é agora um campo em constante
evolução, onde há várias disciplinas envolvidas, por isso é importante
que encare suas inquietudes, sentimentos e sonhos com humildade,
autenticidade e, acima de tudo, com paixão.” (Ibidem, 2011)25.

Em ambos os documentos podemos notar a preocupação com a


volta aos princípios da cozinha, cada vez mais rumo a uma culinária sim-
plificada. No entanto, é preciso lembrar que tais documentos são frutos de
midiatizações, só existem porque foram comunicados. Se ambos, Santa-
maria e Adriá, são símbolos da alta cozinha gastronômica, por que defendem
a volta aos ingredientes naturais, a uma cozinha simples, a receitas de família
e a produtos frescos? Certamente porque as modelizações entre os textos
culinários e gastronômicos hoje impõem que assim seja: faz parte da con-
temporaneidade de um mundo saturado por imagens e espetáculos, que se
busque o simples – ainda que altamente espetacularizado, como nos exem-
plos de tais documentos. Tais manifestos pela cozinha simples se colocam
como exemplos de textos contemporâneos derivados desse espaço “entre”
culinária e gastronomia, que se mostra passível de comunicação em diversos
e variados tempos cronológicos e históricos.

4.5. Nomear o espaço


Ao nos debruçarmos sobre a arqueologia da cozinha, verificamos,
como diz Revel (1996, p.201) que o século XVIII marca o “período da his-
tória da gastronomia em que os simples conhecimentos do
25. Material digital, ver
bibliografia. amador não são mais suficientes, nem direi para executar,


mas mesmo para compreender as novas técnicas culinárias”. A midiatiza- - 115 -
ção impressa, na forma de livros e tratados que organizaram o conheci-
mento da cozinha, fizeram esse papel de formatar um conhecimento que
estava além dos cozinheiros simples – e é tal conhecimento que os hoje
conhecidos como apaixonados por gastronomia vão buscar. Eles não que-
rem mais ser comuns, querem se diferenciar por tais saberes – mas sem
mergulhar no estudo profundo de técnicas culinárias.
Esse espaço “entre” pode ser denominado como uma pós-culinária.
Não nos cabe aqui dar um nome curioso ou original ao fenômeno, mas sim
nos debruçarmos sobre ele para tentar compreendê-lo. A pós-culinária
mediada pelos acontecimentos comunicativos e culturais do Movimento
Moderno e da Modernidade se desdobra em uma linguagem que pressu-
põe os conhecimentos técnicos da culinária, que depende da exposição
nos meios de comunicação de massa para existir. Por exemplo, uma recei-
ta publicada na revista não é mais apenas culinária, pois implica em alto
grau de midiatização e de mediação para ser ali exposta. Ela deixa de ser
comida e passa a ser mídia, sem chegar a ser gastronomia. É um texto da
cultura da linguagem da pós-culinária.
Revel (1996, p. 201) dá como exemplo dessa linguagem a transfor-
mação da receita. O autor lembra que “ler uma receita de Carême, de Gou-
ffé ou de Nignon já nos obriga a fornecer, simplesmente à leitura (sem falar
da execução), um esforço de atenção que nem sempre é coroado pela
compreensão perfeita”. O curioso é que a incompreensão das receitas se
mostra como um traço distintivo da cultura frequentemente apontado nas
receitas de revistas de gastronomia.
Seus leitores reclamam que não conseguem fazer aquele prato e
os editores desses periódicos, em geral, não mudam o texto de tais recei-
tas. Afinal, mantém-se a “aura” de prato inalcançável. O domínio da arte
gastronômica, o mergulho nesse universo parece pressupor esse caminho
rumo ao complexo, do qual a comunicação da gastronomia amplamente
se alimenta. Revel (Ibidem, p. 202) ainda destaca ações importantes para
qualificarmos essa chamada pós-culinária:

O século XVIII aplica as ideias que o século XVII formulou, mas não re-
alizou. Aproxima-se dos ideais de simplicidade ao mesmo tempo que
demonstra engenhosidade na solução elegante de problemas difíceis.
A meio caminho entre a antiga cozinha – que era da superposição e da
mistura – e a nova, que é a da impregnação das essências, a gastrono-
- 116 - mia do século XVIII está ainda ao alcance do amador aplicado, embora
dirigida a profissionais competentes. É a época que o próprio rei Luís
XV preparava as omeletes, tortas de cotovias, o frango ao manjericão.
A duquesa de Berry, filha do regente, inventou ou sugeriu os filés de
coelhos tenros à Berry e madame de Pompadour, os filés de galinha à
Bellevue, o nome do seu castelo. (...) A nobreza francesa vincula a mo-
lhos ou preparados seus nomes, que no século seguinte ela vinculará
a corridas de cavalos (REVEL, 1996, p.202).

Chama a atenção essa construção que se consolida no Movimento


Moderno: as classes mais altas, alheias ao árduo trabalho da cozinha, co-
meçam a se interessar pela visibilidade que os pratos podem proporcionar,
usa a cozinha como uma midiatização de seu patrimônio, de seu nome,
sua imagem. Assim, na gastronomia a sedução atua intensamente, subs-
tituída pela persuasão da pós-culinária: a midiatização da cozinha constrói
um ambiente midiático que convida à experimentação, mas que ainda não
seduz por si própria nem prescinde, muitas vezes, da técnica da cozinha,
como ocorre com a gastronomia.
Continuando o percurso histórico e acentuando a descoberta dessa
pós-culinária que data da passagem do século XIX para o século XX, Revel
(ibidem, p. 204) lembra que no século XIX, “nenhum molho, nenhum prato
poderá ter legitimamente o nome de um amador, pelo menos se quiser
estar à altura da cozinha deste século; os pratos novos levarão apenas os
nomes de chefs profissionais, Verón, Foyot, etc”. O autor afirma ainda que
esse período onde localizamos o espaço entre gastronomia e comunica-
ção, a passagem do século XIX para o XX, foi o “período mais interessante
da história da gastronomia”.
Ao citar o trabalho de Brillat-Savarin, Revel (ibidem) pondera que o
gastrônomo que escreveu o clássico A Fisiologia do Gosto, viveu na sua
juventude um período de síntese única entre cozinha de amador e cozinha
profissional, cozinha tradicional e cozinha nova, cozinha de terra e cozinha
de laboratório, cozinha camponesa e cozinha burguesa, cozinha provincia-
na e cozinha internacional.
Tais paradoxos caracterizam sobremaneira a pós-culinária: um am-
biente midiático que denota e constrói espacialidades que mostram clara-
mente a transição para uma linguagem comunicativa da sedução absoluta,
espetacular, construtora de imagens que colocam a gastronomia em uma
situação midiática que, ousamos adiantar, configura-a como construtora
de uma mídia comunicativa em si própria.
5
A Comunicação
da Gastronomia
5
- 119 -

5.1. A construção da linguagem gastronômica

5.1.1. Os textos da cultura e a gastronomia


Ao iniciarmos um estudo sobre a formação e o desenvolvimento da
linguagem da gastronomia e de como esse texto da cultura se comunica,
podemos afirmar que a culinária e a gastronomia são linguagens absolu-
tamente interligadas na comunicação do ambiente midiático da cozinha.
Mesmo se analisarmos a comunicação que se dá na fronteira entre as
duas linguagens da cozinha, notamos que é possível estruturar uma co-
municação de cunho culinário sem gastronomia, mas o oposto não ocorre.
Criar textos da gastronomia sem resquícios da culinária é tarefa pra-
ticamente impossível na cultura e na comunicação. A gastronomia apre-
senta-se como uma linguagem muito complexa, por ser formada por uma
série de mediações e de modelizações sociais, históricas e econômicas.
Se comemos para satisfazer uma necessidade básica humana, o que nos
leva a querer saborear um chocolate qualificado como gourmet, com pe-
daços de sal marinho, por exemplo? No mercado de chocolates finos a
associação de chocolates com alto teor de cacau e flor de sal é comum e
convoca paladares aptos a experimentar novos sabores.
- 120 - Essa combinação, inusitada para os padrões normais de uma ali-
mentação ocidental como a brasileira, certamente não visa satisfazer uma
necessidade biológica, mas sim um desejo ensejado no ambiente cultural.
Isso pode acontecer quando o consumidor tiver contato com a informação
de que sal e chocolate pode oferecer um sabor surpreendente e especial,
lembrando adjetivos que seriam naturalmente usados na publicidade para
descrever o chocolate. Assim o sabor combinado de tais ingredientes, apa-
rentemente tão díspares, pode se tornar um gosto, uma escolha gastronô-
mica, texto capaz de criar cultura, fixando sentidos, símbolos e valores.
Também podemos dizer que o gosto pelo chocolate com sal pode
até tornar-se biológico, um apetite físico mediado pela nova modelização
da cultura. Afinal, o que se come é definido amplamente por questões de
formação social e de cunho econômico.
A definição da escolha de alimentos passíveis de serem comidos
por um determinado grupo social parte de um arcabouço cultural compos-
to por complexas cadeias de vinculação comunicativa, que vão da fome à
disponibilidade de alimentos. Podemos lembrar, aqui, a reiterada discus-
são de “por que tais povos comem insetos/cachorros/larvas?” O estranha-
mento advém de uma cultura que não decodifica tais textos como inte-
grantes do sistema alimentar, como é o caso do Brasil. O desenvolvimento
deste tipo de gosto e de aceitação de tais ingredientes como alimento
costumam envolver estados de falta de alimento e, portanto, de fome pro-
funda, que acometeram ao longo dos séculos países como a China.
Do mesmo modo, em muitos países europeus o consumo de vís-
ceras de animais é muito maior do que no Brasil, especialmente quando
tratamos do meio urbano, há muito distanciado do contato com animais
vivos. O curioso da linguagem da gastronomia é que ela transforma tais
particularidades em fatos saborosos, especiais e inusitados e transforma
o inseto/cachorro/larva em chamarizes para a exoticidade daquela cultura.
Com frequência consumir gastronomia é devorar aquilo que é exótico e
diferente para a nossa vida.
Assim, precisamos pontuar que a constituição da gastronomia
como linguagem do sistema cultural da cozinha advém primeiramente do
fato de que a gastronomia é um fenômeno comunicativo de exposição.
Para a gastronomia, o expor, avisar que se comeu ou se vai comer o cho-
colate com sal marinho, pode ser mais importante do que simplesmente
comer esse doce. Não queremos dizer que a culinária possa prescindir da
comunicação, pois comunicar é inerente ao processo de transmissão de - 121 -
conhecimento técnico que se destaca no fazer culinário. O que propomos
aqui é que a culinária se relaciona à composição de saberes e sabores e
ela existe, na rotina das cozinhas, mesmo sem, necessariamente, estar
exposta na mídia.
Voltemos ao exemplo do chocolate, considerando-o um texto da
cultura que pode ser codificado pela linguagem da culinária e da gastro-
nomia simultaneamente. Na culinária o chocolate pode ser o ingrediente
principal de uma receita ou, ainda, o tema de uma matéria de revista de
culinária ou de um programa de televisão. Já na gastronomia ele será o
astro principal desses veículos de comunicação, destacado como o in-
grediente de sabor especial que irá levar seus consumidores ao universo
cultural mais especial dos sabores sofisticados.
No ambiente midiático da gastronomia, as espacialidades que se
observam oferecem visibilidades exponencializadas, que precisam ser co-
municadas na frequência vinculativa do excesso midiático – podemos di-
zer, inclusive, que a linguagem gastronômica tende sempre ao espetáculo.
Gera-se assim uma experiência cultural que parte do natural em conjunto
com o cultural, por meio de uma linguagem que cria imagens – o chocola-
te como algo a ser provado para satisfazer um apetite, e que passa a ser
mediado pela questão social de, por exemplo, ser um chocolate de valor
cultural do tipo gourmet.
Damásio (2011, p. 23) coloca que “a consciência não se resume
a imagens na mente. Ela é, no mínimo, uma organização de conteúdos
mentais, centrada no organismo que produz e motiva esses conteúdos”.
Daí apontamos que não se trata de processos descoordenados: se o co-
nhecimento é adquirido e codificado pelo nosso cérebro por meio da aqui-
sição de informações e consequente ação de inputs mentais, cada um
desses inputs que se realiza na formação da linguagem da gastronomia
acaba criando conteúdos mentais que, organizados, atuam na configura-
ção da linguagem da gastronomia contemporânea. No caso do chocolate,
tais inputs criam a simbologia de que o chocolate gourmet é melhor, mais
refinado e saboroso do que aquele comum e estabelecem essa percepção
como uma imagem consolidada do ingrediente gastronômico.
Não podemos desconsiderar que tais conteúdos e inputs mentais
também são afetados pela efemeridade típica das sociedades humanas
contemporâneas. Criadas no universo da cultura de massa e seus des-
- 122 - dobramentos, tais conteúdos e vinculações mentais são desenhadas em
um ambiente efêmero que precisa ser alimentado a todo momento por
novidades, dada a alta midiatização dessas comunicações, que substi-
tuem desejos constantemente, num incessante consumo de produtos e,
portanto, de imagens.
Lipovetsky (2009, p. 257) fala sobre este que é um estado muito re-
presentativo de uma cultura altamente midiatizada como a nossa:

Não há dúvida de que o estrondoso sucesso alcançado pelas diversas


manifestações da cultura mediática deve ser atribuído à sua capaci-
dade de oferecer um universo de mudança de ares, de lazer, de es-
quecimento, de sonho. Inúmeros estudos empíricos puderam assim,
sem grande risco, sublinhar que a evasão era a necessidade primor-
dial a sustentar o consumo cultural. Entre sociólogos como Lazarfeld
ou Merton e mais ainda entre filósofos como Marcuse ou Debord, a
cultura da evasão tornou-se um novo ópio do povo encarregado de
fazer esquecer a miséria e a monotonia da vida cotidiana.

Em um mundo de efemeridades, buscar ter ou ser algo diferente é


obrigatório. Mas essa não é apenas uma questão de se consumir produ-
tos, pois o próprio Lipovetsky na sua obra A Felicidade Paradoxal: ensaios
sobre a sociedade do hiperconsumo (2010), afirma que vivemos a busca
não por um produto que nos diferencie, mas sim por um produto emocio-
nal que nos faça sentir diferente. Tal questão é essencial na construção
da linguagem da gastronomia. Não basta parecer diferente. É preciso ser-
-visto como diferente, o que se dá pela modelização e pela ação dos tex-
tos da gastronomia.

5.1.2. A ação dos textos da gastronomia


A descoberta dessas espacialidades da gastronomia nos obriga
a ficar atentos às semioses que são geradas nesse processo. Machado
(2010, p. 92) diz que a semiose é a ação do signo e constitui o ponto cen-
tral dos estudos semióticos. Se estudar a semiótica é estudar logicamente
um dado sistema, é fato que buscamos a compreensão lógica de como
as espacialidades da gastronomia desvendam-se, estruturadas por uma
linguagem própria. A autora completa:

A semiótica estuda a semiose, ou ação do signo, na sua maior abs-


tração possível. Ela se interessa por compreender uma vasta gama de
fenômenos, como os mecanismos que regulam ações como reações
imediatas a estímulos, percepção, ostentação, representação, toma- - 123 -
das de decisão, formação de conceitos, compartilhamento de ideias,
produção de argumentos, retórica, persuasão, etc. Na verdade, onde
houver assimilação e interpretação de informação haverá ação do sig-
no, o que faz da semiose um fenômeno constitutivo e constituinte da
realidade (MACHADO, 2010 p. 92).

Os signos de representação da gastronomia são, muitas vezes, os


mesmos da culinária, mas suas semioses são sempre diferentes. Um doce
típico, que representa um país, como a goiabada no Brasil, é estruturado
por outros dois textos da cultura, a goiaba e o açúcar. Dependendo de
onde é cultivada, a goiaba terá um sabor especifico, pois será transforma-
da por climas e solos específicos – tendendo a ser mais doce em climas
muito quentes, como no nordeste do Brasil. Já o açúcar pode ser orgâni-
co, cristal, mascavo, ou ter todas essas características ao mesmo tempo.
Cada uma dessas variáveis produzirá um doce único, típico de uma deter-
minada região do País – mas ainda assim, como imagem, será produzido
um doce associado à imagem da típica goiabada brasileira.
A técnica de fazer a goiabada, muitas vezes associada a tachos de
cobre e pessoas que vivem no interior do Brasil, faz do doce um texto da
culinária, mesmo quando se trata da goiabada industrializada. Visto que
a visualidade da industrialização não se revela facilmente, a imagem que
sobrevive é a da goiabada caseira, que representa um pedaço da culinária
brasileira. Para que o doce se torne um texto da gastronomia precisam
entrar em cena algumas variáveis que levam a novas codificações, como
a embalagem, o local de venda da goiabada, a exposição desse produto
em locais de intenso fluxo de pessoas e a sua transformação em objeto
altamente midiatizado.
Uma simples goiabada produzida no interior de Minas Gerais passa
por um processo de ressignificação ao ganhar uma embalagem especial,
com lata de alumínio e embalagem desenhada e diagramada com apuro
estético. Além de ver seu preço aumentar exponencialmente, a goiabada
passa a apresentar outros significados, pois ela ganhou um tipo de vincu-
lação de texto especial, com atributos que alçam sua imagem ao universo
da vinculação gastronômica.
Esse tipo de transformação de valor de um texto da cultura do am-
biente da cozinha pode ser identificada também quando chefs de cozinha
famosos usam ingredientes tradicionais para criar receitas que acabam
- 124 - Figura 31:
Suflê de Goiabada
com calda de
Catupiry do
restaurante Carlota

por se tornar novos textos da cultura. Voltando à goiabada, podemos iden-


tificar um novo arranjo sígnico desse texto na receita “Suflê de Goiabada
com Calda de Catupiry” de Carla Pernambuco (figura 31), chef e dona do
restaurante Carlota, constantemente presente na lista dos melhores res-
taurantes da cidade de São Paulo.
A receita, criada há cerca de 10 anos, já se tornou tradicional no car-
dápio do restaurante ao ocupar sempre o topo do ranking das sobremesas
mais pedidas do local. A goiabada é um ingrediente – portanto um texto da
cultura -, usado em outro texto, a receita do suflê. Carla Pernambuco uti-
lizou textos representativos da cultura brasileira, a goiabada e o catupiry,
para criar uma receita naturalmente sofisticada na sua simplicidade: uma
mistura de claras de ovos, açúcar e goiabada faz o suflê que é regado no
prato com uma calda de catupiry com açúcar (figura 31).
Tecnicamente simples na linguagem da culinária, a receita se des-
taca gastronomicamente por unir bons ingredientes a um preparo simples,
que resulta em alta qualidade no prato e, por consequência, um uma ima-
gem de que aquela receita é sofisticada ao ser tão simples. Essa é uma das
características mais curiosas da gastronomia: os pratos mais sofisticados,
na maioria das vezes, são aqueles que usam os ingredientes mais simples,
que sejam obtidos por um processo de alta qualidade de produção.
Alimentos simples, receitas tradicionais compõem o cerne do luxo
gastronômico. Queijos cultivados há milênios, bebidas encontradas em
- 125 -
um só local no mundo, frutas que só nascem em condições climáticas
específicas exemplificam alguns dos textos mais representativos das igua-
rias gastronômicas da contemporaneidade. Na codificação dessa lingua-
gem, o simples, mas raro, se torna especial e adquire alto valor de troca.
Exemplos marcantes desse cenário são as trufas brancas, o champagne
francês, o presunto espanhol Pata Negra.
Sobre a trufa branca, por exemplo, o texto de Helena Galante no site
da revista Veja SP mostra o valor do ingrediente:

De aroma inebriante, a trufa branca fresca está entre as iguarias mais


caras do mundo. Um quilo pode custar mais de 3 000 euros, algo
em torno de 7 000 reais. Joia subterrânea, esse cogumelo, que não
pode ser cultivado, cresce espontaneamente junto a raízes de árvo-
res, principalmente na região italiana do Piemonte. Por se desenvol-
ver embaixo da terra em condições muito específicas de temperatura
e umidade, o delicado fungo, chamado de tartufo na Itália, precisa
ser caçado — literalmente — por especialistas. A busca requer o uso
de cães farejadores e se dá de outubro a, no máximo, dezembro. É
quando as trufas brancas chegam ao auge e chefs e restaurateurs
do mundo inteiro desembolsam fortunas para conseguir as melhores
(GALANTE, 2011).

Outros produtos caros e raros (não tanto quanto a trufa, é preciso


dizer) o champagne francês e o presunto Pata Negra também se desta-
cam como símbolos de distinção gastronômica. Diferentemente da trufa,
ambos são produtos industrializados, que recebem o cobiçado selo D.O.C
(em português), advindo do francês A.O.C (Appellation d’origine contrô-
lée)26. O selo certifica que um determinado produto foi produzido dentro
de uma região específica e controlada, para garantir a sua procedência e
sua qualidade. O processo de se demarcar a origem de um produto teve
início no mundo dos vinhos, sendo a primeira região demarcada do mundo
a do Rio Douro, em Portugal (Copello, 2009, p. 28). Logo
depois a França passou também a certificar seus produtos 26. Algumas traduções:
D.O. = Denominación de
típicos e hoje o país detêm o maior número de produtos
Origen – Espanha
com selo A.O.C. em todo o mundo, sendo o champagne o D.O.C. = Denominação de
Origem Controlada – Países
mais conhecido deles.
de língua portuguesa
Não é por coincidência que a França é um país cons- D.O.C. = Denominazione di
Origine Controllata – Itália
tantemente associado aos prazeres de comer e beber, pois Q.B.A = Qualitätswein
Bestimmter Anbaugebiete –
trabalha há anos essa imagem de reduto de bons ingre-
Alemanha
dientes e de boa comida, um paraíso para aquelas pessoas W.O. = Wine of Origin – África
do Sul
que Lipovetsky chama de “Homo Gastronomicus”:
- 126 - Os guias de cozinha e os livros de receitas que detalham os prazeres
gastronômicos invadem as prateleiras das livrarias. Jamais a gastro-
nomia, os chefs, os grandes restaurantes, os bons vinhos foram tão
comentados, auscultados, postos em cena pelas mídias. Ao mesmo
tempo, o mercado (vinho, café, chá, queijos, pão, água...) evoluiu para
níveis de qualidade superior: se os vinhos rotineiros declinam, os de
qualidade progridem. Em toda parte a oferta diversifica-se em sintonia
com uma demanda maior de sabores variados, de frescor, de “natu-
ralidade”. Os selos de qualidade (denominação de origem controlada,
biodinâmico, caseiro, serrano, selo vermelho) atraem cada vez mais
os consumidores. Contrariando a cantilena de degradação do gosto,
assiste-se na França a uma forte valorização do sabor dos alimentos,
assim como a uma forte recuperação do referencial prazer. A felicida-
de alimentar não se encontra mais sua plena expressão nos banque-
tes desmedidos, mas na sensualidade da degustação e na busca de
qualidades gustativas (LIPOVTESKY, 2010, p. 235).

Os selos de denominação de origem (figuras 32 a 35) de origem mos-


tram a expressão maximizada da semiose gastronômica do texto simples da
cultura, do ingrediente comum e típico como o mais especial, procurado e
valorizado do sistema da cultura relacionado à cozinha. Tal cenário implica
na análise das espacialidades que se desvendam em tais semioses, que
culminam em um tipo de visualidade que se desdobra em uma comunicabi-
lidade e, por conseguinte, uma visibilidade típica do espetáculo.

Figuras 32 a 35:
Em sentido horário:
selo de procedência
francês; selo italiano;
selo português que
certifica o queijo
Serra da Estrela e
selo brasileiro (o
primeiro do país)
a certificar os
vinhos do Vale dos
Vinhedos, no Rio
Grande do Sul
5.1.3. O espetáculo gastronômico - 127 -

Observar, apreender e analisar as espacialidades construídas no


processo de comunicação – aqui particularizadas na gastronomia – é um
caminho que demanda, a priori, um descolamento do conceito tradicional
de espaço, no sentido ortogonal e euclidiano do termo, e nas bases da
filosofia e da física.

