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MÓDULO 1

Conhecimentos fundamentais
sobre dependência química
SUMÁRIO
TÓPICO 1 - Aspectos biopsicossociais
da dependência química 5
Fatores de risco 6
Fatores de proteção 9

TÓPICO 2 - O impacto do uso e abuso


de substâncias nas diferentes fases
do desenvolvimento 11

TÓPICO 3 - Sistemas de diagnósticos:


uso, abuso, dependência 15
Conceitos básicos 15

TÓPICO 4 - Dependência química


em populações específicas 23
Mulheres 24
Gestantes e perinatal 25
Idosos 25
Crianças e adolescentes 26

Referências 29
APRESENTAÇÃO OBJETIVOS
Vamos iniciar o curso com este módulo, que aborda Você conhecerá os conceitos sobre dependência em
conceitos fundamentais sobre dependência química. De diferentes fases da vida, o que ocorre no corpo e na mente
uma maneira dinâmica e com informações que você humana quando a síndrome de dependência se instala.
poderá identificar no seu dia a dia, poderemos aprofundar o Assim, os objetivos principais do módulo são:
entendimento de como a dependência química inicia, o que
ela faz no organismo e como as drogas atuam em diferentes • reconhecer os fatores biopsicossociais da
pessoas e em diferentes fases da vida. Com esses conceitos dependência química;
iniciais, ficará mais claro os porquês das normas e regras • avaliar o impacto das drogas em diferentes idades e em
que as Comunidades Terapêuticas (CTs) devem seguir. Com diferentes públicos;
certeza, você terminará este módulo com uma sensação de • ter conhecimento sobre diferentes quadros, que vão
querer aprender mais e de ter adquirido conhecimentos desde o uso eventual não problemático até a síndrome de
valiosos para sua prática profissional. dependência química.

O conteúdo foi preparado com o que há de mais sólido e


CARGA HORÁRIA
atual na literatura científica brasileira e mundial. Aproveite!
Carga horária: 10 horas.
Neste módulo, serão abordados os seguintes tópicos:

CONTEUDISTA
1. Aspectos biopsicossociais da dependência química;
2. O impacto do uso e abuso de substâncias nas diferentes Leonardo Gomes Moreira.
fases do desenvolvimento;
3. Sistemas de diagnósticos: uso e abuso de dependência;
4. A dependência química em populações específicas.
TÓPICO 1 - ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS
DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA
A palavra “biopsicossocial” tenta expressar os
fenômenos que somam os fatores biológicos (bio) Fatores Fatores
biológicos psicológicos
com os psicológicos (psico) e os sociais (social). Um
erro comum é tentar explicar a dependência química Síndrome de
como algo que surge exclusivamente por um fator, dependência
química
por exemplo, falta de limite, ou falta de vontade
própria, ou até mesmo a condição social. Na literatura,
já é bem consolidado que a dependência química é
uma síndrome multifatorial, ou seja, é decorrente de
diversos fatores.
Fatores
socioculturais
Síndrome é uma palavra que vem do grego e seu
significado é reunião. Esse termo é bastante utilizado na
medicina e na psicologia para caracterizar o conjunto de Figura 1: Relação entre fatores e síndrome de dependência química.
sinais e sintomas que definem uma determinada doença, Fonte: labSEAD-UFSC (2019).
ou condição. Multifatorial, de forma quase redundante,
reafirma que é uma reunião, ou somatório de fatores, para Quando uma pessoa tem casos na família de doenças
desencadear a doença, ou condição. mentais, passa por condições emocionais que a deixa
vulnerável para a experimentação de drogas, bem como
Observe, na figura a seguir, o conjunto de fatores que possui outros fatores que colaboram para o consumo
desencadeiam a síndrome da dependência química. repetitivo da substância – por exemplo, viver em locais
onde a substância é bastante disponível. Podemos
dizer, então, que existem diversos fatores em sua vida
que podem levá-la a desencadear uma síndrome de
dependência química. Porém, é importante salientar
que nenhum desses fatores é determinístico, ou seja,
nenhum deles isolado é a causa do desenvolvimento do
problema com drogas.

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Fatores de risco Sociais
A afirmação de que nenhum fator sozinho pode, de forma Exemplos de fatores de risco sociais podem ser encontrados
determinística, levar ao desencadeamento da dependência na nossa própria cultura: músicas que tratam a embriaguez
química implica o conceito de risco. de forma romântica ou divertida; a permissividade do
consumo de álcool em diferentes ambientes, inclusive
Chama-se fator de risco todas as possíveis influências dentro de casa por crianças ou adolescentes, com o
(biológicas, emocionais, sociais, culturais ou genéticas) que, consentimento dos pais; entre outros. A disponibilidade das
somadas, aumentam as chances do desencadeamento do drogas no ambiente, traduzida não só pela facilidade para
problema. Sendo assim, nenhum deles sozinho pode ser comprá-la, mas também pelo seu preço, número de pontos
considerado uma causa. de venda, falta de controle e fiscalização para seu comércio,
traz consigo diversos fatores de risco ambientais.

SAIBA MAIS
Psicológicos
Fatores de risco “[...] designa condições ou
variáveis associadas à possibilidade de ocorrência Fatores de risco pessoais dizem respeito aos traços de
de resultados negativos para a saúde, o bem- personalidade que levam à busca pelos efeitos das drogas.
estar e o desempenho social (NEWCOMB et al.,
Pessoas que sofrem de transtornos de ansiedade ou
1986; JESSOR, 1991; JESSOR et al., 1995 apud
SCHENKER; MINAYO, 2005, p. 708). “Alguns desses depressão, por exemplo, são altamente vulneráveis ao abuso
fatores se referem a características dos indivíduos; de substâncias, uma vez que buscam nas drogas um alívio
outros, ao seu meio microssocial e outros, ainda, dos seus sintomas.
a condições estruturais e socioculturais mais
amplas [...]” (ZWEIG et al., 2002 apud SCHENKER;
A existência de transtornos de ansiedade e/ou depressão
MINAYO, 2005, p. 708-709).
é bastante comum entre dependentes químicos. A
coocorrência de diagnósticos é chamada comorbidade e
será tratada mais adiante no curso. Estudos mostram que
Mas, então, quais são os fatores de risco para o esses transtornos podem ser fatores de risco importantes
desenvolvimento da dependência química? É o que para o desenvolvimento da dependência química, mas
veremos a seguir! também podem surgir como consequência do uso
abusivo de substâncias, especialmente quando esse inicia
precocemente (RASKIN; MILLER, 1993; FOULDS et al., 2015).

