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A colonização científica da ignorância

Baudouin Jurdant
Professor da Universidade de Paris 7 - Denis Diderot
Responsável pelo Departamento de Comunicação Científica
E-mail: baudouin.jurdant@paris7.jussieu.fr

Resumo: No presente artigo, discutimos a possibilidade de


considerar a popularização da ciência um modo privilegiado
de propagação da ideologia “cientificista”. Entende-se aqui por
popularização da ciência a ação que, desde o início da ciência
O termo ideologia apareceu ini-
cialmente no livro publicado por
Antoine Louis Claude Destutt de Tracy, em
moderna na Europa, procura difundir para o grande público a 1801, Os elementos da ideologia (Elements
visão que os cientistas têm do mundo e de seus problemas. O d’ideologie), em que o autor manifesta a in-
cientificismo não é uma simples ideologia entre outras mas o
que, desde o início do século XIX, serviu de enquadramento tenção de expor, à curiosidade científica, o
do que originou as formas características de todas as ideologias objeto por meio do qual o estudo científi-
que se desenvolveram durante os séculos XIX e XX. Trata-se
daquilo que define o próprio conceito de ideologia. co deve apresentar uma visão científica do
Palavras-chave: epistemologia da ciência, jornalismo científi- mundo sob a ótica objetiva. Deve abranger
co, ideologia. todas as possibilidades de objetos suscetíveis
Colonización científica de la ignorancia de serem estudados cientificamente. A ideo-
Resumen: En el presente artículo, discutimos la posibilidad de logia é a última ciência possível, a ciência da
considerar la popularización de la ciencia un modo privilegia-
do de propagación de la ideología “cientificista”. Se entiende
idéia. Pode-se também considerar, com Ro-
aquí por popularización de la ciencia la acción que, desde el land Barthes “a ciência da idéia entendendo-
inicio de la ciencia moderna en Europa, busca difundir para se que esta domina” (1973:53-54).
el gran público la visión que los científicos tienen del mundo
y de sus problemas. El cientificismo no es una simple ideología Na introdução daquele livro, De Tracy de-
entre otras, sino el que, desde el inicio del siglo XIX, sirvió de fende a legitimidade de seus estudos, demons-
encuadramiento de lo que originó las formas características
de todas las ideologías que se desarrollaron durante los siglos
trando que a idéia possui uma existência ob-
XIX y XX. Se trata de aquello que define el propio concepto jetiva, isto é, independente do status que ela
de ideología. possa ter na consciência subjetiva, individual.
Palabras clave: epistemología de la ciencia, periodismo científico,
ideología. A idéia pode ser comunicada de uma cons-
ciência a outra, pode ser transmitida entre ge-
The scientific colonization of ignorance rações, ou seja, mesmo imaterial, seu status é
Abstract:The present article discusses the popularization of the
science as privileged way of spreading the scientificist ideolo- similar ao de um objeto real e concreto, o que
gy. We understand by “science popularization” the action that, a torna análoga aos objetos reais e concretos
since the beginning of modern science in Europe, try to spread
to the ordinary public, the scientist’s point of view about the
que nos circundam, portanto passível de ser
world and its problems. The scientificism is not a simple ide- submetida à pesquisa científica.
ology among others but the one that frames the development Mesmo que De Tracy não seja ampla-
of all ideologies during 19th and 20th centuries. Scientificism is
what defines the very own concept of ideology. mente reconhecido como o criador do cien-
Key words: sciences´ epistemology, science journalism, ideology. tificismo, é necessário lembrar que o ideólogo

