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REPLICAÇÃO DOS VÍRUS RNA

Maria Elisa Piccone1 & Eduardo Furtado Flores


7
1 Introdução 167

1.1 Diversidade de estrutura, organização e funcionalidade dos genomas 167


1.2 Sítios de replicação 169
1.3 Infidelidade das replicases e diversidade genética 169
1.4 Outras proteínas virais envolvidas na replicação 169

2 Vírus com genoma RNA de sentido positivo 169

2.1 Genomas com uma única ORF, sem produção de mRNA subgenômicos 171
2.1.1 Estrutura e organização do genoma 171
2.1.2 Tradução e replicação do genoma 172

2.2 Genomas com mais de uma ORF e produção de mRNAs subgenômicos 174
2.2.1 Estrutura e organização genômica 174
2.2.2 Expressão gênica e replicação do genoma 174

3 Vírus com genoma RNA de sentido negativo 176

3.1 Vírus com o genoma não-segmentado 176


3.1.1 Estrutura e organização do genoma 177
3.1.2 Transcrição 178
3.1.3 Replicação do genoma 179

3.2 Vírus com o genoma segmentado 180


3.3 Vírus com o genoma ambissense 181

4 Vírus com RNA de fita dupla 182

4.1 Estrutura e organização do genoma 182


4.2 Transcrição 183
4.3 Replicação do genoma 184

5 Retrovírus 184

6 Bibliografia consultada 185

1
Responsável pela seção de vírus RNA de sentido positivo.
1 Introdução produção de uma molécula de DNA complemen-
tar (provírus) que é integrada aos cromossomos
Os vírus RNA compõem um grupo amplo celulares. A transcrição desse provírus pela RNA
e diverso de vírus que infectam desde insetos e polimerase II celular (RNApol II) resulta na pro-
plantas até vertebrados superiores. São os únicos dução do RNA para ser incluído como genoma
organismos que possuem RNA como genoma, e, nas partículas víricas.
por isso, precisaram se adaptar a certas condições A natureza do seu genoma resultou em al-
impostas pelas células hospedeiras para poder se gumas conseqüências biológicas e evolutivas
multiplicar. As células eucariotas não possuem para os vírus RNA: a) a maioria deles realiza o
enzimas e reações para a síntese de RNA a par- seu ciclo replicativo inteiramente no citoplasma
tir de moldes RNA, etapa necessária para a re- das células hospedeiras, b) poucos deles utilizam
plicação do genoma desses vírus. No entanto, a o processamento de RNA (splicing) para a geração
evolução viral solucionou este impasse, pois o de diversidade de proteínas; c) a alta taxa de erro
genoma de um vírus RNA codifica a sua própria das replicases virais, associada com a ausência de
enzima replicativa (RNA polimerase dependente autocorreção, resulta em uma alta freqüência de
de RNA ou replicase). Em alguns vírus RNA, a mutações, o que contribui para a grande variabi-
replicase e os fatores auxiliares para a replicação lidade genética e antigênica desses vírus.
do genoma são produzidos pela tradução dire-
ta do genoma, logo no início do ciclo replicativo. 1.1 Diversidade de estrutura, organiza-
Em outros vírus RNA, o genoma não é traduzido ção e funcionalidade dos genomas
diretamente e os vírions carreiam a enzima repli-
case e os fatores necessários para a replicação do Os genomas dos vírus RNA de animais são
genoma. todos compostos por moléculas lineares, porém,
A replicação do genoma dos vírus RNA apresentam diferenças quanto à funcionalidade,
(com exceção dos retrovírus) ocorre em duas eta- estrutura e organização (Tabela 7.1). A distinção
pas e envolve a síntese de moléculas intermedi- inicial se refere à funcionalidade do genoma, ou
árias (RNA complementar ou antigenômico). O seja, existem vírus com genoma RNA de senti-
RNA antigenômico serve, então, de molde para do (ou polaridade) positivo e negativo. Os vírus
a síntese de RNA de sentido genômico. A sínte- RNA de sentido positivo possuem as seqüências
se de RNA com sentido de mensageiro (mRNA codificantes de proteínas (open reading frames,
ou sentido positivo) denomina-se transcrição, e ORFs) no mesmo sentido do genoma, ou seja, o
a síntese de RNA genômico denomina-se repli- seu genoma pode ser diretamente traduzido em
cação. Na verdade, transcrição e replicação são proteínas pelos ribossomos. Dentre estes, duas
termos equivalentes utilizados para designar a propriedades principais são reconhecidas: al-
síntese de moléculas de RNA a partir de moldes. guns vírus possuem uma única ORF no genoma
A mesma enzima replicase, possivelmente assis- e outros genomas possuem mais de uma ORF e
tida por uma combinação diferente de fatores au- produzem RNAs mensageiros subgenômicos
xiliares ou submetida a modificações químicas, (mRNAsg).
é responsável tanto pela transcrição como pela Os RNAs genômicos dos vírus RNA de sen-
replicação. O complexo enzimático envolvido na tido negativo não apresentam as ORFs na mes-
transcrição é geralmente chamado de transcrip- ma orientação do genoma, assim, não podem ser
tase; e o complexo responsável pela replicação é diretamente traduzidos em proteínas. As ORFs
denominado replicase. estão presentes no RNA complementar, de senti-
Os retrovírus apresentam uma estratégia do antigenômico. Então, a produção de suas pro-
de replicação única, que difere dos demais vírus teínas depende inicialmente da síntese de mR-
RNA. Esses vírus possuem um genoma RNA NAs pela polimerase viral trazida nos vírions.
com sentido positivo, mas que não é traduzido Dentre esses vírus, existem alguns cujo genoma
diretamente. A replicação do genoma ocorre pela é composto por uma molécula contínua de RNA
168 Capítulo 7

e outros cujo genoma é dividido em dois ou mais Os retrovírus representam uma exceção en-
segmentos. Dentre os vírus com o genoma seg- tre os vírus RNA. O seu genoma possui polarida-
mentado, existem alguns que possuem o genoma de positiva, porém não é traduzido diretamente
pelos ribossomos. A replicação dos retrovírus
ambissense, ou seja, codificam as suas proteínas
envolve a transcrição reversa (síntese de DNA a
por ORFs existentes tanto no RNA de sentido ge-
partir de RNA), integração do DNA proviral nos
nômico quanto no RNA complementar. cromossomos da célula hospedeira e transcrição
Todos os genomas dos vírus RNA (sentido do provírus pelo aparato celular de transcrição.
positivo e negativo, segmentados ou não) são Apesar dessa diversidade, praticamente to-
compostos por moléculas de RNA de fita sim- dos esses vírus convergem para um evento cen-
ples (ssRNA). Um terceiro grupo é formado por tral comum: a produção de mRNA reconhecíveis
e traduzíveis pela maquinaria celular de tradu-
vírus que possuem fita de RNA de cadeia dupla
ção. A única exceção é composta pelos genes que
(dsRNA) segmentada como genoma. Estes vírus codificam proteínas não-estruturais (e estruturais
também trazem a enzima polimerase nos vírions, em alguns casos) entre os vírus RNA de sentido
que é necessária para a transcrição e replicação positivo, que podem ser traduzidos diretamente
dos segmentos genômicos. do genoma.

Tabela 7.1. Classificação dos vírus RNA de acordo com a estrutura, organização e polaridade do genoma e local
intracelular de replicação

RNA genômico Replicação


Família ss/ds Polaridade Topologia Segmentos Local intracelular

Picornaviridae ss Positiva Linear 1 Citoplasma

Flaviviridae ss Positiva Linear 1 Citoplasma

Caliciviridae ss Positiva Linear 1 Citoplasma

Astroviridae ss Positiva Linear 1 Citoplasma

Togaviridae ss Positiva Linear 1 Citoplasma

Coronaviridae ss Positiva Linear 1 Citoplasma

Arteriviridae ss Positiva Linear 1 Citoplasma

Retroviridae ss Positiva Linear 2 (idênticos) Núcleo/citoplasma

Birnaviridae ds Ambas Linear 2 Citoplasma

Reoviridae ds Ambas Linear 10-12 Citoplasma

Rhabdoviridae ss Negativa Linear 1 Citoplasma

Filoviridae ss Negativa Linear 1 Citoplasma

Bornaviridae ss Negativa Linear 1 Núcleo

Paramyxoviridae ss Negativa Linear 1 Citoplasma

Orthomyxoviridae ss Negativa Linear 7-8 Núcleo

Negativa ou
Bunyaviridae ss ambissense Linear 3 Citoplasma

Arenaviridae ss Ambissense Linear 2 Citoplasma


Replicação dos vírus RNA 169

1.2 Sítios de replicação rus possui implicações importantes na epidemio-


logia, patogenia, diagnóstico e para a produção
Com exceção dos vírus das famílias Or- de vacinas.
thomyxoviridae e Bornaviridae, cuja replicação do
genoma ocorre no núcleo; e dos retrovírus, em 1.4 Outras proteínas virais envolvidas
que o ciclo replicativo ocorre parte no citoplasma na replicação
e parte no núcleo, os demais vírus RNA realizam
o seu ciclo replicativo inteiramente no citoplasma Além das replicases, outras proteínas que
da célula hospedeira. Esses vírus são, portanto, participam da síntese de RNA são codificadas
independentes da maquinaria nuclear de sínte- por esses vírus. As funções exercidas por essas
se e processamento de RNAs. Os ortomixovírus proteínas são diversas e incluem: a) direciona-
replicam o genoma no núcleo e são dependentes mento da polimerase e/ou do genoma aos locais
de oligonucleotídeos com cap, que são subtraídos da célula onde ocorre a replicação; b) facilitação
dos mRNA celulares. Estes vírus, além dos retro- do reconhecimento do sítio de iniciação da sínte-
vírus, dependem ainda da maquinaria de pro- se de RNA pela polimerase; c) encapsidação do
cessamento de mRNAs celulares (splicing) para genoma RNA para a transcrição e replicação; d)
o processamento de alguns de seus transcritos. aumento da afinidade da polimerase pelo RNA;
Alguns vírus RNA que replicam no citoplasma e) aumento da atividade da polimerase; f) sepa-
(paramixovírus) utilizam mecanismos alternati- ração das cadeias de RNA para a polimerização
(atividade de helicase); g) alteração da especifi-
vos para modificar os seus transcritos e produzir
cidade da polimerase pelo molde RNA (troca de
diferentes proteínas a partir de um mesmo gene.
transcrição para replicação). Ou seja, esses vírus
codificam uma série de proteínas, algumas com
1.3 Infidelidade das replicases e
atividades enzimáticas, que atuam como co-fato-
diversidade genética res no processo de síntese de RNA e replicação
do genoma.
As replicases dos vírus RNA (RNAs poli-
Além de proteínas, a síntese de RNAs virais
merases dependentes de RNA) apresentam uma
envolve a participação de componentes celulares,
taxa de erro aproximadamente 1.000 a 10.000 ve-
denominados genericamente fatores do hospe-
zes superior às polimerases de DNA. Além disso,
deiro. A especificidade, as etapas de participação
essas enzimas não possuem a atividade de proo-
e a dependência relativa de fatores do hospedei-
freading (correção de nucleotídeos incorretos adi-
ro para a síntese de RNA viral variam entre os
cionados durante a síntese). O resultado disso é
vírus.
que pelo menos uma mutação em ponto pode ser
introduzida a cada replicação do genoma, o que
tem uma grande implicação para a diversidade e 2 Vírus com genoma RNA de sentido
evolução desses vírus. Como conseqüência, uma positivo
população de vírus RNA não é constituída por
uma progênie clonal homogênea, e sim por uma Por definição, esses vírus codificam as suas
mistura de variantes agrupados em torno de uma proteínas no sentido do RNA genômico, ou seja,
seqüência predominante e mais abundante. Essa as seqüências abertas de leitura (ORFs) que co-
população heterogênea de vírus que compõe dificam as proteínas virais estão presentes na
uma espécie viral é denominada quasi-species. A mesma orientação do genoma. Por isso, o RNA
geração contínua dessa população heterogênea genômico pode ser usado como mRNA e ser di-
se constitui em uma grande vantagem evolutiva retamente traduzido pelos ribossomos. Os vírus
para os vírus RNA, pois permite que variantes desse grupo possuem algumas características em
geradas ao acaso possam apresentar vantagem comum: a) replicam no citoplasma da célula hos-
evolutiva e rapidamente se sobressair na popu- pedeira; b) o RNA genômico serve de mRNA e
lação quando submetidos à determinada pressão pode ser traduzido; c) o RNA genômico desprovi-
de seleção. A rápida taxa de evolução desses ví- do de proteínas é infeccioso quando introduzido
170 Capítulo 7

nas células; d) as proteínas virais são sintetizadas o genoma não-segmentado: 1) Picornaviridae, 2)


como poliproteínas precursoras. Essas polipro- Flaviviridae, 3) Caliciviridae, 4) Astroviridae, 5) To-
teínas são imediatamente clivadas em proteínas gaviridae, 6) Arteriviridae e 7) Coronaviridae.
individuais por proteases virais e/ou celulares; A replicação do genoma desses vírus envol-
ve a ação conjunta de vários componentes, que
e) os vírions não contêm enzimas.
incluem proteínas virais, seqüências específicas
As infecções por vírus RNA de sentido po-
no RNA viral e, provavelmente, vários compo-
sitivo não são exclusivas dos animais, e um gran-
nentes celulares, como proteínas e membranas.
de número desses agentes pode infectar também Uma diferença fundamental entre grupos
bactérias ou plantas, constituindo gêneros que de vírus RNA de sentido positivo se refere à exis-
são classificados dentro dessas famílias de vírus. tência de uma ou mais ORFs no genoma e a pro-
Sete famílias de vírus animais possuem ge- dução ou não de mRNAs subgenômicos (Figura
noma RNA de sentido positivo, e todos possuem 7.1; Tabela 7.2).

Picornaviridae (FMDV) 7 - 8.5kb


ORF única
5'
VPg L VP4 VP2 VP3 VP1 2A 2B 2C 3A 3B 3C 3D polyA 3'

Flaviviridae (gênero Pestivirus, BVDV) 12,3kb


ORF única

5' N
pro
C E
ms
E1 E2 NS2-3 NS4-A NS4-B NS5A NS5B poliC3'

Caliciviridae 7.3 - 8.3kb


ORF1 ORF2 ORF3
5'
VPg p32 NTPase P30 VpG P76 (Pro - pol) capsídeo poliA3’

mRNA subgenômico

Astroviridae 6.8kb
ORF1a ORF1b ORF2
5'
VPg Pro Pol Capsídeo poliA3'

mRNA subgenômico

Togaviridae 9.7 - 11.8kb


ORF1 ORF2
5'
Cap NsP1 NsP2 NsP3 NsP4 C E3 E2 E1 poliA3'

mRNA subgenômico

Arteriviridae 13 - 15kb ORFs2-7


ORF 1a ORF 1b
5’ 3 5 3’
7
Cap LLL a 2b 4 6 poliA

mRNA subgenômicos

Coronaviridae 27 - 32kb
ORF1a Pol ORF1b 5-7 ORFs
5' 3’
Cap L 2 HE S 4 E M N poliA

mRNA subgenômicos

Figura 7.1. Estrutura e organização do genoma dos vírus RNA de sentido positivo. As linhas contínuas representam o RNA
genômico; os retângulos representam os genes. A localização das ORFs e dos mRNA subgenômicos também está indicada.
Replicação dos vírus RNA 171

Tabela 7.2. Principais características do genoma dos vírus RNA de polaridade positiva

Genoma (kb) RNA


Família subgenômicos
Extensão (kb) 5' Extremidades 3'

Picornaviridae 7,2 - 8,5 VPG*, IRES poliA não

Flaviviridae 9,6 - 12,3 cap**,IRES*** poliC**** não

Astroviridae 6,8 VPG poliA sim (1)

Caliciviridae 7,3 - 8,3 VPG poliA sim (1)

Arteriviridae 13 - 15 cap poliA sim (6)

Togaviridae 9,7 - 11,8 cap poliA sim (1)

Coronaviridae 27 - 32 cap poliA sim (5-7)


* Proteína terminal associada à extremidade 5' do genoma.
** Apenas os vírus do gênero Flavivirus.
*** Pestivírus, hepacivírus.
**** Pestivírus (BVDV).

Nos vírus que possuem uma única ORF no do genoma e outra parte pela tradução de mR-
genoma, todas as proteínas são produzidas pela NAs subgenômicos (Figura 7.1).
tradução direta do RNA genômico, originando Nesta seção, serão apresentados alguns as-
uma longa poliproteína. Esta poliproteína é cliva- pectos das principais estratégias utilizadas pelos
da por proteases celulares e/ou virais, originan- vírus RNA de sentido positivo para expressar os
do as proteínas individuais. A clivagem ocorre à seus genes e replicar o seu genoma, utilizando
medida que a tradução vai se desenvolvendo, de exemplos de diferentes famílias.
modo que a poliproteína inteira nunca é detecta-
da nas células infectadas. Nesses vírus, os genes 2.1 Genomas com uma única ORF, sem
que codificam as proteínas estruturais estão loca- produção de mRNA subgenômicos
lizados no terço 5’ do genoma; enquanto as pro-
teínas não-estruturais – inclusive a polimerase Importantes vírus animais e de humanos
viral – são codificadas pelo restante do genoma estão incluídos neste grupo, que é composto por
(Figura 7.1). membros das famílias Picornaviridae e Flaviviri-
Entre os vírus em que o genoma possui mais dae. Dentre os patógenos humanos, estão o po-
de uma ORF, as proteínas não-estruturais (e a liovírus, os rinovírus, os vírus da dengue e febre
polimerase) são codificadas na região próxima à amarela, e o vírus da hepatite C. Os principais
extremidade 5’ do genoma (dois terços do geno- vírus animais deste grupo são: o vírus da febre
ma). Apenas a ORF localizada na região próxi- aftosa (FMDV, um picornavírus), que possui um
ma à extremidade 5’ é traduzida diretamente do impacto sanitário e econômico notável na bovi-
RNA genômico, resultando na síntese das prote- nocultura e na economia de vários países; e os
ínas não-estruturais, inclusive a polimerase viral. pestivírus (família Flaviviridae) vírus da diarréia
A(s) outra(s) ORF(s) – embora estejam presentes viral bovina (BVDV) e vírus da peste suína clás-
no sentido do RNA genômico – são expressas a sica (CSFV).
partir de RNAs subgenômicos (mRNAsg), que
são produzidos a partir da transcrição das mo- 2.1.1 Estrutura e organização do genoma
léculas de RNA complementar (antigenômicos),
ou seja, esses vírus produzem uma parte de suas O genoma desses vírus contém uma ORF
proteínas (não-estruturais) pela tradução direta única e longa, que abrange quase toda a extensão
172 Capítulo 7

do genoma (Figura 7.1). Essa ORF é flanqueada (Figura 7.2). Essa poliproteína é clivada seqüen-
por duas regiões não-traduzidas (5’UTR, 3’UTR), cialmente, à medida que é produzida, originan-
que possuem extensões variáveis, de acordo com do os precursores intermediários e, finalmente,
o vírus (podem atingir até 1.100 nt em alguns pi- as proteínas virais maduras. Nos picornavírus,
cornavírus). A extremidade 5’ do genoma possui as clivagens são realizadas essencialmente por
estruturas especializadas que são importantes proteases virais; nos membros da família Flavivi-
para o direcionamento do genoma para o local da ridae, essas clivagens são realizadas por proteases
replicação (5’VPg), para o início da tradução (cap virais e celulares.
ou IRES) e replicação. A extremidade 3’ é polia- Uma das proteínas maduras produzidas
denilada ou possui uma seqüência de citosinas, pela tradução do genoma é a replicase viral (poli-
como no caso dos pestivírus (Figura 7.1; Tabela merase de RNA dependente de RNA), que se en-
7.2). A região 3’ UTR é geralmente menor e pos- carrega de replicar o genoma. A replicação ocorre
sui seqüências importantes para a replicação do em duas etapas: a) síntese de uma molécula de
genoma. RNA complementar (com a extensão do genoma)
e b) síntese de cópias de RNA de sentido genô-
2.1.2 Tradução e replicação do genoma mico a partir do RNA complementar. As molé-
culas de RNA de sentido genômico possuem três
A primeira etapa na replicação desses vírus funções: a) servem de mRNA para a produção da
é a tradução do genoma em uma única poliproteí- poliproteína; b) servem de molde para a síntese
na, que é a precursora de todas as proteínas virais de RNA complementar; e c) são encapsidadas

ORF única
5' 3'
VPg L VP4 VP2 VP3 VP1 2A 2B 2C 3A 3B 3C 3D

IRES

5'- -3'

Poliproteína

Clivagem

L P1 P2 P3

Clivagem
Proteínas estruturais Proteínas não-estruturais

L VP4 VP2 VP3 VP1 2A 2B 2C 3A 3B 3C 3D

Figura 7.2. Organização do genoma e expressão gênica de um picornavírus (vírus da febre aftosa, FMDV). A estrutura
IRES, reconhecida pelos ribossomos, está demonstrada na região 5' não-traduzida. A ORF única e longa é traduzida
pelos ribossomos em uma longa poliproteína, que vai sendo clivada por proteases celulares à medida que é
produzida. As clivagens seqüenciais originam precursores intermediários e, finalmente, as proteínas virais maduras.
Replicação dos vírus RNA 173

como genoma nas novas partículas virais (Figura portantes desta região, destaca-se uma estrutura
7.3). Após a morfogênese dos vírions, ocorre lise secundária altamente complexa denominada In-
celular e a progênie viral é liberada. ternal Ribosomal Entry Site (IRES). Esta estrutura
A cinética de replicação dos picornavírus direciona os ribossomos ao códon de iniciação
é rápida e o ciclo é completado em cinco a dez da tradução, sobrepondo-se ao mecanismo usual
horas. O RNA viral (vRNA) é traduzido direta- de iniciação da tradução dos mRNAs celulares.
mente pelos polirribossomos, mas, aproximada- Estruturas IRES já foram identificadas nos geno-
mente 30 minutos após a infecção, a síntese de mas dos poliovírus, vírus da encefalomiocardite
proteínas celulares é reduzida drasticamente. (EMCV), FMDV, vírus da hepatite A e em alguns
Essa supressão da síntese protéica é a causa pri- membros da família Flaviviridae (vírus da hepati-
mária das alterações morfológicas celulares que te C [HCV] e BVDV).
acompanham a infecção, genericamente denomi- O mecanismo pelo qual o aparato de tradu-
nadas como efeito citopático (ECP). A supressão ção celular reconhece o IRES permanece desco-
parece ocorrer pela clivagem de fatores de tra- nhecido, mas a participação de vários fatores de
dução celulares envolvidos no reconhecimento e iniciação, além de outros fatores celulares, tem
ligação às estruturas cap dos mRNAs celulares, sido proposta. Ao contrário dos poliovírus e dos
evento necessário para o início da tradução. Essa pestivírus, o genoma dos vírus do gênero Flavivi-
clivagem é atribuída à protease 2A dos rinovírus rus possui uma estrutura cap na extremidade 5’,
e enterovírus, e à protease L do FMDV. Alguns mas parece ser traduzido por um novo mecanis-
vírus deste grupo (a maioria dos isolados dos mo que não depende do cap.
pestivírus) são exceções e não são citolíticos. A região 5’ UTR do genoma dos vírus RNA
Embora o genoma desses vírus se comporte de sentido positivo também contém sinais para a
como mRNA e possa ser traduzido em proteínas, replicação do genoma. O balanço entre tradução e
a sua estrutura é diferente dos mRNA celulares. replicação parece ser mediado pela interação des-
Além de codificar as proteínas virais, esta molé- sa região com proteínas virais e celulares. Outra
cula possui importantes seqüências conservadas estrutura essencial para a replicação, conhecida
e estruturas secundárias na região 5’ não-traduzi- como sinal cis-acting de replicação (cre), tem sido
da (UTR). Entre as estruturas funcionais mais im- identificado no genoma de vários vírus. Essas

RNA genômico (+)

5'- -3'

Tradução (1) Encapsidamento (4)


2

Replicação

3
Proteínas

3'- -5'
RNA antigenômico (-)

Figura 7.3. Ilustração simplificada das etapas de replicação dos vírus das famílias Picornaviridae e Flaviviridae. O
genoma RNA é, inicialmente, traduzido em proteínas (1). A RNA polimerase produzida nesta etapa sintetiza o RNA
complementar (2) e, a seguir, cópias de sentido genômico (3). Além de ser traduzido em proteínas, o RNA de sentido
genômico serve de molde para a síntese do RNA complementar e, posteriormente, é encapsidado nas novas partículas
víricas (4).
174 Capítulo 7

estruturas, embora aparentemente responsáveis poliadenilada. Os genes que codificam as pro-


pela mesma função, estão localizadas em regiões teínas não-estruturais estão localizadas nos dois
diferentes dos genomas. terços próximos à extremidade 5’, e os genes das
A região 3’ UTR do genoma contém estrutu- proteínas estruturais ocupam o terço restante do
ras secundárias e terciárias que são importantes genoma. Uma característica comum a todos es-
durante a replicação do genoma. Acredita-se que ses vírus é a produção de mRNA subgenômicos
ocorre uma interação direta entre as duas UTRs (mRNAsg), em número e extensão variáveis, que
(5’ e 3’) durante a tradução e replicação, mediada são traduzidos nas proteínas estruturais.
por complexos do RNA com proteínas. Existem
ainda evidências de circularização do genoma do 2.2.2 Expressão gênica e replicação do
vírus da dengue (um flavivírus) através de inte- genoma
ração física entre as UTRs 5’ e 3’.
Durante a sua replicação, os picornavírus in- A expressão gênica e a replicação do geno-
duzem a proliferação de estruturas membranosas ma desses vírus apresentam algumas semelhan-
envolvidas na replicação viral. Essas membranas ças com o grupo anterior: a) o genoma serve de
podem fornecer fatores celulares necessários para mRNA e é traduzido diretamente pelos ribosso-
a replicação do RNA. Várias proteínas celulares mos; b) a tradução resulta na produção de poli-
que interagem com o RNA genômico têm sido proteínas, que são posteriormente clivadas nas
identificadas e, em alguns casos, têm sido asso- proteínas individuais; e c) a replicação do geno-
ciadas funcionalmente com a replicação. ma ocorre via produção de um RNA de sentido
antigenômico. As principais diferenças se refe-
2.2 Genomas com mais de uma ORF e rem à organização do genoma (posição dos genes
produção de mRNAs subgenômicos das proteínas estruturais versus não-estruturais),
número de ORFs e produção de mRNAsg.
Vários patógenos animais e humanos utili- Dentre esses vírus, os mais estudados são os
zam esta estratégia de expressão gênica e replica- coronavírus e os togavírus. A seguir, será descrita
ção do genoma. Incluem-se entre eles os togaví- a expressão gênica e replicação do vírus Sindbis,
rus Sindbis e vírus das encefalites eqüinas (EEEV, um togavírus responsável por encefalomielite
VEEV e WEEV), os calicivírus (calicivírus felino, aguda em camundongos e extensivamente es-
FCV), os coronavírus (vários patógenos animais tudado como modelo para diversos aspectos da
e humanos), os arterivírus (PRRSV, vírus da arte- Virologia.
rite eqüina) e os astrovírus. Pela sua organização O genoma desse vírus contém duas ORFs,
genômica e estratégia de expressão similares, os cada uma codificando quatro proteínas (Figura
membros das famílias Coronaviridae e Arteriviri- 7.4). Inicialmente, a ORF situada próxima à ex-
dae são agrupados na ordem Nidovirales. Os vírus tremidade 5’ do genoma é traduzida, resultando
deste grupo de famílias apresentam várias simi- na produção de uma poliproteína. Esta poliprote-
laridades de estrutura, organização genômica e ína é clivada à medida que vai sendo produzida,
expressão gênica com o grupo anterior, porém originando as proteínas não-estruturais, incluin-
também apresentam importantes diferenças. do a replicase viral. Esta polimerase sintetiza,
então, uma cópia de RNA de sentido negativo
2.2.1 Estrutura e organização genômica (complementar ou antigenômica) com a extensão
completa do genoma. A molécula de RNA com-
Os vírus deste grupo possuem moléculas plementar serve para dois propósitos: a) molde
de RNA de polaridade positiva como genoma, para a síntese de RNAs de sentido e extensão ge-
com extensão entre 6.8 kb (astrovírus) a 32 kb nômicos que são encapsidados na progênie viral
(coronavírus). Dependendo da família, a extre- e b) molde para a síntese de mRNAs subgenômi-
midade 5’ possui uma proteína ligada (VPg) ou cos. Esses mRNAsg são traduzidos em uma poli-
uma estrutura cap, enquanto a extremidade 3’ é proteína que origina, por clivagem, as proteínas
Replicação dos vírus RNA 175

5' 3'
Cap NsP1 NsP2 NsP3 NsP4 C E3 E2 E1 A(n)

Tradução

Poliproteína

Clivagem Replicação
NSP1 NSP2 NSP3 NSP4

Proteínas não-
estruturais Transcrição
3’ 5’
RNA antigenômico (negativo)
Transcrição

Cap m RNA subgenômico A (n)

Tradução

Poliproteína

Clivagem

C E3 E2 E1

Proteínas estruturais

Figura 7.4. Ilustração esquemática da expressão gênica e replicação dos togavírus (vírus Sindbis).

do capsídeo e envelope. Os nucleocapsídeos se ência em cultivo celular. No entanto, os vírus de


formam no citosol, pela associação de múltiplas ambas as famílias também produzem mRNAsg
cópias da proteína do capsídeo com o genoma durante a sua replicação.
RNA. As glicoproteínas do envelope são inseri- Os coronavírus e arterivírus replicam fazen-
das em membranas de organelas celulares, e os do uso de um mecanismo similar. Nos coronaví-
vírions maturam por brotamento na membrana rus, uma série de 5 a 7 mRNAsg sobrepostos são
plasmática. produzidos pela transcrição do RNA antigenô-
A transcrição dos mRNAs (uma única espé- mico (Figura 7.1). Cada mRNAsg inicia com uma
cie, no caso dos togavírus) ocorre por iniciação região líder 5’ idêntica (com cap), o que indica um
em um sítio ou promotor interno. Uma vez sin- mecanismo mais complexo de iniciação do que o
tetizados, esses mRNAsg não são reconhecidos simples reconhecimento de um promotor inter-
como molde pela polimerase viral e apenas ser- no. Todos os mRNAsg possuem a mesma extre-
vem para a tradução nas proteínas estruturais. midade 3’ e são traduzidos em várias proteínas
Essa estratégia permite a separação temporal da estruturais.
síntese de proteínas regulatórias (iniciais) e estru- A exemplo dos outros vírus RNA de sentido
turais (tardias). A replicação desses vírus é um positivo, a replicação desse grupo de vírus ocorre
pouco mais complexa do que a dos picornavírus, em complexos replicativos associados com mem-
e a célula deve manter a sua integridade para branas intracelulares. As estruturas formadas e a
permitir o brotamento contínuo das novas par- origem das membranas envolvidas, no entanto,
tículas víricas. De fato, a redução da síntese pro- variam entre os vírus. Por exemplo, os complexos
téica celular é muito menos dramática até mesmo replicativos de vários picornavírus e flavivírus
em fases tardias da infecção. são associados com o retículo endoplasmático,
A replicação dos calicivírus e astrovírus não enquanto os togavírus utilizam também as mem-
tem sido tão caracterizada como os togavírus, branas dos endossomos e lisossomos como sítios
pois alguns desses vírus não replicam com efici- de replicação.
176 Capítulo 7

3 Vírus com genoma RNA de sentido por meio da produção de uma molécula de RNA
negativo complementar (antigenômico), que serve de mol-
de para a síntese de RNA genômico.
Os vírus com genoma RNA de sentido nega- Nos vírus com o genoma não-segmentado,
tivo apresentam uma maior diversidade do que são produzidos vários mRNAs de extensão cur-
o grupo anterior. Esses vírus possuem o genoma ta, cada um correspondendo a um único gene. À
geralmente mais extenso e codificam um número medida que os mRNAs são transcritos, ocorre a
maior de proteínas. Essa complexidade pode de- atenuação da transcrição, sendo produzida uma
ver-se às dificuldades adicionais da sua expressão quantidade maior de mensageiros dos genes loca-
gênica e replicação, o que faz com que necessitem lizados na extremidade 3’ do genoma. Esses mR-
codificar mais proteínas e com funções diversas. NAs serão traduzidos em proteínas. A produção
Os genomas dos vírus RNA de sentido ne- do RNA complementar (intermediário na repli-
gativo não são traduzidos diretamente em pro- cação do genoma) envolve a transcrição completa
teínas, pois não possuem as ORFs no sentido ge- do genoma. Para isso, a replicase ignora os sinais
nômico. Ao contrário, as ORFs estão presentes na de terminação de cada gene e prossegue transcre-
fita de RNA complementar (RNA antigenômico). vendo até a extremidade 5’ da molécula molde.
A síntese das proteínas virais, portanto, requer a Nos vírus com o genoma segmentado, cada
prévia produção de mRNAs. Estes mRNAs são segmento genômico codifica um ou ocasional-
transcritos pela transcriptase/replicase viral, mente dois produtos. Cada mRNA corresponde
usando o RNA genômico como molde. Como o aproximadamente à extensão completa do res-
RNA genômico não é traduzido diretamente – e pectivo segmento genômico. Esses mRNAs pos-
assim a polimerase não é produzida no início do suem 5’ cap e são poliadenilados na extremida-
ciclo, como no grupo anterior – esses vírus neces- de 3’. Os RNAs antigenômicos – que servirão de
sitam trazer, nos vírions, as enzimas necessárias molde para a síntese de cópias de RNA genômico
para a síntese de RNA antigenômico e mRNA. – possuem uma extensão semelhante, mas não
Os vírus RNA de sentido negativo compar- possuem cap na extremidade 5’ e nem poliA na
tilham algumas características, tais como: a) os extremidade 3’.
vírions contêm cópias da enzima replicase; b)
o RNA genômico desprovido de proteínas não 3.1 Vírus com o genoma não-segmentado
é infeccioso; c) são produzidos mRNAs indivi-
duais para cada gene, ou seja, são RNAs mono-
Os membros de quatro famílias de vírus
cistrônicos; d) os mRNAs possuem 5’cap e são
possuem genoma RNA negativo não-segmenta-
poliadenilados (existem exceções); e) o genoma
do (Tabela 7.1). As famílias Paramyxoviridae, Fi-
permanece associado com proteínas durante a
loviridae, Bornaviridae e Rhabdoviridae compõem
transcrição e replicação; f) o RNA genômico de
a ordem Mononegavirales, pelas semelhanças na
vários desses vírus forma estruturas semelhantes
estrutura e organização genômica, estratégia de
a cabos de panela (panhandles), pela associação de
expressão gênica e replicação do genoma e por
seqüências complementares presentes nas extre-
midades. semelhanças estruturais e funcionais das prote-
Neste grupo são encontrados vírus com dois ínas. Uma característica marcante da replicação
tipos de organização genômica: os vírus com o desses vírus é a grande estabilidade do complexo
genoma não-segmentado, ou seja, uma molécula ribonucleoproteína (genoma + nucleoproteína,
única de RNA; e os vírus com o genoma dividido RNP). Esse complexo nunca é desfeito durante
em vários segmentos. as diferentes etapas do ciclo replicativo, ou seja,
A estratégia de expressão gênica e replica- a transcrição e a replicação ocorrem utilizando,
ção do genoma dos vírus RNA de sentido negati- como substrato (ou molde), um RNA fortemente
vo é muito similar. Cada gene origina um mRNA recoberto por múltiplas cópias da nucleoproteína
que codifica uma proteína, ou seja, são mRNAs (N ou NP). Esses vírus apresentam também um
monocistrônicos. A replicação do genoma ocorre mecanismo interessante de regulação na trans-
Replicação dos vírus RNA 177

crição dos diferentes genes, chamado de atenu- dos na Figura 7.5. Variações na extensão do geno-
ação da transcrição, o que resulta na produção ma, no número de genes e na extensão das regiões
de quantidades de proteínas de acordo com a intergênicas (IR) são encontradas nos vírus das
necessidade do vírus. Os bornavírus apresentam diferentes famílias. Porém, todos eles possuem
alguns aspectos únicos, como a transcrição e re- um grupo principal de genes em comum e a or-
plicação nuclear, splicing alternativo dos transcri- ganização genômica é muito semelhante.
tos primários policistrônicos, uso diferencial de O genoma do VSV é formado por uma mo-
sinais de início e término de transcrição. Esses lécula de RNA linear de fita simples, com apro-
aspectos os distinguem dos paramixovírus, filo- ximadamente 11 kb. Os rabdovírus, em geral,
vírus e rabdovírus. codificam um mínimo de cinco genes, na ordem
As seguir, serão abordados os principais 3’ N – P – M – G – L 5’, e o VSV codifica outras
aspectos da expressão gênica e replicação do ví- duas pequenas proteínas (C e C’) em outra fase
rus da estomatite vesicular (VSV), um membro de leitura do gene P. Nos paramixovírus, várias
da família Rhabdoviridae. Grande parte das infor- proteínas são produzidas a partir do gene P, pela
mações se aplica também aos outros membros da utilização de diferentes códons de iniciação, tra-
ordem Mononegavirales. dução de diferentes ORFs e por um mecanismo
de edição. Neste mecanismo, são adicionadas
3.1.1 Estrutura e organização uma, duas ou três guaninas (G) em um determi-
do genoma nado ponto do mRNA, resultando em mudança
de fase de leitura a partir deste local. Próximo à
A estrutura e organização do genoma de extremidade 3’, existe uma região não-codifican-
vírus representativos das três famílias que com- te, que é transcrita em um polinucleotídeo deno-
põem a ordem Mononegavirales estão apresenta- minado líder. A seqüência líder possui 47 nt (no

A
Rhabdoviridae (VSV)
(11-15kb)

N P M G L
3’ 5’

B
Paramyxoviridae
(15-16kb)
N P/C/V M F H L
3’ 5'

C
Filoviridae
(19kb)
NP VP35 VP40 GP VP30 VP24 L
3’ 5’

Figura 7.5. Estrutura e organização do genoma de três vírus representativos das famílias que compõem a ordem
Mononegavirales. A) Rhabdoviridae (vírus da estomatite vesicular, VSV); B) Paramyxoviridae (vírus da cinomose,
CDV); C) Filoviridae (vírus Ebola). O genoma consiste de uma molécula linear de RNA de polaridade negativa,
representada pelo traço contínuo. Os blocos representam os genes, com regiões intergênicas (IRs) entre eles. N ou NP):
nucleoproteína; P: fosfoproteína (C e V, produtos secundários do gene P); M (VP40): proteína da matriz; G:
glicoproteína do envelope; F: proteína de fusão; H: proteína de ligação aos receptores, hemaglutinina; L: polimerase
viral. VP35: cofator para a transcrição e replicação; VP35: cofator para a transcrição e replicação; VP30: nucleoproteína
menor; VP24: proteína do envelope. O número de genes pode variar entre os vírus de cada família.
178 Capítulo 7

VSV), não possui cap, não é poliadenilado e não é para a transcrição, que é realizada pela replicase
traduzido em proteína. Logo após, existe um sinal viral. O complexo replicase é formado pelas pro-
para o início da transcrição do primeiro gene, que teínas L e P. A transcrição se inicia na extremi-
é seguida da adição de 5’ cap no mRNA resultan- dade 3’, a partir de onde a transcriptase sinteti-
te. Entre os genes, existem as regiões intergênicas za a seqüência líder de 47 nt. Segue-se, então, a
(IR), sendo que cada uma possui um sinal para a transcrição individual e seqüencial de cada gene,
terminação da transcrição do gene anterior, uma resultando em mRNAs individuais que possuem
pequena região interveniente e um sinal para a a estrutura cap na extremidade 5’ e são poliadeni-
iniciação da transcrição do gene subseqüente (Fi- lados na extremidade 3’. A cada região intergêni-
gura 7.6). Próximo à extremidade 5’, existe uma ca, a transcriptase faz uma pausa de aproximada-
região não-traduzida, denominada trailer. Em to- mente 1 a 2 minutos e prossegue transcrevendo o
das as etapas da replicação, o genoma permanece gene seguinte. No entanto, apenas 70 a 80% das
fortemente associado com múltiplas cópias da replicases prosseguem transcrevendo o próximo
nucleoproteína N, formando o complexo ribonu- gene. As demais se dissociam do genoma e ces-
cleoproteína (RNP). sam a transcrição. Esse mecanismo de transcrição
seqüencial, acompanhado de redução do núme-
3.1.2 Transcrição ro de transcriptases que prosseguem a síntese de
RNA após cada IR, gera um gradiente de transcri-
Após a penetração e perda do envelope, o ção que é importante para a regulação da quanti-
nucleocapsídeo (RNA + proteína) serve de molde dade de mRNA produzido de cada gene. Assim,

Região intergênica – IR
Terminação Iniciação
AUACUUUUUUUGAUUGUC

UAUGA AACAG
A G
AA m7
A

Líder = 47nt IR IR IR IR
N = 1333 P = 821 M = 838 G = 1672 L = 6380
3’ 5’

AA AA AA AA AA
AA AA AA AA AA
A A A A A
L
AA
AA
A
AA
AA
AA
AA
AA
AA
A
mRNA
A A
G
AA
AA
AA
AA
AA
AA
mRNA
A A
M A

AA
AA
AA
A
mRNA
A
P AA
AA
AA
mRNA
A
N
mRNA

Figura 7.6. Organização do genoma e estratégia de transcrição do vírus da estomatite vesicular (VSV) da família
Rhabdoviridae. O genoma é representado pela linha contínua (as extremidades 3' e 5' e a seqüência líder estão
indicados). Os blocos representam os genes, com o número respectivo de nucleotídeos. Acima do genoma está
apresentada a seqüência comum das regiões intergênicas (IR), com os sinais para a terminação e início da transcrição
dos genes subseqüentes. Abaixo do genoma, estão representados os mRNAs produzidos pela transcrição seqüencial
dos genes. O número relativo de mRNAs decresce à medida que a transcrição se distancia do seu início. N)
nucleoproteína; P) fosfoproteína; M) proteína da matriz; G) glicoproteína do envelope; L) polimerase.
Replicação dos vírus RNA 179

cada gene localizado na direção 5’ do genoma é etapas iniciais do ciclo. Múltiplas cópias da prote-
transcrito por um número progressivamente me- ína N se conjugariam fortemente com o transcri-
nor de transcriptases, resultando em quantidades to líder, provocando um sinal de antiterminação,
decrescentes de mRNAs. Esse mecanismo é de- que interferiria com a capacidade da replicase de
nominado atenuação da transcrição (transcription reconhecer os sinais de terminação presentes no
attenuation). (Figura 7.6). final de cada gene, resultando na síntese de uma
molécula de RNA complementar com a extensão
do genoma (Figura 7.7). Outro modelo para a
3.1.3 Replicação do genoma troca do modo de transcrição descontínua para
a replicação sugere que dois complexos enzimá-
A replicação do genoma inicia em um de- ticos diferentes seriam responsáveis por cada um
terminado momento do ciclo, após a síntese de desses mecanismos. A fosforilação da proteína P,
quantidade suficiente de proteínas virais, prin- que faz parte do complexo, converteria o com-
cipalmente de nucleoproteína. A replicação do plexo transcriptase (que realiza a transcrição des-
genoma desses vírus ocorre em duas etapas e contínua) em complexo replicase (que realiza a
envolve a síntese de uma molécula de RNA com- transcrição contínua).
plementar com a extensão total do genoma. A O RNA antigenômico serve de molde para a
replicase não interrompe a transcrição a cada IR, síntese das cópias genômicas. Esse processo é fa-
ignorando os sinais de terminação da transcrição cilitado pela inexistência de sinais de terminação
até a extremidade 5’. Os mecanismos responsá- da transcrição neste sentido do RNA. Tanto a sín-
veis pela transição entre transcrição descontínua tese de RNA antigenômico como a de RNA ge-
(síntese de mRNAs) e transcrição contínua (sínte- nômico são seguidas pela imediata encapsidação
se de RNA complementar) não são completamen- dos RNAs recém-produzidos pela proteína N. As
te conhecidos, mas parecem ser dependentes do etapas de transcrição e replicação do genoma do
acúmulo da proteína N (e provavelmente a P) nas VSV estão ilustradas na Figura 7.7.

N P M G L
mRNA mRNA mRNA mRNA mRNA
AA AA AA AA
AA AA
AA AA AA AA
A A A A
A

RNA pol
Transcrição (1)
RNA genômico (-)
3’ 5’

Replicação (2) RNA pol


5’
RNA antigenômico (+)
5’ 3’

Replicação (3) 5’

RNA genômico (-)


3’ 5’

Figura 7.7. Etapas da transcrição e replicação do genoma do vírus da estomatite vesicular (VSV). A linha contínua
representa a molécula de RNA genômico, recoberta por múltiplas cópias da nucleoproteína. No início do ciclo
replicativo, a transcrição descontínua resulta em mRNAs individuais de cada gene (1). Em uma determinada etapa,
com o acúmulo da nucleoproteína (N), o complexo replicase realiza a síntese da molécula de RNA complementar (2),
que serve de molde para a síntese de moléculas de RNA genômico (3). Note que tanto o RNA genômico (-) quanto o
RNA antigenômico ou complementar (+) permanecem recobertos por moléculas da proteína N (ou NP) durante os
processos de transcrição e replicação. As etapas ilustradas acima são comuns aos vírus da ordem Mononegavirales.
180 Capítulo 7

3.2 Vírus com o genoma segmentado RNA, juntamente com os bornavírus. A descrição
a seguir abordará o vírus da influenza A.
O genoma do vírus da influenza A consti-
Vírus de três famílias possuem este tipo tui-se por oito segmentos de RNA de polaridade
de genoma: Orthomyxoviridae (7 ou 8 segmen- negativa, numerados de 1 a 8. Os segmentos 1 a 6
tos); Bunyaviridae (três segmentos) e Arenaviridae codificam uma proteína cada; os segmentos 7 e 8
(dois segmentos). Os ortomixovírus e a maioria codificam duas proteínas cada. Todos os segmen-
dos buniavírus possuem o genoma inteiramente tos genômicos apresentam a mesma organização
de sentido negativo, ou seja, as ORFs estão pre- geral: possuem um gene (ou mais) na região cen-
sentes no RNA complementar. O genoma dos tral, flanqueada por seqüências altamente con-
arenavírus e de alguns buniavírus possui senti- servadas nas extremidades 3’ (12 nt) e 5’ (13 nt)
do ambissense, ou seja, contém algumas ORFs no (Figura 7.8). As regiões terminais possuem sinais
sentido do RNA genômico e outras no sentido do para o início da transcrição e replicação. Cada seg-
RNA complementar. O genoma não é traduzido mento genômico encontra-se recoberto (encapsi-
diretamente, e esses vírus necessitam trazer a sua dado) por múltiplas cópias da proteína NP e está
replicase nos vírions. Por isso são classificados associado com algumas proteínas que formam o
como vírus RNA de sentido negativo. complexo polimerase-replicase. Esse complexo é
Os ortomixovírus possuem o genoma seg- formado por três proteínas principais: PB1 (poli-
mentado (influenza A e B = oito segmentos; in- merase básica 1); PB2 (polimerase básica 2) e PA
fluenza C = 7 segmentos) e replicam o genoma (polimerase ácida). O complexo RNA + proteí-
no núcleo da célula hospedeira. A replicação no nas associadas se denomina ribonucleoproteína
núcleo faz desses vírus exceções entre os vírus (RNP) e permanece estável durante a replicação.

Tradução
B. mRNA

Cap-5’---------GAGCGAAAGCAGG AAA(n)-3’
8-13nt
15-22nt

Transcrição (1)

8-13nt
Cap-5’---------GA
3’-UCGCUUUCGUCC GGAACAAAGAUGA-5’

A. RNA genômico (-)


2 Replicação 3

5’-AGCGAAAGCAGG CCUUGUUUCUACU-3’

C. RNA antigenômico (+)

Figura 7.8. Estrutura dos RNAs produzidos durante a replicação do vírus da influenza. A) RNA genômico (vRNA); B)
mRNA; C) RNA antigenômico. A transcrição para a síntese de mRNA utiliza nucleotídeos com cap subtraídos dos
mRNA celulares (1). Os mRNA apresentam uma extensão de 8-13 nt (com cap) em relação ao vRNA e os 15-22
nucleotídeos terminais são substituídos por uma cauda poliA. A primeira etapa da replicação do genoma envolve a
síntese do RNA de sentido antigenômico que é exatamente complementar ao vRNA (2). A segunda etapa da
replicação envolve a síntese do vRNA ou genômico a partir do RNA antigenômico (3). Note que os mRNAs diferem
dos RNA antigenômicos, pela presença de 8-13 nt adicionais com cap e cauda poliA.
Replicação dos vírus RNA 181

Cada segmento genômico é transcrito indi- genômico (sentido positivo) e outras estão pre-
vidualmente pelo complexo transcriptase. O pro- sentes no RNA complementar (sentido negativo).
cesso se inicia pela subtração de seqüências de 8 As ORFs que estão no sentido do genoma ocu-
a 13 nt, com cap na extremidade 5’, de mRNAs pam a metade 3’ do genoma e não são traduzidas
celulares. Essa atividade é atribuída à PB1, ou diretamente. Como o genoma não é traduzido
seja, essa enzima literalmente furta os segmentos diretamente pelos ribossomos, esses vírus neces-
iniciais de mRNAs celulares. Esses nucleotídeos sitam trazer, nos vírions, a sua enzima transcrip-
servem de primer para o início da transcrição, tase/replicase e, por isso, são classificados junta-
além de possuírem a estrutura cap, que é neces- mente com os vírus RNA de sentido negativo.
sária para a tradução dos mRNA virais. A trans- Os arenavírus possuem dois segmentos de
crição termina 15 a 22 nt antes da extremidade RNA como genoma: um segmento grande (large
5’ de cada segmento, e é seguida pela adição de = L) e outro segmento pequeno (small = S). Cada
uma cauda de poliA. Os mRNAs virais não são, um desses segmentos contém dois genes (Figura
portanto, exatamente complementares aos RNAs 7.9A). No segmento grande, o gene L possui pola-
genômicos: possuem uma extensão de 8 a 13 nt ridade negativa, ou seja, a sua ORF está presente
em sua região 5’ e não possuem os 15-22 nt termi- no RNA complementar. Para que a proteína seja
nais, sendo substituídos por uma cauda poliA. expressa, esse gene é transcrito pela polimerase
A replicação dos RNA genômicos (vRNA) viral, originando um mRNA, que é, então, tradu-
ocorre em duas etapas: síntese do RNA antige- zido (Figura 7.9B). Por outro lado, o gene Z possui
nômico (complementar) e síntese de RNA genô- polaridade positiva (a ORF está presente no RNA
mico (vRNA), utilizando o RNA antigenômico genômico do segmento L). No entanto, este gene
como molde. A síntese do RNA antigenômico não é expresso pela tradução direta do genoma.
não envolve a subtração de nucleotídeos com A sua expressão somente ocorre após a síntese do
cap de mRNA celulares; inicia-se exatamente na RNA complementar, a partir do qual o mRNA é,
extremidade 3’ do genoma e termina exatamen- então, produzido (Figura 7.9B). A expressão deste
te na extremidade 5’. Dessa forma, o RNA anti- gene segue o mesmo padrão dos genes expressos
genômico é exatamente complementar ao RNA através de mRNA subgenômicos, característicos
genômico. A transição entre a transcrição inicia- de algumas famílias de vírus RNA. No segmento
da por primer + cap para a transcrição indepen- S, o gene NP possui polaridade negativa e a sua
dente de primer + cap parece envolver complexos expressão depende da síntese de mRNA. O gene
transcriptase/replicase diferentes. O acúmulo da GP possui polaridade positiva e a sua expressão
proteína NP e alterações específicas na composi- segue o mesmo padrão do gene Z do segmento L:
ção do complexo polimerase seriam responsáveis síntese do RNA complementar e transcrição do
pela transição entre transcrição e replicação. A Fi- seu mRNA. A estratégia ambissense de codifica-
gura 7.8 apresenta a estrutura dos vRNA, mRNA ção de proteínas é encontrada ainda em vírus de
e RNAs antigenômicos produzidos durante a re- alguns gêneros da família Bunyaviridae (Tospoví-
plicação dos vírus da influenza A. rus e Phlebovírus).
A replicação do genoma segue o padrão dos
3.3 Vírus com o genoma ambissense outros vírus RNA e ocorre por intermédio de um
RNA complementar de sentido antigenômico. A
Os arenavírus e alguns buniavírus possuem diferença é que o RNA complementar serve de
genoma ambissense, ou seja, alguns genes são co- molde para a síntese do RNA genômico e tam-
dificados no sentido do RNA complementar, en- bém para a síntese do mRNA de um dos genes.
quanto outros são codificados no sentido do ge- Em resumo, os genomas ambissense possuem
noma, após a síntese de mRNA, a partir da cópia genes que são expressos de maneira semelhante
complementar de RNA. Em outras palavras, as aos genomas RNA de sentido negativo (as ORFs
ORFs de alguns genes estão presentes no RNA estão presentes no RNA complementar); e genes
182 Capítulo 7

que são expressos como nos vírus RNA de senti- 4 Vírus com RNA de fita dupla
do positivo (as ORFs estão presentes no sentido
genômico, embora não sejam traduzidas direta-
mente). São conhecidas atualmente seis famílias de
vírus que possuem RNA de fita dupla (ds RNA)
como genoma, e apenas duas abrigam vírus que
A infectam vertebrados (Reoviridae e Birnaviridae);
L Z destas, apenas a primeira possui patógenos de
3' - - 5' mamíferos. A família Reoviridae é a maior e mais
Segmento grande (L)
diversa dessas famílias, contendo importantes
patógenos animais. O genoma desses vírus é
NP GP composto por 10, 11 ou 12 segmentos de dsRNA,
3' - - 5'
dependendo do gênero. A maioria dos segmentos
Segmento pequeno (S) codifica apenas uma proteína, mas alguns podem
codificar duas. Nos segmentos duplos de RNA,
B Proteína Z apenas uma das fitas contém as ORFs codifican-
tes de proteínas. O complexo replicase é trazido
Tradução nos vírions, associado aos segmentos, e a síntese
mRNA dos mRNA virais ocorre no interior dos capsíde-
3'- -5' os semi-íntegros.

Transcrição (3)
L
4.1 Estrutura e organização do genoma
5' - - 3'
RNA complementar Z Os vírus do gênero Orthoreovirus possuem
Replicação (2) os protótipos da família Reoviridae, os reovírus
não-fusogênicos de mamíferos. O genoma desses
L Z
3' - - 5' vírus é composto por dez segmentos de dsRNA.
RNA genômico Os segmentos genômicos são denominados de
Transcrição (1) acordo com a sua migração em géis de poliacri-
mRNA lamida (SDS-PAGE): L = grandes (L1, L2, L3);
5' - - 3' M = médios (M1, M2 e M3) e S = pequenos (S1,
Tradução S2, S3 e S4). Somente os segmentos S1 e M3 ori-
Proteína L
ginam duas proteínas, o restante codifica apenas
uma. Os dez segmentos dos orthoreovírus são
lineares e possuem as extremidades livres. Em-
bora se constituam em segmentos separados,
Figura 7.9. Estrutura e expressão do genoma ambissense algumas evidências indicam que os segmentos
dos arenavírus. A) Organização dos segmentos genômicos encontram-se associados através de
genômicos L (grande) e S (pequeno) com os respectivos
genes; B) Estratégia de expressão gênica do segmento suas extremidades nas partículas víricas. Cada
grande. O gene L possui sentido negativo e a sua segmento de polaridade positiva possui uma es-
expressão depende inicialmente da transcrição e síntese trutura cap (7-M-guanina) na extremidade 5’, que
de mRNA (1). O gene Z possui sentido positivo, mas não
é expresso pela tradução direta do genoma. A sua provavelmente é adicionado por enzimas virais
expressão ocorre somente após a síntese do RNA no interior dos capsídeos. As extremidades 5’ dos
complementar (2). Este serve de molde para a transcrição segmentos de polaridade negativa possuem um
e produção do mRNA correspondente (3). Os genes NP e
GP do segmento S seguem os mesmos padrões de nucleotídeo difosfato. A cadeia codificante (e os
expressão dos genes L e Z, respectivamente. mRNAs) possuem uma região não-traduzida de
Replicação dos vírus RNA 183

Gene (nt) Proteína (aa)


Cadeia (+) L1=3854
5' 3' λ3 (1267)
3' 5' pp
Cadeia (-)
L2=3916
λ2 (1269)

L3=3901
λ1 (1275)

M1=2304
μ2 (736)

M2=2203
μ1 (708)

M3=2241
μNS (721) + μNSC (681)

S1=1416
δ1 (455) + δ1s (120)

S2=1331
δ2 (418)

S3=1198
δNS (366)

S4=1196
δ3 (365)

Figura 7.10. Organização do genoma dos vírus do gênero Orthoreovirus da família Reoviridae. O genoma é composto
por 10 segmentos de RNA de fita dupla, sendo que apenas uma das cadeias é codificante (sentido positivo). No
segmento L1, são mostradas as duas cadeias, os demais mostram apenas a cadeia codificante. Os diferentes segmentos
apresentam uma organização semelhante, possuindo uma ORF central flanqueada por pequenas regiões não-
traduzidas nas extremidades 5' e 3'. A nomenclatura e número de aminoácidos de cada proteína estão apresentados à
direita. Note que oito segmentos codificam apenas uma proteína cada; os segmentos M3 e S1 codificam dois produtos
cada.

