Sei sulla pagina 1di 236

Direito Penal e Processo

Penal
PÓS-GRADUAÇÃO

Processo Penal Constitucional


Curso
Direito Penal e Processo Penal

Disciplina
Processo Penal Constitucional

Autor
Yuri Felix, Danyelle da Silva Galvão, Danilo Dias Ticami, Bruno Silveira Rigon,
Alessandro Maciel Lopes, Renata Matarazzo Lopes, André Nascimento, Juliano de
Gomes Carvalho, Juliano de Oliveira Leonel

2
Índice ÍNDICE

Tema 01: Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da Constituição
04
Federal de 1988

Tema 02: Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua Dupla Conformidade 32

Tema 03: O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica à Influência da Teoria Geral
54
do Processo e à Cultura Inquisitiva no Sistema de Nulidades no Processo Penal Brasileiro

Tema 04: Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no Processo Penal 74

Tema 05: Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal 92

Tema 06: Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo Penal 124

Tema 07: Tribunal do Júri 150

Tema 08: Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal 174

Tema 09: A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação da Pena 196

Como citar este material:


FELIX, Yuri; GALVÃO, Danyelle da Silva; TICAMI, Danilo Dias;
RIGON, Bruno Silveira; LOPES, Alessandro Maciel; LOPES,
Renata Matarazzo; NASCIMENTO, André; CARVALHO, Juliano
Gomes de; LEONEL, Juliano de Oliveira. Processo Penal
Constitucional. Valinhos: 2016.

© 2016 Kroton Educacional


Proibida a reprodução final ou parcial por qualquer meio de impressão, em forma idêntica, resumida ou modificada em língua
portuguesa ou qualquer outro idioma.

3
TEMA 01
Breves Anotações Sobre Alguns
Princípios Processuais Previstos
da Constituição Federal de 1988

4
LEGENDA seções
DE ÍCONES

Início

Vamos
pensar

Glossário

Pontuando

Verificação
de leitura

Referências

Gabarito

5
Tema 01
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios
Processuais Previstos da Constituição
Federal de 1988
Danyelle da Silva Galvão

Mestre em Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito da USP. Advogada.

Objetivo

Caro aluno, as próximas linhas que inauguram esta disciplina têm por objetivo apresentar
alguns princípios consagrados na Constituição Federal de 1988, sendo estes essenciais e
linha mestra em um Estado de Direito.

Resumo da Aula

Esta disciplina inicia trazendo as questões relacionadas aos Princípios Constitucionais


Penais. Inicia falando da promulgação da Constituição Federal de 1988 e da consolidação
de princípios como o contraditório, a ampla defesa, a duração razoável do processo e por
último o devido processo legal.

O Código de Processo Penal do Brasil data de 1941 e permanece em vigor até os dias atuais.

Sabe-se que o período relativo ao regime militar no país foi responsável pela redução –
senão o aniquilamento – das garantias individuais, com reflexo imediato na aplicação do
direito processual. Isto porque a Constituição de 1967, com a Emenda no 01, de 1969, e os
Atos Institucionais estabeleceram no país um estado autoritário e de exceção.

O fim do regime militar foi marcado pelo movimento das eleições diretas em 1984, chamado
de “Diretas Já”, e pela eleição presidencial de Tancredo Neves em 1985, cuja proposta
governamental propunha a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. A nova

6
Tema 01 | Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da
Constituição Federal de 1988

realidade política e social exigia um novo Saiba Mais


conjunto de regras jurídicas, para efetivar o
rompimento com os paradigmas autoritários Para pontos ligados ao direito penal e ao di-reito
processual penal ver: BARBOSA, Marce-lo
anteriores1. Fortes. Garantias constitucionais de direito penal
e de direito processual penal na Cons-tituição de
Por isto, tem-se como objetivo expor o momento 1988. São Paulo: Malheiros, 1993.
histórico e político da promulgação da
Constituição em 1988, traçar breves consideracoes sobre alguns princípios constitucionais
e seus reflexos sobre o processo penal brasileiro.

1) A promulgação da Constituição Federal de 1988

Devido ao fim da ditadura militar o país precisava de uma nova Constituição decorrente
de um poder legítimo não autoritário, justamente para que uma nova ordem de valores
fosse instaurada no sentido de reger a democracia que se buscava instalar no país2. O
então Presidente da República, José Sarney, que assumira em decorrência do falecimento
de Tancredo Neves, encaminhou ao Congresso Nacional uma proposta de convocação de
uma Assembléia Constituinte, que deu origem à Emenda Constitucional no 26/85.

Para Paulo Bonavides, o advento de uma nova Constituição seria uma “última pá de terra
sobre um sistema de privação de franquias e liberdades públicas, lesão de direitos
humanos e autoritarismo, que imperou nesta nação durante cerca de duas décadas”3.
Durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, o seu presidente, Ulysses
Guimarães, enfatizou a necessidade de mudança de panorama em alguns de seus discursos,

1 Esta também é a conclusão de Ubiratan Diniz Aguiar, que compôs a Assembléia Constituinte em 1988, ao afirmar que “a
sensação que pairava no ar era a de que havia necessidade de elaboração de uma nova Carta Política capaz de recon-
quistar direitos que haviam sido suprimidos do cidadão no período do regime militar”. AGUIAR, Ubiratan Diniz. As Origens da
Constituição Brasileira. In: MESSENBERG, Débora et al. Estudos Legislativos. 20 anos da Constituição brasileira.
Brasília: Senado Federal, Câmara dos Deputados, Tribunal de Contas da União e Universidade de Brasília, 2010. p. 17. 2 Isto
porque as mudanças na sociedade devem gerar mudanças na Constituição ou, no caso do Brasil, de Constituição.
3 BONAVIDES, Paulo. Constituinte e Constituição: a democracia, o federalismo, a crise contemporânea. Fortaleza:
Eufc, 1985. p. 2.

7
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais
Previstos da Constituição Federal de 1988

destacando-se as seguintes palavras: “ecoam nesta sala as reivindicações da rua. A Nação


quer mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar”4. A mudança realmente sobreveio.

No tocante às garantias individuais, a nova Constituição rompeu com a realidade até então
existente no país, prevendo-as como direitos fundamentais e cláusulas pétreas, irrevogáveis
mesmo que por futura emenda constitucional. Gilmar Mendes expõe que a Constituição de
1988 fez uma clara opção pela democracia e não por mera coincidência possui “um dos mais
extensos catálogos de direitos e garantias fundamentais do mundo”. Para o autor, trata-se de
uma forma de “defesa do Estado Democrático de Direito e do equilíbrio institucional”5.

A dignidade da pessoa humana foi estabelecida como um dos princípios fundamentais do


Estado (art. 1º, inc. III da Constituição), reconhecendo o ser humano como sujeito de
direitos6. Com isso, transformou-se o Estado em uma organização política que assegura o
respeito e o exercício dos direitos e das liberdades individuais7.
E devido à sua rigidez, a Constituição é a lei fundamental e suprema do Estado, norteadora
da aplicação e interpretação das leis infraconstitucionais contemporâneas ou posteriores ao
seu advento8. Isto porque, a ordem de valores emana do texto constitucional.

Antônio Scarance Fernandes expõe que a nova Constituição formou “um conjunto de princípios,
direitos e garantias que traçam as matrizes de todo o sistema brasileiro de processo penal”9.
Pode-se dizer, portanto, que em 1988, com o advento do novo texto constitucional

4 Discurso de 02 de fevereiro de 1987. Ulisses Guimarães. Discurso de Posse na Assembléia Nacional Constituinte.
5 MENDES, Gilmar. 20 anos de Constituição: o avanço da democracia. In: SENADO FEDERAL. Constituição de 1988.
O Brasil 20 anos depois. Os alicerces da redemocratização. Brasília, 2008.v. I: Do processo constituinte aos princípios
e direitos fundamentais, p. 21-22.
6 Othon de Azevedo Lopes dita que “a redação da Constituição reflete a centralidade deste conceito no Estado Demo-crático
de Direito”. LOPES, Othon de Azevedo. A dignidade da pessoa humana como princípio jurídico fundamental. In: SILVA,
Alexandre Vitorino et al. Estudos de Direito Público. Direitos Fundamentais e Estado Democrático de Direito. Porto Alegre:
Síntese e Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, 2003. p. 194. O mesmo autor enfatiza, na p. 206, que
“o sentido de tal positivação é afastar qualquer concepção relativista ou reducionista da condição humana”.
7 Por isto, justifica-se o título dado à Constituição por Ulysses Guimarães: Constituição cidadã. O termo foi usado em
discurso durante a Assembléia Nacional Constituinte em 27 de julho de 1988, disponível em:
<www.fungpmdb.org.br/frm_ publ.htm>, da seguinte forma: “essa será a Constituição cidadã, porque recuperará como
cidadãos milhões de brasileiros, vítimas da pior das discriminações: a miséria”.
8 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 45.
9 SCARANCE FERNANDES, Antônio. Princípios e garantias processuais penais em 10 anos de Constituição Federal.

8
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da
Constituição Federal de 1988

instaurou-se um novo panorama de regência do processo penal, motivo a justificar a análise


das garantias sobre o interrogatório judicial do acusado.

1.1) O Contraditório
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu art. 5o, inc. LV, a necessária observância
ao contraditório, nos processos judiciais e administrativos.

No processo penal o contraditório é Vamos Pensar


concebido como a ciência da acusação, dos
atos processuais e a possibilidade de Elabore uma resenha crítica que possa con-
jugar pontos como o contraditório e a acele-
contrariá-los de forma plena e efetiva, não ração do mundo contemporâneo. Sugere-se
como bibliografia inicial: FELIX, Yuri; BUONI-
meramente formal. CORE, Bruno T., Contraditório e Velocidade:
Desafios do processo penal democrático na
De acordo com Antônio Scarance Fernandes sociedade complexa. Revista dos Tribunais.
São Paulo, v. 945, p. 261-274, 2014.
“pleno porque se exige a observância do
contraditório durante todo o desenrolar da
causa, até seu encerramento. Efetivo porque não é suficiente dar à parte a possibilidade
formal de se pronunciar sobre os atos da parte contrária, sendo imprescindível
proporcionar-lhe os meios para que tenha condições reais de contrariá-los”10.

Por isto, são seus elementos essenciais a “necessidade de informação e a possibilidade de


reação”11.

Entende-se a citação no Brasil como o ato formal que dá ciência ao acusado da imputação
constante na denúncia. No âmbito internacional, a Convenção Americana de Direitos Humanos,
no seu art. 8.2,b é clara ao dispor sobre o direito a “comunicação prévia e pormenorizada ao

In: MORAES, Alexandre de (Org.). Os 10 anos da Constituição Federal: Temas diversos. São Paulo: Atlas, 1999. p. 186.
10 SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo Penal Constitucional. 6. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 57. Para Ada
Pel-legrini Grinover“o contraditório, agora, não pode ser simplesmente garantido, mas deve ser estimulado”.
GRINOVER, Ada Pellegrini. O conteúdo da garantia do contraditório. In: Novas Tendências do Direito Processual (De
acordo com a Constituição de 1988). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 18.
11 SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo Penal Constitucional, p. 57. Segundo Ada Pellegrini Grinover, o con-
traditório divide-se em dois momentos: de conhecimento e reação. GRINOVER, Ada Pellegrini. Defesa contraditória,
igualdade e par conditio na ótica do processo de estrutura cooperatória. In: Novas tendências do Direito Processual (De
acordo com a Constituição de 1988). Rio de janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 1.

9
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais
Previstos da Constituição Federal de 1988

acusado da acusação formulada”. A Convenção Europeia é ainda mais detalhista ao dispor


no art. 6.3.a que o direito é de “ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e
de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada”. Por sua
vez, o Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos, no seu art. 9.2, dispõe que
qualquer pessoa presa deverá ser informada sem demora das acusações formuladas.

Apesar de recentemente o Superior Tribunal de Justiça ter entendido que inexiste determinação
– no Código de Processo Penal ou na Convenção Americana de Direitos Humanos – para a
tradução da denúncia, sendo assegurada à assistência de intérprete quando da presença
do acusado em juízo (STJ – 5a T. – RMS 19892 – rel. Min. Laurita Vaz – j. 04/12/2009 – Dje
08/02/2010), mais acertado é o posicionamento do Tribunal Europeu de Direitos Humanos
(caso “Bronzicek vs. Itália”) em que se reconheceu violação à garantia porque o acusado foi
notificado da acusação em língua que desconhecia, o que ocasionou ausência no
julgamento da sua condenação12.

Por sua vez, o interrogatório judicial é considerado como o momento destinado ao acusado,
se assim desejar, expor em juízo e pessoalmente a sua versão dos fatos, refutar as
acusações formuladas e contrapor as provas produzidas. Trata-se da possibilidade de
reagir à imputação feita pela acusação, entretanto, isto só será possível caso o acusado
seja cientificado sobre o conteúdo dos autos de modo compreensível.

Considerando que o interrogatório judicial, atualmente, será realizado ao final da instrução


processual em audiência una em que também serão ouvidas as testemunhas e produzidas
as demais provas, pressupõe-se que o acusado será inquirido tendo conhecimento da
acusação e das provas, afinal, foi anteriormente citado, apresentou resposta preliminar e
esteve presente durante toda a audiência13.

Entretanto, só haverá plena “informação” se o acusado e seu defensor forem intimados do


local, data e hora da realização do ato, para que possam então comparecer.

12 Mais sobre a tradução de documentos vide BARRETO, Irineu Cabral. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem
Anotada. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 2005. p. 166; TRECHSEL, Stefan.Human Rights in Criminal Proceedings.New York:
Oxford University, 2005. p. 206 e 338; e a Diretiva 2010/64/EU do Parlamento Europeu.
13 Previsão dos arts. 400, 411 e 531do Código de Processo Penal, para o procedimento ordinário, do rito do tribunal do
júri e procedimento sumário, respectivamente.

10
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da
Constituição Federal de 1988

No tocante ao elemento “reação”, evidente a necessidade de se garantir ao acusado o


tempo e meios necessários para a preparação de sua defesa, como oportunidades para
analisar as provas e oferecer aquelas que considere oportunas14. Não se pode admitir que
a acusação disponha de tempo e meios suficientes para elaboração da denúncia e colheita
de elementos probatórios e não se garanta à defesa a mesma oportunidade15.

Segundo Ada Pellegrini Grinover que “a quem age e a quem se defende em Juízo devem
ser asseguradas as mesmas possibilidades de obter a tutela de suas razões”16.Por isto
Luigi Ferrajoli afirma não se pode admitir provas sem que haja sido oferecida todas as
possíveis contraprovas ou formas de refutá-las17.

Para Ada Pellegrini Grinover“o paralelismo entre ação e defesa é que assegura aos dois
sujeitos do contraditório instituído perante o juiz a possibilidade de exercerem todos os atos
processuais aptos a fazer valer em juízo seus direitos e interesses e a condicionar o êxito
do processo. Ação e defesa acabam transformando-se em abrangentes garantias do justo
processo. E o contraditório, neste enfoque, nada mais é do que uma emanação daquela
ação e daquela defesa”18.

Trata-se de transposição da terceira lei de Newton da Física para o Direito. Aquela, também
chamada de princípio da ação e reação, sustenta que se um corpo A aplicar uma força
sobre o corpo B, receberá deste uma força de mesma intensidade, mesma direção, mas de
sentido oposto. O contraditório, por sua vez no Direito, permite às partes (dois corpos) o
paralelismo de atuação (mesma direção) com as mesmas oportunidades (mesma
intensidade) em sentidos contrários (acusação x defesa).

14 CARBONELL, José Carlos Remotti. La Corte Interamericana de Derechos Humanos. Estructura, funcionamiento y
jurisprudencia. Barcelona: Instituto Europeu de Derecho, 2003. p. 167.
15 Concorda-se com a afirmação de Ada Pellegrini Grinover quando sustenta que o “equilíbrio das situações é que ga-rante a
verdadeira contraposição dialética”. GRINOVER, Ada Pellegrini. Defesa contraditória, igualdade e par conditio na ótica do
processo de estrutura cooperatória, p. 7. GOMES, Luiz Flávio. As garantias mínimas do devido processo criminal nos
sistemas jurídicos brasileiro e interamericano: estudo introdutório . In: GOMES, Luiz Flávio; PIOVESAN, Flávia (Co-ords.). O
sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro. São Paulo: RT, 2000. p. 209.
16 GRINOVER, Ada Pellegrini. O conteúdo da garantia do contraditório, p. 18.
17 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoríadelgarantismo penal. 8. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2006. p. 613.
18 GRINOVER, Ada Pellegrini. O conteúdo da garantia do contraditório, p. 4.

11
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais
Previstos da Constituição Federal de 1988

O preenchimento do requisito “reação” do contraditório esgota-se na concessão da


oportunidade para que se manifeste sobre o conteúdo dos autos. Trata-se de providência
imprescindível porque, como sustenta a doutrina, uma condenação somente pode sobrevir
após ter sido dada ao acusado a oportunidade de ser ouvido e de apresentar a sua versão
dos fatos”19.

1.2) A Ampla Defesa


A Constituição Federal, no mesmo inciso relativo ao contraditório, previu a ampla defesa,
a ser assegurada a todos em processos administrativos ou judiciais (art. 5 o, inc. LV), como
forma de propiciar ao acusado a possibilidade de apresentar todos os elementos capazes
de esclarecer os fatos apurados20.

Entende-se a defesa, de maneira genérica e não apenas jurídica, como uma forma de
repulsa a uma agressão ou uma reação à ameaça.

Ronaldo Leite Pedrosa afirma que “constitui a defesa o ato de repudiar e repelir a acusação,
resistir ao ataque”. Por sua vez, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e
Antonio Scarance Fernandes, aduzem ser o direito à ação e de defesa “face e verso da
mesma moeda”21.

No processo penal, a ampla defesa apresenta duas facetas, ou formas de atuação de enorme
importância: a autodefesa que consiste na possibilidade de apresentar por si sósua defesa,

19 SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. São Paulo: RT, 1999. p. 133. Luigi Ferrajoli afirma
não se pode admitir provas sem que haja sido oferecida todas as possíveis contraprovas ou formas de refutá-las.
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoría del garantismo penal, p. 613.
20 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988. v. 2, p. 226. Para o dicio-nário
Houaiss, dentre outros significados, é o “ato ou efeito de defender(-se), de proteger(-se)”, ou o “conjunto de fatos e métodos
adotados por um réu contra quem é movida queixa-crime ou outra ação qualquer”. HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de
Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. p. 605. Para o dicionário
Aurélio, dentre outros significados, defesa é o “ato ou forma de repelir um ataque, resistência”, ou a “contestação de
uma acusação, refutação, indignação”. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portugue-sa. 4. ed. Curitiba: Positivo, 2009. p. 610.
21 PEDROSA, Ronaldo Leite. O interrogatório criminal como instrumento de acesso à Justiça penal: Desafios e Per-
spectivas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. Coleção Direito Processual Penal. Coordenação de Geraldo Prado, p.
112; GRINOVER, Ada Pellegrini; MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio; SCARANCE FERNANDES, Antonio. As
nulidades no processo penal. 12. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 71.

12
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da
Constituição Federal de 1988

hipótese em que se enquadra o direito de presença e o de audiência; e no sentido de


acesso à assistência técnica de defensor, chamada de defesa técnica22.

Ambos os aspectos visam garantir a validade do processo23 e propiciar igualdade entre as


partes para que aquele não se traduza em uma “luta desigual”24.

A autodefesaconsiste na intervenção direta e pessoal do acusado no processo 25. No


interrogatório, é a sua participação direta em audiência que pode ser feita de forma ativa –
quando são prestadas as declarações – ou de forma passiva – quando se mantém o silêncio26.
Em ambos os casos há uma efetiva participação do acusado no sentido de autodefender-se,
pois a atitude de declarar ou manter-se silente decorre de uma opção pessoal27.

Trata-se de direito inalienável, impossivel de transmissão a terceiros e, em parte,


renunciável, mas que “nunca puede faltar”28.

Por sua vez, apesar de o acusado não poder dispor sobre a previsão da oportunidade para
o seu exercício, ou melhor, inexistir ingerência sobre a disposição legal que lhe concede a
possibilidade ou momento de participação pessoal, certo é que poderá ser renunciado caso
não queira comparecer ou mesmo aceite transação penal nos termos da Lei no 9.099/95.

22 Para Ada Pellegrini Grinover a autodefesa e a defesa técnica são “vertentes diversas e complementares da mesma
garantia”. GRINOVER, Ada Pellegrini. O conteúdo da garantia do contraditório, p. 9. Também reconhece a dupla faceta
e a sua complementaridade, GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões judiciais. São Paulo: RT,
2011.p. 43-44.
23 GRINOVER, Ada Pellegrini. O conteúdo da garantia do contraditório, p. 8.
24 A expressão é usada por BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil, p. 226-227. GRINOVER,
Ada Pellegrini; MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio; SCARANCE FERNANDES, Antonio. As nulidades no processo
penal, p. 73.
25 Alex Carocca Pérez traz diversos termos pelos quais a autodefesa pode ser denominada: “defensa privada, defensa
genérica, defensa material” ou “defensa procesal”. PÉREZ, Alex Carocca. Garantía Constitucional de la defensa
procesal, p. 447.
26 Sobre a relevância do interrogatório como instrumento de autodefesa videvideMAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio.
A motivação das decisões judiciais, p.44.
27 Destaca-se que são opções que somente podem ser escolhidas caso haja conhecimento prévio e pormenorizado da
acusação, requisito da garantia do contraditório. Segundo Ronaldo Leite Pedrosa, a opção de como se defender
decorre do “direito de tutela informativa (ou seja, do direito de ser informado expressamente de que pode optar pelo
silêncio), pois não se pode deixar à presunção de que o acusado conheça seus direitos”. PEDROSA, Ronaldo Leite. O
interrogatório criminal como instrumento de acesso à Justiça penal, p. 112.
28 PÉREZ, Alex Carocca. Garantía Constitucional de la defensa procesal, p. 449.

13
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais
Previstos da Constituição Federal de 1988

A autodefesa, entre outros aspectos, subdivide-se em direito ao silêncio, de presença e de


audiência.

Pelo direito ao silêncio o acusado pode optar entre prestar declarações ou calar acerca das
acusações que lhe são feitas, ou seja, permite escolher a melhor estratégia para sua
defesa29. Ademais, permite que não seja considerado como objeto da persecução criminal,
acarretando a responsabilidade ao órgão da acusação de provar a imputação sem a
utilização de meios coercitivos, opressivos ou ardilosos contrários à vontade do acusado30.

Por consequência, admitir que o acusado não é objeto de prova e garantir-lhe o direito ao
silêncio é uma forma de reconhecimento da presunção de inocência, pois se atribui todo o
ônus probatório à acusação, não podendo a recusa em declarar gerar nem mesmo indícios
em seu desfavor31.

Assim, pode-se afirmar ser o direito ao silêncio “uma barreira intransponível ao direito à
prova de acusação”, sendo certo que sua negação “representará um indesejável retorno às
formas mais abomináveis da repressão, comprometendo o caráter ético-político do
processo e a própria correção no exercício da função jurisdicional”32.

Como anteriormente exposto, o Código de Processo Penal de 1941, inspirado no autoritarismo


dominante à época, considerava o silêncio desfavorável à defesa, com papel relevante

29 UBERTIS, Giulio. Verso um giusto processo penale. Torino: G. Giappichelli Editore, 1997. p. 68; LIMA, Wanderson
Marcello Moreira de. A Constitucionalização dos Direitos Fundamentais e seus Reflexos no Direito ao Silêncio do
Acusa-do. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 91, n. 804, out. 2002, p. 478.
30 Neste sentido, vide BOTTINO, Thiago. Direito ao silêncio na jurisprudência do STF. São Paulo: Elsevier, Campus,
2009. p. 84. Gustavo Henrique Ivahy Badaró sustenta que "mesmo que o acusado permaneça em silêncio e não con-
stitua defensor, poderá ser absolvido, por não ter o Ministério Público conseguido provar a imputação formulada", e que
"é perfeitamente possível que o acusado permaneça em silêncio, sem apresentar qualquer versão defensiva sobre os
fatos e, mesmo assim, que o juiz venha a absolvê-lo, com base em fatos por ele não alegados, como a legítima defesa
ou a inimputabilidade". BADARÓ, Gustavo Henrique RighiIvahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2003. p. 231. Ainda, vide ANDRADE, Manoel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo
penal. Coimbra: Coimbra, 1992. p. 120-121.
31 Manoel da Costa Andrade afirma que o silêncio não é passível de qualquer valoração, deve ser considerado basica-
mente como ausência de respostas, um nada jurídico. ANDRADE, Manoel da Costa. Sobre as proibições de prova em
processo penal, p. 128-129. Mais a respeito da presunção de inocência, vide ZANOIDE DE MORAES, Maurício.
Presun-ção de inocência no processo penal brasileiro : Análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa
e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
32 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997. p. 114.

14
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da
Constituição Federal de 1988

na formação do convencimento judicial33. A Constituição Federal mudou este panorama e


garantiu o exercício do direito, sem limitações, ou consequências danosas em desfavor do
acusado que silencia, seja no interrogatório policial ou judicial34.

Em verdade, o silêncio deve ser reconhecido como uma opção defensiva, ou seja, uma
forma de exercício da autodefesa.

Ainda no tocante à autodefesa, tem-se o aspecto do direito de presença, quw se refere ao


direito de assistir todos os atos do processo, mesmo que não realizados na sede do juízo,
sempre podendo intervir. Somente com o acompanhamento das audiências e demais atos
processuais realizados o acusado poderá exercer, de maneira eficiente e completa, a sua
autodefesa. As mudanças legislativas operadas pelas Leis no11.689/2008 e 11.719/2008,
especialmente a alteração do momento do interrogatório para o final da instrução
processual, denotam a importância do acusado estar presente à colheita das provas
durante a persecução penal, para, então, ser interrogado.

Por sua vez, o direito de audiência, também relativo à autodefesa, refere-se à “possibilidade de
o acusado influir sobre a formação do convencimento do juiz mediante o interrogatório”35. Com
este aspecto, estabelece-se o direito a ser ouvido, ou seja, a oportunidade de comparecer
perante a autoridade judiciária para apresentar seus argumentos, caso entenda necessário e
pertinente, para que sua versão sobre os fatos imputados na acusação seja levada em
consideração36. Trata-se do “day in court”, assim denominado pela doutrina estrangeira37.

A análise do histórico legislativo sobre o interrogatório no Brasil indica que até a promulgação da
Constituição Federal em 1988 apenas foi dado valor à autodefesa como direito de presença e

33 Eis a redação original do art. 186 do Código de Processo Penal: “Art. 186. Antes de iniciar o interrogatório, o juiz
obser-vará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio
poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa”.
34 PEDROSA, Ronaldo Leite. O interrogatório criminal como instrumento de acesso à Justiça penal, p. 70; e TUCCI,
Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 3. ed. São Paulo: RT, 2009. p. 303.
35 GRINOVER, Ada Pellegrini. O conteúdo da garantia do contraditório, p. 10; e PEDROSA, Ronaldo Leite. O
interroga-tório criminal como instrumento de acesso à Justiça penal, p. 112.
36 Neste sentido BARROS, Flaviane de Magalhães. A fundamentação das decisões a partir do modelo constitucional
de processo, p. 140-141.
37 Sobre este assunto, vide SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. 2. ed. São Paulo:
RT, 2004. p. 175.

15
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais
Previstos da Constituição Federal de 1988

audiência. Com relação ao silêncio, o tratamento foi diverso, pois era considerado em
prejuízo do acusado. Em verdade as legislações anteriores sempre possibilitaram ao
acusado trazer seus argumentos verbais ou escritos para apreciação judicial quando do
interrogatório judicial, afinal, é característica inerente ao próprio ato processual, previsto
como a oportunidade do magistrado questioná-lo sobre os fatos, tendo este a liberdade de
defender-se das acusações relatando a sua versão e eventualmente indicando provas.