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seguiu os passos de autores como Condorcet ciência ocupa o primeiro lugar em nossos atos
ou Condilac e se entusiasmou com os avan- cotidianos, nas referências que, a nosso ver,
ços extraordinários da ciência em sua época. podem legitimar toda pretensão a um discur-
O cientificismo, definido como um sistema so verdadeiro, nos julgamentos que fazemos
de pensamentos e valores, revela-se nas obras de nós mesmos e dos outros, em todas as cir-
de Ernest Renan, Marcellin Berthelot, Félix cunstâncias que dão ritmo a nosso dia-a-dia.
Le Dantec, Camille Flammarion, Edmond Por isso somos “cientificistas” sem o saber.
About etc. Como afirmou Berthelot, em dis- Assim, o cientificismo é considerado aqui
curso pronunciado na Câmara do Sindicato como ideologia à qual ninguém pode realmen-
de Produtos Químicos, no dia 5 de abril de te escapar, tanto hoje do que ontem. De modo
1884, citado por Denis Collin: que convém pensar, mais precisamente, o pa-
pel da popularização da ciência na propagação
Chegará o dia em que cada um carregará, da ideologia cientificista. Efetivamente, é por
para se alimentar, sua pequena barra de ni- meio dessa popularização que, nos séculos XVII
trogênio, sua porção de lipídeo, de fécula e XVIII, temos textos sobre ciências endereça-
ou açúcar, seu frasco de especiarias aromá-
ticas, conforme sua preferência; tudo fa- dos diretamente aos leigos, a todos aqueles que,
bricado economicamente e em quantidade mesmo não sendo cientistas, podem suposta-
inesgotável pelas nossas indústrias; sem es- mente tirar proveito das novas representações
tar à mercê das irregularidades das estações das coisas que a ciência é capaz de oferecer.
climáticas, da chuva, da seca, do calor que A princípio, a popularização científica
resseca as plantas, ou da geada que destrói existe para diminuir a distância entre os que
a esperança de colheita. Estarão extermi-
nados os micróbios patogênicos, origem sabem e os outros, para passar fragmentos
das epidemias e inimigos da vida humana. desse saber ao povo, usando a linguagem do
Nesse dia, a química terá efetuado uma re- povo (ou, mais propriamente, as “linguagens”
volução radical no mundo, cujo impacto do povo). Como um prisma, ela decomporia
ninguém pode calcular; não haverá mais o feixe de luz branca de ciência pura em seus
campos cultivados, nem vinhedos, nem
múltiplos componentes coloridos, cada um
pastos repletos de animais. O homem ga-
nhará em moralidade, porque ele não mais correspondente a uma camada social, que se
viverá da carnificina e da destruição das caracteriza por certo nível de instrução e por
criaturas vivas (apud Collin, 2007). certo estilo de linguagem.
São, porém, inúmeras pesquisas que de-
As elaborações de De Tracy receberam críti- monstraram o quanto é ilusório supor a
cas excessivamente severas de Marx, que as re- possibilidade de popularizar a transmissão
pudiou, porque, em sua opinião revelavam que do saber e que, quando certos saberes são
De Tracy não teria entendido nada. Parece-nos, realmente transmitidos, padecem distorções
no entanto, que foi Marx quem não entendeu inevitáveis que os tornam irreconhecíveis aos
a problemática subjacente à obra de De Tracy, olhos dos cientistas. Todo mundo já ouviu fa-
precisamente a do cientificismo, ideologia da lar dos “buracos negros” e do “Big Bang”, mas
qual Marx compartilhava, sem perceber. perde-se a maior parte do que poderia haver
É possível antecipar uma objeção: não se- de científico por trás dessas noções, que já se
ria o cientificismo, tal como o entenderam os tornaram familiares.
autores da segunda metade do século XIX, Não é o possível efeito didático, fortemen-
como Ernest Renan e Félix Le Dantec, uma te aleatório, desse processo que deve chamar
ideologia ultrapassada que ninguém hoje em nossa atenção, mas sim o fato de a literatura
dia ousaria reivindicar para si mesmo? No en- de popularização da ciência não suprimir,
tanto, mesmo se rejeitarmos a denominação, nem minimizada, a ignorância do leigo.
porque ela evoca valores a que não aderimos Examinemos essa ignorância do chamado
obrigatoriamente, parece-me inegável que a grande público. Procuremos um denominador

