Sei sulla pagina 1di 38

ZUMBI DOS PALMARES

NÃO TINHA ESCRAVOS:

O ANACRONISMO
DE NARLOCH
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

Zumbi dos Palmares não tinha escravos:


o Anacronismo de Narloch

1
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

Em memória de Zumbi, o líder negro palmarino.

2
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

ÍNDICE

Prefácio..............................................................................................4

Introdução..........................................................................................6

Parte I

Quem viveu próximo do poder no século 17 tinha escravos?...........7

Parte II

Zumbi e o espírito humanista europeu............................................11

Parte III

Falando de Zumbi?..........................................................................15

Parte IV

O Anacronismo de Narloch..............................................................17

Parte V

Marxistas criaram a imagem de Zumbi?..........................................21

Parte VI

Objetivo de Leandro Narloch...........................................................28

PARTE VII

Conclusão........................................................................................35

Bibliografia.....................................................................................37

3
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

PREFÁCIO

Poderiam dizer aos queridos leitores que essa obra vem em tempo
tardio tendo em vista o objeto da mesma ser a análise de ideias
contidas no Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, o
qual, por sua vez, já está a um bom tempo no mercado. Todavia,
pensando um momento e examinando o tema do polêmico livro,
acredito não ser tarde e nem inoportuno o exame levando-se em
conta o fato de o mesmo também abordar igualmente questões de
longa data da história do nosso país e isso não foi empecilho algum
para ser publicado e lido. Assim sendo, sinto-me tranquilo em
relação ao tempo nesse aspecto, só lamentando tantas mentes
inteligentes deixarem-se persuadir pelo conteúdo da obra sem ler
praticamente nenhuma outra fonte abarcando o tema,
principalmente fontes antigas de estudiosos africanistas do Brasil e
obras de estrangeiros sobre nosso país da época colonial.
Limitando-se os leitores à busca, no fim do livro de Narloch, de uma
bibliografia para saber quais as fontes sem, contudo, consultá-las
em si mesmas, ler os textos ou examinar atentamente suas
palavras. Esse mal, porém, pode ser remediado para os que
estiverem dispostos. Digo isso porque não são poucos os casos de
indivíduos se revestindo falsamente com interesse na verdade
histórica. Há uma multidão de leitores, e até pesquisadores,
demonstrando falsamente intenção num diálogo das questões sobre
Zumbi, mas bastam poucas palavras para percebermos a real
disposição dos mesmos em apenas repetirem as ideias do livro
daquele autor, sendo eles movidos em grande medida por uma
conveniência própria que os leva a enxergarem e aceitarem de

4
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

braços abertos as inverdades da polêmica obra. Ademais, estes


ávidos leitores de uma obra só, o Guia Politicamente Incorreto,
parecem, por exemplo, acreditar na necessidade do reexame da
história do líder palmarino contida no livro, mas não se
conscientizam da necessidade do exame sobre as próprias ideias
do autor, as quais, como será demonstrado, são passíveis de
questionamentos e revisões. Pensam tais leitores, infelizmente,
como um escultor que, tomando um trabalho de outro e pondo
alguns retoques na obra, acredita ver diante de si a escultura
definitiva, terminada, perfeita e acabada, a qual não há, do ponto de
vista dele, necessidade de um novo retoque. Esse o perfil dos
leitores do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil,
possuindo o livro creem estar de posse do parecer final da questão,
a obra definitiva sobre o tema, a qual, por isso, não necessita,
consonante com sua maneira distorcida de julgarem, um exame e
questionamento sobre sua verdade. A propósito, estou inteiramente
atento sobre o fato deste tratado igualmente ser passível de
análises e questões, mas essa função caberá aos leitores, os quais,
espero, tenham a verdade como norteador a partir de uma
abordagem séria do problema.

5
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

INTRODUÇÃO

A história do Brasil, como muitas outras, tem, por vezes, mais de


uma versão. No que diz respeito à escravidão e especificamente a
Zumbi dos Palmares, maior ícone da luta e liberdade do negro em
nosso país, não foi diferente. Basta um pouco de pesquisa para
sabermos, por exemplo, das versões da morte de Zumbi em obras
de escritores antigos especializados no assunto, assim como a
versão da existência de vários Zumbis na época do Quilombo. Uns
falam de uma morte teatral ao se jogar o líder negro do alto de um
penhasco com seu séquito preferindo a morte à escravidão e,
outros, relatando como foi traído e pego num esconderijo, lutando
valentemente até o fim quando os inimigos o encontraram. Em
resumo, desde aquela época a verdade histórica sobre Zumbi era
tarefa difícil, mas, graças a estudiosos sérios, muitas especulações
rodeando o líder palmarino foram gradativamente desfeitas em
benefício da verdade, da própria história do seu povo e do nosso
país. Atualmente, entretanto, temos o Zumbi dos palmares
novamente em foco e a tentativa de acrescentar novas ideias
nitidamente depreciativas à história do mesmo. Então, tal como
antes, faz-se necessário uma análise sobre essas ideias e vícios
que tentam pintar na imagem da grande figura histórica que foi
Zumbi dos Palmares. O exame aqui presente então abordará os
trechos principais do Guia Politicamente Incorreto da História do
Brasil do capítulo Zumbi tinha escravos, ou seja, sobre esse tema
direcionado ao líder palmarino.

6
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

Parte I
Quem viveu próximo do poder no século 17 tinha
escravos?