Sem desprezar aquelas bases filosóficas e físicas, visto que impõem


os paradigmas fundamentais da cultura ocidental até meados do sé-
culo XIX, mas revendo-os para atingir outra possibilidade de estudo,
este trabalho tem como eixo de investigação considerar o estudo do
espaço como aquele fenômeno que se situa entre a mas se mostra
e se deixa apreender no modo como se constrói e, portanto, atra-
vés do modo como se ilumina e se torna evidente enquanto elemen-
to que se comunica e, desse modo, interfere na história da cultura
(FERRARA, 2008, p.8-9).

Percebemos o espaço pela sua linguagem na medida em que ele


se manifesta por meio de signos e atua nas relações comunicativas. A
espacialidade é uma categoria de análise, novamente utilizando conceito
de Ferrara (Ibidem), que possibilita ver e estudar mediações como as
propostas neste trabalho, oferecendo a possibilidade de se apreender
um objeto e a maneira como ele constrói o seu significado. Nesse sen-
tido, a espacialidade é o espaço experimentado e vivenciado, portanto,
transformado pelo ambiente e marcado pelas semioses de construção
de seu significado. Tais semioses se evidenciam também em outras ca-
tegorias de análise do espaço que acompanham a espacialidade: comu-
nicabilidade, a visualidade e a visibilidade.
A construção das espacialidades dos textos da gastronomia cria
um fenômeno curioso: uma comunicabilidade particular que, por sua vez,
gera visibilidades advindas dos alimentos operacionalizados e operantes
como textos da cultura. Parte-se de uma premissa simples, de um es-
paço comum e, por décadas, desprezado pelos estudos culturais e co-
municacionais, a alimentação, mas que revela muito das espacialidades
típicas que mostram a cultura comunicativa humana. Nesse caminho
as visibilidades se destacam exatamente na “coisificação” de alimentos
simples, como o presunto Pata Negra e o champagne, em simbolizações
que vão muito além do valor real desses produtos.
Experimentar um prato típico, um vinho com selo de origem con-
- 128 - trolada, faz aquela experiência particular ser ainda mais especial do que
seria, validada por meio de um selo como experiência altamente midiati-
zada. Atua aí uma comunicabilidade que vai além do consumo efêmero
apontado por Lipovtesky e começa a adentrar o território de McLuhan,
quando o meio transforma-se realmente na mensagem e vice-versa.
Explica-se: se a espacialidade que se deixa ver do champagne,
produto de origem controlada da região de Champagne, na França, é
aquela do produto especial, a comunicabilidade que se constrói tem es-
sas mesmas características e, portanto também a sua visibilidade se dei-
xa ver nessa aura de alto valor gastronômico, escondendo a visualidade
do alimento real, uma bebida fermentada tal qual o champagne é. Daí
que a visibilidade adentra o processo definitivamente, pois transforma a
bebida em um símbolo de bom gosto maior do que ela própria. Dificil-
mente o gastrônomo admitirá que prefere um espumante espanhol a um
champagne autêntico francês, pois aí ele iria contra a ordem simbólica e
social da gastronomia.
Nessa discussão sobre a comunicação e a cultura da gastronomia,
o signo deu lugar ao símbolo, a uma espacialidade que demanda uma
alta visibilidade. O local Champagne vai além do seu espaço geográfico
– a região francesa de mesmo nome. A cada notícia, propaganda, co-
mentário, a visibilidade dessa imagem domina o processo de comunica-
ção. O meio se transforma em mensagem e essa mensagem independe
do meio – só importa a menção da palavra “champagne” para que a alta
gastronomia seja invocada, independentemente do meio de comunica-
ção, da mediação ou da midiatização ali estabelecida.
McLuhan (1964, p.129) lembra que o “um meio de comunicação
cria um ambiente. Um ambiente é um processo, não é um invólucro.
É uma ação e atuará sobre os nossos sistemas nervosos e sensoriais,
modificando-os por inteiro”. Assim, no ambiente midiático da gastrono-
mia o selo de origem controlada atua sobre nosso sistema gustativo, nos
fazendo preferir o champagne autêntico.

5.2. A gastronomia nos meios de comunicação

5.2.1. A midiatização da cozinha


O desvendamento das espacialidades na comunicação se dá por
meio de um processo: entendemos que os alimentos são modelizados en-
quanto textos da cultura pelas linguagens da culinária e da gastronomia - 129 -
e são midiatizados pelos meios de comunicação, que podem ou não ser
meios de massa. Nesse processo as espacialidades atuam e se mostram
dentro da esfera da cultura, criando textos que estruturam uma linguagem
da gastronomia simbolizada pela espetacularização dos seus textos.
Acreditamos que a mente decodificadora, ou mente da cultura, que
transforma construtibilidade em visualidade, atue como uma interpretante
desse processo. Nessa interpretação, a mente da cultura, ou seja, o fun-
cionamento da cultura como um organismo, capaz de se organizar em
processos cognitivos (Lotman, 1990), torna-se a grande responsável
pela criação dos símbolos que representam a gastronomia na mídia con-
temporânea. Os ambientes da comunicação atuam como decodificado-
res dos sistemas culturais, construindo representações das mensagens. E
precisamos estar abertos a uma visão mais ampla de tais ambientes, que
do modelo clássico de emissor-receptor dos estudos clássicos de comu-
nicação, como lembra Baitello Jr.:

‘Ambiente’, do latim ‘ambiens/ambientis’ é particípio presente do verbo


‘ambire’, significando ‘andar ao redor, cercar, rodear’. A raiz indoeuropéia
‘ambhi-‘ (significando ‘em volta de’) também dá origem ao radical grego
‘anfi’ (de ‘anfíbio’ e ‘anfiteatro’), significando de um lado e de outro. De-
finido por Houaiss, ‘ambiente é “tudo que rodeia os seres vivos e/ou as
coisas”. Ora, os conceitos funcionalistas de ‘emissor, receptor e informação’
especializam e isolam momentos de um mesmo ambiente, amputando-lhe
a complexidade, as simultaneidades, as superposições. Em uma perspecti-
va diversa daquela, temos que verificar que cada coisa ou pessoa gera em
torno de si um ambiente saturado de possibilidades de comunicação, po-
dendo ser vista em qualquer dos papéis ou funções simultaneamente e de
modo não excludente. Assim, um ambiente comunicacional constitui uma
atmosfera saturada de possibilidades de vínculos de sentido e vínculos afe-
tivos em distintos graus. Será pois integrada em seu ambiente é que a ima-
gem permitirá entrever sua função (BAITELLO JR., 2007, p.2).

Se levarmos em conta ainda que no ambiente midiático da lingua-


gem da gastronomia atua uma gama incalculável de objetos, ingredien-
tes, técnicas de cozinha e outros elementos – essa atmosfera saturada
de possibilidades de vínculo, vemos que nessas espacialidades pode-se
observar a presença de uma tecnoesfera e de uma psicoesfera ligadas a
tais semioses da gastronomia.
Milton Santos (1999), em A Natureza do Espaço, coloca que a tecno-
esfera é o espaço da ação humana da ciência e da tecnologia, carregado
- 130 - de objetos técnicos e tecnológicos; fazendo um paralelo, a culinária adentra
o caminho da tecnosfera, pois nessa linguagem se revelam as espacialida-
des da técnica e do fazer. Na psicoesfera, reino das ideias e das crenças,
estruturam-se tanto a culinária quanto a gastronomia, mas com destaque
para esta última:

Ao mesmo em que se instala uma tecnosfera dependente da ciência e


da tecnologia, cria-se, paralelamente, e com as mesmas bases, uma
psicosfera. A tecnosfera se adapta aos mandamentos da produção
e do intercâmbio e, desse modo, frequentemente traduz interesses
distantes; desde, porém, que se instala, substituindo o meio natural
ou o meio técnico que a precedeu, constitui um dado local, aderindo
ao lugar como uma prótese. A psicoesfera, reino das ideias, crenças,
paixões e lugar da produção de um sentido, também faz parte desse
meio ambiente, desse entorno da vida, fornecendo regras à racionali-
dade ou estimulando o imaginário (SANTOS, 1999, p.204).

Para compreender esses dois conceitos, precisamos estar atentos


à questão da imaterialidade da psicosfera. Não se fala aqui do valor real de
troca de uma bebida como o champagne - ainda que este valor monetário
implique em uma determinada construção de sua representação media-
tizada. Na psicosfera impera o reino das crenças e paixões e é lá que se
constrói o valor simbólico das mensagens que associam uma comemora-
ção de verdade ao uso de um champagne genuinamente francês.
Temos nos meios de comunicação representações da gastronomia
que deixam ver espacialidades dessa linguagem contaminadas pelos am-
bientes da tecnosfera e da psicoesfera: precisa-se saber cozinhar, mas,
acima desse saber, domina a necessidade comunicativa de se conhecer a
gastronomia. De se saber o que ela é. O excesso de exposição da gastro-
nomia na mídia contemporânea deixa clara essa fascinação coletiva pelo
saber comer e saber cozinhar. Santamaria diz:

Definitivamente, a comida está na moda, tanto faz se se come ou não,


com ou sem apetite – fala-se da comida como de futebol. Quanto
menos se cozinha, mais se fala de cozinha. No trabalho, as pessoas
contam o que comeram no fim de semana ou em qual restaurante da
praia ou da montanha (SANTAMARIA, 2008, p. 160).

Na linguagem da gastronomia em muitos casos, não se come. Ape-


nas se fala em comida ou se vê fotos de ingredientes e pratos. É essa
psicoesfera que será investigada na procura, em midiatizações dos meios
de comunicação de massa, da descoberta de que maneira a linguagem da - 131 -
gastronomia se revela em espacialidades na mídia contemporânea.

5.2.2. A gastronomia nas páginas impressas


Quando se analisa a mídia impressa, seja no formato revista, jornal,
livros ou até mesmo catálogos e folhetos, estamos falando de uma espa-
cialidade essencialmente visual e diagramática, ainda que tais caracterís-
ticas não excluam a análise textual. Pelo contrário. O conjunto texto /fotos
(e/ou gráficos ou ilustrações) compõe uma imagem das páginas impressas
que deve ser analisada na sua espacialidade total e aí decomposta em
suas características, para que tenhamos um objeto de estudo pleno em
suas possibilidades comunicativas.
A mídia impressa que representa a gastronomia se distingue daque-
la que trabalha com a culinária por explorar a simbolização dos valores
da gastronomia como elementos do espetáculo e da exposição. Chefs,
personagens se consideram ou se transformam em gastrônomos e todo o
universo de ingredientes e técnicas sofisticados, assim como restaurantes,
lojas e mercados desse universo.
Para que uma revista seja considerada de gastronomia, o veículo
não pode apenas publicar receitas. A revista27 deve explorar o ambiente
midiático da gastronomia, ou seja, os chefs que fazem pratos especiais,
geralmente, inacessíveis ao público de massa.
As tecnologias e as técnicas de produção dos veículos midiáticos
não podem ser desconsideradas quando se estuda a espacialidade de um
ambiente da mídia, pois elas inscrevem suas características nas mensagens
e se tornam parte delas28. O jornal e a revista atuam em frentes jornalísticas
diferentes, mas o conteúdo de gastronomia pouco muda de um veículo para
o outro. Verificamos que há um modo de fazer a apuração jornalística e a
adequação de palavras do jornalismo para a gastronomia que vem se tor-
nando um texto repetido à exaustão na mídia impressa.
A capa do caderno “Comida” do jornal Folha de
27. Valendo o mesmo
S.Paulo do dia 8 de setembro de 2011 teve como tema a preceito também para os
jornais.
reportagem “Marmita de Bordo – Chefs ensinam a preparar
28. Como já discutimos
lanches saborosos para levar no avião, seguindo restrições
a respeito da adequação
aéreas” (chamada principal da capa). Na matéria chama a da mensagem ao canal na
questão da comunicação da
atenção para análise o início do texto: culinária.
- 132 - Para fugir da barra de cereais ou dos lanches sem gosto pelos quais
as companhias aéreas começaram a cobrar, viaje prevenido. (...) Para
ajudar na tarefa sem farofada29, o Comida pediu a seis chefs que pre-
parassem sugestões de lanches para levar no avião. Elas são válidas
apenas para voos nacionais. (...) Quem pegar um voo nacional longo
pode preparar um penne ao pesto de ervas com amêndoas e crocante
de “pancetta”, sugestão de Vagner Carlos de Souza, do Beco do Bar-
tô, no Paraíso” (CUNHA, 2011, p. G3).

Na construção dessa espacialidade, complementada pelas receitas


e fotos dos pratos propostos pelos chefs, destaca-se a obrigatoriedade de
uma refeição de grife. Não basta comer algo mais saudável: é necessário
evitar a “farofada”, tipicamente associada a uma marmita, selecionada, pre-
parada por um chef, para assim se obter um selo de qualidade gastronômica.
Qualquer pessoa que já viajou de avião na classe econômica sabe
que é impossível comer bem nesse meio de transporte. A comida servida
em altas altitudes foi pasteurizada, congelada e aquecida diversas vezes e
quando chega ao passageiro é apenas um arremedo do seu estado inicial.
Ao mesmo tempo não se pode caprichar no tempero ou no sabor, é neces-
sário um prato o mais homogêneo possível, que possa agradar a todos.
Assim, propor uma refeição especial é sugerir que o leitor, supostamente
um gastrônomo por excelência, possa se diferenciar desse estado pobre
de obter o alimento típico de quem tem voar em classe econômica. Jus-
tamente para trazer uma ambientação diferenciada, a primeira classe de
qualquer voo comercial faz propaganda ao oferecer aos seus passageiros
refeições gourmets, geralmente assinadas por chefs famosos, e bebidas
que se harmonizam com o cardápio. Por meio do consumo cria-se um
processo de hierarquia social e econômica, típico de qualquer meio de
produção da sociedade capitalista.
O blog da empresa de aviação aérea brasileira TAM Linhas Aéreas des-
taca o serviço especial de sua primeira classe, onde, além do conforto das pol-
tronas, o passageiro pode desfrutar de um cardápio especial:

Você pode ainda aproveitar nosso novo cardápio dos voos internacionais
29. Termo perjorativo
“Sabores do Mediterrâneo”, elaborado com a consultoria dos renomados
associado a refeições feitas
por em ambientes públicos chefs Javier e Sergio Torres e apresenta pratos desenvolvidos com base
por pessoas de baixo poder na culinária mediterrânea, conhecida por ser muito saudável, equilibrada
aquisitivo – fazer farofada e por sua riqueza gastronômica. Na Primeira Classe oferecemos 2 op-
é associado à falta de ções de entrada, sorbet, 5 opções de pratos quentes, queijos e 3 opções
elegância no comer em de sobremesas, nos serviços de jantar ou almoço (TAM, 2012).
público, à bagunça.
Ainda no caderno “Comida” e na mesma data, vemos uma as- - 133 -
sociação ainda mais inusitada: exército e comida gourmet. “Quartel
Gourmet – Antes sinônimo de comida ruim e improvisada, o Exérci-
to brasileiro tem agora cozinheiros com talento, formados em escolas
de gastronomia” (BONALUME, 2011, p. G4). Até mesmo o exército, no
mundo da gastronomia, precisa se adequar às regras, mostrando que o
hiperconsumo e a visibilidade da gastronomia chegam a esferas ines-
peradas como esta.
Afinal, pressupõe-se racionalmente e, até ousamos dizer, simploria-
mente, que para um soldado no exercício de sua função, que demanda alto
consumo calórico, só interesse comer e, de preferência, em grandes quanti-
dades. Mas para o universo da visibilidade gastronômica apenas comer não
importa. É fundamental imprimir características gourmets às refeições des-
tes soldados e, especialmente construir esse tipo de comunicação na mídia.
Afinal, não podemos desconsiderar que uma matéria jornalística como essa
parece ser produto de um trabalho intenso da assessoria de imprensa do
Exército, calcada também na busca constante da mídia especializada em
gastronomia por novas pautas. É preciso fazer o caderno especial do jornal
e todos os temas com uma simbolização gastronômica são bem-vindos.
O caderno onde foram publicadas tais matérias é o Comida, da Fo-
lha de S.Paulo, criado em 12 de maio de 2011. O jornal publicava duas pá-
ginas dedicadas à gastronomia, sempre às quintas-feiras, desde a década
de 90. Em 2011, impulsionado pela concorrência do caderno “Paladar” do
jornal O Estado de S. Paulo, a Folha de S.Paulo tomou a decisão editorial
de aumentar o espaço da gastronomia para um caderno semanal de oito
páginas. Na véspera da primeira edição, de 11 de maio de 2011, a matéria
de capa do caderno “Ilustrada”, especializado em cultura, fez a apresenta-
ção deste novo caderno do jornal:

Centrado na reportagem, o caderno pretende se destacar na presta-


ção de serviços que facilitem a vida do leitor e na cobertura do pro-
cesso de mudanças culturais que cercam o ato de comer. Neste mo-
mento em que a cozinha brasileira ganha projeção internacional com
a premiação de chefs e restaurantes paulistanos, Comida está atento
a novos comportamentos do setor e se propõe a refletir a mudança do
papel do cozinheiro hoje (FOLHA DE S.PAULO, 2011, p.E1).

Mostrando a superexposição da gastronomia e o aspecto lúdico do


- 134 -

Figura 36: quadro do caderno “Ilustrada” da Folha de S.Paulo de 11 de maio de 2011

hiperconsumo, a apresentação do novo caderno é ilustrada pelo chef Alex


Atala, o mais famoso chef da gastronomia brasileira30 e explica também
que as páginas impressas serão apoiadas pela plataforma online do jornal,
a Folha Online: “Na plataforma online, os blogs de Marcelo Katsuki, Ale-
xandra Forbes, Eduardo Passarelli, Cris Couto e Isabella Raposeiras serão
agregados à página da Folha.com, que passa a oferecer também um ban-
co de receitas” (FOLHA DE S.PAULO, 2011, p.E1). Destacando a impor-
tância que o jornal dá ao tema – visando atender às novas demandas de
consumo do leitor atual -, uma curiosa tabela das modas da gastronomia
fecha o final da página (figura 36), mostrando o quanto a moda e a gastro-
nomia são linguagens que se assemelham e, até, se complementam.
No quadro “Moda à mesa”, o jornal mostra os pratos que foram obri-
gatórios nos cardápios de bares, restaurantes e lanchonetes da cidade de
São Paulo nos anos de 1995, 1997, 1998, 2006 e 2009. Curiosamente a
explicação cita trechos do próprio jornal, fragmentos de matérias que apon-
tavam o prato como tendência da gastronomia. O subtítulo explica um fato
que acontece com muita frequência nos negócios da cozinha: se um ingre-
diente entra em voga, ele é usado à exaustão, até se desgastar econômica e
culturalmente. O desgaste aqui é mais próximo da massifica-
30. Em maio deste ano o
restaurante D.O.M., do chef ção industrial que populariza o produto, reduzindo o charme
Alex Atala, foi escolhido pela do raro.
revista britânica Restaurant
o quarto melhor restaurante Se há moda na gastronomia, não seria essa linguagem
do mundo.
da cozinha também um sistema cultural da moda, efêmero,
inclusive na sua representação nos meios de comunicação? Sim e não, pois - 135 -
na intensa recodificação da cultura, cabe ao efêmero que leva ao consumo
e à busca de novas paixões, a função de manter o interesse dos consumi-
dores de gastronomia. Na estruturação de linguagens, a recombinação de
textos e a sua adequação ao canal de comunicação é porosa e acontece o
tempo todo, o que explica porque os pratos entram e saem de moda, mas o
mesmo não ocorre com a alimentação.
Curiosamente, a superexposição da gastronomia observada nos
exemplos anteriores encontra um texto de oposição no mesmo veículo
jornalístico. No caderno “Equilíbrio”, também da Folha de S.Paulo de 8
de fevereiro de 201131: “Comida sem frescura – Já cansou dos cardápios
sofisticados, gourmets metidos e papo abobrinha? O movimento de rea-
ção à arrogância gastronômica é perfeito para você” (BIDERMAN, 2011,
p.6). A oposição ao glamour dos adeptos da gastronomia também pode
ser observada na revista Época de 27 de junho de 2011,em reportagem
da editoria Sociedade/Comportamento: “Você também é um gastrocha-
to? – Eles devolvem pratos, ralham com os chefs, têm blogs para criticar
restaurantes e em casa não aceitam mais comer arroz com feijão. Conheça
os novos (e fervorosos) militantes da alta gastronomia.
No primeiro exemplo, o início da matéria é bastante elucidativo sobre
a importância da gastronomia no mundo contemporâneo, mesmo quando
o ambiente midiático e cultural parece criar uma apologia
31. Atentemos para o fato
de cansaço e enfado desta exposição demasiada: de que, nesta data, o
caderno “Comida” ainda
não havia sido lançado.
Para você que come caviar e sonha com mio-
jo. Ou que sonha com caviar, mas não aguenta
mais ouvir coisas como uma-incrível-técnica-que-um-bistrô-em-Pa-
ris-usa para servir as ovas. Para você que tem preguiça de discutir a
metafísica da abobrinha. Esta história é pra você.
Comida boa, todo mundo gosta. Mas o problema é que para o gour-
met não basta comer: tem que contar. “O gourmet nunca esquece
o nome do morto. Enquanto come, faz menção expressa a ele, seja
javali ou alcachofra, e lembra de outros assassinatos e devorações an-
teriores, porque o prazer de comer deve vir acompanhado da memória
dos festins passados”.
A descrição acima foi feita em 1990 pelo escritor espanhol Manuel
Vazquez Montalbán (1930-2003), autor de Contra los Gourmets” (sem
tradução para o português.
Ótimo se prazer e palavrório se complementam, o último prolongan-
do o primeiro. Mas, de lá para cá, muitas trufas brancas rolaram, e o
pessoal se esqueceu de que o verbo não substitui a carne (ou o peixe
ou o frango). «Com a modernização da culinária e a hipervalorização
da alta gastronomia, as pessoas estão ficando cada vez mais ‹sofisti-
- 136 - cadas›, mas cada vez mais chatas. Elas discutem o prato em vez de
comer», diz André Barcinski, crítico da Folha e assumido “bom garfo”
(BIDERMAN, 2011, p. G6).

