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Penal
PÓS-GRADUAÇÃO
Disciplina
Processo Penal Constitucional
Autor
Yuri Felix, Danyelle da Silva Galvão, Danilo Dias Ticami, Bruno Silveira Rigon,
Alessandro Maciel Lopes, Renata Matarazzo Lopes, André Nascimento, Juliano de
Gomes Carvalho, Juliano de Oliveira Leonel
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Índice ÍNDICE
Tema 01: Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da Constituição
04
Federal de 1988
Tema 03: O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica à Influência da Teoria Geral
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do Processo e à Cultura Inquisitiva no Sistema de Nulidades no Processo Penal Brasileiro
Tema 09: A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação da Pena 196
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TEMA 01
Breves Anotações Sobre Alguns
Princípios Processuais Previstos
da Constituição Federal de 1988
4
LEGENDA seções
DE ÍCONES
Início
Vamos
pensar
Glossário
Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
5
Tema 01
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios
Processuais Previstos da Constituição
Federal de 1988
Danyelle da Silva Galvão
Objetivo
Caro aluno, as próximas linhas que inauguram esta disciplina têm por objetivo apresentar
alguns princípios consagrados na Constituição Federal de 1988, sendo estes essenciais e
linha mestra em um Estado de Direito.
Resumo da Aula
O Código de Processo Penal do Brasil data de 1941 e permanece em vigor até os dias atuais.
Sabe-se que o período relativo ao regime militar no país foi responsável pela redução –
senão o aniquilamento – das garantias individuais, com reflexo imediato na aplicação do
direito processual. Isto porque a Constituição de 1967, com a Emenda no 01, de 1969, e os
Atos Institucionais estabeleceram no país um estado autoritário e de exceção.
O fim do regime militar foi marcado pelo movimento das eleições diretas em 1984, chamado
de “Diretas Já”, e pela eleição presidencial de Tancredo Neves em 1985, cuja proposta
governamental propunha a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. A nova
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Tema 01 | Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da
Constituição Federal de 1988
Devido ao fim da ditadura militar o país precisava de uma nova Constituição decorrente
de um poder legítimo não autoritário, justamente para que uma nova ordem de valores
fosse instaurada no sentido de reger a democracia que se buscava instalar no país2. O
então Presidente da República, José Sarney, que assumira em decorrência do falecimento
de Tancredo Neves, encaminhou ao Congresso Nacional uma proposta de convocação de
uma Assembléia Constituinte, que deu origem à Emenda Constitucional no 26/85.
Para Paulo Bonavides, o advento de uma nova Constituição seria uma “última pá de terra
sobre um sistema de privação de franquias e liberdades públicas, lesão de direitos
humanos e autoritarismo, que imperou nesta nação durante cerca de duas décadas”3.
Durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, o seu presidente, Ulysses
Guimarães, enfatizou a necessidade de mudança de panorama em alguns de seus discursos,
1 Esta também é a conclusão de Ubiratan Diniz Aguiar, que compôs a Assembléia Constituinte em 1988, ao afirmar que “a
sensação que pairava no ar era a de que havia necessidade de elaboração de uma nova Carta Política capaz de recon-
quistar direitos que haviam sido suprimidos do cidadão no período do regime militar”. AGUIAR, Ubiratan Diniz. As Origens da
Constituição Brasileira. In: MESSENBERG, Débora et al. Estudos Legislativos. 20 anos da Constituição brasileira.
Brasília: Senado Federal, Câmara dos Deputados, Tribunal de Contas da União e Universidade de Brasília, 2010. p. 17. 2 Isto
porque as mudanças na sociedade devem gerar mudanças na Constituição ou, no caso do Brasil, de Constituição.
3 BONAVIDES, Paulo. Constituinte e Constituição: a democracia, o federalismo, a crise contemporânea. Fortaleza:
Eufc, 1985. p. 2.
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Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais
Previstos da Constituição Federal de 1988
No tocante às garantias individuais, a nova Constituição rompeu com a realidade até então
existente no país, prevendo-as como direitos fundamentais e cláusulas pétreas, irrevogáveis
mesmo que por futura emenda constitucional. Gilmar Mendes expõe que a Constituição de
1988 fez uma clara opção pela democracia e não por mera coincidência possui “um dos mais
extensos catálogos de direitos e garantias fundamentais do mundo”. Para o autor, trata-se de
uma forma de “defesa do Estado Democrático de Direito e do equilíbrio institucional”5.
Antônio Scarance Fernandes expõe que a nova Constituição formou “um conjunto de princípios,
direitos e garantias que traçam as matrizes de todo o sistema brasileiro de processo penal”9.
Pode-se dizer, portanto, que em 1988, com o advento do novo texto constitucional
4 Discurso de 02 de fevereiro de 1987. Ulisses Guimarães. Discurso de Posse na Assembléia Nacional Constituinte.
5 MENDES, Gilmar. 20 anos de Constituição: o avanço da democracia. In: SENADO FEDERAL. Constituição de 1988.
O Brasil 20 anos depois. Os alicerces da redemocratização. Brasília, 2008.v. I: Do processo constituinte aos princípios
e direitos fundamentais, p. 21-22.
6 Othon de Azevedo Lopes dita que “a redação da Constituição reflete a centralidade deste conceito no Estado Demo-crático
de Direito”. LOPES, Othon de Azevedo. A dignidade da pessoa humana como princípio jurídico fundamental. In: SILVA,
Alexandre Vitorino et al. Estudos de Direito Público. Direitos Fundamentais e Estado Democrático de Direito. Porto Alegre:
Síntese e Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, 2003. p. 194. O mesmo autor enfatiza, na p. 206, que
“o sentido de tal positivação é afastar qualquer concepção relativista ou reducionista da condição humana”.
7 Por isto, justifica-se o título dado à Constituição por Ulysses Guimarães: Constituição cidadã. O termo foi usado em
discurso durante a Assembléia Nacional Constituinte em 27 de julho de 1988, disponível em:
<www.fungpmdb.org.br/frm_ publ.htm>, da seguinte forma: “essa será a Constituição cidadã, porque recuperará como
cidadãos milhões de brasileiros, vítimas da pior das discriminações: a miséria”.
8 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 45.
9 SCARANCE FERNANDES, Antônio. Princípios e garantias processuais penais em 10 anos de Constituição Federal.
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Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da
Constituição Federal de 1988
1.1) O Contraditório
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu art. 5o, inc. LV, a necessária observância
ao contraditório, nos processos judiciais e administrativos.
Entende-se a citação no Brasil como o ato formal que dá ciência ao acusado da imputação
constante na denúncia. No âmbito internacional, a Convenção Americana de Direitos Humanos,
no seu art. 8.2,b é clara ao dispor sobre o direito a “comunicação prévia e pormenorizada ao
In: MORAES, Alexandre de (Org.). Os 10 anos da Constituição Federal: Temas diversos. São Paulo: Atlas, 1999. p. 186.
10 SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo Penal Constitucional. 6. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 57. Para Ada
Pel-legrini Grinover“o contraditório, agora, não pode ser simplesmente garantido, mas deve ser estimulado”.
GRINOVER, Ada Pellegrini. O conteúdo da garantia do contraditório. In: Novas Tendências do Direito Processual (De
acordo com a Constituição de 1988). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 18.
11 SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo Penal Constitucional, p. 57. Segundo Ada Pellegrini Grinover, o con-
traditório divide-se em dois momentos: de conhecimento e reação. GRINOVER, Ada Pellegrini. Defesa contraditória,
igualdade e par conditio na ótica do processo de estrutura cooperatória. In: Novas tendências do Direito Processual (De
acordo com a Constituição de 1988). Rio de janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 1.
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Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais
Previstos da Constituição Federal de 1988
Apesar de recentemente o Superior Tribunal de Justiça ter entendido que inexiste determinação
– no Código de Processo Penal ou na Convenção Americana de Direitos Humanos – para a
tradução da denúncia, sendo assegurada à assistência de intérprete quando da presença
do acusado em juízo (STJ – 5a T. – RMS 19892 – rel. Min. Laurita Vaz – j. 04/12/2009 – Dje
08/02/2010), mais acertado é o posicionamento do Tribunal Europeu de Direitos Humanos
(caso “Bronzicek vs. Itália”) em que se reconheceu violação à garantia porque o acusado foi
notificado da acusação em língua que desconhecia, o que ocasionou ausência no
julgamento da sua condenação12.
Por sua vez, o interrogatório judicial é considerado como o momento destinado ao acusado,
se assim desejar, expor em juízo e pessoalmente a sua versão dos fatos, refutar as
acusações formuladas e contrapor as provas produzidas. Trata-se da possibilidade de
reagir à imputação feita pela acusação, entretanto, isto só será possível caso o acusado
seja cientificado sobre o conteúdo dos autos de modo compreensível.
12 Mais sobre a tradução de documentos vide BARRETO, Irineu Cabral. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem
Anotada. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 2005. p. 166; TRECHSEL, Stefan.Human Rights in Criminal Proceedings.New York:
Oxford University, 2005. p. 206 e 338; e a Diretiva 2010/64/EU do Parlamento Europeu.
13 Previsão dos arts. 400, 411 e 531do Código de Processo Penal, para o procedimento ordinário, do rito do tribunal do
júri e procedimento sumário, respectivamente.
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Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da
Constituição Federal de 1988
Segundo Ada Pellegrini Grinover que “a quem age e a quem se defende em Juízo devem
ser asseguradas as mesmas possibilidades de obter a tutela de suas razões”16.Por isto
Luigi Ferrajoli afirma não se pode admitir provas sem que haja sido oferecida todas as
possíveis contraprovas ou formas de refutá-las17.
Para Ada Pellegrini Grinover“o paralelismo entre ação e defesa é que assegura aos dois
sujeitos do contraditório instituído perante o juiz a possibilidade de exercerem todos os atos
processuais aptos a fazer valer em juízo seus direitos e interesses e a condicionar o êxito
do processo. Ação e defesa acabam transformando-se em abrangentes garantias do justo
processo. E o contraditório, neste enfoque, nada mais é do que uma emanação daquela
ação e daquela defesa”18.
Trata-se de transposição da terceira lei de Newton da Física para o Direito. Aquela, também
chamada de princípio da ação e reação, sustenta que se um corpo A aplicar uma força
sobre o corpo B, receberá deste uma força de mesma intensidade, mesma direção, mas de
sentido oposto. O contraditório, por sua vez no Direito, permite às partes (dois corpos) o
paralelismo de atuação (mesma direção) com as mesmas oportunidades (mesma
intensidade) em sentidos contrários (acusação x defesa).
14 CARBONELL, José Carlos Remotti. La Corte Interamericana de Derechos Humanos. Estructura, funcionamiento y
jurisprudencia. Barcelona: Instituto Europeu de Derecho, 2003. p. 167.
15 Concorda-se com a afirmação de Ada Pellegrini Grinover quando sustenta que o “equilíbrio das situações é que ga-rante a
verdadeira contraposição dialética”. GRINOVER, Ada Pellegrini. Defesa contraditória, igualdade e par conditio na ótica do
processo de estrutura cooperatória, p. 7. GOMES, Luiz Flávio. As garantias mínimas do devido processo criminal nos
sistemas jurídicos brasileiro e interamericano: estudo introdutório . In: GOMES, Luiz Flávio; PIOVESAN, Flávia (Co-ords.). O
sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro. São Paulo: RT, 2000. p. 209.
16 GRINOVER, Ada Pellegrini. O conteúdo da garantia do contraditório, p. 18.
17 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoríadelgarantismo penal. 8. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2006. p. 613.
18 GRINOVER, Ada Pellegrini. O conteúdo da garantia do contraditório, p. 4.
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Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais
Previstos da Constituição Federal de 1988
Entende-se a defesa, de maneira genérica e não apenas jurídica, como uma forma de
repulsa a uma agressão ou uma reação à ameaça.
Ronaldo Leite Pedrosa afirma que “constitui a defesa o ato de repudiar e repelir a acusação,
resistir ao ataque”. Por sua vez, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e
Antonio Scarance Fernandes, aduzem ser o direito à ação e de defesa “face e verso da
mesma moeda”21.
No processo penal, a ampla defesa apresenta duas facetas, ou formas de atuação de enorme
importância: a autodefesa que consiste na possibilidade de apresentar por si sósua defesa,
19 SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. São Paulo: RT, 1999. p. 133. Luigi Ferrajoli afirma
não se pode admitir provas sem que haja sido oferecida todas as possíveis contraprovas ou formas de refutá-las.
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoría del garantismo penal, p. 613.
20 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988. v. 2, p. 226. Para o dicio-nário
Houaiss, dentre outros significados, é o “ato ou efeito de defender(-se), de proteger(-se)”, ou o “conjunto de fatos e métodos
adotados por um réu contra quem é movida queixa-crime ou outra ação qualquer”. HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de
Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. p. 605. Para o dicionário
Aurélio, dentre outros significados, defesa é o “ato ou forma de repelir um ataque, resistência”, ou a “contestação de
uma acusação, refutação, indignação”. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portugue-sa. 4. ed. Curitiba: Positivo, 2009. p. 610.
21 PEDROSA, Ronaldo Leite. O interrogatório criminal como instrumento de acesso à Justiça penal: Desafios e Per-
spectivas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. Coleção Direito Processual Penal. Coordenação de Geraldo Prado, p.
112; GRINOVER, Ada Pellegrini; MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio; SCARANCE FERNANDES, Antonio. As
nulidades no processo penal. 12. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 71.
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Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da
Constituição Federal de 1988
Por sua vez, apesar de o acusado não poder dispor sobre a previsão da oportunidade para
o seu exercício, ou melhor, inexistir ingerência sobre a disposição legal que lhe concede a
possibilidade ou momento de participação pessoal, certo é que poderá ser renunciado caso
não queira comparecer ou mesmo aceite transação penal nos termos da Lei no 9.099/95.
22 Para Ada Pellegrini Grinover a autodefesa e a defesa técnica são “vertentes diversas e complementares da mesma
garantia”. GRINOVER, Ada Pellegrini. O conteúdo da garantia do contraditório, p. 9. Também reconhece a dupla faceta
e a sua complementaridade, GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões judiciais. São Paulo: RT,
2011.p. 43-44.
23 GRINOVER, Ada Pellegrini. O conteúdo da garantia do contraditório, p. 8.
24 A expressão é usada por BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil, p. 226-227. GRINOVER,
Ada Pellegrini; MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio; SCARANCE FERNANDES, Antonio. As nulidades no processo
penal, p. 73.
25 Alex Carocca Pérez traz diversos termos pelos quais a autodefesa pode ser denominada: “defensa privada, defensa
genérica, defensa material” ou “defensa procesal”. PÉREZ, Alex Carocca. Garantía Constitucional de la defensa
procesal, p. 447.
26 Sobre a relevância do interrogatório como instrumento de autodefesa videvideMAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio.
A motivação das decisões judiciais, p.44.
27 Destaca-se que são opções que somente podem ser escolhidas caso haja conhecimento prévio e pormenorizado da
acusação, requisito da garantia do contraditório. Segundo Ronaldo Leite Pedrosa, a opção de como se defender
decorre do “direito de tutela informativa (ou seja, do direito de ser informado expressamente de que pode optar pelo
silêncio), pois não se pode deixar à presunção de que o acusado conheça seus direitos”. PEDROSA, Ronaldo Leite. O
interrogatório criminal como instrumento de acesso à Justiça penal, p. 112.
28 PÉREZ, Alex Carocca. Garantía Constitucional de la defensa procesal, p. 449.
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Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais
Previstos da Constituição Federal de 1988
Pelo direito ao silêncio o acusado pode optar entre prestar declarações ou calar acerca das
acusações que lhe são feitas, ou seja, permite escolher a melhor estratégia para sua
defesa29. Ademais, permite que não seja considerado como objeto da persecução criminal,
acarretando a responsabilidade ao órgão da acusação de provar a imputação sem a
utilização de meios coercitivos, opressivos ou ardilosos contrários à vontade do acusado30.
Por consequência, admitir que o acusado não é objeto de prova e garantir-lhe o direito ao
silêncio é uma forma de reconhecimento da presunção de inocência, pois se atribui todo o
ônus probatório à acusação, não podendo a recusa em declarar gerar nem mesmo indícios
em seu desfavor31.
Assim, pode-se afirmar ser o direito ao silêncio “uma barreira intransponível ao direito à
prova de acusação”, sendo certo que sua negação “representará um indesejável retorno às
formas mais abomináveis da repressão, comprometendo o caráter ético-político do
processo e a própria correção no exercício da função jurisdicional”32.
29 UBERTIS, Giulio. Verso um giusto processo penale. Torino: G. Giappichelli Editore, 1997. p. 68; LIMA, Wanderson
Marcello Moreira de. A Constitucionalização dos Direitos Fundamentais e seus Reflexos no Direito ao Silêncio do
Acusa-do. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 91, n. 804, out. 2002, p. 478.
30 Neste sentido, vide BOTTINO, Thiago. Direito ao silêncio na jurisprudência do STF. São Paulo: Elsevier, Campus,
2009. p. 84. Gustavo Henrique Ivahy Badaró sustenta que "mesmo que o acusado permaneça em silêncio e não con-
stitua defensor, poderá ser absolvido, por não ter o Ministério Público conseguido provar a imputação formulada", e que
"é perfeitamente possível que o acusado permaneça em silêncio, sem apresentar qualquer versão defensiva sobre os
fatos e, mesmo assim, que o juiz venha a absolvê-lo, com base em fatos por ele não alegados, como a legítima defesa
ou a inimputabilidade". BADARÓ, Gustavo Henrique RighiIvahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2003. p. 231. Ainda, vide ANDRADE, Manoel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo
penal. Coimbra: Coimbra, 1992. p. 120-121.
31 Manoel da Costa Andrade afirma que o silêncio não é passível de qualquer valoração, deve ser considerado basica-
mente como ausência de respostas, um nada jurídico. ANDRADE, Manoel da Costa. Sobre as proibições de prova em
processo penal, p. 128-129. Mais a respeito da presunção de inocência, vide ZANOIDE DE MORAES, Maurício.
Presun-ção de inocência no processo penal brasileiro : Análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa
e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
32 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997. p. 114.
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Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da
Constituição Federal de 1988
Em verdade, o silêncio deve ser reconhecido como uma opção defensiva, ou seja, uma
forma de exercício da autodefesa.
Por sua vez, o direito de audiência, também relativo à autodefesa, refere-se à “possibilidade de
o acusado influir sobre a formação do convencimento do juiz mediante o interrogatório”35. Com
este aspecto, estabelece-se o direito a ser ouvido, ou seja, a oportunidade de comparecer
perante a autoridade judiciária para apresentar seus argumentos, caso entenda necessário e
pertinente, para que sua versão sobre os fatos imputados na acusação seja levada em
consideração36. Trata-se do “day in court”, assim denominado pela doutrina estrangeira37.
A análise do histórico legislativo sobre o interrogatório no Brasil indica que até a promulgação da
Constituição Federal em 1988 apenas foi dado valor à autodefesa como direito de presença e
33 Eis a redação original do art. 186 do Código de Processo Penal: “Art. 186. Antes de iniciar o interrogatório, o juiz
obser-vará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio
poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa”.
34 PEDROSA, Ronaldo Leite. O interrogatório criminal como instrumento de acesso à Justiça penal, p. 70; e TUCCI,
Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 3. ed. São Paulo: RT, 2009. p. 303.
35 GRINOVER, Ada Pellegrini. O conteúdo da garantia do contraditório, p. 10; e PEDROSA, Ronaldo Leite. O
interroga-tório criminal como instrumento de acesso à Justiça penal, p. 112.
36 Neste sentido BARROS, Flaviane de Magalhães. A fundamentação das decisões a partir do modelo constitucional
de processo, p. 140-141.
37 Sobre este assunto, vide SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. 2. ed. São Paulo:
RT, 2004. p. 175.
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Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais
Previstos da Constituição Federal de 1988
audiência. Com relação ao silêncio, o tratamento foi diverso, pois era considerado em
prejuízo do acusado. Em verdade as legislações anteriores sempre possibilitaram ao
acusado trazer seus argumentos verbais ou escritos para apreciação judicial quando do
interrogatório judicial, afinal, é característica inerente ao próprio ato processual, previsto
como a oportunidade do magistrado questioná-lo sobre os fatos, tendo este a liberdade de
defender-se das acusações relatando a sua versão e eventualmente indicando provas.
Contudo, deve-se considerar que o acusado, na maioria das vezes, não possui
conhecimento técnico suficiente para apresentar sua defesa escrita (defesa prévia,
alegações finais, dentre outros atos processuais), optar entre participar ativamente,
respondendo os questionamentos do magistrado ou das partes, ou silenciar no
interrogatório, motivo pelo qual a assistência de um advogado é imprescindível.
Antônio Magalhães Gomes Filho afirma que “seria impossível imaginar a paridade de armas
entre uma acusação sustentada por um órgão técnico e objetivo, como é o Ministério Público (o
mesmo valendo para a acusação privada, formulada por advogado), e uma defesa exercida por
um acusado não só despreparado para enfrentar as tramas do tecnicismo processual, mas
também emocionalmente perturbado com o eventual desfecho do processo”38.
Exatamente neste ponto que reside a importância do outro aspecto da ampla defesa no
interrogatório: a defesa técnica, que compreende a assistência jurídico-profissional ao
acusado, considerada como direito indisponível39.
38 MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio. A motivação das decisões judiciais , p. 44. Mais sobre a paridade de armas,
vide VIEIRA, Renato Stanziola. Paridade de armas no processo penal.Brasília: Gazeta Jurídica, 2014.
39 Neste sentido GRINOVER, Ada Pellegrini. O conteúdo da garantia do contraditório, p. 9; GRINOVER, Ada Pellegrini;
MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio; SCARANCE FERNANDES, Antonio. As nulidades no processo penal, p. 73; e
BARROS, Antonio Milton de. Processo penal segundo o modelo acusatório, p. 99. Destaca-se que o Superior Tribunal
de Justiça, sob a relatoria da Ministra Laurita Vaz já decidiu pela impossibilidade de renúncia ao direito de defesa téc-
nica pelo acusado leigo com o intuito de advogar em causa própria: STJ – 5a T. – HC 100810 – rel. Min. Laurita Vaz – j.
29/04/2009 – DJe 25/05/2009.
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Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da
Constituição Federal de 1988
No entanto, o retrospecto histórico demonstra que a defesa técnica não teve o mesmo
destaque e a devida importância até a promulgação da atual carta constitucional. Mesmo
após a previsão constitucional sobre a ampla defesa, após a incorporação dos Tratados e
das Convenções Internacionais, e da previsão constitucional sobre a imprescindibilidade do
advogado para a Administração da Justiça, apenas em 2003 a presença do advogado no
ato do interrogatório tornou-se obrigatória por força de lei processual penal.
40 Sobre a paridade de armas, manifestou-se o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, no caso “Samokhvalov vs.
Rús-sia”, que se trata de um aspecto do conceito de “fair trail”, também inclui a garantia que os processos criminais
serão adversariais. Segundo aquela Corte, este último direito significa que às partes devem ser dadas as oportunidades
de conhecer e contrariar os argumentos e as provas produzidas pela parte contrária.
41 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoríadelgarantismo penal, p. 614; MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio. A
motivação das decisões judiciais, p. 42; e ANDRADE E SILVA, Danielle Souza de. A Atuação do juiz no processo penal
acusatório: Incongruências no sistema brasileiro em decorrência do modelo constitucional de 1988. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 2005. p. 75-77.
42 Neste sentido decidiu a Suprema Corte Americana que o acusado necessita de advogado em todos os estágios do
processo (decisão Powell v. Alabama), cujo trecho é encontrado na obra de GELLHORN, Walter. American Rights. The
Constitution in Actio.New York: The Macmillan Company, 1968. p. 22.
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Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais
Previstos da Constituição Federal de 1988
Considerando a necessidade de que a defesa seja efetiva, o ideal é que o acusado conte
com o aconselhamento reservado e prévio de um defensor qualificado, para que então
possa conscientemente optar entre a melhor forma de exercer a autodefesa; declarando ou
mantendo-se silente43. Afinal, como dito, a maioria dos acusados não possui conhecimento
técnico a respeito da acusação ou mesmo das consequências jurídicas de suas eventuais
declarações.
Além disto, imprescindível que a entrevista prévia entre o acusado e seu defensor dure
prazo razoável, sob pena de se transformar em obediência apenas formal à garantia da
ampla defesa no aspecto de defesa técnica44.
Isto porque é necessário que detenham tempo necessário para discutirem os fatos imputados na
denúncia, elaborarem a tese defensiva e para o defensor expor ao acusado as consequências
jurídicas das suas eventuais declarações no interrogatório que será realizado a seguir.
43 TRECHSEL, Stefan. Human Rights in Criminal Proceedings, p. 266-269; e WINTERS, Lorena Bachmaier.Proceso
Penal y protección de los derechos fundamentales del imputado en Europa. La propuesta de decisión marco sobre de-
terminados derechos procesales en los procesos penales celebrados en La Unión Europea. In: SANTOS, Andrés de La
Oliva; DEU, Teresa Armenta; CUADRADO, MariaPiaCalderó (Coords.). Garantías fundamentales del proceso penal en
el espacio judicial europeo. Madrid: Colex, 2007. p. 49.
44 PITOMBO, Cleunice Valentim Bastos; BADARÓ, Gustavo Henrique RighiIvahy; ZILLI, Marcos Alexandre Coelho;
MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Publicidade, ampla defesa e contraditório no novo interrogatório judicial. Con-
clusões preliminares do Grupo de Estudos do Departamento de Projetos Legislativos do IBCCRIM. Boletim do
IBCCRIM, ano 11, n. 135, fev. 2004, p. 02.
45 Aquela Corte também reconheceu a violação à garantia nos casos “Daniel Tibbi vs. Equador” e “Hilare, Constantine,
Benjamin e outros vs. Trinidad e Tobago”.
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Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da
Constituição Federal de 1988
profissional de sua livre escolha, devendo o juiz nomear-lhe sem qualquer ônus
financeiro46. Também não se tem dúvidas quanto a imprescindibilidade da presença do
defensor durante todo o processo.
célere e desburocratizada48, para tentar afastar a reconhecida lentidão do Poder Judiciário 49.
46 Neste sentido a Suprema Corte Americana, desde a decisão no caso “Johnson v. Zerbst” em 1938, decide que os
juízes devem indicar um advogado para representar o acusado quando não tiver condições financeiras de contratar.
Sobre o tema vide também o caso “Gideon v. Flórida” relatado em SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do
devido processo penal. 2. ed., p. 221-227, em que a Suprema Corte Americana, em 1963, reconheceu a nulidade do
julgamento realizado sem defensor. A relevância da questão levou o Tribunal Europeu de Direitos Humanos a decidir,
no caso “Pakelli vs. Alemanha”, que a ampla defesa subdivide-se em três direitos: a autodefesa, a defesa técnica e a
gratuidade da defesa técnica.
47 Sobre a integração dos tratados internacionais no direito interno dos Estados vide STEINER, Sylvia Helena de Fi-
gueiredo, A Convenção Americana sobre Direitos Humanos e sua integração ao processo penal brasileiro, p. 59-91 e
TOSTES, Sérgio. Convenções Internacionais à luz da soberania nacional.Revista de Direito Público , ano VII, n. 30, nov./ dez.
2009, p. 91-106. Sobre a garantia e o devido processo legal vide CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada
Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 27. ed., p. 93 e TAVARES, André Ramos.
Reforma do Judiciário no Brasil pós-88: (Des)estruturando a Justiça. Comentários completos à Emenda Constitucional
45/04. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 31. Ainda, tem-se posicionamento de NERY JUNIOR, Nelson Princípios do
processo na Constituição Federal: Processo civil, penal e administrativo. 9. ed. São Paulo: RT, 2009. p. 311, que a
duração razoável do processo decorre do direito de ação; e de ROCHA, Cármem Lúcia Antunes. O direito
constitucional à jurisdição. In: TEIXEIRA, Sávio de Figueiredo (Coord.). As garantias do cidadão na Justiça. São Paulo:
Saraiva, 1993. p. 31-51, que decorre do direito de jurisdição.
48 Pietro de JesúsLoraAlarcón afirma que “a intenção da reforma transparece: acelerar a prestação jurisdicional elimi-
nando obstáculos, favorecendo o trâmite processual rápido e seguro, promovendo reformas que impeçam que a
tardança possa ao final eliminar a primazia da Justiça”. ALARCÓN, Pietro de JesúsLora. Reforma do Judiciário e
efetividade de prestação jurisdicional. In: TAVARES, André Ramos (Org.). Reforma do judiciário. Analisada e
comentada. Emenda Con-stitucional 45/2004. São Paulo: Método, 2005. p. 38.
49 Segundo o ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso, “pesquisas de opinião têm indicado que o pro-blema
básico é a lentidão, que pode levar à ineficácia de prestação jurisdicional”. FOLHA DE S. PAULO. Para Supremo,
CPI provoca risco de desobediência civil. São Paulo, 23 de março de 1999. Como afirmou Ruy Barbosa, “justiça atrasada
19
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais
Previstos da Constituição Federal de 1988
Isto porque é inegável que o decurso de tempo demasiadamente longo para a solução de um
caso criminal pode causar transtornos não apenas processuais às partes, podendo, inclusive,
virar uma espécie de pena50, trazendo consequências psicológicas, sociais e pecuniárias.
Justamente para que a nova norma não se tornasse apenas programática, seriam
necessárias reformas processuais51, pois, como sustenta José Afonso da Silva, “não basta
uma declaração formal de um direito ou de uma garantia individual para que, num passe de
mágica, tudo se realize como declarado”52.
Todavia, segundo Nelson Nery Jr, a “a busca da celeridade e razoável duração do processo
não pode ser feita a esmo, de qualquer jeito, a qualquer preço”, sem que se observem as
outras garantias processuais e constitucionais inerentes ao Estado de Direito53. Portanto,
para que haja equilíbrio entre a celeridade processual e a prestação jurisdicional eficiente e
de qualidade, é imprescindível a aplicação dos critérios de razoabilidade54 suscitados pela
doutrina e jurisprudência.
O Tribunal Europeu de Direitos Humanos após longas discussões fixou como três os
critérios básicos: a complexidade do caso, a atividade processual do interessado e a
conduta da autoridade judicial. Perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos os
critérios não foram diferentes já que as decisões do Tribunal Europeu foram usadas muitas
vezes como paradigma.
não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. BARBOSA, Ruy. Oração aos moços. Rio de Janeiro: Edições de
Ouro, 1999, p. 100.
50 Neste sentido LOPES JUNIOR, Aury. Direito ao processo penal no prazo razoável. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, n. 65, mar/abr. 2007, p. 215-216.
51 A este respeito vide Ada Pellegrini Grinover ao sustentar que o generoso ideário que inspirou a Reforma do
Judiciário não alcançará seus objetivos caso não haja uma reforma infraconstitucional do processo, seja no âmbito civil
ou penal. GRINOVER, Ada Pellegrini. A necessária reforma infraconstitucional. In: TAVARES, André Ramos; LENZA,
Pedro; ALAR-CON, Pietro de Jesus Lora (Coord.). Reforma do judiciário. São Paulo: Método, 2005. p. 518.
52 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 432.
53 NERY JUNIOR, Nelson Princípios do processo na Constituição Federal, p. 318.
54 Para Pietro de JesúsLoraAlarcón“a razoabilidade e, também, a proporcionalidade, como princípios norteadores da
atuação estatal, aliás, decorrentes do aspecto material ou substancial da cláusula do devido processo legal, permitem
asseverar que o prazo não pode ser tão extenso que protele a necessária prestação, como igualmente, não pode ser
tão exíguo que comprometa o contraditório ou a ampla defesa, ou mesmo, a satisfação do direito”. ALARCÓN, Pietro
de JesúsLora. Reforma do Judiciário e efetividade de prestação jurisdicional, p. 35.
20
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da
Constituição Federal de 1988
O Brasil, até o momento, adota a teoria do “não prazo”, pois a análise da eventual demora e
inobservância da garantia é feita em cada caso concreto de maneira individualizada.
