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Introdução
A experiência viva de Cristo acha-se no centro da espiritualidade de Santa Teresa de Jesus.
Os estudos realizados recentemente durante o IV Centenário da morte da Santa de Ávila e o
balizado testemunho do magistério de João Paulo II a respeito colocaram em realce a
centralidade do mistério de Cristo na mística teresiana. É ótimo que os estudiosos o tenham
feito. Ao acentuar o cristocentrismo encontra-se o fecho de abóbada de toda a espiritualidade
teresiana; que é assim libertada de toda a suspeita de misticismo exotérico e toda tentativa de
interpretação intimista. É claro que a oração permanece a mensagem central da Santa de
Ávila, a sua especialidade carismática na Igreja; mas não se pode esquecer que a oração é uma
procura de Cristo e um diálogo com Ele, para tornar-se imitação e para desabrochar, por dom
gratuito de Deus, na experiência mística de “vida em Cristo” que seu lógico desfecho no
mistério trinitário. A oração portanto é toda relacionada a Cristo, à comunhão com Ele, à
transformação nEle. O caminho da oração é um lento amadurecer da conformação a Cristo.
Queremos traçar as linhas essenciais desta pesquisa e desta irrupção mística para
compreender quão profundo seja no pensamento teresiano sobre a vida espiritual o cunho
cristológico.
Não é difícil colher na visão teresiana de Cristo uma série de convergências doutrinais que
agora queremos apenas esboçar.
A. Na linha da revelação
Na linha dos Sinópticos, a cristologia teresiana é a procura e a complacente comunhão com
Jesus de Nazaré como aparece nos evangelhos, na sua qualidade de Mestre, na sua
inconfundível humanidade que, como se verá, foi determinante para salvação e a libertação de
Teresa como mulher. Um ponto de referência que se transmuda também numa relação de
seguimento, de imitação, de escuta que o torna próximo, contemporâneo através da Eucaristia
e a oração à experiência dos discípulos.
Na linha joanina Teresa soube colher alguns traços característicos do quarto evangelista: o
seu recurso às expressões-chave de João: Jesus é vida, verdade, caminho, luz, porta; o contato
vivo de Jesus com a Samaritana, o cego de nascença, Lázaro ressuscitado; a lembrança das
palavras mais altas de Jesus que se encontram no Evangelho: o amor fraterno, a promessa da
inhabitação, a oração sacerdotal, a paz do Ressuscitado, a consciência de que sem Cristo não
se pode nada. Um Cristo de quem se vive, com quem se vive.
B. Na profissão de fé eclesial
A fé cristológica de Teresa é perfeitamente ortodoxa e eclesial; é claramente calcedônica. É
uma clara afirmação da divindade de Cristo e da sua humanidade. As fórmulas teresianas são
límpidas: “Sacratíssima humanidade”, “divino e humano juntamente”; até a última expressão
escrita no final do livro das Fundações, poucos meses antes de sua morte: “Ó meu esposo,
verdadeiro Deus e verdadeiro homem” (F 31,47). A insistência teresiana é motivada; não é
mera afirmação da fórmula dogmática; é a reação convicta contra as tendências, recorrentes
na história e presente no seu tempo, de um larvado “monofisismo”, de um neo-platonismo
espiritual que colocava na sombra a plena humanidade de Cristo. Hoje talvez, o perigo é
diferente: o “nestorianismo” larvado acentua a humanidade de Jesus, mas coloca na sombra a
sua divindade. Teresa porém é segura, firme na sua profissão de fé. Obviamente, nenhuma
dúvida sobre a divindade do Senhor, Filho de Deus igual ao Pai; nas suas visões trinitária frisa
com precisão esta comunhão na natureza e distinção das pessoas, com fórmulas de perfeita
teologia trinitária (R 16 e 33).
Todas as etapas da vida espiritual são cristológica desde o possível ponto de partida - o
pecado e a conversão - onde Cristo aparece com clareza, para mais esconder esta sua função
como Salvador e Redentor. Este, por exemplo, o itinerário do livros das Moradas onde Cristo
não só aparece com caminho e imagem do homem novo, mas também como Salvador e
Redentor, modelo e forma interior do cristão.