12 a 32 nt próxima à extremidade 5’ e outra re- dividuais são exatamente complementares aos


gião não-traduzida de 35 a 73 nt na extremidade RNA moldes: possuem 5’ cap e não são poliade-
3’, intercaladas por ORFs que possuem entre 365 nilados. Por isso servem tanto para a tradução
e 1.289 nt (Figura 7.10). Essas regiões não-codifi- como de molde para a síntese do RNA comple-
cantes possuem sítios regulatórios da transcrição mentar (Figura 7.11). Os mRNAs tardios, produ-
e tradução. zidos após a replicação do genoma, constituem
uma exceção por não receberem cap na extremi-
4.2 Transcrição dade 5’. Os mRNAs são rapidamente exportados
dos capsídeos e ganham acesso ao citoplasma
A transcrição inicial ocorre ainda no interior para serem traduzidos. Em fases adiantadas do
dos capsídeos, logo após a penetração dos vírions ciclo, já no interior de capsídeos recém-formados,
no citoplasma da célula hospedeira, e apenas as ocorre um novo ciclo de transcrição com a produ-
cadeias negativas são transcritas. Os mRNAs in- ção de mais mRNA.
184 Capítulo 7

4.3 Replicação do genoma diretamente. A replicação também não ocorre


por meio de um intermediário RNA, como nos
outros vírus RNA. Ao contrário, a replicação do
A segunda etapa da replicação, a síntese das
genoma ocorre por meio de um intermediário
cadeias negativas, ocorre já em capsídeos pré-for-
DNA. Parte das etapas de replicação do genoma
mados no citoplasma da célula hospedeira, em
ocorre no citoplasma e parte ocorre no núcleo da
um local chamado de viroplasma, que constitui
célula hospedeira. Resumindo, as principais pe-
uma fábrica de vírus dentro da célula hospedei-
culiaridades do genoma e da replicação desses
ra. Para que isso ocorra, as proteínas que formam
vírus são: a) o seu genoma é diplóide, ou seja, é
os capsídeos já são produzidas em etapas iniciais composto por duas moléculas idênticas de RNA;
do ciclo replicativo. Cada segmento de RNA (+) b) o RNA genômico possui polaridade positiva,
serve de molde para a síntese da cadeia comple- porém não é traduzido em proteínas; c) a repli-
mentar (-), que permanece pareada com o mol- cação do genoma ocorre por meio da síntese de
de, restabelecendo, assim, a molécula genômica um intermediário DNA (provírus), que é incor-
dsRNA. A síntese da cadeia negativa se inicia na
extremidade 3’ da molécula molde e prossegue
até a extremidade 5’. Por isso, as cadeias positi-
Genoma
vas e negativas são exatamente complementares
.gag pol env
(Figura 7.11). Cap R U5 U3 R AAAA RNA

Transcrição reversa (1)


Genoma (ds) Provírus
RNA (+)
.gag pol env
5' 3' U3 R U5 U3 R U5 DNA
3' 5'
RNA (-)
Transcrição (1) Integração (2)
Provírus Integrado
mRNA (+) DNA
5' 3' DNA .gag pol env DNA
celular U3 R U5 U3 R U5 celular

Tradução (2) Replicação (3)


Transcrição (3)
RNA (+) Genoma
5' 3'
3' 5' .gag pol env
Proteína RNA (-) Cap R U5 U3 R AAAA RNA
Genoma (ds)

Figura 7.12. Ilustração da estrutura e etapas da replicação


Figura 7.11. Etapas da expressão gênica e replicação dos do genoma dos retrovírus. O genoma é constituído por
vírus RNA de fita dupla. A fita negativa do genoma é
uma molécula de RNA de fita simples de 7 a 10 kb com
transcrita, originando RNAs de sentido positivo
exatamente complementares (1). Estes RNAs podem ser 5'cap e poliA. Próximo às extremidades, o genoma
traduzidos em proteínas (2) e também servem de molde possui duas regiões repetidas R (5' e 3') e duas regiões
para a síntese da molécula de sentido negativo (3), únicas (U5 e U3). Entre essas regiões, localizam-se as
restabelecendo a molécula genômica de dsRNA. seqüências codificantes: genes gag, pol e env. A primeira
etapa da replicação é síntese do provírus DNA
(molécula de DNA de fita dupla correspondente ao
5 Retrovírus genoma) pela enzima viral transcriptase reversa (1). O
provírus contém as regiões U3 e U5 duplicadas nas
Os retrovírus apresentam uma estratégia extremidades opostas e é integrado aos cromossomos
peculiar de replicação do genoma que difere dos celulares pela ação da enzima viral integrase (2). Após a
demais vírus RNA (Figura 7.12). Embora esses integração, o provírus é transcrito pela RNA polimerase
II celular (3) originando mRNAs idênticos ao genoma.
vírus codifiquem as suas proteínas no sentido do
Estes mRNAs servem para a tradução em proteínas e
genoma (por isso são considerados vírus RNA também constituem o RNA genômico para serem
de sentido positivo), o genoma não é traduzido encapsidados na progênie viral.
Replicação dos vírus RNA 185

porado aos cromossomos celulares; d) o provírus CAI, Z. et al. Robust production of infectious hepatitis C virus
(HCV) from stably HCV cDNA-transfected human hepatoma
integrado é transcrito, originando mRNAs para a
cells. Journal of Virology, v.79, p.13963-13973, 2005.
síntese protéica e para serem incorporados como
genoma na progênie viral; e) as etapas iniciais da CHANDRAN, K. et al. Complete in vitro assembly of the reovirus
replicação do genoma ocorrem no citoplasma e outer capsid produces highly infectious particles suitable for
genetic studies of the receptor-binding protein. Journal of
são mediadas por enzimas virais (transcritase re-
Virology, v.75, p.5335-5342, 2001.
versa); f) as etapas seguintes ocorrem no núcleo
e são mediadas por enzimas virais (integração = CHANOCK, R.M.; MURPHY, B.R.; COLLINS, P.L. Parainfluenza
viruses. In: KNIPE, D.M.; HOWLEY, P.M. (eds). Fields virology.
integrase, IN) e celulares (transcrição = RNA pol
4.ed. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins, 2001.
II celular); g) o genoma dos retrovírus é o único Cap.42, p.1341-1379.
genoma viral sintetizado exclusivamente por en-
zimas e fatores celulares. Por isso, a sua estrutu- CLYDE, K.; HARRIS, E. RNA secondary structure in the
coding region of dengue virus type 2 directs translation start
ra é idêntica aos mRNA celulares: possui cap na
codon selection and is required for viral replication. Journal of
extremidade 5’ e é poliadenilado na extremidade Virology, v.80, p.2170-2182, 2006.
3’. As principais etapas da replicação do genoma
CORVER, J. et al. Fine mapping of a cis-acting sequence element
dos retrovírus e a estrutura das moléculas inter-
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mediárias estão ilustradas na Figura 7.12. Maio- and cyclization. Journal of Virology, v.77, p.2265-2270, 2003.
res detalhes sobre a expressão gênica e replicação
DEVANEY, M.A. et al. Leader protein of foot-and-mouth disease
do genoma podem ser encontrados no Capítulo
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186 Capítulo 7

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Replicação dos vírus RNA 187

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PATOGENIA DAS INFECÇÕES VÍRICAS
Eduardo Furtado Flores1 8
1 Introdução 191

1.1 Conceitos básicos 191

2 Patologia em nível celular 193

2.1 Interações dos vírus com as células 193


2.2 Efeitos da replicação viral nas células hospedeiras 196
2.3 Apoptose por vírus 196

3 Patogenia em nível de hospedeiro 197

3.1 Penetração e replicação primária 197


3.1.1 Pele e mucosas superficiais 197
3.1.2 Trato respiratório 199
3.1.3 Orofaringe e trato digestivo 200
3.1.4 Mucosa urogenital 201

3.2 Infecções localizadas versus infecções disseminadas (ou sistêmicas) 202


3.2.1 Disseminação local 202
3.2.2 Disseminação hematógena 202
3.2.3.Disseminação nervosa 207

3.3 Localização das infecções 209


3.3.1 Infecções em órgãos e sistemas específicos 209
3.3.2 Infecções da pele e tegumento 211
3.3.3 Infecções do trato respiratório 212
3.3.4 Infecções do trato digestivo 213
3.3.5 Infecções do sistema nervoso central 215
3.3.6 Infecções do sistema linforreticular e hematopoiético 217
3.3.7 Infecção fetal 218

4 Padrões principais de infecção 220

4.1 Infecções agudas 221

1
Colaboraram em seções específicas: Janice Ciacci Zanella (Apoptose por vírus); Luiz Carlos Kreutz
(Padrões principais de infecção) e Mariana Sá e Silva (Imunopatologia em infecções víricas).
4.2 Infecções persistentes (ou crônicas) 212
4.2.1 Infecções latentes 222
4.2.2 Infecções persistentes ou crônicas 222
4.2.3 Infecções persistentes temporárias 223

4.3 Mecanismos envolvidos na manutenção das infecções persistentes 225


4.3.1 Restrição do efeito citopatogênico 225
4.3.2 Infecção de células semipermissivas 225
4.3.3 Infecção de um pequeno número de células 226
4.3.4 Manutenção do genoma viral nas células hospedeiras 226
4.3.5 Evasão da resposta imune do hospedeiro 226

5 Oncogênese por vírus 226

5.1 Oncogênese por retrovírus 226


5.2 Pequenos vírus DNA tumorigênicos 227

6 Imunopatologia em infecções víricas 228

6.1 Imunopatologia mediada por imunocomplexos 229


6.2 Imunopatologia mediada por linfócitos T citotóxicos 230
6.3 Imunopatologia por indução de auto-imunidade 230

7 Imunossupressão por vírus 230

7.1 Replicação viral em células envolvidas na resposta imunológica 231


7.2 Imunossupressão associada com a ativação do sistema imune 232
7.3 Produtos de monócitos e linfócitos ativados 232
7.4 Proteínas virais 232

8 Bibliografia consultada 234


1 Introdução ção e até morte celular. Outras vezes, produtos da
replicação viral podem ser tóxicos para a célula
O termo patogenia – ou patogênese –, apli- hospedeira. Essas alterações estão freqüentemen-
cado às infecções víricas, refere-se ao conjunto te envolvidas na origem de processos patológicos
de mecanismos pelos quais os vírus produzem observados no organismo. Uma infecção pode re-
doença em seus hospedeiros (pato = doença, gê- sultar em absoluta ausência de efeitos deletérios
nese = origem, produção). A definição de doen- sobre as células e, conseqüentemente, na ausên-
ça como sendo qualquer manifestação resultante cia de manifestações clínicas; ou pode resultar em
de alterações da fisiologia do organismo abrange efeitos celulares graves, acompanhados de sinais
um leque muito amplo de condições. Manifesta- clínicos severos e morte do hospedeiro.
ções patológicas incluem desde aumentos leves No hospedeiro, a complexidade de intera-
da temperatura corporal, alterações de ânimo e ções que pode – ou não – resultar em doença é
apetite, até condições severas que, eventualmen- muito maior, e é ainda acrescida da participação
te, resultam na morte do hospedeiro. Na maioria dos componentes celulares e humorais da res-
das doenças, a patogenia é multifatorial, resul- posta imunológica e de outros sistemas encar-
tante da alteração de fatores endógenos ou exó- regados de manter a homeostasia e integridade
genos, raramente determinadas por um fator úni- do organismo. Ao contrário do que se imagina, a
co. Com as infecções víricas não é diferente, pois ocorrência de doença clínica em infecções víricas
as conseqüências dependem das interações entre é um evento pouco freqüente, considerando-se a
inúmeros fatores do agente e do hospedeiro. totalidade das infecções. Ou seja, a maioria das
Grande parte dos sinais clínicos observados infecções por vírus não resulta em alterações or-
nas doenças víricas é conseqüência da resposta gânicas que se manifestem com sinais perceptí-
do hospedeiro à injúria celular e tecidual. Por sua veis clinicamente. A ocorrência ou não de doença
vez, essa injúria pode resultar de efeitos diretos em uma determinada infecção vírica depende da
ou indiretos da replicação viral ou pode, ainda, interação entre inúmeros fatores do agente e do
ser conseqüência da resposta imune do hospe- hospedeiro, na qual os mecanismos imunológi-
deiro contra as células infectadas. De fato, a pa- cos, destinados a manter a integridade e funcio-
togenia de várias doenças víricas está mais inti- nalidade do organismo, desempenham um papel
mamente ligada aos mecanismos imunológicos fundamental. A Figura 8.1 ilustra esquematica-
do hospedeiro do que às conseqüências diretas mente a relação entre infecção e doença em nível
da replicação viral nos tecidos. Em resumo, a pa- celular e de hospedeiro, com as conseqüências
togenia das infecções víricas é determinada pela derivadas da replicação nos diferentes níveis.
combinação entre os efeitos diretos e indiretos da
replicação viral e as respostas do hospedeiro à in- 1.1 Conceitos básicos
fecção.
Os mecanismos pelos quais os vírus pro- O termo patogenicidade se refere à capaci-
duzem doenças em seus hospedeiros podem ser dade de um determinado agente produzir do-
examinados em diferentes níveis. As células são ença no hospedeiro. Vírus altamente patogêni-
as unidades fundamentais do organismo, nas cos são aqueles capazes de produzir doença em
quais os vírus se multiplicam. Por isso, as células uma grande parcela dos hospedeiros infectados.
se constituem nos locais de origem dos eventos Como a patogenia das infecções depende tam-
ligados à infecção vírica que podem resultar em bém das reações do organismo, a patogenicidade
doença. A replicação dos vírus, muitas vezes, in- de um vírus é modulada por suas interações com
terfere com mecanismos fisiológicos essenciais o hospedeiro. O termo virulência, muitas vezes
da célula hospedeira, alterando as suas funções utilizado como sinônimo de patogenicidade, se
em benefício da replicação viral. A alteração de refere ao nível de severidade da doença causa-
processos celulares envolvidos na biossíntese de da por um agente. Os vírus altamente virulentos
macromoléculas e na manutenção da homeostase causam doença grave; enquanto vírus avirulen-
celular, por exemplo, podem resultar em disfun- tos ou pouco virulentos (atenuados) não causam
192 Capítulo 8

PERCEPTÍVEIS VISUALMENTE

Efeito em nível celular Efeito no hospedeiro

DOENÇA CLÍNICA
Lise celular Morte do hospedeiro

Doença clássica e severa


Disfunção celular,
efeito citopático ou
transformação celular
Doença leve ou moderada

INFECÇÃO SUBCLÍNICA
IMPERCEPTÍVEIS

Replicação viral sem Infecção sem sinais


VISUALMENTE

alterações celulares visíveis, clínicos (assintomática)


ou danos teciduais restritos

Exposição sem Exposição sem infecção


infecção

Conceito iceberg das infecções

Figura 8.1. O conceito iceberg das infecções víricas. Note que a maioria das infecções víricas não resulta em efeitos
perceptíveis em nível de hospedeiro. As manifestações clínicas, quando ocorrem, constituem-se em reflexos da
disfunção e patologia em nível celular e tecidual.

doença, ou causam doença leve, respectivamen- e/ou hospedeiro. Muitos genes virais podem se
te. A virulência de um vírus pode ser medida de enquadrar em mais de uma classe, afetando a vi-
várias formas, incluindo o percentual de animais rulência de mais de uma forma.
que adoece ou morre após inoculação experimen- A identificação dos genes envolvidos na de-
tal, grau de severidade dos sinais clínicos, nível e terminação da virulência dos vírus de importân-
intensidade de alterações histológicas, entre ou- cia em saúde humana e animal é um dos maiores
tras. desafios da Virologia, pois pode permitir a mani-
A virulência dos vírus é determinada gene- pulação genética desses agentes com fins vacinais
ticamente e pode variar entre isolados de uma e/ou terapêuticos. No entanto, essa nem sempre
mesma espécie viral. No entanto, fatores do hos- é uma tarefa fácil, pela complexidade das intera-
pedeiro podem interferir com e modular a viru- ções vírus-célula, falta de sistemas apropriados
lência desses agentes. Embora em alguns vírus a ou modelos animais adequados e pela dificulda-
virulência possa ser mapeada em um ou poucos de de se estudar virulência em cultivos celulares.
genes, para a maioria dos vírus essa é uma carac- O termo susceptibilidade se refere às condi-
terística multifatorial. Em geral, os genes virais ções oferecidas pelo hospedeiro para a ocorrência
envolvidos na virulência podem ser divididos em da infecção e doença. Por outro lado, resistência é
quatro classes: a) genes cujos produtos afetam a a oposição oferecida pelo hospedeiro à instalação
capacidade replicativa do vírus; b) produtos gê- da infecção. A susceptibilidade e resistência de
nicos que influenciam a capacidade do vírus se um hospedeiro a um vírus são determinadas ge-
disseminar no hospedeiro; c) produtos virais que neticamente e podem variar entre indivíduos de
se contrapõem à resposta imunológica do hospe- uma mesma espécie, de acordo com fatores como:
deiro e d) produtos virais tóxicos para a célula raça, idade, sexo, condição corporal, estado fisio-
Patogenia das infecções víricas 193

lógico etc. A resistência à infecção pode ser de- nes virais na célula hospedeira ou por alterações
vida a mecanismos naturais (resistência natural nas funções de genes celulares encarregados do
ou inata) ou adquiridos (resistência adquirida). O controle do ciclo celular.
termo imunidade é muito utilizado para designar
a resistência, principalmente a resistência adqui- 2.1 Interações dos vírus com as células
rida. O termo refratariedade se refere a um grau de
resistência absoluta a um determinado agente, e A maioria das alterações da fisiologia celu-
é uma característica da espécie animal, e não do lar resultantes da replicação viral se deve a efei-
indivíduo. tos secundários das interações entre os produtos
O tropismo é a predileção de um vírus por virais e componentes celulares; interações estas
determinadas células ou tecidos e pode ser de- que são necessárias para a multiplicação dos ví-
terminado por uma variedade de fatores celula- rus. Os efeitos tóxicos específicos de alguns pro-
res que são necessários para a replicação viral. O dutos virais e o acúmulo excessivo de proteínas
principal fator determinante do tropismo e que e ácidos nucléicos virais também podem levar à
possui influência direta no padrão de distribui- injúria celular.
ção e localização das infecções é a presença de As interações que resultam em alteração na
receptores específicos para o vírus. Maiores de- fisiologia celular podem ocorrer em qualquer eta-
talhes sobre os mecanismos envolvidos com o pa do ciclo replicativo. A penetração dos adeno-
tropismo celular dos vírus serão abordados ao vírus em células de cultivo é acompanhada por
longo do texto. despreendimento das células da superfície de
contato. Esse evento deve-se à ligação da proteí-
2 Patologia em nível celular na penton dos vírions às moléculas de integrinas
da membrana das células. Essa ligação altera as
A compreensão da patogenia das doenças interações das integrinas com outras proteínas da
víricas depende do conhecimento dos mecanis- membrana celular, necessárias para a aderência
mos envolvidos em diferentes níveis. Os vírus das células à superfície do frasco. A proteína M2
necessitam das macromoléculas e de processos dos vírus da influenza produz canais iônicos na
biossintéticos da célula hospedeira para se mul- membrana dos endossomos durante o processo
tiplicar. As interações entre o vírus e os compo- de internalização do vírus, através dos quais pró-
nentes celulares são complexas e, muitas vezes, tons H+ penetram para o interior das vesículas
resultam em alterações da fisiologia celular, po- endossômicas, acidificando o pH e facilitando o
dendo levar à injúria e até mesmo à morte da processo de fusão/penetração e desnudamento
célula. As patologias celulares associadas com a do nucleocapsídeo. No entanto, as possíveis con-
replicação viral se constituem em um dos princi- seqüências desse evento, para a fisiologia celular,
pais mecanismos de produção das doenças. Em são desconhecidas.
nível celular, as infecções víricas podem resul- Alguns vírus interferem com os mecanis-
tar em uma variedade de condições, a saber: a) mos de transcrição, processamento (splicing) e
infecção não-produtiva, com bloqueio em uma transporte de RNA mensageiros (mRNA) celula-
das etapas intracelulares da replicação, seguida res, estratégias que visam a favorecer a tradução
ou não de injúria e morte celular; b) estabeleci- dos mRNA virais. Os adenovírus e herpesvírus
mento de infecção latente, com limitada expres- inibem a maturação e a exportação de mRNA ce-
são gênica viral e persistência do genoma viral lulares para o citoplasma; os vírus da influenza
na célula hospedeira; c) infecção produtiva, com provocam a clivagem de mRNA celulares para
produção de progênie viral infecciosa, acompa- utilizar a extremidade 5’ com cap para os seus
nhada de patologia ou morte celular; d) infecção mRNA. Produtos dos vírus da influenza, her-
produtiva persistente, em que a célula sobrevive pesvírus e poxvírus promovem a degradação de
e segue produzindo vírus em níveis baixos por mRNA celulares (Tabela 8.1).
longos períodos e, até mesmo, indefinidamente; Outros vírus alteram a especificidade ou
f) oncogênese, seja pela incorporação de oncoge- subvertem a maquinaria celular de tradução
194 Capítulo 8

Tabela 8.1. Proteínas virais responsáveis por efeitos específicos sobre mecanismos e estruturas das células
hospedeiras

Vírus Proteína(s) Efeito Alvo


pro
2A Inibição da tradução cap-dependente elF-4G

2A, 3A Inibição do tráfego protéico RER-Golgi Desconhecido

Poliovírus Proliferação de vesículas


2B, 2C Desconhecido
membranosas

Desconhecida Alteração do mecanismo da MAP4 MAP4

3C Inibição da transcrição Tbp, Complexo Tfflc

Aumento da permeabilidade da membrana


Vírus Sindbis Desconhecida Na, K-ATPase?
plasmática

Paramixovírus F Fusão entre células – formação de sincícios Membrana plasmática

Bloqueio na acumulação de mRNAs Proteína celular envolvida


E1B-55K, E4-34K
celulares no citoplasma no transporte de mRNA
Adenovírus

Desconhecida Inibição da tradução cap-dependente elF-4E

Produto do gene
Herpesvírus Desmontagem dos polissomas mRNA celular
vhs (ribonuclease)

Vírus do herpes Inibição do transporte e


simplex ICP 27 Desconhecido
processamento de mRNA celular

Vários vírus Desconhecida Despolimerização do citoesqueleto Filamentos de actina.

Fonte: adaptada de Flint et al. (2000).

para a produção de suas proteínas, em detrimen- Por outro lado, alguns vírus (poliomavírus,
to das proteínas celulares. A inibição da tradu- papilomavírus e adenovírus) estimulam as célu-
ção de mRNA celulares, e não de mRNA virais, las a entrar em fase S, com ativação da síntese de
é uma forma de subversão utilizada pelos vírus DNA e subseqüente divisão celular. Essa estra-
para favorecer a síntese de suas proteínas. Esses tégia tem por fim estimular a célula a fornecer
mecanismos são utilizados por vários vírus, in- condições e componentes (nucleotídeos, enzimas
cluindo o vírus da estomatite vesicular (VSV), replicativas e fatores de replicação) necessários à
o poliovírus, o vírus da febre aftosa (FMDV), os replicação do genoma viral. Como conseqüência,
a célula hospedeira passa a oferecer as condições
adenovírus, entre outros. Essa interferência pode
necessárias à replicação viral. Essa interferência
ter efeitos deletérios para a célula hospedeira,
com a regulação do ciclo celular, algumas vezes,
que tem a sua síntese protéica reduzida ou mes-
pode levar à transformação tumoral dessas célu-
mo suprimida.
las.
A inibição da síntese de DNA celular é ou-
A apoptose – ou morte celular programada
tro mecanismo utilizado por vírus RNA e DNA – é um mecanismo de morte celular em resposta a
durante a sua replicação. Essa inibição pode pro- vários estímulos, inclusive infecções víricas. Tem
porcionar uma disponibilidade maior de precur- sido demonstrado que vários vírus são capazes
sores (nucleotídeos), proteínas e estruturas celu- de desencadear a cascata de reações que leva à
lares para a síntese dos ácidos nucléicos virais e apoptose da célula hospedeira. Por outro lado,
replicação do genoma. É possível também que a vários vírus possuem produtos que inibem ou
inibição da síntese de DNA celular, em alguns ca- retardam a apoptose, prolongando, assim, a vida
sos, seja uma mera conseqüência da inibição da da célula e permitindo a conclusão do seu ciclo
síntese protéica da célula hospedeira pelo vírus. replicativo.
Patogenia das infecções víricas 195

Proteínas virais podem também interferir A replicação de alguns vírus resulta na for-
com mecanismos celulares de modificação, locali- mação de estruturas com morfologia mais ou me-
zação e maturação de proteínas, podendo resultar nos definidas no citoplasma ou no núcleo da cé-
em citopatologia. As glicoproteínas do envelope, lula infectada. Essas estruturas são denominadas
em especial, são alvos de extensivas modificações genericamente “corpúsculos de inclusão” e são
pós-tradução, maturação e transporte por meca- formadas pelo acúmulo de complexos de trans-
nismos celulares, e a sua abundância pode inter- crição e replicação, produtos intermediários da
ferir com os processos celulares de processamen- replicação, proteínas estruturais e não-estrutu-
to de proteínas endógenas. rais, capsídeos, nucleocapsídeos e vírions em de-
A alteração da estrutura de membranas ce- terminados locais da célula. A localização dos cor-
lulares, resultando em fusão e/ou alteração da púsculos de inclusão reflete o local de replicação
permeabilidade, também são efeitos da replica- do respectivo vírus. Os corpúsculos de Negri são
ção de vários vírus. Diversos vírus com envelope formados no citoplasma de neurônios infectados
possuem glicoproteínas que são necessárias para pelo vírus da raiva; os corpúsculos citoplasmáti-
promover a fusão do envelope com a membra- cos de Lenz são característicos da infecção pelo
na celular, permitindo a sua penetração na célu- CDV. A replicação dos reovírus é acompanhada
la hospedeira. A expressão dessas proteínas em da formação de grandes estruturas citoplasmáti-
células infectadas pode resultar em fusão entre cas denominadas virossomos, que podem ocupar
células vizinhas, resultando na formação de mas- grande parte do citoplasma. Os virossomos são
sas citoplasmáticas multinucleadas denominadas os locais de acúmulo de ácidos nucléicos e pro-
sincícios. A fusão entre células vizinhas também teínas virais e onde ocorrem os mecanismos de
é possível pela ação direta das glicoproteínas vi- replicação do genoma e montagem das partículas
rais no processo de penetração. A fusão celular é víricas. A replicação dos herpesvírus neuropa-
uma forma de citopatologia produzida por vírus, togênicos (herpesvírus bovino tipo 5 [BoHV-5],
mas também pode ser considerada uma forma de vírus da doença de Aujeszky [PRV]) resulta na
disseminação do vírus entre células. formação de corpúsculos nucleares em neurônios
Os produtos de alguns vírus produzem um do sistema nervoso central (SNC). A presença de
aumento na permeabilidade da membrana plas- corpúsculos de inclusão tem sido utilizada no
mática da célula infectada. Em decorrência disso, diagnóstico histopatológico de algumas viroses,
o aumento da concentração de íons sódio na cé- pela facilidade de observação e pelas suas carac-
lula pode favorecer a tradução de mRNA virais. terísticas tintoriais (podem ser basofílicos ou aci-
Então, para alguns vírus, o aumento da permea- dofílicos).
bilidade da membrana pode favorecer a síntese Pelo exposto, fica evidente que as interações
preferencial de proteínas virais. entre os produtos virais e os componentes celu-
A infecção por diversos vírus pode provo- lares, durante o ciclo replicativo dos vírus, são
car a desorganização ou mesmo a ruptura do ci- extremamente complexas e podem resultar em
toesqueleto da célula hospedeira. Uma redução uma variedade de alterações da fisiologia celular.
na quantidade de filamentos de actina tem sido Grande parte dessas alterações foi investigada e
observada na infecção por vários vírus, incluindo caracterizada em células de cultivo. Conseqüen-
o vírus do herpes simplex humano (HSV), vírus temente as informações provenientes desses estu-
da cinomose (CDV) e VSV, entre outros. As con- dos devem ser analisadas com cautela. Não obs-
seqüências da desorganização do citoesqueleto tante, é possível que grande parte das alterações
não são bem claras, mas provavelmente possuem observadas in vitro ocorra também in vivo. É pro-
relação com algumas alterações morfológicas ob- vável também que as interações entre os vírus e
servadas em células infectadas. É provável que as as células hospedeiras sejam ainda mais comple-
alterações na estrutura e função do citoesqueleto xas no animal, pela participação de componentes
sejam efeitos secundários da replicação viral e da orgânicos ausentes nos frascos de cultivo. Nesse
interferência do vírus com outras funções celu- sentido, os componentes celulares e humorais do
lares. sistema imunológico (citocinas e anticorpos) de
196 Capítulo 8

outros sistemas de defesa – e também do sistema das possuem vida curta e eventualmente sofrem
endócrino do hospedeiro – certamente possuem lise. A formação de vacúolos é outro tipo de ECP
participação importante nas interações dos hos- produzido por vírus que replicam no citoplasma.
pedeiros com esses agentes invasores. Exemplos Corpúsculos de inclusão citoplasmáticos ou nuclea-
de proteínas virais que interferem com mecanis- res também são formados como resultado da re-
mos específicos das células hospedeiras estão plicação de alguns vírus e podem ser observados
apresentados na Tabela 8.1. sob microscopia ótica.
Embora a lise celular seja o mecanismo mais
2.2 Efeitos da replicação viral nas atraente e fácil para explicar as patologias induzi-
células hospedeiras das pelos vírus nos seus hospedeiros, certamente
não se constitui no único mecanismo responsável
A replicação dos vírus nas células hospedei- pela produção das doenças. Vírus não citolíticos
ras freqüentemente resulta em alterações na fisio- também podem causar patologias severas e até
logia celular, tanto pela interferência com proces- a morte do hospedeiro. Nesse sentido, é prová-
sos metabólicos e estruturas celulares quanto pela vel que outras formas de citopatologia – que não
ação tóxica de produtos da replicação viral. Em necessariamente a lise celular – também possam
particular, a interferência com a síntese de macro- ser responsáveis por patologias observadas em
moléculas pode afetar negativamente a fisiologia animais doentes. Acredita-se que grande parte
celular e, freqüentemente, resulta em patologia. das patologias observadas em doenças causadas
Essas alterações podem ser detectadas visual ou por vírus não-citopáticos sejam conseqüências da
bioquimicamente e tem sido mais caracterizadas resposta imune do hospedeiro.
em células de cultivo. As alterações morfológicas,
associadas com a replicação de vírus em células 2.3 Apoptose por vírus
de cultivo, são denominadas coletivamente de
efeito citopático ou citopatogênico (ECP). Apoptose ou morte celular programada é
Como cada grupo de vírus pode afetar fun- um processo bioquímico que funciona como uma
ções e mecanismos celulares diferentes, o tipo de cascata que leva a morte ou “suicídio celular”.
ECP produzido também é característico de cada Esse mecanismo ocorre naturalmente durante o
espécie ou grupo de vírus. A patologia mais ex- desenvolvimento embrionário e fetal, manuten-
trema é a lise ou destruição celular, e os vírus que ção da imunidade e da homeostase em organis-
a induzem são denominados citolíticos. A lise mos multinucleados. Muitos vírus interferem
celular é caracterizada pela morte e desintegra- no processo de apoptose da célula hospedeira,
ção celular, freqüentemente devida à absorção alterando reações e componentes-chave desse
excessiva de líquido extracelular. Alguns vírus processo. Produtos de diferentes vírus promo-
produzem alterações morfológicas, como cito- vem ou inibem a apoptose através de diversos
megalia ou arredondamento celular. A citomegalia mecanismos de ação. É óbvio que os vírus se be-
pode ser devida à absorção de líquido, enquanto neficiam ao evitar a apoptose, pois isso permite a
o arredondamento é geralmente conseqüência sobrevivência da célula até que o ciclo replicativo
de alterações na estrutura e função das fibras do seja concluído. Porém, em alguns casos, a ocor-
citoesqueleto. Alterações no citoesqueleto tam- rência de apoptose é vantajosa para o vírus. Em
bém resultam em desprendimento das células do tais casos, a formação de corpos apoptóticos, con-
substrato, efeito que pode ocorrer em estágios tendo vírus, resulta em fagocitose dessas estrutu-
avançados de patologia celular, por mecanismos ras e liberação do vírus no fluido extracelular, o
diversos. Os vírus que possuem glicoproteínas que favorece a sua disseminação.
fusogênicas no envelope promovem fusão celu- Os adenovírus, vírus da peste suína africana
lar, com a formação de células gigantes multinu- (ASFV), vírus da anemia infecciosa das galinhas
leadas, denominadas sincícios. Células fusiona- (CAV) e os vírus da peste suína clássica (CSFV)
Patogenia das infecções víricas 197

são exemplos de vírus que produzem proteínas 3.1 Penetração e replicação primária
indutoras da apoptose. Proteínas que inibem a
apoptose também são produzidas pelos adenoví- O estabelecimento da infecção no hospedei-
rus e ASFV e pelos vírus da vaccinia, herpesví- ro depende da penetração e replicação do vírus
rus bovino tipo-4 (BoHV-4), herpesvírus eqüino em células próximas aos locais de entrada. Essa
(EHV), vírus da doença de Marek, dentre outros. replicação – denominada primária – é necessária
para a amplificação do agente, de modo a supe-
rar as barreiras impostas pela resposta inata do
3 Patogenia em nível de hospedeiro hospedeiro. A replicação primária geralmente
ocorre no próprio local de penetração, em tecidos
O resultado de uma infecção vírica de hos- próximos ou nos linfonodos regionais. Em geral,
pedeiro depende de vários fatores, a saber: a) ca- os vírus podem utilizar mais de uma via para pe-
pacidade de o vírus penetrar em um hospedeiro netrar nos seus hospedeiros. As principais vias de
susceptível pela via adequada; b) realizar uma penetração de vírus nos animais serão apresenta-
replicação primária em tecidos próximos ao local das a seguir e estão ilustradas na Figura 8.2.
de entrada; c) escapar dos mecanismos naturais
de defesa do organismo; d) disseminar-se para os
3.1.1 Pele e mucosas superficiais
tecidos e órgãos-alvo; e) replicar eficientemente
nesses tecidos e f) produzir ou não injúria tecidu-
al (provocar patologia). Embora os vírus apresen- A pele se constitui em uma importante bar-
tem uma diversidade muito grande e participem reira para a penetração de vírus, pois a sua ca-
de interações de especificidade e complexidade mada externa é formada por células mortas e
diferentes com os seus hospedeiros, algumas eta- não suporta a replicação viral. Além disso, a sua
pas da patogenia parecem ser comuns à maioria superfície é seca, levemente ácida e possui uma
das infecções víricas. A seguir, serão abordadas flora bacteriana permanente/residente que atua
essas etapas. como uma barreira natural. No entanto, solu-

Mucosa
conjuntival
Pele
Mucosa
respiratória

Mucosa
Mucosa orofaríngea
urogenital

Mucosa
intestinal

Fonte: www.bakerinstitute.vet.cornell.edu.

Figura 8.2. Vias de penetração de vírus em seus hospedeiros.


198 Capítulo 8

ções de continuidade – mesmo imperceptíveis vírus, buniavírus, alguns rabdovírus e orbivírus)


– provocadas por abrasões, pequenas incisões ou ou por procedimentos iatrogênicos (retrovírus e
puncturas podem permitir a penetração e insta- hepadnavírus) podem alcançar as camadas mais
lação de vários vírus. Dentre os vírus que podem internas e encontrar condições propícias para a
penetrar através da pele semi-íntegra incluem-se sua replicação primária. A abundância de vasos
os papilomavírus, alguns poxvírus e herpesvírus sangüíneos e linfáticos na derme e em camadas
(Tabela 8.2). Esses vírus são geralmente transmi-
mais internas oferece condições para a dissemi-
tidos por contato direto ou indireto, ou também
nação desses agentes a partir do sítio primário de
mecanicamente através de insetos. Se a penetra-
replicação. Após a replicação primária no tecido
ção for superficial, a replicação é geralmente li-
dérmico ou subdérmico, os vírions podem se dis-
mitada ao sítio de penetração, pois a epiderme é
seminar para os linfonodos regionais no interior
desprovida de vasos sangüíneos e linfáticos que
poderiam servir para disseminar a infecção. No de células fagocíticas ou livres na linfa e/ou san-
entanto, a infecção de camadas mais profundas gue. Os herpesvírus invadem terminações nervo-
da derme pode levar à disseminação sangüínea, sas localizadas nesses locais e são transportados
pois essa camada é altamente vascularizada (Fi- ao longo dos axônios ou dentritos até o corpo dos
gura 8.3A). Em especial, os vírus que são trans- neurônios. O transporte dos herpesvírus por fi-
mitidos por insetos hematófagos (alfavírus, flavi- bras nervosas será abordado na seção 3.2.3.

Tabela 8.2. Vírus animais que penetram no hospedeiro através da pele ou de superfícies mucosas

Via de penetração Vírus

– Papilomavírus de várias espécies;


– Herpesvírus de várias espécies;
Pequenas lesões (puncturas, – Poxvírus de bovinos, suínos e ovinos; vírus da
abrasões) estomatite papular bovina; poxvírus aviários;
– Vírus da doença vesicular de suínos;
– Vírus da estomatite vesicular (VSV).

– Vários poxvírus (mixomavírus, poxvírus suíno, poxvírus


aviários);
Picada de insetos (transmissão
– Alguns retrovírus (vírus da anemia infecciosa eqüina [EIAV],
mecânica)
vírus da leucose bovina [BLV]);
– VSV.

– Vírus da peste suína africana (ASFV);


– Vírus da língua azul (BTV);
Picada de insetos (transmissão – VSV, outros rabdovírus;
biológica) – Vírus da febre do vale Rift (RVFV), outros buniavírus;
– Todos os alfavírus;
– Vírus do gênero flavivírus.

– Vírus da imunodeficiência felina (FIV);


– Vírus da raiva (RabV);
Mordeduras de vertebrados
– Arenavírus (entre roedores);
– Herpesvírus símio B.

– Papilomavírus de várias espécies animais;


– Retrovírus (BLV, EIAV);
Transmissão iatrogênica
– Vírus da diarréia viral bovina (BVDV), vírus da peste suína
clássica (CSFV).

Contato com a conjuntiva – Herpesvírus bovino tipo 1 (BoHV-1), herpesvírus eqüino 1(EHV-1);
– Adenovírus canino tipos 1 e 2 (CAdV-1, CAdV-2).

Fonte: adaptada de Murphy et al. (1999).


Patogenia das infecções víricas 199

Aparentemente, as membranas mucosas su- Alguns vírus penetram no organismo pela


perficiais poderiam se constituir em uma barreira mucosa conjuntival e podem estar associados
menos eficiente para impedir a penetração viral. com conjuntivite ou com infecções sistêmicas. Os
Ainda assim, são recobertas por uma camada de adenovírus caninos tipos 1 e 2 (CAdV-1; CAdV-
muco que, pela sua natureza viscosa e pela pre- 2) podem penetrar por essa via; o herpesvírus
sença de IgA, pode dificultar a penetração dos bovino tipo 1 (BoHV-1) pode causar conjuntivite
vírus. Os herpesvírus parecem ser capazes de pela infecção direta da conjuntiva ou por conta-
penetrar em mucosas intactas para iniciar a in- minação a partir da cavidade nasal.
fecção, embora a ocorrência de lesões certamente Os principais vírus de animais que penetram
favoreça a instalação da infecção. nos seus hospedeiros através da pele e mucosas
Determinados vírus são introduzidos atra- superficiais estão apresentados na Tabela 8.2.
vés da pele diretamente no tecido subcutâneo
ou mesmo no tecido muscular. O vírus da raiva 3.1.2 Trato respiratório
é inoculado profundamente pela mordedura de
animais infectados; os arenavírus também são A mucosa do trato respiratório provavel-
transmitidos entre os roedores silvestres através mente se constitui na principal via de penetração
de mordidas; o herpesvírus símio B e o vírus da de vírus, por causa de sua grande superfície e
imunodeficiência felina (FIV) também podem ser grande quantidade de patógenos potencialmente
transmitidos por mordeduras. Essa inoculação presentes no ar inspirado. Não obstante, o siste-
profunda facilita ainda mais a replicação primá- ma respiratório apresenta barreiras que limitam
ria e o estabelecimento da infecção. ou reduzem as chances dos vírus que penetram

Tabela 8.3. Principais vírus que penetram pelo trato respiratório para iniciar a infecção do hospedeiro

Família Vírus

Herpesviridae Herpesvírus de várias espécies.


Produzem doença respiratória

Adenoviridae Adenovírus de várias espécies.

Vírus da parainfluenza (PIVs) e vírus


Paramyxoviridae
respiratórios sinciciais (RSVs).
ou localizada

Orthomyxoviridae Vírus da influenza suína e eqüina.

Vírus da bronquite infecciosa das


Coronaviridae
galinhas (IBDV).

Vírus da febre aftosa (FMDV);


Picornaviridae
rinovírus de várias espécies.

Caliciviridae Calicivírus felino (FCV).


Produzem doença sistêmica

Vírus da doença de Aujeszky (PRV), vírus da


Herpesviridae doença de Marek, vírus da febre catarral
maligna (MCFV).

Vírus da cinomose (CDV), vírus da peste


Paramyxoviridae
bovina (rinderpest).

Orthomyxoviridae Vírus da influenza aviária (AIV).

Vírus da diarréia viral bovina (BVDV)*; vírus


Flaviviridae
da peste suína clássica (CSFV).

* O BVDV pode também causar doença respiratória.


Fonte: adaptada de Murphy et al. (1999).
200 Capítulo 8

pelo ar inspirado conseguirem atingir e penetrar ou se disseminar para outros tecidos e órgãos. Ou
nas células epiteliais. As vias aéreas superiores e seja, os vírus que penetram pelo trato respirató-
inferiores contêm um epitélio ciliado recoberto rio podem produzir infecções localizadas ou dis-
com muco, cuja função é reter e, eventualmente, seminadas (Tabela 8.3). Os tecidos subjacentes ao
expulsar as partículas inaladas. Além de reter as epitélio respiratório possuem vasos linfáticos e
partículas víricas, o muco pode conter IgA especí- sangüíneos que facilitam a disseminação dos ví-
fica, que pode neutralizar a infectividade dos ví- rus até os órgãos linfóides secundários e daí para
rus. Os alvéolos são desprovidos dessas defesas, o sangue (Figura 8.3B).
porém possuem macrófagos residentes encarre-
gados de fagocitar e digerir partículas exógenas. 3.1.3 Orofaringe e trato digestivo
Além disso, a temperatura nas vias aéreas supe-
riores é aproximadamente 3 a 5°C inferior à tem- A mucosa do trato digestivo, desde a orofa-
peratura corporal, o que pode restringir a replica- ringe até os segmentos finais do intestino, pode
ção de alguns vírus. Por isso, os vírus incapazes se constituir em local de penetração para vários
de replicar à temperatura corporal (rinovírus), vírus, que produzem tanto infecções localizadas
replicam somente no trato respiratório superior. como sistêmicas. Os vírus adquiridos pela inges-
Já os vírus capazes de replicar sob temperatura tão de alimentos ou água contaminada, ou pelo
corporal, podem causar infecção no trato respira- contato oral com fômites, podem ser deglutidos
tório inferior. e alcançar o estômago e intestinos; ou podem
Os vírus geralmente penetram no trato res- infectar as células superficiais da orofaringe. Os
piratório através de aerossóis produzidos por ex- vírus que replicam na orofaringe podem ser, pos-
pectorações (tosse e espirro) ou pelo contato nasal teriormente, deglutidos ou podem se disseminar
com fômites contaminados. O hábito investigati- sistemicamente pela via hematógena. Os rotaví-
vo olfatório de várias espécies animais se constitui rus, coronavírus, calicivírus e muitos enteroví-
em um fator de risco que favorece as infecções da rus produzem infecções localizadas no intestino
mucosa nasal e do focinho. A maioria dos vírus delgado; o parvovírus canino penetra na muco-
que penetra por essa via realiza a replicação pri- sa da orofaringe e, por via hematógena, atinge o
mária em células epiteliais das vias respiratórias; epitélio intestinal, onde replica e provoca distúr-
alguns podem replicar em macrófagos livres no bios celulares que resultam em doença; o vírus
lúmen respiratório ou em espaços subepiteliais. da diarréia viral bovina (BVDV) pode penetrar
A replicação dos vírus que penetram pelas vias na mucosa da orofaringe e se disseminar sistemi-
aéreas pode ficar restrita ao epitélio respiratório camente. Alguns vírus podem penetrar através
Patogenia das infecções víricas 201

da mucosa intestinal e causar doença sistêmica, los para células mononucleares adjacentes, onde
como alguns adenovírus de aves e de mamíferos ocorrerá a replicação primária (Figura 8.3C).
e alguns enterovírus. Dentre os vírus animais que penetram pelo
O trato digestivo apresenta várias barrei- trato digestivo e estão associados com diarréia
ras que restringem ou dificultam a infecção por estão os parvovírus (canino e felino), os rotaví-
determinados vírus. O pH ácido do estômago, rus de várias espécies, os coronavírus entéricos,
a alcalinidade do intestino delgado, as enzimas os astrovírus e calicivírus. Outros vírus penetram
digestivas presentes na saliva e no suco pancre- pelo trato digestivo e estão associados com doen-
ático, e as enzimas lipolíticas presentes na bile ça disseminada, geralmente sem diarréia, como
restringem o número de vírus que é capaz de in- os adenovírus de várias espécies, os enterovírus,
fectar o hospedeiro por essa via. o vírus do exantema vesicular de suínos, entre
Como regra, os vírus não-envelopados são outros. Estes vírus utilizam o epitélio intestinal
mais resistentes ao pH ácido do estômago. Ex- para a replicação primária e amplificação, de
ceções incluem os rinovírus e o FMDV (picorna- onde ganham acesso ao sistema linfático e sangüí-
vírus), que são lábeis à pH ácido e não resistem neo (Figura 8.3C).
ao pH do estômago. Para estabelecer a infecção,
portanto, esses vírus devem penetrar na muco-
sa orofaríngea ou nasal. Embora sejam sensíveis 3.1.4 Mucosa urogenital
ao pH baixo e à ação da bile, os coronavírus de
várias espécies animais resistem às condições do
A mucosa do trato genital da fêmea pode
estômago e intestino e podem estabelecer infec-
servir de local de penetração tanto para vírus
ções intestinais. Em geral, os vírus que causam
sistêmicos, que são excretados no sêmen, como
infecções intestinais, como os rotavírus, caliciví-
para vírus que produzem infecções localizadas
rus e enterovírus, são resistentes ao pH baixo e à
no trato genital masculino. No primeiro caso, a
ação da bile e, por isso, podem penetrar a partir
transmissão pode ser pela monta natural ou pela
do lúmen intestinal.
inseminação artificial, já que os vírus encontram
As enzimas proteolíticas presentes no lú-
condições ideais de sobrevivência em sêmen in-
men intestinal podem também favorecer a infec-
dustrializado. Os herpesvírus de várias espécies
ção por alguns vírus, pela clivagem e ativação de
proteínas da superfície dos vírions que são envol- animais podem ser transmitidos pelo sêmen e/ou
vidas na penetração do vírus na célula hospedei- pela cópula; o vírus da síndrome respiratória e
ra. Como exemplos, citam-se: a tripsina, pancrea- reprodutiva dos suínos (PRRSV) foi amplamente
tina e elastina que aumentam a infectividade dos disseminado pela inseminação artificial; a monta
rotavírus; e outras enzimas que ativam os proces- natural é uma importante forma de transmissão
sos de penetração dos reovírus e de alguns coro- do vírus da arterite viral eqüina (EAV). Os pa-
navírus. Enzimas presentes em secreções respira- pilomavírus que causam lesões genitais também
tórias também têm sido envolvidas na ativação podem ser transmitidos pela cópula, por causa
de proteínas de fusão dos paramixovírus. do contato entre as mucosas. Embora o BoHV-1
Os vírus associados com gastrenterite po- possa ser excretado pelo sêmen durante a infec-
dem infectar uma variedade de células do trato ção aguda respiratória, a transmissão venérea
gastrintestinal. Os adenovírus, rotavírus, caliciví- desse vírus está mais freqüentemente associada
rus e coronavírus infectam predominantemente com a infecção genital (balanopostite).
enterócitos maduros quiescentes. Outros vírus Os tecidos submucosos são altamente ir-
possuem tropismo por células das criptas que rigados e fornecem condições propícias para a
estão em divisão (parvovírus) ou por células epi- disseminação dos vírus pela linfa ou pelo sangue
teliais especializadas, como as células M (polio- para os linfonodos regionais ou para tecidos mais
vírus e reovírus). As células M podem também distantes. As terminações nervosas, localizadas
capturar vírions no lúmen intestinal e transportá- na submucosa, constituem-se em alvos para a pe-
202 Capítulo 8

netração pelos herpesvírus, que são, então, trans- entanto, não permite uma disseminação a longas
portados até gânglios nervosos regionais. distâncias e essas infecções são geralmente con-
Embora com menor freqüência, fêmeas que troladas pela resposta imune do hospedeiro. Os
desenvolvem infecções genitais também podem vírus que penetram na mucosa respiratória ou di-
transmitir o vírus para o macho durante a cópu- gestiva e que são liberados pela superfície apical
la, o que favorece a disseminação do agente, pois de células epiteliais podem ser transportados por
o macho infectado pode transmitir o agente para fluidos ou pelo muco e se disseminar rapidamen-
outras fêmeas. te pelo lúmen do órgão. A replicação de muitos
desses vírus fica restrita ao epitélio, com nenhu-
3.2 Infecções localizadas versus ma ou pouca invasão dos tecidos subjacentes. Pa-
infecções disseminadas (ou sistêmicas) ralelamente, os vírions podem ser transportados
até os linfonodos regionais, livres na linfa ou no
Os padrões de distribuição e envolvimento interior de células fagocíticas. Esta é geralmente
de diferentes órgãos e tecidos variam amplamen- a primeira etapa na disseminação das infecções
te com os vírus e estão intimamente associados sistêmicas. Em geral, os vírus que são liberados
com a biologia do agente, sendo dependentes de apenas na superfície apical das células epiteliais
suas interações com o hospedeiro. Alguns vírus tendem a ficar restritos localmente, enquanto
produzem infecções localizadas, geralmente li- aqueles que são liberados também pela superfí-
mitadas às proximidades dos sítios de penetração cie basolateral são mais prováveis de produzirem
e replicação primária. Esse padrão de infecção é infecções sistêmicas.
característico dos vírus respiratórios (rinovírus,
vírus da influenza e parainfluenza), gastrintesti- 3.2.2 Disseminação hematógena
nais (coronavírus e rotavírus) e de alguns vírus
que infectam a derme e epiderme (papilomaví- O transporte pelo sangue oferece aos vírus
rus, alguns poxvírus, vírus da mamilite herpética a oportunidade de atingir virtualmente todos os
[BoHV-2]). Essas infecções estão geralmente limi- órgãos e tecidos em poucos minutos a partir dos
tadas ao epitélio, mas a penetração e envolvimen- sítios de replicação primária. Os vírions podem
to de tecidos subjacentes e disseminação sistêmi- penetrar no sangue diretamente através da pare-
ca podem ocasionalmente ocorrer. As infecções de capilar, após a infecção de células endoteliais
que se restringem aos sítios de replicação primá- ou pela inoculação direta por insetos ou por ins-
ria e suas proximidades são ditas localizadas. trumentos contaminados. A disseminação hema-
Outros vírus são capazes de se disseminar tógena se inicia quando os vírions produzidos
a longas distâncias pelo sangue ou pela linfa e nos sítios primários de replicação são liberados
produzir infecções em órgãos específicos ou in- no líquido extracelular e drenados pelo sistema
fecções generalizadas. Exemplos incluem o CDV, linfático, cujos capilares são mais permeáveis do
os parvovírus canino (CPV) e felino (FPLV), o que os capilares sangüíneos. Os vírions veicula-
BVDV, os retrovírus, entre outros. As infecções dos pela linfa eventualmente ganham acesso à
que se estendem além dos sítios de replicação corrente sangüínea, seja como partículas livres
primária são chamadas de disseminadas; e as que no plasma, seja no interior de linfócitos ou mo-
atingem vários órgãos ou sistemas são denomi- nócitos/macrófagos infectados durante a sua
nadas sistêmicas ou generalizadas. passagem pelos linfonodos regionais. De fato,
a patogenia de várias infecções víricas está inti-
3.2.1 Disseminação local mamente associada com a infecção de células do
sistema imunológico, que ocorre devido ao seu
Após a replicação primária, muitos vírus se contato com os vírions nos órgãos linfóides pe-
disseminam localmente pela transmissão entre riféricos. Uma vez no sangue, os vírions se dis-
células vizinhas. Essa forma de transmissão, no seminam rapidamente pelo organismo. O trajeto
Patogenia das infecções víricas 203

Superfície corporal

Seios linfáticos
revestidos por
macrófagos
Capilar
linfático Tecido
linfóide Veia

Capilar Vaso
sangüíneo Histiócito
linfático
Tecido aferente Vaso Ducto
conjuntivo linfático torácico
eferente
Linfonodo

Fonte: adaptada de Mims e White (1984).

Figura 8.4. Trajeto dos vírus que penetram pela pele ou mucosas superficiais para atingir o sangue e se distribuir
sistemicamente.

utilizado pelos vírus que penetram no organismo em células endoteliais e são liberados diretamen-
através de superfícies cutâneas ou mucosas para te na circulação; d) vários vírus replicam em cé-
atingir a corrente sangüínea está ilustrado na Fi- lulas mononucleares do sistema linforreticular
gura 8.4. (monócitos/macrófagos; linfócitos) e podem ser
A presença de vírus no sangue é denomi- liberados no sangue.
nada viremia e, dependendo da origem do vírus, Em várias infecções víricas, duas etapas de
pode ser classificada em passiva ou ativa. A vire- viremia ativa podem ser detectadas. A viremia pri-
mia passiva resulta da introdução do vírus dire- mária resulta da replicação viral nos sítios iniciais,
tamente no sangue, sem a prévia replicação em geralmente atinge baixa magnitude, mas permite
tecidos. Esta introdução pode resultar de inocu- a disseminação do vírus aos órgãos secundários
lação direta por insetos hematófagos, por trans- de replicação, denominados órgãos-alvo. A repli-
fusão sangüínea ou por outras formas de inocu- cação viral nesses tecidos produz uma viremia se-
lação de sangue. Essas viremias são geralmente cundária, caracterizada por uma presença maciça
transitórias e não duram mais de 12-24 h, mas de vírus no sangue e disseminação ainda maior
podem ser de tal magnitude a ponto de provocar da infecção. Os resultados da viremia são variá-
a infecção maciça de alguns órgãos. As viremias veis e, freqüentemente, resultam em infecção de
ativas resultam da replicação viral em tecidos e vários tecidos periféricos, com resultados que de-
órgãos do hospedeiro e geralmente atingem uma pendem do tropismo, da patogenicidade e viru-
maior magnitude e duração. Os vírus presentes lência do vírus. Uma conseqüência freqüente de
no sangue podem ter várias origens, tais como: a) viremia em animais é a transmissão transplacen-
partículas víricas presentes nos tecidos próximos tária do vírus ao feto, podendo resultar em uma
aos locais de penetração podem ser capturadas variedade de condições que vão desde uma infec-
pelo sistema linfático e ter acesso ao sangue; b) ção transitória até a morte fetal, seguida de abor-
vários vírus replicam em células localizadas nos tamento. As etapas da patogenia das infecções ví-
linfonodos, podendo ser liberados e ter acesso ao ricas localizadas e disseminadas estão ilustradas
sangue; c) alguns vírus são capazes de replicar na Figura 8.5.
204 Capítulo 8

Infecção
Excreção

Replicação primária
Superfície corporal

Pele Herpesvírus
Influenza
Mucosas Paramixovírus
Trato respiratório Rotavírus
Trato digestivo Papilomavírus
Coronavírus

Linfonodos

Viremia
Sangue primária

Replicação secundária
Órgãos/tecidos

Medula Endotélio
óssea Músculo Fígado Baço vascular

Transmissão
Viremia
Sangue secundária
iatrogênica
ou por vetores

Epitélio
Glândula salivar Trato respiratório
Replicação secundária

respiratório Pele Encéfalo


ou rins (pulmões)
Órgãos/tecidos

CDV CDV, Arenavírus


Rinderpest Lumpy skin Togavírus Raiva (g.salivar)
hantavírus
Flavivírus Arenavírus

Excreção

Fonte: adaptada de Mims e White (1984).

Figura 8.5. Etapas da patogenia das infecções víricas localizadas e sistêmicas: papel da viremia na disseminação das
infecções.
Patogenia das infecções víricas 205

No sangue, os vírions podem ser transporta- que as distinguem das viremias plasmáticas, tais
dos livres no plasma, no interior de leucócitos ou como: a) no interior das células os vírus estão pro-
aderidos à membrana de leucócitos, eritrócitos ou tegidos dos anticorpos neutralizantes e podem se
plaquetas. Os flavivírus, togavírus, enterovírus e propagar a grandes distâncias; b) os títulos virais
parvovírus circulam livres no plasma e produ- são geralmente baixos; c) o isolamento do vírus
zem a chamada viremia plasmática. A concentra- do sangue é geralmente difícil e pode requerer
ção de partículas víricas no sangue depende de o co-cultivo de leucócitos com células de cultivo.
um equilíbrio entre a sua produção nos tecidos Essa dificuldade de isolamento pode ser devida
infectados e a taxa de remoção ou inativação no aos baixos níveis de replicação do vírus e/ou à
sangue. A tarefa de remover vírions circulantes presença de anticorpos neutralizantes; d) em al-
cabe às células fagocíticas do sistema retículo-en- gumas infecções, a viremia persiste por toda a
dotelial, principalmente às células de Küpfer no vida do animal e não termina com o aparecimen-
fígado e, em menor proporção, aos macrófagos to dos anticorpos neutralizantes. Exemplos des-
dos pulmões, baço e linfonodos. se tipo de viremia são encontrados nas infecções
Os vírus que circulam livres no plasma po- por retrovírus animais, como o FIV, o vírus mae-
dem entrar em contato e infectar uma grande di-visna (MVV), o vírus da leucose bovina (BLV)
variedade de células, mas dois tipos celulares e o vírus da anemia infecciosa eqüina (EIAV).
desempenham um papel importante para a con- Em algumas dessas infecções, a contínua evolu-
tinuidade da infecção: as células endoteliais e os ção genética da população viral produz variantes
macrófagos adjacentes aos vasos. As interações que escapam da neutralização por anticorpos e
entre os vírions circulantes e as células de Küpfer que podem ser isolados do plasma. Esses vírus,
no fígado podem resultar em: a) internalização e no entanto, parecem representar uma pequena
inativação dos vírions; b) internalização, trans- parcela do total de vírus que é produzido e que
porte transcitoplasmático e liberação dos vírions é neutralizado e capturado nos complexos imu-
na bile; c) infecção dessas células e liberação da nes. O vírus da língua azul (BTV) produz viremia
progênie viral de volta ao sangue, incrementan- persistente e os vírions encontram-se aderidos à
do a viremia; d) infecção celular e liberação dos membrana dos eritrócitos. Embora mais estuda-
vírions recém-produzidos pela superfície basal, da em infecções persistentes, a viremia associa-
resultando na infecção maciça de hepatócitos. A da a células também é observada em infecções
infecção das células endoteliais pode favorecer a agudas, como a infecção de cães pelo CDV, entre
invasão viral nos tecidos a partir do sangue. outras. O BVDV pode ser encontrado em linfóci-
Em etapas mais avançadas da infecção, os tos e monócitos, mas viremia plasmática também
anticorpos produzidos são capazes de se ligar e pode ser detectada em animais persistentemente
neutralizar as partículas víricas livres no plasma infectados. Esses animais são imunotolerantes a
sangüíneo. A ligação dos anticorpos aos vírions antígenos virais e, por isso, não produzem an-
também facilita a fagocitose dos complexos an- ticorpos contra o vírus. Com isso, o vírus infec-
ticorpo-vírions por macrófagos adjacentes aos cioso pode ser continuamente isolado do plasma
vasos sangüíneos teciduais. Esses macrófagos se desses animais.
ligam aos complexos imunes por meio de recep-
tores para a porção Fc das imunoglobulinas. A 3.2.1.1 Penetração dos vírus nos tecidos
maioria das viremias plasmáticas possui duração
limitada e o seu término coincide com o apareci- Os vírus que se disseminam pela via hema-
mento de anticorpos neutralizantes no soro. tógena devem ultrapassar a parede vascular para
Vários vírus replicam em células sangüíneas, invadir e replicar nos tecidos e órgãos-alvo. Em-
particularmente monócitos e linfócitos B e T, e a bora seja uma etapa fundamental na patogenia
sua presença no sangue está predominantemente das infecções por virtualmente todos os vírus pa-
associada com essas células. As viremias associa- togênicos que produzem viremia, poucos deta-
das a células apresentam algumas características lhes são conhecidos sobre a penetração dos vírus
206 Capítulo 8

nos tecidos. O mecanismo de penetração utiliza- terior das células infectadas. As células mononu-
do pelos vírus depende da sua biologia e também cleares do sangue estão freqüentemente atraves-
da estrutura e relações do endotélio vascular, que sando a parede vascular e penetrando nos tecidos
varia muito entre os diferentes tecidos. Os pos- em resposta a estímulos inflamatórios e podem
síveis mecanismos utilizados, já demonstrados funcionar como verdadeiros “cavalos de Tróia”,
para alguns vírus, estão ilustrados na Figura 8.6 e transportando os vírus para os tecidos. O movi-
descritos a seguir: mento de células através do endotélio em direção
1) Penetração passiva pelo espaço entre as aos tecidos é denominado diapedese. Essa forma
células endoteliais. Esse mecanismo é possível de invasão tem sido demonstrada para o CDV,
em alguns endotélios que apresentam fenestras vírus da febre amarela (YFV) e também para ex-
entre as células endoteliais, como o plexo coróide plicar a penetração do vírus da imunodeficiência
no SNC. Após atravessar esta barreira, os vírus humana adquirida (HIV) no encéfalo.
podem infectar as células epiteliais do plexo co-
róide e ganhar acesso ao fluido cérebro-espinhal
e, assim, disseminar-se pelos espaços ocupados
por esse fluido. Exemplos de vírus que prova-
velmente utilizam essa via de invasão incluem
o vírus da coriomeningite linfocítica (LCMV) e o
retrovírus (MVV). Os vasos dos túbulos renais, 2
pâncreas, cólon e íleo também apresentam fenes-
tras que podem servir para a penetração dos ví- 1
rus nos tecidos a partir do sangue; 3
2) Os vírions podem ser transportados atra-
vés do endotélio vascular por endocitose, segui-
da de transporte vesicular intracitoplasmático e
exocitose na face oposta da célula endotelial. Para
que essas duas formas de invasão possam ocor-
rer, a concentração de vírions no sangue deve ser 4
alta e contínua, e o fluxo sangüíneo no local deve
ser lento, para permitir o contato e aderência das
partículas víricas ao endotélio e/ou penetração
pelos espaços interendoteliais; Lúmen
3) Alguns vírus podem infectar as células do vaso Tecido
endoteliais e/ou células adjacentes e completar o
seu ciclo replicativo nessas células. Assim, a sua
progênie pode ser liberada através da superfície
basal ou basolateral dessas células e infectar célu- Figura 8.6. Mecanismos de penetração de vírus nos
tecidos a partir do sangue. 1) Penetração pelos espaços
las teciduais subjacentes. Essa forma de invasão existentes entre as células endoteliais; 2) Transporte
tecidual já foi demonstrada para os picornavírus, ativo através das células endoteliais; 3) Infecção das
retrovírus, alfavírus e parvovírus. As células de células endoteliais com posterior egresso da progênie
viral na face oposta do endotélio; 4) Transporte através
Küpfer, que estão localizadas entre as células do endotélio no interior de monócitos/linfócitos.
endoteliais dos sinusóides hepáticos, servem de
porta de entrada para vírus que são veiculados 3.2.1.2 Infecção celular mediada por
no sangue. Os vírus podem ser transportados anticorpos (antibody-dependent enhancement
passivamente ou replicarem ativamente nessas of viral infection, ADE)
células;
4) Os vírus que produzem viremia associada A ADE é um mecanismo utilizado por al-
a células, em monócitos ou linfócitos, podem ser guns vírus para penetrar produtivamente e repli-
transportados através da parede vascular no in- car em células que expressam receptores para a
Patogenia das infecções víricas 207

porção Fc das imunoglobulinas, principalmente lite caprina (CAEV), replicam no SNC e produ-
os monócitos e macrófagos. Nessas células, os zem doença neurológica, porém parecem atingir
receptores de Fc são importantes para a captura o encéfalo pela via hematógena. Dentre os vírus
e inativação de complexos imunes formados nos animais que utilizam a via nervosa para invadir o
fluidos e tecidos corporais. O fenômeno de ADE encéfalo e causar doença neurológica se incluem
ocorre quando os vírions são recobertos por an- o BoHV-5, o PRV, o EHV, o vírus da raiva, o ví-
ticorpos sem atividade neutralizante ou quando rus da encefalite eqüina venezuelana (VEEV) e
os níveis de anticorpos específicos são baixos. o vírus da doença de Borna (BDV). Em modelos
Assim, a ligação dos anticorpos não neutraliza animais, o VEEV parece também utilizar a via
a infectividade dos vírions. No entanto, as célu- hematógena para invadir o encéfalo e produzir
las que expressam receptores para a região Fc se encefalite. Embora os vírus que se disseminam
ligam aos complexos anticorpos-vírions através pela via nervosa e replicam no sistema nervoso
da região Fc. Essa ligação é seguida pela inter- sejam denominados classicamente vírus neuro-
nalização dos complexos nas células, após a qual trópicos, esses agentes são capazes de infectar
os vírions podem ser liberados no citoplasma e uma variedade de células. De fato, a replicação
iniciar a replicação. Ou seja, além de não neutrali- inicial desses vírus ocorre geralmente no epitélio
zar a infectividade dos vírions, os anticorpos au- e em tecidos adjacentes aos locais de penetração,
xiliam a sua penetração nas células que possuem após a qual os vírions penetram nas terminações
receptores de Fc. Esse mecanismo somente ocor- nervosas.
re para vírus que infectam naturalmente células O mecanismo de penetração dos vírus em
que expressam esses receptores. Embora a ADE neurônios parece ser similar ao utilizado para
já tenha sido demonstrada para vários vírus in vi- iniciar a infecção de outras células. Após a pe-
tro, o seu papel na patogenia das infecções víricas netração e desnudamento, o nucleocapsídeo é
in vivo ainda é controverso e parece se restringir transportado passivamente ao longo dos pro-
a poucos vírus, como o vírus da dengue em hu- cessos neuronais (dentritos e axônios) por trans-
manos e o vírus da peritonite infecciosa felina porte axoplásmico rápido. O vírus pode ocasio-
(FIPV, um coronavírus). Nesses casos, a presença nalmente replicar nos axônios ou dendritos, mas
de anticorpos em níveis baixos contra um deter- este é um processo lento e não é requerido para
minado sorotipo do vírus resulta em um aumen- a disseminação. Drogas que inibem o transporte
to da severidade da doença por ocasião de uma axonal (p. ex.: colchicina) também bloqueiam a
reinfecção com um sorotipo heterólogo. De fato, progressão dos vírus o longo dos axônios.
tem sido demonstrado que a peritonite infecciosa Essa forma de disseminação tem sido estu-
dos gatos é mais severa em animais previamente dada com detalhes nos alfaherpesvírus, em que o
vacinados, reforçando a possibilidade de que a transporte neural até os gânglios sensoriais e au-
ADE contribua na patogenia da doença. tonômicos é essencial para o estabelecimento de
infecção latente, que, por sua vez, é crítica para a
3.2.3 Disseminação nervosa manutenção desses vírus na natureza (Figura 8.7).
Após a replicação na mucosa nasal ou genital,
Vários vírus se disseminam a partir dos sí- os vírions penetram em terminações dos nervos
tios de replicação primária no interior de fibras que se distribuem nas camadas subjacentes. Os
nervosas cujas terminações se distribuem nesses vírions íntegros ou partículas subvirais são trans-
locais. Essa forma de transporte é utilizada por portados em vesículas ao longo dos microtúbulos
vírus essencialmente neuropatogênicos (vírus da dos axônios ou dendritos até os corpos neuronais
raiva e vários alfaherpesvírus) e também por ví- que se localizam nos gânglios nervosos regionais
rus cuja invasão do sistema nervoso representa (gânglio trigêmeo, no caso de infecção oronasal;
uma circunstância da sua replicação e dissemina- gânglios sacrais, no caso de infecção genital). O
ção hematógena (reovírus e poliovírus). Alguns transporte axonal de substâncias das terminações
vírus, como o CDV e o vírus da artrite e encefa- nervosas em direção ao corpo neuronal é deno-
208 Capítulo 8

Transporte retrógrado

Latência

Cérebro

Reativação

Transporte anterógrado

Mucosa nasal Gânglio trigêmeo

Figura 8.7. Disseminação neural dos alfaherpesvírus animais do epitélio respiratório para os gânglios sensoriais
durante a infecção aguda (transporte retrógrado) e do corpo dos neurônios para o epitélio nasal durante a reativação
da infecção latente (transporte anterógrado). Durante a infecção aguda (e menos freqüentemente durante a
reativação), pode ocorrer transporte anterógrado em direção ao SNC, com invasão e replicação viral no encéfalo.

minado retrógrado. Ao alcançar os corpos neuro- ligados, resultando em invasão e replicação no


nais, os alfaherpesvírus replicam ativamente de encéfalo. As infecções neurológicas acompanha-
forma lítica ou estabelecem infecção latente. A das de meningoencefalite severa são freqüentes
infecção latente é caracterizada pela presença do em bovinos infectados pelo BoHV-5 e em suínos
genoma viral inativo no núcleo dos neurônios, jovens infectados pelo PRV. Alguns alfaherpesví-
sem expressão gênica ou produção de progênie rus que causam meningoencencefalite (BoHV-5,
viral. Em determinadas circunstâncias, geralmen- por exemplo), parecem invadir o encéfalo princi-
te associadas com estresse, ocorre a reativação palmente pela via olfatória que, provavelmente,
da infecção, a retomada da expressão gênica e a se constitui em uma via mais eficiente e rápida de
produção de partículas víricas infecciosas. Essas transporte do que a via trigeminal. Outros (PRV
partículas são transportadas de volta aos locais e BoHV-1) parecem atingir o sistema nervoso,
de replicação primária pelas mesmas vias nervo-
principalmente pelos ramos sensoriais do nervo
sas que haviam servido de acesso para os vírons
trigêmeo. O transporte neural permite a propa-
aos corpos neuronais. O transporte de vesículas
gação do vírus aos órgãos-alvo sem exposição ao
e substâncias do corpo neuronal em direção às
sistema imunológico.
terminações nervosas denomina-se anterógrado e
Embora as vias hematógena e neural sejam
permite a progênie viral alcançar os tecidos peri-
freqüentemente consideradas como vias exclu-
féricos, replicar e ser excretada.
Em alguns vírus (BoHV-5 e PRV), a repli- dentes (alternativas) de disseminação viral, a
cação nos corpos neuronais durante a infecção patogenia de alguns vírus parece envolver a par-
aguda (e provavelmente também durante a re- ticipação de ambas. A invasão dos vírus das en-
ativação da infecção latente) também pode ser cefalites eqüinas do leste (EEEV), oeste (WEEV) e
seguida pelo transporte anterógrado da progênie venezuelana (VEEV) no encéfalo de animais in-
viral ao longo das fibras nervosas em direção ao fectados experimentalmente, por exemplo, já foi
encéfalo. Esses vírus são capazes de se transmi- demonstrado que pode ocorrer por ambas as vias,
tir através de sinapses nervosas e se disseminar embora uma delas provavelmente desempenhe
ao longo de circuitos neuronais sinapticamente um papel preponderante em infecções naturais.
Patogenia das infecções víricas 209

3.3 Localização das infecções a determinados tipos celulares ou tecidos, e ape-


nas estes podem ser infectados naturalmente. Por
isso, a distribuição de receptores nos tecidos e ór-
3.3.1 Infecções em órgãos e sistemas gãos é um determinante importante da patogenia
específicos dos vírus. Existem vários exemplos de mutações
naturais ou induzidas nas proteínas virais de li-
O padrão de doença sistêmica produzida gação nos receptores que resultam em alteração
durante uma infecção depende dos órgãos e teci- no tropismo e/ou na virulência do vírus mutan-
dos-alvo do vírus, das populações de células des- te. Esses exemplos ilustram a importância das
ses órgãos que são infectadas e também do tipo interações vírion-receptores como determinantes
de alterações produzidas pela replicação viral do tropismo e da patogenia das infecções víricas.
nessas células. Felizmente, nenhum vírus é capaz
de infectar todos os tecidos e células do hospe-
deiro. Na verdade, devido a sua dependência de
processos bioquímicos e moleculares específicos,
a maioria dos vírus infecta um número limitado
de tipos celulares no hospedeiro. As Figuras 8.8
a 8.12 apresentam alguns padrões peculiares de
disseminação, distribuição e localização de in-
fecções víricas em cães.
O termo tropismo é utilizado para designar
a predileção dos vírus por determinadas célu-
las, tecidos ou órgãos. Assim, o tropismo é um
dos principais determinantes da patogenia das
infecções víricas. O tropismo celular ou tecidual
de um vírus é determinado pela interação entre Fonte: www.bakerinstitute.vet.cornell.edu.

múltiplos fatores virais e celulares, e pode ser in-


fluenciado em diferentes níveis. A constituição e Figura 8.8. Patogenia da parvovirose canina. O CPV
penetra pela via oronasal e replica inicialmente na
fisiologia da membrana plasmática (presença de
orofaringe e nas tonsilas. Após a replicação primária, o
receptores, co-receptores, atividade endocítica, vírus atinge a corrente sangüínea e é transportado
espessura do citoesqueleto cortical etc.) podem sistemicamente pelo sangue. Os sítios de predileção para
afetar as etapas iniciais da infecção (adsorção, a replicação secundária são as células das criptas do
penetração, desnudamento e transporte intra- intestino delgado, que expressam o receptor para o vírus
e estão em multiplicação ativa. A replicação viral é
celular dos vírions). A presença de fatores de
acompanhada de destruição dessas células e reposição
transcrição, de transativadores ou inibidores e deficiente das células absortivas das vilosidades
de enzimas polimerases pode afetar a expressão intestinais. Os cães com gastrenterite pelo CPV
dos genes virais. Proteases e nucleases celulares apresentam dificuldade de absorção de nutrientes,
podem ativar ou inativar fatores virais. Os meca- diarréia hemorrágica e desidratação. A infecção pelo
CPV em filhotes caninos com menos de seis semanas de
nismos celulares de transporte e distribuição de
idade pode ser caracterizada por miocardite, pois nessa
macromoléculas podem afetar a replicação, dis- fase as células do miocárdio estão em constante mitose.
tribuição, morfogênese e liberação da progênie
viral, ou seja, o tropismo de um vírus pode ser Embora aparentemente seja o principal de-
determinado por fatores que atuam em qualquer terminante do tropismo, a presença dos recepto-
etapa do ciclo replicativo, desde o seu início até a res não é o único fator que determina a capacida-
etapa de egresso das partículas víricas. de do vírus infectar um determinado tipo celular.
A presença de receptores específicos na Para alguns vírus DNA e retrovírus, a transcri-
membrana da célula hospedeira é o principal fa- ção dos genes virais pode ser influenciada pela
tor determinante do tropismo para a maioria dos presença de fatores de transcrição e/ou inibido-
vírus. Em geral, os receptores virais são restritos res celulares. A penetração em células que não
210 Capítulo 8

apresentem tais fatores pode resultar em infecção vírions, que ocorre com eficiência diferente con-
abortiva, pois os genes virais não são expressos forme o tipo celular. Assim, o tropismo desses ví-
ou são expressos em quantidades insuficientes rus é parcialmente determinado pela capacidade
de determinadas células de clivar a proteína viral
de fusão. Esses exemplos ilustram a variedade de
fatores celulares que podem ser determinantes
do tropismo dos vírus por determinados tipos
celulares.