Nelson Nery Jr sustenta que a razoabilidade é uma questão de fato que deve ser analisada em
cada situação concreta, de acordo com quatro critérios, que considera objetivos: a) natureza do
processo e complexidade da causa; b) comportamento das partes e de seus procuradores;
c) atividade e o comportamento das autoridades judiciárias e administrativas competentes;
d) fixação legal de prazos para a prática de atos processuais que assegure efetivamente o
direito ao contraditório e ampla defesa.
Enquanto isso, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel
Dinamarco listam apenas três critérios: a) complexidade do assunto; b) comportamento dos
litigantes; c) atuação do órgão jurisdicional55.
55 NERY JUNIOR, Nelson Princípios do processo na Constituição Federal, p. 315-321. SCARAMUZZA, André Fontolan.
Razoável duração do processo. Revista Consulex, ano XII, n. 284, 15 nov. 2008, p. 63. CINTRA, Antonio Carlos de Araú-jo;
GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 27. ed. São Paulo: Malheiros,
2011. p. 93. Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, vide como exemplo STF – 1ª T. – HC 103951 – rel. Min. Dias
Toffoli – j. 28/09/2010 – DJ 13/12/2010; e STF – 1ª T. – HC 104667 – rel. Min. Dias Toffoli – j. 19/10/2010 – DJ 28/02/2011.
56 LOPES JUNIOR, Aury. Direito ao processo penal no prazo razoável, p. 215 e 246. FrancoisOstsustena que “se é ver-dade
que um processo que se arrasta assemelha-se a uma negação de justiça, não se deverá esquecer, inversamente, que o
prazo razoável em que a justiça deve ser feita entenda-se igualmente como recusa de um processo demasiado expedito”.
OST, Francois. O tempo do direito. Trad. Élcio Fernandes. Bauru: Universidade do Sagrado Coração, 2005, p. 383. PAULA,
Leonardo Costa de. Duração razoável do processo no Projeto de Lei 156/2009. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda;
CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de (Orgs.). O Novo Processo Penal à luz da Consti-tuição (Análise crítica do
Projeto de Lei 156/2009, do Senado Federal). 2. tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 204. Para Pietro de
JesúsLoraAlarcón o processo deve durar o mínimo, mas o tempo necessário para que não haja perda na qualidade.
ALARCÓN, Pietro de JesúsLora. Reforma do Judiciário e efetividade de prestação jurisdicional, p. 31.
21
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais
Previstos da Constituição Federal de 1988
A Constituição Federal prevê em seu art. 5o, inc. LIV que “ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Sua previsão denota uma
abrangência, que na visão de Celso Ribeiro Bastos “quase que se confunde
57 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil , p. 226. Para Henrique Savonitti Miranda, um dos prin-
cípios de maior magnitude. MIRANDA, Henrique Savonitti. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. Brasília: Senado Fede-ral,
2005. p. 249. A Suprema Corte Americana, no caso “Twining vs. New Jersey” afirmou a dificuldade de conceituar o
dueprocessoflaw: “poucas cláusulas do direito são tão evasivas de compreensão exata como essa (...) Esta Corte se tem
sempre declinado em dar uma definição compreensiva dela e prefere que seu significado pleno seja gradualmente apu-rado
pelo processo de inclusão e exclusão no curso de decisões dos feitos que forem surgindo”. Tradução livre da autora.
58 SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo Penal Constitucional,p. 43; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direi-to
Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2008. p. 494. Segundo Gilson Bonato, devido pro-cesso
processual surgiu antes do substantivo. BONATO, Gilson. Devido processo legal e garantias processuais penais. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 30-31. No mesmo sentido, CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e os
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 27.
59 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 93.
60 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 494.
61 LIMA, Maria Rosynete Oliveira. Devido Processo Legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 76; SIL-
VEIRA, Paulo F. Devido processo legal: dueprocessoflaw. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p. 146.
22
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da
Constituição Federal de 1988
cumprimento de alguma forma, trâmite e procedimento62. Por isto, pode-se afirmar que esta
feição do devido processo legal significa a existência e observância de um procedimento
ordenado63.
Para Rogério Lauria Tucci, para efetivação do direito ao processo, exige-se o desenvolvimento
regular do procedimento, “com concretização de todos os seus componentes e corolários, e
num prazo razoável”64. Isto porque, processo significa progressão, sequencia ordenada de
atos, avanço e progresso, e no ponto de vista jurídico é o desenvolvimento de atos e momentos
determinados por lei, pelo meio do qual o Estado realiza o direito65.
Entende-se que somente haverá estreita observância do devido processo legal se, durante
a persecução penal, forem asseguradas as demais garantias processuais previstas no texto
constitucional66. Por isso, concorda-se com a afirmação de Barbosa Moreira de que o
devido processo legal engloba outros vários princípios processuais e funciona como norma
de encerramento67.
62 MALJAR, Daniel E. El proceso penal y las garantías constitucionales. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2006. p. 140-141.
63 LIMA, MariaRosynete Oliveira. Devido Processo Legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 190. Para
Paulo F. Silveira, de acordo com o devido processo legal processual, verifica-se, apenas, se o procedimento empregado foi
correto, sem análise da substância do ato judicial. SILVEIRA, Paulo F. Devido processo legal: due process of law, p. 146.
64 TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal: Jurisdição, ação e processo penal (estudo sistemático).
São Paulo: RT, 2003. p. 205.
65 MALJAR, Daniel E. El proceso penal y las garantías constitucionales, p. 138.
66 A doutrina sustenta que “defende-se por essa garantia, com efeito, um processo penal que seja justo, que assegure o
contraditório e a ampla defesa dos acusados, além da igualdade das partes e a imparcialidade dos julgadores, requisitos
esses cuja falta importa em verdadeira denegação de justiça, circunstância essa que já era repelida desde a primitiva Magna
Carta”. CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Consti-tuição do Brasil.
2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 37. E ainda que “o termo devido processo legal é usado para explicar e expandir os
termos vida, liberdade, propriedade e para proteger a liberdade e a propriedade contra legislação opressiva ou não-razoável,
para garantir ao indivíduo o direito de fazer de seus pertences o que bem entender, desde que seu uso e ações não sejam
lesivos aos outros como um todo”. COOLEY, Thomas. The general principles of constitutional law in United States of
America.4. ed. Boston: Little Brown andCo., 1931. p. 279. Tradução livre da autora.
67 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil.
2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989.Conforme sustenta Daniel Maljar, o devido processo legal se identifica como a
defesa em juízo, garantia instrumental para a defesa dos direitos do acusado no processo judicial MALJAR, Daniel E. El
proceso penal y lasgarantíasconstitucionales, p. 140-141.
23
Pontuando
• Constituição Federal de 1988
• O contraditório
• A ampla defesa
• Conclusões
Glossário
Suprema: “que está acima de tudo”. Fonte: Minidicionário Houaiss, 2008, p. 707
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA d) 1984
24
Verificação de leitura
Nos termos do art. 5°, LV, da CF/88, aos liti- c) Direito de audiência
gantes, em processo judicial ou d) Momento da prisão
administrati-vo, e aos acusados em geral
e) Contraditório
são assegura-dos:
a) Da ampla defesa
b) Da plenitude de defesa
d) Do contraditório
e) Da dignidade humana
25
Referências
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Armenta; CUADRADO, MariaPiaCalderó (Coords.). Garantías fundamentales del proceso penal en
el espacio judicial europeo. Madrid: Colex, 2007.
Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa C.
Resolução: O Código de Processo Penal do Brasil data de 1941 e permanece em vigor até
os dias atuais.
Questão 2
Resposta: Alternativa C.
Resolução: Sabe-se que o período relativo ao regime militar no país foi responsável pela
redução – senão o aniquilamento – das garantias individuais, com reflexo imediato na
aplicação do direito processual. Isto porque a Constituição de 1967, com a Emenda no 01,
de 1969, e os Atos Institucionais estabeleceram no país um estado autoritário e de exceção.
30
Gabarito
Questão 3
Resposta: Alternativa A.
Questão 4
Resposta: Alternativa C.
Questão 5
Resposta: Alternativa A.
Resolução: Por sua vez, o interrogatório judicial é considerado como o momento destinado
ao acusado, se assim desejar, expor em juízo e pessoalmente a sua versão dos fatos,
refutar as acusações formuladas e contrapor as provas produzidas.
31
TEMA 02
Processo Penal Humanitário
e a Necessidade de sua
Dupla Conformidade
32
LEGENDA seções
DE ÍCONES
Início
Vamos
pensar
Glossário
Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
33
Tema 02
Processo Penal Humanitário e a Necessidade
de sua Dupla Conformidade
Juliano de Oliveira Leonel
Objetivo
Caro aluno, o presente texto visa abordar os principais pontos ligados ao processo penal
brasileiro e sua necessária filtragem constitucional e, no caso, convencional, pois como sabido
é dever do Brasil seguir as determinações trazidas na Convenção Americana de Direitos
Humanos - Pacto de San José da Costa Rica - promovendo assim uma adequada leitura do
sistema processual brasileiro nos termos dos tratados internacionais de direitos humanos.
Resumo da Aula
34
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua Dupla Conformidade
Introdução
Não se pode mais admitir, à luz do Estado Constitucional, que os direitos fundamentais
tratam-se apenas de normas programáticas e principiológicas, a terem a sua eficácia
vinculada a programas de governo. Como é cediço, os direitos que eram limitados apenas a
projeto de concretização do bem comum, passaram a ser comandos normativos na garantia
da dignidade da pessoa humana, irradiando-se, assim,as normas constitucionais,por todo o
ordenamento jurídico, através de uma eficácia ampla1.
No campo do processo penal, essa necessidade é mais sensível, pois é nessa esfera em
que se dão as invasões mais incisivas do Estado nos direitos fundamentais dos cidadãos,
devendo, por seu turno, o direito processual penal ser um dique de contenção dos arbítrios
do poder estatal.
1 Para Streck (2001, p. 25), “em face do Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição brasileira, ‘o valor
normativo da Constituição deve ser potencializado, especialmente a normatividade dos capítulos condensadores dos
interesses das classes não-hegemônicas”.
35
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua
Dupla Conformidade
Por conseguinte, para que o poder punitivo tenha legitimidade é imperioso que ao réu tenha
sido garantido o devido processo legal, com todos os seus consectários, previstos não só
na Constituição Federal, mas, também, no Pacto de São José da Costa Rica.
Assim, o presente estudo inicia-se com a análise concepção de processo enquanto situação
jurídica e, ainda, pela instrumentalidade constitucional do processo penal. Em seguida,
discutir-se-á a necessidade de se fazer não apenas o controle de constitucionalidade da
legislação processual penal, mas, também, um controle de covencionalidade à luz da
Convenção Americana dos Direitos Humanos.
Com razão adverte Lopes Jr (2012, p. 101), “foi GOLDSCHMIDT que evidenciou o caráter
dinâmico do processo, ao transformar a certeza própria do direito material na incerteza
característica da atividade processual”.
2 Segundo Lopes Jr (2013, p. 84) “o processo penal deve servir como instrumento de limitação da atividade estatal,
estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos direitos individuais constitucionalmente previstos, como a pre-
sunção de inocência, contraditório, defesa etc.
3 De acordo com Lopes Jr (2012, p. 100): “A teoria do processo como relação jurídica recebeu críticas, tanto na sua
apli-cação para o processo civil como também para o processo penal, mas, em que pese sua insuficiência e
inadequação, acabou sendo adotada pela maior parte da doutrina processualista”.
4 Adverte Lopes Jr (2012, p. 100) que “A noção de processo como relação jurídica, estruturada na obra de BÜLOW, foi
fundante de equivocadas noções de segurança e igualdade que brotaram da chamada relação de direitos e deveres
estabelecidos entre as partes e entre as partes e o juiz. O erro foi o de crer que no processo penal houvesse uma
efetiva relação jurídica, com um autêntico processo de partes”.
36
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua Dupla Conformidade
A partir de Beck (2011) é inegável que vivemos numa sociedade de risco, onde os riscos
estão em tudo e em todos os lugares, evidenciando que estamos inseridos num Estado
Insegurança.
Logo, por óbvio, que o processo penal não está fora desse contexto, ao contrário, também
está inserido na mais completa epistemologia da incerteza, já que a sentença judicial nunca
pode ser prevista com segurança, coexistindo em igualdade de condições a possibilidade
de serem prolatadas no processo sentenças justas e injustas (LOPES JR, 2012).
Para Calamandrei (1999, p. 223) “O êxito depende, por conseguinte, da interferência destas
psicologias individuais e da força de convicção com que as razões feitas pelo demandante
consigam fazer suscitar ressonâncias e simpatias na consciência do julgador”.
No entanto, adverte Lopes Jr (2012, p.109) que “o árbitro (juiz) não é livre para dar razão a
quem lhe dê vontade, pois se encontra atrelado à pequena história retratada pela prova
contida nos autos”. Preleciona ainda o citado autor que, o juiz “está obrigado a dar razão
àquele que melhor consiga, através da utilização de meios técnicos apropriados, convencê-
lo. Por conseguinte, as habilidades técnicas são cruciais para fazer valer o direito,
considerando sempre o risco inerente à atividade processual” (LOPES JR, 2012, p. 109).
Em assim sendo, a concepção que melhor retrata essa realidade do processo, que está
inserido na epistemologia da incerteza, por evidente, é aquela que foi construída por
Goldschmidt (1935), ou seja, a que conceitua o processo enquanto situação jurídica,
retratando assim a insegurança processual, o seu estado de guerra e a sua dinamicidade,
ao contrário da concepção de processo como relação jurídica, que está ancorada
numequivocado juízo de estática.
37
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua
Dupla Conformidade
Assim, o processo penal nada mais é do que uma guerra5, aonde alguém há de vencer. E,
vencerá, por óbvio, aquele que melhor aproveitar as chances processuais6, conseguindo,
através da produção das provas7, a captura psíquica do juiz8.
Por conseguinte, se o processo penal é uma guerra, um jogo, que não deve ter por missão
a busca desenfreada do mito “verdade real”, já que a verdade no processo penal não é
achada, mas sim construída analogicamente através dos rastros da passeidade (KHALED
JR, 2013), mister se faz compreendê-lo pelo viés da sua instrumentalidade constitucional.
Aliás, Goldschmidt (1935, p. 7), já perguntava “Por que supõe a imposição da pena a
existência de um processo?” E, ainda: “Se o ius puniendi corresponde ao Estado, que tem o
poder soberano sobre seus súditos, que acusa e também julga, por meio de distintos
órgãos: por que necessita que prove seu direito em um processo?”.
5 Para Lopes Jr (2012, p. 102) “Essa dinâmica do estado de guerra é a melhor explicação para o fenômeno do
processo, que deixa de lado a estática e a segurança (controle) da relação jurídica para inserir-se na mais completa
epistemologia da incerteza”.
6 Segundo Lopes Jr (2012, p. 102) “O processo é uma complexa situação jurídica, na qual a sucessão de atos vai geran-do
situações jurídicas, das quais brotam as chances, que, bem aproveitadas, permitem que a parte se liberte de cargas
(probatórias) e caminhe em direção favorável. Não aproveitando as chances, não há a liberação de cargas, surgindo a
perspectiva de uma sentença desfavorável. O processo, enquanto situação – em movimento -, dá origem a expectativas,
perspectivas, chances, cargas e liberação de cargas. Do aproveitamento ou não dessas chances, surgem ônus e bônus”.
7 “As provas são os materiais que permitem a reconstrução histórica e sobre os quais recai a tarefa de verificação das
hipóteses, com a finalidade de convencer o juiz (função persuasiva)” (LOPES JR, 2012, p. 537).
8 Esclarece Lopes Jr (2012, p. 538) que “o processo penal tem uma finalidade retrospectiva, em que, através das
provas, pretende-se criar condições para a atividade recognitiva do juiz acerca de um fato passado, sendo que o saber
decorrente do conhecimento desse fato legitimará o poder contido na sentença”.
38
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua Dupla Conformidade
O processo deve ser um limite ao poder; se não fosse esse o seu sentido,
sequer precisaria existir. Trata-se de um meio de redução da complexidade que
condiciona a manifestação do poder punitivo a um conjunto de requisitos,
exigindo que o processo seja o caminho necessário – o único possível – para a
imposição da pena.
Realmente, não se pode negar essa vertente instrumental do processo penal, como
ferramenta de contenção do poder punitivo, pois de acordo com Khaled Jr (2014, p. 1) “Os
brasileiros são vítimas de um deliberado processo de invenção histórica”, o que faz com
que se acredite “que somos um povo ordeiro e pacífico, que não conhece conflitos e vive
alegremente na democracia racial que prospera no Brasil”, encobrindo, assim, “o
autoritarismo nosso de cada dia” e reforçando a crença na bondade do poder punitivo.
E, essa crença na regularidade dos atos de poder, sobretudo do poder punitivo, segundo
Carvalho (2013, p. 164):
Define postura disforme dos sujeitos processuais, estabelecendo situação de
crise através da ampliação da distância entre práticas penais e a expectativa
democrática da atividade jurisdicional. O reflexo concreto é violação explícita ou
inversão do sentido garantista de interpretação e de aplicação das normas de
direito de processo penal, revigorando práticas autoritárias.
Aliás, Ferrajoli (2009) também adverte que essa confiança ilimitada na bondade do poder e
na sua capacidade de atingir a verdade retratam concepções inquisitivas, sendo que o estilo
acusatório é fulcrado na desconfiança ilimitada do poder como fonte autônoma de verdade.
Não é por outra razão que Carvalho (2013, p. 164) afirma que “Pressupor a tendência
constante das agências de punitividade em violar os direitos fundamentais talvez seja a
única forma de criar blindagem prático-teórica contra as violações mesmas”.
Logo, partindo-se das premissas de que o exercício do poder punitivo e de que as práticas
penais são violentas, o garantismo de Ferrajoli (2009) é construído a partir do princípio da
irregularidade dos atos dos poderes, ganhando relevo, nesse contexto, a função do
processo penal como instrumento de contenção dos abusos e arbítrios do poder punitivo.
Caso não se entenda dessa forma, ficar-se-á, segundo Lopes Jr (2016, p. 423), “sempre na
circularidade ingênua de que, acreditando na ‘bondade dos bons’ (AGOSTINHO RAMALHO
MARQUES NETO), presume a legitimidade de todo e qualquer ato de poder”.
39
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua
Dupla Conformidade
Não é por outra razão que Morais da Rosa (2011, p. 5) afirma que:
Isto porque, diante da complexidade contemporânea, a legitimação do Estado
Democrático de Direito deve suplantar a mera democracia formal, para alcançar
a democracia material, na qual os Direitos Fundamentais devem ser
respeitados, efetivados e garantidos, sob pena da deslegitimação paulatina das
instituições estatais. Dito de outra forma, em face da supremacia Constitucional
dos direitos positivados no corpo de Constituições rígidas ou nelas referidos
(CR, art. 5º, §2º), como a brasileira de 1988, e do princípio da legalidade, a que
todos os poderes estão submetidos, surge a necessidade de garantir esses
direitos a todos os indivíduos, principalmente os processados criminalmente,
pela peculiar situação que ocupam (mais fracos ante o poder estatal). O
garantismo jurídico baseia-se, portanto, nos direitos individuais – vinculados à
tradição iluminista – com o escopo de articular mecanismos capazes de limitar
o poder do Estado soberano, sofrendo, como curial, as influências dos
acontecimentos históricos, especificamente a transformação da sociedade
relativamente à tutela dos direitos sociais e negativos de liberdade, bem assim
do levante neoliberal que, na esfera do Direito Público apresenta perspectiva de
exclusão social e mitigação das garantias individuais, tendo como reação a
crítica contundente de parcela considerável dos juristas.
Portanto, é iniludível que o processo penal, como guerra ou jogo, tendo por base o
paradigma constitucional, tem por missão assegurar o respeito às regras do jogo, isto é, o
flair play processual e não a arcaica e inatingível busca desenfreada da “verdade real”.
É óbvia a imanente relação complementar que existe entre crime, pena e processo, pois
não existe crime sem pena, bem como pena sem delito e processo. Claro que não haveria
também “processo penal senão para determinar o crime e impor uma pena” (LOPES JR,
2013, p. 32). Assim, “o processo, como instituição estatal, é a única estrutura que se
reconhece como legítima para a imposição da pena” (LOPES JR, 2013, p. 34).
No entanto, conforme dito, segundo Lopes Jr (2012, p. 575) “Não se pode mais admitir que
o processo penal sirva para ‘fazer crer’ – às pessoas – que ele determina a ‘verdade’ dos
fatos”. Desta feita, em não sendo a sentença fonte reveladora da “verdade divina”, o que
seria ela? Para Lopes Jr (2012, 575), a sentença é:
Um ato de convencimento formado em contraditório e a partir do respeito às
regras do devido processo. Se isso coincidir com a “verdade”, muito bem.
Importa é considerar que a “verdade” é contingencial, e não fundante. O juiz, na
sentença, constrói – pela via do contraditório – a “sua” história do delito,
elegendo os significados que lhe parecem válidos, dando ua demonstração
inequívoca de crença. O resultado final nem sempre é (e não precisa ser) a
“verdade”, mas sim o resultado do seu convencimento – construído nos limites
do contraditório e do devido processo penal.
40
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua Dupla Conformidade
Moraisda Rosa e Khaled Jr (2014, p. 7) advertem que “decidir é uma tarefa complexa”, pois
o cérebro “por seus sistemas S1 (implícito, rápido, automático, emotivo e sem esforço) e S2
(consciente, demorado, racional, desgastante e lógico), busca reduzir a complexidade da
decisão”. Por isso, a psicologia cognitiva pode ser uma aliada, já que “acolhe a
racionalidade da decisão, todavia, mitigada, ou seja, a racionalidade depende do estoque
de informações, a maneira como foi processada e o impacto que isso representa diante dos
fins da decisão”. Prelecionam ainda (2014, p. 13) que “nosso sistema processual penal
ainda é animado por uma doentia ambição de verdade, que se recusa a arrefecer” e “Em
nome dessa insaciável busca, permanece imperando um processo penal do inimigo, cujo
objetivo consiste na obtenção da condenação a qualquer custo”.
Dessa forma, cristalino que, num processo democrático, como a sentença depende do
“estoque de informações” e da “maneira como foi processada”, outro caminho não há senão
o convencimento do julgador basear-se em atos de prova, colhidos sob o crivo do devido
processo legal9. Aliás, como assevera Streck (2012. p. 93), “discutir as condições de
possibilidade da decisão judicial é, antes de tudo, uma questão de democracia”.
Não por outra razão, Cunha Martins (2001) afirma que o ponto cego do direito é o evidente,
já que ele seda os sentidos, cega, alucina, ao não se permitir ver, por ser um “simulacro de
autorreferencialidade” – basta por si só. Para Lopes Jr (2016, 425), “Erroneamente, somos
levados a crer que o ‘evidente’ dispensa prova, afinal, é evidente! E aqui está o perigo: o
desamor do contraditório”.
Em assim sendo, o processo penal, à luz do exposto, deve ser um instrumento de correção
do caráter alucinatório do evidente (Lopes Jr, 2016), instaurando o contraditório e
submetendo tudo às regras do jogo, democraticamente previstas na Constituição Federal.
Entretanto, não podemos olvidar que o Código de Processo Penal, promulgado (1941) em
pleno Estado Novo de Getúlio Vargas e inspirado no Código de Processo Penal Italiano da
9 Bonato (2003, p. 1) leciona que “Tido como princípio basilar na estruturação dos estados de direito modernos, o
princípio do devido processo legal ganha relevo no sistema brasileiro em razão das garantias que dele decorrem, ser-
vindo de vetor e base para que seja alcançado um direito material calcado na razoabilidade das leis e um processo
real-mente democrático, efetivo e justo dentro de uma sociedade que procura caminhar sempre mais para uma
democracia plena. Numa sociedade de padrões bastante discriminatórios, a previsão do princípio na atual Constituição
foi sem dúvida um avanço no mundo jurídico”.
41
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua
Dupla Conformidade
década 30 (Codice Rocco), possui um nítido viés fascista, policialesco e de inegável matriz
autoritária. Por conseguinte, é indefectível o choque ideológico entre o Código de Processo
Penal de índole ditatorial e a Constituição Federal de 1988 democrática.
Por isso, imperioso se torna fazer uma filtragem constitucional quando da aplicação das
regras do Código de Processo Penal, a fim de se verificar se tal regra foi ou não
recepcionada pela atual ordem constitucional.
Por óbvio, na esteira do que foi dito, não se pode admitir a aplicação das regras do Código
de Processo Penal sem antes realizar um sério controle de constitucionalidade.
Todavia, não basta apenas verificar a conformidade dos dispositivos da lei adjetiva penal
com as normas constitucionais, pois como adverte Coutinho (2010, p. 18 e 19) “é preciso
respeitar o Pacto de São José da Costa Rica (Decreto n. 678/92) porque, sendo justo à
cidadania, mas também legal e legítimo, não há por que ser ignorado, como
insistentemente, estão a insistir, mormente os órgãos jurisdicionais (...)”.
42
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua Dupla Conformidade
Nessa esteira, Norberto Bobbio (1988)leciona que os chamados direitos humanos surgem
como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares
(quando cada Constituição incorpora Declarações de Direitos) para, ao fim, encontrar a
plena efetivação como direitos positivos universais, afirmando, ainda que, atualmente, a
maior cizânia em torno dos direitos humanos “não é mais o de fundamentá-los, e sim o de
protegê-los”.
Dessa maneira, resta de forma patente, após todas as conquistas civilizatórias operadas no
período pós-segunda guerra mundial, que a fundamentação do Estado de Direito, sob o
pilar da dignidade da pessoa, produz importantes efeitos jurídicos, inclusive, no âmbito do
processo penal. Não é por outra razão que, o imputado não pode ser instrumentalizado,
tratado como objeto, no atual estado da arte no processo penal, mas, sim, como um sujeito
de direitos.
43
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua
Dupla Conformidade
Aliás, como adverte Sarlet (2004), constitui a dignidade, princípio fundante da ordem
jurídica, fundamento de todos os direitos, garantias e deveres fundamentais. Logo, essa
dignidade da pessoa, ingressa no processo penal também, como um “limite invencível da
interferência do poder, em seu aspecto negativo, ou seja, de não violação das esferas de
dignidade, de não aceitação de violação”, bem como em seu “aspecto positivo ou
prestacional, de respeito e efetivação da dignidade (GIACOMOLLI, 2015, p. 13).
Por essas razões, acertadamente, Giacomolli (2015, p. 12) leciona que “Uma leitura
convencional e constitucional do processo penal, a partir da constitucionalização dos direitos
humanos, é um dos pilares a sustentar o processo penal humanitário”. Assim, para ele há que
se falar em “processo penal constitucional, convencional e humanitário”. Dessa maneira,
prosseguindo em suas ilações, exalta que “a proteção convencional internacional dos direitos
vem justificada no preâmbulo da CADH, por serem atributos da pessoa humana, cujo
paradigma antropológico (ser humano) é reconhecido e integra a normatividade internacional”.
Por conseguinte, necessário se faz, no âmbito do processo penal, uma revolução hermenêutica,
com a quebra dos paradigmas autoritários de uma ordem legal (CPP) anacrônica, policialesca,
fascista, punitivista, fomentadora da violência estatal e de nítida base ditatorial.
Na atual quadra da história, mister se faz uma nova ordem processual penal, constitucional
e internacionalmente comprometida com a proteção da dignidade da pessoa humana.
Aliás, Coutinho (2010, p. 16 e 17) de há muito sustenta que “Não esquecer, porém, antes
de tudo, que se não volta atrás nas conquistas democráticas de direitos e garantias
constitucionais, sob pena de se perder a própria democracia”.
44
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua Dupla Conformidade
Tal pesquisa revela aquilo que Giacomolli (2015, p. 13-14)) já denunciava como a imperiosa
necessidade de superação, no processo penal, do déficit de compreensão (dogmáticos,
jurídicos, de validade e de eficácia dos direitos fundamentais), pois
não mais encontram legitimidade o discurso e a argumentação dos juristas e
dos sujeitos do processo quando arraigados no paradigma solitário e perfeito
do arcabouço ordinário das regras do CPP, de sua validade pelo fato da
existência, sem questionamentos constitucionais e convencionais.
45
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua
Dupla Conformidade
Considerações Finais
Necessário se faz romper com verdades e certezas “absolutas” no processo penal, que não
mais se coadunam com os regramentos constitucionais e internacionais de direitos humanos.
Assim, imperioso se torna assumir que o processo penal é um jogo e que não tem por
objeto a busca da verdade, pois ela não está lá para ser encontrada, já que o crime é um
fato histórico, passado e, portanto, imaginário.
Dessa forma, inegável que o processo penal democrático tem por finalidade assegurar o
respeito do fair play processual, das regras do jogo democrático, ou seja, o processo penal
é um instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias, previstos na
Constituição Federal e no Pacto de São José da Costa Rica.
No entanto, como o CPP é de matriz inquisitorial e todo saber é datado, mister se faz no
curso do processo penal, ao se decidir acerca da aplicação das regras do jogo, fazer uma
dupla análise de conformidade, através do controle de constitucionalidade e também do
controle de convencionalidade.
Pontuando
• Processo enquanto situação jurídica
• Verdade
• Garantismo
46
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
minação:
São órgãos competentes para o cumprimen-
a) por sexo; to dos compromissos da Convenção Ameri-
b) por cor; cana de Direitos Humanos (CADH)?
47
Verificação de Leitura
Referências
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50
Referências
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Sarai-va, 2009.
Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa B.
Questão 2
Resposta: Alternativa E.
51
Gabarito
Questão 3
Resposta: Alternativa C.
Questão 4
Resposta: Alternativa A.
Questão 5
Resposta: Alternativa D.
52
Gabarito
sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos humanos no âmbito de suas
leis internas e seus preceitos constitucionais, bem como disposições apropriadas para
promover o devido respeito a esses direitos; preparar estudos ou relatórios que considerar
convenientes para o desempenho de suas funções; solicitar aos governos dos Estados-
membros que lhe proporcionem informações sobre as medidas que adotarem em matéria de
direitos humanos; atender às consultas que, por meio da Secretaria Geral da Organização dos
Estados Americanos, lhe formularem os Estados-membros sobre questões relacionadas com
os direitos humanos e, dentro de suas possibilidades, prestar-lhes o assessoramento que lhes
solicitarem; atuar com respeito às petições e outras comunicações, no exercício de sua
autoridade, de conformidade com o disposto nos artigos 44 a 51 desta Convenção; e
apresentar um relatório anual à Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos.
53
TEMA 03
O Fenômeno da Relativização das
Nulidades: Crítica à Influência da
Teoria Geral do Processo e à Cultura
Inquisitiva no Sistema de Nulidades
no Processo Penal Brasileiro
54
LEGENDA seções
DE ÍCONES
Início
Vamos
pensar
Glossário
Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
55
Tema 03
O Fenômeno da Relativização das Nulidades:
Crítica à Influência da Teoria Geral do
Processo e à Cultura Inquisitiva no Sistema de
Nulidades no Processo Penal Brasileiro
Bruno Silveira Rigon
Yuri Felix
Objetivo
Prezado aluno da Pós de Ciências Penais. O objetivo das linhas que seguem é torná-lo
capaz de refletir a respeito de questões que envolvem o sistema de nulidades no processo
penal brasileiro e com isso estar apto a responder a indagação de que se ainda é possível
manter a bipartição das nulidades em absoluta e relativa.
Resumo da Aula
Caro aluno, o tratamento conferido pela dogmática processual penal e pela jurisprudência
brasileira, no que tange ao descumprimento das formas processuais penais, está intimamente
56
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica à Influência da Teoria
Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva no Sistema de Nulidades no
Processo Penal Brasileiro
influenciado pela teoria geral do processo (civil) e marcado pela cultura inquisitorial. Devido
a isso, observamos o fenômeno da relativização das nulidades. O presente artigo busca
contribuir para uma breve, mas não menos importante, necessidade de reflexão acerca das
nulidades processuais penais, através de uma leitura a partir da instrumentalidade
constitucional do processo penal brasileiro.
