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~1~

Copyright © 2017 by Glauco Stauffenberg


Copyright © 2017 by Em Foco Editora

Preparação de texto e Projeto da capa:


Glauco Stauffenberg

Revisor:
Willer Jones

Editor e Revisão Final:


Glauco Stauffenberg

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou


transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônicos,
mecânicos, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer
sistema ou banco de dados sem a autorização prévia da Editora.

Stauffenberg, Glauco – Organizador

Para Sempre Amigos / Antologia – Contagem, Minas


Gerais: Em Foco Editora -- Selo Paris, 2017.
196p. ; 21 cm
ISBN 978-85-922108-0-9
1. Literatura Brasileira – ficção. 2. Romance
Brasileiro Contemporâneo I.Título

1ª edição – 2017
Reprodução proibida

Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de
fevereiro de 1998.

Em Foco Editora – Selo Paris


www.emfocoeditora.com
~2~
Sumário
7. Luísa
Priscilla Alves
13. Tão longe, tão perto!
João David Alves

21. A Polaca
Willer Jones

29. Uma amizade à distância


Larissa Escuer

35. Um amigo chamado Ícaro


Yanne Barros

53. Os garotos do Orfanato Buttom


W. Arthur

59. Amizade social


Renato Lira

JOSHUA 73.

O amigo de todos os momentos


Antônio de Pádua

~3~
89. Clara
Rafaela Polanczyk

109. Amizade Eterna


Vanessa Batista

115. Amizade desfeita


Jenyffer Cristina

123. Amizade sem despedida


Amanda Aríos

131. Escute os pássaros


Maria Fernanda

143. Esse tá pego!


Alessandra Morales

165. Bia Flowers


O destino e uma amizade

171. O medo de João, o menino grandão!


Myrian Carla

157. O Para sempre, sempre acaba


Glauco Stauffenberg

~4~
Luísa
(De Priscilla Alves)

~5~
Priscilla Alves
Formada em Pedagogia pela estadual do Rio de
Janeiro, Priscilla Alves atualmente cursa Letras. É por esse
universo mágico das letras que se encanta.
Trabalha no mercado editorial como revisora de
textos e sempre sonhou em escrever um livro.
Agora, esse sonho está sendo realizado.

Redes Sociais:
/priscilla.alvesbatista

~6~
L uísa tem 20 anos, acaba de passar na
faculdade. Ama os animais, cultiva boas
coisas, é feliz. Luísa não ofende ninguém,
não tem inimigos, não cultiva o ódio. Seus
pais se chamam André e Carina e eles se orgulham
muito da filha que têm. São casados há 20 anos e se
conheceram por acaso. Uma daquelas surpresas boas
que a vida traz. Tinham ambos 30 anos, quando se
encontraram, se achavam velhos para um grande
amor. Mas a vida deu uma volta, sacudiu, e eles se
encontraram em uma reunião na casa de amigos. Era
aniversário do melhor amigo de Carina e ela não
podia deixar de ir. Quando lá chegou viu André, um
homem bonito e discreto parecia um pouco tímido.
Ela perguntou sobre ele para seu amigo. E assim
começou uma história de amor. Não como aquelas de
novela, em que tudo dá certo, mas uma história
bonita. Logo eles começaram a namorar logo se
casaram, logo tiveram Luísa. Ah Luísa! Um alento
para os dias cansados, a esperança de um mundo
melhor. Um bebê encantador! Vida, renascimento, os
pais renascem no filho. Para eles é como se aquele
pequeno ser fosse tudo que eles não foram, que não
fizeram, que não puderam ou não quiseram. Mais
uma surpresa da vida, afinal para eles a possibilidade
de achar um amor era remota. Agora, o amor estava
completo com esse ser e eles tinham daqui para
frente a responsabilidade de serem pais e que
responsabilidade! Um mundo violento, sem valores,
cheio de perigos, incertezas. O que minha filha vai
ser? Que profissão escolher? Que caminhos seguir?
Quais serão seus gostos? Como será o mundo?
Pensamentos ruins, que causam angústia.
Todo pai e mãe quer o melhor para seus filhos,
prolongamentos deles. Será que são prolongamentos?

~7~
André e Carina acreditavam que sim. Luísa era a
oportunidade de evitar o erro, fazer diferente, quem
não quer fazer de novo? Voltar o tempo, não errar?
Luísa era tudo isso e era mais, pois surpreendia os
pais a cada dia. Era boa, tinha bom coração, derretia
seu pai quando ele chegava do trabalho.
André era professor de matemática, gostava
dos números, não gostava da profissão. Não se achava
valorizado e não ganhava muito. Se desdobrava
dando aulas particulares. Ficava muito cansado, seus
alunos lhe tiravam a energia. Carina era mãe, dona de
casa e mulher. Ficava cansada e se culpava por não
ter seguido sua profissão. Não se sentia valorizada,
não ganhava nada e achava que podia contribuir com
algo. Fazia bolos por encomenda e sonhava com algo
melhor. Pensava melhor e via que seu sonho havia se
realizado: encontrou um grande amor e tinha uma
filha linda. Profissionalmente não se encontrou,
terminou a faculdade de história, não trabalhou na
área, não procurou outra faculdade.
Luísa cresceu em um lar feliz, seu pai a colocou
na escola em que trabalhava e ela era uma ótima
aluna. Sempre a elogiavam, suas notas eram ótimas,
gostava de matemática, mas era melhor em
português. Sabia que podia contar com os pais,
sempre disponíveis. Era um elo de confiança muito
grande. Sua mãe, por vezes, esquecia que era mãe e
desabafava com Luísa suas frustrações. Luísa achava
que não faltava nada, amava sua mãe e não deixava
ela se diminuir. Amava seu pai, entendia seu cansaço
e fazia de tudo para que ficasse feliz nos momentos de
descanso em casa. Cumpria seu papel de filha, cuidava
dos pais assim como eles cuidavam dela. Havia
reciprocidade e respeito, eles se amavam. Mais do que
amor, havia amizade, esse sentimento tão bom de

~8~
poder contar com alguém em momentos difíceis.
Luísa via seus pais como amigos, os entendia, os
ajudava, recebia e dava afeto. A amizade é um laço
forte, é estar do lado e mais do que isso, permanecer.
É uma aliança desinteressada, feita apenas pelo amor
e cuidado. Quem não quer se sentir amado, quem não
quer contar com alguém? Ser compreendido? Luísa
tinha tudo isso e seus pais também.
À medida que Luísa foi crescendo, o amor foi
aumentando, e ela ia enchendo seus pais de orgulho.
Orgulho da filha e da futura profissional. Depois de 3
anos de tentativas, Luísa passou no curso de Direito
em uma universidade pública. Puro orgulho! Ela seria
valorizada socialmente, ganharia bem, seus pais
estavam tranquilos, ela estava bem encaminhada.
Uma jovem promissora, boa filha, não saía para
baladas, era dedicada aos estudos. Luísa tinha
orgulho de si mesma e dedicava tudo a seus pais.
Luísa se formou, passou no exame da OAB.
Seus pais estavam velhos, aposentados, agora podiam
descansar mais. Porém, o dinheiro era curto como de
todo aposentado. Luísa não se casou, viveu para seus
pais, viveu para ser o orgulho deles e da sociedade.
Era uma advogada de respeito, amava sua profissão,
se sentia valorizada. Tinha o sucesso que os pais
queriam, e era uma boa filha. Era amiga dos pais e os
tinham como amigos, um laço que nunca seria
desfeito.
O tempo foi passando, seus pais ficaram
doentes e se foram com a certeza de que tinham
deixado uma pessoa boa no mundo. Luíza ficou com
eles até o fim e até a eternidade, não se casou, não
teve filhos e não pôde transmitir a eles os valores de
seus pais. Viveu para eles ou se sufocou? Bem, era
uma boa profissional e era isso que importava, era

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socialmente valorizada, não tinha vícios, nem
inimigos, mas agora estava só. Ela cultivou uma
tristeza profunda, não tinha mais em quem confiar, se
sentia mal.
Com o passar do tempo, a tristeza virou ódio e
depois veio a revolta. Ela sabia que seus pais iriam
embora algum dia, mas não estava preparada para
isso. Um vazio tomou conta de Luísa, ela passou a
tratar mal as pessoas. Sua personalidade se
transformou, até o trabalho passou a ser um fardo.
Normal, afinal ela havia perdido as pessoas que mais
amava, seus amigos, seus únicos amigos. Luísa entrou
em crise e nada mais fazia sentido, os dias alegres
agora eram negros. Nenhuma alegria, só a sensação
de vazio. Apesar de não ver mais graça na vida, acha
que foi uma boa filha.

~ 10 ~
Tão longe, tão perto
(De João David Alves)

~ 11 ~
João David Alves
Nasceu em março de 1995 e cresceu no distrito de
São Sebastião, município de Delmiro Gouveia – AL. Estudante
de pedagogia e amante de livros de romance e fantasia,
escreveu a obra #PartiuCaixão.

~ 12 ~
Q uem diz que homem não pode ser amigo
de mulher, ou vice-versa, está totalmente
enganado. Querem uma prova? Eu sou a
prova viva disso.
Quem nunca sentiu aquele frio na
barriga no primeiro dia de aula do ensino médio?
Aquela sensação estranha e incômoda de que estará
no lugar errado, com as pessoas erradas e que
ninguém irá falar com você por causa da sua
aparência excêntrica e de onde você vem?
Comigo não foi diferente. Eu não era aquele
garoto fora de forma, usando óculos redondos, nem
vestindo marcas, mas... Eu também, não era aquele
galã de arrancar suspiros por onde passasse. Eu
estava longe disso. Meu intuito maior era estudar
numa escola grande e conhecer novas pessoas, novos
rostos, novas personalidades, enfim. Quem sabe até
uma namorada, mas, vamos pular essa parte.
No primeiro instante, achei mesmo que estava
na escola errada. Meu nome não estava em nenhuma
lista de chamada de nenhuma turma. Meu mundo
tinha caído.
O que ia ser de mim?
Para onde eu iria?
A sorte é que a minha turma estava comigo e
faria qualquer coisa para que eu estudasse na mesma
sala. Claro, eu era o inteligente, o sabichão, ou seja:
Iam me explorar até o último momento. Acontece que
no final eu acabei sozinho.
Eu tinha que me adaptar a nova escola e os
seus dilemas de sempre, como: uma turma
completamente estranha pra mim. Estranha até eu
conhecer a Jess, devo ressaltar.

~ 13 ~
Eu precisava de alguém que me conhecesse,
que gostasse de mim e gostasse de conversar comigo.
Ela foi à garota perfeita. A garota dos olhos oblíquos e
dissimulados. Ela não fazia ideia do porque dessa
expressão. Passou a conhecer a famosa obra de
Machado de Assis. Essa foi à primeira comparação que
fiz aos seus olhos castanhos e grandes alcançando
aqueles arcos perfeitos que eram suas sobrancelhas,
mais tarde disse a ela que se parecia com a eterna
Maysa.
O primeiro contato foi à base de perguntas. Eu
perguntava sobre tudo: quais seriam as próximas
aulas, quem eram os professores... Me senti um
completo idiota ao fazer isso.
Afinal, eu nunca soube se ela ficara entediada
com as minhas perturbações. Talvez, Ela até tenha
sentido pena de mim por ser um intruso naquele
mundo desconhecido. Ela nunca me confessou. Por
outro lado, acho que passou a gostar de mim, pois,
sorria sempre que nos víamos pela primeira vez no
dia, e me perguntava de onde vinha, o que eu queria
da vida, e até que passou a confiar em mim ao ponto
de contar-me sobre um amor mal resolvido.
Talvez ela esperasse que eu repreendesse o
assunto por ser homem e não ter nada a ver com
aquilo e, no final, eu acabei lhe surpreendendo.
Ouvir sua história poderia fortalecer sua
amizade. E eu estava curioso por aquilo.
Ela estava completamente apaixonada por um
garoto, mas não sabia ao certo se ele corresponderia.
O que falar para uma garota numa hora dessas?
Principalmente quando você não a conhece por
completo nem o dito cujo?
— Primeiro: conheça-o profundamente, até
onde der. Descubra suas verdadeiras intenções. Se

~ 14 ~
você achar que vale a pena, vai fundo. — foi só o que
consegui dizer.
Eu não fazia ideia se o que eu tinha dito ajudou
ou não. Eu não possuía experiências com o amor. Eu
apenas tinha gostado de uma garota, mas não fui
muito longe.
— Você já sofreu uma desilusão, John? — ela
perguntou-me uma vez.
— Não diria exatamente isso, até porque nunca
namorei ninguém. Apenas gostei de uma garota, mas
felizmente somos apenas amigos socialmente. Sem
ressentimentos.
Ela não falou mais nada, apenas sorriu.
— Você é um cara sensível, sabia?
— E você acha isso é bom ou ruim?
Descobri que era bom e que, assim como eu,
ela também era sensível. Casamos. No sentido
figurado da palavra, é claro.
Gratidão e felicidade eram as palavras que eu
sentia desde que conheci a Jess. Não podia ter
ganhado algo mais especial que sua verdadeira
amizade. Muitos me disseram que o ensino médio não
era fase de fazer amizades por que no final todos
iriam para os seus lugares: uns buscariam novos
rumos, fugiriam sem dar satisfações e tudo voltaria à
monotonia que era a transição da fase jovem para
adulto.
Não deixamos que isso acontecesse ou abalasse
nossa amizade. É claro que não podíamos fugir do
acaso, ele sempre esteve lá para nos testar. Foram
dois anos juntos na mesma sala, compartilhando
sonhos, histórias, risadas, provas de amor e de
amizade e tantas coisas boas e especiais.
Porém, o último ano foi diferente.

~ 15 ~
Sofremos com a separação de turma, mas nos
mantivemos firmes e unidos. Pois, ainda estávamos na
mesma unidade escolar e, o que realmente nos
separavam, era a saudade.
E é claro que vieram novos amigos, novas
histórias, novos momentos, mas, a felicidade de
encontrar um ao outro nunca nos abandonava.
Era o nosso momento.
Um abraço apertado mudava completamente o
meu dia. Colocávamos todos os pontos nos is e não
nos importávamos com a separação da turma,
continuávamos os mesmos.
A pior parte foi enfrentar o fim do ensino
médio que se resumia a conclusão de um ciclo rápido
e voraz, mas, duradouro para aqueles que
aproveitaram cada momento como se fosse o último.
Se não for emocionante, será indescritível falar do
último dia de aula, ou melhor, da aula da saudade.
Principalmente se for a um auditório com todos os
alunos ali presentes, cada um com sua turma, com
seus amigos, com seus professores. Com mensagens
de dar um nó na garganta, por que você não consegue
controlar e acaba se desmanchando em lágrimas. É
um momento inesquecível.
Ela não estava do meu lado, para que não
parecesse que estávamos nos despedindo. Fiquei a
poucas cadeiras de distância, diferente do primeiro
dia de aula em que fiquei ao seu lado, perturbando-a
com minhas perguntas.
À hora de ir embora foi à pior. Sentamo-nos
lado a lado, recordando sobre tudo e, principalmente,
pela bela amizade que construímos.
— Obrigado por sua amizade, Jess. Assim como
todos os ciclos se abrem e se fecham, hoje estamos
iniciando mais um. Não é uma despedida para sempre.

~ 16 ~
É apenas mais uma página da nossa amizade. — eu
disse, por fim.
— Você sabe que eu jamais te esquecerei, não é
John? Você é muito especial pra mim. Vou morrer de
saudades. Obrigado pelos conselhos, por sempre me
ouvir, por ser um amigo fiel.
Eu não vou chorar.
Tenho que ser forte.
É apenas mais um ciclo, Jhon.
Mais um ciclo.
— Ah, e quanto as suas histórias, não se
preocupe. Quando eu resolver escrever meu primeiro
livro, com certeza será a sua. — e sorri para evitar as
lágrimas. O que acabou dando certo.
Ela sorriu como somente ela sorria.
Talvez se lembrando de tudo o que me contara
e na possibilidade de aquilo se tornar um romance. Eu
não estava mentindo, então...
— Te desejo muito sucesso, Jhon!
— Obrigado, Jess! — e a encarei sorridente.
Logo, notei que eu estaria perdendo minha única
chance de abraçá-la de verdade, e então... — Er... Acho
que agora deveria ser à hora do nosso abraço. — ela
me olhou com aqueles olhos maravilhosos, com a qual
eu apelidara e me abraçou fortemente — Prometo
que nos encontraremos novamente quando sairmos
daqui, Jess.
Assim como os outros, eu também não fiquei
contente por aquilo ter terminado assim tão rápido.
Por que as coisas tinham que ser assim?
Anos se passaram, vidas foram mudadas,
encontros foram adiados, mas a esperança de vê-la
novamente nunca se apagara. O destino ainda estava
reservando um encontro especial para nossas vidas. E
não demorou muito.

~ 17 ~
Foi numa tarde de verão que nossos olhos se
encontraram novamente. Ela estava de costas, em seu
trabalho, quando a encontrei. Não a chamei pelo
nome, esperei que ela me encontrasse e reagisse da
maneira mais louca que pudesse. Ela ficou pasma e
cheia de felicidade quando me viu. Eu não sabia
descrever o que estava acontecendo naquele
momento. Eu não me cabia de felicidade, eu tinha
encontrado-a novamente.
— John, que bom te ver de novo!
Nos abraçamos, deixando que a emoção nos
dominasse como jamais aconteceu antes.
— Vim cumprir o que eu tinha prometido.
Essa foi à melhor escolha que eu tive.

~ 18 ~
A Polaca
(De Willer Jones)

~ 19 ~
Willer Jones
Nasceu em Belo Horizonte/MG, onde fez seu
Ensino Médio na mesma escola em que hoje é Professor de
Língua Portuguesa (Escola Estadual Professor Hilton
Rocha). Habilitado em Letras pela PUC-Minas, ama a
profissão, independente das dificuldades e dos desafios
que encontra na docência. Apaixonado por música, se
denomina nerd em tempo quase integral, dividindo o
tempo entre lecionar, ler, tocar violão e ler mais um pouco
(de fantasias a distopias, literatura acadêmica, cultura pop
e o que mais aparecer)... Envereda-se pela escrita sempre
que pode.

~ 20 ~
-V
amos brincar lá fora?
Até hoje essa frase ressoa em
minha cabeça... Mesmo após tanto
tempo, é ela que desperta todas as
lembranças daquela época gostosa,
em que nos conhecemos. Não haviam preocupações.
Era dia de chuva, e eu estava trancado dentro
de casa, porque minha mãe não me deixava sair de
jeito nenhum. “Você vai gripar, Ricardo!”; “L| fora é
perigoso, menino!”; “Não faz isso, Ricardo!”. Era tudo
o que eu ouvia dentro de casa, olhando pela janela e
sonhando com a vida l| fora... “Mas mamãe não deixa
eu sair daqui”, decretava resiliente a tudo o que me
era privado.
- Vamos brincar lá fora?
Lembrava de todas as brincadeiras que
inventava, atrás da janela. Seguia as trilhas da chuva
que escorriam pela janela. Contava quantas pessoas
passavam sem um guarda-chuva e se molhavam.
Contava quantas vezes girava aquele rodinho que
limpa os vidros dos carros. Fazia desenhos no vidro,
embaçado pela minha respiração colada nele.
Brincava de fechar os olhos, ouvindo aquele
barulhinho de chuva batendo na janela. E sempre
ouvindo aquele pedido, cada vez mais tentador de
brincar lá fora...
E foi num desses dias de chuva que conheci
você.
Você sempre foi a amiga que eu queria ter pra
mim; lia sobre você, ficava curioso em te entender.
Era interessante como eu consegui ter tanta
intimidade com você em tão pouco tempo... E por
mais que eu crescesse, que vivesse essa loucura de
vida que a gente tem, você sempre arrumava um
tempinho para estar comigo. Com certeza, você foi a

~ 21 ~
melhor coisa que poderia me acontecer!
Meu pai, sempre com aquele jeito turrão dele,
quando te conheceu, também sabia que você era uma
amiga inseparável. Minha mãe não gostou muito da
amizade entre meu pai e você. Chorou muito por
longos dias... Mas, enfim, entendeu que a sua amizade
era uma coisa boa pra ele, que já não estava muito
bem há algum tempo...
Meus outros amigos sempre me falavam mal
de você, sabia? Falavam o quanto você era cruel –
forte e cruel, na verdade. – Mas eu não me importava.
Quando conheceram você de verdade também se
apaixonaram! E não tinha como não se apaixonar pelo
seu jeito de ver a vida, de viver a vida! Todos que te
conheciam, sabiam o quanto você era intensa em tudo
o que fazia.
- Ricardo, não acredito que você está falando
dela de novo.
- Carlos, repara nela! Não tem como não falar!
Você sabe que a gente vai...
- Não me lembre disso, cara... Não me lembre...
- Você sempre foge do assunto quando falo
dela.
- E tem que fugir mesmo, não? Ricardo, você já
está ficando neurótico com isso.
Carlos sempre foi o que mais se negava a te
conhecer. Mesmo sabendo de toda sua história
comigo, ele se recusava a continuar qualquer assunto
que envolvia você. Não sabia se era por medo da sua
personalidade – sim, ele sempre foi um pouco
medroso – ou de se apaixonar perdidamente por
você. Nunca vi o Carlos com bons olhos, mas a
amizade dele era interessante. Ele me fazia pensar em
outros caminhos, que eu talvez não tivesse coragem
de passar – e falo que, com certeza, não passaria se

~ 22 ~
não fosse ele. – Me desculpe, mas ele, sendo o oposto
seu, me ajudou a me equilibrar nessa vida também.
E quando Carlos – enfim – te conheceu,
tamanha foi a minha surpresa e a minha alegria por
esse dia! Ele sempre sofreu muito, e parece que tinha
se encontrado, quando vocês ficaram conversando
por horas naquele bar, perto da ponte da cidade.
Lembra?
- Vamos brincar lá fora?
Eu sempre te via como criança, Tânia. Não
tinha como não te ver assim. Te conheci assim! Até a
Kátia te conheceu assim. E ela não era das melhores
pessoas naquele tempo. Mas se encantou quando
descobriu a origem do seu nome. Tânia Smierc, nome
forte, de origem grega. Seu sobrenome, porém, é da
sua família polonesa, por isso, todo mundo te
chamava de polaca nas rodas de conversa em que a
gente falava de você.
Kátia era aquela amiga Cult que a gente gosta
de ter do lado. Talvez por isso vocês duas se deram
tão bem. Kátia era inteligente, mas também meio
louca por causa de tanto estudar. Às vezes, era até
grossa quando falava de alguma coisa, por isso, a
gente até achava que ela era meio instável
psicologicamente, como o psicólogo do trabalho já
disse algumas vezes... Mas a Kátia pouco se importava
com isso.
Kátia sempre pesquisava de tudo! Nunca vi
alguém tão interessada em aprender igual a ela.
Quando ficou sabendo do seu nome, quase deu um
pulo da cadeira!
- Ricardo! Adorei o nome dessa sua amiga,
viu... Quero conhecê-la!
- Vou marcar um dia lá em casa para vocês se
falarem, pode ser?

~ 23 ~
- Não... Na sua casa não... Não tenho boas
lembranças de lá, você sabe...
- Só porque ela fica perto da ponte, Kátia?
- Você sabe bem o que aconteceu naquela
ponte... Não me contrarie...
- Tá bem. Vou combinar em outro local. O que
acha do parque da cidade? Lá é um lugar tranquilo,
ideal pra descansar, curtir um pouco de paz e
tranquilidade. Você está precisando muito disso,
Kátia.
- Ah, pode ser então. Amanhã, às 19h eu estou
livre pra conhecer essa mulher intrigante. Me liga
confirmando, Ricardo.
Eu não pude naquele encontro porque passei
muito mal na noite anterior, e cheguei a ser internado
às pressas. Fiquei sabendo que as duas conversaram
bastante, se sentiram muito íntimas, inclusive. Parece
que a vida da Kátia era conhecer a Tânia daquele jeito
profundo, que a gente nunca espera que aconteça um
dia. Ficaram perto do lago do parque, um lugar lindo
para se descansar de verdade. Eu amava aquele lugar!

Como estava internado, Tânia veio correndo


para me ver.
- Nossa, Ricardo, sinto muito por não ter vindo
antes, eu estava no lago com a Kátia.
- Sem problemas, Tânia! – era difícil ficar com
raiva dela naquela situação. – Aposto que a Kátia te
adorou!
- Ela era uma mulher forte, Ricardo. Uma das
melhores pessoas que podia aparecer na sua vida,
viu? Mas daqui a pouco você vai se encontrar com ela,
bobo! E vão conversar de tudo o que sempre
conversaram!
- Ah, Tânia... Sei não, viu...