Contudo, deve-se considerar que o acusado, na maioria das vezes, não possui
conhecimento técnico suficiente para apresentar sua defesa escrita (defesa prévia,
alegações finais, dentre outros atos processuais), optar entre participar ativamente,
respondendo os questionamentos do magistrado ou das partes, ou silenciar no
interrogatório, motivo pelo qual a assistência de um advogado é imprescindível.

Antônio Magalhães Gomes Filho afirma que “seria impossível imaginar a paridade de armas
entre uma acusação sustentada por um órgão técnico e objetivo, como é o Ministério Público (o
mesmo valendo para a acusação privada, formulada por advogado), e uma defesa exercida por
um acusado não só despreparado para enfrentar as tramas do tecnicismo processual, mas
também emocionalmente perturbado com o eventual desfecho do processo”38.

Exatamente neste ponto que reside a importância do outro aspecto da ampla defesa no
interrogatório: a defesa técnica, que compreende a assistência jurídico-profissional ao
acusado, considerada como direito indisponível39.

38 MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio. A motivação das decisões judiciais , p. 44. Mais sobre a paridade de armas,
vide VIEIRA, Renato Stanziola. Paridade de armas no processo penal.Brasília: Gazeta Jurídica, 2014.
39 Neste sentido GRINOVER, Ada Pellegrini. O conteúdo da garantia do contraditório, p. 9; GRINOVER, Ada Pellegrini;
MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio; SCARANCE FERNANDES, Antonio. As nulidades no processo penal, p. 73; e
BARROS, Antonio Milton de. Processo penal segundo o modelo acusatório, p. 99. Destaca-se que o Superior Tribunal
de Justiça, sob a relatoria da Ministra Laurita Vaz já decidiu pela impossibilidade de renúncia ao direito de defesa téc-
nica pelo acusado leigo com o intuito de advogar em causa própria: STJ – 5a T. – HC 100810 – rel. Min. Laurita Vaz – j.
29/04/2009 – DJe 25/05/2009.

16
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da
Constituição Federal de 1988

Com a presença efetiva da defesa técnica no processo, possibilita-se a paridade de armas


necessária para refutar as alegações acusatórias contidas nos autos, evitando-se o
desequilíbrio processual entre as partes40. Afinal, é notório que a acusação sempre será
representada por quem detenha conhecimento técnico-jurídico especializado41. Seria, no
mínimo, incoerente que o acusado não pudesse contar com as mesmas condições técnicas
para refutar as acusações.

No entanto, o retrospecto histórico demonstra que a defesa técnica não teve o mesmo
destaque e a devida importância até a promulgação da atual carta constitucional. Mesmo
após a previsão constitucional sobre a ampla defesa, após a incorporação dos Tratados e
das Convenções Internacionais, e da previsão constitucional sobre a imprescindibilidade do
advogado para a Administração da Justiça, apenas em 2003 a presença do advogado no
ato do interrogatório tornou-se obrigatória por força de lei processual penal.

De qualquer sorte, a discussão sobre a assistência de um advogado no interrogatório judicial


não se limita a sua presença durante o ato processual. Até porque de nada adiantaria que
estivesse apenas presente ao ato, e não lhe fosse oportunizado contato prévio e reservado com
o acusado, solto ou preso, para se prepararem para o interrogatório42.

40 Sobre a paridade de armas, manifestou-se o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, no caso “Samokhvalov vs.
Rús-sia”, que se trata de um aspecto do conceito de “fair trail”, também inclui a garantia que os processos criminais
serão adversariais. Segundo aquela Corte, este último direito significa que às partes devem ser dadas as oportunidades
de conhecer e contrariar os argumentos e as provas produzidas pela parte contrária.
41 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoríadelgarantismo penal, p. 614; MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio. A
motivação das decisões judiciais, p. 42; e ANDRADE E SILVA, Danielle Souza de. A Atuação do juiz no processo penal
acusatório: Incongruências no sistema brasileiro em decorrência do modelo constitucional de 1988. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 2005. p. 75-77.
42 Neste sentido decidiu a Suprema Corte Americana que o acusado necessita de advogado em todos os estágios do
processo (decisão Powell v. Alabama), cujo trecho é encontrado na obra de GELLHORN, Walter. American Rights. The
Constitution in Actio.New York: The Macmillan Company, 1968. p. 22.

17
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais
Previstos da Constituição Federal de 1988

Considerando a necessidade de que a defesa seja efetiva, o ideal é que o acusado conte
com o aconselhamento reservado e prévio de um defensor qualificado, para que então
possa conscientemente optar entre a melhor forma de exercer a autodefesa; declarando ou
mantendo-se silente43. Afinal, como dito, a maioria dos acusados não possui conhecimento
técnico a respeito da acusação ou mesmo das consequências jurídicas de suas eventuais
declarações.

Além disto, imprescindível que a entrevista prévia entre o acusado e seu defensor dure
prazo razoável, sob pena de se transformar em obediência apenas formal à garantia da
ampla defesa no aspecto de defesa técnica44.
Isto porque é necessário que detenham tempo necessário para discutirem os fatos imputados na
denúncia, elaborarem a tese defensiva e para o defensor expor ao acusado as consequências
jurídicas das suas eventuais declarações no interrogatório que será realizado a seguir.

A questão é de tamanha importância que a Corte Interamericana de Direito Humanos, no


caso “Castillo Petruzzi vs. Peru”, reconheceu a violação à ampla defesa porque não foi
garantido ao acusado o direito de se comunicar livremente com o seu defensor45.

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos, no caso de “Goddi vs. Itália” reconheceu a


violação à garantia, pois o advogado não pôde exercer efetiva e satisfatoriamente a defesa
porque nem mesmo sabia onde o acusado estava preso, não teve contato prévio com os
autos ou com o seu cliente.

Inexistem dúvidas quanto à importância do aconselhamento prévio do acusado com seu


defensor, sendo providência obrigatória mesmo quando o acusado não tenha constituído

43 TRECHSEL, Stefan. Human Rights in Criminal Proceedings, p. 266-269; e WINTERS, Lorena Bachmaier.Proceso
Penal y protección de los derechos fundamentales del imputado en Europa. La propuesta de decisión marco sobre de-
terminados derechos procesales en los procesos penales celebrados en La Unión Europea. In: SANTOS, Andrés de La
Oliva; DEU, Teresa Armenta; CUADRADO, MariaPiaCalderó (Coords.). Garantías fundamentales del proceso penal en
el espacio judicial europeo. Madrid: Colex, 2007. p. 49.
44 PITOMBO, Cleunice Valentim Bastos; BADARÓ, Gustavo Henrique RighiIvahy; ZILLI, Marcos Alexandre Coelho;
MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Publicidade, ampla defesa e contraditório no novo interrogatório judicial. Con-
clusões preliminares do Grupo de Estudos do Departamento de Projetos Legislativos do IBCCRIM. Boletim do
IBCCRIM, ano 11, n. 135, fev. 2004, p. 02.
45 Aquela Corte também reconheceu a violação à garantia nos casos “Daniel Tibbi vs. Equador” e “Hilare, Constantine,
Benjamin e outros vs. Trinidad e Tobago”.

18
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da
Constituição Federal de 1988

profissional de sua livre escolha, devendo o juiz nomear-lhe sem qualquer ônus
financeiro46. Também não se tem dúvidas quanto a imprescindibilidade da presença do
defensor durante todo o processo.

1.3) A Duração Razoável do Processo


Ao contrário das demais garantias mencionadas acima, a duração razoável do processo
somente foi expressa no texto constitucional com o advento da Emenda Constitucional n o
45/2004, também conhecida como a emenda de “Reforma do Judiciário”. Muito se discutiu
sobre a necessidade de mudança do texto constitucional para a inclusão da garantia, seja
porque a Convenção Americana de Direitos Humanos já a estabelecia, seja porque a
duração razoável do processo faz parte do devido processo legal47.
De qualquer sorte, a inclusão teve como objetivo garantir a prestação jurisdicional de forma mais

célere e desburocratizada48, para tentar afastar a reconhecida lentidão do Poder Judiciário 49.

46 Neste sentido a Suprema Corte Americana, desde a decisão no caso “Johnson v. Zerbst” em 1938, decide que os
juízes devem indicar um advogado para representar o acusado quando não tiver condições financeiras de contratar.
Sobre o tema vide também o caso “Gideon v. Flórida” relatado em SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do
devido processo penal. 2. ed., p. 221-227, em que a Suprema Corte Americana, em 1963, reconheceu a nulidade do
julgamento realizado sem defensor. A relevância da questão levou o Tribunal Europeu de Direitos Humanos a decidir,
no caso “Pakelli vs. Alemanha”, que a ampla defesa subdivide-se em três direitos: a autodefesa, a defesa técnica e a
gratuidade da defesa técnica.
47 Sobre a integração dos tratados internacionais no direito interno dos Estados vide STEINER, Sylvia Helena de Fi-
gueiredo, A Convenção Americana sobre Direitos Humanos e sua integração ao processo penal brasileiro, p. 59-91 e
TOSTES, Sérgio. Convenções Internacionais à luz da soberania nacional.Revista de Direito Público , ano VII, n. 30, nov./ dez.
2009, p. 91-106. Sobre a garantia e o devido processo legal vide CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada
Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 27. ed., p. 93 e TAVARES, André Ramos.
Reforma do Judiciário no Brasil pós-88: (Des)estruturando a Justiça. Comentários completos à Emenda Constitucional
45/04. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 31. Ainda, tem-se posicionamento de NERY JUNIOR, Nelson Princípios do
processo na Constituição Federal: Processo civil, penal e administrativo. 9. ed. São Paulo: RT, 2009. p. 311, que a
duração razoável do processo decorre do direito de ação; e de ROCHA, Cármem Lúcia Antunes. O direito
constitucional à jurisdição. In: TEIXEIRA, Sávio de Figueiredo (Coord.). As garantias do cidadão na Justiça. São Paulo:
Saraiva, 1993. p. 31-51, que decorre do direito de jurisdição.
48 Pietro de JesúsLoraAlarcón afirma que “a intenção da reforma transparece: acelerar a prestação jurisdicional elimi-
nando obstáculos, favorecendo o trâmite processual rápido e seguro, promovendo reformas que impeçam que a
tardança possa ao final eliminar a primazia da Justiça”. ALARCÓN, Pietro de JesúsLora. Reforma do Judiciário e
efetividade de prestação jurisdicional. In: TAVARES, André Ramos (Org.). Reforma do judiciário. Analisada e
comentada. Emenda Con-stitucional 45/2004. São Paulo: Método, 2005. p. 38.
49 Segundo o ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso, “pesquisas de opinião têm indicado que o pro-blema
básico é a lentidão, que pode levar à ineficácia de prestação jurisdicional”. FOLHA DE S. PAULO. Para Supremo,
CPI provoca risco de desobediência civil. São Paulo, 23 de março de 1999. Como afirmou Ruy Barbosa, “justiça atrasada

19
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais
Previstos da Constituição Federal de 1988

Isto porque é inegável que o decurso de tempo demasiadamente longo para a solução de um
caso criminal pode causar transtornos não apenas processuais às partes, podendo, inclusive,
virar uma espécie de pena50, trazendo consequências psicológicas, sociais e pecuniárias.

Justamente para que a nova norma não se tornasse apenas programática, seriam
necessárias reformas processuais51, pois, como sustenta José Afonso da Silva, “não basta
uma declaração formal de um direito ou de uma garantia individual para que, num passe de
mágica, tudo se realize como declarado”52.

Todavia, segundo Nelson Nery Jr, a “a busca da celeridade e razoável duração do processo
não pode ser feita a esmo, de qualquer jeito, a qualquer preço”, sem que se observem as
outras garantias processuais e constitucionais inerentes ao Estado de Direito53. Portanto,
para que haja equilíbrio entre a celeridade processual e a prestação jurisdicional eficiente e
de qualidade, é imprescindível a aplicação dos critérios de razoabilidade54 suscitados pela
doutrina e jurisprudência.

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos após longas discussões fixou como três os
critérios básicos: a complexidade do caso, a atividade processual do interessado e a
conduta da autoridade judicial. Perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos os
critérios não foram diferentes já que as decisões do Tribunal Europeu foram usadas muitas
vezes como paradigma.

não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. BARBOSA, Ruy. Oração aos moços. Rio de Janeiro: Edições de
Ouro, 1999, p. 100.
50 Neste sentido LOPES JUNIOR, Aury. Direito ao processo penal no prazo razoável. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, n. 65, mar/abr. 2007, p. 215-216.
51 A este respeito vide Ada Pellegrini Grinover ao sustentar que o generoso ideário que inspirou a Reforma do
Judiciário não alcançará seus objetivos caso não haja uma reforma infraconstitucional do processo, seja no âmbito civil
ou penal. GRINOVER, Ada Pellegrini. A necessária reforma infraconstitucional. In: TAVARES, André Ramos; LENZA,
Pedro; ALAR-CON, Pietro de Jesus Lora (Coord.). Reforma do judiciário. São Paulo: Método, 2005. p. 518.
52 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 432.
53 NERY JUNIOR, Nelson Princípios do processo na Constituição Federal, p. 318.
54 Para Pietro de JesúsLoraAlarcón“a razoabilidade e, também, a proporcionalidade, como princípios norteadores da
atuação estatal, aliás, decorrentes do aspecto material ou substancial da cláusula do devido processo legal, permitem
asseverar que o prazo não pode ser tão extenso que protele a necessária prestação, como igualmente, não pode ser
tão exíguo que comprometa o contraditório ou a ampla defesa, ou mesmo, a satisfação do direito”. ALARCÓN, Pietro
de JesúsLora. Reforma do Judiciário e efetividade de prestação jurisdicional, p. 35.

20
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da
Constituição Federal de 1988

O Brasil, até o momento, adota a teoria do “não prazo”, pois a análise da eventual demora e
inobservância da garantia é feita em cada caso concreto de maneira individualizada.

Nelson Nery Jr sustenta que a razoabilidade é uma questão de fato que deve ser analisada em
cada situação concreta, de acordo com quatro critérios, que considera objetivos: a) natureza do
processo e complexidade da causa; b) comportamento das partes e de seus procuradores;
c) atividade e o comportamento das autoridades judiciárias e administrativas competentes;
d) fixação legal de prazos para a prática de atos processuais que assegure efetivamente o
direito ao contraditório e ampla defesa.

Enquanto isso, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel
Dinamarco listam apenas três critérios: a) complexidade do assunto; b) comportamento dos
litigantes; c) atuação do órgão jurisdicional55.

Em síntese, concorda-se com a afirmação de Aury Lopes Jr de que tanto na aceleração


antigarantística quanto na dilação indevida há negação de jurisdição56.

55 NERY JUNIOR, Nelson Princípios do processo na Constituição Federal, p. 315-321. SCARAMUZZA, André Fontolan.
Razoável duração do processo. Revista Consulex, ano XII, n. 284, 15 nov. 2008, p. 63. CINTRA, Antonio Carlos de Araú-jo;
GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 27. ed. São Paulo: Malheiros,
2011. p. 93. Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, vide como exemplo STF – 1ª T. – HC 103951 – rel. Min. Dias
Toffoli – j. 28/09/2010 – DJ 13/12/2010; e STF – 1ª T. – HC 104667 – rel. Min. Dias Toffoli – j. 19/10/2010 – DJ 28/02/2011.
56 LOPES JUNIOR, Aury. Direito ao processo penal no prazo razoável, p. 215 e 246. FrancoisOstsustena que “se é ver-dade
que um processo que se arrasta assemelha-se a uma negação de justiça, não se deverá esquecer, inversamente, que o
prazo razoável em que a justiça deve ser feita entenda-se igualmente como recusa de um processo demasiado expedito”.
OST, Francois. O tempo do direito. Trad. Élcio Fernandes. Bauru: Universidade do Sagrado Coração, 2005, p. 383. PAULA,
Leonardo Costa de. Duração razoável do processo no Projeto de Lei 156/2009. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda;
CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de (Orgs.). O Novo Processo Penal à luz da Consti-tuição (Análise crítica do
Projeto de Lei 156/2009, do Senado Federal). 2. tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 204. Para Pietro de
JesúsLoraAlarcón o processo deve durar o mínimo, mas o tempo necessário para que não haja perda na qualidade.
ALARCÓN, Pietro de JesúsLora. Reforma do Judiciário e efetividade de prestação jurisdicional, p. 31.

21
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais
Previstos da Constituição Federal de 1988

2) O Devido Processo Legal e as Considerações Finais

A Constituição Federal prevê em seu art. 5o, inc. LIV que “ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Sua previsão denota uma
abrangência, que na visão de Celso Ribeiro Bastos “quase que se confunde

com o Estado de Direito”57.


Links
Atualmente, o devido processo legal assume duas Para mais informações ver: <http://
58 www.ibccrim.org.br>
feições: substancial e processual , e não por outra
razão Alexandre de Moraes entende que configura
dupla proteção ao indivíduo59.

O devido processo legal substancial, ou material, relaciona-se com a observância de


processo legislativo de elaboração de lei previamente definido, bem como com critério de
razoabilidade que permite a restrição de direitos individuais. Segundo José Joaquim Gomes
Canotilho este aspecto impõe que “às autoridades legiferantes deve ser vedado o direito de
disporem arbitrariamente da vida, da liberdade e da propriedade das pessoas, isto é, sem
razões materialmente fundadas para o fazerem”60.
Por sua vez, a feição mais comum, chamada de processual, procedimental ou adjetiva, refere-se à
maneira pela qual a lei e a ordem judicial são cumpridas 61. Para que haja o desenvolvimento
adequado do processo e se chegue ao pronunciamento judicial na sentença, exige-se o

57 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil , p. 226. Para Henrique Savonitti Miranda, um dos prin-
cípios de maior magnitude. MIRANDA, Henrique Savonitti. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. Brasília: Senado Fede-ral,
2005. p. 249. A Suprema Corte Americana, no caso “Twining vs. New Jersey” afirmou a dificuldade de conceituar o
dueprocessoflaw: “poucas cláusulas do direito são tão evasivas de compreensão exata como essa (...) Esta Corte se tem
sempre declinado em dar uma definição compreensiva dela e prefere que seu significado pleno seja gradualmente apu-rado
pelo processo de inclusão e exclusão no curso de decisões dos feitos que forem surgindo”. Tradução livre da autora.
58 SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo Penal Constitucional,p. 43; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direi-to
Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2008. p. 494. Segundo Gilson Bonato, devido pro-cesso
processual surgiu antes do substantivo. BONATO, Gilson. Devido processo legal e garantias processuais penais. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 30-31. No mesmo sentido, CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e os
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 27.
59 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 93.
60 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 494.
61 LIMA, Maria Rosynete Oliveira. Devido Processo Legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 76; SIL-
VEIRA, Paulo F. Devido processo legal: dueprocessoflaw. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p. 146.

22
Breves Anotações Sobre Alguns Princípios Processuais Previstos da
Constituição Federal de 1988

cumprimento de alguma forma, trâmite e procedimento62. Por isto, pode-se afirmar que esta
feição do devido processo legal significa a existência e observância de um procedimento
ordenado63.

Entende-se como um conjunto de elementos indispensáveis para atingir a finalidade, ou


também um conjunto de formas instrumentais adequadas.

Para Rogério Lauria Tucci, para efetivação do direito ao processo, exige-se o desenvolvimento
regular do procedimento, “com concretização de todos os seus componentes e corolários, e
num prazo razoável”64. Isto porque, processo significa progressão, sequencia ordenada de
atos, avanço e progresso, e no ponto de vista jurídico é o desenvolvimento de atos e momentos
determinados por lei, pelo meio do qual o Estado realiza o direito65.

Entende-se que somente haverá estreita observância do devido processo legal se, durante
a persecução penal, forem asseguradas as demais garantias processuais previstas no texto
constitucional66. Por isso, concorda-se com a afirmação de Barbosa Moreira de que o
devido processo legal engloba outros vários princípios processuais e funciona como norma
de encerramento67.

62 MALJAR, Daniel E. El proceso penal y las garantías constitucionales. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2006. p. 140-141.
63 LIMA, MariaRosynete Oliveira. Devido Processo Legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 190. Para
Paulo F. Silveira, de acordo com o devido processo legal processual, verifica-se, apenas, se o procedimento empregado foi
correto, sem análise da substância do ato judicial. SILVEIRA, Paulo F. Devido processo legal: due process of law, p. 146.
64 TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal: Jurisdição, ação e processo penal (estudo sistemático).
São Paulo: RT, 2003. p. 205.
65 MALJAR, Daniel E. El proceso penal y las garantías constitucionales, p. 138.
66 A doutrina sustenta que “defende-se por essa garantia, com efeito, um processo penal que seja justo, que assegure o
contraditório e a ampla defesa dos acusados, além da igualdade das partes e a imparcialidade dos julgadores, requisitos
esses cuja falta importa em verdadeira denegação de justiça, circunstância essa que já era repelida desde a primitiva Magna
Carta”. CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Consti-tuição do Brasil.
2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 37. E ainda que “o termo devido processo legal é usado para explicar e expandir os
termos vida, liberdade, propriedade e para proteger a liberdade e a propriedade contra legislação opressiva ou não-razoável,
para garantir ao indivíduo o direito de fazer de seus pertences o que bem entender, desde que seu uso e ações não sejam
lesivos aos outros como um todo”. COOLEY, Thomas. The general principles of constitutional law in United States of
America.4. ed. Boston: Little Brown andCo., 1931. p. 279. Tradução livre da autora.
67 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil.
2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989.Conforme sustenta Daniel Maljar, o devido processo legal se identifica como a
defesa em juízo, garantia instrumental para a defesa dos direitos do acusado no processo judicial MALJAR, Daniel E. El
proceso penal y lasgarantíasconstitucionales, p. 140-141.

23
Pontuando
• Constituição Federal de 1988

• O contraditório

• A ampla defesa

• A duração razoável do processo

• O devido processo legal

• Conclusões

Glossário
Suprema: “que está acima de tudo”. Fonte: Minidicionário Houaiss, 2008, p. 707

Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA d) 1984

O Código de Processo Penal brasileiro é da- e) 1988


tado de:
Questão 2 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
a) 1939
No período do regime militar, a extrema re-
b) 1940
dução das garantias individuais se deve prin-
c) 1941 cipalmente:

24
Verificação de leitura

a) A Emenda no 01, de 1979 Questão 5 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

b) A Emenda no 01, de 1989 O momento em que o acusado pode expor


c) A Emenda no 01, de 1969 e refutar as acusações que pesam sobre
ele, onde poderá exercer de forma pessoal
d) A Emenda no 01, de 1964
seu direito de defesa é o:
e) A Emenda no 01, de 1959
a) Interrogatório

Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA b) Direito ao silêncio

Nos termos do art. 5°, LV, da CF/88, aos liti- c) Direito de audiência
gantes, em processo judicial ou d) Momento da prisão
administrati-vo, e aos acusados em geral
e) Contraditório
são assegura-dos:

a) O contraditório e a ampla defesa

b) O direito de defesa e a apelação

c) O devido processo e a interpelação

d) A ampla defesa e o devido processo

e) O contraditório e as regras do jogo

Questão 4 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

Com o advento da Emenda Constitucional


de n°45 ficou expresso no texto constitucio-
nal o principio:

a) Da ampla defesa

b) Da plenitude de defesa

c) Da razoável duração do processo

d) Do contraditório

e) Da dignidade humana

25
Referências
AGUIAR, Ubiratan Diniz. As Origens da Constituição Brasileira. In: MESSENBERG, Débora et al.
Estudos Legislativos. 20 anos da Constituição brasileira. Brasília: Senado Federal, Câmara dos De-
putados, Tribunal de Contas da União e Universidade de Brasília, 2010.

ANDRADE, Manoel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra, 1992.

ANDRADE E SILVA, Danielle Souza de. A Atuação do juiz no processo penal acusatório: Incongru-
ências no sistema brasileiro em decorrência do modelo constitucional de 1988. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 2005.

ALARCÓN, Pietro de JesúsLora. Reforma do Judiciário e efetividade de prestação jurisdicional. In:


TAVARES, André Ramos (Org.). Reforma do judiciário. Analisada e comentada. Emenda Constitu-
cional 45/2004. São Paulo: Método, 2005.

BADARÓ, Gustavo Henrique RighiIvahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003.

BARBOSA, Ruy. Oração aos moços. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1999.

BARRETO, Irineu Cabral. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada. 3. ed. Coimbra:
Coimbra, 2005.

BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988. v. 2.

BONATO, Gilson. Devido processo legal e garantias processuais penais. Rio de Janeiro: Lumen Ju-
ris, 2003.

BONAVIDES, Paulo. Constituinte e Constituição: a democracia, o federalismo, a crise contemporâ-


nea. Fortaleza: Eufc, 1985.

BOTTINO, Thiago. Direito ao silêncio na jurisprudência do STF. São Paulo: Elsevier, Campus, 2009.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed.


Coimbra: Almedina, 2008.

CARBONELL, José Carlos Remotti. La Corte Interamericana de Derechos Humanos. Estructura,


funcionamiento y jurisprudencia. Barcelona: Instituto Europeu de Derecho, 2003.

CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova
Constituição do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989.

26
Referências

CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e os princípios da razoabilidade e da


proporcionalidade. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria Geral do Processo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

COOLEY, Thomas. The general principles of constitutional law in United States of America.4. ed.
Boston: Little Brown andCo., 1931.

FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoríadelgarantismo penal. 8. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2006.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 4. ed.
Curi-tiba: Positivo, 2009.

FOLHA DE S. PAULO. Para Supremo, CPI provoca risco de desobediência civil. São Paulo, 23 de
março de 1999.

GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997.

GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões judiciais. São Paulo: RT, 2011.

GOMES, Luiz Flávio. As garantias mínimas do devido processo criminal nos sistemas jurídicos brasi-
leiro e interamericano: estudo introdutório. In: GOMES, Luiz Flávio; PIOVESAN, Flávia (Coords.). O
sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro. São Paulo: RT, 2000.

GRINOVER, Ada Pellegrini. A necessária reforma infraconstitucional. In: TAVARES, André Ramos; LEN-ZA,
Pedro; ALARCON, Pietro de Jesus Lora (Coord.). Reforma do judiciário. São Paulo: Método, 2005.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Defesa contraditória, igualdade e par conditio na ótica do processo de
estrutura cooperatória. In: Novas tendências do Direito Processual (De acordo com a Constituição
de 1988). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990.

GRINOVER, Ada Pellegrini. O conteúdo da garantia do contraditório. In: Novas Tendências do Direito
Processual (De acordo com a Constituição de 1988). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990.

GRINOVER, Ada Pellegrini; MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio; SCARANCE FERNANDES,


Antonio. As nulidades no processo penal. 12. ed. São Paulo: RT, 2011.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Ja-
neiro: Objetiva, 2009.

27
Referências

LIMA, Maria Rosynete Oliveira. Devido Processo Legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
1999. p. 76; SILVEIRA, Paulo F. Devido processo legal: dueprocessoflaw. 2. ed. Belo Horizonte:
Del Rey, 1997.

LIMA, Wanderson Marcello Moreira de. A Constitucionalização dos Direitos Fundamentais e seus Re-
flexos no Direito ao Silêncio do Acusado. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 91, n. 804, out. 2002.

LOPES, Othon de Azevedo. A dignidade da pessoa humana como princípio jurídico fundamental. In:
SILVA, Alexandre Vitorino et al. Estudos de Direito Público. Direitos Fundamentais e Estado Demo-
crático de Direito. Porto Alegre: Síntese e Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, 2003.

LOPES JUNIOR, Aury. Direito ao processo penal no prazo razoável. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, n. 65, mar/abr. 2007.

MALJAR, Daniel E. El proceso penal y las garantías constitucionales. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2006.

MENDES, Gilmar. 20 anos de Constituição: o avanço da democracia. In: SENADO FEDERAL. Con-
stituição de 1988. O Brasil 20 anos depois. Os alicerces da redemocratização. Brasília, 2008.v. I:
Do processo constituinte aos princípios e direitos fundamentais.