Temos na obra, entre outras coisas, o seguinte inicialmente:

“Essa informação parece ofender algumas pessoas hoje em dia, a


ponto de preferirem omiti-la ou censurá-la, mas na verdade trata-se
de um dado óbvio. É claro que Zumbi tinha escravos. Na sua época,
não havia nada de errado nisso. Sabe-se muito pouco sobre ele-
cogita-se até que o nome mais correto seja Zambi-, mas é certo que
viveu no século 17. E quem viveu próximo do poder no século 17
tinha escravos, sobretudo quem liderava algum povo de influência
africana”. (Leandro Narloch, Guia Politicamente Incorreto da
Historia do Brasil)

Dando início à análise, pouco há de concreto nas palavras de


Narloch. Temos aqui apenas argumentos, uma conjectura, e
nenhum fato histórico ligado especificamente à Zumbi. Assim, como
pode Narloch, sem dados, dizer ser claro que Zumbi tinha
escravos? O autor iguala Zumbi aos senhores de escravos
unicamente porque, naquela época, era tido como normal por
alguns; mas isso, seja dito, era normal somente para a parte da
sociedade sustentada pelo sistema escravista, não para a parcela
dos negros explorados. No mais, como foi dito, notemos no trecho a
ausência de dados históricos corroborando a maneira de pensar do
autor. Falta algo dizendo expressamente e com todas as letras ser
o líder Zumbi mais um senhor de escravos, agindo de modo igual
aos escravocratas que ele próprio combateu. Ou seja, as palavras

7
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

de Narloch são uma conjectura, uma interpretação carente de


sustentação para o que ele tenta afirmar do líder palmarino.

Ligar, no mais, os costumes de uma época ou local à vida de um


homem é uma mera suposição; seria simplesmente afirmar, por
exemplo, que por sabermos ser o futebol um esporte comumente
praticado no Brasil, devêssemos, por isso, afirmar que todo
brasileiro joga futebol. Deveríamos até pensar, com esse tipo de
raciocínio, que Zumbi também jogava futebol se não houvesse a
diferença de tempo em que ele viveu. Todavia, seriamente falando,
sabemos bem que, apesar de haver um costume numa sociedade,
isso não significa serem todos adeptos do mesmo hábito; de modo
que podemos encontrar, no nosso exemplo atual, pessoas que não
jogam futebol, ainda que seja esse esporte uma paixão nacional.
Logo, basear-se num costume local para determinar a vida de uma
pessoa em específico não é um fato, mas, como dito, uma
suposição.

Continuemos analisando pelo campo da lógica a argumentação


para ver o que encontramos. Para prosseguirmos, a situação dos
quilombos e do próprio Zumbi diferiam bastante em comparação à
vida dos senhores de terras e do sistema escravista da época para
Narloch tentar, no livro, igualar todos como escravizadores. Em
verdade estavam eles em lados opostos, de um lado o senhor de
engenho querendo escravizar e doutro lado o negro lutando pela
liberdade.

Ademais, caso Zumbi fosse um escravocrata como os senhores de


engenho, seria mais conveniente tê-lo como aliado, não como
inimigo; no entanto, isso obviamente nunca aconteceu. Para se ter
uma noção lembremos que havia um constante estado de guerra
8
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

entre palmarinos e o sistema escravista, uma situação de conflito


pior, segundo os próprios portugueses, que a ameaça feita pelos
holandeses anos antes com as incursões nas costas da Bahia e a
invasão em Pernambuco em 1624 e 1630 respectivamente. Não
sem motivo o escritor Mario Freitas ratifica que, no dizer dos
governadores da capitania pernambucana, a guerra contra
Palmares foi a mais cruenta guerra colonial pernambucana, muito
mais cruenta que a guerra dos holandeses, consequentemente
temos, nesse contexto, lados opostos, não havendo como igualar
Zumbi com escravocratas.

Zumbi, além disso, foi figura singular na história de modo a ser


inadequado pensar ter ele agido tomando por base os vícios e
costumes do sistema que ele combateu. Sistema esse, seja dito, ele
e outros negros do Quilombo dos Palmares estavam também fora
porque, no sistema escravista, os negros do quilombo só tinham
lugar, na realidade, como escravos e eram vistos como tais. Logo,
repito, não há como afirmarmos a figura de Zumbi como um
escravocrata atribuindo ao mesmo o modo de agir dos senhores
que viviam num sistema que ele não apenas estava fora como
também morreu combatendo.

Lembremos, em acréscimo, que, apesar de alguns negros ou


negras terem conseguido ascender socialmente nesse sistema a
ponto de terem escravos, esses mesmos negros não lutaram como
Zumbi contra a escravidão. Por conseguinte, nem a esses pode
alguém forçar uma equiparação com Zumbi alegando, como o autor
do livro deseja, que “quem viveu próximo do poder no século 17
tinha escravos”. Logo é incoerente ou, melhor dizendo, contraditório
ver o líder negro como escravagista.

9
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

Por fim, encerrando essa primeira análise, não sem motivos os


negros buscaram liberdade e segurança nas florestas acolhedoras
dos Palmares, tal como diz o autor Edison Carneiro nas primeiras
páginas do seu livro O Quilombo dos Palmares. Se Zumbi e os
demais negros do quilombo fossem adeptos da escravidão, não
iriam para o Quilombo, mas sim ficariam nas fazendas ou cidades
onde era comum o sistema escravista e nem seriam vistos como
inimigos do poder estabelecido na época, mas sim como potenciais
aliados. Por tanto, de tudo dito nesse trecho extraído do livro de
Narloch, apenas uma pequena parte pode ser considerada como
certa quando, se referindo à Zumbi, diz o autor: “mas é certo que
viveu no século 17”. Sendo assim, tanto em relação aos fatos
históricos como no campo da lógica argumentativa, não é possível
considerarmos que Narloch prova ter sido Zumbi um dono de
escravos.

10
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

Parte II
Zumbi e o espírito humanista europeu

Prosseguindo com outras informações na obra de Narloch temos:

“É difícil acreditar que no meio das matas de Alagoas, Zumbi tenha


se adiantado ao espírito humanista europeu ou se adiantado aos
ideais de igualdade, liberdade e fraternidade da Revolução
Francesa. É ainda mais difícil quando consultamos os poucos
relatos de testemunhas que conheceram Palmares. Eles indicam o
esperado: o quilombo se parecia com um povoado africano, com
hierarquia rígida entre reis e servos. Os moradores chamavam o
lugar de Ngola Janga, em referência aos reinos que já existiam na
região do congo e de Angola”. (Narloch, Guia Politicamente
Incorreto da Historia do Brasil)

Nessa parte não temos Narloch tentando provar que Zumbi tinha
escravos, mas, ainda assim, tentando, por outra via, depreciar a
imagem do líder negro.