1. Introdução
57
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica
à Influência da Teoria Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva
no Sistema de Nulidades no Processo Penal Brasileiro
1 Conforme expõe Alberto M. Binder: “(...) o nível de adequação de um sistema processual aos princípios do Estado de
direito não se mede somente pela incorporação desses princípios à ordem normativa, mas pelo grau em que eles
estejam garantidos. Salvo aqueles princípios que se cumprem de um modo cabal (...) o nível e a força dessa garantia
se descobre através da jurisprudência sobre nulidades. Essa jurisprudência é a outra face do sistema de garantias e
assinala o nível de cumprimento dos princípios próprios de um processo penal adequado ao regime constitucional”.
BINDER, Alberto M. O Descumprimento das Formas Processuais : Elementos Para uma Crítica da Teoria Unitária das
Nulidades no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 42-43.
2 CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal: Comentários Consolidados e Crítica Jurisprudencial. 3. ed. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 881.
58
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica à Influência da Teoria
Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva no Sistema de Nulidades no
Processo Penal Brasileiro
Caso contrário, continuaremos tendo de aplicar e interpretar uma verdadeira colcha de retalhos
que se tornou o Código de Processo Penal. Nosso Código possui um vício de origem: a raiz
inquisitória, ainda que reformada. Nesse sentido, basta verificar a Reforma Processual Penal de
2008, com as leis 11.689, 11.690 e 11.719, que alterou, respectivamente, o Tribunal do Júri, o
sistema probatório e os ritos processuais, e não modificou o capítulo das nulidades
processuais. Desse modo, restaram inúmeros dispositivos sem qualquer aplicabilidade 3.
Verifica-se, entretanto, que o Projeto (que se arrasta) do Novo Código Processual Penal (PLS
156), no que tange às nulidades processuais4, deixa a desejar, tendo em vista que, embora
3 Nesse sentido: “Pensamos que o art. 564 é, atualmente, imprestável para qualquer tentativa de definição precisa em
termos de invalidade processual, além de incorrer no erro de pretender estabelecer um rol de nulidades cominadas.
Como muito, serve de indicativo, a apontar atos que merecem uma atenção maior em relação ao risco de defeitos". LO-
PES JR, Aury. Direito Processual Penal. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1168.
4 CAPÍTULO IV DAS NULIDADES
Art. 156. O descumprimento de disposição legal ou constitucional provocará a invalidade do ato do processo ou da
investi-gação criminal, nos limites e na extensão previstos neste Código.
Art. 157. A decretação de nulidade e a invalidação de ato irregular dependerão de manifestação específica e oportuna
do interessado, sempre que houver necessidade de demonstração de prejuízo ao pleno exercício de direito ou de
garantia processual da parte, observadas as seguintes disposições:
I – nenhum ato será declarado nulo se da irregularidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa;
II – não se invalidará o ato quando, realizado de outro modo, alcance a mesma finalidade da lei, preservada a amplitude
da defesa.
Art. 158. Serão absolutamente nulos e insanáveis os atos de cuja irregularidade resulte violação dos direitos e
garantias fundamentais do processo penal, notadamente no que se refere:
I – à observância dos prazos;
II – à observância do contraditório e da ampla defesa;
III – às regras de impedimento;
IV – à obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais;
V – às disposições constitucionais relativas à competência.
§ 1o São absolutamente nulas as medidas cautelares ordenadas por juiz ou tribunal constitucionalmente incompetente.
§ 2o Em se tratando de incompetência territorial, as medidas cautelares poderão ser ratificadas ou, se for o caso,
renovadas pela autoridade competente.
§ 3o O juiz não declarará a nulidade quando puder julgar o mérito em favor da defesa.
Art. 159. A parte não poderá arguir nulidade a que haja dado causa ou para a qual tenha concorrido, ou referente a
formali-dade cuja observância só interesse à parte contrária, ressalvada a função custos legis do Ministério Público.
Art. 160. Reconhecida a incompetência territorial, serão anulados os atos de conteúdo decisório, podendo o juiz
competente ratificar os demais, observado o disposto no § 2o do art. 158.
Parágrafo único. Reconhecida a incompetência absoluta, serão anulados todos os atos do processo, inclusive a denúncia.
Art. 161. A falta ou a nulidade da citação, da intimação ou da notificação estará sanada, desde que o interessado
compareça antes de o ato consumar-se, embora declare que o faz para o único fim de argui-la. O juiz ordenará, todavia,
a suspensão ou o adiamento do ato, quando reconhecer que a irregularidade poderá prejudicar direito da parte.
59
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica
à Influência da Teoria Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva
no Sistema de Nulidades no Processo Penal Brasileiro
O Sistema Formular (a) descreve a forma literal dos atos a ser obedecida 6 e “trata o ato
processual como uma solenidade que deve ser praticada na exata medida de sua previsão” 7.
Qualquer diferença entre a disposição legal e a prática do ato acarretaria a nulidade. Tal forma
de verificação, inspirada no sistema romano, foi há muito superada, devido a seu excessivo
rigor e na superação do caráter sacramental dos atos judiciais pelo princípio da secularização.
O Sistema Judicial (b) ou Instrumental não prevê critérios normativos para a decretação da
nulidade processual, deixando ao magistrado os poderes para valorar o ato processual
defeituoso de acordo com a finalidade da norma. A instrumentalidade é o critério basilar
utilizado para a (não) declaração da nulidade8. O referido sistema se aproxima muito do
Art. 162. As nulidades que dependam de provocação dos interessados deverão ser arguidas até as alegações finais. As
posteriores deverão ser alegadas na primeira oportunidade.
Art. 163. A nulidade de um ato do processo, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam
ou sejam consequência, ressalvadas as hipóteses previstas neste Código.
Art. 164. O juiz que pronunciar a nulidade declarará os atos a que ela se estende, ordenando as providências
necessárias para a sua retificação ou renovação.
5 Utilizamos a classificação apontada por PAYÁ, Fernando Horácio. Fundamento y Trascendencia de las Nulidades
Procesales: la visión de David Lascano. p. 27, apud GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Um Nova Teoria das Nulidades:
Processo Penal e Instrumentalidade Constitucional. Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Direito da
Universidade Federal do Paraná para a obtenção do título de doutor. Curitiba, 2010. p. 227. A doutrina aponta, também,
outros modelos, mas acreditamos os abordados são mais relevantes para a análise do tema.
6 NASSIF, Aramis; e NASSIF, Samir Hofmeister. Considerações sobre Nulidades no Processo Penal. 2. ed. rev. e
atual. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 35.
7 GLOECKNER, op. cit.
8 CONSTANTINO, Lúcio Santoro de. Nulidades no Processo Penal. 4. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009. p. 34-35.
60
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica à Influência da Teoria
Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva no Sistema de Nulidades no
Processo Penal Brasileiro
modelo inquisitório, tendo em vista que deixa a cargo do juiz a possibilidade de decretação
da nulidade, que acaba por culminar em evidente decisionismo9.
Nesse sentido, expõe Ricardo Jacobsen Gloeckner que “o modelo judicial é um regime
arbitrário, no qual as formas, que não encontram amparo normativo se encerram na psique
do julgador. Um processo penal que esteja assentado em regras mínimas não pode tolerar
tal sistema, dada a sua arbitrariedade intrínseca”10. O processo penal deve limitar o poder
punitivo estatal, incluindo a atuação do magistrado, e tal controle não pode ser efetuado
sem a presença de regras mínimas. Caso contrário, repetiremos o erro histórico de insistir
no predomínio da cultura inquisitiva.
O Sistema Taxativo (c) estipula que apenas as nulidades legalmente previstas poderão ser
declaradas nulas, consagrando o princípio do ne pás de nullitè sans texte. Tal sistema está
ancorado no dogma (positivista) da completude do ordenamento jurídico, uma vez que não
permite que nenhuma nulidade seja declarada fora do preestabelecido normativamente. O
referido modelo mostra-se de há muito superado, tendo em vista a impossibilidade de se
prever todas as formas de nulidades possíveis no processo penal, bem como pelo fato de
limitar as hipóteses de reconhecimento de um ato defeituoso11.
O referido sistema é típico da histórica tendência codificadora, em que era atribuído maior
relevância à lei do que à própria Constituição. Contudo, atualmente reina o (neo)
constitucionalismo, no qual a Constituição Federal e os Tratados Internacionais são fontes
hierárquicas valorativas maiores do que qualquer outro tipo de normas (infraconstitucionais).
Desse modo, nas palavras de José Antônio Paganella Boschi: “(...) bem antes do Código de
Processo Penal, a Constituição Federal será a primeira fonte das nulidades absolutas a ser
estudada. Só depois virá, como fonte complementar, o Código de Processo Penal”12.
9 Para uma crítica ao decisionismo ver: STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 2. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010; STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e
teo-rias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
10 GLOECKNER, op. cit., p. 228.
11 Ibidem, p. 229.
12 BOSCHI, José Antônio Paganella Boschi. Nulidades (arts. 563 a 573). In: Código de Processo Penal Comentado.
BOSCHI, Maucus Vinicius (org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 448.
61
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica
à Influência da Teoria Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva
no Sistema de Nulidades no Processo Penal Brasileiro
O Sistema do Prejuízo (d) consagra o princípio do ne pás de nullitè sans grief, que busca a
análise, no caso concreto, da existência de prejuízo à parte que sustenta a nulidade
processual. Este modelo busca uma alternativa à rigidez dos sistemas formular e taxativo e
à arbitrariedade do sistema judicial. Não aprofundaremos o referido modelo neste momento,
pois será objeto de maior atenção posteriormente.
Podemos verificar, portanto, que o modelo adotado pelo Código de Processo Penal Brasileiro
possui aspectos de vários sistemas: do sistema taxativo ou legalista, visto que o art. 564, do
CPP, prevê um rol de nulidades; do sistema judicial, pois confere discricionariedade ao
magistrado para valorar a (in)existência da nulidade; e do sistema do prejuízo, porque adota
expressamente no art. 563, do CPP, o princípio ne pás de nullitè sans grief13.
62
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica à Influência da Teoria
Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva no Sistema de Nulidades no
Processo Penal Brasileiro
Ato inexistente (c) é uma construção doutrinária e jurisprudencial para buscar a superação
de situações que não conseguem ser resolvidas pelo sistema de nulidades. Tal ato não
chega a ingressar no mundo jurídico, sendo descabida, pois, a discussão acerca da
(in)validade. Os manuais costumam referir que a inexistência não precisa ser declarada
pelo magistrado. Contudo, a referida afirmação é inverídica, tendo em vista que “se em
algum momento não houver declaração judicial de inexistência, não há como simplesmente
ignorá-lo”14. Nesse sentido entende-se que15:
(...) é óbvio que o ato inexistente somente será assim considerado quando houver
uma manifestação judicial que o declare. Imagine-se alguém preso em decorrência
de uma sentença juridicamente “inexistente”, mas com “existência” suficiente para
levá-lo ao cárcere, que resolve, por si só, sair da cadeia; afinal, o ato é
inexistente... Ou então, teremos de ter carcereiros com poderes mediúnicos, para
sem qualquer decisão judicial sobre o tema, atingirem essa consciência por meio
de contato com a deusa Diké... Esse é o problema do autismo jurídico:
desconectar-se do mundo, para mergulhar nas suas categorias mágicas.
63
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica
à Influência da Teoria Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva
no Sistema de Nulidades no Processo Penal Brasileiro
Nulidades absolutas (b.2.) são aquelas que: a) violam princípio constitucional do processo e,
portanto, o interesse público; b) descumprem formalidade essencial ao ato; c) podem/devem ser
declaradas de ofício pelo magistrado, em qualquer fase do processo e independentemente de
manifestação das partes e de grau de jurisdição; d) presume-se o prejuízo e o não atingimento dos
fins; e) podem ser alegadas a qualquer tempo, tendo em vista que são insanáveis, indisponíveis e
não são convalidadas pela preclusão, nem pelo trânsito em julgado16.
Nulidades relativas (b.1.) são aquelas que: a) o descumprimento da forma processual não é
tão grave, pois viola um interesse privado da parte; b) cumpre à parte interessada postular o
reconhecimento da nulidade, ou seja, não pode ser decretada de ofício; c) a parte
interessada deve demonstrar o prejuízo processual ocorrido; d) a nulidade necessita ser
alegada no momento oportuno, sob pena de convalidação pela preclusão.
Cumpre frisar, ainda, que o sistema de nulidades dos atos processuais não se confunde
com o sistema de nulidades dos atos do direito privado, pois, enquanto no direito privado o
ato nulo não produz efeitos, no processo penal a nulidade somente existe após decisão
judicial reconhecendo-a17.
Depois de esclarecido o que o senso comum teórico aponta como nulidade relativa e
absoluta, cumpre responder ao questionamento: Ainda é possível manter a bipartição das
nulidades em absoluta e relativa? Para isso, mostra-se necessário, ainda, uma análise
crítica do Sistema do Prejuízo.
16 Cumpre frisar que a sentença penal condenatória transitada em julgado é passível de revisão criminal caso
verifique-se a presença de uma nulidade “absoluta”. Contudo, a sentença de absolvição transitada em julgado não pode
ser re-vista, ainda que o processo seja nulo, pois faz coisa soberanamente julgada.
17 NASSIF e NASSIF, op. cit., p. 33; GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO,
An-tonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 22-25.
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O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica à Influência da Teoria
Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva no Sistema de Nulidades no
Processo Penal Brasileiro
Nosso sistema toma como base a finalidade pela qual a forma foi instituída e o prejuízo
causado pelo descumprimento da forma processual18. Contudo, nesta área existe muita
manipulação discursiva que acaba por legitimar todo tipo de decisionismo.
Para evitar tais problemas, mostra-se necessário deixar claro o que é finalidade do ato a
partir de uma hermenêutica constitucional. Assim, “(...) a finalidade do ato processual cuja
lei prevê uma forma, é dar eficácia ao princípio constitucional que ali se efetiva. Logo, a
forma é garantia de que haverá condições para a efetivação do princípio constitucional (nela
contido)”19.
A manipulação discursiva, ancorada no princípio pas nullitè sans grief, acaba por relativizar
as nulidades (ditas “absolutas”) e, portanto, comprometer a eficácia do sistema
constitucional de garantias, com base na ultrapassada e equivocada tendência de confusão
entre as categorias do processo civil e do processo penal20. Nesse sentido, cumpre frisar a
advertência de Salo de Carvalho:
(...) apesar de a natureza pública ser comum às distintas áreas processuais –
notadamente pela disciplina constitucional da garantia do juiz natural (art. 5º,
LIII), do devido processo (art. 5º, LIV), do contraditório, da ampla defesa e do
duplo grau de jurisdição (art. 5º, LV), da inadmissibilidade da prova ilícita (art.
5º, LVI), da publicidade dos atos processuais (art. 5º, LX) e da fundamentação
das decisões (art. 93, IX) -, a instrumentalidade é definida pela estrutura de
direito material que lhe dá subsistência. O processo civil instrumentaliza,
fundamentalmente, interesses privados (patrimoniais), das partes envolvidas no
conflito. Difere, portanto, substancialmente do processo penal, cujo objeto é
limitar o poder punitivo do Estado e garantir os direitos do polo débil da situação
processual penal, que é o réu (processo de cognição) e o condenado (processo
de execução)21.
65
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica
à Influência da Teoria Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva
no Sistema de Nulidades no Processo Penal Brasileiro
Ademais, outro flagrante equívoco reside em atribuir à parte que alega a necessidade de
demonstração que o descumprimento da forma processual causou prejuízo. À defesa - em
um processo penal democrático constitucional – nunca se poderá conferir qualquer tipo de
carga probatória (Goldschmidt23). A fim de se buscar um resgate hermenêutico
(constitucional) desse instituto, deve-se, no mínimo, exigir ao juiz a função de fundamentar
as razões pelas quais o descumprimento da forma processual não impediu que o ato
atingisse sua finalidade ou tenha sido devidamente sanado24.
66
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica à Influência da Teoria
Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva no Sistema de Nulidades no
Processo Penal Brasileiro
67
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica
à Influência da Teoria Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva
no Sistema de Nulidades no Processo Penal Brasileiro
Esse é o único caminho para adequar o sistema de nulidades no processo penal brasileiro à
luz da Constituição Federal, com o devido respeito aos direitos e garantias fundamentais.
Com isso, verifica-se a importância (que não pode ser mais adiada) de elaboração de uma
Teoria do Descumprimento das Formas Processuais para efetivar as garantias
fundamentais do imputado em um processo penal que se pretenda efetivamente
democrático, constitucional e contemporâneo. Afinal, um escorreito sistema de invalidades
processuais rende serviços ao acusado. Frise-se forma é garantia e a tipicidade processual,
superando remendos ad hoc e jogos de linguagem, é uma exigência democrática que milita
a favor do acusado e deve ser estritamente observada.
68
Pontuando
• Introdução
Glossário
Constituição: “conjunto das leis fundamentais que regem uma nação; carta magna”. Fonte:
Minidicionário Houaiss, 2008, p. 184
69
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA c) Proteção da lei
70
Referências
BINDER, Alberto M. O Descumprimento das Formas Processuais: Elementos Para uma Crítica da
Teoria Unitária das Nulidades no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
BOSCHI, José Antônio Paganella Boschi. Nulidades (arts. 563 a 573). In: Código de Processo
Penal Comentado. BOSCHI, Marcus Vinicius (org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
CARVALHO, Salo de. Antimanual de Criminologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal: Comentários Consolidados e Crítica Jurispru-
dencial. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
CONSTANTINO, Lúcio Santoro de. Nulidades no Processo Penal. 4. ed. Porto Alegre:
Verbo Jurídico, 2009.
GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Um Nova Teoria das Nulidades: Processo Penal e Instru-
mentalidade Constitucional. Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Direito
da Universidade Federal do Paraná para a obtenção do título de doutor. Curitiba, 2010.
LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 2. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
71
Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa D.
Questão 2
Resposta: Alternativa C.
Questão 3
Resposta: Alternativa D.
Questão 4
Resposta: Alternativa E.
Resolução: O Projeto (que se arrasta) do Novo Código Processual Penal é o PLS 156.
72
Gabarito
Questão 5
Resposta: Alternativa A.
73
TEMA 04
Breves Delineamentos Acerca dos
Procedimentos no Processo Penal
74
LEGENDA seções
DE ÍCONES
Início
Vamos
pensar
Glossário
Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
75
Tema 04
Breves Delineamentos Acerca dos
Procedimentos no Processo Penal
Danilo Dias Ticami
Objetivo
Prezado aluno da Pós de Ciências Penais. O texto que segue tem por objetivo realizar
uma breve análise acerca da Teoria dos Procedimentos no Processo Penal brasileiro à luz
da principiologia embasada na Carta Republicana de 1988.
Resumo da Aula
As linhas que seguem passarão por temas como o Processo e o Procedimento no processo
penal brasileiro. O Procedimento comum e especial, bem como o direito fundamental ao
procedimento no processo penal. Além disso, transcorrerá por autores como Bülow e Fazzalari,
finalizando a temática tendo como paradigma os princípios extraídos da CF/88.
Introdução
Assim como em grande parte do Código de Processo Penal de 1941, os pontos referentes
aos procedimentos (ou ritos) são marcados pelo signo da desordem 1. A desorientação
legislativa que transformou o CPP em uma colcha de retalhos deriva desde o distanciamento
1 A situação de desastre é denunciada por Aury Lopes Jr.: “O processo penal brasileiro é uma verdadeira colcha de retal-hos,
não só pela quantidade de leis especiais que orbitam em torno do núcleo codificado, senão porque o próprio Código
é constantemente medicado (meros paliativos, diga-se de passagem) por reformas pontuais (geradoras de graves
dicoto-mias que só fazem por aumentar a inconsistência sistêmica e metástase). A falha está em não fazer uma
anamnese séria do problema, que, uma vez compreendido, exigiria uma reforma global e completa: um novo Código de
Processo Penal, regido pelo sistema acusatório e em conformidade com a Constituição”. (LOPES Jr. Aury. Direito
Processual Penal – 9ª ed., ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. Página 924)
76
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no Processo Penal
2 Com efeito, a falta de cuidado científico na redação do Código de Processo Penal é reconhecida por Cândido Rangel
Dinamarco: “Dentre os muitos defeitos do diploma processual penal de 1941, chamam desde logo a atenção os que se
referem à terminologia. A pobreza da ciência processual penal brasileira do tempo em que o Código foi elaborado
reflete-se não só em sua estrutura mal alinhavada, na má constituição de seus institutos e na disciplina arcaica de
alguns destes (v.g. o capítulo das nulidades), mas também na pobreza e inadequação de sua linguagem – espelho,
como se disse na abertura deste estudo, do estágio menos evoluído de uma ciência”. (DINAMARCO, Cândido Rangel.
Vocabulário do Pro-cesso Civil, 2ª ed.São Paulo: Malheiros Editores. 2014. Página 40).
77
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no
Processo Penal
Desta forma, não existe variação de processos, mas de procedimentos, sendo que a própria
divisão interna comporta subcategorias. Por este motivo, como um estudo detalhado de cada
rito transbordaria para além do escopo deste pequeno artigo, o presente trabalho tratará das
características essenciais do procedimento no processo penal e sua aplicação no ordenamento
jurídico brasileiro, com base no disciplinado pelo CPP e legislação esparsa.
78
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no Processo Penal
Procedimento comum:
I.Ordinário: delito com pena máxima cominada igual ou superior a 4 anos
(disciplinado nos arts. 395 a 405, CPP);
II.Sumário: delito com pena máxima cominada inferior a 4 anos e superior a 2
(disciplinado nos arts. 531 a 538, CPP);
III.Sumaríssimo: crime de menor potencial ofensivo, com pena máxima igual ou
inferior a 2 anos. Apesar de previsto no CPP, sua regulamentação se encontra
na Lei nº 9.099/95. Na mencionada lei dos juizados especiais cíveis e criminais,
o rito sumaríssimo encontra-se disciplinado nos arts. 77 a 83, além dos
institutos despenalizadores, tais como a composição civil dos danos, transação
penal e suspensão condicional do processo (que encontram previsão nos arts.
74, 76 e 89 da Lei nº 9.099/95).
Procedimento especial:
I.Crime de competência do Tribunal do Júri: disciplinado entre os arts. 406 a
497, CPP, julgam os crimes dolosos contra a vida;
II.Crimes de responsabilidade dos funcionários públicos(crimes funcionais):
adotado quando cometidos durante exercício da função pública e em razão
dela. Possuem previsão entre os arts. 513 e 518, CPP;
III.Crimes contra a honra: disciplinados pelos arts. 519 a 523, CPP;
IV.Crimes contra a propriedade imaterial: além de previsto também na Lei nº
9279/96, também possuem previsão nos arts. 524 a 530-I do CPP.
Além dos procedimentos previstos no CPP, outros ritos especiais podem ser encontrados
na legislação esparsa:
1.Abuso de autoridade: disposto na Lei nº 4.898/65;
2.Crimes falimentares: previsto na Lei nº 11.101/05;
3.Drogas: disciplinado na Lei nº 11.343/06;
4.Crimes eleitorais: previsto na Lei nº 4.737/65;
5.Competência originária dos Tribunais: previsto na Lei nº 8.038/90;
6.Crimes de responsabilidade de prefeito: disciplinado no Decreto nº
201/67); 7.Crime contra a Economia Popular: disposto na Lei nº 1.521/51);
8.Crimes na Lei de Licitações: previsto na Lei nº 8.666/92.
Não existe uma metodologia fixa para adoção de determinado rito, mas há critérios
orientadores nessa polimorfologia procedimental:
Parâmetro da gravidade do delito: baseada no montante da pena máxima
cominada, como ocorre nos diferentes ritos do Procedimento Comum;
79
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no
Processo Penal
Basicamente, para se definir qual procedimento processual penal a ser aplicado, deve ser
verificado se existe previsão de algum procedimento especial para o delito, tendo em vista
que o rito comum é subsidiário. Caso não exista qualquer previsão de rito especial, deve ser
analisado qual dos procedimentos comuns será cabível.
Vale ressaltar ainda que apesar da reforma de 2008, corretamente, apresentar contornos mais
técnicos e compatíveis com a ordem constitucional vigente (p.ex.: ao dispor o interrogatório
como último ato da instrução processual, deixando de ser meio de prova para constituir meio de
exercício da ampla defesa), alguns pontos permaneceram sem solução disposta em lei.
Se considerada a redação do CPP, deve ser considerado apenas a pena máxima abstrata
cominada ao delito, sem incidência das causas de aumento e diminuição da sanção, até
mesmo porque são consideradas apenas na terceira fase de dosimetria da pena. Por seu
turno, não parece dificultoso fixar o rito ordinário, na hipótese de concurso de crimes, cuja
soma das penas superar ou igualar o patamar de 4 anos de pena privativa de liberdade. Se
houver concurso entre um crime sujeito a procedimento comum e outro de rito especial,
deverá ser aplicado, o procedimento mais amplo e que proporcione maior oportunidade de
80
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no Processo Penal
defesa do acusado4, de forma que, em regra, será o procedimento comum ordinário. Mas, este
último caso, deve ser avaliado com muita cautela, conforme alertado por Aury Lopes Jr.:
“Também se deve ter muita cautela em caso de conexão ou continência, pois,
conforme estudado, além de modificar a competência, também afeta o rito a ser
utilizado. Diante de crimes cujo julgamento é feito através de diferentes ritos, muita
cautela deve ser adotada. Em geral, o rito ordinário é mais amplo e pode ser o
utilizado, pois em nada prejudicaria as partes. Contudo, não pode haver a
supressão de atos importantes ou mesmo a violação das regras de competência.
Por exemplo: se alguém for acusado da prática de um crime doloso contra a vida,
de competência do Tribunal do Júri, e ainda de um crime de roubo, por exemplo, o
rito a ser adotado não poderá ser o ordinário. Isso porque a competência do
Tribunal do Júri atrai o julgamento de todos os crimes para aquele rito”5.
Em um primeiro momento dos estudos do Direito Processual, não havia separação entre
processo e procedimento, sendo que as distinções somente se deram com Bülow e sua
teoria do processo como relação jurídica6. Todavia, enquanto processo era explicado pela
relação jurídica, o procedimento era visto como
uma mera ordem e sucessão de realização de Links
atos processuais ou o modo de mover e a forma
em que são movidos os atos processuais. Para mais informações e detalhes ver
BÜLOW, Oskar Von. La Teoria das Excep-
Atualmente, superada a teoria da relação jurídica, ciones Procesales y Presupuestos Procesa-
les. Buenos Aires: EJEA, 1964.
o procedimento assumiu maior importância,
4 “havendo conexão ou continência, poderão ser diversos os procedimentos previstos para as várias infrações penais,
em tal situação, não poderá ser seguido o rito mais célere porque isso importará inquestionável prejuízo às partes que,
em relação a um ou mais crimes, têm direito ao procedimento de maior amplitude”. (GRINOVER, Ada Pellegrini; MAG-
ALHÃES GOMES FILHO, Antonio e; SCARANCE FERNANDES, Antonio. As nulidades no processo penal, 12ª ed., São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. Página 238).
5 LOPES Jr. Op. Cit. Página 926.
6 Apesar da relevância dos estudos de Bülow, sua teoria sofreu fortes críticas de James Goldschmidt. Para maior pro-
fundidade, ver: LOPES Jr. Op. Cit.
81
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no
Processo Penal
Via de regra, salvo algumas exceções, são três as fases do procedimento previstas no
processo penal: fase postulatória, fase instrutória e fase decisória. No sistema brasileiro, a
etapa postulatória ocorre com o oferecimento da denúncia ou queixa-crime pela acusação e,
posteriormente, há previsão de reação defensiva do acusado (como no rito ordinário: arts.
7 “Mostrou a doutrina que a unidade do processo decorre do procedimento e não da relação jurídica ou das situações
que nele se formam. Como afirmou Punzi, a unidade do processo resulta da unidade do procedimento, cuja razão está
na ligação funcional existente entre todos os atos da série procedimental para a determinação da situação jurídica final.
O procedimento, acentuou Kazuo Watanabe, “dá a própria estrutura da relação jurídica processual, que poder meio dela
assume uma configuração definida”; sem ele, “a relação jurídica processual seria algo amorfo, disforme e sem ossatura”. É,
enfim, o procedimento que une os atos processuais em face do ato do provimento estatal pretendido pelas partes e preparado
pela participação de todos os que atuam no processo”. (SCARANCE FERNANDES, Antonio. Teoria geral do procedimento e
o procedimento no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2005. Página 31).
8 Idem. Páginas 31/32.
82
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no Processo Penal
9 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, 2ª ed., 2ª tiragem. Tradução por SILVA, Virgílio Afonso da. São
Paulo: Malheiros Editores. 2012. Página 473.
83
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no
Processo Penal
Vale ressaltar que não se trata de qualquer procedimento, uma vez que seus elementos
devem ser adequados para a consecução do objetivo de resguardo dos direitos
fundamentais. Por este motivo, a criação do procedimento em conformidade com os direitos
fundamentais e seu cumprimento pelos órgãos estatais confere legitimação do provimento
jurisdicional. Logo, constatado que a inobservância do direito ao procedimento afeta a
validade das decisões judiciais, pode-se dizer que o direito ao procedimento constitui direito
fundamental do dueprocessoflaw.
Por seu turno, enquanto essencial para a assegurar direitos fundamentais, o procedimento
deve permitir a atuação eficaz dos órgãos encarregados da persecução penal, mas, sem
deixar de assegurar a plena efetivação das garantias do devido processo legal. Esta opção
por um sistema equilibrado implica na escolha por um modelo adequado para proteção do
hipossuficiente no processo penal (o acusado), sem inviabilizar a repressão penal. Com
efeito, partindo da instrumentalidade constitucional do processo penal, somente se confere
legitimidade para a decisão judicial formada sem flexibilização das formas, de modo que o
direito fundamental ao procedimento não confere validade para desrespeito de suas
fórmulas ou “instrumentalidade processual”. Em suma, no processo penal, forma é garantia,
enquanto figura como limitador da arbitrariedade do poder punitivo, cujo exercício somente
encontra validade se respeitada as regras do jogo.
84
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no Processo Penal
a) Imparcialidade do juiz: quem estiver encarregado da tarefa de julgar não pode ser
incumbido concomitantemente da função de acusar ou defender. Trata-se de condição
essencial do juiz, na medida que se mostra primordial que um terceiro imparcial
(portanto, não parte) esteja investido de julgar e incapaz de participar ativamente na
produção probatória;
b) Princípio acusatório: a acusação deve ser realizada por sujeito distinto do juiz, de forma
que a delimitação do âmbito de imputação da acusação e a carga da prova será sua
incumbência. Pelo ordenamento jurídico brasileiro, o art. 129, I, CF prevê que a acusação
pública será feita pelo Ministério Público, mas permanece admitida a acusação subsidiária
do ofendido (art. 5º, LIX, CF), assim como aquelas cuja iniciativa é de exclusividade privada;
c) Garantia à ampla defesa: nenhum acusado pode ser julgado e sentenciado sem
oportunidade para reagir à imputação. Por esta razão, devem ser criados procedimentos
que permitam ao acusado apresentar
resistência a pretensão acusatória, com
Vamos Pensar
capacidade para produção de provas e
Elabore uma resenha crítica que possa traba-
recorrer de decisões condenatórias; lhar o princípio do contraditório e suas caracte-
rísticas. Como bibliografia inicial: FELIX, Yuri;
d) Garantias a igualdade de partes e ao BUONICORE, Bruno T., Contraditório e Veloci-
dade: Desafios do processo penal democrático
contraditório: por conta destas garantias,
na sociedade complexa. Revista dos Tribunais.
as normas procedimentais devem assegurar São Paulo, v. 945, p. 261-274, 2014 e FAZZA-
LARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. 7
tratamento isonômico, com paridade de ed. Padova: CEDAM, 1994.
armas e oportunidade de ciência dos atos
praticados e consequente confrontação.
85
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no
Processo Penal
Desta maneira, ainda que possa haver variação de ritos, conforme a relação material
debatida, todos procedimentos devem abarcar estes paradigmas, sem suprimi-los.