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Biológicos
A existência de transtornos mentais que predispõe o
indivíduo a usar e abusar de substâncias psicotrópicas Para continuar lendo sobre este assunto, acesse
pode também ser considerada um fator de risco biológico, o artigo no link:
mas geralmente consideramos a predisposição genética
bit.ly/2MMFwec
como sendo o principal fator de risco biológico. Assim
como podemos herdar características físicas, como a cor
da pele e os traços faciais, também herdamos heranças
comportamentais gravadas em nosso DNA. Vários estudos Cada parte de nosso corpo também carrega uma chance, ou
tentam correlacionar um determinado gene com a vulnerabilidade, de desenvolver uma doença. Uma pessoa
expressão de um comportamento. pode comer e beber de forma desregrada e não ter problemas
com colesterol ou no fígado, mas essa mesma pessoa pode
No estudo da dependência química, há resultados que ter um problema grave no tecido da boca ou da garganta.
diferem de outros, conforme o tipo de droga ou herança Então, quando falamos de herança genética ou chance de
genética, tanto em mulheres como em homens, mas há um desenvolver um problema devido a um comportamento, no
resultado já consolidado: “A mais forte conclusão da análise caso do uso de drogas, temos que levar em conta que cada
conjunta dos estudos epidemiológicos e moleculares é a indivíduo é diferente biológica e emocionalmente. Além
presença notável de fatores hereditários na gênese do abuso disso, cada indivíduo possui órgãos ou tecidos com diferentes
ou dependência de drogas.” (MESSAS, 1999, p. 37). vulnerabilidades para o desenvolvimento de doenças.

Esse conhecimento ajudará você a entender por que indivíduos


SAIBA MAIS que consomem muito álcool podem apresentar exames de
Estudos epidemiológicos são limitados para fígado normal, por exemplo. Um exame como esse poderia
determinar o papel da genética como fator levar a uma interpretação errônea, de que o consumo não está
de risco para dependência química, pois são
afetando o organismo, mas temos que lembrar que o álcool
incapazes de decidir isoladamente se a agregação
do evento na família se dá por via genética ou pela atua em todos os tecidos, desde a boca até o cérebro e demais
via do ambiente compartilhado; todavia, estudos órgãos. Uma pessoa pode não ter a vulnerabilidade para
com gêmeos ou com filhos adotados permitem desenvolver a doença alcoólica no fígado, mas certamente o
essa conclusão (MESSAS, 1999). consumo estará gerando outros danos em seu organismo. Isso
sem falar nos prejuízos emocionais, familiares e sociais.

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Apresentamos, a seguir, um quadro que ilustra de forma
complementar esses diferentes fatores.

SOCIAIS PSICOLÓGICOS BIOLÓGICOS

Estrutura familiar disfuncional: Distúrbios do desenvolvimento. Predisposição genética.


violência doméstica, abandono e
carências básicas.
Morbidades psiquiátricas: Capacidade do cérebro de tolerar
Exclusão e violência social. ansiedade, depressão, déficit de presença constante da substância.
atenção e hiperatividade,
Baixa escolaridade. transtornos de personalidade. Capacidade do corpo em
metabolizar a substância.
Oportunidades e opções de lazer Problemas/alterações de
precárias. comportamento. Natureza farmacológica da
substância, tais como potencial de
Pressão de grupo para o consumo. Baixa resiliência e limitado toxicidade e de dependência,
repertório de habilidades sociais. ambas influenciadas pela via de
Ambiente permissivo ou administração escolhida.
estimulador do consumo de Expectativa positiva quanto aos
substâncias. efeitos das substâncias de abuso.

Quadro 1: Fatores de risco para o surgimento da dependência química.


Fonte: labSEAD-UFSC (2019), adaptado de Prefeitura de São Paulo (2006).

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Em um levantamento realizado por Hanson (2002),
SAIBA MAIS os principais fatores protetores ao uso de drogas por
Para conhecer mais profundamente sobre adolescentes incluem os demonstrados na figura a seguir.
os fatores de risco que podem influenciar na
síndrome da dependência química, acesse o
seguinte material complementar:
A família, pelo estabelecimento de
https://bit.ly/2ORXUVz laços afetivos entre seus membros
e monitoramento das atividades e
amizades do adolescente.

De forma semelhante, existem fatores que reduzem


as probabilidades de que a experimentação e abuso de
A construção de conduta
drogas ou o desenvolvimento da dependência química social adequada.
ocorram. São chamados fatores de proteção, os quais
veremos detalhadamente a seguir.

O forte envolvimento com


Fatores de proteção atividade escolar e/ou religiosa e
disponibilidade de informações
No estudo da ciência de prevenção ao uso de drogas, convencionais sobre o uso de drogas.
discute-se muito o conceito de fatores de proteção,
que, inversamente aos fatores de risco, diminuem as
chances de ocorrência da experimentação e abuso Figura 2: Fatores protetores ao uso de drogas por adolescentes.
de drogas, ou do desenvolvimento da dependência Fonte: labSEAD-UFSC (2019), adaptado de Sanchez, Oliveira e Nappo (2004).

química. Atividades esportivas ou religiosas,


ambiente familiar acolhedor e responsivo, alto
envolvimento com atividades escolares ou possuir
habilidades socioemocionais são exemplos de fatores
de proteção nesse caso.

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As ações desses fatores se influenciam mutuamente.
Desse modo, um fator de risco pode comprometer vários
campos da vida, ao ser potencializado por outros fatores
desfavoráveis, ou causar pouco ou nenhum dano, ao
ser neutralizado por fatores protetores. Essa interação
determina a evolução do consumo de substâncias em
andamento e é importante ressaltar que um fator de
risco isolado não pode levar à dependência química.