Para começarmos, diferentemente do dito pelo autor, não é difícil


acreditar que Zumbi, naquela época, tenha se adiantado ao espírito
humanista europeu ao pensar em ideais de igualdade, liberdade e
até fraternidade. Recordemos serem os escravos a parcela da
população mais sofrida pela falta de liberdade; os quais eram vistos
como mercadorias ou peças para o trabalho, numa tentativa de tirar
deles o caráter humano, objetivando o lucro por meio do seu serviço
forçado. Consequentemente, diante dessa conjuntura de
exploração, os negros foram os primeiros em meio à sociedade
escravista a clamar e lutar, alguns deles pela liberdade que antes
11
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

tinham quando ainda moravam em suas terras na África e outros


pela liberdade nunca antes conhecida por terem nascidos de
pessoas escravizadas.

Sobre o fato de ter ocorrido no meio das matas de Alagoas o


pensamento de liberdade, seja dito e lembrado que antes mesmo
de ir para as matas, ainda nos navios negreiros quando era
transportado para o Brasil, o negro já lutava contra o cativeiro com
este pensamento de libertação. Isso sem mencionar os conflitos em
terras africanas, ainda entre tribos, quando guerreava contra outros
que tentavam alimentar o comércio de escravos. Portanto antes de
adentrar nas matas brasileiras, na fuga do cativeiro, nos quilombos,
o negro pensou nas mais diversas formas de viver livre e junto com
os seus irmãos de maneira igual; em suma, bem antes das florestas
o negro guerreava encontrando, por fim, no Palmares aquilo que ele
buscava. Além do mais, imaginar negros fugindo e considerar que
estes não pensavam na ideia de liberdade é um raciocínio tanto
quanto incompatível ou até mesmo absurdo, tamanha a
contradição. Isso, no entanto, só revela a intenção de Narloch de
distorcer, por todos os meios possíveis, os fatos. Por isso, seja dito:
ao viver num sistema escravocrata não é de admirar ver o negro se
adiantando em relação ao espírito humanista europeu no que diz
respeito à liberdade, igualdade e fraternidade.

Noutra parte, tentando fortalecer a sua tese anterior, Narloch


informa que o Quilombo parecia com povoado africano com servos
e reis- como se isso fosse motivo para vermos a impossibilidade de
ideais da Revolução Francesa entre homens vivendo naquelas
condições. Narloch parece esquecer, involuntariamente ou
voluntariamente, que, diferente de muitos negros do continente

12
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

africano, diversos negros no Brasil passaram pelos mais variados


castigos, humilhações, injustiças advindas da cobiça do homem
branco adepto da exploração, sendo praticamente impossível para
um individuo aceitar isso contra si mesmo sem pensar nalgum
momento em sua própria liberdade. Sobre isto citemos alguns
exemplos relatados de punições e castigos empregados. Vejamos:

1-Depois de sofrer os horrores das travessias marítimas no bojo dos


navios negreiros e de ser humilhado nos mercados de escravos,
experiências comuns em toda América- estava o negro indefeso
ante todos os castigos engendrados pelo sadismo do senhor;

2-Se desagradava ao senhor era metido no tronco- pescoço, pés e


mãos imobilizados entre dois grandes pedaços de madeira
retangular ou, mais raramente, de ferro, presos a cadeado- ou
supliciado com viramundo, um pequeno instrumento de ferro, que
prendia pés e mãos do escravo, forçando-o a uma posição
incomoda durante vários dias;

3-Se o castigo devia ser mais prolongado, o negro era supliciado


com o cêpo, um longo toro de madeira que devia carregar à cabeça
e que prendia, por uma corrente, ao tornozelo;

4-Se fugia era castigado com libambo- uma argola de ferro que
rodeava o pescoço do negro, com uma haste terminada por um
chocalho- com a gargalheira ou com a golilha, sistemas de
correntes de ferro que impediam os movimentos. Outras vezes os
escravos fugitivos eram contidos por peias ligadas por correntes de
ferro ao tornozelo, cujo peso os impedia de caminhar;

5-Se furtava, prendiam-lhe à cara uma mascará de folha de


Flandres, com pequenos orifícios para a respiração, fechada no

13
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

occipício a cadeado, ou ainda penduravam-lhe às costas, numa


golilha, uma placa de ferro com dizeres aviltantes, como “ladrão” e
“ladrão e fujão”;

6-Se o senhor queria obter uma confissão do negro, comprimia-lhe


os polegares com os anjinhos, dois anéis de ferro que diminuíam à
medida que se torcia um pequeno parafuso, provocando-lhe dores
horríveis;

7-O negro era supliciado publicamente, quando as suas faltas eram


consideradas mais graves, com um chicote especial de couro cru, o
bacalhau, nos pelourinhos existentes nas cidades.

O rigor do cativeiro obviamente não se resumia a esses horrores.


Os negros padeciam inúmeros outros males impostos pelo ódio
desumano dos senhores de terra da época. Logo, diante disso,
percebemos o quão importante para muitos negros era o desejo de
liberdade, um ideal nascido muito antes da Revolução Francesa e
de, por conseguinte, antes do espírito humanista europeu.

14
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

Parte III
Falando de Zumbi?

Continuemos e vejamos outras ideias presentes no Guia


Politicamente Incorreto:

“Ganga Zumba, tio de Zumbi e o primeiro líder do maior quilombo


do Brasil, provavelmente descendia de imbangalas,‘os senhores
da guerra’ da África Centro-Ocidental. Os imbangalas viviam de um
modo similar ao dos moradores do Quilombo dos Palmares.
Guerreiros temidos, eles habitavam vilarejos fortificados, de onde
partiam para saques e sequestros dos camponeses de regiões
próximas. Durante o ataque a comunidades vizinhas recrutavam
garotos- que depois transformariam em guerreiros- e adultos para
trocar por ferramentas e armas com os europeus”. (Narloch, Guia
Politicamente Incorreto da Historia do Brasil)