- sem a humanidade de Cristo, não há salvação para o humano, não há modelo de perfeição
para o homem, não existe possibilidade de uma comunhão perfeita com Deus; com a
humanidade de Cristo tem-se a fonte da graça, a porta que conduz ao Pai, o modelo da
existência redimida e transformada;
Podemos dizer que uma verdadeira procura de Cristo na vida de Santa Teresa se pode
documentar desde os primeiros anos da sua juventude, após a crise afetiva da adolescência
que provocou o seu forçado retiro como aluna interna no mosteiro das agostinianas de Ávila. É
aqui que emergem as primeiras lembranças de uma fé conscientemente endereçada ao
encontro com Cristo através da leitura do Evangelho ou com referências a episódios
evangélicos. O exemplo de uma sua mestra, Maria de Briceño, é determinante. É o seu
testemunho pessoal que a põe em contato com o texto do Evangelho: “muitos são os
chamados mas poucos os escolhidos” (V 3,1). Experimenta ler a paixão do Senhor, mas a sua
insensibilidade a coloca em crise: “o meu coração era então tão duro que seria incapaz de
derramar uma lágrima sequer lendo por inteiro a Paixão do Senhor: o que muito me afligia”.
Típica reação de uma adolescente em crise de vida e de fé. Abrem brecha no coração os bons
livros e as boas companhias. Teresa fala claramente da “força que exerciam no seu coração as
palavras de Deus quer lidas quer escutadas” (V 3,5). Aquele coração duro, agora inicialmente
amolecido pela força da Palavra de Deus, responde generosamente. A decisão por Cristo
transforma-se numa escolha de vida monástica; aos possíveis medos e incertezas,
compreensíveis numa jovem do seu tempo, responde com o seu olhar fixo em Cristo:
defendia-me chamando à mente o que Cristo tinha sofrido, e que não era certamente grande
coisas que eu sofresse algo por Ele, muito mais que a sua ajuda não teria certamente faltado”.
Mas Teresa já sentia que o Senhor estava atuando na sua vida (V 3,6 e 3).
Os primeiros anos de vida religiosa foram marcados também por especial fervor
cristocêntrico. Viveu sua profissão como um “casamento” com Cristo. E a sua vida estava toda
ela endereçada ao Senhor mesmo através de detalhes como o desejo de mandar pintar a sua
imagem. A sua oração era também tipicamente cristocêntrica: “O meu método de oração
consistia em fazer tudo para ter presente dentro de mim Jesus Cristo nosso bem e Senhor. Se
meditava uma cena de sua vida procurava representá-la na alma...”. Mesmo quando não
conseguia representar-se a humanidade de Cristo sentia a sua presença (V 4,7).
Baste para ilustrar essas afirmações recordar alguns temas e alguns textos.
b) São muitos os episódios evangélicos nos quais Teresa se personifica e dos quais oferece a
sua original interpretação. Baste pensar até que ponto conseguiu mergulhar na meditação da
oração do horto, episódio que marcou a sua oração e sua participação no mistério de Cristo (V
9,4). Curiosa também a exegese quase apócrifa, mas significativa, que desde jovem faz do
ingresso de Jesus em Jerusalém: Teresa imagina a pouca delicadeza dos que o acolheram em
triunfo mas não o convidaram para comer, tendo o Senhor de retornar a Betânia (?). Esta
ingênua interpretação cria porém em Teresa forte participação que o Senhor recompensa um
dia com uma visão cheia de condescendência (Relação 26).
Esta original meditação do evangelho cria pouco a pouco em Teresa profundas convicções e
desencadeia com o passar do tempo experiências libertadoras. A sintonia com a humanidade
de Cristo, a apaixonada defesa da oração como meditação do Evangelho e encontro com o
Cristo na sua humanidade sacratíssima tem algo de visceral, de profunda ressonância humana
e também de certo aspecto polêmico feminino. É fácil intuir em Teresa essas duas
fundamentais convicções que amadurecem nela como experiência de alegria libertadora num
particular contexto ambiental que se espelha na teologia e na espiritualidade, na vida
ordinária.
Nesses dois elementos a ponte que une as duas margens: da humanidade de Teresa à de
Cristo. Uma experiência esta, na qual são amadurecidas profundas convicções espirituais.
B. As crises e conversão
A procura teresiana de Cristo passou pelo cadinho de uma crise complexa. Foi uma crise da
oração e também da vida religiosa que Teresa conta com acentos dramáticos no capitulo 7 da
autobiografia. De um lado, uma perseverança na oração comprometida somente por um breve
período de abandono, em que não logra nada; simultaneamente temos uma crise de tibieza da
vida religiosa, provocada especialmente pelo chamado de Deus a uma vida mais generosa e
empenhada. O abandono da oração foi recordado por Teresa como princípio da tentação de
Judas: subtrair-se ao olhar de Jesus.