MIRANDA, Henrique Savonitti. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. Brasília: Senado Federal, 2005.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova
Consti-tuição do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989.

NERY JUNIOR, Nelson Princípios do processo na Constituição Federal: Processo civil, penal e ad-
ministrativo. 9. ed. São Paulo: RT, 2009.

OST, Francois. O tempo do direito. Trad. Élcio Fernandes. Bauru: Universidade do Sagrado Cora-
ção, 2005.

PAULA, Leonardo Costa de. Duração razoável do processo no Projeto de Lei 156/2009. In: COU-
TINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de (Orgs.). O
Novo Processo Penal à luz da Constituição (Análise crítica do Projeto de Lei 156/2009, do Senado
Federal). 2. tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

PEDROSA, Ronaldo Leite. O interrogatório criminal como instrumento de acesso à Justiça penal:
Desafios e Perspectivas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. Coleção Direito Processual Penal. Co-
ordenação de Geraldo Prado.

28
Referências

PÉREZ, Alex Carocca. Garantía Constitucional de la defensa procesal. Barcelona: J.M Bosch Edi-
tor, 1998.

PITOMBO, Cleunice Valentim Bastos; BADARÓ, Gustavo Henrique RighiIvahy; ZILLI, Marcos Ale-
xandre Coelho; MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Publicidade, ampla defesa e contraditório
no novo interrogatório judicial. Conclusões preliminares do Grupo de Estudos do Departamento de
Projetos Legislativos do IBCCRIM. Boletim do IBCCRIM, ano 11, n. 135, fev. 2004.

ROCHA, Cármem Lúcia Antunes. O direito constitucional à jurisdição. In: TEIXEIRA, Sávio de
Figuei-redo (Coord.). As garantias do cidadão na Justiça. São Paulo: Saraiva, 1993.

SCARAMUZZA, André Fontolan. Razoável duração do processo. Revista Consulex, ano XII, n. 284,
15 nov. 2008.

SCARANCE FERNANDES, Antônio. Princípios e garantias processuais penais em 10 anos de


Cons-tituição Federal. In: MORAES, Alexandre de (Org.). Os 10 anos da Constituição Federal:
Temas diversos. São Paulo: Atlas, 1999.

SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo Penal Constitucional. 6. ed. São Paulo: RT, 2010.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. São Paulo: RT, 1999.

SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2004.

TAVARES, André Ramos. Reforma do Judiciário no Brasil pós-88: (Des)estruturando a Justiça. Co-
mentários completos à Emenda Constitucional 45/04. São Paulo: Saraiva, 2005.

TOSTES, Sérgio. Convenções Internacionais à luz da soberania nacional.Revista de Direito


Público, ano VII, n. 30, nov./dez. 2009.

TRECHSEL, Stefan. Human Rights in Criminal Proceedings.New York: Oxford University, 2005.

TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 3. ed. São
Paulo: RT, 2009.

TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal: Jurisdição, ação e processo penal
(estudo sistemático). São Paulo: RT, 2003.

29
Referências

UBERTIS, Giulio. Verso um giusto processo penale. Torino: G. Giappichelli Editore, 1997.

VIEIRA, Renato Stanziola. Paridade de armas no processo penal. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014.

WINTERS, Lorena Bachmaier.Proceso Penal y protección de los derechos fundamentales del im-
putado en Europa. La propuesta de decisión marco sobre determinados derechos procesales en los
procesos penales celebrados en La Unión Europea. In: SANTOS, Andrés de La Oliva; DEU, Teresa
Armenta; CUADRADO, MariaPiaCalderó (Coords.). Garantías fundamentales del proceso penal en
el espacio judicial europeo. Madrid: Colex, 2007.

ZANOIDE DE MORAES, Maurício. Presunção de inocência no processo penal brasileiro:


Análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

Gabarito
Questão 1

Resposta: Alternativa C.

Resolução: O Código de Processo Penal do Brasil data de 1941 e permanece em vigor até
os dias atuais.

Questão 2

Resposta: Alternativa C.

Resolução: Sabe-se que o período relativo ao regime militar no país foi responsável pela
redução – senão o aniquilamento – das garantias individuais, com reflexo imediato na
aplicação do direito processual. Isto porque a Constituição de 1967, com a Emenda no 01,
de 1969, e os Atos Institucionais estabeleceram no país um estado autoritário e de exceção.

30
Gabarito

Questão 3

Resposta: Alternativa A.

Resolução: Ver art. 5°, LV, CF.

Questão 4

Resposta: Alternativa C.

Resolução: A duração razoável do processo somente foi expressa no texto constitucional


com o advento da Emenda Constitucional no 45/2004, também conhecida como a emenda
de “Reforma do Judiciário”.

Questão 5

Resposta: Alternativa A.

Resolução: Por sua vez, o interrogatório judicial é considerado como o momento destinado
ao acusado, se assim desejar, expor em juízo e pessoalmente a sua versão dos fatos,
refutar as acusações formuladas e contrapor as provas produzidas.

31
TEMA 02
Processo Penal Humanitário
e a Necessidade de sua
Dupla Conformidade

32
LEGENDA seções
DE ÍCONES

Início

Vamos
pensar

Glossário

Pontuando

Verificação
de leitura

Referências

Gabarito

33
Tema 02
Processo Penal Humanitário e a Necessidade
de sua Dupla Conformidade
Juliano de Oliveira Leonel

Defensor Público Estadual. Mestre em Direito (UCB). Pós-graduado em direito penal e


processo penal (UFPI). Professor de processo penal de diversas faculdades em nível de
graduação e pós-graduação lato senso. Professor convidado da Escola Superior da
Defensoria Pública do Estado do Piauí, da Escola Superior da Magistratura do Estado do
Piauí, da Escola Superior da Advocacia do Piauí, da Escola Superior da Defensoria Pública
do Maranhão, Escola Superior da Defensoria Pública do Rio Grande do Norte e da Pós-
graduação em Ciências Penais da rede LFG.

Objetivo

Caro aluno, o presente texto visa abordar os principais pontos ligados ao processo penal
brasileiro e sua necessária filtragem constitucional e, no caso, convencional, pois como sabido
é dever do Brasil seguir as determinações trazidas na Convenção Americana de Direitos
Humanos - Pacto de San José da Costa Rica - promovendo assim uma adequada leitura do
sistema processual brasileiro nos termos dos tratados internacionais de direitos humanos.

Resumo da Aula

A Constituição Federal de 1988 traça um projeto democrático que inegavelmente condiciona


toda construção dogmática e legislativa do processo penal brasileiro. Aliás, o processo penal
deve ser um instrumento a serviço desse projeto democrático constante do texto constitucional,
sendo, inclusive, o principal termômetro da política estatal. Dessa forma, é imperioso que se
entenda o direito processual penal não apenas como um instrumento de aplicação do direito
penal, mas, sobretudo, como um instrumental de proteção do débil, que tem por finalidade a
máxima eficácia dos direitos fundamentais. No entanto, não basta ao processo penal
contemporâneo uma conformidade com o texto constitucional, pois as normas processuais
penais internas também devem se conformar ao que dispõe os tratados

34
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua Dupla Conformidade

internacionais de direitos humanos. No Brasil, de acordo com a jurisprudência do STF, o


Pacto de São José da Costa Rica ingressou no ordenamento interno com o status de lei
supralegal. Por conseguinte, é inegável que o CPP, como lei ordinária que é, deve respeito
ao que prescreve a CADH.

Introdução

Não se pode mais admitir, à luz do Estado Constitucional, que os direitos fundamentais
tratam-se apenas de normas programáticas e principiológicas, a terem a sua eficácia
vinculada a programas de governo. Como é cediço, os direitos que eram limitados apenas a
projeto de concretização do bem comum, passaram a ser comandos normativos na garantia
da dignidade da pessoa humana, irradiando-se, assim,as normas constitucionais,por todo o
ordenamento jurídico, através de uma eficácia ampla1.

Logo, a atividade legiferante, mormente no campo do direito processual penal, está


condicionada, ante a supremacia das normas constitucionais e dos tratados internacionais
de direitos humanos, ao respeito do devido processo legal, da ampla defesa, do
contraditório etc, sob pena de manifesta inconstitucionalidade.

No campo do processo penal, essa necessidade é mais sensível, pois é nessa esfera em
que se dão as invasões mais incisivas do Estado nos direitos fundamentais dos cidadãos,
devendo, por seu turno, o direito processual penal ser um dique de contenção dos arbítrios
do poder estatal.

Partindo-se da concepção de processo enquanto situação jurídica de Goldschmidt (1935), o


processo é uma guerra inserida na mais completa epistemologia da incerteza. Assim,
necessário se faz assumir que um processo penal que se propõe a ser democrático é aquele
que serve para proteger os direitos fundamentais, através de regras do jogo democráticas,
decorrendo desse respeito, inclusive, a legitimidade da sentença condenatória, e não se

1 Para Streck (2001, p. 25), “em face do Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição brasileira, ‘o valor
normativo da Constituição deve ser potencializado, especialmente a normatividade dos capítulos condensadores dos
interesses das classes não-hegemônicas”.

35
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua
Dupla Conformidade

alvorar num instrumento de busca da verdade (que no processo penal é contingencial).


Logo, inegável a instrumentalidade constitucional do processo penal2.

Por conseguinte, para que o poder punitivo tenha legitimidade é imperioso que ao réu tenha
sido garantido o devido processo legal, com todos os seus consectários, previstos não só
na Constituição Federal, mas, também, no Pacto de São José da Costa Rica.

Assim, o presente estudo inicia-se com a análise concepção de processo enquanto situação
jurídica e, ainda, pela instrumentalidade constitucional do processo penal. Em seguida,
discutir-se-á a necessidade de se fazer não apenas o controle de constitucionalidade da
legislação processual penal, mas, também, um controle de covencionalidade à luz da
Convenção Americana dos Direitos Humanos.

Do Processo Enquanto Situação Jurídica e da Necessidade de sua


Dupla Conformidade

Ainda predomina no Brasil e no estrangeiro3 a equivocada concepção de processo como


relação jurídica, na esteira da doutrina de Bülow. Ocorre que, o senso comum teórico ainda
não se deu conta de que essa concepção de processo parte de uma equivoca noção de
igualdade e segurança4.

Com razão adverte Lopes Jr (2012, p. 101), “foi GOLDSCHMIDT que evidenciou o caráter
dinâmico do processo, ao transformar a certeza própria do direito material na incerteza
característica da atividade processual”.

2 Segundo Lopes Jr (2013, p. 84) “o processo penal deve servir como instrumento de limitação da atividade estatal,
estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos direitos individuais constitucionalmente previstos, como a pre-
sunção de inocência, contraditório, defesa etc.
3 De acordo com Lopes Jr (2012, p. 100): “A teoria do processo como relação jurídica recebeu críticas, tanto na sua
apli-cação para o processo civil como também para o processo penal, mas, em que pese sua insuficiência e
inadequação, acabou sendo adotada pela maior parte da doutrina processualista”.
4 Adverte Lopes Jr (2012, p. 100) que “A noção de processo como relação jurídica, estruturada na obra de BÜLOW, foi
fundante de equivocadas noções de segurança e igualdade que brotaram da chamada relação de direitos e deveres
estabelecidos entre as partes e entre as partes e o juiz. O erro foi o de crer que no processo penal houvesse uma
efetiva relação jurídica, com um autêntico processo de partes”.

36
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua Dupla Conformidade

A partir de Beck (2011) é inegável que vivemos numa sociedade de risco, onde os riscos
estão em tudo e em todos os lugares, evidenciando que estamos inseridos num Estado
Insegurança.

Logo, por óbvio, que o processo penal não está fora desse contexto, ao contrário, também
está inserido na mais completa epistemologia da incerteza, já que a sentença judicial nunca
pode ser prevista com segurança, coexistindo em igualdade de condições a possibilidade
de serem prolatadas no processo sentenças justas e injustas (LOPES JR, 2012).

Para Calamandrei (1999, p. 223) “O êxito depende, por conseguinte, da interferência destas
psicologias individuais e da força de convicção com que as razões feitas pelo demandante
consigam fazer suscitar ressonâncias e simpatias na consciência do julgador”.

No entanto, adverte Lopes Jr (2012, p.109) que “o árbitro (juiz) não é livre para dar razão a
quem lhe dê vontade, pois se encontra atrelado à pequena história retratada pela prova
contida nos autos”. Preleciona ainda o citado autor que, o juiz “está obrigado a dar razão
àquele que melhor consiga, através da utilização de meios técnicos apropriados, convencê-
lo. Por conseguinte, as habilidades técnicas são cruciais para fazer valer o direito,
considerando sempre o risco inerente à atividade processual” (LOPES JR, 2012, p. 109).

Dessa maneira, destaca Calamandrei (1999, p. 224): “Afortunada coincidência é a que se


verifica quando entre dois litigantes o mais justo seja também o mais habilidoso”, sendo que
para ele o processo “vem a ser nada mais que um jogo no qual há que vencer”.

Em assim sendo, a concepção que melhor retrata essa realidade do processo, que está
inserido na epistemologia da incerteza, por evidente, é aquela que foi construída por
Goldschmidt (1935), ou seja, a que conceitua o processo enquanto situação jurídica,
retratando assim a insegurança processual, o seu estado de guerra e a sua dinamicidade,
ao contrário da concepção de processo como relação jurídica, que está ancorada
numequivocado juízo de estática.

37
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua
Dupla Conformidade

Assim, o processo penal nada mais é do que uma guerra5, aonde alguém há de vencer. E,
vencerá, por óbvio, aquele que melhor aproveitar as chances processuais6, conseguindo,
através da produção das provas7, a captura psíquica do juiz8.
Por conseguinte, se o processo penal é uma guerra, um jogo, que não deve ter por missão
a busca desenfreada do mito “verdade real”, já que a verdade no processo penal não é
achada, mas sim construída analogicamente através dos rastros da passeidade (KHALED
JR, 2013), mister se faz compreendê-lo pelo viés da sua instrumentalidade constitucional.

Aliás, Goldschmidt (1935, p. 7), já perguntava “Por que supõe a imposição da pena a
existência de um processo?” E, ainda: “Se o ius puniendi corresponde ao Estado, que tem o
poder soberano sobre seus súditos, que acusa e também julga, por meio de distintos
órgãos: por que necessita que prove seu direito em um processo?”.

Em resposta ao presente questionamento, Lopes Jr (2012, p. 72) ensina que:


O processo não pode mais ser visto como um simples instrumento a serviço do
poder punitivo (Direito Penal), senão que desempenha o papel limitador do
poder e garantidor do indivíduo a ele submetido. Há que se compreender que o
respeito às garantias fundamentais não se confunde com impunidade, e jamais
se defendeu isso. O processo penal é um caminho necessário para chegar-se,
legitimamente, à pena. Daí por que somente se admite sua existência quando
ao longo desse caminho forem rigorosamente observadas as regras e garantias
constitucionalmente asseguradas (as regras do devido processo legal).

5 Para Lopes Jr (2012, p. 102) “Essa dinâmica do estado de guerra é a melhor explicação para o fenômeno do
processo, que deixa de lado a estática e a segurança (controle) da relação jurídica para inserir-se na mais completa
epistemologia da incerteza”.
6 Segundo Lopes Jr (2012, p. 102) “O processo é uma complexa situação jurídica, na qual a sucessão de atos vai geran-do
situações jurídicas, das quais brotam as chances, que, bem aproveitadas, permitem que a parte se liberte de cargas
(probatórias) e caminhe em direção favorável. Não aproveitando as chances, não há a liberação de cargas, surgindo a
perspectiva de uma sentença desfavorável. O processo, enquanto situação – em movimento -, dá origem a expectativas,
perspectivas, chances, cargas e liberação de cargas. Do aproveitamento ou não dessas chances, surgem ônus e bônus”.
7 “As provas são os materiais que permitem a reconstrução histórica e sobre os quais recai a tarefa de verificação das
hipóteses, com a finalidade de convencer o juiz (função persuasiva)” (LOPES JR, 2012, p. 537).
8 Esclarece Lopes Jr (2012, p. 538) que “o processo penal tem uma finalidade retrospectiva, em que, através das
provas, pretende-se criar condições para a atividade recognitiva do juiz acerca de um fato passado, sendo que o saber
decorrente do conhecimento desse fato legitimará o poder contido na sentença”.

38
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua Dupla Conformidade

Da mesma forma, Khaled Jr (2013, p. 142) afirma que:

O processo deve ser um limite ao poder; se não fosse esse o seu sentido,
sequer precisaria existir. Trata-se de um meio de redução da complexidade que
condiciona a manifestação do poder punitivo a um conjunto de requisitos,
exigindo que o processo seja o caminho necessário – o único possível – para a
imposição da pena.

Realmente, não se pode negar essa vertente instrumental do processo penal, como
ferramenta de contenção do poder punitivo, pois de acordo com Khaled Jr (2014, p. 1) “Os
brasileiros são vítimas de um deliberado processo de invenção histórica”, o que faz com
que se acredite “que somos um povo ordeiro e pacífico, que não conhece conflitos e vive
alegremente na democracia racial que prospera no Brasil”, encobrindo, assim, “o
autoritarismo nosso de cada dia” e reforçando a crença na bondade do poder punitivo.

E, essa crença na regularidade dos atos de poder, sobretudo do poder punitivo, segundo
Carvalho (2013, p. 164):
Define postura disforme dos sujeitos processuais, estabelecendo situação de
crise através da ampliação da distância entre práticas penais e a expectativa
democrática da atividade jurisdicional. O reflexo concreto é violação explícita ou
inversão do sentido garantista de interpretação e de aplicação das normas de
direito de processo penal, revigorando práticas autoritárias.

Aliás, Ferrajoli (2009) também adverte que essa confiança ilimitada na bondade do poder e
na sua capacidade de atingir a verdade retratam concepções inquisitivas, sendo que o estilo
acusatório é fulcrado na desconfiança ilimitada do poder como fonte autônoma de verdade.
Não é por outra razão que Carvalho (2013, p. 164) afirma que “Pressupor a tendência
constante das agências de punitividade em violar os direitos fundamentais talvez seja a
única forma de criar blindagem prático-teórica contra as violações mesmas”.

Logo, partindo-se das premissas de que o exercício do poder punitivo e de que as práticas
penais são violentas, o garantismo de Ferrajoli (2009) é construído a partir do princípio da
irregularidade dos atos dos poderes, ganhando relevo, nesse contexto, a função do
processo penal como instrumento de contenção dos abusos e arbítrios do poder punitivo.
Caso não se entenda dessa forma, ficar-se-á, segundo Lopes Jr (2016, p. 423), “sempre na
circularidade ingênua de que, acreditando na ‘bondade dos bons’ (AGOSTINHO RAMALHO
MARQUES NETO), presume a legitimidade de todo e qualquer ato de poder”.

39
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua
Dupla Conformidade

Não é por outra razão que Morais da Rosa (2011, p. 5) afirma que:
Isto porque, diante da complexidade contemporânea, a legitimação do Estado
Democrático de Direito deve suplantar a mera democracia formal, para alcançar
a democracia material, na qual os Direitos Fundamentais devem ser
respeitados, efetivados e garantidos, sob pena da deslegitimação paulatina das
instituições estatais. Dito de outra forma, em face da supremacia Constitucional
dos direitos positivados no corpo de Constituições rígidas ou nelas referidos
(CR, art. 5º, §2º), como a brasileira de 1988, e do princípio da legalidade, a que
todos os poderes estão submetidos, surge a necessidade de garantir esses
direitos a todos os indivíduos, principalmente os processados criminalmente,
pela peculiar situação que ocupam (mais fracos ante o poder estatal). O
garantismo jurídico baseia-se, portanto, nos direitos individuais – vinculados à
tradição iluminista – com o escopo de articular mecanismos capazes de limitar
o poder do Estado soberano, sofrendo, como curial, as influências dos
acontecimentos históricos, especificamente a transformação da sociedade
relativamente à tutela dos direitos sociais e negativos de liberdade, bem assim
do levante neoliberal que, na esfera do Direito Público apresenta perspectiva de
exclusão social e mitigação das garantias individuais, tendo como reação a
crítica contundente de parcela considerável dos juristas.

Portanto, é iniludível que o processo penal, como guerra ou jogo, tendo por base o
paradigma constitucional, tem por missão assegurar o respeito às regras do jogo, isto é, o
flair play processual e não a arcaica e inatingível busca desenfreada da “verdade real”.

É óbvia a imanente relação complementar que existe entre crime, pena e processo, pois
não existe crime sem pena, bem como pena sem delito e processo. Claro que não haveria
também “processo penal senão para determinar o crime e impor uma pena” (LOPES JR,
2013, p. 32). Assim, “o processo, como instituição estatal, é a única estrutura que se
reconhece como legítima para a imposição da pena” (LOPES JR, 2013, p. 34).

No entanto, conforme dito, segundo Lopes Jr (2012, p. 575) “Não se pode mais admitir que
o processo penal sirva para ‘fazer crer’ – às pessoas – que ele determina a ‘verdade’ dos
fatos”. Desta feita, em não sendo a sentença fonte reveladora da “verdade divina”, o que
seria ela? Para Lopes Jr (2012, 575), a sentença é:
Um ato de convencimento formado em contraditório e a partir do respeito às
regras do devido processo. Se isso coincidir com a “verdade”, muito bem.
Importa é considerar que a “verdade” é contingencial, e não fundante. O juiz, na
sentença, constrói – pela via do contraditório – a “sua” história do delito,
elegendo os significados que lhe parecem válidos, dando ua demonstração
inequívoca de crença. O resultado final nem sempre é (e não precisa ser) a
“verdade”, mas sim o resultado do seu convencimento – construído nos limites
do contraditório e do devido processo penal.

40
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua Dupla Conformidade

Moraisda Rosa e Khaled Jr (2014, p. 7) advertem que “decidir é uma tarefa complexa”, pois
o cérebro “por seus sistemas S1 (implícito, rápido, automático, emotivo e sem esforço) e S2
(consciente, demorado, racional, desgastante e lógico), busca reduzir a complexidade da
decisão”. Por isso, a psicologia cognitiva pode ser uma aliada, já que “acolhe a
racionalidade da decisão, todavia, mitigada, ou seja, a racionalidade depende do estoque
de informações, a maneira como foi processada e o impacto que isso representa diante dos
fins da decisão”. Prelecionam ainda (2014, p. 13) que “nosso sistema processual penal
ainda é animado por uma doentia ambição de verdade, que se recusa a arrefecer” e “Em
nome dessa insaciável busca, permanece imperando um processo penal do inimigo, cujo
objetivo consiste na obtenção da condenação a qualquer custo”.

Dessa forma, cristalino que, num processo democrático, como a sentença depende do
“estoque de informações” e da “maneira como foi processada”, outro caminho não há senão
o convencimento do julgador basear-se em atos de prova, colhidos sob o crivo do devido
processo legal9. Aliás, como assevera Streck (2012. p. 93), “discutir as condições de
possibilidade da decisão judicial é, antes de tudo, uma questão de democracia”.

Não por outra razão, Cunha Martins (2001) afirma que o ponto cego do direito é o evidente,
já que ele seda os sentidos, cega, alucina, ao não se permitir ver, por ser um “simulacro de
autorreferencialidade” – basta por si só. Para Lopes Jr (2016, 425), “Erroneamente, somos
levados a crer que o ‘evidente’ dispensa prova, afinal, é evidente! E aqui está o perigo: o
desamor do contraditório”.

Em assim sendo, o processo penal, à luz do exposto, deve ser um instrumento de correção
do caráter alucinatório do evidente (Lopes Jr, 2016), instaurando o contraditório e
submetendo tudo às regras do jogo, democraticamente previstas na Constituição Federal.

Entretanto, não podemos olvidar que o Código de Processo Penal, promulgado (1941) em
pleno Estado Novo de Getúlio Vargas e inspirado no Código de Processo Penal Italiano da

9 Bonato (2003, p. 1) leciona que “Tido como princípio basilar na estruturação dos estados de direito modernos, o
princípio do devido processo legal ganha relevo no sistema brasileiro em razão das garantias que dele decorrem, ser-
vindo de vetor e base para que seja alcançado um direito material calcado na razoabilidade das leis e um processo
real-mente democrático, efetivo e justo dentro de uma sociedade que procura caminhar sempre mais para uma
democracia plena. Numa sociedade de padrões bastante discriminatórios, a previsão do princípio na atual Constituição
foi sem dúvida um avanço no mundo jurídico”.

41
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua
Dupla Conformidade

década 30 (Codice Rocco), possui um nítido viés fascista, policialesco e de inegável matriz
autoritária. Por conseguinte, é indefectível o choque ideológico entre o Código de Processo
Penal de índole ditatorial e a Constituição Federal de 1988 democrática.

Por isso, imperioso se torna fazer uma filtragem constitucional quando da aplicação das
regras do Código de Processo Penal, a fim de se verificar se tal regra foi ou não
recepcionada pela atual ordem constitucional.

Nesse sentido, inclusive, leciona Coutinho (2010, p. 8 e 9):


Há, porém, nisso tudo, que se entende o status quo e perceber ser a
constitucionalização do Código de Processo Penal e da legislação processual
penal um dir-se-ia, em sentido atécnico – processo; e não mero ato. (...) Aqui,
como parece elementar, ao Poder Judiciário cabe, tendo ciência da situação –
empurrando aqueles que a ignoram -, passar aos – ou paulatinamente ir fazendo-
os – imprescindíveis ajustes constitucionais, por sinal como se deu com várias
Cortes Constitucionais europeias no último pós-guerra mundial, a começar pela
italiana, a qual foi, passo a passo, declarando a inscontitucionalidade do CPPI...”.

Por óbvio, na esteira do que foi dito, não se pode admitir a aplicação das regras do Código
de Processo Penal sem antes realizar um sério controle de constitucionalidade.

Todavia, não basta apenas verificar a conformidade dos dispositivos da lei adjetiva penal
com as normas constitucionais, pois como adverte Coutinho (2010, p. 18 e 19) “é preciso
respeitar o Pacto de São José da Costa Rica (Decreto n. 678/92) porque, sendo justo à
cidadania, mas também legal e legítimo, não há por que ser ignorado, como
insistentemente, estão a insistir, mormente os órgãos jurisdicionais (...)”.

É de conhecimento de todos que, até a Segunda Guerra Mundial, a grande discussão no


campo do Direito girava em torno da divisão cartesiana de Direitos Naturais versus Direitos
Positivos. No entanto, após as atrocidades praticadas contra a humanidade no século
passado e a respectiva incorporação dos chamados até então “Direitos Naturais”
nas Constituições Modernas e nos mais variados
Vamos Pensar
Tratados Internacionais, hoje, a discussão do
Neoconstitucionalismo, pauta-se na efetivação
Elabore uma resenha que fale a respei-
desses direitos. to do princípio pro homini.

42
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua Dupla Conformidade

Nessa esteira, Norberto Bobbio (1988)leciona que os chamados direitos humanos surgem
como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares
(quando cada Constituição incorpora Declarações de Direitos) para, ao fim, encontrar a
plena efetivação como direitos positivos universais, afirmando, ainda que, atualmente, a
maior cizânia em torno dos direitos humanos “não é mais o de fundamentá-los, e sim o de
protegê-los”.

A partir de Oliveira (2016, p. 144), pode-se inferir que


“a proteção dos direitos humanos é a principal ferramenta na defesa e
promoção das liberdades públicas e das condições materiais primordiais para
uma vida digna. Os poderes Executivo e Legislativo são sempre solicitados a
atuar consoante esses direitos. No entanto, é o Poder Judiciário o “último
guardião de tais direitos, e a esperança de proteção em relação a eles”, e para
isso revela-se indispensável buscar a efetividade de sua tutela jurisdicional”.