Analisando, com atenção, esse trecho do livro percebemos que o


autor ocupa-se de Ganga Zumba, líder do Quilombo dos Palmares
antes de Zumbi. Todavia lembremos ser o título desse capítulo do
livro o seguinte: “Zumbi tinha escravos”. Ou seja, em lugar de tratar
aqui da vida de Zumbi, o autor trouxe para exame a vida do tio dele,
Ganga Zumba. Como se, com isso, devêssemos atribuir
necessariamente à Zumbi o que foi praticado pelo tio. Pior, o autor
prossegue dizendo ser Ganga Zumba provavelmente um
descendente de imbangalas conforme podemos ver acima. Repito,
o autor fala PROVAVELMENTE e, a partir desse provavelmente,
prossegue nas palavras enumerando características dos
imbangalas como se estivesse, desse modo, saindo do

15
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

PROVAVELMENTE para o CERTAMENTE haja vista a


determinação e o modo enfático das palavras nessa parte da obra.
Em suma, trata-se também de outra conjectura a qual percebemos
Narloch agindo novamente no campo da probabilidade sem
embasamento histórico algum, mas que, no fim, aborda a questão
como se fosse algo certo, mesmo desprovido de certezas e ainda
atribuindo a outra pessoa, a Zumbi, por ter sido esse sobrinho de
Ganga Zumba.

Os laços familiares, ademais, não levam os seus membros a


compartilharem necessariamente as mesmas ideias. Enquanto
Ganga Zumba, por exemplo, tentou um acordo de paz com os
portugueses onde seria concedida a liberdade apenas para os
negros do quilombo, Zumbi, a seu turno, desejou a liberdade de
todos, tanto dos quilombolas como daqueles que ainda estavam
escravizados e fora do quilombo. Em suma, Leandro Narloch fez,
como dizem, uma colcha de retalhos com quaisquer ideias na
tentativa, novamente, de difamar Zumbi, tentando igualar pelo
parentesco quando sabemos que até irmãos gêmeos podem ser
muito diferentes no modo de agir.

16
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

Parte IV
O Anacronismo de Narloch

Noutro ponto temos:

“Para obter escravos, os quilombolas faziam pequenos ataques a


povoados próximos.‘Os escravos que, por sua própria indústria e
valor, conseguiam chegar aos Palmares, eram considerados livres,
mas os escravos raptados ou trazidos à força das vilas vizinhas
continuavam escravos’, afirma Edison Carneiro no livro O Quilombo
dos Palmares, de 1947”. (Narloch, Guia Politicamente Incorreto da
História do Brasil)

Esse é um dos principais pontos do livro tentando defender a ideia


de Zumbi como senhor de escravos. Para começar o exame desse
trecho, onde Narloch se utiliza das palavras de um historiador e
pesquisador da temática africana e escravidão, Edison Carneiro, é
preciso deixar nítido algo simples, mas que passou desapercebido
aos olhos de muitos:

Edison Carneiro não fala de Zumbi, ele se referiu, nesse trecho, ao


Quilombo dos Palmares de uma época anterior ao nascimento de
Zumbi.

Apesar de Zumbi dos Palmares ser abordado na obra de Carneiro,


nessa parte do livro o estudioso das questões africanas no Brasil
não toca no nome de Zumbi. Em verdade seria impossível até para
Carneiro falar do líder negro nesse trecho, pois, como dito, a
informação refere-se a um Palmares anterior à Zumbi. Podemos
comprovar isso na fonte dessa informação de Edison Carneiro, uma

17
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

obra publicada anos antes de Zumbi ter nascido. A obra a qual


estamos nos referindo, contendo a informação, é o livro O Brasil
Holandês, escrito por Gaspar Barléu e publicado em 20 de abril de
1647. Essa é a fonte de Carneiro, a qual o mesmo informa no final
de seu livro como bibliografia útil, mas não mencionada por Narloch
ou, melhor dizendo, nunca sendo citada pelo autor do Guia
Politicamente Incorreto da História do Brasil.

Sobre a obra de Gaspar Barléu, este escreve sobre diversos


aspectos do Brasil em relação à terra, clima, geografia, costumes,
cultura e a constituição do povo da época, entre os quais os negros
e o Quilombo de Palmares. Sendo narrado os feitos do conde
Maurício de Nassau na época dos seus anos de governo no Brasil,
com Gaspar Barléu encarregado de escrever sobre o trabalho o
qual foi publicado, como dito, em 1647.

Ocorre que na data da publicação da obra de Barléu, o líder negro


Zumbi não havia, repito, nem ao menos nascido. Palmares
evidentemente já existia, mas o grande líder negro não. Assim,
além de Edison Carneiro não mencionar no trecho supracitado por
Narloch o nome de Zumbi, o mesmo escritor (Carneiro) se baseou
nas informações de um livro publicado quando Zumbi não existia.
Vejamos as palavras usadas nesse antigo livro- O Brasil Holandês-
ao se referir à Palmares para compararmos com as de Edison
Carneiro. Gaspar Barléu diz:

“Qualquer escravo que leva de outro lugar um negro cativo fica


alforriado; mas consideram-se emancipados todos quantos
espontaneamente querem ser recebidos na sociedade.” (O Brasil
Holandês, Gaspar Barléu)

18
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

Enquanto Edison Carneiro diz as mesmas coisas, mas com outras


palavras:

“Os escravos que, por sua própria indústria e valor, conseguiam


chegar aos Palmares, eram considerados livres, mas os escravos
raptados ou trazidos à força das vilas vizinhas continuavam
escravos” (O Quilombo dos Palmares, Edison Carneiro)

Ou seja, como já foi dito, a fonte de Edison Carneiro é um livro


escrito em 1647; enquanto o próprio Zumbi, segundo consta, veio a
nascer somente anos depois, entorno de 1655. Havendo, desse
modo, uma diferença de oito anos entre um e outro, cometendo
Leandro Narloch um anacronismo ao tomar como fonte a
informação duma obra que, por sua vez, baseou-se num texto
anterior ao nascimento de Zumbi dos Palmares.