Mas, a raiz de tudo, para que tenha havido uma crise cristológica apenas acenada pela
santa. Ter-se-ia tratado de um temporário esfriamento com o Cristo e a sua humanidade, bem
no momento em que a sua sensibilidade mais necessidade tinha, para ir à procura de novas
experiências de oração sobrenatural. O pesar teresiano transparece em certas páginas
autobiográ-ficas: “Sempre fui muito devota de Cristo. Foi somente nesse tempo que
abandonei a sua sacratíssima Humanidade... Será possível, meu Senhor, que tenha estado por
um instante no meu pensamento a idéia de que me havíeis de impedir alcançar o maior bem?”
(V 22,4). Sem este ponto de equilíbrio, toda a psicologia e toda a vida religiosa de Teresa
ressentiram as conseqüências: aridez, fraqueza, certa esquizofrenia espiritual”, numa
dicotomia entre vida de oração que queria voar rumo a horizontes espirituais inalcançáveis, e
uma medíocre vida religiosa para o que podiam ser as suas aspirações, ou os “gemidos do
espírito” que anunciavam os tempos de uma vida nova.
Nesta crise recebe um suplemento de graça. Uma providencial manifestação de Cristo, não
sobrenatural , mas fortuita, a contemplação de uma imagem dele, provoca uma conversão que
torna-se o ponto decisivo na sua subida rumo a “vida nova”. Anuncia-se a mudança, a inversão
de marcha: Cristo vem à procura de Teresa (V 9,1-3). O encontro da conversão, prolongado no
novo fervor de vida e de oração, carrega também o sinal de uma experiência particular de
Cristo na sua divindade-humanidade: Jesus é o Salvador de Teresa; diante dele se prostra como
a Madalena pedindo perdão e salvação; o efeito desse encontro constitui também o início de
uma vida nova que Teresa experimenta como vida para Cristo, polarizada já por uma atração
irresistível que a coloca no órbita de Deus. De fato ela realiza um retorno à sacratíssima
humanidade, e Cristo começa a fazer sentir sua presença ao tomar a iniciativa do encontro: Ao
passo que fazendo oração eu procurava colocar-me ao lado de Cristo, como disse, e às vezes
enquanto lia, sentia ser invadida improvisamente por uma sentimento tão vivo da divina
presença que não podia de modo algum duvidar que estivesse Deus em mim e eu nele” (V
10,1).
A crise resolveu-se numa conversão e no in´cio de uma graça de vida em Cristo; mas a crise
é salutar; aprofunda em Teresa o senso da pobreza, da humildade; supõe transferir a confiança
em si mesma para Deus, para o Cristo; foi uma ressurreição, uma libertação do mais subtil dos
laços, o do egoísmo e da excessiva confiança em si mesma: “Seja bendito Aquele que me
manteve em vida para fazer-me sair de morte tão mortal...”; “Seja bendito o Senhor que me
libertou de mim mesma...” (V 9,8; 23,1). Trata-se de uma fundamental graça cristã, a da
libertação e da redenção, percebida claramente como graça e como necessidade absoluta;
graça que marca para sempre a consciência que Teresa tem da sua condição de pecado e de
dívida de eterna gratidão para com Deus. Também aqui o Cristo na sua condescendência
desceu até o pequeno inferno de Teresa, para libertar com o seu amor cheio de humanidade
uma humanidade que tinha profunda necessidade de ser salva e curada.
C. “O Encontro pascal”
Até este momento prevaleceu no itinerário de Santa Teresa, a procura pessoal, mesmo que
obviamente apoiada e precedida sempre por uma graça na qual Deus está sempre presente,
“desejoso” (“ganoso”) de receber o sim livre e consciente da sua existência aflita. Prevaleceu
também a imagem do Cristo homem na moldura evangélica das suas leituras, das imagens que
prefere, da oração com que o acompanha e o “representa”, no sentido de “torná-Lo presente”.