CONTRIBUA COM O FÓRUM


Para finalizar o estudo deste tópico, pense em
casos nos quais você pode identificar fatores
de risco e de proteção em pessoas acolhidas
em sua CT. Analise o que pode ser feito para
fortalecer os fatores de proteção e o que pode
diminuir os fatores de risco dessa pessoa. Se
possível, converse com um profissional de saúde
mostrando essa sua análise.

Agora, certamente seu conceito de como a síndrome de


dependência química se instala se aperfeiçoou. Tente reler
e buscar esses conteúdos quando surgir algum caso na sua
prática que lhe traga dúvidas ou instigue você a identificar
esses fatores descritos.

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TÓPICO 2 - O IMPACTO DO USO E ABUSO DE
Em ambientes onde há a experimentação de abusos, em
SUBSTÂNCIAS NAS DIFERENTES FASES DO que outros fatores de risco predominam sobre os protetores,
DESENVOLVIMENTO as funções cerebrais poderão ser comprometidas. Desse
O desenvolvimento do nosso cérebro se inicia ainda no modo, a entrada de qualquer elemento que afete essa
útero materno. Os neurônios, que são as células que primeira fase trará consequências a longo prazo, mesmo
formam esse órgão, se comunicam uns com os outros que esse cérebro, tão jovem, receba a própria produção do
através de mensagens químicas e elétricas. É como se hormônio que é liberado enquanto está exposto ao estresse.
um neurônio jogasse uma mensagem para o neurônio
seguinte pegar e ler. Qualquer coisa que interfira nesse Em recente estudo, publicado em maio de 2019 na
envio ou na leitura da mensagem pode atrapalhar o revista Nature, pesquisadores conseguiram avaliar quais
processo, e, se a interferência ocorrer enquanto o cérebro comportamentos dos pais poderiam ter um desfecho
ainda estiver em desenvolvimento, o impacto será ainda positivo na saúde dos filhos. O estudo tem grande
maior, e possivelmente permanente. Por exemplo, caso impacto, pois o método utilizado possibilitou a análise
uma gestante faça uso de alguma substância, o bebê de causa e efeito.
sofrerá diretamente o efeito, e isso irá torná-lo mais
predisposto ao desenvolvimento de transtornos mentais Esse estudo nos apresenta um exemplo de como hábitos
quando crescer. Assim, o cérebro de uma criança, desde saudáveis podem ter um impacto importante no
o seu nascimento até seus sete anos de idade, está sendo desenvolvimento das crianças. A possibilidade de ter ao
moldado ao que serão os pilares para o funcionamento menos uma refeição em família por dia é um dos hábitos
biológico de sua futura personalidade, de suas habilidades que aumenta a chance de essas crianças expressarem
cognitivas e de seus valores. melhor satisfação com a vida, de terem maior autoestima,
de haver menos casos de depressão, menos episódios de
As primeiras interações infantis, via de regra, acontecem embriaguez, menos uso de maconha, menos gravidez na
com a família antes da entrada na escola. Quando esse adolescência, em comparação àquelas que não tinham
contexto ocorre em um ambiente familiar caótico, esse hábito familiar.
crianças podem encontrar riscos ao interagir com
pais ou cuidadores que possuem habilidades parentais
ineficazes e falham na criação de seus filhos, devido não
só a possíveis transtornos mentais como também ao
abuso de substâncias.

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Figura 3: Hábitos saudáveis que podem influenciar o desenvolvimento
das crianças. Fonte: labSEAD-UFSC (2019).

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É importante relembrar que o somatório de fatores
que comentamos anteriormente é o que acaba dando
o resultado final. Contudo, a ciência tem avançado no
sentido de nos proporcionar ações concretas que podem PARA PENSAR
mudar a maneira como trabalhamos, como orientamos Tente refletir aqui sobre o tempo que cada
os usuários e como vivemos. acolhido passa na Comunidade Terapêutica e
como individualizar esse tempo para cada pessoa.

A maturidade completa do cérebro, em termos biológicos,


PARA PENSAR só é atingida por volta dos 24 anos de idade. E a área que
Após conhecermos um pouco sobre a formação mais demora para se desenvolver no cérebro é justamente
das conexões cerebrais, pode surgir a seguinte a que pesa prós e contras, e mede as consequências das
pergunta: podemos recuperar o dano causado? ações a longo prazo. Portanto, um adolescente de 15 ou
16 anos possui uma característica muito importante
em seu cérebro para além da chuva de hormônios
Por muito tempo, pensou-se que qualquer dano ao que naturalmente recebe: ele ainda não desenvolveu
cérebro era irrecuperável; entretanto, nas últimas décadas, completamente o controle de seus impulsos! Misture
observou-se a capacidade do cérebro de ocupar as áreas isso a um ambiente com disponibilidade alta de drogas
lesadas com pedaços de neurônios que crescem das áreas e pouca estrutura sociofamiliar. O resultado é aquele
vizinhas à lesão. Isso se dá especialmente se a causa da com o qual você provavelmente lida no seu dia a dia na
lesão cessar e se houver um estímulo para a reabilitação. Comunidade Terapêutica: jovens que usaram substâncias
muito cedo na vida e desenvolveram dependências graves,
Outro estudo de pesquisadores brasileiros mostrou possivelmente com outros transtornos associados.
que os cérebros que receberam a oportunidade de
ficar em um ambiente protegido das drogas por um Nessa faixa etária, outra característica neurobiológica
tempo maior (em número de meses) tiveram imagens em desenvolvimento é a capacidade de manter o
mostrando maior recuperação. planejamento e a persistência. Algo que, quando
influenciado pelo efeito da maconha, acaba interferindo
em uma função cerebral chamada volição. Essa função

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é justamente a manutenção da persistência, ela se
relaciona às funções cognitivas como concentração e,
quando muito afetada, gera os quadros “amotivacionais”.

GLOSSÁRIO (Síndrome amotivacional)


É o conjunto de sinais e sintomas que ocorrem
devido ao consumo de Cannabis, como falta
de energia, baixa capacidade de persistência,
apatia e diminuição da motivação para atividades
dirigidas a objetivos.