A obra de Gaspar Barléu pode ser consultada aqui nesse link,


encontrando a informação citada na página 334 do documento em
PDF onde fala sobre a Descrição dos Palmares grandes e
pequenos:

https://www.mediafire.com/file/ml17j3in8ni3w3f/O_BRASIL_HOLAND%CAS.pdf
/file

Ou pode ser baixada a obra de Barléu neste outro link da Biblioteca


Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM), órgão da Pró-Reitoria de
Cultura e Extensão Universitária da Universidade de São Paulo
(USP) com a informação na página 273 do PDF:

https://digital.bbm.usp.br/bitstream/bbm/4496/1/039738_COMPLETO.pdf

Voltando ao exame, como, então, atribuir a Zumbi algo dito por um


livro escrito antes dele nascer, uma obra que se refere apenas aos

19
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

eventos da época de sua publicação? É simplesmente impossível e


ilógico o raciocínio de Narloch, não havendo forma de aceitar, com
base nisso, Zumbi como escravizador. Esse o equívoco do autor, o
Anacronismo de Narloch. Um dos maiores equívocos relacionados
à história do Brasil. O erro de Leandro Narloch está em ter adotado
os estudos mais recentes sobre Zumbi, repetindo e fazendo
conjecturas sem se preocupar em analisar as fontes primárias- ele
próprio afirma esse procedimento como poderemos ver até o final
desse tratado.

20
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

Parte V
Marxistas criaram a imagem de Zumbi?

Trazendo à tona agora uma análise sobre a relação dos marxistas e


a história de Zumbi, conforme vemos no livro de Narloch, o autor
diz:

“Apesar disso, Zumbi ganhou um retrato muito diferente de


historiadores marxistas das décadas de 1950 a 1980. Décio
Freitas, Joel Rufino dos Santos e Clóvis Moura fizeram do líder
negro do século 17 um representante comunista que dirigia
uma sociedade igualitária. Para eles, enquanto fora do quilombo
predominava a monocultura de cana-de-açúcar para exportação,
faltava comida e havia classes sociais oprimidas e opressoras (tudo
de ruim), em Palmares não existiam desníveis sociais, plantavam-
se alimentos diversos e por isso havia abundância de comida (tudo
de bom)”. (Narloch, Guia Politicamente Incorreto da Historia do
Brasil)

Falar de Zumbi como uma imagem de escritores marxistas seria


algo realmente a ser pensado, mas isso ocorreria apenas se a
história do líder negro fosse contada somente pelos três escritores
citados. É sabido, no entanto, que outros africanistas,
pesquisadores e estudiosos do assunto falaram não apenas de
Zumbi, mas também de Palmares, como também sobre a história
do Brasil no período da escravidão. Permitindo a cada um de nós
ter ciência dos fatos e relatos, desde a forma como negros foram
trazidos da África para servirem de mão de obra escrava aqui, onde
muitos deles padeceram nas péssimas condições da travessia

21
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

transatlântica, óbitos no trabalho forçado ou pelos castigos sem que


nenhum tipo de justiça olhasse para eles ou a qual pudessem
recorrer sendo, pelo contrário, a escravização do negro considerada
e vista por muitos como justa. Tudo isso aos olhos de vários
estudiosos, não apenas os três citados por Narloch.

Acrescentemos a isso haver também, de certa maneira, uma classe


que era exploradora (escravizadores) e noutra ponta uma classe
explorada (escravizados)- tal fato em nossa história não foi
invenção de marxistas. Surgindo deste modo o Quilombo e a
necessidade de uma ordem nesse último que permitisse o mesmo a
sua existência e preservação. Existindo nele, diferentemente das
palavras escritas por Narloch, uma abundância de recursos para
todos conforme informações de documentos portugueses à época
de 1694.

Num desses documentos é dito sobre o valor das terras de


Palmares:

“[...]as terras que se vão conquistando aos Palmares, e outras


muitas desertas que ficaram livres com sua total destruição, são as
de maior importância e valor que se acham em todas aquelas
capitanias de Pernambuco, não só pelo grande da sua extensão,
mas pelo abundante dos pastos para os gados, utilidades das
madeiras, sítios para engenhos e a capacidade para todos gêneros
de lavouras de mantimentos...” (Documento nº 29 de 25 de
novembro de 1694, As Guerras nos Palmares, Ernesto Ennes)

Isso demonstra o valor da terra e, mais uma vez, a desatenção de


Narloch para com os documentos antigos sobre Palmares e seu
desconhecimento do tema. Devendo, além da terra que tudo

22
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

concedia, ser dito sobre a extensão dos bosques onde viveram os


palmarinos que, no dizer de outro documento da época, fazia maior
circunferência que todo o reino de Portugal. Logo, havia sim
abundância de recursos para todos do quilombo.

Todavia o autor, Leandro Narloch, prossegue, noutro ponto, falando


da possibilidade de invenção do nome Francisco atribuído à Zumbi
pelo jornalista Décio Freitas, dito como marxistas. Dentro daquilo
que explicou Narloch no Guia Politicamente Incorreto, o máximo
que pode ter sido criado por Décio Freitas foi a parte da história
relacionada ao local em que Zumbi cresceu e o nome do líder
negro; pois, conforme pode ser lido, Freitas dizia ter documentos
(cartas) sobre a infância de Zumbi comprovando ter este crescido
num convento em Alagoas e que se chamava Francisco. As cartas,
no entanto, jamais foram mostradas por Freitas. O problema desse
pequeno detalhe é Narloch se apegar ferreamente e expandir, por
assim dizer, a ideia de que tudo mais foi invenção objetivando
assim tirar o crédito de outros fatos relacionados ao líder negro e o
Quilombo dos Palmares. Contudo, isso é apenas mais um
argumento de Narloch. Seria como alguém mostrando uma
pequena alteração, ou erro, encontrado numa página de um livro e,
a partir disso, afirmar estar equivocada toda a obra ou que todo o
restante foi inventado pelos autores. É simplesmente, de uma forma
ilógica, julgar o todo por uma parte.