Com a conversão inicia uma nova etapa na qual prevalece, mas sem que se percam as riquezas
do primeiro encontro, a graça de Cristo que toma agora a iniciativa de “tornar-se ele mesmo
presente”. Ademais, ao Cristo do evangelho e ao Cristo da Paixão sucede agora uma
consciência mais clara do Ressuscitado, do Cristo pascal, esplendente pela luz da divindade e
do poder da vida nova, que emerge da experiência da graça como vida própria de Teresa, até
tornar-se Aquele-que-a-vive desde dentro.
a) Revelação de Cristo como Livro vivo e mestre interior do qual Teresa torna-se discípula
beneficiada. Na famosa repressão cultural realizada pela Inquisição em 1559, quando foram
censurados muitos livros em língua vernácula, entre os quais a Bíblia, Jesus fê-la ouvir estas
palavras significativas: “Não te aflijas porque eu te darei livro vivo...” Os efeitos foram nítidos:
“O Senhor instruía-me com tanta ternura e em diversas maneiras que quase não tive mais
necessidade livros... Então para aprender a verdade não tive outro livro além de Deus. E
bendito esse livro que tão bem impresso o que se deve ler e praticar que não se esquece
jamais!” É a revelação do Verbo Encarnado, Palavra definitiva do Pai, ou do Cristo Mestre que
instrui secretamente os seus discípulos após a Ressurreição (V 26,5).
b) Revelação de Cristo como Luz, numa experiência que recorda a do Tabor. É a progressiva
manifestação de Cristo como rosto luminoso, corpo glorioso, revelador do amor do Pai. É a
primeira visão clara que a deixa pasma mas que a coloca em profundo estado de alegria pela
manifestação do corpo de glória do Senhor. Trata-se de uma visão que se repete e da qual
Teresa custa descrever os pormenores mas onde é abundante o tema da luz, da visão tabórica
do Cristo que é “Luz da Luz”: “E uma luz que não ofusca, um candor cheio de suavidade, um
infuso esplendor que encanta deliciosamente a vista sem cansá-la... luz sem ocaso que nada
pode perturbar porque eterna...”. Mas não estamos na visão platônica onde tudo de se
dissolve e desaparece. Quem aparece a Teresa é o Cristo da glória, com um clarão semelhante
à luz que Paulo percebe no caminho de Damasco, mas sempre o Cristo Ressuscitado
verdadeiro Deus e verdadeiro Homem: “Não é um morto que vejo, mas o mesmo Cristo vivo
que se deixa ver como Homem-Deus no modo como ressuscitou, e não como estava no
sepulcro”.
Estamos no início da vida mística de Teresa - pelos anos 1561-1562, quando se abre para
ela a maturidade da vida de fundadora e de mestra. Plenitude de vida que não se pode
compreender a não ser na luz desta realidade interior do Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro
Homem que, tomando-a de dentro, a plasma à sua imagem.
Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, torna-se caminho ao Pai, porta aberta para o
mistério trinitário; os primeiros clarões da luz trinitária onde o Verbo Encarnado e glorificado
está no seio do Pai, são já percebidas nas experiências que coram o livro da Vida e remontam
ao período de 1562-1565, data da redação final do livro. Mas a revelação do mistério trinitário,
qual compreensão da pericorese das três pessoas” numa só natureza, a percepção da
inhabitação trinitária na alma em graça, particulares luzes sobre o mistério trinitário como se
revela na Eucaristia já estão presentes do decênio 1570-1580. Vê-se claramente no suceder-se
das experiências que Cristo é o revelador do mistério trinitário e aquele que introduz a alma na
perfeita participação da vida divina da Trindade. Entretanto intensificaram-se as comunicações
cristológicas que chegam em 1572 à graça do “matrimônio espiritual”, justamente, numa
maravilhosa revelação da Humanidade gloriosa do Senhor, depois da comunhão eucarística. O
testemunho que sobre o mistério trinitário nos oferece Teresa é plenamente ortodoxo,
confronta-se com os textos das Escritura e com as afirmações teológicas de textos veneráveis
como o assim dito “Símbolo de santo Atanásio”, Quicumque vult. Mas na Trindade a
Humanidade de Cristo não desapareceu, não foi absorvida; é como a revelação de um Deus em
três pessoas que no rosto de Cristo recupera também uma face e uma figura- não meros
símbolos” - para o Pai e para o Espírito Santo.
Quando a vida de Teresa está chegando ao ocaso, na última Relação, que remonta a 1581,
permanecem fundamentais as duas experiências místicas da humanidade de Cristo e da
Trindade, tão originalmente características da vida sobrenatural do cristão. No último instante,
através da Eucaristia, presença de Cristo glorioso, Teresa alcança, enfim, sem véus a plenitude
da vida trinitária.