A frase de Montalbán, extraída da reportagem, ilustra bem o que


Barthes alertou no livro Mitologias, no capítulo “A Cozinha Ornamental”
(2003), que a gastronomia e especialmente, sua representação mediática,
ignora a fome do mundo, a crueza das formas e dos alimentos. A repor-
tagem cita ainda o depoimento da colunista de cozinha Nina Horta, que
escreve no mesmo jornal: “Essa comida não é minha e nem de ninguém.
Você já entrou na casa de sua vizinha e viu ela comendo javali com molho
de blueberry e agrião doce? (BIDERMAN, 2011, p. G7)”.
Entre aquilo que realmente se consome e aquilo que se deseja con-
sumir num ambiente mediatizado, observa-se uma espacialidade que é mo-
delizada pela linguagem da gastronomia. As pessoas discutem pratos sofis-
ticados, por força da espetacularização midiática dessa linguagem. Provam
tais pratos quando viajam, pois o turismo é um sistema de consumo que usa
amplamente a linguagem gastronômica para se comunicar e seduzir futuros
turistas. No entanto, essas mesmas pessoas podem estar saudosas da co-
mida mais simples da sua vida, aquela feita por suas mães ou avós.
O quadro 1, presente na matéria citada anteriormente do caderno
Equilíbrio (Ibidem), compara a gastronomia sofisticada ao seu contrário, a
cozinha “ogra”, sem nenhum refinamento, que visa apenas matar a fome.
Curiosamente, a tabela mostra também padrões da comunicação contem-
porânea adotados pela área da gastronomia que são rejeitados por aque-
las pessoas fartas dos tais exageros gastronômicos.
Outro exemplo é reportagem da revista Época sobre os gastrocha-
tos, pessoas leigas mas que, apaixonadas pela gastronomia, culinária e
cozinha, desafiam até conceituados chefs, e gravitam em torno do tema
comida 24 horas por dia. Paul Levy, citado no início da reportagem, deu
nome a esse tipo de comportamento em 1984, quando lançou a obra The
oficial foodie handbook: tais pessoas seriam os foodies, loucos por comida
e assuntos de cozinha.
A reportagem passeia por exemplos de foodies, pessoas que recla-
mam de tudo quando comem fora, a ponto de serem excluídas por amigos
de eventos em grupo, que deixam de apreciar o amigo foodie “encrenquei-
ro”. E explica que a alta gastronomia está em moda no Brasil:
Características da cozinha “ogra”, segundo o crítico - 137 -
( de cinema, não de culinária) André Barcinski
1 - Não pode ter nome começando por “Chez” ou terminando por “Bistrô”
2 - A comida precisa ocupar ao menos 85% da área total do prato (com preferência para
iguarias com um taxa de ocupação de mais de 100% dos pratos, como bifes que caem pelas
bordas dos pratos)
3 - Não pode ter “chef” e sim “cozinheiro”. Não pode ter “menu”, e sim “cardápio”
4 - Algumas palavras estão terminantemente proibidas nos cardápios: “nouvelle”, “brûlée”,
“pupunha”, “espuma”, “lâmina”, “lascas” e “contemporânea”
5 - Os garçons não podem ser modelos, manequins ou atores, com preferência para velhos e
feios
6 - Os garçons precisam passar no teste da colherzinha, que consiste em servir arroz com uma
só mão, juntando duas colheres, sem derramar um grão sequer
7 - Não pode ficar dentro de shopping center
8 - O teste final: se o garçom, ao ser perguntado “o que é ‘El Bulli’?”, responder qualquer coisa
que não seja “é onde eu sirvo o café”, o restaurante está sumariamente eliminado
Quadro 1: Tabela publicada no jornal Folha de S.Paulo de 27 de junho de 2011

Embora não tenham sido alvo de um estudo demográfico específico,


sabe-se que os gastrochatos são pessoas acima dos 30 anos, com
renda superior à média e bom repertório cultural. Muitos deles já viaja-
ram o mundo e têm experiência direta nos restaurantes internacionais.
Além de orar pessoalmente nos templos da Alta Gastronomia (em mai-
úscula, por favor), eles compram livros, fazem cursos e participam de
grupos de fiéis que adoram compartilhar conhecimento. Sua existên-
cia no Brasil é um fenômeno animado pela prosperidade econômica.
Na Inglaterra e nos Estados Unidos, os foodies floresceram nos yup-
pies da década de 1980 e nunca deixaram de existir. Neste momento,
esta legião de gourmets de Primeiro Mundo encontra-se órfã com a
notícia de que o restaurante elBulli, o templo fundador da cozinha mo-
lecular, fechará as portas em 31 de julho, para sempre. Quem nunca
provou lá a comida do chef Ferran Adriá não terá mais chance de fazê-
-lo. Nos últimos anos o Brasil tem oferecido condições econômicas e
culturais para criar a própria versão dos devotos de comida: pessoas
capazes de desembolsar, sozinhas, R$400 em um jantar sem bebida
alcóolica no D.O.M., de São Paulo – e reclamar do preparo do prato
(SEGADILHA, 2011).

A reportagem destaca também a convergência deste fenômeno cul-


tural e comunicativo com as mídias digitais: muitos foodies, ou gastrocha-
tos, criam blogs especializados para contar suas experiências gastronô-
micas, da compra de panelas à escolha de restaurantes sofisticados. Aí
há uma espacialidade comunicativa curiosa: a paixão por gastronomia é
representada na mídia impressa por meio do perfil de consumidores dessa
- 138 - linguagem que a valorizam demasiadamente. A princípio, o texto parece
enaltecer tal comportamento, mas o tom discursivo da reportagem é crí-
tico, estabelecendo um olhar de reprovação para tantos exageros. Prova-
-se, assim, que tais pessoas são chatas mesmo – ao menos do ponto de
vista do editor da revista Época. Outra dicotomia é que mesmo depois de
adotar tal posicionamento discursivo, a revista abre espaço para a publi-
cação do endereço dos blogs dessas pessoas loucas por comida que ela
critica. Mesmo se considerarmos que é parte da práxis jornalística ouvir os
dois lados, não deixa de ser notável que a revista chame esses blogueiros
de chatos, mas, ao mesmo tempo, divulgue os trabalhos deles.
No fazer jornalístico de veiculação de notícias, a mídia impressa
normalmente responde pelo espaço onde se pode trabalhar o maior apro-
fundamento e desenvolvimento das notícias, onde se pode ir mais a fun-
do nas questões discutidas. De fato, verifica-se uma preocupação dessas
matérias em jornais e revistas ao retratar, entender e até discordar da su-
perexponibilidade da gastronomia contemporânea. Entretanto, não pode-
mos deixar de lembrar que a espetacularização é construída também pela
mídia impressa. Na exaltação de chefs, pratos e ingredientes típicos de
revistas e jornais, cria-se a imagem da gastronomia superior e desejável.
Depois, cabe à mídia impressa rechaçar o fenômeno que ajudou a existir.
A reportagem, ao final, tenta explicar as razões de tanta paixão contempo-
rânea pela gastronomia:

O Brasil é um país com pouquíssima tradição em alta gastronomia.


A ligação com a grande cozinha europeia começa em 1980, com a
chegada ao Brasil dos chefs Claude Troisgros e Laurent Suaudeau.
Filho de Pierre Troisgros, um dos principais nomes da nouvelle cuisine,
Claude chegou ao Brasil para assumir a cozinha do Lê Pré Catalan,
restaurante do hotel Sofitel no Rio de Janeiro. Por aqui, ele conta,
teve enormes dificuldades para trabalhar, principalmente pela falta de
ingredientes e de mão de obra especializada. “Naquela época não se
encontrava creme de leite fresco nem manteiga de boa qualidade. Tru-
fas então, nem pensar”, diz Troisgros. (...) Estamos vivendo uma época
próspera, em que as pessoas saem mais para comer e, consequente-
mente, reclamam mais”, diz Alex Atala. Seu restaurante D.O.M. foi co-
locado neste ano pela revista britânica Restaurant – a mais respeitada
do universo da gastronomia – como o sétimo no ranking de melhores
do mundo. Mesmo assim, ele ouve queixas. “Acho chato quando al-
guém sem repertório vem falar mal, embora a gente sempre ouça o
cliente”, diz. É bom os chefs se acostumarem a isso. Os gastrochatos
vieram pra ficar (SEGADILHA, 2011, p.60).
É fundamental observar que a fala de Claude Troisgros32 mostra o - 139 -
destaque dado aos ingredientes (alimentos) que simbolizam aquilo que se
considera como símbolos da alta gastronomia: dentre outros podemos ci-
tar creme de leite fresco, manteiga e, especialmente, trufas.
Na reportagem “Sirva-se: levantamento feito pelo Estado somou
nada menos que 90 horas semanais inéditas de gastronomia na nossa
TV”, capa do caderno “TV” do Jornal O Estado de S. Paulo, de 8 de maio
de 2011, explora-se a visualidade construída neste ambiente midiático,
quando a mídia impressa discute o formato gastronômico no seu modelo
mais exposto para as massas, que é a televisão, o programa audiovisual.
A reportagem destaca que, no momento de sua publicação,
contabilizavam-se 360 horas inéditas de programas de
32. Personagem importante
culinária e/ou gastronomia e que 13 canais acolhem pro- na construção midiática da
gramas do gênero gastronomia e/ou culinária. Fenôme- gastronomia no Brasil, pois
é o apresentador de um
nos motivados, como lembra o texto, pelo interesse do programa de destaque na TV
a cabo, o Que Marravilha!
mercado publicitário que vem patrocinando e, portanto,
promovendo o boom desse gênero:

Para a diretora de mídia da Ogilvy, Daniella Gallo, esse tipo de pro-


grama sempre vai atrair a atenção do mercado publicitário: “Isso é de
extrema importância para o mercado alimentício. Por exemplo, porque
é a oportunidade de fazer um merchandising, mostrar o seu produto,
é mais uma ferramenta onde a gente pode contatar este público. Pro-
gramas assim têm uma finalidade”, sustenta.
O diretor executivo da Chef TV, José Eduardo Nicolau, explica que a
ideia (de criar uma emissora) nasceu da crescente demanda por parte
de um grande público, de assuntos ligados à gastronomia – entenda-
-se culinária, bebidas e o universo cultural ligado à alimentação. A
sinalização do interesse por esse tema vem aparecendo há algum
tempo fortemente na mídia impressa, de revistas a cadernos especia-
lizados de jornais, a internet e programas de televisão aberta e paga
(PINHEIRO, 2011, p.G6).

Podemos afirmar que se a gastronomia é superexposta na contem-


poraneidade, tal fenômeno não se dá por um interesse comum pelo tema
e sim por uma construção capitalista, que une o prazer proporcionado pela
comida aos produtos midiatizados da indústria dos alimentos em ascen-
são. No capitalismo, qualquer interesse que pareça ser espontâneo será
prontamente abraçado pelas estratégias de consumo e de publicidade,
gerando ainda mais exposição desse interesse. Assim, a farta midiatização
da gastronomia também advém das estratégias de publicidade e o inte-
- 140 - resse de canais de televisão, jornais, revistas, livros e mídias digitais pelo
tema só se sustenta ao ter arcabouço monetário.
Voltando aos exemplos da mídia impressa, nos interessa também
discutir a comunicação impressa que representa a gastronomia e que gera
textos opinativos como “Cupcakes”, de Marcelo Coelho, publicado no jor-
nal Folha de S.Paulo de 24 de novembro de 2010 ou “Chefs do desejo”, de
Nina Horta, publicado no mesmo jornal em 7 de dezembro de 2011.
No primeiro texto, Coelho discorre sobre a moda dos Cupcakes,
bolinhos cobertos com um creme doce de manteiga, típicos da cidade de
Nova York e que se tornaram mania nas capitais brasileiras desde 2010.
O uso de cupcakes em festas infantis, de casamento, simboliza hoje bom
gosto, conhecimento gastronômico e sintonização com as tendências da
área. O autor fala sobre as lojas especializadas nos doces e sua concep-
ção visual, afirmando que os cupcakes lhe parecem “bolos de brinquedo,
apelando a cores suaves: o rosa-fita-de-cabelo, o azul-xampu, o branco-
-pompom. Pertencem a um mundo E lembra que já existe a resposta na-
cional aos cupcakes norte-americanos: “o brigadeiro gourmet” e cita uma
das lojas especializadas neste doce, a Maria Brigadeiro:

Mas chego atrasado aos fatos. Já existe uma “Maria Brigadeiro”, que
é a resposta da nossa cultura à invasão dos cupcakes. O princípio é o
mesmo: fazer daqueles docinhos de festa, que antigamente eram en-
golidos à baciada, pequenas obras-primas da confecção prêt-a-porter.
Cada brigadeiro, assim como cada cupcake, será uma experiência úni-
ca. Você que trate de escolher direito. O brigadeiro com lascas de pis-
tache, o cupcake com raspas de laranja, um grãozinho de café ou um
microturbante de suspiro em cima, a sua opção é irreversível, não have-
rá outro doce a comer nos próximos dias. (...) O bolo do mostrador de
vidro refrigerado, suando em bicas sob a luz fluorescente, seguia ainda
uma receita antiga, daquelas que “rendem de oito a dez porções”. Uma
fatia de bolo, como a de pizza, pressupõe a reunião familiar em volta de
uma mesa. O cupcake introduz, nessas muralhas de resistência afetiva,
o espírito de cada um por si (COELHO, 2010, p.E13).

Esse individualismo que o autor diagnostica e relata em sua crôni-


ca, conta a história de uma imagem única, a do cupcake que substitui o
bolo de festa, familiar e típico de comemorações íntimas, uma espécie de
“comfort food gastronômica”. Com o cupcake, cada comensal faz a sua
festa individual, miniaturizada e particularizada. O doce faz a simulação do
bolo grande, mas em um formato diminuto e adequado a uma sociedade
individualista e particularizada, como pode ser visto na figura 37.
- 141 -

Figura 37: Cupcakes da Wondercakes,loja paulistana especializada no doce

Já sobre a moda da gastronomia, a outra coluna citada, de Nina


Horta, lembra que há um exagero na importância que se dá à comida hoje:
“(...) não se falava muito em comida, apenas comia-se sem muito estar-
dalhaço. Até o outro dia. Hoje levamos um susto ao abrir o Facebook.
Não é possível! Por que me interessaria pelo que eles todos comeram
hoje?” (HORTA, 2011, p.E8). Ela lembra também que, num passado recen-
te, ninguém conhecia o chef do restaurante ou se interessava por ele. Hoje,
entretanto, se exige conhecer o chef, ele é mais interessante, em muitos
casos, do que a própria comida:

E exige-se tanto de um chef como de um santo. Além de saber cozinhar


bem, precisa ter tino para negócios, manter seu blog perfeito, aparecer
na capa das revistas, fazer propaganda de sopa de tomate e tatuar o
torso. Sair no guia, ganhar o concurso, ter um programa de TV, cozinhar
na cozinha-aquário de vidro como um peixe fosforescente listrado, es-
crever um livro com noite de autógrafos lotada (HORTA, 2011, P. E8).

A mídia impressa caracteriza-se assim por mostrar espacialidades


da discussão do espetáculo da gastronomia, ao mesmo tempo que o ma-
terializa e intensifica. Mesmo o tom crítico das duas colunas de opinião
citadas não deixa de colocar o assunto na pauta do dia, mostrando que a
gastronomia é uma linguagem de tão alta midiatização que se mostra em
muitos espaços nobres da comunicação, como os jornais e as revistas.
Aliás, em relação a estas últimas, as revistas, destaca-se a estruturação
da linguagem dos veículos especializados em gastronomia por meio da
- 142 - sobrevalorização dos elementos já encontrados nos jornais: as matérias
de gastronomia utilizam simbologias próprias dessa linguagem, como o
uso de ingredientes elaborados, a personificação de reportagens em chefs
famosos e a sobrevalorização de restaurantes sofisticados.
Observamos nas revistas a construção de uma representação da lin-
guagem gastronômica muito próxima àquela observada nos jornais. Na ver-
dade, ocorre o fenômeno oposto: cadernos especializados de jornais ten-
dem a ser muito semelhantes ao formato das revistas, por requererem um
melhor tratamento visual e um maior aprofundamento dos temas. Assim,
temos um fenômeno de representação midiática muito próximo entre revis-
tas e jornais, sendo que a revista formatou a concepção de tais cadernos.
Outra questão que precisa ser destacada é a de que, assim como
na culinária, a receita em revistas de gastronomia é um formato indispen-
sável. As quatro principais revistas brasileiras – Prazeres da Mesa, Gula,
Gosto e Menu – não dispensam as receitas. Mesmo que a receita tenha
um alto grau de dificuldade de execução, ter o texto ali mostra que há real-
mente naquele veículo uma proposta mais próxima ao universo da cozinha
do que matérias sobre restaurantes refinados e vinhos de safra especial.
As quatro revistas costumam destacar as receitas nas suas capas,
visto que tais textos da cultura são grandes atratores da atenção dos leito-
res. Todas apresentaram em suas capas de outubro de 2012 alguma refe-
rência às receitas publicadas naquele mês, mas nota-se que são receitas
gastronômicas, repletas de alimentos gourmets. Em Prazeres da Mesa (figu-
ra 38), que se auto-intitula a “Bíblia da gastronomia”, destaca-se justamente
o grande número de receitas: 80, com direito a um círculo amarelo próximo
ao logo da revista, que cumpre a função de, na configuração visual da pági-
na, tratar essa informação como uma das mais importantes da edição,
Em Gula, o destaque da revista e configurado em chamada principal
é a receita da “Lasagna do chef – Roberto Ravioli eleva a receita familiar
ao nível celestial” (figura 49). Na revista Gosto, o destaque para a palavra
receita é menor, aparece apenas na segunda chamada do canto superior
esquerdo (Peixe ao sal) – mas devemos lembrar que este é um espaço pri-
vilegiado de visualização, pois capta a atenção do olho humano em primei-
ro lugar (figura 40). Já em Menu (figura 41), a chamada principal fala sobre
“Comida na escola – no mês da criança, conheça o que os colégios fazem
para estimular a alimentação infantil saudável e aprenda seis receitas fá-
- 143 -

Figura 38:
Edição de outubro de 2012
de Prazeres da Mesa

Figura 39:
Edição de outubro
de 2012 de Gula
- 144 -

Figura 40:
Edição de outubro
de 2012 de Gosto

Figura 41:
Edição de outubro
de 2012 de Menu
ceis de fazer com a criançada”. Assim, podemos dizer que a receita, na - 145 -
linguagem gastronômica impressa, ainda funciona como um texto-código,
tal como opera na linguagem culinária.
Na espacialidade das revistas de gastronomia brasileiras, precisamos
destacar que a fronteira entre essa linguagem e a culinária é demasiadamente
tênue. Assim como no caso dos jornais, identifica-se a presença da lingua-
gem gastronômica pela constituição de textos que se destacam por suas ca-
racterísticas de visibilidade: as receitas gourmet, os textos que se destinam a
experts da cozinha e, claro, a presença de ingredientes obrigatórios neste sis-
tema da cultura como vinhos e azeites extra-virgem, por exemplo. No entanto
distinguimos como traço marcante destas revistas que elas também precisem
se apoiar nas receitas, o texto-código por excelência da culinária.
Mesmo contendo uma quantidade muito maior de reportagens, se-
ção de notas e colunistas do que as típicas revistas da linguagem culinária,
compostas por receitas e fotos, aquelas voltadas à gastronomia destacam na
capa suas receitas e sempre complementam as principais matérias jornalís-
ticas com este tipo de texto da cultura. Consideramos que a representação
da linguagem da gastronomia na mídia impressa expõe a modelização do
sistema cultural da alimentação que originou essa linguagem: a simulação do
espetáculo contínuo, quando todos os assuntos abordados se tornam con-
teúdos sofisticados. Como a convergência de mídias mostra que todos os
meios de comunicação se hibridizam e transformam continuamente, veremos
um dos formatos que explora sobremaneira as características espetaculares
da linguagem gastronômica: os programas de televisão.

5.2.2. Os guias de gastronomia


No estudo das estratégias da comunicação da gastronomia, a ques-
tão dos guias turísticos e gastronômicos é importante para entendermos a
constituição da gastronomia em páginas impressas. Ainda hoje, o guia Mi-
chelin (figura 42), lançado em Paris em 1900 foi um dos mais significativos. A
empresa de pneus Michelin lançou o primeiro guia gastronômico do mundo
naquele ano, citando apenas os restaurantes de Paris. A classificação dos
restaurantes – que varia até hoje de uma a três estrelas – começou em 1933,
qualificando os restaurantes de Paris e do interior da França. Atualmente, o
guia Michelin conta com edições em diversos países do mundo e conseguir
figurar nas suas páginas costuma constituir o “grande sonho” de muitos
profissionais da cozinha, tornando-se até uma doentia obsessão.
- 146 - Este foi o caso do chef Bernard Loiseau do La Côtè D’Or em Sau-
lieu, interior da França, que cometeu suicídio em janeiro de 2003, quando
um colunista do jornal francês Le Fígaro, François Simon publicou uma
pequena nota sobre um possível rebaixamento do restaurante no Guia Mi-
chelin daquele ano. O restaurante não perdeu nenhuma de suas 3 estre-
las, mas o suicídio do chef repercutiu no mundo gastronômico como ato
extremo da pressão exercido pelo status de ter três estrelas e ser um chef
renomado – mostrando o alcance e o apelo do guia Michelin.
O universo tradicional dos guias de gastronomia, representado
pelo Michelin, passou por um solavanco no começo da década de 1990,
quando Tim e Nina Zagat, dois advogados interessados por gastronomia
da cidade de Nova York, nos Estados Unidos, criaram os guias Zagat (fi-
gura 43). Unindo suas opiniões próprias a respeito dos estabelecimentos
e fazendo pesquisa com amigos, eles começaram uma iniciativa por via
oral que acabou se transformando em um guia cuja capa vermelha e alon-
gada se tornou conhecido e presente em mais de 45 cidades do mundo.
O diferencial dos guias Zagat é apostar não apenas na opinião de
críticos especializados em gastronomia, como faz o Michelin, mas bus-
car a opinião de pessoas comuns, apenas interessadas em comer bem –
como eram os autores do livro. Hoje, pode-se ter acesso ao conteúdo das
pesquisas Zagat por meio de tablets e internet, além dos guias impressos.
A empresa, hoje global, é avaliada em US$ 120 milhões.
Os guias Zagat são divididos por capítulos coloquiais, como “os
50 restaurantes mais populares de Nova York” ou os “50 mais bonitos”,
fugindo da classificação de estrelas que caracteriza o Michelin. No tipo tra-
dicional de avaliação de um restaurante, que predomina em guias, jornais
e revistas, o crítico gastronômico vai ao local, geralmente mantendo seu
anonimato, e faz duas ou três refeições antes de avaliar atendimento, ser-
viço e, claro, a comida. No Zagat, a avaliação é realizada pelo público que
frequenta costumeiramente o local . A premissa fundamental da pesquisa
Zagat, como afirmaram os próprios autores, é que a classificação de um
restaurante com base em centenas ou mesmo milhares de experiências é
inerentemente mais justa e precisa do que depender de um revisor e ape-
nas algumas refeições.
O tipo de avaliação dos guias Zagat, ainda que sofra constantes crí-
ticas como a de reduzir demais a avaliação do restaurante a pontos como
- 147 -

Figuras 42 e 43:
À esquerda: guia
Michelin França
2012 (edição
francesa) e à
direita, guia Zagat
Nova Iorque 2012
(edição norte-
americana)

decoração e ambiente, nos leva a um trabalho que deixa de ser autoral e


passa a ser resultado de um esforço em conjunto, com a participação de
anônimos. Clay Shirky, na obra A Cultura da Participação (2011), ocupa-se
exatamente do estudo deste tipo de fenômeno na sociedade contempo-
rânea e aborda um conceito interessante para falarmos do exponencial
midiatização da gastronomia: o “excedente cognitivo”:

Este livro trata do novo recurso que surgiu quando o tempo livre
cumulativo mundial pode ser considerado na sua totalidade. As duas
transições mais importantes que nos permitem acessar esse recurso
já aconteceram - a criação de muito mais de 1 trilhão de horas de
tempo livre por ano na parte instruída da população mundial, e a
invenção e a disseminação da mídia pública, que permite aos cida-
dãos comuns, antes deixados de fora, o uso desse tempo livre na
busca de atividades das quais gostem ou com as quais se importem
(SHIRKY, 2011, p. 29-30).