Entretanto, existe tendência que advoga pela simplificação procedimental, cujo escopo visa
conciliar a celeridade com a segurança das decisões. Estes modelos baseiam-se em
mecanismos que podem conduzir ao encerramento antecipado do processo; que levam à
supressão de fases dos procedimentos ordinários e; os que reorganizam o procedimento
ordinário. Apesar de que a diversificação procedimental seja aceitável, diante da multiplicidade
de bens jurídicos tutelados penalmente, pelo ampliado leque de possibilidades e pela
inexistência de um modelo procedimental único, o vilipêndio de direitos e garantias
Neste ponto, o rito sumaríssimo merece crítica, Para mais informações ver: <http://www.
ibccrim.org.br>
tendo em vista que a implementação de uma
política procedimental baseada no consenso para
obtenção de benefícios, conforme trazido pelas formas de justiça negociada representa
forte retrocesso à garantia da inderrogabilidade do juízo12. O fomento a institutos
despenalizadores, como a composição civil dos danos, transação penal e a suspensão
condicional do processo podem colaborar para uma cultura de desencarceramento e
adoção de penas alternativas, mas caracterizam notório afastamento da tutela jurisdicional
e supressão de espaços de oportunidade de exercício da reação defensiva.
Por fim, vale mencionar que a ruptura da forma procedimental acarreta em nulidade absoluta do
ato irregular praticado. Em outros termos, a contenção do poder punitivo exige que seu
86
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no Processo Penal
exercício não seja arbitrário, mas compatível com as expectativas geradas pela estrita
jurisdicionalidade, de forma que a nulidade termina por ser verdadeira garantia contra a
arbitrariedade e remédio contra a violação procedimental. Como aponta Gloeckner:
“A nulidade de um ato processual surge como uma declaração judicial de
invalidade. A cassação dos efeitos do ato é uma consequência inexorável da
invalidade processual cristalizada mediante uma declaração. A sua principal tarefa
é promover a restauração daqueles princípios informadores do processo penal
contemporâneo, constituindo-se em inadmissível arbitrariedade conceber-se ato
judicial praticado em desconformidade com as suas prescrições normativas”.13
Pontuando
• Processo e Procedimento
• Procedimento comum/especial
• Bülow/Fazzalari
87
Glossário
Garantia: “direitos, privilégios que a Constituição de um país confere aos cidadãos”. Fonte:
Minidicionário Houaiss, 2008, p. 370de glossário.
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA d) Alterou basicamente
88
Verificação de Leitura
Referências
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, 2ª ed., 2ª tiragem. Tradução por SILVA,
Virgílio Afonso da. São Paulo: Malheiros Editores. 2012.
LOPES Jr. Aury. Direito Processual Penal – 9ª ed., ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.
89
Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa C.
Questão 2
Resposta: Alternativa B.
Questão 3
Resposta: Alternativa A.
Questão 4
Resposta: Alternativa C.
90
Gabarito
Questão 5
Resposta: Alternativa A.
91
TEMA 05
Aspectos Basilares da Teoria Geral
da Prova no Processo Penal
92
LEGENDA seções
DE ÍCONES
Início
Vamos
pensar
Glossário
Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
93
Tema 05
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova
no Processo Penal
Danilo Dias Ticami
Objetivo
Resumo da Aula
O texto que segue fará uma breve análise dos sistemas processuais e dos modos de
construção do convencimento, ainda, apontará os delineamentos básicos sobre as
diferentes terminologias e mecanismos de prova no processo penal, a principiologia
probatória pós filtragem constitucional, a presunção de inocência como norma de
tratamento, norma probatória e norma de juízo e por último apresentará os sistemas de
valoração das provas e o tratamento da prova ilícita no Processo Penal brasileiro.
Introdução
94
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal
Em linhas gerais, o ritual de recognição executado pelo processo busca proporcionar, por
meios das provas, a reconstrução do fato passado (crime). Trata-se do “paradoxo temporal
ínsito ao ritual judiciário”: “um juiz julgando no presente (hoje) um homem e seu fato
ocorrido num passado (ontem) e projetando efeitos (pena) para o futuro (amanhã)” 1.
Durante as fases instrutórias ocorridas durante a persecução penal (em fase preliminar ou
processual), as provas colhidas são essenciais para a seleção e eleição das hipóteses
históricas suscitadas. Em outras palavras, as provas representam o material que permite a
formação do convencimento jurisdicional acerca de determinada pretensão, isto é, a
finalidade da prova é a captura psíquica do juiz. Basicamente, a persecução penal inicia em
estado de completa ignorância e as provas podem retirar o juiz deste estado, podendo
deixa-lo em dúvida ou fornecendo subsídios para a formação da certeza.
Assim, na esteira do lecionado por LOPES Jr., lastreado nos ensinamentos de FRANCO
CORDERO, as provas possuem uma nítida natureza persuasiva, sendo que a palavra-
chave é “fé”: “os locutores pretendem ser acreditados e tudo o que dizem tem valor
enquanto os destinatários crerem. Os resultados dependem de variáveis relacionadas aos
aspectos subjetivos e emocionais do ato de julgar (crer=fé)”3.
1 LOPES Jr. Aury. Direito Processual Penal – 9ª ed., ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. Página 534.
2 Neste sentido: “Os mecanismos probatórios servem à formação do convencimento do juiz e, concomitantemente, cum-prem
função não menos relevante de justificar perante o corpo social a decisão adotada; assim, considerar a prova como a “alma
do processo” tanto pode significar a exaltação do seu valor interno – de instrumento pelo qual o juiz se esclarece sobre os
fatos -, como a identificação de um elemento vivificador através do qual a atividade processual assimila valores e símbolos
vigentes na sociedade, propiciando, em contrapartida, a adesão do grupo ao pronunciamento resultante”.
(GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.
Página 13)
3 LOPES Jr., Op. Cit. P. 537.
95
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal
Sem objetivo de realizar profunda análise dos sistemas processuais penais, alguns
apontamentos merecem ser tecidos, observado que o estudo de seus princípios reitores é
essencial para o entendimento do tema deste trabalho.
Como exposto no introito, existe uma explícita vinculação entre o processo e o regime legal
de provas, uma vez que a finalidade de reconstrução do fato histórico do primeiro apenas
ocorre por meio da assistência das provas. Desta forma, a gestão da prova assume a
posição de espinha dorsal do processo penal, enquanto atinge a forma como se constrói o
convencimento do julgador. Basicamente, existem dois princípios informadores:
4 Para maiores detalhes quanto a influência do pensamento inquisitório nos sistemas processuais: ver o artigo sobre
“Verdade, Processo e Sistema Inquisitório” de nossa autoria. Para um estudo mais aprofundado: KHALED JR, Salah
Has-san. A Busca da Verdade no Processo Penal: Para Além da Ambição Inquisitorial. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
96
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal
97
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal
No sistema acusatório, torna imperiosa a devida separação das partes e de suas funções,
sendo que a acusação e defesa se enfrentam em paridade de condições e há um julgador em
posição equidistante. Referida separação de funções, distribuídos entre diferentes sujeitos, faz
com que o processo se caracterize como um verdadeiro actum trium personarum, isto é, existe
uma relação jurídica entre as partes através do processo. Basicamente, a iniciativa probatória
será das partes, pois o juiz não será o gestor das provas, mas terceiro imparcial alheio ao labor
investigativo e inerte quanto a busca de fontes de prova.
8 A questão acerca dos poderes instrutórios do juiz é controvertida na doutrina nacional. No sentido de que os poderes
instrutórios do juiz são residuais: ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
9 Entretanto, o art. 156, inciso I do Código de Processo Penal brasileiro vigente atribui excêntrica iniciativa probatória
ao juiz antes de sequer a formação da opinio delicti pelo órgão de acusação, em evidente vinculação ao pensamento
(neo) inquisitório.
98
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal
Não obstante a importância da prova, existe grande confusão acerca de seus vários
significados no processo penal. Por isso, para manter a coerência e pureza técnica,
faremos algumas distinções quanto as formas de provas10.
De acordo com sua relevância, quais e como determinadas informações chegam ao
conhecimento do julgador são delimitadas e denominadas como elementos de prova, definidos
como “cada um dos dados objetivos que confirmam ou negam uma asserção a respeito de
10 O Código de Processo Penal vigente utiliza a palavra prova em muitos sentidos diferentes e em situações varia-das,
podendo significar desde o resultado da prova, como o meio de prova utilizado para trazer determinado elemento
probatório aos autos. A carência de rigor técnico e a desordem terminológica são criticadas por Dinamarco: “Dentre os
muitos defeitos do diploma processual penal de 1941, chamam desde logo a atenção os que se referem à terminologia.
A pobreza da ciência processual penal brasileira do tempo em que o Código foi elaborado reflete-se não só em sua
estrutura mal alinhavada, na má constituição de seus institutos e na disciplina arcaica de alguns destes (v.g. o capítulo
das nulidades), mas também na pobreza e inadequação de sua linguagem – espelho, como se disse na abertura deste
estudo, do estágio menos evoluído de uma ciência”. (DINAMARCO, Cândido Rangel. Vocabulário do Processo Civil, 2ª
ed.São Paulo: Malheiros Editores. 2014. Página 40)
99
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal
um fato que interessa à decisão da causa”11. Esta vedação apresenta dupla feição:
enquanto não é qualquer elemento de informação que pode ser admitido e valorado pelo
juiz, também não pode ser levado ao seu conhecimento através de qualquer jeito. Assim, a
ilicitude da prova pode ser verificada no aspecto de seu conteúdo, bem como na forma de
sua obtenção, sendo, portanto, inadmissível.
Por seu turno, meio de pesquisa/obtenção de prova não obedece aos mesmos ditames.
Enquanto o meio de prova serve a formação do convencimento do juízo, o meio de pesquisa
serve à própria prova. Assim, meio de pesquisa distingue-se por ser um método de busca à
elementos ainda desconhecidos, em que prevalece a surpresa do envolvido, a sua utilização
somente em etapa pré-processual e a necessidade de identificar as fontes de prova 13. Sua
natureza preliminar pode ser constatada, pois o meio de pesquisa de prova objetiva encontrar
11 GOMES FILHO. Antônio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova (reflexos no processo penal brasileiro). In.:
Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. Coordenadores: YARSHELL, Flávio Luiz e MORAES,
Maurício Zanoide de. DPJ. São Paulo. 2005. Página 307.
12 Na definição de GOMES FILHO, os meios de prova são os “instrumentos ou atividades por intermédio dos quais os
dados probatórios (elementos de prova) são introduzidos e fixados no processo (produção de prova). São, em síntese,
os canais de informação de que se serve o juiz.” (GOMES FILHO. Op. Cit. Página 305).
13 Neste sentido: VIEIRA, Renato Stanziola. Agente infiltrado – estudo comparativo dos sistemas processuais penais
português e brasileiro (ou a imprescindibilidade da tipicidade processual como requisito da admissibilidade dos meios
de pesquisa em processo penal) . In.: Revista Brasileira de Ciências Criminais nº 87. Volume 18. Editora Revista dos
Tribun-ais. São Paulo. 2010. Página 195.
100
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal
ou descobrir um elemento incerto para, futuramente, ser introduzido na fase processual por
um determinado meio de prova14.
O Código Processual Penal brasileiro não obedece ao mesmo rigor, mas diante as
características definidas até esta parte, podem ser encontradas meios de pesquisa da prova
neste ordenamento jurídico, como a busca e apreensão, interceptação telefônica e o agente
infiltrado. Ainda com foco no direito brasileiro, a utilidade de conceituação apartada e
distinta para os meios de prova e para os meios de pesquisa encontram relevância prática,
pois as repercussões são diferentes. Enquanto, a consequência do vício em meio de prova
será da nulidade da prova produzida, no meio de pesquisa a prova adquirida será
inadmissível, diante a violação das regras relacionadas à sua obtenção (art. 5º, inciso LVI,
da Constituição Federal brasileira).
14 “i mezzi di ricerca della prova non sono di per sé di convincimento, ma rendono possibile acquisire cose materiali,
tracce o dichiarazioni dotate di attitudine probatoria. (...) Dal punto di vista tecnico-processuale, i mezzi di ricerca della
prova si caratterizzano altresi in quanto, mirando a far penetrare nel processo elementi che preesistono all’indagne gi-
udiziaria, si basano sul fattore sorpresa e non consentono perció, per loro stessa natura, Il preventino avviso ai difensori
quando sono compiuti nella fase delle indagini. La prova è in questi caso precostituita, non deve cioè essere formata nel
processo, come per Le testimonianze, Le perizie egli esperimenti giudiziali, etc.”. (LARONGA, Antonio. Le prove
attipiche nel processo penale. Cedam. Milão. 2002. Página 28). Em tradução de Renato Stanziola Vieira: “os meios de
pesquisa da prova não são por si fonte de convencimento, mas tornam possível adquirir coisas materiais, traços ou
declarações dotadas de atitude probatória. (...) Do ponto de vista técnico-processual, os meios de pesquisa da prova se
caracterizam também enquanto, mirando a fazer penetrar no processo elementos que preexistem à investigação
judicial, basearem-se no fator surpresa e não permitirem portanto, por sua própria natureza, o preventivo aviso ao
defensor quando são cumpridos na fase de investigação. A prova é neste caso pré-constituída, não deve ser formada
no processo, como pela testemunha, as perícias e os experimentos judiciais etc. (VIEIRA. Op. Cit. Página 197).
15 Na síntese de Germano Marques da Silva:os meios de obtenção da prova são instrumentos de que se servem as
autoridades judiciárias para investigar e recolher meios de prova; não são instrumentos de demonstração do thema pro-
bandi, são instrumentos para recolher no processo esses instrumentos. Os meios de obtenção de prova distinguem-se
dos meios de prova numa dupla perspectiva: lógica e técnico-operativa. Na perspectiva lógica os meios de prova carac-
terizam-se pela sua aptidção para serem por si mesmos fonte de convencimento, ao contrário do que se sucede com
os meios de obtenção da prova que apenas possibilitam a obtenção daqueles meios. Na perspectiva técnico-operativa
os meios de obtenção da prova caracterizam-se pelo modo e também pelo momento da sua aquisição no processo, em
regra nas fases preliminares, sobretudo no inquérito”. (SILVA, Germano Marques da. Curso de Processo Penal. II. 2.
Editora Verbo. Lisboa. 1999. Páginas 189/190).
101
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal
16 Nesta esteira, Fauzi Hassan Choukr: “Daí a importância de interpretar-se o processo penal sobretudo com a utilização do
método denominado processo constitucional, onde as normas são enfocadas a partir da matriz contida no texto mag-no,
acabando o processo por adquirir uma feição para além da técnica, muito mais politizada e sem dúvida com um outro
compromisso ético.”(CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal à luz da Constituição. Bauru: Edipro, 1999. Página 62).
102
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal
Com efeito, de pouco adiantaria conceder o direito de ação e de defesa sem possibilitar que
fosse produzido o material probatório para influir no convencimento do julgador. Desta forma, o
direito à prova (right to evidence) consubstancia-se em um direito fundamental integrante do
due process of law, imprescindível para que o processo possa atingir suas finalidades.
Logo, o direito à prova se trata de direito subjetivo das partes para indicar quais fontes de
prova desejam ver introduzidas no processo e que podem servir de base na decisão
judicial17, de forma que esta atividade deve ser aberta à iniciativa, participação e controle
dos interessados no provimento jurisdicional18.
Por sua vez, o direito à prova envolve cinco direitos distintos e fundamentais para cada
momento da persecução penal: (a)direito à investigação está voltado para a busca de fontes de
prova; (b)direito à proposição é a possibilidade das partes requererem ao juiz a produção das
provas sobre os pontos relevantes; (c)as partes possuem o direito à admissão ou deferimento
da proposição das provas lícitas e relevantes19; (d)se requerida pela parte e admitida
judicialmente, surge o direito à produção da prova, sendo que os meios de prova, em regra,
devem ser produzidos em contraditório, perante as partes e do juiz. Logo, não
17 Neste sentido, Antonio Magalhães Gomes Filho ressalta: “Caracteriza-se, assim, um verdadeiro direito subjetivo à
introdução do material probatório no processo, bem como de participação em todas as fases do procedimento
respectivo; direito subjetivo que possui a mesma natureza constitucional e o mesmo fundamento dos direitos de ação e
de defesa: o direito de ser ouvido em juízo não significa apenas poder apresentar ao órgão jurisdicional as próprias
pretensões, mas também inclui a garantia do exercício de todos os poderes para influir positivamente sobre o
convencimento do juiz”. (GOMES FILHO. Direito à prova. Op. Cit. Página 84).
18 Vale ressaltar o entendimento de Nereu José Giacomolli: “O direito fundamental à prova no processo abrange a pos-
sibilidade de tanto a acusação quanto a defesa indicarem as fontes de prova e exigirem a sua incorporação ao processo
(pessoas a serem ouvidas em juízo, documentos a serem examinados, v.g.), de utilizarem os mecanismos de prova (ar-rolar
testemunhas, requerer perícias, v.g.)a exigência de utilização das metodologias legais na produção da prova (ordem de
inquirição das testemunhas, quem pergunta antes, como perguntar, participação na reconstituição do crime, v.g.), bem como
a exigência de apreciação, valoração dos elementos de prova, de todos os dados fáticos e circunstâncias, pelo julgador.
Contudo, o right to evidence é limitado pela prova admissível, válida, que tenha trilhado o devido processo
(interceptações telefônicas sem autorização judicial, v.g.). Portanto, ambas as partes possuem o direito de influir no
convencimento do julgador. A garantia da efetividade desse direito depende, também, da manutenção da igualdades de
oportunidades e do afastamento de qualquer obstáculo à demonstração fática pretendida pelas partes, em todos os
mo-mentos processuais”. (GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a Constituição
Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014. Página 161).
19 Em correlação com o direito à admissão, há também o direito de exclusão das provas inadmissíveis, decorrente de
algum vício que termina por impedir seu ingresso no processo.
103
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal
Conforme apontado sucintamente neste trabalho, uma das características principais do Sistema
acusatório é a separação das funções, de forma que a atividade probatória termina por
repousar inteiramente sobre as partes, gerando um conflito de interesses entre acusação e
defesa. A disputa pela captura psíquica do juiz (terceiro imparcial e equidistante do embate)
exige que ambos os polos tenham iguais oportunidades ideais de fala e oitiva do adversário, de
maneira que deve ser franqueada a possibilidade de conhecimento do material produzido para
elaboração da resposta. Apenas desta forma, a reconstrução fática adquire validade, tendo em
vista que somente assim pode ser colocada à teste a versão trazida pelas partes21.
20 Neste aspecto, Antonio Scarance Fernandes assinala: “No tocante ao momento de produção da prova, a presença
das partes é condição de observância do contraditório. Não se trata de impor à parte a obrigatoriedade de sua
presença em todo ato de qualquer tipo de processo, mas de coloca-la “em condições de participar”, mesmo quando se
trate de provas “colhidas de ofício pelo juiz”. É “que tudo quanto for utilizado sem prévia intervenção e participação das
partes acaba sendo reduzido a conhecimento privado do juiz”. (FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal
constitucional, 6ª ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. Página 73).
21 Em interessante raciocínio, Joaquim Canuto Mendes de Almeida mostra como o contraditório serve para coibir os
prejuízos de uma única versão no processo: “A parte age estimulada pelo próprio interesse, de ocultar fatos que lhe
sejam ou pareçam desfavoráveis e de inventar outros que a possam beneficiar, procurando, em suma, sacrificar a
verdade. O remédio está na ação da parte contrária, cujo interesse está em jogo. Embora esta, por sua vez, trate de
esconder e simu-lar fatos à feição da própria conveniência, a contrariedade corrige os excessos ou deficiências do
adversário. Se – para exprimir com simplicidade – cada um dos litigantes leva a processo apenas os fatos que o
beneficiam e assim, pode-se dizer, uma metade do litígio, ambos levam: ao processo o litígio inteiro, porque os fatos
favoráveis a um prejudicam o outro”. (ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do Processo
Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1973. Páginas 77/78).
104
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal
Como pode ser percebido, o contraditório é uma exigência política e confunde-se com a
própria essência do processo. Na linha do defendido por FAZZALARI, esta interação
simbiótica leva a conclusão de que processo é procedimento em contraditório. A efetividade
do contraditório no processo penal de índole democrática demanda o acesso das partes às
informações e também a possibilidade de participação por meio da reação, entendida como
resistência à pretensão acusatória. Sem esses caracteres, sequer se pode falar em
procedimento e, consequentemente, processo.
22 Entretanto, a noção de contraditório evoluiu para agregar mais elementos e assim atingir seu escopo de equilibrar o
combate processual entre as partes. Neste sentido, Eugênio Pacelli de Oliveira: “Da elaboração tradicional que colocava o
princípio do contraditório como a garantia de participação no processo como meio de permitir a contribuição das partes para a
formação do convencimento do juiz e, assim, para o provimento final almejado, a doutrina moderna, sobretudo a partir do
italiano Elio Fazzalari, caminha a passos largos no sentido de uma nova formulação do instituto, para nele incluir, também, o
princípio da par conditio ou da paridade de armas, na busca de uma efetiva igualdade processual. O contraditório, então, não
só passaria a garantir o direito à informação de qualquer fato ou alegação contrária ao interesse das partes e o direito à
reação (contrariedade) a ambos – vistos, assim, como garantia de participação -, mas também garantiria que a oportunidade
da resposta pudesse se realizar na mesma intensidade e extensão”. (OLIVEIRA, Eugênio
Pacelli de. Curso de Processo Penal, 17ª ed.rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2013. Página 43).
23 Na acertada síntese de Aury Lopes Jr.: “Assim, o contraditório deve ser visto basicamente como o direito de
participar, de manter uma contraposição em relação à acusação e de estar informado de todos os atos desenvolvidos
no iter pro-cedimental”. (Op. Cit. Página 557).
105
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal
Por sua vez, a presunção de inocência como norma probatória está voltada para determinar
quem deve provar; por meio de que tipo de prova a parte incumbida de demonstrar sua
pretensão tem o dever de produzir e; por fim, o que deve ser provado.
Em linhas gerais, o primeiro aspecto se refere ao ônus probatório (ou carga da prova)24,
que, no processo penal, pertence unicamente à acusação25. Por seu turno, o segundo
aspecto demanda que a prova a ser produzida pela acusação não pode ser ilícita, mas
somente aquela que surgiu devido a obediência às fórmulas legais. Definido que à
acusação incumbe o ônus da prova e que este material deve seguir ao regramento
constitucional e legal para ser válido, a prova a ser produzida deve ser incriminadora, ou
seja, apta a demonstrar a materialidade com todas as suas circunstâncias e a sua autoria.
Por fim, vale mencionar que a norma de juízo incide sobre o acervo probatório
confeccionado e angariado durante o exercício da norma probatória. A norma de juízo, ao
contrário das normas de tratamento e probatória, se relaciona com a subjetividade inerente
às noções de suficiência, probabilidade, dúvida etc. Logo, a conotação subjetiva da norma
de juízo determina se a prova produzida é suficiente para afastar a presunção de inocência
do imputado, o que exige valoração do juiz26.
24 Segundo entendimento de Aury Lopes Jr., a melhor terminologia seria “carga”, pois: “é um conceito vinculado à
noção de unilateralidade, logo, não passível de distribuição, mas sim de atribuição. No processo penal, a atribuição da
carga probatória está nas mãos do acusador, não havendo carga para a defesa e tampouco possibilidade de o juiz
auxiliar o MP a liberar-se dela (recusa ao ativismo judicial)”. (LOPES, Jr. Op Cit. Página 103).
25 Assim, estabelece Luigi Ferrajoli: “No conflito, ademais, o primeiro movimento compete à acusação. Sendo a
inocência assistida pelo postulado de sua presunção até prova contrário, é essa prova contrária que deve ser fornecida
por quem a nega formulando a acusação”.(FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal, 2ª Edição.
Tradução: Ana Paula Zomer et al. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2006. Página 562).
26 Assim, em obra essencial acerca do tema, leciona Maurício Zanoide de Moraes: “Esse é o punctum saliens que
difere a presunção de inocência como “norma de juízo” e como “norma probatória”: a noção de suficiência. Para se
examinar esse direito constitucional como “norma de juízo”, é preciso já se ter como certo que o órgão acusador
cumpriu seu ônus probatório e que a prova por ele produzida é lícita e incriminadora. Avaliá-la como “suficiente” é a
resposta a que se chegará ao final do exame da presunção de inocência como “norma de juízo”. (MORAES, Maurício
Zanoide de. Presun-ção de inocência no processo penal brasileiro: análise de sua estrutura normativa para a
elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. Página 469).
106
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal
Em uma seara que mantém permanentemente a carga probatória para a acusação, o não
exercício da faculdade de produzir prova para a defesa não possui a mesma consequência.
Levando em consideração que a presunção de inocência resguarda o imputado por toda
persecução penal até transito em julgado de decisão penal condenatória, o ônus da acusação é
absoluto, isto é, o não exercício da faculdade acarretará na automática produção da
desvantagem. Por seu turno, o ônus da defesa é relativo, ou seja, assume-se o risco da
produção de um prejuízo pela perda de uma chance probatória. Por exemplo, o exercício
27 Assim, salienta Gustavo Badaró: “No processo penal, diante da garantia constitucional da presunção de inocência,
não há distribuição do ônus da prova, que pesa todo sobre a acusação. Trata-se de um ônus da prova unidirecional,
não havendo, pois, distribuição do ônus da prova, como ocorre no processo civil. Além disso, em decorrência da
garantia constitucional da presunção de inocência, também não são admitidas no processo penal presunções legais ou
judiciais contra o acusado”. (BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2012. Página 293).
107
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal
Segundo consta no dispositivo processual civil, ao réu incumbe o ônus da prova quanto à
existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Além de criticável
a compreensão de que o órgão de acusação seria “credor da pena”, esta conclusão implica
na seguinte conclusão: caberia ao autor o ônus da prova do fato constitutivo (fato típico),
enquanto as demais excludentes de ilicitude e culpabilidade deveriam ser demonstradas
pelo imputado. Se o conceito analítico de crime é formado pelo fato típico, antijurídico e
culpável e como incumbe ao órgão de acusação trazer a prova que corrobore com a
formação do convencimento de que ocorreu o cometimento de um delito, poderia haver
condenação fundada unicamente no juízo de tipicidade, sem qualquer análise da ilicitude da
conduta ou a reprovabilidade do autor. Em outros termos, a condenação não estaria
amparada em prova de todos os elementos do delito29.
28 Baseado nos ensinamentos de James Goldschmidt, Aury Lopes Jr. aponta que ao imputado não há qualquer carga,
exclusividade da acusação: “O que sim podemos conceber, indo além da noção inicial de situação jurídica, é uma as-
sunção de riscos. Significa dizer que à luz da epistemologia da incerteza que marca a atividade processual e o fato de a
sentença ser um ato de convencimento (como explicaremos a seu tempo), a não produção de elementos de convicção
para o julgamento favorável ao seu interesse faz com que o réu acabe potencializando o risco de uma sentença desfa-
vorável. Não há uma carga para a defesa, mas sim um risco. Logo, coexistem as noções de carga para o acusado e
risco para a defesa”. (LOPES Jr. Op. Cit. Página 103).
29 Nesta senda, Gustavo Badaró expõe: “O direito de punir nasce do cometimento de um delito, mas para se efetivar
depende de uma condenação em um processo penal em que sejam verificados todos os seus elementos. Afirmar que o
fato constitutivo é somente o fato típico e considerar as excludentes de ilicitude e de culpabilidade como fatos impediti-
vos do direito de punir equivale a dizer que o delito é, tão somente, o fato típico, sem qualquer consideração acerca do
caráter ilícito desta conduta e da reprovabilidade do autor. A distinção entre fatos constitutivos, impeditivos e extintivos
do direito alegado em juízo decorre de um processo de simplificação analítica da fattispecie, que não pode ser aplicado
ao processo penal, em favor da parte acusadora e em prejuízo do acusado, pois significaria admitir uma condenação
sem que houvesse prova de todos os elementos do delito”. (BADARÓ, Op. Cit. Página 295).
108
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal
Esse momento de operação da presunção de inocência como norma de juízo pode ser
sintetizado pela ideia de “suficiência”, ou seja, se o acervo probatório lícito e incriminador
pode levar ao convencimento de que o imputado incidiu nas condutas tipificadas.
Obviamente, não existe consenso acerca do que seria essa “mínima atividade probatória
suficiente” idônea para afastar a presunção de inocência. Entretanto, há concordância de
que ela será verificada em cada caso e que meros critérios quantitativos (quantidade
numérica de provas) e qualitativos (meio mais eficaz da prova) não podem ser os únicos a
ser considerados. Deve, assim, o juiz analisar o material probatório de maneira global e
conjunta para formular seu convencimento.
Frise-se que esta atividade deve ser ter orientação axiológica empreendida pelo “in dubio
pro reo” e pelo “favor rei”, e a imprescindibilidade do julgador demonstrar racionalmente
como o material probatório fornecido pela acusação logrou êxito em abalar a presunção de
inocência.
109
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal
Basicamente, ao analisar o acervo probatório produzido pela acusação de forma lícita, o julgador
poderá chegar a três conclusões distintas: I.certeza de que deve decidir em desfavor do imputado;
II.certeza de que deve decidir em favor do imputado e; III.dúvida. As duas primeiras situações não
suscitam complicações e a terceira acarreta na automática desconsideração da tese acusatória e
prevalência da inocência do imputado. Ressalte-se que o cenário de dúvida surge ainda que a
acusação tenha adimplido com sua carga probatória e produziu material lícito e incriminador, mas
que não provocou ainda o juízo de certeza do julgador.
Todavia, a dúvida impeditiva da decisão desfavorável não poderá ser qualquer dúvida, isto
é, a mera suposição de eventual possibilidade de os fatos terem ocorrido de maneira
diversa. Apenas a dúvida fundada na racionalidade e que teve sua formação com base em
provas incriminadoras que apresentaram um grau de singela possibilidade fática quanto aos
elementos que compõem a imputação30.
30 Neste sentido, Maurício Zanoide de Moraes: “É por essa linha racional que a doutrina anglo-saxã não analisa a
dúvida no processo penal pela “preponderância” das provas apresentadas pelas partes – critério por ela utilizado
apenas no processo civil -, mas pela necessidade de que a dúvida impeditiva do afastamento da presunção de
inocência não seja qualquer dúvida (a mera possibilidade de ocorrência do fato afirmado na imputação), mas seja uma
dúvida fundada na razão (“reasonable doubt”), haja ou não prova defensiva para desconstituir a prova incriminadora”.
(MORAES. Op. Cit. Página 474)
31 Em absurda hipótese, o art. 156, inciso II do Código de Processo Penal brasileiro estabelece que o juiz pode
determi-nar a realização de diligências antes de proferir a sentença para dirimir dúvida sobre ponto relevante. Além da
polêmica quanto aos residuais poderes instrutórios do juiz, se encerrada a produção probatória pela acusação e o juiz
permanecer em dúvida, basta absolver o imputado. Logo, a escolha por não absolver e busca novos elementos de
prova implica na explícita escolha pela condenação, pois era plenamente possível a absolvição.
110
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal
Existiram diversos sistemas de valoração das provas, entretanto, três foram as mais
relevantes e ainda possuem maior ou menor aplicação na atualidade.
a) Sistema da prova legal (também conhecido como Sistema da prova tarifada): com
base na experiência, o legislador estabelecia previamente um sistema de valoração
hierarquizada da prova, isto é, era imposta uma tabela de valoração das provas. Por este
motivo era denominada de sistema legal, tendo em vista que a lei definia o valor de cada
prova, sem se preocupar com as especificidades do caso concreto. Neste modelo, o
espaço de atuação do juiz era extremamente atenuado, suprimindo por completo
qualquer espaço de subjetividade. Típico ao Sistema inquisitório, estabelecia a confissão
como a prova suprema a ser buscada pelo julgador. Podemos perceber resquício no art.
158 do Código de Processo Penal, cujo mandamento ainda exige a realização de exame
de corpo de delito para comprovação nas infrações que deixam vestígios.