Fonte: www.bakerinstitute.vet.cornell.edu.

Figura 8.9. Patogenia da coronavirose canina. O


coronavírus canino (CCoV) penetra pela via oral pela
ingestão de água ou alimentos contaminados. O vírus
atinge o intestino pela passagem direta pelo trato Fonte: www.bakerinstitute.vet.cornell.edu.
digestivo, pois resiste ao pH ácido do estômago. No
intestino, o vírus infecta inicialmente as células das
Figura 8.10. Patogenia da hepatite infecciosa canina. A
vilosidades do duodeno e posteriormente se dissemina
infecção pelo adenovírus canino tipo 1 (CAdV-1) pode
até o íleo. A replicação nas células absortivas das
ocorrer pela via oral, nasofaringeal e/ou conjuntival,
vilosidades provoca uma enterite, que resulta em
seguida de replicação primária nas tonsilas e placas de
redução da absorção de nutrientes, diarréia e
Peyer. Durante a viremia primária, o vírus se dissemina
desidratação. O vírus é excretado nas fezes um a dois
no organismo e infecta as células endoteliais dos vasos e
dias após a infecção. O CCoV pode, ainda, disseminar-se
as células parenquimais de vários tecidos. A replicação
aos linfonodos mesentéricos e, ocasionalmente, replicar
no parênquima hepático resulta em hepatite, com a
no baço e fígado.
ocorrência de hemorragia e necrose no órgão. Também
Os parvovírus dependem da atividade da são encontradas lesões na córnea e glomerulonefrite,
DNA polimerase celular e fatores associados resultantes da deposição de imunocomplexos. O epitélio
para a replicação do seu genoma; por isso esses tubular renal é um sítio de acesso limitado do sistema
imune, permitindo a persistência do CAdV-1 nesse local
vírus apresentam tropismo marcante por célu-
por vários meses.
las em divisão. Os papilomavírus dependem de
células cuja síntese e transporte de nucleotídeos A distribuição dos vírus nos tecidos e órgãos
para o núcleo estejam ativos, além da ativida- do organismo depende de um balanço entre o pa-
de da DNA polimerase celular. O transporte de drão de disseminação e o seu tropismo celular e
nucleocapsídeos até as proximidades dos poros tecidual. Os vírus que se disseminam pela via he-
nucleares é uma atividade requerida para a repli- matógena podem ter acesso a virtualmente todos
cação dos adenovírus. A integração do provírus os tecidos do organismo. No entanto, a maioria
DNA de alguns retrovírus somente ocorre em desses vírus infecta apenas alguns tecidos ou ór-
células em atividade mitótica. A replicação dos gãos ou podem ainda infectar apenas algumas
papilomavírus está estritamente associada com o células específicas nesses órgãos. Em resumo, a
estágio de diferenciação dos queratinócitos e dos disseminação hematógena permite ao vírus atin-
fatores celulares expressos por essas células. A gir virtualmente todos os tecidos, mas não asse-
capacidade infectiva dos coronavírus e parami- gura que a replicação irá ocorrer em todos os te-
xovírus é influenciada pela clivagem e maturação cidos potencialmente atingidos. Por outro lado, a
da proteína envolvida na fusão e penetração dos disseminação neural é predominantemente dire-
Patogenia das infecções víricas 211

cional, pois o vírus se dissemina ao longo de cir- ciam a sua disseminação e localização no orga-
cuitos neuronais sinapticamente ligados e infecta nismo. Cada vírus, em particular, produz um ou
as populações de neurônios que recebem fibras mais padrões característicos de disseminação e
dos neurônios previamente infectados. Durante localização de suas infecções. É importante res-
a transmissão transináptica, alguns vírions po- saltar que cepas ou isolados de um mesmo vírus
dem se disseminar localmente e infectar células podem apresentar padrões diferentes de dissemi-
vizinhas, mas esta infecção fica geralmente limi- nação e distribuição, podendo resultar em mani-
tada. O egresso de vírions dos corpos neuronais festações clínico-patológicas distintas. A seguir
no SNC, por outro lado, pode resultar em disse- serão abordadas sucintamente as características
minação local e infecção de outros neurônios e das infecções nos principais órgãos ou sistemas
também de células da glia. do organismo. Detalhes da patogenia de cada in-
fecção vírica serão abordados nos capítulos espe-
cíficos.

Fonte: www.bakerinstitute.vet.cornell.edu.

Figura 8.11. Patogenia da traqueobronquite infecciosa


Fonte: www.bakerinstitute.vet.cornell.edu.
canina. Essa enfermidade pode ser causada por vários
agentes virais e bacterianos, incluindo o vírus da Figura 8.12. Patogenia da cinomose canina. O CDV
parainfluenza canina (CPIV-2) e o adenovírus canino penetra geralmente pela via oronasal e replica
tipo 2 (CAdV-2). Os agentes penetram pela via inicialmente nos epitélios e em macrófagos das vias
respiratória e replicam inicialmente no epitélio da aéreas superiores, faringe e tonsilas. A replicação
nasofaringe. Posteriormente a infecção se dissemina primária é seguida de viremia que permite a
para o epitélio pseudo-estratificado ciliado da traquéia. disseminação sistêmica do vírus e infecção de uma
A injúria epitelial pela replicação viral e o processo variedade de linfonodos e acúmulos linfóides, levando a
inflamatório resultam em perda da função ciliar, um quadro de imunossupressão. Em cães que não
aumento da produção de muco, com a ocorrência de tosse conseguem montar uma resposta imune eficiente, o
seca, engasgos e aumento da secreção nasal. A vírus produz uma viremia secundária, dissemina-se e
progressão da infecção para o trato respiratório inferior replica em uma variedade de tecidos, incluindo células
depende da infecção concomitante com bactérias e o epiteliais da pele, dos tratos digestivo, respiratório e
quadro clínico-patológico pode evoluir para urinário, no sistema nervoso central e no sistema
pneumonia, com tosse produtiva e febre. As infecções retículo-endotelial. Esses animais podem apresentar
pelo CPIV-2 e pelo CAdV-2 são geralmente restritas ao uma variedade de manifestações clínicas, que possuem
sistema respiratório, não causando viremia ou correlação com os órgãos/ tecidos afetados. A
disseminação sistêmica. incapacidade de erradicar o vírus pode resultar em
persistência viral no SNC.
A localização específica das infecções, isto é,
a distribuição do vírus em órgãos, tecidos e em
grupos de células específicas é determinada por 3.3.2 Infecções da pele e tegumento
vários fatores, que incluem a via de penetração e
replicação primária, a via de disseminação, o tro- As células da epiderme e derme se consti-
pismo tecidual e celular do vírus. Além desses fa- tuem em alvos de replicação de vários vírus. Es-
tores, as interações do vírus com os mecanismos ses tecidos podem se constituir nos sítios de re-
imunológicos do hospedeiro também influen- plicação primária após transmissão por contato,
212 Capítulo 8

abrasões, vetores mecânicos (alguns poxvírus e ou por contato a partir das lesões superficiais (ver
herpesvírus, papilomavírus) ou se constituir em Figura 8.5).
sítios de replicação secundária após uma disse-
minação hematógena (alguns poxvírus, CDV). 3.3.3 Infecções do trato respiratório
Por outro lado, os vírus que replicam na pele
ou na transição muco-cutânea oronasal e genital Estima-se que aproximadamente 90%
podem produzir infecções localizadas (papilo- das infecções respiratórias de animais possuam
mavírus) ou se disseminar para outros órgãos a etiologia viral, isoladamente ou em infecções
distância pela via sangüínea (vários poxvírus e mistas. A anatomia e fisiologia do trato respira-
alguns herpesvírus) ou neural (vários herpesví- tório favorecem o estabelecimento de infecções
rus). O tecido dérmico e subdérmico são ricos em veiculadas por aerossóis, poeiras ou transmitidas
células e capilares sangüíneos e linfáticos, a partir por contato direto ou indireto. Dentre os fatores
dos quais os vírus podem se disseminar pelo or- que favorecem as infecções respiratórias pode-
ganismo (ver Figuras 8.3A e 8.4). se mencionar: a) a inalação contínua de grande
Os efeitos da replicação viral nesses locais quantidade de ar potencialmente contaminado;
são mais pronunciados e visíveis em áreas des- b) o hábito investigativo olfatório de várias espé-
providas de pêlos, como as extremidades das cies animais; c) a grande superfície das vias respi-
orelhas, a transição muco-cutânea do focinho, da ratórias, que se estendem desde as fossas nasais
vulva, úbere e tetas, prepúcio e escroto. As in- até os alvéolos pulmonares; d) a diversidade do
fecções por contato freqüentemente resultam em epitélio que reveste os diferentes segmentos do
lesões delimitadas, com o desenvolvimento de trato respiratório; e) o gradiente de temperatura
eritema e edema localizados, máculas, pápulas, entre as fossas nasais (33ºC) e os alvéolos (tem-
formação e ruptura de vesículas, pústulas e ero- peratura corporal), que favorece a replicação de
sões. As erosões e a contínua exsudação podem alguns vírus; f) além dos aspectos que favorecem
levar ao acúmulo de fibrina, formando membra- a replicação viral no epitélio respiratório ou em
nas finas que recobrem as lesões e, posteriormen- tecidos anexos, a abundância e acessibilidade do
te, dessecam e formam crostas. A contaminação tecido linfóide e a irrigação presente nos tecidos
bacteriana das vesículas pode levar à formação subjacentes facilita a disseminação sistêmica des-
de pústulas. Na infecção por alguns vírus (p. ex.: ses vírus (ver Figura 8.3B). Da mesma forma, a
vírus do ectima contagioso dos ovinos), as cros- anatomia específica do epitélio olfatório fornece
tas que se desprendem das lesões contêm o vírus uma conexão direta com o SNC, o que favorece a
e podem mantê-lo viável durante meses no meio invasão do encéfalo por vários vírus (ex. BoHV-
ambiente, servindo de fonte de infecção para ou- 5). Por isso, apesar dos mecanismos naturais de
tros animais. defesa (muco e epitélio ciliar), o epitélio do trato
Algumas infecções sistêmicas podem resul- respiratório é um importante local de replicação
tar na formação de eritema, petéquias e sufusões para vários vírus.
na pele e/ou mucosas, sem estarem necessaria- Os vírus que replicam no trato respiratório
mente associadas com a replicação viral nesses podem produzir infecções localizadas (p. ex.:
locais. Nesses casos, essas patologias estão asso- vírus da influenza, vírus da parainfluenza, ví-
ciadas com alterações/lesões no endotélio vascu- rus sinciciais respiratórios) ou se disseminar a
lares e/ou com deficiências sistêmicas na coagu- partir desse local e infectar outros órgãos e sis-
lação sangüínea (p. ex.: trombocitopenia). temas (CDV, BoHV-1 e 5 e BVDV) (ver Tabela
Embora vários vírus produzam infecções 8.3). Alguns vírus tendem a replicar nas vias aé-
cutâneas e, assim, estão presentes nas lesões, reas superiores, causando rinite ou rinotraqueíte
nem todos utilizam esta via de excreção para se- (rinovírus e BoHV-1), outros replicam em seg-
rem transmitidos. Exceções são os herpesvírus, mentos intermediários, provocando traqueíte ou
alguns poxvírus e os papilomavírus, que podem bronquite (vírus da influenza), enquanto outros
ser transmitidos de forma mecânica por vetores atingem regiões mais internas e podem estar as-
Patogenia das infecções víricas 213

sociados com bronquiolite e pneumonia (vírus podem ser expelidos pela tosse, espirro, expecto-
sincicial respiratório bovino, BRSV). rações ou durante a ingestão de água e alimentos.
A replicação viral no epitélio respiratório é Esses agentes são transmitidos por contato direto
acompanhada de edema e inflamação, resultando ou indireto e alguns podem ser veiculados por
em interrupção da atividade ciliar, perda da in- aerossóis a distâncias relativamente grandes.
tegridade da camada de muco e destruição focal
ou multifocal de células epiteliais. A destruição
do epitélio e a perda da atividade ciliar contri-
3.3.4 Infecções do trato digestivo
buem para a colonização bacteriana secundária.
O afluxo de células inflamatórias e acúmulo de As infecções víricas do trato gastrintestinal
transudato resultam no aumento da área despro- (TGI) são muito comuns, sendo superadas em
vida de muco e na exposição da superfície celu- freqüência somente pelas infecções respiratórias.
lar. A infecção pode induzir a produção local de A anatomia e fisiologia dos órgãos que compõem
citocinas, que exacerbam o processo inflamatório o TGI também oferecem condições favoráveis
e contribuem para a manifestação de sinais clíni- para a instalação de infecções virais. Dentre estas
cos. Em estágios avançados, o edema da mucosa se destacam a exposição a uma grande quantida-
associado com o acúmulo de transudato, infil- de de agentes ingeridos com a água e alimentos,
trado inflamatório e restos celulares necróticos a grande área de superfície e a existência de dife-
podem levar à redução importante do lúmen e rentes tipos de epitélio nos vários segmentos do
conseqüente dificuldade respiratória. Contami- TGI.
nações bacterianas secundárias são freqüentes As infecções intestinais ocorrem de forma
em várias infecções víricas e, muitas vezes, são as direta, pela ingestão de partículas víricas (coro-
responsáveis pela severidade do quadro clínico. navírus, rotavírus e calicivírus), ou de forma in-
Além dos vírus que produzem infecções lo- direta, por via hematógena após a replicação viral
calizadas pela sua replicação no epitélio respirató- na orofaringe (parvovírus). Os vírus que atingem
rio, outros vírus utilizam esse epitélio como porta o intestino após a ingestão devem ser capazes de
de entrada para a replicação primária e infecção resistir ao pH ácido do estômago e aos sais bilia-
de outros órgãos (ver Tabela 8.3). O BoHV-1 re- res do intestino delgado para estabelecer a infec-
plica no trato respiratório e produz rinotraqueíte, ção. Após resistir a essas adversidades, o vírus
mas também pode se disseminar sistemicamente deve ultrapassar a camada de muco e penetrar
e infectar o feto. O BoHV-5 e o PRV replicam no nas células epiteliais para iniciar a infecção.
epitélio nasal e invadem o SNC, onde replicam De acordo com a sua biologia, os vírus asso-
maciçamente e provocam meningoencefalite. O ciados com infecção do TGI podem ser divididos
BVDV pode penetrar e replicar na mucosa naso- em três grupos principais: a) os vírus associa-
faríngea, a partir da qual se dissemina sistemi- dos primariamente com replicação no TGI e que
camente e pode infectar o feto, podendo causar causam gastrenterite (parvovírus, calicivírus,
aborto ou malformações. O CDV também pode astrovírus, coronavírus e rotavírus); b) os vírus
utilizar a replicação respiratória como etapa ini- excretados nas fezes, mas que não são enteropato-
cial de uma disseminação sistêmica. Os parvoví- gênicos (vários enterovírus, picornavírus, alguns
rus podem atingir o epitélio intestinal ou o feto adenovírus; vírus que causam hepatites); e c) ví-
após replicação primária e disseminação a partir rus sistêmicos que replicam no TGI e em outros
da mucosa orofaríngea. Nos vírus que atingem os órgãos, podendo estar associados com gastrente-
órgãos-alvo por viremia, a replicação secundária rite (exemplo: BVDV). Infelizmente, a biologia de
ocorre no tecido linfóide adjacente à mucosa res- muitos vírus associados primariamente com gas-
piratória e também nos linfonodos regionais. trenterite é muito pouco conhecida, pois muitos
Os vírus que replicam no trato respiratório, deles não replicam bem em cultivo celular, o que
produzindo infecções respiratórias ou sistêmicas, dificulta o seu estudo e a produção de reagentes
são excretados no muco nasal e/ou na saliva e para o diagnóstico.
214 Capítulo 8

Vírus de várias famílias replicam no TGI e células estão em divisão ativa, pois são encarre-
estão primariamente associados com doença en- gadas de substituir gradativamente as células
térica e diarréia. Embora esses agentes estejam das vilosidades que vão sendo esfoliadas. Com a
freqüentemente associados com enterite com ca- destruição das células das criptas pela replicação
racterísticas clínicas semelhantes, a sua patoge- viral, a substituição das células das vilosidades
nia apresenta algumas diferenças importantes. A se torna deficiente. Isso leva também à deficiên-
maioria desses vírus atinge o intestino pela via cia dos processos absortivos do ID, o que carac-
oral e replica nos enterócitos maduros das regi- teriza a síndrome de má-absorção secundária. A
ões mais altas das vilosidades do intestino del- destruição das células das criptas pela replicação
gado (ID) (Figura 8.13). Os vírus que replicam e viral resulta em achatamento das vilosidades e
destroem essas células provocam a redução da reação inflamatória severa. A destruição de en-
capacidade digestiva e absortiva do órgão, re- terócitos maduros leva à exposição das camadas
sultando em retenção de material parcialmente adjacentes, hemorragia e desidratação. A presen-
ou não-digerido no lúmen intestinal. Isso leva à ça de sangue nas fezes se constitui em um achado
retenção de água, aumento de volume e fermen- freqüente em várias infecções víricas intestinais,
tação excessiva nos segmentos terminais do ID e podendo estar associada com níveis importantes
no intestino grosso, exacerbando o efeito osmó- de mortalidade. Em ambos os casos, as vilosida-
tico que atrai água para o lúmen intestinal. Essa des se tornam atrofiadas e achatadas, podendo
condição é conhecida como síndrome da má-ab- ocorrer necrose progressiva e descamação.
sorção primária. Embora a maioria desses vírus replique pre-
Os parvovírus atingem o intestino delgado ferencialmente no epitélio do ID, alguns deles po-
pela via sangüínea, após a replicação na orofa- dem infectar as células epiteliais das vilosidades
ringe. Esses vírus infectam as células das criptas do intestino grosso. Em geral, a replicação desses
intestinais, que são imaturas e se constituem nas vírus fica restrita ao epitélio do intestino, com
células progenitoras dos enterócitos das vilosi- pouca ou nenhuma replicação em células da lâ-
dades (Figura 8.13). As células das criptas são os mina própria e tecidos subjacentes. Outros vírus
alvos principais de replicação do CPV e FPLV, infectam populações específicas de células, além
pelo fato de apresentarem uma taxa acelerada de das células epiteliais, como os astrovírus (células
divisão, o que favorece a replicação viral. Essas M e das placas de Peyer do ID).

A B
movimento dos enterócitos

Rotavírus
Astrovírus
Calicivírus
em maturação

Enterócitos maduros Coronavírus


(não-mitóticos, Adenovírus
Vilosidade absortivos) Torovírus
Epitélio do Dome Torovírus
(células M) Astrovírus

Células Placas de Peyer


das criptas Linfonodo Parvovírus
(mitóticas, Torovírus
secretórias)

Fonte: adaptada de Conner e Ramig (1997).

Figura 8.13. Ilustração simplificada da estrutura do epitélio do intestino delgado (A) e local de replicação de alguns
vírus entéricos (B).
Patogenia das infecções víricas 215

O BVDV está freqüentemente associado com contrário não seriam capazes de alcançar o en-
quadros de enterite, nos quais a replicação viral céfalo após a sua penetração no hospedeiro. O
nos epitélios e/ou no tecido linfóide adjacente termo neurovirulência se refere à capacidade dos
resulta em lesões erosivas e ulcerativas dissemi- vírus de replicar, disseminar-se no SNC e produ-
nadas pelo trato GI. Com certa freqüência, essas zir doença neurológica. Para a maioria dos vírus
lesões podem ser observadas ao longo do TGI, que produzem infecções neurológicas, estas duas
incluindo a língua, mucosa oral, esôfago, rúmen, propriedades estão presentes simultaneamente.
abomaso e intestino delgado. Além da replica- No entanto, tem sido demonstrado que alguns
ção nas células epiteliais, o caráter sistêmico do vírus podem ser neurovirulentos se inoculados
agente e a sua capacidade de replicar em células diretamente no SNC, mas não são capazes de
do sistema linforreticular provavelmente contri- atingir o encéfalo após replicação em sítios peri-
buem para a patogenia dessas lesões. féricos. Ou seja, são potencialmente neuroviru-
Os vírus que replicam no epitélio intesti- lentos, mas não neuroinvasivos. Alguns isolados
nal ou em órgãos anexos (fígado) geralmente são do BoHV-1, por exemplo, só produzem infecções
excretados em altos títulos nas fezes e são trans- neurológicas em coelhos após a inoculação intra-
mitidos principalmente pela via fecal-oral. Esses tecal ou intracerebral, não sendo capazes de in-
vírus são geralmente resistentes às condições vadir o encéfalo após a inoculação intranasal ou
ambientais, o que favorece a sua sobrevivência intraconjuntival.
no ambiente e transmissão. Os vírus hepatotró- A via nervosa fornece um acesso direto ao
picos (p. ex.: CAdV-1 e hepadnavírus) também encéfalo, pois os vírus são transportados ao lon-
são excretados nas fezes. Alguns vírus replicam go de fibras conectadas sinapticamente. O trans-
em órgãos anexos ao trato digestivo e são excre- porte ao longo de axônios e dentritos e a trans-
tados pela saliva, podendo ser transmitidos por missão através das sinapses permite aos vírions
mordeduras (vírus da raiva em cães, gatos e mor- percorrer longas distâncias e atingir o encéfalo a
cegos; arenavírus entre roedores; herpesvírus B partir dos sítios periféricos de replicação.
em macacos) ou pelo contato direto ou indireto A penetração de vírus no SNC a partir do
com as secreções contaminadas (CDV, CAdV-1 e sangue oferece obstáculos adicionais, representa-
FMDV). dos pela barreira hematoencefálica. Essa barreira
é formada pela estrutura especializada da parede
3.3.5 Infecções do sistema nervoso de certos capilares, que apresentam células en-
central doteliais justapostas; pela lâmina basal espessa;
pelo plexo coróide; e pelo epitélio ependimal,
O SNC se constitui em órgão-alvo para a re- que não apresenta espaço entre as células. Em-
plicação de diversos vírus, cuja infecção é geral- bora estas barreiras sejam eficientes para evitar
mente revestida de significado especial pela sua a penetração de alguns vírus no SNC, parecem
importância. Os vírus que produzem infecções não serem capazes de impedir a penetração de
neurológicas e encefalite geralmente invadem o outros. É provável que alguns vírus consigam ul-
encéfalo através dos nervos, mas vários deles po- trapassar essas barreiras; outros podem infectar
dem atingir esse órgão pela via hematógena. Os as células endoteliais e serem liberados na face
vírus que replicam em células do sistema nervoso oposta; uma minoria parece ser transportada do
são ditos neurotrópicos, mas a maioria deles tam- sangue para o tecido nervoso no interior de célu-
bém é capaz de replicar em outras células. Duas las sangüíneas.
propriedades devem ser definidas com relação a Após a penetração no tecido nervoso, o ví-
infecção neurológica por vírus. O termo neuroin- rus pode se disseminar localmente pela infec-
vasividade se refere à capacidade dos vírus atingir ção de neurônios e células da glia localizadas
o SNC após a replicação em sítios periféricos. Os nas proximidades; pode se disseminar pelos
vírus que produzem infecções neurológicas sob espaços intercelulares; e pode também atingir
condições naturais são neuroinvasivos, pois do regiões mais profundas dos SNC por transpor-
216 Capítulo 8

te transináptico. Embora as manifestações clíni- aquele de ocorrência mais freqüente – para expli-
co-patológicas mais importantes das infecções car os distúrbios neurológicos associados com as
neurológicas devam-se a distúrbios funcionais e infecções víricas do SNC, a ocorrência de doença
morte dos neurônios, uma variedade de células neurológica grave sem infecção neuronal maciça
pode ser infectada e contribuir para as patologias também tem sido descrita em infecções víricas.
observadas. Ou seja, as patologias neurológicas Isso demonstra que alguns vírus podem causar
nem sempre são derivadas exclusivamente da in- disfunção neuronal grave sem infecção ou morte
fecção viral dos neurônios. Para vários vírus que de um número significativo dessas células, o que
produzem infecções neurológicas, as células-alvo poderia explicar, em parte, os casos de recupe-
da replicação no SNC ainda não são perfeitamen- ração clínica que eventualmente ocorram após
te definidas. A identificação das células-alvo da infecções neurológicas. Em muitos casos, ocorre
replicação se constitui em um ponto-chave para a infecção de um número variável de células da
o entendimento da patogenia de muitas infecções micróglia, de astrócitos e de oligodendrócitos,
víricas neurológicas. com um envolvimento pouco significativo de
Os efeitos mais deletérios e mais estudados neurônios. É possível que produtos virais tóxicos
das infecções neurológicas por vírus se devem à para os neurônios sejam liberados por essas célu-
destruição dos neurônios infectados. Dependen- las no meio extracelular. A liberação de citocinas
do do número de neurônios infectados e destru- e outros mediadores químicos inflamatórios tam-
ídos, esses eventos podem resultar em doença bém têm sido implicados na disfunção neuronal
severa e na morte do hospedeiro, como ocorre observada nessas infecções. Em particular, o óxi-
em animais de laboratório infectados experimen- do nítrico que é produzido por células da glia em
talmente com alguns buniavírus, vírus da raiva, resposta à infecção vírica pode ser deletério para
herpesvírus e alfavírus. A morte celular pode os neurônios. De fato, tem sido demonstrado que
dever-se a uma variedade de mecanismos, mui- as interações entre células inflamatórias e neurô-
tos já descritos na secção referente às interações nios podem resultar em toxicidade e disfunção
do vírus com as células hospedeiras (seção 2.1). neuronal, sem necessariamente induzir a morte
A indução de apoptose em neurônios também de neurônios. Os mecanismos efetores celulares
tem sido implicada na patogenia de alguns vírus e humorais da resposta inflamatória também
neurovirulentos. O tropismo específico do vírus podem potencialmente contribuir para a injúria
por determinadas subpopulações de neurônios e disfunção neuronal. Esses mecanismos podem
pode influenciar o padrão de neurovirulência e explicar, em parte, a ocorrência de doença neuro-
as conseqüências clínico-patológicas da infecção. lógica severa e até mesmo fatal, desacompanha-
O poliovírus, por exemplo, infecta preferencial- da de infecção neuronal significativa, como ocor-
mente neurônios do corno anterior da medula re em algumas situações.
espinhal, resultando em sintomatologia caracte- Além das infecções neurológicas agudas
rística. O buniavírus La Crosse infecta as células com conseqüências clínico-patológicas variáveis
de Purkinge do cerebelo de camundongos infec- – e freqüentemente fatais – alguns vírus estabe-
tados experimentalmente. A via de inoculação lecem infecções persistentes no sistema nervoso.
e penetração no SNC também pode determinar Uma parte das infecções agudas resulta em mor-
as características clínico-patológicas da infecção. te do hospedeiro dentro de poucos dias, tendo,
O curso clínico e os sinais clínicos apresentados assim, importância epidemiológica limitada (p.
por coelhos inoculados com o BoHV-5 variam ex.: encefalites eqüinas por alfavírus e flavivírus,
de acordo com a via de inoculação (intranasal e raiva e cinomose). Por outro lado, as infecções
conjuntival), provavelmente refletindo diferentes persistentes podem ter conseqüências epidemio-
padrões temporais e espaciais de replicação viral lógicas mais importantes, pela perpetuação da
no encéfalo. infecção nos hospedeiros. Para estabelecer uma
Embora a infecção e destruição de neurô- infecção persistente, o vírus não pode matar as
nios seja o mecanismo mais atraente – e talvez células infectadas; ele deve manter a sua replica-
Patogenia das infecções víricas 217

ção em níveis baixos e possuir estratégias para essa ocorrência pode demorar anos. A persis-
escapar da vigilância do sistema imunológico. tência do vírus no SNC, após a infecção aguda,
De fato, nessas infecções, a extensão da injúria pode ser favorecida por mutações que resultem
e lesões é geralmente muito pequena ou mesmo na produção de vírus defectivos. Outra forma de
ausente. Por outro lado, a persistência viral em infecção persistente no SNC é a estabelecida pelo
células nervosas é freqüentemente associada com retrovírus MVV, nos quais o vírus estabelece in-
imunopatologia em neurônios e células da glia. fecção crônica em células da linhagem macrofági-
O SNC apresenta características que podem ca com produção de vírus ausente ou esporádica.
favorecer a persistência de infecções víricas, entre O vírus da doença de Borna (BDV) de eqüinos
elas: possui uma população estável e heterogênea também estabelece infecção persistente no siste-
de células susceptíveis a vários vírus; uma rede ma nervoso, porém a produção de vírus parece
intrincada de processos (axônios e dendritos) que ser contínua, apesar de ocorrer em níveis baixos.
permite a disseminação do vírus a longas distân-
cias; uma barreira hemato-encefálica que restrin- 3.3.6 Infecções do sistema linforreticular
ge o acesso de linfócitos T e anticorpos. No en- e hematopoiético
tanto, alguns vírus infectam concomitantemente
células extraneurais e produzem viremia crônica, Vários vírus utilizam células linforreticula-
indicando que o SNC pode não oferecer todas as res e/ou da linhagem hematopoiética como alvos
condições para a persistência viral. de replicação em infecções naturais. A variedade
As infecções persistentes do SNC podem ser de tipos celulares e a multiplicação contínua de
classificadas em três tipos principais, com conse- algumas dessas células favorecem a replicação
qüências clínico-patológicas e epidemiológicas desses vírus. Da mesma forma, a contínua re-
diferentes: infecções latentes, infecções crônicas circulação dessas células – especialmente os lin-
defectivas e infecções crônicas produtivas. Os fócitos – favorece o caráter sistêmico dessas in-
alfaherpesvírus (PRV, BoHV-1, BoHV-5 etc.) es- fecções. Em geral, a infecção se inicia nos órgãos
tabelecem infecções latentes em neurônios dos linfóides secundários, após a drenagem da linfa
gânglios sensoriais e autonômicos próximos ao dos tecidos ou com a passagem do sangue pelo
sítio de infecção primária. Durante a infecção la- baço. Os vírus presentes na linfa e/ou sangue são
tente, o genoma do vírus permanece inativo no capturados por ou infectam células da linhagem
núcleo dos neurônios, sem expressão gênica ou monocítica/macrofágica, células dentríticas ou
produção de progênie viral. Ocasionalmente, em linfócitos dos linfonodos, baço, placas de Peyer
situações de estresse, o vírus retoma a replicação e outros acúmulos linfóides. A replicação viral
ativa e é transportado de volta aos sítios de pene- nessas células é seguida da produção de progênie
tração, onde replica e é excretado. A reativação viral que infecta um número adicional de células
da infecção é importante na epidemiologia des- próximas, além de permitir a sua disseminação
ses vírus, pois permite a excreção e transmissão sistêmica através de células circulantes. Assim o
a outros animais. Algumas vezes a reativação é vírus pode se distribuir por outros órgãos linfor-
acompanhada de recrudescência clínica, com o reticulares e se disseminar nesses tecidos. Infec-
desenvolvimento de lesões no sítio de penetra- ções de células progenitoras hematopoiéticas da
ção, e também com o desenvolvimento esporádi- medula óssea podem ocorrer nesses estágios da
co de infecção neurológica e meningo-encefalite infecção. Os macrófagos, células dendríticas, lin-
(BoHV-5). Cães que se recuperam da infecção fócitos T e B são alvos de replicação de uma varie-
aguda pelo CDV – acompanhada ou não de si- dade de vírus que causam doenças em animais.
nais clínicos – podem ficar portadores do vírus, Além dessas, células progenitoras da linhagem
que segue replicando em níveis muito baixos no linfóide, mielóide ou hematopoiética da medu-
SNC, geralmente desacompanhado de excreção la óssea podem ser infectadas por alguns vírus e
viral. Eventualmente esses animais desenvolvem comprometer a reposição das células sangüíneas
um quadro de encefalite viral e vão a óbito, mas (alguns vírus induzem trombocitopenia).
218 Capítulo 8

A infecção maciça do sistema linforreticular 3.3.7 Infecção fetal


freqüentemente leva à depleção linfóide e disfun-
ção da resposta imunológica. A disfunção do sis-
Os tecidos embrionários e fetais apresen-
tema imunológico pode resultar em deficiências
tam uma alta taxa de multiplicação celular e, por
na resposta a outros patógenos, com predisposi-
isso, constituem-se em sítios de predileção para
ção a infecções secundárias. Vários vírus animais
a replicação de vários vírus. Os vírus que infec-
têm sido associados com infecção do sistema lin-
tam o feto se disseminam pela via hematógena e
fóide e indução de imunossupressão, incluindo o
vários deles produzem infecções inaparentes ou
vírus da doença de Gumboro em aves (IBDV), o
leves nas fêmeas prenhes. Nesses casos, as conse-
FIV e o vírus da imunodeficiência bovina (BIV).
qüências maiores da infecção são devidas às per-
Outros vírus, como o BVDV, CSFV, CDV e CPV
das reprodutivas. As conseqüências da infecção
podem estar associados com quadros transitórios
fetal variam com a espécie e cepa do vírus, com
de supressão imunológica. A imunossupressão
o status imunológico da fêmea e com a fase de
produzida por esses vírus pode dar-se em razão
gestação em que ocorre a infecção. As infecções
de vários mecanismos e será abordada em seção
que ocorrem em fases precoces da gestação são
específica.
geralmente acompanhadas de morte embrionária
Alguns dos vírus mais virulentos para hu-
ou fetal. Infecção fetal em estágios intermediários
manos e animais estão associados com infecções
pode produzir teratogenia ou abortos e infecção
do tecido linforreticular e hematopoiético, in-
cluindo o vírus ebola (filovírus), arenavírus, han- em fases avançadas pode induzir abortos, nati-
tavírus, o vírus da febre do vale Rift (um bunia- mortos ou resultar em resposta imunológica e er-
vírus), o VEEV, CSFV e ASFV. Esses vírus estão radicação da infecção pelo feto.
associados com doença severa, caracterizada pelo A infecção fetal também pode representar
curso agudo e pela ocorrência de lesões vascula- um meio para o vírus persistir na população, pela
res, disfunções hemodinâmicas, de coagulação geração de animais imunotolerantes e persisten-
sangüínea e ocorrência de eventos hemorrágicos. temente infectados, capazes de disseminar o ví-
Alguns isolados do BVDV também têm sido as- rus por longos períodos. A produção de neonatos
sociados com doença aguda severa acompanhada persistentemente infectados é característica da
de componentes hemorrágicos. Essas enfermida- infecção fetal por cepas não-citopáticas do BVDV
des possuem algumas características em comum, entre os 40 e 120 dias de gestação, e pode ocorrer
como o curso agudo, a ocorrência de alterações também com os pestivírus suíno e ovino. Os efei-
vasculares, lesões endoteliais com perda de líqui- tos da infecção fetal pelo BVDV estão ilustrados
do vascular, proteinúria e edemas. As manifesta- na Figura 8.14.
ções mais comuns da injúria nos endotélios vas- Os efeitos observados no feto podem dever-
culares incluem hiperemia acentuada, petéquias se à replicação viral nos tecidos fetais e/ou repli-
e sufusões nas mucosas e serosas, equimoses e cação na placenta e interferência com as funções
hemorragias pontuais disseminadas em quadros placentárias. A mortalidade fetal pode ser segui-
severos. Quadros de choque hipovolêmico são da de reabsorção, mumificação fetal ou aborta-
freqüentes em estágios avançados da doença. As mento. Os abortos associados com infecções víri-
hemorragias e extravasamento de plasma podem cas geralmente ocorrem dias ou semanas após a
ser por causa da injúria nos endotélios vasculares infecção, o que dificulta a detecção de vírus e/ou
pela replicação viral nas células endoteliais, por produtos virais nos tecidos fetais e conseqüente-
alterações na coagulação sangüínea (coagulação mente o diagnóstico.
intravascular disseminada com consumo de pla- Dentre os vírus animais que produzem in-
quetas) ou ainda por trombocitopenia primária. fecções embrionárias e fetais destacam-se:
Patogenia das infecções víricas 219

– herpesvírus de várias espécies: mortalida- – vírus da leucemia felina (FeLV): leucemia,


de fetal, abortos, doença ou mortalidade neona- mortalidade fetal;
tal; – vírus da síndrome respiratória e reprodu-
– pestivírus de bovinos (BVDV), suínos tiva dos suínos (PRRSV) e vírus da arterite viral
(CSFV) e ovinos (border disease virus – BDV): mor- eqüina (EAV): mortalidade fetal, abortos;
talidade fetal, abortos, malformações, natimorta- – vírus Akabane (ovinos e bovinos): morte
lidade, nascimento de animais persistentemente fetal, abortos, malformações, natimortalidade;
– vírus da febre do vale Rift (RVFV) em ovi-
infectados;
nos: mortalidade fetal e abortos.
– vírus da língua azul (BTV, um orbivírus)
Perdas reprodutivas por alguns desses agen-
em ovinos e bovinos: mortalidade fetal, abortos,
tes também têm sido relatadas após o uso de va-
malformações congênitas;
cinas atenuadas contendo os respectivos agentes.
– parvovírus suíno (PPV): reabsorção em- Por outro lado, para os vírus que causam perdas
brionária, mortalidade fetal, abortos, mumifica- reprodutivas importantes, a vacinação deve ser
ção, natimortalidade; realizada antes da cobertura ou inseminação para
– vírus da panleucopenia felina (FPLV): hi- prevenir a infecção fetal e, assim, minimizar as
poplasia cerebelar; perdas.

BVDV

ncp ou cp

Soropositivo, sem o vírus

ncp

Bezerro PI

Natimortos
Malformações
ncp ou cp Bezerros PI
Infertilidade
Abortos

Atrofia da retina
Cegueira
Embrião muito
susceptível Lesões no SNC
Bezerros saudáveis
soropositivos
Imunotolerância (PI)
Efeitos na
fertilização,
implantação Abortos

0 40 80 120 160 200 240 280

D I A S D E G E S TA Ç Ã O

Figura 8.14. Efeitos da infecção de fêmeas bovinas prenhes pelo vírus da diarréia viral bovina (BVDV). As
conseqüências da infecção dependem do status imunológico da fêmea, da cepa do vírus (biotipo e virulência) e do
estágio de desenvolvimento do embrião/feto.
220 Capítulo 8

4 Padrões principais de infecção principais de infecção podem ser reconhecidos:


as infecções agudas e as infecções crônicas (ou
A sobrevivência dos vírus como espécie persistentes). No entanto, variações e combina-
depende de infecções sucessivas e contínuas de ções desses tipos também ocorrem com freqüên-
diferentes indivíduos e/ou de infecções prolon- cia (Figura 8.15).
gadas no mesmo indivíduo. Por outro lado, o re- Alguns vírus produzem infecções agudas, que
sultado da infecção viral em um animal depende se caracterizam pela curta duração e rápida er-
de interações múltiplas entre componentes virais radicação do agente pela resposta imunológica
e do hospedeiro. Objetivamente, depende do do hospedeiro. Outros vírus produzem infecções
balanço entre as estratégias virais para se perpe- persistentes ou crônicas, caracterizadas pela per-
tuar no organismo e dos mecanismos de defesa manência do agente no hospedeiro por longos
do hospedeiro para erradicar o agente. Apesar períodos, muitas vezes pelo resto da vida. A na-
da diversidade dos vírus e da complexidade de tureza autolimitante das infecções agudas se deve
suas interações com os hospedeiros, dois padrões principalmente à eficiência do sistema imunoló-

Infecção Aguda

Infecção Latente

Infecção Persistente

Infecção Persistente
temporária

Replicação viral

Manifestações clínicas

Fonte: adaptada de Flint et al. (2000).

Figura 8.15. Principais padrões de infecção.


Patogenia das infecções víricas 221

gico do animal em combater e erradicar a infec- ções entéricas por rotavírus em várias espécies,
ção. Visto por outro ângulo, o caráter transitório vírus da influenza em suínos e eqüinos, vírus da
dessas infecções se deve à incapacidade dos vírus raiva em várias espécies, CPV, entre outras.
persistir no animal na presença da resposta imu-
nológica. As infecções persistentes ou crônicas 4.2 Infecções persistentes ou crônicas
também podem ser vistas sob duas óticas: a) do
ponto de vista do hospedeiro, a persistência do As infecções crônicas ou persistentes se ca-
agente em seus tecidos reflete a incapacidade do racterizam pela persistência do vírus ou do ge-
sistema imunológico de erradicá-lo; e b) do ponto noma viral no hospedeiro por longos períodos.
de vista do agente, a persistência é o resultado A maioria dessas infecções se inicia como uma
de estratégias evolutivas, que foram desenvolvi- infecção aguda, caracterizada por uma rápida
das para se adaptar ao hospedeiro e escapar da replicação viral, acompanhada ou não de sinais
vigilância do sistema imunológico, garantindo, clínicos. No entanto, ao contrário das infecções
assim, a sua permanência no animal. agudas, a resposta imunológica montada pelo
hospedeiro não é capaz de erradicar o agente,
4.1 Infecções agudas resultando na sua permanência nos tecidos por
períodos variáveis. Diferentes tipos de infecções
A principal característica das infecções agu- crônicas podem ser reconhecidos de acordo com a
das é o curto período de tempo em que o vírus biologia do agente, com a dinâmica de replicação
replica no organismo do hospedeiro. É o padrão viral (ausência ou presença de replicação ativa) e
de infecção mais estudado e conhecido e é carac- com a duração. Em geral, os níveis de replicação
terístico de vários vírus que replicam com eficiên- e excreção viral nas infecções crônicas são muito
cia em animais e em cultivos celulares. O termo mais baixos do que nas infecções agudas e, algu-
aguda se refere à rapidez de replicação e produ- mas vezes, podem ser dificilmente detectáveis.
ção de progênie viral, que é seguida também por De acordo com a ocorrência ou não de re-
uma rápida resolução e erradicação da infecção. plicação viral durante a persistência, dois tipos
Os níveis de replicação viral no organismo au- principais de infecções crônicas são reconheci-
mentam rapidamente, atingem um pico após al- dos: as infecções latentes e as infecções persisten-
guns dias e decrescem também com certa rapidez tes. As infecções latentes são caracterizadas pela
(Figura 8.15). A redução dos níveis de vírus no permanência do genoma viral nas células do hos-
organismo coincide com o desenvolvimento de pedeiro, na maior parte do tempo sem replicação
resposta imunológica humoral (anticorpos) e ce- e produção de vírus. A replicação e produção de
lular (linfócitos T citotóxicos). Em geral, a respos- progênie viral somente ocorrem em situações es-
ta imunológica é capaz de erradicar o agente dos porádicas e duram horas ou poucos dias. Já nas
tecidos após alguns dias. Se, por um lado, o curto infecções persistentes, a replicação viral ocorre
período de replicação e excreção pode ser detri- de forma contínua, em níveis variáveis, e é fre-
mental para a sobrevivência do vírus na popula- qüentemente acompanhada de excreção do agen-
ção, os altos títulos de vírus que são excretados te. Em algumas infecções persistentes, no entan-
favorecem a transmissão do agente. to, os níveis de replicação são tão baixos – e em
É importante ressaltar que o termo aguda se determinados tecidos do organismo – que não
refere à cinética de replicação viral (níveis e tem- são acompanhados de excreção viral detectável
po) e não às manifestações clínicas. De fato, muitas (p. ex.: persistência do CDV no encéfalo de cães
infecções agudas são absolutamente subclínicas, adultos e persistência do FMDV na faringe). Em
ou seja, são desacompanhadas de manifestações outras, a replicação e excreção viral ocorrem de
clínico-patológicas. Não obstante, muitas vezes forma contínua e em níveis significativos.
as infecções agudas não podem ser controladas As infecções persistentes – aquelas que cur-
pelo sistema imunológico e resultam em doen- sam com replicação viral contínua – podem ser
ça de severidade variável, algumas vezes fatais. agrupadas em duas classes, que são determina-
Exemplos de infecções agudas incluem as infec- das pela biologia dos vírus e por suas interações
222 Capítulo 8

com o hospedeiro. Para alguns vírus, o estabe- 4.2.1 Infecções latentes


lecimento de infecção persistente é uma regra
e ocorre em, virtualmente, todos os indivíduos Esse tipo de infecção é típico dos alfaher-
infectados. Em outras palavras, a persistência é pesvírus animais (BoHV-1, BoHV-5, PRV, EHV-
uma característica biológica inerente às relações 1, herpesvírus canino, herpesvírus felino, entre
daquele vírus com os seus hospedeiros. Esse tipo outros) e se caracteriza pela permanência do ge-
de infecção persistente se prolonga por tempo in-
noma viral inativo em neurônios dos gânglios
determinado, provavelmente por toda a vida do
sensoriais e autonômicos após o término da repli-
animal. Essas são as infecções persistentes clássicas
cação na fase aguda. Durante a infecção latente
e são características das infecções pelos retro-
não ocorre produção de proteínas virais, replica-
vírus animais, além de outros vírus. Em outros
ção do genoma ou produção de partículas víri-
grupos de vírus, infecções persistentes podem
cas. Com isso, os neurônios que abrigam o geno-
ser estabelecidas após a infecção aguda, em um
ma viral não são reconhecidos como infectados
número variável de indivíduos, e a persistência
geralmente possui duração variável, não necessa- pelo sistema imunológico, o que permite ao vírus
riamente indefinida. Nesses casos, a persistência escapar da vigilância imunológica. O genoma vi-
é uma conseqüência provável – e muitas vezes ral não é integrado aos cromossomos celulares e
freqüente – da infecção, mas não se constitui em permanece como um epissomo, fortemente asso-
regra ou padrão biológico da infecção por esses ciado com proteínas celulares no núcleo dos neu-
vírus. Além disso, grande parte dos animais que rônios. Esporadicamente, geralmente associado
se tornam portadores consegue erradicar a infec- com situações de estresse e produção de glico-
ção após algum tempo, determinando o fim da corticóides endógenos, a infecção é reativada e o
persistência, ou seja, são infecções persistentes tem- vírus replica de forma aguda e é excretado. O pe-
porárias (Figura 8.15). ríodo e a magnitude de excreção viral durante a
Algumas infecções persistentes são acompa- reativação são geralmente bem inferiores àqueles
nhadas de sinais clínicos crônicos, que podem ser observados durante a infecção aguda. A reativa-
brandos ou graves; outras vezes a infecção é ab- ção da infecção ocasionalmente é acompanhada
solutamente inaparente. Várias infecções crônicas de manifestações clínicas, geralmente mais bran-
resultam em patologias progressivas de desen- das do que aquelas observadas durante a infec-
volvimento lento (MVV, CAEV, vírus da pneu- ção aguda. As reativações ocorrem a intervalos
monia progressiva dos ovinos [OPPV] e FeLV), variáveis (semanas, meses, anos) em uma parcela
em imunopatologia ou imunodeficiência (EIAV, dos indivíduos e é possível que alguns hospedei-
FIV e LCMV) ou no desenvolvimento de neopla- ros não apresentem episódios de reativação. A
sias malignas (vírus da leucose aviária [ALV] e infecção latente representa um meio do vírus se
BLV). Essas patologias são mais comumente ob- perpetuar no hospedeiro, e a sua reativação peri-
servadas nas infecções persistentes clássicas.
ódica permite a sua excreção e transmissão.
Os locais de persistência do vírus não são
necessariamente os mesmos em que o vírus re-
plicou e produziu patologias na fase aguda e, fre- 4.2.2 Infecções persistentes ou crônicas
qüentemente, incluem sítios de acesso restrito do
sistema imunológico. Os padrões de replicação e
Essas infecções se caracterizam pela contí-
excreção viral durante as infecções crônicas tam-
bém são muito variáveis. Em algumas infecções, nua replicação e produção de partículas víricas
a replicação viral é contínua e ocorre em níveis nos tecidos do hospedeiro por tempo ilimitado,
moderados a altos; em outras, os níveis de repli- provavelmente por toda a vida do animal. É pos-
cação são muito baixos, com pouca ou nenhuma sível se detectar o agente infeccioso em qualquer
excreção viral. Já as infecções latentes são carac- momento após a infecção aguda, desde que se
terizadas por longos períodos de absoluta ausên- examinem os tecidos certos com técnicas apro-
cia de replicação viral intercaladas com episódios priadas. As infecções persistentes se estabelecem
esporádicos de reativação, replicação e excreção porque o sistema imunológico do hospedeiro não
viral. consegue erradicar o vírus durante a infecção
Patogenia das infecções víricas 223

aguda. Subseqüentemente, por diferentes me- outros casos, as infecções crônicas que se seguem
canismos, o agente consegue coexistir com uma às infecções agudas parecem ocorrer na maioria,
resposta imune que mantém um controle parcial senão em todos os animais. Os níveis de repli-
da infecção, sem conseguir eliminá-la totalmente. cação e excreção viral variam de acordo com o
Os níveis de replicação nesse tipo de infecção va- agente e com a resposta do hospedeiro. A dura-
riam de acordo com o vírus. Alguns vírus man- ção da persistência também é variável, podendo
têm níveis consideráveis de replicação de forma ser de meses e até anos (ou até mesmo por toda a
contínua; outros apresentam uma replicação vida do animal). Naqueles casos em que a erradi-
mínima, às vezes, de difícil detecção. As infec- cação do agente ocorre após algum tempo, é pro-
ções pelos retrovírus animais (EIAV, BLV, FeLV, vável que o vírus tenha esgotado o seu arsenal de
CAEV, entre outras), BTV e infecção persistente estratégias para persistir no animal, sendo even-
pelo BVDV são exemplos clássicos de infecções tualmente combatido pelo sistema imune. Vários
víricas persistentes. vírus produzem este tipo de infecção. O PRRSV
No caso dos retrovírus, a manutenção da in- permanece replicando nos testículos de repro-
fecção se deve à integração definitiva de cópias dutores suínos por até seis meses após a infec-
DNA do genoma viral nos cromossomos das ção aguda. O CAdV-1 também pode permanecer
células hospedeiras, ou seja, as células infecta- durante meses replicando no epitélio dos túbulos
das ficam persistentemente infectadas e, caso se renais, que são locais de acesso restrito do sistema
multipliquem, transmitem o genoma viral para imunológico. A infecção pelo CDV é um exemplo
a sua progênie. Assim, gerações sucessivas de de infecção que é geralmente aguda – na maioria
células produzem vírus infecciosos ao longo da dos animais – mas pode se tornar crônica em uma
vida do animal. No caso do BLV, a manutenção parcela dos cães que não conseguem erradicar o
da infecção persistente deve-se principalmente a vírus na fase aguda. Nesses animais, o vírus per-
divisões celulares contínuas e transmissão do ge- siste replicando em níveis baixos no SNC. Essa
noma viral para a progênie, do que à produção replicação não é acompanhada de excreção viral
de vírus infecciosos. É interessante observar que em secreções ou excreções. A maioria desses ani-
os retrovírus, além de inserir o seu material ge- mais eventualmente desenvolve doença neuro-
nético nos cromossomos do hospedeiro, também lógica de curso fatal, em um prazo que varia de
sofrem contínuas mutações que contribuem para meses a anos. No caso do calicivírus felino (FCV),
a sua perpetuação no animal infectado. a persistência do vírus no hospedeiro parece ser
As infecções persistentes pelo BVDV somen- favorecida pela ocorrência contínua de mutações
te ocorrem em animais que tenham sido infecta- genéticas que resultam em variantes virais que
dos intra-uterinamente, entre os 40 e 120 dias de escapam da resposta imune do animal. O FMDV
produz uma infecção clínica aguda (febre aftosa)
gestação. Esses animais se tornam imunotoleran-
que se resolve em poucos dias. No entanto, uma
tes e são incapazes de montar uma resposta imu-
parcela dos animais permanece abrigando o vírus
nológica contra o vírus infectante. Assim, o vírus
na faringe por um determinado tempo. Os níveis
pode replicar continuamente em altos títulos no de replicação são geralmente muito baixos e pa-
tecido linforreticular e epitélios dos animais, sem recem não ser acompanhados de excreção viral.
a interferência do sistema imunológico. Alguns arenavírus e hantavírus produzem
infecções crônicas em roedores silvestres. Essas
4.2.3 Infecções persistentes temporárias infecções são acompanhadas por viremia prolon-
gada – muitas vezes por toda a vida – e de trans-
Em alguns vírus, a infecção aguda pode ser missão vertical do vírus para a progênie. Já as
seguida de persistência do agente nos tecidos do infecções crônicas por hantavírus são caracteriza-
hospedeiro por períodos variáveis. Em algumas das por viremia transitória seguida de excreção
delas, a persistência ocorre apenas em alguns prolongada de vírus pela saliva, secreções nasais,
animais, não se constituindo em uma regra. Em fezes e urina. Esses vírus podem ser ocasional-
224 Capítulo 8

mente transmitidos para humanos e são impor- 8.4 apresenta as principais características das in-
tantes causas de febres hemorrágicas. A Tabela fecções virais persistentes.
Tabela 8.4 Sítios de persistência de vírus que estabelecem infecções latentes ou persistentes nos hospedeiros

Tipo Família/subfamília Vírus Espécie Local de persistência

Gânglios sensoriais e autonômicos, tonsilas e


BoHV-1 bovina linfócitos T (BoHV-1.1), linfonodos da região
sacral (BoHV-1.2).

BoHV-5 bovina Gânglio trigêmeo e sítios do SNC.

BoHV-2 bovina Gânglio trigêmeo, pele e linfonodos.

CaHV-1 canina Gânglios sensoriais e autonômicos.

FHV-1 felina Gânglios sensoriais e autonômicos.


Herpesviridae/
Alphaherpesvirinae CpHV caprina Gânglios sensoriais e autonômicos.

PRV suína Gânglio trigêmeo, bulbo olfatório, tronco


cerebral, medula espinhal, tonsilas.
Latente

EHV-1, 3 e 4 eqüina Gânglios sensoriais e autonômicos.

GaHV-1 aves Gânglios sensoriais e autonômicos.

Herpesviridae/ PCMV (SHV-2) suína Glândula salivar, epitélio vesical e células


Betaherpesvirinae mononucleares.