~ 24 ~
- Vai sim, menino! – ela dizia, com um sorriso
iluminado, daqueles que a gente vê em pessoas boas.
Quase uma luz no fim do túnel.
Reparei nela e no quanto estava bonita.
Parecia saída de um encontro romântico. Perguntei
para ela por que estava tão bem produzida, e ela disse
que era pra me encontrar no hospital, pois eu merecia
a ver sempre bonita daquele jeito. Achei lindo da
parte dela isso.
- Muito obrigado, Tânia! Você sempre foi
presente em minha vida. Obrigado por ter sido amiga,
e não vilã como muitos a pintaram por aí.
- Não por isso, Ricardo, mesmo que todos
sempre falem mal de mim, um dia também vão me
conhecer e saber que sou uma boa companhia pra
alguns momentos.
- Disso eu tenho certeza! – e pisquei pra ela,
num sorriso maroto que há muitos anos não fazia. Só
então, reparei que chovia, pela janela toda respingada
do quarto em que eu estava.
- Vamos brincar lá fora, Ricardo?
- Agora sim. Agora eu posso brincar lá fora
com você, Tânia!
E assim eu fechei meus olhos, e me senti leve.
Levantei da cama, peguei na mão da Tânia, e saímos
porta afora do hospital, para um lugar lindo em que
todos meus amigos me esperavam... Foi assim que
parti...
* Dedicado a meu pai, que recentemente
conheceu Tânia Smierc, também conhecida como A
Morte, devido complicações de um câncer. Obrigado
por sempre ter me apoiado em tudo o que fiz, meu
pai!

~ 25 ~
~ 26 ~
Uma amizade à
distância
(De Larissa Escuer)

~ 27 ~
Larissa Escuer
Nascida em 2002, moradora de uma cidade no
interior de São Paulo.
Descobriu a leitura aos 6 anos e a paixão de escrever
aos 10.
Adora filmes e séries, e tem um sotaque mineiro
arrastado."

~ 28 ~
E
ra uma madrugada quente de verão, eu
estava levando o Rodrigo até a
rodoviária. Ele estava muito ansioso,
pois não parava de mexer as mãos que
suavam. Compreendia-o, esse era um
enorme passo para a sua carreira. Rodrigo estava
saindo de nossa pequena cidade no interior em
direção a São Paulo, onde estagiaria em uma redação
de uma revista bem renomada. A mudança era
necessária, pois morávamos muito longe daquele
lugar.
— Você está muito quieta, Clara, está tudo
bem? — Rodrigo perguntou, nos tirando daquela
bolha de silêncio.
— Está tudo ótimo, querido, só estou chateada
por ficar tanto tempo longe de você, mas é por uma
boa causa, não é mesmo? — respondi, sendo sincera.
— Não está sendo fácil para mim também,
minha amiga, porém é uma oportunidade única na
minha vida e não posso deixar passar — diz ele
enquanto passava sua mão nos meus cabelos ruivos.
Afirmo com a cabeça e prosseguimos até a
rodoviária sem nenhuma palavra.
Somos amigos desde os 10 anos de idade,
tivemos uma sintonia inexplicável desde o primeiro
contato, e desde então nunca nos separamos.
Estávamos sempre lá, um apoiando o outro,
confessando tudo o que acontecia e pedindo
conselhos. Éramos tão diferentes. Ele era alto de olhos
e cabelos claros, além de um sorriso muito bonito; já
eu era baixa, com cabelos ruivos e olhos castanhos,
mas, mesmo tão diferentes fisicamente, tínhamos um
pensamento muito semelhante. O que nos deixava
ainda mais unidos.

~ 29 ~
Estava perdida em lembranças de todos os
momentos que passamos juntos durante os nossos 20
anos de amizade, e só dei por mim quando já
estávamos na frente da rodoviária. Desci do carro,
ajudei-o a pegar as malas e fomos para dentro. O
ônibus do Rodrigo sairia as cinco, então, decidimos
sentar em um banco e esperar.
— Você já têm planos para quando chegar lá?
— perguntei de imediato, ainda um pouco curiosa
sobre sua futura vida em São Paulo.
— Sim, aluguei um apartamento simples para
ficar e estou levando algumas economias. — ele
sorriu, mostrando as covinhas — Com o dinheiro do
salário, vou conseguir me manter por alguns meses,
fique tranquila.
— Mas... e se o dinheiro não der? — tentei não
me mostrar tão preocupada.
— Eu dou um jeito, sempre tem um jeito. — e
sorriu novamente. Agora pensativo.
— Posso te pedir um favor, maninho? —
inquiri, olhando para o chão.
Durante todo esse tempo de amizade, já nos
considerávamos irmãos de outra mãe. O que de fato
não era mentira.
— Claro, maninha, o que você quer?
— Promete não se esquecer de mim, e... Me
mandar mensagens sempre que puder?
— Prometo, Clara, é claro! Nunca vou
esquecer-me de você e prometo que vou mantê-la
informada sobre minha vida, mas, quero saber da sua
vida também, entendeu? — e me fez cócegas.
Não resisti, acabei sorrindo.
— Entendi, agora pare com isso! Está na hora
de ir.
Caminhamos até o ônibus onde deixamos a

~ 30 ~
bagagem com o motorista. Era a hora do “adeus”.
Demos um longo abraço, seguido de um beijo estalado
na bochecha.
— Eu te amo! — dissemos em uníssono.
Esperei até o ônibus partir. Estava com os
olhos marejados e, ao chegar ao carro, desabei. Estava
deixando o meu maior companheiro partir, mas era
para a realização de um sonho dele e eu não poderia
impedi-lo.

Nos comunicávamos sempre que podíamos,


assim como ele me prometeu. As conversas eram
curtas, mas, já eram suficientes para saber que estava
tudo bem com ele. Ficamos conversando por um
longo período, até que, um ano depois, veio uma
notícia incrível.

“Clara, fui promovido, agora sou redator chefe


daqui! Não é incrível?”, ele parecia sorrir do outro lado
da linha.
“Parabéns! Estou muito feliz por você, Rodrigo.
Agora vai poder vir me visitar, né?”
“Não, Clara. Era sobre isso que eu precisava lhe
contar. Com essa promoção, eu terei que participar de
um curso em outro país, com duração estimada de dois
anos. Desculpe, Clara, mas, eu não sabia como te
contar, então...”
“Estou triste por não te ver, mas estou muito
feliz que sua carreira como jornalista está
deslanchando, Rodrigo. Não se preocupe, seu bobo, vai
fazer esse seu curso logo porque eu estarei torcendo
por você aqui do outro lado.”, e sorri, meio triste,
confesso.
“Você é incrível, sabia! Irei amanhã e assim que
~ 31 ~
puder chamarei você.”, e desligou.

Dois anos haviam se passado, e era quase


impossível conversar com o Rodrigo, por conta da
ligação ruim e muito cara. Mas, finalmente recebi uma
ligação dele e atendi correndo:

“Clara, estou voltando para nossa terra!


Conversei com meu chefe e ele quer abrir uma filial do
jornal na cidade, e eu serei responsável!”
“Isso é maravilhoso, Rodrigo! Quando você
chega?”
“Amanhã de manhã. Tem como você me buscar
no aeroporto?”
“Sim! Estarei lá, maninho, beijos.”
“Beijos.”

Três anos se passaram depois daquela


madrugada na rodoviária, mas, dessa vez, ele chegaria
de avião.
Eram 8 horas da manhã quando fui buscá-lo no
aeroporto. Estava ao lado do portão de desembarque,
ansiosa para ver o sorriso de Rodrigo outra vez.
Quando ele finalmente apareceu, vestindo-se
como um executivo, dei-lhe um longo abraço
apertado, depois ajudei a pegar as malas e saímos
abraçados do aeroporto.
O clima entre nós continuara exatamente igual,
como se jamais tivéssemos nos separado antes, e esse
é o verdadeiro significado da amizade. Não importa a
distância que nos separe, de algum jeito estaremos lá
nos apoiando um no outro. Esse era o nosso lema.

~ 32 ~
Um amigo chamado Ícaro
(De Viviane Nascimento)

~ 33 ~
Viviane Nascimento
Nome civil, Viviane Moreira do Nascimento, carioca,
40 anos, casada. Autora de “Cigana Pérola – Sua Vida e
Simpatias”, obra mediúnica ditada pelo Espírito de Cigano
Amadeu. Obra que relata a vida da Cigana Pérola tanto no
plano físico quanto no plano espiritual após se desencarnar.
Uma viagem ao Umbral nunca lida antes.
Cigana de sangue, de descendência portuguesa, é
conhecida por Cigana Yanne, que é seu nome cigano, em suas
redes sociais Aldeia de Luz Cigano Yago e Yanne Barros, bem
como no meio cigano.
Desde cedo teve contato com entidades espirituais,
quando jovem decidiu procurar um local onde pudesse se
desenvolver. Após muito procurar sem sucesso, decidiu que
um dia encontraria um lugar, e passou não procurar mais.
Seguiu com sua vida, estudou até se formar em curso
superior, tornou-se mãe, conheceu seu marido e as entidades
ciganas, onde passou a trabalhar e zelar por todos os ciganos
espirituais que se apresentavam.
Trabalha como dirigente espiritual, juntamente com
seu marido, sempre sob a orientação de seus mentores
espirituais em uma Tsara.

Facebook: Aldeia de Luz Cigano Yago e Yanne Barros


Site: http://aldeiadeluz.wix.com/aldeiadeluz
Fan Page: @ciganaperola.1

~ 34 ~
U
ma verdadeira amizade pode nos levar a
termos coragem de irmos a alturas
inimagináveis em busca de nossos sonhos
ou fazer com que enfrentemos os nossos medos.
Carlos é um garoto de quinze anos que desde
muito cedo sonhava em voar, mas para que isso
acontecesse, ele teria que superar seu medo de altura,
o que lhe incomodava muito.
Apesar de seu sonho ser o de voar não trazia
dentro de si o desejo normal que a maioria das
crianças desenvolve como as que escolhem ser piloto
de avião, por exemplo. Tentou se contentar com as
arraias no céu, mas parecia não ter nenhum sabor de
aventura uma vez que seus pés não saiam da terra.
Por mais que tentasse se sentir como sendo a
própria arraia, não ficava muito tempo no céu, pois,
sempre aparecia alguém com cerol e arrancava-lhe o
sonho e a brincadeira terminava. Parece ser sempre
assim, sempre haverá alguém disposto a tirar nossos
sonhos e fazê-los se perderem pelos ventos do tempo.
Só que Carlos não desistiria assim tão fácil.
Construiu um carrinho de rolimã, pois o vento
que batia em seu rosto franzino satisfazia
momentaneamente sua vontade de se sentir livre.
Com isso, lá ia ele sentado e a toda velocidade com os
seus braços abertos pelas ladeiras das ruas onde
morava. Porém, devido aos vários arranhões que seu
corpo passou a colecionar, sua mãe o impediu que
continuasse com aquela brincadeira de tentar voar,
mesmo que fosse no asfalto. Ela tentava evitar que ele
sofresse um terrível e grave acidente.
Carlos não era como os demais garotos de seu
bairro que gostavam de correr atrás de bola pelos
campos de várzea, espalhados pelo Rio de Janeiro. Sua

~ 35 ~
timidez de menino não permitia nem que ele ao
menos tentasse se insinuar para uma garota. Tanto
que se recolheu e se fechou para o mundo, ficando boa
parte de seu dia em seu quarto. Essa atitude fez com
que seus pais começassem a se preocupar, pois não
era normal um menino tão novo ser tão quieto.
As conversas que tinham com ele não
adiantavam em nada, já que ele não conseguia dizer
ao menos o que sentia, pois Carlos só queria mesmo
era poder voar.
Então, não teve outro jeito a não ser levá-lo ao
médico, e foi isso que seu pai fez. Pois, deveria ter
alguma razão patológica para que aquele menino
ficasse tanto tempo calado e ausente do mundo.
Parece que sempre será assim, sempre terá alguém
para dizer que nossos sonhos são coisas de maluco.
Seu pai o levou para um tratamento com
psicólogo. Deitado no divã ouviu as várias perguntas
que o tal médico lhe fazia e ele as respondia com
muita calma, tanto que o médico não viu nenhum
problema aparente no garoto. A única resposta
diferente de Carlos para o doutor e que ele não
esperava, era sobre o seu sonho de poder voar.
Porém, Carlos tinha muito medo de altura. O
doutor respondeu ao menino de uma forma que era
difícil de ser compreendida por ele:
— Tire o medo de dentro de você, só assim
poderá criar asas. Essas asas são de coragem e fará
com que você possa voar.
Parece que sempre será assim: sempre existirá
alguém para nos dizer algo que não compreendemos.
Por mais que busquemos a compreensão, nossa
cabeça não entenderá de forma tão fácil às palavras
que entram nos labirintos de nossa mente e não
encontrão saídas.

~ 36 ~
Após essa consulta, Carlos tentou ser mais
falante, impor algumas coisas com suas atitudes para
que deixasse de preocupar seus pais. Passou a ir com
sua irmã aos shoppings da Cidade, falar
divertidamente com seus primos quando os visitavam
aos finais de semana, já que também não adiantaria
nada ele ficar calado.
Assim, seus tios não achavam nada de estranho
nele e diziam até que ele era um garoto muito
inteligente para sua idade. Parece que sempre será
assim, sempre haverá alguém que não se importará
com aquilo que realmente sentimos. Passaremos
desapercebidos, e nossos sonhos ficarão cada vez
mais contidos dentro de nós.
A idade explica muitas coisas, pois quando se é
novo ou adolescente, são sonhos. Quando somos
adultos ou temos certa idade, dirão que os sonhos se
tornaram em loucura crônica.
Carlos vivia assim, com seu sonho contido em
seu interior e percebia que ninguém poderia ajudá-lo
a realizá-lo se não vencesse seu medo de altura. Nem
precisa dizer que em seu quarto havia uma prateleira
cheia de coleções de aviões em meio às pilhas de
livros, assim como balões, além dos vários jogos de
seu vídeo game.
Parece que sempre será assim: sempre haverá
momentos na vida onde nos contentaremos apenas
com aquilo que é mais fácil e está ao nosso alcance.
Assim, ele permitiu se limitar, quanto a seu
sonho, e tentou se apegar a algo que pudesse
direcioná-lo a uma profissão na qual gostasse.
Finalmente, Carlos conseguiu arrumar uma
namorada, seu nome era Flavia. E assim, quando não
estavam nos shoppings saboreando os famosos
lanches de fast-foods, ou em alguma sala de cinema,

~ 37 ~
estavam em casa trocando mais abraços que beijos no
sofá. Até que Flavia um dia o levou para um passeio ao
Zoológico. Ela adorava a natureza e ainda mais os
animais, logo seria para ela esse o lugar perfeito para
curtir o namorado Carlos.
Entre tantos animais como girafas, tigres e as
mais variadas espécies para se admirar, Carlos
observava naturalmente aquele maravilhoso espaço
aberto no céu onde os pássaros e pombos davam seus
vôos rasantes. Tanto que em alguns momentos era
necessário que Flavia o puxasse pelo braço e
chamasse sua atenção para apreciar a beleza dos
diversos animais que lá existiam.
Carlos ficou admirado com a beleza de um
Gavião que pousou próximo a ele e ficara exibindo
suas asas, provocando-lhe certa inveja.
Parece que sempre será assim: por mais que
não desejamos, em algum momento da vida, teremos
inveja, mesmo que saudável, de outras coisas ou
pessoas, por ver nelas a capacidade de fazerem algo
que não conseguimos fazer.
Enquanto Flávia saboreava um sorvete, devido
ao calor da cidade maravilhosa estar a pino naquele
dia, Carlos parecia conversar com aquela ave. Carlos
ficou meio surpreso ao constatar que o gavião parecia
entender o que ele falava sobre o seu sonho de voar.
Em dado momento, o Gavião abriu suas asas para ele
e Carlos fez questão de imitá-lo abrindo seus braços. O
Gavião parecia que apontava para cima com o bico,
mostrando a beleza daquele céu azul sem nuvens e
sem nada que impedisse a visão de tentar tocar o teto
do planeta Terra. Parecia que o Gavião também estava
contente em perceber que alguém ali não estava
apenas admirando os animais, mas que havia alguém
que o admirava.

~ 38 ~
Uma conexão aconteceu entre eles, e uma
intimidade parecia estar começando entre Carlos e o
Gavião. Tanto que o Gavião permitiu que Carlos se
aproximasse e fizesse carinho em suas penas.
Claro que Flavia ficou nervosa, afinal de contas,
era ela quem queria ser acariciada e, assim, disse que
iria embora enquanto saia de sua presença.
Carlos, entendendo o nervoso de Flavia, foi
atrás dela, não sem antes se despedir de seu mais
novo amigo.
Parece que sempre será assim: sempre haverá
alguém incomodado com nossas atitudes ou com
ciúmes de alguém que escolhemos como amigo. Por
mais que esse amigo seja uma ave cheia de penas, o
ciúme nessa situação talvez tivesse ocorrido pela
imponência que aquela ave tinha e que Flavia não
tinha. Seu corpo, por mais belo que fosse, não possuía
ainda suas curvas perfeitas. Mas, demonstrava que em
breve Flavia seria uma bela mulher, tanto de rosto
como de corpo.
Alguns dias se passaram e Flavia rejeitou o
convite de Carlos para voltarem ao Zoológico, já que
não aceitava perder a atenção dele para uma ave. Ele
resolveu ir sozinho para, quem sabe, poder voltar a
conversar ou ao menos só admirar aquele Gavião.
Chegando ao Zoológico foi direto ao local onde
dias atrás ele e o Gavião se encontraram. Ficou ali
contemplando o céu a espera de seu amigo e nada.
Andou um pouco pelo Zoológico e aguardou por mais
alguns minutos. Mas parecia que aquele Gavião havia
partido para um outro lugar. Carlos se arrependeu por
não ter ficado mais alguns minutos naquele dia com a
ave.
Parece que sempre será assim: muitas vezes
nos arrependeremos das oportunidades que

~ 39 ~
deixamos passar, como conhecer: animais, pessoas e
lugares a nossa volta. Pois em alguns casos, nunca
mais veremos uma pessoa amiga que em última
oportunidade de contato não demos tanto valor assim
e que partem de nossas vidas sem dizerem adeus.
É, mas, também parece que sempre será assim,
onde a vida sempre arruma os meios para que novas
oportunidades apareçam para que saibamos
aproveitar melhor os momentos de nossas vidas.
Carlos já havia decidido ir embora quando de
repente, ele avista uma ave que, mesmo ao longe,
parecia vir em sua direção. Ele resolve aguardar, e
logo vê o Gavião se aproximar em um vôo rasante e
pousar em seu ombro. Isso deixou o garoto feliz da
vida. Ele foi até um banco, sentou-se e contou para
aquela ave atenta seu sonho e desejo de voar.
Carlos dizia que parecia ser impossível ele
realizar seu sonho de voar. O Gavião passava seu bico
por baixo de suas asas, abaixando sua cabeça, dando a
entender que não concordava com o que o menino
estava falando. E quando o Gavião concordava com
algo, movia sua cabeça de trás para frente, parecendo
até mesmo ser o gesto afirmativo que os seres
humanos fazem.
Parece que sempre será assim: sempre haverá
um amigo que talvez compreenda nossos anseios
mais íntimos, por mais que este amigo seja um Gavião.
E assim, Carlos saiu andando pelo Zoológico
com aquela ave em seu ombro conversando
descontraidamente.
Parece que sempre será assim: quando se faz
uma amizade verdadeira, ninguém poderá ou
conseguirá separar.
Em um determinado momento, Carlos sente
que o Gavião queria abrir suas asas, como se quisesse

~ 40 ~
voar e ganhar as alturas. O que fazia o menino
entender que ele não poderia levá-lo para casa como
estava pensando.
Parece que sempre será assim: as aves não
podem viver dentro de lares, pois se sentiriam presas.
Além do mais, perderiam sua capacidade de voar.
Pelo menos por enquanto, não adiantaria
Carlos ficar apenas contemplando aquela linda ave
sem que ela pudesse tirar os pés do chão. E assim
Carlos entendeu e deixou que ela alçasse um lindo
vôo.
No céu, ela fez uma bela curva no ar depois de
ter conseguido uma boa altura. O Gavião voltou à
presença de Carlos parecendo dizer a ele que ele
deveria voltar ao Zoológico para continuarem aquela
conversa tão amigável e novamente ganha os céus se
despedindo.
Carlos, pelo menos uma vez por semana,
visitava o zoológico uma vez que Flavia havia
terminado o namoro dado a seus ciúmes. E todos
diziam que ela tinha ensinado a ele a gostar de
animais, devido àqueles passeios que frequentemente
fazia ao Zoológico.
Parece que sempre será assim: sempre alguém
nos ensinará a admirar coisas ou lugares que nem
fazíamos ideia de serem tão bonitos e que ainda não
conhecemos.
Devido à amizade entre eles, o Gavião foi
batizado de Ícaro, que na mitologia grega era um
homem com limitações físicas que ganhou asas de seu
pai e que lhe pedia sempre que não voasse muito
longe dele, chegando assim muito perto do Sol.
Parece que sempre será assim: quando
gostamos demais de alguém, parece que não
queremos esse alguém muito longe de nós.

~ 41 ~
Carlos passou a estudar mais sobre os Gaviões,
pois queria agradar sempre que possível seu amigo,
como se fosse uma recompensa, já que aquela ave
proporcionava tanto bem estar a ele, como nenhum
outro poderia fazê-lo.
Carlos tentava alimentar Ícaro que era um
Gavião da espécie Carijó, só que a ave não se
alimentava das coisas que eram trazidas para ela e
Carlos entendeu que também os animais possuem
características alimentares próprias e que nem
sempre os nossos gostos são iguais aos de nossos
amigos, pois Ícaro se alimentava com presas
características a sua espécie.
Passaram-se alguns meses daquela amizade,
até que um dia, Carlos animado em ter chegado para
rever seu amigo, adentra ao Zoológico e não o
encontra. Andou por diversos lugares e nada. Pensou
em ir embora para que assim, quem sabe, Ícaro fizesse
igual daquela outra vez e o encontrasse na saída do
parque.
Chegou à saída do parque e não o avistou foi
para casa preocupado e ficou pensando no que
deveria ter acontecido a Ícaro.
Resolveu que voltaria no dia seguinte, e assim
os dias se seguiram e nada, passaram-se vários dias e
nada de reencontrar seu amigo. Só que dessa vez,
Carlos não desistiria assim tão fácil e passou a
frequentar outros lugares abertos, a observar o céu,
os fios de alta tensão, os postes, os tetos das casas e
nem mesmo de cima do telhado de sua casa conseguia
ver seu amigo Ícaro e a pergunta que Carlos queria
saber responder era:
— Onde Ícaro estaria?
Ele resolve assistir televisão e se deparou com
um programa que apresentava vôos de asa delta e

~ 42 ~
parapentes. Eram vôos maravilhosos onde muitos se
aventuravam como pássaros no céu. As pessoas
voavam sobre a cidade maravilhosa o que o
entusiasmou bastante, ainda mais que alguns vôos
relembravam seu amigo Ícaro, que flutuava suave
pelo céu azul. Ele não refletiu muito sobre o assunto,
seguindo seu impulso e correu imediatamente para lá,
para admirar aqueles homens que ganhavam o céu em
suas asas artificiais.
O que mais o surpreendeu foi que ao chegar à
Pedra da Gávea, local de onde partiam os vários vôos
de asa delta, finalmente encontrou seu amigo Ícaro.
Este o recepciona com um rasante vôo e pousa em seu
ombro, parecendo estar feliz com a presença de
Carlos que se dava por satisfeito em ter reencontrado
o amigo.
Parece que sempre será assim: muitas vezes
precisamos buscar em outros lugares e outras
paisagens tudo aquilo que nos faz sentirmos bem.
Durante várias vezes, Ícaro partia para seus
vôos e voltava para onde estava Carlos, parecendo
que a ave tentava encorajá-lo a voar junto dele.
Andava com suas patas, abria as asas e olhava Carlos
que nem conseguia se mexer de tanto medo que
sentia. Ele entendia que Ícaro desejava vê-lo voando
junto dele pelo céu, mas o medo não lhe permitia.
Foram várias as tentativas de Ícaro em relação
a Carlos para que ele largasse aquele medo, ali mesmo
na pedra, e alcançasse as alturas. Só que era
realmente difícil para Carlos ir a algum instrutor para
pedir alguma informação.
Depois de um tempo ele decidiu fazer algumas
aulas, mesmo porque eram feitas em terra. Assim
foram várias as vezes que se via o garoto perto do
Gavião e de outros amantes do lindo sonho de voar,