Para dar um exemplo claro, o adolescente que fez uso


de maconha ou de seus derivados e possui o somatório
de fatores para o desenvolvimento de um transtorno se
desenvolve de forma aparentemente normal, mas segue
continuamente desistindo dos seus objetivos. Há uma
falha no desempenho escolar e, em seguida, desistência
dos estudos, começa um relacionamento afetivo e logo
desiste, começa um trabalho, mas também não se
mantém motivado.

Isso explica por que é tão difícil gerar motivação para


mudança em um tratamento. Nesses casos, nas atividades
terapêuticas realizadas na CT, é importante identificar e
levar para processos terapêuticos as pessoas que apresentam
essas características ou que se queixam de desatenção.

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TÓPICO 3 - SISTEMAS DE DIAGNÓSTICOS:
alguns fatores contribuíram para esta mudança; após a
USO, ABUSO, DEPENDÊNCIA
Revolução Industrial na Inglaterra, ocorreu uma maior
A seguir, utilizamos partes do livro Manual de concentração populacional nas cidades, facilitando aos
Psiquiatria – escrito por Ronaldo Laranjeiras e médicos observação pormenorizada de pacientes com
Sérgio Nicastri (1996) –, para explicar a respeito da consumo excessivo de álcool. Um segundo fator foi o
dependência química, com aspectos históricos e desenvolvimento de tecnologias na fabricação de álcool,
conceitos básicos, confira! que ocasionou o barateamento e maior oferta do produto.

Até a metade do século XIX três autores tiveram


Conceitos básicos
influência na literatura sobre o álcool que extrapolaram seus
Substâncias não produzidas pelo organismo que respectivos países. Bruhl-Cramer, na Rússia, desenvolveu
causam modificações ao seu funcionamento são o conceito de “Dipsomania”, considerado um ato anormal
denominadas drogas. Quando agem diretamente no involuntário, um desejo por álcool, à semelhança de
sistema nervoso central, são denominadas psicoativas desejo por sal em algumas condições clínicas. Esquirol, na
ou psicotrópicas. Define-se que substâncias ou drogas França, seguindo Morel dentro da ideia de degeneração,
psicoativas são aquelas que modificam o estado de considerava alcoolismo como uma monomania sem
consciência do usuário. delírio. Magnus Huss, na Suécia, talvez tenha sido o que
exerceu maior influência mundial, com a criação do
O consumo de substâncias que alteram o modo de conceito clínico de “Alcoolismo Crônico”.
funcionamento do cérebro e consequentemente a
percepção data de tempos em que tivemos os primeiros Na segunda metade do século XX, o sistema de
registros do comportamento humano. O vinho e outras classificação, pela necessidade de critérios de maior
formas do álcool estão amplamente presentes em confiabilidade e validade, passa por mudanças e começa a
histórias da Grécia Antiga e das narrativas bíblicas. O considerar os problemas com o álcool e outras drogas que
álcool esteve ainda presente como forma de pagamento não envolviam adicção ou dependência. Evidencia-se aqui
pelo trabalho ou fonte de água não contaminada. o nome de Jellinek, com seu clássico trabalho “The Disease
Concept of Alcoholism”, que exerceu grande influência na
Mas foi somente ao final do século XVIII e começo evolução do conceito desta dependência, considerando o
do XIX que o conceito de beber excessivo como uma alcoolismo doença apenas quando o usuário apresenta
condição clínica apareceu na literatura. Provavelmente tolerância, abstinência e perda do controle.

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Nessa classificação, Jellinek diferenciava os transtornos alcoolistas, com tuberculose, envolvidos em acidentes de
por uso do álcool naqueles que envolviam um claro trânsito, detidos ou reinternados.
processo de dependência (tipos gama e delta) e naqueles
sem dependência (tipos alfa, beta, épsilon). No entanto, Quando se trata da definição que origina a dependência
apenas no DSM-III e na CID-8 é que os transtornos por uso ao álcool e drogas, percebe-se que existem algumas
de substâncias sem dependência foram introduzidos. contradições na área social, científica e médica. Existem
diversas outras definições e teorias sobre a dependência
A CID-8 apresentava a adicção ao álcool como um química. Entre elas o modelo psicanalítico, o modelo
estado de dependência física e emocional com períodos do comportamento aprendido, o modelo de doença e o
de consumo pesado e incontrolável, nos quais a pessoa modelo familiar. Vale destacar que existem diferentes
experimentava uma compulsão para beber e sintomas estudos e correntes teóricas que se complementam e que
de abstinência quando cessava o consumo. Outros não se excluem necessariamente.
padrões patológicos de beber, tais como beber episódico
e excessivo, distinguiam-se da adicção pela ausência de
compulsão e abstinência. Existem alguns critérios de diagnóstico especificados no
DSM-5 (2014), que caracteriza o transtorno por uso de álcool
Em 1976, Grifith Edwards e Milton Gross propuseram como problemático, que pode ocasionar sofrimento e
uma nova síndrome, a Síndrome de Dependência do comprometimento clínico significativo. Acompanhando
Álcool (SDA). o indivíduo em um período de um ano, deve-se observar
se ele apresenta dois dos seguintes critérios a seguir. No
Em 1977, a Organização Mundial de Saúde (OMS) começou entanto, é importante destacar que apenas um médico
a rever os conceitos e definições existentes, passando a especializado pode realizar um diagnóstico preciso.
considerar a dependência ao álcool e a outras drogas como
um problema social e uma doença, também a admitindo
como uma síndrome.

Nos anos 1980, a saúde pública passou por uma


reformulação, assumindo esses programas de combate
à dependência, com caráter primário e epidemiológico,
pois era crescente o número de casos de pacientes

16 Curso CoMPaCTa . Módulo 1


06
Critérios Diagnósticos para Uso continuado de álcool, apesar de problemas sociais
ou interpessoais persistentes ou recorrentes causados
Transtorno por Uso de Álcool ou acentuados por seus efeitos.

01 07
Álcool é frequentemente consumido em maiores Importantes atividades do dia a dia, como sociais,
quantidades ou por um período mais longo profissionais ou recreativas são abandonadas ou
do que o pretendido. reduzidas por causa do uso de álcool.