Herpesviridae/ MCFV (AHV-1) ruminantes Células linfoblastóides.


Gammaherpesvirinae
EHV-2 e 5 eqüina Células linfoblastóides.

Adenoviridae DAdV-A aves Células da glândula da casca e do oviduto.

BLV bovina Linfócitos B.

Maedi/ Visna ovina Monócitos e macrófagos.

CAEV caprina Linfócitos, SNC, epitélio alveolar, monócitos e


macrófagos.

FIV/FeLV felina Células mielóides, linfócitos T e B.


Retroviridae
EIAV eqüina Macrófagos e linfócitos.

ALV aves Células linfóides, mielóides, renais, ósseas,


endoteliais e mesenquimais.

Vírus Jaagsiekte ovina Células epiteliais do sistema respiratório.


OPAV
Persistente

Coronaviridae FIPV felina Macrófagos.

Paramyxoviridae CDV* canina SNC (oligodendrócitos).

Caliciviridae FCV felina Epitélio respiratório e anexos.

Células do sistema imune, SNC, medula


BVDV, BDV e bovina, ovina e óssea, células endoteliais e células
Flaviviridae
CSFV** suína epiteliais dos sistemas respiratório e
digestório.

Alphaherpesvirinae MDV (GaHV-2) aves Linfócitos T.

Adenoviridae EAdV-2 eqüina Mucosa respiratória, adenóides.

Parvoviridae PPV*** suína Tecido linfóide, rins e testículos.

Reoviridae BTV bovina e ovina Células hematopoiéticas.

patos, gansos,
Hepadnaviridae DHBV, WHBV,
marmotas, esquilos Hepatócitos.
GSHBV
ovinos
Patogenia das infecções víricas 225

Tabela 8.4 Continuação

Tipo Família/subfamília Vírus Espécie Local de persistência

BPV-1 a 7 bovina Células epiteliais.

CaPV canina Células epiteliais.


Papillomaviridae
EPV-1 e 2 eqüina Células epiteliais.

Adenoviridae CAdV-1 canina Epitélio dos túbulos renais.


Persistente temporária

suína e bubalina Células mononucleares e fagocíticas,


Asfarviridae ASFV
tonsilas e linfonodos.

Células mononucleares sangüíneas,


Circoviridae PCV-1 e 2 suína
macrófagos e linfócitos.

FMDV bovina, suína


Picornaviridae Mucosa da orofaringe.
e ovina
Macrófagos, células germinativas
PRRSV suína
dos testículos.
Arteriviridae
EAV eqüina Macrófagos, células endoteliais e
mesoteliais.

TGEV suína Mucosas respiratória e intestinal.


Coronaviridae
IBV aves Células do epitélio renal.

Bornaviridae BDV eqüina Neurônios, astrócitos e oligodendrócitos.

* Alguns animais que se recuperam da doença ficam portadores,mas não excretam o vírus, que replica em níveis baixos no SNC.
**Fetos infectados em determinada fase de gestação ficam imunotolerantes e nascem persistentemente infectados.
***Alguns fetos infectados no útero se tornam imunotolerantes e ficam portadores, excretando o vírus por longos períodos.

4.3 Mecanismos envolvidos na 4.3.1 Restrição do efeito citopatogênico


manutenção das infecções persistentes
Os vírus que produzem infecções não-cito-
Os mecanismos envolvidos no estabeleci- líticas são mais propensos a estabelecerem infec-
mento e manutenção das infecções persistentes ções persistentes, pois a sua replicação não resul-
são muito complexos e pouco esclarecidos até o ta na destruição das células infectadas (ou resulta
presente. No entanto, independentemente dos em destruição limitada). Exemplos de vírus não-
citolíticos que causam infecções persistentes são
mecanismos responsáveis, a manutenção de uma
alguns arenavírus (infecção renal persistente em
infecção vírica no organismo deve preencher três
roedores), o BVDV (infecção de células do siste-
condições essenciais: a) a infecção celular deve
ma linforreticular) e o vírus da hepatite B (infec-
ser não-citolítica (ou de citopatogenicidade limi-
ção não-citolítica de hepatócitos).
tada); b) manutenção do genoma viral nas célu-
las do hospedeiro, e c) evasão da resposta imune
4.3.2 Infecção de células
do hospedeiro. Vários mecanismos adicionais ou semipermissivas
complementares têm sido sugeridos para expli-
car a persistência desses agentes em tecidos do A replicação dos alfaherpesvírus em células
hospedeiro, por longos períodos, a despeito da epiteliais e do tegumento é altamente citolítica, o
resposta imunológica desencadeada contra eles. que também é observado em uma variedade de
É provável que nenhuma infecção persistente seja células in vivo e in vitro. A infecção também é ci-
mantida por causa de apenas um desses mecanis- tolítica em vários tipos de neurônios. No entanto,
mos; ao contrário, provavelmente são mantidas alguns neurônios sensoriais e autonômicos não
pela combinação de vários deles. são permissivos à replicação lítica aguda. Como
226 Capítulo 8

conseqüência, após penetrar e ter o seu ciclo re- sistência no hospedeiro. Em muitos vírus, essas
plicativo interrompido, o vírus estabelece infec- estratégias provavelmente complementam os ou-
ções latentes nesses neurônios, ou seja, a infec- tros mecanismos envolvidos na permanência do
ção de células semi-permissivas à infecção lítica agente no organismo. Os mecanismos mais utili-
é o mecanismo responsável pela persistência dos zados pelos vírus para evasão da resposta imune
alfaherpesvírus nos seus hospedeiros. Sob deter- são: a) restrição de produção das proteínas virais
minadas condições, esses neurônios que abrigam (como no caso da latência dos herpesvírus); b) in-
o genoma viral se tornam permissivos, o que de- fecção de locais imunologicamente privilegiados
sencadeia a reativação e replicação viral. (p. ex.: infecção das células do SNC pelo CDV e
e de células do epitélio seminífero dos testículos
4.3.3 Infecção de um pequeno número pelo PRRSV); c) variação antigênica (EIAV, FCV
de células e FMDV); d) tolerância imunológica (bovinos
persistentemente infectados pelo BVDV); f) inter-
Essa forma de infecção tem sido observada ferência com células e moléculas do sistema imu-
por alguns vírus in vitro e é possível que também nológico (adenovírus e poxvírus).
ocorra in vivo. Candidatos para esse tipo de mo-
dulação são os adenovírus e os arterivírus (EAV 5 Oncogênese por vírus
em eqüinos e PRRSV em suínos). A infecção per-
sistente no hospedeiro seria mantida através de A transformação celular e produção de tu-
infecções sucessivas – citolíticas ou não – de um mores estão entre as conseqüências da replicação
número pequeno de células a cada ciclo. Os vírus de alguns grupos de vírus nos seus hospedeiros.
produzidos por essas células infectariam outra De fato, acredita-se que uma parte considerável
pequena população de células e, assim, a infecção dos tumores de humanos e animais possua a par-
se prolongaria sucessivamente. Provavelmente ticipação direta ou indireta de agentes virais. De
algum mecanismo concomitante de evasão do acordo com o vírus, diferentes tipos celulares e
sistema imune seja necessário para permitir a órgãos podem ser afetados, com conseqüências
ocorrência dessas infecções continuadas, mesmo diversas. Alguns tumores induzidos por vírus
em baixos níveis. são benignos, mas uma parcela importante é
constituída por neoplasias malignas que resul-
4.3.4 Manutenção do genoma viral nas tam em doença progressiva e morte do animal.
células hospedeiras Para alguns vírus indutores de tumores, os me-
canismos moleculares de oncogênese já foram
A manutenção do genoma viral nas células razoavelmente esclarecidos. Para outros vírus,
do hospedeiro pode ocorrer por dois mecanis- no entanto, esses mecanismos permanecem obs-
mos distintos: pela integração do genoma viral curos e se constituem em temas de contínuas in-
nos cromossomos da célula do hospedeiro, como vestigações. Dentre os vírus animais associados
ocorre com as infecções pelos retrovírus, ou pela com neoplasias, encontram-se famílias de vírus
manutenção do genoma como elemento extracro- RNA (retrovírus) e DNA (poliomavírus, papilo-
mossomal no núcleo da célula, como ocorre nas mavírus, adenovírus e hepadnavírus).
infecções latentes pelos alfaherpesvírus e papilo-
mavírus. 5.1 Oncogênese por retrovírus

4.3.5 Evasão da resposta imune Os retrovírus envolvidos com a produção


do hospedeiro de tumores – também chamados de oncornavírus
– são amplamente distribuídos na natureza e têm
As estratégias de evasão do sistema imunoló- sido isolados de virtualmente todas as espécies
gico estão entre os mecanismos mais importantes animais. Esses vírus diferem entre si em relação
utilizados pelos vírus para assegurar a sua per- ao tropismo celular, potencial oncogênico, perí-
Patogenia das infecções víricas 227

odo de incubação e mecanismo de oncogênese. e B após um longo período de incubação. Entre


Com base no tempo necessário para a produção esses vírus se destacam o vírus da leucemia de
dos tumores, os oncornavírus podem ser dividi- linfócitos T humano (HTLV) e o BLV. O genoma
dos em vírus transformantes não-agudos, agudos desses vírus não possui oncogenes e o mecanismo
e transindutores. Os retrovírus transformantes de indução da oncogênese difere daqueles dos
não-agudos induzem a formação de neoplasias dois grupos anteriores. A transformação tumo-
após um longo período de incubação (meses até ral induzida por esses vírus parece estar ligada à
décadas), assim como os transindutores. Os re- função dos produtos de dois genes acessórios, tax
trovírus transformantes agudos induzem tumo- e rex, que também possuem papel importante no
res em um intervalo menor de tempo (semanas). ciclo replicativo do vírus. A proteína Rex é essen-
Os mecanismos de oncogênese também variam cial para o ciclo replicativo lítico do HTLV, mas a
entre os grupos. sua participação na oncogênese permanece des-
Os retrovírus transformantes não-agudos conhecida. Já a proteína Tax é necessária para o
estão envolvidos em vários tipos de neoplasias, ciclo lítico e também para a transformação tumo-
incluindo linfomas e leucemias. Esses vírus não ral das células hospedeiras. Esta proteína é um
possuem genes específicos com atividade onco- potente transativador de transcrição do provírus
gênica no seu genoma. Ao contrário, induzem viral e também de vários genes celulares. Já foi
oncogênese pela integração do seu genoma (pro- demonstrado que vários genes celulares que pos-
vírus DNA) nas proximidades de proto-oncoge- suem um papel potencial na regulação do ciclo
nes celulares ou de genes envolvidos no controle celular podem ser ativados pela proteína Tax. Por
do ciclo e diferenciação celular. Com isso, a ex- isso a ativação de genes envolvidos no controle
pressão desses genes é alterada e pode levar à do ciclo celular é um dos prováveis mecanismos
transformação tumoral. Este processo é denomi- de oncogênese pelos retrovírus transindutores.
nado de oncogênese insercional.
Os retrovírus transformantes agudos podem 5.2 Pequenos vírus DNA tumorigênicos
induzir a formação de tumores dentro de poucos
dias. Ao contrário do grupo anterior, esses vírus Algumas famílias de vírus DNA possuem
possuem oncogenes (genes oncogênicos) no seu membros que têm sido associados com tumores,
genoma. Mais de 30 diferentes oncogenes já fo- seja em infecções naturais ou após inoculação
ram identificados no genoma de retrovírus ani- experimental. Alguns deles produzem tumores
mais e todos eles parecem ter sido adquiridos – em animais e, por isso, possuem importância em
integralmente ou por rearranjos – do genoma dos medicina veterinária. Em particular, alguns vírus
hospedeiros em infecções passadas. As funções das famílias Polyomaviridae e Papillomaviridae têm
dos produtos desses oncogenes são variáveis e sido associados com tumores em seus hospedei-
incluem desde quinases até fatores de transcri- ros naturais e têm comprovado o seu potencial
ção. Uma característica comum a quase todos os oncogênico após inoculação em hospedeiros he-
oncogenes retrovirais identificados até o presente terólogos. O primeiro vírus DNA tumorigênico
é que os seus produtos estão envolvidos em me- identificado foi o CRPV (papilomavírus dos co-
canismos de sinalização intracelular (signal trans- elhos cauda-de-algodão) que causa papilomas
duction). Retrovírus com essas características já cutâneos benignos nos hospedeiros naturais.
foram identificados em várias espécies animais e Quando inoculado em coelhos domésticos, no
têm sido associados com uma grande variedade entanto, o CRPV induz papilomas que tendem a
de tumores, incluindo sarcomas, carcinomas e progredir e se tornar carcinomas. Vários aspectos
linfomas em aves; sarcomas e linfomas em roedo- da tumorigênese associada com infecções virais
res; fibrossarcomas e linfossarcomas em felinos; e foram estudados nesse modelo animal. O papilo-
sarcoma em primatas. mavírus de camundongos também tem sido as-
Os retrovírus transformantes transindutores sociado com tumores múltiplos, sobretudo após
produzem leucemias monoclonais de linfócitos T inoculação experimental em neonatos. O vírus
228 Capítulo 8

símio 40 (SV-40), também um membro da família rios mecanismos têm sido propostos e acredita-se
Polyomaviridae, é capaz de produzir tumores em que a oncogênese pode resultar da combinação
hamsters recém-nascidos. O SV-40 também tem de mais de um deles. Os mecanismos propostos
sido associado com alguns tumores raros em pes- incluem: a) ativação de proto-oncogenes celula-
soas que foram vacinadas há aproximadamente res pela inserção do genoma viral nos cromos-
50 anos com uma vacina antipoliomielite conta- somos; b) ativação de proto-oncogenes celulares
minada com o vírus. Os papilomavírus bovinos pela proteína X; c) injúria e inflamação hepática
(BPVs) também têm sido associados com a indu- crônica, com produção de substâncias potencial-
ção de tumores nos seus hospedeiros. O BPV-1 mente mutagênicas. Em geral, o desenvolvimen-
está associado com papilomas e fibropapilomas, to do carcinoma hepatocelular é precedido por
tumores cutâneos de caráter benigno e com fre- uma infecção hepática crônica de longa duração.
qüência muito menor, a tumores cutâneos malig-
nos. O BPV-4 está associado com a produção de 6 Imunopatologia em infecções
carcinomas de laringe e esôfago em bovinos, cuja víricas
etiologia parece estar combinada com a intoxica-
ção por samambaia. Os papilomavírus humanos O sistema imunológico é o responsável pela
16 e 18 (HPV-16; HPV-18) estão envolvidos na proteção do organismo contra agentes agresso-
produção de um dos tumores mais freqüentes res, porém a ativação da resposta imune nem
em humanos, o carcinoma de colo de útero de sempre é capaz de controlar a infecção. Além
mulheres. disso, em determinadas situações, a resposta
Os mecanismos pelos quais esses vírus in- produzida pode induzir lesões imunomediadas,
duzem transformação neoplásica nas células hos- determinando a ocorrência da doença. Várias do-
pedeiras têm sido intensivamente estudados nas enças víricas, como a AIDS, a dengue, a anemia
últimas décadas. A capacidade oncogênica desses infecciosa eqüina e a artrite-encefalite caprina,
vírus tem sido atribuída a uma ou mais proteínas entre outras, apresentam as lesões resultantes da
virais que se ligam e inativam proteínas celula- resposta imunológica como componentes de sua
res envolvidas na regulação do ciclo celular. Em patogenia.
particular, as proteínas celulares pRb e p53 são os A resposta imune em infecções víricas tem
alvos para o antígeno T, dos poliomavírus, e para como objetivo a eliminação e/ou neutralização
as proteínas E6 e E7 dos papilomavírus. As pro- das partículas virais livres, pela ação de anticor-
teínas da família da pRb e p53 exercem um papel pos e do complemento; além da destruição das
regulatório-chave no controle da estabilidade do células infectadas, pela citotoxicidade celular
genoma, na proliferação, diferenciação e apopto- dependente de anticorpo (ADCC), linfócitos T
se em células de mamíferos. A sua inativação pe- citotóxicos (CD8+) e lise por células natural killer
las proteínas virais citadas resulta no descontrole (NK). Em algumas situações, essa resposta é su-
do ciclo celular e eventualmente pode resultar ficiente para eliminar o vírus do organismo. No
em transformação neoplásica. entanto, em outras situações, essa resposta pode
Os vírus da família Hepadnaviridae, também causar injúria tecidual, doença e até matar o hos-
conhecidos como vírus das hepatites B, também pedeiro. Em alguns casos, é comum a coexistên-
têm sido associados com a produção de tumores cia do hospedeiro com o vírus, com a ocorrência
em seus hospedeiros naturais. Além do vírus da de injúrias celulares e teciduais mínimas, muitas
hepatite B humana (HBV), os hepadnavírus de vezes sem o comprometimento da saúde geral do
esquilos (GSHV) e de marmotas (WHV) estão animal.
associados com o desenvolvimento de carcino- O grau de lesão que a resposta imunológica
ma hepatocelular, que ocorre ocasionalmente em pode produzir no hospedeiro depende, em parte,
hospedeiros com hepatite crônica. Os mecanis- dos órgãos envolvidos. Se a infecção ocorre no
mos responsáveis pela transformação neoplásica SNC ou no coração, as lesões são geralmente gra-
que ocorre nas infecções crônicas pelos hepadna- ves, enquanto uma resposta localizada na pele,
vírus não estão completamente esclarecidos. Vá- por exemplo, possui conseqüências limitadas.
Patogenia das infecções víricas 229

Os vírus podem induzir imunopatologias sua ação física e sim da ativação local do com-
por diferentes mecanismos, como a indução de plemento e dos eventos inflamatórios resultantes
auto-imunidade, imunossupressão e pela depo- dessa ativação.
sição de imunocomplexos, que caracteriza a re- A deposição de imunocomplexos na pare-
ação de hipersensibilidade do tipo III. As lesões de dos vasos e nos tecidos é seguida do aumento
imunomediadas ocorrem com maior freqüência da permeabilidade vascular local, mediada por
em infecções persistentes ou crônicas, e princi- aminas vasoativas como a histamina e seroto-
palmente em infecções por vírus não-citolíticos. nina. A ligação da região Fc dos anticorpos dos
imunocomplexos a receptores Fc das membranas
6.1 Imunopatologia mediada provoca a liberação das aminas vasoativas prove-
por imunocomplexos nientes de basófilos, plaquetas e mastócitos que
circulam no local da deposição. A porção Fc se
A conseqüência imunopatológica mais fre- liga ao componente C1 e ativa a via clássica do
qüente em infecções víricas agudas ou persis- complemento. Ocorre a atração de neutrófilos
tentes é a formação de imunocomplexos. Esses para o local de deposição, e a formação do com-
complexos são formados por anticorpos ligados plexo de ataque à membrana (MAC), o que con-
a partículas víricas ou a antígenos virais solúveis. tribui para a injúria local.
Quando esses imunocomplexos são produzidos Os receptores para a porção Fc das imuno-
em excesso, podem resultar em imunopatologia. globulinas G estão presentes no plexo coróide,
Isso ocorre quando os antígenos virais não são onde possuem distribuição periventricular. A
eliminados eficientemente ou quando a replica- localização desses receptores parece ter relevân-
ção do vírus não é controlada de forma eficiente cia na distribuição das lesões por deposição de
pelo sistema imunológico. Dependendo do tipo imunocomplexos observadas na infecção pelo
de anticorpo e da sua capacidade neutralizante, MVV e CAEV em pequenos ruminantes (ovinos
os complexos podem carrear vírus viáveis que e caprinos).
podem penetrar produtivamente em células que Na anemia infecciosa eqüina, os anticorpos
possuam receptores para anticorpos (receptores se ligam a vírions livres no plasma, e os imuno-
para a porção Fc), como macrófagos e linfócitos complexos são depositados principalmente nos
ativados. Lesões de glomerulonefrite imunome- glomérulos renais, levando à glomerulonefrite
diada são freqüentemente observadas em infec- imunomediada. A circulação desses imunocom-
ções víricas como a hepatite infecciosa canina, pe- plexos também pode levar à hemólise, resultan-
ritonite infecciosa felina, imunodeficiência felina, do em anemia.
peste suína clássica, peste suína africana, entre O FeLV pode induzir deposição de imu-
outras. nocomplexos e imunodeficiência. Algumas ve-
Doenças mediadas por imunocomplexos so- zes ocorrem altos níveis de antígenos virais e a
mente ocorrem quando a sua produção excede a formação e deposição de imunocomplexos leva
capacidade do organismo de removê-los dos te- à glomerulonefrite imunomediada. Em outros
cidos e fluidos corporais. Em condições normais, casos, ocorre depleção linfóide, em parte pela
os imunocomplexos produzidos são removidos ADCC. Essa depleção leva a uma maior suscepti-
através de fagocitose por macrófagos e células bilidade a infecções secundárias, como estomati-
mesangiais antes que eles se depositem e causem tes crônicas, gengivites, lesões de pele e abscessos
algum tipo de lesão. Quando em excesso, a de- subcutâneos.
posição dos imunocomplexos ocorre geralmente As lesões imunomediadas podem ocorrer
em locais com função de filtragem de líquidos também como seqüelas de infecções virais, sem
orgânicos, como os glomérulos renais, a parede envolvimento direto na patogenia da infecção,
dos vasos sangüíneos, as membranas sinoviais e como a síndrome oftálmica que ocorre em cães
o plexo coróide. As lesões causadas pela deposi- convalescentes da infecção pelo CAdV-1. A lesão
ção dos imunocomplexos não são resultantes da é caracterizada pela deposição de imunocomple-
230 Capítulo 8

xos na córnea, resultando em opacidade, conhe- zir anticorpos contra proteínas próprias. Assim,
cida como “olho azul”. os linfócitos T – que possuem papel essencial na
resposta imune contra vírus – são responsáveis
6.2 Imunopatologia mediada por pela modulação da intensidade da resposta, li-
linfócitos T citotóxicos mitando os danos causados por uma resposta
agressiva. A expansão clonal dessas células em
Os linfócitos T citotóxicos (CTLs, CD8+) pos- resposta a epitopos de proteínas do hospedeiro,
suem um papel relevante na erradicação de infec- evento que pode ocorrer em determinadas infec-
ções víricas dos hospedeiros, pela sua capacidade ções víricas, está envolvido na indução de auto-
de identificar e lisar células infectadas por vírus. imunidade. Esse processo ocorre, por exemplo,
Os CTLs reconhecem peptídeos virais conjuga- na encefalomielite murina de Theiler, em que a
dos com moléculas do MHC-I na superfície das resposta específica de células T ao vírus ocorre
células infectadas, através das moléculas TCR + junto com uma resposta imune contra a proteí-
CD8. Além de lisar células infectadas, os CTLs na básica da mielina, induzindo desmielinização
parecem ser capazes de erradicar certos vírus (p. auto-imune.
ex.: vírus da hepatite B humana), sem a necessi-
dade de lisar as células infectadas, provavelmen-
te interferindo (através de citocinas) com alguma 7 Imunossupressão por vírus
etapa da replicação viral. Dessa forma, a infecção
aguda pelo HBV é geralmente erradicada por Grande parte das infecções víricas é acom-
uma resposta vigorosa mediada principalmente panhada por disfunções no sistema imunológico,
por CTLs específicos para antígenos do vírus. muitas das quais podem ser detectadas in vivo e
Por outro lado, a resposta imunológica de demonstradas experimentalmente in vitro. Fre-
alguns pacientes não consegue erradicar a infec- qüentemente, essas alterações ocorrem concomi-
ção e esses indivíduos se tornam portadores de tantemente com uma resposta imunológica efeti-
infecção hepática crônica. Nesses indivíduos, a va contra o vírus que as induziu. Por outro lado,
resposta mediada por CTLs é fraca ou indetectá- alguns vírus suprimem a resposta imunológica
vel, provavelmente devido a uma expansão clo- contra os seus antígenos, proporcionando condi-
nal deficiente. Essa resposta fraca e contínua tem ções para o estabelecimento de infecções prolon-
sido implicada na patogenia da infecção crônica, gadas ou persistentes. As alterações imunológicas
levando a lesões necro-inflamatórias crônicas no causadas por infecções víricas podem aumentar
fígado, ou seja, a injúria celular de intensidade a susceptibilidade do hospedeiro a infecções se-
fraca, porém contínua, resultaria em um proces- cundárias, dificultar ou retardar a resposta contra
so inflamatório persistente que resulta em hepa- a própria infecção, ou levar a um desequilíbrio
tite crônica. Eventos semelhantes ocorrem em ca- amplo e duradouro na resposta imunológica con-
mundongos inoculados com o LCMV. tra vários agentes. Falha em responder a outros
antígenos, tanto por vacinação como infecção
6.3 Imunopatologia por indução de natural, resposta deficiente em provas de hiper-
auto-imunidade sensibilidade retardada e resposta proliferativa
e citotóxica deficientes, têm sido associadas com
A indução de auto-imunidade é outro me- diversas infecções víricas em humanos e animais.
canismo de imunopatologia que pode ocorrer em Ativação policlonal de linfócitos B, que pode re-
algumas infecções virais. Nesse mecanismo, pode sultar em um aumento inespecífico do nível de
ocorrer estimulação antigênica por determinantes imunoglobulinas plasmáticas e dificultar o diag-
antigênicos de proteínas virais que sejam seme- nóstico sorológico da infecção, além de reduzir
lhantes a proteínas do hospedeiro ou por distúr- a resposta a antígenos recém-introduzidos, tam-
bios na ativação de linfócitos, que podem produ- bém tem sido identificada em algumas infecções.
Patogenia das infecções víricas 231

Os mecanismos envolvidos nesses eventos, 7.1 Replicação viral em células


no entanto, nem sempre são facilmente elucidá-
envolvidas na resposta imunológica
veis, sobretudo pela dificuldade de se mimetizar
experimentalmente in vitro a complexidade das
interações imunológicas que ocorrem in vivo. Em Diversos vírus replicam em células da linha-
geral, os mecanismos envolvidos com imunossu- gem mielóide e/ou linfóide, cujas células dife-
pressão por vírus podem ser devidos à replica- renciadas estão envolvidas com a resposta imu-
ção viral em células que participam da resposta nológica natural e adquirida. Para alguns vírus,
imunológica, alteração da resposta imunológica essas células se constituem nos principais alvos
normal pela resposta específica contra o vírus ou da replicação, enquanto, para outros, elas repre-
a efeitos indiretos da replicação e/ou de produ- sentam apenas uma parcela das populações celu-
tos virais. A Tabela 8.5 apresenta um resumo das lares infectadas. A infecção e destruição de célu-
alterações imunológicas já identificadas em in- las imunológicas é o mecanismo mais atraente e
fecções víricas e os mecanismos potencialmente lógico na tentativa de explicar a imunossupressão
envolvidos. causada por vírus. No entanto, este não é o úni-

Tabela 8.5. Principais alterações imunológicas e seus mecanismos de indução, por diferentes grupos de vírus

Alterações imunológicas Mecanismos


Família/
Família Susceptibilidade Proliferação Aumento nas Replicação em
Vírus Ativação do Produtos de Proteínas
grupo imunoglobu- células
a infecções linfóide sistema monócitos e virais
reduzida linas imunológicas imune linfócitos Th

Picornaviridae +
Flaviviridae +
Arteriviridae + + + +
Coronaviridae + + +

Orthomyxoviridae + + + +
Paramyxoviridae + + + +
Rhabdoviridae +
Arenaviridae + + +
+ +

Reoviridae + +
Retroviridae + + + + + + +
Parvoviridae + + +
Adenoviridae + + +

Herpesviridae + + + + + + +
Poxviridae + + +

Fonte: adaptada de Griffin (1997).


232 Capítulo 8

co e talvez nem seja o mecanismo mais relevante contra o vírus infectante. Seriam, portanto, con-
envolvido na supressão da resposta imunológica seqüências inevitáveis da resposta necessária
por vírus. para combater este agente e montar uma respos-
Na verdade, na grande maioria das infec- ta duradoura que proteja contra reinfecções. Nes-
ções víricas imunossupressivas estudadas, o per- se sentido, deficiências imunológicas podem ser
centual de células de determinada população que resultantes de: a) ativação generalizada de lin-
é infectada raramente atinge 1%. Essa pequena fócitos T sem os sinais apropriados (muitos dos
proporção infectada dificilmente seria suficiente quais morrem por apoptose); b) produção anor-
para explicar a deficiência imunológica associada mal (quantitativa e qualitativamente) de citoci-
com essas infecções. nas; c) depleção de linfócitos T vírus-específicos
O HIV, por exemplo, infecta linfócitos pela sua ativação em resposta ao agente. A parti-
TCD4+. Em células quiescentes, o vírus se encon- cipação desses mecanismos na imunossupressão
tra em um estado de latência, sem o genoma in- é evidenciada pelo fato de que os níveis máximos
tegrado nos cromossomos celulares. Por ocasião de supressão coincidem com o aparecimento da
da ativação dessas células, que é seguida da inte- resposta imunológica específica e erradicação do
gração do provírus DNA, a replicação viral é ini- agente. Esse tipo de imunossupressão tem sido
ciada. A fração de linfócitos TCD4+ circulantes detectado em infecções pelo vírus da influenza,
que é infectada situa-se em torno de 0,01 a 1%, vírus da coriomeningite linfocítica (LCMV), entre
sendo que menos de 10% destas produzem pro- outros.
gênie viral. Essa proporção de células infectadas
não justifica as severas alterações imunológicas 7.3 Produtos de monócitos e linfócitos
observadas nos pacientes soropositivos, indican- ativados
do a participação de outros mecanismos na imu-
nossupressão. Várias interleucinas são produzidas por cé-
Já o IBDV, um birnavírus de galinhas, infec- lulas especializadas em resposta a infecções ví-
ta liticamente populações de linfócitos B que es- ricas, incluindo os interferons do tipoI (IFN alfa
tão em divisão, resultando em imunossupressão e beta), IL-2 e receptor de IL-2, entre outras. A
profunda pela extensiva perda dessas células. maioria dessas interleucinas atua modulando
Nos animais afetados, ocorre uma disfunção na e estimulando a resposta celular e/ou humoral
resposta humoral, mediada por linfócitos B. contra o agente infeccioso. No entanto, já foram
Dentre os vírus animais que infectam células identificados vários fatores produzidos por mo-
do sistema imunológico se incluem: a) vírus que nócitos e linfócitos ativados que inibem a resposta
infectam linfócitos T: vários retrovírus animais imunológica. A resposta contra o vírus de New-
(p. ex.: FeLV e FIV) e GHV-2 (vírus da doença de castle, por exemplo, é caracterizada pela redução
Marek); b) vírus que infectam linfócitos B: birna- da atividade dos linfócitos T citotóxicos contra
vírus (IPNV e IBDV), vírus da leucemia murina um segundo vírus, associada com supressão dos
(MuLV), retrovírus símio, BVDV e BLV; c) vírus níveis de IFN. As interleucinas 4 e 10 (IL-4, IL-10)
que infectam células da linhagem monocítica- produzidas por linfócitos ativados suprimem a
macrofágica: VEEV, LCMV, vírus da influenza, função de monócitos/macrófagos.
vírus Maedi-Visna, CAEV, vírus da parainfluen-
za, vírus da peste suína africana (ASFV). ASFV, 7.4 Proteínas virais
vários coronavírus, circovírus, arterivírus (PRR-
SV, EAV, LDEV), EIAV e ALV. Diversas proteínas codificadas por vírus in-
terferem com a resposta imunológica do hospe-
7.2 Imunossupressão associada com a deiro, retardando ou suprimindo esta resposta,
ativação do sistema imune permitindo, assim, a replicação e disseminação
do vírus no hospedeiro (Tabela 8.6). Algumas
Muitas alterações da resposta imunológica dessas proteínas podem ser secretadas pelas célu-
ocorrem no contexto da resposta desencadeada las infectadas e interferir com a função de células
Patogenia das infecções víricas 233

Tabela 8.6. Proteínas virais que interferem com a resposta imunológica do hospedeiro

Mecanismo efetor Vírus Proteína viral Proteína-alvo


Família Vírus
gE+gI Porção Fc das Igs
Vírus do herpes simplex
Lise celular mediada por gC C3b
anticorpos e complemento
Vírus vaccinia VCP C3b+C4b

Adenovírus E3/19K Cadeia pesada MHC-I


Apresentação de antígenos
peloMHC-I a linfócitos Vírus do herpes simplex ICP47 TAP
citotóxicos
Citomegalovírus UL-18 Beta 2-microglobulina

Vírus do mixoma (Pox) ? TNF

Produção de citocinas por TNF


macrófagos Vírus vaccina ?
IL-1 beta

Cowpox ? TNF
crmA IL-1 beta

Orthopox orfB8R IFN gama


Produção de citocinas por
linfócitos Th Tanapox 38kDa IFN gama, IL-2, IL-5

Vírus do mixoma 37kDa IFN gama

Fonte: adaptada de Griffin (1997).

não-infectadas. Já foi demonstrado, por exemplo, células infectadas. Os poxvírus codificam proteí-
que a hemaglutinina do vírus da influenza afeta nas que são secretadas pelas células infectadas e
diretamente a função de neutrófilos. Outras pro- interferem com a ação de interleucinas produzi-
teínas virais podem se ligar a receptores de su- das em resposta à infecção. Alguns desses vírus
perfície celular e interferir com a sua função. Por codificam uma proteína que se liga ao fator de
exemplo, as glicoproteínas gE e gI do HSV (e pro- necrose tumoral (TNF) e o impede de se ligar à
vavelmente de outros alfaherpesvírus) se ligam superfície das células infectadas. O vírus do mi-
na porção Fc das imunoglobulinas, impedindo xoma codifica uma proteína homóloga ao recep-
que ocorra a ativação do complemento na super-
tor do interferon gama (IFN γ). Os vírus da vacci-
fície de células infectadas e prevenindo, assim, a
nia e cowpox codificam proteínas que se ligam e
destruição dessas células. Proteínas virais podem
inibem a função da IL-1, IFN- γ e TNF.
também atuar como superantígenos, ligando-se a
Em resumo, a infecção e alteração da função
receptores de linfócitos T e estimulando-os até a
de células envolvidas na resposta imunológica
exaustão e depleção. A proteína E3/19 K dos ade-
não é o único mecanismo de imunossupressão
novírus se liga com a cadeia pesada da molécula
de MHC-I, retendo-a no retículo endoplasmáti- causado por vírus. É provável que a imunossu-
co. Assim, as células infectadas pelos adenovírus pressão observada nas infecções víricas, em sua
não apresentam peptídeos virais associados com maioria, deva-se à interação de múltiplos fatores,
o MHC-I e não são reconhecidas pelos linfócitos que incluem citocinas/interleucinas, infecção e
Tc. Alguns poxvírus e herpesvírus também su- disfunção de células imunológicas e efeitos de
primem a expressão de MHC-I na superfície das proteínas virais específicas.
234 Capítulo 8

GAMOH, K. et al. The pathogenicity of canine parvovirus type-


8 Bibliografia consultada 2b, FP84 strain isolated from a domestic cat, in domestic cats.
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RESPOSTA IMUNOLÓGICA CONTRA VÍRUS
Luiz Carlos Kreutz
9
1 Introdução 239

2 Resposta imune inata 239

2.1 Interferon tipo I 240


2.2 Sistema complemento 242
2.3 Células natural killer 242

2.4 Células dendríticas 243


2.4.1 Interação entre as DCs e células NK 243
2.4.2 O papel das DCs na resposta imune adquirida 243

3 Resposta imune adquirida 244

3.1 Reconhecimento de antígenos pelo sistema imunológico 244


3.1.1 Reconhecimento de antígenos pelos linfócitos B 244
3.1.2 Reconhecimento de antígenos pelos linfócitos T 245

3.2 Resposta imune celular 249


3.2.1 Importância dos linfócitos Tc na imunidade antiviral 250

3.3 Resposta imune humoral 250


3.4 Respostas primária e secundária/memória imunológica 252

3.5 As imunoglobulinas na defesa antiviral 253


3.5.1 Mecanismos de ação das imunoglobulinas 254

3.6 O papel da resposta humoral e celular na imunidade antiviral 255

4 Mecanismos virais de evasão da resposta imune 256

4.1 Infecções latentes no sistema nervoso central 256


4.2 Variações antigênicas 256
4.3 Indução de tolerância 257
4.4 Integração do material genético viral no genoma do hospedeiro 257
4.5 Infecção de sítios imunologicamente privilegiados 257
4.6 Interferência com funções do sistema imunológico 258
5 Considerações finais 258

6 Bibliografia consultada 258


1 Introdução 2 Resposta imune inata

A imunidade ou resistência do hospedeiro A resposta imune inata (também denomina-


contra infecções víricas depende da atuação in- da natural ou inespecífica) é mediada por células e
tegrada da resposta imune inata e da resposta moléculas. Previamente à estimulação dessa res-
imune adquirida. Os mecanismos envolvidos na posta, mecanismos naturais de proteção contra a
resposta imune inata atuam imediatamente após o penetração de patógenos, como a pele, os pêlos,
contato do hospedeiro com os antígenos virais, o muco, enzimas, peptídeos antivirais e anti-bac-
não possuem capacidade de discriminação entre terianos representam as barreiras iniciais contra
os vírus e não necessitam de exposição prévia os agentes infecciosos. A ausência ou disfunção
para serem desencadeados. Os mecanismos en- desses mecanismos provavelmente resultaria em
volvidos na resposta imune adquirida, por sua vez, um aumento da freqüência e da severidade das
desenvolvem-se seqüencialmente e de forma infecções. Embora sejam considerados compo-
mais lenta e sincronizada, resultando na indução nentes da imunidade inata, essas barreiras não
de células efetoras, que irão combater o agente, e serão abordadas nessa revisão. Aqui, será dado
de células de memória, que possuem vida longa enfoque aos mecanismos imunológicos naturais
e que serão efetivamente reestimuladas em expo- que efetivamente participam da imunidade anti-
sições posteriores ao mesmo agente. viral e, principalmente, que cooperam com a ati-
A divisão entre a resposta imune inata e vação da resposta imune específica.
adquirida não é absoluta, e essas duas formas A resposta imune inata é assim denominada
de resposta estão interligadas, atuando conjun- em razão de algumas características peculiares,
tamente no combate aos agentes agressores. Os tais como: a) atua imediatamente após o con-
principais protagonistas da conexão entre essas tato com o agente; b) não discrimina diferentes
respostas são as células dendríticas (dendritic cells, tipos de antígenos; c) atua com intensidade rela-
DCs). Essas células circulam pelos tecidos perifé- tivamente constante e d) não possui memória. É
ricos, onde capturam antígenos, e se dirigem aos questionável se, agindo isoladamente, a resposta
órgãos linfóides secundários, onde estimulam as inata seria capaz de erradicar uma infecção víri-
células linfóides. Além disso, as infecções víricas
são acompanhadas de estímulos químicos e celu-
lares que formam uma intrincada rede de infor-
mações, que visam maximizar o mecanismo imu-
nológico mais efetivo contra a maioria dos vírus:
os linfócitos T citotóxicos (Tc).
Os componentes da imunidade inata são ati-
vados precocemente após a infecção e se encarre-
gam de limitar e restringir a replicação viral até
que os mecanismos da resposta imune adquirida
tenham sido desencadeados. Na resposta inata
contra vírus, atuam principalmente o interferon
do tipo I (IFN-I), células natural killer (NK) e os
componentes ativos do complemento. A resposta
imune adquirida é mediada por células (linfóci-
tos T) e por moléculas circulantes (anticorpos),
produzidas por células derivadas dos linfócitos
B. As citocinas (ou interleucinas [ILs]) são pep-
tídeos produzidos por uma variedade de células
que moderam e influenciam a função de outras
células do sistema imunológico.
240 Capítulo 9

ca estabelecida. No entanto, os seus mecanismos os receptores celulares também parece estimular


efetores se constituem em obstáculos importan- a produção de IFN-I. Qualquer célula nucleada é
tes, que retardam a progressão do processo infec- capaz de produzir IFN-I em resposta a uma infec-
cioso, controlando-o temporariamente e, assim, ção por vírus, mas evidências recentes indicam
permitindo o desenvolvimento da imunidade es- que as DCs plasmacitóides (pDCs) representam a
pecífica. Os principais componentes da resposta principal fonte dessa citocina.
inata contra vírus são representados pelo IFN-I, O IFN-I produzido por células infectadas é
sistema complemento, células NK e DCs. Esses secretado no meio extracelular e se distribui lo-
mecanismos são desencadeados seqüencialmente calmente, interagindo com as células vizinhas
após a infecção vírica e antecedem o desenvolvi- e induzindo um estado de resistência antiviral
mento dos mecanismos específicos (Figura 9.1). (Figura 9.2). Essa interação é mediada por recep-
tores específicos na superfície celular, que estão
2.1 Interferon amplamente distribuídos nos tecidos. A ligação
do IFN-I aos receptores desencadeia uma série
O primeiro obstáculo à infecção viral é re-
de sinais intracelulares que induzem a transcri-
presentado pelos IFN-I, que foram justamente
ção de genes cujos produtos estão envolvidos na
identificados pela sua capacidade de interferir
resposta mediada pelos IFNs. Os principais efei-
com a replicação viral. O IFN-I compreende dois
tos antivirais do IFN-I são devidos à degradação
tipos principais: interferon alfa (IFN-α) e interfe-
ron beta (IFN-β), que são produzidos por vários de RNAs mensageiros (mRNA) e inibição da tra-
tipos de células em resposta às infecções víricas. dução. Dessa forma, esta citocina inibe a síntese
Vários vírus são potentes indutores de IFN-I, e de proteínas na célula-alvo, tornando-a um meio
a sua indução está associada com a produção de impróprio para a replicação viral, uma vez que
RNA de fita dupla no interior da célula durante a os vírus dependem integralmente da maquinaria
replicação viral. A interação de alguns vírus com celular de síntese protéica para a sua replicação.

3 2 2 3

4 4

2
Aumento da Ativação de:
expressão 5 6 – Células NK;
do MHC-I – Linfócitos Tc;
– Macrófagos.

Estado de -resistência antiviral


(inibição da síntese protéica, degradação de mRNA)

Figura 9.2. Indução e principais funções do IFN-I na resposta imune inata. A presença de RNA de fita dupla em
células infectadas por vírus induz a produção de IFN-I (1), que é secretado no meio extracelular (2). O IFN-I interage
com receptores nas células vizinhas (3) e desencadeia uma série de reações que resultam na indução de um estado de
resistência antiviral (4). O IFN-I também promove um aumento na expressão do MHC-I (5), além de ativar células NK,
linfócitos Tc e macrófagos (6).
Resposta imunológica contra vírus 241

O IFN-I desencadeia uma série de reações O IFN-I atua também como fator de sobre-
intracelulares que levam à expressão da enzima vivência para as pDCs, promove o desenvolvi-
2’-5’-adenilato sintetase. Essa enzima sintetiza mento, maturação e atividade microbiocida dos
oligômeros de adenina (oligo-A), que, por sua macrófagos e ativa as células NK, que, por sua
vez, ativam a endorribonuclease RNAse L. A vez, interagem sinergisticamente com as DCs.
ativação da RNAse L resulta na degradação de Além de seu papel na imunidade inata, o
mRNA celulares e virais. Além disso, o IFN-I IFN-I possui um papel importante no desenvol-
promove a ativação da enzima proteína kinase R vimento da imunidade específica, por meio de
(PKR), que fosforila e inativa o fator de iniciação diferentes mecanismos, tais como: a) indução da
da tradução (elongation initiation factor 2 - eIF-2). expressão de moléculas do complexo de histo-
Com isso, a tradução de mRNAs celulares e virais compatibilidade principal do tipo I (MHC-I), o
também fica inibida. Outro grupo de IFN-I induz que favorece o processamento e a apresentação
um estado antiviral pela indução das proteínas de antígenos endógenos; b) ativação das DCs,
Mx, que também contribuem para a inibição da produzindo um aumento da expressão de recep-
síntese protéica celular. tores e produção de citocinas; c) estimulação da

8 10
Fagócito
9
12
11

7
NK
4 Célula 6
2
infectada
Linfócitos Tc
5
3

Dcs

Células vizinhas

Figura 9.3. Mecanismos efetores associados com a resposta imune inata. A infecção viral (1) resulta na produção e
secreção de IFN-I pelas células infectadas (2). O IFN-I secretado induz um estado de resistência antiviral nas células
vizinhas (3); ativa células NK (4), DCs (5), linfócitos Tc (6) e estimula a atividade fagocítica dos macrófagos (7).
Simultaneamente, a presença de vírions pode levar à ativação do complemento (8); cujos componentes ativados
atraem e ativam fagócitos (9, 10), opsonizam vírions, facilitando a fagocitose (11) ou promovem a lise de vírus
envelopados (12).
242 Capítulo 9

sobrevivência e proliferação de linfócitos T de e fungos) torna-as resistentes ao complemento,


memória; d) estimulação da produção de inter- pois inibe a ligação de alguns componentes que
feron gama (IFN-γ) pelas DCs e linfócitos T; e) dão continuidade à cascata e posterior formação
participação direta e indireta na diferenciação e do MAC.
atividade dos linfócitos B. Os mecanismos de ati-
vação e as atividades desempenhadas pelo IFN-I 2.3 Células natural killer
na resposta imune à infecções víricas estão ilus-
trados nas Figura 9.2 e 9.3. As células natural killer (NK) são derivadas
de progenitores linfóides da medula óssea e foram
2.2 Sistema complemento assim denominadas em razão de sua capacidade
de destruir células tumorais e células infectadas
O sistema complemento é composto por um por vírus na ausência de um reconhecimento an-
conjunto de proteínas presentes no plasma san- tígeno-específico. Constituem o que se conven-
güíneo na forma inativa. Essas proteínas podem cionou chamar de terceira população de linfócitos
ser ativadas pela presença de complexos imunes, (linfócitos B, T e células NK). Por não possuírem
formados pela ligação de imunoglobulinas com marcadores específicos de linfócitos B ou de lin-
antígenos (via clássica de ativação), pela deposi- fócitos T, foram inicialmente chamadas de células
ção espontânea do componente C3b do comple- nulas (null cells). As células NK estão presentes
mento na superfície de microorganismos (via al- principalmente nos tecidos linfóides periféricos e
ternativa) ou devido à ligação com proteínas que atuam direta, pela capacidade de destruir células
se ligam à manose (via da lecitina). A ativação infectadas, e indiretamente mediante a secreção
do complemento por qualquer uma dessas vias de citocinas. A atividade das células NK precede
resulta em uma cascata de ativação seqüencial, a ativação da resposta imune específica. A des-
com a formação de moléculas intermediárias que truição de células infectadas por vírus é realizada
possuem diversas atividades biológicas, princi- inicialmente pelas células NK e, posteriormente,
palmente ligadas à ativação do processo inflama- pelos linfócitos Tc.
tório. Dentre as funções dos componentes ativa- A capacidade das células NK em distinguir
dos do complemento destacam-se: opsonização; células infectadas de células não-infectadas está
quimiotaxia e ativação de neutrófilos e outras relacionada com a presença de receptores inibido-
células inflamatórias; degranulação de mastóci- res da destruição (killing inhibitory receptors = KIR)
tos com conseqüente vasodilatação e aumento da na sua superfície. Esses receptores reconhecem as
permeabilidade capilar e formação do complexo moléculas do complexo de histocompatibilidade
de ataque à membrana (membrane attack complex, principal do tipo I (MHC-I), que estão presentes
MAC), formado pela associação dos componen- na superfície de virtualmente todas as células do
tes C5-9 e que se inserem na membrana de células organismo. A expressão do MHC-I está geral-
infectadas ou no envelope de vírions, resultando mente reduzida em células infectadas por vírus e
na sua destruição. em células tumorais. Dessa forma, utilizando os
O componente mais importante do comple- receptores KIR, as células NK podem detectar se
mento é denominado C3, que, a partir da ativa- uma célula está expressando moléculas do MHC-
ção da cascata, é clivado de forma contínua e es- I em níveis normais. A ligação dos KIR em molé-
pontânea, gerando os produtos C3a e C3b. Uma culas do MHC-I inibe a ação das células NK. No
vez produzido, o C3b se deposita em superfícies caso da expressão das moléculas de MHC-I estar
que não possuam ácido siálico, como o envelope reduzida, essa célula torna-se alvo de destruição
de diversos vírus, e, assim, desencadeia a cascata pelas células NK.
de ativação do complemento, que culmina com a O mecanismo utilizado pelas células NK
formação do MAC e com a destruição do vírion. A para destruir as células-alvo é semelhante ao uti-
presença de ácido siálico na superfície das células lizado pelos linfócitos Tc. O contato com a célula
animais (e eventualmente em algumas bactérias infectada estimula as NK a liberarem perforinas
Resposta imunológica contra vírus 243

no meio extracelular. As perforinas são proteínas freqüentes de penetração de agentes virais. As


semelhantes aos componentes C5-C9 do comple- células de Langerhans (LC), por exemplo, estão
mento e produzem pequenos poros na membra- localizadas na epiderme; DCs intersticiais estão
na plasmática da célula-alvo. As células NK libe- localizadas na derme, nas mucosas e em tecidos
ram então as granzimas, que penetram por estes periféricos. Por outro lado, as pDCs encontram-
poros e induzem morte celular por apoptose. se principalmente nos órgãos linfóides, como a
Durante a resposta inata, as células NK des- medula óssea, timo, baço, tonsilas e linfonodos.
troem células infectadas independentemente do As mDCs desempenham a importante função de
reconhecimento de antígenos específicos. No cur- apresentar antígenos aos linfócitos T e transferir
so da resposta imune específica e após a produção antígenos aos linfócitos B, eventos que se consti-
de anticorpos antivirais, as células NK também tuem no principal elo entre a imunidade inata e
podem participar da destruição de células infec- a imunidade adquirida. Além disso, as pDCs são
tadas. Nesse caso, anticorpos produzidos contra as principais células produtoras de IFN-I durante
antígenos virais se ligam em antígenos virais pre- as infecções virais e participam ativamente da es-
sentes na superfície das células infectadas. Essa timulação das células NK.
ligação facilita o seu reconhecimento pelas célu-
las NK, pois estas possuem receptores para a por- 2.4.1 Interação entre as DCs e células NK
ção Fc das imunoglobulinas. Essa atividade é de-
nominada citotoxicidade celular dependente de As DCs estimulam as células NK por meio
anticorpos (antibody dependent cellular citotoxicity, de mediadores solúveis e também por contato di-
ADCC) e também pode ser mediada por outras reto. A interação entre as DCs e as células NK é
células que possuem receptores para a porção Fc importante para a ativação das próprias DCs. A
(macrófagos, neutrófilos e eosinófilos). ativação das DCs pelas células NK depende de
Além de destruir células infectadas por ví- contato direto, da proporção NK:DCs e de citoci-
rus, as células NK contribuem para a defesa anti- nas como o TNF-α. Células NK pré-ativadas por
viral pela secreção de várias citocinas, incluindo IL-2 são potentes estimuladoras das DCs, agindo
o IFN-γ e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α). tanto de forma isolada como em sinergismo com
Essas células também possuem receptores para estímulos inflamatórios, como os lipopolissaca-
várias citocinas (IL-2, IL-12 e TNF-α) que podem rídeos (LPS). A interação entre as células NK e
influenciar na sua atividade. DCs parece ocorrer nos locais da infecção, onde
existem DCs imaturas residentes e para onde
migram as células NK em resposta a estímulos
2.4 Células dendríticas inflamatórios. Essa interação pode ocorrer tam-
bém nos linfonodos e em outros órgãos linfóides
As células dendíticas (DCs) constituem uma secundários, para onde as DCs migram após cap-
população heterogênea de células que diferem turar antígenos nos tecidos periféricos.
entre si em relação à origem, fenótipo, localiza-
ção, função e necessidades para o desenvolvi- 2.4.2 O papel das DCs na resposta
mento. As DCs que se originam de progenitores imune adquirida
mielóides da medula óssea são semelhantes aos
monócitos e são denominadas de DCs mielóides As DCs constituem o principal elo entre a
(mDCs). Por outro lado, as DCs que se originam imunidade inata e a imunidade adquirida. As
dos progenitores linfóides são denominadas de DCs são especializadas na captura e apresenta-
DCs plasmacitóides (pDCs) e se assemelham aos ção de antígenos aos linfócitos T, evento essencial
plasmócitos. As mDCs são encontradas em qua- para a estimulação dessas células em resposta a
se todos os tecidos e órgãos, com exceção do antígenos. Por sua vez, a estimulação de linfócitos
cérebro, dos olhos e dos testículos. São especial- Th resulta na produção de citocinas que ativam
mente abundantes nos linfonodos, na pele e em tanto a resposta mediada por células (Tc) como a
tecidos subjacentes a superfícies mucosas, locais resposta humoral (linfócitos B – plasmócitos). Os
244 Capítulo 9

estímulos para a proliferação dessas células são tos Tc é fundamental na erradicação da infecção;
fornecidos por mediadores solúveis (citocinas ou para outros, a resposta humoral desempenha um
interleucinas) produzidos pelas próprias DCs, ou papel mais importante na proteção. O conheci-
no microambiente dos linfonodos, onde os linfó- mento dos mecanismos específicos envolvidos na
citos são ativados. resposta imunológica contra cada vírus é funda-
As DCs encontram-se nos principais locais mental para a elaboração de vacinas.
de penetração dos vírus e também nos linfonodos A etapa inicial da resposta imunológica es-
e em outros tecidos linfóides secundários. Con- pecífica é o reconhecimento de antígenos pelos
seqüentemente, o contato dos vírus ou de suas linfócitos Th, Tc e B. Em resposta ao contato com
proteínas com as DCs é praticamente inevitável o antígeno, os linfócitos Th secretam várias citoci-
e é fundamental para que as DCs processem ade- nas, que estimulam a atividade de outras células
quadamente os antígenos virais e os apresentem envolvidas na resposta imunológica. Os linfócitos
às diferentes populações de linfócitos. Tc reconhecem e destroem células infectadas por
Os mecanismos envolvidos na resposta imu- vírus e também secretam algumas citocinas. Esti-
ne inata contra vírus estão ilustrados na Figura mulados pelo contato com o antígeno, os linfóci-
9.3. tos B proliferam e se diferenciam em plasmócitos.
Os anticorpos, produzidos pelos plasmócitos são
3 Resposta imune adquirida proteínas solúveis que possuem diversas funções
no combate aos agentes invasores.
Os mecanismos imunológicos específicos
contra as infecções víricas são desencadeados 3.1 Reconhecimento de antígenos pelo
após a estimulação direta ou indireta dos linfóci- sistema imunológico
tos T e B pelos antígenos virais e possuem como
características principais: especificidade (cada cé- A capacidade de distinguir antígenos pró-
lula reconhece apenas um determinante antigê- prios de antígenos não-próprios (neste caso, os
nico); diversidade (capacidade de reconhecer uma antígenos virais) se constitui no evento central
da resposta imune adquirida. Antígenos não-
grande variedade de antígenos) e memória imu-
próprios devem ser reconhecidos como tal, e o
nológica (capacidade de produzir uma resposta
seu reconhecimento deve induzir uma resposta
qualitativa e quantitativamente diferente em ex-
que resulte na sua eliminação e/ou inativação.
posições subseqüentes a um determinado antíge-
Por outro lado, os antígenos próprios devem ser
no). Além disso, a resposta imune específica se
igualmente reconhecidos, porém devem ser tole-
caracteriza pela tolerância a antígenos do próprio
rados. Ou seja, antígenos do próprio organismo
organismo.
não devem estimular uma resposta imunológi-
De acordo com os mecanismos efetores, a ca. A resposta imunológica específica contra ví-
resposta imune específica pode ser dividida em rus é mediada por diferentes subpopulações de
celular e humoral. A resposta celular é media- linfócitos: os linfócitos Th, Tc e B. Essas três po-
da pelos linfócitos T auxiliares (T helper ou Th) pulações de linfócitos apresentam mecanismos
e linfócitos Tc. A resposta humoral é mediada efetores distintos e reconhecem os antígenos de
pelos anticorpos produzidos pelos plasmócitos, formas diferentes. A seguir serão apresentados
células derivadas dos linfócitos B. Embora sejam os mecanismos de reconhecimento de antígenos
tratados separadamente com fins didáticos, os pelos linfócitos B e T.
mecanismos envolvidos nessas duas respostas
são complementares e atuam conjuntamente no 3.1.1 Reconhecimento de antígenos
combate às infecções víricas. A importância rela- pelos linfócitos B
tiva desses mecanismos, no entanto, varia entre
os diferentes vírus, de acordo com a sua biologia. Os linfócitos B reconhecem os antígenos vi-
Para alguns vírus, a resposta mediada por linfóci- rais através de receptores de membrana denomi-
Resposta imunológica contra vírus 245

nados BCRs (B cell receptors). Os BCRs são molé- por ambos. A forma de reconhecimento de antí-
culas de imunoglobulinas das classes IgD e IgM, genos por esses dois tipos de linfócitos, no entan-
que possuem uma região altamente variável, ca- to, é diferente:
paz de se ligar a uma variedade muito grande de
determinantes antigênicos. Os BCRs podem se 3.1.2.1 Reconhecimento de antígeno
ligar a antígenos de qualquer natureza química, pelos linfócitos Th
sejam proteínas, carboidratos, lipídios ou outras
macromoléculas, ou seja, os linfócitos B podem Os linfócitos Th reconhecem antígenos virais
reconhecer e responder a antígenos protéicos e através de seus receptores de membrana, deno-
não-protéicos, desde que esses possuam regiões minados TCRs (T cell receptors), juntamente com
complementares às regiões variáveis dos seus a molécula acessória CD4. Por isso, são também
BCRs. Isso faz com que os linfócitos B reconhe- chamados de linfócitos T CD4+. Para que um an-
çam antígenos na sua forma nativa, solúvel ou tígeno protéico seja reconhecido pelo complexo
não, sem a necessidade de processamento prévio. TCR+CD4 e estimule o linfócito Th, ele deve ser
No caso dos vírus, os principais antígenos reco- previamente processado e apresentado de forma
nhecidos pelos linfócitos B são as proteínas de adequada por células especializadas. O processa-
superfície dos vírions, devido a sua localização mento do antígeno protéico envolve a sua inter-
e acessibilidade aos BCRs. Proteínas virais inse- nalização por endocitose ou fagocitose, clivagem
ridas em membranas celulares, além de proteí- enzimática em peptídeos de 12 a 16 aminoácidos
nas secretadas pelas células infectadas, também e conjugação dos peptídeos com moléculas do
podem estimular os linfócitos B. Os linfócitos B complexo de histocompatibilidade principal do
também podem reconhecer antígenos virais cap- tipo II (MHC-II). Esses processos ocorrem em
turados e armazenados na superfície das DCs, compartimentos citoplasmáticos especializados
sob a forma de pequenas esferas (icossomos). Do (endossomos, fagossomos e retículo endoplasmá-
ponto de vista de proteção, os anticorpos induzi- tico). Os complexos MHC-II + peptídeo são, en-
dos contra proteínas de superfície (do capsídeo tão, transportados até a superfície celular, onde
ou envelope) possuem importância especial, pois ficam expostos à espera do reconhecimento pelos
podem se ligar e neutralizar a infectividade dos linfócitos Th. O reconhecimento dos complexos
vírus. MHC-II + peptídeos é realizado pelos receptores
Os locais de contato entre os antígenos e os TCR+CD4 existentes na membrana dos linfócitos
linfócitos B – locais de reconhecimento do antíge- Th e resulta na ativação desses linfócitos. Essa
no – são principalmente os órgãos linfóides peri- via de apresentação é denominada exógena, pois
féricos, dentre estes, os linfonodos. ocorre com proteínas extracelulares que são pre-
viamente internalizadas e processadas. Proteínas
3.1.2 Reconhecimento de antígenos estruturais dos vírions, proteínas virais secreta-
pelos linfócitos T das pelas células infectadas ou extravasadas no
meio extracelular após a lise celular podem ser
O reconhecimento de antígenos pelos linfó- processadas desta maneira e ser apresentadas
citos T é mais complexo e requer que o antígeno aos linfócitos Th. Em resumo, os linfócitos Th re-
seja previamente processado e apresentado por conhecem antígenos virais protéicos, desde que
células e moléculas especializadas. Os linfóci- devidamente processados e apresentados em as-
tos T não são capazes de responder a antígenos sociação com moléculas do MHC-II por células
em sua forma nativa, solúvel ou não, e somente especializadas (Figura 9.4).
são estimulados por antígenos protéicos, ou seja, Embora um número grande de células do or-
apenas as proteínas virais estimulam a resposta ganismo seja capaz de capturar proteínas e outras
celular. Dependendo da sua origem e da forma macromoléculas no meio externo e processá-las,
como são processadas, as proteínas virais podem somente um grupo restrito de células expressa
ser reconhecidas pelos linfócitos Th, pelos Tc ou moléculas do MHC-II. Dentre estas, incluem-se
246 Capítulo 9

6 Linfócito Th

núcleo
Célula apresentadora
de antígeno (APC)

Figura 9.4. Apresentação de antígenos virais extracelulares e resposta por linfócitos Th. Antígenos virais
extracelulares são internalizados por endocitose e/ou fagocitose (1) e processados proteoliticamente no interior de
vesículas (2), gerando peptídeos que são conjugados com moléculas do MHC-II no retículo endoplasmático (3). Os
complexos peptídeo-MHC-II são transportados até a superfície celular (4), onde são reconhecidos pelos linfócitos Th
(5). Os linfócitos Th, estimulados por esse contato, secretam interleucinas (6) que possuem diversas ações
modulatórias sobre as células envolvidas na resposta imunológica.

as células da linhagem monocítica/macrofágica aos linfócitos Th está representada esquematica-


(monócitos, macrófagos, CDs, células interdi- mente na Figura 9.4.
gitantes e LC), algumas células endoteliais e os
linfócitos B. Ou seja, somente essas células são ca- 3.1.2.2 Reconhecimento de antígeno
pazes de apresentar antígenos virais presentes no pelos linfócitos Tc
meio extracelular (exógenos) aos linfócitos Th. As
células que possuem como função precípua a cap- Os linfócitos Tc reconhecem proteínas virais
tura, processamento e apresentação de antígenos através dos TCRs, juntamente com a molécula
aos linfócitos Th são denominadas genericamente acessória CD8. Por isso, essas células também são
células apresentadoras de antígenos (APCs) pro- chamadas de linfócitos T CD8+. Para que as pro-
fissionais e, dentre estas, destacam-se as DCs e os teínas virais sejam reconhecidas pelos receptores
macrófagos. Embora não se constituam em APCs TCR+CD8 e estimulem os linfócitos Tc, também
profissionais, os linfócitos B também apresentam devem ser adequadamente processadas e apre-
antígenos virais de forma eficiente aos linfócitos sentadas. No entanto, essa forma de processa-
Th. A via exógena de apresentação de antígenos mento e apresentação somente ocorre com as
Resposta imunológica contra vírus 247

proteínas sintetizadas no interior das células du- cimento dos complexos MHC-I+peptídeo é rea-
rante a infecção, e não com proteínas extracelu- lizado pelos complexos TCR+CD8 existentes na
lares que são internalizadas. Por isso, essa via de membrana dos linfócitos Tc. Essa interação gera
apresentação é denominada endógena. Proteínas estímulos que, em conjunto com citocinas produ-
virais produzidas no interior das células durante zidas pelos Th e DCs, levam à ativação dos linfó-
o ciclo replicativo são clivadas enzimaticamente citos Tc. Resumindo, os linfócitos Tc reconhecem
em peptídeos de 8 a 12 aminoácidos, que são con- proteínas virais endógenas, após o seu processa-
jugados com moléculas do MHC-I. Os complexos mento e conjugação com moléculas do MHC-I.
MHC-I+peptídeos virais são transportados até Como, virtualmente, todas as células do organis-
a superfície celular, onde ficam expostos (Figu- mo – com exceção dos neurônios – expressam o
ra 9.5). Esse é um processo fisiológico e resulta MHC-I, a infecção de quaisquer dessas células
também na apresentação de fragmentos de pro- por vírus irá resultar no reconhecimento e res-
teínas celulares. No entanto, apenas os peptídeos posta mediada por linfócitos Tc. Acredita-se, no
resultantes da clivagem das proteínas virais são entanto, que as DCs sejam mais efetivas na indu-
capazes de estimular os linfócitos Tc. O reconhe- ção dos linfócitos Tc, pois, além da apresentação

Linfócito Tc

7 7

Replicação viral
...
prossegue...