~ 43 ~
mas a coragem lhe faltava e do chão ele não saia.
Um dia, Carlos chegando bem cedo, ficou a
admirar a paisagem como se desejasse arrumar
coragem para quando seu amigo Ícaro chegasse
pudessem voar juntos. Suas pernas e mãos não
paravam de tremer só por pensar que estava a uma
altura daquelas.
Mesmo que um instrutor o acompanhasse,
seria praticamente impossível que Carlos arrumasse
coragem para enfrentar seu medo de altura de frente.
Apesar de saber que daquela altura teria uma linda
deslumbrante visão da cidade maravilhosa, da
imensidão do mar e de poder chegar perto do teto da
Terra, era assim que ele chamava o céu, nada fazia ele
parar de tremer e criar coragem.
Após uns dias, Ícaro não apareceu para dar seu
vôo rasante e encontrar Carlos que ficava ali parado
admirando tudo que acontecia a sua volta. E Carlos
volta a pensar:
— Onde estaria Ícaro?
Voltou diversas vezes ao Zoológico e passava
quase todos os dias naquela pedra, e nada de ver
Ícaro. Tanto que, agora, para ele parecia não se
importar mais com aquele sonho de voar, estava
realmente preocupado apenas por onde estaria Ícaro.
Parece que sempre será assim: esquecemos
muitas vezes de nossos sonhos quando se trata de um
amigo.
E durante vários dias, Carlos ficava sentado
com o olhar triste que se perdia no horizonte. Não
pensava mais em voar, queria apenas poder
reencontrar seu amigo.
Passaram-se alguns meses e nada. Porém,
Carlos não havia desistido de reencontrar Ícaro e
todos os dias ele ia até a pedra para que pudesse ao

~ 44 ~
menos se despedir dele. Contou a seu pai porque
estava tão triste e que não era por não conseguir
vencer seu medo de altura e voar, mas pela perda de
um amigo que o encorajou de alguma forma.
Seu pai ouvindo sua história e da amizade que
ele fizera com um Gavião desde aquele passeio ao
Zoológico com Flavia e de tão comovido, resolveu
acompanhá-lo até a pedra para tentar substituir Ícaro
e ver novamente seu filho animado como alguns dias
atrás.
Na verdade, ele sentia certa culpa em não ter
acompanhado seu filho em passeios, dado aos
compromissos de trabalho que sempre eram sua
prioridade. Carlos aceitou a companhia de seu pai,
mas parecia não ser a mesma coisa que a de Ícaro.
Seu pai incentivava-o para que voasse, porém,
ele mesmo também não tinha coragem de voar.
Apenas o incentivava a seu modo e com palavras.
Então, ficaram os dois incentivando um ao outro a
voar, mas nenhum deles tinha a bendita coragem.
Parece que sempre será assim: não adianta
tentar substituir um amigo, pois, cada um tem suas
características próprias, suas peculiaridades dentro
da amizade.
Jorge (pai de Carlos), não desistiu e assim
passou a ir periodicamente junto com o filho aquela
pedra, pensando que mesmo que não ele não voasse,
aquilo seria para ele uma terapia.
Passou a ser mais amigo de seu filho, e não
apenas o pai que mandava e desmanda. Passou a
interagir mais no dia a dia da vida de seu filho.
Não seria somente isso que aquele Gavião
ensinaria para eles. Em um belo dia de Sol, ao
chegarem cedo à pedra, Carlos avista seu amigo Ícaro
parado e contemplando a paisagem. Carlos finalmente

~ 45 ~
apresentou seu amigo a seu pai que ficou encantado
com a beleza daquela ave.
Mas, parecia que Ícaro não estava bem, ele não
queria voar e por mais que Carlos e Jorge tentassem
fazer com que ele voasse, ele não conseguia subir a
uma altura satisfatória para que abrisse suas lindas
asas.
Eles entenderam que Ícaro, agora, estava com
medo de voar, já que uma de suas asas estava
machucada.
Levaram Ícaro ao veterinário para ser melhor
examinado. E Ícaro acabou ficando em tratamento por
alguns dias, até que pudesse retornar a seus vôos.
Alguém havia tentado prendê-lo, e por isso, acabou
machucando suas asas.
Parece que sempre será assim: muitas pessoas
não se contentam em dividir a beleza de uma ave a
voar no céu com outras pessoas. Querem
exclusividade e, por isso, tentam aprisioná-la se a
vários outros animais, sem entender que as aves
precisam de liberdade para viverem aquilo que Deus
as criou para viverem.
As aves não se acostumam em ambientes
fechados, pior são aqueles que as maltratam visando
apenas seus lucros, praticando comércio clandestino
de vários animais que já se encontram em extinção.
Por mais que Carlos tentasse arrumar
explicação para tamanho mal, não conseguia entender
muitas das atitudes dos homens em relação aos
animais, que faziam deles mercadorias para
satisfazerem seus egos.
Enfim, Ícaro estava pronto para ganhar
novamente o céu para a alegria de Carlos e Jorge, que
vendo que a ave estava boa, correram e a levaram de
volta aquela pedra, para que pudesse voar livremente

~ 46 ~
como antes. Ícaro, ao chegar na pedra, por mais que
Carlos e Jorge o incentivasse para que voasse, de tanto
receio parecia até com Carlos em seu medo de altura.
Parece que sempre será assim: muitas vezes,
transmitimos nossos medos às outras pessoas com
nossas atitudes desencorajadoras.
Foi assim que Carlos não viu outro jeito para
incentivar Ícaro a voar, já que seu pai não iria de
modo algum experimentar as asas da liberdade, ele
mesmo se encheu de coragem e falou ao instrutor que
queria voar. Onde o instrutor perguntou:
— Resolveu esquecer o medo?
— Não, o medo ainda está aqui, mas agora eu
preciso voar. Não é apenas uma questão de querer, eu
preciso incentivar aquele que sempre tentou me
incentivar e que agora precisa de meu apoio. — Carlos
voltou até Ícaro e, como se a ave fosse entender o que
ele falava, disse:
— Vou voar e vencer o medo que tenho de
altura, agora você precisará vencer seu medo de bater
as asas para voltar a voar. Disponho-me a fazer esse
sacrifício e espero que você voe comigo, já que esse
me pareceu ser sempre seu desejo, amigo.
Carlos vestiu as roupas próprias para tal
atividade e se preparou para vencer seu medo sob o
olhar atento de Ícaro, que parecia não acreditar que
seu amigo havia tomando coragem para voar. E assim,
Carlos juntamente com o instrutor, corre para
conseguir a velocidade necessária e saltam para
plainarem em um lindo vôo.
Carlos parecia que havia esquecido de seu
medo, tamanha era a beleza daquela cidade vista por
cima. Agora aos dezesseis anos, não era mais um
jovem medroso, mas sentia-se como uma ave a voar
pelo céu azul e sentia o vento da liberdade batendo

~ 47 ~
em seu rosto. Percebeu que perdeu muito tempo
sendo um covarde e que essa mesma covardia havia o
impedido de viver aquele momento mágico.
Seu pai, Jorge, olhava seu filho admirado
voando e enfrentando seu medo. Refletiu também em
seus próprios medos em relação às várias coisas e
situações de sua vida. O Gavião, que havia se tornado
amigo de seu filho, o ensinou a ter coragem para
também enfrentar seus medos.
Carlos olhou para Ícaro antes de partir para
aquele vôo, parecendo perguntar se ele não iria
acompanhá-lo. Se o levaria onde ele deveria estar, ou
seja, no céu sendo contemplado por muitos em vôos
audaciosos. Vôos que somente as aves fazem e de uma
maneira tão fácil.
Agora é a vez de Ícaro ir à busca de seu amigo,
já que por tantas vezes o incentivou a voar e, agora
que ele havia conseguido vencer seu medo, ele
precisava voar junto dele. Mesmo desconfiado, de
suas asas, ele partiu em um lindo vôo, indo ao
encontro de seu amigo.
Todos presenciaram um jovem e seu instrutor
voando junto a um Gavião pelos ares do Rio de
Janeiro. Jorge, deixa escorrer uma lágrima de seus
olhos. Tamanha foi sua emoção por poder presenciar
a conquista de seu filho e de seu amigo. Apesar do
medo que Ícaro sentia de suas asas desapontá-lo, ora
voava bem juntinho daquela asa delta e em outros
momentos, parecia que faziam eles imitarem suas
manobras de vôo.
Quando pousaram na área da praia, parecia
que o sonho de ambos havia se realizado e que dali
para frente Carlos estaria pronto para enfrentar todos
os seus medos, na vida.
Parece que sempre será assim: uma amizade

~ 48 ~
nos incentiva várias vezes a tomarmos coragem para
vencermos nossos medos, não importa quem seja o
amigo ou o medo. O amigo sempre nos mostrará a
beleza que é tê-lo presente nos incentivando durante
a vida, mesmo que esse mesmo amigo seja quem for.
Até mesmo um Gavião.
Um belo dia, para a tristeza de Carlos que
passou voando durante vários dias de asa delta junto
de seu amigo Ícaro, viu um semblante triste em Ícaro,
naquele dia. Parecia que ele estava se despedindo e
assim seu pressentimento se concretizou. Ícaro voou e
nunca mais voltou ao céu do Rio de Janeiro. Ele
passou a voar não mais próximo ao teto da terra,
como dizia Carlos, mas estaria talvez voando bem
mais perto de Deus em outros céus da infinidade
desse cosmo. E assim pensou:
— Deve ser assim mesmo, precisamos sempre
fazer outros amigos e não podemos nos limitar aos
espaços pequenos de nossas casas e apartamentos de
hoje em dia e nem nos concentrarmos isoladamente
nos diversos meios eletrônicos que dispomos, como
fazem muitas pessoas.
Existe um azul lindo acima de nossas cabeças a
ser explorado, existe sempre um parque com diversos
animais para serem admirados e tantos outros
lugares que a natureza nos proporciona diariamente.
Entre uma desculpa e outra, nos limitamos a estarmos
presos aos nossos afazeres do cotidiano e reclamamos
muitas vezes da falta de oportunidade. Quando
entendermos que só temos tempo para o que nos
desperta interesse, conheceremos outros lugares e
que às vezes só a amizade nos levará a descobrirmos
como se fosse por encanto os espaços mágicos da
criação divina em toda sua plenitude.
Isso Carlos levaria para sua vida adulta como

~ 49 ~
ensinamento de um amigo chamado Ícaro, que
voando junto a ele, aprendeu o que é ter um amigo e
ensiná-lo a voar, seja como for, nas asas da
imaginação de cada um.
Isso não é o que parece, mas é a certeza de ser
um verdadeiro amigo.

~ 50 ~
Os garotos do
Orfanato Buttom
(De W. Arthur)

~ 51 ~
W. Arthur
Nascido em Sete Lagoas - MG, Wallisson tem 19 anos
e é um garoto que sempre encontrou a literatura como uma
fuga parar os problemas da vida.
Começou a se interessar pela escrita no ensino
médio, quando escreveu seu primeiro livro para um trabalho
de escola, desde então não parou de escrever, tendo livros
publicados em sites de escritores como o conhecido
Wattpad.

~ 52 ~
J acke e William, dois grandes amigos que há
anos viviam em um orfanato no interior de
uma cidade chamada West Hills, sempre
tiveram o sonho de se tornarem cantores,
mas, a vida não parecia ter dado a eles um berço de
ouro para poderem seguir seus sonhos. Jacke sempre
ficava na janela do orfanato observando as pessoas
passando nas ruas, todos com suas vidas atarefadas
enquanto a única coisa que ele fazia era esperar o
próximo casal de pais que provavelmente o rejeitaria.
O dia estava completamente normal, Jacke
levantou pela manhã e foi tomar café no andar de
baixo com os outros garotos do orfanato incluindo
seu amigo William, o refeitório era uma sala bem
grande com mesas e cadeiras bem distribuídas e um
enorme lustre antigo bem no meio. As crianças
estavam agitadas como de costume, havia muita
gritaria até, é claro, que a senhora B (que eram como
as crianças chamavam a diretora do orfanato) colocou
ordem e logo o silencio tomou conta do lugar. Depois
do café da manhã, os dois garotos subiram até o
quarto deles e Jacke propôs a William uma ideia que
parecia arriscada e estúpida.
— O que acha de fugirmos daqui esta noite?
— Você esta louco Jacke, e para onde iríamos?
—Qualquer lugar que não seja esse! Aqui
parece mais um sanatório do que um orfanato,
William. E nós já estamos velhos demais para achar
alguém que nos queira. E se vier alguém, você acha
mesmo que ficariam com nos dois? Eles iriam nos
separar, e nunca mais nos veríamos!
— Mas, e o que nós faríamos pra sobreviver lá
fora Jacke? Nós não sabemos fazer nada!
— E o que acha de irmos realizar nosso sonho
de sermos cantores? Podemos ficar famosos algum

~ 53 ~
dia, só precisamos que alguém goste de nós e das
nossas vozes. Vamos, William? Vamos ter nossa
aventura, porque, se tem uma coisa que eu não quero
é morrer nesse lugar.
— Meu Deus, a senhora B vai matar a gente se
descobrir!
— Ela não precisa saber! E quando se der
conta, já estaremos muito longe daqui.
William, apesar de hesitar, não iriam deixar
que seu amigo fizesse aquela loucura sozinho e
decidiu ir com ele. Os dois marcaram de começar os
preparativos para poderem fugir. Na noite seguinte,
os dois sairiam de malas prontas, desceriam pela
janela com apenas uma corda, e com os corações
cheios de sonhos a serem realizados.
A noite se aproximou e os dois se encontravam
ansiosos e com muito medo de serem descobertos
antes mesmo de saírem dali, o orfanato era muito
grande e demoraria um pouco para perceberem que
os dois haviam sumido. Como conheciam a reputaçõe
do lugar, sabia que eles, pouco iriam dizer a polícia.
A hora chegou e os dois conseguiram sair do
orfanato com êxito, seguiram sem rumo pela cidade
de West Hills, até pararem em uma loja para ver o que
havia além de suas vitrines, já que os dois nunca
tinham saído do orfanato antes e se encontravam
maravilhados com o aspecto da cidade, vista além das
janelas dos seus dormitórios.
Os dois ficaram ali por algum tempo, até que a
fome veio para incomodá-los, então os dois
resolveram pedir dinheiro aos senhores e senhoras
que transitavam pelo lugar. Viram que não estava
surtindo muito efeito. Sem ter muito o que fazer, os
dois começaram a cantar uma música que ouviram
quando pequenos e era nesses momentos que eles

~ 54 ~
sentiam sua conexão forte. Duas vozes cantando em
plena harmonia. As vozes dos dois eram capazes de
adentrar dentro da alma de um ouvinte e o fazer ficar
ali admirando por horas.
Enquanto os dois se rendiam ao canto, um
homem muito bem vestido aproximou-se deu-lhes
uma nota de cinquenta dólares e perguntou de onde
eles eram.
Jacke e Will acharam melhor não citar naquele
momento, que haviam fugido do orfanato. O homem
os levou para sua casa dando-lhes comida e roupas
para vestir.
Ele se mostrou muito simpático e os garotos
acabaram ficando um bom tempo com ele. Até que,
quando menos perceberam, estavam realizando o
sonho de serem cantores. E ainda tinham ganhado
uma família, pois, o tal homem que se chamava
Robert , os adotou.

~ 55 ~
~ 56 ~
Amizade social
(De Renato Lira)

~ 57 ~
Renato Lira
Renato Lira é um jovem escritor que nascido em 5 de
janeiro de 1989 na cidade de Santo André, região
metropolitana de São Paulo. Seu interesse pela escrita
começou desde cedo. Aos 12 anos ele começou a escrever
textos sobre o dia-a-dia voltado para o publico Cristão.
Com 18 anos, por insistência de uma amiga, escreveu
um conto de mais ou menos quatro páginas em um caderno,
e sua amiga lhe disse que aquilo poderia ser mais detalhado,
então, ele começou a escrever mais, dando origem ao seu
primeiro livro de ficção.
Atualmente, Renato mora no interior do estado de
São Paulo.

~ 58 ~
M
eu nome é Rafael Andrade, tenho 16
anos e estou no segundo ano do
ensino médio da renomada escola
Ana Maria de Albuquerque,
localizada na zona Sul de São Paulo.
Sempre fui um aluno introvertido e sofreria muito se
não fosse à imposição de tolerância zero para o
Bullying na escola, no caso da minha escola era
expulsão imediata, sem chance de pedido de
desculpas. Nunca ocorreu um único incidente desde
quando eu comecei a estudar lá, até porque, todos os
pais e alunos eram avisados a partir do momento da
matrícula, devido ao alto renome da escola e do custo
elevado da mensalidade, e nenhum aluno queria
experimentar o ato de zombar de um colega e ver o
que aconteceria a seguir.
Devido a minha antissociabilidade, ninguém
conversava comigo, literalmente, algo que
sinceramente era cômodo para mim, nunca senti
qualquer tipo de afinidade com qualquer pessoa da
minha sala, o máximo de conversa que existia comigo
e alguns integrantes da minha escola era quando
havia algum trabalho em grupo, onde, todos meio que
disputava a minha companhia já que eu sou um dos
melhores alunos da escola.
Meu pai passava o dia na empresa de cerâmica
da família, ou em viagens de negócios (viagens, nas
quais, minha mãe fazia questão de acompanhá-lo), e
eu, por outro lado, era deixado de lado sempre. Eu já
estava acostumado com essa vida. Era até melhor.
Há uns dez anos, minha mãe, por insistência da
minha tia Olga (tia, que por sinal, é a única que
consegue conversar comigo), insistiu que me levasse
a um psicólogo, pois, achava que eu tinha algum tipo
de autismo. Sempre fui uma criança muito quieta, e,

~ 59 ~
na adolescência, nada mudou. Depois de anos de
terapia, o psicólogo disse que eu não tinha problema
nenhum, e que aquela era a minha personalidade, e
que com o tempo eu mudaria. Um alivio para minha
mãe, pois, a última coisa que ela queria era ter que
gerar outro filho para comandar o império da família.
Já que era para isso que eu havia sido concebido: para
ser um mero sucessor das indústrias Andrade. O que
ninguém sabia era que eu tinha um plano: assim que
meus pais fechassem os olhos, eu venderia tudo.
Minha vida era ótima ao meu modo, nunca tive
Facebook ou qualquer outra rede social, já que não
tinha amigos na vida real não via necessidade de
inventar que eu os tivesse na internet. Acabaria
perdendo muito tempo, tempo esse que seria muito
melhor utilizado no meu outro segredo: os jogos
online. Lá sim eu fingia ser social.
Tudo ia bem, até o dia que ela chegou, a garota
com a chave da minha jaula inatingível. Era uma
segunda-feira típica, vesti o meu uniforme coloquei a
minha máscara invisível de adolescente antissocial e
fui para escola levado pelo motorista da família. Ao
chegar, desci e agradeci cordialmente a ele que me
desejou um bom dia, e eu, humildemente, lhe desejei
igualmente. Entrei sem olhar para os lados, e por isso,
sem querer, esbarrei nela.
Pedi desculpas e continuei seguindo o meu
caminho, mas, senti os olhos dela me seguindo. Senti
uma queimação no rosto. Fui ao banheiro e vi que
estava corado pela primeira vez na minha vida. De
fato, eu não sou um rapaz feio. Sou alto, pele clara,
corpo ligeiramente atlético, cabelos negros e olhos
azuis. Dizem que sou o meu pai escrito, exceto pelos
olhos, que são azuis, assim como os da minha mãe.
Fiquei me analisando em frente ao espelho até que

~ 60 ~
ouvi alguém entrando, então disfarcei rapidamente e
saí como se nada tivesse acontecido.
Ao entrar na sala, fui para minha carteira como
de costume, então, eu a vi, ao lado da minha carteira,
no fim da sala. Ela tinha uma pele morena clara,
cabelos ondulados na altura da cintura e olhos verdes.
Estava se sentindo perdida, até que me viu, e então,
sorriu alegremente como se tivesse encontrado o que
procurava. Me sentei tentando ignorar o olhar dela
que me seguia como na entrada.
— Oi, meu nome é Karen, qual é o seu?
Eu não podia acreditar que ela estava
perguntando aquilo para mim. Alguns olhares se
voltaram para ela, inclusive o meu, e os pensamentos
foram os mesmos: ela é louca de puxar assunto com
ele, pois não vai conseguir nada. Porém resolvi agir
diferente dessa vez, para a surpresa de todos, e minha
também.
— Prazer Karen, meu nome é Rafael. — não
estava acreditando naquilo, aquele não era eu. Ela
sorriu satisfeita e pensei que a conversa tinha
acabado, mas, eu estava enganado.
— Desculpa pelo esbarrão na entrada, estava
distraída. — ela disse, ainda com os olhos em mim.
— Tudo bem, não foi nada. — Estava
começando a torcer para a aula começar logo.
— Meus pais mudaram a pouco tempo aqui
para o Brasil, morávamos em Lisboa, mas acho que
não tenho muito sotaque. — O que eu temia estava
acontecendo, ela estava puxando assunto comigo,
então resolvi ignorar.
— Seu nome é Karen não é? Você é louca?
Ninguém puxa assunto com ele. — Disse Alana uma
garota loira estilo patricinha, pela primeira vez me
senti agradecido por alguma coisa que ela disse, mas

~ 61 ~
não funcionou.
— Rafael? — Karen me chamou novamente.
— Oi, me desculpa, estava com o pensamento
longe, você disse que morava em Lisboa? Já fui lá
alguns anos atrás.
— Sim, lá era ótimo, mas estava com saudades
daqui. Rafael eu quero te pedir ajuda com a matéria,
como já estamos no meio do ano letivo eu preciso que
alguém me atualize e me disseram que você é o
melhor aluno da sala. — Disse ela sorrindo.
Não estava acreditando, alguém estava
empurrando ela para mim.
— Sabe o que é, estou meio sem tempo, a
Alana pode te ajudar, tenho certeza que ela tem mais
tempo que eu. — Alana olhava indignada para mim,
nunca nos demos bem, nossos pais eram
concorrentes, meu pai era dono de uma indústria de
cerâmica e o pai dela de uma indústria de porcelana,
por isso ambos não se gostavam, e no caso, nós filhos
tomamos as dores
— É que preferia que você me ajudasse, não
tem como arrumar um tempo? — Ela estava
querendo mesmo se aproximar de mim.
— Tudo bem, pode ser hoje depois da aula?
Você almoça na minha casa. — Disse fazendo o
sorriso dela se abrir cada vez mais.
— Perfeito! — Disse ela tão alto fazendo todos
da sala voltarem os olhos para mim.
No momento seguinte a professora entrou,
mas o estrago já estava feito, no intervalo eu saí
apressadamente, mas ela me seguiu, por sorte, antes
de ela me alcançar, dois rapazes da minha sala
chegaram primeiro e me puxaram para perto deles.
— Você vão me bater bem hoje? Meu dia já não
começou muito bem.

~ 62 ~
— Nada disso Rafael. – Disse um deles — Eu
sou o Caio e esse é o Benjamin, mas pode chamar ele
de Ben. — Disse o rapaz tão alto e claro quanto eu,
mas com cabelo castanho claro e olhos castanho
escuro, Ben era da pele bronzeada e mais baixo com
cabelos castanho escuro ondulado e olhos castanho
escuro também.
— Viemos te chamar para participar do time
de futebol da escola. – Disse Ben, eu sabia, a Karen
quebrou a barreira que eu levei anos para construir,
agora dois caras da minha classe que nunca me
dirigiram a palavra estavam me convidando para
participar do time da escola, meu corpo atlético era
porque eu malhava cerca de duas horas por dia,
sozinho, isso era o suficiente para mim, agora se eu
participar do time, vou ser forçado a malhar com eles,
andar com eles, me socializar completamente. – Então
o que acha?
— Eu acho que deve participar. — Disse Karen
atrás de mim, o que estava acontecendo, precisava
tomar de volta o controle da situação.
— Pessoal agradeço, mas não. — Disse o mais
educado possível, mas uma voz na minha cabeça disse
“você quer isso, sempre quis, não se preocupe, você é
capaz.
— Tem certeza? — Perguntou mais uma vez
Caio, olhei para Karen e ela me incentivou com o
olhar então pensei por que não?
— Tudo bem, vou tentar, mas não garanto
nada. — Disse fazendo os dois me abraçarem
fortemente.
— Os testes são amanhã as 16h, você pode
vim? Perguntou Ben.
— Sim, dá sim. — Respondi meio sem jeito
ainda.