Dentro desse contexto, o sistema interamericano de proteção dos Direitos Humanos


partiu da Carta da Organização dos Estados
Americanos (OEA), de 1948, ou Carta de Bogotá, e
Links
da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Para mais detalhes: <http://www.oas.org>
Homem (DADH), de 1948, culminando com a
Convenção Americana dos Direitos Humanos
(CADH), também chamada de Pacto de São José da Costa Rica, de 1969. O Brasil ratificou
a CADH através do Decreto Legislativo n. 27, de 28.5.1992, e a promulgou pelo Decreto
Executivo n. 678, de 6.11.19992, assumindo, portanto, a obrigação internacional de
assegurar o seu cumprimento, a ela vinculando-se, em especial de proteção da dignidade
da pessoa humana.

Dessa maneira, resta de forma patente, após todas as conquistas civilizatórias operadas no
período pós-segunda guerra mundial, que a fundamentação do Estado de Direito, sob o
pilar da dignidade da pessoa, produz importantes efeitos jurídicos, inclusive, no âmbito do
processo penal. Não é por outra razão que, o imputado não pode ser instrumentalizado,
tratado como objeto, no atual estado da arte no processo penal, mas, sim, como um sujeito
de direitos.

43
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua
Dupla Conformidade

Aliás, como adverte Sarlet (2004), constitui a dignidade, princípio fundante da ordem
jurídica, fundamento de todos os direitos, garantias e deveres fundamentais. Logo, essa
dignidade da pessoa, ingressa no processo penal também, como um “limite invencível da
interferência do poder, em seu aspecto negativo, ou seja, de não violação das esferas de
dignidade, de não aceitação de violação”, bem como em seu “aspecto positivo ou
prestacional, de respeito e efetivação da dignidade (GIACOMOLLI, 2015, p. 13).

Por essas razões, acertadamente, Giacomolli (2015, p. 12) leciona que “Uma leitura
convencional e constitucional do processo penal, a partir da constitucionalização dos direitos
humanos, é um dos pilares a sustentar o processo penal humanitário”. Assim, para ele há que
se falar em “processo penal constitucional, convencional e humanitário”. Dessa maneira,
prosseguindo em suas ilações, exalta que “a proteção convencional internacional dos direitos
vem justificada no preâmbulo da CADH, por serem atributos da pessoa humana, cujo
paradigma antropológico (ser humano) é reconhecido e integra a normatividade internacional”.

Por conseguinte, necessário se faz, no âmbito do processo penal, uma revolução hermenêutica,
com a quebra dos paradigmas autoritários de uma ordem legal (CPP) anacrônica, policialesca,
fascista, punitivista, fomentadora da violência estatal e de nítida base ditatorial.

Na atual quadra da história, mister se faz uma nova ordem processual penal, constitucional
e internacionalmente comprometida com a proteção da dignidade da pessoa humana.

Aliás, Coutinho (2010, p. 16 e 17) de há muito sustenta que “Não esquecer, porém, antes
de tudo, que se não volta atrás nas conquistas democráticas de direitos e garantias
constitucionais, sob pena de se perder a própria democracia”.

No entanto, segundo Oliveira (2016, p. 144):


A primeira informação trazida pela pesquisa trata do tema “direitos humanos” na
formação dos juízes. Os resultados indicam que, quando questionados sobre a da
existência de alguma disciplina de direitos humanos durante o curso de graduação,
84% dos magistrados responderam negativamente e, dentre as respostas
positivas, apenas 4% dos juízes tiveram a disciplina como obrigatória, sendo 12%
como disciplina opcional. Não obstante a dificuldade da matéria nas faculdades,
considerando a relevância do tema, os juízes foram instados a manifestar seu
interesse pelos estudos relacionados aos direitos humanos. De um universo de 109
entrevistados, 40 % (isto é, 42) nunca estudaram direitos humanos; vale dizer:
quatro entre dez juízes não tiveram espaço formal para

44
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua Dupla Conformidade

aprofundar sistematicamente conhecimentos fundamentais voltadas aos direitos


humanos. (...) Outro ponto da pesquisa cuidou do conhecimento dos magistrados
quanto ao funcionamento dos Sistemas de Proteção da Organização das Nações
Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA). Constatou-se
que 59% possuem um conhecimento superficial, enquanto 20% declararam
desconhecer como funcionam os mencionados sistemas de proteção.

E, ainda, de acordo com Oliveira (2016, p. 145):


O resultado revelou-se ainda pior na parte da pesquisa relacionada ao
conhecimentodos magistrados em relação à Convenção Americana de Direitos
Humanos: 66% dos entrevistados afirmaram que nunca utilizaram esse tratado
e apenas 9% o fizeram. Tal constatação revela que, a despeito dos esforços da
comunidade internacional para estabelecer um consenso mínimo sobre os
direitos humanos e, ainda, instrumentos normativos para garanti-lo, a maioria
dos magistrados ignora esse processo e as conquistasrealizadas em prol do
fortalecimento da democracia.

Tal pesquisa revela aquilo que Giacomolli (2015, p. 13-14)) já denunciava como a imperiosa
necessidade de superação, no processo penal, do déficit de compreensão (dogmáticos,
jurídicos, de validade e de eficácia dos direitos fundamentais), pois
não mais encontram legitimidade o discurso e a argumentação dos juristas e
dos sujeitos do processo quando arraigados no paradigma solitário e perfeito
do arcabouço ordinário das regras do CPP, de sua validade pelo fato da
existência, sem questionamentos constitucionais e convencionais.

Portanto, é inegável a necessidade de rompimento desses entraves, na direção da construção


de um processo penal constitucional e humanitário, que necessariamente passa pela
análise de conformidade das regras do Código de
Processo Penal com o Pacto de São José da Costa Vamos Pensar
Rica, dentro daquilo que se chama de controle de
Para questões ligadas a temática ver:
convencionalidade, até porque hierarquicamente o GIACOMOLLI, Nereu José. O devido
CPP, enquanto lei ordinária, está baixo da CADH, que processo penal: abordagem conforme a
Constituição Federal e o Pacto de São
segundo o STF possui o status de norma supralegal. José da Costa Rica. São Paulo: Atlas,
2014.

45
Processo Penal Humanitário e a Necessidade de sua
Dupla Conformidade

Considerações Finais

À luz de todo o exposto, a complexidade da pós-modernidade exige questionamentos


acerca dos saberes reproduzidos pela cultura manualesca, que reflete de forma acrítica o
senso comum teórico, mormente no campo do direito processual penal.

Necessário se faz romper com verdades e certezas “absolutas” no processo penal, que não
mais se coadunam com os regramentos constitucionais e internacionais de direitos humanos.

Assim, imperioso se torna assumir que o processo penal é um jogo e que não tem por
objeto a busca da verdade, pois ela não está lá para ser encontrada, já que o crime é um
fato histórico, passado e, portanto, imaginário.

Dessa forma, inegável que o processo penal democrático tem por finalidade assegurar o
respeito do fair play processual, das regras do jogo democrático, ou seja, o processo penal
é um instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias, previstos na
Constituição Federal e no Pacto de São José da Costa Rica.

No entanto, como o CPP é de matriz inquisitorial e todo saber é datado, mister se faz no
curso do processo penal, ao se decidir acerca da aplicação das regras do jogo, fazer uma
dupla análise de conformidade, através do controle de constitucionalidade e também do
controle de convencionalidade.

Pontuando
• Processo enquanto situação jurídica

• Necessidade de dupla conformidade

• Verdade

• Garantismo

46
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

Em 1969 houve um marco para a Os Estados-partes comprometem-se:


humanida-de representado pela: a) a assegurar um sistema justo;
a) Carta Magna;
b) a desenvolver as possibilidades de todo
b) Convenção Americana dos Direitos Huma- tipo de justiça;
nos;
c) a assegurar que a autoridade competente
c) Corte Internacional dos Direitos Humanos; prevista pelo sistema legal do Estado decida
sobre os direitos de toda pessoa que interpu-
d) Convenção das Américas;
ser tal recurso;
e) Constituição Federal.
d) a assegurar unanimidade nas decisões;

Questão 2 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA


e) a desenvolver o cumprimento pelas autori-
dades competentes.
Conforme o artigo 1º Convenção dos Direi-
tos Humanos dispõe que não haverá discri- Questão 4 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

minação:
São órgãos competentes para o cumprimen-
a) por sexo; to dos compromissos da Convenção Ameri-
b) por cor; cana de Direitos Humanos (CADH)?

c) de raça; a) a Comissão Interamericana de Direitos Hu-


manos e a Corte Interamericana de Direitos
d) idioma;
Humanos;
e) raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões
b) A Organização das Nações Unidas e a Uni-
políticas ou de qualquer outra natureza, origem
cef;
nacional ou social, posição econômica, nasci-
mento ou qualquer outra condição social. c) A ONU e a OIT;

d) a Comissão Interamericana de Direitos Hu-


manos e a OEA;

e) Corte Interamericana de Direitos Humanos


e a OIT.

47
Verificação de Leitura

Questão 5 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

Qual é a função e atribuição da Comissão?

a) estimular a convivência entre os povos;

b) preparar estudos referentes aos países


membros;

c) solicitar interferência dos governos;

d) estimular a consciência dos direitos huma-


nos nos povos da América;

e) atender às consultas da ONU.

Referências
ÁVILA, Gustavo Noronha de. Falsas memórias e sistema penal: a prova testemunhal em xeque.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

BACILA, Carlos Roberto. Princípios de avaliação das provas no processo penal e as garantias fun-
damentais. In: BONATO, Gilson (Org.). Garantias constitucionais e processo penal. Rio de Janeiro:
Lumen Júris, 2002.

BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. Trad. Sebastião Nascimento.
São Paulo: Editora 34, 2011.

BOBBIO, Norberto.Era dos Direitos, trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, Campus, 1988.

BONATO, Gilson. Devido processo legal e garantias processuais penais. Rio de Janeiro: Lumen
Jú-ris, 2003.

BUENO DE CARVALHO, Amilton. Direito Penal a Marteladas (Algo sobre Nietzsche e o Direito).
Rio de Janeiro: Lumen juris, 2013.

48
Referências

CALAMANDREI, Pietro. Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 1999, v. 3.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

CARNELUTTI, Francesco. Verità, Dubbio e Certezza.RivistadiDirittoProcessuale, v. XX, (II série), p.


4-9, 1965.

CARVALHO, Salo. Antimanual de Criminologia. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O Papel do Novo Juiz no Processo Penal. In COUTINHO,
Jacinto Nelson de Miranda (Org.) Crítica à Teoria Geral do Direito Processual. Rio de Janeiro:
Reno-var, 2001.

__________. Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro. Revista de Estudos
Criminais. Porto Alegre: Nota Dez Editora, 2001.

__________. Temas de Direito Penal & Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2010.

CUNHA MARTINS, Rui. O ponto Cego do Direito. The BrazilianLessons. Rio de Janeiro: Lumen
juris, 2010.

FERRAJOLI, Luigi. Poderes Selvagens. Trad. Alexander Araújo de Sousa. São Paulo: Editora
Sarai-va, 2014.

________________. Derecho y Rázon. Madrid: Trotta, 2009.

GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. Trad. A. M. Hespanha e L. M. Macaísta Malheiros.


Lisboa: Fundação CalousteGulbenkian, 2001.

GOLDSCHMIDT, James. Problemas Jurídicos y Políticos delProceso Penal. Barcelona: Bosch, 1935.

GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Nulidades no processo penal. Bahia: Editora Juspodivm, 2013.

KHALED JR, Salah Hassan. A busca da verdade no processo penal: para além da ambição inquisi-
torial. São Paulo, Editora Atlas, 2013.

_________________________. Ordem e progresso: a invenção do Brasil e a gênese do autoritaris-


mo nosso de cada dia. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2014.

__________________________ et al. In dubio pro hell: profanando o sistema penal. Rio de Janeiro:
Lumen Júris, 2014.

49
Referências

LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

______________.Direito Processual Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 2016.

______________. Investigação Preliminar no Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.

______________. Sistema de investigação preliminar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão no processo penal como Bricolage de Significantes. Tese
(Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná,
Curitiba, 2004.

______________. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material: Aportes Herme-


nêuticos. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2011.

NOVAIS, Jorge Reis. Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria. Coimbra: Coimbra, 2006.

NUCCI, Guilherme de Sousa. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: RT, 2007.

OLIVEIRA, Thiago Aleluia Ferreira de. Controle de convencionalidade dos tratados de direitos humanos
em perspectiva comparada: Brasil, Argentina e Chile. Dissertação de Mestrado – Rio de Janeiro, 2016.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. São Paulo: Editora Atlas, 2012.

______________. Tribunal do Júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. Rio de


Janei-ro: Lumen Júris, 2009.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Ad-
vogado, 2012.

SILVA, Evandro Lins e. A defesa tem a palavra. Rio de Janeiro: Aide, 1980.

SILVA, Virgílio Afonso. A constitucionalização do direito. Os direitos fundamentais nas


relações entre particulares. 1ª ed. 3ª tiragem. Malheiros: São Paulo, 2011.

STRECK, Lênio Luiz. Tribunal do Júri: símbolos & rituais. Porto Alegre: Livraria do Advoga-
do, 2001.

_________________. O que é isto – decido conforme minha consciência?. Porto Alegre:


Livraria do Advogado, 2012.

50
Referências

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. São Paulo; Editora
Sarai-va, 2009.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Origem y Evolucióndel Discurso Crítico enelDerecho Penal.


Buenos Aires: Ediar, 2004.

Gabarito
Questão 1

Resposta: Alternativa B.

Resolução: Conforme ficou estabelecido pelo preâmbulo da Convenção dos Direitos


Humanos: os Estados Americanos signatários da presente Convenção, reafirmando seu
propósito de consolidar neste Continente, dentro do quadro das instituições democráticas,
um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos
humanos essenciais; resolveu que uma Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos
determinasse a estrutura, competência e processo dos órgãos encarregados dessa matéria.

Questão 2

Resposta: Alternativa E.

Resolução: Segundo o artigo 2º, da Convenção dos Direitos Humanos: os Estados-partes


nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e
a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem
discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou
de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou
qualquer outra condição social.

51
Gabarito

Questão 3

Resposta: Alternativa C.

De acordo com o artigo 25 da Convenção Americana dos Direitos Humanos - CADH,


proteção judicial toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro
recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que
violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente
Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no
exercício de suas funções oficiais. Os Estados-partes comprometem-se: a assegurar que a
autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de
toda pessoa que interpuser tal recurso; a desenvolver as possibilidades de recurso judicial;
e a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se
tenha considerado procedente o recurso.

Questão 4

Resposta: Alternativa A.

Resolução: Nos mostra o artigo 33 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH)


é competente para conhecer de assuntos relacionados com o cumprimento dos
compromissos assumidos pelos Estados-partes nesta Convenção, a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, doravante denominada a Comissão; e a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, doravante denominada a Corte.

Questão 5

Resposta: Alternativa D.

Resolução: Em seu artigo 41 A Comissão tem a função principal de promover a observância e


a defesa dos direitos humanos e, no exercício de seu mandato, tem as seguintes funções e
atribuições: estimular a consciência dos direitos humanos nos povos da América; formular
recomendações aos governos dos Estados-membros, quando considerar conveniente, no

52
Gabarito

sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos humanos no âmbito de suas
leis internas e seus preceitos constitucionais, bem como disposições apropriadas para
promover o devido respeito a esses direitos; preparar estudos ou relatórios que considerar
convenientes para o desempenho de suas funções; solicitar aos governos dos Estados-
membros que lhe proporcionem informações sobre as medidas que adotarem em matéria de
direitos humanos; atender às consultas que, por meio da Secretaria Geral da Organização dos
Estados Americanos, lhe formularem os Estados-membros sobre questões relacionadas com
os direitos humanos e, dentro de suas possibilidades, prestar-lhes o assessoramento que lhes
solicitarem; atuar com respeito às petições e outras comunicações, no exercício de sua
autoridade, de conformidade com o disposto nos artigos 44 a 51 desta Convenção; e
apresentar um relatório anual à Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos.

53
TEMA 03
O Fenômeno da Relativização das
Nulidades: Crítica à Influência da
Teoria Geral do Processo e à Cultura
Inquisitiva no Sistema de Nulidades
no Processo Penal Brasileiro

54
LEGENDA seções
DE ÍCONES

Início

Vamos
pensar

Glossário

Pontuando

Verificação
de leitura

Referências

Gabarito

55
Tema 03
O Fenômeno da Relativização das Nulidades:
Crítica à Influência da Teoria Geral do
Processo e à Cultura Inquisitiva no Sistema de
Nulidades no Processo Penal Brasileiro
Bruno Silveira Rigon

Mestre do Programa de Pós-graduação em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade


Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Especialista em Ciências Penais pela mesma
Instituição e Assessor no Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. E-mail:
brunosrigon@gmail.com.

Yuri Felix

Doutorando e Mestre do Programa de Pós-graduação em Ciências Criminais pela Pontifícia


Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Pós-graduado em Direito Penal
Econômico pela Universidade de Coimbra/IBCCrim. Pós-graduado em Ciências Penais pela
Universidade Anhanguera – UniderpLFG. Presidente da Comissão de Direito Penal e Direito
Processual Penal da 40ª Subseção da OAB/SP. Professor e palestrante com artigos
publicados em revistas especializadas. Advogado criminal.

Objetivo

Prezado aluno da Pós de Ciências Penais. O objetivo das linhas que seguem é torná-lo
capaz de refletir a respeito de questões que envolvem o sistema de nulidades no processo
penal brasileiro e com isso estar apto a responder a indagação de que se ainda é possível
manter a bipartição das nulidades em absoluta e relativa.

Resumo da Aula

Caro aluno, o tratamento conferido pela dogmática processual penal e pela jurisprudência
brasileira, no que tange ao descumprimento das formas processuais penais, está intimamente

56
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica à Influência da Teoria
Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva no Sistema de Nulidades no
Processo Penal Brasileiro

influenciado pela teoria geral do processo (civil) e marcado pela cultura inquisitorial. Devido
a isso, observamos o fenômeno da relativização das nulidades. O presente artigo busca
contribuir para uma breve, mas não menos importante, necessidade de reflexão acerca das
nulidades processuais penais, através de uma leitura a partir da instrumentalidade
constitucional do processo penal brasileiro.

1. Introdução

A dogmática processual penal brasileira, no que tange ao descumprimento das formas


processuais penais e, mais especificamente, às nulidades processuais, está intimamente
influenciada pela teoria geral do processo (civil) e marcada pela cultura inquisitorial. A forma
de aplicação na jurisprudência não é, pois, diferente. Inúmeros equívocos são realizados,
tanto pelos doutrinadores, quanto pelos magistrados, talvez pelo ranço da cultura jurídica
“manualesca” que não busca, e muitas vezes não permite, um olhar mais atencioso para
com o tema.

A fim de buscar uma alternativa para a constante Vamos Pensar


violação e menosprezo às garantias constitucionais
Elabore um texto que verse a respei-
e processuais - tidas pelo senso comum (inclusive to das garantias constitucionais e sua
jurídico) como entrave à “Justiça” (ou seria vingança?) aplicabilidade no processo penal. Re-
comenda-se: VIEIRA DE ANDRADE,
e a dita “eficiência” do processo ou como instrumentos José Carlos. Os direitos fundamentais.
que asseguram a impunidade dos acusados – através Coimbra: Almedina, 1983.
da necessária instrumentalidade constitucional que
possui o processo penal em nosso Estado Democrático.

2. Breves Apontamentos Sobre o Sistema de Nulidades no


Processo Penal Brasileiro

Não é novidade referir que o Código de Processo Penal Brasileiro, promulgado na


década de 40, foi inspirado no Código Rocco e, por isso, possui influência fascista e nítido
caráter autoritário e inquisitorial. Além disso, mostra-se presente a influência da teoria geral
do processo (civil) em nossa legislação, sem resguardar a autonomia disciplinar que é
devida ao processo penal.

57
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica
à Influência da Teoria Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva
no Sistema de Nulidades no Processo Penal Brasileiro

Inúmeras partes do Código possuem as apontadas influências e o referido caráter. Contudo, é


no tocante à maneira de como se trata o descumprimento das formas processuais que se
percebe sensivelmente essas tendências, pois é analisando a (in)aplicabilidade das nulidades
processuais que se verifica a (in)eficácia do devido processo penal1.

Importa destacar a lição de Fauzi Hassan Choukr2:


(...) é pelo sistema de nulidades e, mais exatamente, pelo método da
convalidação dos atos desconformes que se tem uma baliza, um termômetro do
grau de aceitação dos valores emanados pela CR e pela CADH para o
processo penal. Dessa forma, a manutenção dos cânones de compreensão do
sistema de nulidades, ainda apegados aos postulados inquisitivos,
seguramente serve como fonte de represamento dos novos valores no
processo penal; obsta o amadurecimento das normas constitucionais e serve
de entrave para a solidificação da cultura democrática no processo penal.

Um sistema processual penal que se pretenda acusatório, democrático e constitucional


deve zelar pelo cumprimento do due process of law, garantido no art. 5º, inciso LIV, da
Constituição Federal. Para efetivar a aplicabilidade do devido processo é que se percebe a
importância das nulidades para o processo penal.

Importante destacar que, para concretizar esse paradigma, mostra-se fundamental a


necessidade de um novo Código de Processo Penal feito à luz da Constituição Federal de
1988. Não só, deve-se expulsar qualquer resquício
inquisitório, bem como da teoria geral do processo Link
(civil), com o intuito de conferir a devida autonomia
Para mais informações ver: <http://
ao processo penal e efetivar um sistema, de fato, www.ibccrim.org.br>
democrático. Somente desse modo será possível
assegurar a estrita observância das garantias
fundamentais que todo o cidadão possui no processo penal.

1 Conforme expõe Alberto M. Binder: “(...) o nível de adequação de um sistema processual aos princípios do Estado de
direito não se mede somente pela incorporação desses princípios à ordem normativa, mas pelo grau em que eles
estejam garantidos. Salvo aqueles princípios que se cumprem de um modo cabal (...) o nível e a força dessa garantia
se descobre através da jurisprudência sobre nulidades. Essa jurisprudência é a outra face do sistema de garantias e
assinala o nível de cumprimento dos princípios próprios de um processo penal adequado ao regime constitucional”.
BINDER, Alberto M. O Descumprimento das Formas Processuais : Elementos Para uma Crítica da Teoria Unitária das
Nulidades no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 42-43.
2 CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal: Comentários Consolidados e Crítica Jurisprudencial. 3. ed. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 881.

58
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica à Influência da Teoria
Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva no Sistema de Nulidades no
Processo Penal Brasileiro

Caso contrário, continuaremos tendo de aplicar e interpretar uma verdadeira colcha de retalhos
que se tornou o Código de Processo Penal. Nosso Código possui um vício de origem: a raiz
inquisitória, ainda que reformada. Nesse sentido, basta verificar a Reforma Processual Penal de
2008, com as leis 11.689, 11.690 e 11.719, que alterou, respectivamente, o Tribunal do Júri, o
sistema probatório e os ritos processuais, e não modificou o capítulo das nulidades
processuais. Desse modo, restaram inúmeros dispositivos sem qualquer aplicabilidade 3.

Verifica-se, entretanto, que o Projeto (que se arrasta) do Novo Código Processual Penal (PLS
156), no que tange às nulidades processuais4, deixa a desejar, tendo em vista que, embora

3 Nesse sentido: “Pensamos que o art. 564 é, atualmente, imprestável para qualquer tentativa de definição precisa em
termos de invalidade processual, além de incorrer no erro de pretender estabelecer um rol de nulidades cominadas.
Como muito, serve de indicativo, a apontar atos que merecem uma atenção maior em relação ao risco de defeitos". LO-
PES JR, Aury. Direito Processual Penal. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1168.
4 CAPÍTULO IV DAS NULIDADES
Art. 156. O descumprimento de disposição legal ou constitucional provocará a invalidade do ato do processo ou da
investi-gação criminal, nos limites e na extensão previstos neste Código.
Art. 157. A decretação de nulidade e a invalidação de ato irregular dependerão de manifestação específica e oportuna
do interessado, sempre que houver necessidade de demonstração de prejuízo ao pleno exercício de direito ou de
garantia processual da parte, observadas as seguintes disposições:
I – nenhum ato será declarado nulo se da irregularidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa;
II – não se invalidará o ato quando, realizado de outro modo, alcance a mesma finalidade da lei, preservada a amplitude
da defesa.
Art. 158. Serão absolutamente nulos e insanáveis os atos de cuja irregularidade resulte violação dos direitos e
garantias fundamentais do processo penal, notadamente no que se refere:
I – à observância dos prazos;
II – à observância do contraditório e da ampla defesa;
III – às regras de impedimento;
IV – à obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais;
V – às disposições constitucionais relativas à competência.
§ 1o São absolutamente nulas as medidas cautelares ordenadas por juiz ou tribunal constitucionalmente incompetente.
§ 2o Em se tratando de incompetência territorial, as medidas cautelares poderão ser ratificadas ou, se for o caso,
renovadas pela autoridade competente.
§ 3o O juiz não declarará a nulidade quando puder julgar o mérito em favor da defesa.
Art. 159. A parte não poderá arguir nulidade a que haja dado causa ou para a qual tenha concorrido, ou referente a
formali-dade cuja observância só interesse à parte contrária, ressalvada a função custos legis do Ministério Público.
Art. 160. Reconhecida a incompetência territorial, serão anulados os atos de conteúdo decisório, podendo o juiz
competente ratificar os demais, observado o disposto no § 2o do art. 158.
Parágrafo único. Reconhecida a incompetência absoluta, serão anulados todos os atos do processo, inclusive a denúncia.
Art. 161. A falta ou a nulidade da citação, da intimação ou da notificação estará sanada, desde que o interessado
compareça antes de o ato consumar-se, embora declare que o faz para o único fim de argui-la. O juiz ordenará, todavia,
a suspensão ou o adiamento do ato, quando reconhecer que a irregularidade poderá prejudicar direito da parte.

59
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica
à Influência da Teoria Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva
no Sistema de Nulidades no Processo Penal Brasileiro

com pequenas alterações, mantém sua estrutura principiológica e, consequentemente, sua


influência da teoria geral do processo, bem como a base inquisitorial.

3. Os Sistemas de Verificação das Nulidades no Processo Penal

Para compreender a teoria do descumprimento das formas processuais penais mostra-


se necessário breve análise dos sistemas de verificação das nulidades apontados pela
doutrina processual5. Classificam-se em quatro modelos: (a) o Sistema Formular; e (b) o
Sistema Judicial; (c) o Sistema Taxativo; (d) o Sistema do Prejuízo.

O Sistema Formular (a) descreve a forma literal dos atos a ser obedecida 6 e “trata o ato
processual como uma solenidade que deve ser praticada na exata medida de sua previsão” 7.
Qualquer diferença entre a disposição legal e a prática do ato acarretaria a nulidade. Tal forma
de verificação, inspirada no sistema romano, foi há muito superada, devido a seu excessivo
rigor e na superação do caráter sacramental dos atos judiciais pelo princípio da secularização.

O Sistema Judicial (b) ou Instrumental não prevê critérios normativos para a decretação da
nulidade processual, deixando ao magistrado os poderes para valorar o ato processual
defeituoso de acordo com a finalidade da norma. A instrumentalidade é o critério basilar
utilizado para a (não) declaração da nulidade8. O referido sistema se aproxima muito do

Art. 162. As nulidades que dependam de provocação dos interessados deverão ser arguidas até as alegações finais. As
posteriores deverão ser alegadas na primeira oportunidade.
Art. 163. A nulidade de um ato do processo, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam
ou sejam consequência, ressalvadas as hipóteses previstas neste Código.
Art. 164. O juiz que pronunciar a nulidade declarará os atos a que ela se estende, ordenando as providências
necessárias para a sua retificação ou renovação.
5 Utilizamos a classificação apontada por PAYÁ, Fernando Horácio. Fundamento y Trascendencia de las Nulidades
Procesales: la visión de David Lascano. p. 27, apud GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Um Nova Teoria das Nulidades:
Processo Penal e Instrumentalidade Constitucional. Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Direito da
Universidade Federal do Paraná para a obtenção do título de doutor. Curitiba, 2010. p. 227. A doutrina aponta, também,
outros modelos, mas acreditamos os abordados são mais relevantes para a análise do tema.
6 NASSIF, Aramis; e NASSIF, Samir Hofmeister. Considerações sobre Nulidades no Processo Penal. 2. ed. rev. e
atual. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 35.
7 GLOECKNER, op. cit.
8 CONSTANTINO, Lúcio Santoro de. Nulidades no Processo Penal. 4. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009. p. 34-35.