2
4
3

núcleo
Qualquer célula nucleada

Figura 9.5. Apresentação de antígenos virais endógenos e resposta por linfócitos Tc. Após a penetração do vírus (1), as
proteínas virais são produzidas pelo aparato celular de tradução (2). Parte dessas proteínas são processadas pelos
proteassomos (3), resultando em peptídeos que são conjugados com moléculas do MHC-I no RE (4). Esses complexos
são transportados até a superfície celular (5), onde serão reconhecidos pelos linfócitos Tc (6). Ativados pelo contato
com o antígeno e por citocinas, os linfócitos Tc liberam o conteúdo citotóxico de seus grânulos (7), destruindo a célula
infectada.
248 Capítulo 9

do MHC-I+ peptídeos, são capazes de fornecer As DCs desempenham um papel muito im-
os sinais adicionais para a ativação integral dos portante no processo de apresentação de antíge-
Tc. Essa via de apresentação e reconhecimento de nos a outras células do sistema imunológico. As
antígenos é muito importante na resposta a infec- DCs podem ser infectadas por uma variedade de
ções víricas, pois permite ao sistema imunológico vírus e, assim, apresentar fragmentos de proteí-
reconhecer células infectadas por vírus e ativar o nas virais conjugadas com o MHC-I aos linfócitos
mecanismo mais efetivo para a sua destruição, os Tc. Além de apresentar esses antígenos, as DCs
linfócitos Tc. Tanto as proteínas estruturais como fornecem estímulos químicos (citocinas) para a
as não-estruturais produzidas durante a replica- ativação integral desses linfócitos (Figura 9.6). As
ção viral podem ser processadas e apresentadas DCs podem detectar vírions ou proteínas virais
aos linfócitos Tc. A via endógena de apresentação através de receptores do tipo TLR 7 e 9, resultan-
de antígenos aos linfócitos Tc está representada do em uma cascata de eventos intracelulares que
esquematicamente na Figura 9.5. as induzem a produzir citocinas e acelerar o seu

Linfócito Th

2a 2b

3
1
3

Célula
Linfócito Tc dendrítica Linfócito B

7 4

CTL 5
Plasmócito
9
Célula infectada

Figura 9.6. Interações entre as DCs e os linfócitos e estimulação da resposta adquirida. As DCs são capazes de
apresentar peptídeos exógenos aos linfócitos Th (1), estimulando-os a produzir citocinas do tipo Th1 (2a) ou Th2 (2b).
O reconhecimento de antígenos em solução ou nos icossomos da superfície das DCs (3), juntamente com as citocinas
do tipo Th2, estimula os linfócitos B a proliferar (4) e se diferenciar em plasmócitos, que são células secretoras de
anticorpos (5). Os linfócitos Tc podem reconhecer antígenos endógenos na superfície de células infectadas ou nas
DCs (6). Este reconhecimento, juntamente com as citocinas do tipo Th1 (2a), ativa os linfócitos Tc que se tornam CTLs
(7). Ao reconhecerem o mesmo padrão antigênico (MHC-I+ peptídeo viral) na membrana de células infectadas (8), os
CTLs descarregam o seu arsenal citotóxico que resulta em apoptose e morte celular (9).
Resposta imunológica contra vírus 249

processo de maturação. As DCs possuem pro- NK e macrófagos). A resposta do tipo Th2 carac-
longamentos citoplasmáticos denominados den- teriza-se pela secreção de IL-2, IL-4, IL-5, IL-10,
dritos, que aumentam a sua superfície, facilitan- citocinas que atuam principalmente na ativação
do, com isso, a interação com as demais células da imunidade humoral. Essas citocinas possuem
do sistema imunológico. As DCs são capazes de papel importante na ativação, proliferação e di-
capturar e armazenar antígenos em pequenas es- ferenciação de linfócitos B e secreção de anticor-
feras na sua superfície, denominadas icossomos. pos, ou seja, as citocinas produzidas pelos Th em
Dessa forma, as DCs podem oferecer e transferir resposta ao antígeno estimulam tanto a resposta
antígenos para outras DCs, para macrófagos e celular como a resposta humoral. O balanço entre
mesmo para os linfócitos B. As interações entre as respostas do tipo Th1 e Th2 depende da bio-
as DCs e as células envolvidas na resposta imune logia de cada vírus e de suas interações com o
adquirida estão ilustradas na Figura 9.6 sistema imunológico.
O contato entre os antígenos e as células do A função principal dos Tc na resposta an-
sistema imunológico – apresentação e reconheci- tiviral é a destruição de células infectadas por
mento de antígenos – ocorre principalmente nos vírus. Para muitas infecções víricas, a resposta
linfonodos e outros tecidos linfóides secundários. celular, mediada pelos Tc, representa a forma
Nesses tecidos, o microambiente existente favore- mais eficiente de combate e erradicação da in-
ce as interações entre o antígeno, as DCs e outras fecção. A ativação dos linfócitos Tc ocorre após
APCs, linfócitos T e B e células acessórias, resul- o reconhecimento de antígenos apresentados por
tando na estimulação eficiente de uma gama de células infectadas. Esta ativação depende de dois
células envolvidas com a resposta imunológica estímulos básicos: a estimulação resultante do
específica. Além de se constituir no evento cen- reconhecimento dos complexos peptídeo-MHC-I
tral da imunidade adquirida, o reconhecimento na superfície das células células infectadas e as
de antígeno e a conseqüente estimulação de po- citocinas produzidas pelas DCs ou pelos linfóci-
pulações de linfócitos T e B representa a etapa tos Th ativados (Figura 9.6). Os complexos pep-
inicial da resposta imunológica específica. tídeo-MHC-I são reconhecidos exclusivamente
pelo TCR e CD8 dos linfócitos Tc. Após a sua
3.2 Resposta imune celular ativação, esses linfócitos tornam-se competentes
para destruir as células que apresentem o mes-
A resposta imune específica mediada por mo complexo peptídeo-MHC-I que induziu a sua
células é representada pela atividade dos linfóci- estimulação. Esses complexos serão encontrados
tos T, pois a participação das demais células (ma- nas células que albergam o vírus infectante. Os
crófagos, DCs e células NK) faz parte da resposta linfócitos Tc ativados e capazes de destruir célu-
inata e ocorre de forma inespecífica. Os mecanis- las infectadas são denominados CTLs (citotoxic T
mos efetores dos linfócitos Th e Tc são distintos. lymphocytes). Ao entrar em contato com a célula
Os linfócitos Th modulam a resposta imunológi- infectada, os linfócitos Tc aderem a ela por meio
ca através das citocinas, que agem estimulando e do complexo TCR/CD8 e de outras moléculas de
modulando a atividade de uma variedade de cé- superfície. Essas interações resultam na reorga-
lulas do sistema imune. Os linfócitos Tc possuem nização do citoesqueleto, polarizando o linfócito
a função precípua de identificar e destruir células Tc com o objetivo de descarregar o seu arsenal
infectadas por vírus. citotóxico sobre a célula infectada. Entre os com-
De acordo com as citocinas produzidas, dois ponentes citotóxicos dos linfócitos Tc encontram-
tipos de respostas mediadas por linfócitos Th po- se as perforinas, que possuem a capacidade de
dem ser identificadas: as respostas do tipo Th1 e induzir a formação de poros na célula-alvo. Os
Th2. A resposta do tipo Th1 é caracterizada pela linfócitos Tc também secretam as granzimas, que
secreção de IFN-I, IL-2, IL-12 e TNF-α. Essas ci- penetram nas células através dos poros e ativam
tocinas atuam principalmente na estimulação mecanismos intracelulares que culminam com a
da imunidade celular (linfócitos Tc, DCs, células morte programada da célula (apoptose). Poste-
250 Capítulo 9

riormente, o linfócito Tc desprende-se da célula linfócitos B em resposta a antígenos (Figura 9.7).


e parte em busca de novas células-alvo, caracte- As Igs apresentam cinco classes principais, com
rística que lhe confere o codinome de serial killer estrutura e funções diferentes: IgG, IgM, IgA, IgE
entre as células do sistema imunológico. O meca- e IgD. Imunoglobulinas das classes IgM e IgD são
nismo de destruição celular pelos linfócitos Tc é também encontradas na superfície dos linfócitos
similar ao desencadeado pelas células NK. B, onde servem de receptores (BCRs) para o reco-
nhecimento de antígenos por essas células.
3.2.1 Importância dos linfócitos Tc na Devido aos mecanismos de diversidade e
imunidade antiviral especificidade, cada linfócito B e a sua progênie
possuem BCRs idênticos entre si e com a capaci-
Células infectadas por vírus podem produzir dade para reconhecer um único determinante an-
milhões de novas partículas virais em um período tigênico. Felizmente, o organismo possui bilhões
de poucas horas. A disseminação dos vírions en- de linfócitos B com BCRs diferentes e, por isso,
tre as células ocorre pela liberação de partículas capazes de reconhecerem e responderem a uma
virais no meio extracelular ou pela transmissão variedade virtualmente infinita de antígenos. A
direta dos vírions entre células. A transmissão capacidade de reconhecimento de antígenos pe-
direta entre células minimiza a possibilidade de los linfócitos B depende exclusivamente do BCR
um encontro indesejado dos vírions com as cé- e, conseqüentemente, os linfócitos B podem re-
lulas e moléculas do sistema imunológico. Nesse conhecer antígenos solúveis e também antígenos
caso, as únicas defesas das células infectadas são não-protéicos. Ou seja, os linfócitos B reconhecem
a produção de IFN-I e a apresentação dos antí- os antígenos em sua forma nativa, sem a necessi-
genos virais associados ao MHC-I. Dessa forma, dade de processamento e apresentação prévios,
a presença do vírus no interior das células pode como ocorre com os linfócitos T.
ser detectada pelas células vizinhas (via IFN-I) e A ativação dos linfócitos B depende da sua
pelos linfócitos Tc. interação com os antígenos virais (via BCR) e da
A estratégia do organismo em utilizar os ação de citocinas secretadas pelos linfócitos Th,
linfócitos Tc para destruir precocemente células também em resposta ao reconhecimento do an-
infectadas é muito apropriada, pois é preferível tígeno. As DCs desempenham um papel funda-
destruir pequenas fábricas de vírions a tentar ina- mental nesse processo, pois podem transferir an-
tivar milhões de partículas víricas disseminadas tígenos aos linfócitos B por meio dos icossomos
no organismo e com o potencial de infectar no- e, simultaneamente, apresentar antígenos ao lin-
vas células. O processamento e apresentação de fócitos Th (Figuras 9.6 e 9.7).
proteínas virais aos linfócitos Tc em fases iniciais Por outro lado, os linfócitos B, após reconhe-
da infecção permite ao hospedeiro identificar e cerem um antígeno, podem interagir diretamente
destruir as células infectadas antes do início da com os linfócitos Th, em um processo de estimu-
produção da progênie viral. Não obstante, alguns lação recíproca. É importante ressaltar que os lin-
vírus desenvolveram estratégias para evitar ou fócitos B, além de secretarem imunoglobulinas,
retardar o reconhecimento de células infectadas, também são excelentes APCs, ou seja, podem
a fim de assegurar a conclusão do ciclo replicati- apresentar antígenos associados ao MHC-II aos
vo e a liberação de progênie viral. linfócitos Th. As citocinas produzidas pelos Th,
juntamente com o reconhecimento do antígeno
3.3 Resposta imune humoral pelo BCR, resultam em estimulação, proliferação
e diferenciação dos linfócitos B em plasmócitos,
A resposta específica humoral é mediada células secretoras de anticorpos. As DCs também
pelas imunoglobulinas (Igs), popularmente co- podem fornecer citocinas importantes para uma
nhecidas como anticorpos. As Igs são produzidas adequada estimulação dos linfócitos B.
e secretadas pelos plasmócitos, que são células O contato com o antígeno e as citocinas pro-
originadas da proliferação e diferenciação dos duzidas pelos Th estimulam os linfócitos B a se
Resposta imunológica contra vírus 251

multiplicarem de forma rápida e abundante. As relativamente curta; as células de memória pos-


células resultantes dessa proliferação podem ter suem vida longa. Tanto os BCRs presentes na
dois destinos: a grande maioria se diferencia em membrana dos linfócitos B de memória como as
plasmócitos e uma minoria se diferencia em cé- imunoglobulinas secretadas pelos plasmócitos
lulas de memória. Os plasmócitos possuem vida possuem a mesma especificidade dos BCRs do

Vaso aferente

Células
dendríticas

Ativação
3 4

Córtex B Th
5
2

7 6

Proliferação
7

9 8 Diferenciação

Centros
germinativos
10
Célula de Plasmócitos
memória

11 Vaso eferente
Linfonodo

Figura 9.7. Mecanismos envolvidos na estimulação dos linfócitos B e produção de anticorpos. Partículas víricas ou
antígenos virais drenados pela linfa nos tecidos periféricos penetram nos linfonodos pelos vasos aferentes (1). Esses
antígenos podem ser reconhecidos diretamente pelos linfócitos B (2) ou em icossomos na superfície das DCs (3).
Tanto as DCs como os linfócitos B podem processar e apresentar antígenos virais aos linfócitos Th (4, 5), que secretam
citocinas em resposta (6). Estas citocinas atuam nos linfócitos B, estimulando a sua proliferação (7) e diferenciação em
plasmócitos (8) ou em células de memória (9). Os plasmócitos secretam grande quantidade de anticorpos (10) que têm
acesso aos líquidos corporais (11). Células fagocíticas e/ou DCs podem também penetrar nos linfonodos já com
antígenos virais capturados nos tecidos periféricos e os apresentar aos linfócitos Th e B.
252 Capítulo 9

linfócito B que os deu origem. A estimulação e uma resposta proliferativa e de diferenciação rá-
proliferação dos linfócitos B ocorrem nos órgãos pida e intensa. Essa resposta é denominada res-
linfóides secundários, sobretudo nos linfonodos. posta imune secundária. Embora mais estudados
Os anticorpos produzidos são secretados no meio em linfócitos B, pela facilidade de quantificação
extracelular e através dos vasos eferentes podem dos anticorpos, os eventos envolvidos na respos-
ter acesso à corrente sangüínea e, posteriormen- ta primária e secundária provavelmente ocorram
te, aos tecidos. Os processos de reconhecimento de forma semelhante aos linfócitos T. A resposta
do antígeno, proliferação e diferenciação dos lin- primária a um determinado vírus pode resultar
fócitos B estão ilustrados esquematicamente na de infecção natural ou de vacinação e prepara o
Figura 9.7. sistema imunológico para responder e montar
uma resposta secundária caso ocorra uma reex-
3.4 Respostas primária e posição posterior ao agente.
secundária/memória imunológica A memória imunológica de linfócitos B e T
é diferente. A produção contínua de anticorpos
Os linfócitos possuem um período de vida específicos tem sido detectada várias décadas
relativamente curto após a sua produção a par- após a infecção por alguns vírus. Como a vida
tir dos progenitores linfóides na medula óssea. média dos anticorpos no organismo é de poucas
No entanto, a sua sobrevivência pode ser pro- semanas, isto indica que ocorre uma produção
longada desde que encontrem o antígeno que os contínua de anticorpos para que os níveis sejam
estimule a proliferar e se diferenciar, ou seja, os mantidos. Uma possível explicação para esse fato
linfócitos que não encontram o antígeno que os é de que linfócitos B de memória seriam cons-
estimule possuem vida curta; aqueles que encon- tantemente reestimulados a se diferenciarem em
tram o antígeno complementar ao seu BCR têm a plasmócitos secretores de Igs, pois os plasmóci-
sua vida prolongada. Dessa forma, a presença de tos possuem vida curta. O contato freqüente com
antígenos específicos no organismo literalmente o antígeno – e as conseqüentes reestimulações
resgata os linfócitos da morte, estimulando-os a – podem decorrer da reexposição ao próprio mi-
proliferar e se diferenciar, gerando uma resposta croorganismo ou resultar de reatividade cruzada
imune, denominada resposta primária. O principal com antígenos semelhantes, próprios ou heteró-
evento da resposta primária é a expansão dos logos. Além disso, recentemente foi observado
clones de linfócitos que possuem receptores para que as DCs possuem a capacidade de armazenar
os antígenos introduzidos pela primeira vez no antígenos em seus dendritos por períodos pro-
organismo. Porém, a maioria das células origina- longados e liberá-los lentamente para os linfóci-
das pela expansão clonal se diferenciará em célu- tos de memória, provocando a sua reestimulação
las de vida curta, os plasmócitos. Os plasmócitos contínua. Isso poderia proporcionar uma estimu-
exercem a sua função de secreção de Igs e sobre- lação prolongada não somente dos linfócitos de
vivem por algumas semanas ou meses. Felizmen- memória, mas também de linfócitos que ainda
te, após a expansão clonal, uma fração pequena não haviam sido estimulados (naive ou virgens).
dos linfócitos estimulados não se diferencia em Estes, ao chegarem aos órgãos linfóides, encon-
plasmócitos, e sim em células de memória. Es- trariam com o antígeno pela primeira vez, geran-
tas mantêm a capacidade de reconhecimento do do novamente uma resposta imune primária e,
mesmo antígeno que as estimulou (pois possuem conseqüentemente, a produção de mais linfócitos
os BCRs com especificidade idêntica aos da célu- de memória.
la original) e sobrevivem no organismo por um Ao contrário da fase efetora da resposta hu-
longo tempo. As células de memória habitam a moral – cuja produção de anticorpos pode persis-
medula óssea e circulam pelo organismo. Ao en- tir por longos períodos – a fase efetora da resposta
contrarem o mesmo antígeno que as estimulou celular é de curta duração. A presença prolonga-
previamente (vírions ou proteínas virais), essas da de linfócitos Th e Tc efetores seria deletéria
células respondem rapidamente, produzindo para o organismo, pois a secreção persistente de
Resposta imunológica contra vírus 253

citocinas e a atividade citolítica continuada po- dos linfócitos de memória, que proliferam e se di-
deriam resultar em imunopatologia. Após a fase ferenciam em células efetoras, a exemplo do que
efetora, as células T de memória são encontradas ocorreu na resposta primária, porém com muito
com freqüência mais alta e podem responder com maior eficiência e rapidez. O resultado é a produ-
mais rapidez e eficiência a estímulos antigênicos ção de linfócitos Th e Tc efetores e de plasmócitos
secundários. A rapidez e eficiência com que as secretores de anticorpos, que se encarregam de
células T de memória se deslocam para os sítios combater o vírus invasor.
de infecção e respondem a estímulos secundários
faz com que não seja necessária a preexistência 3.5 As imunoglobulinas na defesa
de células efetoras para gerar uma resposta pro- antiviral
tetora.
Uma das questões fundamentais na resposta A importância dos anticorpos na imunidade
imune está relacionada com os mecanismos que antiviral tem sido muito discutida e parece va-
garantem a sobrevivência e manutenção das cé- riar de acordo com a biologia do vírus e também
lulas T e B de memória. A estabilidade da memó- com o estágio da infecção (infecção primária ver-
ria dos linfócitos Tc, por exemplo, é mantida por sus reinfecção). Como os anticorpos aparecem
divisões celulares lentas e continuadas. As célu- apenas tardiamente durante a infecção primária,
las B de memória podem ser mantidas por esti- acredita-se que desempenhem um papel secun-
mulações paralelas, ou seja, por citocinas produ- dário na erradicação dessa infecção. O papel prin-
zidas pelas células Th e DCs em resposta a outros cipal nesses casos seria assumido pelos linfócitos
antígenos. No entanto, embora a medula óssea Tc. Os anticorpos teriam participação mais efeti-
apresente o ambiente ideal para a manutenção, va na proteção em casos de reinfecção, quando
replicação e sobrevivência dessas células, acredi- atuariam limitando e restringindo a penetração e
ta-se que a reexposição e contato com o antígeno disseminação do vírus no organismo. Além dessa
sejam importantes para a manutenção das células diferença, a importância relativa dos anticorpos
B de memória. Com isso, as reestimulações con- e da imunidade celular variam de acordo com a
tribuiriam para a reposição das células secretoras biologia e interações de cada vírus com o hospe-
de Igs e a conseqüente manutenção dos níveis de deiro.
anticorpos circulantes. Os principais locais de produção de anti-
O conhecimento dos eventos que ocorrem corpos pelos plasmócitos são os centros germi-
durante a resposta primária e secundária é fun- nativos dos linfonodos e as regiões equivalentes
damental para o entendimento das bases imu- dos outros órgãos linfóides secundários. As Igs
nológicas da proteção induzida por vacinas. A estão presentes nos fluidos do organismo (plas-
vacinação induz uma resposta primária, com a ma sangüíneo, saliva, lágrima, urina, colostro/
conseqüente expansão de clones de linfócitos B leite, muco, secreções, líquido céfalo-raquidiano
e T específicos para os antígenos vacinais. Com e líquido sinovial) e são capazes de se ligar es-
isso, são produzidos plasmócitos e linfócitos T pecificamente no determinante antigênico que
efetores, que possuem vida curta; e, principal- induziu a sua formação. Para várias infecções
mente, células B e T de memória, que possuem virais, a quantidade de Igs específicas presentes
vida longa e são capazes de responder ao mesmo no soro sangüíneo pode ser correlacionada com
padrão antigênico que induziu a sua prolifera- proteção. Por isso, esse parâmetro é utilizado
ção. A infecção subseqüente de um animal vaci- para o monitoramento dos prováveis níveis de
nado irá induzir uma resposta secundária, com proteção e da necessidade de novas imunizações.
estimulação e proliferação muito mais rápida e Considerando-se que a resistência antiviral deve-
intensa de linfócitos T e B, pois o número dessas se, em grande parte, à atividade dos linfócitos Tc
células específicas para o antígeno agora é muito (que efetivamente destroem células infectadas), a
maior, resultado da expansão clonal da resposta quantificação dos anticorpos não pode ser consi-
primária. Esta infecção resulta em estimulação derada o indicador único de proteção. Não obs-
254 Capítulo 9

tante, a sorologia é muito utilizada para se avaliar – Opsonização: o revestimento de partículas


os níveis de imunidade como um todo, visto que víricas por moléculas de imunoglobulinas (IgM e
os métodos para detectar e quantificar a função IgG) facilita a ligação e remoção dessas partícu-
de linfócitos T são de difícil aplicação. las pelas células fagocíticas, via receptores para a
porção Fc das Igs. A ativação do sistema do com-
3.5.1 Mecanismos de ação plemento também gera fragmentos capazes de
das imunoglobulinas opsonização viral (C3b);
– Ativação do complemento: a ligação das
As Igs possuem várias atividades biológicas Igs aos antígenos resulta em alterações tridi-
que potencialmente podem estar envolvidas na mensionais na sua região Fc, expondo sítios de
resposta antiviral. Algumas dessas atividades já ligação para o componente C1 do complemento,
foram demonstradas in vivo e a sua participação iniciando a sua ativação em cascata. O resultado
na resposta antiviral parece ser inquestionável; é a estimulação de vários mecanismos da imuni-
outras somente foram demonstradas inequivoca- dade inata (vasodilatação, aumento da permeabi-
lidade capilar, quimiotaxia para fagócitos, entre
damente in vitro e/ou possuem um papel contro-
outros) e a formação do MAC sobre a superfície
verso na resposta imunológica contra os vírus. A
dos vírions, o que pode resultar na inativação
seguir são listadas as principais atividades anti-
da infectividade dos vírus envelopados. A liga-
virais dos anticorpos (essas atividades na defesa
ção de anticorpos em proteínas virais inseridas
contra vírus estão ilustradas na Figura 9.8):
na membrana de células infectadas pode ativar o
– Neutralização: a interação dos vírions com
complemento e levar à formação do MAC. Com
os receptores celulares para o início da infecção
isso, a célula infectada pode sofrer lise osmótica.
é mediada por regiões específicas das proteínas
Esse mecanismo pode também ocorrer com bac-
de superfície dos vírions (anti-receptores). Anti-
térias;
corpos produzidos contra essas regiões possuem – Citotoxicidade mediada por células de-
a capacidade de se ligar aos vírions e impedir a pendente de anticorpos (ADCC): durante a re-
interação com os receptores celulares, neutrali- plicação de alguns vírus, certas proteínas virais
zando a sua infectividade. Esses anticorpos são podem ser inseridas na membrana plasmática da
denominados genericamente neutralizantes e célula infectada. Anticorpos específicos são pro-
constituem uma parcela do total de anticorpos duzidos contra essas proteínas e se ligam a elas na
produzidos contra os vírus. Anticorpos com ati- superfície celular. Com isso, a célula infectada se
vidade neutralizante são direcionados contra pro- torna alvo para algumas células do sistema imu-
teínas de superfície dos vírions. A neutralização nológico que possuem receptores para a porção
de partículas virais pode ocorrer por Igs da clas- Fc das Igs (células NK e neutrófilos) e destroem
se IgA, presente nas mucosas e em secreções; ou a célula. Embora a ADCC tenha sido amplamen-
por IgM e IgG, presentes no plasma sangüíneo. te demonstrada in vitro, a sua importância in vivo
Um dos desafios da vacinologia é a indução de ainda é desconhecida;
proteção sólida nas mucosas, pela estimulação de – Outras atividades dos anticorpos: embo-
IgA com capacidade de neutralizar as partículas ra as Igs desempenhem funções benéficas para a
víricas nos locais mais freqüentes de penetração manutenção da integridade e funcionalidade do
viral (sistema respiratório, digestório e reprodu- organismo, pelo combate a agentes infecciosos
tivo) e, assim, impedir a instalação da infecção. potencialmente nocivos, eventualmente podem
A neutralização da infectividade é o mecanismo participar de processos que são prejudiciais ao
mais direto de ação dos anticorpos contra vírus e, hospedeiro. A presença de grande quantidade
talvez, o mais importante; de antígenos no plasma sangüíneo pode levar à
– Aglutinação: as IgM e IgG possuem a ca- formação disseminada de complexos antígeno-
pacidade de aglutinar partículas virais e, com anticorpo. Esses complexos geralmente são re-
isso, facilitar a sua remoção mediada pelo siste- movidos pelas células fagocíticas. No entanto,
ma complemento e por células fagocíticas; quando estão em excesso, depositam-se em locais
Resposta imunológica contra vírus 255

1
2 3

5
Tc

6 7

Figura 9.8. Atividades dos anticorpos na resposta contra vírus. Neutralização da infectividade (1), aglutinação (2),
opsonização e fagocitose (3), ativação do complemento (4), lise de vírus envelopados mediada por complemento (5),
ADCC (6) e lise celular mediada por complemento dependente de anticorpos (7).

como as superfícies articulares e túbulos renais rios vírus, dentre os quais o vírus da dengue, o
e, freqüentemente, causam imunopatologia. O coronavírus felino e o vírus da imunodeficiência
revestimento de vírions com anticorpos sem ati- humana (HIV). O papel da ADE na patogenia
vidade neutralizante pode, ao invés de neutrali- dessas doenças, no entanto, ainda é tema de de-
zá-lo, potencializar a sua infectividade. Essas Igs bates.
são reconhecidas por células que possuem recep-
tores para a porção Fc (monócitos e macrófagos), 3.6 O papel das respostas celular e
resultando na internalização eficiente de vírions humoral na imunidade antiviral
recobertos com anticorpos, facilitando a infecção
dessas células, ou seja, os anticorpos aumentam Os avanços no estudo da imunologia antivi-
a eficiência de penetração desses vírions. Esse ral têm resultado na emergência de importantes
mecanismo é denominado Antibody Dependent componentes e mecanismos anteriormente rele-
Enhancement (ADE) e tem sido descrito para vá- gados a papéis secundários na resposta imune,
256 Capítulo 9

como as DCs. No entanto, o papel exato de cada tolerância, integração do material genético viral
componente na intrincada cadeia de relações ce- no genoma do hospedeiro, infecção de sítios imu-
lulares e moleculares que resultam na eliminação nologicamente privilegiados e interferência com
de uma determinada infecção vírica ainda não funções do sistema imunológico.
está satisfatoriamente esclarecido. O esclareci-
mento desses mecanismos depende do entendi- 4.1 Infecções latentes no sistema
mento detalhado da biologia e da patogenia de nervoso central
cada infecção e das interações peculiares de cada
vírus com o sistema imunológico. Não obstante, O estabelecimento de infecções latentes é
pode-se afirmar que os linfócitos Tc são funda- um eficiente mecanismo de perpetuação no hos-
mentais na erradicação da infecção primária, pela pedeiro utilizado pelos vírus da família Herpesvi-
destruição das células infectadas. Os anticorpos ridae. A fase de latência, que se segue à infecção
não teriam grande participação no combate à in- aguda, é caracterizada pela presença do genoma
fecção primária, pois aparecem tardiamente no viral inativo em neurônios, sem síntese protéica
curso da infecção. Seriam de fundamental impor- ou produção de progênie viral. Como conseqüên-
tância por ocasião de uma reexposição ao agente, cia, a infecção desses neurônios não é detectada
prevenindo e/ou limitando a infecção através de pelo sistema imunológico e essas células podem
neutralização viral e de outros mecanismos que manter o material genético viral indefinidamen-
restringiriam a disseminação do vírus no orga- te. No entanto, sob determinadas circunstâncias,
nismo. Caberia aos linfócitos Th o papel de co- geralmente associadas com estresse, ocorre a
ordenar e moderar as duas respostas (humoral, reativação e a retomada da replicação viral nos
mediada por linfócitos B; e celular, mediada por neurônios infectados. Os vírions produzidos mi-
linfócitos Tc) pela secreção de citocinas. gram pelos axônios de volta aos locais de replica-
ção primária, de onde são excretados, podendo
4 Mecanismos virais de evasão da infectar outros hospedeiros. O estabelecimento e
resposta imune reativação de infecções latentes, portanto, cons-
tituem-se em estratégias dos herpesvírus para
A ocorrência contínua de doenças virais so- escapar do sistema imunológico e garantir a sua
mente é possível devido ao sucesso desses mi- perpetuação no hospedeiro e na população. In-
croorganismos em produzir infecções, resistir ou fecções latentes ocorrem com os herpesvírus bo-
escapar dos mecanismos antivirais do hospedei- vino tipo 1 e 5 (BoHV-1 e 5), herpesvírus suíno
ro e se disseminar para outros hospedeiros sus- (doença de Aujeszky), herpesvírus felino tipo 1
ceptíveis. Hospedeiros imunes impedem a pro- (FHV-1), herpesvírus eqüinos tipo 1 e 4 (EHV-1 e
gressão da infecção, o que reduz drasticamente 4), entre outros.
a possibilidade de transmissão do vírus para ou-
tros animais. Dezenas ou centenas de milhares de 4.2 Variações antigênicas
anos de coexistência, além da rapidez com que
os vírus se multiplicam e evoluem geneticamen- Alterações na seqüência de aminoácidos de
te, permitiram o desenvolvimento de estratégias determinantes antigênicos em proteínas de su-
que lhes permitem evitar ou resistir às defesas do perfície dos vírions permite o escape da neutra-
hospedeiro, causando infecções produtivas, agu- lização por anticorpos e é uma estratégia muito
das ou crônicas, e garantindo a sua manutenção e utilizada pelos vírus, principalmente os vírus
perpetuação na natureza. Dentre os mecanismos RNA. Essas alterações surgem como resultado
utilizados pelos vírus para compatibilizar a sua dos erros cometidos pela enzima RNA polimera-
existência e perpetuação, apesar dos mecanis- se viral durante a replicação do genoma. Como
mos imunológicos do hospedeiro, destacam-se conseqüência, aminoácidos diferentes são fre-
os seguintes: infecções latentes no sistema ner- qüentemente incorporados durante a síntese das
voso central, variações antigênicas, indução de proteínas virais, alterando a sua seqüência e es-
Resposta imunológica contra vírus 257

trutura, podendo resultar no não-reconhecimen- mais. Essa condição só é possível pela tolerância
to pelos anticorpos produzidos contra os epitopos do sistema imunológico aos antígenos virais.
originais. Vírions com alterações antigênicas po-
dem, assim, escapar da resposta imune existente 4.4 Integração do material genético viral
naquele momento no hospedeiro, principalmente no genoma do hospedeiro
da imunidade humoral, e infectar novas células.
A presença desses novos determinantes antigêni- Os vírus da família Retroviridae podem per-
cos elicitará a síntese de anticorpos com uma nova sistir no hospedeiro durante toda a sua vida, mes-
especificidade. Porém, novas variações poderão mo na presença da resposta imune. O mecanismo
ser posteriormente produzidas e novamente al- de persistência resulta de dois aspectos da biolo-
guns variantes podem escapar da neutralização. gia desses vírus: a) possuem a capacidade de in-
Essas variações antigênicas discretas, geralmente serir cópias do seu genoma nos cromossomos das
associadas com a acumulação de mutações em células hospedeiras e b) possuem a enzima deno-
ponto, são denominadas genericamente de anti- minada transcriptase reversa, responsável pela
genic drift e têm sido bem caracterizadas nos vírus transcrição reversa do genoma (RNA para DNA),
da influenza, embora ocorram também em outros mas que não corrige os seus próprios erros. Com
vírus. Alterações antigênicas mais drásticas ocor- isso, a cada ciclo são produzidas populações de
rem quando os vírus da influenza trocam entre si vírus compostas por indivíduos com pequenas
os genes que codificam as proteínas do envelope diferenças genéticas entre si (quasiespecies). A
(HA e NA), resultando em vírus antigenicamente inserção do material genético viral garante que
muito diferentes dos parentais. Esse mecanismo a infecção seja permanente, e as alterações anti-
é denominado antigenic shift e tem sido implicado gênicas que resultam de cada ciclo de replicação
no surgimento de vírus de maior patogenicidade, viral asseguram que alguns vírions produzidos
responsáveis por epidemias de grandes propor- possam escapar da resposta imune para infectar
ções. novas células. Dentre as infecções por retrovírus
animais destacam-se a anemia infecciosa eqüina
4.3 Indução de tolerância e a imunodeficiência felina.

Em condições normais, o sistema imunológi- 4.5 Infecção de sítios imunologicamente


co possui tolerância, ou seja, não reage contra os privilegiados
antígenos do próprio organismo. Ocasionalmen-
te o sistema imunológico pode se tornar tolerante Os tecidos e órgãos aos quais os componen-
também a antígenos estranhos, contra os quais tes do sistema imunológico não possuem acesso
deveria produzir uma resposta. Um exemplo é o imediato e irrestrito são denominados generica-
que ocorre quando fetos bovinos são infectados mente sítios de privilégio. Os neurônios do SNC,
por cepas não-citopáticas do vírus da diarréia vi- por exemplo, não expressam de forma constitu-
ral bovina (BVDV) entre os 40 e 120 dias de ges- tiva as moléculas do MHC-I, o que dificulta o
tação. Nessa fase, o sistema imunológico do feto reconhecimento da infecção celular e a ação dos
ainda está imaturo e não reconhece os antígenos linfócitos Tc. Conseqüentemente, os vírus que in-
virais como estranhos. Com isso, não ocorre a esti- fectam neurônios são privilegiados, pois as célu-
mulação e proliferação de linfócitos B e T e, como las hospedeiras não denunciam a sua presença.
conseqüência, o feto fica incapaz de montar uma Por outro lado, a falta de expressão de moléculas
resposta contra o vírus. Os fetos imunotoleran- do MHC-I pode ser considerada um mecanismo
tes nascem persistentemente infectados (PI) pelo de proteção, evitando a destruição de células tão
BVDV e excretam o vírus continuamente em se- importantes. Da mesma forma, a barreira hemato-
creções e excreções. Os animais PI se constituem encefálica restringe o acesso de algumas células
no ponto-chave da epidemiologia do BVDV, pois imunológicas ao SNC. São também considerados
são fontes contínuas de vírus para os outros ani- sítios de privilégio as células da epiderme (onde
258 Capítulo 9

ocorrem infecções pelos vírus da papilomatose), espécies animais. Observando a trajetória desses
as células germinativas das gônadas (onde pode fascinantes microorganismos e de suas comple-
ocorrer a infecção pelo vírus da síndrome repro- xas interações celulares e moleculares, percebe-
dutiva e respiratória dos suínos, PRRSV), retina, se o quanto ainda há para descobrir em relação
células dos túbulos renais (utilizadas pelos han- aos mecanismos imunológicos protetores. Tanto
tavírus e arenavírus) e tecidos fetais (diversos ví- é verdade que o surgimento do HIV renovou o
rus). interesse dos pesquisadores pela imunologia. A
partir de então, o descobrimento de novas infec-
4.6 Interferência com funções do ções e o desafio de vencer velhos conhecidos fez
sistema imunológico da imunologia uma das áreas do conhecimento
que mais rapidamente acumula informações.
Os estudos sobre as relações vírus-célula e Paralelamente aos avanços no conhecimen-
sobre a biologia dos vírus permitiram elucidar to das interações dos vírus com o sistema imu-
vários mecanismos utilizados pelos vírus para nológico – e dos mecanismos utilizados por es-
subverter o sistema imunológico, por meio da in- ses agentes para se perpetuarem no hospedeiro
terferência com a função das células e moléculas – surgem importantes linhas de pesquisa na área
imunológicas. Essa interferência freqüentemente de desenvolvimento de vacinas. Um dos maio-
leva a deficiências na resposta imunológica, con- res avanços dos últimos anos foi a elucidação do
seqüências denominadas genericamente de imu- papel central das DCs na resposta às infecções
nossupressão. Cada vírus utiliza uma estratégia virais. Essas células se constituem no elo de li-
específica, dependendo da sua biologia, o que gação entre mecanismos imunológicos naturais
torna impraticável enumerá-las aqui. No entanto, e específicos. Juntamente com a descoberta da
como mecanismos gerais, citam-se: a) destruição, importância das DCs, novos questionamentos di-
inibição ou indução da maturação das DCs, o recionam as investigações futuras que, necessa-
que altera o padrão de secreção de citocinas e de riamente, deverão considerar a manipulação de
expressão de receptores nas DCs, resultando em vetores virais para maximizar a resposta imune
prejuízo nas suas relações com as demais células com vistas à produção de vacinas.
do sistema imunológico, principalmente os lin-
fócitos T; b) destruição ou alteração das funções 6 Bibliografia consultada
dos linfócitos T; c) interferência com a apresenta-
ção de antígenos, inibindo a ação das proteínas ABBAS, A.K.; LICHTMAN, A.H.; POBER, J.S. Cellular and
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Eduardo Furtado Flores 10
1 Introdução 263

2 A cadeia do processo infeccioso 263

2.1 Fontes de infecção 265


2.2 Vias de excreção 269
2.3 Mecanismos de transmissão 270
2.4 Vias de penetração 273

2.5 O novo hospedeiro 274


2.5.1 Patogenia e resposta imunológica 274

3 Mecanismos de perpetuação dos vírus na natureza 275

3.1 Infecções persistentes 276


3.2 Infecções latentes 276
3.3 Infecção de várias espécies animais 277
3.4 Infecção de vetores 279
3.5 Sobrevivência no ambiente 279
3.6 Transmissão vertical 280
3.7 Ciclos contínuos de transmissão 281

4 Doenças em populações 281

4.1 Definição de população 281


4.2 População de risco 282
4.3 Populações abertas e fechadas 282
4.4 Quantificação de doença: incidência e prevalência 283

5 Padrões temporais de ocorrência das doenças víricas 284

5.1 Doenças esporádicas 284


5.2 Doenças endêmicas 285
5.3 Doenças epidêmicas 285
5.4 Fatores determinantes das epidemias 287
5.5 Outros padrões de ocorrência 287
6 Distribuição espacial das doenças víricas 288

6.1 Doenças de distribuição mundial 288


6.2 Doenças com certa limitação geográfica 289
6.3 Doenças restritas geograficamente 289
6.4 Áreas livres naturais 289
6.5 Áreas livres artificiais 290

7 Doenças víricas emergentes 290

8 Bibliografia consultada 293


1 Introdução Os principais objetivos das investigações
epidemiológicas são o conhecimento dessas ca-
deias de interações e a identificação de pontos
A epidemiologia estuda as doenças em po-
frágeis que sejam passíveis de intervenção, vi-
pulações, investigando os seus determinantes, a
sando ao controle das doenças. A ênfase maior
sua dinâmica e distribuição. Os fatores envolvi-
da epidemiologia é a população – a sua saúde e
dos na manutenção e transmissão das infecções bem-estar. A importância do indivíduo limita-
víricas nas populações são múltiplos e partici- se à sua condição de componente da população,
pam de interações complexas, às vezes, de difícil pois, como tal, pode originar informações úteis
compreensão. A complexidade dessas interações para a preservação da saúde coletiva.
é muito variável entre as viroses. Existem infec- Este capítulo aborda, de forma genérica, os
ções víricas que são mantidas na população por principais aspectos da epidemiologia das infec-
uma cadeia sucessiva de infecções agudas entre ções víricas de animais. Os aspectos epidemioló-
hospedeiros de uma única espécie animal. Essas gicos mais relevantes de cada virose serão abor-
infecções apresentam, portanto, uma epidemio- dados oportunamente nos capítulos especifícos.
logia relativamente simples. Outras viroses con- A epidemiologia aplicada às doenças animais
seguem persistir na população graças a infecções possui uma terminologia própria (epizootiologia,
persistentes ou latentes. Por outro lado, alguns epizootia, enzootia etc.). Este texto, no entanto,
vírus desenvolveram a capacidade de infectar vá- utilizará a terminologia clássica (epidemia, en-
rias espécies de hospedeiros e a sua manutenção, demia etc.), consagrada ao longo de décadas na
na natureza, é possível pela ocorrência de ciclos descrição de doenças humanas, mas que também
alternados de infecção nessas espécies. tem sido utilizada em epidemiologia veterinária.
Infecção de espécies silvestres, transmissão
por artrópodes, longos períodos de incubação ou 2 A cadeia do processo infeccioso
de sobrevivência no meio ambiente, transmissão
vertical, variabilidade genética e antigênica, en- A sobrevivência de um vírus como espécie
depende de sua capacidade de cumprir uma se-
tre outras, fazem parte do arsenal de estratégias
qüência de etapas que se convencionou chamar
utilizadas pelos vírus para assegurar a sua sobre-
de cadeia do processo infeccioso. Para facilitar o seu
vivência como espécie. Alguns vírus fazem uso
entendimento, a cadeia do processo infeccioso
concomitante de várias dessas estratégias, o que pode ser dividida nas seguintes etapas: fontes de
torna a sua epidemiologia extremamente comple- infecção, vias de excreção, mecanismos de trans-
xa, favorecendo a sua manutenção no ambiente e missão, vias de penetração e o novo hospedeiro
dificultando o seu controle. (Figura 10.1).

Excreção Penetração

Fonte de Novo hospedeiro


infecção
Transmissão

Figura 10.1. A cadeia do processo infeccioso.


264 Capítulo 10

Inicialmente, o agente deve penetrar e se Ao contrário de outros microorganismos


multiplicar no hospedeiro e, mesmo na presen- (bactérias e fungos) a maioria dos vírus não é ca-
ça da resposta imunológica, produzir progênie paz de manter a viabilidade por longos períodos
viável. Essa progênie deve ser excretada do hos- no meio externo. Isso é crítico para muitos desses
pedeiro a tempo, pela via adequada e em quanti- agentes, uma vez que a viabilidade e a perspec-
dade suficiente para permitir a sua transmissão a tiva de transmissão são freqüentemente perdidas
outros indivíduos (Figura 10.2). Após a excreção, pela inativação no meio ambiente. Após encon-
o agente deve ser capaz de resistir no meio am- trar um hospedeiro susceptível, o agente deve
biente o tempo necessário para encontrar outro penetrar pela via adequada (Figura 10.3) e mul-
hospedeiro susceptível. tiplicar nos tecidos e órgãos-alvo para produzir
A transmissão dos vírus entre hospedeiros progênie e ser novamente excretado.
O cumprimento dessas etapas é fundamen-
pode ocorrer por diferentes meios. Alguns vírus
tal para a perpetuação dos vírus – assim como
são transmitidos por contato direto entre hospe-
de outros agentes infecciosos – na natureza. Na
deiros. Nesses casos, a capacidade do vírus resis-
realidade, o processo evolutivo fez com que os
tir em condições ambientais é irrelevante, pois o
agentes virais que existem atualmente tenham
tempo e espaço entre os hospedeiros são virtuais.
desenvolvido meios para cumprir essas etapas e,
Já outros agentes não são transferidos imediata- assim, sobreviver como espécie. Não obstante, as
mente, e a sua transferência entre hospedeiros estratégias utilizadas para realizar essa tarefa são
ocorre com o auxílio de objetos inanimados ou variadas e peculiares de cada vírus ou grupo de
de artrópodes (insetos). Nesses casos, o agente vírus. É também provável que, ao longo dos tem-
necessita obrigatoriamente resistir no meio am- pos, tenham surgido vírus que não foram capazes
biente e/ou replicar ou persistir viável nos veto- de cumprir alguma dessas etapas. Tais agentes
res pelo tempo necessário, a fim de assegurar a certamente não tiveram sucesso em sua história
sua transmissão ao próximo hospedeiro. natural e, conseqüentemente, desapareceram.

Descamações Secreções
cutâneas urogenitais,
Tecidos
sêmen

Secreções Urina,
oronasais fezes

Sangue, Fetos, fluidos e


linfa membranas fetais
Colostro
e leite

Figura 10.2. Vias de excreção de vírus que infectam animais.


Epidemiologia das infecções víricas 265

Mucosa
conjuntival
Pele
Mucosa
urogenital

Mucosa
respiratória

Mucosa
orofaríngea
Mucosa
intestinal

Figura 10.3. Vias de penetração de vírus que infectam animais.

2.1 Fontes de infecção Os portadores são os animais que abrigam e


excretam o agente sem estar manifestando altera-
Define-se como fonte de infecção qualquer ções clínicas indicativas de doença. Por isso não
animal vertebrado que esteja infectado e seja ca- são facilmente reconhecíveis, o que os torna mui-
paz de transmitir o agente para outros animais to importantes na epidemiologia de cada infec-
susceptíveis. Excluem-se dessa definição os ar- ção. Os animais portadores podem ser também
trópodes, que, na maioria das infecções víricas denominados de hospedeiros assintomáticos. De-
animais, parecem desempenhar um papel pre- pendendo da sua participação na disseminação
dominantemente de transmissão e não de manu- viral, dois tipos de portadores podem ser reco-
tenção do agente. Dependendo do resultado das nhecidos: ativos e passivos. Os portadores ativos
interações agente-hospedeiro, que podem ou não são aqueles que excretam o vírus; os portadores
resultar em manifestações clínicas, as fontes de passivos apenas abrigam e replicam o agente sem
infecção (também chamados de hospedeiros) po- excretá-lo ou transmiti-lo. A grande maioria dos
dem ser classificadas em doentes e portadores. portadores de agentes virais enquadra-se na pri-
Os doentes são os animais infectados que ma- meira categoria. Entretanto, cães adultos podem
nifestam sinais clínicos de doença. Do ponto de abrigar o vírus da cinomose (CDV) no sistema
vista estritamente epidemiológico, essas fontes nervoso central (SNC) de forma persistente sem
de infecção possuem uma importância relativa- excretá-lo. Aparentemente, búfalos infectados
mente menor, pois são facilmente reconhecidas pelo vírus da febre aftosa (FMDV) tornam-se
como tal, o que permite o diagnóstico e a ado- portadores após a infecção aguda, mas parecem
ção das medidas de controle pertinentes. Alguns ser incapazes de transmiti-lo. Nesses casos, esses
exemplos são os cães, com sinais clínicos de raiva, animais se constituem em portadores passivos.
e os bovinos, com sinais característicos de febre Dependendo do período em que excretam o
aftosa. Não obstante, em infecções víricas, nas agente, os portadores ativos podem ser classifica-
quais o desenvolvimento de doença é freqüente, dos em permanentes ou temporários. Os portadores
os animais doentes se constituem nas fontes de ativos permanentes são aqueles que excretam o ví-
infecção mais comuns e epidemiologicamente rus continuamente. Alguns exemplos são os ani-
importantes. mais infectados por retrovírus e aqueles persis-
266 Capítulo 10

tentemente infectados pelo vírus da diarréia viral maioria das vezes, para designar espécies silves-
bovina (BVDV). Os portadores ativos temporários tres, essa denominação pode também ser utiliza-
excretam o agente – sem manifestar sinais clíni- da para designar animais domésticos que sirvam
cos concomitantes – por determinados períodos. de fontes de infecção e, como tal, mantenham e
Quando a excreção viral inicia-se no período transmitam agentes infecciosos. Geralmente, as
de incubação ou na fase prodrômica e os animais principais espécies que servem de reservatórios
ainda não apresentam sinais clínicos, eles são cha- de agentes virais na natureza são as espécies de
mados de portadores em período de incubação e por- origem desses agentes, também chamadas de
tadores prodrômicos, respectivamente. Exemplos hospedeiros ou reservatórios naturais. No entanto,
incluem os bovinos infectados com vírus respi- mesmo espécies que não se constituam nos hos-
ratórios, que podem iniciar a excretar o vírus de pedeiros naturais de determinados vírus podem,
um a três dias antes do início dos sinais clínicos. ocasionalmente, servir de reservatórios. Deve ser
Em outras infecções, os animais podem seguir enfatizado que algumas espécies que abrigam
excretando o vírus após a resolução da doença agentes virais na natureza – e que se constituem,
clínica, sendo, então, denominados portadores em portanto, em reservatórios – desenvolvem a en-
fase de convalescença. Suínos infectados pelo vírus fermidade devido à infecção. Nesse sentido, os
da síndrome respiratória e reprodutiva (PRRSV) agentes que conseguem infectar e se manter em
e cães infectados pelo adenovírus canino (CAV) espécies animais sem causar doença apresentam
enquadram-se nessa categoria, pois podem per- uma grande vantagem, pois possuem uma maior
manecer excretando o vírus por semanas ou até probabilidade de perpetuação e transmissão.
meses após o término dos sinais clínicos. Nesses Exemplos de espécies reservatórios são as aves
casos, a excreção viral pode ocorrer durante pe- aquáticas e migratórias, para os vírus da influen-
ríodos em que o animal não exibe sinais clínicos, za A; pássaros e outras aves, para os alfavírus;
o que caracteriza a condição de portador. Porta- roedores silvestres, para os arenavírus e hanta-
dores ativos temporários intermitentes (ou esporádi- vírus; morcegos de várias espécies, para diversos
cos) excretam o vírus apenas esporadicamente, vírus (Nipah, Hendra, vírus da raiva).
por poucas horas ou dias, a intervalos variáveis. Os morcegos hematófagos e carnívoros sil-
São característicos das infecções latentes por al- vestres (raposas, cães silvestres, raccons) são re-
faherpesvírus, cujas reativações periódicas resul- servatórios do vírus da raiva e podem transmiti-
tam em excreção viral transitória, geralmente de- lo a várias espécies silvestres e domésticas (Figura
sacompanhada de manifestações clínicas. 10.4). Os pássaros e outras aves silvestres são
Animais portadores podem permanecer por reservatórios do vírus do Nilo Ocidental (WNV)
longo tempo na população excretando o vírus e e dos vírus das encefalites do leste (EEEV) e oes-
contribuindo para a perpetuação do agente no te (WEEV) e podem transmiti-los para eqüinos,
rebanho. Várias infecções víricas somente conse- aves domésticas (faisões, emas) e, ocasionalmen-
guem se manter na natureza graças à existência te, para humanos (Figura 10.5). Suídeos silvestres
de portadores, nos quais o agente encontra con- (warthogs) são reservatórios do vírus da peste suí-
dições de se multiplicar continuamente. O reco- na africana (ASFV) e podem transmiti-lo para suí-
nhecimento e isolamento e/ou eliminação desses nos domésticos. Nesses exemplos, independente-
portadores constituem-se nos pontos-chave do mente se as espécies mencionadas constituem-se
combate a essas infecções. nos hospedeiros naturais do agente – e em alguns
Outro conceito importante em epidemiolo- casos parecem sê-lo –, na prática, desempenham
gia é o de reservatório. Denomina-se reservatório a o papel de reservatórios, pois abrigam e transmi-
espécie animal que abriga e mantém agentes in- tem o agente para outras espécies de interesse. O
fecciosos em um ecossistema, podendo transmi- termo reservatório, portanto, teria uma definição
ti-los para outras espécies. Embora utilizada, na mais funcional do que ecológica.
Epidemiologia das infecções víricas 267

Hospedeiros terminais Hospedeiros terminais

Figura 10.4. Ciclo natural da raiva de herbívoros.

Ciclo Hospedeiros
natural acidentais

Figura 10.5. Ciclo natural dos vírus da encefalites eqüina do leste (EEEV), oeste (WEEV) e vírus do Nilo Ocidental
(WNV) e infecção de hospedeiros acidentais.
268 Capítulo 10

Espécies domésticas que mantenham um e manutenção na natureza. Por isso, obviamente,


agente e o transmitam a outras espécies também não podem se constituir em seus hospedeiros na-
podem ser consideradas reservatórios. A raiva turais. As razões pelas quais essas espécies não
pode ser mantida na população de cães urbanos participam da cadeia de transmissão podem ser
e, ocasionalmente, ser transmitida para pessoas. várias, incluindo o desenvolvimento de enfermi-
Nesse caso, os cães seriam os reservatórios para a dade rápida e fatal (não haveria tempo para uma
população humana. Espécies domésticas também excreção e transmissão significativa), a produção
podem servir de reservatórios de agentes virais e de níveis baixos de viremia (insuficientes para as-
transmiti-los a animais silvestres. Surtos com alta segurar a transmissão) e incapacidade de trans-
mortalidade de mamíferos marinhos (focas, leões mitir o agente (pela razão anterior ou pela natu-
marinhos e cetáceos) associados a um morbiliví- reza da transmissão). O termo terminal se refere
rus (provavelmente o vírus da cinomose – CDV) ao final da cadeia de transmissão e não necessa-
foram relatados nos mares Mediterrâneo e Cás- riamente ao curso da enfermidade. Os bovinos,
pio. O CDV, provavelmente transmitido por cães gatos e cães podem ser ocasionalmente infecta-
domésticos, também foi associado com doença e dos pelo vírus da doença de Aujeszky (PRV), mas
mortalidade de leões e hienas em uma reserva na não possuem papel importante na transmissão,
Tanzânia e com doença em mãos-pelada (raco- devido ao curso rápido e fatal da doença. Situa-
ons) e gatos nos Estados Unidos (Figura 10.6). Na ção semelhante ocorre com a raiva nessas espé-
África do Sul, a raiva é mantida principalmente cies e também em humanos. Mesmo na hipótese
em cães domésticos urbanos ou rurais e, ocasio- de a raiva bovina não possuir curso rápido e fa-
nalmente, é transmitida a carnívoros selvagens tal, dificilmente seria transmitida por essas espé-
(chacais), nos quais pode se manter por algum cies, devido à forma de transmissão (bovinos não
tempo. possuem o hábito de morder outros animais). Os
O termo hospedeiro terminal (dead end host) é humanos, eqüinos e outras espécies domésticas
utilizado para designar indivíduos de uma espé- são freqüentemente infectados pelo WNV, EEEV
cie que são infectados esporadicamente (ou aci- e WEEV, mas não possuem papel importante na
dentalmente) por um agente, mas não possuem transmissão. Nesses casos, os níveis e duração
participação relevante no seu ciclo de transmissão da viremia são geralmente incompatíveis com a

Hospedeiros Ciclo Hospedeiros


acidentais natural acidentais

Figura 10.6. Ciclo natural do vírus da cinomose e transmissão acidental para espécies de vida livre.
Epidemiologia das infecções víricas 269

transmissão por mosquitos. Em alguns desses ca- agente-hospedeiro, ou seja, o desenvolvimento


sos, a infecção também é rápida e fatal, o que di- de doença severa nos hospedeiros desfavoreceria
ficulta a transmissão do agente a partir do animal a manutenção desses agentes na natureza.
infectado. Casos de transmissão do WNV entre
pessoas, por transfusão sangüínea, via placen- 2.2 Vias de excreção
ta e pela amamentação já foram relatados, mas
representam exceções e possuem importância Para que ocorra a transmissão entre indi-
epidemiológica restrita. Pessoas infectadas pelos víduos, o vírus deve ser inicialmente excretado
hantavírus também não participam ativamente do hospedeiro infectado pela via adequada em
na transmissão do agente. Acredita-se que as es- quantidade suficiente. As vias pela qual o agente
pécies em que um determinado vírus cause do- é excretado do organismo animal são denomina-
ença severa e mortalidade considerável não se das vias de excreção (vias de eliminação) ou portas
constituam em seus hospedeiros naturais, e sim de saída. A via de excreção de um vírus é determi-
acidentais. A tendência é que os vírus não causem nada primariamente pelo seu tropismo, ou seja,
doença severa em seus hospedeiros naturais de- pelo tecido ou órgão-alvo onde ocorre a sua re-
vido a um processo evolutivo que, eventualmen- plicação. Por exemplo, os vírus que replicam na
te, tenha resultado em um equilíbrio na interação mucosa das vias respiratórias são excretados pe-

Tabela 10.1. Vias de excreção dos principais vírus de animais

Vias de excreção Tipos de vírus/infecção Exemplos

vírus da influenza, parainfluenza, rinovírus,


vírus respiratórios herpesvírus bovino tipo 1 (BoHV-1)
Secreções oronasais e
expectorações vírus que replicam na CDV, vírus da febre aftosa (FMDV),
cavidade oral e anexos vírus da raiva

enterovírus, coronavírus, parvovírus


vírus entéricos canino (CPV)
Fezes

vírus hepáticos vírus das hepatites

vírus que replicam nos


epitélios dos túbulos renais arenavírus, hantavírus

Urina vírus que replicam no


epitélio vesical CDV

outros vírus
sistêmicos

vírus que replicam nas


gônadas PRRSV

Sêmen e/ou secreções vírus que replicam no PRRSV, BoHV-1, vírus do exantema
genitais trato genital externo coital eqüino (EHV-3)

vírus vírus da leucose bovina (BLV), outros


sistêmicos retrovírus

vírus que BVDV, BoHV-1, parvovírus suíno


Fetos/membranas e fluidos infectam o feto (PPV), PRRSV
fetais
vírus sistêmicos

vírus sistêmicos ou vírus que


produzem viremia permanente retrovírus, BVDV, flavivírus, vírus da
Sangue e linfa língua azul (BTV), etc.
ou transitória

vírus que replicam em camadas


Pele, descamações e poxvírus, vírus do ectima contagioso,
superficiais da pele ou na
exsudações cutâneas papilomavírus, FMDV, BoHV-2
transição pele-mucosa
270 Capítulo 10

las secreções oro-nasais e expectorações; os vírus em outro hospedeiro susceptível. No entanto, ao


que replicam no fígado e no trato intestinal são contrário de outros microorganismos que conse-
excretados pelas fezes. guem sobreviver no meio ambiente por longos
As principais vias de excreção de agentes períodos, a viabilidade da maioria dos vírus fora
virais estão ilustradas na Figura 10.2, e os agen- do organismo do hospedeiro é muito limitada.
tes que as utilizam estão apresentados na Tabela Por isso, certamente, grande parte das partículas
10.1. A grande maioria dos vírus pode ser excre- virais produzidas pelas infecções virais é inati-
tada por mais de uma via, embora geralmente vada no meio ambiente antes de ter conseguido
uma delas apresente maior importância em de- alcancar um novo hospedeiro.
terminadas situações. As principais formas de transmissão dos
A via de excreção também determina a for- agentes virais estão apresentadas na Figura 10.7
ma de transmissão. Os vírus que são excretados e Tabela 10.2. Em termos gerais, a transmissão
no sêmen serão transmitidos pela cópula ou pela dos vírus entre indivíduos pode ser horizontal ou
inseminação artificial; os vírus que são excreta- vertical. Transmissão horizontal se refere à trans-
dos nas fezes provavelmente serão transmitidos missão entre indivíduos de uma mesma geração,
pela via fecal-oral, pela contaminação de água e pela coabitação de um mesmo habitat. Transmissão
alimentos. Os vírus presentes no sangue e/ou na vertical refere-se à transmissão do agente de um
linfa provavelmente serão transmitidos por veto- hospedeiro para os seus descendentes. A trans-
res ou por procedimentos iatrogênicos (agulhas e missão horizontal pode ser direta ou indireta. A
material cirúrgico contaminado). transmissão horizontal direta pode ocorrer por
contato direto ou indireto. A transmissão indireta
2.3 Mecanismos de transmissão pode ocorrer com a participação de veículos, por
vetores ou pelo ar.
A transferência ou transmissão do agente A transmissão direta por contato direto ocorre
entre indivíduos representa o ponto-chave na pelo contato físico entre o hospedeiro infectado e
cadeia do processo infeccioso. O agente excreta- o novo hospedeiro. O contato entre mucosas, en-
do deve ser capaz de resistir no meio ambiente tre pele e mucosa ou entre pele e pele permite ao
o tempo necessário para encontrar e penetrar agente passar diretamente ao animal susceptível

Contato direto
Direta
Contato indireto

Veículos
Horizontal Indireta Biológicos
Vetores
Mecânicos

Aérea
Transmissão

Transovariana

Transplacentária
Vertical
Perinatal

Colostro/leite

Figura 10.7. Formas de transmissão dos vírus de animais.