O jornalista revela-se também bastante tendencioso em mais


trechos do livro, pois critica outros autores devido, segundo vemos,
a linha de pensamento marxista deles. Contudo o mesmo Narloch
parece esquecer ter feito uso das obras desses pesquisadores
considerados marxista para tentar defender seus próprios pontos de

23
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

vista e interpretações. Basta lembrarmos das citações utilizadas


com trechos do livro de Edison Carneiro tentando mostrar ser Zumbi
um senhor de escravos como vimos na Parte IV desse tratado. Uma
leitura atenta no trabalho da historiadora Andressa Merces revela
ser Edison Carneiro um dos precursores do marxismo na
historiografia de Palmares. Vejamos um trecho:

“No início da historiografia marxista estariam seus escritores muito


próximos aos membros dos Institutos Históricos. Como foi o caso
do alagoano Alfredo Brandão, que teria presidido o Instituto de
Alagoas e depois passou a explorar o episódio do Quilombo ao lado
dos autores Arthur Ramos e Edison Carneiro, precursores do
marxismo na historiografia de Palmares.” (Zumbi: Historiografia e
Imagens, Andressa Merces Barbosa dos Reis)

Isso, porém, não foi empecilho para Narloch fazer uso da obra
desse autor. Se a linha de pensamento dos escritores levasse os
mesmos a inventarem uma imagem de Zumbi e Palmares, Narloch
deveria se mostrar pouco inclinado a citar trechos dos livros deles
em sua obra visando defender as suas próprias interpretações.
Como havia dito, daquilo visto no Guia Politicamente Incorreto, a
invenção de alguns autores (especificamente Décio Freitas) deve
ser resumida apenas ao verdadeiro nome de Zumbi bem como o
local onde cresceu o líder negro, isto por falta de provas concretas
apresentadas.

Aproveitando ainda o trabalho da historiadora Andressa Barbosa,


vejamos as palavras da mesma sobre os ditos marxistas e
Palmares. Em sua tese de mestrado ela escreve:

24
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

“Nessa bibliografia de viés marxista há um esforço em caracterizar


Palmares como a primeira luta de classes na História do Brasil.”

A mesma também fala:

“...os quilombos eram considerados um local privilegiado para


convivência de práticas culturais diferentes, pois, segundo Arthur
Ramos e Edison Carneiro, a população de Palmares seria
caracterizada pela variedade de raças. Contudo, estes estudos
foram prejudicados pelo cenário político de meados do século
XX, como muitos destes pesquisadores eram comunistas
estiveram por muito tempo sob a vigilância do Estado Novo, o
qual proibira a manifestação de ideais marxistas a partir de 1935.”

Notemos que os estudos desses autores foram prejudicados pela


situação política da época, o Estado Novo, isto é, não houve uma
refutação de seus trabalhos pela descoberta de outros documentos
ou novos dados históricos e pesquisas, mas sim uma tentativa de
impedi-los devido a linha de pensamento de seus autores segundo
as considerações do Estado na época. Noutras palavras, não houve
necessariamente a reprovação de suas pesquisas dentro do campo
de estudo, mas unicamente vigilância sobre o trabalho deles por
motivos políticos. Ademais, a mesma autora diz o seguinte sobre
Edison Carneiro:

“Foi através desta obra (O Quilombo dos Palmares) que a imagem


de Zumbi consolidou-se na historiografia. Edison Carneiro canalizou
todas as alterações que vinham ocorrendo desde o início do século
XX, visto que neste primeiro momento ainda era posta em dúvida a
existência de Zumbi. No presente texto, o autor (Edison Carneiro)

25
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

congregou as informações dispersas sobre Zumbi na historiografia


e na cultura popular.”

Ou seja, no final das contas, não houve de Edison Carneiro,


considerado precursor dos marxistas, invenção. Enquanto a
existência de Zumbi ainda era uma dúvida, Edison Carneiro
trabalhou sanando a questão sem se basear em ideias marxistas,
mas sim coligindo dados históricos para encontrar e demonstrar a
verdade. No fim, a própria autora Andressa Barbosa revela dúvida
sobre o fato de a linha marxista ter ou não influenciado a obra de
Edison Carneiro.Temos:

“Contudo, o autor Edison Carneiro apresentou novos valores para


narrar o assassinato de Zumbi. Talvez, por causa de sua filiação
comunista e vivendo durante a ditadura varguista, passou a
destacar o caráter rebelde e guerreiro de Zumbi...”

E essa influência nos estudos sobre Zumbi, caso existisse, visaria


apenas destacar a luta de Zumbi, como diz a autora, não
necessariamente alterar ou inventar. Logo, nas palavras de
Andressa Barbosa, nada indica com exatidão que Edison Carneiro
acrescentou algo à figura de Zumbi. Edison Carneiro, além disso,
demonstra no seu livro as suas fontes de modo que é possível, a
qualquer um, descobrir se o mesmo modificou ou não a forma como
ele descreveu os fatos e Zumbi.

Resumindo, não temos as provas de Décio Freitas em relação ao


nome e local no qual diz que Zumbi cresceu; isso, contudo, em
nada diminui o valor e importância de Zumbi na luta dos negros.
Ademais temos o expoente dos marxistas, Edison Carneiro, não

26
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

inventando imagens de Zumbi, mas sim juntando informações de


vários anos consolidando o personagem histórico do líder de
Palmares.

Na ausência, por conseguinte, das provas de Décio Freitas, deve-se


apenas deixar em aberto a verdade referente a esses dois
pormenores inerentes à história do líder palmarino: ter nascido num
convento em Alagoas e o nome Francisco. Os demais
acontecimentos consequentemente relacionados ao principal negro
dos Palmares e ao próprio Quilombo não perdem em importância e
nem em veracidade. A tentativa de Narloch foi utilizar-se de um
detalhe, a ideia de serem pesquisadores marxistas, para, com isso,
repito, tentar retirar o crédito dos escritores que trataram de Zumbi
e, consequentemente, apagar tudo aquilo atribuído ao chefe de
Palmares por esses estudiosos afirmando ele serem invenções, tal
como o ocorrido com o nome Francisco atribuído à Zumbi, haja
vista nunca terem sido apresentadas as provas por Décio Freitas-
isto, contudo, não inviabiliza as demais informações sobre Zumbi
dos Palmares.

27
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

Parte VI
Objetivo de Narloch

Com uma obra tão polêmica surgiu essa pequena questão: qual o
objetivo de Narloch?