~ 63 ~
— Beleza, nos vemos lá então. — Disse Caio se
afastando junto com Ben para me deixar a sós com
Karen.
— Eles estão bem animados pelo jeito. — Disse
ela caminhando comigo para uma lanchonete
próxima da sala de aula.
— Eles nunca falaram comigo, hoje é a
primeira vez. — Disse, então vi curiosidade nos olhos
dela.
— Mas por que? Você por acaso sofreu algum
experimento radioativo? — Perguntou ela fazendo
gestos de monstro me fazendo rir, por incrível que
pareça aquela aluna nova estava mudando a minha
vida nas poucas horas que eu estava com ela. — Antes
que eu esqueça Rafael, me passa o seu celular. —
Passei para ela o meu número e fomos comer.
O segundo período passou rápido, os alunos
ainda davam algumas olhadas para mim e para Karen,
porém eu já não estava ligando para o que os outros
pensavam, a companhia dela me agradava. Assim
como eu, ela tinha um motorista particular, mas como
ela ia para minha casa dispensou o motorista dela e
fomos no meu carro, ao chegar pedi que aguardasse
no saguão que eu ia avisar a governanta que teríamos
visita para o almoço.
— Voltei, — Disse sorrindo. — Está com muita
fome? O almoço saí em vinte minutos. — Disse um
pouco preocupado.
— Sem problemas. — Disse ela analisando um
dos quadros na parede.
— Você gosta de arte? — Perguntei tentando
puxar assunto.
— Sim, acho que cada pintura representa a
personalidade de quem a pinta, assim como qualquer
tipo de arte, seja ela sonora, escrita, ou pintada. — Ela

~ 64 ~
analisava com fascínio o quadro.
— Foi minha mãe que comprou, toda vez que
ela viaja alguma pintura nova, é um hobby para ela. —
Disse, penso se talvez ela e meu pai já tinham voltado
de Munique, porém lembrei que eles só voltariam no
fim da próxima semana.
— Onde ela está agora? Vai almoçar conosco?
— Perguntou Karen entusiasmada.
— Está viajando com o meu pai. — Disse, e vi
um olhar triste dela. — O que foi? — Perguntei sem
entender a tristeza.
— Parece que todos do nosso nível social tem
o mesmo problema, pais ausentes. — Disse, tentando
se conter para não chorar, então a voz na minha
mente falou novamente “peça para ela te ajudar a
fazer um facebook”.
— Karen, será que você pode me ajudar a criar
um facebook? — O olhar dela foi de total espanto.
— Não acredito que você não tem facebook. —
Disse ela sem acreditar mesmo. — Eu te ajudo senhor
Rafael.
Levei ela até o meu quarto e em dez minutos
eu já estava com a minha primeira rede social no ar,
no momento seguinte a governanta entrou no meu
quarto.
— Senhor Rafael, o almoço está pronto. —
disse à governanta, que aparentava ter mais ou
menos cinquenta anos, com um coque no cabelo, pele
clara e olhos castanhos, cabelo avermelhado e com
um conjunto social feminino como de café.
— Obrigado, Claudia, já estamos descendo —
ela, o motorista e todos na escola estavam
estranhando minha mudança de comportamento e
essa mudança se chamava Karen.
Ao descermos encontramos minha tia Olga

~ 65 ~
entrando, então eu corri para abraçá-la.
— Tia Olga que surpresa agradável. — Disse
abraçando-a.
— Eu que o diga. – Disse ela me soltando. —
Mas quem é essa moça linda? — Disse, olhando para
Karen.
— Meu nome é Karen, Karen Campos. — Disse
ela educadamente.
— Da rede de auto peças Campos? —
Perguntou tia Olga.
— Sim, é a empresa do meu pai. — Disse Karen
sorrindo timidamente.
— Ela começou na escola hoje e a estou
ajudando com a matéria atrasada. — Disse, tentando
disfarçar o mal jeito que fiquei com a situação.
— Se você diz... — Disse minha tia Olga com o
ar de quem não tinha engolido a história.
— Nós vamos almoçar agora, almoça conosco?
— Pedi para ela.
— Não posso, só vim dar um oi, preciso
resolver algumas coisas, depois eu venho com mais
tempo, até mais. — Tia Olga saiu rapidamente sem
me dar tempo para insistir.
— Estranho, ela nunca agiu assim. — Disse
para Karen pensativo.
— Ela queria nos deixar sozinhos. — Disse,
Karen me puxando para a sala de jantar. — Vamos,
agora estou com fome.
Durante o almoço contei para Karen como
funcionavam as coisas na escola, e ela por sua vez me
contou que foi para Portugal quando tinha sete anos e
não pegou o sotaque de lá porque convivia com
muitas crianças brasileiras, disse que o estudo lá não
é muito diferente daqui, me contou que o que muda
mais é a história, e que eles são bem sinceros sobre as

~ 66 ~
colonização de outros países, dizem que se fosse nos
tempos de hoje, muitas coisas seriam diferentes.
Depois do almoço fomos para o escritório do meu pai
estudar, passei tudo o que podia sobre as matérias em
andamento, ela disse que em Lisboa estavam no
mesmo nível que estamos aqui no Brasil.
Pedi, para Roberto, o meu motorista, nos levar
até a casa dela. Karen explicou onde morava e para a
minha surpresa não era muito longe de casa, ao
chegarmos a acompanhei até a entrada.
— Obrigado pela ajuda, agora vou poder
acompanhar as matérias mais segura. — Disse
sorrindo.
— Sempre que precisar de ajuda pode contar
comigo. — Disse, sorrindo timidamente, e quando
menos esperava ela me deu um beijo.
— Até amanha Rafael. — Disse e entrou me
deixando sem reação, ao me virar para voltar ao carro
encontrei Roberto tentando conter o riso.
— Não fala nada Roberto, não fala nada. —
Entrei no carro e seguimos de volta para casa.
No dia seguinte eu achei que estava sonhando
quando vi uma mensagem da Karen “Bom dia meu
atleta predileto”, sorri e respondi “Bom dia olhos de
esmerada”, depois que enviei pensei que poderia ter
escrito algo melhor, então tentei me focar no mais
importante: O teste de futebol. Em menos de vinte
quatro horas minha vida mudou totalmente, mas
decidi deixar essa onda me envolver.
Ao chegar na escola encontrei Karen me
esperando sorridente, parei diante dela e a beijei
atraindo o olhar de todos os alunos que estavam
chegando. — Pronto para o desfile? — Perguntou
sorrindo.
— Só se você estiver. — Disse, então entramos

~ 67 ~
de mãos dadas, a cada passo mais olhos se viravam
para nós, mas não por causa da Karen, e sim por
minha causa, eu tinha sofrido uma metamorfose
completa.
— Por que eles estão olhando tanto para nós?
— Perguntou Karen sem entender.
— Por minha causa. — Disse sorrindo.
— Como assim? — Perguntou ela curiosa.
—Digamos que você me transformou
completamente. — Ela sorriu e me beijou novamente.
O primeiro período passou rapidamente pela
primeira vez, saímos para o pátio de mãos dadas, eu e
a Karen, então Caio e Ben nos abordaram.
— Por que vocês não sentam conosco hoje? —
Perguntou Caio.
— Acho que podemos, se não for incomodo. —
Disse educadamente.
Eu e a Karen sentamos com eles e suas
namoradas, Aline e Beatriz. Aline era japonesa com o
cabelo que ia até a cintura, Beatriz era clara com
verdes e cabelo loiro, que ia até o ombro.
— Então é você a salvadora do Rafael
Andrade? O garoto inatingível? — Perguntou Beatriz
sorrindo.
— Pois é, tenho meus truques. — Disse Karen,
fazendo todos rirem.
— Está pronto para o teste de hoje Rafael? —
Perguntou Caio tomando um gole de Coca.
— Pronto não estou, mas vou tentar. — Disse,
começando a ficar um pouco apreensivo.
— Não se preocupe o professor Otávio é gente
boa, você já está no time, confie em mim. — Disse
Ben, tranquilamente.
— Pessoal já ia esquecendo, hoje tem festa lá
em casa, já que amanhã é feriado e meus pais estão

~ 68 ~
viajando, vamos poder aproveitar. — Disse Aline,
apontando para mim e Karen. — E vocês dois estão
convocados. — Eu olhei para Karen e dei os ombros e
ela assentiu.
Quando foi 16h eu estava no campo da escola
como combinado então o professor Otávio se
aproximou de mim.
— Rafael, confesso que é uma surpresa ver
você aqui para fazer o teste, quando Caio e Ben me
disseram que você viria, eu achei que era zoeira deles,
mas já que está aqui acho que vamos ganhar um novo
atacante. Vamos fazer um jogo de teste, tem mais
quatro garotos, espero que você passe. — Disse o
professor. Então fui para onde ele apontou e me
juntei aos outros rapazes que também fariam o teste.
O professor Otávio apitou e o jogo começou e,
como um flashback me lembrei de quando meu avó
Augusto ainda era vivo e me ensinava a jogar futebol.
Então comecei a dar os passes de bola que me
lembrava. Ao olhar para a arquibancada vi a Karen
torcendo por mim, várias garotas estavam lá,
provavelmente as namoradas dos outros jogadores. O
jogo não demorou muito e logo o apito final soou.
— Parabéns a todos, espero vocês no próximo
treino quinta-feira. Rafael, você foi surpreendente,
precisávamos mesmo de um novo atacante, você
apareceu na hora certa, seja bem vindo ao time. —
Assim que o professor disse isso, Caio, Ben e os outros
rapazes do time me ergueram para o alto e me
levaram para o vestiário como se eu tivesse feito o gol
da vitória do último jogo da temporada.
Assim que anoiteceu eu pedi para o Roberto
levar eu e a Karen para a festa da Aline. Já
acostumado, ele passou na casa da Karen para buscá-
la e então seguimos para a festa. Ao chegarmos, a

~ 69 ~
festa já estava rolando solta, assim que entramos Caio
veio nos receber.
— Pessoal, chegou o nosso mais novo astro do
futebol, Rafael Andrade, esse cara tem futuro. —
Todos começaram a aplaudir.
— Parabéns Rafael. — Disse Karen me
beijando.
— Obrigado. — Eu disse.
— Pelo que? — Ela perguntou abraçada a mim.
— Por me libertar. — Disse sorrindo, porque
ela realmente tinha me socializado.

~ 70 ~
JOSHUA
O amigo de todos
os momentos
(De Antônio de Pádua)

~ 71 ~
Antônio de Pádua
Antônio de Pádua Alves de Araújo Barros, casado,
nascido no dia 22 de Julho de 1973 em São Paulo.
Homem comum, que aos 16 anos passou a observar
fenômenos mediúnicos. Começou a procurar sem sucesso em
muitas religiões a explicação de muitas questões, que a
própria ciência, ainda não explicava ou explica.
A partir dos 18 anos de idade, percebeu que existia
uma força espiritual cigana lhe acompanhando e a partir
desse momento passou a estudar para conhecer a fundo este
povo e sua cultura. Descobrindo em sua própria árvore
genealógica, alguns antepassados ciganos.
A partir dos 30 anos ao lado de sua esposa, resolveu
finalmente dar início aos trabalhos mediúnicos. Abrindo em
sua própria casa uma Tsara Cigana, para que pudesse atender
a todos que procuram por ajuda ou aconselhamento até os
dias atuais.

~ 72 ~
V ou contar um pouco sobre um amigo
chamado Joshua.
Joshua era um menino bem tranquilo
e na dele. Um menino muito simples, muito simples
mesmo, apesar de que sua simplicidade era somente
percebida em seu modo de se vestir, assim como a de
quase todos de seu convívio. Ele não era vaidoso,
vestia-se com uma túnica rústica de linho, usava
sandálias rasteiras, seus cabelos eram compridos e
ele não tinha nenhum cuidado especial para com eles.
Nas bandas onde morava existia uns óleos especiais,
mas ele jamais esquentou a cabeça com isso. Gostava
mesmo de usá-los soltos, pois nunca os prendia,
deixava que o vento assim os penteasse. Na verdade,
ele sabia que muitas vezes o vento mais os
bagunçavam do que os penteavam, mas isso ficaria a
critério do vento.
Nessa fase de menino ele gostava de soltar os
animais que ficavam presos, pois sabia que aqueles
amigos seriam sacrificados ou serviriam de banquete.
Isso acabou acarretando alguns problemas para seus
pais. Sua mãe, de tão doce que era, compreendia
porque ele fazia aquilo, porém pedia com carinho que
ele não fizesse mais, pois os donos dos animais
estavam reclamando dele. Assim, mesmo pequeno,
passou a colher de árvores frutíferas todas as boas
frutas que elas continham para consumo. Enchia um
cesto e levava para cada família que na qual ele havia
soltado um daqueles animais. Essas mesmas famílias
viam o sacrifício que o menino fazia para retribuí-los
e acabavam não mais brigando com ele. Reparavam
que, mesmo pequeno, ele gostava de verdade dos
animais, já que era comum vê-lo falando com eles.
Parecia que o menino realmente tratava-os como
amigos, uma vez que ele falava baixinho em seus

~ 73 ~
ouvidos e eles pareciam que compreendiam
perfeitamente. O que era muito estranho, pois muitas
vezes as pessoas, principalmente as adultas, não
entendiam o que ele falava, mas os animais sim, esses
entendiam tudo que Joshua falava de forma
confidencial a eles.
Às vezes, o menino não precisava nem usar de
palavras para que os animais o compreendesse,
bastava um simples gesto do pequeno Joshua para
entenderem sua vontade ou para que eles fizessem o
que era pedido. Dessa forma, ele demonstrava para
quem quisesse ver que para se construir uma
amizade, basta que um demonstre em forma de gesto
ou olhar o que se deseja. Para se ter amigos, não é
necessário que se imponha nada à ninguém, basta
estarmos dispostos a nos doar ajudando a quem
precisa em momentos difíceis. Com isso muitos
animais foram poupados, sem mesmo saberem de
nada. O incomodo que isso causava em Joshua era
incontrolável e quando ele os soltava, pedia para que
fugissem para salvar suas peles, literalmente. Muitas
vezes, não entendemos quando escutamos um pedido
sem sentido de um amigo. Mesmo sem entender, é
melhor começarmos a pensar duas vezes antes de
agir, pois esse amigo pode estar nos tirando de um
caminho de sofrimentos e amarguras. Sua mãe que
havia pedido para que Joshua parasse de soltar os
animais, agora pedia que ele parasse de levá-los para
casa, pois cada animal que conseguia salvar levava
para sua pequena casa. Seu pai entendendo os
motivos e a boa intenção do menino tratou de fazer
um lugar muito especial, para que ele pudesse
guardar os animais.
Em outra oportunidade o menino reparou que
um homem estava pronto para sacrificar uma ovelha,

~ 74 ~
só porque esta havia adquirido uma doença e ficado
cega. Ele insistentemente, como só uma criança é
capaz de fazer, pediu clemência pela ovelha e para
que o homem não a sacrificasse. O homem
sensibilizado atendeu seu pedido e lhe entregou a
ovelha. Com muito carinho ele a aconchegou em seus
pequenos braços e de tão protegida que ela se sentiu
parou até de tremer. A ovelha de tão grata ao menino
parecia que soltava uma lágrima de seus olhos e ele
de tão compadecido que estava com o sofrimento
dela, por não poder enxergar, passou suas mãos
carinhosamente em seus olhos, secando-os. Após esse
feito percebeu que a pequena ovelha parecia estar
feliz e não mais trombava nas coisas, foi quando
entenderam que ela havia recuperado a visão. E isso
se deu com outros animais que na tentativa do
menino aliviar suas dores, com as mais diversas
enfermidades que possuíam, acabava por curá-los.
Feito que somente uma amizade abastecida de amor
verdadeiro é capaz de fazer, ou seja, as amizades
muitas vezes não só curam as feridas, mas também
saram tudo aquilo que faz o amigo sofrer e nos faz
enxergar o quanto vale a pena termos um amigo.
Não demorou, portanto, para que alguns
vizinhos passassem a levar ao pequeno Joshua seus
animais enfermos e que de uma forma, muito simples
e singela, os bichos acabavam sendo curados. O
menino não acreditava que fazia milagre, dizia apenas
que o amor que ele sentia verdadeiramente por essas
criaturas é que curava seus males.
Joshua era asim, tudo que ele fazia era de uma
simplicidade comovente e com isso tentava mostrar
que é muito simples ter amigos, basta que se tenha a
boa vontade e o desprendimento para abrirmos mão
de nossa comodidade em favor ao próximo. De tão

~ 75 ~
simples que ele era, que se hoje, ele passasse entre
nós em uma rua qualquer provavelmente não lhe
daríamos a mínima atenção. Por isso acredito que
Joshua teve a necessidade de sair de seu pequeno
mundo para fazer amigos por toda a parte, já que
desde pequeno gostava de caminhar como ninguém.
Olhava com tristeza quando não podia interferir em
alguma situação, devido a sua idade. Apenas abaixava
sua cabeça e com as mãos unidas, pedia para que seu
Pai ajudasse em tal situação. Alguns até riam dele,
menosprezando esse seu gesto singelo e amoroso.
Muitas vezes era ridicularizado por alguns, que não
entendiam nem viam nele um verdadeiro amigo. Só
que ele nunca ligou para isso, aprendeu a ignorar e
não cultivava raiva alguma dentro dele, entendia que
eram pessoas com dificuldades de compreender o que
só um verdadeiro amigo é capaz de fazer.
Sua inocência não cabia naquele tempo e nem
nos dias atuais, mas ele parece que nunca ligou para
isso. Hoje acontece de sermos ignorados quando
fazemos algo bom para alguém e até somos criticados
em alguns casos, pois sempre terá alguém para tentar
menosprezar nossas atitudes. Se entendermos que é
melhor ignorar qualquer atitude arredia do que
guardar alguma raiva, talvez um dia, entendamos
como Joshua sentia-se ao ver um amigo em apuros.
Seus pais haviam desistido de conseguir
roupas novas para ele, já que se desfazia com
facilidade delas. Certa vez um garoto, quase de sua
idade, passou chorando por ele por ter tido seus
cabelos raspados. Lá foi Joshua dar o gorro que havia
ganhado para que o amigo parasse de chorar, dessa
forma ele iria cobrir sua cabeça raspada e não
precisaria mostrá-la mais a ninguém. Ele havia
ganhado uma manta de seu pai para mantê-lo

~ 76 ~
aquecido nos dias frio, também foi ofertada a outra
pessoa. Quando chegou a sua casa, sem a manta, seu
pai perguntou onde havia perdido e ele disse:
— A dei para um senhor que era quase de
minha altura e que estava com bastante frio na rua.
Eu tenho uma casa para me abrigar e me proteger do
frio, mas ele não.
Havia ganhado um cinturão de seu irmão e que
também não demorou muito tempo em sua cintura,
pois havia emprestado para um homem desatolar um
cavalo que estava preso em um lamaçal. Então, como
aquele objeto havia servido para salvar a vida
daquele animal, ele preferiu deixá-lo com o homem,
pois poderia ser que ele precisasse novamente em
outra situação em que o animal precisasse ser salvo.
Havia ganhado uma sandália nova de sua mãe, mas
não se desfez da velha. Passado alguns dias, ele
avistou outro homem carente de toda sorte andando
na rua com seus pés feridos, por andar descalço tanto
tempo, e o menino calçou sua sandálias velhas e
entregou as novas, feliz da vida. Com isso
aprendemos que amizade, muitas vezes, é doação e
não apenas de objetos, mas de sentimentos. O que
mais brilhava em Joshua era seu olhar de felicidade
por ter servido alguém, mesmo que ficasse sem. Para
ele a satisfação era que alguém fizesse bom uso
daquilo que ele entregava. Tão bom seria se todos
entendessem e fizessem o bom uso dos exemplos que
Joshua nos deixou.
Ele passou então a ajudar alguns homens que
carregavam cestos de frutas, sabia com isso que esses
homens o ajudariam dando-lhe uma pequena porção
de frutas. Dessa forma ele poderia matar a fome de
outras pessoas, que não tinham nem mesmo forças
para fazer o mesmo que ele e ainda escondia de seus

~ 77 ~
pais algumas frutas para alimentar os seus animais.
A amizade também nos faz entender que
muitas vezes tiramos de nós algo para ofertarmos ou
dividirmos com alguém, sendo que sempre haverá o
suficiente para que todos fiquem satisfeitos. Pena que
para muitos, vale mais acumular riquezas do que
dividi-las com muitas pessoas e não conseguem ser
iguais a Joshua, por terem um enorme ego. O que elas
não entendem é que esse mesmo ego as levará a não
fazerem amigos verdadeiros e que seus caminhos
serão mesmo de solidão. Até bons materiais se não
usados, as traças e o pó, aliados ao tempo, os
consumirão até que não existam mais.
Joshua, além de cuidar dos animais também
adorava contar histórias, e elas eram contadas de
forma tão insólitas que todos as admiraram, pois
vinham daquele garoto franzino e humilde. Tanto que
sempre alguém deixava algo em retribuição a ele,
como frutas ou especiarias. E lá ia ele dividir com os
demais amigos, fossem humanos ou animais. Uma vez
comentou algo bem interessante.
Sua história era sobre amizade e como as
amizades se pareciam com as sementes. A terra fértil
e produtiva onde deveriam ser plantadas era o
relacionamento e o adubo era o carinho e a afeição
que deveriam ser tratadas com rega diária.
Uma semente foi plantada e não brotou,
morrendo pela longa estrada do esquecimento, após
ter sido pisoteada por muitas pessoas. Outra não
brotou por ter sido envenenada pela inveja, enquanto
outras sementes foram esquecidas por terem sido
regadas pelas mágoas onde muitas se sentiram
literalmente esmagadas em suas confianças. Outras
sementes, não se desenvolvem por serem regadas
com duras palavras que são ingeridas como espinhos.