Epidemiologia das infecções víricas 271

e pode ocorrer por mordedura (transmissão do BVDV), focinho-pele (vírus da mamilite herpé-
vírus da raiva, arenavírus entre roedores), lam- tica [BoHV-2]), contato pele-pele (poxvírus, pa-
bedura (vírus entéricos), contato focinho-focinho pilomavírus) e pela cópula (BoHV-1, vírus do
(viroses respiratórias, FMDV, CDV), focinho- exantema coital dos eqüinos [EHV-3], PRRSV).
genitália (herpesvírus bovino tipo 1 [BoHV-1], Nessas formas de transmissão, o agente é trans-

Tabela 10.2. Principais mecanismos de transmissão dos vírus de animais

Família Mecanismo de transmissão

Contato direto e indireto (fecal-oral, respiratória),


Parvoviridae transplacentária (vírus da panleucopenia felina, parvovírus
suíno).

Circoviridae Contato direto e indireto (fecal-oral, respiratória).

Papillomaviridae Contato direto e indireto (cutânea, lesões de pele).

Adenoviridae Contato direto e indireto (fecal-oral, respiratória).

Contato direto ou indireto (cutânea [orf, cowpox], respiratória [sheep


Poxviridae pox]), vetores artrópodes (vírus do mixoma).

Contato direto ou indireto (sexual [exantema coital eqüino [EHV-3],


Herpesviridae balanopostite e vulvovaginite pelo BoHV-1], respiratória (BoHV-1),
transplacentária (PRV, BoHV-1).

Contato direto ou indireto (respiratória), indireto por vetores


Asfarviridae (carrapatos), oral (alimento contaminado).

Contato direto ou indireto (fecal-oral [enterovírus, FMDV], respiratória


Picornaviridae [rinovirus, FMDV]), transmissão indireta por veículos (alimentos
contaminados, fômites [FMDV]).

Caliciviridae Contato direto ou indireto (fecal-oral, respiratória).

Contato direto ou indireto (respiratória, sexual), indireto (fômites,


Arteriviridae sêmen contaminado [PRRSV, EAV]).

Togaviridae Indireta por vetores.

Indireta por vetores (WNV), contato direto e indireto (fecal-


Flaviviridae oral, respiratória [BVDV, vírus da peste suína clássica
[CSFV]), transplacentária (BVDV).

Coronaviridae Contato direto ou indireto (fecal-oral, respiratória)

Contato direto ou indireto (urina contaminada,


Arenaviridae mordeduras, respiratória)

Bunyaviridae Indireta por vetores (vírus da febre do Vale Rift)

Orthomyxoviridae Contato direto ou indireto (respiratória)

Contato direto (mordedura [vírus da raiva]), direto ou


Rhabdoviridae indireto (vírus da estomatite vesicular [VSV]), indireta
por vetores (VSV).

Paramyxoviridae Contato direto ou indireto (respiratória).

Contato direto ou indireto (fecal-oral [rotavírus, vírus da


Reoviridae gastrenterite transmissível dos suínos [TGEV]), indireta por
vetores (BTV).

Contato direto ou indireto, vertical (in ovo [leucose


Retroviridae aviária] ou transplacentária [BLV]), ingestão, indireta por
vetores (EIAV).
272 Capítulo 10

ferido imediatamente a outro hospedeiro, assim, procedimentos, pode transmitir agentes como o
a sua capacidade de resistência no meio ambiente VLB, vírus da leucemia felina (FeLV) e vírus da
é pouco relevante para o sucesso da transmissão. anemia infecciosa eqüina (EIAV), entre outros.
Na transmissão direta por contato indireto A possibilidade de transmissão por veículos
não ocorre contato físico entre o corpo do ani- é maior para os vírus que possuem grande capa-
mal infectado e o novo hospedeiro. Nesses casos, cidade de resistência no meio ambiente. O FMDV
ocorre o contato imediato entre o material con- é um exemplo de agente que possui grande capa-
taminado recém-excretado (secreções, excreções, cidade de disseminação por meio de veículos (sa-
líquido ou membranas fetais) e uma superfície patos, roupas, utensílios, alimentos etc.). A trans-
mucosa (focinho, mucosa nasal, oral e genitália) missão por aerossóis a curtas distâncias pode
ou pele do novo hospedeiro. A diferença entre ocorrer para os vírus que replicam na cavidade
essa forma de transmissão e a transmissão indireta oronasal e anexos (vírus da influenza, vírus da
por veículos, descrita a seguir, é muito tênue e de bronquite infecciosa das aves [IBV], vírus da la-
difícil percepção em alguns casos. ringotraqueíte infecciosa [ILTV], BoHV-1, CDV,
A transmissão indireta envolve a transmissão vírus da Doença de Newcastle [NDV]).
do agente por meio de objetos inanimados (de- O termo iatrogênico se refere à transmissão
nominados veículos ou fômites) ou por vetores de agentes por procedimentos médicos e/ou re-
invertebrados (insetos). Veículos ou fômites, fre- lacionados com a saúde animal. Os retrovírus
qüentemente envolvidos na transmissão de vírus animais (BLV, EIAV, vírus da imunodeficiência
animais, incluem agulhas hipodérmicas, mate- felina [FIV]), além de outros vírus que produzem
rial cirúrgico, luvas de palpação retal, espéculos, viremia (BVDV, BTV) podem ser transmitidos
formigas, focinheira, tatuadores, aplicadores de por agulhas, material cirúrgico ou outros equipa-
brinco, roupas e utensílios, instalações, equipa- mentos contaminados (p. ex.: tatuadores, aplica-
mentos (ordenhadeiras), cochos, solo e outros. A dores de brinco). Vários vírus sistêmicos podem
água, leite, sêmen, subprodutos cárneos e outros ser transmitidos por transfusão de sangue ou de-
alimentos contaminados com o agente também rivados e também por transplante de órgãos.
podem servir de veículos para a transmissão de Vários vírus animais são transmitidos pela
picada de artrópodes (insetos), denominados
agentes virais. No caso de transmissão por veícu-
genericamente vetores. Dependendo de sua par-
los, o sucesso da transmissão depende da capaci-
ticipação na transmissão, os vetores artrópodes
dade de o agente preservar a sua viabilidade no
podem ser classificados em vetores biológicos e
meio ambiente o tempo suficiente para alcancar o
mecânicos. Na maioria dos casos, os insetos pos-
novo hospedeiro.
suem um papel mais amplo do que simples-
A transmissão de vírus por luvas de palpa-
mente transferir o agente entre hospedeiros, ou
ção, espéculos contaminados ou equipamento
seja, são susceptíveis à replicação e amplificação
de inseminação artificial também pode ocorrer
do vírus em seus tecidos, eventos que ocorrem
(vírus da leucose bovina [BLV], BVDV, PRRSV).
após a sua contaminação e que são necessários
Viroses respiratórias (BoHV-1, BVDV, vírus res-
para que ocorra a subseqüente transmissão a ou-
piratório sincicial bovino [BRSV], vírus da pa- tro hospedeiro. Por isso são chamados de vetores
rainfluenza tipo 3 [bPI3v]) ou cutâneas (FMDV, biológicos. Exemplos de vírus transmitidos prima-
poxvírus, BoHV-2) podem ser transmitidas pelo riamente por mosquitos são os vírus das encefa-
contato de mucosas com cochos contaminados; lites eqüinas (EEEV, WEEV e vírus da encefalite
viroses entéricas e hepáticas podem ser transmi- venezuelana [VEEV]), o WNV, o vírus da dengue
tidas pela via oro-fecal através da contaminação e febre amarela (YFV), além de vários buniaví-
de cochos, água e alimentos. O sêmen utilizado rus. Os culicóides transmitem o BTV, carrapatos
em inseminação artificial pode servir de veícu- transmitem o ASFV, entre outros. Os vírus trans-
lo para vários vírus (BoHV-1, PRRSV, vírus da mitidos primariamente por insetos são chamados
língua azul [BTV], BVDV, PRV). O sangue con- genericamente de arbovírus (arthropod-borne viru-
taminado, utilizado em transfusões e/ou outros ses).
Epidemiologia das infecções víricas 273

Além dos arbovírus, outros agentes virais rus aviários e murinos são capazes de integrar o
podem ocasionalmente ser transmitidos por essa seu genoma no cromossomos dos gametas (vírus
via. Nesses casos, a transmissão por insetos é ape- da leucose aviária [ALV], retrovírus murinos).
nas uma das formas de transmissão – geralmente Esse tipo de transmissão é denominada transova-
não a principal – e, por isso, possui importância
riana. Essa forma de transmissão também ocorre
epidemiológica limitada (p. ex.: BLV).
com alguns vírus nos vetores artrópodes (p. ex.:
Alguns vírus podem ser transmitidos por
a fêmea do mosquito Aedes aegypty transmite o
insetos, de forma mecânica, pela simples con-
vírus da dengue aos ovos e larvas; esse tipo de
taminação de partes de seu corpo (probóscide,
transmissão também ocorre com o ASFV em car-
asas) (p. ex.: vírus da mixomatose, poxvírus,
rapatos). Outros vírus são transmitidos através
BLV, BoHV-2). Por outro lado, os tabanídeos e as
da placenta (transmissão transplacentária), resul-
moscas do estábulo transmitem mecanicamente
tando em infecção fetal com conseqüências di-
o EIAV, e esta é a principal forma de transmis-
versas (BVDV, BLV, PRRSV, parvovírus suíno
são do vírus. Transmissão mecânica por alguns
[PPV], entre outros). A transmissão que ocorre
insetos também pode ocorrer no ciclo natural
nas proximidades e/ou durante o parto é deno-
do VEEV. Nesta infecção, no entanto, os insetos
minada de perinatal (herpesvírus canino [CHV],
desempenham preponderantemente o papel de
PRV, FIV). A transmissão pelo colostro e/ou leite
vetores biológicos. No caso de transmissão me-
contaminado (vírus da artrite-encefalite caprina
cânica, os vetores não são susceptíveis à replica-
[CAEV], maedi-visna, VLB) também é considera-
ção do agente, desempenhando apenas um papel
da uma forma de transmissão vertical se envol-
mecânico na transferência do agente entre hospe-
ver mãe e filho.
deiros. Por isso são denominados vetores mecâni-
A maioria dos vírus pode ser transmitida
cos. Pela analogia de função, os vetores mecâni-
por mais de uma forma, embora geralmente uma
cos são ocasionalmente referidos como “agulhas
delas desempenhe um papel epidemiológico
voadoras”.
mais importante em cada situação.
A transmissão aérea pelo transporte de go-
tículas e/ou partículas contaminadas a longas
distâncias tem sido demonstrada em algumas 2.4 Vias de penetração
viroses. Gotículas em aerossóis (ou partículas
dessecadas) podem ser resultado de espirro e/ou Após ser excretado e transportado (se for o
tosse em viroses respiratórias (influenza) ou de caso), o vírus deve penetrar no novo hospedeiro
aerossolização/dessecação de urina (hantavírus) pela via adequada para que possa estabelecer a
ou fezes (enterovírus). Essa forma de transmissão infecção. Os sítios por onde os vírus penetram no
somente é possível para os agentes que apresen- hospedeiro são denominados vias de penetração
tam grande resistência no meio ambiente. Já foi (ou portas de entrada) (Figura 10.3). A via de pe-
demonstrado que o FMDV pode se disseminar netração de um agente é determinada primaria-
por vários quilômetros, dependendo das con- mente pelo mecanismo de transmissão. Assim, os
dicões de umidade do ar e ventos. No entanto, vírus transmitidos por água e alimentos contami-
sabe-se que a maioria dos vírus, principalmente nados provavelmente irão penetrar pela via oral;
os respiratórios, só se dissemina pelo ar a peque- os vírus transmitidos por vetores artrópodes irão
nas distâncias. A infecção por hantavírus em hu- penetrar através de orifícios (picadas) na pele; os
manos ocorre freqüentemente pela inalação e/ou vírus transmitidos pelo sêmen irão penetrar na
deposição conjuntival de partículas de poeira mucosa genital feminina.
oriundas de solo contaminado pela urina de roe- A maioria dos vírus pode utilizar mais de
dores portadores. Os poxvírus, por causa de sua uma via de penetração, dependendo da via de
grande resistência ambiental, também podem ser excreção e do mecanismo de transmissão; poucos
transmitidos por via aérea. vírus utilizam uma única via de penetração. As
A transmissão vertical de um vírus pode ocor- principais vias de penetração de agentes virais
rer de várias formas (Figura 10.7). Certos retroví- nos seus hospedeiros são:
274 Capítulo 10

– mucosa respiratória: vírus respiratórios infectados experimentalmente por uma varieda-


(vírus da influenza, rinovírus, BoHV-1, NDV); de de vírus humanos e animais, embora a infec-
– mucosa conjuntival: adenovírus, hantaví- ção natural por esses agentes nessas espécies não
rus, alguns herpesvírus; tenha sido descrita. Essa característica tem sido
– mucosa orofaríngea: CDV, FMDV, vírus explorada para estudos de patogenia e outros
sistêmicos; aspectos da biologia desses agentes. É provável
– mucosa intestinal: enterovírus, coronaví- que a resistência à infecção natural (ou a ausência
rus, rotavírus; de casos de infecção natural) de algumas dessas
– pele: BoHV-2, poxvírus, papilomavírus, espécies deva-se à falta de oportunidade de infec-
arbovírus (pela picada de insetos); ção mais do que à resistência propriamente dita,
– mucosa genital: BoHV-1, PRRSV, EHV-3, ou seja, é possível que algumas dessas espécies
além de agentes virais veiculados pelo sêmen. poderiam ser infectadas também in vivo, desde
que providas as condições necessárias para tal (p.
2.5 O novo hospedeiro ex.: contato apropriado com animais que estejam
excretando o vírus e penetração do agente pela
A simples penetração do agente no orga- via adequada).
nismo de um animal não assegura o desenvolvi-
mento da infecção. Para que isso ocorra, o hos- 2.5.1 Patogenia e resposta imunológica
pedeiro deve ser susceptível ao agente. O termo
susceptibilidade refere-se ao conjunto de condições Após a penetração no hospedeiro suscep-
apresentadas pelo hospedeiro para permitir a tível, o vírus deve replicar próximo ao local de
multiplicação do vírus. O termo resistência refe- entrada (geralmente nas células epiteliais e/ou
re-se ao conjunto de barreiras que o organismo no tecido linforreticular adjacente) para produzir
oferece para impedir ou limitar a infecção. A sus- progênie suficiente para ultrapassar as defesas
ceptibilidade e resistência são características in- do hospedeiro. Dependendo das interações entre
dividuais e podem variar com vários fatores, tais o agente e o hospedeiro, a infecção pode ou não
como: espécie, raca, sexo, idade, exposição prévia resultar em manifestações clínicas. Os mecanis-
ao agente, estado nutricional e fisiológico, entre mos pelos quais os agentes infecciosos produzem
outros. O termo refratariedade, por outro lado, re- doença em seus hospedeiros são considerados
fere-se a um grau absoluto de resistência, que é sob a denominação de patogenia ou patogênese
característico da espécie animal. Por exemplo, a (pato = doença, genesis = origem, formação). O
espécie canina é naturalmente refratária ao vírus conjunto de respostas do hospedeiro à infecção
da imunodeficiência humana (HIV); assim como vírica (resistência natural e adquirida) é denomi-
os eqüinos são refratários ao FMDV. nado genericamente de resposta imunológica. Os
Os fatores que determinam a susceptibili- mecanismos gerais da patogenia e da resposta
dade (e resistência) de uma espécie animal a um imunológica às infecções víricas foram tratados
determinado vírus são múltiplos e, em muitos de forma geral nos Capítulos 8 e 9, respectiva-
casos, não são completamente conhecidos. Nesse mente, e, especificamente, nos capítulos de cada
sentido, deve-se fazer uma distinção entre suscep- família. Abaixo são relacionados alguns termos
tibilidade natural e susceptibilidade experimental. Al- relacionados com a patogenia.
gumas espécies não são naturalmente infectadas O período de incubação de uma infecção é o in-
por um determinado agente, mas podem ser in- tervalo de tempo entre a penetração do agente e o
fectadas experimentalmente. Como exemplo, ci- início dos sinais clínicos. A sua duração varia de
tam-se: a) os coelhos, que não são infectados natu- acordo com fatores do vírus (espécie, cepa, dose,
ralmente pelo BoHV-1 e BoHV-5, mas podem ser virulência etc.) e do hospedeiro (espécie animal,
infectados experimentalmente, desenvolvendo a condição nutricional e imunológica, via de inocu-
enfermidade; b) animais de laboratório (cobaias, lação etc.) e pode variar entre poucos dias (febre
coelhos, camundongos e ratos), que podem ser aftosa, influenza), meses, até anos (leucose bovi-
Epidemiologia das infecções víricas 275

na). Quando a infecção for subclínica, o período após. Em infecções persistentes por retrovírus, o
de incubação pode ser infinito. agente pode ser excretado por um longo período
O periodo pré-patente é o intervalo de tempo (até anos) antes do aparecimento de sinais clíni-
entre a penetração do agente e o início da excreção cos. Em outras infecções (PRRSV, ILTV, vírus da
viral pelo hospedeiro. Depende principalmente arterite eqüina [EVAV], CAV, alguns coronaví-
da duração do ciclo replicativo do vírus e pode rus), os hospedeiros podem continuar excretan-
ser de horas, poucos dias (vírus respiratórios, do o vírus por longo períodos após o término das
FMDV) até semanas ou meses (alguns gamaher- manifestações clínicas (Figura 10.8).
pesvírus). O período patente, também chamado
de período de transmissibilidade ou comunicabili- 3 Mecanismos de manutenção dos
dade é a fase da infecção em que o agente é ex- vírus na natureza
cretado e, portanto, pode ser transmitido. Em in-
fecções agudas clínicas, a duração da excreção do A sobrevivência dos vírus na natureza de-
vírus coincide razoavelmente com o período clí- pende da sua capacidade de cumprir seqüencial-
nico, podendo iniciar horas ou poucos dias antes mente as etapas da cadeia do processo infeccioso.
e estender-se por algumas horas ou alguns dias A incapacidade da maioria dos vírus de resistir

Infecção aguda

Infecção latente

Infecção persistente

Infecção persistente
temporária

Replicação viral
Manifestações clínicas

Fonte: adaptado de Flint et al. (2000).

Figura 10.8. Padrões de ocorrência das infecções e período de transmissibilidade em diferentes tipos de infecções
virais.
276 Capítulo 10

por longo tempo no meio ambiente os obriga a – ou ficam disponíveis no organismo para serem
utilizar diferentes estratégias para prolongar e transmitidos – continuamente a partir do final do
perpetuar a sua existência. Infecções persistentes período pré-patente. Exemplos são as infecções
ou latentes, longos períodos de replicação e ex- pelos retrovírus animais, pelo BTV, papiloma-
creção, longos períodos de incubação, infecção de vírus (persistem nas lesões) e calicivírus felino
várias espécies animais e/ou de insetos, e trans- (FeCV). Bezerros infectados intra-uterinamente
missão aos descendentes (transmissão vertical) pelo BVDV podem nascer portadores e excretar
estão entre as estratégias utilizadas pelos vírus o vírus por toda a vida. Outros vírus podem ser
para se perpetuar na natureza. Não obstante, as excretados por longos períodos após a infecção
partículas víricas de diversos vírus são relativa- aguda (PRRSV, EVAV, CAV, alguns coronaví-
mente estáveis, podendo persistir viáveis por pe- rus). Por outro lado, alguns tipos de persistência
ríodos consideráveis no meio ambiente. Muitos apresentam um papel pouco relevante do ponto
vírus utilizam uma combinação de mais de uma de vista epidemiológico, pois o vírus não é ex-
dessas estratégias para conseguir se perpetuar na cretado. Por exemplo, a infecção persistente pelo
população. Outros vírus não utilizam nenhuma CDV no SNC de cães adultos geralmente não é
dessas estratégias e só conseguem se manter na acompanhada de excreção viral. Da mesma for-
natureza por meio de infecções agudas sucessi- ma, alguns bovinos previamente imunizados
vas. contra o FMDV e posteriormente infectados,
assim como bubalinos infectados pelo FMDV,
3.1 Infecções persistentes podem ficar portadores do vírus após a infecção
primária, embora a sua capacidade de transmi-
As infecções persistentes, acompanhadas tir o agente para outros hospedeiros ainda seja
ou não de manifestações clínicas, constituem-se questionável.
em importantes meios de manutenção de vários
agentes virais na natureza. Durante o período de 3.2 Infecções latentes
infecção – que pode durar toda a vida do animal
– o vírus fica disponível no organismo do ani- Animais infectados pelos alfaherpesvírus
mal e pode ser excretado de forma contínua ou (BoHV-1, BoHV-5, PRV, EHV-1), entre outros,
intermitente, podendo infectar outros animais e, excretam o agente por alguns dias durante a
assim, alimentar a cadeia do processo infeccioso infecção aguda, mas a replicação viral eventu-
(Figuras 10.8 e 10.9). Alguns vírus são excretados almente cessa devido à resposta imunológica

Excreção viral

Infecção aguda Infecção persistente

Dias Meses, anos

Figura 10.9. Infecções persistentes de vírus de animais: vírus da anemia infecciosa eqüina (EIAV).
Epidemiologia das infecções víricas 277

Reativação da infecção

Situações de
estresse etc.

Excreção
viral

Infecção aguda Infecção latente

Estabelecimento da latência

Figura 10.10. Infecções latentes de vírus animais: vírus da doença de Aujeszky (PRV).

do hospedeiro. Esses animais, no entanto, ficam que representa uma vantagem em sua estratégia
portadores do agente na forma latente para o res- de sobrevivência. Alguns exemplos clássicos são
to da vida. A infecção latente se caracteriza pela a maioria dos alfavírus (Togaviridae), alguns rab-
presença do genoma viral inativo, principalmen- dovírus (vírus da estomatite vesicular, VSV) e
te em neurônios de gânglios nervosos, sem a ex- flavivírus, que podem infectar uma variedade de
pressão de proteínas e/ou produção de partículas espécies de aves e mamíferos (Figura 10.11). O ví-
virais. Esporadicamente, a infecção latente pode rus da influenza A, por meio de mutações/adap-
ser reativada por situações de estresse, resultan- tações, também pode infectar várias espécies de
do em replicação e excreção viral (Figura10.10). O aves domésticas e silvestres, além de mamíferos
vírus excretado durante os eventos de reativação (Figura 10.12); o VSV pode infectar várias espé-
pode, então, ser transmitido a outros animais. Os cies de mamíferos. O WNV é capaz de infectar
episódios de reativação e excreção podem se re- naturalmente mais de 180 espécies de vertebra-
petir periódica e indefinidamente durante a vida dos, incluindo pássaros e outras aves silvestres e
do animal, proporcionando inúmeras ocasiões domésticas (mais de 150 espécies) e mamíferos.
para a transmissão do agente. Assim, as infecções A infecção alternada dessas espécies pode favo-
latentes e suas reativações periódicas se consti- recer a permanência do agente no ecossistema.
tuem em meios eficientes de perpetuação e disse- Além dos vírus que usualmente infectam mais de
minação desses vírus na natureza e representam um hospedeiro como parte de seu ciclo natural,
o principal obstáculo para o estabelecimento de outros podem, ocasional ou acidentalmente, in-
medidas de combate contra essas infecções. Por fectar outras espécies. Nesses casos, o hospedeiro
isso, a capacidade de estabelecer infecções laten- acidental não participa da cadeia de transmissão
tes possui um papel central e fundamental na epi- do agente. A transmissão de vírus entre os reser-
demiologia das infecções pelos alfaherpesvírus. vatórios silvestres e destes para a espécie hospe-
deira principal pode ocorrer por vários mecanis-
mos e, freqüentemente, envolve a participação de
3.3 Infecção de várias espécies animais vetores artrópodes. Em geral, considera-se que
quanto maior o espectro de hospedeiros suscep-
Ao contrário de alguns vírus que possuem tíveis, mais favorecida será a sobrevivência do
um espectro de hospedeiros restrito (infectam agente na natureza. No entanto, isso não impede
uma única espécie animal), vários outros agen- que vírus que infectem naturalmente apenas uma
tes virais podem infectar mais de uma espécie, o espécie – e os exemplos são numerosos – consi-
278 Capítulo 10

Hospedeiros Ciclo natural Hospedeiros


acidentais acidentais

Figura 10.11. Ciclo natural dos alfavírus e WNV em animais silvestres e infecção acidental de humanos e espécies
domésticas.

Fonte: adaptado de Webster et al. (2006).

Figura 10.12. Evolução do vírus da influenza A H5N1 por meio de infecções em várias espécies.
Epidemiologia das infecções víricas 279

gam se manter indefinidamente nas respectivas nos hospedeiros invertebrados seja questionável,
populações. considera-se que esta seja uma das formas pos-
síveis de sobrevivência desses microorganismos
na natureza. Para o VEEV e WNV, já foi demons-
3.4 Infecção de vetores trada a sobrevivência do vírus em larvas de mos-
quitos ao longo de períodos prolongados (meses)
A infecção de vetores artrópodes (mos- de clima frio.
quitos, carrapatos) é uma importante forma de
transmissão de alguns vírus, denominados ge- 3.5 Sobrevivência no ambiente
nericamente arbovírus. Após a ingestão de san-
gue do hospedeiro infectado, o vírus replica no Os vírus necessitam células vivas para se
intestino e/ou nas glândulas salivares do inseto, multiplicar e a maioria deles não é capaz de resis-
podendo ser transmitido após um período de tir por muito tempo no meio ambiente. A sua re-
incubação de alguns dias (chamado de período sistência no ambiente depende da estabilidade fí-
extrínseco de incubação). A transmissão é consu- sica da partícula viral e das condicões ambientais
mada pela picada e inoculação de saliva conta- (temperatura, umidade, radiação solar). Os vírus
minada em outro hospedeiro. Embora os insetos sem envelope geralmente são capazes de resistir
hematófagos tenham preferência por determi- por mais tempo fora do hospedeiro (parvovírus,
nada espécie para se alimentar, podem ocasio- FMDV, enterovírus, adenovírus), embora alguns
nalmente transmitir o agente a animais de outra vírus envelopados (poxvírus, mixomavírus) tam-
espécie. De fato, a transmissão por vetores hema- bém possam resistir por períodos consideráveis.
tófagos oferece uma oportunidade ímpar para a Já foi demonstrado que o parvovírus canino
transmissão interespécie de vários vírus. Mos- (CPV) pode permanecer viável no ambiente, des-
quitos podem transmitir o WNV e os alfavírus de que protegido por material orgânico, por perí-
das encefalites eqüinas entre aves, de aves para odos de até seis meses. O parvovírus suíno (PPV)
mamíferos (eqüinos, mamíferos silvestres) e de também pode resistir durante dias ou semanas
aves para humanos. Os vírus da WNV e VEEV já em fezes e/ou em membranas e restos fetais. O
foram identificados em mais de uma dezena de parapoxvírus, agente do ectima contagioso de
espécies de mosquitos, embora se acredite que, ovinos, pode permanecer viável durante meses
em cada ecossistema, apenas uma ou poucas es- nas crostas que se desprendem das lesões labiais
pécies desses insetos tenham papel preponde- dos animais afetados. O circovírus suíno (PCV)
rante na transmissão desses agentes. O vírus da também pode permanecer viável por dias ou até
febre amarela pode ser transmitido pela picada semanas no ambiente. A contaminação de água,
de mosquitos entre primatas, entre primatas e o alimentos, solo, pastagens e mesmo de insetos
homem e entre pessoas. O ASFV é transmitido pode servir de meio para transmissão desses
por carrapatos entre suídeos silvestres e entre es- agentes. Os vírus com envelope – especialmente
tes e suínos domésticos. aqueles que causam infecções respiratórias – são
Em geral, acredita-se que a manutenção dos geralmente mais instáveis e, por isso, são mais
arbovírus na natureza depende da transmissão rapidamente inativados por fatores fisicos e/ou
periódica a um hospedeiro vertebrado, ou seja, a químicos ambientais. Os poxvírus estão entre
infecção seria mantida pela replicação seqüencial os vírus envelopados com maior resistência am-
e alternada em hospedeiros vertebrados e inver- biental. Embora possam resistir no ambiente por
tebrados (os vetores). A manutenção dos arboví- períodos consideráveis e, assim, ser transmitidos
rus em épocas de pouca ou nenhuma atividade de forma indireta, esses vírus são freqüentemen-
dos vetores, devido a temperaturas baixas, pode te transmitidos por contato direto ou indireto (Fi-
ser explicada em parte pela transmissão transo- gura 10.13), ou seja, a transmissão indireta após
variana do agente e também pela infecção ocasio- um período de sobrevivência no ambiente repre-
nal de hospedeiros vertebrados com hábitos de senta uma estratégia adicional para assegurar a
hibernação. Embora a capacidade de manuten- sua transmissão ao novo hospedeiro e perpetua-
ção de vírus por longos períodos exclusivamente ção na população.
280 Capítulo 10

animais. Os retrovírus, arenavírus, alguns her-


pesvírus, parvovírus e alguns togavírus são fre-
qüentemente transmitidos aos fetos/neonatos.
Em alguns desses vírus (retrovírus e arenavírus),
os fetos ou recém-nascidos infectados tornam-se
portadores e servem de fontes contínuas e per-
manentes de infecção. Uma forma especial de
perpetuação por esse mecanismo é descrita para
o BVDV, um pestivírus (família Flaviviridae) de
ruminantes (Figura 10.14). A infecção de fetos
bovinos entre os 40 e 120 dias de gestação fre-
qüentemente resulta na produção e nascimento
Ambientes, solo,
instalações etc. de bezerros imunotolerantes, persistentemente
infectados (PI). Os bezerros PI podem ser clinica-
mente saudáveis (embora freqüentemente apre-
Meses
sentem crescimento retardado e susceptibilidade
aumentada a outras doenças) e excretam o vírus
em secreções e excreções em grandes quantida-
des durante toda a vida. Os animais PI represen-
Figura 10.13. Sobrevivência ambiental dos vírus
animais: parvovírus canino (CPV).
tam o principal meio de perpetuação do BVDV
na natureza, servindo de fonte de vírus para as
3.6 Transmissão vertical infecções agudas e outras infecções fetais persis-
tentes. As infecções fetais que resultam em morte
A transmissão ao feto e/ou ao recém-nas- fetal e abortamento possuem um menor impacto
cido constitui-se em um importante mecanismo epidemiológico, ainda assim os restos fetais (feto,
de prolongamento da existência de vários vírus fluidos, membranas) ou objetos inanimados con-

Bezerro saudável,
soropositivo,
não-infectado.

– aborto;
– mumificação;
– natimorto.

Infecção fetal Anos

Excreção viral
Bezerro persistentemente
infectado

Figura 10.14. Transmissão vertical e infecção persistente pelo vírus da diarréia bovina (BVDV).
Epidemiologia das infecções víricas 281

taminados podem servir de veículos para a trans- Os vírus que causam infecções agudas são
missão do agente e facilitar a sua diseminação. geralmente excretados por secreções oronasais
(vírus respiratórios) ou pelas fezes (vírus entéri-
cos) em altos títulos durante um curto espaço de
3.7 Ciclos contínuos de transmissão tempo. Essas características, aliadas com a dispo-
nibilidade de hospedeiros susceptíveis e facilida-
As estratégias mencionadas acima são ca- de de contato, permitem a transmissão contínua e
racterísticas de famílias ou de grupos de vírus o prosseguimento da cadeia infecciosa. Exemplos
e representam vantagens evolutivas que favore- de vírus que se mantêm dessa forma são: o CDV,
cem a perpetuação desses agentes na natureza. os vírus respiratórios (bPI3v, NDV, BRSV), coro-
No entanto, alguns vírus que não utilizam es- na e rotavírus bovino, vírus da influenza (trans-
sas estratégias também são capazes de se man- missão dentro da espécie). Não obstante, vários
ter indefinidamente nas populações. Como não vírus que são capazes de utilizar as outras estra-
são capazes de persistir por longos períodos no tégias também podem ser mantidos por períodos
hospedeiro (infecção latente ou persistente) ou longos por meio de ciclos contínuos de transmis-
de infectar vetores ou outras espécies animais, são.
e não resistem por muito tempo no ambiente, a
sobrevivência desses vírus depende da infecção 4 Doenças em populações
seqüencial, imediata e contínua de novos hos-
pedeiros de uma única espécie (Figura 10.15).
Isso requer condições epidemiológicas especí- 4.1 Definição de população
ficas, que incluem a presença constante de um
percentual alto de hospededeiros susceptíveis e Em epidemiologia, define-se população como
condições de convivência que favoreçam o con- o grupo de indivíduos no qual se está estudan-
tato freqüente e, assim, a sua transmissão entre do aspectos relacionados à saúde e à doença. A
indivíduos. partir desse conceito, pode-se derivar duas de-

Figura 10.15. Ciclos contínuos de transmissão do vírus da cinomose (CDV).


282 Capítulo 10

finições, dependendo da delimitação geográfica enfermidade em questão. Se todos os indivíduos


e do número de indivíduos. População local é um da população forem susceptíveis ao agente, a po-
grupo de indivíduos que habita uma determi- pulação de risco equivale à população total. A
nada área, sujeito às mesmas condições e cujos população de risco para a febre aftosa em uma
indivíduos interagem freqüentemente entre si. O população bovina não-vacinada, por exemplo,
termo metapopulação é mais abrangente e se refe- é composta por todos os bovinos da população,
re a uma população maior, geralmente composta pois todos os animais são igualmente susceptí-
por várias populações locais, em que a migração veis. Em outras situações, a população de risco
de indivíduos entre populações locais é possível. é apenas uma parcela da população, que é sus-
Para algumas espécies de animais – sobretudo ceptível à infecção ou à enfermidade. Em estudos
aquelas de interesse econômico –, os termos reba- de abortos por vírus em bovinos, a população de
nho e criação são muito utilizados como sinônimo risco é constituída apenas pelas vacas prenhes.
de população, principalmente quando se refere a Estudos sobre as causas de mastite em bovinos
populações locais. contemplam apenas as vacas em lactação. A defi-
O tamanho e as características das popula- nição da população de risco é importante quando
ções-alvo de estudos epidemiológicos são muito se quantifica os eventos de doença e se expressa
variáveis. Pode-se estudar os fatores que deter- em índices ou taxas. Esses cálculos devem sem-
minaram a ocorrência de cinomose em um ca- pre considerar a população de risco (e não a po-
nil, por exemplo. Nesse caso, a população-alvo é pulação total) como denominador.
composta apenas pelos cães presentes no canil na
época da ocorrência da doença. É uma popula- 4.3 Populações abertas e fechadas
ção limitada e sob certo controle, o que caracte-
riza uma população local. Em um estudo da in- Dependendo da possibilidade de contato
fecção pelo parvovírus em cães de uma cidade, a com o meio exterior (e com outras populações),
população-alvo abrange todos os cães da cidade. as populações de animais podem ser classificadas
Essa é uma população com um número grande em abertas e fechadas. Populações abertas são aque-
de indivíduos, de difícil enumeração e identifica- las sobre as quais não são impostas restrições à
ção, e, por isso, sobre a qual não se tem controle. movimentação (entrada e saída) de animais e de
Estudos de viroses em animais silvestres (febre subprodutos, estando, por isso, mais susceptíveis
amarela em primatas, raiva em morcegos) tratam à introdução e disseminação de agentes infeccio-
de uma população de tamanho desconhecido e sos. As populações de cães de cidades são exem-
sobre a qual não se possui nenhum controle. Evi- plos de populações abertas, pois não existem
dentemente, os estudos epidemiológicos em po- restrições à entrada e movimentação de animais
pulações limitadas que habitam uma área restrita oriundos de outras cidades ou regiões. Muitos re-
e sobre a qual se tem controle são mais facilmente banhos bovinos, principalmente aqueles de cria-
exequíveis e produzem resultados mais objetivos ção extensiva, também se enquadram nessa cate-
e confiáveis. No entanto, estudos em populações goria pela ausência de medidas de biossegurança
numerosas de dimensões desconhecidas são, para impedir a entrada de agentes infecciosos.
muitas vezes, necessários e, dependendo da me- Nesses casos, as populações locais podem, com
todologia empregada, podem também produzir maior ou menor freqüência, interagir com outras
resultados confiáveis e de grande utilidade. Nes- populações locais dentro de uma mesma meta-
ses casos, geralmente, estuda-se apenas uma par- população.
cela da população, denominada amostra. As populações fechadas são grupos de animais
mantidos sob certo isolamento do meio exterior.
4.2 População de risco As condições de isolamento – em nível e rigor
variáveis – geralmente são impostas pelo homem
O termo população de risco refere-se à parce- com o intuito de evitar a introdução de agentes
la da população que é susceptível à infecção ou infecciosos e preservar a condição sanitária da po-
Epidemiologia das infecções víricas 283

pulação. É possível manter populações fechadas Incidência (%) = _______________________


Nº de casos novos x 100
com diferentes abrangências, desde rebanhos em População de risco (média) x tempo

propriedades, municípios, regiões, estados, paí-


ses e até mesmo continentes. Rebanhos suínos ou O cálculo da incidência sempre considera
granjas de aves livres de determinados patógenos o parâmetro tempo, que pode ser dias, semanas,
(PRV, PRRSV, NDV) e que impõem restrições à meses ou anos, dependendo da dinâmica da in-
introdução de quaisquer fatores que possam in- fecção. A incidência é uma freqüência relativa
troduzir o agente são exemplos de populações que dá uma idéia da dinâmica da infecção ou do-
pequenas fechadas. Por outro lado, países como ença. É expressa em percentagem (exemplo: 1%
os Estados Unidos impõem restrições à introdu- de novos casos por mês) ou fração (1/100.000 por
ção de animais e subprodutos de outros países, mês) x tempo. A incidência também é denomina-
com o objetivo de preservar seus rebanhos suíno da de taxa de ataque ou morbidade incidente.
e bovino livres do vírus da peste suína clássica A prevalência também é uma freqüência re-
(CSFV) e FMDV, respectivamente. A tendência lativa (número de casos/população de risco),
é que criações comerciais de várias espécies ani- porém determinada em certo momento (não con-
mais se tornem progressivamente fechadas, a fim sidera a variável tempo). É utilizada principal-
de preservar uma condição sanitária compatível mente para expressar a freqüência de infecções
com saúde animal e atividade econômica. ou doenças crônicas, ou de doenças que ocorram
há algum tempo na população e cujo início não
4.4 Quantificação de doença: incidência foi monitorado. Define-se prevalência como uma
e prevalência freqüência relativa de casos de uma doença (ou
de outro fator relacionado) em um determinado
A quantificação dos eventos de doença nas momento. O cálculo da prevalência não considera
populações se constitui em um dos instrumentos o parâmetro tempo e também pode ser expresso
mais utilizados em epidemiologia. Essa quanti- em percentual (p. ex.: 1% de infectados) ou fração
ficação é expressa sob a forma de taxas e coefi- (1/10.000).
cientes. Define-se taxa (ou índice) como uma fra-
ção em que o numerador é número de casos e o Nº de casos
Prevalência (%) = ______________________ x 100
denominador é a população de risco, ou seja, é a População de risco

expressão de uma freqüência relativa de casos de


uma determinada doença ou indicador de saúde.
Dois índices muito utilizados em epidemiologia A prevalência de infecções em rebanhos é
são a incidência e a prevalência. Embora sejam ín- freqüentemente determinada por exames soroló-
dices relacionados e, muitas vezes, confundidos, gicos que detectam anticorpos e indicam que hou-
incidência e prevalência são índices que possuem ve uma exposição prévia ao agente. A freqüência
composição, cálculo e significados distintos e, relativa de animais reagentes é chamada de soro-
como tal, devem ser considerados e analisados. prevalência. Ao contrário da incidência, o índice
O índice de incidência é mais utilizado para de prevalência não fornece informações acerca
descrever a dinâmica de infecções agudas, em da dinâmica da infecção, e sim da situação mo-
que o número de novos casos aumenta rapida- mentânea, ou seja, constitui-se em uma informa-
mente com o decorrer do tempo. Define-se inci- ção estática, pois não acompanha a evolução do
dência como a freqüência relativa de novos casos processo infeccioso.
da doença (casos novos em relação a população Outras taxas comumente utilizadas em epi-
de risco) que surgem em relação ao tempo. A in- demiologia são morbidade, mortalidade e letalidade.
cidência é calculada da seguinte forma: Taxa de morbidade é o percentual (ou fração) dos
284 Capítulo 10

animais expostos a um determinado agente que


desenvolvem a doença. O cálculo dessa taxa pode A Doença Esporádica
considerar, como denominador, a população po-
tencialmente exposta (abrange todos os animais
do rebanho ou população) ou a população que

Nº de novos casos
realmente entrou em contato com o agente (so-
mente os animais que foram infectados). No se-
gundo caso, a taxa de morbidade seria um reflexo
direto da patogenicidade do agente; no primei-
ro caso, seria o produto da patogenicidade e da
transmissibilidade. Taxa de mortalidade é a fração
dos animais (potencial ou realmente expostos) Tempo
que vai a óbito em decorrência da infecção. Taxa
de letalidade é o percentual dos animais doentes B Doença Endêmica
que vai a óbito (é uma medida da severidade da
doença).
Nº de novos casos

5 Padrões temporais de ocorrência


das doenças

Os eventos de doença ocorrem continua-


mente com o decorrer do tempo, com freqüên-
cia e distribuição temporal que podem variar de
acordo com diversos fatores. Dependendo da Tempo
distribuição da freqüência ao longo do tempo,
três padrões principais de ocorrência podem ser C Doença Epidêmica
reconhecidos: doenças de ocorrência esporádica,
endêmica e epidêmica (Figura 10.16). Os termos en- Epidemia
demia e epidemia são utilizados para designar do-
Nº de novos casos

em ponto
Epidemia de
enças de ocorrência endêmica e epidêmica, res- propagação
pectivamente. Os termos enzoótica e epizoótica
são utilizados para referir-se a doenças animais.
Porém, como mencionado anteriormente, os ter-
mos epidemiológicos clássicos (endemia, epide-
mia) são também utilizados em epidemiologia
veterinária. Tempo

5.1 Doenças esporádicas


Figura 10.16. Padrões temporais de ocorrência de
doenças.
As doenças esporádicas são aquelas que não
estão presentes na população a maior parte do reservatórios (outras espécies animais). Esses re-
tempo e a sua ocorrência é caracterizada pelo servatórios apenas ocasionalmente entram em
aparecimento de um número geralmente peque- contato e transmitem o agente para a espécie em
no de casos a intervalos variáveis, irregulares e questão, desencadeando o aparecimento da do-
imprevisíveis (Figura 10.16A). Tratando-se de ença (p. ex.: casos de infecção pelo vírus ebola em
doenças infecciosas, algumas possíveis explica- pessoas na África, hantavirose em humanos no
ções para esse comportamento são: a) o agente Brasil); b) o agente está sempre presente na po-
está sempre presente no ecossistema, porém em pulação, porém causando infecções subclínicas
Epidemiologia das infecções víricas 285

na maioria e doença em uma minoria dos indiví- lações. A infecção pelo BoHV-1, por exemplo, é
duos, ou seja, a infecção raramente causa a doen- endêmica na população bovina do Brasil. Para
ça. Assim, a infecção seria endêmica e a doença infecções que ocorram endemicamente em todo o
seria esporádica (p. ex.: a infecção pelo BLV em mundo, não é necessário especificar a população.
bovinos é endêmica; a ocorrência do linfossarco- Por exemplo, a parvovirose é uma doença endê-
ma causado pelo BLV é esporádica); c) o agente mica na população canina (fica implícito que se
não está presente na população na maior parte trata da população mundial).
do tempo, sendo esporadicamente introduzido.
Quando é introduzido, ocasiona os eventos de 5.3 Doenças epidêmicas
doença (p. ex.: casos de febre aftosa nos estados
do Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul nos Doenças de ocorrência epidêmica ou epide-
últimos anos). mias (epizootias) são aquelas que se caracterizam
pela ocorrência de um número excessivo e ines-
5.2 Doenças endêmicas peradamente alto de casos em um determinado
período em uma população (Figura 10.16C), ou
Doenças endêmicas ou endemias (enzootias) seja, ocorre com uma freqüência inesperada em
são aquelas que ocorrem continuamente, com certo intervalo de tempo. Os termos epidemia (epi-
freqüências pouco variáveis – e, portanto, razo- zootia) e surto são comuns e indistintamente uti-
avelmente previsíveis na população – ao longo lizados para designar esses eventos. Surto é um
do tempo (Figura 10.16B). Em outras palavras, a termo popular e tem sido utilizado mais amiúde
infecção é dita nativa da população. Infecções en- para referir-se a eventos restritos geograficamen-
dêmicas são geralmente mantidas pela ocorrên- te; enquanto epidemia é um termo técnico, mais
cia simultânea e contínua de múltiplas cadeias comumente (mas não exclusivamente) utilizado
de transmissão do agente entre hospedeiros sus- para designar eventos mais abrangentes geogra-
ceptíveis. Três componentes são absolutamente ficamente. No entanto, deve-se enfatizar que não
necessários para que uma infecção seja endêmica existe uma distinção clara entre esses dois concei-
em uma população: a) a presença do agente; b) o tos e ambos são utilizados indistintamente para
número/proporção adequado(a) de hospedeiros se referir a esses eventos.
susceptíveis e c) a presença dos mecanismos de A caracterização de uma epidemia necessa-
transmissão. A ausência de um desses compo- riamente requer a consideração dos parâmetros
nentes preclude a ocorrência endêmica da doen- freqüência (número excessivo de casos), tempo
ça. Uma infecção ou doença pode ser endêmica (dia, semana, mês, ano) e espaço (população).
em diferentes níveis (hipoendêmica [incidência Uma epidemia não pode ser definida pelo núme-
baixa], mesoendêmica [incidência moderada], ro absoluto de casos, e sim pelo número relativo,
hiperendêmica [incidência alta] e holoendêmica que deve ser comparado com o número de casos
[incidência altíssima]), dependendo do núme- esperado para o respectivo período naquela po-
ro/proporção de animais que afeta. Exemplos de pulação. Por exemplo, um único caso de febre af-
infecções víricas endêmicas em populações ani- tosa nos Estados Unidos (EUA), em 2006, pode
mais são abundantes: cinomose e parvovirose em configurar estatisticamente uma epidemia, pois
cães, infecção pelo BVDV e BoHV-1 em bovinos a freqüência esperada era zero. Por outro lado,
de muitos países, rotavirose e parvovirose suína, 1.000 casos de doença causada pelo PRRSV no es-
leucose enzoótica bovina, entre outras. tado de Nebraska, EUA, em maio de 2006, pode
O termo endêmico refere-se ao padrão tem- não configurar uma epidemia, pois pode ser se-
poral de ocorrência de uma doença em uma de- melhante à freqüência observada nos meses ante-
terminada população. Por isso, quando se refere riores. Estatisticamente, considera-se uma epide-
uma doença endêmica, é preciso, necessariamen- mia sempre que o número de casos exceder 1,96
te, mencionar a população em questão, pois essa desvio padrão acima da média de casos espera-
doença pode não ser endêmica em outras popu- dos para aquele intervalo de tempo.
286 Capítulo 10

As dimensões de uma epidemia podem va- de tempo. A introdução de um animal infectado


riar amplamente de acordo com o número de pelo FMDV em um rebanho pequeno susceptível
animais afetados e área ocupada pela popula- provavelmente resultará em uma epidemia com
ção. A introdução de um animal infectado pelo essas características. Essas epidemias geralmente
BVDV em um rebanho de cria, por exemplo, possuem curta duração. Epidemia em torre, ma-
pode resultar em um surto localizado de abortos ciça, de fonte comum ou hídrica são sinônimos
naquela propriedade. Mordeduras de morcegos utilizados para designar eventos com essas carac-
em bovinos e eqüinos produzem surtos de rai- terísticas.
va que, freqüentemente, atingem uma ou mais As epidemias de propagação são aquelas em
propriedades vizinhas. O surto de febre aftosa que a incidência aumenta gradualmente – e não
no Rio Grande do Sul (RS), em 2000, e no Mato de forma explosiva – à medida que novos ani-
Grosso do Sul (MS), em 2005, envolveu vários mais vão sendo infectados, transmitem o agente
municípios; na Argentina, em 2000, houve o en- a novos hospedeiros e apresentam sinais clínicos
volvimento de várias províncias e, na Inglaterra, (Figura 10.16C). São características de infecções
atingiu praticamente todo o país. Epidemias pe- transmitidas por contato direto ou indireto. A
quenas (envolvendo rebanhos ou populações pe- epidemia da AIDS em humanos, a parvovirose
quenas) provavelmente ocorram continuamente em cães e a PRRS em suínos são exemplos recen-
em populações animais do mundo inteiro, sem tes de epidemias de propagação. Epidemias de
despertar a atenção. No entanto, algumas epide- propagação geralmente possuem duração pro-
mias atingem grandes proporções por envolver longada.
países e até mesmo continentes. A epidemia de Acredita-se que, mesmo em populações de
SARS (2003-2004) atingiu grande parte da Ásia, animais silvestres e sem a intervenção humana, as
alguns países europeus e o Canadá. Epidemias epidemias sejam autolimitantes e não continuem
que atingem populações de continentes ou even- indefinidamente. O fim das epidemias ocorre
tualmente de todo o mundo são denominadas eventual e inevitavelmente pelo esgotamento dos
pandemias, das quais a parvovirose canina (a par- susceptíveis, tanto pela morte como pelo desen-
tir da década de 1980) e a infecção pelo HIV cons- volvimento de imunidade pelos indivíduos.
tituem-se em exemplos contemporâneos. Algumas enfermidades epidêmicas em seu
Dois tipos de epidemia podem ser reconhe- início, principalmente aquelas causadas pela
cidos de acordo com a dinâmica (taxa de aumen- introdução de um agente novo na população,
to da incidência de acordo com o tempo) e dura- podem se tornar endêmicas com o decorrer do
ção, refletindo doenças com diferentes formas de tempo. Exemplos são a parvovirose canina e a
transmissão e propagação. As epidemias em ponto PRRS, que, após um início explosivo, se torna-
são caracterizadas por um aumento brusco, de ram endêmicas nas populações canina e suína de
magnitude variável e curta duração, no número vários países, respectivamente. A infecção pelo
de novos casos (Figura 10.16C). Geralmente são WNV foi introduzida nos EUA, em 1999, quando
resultantes de exposição simultânea de vários resultou em epizootias/epidemias em aves e hu-
indivíduos ao agente, seja diretamente na fonte manos. Após esta introdução e início epidêmico,
de infecção (animal infectado), em água, alimen- a infecção se estabeleceu no ecossistema e se tor-
tos, aerossóis ou em produtos contaminados. São nou endêmica em vários estados norte-america-
características de infecções altamente transmis- nos. Recentemente o WNV foi detectado no noro-
síveis (FMDV, CSFV, influenza) ou de infecções este da América do Sul e também na Argentina.
transmitidas maciça e simultaneamente por uma Outras epidemias se tornam restritas temporal-
fonte comum de infecção. Ocorrem freqüente- mente (por fatores naturais ou por medidas de
mente pela ingestão de água ou alimentos conta- controle) e não persistem de forma endêmica na
minados aos quais os animais têm acesso simul- população. Exemplos recentes incluem a SARS e
taneamente. Caracterizam-se por uma grande as ocorrências de febre aftosa no RS, em 2000; no
concentração de novos casos em um curto espaco MS, em 2005; e na Inglaterra, em 2001, cujas me-
Epidemiologia das infecções víricas 287

didas de combate resultaram na erradicação do roedores silvestres que servem de reservatórios


agente e no término das respectivas epidemias. para os hantavírus e arenavírus. Essas alterações
têm sido implicadas na ocorrência de hantavirose
5.4 Fatores determinantes das e doença hemorrágica por arenavírus em huma-
epidemias nos. O estresse do transporte e aglomeração ao
qual bezerros são submetidos após o desmame
Os surtos de doenças víricas resultam do tem sido associado com surtos de viroses respi-
desequilíbrio das interações agente-hospedei- ratórias (BoHV-1, BRSV) e encefalite herpética
ro-meio ambiente e podem ser potencialmente (BoHV-5). A temperatura e umidade no verão
determinados por inúmeros fatores que podem favorecem a proliferação de vetores e a conse-
atuar individualmente ou em conjunto. Os surtos qüente ocorrência de arboviroses (WNV, encefa-
de febre aftosa no RS e Grã-Bretanha, em 2000- lites eqüinas, dengue). A aglomeração de cães em
2001, por exemplo, foram determinados pela in- canis e pet shops pode favorecer o contato entre os
trodução do agente em populações susceptíveis. animais e a conseqüente transmissão do CDV e
A pandemia de parvovirose canina, a partir da vírus respiratórios, entre outros.
década de 1980, foi determinada pelo surgimento A falha de cobertura vacinal na população
de um novo vírus na espécie canina, a partir da em um determinado ano pode resultar em sur-
mutação/evolução do vírus da panleucopenia fe- tos de doenças que normalmente são endêmicas
lina. A pandemia de AIDS provavelmente origi- e cuja freqüência é geralmente baixa. A reativa-
nou-se há decadas pela transmissão e adaptação ção de infecções latentes, geralmente associada
de um vírus de primatas (vírus da imunodefici- com fatores ambientais (estresse, má nutrição,
ência símia [SIV]) para humanos. Os surtos anu- aglomeração, mudança de alimentação) tem sido
ais de gripe em humanos devem-se, entre outros freqüentemente responsabilizada por surtos de
fatores, à contínua evolução e variação antigênica doenças associadas ao BoHV-1 e BoHV-5 em bo-
do vírus. A influenza denominada “gripe do fran- vinos. Esses fatores ambientais podem também
go”, que acomete pessoas e aves na Ásia desde atuar em conjunto sobre o sistema imunológico,
1997, deve-se a um vírus de aves que sofreu mu- predispondo os animais a outras enfermidades.
tações sucessivas e tornou-se mais virulento para Em resumo, virtualmente, qualquer fator do
aves silvestres e domésticas e capaz de infectar agente, do hospedeiro e do meio ambiente que
pessoas. O PRRSV de suínos provavelmente se determine direta ou indiretamente o aumento
originou de um vírus de roedores (lactate dehi- na freqüência esperada de uma doença pode ser
drogenase elevating virus, LDEV) que sofreu mu- considerado o fator determinante de uma epi-
tações e adaptação em suídeos silvestres, sendo demia. A origem e os fatores determinantes de
posteriormente transmitido e disseminado entre surtos podem ser freqüentemente determinados
suínos domésticos. O vírus da SARS que infectou pela realização de investigações epidemiológicas
milhares de pessoas na Ásia, Europa e Canadá, criteriosas e sistemáticas. No entanto, em mui-
em 2003-2004, provavelmente se originou e foi tas situações, as interações que produzem esses
transmitido a humanos a partir de espécies de eventos são muito complexas e não permitem a
animais silvestres. identificação da origem e dos fatores responsá-
Alteração em fatores ambientais, sem mo- veis.
dificações evidentes no agente, também podem
resultar em um aumento expressivo da freqüên- 5.5 Outros padrões de ocorrência
cia de doenças. A superpopulação de morcegos
hematófagos em determinadas áreas, devido a Além dos padrões clássicos de ocorrência,
alterações ecológicas, são acompanhadas de sur- algumas infecções víricas agudas apresentam
tos de raiva em herbívoros. Mudanças ecológi- variações de incidência diferentes dos descritos
cas relacionadas com a agricultura têm causado acima. Várias infecções víricas agudas apresen-
aumento da população e mudança de hábitos de tam aumentos de incidência coincidentes com
288 Capítulo 10

determinadas estações do ano. Viroses respira- presença e da interação entre vários fatores. Os
tórias (BRSV, parainfluenza canina) geralmente requerimentos mais óbvios para a ocorrência
apresentam picos de incidência no inverno; em de uma infecção e doença em uma determinada
contraste, algumas viroses entéricas e arboviro- população são a presença do agente e de hospe-
ses apresentam picos no verão. Esse tipo de com- deiros susceptíveis. No entanto, outros fatores
portamento é denominado sazonal ou estacional, e epidemiológicos são determinantes da distribui-
o aumento de incidência verificado nessas épo- ção geográfica das viroses animais. A existência
cas deve-se geralmente à ação direta ou indireta e número de reservatórios e vetores, condições
de fatores climáticos sobre os hospedeiros, veto- favoráveis para a sobrevivência e transmissão do
res e/ou agentes. A maior incidência de viroses agente, barreiras naturais ou artificiais, medidas
respiratórias no inverno deve-se a fatores como de controle e/ou erradicação (incluindo vacina-
aglomeração de indivíduos, ventilação deficiente, ção), sistemas de produção, entre outros, contri-
estresse térmico, umidade, temperatura e facili- buem para os diferentes padrões de distribuição
dade de transmissão dos vírus. A maior incidên- e localização das infecções víricas.
cia de arboviroses nos meses quentes deve-se ao
aumento da população e atividade dos artrópo- 6.1 Doenças víricas de distribuição
des vetores. A causa de sazonalidade de algumas mundial
infecções víricas, no entanto, não é facilmente
explicável e pode envolver múltiplas interações As viroses de animais de companhia, sobre
de fatores climáticos com o hospedeiro e com o os quais geralmente não se impõe restrições à
agente. movimentação e que não se constituem em al-
Doenças com variações cíclicas apresentam vos de programas sanitários oficiais, geralmente
aumentos de incidência a intervalos maiores do possuem uma distribuição ampla, muitas vezes
que um ano. Os picos geralmente ocorrem quan- mundial. Enquadram-se nessa categoria as prin-
do a imunidade da população, que atinge o seu cipais infecções víricas de cães e gatos. Embora
máximo logo após cada pico, atinge níveis cri- amplamente difundidas na população, essas vi-
ticamente baixos após um período de redução roses certamente apresentam diferenças de pre-
gradativa. Esse padrão de ocorrência é mais fa- valência e de incidência entre populações, refle-
cilmente reconhecido em populações humanas (o tindo peculiaridades epidemiológicas locais e
sarampo apresenta picos a cada 2-3 anos; rubéola medidas voluntárias de controle eventualmente
a cada 5-7 anos) e de animais silvestres, pois os praticadas. Populações de cães e gatos que vivem
animais domésticos de interesse econômico fre- em condições isoladas (ilhas, comunidades re-
qüentemente têm o seu ciclo de vida interrompi- motas) podem ocasionalmente ser livres de algu-
do devido à finalidade produtiva. mas dessas viroses. Algumas infecções víricas de
Doenças com tendência secular são aquelas animais de interesse econômico (BoHV-1, bPI3v,
cuja incidência apresenta uma redução ou au- BVDV, rotavirose, coronavirose, parvovirose
mento muito lento ao longo de anos e décadas. suína) também possuem distribuição mundial,
Essas variações devem-se, em geral, a alterações embora algumas delas tenham sido alvos recen-
ecológicas graduais e progressivas, mudanças de tes de programas de erradicação e, atualmente,
hábitos e de práticas de manejo, e a medidas ge- estejam erradicadas de alguns países. A maioria
rais de profilaxia e controle das doenças animais. das viroses humanas também possui distribuição
mundial, embora possam apresentar níveis variá-
6 Distribuição espacial das infecções veis de ocorrência nas diferentes subpopulações.
víricas Algumas viroses humanas já foram erradicadas
mundialmente (varíola) ou estão em vias de er-
As infecções víricas apresentam distribui- radicação em vários países (poliomielite, saram-
ções geográficas diversas que dependem da po).
Epidemiologia das infecções víricas 289