De fato há um excedente de tempo livre e de interesse de um pú-


blico instruído hoje que pode levar a mudanças paradigmáticas como
essa que vai do parâmetro de avaliação do Michelin ao parâmetro dos
guias Zagat. Não dizemos aqui, com certeza, que o guia Michelin perdeu
importância no cenário da crítica gastronômica – ao contrário, continua
forte como referência para movimentar negócios de turismo e gastrono-
mia. O que queremos ressaltar é que seu modelo não é mais o único dis-
- 148 - ponível no mercado, como aconteceu durante quase todo o século XX.
No novo mercado de comunicação, mudou também o papel dos guias e
assim como nas redes sociais (e por influência delas, inclusive) a opinião
de pessoas comuns, consumidores de restaurantes, bares e estabeleci-
mentos dedicados ao comer e ao beber, importa e pode mudar o cenário
da culinária e da gastronomia.
Além dos guias de gastronomia, outros importantes avaliadores
do mundo gastronômico surgiram no século XX: as revistas especializa-
das. Delas, hoje se destaca a revista inglesa Restaurant que desde 2002
publica um ranking anual de 50 melhores restaurantes de todo o mundo.
Com crescente prestígio na área, hoje a lista da Restaurant ganhou mais
importância na avaliação de restaurantes do que muitos guias tradicio-
nais, graças a uma estratégia de divulgação da premiação, que impacta
no mundo dos negócios ligados à alimentação. No site da revista (2012)
podemos ler a apresentação do prêmio:

A lista de melhores restaurantes do mundo foi criada em 2002 pela re-


vista Restaurant. A ideia nasceu de um projeto da revista para atrair jo-
vens chefs e talentos entre os donos de restaurantes no Reino Unido. A
iniciativa despertou interesse mundial e no ano seguinte, em 2003, não
havia como a lista não ser publicada novamente – e dessa vez com uma
noite de premiação para agraciar os escolhidos.
Desde 2002, a maneira como a lista é criada foi alterada para refletir as
tendências de mudança constante da gastronomia, sempre na busca
de torná-lo mais justo e representativo possível. Esta não é uma tarefa
fácil, pois o projeto é muito dinâmico. Em seus primeiros anos, alista
dos 50 Melhores foi dominada por restaurantes europeus, e teve uma
dose razoável de restaurantes do Reino Unido também, o que não é
exatamente justo. Mesmo agora, nós somos os primeiros a admitir que
o ranking não é perfeito. O que a revista pretende fazer, com a sua mis-
tura de críticos, gourmands, chefs e restaurateurs, é criar uma lista que
tenha um peso justo, tanto geograficamente como em estilos gastro-
nômicos. Organizado pela Restaurant Magazine, o ranking 50 Melhores
Restaurantes do Mundo visa despertar o desejo de as pessoas falarem
sobre restaurantes, e para instigar a inovação em uma indústria emo-
cionante como a gastronômica (RESTAURANT, 2012, minha tradução).

A explicação mostra a forma de ideia do ranking, de zelar pela diver-


sidade de restaurantes em todo mundo – ainda que admita que haja uma
predominância dos estabelecimentos europeus. O ranking atual, anuncia-
do em 2 de maio de 2012, foi formulado por meio do voto de 800 jurados
ligados à gastronomia e distribuídos pelo mundo. No júri, há críticos, es-
critores e especialistas culinários. Os editores da Restaurant afirmam que
a escolha dos restaurantes vai além do critério de boa comida, pois tam- - 149 -
bém são levados em consideração a experiência de jantar, a inovação do
estabelecimento e arte de fazer a comida.
No campo das avaliações nota-se que o modo distante de ava-
liar estabelecimentos do guia Michelin já não comporta mais a cozinha
contemporânea: assim como os guias Zagatt, a revista Restaurant precisa
mostrar que fala com seu leitor, não lhe impõe ordens, mas aconselha ca-
minhos do bom gosto. E fala isso na linguagem da gastronomia: gostar de
comer e de cozinhar e ter espírito apto a experimentar novidades.

5.3. A televisão que se come com os olhos


Se no capítulo anterior abordamos os programas de tevê relacio-
nados à culinária, cabe-nos agora o desafio de distinguir o tipo de es-
pacialidade que se constrói nesse ambiente, daquela que verificamos
nos programas de televisão sobre gastronomia. Já é possível afirmar,
como no estudo das outras espacialidades e até mesmo na definição
dos conceitos até aqui analisados, que a comunicabilidade da culinária
e da gastronomia apresentam tênues fronteiras, que interagem continu-
amente entre si. No entanto, há traços distintivos nítidos na modelização
desses programas que poderão nos auxiliar na distinção entre os dois
tipos de textos da cultura.
A princípio, pontuamos que o programa de gastronomia mostra a
visibilidade e a exponibilidade do saber-fazer gastronômico, que é es-
petacular na sua midiatização. Como exemplo, destacamos o programa
Guerra dos Cupcakes (figura 44), transmitido no Brasil pelo canal pago
Discovery Travel and Living. Nele, grupos de competidores – doceiros e
confeiteiros especializados em cupcakes – travam uma disputa semanal,
quando quatro dos melhores confeiteiros desse tipo de doce dos Estados
Unidos se enfrentam em três disputas eliminatórias, até restar apenas um
participante. O vencedor leva para casa um  prêmio de 10 mil dólares e a
chance de expor seu trabalho em um evento patrocinado pelo programa
(uma inauguração de loja, por exemplo). Na figura 45 podemos ver uma
das competidoras em ação, confeitando dezenas de bolinhos. Não há
nenhuma novidade no formato do programa, absolutamente comum na
história da televisão, ainda mais depois do recente fenômeno dos reality
shows. A novidade está no objeto do programa: os cupcakes e, em um
- 150 -

Figuras 44 e 45:
Acima, logotipo do programa de televisão Guerra dos Cupcakes
e à direita, imagem do programa: disputa pelo melhor bolinho

espectro maior, a gastronomia.


Um desafio comum de Guerra dos Cupcakes é pedir que os com-
petidores façam 4 tipos de bolinhos diferentes em 4 horas, da massa
à decoração. Toda a construção do programa é editada destacando-se
as partes mais emocionantes, e passa ao telespectador a sensação de
competição, correria, de confronto – em pouco mais de alguns minutos
de exibição. Críticas ácidas e destrutivas são comuns na hora dos jul-
gamentos dos cupcakes, aumentando o componente espetacular, pois
muitos personagens choram e têm crises nervosas no ar. Entre um jul-
gamento e outro, os competidores mal-avaliados julgam os demais, em
quadros que parecem particulares, como se estivessem confessando in-
vejas e ressentimentos em um quarto33.
Neste caso, estamos diante de um tipo de comunicação do si-
mulacro. Não importa o referente, no caso, o cupcake. Só importa na
comunicação desses programas a competição, os desmandos e grita-
rias. O bolinho é apenas um artifício para atrair aqueles interessados em - 151 -
gastronomia e na moda desses doces, seduzidos pelo uso de cores e
confeitos e, claro, pelo bom status do doce. Baudrillard (1981, p.105) nos
apresentou o conceito de simulacro, sobre o qual ele afirma que: “Em vez
de fazer comunicar, esgota-se na encenação da comunicação. Em vez
de produzir sentido, esgota-se na produção do sentido”. Os reality shows
de gastronomia se apoiam totalmente na questão do simulacro.
Enquanto o programa de culinária, passa ao seu público informa-
ções práticas como receitas e informações sobre técnicas e ingredientes,
o reality show gastronômico é uma eterna encenação sem sentido, uma
espacialidade totalmente focada no entretenimento, que contamina so-
bremaneira todos os demais formatos. Nada é comunicado, o processo
vinculativo se dá totalmente apoiado na encenação da comunicação. O
espectador interessado em aprender a fazer cupcakes se frustará com
o programa. É apenas uma encenação de que se discute o tema em A
Guerra dos Cupcakes. Não há o referente no doce, apenas no próprio es-
petáculo do reality show.
No Brasil, esse tipo de reality show vem fazendo cada vez mais su-
cesso, em termos de repercussão, especialmente em razão da exposição
desses textos da cultura nas redes sociais. A tabela da figura 46, extraída
da edição de agosto de 2012 da revista Monet34 mostra quais são os pro-
gramas de gastronomia das televisões pagas brasileiras35 e, em destaque,
quais deles são reality shows:
O formato reality show se destaca, pois estrutura a comunicação do
espetáculo como nenhum outro. Ao consumir as imagens
desses reality shows de gastronomia consomem-se simu- 33. Tal metodologia de
programa de TV é típica
lacros apenas. Em nenhum deles interessa propriamente dos reality shows e o uso
a comida, mas sim o cenário, o ambiente de competição, do quarto-confessionário
é feito também pelo Big
ofensas e pretensa “vida real” que caracteriza tal formato. Brother Brasil, exibido pela
Rede Globo e que em 2012
Nota-se que a programação do canal GNT é a mais realizou sua 12º edição.
focada em atrações que também tem similaridades com o
34. Revista customizada
reality show, como Que Marravilha!, mas a maior parte da do sistema de televisão
a cabo NET
grade é composta por programas de chefs que fazem e
apresentam receitas para serem repetidas. Este é o caso de 35. É na TV a cabo do
Brasil que se concentram os
Jamie Oliver, Nigela Lawson e de Chuck, o rapper de Recei- programas de gastronomia,
especialmente os reality
tas de Chuck que realiza a montagem dos pratos utilizando shows.
o incomum o rap como trilha sonora.
- 152 -

Figura 46: Página 55 da revista Monet de agosto de 2012


Que Marravilha, apresentado pelo chef francês Claude Troisgros - 153 -
(mostrado na figura 47 com uma anônima durante cena do programa), ra-
dicado no Brasil há mais de 30 anos, exemplifica bem o que é a linguagem
gastronômica na sua gênese como programa de tevê e na sua abertura. O
chef já era conhecido do público do canal GNT por causa de sua partici-
pação em outros programas relacionados à gastronomia. Daí o canal criou
uma atração apenas para Troisgros.
Hibridizando os códigos midiáticos de reality show e de programa
de culinária, Que Marravilha! não abandona o universo sofisticado e exclu-
sivo da gastronomia, tendo em vista que nunca se cozinha um macarrão
ao sugo, ou seja, um prato simples, mas sempre algo como um “Filé a
Wellington”36 ou um “Salmão com chuchu ao vinagrete” e “Suflê37 de Goia-
bada”. Observa-se uma estrutura de linguagem televisiva que pretende
entreter o telespectador, muito mais do que levá-lo a cozinhar, numa dire-
ção oposta aos programas de culinária de Ofélia Anunciato e Julia Child.
Em matéria veiculada no portal Terra em 14 de abril de 2010, o re-
pórter Márcio Maio (2010) diz que o trabalho de Troisgros se destacou no
Brasil pela sua facilidade em adaptar ingredientes brasileiros às técnicas
da cozinha francesa e que no programa Que Marravilha! a intenção é apro-
ximar o chef da sua audiência, convidando telespectadores comuns, sem
aptidões culinárias, para o comando do fogão e das panelas. “O que eu
acho bacana é que existe um olhar profissional, mas em um clima quase
de reality show. Não tem aquele ar pesado de só ensinar a picar a cebola e
outros ingredientes”, diz Claude Troisgros na reportagem.

Figuras 47:
Imagem do
programa Que
Marravilha!,
apresentado por
Claude Trosgrois
- 154 - Na dinâmica da atração, os interessados em participar se ins-
crevem no site do canal GNT mandando um vídeo que explica o seu
interesse em aprender a cozinhar com o chef. Antes de conhecer o
anônimo da semana, Troisgros assiste ao vídeo da inscrição, e logo
depois encontra o escolhido pessoalmente. Desse breve encontro, os
dois já partem para um supermercado ou feira, onde irão comprar os
produtos do prato que será preparado naquele episódio de Que Mar-
ravilha!. Depois de preparar uma única vez o prato com seu convidado
ao lado, os dois marcam uma data para que a refeição seja repetida
pelo “aprendiz” e servida para amigos e/ou familiares do “novo cozi-
nheiro”, quando este receberá uma nota de todos os convivas, sendo
que a última nota é de Troisgros.
A estratégia do programa é explorar o crescimento deste tipo de
consumo midiático entre as classes B e C no Brasil. Em reportagem publi-
cada no jornal Folha de S.Paulo em 11 de abril de 201038, a diretora do GNT,
Letícia Muhana afirma que “dados recentes comprovam o crescimento de
telespectadores das classes B e C na TV a cabo” e que “se queremos uma
proximidade com o público de casa, precisamos colocar essas pessoas
anônimas na nossa programação. Fazer com que eles se enxerguem ali”
(FECAROTTA, 2010, p.E1).
É nesse diálogo entre público, celebridade e cozinha que nasce este
tipo de programa, explorando o glamour da alta gastronomia, mas também
a vontade anônima de cozinhar e, sobretudo, aparecer na

36. Peça de filé mignon televisão. Josimar Melo, crítico de gastronomia, diz ainda,
inteira, grelhada e envolta na mesma reportagem, sobre a programação atual de tevê
em massa folhada –
incrementada com recheio de voltada para a cozinha que “durante anos, era só culinária.
cogumelos cozidos no vinho
tinto, com cebola e salsa, Num segundo momento, entra a gastronomia, programas
formando uma camada entre de cozinha mais sofisticados. Hoje, há produções de cultu-
a carne e a massa – e assada
em forno forte (ALGRANTI, ra gastronômica, não dedicados exclusivamente à culiná-
2000, p. 232).
ria”. Que Marravilha! pode ser considerado um híbrido dos
37. Termo francês que vem três formatos, pois ensina a se cozinhar uma receita, mostra
do verbo souffer, que significa
respirar. É uma preparação a cultura gastronômica da compra dos ingredientes e utiliza
leve e fofa (...) que também
serve como sobremesa” sempre a linguagem da gastronomia. Não faltam alimentos
(Ibidem, p. 469). sofisticados e técnicas complicadas nos pratos que Trois-
38. In: http://www1.folha. gros ensina aos participantes do programa.
uol.com.br/folha/ilustrada/
ult90u718720.shtml Cabe-nos destacar a questão do diálogo como ele-
mento principal de Que Marravilha! na sua estrutura comu-
nicativa: a narrativa do programa é estruturada pela fala entre os partici- - 155 -
pantes da atração: o chef Troisgros e o convidado daquela semana. É na
conversa entre ambos que o “novato” aprende a cozinhar aquele prato; e
é na conversa que, ao final, se dá a nota pela sua participação.
A realidade concreta perde seu vigor diante da forma reprodutiva.
De fato, ao cozinhar para a tevê, a comida perde toda a sua naturalidade,
sua crueza. Ela é mediada pela tecnologia, assim como na mídia impressa,
e se transforma em um novo signo, aquele da reprodução. Os telespecta-
dores assistem Que Marravilha! principalmente para verem as trapalhadas
dos novatos na cozinha, geralmente dando pouca importância ao prato
por eles realizado.
Na abertura da atração televisiva mostram-se cenas de pessoas
que mandaram seus vídeos caseiros para tentar participar do programa.
Na edição, há uma composição que nitidamente privilegia justamente
os mais atrapalhados: uma delas fala “eu não tenho talento nenhum!”;
ao que seu marido complementa: “nem ovo ela sabe fritar”. Ambos fo-
ram estrelas do episódio sete do programa. Na sequência, outra futura
estrela anônima diz que “sempre dá alguma coisa errada na minha cozi-
nha”. Ao final dos sete segundos em que esses personagens aparecem
como figurantes da abertura, o já tradicional “mosaico” de pessoas, um
formato repetido à exaustão nos reality shows, toma a tela por quatro
segundos, quando Troisgros afirma “esse programa vai pegar fogo” e a
tela se incendeia em um efeito gráfico de televisão.
Na sequência (figura 48), o chef surge como o herói que entra na
cozinha e se depara com um ovo frito “esturricando” no fogão. Imediata-
mente, com seu talento e sob aplausos de uma fictícia platéia, ele balança
a frigideira e surge o ovo perfeito do ponto de vista gastronômico. Logo
a seguir um prato tipo PF (prato feito) recebe o olhar de desaprovação de
Claude, que o transforma, com seus poderes mágicos de chef , em um
espetacular prato com estética de alta gastronomia.
Apenas nessa abertura podemos observar várias hibridizações de
linguagem. A edição do programa utilizou a mídia digital, por meio do aces-
so ao blog e da inscrição online, a linguagem dos reality shows e aquela
dos quadrinhos no super-herói personificado por Troisgros, que salva a
cozinha dos inexperientes que por ela se aventuram. É fundamental con-
siderar, nessa estrutura, algumas características do programa de tevê.
Dentre elas, se destaca a seriação, fundamental para o formato. Macha-
- 156 -

Figuras 48:
Plano sequência
da abertura de
Que Marravilha!

do (2012) lembra que o programa de televisão é geralmente concebido


em blocos sequenciais de informações, sendo que uma emissão diária
constitui também um segmento de algo maior, que é o programa como
projeto de comunicação. Nesse caso, um programa de culinária segue,
semanalmente, um formato pré-determinado por um projeto maior, que
determina as estratégias, atrações e disposição editorial e visual daquela
atração televisiva.
Por conta desta seriação fica mais claro o porquê de a abertura
de Que Marravilha! ser composta por personagens que ainda farão par-
te do programa39. Na seriação típica do programa de tevê, o telespec-
tador poderá reconhecer no futuro essas pessoas, tornando a abertura
uma estrutura compreensível no seu todo. Na sequência do programa
acontece a apresentação do “novato” da vez, aquele que foi escolhido - 157 -
pelo vídeo enviado à produção.
Após o estudo do programa de Claude Troisgros – exemplificado
com destaque por se tratar de uma produção audiovisual nacional, volte-
mos aos exemplos de programas de chefs que fazem grande sucesso na
televisão paga dedicada à gastronomia: Jamie Oliver e Nigella Lawson.
Oliver e Nigella criaram autênticos impérios de gastronomia em seu
país de origem, o Reino Unido. Ambos possuem vários livros publicados,
assim como diversos programas de televisão e até editoras próprias, além
de linhas de utensílios e de ingredientes de cozinha que levam seus nomes.
Ícones representativos do “jeitos simples de cozinhar e de comer”, os dois
são um bom termômetro do atual estado da exponibilidade da gastrono-
mia. Com base numa espécie de lema em comum “todos podem cozinhar e
isso pode ser simples”, ambos utilizam simbologias típicas da gastronomia:
melhores ingredientes obtidos pela via mais natural possível, geralmente
alimentos, orgânicos e índices de representatividade gastronômica, como
receitas com trufas negras, queijos gregos, jamón ibérico. Tudo para provar
que é possível ser simples e sofisticado ao mesmo tempo consumindo sím-
bolos da linguagem gastronômica.
Jamie Oliver possui hoje um patrimônio avaliado em mais de U$
75 milhões40, incluindo seus restaurantes, programas de televisão, livros,
revistas e linhas de produtos que levam sua assinatura. O chef britânico
devorou sua própria imagem e a transformou em estratégias de marketing
e de publicidade muito bem-sucedidas. Certamente boa parte do seu su-
cesso deve ser creditado aos programas de tevê, direcionados a milha-
res de pessoas que, muitas vezes, nem sequer gostam de cozinhar, mas
apreciam se imaginar naquele universo agradável e calmo dos programas
desse tipo: ambientes midiáticos que exaltam o prazer de viver e, claro,
também de comer, em espacialidades que costumam conjugar vida no
campo, boa comida, céu azul e lugares bonitos.
Gerando ainda mais exponibilidade para seu traba- 39. Ou que já participaram
da atração, dependendo da
lho, ficaram famosas na mídia mundial algumas iniciativas
data de exibição daquele
de Jamie Oliver pelo que se entende como “defesa da boa programa.

alimentação” ou seja, a defesa de uma alimentação mais 40. Segundo a lista de


maiores fortunas da Inglaterra
natural, que fuja dos alimentos altamente industrializados.
divulgada em maio de 2011
Em 2005 o chef comprou a briga pela melhora da qualidade pelo jornal Sunday Times.
- 158 -

Figura 49:
Cena do programa
A Itália de Jamie
Oliver

da merenda das escolas primarias do Reino Unido, em iniciativa que foi


transformada no programa de tevê A Cantina Escolar de Jamie, com gran-
de audiência em todos os países que retransmitem o programa, como é
o caso do Brasil. Ricardo Valladares, no portal Veja, em matéria de 26 de
outubro de 2005, resume a história do programa:

O primeiro-ministro Tony Blair deu o braço a torcer: a partir de setem-


bro do ano que vem, refrigerantes, salgadinhos e outros alimentos trash
estarão banidos das escolas da Inglaterra. Sua substituição por uma
merenda saudável foi resultado de uma cruzada do chef e apresentador
de televisão Jamie Oliver. Com seu visual moderninho e seu jeito rela-
xado de preparar receitas, ele tornou-se um pop star da culinária. Mas,
com o reality show A Cantina Escolar de Jamie, em exibição no Brasil
pelo canal pago GNT, ele desbravou um filão diferente – que poderia ser
descrito como o da gastronomia engajada. Em sua campanha por uma
nova dieta estudantil, Oliver enfrentou a resistência dos alunos da es-
cola inglesa usada como campo de teste, que protestaram contra suas
receitas – e pela volta das porcarias. As merendeiras também chiaram,
pois a troca da comida pré-pronta por saladas e outros itens frescos
redobrou seu trabalho. Além disso, a reivindicação era vista com má
vontade pelas autoridades. Contra tudo e contra todos, Oliver provou
os efeitos nocivos da merenda tradicional. Ele entrevistou especialistas
que falaram de casos escabrosos, como o de crianças que regurgita-
vam fezes porque tinham o intestino obstruído pelo consumo excessivo
de gordura. Foi desgastante – mas o chef venceu a parada. (...) Com A
Cantina Escolar de Jamie, Oliver mostra uma face bem mais irascível. A
certa altura, os assistentes reclamam que, de tão estressado, ele deixou
de dar atenção a seu restaurante. Durante uma visita de Bill Clinton ao
local, ele explode. O ex-presidente americano queria conhecê-lo, mas
despreza o cardápio feito para sua comitiva, por estar seguindo a “dieta - 159 -
de South Beach”. Irritado, Oliver vai embora sem dar a mínima ao ex-
-presidente (VALLADARES, 2005).