~ 78 ~
Como não são adubadas pela tolerância e pela
perseverança acabam sendo sufocadas e não crescem
satisfatoriamente. Elas até chegam a crescer, mas não
conseguem atingir a maturidade dado a forma rude
com que são tratadas e onde não possuem liberdade
para se expressarem. Outras sementes caem em solo
seco, onde somente são visados interesses pessoais,
não são regadas com o frescor do adubo da amizade
sincera e logo secam por estarem impregnadas no
solo infértil da desconfiança. Outras tantas sementes
de amizades são perdidas, já que muitos não se dão
conta do valor que é ter um amigo de verdade.
Mesmo a morte não consegue separar os
verdadeiros amigos, já que todas as palavras que os
amigos nos falam, em vida, ficam guardadas dentro de
nós. E vez ou outra, nos recordamos delas, pois
ficaram eternizadas em nossos corações. Assim,
quando não existe mais amizade entendemos que não
eram amigos verdadeiros e sim eram apenas
conhecidos voltados para seus interesses
particulares. Uma amizade verdadeira jamais morre,
ela só nasce e dá frutos perpétuos. Uma amizade não
brota quando não é adubada ou mantida pelos laços
da sinceridade e do bem querer.
Joshua tornou-se adolescente e sempre tinha
amigos por onde andava. Adorava sentar nas pedras e
contar suas histórias. Algumas vezes, apenas, se
isolava de todos quando precisava meditar e parecia
que nessas horas ele conversava com alguém que só
era visto por ele. Todos respeitavam sua maneira de
ser, pois com certeza deveria estar falando com mais
algum amigo. Talvez estivesse falando com o vento,
talvez com as árvores ou com tudo que estava ao seu
redor. Talvez, ainda, só quem poderia dizer com
quem ele estaria falando seriam os pássaros que os

~ 79 ~
rodeava, nessas horas de isolamento. Ninguém
duvidava que ele estivesse conversando com alguém
misterioso e que provavelmente fosse a favor de
algum amigo que ele havia feito pelo caminho.
Pelo jeito sua lista de amigos era grande, pois
demorava certo tempo nos vales a meditar ou
conversar com quem quer que fosse. Mesmo nessas
horas entendia que ninguém havia nascido para viver
isolado de tudo e de todos, assim cada vez mais
juntava pessoas perto dele para ouvir suas histórias.
Claro, que isso também não agradou a todos. Muitos o
viam como insolente, desde pequeno, em relação a
alguns assuntos, principalmente porque ele não tinha
religião. O que essas pessoas não entendiam é que ele
falava sobre amor e amizade, mas como eles sempre
costumavam misturas às coisas por não entendê-las,
ele acabava não ligando que falassem dele. Essas
pessoas encaravam a amizade e o amor como um
caminho que os conduziriam ao poder e a conquistas
materiais. A ganância era o real motivo para que
mantivessem certas amizades e não percebiam que
isso os conduzia a uma tirania.
Seus pais, por diversas vezes, o aconselhavam
a parar de contar àquelas histórias, já que os homens
não entendiam que ele estava apenas falando sobre o
amor que deveria existir entre as pessoas. Dessa
forma ele, aos poucos, foi falando somente o
necessário e tentava, mesmo assim, ajudar a todos de
alguma forma. Ele desenvolveu um olhar ainda mais
generoso que transmitia muita paz a muitos e por
onde passava muitas vezes não precisavam falar nada
para que ele as ajudasse. O amigo é assim, às vezes
basta um olhar para entendermos sua opinião. Um
amigo, para não desagradar demais pessoas que estão
a nossa volta, apenas lançam um olhar de reprovação

~ 80 ~
ou de concordância não sendo necessário emitir, se
quer, uma palavra.
A essa altura, ele havia adquirido o hábito de
navegar junto com os pescadores daquela região em
seus barcos. Partia ele em silêncio e ficava
observando a paisagem, ficando conhecido também
entre os pescadores. Ele os olhava como se tivesse
procurando algo em seus interiores, mesmo que não
entendessem o que ele procurava gostavam do seu
jeito e de sua companhia. Outras vezes, esperava os
pescadores voltarem da pescaria para ajudá-los a
limpar e vender os peixes. Algum por gostarem tanto
de sua companhia os chamava para beber e ele dessa
forma aprendeu a apreciar um bom vinho. Jamais
conseguiu se embebedar, pois preferia ficar de olho
em seus amigos, pois caso fosse preciso conduzi-los-
ia a suas casas. Quando não conseguia, os levava a
uma gruta, que parecia ser conhecida somente por
ele, assim deixava o dia amanhecer para poder
acompanhar seus amigos até suas casas.
Sua mãe sempre foi muito sua amiga e
percebia que Joshua não permaneceria por muito
tempo em sua companhia. Ela aprendeu a pedir
proteção a seu filho e a rezar. Seu pai jamais o
agrediu, pois sabia que as intenções de seu filho eram
boas, sendo sempre difícil repreendê-lo. Ele sentia
que Joshua era bem diferente de seu irmão, sendo
este muito caseiro e por sempre ficar juntos de seus
pais.Joshua desde pequeno levantava-se bem cedo e
saia para caminhar, talvez devido a isso fosse um
jovem bem esbelto, em vista de outros de sua idade
que demonstravam uma barriga saliente, proveniente
dos abusos que faziam dos alimentos.Alguns,
inclusive, tentaram até arrumar namorada e/ou
mulher para ele,sem sucesso, pois era feliz do jeito

~ 81 ~
que vivia. Ele não conseguiria dar a mesma atenção
que dava a todos, apenas para uma pessoa. Conseguia
a proeza de não se viciar em nada, apenas fazia
amigos por onde andava.
Seus conhecimentos e sabedoria pareciam ser
de um autodidata, pois falava coisas que não eram
normais, nem mesmo para muitos letrados que
possuíam sabedoria. Em alguns casos parecia que ele
chegava até a desafiar os homens letrados, mas na
verdade ele colocava as mesmas coisas de uma forma
diferente. Eram apenas versões diferentes e que
faziam eles mesmos entenderem que não haviam
pensado dessa outra forma. Ele passou a usar frases
curtas para não se estender e para ser compreendido
por muitos dos que o ouviam. Tanto que muitos
amigos passaram a memorizar o que ele falava
quando estava inspirado.
O tempo foi passando e Joshua crescendo. Na
fase adulta tornou-se homem e mesmo assim não
deixou de fazer amizade por onde passava. Ele sentiu,
em seu coração benigno, a necessidade de ter mais
amigos a seu lado, para que pudesse ajudar mais
pessoas. E assim foi chamando alguns amigos que
encontrava pelo caminho, um a um, e logo havia
formado uma turma de doze homens. Tornaram-se
amigos inseparáveis, já que amizade é compartilhar
dos mesmos interesses. Todos eram diferentes, uns
dos outros, mas com isso Joshua fez entender que
amizade é uma escolha. Agora, Joshua era visto
acompanhado de seus doze amigos e por onde
andavam praticavam sempre o bem. Entusiasmado
coma presença de seus amigos, resolveu que estava
na hora de ir mais longe, ir a cidades circunvizinhas lá
pelas bandas do Oriente Médio mesmo. Eles faziam
tanta bondade que o povo passou a prestar mais

~ 82 ~
atenção neles.
Em uma dessas cidades, Joshua, de tão simples
que era, pediu que trouxessem um burro para que ele
pudesse adentrar naquela cidade. Haverá inúmeras
explicações para o motivo que o fez escolher um
simples asno que estava preso em sua própria
solidão, já que nunca havia sido montado por
ninguém. Isso lhe deu uma profunda tristeza e isso o
fez ter dó daquele animal. Joshua vendo que o povo
daquela cidade o receberia com festa, pediu que seus
amigos trouxessem aquele burrinho. Dessa forma iria
proporcionar àquele burrinho ter um amigo e entrou
à cidade debaixo de vários acenos, montado naquele
burrinho. Agora, parecia que o burrinho sorrir para
todos, sentia uma enorme satisfação por estar
levando seu novo amigo montado nele, para que
pudesse descansar de sua longa caminhada. E a
amizade muitas vezes, é assim. Quando tiramos um
amigo da solidão ele será capaz de nos levar seja no
colo, ombro ou até mesmo em seu próprio lombo em
forma de agradecimento em nossos momentos de
cansaço. Cada coisa que Joshua fazia estava ligada, de
alguma forma, a amizade que sentia por todos,
mesmo àqueles que nem conhecia. Não dispensava
um bom bate papo e se sentava várias vezes, junto de
seus amigos. Falavam de muitas coisas que servia não
apenas para eles, mas para todos que estavam
próximos a eles e ouviam o que eles conversavam.
Uma vez, junto de um dos amigos, resolveu
pescar. Um de seus amigos disse que o mar não
estava bom, mas ele insistiu e saíram. Seu amigo
jogou a rede de um lado do barco e nada. Aquele dia
parecia realmente está fadado a não ter peixe
suficiente para todos. A confiança de Joshua era tão
grande que pediu que o amigo jogasse a rede do outro

~ 83 ~
lado do barco, esse mesmo sem acreditar muito
atendeu ao amigo. Para a surpresa de todos algo havia
acontecido e dado certo, pois grande foi à quantidade
de peixes que a rede trouxe a tona.
Em muitas outras vezes Joshua mostrou que
precisava ter Fé naquilo que se propunham a fazer
para que desse certo, já que de alguma forma, sempre
seremos ajudados por forças que controlamos céus e
mares. Só que para sermos realmente ajudados
precisamos jogar a rede de nossos sonhos sem medo.
Quando nada acontecer, deveremos entender que
esse local onde jogamos nossa rede nos levará apenas
as desilusões. Mas quando estamos determinados em
concretizarmos nossos desejos, saberemos pescar os
melhores resultados de nossas metas jogando a rede
novamente do outro lado. Isso só um verdadeiro
amigo poderia nos ensinar de forma, assim, tão fácil.
Certa vez, andando com seus amigos pela
cidade em uma determinada rua percebeu um
alvoroço. Ao se aproximar daquela confusão
constatou que havia uma mulher sendo julgada, por
muitos homens e que foi rapidamente condenada
como sendo culpada. Todos se abaixaram e pegaram
uma pedra e antes que fosse arremessada a primeira
pedra em direção a ela, Joshua interferiu para tentar
impedir que uma tragédia acontecesse, mesmo sem
saber do que se tratava. Ele precisava ser tão rápido
quanto foi o julgamento deles para com ela, então
disse:
— Aquele que dentre vós estiver sem pecado,
seja o primeiro a lhe atirar a pedra. Eles então
entenderam que cada um deles possuía também
defeitos e que eram apenas diferentes do daquela
mulher. Sendo assim, largaram as pedras da
condenação e todos saíram de sua presença,

~ 84 ~
envergonhados. A mulher que estava de cabeça baixa
e que antes havia visto somente pessoas a
condenando, ao levantar sua cabeça viu o semblante
de Joshua. O semblante de um verdadeiro amigo que a
havia lhe salvado da morte em momento oportuno.
Esse tipo de amizade, poucos podem compreender,
pois para a maioria das pessoas é necessário que
façamos ou damos algo em troca, para que alguém se
torne nosso amigo. Aquela mulher, nada havia feito
para Joshua e, no entanto, ele não apenas a ajudou
mais salvou sua vida. Como se estivesse predestinado
salvar da morte todos seus amigos.
Assim também ele agiu com diversas pessoas,
pois Joshua as ajudava sem mesmo conhecê-las.
Lembrou-se que uma vez havia curado uma ovelha da
cegueira, foi quando resolveu agir em favor de um
velho homem que não enxergava, desde nascença, e
acabou por curá-lo também. Suas amizades sinceras
foram crescendo cada vez mais, já que por onde
andava não deixava de fazer amigos sendo que até
hoje muitos fazem dele um verdadeiro amigo para
todos os momentos. Alguns homens temendo que
essa forma de se fazer amigos abalasse as leis
supremas, da época, os levaram a presença do Rei.
Para que isso ocorresse obtiveram a ajuda de um de
seus amigos íntimos, que decidiu entregá-lo. Mesmo,
ele sabendo de quem se tratava ser o amigo que o
entregou, não se sentiu traído e nem perdeu sua Fé.
Na hora em que foi pego, para ser julgado, pediu que
não fizessem nada com seus amigos, uma vez que eles
tinham conseguido aquilo que queriam. Só que esses
homens não sabiam do que acusá-lo e arrumaram
uma desculpa. Disseram ao Rei que ele estava
tentando contra a coroa, estava incitando o povo
contra a Lei existente e que temiam uma rebelião,

~ 85 ~
pedindo sua condenação à morte como exemplo aos
demais. Mesmo o Rei não achando nada que devesse
ser Joshua condenado a morte, o fez. As pessoas, às
vezes, agem assim quando se sentem incomodadas e
não conseguem fazer amizades de forma natural.
Até na hora de sua morte, lá estava ele fazendo
amigo. Dizia a um dos que estavam ao seu lado que
logo estariam juntos no paraíso, aliviando assim o
medo que o homem estava sentindo, naquele
momento. Para muitos, ele é o amigo de todos os
momentos, mas há ainda aqueles que não o
conheceram. Acredito que, um dia, todos nós teremos
a oportunidade de fazermos verdadeiramente
amizade com aquele, que se chamou Joshua e que
devido às várias traduções que as escrituras tiveram é
mais popularmente conhecido por Jesus.
Acredito que isso se deu pela intimidade da
amizade que ele proporcionou aos amigos de chamá-
lo assim, e por ele ser o verdadeiro amigo de todos os
momentos.

~ 86 ~
Clara
(De Rafaela Polanczyk)

~ 87 ~
Rafaela Polanczyk
A mineira Rafaela S. Polanczyk sempre foi uma leitora
voraz, e não demorou a se apaixonar pelo mundo da escrita.
Já aos 13 anos, começou a escrever O Rei Perdido, o
qual foi publicado aos 16, e, aos 18 anos, publicou a
continuação, O Império Subterrâneo.
Hoje, aos 19 anos, cursa Ciências Biológicas na UFMG,
e dribla os estudos com aulas de dança e de música. No
entanto, a escrita é sua profissão de coração, e vários livros já
estão sendo escritos para os próximos anos que estão por vir.
“Clara” foi um conto inédito elaborado especialmente para a
coletânea “Para Sempre Amigos”, e ela está muito contente
em finalmente poder compartilhar mais essa obra.

~ 88 ~
ofia estava na sala comendo um grande pedaço

S de bolo. Era seu aniversário e ela mal podia


esperar pelas visitas que chegariam. Sua mãe
tinha convidado todas as colegas de sua sala, e ela
estava doida para ver os presentes que receberia.
A menina encarou seu pote de mingau,
animada demais para enfiar a colher na boca. Sua mãe
tinha acabado de sair da cozinha para pegar seu
presente, e Sofia esperava que finalmente receberia
um novo brinquedo.
Um fato triste: Sofia tinha poucos brinquedos,
a maioria era de segunda mão. Sua primeira e única
boneca era de pano e já estava toda rasgada e
remendada, de tanto que Sofia brincara com ela. Mas
agora que seu pai fora promovido para outra cidade,
talvez finalmente pudesse ter uma nova boneca.
Ela sorriu para o pai ao seu lado, contente com
a possibilidade. Ainda era criança, mas era óbvio que,
se agora ela tinha uma casa mais decente para morar,
quem sabe poderia ter uma boneca mais decente para
brincar? Uma que fosse como as das suas novas
colegas: com os cabelos bem arrumados, as roupinhas
bem cuidadas, a porcelana impecavelmente limpa...
Seria um sonho!
— Sofia! — sua mãe gritou do corredor, e a
menina pegou suas muletas, saindo correndo na
expectativa. — Feliz aniversário, querida!
A criança olhou para as mãos da mãe. Uma
caixa grande de papelão envolvia seu presente, que a
mãe carinhosamente oferecia. Ela soltou um grito de
euforia e bateu as palmas. Sim! Finalmente um
brinquedo!
— Agora abra com cuidado! — a mãe disse,
passando a mão nos cabelos pretos da filha e
guiando-a até o sofá da sala.

~ 89 ~
A criança se jogou no sofá, deixando as muletas
caírem, e ergueu a mão para rasgar a caixa.
Assim que abriu, retirou uma boneca de
porcelana, e ficou encantada com a nova filhinha,
deixando lágrimas de felicidade escorrerem.
— Ela é igual a mim! — Sofia exclamou,
observando a perna esquerda que faltava na boneca.
— Obrigada, mamãe! — disse, subitamente
abraçando-a.
— E olha só o que mais veio com ela! — a mãe
disse entusiasmada, retirando de dentro da caixa um
objeto que a menina ainda não tinha visto. — Ela vem
com uma perna de madeira igual à sua!
Sofia ficou mais encantada ainda ao pegar a
pequena perna e encaixar na boneca. Agora sim um
brinquedo decente. Uma filha igual a ela! Muito
melhor que as bonecas perfeitas de suas colegas. Essa
tinha o cabelo enrolado, a pele mais escura e a perna
igual à dela!
Distraída com o brinquedo, nem reparou
quando sua mãe começou a preparar o almoço para a
festa. Infelizmente naquele ano não haveria seus
parentes para comemorar seu aniversário, já que a
nova cidade era longe de sua cidade natal, mas com
novas colegas, e agora a boneca, o dia seria mais que
especial.
As horas passaram, o almoço ficou pronto, o
pequeno bolo foi cuidadosamente colocado no centro
da mesa e alguns balões decoravam a casa. Só
faltavam as colegas chegarem para a festa começar.
E foi o que realmente faltou naquele dia.
Pois a hora do almoço passou. A comida
esfriou. Os balões murcharam. E nada de colegas
virem para comemorar o grande dia de Sofia. Afinal,
quem iria para a festa da esquisita sem perna? Da

~ 90 ~
pobre Sofia que mal tinha uma boneca? Mal sabiam
elas do brinquedo novo que recebera.
Os pais, preocupados, consolaram a menina,
mas não havia nada que poderiam fazer para trazer a
felicidade de volta aos olhos da criança.
Com lágrimas escorrendo das bochechas, Sofia
apagou sua vela com um grande 6, e andou
lentamente para o quarto, sem nem mesmo comer a
fatia de seu bolo favorito.
Mas a verdade era que Sofia era forte, e ela não
precisava das coleguinhas de sua sala para ser feliz.
Ela agora tinha uma boneca igualzinha a ela! O que
mais precisaria?
E, de fato, Sofia nunca mais precisou de nada
desde aquele aniversário. Clara, a boneca, virou sua
melhor amiga, e para onde Sofia ia, Clara ia junto. A
Sabedoria e a Iluminada. Precisaria de algo mais? A
dupla certamente era abençoada. As duas sempre
discretas, sempre na delas, mas sempre felizes por
uma ter a outra.
Porque Clara até podia ser a melhor amiga de
Sofia, mas o ponto chave dessa história está no fato de
que Sofia era a melhor amiga de Clara.

***
Os anos se passaram.
Sofia e Clara. Clara e Sofia.
Mas sempre chega o dia em que crianças
deixam de lado seus brinquedos, e Sofia deixa Clara. O
que antes era um brinquedo, passou a ser um mero
enfeite em cima da prateleira, e memórias boas a cada
vez que o olhar de Sofia pousava na boneca.
Sofia, felizmente, não era mais uma criança
sozinha. Realmente, não, agora ela era quase adulta, e
de fato já tinha alguns meninos que se encantavam
~ 91 ~
com a natureza única da jovem.
A campainha da velha casa de madeira tocou, e
Sofia saiu correndo para atender a porta. Há um bom
tempo a falta de uma perna já não fazia diferença
alguma na sua vida. As muletas quase nunca eram
precisas, uma bengala já era ajuda mais que
suficiente. Suas próteses, apesar de ainda serem
desconfortáveis, eram de uma qualidade muito
melhor e a permitia facilmente fazer coisas
corriqueiras, como correr até a porta.
Porém mais do que as próteses novas, o que a
fazia correr era a ansiedade para encontrar com
Mateus. O garoto que a acompanhava todos os dias
para a aula desde o início do ano, e que ela percebera,
nas últimas semanas, que gostava muito. E ele
também notou que gostava muito dela.
— Ei Mateus! — ela exclamou para o menino
que a aguardava na porta. Então ela saiu do caminho
desajeitadamente, quase tropeçando na própria
perna. — Pode entrar!
Mateus sorriu para ela.
— Pronta para fazer as malas? — Ele
perguntou, com a voz um pouco triste.
Sofia tinha passado para uma universidade em
outra cidade, e tinha o chamado para ajudar
empacotar algumas coisas.
— Bem... Sim! Mal posso esperar para chegar
lá e conhecer a cidade grande, conhecer pessoas
novas! Quem sabe dessa vez mudar de cidade não seja
tão ruim?
A menina estava visivelmente animada, mas
respirou fundo quando viu a tristeza do amigo.
— Ainda temos um mês juntos. — Ela disse,
mais calma. — E nós vamos nos ver todos os meses!
Trocar mensagens e telefonemas. Nem vai parecer tão

~ 92 ~
distante.
— Você vai fazer falta. — Mateus disse,
pegando Sofia pelo braço.
A menina sorriu levemente, e logo puxou o
amigo levando-o ao seu quarto.
— Sei que está um pouco bagunçado, mas é
que andei tirando tudo dos armários para decidir o
que levar e o que deixar.
— Bagunçado? Parece é que você abriu as
portas do inferno!
Sofia bateu no braço do amigo.
— Vamos logo.
Eles começaram a separar o que iria para a
cidade grande e o que ficaria para trás. Parecia que a
quantidade de coisas que Sofia tinha não acabava. Ela
guardava cada caderno, cada cartão, cada papel velho,
qualquer lembrança. Os dois precisaram de horas
para conseguir separar.
— Bem, está muito mais limpo agora. —
Mateus disse ao perceber que faltavam só algumas
coisas para guardar.
— Sim. Acho melhor a gente terminar logo
então. Deixar esse quarto novinho. Minha avó vai ficar
nele quando eu for, e vai preferir ter ele limpinho.
— Então quer guardar até essas coisas que
sobraram? — Mateus pegou a boneca de porcelana na
prateleira. — Inclusive Clara?
Sofia pegou a boneca carinhosamente.
— Tem um bom tempo que não brinco com
ela. Acho que vai ser melhor guardar e evitar que
fique empoeirada.
— Pensei que ainda conversasse com ela
quando se sentia sozinha... — Mateus disse
brincando.
— Sim, mas acho que ela vai ficar melhor de

~ 93 ~
volta na caixa.
E assim Clara foi parar na caixa. E a caixa foi
parar no fundo do armário. E o armário foi fechado.
E agora, caros leitores, é que essa história
realmente começa.
***

A noite estava silenciosa. O quarto de Sofia


parecia completamente vazio depois de encaixotar
metade do que tinha nele. A cama era a única coisa
que não tinha saído do lugar, e a jovem dormia
profundamente entre suas cobertas.
De repente as luzes do quarto se acederam e
Sofia acordou preocupada. Olhando ao redor,
percebeu que não havia ninguém alí com ela, e logo,
voltou a desligar as luzes e dormir. Provavelmente
mais um dos curto-circuitos que acontecia na casa.
No entanto o que aconteceu em seguida não
podia ser obra de efeitos elétricos.
A janela do quarto se abriu sozinha e
lentamente, deixando o vento entrar, acordando Sofia
novamente. Assim que seus olhos abriram, viu a
janela se fechar lentamente.
Assustada, a jovem se levantou e acendeu as
luzes. No entanto elas logo se apagaram. E dessa vez
Sofia teve certeza que não fora um curto-circuito.
Buscou por seu celular na cômoda ao lado, mas
ele caiu no chão antes que pudesse sequer ligar a
lanterna.
Com o coração na boca, saiu da cama, pegando
as velhas muletas que ficavam encostadas na parede
ao lado, e foi correndo para o corredor.
— Mãe! — gritou, desesperada.
Ela não ouviu resposta, e as hipóteses mais
absurdas começaram a inundar seu pensamento.

~ 94 ~
— Pai! — gritou novamente, e ouviu um
barulho no quarto ao lado.
— Sofia! — a mãe gritou de volta, do quarto ao
lado. Sua voz evidentemente preocupada.
A porta se abriu abruptamente, assustando a
jovem que quase caiu para trás, ofegante.
A mãe a agarrou, procurando por algum sinal
de machucado, mas a jovem só parecia pálida e
assustada, com suas pupilas dilatadas.
— A luz, a janela, aí o celular e eu vim
correndo. – Sofia disse, sem conseguir se explicar
melhor.
— Respira. Deve ter sido só um pesadelo. Ou
confusão de sua mente cansada. É muita novidade
que vem por aí, é natural sentir medo e a mente criar
coisas.
Sofia balançou a cabeça desesperada. A mãe
evidentemente não tinha entendido.
Ela olhou para trás, quase esperando que algo
aparecesse pela porta do quarto.
— A luz ligou, a janela abriu e fechou, a luz
desligou sozinha, o celular caiu no chão. E eu não fiz
nada disso! Foi, tipo, tudo sozinho.
Sua mãe a pegou pelos ombros.
— Você deve estar ficando ansiosa. Vamos, vai
dormir. Não é nada. A casa tem curto-circuitos há um
bom tempo, você já sabe.
Sofia ficou petrificada no lugar. Ela não pisaria
de novo naquele quarto. Seus olhos imploraram para
a mãe entender.
— Então tá. Você pode dormir no meu quarto
por hoje.
As duas passaram pela porta, e Sofia se deitou
entre os pais, custando a adormecer.
— Vai passar a noite com a gente? — o pai

~ 95 ~
perguntou, mas Sofia se manteve calada, ainda
assustada.
— Acho que ela já deve estar sentindo saudade
da gente. Medo de ir para outra cidade sozinha,
talvez. — A mãe respondeu, bocejando.
Mas se a mãe tivesse visto o que Sofia viu,
saberia que a jovem estava longe de sentir saudade de
casa.
No dia seguinte, Sofia não hesitou em contar à
Mateus o que aconteceu, e, após debochar um pouco
da amiga, ele se voluntariou a dormir no quarto com
ela. Se algo acontecesse, ele estaria lá para verificar o
problema.
— Então você diz que as luzes ligaram
sozinhas e que a janela se abriu? Você acordou com a
brisa que entrou? — Mateus perguntou, entrando
embaixo das cobertas. — Mas sua casa tem curto-
circuito a todo momento.
— Explique a janela. — Sofia exigiu, cruzando
os braços e se afastando do vidro. Ela tinha medo de
algo aparecer logo alí.
— Vai ver você é sonâmbula e não sabia. Abriu
a sua janela e acordou com o vento. Ligou as luzes,
mas deixou o celular cair e se assustou, sem querer
apagando elas.
— A luz se apagou antes do celular cair. Para
Mateus. Acredite em mim. Eu sei o que vi.
— Certo. — Ele disse se virando, reparando em
algo em cima da prateleira. — Ei, nós não tínhamos
guardado a Clara?
Sofia olhou para a boneca, só então reparando
nela.
Sorrindo, ela pegou seu brinquedo e acariciou
o cabelo dela.
— Minha mãe acha que estou ansiosa e que já

~ 96 ~
estou sentindo saudade de casa. Ela deve ter pegado a
boneca para eu me sentir melhor.
— Ah bem. Você quer guardar ela de volta?
Antes que Sofia respondesse, a luz começou a
piscar.
— Curto-circuito. – Mateus a acalmou.
— Acho que por hoje eu fico com ela. — Sofia
respondeu prontamente, e se sentiu bem mais calma
quando a luz finalmente parou quieta.
De fato, aquela noite foi bem mais calma. Nada
demais aconteceu. Mateus acordou no dia seguinte
com uma cara de quem esteve certo o tempo todo.
— Pode ser que foi algo de uma vez só. Talvez
não vá acontecer de novo! — Ele disse enquanto Sofia
guardava a boneca de volta na caixa onde ela estava.
— Então você acredita em mim? Acha que
realmente pode ter acontecido e que não foi coisa da
minha cabeça?
— Bem, hoje você não reclamou de nada, o que
me dá duas hipóteses: ou realmente aconteceu e hoje
que não aconteceu, ou minha presença te deixa mais
tranquila e menos ansiosa de modo que não tem
pesadelos nem sonambulismo à noite.
Ele tinha um sorriso travesso nos lábios.
Sofia revirou os olhos, fechando o armário.
— Sério Mat, eu nunca tive nada de
sonambulismo, e quando durmo nem percebo se tem
ou não alguém no quarto comigo. Sua presença não
foi a diferença. Estou te dizendo, eu sei o que meus
olhos viram.
— Então eu fico aqui mais uma noite. — ele
disse. — Mas só mais uma. Se nada acontecer, vou
querer voltar para o aconchego da minha cama, e sair
desse chão duro do seu quarto.
— Combinado.