Logo no começo do livro temos uma breve resposta. O autor diz:

“Uma pequena coletânea de pesquisas históricas sérias, irritantes e


desagradáveis, escolhidas com o objetivo de enfurecer um bom
número de cidadãos.” (Narloch, Guia Politicamente Incorreto da
História do Brasil)

Tais palavras satisfazem os menos exigentes e agradam à parcela


de leitores simpatizantes do racismo, principalmente àqueles com
parentesco ou uma linhagem ligada a adeptos do sistema
escravista à semelhança dos antigos donos de escravos e senhores
de engenho da época. O livro de Narloch, por conseguinte, é um
prato cheio para os descendentes desse sistema e seus partidários,
bem como para os que são contra a causa dos negros de antes e
de hoje; nada melhor para o racista escondido no íntimo dessas
pessoas do que ter um livro dando voz a toda aversão contida em
seus pensamentos encobertos contra o negro, tentando
desconstruir a imagem do herói de um povo cuja exploração e
violência sofrida encontrava limite, muitas vezes, apenas na morte
do explorado.

Todavia, as palavras de Leandro Narloch na obra não respondem


inteiramente à pergunta, ou seja, qual o objetivo do autor. Mas
Narloch revela, noutros meios, fora da obra, a sua real intenção.

28
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

Buscamos então essas outras fontes, as quais surgiram devido a


polêmica criada entorno do tema abordado, o que levou a mesma a
ser lida por muitos e incentivou entrevistas em programas de
televisão, rádios e amigos de profissão do jornalista a darem seu
parecer sobre o assunto. Descobrimos deste modo informações
relevantes, possibilitando compreender melhor o pensamento do
autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil. Vejamos
agora as ideias de Leandro Narloch não escritas em seu livro.

1-Qual a intenção de Narloch com o livro?


Segundo o próprio Narloch, a intenção é, basicamente, incomodar.
Como observamos, ele realmente incomodou e enfureceu, tal como
diz na obra; mas em entrevistas o autor revela que a intenção é,
além de incomodar, ganhar dinheiro. Por isso, a obra de Narloch
está longe de ser um trabalho sério e igual ao de pesquisadores e
historiadores buscando e examinando verdades. Temos ciência de
estudiosos analisando fontes documentais, tradições orais, fontes
primárias tudo, em suma, com o intuito de nos aproximar do
passado, daquilo que ocorreu muito antes de nós. Narloch, porém,
é diferente. Em entrevistas revela como intenção não apenas
enfurecer e irritar, mas sim ganhar dinheiro. Tal resposta podemos
ver quando um historiador entrevista Leandro Narloch no programa
Aprovado em Cachoeira na Bahia. Vejamos entre 1:43 até 1:59 do
link https://www.youtube.com/watch?v=5TxQTVZrHuE ou no link
https://www.youtube.com/watch?v=JlzwQkzt-SI&t=114s.

Lá o entrevistador pergunta para Narloch:

-A ideia era incomodar?

29
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

Narloch responde:

-Uma das ideias era incomodar, a outra era ganhar dinheiro.

Narloch, então, não visa a verdade, os fatos. Por isso estão


enganados os leitores que se apegam fortemente ao livro julgando
encontrar na obra eventos históricos. Leitores estes que
enriqueceram o jornalista na ilusão de terem em mãos verdades
não contadas em escolas e faculdades- mas sim, como
observamos, serem falsas.

2-Quem Narloch quis enfurecer?


Narloch trabalhou para enfurecer e incomodar a esquerda brasileira.
Ele próprio, inicialmente, tenta esconder a definição política que
possui; mas podemos descobrir analisando outras entrevistas.
Numa dessas entrevistas feitas, no programa de televisão Agora é
Tarde, Narloch demonstra sua intenção de não revelar uma
definição política pessoal.

Veja no link https://www.youtube.com/watch?v=0DxbmU1Z4sM ou nesse


https://www.youtube.com/watch?v=KwAGFclgU3g&t=3s em 5:12.

O apresentador pergunta:

-Você tem uma definição política?

Narloch lhe responde:

-Eu sou “palmeirense”.

30
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

Ou seja, responde de forma irônica, como uma brincadeira, mas


logo depois revela, na mesma entrevista, não ser de esquerda. Veja
nos mesmos links anteriores em 7:45.

Temos o apresentador novamente perguntando no vídeo:

-Você hoje diz que não tem definição ideológica.

Narloch fala:

-Esquerda provavelmente eu não sou né!?!

-Mas você era de esquerda?

-Era, era.

Ou seja, Narloch era de esquerda, agora não é mais. Revelando,


assim, ser de direita- algo ainda mais nítido para quem
acompanhou o debate entre ele e Fernando Morais na 7ª Festa
Literária Internacional de Pernambuco (Fliporto) em 2011. No
encontro Narloch tenta defender a ideia do capitalismo ser bom
para os pobres, mas Fernando Morais logo menciona a situação
drástica dos mais humildes vivendo próximos à região onde está
acontecendo o evento demonstrando, assim, o quanto Narloch foi
infeliz em suas considerações.

Noutra entrevista, o jornalista Narloch revela, sem rodeios, ser


antimarxista. Tal dito podemos constatar em entrevista feita num
programa da Univesp TV.

Veja em 3:37 do link https://www.youtube.com/watch?v=bNyx5Mwt0BY) ou em


3:24 do link https://www.youtube.com/watch?v=V8a2azsqYjI&t=20s.

Temos o apresentador indagando:

31
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

-É uma história antimarxista?

E Leandro Narloch respondendo:

-Em verdade antimarxista sou eu.

Isto é, temos a definição ideológica do autor, o qual naturalmente


escreveu não para enfurecer os de direita, mas sim os de esquerda
e marxistas. Não sem motivo temos ele também afirmando ser a
obra não um trabalho imparcial, mas sim parcial e que se deve ter
muito cuidado ao pensarem inserir a mesma nas escolas. Entre
3:47 até 4:10 do link anterior
https://www.youtube.com/watch?v=bNyx5Mwt0BY ou 3:34 até 3:57 do
segundo link https://www.youtube.com/watch?v=V8a2azsqYjI&t=20s , vemos o
seguinte, é dito:

-Você fez a história com seu viés antimarxista.