O chef inglês repetiu o formato, tentando realizar a árdua tarefa


de melhorar a merenda escolar americana no programa Jamie Oliver e
a Revolução da Comida, rodada na região de Huntignton, Virgínia Oci-
dental, em 2010 . Portando a bandeira de busca pela boa comida – sim-
bolismo caro à gastronomia – o chef também se aventurou pelo interior
da Itália em busca dos melhores pratos daquele país famoso pela sua
tradicional cozinha. A aventura, que rendeu livro e programa de tevê,
trouxe curiosas cenas do ponto de vista da vinculação comunicativa.
Um bom exemplo são as cenas rodadas na Puglia, quando o chef en-
tra em uma típica competição de macarrão com mamas da cidade e,
obviamente, perde delas. Em troca, recebe aulas de como aprender a
preparar autênticas massas italianas. Na figura 49 podemos ver Oliver
em ação numa das cenas do programa especial sobre a Itália, em um
cenário que destaca o ambiente rural, os típicos tomates italianos e a
rusticidade dos utensílios utilizados – certamente distantes da produ-
ção impecável de qualquer programa de televisão. Trata-se de um am-
biente midiático construído para expor a rusticidade adequada ao valor
gastronômico daquela comida tipicamente italiana.
O fato de o estrelado chef ser mostrado em posição de derrota frente
às mamas, detentoras do saber tradicional da culinária italiana, mostra que no
universo da cultura da cozinha, de fato manda aquele que detém as técnicas
de preparo adequado dos alimentos. Ainda que tenhamos que considerar que
o programa A Itália de Jamie mostre uma encenação desses acontecimentos,
visto que a competição foi, certamente, ensaiada e combinada com todos,
interessa que a vinculação comunicativa entre a estrela do programa, Jamie
Oliver, e seus telespectadores, se dê pela derrota do primeiro.
Afinal, Jamie Oliver é um chef de cozinha do dis-
tante mundo da alta gastronomia, mas, naquele territó- 41. Termo coloquial que
designa as donas de casa
rio, o poder da sabedoria de cozinhar pertence às mam- e mães que se tornam as
matriarcas de uma família
mas41. Ao dominar tão perfeitamente a técnica naquele
na Itália. O termo acabou
espaço qualificado, as mammas se tornam automatica- se tornando gíria para
designar esse tipo de super
mente as verdadeiras estrelas da gastronomia, visto que mães também em países
de forte colonização italiana
trabalham com ingredientes naturais e com técnicas
como o Brasil.
simples, mas muito saborosas e eficientes. Assim nota-
- 160 - mos uma espacialidade que constrói uma comunicabilidade do mundo
da cozinha que usa a linguagem gastronômica para valorizar sobrema-
neira o simples e o natural, representados pela tradição da técnica das
mammas. Tais tipos de comunicabilidades revelam que a comunicação
do mostrar que se sabe e que se conhece a gastronomia é fundamental
na comunicação dessa linguagem e, por conseguinte, na midiatização
desta linguagem.
Há que se considerar como característica da linguagem gastronô-
mica também a disponibilidade para se provar qualquer tipo de comida
em qualquer lugar – um bom gourmet não deve ter preconceitos, ele deve
querer conhecer todos os sabores. Um bom exemplo é o programa Bizarre
Foods, apresentado por Andrew Zimmern no canal Discovery Travel and
Living. Na figura 50 vemos Zimmern degustando um espeto de larvas com
abacaxi, na edição do programa em que ele visitou a gastronomia típica da
cidade de Bangkok, na Tailândia.
Destacamos a necessidade do programa de mostrar as comidas mais
estranhas, os hábitos mais incomuns ao paladar ocidental. Sim, são tradi-
ções culinárias e gastronômicas de diversos países, elaboradas pela cultura
e pela comunicação ao longo de séculos de movimentos como guerras,
fomes, gostos e costumes. Mas ressaltamos que no espetáculo midiático
nenhum desses fluxos informativos importa. Só interessa nesse ambiente
midiático gastronômico destacar o exótico – não há a necessidade didática
de ensinar receitas, como no programa de Jamie Oliver, mas sim de mostrar
como a gastronomia pode ser estranha e divertida ao mesmo tempo. Na
abertura do programa sobre Bangkok, Zimmern diz que teremos um show
com comidas perigosas, quentes, inesperadas e surpreendentes. Poucos
viajarão à Tailândia para provar ao vivo esses pratos, mas quem assistir ao
programa se fartará com a gula visual de tais imagens.
Com duração total de uma hora, no programa, Zimmern percorre a
cada edição, o universo gastronômico de um país, buscando as comidas
mais exóticas ou bizarras daquela cultura. O apresentador tem uma estuda-
da predileção por cenas grotescas, como a degustação de cérebros crus de
macaco e de aranhas ainda vivas. Tudo em nome do espetáculo do exótico
e do bizarro, como diz o nome do programa. Estimular o exótico e até o
grotesco na alimentação é uma estratégia que se relaciona diretamente à
indústria do turismo, que sempre aposta na sedução persuasiva do con-
sumo naqueles produtos que se apresentam como diferentes dos encon-
Figura 50: - 161 -
Cena do programa
Bizarre Foods na
Tailândia

trados na rotina diária dos turistas. Mas destacamos que o curioso na es-
pacialidade que se revela em Bizarre Foods não é o grotesco ou o bizarro,
mas a exaltação das comidas tradicionais, como acontece no programa
de Jamie Oliver na Itália.
Experimentar as comidas bizarras é um espetáculo constante no
programa de Andrew Zimmern, mas identificamos também que a estrutura
comunicativa principal daatração é a exaltação aos valores da gastronomia
tradicional e regional. Em qualquer país ou cidade visitada, o apresentador
faz odes de amor aos pratos tradicionais, àqueles preparados por donas
de casa ou por cozinheiros experientes de restaurantes também tradicio-
nais. No Marrocos, o amor gastronômico de Zimmern é declarado às donas
de casa que preparam diversas variedades de cuzcuz42.
Em Nova York a exaltação se destina ao cozinheiro que há 42. Prato de origem
quatro décadas faz hot-dogs em um endereço especializa- africana introduzido no
Brasil pelos africanos e
do. Sempre se valoriza sobremaneira a representação da portugueses, na África
feito com sêmola de
tradição e do saber cozinhar, o apresentador faz as vezes trigo. No Marroco é pitéu
do telespectador, prova os pratos por ele e se deixa levar fundamental da culinária e
persiste em todo o Norte
pelos sabores mais regionalizados, assim como a grande da África.
maioria dos turistas nas suas viagens.
- 162 - Mas precisamos destacar que há movimentos, que ao valorizar a
espetacularização comunicativa, acabam por se afastar da tradição, ge-
rando novas comunicabilidades que mostram visualidades particulares
da gastronomia. Graças à intensa midiatização dessa linguagem, novos
simbolismos têm sido criados, como o conceito de “food porn”: ao expor
a comida como objeto de fetichização e de desejo próximos aqueles de
caráter sexual, seria criada uma espécie de pornografia dos alimentos.
Nascido nos Estados Unidos, o “food porn” é um conceito e um
movimento de discussão que analisa da extrema sensualidade de apre-
sentadoras de programas de tevê, cujo ícone principal é a inglesa Nigella
Lawson (figura 51) à sensualidade das próprias comidas. Reportagem da
Folha de S.Paulo , de 21 de fevereiro de 2008, já falava esse tema:

A mulher de cabelos e olhos negros, seios fartos e corpo calipígio


leva o indicador até os lábios carnudos, lambe, lançando um olhar

Figura 51:
Material de
divulgação do livro
Nigella Bites
safado para a câmera. A mulher em questão não é nenhuma estrela de - 163 -
filme erótico. É Nigella Lawson, a cozinheira e apresentadora inglesa,
musa maior do food porn. (...) A sensualidade da cena descrita acima
é marca registrada de Nigella, que estreia mais um programa, “Nigella
express”, este mês no canal pago GNT. Afora lamber os dedos, a in-
glesa por vezes tem sua imagem desfocada no vídeo – como se desse
ao espectador espaço para fantasias gastro-libidinosas. E não raro é
permissiva e, num arroubo de gula noturna, deixa sua cama para fazer
uma boquinha na geladeira. (FIDALGO; SIMÕES, 2008, p.E5)

Este trecho da reportagem parece explorar uma atriz sensual, mas


fala de uma mulher casada, com dois filhos, que vive um personagem
bem-sucedido em seus programas de gastronomia. Criadora de uma si-
mulação que curiosamente une sensualidade quase pornográfica à lingua-
gem gastronômica, ela não usa uma estratégia notadamente nova, mas faz
sucesso graças às discussões que sua performance suscita na internet. A
sensualidade da comida já era usada na antiguidade clássica, nos banque-
tes suntuosos daquele período e até nos doces conventuais, que tinham
nomes provocativos como “Barriga de Freira”. Um site chamado Foodporn
é o principal centro de discussão desses eventos, que gera comentários e
repercussão na internet, alimentando as discussões sobre o modo sensual
como Nigella é capaz de assaltar a sua geladeira em plena madrugada.
Após preparar um sorvete no início do programa, a apresentadora é mos-
trada ao final da atração comendo o doce de madrugada, enquanto sua fa-
mília dorme. Ao lambuzar-se de sorvete aos pés da geladeira, a cena pare-
ce fazer referência a filmes eróticos que mostram casais fazendo sexo em
frente a uma geladeira, usando os alimentos como brinquedos eróticos.
Frederick Kaufman, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo
de 27 de novembro de 2005, mostra como o canal de tevê norte-america-
no “Food Network se apropria de enquadramentos, luzes e performances
de filmes pornôs para suprir no telespectador suas necessidades huma-
nas mais básicas” (Kaufman, 2005, p.4). Assistir Nigella assaltando a
geladeira ou preparando um assado com um decote generoso se trans-
forma em estratégia comunicativa de sedução e de persuasão. O desejo
por boas comidas e por sexo nos remete a questões hedonistas de busca
por prazer, comuns à espécie humana. No food porn a sociedade do hi-
perconsumo ganha sua força máxima: de sexo a comida, tudo pode ser
vendido na busca pelo prazer. Mesmo na foto da figura 51 podemos notar
uma típica imagem do programa da apresentadora: o decote e a pose
- 164 - sensual acompanhadas sempre de algum tipo de comida. Podemos daí
deduzir que se revela uma espacialidade simulativa de construção de uma
gastronomia puramente hedonista, na qual o objeto comida pouco impor-
ta. A visualidade é tornada invisível e se destaca a estratégia persuasiva de
sedução do trabalho de Nigella.
Também é importante para esta análise o programa brasileiro Larica
Total, produzido pelo canal a cabo Canal Brasil, que vai no sentido contrário
dos demais programas analisados: no lugar de uma cozinha moderna e bem
equipada, ainda que rústica, como a de Jamie Oliver, vemos uma típica cozi-
nha bagunçada de um homem solteiro que mora sozinho. Nada de utensílios
caros e sim panelas gastas e fogão sujo. As receitas são as mais simples,
sempre realizadas no programa com descaso e o mínimo de higiene.
Larica Total acabou se tornando um veículo de boa repercussão mi-
diática, especialmente entre aqueles que não se identificam com o padrão
glamourizado da maioria dos programas de gastronomia. Ao descontruir a
fórmula deste tipo de atração, o apresentador Paulo Tiefenthaler mostra-
-se como um homem desleixado, com barba por fazer e roupas que não
combinam entre si, um verdadeiro adepto e símbolo da cozinha “ogra”.
No último programa da terceira temporada (figura 52) o apresen-
tador prepara um dos ícones da gastronomia contemporânea: cupcakes.
Na construção do programa, tudo vai contra a gastronomia e, ao mes-
mo tempo, identifica-se com ela. Ao negar essa linguagem, o programa
não para de citá-la. No lugar da tradicional manteiga, usa-se margarina,
ingrediente execrado pelos gastrônomos; no lugar de cacau puro, acho-
colatado; no lugar de creme de leite, leite desnatado. Paulo Tiefenthaler
renega todos os ícones da linguagem gastronômica e, ao mesmo tem-
po, os destaca. No movimento comunicativo, qualquer ação de negação
acaba por mostrar a importância do texto da cultura criticado. Ao final
do programa, o resultado: cupcakes que nada lembram os do programa
Guerra dos Cupcakes: mal-acabados, escuros, mostrados em uma for-
ma velha e suja (figura 53). Tudo em nome do hiperconsumo pela via do
entretenimento, um aporte mercadológico típico da era das indústrias
criativas, como a que vivemos nos dias de hoje.
Consideramos que tais fenômenos do ambiente televisivo são frutos
da farta midiatização da gastronomia observada em todos os meios e en-
contram na televisão, em programas como os de Nigella, uma fórmula de
amplo alcance. Estas midiatizaçãoes da televisão não se restringem a esse
Figuras 52 e 53: - 165 -
À esquerda, acima:
Paulo Tiefenthaler
na cozinha “ogra”
do Larica Total e à
esquerda, abaixo,
cupcakes de
achocolatado

meio e se desdobram de modo praticamente incontrolável na internet. Os


textos da televisão hibridizam-se constantemente com aqueles das redes
sociais e dos blogs, por exemplo, e se tornam repetições e reinterpretações
nos sites como Youtube. Assim, é fundamental fazer um breve percurso de
análise de espacialidades relevantes do meio digital, incluindo a comunica-
ção via tablets, ainda que acreditemos que a separação entre televisão e
internet, assim como entre vida digital e vida real seja cada vez mais impos-
sível, relembrando o conceito de bios midiático, de Muniz Sodré (2002).

5.4. Redes sociais e blogs gastronômicos


Tomando os blogs como análise inicial desse mergulho pelo univer-
so da mídia digital gastronômica, cabe-nos tentar ver as diferenças entre
tais meios informativos de culinária e de gastronomia. Se nos primeiros a
intenção é mostrar que se sabe fazer um prato, nos blogs de gastronomia é
mais representativo mostrar que o blogueiro detém a informação daquilo que
é melhor e mais sofisticado no mundo da cozinha e da alimentação: os me-
- 166 - lhores restaurantes, vinhos, as curiosidades gourmets e os ingredientes mais
sofisticados. Se no blog de culinária são postadas infinitas fotos-teste de pra-
tos realizados pelo autor daquelas mídias, naqueles voltados à gastronomia
importa o desvelamento de saberes sobre a comida. A espacialidade aqui
revelada não é a do mostrar que se sabe fazer, mas sim aquela de mostrar
que se sabe comer, ou seja, obedece ao caráter midiático dos blogs: informar.
Daremos alguns exemplos de blogs brasileiros (figuras 54 a 57) que
fazem alusão direta à gastronomia no título e/ou no seu conteúdo, mos-
trando como essa ferramenta de comunicação digital se estrutura como
um meio de intensa midiatização da gastronomia. São descrições breves
do funcionamento dos blogs apresentados, que servirão de arcabouço
para a discussão seguinte.
Nesse produtos midiáticos, especialistas e apaixonados por gastro-
nomia discutem não o que cozinharam, mas sim as experiências sensoriais
que tiveram no universo da gastronomia. Esse mostrar a experiência, in-
centivar a sensorialidade e o hedonismo são características importantes da
linguagem gastronômica e se manifestam amplamente nas mídias digitais.
Curiosamente, enquanto na culinária temos vários portais de inter-
net que representam a área, na gastronomia do Brasil temos poucos si-
tes especializados. O mais conhecido é o Basilico, que reúne discussões,
dicas e até receitas de renomados chefs do meio – seu editor-chefe é o
crítico Josimar Melo.
No Basilico (figura 58), observamos uma verdadeira praça pública de
transmissão de informações, onde se pode trocar impressões e buscar no-
vidades sobre o mundo da gastronomia. Recuperando o trabalho de Sodré
(2002), observa-se aí, de fato, a composição de um bios midiático: o portal
opera em conjunto com blogs e constitui para os internautas leitores uma
localização de “território da gastronomia”. Importante destacar também a
grande convergência de mídias ali encontradas, com os exemplos de víde-
os, jogos, links para Twitter e Facebook e interatividade com os editores.
O advento dos tablets é outro marco importante nas midiatizações
da gastronomia. Ali se revela um novo tipo de espacialidade, ainda pou-
co explorado pelos estudos científicos. O tablet, concebido para ser um
leitor digital de livros, passa muito mais pelo mundo do entretenimento
do que o da simples leitura. É um universo de exploração de jogos, fotos,
músicas, vídeos praticamente sem limite. E os softwares que o compõem,
- 167 -

Figura 54: reprodução de 25 de julho de 2012 - Três amigas discorrem sobre suas aventuras com
a comida, desde idas ao supermercado até restaurantes caros e viagens. No blog a linguagem
informal é a tônica, assim como no Que Bicho me Mordeu. As dicas de sabores diferentes e busca de
guloseimas permeiam os textos, que são curtos e não se opõem a criticar os modelos vigentes, chefs
e restaurantes, principalmente pelos preços exorbitantes que cobram

Figura 55: reprodução de 25 de julho de 2012 - Famosa por seu serviço de chef, Carla Pernambuco
faz um blog com linguagem, imagem e personalidade de portal de internet. Pensatas da chef dividem
espaço com receitas, notícias e comentários sobre acontecimentos do mundo da gastronomia e
da culinária. A inserção do blog no universo da gastronomia dá-se pelo fato de sua autora ser uma
conhecida chef de gastronomia. O aspecto que foge mais dramaticamente da caracterização de blog
é o de que muitos posts são assinados por outras pessoas
- 168 -

Figura 56: reprodução de 25 de julho de 2012 - A jornalista Ailin Aleixo, especializada em gastronomia,
assim como Marcelo Katsuki, relata suas experiências quase dionísicas com a comida, como o relato de
suas férias em Paris ou Nova Iorque. Oferece um verdadeiro universo de desejo e vontade de ser como
ela, consumir aquela imagem de consumo desenfreado e prazeroso da comida. O blog utiliza imagens
sedutoras e bem fotografadas de pratos que levam imediatamente a um despertar da gula visual.
Perfeito para que se visitem os restaurantes ou se faça logo a receita ali sugerida

Figura 57: reprodução de 25 de julho de 2012 - O designer Marcelo Katsuki declara-se um


apaixonado por gastronomia e entre posts onde mostra suas experiências e viagens pelo mundo da
gastronomia, relata seus exageros, como um glutão dos tempos dos banquetes romanos, que come
pelo verdadeiro fascínio e hipnose que a comida exerce sobre ele. O blog se preocupa também com o
serviço, sempre oferecendo endereços e serviços dos restaurantes e pratos citados
- 169 -

Figura 58:
Reprodução do
portal Basílico de
20 de abril de 2012

os aplicativos, são perfeitos para que se segmente e separe a diversão,


sendo que cada usuário de tablet pode descarregar em seu aparelho os
aplicativos que lhe interessam. Assim, customiza-se a interação digital
mesmo com o acesso desses aparelhos à internet. Na escolha de aplica-
tivos pesa o critério pessoal, então posso baixar no meu tablet aplicativos
de revistas, de músicas, de cultura, de gastronomia, de humor. Atentas à
segmentação do mercado cultural, as indústrias criativas hoje proporcio-
nam um número elevadíssimo de aplicativos que parecem querer satisfa-
zer a todos e quaisquer interesses.
No que toca à gastronomia, os aplicativos podem ser classificados
hoje naqueles relacionados a revistas impressas, tais como os de revistas
de gastronomia como Prazeres da Mesa, Menu e Gula; aplicativos que en-
sinam a escolher um local para se fazer uma refeição com toque gastro-
nômico, como Where to Eat (figura 59), onde se pode localizar os restau-
rantes mais interessantes e mais próximos naquele momento, e guias de
refeições originados dos veículos impressos como o Navegador da revista
Época São Paulo (figuras 60). Há que se destacar também, por estarem
relacionados a exemplos citados anteriormente, os aplicativos de chefs de
cozinha famosos, como os de Jamie Oliver e Nigella (figuras 61 e 63), e até
o anti-glamour gastronômico, Larica Total (figura 62).
- 170 - Na verdade, é absolutamente impossível categorizar todos os tipos
de aplicativos existentes hoje neste trabalho – esse processo daria origem,
certamente, a outra tese . Os exemplos citados acima visam apenas ilus-
trar a questão, mostrando que vem sendo criada no ambiente digital uma
nova espacialidade de representação da linguagem gastronômica, onde a
linguagem do audiovisual e do impresso se hibridizam.
Nos tablets, vídeos, áudios, fotos e textos se hibridizam nessa nova
qualificação do espaço, onde a interatividade dita normas: posso escolher
onde comer, posso cozinhar com um mosaico de ingredientes que tenho
em casa auxiliado pelo meu dispositivo digital. E posso ter acesso a um
conteúdo customizado editado por um chef famoso.
Assim, nota-se que todos os tipos de aplicativos advém de várias
camadas de imagens da gastronomia e, especialmente, que todos eles
fazem a passagem entre modos de representação tradicionais como os
guias de papel para os signos da vida midiatizado do bios midiático. Se
viajo para qualquer país com um desses aplicativos de guias no tablet ou
celular, posso ter acesso a conteúdos que dispensam que se carregue vá-
rios livros (guias gastronômicos e de turismo) – afinal os dispositivos mó-
veis concentram uma quantidade absurda de conteúdos de livros, guias e
mapas em um aparelho mais fácil de carregar e que pesa muito menos do
que dois ou três livros. Tais ações de substituição fazem parte do universo
prático do cotidiano estimulado pelas práticas de consumo e fazem a dis-
tinção entre real e virtual parecer pífia.
Sodré (2002) fala de como a comunicação antes considerada virtu-
al se imbrica na sociedade contemporânea, estendendo suas raízes para
uma convergência midiática inevitável:

Adequa-se aqui a dimensão funcional da consciência presente na re-


alidade virtual, a que já fizemos alusão: seres humanos e dispositivos
tecnológicos literalmente convergem em termos de pensamento num
espaço não mais linear (como o da representação clássica) e sim ca-
ótico, sem flecha do tempo (como o virtual). Nesse espaço, uma tec-
noconsciência global, informação é objeto; ideia é um incorporal, um
extra-ser; linguagem ainda pode ser vista como consciência realizada,
desde que ai se incluam bits e fluxos informacionais. Configura-se,
portanto, uma nova dimensão psicossocial para o homem que, tendo
a consciência moldada pelas grandes narrativas da Grécia Clássica,
vive agora a transformação da politeia em techné. Aos modos de vida
identificados por Aristóteles na Ética a Nicômaco – vida contemplati-
va (bios theoretikos), vida prazerosa (bios apolaustikos) e vida política - 171 -
(bios politikos), pode-se agora acrescentar, como antes afirmamos,
uma nova qualificação, a quarta esfera: a vida midiatizada, que inclui a
realidade tecnológica do virtual (SODRÉ, 2002, p.160-161).