~ 97 ~
Os dois então se prepararam para mais uma
noite de possíveis ameaças e voltaram a dormir em
meio aos cobertores. Sofia tinha inclusive deixado sua
prótese, caso precisasse sair corendo. Os adultos da
casa estavam avisados que os jovens queriam
descobrir o que aconteceu no quarto de Sofia, e
deixaram a sala livre de muitos objetos, para impedir
que algumas coisas se quebrassem com a loucura dos
amigos. As luzes da casa finalmente se apagaram
quando os pais foram dormir.
E dessa vez a história foi diferente...
— Traíra! — Sofia ouviu um sussurro e
acordou assustada, cutucando Mat logo abaixo.
O menino acordou assim que sentiu os dedos
da amiga, e olhou para ela.
No entanto nada mais aconteceu nos segundos
seguintes.
— Dorme ao meu lado. — Sofia disse, os olhos
arregalados.
As luzes piscaram.
Mateus balançou a cabeça, mas se deitou ao
lado da amiga, espremido na pequena cama.
Sofia permaneceu de olhos bem abertos, sem
conseguir voltar a dormir. Ela tinha certeza que tinha
ouvido o sussurro. Mateus, no entanto, logo estava
roncando.
— Traíra! — Ela escutou de novo, dessa vez
mais alto. Sem querer, pulou na cama.
— O que foi? — Mateus exclamou o mais baixo
possível, mas sem receber resposta.
Logo ele viu com os próprios olhos: a janela se
abrindo.
Assustado, ele acendeu a lanterna que já tinha
separado. A luz dela logo se desligou.
— Sofia? — ele falou com a voz tremendo. —

~ 98 ~
Eu juro que tinha colocado pilhas novas nela.
A menina tremia. Eles permaneceram quietos
até que a janela se fechou com um estrondo, e eles
não aguentaram ficar um segundo a mais no quarto.
Assim que levantaram da cama para sair, a
porta se fechou.
Lágrimas vieram aos olhos da menina, e o
jovem a abraçou, ambos tremendo.
— Traíra! — a voz repetiu, dessa vez mais alta.
Era uma voz quase doce, mas com um tom vingativo.
— Quem é? — Mateus arriscou perguntar, sem
encontrar outra saída.
Mas a resposta que veio foi um riso que rasgou
o ar e pareceu congelar tudo.
— Vocês ainda perguntam? Sou largada,
trocada, e ainda acham que vou simplesmente
revelar. Venham me procurar.
Os jovens prenderam o ar. Procurar uma
assombração era a última coisa que queriam fazer.
— Sofia. — Mat a chamou em um sussurro. —
Você tem ideia do que pode ser essa... coisa?
Mas Sofia estava congelada de medo.
A luz então se acendeu, e Mateus olhou ao
redor, sem encontrar qualquer indício de uma
presença sobrenatural naquele quarto. Respirando
fundo, ele criou coragem para se mexer, e agarrou a
amiga para que ela levantasse. Os dois abriram a
porta cuidadosamente, ligando a luz do corredor, e
caminharam até a sala lentamente, observando a casa.
— Você quer comer algo? — Sofia conseguiu
dizer. — Comer ajuda a distrair.
Ele concordou com a cabeça e os dois foram
juntos para a cozinha pegar um pacote de biscoitos.
Sentaram-se encolhidos no sofá, prestando atenção a
todos os detalhes ao redor.

~ 99 ~
Depois de um tempo sem nada acontecer, os
dois criaram coragem para conversar.
— Acredito em você. — o jovem disse.
Sofia permaneceu em silêncio.
— Mas o que pode ser aquilo? Aquela coisa...
parece a voz de uma criança, uma menina. Você a
reconhece?
Sofia continuou em silencio. Parecia
aterrorizada demais para sequer falar.
— Sof? Fala comigo, por favor.
Depois de mais um minuto de silêncio a
menina criou coragem para falar.
— Eu acho que sei quem é.
Mateus a encarou, surpreso.
A menina engoliu em seco.
— A voz dela. É a mesma que eu imaginava na
minha cabeça quando brincávamos.
— Brincávamos? — Mateus estranhou. — É
alguma amiga sua? Mas achei que não tivesse amigas,
sabe, quando era menor. E como que uma amiga sua...
Ele parou a frase no meio quando reparou no
que tinha dito. Realmente, Sofia não tinha amigas
quando criança. Pelo menos não amigas humanas.
— Clara? — Ele perguntou, assustado. —
Como pode ser possível?
— Eu não sei. — Sofia respondeu em voz baixa,
balançando a cabeça lentamente. Ela ainda estava
assustada, tentando entender. — Parei de brincar
com ela tem um tempo já, porque vir desse jeito só
agora? E como que isso sequer pode ser possível?
— Você disse que a primeira vez que
aconteceu foi na noite retrasada, que foi quando a
guardamos no armário. E na noite passada nada
aconteceu, mas você estava dormindo com ela. — Ele
ficou em silêncio. Se fosse realmente a tal boneca, o

~ 100 ~
que eles fariam? Mat parou para pensar. — Tem
quanto tempo que as luzes da sua casa dão curto-
circuito?
— Não sei. Tem um bom tempo. Não acho que
tem a ver com a gente ter guardado a boneca.
— Eu sei. Mas quantos anos.
— Sei lá, uns quatro, três anos.
— E você parou de brincar com ela tem quanto
tempo?
Sofia piscou, finalmente entendendo a lógica
do amigo.
— É ela. — ela disse com certeza absoluta de
suas palavras. — E agora?
Mateus a encarou, sem saber o que fazer.
— Esperamos o sol raiar. — ele respondeu
simplesmente. — E então conversamos com ela na
noite que vem.
Sofia ficou mais assustada ainda com a ideia,
mas seria o único jeito.
Assim que amanheceu, sua mãe preparou um
delicioso café da manhã. Ela e Mateus não tinham
conseguido dormir pelo resto da noite, mas a comida
gostosa pareceu revigorar as energias.
— E como foi a noite de vocês? — a mãe
perguntou, se sentando ao lado do pai. — Caçaram
muitos fantasmas?
Ela ergueu as sobrancelhas enquanto os dois
trocaram olhares.
— Sabe, querida, acho que é só desculpa para
que o Mateus fique mais tempo com ela. — O pai
respondeu, observando os jovens com um olhar
desapontado. Ele não gostava de ver sua garotinha
andando com meninos, mesmo Mateus sendo um bom
rapaz, e um grande amigo.
— Então, mãe. — Sofia cortou o assunto. —

~ 101 ~
Sabe a Clara? Onde você conseguiu ela?
A mãe ergueu os olhos do prato.
— Mas que pergunta... Depois de tantos anos?
Bem, uma amiga minha tinha perdido a filha na época.
Um estranho incidente. Coitada, morreu aos 20, ainda
tão jovem... Bem, essa minha amiga disse que
encontrou a boneca da filha, a boneca favorita dela,
com a perna quebrada, e disse que não queria
guardar lembranças, e resolveu me dar a boneca,
sabendo que seu aniversário se aproximava. Eu
mandei um moço dar uma ajeitada nela e inclusive
pedi para que ele montasse uma perninha de madeira
para ela.
Sofia concordou silenciosamente, ouvindo a
história. Seu olhar era sério devido às perguntas que
passavam em sua mente: a menina morreu aos 20? E
a boneca tinha uma perna quebrada...
— O que foi? — a mãe perguntou, vendo que a
filha estava séria.
— É só que... bem... — ela olhou para Mateus
em busca de ajuda, mas ele apenas ergueu os ombros.
— Eu achei que vocês tivessem comprado ela pra
mim, e sempre imaginei que teriam gastado uma
fortuna para consegui-la. Mas agora me sinto bem
melhor, sabendo que não foi um gasto tão grande.
Os pais sorriram.
— De maneira alguma! Teríamos te dado uma
boneca de qualquer jeito, mas Clara... Foi a
oportunidade que tivemos para te dar uma igual a
você!
— Sim, obrigada. — Sofia engoliu seu leite da
xícara e logo saiu da mesa, agarrando Mateus pelos
braços e puxando-o até o corredor.
Os pais estranharam o ato repentino e
desajeitado da filha, mas ficaram em silêncio, não

~ 102 ~
querendo se intrometer no assunto do jovem casal.
— Está pensando o mesmo que eu? — Sofia
perguntou.
— O quê?
— A boneca. Clara. É possuída.
— Sim, isso a gente sacou hoje à noite.
— Mas a menina que morreu aos 20... a boneca
tinha uma perna quebrada. Será que?
— A Clara que matou a menina? Vingança por
ter quebrado a perna? — Mateus pareceu assustado
com a possibilidade. — Só tem um jeito de descobrir...
Assim mais uma noite chegou, e novamente os
dois se prepararam para o que aconteceria.
Ambos ficaram na cama, lanterna em mãos. A
porta estava bem presa por um peso, caso
precisassem sair correndo. A boneca continuou no
armário. Se precisavam conversar com ela, era
melhor que ficasse lá dentro.
Os dois tentaram conversar sobre assuntos
bons enquanto esperavam qualquer coisa acontecer,
e logo memórias boas vieram à conversa.
— Lembra de quando fomos ao parque em um
domingo chuvoso e pedimos sorvete, mas ele
derreteu e se misturou com a água da chuva, virando
algo muito nojento? — Sofia disse, rindo da
lembrança.
— Será que na cidade grande vai ter praças
para você tomar sorvete? — Mateus a questionou.
— Será que você pode parar de me incomodar
com o fato de eu estar mudando para lá?
Ele a encarou nos olhos.
— Eu vou sentir sua falta. — Disse pela
milésima vez, e suspirou, se preparando para o que
falaria a seguir. — Eu te amo, Sofia...
Então as luzes começaram a piscar e a janela

~ 103 ~
bateu, quebrando o vidro no chão.
— Traíra!
Os dois paralisaram de medo, esquecendo todo
o momento que tiveram anteriormente.
— Clara, é você? — Mateus conseguiu dizer
com voz trêmula.
— Ora, ora, se não é que descobriram!
— O que você quer? — Sofia criou coragem
para perguntar. – Sempre fomos tão amigas, porque
agora você...
— Porque não somos mais amigas. — A voz foi
fria. — Você me largou e me substituiu, me confinou
em um armário!
— Foi você que matou a menina? A filha da
amiga da minha mãe? — Sofia foi direto ao ponto, não
querendo enrolar mais a conversa.
— Fui eu que matei várias... — o tom era de
vingança. — E eu não me importo em acabar com
mais traíras. – Assim que ela terminou a frase,
estilhaços do vidro quebrado no chão começaram a se
erguer no ar e voar em direção aos dois sentados na
cama. Eles logo se levantaram, se dirigindo
lentamente à porta, mas essa se fechou rapidamente,
apesar do peso.
— Respire e se concentre. — Sofia disse para si
mesma, trêmula, e então encarou os estilhaços de
vidro. Precisava dar um jeito naquilo. — Prometo te
dar amigas para o resto da sua existência.
Nesse momento os estilhaços caíram no chão e
tudo se silenciou. Clara queria amigas. Era um
espírito carente e vingativo. Não haveria outra
solução. Mas Sofia tinha dito aquilo como reflexo.
Como poderia dar uma boneca vingativa a qualquer
outra pessoa?
Mateus tomou frente na ideia.

~ 104 ~
— Eu conheço um orfanato. Sempre tem
crianças lá, e elas brincam com tudo. Vão adorar
brincar com você, e sempre haverá novas amigas.
Aceita o acordo?
— Sua vida por amizades eternas? — A voz
soava doce, como na imaginação de Sofia quando elas
brincavam. — Aceito seu trato.
Sofia expirou, de repente aliviada por ter
conseguido solucionar o problema, mas seu coração
se apertou ao perceber que sua vida esteve por um fio
por causa de sua amiga de infância.
As luzes se acenderam novamente, e os dois
jovens conseguiram relaxar um pouco, trocando
olhares, certos do que tinham que fazer no dia
seguinte.
Assim que amanheceu, foram correndo para o
orfanato, a boneca embrulhada como um presente
para as crianças. Sofia esperava que aquilo tinha sido
a coisa certa a se fazer, e só conseguiu sentir que
realmente tinha cumprido sua missão com Clara
quando se sentou no banco da praça com um sorvete
em mãos.
— Parece que finalmente tudo está em seu
lugar. — Mateus disse, rementendo ao dia em que
ficaram um bom tempo separando o destino de cada
coisa do quarto de Sofia.
— Bem, quase tudo... — Sofia disse, olhando
para o menino sentado ao seu lado.
— Não me diga que tem outra boneca louca no
seu quarto. — Mateus falou, assustado.
— Não, seu bobo... — Sofia respondeu rindo.
Antes que ele pudesse dizer qualquer outra coisa, ela
o puxou para mais perto e o beijou.
Mat carinhosamente a envolveu, e, passando as
mãos por seus cabelos anelados, correspondeu ao

~ 105 ~
beijo. E só então entendeu a frase da amiga.
Tudo agora estava em seu lugar, e seu lugar
era ao lado de Sofia, não importava a distância.

~ 106 ~
Amizade Eterna
(De Vanessa Batista)

~ 107 ~
Vanessa Batista
Autora da trilogia romântica, “O Feitiço da Lua”, “O Poder do
Amor” e “Mundo Novo, Novo Mundo”.
Nasceu em maio de 1979, na cidade de São Paulo
Capital, mora atualmente em Adamantina, cidade do interior
do estado de São Paulo. Casada com Rogério desde agosto de
2000 e mãe de três filhos: José Neto, Júlia e Flávia.
Sempre foi uma leitora assídua, ama ler, lê todo o
tipo de literatura, adora assistir séries, curtir um filme com os
amigos e familiares, e um dos hobbys preferidos é fazer
trabalhos manuais, como artesanato e crochê.
Teve a inspiração de escrever a trilogia depois de um
sonho, incentivada pelo marido decidiu colocar tudo no
papel, o que acabou se tornando uma história incrível, com
um toque de magia e cheia de amor.
Agora com o Conto Amizade Eterna, ela retrata a
história verdadeira de sua melhor amiga. Conta a incrível
vitória dela contra o câncer e a maravilhosa amizade que
ambas possuem até hoje.

~ 108 ~
A mizade é uma coisa incrível, uni raças,
crenças, diferenças, almas e corações. Uni
irmãos, pais e filhos, marido e mulher,
amigas inseparáveis, amigos confidentes, amigos de
balada e amigos para toda a vida.
Foi uma amizade mais forte que união de
sangue que nos uniu, eu e minha melhor amiga Giseli.
Desde o primeiro dia, era como se almas antigas se
reencontrassem, almas irmãs que nasceram em
famílias diferentes, mas predestinadas a se
encontrarem nesta vida, para ajudar uma a outra nas
batalhas e adversidades que a vida nos impõe.
Quando a conheci foi incrível a facilidade com
que nos tornamos amigas, aquele tipo de amiga que
sabe até o mais guardado dos segredos que trazemos
na alma, aquele tipo de amizade que confiamos
cegamente, aquele tipo que sabemos que mesmo
distantes nunca vamos estar sozinhos.
Compartilhávamos muita coisa, contávamos
segredos, sonhos e projetos uma para a outra. Chega
ser até engraçado como encontramos pessoas assim
nas nossas vidas, elas são raras, mas sei que todos nós
temos pelo menos um amigo desse guardado dentro
dos nossos corações.
Já fazia alguns anos que nos conhecíamos
quando ela me contou muito preocupada e
praticamente chorando sua mais nova e perturbadora
descoberta, a causa de seu sofrimento por muitos
anos que viriam.
Gi, na flor da idade, com tantos planos pela
frente, tinha acabado de descobrir que estava com
câncer de mama e já em estado avançado. Era como
se todos os planos fossem por água a baixo. O Sonho
de se casar e construir uma família, ter filhos, ser feliz,
ficava mais longe a cada dia.

~ 109 ~
As pessoas a sua volta sofreriam com ela, se
sensibilizariam com seu estado, mas ninguém
realmente saberia o que ela estava passando, só quem
já passou por essa doença terrível sabe o que se sente
na alma, como se desespera com a realidade batendo
a sua porta, como a desesperança fica ali machucando
todos os dias um pouquinho, abrindo aquela ferida na
alma que talvez nunca venha a cicatrizar.
O tratamento começou, ela retirou o nódulo do
ceio, fez quimioterapia, perdeu todos os cabelos do
corpo, mas continuava linda. Gi era e ainda continua
sendo linda, por dentro e por fora, incrível que
mesmo com a doença sua beleza continuava radiante.
Após algum tempo, outro nódulo se formou no
mesmo lugar, ainda maior que aquele anterior, ela
teve que retirar toda a mama. Foi tão difícil, lembro
como ela ficou arrasada, se sentindo mutilada.
Nossas vidas apesar de corridas para as duas,
sempre nos falávamos, nos víamos, mesmo eu com
bebê pequeno, com casa, filho e marido para cuidar,
sempre arrumava um tempo para passar com minha
amiga, ainda conseguia fazê-la rir das minhas
trapalhadas, das minhas bobeiras.
Gostaria de dizer que ela ficou boa, que se
casou e foi feliz para sempre, mas as coisas não
acontecessem como gostaríamos, não foi bem assim
que aconteceu.
Logo depois ela descobriu outro nódulo agora
em baixo da prótese, mais uma vez, ela passaria por
tudo de novo, a cirurgia, as quimioterapias, as
radioterapias, e todas as consequências desse
tratamento tão importante e necessário, mas ao
mesmo tempo tão devastador.
Infelizmente o tipo de câncer dela era muito
agressivo, ela teria que tomar por um ano injeções a

~ 110 ~
cada 20 dias para deter o crescimento do câncer e não
espalhar para outras partes do corpo. É um
tratamento muito caro, mas graças a Deus conseguiu
ajuda da prefeitura da cidade que custeou seu
tratamento e ela ficou boa, praticamente curada.
Os médicos diziam que ela provavelmente
nunca teria filhos, apesar disso, ela voltava a viver,
teve alguns relacionamentos, nada muito sério,
continuava indo regularmente fazer checapes para ter
certeza que estava bem.
Lembro perfeitamente o dia que ela me ligou
em pânico, avisando que achava que o câncer tinha
voltado, me contou que estava se sentindo estranha,
com os seios inchados, passando um pouco mal, a
barriga maior, cheguei a brincar com ela que os
sintomas era de gravidez, ela riu, falou como seria
maravilhoso se esse fosse o caso.
Maravilhosamente espantada fiquei quando
me ligou contando em prantos de alegria que não
estava mais doente e que estava grávida, sua benção
foi tão maravilhosa, que ela teve gêmeos, um menino
e uma menina.
Hoje ela está curada, linda como sempre, feliz
com seus filhos e continuamos amigas para toda a
vida, ela pode contar comigo e eu com ela para
sempre, não temos mais o contato de antes, mas nos
falamos quase sempre, quando podemos nos vemos e
colocamos a conversa em dia, mas posso garantir,
somos amigas eternamente.
Nossa amizade é eterna, acho que por várias e
várias encarnações estaremos juntas, unidas, uma
ajudando a outra, porque a vida é assim, sempre cheia
de obstáculos, de surpresas nem sempre boas, mas
quando temos ao nosso lado pessoas que nos ajudam,
nos acolhem, nos ouvem, o fardo fica mais leve e

~ 111 ~
podemos olhar os problemas com outra perspectiva,
com outros olhos.
Desejo a todos uma amizade assim, para toda a
vida, para todos os momentos, para sempre.

~ 112 ~
Amizade desfeita
(De Jenyffer Santos)

~ 113 ~
Jenyffer Santos
Nascida e criada em São Paulo pela mãe
e pela avó sempre com muito apoio delas e de
um amigo virtual começou a escrever, ama
seus amigos e se importa muito com eles.

Dedico o conto para:


Izabel, Maria e Hugo.

~ 114 ~
P ara começar uma vida nova temos que
esquecer a antiga, mas quando a vida antiga
nos esquece, é o fim da linha. Porém Maria
descobriu como desenhar sua nova linha.
— Mãe eu não quero e eu não vou me mudar
para Campinas — disse Maria à sua mãe.
— Maria Evangelhista você não se manda —
disse sua mãe em um tom autoritário.
— Mãe eu estou te implorando me deixe aqui,
eu posso ficar com algum dos meus tios — disse
Maria piscando seus enormes olhos verdes sem parar.
— Maria eu não estou indo passar férias, eu
vou me casar, não posso deixar minha filha aqui e
viver minha vida como se você não existisse, você vai
e está acabado.
No dia da mudança, todos estavam lá quando
Maria entrou no carro e seguiu em direção a
campinas, ela mal conseguiu olhar para seus amigos
de infância e seu namorado, seus olhos não eram
capazes de enxergar nada por conta de tantas
lágrimas, até chegar na porta de sua nova casa ela não
parou de chorar. A cada segundo se lembrava das
pessoas que havia deixado para trás, mas tinha a
esperança de que suas amizades não acabariam com a
distância.
Em uma semana de trabalho duro a casa de
Maria estava arrumada, móveis nos lugares e pessoas
já acomodadas, seu padrasto era como um fantasma,
ela não o via. Passaram-se três semanas até seu
primeiro dia de aula e ela não estava nada animada
pra enfrentar a escola nova.
Sua casa nova era grande, bem diferente da antiga,
que era um apartamento pequeno e escuro. Ela tinha
um jardim grande e uma sala enorme.
No seu primeiro dia de aula, seus olhos verdes

~ 115 ~
estavam marejados e distantes, seu ar de arrogância
falso não era mais necessário, assim como sua
postura, ela já não precisava mais provar nada para
ninguém.
Duas semanas depois, Maria já tinha feito seis
amigos na sua escola, mas apenas um era da sua sala
de aula. Rafael Lima, era alto e magro, e assim que ela
entrou na sala ele disse oi, a princípio não foi para ela
foi para a menina que lhe havia mostrado o caminho,
mas nos dias seguintes o “oi” começou a ser pra ela.
Alguns dias depois sua professora tinha lhes
passado um trabalho grande de mais para fazer na
escola, então Maria e Rafael combinaram de ir para a
casa dela, após saírem da escola.
— Minha mãe pode nos levar pra sua casa,
tudo bem? — perguntou ele.
— Seria muito legal Rafa, odeio voltar a pé —
disse Maria.
Eles saíram do carro quase tão rápido quanto
entraram, a mãe do Rafael não disse nada o caminho
todo, apenas informou a hora que o pegaria e nada
mais.
— Sua casa é linda Maria.
— Valeu, ela é bem mais bonita do que a antiga
— disse ela concluindo o assunto.
— Minha casa também não é lá essas coisas —
ele disse sem jeito — Maria eu posso te fazer uma
pergunta?
— Claro
— Você sente muita falta dos seus amigos né?
Digo isso porque você não parece ser tão quieta e na
sua, como é comigo e com o pessoal.
— Eu posso te falar a verdade? A verdade
mesmo?
— Pode sim, a gente não é amigo há muito

~ 116 ~
tempo Maria, mas eu me sinto confortável perto de
você, como uma amiga de verdade que eu nunca tive,
você pode me falar qualquer coisa.
— Rafa assim... eu nunca quis me apegar a essa
vida nova, porque de algum jeito eu sinto que vou
conseguir voltar para minha vida antiga, mas aqui eu
sinto que posso ser eu mesma, a Maria sem máscaras
ou com uma falsa personalidade, perto de você eu
sinto que... Eu não sei o que é, porque eu nunca senti
isso antes.
— Mas, pelo que você vive falando dos seus
amigos, eles não eram como uma parte de você?
— Eles não são meus amigos de verdade, a
convivência nos tornou próximos, vi isso depois que
eu me mudei.
— Como assim?
— Eles nunca me ligaram mandaram
mensagem de texto ou e-mail... — e pela primeira vez
ela sentiu o impacto do abandona das suas amizades
— mas tudo bem Rafa, eu tenho novos amigos e eu
tenho você, pela primeira vez eu sinto que achei
minha pessoa.
— Você também é a minha pessoa.
Maria estava certa, ela nunca tinha recebido
nenhuma ligação ou mensagem de seus amigos
antigos, eles nunca se importaram em saber como ela
estava, amizade não era isso, amizade era o que ela e
Rafael tinham, mesmo quando não estavam perto um
do outro, ainda eram amigos, ainda se amavam.
Ao longo do tempo muita coisa aconteceu. Eles
terminaram a escola, Maria foi fazer faculdade de
direito em Minas Gerais e Rafael engenharia no Rio de
Janeiro, Maria começou a namorar um colega de sala
e Rafael se assumiu gay. Mesmo longe e mesmo com
vidas tão diferentes, eles se falavam toda semana.