Narloch responde:

-Deixa eu explicar. Eu fui, nessa nova história do Brasil,


coletando só o que fosse antimarxista. Por isso que falo que o
livro não é imparcial.

E continua Narloch:

“Muita gente me fala: 'pô, você acha que o (seu) livro devia ser
ensinado nas escolas, os alunos deveriam usar?' Eu falei: 'olha,
cuidado porque ele (o livro) é tão parcial quanto o livro que critico'.”
(Narloch)

Sobre essas palavras, acredito que um trabalho cujo objetivo dizem


ser demonstrar verdades, mas que coleta apenas um lado dos
fatos, não pode jamais ser levado em conta. Não há verdades, há

32
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

somente meias verdades, inverdades, argumentos falaciosos que


enganaram os leitores.

3-Para enfurecer os marxistas e os de esquerda


Narloch inventou alguma coisa?
Dessa coletânea de estudos e citações antimarxistas, Narloch diz
não ter inventado nada na sua obra tal como podemos ver ao ser
ele entrevistado por um jornalista da revista Veja.

Olhemos no link https://www.youtube.com/watch?v=bjB64raROI4 em 1:35 ou


noutro link https://www.youtube.com/watch?v=Ri0_a0djjtE&t=10s também no
mesmo tempo. Vemos o jornalista do programa falando:

-Você capturou verdades, verdades incomodas?

-Claro que sempre com minha óptica, capturei só aquilo que irritava.
Mas fiquei tentado a inventar umas coisas, mas me segurei,
não inventei não.

No entanto, o jornalista Leandro Narloch fala o contrário, em outra


entrevista, agora no programa chamado Programa Namoral.
Vejamos agora em 2:50 do link
https://www.youtube.com/watch?v=zv4WNJT0PCc ou assista em 0:08 do link
https://www.youtube.com/watch?v=iGVYdfQg1wA&feature=youtu.be.

Leandro Narloch fala sobre o livro, no vídeo, o seguinte:

“Posso dizer que uma ou outra coisa eu exagerei, foi eu que


disse.” (Leandro Narloch autor do Guia Politicamente Incorreto do
Brasil)

33
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

Concluindo, Leandro Narloch, autor do Guia Politicamente Incorreto


do Brasil, escreveu para irritar e enfurecer esquerdistas e marxistas,
objetivando ganhar dinheiro com a venda do livro devido a polêmica
gerada pelas ideias presentes na obra; ideias antimarxistas escritas
com a óptica do autor, exagerando num ponto e noutro do seu texto
objetivando o lucro independente de ir contra a história e os fatos.
Grande prova da sua pouca atenção para com a história é a falta de
análise de documentos bem como, por incrível que pareça, a
ausência de consultas à fontes primárias. Aqui ele diz em 3:20 do
link https://www.youtube.com/watch?v=bNyx5Mwt0BY ou em 3:07 do link
https://www.youtube.com/watch?v=V8a2azsqYjI&t=61s.

“A minha postura foi bem de jornalista, eu não fui em fontes


primárias, não analisei documentos, nada disso. Eu só tentei
trazer para o leitor essa nova história do Brasil.” (Leandro Narloch)

Em resumo, todos as pessoas que leram e propagaram essas


informações como verdades, durantes anos, foram ludibriadas.
Tudo que a maior parte dos leitores fez foi realizar o sonho de
Narloch de torná-lo rico e disseminar, por todos os cantos, uma
mentira a respeito de Zumbi dos Palmares. Essa sendo uma das
maiores ofensas à história de um povo e que certamente, não
sendo divulgada a verdade, aparecerão aqueles que, acreditando
nas palavras de Narloch, desejaram, por ignorância, relegar Zumbi
ao esquecimento.

34
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

PARTE VII
Conclusão

Em fim, concluímos esse trabalho, mas caso ainda não acredite,


caro leitor, mesmo diante de tantos relatos, indicação de fontes,
informações de outras obras e as palavras do próprio autor fora do
livro, convido-lhe a apresentar os motivos de suas dúvidas; pois,
como dito no começo desse tratado, essa obra também é passível
de questionamento, desde que haja de fato algum. Peço-lhe,
contudo, que não tenha o dinheiro, o preconceito ou o racismo
como norteador, mas sim a verdade como guia.

Fiquemos, por último, com algumas palavras direcionadas ao líder


palmarino. Assim testemunharam os antigos sobre ele dizendo:

“Negro de singular valor, grande ânimo, e constância


rara. Este é o espectador dos mais, porque a sua
indústria, juízo e fortaleza aos nossos serve de
embaraço, aos seus de exemplo…”

(Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco no


tempo do Governador Pedro de Almeida de 1675 a 1678)

35
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

ZUMBI DOS PALMARES

Estátua em homenagem ao líder do Quilombo dos


Palmares, localizada na Praça da Sé, Centro Histórico,
Salvador/Bahia.

36
ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

Bibliografia

BARLÉU, Gaspar, O Brasil Holandês sob o Conde João Maurício


de Nassau, Ministério da Educação, 1940.

CARNEIRO, Edison, O Quilombo dos Palmares, Civilização


Brasileira,1966.

DRUMMOND, Conselheiro, Relação das Guerras feitas aos


Palmares de Pernambuco no tempo do governador D. Pedro de
Almeida de 1675 a 1678, Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, 1859.

ENNES, Ernesto, As Guerras nos Palmares, Companhia Editora


Nacional,1938.

FREITAS, Mario Martins de, Reino Negro de Palmares, Biblioteca


do Exército, 1988.

REIS, Andressa Merces Barbosa dos. Zumbi: Historiografia e


imagens. 148 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de
História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista
- UNESP, São Paulo, 2002

RODRIGUES, Nina, Os Africanos no Brasil, Nacional/Brasiliana 9,


São Paulo, 1932.

SANTOS, Joel Rufino dos. Zumbi. São Paulo: Ed. Moderna, 1985

A. F .M. J

37

Potrebbero piacerti anche