02 08
Existe um desejo persistente ou esforços malsucedidos Uso recorrente de álcool em situações nas quais isso
em reduzir a quantidade ou controlar o uso de álcool. representa perigo para a integridade física.

03 Muito tempo é gasto em atividades que envolvem o


09 O uso de álcool é mantido apesar da consciência de ter
um problema físico ou psicológico persistente ou
uso do álcool, bem como em se recuperar
recorrente que tende a ser causado ou exacerbado
de seus efeitos.
pelo álcool.

04 10 Desenvolver uma grande tolerância no uso de álcool,


necessitando de quantidades cada vez maiores para
Fissura ou um forte desejo ou necessidade
alcançar o efeito desejado, ou ainda desenvolver pouca
de usar álcool.
tolerância no uso, ingerindo a mesma quantidade,
porém com efeitos cada vez mais intensificados.

05 11 Apresentar síndrome de abstinência característica


Uso recorrente de álcool, resultando no fracasso em
de álcool, ou ainda consumir substâncias estreitamente
desempenhar papéis importantes no trabalho, na
relacionadas, como ansiolíticos, para aliviar ou evitar os
escola ou em casa.
sintomas de abstinência.

Figura 4: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5.


Fonte: labSEAD-UFSC (2019), adaptado de American Psychiatric Association (2014).

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Como já mencionamos anteriormente, cada indivíduo cerveja”, ou “só fuma maconha”. O que se leva em conta é
desenvolve um padrão diferente de consumo de o dano causado por este uso.
substâncias, de acordo com os diversos fatores
biológicos, psicológicos, ambiente sociocultural e
natureza da substância. Contudo, nenhum padrão SAIBA MAIS
de consumo de substâncias de abuso está isento Na animação Nuggets, você conhecerá o Kiwi.
de riscos. Desse modo, o consumo de álcool em Ao ver a sua jornada, reflita sobre os efeitos de
baixas quantidades e com alguns cuidados pode ser qualquer substância psicotrópica e encontre nas
metáforas os conceitos de tolerância, riscos do
considerado um tipo de consumo de baixo risco.
uso e desenvolvimento da dependência. Para ver
a animação, acesse o link:
Já o consumo eventual de álcool em quantidades maiores
pode ser considerado como uso nocivo ou abuso, pois bit.ly/2YYxQYV
possivelmente pode gerar algumas complicações, como
acidentes de trânsito, confusões, brigas, irresponsabilidade
com os seus compromissos. No caso de consumo Cada pessoa tem diversas maneiras de se relacionar
frequente, compulsivo, destinado a evitar sintomas com as substâncias psicotrópicas. O modo como
de abstinência e acompanhado por problemas físicos, este uso interfere em sua vida deve ser avaliado por
psicológicos e sociais, considera-se uma dependência. um profissional, observando a distinção entre o uso
dessas substâncias pelo indivíduo, o uso abusivo e a
Portanto, de acordo com a forma de consumo e suas síndrome de dependência química específica para
complicações, é possível determinar a diferença entre uso essas substâncias.
nocivo e dependência. Geralmente, em casos de pessoas
com uso nocivo ou abuso, o indivíduo é criticado por Ao observarmos os critérios dos manuais de diagnóstico,
outras pessoas, o que gera algumas consequências sociais. pode parecer difícil entender um diagnóstico de síndrome
No entanto, é no caso de dependência que há a presença de dependência química de Cannabis. Entretanto, se
de complicações crônicas, como a cirrose hepática, avaliarmos o estreitamento do repertório e a relevância
desnutrição, entre outras. do uso, encaixaremos melhor a realidade dessa droga.
Explicaremos melhor a seguir.
Percebemos, assim, que o uso dessas classificações não leva
em conta se a pessoa “bebe todos os dias”, ou se “só bebe

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Relevância do consumo um conjunto de sinais e sintomas diferentes em sua
expressão. Pode, portanto, haver situações comuns, mas
O consumo de uma substância torna-se prioridade
a distinção desses sinais é essencial para quem lida com
mais importante do que coisas que outrora eram
valorizadas pelo indivíduo. o tratamento desses usuários.

Estreitamento e empobrecimento do repertório Por exemplo, a intoxicação por cocaína acarreta uma
A perda das referências internas e externas que norteiam
série de descargas adrenérgicas no organismo, assim
o consumo. À medida que a dependência avança, as como uma pessoa pode desencadear uma crise de pânico
referências voltam-se exclusivamente para o alívio dos ao utilizar a maconha. Em uma sala de emergência, a
sintomas de abstinência, em detrimento do consumo
ligado a eventos sociais. Além disso, o uso passa a distinção de sinais pode elucidar a origem do quadro
ocorrer em locais onde a sua presença é incompatível. fundamental, podendo significar a prescrição de uma
medicação que não implique em risco para o usuário.

Figura 5: Critérios para o uso da Cannabis. Fonte: labSEAD-UFSC (2019).


GLOSSÁRIO (Descargas adrenérgicas)
Apesar de esses dois fatores serem mais claros nos Liberação de adrenalina na corrente sanguínea.
dependentes de maconha, existem outros que devem
ser observados. Por exemplo: sinais de irritabilidade,
inapetência, insônia como parte da síndrome de
abstinência a esta substância. E qual seria a definição de intoxicação? Existem aspectos
comuns para intoxicação independente da substância
O segundo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas – LENAD psicoativa (SPA) utilizada? É o que veremos a seguir!
II, realizado em 2012 pela Universidade Federal de São Paulo,
mostra que mais de 1% da população adulta masculina Intoxicação é uma condição transitória, seguindo-se à
brasileira é dependente de maconha e, entre os usuários administração de uma substância psicoativa, resultando em
adultos, 40% são dependentes (INPAD, 2013, p. 9). perturbações no nível de consciência, cognição, percepção,
afeto e comportamento, ou outras funções e respostas
Esses detalhes sobre os critérios diagnósticos em relação psicofisiológicas. Entretanto, como falamos anteriormente,
à maconha que foram levantados são importantes para cada substância provocará alterações diferentes, envolvendo
a compreensão de que cada substância apresentará diferentes mecanismos de ação no organismo.