~ 117 ~
Nas férias ela pegava um avião deixando seu
namorado sozinho e ia até o Rio de Janeiro para ver o
Rafael, pois para ela ele era muito importante, nas
datas festivas ambos voltavam pra campinas para ver
suas famílias, mas Rafael ficava na casa da Maria, não
só pra fugir do preconceito que sofria em sua própria
casa, mas lá era aonde sentia que podia ser ele
mesmo.
E ali olhando pra ele, dez anos depois, ela viu
que nunca perdeu nada, só ganhou, não só um amigo,
mas sim um irmão.

~ 118 ~
Amizade Sem
Despedida?
(De Amanda Aríos)

~ 119 ~
Amanda Aríos
A jovem Amanda Luiza de Souza, conhecida
como “Amanda Aríos” é natural de Belo Horizonte,
apesar de viver até hoje no município de Contagem.
Irmã caçula entre dois irmãos Bruno Souza e
Deco Souza, sempre teve gosto pela literatura.
Incentivada pela família concluiu recentemente o
curso de “Letras” na Faculdade de Ciências Sociais
Aplicadas de Belo Horizonte e em breve pretende
lecionar literatura.
Sempre foi apaixonada por artes, adora
escrever contos e também se arrisca em compor
músicas.
Ela dedica esse conto a sua família, em especial
aos pais Cleusa da Silva e Carlos Alberto de Souza, aos
irmãos e todos os seus amigos.

~ 120 ~
O
que é mais importante na vida de uma
mulher? Amor ou uma amizade? Esse
foi o dilema vivido por Flor de Lis, uma
jovem que estava prestes a completar
vinte e sete anos de idade. Para que você leitor
compreenda melhor o dilema de Flor, é necessário
que conheça sua vida desde o nascimento, pois
existem pessoas que nascem “com o destino traçado
desde a maternidade”, como disse certa vez o “poeta”
Cazuza em uma de suas canções.
Era tarde do dia nove de fevereiro de mil
novecentos e noventa, quando Flor de Lis veio ao
mundo, mas na sala ao lado poucas horas depois
também nascia outra garota de nome Luiza. Um fato
curioso é que as mães das garotas eram amigas,
comentavam sobre a gravidez, e comemoravam o fato
de ambas estarem esperando meninas, porque antes
só haviam dado a luz a meninos.
Sete anos haviam se passado e a mãe de Flor
de Lis sempre a contou desse fato, enquanto a mãe de
Luiza achava o fato irrelevante para descrevê-lo a
filha. Finalmente as meninas entraram na primeira
série da mesma escola em Contagem, mas em turmas
diferentes. Um dia, enquanto as turmas faziam fila
para cantar o hino nacional se deu o primeiro contato
das garotas.
– Oi! – disse Flor de Lis.
– Oi! Eu sou a Luiza – disse a segunda garota
se apresentando.
– Sim, eu sei, minha mãe e a sua mãe são
conhecidas. Nós nascemos no mesmo hospital e por
diferença de horas também não nascemos no mesmo
dia – concluiu Flor, deixando Luiza pasma.
O tempo passou e as duas mantinham algum
contato, porém a amizade começou a prevalecer a

~ 121 ~
partir da quarta série, quando as garotas finalmente
começaram a estudar na mesma classe. Estudavam e
faziam os deveres juntas. Flor de Lis também fez
amizade com outras garotas, enquanto Luiza menos
retraída preferia a amizade dos garotos deslocados da
turma. Mesmo assim de alguma forma e com tantas
diferenças, elas encontravam maneiras de se
divertirem quando estavam juntas.
Luiza sempre ia à casa de Flor, para pegar
amora na árvore que a mãe dela tinha plantado no
quintal. Elas também gostavam de conversa na língua
do “p” e até inventam palavras novas para refutar
uma a outra.
Avançando mais no tempo quando estavam na sexta
série do ensino fundamental, Flor de Lis se ausentou
por um tempo, pois foi visitar parentes no exterior.
Quando voltou a amiga a recebeu com um imenso
sorriso. Dois anos depois, os pais de Luiza se
separaram e a garota teve que mudar para outro lado
da cidade. Passaram-se mais alguns anos, e Luiza
conseguiu encontrar o número de telefone de Flor e
resolveu ligar, assim as amigas ficaram conversando
por horas. A partir desse dia elas sempre se ligavam
uma vez por ano, quando faziam aniversario.
Contavam sobre os cursos que pretendiam
estudar na faculdade, livros que estavam lendo e
tantas outras coisas. Um dia, quando já estavam com
vinte e seis anos de idade, voltaram a ter contato
através das redes sociais. E quando Flor de Lis estava
checando as fotos da amiga no computador, seu
namorado Douglas chegou do trabalho.
– Boa noite amor, o que está fazendo ai? –
perguntou Douglas beijando a testa de Flor de Lis.
– Boa noite, não é nada amor, estou só aqui
olhando as fotos de uma amiga de infância. Ficamos

~ 122 ~
muito tempo sem nos falar, mas quando nos falamos
haja assunto para nós duas – respondeu Flor de Lis
sorrindo.
– Deixa-me ver? – pediu Douglas ficando
pasmo quando viu a foto da pequena Luiza.
– Bom, e se eu te contar que conheço essa
garota? – perguntou Douglas ainda com a expressão
séria no rosto.
– Sério? Você conhece a Lu? – perguntou a
namorada incrédula.
– Foi muito mais do que só conhecer, eu
cheguei a namorá-la por dois meses ou mais –
respondeu Douglas.
– Uau! Que coincidência, por que vocês dois
terminaram? – Quis saber Flor de Lis de supetão.
– Bom, eu não sei ao certo simplesmente
paramos de conversar e ficar junto. A história com ela
não teve propriamente um fim ou uma despedida –
confessou Douglas desligando o computador da
namorada e a chamando para dormir.
Naquela noite Flor de Lis sonhou com Luiza.
Na verdade sonhou com as duas jogando amora uma
na outra e recitando frases na língua do “p”. Ela
queria conversar com a amiga sobre Douglas, mas
faltava coragem. Mesmo depois de meses, a frase do
namorado remoia em seu coração, “história sem um
fim ou sem uma despedida”.
Verificava sempre o perfil da amiga nas redes
sociais para ver se ela publicava alguma foto com um
novo namorado, mas não, a Luiza sempre foi restrita
para as pessoas. Vivia em seu mundo paralelo, sumida
como sempre, e aparecia quando queria. Flor já havia
se acostumado com o jeito excêntrico da amiga. Em
uma tarde de sábado, Luiza publicou a seguinte frase:
“Um brinde a esses amores que não tem direito a

~ 123 ~
despedidas”.
Isso deixou Flor de Lis louca, poderia Douglas e Luiza
ainda alimentarem sentimentos um pelo outro
durante anos? Talvez sim, existem amores mal
resolvidos e que existem mesmo através de tempos,
está lá, mesmo sem a necessidade dos dois ficarem
juntos. Porém, Flor e Douglas já estavam juntos há
cinco anos, e eles queriam se casar. Porém Flor nunca
teve um amor que durasse tanto tempo e ficasse
cravado no peito sem ser resolvido, então não sabia
se o que sentia por Douglas era suficiente.
– Douglas, eu não quero mais ser sua
namorada – sentenciou Flor de Lis pegando o
namorado de surpresa.
– Por que isso agora meu amor? – perguntou
incrédulo.
– Porque, toda vez que te olho parece que
estou traindo minha amiga – respondeu Flor de Lis.
– Mas isso é loucura, você quer terminar um
relacionamento de cinco anos só por que namorei
com sua amiga? Aliás, eu não tenho nenhum tipo de
contato com ela, você mesma disse que fica anos sem
conversar com Luiza – disparou Douglas
desesperado.
– Eu sei Douglas, mas não é correto e meu
sentimento por você não é o mesmo desde que eu
soube dos dois – falou Flor se levantando para ir
embora da casa do namorado.
– Então, esse é mesmo o nosso fim? –
perguntou Douglas encarando a namorada.
– Agora você perguntou o que eu queria. Sim,
esse é o nosso fim sem direito a história interrompida
– concluiu Flor de Lis abraçando o agora ex-
namorado, pegando a bolsa e rumando para o
apartamento que dividia com outra amiga.

~ 124 ~
Semanas depois se sentia livre e de consciência
tranquila por ter feito a escolha certa. Existem coisas
que devem ser feitas sim por uma amiga, mesmo que
distante. Em momento nenhum procurou Luiza para
saber se aquela frase era para Douglas ou não, mas
não se arrependia de ter terminado.
E agora, já com um novo amor e faltando dias
para completar vinte e sente anos, recebeu com
tristeza a noticia do falecimento da sua pequena
amiga Luiza, e a mensagem de uma garota que dividiu
o apartamento com ela. Chorou até ter coragem de ler
outras linhas. A mensagem fatídica dizia mais ou
menos o seguinte:
“Oi! Eu sei que você é amiga de infância da Lu e
ela me falou algumas vezes sobre você. Você sabe como
ela era discreta e às vezes gostava de se afastar das
pessoas. Veja só, eu que dividia apartamento com ela
por seis anos custei a saber que ela mantinha um
romance com um gringo, já há quatro anos. Isso
torturava ela por causa da distância, eles nunca
prometeram nada um para o outro, mas ela se manteve
fiel e disposta a ter uma vida com ele, até sofrer o
fatídico acidente que tirou a vida dela. É triste, porém
era o jeito Luiza de ser, se afastar sem se despedir das
pessoas que passaram por sua vida”.

~ 125 ~
~ 126 ~
Escute os pássaros
(De M. F. Baladore)

~ 127 ~
M. F. Baladore
Maria Fernanda Baladore nasceu em 18/12/2002 (14
anos). Ainda não tem outras obras publicadas, mas pretende
se tornar escritora. O conto 'Escute os pássaros' não é
baseado em fatos reais, mas, para ela, seria impossível fazer
algo diferente por seus amigos.

/Maria Baladore

~ 128 ~
E le não tinha nada de diferente. Como alguns
outros meninos, também não gostava de
futebol; e, como eu, adorava uma boa sessão
de filmes durante a tarde e a madrugada. Talvez a
única coisa que tivesse de especial, é que ele fazia eu
me sentir bem.Assim, sem mentira, sem enganos no
olhar.
Conhecemo-nos na escola mesmo, quando eu
ainda estava aprendendo a me comportar como uma
criança normal. Eu não era muito estranha, verdade,
mas nossa normalidade se transformou em
estranheza à medida que nos juntamos. Juntamo-nos
e nos tornamos amigos. Uma das melhores e piores
coisas que eu poderia ter feito.
Fred era seu apelido, e o meu nome é Alice.
Nós brigávamos muito, e era raro passarmos mais de
um dia sem implicar um com o outro. Eu me sentia
incompleta quando isso acontecia.
Sua casa ficava duas ruas acima da minha. Ele
podia escapar para ir lá assim que bem entendesse. O
mesmo digo de mim, pois as brigas entre meus
familiares eram frequentes.
Naquele dia, em especial, eu ia visitá-lo. Ao
tocar a campainha, a resposta que recebi foi um
acesso de tosse. Quando entrei, Fred estava tossindo
outra vez, sempre correndo para lavar a mão em
seguida.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntei. —
Está gripado?
— Devo estar — ele respondeu dando de
ombros. — Se piorar minha mãe me leva ao médico
mais tarde — Fred parou de falar e abriu o armário
da cozinha. — Quer fazer brigadeiro? Ou prefere
sobras de macarrão?
Eu deveria ter feito algo no primeiro momento.

~ 129 ~
Deveria ter notado o que estava errado, apesar de não
saber da total gravidade do que Fred estava
passando. Eu fiquei quieta. Fui descobrir no instante
em que ele tossiu e sua mão ficou encharcada de
sangue.
— O que é isso? — exclamei imediatamente. —
Sangue?
— Não precisa se preocupar. Não é nada. —
disse ele friamente, lavando a mão na pia da cozinha.
— Como não me preocupar? Você está
tossindo sangue! — aumentei o tom de voz. — Já
contou para seus pais?
— Estou falando que não precisa se preocupar,
Alice! Deve ser um distúrbio comum.
— Está agindo como se fosse tão simples
quanto um resfriado. É sangue! — vociferei. — Conte
para seus pais. É melhor.
Fred revirou os olhos para mim e continuou
em busca de alguns cookies, o que me deixou
extremamente irritada com ele. O garoto era teimoso
demais. As vezes agia como uma criança. Eu
agradecia mentalmente por ser mais velha — cerca
de dois meses, mas está contando, certo?
Pouco tempo após o silêncio mortal que se
estabelecera com nossa discussão, ouvi-o ofegar. Sua
preocupação consigo mesmo era inexistente, até ele
apoiar-se na mesa da cozinha enquanto ofegava e
tossia sangue novamente.
— Fred — falei perto de gaguejar, segurando-o
pelos ombros para que não desabasse no chão. — O
que está sentindo?
— Só uma tontura — disse Fred, tentando se
recompor. — Estou bem.
— Duvido — franzi as sobrancelhas. — Estava
com falta de ar.

~ 130 ~
— Foi algo repentino! — ele esbravejou. — Já
passou.
Durante a tarde toda, tivemos mais algumas
discussões pelos ataques de tosse ou pela tontura. No
fim, quando fui embora, Fred nem me acompanhou
até o portão. Dizia que era uma gripe e que não
precisava contar para os pais.
Geralmente, nós nos falávamos à noite, antes
de irmos dormir. Mas ele não me chamou, nem ficou
online. Mandei uma mensagem, que chegou e não foi
visualizada. Talvez Fred estivesse com raiva, ou
ocupado demais para me responder.
Mais ou menos às 02h da madrugada, o
telefone tocou. Eu já estava no sétimo sonho, por isso
abri apenas um olho sem entender o que estava
acontecendo. Minha mãe havia atendido. Ela falava
baixo. Levantei-me, desci as escadas e cheguei até ela,
que me encarou com tristeza. Depois de desligar,
disse:
— Fred passou mal. Ele está no hospital.
— Como? — indaguei perplexa, lembrando-me
dos sintomas que Fred sentira à tarde. — Ele está
melhorando?
— Não sei – minha mãe respondeu. — Parece
que está tendo uma hemorragia. Sangramentos
frequentes. Muita tontura e fraqueza.
Praticamente a mesma coisa que eu já tinha
presenciado. Ah, Fred. Ele podia ter evitado isso.
— Estão fazendo exames. Acham que é
realmente grave. — ela completou. — Você pode
visitá-lo de manhã.
— Mas é sexta. — falei entristecida.
Minha mãe notou como eu estava lutando
contra o choro. Ela me abraçou forte e acariciou meus
cabelos “da cor de um tronco de |rvore”, como o

~ 131 ~
próprio Fred dizia.
— Eu te deixo faltar. Dessa vez, eu deixo.
Retribuí o abraço e voltei para a cama. Porém,
não consegui dormir. Minha preocupação era tanta
que, a cada instante que fechava os olhos, eu via a
imagem de Fred tossindo sangue. Ele podia ter evitado
isso.
Pela manhã, minha mãe me levou ao hospital.
O diagnóstico de seu problema já havia saído –
justamente porque a família pedira para que fosse na
hora. Logo na sala de espera, o Sr. e a Sra. Toledo, pais
de Fred, estavam à nossa espera. Minha mãe abraçou
a Sra. Toledo, e o Sr. Toledo me levou num canto para,
então, revelar o resultado. Ele não parecia nada
confortável. Tinha olheiras profundas.
— Você notou algo em Fred nesses dias, Alice?
— Os mesmos sintomas que o trouxeram aqui.
— respondi inconformada. — Ele não queria contar
para vocês...
— Ele podia ter evitado isso — o pai de Fred
pareceu ler meus pensamentos. — Pelo menos o
diagnóstico saiu na hora.
— E o que ele tem?
O Sr. Toledo suspirou e enxugou os olhos. Ele
tentava conter as lágrimas como conseguia. Precisava
ser forte pela esposa e pelo filho.
— Fred está com leucemia. É a explicação para
todos aqueles sintomas.
Não chorei na hora. Normalmente, meu choque
de realidade demorava para acontecer. Mas eu sofri.
Talvez não tenha demonstrado como deveria, mas
sofri.
Eu o acompanhei até o quarto de Fred, que
continuava a dormir. Ele parecia tão calmo.
Provavelmente ainda não sabia do diagnóstico. E eu

~ 132 ~
queria estar presente quando ele descobrisse. Aquele
garoto sempre me ajudara com os problemas mais
fúteis e mais sérios. Fred estava ao meu lado quando
tive pneumonia e quando ralei o joelho na educação
física. Estava ao meu lado quando chorei pelo filme
“Marley & Eu” e pela morte do meu peixinho.
E, agora, eu tinha que ser forte por ele.
Fred acordou antes do almoço. Seus pais
estavam no quarto, e eu, no refeitório do hospital.
Mandaram me chamar. Ao entrar no quarto, corri
para a maca em que ele se encontrava deitado.
— Oi, Alice. — me cumprimentou
naturalmente, embora abatido.
— Oi, seu teimoso. — repliquei. — Você... Já
está sabendo?
— Estou — ele olhou para os pais. — Fui
avisado assim que acordei.
— E não está preocupado?
— Eu já desconfiava. Só não queria que vocês
se preocupassem.
— Frederico, seu imaturo! — ralhou a Sra.
Toledo. — Você poderia ter nos poupado de muita
coisa se tivesse nos contado o que estava
acontecendo.
— E eu te mandei contar. — acrescentei.
— Eu sei! — Fred ficou vermelho. — Me
desculpem. Não foi certo. Eu entendo.
Abaixei-me para conseguir abraçá-lo. Não
podia perdê-lo. Ficaria um vazio em minha alma.
A situação piorou com o passar dos dias. Era
urgente a tal ponto que Fred precisou começar já na
quimioterapia. O verdadeiro desespero de meu amigo
iniciou-se quando, numa chuvosa manhã de
setembro, tufos de seu cabelo castanho caíram na
maca ao passo que ele passava a mão. Seus pais foram

~ 133 ~
chamados imediatamente. Foi a primeira vez que vi
Fred chorar tanto.
— Por favor, fique calmo — a enfermeira
pediu. — É uma consequência da quimioterapia...
— Eu vou ficar careca! Sem cabelo! — Fred
exclamou. — Como quer que eu fique calmo?
— Oh, Fred... — soluçou a Sra. Toledo,
abraçada ao marido. Eu estava sentada junto a Fred.
— Os médicos tinham avisado...
— Eu não quero perder meu cabelo! — ele
continuou exaltado. — Eu vou ficar ridículo!
— Não vai — contrariei-o. — Faz parte, Fred.
Quem sabe você se acostuma, não é? Aposto que vai
continuar bonito.
Ele não acreditou em mim, para variar. A
discussão foi para a decisão se Fred rasparia o cabelo
todo logo ou não. Nem os médicos nem os pais
conseguiram convencê-lo. Fui eu quem deu a última
palavra.
— Você não pode sofrer mais. Tem noção do
quanto isso também nos machuca? — falei num tom
sério. — Entenda, Fred. É melhor agora do que
depois. Vai ser menos dolorido.
— Eu não quero me entregar para a leucemia,
Alice — ele murmurou, chorando. — Eu não quero...
Eu não quero morrer.
— Você não vai morrer! — esbravejei. —
Quanto pessimismo! Você vai ficar bem. Vai continuar
comigo. Vai poder voltar à escola...
— Digamos que não sinto muita falta da escola.
— disse Fred, tentando retomar seu humor normal.
Esbocei um sorriso.
— Mas eu sinto falta de você indo lá em casa,
ou de ir na sua — sorri fracamente. — Eu te amo,
Fred. Você é meu melhor amigo, estando com ou sem

~ 134 ~
cabelo.
Ele continuou chorando, e não foi por tristeza.
Não naquele momento. Eu o abracei e fiquei em
silêncio. Estava resolvido. No dia seguinte mesmo,
Fred raspou o cabelo. E eu estava ao seu lado.
Em outubro, foi seu aniversário. Seus pais
visitaram-no pela manhã, mas eu não fui. Estava
organizando uma pequena surpresa. Pelo que me
disseram, ele achou que eu tinha esquecido. Longe
disso.
À tarde, cheguei no hospital silenciosamente.
Levava alguns balões coloridos e livros que nós
líamos juntos. Fred estava dormindo quando entrei.
Precisei ser delicada ao acordá-lo.
— Alice — sussurrou. — Pensei que houvesse
esquecido.
— Jamais faria isso — respondi, entregando-
lhe os livros e amarrando os balões na maca. — Feliz
aniversário, Fred.
Ele abriu um grande sorriso ao ver os livros.
Pareceu ter-lhe dado uma nostalgia de quando
estávamos lendo-os.
— Eu me lembro de seus chiliques com estes
livros — falou rindo. — Era tudo tão incrível.
— Vai ser de novo. Você conseguirá sair daqui.
Eu estava fazendo o possível e o impossível
para vê-lo sorrir. Toda minha força estava depositada
nele. Eu não queria saber de meus sentimentos.
Somente queria cuidar de Fred. Se ele melhorasse, eu
floresceria. E se não, eu murcharia.
Dois dias depois, enquanto eu dormia, o
telefone tocou de novo. E, claro, minha mãe atendeu.
Após cinco minutos falando baixinho, ela subiu no
meu quarto.
— O Fred — disse, ofegando e chorando. — Ele

~ 135 ~
está passando mal. E eu acho que é muito sério.
— Vamos ao hospital! — gritei e me levantei.
— Eu preciso ficar com ele!
— Não, Alice — minha mãe negou. — Não
podemos ir agora. Vai ter que esperar amanhecer.
— Mas, mãe... — senti as lágrimas brotarem
em meus olhos. – E se acontecer alguma coisa?
— Ele vai ficar bem — ela tentou me confortar.
— Volte a dormir, querida. Fred vai ficar bem.
Não foi o suficiente para me confortar.
Largando toda a força que eu buscava passar para
ajudá-lo, eu afundei meu rosto no travesseiro e
chorei. O choro veio baixinho até explodir e eu berrar
no meio da noite. Apesar de minha mãe ter corrido
para mim e me abraçado, não parei. O silêncio já não
me definia mais. A dor estava comigo.
Eu podia perder quem eu mais amava e não
sabia como lidar com isso.
No dia seguinte, eu e minha mãe corremos
para o hospital. Meu coração estava disparado. Na
melhor das hipóteses, ele estaria desacordado. Na
pior... Eu preferia nem falar.
Procurei o quarto de Fred o mais rápido que
pude. O médico me barrou, mandando-me esperar.
Mas a Sra. Toledo apareceu e implorou para que ele
me deixasse entrar. Disse que Fred precisava da
minha presença.
Verdade, ele precisava. Estava pálido e fraco,
mais magro que há um mês. Ao me ver abriu um
pequeno sorriso. Minhas olheiras denunciavam como
eu havia chorado na noite anterior.
— Eu posso ficar sozinho com ela? — Fred
perguntou, mantendo o sorriso. — Não vai acontecer
nada.
Seus pais permitiram por saberem, realmente,

~ 136 ~
que não faríamos algo errado. Quando fecharam a
porta, virei-me para Fred:
— Que susto, não?
Ele permitiu-se rir.
— É, foi um belo susto. Espero que já tenha
passado.
Passei a mão por sua testa, onde, uma vez, já
houvera fios de cabelos castanhos caindo sobre seus
olhos.
— Senti tanto medo de te perder — murmurei.
— Eu achei que nunca mais fosse te ver.
— Eu desejo muito, Alice, que você precise me
aguentar pelo resto da eternidade. — disse ele de um
modo baixo. — Não precisa mais ser forte em meu
lugar.
— Faço isso porque quero. Eu preciso estar
com você, Fred. Independentemente do que venha a
acontecer.
— Não tenho mais medo. O que for para
acontecer... Vai acontecer.
— Mas eu tenho – respondi. — Depois de
ontem... Eu chorei tanto. Eu não quero que aconteça
novamente. Preciso que você fique curado.
Fred respirou fundo, tranquilo.
— Já aceitei. Talvez meu destino seja esse e...
— Quieto — interrompi-o. — Ouça.
Apontei para a janela. Sendo de manhã, os
pássaros já cantavam com fervor. Era beleza
verdadeira escutar aquilo.
— Enquanto os pássaros cantarem, você estará
vivo. E nossa amizade também — falei. — Escute os
pássaros, Fred. E tudo vai melhorar.
Ele não respondeu. Satisfeita, dei-lhe um beijo
na testa e fui em direção à porta. Ia tentar chegar na
segunda aula da escola.

~ 137 ~
— Lembre-se, Fred — voltei a falar quando
estava saindo. – Escute os pássaros.
Foi a partir daí que, em todas as manhãs, eu
comecei a escutar os pássaros. A cada canto, uma
nova fagulha de vida em meu melhor amigo.