111
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal
O art. 5º, inciso LVI da Constituição Federal abriga disposição ampla, apenas indicando que
são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, caracterizando uma das
principais restrições ao direito à prova em nosso ordenamento: a vedação às provas ilícitas.
Por seu turno, a doutrina nacional, lastreada nos ensinamentos de Ada Pellegrini Grinover,
inspirada por Nuvolone, considerava que as provas contrárias à lei pertencem ao gênero
das provas ilegais, dividida entre as provas ilegítimas e provas ilícitas. Basicamente, as
provas ilegítimas são aquelas produzidas em violação de uma regra processual (durante a
fase processual), enquanto as ilícitas são aquelas produzidas com violação a regra de
direito material ou a Constituição Federal no momento de sua coleta, antes ou durante o
processo, mas sempre exterior a este.
Na hipótese de prova ilícita, a norma de direito material violada buscava proteger liberdades
públicas ou direitos da personalidade, tais como a intimidade (art. 5º, inciso X) ou inviolabilidade
32 “Assim, para que se possa reconhecer como atendida a exigência de motivação, é indispensável que o juiz explicite não
somente o conteúdo das provas em que baseou, mas igualmente o raciocínio de que se valeu para, através dos dados pro-
batórios incorporados ao processo, chegar à decisão final; sem isso, não será possível exercitar o controle das operações
cognitivas, não só para constatar a correção lógica das inferências realizadas, mas sobretudo para verificar a observância das
regras de legalidade probatória”. (GOMES FILHO. Direito à prova no processo penal. Op. Cit. Página 165)
112
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal
do sigilo de correspondência e das telecomunicações (art. 5º, inciso XII), por exemplo.
Como são bens jurídicos de alta relevância, o legislador penal tipificou as condutas que
lesionam estes direitos, como no caso do art. 151 do Código Penal (violação de
correspondência). Uma vez infringida a norma material, o agente seria responsabilizado
criminalmente, enquanto violada uma norma processual, havia uma sanção de natureza
processual, isto é, o ato seria considerado nulo. Não obstante, não havia uma sanção
processual para a violação de direito material, de forma que a prova produzida poderia ser
validamente valorada. Entretanto, como o art. 5º, inciso LVI da Constituição Federal prevê a
inadmissibilidade processual (sanção processual) da prova ilícita, esta distinção quanto a
sanção pelo descumprimento da norma deixou de existir.
Todavia, caso as provas ilícitas sejam admitidas no processo, estas não são consideradas
como provas, mas, devido sua ineficácia, não existem juridicamente e não possuem aptidão
para serem provas.
Apesar da confusa redação legal, independentemente de ser ilegítima ou ilícita, esta prova
não poderá ser valorada pelo juiz no momento de formar seu convencimento.
113
Aula 05 | Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal
Segundo restou convencionado, a prova ilícita por derivação é, em si mesma, lícita, entretanto
sua origem encontra-se vinculada diretamente a uma fonte ilícita e, presente este nexo de
causalidade, será igualmente atingida pelo vício da ilicitude, ou seja, o veneno da árvore
macula todos seus frutos. Com efeito, perderia finalidade a proibição de admissibilidade de
prova ilícita se, por via derivada, as informações obtidas através de violações de normas
constitucionais ou legais fossem recepcionadas e pudessem influenciar no convencimento do
órgão julgador. De acordo com a doutrina, as raízes da Teoria dos frutos da árvore envenenada
remontam ao caso Silverthorne Lumber & Co v. US de 1920, enquanto sua denominação fora
apresentada no caso Nardone v. US, de 1937, ambos precedentes da Suprema Corte norte-
americana. Deve-se ressaltar que a jurisprudência do órgão máximo do Poder Judiciário dos
Estados Unidos também trouxe exceções para esta teoria, de modo que esta não pode ser
entendida como absoluta. Sua incidência encontra diversas limitações, como: a) limitação da
fonte independente (independent source limitation); b) limitação da descoberta inevitável
(inevitable discovery limitation); c) exceção da contaminação expurgada ou conexão atenuada
(purged taint exception) e; d) exceção da boa-fé (good faith exception).
114
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal
33 Neste sentido: GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas. Lei 11.690, de 09.06.2008. In. ASSIS MOURA, Maria Thereza
Rocha de (Coord.). As reformas no processo penal. As novas leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008. Página 268; GIACOMOLLI, Nereu José. Reformas (?) do processo penal. Rio de Janeiro:
Lumen Juris. 2008. Página 41.
115
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal
116
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal
crer na validade e sem ciência de que mantinha sua postura fora dos parâmetros legais,
a exceção da boa-fé afastaria os efeitos da ilicitude. Além de inverificável no plano
empírico, o Código de Processo Penal não abriga seu acolhimento em nosso
ordenamento, sendo que serviria como subterfúgio para adoção de expedientes ilícitos.
Em suma, via de regra, a prova derivada sofrerá os efeitos da ilicitude contidos em sua
fonte originária. No entanto, com a regulamentação advinda com a Lei nº 11.690/08, foram
introduzidas exceções em nosso ordenamento jurídico, especificamente, da Fonte
Independente e da Descoberta Inevitável. Sem qualquer problemática, não paira sinal de
inconstitucionalidade na Limitação da Fonte Independente, embora, a inexistência de liame
causal entre a prova ilícita e lícita torna discutível se poderia ser considerada como
consequente.
Pontuando
• Introdução
117
Pontuando
Glossário
Prova: “o que demonstra que uma afirmação ou fato são verdadeiros; evidência”. Fonte:
Minidicionário Houaiss, 2008, p. 612
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA Questão 2 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
a) Sagrado para:
118
Verificação de Leitura
inquisidor
Além da figura do Juiz inquisidor é caracte-
e) Obter o convencimento do corpo social que rística do sistema inquisitório:
clama por justiça
a) A ambição pela ausência da verdade
Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA b) A presença da igreja sagrada
c) Princípio persuasivo
d) Princípio dispositivo
e) Princípio intuitivo
a) A ampla defesa
b) Da plenitude de defesa
c) O princípio inquisitivo
d) O contraditório pleno
e) A dignidade humana
119
Referências
ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do Processo Penal. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1973.
CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal à luz da Constituição. Bauru: Edipro, 1999.
COUTINHO, Jacinto Nelson Miranda. Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal
Brasileiro. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre: Nota Dez Editora, n.1, 2001.
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal constitucional, 6ª ed.rev., atual. e ampl. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal, 2ª Edição. Tradução: Ana Paula
Zomer et al. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2006.
GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a Constituição Federal
e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014.
_______________________. Reformas (?) do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008.
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 1997.
KHALED JR, Salah Hassan. A Busca da Verdade no Processo Penal: Para Além da Ambição Inqui-
sitorial. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
LOPES Jr. Aury. Direito Processual Penal – 9ª ed., ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.
120
Referências
MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo
por artigo. São Paulo: Método, 2008.
MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de inocência no processo penal brasileiro: análise de
sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, 17ª ed.rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2013.
PRADO, Geraldo. Sistema acusatório – A conformidade constitucional das leis processuais penais,
4ª edição. Editora Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2006.
SILVA, Germano Marques da. Curso de Processo Penal. II. 2. Editora Verbo. Lisboa. 1999.
VIEIRA, Renato Stanziola. Agente infiltrado – estudo comparativo dos sistemas processuais penais
português e brasileiro (ou a imprescindibilidade da tipicidade processual como requisito da admissi-
bilidade dos meios de pesquisa em processo penal). In.: Revista Brasileira de Ciências Criminais nº
87. Volume 18. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2010.
ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2003.
Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa A.
121
Gabarito
Questão 2
Resposta: Alternativa A.
Questão 3
Resposta: Alternativa D.
Questão 4
Resposta: Alternativa C.
Questão 5
Resposta: Alternativa E.
122
123
TEMA 06
Medidas Cautelares Pessoais e
Reais no Processo Penal
124
LEGENDA seções
DE ÍCONES
Início
Vamos
pensar
Glossário
Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
125
Tema 06
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no
Processo Penal
Danilo Dias Ticami
Objetivo
Prezado aluno da Pós de Ciências Penais. O objetivo desta aula é abordar os pontos
relevantes das medidas cautelares pessoais e reais à luz dos princípios constitucionais de
1988 na perspectiva de um processo penal contemporâneo.
Resumo da Aula
O texto que segue fará uma breve análise das medidas cautelares pessoais e reais no
processo penal passando por pontos como as características peculiares das medidas
cautelares e os princípios reitores destas medidas no âmbito do processo penal brasileiro.
Introdução
Não restam dúvidas de que a história do processo penal é marcada por movimentos
pendulares, com alternância de prevalência entre duas posições antagônicas: ora predominam
ideias de segurança social e eficiência repressiva e, em outros momentos, pensamentos de
proteção ao imputado e resguardo de suas garantias fundamentais assumem maior
importância. Essa dicotomia costuma ser representada pelo confronto entre Eficiência e
Garantismo, cuja disputa busca atingir um modelo equilibrado, de proteção dos direitos e
126
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo Penal
Neste ponto, a temática das medidas cautelares se revela uma das maiores tensões no
processo penal, tendo em vista que a imposição de qualquer espécie de cerceamento
preliminar a direito fundamental de um indivíduo sempre se mostra em choque com a
presunção de inocência, assegurada constitucionalmente (Art. 5º, inciso LVII, CF). Com
efeito, o reconhecimento da presunção de inocência em um ordenamento jurídico, enquanto
norma de tratamento, impõe que o imputado seja considerado como inocente até o transito
em julgado de decisão penal condenatória, sendo que nenhum efeito deletério decorrente
da sanção pode ser previamente aplicado2. Não obstante, há situações em que a liberdade
irrestrita do cidadão precisa ser restringida para que a tutela de outros bens jurídicos seja
resguardada e que possibilite a escorreita tramitação da persecução penal.
1 São dois os direitos fundamentais do indivíduo que interessam especialmente ao processo criminal: o direito à liberdade e o
direito à segurança, ambos previstos no caput do art. 5º da CF. Como decorrência deles, os indivíduos têm direito a que o
Estado atue positivamente no sentido de estruturar órgãos e criar procedimentos que, ao mesmo tempo, lhes provenham
segurança e lhes garantam a liberdade. Dessa ótica, o procedimento a ser instituído, para ser obtido um resultado justo, deve
proporcionar a efetivação dos direitos à segurança e à liberdade dos indivíduos (FERNANDES, An-tonio Scarance. Reflexões
sobre as Noções de Eficiência e de Garantismo no Processo Penal. In: FERNANDES, Antonio
Scarance; ALMEIDA, José Raul Gavião de; MORAES, Maurício Zanoide de (Coord.). Sigilo no Processo Penal:
Eficiência e Garantismo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 9).
2 “Este princípio fundamental de civilidade representa o fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos
inocentes, ainda que ao custo da impunidade de algum culpado. (...)Disso decorre – se é verdade que os direitos do cidadão
são ameaçados não só pelos delitos mas também pelas penas arbitrárias – que a presunção de inocência não é apenas uma
garantia de liberdade e de verdade, mas também uma garantia de segurança ou, se quisermos, de defesa social: da
específica “segurança” fornecida pelo Estado de direito e expressa pela confiança dos cidadãos na justiça, e daquela
específica “defesa” destes contra o arbítrio punitivo. Por isso, o sinal inconfundível da perda de legitimidade política da
jurisdição, como também de sua involução irracional e autoritária, é o temor que a justiça incute nos cidadãos. Toda vez que
um imputado inocente tem razão de temer um juiz, quer dizer que isto está fora da lógica do Estado de direito: o medo e
mesmo só a desconfiança ou a não segurança do inocente assinalam a falência da função mesma da jurisdição penal e a
ruptura dos valores políticos que a legitimam”. (FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garan-tismo Penal, 2ª Edição.
Tradução: Ana Paula Zomer et al. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2006. p. 506).
127
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo
Penal
Entretanto, ainda com a filtragem constitucional imposta ao texto processual penal pós 1988, a
práxis de matriz inquisitória guiada pelo animus de encarceramento massivo termina por
aniquilar tornando a exceção em regra. Apesar da dificuldade no equilíbrio entre a eficiência da
persecução penal e o resguardo absoluto dos direitos e garantias individuais, o ordenamento
jurídico processual penal democrático constitui a barreira intransponível de proteção das
liberdades do cidadão e deve funcionar como especial limitador de arbitrariedades do Estado.
Assim, as flexibilizações a garantia da presunção de inocência não podem ocorrer de forma
incoerente, mas sempre com objetivo de proteção a dignidade da pessoa humana.
• Medidas cautelares pessoais: formada pela prisão preventiva (arts. 312 a 325, CPP),
prisão temporária (prevista na Lei nº 7.960/89) e as medidas cautelares alternativas à
prisão (arts. 319 a 320, CPP);
3 Por todos: LOPES Jr. Aury. Direito Processual Penal – 9ª ed., ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.
128
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo Penal
Assim, o objeto das medidas cautelares processuais penais distancia-se dos tradicionais
fumus boni iuris e periculum in mora do processo civil. Basicamente, ao verificar se a
necessidade de uma prisão cautelar, o juiz avalia se existe probabilidade de condenação ao
final do processo, uma vez que o imputado, aparentemente, cometeu determinada conduta
tipificada penalmente. Desta forma, não se apura “fumaça do bom direito”, mas se o
imputado pode ter praticado um crime, ou seja, um fato que é a antítese do direito. Desta
forma, há impropriedade semântica e jurídica, afinal, o requisito essencial para a aplicação
da constrição provisória não é possível existência do direito da acusação alegado, mas sim
se há fato passível de punição penal. Por isso, uma vez que se busca avaliar a
probabilidade de ocorrência de um delito, com a prova da materialidade do crime e indícios
suficientes de autoria, o termo correto será “fumus comissi delicti”4.
Por outro lado, também se apresenta equivocada a utilização do termo “periculum in mora” nas
medidas cautelares processuais penais, pois, a valoração do risco a ser feita leva em
consideração outros fatores. No processo civil, a demora na prestação jurisdicional definitiva
pode ocasionar fundado receio de que o patrimônio do acusado seja dilapidado ou perca
4 Neste sentido: LOPES Jr., Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas
cautelares diversas: Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011. p. 8.
129
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo
Penal
seu valor. Embora este raciocínio seja adequado às medidas cautelares reais, nas medidas
constritivas pessoais o risco assume outra feição, pois o fator determinante não será o
tempo e sim o eventual cenário de perigo gerado pelo imputado e que pode prejudicar a
persecução penal, como frustração da aplicação da lei penal (fuga) ou criação de
dificuldades para a coleta do material probatório.
A inexplicável demasiada adoção das categorias e institutos inatos do processo civil apenas
proporciona confusão no processo penal, enquanto suas singularidades tornam inviável
este transplante.
No processo penal, a tutela cautelar não depende do exercício de uma ação cautelar, que
ensejaria em um processo cautelar. Simplesmente, há medidas cautelares, com base
procedimental própria e sem necessidade de processo autônomo. Assim, as prisões cautelares
ou medidas cautelares reais são incidentes que podem surgir até antes do processo
5 Em posição diversa da defendida: NICOLITT, André Luiz. Lei nº 12.403/2011: o novo processo penal cautelar, a prisão e as
demais medidas cautelares. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. Entretanto, o autor, apesar de concordar com a Teoria
Geral do Processo e advogar pela existência de um Processo Penal Cautelar, atenta quanto a necessidade de cuidado
na reprodução de conceitos e categorias típicas do processo civil inadequadas ao processo penal (Op. Cit.. p. 9).
130
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo Penal
de conhecimento, em que não há exercício de uma ação específica, que poderá gerar um
processo penal cautelar autônomo ao processo de conhecimento6.
Entretanto, até o advento da Lei nº 12.403/11, o sistema cautelar pátrio era extremamente
precário e forçava o juiz optar obrigatoriamente entre a aplicação da prisão cautelar ou a
liberdade provisória. No ensejo de suprir essa lacuna legal, a jurisprudência passou a
admitir a utilização, analógica, do poder geral de cautela, estabelecendo severas restrições,
tais como a apreensão do passaporte e dever de informar viagens etc.
6 Nesta esteira: BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2012. p. 710. TUCCI, Rogério
Lauria. Teoria do Direito Processual Penal: jurisdição, ação e processo penal (estudo sistemático). São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais. 2002. pp.106-108.
7 “As prisões cautelares são apenas aquelas previstas em lei e nas hipóteses estritas que a lei autoriza. Há, pois, um princípio
de taxatividade das medidas cautelares pessoais, que implica admitir somente aquelas medidas previstas no ordenamento
jurídico. A vedação das medidas cautelares atípicas no processo penal sempre esteve ligada à ideia de legalidade da
persecução penal. Ou seja, as medidas cautelares processuais penais são somente aquelas previstas em lei e nas hipóteses
estritas que a lei as autoriza, vigorando um princípio de taxatividade das medidas cautelares. Somente assim será possível
evitar a arbitrariedade e o casuísmo, dando-se total transparência às “regras do jogo”. (BADARÓ.
Op. Cit. p. 708).
131
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo
Penal
Vale ressaltar que o descabimento dos poderes gerais de cautela também era constatável na
sistemática pretérita a reforma legislativa de 2011, enquanto a aplicação do Princípio da
Legalidade para imposição de medidas cautelares processuais penais decorria do devido
processo legal, previsto constitucionalmente (art. 5º, inciso LIV, CF). De forma expressa, o art.
7º da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica,
incorporado em nosso ordenamento jurídico pelo Decreto nº 678/1992), em seu item 2 prevê
que “ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições
previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados-partes u pelas leis de acordo
com elas promulgadas”. Por sua vez, como as normas da Convenção Americana de Direitos
Humanos tem status supralegal em nosso ordenamento jurídico e, portanto, acima do Código
de Processo Civil, o poder geral de cautela trazido no art. 798 deste diploma não poderia ser
aplicado no processo penal como limitador do direito de locomoção.
Mas, a Lei 12.403/11 ampliou o rol de medidas cautelares alternativas (arts. 319 e 320,
CPP), retirando o juiz do retrógrado sistema binário datado de 1941, de forma que o
sistema polimorfo vigente rompeu com o histórico de ilegalidade anteriormente instaurado9.
8 No processo penal, não existem medidas cautelares inominadas e também pouco possui o juiz criminal um poder
geral de cautela. No processo penal, forma é garantia. Logo, não há espaço para “poderes gerais”, pois todo poder é
estrita-mente vinculado a limites e à forma legal. O processo penal é um instrumento limitador do poder punitivo estatal,
de modo que ele somente pode ser exercido e legitimado a partir do estrito respeito às regras do devido processo. E,
nesse con-texto, o Princípio da Legalidade é fundante de todas as atividades desenvolvidas, posto que o
dueprocessoflaw estrutura-se a partir da legalidade e emana daí seu poder”. (LOPES Jr., O novo regime jurídico da
prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas. Op. Cit. p. 11).
9 Não obstante, transcorrido quatro anos desde sua entrada, constata-se que os objetivos da legislação não foram atin-
gidos, pois a cultura e a mentalidade inquisitória dos operadores do direito permanece inalterada e inalterável.
132
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo Penal
10 Como a implantação das audiências de custódia ainda não é uma realidade em nível nacional, mas apenas em alguns
estados, não faremos análise de sua necessidade neste texto, apesar de seu crescimento. No entanto, trata-se de apre-
sentação imediata do preso em flagrante a autoridade judiciária competente logo após a lavratura do auto. Tem seu fun-
damento no direito de audiência e aplicação do preceituado no art. 7º, 5 do Decreto nº 678/1992 (Convenção Americana de
Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica). Para maiores esclarecimentos acerca de sua implantação, ver:
AMARAL, Cláudio do Prado. Da audiência de custódia em São Paulo. In.: Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais, v. 269, abril/2015. PAIVA, Caio e LOPES Jr., Aury. Audiência de custódia e a imediata apresentação do preso ao
juiz: rumo à evolução civilizatória do processo penal. In.: Revista Liberdades, n. 17, dezembro/2014.
133
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo
Penal
tem condão para manter o sujeito preso cautelarmente, sendo que incumbe ao juiz impor a
prisão preventiva ou outras medidas cautelares eventualmente requeridas.
Assim, não basta meras suposições destoadas do suporte de provas e indícios levados ao
conhecimento judicial, mas, na hipótese de aplicação das medidas cautelares, o
decisiumdeve justificar racionalmente a existência do requisito do fumus comissi delicti e a
presença do fundamento do periculum libertatis. Neste aspecto, ponderações
empiricamente indemonstráveis, como a reiteração de prática criminosa ou risco de fuga do
distrito da culpa ou considerações genéricas e abstratas sobre a gravidade do delito não
possuem o condão de legitimar o encarceramento provisório de qualquer indivíduo12.
11 “Fundamentar uma decisão é explicar e justificar, racionalmente, a motivação fática e jurídica do convencimento, em
determinado sentido. Não só a exteriorização escritural e pública do convencimento do magistrado possui relevância
constitucional, mas também o grau de aceitabilidade produzido nos agentes envolvidos no caso penal, bem como na
comunidade jurídica. Isso possibilita o entendimento de decisium pelos sujeitos e pelas partes, propiciando a impugna-
ção adequada e plena. Não é suficiente uma mera declaração de conhecimento acerca do conteúdo dos autos, e nem
uma simples emissão volitiva, mas a demonstração argumentativa (ratiodicendi) dos pressupostos fáticos e jurídicos da
prisão”. (GIACOMOLLI, Nereu José. Prisão, liberdade e as cautelares alternativas ao cárcere. São Paulo: Marcial Pons,
2013. p. 15).
12 “A existência do crime e dos indícios suficientes de autoria (fumus comissi delicti), bem como o perigo ou o risco de
o indiciado, flagrando ou imputado permanecer solto (periculum libertatis), exigem um suporte em motivos de fato, em
circunstâncias atuais e concretas, capazes de atender aos requisitos autorizadores. Meras possibilidades afastam os
requisitos legais, na medida em que são os fatos concretos que motivam as medidas cautelares. Assim, a restrição da
liberdade, seja pela prisão ou pela aplicação de outras medidas cautelares, encontram adequação constitucional
quando tiverem por suporte circunstâncias fáticas congruentes com a motivação jurídica, emergente dos autos, da
situação pro-cedimental ou processual e não de meras suposições ou conjecturas.” (Idem. p.17)
134
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo Penal
Em síntese, o contraditório (assegurado no art. 5º, inciso LV, CF) se realiza através da
ciência dos atos praticados no âmbito dos autos da persecução penal e a possibilidade de
resistência. Nos casos de medidas cautelares processuais penais que devem ser aplicadas
sem o conhecimento anterior do imputado, sob pena de perda da sua eficácia, por certo não
se mostra possível o contraditório prévio (p.ex.: prisão preventiva ou temporária).
Entretanto, nada impede que ocorra na modalidade diferida, ou seja, concessão de ciência
da imputação preliminar, as razões que levaram a imposição da medida cautelar e a
oportunidade para se defender, mas após a prisão provisória, p. ex. Portanto, há
possibilidade de coexistência, desde que seja compatível com a medida a ser tomada.
Desta forma, o art. 282, §3º do Código de Processo Penal prevê que “ressalvados os casos
de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida
cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia de
requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo”. Inicialmente,
percebe-se que a redação fala em “intimação da parte contrária”, sendo que o melhor seria
“imputado” ou “indiciado”, pois ainda não se tem notícia do sujeito passivo da investigação
ou ação penal requerer a prisão cautelar dos membros do órgão de acusação...
Por seu turno, o conteúdo do dispositivo também não aponta quais atos poderão ser exercidos
pelo imputado, uma vez intimado e ciente da possível aplicação da medida cautelar. Não há
previsão de audiência ou resposta escrita, de maneira que permaneceu desregulamentada a
forma de reação e resistência. Por analogia, poderia ser aplicado o art. 185 do Código de
Processo Civil e dar prazo razoável de resposta para o imputado apresentar as razões para
afastamento da cautelar requerida pela acusação. Igualmente, poderia ser realizada audiência
e, com a presença do indiciado, ocorrer debates entre acusação e defesa perante
135
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo
Penal
Em que pese esta fase de exercício do contraditório não parecer acertada na hipótese de
aplicação das prisões cautelares, boa parte das medidas cautelares do art. 319 do Código
de Processo Penal comportariam a instauração do contraditório, como a entrega do
passaporte ou suspensão do exercício da função. Quanto as medidas cautelares reais, o
risco de dilapidação do patrimônio em algumas ocasiões poderia ensejar na justificada
ausência de contraditório prévio, mas manutenção do contraditório diferido.
Se cessada a situação que levou a aplicação das medidas cautelares, mas houver sua
manutenção, então restará patente o desprezo pela provisionalidade e, consequentemente,
a prisão será ilegal, pela falta de fundamento que a legitime e também a indevida
apropriação do tempo do imputado.
Neste sentido, o art. 282, §4º e §5º do Código de Processo Penal dispõe acerca da
alteração de cenário que justifica a substituição da medida cautelar ou seu afastamento. Em
outros termos, a prisão preventiva ou as medidas cautelares alternativas poderão ser
revogadas ou substituídas, a qualquer tempo, durante toda persecução penal, desde que
desapareçam os motivos que a legitimam, assim como poderão ser novamente impostas,
desde que apareça o periculum libertatis.
13 No sentido da possibilidade de audiência: “Pensamos que o ideal seria o juiz, à luz do pedido de adoção de alguma
medida cautelar, intimar o imputado para uma audiência, onde sob a égide da oralidade se efetivaria o contraditório e o
direito de defesa, na medida em que o acusador sustentaria os motivos de seu pedido e o réu, de outro lado, argumen-
taria sobre a falta de necessidade da medida (seja por fragilidade do fumus comissi delicti ou do periculum libertatis).
Tal medida é muito importante e contribui para a melhor decisão do juiz”. (LOPES Jr. O novo regime...Op. Cit. p. 16).
136
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo Penal
Ademais, com o rol de medidas cautelares diversas da prisão do art. 319 do Código de
Processo Penal, o mero surgimento de nova situação fática não implica necessariamente
na automática decretação da prisão cautelar, ainda que ocorra descumprimento de medida
cautelar anteriormente aplicada. Com efeito, o juiz está autorizado a substituir as medidas
cautelares conforme a situação exigir, assim como poderá cumular várias ou mesmo
revogar, no todo ou em parte.
Entretanto, algumas críticas devem ser tecidas quanto a redação do §4º do art. 282 do
Código de Processo Penal. Há plena possibilidade da atuação de ofício do julgador, durante
toda persecução penal, inclusive durante a fase de investigação preliminar, ou seja, antes
de formada a opinio delicti do órgão de acusação para decretar as medidas cautelares
prisionais ou alternativas. Em um sistema processual penal acusatório, a inércia da
jurisdição para manutenção da imparcialidade do juiz é fundamental para a escorreita
prestação jurisdicional. Entretanto, em uma cega confiança aos agentes judiciais, a reforma
implementada em 2011 manteve essa figura incompatível com o princípio acusatório.
137
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo
Penal
Com exceção da prisão temporária, cujos prazos estão fixados na Lei nº 7960/8914, a prisão
preventiva e as demais medidas cautelares processuais penais não possuem prazo máximo
fixado em lei.
Sem muito sucesso, a jurisprudência tentou construir limites globais a partir da soma de prazos
que compõem o procedimento aplicável ao caso15. No caso dos processos submetidos ao
procedimento ordinário, se somados os prazos previstos na legislação, o processo deve ser
julgado em 81 dias, de forma que se o imputado estivesse ainda preso cautelarmente, haveria
“excesso de prazo”. Por seu turno, a contagem global no rito especial do júri, por exemplo, seria
de 90 dias para encerramento da primeira fase. Estes marcos podem ser utilizados para avaliar
se houve excesso de prazo para prisão preventiva, entretanto são prazos destoados de sanção,
de forma que terminaram por sofrer deformação e variados motivos passaram a ser admitidos
para justificar o excesso: demora causada pela defesa, complexidade do caso, número de
acusados e de testemunhas, comportamento da defesa, expedição de cartas precatórias etc. A
criação jurisprudencial sofreu restrições do Superior Tribunal de Justiça, com as súmulas 21 e
52. O primeiro enunciado estabeleceu que pronunciado o acusado, não haveria de se falar em
excesso de prazo, enquanto o segundo dispôs que também não haveria abuso se a fase
instrutória tiver encerrado.
Entretanto, estes posicionamentos merecem críticas, pois ambos, por pura discricionariedade
judicial, fixam marcos processuais sem qualquer preocupação com a racionalidade. Enquanto a
Súmula 21 desconsidera a segunda fase do procedimento do júri, a Súmula 52 considera que a
duração razoável do processo será considerada até o fim da instrução. Nos dois casos,
14 A prisão temporária tem duração de cinco dias, prorrogáveis por igual período, salvo no caso dos crimes hediondos
(30 dias prorrogáveis por mais 30 dias – art. 2º e 3º da Lei nº 8.072/90).
15 “Portanto, diante da inexistência de um prazo de duração da prisão preventiva e das demais medidas cautelares, há
que ser observado o prazo previsto à prática dos atos processuais referentes ao réu preso, estabelecidos legalmente
para cada situação processual. O constrangimento ilegal há que ser verificado na sua individualidade (cumprimento do
prazo à prática do respectivo ato) e também na perspectiva de término do processo num prazo razoável, em sua totali-
dade, sempre consideradas as peculiaridades do caso”. (GIACOMOLLI. Op. Cit. p. 35).
138
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo Penal
o encurtamento do termo final figura ilegal e verdadeira burla ao direito de ser julgado em
prazo razoável.
Por esta razão, a melhor solução para extirpar a complexidade dos prazos de duração das
medidas cautelares processuais penais seria a fixação legal de marcos que permitissem o
controle de excessos. Caso contrário, a indeterminação ocasionará os abusos vislumbrados
diariamente16.
Por esta razão, o art. 282, §6º do Código de Processo Penal coloca a prisão preventiva
como cabível apenas quando nenhuma outra medida cautelar prevista no art. 319 do
mesmo diploma seja aplicável. Desta forma, apenas quando restar demonstrado que não se
trata de caso de manter o sujeito em liberdade sem nenhuma forma de constrição, o
julgador deverá sempre sopesar a necessidade e adequação das medidas cautelares e
caso nenhuma outra menos invasiva possa tutelar o objeto do processo com exceção do
cerceamento da liberdade de locomoção, a prisão preventiva estará legitimada.
16 “A tortura que o mau funcionamento da Justiça brasileira gera (para muitas pessoas) é totalmente absurda. Já é chegado o
momento de introduzirmos no nosso ordenamento jurídico algo semelhante ao que se faz no Paraguai: o tempo máximo para
julgar um preso lá é de três anos. Depois disso o processo é extinto. O Estado não pode se apossar ilegalmente do tempo do
cidadão preso, por mais que tenha praticado um crime aberrante. (...) A demora no julgamento ou mesmo a perduração
excessiva de qualquer medida cautelar constitui a Justiça em mora (em atraso). Isso viola a dignidade da pessoa, sobretudo
se está presa, incrementa a estigmatização, faz desaparecer provas, gera impunidade e escancara a sua lentidão, com a
consequente perda de confiança em sua capacidade de gerenciar conflitos penais”. (GOMES, Luiz Flávio. Prisão e medidas
cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. GOMES, Luiz Flávio e MARQUES, Ivan Luís (coord.), 3ª ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. pp. 65-66).
139
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo
Penal
Mas, obviamente, um juízo de razoabilidade estrito, isto é, o mero sopesamento entre os bens
jurídicos envolvidos não constituem parâmetro seguro para o jurisdicionado, tendo em vista que
ficaria ao subjetivismo do julgador. Assim, para sua utilização, deve ser analisado se a restrição
requerida passa pelos pressupostos e requisitos da proporcionalidade. Inicialmente, existe o
pressuposto formal (legalidade) e pressuposto material (justificação teleológica). O primeiro
exige que a medida restritiva esteja prevista em lei, conferindo legitimidade democrática e
previsibilidade quanto a atuação do Estado e sua capacidade de interferência nos direitos
fundamentais dos cidadãos, enquanto o segundo demanda que qualquer constrição de direito
fundamental tenha uma finalidade legítima, de acordo com os valores protegidos pela
Constituição Federal. Posteriormente, a medida cautelar ainda deve satisfazer a requisitos
extrínsecos (jurisdicionalidade e motivação) e intrínsecos (adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito). Os requisitos extrínsecos foram estudados neste texto,
17 Impossível tratar acerca das celeumas que envolvem a proporcionalidade no processo penal no presente trabalho. Sobre o
tema: CUELLAR SERRANO, Nicolas Gonzalez. Proporcionalidad y derechosfundamentalesenelproceso penal. Madrid: Colex.