60
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica à Influência da Teoria
Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva no Sistema de Nulidades no
Processo Penal Brasileiro

modelo inquisitório, tendo em vista que deixa a cargo do juiz a possibilidade de decretação
da nulidade, que acaba por culminar em evidente decisionismo9.

Nesse sentido, expõe Ricardo Jacobsen Gloeckner que “o modelo judicial é um regime
arbitrário, no qual as formas, que não encontram amparo normativo se encerram na psique
do julgador. Um processo penal que esteja assentado em regras mínimas não pode tolerar
tal sistema, dada a sua arbitrariedade intrínseca”10. O processo penal deve limitar o poder
punitivo estatal, incluindo a atuação do magistrado, e tal controle não pode ser efetuado
sem a presença de regras mínimas. Caso contrário, repetiremos o erro histórico de insistir
no predomínio da cultura inquisitiva.

O Sistema Taxativo (c) estipula que apenas as nulidades legalmente previstas poderão ser
declaradas nulas, consagrando o princípio do ne pás de nullitè sans texte. Tal sistema está
ancorado no dogma (positivista) da completude do ordenamento jurídico, uma vez que não
permite que nenhuma nulidade seja declarada fora do preestabelecido normativamente. O
referido modelo mostra-se de há muito superado, tendo em vista a impossibilidade de se
prever todas as formas de nulidades possíveis no processo penal, bem como pelo fato de
limitar as hipóteses de reconhecimento de um ato defeituoso11.

O referido sistema é típico da histórica tendência codificadora, em que era atribuído maior
relevância à lei do que à própria Constituição. Contudo, atualmente reina o (neo)
constitucionalismo, no qual a Constituição Federal e os Tratados Internacionais são fontes
hierárquicas valorativas maiores do que qualquer outro tipo de normas (infraconstitucionais).
Desse modo, nas palavras de José Antônio Paganella Boschi: “(...) bem antes do Código de
Processo Penal, a Constituição Federal será a primeira fonte das nulidades absolutas a ser
estudada. Só depois virá, como fonte complementar, o Código de Processo Penal”12.

9 Para uma crítica ao decisionismo ver: STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 2. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010; STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e
teo-rias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
10 GLOECKNER, op. cit., p. 228.
11 Ibidem, p. 229.
12 BOSCHI, José Antônio Paganella Boschi. Nulidades (arts. 563 a 573). In: Código de Processo Penal Comentado.
BOSCHI, Maucus Vinicius (org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 448.

61
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica
à Influência da Teoria Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva
no Sistema de Nulidades no Processo Penal Brasileiro

O Sistema do Prejuízo (d) consagra o princípio do ne pás de nullitè sans grief, que busca a
análise, no caso concreto, da existência de prejuízo à parte que sustenta a nulidade
processual. Este modelo busca uma alternativa à rigidez dos sistemas formular e taxativo e
à arbitrariedade do sistema judicial. Não aprofundaremos o referido modelo neste momento,
pois será objeto de maior atenção posteriormente.

Podemos verificar, portanto, que o modelo adotado pelo Código de Processo Penal Brasileiro
possui aspectos de vários sistemas: do sistema taxativo ou legalista, visto que o art. 564, do
CPP, prevê um rol de nulidades; do sistema judicial, pois confere discricionariedade ao
magistrado para valorar a (in)existência da nulidade; e do sistema do prejuízo, porque adota
expressamente no art. 563, do CPP, o princípio ne pás de nullitè sans grief13.

4. Em Busca de Uma Teoria do Descumprimento das Formas


Processuais Penais a Partir da Instrumentalidade Constitucional

O sistema de nulidades na legislação e seu tratamento conferido em âmbito doutrinário e


jurisprudencial permitem verificar o grau de respeito aos direitos e garantias fundamentais
dispostos na Constituição Federal e nos Tratados
Internacionais. Saiba
Mais
Nosso sistema de nulidades possui nítido caráter
Para questões ligadas a esta temática
inquisitório e influência da teoria geral do processo. ver: GIACOMOLLI, Nereu José. O devi-
do processo penal: abordagem conforme
Contudo, mostra-se mais do que necessário a Constituição Federal e o Pacto de São
elaborar uma resistência à essa tendência, a fim de José da Costa Rica. São Paulo: Atlas,
2014.
elaborar um processo penal democrático à luz da
Constituição Federal. Por isso, resta evidente
a necessidade de elaboração de uma Teoria do Descumprimento das Formas Processuais
Penais a partir de sua instrumentalidade constitucional.

13 NASSIF e NASSIF, op. cit., p. 36; CONSTANTINO, op cit., p. 36.

62
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica à Influência da Teoria
Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva no Sistema de Nulidades no
Processo Penal Brasileiro

4.1. Classificação das Invalidades Processuais


A doutrina clássica costuma classificar em quatro categorias as invalidades processuais:
(a) mera irregularidade; (b) nulidade; (b.1.) nulidade relativa; (b.2.) nulidade absoluta; (c) ato
inexistente.

As irregularidades (a) são maneiras de descumprimento das formas processuais consideradas


insignificantes e irrelevantes, que não prejudicam a validade do ato. O ato irregular não é
invalidado, apenas porque a formalidade descumprida não era essencial ao ato. Tais atos não
comprometem a eficácia do princípio (constitucional ou processual) que a norma tutela.

Alguns descumprimentos da forma processual, entretanto, atingem efetivamente o princípio


tutelado pela norma, a ponto de comprometer a regularidade do processo. Nesse caso,
verifica-se a presença de uma nulidade (b), que, de acordo com a doutrina clássica, poderá
ser absoluta ou relativa. Antes de analisarmos mais profundamente essa dicotomia, cumpre
explicar o ato inexistente.

Ato inexistente (c) é uma construção doutrinária e jurisprudencial para buscar a superação
de situações que não conseguem ser resolvidas pelo sistema de nulidades. Tal ato não
chega a ingressar no mundo jurídico, sendo descabida, pois, a discussão acerca da
(in)validade. Os manuais costumam referir que a inexistência não precisa ser declarada
pelo magistrado. Contudo, a referida afirmação é inverídica, tendo em vista que “se em
algum momento não houver declaração judicial de inexistência, não há como simplesmente
ignorá-lo”14. Nesse sentido entende-se que15:
(...) é óbvio que o ato inexistente somente será assim considerado quando houver
uma manifestação judicial que o declare. Imagine-se alguém preso em decorrência
de uma sentença juridicamente “inexistente”, mas com “existência” suficiente para
levá-lo ao cárcere, que resolve, por si só, sair da cadeia; afinal, o ato é
inexistente... Ou então, teremos de ter carcereiros com poderes mediúnicos, para
sem qualquer decisão judicial sobre o tema, atingirem essa consciência por meio
de contato com a deusa Diké... Esse é o problema do autismo jurídico:
desconectar-se do mundo, para mergulhar nas suas categorias mágicas.

14 NASSIF e NASSIF, op. cit., p. 32.

15 LOPES JR., op. cit., p. 1165-1166.

63
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica
à Influência da Teoria Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva
no Sistema de Nulidades no Processo Penal Brasileiro

A questão central, no entanto, se refere a possibilidade de continuar utilizando a bipartição


entre nulidade absoluta e relativa, como é sustentado pela doutrina clássica. Para tanto,
cumpre fazer breve distinção acerca dessas espécies.

Nulidades absolutas (b.2.) são aquelas que: a) violam princípio constitucional do processo e,
portanto, o interesse público; b) descumprem formalidade essencial ao ato; c) podem/devem ser
declaradas de ofício pelo magistrado, em qualquer fase do processo e independentemente de
manifestação das partes e de grau de jurisdição; d) presume-se o prejuízo e o não atingimento dos
fins; e) podem ser alegadas a qualquer tempo, tendo em vista que são insanáveis, indisponíveis e
não são convalidadas pela preclusão, nem pelo trânsito em julgado16.

Nulidades relativas (b.1.) são aquelas que: a) o descumprimento da forma processual não é
tão grave, pois viola um interesse privado da parte; b) cumpre à parte interessada postular o
reconhecimento da nulidade, ou seja, não pode ser decretada de ofício; c) a parte
interessada deve demonstrar o prejuízo processual ocorrido; d) a nulidade necessita ser
alegada no momento oportuno, sob pena de convalidação pela preclusão.

Cumpre frisar, ainda, que o sistema de nulidades dos atos processuais não se confunde
com o sistema de nulidades dos atos do direito privado, pois, enquanto no direito privado o
ato nulo não produz efeitos, no processo penal a nulidade somente existe após decisão
judicial reconhecendo-a17.

Depois de esclarecido o que o senso comum teórico aponta como nulidade relativa e
absoluta, cumpre responder ao questionamento: Ainda é possível manter a bipartição das
nulidades em absoluta e relativa? Para isso, mostra-se necessário, ainda, uma análise
crítica do Sistema do Prejuízo.

16 Cumpre frisar que a sentença penal condenatória transitada em julgado é passível de revisão criminal caso
verifique-se a presença de uma nulidade “absoluta”. Contudo, a sentença de absolvição transitada em julgado não pode
ser re-vista, ainda que o processo seja nulo, pois faz coisa soberanamente julgada.
17 NASSIF e NASSIF, op. cit., p. 33; GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO,
An-tonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 22-25.

64
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica à Influência da Teoria
Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva no Sistema de Nulidades no
Processo Penal Brasileiro

4.2. Crítica ao Sistema de Nulidades no Processo Penal Brasileiro


O artigo 563, do Código de Processo Penal, dispõe que: “Nenhum ato será declarado
nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”. Como se
percebe, consagra o sistema do prejuízo no processo penal brasileiro.

Nosso sistema toma como base a finalidade pela qual a forma foi instituída e o prejuízo
causado pelo descumprimento da forma processual18. Contudo, nesta área existe muita
manipulação discursiva que acaba por legitimar todo tipo de decisionismo.

Para evitar tais problemas, mostra-se necessário deixar claro o que é finalidade do ato a
partir de uma hermenêutica constitucional. Assim, “(...) a finalidade do ato processual cuja
lei prevê uma forma, é dar eficácia ao princípio constitucional que ali se efetiva. Logo, a
forma é garantia de que haverá condições para a efetivação do princípio constitucional (nela
contido)”19.

A manipulação discursiva, ancorada no princípio pas nullitè sans grief, acaba por relativizar
as nulidades (ditas “absolutas”) e, portanto, comprometer a eficácia do sistema
constitucional de garantias, com base na ultrapassada e equivocada tendência de confusão
entre as categorias do processo civil e do processo penal20. Nesse sentido, cumpre frisar a
advertência de Salo de Carvalho:
(...) apesar de a natureza pública ser comum às distintas áreas processuais –
notadamente pela disciplina constitucional da garantia do juiz natural (art. 5º,
LIII), do devido processo (art. 5º, LIV), do contraditório, da ampla defesa e do
duplo grau de jurisdição (art. 5º, LV), da inadmissibilidade da prova ilícita (art.
5º, LVI), da publicidade dos atos processuais (art. 5º, LX) e da fundamentação
das decisões (art. 93, IX) -, a instrumentalidade é definida pela estrutura de
direito material que lhe dá subsistência. O processo civil instrumentaliza,
fundamentalmente, interesses privados (patrimoniais), das partes envolvidas no
conflito. Difere, portanto, substancialmente do processo penal, cujo objeto é
limitar o poder punitivo do Estado e garantir os direitos do polo débil da situação
processual penal, que é o réu (processo de cognição) e o condenado (processo
de execução)21.

18 GRINOVER, FERNANDES e GOMES FILHO, op. cit., p. 30-


31. 19 LOPES JR., op. cit., p. 1170.
20 LOPES JR., op cit., p. 1170-1171.
21 CARVALHO, Salo de. Antimanual de Criminologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 20-21.

65
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica
à Influência da Teoria Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva
no Sistema de Nulidades no Processo Penal Brasileiro

Desse modo, o flagrante decisionismo no fenômeno da relativização das nulidades é


produto cristalino do sistema inquisitório de processo, visto que restará na absoluta
discricionariedade judicial a possibilidade de decretação da nulidade. Os comprometimentos
ideológicos mostram-se evidentes, tendo em vista a tendência punitivista, ancorada nas
políticas criminais autoritárias, e o menosprezo pelo sistema constitucional de garantias
processuais. Nesse sentido, considerando imprestável a categoria das nulidades relativas
para o processo penal compreende-se que:

É elementar que as nulidades relativas acabaram se transformando em um


importante instrumento a serviço do utilitarismo e do punitivismo, pois é
recorrente a manipulação discursiva para tratar como mera nulidade relativa
àquilo que é, inequivocamente, uma nulidade absoluta. Ou seja, a categoria de
nulidade relativa é uma fraude processual a serviço do punitivismo22.

Ademais, outro flagrante equívoco reside em atribuir à parte que alega a necessidade de
demonstração que o descumprimento da forma processual causou prejuízo. À defesa - em
um processo penal democrático constitucional – nunca se poderá conferir qualquer tipo de
carga probatória (Goldschmidt23). A fim de se buscar um resgate hermenêutico
(constitucional) desse instituto, deve-se, no mínimo, exigir ao juiz a função de fundamentar
as razões pelas quais o descumprimento da forma processual não impediu que o ato
atingisse sua finalidade ou tenha sido devidamente sanado24.

4.3. A Forma como Garantia de Efetivação do Princípio Processual


Constitucional
Para efetivar o sistema constitucional de garantias processuais penais é necessário partir
de uma premissa básica: as formas são as garantias que asseguram o cumprimento de
determinado princípio (constitucional) ou de um conjunto deles25. Contudo, o cumprimento
das formas processuais não é de nenhuma maneira um fim em si mesmo, mas sim o meio
para assegurar o cumprimento dos princípios (constitucionais). Desse modo, verifica-se

22 LOPES JR., op. cit., 1167.


23 A categoria de carga probatória é extraída de GOLDSCHMIDT, James. Problemas Jurídicos e Políticos del Processo
Penal. Barcelona, Bosch, 1935.
24 LOPES JR., op. cit., p. 1172.
25 BINDER, op. cit., p. 42. Nesse sentido também GLOECKNER, op. cit.

66
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica à Influência da Teoria
Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva no Sistema de Nulidades no
Processo Penal Brasileiro

que o principal é a restauração do princípio afetado e não o restabelecimento da forma


(sistema formalista)26.
Assim, quando ocorre o descumprimento de uma forma processual deve-se analisar, no
caso concreto, se restou violado princípio constitucional que a norma tutela e, se verificada
a lesão, deve ser declarada a nulidade, retirando os efeitos do ato defeituoso e repetindo-o,
a fim de garantir a eficácia do princípio lesado. Serve a nulidade “para dar eficácia ao
princípio contido naquela forma. Anula-se o ato, sacando-lhe os efeitos, para a seguir
repeti-lo segundo a forma legal, mas sempre de modo a garantir a eficácia do princípio
constitucional que está por detrás dele”27.
A regra que deve nortear tal aplicação é que, na dúvida se a violação do princípio tutelado
pela norma produziu eficácia insuficiente, deve-se acolher a irresignação da defesa, com
base no princípio in dubio pro reo. Havendo divergência entre a tese da defesa e a
interpretação judicial, deve o magistrado fundamentar porque o descumprimento da forma
processual não causou a ineficácia do princípio tutelado, de acordo com o art. 93, inciso IX,
da Constituição Federal28.
Cumpre analisar, no caso concreto, se o ato defeituoso pode ser refeito sem defeito, a fim
de garantir a eficácia do princípio processual constitucional violada, ou se a repetição é
impossível ou insuficiente para obter-se a eficácia do princípio tutelado. Verifica-se, assim,
que as nulidades podem ser sanáveis, primeiro caso, ou insanáveis, segundo caso. Se a
nulidade for sanável, basta o ato ser refeito de acordo com a formalidade legal prevista. Por
outro lado, se a nulidade for insanável, deverá ser decretada, tornando o ato ineficaz e
desentranhando as peças29.
Nota-se, portanto, estar superada a divisão das nulidades em absoluta e relativa,
importando, para a teoria do descumprimento da forma processual, se o ato defeituoso: a)
violou o(s) princípio(s) (constitucional) tutelado(s) pela forma processual; b) é (im)possível
de saneamento pela repetição para garantir a eficácia do princípio tutelado30.
26 BINDER, op. cit., p. 57-58.
27 LOPES JR., op cit., p. 1180.
28 Idem, p. 1182.
29 Idem, p. 1183.
30 LOPES JR., op. cit., p. 1182.

67
O Fenômeno da Relativização das Nulidades: Crítica
à Influência da Teoria Geral do Processo e à Cultura Inquisitiva
no Sistema de Nulidades no Processo Penal Brasileiro

Como bem se explicita31:


A violação da forma do ato processual gera um ato defeituoso, e a grande
questão é saber se esse defeito constitui a violação do princípio constitucional
ali representado ou não. Se houver a violação, parte-se para uma segunda
dimensão do problema: há possibilidade de saneamento pela repetição? Ou
seja, há como restabelecer o princípio lesado? Se possível, deve ser refeito o
ato, pois “o que foi feito com defeito, deve ser refeito”.
Mas, e se não for possível sanar pela repetição? Então deve ser decretada a
nulidade, com a retirada da eficácia do ato, inclusive com o desentranhamento
das peças respectivas.

Esse é o único caminho para adequar o sistema de nulidades no processo penal brasileiro à
luz da Constituição Federal, com o devido respeito aos direitos e garantias fundamentais.

5. Considerações Finais: Ainda é Possível Sustentar a Bipartição


[Cartesiana] das Nulidades em Absoluta e Relativa?

Conforme o exposto no presente artigo resta claro a necessidade de amoldar o sistema


de nulidades processuais penais à luz da instrumentalidade constitucional. Mostram-se
evidentes os resquícios inquisitórios, com uma atravessada leitura envolta a teoria geral do
processo (civil) tanto na perspectiva doutrinária quanto na prática cotidiana do foro criminal,
no que tange as vicissitudes das nulidades processuais penais.

Com isso, verifica-se a importância (que não pode ser mais adiada) de elaboração de uma
Teoria do Descumprimento das Formas Processuais para efetivar as garantias
fundamentais do imputado em um processo penal que se pretenda efetivamente
democrático, constitucional e contemporâneo. Afinal, um escorreito sistema de invalidades
processuais rende serviços ao acusado. Frise-se forma é garantia e a tipicidade processual,
superando remendos ad hoc e jogos de linguagem, é uma exigência democrática que milita
a favor do acusado e deve ser estritamente observada.

Apenas com a superação da bipartição reducionista das nulidades em absoluta e relativa,


considerando as formas como garantia de efetivação do princípio processual constitucional
tutelado pela norma, que será possível o devido, e cotidianamente necessário, respeito ao
sistema constitucional de garantias processuais penais.
31 Idem, p. 1183.

68
Pontuando
• Introdução

• Breves apontamentos sobre o sistema de nulidades no processo penal brasileiro

• Os Sistemas de verificação das nulidades no processo penal

• Em busca de uma Teoria do Descumprimento das Formas Processuais Penais a partir


da instrumentalidade constitucional

• Classificação das invalidades processuais

• Crítica ao sistema de nulidades no processo penal brasileiro

• A forma como garantia de efetivação do princípio processual constitucional

• Considerações finais: ainda é possível sustentar a bipartição [cartesiana] das


nulidades em absoluta e relativa?

Glossário
Constituição: “conjunto das leis fundamentais que regem uma nação; carta magna”. Fonte:
Minidicionário Houaiss, 2008, p. 184

69
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA c) Proteção da lei

Pode-se afirmar que as nulidades processu- d) Due process of law


ais são fortemente influenciadas pela: e) Segurança
a) Constituição Federal
Questão 4 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
b) Convenção Americana
O Projeto de Código de Processo Penal é o:
c) Regra do jogo
a) PLS 166
d) Teoria geral do processo
b) PLS 171
e) Dogmática processual
c) Decreto Lei 911
Questão 2 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
d) Decreto Lei 666
O Código de Processo Penal brasileiro, da e) PLS 156
década de 40, foi inspirado no:

a) Código Mendes Questão 5 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

b) Código Manzini Nosso sistema de nulidades possui nítido


ca-ráter:
c) Código Rocco
a) Inquisitório
d) Tratado do João Sem Terra
b) Misto
e) Concílio Vaticano
c) Acusatório
Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
d) Democrático
Para que um sistema processual penal que e) Liberal
se pretenda acusatório, democrático e cons-
titucional deverá zelar pelo (a):

a) Pacta sunt servanda


b) Reserva de lei penal como prima ratio

70
Referências
BINDER, Alberto M. O Descumprimento das Formas Processuais: Elementos Para uma Crítica da
Teoria Unitária das Nulidades no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

BOSCHI, José Antônio Paganella Boschi. Nulidades (arts. 563 a 573). In: Código de Processo
Penal Comentado. BOSCHI, Marcus Vinicius (org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

CARVALHO, Salo de. Antimanual de Criminologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal: Comentários Consolidados e Crítica Jurispru-
dencial. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

CONSTANTINO, Lúcio Santoro de. Nulidades no Processo Penal. 4. ed. Porto Alegre:
Verbo Jurídico, 2009.

GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Um Nova Teoria das Nulidades: Processo Penal e Instru-
mentalidade Constitucional. Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Direito
da Universidade Federal do Paraná para a obtenção do título de doutor. Curitiba, 2010.

GOLDSCHMIDT, James. Problemas Jurídicos e Políticos del Processo Penal. Barcelona,


Bosch, 1935.

GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio


Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.

NASSIF, Aramis; e NASSIF, Samir Hofmeister. Considerações sobre Nulidades no


Processo Penal. 2. ed. rev. e atual. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

PAYÁ, Fernando Horácio. Fundamento y Trascendencia de las Nulidades Procesales: la


visión de David Lascano.

STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 2. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

_______. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São


Paulo: Saraiva, 2011.

71
Gabarito
Questão 1

Resposta: Alternativa D.

Resolução: A dogmática processual penal brasileira, no que tange ao descumprimento das


formas processuais penais e, mais especificamente, às nulidades processuais, está
intimamente influenciada pela teoria geral do processo (civil) e marcada pela cultura
inquisitorial.

Questão 2

Resposta: Alternativa C.

Resolução: O Código de Processo Penal Brasileiro, promulgado na década de 40, foi


inspirado no Código Rocco.

Questão 3

Resposta: Alternativa D.

Resolução: Um sistema processual penal que se pretenda acusatório, democrático e


constitucional deve zelar pelo cumprimento do due process of law, garantido no art. 5º,
inciso LIV, da Constituição Federal.

Questão 4

Resposta: Alternativa E.

Resolução: O Projeto (que se arrasta) do Novo Código Processual Penal é o PLS 156.

72
Gabarito

Questão 5

Resposta: Alternativa A.

Resolução: Nosso sistema de nulidades possui nítido caráter inquisitório e influência da


teoria geral do processo.

73
TEMA 04
Breves Delineamentos Acerca dos
Procedimentos no Processo Penal

74
LEGENDA seções
DE ÍCONES

Início

Vamos
pensar

Glossário

Pontuando

Verificação
de leitura

Referências

Gabarito

75
Tema 04
Breves Delineamentos Acerca dos
Procedimentos no Processo Penal
Danilo Dias Ticami

Mestrando em Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da USP. Pós Graduado em


Direito Penal e Processo Penal Pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós Graduado
em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra/IBCCRIM.

Objetivo

Prezado aluno da Pós de Ciências Penais. O texto que segue tem por objetivo realizar
uma breve análise acerca da Teoria dos Procedimentos no Processo Penal brasileiro à luz
da principiologia embasada na Carta Republicana de 1988.

Resumo da Aula

As linhas que seguem passarão por temas como o Processo e o Procedimento no processo
penal brasileiro. O Procedimento comum e especial, bem como o direito fundamental ao
procedimento no processo penal. Além disso, transcorrerá por autores como Bülow e Fazzalari,
finalizando a temática tendo como paradigma os princípios extraídos da CF/88.

Introdução

Assim como em grande parte do Código de Processo Penal de 1941, os pontos referentes
aos procedimentos (ou ritos) são marcados pelo signo da desordem 1. A desorientação
legislativa que transformou o CPP em uma colcha de retalhos deriva desde o distanciamento

1 A situação de desastre é denunciada por Aury Lopes Jr.: “O processo penal brasileiro é uma verdadeira colcha de retal-hos,
não só pela quantidade de leis especiais que orbitam em torno do núcleo codificado, senão porque o próprio Código
é constantemente medicado (meros paliativos, diga-se de passagem) por reformas pontuais (geradoras de graves
dicoto-mias que só fazem por aumentar a inconsistência sistêmica e metástase). A falha está em não fazer uma
anamnese séria do problema, que, uma vez compreendido, exigiria uma reforma global e completa: um novo Código de
Processo Penal, regido pelo sistema acusatório e em conformidade com a Constituição”. (LOPES Jr. Aury. Direito
Processual Penal – 9ª ed., ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. Página 924)

76
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no Processo Penal

da ideologia política autoritária em voga no período de elaboração do diploma processual


penal da atual índole garantista decorrente dos princípios da Constituição Federal de 1988.
Neste ponto, as reformas pontuais que intentaram realizar profundas transformações nos
procedimentos, apenas aumentaram ainda mais as disparidades e restou cada vez mais
dificultosa a formação de procedimentos que estivessem em conformidade com os
paradigmas processuais ou que apresentem uma mera harmonia sistêmica.

As assimetrias e incongruências verificadas nos procedimentos disciplinados no CPP e nas


leis esparsas demonstram como a ciência processual penal ainda sofre com as mutações
políticas (sobretudo com influxos autoritários) e com o baixo rigor dogmático (em parte
proveniente da utilização da Teoria Geral do Processo). Inicialmente, a própria terminologia
utilizada pelo diploma processual confunde “processo” com “procedimento” ao estabelecer
que o “Livro II” dispõe acerca “Dos Processos em espécie” e, posteriormente, “Título I – Do
Processo Comum”, “Título II – Dos Processos Especiais” e “Título III – Dos Processos de
Competência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação”. Assim, a mistura
de conceitos provoca perplexidade2, enquanto não existem “processos comuns” e
“processos especiais”. O processo penal pode ser apenas de conhecimento e de execução,
uma vez que não se pode falar em Processo Penal Cautelar, observado que nosso sistema
apenas consagra “medidas cautelares” inseridas no processo de conhecimento.

Apesar da raiz etimológica de processo e procedimento seja a mesma (procedere), seus


conceitos são essencialmente diferentes, uma vez que processo é o procedimento em
contraditório, isto é, o procedimento somado com a relação jurídica processual. Por seu
turno, o procedimento é uma sequência de atos ligados teleologicamente, com objetivo de
atingir um fim (sentença). Assim, na definição de Aury Lopes Jr.:
“O primeiro (processo) remete à existência de uma pretensão acusatória deduzida
em juízo, frente a um órgão jurisdicional, estabelecendo situações jurídico-
processuais dinâmicas, que dão origem a expectativas, perspectivas, chances,

2 Com efeito, a falta de cuidado científico na redação do Código de Processo Penal é reconhecida por Cândido Rangel
Dinamarco: “Dentre os muitos defeitos do diploma processual penal de 1941, chamam desde logo a atenção os que se
referem à terminologia. A pobreza da ciência processual penal brasileira do tempo em que o Código foi elaborado
reflete-se não só em sua estrutura mal alinhavada, na má constituição de seus institutos e na disciplina arcaica de
alguns destes (v.g. o capítulo das nulidades), mas também na pobreza e inadequação de sua linguagem – espelho,
como se disse na abertura deste estudo, do estágio menos evoluído de uma ciência”. (DINAMARCO, Cândido Rangel.
Vocabulário do Pro-cesso Civil, 2ª ed.São Paulo: Malheiros Editores. 2014. Página 40).