19 Curso CoMPaCTa . Módulo 1


As SPAs que possuem uma capacidade de chegar ao
GLOSSÁRIO (Merla)
sistema nervoso central com mais velocidade e de lá
sair e interromper seu efeito, também rapidamente, têm A merla é derivada da cocaína. É uma junção das
um maior potencial de desenvolver dependência química e folhas da coca com alguns produtos químicos,
episódios de intoxicação. como ácido sulfúrico, querosene, cal virgem,
entre outros, que, ao serem misturados, se
transformam numa pasta que concentra em
torno de 40 a 70% de cocaína. É ingerida pura ou
GLOSSÁRIO (Sistema nervoso central)
misturada num cigarro normal ou num cigarro de
O sistema nervoso central é formado pelo maconha (MERLA, 2019).
cérebro e pelos nervos que saem dele
e percorrem a coluna, e tem um papel
fundamental no controle do corpo.
Além da diferença de cada SPA e do seu modo de uso, há
ainda variáveis relacionadas ao organismo do usuário.
Existem pessoas que respondem com a formação de
Dependendo da substância, ela pode ter diferentes formas tolerância rapidamente a uma substância e suportam
de uso, como a cocaína, que é cheirada, injetada ou cada vez doses maiores. E no mesmo organismo pode
fumada (merla e crack), e o álcool, que possui diferentes haver diferença de vulnerabilidade a cada SPA em cada
concentrações conforme o tipo de bebida. É compreensível tecido do corpo humano. Por exemplo, uma pessoa pode
imaginar que uma pessoa que injeta a cocaína estará mais beber intensamente por vários anos e não ter implicações
vulnerável a sofrer com a intoxicação, ou que a pessoa que mais graves em seu fígado, mas pode desenvolver uma
bebe cerveja esteja mais protegida do que aquela que bebe insuficiência cardíaca por conta do uso de álcool. Desse
cachaça. Entretanto, o que fará o resultado no organismo modo, também de forma aguda haverá diferença, pois
é a quantidade de substância disponível por intervalo haverá alguns organismos que não apresentarão muitos
de tempo. Se a pessoa injetar pequenas quantidades de sinais de alteração gastrointestinal sob uma intoxicação
cocaína na veia, em intervalos espaçados, haverá um por álcool, mas poderão apresentar sinais intensos de
risco menor do que aquela que fuma grandes quantidades alteração da consciência e do comportamento.
de crack rapidamente. Da mesma forma, quem bebe
compulsivamente, mesmo que seja cerveja, estará com
maiores chances de se intoxicar.

20 Curso CoMPaCTa . Módulo 1


Nicotina
Os exemplos anteriores tentam esclarecer que não há
como fechar conceitos tão peculiares como “intoxicação” Os sintomas mais frequentes da abstinência de nicotina
ou “abstinência” somente por SPA. Há um conceito geral são: irritabilidade, ansiedade, depressão, diminuição da
e uma síndrome peculiar para cada substância que se concentração, inquietação, insônia ou hipersonia, aumento
apresenta de maneira única em cada pessoa. de apetite ou de peso, diminuição dos batimentos cardíacos
e diminuição da pressão arterial.
A redução ou interrupção do uso de substâncias psicoativas
pode levar ao que chamamos de síndrome de abstinência.
Maconha
Para cada substância, essa síndrome apresenta sintomas
diferentes. A seguir, veremos os sintomas da síndrome de Os sintomas da abstinência do uso de maconha são:
abstinência para cada substância. desconforto generalizado, “fissura”, diminuição de apetite,
perda de peso, insônia, agressividade, irritabilidade,
angústia, cansaço e sonhos estranhos. Esses sintomas ficam
Álcool
mais claros em indivíduos que fazem uso pesado da droga.
Os sintomas da abstinência do uso de álcool podem iniciar
6 horas após a diminuição ou interrupção do uso. São eles:
Benzodiazepínicos
tremores, ansiedade, insônia, náuseas e inquietação.
Os sintomas da abstinência de benzodiazepínicos
Alguns sintomas mais severos ocorrem em aproximadamente ocorrem dentro de poucos dias após a retirada dos
10% dos usuários e incluem febre baixa, respiração acelerada, benzodiazepínicos e permanecem por vários dias. Entre
tremores e sudorese abundante. os sintomas mais comuns, destacam-se a irritabilidade,
insônia, dores musculares, dores de cabeça e náuseas,
Cerca de 5% dos usuários, em casos de não tratamento, podendo evoluir para complicações como convulsões.
podem desenvolver convulsões.

Cocaína
Outra complicação grave que pode ocorrer na
abstinência do álcool é o delirium tremens, que é A abstinência de cocaína ocorre tipicamente em três fases.
caracterizado por alucinações, alterações do nível de Essas fases representam a progressão de sinais e sintomas
consciência e desorientação. após a interrupção do uso de cocaína.

21 Curso CoMPaCTa . Módulo 1


A primeira fase é o crash, caracterizada por uma drástica intensidade, mas podendo estender-se por meses ou
redução no humor e na energia. Tem início cerca de 15 até mesmo por anos.
a 30 minutos após a interrupção do uso, persistindo por
aproximadamente 8 horas, podendo estender-se por até Os conceitos e critérios diagnósticos aqui apresentados
4 dias. Os sintomas dessa fase são depressão, ansiedade, devem servir para oferecer uma melhor compreensão
paranoia e um intenso desejo por consumir a droga, dos casos estudados, auxiliando os técnicos de diferentes
chamado de craving, ou fissura. Essa fissura pela droga áreas a terem uma linguagem ao menos similar. Deve-se
diminui depois de uma a quatro horas e é substituída pela ter em mente que a categorização de uma pessoa usuária
fissura pelo sono, instalando-se a hipersonia, aversão à de substâncias psicoativas em algum desses critérios
droga, e o indivíduo desperta em algumas ocasiões para pode ter um forte impacto social e para o indivíduo.
ingerir grandes quantidades de alimento. Esta última
parte pode durar de 8 horas até 4 dias. Além disso, alguns indivíduos podem até usar do
modelo teórico de “doença” e de seu diagnóstico para
A segunda fase chama-se “síndrome disfórica tardia” justificar a manutenção de comportamentos que
e tem início de 12 a 96 horas após a interrupção do uso, alimentam sua dependência.
podendo durar de duas a doze semanas. Nos primeiros
quatro dias, há presença de sonolência e desejo pelo
consumo da droga. Após esse período, predomina a perda
da capacidade de sentir prazer, irritabilidade e apatia, com
presença de fissura pela droga, com intensidade que varia
de indivíduo para indivíduo. O usuário pode apresentar
depressão, problemas de memória e até mesmo ideação
suicida. Ocorrem recaídas frequentes como forma de
aliviar esses sintomas.

