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Disciplina: PGSS132 - Curadoria de Patrimônio Arqueológico

Docente: Sabrina Damasceno Silva


Discente: Paulo Ricardo Bosque dos Reis

Agentes socioculturais negros como curadores de seu próprio patrimônio

A palavra patrimônio possui uma vasta literatura acadêmica em torno de sua trajetória e
conceitualização, o seu estudo e teorização vem ganhando força desde os anos 2000
enquanto tema-chave dentro dos estudos da Museologia, História, Arqueologia, e tantas
outras áreas do conhecimento contidas dentro das denominadas ciências humanas e
ciências sociais aplicadas. Se o conceito de patrimônio, vinculado intimamente ao
conceito de museu enquanto reduto de excelência, tem sua origem e parte de atual
significado através dos espólios feitos contra as civilizações americanas e africanas a
comporem acervos dos grandes museus nacionais europeus no chamado imperialismo
colonial, esse conceito de bem para a conformação de “ideia de nação” (DAMASCENO,
2013) perdeu na atualidade seu monopólio e tem sido profundamente combatido e
questionado.

No Brasil, diversos acadêmicos vem destinando uma produção científica sobre o tema, a
exemplo de uma grande coletânea - Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos
(2003) - organizada pelos doutores Mário Chagas e Regina Abreu, dessa coletânea,
diversos autores ressignificam e questionam os moldes tradicionais que a palavra
patrimônio ainda carrega no imaginário dos próprios profissionais da área, que lidam
diretamente com o patrimônio. Porém, a palavra ainda continua sendo uma categoria
quase exclusivamente contida e utilizada por acadêmicos, intelectuais e profissionais,
num nicho muito específico e limitado, resultando em uma categoria quase impositiva
quando empregada para atividades às comunidades, por não se apropriarem da palavra,
ainda que, façam uso extensivo dos conceitos que a palavra em si possua.

Se no país, até recentemente o patrimônio era quase exclusivamente entendido quanto


monumentos de “pedra e cal” no que tange à atuação de políticas públicas de
preservação e salvaguarda, ou seja, o Estado atuando somente sobre edificações
históricas, e estas também muitas vezes sendo relativas ao período colonial, temos tido
avanços significativos de uma mudança, frutos de uma nova conformação do contexto
político-cultural nacional. Tivemos grandes melhorias de atuação do Estado, que
resultaram nas seguintes criações: O Instituto Brasileiro de Museus - IBRAM (2009),
Política Nacional de Museus - PNM (2003), o Plano Nacional Setorial de Museus - PNSM
(2010), a democratização do acesso ao ensino superior através do - REUNI (2007), a
política de cotas sociorraciais (2012), Ciência sem Fronteiras (2011), Universidade para
Todos - UPT (2004), Plano Nacional de Assistência Estudantil - Pnaes (2010), o Registro
de Bens Culturais de Natureza Imaterial e os 4 livros de registro - Livro de Registro dos
Saberes, Livro de Registro das Celebrações, Livro de Registro das Formas de Expressão,
Livro de Registro dos Lugares (2000), todas elas com menos de 20 anos de criação, são
somente algumas das mais expressivas políticas de Estado que podemos listar e que
colaboraram diretamente para uma mudança sensível no paradigma no entendimento de
patrimônio, seja por uma amplitude e diversidade de sujeitos a acessarem e produzirem
conhecimento nos espaços formais do ensino superior no país, seja uma troca da
comunidade acadêmica nacional em outras universidades do planeta, seja a construção
de mecanismos de identificação, registro e proteção aos patrimônios não-materiais, os
também denominados bens culturais imateriais.

Se o patrimônio, enquanto categoria de bens culturais, vem adquirindo novos contornos e


amplitudes, os profissionais que lidam com estes bens são lançados positivamente a se
repensarem. É uma necessidade fundamental a sensibilidade desses profissionais
detentores da responsabilidade de mediar, selecionar e planejar a relação do público com
o patrimônio, seja um patrimônio dentro dos moldes de acervos e coleções musealizadas,
sejam patrimônios imateriais (a exemplo de manifestações), sejam até mesmo os
tradicionais patrimônios tombados, como o caso do conjunto arquitetônico e paisagístico
do município de Cachoeira/BA.

Nesse aspecto, o papel do curador emerge no que tange ao universo do patrimônio, já


que a princípio vem ganhando cada vez mais notoriedade por gerenciar o complexo
processo de preservação de patrimônios, e em alguns casos, as relações que se
estabeleçam com tais patrimônios, até mesmo ao ponto de determinar interpretações e a
trajetória de vida desses patrimônios, destinando a um público específico ou dando-lhe
um carácter mais popular, universal e transversal.
Alena Rizi Marmo e Nadja de Carvalho Lamas em seu artigo - “O curador e a curadoria”
(2012)1 nos apresenta uma breve trajetória desse cargo, que cada vez mais ganha um
protagonismo maior entorno dos bens e coleções que exercitam a curadoria, em alguns
casos, maior do que o próprio artista criador da obra a ser exposta. Das explicações
possíveis para essa centralidade dos curadores, se deve a uma relação mais íntima que
estabelecem com os artistas, não somente mediando por consequência a obra, mas as
informações e detalhes correlatos da criação da obra desde sua concepção até o
momento que preceda a exposição. Em síntese, os artistas estariam tornando curadores
em alguma parcela, mediadores de suas trajetórias e carreiras, co-autores do próprio
patrimônio no que se refere à trajetória de vida desses bens, construindo para além de
instalações e discursos. Há ainda situações em que o artista se torna ele mesmo curador
de suas obras ou de colegas da área. Com a valorização do curador, muitos acabam
tomando para si em sua atuação, uma preocupação primeira para construir mostras em
que exercitem a curadoria. Em síntese, há cada vez uma relação estreita entre atividade
artística e curadoria, inclusive tendo produções de obras que tem na curadoria como
atividade fim (​MARMO, A. R.; LAMAS, N. C. 2012).