2) Há uma identificação entre o Cristo da paixão que foi condenado e a nova paixão da
Igreja na qual novamente se quer condenar o Cristo: “os ímpios, por assim dizer, anseiam
condenar ainda Jesus Cristo, levantam contra Ele uma infinidade de calúnias e se empenham
em mil maneiras para destruir a sua Igreja” (C 1,5). A identificação é bem mais tocante
enquanto o ponto de encontro entre Cristo e a Igreja é a Eucaristia. Profanar a Eucaristia ou o
sacerdócio é atentar contra o próprio Cristo e contra a própria Igreja (C 35,3-5).
Neste prolongamento Cristo-Igreja a resposta de amor de Teresa, qual esposa que sente
que as coisas de Cristo são suas, torna-se incansável obra de renovação e de reconstrução da
Igreja na sua santidade. Vai fazê-lo com a incansável obra das fundações que é a melhor
contribuição que lhe é oferecida para servir o Cristo e Igreja.
Mas não é somente a Igreja prolongamento de Cristo. A sua presença está também em
cada cristão, melhor em cada ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus. A
lembrança das palavras do Senhor: “O que fizestes ao mais pequeno, fizeste-o a mim”, o
primado da caridade e a prioridade do amor fraterno, a afirmação granítica “Quem não ama o
próximo não vos ama Senhor” (Exclamação 2,2; F, 5,3). São outra convicções teresianas que
levam ao amor por Cristo nos irmãos. Pode compreender-se então o desejo de servir o
próximo, a sua especial caridade pelos pobres e os doentes, a sua ampla visão da dignidade do
ser humano que não deve ser pisado porque imagem de Deus, a morada de Deus, uma criatura
chamada a comunhão com o Senhor. Este amor por Cristo presente nos irmãos, mesmo nos
pecadores, que fere o coração de Teresa e a faz exclamar em ardentíssimas orações pela
salvação universal (Exclamação 8-10).
Identificada com Cristo, Teresa abre-se para o divino até à Trindade; impulsiona-se para o
humano, para a Igreja e a humanidade.
Contra qualquer tentativa neoplatônica que visa obscurecer a presença de Cristo Senhor,
temos uma afirmação articulada de sua absoluta necessidade. Teresa emprega com clareza
em todo o seu discurso os textos joaninos que falam do Cristo, caminho, verdade, vida; parte
também da extrema necessidade da pessoa humana de ser salva por Cristo verdadeiro Homem
e verdadeiro Deus. Inspira-se na liturgia da Igreja que celebra os mistérios do Senhor na carne;
recorda multidão dos Santos que na Idade Média descobriram com grande devoção o mistério
da sacratíssima humanidade. Chega até , em subtil dialética, a afirmar que todo atentado
neste campo poderia colocar em perigo a fé e a devoção pela Eucaristia; de fato, quem
quisesse prescindir da Humanidade de Cristo poderia logicamente prescindir também da
mediação da Igreja e da estrutura sacramental da comunicação de Cristo na Eucaristia (V 22;
37; 6M 7,5-14).
Assim, a afirmação do mistério do Senhor Jesus na sua Humanidade, fonte da graça e das
graças, salvaguarda o verdadeiro relacionamento com Deus na Igreja e nos sacramentos,
contra todo o espiritualismo que poderia desembocar numa absorção panteísta. Mas, ao
mesmo tempo, o relacionamento com a Humanidade do Senhor garante o verdadeiro sentido
da vida cristã como vida em Cristo na plenitude da vida humana dos fiéis. E nisso Teresa
oferece também o exemplo de uma santidade e de um misticismo permeados por profunda e
terna humanidade.
C. O cristocentrismo da salvação cristã
Uma última reflexão sobre o cristocentrismo teresiano permite-nos colher alguns traços
significativos.
4) Deste modo, com os olhos fixos sempre em Cristo , como aconselha freqüentemente
Teresa, o caminho do cristão é traçado; a companhia de Cristo é garantida; a santidade terá de
medir-se com os sentimentos de Cristo Jesus até o cume da doação sobre a cruz. O vértice da
santidade consistirá em ser semelhantes a Cristo Crucificado (7M 4,4-8).
Conclusão
Quisemos oferecer uma leitura sintética da cristologia teresiana insistindo particularmente
sobre o tema da divindade-humanidade de Cristo, tema particularmente sublinhado por
Teresa no seu ensinamento.