A terceira fase, conhecida como fase de extinção,


é caracterizada pela diminuição ou até mesmo
a cessação dos sintomas das fases anteriores. A
fissura torna-se intermitente, podendo manifestar-
se eventualmente, com tendência e diminuir a

22 Curso CoMPaCTa . Módulo 1


TÓPICO 4 - DEPENDÊNCIA QUÍMICA EM
POPULAÇÕES ESPECÍFICAS
O tratamento para as pessoas portadoras de HIV/
Populações especiais ou específicas são objeto de capítulos
AIDS tem avançado ao ponto em que a morte já não
e de livros especializados, nos quais há a caracterização é o resultado inevitável do diagnóstico. A terapêutica
das diferenças e das necessidades particulares de cada antirretroviral tornou a infecção por HIV não mais
uma condição terminal, mas uma doença crônica
grupo. Entretanto, é importante ressaltar que cada pessoa
tratável e o principal desafio a ser enfrentado na pró-
merecerá uma abordagem específica. A menor população xima década é a melhora da saúde e da qualidade de
específica é o próprio indivíduo! vidas desses pacientes. Mais de metade dos portadores
de HIV é fumante, e estes apresentam pior qualidade
de vida quando comparados a portadores de HIV não
Como vimos nos sistemas de diagnóstico, não há um plano fumantes (DIEHL; FLIGIE, 2014 p. 156).
de tratamento único para cada diagnóstico. É preciso
que as singularidades de cada pessoa sejam incluídas
em seu plano de tratamento. Destacamos, aqui, algumas
populações específicas que merecem um olhar atento, em O parágrafo acima demonstra a necessidade de os
especial, quando estamos em uma CT: ambientes de tratamento levarem em conta detalhes
clínicos que podem significar um desfecho trágico, caso o
• mulheres; paciente e suas peculiaridades não sejam pormenorizados.
• gestantes e perinatal;
• idosos; Não abordaremos aqui a questão específica do HIV,
• crianças e adolescentes. assim como outras doenças, que devem, no contexto das
Comunidades Terapêuticas, ter seu foco no encaminhamento
Um exemplo para ilustrar a necessidade de e acompanhamento com a responsabilidade partilhada entre
encaminhamentos individualizados é a condição dos acolhido, rede de saúde e CT.
portadores de HIV/Aids:
Apesar de as CTs não serem categorizadas como
ambientes de tratamento clínico, sabemos que o público
que elas acolhem traz, muitas vezes, demandas que devem
ser salientadas e encaminhadas de maneira adequada
para o acompanhamento durante sua estada na CT. É o
que veremos nos tópicos a seguir.

23 Curso CoMPaCTa . Módulo 1


Mulheres
Também existem evidências de que as drogas agem de
Dentro do contexto da organização dos serviços, veremos sobre forma diferente em mulheres, quando comparadas com
a separação de CTs masculinas, femininas, de adolescentes, de sua ação em um organismo masculino.
lactantes e outras.
Um dos fatores que explicam essas diferenças, por
Entre as características peculiares das mulheres, devemos exemplo, em relação ao uso de álcool, é o fato de
levar em conta se possuem filhos, em que idade, como é esse as mulheres possuírem um volume corporal de
vínculo, como está seu ciclo menstrual, se há possibilidade água menor do que o dos homens. Isso as leva a
de estarem grávidas, se usam algum medicamento ou concentrações de álcool no sangue maiores do que
contraceptivo, entre outras. as atingidas pelos homens que consomem a mesma
quantidade. Outra hipótese seria as mulheres terem
uma quantidade menor de enzimas que quebram o
SAIBA MAIS álcool no fígado.
Assista ao vídeo Acolhimento: comunidade
terapêutica trata dependência química de Em relação à cocaína, as mulheres também demonstram
mulheres, e acompanhe uma Comunidade reações diferentes das dos homens, embora as evidências
Terapêutica que trata a dependência química de
e explicações sobre essas diferenças ainda não sejam
mulheres. Veja no link:
muito consistentes. Foi observado que mulheres têm uma
bit.ly/2KIgvhM resposta subjetiva à cocaína inalada mais duradoura,
enquanto os homens, uma resposta mais intensa e mais
rápida. A mulher também apresenta uma intoxicação
Mulheres podem enfrentar barreiras diferentes das mais acentuada durante sua fase folicular, visto que na
confrontadas pelos homens, como questões ligadas fase lútea a mucosa nasal se torna mais viscosa, o que
ao ciclo hormonal, maior prevalência de sintomas de limita a absorção da substância, diminuindo os níveis
depressão e ansiedade, estresse provocado pela dupla plasmáticos. Em relação à maconha e aos opiáceos
jornada de trabalho ou mesmo por questões estéticas, (substâncias derivadas do ópio), especula-se acerca de
devido ao medo de ganho de peso. uma potencial influência dos hormônios sexuais.