77
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no
Processo Penal

cargas e liberação de cargas, pelas quais as partes atravessam ruma a uma


sentença favorável (ou desfavorável, conforme o aproveitamento das chances e
liberação ou não de cargas e assunção de riscos).
Noutra dimensão, por procedimento entende-se o lado forma da atuação
judicial, o conjunto de normas reguladoras do processo ou ainda o caminho
(iter) ou itinerário que percorrem a pretensão acusatória e a resistência
defensiva, a fim de que obtenham a satisfação do órgão jurisdicional”3.

Desta forma, não existe variação de processos, mas de procedimentos, sendo que a própria
divisão interna comporta subcategorias. Por este motivo, como um estudo detalhado de cada
rito transbordaria para além do escopo deste pequeno artigo, o presente trabalho tratará das
características essenciais do procedimento no processo penal e sua aplicação no ordenamento
jurídico brasileiro, com base no disciplinado pelo CPP e legislação esparsa.

1. Do Procedimento no Processo Penal Brasileiro

Em continuação ao apontado no introito, a Lei nº 11.719/08, que alterou


substancialmente os procedimentos no processo penal brasileiro, alterou, com acerto, a
terminologia utilizada no título dos ritos, conforme pode ser visto no art. 394:
“Art. 394. O procedimento será comum ou especial.
§1ºO procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo:
I – ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for
igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade;
II – sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja
inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade;
III – sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na
forma da lei.
§2º Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições
em contrário deste Código ou de lei especial.
§3º Nos processos de competência do Tribunal do Júri, o procedimento
observará as disposições estabelecidas nos arts. 406 a 497 deste Código.
§4º As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os
procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código.
§5º Aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e
sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário”.

3 LOPES Jr. Op. Cit. Página 923.

78
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no Processo Penal

Desta forma, o CPP disciplina os seguintes ritos:

Procedimento comum:
I.Ordinário: delito com pena máxima cominada igual ou superior a 4 anos
(disciplinado nos arts. 395 a 405, CPP);
II.Sumário: delito com pena máxima cominada inferior a 4 anos e superior a 2
(disciplinado nos arts. 531 a 538, CPP);
III.Sumaríssimo: crime de menor potencial ofensivo, com pena máxima igual ou
inferior a 2 anos. Apesar de previsto no CPP, sua regulamentação se encontra
na Lei nº 9.099/95. Na mencionada lei dos juizados especiais cíveis e criminais,
o rito sumaríssimo encontra-se disciplinado nos arts. 77 a 83, além dos
institutos despenalizadores, tais como a composição civil dos danos, transação
penal e suspensão condicional do processo (que encontram previsão nos arts.
74, 76 e 89 da Lei nº 9.099/95).
Procedimento especial:
I.Crime de competência do Tribunal do Júri: disciplinado entre os arts. 406 a
497, CPP, julgam os crimes dolosos contra a vida;
II.Crimes de responsabilidade dos funcionários públicos(crimes funcionais):
adotado quando cometidos durante exercício da função pública e em razão
dela. Possuem previsão entre os arts. 513 e 518, CPP;
III.Crimes contra a honra: disciplinados pelos arts. 519 a 523, CPP;
IV.Crimes contra a propriedade imaterial: além de previsto também na Lei nº
9279/96, também possuem previsão nos arts. 524 a 530-I do CPP.

Além dos procedimentos previstos no CPP, outros ritos especiais podem ser encontrados
na legislação esparsa:
1.Abuso de autoridade: disposto na Lei nº 4.898/65;
2.Crimes falimentares: previsto na Lei nº 11.101/05;
3.Drogas: disciplinado na Lei nº 11.343/06;
4.Crimes eleitorais: previsto na Lei nº 4.737/65;
5.Competência originária dos Tribunais: previsto na Lei nº 8.038/90;
6.Crimes de responsabilidade de prefeito: disciplinado no Decreto nº
201/67); 7.Crime contra a Economia Popular: disposto na Lei nº 1.521/51);
8.Crimes na Lei de Licitações: previsto na Lei nº 8.666/92.

Não existe uma metodologia fixa para adoção de determinado rito, mas há critérios
orientadores nessa polimorfologia procedimental:
Parâmetro da gravidade do delito: baseada no montante da pena máxima
cominada, como ocorre nos diferentes ritos do Procedimento Comum;

79
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no
Processo Penal

Natureza do crime: levando em consideração o bem jurídico protegido pela


norma penal, a relação material debatida ocasiona a adoção de determinados
procedimentos especiais, tais como ocorre nos crimes dolosos contra a vida
(Júri) ou que envolvam tóxicos (drogas);
Qualidade do agente: o rito diferenciado se justifica por conta da prerrogativa
de função que gozam funcionários públicos (por crimes praticados no exercício
da função e em razão dela) ou de determinados integrantes, conforme previsão
legal e/ou constitucional.

Basicamente, para se definir qual procedimento processual penal a ser aplicado, deve ser
verificado se existe previsão de algum procedimento especial para o delito, tendo em vista
que o rito comum é subsidiário. Caso não exista qualquer previsão de rito especial, deve ser
analisado qual dos procedimentos comuns será cabível.

Vale ressaltar ainda que apesar da reforma de 2008, corretamente, apresentar contornos mais
técnicos e compatíveis com a ordem constitucional vigente (p.ex.: ao dispor o interrogatório
como último ato da instrução processual, deixando de ser meio de prova para constituir meio de
exercício da ampla defesa), alguns pontos permaneceram sem solução disposta em lei.

No tocante a fixação dos procedimentos, não restou resolvido se as causas de aumento e


de diminuição de pena devem ser computadas para definição do rito adequado. Outrossim,
em caso de concurso de delitos, caso a somatória de delitos ocasionar a superação do
limite do rito sumário, também se desconhece o procedimento cabível. Por fim, também não
foi respondido qual procedimento cabível quando houver concurso de crimes, sendo um
especial e outro comum.

Se considerada a redação do CPP, deve ser considerado apenas a pena máxima abstrata
cominada ao delito, sem incidência das causas de aumento e diminuição da sanção, até
mesmo porque são consideradas apenas na terceira fase de dosimetria da pena. Por seu
turno, não parece dificultoso fixar o rito ordinário, na hipótese de concurso de crimes, cuja
soma das penas superar ou igualar o patamar de 4 anos de pena privativa de liberdade. Se
houver concurso entre um crime sujeito a procedimento comum e outro de rito especial,
deverá ser aplicado, o procedimento mais amplo e que proporcione maior oportunidade de

80
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no Processo Penal

defesa do acusado4, de forma que, em regra, será o procedimento comum ordinário. Mas, este
último caso, deve ser avaliado com muita cautela, conforme alertado por Aury Lopes Jr.:
“Também se deve ter muita cautela em caso de conexão ou continência, pois,
conforme estudado, além de modificar a competência, também afeta o rito a ser
utilizado. Diante de crimes cujo julgamento é feito através de diferentes ritos, muita
cautela deve ser adotada. Em geral, o rito ordinário é mais amplo e pode ser o
utilizado, pois em nada prejudicaria as partes. Contudo, não pode haver a
supressão de atos importantes ou mesmo a violação das regras de competência.
Por exemplo: se alguém for acusado da prática de um crime doloso contra a vida,
de competência do Tribunal do Júri, e ainda de um crime de roubo, por exemplo, o
rito a ser adotado não poderá ser o ordinário. Isso porque a competência do
Tribunal do Júri atrai o julgamento de todos os crimes para aquele rito”5.

Como no processo penal “forma é garantia”, o estabelecimento prévio de critérios de


fixação de procedimentos figura como verdadeira garantia do acusado, de forma que a
inobservância do rito correto acarreta em nulidade absoluta, a ser sanada unicamente pela
repetição de todo processo.

2. Do Direito Fundamental ao Procedimento no Processo Penal

Em um primeiro momento dos estudos do Direito Processual, não havia separação entre
processo e procedimento, sendo que as distinções somente se deram com Bülow e sua
teoria do processo como relação jurídica6. Todavia, enquanto processo era explicado pela
relação jurídica, o procedimento era visto como
uma mera ordem e sucessão de realização de Links
atos processuais ou o modo de mover e a forma
em que são movidos os atos processuais. Para mais informações e detalhes ver
BÜLOW, Oskar Von. La Teoria das Excep-
Atualmente, superada a teoria da relação jurídica, ciones Procesales y Presupuestos Procesa-
les. Buenos Aires: EJEA, 1964.
o procedimento assumiu maior importância,

4 “havendo conexão ou continência, poderão ser diversos os procedimentos previstos para as várias infrações penais,
em tal situação, não poderá ser seguido o rito mais célere porque isso importará inquestionável prejuízo às partes que,
em relação a um ou mais crimes, têm direito ao procedimento de maior amplitude”. (GRINOVER, Ada Pellegrini; MAG-
ALHÃES GOMES FILHO, Antonio e; SCARANCE FERNANDES, Antonio. As nulidades no processo penal, 12ª ed., São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. Página 238).
5 LOPES Jr. Op. Cit. Página 926.
6 Apesar da relevância dos estudos de Bülow, sua teoria sofreu fortes críticas de James Goldschmidt. Para maior pro-
fundidade, ver: LOPES Jr. Op. Cit.

81
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no
Processo Penal

culminando com a premissa de Fazzalari, de que “o processo é procedimento realizado em


contraditório”. Logo, se antes era um ente externo ao processo, o procedimento se torna parte
essencial do processo, sendo expressão de sua unidade7.Segundo Scarance Fernandes, dois
aspectos essenciais do procedimento demonstram ser ele uma entidade unitária:
“Os atos singulares que o compõem estão postos pelo legislador de forma
sucessiva, um constituindo consequência do precedente e condição necessária
do sucessivo. Por outro lado, esses atos, apesar de permanecerem distintos,
estão todos ordenados para o alcance do mesmo resultado. A razão da
unidade do procedimento está em que todos os seus atos visam preparar um
mesmo ato, dando cada um a sua contribuição para esse fim. No processo
jurisdicional, o ato perseguido pelo juiz e pelas partes, a sentença, resume todo
o procedimento, constitui o seu resultado e é dotado de eficácia externa”.8

Com efeito, os aspectos essenciais do procedimento evidenciam, ainda, sua mecânica no


âmago do processo. Basicamente, na dinâmica processual, cada etapa do procedimento possui
um objetivo no itinerário até a sentença, sendo que no processo penal, o procedimento se inicia
com o oferecimento da acusação. Esta jornada até seu desfecho pode ter alguma variação na
ordem ou forma de dos atos que compõem o processo, mas estão sempre orientadas ao futuro,
de maneira linear e, em regra, progressivo. Somente podemos falar em regressivo quando
houver necessidade de que determinado ato seja refeito por conta de defeito em sua produção
original, isto é, repetição por defeito processual sanável. Outrossim, a dinâmica progressiva
impõe um nexo genérico, em que cada ato posterior dependerá da prática de um antecedente,
realizado de forma adequada e compatível com seu escopo.

Via de regra, salvo algumas exceções, são três as fases do procedimento previstas no
processo penal: fase postulatória, fase instrutória e fase decisória. No sistema brasileiro, a
etapa postulatória ocorre com o oferecimento da denúncia ou queixa-crime pela acusação e,
posteriormente, há previsão de reação defensiva do acusado (como no rito ordinário: arts.

7 “Mostrou a doutrina que a unidade do processo decorre do procedimento e não da relação jurídica ou das situações
que nele se formam. Como afirmou Punzi, a unidade do processo resulta da unidade do procedimento, cuja razão está
na ligação funcional existente entre todos os atos da série procedimental para a determinação da situação jurídica final.
O procedimento, acentuou Kazuo Watanabe, “dá a própria estrutura da relação jurídica processual, que poder meio dela
assume uma configuração definida”; sem ele, “a relação jurídica processual seria algo amorfo, disforme e sem ossatura”. É,
enfim, o procedimento que une os atos processuais em face do ato do provimento estatal pretendido pelas partes e preparado
pela participação de todos os que atuam no processo”. (SCARANCE FERNANDES, Antonio. Teoria geral do procedimento e
o procedimento no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2005. Página 31).
8 Idem. Páginas 31/32.

82
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no Processo Penal

396 e 396-A, CPP), encerrando com um juízo de admissibilidade da acusação. Na etapa


instrutória, as provas requeridas pelas partes são produzidas pelas partes (ou, em um
resquício do Sistema inquisitório, eventualmente, pelo juiz). Por fim, a fase decisória
comporta as alegações finais das partes (apoiadas no acervo probatório produzido em
contraditório) e, em seguida, o juiz profere sua decisão. Apesar da relevância da fase de
investigação preliminar, não se pode conceber o mesmo como procedimento.

Como o procedimento é elemento essencial do processo, ele também se torna parte


indispensável para legitimação do poder decisório do Estado, de forma que podemos
conceber o procedimento como direito fundamental. O arcabouço das normas dos direitos
fundamentais constitucionais é formado pelos princípios e regras constitucionais, sendo que
deles derivam direitos subjetivos individuais que podem ser reunidos em três posições
jurídicas fundamentais em relação ao Estado: o direito a ações negativas ou positivas do
Estado; o direito a que o gozo das liberdades seja permitido ou que as liberdades sejam
tuteladas pelo Estado e; o direito a que o Estado estabeleça os poderes ou competências
do cidadão. Entre os três, o direito ao procedimento figura como subespécie dos direitos a
ações positivas do Estado.

Em outras palavras, o direito ao procedimento funciona como direito à ação positiva do


Estado para efetivar os direitos fundamentais, ou seja, a obediência ao procedimento é
necessária para assegurar direitos fundamentais, pois somente assim os resultados
almejados podem ser obtidos de forma correta ou com significável aumento de
probabilidade de que o resultado esteja em conformidade com os direitos fundamentais.

Neste sentido, Robert Alexy salienta em sua obra:


“Procedimentos são sistemas de regras e/ou princípios para a obtenção de um
resultado. Se o resultado é obtido por meio da observância dessas regras e/ou
respeito aos princípios, então, ele deve, do ponto de vista procedimental, ser
classificado positivamente. Se ele não é obtido dessa forma, ele é, do ponto de
vista procedimental, defeituoso, e deve ser, por isso, classificado negativamente”9.

9 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, 2ª ed., 2ª tiragem. Tradução por SILVA, Virgílio Afonso da. São
Paulo: Malheiros Editores. 2012. Página 473.

83
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no
Processo Penal

Vale ressaltar que não se trata de qualquer procedimento, uma vez que seus elementos
devem ser adequados para a consecução do objetivo de resguardo dos direitos
fundamentais. Por este motivo, a criação do procedimento em conformidade com os direitos
fundamentais e seu cumprimento pelos órgãos estatais confere legitimação do provimento
jurisdicional. Logo, constatado que a inobservância do direito ao procedimento afeta a
validade das decisões judiciais, pode-se dizer que o direito ao procedimento constitui direito
fundamental do dueprocessoflaw.

Por seu turno, enquanto essencial para a assegurar direitos fundamentais, o procedimento
deve permitir a atuação eficaz dos órgãos encarregados da persecução penal, mas, sem
deixar de assegurar a plena efetivação das garantias do devido processo legal. Esta opção
por um sistema equilibrado implica na escolha por um modelo adequado para proteção do
hipossuficiente no processo penal (o acusado), sem inviabilizar a repressão penal. Com
efeito, partindo da instrumentalidade constitucional do processo penal, somente se confere
legitimidade para a decisão judicial formada sem flexibilização das formas, de modo que o
direito fundamental ao procedimento não confere validade para desrespeito de suas
fórmulas ou “instrumentalidade processual”. Em suma, no processo penal, forma é garantia,
enquanto figura como limitador da arbitrariedade do poder punitivo, cujo exercício somente
encontra validade se respeitada as regras do jogo.

Obviamente, não se fala em um formalismo exacerbado, mas na manutenção do


procedimento como garantidor dos direitos fundamentais, ou seja, como instrumento de
contenção dos excessos punitivos impostos pelo Estado. Neste sentido, segundo Ricardo
Jacobsen Gloeckner:
“No entanto, não se pode esquecer que a forma processual é absolutamente
indispensável enquanto materialização daquelas garantias e direitos fundamentais
anteriormente mencionados. A forma processual corresponde à garantia de que o
processo penal seguirá um rumo previsto normativamente, independentemente das
paixões e demais irracionalidades que afloram no campo do jogo processual. A
composição do processo mediante a estruturação de elementos préfixados, de
escudos protetores contra a arbitrariedade (Binder), depende do estabelecimento
normativo de requisitos essenciais à prática de atos judiciais”10.

10 GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Nulidades no processo penal: introdução principiológica à


teoria do ato processual irregular. Salvador: Editora JusPodivm. 2013. Páginas 430/431.

84
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no Processo Penal

Assim, a criação de procedimentos processuais penais deve partir dos seguintes


paradigmas procedimentais extraídos de princípios constitucionais:

a) Imparcialidade do juiz: quem estiver encarregado da tarefa de julgar não pode ser
incumbido concomitantemente da função de acusar ou defender. Trata-se de condição
essencial do juiz, na medida que se mostra primordial que um terceiro imparcial
(portanto, não parte) esteja investido de julgar e incapaz de participar ativamente na
produção probatória;

b) Princípio acusatório: a acusação deve ser realizada por sujeito distinto do juiz, de forma
que a delimitação do âmbito de imputação da acusação e a carga da prova será sua
incumbência. Pelo ordenamento jurídico brasileiro, o art. 129, I, CF prevê que a acusação
pública será feita pelo Ministério Público, mas permanece admitida a acusação subsidiária
do ofendido (art. 5º, LIX, CF), assim como aquelas cuja iniciativa é de exclusividade privada;

c) Garantia à ampla defesa: nenhum acusado pode ser julgado e sentenciado sem
oportunidade para reagir à imputação. Por esta razão, devem ser criados procedimentos
que permitam ao acusado apresentar
resistência a pretensão acusatória, com
Vamos Pensar
capacidade para produção de provas e
Elabore uma resenha crítica que possa traba-
recorrer de decisões condenatórias; lhar o princípio do contraditório e suas caracte-
rísticas. Como bibliografia inicial: FELIX, Yuri;
d) Garantias a igualdade de partes e ao BUONICORE, Bruno T., Contraditório e Veloci-
dade: Desafios do processo penal democrático
contraditório: por conta destas garantias,
na sociedade complexa. Revista dos Tribunais.
as normas procedimentais devem assegurar São Paulo, v. 945, p. 261-274, 2014 e FAZZA-
LARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. 7
tratamento isonômico, com paridade de ed. Padova: CEDAM, 1994.
armas e oportunidade de ciência dos atos
praticados e consequente confrontação.

Em síntese, Antonio Scarance Fernandes destaca:


“É com base nessas diretrizes paradigmáticas que se constrói um procedimento
justo, estruturado pelas seguintes regras: o ato inicial do procedimento deve
consubstanciar acusação oferecida por sujeito distinto do juiz, incumbindo-lhe
delimitar o fato que constitui o objeto do processo e do julgamento; os atos do
procedimento têm de ser desenvolvidos de modo a proporcionar a atuação

85
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no
Processo Penal

imparcial do juiz e a participação contraditória e igualitária das partes; na ordem


procedimental, deve-se proporcionar à defesa meios eficazes para reagir à
acusação formulada e aos atos praticados pelo órgão acusatório: durante o
procedimento é necessário reservar fases especiais para que a acusação e a
defesa possam provar as suas alegações; e o julgamento só pode ser proferido
após a produção de prova pelas partes e depois que estas se tenham
manifestado a respeito da prova realizada”11.

Desta maneira, ainda que possa haver variação de ritos, conforme a relação material
debatida, todos procedimentos devem abarcar estes paradigmas, sem suprimi-los.

Entretanto, existe tendência que advoga pela simplificação procedimental, cujo escopo visa
conciliar a celeridade com a segurança das decisões. Estes modelos baseiam-se em
mecanismos que podem conduzir ao encerramento antecipado do processo; que levam à
supressão de fases dos procedimentos ordinários e; os que reorganizam o procedimento
ordinário. Apesar de que a diversificação procedimental seja aceitável, diante da multiplicidade
de bens jurídicos tutelados penalmente, pelo ampliado leque de possibilidades e pela
inexistência de um modelo procedimental único, o vilipêndio de direitos e garantias

fundamentais nunca figura compatível do aspecto


constitucional e do devido processo penal. Link

Neste ponto, o rito sumaríssimo merece crítica, Para mais informações ver: <http://www.
ibccrim.org.br>
tendo em vista que a implementação de uma
política procedimental baseada no consenso para
obtenção de benefícios, conforme trazido pelas formas de justiça negociada representa
forte retrocesso à garantia da inderrogabilidade do juízo12. O fomento a institutos
despenalizadores, como a composição civil dos danos, transação penal e a suspensão
condicional do processo podem colaborar para uma cultura de desencarceramento e
adoção de penas alternativas, mas caracterizam notório afastamento da tutela jurisdicional
e supressão de espaços de oportunidade de exercício da reação defensiva.

Por fim, vale mencionar que a ruptura da forma procedimental acarreta em nulidade absoluta do
ato irregular praticado. Em outros termos, a contenção do poder punitivo exige que seu

11 SCARANCE FERNADES. Op. Cit. Página 304.


12 Para maior aprofundamento nas críticas a Justiça Negociada, ver: LOPES Jr. Aury. Op. Cit.

86
Breves Delineamentos Acerca dos Procedimentos no Processo Penal

exercício não seja arbitrário, mas compatível com as expectativas geradas pela estrita
jurisdicionalidade, de forma que a nulidade termina por ser verdadeira garantia contra a
arbitrariedade e remédio contra a violação procedimental. Como aponta Gloeckner:
“A nulidade de um ato processual surge como uma declaração judicial de
invalidade. A cassação dos efeitos do ato é uma consequência inexorável da
invalidade processual cristalizada mediante uma declaração. A sua principal tarefa
é promover a restauração daqueles princípios informadores do processo penal
contemporâneo, constituindo-se em inadmissível arbitrariedade conceber-se ato
judicial praticado em desconformidade com as suas prescrições normativas”.13

Pelo exposto, o procedimento no ordenamento jurídico brasileiro figura como verdadeiro


direito fundamental, observado que sua flexibilização não poderia comportar tolerância com
abusos, devendo sua violação ser rechaçada com o reconhecimento do vício da nulidade
absoluta e instantânea nova realização do ato, desde que sanável. No entanto, devido às
influências de posicionamentos que buscam simplificação procedimental para maior
eficiência do aparato da persecução penal e o retrógrado raciocínio autoritário que guia
nossa teoria das nulidades, a instrumentalidade das formas se mantém em plena atividade.

Pontuando
• Processo e Procedimento

• Procedimento no processo penal brasileiro

• Procedimento comum/especial

• Direito fundamental ao procedimento no processo penal

• Bülow/Fazzalari

• Paradigmas extraídos da CF/88

13 GLOECKNER. Op. Cit. Página 431.

87
Glossário
Garantia: “direitos, privilégios que a Constituição de um país confere aos cidadãos”. Fonte:
Minidicionário Houaiss, 2008, p. 370de glossário.

Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA d) Alterou basicamente

Processo e Procedimento possuem como e) Alterou de forma gradual


raiz etimológica:
Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
a) JusProcedere
Nos primórdios da dogmática processual
b) IusProcedere
pe-nal, processo e procedimento:
c) Procedere
a) Não estavam separados
d) Nemo tenetur
b) Estavam parcialmente separados
e) Pacta sunt
c) Estavam devidamente separados
Questão 2 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA d) Estavam erradamente separados

Com relação aos procedimentos no proces- e) Estavam corretamente fundidos de forma


so penal brasileiro pode-se afirmar que a sui generis
Lei nº 11.719/08:
Questão 4 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
a) Nada alterou
Na história da dogmática processual pode-
b) Alterou substancialmente os
se identificar o pensamento de Fazzalari e
procedimentos no processo penal brasileiro
Bülow respectivamente:
c) Não alterou substancialmente os procedi-
mentos no processo penal brasileiro a) Processo como relação jurídica processual e
processo como procedimento em contraditório

88
Verificação de Leitura

b) Processo como plenitude de defesa e pro- Questão 5 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

cesso como relação jurídica processual


Segundo Fazzalari, processo é:
c) Processo como procedimento em contra-
a) Procedimento em contraditório
ditório e processo como relação jurídica pro-
cessual b) Procedimento em dialética
d) Processo como contraditório e processo c) O palco das partes
como ampla defesa
d) Uma simples sequencia de atos
e) Ambos sustentam o mesmo
e) Contraditório
posicionamento dogmático

Referências
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, 2ª ed., 2ª tiragem. Tradução por SILVA,
Virgílio Afonso da. São Paulo: Malheiros Editores. 2012.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Vocabulário do Processo Civil, 2ª ed.São Paulo: Malheiros


Editores. 2014.

GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Nulidades no processo penal: introdução principiológica à


teoria do ato processual irregular. Salvador: Editora JusPodivm. 2013.

GRINOVER, Ada Pellegrini; MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio e; SCARANCE FER-


NANDES, Antonio. As nulidades no processo penal, 12ª ed., São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2001.

LOPES Jr. Aury. Direito Processual Penal – 9ª ed., ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.

SCARANCE FERNANDES, Antonio. Teoria geral do procedimento e o procedimento no


pro-cesso penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2005.

89
Gabarito
Questão 1

Resposta: Alternativa C.

Resolução: Apesar da raiz etimológica de processo e procedimento seja a mesma (procedere),


seus conceitos são essencialmente diferentes, uma vez que processo é o procedimento em
contraditório, isto é, o procedimento somado com a relação jurídica processual.

Questão 2

Resposta: Alternativa B.

Resolução: A Lei nº 11.719/08 alterou substancialmente os procedimentos no processo


penal brasileiro, alterando com acerto a terminologia utilizada no título dos ritos.

Questão 3

Resposta: Alternativa A.

Resolução: Em um primeiro momento dos estudos do Direito Processual, não havia


separação entre processo e procedimento, sendo que as distinções somente se deram com
Bülow e sua teoria do processo como relação jurídica.

Questão 4

Resposta: Alternativa C.

Resolução: Fazzalari: Processo como procedimento em contraditório, nestes termos ver:


FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. 7 ed. Padova: CEDAM, 1994.

Bülow: Processo como relação jurídica processual, nestes termos ver:

BÜLOW, Oskar Von. La Teoria das Excepciones Procesales y Presupuestos Procesales.


Buenos Aires: EJEA, 1964

90
Gabarito

Questão 5

Resposta: Alternativa A.

Resolução: Apesar da raiz etimológica de processo e procedimento seja a mesma (procedere),


seus conceitos são essencialmente diferentes, uma vez que processo é o procedimento em
contraditório, isto é, o procedimento somado com a relação jurídica processual.

91
TEMA 05
Aspectos Basilares da Teoria Geral
da Prova no Processo Penal

92
LEGENDA seções
DE ÍCONES

Início

Vamos
pensar

Glossário

Pontuando

Verificação
de leitura

Referências

Gabarito

93
Tema 05
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova
no Processo Penal
Danilo Dias Ticami

Mestrando em Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da USP. Pós Graduado em


Direito Penal e Processo Penal Pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós Graduado
em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra/IBCCRIM.

Objetivo

Prezado aluno da Pós de Ciências Penais. O objetivo desta aula é problematizar os


pontos relevantes de uma teoria geral da prova à luz dos princípios constitucionais de 1988
na perspectiva de um processo penal contemporâneo.

Resumo da Aula

O texto que segue fará uma breve análise dos sistemas processuais e dos modos de
construção do convencimento, ainda, apontará os delineamentos básicos sobre as
diferentes terminologias e mecanismos de prova no processo penal, a principiologia
probatória pós filtragem constitucional, a presunção de inocência como norma de
tratamento, norma probatória e norma de juízo e por último apresentará os sistemas de
valoração das provas e o tratamento da prova ilícita no Processo Penal brasileiro.