6.2 Doenças víricas com certa limitação infectou humanos e eqüinos na Austrália, estan-
geográfica do, até então, limitado àquele continente. Evento
similar ocorreu na Malásia e Indonésia, onde o
Algumas infecções víricas – sobretudo as ar- vírus Nipah (também um morbilivírus de mor-
boviroses – embora possam apresentar uma dis- cegos) infectou e provocou doença em pessoas e
tribuição relativamente ampla e possam acometer grande mortalidade em suínos. Outro exemplo
populações de vários continentes, possuem certa de infecção vírica restrita geograficamente é o as-
limitação geográfica. A delimitação da ocorrência sociado ao vírus ebola, cujos eventos epidêmicos
dessas infecções é geralmente determinada pela concentram-se quase que exclusivamente na Áfri-
existência de condições climáticas para a sobre- ca Central. As infecções pelos vírus das encefali-
vivência e atividade dos insetos envolvidos na tes eqüinas do leste e oeste (EEEV, WEEV) tam-
transmissão do agente. Enquadram-se nessa ca- bém possuem certa delimitação geográfica, que é
tegoria a dengue, a febre amarela, algumas infec- determinada pelas interações do agente com seus
ções por alfavírus, flavivírus e outras arboviroses vetores e hospedeiros. Esses agentes, no entanto,
(WNV, VEEV). A distribuição dessas infecções têm sido também detectados fora de seus nichos
coincide com uma faixa territorial de certa am- ecológicos originais, o que pode, eventualmente,
plitude laditudinal, onde as condições climáticas caracterizar uma expansão de sua abrangência.
são favoráveis à sobrevivência e à atividade dos A restrição geográfica de muitas dessas vi-
vetores. Essas enfermidades podem, ocasional- roses pode possuir caráter apenas circunstancial
mente, ser detectadas em áreas remotas e que e pode ser modificada ocasionalmente, acompa-
não apresentam condições para a perpetuação nhando alterações ecológicas ou epidemiológi-
dos vetores, mas dificilmente se tornam endêmi- cas. A doença do Nilo Ocidental (WNV), causada
cas nessas regiões. por um flavivírus transmitido por insetos e cujos
hospedeiros naturais são várias espécies de pás-
6.3 Doenças víricas restritas saros e outras aves silvestres, por exemplo, esta-
geograficamente va historicamente restrita ao nordeste do conti-
nente africano, a alguns países do Oriente Médio
Algumas infecções víricas apresentam uma e à europa mediterrânea (casos isolados). Intro-
distribuição geográfica restrita, ficando limita- duzida, em 1999, nos Estados Unidos, a infecção
das a determinadas regiões ou países. A peste pelo WNV rapidamente se disseminou e se tor-
suína africana ocorre endemicamente na África, nou endêmica no país e está avançando na dire-
provavelmente pelas condições epidemiológicas ção sul em países da América Central e Caribe.
favoráveis (população susceptível, reservatórios, Outro exemplo recente de expansão geográfica
vetores, falta de medidas de biossegurança). Es- foi o vírus da língua azul (BTV), que atingiu re-
poradicamente introduzida na Europa e no Brasil banhos ovinos da Holanda, Alemanha e Bélgica,
no passado, a doença foi rapidamente erradicada em 2006, provavelmente a partir da África, onde
e não se tornou endêmica. A doença do vale Rift, a infecção é endêmica.
enfermidade zoonótica que afeta várias espécies
de mamíferos domésticos e silvestres, tem sido 6.4 Áreas livres naturais
historicamente restrita a uma região da África.
Ocasionalmente detectada fora do continente Algumas populações de animais são natu-
africano (Oriente Médio e Ásia), aparentemente ralmente livres de determinadas infecções víricas.
não encontrou condições para se manter ende- Essas populações (ou as áreas que habitam) são
micamente. A retrovirose Maedi-Visna foi ini- ditas indenes sem relação à doença e livres em rela-
cialmente identificada em ovinos/caprinos da ção ao agente. Essas áreas foram mantidas livres
Islândia e tem ficado praticamente restrita a esse do agente ao longo de décadas, sobretudo, pela
país insular. O vírus Hendra (um morbilivírus de existência de barreiras naturais que dificultavam
morcegos) ultrapassou a barreira interespécies e a sua introdução. A Austrália é naturalmente in-
290 Capítulo 10

dene à raiva animal (silvestre e urbana) e febre ção/variação genética de um vírus já existente na
aftosa, condições favorecidas pela sua localização população; c) alterações ecológicas que afetam as
geográfica. O Chile manteve-se livre de febre af- interações entre os hospedeiros, reservatórios e
tosa durante décadas, apesar da situação endêmi- vetores, ou d) ação do homem através dos siste-
ca da infecção na América do Sul, também graças mas de criação, manejo, transporte e comerciali-
à cordilheira dos Andes, que serviu de barreira zação/utilização de animais.
natural contra a introdução do agente. Embora O HIV surgiu na África, entre 1940 e 1950,
muitas dessas áreas tenham se mantido histori- provavelmente a partir de um vírus de primatas
camente livres de doenças graças à existência de não-humanos (simian immunodeficiency virus, SIV).
barreiras naturais, a manutenção dessa condição, Acredita-se que o SIV tenha sido transmitido de
nos últimos anos, também deveu-se à imposição macacos a pessoas pelo contato com o sangue ou
de barreiras artificiais. A condição de área livre outros fluidos corporais, proporcionado por prá-
também pode ser meramente circunstancial, pois ticas como caça, abate e alimentação. Após atra-
o agente pode ser potencialmente introduzido a vessar a barreira interespécies, o novo vírus foi
partir de áreas endêmicas. gradativamente se adaptando e disseminando na
população humana. Atualmente o HIV está am-
6.5 Áreas livres artificiais plamente difundido na população humana e re-
presenta um dos principais problemas de saúde
Vários países têm envidado esforços e con- pública em todo o mundo, ou seja, a epidemia de
seguido erradicar viroses outrora endêmicas em AIDS deveu-se ao surgimento de um novo vírus
seus rebanhos. O BLV, BoHV-1 e PRV foram erra- na população humana.
dicados de alguns países europeus; a febre aftosa Outro exemplo de vírus que atravessou a
e a peste suína clássica (PSC) foram erradicadas barreira entre espécies e alterou o seu espectro
de grande parte do Brasil. Embora existam apenas de hospedeiros foi o parvovírus canino (CPV). O
alguns relatos remotos de ocorrência de casos, a CPV surgiu como patógeno de cães no final dos
PSC e febre aftosa foram erradicadas dos EUA há anos 1970, a partir de mutações nas proteínas
muitas décadas. O PRV foi erradicado de vários do capsídeo do parvovírus causador da panleu-
países europeus e recentemente da população su- copenia felina (FLPV). Como conseqüência des-
ína comercial dos EUA. Esforços de erradicação sas alterações genéticas, o parvovírus teve a sua
de doenças víricas têm sido empreendidos por gama de hospedeiros alterada, adquirindo a ha-
vários países e, se bem-sucedidos, resultarão em bilidade de infectar e causar doença em cães. Nos
novas áreas livres. As principais viroses-alvo de anos que se seguiram ao surgimento desse novo
programas de erradicação são aquelas sob regu- vírus na espécie canina, as cepas de parvovírus
lação internacional que restringe a movimenta- eram altamente virulentas. Ao longo dos anos, no
ção de animais e subprodutos. entanto, as cepas de alta virulência foram sendo
gradativamente substituídas na população por
7 Doenças víricas emergentes cepas menos virulentas, o que indica uma adap-
tação gradativa aos novos hospedeiros.
As últimas décadas têm testemunhado o O vírus da encefalite eqüina venezuelana
surgimento e ressurgimento de várias enfermi- (VEEV), um alfavírus zoonótico transmitido por
dades víricas em populações humanas e animais. insetos, tem sido implicado em epidemias e epi-
As causas da emergência de algumas dessas en- zootias (em eqüídeos) de grandes proporções no
fermidades já foram parcialmente esclarecidas norte e noroeste da América do Sul nas últimas
e parecem envolver diversos fatores que atuam décadas. Esses eventos se repetem a intervalos
individualmente ou em conjunto. Em geral, a de aproximadamente 10 anos. No intervalo entre
emergência/reemergência de enfermidades ví- os surtos, não há evidência de atividade viral nas
ricas está associada com: a) surgimento de um populações de eqüinos ou de humanos, mas o ví-
novo vírus na população ou espécie; b) muta- rus provavelmente permaneça circulando no seu
Epidemiologia das infecções víricas 291

ambiente natural, infectando pequenos mamífe- (Rhinonophus sinicus) como provável hospedeiro
ros silvestres. Os vírus que circulam nas popu- natural do vírus. Não obstante, a análise filoge-
lações silvestres nesses períodos – denominados nética desse vírus sugere que eventos de mutação
enzoóticos –, embora capazes de infectar eqüinos ou recombinação, envolvendo coronavírus aviá-
e pessoas, produzem baixos níveis de viremia e rios e de mamíferos, tenham ocorrido no passa-
são virtualmente apatogênicos para essas espé- do. Aliado a fatores ambientais e culturais, esses
cies. Periodicamente esses vírus sofrem mutações eventos genéticos podem ter contribuído para a
que os tornam patogênicos e capazes de produzir capacidade do agente de infectar diferentes espé-
altos níveis de viremia em eqüinos. Esses vírus cies silvestres e, eventualmente, ser transmitido a
– denominados epizoóticos – são, então, transmi- humanos. A transmissão a humanos foi seguida
tidos aos eqüinos, nos quais são amplificados e de uma rápida disseminação no sudeste asiáti-
disseminados nessa espécie e também para hu- co, extendendo-se para alguns países europeus
manos, causando epidemias/epizootias de gran- e para o Canadá pela movimentação de pessoas.
des proporções. Os surtos periódicos de VEE são Felizmente as medidas profiláticas adotadas fo-
exemplos da reemergêngia de doenças devido a ram capazes de restringir a disseminação e, even-
mutações/alterações genéticas de vírus preexis- tualmente, resultaram no final na epidemia.
tentes no ecossistema. Dois exemplos de doenças que emergiram
O PRRSV foi inicialmente identificado como devido a alterações ecológicas foram as causadas
patógeno de suínos no final dos anos 1980, nos pelos vírus Nipah e Hendra. Esses vírus cruza-
EUA, e no início dos anos 1990, na Europa. A hi- ram a barreira interespécies e causaram doença
pótese mais aceita é que o agente tenha se origi- e mortalidade em animais e pessoas na Malásia
nado de um vírus muito semelhante de roedores e Austrália, respectivamente. O desmatamen-
(lactate dehidrogenase elevating virus, LDEV). O to indiscriminado, seguido de queimadas nas
LDEV teria sido transmitido de roedores para su- florestas da Malásia em 1997-1998, desalojou
ídeos silvestres na Europa há, aproximadamente, populações de morcegos frugívoros da espécie
um século. Posteriormente, teria sido transmitido Pteropus (conhecidos como “raposas voadoras”)
a suínos domésticos e introduzido nos EUA no de seu habitat natural. Essas populações foram,
início de século 20 pela importação de animais. então, procurar abrigo e alimento em pomares
A partir daí, o vírus teria evoluído na espécie domésticos, alguns deles localizados em granjas
suína paralelamente nos dois continentes. Qual de suínos. Como conseqüência da proximida-
a razão, então, para o seu “surgimento” apenas de, os suínos se infectaram ao ingerir restos de
nos anos 1980-1990? A explicação mais plausível frutas contaminadas com a saliva dos morcegos
é que, embora presente nesses países há décadas, infectados. O vírus Nipah se disseminou rapi-
a grande disseminação teria apenas ocorrido nas damente em granjas com alta concentração de
duas últimas décadas, por modificações drásticas animais, contaminando e causando doença grave
nas práticas de manejo, comercialização, inter- em suínos e humanos. Evento similar ocorreu na
câmbio intensivo de reprodutores e uso indiscri- Austrália em 1994-1995, quando eqüinos foram
minado da inseminação artificial. contaminados com outro morbilivírus, o vírus
O coronavírus causador da SARS (SARS- Hendra, pelo contato com excreta e restos pla-
CoV) emergiu na Ásia, em 2003, como um vírus centários de morcegos contaminados. Essa enfer-
novo na população humana. O seu surgimento midade foi mais restrita, mas atingiu e ocasionou
parece ter envolvido a interação de fatores eco- a morte de vários eqüinos e de algumas pessoas
lógicos e virais. Estudos epidemiológicos ini- que tinham contato com esses animais. O vírus
ciais indicavam as civetas (civet cats) – pequenos da febre do Vale Rift (RVFV), um vírus buniaví-
carvívoros silvestres domesticáveis e utilizados rus zoonótico transmitido por insetos, também
também para alimentação humana – como pro- tem sido associado com eventos epidêmicos de
vável origem do agente. Estudos mais recentes, proporções consideráveis em humanos e animais
no entanto, indicam uma espécie de morcego domésticos em alguns países da África. Um des-
292 Capítulo 10

ses eventos foi associado com a abertura de uma ciado com surtos de alta mortalidade em focas
grande represa no Egito, seguida de enchentes e (>10.000) e outros mamíferos nos mares Mediter-
alagamentos. Essas condições propiciaram uma râneo e Cáspio no início do século 21, e no lago
proliferação rápida e abundante de insetos e a Baikal, Rússia, em 1997/1998. O CDV também
conseqüente disponibilidade de vetores para a foi associado com mortalidade de leões e hienas
transmissão do agente. em uma reserva natural da Tanzânia, e tem sido
O WNV emergiu na América do Norte no esporadicamente isolado de doença em mãos-pe-
ano de 1999, inicialmente produzindo doença e ladas (racoons), felídeos e outros animais silves-
mortalidade em aves silvestres (corvos, pardais) tres de vida livre ou de zoológicos. Um estudo
e de zoológicos, acompanhada de alguns casos de retrospectivo demonstrou antígenos do CDV em
doença humana. Até então, a infecção pelo WNV amostras de, aproximadamente, 50% dos leões e
estava restrita ao nordeste do continente africa- tigres que morreram entre 1972 e 1992 em zooló-
no e a alguns países do Oriente Médio e Europa gicos da Suíça.
mediterrânea. Nesses locais, a infecção ocorria O vírus da influenza A de aves (H5N1), pro-
sob a forma de surtos restritos geograficamente e vavelmente por meio de mutações sucessivas e
atingindo um número limitado de pessoas e/ou adaptação gradativa, tornou-se virulento para
de animais. O vírus provavelmente foi introdu- aves domésticas e silvestres e infeccioso para hu-
zido no continente americano pelo movimento manos, causando centenas de mortes na Ásia a
migratório de aves a partir da África (aves silves- partir de 1997. Durante esse surto, dois tigres e
tres são os seus hospedeiros naturais), importa- dois leopardos de zoológicos da Tailândia foram
ção ilegal de aves ornamentais contaminadas ou infectados com o H5N1 e morreram. A reemer-
pelo transporte de mosquitos contaminados em gência do H5N1 a partir de 2004 tem resultado
navios e/ou aviões. Após a introdução, o WNV em uma disseminação maior, atingindo aves sil-
encontrou condições ecológicas e rapidamente vestres e domésticas e pessoas de países da Ásia,
se disseminou nos EUA, ocasionando doença em Oriente Médio e Leste Europeu. Esse vírus está
aves (mais de 150 espécies de pássaros e outras sendo considerado o candidato mais provável e
aves são naturalmente susceptíveis), humanos temido a causar uma pandemia de gripe na popu-
(aproximadamente 700 mortes até meados de lação humana nos próximos anos.
2007) e em animais domésticos (mais de 25 mil É provável que o surgimento e ressurgimen-
casos em eqüinos até julho de 2007). A infecção to de enfermidades víricas continuem a ocorrer
em humanos tem assumido características até com o decorrer do tempo em razão de alterações
então não relatadas, como ocorrência esporádica ecológico-ambientais, modernização de sistemas
de transmissão transplacentária e neonatal, além de manejo, produção e reprodução e também
de transmissão por transfusão sangüínea e trans- por causa da evolução natural (mutação + sele-
plante de órgãos. O vírus já foi detectado em al- ção) desses agentes. O exemplo mais recente foi a
guns países da América Central e, recentemente, transmissão de um vírus da influenza (H3N8) de
foi detectado na Colômbia (2004-2005) e Argenti- eqüinos para cães nos Estados Unidos em 2004.
na (2006). Relatos iniciais indicaram que o novo vírus está
São vários os exemplos de doenças víricas se disseminando eficientemente da população de
emergentes de animais domésticos e humanos cães de carreira naquele país. A recente transmis-
cujos agentes se originaram de animais silves- são do vírus da influenza para felídeos domésti-
tres. O caminho inverso, ou seja, transmissão cos (gatos) e selvagens cativos (tigres e leopardos)
de agentes víricos de animais domésticos para também se constituiu em um evento inusitado.
espécies silvestres, embora menos freqüente, Para vários vírus, a linha que delimita o seu
também tem sido bem documentada. O vírus da espectro de hospedeiros parece ser mais epide-
cinomose (CDV), um morbilivírus canino, tem miológica do que biológica, ou seja, a restrição
sido freqüentemente associado com eventos de de alguns agentes aos seus hospedeiros natu-
doença em animais silvestres. O vírus foi asso- rais ocorreria mais por falta de oportunidade de
Epidemiologia das infecções víricas 293

transmissão do que pela sua incapacidade de in- CRUZ, M.H. et al. Caracterizacion de la problacion animal. Rio
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fectar outras espécies. Nesses casos, a barreira in-
terespécies seria circunstancial e tênue e, por isso, DINTER, Z.; MOREIN, B. Virus infections of ruminants. New
potencialmente temporária. Exemplos de agentes York, NY: Elsevier Science, 1990. 386p.
virais que ultrapassam a barreira entre espécies DOHOO, I.; MARTIN, W.; STRYHN, H. Veterinary
e se tornam capazes de infectar novos hospedei- epidemiologic research. Charlottetown, P.E.I.: AVC, 2003. 706p.
ros têm sido cada vez mais freqüentes. Nesse
FLINT, S.J. et al. Principles of virology: molecular biology,
sentido, acredita-se que mais de 70% das viroses
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emergentes em humanos teve origem zoonótica,
tendo sido adquirida de animais em um passa- HALPIN, K. et al. Newly discovered viruses of flying foxes.
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do mais ou menos recente. De especial interesse
para a saúde humana e animal é a imensurável HAYES, E.B. et al. Epidemiology and transmission of West Nile
gama de agentes infecciosos existentes em ani- virus disease. Emerging Infectious Diseases, v.11, p.1167-1173,
mais silvestres. A história recente tem demons- 2005.

trado que essa gama freqüentemente contempla HUI, E. K-W. Reasons for the increase in emerging and re-
populações humanas e de animais domésticos emerging viral infectious diseases. Microbes and Infection, v.8,
com novos vírus potencialmente patogênicos. p.905-916, 2006.

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DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
DAS INFECÇÕES VÍRICAS
Eduardo Furtado Flores
11
1 Introdução 297

2 Aplicações do diagnóstico virológico 298

3 Propriedades das técnicas diagnósticas 299

4 Métodos de diagnóstico 299

4.1 Métodos diretos 302


4.1.1 Microscopia eletrônica 302
4.1.2 Isolamento e identificação 304
4.1.3 Hemaglutinação e inibição da hemaglutinação 308
4.1.4 Detecção de antígenos 309
4.1.5 Detecção de ácidos nucléicos 311

4.2 Métodos indiretos – diagnóstico sorológico 314


4.2.1 Imunodifusão em ágar 316
4.2.2 Soro-neutralização 316
4.2.3 Inibição da hemaglutinação 317
4.2.4 ELISA 318
4.2.5 Imunofluorescência/imunoperoxidase 319
4.2.6 Imunoblots 320
4.2.7 Fixação do complemento 320
4.2.8 Outras técnicas sorológicas 320

5 Coleta e remessa de material 320

5.1 Eleição do material a ser coletado 321


5.2 Cuidados na coleta e acondicionamento 321
5.3 Conservação e remessa 322
5.4 Histórico 323
5.5 Fluxograma dos procedimentos de diagnóstico 323
5.6 Processamento das amostras 325
5.7 Interpretação dos resultados 325

6 Bibliografia consultada 326


1 Introdução O número de agentes virais que causam do-
enças de importância sanitária e econômica em
A elaboração do diagnóstico laboratorial das animais é muito grande. Isso torna virtualmente
infecções víricas animais depende de ações coor- impossível que um único laboratório disponha
denadas do veterinário de campo e dos técnicos de técnicas, reagentes e pessoal capacitado para
de laboratório. Os resultados dos testes laborato- o diagnóstico de todas as viroses. Por isso, existe
riais, isoladamente, possuem pouco significado uma tendência de laboratórios se especializarem
se não forem interpretados à luz de conhecimen- em viroses de determinadas espécies animais.
tos de epidemiologia, patogenia e imunologia Esse direcionamento é, em grande parte, deter-
das doenças. Por isso, o diagnóstico laboratorial minado pela demanda de serviços na sua região
contribui com uma parte das informações neces- de abrangência.
sárias à solução do problema sanitário sob inves- Durante a realização do diagnóstico, deve-se
tigação. A outra parte, necessariamente, deve ser considerar que agentes diferentes podem causar
provida pelos técnicos encarregados da investi- doenças semelhantes e que a elaboração do diag-
gação clínico-patológica e epidemiológica; e da nóstico deve, necessariamente, considerar outros
coleta e remessa do material. patógenos, tais como: bactérias, fungos e proto-
A coleta e acondicionamento adequados do zoários. Por isso, o encaminhamento do material
material a ser examinado são críticos para o su- para exame deve contemplar também as outras
cesso do diagnóstico laboratorial. Se as técnicas áreas da microbiologia.
laboratoriais já apresentam dificuldades intrínse- Embora as técnicas clássicas de diagnóstico
cas, a sua realização com material em condições virológico (isolamento, microscopia eletrônica)
impróprias dificulta a realização das técnicas continuem sendo utilizadas, a crescente deman-
e reduz a probabilidade de obter o diagnósti- da por diagnóstico em nível populacional tem
co correto. Por essa razão, amostras cuja coleta impulsionado o desenvolvimento de técnicas
e acondicionamento tenham sido inadequados rápidas, sensíveis e automatizáveis. O diagnós-
possuem um valor limitado para a realização do tico de um evento de doença determina, muitas
diagnóstico. vezes, as medidas de controle a serem adotadas.
O material para exame deve ser acompanha- Nesses casos, a rapidez na obtenção dos resulta-
do de um histórico clínico e epidemiológico deta- dos pode ser crítica para o sucesso da estratégia
lhado. O histórico é importante para a formulação escolhida.
de hipóteses sobre os possíveis determinantes da O desenvolvimento de kits diagnósticos
doença e para o planejamento e direcionamento para uso em clínicas e consultórios de peque-
das técnicas e reagentes a serem empregados. Ou nos animais tem auxiliado a difundir e popula-
seja, grande parte da estratégia laboratorial de rizar o diagnóstico virológico como uma prática
diagnóstico depende das informações que acom- necessária para um adequado direcionamento
panham a amostra. da conduta do médico veterinário. Da mesma
A elaboração do diagnóstico pode ser com- forma, técnicas de baixo custo e que podem ser
parada com a montagem de um quebra-cabeça. automatizadas para uso em animais de interesse
As informações clínicas, patológicas e epidemio- econômico têm sido incorporadas ao arsenal de
lógicas colhidas a campo se constituem em parte técnicas já disponíveis. As técnicas moleculares
das peças; e as informações obtidas com a reali- também têm contribuído para a realização de
zação das técnicas laboratoriais representam as diagnósticos mais rápidos, seguros e confiáveis,
peças restantes. Essa analogia ilustra bem a im- embora a utilização dessas técnicas ainda não es-
portância dos diferentes componentes do intrin- teja amplamente difundida.
cado complexo de informações necessárias para A seguir serão abordados os aspectos gerais
a elucidação dos fatores que levam à ocorrência do diagnóstico laboratorial de infecções víricas,
das doenças. com enfoque para a aplicação das técnicas com
298 Capítulo 11

fins diagnósticos. A descrição detalhada das téc- e diagnóstico nas regiões endêmicas ou de risco.
nicas aqui abordadas foi apresentada no Capítulo O monitoramento constante da evolução genética
3, e a sua aplicação no diagnóstico individual das dos vírus da influenza, que infectam aves aquáti-
doenças será abordada nos capítulos específicos. cas e migratórias, tem fornecido informações im-
portantes sobre o potencial zoonótico desses vírus
e também tem direcionado a elaboração de vacinas
2 Aplicações do diagnóstico
e a adoção de medidas preventivas. O acompanha-
virológico mento da história natural de outros vírus zoonó-
ticos, como o coronavírus causador da SARS, o
O diagnóstico laboratorial de infecções víri- vírus ebola e os paramixovírus Nipah, Menangle
cas possui aplicações muito mais amplas e abran- e Hendra também se baseia na disponibilidade de
gentes do que a de suporte à investigação clínica. métodos virológicos de diagnóstico.
Mesmo em enfermidades que possam ser diag- A comercialização, especialmente interna-
nosticadas clinicamente e/ou com auxílio da his- cional, de animais de interesse econômico geral-
topatologia, a confirmação da etiologia por méto- mente requer a certificação de que esses animais
dos virológicos e/ou sorológicos é recomendável são livres de infecções persistentes ou latentes,
e, em muitos casos, imprescindível. como as infecções pelo vírus da leucose bovina
A investigação clínica e epidemiológica de (BLV), herpesvírus bovino tipo 1 (BoHV-1), vírus
eventos de doença em indivíduos ou em popula- da língua azul (BTV), vírus da doença de Au-
ções freqüentemente requer a complementação ou jeszky (PRV), vírus da anemia infecciosa eqüina
confirmação por técnicas laboratoriais. As varia- (EIAV), entre outras. O mesmo ocorre com ani-
ções na apresentação clínica das viroses, a ocorrên- mais enviados a feiras, exposições, centrais de
cia de síndromes distintas associadas com o mes- coleta de sêmen e hipódromos. Em áreas endê-
mo agente ou, ainda, a ocorrência de manifestações micas, o mais comum é que as propriedades que
clínicas semelhantes produzidas por diferentes comercializem reprodutores erradiquem essas
vírus, fazem dos testes laboratoriais importantes infecções e obtenham a certificação oficial. Para
recursos auxiliares ao diagnóstico clínico. Além isso, é necessário um sistema de diagnóstico efe-
disso, as infecções víricas freqüentemente cursam tivo, capaz de identificar os animais infectados e
sem sinais clínicos perceptíveis ou com sinais ines- certificar as propriedades ou áreas livres do agen-
pecíficos, tornando a confirmação laboratorial um te. Da mesma forma, os reprodutores e/ou sêmen
requisito essencial para o seu diagnóstico. destinados à comercialização devem ser testados
Criações em diferentes níveis (propriedades, e certificados livres de determinados agentes.
regiões, países e continentes) têm empregado esfor- Em infecções por retrovírus (BLV, EIAV,
ços para erradicar e/ou evitar a introdução de do- vírus da artrite e encefalite caprina [CAEV]) e
enças víricas de importância sanitária estratégica, por herpesvírus (BoHV-1/5, PRV), entre outras,
como a febre aftosa, peste suína clássica e africana, é possível reduzir gradativamente a prevalência
doença de Aujeszky, influenza aviária, entre ou- da infecção e, eventualmente, erradicar o agente
tras. Nesses casos, a existência de um sistema inte- através de programas de identificação e remoção
grado e ágil de monitoramento, capaz de detectar e dos animais soropositivos. Para isso, é necessário
identificar esses agentes rapidamente, constitui-se um sistema efetivo e sistemático de diagnóstico,
em uma ferramenta essencial para a manutenção aliado a políticas públicas ou privadas que viabi-
da condição sanitária dessas criações. lizem o descarte dos animais e a indenização dos
As zoonoses víricas, como a raiva, influen- proprietários, medidas freqüentemente adotadas
za H5N1, hantavirose, febres hemorrágicas, febre nesses programas.
amarela, encefalomielites eqüinas, doença do Nilo O estabelecimento de programas de sani-
Ocidental, entre outras, possuem grande importân- dade animal depende do conhecimento das en-
cia em saúde pública, o que justifica a manutenção fermidades prevalentes em uma determinada
de sistemas integrados e contínuos de vigilância região. Portanto, estudos epidemiológicos para
Diagnóstico laboratorial das infecções víricas 299

determinar a ocorrência, prevalência e distribui- da técnica de identificar um determinado vírus e,


ção de enfermidades víricas específicas são fre- simultaneamente, distingui-lo de outros agentes,
qüentemente realizados e utilizam testes diag- mesmo que sejam muito semelhantes. A rapidez
nósticos, principalmente testes sorológicos. de obtenção do diagnóstico é essencial, pois, mui-
A decisão de se adotar medidas de controle tas vezes, o resultado determina as medidas a se-
e/ou erradicação de doenças víricas depende do rem adotadas. A confiabilidade de qualquer teste
conhecimento prévio sobre a situação da respec- diagnóstico depende também da sua repetibilida-
tiva infecção na população. Este conhecimento de (ou reprodutibilidade), ou seja, da consistên-
pode ser obtido por estudos soro-epidemiológi- cia dos resultados obtidos pela repetição de sua
cos que fazem parte de um estudo descritivo ini- execução. Para possuírem utilização na rotina, as
cial, denominado diagnóstico de situação. A toma- técnicas devem também ser simples e práticas de
da de decisões, a natureza das medidas adotadas executar, de preferência automatizáveis para pos-
e avaliações periódicas do andamento e sucesso sibilitar o teste simultâneo de um grande número
de programas de controle também dependem de amostras. Além disso, devem apresentar um
dos resultados obtidos em testes diagnósticos. custo baixo, sobretudo, para o diagnóstico de en-
As aplicações do diagnóstico virológico la- fermidades de animais de interesse econômico e,
boratorial são amplas e abrangentes e contem- quando necessário, o teste de um número grande
plam desde investigações clínicas em nível indi- de amostras.
vidual até programas de controle e erradicação
de doenças em nível nacional ou continental. Por
essa razão, as técnicas de diagnóstico estão sob Praticidade

contínuo aperfeiçoamento para contemplar os Custo baixo


Simplicidade

diferentes graus de exigência. Novas técnicas – e


variações de técnicas já existentes – são relatadas
continuamente em publicações especializadas e Sensibilidade
Técnica
Repetibilidade
muitas delas acabam sendo incorporadas ao ar- diagnóstica
senal de técnicas disponíveis para o diagnóstico
de viroses animais.
Especificidade Rapidez

3 Propriedades das técnicas Capacidade de


Automatização
diagnósticas

A aplicação de uma determinada técnica la-


Figura 11.1. Propriedades desejáveis nos testes diagnósticos.
boratorial em diagnóstico requer o preenchimen-
to de alguns requisitos básicos. A técnica deve
possuir predicados como sensibilidade, especi- 4 Métodos de diagnóstico
ficidade, rapidez, simplicidade (ou praticidade),
reprodutibilidade, automatização e custo baixo Os métodos de diagnóstico virológico po-
(Figura 11.1). Sensibilidade refere-se à capacidade dem ser classificados em diretos e indiretos. Os
da técnica de detectar quantidades mínimas do métodos diretos são utilizados para detectar o ví-
agente ou de seus produtos. Como freqüentemen- rus, antígenos ou ácidos nucléicos virais. A detec-
te a quantidade de vírus (ou antígenos) presente ção pode ser realizada diretamente em amostras
nas amostras clínicas é muito pequena, as técni- clínicas ou após a multiplicação do agente em
cas devem ser suficientemente sensíveis para de- cultivos celulares, ovos embrionados ou animais
tectá-los. Em nível populacional, a sensibilidade susceptíveis. Os métodos indiretos detectam anti-
se refere à capacidade de detecção de um número corpos específicos contra o vírus, isto é, detectam
maior ou menor dos indivíduos que são realmen- a resposta do hospedeiro à infecção e, por isso, a
te positivos. Especificidade refere-se à capacidade sua denominação.
300 Capítulo 11

Dentre as técnicas diretas, destaca-se a mi- diagnósticos para uso em consultórios, clínicas
croscopia eletrônica (ME) que permite a visuali- veterinárias ou mesmo a campo popularizaram
zação de partículas víricas diretamente no ma- essas técnicas e ampliaram o seu uso. A detecção
terial clínico ou após a multiplicação do agente de antígenos através de métodos imunoenzimá-
em cultivo celular. Esse método é rápido e per- ticos (ELISA), imunocromatográficos e imunoblot
mite a identificação de partículas víricas viáveis (Western/dot blot) também tem se popularizado
e também inviáveis. No entanto, a técnica exige ultimamente e somaram-se à IFA e IPX como téc-
equipamento caro e pessoal altamente treinado, nicas importantes de diagnóstico.
é aplicável somente a alguns vírus e não possui Nas últimas décadas, o desenvolvimento de
boa sensibilidade. técnicas moleculares contribuiu de forma notável
O isolamento em cultivo celular (ICC) per- para o diagnóstico de enfermidades infecciosas.
manece sendo o método mais utilizado para in- Técnicas de detecção de ácidos nucléicos através
vestigar a presença de vírus em material clínico. de hibridização (Southern, Northern, dot/slot blot) e
Após a multiplicação em células de cultivo, o ví- reação da polimerase em cadeia (PCR) são mui-
rus pode ser identificado pela produção de efeito to sensíveis e específicas, permitindo uma iden-
citopático (ECP) característico ou pela detecção tificação rápida e segura do ácido nucléico viral
de antígenos ou ácidos nucléicos nas células in- em amostras clínicas. A substituição dos isóto-
fectadas, ou, ainda, por neutralização com soro pos radioativos por substâncias não-radioativas
imune específico. O ICC é um dos métodos mais para a marcação das sondas moleculares também
sensíveis de detecção de vírus, porém a demora contribuiu para a popularização e difusão dessas
na obtenção dos resultados se constitui na sua técnicas. A adaptação da PCR para o diagnóstico
principal restrição em relação a outros métodos. rápido a campo (PCR em tempo real) ampliou as
Uma das vantagens do método é a obtenção do perspectivas para o diagnóstico aplicado à inves-
vírus viável, o que permite a sua caracterização e tigação de infecções víricas de importância sani-
estudos posteriores. tária estratégica. Os métodos diretos de diagnós-
A inoculação de ovos embrionados (OE) ou de tico virológico estão apresentados na Figura 11.2
animais susceptíveis já foi amplamente utilizada
para o diagnóstico e detecção de vírus. No en-
tanto, atualmente esse método possui aplicação
restrita a poucos vírus e a algumas situações es- Tecidos
Microscopia Secreções Isolamento
pecíficas. Métodos que se utilizam da capacidade eletrônica
Excreções e identificação

hemaglutinante (hemaglutinação) ou hemadsor-


vente (hemadsorção) de alguns vírus também têm Pesquisa de Pesquisa de
sido utilizados em diagnóstico virológico, porém antígenos ácidos nucléicos
são aplicáveis somente a um grupo restrito de Hemaglutinação

agentes.
A detecção de antígenos virais pelo uso de an-
ticorpos específicos é um dos métodos mais utili- Figura 11.2. Métodos de detecção de vírus ou produtos
zados para a detecção e identificação de vírus. A virais em amostras clínicas.
detecção pode ser realizada em amostras clínicas
(secreções, sêmen, sangue, urina, fezes etc.), te- A detecção de anticorpos antivirais no soro
cidos (obtidos por biópsia ou necropsia) ou em ou em secreções (leite, colostro) também é ampla-
células de cultivo após a multiplicação do agente. mente utilizada em técnicas de diagnóstico. Esse
As técnicas de imunofluorescência (IFA) e imuno- procedimento se constitui em método indireto,
peroxidase (IPX) têm sido amplamente utilizadas pois detecta os produtos da reação do organismo
em diagnóstico, sobretudo, pela boa sensibili- animal contra o agente. As técnicas de detecção
dade, especificidade, rapidez, custo baixo e fa- de anticorpos, também chamadas de testes soroló-
cilidade de execução. O desenvolvimento de kits gicos, possuem aplicação ampla em estudos epi-
Diagnóstico laboratorial das infecções víricas 301

demiológicos, sobretudo, quando o objetivo é a devem ser interpretados à luz dos conhecimen-
determinação da prevalência e distribuição de in- tos sobre a biologia e epidemiologia do agente e
fecções víricas em populações. Dentre as técnicas da resposta imunológica do hospedeiro. Detalhes
sorológicas, destacam-se a imunodifusão em gel sobre a interpretação dos resultados de exames
de ágar (IDGA), ELISA, soroneutralização (SN), sorológicos para diferentes vírus serão aborda-
fixação do complemento (FC) e inibição da hema- dos na seção 4.2.
glutinação (HI). Os principais métodos diretos e indiretos de
O significado da sorologia para o diagnósti- diagnóstico, com o seu princípio, propriedades,
co varia de acordo com a biologia de cada vírus. restrições e aplicações estão apresentados nas Ta-
Por isso, os resultados dos exames sorológicos belas 11.1 e 11.2, respectivamente.
Tabela 11.1. Princípios, propriedades e restrições dos principais métodos diretos de diagnóstico virológico

Método Princípio Propriedades Restrições Aplicações

Microscopia Visualização das – Rápida (poucas horas); – Equipamento caro; – Infecções entéricas
eletrônica partículas víricas – Detecta vírions viáveis e – Exige pessoal (rotavírus, coronavírus,
coradas com metais inviáveis; treinado; astrovírus);
pesados em um – Útil para vírus que não – Baixa sensibilidade; – Infecções cutâneas
microscópio replicam em cultivo; – Aplicação restrita a (poxvírus, herpesvírus).
– Pode permitir a alguns vírus.
identificação do agente.

Isolamento em Observação do efeito – Sensível; – Demorado (até semanas); – Todos os vírus que
cultivo celular citopático e/ou detecção – O agente fica disponível – Não aplicável a alguns replicam em cultivos
de produtos virais após para estudos posteriores; vírus; celulares;
a sua multiplicação em – Implementação e – Somente detecta vírus – Qualquer material clínico
células de cultivo. execução relativamente que estejam viáveis; pode ser submetido ao
simples. – Contaminação bacteriana isolamento.
e fúngica;
– Contaminação com vírus
adventícios.

Hemaglutinação Observação da – Rápida; – Aplicável ao um grupo – Aplicável aos vírus


(HA) capacidade do vírus de – Boa sensibilidade; restrito de vírus; hemaglutinantes de aves e
aglutinar eritrócitos. – Boa especificidade; – Hemaglutinação mamíferos (ver tabela no
– Fácil execução. inespecífica; capítulo 3);
– Necessidade de –Fluidos corporais,
espécies doadoras de suspensões de tecidos.
hemácias;
– Não automatizável.
Imunofluorescên- Proteínas virais são – Rápida (minutos ou – Equipamento caro (IFA); – Aplicável a qualquer vírus
cia (IFA). detectadas por poucas horas); – Reações inespecíficas para o qual se disponha de
anticorpos específicos – Simples, baixo custo; (uso de anticorpos anticorpos específicos;
Imunoperoxidase conjugados com um – Boa sensibilidade e policlonais); – Materiais: tecidos
(IPX). marcador fluorescente especificidade; – Reagentes para alguns (frescos, congelados,
(IFA) ou com uma – Detecta também vírus vírus podem não ser fixados), esfregaços
enzima (IPX). inviável; disponíveis. (sangüíneos, de secreções),
– Pode informar sobre células de cultivo.
sorotipos;
– Disponível em kits;
– Aplicável a virtualmente
todos os vírus.

Testes imunoenzi- A presença do antígeno – Simples e prática; – Não automatizável; – Aplicável a vários vírus de
máticos/cromatográ que reage com o – Disponível em kits; – Especificidade e pequenos animais;
ficos anticorpo específico – Rápida; sensibilidade podem – Kits disponíveis para uso
imobilizado ou após – Boa sensibilidade e deixar a desejar; em clínicas;
migração, é revelada especificidade. – Custo alto por amostra. – Também para alguns vírus
pela mudança de cor. de aves, suínos e bovinos.

Detecção de Ácidos nucléicos (RNA, – Específica; – Custo alto; – Aplicável a virtualmente


ácidos nucléicos DNA) do vírus são – Sensível; – Requer equipamento todos os vírus conhecidos;
(PCR, detectados por sondas – Necessita quantidades e pessoal treinado; – Pode ser realizada em
hibridização). marcadas (hibridização) mínimas da amostra; – Técnica sofisticada. qualquer amostra clínica.
ou após amplificação por – Potencialmente aplicável
reações enzimáticas a todos os vírus;
(PCR). – Rápida (PCR);
– Automatizável (PCR).

Fonte: adaptada de Murphy et al. (1999).


302 Capítulo 11

Tabela 11.2. Princípios, propriedades e restrições dos principais métodos indiretos de diagnóstico virológico

Método Princípio Propriedades Restrições Aplicações

Imunodifusão Observação de linhas – Simples execução e – Reações inespecíficas - Anemia infecciosa eqüina,
em ágar (IDGA) de precipitação no implementação; freqüentes; língua azul, leucose
ágar, produzidas pela – Custo baixo; – Sensibilidade limitada; enzoótica bovina.
formação de – Sensibilidade razoável; – Qualidade do antígeno é
complexos antígeno- – Resultados em 24-72 h. crítica;
anticorpos. – Somente qualitativa (não
permite a quantificação dos
anticorpos).

Soroneutralização Anticorpos presentes – Sensível; – Exige cultivos celulares; – Virtualmente todos os


(SN) no soro previnem a – Específica; – Implementação/execução vírus que replicam em
replicação do vírus e a – Custo reduzido; podem ser problemáticas; cultivo celular.
produção de efeito – Qualitativa (sim/não) e – Contaminação bacteriana;
citopático nos cultivos. quantitativa (título de – Toxicidade do soro;
anticorpos); – Detecta somente
– Similar à neutralização in anticorpos neutralizantes.
vivo.

ELISA Anticorpos presentes no – Rápida (2-3 h); – Requer equipamento; – Utilizada para inúmeros
soro ligam-se aos – Sensível; – Kits comerciais podem vírus;
antígenos imobilizados – Específica; ter custo alto; – Pode ser qualitativa e
em placas de poliestireno – Automatizável; – Não disponível para quantitativa;
e são detectados por – Disponível em kits; todos os vírus; – Utilizada para detectar
anti-anticorpos – Pode detectar classes – Qualidade do antígeno anticorpos totais ou
conjugados com específicas (IgG, IgM etc.). é crítica. classes específicas no
enzimas. soro ou secreções (leite);
– Variações da técnica
são disponíveis para a
detecção de antígenos.

Inibição da Anticorpos antivirais – Rápida; – Somente aplicável a – Vírus


hemaglutinação impedem a atividade – Sensível; vírus hemaglutinantes; hemaglutinantes de
(HI). hemaglutinante do vírus. – Específica; – Requer animais aves e mamíferos (ver
– Custo baixo. doadores de eritrócitos; tabela capítulo 3).
– Inibidores inespecíficos
podem dar falso positivo;
– Não-automatizável.

Fixação do A presença de anticorpos – Boa sensibilidade e – Demorada; – Já foi muito usada para
Complemento. leva à ativação do especificidade. – Trabalhosa; vários vírus, atualmente
complemento e lise de – Não automatizável; está em desuso.
eritrócitos. – Requer animais doadores
de eritrócitos.

Imunofluorescên- Anticorpos presentes no – Rápida; – Reações inespecíficas; – Já foi usada para vários
cia (IFA) para soro se ligam em – Boa sensibilidade; – Exige microscópio de UV; vírus;
anticorpos. antígenos específicos – Simples. – Pode não detectar níveis – Uso atual restrito a
imobilizados e são baixos de anticorpos; alguns vírus.
detectados por anticorpos – Não automatizável.
marcados com FITC.

Imunocromatografia A presença do anticorpo – Simples e prática; – Não automatizável; – Aplicável a vários vírus
que reage com o antígeno – Disponível em kits; – Especificidade e de pequenos animais;
é revelada pela mudança – Rápida; sensibilidade podem deixar – Kits disponíveis para uso
de cor. – Boa sensibilidade e a desejar; em clínicas;
especificidade. – Custo individual alto. – Também para alguns
vírus de aves, suínos e
bovinos.
Fonte: adaptada de Murphy et al. (1999).

4.1 Métodos diretos (morfologia, diâmetro, estrutura do capsídeo e


envelope), aliada com a sua distribuição no ma-
4.1.1 Microscopia eletrônica
terial examinado (núcleo ou citoplasma), permi-
A técnica de microscopia eletrônica (ME) te, algumas vezes, a identificação definitiva do
permite a visualização das partículas víricas em agente. Por isso, a ME constitui-se em um dos
material clínico ou após a sua amplificação em métodos mais notáveis de diagnóstico de infec-
cultivo celular (Figura 11.3). A simples observa- ções víricas. O método é particularmente útil
ção das características morfológicas dos vírions para infecções entéricas (rotavírus, coronavírus,
Diagnóstico laboratorial das infecções víricas 303

astrovírus), cutâneas (poxvírus, herpesvírus) e O diâmetro, a morfologia dos vírions e deta-


também para a identificação de vírus de difícil lhes da sua superfície são os aspectos principais
multiplicação em cultivo celular (torovírus, he- observados no diagnóstico por ME. Essas carac-
padnavírus, circovírus, alguns adenovírus, astro- terísticas variam muito entre as famílias de vírus,
vírus, coronavírus e rotavírus). mas são pouco variáveis entre vírus de um mes-

A B

C D

E F

Figura 11.3. Fotos de microscopia eletrônica de material enviado para diagnóstico virológico. A) Biópsia de pele de
glândula mamária de vacas com mamilite. Partículas típicas de herpesvírus (setas) (magnificação 60.000x); B) Células
de cultivo inoculadas com macerado de cérebro de bezerros com doença neurológica. Partículas víricas envelopadas
típicas de herpesvírus (42.000x); C) Crostas na junção mucocutânea oral de ovinos com doença vesicular-crostosa.
Partículas típicas de parapoxvírus (100.000x). D) Fezes de bezerro com diarréia. Partícula de 75-80 nm semelhante a
rotavírus (75.000x); E) Fezes de bezerro com diarréia. Partícula envelopada com aproximadamente 80 nm, sugestiva de
coronavírus (120.000x). E) Sobrenadante de cultivo inoculado com secreções nasais de bezerros com doença
respiratória. Partícula envelopada semelhante a herpesvírus (260.000x).
304 Capítulo 11

mo gênero ou espécie. No entanto, alguns vírus ção de vírus, após o seu isolamento em cultivo
são de difícil visualização e detecção através da celular, continua sendo o método direto mais
ME, devido a sua morfologia pouco definida (po- utilizado em diagnóstico virológico. Também é
dendo ser confundidos com estruturas celulares) o método mais fascinante utilizado em Virolo-
ou pela baixa concentração de partículas víricas gia, pois permite a obtenção do agente viável
no material. Isso faz com que a ME não possua para estudos posteriores. O isolamento em ovos
aplicabilidade universal. embrionados somente é aplicável para alguns
Dentre as amostras clínicas mais comumen- vírus; já o isolamento em animais de laboratório
te submetidas à ME estão o material fecal (fezes encontra-se atualmente em desuso e possui apli-
ou conteúdo intestinal), fluidos ou escaras de le- cação muito restrita.
sões cutâneas ou mucosas, tecidos coletados na
necropsia, células ou sobrenadante de cultivos
4.1.2.1 Isolamento em cultivo
previamente inoculadas com o material suspeito.
A realização de ME em tecidos de animais infec- celular
tados também pode indicar o local da célula onde
ocorre a replicação do vírus, podendo fornecer Como os vírions freqüentemente estão pre-
informações sobre a patogenia dessas infecções. sentes em pequenas quantidades no material clí-
Quando a concentração mínima requerida para a nico, a inoculação em células susceptíveis permite
visualização das partículas não é atingida (apro- a sua multiplicação para posterior identificação.
ximadamente 106 partículas virais por mL de flui- Além do uso em diagnóstico, a multiplicação de
do ou por grama do material), pode-se realizar a vírus em cultivos celulares é muito utilizada com
ultracentrifugação do material para concentrar os diversas finalidades em laboratórios de virolo-
vírions. O uso de anticorpos específicos conjuga- gia, ou seja, os cultivos celulares são instrumen-
dos com micropartículas de ouro (técnica de im- tos indispensáveis à prática virológica. A maior
munogold) aumenta a probabilidade de detecção e restrição para a utilização do isolamento com fins
visualização do agente. Como a ME requer gran- diagnósticos é o tempo necessário para se obter o
de quantidade de vírus para poder detectá-lo, resultado final – pode levar até semanas.
resultados negativos nessa técnica não indicam O ICC é aplicável a maioria dos vírus de
necessariamente a ausência de vírus na amostra. interesse veterinário e possui boa sensibilidade.
Dentre as propriedades deste método desta- O material suspeito é inoculado em células ani-
cam-se a rapidez de execução, a possibilidade de mais cultivadas in vitro e a replicação do vírus é
reconhecimento da morfologia viral (às vezes, a evidenciada pela produção de efeito citopático
identificação da família e espécie do vírus) e a pos- (ECP) ou pela detecção de proteínas ou ácidos
sibilidade de detecção de vírus viáveis e também nucléicos virais nas células inoculadas.
aqueles que eventualmente já estejam inviáveis O material enviado ao laboratório deve ser
no material submetido. A ME também é muito acompanhado de um histórico clínico que permi-
útil para detectar vírus que não replicam eficien- ta a formulação de hipóteses sobre os vírus sus-
temente em cultivo celular. As maiores restrições peitos. Isto facilita a tomada de decisão com rela-
referem-se a sua baixa sensibilidade, aplicabili- ção ao tipo de célula e da técnica utilizada para a
dade restrita a alguns vírus, equipamento caro identificação, por exemplo, em casos de doença
e necessidade de pessoal altamente treinado. A respiratória de bovinos, quatro agentes virais es-
Figura 11.3 apresenta fotografias de ME obtidas tão associados com maior freqüência: BoHV-1,
pelo exame de amostras clínicas e cultivos celula- vírus da diarréia viral bovina (BVDV), vírus da
res inoculados com o material suspeito. parainfluenza 3 (bPI-3) e vírus sincicial respira-
tório bovino (BRSV). Portanto, o procedimento a
4.1.2 Isolamento e identificação ser adotado deverá ser direcionado para a detec-
ção desses agentes. O material deverá ser inocu-
Apesar do desenvolvimento de técnicas mo- lado em cultivos celulares que sejam susceptíveis
dernas e sofisticadas de diagnóstico, a identifica- aos quatro agentes para que, se algum deles esti-
Diagnóstico laboratorial das infecções víricas 305

ver presente no material, possa se multiplicar e ser seguido da reinoculação do sobrenadante do


ser identificado. cultivo em cultivos frescos (subcultivados 18 a
A escolha das células é crítica para o sucesso 24 h antes). Cada etapa de inoculação e monito-
do procedimento. Em geral, células primárias são ramento, que leva entre 4 e 5 dias, é denomina-
mais sensíveis para o isolamento do que linha- da passagem. Para alguns vírus, previamente à
gens celulares. Apesar disso, muitos laboratórios reinoculação, recomenda-se proceder três ciclos
utilizam linhagens celulares pela facilidade de de congelamento e descongelamento rápido do
manutenção e multiplicação mais eficiente. Como material, para provocar a ruptura das células e a
regra, deve-se preferir células da espécie animal liberação dos vírions intracelulares. O material é,
de origem do material. Amostras oriundas de bo- então, centrifugado à baixa rotação, o sedimen-
vinos devem ser inoculadas em células de origem to é desprezado e o sobrenadante é inoculado
bovina, e assim por diante. Alguns vírus são es- em um novo cultivo. A maioria dos protocolos
tritamente espécie-específicos e somente se mul- recomenda a realização de três passagens antes
tiplicam em células da espécie homóloga; outros de considerar o material negativo. A necessidade
são capazes de replicar em células de diferen- da realização dessas passagens é explicada pelo
tes espécies (o BVDV, por exemplo, replica em fato de que alguns vírus de campo replicam len-
células de bovinos, ovinos, suínos, carnívoros, tamente em cultivo. Além disso, a quantidade de
primatas etc.). Poucos vírus se multiplicam bem vírus viável no material original pode ser mui-
somente em células de outras espécies. O vírus to pequena, sendo necessária uma amplificação
da síndrome respiratória e reprodutiva dos suí- substancial que permita a visualização do ECP.
nos (PRRSV) replica eficientemente em células da A replicação da maioria dos vírus animais
linhagem MARC-145, de origem primata; os her- em cultivo celular produz ECP característico do
pesvírus eqüinos são amplificados nas linhagens seu gênero ou espécie. Esses vírus são denomina-
VERO (de primatas) e RK-13 (coelho); os vírus da dos citopáticos (ou citopatogênicos, CP). Por isso,
influenza de eqüinos e humanos se multiplicam com freqüência, é possível identificar o agente
bem na linhagem MDCK (canina). Esses exem- viral pelo tipo de ECP produzido, aliado com o
plos representam exceções. As células utilizadas histórico clínico-patológico. Os ECPs produzidos
para o isolamento e multiplicação dos principais pelos principais vírus animais estão apresenta-
vírus animais e o ECP produzido por esses vírus dos na Tabela 3.3 (Capítulo 3). As características
estão apresentados na Tabela 3.3 (Capítulo 3). do ECP podem apresentar variações entre dife-
Os materiais mais freqüentemente enviados rentes isolados do vírus e entre diferentes célu-
para a detecção de vírus são fragmentos de teci- las. Alguns vírus apresentam replicação rápida e
dos (coletados em necropsias ou de fetos aborta- produzem ECP bem pronunciado e característi-
dos), secreções (leite, secreções nasais, vaginais, co. Outros replicam lentamente e produzem um
prepuciais, sêmen), fezes, conteúdo intestinal ou ECP pouco evidente e nem sempre reconhecível.
uterino, líquido de vesículas, soro e sangue inte- Quando não há a produção de ECP, ou quando
gral. Previamente à inoculação, cada material é este não é característico, é necessária a identifica-
submetido a um determinado procedimento, que ção do agente pelo uso de técnicas de detecção de
pode incluir maceração e homogeneização (teci- antígenos (IFA ou IPX). O agente detectado pela
dos); centrifugação para a remoção de sujidades produção de ECP pode também ser identificado
(secreções) ou para a separação dos leucócitos por neutralização com anti-soro específico. A
(sangue integral); ou filtração para a remoção de identificação de alguns vírus, após a produção de
bactérias e outros contaminantes (fezes, conteú- ECP, pode ser realizada também por ME. Uma
do intestinal). minoria de vírus não produz citopatologia, sen-
Os cultivos celulares são inoculados com do denominados não-citopáticos (ncp, exemplos:
o material suspeito e devem ser monitorados circovírus suíno, BVDVncp). Nesses casos, a exe-
diariamente para o aparecimento de alterações cução de técnicas de detecção de antígeno ou de
morfológicas que caracterizam o ECP. O não ácidos nucléicos é indispensável para a detecção
aparecimento de ECP ao final de 4 a 5 dias deve e identificação do agente.
306 Capítulo 11

O isolamento de vírus em cultivo a partir de 4.1.2.2 Isolamento em ovos


material clínico apresenta algumas dificuldades, embrionados
como a toxicidade do material e contaminação
bacteriana ou fúngica. A toxicidade de materiais, Os tecidos de embriões de galinha represen-
como o sêmen, pode ser reduzida pela sua dilui- tam sistemas ideais para a multiplicação de vá-
ção em meio de cultivo ou em soro fetal bovino rios vírus. Por isso, ovos embrionados têm sido
(sêmen); a contaminação das fezes pode ser mini- utilizados para o isolamento e também para o
mizada pela filtração ou por centrifugação previa- cultivo de alguns vírus de aves e de mamíferos.
mente à inoculação, além do uso de antibióticos Dependendo do vírus suspeito, o material pode
e antifúngicos no meio de cultivo. Outros fatores ser inoculado por diversas vias e em diferentes
estágios de desenvolvimento do embrião. Após
que influenciam o sucesso do ICC são: a coleta,
a inoculação, a viabilidade do embrião é monito-
conservação e remessa adequadas do material.
rada diariamente em um ovoscópio. Em caso de
Como o método detecta apenas partículas víricas
morte, realiza-se a necropsia do embrião à busca
viáveis, e, portanto, capazes de replicar em culti-
de alterações macroscópicas. A identificação do
vo, determinadas temperaturas, pH e exposição
agente pode requerer a realização de outros tes-
a condições ambientais que sejam prejudiciais
tes (hemaglutinação, detecção de antígenos e/ou
à viabilidade do agente podem afetar negativa-
ácidos nucléicos virais) em material coletado do
mente o teste. O material a ser submetido deve embrião.
ser mantido sob refrigeração (ou congelado) até a As principais propriedades desse método
submissão ao laboratório, para preservar a viabi- são: boa sensibilidade, facilidade de manipula-
lidade do vírus. As recomendações para a coleta ção e custo relativamente baixo. As maiores res-
e remessa de material para diagnóstico virológi- trições se referem à dificuldade de obtenção de
co encontram-se ao final deste capítulo. ovos embrionados livres de patógenos, contami-
O protocolo para o isolamento e identifica- nação bacteriana e/ou fúngica e impossibilidade
ção de vírus em cultivo celular está ilustrado na de automação. Além disso, a sua aplicação é res-
Figura 11.4. trita aos vírus que se multiplicam em embriões

Tecidos Antígenos virais


Órgãos

Secreções
Sêmen

Efeito citopático (ECP)


Sangue
3 - 5 dias
Inoculação
Soro
Cultivo celular
Processamento Ácidos nucléicos
Fezes
(ver texto)

Figura 11.4. Protocolo para isolamento e identificação de vírus pela inoculação em cultivo celular. As amostras são
inicialmente processadas e inoculadas em células susceptíveis aos vírus suspeitos. Os cultivos são monitorados por
alguns dias para o aparecimento de efeito citopático (ECP). Ao final da terceira passagem do material ou quando
aparecer ECP os cultivos são submetidos à identificação do agente por técnicas de detecção de antígeno ou de ácidos
nucléicos. A presença de vírus não-citopáticos deve ser monitorada por IFA ou IPX. Deve-se proceder três passagens
do material antes de considerá-lo negativo para vírus.
Diagnóstico laboratorial das infecções víricas 307

de galinha. Na Tabela 3.2 (Capítulo 3), estão lista- permitindo o diagnóstico definitivo da enfermi-
dos os vírus que replicam em ovos embrionados, dade. Os camundongos são inoculados pela via
as vias de inoculação e as alterações produzidas intracerebral com o material suspeito e monito-
nos embriões. rados por até 28 dias. A presença do vírus rábico
no material resulta no desenvolvimento de doen-
4.1.2.3 Isolamento em animais ça neurológica severa e morte entre o 8 e 21 dias
após a inoculação. A confirmação da identidade
Com o advento dos cultivos celulares, a do agente pode ser realizada por imunofluores-
inoculação de animais para o diagnóstico de in- cência do cérebro dos camundongos que morre-
fecções por vírus foi sendo gradativamente subs- ram. O protocolo padrão para o diagnóstico da
tituída. Além das questões operacionais (custo, raiva está ilustrado na Figura 11.5.
espaço, dificuldade de manutenção de animais A encefalite eqüina venezuelana (VEE), cau-
com este propósito), o uso de animais tem sido sada por um alfavírus, além de infecções neuro-
restrito por questões éticas. No entanto, esse mé- lógicas causadas por alguns flavivírus, também
todo ainda possui aplicação em alguns casos es- pode ser diagnosticadas pela inoculação intrace-
pecíficos, geralmente associados com outras téc- rebral do material suspeito em camundongos lac-
nicas de diagnóstico. Em casos suspeitos de raiva, tentes. A inoculação de camundongos também é
pesquisa-se inicialmente a presença de antígenos realizada em algumas situações para o diagnós-
em fragmentos de cérebro por IFA. Este teste é tico da febre aftosa. A inoculação de leitões tam-
seguido pela inoculação de um macerado do cé- bém tem sido ocasionalmente realizada como
rebro suspeito em camundongos lactentes (6-10 teste confirmatório da presença do PRRSV, do
dias de idade), o que constitui a prova biológica, vírus da peste suína clássica (CSFV) e da peste

Prova rápida (1 hora)

Positivo
IFD
Negativo Resultado

Doença neurológica
Morte
+
Camundongos
lactentes
Inoculação
intracerebral Sem manifestações -
Prova biológica (10-20 dias)

Figura 11.5. Protocolo para o diagnóstico de raiva animal. Impressões do cérebro do animal suspeito são submetidas à
imunofluorescência direta (IFD) para a detecção de antígenos virais. Em caso positivo, o diagnóstico é comunicado
imediatamente. Após, uma suspensão do cérebro macerado é inoculada pela via intracerebral em camundogos
lactentes, que são observados por até 30 dias. Em casos positivos, os animais apresentam sinais neurológicos severos e
morrem geralmente entre os dias 8 e 20. A ausência de manifestações clínicas e morte ao final do período indicam que
o material é negativo para vírus. A prova biológica deve ser realizada nas amostras que foram positivas na IFD e,
principalmente, nas amostras que foram negativas.
308 Capítulo 11

suína africana (ASFV). Esse método já foi utili- res da hemaglutinação contra um determinado
zado para a detecção de vários vírus, incluindo o vírus no soro de um animal indica que este já foi
BTV, vírus da estomatite vesicular (VSV), poxví- exposto ao agente.
rus ovino, entre outros. No entanto, este sistema As técnicas de HA e HI são realizadas em
tem sido gradualmente substituído por métodos tubos ou em placas de microtitulação, requerem
que não utilizam animais e que produzem resul- eritrócitos frescos (galinha, cobaias ou coelhos,
tados equivalentes ou superiores. dependendo do vírus) e permitem a obtenção
do resultado em uma a duas horas. Tanto a HA
4.1.3 Hemaglutinacão e inibição como a HI são técnicas simples, rápidas e de bai-
da hemaglutinação xo custo, possuindo boa sensibilidade e especifi-
cidade. No entanto, são aplicáveis somente aos
Alguns vírus possuem a capacidade de se
ligar a moléculas da membrana plasmática de
eritrócitos de determinadas espécies animais e
provocar a sua aglutinação. Essa atividade, de-
nominada hemaglutinação (HA), pode ser utili-
zada como indicador da presença desses vírus
+
em amostras clínicas. A hemaglutinação é o re- Amostra Eritrócitos
suspeita
sultado da ligação de glicoproteínas da super-
fície dos vírions, denominadas genericamente Incubação
hemaglutininas, com receptores da superfície dos 1 hora
eritrócitos. Os vírus que possuem essa atividade
são chamados de hemaglutinantes. A técnica de
HA tem sido muito utilizada para pesquisar e
quantificar vírus em diversos materiais, porém é
aplicável somente aos vírus que apresentam essa
propriedade biológica. Essa propriedade também
é utilizada para a pesquisa de anticorpos capazes
de inibir a hemaglutinação, na técnica sorológica
denominada inibição da hemaglutinação (HI).
Ao contrário da reação de HA, que somente
revela uma atividade biológica do vírus, a rea-
ção de HI é uma prova sorológica e, dessa forma,
pode ser empregada tanto para a identificação do
agente como para o diagnóstico sorológico de in-
fecções por esses vírus. O princípio da HI baseia-
se na capacidade de anticorpos se ligarem nas
hemaglutininas virais e inibirem a sua atividade A Amostra B Amostra
hemaglutinante. A HI realizada com um soro-pa- positiva negativa
drão conhecido frente a um material positivo re-
cém-detectado na HA possibilita a identificação Figura 11.6. Teste de hemaglutinação (HA) para
do agente. Por exemplo, a detecção de atividade demonstração de vírus hemaglutinantes em amostras
hemaglutinante em líquidos provenientes de fe- clínicas. A amostra suspeita (fluido corporal ou
macerado de tecido) é misturada e incubada com uma
tos suínos abortados indica a presença de vírus. suspensão de eritrócitos. Na presença do vírus
A inibição dessa atividade hemaglutinante com hemaglutinante, os eritrócitos aglutinam-se e se
um soro-padrão para o parvovírus suíno (PPV) depositam como uma fina camada de contorno irregular
no fundo da cavidade. Na ausência do vírus suspeito, os
indica que o agente presente nos fluidos é o PPV. eritrócitos livres rolam para o fundo da cavidade,
Por outro lado, a detecção de anticorpos inibido- formando um botão espesso de contorno bem definido.
Diagnóstico laboratorial das infecções víricas 309

vírus que possuem atividade hemaglutinante, com boa sensibilidade e especificidade. A maior
além de não serem automatizáveis. A HI pode restrição refere-se à dificuldade de automação, o
ser relativamente trabalhosa se houver a necessi- que torna trabalhosa a sua realização em um nú-
dade de pré-tratamento do soro para a remoção mero grande de amostras. Não obstante, algumas
de inibidores inespecíficos da hemaglutinação. A etapas dessas técnicas podem ser automatizadas,
dificuldade de se obter eritrócitos da espécie indi- o que reduz a dificuldade para se testar várias
cada também pode representar uma restrição ao amostras simultaneamente.
uso dessas técnicas na rotina diagnóstica. A HA As técnicas mais utilizadas para a detecção
e a HI são utilizadas para os vírus da influenza e de antígenos virais são a IFA, a IPX, os ELISAs
parainfluenza, para alguns poxvírus e togavírus, e imunocromatográficos, além dos imunoblots
picornavírus, parvovírus, reovírus e adenovírus. (Western blot, dot e slot blot). O princípio de cada
Os principais vírus que possuem atividade he- uma dessas técnicas foi descrito no Capítulo 3.
maglutinante e as espécies dos eritrócitos que são Em resumo, as proteínas virais são detectadas
aglutinados por esses vírus estão apresentados por anticorpos específicos, conjugados com subs-
na Tabela 3.1 (Capítulo 3). A Figura 11.6 apresen- tâncias indicadoras que permitam a sua detecção.
ta uma ilustração da técnica de HA. Na IFA, os anticorpos são conjugados com um
marcador fluorescente (fluoresceína), que pode
ser visualizado sob UV. No caso da IPX e ELISAs,
4.1.4 Detecção de antígenos
os anticorpos são marcados com uma enzima,
que reage com o substrato e promove a mudança
A multiplicação dos vírus nos tecidos do de cor deste ou emite luminosidade. A luminosi-
hospedeiro resulta na produção de grande quan- dade emitida pode ser detectada por aparelhos
tidade de proteínas virais. Uma parte dessas pro- (luminômetros) ou captada em filmes de raios X.
teínas – as chamadas proteínas estruturais – é Proteínas virais presentes em uma variedade de
incorporada nas partículas víricas produzidas, amostras podem ser detectadas por esses méto-
mas grande parte delas e também as proteínas dos. O desenvolvimento de kits diagnósticos para
não-estruturais permanecem nas células infec- a utilização em consultórios, clínicas ou mesmo a
tadas. Como conseqüência, os tecidos infectados campo popularizou e ampliou o uso dessas téc-
geralmente possuem uma quantidade considerá- nicas.
vel de antígenos virais. Os fluidos corporais (san- Exemplos de aplicação dessas técnicas na ro-
gue, secreções, excreções) também podem conter tina diagnóstica incluem a detecção de antígenos
células infectadas e/ou proteínas virais solúveis. virais em impressões de cérebro (raiva, BoHV-5,
A detecção desses antígenos pelo uso de anticor- cinomose); em células descamativas em secreções
pos específicos é um dos métodos mais utilizados nasais (BoHV-1, BoHV-5, BRSV, BVDV, vírus
no diagnóstico de infecções víricas. A disponibi- da cinomose [CDV]), em esfregaços sangüíneos
lidade de anticorpos para virtualmente todos os (BVDV); conjuntivais (CDV) e genitais (PRRSV,
vírus de interesse veterinário possibilita a apli- BoHV-1). Esses testes são realizados em secções
cação universal desse método. Além do uso em ou impressões de tecidos, em células imobilizadas
diagnóstico, as técnicas de detecção de antígeno em placas de cultivo ou em lâminas histológicas. A
possuem uma ampla aplicabilidade em diversas detecção de antígenos virais em cortes histológicos
áreas da Virologia. possui uma grande aplicação para estudos retros-
A complementaridade química entre os an- pectivos, pois as proteínas previamente fixadas e
ticorpos e determinantes antigênicos e exclusivos incluídas em parafina preservam a sua estrutura
de cada espécie de vírus confere a especificida- antigênica por longos períodos. Nesses casos, uti-
de do método. Várias técnicas que utilizam este liza-se a técnica de IPX, associada com protocolos
princípio foram desenvolvidas e são utilizadas para a recuperação/renaturação dos antígenos
na rotina de laboratórios de virologia. Em geral, e com sistemas de amplificação do sinal emitido
são técnicas simples, rápidas, de custo baixo e (sistema avidina-biotina).
310 Capítulo 11

Outra importante aplicação desse método é a que facilita o diagnóstico pelo teste simultâneo de
detecção e identificação de antígenos após a mul- um número grande de amostras. Essa técnica tem
tiplicação do vírus em cultivos celulares. A confir- apresentado grande aplicação em programas de
mação da identidade do agente é importante para controle e erradicação dessa enfermidade na Euro-
os vírus que produzem citopatologia pouco carac- pa e América do Norte. Também tem sido utiliza-
terística e, principalmente, para aqueles que não da para identificar rebanhos positivos, através do
produzem ECP. Nesses casos, a detecção das pro- teste de amostras de leite coletadas na indústria.
teínas virais nos cultivos se constitui no indicador Antígenos do BLV e de outros retrovírus (CAEV,
da presença do agente no material suspeito. EIAV) também podem ser detectados no sangue
Para a pesquisa de antígenos em fluidos (san- por técnicas imunoenzimáticas ou por imunoblots.
gue, sêmen, secreções nasais), podem ser utilizadas A Figura 11.7 lista os métodos diretos de detecção
técnicas imunoenzimáticas (ELISA), imunocroma- de antígenos virais em amostras clínicas.
tográficas e imunoblot. As técnicas imunoenzimá- O princípio dos métodos cromatográficos e
ticas do tipo ELISA possuem diversas variações imunoenzimáticos foi utilizado para o desenvol-
(detecção de antígenos e anticorpos – ver Capítu- vimento de testes aplicáveis em clínicas e consul-
lo 3), são geralmente muito sensíveis, específicas tórios. Vários testes para a detecção de antígenos
e automatizáveis, permitindo o teste simultâneo e também de anticorpos, sob a forma de kits, estão
de um número grande de amostras. Possuem es- disponíveis comercialmente. São testes rápidos
pecial aplicação para o diagnóstico em rebanhos. (15-30 min), de execução simples e geralmente
Um exemplo desse uso é a triagem de rebanhos à possuem boa sensibilidade e especificidade. Den-
busca de animais persistentemente infectados pelo tre os testes disponíveis em kits para a detecção de
BVDV. Existem kits comerciais para a detecção de antígenos se incluem aqueles para a detecção dos
antígenos do BVDV no soro sangüíneo, no leite ou parvovírus canino (CPV) e felino (FLPV) em fe-
em biópsias de pele. Os fragmentos de pele, geral- zes; rotavírus tipo A em fezes de bovinos, suínos
mente coletados da orelha, podem ser submetidos e caninos; vírus da raiva na saliva ou no encéfalo
à IPX ou a ensaios imunoenzimáticos em placas, o de cães, bovinos e de furões; vírus da leucemia

Material

Secreções
Tecidos
Sangue
Órgãos
Excreções

Fluidos Células Fresco Congelado Parafinizado

– ELISA – IFA – IFA – IFA - IFA


– Imunoblot – IPX – IPX – IPX - IPX
– Cromatografia – Imunoblot – Imunoblot
– Cromatografia

Figura 11.7. Técnicas de detecção de antígenos virais em amostras clínicas.