Assim temos uma vida hoje midiatizada, que pressupõe que vá-
rias das comunicações dos textos e sistemas da cultura também o sejam.
Concomitantemente ao processo de substituição de aparatos analógicos
por digitais, verificamos também uma dependência dos dispositivos ele-
trônicos da intervenção humana para existirem.
Nos aplicativos que ensinam a cozinhar com o mais apurado senso
gastronômico e com qualquer ingrediente (aquilo que se tem em casa), desta-
ca-se a visibilidade obrigatória dos textos da cultura construídos nesses am-
bientes. Não basta cozinhar, é fundamental ser chef, tais quais os anônimos
que assim pretendem ser famosos nos reality shows de gastronomia da tele-
visão. Desse modo, mais do que nunca, nos inserimos no bios midiático e tal
fato é amplamente observável na linguagem da gastronomia, tanto nos tablets
que customizam a informação, como nas redes sociais Facebook e Twitter.
Na comunicação bios midiática das redes sociais e da internet, se
almoço em um restaurante bem conceituado na comunicação gastronômi-
ca, disponibilizo as fotos deste acontecimento no Twitter ou no Facebook.
Se conheço um novo ingrediente, comento nas redes. E assim constrói-se
uma complexa teia de comunicação e compartilhamento, onde a visuali-
dade de “eu estou inserido gastronomicamente no mundo”, se revela ple-
namente. Usuários das redes sociais adotam como prática a exposição de
suas fotos de turismo, assim como dos pratos experimentados tanto na
rotina quanto em viagens. Ao mesmo tempo são contemplados com co-
mentários de amigos e conhecidos do tipo “Que delícia”, “também quero”
ou “preciso comer isso”.
No bios midiático, há uma interligação entre o real e o virtual tão
grande, que pouco se distingue o que é comida de fato e o que é a repre-
sentação da comida – aliás, acreditamos que a imagem seja mais repre-
sentativa, porque ela só precisa ser degustada com visão, não implica em
execução daquela comida. Tal estado mostra-se como uma das carac-
terísticas que qualificam a gastronomia como mídia , transformando seu
conteúdo em pura mensagem, mídia em si própria.
- 172 -
Em sentido horário: - 173 -
Figura 59: Reprodução
aplicativo para iPad
Where to Eat

Figura 60: Reprodução


aplicativo para iPad
Navegador Época
São Paulo

Figura 61: Reprodução


aplicativo para iPad
Jamie Oliver’s Recipes

Figura 62: Reprodução


aplicativo para iPad
Larica Total

Figura 63:
Reprodução aplicativo para
iPad Nigella Quick Collection
6
Gastronomia
como Mídia
6
- 177 -

6.1. A gastronomia midiatizada


No dia 6 de maio de 2012 a cidade de São Paulo recebeu pelo oi-
tavo ano consecutivo o evento Virada Cultural, organizado pela Prefeitura
Municipal da cidade. Durante 24 horas, ações de entretenimento mobi-
lizaram a região central da capital paulista, ocupando territórios absolu-
tamente abandonados pelos paulistanos no cotidiano, especialmente no
período noturno. Shows, exposições, peças de teatro e exibições de filmes
sempre fizeram parte da programação da Virada Cultural, mas em 2012
uma novidade foi criada: incorporando o conceito de gastronomia como
arte e cultura, a organização da Virada Cultural inseriu, pela primeira vez,
uma programação gastronômica no evento.
Dispostos no Elevado Costa e Silva, o Minhocão, 22 chefs de famo-
sos restaurantes da cidade montaram barraquinhas (ao estilo daquelas
utilizadas em feiras-livres) e venderam pratos preparados especialmen-
te para o evento, representativos de seus trabalhos. Os preços, popu-
lares, foram fixados no valor de R$5 a R$15, certamente muito abaixo
das cifras praticadas nos respectivos restaurantes. Batizado de “Chefs
na Rua”, o evento teve como estrela principal Alex Atala,
dono do quarto melhor restaurante do mundo 201243, se- 43. Em 2011 Atala havia
conseguido a sétima
gundo a revista Restaurant: o D.O.M., localizado no bairro colocação na mesma
premiação.
dos Jardins, em São Paulo.
- 178 - Nas figuras 64 a 68 do blog Cozinha pra 1 (2012), pode-se conhecer
o trabalho de cada participante do evento. É importante destacar que os
quadros mostram os chefs posados ao lado dos pratos criados por eles
para o evento. Em um mundo gastronômico onde a imagem do chef é tão
ou mais devorada do que a da comida, é fundamental unir as duas ima-
gens na mesma mensagem. Nessa programação, o foco principal e mais
duradouro foi a feira dos chefs que aconteceu das 8 às 18 horas do do-
mingo, 6 de maio. Mas dois acontecimentos marcaram a madrugada ante-
rior à feira: a “Galinhada”, de Alex Atala (figura 69), oferecida gratuitamente
pelo ele, e a “Sopa de Cebola da Madrugada”, do francês Erick Jacquin.
Deixando evidente o inesperado interesse popular por gastronomia,
o evento em si já seria vital para este estudo. Mas a Galinhada do Atala
acabou se transformando em um excelente exemplo de como a gastrono-
mia contemporânea se transforma em mídia própria; o que acontece quan-
do essa linguagem se comunica por si só, independentemente do meio do
qual ela se utiliza, tal qual ocorreu neste evento.
A Galinhada foi escolhida para ser servida na Virada Cultural por ser um
prato representativo e conhecido dos restaurantes de Atala, embora não tenho
sido criado pelo chef. Trata-se de uma criação do sub-chef Geovane Carnei-
ro, que é servida aos funcionários do restaurante D.O.M aos sábados, após o
expediente. Após um intenso boca a boca sobre o sabor do prato, realizado
pelos funcionários do D.O.M., a receita acabou sendo incorporada ao cardápio
do restaurante Dalva&Dito, também de propriedade de Atala:

Que tal uma galinhada para matar a fome depois da noitada de sába-
do? A partir de 12 de fevereiro, o Dalva e Dito vai servir galinhada a
R$ 29 por pessoa, da 0h às 3h. Vai servir é modo de dizer: é o cliente
quem vai montar seu prato na própria cozinha.
A receita é de Geovane Carneiro, o sub-chef de Alex Atala no D.O.M.
Carneiro costuma salvar a brigada do restaurante com o jantar pós-
-expediente. Aos sábados, todo mundo vai trabalhar mais feliz: é o dia
da galinhada, preparada há 5 anos com galinhas caipiras trazidas de
Barueri por um dos “pias” da equipe.
O boca-a-boca entre os funcionários da região fez a fama do prato, a
ponto de lotar o salão do D.O.M. com gente que trabalha nas casas
vizinhas, até do Fasano. “O Manuel Beato [sommelier do Fasano] vem
muito aqui. Da última vez que fiz, mandei trazer 20 galinhas. Servi
umas 80 pessoas”, conta Geovane.
As galinhas destrinchadas são marinadas por oito horas e refogadas
por outras cinco em fogo brando com cebola, alho, pimentão verme-
lho, tomate, manjericão, hortelã, colorau e salsinha. Coração, moela e
outros miúdos não são descartados. É galinhada de verdade. Acom-
panham arroz e pirão (FRAGA, 2011).
- 179 -

Figura 64:
Reprodução post
“Chefs na rua na
Virada Cultural
2012” (COZINHA
PRA 1, 2012)
- 180 -

Figura 65:
Reprodução post
“Chefs na rua na
Virada Cultural
2012” (COZINHA
PRA 1, 2012)
- 181 -

Figura 66:
Reprodução post
“Chefs na rua na
Virada Cultural
2012” (COZINHA
PRA 1, 2012)
- 182 -

Figura 67:
Reprodução post
“Chefs na rua na
Virada Cultural
2012” (COZINHA
PRA 1, 2012)
- 183 -

Figura 68:
Reprodução post
“Chefs na rua na
Virada Cultural
2012” (COZINHA
PRA 1, 2012)
- 184 -

Figura 69: Reprodução post “Chefs na rua na Virada Cultural 2012” (COZINHA PRA 1, 2012)

A galinhada, mistura de arroz e pedaços de galinha, é um prato simples


e tradicional da cozinha brasileira. Mas, note-se, não é tão simples a galinhada
de Atala: como explorado por Fraga (2011), as galinhas dessa receita gour-
met são caipiras, portanto valiosas na gastronomia; além de caipiras, a carne
delas é marinadas em vinho (texto da linguagem gastronômica per si por oito
horas. Unindo simplicidade, tradição e toques gourmet, o prato contava com
outra vantagem para ser a estrela do evento: facilidade de preparo.
Assim, visando justamente atingir um público comum e não espe-
cialmente gourmet, antes do evento Atala decidiu vender o prato por R$5.
Na véspera do acontecimento, entretanto, o chef mudou de ideia e propôs
a distribuição gratuita de 500 pratos de Galinhada.
Acontece assim o ponto de giro do exemplo que nos interessa na Vi-
rada Gastronômica: a partir da gratuidade anunciada da galinhada do Atala,
o que se viu foi um verdadeiro show midiático: o público comum, provando
que a gastronomia tem alcançado mais sucesso na mídia do que se poderia
supor antes desse evento, chegou a aguardar 5 horas na fila pela distribui-
ção da tal “Galinhada”. Ávidas por conhecer o trabalho do famoso chef de
cozinha, pessoas comuns atravessaram longas distâncias até o centro de
São Paulo para conhecer não a galinhada, mas para saber quem era, afinal,
o midiático chef de cozinha mais premiado e famoso do Brasil.
Provando que a resposta do público foi uma surpresa até mesmo
para a mídia especializada, Vinícius Queiroz Galvão, repórter da Folha de
S.Paulo, demonstrou sua admiração diante do ocorrido em matéria de co-
bertura do evento na edição do jornal de 7 de maio de 2012: “O empurra- - 185 -
-empurra na galinhada de Alex Atala parecia distribuição de comida em
missão de ajuda humanitária de guerra ou depois de uma catástrofe.
““Queremos galinhada, queremos galinhada”, gritava a multidão de
milhares de pessoas sobre o Elevado Costa e Silva, o Minhocão, pouco
depois da meia-noite de sábado para domingo”, escreveram Artur Rodri-
gues e Lucinéia Nunes em matéria do jornal O Estado de S.Paulo, também
do dia 7 de maio de 2012.

Juntou a fome com a vontade de comer.


Não a galinhada, aliás. Era fome de Atala.

Muita gente ali aglomerada queria é tirar fotos com o chef premiado.
Sem saber nem o nome nem onde ficam os seus dois restaurantes
(D.O.M. e Dalva & Dito), queriam o Atala pop star.
“Nem gosto de galinhada. Vim para vê-lo. Estou desde cedo e ele não
aparece”, disse a professora Ana Rodrigues.
E já comeu o que ele faz? “É uma delícia, fui naquele da rua Avanhan-
dava [Centro]”, diz o vendedor Fernando Matos. Os restaurantes do
chef, no entanto, ficam nos Jardins.
Em meio à confusão, Alex Atala tentou subir o Minhocão pela alça de
acesso da rua Helvétia dirigindo um Audi branco. Sem conseguir pas-
sar pela multidão, baixou o vidro, deu a volta e foi embora.
Saiu vaiado na semana em que o seu restaurante D.O.M. ganhou o
prêmio de quarto melhor do mundo.
“Fiquei triste. Foi uma sequência de erros. Não tinha gás, panela, água
nem energia elétrica”, disse. Nas redes sociais, um protesto dos “sem
galinhada” em frente ao D.O.M. estava sendo organizado ontem.
TROFÉU
Frio, o prato desagradou a quem comeu, como o pedreiro Jorge Luiz
de Almeida Fernandes, ex-presidiário.
“Furei fila, mas todos fizeram o mesmo”, disse, já com a embalagem
branca na mão, que exibia como um troféu.
Invejosa, a turma em volta pediu para ver o que tinha dentro. Chove-
ram fotos. “É pouca comida”, reclamou ele. “Parece rango de cadeia.
Sei do que estou falando”, desdenhou. Ofereceu o garfo branco de
plástico para outras pessoas provarem (GALVÃO, 2012).

A gratuidade do prato certamente aumentou o cenário complexo


que se instalou no Minhocão naquela madrugada, mas nos parece claro
que pela alta exposição midiática da gastronomia na contemporaneidade,
que a confusão estaria garantida de qualquer modo. Ao citar que o público
em geral que foi ao Minhocão por fome simbólica (a “fome de Atala”), Vi-
nícius Galvão aborda justamente a constituição do bios midiático da gas-
tronomia: nessa ambiência cultural e comunicativa, vida comum e mídia se
confundem. O público mudou sua programação, alterou seu roteiro para
- 186 - ver Alex Atala e provar sua criação, a Galinhada, não sendo movido pela
fome e sim pela curiosidade. Podemos dizer que o prato era uma descul-
pa, a fome simbólica era mais forte. Este é um ótimo exemplo para mostrar
a constituição contemporânea de uma gastronomídia44, a gastronomia que
se rearranja simbolicamente em mídia própria, ou seja, que se comunica e
se espetaculariza por si.
Não estamos propondo, de maneira alguma, que a gastronomia pas-
se, assim, a prescindir dos meios de comunicação, especialmente aqueles
configurados como de massa. Afinal, o evento foi intensamente divulgado
e se tornou parte inerente da pauta cultural daquele final de semana. O que
nos interessa observar é que a “fome de Atala” demonstra que o interesse
pela gastronomia vai além da própria mídia.
A comida de Atala, seu principal produto e negócio, foi engolida pela
imagem midiática do chef. Nessa iconofagia identificamos uma modeliza-
ção dos sistemas da cultura capaz de transformar a gastronomia em mí-
dia graças à reestruturação de arranjos signicos. Assim, com os mesmos
códigos da linguagem gastronomia, recodifica-se a mensagem, transfor-
mando-a em um show de mídia que fala diretamente a
44. O termo gastronomídia um público popular no exemplo da Virada Gastronômica.
não é inédito e já foi,
Na gastronomia, a posse e até mesmo o excesso
inclusive título da
dissertação de mestrado de informação moldam esta linguagem como mídia ao
de Sinval do Espírito
Santo: Gastronomídia: a consolidar alguns dogmas como: comida gourmet precisa
midiatização da gastronomia
harmonizar com o vinho certo; restaurantes de alta gastro-
na contemporaneidade
(2009). O autor aborda nomia usam ingredientes naturais, de preferência orgâni-
especificamente a questão
televisiva. Acreditamos cos; o bom restaurante possui um chef mais conhecido do
que além da nomeação,
que o próprio local. Assim, vemos que a gastronomídia se
a discussão que importa
é a da exacerbação processa no território da posse da informação, do “quem
expositiva da gastronomia,
que leva a gastronomídia sabe mais, demonstra que é um gourmet de verdade”.
a já ser uma mídia que
Acreditamos que, hoje, ter a informação é mais im-
precisa se reinventar,
tamanha sua presença na portante no que ter a posse de um produto ou bem de
conteporaneidade.
Gastronomídia também consumo: no caso da Galinhada, os depoimentos das pes-
nomeou Projeto Multimídia
soas colhidos pelas reportagens dos jornais citados mos-
da ASSESC (Associação de
Ensino de Santa Catarina) tram que ver Atala era mais importante do que comer sua
em 2008 (In: http://www.
assesc.edu.br/) e o blog do comida. Decorre desse fato a frustração e os protestos ori-
estudante de Gastronomia
ginados pelo fato de o chef não ter comparecido ao even-
Vinícius Vitorino (In: http://
gastronomidia.blogspot. to; afinal, não se poderia mais afirmar que se havia visto
com.br).
o chef, que se tinha aquela informação visual. Sobrou na-
quela situação apenas o objeto menos importante (e que deveria ser o prin- - 187 -
cipal por se tratar de uma questão de cozinha): a comida fria, a galinhada.
Flusser (2008, p.52-58) aponta justamente para essa transformação de
valor de posse dos produtos para o valor da posse das informações, pensa-
mento que corrobora a teoria de Lipovetsky (2010) da sociedade do hiper-
consumo efêmero. Mais importante do que ter a posse de um produto é ter
informações sobre ele, gerando um excesso informativo que contamina todos
os ambientes midiáticos contemporâneo. Como Flusser (2008) chama as in-
formações de “não-coisas”, que irrompem por todos os lados, teríamos uma
sociedade repleta de consumo efêmero de informações vazias, “não-coisas”.
Essas “não-coisas” se encontram nas redes sociais, quando qual-
quer pessoa posta a receita que fez naquele mesmo minuto, ou nos portais
repletos de receitas que encontram eco nas bancas lotadas por revistas e
coleções de culinárias. “Não-coisas” também são as disputas televisivas
pelo melhor cupcake ou pelo prato mais exótico degustado em uma via-
gem. Na gastronomia essas “não-coisas” provam que essa linguagem co-
munica diretamente pelas suas mensagens e, portanto, pelos seus meios,
gerando imagens informativas que podem ter um valor ainda maior do que
a própria gastronomia.
Assim, temos “não-coisas” que geram imagens repletas de visibili-
dade, portanto, de semioses que formam cognições e representam novos
arranjos sígnicos dos ambientes da mídia:

(...) Agora irrompem não-coisas por todos os lados, e invadem nosso


espaço suplantando as coisas. Essas não-coisas são denominadas
informações. Podemos querer reagir a isso dizendo “mas que contra-
-senso!”, pois as informações sempre existiram e, como a própria pa-
lavra “informação” indica, trata-se de formar coisas. Todas as coisas
contêm informações: livros e imagens, latas de conserva e cigarros.
Para que a informação se torne evidente, é preciso apenas ler as coi-
sas, decifrá-las. Sempre foi assim, não há nada de novo nisso.
Essa objeção é absolutamente vazia. As informações que hoje inva-
dem nosso mundo e suplantam as coisas são de um tipo que nunca
existiu antes: são informações imateriais (undinglicheInformationem).
As imagens eletrônicas na tela de televisão, os dados armazenados no
computador, os rolos de filme e microfilmes, hologramas e programas
são tão “impalpáveis” (software) que qualquer tentativa de agarrá-los
com a mão fracassa. Essas não-coisas são, no sentido da palavra,
“inapreensíveis”. São apenas decodificáveis. (Ibidem, p. 54)

Os ambientes midiáticos penetram nossas vidas e estamos cada vez


mais propensos a adquirir informações sem a devida reflexão natural do ato
- 188 - de comunicar, especialmente no contexto da comunicação bios midiática.
Flusser (2008) afirma que estamos impregnados dessa nova configuração
de ambiente, da busca pelas coisas que não podemos pegar, mas que de-
codificamos e passamos a transformar em parte de nossa existência.
A “confusão da Galinhada” gerou uma repercussão tão intensa que
virou tema dos cadernos, sites, programas de tevê e revistas de cultura
nos dias seguintes ao evento. Ainda no jornal Folha de S.Paulo de 7 de
maio de 2012, Alex Atala entrevistado, tentou se defender da confusão:

‘Mandei servir o que tinha de comida fria’, diz Alex Atala


Folha - O que aconteceu?
Alex Atala - Fui até lá. Pediram para eu não entrar. O pessoal inva-
diu. Não respeitaram. Mandei servir o que tinha de comida fria. Fiquei
triste. Foi uma sequência de erros.
Há gente organizando protesto dos “sem galinhada” no D.O.M.?
Ouvi falar, mas não é culpa minha.
Qual foi o erro?
É uma coisa que nunca foi feita. Tenho a consciência limpa de que
fiz a minha parte. Quando o público reage mal, todo mundo perde a
razão.
Vai voltar no próximo ano?
Fica a lição. Temos de fazer de novo conhecendo melhor a dimensão do
evento. Comida é cultura, tem de estar presente. (GALVÃO, 2012, E3)

Ao afirmar que a gastronomia é arte, Atala retoma os conceitos dos


gregos, dos romanos, da França pós-Revolução de 1789 e, principalmente,
faz propaganda de seu trabalho. Ele se apropria das “não-coisas”, até de
não-informações, pois não especifica o que é arte, apenas usa esse concei-
to para fazer propaganda do valor de seu trabalho frente à opinião pública.
Uma semana depois do evento, o chef foi entrevistado pela jornalista
Marília Gabriela no programa De Frente com Gabi do canal SBT45. A primeira
pergunta da entrevistadora foi: “É verdade que você foi vaiado na Virada
Cultural (Paulista)?”. Alex Atala respondeu: “não, porque eu
45. Os diálogos citados não estava lá!(…) Foram distribuídas 500 senhas. Só que na
foram extraídos de vídeo
hora apareceram milhares de pessoas, houve invasão e virou
do programa disponível
no site Youtube: http:// um caos”. “Pagamos o preço do pioneirismo”, acrescentou
www.youtube.com./
watch?v=cyBN2xjZV1I, Alex. “Isto te desestimulou?”, pergunta Marília Gabriela. “Ao
http://www.youtube.com./
contrário, agora que eu fiquei com mais vontade de realizar
watch?v=pN2sxV9NyH8,
http://www.youtube.com./ algo no gênero”, disse o chef. Nesse jogo de palavras e per-
watch?v=v5HkpvlbNI8 e
http://www.youtube.com./ suasão que compõe uma entrevista desse tipo, fica claro que
watch?v=ucdiUrxovj8&featu
Atala conhece o papel que representa e que está disposto a
re=relmfu.
estimular ainda mais o entretenimento relacionado à comida,
fazendo com que a gastronomia ganhe ainda mais um status de mídia em si - 189 -
própria, visto que se apropria de mediações e midiatizações que não neces-
sitam, necessariamente, de um suporte tecnológico.
O fenômeno de sobrevalorização da figura do chef, por sua vez,
parece encontrar raízes na valorização do trabalho manual e artesanal que
verificamos atualmente. Flusser discute o homem contemporâneo como
alguém que carece de mãos, que não lida mais com as coisas, que não
realiza ações concretas, mas alguém que se tornou um performer, que usa
as pontas dos dedos no computador – caso daqueles consumidores que
cozinham para expor o resultado publicamente. Tais pessoas até execu-
tam um prato, mas geralmente não com a pretensão apenas de comê-lo,
mas de mostrá-lo nas redes sociais e blogs. Come-se para se afirmar lin-
guagens e identidades socialmente:

O novo homem não é mais uma pessoa de ações concretas, mas um


performer (Spieler): Homo ludense não Homo Fabers. Para ele a vida
deixou de ser um drama e passou a ser um espetáculo. Não se trata
mais de ações, mas sim de sensações. O novo homem não quer ter ou
fazer, ele quer vivenciar. Ele deseja experimentar, conhecer e, sobretu-
do, desfrutar. (FLUSSER, 2008: p.58)

Nesse processo de intensificação do espetáculo que cerca o bios


midático da cozinha e cria a gastronomídia como linguagem midiática em si
mesma, apontaremos a seguir algumas características que a tipificam. Para
que todas sejam melhor compreendidas na sua proposta lembramos que

Do ponto de vista epistêmico, a ambiência bios midiática deve acele-


rar a implosão daquele pensamento que nos conduz às heranças que
se consolidaram através de visões dicotômicas entre a natureza e a
cultura, como mecanismo de controle e sobrevivência de uma socie-
dade disciplinar (Cimino, 2010: 129).

Assim, lembramos que a gastronomídia é fruto, assim como as outras


linguagens da cozinha, de uma ecologia comunicativa, que assegura a visua-
lidade da culinária como parte constitutiva de todos os textos da cultura dela
derivados ou originados. Não há aqui uma visão dicotômica entre as duas
linguagens, que poderia ser facilmente estabelecida por meio da comparação
entre culinária como uma linguagem natural e gastronomia como altamente
cultural. A proposta é cognitiva, convergente e bios midiática: cultura, eco-
- 190 - logia, natureza, tecnologia trabalhando em ações culturais e comunicativas
inseparavelmente e lançando as ações e consequências desses processos
para todas essas frentes ao mesmo tempo e nas mesmas espacialidades.
Romano (2004, p.63) lembra que “los processos de comunicación
humana no sólo possibilitan la conexión sino también la vinculación”: A
perspectiva de uma comunicação vinculativa entre os indivíduos, que ope-
racionalizam e criam novos textos da cultura, é essencial para entender a
ecologia comunicativa dos ambientes midiáticos da gastronomia. Dentro
dessa ecologia, precisamos nos ater a fatores que levam à construção da
gastronomídia dentro da sociedade contemporânea.

6.1.1. O fator cozinha mundializada


Analisar o processo de mundialização da cozinha é imprescindível
para que possamos perceber de que forma a gastronomia se operaciona-
liza como mídia no mundo contemporâneo. O conceito de mundialização
diz respeito ao processo de aproximação entre pessoas inseridas em es-
paços geográficos diferentes. A troca de informações sem fronteiras, tanto
pela conexão pela internet quanto pela difusão do hábito de viajar e a troca
de mercadorias entre pólos comerciais outrora distantes, são alguns dos
motores da sociedade mundializada (Bauman, 1998). 
No sistema cultural da alimentação, a mundialização da cozinha
culminou na criação de uma cozinha internacional, que se predispõe a ser
a cozinha de todos os lugares ao mesmo tempo, oferecendo aos seus con-
sumidores de sushi a hambúrguer, sempre com os mesmos sabores. Tal
condição que só pôde ser construída graças à disponibilidade facilitada de
ingredientes de todo o mundo em qualquer grande centro comercial. Revel
(1996, p.327) fala sobre esse fenômeno que se desenvolveu nos últimos
100 anos, graças, sobretudo, ao imenso espaço ocupado pelo mercado de
turismo no consumo contemporâneo:

O termo “cozinha internacional” acabou tornando-se pejorativo, pois


significa uma cozinha igual em qualquer lugar (geralmente uma cópia
da gastronomia francesa), que vai na contramão de valorização das
cozinhas regionais, quadro da gastronomia e da culinária contempo-
râneas. Nesse estado atual é curioso que opor-se à cozinha interna-
cional, monotemática e repetitiva, tenha salvado tais cozinhas mais re-
gionalizadas, que pareciam fadadas ao desaparecimento nas décadas
de 1950 e 1960 (Ibidem, p.327).
O autor (Ibidem) discute também que nesse movimento da cozinha - 191 -
internacional é importante preparar qualquer tipo de receita em qualquer
lugar: se sushi é uma obrigação gastronômica do momento, a cozinha mun-
dializada dita que o prato pode ser preparado em qualquer lugar do mundo.
No entanto Revel (1996) lembra que muitos pratos regionais perdem sabor
(viajam mal) ao serem mediatizados e passarem, assim, a ser realizados em
qualquer região do mundo – tornando-se assim elementos da cozinha inter-
nacional. Tal fenômeno origina-se do uso da gastronomia como ferramenta
do turismo e da grande atração simbólica que a comida exerce nesse tipo
de comunicação. “Às vezes um prato, embora relativamente simples, de-
genera por ter sido cortado de suas raízes” (Ibidem, p.330). No entanto, a
expansão mundializada de ingredientes e receitas pode representar um
ganho para o atual cenário da cozinha, pois possibilita que a gastronomia
se transforme em mídia seja qual for a sua caracterização regional:

Apesar dessa inevitável perda no transporte, a mundialização da co-


zinha paradoxalmente salvou as cozinhas regionais. A luta para de-
fender estas últimas recebeu o reforço da nomenclatura cosmopolita
e, além disso, somou-se à luta pela volta aos produtos naturais, aos
legumes, às aves domésticas, ao pão, aos vinhos da era pré-química e
pré-industrial. A digestão começa na cozinha, diz um provérbio. Não,
ela começa na horta, nos campos, no galinheiro. O gosto do sabor
natural e do frescor absoluto foi capaz de assegurar, por exemplo, o
sucesso internacional da cozinha japonesa. (...) A tendência dominan-
te da gastronomia atual, neste fim de século XX, me parece evidente:
para melhor e para pior, trata-se do retorno à natureza. Hoje, porém,
tanto na cozinha quanto em outros domínios, a natureza tornou-se um
luxo (idem, p.330).