~ 138 ~
Esse tá pego!
(De Alessandra Morales)

~ 139 ~
Alessandra Morales
Alessandra Morales mora em São Paulo desde que nasceu, e
desde este mesmo momento vive entre os livros. Gosta tanto
de ler quanto de escrever.
Odeia não ter com quem dividir as coisas. Adora rir e
fazer os outros rirem.
É co-autora dos livros Contos Amargos (publicado
pela Editora Pendragon) e Demontale (da Editora Arwen).
É também administradora do blog Tô Pensando em
Ler, onde compartilha seu amor pela literatura.
Seu twitter é @leletapias.

~ 140 ~
E u não escolhi esperar, foi a vida que fez
esta escolha. Eu só aceitei. Ou não.
Hoje, completo dezenove anos e não
tenho muito para comemorar. Desde os treze o que
mais quero é transar com uma namorada, paquera,
crush, empregada, babá; qualquer mulher, mas até
agora nada. De todos os amigos da turma, o único
virgem sou eu. Motivo de piada, claro.
Quando fiz dezoito achei que iria comemorar
no motel. Meus amigos fizeram uma festa pra mim,
galera toda reunida na balada, várias gatas
disponíveis, achei que uma delas iria ficar comigo,
para me presentear, mas só o que ganhei foi uma
ressaca no dia seguinte.
Já me convidaram pra ir num puteiro resolver
meu problema, mas sei lá, prefiro arrumar uma por
méritos próprios. Tá, to sem mérito faz tempo.
Pode ser que hoje a coisa mude. Tem uma festa
me esperando. Meus amigos disseram que hoje a
noite vai ser incrível. Não sei nada sobre isso. Tomara
que eles tenham arrumado uma gata pra mim. Só isso
me interessa.
Cheguei no bar combinado e o que encontrei
me deixou desnorteado. Uma mesa cheia de homens.
Estou dizendo cheia, mas leia-se abarrotada, lotada de
caras peludos e barbados. Não estava esperando nada
disso. Tento não demonstrar meu desapontamento eu
dou um sorrisinho amarelo. Agradeço todo mundo
pela incrível demonstração de afeto – estou sendo
estupidamente irônico – e pego a primeira garrafa
que aparece na minha frente, vou encher a cara, é o
que me resta.
Conversa vai, conversa vem e de repente
chegam duas gatas absurdamente gostosas. Sentam-
se perto da nossa mesa e pedem umas bebidas cheias

~ 141 ~
de coisinhas, dessas com enfeitinhos em cima. Logo
chegam mais três lindas pra compor a mesa delas.
Cinco mulheres irresistíveis.
— Ei, gatas, não estão afim de beber com a
gente? Estamos comemorando o aniversário desse
cara aqui. — Jorge aponta pra mim, rapidamente
fecho a boca e engulo a baba que já estava
escorrendo.
— Claro que sim. — elas levantam e vêm na
direção da minha mesa. — Parabéns, gato!
A primeira vem e me beija no rosto, logo isso
se repete uma por uma. Já estou passando mal.
Elas se apresentam, mas eu não consigo gravar
o nome de nenhuma. Na minha mente são: Loira
Gostosa, Morena Furacão, Peito Gigante, Pernuda e
Cintura Fina.
Todos bebendo muito, eu, meus amigos e as
minas. Tudo do jeito que eu sonhei para hoje e para a
vida toda.
Peito Gigante encosta aqueles peitões no meu
braço e sugere irmos para a casa dela. Claro que
aceito na hora, mas ela diz pra irmos na surdina.
Nesse momento eu tenho a leve impressão de
que meus amigos estão sorrindo de forma estranha,
como se soubessem de alguma coisa. Pergunto o que
ta rolando, mas eles não se dão ao trabalho de
responder. Devem estar rindo da minha virgindade.
Mas isso vai acabar hoje. Essa piada vai ter fim. E será
com o Peito Gigante!
Ela então me leva até seu carro e entro no
banco do passageiro. Assim que estamos acomodados
alguém bate no vidro, tomo um susto, mas logo passa
quando vejo a Morena Furacão sorrindo e dizendo
que quer ir também.
É muita areia, mas darei conta fácil.

~ 142 ~
Morena Furacão entra e vamos embora ao som
de alguma banda de rock que eu não faço a menor
ideia de qual seja.
Minutos depois chegamos numa casa
consideravelmente grande, passamos pelos portões
automáticos e saímos do carro assim que foi
estacionado.
— A casa é sua mesmo? – perguntei achando
estranho uma garota nova já morar numa mansão
daquela.
— Dos meus pais, mas eles não estão. A casa
está liberada.
Entramos e a Morena Furacão vai buscar umas
bebidas. Já estou bêbado, mas aceito. Dou golinhos,
não quero segurar esse copo por muito tempo. Quero
é pegar uma das duas, ou as duas se possível.
Elas começam a conversar comigo, fazem
perguntas, e eu não presto atenção em nada,
respondo sim pra tudo.
Do nada o jogo começa. Elas dizem para eu
colocar uma roupa mais confortável e trazem um
pijama de unicórnios, deixam comigo e saem para
trocar de roupa também.
Depois que troco de roupa é que percebo o
quanto estou ridículo. Elas voltam de lingeries
sensuais. Nesta hora esqueço a vergonha de estar
usando aquele pijaminha sem vergonha.
Elas pedem para eu dançar Gangnam Style com
direito a coreografias, eu danço. Pedem pra eu passar
baton, eu passo. Pedem pra eu dançar na boquinha da
garraga, e eu vou até o chão. E bebemos. Elas pedem
pra eu segurar uma escada enquanto a Loira Gostosa
pega alguma coisa no alto da estante, eu seguro e fico
olhando aquela bunda incrível. Não aguento mais essa
tortura. A Morena Furacão pede pra eu tirar a parte

~ 143 ~
de cima do pijama e começa a me chicotear. Que
mundo é esse?
De repente entra um cara de terno com um
microfone na mão, outro atrás com uma câmera e
meus amigos na sequência rindo.
O apresentador diz que participei do primeiro
Reality Show chamado “Esse T| Pego” e minha
participação foi um sucesso!
Agora me lembro de ter dançado PSY de
pijaminha de unicórnio.
Quero morrer!
Não. Não quero morrer virgem. Até porque
agora sou um virgem famoso! Alguém vai transar
comigo!
O que fazer com meus amigos?

~ 144 ~
O destino e uma
amizade para sempre
(De Bia Flowers)

~ 145 ~
~ 146 ~
Bianca e Everton tinham uma amizade tão diferente
– mais do que se pode explicar. Essa linda união
ultrapassava quaisquer explicações que todos
pudessem compreender, até mesmo a forma como
tudo iniciou.

Um dia, Bianca se depara com um convite:


foi simplesmente adicionada a um grupo de amigos
em que já era conhecida praticamente por todos,
menos por um rapaz chamado Everton, que logo
chamou a sua atenção por sua gentileza e forma
de se comunicar diante de todos.

O que Bianca não esperava era que, de uma


forma sem saber explicar, Everton já tinha registro
em seus dados de agenda telefônica. Ela tentou
relembrar de onde poderia ter tal contato, e por
mais que tente encontrar explicações concretas, o
que sabe é que algo já havia lhe chamado atenção.
E lá estava o nome de Everton em seus contatos
telefônicos, com apelido e foto de identificação –
mesmo sem uma explicação correta para tal
contato guardado.

Everton tentou se aproximar de Bianca cada


dia mais puxando assuntos relacionados à vida,
cultura, entretenimento; e tudo era uma forma de
chamar a atenção de Bianca.

Cada dia que se passava parecia que a vida


de Bianca e Everton já tinham se cruzado de
alguma forma. Tudo o que falavam parecia se
encaixar: ou um já tinha vivido tal experiência, ou
os dois pensavam da mesma forma sobre o mesmo
assunto.

Mesmo com tantos amigos em volta dos dois


~ 147 ~
– muitos até mesmo com certa inveja de ver a
amizade entre os dois se fortalecendo a cada dia
mais – eles nunca deixaram abalar tal amizade

Bianca sempre dizia que Everton era a


alegria dos dias dela, que a fazia sorrir e esquecer
as tristezas da vida. Everton sempre dizia que
nunca tinha conhecido alguém como Bianca, de tal
sensibilidade que nunca havia sentido nessa vida.
Os dois viveram momentos intensos de amizades,
cumplicidades, brigas, choro alegrias e nada
conseguia separar esses dois.

Quantas vezes eles mesmos não podiam


compreender o que tanto ligava a vida deles, e que
dia após dia o elo ficava mais forte independente
das barreiras e dificuldades que enfrentavam na
vida.

Um sempre estava disposto a estender a


mão amiga ao outro, o ombro amigo, a enxugar as
lágrimas, dar a palavra certa na hora que um
estava caído, a piada certa pra fazer arrancar um
sorriso dentre as lágrimas. A força das palavras
servia de alavanca um ao outro a enfrentar os
desafios dessa vida, e tudo o que a vida de cada
um deles tinha a enfrentar.

Alguns detalhes foram chamando a atenção


desses dois amigos.

Quantas vezes Bianca estava em desespero


sem saber que caminho tomar na vida e não
conseguia dividir ate mesmo com Everton seus
problemas, pois ele era seu amigo confidente e ela
a guardiã dos segredos de Everton! Mesmo quando
não se trocavam palavras, um sentia o que o outro
~ 148 ~
estava sentindo. E isso mesmo sem saber noticias
um do outro; eles eram capazes, com a força do
pensamento e do coração, chegar um ao outro de
alguma forma.

Quando se falavam, ainda que algo


estivesse oculto, um era capaz de dizer ao outro tal
sentimento sentido na ausência, além do que
estavam a passar durante o dia. Os dois chegaram
a imaginar que pudessem estar loucos com tais
acontecimentos (já era rotineiro entre eles) e já não
podiam nada um do outro conter ou esconder ainda
que tentassem.

Eles sabiam que a semente do amor e da


amizade havia sido plantada dentro do coração dos
dois. Por mais que estivessem longe ou dividindo o
mesmo espaço nada mudaria e sempre fariam
parte da vida um do outro.

O amor que sentiam entre si era mais forte


do que qualquer palavra pudesse expressar. E que
o carinho e amizade que um exercia pelo outro
nada desse mundo poderia explicar. Pelas leis
divinas, poderiam dizer que almas gêmeas seriam
e que estavam predestinados a se amar. Pela lei
terrena, que um amava o outro e só não admitiam
esse amor a viver.

Para Bianca e Everton existia a certeza viva


de que, almas gêmeas ou não, um jamais iria
desistir do outro. Não importava que nada
explicasse quais reais motivos os faziam tão
presentes na vida um do outro e o quão ligados
fossem, nem de quão intenso o sentimento que
viviam, eles sabiam que no fundo e profundo dos

~ 149 ~
dois a semente da amizade germinou dentro de
duas almas fazendo um ao outro amar. Ainda que
nada pudessem explicar tal amor, um do outro
jamais iria se apartar porque viviam um pelo outro e
sempre um ao outro a chamar; perto ou longe,
juntos sempre iriam caminhar, e de mãos dadas até
o fim de suas vidas existenciais um para o outro a
se doar.

Se um dia esse amor que invadiu esses dois


corações realmente em amor eterno irá se
transformar, só a Deus, eterno criador, pertence tal
mistério a saber.

E assim Bianca e Everton vão seguindo a


vida um pelo outro, independente do que vão viver

Somente uma certeza eles têm: ninguém


cruza os caminhos dessa vida em vão. Eles sabem
que antes que fechem os olhos dessa vida saberão
porque suas vidas foram entrelaçadas pela
semente da amizade e do carinho, se
transformando em um amor que não tem
explicação aos normais – e que só eles sabem o
que sentem de verdade.
E que nada pode separar esse elo de
Amigos para sempre.

~ 150 ~
O medo de João, o
menino grandão!
(De Myrian Carla)

~ 151 ~
Myrian Carla
A autora tem sua melhor formação na maternidade,
embora tenha feito contabilidade, foram sua experiências de
mãe que mais a inspiraram a escrever para crianças, como
nesse conto, onde descreve fatos baseados em um história
real ocorrida na sala da primeira série do ensino fundamental
de seu filho.
Faz um trabalho voluntário há quase 20 anos, que
também incluí crianças, sua eterna fonte de inspiração e
exemplo de como devemos enxergar o mundo.

~ 152 ~
J oão era um menino grandão, tão grandão
que parecia gente grande. Quando ele falava,
todos se calavam. Ouviam com olhos atentos
o que João dizia. Às vezes nem era algo
demais, mas todos ouviam João falar.
João se sentia muito importante com toda
aquela atenção sobre ele. João gostava de ser
admirado. Gostava de ser popular e respeitado na
escola.
Os coleguinhas sempre faziam o que ele
sugeria, ele era sempre o primeiro a falar na sala de
aula Quando a professora perguntava alguma coisa.
Toda aquela atenção deixava João cheio de si.
Mas tinha algo que João escondia de todo mundo, de
sua família, colegas e professora. João tinha um medo.
Um medo muito grandão. Tão grandão quanto João.
João não tinha coragem de falar do seu medo.
Ele achava que ninguém deveria saber dele. O medo
de João era um medo diferente dos medos que a
maioria das crianças tem.
Qual seria esse medo de João?
João não deixava ninguém saber.
Quando João estava sozinho ele pensava
naquele medo e isso o deixava chateado. Ele pensava
em como resolver aquele assunto, mas não conseguia
chegar a uma solução. Ele não falava com seus pais
sobre aquilo, achava que eles estavam ocupados
demais para lhe ajudar. Estavam sempre trabalhando
muito para ganhar dinheiro e comprar as coisas que
precisavam. Então esse medo crescia cada vez mais
dentro dele.
Lá na escola de João, havia uma amiguinha
muito legal. Ela era magrinha, com umas sardas nas
bochechas, seus cabelos eram cacheados e compridos,
seus olhos eram grandes e castanhos e pareciam

~ 153 ~
sempre muito atentos e curiosos. Ela era uma menina
muito confiante. Sempre ganhava na brincadeira do
pega-pega, Mesmo sendo bem menor que João. Ela
sempre ouvia João falar como os demais colegas, Mas
ela era diferente. João gostava de estar perto dela. Ela
se chamava Ritinha.
Um dia, João e Ritinha estavam descansando
depois de uma brincadeira na escola. Estava muito
calor e Ritinha ofereceu sua água para João, ele
aceitou. Ritinha era muito atenciosa e sempre se
preocupava com o bem estar dos outros. Aquele
cuidado de Ritinha, deixava João se sentir a vontade
para conversar. Ele estava meio sem graça de
começar o assunto, mas finalmente soltou a primeira
frase:
— Eu já estou muito cansado disso...
— Cansado de correr João? Tome mais água
então! - Respondeu a Ritinha.
— Não... cansado de ser grandão. — desabafou
João.
— Como é que é? — Ritinha não entendeu.
— Ah... Queria ser o primeiro da fila, mas sou
sempre o último, por causa deste tamanho todo. —
explicou João, reclamando de uma das coisas que o
deixavam irritado.
Ritinha ficou pensando naquilo e achou meio
sem importância, afinal João era tão respeitado na
escola, que ela não imaginou que seu tamanho fosse
causar algum tipo de desgosto em João. Mas ela
observou que João estava cabisbaixo e respeitou
aquele momento dele. Era algo que realmente o
incomodava.
Ela ficou calada por uns instantes pensando e
finalmente resolveu dar sua opinião.
Então disse:

~ 154 ~
— Mas João, todo mundo ouve você. Todos te
dão atenção.Que importância tem ser o primeiro da
fila?
João resolveu ir mais além:
— É que sendo o primeiro da fila, eu seria
pequeno, e quem é pequeno pode errar que ninguém
vai perceber. — disse João entristecido
Ah... Ritinha agora estava começando a
entender toda preocupação dele e desconfiou de que
João tivesse um medo. Então resolveu perguntar para
ver se era aquilo mesmo, que ela estava desconfiada:
— Você tem medo de errar João?
João olhou para a Ritinha e abaixou mais ainda
a cabeça. Sentiu seu rosto ficar quente, estava
envergonhado.
Ela descobriu o seu segredo. E agora?
Será que ela iria contar para todo mundo na
escola?
Todos iriam saber do seu medo de errar, E
talvez nem o admirassem mais e nem. Parassem para
ouvi-lo falar. Por uns instantes João ficou calado,
pensando em como terminaria aquela conversa. Mas
curiosamente ele começou a sentir um alívio por ter
dividido aquele medo com alguém. Pensou que ficaria
chateado com seu segredo sendo descoberto por
Ritinha. Mas não estava. Ele estava se sentindo
tranquilo e mais leve por dentro. Ficou feliz ao
perceber que Ritinha continuou lhe dando atenção.
Ritinha percebeu como foi importante para
João falar daquele medo. Ela ficou admirada, pois João
por uns instantes deixou de ser o aluno mais popular
da escola, para demonstrar uma insegurança sua. Ele
teve que ter muita coragem para admitir isso, então
ela lhe disse:
— Sabe João, você foi muito corajoso ao

~ 155 ~
admitir o seu medo de errar. Você teve a atitude certa
ao falar dele.
João ficou muito contente ao ouvir aquilo,
como não ficava há muito tempo. De uma hora para a
outra o seu medo começou a ficar pequeno. Ele viu
que não deveria dar ao medo um tamanho maior do
que realmente tinha.
Ritinha, aquela menina magrinha, ajudou seu
amigo João, o menino grandão, a enxergar o seu medo
que era grande dentro dele, a ficar bem pequeno.

E você? Tem medo de alguma coisa?

Não deixe seu medo crescer dentro de você.


Fale dele para um amigo ou amiga.
Você vai ver que ele vai ficar bem pequenininho.

~ 156 ~
O “para sempre”,
Sempre acaba
(De Glauco Stauffenberg)

~ 157 ~
Glauco Stauffenberg
O mineiro Glauco Stauffenberg é historiador e
professor.
Para escrever busca inspiração nos quintais da
vida, no destino final, naquilo que não ousa dar nome.
As contradições do Barroco e dos jardins se
fazem presentes na alma nômade do escritor.
É autor do livro “AQUELE SEMESTRE INCRÍVEL”,
organizador da Antologia “PARA SEMPRE: AMIGOS” e
Editor chefe-fundador da EM FOCO EDITORA.

~ 158 ~
Q uantas pessoas você encontrou que foram
empecilho para a sua felicidade? O outro,
de repente, joga sobre você muitas coisas
ruins, começa a depositar sobre você o
ódio, as indisposições que ele tem. E se a gente
entende que isso é ruim, porque fazemos com o
outro? Se não gostamos de ser traídos, enganados,
desprezados, humilhados... Por que fazemos isso com
o próximo? E muitas vezes as amizades terminam
por isso. Quando um lado não se empenha na
seriedade da relação.
Quando o outro não entende os desajustes do
mundo, ele não consegue diminuir as contradições.
Ele não tem o desejo de mudar. A verdade é que tudo
tem um fim.
Eu estava fazendo uma contagem de
momentos legais, e cheguei à conclusão que tive
muitos, muitos que não são possíveis de serem
numerados.
Cheguei à conclusão também que poucos são
os que permaneceram. Fiz amigos na faculdade, mas
ficaram no quadro branco após a formatura. Fiz
amigos na academia, mas ficaram nos halteres após o
treino. Fiz amigos no emprego, mas permaneceram lá
depois do expediente. Mas aprendi também que
ninguém é amigo por acaso. Ninguém entra na nossa
vida sem algum motivo. Muitas vezes pode ser para te
fazer olhar a vida com mais calma, com mais
equilíbrio. Para te fazer dar valor àquilo que você
despreza e que é tão importante, tão necessário. Eu
prefiro que as pessoas, ao chegar, respeitem aquilo
que eu sinto e aquilo que eu sou. Não é imposição, é
uma regra. Se escolher não respeitar, eu escolho não
deixá-las ficar. A soma é simples e não precisa ser
bom de matemática para entender.

~ 159 ~
Assim, compreendo que é impossível ser
amigo sozinho. Igual ao relacionamento amoroso, a
amizade também precisa ser dos dois lados. Os dois
precisam investir, querer, fazer acontecer. Quando
apenas um lado investe tudo tende a dar errado. Esse
negócio de “não respondi { mensagem no whatsapp
porque não tive tempo” ou “estou muito atarefado
com estudos, trabalho, namoro...” Isso pra mim não
cola. Até porque quando a gente valoriza o outro, uma
mensagem não custa nada. Não vai me fazer perder
tempo, pelo contrário; Às vezes as pessoas precisam
apenas de uma mensagem para saber que mesmo
atarefado você está ali.
Talvez os amigos que eu achei que fossem
amigos, eram apenas colegas circunstanciais. É,
acredito que foram pela afinidade do momento.
Permaneceram enquanto tinham interesses
imediatos e após suprir as necessidades, partiram por
não ter mais motivos de ver e ouvir. O momento
acabou e é hora de deixar partir o que não tem mais
sentido. Não lamento pelos conselhos que dei, pelas
dores que ouvi ou pelos sorrisos que os fiz soltar...
Lamento por não ter amigos insistentes como a falta
de memória dos velhos.
Claro que alguns ficaram. Alguns foram e são
insistentes. Não tenho como citar todos, então vou
citar àquele que mais me marcou.
Um dia eu recebi um comunicado que tirou o
meu chão. Eu ainda estava dormindo no fim da tarde
de segunda feira, quando sonhei com o meu amigo.
Assim que acordei, a mensagem estava exposta no
Facebook. O choro foi inevitável. Ele se foi. Eu fiquei.
Vivemos pontes, travessias, eu desanimei muitas
vezes e ele esteve ali, sentado comigo. Me convidou à
ir além. Acreditou em mim quando eu já havia

~ 160 ~
cansado de mim. Anunciou boas notícias e fez a via
dolorosa junto comigo. Há uns dias antes de sua
partida, já esperada por todos, eu o visitei. Vida
inteira esticada em uma cama. O grande rapaz agora
era apenas um rapaz grande. Dependente. Miserável.
Aquela cena jamais saiu de minha mente.
Quando entrei e o vi ali, ligado em aparelhos que até
então eu conhecia apenas de filmes. Resisti às
lágrimas, mas elas escorreram. Não tive coragem de
chegar perto com os olhos vermelhos, até que a tia me
puxou e disse “olha quem veio te ver.” Ele se virou. Os
olhos castanhos assustados por não saber onde
estava, se fixaram nos meus e se acalmaram. Por
alguns segundos o silêncio reinou sobre o local
barulhento. Todos em volta foram deletados e nos
sobrou. Ele e eu. A dor nos unia, ainda que por
contrações diferentes.
Cheguei perto e segurei em sua mão, falei:
“est| tudo bem, estou aqui.” E foi o que aconteceu. A
agitação deu lugar a calmaria. Aquele processo, ainda
que triste, me cativou. Ele não precisava se mostrar
forte, mas fez isso ao me ver. Naquele momento era
ele que precisava de mim, e não eu dele. Mas ele
soube recrutar os melhores momentos, para aquele
aperto de mão.
Passei a mão sobre seus cabelos desgrenhados,
e olha que ele era vaidoso. Seu sorriso branco deu
lugar a um amarelado que lhe causava
constrangimento, mas não para mim. A amizade foi
tão forte que não nos importava se alguém nos via.
Falei: “fique calmo, deixe que cuidem de você. Não
seja levado”, ele me encarou ao fim da frase e
balançou a cabeça fazendo sinal positivo. Ele disse
meu nome, e eu chorei.
Ele me fez acreditar quando tudo parecia

~ 161 ~
difícil. Foi à mão que me segurou. Estávamos
costurados. A trama da vida, ainda que não eterna, o
deixou eterno em meu coração. No momento da
fragilidade, compreendemos a ação do tempo. O
tempo que nos distanciou, o motivo que o levou.
Antes de eu sair, porque deu a hora de visita,
cheguei em seu ouvido e soprei a música que fez uma
lágrima sair de seus olhos. Enquanto eu cantava ele
me encarava. Naquele momento ele me dizia: “você
não pode fazer muita coisa, mas o fato de estar aqui já
me faz feliz. Obrigado meu amigo, obrigado.”
A música foi apenas o refrão; “Amigos, pra
sempre. Bons amigos que nasceram pela fé. Amigos,
pra sempre. Para sempre amigos sim, se Deus quiser.”.
Dias depois, a indigência do corpo. Ali, na
minha frente. Ali eu não sabia o que fazer, não sabia
como agir. Apenas olhei, agradeci e falei que em breve
iríamos nos encontrar.
O que mais me marcou naquela cena do
hospital foi que, quando eu abri a porta para ir
embora, me virei e dei uma última olhada em meu
grande amigo, em meu grande irmão. Eu sabia que ele
não sairia vivo daquele hospital. Quando os nossos
olhos se encontraram, ele sorriu.
Naquela espera pelo fim, ele sorriu.

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