Diagnóstico laboratorial das infecções víricas 311

felina (FeLV) no sangue, plasma ou soro; vírus Essas técnicas foram desenvolvidas a partir da
da gastrenterite transmissível (TGEV) em fezes década de 1980 e tiveram um impacto notável na
de suínos; vírus da influenza aviária em fezes de pesquisa e no diagnóstico de inúmeras doenças
aves; coronavírus em fezes de bovinos e caninos; humanas e animais. A sua versatilidade e a apli-
CDV em secreções nasais, conjuntivais ou urina cabilidade praticamente universal resultaram em
de cães, entre outros. A grande vantagem desses rápida difusão e adoção como técnicas preferen-
testes é a realização in loco, como suporte à inves- ciais de diagnóstico em inúmeros laboratórios. O
tigação clínica, ou seja, paralelamente ao exame princípio das técnicas de hibridização (Southern e
clínico, o veterinário pode recorrer ao exame la- Northern blot, dot/slot blot) foi utilizado e ampliado
boratorial para dar suporte ao seu diagnóstico. O para o desenvolvimento da técnica de PCR, uma
custo individual dos testes é relativamente alto, o técnica altamente específica que é capaz de de-
que restringe o seu uso em nível populacional. tectar quantidades mínimas do genoma viral em
A técnica de radioimunoensaio (RIA) já teve amostras clínicas. A universalidade de aplicações
importante aplicação na detecção e diagnóstico do PCR foi ampliada e adaptada para detecção
de vírus, mas, atualmente, encontra-se em desu- rápida e possibilidade de quantificação do ácido
so, pela disponibilidade de outras técnicas equi- nucléico presente na amostra (PCR em tempo
valentes e que não requerem o uso de marcadores real). Por outro lado, as técnicas de hibridização
radioativos. Assim, possui aplicação restrita e es- in situ (ISH) e PCR in situ, que se constituem em
pecífica em algumas situações. A aglutinação em variações das técnicas originais, possuem aplica-
látex, técnica de execução simples que se popu- ção restrita em diagnóstico, sendo mais utilizadas
larizou no diagnóstico de gestação em mulheres, em pesquisa e em estudos de patogenia.
tem sido difundida em kits para uso no diagnósti- Quando a amostra clínica contém uma de-
co de viroses de pequenos animais. No entanto, a terminada quantidade do ácido nucléico viral,
sua rapidez e simplicidade são contrabalançadas pode-se detectá-lo pelas técnicas de hibridização,
por problemas de sensibilidade e especificidade. utilizando-se sondas moleculares marcadas com
Em geral, protocolos que resultem em au- isótopos radioativos ou com enzimas. Quando a
mento de sensibilidade, especificidade e permi- quantidade de ácidos nucléicos é muito pequena
tam maior facilidade de execução têm sido con- para ser detectada diretamente, a técnica de PCR
tinuamente desenvolvidos. Com isso, técnicas pode ser utilizada para multiplicar/amplificar o
modificadas e aperfeiçoadas – a maioria delas número de moléculas presentes na amostra.
baseada em princípios já bem estabelecidos – têm As técnicas de detecção de ácidos nucléicos
sido continuamente incorporadas aos métodos podem ser utilizadas para detectar DNA e RNA
tradicionais de detecção de antígenos. e são aplicáveis a qualquer vírus, desde que se
conheçam algumas seqüências do seu genoma.
4.1.5 Detecção de ácidos nucléicos Atualmente, as seqüências genômicas parciais ou
totais de virtualmente todos os vírus de interesse
A multiplicação dos vírus nos tecidos do veterinário encontram-se disponíveis em bancos
hospedeiro resulta na produção de grande quan- genômicos acessíveis via Internet. Da mesma for-
tidade de ácidos nucléicos virais, incluindo RNA ma, existe uma variedade de softwares destinados
mensageiro (mRNA), RNAs intermediários (ví- ao desenho de primers e sondas utilizando essas
rus RNA), além do RNA e DNA genômicos. Por- seqüências.
tanto, os tecidos infectados e fluidos corporais e As técnicas moleculares podem ser utiliza-
excreções freqüentemente contêm quantidades das para detectar ácidos nucléicos virais em ma-
consideráveis de ácidos nucléicos de origem terial clínico de qualquer natureza, incluindo te-
viral. A detecção desses ácidos nucléicos, com cidos, sangue (soro/plasma), células sangüíneas,
base na especificidade das seqüências e na com- secreções (leite, saliva, secreções nasais, urina,
plementaridade de bases, constitui-se no funda- sêmen), descamações cutâneas, entre outros. Po-
mento das técnicas moleculares de diagnóstico. dem também ser utilizadas para detectar o geno-
312 Capítulo 11

ma viral em cultivos celulares previamente ino- tanto os vírus RNA como os vírus DNA neces-
culados com o material suspeito. Essas técnicas sitam da produção de RNAs durante a sua re-
possuem especial utilidade para detectar quanti- plicação. O dot/slot blot são versões simplificadas
dades muito pequenas do material genético; para dessas técnicas, nas quais o ácido nucléico é de-
vírus que não multiplicam com eficiência em tectado diretamente na membrana, sem a separa-
cultivo celular e também para detectar o agente ção prévia por eletroforese.
já inativado em amostras inadequadamente con-
servadas. Também possuem aplicação especial 4.1.5.2 Reação da polimerase
para a detecção de infecções latentes, nas quais em cadeia
o genoma do vírus permanece inativo nas células
do hospedeiro. A PCR é uma técnica de amplificação de
A seguir será dado enfoque para a utilização ácidos nucléicos que, quando utilizada com fins
das técnicas de detecção de ácidos nucléicos com diagnósticos, permite a detecção e identificação
fins diagnósticos. de quantidades mínimas do material genético do
agente suspeito. Pode ser aplicada em qualquer
4.1.5.1 Hibridização (Southern/Northern material clínico que, potencialmente, contenha o
blot) agente ou o seu ácido nucléico. Possui aplicabili-
dade universal, ou seja, pode ser realizada para
Para a detecção por hibridização, os áci- qualquer vírus, desde que se disponha de suas
dos nucléicos devem ser inicialmente extraídos seqüências nucleotídicas. As principais vanta-
da amostra clínica e, posteriormente, imobiliza- gens da técnica são: a) sensibilidade (pode detec-
dos em membranas. A detecção é realizada por tar mínimas quantidades do agente); b) especi-
sondas moleculares específicas – que são seqüên- ficidade (altamente específica para o agente); c)
cias de nucleotídeos complementares às do ácido rapidez (pode ser realizada em poucas horas); d)
nucléico do agente pesquisado. A especificidade universalidade (pode ser aplicada para qualquer
da reação deve-se à especificidade e complemen- vírus); e) pode ser realizada em quantidades mí-
taridade do pareamento de bases. Para permitir a nimas da amostra; f) é capaz de detectar também
detecção, as sondas são conjugadas com isótopos vírus que já esteja inviável; g) pode ser adapta-
radioativos ou com enzimas. Esses marcadores da para detectar vários subtipos do mesmo vírus
são, então, detectados pela captação da radiação ou vírus diferentes em uma mesma reação (PCR
emitida (marcação radioativa) ou pela observa- multiplex); h) pode ser padronizada para aumen-
ção da ação enzimática em substratos. Dentre tar a sensiblidade e especificidade (nested PCR); i)
as vantagens dessas técnicas, destacam-se a boa pode ser utilizada para detectar ácidos nucléicos
sensibilidade, especificidade e relativa rapidez em tecidos incluídos em parafina (útil em estu-
na obtenção dos resultados. São aplicáveis a dos retrospectivos) ou j) pode ser realizada em
qualquer agente infeccioso desde que se conheça amostras conservadas de forma imprópria para a
parte da seqüência do genoma; e podem ser exe- realização de outras técnicas.
cutadas em vários tipos de material clínico. As O custo dos testes tem se reduzido ao longo
suas restrições referem-se principalmente à ne- do tempo e já não representa uma restrição im-
cessidade de equipamentos e tecnologia, além de portante para o diagnóstico. Dentre as restrições
serem técnicas relativamente recentes e, por isso, se incluem o risco de contaminação e a produção
ainda não assimiladas por muitos laboratórios. de resultados falso-positivos; a necessidade de se
A técnica de hibridização para a detecção utilizar substâncias tóxicas para extrair os ácidos
de DNA, após a sua separação por eletroforese, nucléicos, necessidade do aparelho termociclador
denomina-se Southern blot. É aplicável para a de- (pode ser limitante para laboratórios pequenos) e
tecção de vírus com genoma DNA. A detecção de dificuldades na padronização.
RNA por um método equivalente é denominada Pela suas vantagens, essa técnica tem sido
Northern blot. É aplicável a qualquer vírus, pois padronizada e utilizada para o diagnóstico de
Diagnóstico laboratorial das infecções víricas 313

inúmeras viroses. Possui especial aplicação para processadas e rapidamente testadas, fornecendo
a detecção de quantidades pequenas de ácido nu- o resultado ainda na propriedade. Termociclado-
cléico, quando outras técnicas são incapazes de res portáteis, acoplados a microcomputadores,
fazê-lo. É muito útil para a detecção de bovinos têm sido desenvolvidos com essa finalidade. Essa
portadores do BoHV-1 e BoHV-5 e de suínos por- estratégia pode ser muito útil na investigação de
tadores do PRV em programas de erradicação; surtos de doenças de importância sanitária estra-
e também para a detecção de vários vírus no sê- tégica, como a febre aftosa, peste suína clássica,
men ou em secreções. Pode ser aplicada em fases influenza aviária, entre outras. Nesses casos, a
precoces da infecção, para detectar vírus difíceis investigação clínica e epidemiológica no rebanho
de se isolar e quando ainda não há indicadores pode já ser acompanhada do diagnóstico definiti-
sorológicos. Ou seja, a PCR encontra aplicação vo, o que agiliza a tomada de decisões e a adoção
em todas as situações em que exista a necessida- de medidas para o controle da infecção.
de de se detectar especificamente um agente viral
em material suspeito. Também possui um amplo
espectro de aplicação em várias áreas da Biologia
4.1.5.4 Hibridização in situ/ PCR in situ
e Medicina, constituindo-se em uma das técnicas
mais úteis e de maior impacto nas Ciências Bio- A técnica de hibridização in situ (ISH) é uma
lógicas. técnica de detecção de ácidos nucléicos, a exemplo
do Southern e Northern blot. A diferença fundamen-
4.1.5.3 PCR em tempo real tal é que a ISH é realizada em cortes histológicos
e os ácidos nucléicos são detectados diretamente
A técnica tradicional de PCR envolve as eta- nos tecidos. Além da boa sensibilidade e especi-
pas de extração do ácido nucléico, amplificação ficidade, essa técnica permite a identificação das
e detecção do produto amplificado. O procedi- células infectadas. Em razão disso, a ISH é muito
mento integral pode demandar várias horas até a utilizada em estudos de patogenia de infecções
obtenção do resultado. Da mesma forma, a quan- víricas. Também permite a detecção de vírus em
tidade de ácido nucléico presente na amostra ori- tecidos conservados por longo tempo em blocos
ginal é de difícil quantificação. Nos últimos anos, de parafina ou em lâminas histológicas, possibili-
foi desenvolvida a técnica de PCR em tempo real, tando estudos retrospectivos. As suas aplicações
na qual as etapas de amplificação podem ser diagnósticas, no entanto, são restritas, sobretudo,
monitoradas à medida que vão ocorrendo, pela pela sua complexidade, necessidade de pessoal
utilização de sondas marcadas com substâncias treinado e tempo requerido para a sua execução.
indicadoras que são liberadas a cada ciclo de am- Em geral, as técnicas de imunoistoquímica (IHC)
plificação. O sinal emitido a cada ciclo é, então, têm substituído a ISH com fins diagnósticos. Em
captado e quantificado por um software acoplado alguns casos, especialmente quando a má conser-
a um microcomputador. Isso permite o acompa- vação dos antígenos virais nos tecidos prejudica
nhamento da reação e a visualização do acúmulo o reconhecimento das proteínas virais pelos anti-
dos produtos à medida que são produzidos, isto corpos, a ISH pode substituí-la com vantagens.
é, o resultado pode ser obtido bem antes do final A técnica de PCR in situ também é realizada
da reação, o que reduz significativamente o tem- em cortes de tecidos, e a amplificação dos ácidos
po de realização. Além de abreviar o tempo da nucléicos virais pode ser detectada diretamente
reação, não é necessário analisar os produtos por nas células infectadas. A exemplo da ISH, essa
eletroforese em géis de agarose. Essa técnica tam- técnica possui aplicação restrita em diagnóstico,
bém permite a quantificação dos ácidos nucléicos sobretudo, pela sua complexidade e requerimen-
presentes na amostra. A técnica de PCR em tem- to de equipamento específico. Possui algumas
po real tem sido também adaptada para a realiza- aplicações em estudos de patogenia e biologia de
ção a campo, na qual as amostras são coletadas, determinadas infecções víricas.
314 Capítulo 11

4.2 Métodos indiretos – diagnóstico monitoramentos de rebanhos. Testes sorológicos


sorológico também são utilizados para se verificar a condi-
ção imunológica de rebanhos e para avaliar o po-
A detecção de anticorpos no soro é muito tencial imunogênico e a cobertura conferida por
utilizada com fins diagnósticos em Virologia. As vacinas.
infecções víricas induzem uma resposta imuno- Os resultados dos exames sorológicos reali-
lógica específica, mediada por anticorpos (além zados em cada situação devem ser interpretados
de células), que persiste por um tempo variável e à luz de conhecimentos sobre a biologia e respos-
que pode ser detectada por diversas técnicas. Os ta imunológica a cada vírus. Testes sorológicos
anticorpos produzidos contra um determinado realizados em uma amostra única podem ter sig-
vírus são estritamente específicos para este agen- nificados diferentes, dependendo do vírus. Para
te. Por isso, as técnicas de detecção de anticorpos os vírus que produzem infecções agudas autoli-
são também específicas, permitindo distinguir a mitantes – que constituem a maioria –, o resul-
resposta sorológica produzida contra vírus dife- tado positivo em um teste isolado indica apenas
rentes. Da mesma forma, as técnicas sorológicas exposição prévia ao agente (ou vacinação). Em
podem ser altamente sensíveis, capazes de de- populações, resultados positivos em uma amos-
tectar quantidades mínimas de anticorpos e de tragem única podem indicar a circulação prévia
identificar quase a totalidade dos animais que ou atual do agente na população. Em alguns ca-
os possuem. Variações dessas técnicas permitem sos, a quantificação dos anticorpos pode indicar
não só a detecção, mas também a quantificação se a exposição foi recente ou remota. Para infec-
dos anticorpos presentes no soro. Os níveis de ções cuja resposta humoral é de curta duração,
anticorpos são geralmente expressos como tí- a detecção de altos títulos de anticorpos indica
tulos, que representam a recíproca da maior di- uma exposição recente ao agente. Para os vírus
luição do soro, na qual os anticorpos – ou o seu que estabelecem infecções persistentes (todos os
efeito – podem ser detectados. Algumas técnicas retrovírus) e latentes (herpesvírus), um teste so-
são também automatizáveis, permitindo o teste rológico positivo indica a condição de portador.
de um número grande de amostras simultanea- Em monitoramentos sorológicos da febre aftosa,
mente, sendo muito úteis para estudos de reba- a detecção de anticorpos reagentes no teste VIA
nhos. As técnicas de detecção de anticorpos são indica que houve infecção, e não vacinação. Ao
denominadas genericamente técnicas sorológicas, se interpretar o resultado de um teste sorológico
e a análise da resposta sorológica a antígenos é deve-se considerar também a possibilidade dos
denominada genericamente sorologia. anticorpos detectados terem sido adquiridos pas-
Os testes sorológicos possuem aplicações sivamente (via placenta e/ou colostro) ou terem
tanto individuais como em rebanhos ou em po- sido induzidos por vacinas.
pulações. O seu uso individual, como método au- A sorologia também pode ser utilizada
xiliar à investigação clínica, possui repercussão como método auxiliar à clínica, em investigações
limitada. No entanto, a detecção de anticorpos de eventos de doença isolada ou em grupos de
possui aplicações importantes na identificação animais. Nesses casos, podem-se adotar duas es-
de animais portadores de alguns vírus, na detec- tratégias: a realização de sorologia pareada ou
ção de infecção intra-uterina e na identificação da a detecção de IgM específica para o agente sus-
fase aguda de algumas viroses. Por outro lado, peito. A sorologia pareada deve ser realizada
o seu uso populacional pode apresentar uma re- com duas amostras coletadas com intervalo de
percussão sanitária mais importante, por permi- duas a três semanas (uma durante a fase aguda
tir o conhecimento sobre a situação da infecção e a outra na fase de convalescença). Um aumento
e, ao mesmo tempo, indicar a necessidade e/ou de quatro vezes ou mais no título de anticorpos
viabilidade de programas de combate. As técni- entre as coletas – denominado soroconversão – é
cas sorológicas têm aplicação especialmente rele- um indicativo de que a doença foi causada pelo
vante em estudos epidemiológicos, em triagens e agente sob investigação. A detecção de IgM espe-
Diagnóstico laboratorial das infecções víricas 315

cífica para o vírus suspeito em amostras únicas, implementação pode ser avaliada comparando-
coletadas durante a fase aguda, também permite se os seus resultados com os resultados de um
o diagnóstico da infecção. Nesse caso, um único teste padrão (gold standard). A especificidade de um
teste já é suficiente para o diagnóstico, pois os teste sorológico é medida pelo percentual de ani-
níveis séricos de IgM só se encontram aumenta- mais negativos (sem anticorpos) que são conside-
dos durante a infecção aguda. Essa estratégia tem rados positivos no teste. Uma técnica sorológica
sido utilizada no diagnóstico de várias viroses para ser utilizada em diagnóstico deve resultar
(hantavirose, infecção pelo vírus Junin, dengue, em um número mínimo de falso-negativos (boa
encefalites eqüinas pelos togavírus – encefalite sensibilidade) e mínimo de falso-positivos (boa
eqüina venezuelana, VEE, por exemplo – e pelo especificidade). A sensibilidade e especificidade
vírus do Nilo Ocidental [WNV]) e encontra apli- são propriedades intrínsecas de cada teste soroló-
cabilidade especial para os vírus que produzem gico e podem variar entre as diferentes técnicas.
viremia transitória e cujo isolamento é difícil. No O valor preditivo positivo mede a probabilidade
caso da VEE, a detecção de IgM por um teste ELI- de resultados positivos no teste serem realmente
SA é o método mais utilizado para o diagnóstico positivos; o valor preditivo negativo é um indi-
da infecção aguda. cador da probabilidade de resultados negativos
A realização de testes sorológicos em ani- serem realmente negativos.
mais recém-nascidos, no soro coletado previa- A Figura 11.8 ilustra a utilização de técnicas
mente à ingestão de colostro, é um indicativo de sorológicas para o diagnóstico de infecções víri-
infecção intra-uterina. Testes sorológicos também cas.
são úteis para monitorar os níveis de imunidade
adquiridos passivamente pela placenta ou pelo
colostro.
De acordo com o seu princípio, as técnicas
Soro
sorológicas podem ser divididas em três grupos: Plasma
a) técnicas que detectam diretamente a interação Secreções
entre os anticorpos com os antígenos virais (RIA,
ELISA, imunoblots, IFA, IPX); b) técnicas em que
a interação anticorpo-antígeno resulta em efeitos
não relacionados com o vírus (fixação do com-
Pesquisa de
plemento, aglutinação em látex) e c) técnicas que anticorpos
mensuram diretamente a capacidade dos anticor-
pos de bloquear ou alterar alguma atividade bio- – Imunodifusão
lógica do vírus (SN, HI). Algumas dessas técnicas – ELISA
– Soroneutralização
também estão amplamente difundidas e popula- – Inibição da hemaglutinação
rizadas, estando disponíveis em kits para uso em – Fixação do complemento
clínicas e consultórios veterinários. – Imunoblots
– Imunocromatografia
Ao se padronizar uma técnica sorológica – Aglutinação em látex
para um determinado agente, deve-se considerar – Imunofluorescência
– Radioimunoensaio
e avaliar as seguintes propriedades: sensibilida-
de, especificidade, valores preditivo positivo e
negativo. A sensibilidade se refere ao percentual Figura 11.8. Técnicas utilizadas para a pesquisa de
de animais que possuem anticorpos e que são anticorpos antivirais no soro ou em secreções.
detectados pelo teste. Individualmente, a sen-
sibilidade depende da capacidade do teste em
detectar quantidades mínimas de anticorpos. A A seguir, estão descritas as principais técni-
sensibilidade de um teste em padronização ou cas sorológicas, seus princípios e aplicações:
316 Capítulo 11

4.2.1 Imunodifusão em ágar 4.2.2 Soro-neutralização

O princípio da imunodifusão em gel de ágar O teste de soro-neutralização (SN) é utiliza-


(IDGA) é insolubilização e precipitação de com- do para se detectar anticorpos que possuem ca-
plexos formados pela reação antígeno-anticorpo. pacidade de neutralizar a infectividade do vírus.
Esses complexos podem ser visualizados sob a O teste é geralmente utilizado com soro sangüí-
forma de linhas de precipitação no gel de agaro- neo, mas pode ocasionalmente utilizar outros
se (Figura 11.9). A IDGA é uma técnica simples, fluidos corporais que possuam anticorpos. Nesse
de custo baixo, possui boa sensibilidade e espe- teste, examina-se o soro suspeito frente a um ví-
cificidade. Pela sua simplicidade e praticidade, rus-padrão previamente conhecido e quantifica-
pode ser implementada em qualquer laboratório. do. O teste é realizado em microplacas de 96 cavi-
Foi inicialmente desenvolvida para a detecção dades, nas quais se incubam diluições crescentes
de antígenos, mas a sua maior aplicação atual
do soro-teste com uma quantidade constante do
é como teste sorológico. É particularmente útil
vírus (geralmente 100-200 DICC50 por cavidade)
para inquéritos sorológicos de grandes popula-
por um determinado tempo. Após esse período,
ções animais, sobretudo, pela sua praticidade e
durante o qual os anticorpos presentes no soro se
custo baixo. Essa técnica tem sido utilizada para
ligam e neutralizam o vírus, são adicionadas as
o diagnóstico sorológico de várias viroses, mas
células de cultivo. As placas, contendo a mistura
possui aplicação particular para o vírus da EIAV
soro-vírus-células, são incubadas a 37ºC em at-
(teste de Coggins), BLV, BTV, doença de Gum-
mosfera com 5% de C02 por 48 a 96 h. A presença
boro e bronquite infecciosa aviária. A IDGA se
constitui no teste oficial de diagnóstico da infec- de anticorpos neutralizantes na diluição testada
ção pelo EIAV, BLV e BTV em vários países. As previne a produção de ECP pelo vírus nos culti-
suas maiores restrições referem-se a problemas vos (Figura 11.10). O aparecimento de ECP indica
de sensibilidade (pode não detectar níveis baixos a ausência de anticorpos neutralizantes suficien-
de anticorpos), especificidade (reações inespecífi- tes para neutralizar o vírus, na respectiva dilui-
cas), repetibilidade e tempo para a obtenção dos ção. Os cultivos podem ser corados com cristal
resultados (até 72 horas). violeta para facilitar a leitura dos resultados. Os

Soro-teste Antígeno-padrão

Reação antígeno-anticorpo

Figura 11.9. Técnica de imunodifusão em gel de ágar (IDGA). O antígeno padrão é depositado no orifício central e as
amostras-teste são colocadas nos orifícios periféricos da roseta perfurada na camada de ágar. Durante as 48-72 h de
incubação, antígeno e anticorpos se difundem radialmente a partir dos respectivos orifícios. O encontro entre
antígenos e anticorpos resulta em precipitação e formação de uma linha opaca no local. A formação desta linha indica
que a amostra é positiva para anticorpos contra o antígeno específico.
Diagnóstico laboratorial das infecções víricas 317

tapetes íntegros (pela presença de anticorpos que Dentre as técnicas sorológicas, o princípio da
preveniram a replicação viral) se coram em azul; SN é o que mais se assemelha às interações entre
a ausência de coloração indica a destruição do ta- anticorpos e vírus que ocorrem in vivo. A neutra-
pete celular pela atividade do vírus (ausência de lização viral reflete uma atividade dos anticorpos
anticorpos). Dependendo do objetivo, o teste de com maior significado biológico. Por isso, a SN é
SN pode ser realizado para a obtenção de resul- uma das técnicas sorológicas mais utilizadas em
tado qualitativo (positivo/negativo) ou quantita- Virologia. Como a neutralização de um determi-
tivo (título de anticorpos). No teste qualitativo, nado vírus só ocorre por anticorpos específicos
testa-se apenas uma diluição do soro; no teste contra ele, essa técnica é altamente específica. A
quantitativo, testam-se várias diluições. SN também possui boa sensibilidade. As maiores
restrições referem-se à necessidade de cultivos
celulares (possibilidade de contaminação bacte-
riana e fúngica, toxicidade do soro), tempo para
obtenção dos resultados (até uma semana) e a di-

+ ficuldade de automação. A SN possui aplicação


potencial para qualquer vírus que replique bem
em cultivo celular, mas possui aplicação prefe-
rencial para determinados vírus, tais como: o
Soro-teste Vírus-padrão
BoHV-1, BVDV, bPI-3, BRSV, vários adenovírus,
CDV, coronavírus canino (CCoV), PRV, adenoví-
Incubação rus canino (CAdV), calicivírus felino, herpesvírus
(2 - 24 h)
eqüinos (EHV), entre outros.

4.2.3 Inibição da hemaglutinação

A detecção de anticorpos capazes de inibir


a atividade hemaglutinante de alguns vírus tem
Inoculação sido muito utilizada no diagnóstico virológico. A
em cultivo
técnica de detecção é denominada HI e foi des-
crita na seção 4.1.3. Resumidamente, o soro-tes-
te (puro ou em diluições crescentes) é incubado
com uma quantidade predeterminada do vírus
2-4 dias
padrão em questão (4 ou 8 unidades hemagluti-
nantes) por uma hora, seguido da adição de uma
ECP - ECP + suspensão de eritrócitos de uma determinada es-
Soro positivo Soro negativo pécie animal, e outra incubação de 1-2 horas. Ao
final procede-se a leitura: a presença de anticor-
pos contra o vírus padrão impede a sua atividade
Figura 11.10. Técnica qualitativa de soro-neutralização hemaglutinante, e os eritrócitos rolam formando
para a detecção de anticorpos antivirais. Cada soro um botão circular de borda bem definida no fun-
suspeito – geralmente diluído 1:2 ou 1:10 – é incubado
por 2-24 h com uma quantidade constante do vírus em do da cavidade da placa. A ausência de anticor-
questão. A seguir, são adicionadas células em suspensão pos resulta na atividade hemaglutinante do ví-
a cada cavidade que contém a mistura soro + vírus. As rus, provocando a aglutinação dos eritrócitos e a
placas são incubadas em estufa de CO2 por 72-96 h e,
então, examinadas sob microscopia ótica para a presença sua precipitação, formando uma camada difusa,
de efeito citopático (ECP). A presença do tapete íntegro recobrindo todo o fundo da cavidade da placa.
indica neutralização viral (amostra positiva para A incubação de diferentes diluições do soro per-
anticorpos). A produção de ECP indica ausência de
anticorpos neutralizantes (amostra negativa para mite a quantificação dos anticorpos inibidores da
anticorpos). hemaglutinação. A maior diluição do soro capaz
318 Capítulo 11

de prevenir a hemaglutinação é denominada tí- 4.2.4 ELISA


tulo inibidor da HA. A técnica de HI está repre-
sentada esquematicamente na Figura 11.11. Os testes do tipo ELISA (enzyme-linked immu-
nosorbent assay) são realizados em microplacas de
poliestireno de 96 cavidades e utilizam anticor-
pos marcados com enzimas (peroxidase ou fosfa-
tase alcalina). Embora tenham sido originalmen-
te planejados para a detecção de antígenos (pela
+ ligação específica de anticorpos marcados), a sua
Vírus-padrão
maior utilização atual tem sido para a detecção
Soro-teste hemaglutinante de anticorpos. Desde a sua descrição inicial, em
1971, essa técnica tem tido uma aplicação notá-
Incubação
1 hora vel nas diversas áreas da pesquisa e diagnóstico
em Biologia. A sua adaptação para uso como tes-
te sorológico literalmente revolucionou o campo
do diagnóstico e controle de infecções humanas e
animais. A técnica possui muitas variações, cujas
Adição de aplicações são indicadas para casos específicos.
eritrócitos
Como técnica sorológica, tem sido utilizada para
a detecção de anticorpos contra praticamente
todos os vírus de interesse veterinário, por isso
a sua enumeração se faz desnecessária. No en-
tanto, a sua aplicabilidade e utilidade não são
as mesmas para todos os vírus, principalmente
Incubação
1 hora por questões relacionadas à pureza do antígeno e
ocorrência de reações inespecíficas, entre outras.
Pode ser utilizada individualmente ou em reba-
nhos, constituindo-se em uma técnica de grande
aplicação em estudos epidemiológicos e progra-
mas de combate a viroses em grandes popula-
ções. Também tem sido usada para a detecção
de anticorpos no leite, como forma de identificar
rebanhos positivos para determinados vírus. As
principais vantagens da técnica incluem a espe-
cificidade, sensibilidade, rapidez (resultados em
Amostra Amostra 2-3 horas), custo relativamente baixo, praticidade
negativa positiva e capacidade de automação (em uma placa po-
dem ser testadas 96 amostras). Geralmente pro-
duz resultados qualitativos (positivo/negativo),
Figura 11.11. Teste de inibição da hemaglutinação (HI).
O soro suspeito é incubado com o vírus padrão, que
mas pode ser adaptada para uma avaliação semi-
possui atividade hemaglutinante. Após 1-2h, é quantitativa dos anticorpos. A técnica pode ser
adicionada uma suspensão de eritrócitos, seguida de adaptada também para a detecção de isotipos es-
outra incubação. A ocorrência de hemaglutinação
(camada difusa de eritrócitos no fundo da cavidade)
pecíficos de imunoglobulinas (IgG, M, E), sendo
indica a ausência de anticorpos inibidores da particularmente útil no diagnóstico de algumas
hemaglutinação no soro-teste. A formação de um botão infecções víricas agudas (p. ex: dengue, hantavi-
de eritrócitos no fundo do poço indica a inibição da
atividade hemaglutinante do vírus por anticorpos rose, infecção pelo vírus Junin, WNV, encefalites
presentes no soro. eqüinas), nos quais os níveis de IgM estão au-
Diagnóstico laboratorial das infecções víricas 319

mentados na fase aguda. Possui aplicação espe- Estados Unidos e Japão. Também tem sido utili-
cial quando utilizada em conjunto com vacinas zado na erradicação dessa doença de granjas de
com marcadores antigênicos, em programas de suínos no estado de Santa Catarina.
controle de doenças de importância sanitária es- As maiores restrições ao uso tecnologia de
tratégica como a doença de Aujesky. Nesse caso, ELISA para o diagnóstico se referem à necessi-
o vírus vacinal contém deleção em um dos genes dade dos aparelhos para a lavagem das placas
que codifica as glicoproteínas do envelope. Ani- e para a leitura da reação (espectofotômetro).
mais vacinados com essa vacina podem ser dife- Para laboratórios com grande rotina diagnóstica,
renciados dos animais infectados pelo vírus de no entanto, esses custos se diluem pelo teste de
campo pelo uso de um teste ELISA que detecta grande número de amostras. Uma ilustração es-
anticorpos contra a proteína deletada. Esse siste- quemática da técnica de ELISA está apresentada
ma tem sido utilizado nos programas de controle na Figura 11.12.
e erradicação da doença de Aujeszky na Europa,
4.2.5 Imunofluorescência/
imunoperoxidase

Antígeno
viral
Embora seja mais utilizada para a detecção
de antígenos, a IFA também tem sido utilizada
Incubação
com sucesso para a detecção de anticorpos contra
soro-tes te
-
Lavagem vários vírus. O antígeno (proteínas purificadas ou
células infectadas) é, inicialmente, imobilizado
sobre um suporte sólido (placa de poliestireno ou
Anticorpos no
soro-teste lâminas de microscopia). O soro-teste é incubado
por um determinado período (geralmente 30 min
a 1 h), seguido da lavagem para a remoção dos
Anticorpo
antiespécie Lavagem anticorpos não-ligados e pela adição do anticor-
po secundário marcado com fluoresceína (FITC).
O anticorpo secundário deve ser específico para
Anticorpos a espécie animal do soro-teste. A leitura do teste
marcados
é realizada sob microscopia de UV, na qual se ob-
serva a emissão de luz fluorescente quando há a
Adição do
substrato presença de anticorpos específicos contra o antí-
geno imobilizado. É uma técnica rápida e de fácil
Mudança execução, porém freqüentemente resulta em re-
de cor
sultados de difícil interpretação, pela ocorrência
de reações inespecíficas. Já foi utilizada para a de-
Positivo Negativo tecção de anticorpos contra vários vírus, porém,
atualmente, tem a sua utilização restrita, princi-
palmente pelo desenvolvimento de técnicas mais
Figura 11.12. Teste imunoenzimático do tipo ELISA para
a detecção de anticorpos. As cavidades das placas estão
específicas e objetivas e que não resultam em rea-
recobertas com o antígeno viral. O soro suspeito é ções inespecíficas. No entanto, ainda possui apli-
adicionado e incubado por um determinado tempo (1-2 cação no diagnóstico sorológico de alguns vírus,
h), seguido de lavagem para a remoção dos anticorpos
não-ligados. Adiciona-se um anticorpo antiespécie do como o circovírus suíno, o PRRSV e o ASFV. A
primeiro anticorpo, conjugado com a enzima técnica de IPX também pode ser adaptada com
peroxidase. Incuba-se e procede-se uma nova lavagem. essa finalidade. Nesse caso, os anticorpos anties-
A seguir, adiciona-se o substrato. A mudança de cor no
substrato indica a presença de anticorpos no soro pécie são conjugados com as enzimas peroxidase
suspeito. ou fosfatase alcalina.
320 Capítulo 11

4.2.6 Imunoblots 4.2.8 Outras técnicas sorológicas

As técnicas de imunoblot (Western, dot/slot Vários testes sorológicos, baseados em cro-


blots) podem ser utilizadas para a detecção de matografia e imunoensaio, também se encontram
anticorpos. Para tal, os antígenos do vírus sus- disponíveis em kits, para a realização a campo
peito devem ser solubilizados e imobilizados (consultórios, clínicas). Dentre eles incluem-se o
em membranas de nitrocelulose ou nylon. Essa teste para a detecção de IgG contra o CDV; an-
imobilização pode ser realizada diretamente pela ticorpos totais contra o vírus da peritonite infec-
deposição do material em pontos na membrana ciosa felina; anticorpos grupo-específicos contra
ou ser precedida pela separação das proteínas o vírus da imunodeficiência felina. Esses testes
por eletroforese e posterior transferência para a podem ser realizados com sangue total, plasma
membrana. A membrana é, então, incubada com ou soro e permitem a obtenção do resultado em
o soro-teste, seguida de lavagem e incubação minutos. Possuem, em geral, boa sensibilidade e
com um anticorpo espécie-específico marcado especificidade. A sua grande vantagem é a pos-
com uma enzima (geralmente a peroxidase). A sibilidade de uso em clínicas, paralelamente à
presença do anticorpo específico no soro é revela- investigação clínica. O custo de cada exame, no
da pela ação da enzima no substrato, que resulta entanto, é relativamente alto, o que restringe o
em mudança de cor (substratos cromógenos) ou seu uso populacional.
em emissão de luminosidade (substrato lumines- As técnicas de radioimunoensaio e agluti-
cente). Essa técnica possui aplicações específicas, nação em látex, desenvolvidas inicialmente para
como o monitoramento da evolução dos níveis a detecção de antígenos, foram posteriormente
de anticorpos no curso da infecção, mas possui adaptadas para a detecção de anticorpos e uti-
limitada aplicação no diagnóstico sorológico de lizadas em diagnóstico sorológico. A técnica de
rotina. RIA foi sendo gradualmente substituída com
vantagem pelas técnicas imunoenzimáticas e atu-
4.2.7 Fixação do complemento almente encontra-se em desuso. A aglutinação
em látex tem sido popularizada em kits, princi-
A observação de que os anticorpos ao se palmente para o diagnóstico de viroses de peque-
ligarem ao antígeno específico são capazes de nos animais. Esse método tem sido utilizado em
interagir com componentes do sistema do com- clínicas e consultórios, tanto para a detecção de
plemente da espécie homóloga e desencadear a antígenos como de anticorpos. As suas principais
cascata de ativação, levou ao desenvolvimento da vantagens são a simplicidade e a rapidez de exe-
técnica de fixação do complemento (FC). O efeito cução. Em geral, possuem sensibilidade e especi-
dos componentes ativados do complemento (p. ficidade compatíveis com a sua finalidade.
ex: lise de eritrócitos) pode ser observado e é um
indicador da presença de anticorpos na amostra- 5 Coleta e remessa de material
teste. Na ausência de anticorpos contra o agente,
não há ativação do complemento pela ausência A qualidade do material que ingressa no la-
da formação de complexos antígeno-anticorpo. boratório é crítica para o sucesso do diagnóstico.
Nesse caso, não ocorre a lise dos eritrócitos. Essa Por isso, as etapas de coleta, acondicionamento,
técnica teve grande aplicação no diagnóstico de conservação e remessa são tão importantes quan-
infecções víricas e bacterianas. Atualmente, po- to a realização e interpretação dos testes laborato-
rém, possui aplicação bastante restrita e é utili- riais. E, assim, o papel dos profissionais de cam-
zada apenas em situações especiais. As maiores po e dos técnicos de laboratórios envolvidos no
restrições à técnica referem-se ao tempo para ob- diagnóstico se equivale em importância.
tenção dos resultados (24 h) e ao fato de ser uma A eleição do material adequado para a cole-
técnica muito trabalhosa e não-automatizável. ta depende de conhecimentos sobre a biologia e
Diagnóstico laboratorial das infecções víricas 321

patogenia do agente. Uma vez eleito, o material 5.1 Eleição do material a ser coletado
deve ser adequadamente coletado, acondiciona-
do e remetido ao laboratório. O material destina- A escolha do material a ser enviado para
do à pesquisa de vírus viável deve ser enviado exame depende de conhecimentos básicos de clí-
com a maior brevidade possível. Na impossibi- nica e de patogenia das enfermidades víricas. Em
lidade de fazê-lo em um curto espaço de tempo, geral, coleta-se material dos sistemas e órgãos
este material deve ser armazenado sob condições afetados pela patologia, nos quais há maior pro-
adequadas para preservar a viabilidade do agen- babilidade de se detectar o agente ou seus pro-
te. dutos. A coleta de material de animais doentes
Descrições detalhadas dos aspectos epide- deve ser realizada tão logo se observe os sinais
miológicos, clínicos e patológicos observados clínicos, quando os níveis de replicação viral ge-
a campo são muito úteis para a elaboração do ralmente atingem os valores mais altos. Na ne-
diagnóstico e devem fazer parte do histórico que cropsia, deve-se dar preferência aos órgãos e teci-
acompanha as amostras ao laboratório. dos que apresentam alterações macroscópicas. A
A seguir, são apresentadas algumas regras coleta de sangue para a sorologia é recomendada
básicas para orientar a tarefa de coleta e submis- para uma variedade de infecções. A seguir, são
são de amostras clínicas para o diagnóstico viro- listados os materiais mais indicados para coleta,
lógico. A Figura 11.13 ilustra, de maneira simpli- de acordo com os sistemas afetados:
ficada, a seqüência de eventos que acompanham – enfermidades respiratórias: secreções na-
as infecções víricas agudas e que devem ser con- sais, aspirados nasofaríngeos, trato respiratório
siderados para se determinar o tipo de material a superior, pulmões;
ser coletado e o momento mais apropriado para – enfermidades entéricas: fezes, conteúdo
fazê-lo. intestinal, segmentos intestinais, linfonodos re-
gionais;
– doença genital: secreções genitais, sêmen;
– conjuntivite: raspados conjuntivais, secre-
Sinais clínicos
ções;
– pele: raspados cutâneos, fluidos vesicula-
res, fragmentos de pele;
Vírus Resposta – doença neurológica: secreções nasais, cére-
imunológica bro, fluido cérebro-espinhal;
– doença sistêmica: secreções nasais, fezes,
soro, sangue integral, linfonodos, baço;
– fetos abortados: placenta, líquidos fetais,
timo, baço, pulmão, cérebro;
– outras doenças: soro, órgão ou tecido afe-
16
tado, secreções/excreções do sistema afetado.
2 4 6 8 10 12 14 18
Dias após a infecção
Material
para:
Isolamento viral 5.2 Cuidados na coleta e
Antígenos
Ácidos nucléicos
acondicionamento
Sorologia
Devem-se observar os seguintes cuidados
Sorologia pareada
no momento da coleta de material e no seu acon-
dicionamento:
– secreções nasais, oculares ou genitais de-
Figura 11.13. Cinética da infecção viral e resposta
imunológica, com indicação do momento de coleta de vem ser coletadas com o auxílio de suabes. Ape-
material para diagnóstico. sar de existirem suabes para esse uso específico,
322 Capítulo 11

muitas vezes não se encontram disponíveis a bem fechadas, para evitar o vazamento e mistura
campo. Nesses casos, pode-se utilizar cotonetes do material ou a entrada de água originada do
de uso humano, com a ressalva de que não de- derretimento do gelo;
vem conter antissépticos e/ou outras substâncias – as embalagens devem ser rotuladas e
químicas. Os suabes devem ser coletados agres- identificadas individualmente com caneta ou lá-
siva e profundamente na cavidade nasal, para pis. Deve-se evitar o uso de rótulos de papel que
se aumentar a possibilidade de coletar material se desprendam pelo umedecimento e de cane-
que contenha o vírus e/ou células descamativas. tas cuja tinta seja removida pelo contato com a
Após a coleta, os suabes devem ser acondicio- água;
nados em meio apropriado, solução fisiológica – tubos de vidro ou de outro material frá-
estéril ou PBS e mantidos sob refrigeração (ver gil devem ser acondicionados de forma a evitar a
abaixo); sua ruptura durante o transporte.
– tecidos e fragmentos de órgãos devem ser
coletados individual e assepticamente, para mi- 5.3 Conservação e remessa
nimizar a possibilidade de contaminação bacte-
riana e fúngica. Para isso, pode-se utilizar lâmi- Os maiores cuidados com a conservação de-
nas de bisturi, tesouras ou outros tipos de lâmina. vem ser dispensados aos materiais destinados ao
Quando o órgão for volumoso (fígado, cérebro), isolamento viral. Essas amostras devem ser pron-
deve-se coletar frações representativas de várias tamente acondicionadas em recipientes estéreis
áreas. Os fragmentos de diferentes órgãos devem (tubos, sacos plásticos, placas) e conservadas sob
ser acondicionados em tubos ou em sacos plásti- temperaturas baixas. A resistência dos vírus sob
cos individuais e bem fechados; temperaturas ambientais varia muito: certos ví-
– fetos abortados podem ser enviados intei- rus são muito resistentes (pox, polio, entero), en-
ros ou submetidos à necropsia para a coleta de quanto outros são muito sensíveis (BRSV, outros
tecidos e órgãos; paramixovírus). Por isso, o tempo entre a coleta
– fezes devem ser preferencialmente coleta- do material e a inoculação deve ser o mais breve
das da ampola retal. Segmentos de intestino de- possível. Se o intervalo entre a coleta e entrega ao
vem ser coletados com o seu conteúdo. Para isso, laboratório for curto (até 2 a 3 dias), é preferível
as extremidades da seção intestinal devem ser manter o material refrigerado (a 4ºC). Se o tem-
bem amarradas com barbante; po necessário para a remessa e entrega do ma-
– sangue integral deve ser coletado com an- terial for superior a três dias, deve-se optar pelo
ticoagulante (citrato, heparina ou EDTA). Geral- seu congelamento. O sangue integral destinado
mente, 2 a 3 mL (pequenos animais) e 5 a 10 mL ao isolamento viral nunca deve ser congelado.
(grandes animais) são suficientes para os propó- Alguns vírus (p. ex.: BRSV) são extremamente
sitos a que se destinam; sensíveis a temperaturas ambientais altas, além
– a coleta de sangue para exames sorológi- de não resistirem a congelamentos/descongela-
cos deve ser realizada de modo a minimizar a mentos sucessivos. Em geral, pode-se adotar a se-
hemólise. Tubos estéreis de plástico ou vidro são guinte regra: para horas ou até 2 a 3 dias, conser-
recomendáveis. Em geral, 1 a 2 mL de soro são var o material a 4ºC; para mais tempo, congelar a
suficientes para a maioria dos testes; -20ºC ou -70ºC. Para a remessa, o material deve
– raspados cutâneos ou de mucosas devem ser acondicionado em caixas térmicas com gelo
ser obtidos pelo uso de lâminas estéreis. Em algu- reciclável em abundância. Também como regra:
mas situações, lâminas de vidro podem ser ade- quanto menor o tempo decorrido entre a coleta e
quadas para essa finalidade. A raspagem deve a inoculação do material, maior será a probabili-
ser capaz de coletar as células superficiais da pele dade de se isolar o vírus.
e/ou das mucosas; Quando o sangue for destinado a exames so-
– as embalagens (tubos e sacos plásticos) em rológicos, deve-se proceder à separação do soro
que as amostras serão acondicionadas devem ser (à temperatura ambiente ou a 4-6ºC) previamente
Diagnóstico laboratorial das infecções víricas 323

ao envio. Após a sua separação, o soro pode ser


conservado a 4-6ºC por vários meses, sem afetar Recebimento da
a viabilidade e atividade biológica das imuno- amostra e histórico

globulinas. Quando o tempo até o teste for muito


prolongado, pode-se optar pelo congelamento
do soro. Nunca se deve congelar o sangue antes Registro
da separação do coágulo, pois pode inutilizar a
amostra para fins diagnósticos.
Formulação da hipótese
5.4 Histórico etiológica

Todo o material para exame deve ser acom-


panhado por um histórico detalhado, no qual Encaminhamento
devem constar informações referentes à amostra,
que podem ser necessárias para a elaboração do
diagnóstico. Laboratórios de diagnóstico geral-
Virologia
mente possuem formulários próprios que espe-
cificam as informações requeridas em cada caso.
Patologia Bacteriologia
O histórico deve ser anexado na parte exterior toxicologia micologia
do recipiente, para evitar o seu umedecimento e Realização da técnica
inutilização. Se incluído no interior do recipiente,
deve ser acondicionado em sacos plásticos à pro-
va d’água.
Leitura do teste

5.5 Fluxograma dos procedimentos de


diagnóstico
Interpretação do resultado
Cada laboratório possui o seu próprio fluxo-
grama de encaminhamento das amostras desti-
nadas ao diagnóstico. A seguir serão descritas as
etapas de um protocolo-modelo (Figura 11.14): Envio do resultado
– logo após o recebimento, o material deve
ser removido da embalagem de transporte e
acondicionado provisoriamente sob temperatura Figura 11.14. Fluxograma de procedimentos realizados
adequada (geralmente em geladeira a 4-6ºC); na rotina diagnóstica.
– a seguir, deve-se registrá-lo em um proto-
colo interno (livro ou arquivo);
– a próxima etapa é o encaminhamento para
a realização do teste pertinente. O encaminha-
Amostras de soro geralmente são acompa-
mento do material ao método indicado depende
nhadas de uma requisição específica (p. ex.: so-
de uma análise preliminar que objetiva definir o
rologia para BLV). Nesses casos, o encaminha-
agente (s) suspeito (s) e a metodologia a ser utili-
zada para diagnosticá-lo. Nessa etapa, o histórico mento é simples. Algumas vezes, as amostras
que acompanha a amostra é fundamental para a são acompanhadas de um histórico clínico, sem
tomada de decisão. a indicação do exame requerido. Nesses casos, o
Ao se encaminhar a amostra para o diag- técnico deve definir, com base no histórico, qual
nóstico, deve-se considerar outros possíveis pa- o agente suspeito e encaminhar a amostra para o
tógenos e encaminhar parte do material para a respectivo exame. Pode-se também contatar o ve-
bacteriologia, micologia, toxicologia entre outras terinário que submeteu a amostra para inquiri-lo
(Figura 11.14). sobre a natureza do exame solicitado. Em labora-
324 Capítulo 11

tórios que realizam testes sorológicos como parte Caso 1. Material: secreções nasais.
de programas de monitoramento de rebanhos, é Espécie: bovina.
comum a submissão de centenas ou milhares de Histórico: bezerros com sinais de doença
amostras de soro simultaneamente, as quais são respiratória.
diretamente encaminhadas para a realização dos Hipótese etiológica: quatro agentes virais
testes a que se destinam. são mais comumente associados com doença res-
Quando a amostra submetida é de outra na- piratória em bezerros: BoHV-1, bPI-3, BVDV e
tureza (tecidos, secreções, fetos), pode-se exigir BRSV.
uma análise mais detalhada do histórico para for- Encaminhamento: pesquisa de vírus por iso-
mular uma hipótese diagnóstica e encaminhar o lamento em cultivo celular.
material ao destino apropriado. Amostras desse
tipo podem ser acompanhadas pela requisição de Caso 2. Material: cérebro.
um determinado exame, o que simplifica a toma- Espécie: bovina.
da de decisão. Cérebros de caninos ou bovinos Histórico: doença neurológica seguida de
são freqüentemente enviados com a solicitação morte.
específica de diagnóstico de raiva; fezes bovinas Hipótese: dois agentes virais são mais fre-
são acompanhadas de uma requisição de diag- qüentemente associados com doença neurológica
nóstico para rotavírus; sêmen bovino é encami- em bovinos: o vírus da raiva e o BoHV-5.
nhado para a pesquisa de herpesvírus, entre ou- Encaminhamento: inicialmente investiga-se
tros. Nesses casos, cabe ao técnico do laboratório o vírus da raiva por IFA. Em caso de resultado
simplesmente encaminhar o material para a rea- negativo, investiga-se o BoHV-5, por IFA em im-
lização do teste solicitado. Os tipos de exames a pressões de cérebro, PCR ou por isolamento vi-
serem realizados para cada material (e para cada ral.
agente suspeito) são geralmente predetermina-
dos pelo laboratório. Caso 3. Material: secreções nasais e raspa-
Outras vezes, o material é enviado sem a dos oculares.
indicação de um agente suspeito e sem a requi- Espécie: canina.
sição específica de um exame. Nesses casos, cabe Histórico: filhotes com sinais respiratórios.
ao laboratorista analisar o histórico e formular a Hipótese: pode-se suspeitar de cinomose ou
hipótese etiológica a ser investigada. Com base de outra virose respiratória (adenovírus, parain-
nessa hipótese, indicará o exame mais apropria- fluenza canina).
do. A formulação da hipótese e o encaminha- Encaminhamento: pode-se inicialmente pes-
mento correto do material exigem conhecimentos quisar antígenos virais em células descamativas
de Virologia, clínica, patogenia e epidemiologia nas secreções ou raspados por IFA ou por méto-
das doenças víricas e nem sempre são tarefas dos cromatográficos (kits). Posteriormente pode-
fáceis. Especialmente nesses casos, um histórico se encaminhar para PCR ou isolamento, depen-
detalhado reveste-se de grande importância. Em dendo do protocolo de cada laboratório.
geral, a análise do histórico, realizada à luz dos
conhecimentos acima mencionados, permite a Caso 4. Material: feto abortado e membra-
formulação de uma hipótese, que pode envolver nas fetais.
um ou mais agentes suspeitos. Assim, o encami- Espécie: suína.
nhamento deverá ser realizado objetivando a pes- Histórico: rebanho com problemas de abor-
quisa e comprovação da hipótese. A seguir, serão to, mumificações, natimortos.
mencionados alguns exemplos de procedimentos Hipótese: dois agentes são mais comumente
dessa natureza freqüentemente adotados, e os di- associados com perdas reprodutivas em suínos:
recionamentos indicados: o parvovírus e o PRRSV. No Brasil, ainda não foi
Diagnóstico laboratorial das infecções víricas 325

descrita a presença do PRRSV, então, deve-se, sangue integral deve ser centrifugado à baixa ro-
inicialmente, investigar o parvovírus. tação, e a capa flogística deve ser cuidadosamen-
Encaminhamento: pesquisa de atividade te removida, ressuspendida em meio de cultivo e
hemaglutinante (HA) nos tecidos, membranas e inoculada nos cultivos. O sêmen deve ser diluído
líquidos fetais. em soro fetal bovino (1:5 ou 1:10) para reduzir a
toxicidade. Materiais destinados a outros méto-
Caso 5. Material: fezes. dos de diagnóstico são submetidos a um proces-
Espécie: bovina. samento apropriado a cada tipo de exame.
Histórico: diarréia em bezerros com poucos
dias de vida.
Hipótese: dois vírus são mais freqüente- 5.7 Interpretação dos resultados
mente associados com esses casos: o rotavírus e
coronavírus. Os resultados dos testes laboratoriais devem
Encaminhamento: pesquisa de partículas ví- ser analisados conjuntamente com as informações
ricas por microscopia eletrônica. que acompanham a amostra e interpretados à luz
Esses exemplos ilustram a importância do de conhecimentos de patogenia, clínica e epide-
histórico clínico-patológico junto com a amos- miologia. Se analisados isoladamente, podem
tra submetida. A análise do histórico pode ser conduzir a interpretações incompletas e conclu-
decisiva para direcionar o procedimento e mes- sões equivocadas. A detecção de ácidos nucléi-
mo para descartar possíveis suspeitos. Algumas cos do BoHV-5 por PCR no cérebro de bovinos
vezes, amostras são enviadas sem o mínimo de acometidos de doença neurológica, por exemplo,
informações, nem mesmo relativas à natureza do não deve ser considerada prova definitiva do en-
material ou à espécie animal do qual foram cole- volvimento desse vírus na etiologia deste caso de
tadas. Nesses casos, a formulação da hipótese e doença. Bovinos portadores da infecção latente
o encaminhamento do material ficam muito pre- possuem o DNA viral em várias partes do encé-
judicados, tornando muito difícil a obtenção do falo, sem que isso tenha significado patológico
diagnóstico correto. ou que possa estar associado com ocorrência da
doença em questão. Por outro lado, o resultado
5.6 Processamento das amostras negativo em um determinado teste laboratorial
não significa necessariamente que o material era
Dependendo da natureza das amostras e realmente negativo, pois as técnicas apresentam
dos testes a que se destinam, diferentes processa- certo limite de sensibilidade e podem, ocasional-
mentos são realizados previamente à realização mente, falhar em detectar o agente ou seus pro-
do exame. Para o isolamento de vírus em cultivo dutos. Da mesma forma, o resultado negativo no
celular, fragmentos de tecidos ou órgãos devem isolamento viral não descarta definitivamente o
ser macerados com areia estéril, homogeneizados agente suspeito, pois condições inadequadas de
e centrifugados à baixa rotação. O sobrenadan- coleta e conservação do material podem ter afeta-
te deve, então, ser inoculado. Secreções (nasais, do negativamente a viabilidade do agente e pre-
oculares, genitais) devem ser centrifugadas para judicado o teste. Por essas razões, os resultados
a remoção de debris celulares e sujidades; o so- laboratoriais devem ser considerados como uma
brenadante deve ser inoculado. Material conta- parte de um conjunto de informações necessárias
minado (secreções, conteúdo intestinal, fezes) à elaboração do diagnóstico e não como o diag-
deve ser filtrado em filtros acopláveis a seringas nóstico em si.
para remover bactérias e fungos contaminantes Em todas as situações, os resultados e a sua
que possam interferir com o isolamento. As fe- interpretação devem ser transmitidos com a maior
zes devem ser previamente diluídas em meio de brevidade possível ao pessoal que os requisitou,
cultivo ou PBS para reduzir a sua toxicidade. O para que as medidas apropriadas – muitas vezes
326 Capítulo 11

dependentes dos resultados e de sua interpreta- HIRSCH, D.C.; ZEE, Y.C. Veterinary microbiology. Malden,
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