Giard (1994b, p.243) fala sobre este trânsito de valores, que pode
prejudicar até mesmo a representação da comida e ela própria como texto:

Atualmente as coisas e as pessoas se transportam de um continente


a outro, pode-se saborear as cozinhas exóticas, experimentar novos
sabores, estranhas combinações, receitas inesperadas são feitas e o
vínculo causa e efeito entre produtos disponíveis a bom preço e co-
zinha comum local já não existem mais. (...) No fim das contas cada
cozinha regional perdeu sua coerência interna, aquele espírito de eco-
nomia cuja engenhosidade inventiva e rigor constituíam toda a sua
força; em sua vez e seu lugar, o que resta é apenas uma sucessão de
“pratos típicos” cuja origem e função já não temos possibilidade de
compreender, como aqueles lugares pitorescos que legiões de turistas
percorrem, mas não podem conhecê-los pelo que foram. Mil supostas
cozinhas fabricam em nossas cidades pratos exóticos simplificados,
- 192 - adaptados aos nossos hábitos anteriores às leis do mercado. É assim
que comemos os fragmentos de culturas locais que se desfazem ou o
equivalente material de uma viagem passada ou futura; assim o Oci-
dente devora com toda garra cópias pálidas dessas maravilhas sutis e
ternas, elaboradas com muito vagar durante séculos por gerações de
artistas anônimos. (certeau; giard; mayol, 1994b, p.243)

A autora (1994b) coloca uma questão importante: a de que a comida


fruto do espetáculo perde características próprias, transforma-se em uma
simulação que pode ser reproduzida em qualquer ambiente. Assim, fazer
um crème brulée em casa, no Brasil, ou comê-lo na França são experiências
de vinculação comunicativa diferentes, mas que dentro do bios midiático,
podem adquirir valores semelhantes graças à convergência de linguagens e
de textos da cultura. Na espetacularização da cozinha, tem mais valor a so-
bremesa degustada in loco, mas é ainda mais importante fotografar o prato
e expor essa experiência aos amigos, de preferência nas redes sociais.
Assim, mundializar a gastronomia e a culinária é um processo de trans-
formação de tais linguagens em mídia, fenômeno calcado em outro aspecto
fundamental da gastronomídia: a busca por novidades, fruto das indústrias de
sedução e persuasão e da própria característica humana de fugir do cotidia-
no, sempre em busca do novo, da experiência mais inédita possível.

6.1.2. O fator novidade constante


O gastrônomo alimenta-se do novo e do exótico em igual propor-
ção, como vimos no caso dos programas televisivos de gastronomia. A
ânsia pelo novo expõe sobremaneira a visibilidade dos textos da cultura,
escondendo sua visualidade. Afinal, não importa revelar os bastidores das
tendências que ditam que uma ou outra cozinha específica esteja em evi-
dência, ou que um outro chef seja o preferido da mídia: expõe-se e coloca-
-se como valor de troca comunicativo a imagem do chef e de sua cozinha.
Algumas disputas por novidades se destacam: a principal, certa-
mente, é a que se refere ao tipo de cozinha que coordena as tendências
da moda na cozinha. No ambiente midiático da gastronomídia, o cetro do
império da cozinha esteve nas mãos do catalão Ferran Adriá e sua cozinha
molecular durante o início dos anos 2000.
Hoje, ano de 2012, pouco mais de um ano após o fechamento do
restaurante El Bulli, a “Meca” da gastronomia midiatizada no início do século
XXI, a comunicação da comida se volta para o regional e para o saudável.
Assim a cozinha auto-denominada “selvagem” do Noma, melhor restauran-
- 193 -

Figura 70:
Em sentido
horário: Peixinhos
finlandeses
em bolinhos
de panqueca;
Ovos de codorna
defumados em
conserva; Filé de
cervo com pétalas
de beterraba
e Ostras sobre
algas, do Noma

Figura 71:
Em sentido
horário:
Sobremesa de
chocolate com
morangos; Peixe
com molhos;
Espuma de
baunilha; Salada
de lagostim;
infusão de ervas
com crocante e
Bolinho de peixe,
do El Bulli
- 194 - te do mundo segundo a revista Restaurant em 2010, 2011 e 2012, se coloca
como a principal tendência do espetáculo atual da gastronomídia.
No Noma se cozinham carnes de caça e alimentos orgânicos, em
nome daquilo que se denomina como o resgate de uma cozinha rústi-
ca, do tempo em que os esquimós da Escandinávia caçavam, colhiam e
plantavam seus alimentos enfrentando as adversidades da natureza. En-
tretanto, o resultado imagético dos pratos do restaurante nada lembra o
conceito que advêm de tais palavras. O que vemos é uma comida mi-
diática, próxima da visualidade da cozinha molecular e descontruída em
seus elementos primários, como propunha Adriá. Na figura 70 observamos
pratos do Noma, criados pelo chef René Redzepi. Já na figura 71, vemos
imagens de pratos do El Bulli, de Ferran Adriá.

Figura 72:
Lombo de
cordeiro com
purê e cebolas
caramelizadas
do The Fat Duck

Figura 73:
Ravióli crocante
de banana
ao maracujá
e sorbet de
tangerina do
D.O.M.
Ao compararmos as imagens dos pratos do Noma e do El Bulli, a - 195 -
visualidade que observamos é a da cozinha de alta gastronomia, muito
semelhante àquela que normalmente é feita em qualquer restaurante de
grande porte, conforme mostram as figuras 72 e 73, respectivamente do
nova iorquino The Fat Duck e do brasileiro D.O.M., outros restaurantes
sempre presentes na lista de melhores do mundo da revista Restaurant.
Em termos de visualidade, a comida construída na linguagem da alta
gastronomia sempre se revelará como imagem espetacular. As diferenças en-
tre uma e outra são mais da ordem do discurso da cozinha, das novidades
impostas pelas necessidades das indústrias do consumo do que do uso téc-
nico dos ingredientes. Miguel Sen (2004, p.99), no livro Luzes e Sombras do
reinado de Ferran Adriá, faz uma crítica à cozinha do chef catalão (quadro 2).

RECEITA CLÁSSICA RECEITA DESCONSTRUÍDA


Frango ao curry 46
Frango ao curry

Pedaços de frango, maçã laminada, juliana de Sorvete de curry, gelée47 de maçã, cebola, sopa de
cebola, curry, leite de coco, creme de leite. Quente. coco, suco de frango. Morno.

Alho branco Alho branco

Amêndoa, água, alho, azeite, vinagre, uvas. Frio. Sorbet48 de amêndoa, amêndoa tenra, azeite ao
aolho, vinagre balsâmico. Frio.
Ovos com batata e bacon Ovos com batata e bacon

Ovos fritos, batatas fritas, bacon frito. Quente. Batata soufflé, molho de gema, canela, caldo de
porco ao mel, bacon crocante, redução de laranja
sanguínea. Quente.
Pato com peras Pato com peras

Pedaços de pato, metades ou quartos de pera, Emincé49 de peitos de caneton50 assados ao ponto,
ervas aromáticas, vinho reserva. Quente. caldo de frango, sopa de peras, gelée de ervas,
redução de vinho reserva, pera caramelizada,
juliana de endívia frita. Morno.
Quadro 2: Diferenças entre receitas clássicas e receitas desconstruídas segunda a gastronomia molecular

46. Apresentado em forma de pasta ou pó, tem cocção de frutas com certa quantidade de açúcar. (idem,
composição complexa e variada, podendo conter Ibidem, p.254).
em partes iguais: pimenta-da-jamaica, pimento-do-
reino, pimento-vermelha em pó, sementes de erva- 48. Sorvete leve de frutas, de consistência fina, que se
doce ou anis, folha de louro, semente de cominho, serve entre um prato e outro em uma refeição de várias
cardamomo, canela, cravo, semente de coentro, etapas. (Ibidem, p.462).
gengibre, noz-moscada, semente de papoula,
semente de gergelim, curcuma, açafrão e folha de 49. Termo francês que se refere a fatias finas de carne de
arroz (ALGRANTI, 2000, p.110). vitela ou outra carne bem macia (Ibidem, p. 209).

47. Palavra francesa para geléia, produto resultante da 50. Palavra em francês para filhote de pato
- 196 - Sen compara receitas tradicionais a suas versões “desconstruídas”,
criadas pelo chef. A desconstrução gastronômica trocaria ingredientes
ou usaria os mesmos sob novo formato, em um processo que acrescenta
visibilidade aos textos da gastronomia, escondendo visualidades e criando
um processo de simulação: à receita original acrescentam-se característi-
cas gourmets, com denominações complicadas (como palavras em fran-
cês) e ingredientes caros.
No desvendamento das espacialidades da gastronomia e da gas-
tronomia, percebemos algumas constantes nessa tabela: usar nomes fran-
ceses agrega valor aos pratos e complicar as receitas agrega ainda mais:
não basta o acréscimo de ervas, é preciso, para se construir um texto da
gastronomídia, usar uma gelée de ervas – ou seja, a erva no formato geléia,
mais difícil de obter e, portanto, mais exclusiva e gourmet.
Mas na gastronomídia tal complicação cuidadosamente ficou
para trás, pois hoje impera o valor do rústico representado pelo Noma.

A ‘velha’ vanguarda
· Tem entre seus principais expoentes o catalão
Ferran Adrià, que criou uma linhagem de discípulos
como os irmãos Roca e Quique Dacosta

· Supermanipulação de ingredientes

· Criação de novas técnicas e apropriação de outras.


Entre elas, esferificação, espuma, liofilização

· Ingredientes sazonais se combinam com produtos


disponíveis o ano todo

· Uso de espessantes, emulsificantes e gelatinas

A nova vanguarda
· Liderada por René Redzepi, autor do manifesto
da nova cozinha nórdica com Claus Meyer

· Mínima interferência nos ingredientes

· Uso de técnicas tradicionais, como salga,


defumação e conserva

· Ênfase em ingredientes sazonais, produzidos


localmente ou coletados

· Segue quatro princípios claros: pureza, frescor,


simplicidade e ética

Quadro 3: Tabela do jornal O Estado de S.Paulo compara trabalhos de Adriá e Redzepi


Trocou-se o espetáculo da desconstrução pela espetáculo da rustici- - 197 -
dade. O quadro 3, extraída do site do caderno “Paladar” do jornal O
Estado de S.Paulo (2012) apresenta a substituição de vanguardas na
gastronomia mundial.
Trabalhando com opostos em busca do mesmo, que é o novo, a ta-
bela mostra que, tal qual acontece no sistema cultural da moda, a novidade
é essencial para a gastronomídia operar seus processos semióticos. Assim,
quem cozinha segundo os preceitos da velha vanguarda, está ultrapassado
e precisa se comunicar usando termos novos, adequados à ordem atual
do consumo. Hoje a comida não deve ser tecnológica, deve, isto sim, ser
fresca, pura, simples e ética na sua aparência – respeitando questões am-
bientais e de preservação da natureza, ou seja, alinhando-se aos discursos
dominantes da mídia contemporânea. E, portanto, consumindo constante-
mente novidades, ou “não-coisas”, citando novamente Flusser (2008).
Aquele receptor que consome as imagens da culinária, da gastrono-
mia e da gastronomídia não consome uma realidade, mas sim a mídia, ima-
gem representada, em um ato de contínua iconofagia: a linguagem gastronô-
mica se consome continuamente, pois necessita de imagens que precisam
ser renovadas a todo momento. Assim, nesse processo, tal receptor constrói
sua realidade particular, consumindo a gastronomia como mídia e desse con-
sumo construindo outras mídias e recriando sua própria identidade.

6.1.3. Convergência de mídias, redes sociais e a gastronomia


Comemos alimentos para devorar grifes (ou chefs famosos), anún-
cios, em um processo que pode nos fazer comer o que não queremos,
mas o que devemos – se uma determinada comida está na moda e faz
sucesso, devo comê-la para mostrar que sou um gastrônomo. E sempre
podemos comer com os olhos, nos apropriando da imagem da comida
como uma mídia e convergindo-a organicamente para nossa própria vida.
No bios midiático atua a convergência dos saberes da tecnologia e
da comida, situação que se identifica no laptop ou no tablet que chegou
à cozinha, substituindo o livro de receitas de papel; não se trata ainda de
uma situação de maioria no universo comunicativo, mas já se faz presente
nos ambientes midiáticos da gastronomia e tende a aumentar na próxima
década no sistema cultural da alimentação.
Outro exemplo interessante dessa situação é a convergência da
gastronomia para outras mensagens aparentemente distantes da cozinha:
- 198 -

Figuras 74 e 75:
Anúncios de
apartamento em
São Caetano do
Sul publicados no
site OLX.com
do cosmético que apela ao aspecto emocional dos alimentos, como vimos - 199 -
na introdução deste trabalho, ao apelo de vendas de um terraço gourmet,
acreditamos que o rearranjo simbólico operado não seja uma exceção, e
sim uma característica constante na comunicação contemporânea.
O terraço gourmet, por exemplo, é um espaço construído arquiteto-
nicamente para se preparar e servir refeições e, portanto, juntar pessoas.
Geralmente localizado na sacada de apartamentos, o terraço gourmet faz
na arquitetura contemporânea as vezes de um quintal misturado a uma
sala de jantar. Hoje tal espaço tem um enorme apelo de vendas, pois ofe-
rece, no ambiente midiático persuasivo e de sedução da publicidade, uma
possibilidade de bem-estar para seus moradores, além de oferecer status
a quem o possui. A existência de um terraço gourmet marca apelo de ven-
da no mercado de imóveis atualmente e sua presença é destacada como
característica principal em anúncios de apartamentos, seja qual for o meio
de comunicação utilizado.
No material das figuras 74 e 75 pode ser observado o anúncio de
apartamento de 65 metros quadrados, um dormitório, em São Caetano do
Sul. Destaca-se na propaganda digital do imóvel o espaço gourmet, que
está integrado ao apartamento – como integrado estará à vida e à qualifi-
cação social do comprador desse imóvel.
Quando um mercado agressivo como o de imóveis apropria-se de
símbolos da gastronomia para aquecer suas vendas, notamos sobrema-
neira a existência do bios midiático que adentra nossas vidas por meio da
tecnologia em todas as esferas. Assim como o comprador de revistas de
culinária dificilmente executará todas as receitas que possui, o dono do
apartamento com terraço gourmet não se transformará obrigatoriamente
em um criativo chef de cozinha. Mas ele possuirá um espaço físico que
pode qualifica-lo com esse status de conhecedor da gastronomia e tal pro-
messa basta para as operações da gastronomia como mídia.
Ainda no território da linguagem publicitária, outro exemplo impor-
tante é o do Panetone Pullman Gourmet. Criado pelo chef francês Olivier
Anquier, o produto foi lançado em outubro de 2012, visando as vendas do
Natal do mesmo ano (figura 76).
O produto é um panetone de nozes com recheio de chocolate belga (o
melhor que existe no universo simbólico da gastronomia) e assinado por um
chef muito conhecido por seu programa de televisão no canal a cabo GNT,
- 200 -

Figuras 76:
Panetone de Nozes
Pulman Gourmet com
assinatura do chef
Olivier Anquier

Olivier Anquier: temos aqui uma simbolização perfeita da gastronomídia, que


rearranja signos da gastronomia (nozes, chocolate belga, chef famoso) em
um produto industrializado e comercial, com preço de consumo acessível a
todas as pessoas (R$17,90, 550 gramas, em novembro de 2012).
Ainda usando o exemplo dos panetones e retomando a indústria
cosmética, dizemos que gastronomia é mídia porque se pode descobrir
que a espacialidade construída para essa linguagem pode ser apropriada
por outras linguagens, reconstruindo textos da cultura. A empresa O Bo-
ticário lançou para o Natal de 2012 uma coleção de kits de presente cuja
embalagem tem o formato de uma caixa de panetone (figura 77) .
Dentro de uma embalagem com as linhas retas de uma típica emba-
lagem do bolo de natal de origem italiana colocam-se produtos de beleza,
em uma produto final que será oferecido como lembrança da data. Trata-
-se de uma ressignificação da representação do panetone: no lugar da
comida, cosmética. Ou seja, midiatização operando em um formato típico
da cozinha e da gastronomia.
Em Antropológica do Espelho (2002), Sodré fala da vida midiatizada,
“que inclui a realidade tecnológica do virtual” (p. 161). A comida da tela de
computador ou de tablet pode ser mais desejada do que a real, e é consu-
- 201 -

Figuras 77:
Embalagens
para o Natal em
formato de caixa
de panetone de
O Boticário

mida com voracidade ainda maior na tela. É o que o próprio Sodré chama
de possibilidade de o ser humano habitar o “cerne do artificio tecnológico,
substituindo proprioceptivamente o ponto de vista, que sustentou a pers-
pectiva moderna, pelo ponto de existência. Funcionalizado, o indivíduo é o
ponto onde o sistema exibe sua potência (2002, p.161).”
Um exemplo dessa junção entre vida comunicativa e tecnológica no
cotidiano é o uso de elementos emotivos como estratégia de comunicação
para a gastronomia. A Brigaderia, empresa paulistana especializada em
brigadeiros, trocou seu logotipo em 2012, inserindo uma frase: emotional
food (figura 78). Nessa fusão entre a comida que é representada para ser
mais do que um doce gostoso no paladar e atrativo visualmente, vende-se
também o apelo do doce emocional, que vai preencher um vazio simbólico

Figuras 78:
Logotipo da loja
de brigadeiros
Brigaderia
- 202 - da vida de quem consumi-lo. É uma receita diferente, que se apropria dos
valores naturalmente atribuídos ao chocolate, como de um texto da cultura
que tem o poder de deixar as pessoas felizes.
A gastronomídia se mostra na convergência de mídias quando um
aplicativo promete ajudar o seu usuário a conseguir cozinhar com os in-
gredientes que ele tiver disponíveis em casa. E ainda obter o melhor sabor
possível dessa operação na cozinha. Essa é a proposta de uma nova ver-
são do Epicurious, aplicativo disponível para celulares e tablets (figura 79):
A descrição do aplicativo presente na rede social Facebook diz:

O aplicativo perfeito para fazer receitas com os ingredientes que você


tem em casa. Ele tem mais de 30 mil receitas, mas para que uma des-
sas receitas apareça, você tem que digitar os ingredientes que tem na
sua casa no momento ou aqueles que você mais esteja interessado
em cozinhar. Assim o aplicativo vai te apresentar as melhores opções
de como aproveitar os ingredientes que você tem disponível naquele
momento.51

Quando a gastronomia midiatizada digitalmente promete resolver


problemas tão corriqueiros da vida real como o de conseguirmos cozinhar
com os ingredientes que temos em casa, não se pode mais falar em se-
paração entre real e virtual. Acreditamos assim, que os fatores aqui apre-
sentados sobre este tipo de convergência constituem-se como elementos

Figuras 79: Reprodução de comentário no Facebook sobre o aplicativo Epicurious, aqui reproduzido em uma tela de iPhone
fundamentais para que se estabeleçam as condições comunicativas e am- - 203 -
bientais do fenômeno da transformação da gastronomia em mídia.
Ao identificarmos a ocorrência de um ou mais fatores desses na
comunicação dos textos referentes ao sistema cultural da alimentação,
olhamos para um ambiente midiático que se distingue por estruturar e
operacionalizar a comunicação da comida em si. Para que um prato de
um conhecido chef de gastronomia seja famoso, ele não necessita da te-
levisão ou mídia impressa, mas sim da sua própria constituição midiática.
Notamos e salientamos que a construtibilidade destes ambientes
nos mostra uma visualidade do alimento espetacular, inseparável da gas-
tronomídia, que só existe no território da visibilidade e do espetáculo. Para
pertencer a uma determinada faixa socioeconômica é necessário usufruir
a gastronomia: comprar um apartamento com terraço gourmet e comer um
brigadeiro também gourmet, por exemplo.
Assim, gastronomia e a culinária também são mídias (além da pró-
pria gastronomídia) porque, como lembra Baudrillard, há na extrema mi-
diatização do meio uma desestruturação do real (1982, p.106). O autor
propõe que a encenação exacerbada da comunicação, própria da era do
hiperconsumo, transforma a comunicação em processo que simula tanto a
realidade que acaba por distorcê-la (ibidem). Quando temos as linguagens
da cozinha, gastronomia e culinária, exageradamente expostas em seu
conteúdo, tornando-se mídias, observamos uma retórica dos meios que
sobrevaloriza a forma em detrimento do conteúdo.
Baudrillard lembra que “os media são produtores não da socialização,
mas do seu contrário, da implosão social das massas. Isto não é mais do que
a extensão macroscópica da implosão do sentido ao nível microscópico do
signo” (1982, p.107). Ao expor a simulação da culinária na visibilidade gas-
tronômica, retomamos o cotidiano sobrevalorizado, que tenta glamourizar e
espetacularizar cada vez mais a rotina do dia-a-dia. Temos uma vida privada
que se mostra nas telas de todos os tipos. Olhos de máquinas que bisbilhotam
nossas vidas e nosso cotidiano, do qual a comida faz parte. Como mídia, a
gastronomia atua nessa ambiência comunicando valores sim-
bólicos para as pessoas que assistem programas de tevê ou 51. In: https://www.
compartilham receitas nas redes sociais. facebook.com/photo.php?f
bid=10151088688857666&
A simulação construída pelas mídias da cozinha pa- set=a.279225787665.1419
71.247790342665&type=1
rece fazer parecer que a comida mediada é sempre a co- &theater
mida vivida, quando não é. O comfort food, por exemplo,
- 204 - é um conceito que explora essa simulação, fingindo que se faz comida de
mãe, quando essa comida nunca poderia ser feita em larga escala. Ela faz
parte da memória e da experiência individuais e não há como coletivizar
tais experiências, a não ser por meio da simulação comunicativa, uma es-
pécie de espelho da realidade. Esse espelho, como lembra Débora Rocha
(2009, p. 125) “pode parecer tão fidedigno à vida real que acabará por
dispensá-la”. Assim, vejo a comida e não preciso comê-la. Posso satisfa-
zer minha gula apenas com a representação da comida, a imagem midiati-
zada da comida. Desse modo, concluímos que as imagens da gastronomia
operam a midiatização extrema da gastronomia, levando à construção da
mídia que nomeamos como gastronomídia.