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comum, que a nosso ver, pode ser encontrado ros possam ser, de fato, compreendidos. Por
nas grandes perguntas – sem respostas – que exemplo, o limite de validade dos números
sempre nos perturbaram: qual é a origem da nunca é conferido, o que torna absurda a sua
vida? De onde surgiu o mundo? De onde nós presença nesse tipo de literatura.
viemos? (questões cosmológicas). O que é a
morte? Quando será o fim do mundo? Quais
são as catástrofes que ameaçam a humanidade?
(questões escatológicas). O que é o homem? A popularização
Quem sou eu? Eu sou normal? (questões an- científica encarrega-se
tropológicas). É assim que se estrutura a base de dirigir nossa igno-
da ignorância que, ao mesmo tempo, como se rância. Ela a coloniza.
pode perceber, é também a base do comércio Aqui estamos no centro
teológico das religiões. Aliás, a teologia se di-
do cientificismo
vide em três subgrupos que são justamente a
cosmologia, a antropologia e a escatologia.
Assim, temos que o tecido da ignorância
do leigo coincide com a trama do desejo de
saber, a “libido sciendi”, explorada pela popu- Isso se repete com relação às palavras. Elas
larização da ciência. Não é difícil encontrar deveriam designar coisas dentro da realidade,
exemplos. Se, na França ou Canadá, alguém mas, como o sentido delas depende do con-
quiser encher uma sala de conferência com texto científico que tenha motivado seu apa-
um público ávido de conhecimento, basta recimento na língua, elas não significam mais
programar uma palestra com o astrofísico nada fora dele. Bachelard descreveu muito
Hubert Reeves, ou com qualquer outro astrô- bem a maneira pela qual a precisão, fora do
nomo. Quem pode resistir à fascinação que contexto, nos leva ao inexistente. As palavras
exercem as estrelas sobre nós? eruditas estão presentes na literatura de po-
Outra possibilidade para seduzir o público pularização da ciência para atestar o fato de
leigo com alguns fragmentos da ciência seria que são palavras do saber. São palavras que
tratar de temas como as catástrofes nucleares, falam por si mesmas.
climáticas, demográficas, ou outras. Mesmo Ao articular as respostas científicas, ge-
que a deontologia dos jornalistas científicos ralmente inacessíveis, às grandes perguntas
os incite a desconfiarem do sensacionalismo, é nas quais se baseia nosso “desejo natural de
difícil resistir à tentação de despertar a curio- saber”, na expressão de Aristóteles, a popu-
sidade dos leigos, anunciando-lhes grandes larização científica encarrega-se de dirigir
descobertas ou grandes catástrofes. Trata-se nossa ignorância. Na verdade, ela a coloniza.
de uma estratégia de sedução que, como todos Torna-se difícil, ou mesmo impossível, para
sabemos, não traz benefícios didáticos reais. cada um, ignorar em seus próprios termos, à
Por fim, tudo que trate de nossa saúde fí- sua própria maneira. Nosso “desconhecimen-
sica ou mental também tem potencial para to” encontra-se identificado e articulado por
atrair o público leigo, como o demonstra o palavras que nunca serão nossas, pois são ob-
sucesso dos livros de Boris Cyrulnik ou de jeto de um monopólio de especialistas sobre
David Servan-Schreiber. o discurso da ciência. Essas palavras, com as
Examinemos agora, sucintamente, a re- quais se certifica a origem científica do saber
tórica que determina o funcionamento esti- que elas indicam, inserem-nos numa relação
lístico de tal literatura de popularização da de dependência, tanto cultural quanto políti-
ciência. Essa literatura apresenta, com mui- ca, em relação aos especialistas. Aqui estamos
ta freqüência, números e termos específicos nós no centro do cientificismo.
da ciência, sem que tais termos ou núme- Se, na verdade, nossa ignorância não nos