Introdução

Devido a função instrumental de reconstrução histórica de determinado fato, o tema da


prova sempre suscitou muitas polêmicas nos estudos do processo penal.Com efeito,
inegável que a prova figura como a “alma do processo”, tendo em vista que os mecanismos
probatórios são essenciais para a formação do convencimento do juiz e corroboram para
justificar a prestação jurisdicional frente ao povo, enquanto demonstra que as decisões
foram baseadas em racional análise dos elementos de prova apresentados.

94
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal

Em linhas gerais, o ritual de recognição executado pelo processo busca proporcionar, por
meios das provas, a reconstrução do fato passado (crime). Trata-se do “paradoxo temporal
ínsito ao ritual judiciário”: “um juiz julgando no presente (hoje) um homem e seu fato
ocorrido num passado (ontem) e projetando efeitos (pena) para o futuro (amanhã)” 1.

Ademais, em um modelo de processo penal democrático, somente provas cabais, colhidas em


estrita obediência ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa permitem que a
pretensão acusatória consiga superar a presunção de inocência inerente ao acusado. Portanto,
a relevância da prova não permanece adstrita apenas a reconstrução aproximada dos
acontecimentos, como também funciona como legitimador da aplicação da sanção penal2.

Durante as fases instrutórias ocorridas durante a persecução penal (em fase preliminar ou
processual), as provas colhidas são essenciais para a seleção e eleição das hipóteses
históricas suscitadas. Em outras palavras, as provas representam o material que permite a
formação do convencimento jurisdicional acerca de determinada pretensão, isto é, a
finalidade da prova é a captura psíquica do juiz. Basicamente, a persecução penal inicia em
estado de completa ignorância e as provas podem retirar o juiz deste estado, podendo
deixa-lo em dúvida ou fornecendo subsídios para a formação da certeza.

Assim, na esteira do lecionado por LOPES Jr., lastreado nos ensinamentos de FRANCO
CORDERO, as provas possuem uma nítida natureza persuasiva, sendo que a palavra-
chave é “fé”: “os locutores pretendem ser acreditados e tudo o que dizem tem valor
enquanto os destinatários crerem. Os resultados dependem de variáveis relacionadas aos
aspectos subjetivos e emocionais do ato de julgar (crer=fé)”3.

1 LOPES Jr. Aury. Direito Processual Penal – 9ª ed., ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. Página 534.
2 Neste sentido: “Os mecanismos probatórios servem à formação do convencimento do juiz e, concomitantemente, cum-prem
função não menos relevante de justificar perante o corpo social a decisão adotada; assim, considerar a prova como a “alma
do processo” tanto pode significar a exaltação do seu valor interno – de instrumento pelo qual o juiz se esclarece sobre os
fatos -, como a identificação de um elemento vivificador através do qual a atividade processual assimila valores e símbolos
vigentes na sociedade, propiciando, em contrapartida, a adesão do grupo ao pronunciamento resultante”.
(GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.
Página 13)
3 LOPES Jr., Op. Cit. P. 537.

95
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal

Em evidente (demasiado) apego à um pensamento vetusto que negava a separação entre


“crime-pecado”, o ritual judiciário prossegue eivado do simbolismo “sagrado”4. Assim, o
compromisso por uma fantasiosa “busca pela verdade real”, somente atingida por
intermédio do processo, mostra como a atividade de julgar permanece como um ato de fé,
ou seja, as provas produzidas durante o ritual judiciário possuem função persuasiva de
convencer o magistrado, encarregado de dizer e construir a “verdade”.

De toda forma, o conceito de prova se encontra permanentemente vinculado ao de


atividade voltada para obter o convencimento psicológico do julgador, pois inegável que o
juiz “escolhe”entre as versões surgidas de sua valoração dos elementos fáticos
apresentados através das provas.

Com objetivo de traçar as principais características da temática probatória no processo


penal, realizaremos uma breve exposição de seus principais pontos.

1. Breve Análise dos Sistemas Processuais e os Modos de


Construção do Convencimento

Sem objetivo de realizar profunda análise dos sistemas processuais penais, alguns
apontamentos merecem ser tecidos, observado que o estudo de seus princípios reitores é
essencial para o entendimento do tema deste trabalho.

Como exposto no introito, existe uma explícita vinculação entre o processo e o regime legal
de provas, uma vez que a finalidade de reconstrução do fato histórico do primeiro apenas
ocorre por meio da assistência das provas. Desta forma, a gestão da prova assume a
posição de espinha dorsal do processo penal, enquanto atinge a forma como se constrói o
convencimento do julgador. Basicamente, existem dois princípios informadores:

• Princípio dispositivo (funda o Sistema acusatório): a gestão probatória fica adstrita às


partes e o juiz mantém seu papel de espectador;

• Princípio inquisitivo (funda o Sistema inquisitório): o juiz assume a gestão da prova.

4 Para maiores detalhes quanto a influência do pensamento inquisitório nos sistemas processuais: ver o artigo sobre
“Verdade, Processo e Sistema Inquisitório” de nossa autoria. Para um estudo mais aprofundado: KHALED JR, Salah
Has-san. A Busca da Verdade no Processo Penal: Para Além da Ambição Inquisitorial. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

96
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal

Desnecessário relembrar que a característica essencial do Sistema inquisitório é a figura do


juiz inquisidor, marcada pela iniciativa probatória e que afeta o regime legal das provas. Por
sua vez, surge também nesse modelo a ambição pela “verdade real”, culminando com a
supremacia alucinante do julgador-investigador, destoado de limites neste sistema
processual. Como alerta LOPES Jr.: “no processo penal inquisitório conta o resultado obtido
(condenação) a qualquer custo ou de qualquer modo, até porque quem vai atrás da prova e
valora sua legalidade é o mesmo agente (que ao final ainda irá julgar)”5.

O raciocínio a ser adotado no método de investigação pressupõe, necessariamente, “o


primado da hipótese sobre o fato”, isto é, opera-se previamente a formulação de um quadro
mental hipotético acerca dos acontecimentos e, com isso em mente, inicia a coleta de
provas pelo caminho mais adequado a chegar na conclusão almejada. Enquanto o Sistema
acusatório afasta o julgador desta atividade contaminadora, o Sistema inquisitório impõe
sua participação ativa na investigação. As consequências deletérias para a imparcialidade
são visíveis, uma vez que o juiz-inquisidor buscará o material probatório para confirmação
da sua versão hipotética, em outros termos, “o sistema legitima a possibilidade de crença
no imaginário, ao qual toma como verdadeiro”6. Como o inquisidor somente produzirá as
provas que justificam sua premissa formulada anteriormente, a força persuasiva do conjunto
probatório obviamente servirá para “formação de seu convencimento”.

O maior equívoco do Sistema inquisitório é a incapacidade de perceber que a fusão de funções


processuais em um mesmo sujeito prejudica a idônea reconstrução fática 7. Além da gestão da
prova se encontrar erroneamente nas mãos do juiz, sua função precípua na admissibilidade das
provas permanece inalterada, havendo, portanto, uma arriscada confusão

5 LOPES Jr. Op. Cit. P. 540.


6 COUTINHO, Jacinto Nelson Miranda. Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro. Revista de Estu-
dos Criminais, Porto Alegre: Nota Dez Editora, n.1, 2001. Página 37.
7 Neste sentido: “O juiz é o destinatário da prova e, sem dúvida alguma, sujeito do conhecimento. Quando, porém, se
dedica a produzir provas de ofício se coloca como ativo sujeito do conhecimento a empreender tarefa que não é neutra,
pois sempre deduzirá a hipótese que pela prova pretenderá ver confirmada. Como as hipóteses do processo penal são
duas: há crime e o réu é responsável ou isso não é verdade, a prova produzida de ofício visará confirmar uma das duas
hipóteses e colocará o juiz, antecipadamente, ligado à hipótese que pretende comprovar”. (PRADO, Geraldo. Sistema
acusatório – A conformidade constitucional das leis processuais penais, 4ª edição. Editora Lumen Juris: Rio de Janeiro,
2006. Página 141).

97
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal

entre a iniciativa probatória e o juízo de admissibilidade deste material8. Sem exagero, um


determinado sujeito que produziu a prova não pode ser encarregado da tarefa de valorar
sua licitude para formar um convencimento acerca dos fatos e depois prolatar decisão9.

No sistema acusatório, torna imperiosa a devida separação das partes e de suas funções,
sendo que a acusação e defesa se enfrentam em paridade de condições e há um julgador em
posição equidistante. Referida separação de funções, distribuídos entre diferentes sujeitos, faz
com que o processo se caracterize como um verdadeiro actum trium personarum, isto é, existe
uma relação jurídica entre as partes através do processo. Basicamente, a iniciativa probatória
será das partes, pois o juiz não será o gestor das provas, mas terceiro imparcial alheio ao labor
investigativo e inerte quanto a busca de fontes de prova.

Sobretudo, o modelo acusatório não se compromete com o desfecho condenatório ou


prevalência da hipótese acusatória, poistanto faz o resultado do embate, sendo que
incumbe a acusação repelir a presunção de inocência do acusado. Em que pese essa
constatação parecer inicialmente desnecessária, sua advertência demonstra-se essencial,
observado que influencia no tratamento do acusado durante a persecução penal e impõe a
obediência estrita a um procedimento fixado previamente em lei. Em outras palavras, no
Sistema acusatório, enquanto valor absoluto a ser protegido, a forma é garantia, pois não
há espaço para participação ativa do juiz e maior importância adquire os ritos para
legitimação da aplicação da pena. Em cristalino abandono ao ranço inquisitório de buscar a
condenação a todo custo, o Sistema acusatório possui um conteúdo ético inafastável, cujo
respeito às regras do jogo (formas processuais) fundamenta e constitui seu valor maior.

8 A questão acerca dos poderes instrutórios do juiz é controvertida na doutrina nacional. No sentido de que os poderes
instrutórios do juiz são residuais: ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
9 Entretanto, o art. 156, inciso I do Código de Processo Penal brasileiro vigente atribui excêntrica iniciativa probatória
ao juiz antes de sequer a formação da opinio delicti pelo órgão de acusação, em evidente vinculação ao pensamento
(neo) inquisitório.

98
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal

2. Delineamentos Básicos Sobre as Diferentes Terminologias e


Mecanismos de Prova no Processo Penal

A temática de maior relevância para a ciência processual seguramente é a da prova,


tendo em vista seu valor para reconstrução dos fatos no momento da prestação jurisdicional
através do processo e, sobretudo porque uma observação atenta demonstra que sua
interpretação corresponde ao momento político social de determinado ordenamento jurídico.

Os mecanismos probatórios possuem a finalidade de formar o convencimento do julgador, bem


como de justificar perante o corpo social os motivos da decisão, ou seja, as razões que levam a
determinada fundamentação. Em outros termos, além de representar procedimento cognitivo, a
prova é um fenômeno psicossocial, sendo relevante a natureza e os modos como elas são
obtidas e incorporadas no processo. No âmago de um Estado Democrático de Direito, em que
as sentenças criminais condenatórias devem, como condição de legitimidade, serem fundadas
em provas concludentes e aptas a superar a presunção de inocência do acusado, a concepção
de um direito à prova apresenta os aspectos garantísticos da atividade probatória,
demonstrando a necessidade de resguardo de direitos fundamentais e a participação de ambas
as partes e interessados nos atos relacionados à reconstrução dos fatos.

Não obstante a importância da prova, existe grande confusão acerca de seus vários
significados no processo penal. Por isso, para manter a coerência e pureza técnica,
faremos algumas distinções quanto as formas de provas10.
De acordo com sua relevância, quais e como determinadas informações chegam ao
conhecimento do julgador são delimitadas e denominadas como elementos de prova, definidos
como “cada um dos dados objetivos que confirmam ou negam uma asserção a respeito de

10 O Código de Processo Penal vigente utiliza a palavra prova em muitos sentidos diferentes e em situações varia-das,
podendo significar desde o resultado da prova, como o meio de prova utilizado para trazer determinado elemento
probatório aos autos. A carência de rigor técnico e a desordem terminológica são criticadas por Dinamarco: “Dentre os
muitos defeitos do diploma processual penal de 1941, chamam desde logo a atenção os que se referem à terminologia.
A pobreza da ciência processual penal brasileira do tempo em que o Código foi elaborado reflete-se não só em sua
estrutura mal alinhavada, na má constituição de seus institutos e na disciplina arcaica de alguns destes (v.g. o capítulo
das nulidades), mas também na pobreza e inadequação de sua linguagem – espelho, como se disse na abertura deste
estudo, do estágio menos evoluído de uma ciência”. (DINAMARCO, Cândido Rangel. Vocabulário do Processo Civil, 2ª
ed.São Paulo: Malheiros Editores. 2014. Página 40)

99
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal

um fato que interessa à decisão da causa”11. Esta vedação apresenta dupla feição:
enquanto não é qualquer elemento de informação que pode ser admitido e valorado pelo
juiz, também não pode ser levado ao seu conhecimento através de qualquer jeito. Assim, a
ilicitude da prova pode ser verificada no aspecto de seu conteúdo, bem como na forma de
sua obtenção, sendo, portanto, inadmissível.

Este canal comunicativo pelo qual o elemento de prova é introduzido no processo é


chamado de meio de prova, isto é, é o mecanismo adotado para obtenção de um conteúdo
probatório12. Percebe-se, neste ponto, que há meio de prova específico para cada elemento
de prova, de modo que sua inserção depende de método adequado, sob pena de anomalia.
Uma característica do meio de prova é que este deve seguir um padrão que possibilite o
contraditório pleno entre os participantes do processo penal, uma vez que não pressupõe o
efeito surpresa em sua realização e, uma vez introduzidos os elementos no processo,
pertencem ao conhecimento do juízo. Em fase preliminar da ação penal ou durante o
estágio judicial, os envolvidos ou as partes devem travar o debate com total conhecimento
dos meios e elementos de prova.

Por seu turno, meio de pesquisa/obtenção de prova não obedece aos mesmos ditames.
Enquanto o meio de prova serve a formação do convencimento do juízo, o meio de pesquisa
serve à própria prova. Assim, meio de pesquisa distingue-se por ser um método de busca à
elementos ainda desconhecidos, em que prevalece a surpresa do envolvido, a sua utilização
somente em etapa pré-processual e a necessidade de identificar as fontes de prova 13. Sua
natureza preliminar pode ser constatada, pois o meio de pesquisa de prova objetiva encontrar

11 GOMES FILHO. Antônio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova (reflexos no processo penal brasileiro). In.:
Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. Coordenadores: YARSHELL, Flávio Luiz e MORAES,
Maurício Zanoide de. DPJ. São Paulo. 2005. Página 307.
12 Na definição de GOMES FILHO, os meios de prova são os “instrumentos ou atividades por intermédio dos quais os
dados probatórios (elementos de prova) são introduzidos e fixados no processo (produção de prova). São, em síntese,
os canais de informação de que se serve o juiz.” (GOMES FILHO. Op. Cit. Página 305).
13 Neste sentido: VIEIRA, Renato Stanziola. Agente infiltrado – estudo comparativo dos sistemas processuais penais
português e brasileiro (ou a imprescindibilidade da tipicidade processual como requisito da admissibilidade dos meios
de pesquisa em processo penal) . In.: Revista Brasileira de Ciências Criminais nº 87. Volume 18. Editora Revista dos
Tribun-ais. São Paulo. 2010. Página 195.

100
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal

ou descobrir um elemento incerto para, futuramente, ser introduzido na fase processual por
um determinado meio de prova14.

O direito português separa com melhor detalhamento os meios de pesquisa e os meios de


prova, em seu regramento processual penal, separando-os em capítulos distintos15.

O Código Processual Penal brasileiro não obedece ao mesmo rigor, mas diante as
características definidas até esta parte, podem ser encontradas meios de pesquisa da prova
neste ordenamento jurídico, como a busca e apreensão, interceptação telefônica e o agente
infiltrado. Ainda com foco no direito brasileiro, a utilidade de conceituação apartada e
distinta para os meios de prova e para os meios de pesquisa encontram relevância prática,
pois as repercussões são diferentes. Enquanto, a consequência do vício em meio de prova
será da nulidade da prova produzida, no meio de pesquisa a prova adquirida será
inadmissível, diante a violação das regras relacionadas à sua obtenção (art. 5º, inciso LVI,
da Constituição Federal brasileira).

14 “i mezzi di ricerca della prova non sono di per sé di convincimento, ma rendono possibile acquisire cose materiali,
tracce o dichiarazioni dotate di attitudine probatoria. (...) Dal punto di vista tecnico-processuale, i mezzi di ricerca della
prova si caratterizzano altresi in quanto, mirando a far penetrare nel processo elementi che preesistono all’indagne gi-
udiziaria, si basano sul fattore sorpresa e non consentono perció, per loro stessa natura, Il preventino avviso ai difensori
quando sono compiuti nella fase delle indagini. La prova è in questi caso precostituita, non deve cioè essere formata nel
processo, come per Le testimonianze, Le perizie egli esperimenti giudiziali, etc.”. (LARONGA, Antonio. Le prove
attipiche nel processo penale. Cedam. Milão. 2002. Página 28). Em tradução de Renato Stanziola Vieira: “os meios de
pesquisa da prova não são por si fonte de convencimento, mas tornam possível adquirir coisas materiais, traços ou
declarações dotadas de atitude probatória. (...) Do ponto de vista técnico-processual, os meios de pesquisa da prova se
caracterizam também enquanto, mirando a fazer penetrar no processo elementos que preexistem à investigação
judicial, basearem-se no fator surpresa e não permitirem portanto, por sua própria natureza, o preventivo aviso ao
defensor quando são cumpridos na fase de investigação. A prova é neste caso pré-constituída, não deve ser formada
no processo, como pela testemunha, as perícias e os experimentos judiciais etc. (VIEIRA. Op. Cit. Página 197).
15 Na síntese de Germano Marques da Silva:os meios de obtenção da prova são instrumentos de que se servem as
autoridades judiciárias para investigar e recolher meios de prova; não são instrumentos de demonstração do thema pro-
bandi, são instrumentos para recolher no processo esses instrumentos. Os meios de obtenção de prova distinguem-se
dos meios de prova numa dupla perspectiva: lógica e técnico-operativa. Na perspectiva lógica os meios de prova carac-
terizam-se pela sua aptidção para serem por si mesmos fonte de convencimento, ao contrário do que se sucede com
os meios de obtenção da prova que apenas possibilitam a obtenção daqueles meios. Na perspectiva técnico-operativa
os meios de obtenção da prova caracterizam-se pelo modo e também pelo momento da sua aquisição no processo, em
regra nas fases preliminares, sobretudo no inquérito”. (SILVA, Germano Marques da. Curso de Processo Penal. II. 2.
Editora Verbo. Lisboa. 1999. Páginas 189/190).

101
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal

Frise-se que pode haver procedimento regulado da Vamos Pensar


produção dos meios de prova, sendo elas
consideradas como típicas, enquanto as atípicas Elabore um texto que verse a respeito dos
seriam destoadas de rito fixado em lei. Entretanto, meios de prova e as novas tecnolo-gias.
Recomenda-se: FELIX, Yuri; GUE-DES, G.
pode ocorrer de outro procedimento análogo ser P.. A identificação Genética na Lei nº
12.654/2012 e os Princípios de Direito
utilizado subsidiariamente, sem que isso prejudique a Processual Penal no Estado De-mocrático
validade do meio de prova, desde que não atinja seu de Direito. Revista de Estudos Criminais, v.
53, p. 157-179, 2014.
núcleo essencial e destorça sua finalidade probatória.
Logo, a prova atípica não pode ser
confundida com a prova irritual, que se trata de prova típica, mas produzida sem
observância do procedimento probatório previsto. Nesta hipótese de prova irritual, há
evidente prejuízo para a coleta da fonte de prova, de modo que não pode ser admitida no
processo. Por seu turno, ainda há a prova anômala, que é a prova típica utilizada para fins
diversos daqueles que lhe são próprios, como ocorre com a substituição da oitiva de
testemunha por juntada de uma declaração.

3. Principiologia Probatória Pós Filtragem Constitucional

De acordo com o enfatizado à exaustão na moderna doutrina processual penal, a


influência do pensamento fascista em nosso Código de Processo Penal exige uma profunda
filtragem constitucional de seus institutos anacrônicos16. Por sua vez, levando em
consideração a importância do tema da Prova para o Processo, inegável que esta parte
suscita releitura sob a ótica dos direitos e garantias fundamentais da Carta Magna de 1988.

3.1. Direito à Prova (Right to Evidence)


Em um modelo de processo penal acusatório, com o juiz em posição de completa inércia
quanto a atividade probatória, a tarefa de reconstrução do fato histórico será encargo das
partes, sobretudo da acusação, investida da carga de demonstrar a culpabilidade do imputado.

16 Nesta esteira, Fauzi Hassan Choukr: “Daí a importância de interpretar-se o processo penal sobretudo com a utilização do
método denominado processo constitucional, onde as normas são enfocadas a partir da matriz contida no texto mag-no,
acabando o processo por adquirir uma feição para além da técnica, muito mais politizada e sem dúvida com um outro
compromisso ético.”(CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal à luz da Constituição. Bauru: Edipro, 1999. Página 62).

102
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal

Com efeito, de pouco adiantaria conceder o direito de ação e de defesa sem possibilitar que
fosse produzido o material probatório para influir no convencimento do julgador. Desta forma, o
direito à prova (right to evidence) consubstancia-se em um direito fundamental integrante do
due process of law, imprescindível para que o processo possa atingir suas finalidades.

Logo, o direito à prova se trata de direito subjetivo das partes para indicar quais fontes de
prova desejam ver introduzidas no processo e que podem servir de base na decisão
judicial17, de forma que esta atividade deve ser aberta à iniciativa, participação e controle
dos interessados no provimento jurisdicional18.
Por sua vez, o direito à prova envolve cinco direitos distintos e fundamentais para cada
momento da persecução penal: (a)direito à investigação está voltado para a busca de fontes de
prova; (b)direito à proposição é a possibilidade das partes requererem ao juiz a produção das
provas sobre os pontos relevantes; (c)as partes possuem o direito à admissão ou deferimento
da proposição das provas lícitas e relevantes19; (d)se requerida pela parte e admitida
judicialmente, surge o direito à produção da prova, sendo que os meios de prova, em regra,
devem ser produzidos em contraditório, perante as partes e do juiz. Logo, não

17 Neste sentido, Antonio Magalhães Gomes Filho ressalta: “Caracteriza-se, assim, um verdadeiro direito subjetivo à
introdução do material probatório no processo, bem como de participação em todas as fases do procedimento
respectivo; direito subjetivo que possui a mesma natureza constitucional e o mesmo fundamento dos direitos de ação e
de defesa: o direito de ser ouvido em juízo não significa apenas poder apresentar ao órgão jurisdicional as próprias
pretensões, mas também inclui a garantia do exercício de todos os poderes para influir positivamente sobre o
convencimento do juiz”. (GOMES FILHO. Direito à prova. Op. Cit. Página 84).
18 Vale ressaltar o entendimento de Nereu José Giacomolli: “O direito fundamental à prova no processo abrange a pos-
sibilidade de tanto a acusação quanto a defesa indicarem as fontes de prova e exigirem a sua incorporação ao processo
(pessoas a serem ouvidas em juízo, documentos a serem examinados, v.g.), de utilizarem os mecanismos de prova (ar-rolar
testemunhas, requerer perícias, v.g.)a exigência de utilização das metodologias legais na produção da prova (ordem de
inquirição das testemunhas, quem pergunta antes, como perguntar, participação na reconstituição do crime, v.g.), bem como
a exigência de apreciação, valoração dos elementos de prova, de todos os dados fáticos e circunstâncias, pelo julgador.
Contudo, o right to evidence é limitado pela prova admissível, válida, que tenha trilhado o devido processo
(interceptações telefônicas sem autorização judicial, v.g.). Portanto, ambas as partes possuem o direito de influir no
convencimento do julgador. A garantia da efetividade desse direito depende, também, da manutenção da igualdades de
oportunidades e do afastamento de qualquer obstáculo à demonstração fática pretendida pelas partes, em todos os
mo-mentos processuais”. (GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a Constituição
Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014. Página 161).
19 Em correlação com o direito à admissão, há também o direito de exclusão das provas inadmissíveis, decorrente de
algum vício que termina por impedir seu ingresso no processo.

103
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal

basta o contraditório sobre a prova, mas é necessário o contraditório na produção da


prova20, e; por fim, (e)há o direito à valoração da prova produzida pelo julgador, pois seria
inócua a previsão do direito à proposição, admissão e produção se fosse permitido ao juiz
ignorar o material confeccionado.Logo, a análise judicial das provas produzidas funciona
como método de controle da racionalidade da decisão (externada pela fundamentação).

3.2. O Pleno Exercício do Contraditório para Legitimação do Acervo


Probatório
De acordo com o exposto anteriormente, no direito à produção da prova, os meios de prova,
geralmente, devem ser produzidos em contraditório. Como veremos, o contraditório constitui
um dos pilares da atividade probatória, uma vez que somente com a existência da estrutura
dialética e a confrontação do material surge a legitimação da prova nos autos do processo.

Conforme apontado sucintamente neste trabalho, uma das características principais do Sistema
acusatório é a separação das funções, de forma que a atividade probatória termina por
repousar inteiramente sobre as partes, gerando um conflito de interesses entre acusação e
defesa. A disputa pela captura psíquica do juiz (terceiro imparcial e equidistante do embate)
exige que ambos os polos tenham iguais oportunidades ideais de fala e oitiva do adversário, de
maneira que deve ser franqueada a possibilidade de conhecimento do material produzido para
elaboração da resposta. Apenas desta forma, a reconstrução fática adquire validade, tendo em
vista que somente assim pode ser colocada à teste a versão trazida pelas partes21.

20 Neste aspecto, Antonio Scarance Fernandes assinala: “No tocante ao momento de produção da prova, a presença
das partes é condição de observância do contraditório. Não se trata de impor à parte a obrigatoriedade de sua
presença em todo ato de qualquer tipo de processo, mas de coloca-la “em condições de participar”, mesmo quando se
trate de provas “colhidas de ofício pelo juiz”. É “que tudo quanto for utilizado sem prévia intervenção e participação das
partes acaba sendo reduzido a conhecimento privado do juiz”. (FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal
constitucional, 6ª ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. Página 73).
21 Em interessante raciocínio, Joaquim Canuto Mendes de Almeida mostra como o contraditório serve para coibir os
prejuízos de uma única versão no processo: “A parte age estimulada pelo próprio interesse, de ocultar fatos que lhe
sejam ou pareçam desfavoráveis e de inventar outros que a possam beneficiar, procurando, em suma, sacrificar a
verdade. O remédio está na ação da parte contrária, cujo interesse está em jogo. Embora esta, por sua vez, trate de
esconder e simu-lar fatos à feição da própria conveniência, a contrariedade corrige os excessos ou deficiências do
adversário. Se – para exprimir com simplicidade – cada um dos litigantes leva a processo apenas os fatos que o
beneficiam e assim, pode-se dizer, uma metade do litígio, ambos levam: ao processo o litígio inteiro, porque os fatos
favoráveis a um prejudicam o outro”. (ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do Processo
Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1973. Páginas 77/78).

104
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal

Portanto, o contraditório pressupõe dois elementos essenciais, como a necessidade de


informação e a possibilidade de reação22.

Como pode ser percebido, o contraditório é uma exigência política e confunde-se com a
própria essência do processo. Na linha do defendido por FAZZALARI, esta interação
simbiótica leva a conclusão de que processo é procedimento em contraditório. A efetividade
do contraditório no processo penal de índole democrática demanda o acesso das partes às
informações e também a possibilidade de participação por meio da reação, entendida como
resistência à pretensão acusatória. Sem esses caracteres, sequer se pode falar em
procedimento e, consequentemente, processo.