1990. PACHECO, DenilsonFeitoza. O princípio da proporcionalidade no direito processual penal brasileiro.
Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2007. Apesar de não tratar especificamente do assunto, mas com profunda análise sobre
a proporcionalidade no processo penal: ZANOIDE DE MORAES, Maurício. Presunção de inocência no processo penal
brasileiro: análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lu-
men Juris, 2010. pp. 297-368.
140
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo Penal
Na análise da adequação (ou idoneidade) da medida cautelar, esta deve ser apta para
alcançar as finalidades buscadas, isto é, se o objeto do processo pode ser resguardado
com a utilização daquela medida cautelar. Por sua vez, a necessidade impõe que seja
adotada a medida restritiva menos danosa aos direitos fundamentais, enquanto a
proporcionalidade em sentido estrito exige uma ponderação entre os interesses envolvidos
para que se avalie se, no caso concreto, a restrição guarda proporcionalidade com os
interesses que o Estado busca proteger.
Em uma tentativa tímida, o art. 282 do Código de Processo Penal apresenta alguns dos
requisitos intrínsecos da proporcionalidade. O art. 282, inciso I do Código de Processo Penal
dispõe que as medidas cautelares serão aplicadas com observância da “necessidade para
aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente
previstos, para evitar a prática de infrações penais”, enquanto o inciso II ordena que seja
observada a “adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições
pessoais do indiciado ou acusado”. Constata-se que o legislador inverteu a denominação dos
requisitos, apesar do conteúdo seguir os comandos da proporcionalidade, uma vez que
primeiro é avaliado se há medidas cautelares que podem atingir as finalidades desejadas e,
posteriormente, é escolhida aquela que menos lesiona os direitos fundamentais do imputado.
141
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo
Penal
Vamos Pensar
Elabore uma resenha crítica que aponte a correta leitura do princípio da proporcionalidade. Para isso,
ver: SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais e Proporcionalidade: Notas a respeito dos limites e
possibilidades da aplicação das categorias da proibição de excesso e de insuficiência em matéria
criminal. in: Criminologia e sistemas jurídico-penais contemporâneos. Ruth Maria Chittó Gauer (Org.). 2
ed., rev. e ampl. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012.
Conclusão
142
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo Penal
Por fim, a conservação de determinado estado de fato por meio das medidas cautelares
deve ser lastreada em material probatório idôneo e não em meras conjecturas
empiricamente indemonstráveis, tais como “risco de reiteração criminosa” ou a garantia da
ordem pública. A criação de cláusulas abertas e de impossível refutação técnicapertence a
sistemática inquisitório, cuja matriz de pensamento se encontra distante da índole
acusatória do nosso processo penal constitucional.
Pontuando
• Introdução
• Conclusão
Glossário
Cerceamento: “impor limite; restringir”. Fonte: Minidicionário Houaiss, 2008, p. 149
143
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
144
Verificação de Leitura
a) Lei 12.403/11
b) Lei 12.403/12
c) Lei 12.403/13
d) Lei 12.403/14
e) Lei 12.403/15
Referências
AMARAL, Cláudio do Prado. Da audiência de custódia em São Paulo. In.: Boletim do Instituto Brasi-
leiro de Ciências Criminais, v. 269, abril/2015.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal, 2ª Edição. Tradução: Ana Paula
Zomer et al. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2006.
GIACOMOLLI, Nereu José. Prisão, liberdade e as cautelares alternativas ao cárcere. São Paulo:
Marcial Pons, 2013.
145
Referências
GOMES, Luiz Flávio. Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de
2011. GOMES, Luiz Flávio e MARQUES, Ivan Luís (coord.), 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribu-nais, 2012.
LOPES Jr. Aury. Direito Processual Penal – 9ª ed., ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.
____________. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas caute-
lares diversas: Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.
NICOLITT, André Luiz. Lei nº 12.403/2011: o novo processo penal cautelar, a prisão e as demais
medidas cautelares. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
PAIVA, Caio e LOPES Jr., Aury. Audiência de custódia e a imediata apresentação do preso ao juiz:
rumo à evolução civilizatória do processo penal. In.: Revista Liberdades, n. 17, dezembro/2014.
TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal: jurisdição, ação e processo penal (estu-
do sistemático). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2002.
146
Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa B.
Resolução: A temática das medidas cautelares se revela uma das maiores tensões no
processo penal, tendo em vista que a imposição de qualquer espécie de cerceamento
preliminar a direito fundamental de um indivíduo sempre se mostra em choque com a
presunção de inocência, assegurada constitucionalmente (Art. 5º, inciso LVII, CF).
Questão 2
Resposta: Alternativa C.
Resolução: Medidas cautelares pessoais: formada pela prisão preventiva (arts. 312 a 325,
CPP), prisão temporária (prevista na Lei nº 7.960/89) e as medidas cautelares alternativas à
prisão (arts. 319 a 320, CPP).
Questão 3
Resposta: Alternativa E.
Questão 4
Resposta: Alternativa E.
Resolução: O objeto das medidas cautelares processuais penais deve distanciar-se dos
tradicionais fumus boni iuris e periculum in mora do processo civil.
147
Gabarito
Questão 5
Resposta: Alternativa A.
Resolução: A Lei 12.403/11 ampliou o rol de medidas cautelares alternativas (arts. 319 e
320, CPP), retirando o juiz do retrógrado sistema binário datado de 1941, de forma que o
sistema polimorfo vigente rompeu com o histórico de ilegalidade anteriormente instaurado.
148
149
TEMA 07
Tribunal do Júri
150
LEGENDA seções
DE ÍCONES
Início
Vamos
pensar
Glossário
Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
151
Tema 07
Tribunal do Júri
André Nascimento
Objetivo
Resumo da Aula
A presente aula abordará questões de extremo relevo atinentes ao Tribunal do Júri tais
como, competência, soberania dos veredictos, sigilo das votações, plenitude de defesa e,
além disso, pormenorizará tanto o procedimento da primeira fase quanto a preparação para
julgamento em plenário e demais detalhes do instituto em comento.
1. Introdução
O Tribunal do Júri talvez seja a maneira mais antiga de se exercer a jurisdição nos
moldes como hoje conhecemos. Se a justiça hoje chamada de comum teve importantes
modificações ao longo da história, o júri parece ainda carregar características próprias de
seus primeiros modelos conhecidos.
152
Tribunal do Júri
Saiba Mais
FELIX, Yuri; LOPES JR., Aury. ; FISCHER, Douglas; OLIVEIRA, E. Pacelli de; MENDES, Gilmar F.;
STRECK, Lênio. L.; GOMES, Luiz. Flávio. ; FUX, Luiz; GRECO, Rogério; et all. O Supremo Tribunal
Federal e os crimes hediondos: Breves notas na perspectiva dos deveres de proteção estatal. In:
Vilva-na Damiani Zanellato. (Org.). A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Temas relevantes.
Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013, v. 01.
Embora a origem seja difusa, parece haver consenso quanto ao ápice de seu
desenvolvimento ter sido na Grã-Bretanha, que o exportou para os países em que vigora o
direito consuetudinário, como os Estados Unidos da América, hoje grande referência sobre
o tema especialmente pela profusão cinematográfica de seu modelo de julgamento.
No Brasil o Tribunal do Júri tem como primeiro diploma legal a Lei de 18 de Julho de 1822.
Sua existência foi mantida pela primeira Constituição Brasileira, de 1824, e por quase todas
as que lhe sucederam, inclusive na atual, de 1988.
2. Previsão Constitucional
Interessante notar que a Constituição foi muito técnica ao dizer que não criava ou instituía o
Júri, mas que reconhecia sua existência, assegurando-lhe a legitimidade perante a nova
ordem constitucional então criada, determinando que sua organização será na forma da lei
que, contudo, deverá obedecer quatro mandamentos prévios, que serão tratados na ordem
inversa do texto.
153
Tribunal do Júri
2.1 Competência
A Constituição da República prevê o que a doutrina chamada de competência mínima do
Tribunal do Júri. Mínima porque poderá ser aumentada por qualquer lei infraconstitucional
ou posteriormente modificação da própria constitucional, e nem reduzida pelo poder
constituinte derivado.
Serão julgados pelo Tribunal do Júri, portanto, no mínimo, os crimes dolosos contra a vida,
hoje previstos nos arts. 121 (homicídio), 122 (induzimento, instigação ou auxílio a suicídio),
123 (infanticídio) e 124 a 129 (aborto), e –em regra– todos aqueles que forem conexos ao
crime conta a vida.
154
Tribunal do Júri
Também não serão julgados pelo Tribunal do Júri os crimes praticados por militar da ativa
contra militar da ativa, cuja competência será da Justiça Militar e aqueles praticados por civil
contra militar das Forçar Armadas que esteja em serviço:
“Habeas corpus. Constitucional. Penal militar. Processual penal militar. Crime
doloso praticado por civil contra a vida de militar da aeronáutica em serviço:
competência da justiça militar para processamento e julgamento da ação penal: art.
9º, inc. III, alínea d, do Código Penal Militar: constitucionalidade. Precedentes.
Habeas corpus denegado. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no
sentido de ser constitucional o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de
militar em serviço pela justiça castrense, sem a submissão destes crimes ao
Tribunal do Júri, nos termos do o art. 9º, inc. III, “d”, do Código Penal Militar.
Habeas corpus denegado.” (STF, 1ª T., HC 91.003, rel. Min. Cármen Lúcia, j.
22.05.2007, DJe 072 de 02.08.2007)
Por fim, não serão julgados pelo Tribunal do Júri os crimes contra a vida praticados na
forma da Lei 12.432/2011, também chamada de Lei do Abate, conforme atual redação do
art. 9º, parágrafo único do Código Penal Militar.
Apesar da imprecisão técnica apontada por alguns doutrinadores, tendo em vista ser a
soberania um conceito de direito internacional, a previsão Constitucional tem o importante
155
Tribunal do Júri
Também faz parte da ideia de plenitude de defesa uma maior autonomia da autodefesa
realizada pelo acusado em seu interrogatório. Nesses termos, reconhece a jurisprudência a
ocorrência de nulidade quando uma tese sustentada pelo acusado em seu interrogatório
deixa de ser apresentada aos jurados na forma de quesito, mesmo que essa tese não tenha
156
Tribunal do Júri
sido repetido pela defesa técnica. No caso, por exemplo, do acusado sustentar a legítima e
a defesa técnica argumentar com a inexigibilidade de conduta diversa, as duas teses
deverão ser objeto de quesitos aos jurados.
De acordo com o art. 406 do Código de Processo Penal, o juiz ao receber a denúncia ou
queixa determinará a citação do acusado para responder por escrito a acusação no prazo
de dez dias. Esse prazo será contado do efetivo cumprimento do mandado ou do
comparecimento em juízo do acusado ou de defensor constituído, caso a citação seja
inválida ou realizada por edital, e não da juntada do mandado nos autos do processo.
Tanto a inicial acusatória quanto a resposta defensiva poderão arrolar até oito testemunhas
para serem ouvidas na primeira fase do procedimento do júri. Na resposta, além de arrolar as
testemunhas e requerer, quando necessário a intimação delas, e especificar as provas que
quer produzir em juízo, o defensor do acusado poderá arguir preliminar e alegar tudo que
interesse a sua defesa. Pode, também, oferecer documentos e justificações. Esse também será
o movimento para a propositura de exceções, que serão processadas em separado seguindo o
regramento próprio contido nos arts. 95 a 112 do Código de Processo Penal.
Caso não seja apresentada resposta no prazo de dez dias, o juiz nomeará defensor para
que o faça, também em dez dias. Apresentada a defesa, caso haja preliminares e
documento, ouvirá a acusação em cinco dias.
Apresentada essa manifestação acusatória quando for o caso, deverá o juiz se manifestar
sobre as preliminares e documentos apresentados, para que se dê sequencia ao procedimento.
Após, o juiz determinará a oitiva das testemunhas e as realização das diligências requeridas
pelas partes. Para tanto, designada dia e hora para a realização de audiência de instrução.
Nesse ato, serão tomadas as declarações do ofendido, se possível. Após, serão inquiridas das
testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nessa ordem. Em seguida, se for o caso,
157
Tribunal do Júri
serão colhidos os esclarecimento dos peritos, desde que tenha havido prévio requerimento
por qualquer das partes, procedendo-se em sequencia às acareações e ao reconhecimento
de pessoas e coisas. Ao fim, será interrogado o acusado, se estiver presente.
Em regra essa audiência será una, isto é, todos os seus atos serão concentrados num
único ato concentrado.
Interessante registrar que o art. 412 do Código de Processo Penal prevê que todo esse
procedimento será concluído no prazo máximo de noventa dias. Embora louvável a
previsão legal, infelizmente a realidade têm demonstrado a completa relativização desse
prazo. Mesmo nos casos de réu preso tal prazo é descumprido costumeiramente.
Após, se for o caso, será observado o art. 384 do Código de Processo Penal1. Encerrados
os debates o juiz proferirá a decisão imediatamente na audiência ou em até dez dias. Essa
decisão poderá adotar uma de quatro hipóteses:
3.1 Pronúncia
Quando o juiz singular se convencer da materialidade do fato e da existência de indícios
suficientes de autoria ou de participação pronunciaria fundamentadamente o acusado. A
decisão de pronúncia, assim, é aquela na qual o juiz reconhece a verossimilhança da
imputação apresentada pela acusação e determina a submissão do acusado a julgamento
pelo Tribunal do Júri.
1 Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de
prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público
deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo
em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente. (Redação dada pela Lei nº
11.719, de 2008).
158
Aula 07 | Tribunal do Júri
Cabe registrar que o art. 413 do Código de Processo Penal exige a certeza da
materialidade delitiva, consubstanciado no exame de corpo de delito, direto ou indireto (cf.
art. 158 do CPP). De outro lado, em relação a autoria não se exige certeza conclusiva sobre
a autoria, mas que haja indícios suficientes.
Essa previsão se coaduna com a própria ideia de soberania dos veredictos. Descaberia o juiz
singular apontar a certeza da autoria em relação ao acusado sob pena de imiscuir-se no papel
dos jurados a quem é atribuído a competência constitucional para decidir sobre o mérito.
Nesse sentido, o próprio § 1º do art. 413 do Código de Processo Penal determinar que a
fundamentação da decisão de pronúncia será limitada a indicação da materialidade do fato
e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo declarar o
dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias
qualificadoras e as causas de aumento de pena. Há, portanto, uma limitação ao conteúdo
dessa decisão. Como aponta Aury Lopes Jr.2:
“Como toda decisão judicial, deve ser fundamentada. Contudo, por se tratar de
uma decisão provisória, em atípico procedimento bifásico, no qual o órgão
competente para o julgamento é o Tribunal do Júri (e não o juiz presidente, que
profere a pronúncia), a decisão é bastante peculiar. Não pode o juiz condenar
previamente o réu, pois não é ele o competente para o julgamento. Por outro lado,
especial cuidado deve ter o julgador na fundamentação, para não contaminar os
jurados, que são facilmente influenciáveis pelas decisões proferidas por um juiz
profissional e, mais ainda, por aquelas proferidas pelos tribunais”.
Nesse ato deverá o juiz, ainda, decidir sobre as medidas cautelares, podendo sempre de
maneira motivada determina a manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida
restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a
necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas.
Essa decisão será recorrível por meio de recurso em sentido estrito, sendo possível, assim,
a despronúncia quando o juiz exercer o juízo de retratação. Também se fala em
despronúncia quando o Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal reformar a decisão
de pronúncia de primeiro grau.
2 Direito Processual Penal. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1051-edição digital.
159
Tribunal do Júri
3.2 Impronúncia
Ao contrário, caso o juiz não se convença da materialidade do delito ou da existência de
indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz deverá impronunciar o réu. Nesse
caso poderá, a qualquer tempo, desde que não tenha ocorrido a extinção da punibilidade do
acusado, ser oferecida nova denúncia ou queixa contra o acusado, desde haja prova nova,
considerada aquela materialmente nova, ou seja, que não existia ou era conhecida quando
da decisão de impronúncia.
Registre-se que não há um juízo de certeza sobre a inexistência do crime ou sobre a não
atuação do acusado na infração, hipóteses em que será caso da absolvição sumária.
Essa decisão será recorrível por apelação, conforme art. 416 do Código de Processo Penal.
160
Tribunal do Júri
Contra essa decisão caberá apelação, pois será uma decisão terminativa (art. 416 do CPP).
3.4 Desclassificação
Finalmente, quando o juiz se convencer da existência de crime diverso daqueles contra a
vida e não for competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja.
5. Desaforamento
Uma vez pronto o processo para julgamento perante o Tribunal do Júri, pode ocorrer,
excepcionalmente, hipótese que recomende o desaforamento do plenário. Nesse sentido, de
acordo com o art. 427 do Código de Processo Penal, se for necessário para atender ao
interesse da ordem pública ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança
pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do
querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar
161
Tribunal do Júri
o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam
aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.
Após, será ouvido o juiz presidente, quando a medida não tiver sido por ele solicitada.
Há, ainda, outra hipótese em que se poderá realizar o desaforamento, prevista no art. 428
do Código de Processo Penal. Será a hipótese em que em razão do excesso de serviço o
julgamento não possa ser realizado no prazo de seis meses, contado do trânsito em julgado
da decisão de pronúncia. Para a contagem desse prazo, contudo, não se computará o
tempo de adiamentos, diligências ou incidentes de interesse da defesa.
3 “É nula a decisão que determina o desaforamento de processo da competência do júri sem audiência da defesa”.
162
Tribunal do Júri
Será permitido às partes, contudo, a recusa dos jurados sorteados. Até três recusas
poderão ser imotivadas, sendo ilimitado o número de recursas motivadas (quando
presentes os impedimentos dos arts. 448 e 449 do CPP, por exemplo).
Prestado o compromisso pelos jurados, será iniciada a instrução plenária quando o juiz
presidente, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor do acusado
tomarão, sucessiva e diretamente, as declarações do ofendido, se possível, e inquirirão as
testemunhas arroladas pela acusação. Para a inquirição das testemunhas arroladas pela
defesa, o defensor do acusado formulará as perguntas antes do Ministério Público e do
assistente, mantidos no mais a ordem e os critérios estabelecidos neste artigo. Até os
jurados, juízes de fato, poderão formular perguntas ao ofendido e às testemunhas, mas o
farão por intermédio do juiz presidente.
163
Tribunal do Júri
Encerrada a instrução, será concedida a palavra ao Ministério Público, que fará a acusação,
nos limites da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação,
sustentando, se for o caso, a existência de circunstância agravante. O assistente falará
depois do Ministério Público.
O tempo destinado tanto à acusação quando à defesa será de uma hora e meia para cada,
e de uma hora para a réplica e outro tanto para a tréplica. Se houver mais de um acusador
ou mais de um defensor, combinarão entre si a distribuição do tempo, que, na falta de
acordo, será dividido pelo juiz presidente, de forma a não exceder o determinado neste
artigo. Entretanto, se houver mais de um acusado, o tempo para a acusação e a defesa
será acrescido de uma hora e elevado ao dobro o da réplica e da tréplica.
Durante os debates nenhuma das partes poderá, sob pena de nulidade, fazer referências:
à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou
à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou
prejudiquem o acusado ou ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta
de requerimento, em seu prejuízo.
164
Tribunal do Júri
Após, os jurados serão levados à sala especial onde serão questionados sobre a matéria de
fato e se o acusado deve ser absolvido. Os quesitos serão redigidos em proposições
afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com
suficiente clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o juiz presidente levará em
conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a
acusação, do interrogatório e das alegações das partes.
A resposta negativa, de mais três jurados, aos quesitos de materialidade (a) ou autoria e
participação (b) encerra a votação e implica a absolvição do acusado. Respondidos esses
quesitos afirmativamente por mais de três, será formulado quesito com a seguinte redação:
O jurado absolve o acusado? (cf. art. 483, § 2º, do CPP).
165
Tribunal do Júri
Todas essas decisões do Tribunal do Júri serão tomadas por maioria de votos.
Essa sentença, seja condenatória ou absolutória, será lida em plenário pelo presidente
antes de encerrada a sessão de instrução e julgamento
7. Recursos
Na hipótese da alínea b, quando a sentença do juiz presidente for contrária à lei expressa ou
divergir das respostas dos jurados aos quesitos, o tribunal se limitará a realizar a retificação
166
Tribunal do Júri
8. Revisão Criminal
Persiste certo ruído na doutrina sobre o cabimento da revisão criminal para os casos
julgados pelo Tribunal do Júri. Há quem defenda ser vedado ao Tribunal de Justiça ou
Tribunal Regional Federal modificar o conteúdo das decisões do Tribunal do Júri por meio
da revisão criminal, pois estar-se-ia violando a previsão constitucional da soberania dos
veredictos do último.
Questão final diz respeito ao alcance dessa revisão criminal. Significa dizer: ao dar provimento
a revisão o Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal se limitaria a determinar a
167
Tribunal do Júri
realização de novo júri, limite máximo possível através da apelação, ou poderia diretamente
alterar a classificação da infração ou absolver o réu? De acordo com Aury Lopes Jr.4:
“Nenhum óbice existe para que o tribunal possa alterar a classificação da
infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo nas decisões
proferidas pelo Tribunal do Júri, de modo que a soberania das decisões do júri
deve ceder diante do interesse maior de corrigir uma decisão injusta.
Esclarecemos que o tribunal, julgando a revisão, poderá absolver o autor sem a
necessidade de novo júri,12 que somente ocorrerá quando houver a anulação
do processo, em que todo ou parte do processo deverá ser repetido”.
Pontuando
• Introdução
• Previsão constitucional
• Competência
• A plenitude de defesa
• Pronúncia/Impronúncia
• Absolvição sumária/Desclassificação
• Desaforamento
4 Direito Processual Penal. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1390-edição digital.
168
Pontuando
• Recursos
• Revisão criminal
Glossário
Infanticídio: “assassinato de criança”. Fonte: Minidicionário Houaiss, 2008, p. 420. Obs.:
No direito brasileiro é o caso em que a mãe, logo após dar à luz, tira a vida de seu filho.
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA Questão 2 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
169
Verificação de Leitura
e) Crimes de latrocínio
Questão 4 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
É característica constitucionalmente
intrínseca ao Tribunal do Júri:
d) O contraditório diferido
e) A dignidade procedimental
170
Referências
FELIX, Yuri; LOPES JR., Aury. ; FISCHER, Douglas; OLIVEIRA, E. Pacelli de; MENDES, Gilmar F.;
STRECK, Lênio. L.; GOMES, Luiz. Flávio. ; FUX, Luiz; GRECO, Rogério; et all. O Supremo Tribunal
Federal e os crimes hediondos: Breves notas na perspectiva dos deveres de proteção estatal. In:
Vilvana Damiani Zanellato. (Org.). A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Temas
relevantes. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013, v. 01.
FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7º ed. rev. atual. e ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 11ª ed. São Paulo: Saraiva. Edição Digital.
Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa B.
Questão 2
Resposta: Alternativa A.
171
Gabarito
Questão 3
Resposta: Alternativa E.
Questão 4
Resposta: Alternativa A.
Questão 5
Resposta: Alternativa C.
Resolução: Serão julgados pelo Tribunal do Júri, portanto, no mínimo, os crimes dolosos
contra a vida, hoje previstos nos arts. 121 (homicídio), 122 (induzimento, instigação ou
auxílio a suicídio), 123 (infanticídio) e 124 a 129 (aborto), e – em regra – todos aqueles que
forem conexos ao crime conta a vida.
172
173
TEMA 08
Teoria Geral dos Recursos
no Processo Penal
174
LEGENDA seções
DE ÍCONES
Início
Vamos
pensar
Glossário
Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
175
Tema 08
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal
Alessandro Maciel Lopes
Objetivo
Prezado aluno da Pós de Ciências Penais. O objetivo da presente aula é fazer com que
você fique totalmente apto em debater os pontos referentes aos recursos no direito
processual penal brasileiro.
Resumo da Aula
176
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal
Essa garantia de revisão das decisões judiciais é de extrema importância, primeiro porque
falhas podem ocorrer no julgamento e, segundo porque estando o direito do Estado de punir
intimamente ligado ao direito de liberdade do indivíduo, a ratificação ou correção daquilo
outrora decidido legitima de forma mais patente o poder punitivo estatal.
O recurso nada mais é do que o instrumento processual adequado e necessário que a parte
dispõe para que seja reavaliada a solução dada a determinado caso concreto. Isso garante
ao jurisdicionado uma maior confiabilidade no sistema já que o ser humano não é infalível.
AURI LOPES JR. afirma que recurso vincula-se à ideia de ser um meio processual através
do qual a parte que sofreu o gravame solicita a modificação, no todo ou em parte, ou a
anulação de uma decisão judicial ainda não transitada em julgado, no mesmo processo em
que ela foi proferida1.
Dos conceitos acima trazidos extraímos algumas lições básicas sobre o recurso:
a) é direito da parte que se instaura mediante sua provocação, portanto, é ato voluntário;
1 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1166.
2 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no Pro-
cesso Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 33
177
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal
Há determinadas hipóteses que a lei prevê (artigos 574 e 746 do CPP) a necessidade de
revisão da decisão judicial, independentemente da interposição de recurso pelas partes,
como condição ao trânsito em julgado da mesma.
Saiba Mais
A doutrina critica a terminologia utilizada pelo Código
de Processo Penal ao dispor que em determinadas
Para uma abordagem constitucional
hipóteses os recursos serão interpostos de ofício pelo ver: FERNANDES, Antonio Scarance.
Processo penal constitucional. 6 ed.,
juiz. Isso porque o juiz não é parte no processo, não rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista
sofre qualquer tipo de prejuízo e não “recorre” do seu dos Tribunais, 2010.
próprio julgado, não podendo ser considerado
um verdadeiro recurso no seu sentido substancial e material, mas sim uma imposição legal da
submissão da decisão ao duplo grau de jurisdição obrigatório em determinadas situações.
Há quem sustente que o recurso de ofício estaria revogado pela Constituição Federal (CF),
pois seria incompatível com o artigo 129, inciso I daquela, na medida em que sendo o
recurso um desdobramento do direito de ação e sendo esta exclusiva do Ministério Público,
seria a iniciativa recursal privativa do Ministério Público e, excepcionalmente, do assistente
de acusação nos casos de inércia do órgão e ocorrendo a absolvição sumária do réu.
2. Natureza Jurídica
Como dito alhures o direito de recorrer não instaura uma nova ordem jurídica processual.
Em sendo assim, para a maioria da doutrina o poder de recorrer decorre do próprio direito
de ação.
178
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal
Leciona LOPES JR. que o poder de recorrer não constitui um novum iudicium mas sim um
desdobramento da pretensão acusatória ou de defesa, sendo um desdobramento do
processo existente3.
Muito embora não previsto expressamente na Carta de 1988, encontra-se consagrado no artigo
8º, item 2, letra “h” da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da
Costa Rica), introduzido no direito brasileiro pelo Decreto 678/1992, estabelecendo como
garantia mínima ao cidadão acusado de delito o direito de recorrer a juiz ou tribunal superior.
Por força do artigo 5º, §§ 1ºe 2º da CF, os direitos previstos no Pacto de São José da Costa
Rica se aplicam de imediato e integram o rol de direitos e garantias fundamentais e, por essa
razão, o direito ao duplo grau de jurisdição assumiu uma importância ímpar no direito brasileiro.
Por sua vez a Emenda Constitucional 45 de 8.12.2004 (EC 45/2004)) introduziu o § 3º ao artigo
5º, da CF, garantindo um status constitucional aos direitos previstos em tratados internacionais
internalizados no direito brasileiro mediante aprovação em dois turnos em cada Casa do
Congresso Nacional, com um quórum específico de 3/5 dos respectivos membros.
Como o Pacto de São José da Costa Rica foi incorporado antes da EC 45/2004 e, portanto,
não se submeteu ao processo legislativo para sua equiparação à Emenda Constitucional,
adquiriu na escala normativa o status de norma
supralegal, conforme decidiu o STF (HC Link
87.585/TO), ou seja, está acima das leis ordinárias,
Para educação em direitos humanos
mas abaixo da Constituição. ver: <http://vladimirherzog.org>
3 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1166.
179
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal
Não resta dúvida que o princípio do duplo grau é um direito fundamental do cidadão
consagrado na Constituição. O problema surge quando o indivíduo submetido a julgamento
tem foro por prerrogativa de função e é julgado originalmente pelos tribunais. Nesses casos
estaria sendo desrespeitado o princípio do duplo grau? Um deputado federal que comete
um delito e é julgado pelo STF não terá a sua disposição a mesma gama de recursos que
um cidadão julgado em primeira instância. Isso ofenderia o princípio do duplo grau?
Muito já se discutiu sobre o assunto e a maioria dos doutrinadores entende que a própria
Constituição Federal pode excepcionar o princípio do duplo grau e é isso que ocorre em
determinadas situações como na hipótese de indivíduos com foro por prerrogativa de
função. O fato do Pacto de São José da Costa Rica prever expressamente este princípio e
estando ele implicitamente consagrado no sistema jurídico brasileiro não impede que a
Carta de 1988 suprima ou limite esse direito em determinadas situações.
3.1.1 Unirrecorribilidade
O artigo 593, § 4º, do CPP estabelece que “quando cabível a apelação, não poderá ser
usado o recurso em sentido estrito, ainda que somente parte da decisão se recorra”.
Referida regra determina que em face de uma determinada decisão caberá apenas um
único tipo de recurso, não sendo possível a adoção de vários mecanismos de combate ao
julgado, com exceção dos recursos especial e extraordinário que devem ser interpostos no
mesmo momento processual, pois o acórdão pode violar simultaneamente dispositivo da
constituição federal e de lei federal.
Desta forma, se determinada decisão comporta apelação, mesmo que haja matérias
impugnáveis por recurso em sentido estrito, a parte deve interpor a apelação, como ocorre
no caso de não concessão do sursis. Da decisão que nega o benefício cabe recurso em
sentido estrito. Porém, caso essa negativa seja determinada na sentença, caberá apelação
desta matéria e não recurso em sentido estrito.
180
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal
3.1.2 Fungibilidade
Segundo a jurisprudência dos tribunais a má-fé é presumida quando 1) não for observado o
prazo previsto em lei para o recurso adequado e 2) o erro na interposição for considerado
erro grosseiro. O erro grosseiro caracteriza-se por um equívoco injustificável, restando
nitidamente o desconhecimento da parte acerca da legislação processual aplicável em
determinada situação, sobre a qual não exista dúvida ou controvérsia. Portanto, a
fungibilidade não visa resguardar a parte do erro do profissional, mas sim evitar que a
divergência jurisprudencial quanto ao recurso correto lhe cause prejuízo.
LOPES JR. critica essa posição da jurisprudência afirmando haver uma limitação excessiva
na aplicação da fungibilidade. Para ele,
“quem acredita honestamente que é um recurso, quando na verdade é outro, orienta-se
pelo prazo do recurso que crê ser o correto, por elementar! Portanto, além de o art. 579
não exigir a interposição no prazo do recurso correto para aplicação da fungibilidade, a
má-fé deve ser demonstrada e nunca presumida. Deve-se considerar o agir intencional,
doloso, destinado a burlar o sistema recursal.”5
4 Art. 579. Salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro.
Parágrafo único. Se o juiz, desde logo, reconhecer a impropriedade do recurso interposto pela parte, mandará
processá--lo de acordo com o rito do recurso cabível.
5 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1185.