24 Curso CoMPaCTa . Módulo 1


Gestantes e perinatal
condições de saúde e possibilidade de sobrevida no
O uso de drogas na gravidez representa risco tanto para Brasil também mudaram.
saúde da mulher quanto do feto, estando relacionado
a aborto espontâneo, bebê de baixo peso, nascimento A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica,
prematuro, descolamento de placenta e morte súbita. sob perspectiva cronológica, como sendo idosas as
pessoas com mais de 65 anos que vivem em países
Por exemplo, um único cigarro (droga lícita comum em desenvolvidos e com mais de 60 anos quando vivem
algumas CTs) fumado por uma gestante é capaz de acelerar em países em desenvolvimento.
em poucos minutos os batimentos cardíacos do feto, devido
ao efeito da nicotina sobre seu aparelho cardiovascular.
Além disso, filhos de mulheres que fumaram durante a Você pode ter tido a experiência do
gravidez têm mais chance de se tornarem dependentes, acolhimento com pessoas com mais anos de
caso experimentem cigarro, do que filhos daquelas que não vida, na sétima ou até oitava década de vida,
consumiram cigarros no período gestacional. O fumo na o que antigamente era uma raridade. Essas
gestação ainda está associado a problemas cognitivos e de pessoas comumente apresentam outros
comportamento em crianças. problemas de saúde além da dependência
química. Esses problemas devem ter seu
Da mesma forma, deverá haver orientações expressas quanto acompanhamento compartilhado entre o
a amamentação e uso de medicamentos, ou mesmo a respeito usuário, a CT e a rede de saúde local.
de atividades habituais em práticas de laborterapia que devem
ser adaptadas para as puérperas e lactantes.
Essa população não apresenta mais o que a medicina
chama de “reserva biológica” para as condições
Idosos
adversas. Então, em um exemplo hipotético: se um
De acordo com a Organização Mundial da Saúde acolhido com seus mais de setenta anos, que já trata sua
(OMS), a população mundial de idosos ultrapassará hipertensão arterial, já toma seus medicamentos diários,
os dois bilhões de pessoas no ano de 2050. Na sofrer subitamente devido a uma pneumonia comum, ele
realidade de acolhimento das CTs, essa população terá uma resposta menos potente e essa infecção poderá
vem apresentando uma demanda crescente e com agravar seus outros quadros, o que em um adulto de
características que têm mudado, assim como as quarenta anos, com os mesmos problemas, se resolveria

25 Curso CoMPaCTa . Módulo 1


Crianças e adolescentes
pela reserva biológica do próprio organismo. Ou seja,
vamos perdendo a capacidade de voltar nosso organismo O consumo de substâncias psicotrópicas na infância
ao normal quando ele sofre alguma interferência externa. ou adolescência gera consequências profundas e
permanentes no desenvolvimento neurológico. Por
ainda estar em desenvolvimento, o efeito das drogas no
GLOSSÁRIO (Reserva biológica)
cérebro de crianças e adolescentes afeta a forma como
Capacidade do organismo de responder a danos os sistemas que modulam as emoções amadurecem,
e voltar ao seu estado de equilíbrio. gerando um aumento significativo no risco de
desenvolver não só a própria dependência de drogas,
mas uma série de outros transtornos na vida adulta,
Se você parar para pensar, existem outros cuidados principalmente ansiedade e depressão. Sendo assim,
necessários aos acolhidos idosos, tanto pelas fases de é fundamental que o uso de substâncias, incluindo o
tratamento pelas quais ele pode estar passando quanto álcool, seja postergado o máximo possível.
pela própria idade. Um ponto importante é a prevenção de
quedas. Um tombo em um idoso pode desencadear uma Estudos mostram que o uso precoce de álcool, tão
série de consequências graves. A avaliação da rede de saúde comum, e muitas vezes banalizado, é um dos grandes
deverá inclusive verificar a possibilidade de um abuso das fatores de risco para o desenvolvimento de qualquer
medicações prescritas, sendo comum a queixa de insônia tipo de dependência, não só a do próprio álcool. Sendo
e o uso indiscriminado de medicamentos “para dormir”. assim, o jovem que começou a beber muito cedo terá
muito mais chances de desenvolver dependência de
O cuidado no dia a dia, nas atividades terapêuticas e no maconha ou cocaína, mais tarde, caso experimente
uso da medicação deve ser redobrado. A possibilidade de essas substâncias.
esquecimento ou até mesmo quadros mais graves em que
a memória esteja comprometida devem ser avaliados e No Brasil, temos índices alarmantes de alcoolismo
encaminhados para a equipe de saúde. na população jovem, com proporções semelhantes às
encontradas na população adulta (INPAD, 2013).

26 Curso CoMPaCTa . Módulo 1


• disponibilização de um programa de atividades que
Cabe destacar aqui que o Marco Regulatório levem em conta seu diagnóstico, sua idade e a proteção
das CTs e a RDC 29/2011 da ANVISA proíbem de sua integridade.
o acolhimento de menores de idade. Acesse o
link e leia na íntegra a Resolução RDC 29/2011:
A síndrome de dependência química é uma doença
complexa e multifatorial que envolve diversos
bit.ly/2KpGmfn
aspectos; portanto, seu tratamento e sua abordagem
devem seguir a mesma linha. Ajudar a parar de usar
uma droga, seja lícita ou ilícita, é uma medida que
O tratamento de dependência química de adolescentes demandará um esforço conjunto entre usuário e equipe
deve levar em conta os seguintes requisitos: da Comunidade Terapêutica.

• acompanhamento especializado de saúde: as comorbidades Para tanto, o apoio de profissionais da saúde e a


e o próprio tratamento do transtorno por uso de articulação com as redes de saúde e assistência social são
substância (TUS) devem ser iniciados o quanto antes, pois, fundamentais. Esse é apenas o aquecimento, o primeiro
conforme ocorre com qualquer outra patologia, os TUSs, módulo de um curso desenhado especialmente para a
especialmente em crianças e adolescentes, apresentarão
qualificação das Comunidades Terapêuticas no Brasil.
uma melhor evolução quanto mais precoce forem
diagnosticados os problemas e iniciados os tratamentos;

• participação da família ou de um sistema de apoio


social comunitário: em muitos quadros a família já
não é mais localizada ou há apenas um membro que
se vincula à criança ou ao adolescente. Nesses casos, é
necessário fazer a ponte de contato com os mecanismos
de apoio na comunidade com os quais a criança ou
adolescente se identificar, por exemplo, em igrejas,
na escola, em programas esportivos e de capacitação.
Quando há algum vínculo familiar, esse deve participar
e ser acolhido em todo processo do usuário, pois
certamente haverá a necessidade de orientação e até de
encaminhamento para tratamento;

27 Curso CoMPaCTa . Módulo 1


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