Vera Beatriz Siqueira já nos traz questões pertinentes ao exercício da curadoria, em seu
artigo - Curadoria como tarefa crítica (2015). Neste artigo, vemos um conjunto de
situações da atualidade envolvendo a curadoria e seus vários usos e práticas, tendo como
mais expressiva situação descrita a curadoria de caverna, ao qual a autora inicia e se
debruça em análise. Essa curadoria de caverna2, praticado por uma arqueóloga francesa
renomada Dominique Baffier, carrega elementos a se analisar sobre um “lugar” que em
sua completude (a caverna) é o próprio patrimônio para além da expressão (a arte
rupestre) lá contida.

No exemplo já mencionado dos conjuntos arquitetônicos e paisagísticos tombados em


1971 do município baiano de Cachoeira, se compreendemos que tais patrimônios, ainda
que contidos numa categoria tradicional “pedra e cal” sejam contidos e pertencentes a
uma comunidade territorial, e mais especificamente munícipe, para além do comum
entendimento de que estes sejam mediados por guias turísticos, o que os estudiosos no

1
Publicado originalmente em: MARMO, Alena. R.; LAMAS, Nadja. C. O Curador e a Curadoria. In: MARMO,
Alena Rizi; LAMAS, Nadja de Carvalho. (Org.). Investigações sobre arte, cultura, educação e memória -
Coletânea. Joinville: UNIVILLE, 2012, p. 19-29.

2
Curadoria de caverna é descrito no filme documentário de Werner Herzog, na obra - Caverna dos sonhos
esquecidos (2010).
campo da curadoria aqui já apresentados podem nos ensinar para uma prática ética e
qualificada dessa mediação?

A primeira questão se dá sobre o próprio patrimônio/bem cultural e a importância das


informações extrínsecas destes, informações essas somente possíveis na manutenção do
contexto ao qual esse conjunto arquitetônico e paisagístico se encontra. O entorno desses
casarões e demais monumentos do período colonial, alguns com mais de 200 anos de
existência, e não somente a zona antropizada, fauna e flora, enfim, a geografia e
construções, mas a própria sociedade ao qual tais bens construídos foram concebidos.
Logo, a comunidade em torno dos monumentos é parte da identidade dos próprios
monumentos. Compreendendo isso, a relação do bem cultural com sua comunidade é
uma relação que dá razão à própria definição de patrimônio. Quanto maior a relação do
bem com sua comunidade, maior é a significância e relevância deste quanto um bem
coletivo, que diz sobre uma sociedade.

A segunda questão envolve o pertencimento identitário dos sujeitos dessa comunidade ao


próprio patrimônio edificado. Se hoje há um reconhecimento da importância dos próprios
povos tradicionais a mediarem seus bens culturais, sejam locais, sejam bem naturais ou
culturais, essa mesma dinâmica é fundamental para uma mediação qualificada do
conjunto arquitetônico e paisagístico tombado de Cachoeira. A relação cotidiana do bem e
os sujeitos da sociedade onde esse bem se encontra, estabelecem laços de significação
que não podem ser reproduzidos pelo mero estudo cartesiano, da leitura acadêmica e de
entrevistas. Esse laço se firma no cotidiano, em vivências e em processos de
aproximação e de afastamento do bem material, relações essas dinâmicas, que mudam a
cada período, a cada grupo e até mesmo a cada pessoa.

Por fim, se a curadoria requer um cuidado na produção do discurso do bem cultural


‘curadoriado’ para evitar desvios e determinismos que muitas vezes fogem à razão de
criação do artista, requer um entendimento profundo deste bem, sua trajetória, seus
pormenores, se a preservação para além de sua estrutura física, mas das informações
extrínsecas já mencionadas que são parte constitutiva destes bens que não são visíveis a
olho nu da estrutura eregida destes monumentos, mas requer ‘lentes ontológicas’
sensíveis e detentoras de uma expertise que decifrem para o público tais informações
não-óbvias. Numa sociedade munícipe constituída por uma maioria negra, profundamente
imersa na cultura negra, em que grandes eventos tiveram o protagonismo destes sujeitos,
seriam os agentes socioculturais negros o perfil mais próximo de serem o perfil ideal de
curadores dos bens monumentais dessa sociedade, não somente por constituem quanto
por atuam e apresentam, inclusive e oportunamente, um outro olhar que a narrativa
hegemônica não permitiu ser apresentado fora dos conformes que estabeleçam. Não para
se caracterizar um discurso único, mas a admissão de perspectivas patrimoniais diversas,
divergentes e necessárias.

Referência bibliográfica:

ABREU, Regina e CHAGAS, Mário (orgs.) Memória e patrimônio: ensaios


contemporâneos. Rio de Janeiro, DP&A, 2003, 316 p.

MARMO, Alena Rizi; LAMAS, Nadja de Carvalho. (Org.). Investigações sobre arte, cultura,
educação e memória - Coletânea. Joinville: UNIVILLE, 2012, p. 19-29.

SIQUEIRA, V. B. C. . CURADORIA COMO TAREFA CRÍTICA. In: 24o. Encontro da


ANPAP, 2015, Santa Maria. Anais do 24o. Encontro da ANPAP. Santa Maria: ANPAP,
2015. v. 1. p. 3896-3902.

SILVA, Sabrina Damasceno. Gênese e singularidades nos processos curatoriais nos


espaços de história natural: dos gabinetes aos museus como espaços discursivos da
ciência e da “idéia de nação” XIV Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da
Informação (ENANCIB 2013). GT 10: Informação e Memória.

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