181
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal
Muito embora o artigo 601 do CPP6 admita a remessa do recurso ao Tribunal ad quem com
as razões ou sem elas, os tribunais vêm determinando a baixa dos autos em diligência e o
consequente retorno dos autos à comarca de origem para a apresentação das razões
recursais, inclusive com a possibilidade de nomeação de defensor dativo caso a parte não
tenha um constituído.
Na realidade essa previsão normativa do artigo 601 do CPP deve ser analisada em
consonância com a Constituição Federal, garantindo ao jurisdicionado o respeito a ampla
defesa e ao contraditório, pois sem as razões a parte adversa não poderá exercer
amplamente seu direito de contra-arrazoar o recurso.
6 Art. 601. Findos os prazos para razões, os autos serão remetidos à instância superior, com as razões ou sem elas, no
prazo de 5 (cinco) dias, salvo no caso do art. 603, segunda parte, em que o prazo será de trinta dias.
7 Art. 617. O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for
aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença.
182
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal
Não se admite também a reformatio in pejus indireta, que ocorre no seguinte caso: o
tribunal anula uma decisão e determina que outra seja proferida em seu lugar. Por sua vez
o juiz de 1ª instância ao prolatar nova decisão não poderá piorar a situação do réu. Se no
primeiro julgamento o réu foi condenado a 5 anos de reclusão, não poderá no segundo
julgamento ser condenado a 6 anos. Denomina-se indireta porque não foi o Tribunal que
diretamente causou a piora na situação do réu.
A mesma regra não se aplica a ação penal de iniciativa privada na qual vigora o princípio da
disponibilidade, podendo o querelante desistir do recurso interposto a qualquer momento,
ou mesmo renunciar ao seu direito, arcando com as custas processuais.
O acusado também poderá desistir do recurso, mas haverá necessidade do consenso de seu
defensor. Caso um desista e o outro não consinta prevalecerá o recurso, como garantia da
ampla defesa. Esta, a exegese que se extrai das Súmulas 705 e 708 do STF, respectivamente:
“a renúncia do réu ao direito de apelação, manifestada sem a assistência do defensor, não
impede o conhecimento da apelação por este interposta” e “é nulo o julgamento da apelação
183
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal
se, após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor, o réu não foi
previamente intimado a constituir outro”. Não obstante os enunciados se referirem à
renúncia é pacífica sua aplicação nas hipóteses de desistência.
Vamos Pensar
Elabore uma resenha crítica que conjugue risco e garantias processuais. Indica-se: GLOECKNER, Ri-
cardo Jacobsen. Risco e Processo Penal: Uma análise a partir dos direitos fundamentais do acusado.
Salvador: JusPodivm, 2009.
Art. 580. No caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão do
recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de
caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros.
Muito embora vários autores denominem Efeito Extensivo dos Recursos, preferimos adotar
a nomenclatura deste instituto elencada por LOPES JR. Com técnica, salienta que não se
trata propriamente de um efeito dos recursos, senão de uma extensão para outros réus que
não recorreram (por isso, uma extensão subjetiva), dos efeitos dos recursos, ou seja, dos
efeitos da decisão proferida no julgamento do recurso.8
O fundamento desta norma está relacionado a unidade de tratamento para réus que se
encontram na mesma situação jurídica processual, ou seja, um mesmo fato objetivamente
considerado deve ser tratado da mesma maneira, evitando-se decisões antagônicas,
preservando a isonomia entre os indivíduos.
A extensão dos efeitos da decisão para outros réus é uma situação excepcional já que um réu
que não recorreu da decisão será beneficiado. Não é irrestrita e ilimitada, sendo aplicável
apenas nas hipóteses em que o provimento do recurso se deu por motivos não pessoais do
recorrente, como, por exemplo, a inexistência material do fato e atipicidade da conduta. O
8 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1195.
184
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal
acolhimento do apelo por razões pessoais, como o acolhimento de uma atenuante, não se
estende aos demais réus.
Convém destacar que não basta que os réus estejam sendo processados no mesmo
processo, é necessário que haja o concurso de agentes, ou seja, que todos sejam
imputados pelo mesmo crime.
A extensão subjetiva dos efeitos do recurso certamente não se dará quando o Ministério
Público recorrer da decisão apenas no tocante a um corréu, não se estendendo o
acolhimento deste recurso aos demais acusados.
Compete ao próprio Tribunal que julga o recurso do corréu recorrente estender o efeito
benéfico da decisão ao outro corréu que não recorreu. Caso isso não seja feito a parte
poderá opor embargos declaratórios a fim de que seja feita essa extensão.
Apesar de tal regra estar disciplinada no Capítulo Recursos no CPP é também aplicável a
outras vias impugnativas como o habeas corpus, mandado de segurança e revisão criminal.
4. Concretização
4.1 Voluntariedade
O artigo 574, caput, do CPP afirma que os recursos serão voluntários, exceto nos casos
de reexame necessário. Em sendo assim, compete única e exclusivamente a parte
sucumbente a decisão acerca da necessidade ou não de interposição de recurso. Seja para
acusação ou defesa a regra é a mesma.
Não obstante predominar o entendimento que o direito ao recurso não é obrigatório, mas
sim uma faculdade da parte frente ao provimento condenatório ou mesmo no caso de sua
defesa ser conduzida por um defensor dativo ou defensor público, essa regra não é
absoluta haja vista os casos de recursos de ofício mencionados no item 1 supra.
185
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal
Contudo, como dito linhas atrás, caso somente a defesa recorra é vedado ao tribunal piorar
a situação do recorrente, sendo vedada a reformatio in pejus direta e indireta. Por outro
lado, admite-se a reformatio in mellius, na qual o recurso da acusação acaba beneficiando o
acusado, admitida em razão do princípio da ampla defesa consagrado no artigo 5º, inciso
LV, da CF).
9 GIACOMOLLI, Nereu José. O Devido Processo Penal. Abordagem Conforme a Constituição Federal e o Pacto de
São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014. p. 295.
10 GIACOMOLLI, Nereu José. O Devido Processo Penal. Abordagem Conforme a Constituição Federal e o Pacto de
São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014. p. 296.
186
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal
Portanto, durante toda a fase recursal o contraditório deve estar presente, inclusive nas razões
e contrarrazões, não obstante a previsão constante nos artigos 589 e 601 do CPP 12. A falta de
ciência da defesa sobre o parecer do MP nos Tribunais ofende o contraditório recursal.
O direito ao contraditório guarda estreita e nítida relação com a garantia da ampla defesa,
sendo muitas vezes difícil de estabelecer uma linha tênue de separação entre ambos.
5. Cases
No Caso Gómez Vásquez vs. Espanha, de 2000, o TEDH considerou violado o direito de
Cesário Gómez Vázqueza um recurso efetivo. Isso porque Gómez foi condenado por
tentativa de homicídio a 12 anos de prisão, porém não houve qualquer possibilidade de
revisão total da condenação, tendo-lhe sido restringido o direito de rever os aspectos
formais e legais da condenação.
11 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2013. p230.
12 Art. 589. Com a resposta do recorrido ou sem ela, será o recurso concluso ao juiz, que, dentro de dois dias, reformará ou
sustentará o seu despacho, mandando instruir o recurso com os traslados que Ihe parecerem necessários.
Art. 601. Findos os prazos para razões, os autos serão remetidos à instância superior, com as razões ou sem elas, no
prazo de 5 (cinco) dias, salvo no caso do art. 603, segunda parte, em que o prazo será de trinta dias.
187
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal
Desta forma, o TEDH entendeu que houve violação as garantias previstas na referida
Convenção, pois de acordo com seu entendimento o direito ao recurso deve abranger a
possibilidade de reapreciação do substrato fático bem como da sanção criminal imposta ao
acusado.
Neste caso, emblemático Mohamed respondeu a processo por homicídio culposo por
acidente de trânsito (atropelamento), sendo absolvido em primeira instância e, após recurso
do MP, condenado a 3 anos de prisão e oito anos de inabilitação para dirigir qualquer
veículo automotor.
Note-se que como Mohamed foi absolvido na primeira Instância e condenado na segunda e,
portanto, não houve oportunidade de uma reapreciação dos fatos e provas, os quais só
foram avaliados em grau de recurso, em vista da absolvição em primeiro grau. Sustentavam
os defensores de Mohamed que não foi respeitado o artigo 8.2, h, do Pacto de São José da
Costa Rica.
188
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal
Ao julgar o caso a Corte destacou que “a garantia a um recurso efetivo constitui um dos
pilares básicos, não só da Convenção Americana, como do próprio Estado de Direito, em
uma sociedade democrática, no sentido da Convenção”13.Também afirmou que o escopo
do referido artigo 8º não será alcançado se os condenados em razão de reforma de
sentença absolutória não tiverem a oportunidade de combate-la de forma ampla. Asseverou
também que o direito de recorrer de uma decisão condenatória é “uma garantia do indivíduo
frente ao Estado e não somente um guia que orienta o desenho dos sistemas de
impugnação nos ordenamentos jurídicos dos Estados Partes da Convenção”14.
Em resumo, a CIDH considerou que o sistema recursal argentino não garantiu ao cidadão
um mecanismo eficaz de revisão, não cumprindo o escopo da norma convencional, qual
seja, a garantia de um meio idôneo de correção de decisões equivocadas, a partir de uma
nova apreciação da situação fático-probatória consubstanciada no processo penal. Por essa
razão, julgou violados: a) o artigo 2º do Pacto de São José da Costa Rica, o qual determina
ao Estado Parte a adaptação de sua legislação interna para garantir os direitos inerentes ao
Pacto e b) o artigo 8.2, h do Pacto.
5.3 O “Mensalão”
O caso do julgamento da Ação Penal 470 (Mensalão) foi levado pela defesa de um dos
condenados (José Dirceu de Oliveira e Silva)à Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH), sob argumento de que o Estado Brasileiro desrespeitou o Pacto de São José da Costa
Rica, ao negar o direito fundamental ao duplo grau de jurisdição previsto no artigo 8.2, h.
A defesa de Dirceu assevera que a denúncia foi oferecida diretamente no Supremo Tribunal
Federal (STF), última instância e naquele momento não ocupava nenhuma espécie de
cargo ou função pública que justificasse o processamento do caso pelo STF.
Por essa razão pretende o reconhecimento da violação de seu direito pelo Estado Brasileiro e a
recomendação de realização de novo julgamento, observando o duplo grau de jurisdição e
13 GIACOMOLLI, Nereu José. O Devido Processo Penal. Abordagem Conforme a Constituição Federal e o Pacto de
São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014. p. 305.
14 GIACOMOLLI, Nereu José. O Devido Processo Penal. Abordagem Conforme a Constituição Federal e o Pacto de
São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014. p.305.
189
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal
Este caso ainda está pendente de análise e certamente será um precedente importante,
que certamente refletirá no sistema recursal previsto no processo penal brasileiro.
Pontuando
• Introdução, Conceito e Características
• Natureza Jurídica
• Unirrecorribilidade
• Fungibilidade
• Concretização
190
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal
• Voluntariedade
• Contraditório recursal
• Cases
• O “Mensalão”
Glossário
Efeitos: “aquilo que é produzido por uma causa; resultado, consequência”. Fonte:
Minidicionário Houaiss, 2008, p. 269.
191
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
a) Recurso
b) Meio de defesa
e) Ação Rescisória
192
Referências
CORDERO, Franco. Procedimiento Penal. Santa Fé de Bogotá: Temis, 2000.
LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2013.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2002.
Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa B.
Questão 2
Resposta: Alternativa B.
193
Gabarito
Questão 3
Resposta: Alternativa A.
Resolução: O direito de recorrer não instaura uma nova ordem jurídica processual. Em sendo
assim, para a maioria da doutrina o poder de recorrer decorre do próprio direito de ação.
Questão 4
Resposta: Alternativa D.
Questão 5
Resposta: Alternativa D.
194
195
TEMA 09
A Execução do Outro – A Presença
de Vida que Ainda Pulsa na
Aplicação da Pena
196
LEGENDA seções
DE ÍCONES
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Vamos
pensar
Glossário
Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
197
Tema 09
A Execução do Outro – A Presença de Vida
que Ainda Pulsa na Aplicação da Pena
Juliano Gomes de Carvalho
Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul -
PUCRS. Coordenador do Observatório da Violência e Direitos Humanos da ULBRA de
Guaíba. Professor da Universidade Luterana do Brasil – Guaíba.
Visto que mesmo em sua caminhada temporal o homem contradiz o mundo com sua insistência
em metabolizar oxigênio e permanecer vivo, mesmo que nas sombras, carece de uma
identidade liberta. Os sansidentité3, estas quase sombras que por mais que busquem um lugar,
um tempo, insistem em um não lugar, talvez aí seja seu sítio definido pela racionalidade da
razão que não alimenta4, a razão ardilosa com suas habilidades de manter o novo distante e
inacessível é a condição de sua existência, que sobrevive por sua competência em encarar as
questões plurais resumindo a multiplicidade à unidade5. Assim, facilitamos o uso de técnicas
jurídicas na aplicação de modelos frios, métodos de execução mecânicos e como uma
máquina, desumano, pois visa-se apenas um objeto de punição, não mais um homem. Porém,
estas vozes insistem em existir frustrando as tentativas de expurgar a humanidade do mundo
jurídico. Perturbações que nos desafiam a lidar com excessos
1 KAFKA, Franz. Contos, fábulas e aforismos. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1993, p. 24-25.
2 Cf. CARVALHO, Juliano Gomes de. A benvinda angústia do desvelar: ensinamentos das sombras do cárcere. In:
Anais do IV Congresso Internacional de Ciências Criminais, PUCRS, Porto Alegre, 2013.
3 LEVINAS, Emmanuel. Humanismo do outro homem .4a. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012, p. 89-109.
4 SOUZA, Ricardo Timm de. Levinas e a ancestralidade do Mal: Por uma crítica da violência biopolítica. Porto alegre:
EDIPUCRS, 2012, p. 28.
5 SOUZA, Ricardo Timm de. Em Torno à Diferença, Aventuras da Alteridade na Complexidade da Cultura Contem-
porânea. p. 25.
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A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena
procedimentais em penas cada vez mais duras e ao mesmo tempo brandas demais para a
vingança dos homens puros e bem intencionados, estes sim, perigosos. Executamos o
homem ou um objeto onde depositamos nossos medos? É nesta trilha que propomos uma
aproximação dos alvos finais de nossas execuções, sejam sociais ou procedimentais em
um mundo jurídico que nega o Outro.
Saiba Mais
Assim, muito mais do que o seu corpo habita a
anonimidade6, o som que ultrapassa as fronteiras Para mais detalhes ver: ESPOSITO, Ro-
berto. Bios: biopolítica e filosofia. Trad. M.
do seu corpo é alvo da violência biopolítica que o Freitas da Costa. Lisboa: Edições 70, 2010.
posiciona apenas ruidosamente no abismo que
separa o infinito do Outro. Sem uma percepção
desta gesticulação, seguimos com a liberdade que não liberta, mas longe de uma
“esperança de libertação”7, e que apenas nos conduz ao inevitável e definitivo do dito. “A
passagem do preconceito à violência que é sua expressão final corresponde à passagem
do sonho de imutabilidade ao delírio”8que manifesta-se pelo desafio do Outro que resiste,
que testemunha o insuportável, se dá pela morte do sonho de homogeneidade frustrada
pela permanência insistente do diferente.
A comunicação que é aceita como oriunda do cárcere se submete ao que se pode narrar sem
muitas explicações, longe da “arte narrativa”9, as histórias evitam interpretações, carregam
todas as explicações possíveis para que se solidifique apenas o que se pode controlar. Desta
maneira, vale ressaltar a importância de um novo olhar/escuta dos testemunhos como
expressões provenientes do ambiente carcerário, não para aplicar um novo método e re-velar
outro velar, mas antes de uma tentativa de entender a linguagem, saber de antemão que as
definições são indefinidas em seu nascedouro, “o sentido gira em torno do dito e do calado” 10,
6 SOUZA, Ricardo Timm de. Levinas e a ancestralidade do Mal: Por uma crítica da violência biopolítica. Porto alegre:
EDIPUCRS, 2012. p. 13.
7 SOUZA, Ricardo Timm de. Levinas e a ancestralidade do Mal: Por uma crítica da violência biopolítica. Porto alegre:
EDIPUCRS, 2012. p. 26.
8 SOUZA, Ricardo Timm deEm Torno à Diferença, Aventuras da Alteridade na Complexidade da Cultura
Contemporânea. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2008. p. 44.
9 BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: Ensaiossobre literature e história da cultura. Obrasescolhidas vol-
ume I. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet, 3a.edição, EditoraBrasiliense, 1987. p. 219.
a
10 WARAT, Luis Alberto. O direito e sualinguagem. 2 . ediçãoaumentada, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto alegre,
1995. p. 65.
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A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena
em seu não visível, e desde que tentam encerrar, é neste sentido, mais uma prisão, agora
científica do inconceituável Outro.
V.M.: Ah, a gente dorme meio amontoado, né, é meio úmido também por causa...
Juliano: Olha, nós dois nessa sala e olha o calorão que a gente tá, né?!
Juliano: Eu fico imaginando agora um lugar que é um pouco maior do que isso aqui.
V.M.: A gente fica, a gente fica oprimido mesmo. Não é fácil. Ontem mesmo nem água tinha.
V.M.: O dia todo praticamente. Praticamente o dia e a noite. Aí aconteceu que a gurizada
chutavam as porta, né, assim...
11 CARVALHO, Salo de.Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p.191.
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A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena
V.M.: Chutaram as porta, né, aí foi onde eles arrumaram a água, porque a gente tava sem
água, né, tava sem toma.
Juliano: E tu acha que se não tivessem chutado as portas não tinha vindo água?
V.M.: Eu acho que não, porque o tempo todo que não tinham feito isso a água não tinha...
Depois que aconteceu isso não faltou mais água.
V.M.: Tava...12
O corpo conflitante que nega a descrição solitária, mas que abraça sua narrativa acolhedora
é, em seu testemunho13, a sobra da lógica do dito, onde talvez a palavra sobra acabe
sendo mais uma limitação de definição, pois o que escapa ao dito tende a ser
imensuravelmente maior que o quebra-cabeças a ser decifrado de um discurso14. Escutar
algo de quem precisa enfrentar métodos de supressão de sua identidade cotidianamente,
requer uma aproximação, um mergulho nas sombras, pois é na possibilidade de perceber a
dor inútil do outro em uma relação de alteridade que temos alguma capacidade de encontro.
Ainda sem buscar saber a dor do outro, saber que não sei, saber que o Outro é mais do que
as limitações de meu eu. A penumbra do desencanto abre-se como em um convite ao
testemunho em suas expressões, “receptáculo a acolher o novo – a desarticulação da
linearidade criou a zona de sombras necessária para que a luz não ofusque o poder das
palavras”15. As sombras acabam possibilitando vislumbrar o que era encoberto pela luz
focada em um ponto fixo, a ser mostrado intensamente, cegante, a amplitude de um
olhar/escuta que aceita o nebuloso, surpreendentemente se abre ao inevitável trauma do
encontro, um novo som, mesmo que no som ausente, nunca mudo.
12 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 167.
13 CASTOR, M. M. Bartolomé Ruiz. A sacralidade da vidanaexceçãosoberana, a testemunha e sualinguagem.(Re)
leitu-rasbiopolíticas da obra de Giorgio Agamben.In: CadernosIHU n. 39, ano 10, 2012. p. 32-50.
14 SOUZA, Ricardo Timm de. Razões Plurais Itinerário da racionalidade ética no século XX: Adorno, Bergson, Derrida,
Levinas, Rosenzweig. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p. 74.
15 SOUZA, Ricardo Timm de.“Escrevercomoatoético”, in: Letras de Hoje, PUCRS, 2013. (OUTRO) TEXTO– Ricardo
Timm de Souza. p. 224.
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A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena
Juliano: A gente têm mais alguns minutos pra conversar, então fica a vontade se tu quiser
dizer alguma coisa. O que acha que poderia melhorar aqui no presídio? O que tu acha que
poderia ficar melhor?
16 SOUZA, Ricardo Timm de. Razões Plurais Itinerário da racionalidade ética no século XX: Adorno, Bergson, Derrida,
Levinas, Rosenzweig. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p. 133.
17 CARVALHO, Salo de.Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 209. 18
CARVALHO, Salo de.Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 157.
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A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena
M.V.: Assistência médica. A gente fica muito abandonado aqui. Eles poderiam fazer alguma
coisa por nós, dar assistência, arrumar um advogado. Ninguém corre pelo cara que tá aqui
dentro, se não é a família do cara correndo na rua, o cara é esquecido aqui dentro, só
lembram de dar paulada de vez em quando.
M.V.: Sim.
Juliano: Todo mundo sabe que a polícia faz isso, mas por que você acha que eles fazem isso?
M.V.: Não sei. Não é porque nós estamo preso que não temo nossos direito. Eles querem
tira nosso direito.
M.V.: Isso. Pegam um ou dois e quebram para os outro ficarem quieto. Se fosse assim.
As reclamações pretendidas pela população prisional acabam por ter nas rebeliões o último
passo para uma tentativa de pressionar o judiciário, instituições ou a sociedade na obtenção,
geralmente frustrada, de alguma garantia de direitos negados. Seja por injustiças, maus tratos,
superlotação, entre outras, todas claramente em uma situação de resistir ao tratamento
desumano através de sua expressão, arriscam tudo para que sua voz tenha mais amplitude,
tentam bradar que ali existem pessoas e querem uma condição de vida 20 ao menos. Apesar de
possuírem causas legítimas, as rebeliões são tratadas como insubordinações e passíveis de
punições criminais e administrativas, inviabilizando a resistência frente às ilegalidades.
Reconhecer o direito de resistência onde o Estado supostamente não entra, mas está
19 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 137.
20 CARVALHO, Salo de.Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 222.
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A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena
presente com todo seu poder apenas para reforçar o sucesso da exclusão, é um assunto de
tamanha relevância que acaba se mostrando surpreendentemente raro em pesquisas, visto que
durante todo o estudo junto aos apenados, nenhum motivo de revolta apresentado pelos
internos mostrou-se irreal ou injustificado. Assim, no caminho de fazer o cárcere ser escutado,
seguimos os objetivos em entrada em um ambiente prisional para tornar sensível a todos, quem
não cansa de dizer o(in)suportável no sistema prisional atual21. Os relatos dos internos
fornecem informações obtidas também em outras instituições e independente do quanto maior
é a escala populacional, a falta de proteção aos seus residentes é imposta como algo inerente
aos mecanismos punitivos que direcionados a objetos e não a homens se configura.
21 FOUCAULT Michel. Ditos e Escritos IV: Estratégias, Poder-Saber. Organização e seleção de textos de Manoel
Barros da Motta. Tradução de Vera Lucia Avellar Ribeiro. 2ª ed.. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p. 35.
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A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena
Juliano: E, o que é mais complicado lá (Presídio Central de Porto Alegre), assim... É violência,
ou...
R.C.N.: É aquilo né?! São coisas que acontecem dentro da cadeia que tu viu e, tu te faz que
não viu, né?! Passa despercebido. É muita coisa errada né cara! O cara tem que procurar
anda na linha pra não acontece o mesmo....
Juliano: Então tu acha que por saber que tu não ia ficar a vida inteira ali conseguiu deixar a
mente mais tranquila?
R.C.N.: Sim. Consegui, né, cara. Eu sempre tive em mente assim, bom uma hora eu saio
daqui, né?! Eu não matei ninguém, eu não feri ninguém. Não, cometi nenhum bárbara
(nenhum crime bárbaro) pra passa a vida inteira aqui....
R.C.N.: Bah! Cara, olha, eu vô te fala pra ti, cara, eu acho que aquele dia foi o pior dia da
minha vida. É porque, porque no caso eu tenho dois filhos, né?! E o segundo não
caminhava ainda, né?! Daí, depois que veio essa condena aí. Bah, mas cada vez que ele
vinha me visita lá eu chorava, né cara...
Um estudo sobre o homem frente a todos os efeitos punitivos que lhe são impostos, mesmo
antes de sua prisão, é esperado em gráficos e índices pelos agentes, funcionários e,
geralmente, por todos em contato com uma instituição prisional. O que é dito sobre a clientela
prisional é conhecido, previsível e massificado. Sua voz não deve possuir força de modificação
de algo que todos já sabem, mas tem um alvo bem claro quando possibilitado o diálogo, como
antecipadamente observou Gilles Deleuze “pero, a pesar de ladiversidad, aparecen una serie
de reivindicaciones precisas que yano se dirigen a laadministración penitenciaria sino
directamente al poder, y convocan al pueblo” 23. Este controle que distancia o que é dito e o que
estes querem dizer é funcional e parte de diferentes setores da sociedade, mas
22 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 109.
23 DELEUZE, Gilles. La Isla Desierta y OtrosTextos: textos y entrevistas (1953-1974). Ediciónpreparadapor David Lapou-
jade.Versióncastellana de José Luis Pardo. Valencia: Pre-Textos, 2005. Lo que los presosesperan de nosotros..., p. 263.
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A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena
esta violência que nega o outro na posição de outro24 tem a característica de partir de um
ponto individual que detém o poder de decisão, esta decisão não admite a posição do outro,
para desta maneira, em sua situação de impessoa25 esteja muda e incapaz de resistir ou de
existir. Como no trecho a seguir, onde mesmo, quando um interno tenta comportar-se de
maneira que demonstre submissão ao cárcere, apresentando-se voluntariamente a fim de
reverter uma situação, recebe uma resposta punitiva padrão e massificada, pois, o
retrospecto pacífico no interior da instituição não conta a seu favor, reforçando a violência e
mostrando a falta de consideração frente a qualquer valor apreciável em relação ao que um
detento pode expressar, pois todo preso é visto como um ser violento e mentiroso:
M.V.: Deu laudo favorável, até abriu meu regime, prô aberto. E como deu esse problema,
que eu, temi pela minha vida, né, da minha integridade física, desviei da minha rota, que eu
fui pra casa da minha mulher, me consideraram como foragido. Mas eu me apresentei, me
entreguei. Eu não fugi.
M.V.: Eu estava aqui dentro, daí eu desci a lomba e quando eu virei à esquina apareceu
essa moto freando e eu já senti e entrei no pátio e fui à Presidente Vargas, ali eu já desci e
fui pra minha casa.
M.V.: Fui. Ai ela queria chamar a brigada, e eu falei que não, senão iam me levar para a
delegacia e explicar tudo, falá quem é o cara, aí eu não ia “caguetá” o cara, esta é como a
gente fala na cadeia. Ai eu matei no peito e disse que me apresentava no outro dia.
Juliano: E tu acha que se falasse quem era o cara as coisas iam piorar?
M.V.: Sim, eles iam chamar o cara, trazer para o fechado e eu ia ficar de cagueta. Mas
deixa assim, então, ai eu matei no peito, é otros 500, eu e ele, né, na rua outro dia encontro
o cara e ia bater de frente... Mas no outro dia me entreguei.
24 SOUZA, Ricardo Timm de.Em Torno à Diferença, Aventuras da Alteridade na Complexidade da Cultura
Contemporâ-nea. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2008. p. 32.
25 ORWELL, George. 1984. Tradução de Wilson Velloso. 29a. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005. p. 76.
206
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena
M.V.: não. Eu sai daqui era 19h45min. A palestra do N.A. era das 20h30min às 21h30min.
Aí eu cheguei outro dia aqui.
M.V.: Sim. No outro dia antes da conferência. Daí eles fizeram conferência. Eu fui no fórum,
sexta-feira, 10 de junho, e ela, a Juíza estava numa palestra não sei aonde. Aí peguei um
taxi e me apresentei aqui e aí fecharam o meu regime, me deram castigo.26
Mesmo fora dos muros feitos de tijolos de uma prisão, fabricamos barreiras para que
“apagando a força transformadora de nosso imaginário, negando-nos a sonhar
criativamente o futuro e amarrando com versões estereotipadas o devir cometa de nossa
própria sensibilidade”27 para produzir uma impagável dívida de sonhos perdidos enquanto
deveríamos proteger a vida. Essa que a cada novo muro perde sua capacidade de sentir as
inquietações em cumplicidade de testemunho vivo.
26 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 114.
27 WARAT, Luis Alberto. Introduçãogeralaodireito III: o direitonãoestudadopelateoriajurídicamoderna. Porto Alegre,
Ser-gio Antonio Fabris Editor, 1997. p. 45.
207
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena
A recusa em aceitar que a composição humana seja mais do que seu conceito impede que seja
valorado seu valor de expressão, nem ao menos, justificar as decisões e comandos impostos
pela instituição em sua execução ocupa lugar em uma rotina que repele a pluralidade, desta
maneira, acaba por colocar homens e mulheres em uma condição infantilizada de frágeis e
vulneráveis, afetando a própria imagem de cidadão como podemos ver na seguinte fala:
Juliano: (risos) Tá certo... E, assim, o que acha que falta para vocês aqui? O que vocês
esperam de uma prisão, e o que a prisão não oferece?
H.M.: Eu acho que eles deveriam dar mais oportunidade, eles são muito “precário” aqui!
Eles são muito de... Puxa o saco de umas, irem contra as outras... Então isso é tri errado da
parte deles! Eles não deixam tu te explica, eles não deixam tu fala nada, sabe? O dia que
eles me tiraram da cozinha, não deixaram eu fala nada, só mandaram me desliga e pronto.
Não deixaram eu me explica, não deixaram eu fala nada! Pronto! Então se não vê, não tem
uma prova? Tem várias pessoas aqui que não gostam de mim, de mulher, porque tem uns
recalque! Tem uns recalque aqui, sabe? Não é... Aí tem uma e chega pra guarda e fala uma
coisinha. Aí chega outra e fala outra coisinha, entendeu? Tem essas “ladaia”. Aí eles não vê
as coisas e fazem sem ter certeza de nada!
H.M.: É difícil! Não adianta porque eles não dão bola! Eles acham que a gente tá sempre
mentindo! Eles nunca acreditam em nada!
Juliano: Aham...
O relato anterior, de uma interna que ocupa uma das duas celas destinadas à mulheres, nos
conta como são conduzidas as comunicações com as autoridades na prisão, as indefinições
sobre regras sevem para mostrar a segurança que um sistema policial autoritário utiliza ao
cometer ilegalidades. Como bem nos alerta Derrida, “nunca se sabe com quem
28 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 125.
208
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena
29 DERRIDA, Jacques. Força de lei: o fundamento místico da autoridade. Tradução de Leyla Perone-Moisés. 2a. ed.
São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 98.
30 DERRIDA, Jacques. Força de lei:o fundamento místico da autoridade. Tradução de Leyla Perone-Moisés. 2a. ed.
São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 99.
31 CARVALHO, Salo de.Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 236.
32 BENJAMIN, Walter. Escritossobremito e linguagem (1915-1921). Org Janne Marie Gagnebin, trad. Susana
KampffLages e Ernani Chaves.Editora 34, p. 72.
33 BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Rio de Janeiro: Roocco, 2011. p. 91.
209
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena
como um ato de entrega que beira a irresponsabilidade, onde o sentido flutua fora da um
possível conceito e adia sua decisão, com a responsabilidade de abrir-se ao sentido
apenas, mas não de decidi-lo. O sombrio e suas sombras nos permitem um sentir que
escapa ao olhar, pupila que agora ajusta-se ao ambiente, que mostra pela ausência, sem
um foco de luz direcionado que o ofusque, o olhar é livre. A escrita inteira “é o desfazer-se
de suas silhuetas bem delineadas”34. As entranhas, os desejos e os inomináveis do homem
não estão expostos sob a luz que nos faz cerrar os olhos, mas sim em suas profundezas,
em seu abismo silencioso, a superficialidade de um discurso coerente não admite a
pluralidade das ideias e sua desordem. Onde as questões habitam, não existe trégua, “ela
própria faz parte do tempo, ela o fustiga à maneira insistente do próprio tempo” 35. O tempo
que se busca e se experimenta na profunda questão.