6.2. Gastronomia em imagens

6.2.1. Imagens e gula


Não há dúvidas de que imagens de grande apelo de pratos ape-
titosos são capazes de despertar o mais calmo dos paladares. Um bolo
de chocolate na capa de uma revista pode fazer desandar a dieta mais
radical: mas de que maneira esse processo de sedução visual acontece?
O comprador da revista corre para a sua cozinha e prepara o bolo? Rara-
mente. O que observamos é uma fome visual que é satisfeita pela imagem
da revista, capaz de construir uma espacialidade que se sacia na sua visu-
alidade. Esse processo não é novo, pois a gula visual expressa no desejo
por imagens apetitosas pode ser considerada inata ao homem na cultura.
Chegamos assim ao ponto de afirmar que a exponebilidade da gas-
tronomídia nos meios de comunicação encontra grande parte da sua força
na construção de visualidades que podem despertar visibilidades, apoian-
do-se naquilo que Lipovetsky (2010) chama de ludicização do cotidiano.
Ver imagens apetitosas de comida nos leva a uma diversão hedonista que
parece banal, mas não é, pois representa o universo do hiperconsumo que
depende da midiatização para se concretizar:

É inegável que toda uma parte do universo hiperconsumidor oferece


o espetáculo de uma espécie de bacanal luxuriante. Baudrillard (na
sociedade de massa) já descrevia a atmosfera festiva destilada pelos
templos do consumo através da profusão dos objetos e das estimu-
lações repetidas ao infinito. O amontoado dos produtos, os carrinhos
cheios até a borda, as solicitações sem fim, tudo isso contribuiu para
criar uma impressão de vertigem, uma espécie de sensação de or- - 205 -
gias do consumo. Centros comerciais, liquidações, lojas de preços
reduzidos, tudo incita aos desejos, tudo parece oferecido aos prazeres
e dado por acréscimo numa negação frenética da raridade (...) Eis o
tempo da cidade dedicada ao convívio ocioso, ao divertimento, ao
shopping lazer. Depois da cidade-produção, a cidade-hedonista que
irradia a felicidade a abundância, a negação propriamente dionísica
do trabalho. (...) É toda a vida cotidiana que vibra de hinos ao diver-
timento, aos prazeres do corpo e dos sentidos. Sedução publicitária,
cidade ludicizada, febre dos lazeres, mania das férias, traços que, evi-
dentemente, acenam à felicidade dionísica, a seu universo marcado
pela abundância e pelos prazeres, a despreocupação e a ausência do
trabalho (lipovtesky, 2010, p.209).

Se no mundo contemporâneo os valores que imperam são os do


lazer sem fim e da satisfação dos prazeres, a gula visual e a gula real são
amplamente exploradas nesse tempo ludicizado. Longe do mundo moder-
no, quando o valor principal era o da dedicação ao trabalho, na sociedade
do hiperconsumo se almeja permanentemente o tempo do descanso e do
lazer. Paradoxalmente tais tempos são cada vez mais escassos e ausen-
tes nas grandes cidades, lugares onde a linguagem da gastronomia tem
maior alcance e representatividade. Por isso, nas pequenas brechas do
tempo que escorre pelos dedos do homem contemporâneo, as imagens
de prazer imediato são tão fortes para o consumidor de gastronomia – e
até mesmo para aqueles que não são seu público-alvo.
Se os guias de gastronomia, por exemplo, criam obrigatoriedades,
imagens de restaurantes que devem ser visitados pelos seus leitores para
que eles desfrutem dos prazeres ali assinalados, tal ação se relaciona a
interesses econômicos e políticos, até geográficos. Se o valor reinante é o
hedonismo, as imagens precisam se reconstruir o tempo todo, ora escon-
dendo, ora revelando sua visualidade.
Acreditamos que as espacialidades da comunicação da gastronomia
analisadas aqui revelam que as imagens espetaculares destes ambientes mi-
diáticos muitas vezes se escondem. Por exemplo, na “food porn” de Nigella
Lawson, o preparo dos alimentos, a razão de se produzir aquele sorvete, a
sua visualidade, é soterrada pelo hedonismo e pelo excesso das imagens
erotizadas da apresentadora se lambuzando com o doce. Fica na superfície
da visibilidade daquela cena espetacularizada, distante da comida, mas pró-
xima ao hedonismo típico da gastronomia. Tais características só podem ser
reveladas quando se olha além da imagem gastronômica, quando vamos em
busca dos textos desta comunicação, que se revelam nas espacialidades.
- 206 - 6.2.2. A imagem como objeto iconofágico na gastronomia
O processo de desvendamento das espacialidades da gastronomia
tem nos revelado um grande número de imagens que povoam o imaginá-
rio dos textos da gastronomia. O processo iconofágico de devoração e
geração contínua dessas imagens passa por uma interconexão entre as
imagens e os corpos físicos, humanos, que as devoram também, tanto no
aspecto real (comendo os pratos) quanto visual (vendo fotos de revistas,
indo a restaurantes pela decoração, por exemplo).
Baitello Jr (2012, p.90) alerta para “o crescente povoamento dos es-
paços pelas imagens, processo que ocorre com celeridade progressiva a
partir do Renascimento, mas que se exacerba no século XX”. Se a iconofa-
gia trata da devoração de uma imagem pela outra, colocamos que a expo-
nencial importância da gastronomia na comunicação implica nesse proces-
so também em nível elevado, visto que uma imagem “comestível” não pode
durar muito tempo, pois deve ser substituída por outra mais apetitosa.
Assim o programa de televisão que fala hoje da gastronomia espanho-
la precisará, na semana seguinte, abordar um tema diferente, como a gastro-
nomia asiática, para manter sua audiência elevada. A gastronomia chinesa é
exótica, lida com imagens proibitivas no Ocidente, como insetos e cérebros
de macaco sendo devoradas na tela da tevê ou da internet. No entanto veri-
ficamos que tamanho exponebilidade acaba levando a uma saturação ima-
gética típica da era contemporânea, quando o descontrole de produção de
imagens – típico da gastronomia – termina por produzir desinteresse:

A era da reprodutibilidade técnica, contudo, muito mais abriu as por-


tas para uma escalada de imagens visuais que começam a compe-
tir pelo espaço e pela atenção (vale dizer, pelo tempo de vida) das
pessoas. E o excessivo, o descontrole, muito mais conduziu a um
maior esvaziamento deste valor de exposição e até mesmo pode
estar levando ao seu oposto, um crescente desvalor, a uma crise
de visibilidade (Cf. Kamper 1995) próxima do grau zero de comuni-
cabilidade, sinalizando que houve um desvio de rota, uma recidiva,
no prognóstico positivo da reprodutibilidade técnica na sociedade
contemporânea. Caberia aqui buscar, portanto, compreender qual
terá sido a lógica de tal desvio. Ao invés de democratizar o acesso à
informação e ao conhecimento, tal reprodutibilidade fez muito mais
esvaziar o potencial revelador e esclarecedor das imagens por meio
delas próprias e seu uso exacerbado e indiscriminado. (...) A crise da
visibilidade não é uma crise de imagens, mas uma rarefação de sua
capacidade de apelo” (Baitello Jr., 2005:14).
Colocamos assim que a gastronomia é mídia porque ganha espaço - 207 -
no contemporâneo e se identifica com as indústrias contemporâneas da
persuasão. Simulam-se assim imagens que transformam o termo gastro-
nomia em um selo de qualidade que garante a excelência, social e gusta-
tiva, daquele alimento. Como lembra Lipovtesky, “Estamos na época em
que criar produtos já não basta: é preciso criar uma identidade ou uma
cultura de marca por meio do marketing, do superinvestimento publicitário
e da hipertrofia da comunicação” (2010, p. 95). Assim, a gastronomia no
bios midiático se transforma em gastronomídia ao simular tais realidades
e ao se combinar com marketing, publicidade e excesso comunicativo no
mundo do hiperconsumo. Verificamos ai uma veiculação da veiculação: a
gastronomia que se auto-propaga e que é propagada pelos meios de co-
municação, na era do espetáculo e do hiperconsumo:

Os tempos hipercurtos e a veiculação da veiculação nos conduzem


a um novo tipo de observação da observação: o que se vê não é o
mundo, mas o gesto de ver. Tal gestualidade é típica da atualíssima
mídia pura, aquela que não disfarça sua verdadeira vocação, não se
contamina de notícia, de informação ou de entretenimento, não usa
iscas para atrair os olhares. Ela os atrai sendo apenas imagem que
atrai olhares. Embora seja financiada pela publicidade, não se propõe
nem ao menos ser persuasiva ou publicitária. Ela se basta a si mesma
como a Narciso bastava ver a própria imagem e nela afundar. (BAI-
TELLO JR., 2012, p.112)

A gastronomia que se transforma em gastronomídia vê na mudan-


ça do sufixo ia (indicativo de substantivo) para ídia (outro substantivo)
uma mudança de representação simbólica gigantesca. De palavra que
significa “estudo e observância das leis do estômago” (Algranti, 2000,
p.252), verificamos na era contemporânea o surgimento de uma palavra
que conjuga as leis do estômago às leis da representação. O consumidor
da gastronomídia não mais apenas se regula pelo desejo de comer algo,
mas sim pelo desejo de devorar imagens. Consumindo essas imagens,
ele pode até desagradar seu corpo, pois deve por obrigações espeta-
culares comer a mídia, mesmo que o alimento não lhe seja agradável
ao paladar. Assim, consome um tipo de comida pela espetáculo que tal
consumo representa, capaz que é de inserir o devorador da imagem no
mesmo tipo de espetáculo construído pela linguagem da gastronomia
por meio de sua intensa midiatização.
- 208 - 6.3. Meios, mensagens e gastronomídia
Ao pontuarmos que a gastronomídia é uma linguagem midiatizada
em si, estruturada dentro do bios midiático, não queremos dizer que exis-
ta uma imutável separação entre culinária, gastronomia e gastronomídia.
Pretendemos, na realidade, expor um estado social contemporâneo que
estrutura as relações comunicativas por meio de vínculos, usando aquilo
que Sodré (2006) chama de estratégias sensíveis. No caso do ambiente
midiático da cozinha, a sensibilidade está por toda parte, tanto no afeto do
cozinhar, quanto na vinculação da comida com seus consumidores e na
apreciação de uma mídia ou texto da cultura desse universo.
Colocar, por fim, a questão do vínculo para fazer uma distinção
final sobre o que é cada uma dessas linguagens, nos leva ao princípio
da comunicação por vinculação, a mais recente abordagem nesse cam-
po conceitual e teórico. Muito além do simples transporte de informação,
hoje sabe-se que comunicar é vincular signos e sentidos, criando rela-
ções sociocomunicativas que podem derrubar os muros estanques que
separam em caixas distintas os modos de comunicar. Ao derrubar essas
separações, aparece a necessidade de se considerar que as emoções fa-
zem parte dessa vinculação e são paradigmáticas em linguagens como as
estudadas neste trabalho.
Gula, fome, desejo, frustação: muitas são as emoções que se re-
lacionam à comunicação do alimento, da culinária, da gastronomia e da
gastronomídia. Nada disso é gratuito e já foi detectado há algumas déca-
das pela publicidade e pela propaganda, como detecta Sodré (2006, p.79):
“Persuadir, emocionar, abrir os canais lacrimais do interlocutor por meio do
apelo desabrido à banalidade são recursos centrais da retórica propagan-
dística, aperfeiçoada pela retórica e pelo marketing de hoje”.
É do marketing e da propaganda que nascem boa parte das ações
da gastronomídia e todas se inserem no espetáculo real, cotidiano e banal,
como diz Sodré. Debord (1997) deve ser novamente citado por ter anteci-
pado essa discussão sobre o sensório, a cultura e a mudança de mentali-
dades, trabalhando naquilo que se amarra ao estudo das fronteiras da cul-
tura desenvolvido por Lotman (1979,1996,1999). Se é o espaço fronteiriço
o território por excelência das trocas, nada mais lógico na realidade comu-
nicativa de que considerar que o sensível, o emotivo e o tátil se hidridizam
nas mediações contemporâneas. No entanto tal abordagem pode parecer
inovadora e até arriscada, face às interpretações mais conservadoras que - 209 -
imperam nos estudos de comunicação e que costumam desconsiderar a
ecologia comunicativa que pressupõe essa troca vinculativa.
Cabe nessa ecologia relembrar o conceito de McLuhan (1964) de
que o “meio é a massagem”, tratando da função tátil dos meios nas nos-
sas vidas. Se o meio massageia, nosso contato com a mensagem é tátil
sempre, mesmo que a mensagem seja visual, sonora ou auditiva. Pondera-
mos que tátil porque interagimos pela esfera do sensível com tais mensa-
gens, dentro de ambientes midiáticos ecologicamente construídos, onde
as mensagens e os meios se inter-relacionam – possibilitando assim que
linguagens como a gastronomia se estruturem em mídias puras.
Se o meio é a massagem tátil, ele é também a mensagem, porque “é
o meio que configura e controla a proporção e a forma das ações e asso-
ciações humanas (McLuhan, 1964, p.23)”. Assim, colocamos que a gas-
tronomídia existe porque as espacialidades que se revelam no estudo da
gastronomia contemporânea nos revelam visualidades, portanto imagens,
e visibilidades, portanto espetáculos, que se configuram em outros meios
continuamente. As estratégias persuasivas, espetaculares e iconofágicas
que fazem da gastronomia uma gastronomídia se processam em rearran-
jos signicos que transformam a gastronomia em uma mídia com signos e
símbolos particulares. McLuhan (Ibidem, p.33) diz que o efeito de um meio
se torna mais intenso justamente porque o seu conteúdo é um outro meio”.
Assim, colocamos que, nesse processo de intensa mediação da gas-
tronomia contemporânea, os efeitos decorrentes sejam a criação de um ou-
tro meio, que são os conteúdos dos textos (mensagens) resultantes das
linguagens do sistema cultural da alimentação. Ou seja, a gastronomídia.

6.4. Para além da gastronomídia


Após o percurso estabelecido neste trabalho, é necessário pontu-
ar que a hipótese da pesquisa proposta, de que a gastronomia teria se
transformado em mídia nos ambientes midiáticos contemporâneos, foi
respondida de modo positivo. Sim, acreditamos que a gastronomia tenha
se transformado em gastronomídia, sendo necessário pontuar que uma
linguagem não substitui a outra. Absolutamente ao contrário, ponderamos
que se existe uma gastronomídia, ela opera no rearranjo de simulações de
gastronomia e da culinária.
- 210 - O corpus escolhido, composto por exemplos da maciça presença
da gastronomia como linguagem da cultura, complementados por exem-
plos da também excessiva culinária, mostrou–se uma ferramenta essencial
para que fosse possível traçar o caminho metodológico proposto. Ao com-
pararmos a descoberta das espacialidades operadas por tais linguagens,
pudemos traçar um caminho que nos levou da comunicação do alimento à
gastronomia, mostrando a recorrência do uso da gastronomia como mídia
nos ambientes midiáticos contemporâneos.
Foi ao verificar como a linguagem da culinária e da gastronomia qua-
lificam os espaços onde tais textos da cultura nascem e se transformam,
por meio de tais exemplos, que pudemos traçar a proposta epistemológi-
ca do nascimento de uma linguagem que opera seu conteúdo pelo meio,
independentemente da forma escolhida. Assim, seja na mídia impressa,
audiovisual ou digital, a convergência de linguagens, conteúdos e formas
nos faz ver que, no bios midiático, a gastronomídia atua como mídia pura.
É importante pontuar que o desvelamento de tais espacialidades só
foi possível por meio do estudo da semiótica da cultura, que nos possi-
bilita entender o conceito-chave de que as linguagens se hibidrizam sem
cessar. Assim, só podemos afirmar que existe uma gastronomídia porque
identificamos uma pós-culinária, na passagem do século XIX para o século
XX. Ou seja, identificamos as semioses que ali operaram na qualificação
de tais espaços, naquele momento que foi definidor para o nascimento da
gastronomia que se operacionaliza em mídia.
São esses processos semióticos, que estimulam rearranjos da or-
dem sígnica e, posteriormente, simbólicos que nos permitem observar que
a gastronomídia depende da exposição midiática da culinária e, indo além,
defender que tal complexidade abrange todas as temáticas que envolvem
a vida cotidiana. Dos cuidados da casa aos cuidados com a família, a
transformação de linguagens em mídias puras é uma característica recor-
rente e importante no nosso bios midiático contemporâneo.
Também cabe pontuar que este estudo não se ateve apenas aos
fenômenos comunicativos das linguagens da cozinha brasileira, mas ao
acontecimento midiático da gastronomia hoje, que é contaminado por na-
cionalidades, mas que independe delas. Não cabe, assim, usar o conceito
de gastronomia para um fenômeno isolado no Brasil, mas sim para um
estado da arte do mundo contemporâneo, quando textos da cultura são
exponencializados por arranjos da hipermidiatização da comunicação tal - 211 -
como a operacionalizamos hoje.
Face a um mundo que já observa a convergência do hiperconsumo,
com tablets substituindo uma parte das publicações em papel, e com a pro-
vável e prometida integração de televisões, rádios e computadores, cabe-
-nos pontuar também que revelar as espacialidades da gastronomia signifi-
ca operar com este complexo quadro. Explorar mais um ou outro exemplo
foi um caminho construído ao longo do estudo e tal fluidez deveu-se às ne-
cessidades que o tema e o corpus de estudo foram oferecendo à pesquisa.
Não pretendemos, nem de longe, esgotar um tema que mudará
muito em pouco tempo, mas mostrar que as operações de modelização
na cultura nos ambientes midiáticos da gastronomia se constroem com
bases na linguagem da gastronomídia, cujas características principais são
a simulação da culinária e da gastronomia, concomitantemente; a conver-
gência e a integração de mídias, que se hidridizam aos conteúdos e não se
pode mais distinguir qual meio, qual mensagem; a linguagem do hipercon-
sumo, onde a necessidade de se usar a gastronomia como linguagem de
venda de imóveis se mostra uma modelização improvável para o conceito
original de gastronomia.
O hiperconsumo, a propósito, é característica essencial das simulações
que observamos em exemplos como o cosmético que usa traços indiciais da
comida. A gastronomídia atua como elemento persuasivo e sedutor da comu-
nicação e não se pode deixar de pontuar a modelização que o sistema cul-
tural da publicidade oferece àqueles sistemas da cozinha e da alimentação.
Gastronomidia é hiperconsumo e sedução, a mídia pura que leva ao consumo
de um shampoo em uma embalagem de panetone, a fim de poupar calorias
e embelezar-se simultaneamente. Não se consome a comida, mas sim sua
imagem, geralmente associada ao prazer proporcionado pelo alimento.
Assim, observamos ao longo deste estudo uma simulação gastro-
nômica em ambientes não relacionados a essa mídia inicialmente. Pode-
mos dizer que hoje a indústria da culinária e da gastronomia operam com
uma estrutura tão complexa quanto a da moda, e que qualificam espaços
da mesma maneira. Do cultivo de um alimento ao lançamento de uma ten-
dência em uma revista como a britânica Restaurant, uma intrincada teia de
significados que vão além da comida e da cozinha são traçados, recupe-
rando a relação biologia-cultura que durante séculos as ciências tentaram
- 212 - negar. Indo ao encontro dos atuais estudos da importância dos processos
biológicos na construção da mente da nossa cultura, como os de António
Damásio, ponderamos a importância do estudo mais aprofundado do uso
que a mídia faz de tais necessidades humanas. A operacionalização de
tais estruturas simbólicas não é nova, mas o estudo delas ainda é menos-
prezado por uma parte dos órgãos acadêmicos, o que se mostra ultrapas-
sado frente à necessidade de estabelecermos pontes, especialmente nas
ciências humanas, entre tais fenômenos que ocorrem de forma integrada
nas nossas vidas. Separados apenas o são por força da didática, não da
fenomenologia da vida humana.
Quando abordarmos ao longo desta tese a questão de que a culiná-
ria é uma linguagem mediada pela técnica e que a gastronomia é mediada
pela exponibilidade, deixamos aberta a questão do alcance de tal exponi-
bilidade. Acreditamos que esse seja o cerne da questão abordada ao lon-
go dos capítulos: a exponibilidade da gastronomia ganhou uma dimensão
tão grande que as espacialidades dessa linguagem que se desvelam aos
nossos olhos ultrapassam simulações naturalmente esperadas no proces-
so comunicativo e vão ao encontro do excesso. Ver um bolo apetitoso
estampando uma capa de revista faz parte do processo mercadológico de
venda daquele produto cultural. Quando vemos uma revista que estam-
pa a própria questão da intensa midiatização televisiva da gastronomia,
podemos realmente nos atentar – ou não, o que é ainda mais comum, do
excesso que leva ao surgimento da gastronomia.
Mesmo ponderando que se trata de um veículo customizado, feito
para o grupo de comunicação NET, que controla a televisão a cabo de
mesmo nome, é sintomático que a revista Monet tenha estampado em
sua capa de agosto de 2012 justamente o excesso. Em uma reportagem
principal de 10 páginas, a revista faz uma mapeamento de todas as atra-
ções televisivas dos canais a cabo que exploram a gastronomia. Na dia-
gramação da matéria usou-se o formato da receita com expressões como
“Ingredientes” e “Modo de Fazer” atuando como intertítulos.
Na capa, Gordon Ransay (figura 80). O chef, uma estrela da tele-
visão britânica, ao lado de Jamie Oliver e Nigella Lawson, não foi citado
propositadamente no capítulo 4 deste trabalho, justamente para que o
fosse nas considerações finais. Muito famoso na Grã-Bretanha e em todo
mundo por causa do sucesso televisivo, Ransay trabalha com aquilo que
- 213 -

Figura 80: Capa revista Monet de agosto de 2012


- 214 - chamaremos de simulacro da gastronomia: a imagem gastronômica que
não se referencializa mais na comida, mas sim na própria gastronomia. Um
ótimo exemplo de gastronomídia.
Segundo Baudrillard (1982, p.13) o simulacro trata de uma imagem
que não tem mais referência no real, que é passível apenas de troca por si
mesma. Ela se autorreferencializa o tempo todo, não mais representando
algo. Assim o é, na gastronomídia. Enquanto linguagem, ela se autorefe-
rencializa, transformando a mídia em mídia de si própria, mídia pura. Ra-
msay é um chef famoso não pelo trabalho que desenvolve com a comida,
mas sim pelas broncas, xingamentos e impropérios que usa contra seus
aprendizes no programa televisivo Kitchen’s Nightmares. O nome do pro-
grama já avisa: pesadelos da cozinha. Nessa atração a linguagem de reali-
ty show mal deixa brechas para se entrever algo da visualidade da cozinha,
pois o destaque são brigas, discussões e até agressões físicas.
A comida consta da atração, mas é pano de fundo. Assim como no
anteriormente citado Guerra dos Cupcakes, a comida é quase uma des-
culpa. Importa mesmo a gastronomia operacionalizando tais códigos, os
alimentos, como mídia, que se transformam em simulacros de si mesmos.
A revista Monet expõe esse estado da linguagem gastronômica ao criar
tal capa – e mostra o quanto no nascedouro de tantos programas que
acabam por abordar a gastronomídia, a televisão a cabo, a importância de
tais programas é grande, influente e crescente. Por fim, acreditamos que
a gastronomídia, linguagem que só pode nascer dentro do bios midiático,
passará ainda por enormes mudanças e que estará cada vez mais intrin-
cada a outras modelizações dos textos da cultura humana. Assim, não
exploramos amplamente nesta tese exemplos como a intensa e recente
midiatização da culinária e da gastronomia nas redes sociais e nos ipads.
Tais fenômenos, extremamente complexos e convergentes de todas
as outras mídias citadas, mereçam um estudo per si, vasculhando a visua-
lidade ainda pouco desvelada nesses espaços qualificados por tais mídias
e linguagens. Para não deixarmos de lado tais ambientes midiáticos com-
plexos e contemporâneos, os usamos como componentes do processo
de desvelamento da gastronomídia, citando-os como exemplos. Estudos
futuros, decorrentes deste trabalho, certamente explorarão como temas
centrais tais processos de arranjos signicos e linguísticos, semioses mo-
delizantes que poderão até criar novas linguagens além da gastronomídia.
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