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pertence mais, se ela não pode mais ser a ori- sociedades de hoje em dia. É respondendo indi-
gem de um questionamento singular sobre vidualmente a esse desejo, embora se compro-
o mundo que nos envolve, sobre os outros e meta a coletividade, que o sujeito poderá talvez
sobre nós mesmos, então, é a possibilidade manter uma fala de verdade de dentro mesmo
de emergência do sujeito que se esvai. Pois o de uma ideologia, o cientificismo, que aparente-
sujeito, ou o que se anuncia como tal, só tem mente a torna difícil ou mesmo impossível.
consistência por meio das modalidades singu- Na discussão que inicia sobre a relação
lares do seu questionamento metafísico. entre a ciência e a psicanálise, Jean Ladrière
Não seria a colonização da ignorância cien- nos lembra que “...toda a iniciativa cultural
tífica a causa da doença do saber que Freud (e toda iniciativa científica, particularmente)
identificou dentro da neurose e que se perpe- é incentivada por uma intenção constituinte,
tua sob o ornamento da “cientificidade”? Ao que não é explícita, ou talvez só o seja par-
nos desapropriar de nossa ignorância, a ciência cialmente, mas que se pode tornar aparente
popularizada cala-nos e impede-nos o acesso por tematização”(1988:11). Em texto anterior
àquele “dizer” da verdade, que Lacan inseriu na (Jurdant, 1999/2000), demonstro que, nas ci-
fórmula “eu, a verdade, falo” (1966:409). ências humanas, contrariamente às ciências
A epistemologia é a ciência dos saberes da da natureza, essa tematização é obrigatoria-
ciência. A psicanálise, considerada como ciência mente explícita pela maneira como se verifica
do conhecimento – inevitavelmente avaliada por um desejo de “cientificidade” já direcionado
meio de uma verdade cujo “copyright” a ciência para objetos definidos previamente.
tende a monopolizar –, pode ser algo além de No entanto a psicanálise, que para Freud,
uma epistemologia popular ou uma epistemo- só podia pertencer às ciências da natureza
logia leiga. É a disciplina que permite a qualquer (“What else could it be?”), é animada tam-
um “ignorar de sua própria maneira”, para reto- bém por uma “intencionalidade constituinte”.
mar a fórmula que permitiu a Claude Bernard, Freud afirmou: “Espero que o amor pela ci-
em seu “Discours de réception à l’Académie ência permaneça em mim até o final da mi-
Française” (27 de maio de 1869), identificar uma nha vida”. Tal intencionalidade, contudo, só
das exigências mais radicais do método experi- é capaz de revelar-se por meio de uma tema-
mental. Permite que se faça dessa ignorância o tização que, como acaba de ser dito, deve ser
estímulo de uma criatividade sócio-cultural as- acompanhada por uma verdadeira descolo-
sociada ao uso da palavra. Ela permite restituir nização da ignorância do sujeito. Essa temati-
à palavra o direito ao “dizer” verdadeiro a partir zação descolonizadora apóia-se em duas ver-
do nosso desconhecimento. tentes do pensamento freudiano: a diferença
O que é notável, na descoberta freudiana, é dos sexos e a morte, Eros e Thanatos.
precisamente a maneira pela qual o inconsciente Não deve surpreender, assim, que seja justa-
exige de cada um que possa responder, não pela mente este nosso ponto de partida para investigar
própria “vontade de fazer ciência”, como diria o desejo de “cientificidade” que o cientificismo
Isabelle Stengers (2006) para estigmatizar a der- nos impõe, visto que é aí que a ciência encontra
rota da psicanálise, mas sim do desejo de cientifi- um limite absoluto, em ressonância profunda
cidade ao qual ninguém pode escapar dentro do com a maneira pela qual a falta de conhecimen-
quadro do cientificismo banal que caracteriza as to pode criar uma retórica da verdade.

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Referências

ARISTOTE. La Métaphysique, A, 1, 980 a 21. Hiver 1999, Printemps 2000, pp. 147-155.
BARTHES, Roland. Le plaisir du texte. Paris: Seuil, 1973. LACAN, Jacques. Ecrits. Paris: Seuil, 1966.
COLLIN, Denis. “Du scientisme au relativisme”. Disponível em LADRIÈRE, Jean. “Les sciences humaines et le problème de
http://perso.orange.fr/denis.collin/scientisme.htm. Acessado em la scientificité”. In: DE NEUTER, P. et FLORENCE, J. (orgs).
4/4/2007. Sciences et psychanalyse. Bruxelles: De Boeck Université, 1988,
DE TRACY, Destutt. Eléments d’idéologie. Première Partie. Pa- pp. 9-26.
ris: Vrin, 1970. STENGERS, Isabelle. La volonté de faire scienc: a propos de la psycha-
JURDANT, Baudouin. “Le désir de scientificité”. Alliage, 41-42, nalyse. Paris: Les Empêcheurs de penser en rond. Seuil, 2006.

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