Assim, o conceito como tentativa de dominação da verdade acaba por ruir frente ao novo que
resiste em uma escuta do cárcere, esta tentativa de verdade dominada sente medo de uma
dimensão de real não domesticada. A conceituação não suporta-se, pois “a progressão
dialética é sempre também um recurso àquilo que se tornou vítima do conceito progressivo: o
progresso na concreção do conceito é a sua autocorreção”36. Portanto é no trauma de sentir a
novidade que não se anuncia e apenas chega como negação, um tropeço que obriga uma mais
apropriada abertura de pupila em um caminhar à beira do abismo, em perigo.
34 SOUZA, Ricardo Timm de.“Escrever como ato ético”, in: Letras de Hoje, PUCRS, 2013. (OUTRO) TEXTO– Ricardo
Timm de Souza. p. 224.
35 BLANCHOT, Maurice. A conversa infinita: a palavra plural vol. 1; tradução: Aurélio Guerra Neto – São Paulo: Escuta,
2010. p. 41.
36 ADORNO, Theodor. Dialética negativa. Tradução de Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, p. 276.
210
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena
prisão como portadora do medo, um testemunho perigoso. O humanismo definido nas regras
atuais e todos os seus conceitos acabam fracassando em sua função, por um motivo claro de
incapacidade de inserir o múltiplo em uma de-finição limitadora, supor que as complexidades
podem ser compreendidas de maneira simples é mutilar, em um caminho de “obsessiva
redução da multiplicidade à unidade”37. A incapacidade de nomear o outro e concretizar o
conceito para a massa carcerária parte de uma percepção de incapacidade cognitiva. O fato de
nomear o outro e definir como perigo é uma tentativa de domínio absoluto, pois assim, o
detentor de sua definição tem liberdade de utilizá-la como quiser. A escuta do cárcere é acolher
o outro, porém,se conduzida por uma relação de poder completada pela experiência, também
como uma relação de domínio, completar o outro supondo uma capacidade cognitiva de
realmente nomeá-lo pode ser vista como a violência que mutila o testemunho, portanto, a
consciência de nossa incapacidade precisa estar constantemente em consideração. Quando o
testemunho é docilizado pelo dito as dúvidas desaparecem, pois acredito na minha capacidade
total de entende-lo. É no momento em que o outro nega a nomeação, quando diz não ao meu
eu acaba com minha prepotência intelectual. A intenção brutal de dominar o outro passa pela
supressão de sua identidade, assim, a truculência do controle de suas expressões são
buscadas por violências extremas em um ambiente que oferece o véu conveniente para que as
manifestações sejam dificultadas.
37 SOUZA, Ricardo Timm de.Em Torno à Diferença, Aventuras da Alteridade na Complexidade da Cultura
Contemporâ-nea. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2008. p. 25.
211
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena
Juliano: Ahã, e nesse tempo que tu tá aqui, cara, passou por alguma situação complicada,
uma coisa mais difícil, como que foi esse tempo que ficou aqui, tanto da outra vez como
agora? D.S.: Acho que a situação pior é a gente ficar sem a família da gente. Sabê que eles
não vão vim.
Juliano: E porque tu acha que... que tu acredita tanto assim que..., eles não vão vir?
Juliano: Eu te entendo velho, eu te entendo. O troço assim é... E, tu acha que aqui dentro cara,
ali onde tu tá, tem alguma parceria aqui dentro, tem alguém, dá pra ter amigo aqui dentro?
D.S.: Não.
D.S.: Não, tira pra si, tira pra si. Eu fico olhando, tu analisa as pessoas no causo. Vai
quando tu analisa a pessoa. Ninguém é amigo de ninguém. Se tu tem é teu se tu não tem te
ferra. (choro)
Juliano: Tipo assim, esse papo assim, eu sei que tu tá emocionado e, pô, quem tem
coração se emociona, né, cara! Isso é um bom sinal, mostra que o cara tá vivo ainda, né,
tchê?! Tu acha que um papo assim tranquilo, que a gente tá tendo assim aqui, que eu não
vou usar nada disso contra ti, tu poderia ter um papo desses lá dentro da cela?
Juliano: Se acontecesse isso (som de choro do interno) lá o que podia acontecer velho?
D.S.: Podiam te “arma uma sacola” e... Podia te acontece um monte de coisa.
Juliano: O que que é “armar sacola”? (usar uma informação pessoal como sua sensibilidade
para agredir psicologicamente e/ou obter vantagem)
212
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena
D.S.: Briga ninguém briga, só se falarem mal do teu pessoal, assim, só se falarem mal da
tua família.
D.S.: Ah, iam começa a se arriar até o ponto que tu tinha que dá um.
Juliano: Ah... Então o cara... tu tem que ser durão o tempo inteiro lá então?
D.S.: 20.
Juliano: E daí todo mundo, de repente está triste com alguma coisa, mas todo mundo fica
quieto e não pode desabafar com ninguém?
D.S.: O bagulho aqui dentro não existe, teu coração tu tem que deixar lá na rua, aqui dentro
tu não pode te coração nem muita pena de ninguém.38
Ainda assim, as tentativas de encerrar o humano em um conceito, em uma razão, mais que
um fracasso se torna uma violência, pois sua multiplicidade infinita não sustenta qualquer
38 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 87.
213
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena
limitação de unidade sem amputar o que de mais humano há 39. A pesquisa feita diretamente
com homens e mulheres aprisionados, traz à tona as regras impostas por uma sociedade que
nega a potencialidade de conhecermos e aceitar o testemunho modificador, pois esta
capacidade nos torna responsáveis de obtermos êxito em nossas relações frente à alteridade.
Desta maneira, “ser sujeito”40 é ter condições de enfrentar e manter a multiplicidade do outro
em cada outro. Sem um preparo ou intenção de que as diferenças (in)existam entre os
entrevistados, a cada transformação, inevitável no contato direto com os apenados tentando
minimizar a miopia social que existe entre o próprio pesquisador e o pesquisado, as diferenças
e imprevisibilidades, transformam a rotina prisional, causando inconvenientes aos olhos da
administração e de seus agentes, pois a relação com o novo é a relação com o perigo.
Juliano: Não… é interessante isso. Tá e, porque tu acha que chegou esse agente e nos
espiou pela janela?
H.M.: Pra nos espiá! Pra escutá o que a gente tá falando. Eles sabem que eu falo! Eu falo
tudo!
H.M.: É... Eles têm medo. Eles tem medo das coisas que acontecem errado aqui. É a
mesma coisa quando vem aqueles direitos humanos, aquela coisa, sei lá o que que é isso!
Noooossa! Aí eles ficam apavorado! Eles fazem rango, comida, melhor. Eles pagam. Eles...
Nooossa! Deus o livre, eles ficam bem calminho!
Juliano: E esse, é que assim oh, o trabalho de pesquisa que eu faço, eu participo de um
grupo chamado: Observatório da Violência e dos Direitos Humanos.
H.M.: Aaahhhh!!
Juliano: Eu participo disso. Por isso eu te pergunto, porque eu acredito que eles me
enxergam assim também. Sabe?
39 SOUZA, Ricardo Timm de.Em Torno à Diferença, Aventuras da Alteridade na Complexidade da Cultura
Contemporâ-nea. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2008. p. 27.
40 SOUZA, Ricardo Timm de.Em Torno à Diferença, Aventuras da Alteridade na Complexidade da Cultura Contem-
porânea. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2008. p. 28.
214
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena
Apesar das dificuldades de uma escuta em instituições totais, busca-se um olhar do outro,
considerando suas diferenças que nos tiram do conforto da certeza, pois apenas assim
tentamos ver algo escondido e precioso no interior dos muros, o testemunho resistente
localizado em um tempo e cultura viva. Seu testemunho mescla nas forças do dizer de cada
um também a impossibilidade de dizer algo, assim, o distanciamento entre o homem e o ser
mudo, fabrica e dá os contornos de um “lugar (in)humano em que o lugar do sujeito é
ocupado pelo enunciado imposto por outros que o conduziram a tal condição”42. Ao
negarmos a condição de testemunha a quem foi violentado o apagamos da história, nada
mais mortal que as mortes de quem não mais vive.
41 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 89.
42 CASTOR, M. M. Bartolomé Ruiz. A sacralidade da vidanaexceçãosoberana, a testemunha e sualinguagem.(Re)
leitu-rasbiopolíticas da obra de Giorgio Agamben. In: CadernosIHU n. 39, ano 10, 2012. p. 42.
43 FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta. Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Apresentação de Norval-
Baitello Junior. São Paulo: Annablume, 2011, p. 43.
44 FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta. Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Apresentação de Norval-
Baitello Junior. São Paulo: Annablume, 2011. p. 43.
45 FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta. Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Apresentação de Norval-
Baitello Junior. São Paulo: Annablume, 2011. p. 78.
215
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena
M.L.: No seguro. E aí eu grito da minha cela prus agente: ah escuta quando os direitos
humanos virem... Eles tiram a gente de lá, colocam isto aqui em nóis, as algema, e dão
pauladas em nós. Agora se eles estiverem escutando atrás dessa porta, quando o senhor
sair é até um perigo de eles me darem um monte de pauladas.
M.L.: Depois que o senhor tiver dentro do seu carro, lá na rua já não adianta mais nada.
Juliano: Mas eles sabem que eu estou aqui para conversar com vocês e não têm porque
fazer nada com vocês. Eu não quero causar problemas para ti.
M.L.: Por isso que eu estou dizendo, isso é um poblema para mim, eu estou desabafando
pro senhor e o senhor vai lá e “ó” neles. O senhor vai lá e derruba eles. O senhor vai juntá
cada depoimento. O senhor pega de cada presidiário e depois vai unificar todos os casos
que está vendo aqui e vai derruba essa guarda.46
46 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 91.
216
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena
mostram que estas pessoas simplesmente não têm meios para protestar contra estes fatores.
São estas vozes, que encontram-se no cárcere, de maneira mais exposta, em estado de vida
nua, apreendida pela instituição, que se mantém em acordos solidários com as forças que
deveriam combater47, que possibilitam a quebra do discurso oficial, pela exposição ao perigo
testemunhal. O ator jurídico, quando luta pelos direitos humanos, enfrenta a dificuldade de,
antes de tudo, que nossa Constituição garante: mostrar que humanos somos todos nós.
Juliano: Então tu acha que o problema de tudo é que vocês ficam aqui dentro desamparados?
47 AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Tradução de Henrique Burigo. Belo Horizonte:
Edi-tora UFMG, 2002. p. 140.
48 HULSMAN, Louk. Celis, Jacqueline Bernat de.PenasPerdidas. O sistema penal emquestão.O sistema penal em
ques-tão. Tradução de Maria Lúcia Karan. 2a. ed. Rio de Janeiro: Luam Editora, 1997. p. 76.
217
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena
P.A.S.: (risos) Os grandão lá, né, os caras que tem estudo aí, né, vem aí dentro pra ver
como é que é, né, e eles pagam, entendeu? Eles pagam tudo, entendeu? Bá! Eu é que me
estresso, mas, bá! Eles pagam tudo! Isso que é errado, entendeu? Daí quando a pessoa saí
daí eles mudam tudo, entendeu? Botam tudo abaixo!
Juliano: Quer dizer que eles pagam as coisas pra vocês quando o pessoal vem aí?
P.A.S.: É, eles pagam carne. Pagam até galinha assada! Aí quando as pessoas chegam tá
tudo beleza, tudo calminho! Ah.... Nem colchão tem cara, pra dormir!49
Se a lei permite o jogo de véus que encobre as ilegalidades, mais claro fica aos estudiosos que
aventuram-se em ambientes carcerários que nada é encoberto realmente, mas teatralmente
finge-se acreditar no cenário montado. Assim, fica ainda mais evidenciada sua seletividade
frente à população carcerária, onde encontramos depositados cidadãos das classes mais
vulneráveis e consideradas dispensáveis. Serve então para uma gestão de ilegalismos50,
privilegiando a punição de alguns delitos e injustiças,mas por outro lado, exclui ou tolera atos
da classe dominadora, mas com um contorno de meio de domínio apenas, sem considerar a
sociedade como todo. A aproximação com o suposto monstro que reside nas prisões
traumatiza quando nega o discurso imposto à massa, seu testemunho,que retira a segurança
de verificar o conhecido convida ao desvelar do monstro deformado que também sou.
49 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 97.
50 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 35a. ed. RJ: Vozes,
2008. p. 75.
51 BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós modernidade. Tradução de Mauro Gama e Cláudia Marinelli Gama. Rio de
Janeiro: Zahar, 1998. p. 51.
218
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena
Se o Estado contava com algum tipo de paz social52, presumindo a total eficácia do pacto
social, o qual é deficiente perante aqueles os quais não estão nele incluídos, já que, o que
foi acordado nada condiz com a realidade do conceito de sociedade, haja vista que uma
sociedade não é verdadeira quando apenas se define amputando alguma parcela.
Portanto, a exclusão social de quem testemunha meu fracasso ético é imposta através de
criminalizações. Mas a pena e seus reflexos deveriam ser apenas um modo político de
impedir uma vingança, um dano reduzido diante do limite punitivo, algo que deveria ser
consideravelmente melhor do que as possibilidades sem a presença destas53. Uma redução
do cidadão ao objeto a ser punido é o contraste visto mesmo com uma fundamentação
jurídica que não nega o objetivo jurídico, apenas o reforça incluindo uma Defesa Social54,
sobretudo onde as normas Constitucionais aparentemente não têm validade, no interior de
uma prisão a morte civil é automática. É sobre esta demarcação cinza que separa quem
consideramos úteis e os refugos, onde é a fronteira que define quem são os diferentes, mas
não a diferença, sendo improvável existir uma fronteira que não cause temor, as que
limitam os úteis dos refugos também é, não apenas literalmente, mas em todos os sentidos,
cinzenta, indefinida e incerta, uma zona de perigo, o lugar do medo55.
Conformar-se com esta situação nebulosa sobre a pena fazer parte da formatação dos presos à
sua experiência na execução penal, suportar a vida em um ambiente desprovido de garantias é
aprender a viver como um não cidadão. Este mundo diferente, criado pelo Estado
52 PEREIRA, Gustavo de Lima. A pátria dos sem pátria: direitos humanos e alteridade. Porto Alegre: Ed. UniRitter,
2011. p. 67.
53 CARVALHO, Salo de.Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 148. 54
CARVALHO, Salo de.Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 151.
55 BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2005. p. 39.
219
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena
onde entre os muros cinza da prisão cria uma legião de excluídos, que, ao não suportar sua
imposição de estigmatização de criminoso, acabam por se inserirem, na maioria das vezes,
no violento conceito de criminoso, em uma pena perpétua, posicionando-se com a nova
função da estigmatização56 deliberada, uma função dupla de punir e também de alertar a
todos o perigo que este representa ao corpo social, uma produção em série de uma “outra
vítima”57, consequência óbvia de um sistema penal que coloca o apenado contra a ordem
social, para a qual será devolvido.
O resgate de um testemunho que tenha força de produção de novo olhar sobre o cárcere e
suas facetas mais importantes, as que ainda pulsam, é o objetivo no trauma da experiência
de pesquisa, onde a importância fundamental é do trilhar, “a experiência é então o método,
não um sistema de regras ou de normas técnicas para supervisionar uma experimentação,
mas o caminho que se está fazendo, o trilhamento da rota(via rupta)”58. Porém, longe de
qualquer sensibilidade, o que obtemos como regra metodológica em ambiente prisional é a
falta de responsabilidade pelo abandono da massa carcerária, que passa pela manutenção
de instituições que não possuem um real compromisso com a garantia dos direitos
fundamentais. Considerando nelas, inicialmente, a impossibilidade de funcionarem livres de
sua mecanicidade mortal que transforma vida em números, toda instituição que não for
eticamente saudável e não conter em seu núcleo a busca de uma relação com seres
humanos, e todo ser vivo, tende a fracassar em sua função existencial, renuncia sua
fidelidade à vida59. Enfim, podemos ver a distância abismal entre uma instituição prisional
que se alicerça em princípios Constitucionais para que seu funcionamento seja possível e o
desrespeito aos seus fundamentos, levando em conta a garantia da dignidade humana em
seu devido valor indisponível, legítimo seria, inclusive, o ato de resistência60.
56 GARLAND, David. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Tradução,
apresentação e notas de André Nascimento. Rio de Janeiro: Revan, 2008. p. 385.
57 HULSMAN, Louk. Celis, Jacqueline Bernat de.HULSMAN, Louk. Celis, Jacqueline Bernat de. Penas Perdidas. O sis-
tema penal em questão. Tradução de Maria Lúcia Karan. 2a. ed. Rio de Janeiro: Luam Editora, 1997. p. 72.
58 DERRIDA, Jacques. Papel-máquina, tradução de Evandro Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2004. p. 332.
59 SOUZA, Ricardo Timm de.Justiça em seus termos– dignidade humana, dignidade do mundo. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010. p. 74.
60 CARVALHO, Salo de.Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p.155.
220
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena
Quando negamos a possibilidade de fala ao outro que testemunha, provocamos “uma segunda
violência contra ele”61 e desta maneira se fabrica uma outra versão legitimadora da violência. A
incapacidade em lidar com o outro acaba por subjugar o reconhecimento de uma manifestação
contrária legítima, novamente, a complexidade humana nos escapa e o “plural” 62 é demasiado
para as relações travestidas de boas intenções, discursos humanistas que matam sorrindo e
escapam ao foco do problema, ver alguém capaz de reivindicar e sentir é o perigo, pois quem
abre-se ao que me obriga rearticular a desordem do outro também escapa, modifica-se, e por
quebrar a ordem, desordenar, testemunha o novo perigoso, flerta com os excessos sombrios.
Em um caminho sem-sentido, contra o sentido do dito, e geralmente sem retorno ao conforto
das certezas, a cada t(r)emor ocorre uma nova esperança. Como podemos ver em mais este
trecho de entrevista sobre a rotina imposta aos internos na instituição, impossibilitados de
resistir à situação, mas em seu testemunho o disparo é ágil e poderoso.
M.B.: Catorze.
Juliano: Quatorze?
M.B.: É, tem quatro mulheres no chão sem espaço. Eu graças a Deus tenho uma cama
porque quando eu troquei de cela tinha três camas, né, tinha sobrando. Então agora tem
quatro mulher no chão. Só que assim, o fedor de xixi, de rato, a quantidade de sujeira que
assim, a gente tinha que varrê pro corredor.
M.B.: Na cela! É terrível o fedor de podre, porque eu acho que tem muito rato. Os rato
caminham pelo corredor, mais que os guardas e mais que os presos. E fora no pátio! E aí
choveu, viro piscina! Assim oh, de água dentro da cela! Agora eu vô comenta, porque,
imagina se chega a chove com quatro mulher ali? No chão? E, e, mas isso, tá tudo pior que
sardinha. E, pior são os calorão, né, só que isso é a natureza. Só que enquanto a gente tá
lá, com a cela alagada, a parte dos homem tem ar-condicionado (ventiladores bons).
221
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena
M.B.: ar-condicionado. Aí, às vezes, é horrível, eu até brinco “ai, socorro, a gente vai morre
afogado aqui!”. E eles não queriam que botasse água, mas tava fedendo a xixi! Mas assim,
oh, uma água amarelão, chegava tá laranja! Água que escorria da lâmpada assim! E, os
cara com ar-condicionado? Aí, às vezes eu brinco “se cada cara tem uma verba pra tá
preso, eu quero o troco! Eu quero o troco!”. Porque tipo, comida, pelo menos naquela sala
ali a gente não pega. Por que é muito ruim, então, é isso. É o que, às vezes, eu digo pra
minha mãe “errei tem que pagá, vamopagá, mas tem coisas que não dá pra suporta”. Tipo,
hoje, chove, a gente fica no meio de uma piscina, numa água podre.63
Aceitar as condições degradantes sem reclamar faz parte de um adestramento do interno rumo
à docilidade que deve ser produzida, escapar do adestramento prisional é uma tarefa
considerada difícil e dedica grande capacidade pessoal, pois não existe apoio algum da
instituição para que a vida dos seus moradores melhore, mas, por outro lado, sua piora será
usada para negar benefícios, aplicar punições em caso de revolta, e justificar o caráter de
irrecuperabilidadede suas personalidades maléficas. É somente em uma situação coletiva, por
uma nova organização social por acordos informais e externos ao direito que jogam com as
relações de poder64ou pela rebelião, estes presos podem conseguir evitar, ou apenas mostrar
que não se sujeitam ao “adestramento”65 proposto pelo cárcere. Sobreviver ao período de
pena, seja qual for, demanda um constante exercício de subjugação e subserviência66, pois,
sem essa conduta submissa, terá muita dificuldade em esconder-se na massa, e reivindicar voz
é aceitar os riscos identificar-se na multidão e o que isto acarreta.
A disciplina que tenta adestrar os internos, tendo sucesso ou não, ignora as dificuldades
cotidianas em sua vida pós cárcere, a difícil retomada de sua condição social é outro problema
causado ou ampliado, diante da falta de apoio para enfrentar os desafios em liberdade, o
63 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 155.
64 FOUCAULT, Michel. “Soberania e Disciplina”. In: Microfísica do poder. Rio de Janeiro: EdiçõesGraal, 1979, p. 182.
65 FOUCAULT, Michel. Ditos e Escritos IV: Estratégias, Poder-Saber. Organização e seleção de textos de Manoel
Barros da Motta. Tradução de Vera Lucia Avellar Ribeiro. 2ª ed.. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p. 137.
66 WOLFF, Maria Palma. Antologia de Vidas e Histórias na Prisão: Emergência eInjunção de Controle Social. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 125.
222
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena
As reclamações pretendidas pela população prisional, como vimos anteriormente, acabam por
ter nas desobediências/rebeliões o último passo para uma tentativa expressão que ultrapasse
os limites impostos. As características de um testemunho impregnado de humanidade em
momentos limites como as reivindicações carcerárias possuem em seus silêncios o que de
mais precioso podemos encontrar para o debate sobre estas instituições, pois é justamente
sobre o limite do homem que se trata. A relação entre a presença e ausência testemunhal pode
propor uma possibilidade de visibilidade do invisível, tocável do intocável que a “experiência do
estar-no-mundo sempre expõe o corpo, sua potência ou sua vulnerabilidade, a seu outro,
67 WOLFF, Maria Palma. Antologia de Vidas e Histórias na Prisão: Emergência e Injunção de Controle Social. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005. p.176.
68 CARVALHO, Salo de.Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 184.
223
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena
ao que não é ele, quer ele sofra com isto, quer se regozije, ou ambos, de uma só vez”69.
Como podemos ver em mais este relato onde a opção mais segura para alguns, acaba por
silenciar-se, pois resistir e expressar-se é sempre uma proposta de perigo ao que não se
quer ver/sentir:
Juliano: E, e daí assim, e aqui dentro cara, alguma das vezes que tu passou por aqui, tu viu
algum tipo de violência psicológica ou física com alguém, contigo ou alguma situação meio
perigosa assim?
D.S.: Morta! Morta! Não, tem. Um cara falo uns bagulho da mulher do outro e o outro chamo
o cara na facada. Depois passa no corredor com 40, 60 homem, só os pingo de sangue
escorrendo da manta. Que que eles vão fazer? Tu só pode fica quieto. Não é contigo, nem
te mete.
Juliano: Mas e a guarda não cuida para que não haja? Porque tu tem que ta protegido!
D.S.: Rio Grande não é assim meu, lá eles atiram no corredor e deu! Muleque caiu e deu.70
O dizer que não se submete ao caminho lógico e asséptico, onde as impurezas humanas
não entram, é a sobra que se tenta expurgar quando a ilusão de verdade absoluta toma o
centro do discurso jurídico, mas a sobra pode ser justamente o outro que me traumatiza em
seu silêncio. Apesar de ainda tratarmos o que escapa, o refugo como descartável. Podemos
quebrar o entendimento de uma visão sobre esses sujeitos como “redundantes”71, pois a
69 DERRIDA, Jacques. Papel-máquina, tradução de EvandroNascimento. São Paulo: EstaçãoLiberdade, 2004. p. 352.
70 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 172.
71 BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2005. p. 20.
224
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena
mordaça do testemunho é aplicada e justificada pela negação de encontro que ocorre fora do
dito. É através do que é considerado descartável, e de que dele nada precisamos, mais do que
isto, além de não serem mais necessários, viveremos melhores e mais produtivamente sem
eles, desta maneira, não sendo reconhecida uma razão para sua existência, nem uma atitude
reivindicadora para tal será tolerada do grupo a ser excluído. Nem um discurso racional deveria
sucumbir o indivíduo, mesmo que revestido de boas intenções, nos tempos atuais precisamos
de uma reconsideração dos sentidos para entender a igualdade e assim conseguirmos olhar e
escutar quem abandonamos, por egoísmo e por incapacidade de entender o humano múltiplo e
diverso. Só assim poderemos escutar o que não queremos, conhecer o que essas vozes
querem dizer. Em momentos, em que percebemos a destruição do homem proporcionada pela
punição imposta pela prisão e seus mecanismos, a questão central deste estudo salta aos
olhos e nos convoca. Para quem serve estes silêncios? O que eles gritam?Portanto, sentir as
incapacidades de expressão, é o local de toque mais sensível e dolorido, pois a presença de
quem me toca em um ambiente sombrio e velado ocorre pela ausência, mas uma ausência que
é potente e angustiada72.
Uma fala livre, sem a marca estereotipada de que o apenado é sempre um mentiroso com
objetivos obscuros, é impossibilitada, o silêncio é punido, pois, para justificar uma disciplina
brutal, precisa-se de que a mesma brutalidade seja reconhecida em sua vítima. Ainda que
72 Cf. CARVALHO, Juliano Gomes de. A benvinda angústia do desvelar: ensinamentos das sombras do cárcere.
a
73 LEMGRUBER, Julita. Cemitério dos vivos: análisesociológica de umaprisão de mulheres. 2 . ed. Rio de Janeiro: Fo-
rense, 1999, p. 48.
225
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena
no comportamento visto como normal, por mais chocante que possa parecer, a marca de
monstro seja bem imposta, ainda que por meios brutais.
Porquanto, o que se define em relação aos fatores que influenciam a pureza social definida
pela capacidade de colocar e manter as coisas em lugares determinados através de
estratégias segregacionistas, para que a ordem seja mantida e sua mescla não acabe por
poluir outros ambientes, é válida quando percebemos as barreiras entre mundos fabricados
para repelirem-se. Um conceito de pureza acaba definindo o lugar dos excluídos, que
encaram a difícil situação de resistir ao que tenta limitar algo fluido e com vontades próprias
como pessoas e seus pensamentos, e que, sem surpresas entram em choque com o que
controla sua mobilidade75. A inevitabilidade de uma afronta a estas barreiras, quando
falamos de grupos sociais, é inevitável, e nesse contato o conflito se instala. Percebe-se um
tratamento dedicado a uma certa higienização social, lidando com a clientela prisional como
se uma assepsia fosse requerida para ser merecedor da tolerância dos dominantes.
Dominar parece ser a única via possível da lógica controladora do cárcere, mas as nuances
humanas resistem, sua força reside algum lugar que, por não submeter-se a qualquer lógica
metodológica disciplinar, estão vivas em diferentes pulsações, vivas em silêncio e na
ausência, no consumado que está sempre para acontecer, exigência nunca satisfeita diante
da impossibilidade de confirmação por qualquer lembrança “já que ele ultrapassa toda
226
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena
memória e que somente o esquecimento acha-se à sua medida, o imenso esquecimento que
leva a palavra”76. A potência de um testemunho choca quando a possibilidade de escuta é
percebida, o silêncio que grita transforma-se em um murmúrio carregado de mesma força, os
intervalos, sempre presentes, nos oferecem o toque do segredo, “o segredo não é somente
algo, um conteúdo que se deveria ocultar ou guardar em seu íntimo. Outrem é secreto porque é
outro”, assim cabe ao posicionamento ético respeitar os avanços.
O judiciário desconsidera as testemunhas, pois não suportam sua ocupação entre suas
técnicas formais, assim impõem a violência de lidar apenas com sua própria retórica excluindo
racionalmente quem julga. A falta de informações sobre a execução da pena se apresenta
como uma das principais fontes dos desesperos dos internos. Como aceitar a angústia do
abandono de anos até que alguém o escute, pois requerer uma presença, um valor de fala em
um ambiente hostil é visto como um ato de rebeldia, enfim essas pessoas ficam ao tempo
76 BLANCHOT, Maurice. A experiência limite, vol. 2. Tradução João Moura Jr. – São Paulo: Escuta, 2007, p. 195.
77 SOUZA, Ricardo Timm de.Levinas e a ancestralidade do Mal: Por uma crítica da violência biopolítica. Porto alegre:
EDIPUCRS, 2012. p. 79.
78 AGAMBEN, Giorgio O queresta de Awschwitz: o arquivo e a testemunha. Tradução de Severino J. Assmann. São
Paulo: Boitempo, 2008, p. 55.
227
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena
importância. O testemunho de quem foi marcado pela história com a mais pesada pena,
respeitando não apenas sua condição de ser um produtor de conhecimento, mas de ter
visto o que ninguém quer ver. É frente o desafio do “acontecimento, sendo linguagem, não
pode ser reduzido à linguagem”79, que devemos distorcer as verdades cristalizadas e
encontrarmos o outro.
228
Pontuando
• Ser desumanizado
• Objeto de punição
• Apátrida
• Sociedade do Controle
• Direitos Humanos
Glossário
Apátridas: “que(m) perdeu sua nacionalidade de origem e não adquiriu outra; que(m) está
oficialmente sem pátria”. Fonte: Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. 3° ed., 2008,
p. 51.
229
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA c) uma visão realista e pragmática
230
Referências
ADORNO, Theodor. Dialética negativa. Tradução de Marco Antonio Casanova. Rio de Ja-
neiro: Jorge Zahar, 2009.
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Tradução de Henrique
Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da
cultura. Obras escolhidas volume I. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet, 3a.edição, Editora
Brasiliense, 1987.
_________________. Escritos sobre mito e linguagem (1915-1921). Org Janne Marie Gag-
nebin, trad. Susana KampffLages e Ernani Chaves.Editora 34.
CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.
231
Referências
FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta. Ensaios para uma futura filosofia da fotografia.
Apresentação de Norval Baitello Junior. São Paulo: Annablume, 2011.
HULSMAN, Louk. Celis, Jacqueline Bernat de. Penas Perdidas. O sistema penal em
questão. O sistema penal em questão. Tradução de Maria Lúcia Karan. 2a. ed. Rio de
Janeiro: Luam Editora, 1997.
KAFKA, Franz. Contos, fábulas e aforismos. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira,
1993.
LEMGRUBER, Julita. Cemitério dos vivos: análise sociológica de uma prisão de mulheres.
2º. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
LEVINAS, Emmanuel. Humanismo do outro homem. 4a. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
ORWELL, George. 1984. Tradução de Wilson Velloso. 29a. ed. São Paulo: Companhia Edit-
ora Nacional, 2005.
232
Referências
PEREIRA, Gustavo de Lima. A pátria dos sem pátria: direitos humanos e alteridade. Porto
Alegre: Ed. UniRitter, 2011.
SOUZA, Ricardo Timm de. Levinas e a ancestralidade do Mal: Por uma crítica da violência
biopolítica. Porto alegre: EDIPUCRS, 2012.
______________________. “Escrever como ato ético”, in: Letras de Hoje, PUCRS, 2013.
(OUTRO) TEXTO– Ricardo Timm de Souza
WARAT, Luis Alberto. O direito e sua linguagem. 2º. edição aumentada, Sergio Antonio Fa-
bris Editor, Porto alegre, 1995.
______________________. Introdução geral ao direito III: o direito não estudado pela teoria
jurídica moderna. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1997.
233
Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa E.
Questão 2
Resposta: Alternativa C.
Questão 3
Resposta: Alternativa A.
Questão 4
Resposta: Alternativa A.
234
Gabarito
Questão 5
Resposta: Alternativa B.
Resolução: O respeito aos direitos humanos precisa ser mais do que possibilidade, mas
objetivo do ator jurídico em todas suas decisões, sendo responsabilizado pela ilegalidade
de exposição consciente do cidadão aos tratos desumanos das instituições.
235