Mais especificamente, se a defesa não conhecer as provas produzidas e não tiver


possibilidade de confronta-las, o acervo probatório não pode ser considerado para formação
do convencimento do julgador em desfavor do imputado23. Logo, a sobrevivência da prova
no processo exige que seja confrontada pela parte contrária, sob pena de perda de seu
valor e consequente desconsideração.

3.3. Presunção de Inocência como Norma de Tratamento, Norma


Probatória e Norma de Juízo
Apesar de rechaçada por Manzini no Código processual italiano de Rocco (base para nosso
diploma promulgado durante a ditadura de Vargas), a presunção de inocência surge no inciso
LVII do art. 5º no texto constitucional e irradia suas luzes por todo ordenamento jurídico
processual penal, rompendo com os paradigmas fascistas e autoritários do codex de 1941.

22 Entretanto, a noção de contraditório evoluiu para agregar mais elementos e assim atingir seu escopo de equilibrar o
combate processual entre as partes. Neste sentido, Eugênio Pacelli de Oliveira: “Da elaboração tradicional que colocava o
princípio do contraditório como a garantia de participação no processo como meio de permitir a contribuição das partes para a
formação do convencimento do juiz e, assim, para o provimento final almejado, a doutrina moderna, sobretudo a partir do
italiano Elio Fazzalari, caminha a passos largos no sentido de uma nova formulação do instituto, para nele incluir, também, o
princípio da par conditio ou da paridade de armas, na busca de uma efetiva igualdade processual. O contraditório, então, não
só passaria a garantir o direito à informação de qualquer fato ou alegação contrária ao interesse das partes e o direito à
reação (contrariedade) a ambos – vistos, assim, como garantia de participação -, mas também garantiria que a oportunidade
da resposta pudesse se realizar na mesma intensidade e extensão”. (OLIVEIRA, Eugênio
Pacelli de. Curso de Processo Penal, 17ª ed.rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2013. Página 43).
23 Na acertada síntese de Aury Lopes Jr.: “Assim, o contraditório deve ser visto basicamente como o direito de
participar, de manter uma contraposição em relação à acusação e de estar informado de todos os atos desenvolvidos
no iter pro-cedimental”. (Op. Cit. Página 557).

105
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal

Geralmente, a doutrina considera a presunção de inocência em um único âmbito de proteção


da norma fundamental, costumeiramente como dever/norma de tratamento. Enquanto norma de
tratamento, entende-se a presunção de inocência como garantia de que o cidadão somente
sofrerá os efeitos de uma decisão condenatória após seu transito em julgado.

Por sua vez, a presunção de inocência como norma probatória está voltada para determinar
quem deve provar; por meio de que tipo de prova a parte incumbida de demonstrar sua
pretensão tem o dever de produzir e; por fim, o que deve ser provado.

Em linhas gerais, o primeiro aspecto se refere ao ônus probatório (ou carga da prova)24,
que, no processo penal, pertence unicamente à acusação25. Por seu turno, o segundo
aspecto demanda que a prova a ser produzida pela acusação não pode ser ilícita, mas
somente aquela que surgiu devido a obediência às fórmulas legais. Definido que à
acusação incumbe o ônus da prova e que este material deve seguir ao regramento
constitucional e legal para ser válido, a prova a ser produzida deve ser incriminadora, ou
seja, apta a demonstrar a materialidade com todas as suas circunstâncias e a sua autoria.

Por fim, vale mencionar que a norma de juízo incide sobre o acervo probatório
confeccionado e angariado durante o exercício da norma probatória. A norma de juízo, ao
contrário das normas de tratamento e probatória, se relaciona com a subjetividade inerente
às noções de suficiência, probabilidade, dúvida etc. Logo, a conotação subjetiva da norma
de juízo determina se a prova produzida é suficiente para afastar a presunção de inocência
do imputado, o que exige valoração do juiz26.

24 Segundo entendimento de Aury Lopes Jr., a melhor terminologia seria “carga”, pois: “é um conceito vinculado à
noção de unilateralidade, logo, não passível de distribuição, mas sim de atribuição. No processo penal, a atribuição da
carga probatória está nas mãos do acusador, não havendo carga para a defesa e tampouco possibilidade de o juiz
auxiliar o MP a liberar-se dela (recusa ao ativismo judicial)”. (LOPES, Jr. Op Cit. Página 103).
25 Assim, estabelece Luigi Ferrajoli: “No conflito, ademais, o primeiro movimento compete à acusação. Sendo a
inocência assistida pelo postulado de sua presunção até prova contrário, é essa prova contrária que deve ser fornecida
por quem a nega formulando a acusação”.(FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal, 2ª Edição.
Tradução: Ana Paula Zomer et al. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2006. Página 562).
26 Assim, em obra essencial acerca do tema, leciona Maurício Zanoide de Moraes: “Esse é o punctum saliens que
difere a presunção de inocência como “norma de juízo” e como “norma probatória”: a noção de suficiência. Para se
examinar esse direito constitucional como “norma de juízo”, é preciso já se ter como certo que o órgão acusador
cumpriu seu ônus probatório e que a prova por ele produzida é lícita e incriminadora. Avaliá-la como “suficiente” é a
resposta a que se chegará ao final do exame da presunção de inocência como “norma de juízo”. (MORAES, Maurício
Zanoide de. Presun-ção de inocência no processo penal brasileiro: análise de sua estrutura normativa para a
elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. Página 469).

106
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal

Nos próximos tópicos, trataremos especificamente das repercussões da presunção de


inocência, enquanto norma probatória.

3.3.1. A Influência da Presunção de Inocência como Norma Probatória


para Fixação da Carga da Prova
Conforme exposto acima, a presunção de Saiba Mais
inocência como norma probatória estabelece quem
possui o ônus (ou carga) da prova no processo A respeito de provas científicas e sua con-
jugação com a psicanálise e o livre con-
penal. Deve-se entender o ônus como um vencimento ver: FELIX, Yuri; SILVA, David
imperativo do próprio interesse, isto é, como o L.. A Lei 12.654/2012 e a Nova Economia
Psíquica: O Discurso da Intervenção Ge-
necessário exercício de uma faculdade para que se nética no Processo Penal. Revista Dinâmi-ca
Jurídica, v. 1, p. 1-1, 2014.
possa obter uma situação de vantagem ou para
impedir a produção de um cenário prejudicial.
Transferida para a temática deste trabalho, o ônus da prova é a faculdade concedida para as
partes produzirem determinadas provas de fatos relevantes para a captura psíquica do juiz.

Todavia, distante do raciocínio imperante no processo civil, a influência da presunção de


inocência como norma probatória no processo penal termina por impedir a distribuição do
ônus da prova para o imputado, de forma que esta carga permanece unicamente com a
acusação27.

Em uma seara que mantém permanentemente a carga probatória para a acusação, o não
exercício da faculdade de produzir prova para a defesa não possui a mesma consequência.
Levando em consideração que a presunção de inocência resguarda o imputado por toda
persecução penal até transito em julgado de decisão penal condenatória, o ônus da acusação é
absoluto, isto é, o não exercício da faculdade acarretará na automática produção da
desvantagem. Por seu turno, o ônus da defesa é relativo, ou seja, assume-se o risco da
produção de um prejuízo pela perda de uma chance probatória. Por exemplo, o exercício

27 Assim, salienta Gustavo Badaró: “No processo penal, diante da garantia constitucional da presunção de inocência,
não há distribuição do ônus da prova, que pesa todo sobre a acusação. Trata-se de um ônus da prova unidirecional,
não havendo, pois, distribuição do ônus da prova, como ocorre no processo civil. Além disso, em decorrência da
garantia constitucional da presunção de inocência, também não são admitidas no processo penal presunções legais ou
judiciais contra o acusado”. (BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2012. Página 293).

107
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal

do direito de silêncio, baseado no nemo tenetur se detegere. Apesar de não acarretar em


presunção desfavorável ao imputado, este deixa de exercer sua autodefesa e assume o
risco da perda de uma chance probatória28. Em outros termos, potencializa a hipótese de
que seja proferida sentença desfavorável ao seu interesse.

Deve ser salientado ainda a celeuma do ônus da prova do imputado quanto as


circunstâncias que excluem a ilicitude do crime ou afastam sua culpabilidade. Não se trata
de exceção a carga probatória, mas de construção pautada pela defasada Teoria Geral do
Processo, cujo animus de mesclar os institutos processuais acarretou na aplicação do
conteúdo do art. 333, inciso II do Código de Processo Civil no Processo Penal.

Segundo consta no dispositivo processual civil, ao réu incumbe o ônus da prova quanto à
existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Além de criticável
a compreensão de que o órgão de acusação seria “credor da pena”, esta conclusão implica
na seguinte conclusão: caberia ao autor o ônus da prova do fato constitutivo (fato típico),
enquanto as demais excludentes de ilicitude e culpabilidade deveriam ser demonstradas
pelo imputado. Se o conceito analítico de crime é formado pelo fato típico, antijurídico e
culpável e como incumbe ao órgão de acusação trazer a prova que corrobore com a
formação do convencimento de que ocorreu o cometimento de um delito, poderia haver
condenação fundada unicamente no juízo de tipicidade, sem qualquer análise da ilicitude da
conduta ou a reprovabilidade do autor. Em outros termos, a condenação não estaria
amparada em prova de todos os elementos do delito29.

28 Baseado nos ensinamentos de James Goldschmidt, Aury Lopes Jr. aponta que ao imputado não há qualquer carga,
exclusividade da acusação: “O que sim podemos conceber, indo além da noção inicial de situação jurídica, é uma as-
sunção de riscos. Significa dizer que à luz da epistemologia da incerteza que marca a atividade processual e o fato de a
sentença ser um ato de convencimento (como explicaremos a seu tempo), a não produção de elementos de convicção
para o julgamento favorável ao seu interesse faz com que o réu acabe potencializando o risco de uma sentença desfa-
vorável. Não há uma carga para a defesa, mas sim um risco. Logo, coexistem as noções de carga para o acusado e
risco para a defesa”. (LOPES Jr. Op. Cit. Página 103).
29 Nesta senda, Gustavo Badaró expõe: “O direito de punir nasce do cometimento de um delito, mas para se efetivar
depende de uma condenação em um processo penal em que sejam verificados todos os seus elementos. Afirmar que o
fato constitutivo é somente o fato típico e considerar as excludentes de ilicitude e de culpabilidade como fatos impediti-
vos do direito de punir equivale a dizer que o delito é, tão somente, o fato típico, sem qualquer consideração acerca do
caráter ilícito desta conduta e da reprovabilidade do autor. A distinção entre fatos constitutivos, impeditivos e extintivos
do direito alegado em juízo decorre de um processo de simplificação analítica da fattispecie, que não pode ser aplicado
ao processo penal, em favor da parte acusadora e em prejuízo do acusado, pois significaria admitir uma condenação
sem que houvesse prova de todos os elementos do delito”. (BADARÓ, Op. Cit. Página 295).

108
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal

Em suma, incumbe a acusação provar a existência de todos os elementos do delito, isto é,


os elementos que integram a tipicidade, antijuridicidade e a culpabilidade, de forma que
através de prova positiva podem atestar a ausência de causas justificantes ou exculpantes.

3.3.2. A influência da presunção de inocência como norma de juízo


para formação do critério orientador do in dubio pro reo
Enquanto a presunção de inocência como norma de tratamento e norma probatória
foram analisados anteriormente, como norma de juízo somente foi exposto apenas que era
a etapa subjetiva, em que o julgador não poderia deixar de levar em consideração a
presunção de inocência no momento de proferir as decisões, uma vez que não basta que a
acusação produza prova lícita e incriminadora para a condenação, mas também é essencial
que o juiz pondere se o material probatório confeccionado é suficiente para se decidir em
desfavor do imputado.

Esse momento de operação da presunção de inocência como norma de juízo pode ser
sintetizado pela ideia de “suficiência”, ou seja, se o acervo probatório lícito e incriminador
pode levar ao convencimento de que o imputado incidiu nas condutas tipificadas.
Obviamente, não existe consenso acerca do que seria essa “mínima atividade probatória
suficiente” idônea para afastar a presunção de inocência. Entretanto, há concordância de
que ela será verificada em cada caso e que meros critérios quantitativos (quantidade
numérica de provas) e qualitativos (meio mais eficaz da prova) não podem ser os únicos a
ser considerados. Deve, assim, o juiz analisar o material probatório de maneira global e
conjunta para formular seu convencimento.

Frise-se que esta atividade deve ser ter orientação axiológica empreendida pelo “in dubio
pro reo” e pelo “favor rei”, e a imprescindibilidade do julgador demonstrar racionalmente
como o material probatório fornecido pela acusação logrou êxito em abalar a presunção de
inocência.

Neste aspecto, a presunção de inocência como norma de juízo impõe o reconhecimento de


que qualquer cenário de dúvida não poderá ocasionar o surgimento de qualquer prejuízo
para o cidadão.

109
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal

Basicamente, ao analisar o acervo probatório produzido pela acusação de forma lícita, o julgador
poderá chegar a três conclusões distintas: I.certeza de que deve decidir em desfavor do imputado;
II.certeza de que deve decidir em favor do imputado e; III.dúvida. As duas primeiras situações não
suscitam complicações e a terceira acarreta na automática desconsideração da tese acusatória e
prevalência da inocência do imputado. Ressalte-se que o cenário de dúvida surge ainda que a
acusação tenha adimplido com sua carga probatória e produziu material lícito e incriminador, mas
que não provocou ainda o juízo de certeza do julgador.

Todavia, a dúvida impeditiva da decisão desfavorável não poderá ser qualquer dúvida, isto
é, a mera suposição de eventual possibilidade de os fatos terem ocorrido de maneira
diversa. Apenas a dúvida fundada na racionalidade e que teve sua formação com base em
provas incriminadoras que apresentaram um grau de singela possibilidade fática quanto aos
elementos que compõem a imputação30.

Portanto, enquanto há uma certeza juspolítica do estado de inocência, apenas se poderá


atingir a certeza oposta quanto a culpabilidade se as provas incriminadoras conseguirem
afastar totalmente qualquer hipótese de dúvida racional da mente judicial, sendo conditio
sine qua non para afastar aplicação do in dubio pro reo31.

30 Neste sentido, Maurício Zanoide de Moraes: “É por essa linha racional que a doutrina anglo-saxã não analisa a
dúvida no processo penal pela “preponderância” das provas apresentadas pelas partes – critério por ela utilizado
apenas no processo civil -, mas pela necessidade de que a dúvida impeditiva do afastamento da presunção de
inocência não seja qualquer dúvida (a mera possibilidade de ocorrência do fato afirmado na imputação), mas seja uma
dúvida fundada na razão (“reasonable doubt”), haja ou não prova defensiva para desconstituir a prova incriminadora”.
(MORAES. Op. Cit. Página 474)
31 Em absurda hipótese, o art. 156, inciso II do Código de Processo Penal brasileiro estabelece que o juiz pode
determi-nar a realização de diligências antes de proferir a sentença para dirimir dúvida sobre ponto relevante. Além da
polêmica quanto aos residuais poderes instrutórios do juiz, se encerrada a produção probatória pela acusação e o juiz
permanecer em dúvida, basta absolver o imputado. Logo, a escolha por não absolver e busca novos elementos de
prova implica na explícita escolha pela condenação, pois era plenamente possível a absolvição.

110
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal

4. Sistemas de Valoração das Provas

Existiram diversos sistemas de valoração das provas, entretanto, três foram as mais
relevantes e ainda possuem maior ou menor aplicação na atualidade.

a) Sistema da prova legal (também conhecido como Sistema da prova tarifada): com
base na experiência, o legislador estabelecia previamente um sistema de valoração
hierarquizada da prova, isto é, era imposta uma tabela de valoração das provas. Por este
motivo era denominada de sistema legal, tendo em vista que a lei definia o valor de cada
prova, sem se preocupar com as especificidades do caso concreto. Neste modelo, o
espaço de atuação do juiz era extremamente atenuado, suprimindo por completo
qualquer espaço de subjetividade. Típico ao Sistema inquisitório, estabelecia a confissão
como a prova suprema a ser buscada pelo julgador. Podemos perceber resquício no art.
158 do Código de Processo Penal, cujo mandamento ainda exige a realização de exame
de corpo de delito para comprovação nas infrações que deixam vestígios.

b) Sistema da íntima convicção: enquanto o sistema da prova legal engessava o julgador


à vontade do legislador, o sistema da íntima convicção não exigia fundamentação das
decisões e nem necessidade de obediência a critérios de avaliação das provas. Com
efeito, abandonou-se o modelo extremado da prova tarifada para incidir em um sistema
com excesso de discricionariedade e liberdade de julgamento em que o juiz não precisa
motivar suas decisões. Embora seja impossível o controle de racionalidade da decisão
judicial, este sistema permanece em nosso ordenamento jurídico, uma vez que ainda é
adotado no Tribunal do Júri.

c) Sistema do livre convencimento motivado: em rompimento com os sistemas extremados


apresentados acima, o sistema do livre convencimento motivado possibilita ao juiz formar
seu julgamento conforme sua análise do material probatório produzido, sendo que sua
decisão deve ser motivada em critérios racionais. Assim, afasta-se do sistema da prova
tarifada, de modo que nenhuma prova possui maior valor que outra, devendo ser sopesadas
no caso concreto. Por seu turno, apesar da formação da convicção ser interna, a motivação

111
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal

da decisão deve ser explicitada, permitindo o controle de racionalidade e legalidade32.


Observado que o art. 93, inciso IX da Constituição Federal dispõe a fundamentação
como requisito essencial de todas as decisões emanadas do Poder Judiciário, sob pena
de nulidade, em regra, o processo penal brasileiro acolhe este sistema.

5. Do Tratamento da Prova Ilícita no Processo Penal Brasileiro

Como qualquer direito, o right to evidence também se encontra sujeito a limitações


derivadas da tutela que o ordenamento jurídico concede a outros valores e interesses
também merecedores de proteção. Desta forma, como a reconstrução perfeita dos fatos
através das provas não é possível e sua busca poderia acarretar em abusos, surgem
limitações à atividade probatória como expressão do nível de evolução do processo penal,
em que a valoração da forma dos atos processuais funciona como garantia a ser respeitada
para legitimar eventual aplicação de pena.

O art. 5º, inciso LVI da Constituição Federal abriga disposição ampla, apenas indicando que
são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, caracterizando uma das
principais restrições ao direito à prova em nosso ordenamento: a vedação às provas ilícitas.

Por seu turno, a doutrina nacional, lastreada nos ensinamentos de Ada Pellegrini Grinover,
inspirada por Nuvolone, considerava que as provas contrárias à lei pertencem ao gênero
das provas ilegais, dividida entre as provas ilegítimas e provas ilícitas. Basicamente, as
provas ilegítimas são aquelas produzidas em violação de uma regra processual (durante a
fase processual), enquanto as ilícitas são aquelas produzidas com violação a regra de
direito material ou a Constituição Federal no momento de sua coleta, antes ou durante o
processo, mas sempre exterior a este.

Na hipótese de prova ilícita, a norma de direito material violada buscava proteger liberdades
públicas ou direitos da personalidade, tais como a intimidade (art. 5º, inciso X) ou inviolabilidade

32 “Assim, para que se possa reconhecer como atendida a exigência de motivação, é indispensável que o juiz explicite não
somente o conteúdo das provas em que baseou, mas igualmente o raciocínio de que se valeu para, através dos dados pro-
batórios incorporados ao processo, chegar à decisão final; sem isso, não será possível exercitar o controle das operações
cognitivas, não só para constatar a correção lógica das inferências realizadas, mas sobretudo para verificar a observância das
regras de legalidade probatória”. (GOMES FILHO. Direito à prova no processo penal. Op. Cit. Página 165)

112
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal

do sigilo de correspondência e das telecomunicações (art. 5º, inciso XII), por exemplo.
Como são bens jurídicos de alta relevância, o legislador penal tipificou as condutas que
lesionam estes direitos, como no caso do art. 151 do Código Penal (violação de
correspondência). Uma vez infringida a norma material, o agente seria responsabilizado
criminalmente, enquanto violada uma norma processual, havia uma sanção de natureza
processual, isto é, o ato seria considerado nulo. Não obstante, não havia uma sanção
processual para a violação de direito material, de forma que a prova produzida poderia ser
validamente valorada. Entretanto, como o art. 5º, inciso LVI da Constituição Federal prevê a
inadmissibilidade processual (sanção processual) da prova ilícita, esta distinção quanto a
sanção pelo descumprimento da norma deixou de existir.

Todavia, caso as provas ilícitas sejam admitidas no processo, estas não são consideradas
como provas, mas, devido sua ineficácia, não existem juridicamente e não possuem aptidão
para serem provas.

Apesar de certa consonância doutrinária, a reforma legislativa implementada pela Lei nº


11.690/08 não adotou o entendimento padrão e estabeleceu que “são inadmissíveis,
devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas
em violação a normas constitucionais ou legais”. Logo, não há como saber se as normas
legais referidas ao final seriam ilícitas ou ilegítimas. Por esta razão, sem a distinção, não há
como saber qual forma de sanção a ser aplicada. Caso seja prova ilegítima maculada por
nulidade, sua renovação não é vedada, nos termos do art. 573 do Código de Processo
Penal, enquanto a prova ilícita será inadmissível e, logo, não poderá ingressar no processo
e nem poderá ser repetida.

Apesar da confusa redação legal, independentemente de ser ilegítima ou ilícita, esta prova
não poderá ser valorada pelo juiz no momento de formar seu convencimento.

5.1. Provas Ilícitas por Derivação


Na esteira do preceituado no texto constitucional, as provas ilícitas não podem ser admitidas
para a formação do livre convencimento motivado do julgador em processo judicial de qualquer
natureza. Obviamente, são impostas limitações para a produção probatória com

113
Aula 05 | Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal

a finalidade de coibir e evitar transgressões a direitos e garantias individuais, tendo em vista


que o modelo de persecução penal desejado em um Estado democrático de Direito não
pode servir como instrumento para a busca implacável da verdade processual.

Todavia, enquanto sua produção se apresenta prejudicial para a tramitação processual, a


legislação ordinária somente disciplinou a matéria com a reforma realizada pela Lei nº
11.690/08, na redação do art. 157 do Código de Processo Penal. Nesta oportunidade, ao
alterar a perspectiva da prova ilícita no sistema processual penal brasileiro, o legislador
ponderou sobre os eventuais efeitos da ilicitude de determinada prova em outras que
poderiam ser lícitas, mas que estavam conectadas por uma relação causal. Em outros
termos, os efeitos da ilicitude poderiam transcender a prova viciada e atingir todo restante
do arcabouço probatório, por um raciocínio conseqüencial, tornando-o imprestável. Esta
teoria da ilicitude por derivação (taint doctrine), com previsão no art. 157,§1º, CPP,
receberia a denominação pela jurisprudência norte-americana como Fruits of the poisonous
tree Theory (Teoria dos frutos da árvore envenenada).

Segundo restou convencionado, a prova ilícita por derivação é, em si mesma, lícita, entretanto
sua origem encontra-se vinculada diretamente a uma fonte ilícita e, presente este nexo de
causalidade, será igualmente atingida pelo vício da ilicitude, ou seja, o veneno da árvore
macula todos seus frutos. Com efeito, perderia finalidade a proibição de admissibilidade de
prova ilícita se, por via derivada, as informações obtidas através de violações de normas
constitucionais ou legais fossem recepcionadas e pudessem influenciar no convencimento do
órgão julgador. De acordo com a doutrina, as raízes da Teoria dos frutos da árvore envenenada
remontam ao caso Silverthorne Lumber & Co v. US de 1920, enquanto sua denominação fora
apresentada no caso Nardone v. US, de 1937, ambos precedentes da Suprema Corte norte-
americana. Deve-se ressaltar que a jurisprudência do órgão máximo do Poder Judiciário dos
Estados Unidos também trouxe exceções para esta teoria, de modo que esta não pode ser
entendida como absoluta. Sua incidência encontra diversas limitações, como: a) limitação da
fonte independente (independent source limitation); b) limitação da descoberta inevitável
(inevitable discovery limitation); c) exceção da contaminação expurgada ou conexão atenuada
(purged taint exception) e; d) exceção da boa-fé (good faith exception).

114
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal

a) Limitação da fonte independente: nesta exceção, a ilicitude de determinada prova fica


afastada se restar demonstrada que é independente da prova ilícita, isto é, quando ficar
comprovado que não há relação de causalidade e efeito com a prova considerada ilícita.
Basicamente, esta exceção traz a hipótese de uma prova ter duas origens – uma lícita e
outra ilícita - sendo que suprimida a derivada de fonte ilícita, a informação trazida pela
via probatória regular permanece e continua válida. Mencionada excepcionalidade tem
sua origem no precedente judicial Bynum v. US (1960) e fora incorporada pela redação
do §1º do art. 157 do Código de Processo Penal, tendo em vista que a prova a ser
considerada não possui qualquer vínculo causal com a prova ilícita, não podendo
suportar os efeitos previstos, como a nulidade ou a inadmissibilidade. Desta forma, parte
da doutrina entende que se uma prova poderá ser admissível, desde que fique
evidenciada a falta de conexão com a prova ilícita, não haveria motivo para ser
considerada como derivada, uma vez que seria totalmente independente. Em outros
termos, como os reflexos da prova ilícita não podem atingir a lícita, diante da carência de
liame, a prova lícita não pode ser vista sequer como derivada33.

b) Limitação da descoberta inevitável: haverá admissibilidade da prova derivada de ilícita,


quando for constatado que a prova seria obtida de qualquer outra maneira, seguindo os
trâmites costumeiros da investigação ou instrução criminal, conforme preceitua o §2º do art.
157, CPP. Apesar deste dispositivo conter expressamente a incumbência de estabelecer um
conceito de “fonte independente”, sua redação demonstra claramente que se trata da
limitação da descoberta inevitável, cuja origem remonta ao caso Nix v. Williams, de 1984.
Nesta excepcionalidade, a prova ilícita não adquire relevância primordial para a apuração
dos fatos, tendo em vista que sem esta ilicitude, o resultado seria o mesmo. Assim,
diferencia-se da fonte independente, pois não objetiva combater o vínculo causal existente
entre a prova ilícita e sua derivada, mas apresenta flexibilização que inviabiliza a irradiação
dos efeitos da mácula da ilicitude, afinal o nexo de causalidade existente não impede sua
incorporação ao processo. Não obstante, sua admissibilidade dependerá de elevada
plausibilidade de se chegar na prova durante o curso causal hipotético, ou seja,

33 Neste sentido: GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas. Lei 11.690, de 09.06.2008. In. ASSIS MOURA, Maria Thereza
Rocha de (Coord.). As reformas no processo penal. As novas leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008. Página 268; GIACOMOLLI, Nereu José. Reformas (?) do processo penal. Rio de Janeiro:
Lumen Juris. 2008. Página 41.

115
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no
Processo Penal

exige-se alto grau de probabilidade da descoberta e não meros elementos especulativos ou


simples conjunturas, de modo que seja verificada com atenção na realidade fática (concreta
e casuística) dos autos se havia investigação paralela apta a revelar aquela prova.
Sobretudo, acerca deste aspecto, ZILLI reputa como temerário o conteúdo do §2º do art. 157
trazido pela Lei nº 11.690/08, uma vez que pode alargar a tolerância judicial das provas
derivadas de ilícitas, culminando no desvirtuamento da teoria e, consequentemente, em sua
inconstitucionalidade34. De forma mais cautelosa, MENDONÇA entende que a aplicação
desta exceção demanda a coleção de dados concretos que apontem de que a prova seria
inevitavelmente descoberta, em conformidade com o constante no texto

constitucional, pois a interpretação literal da lei


isolada ampliaria demasiadamente a restrição da
Links
ilicitude de provas35. Por sua vez, GOMES FILHO
Para mais informações ver: <http://
aponta que a redação deste dispositivo permite www.ibccrim.org.br>
ampla atuação do juízo hipotético para afastar os
efeitos da ilicitude, afinal sempre seria possível imaginar, em tese, um meio idôneo a
gerar a aquisição do elemento da prova36.

c) Exceção da contaminação expurgada ou conexão atenuada: ocorre quando um ato


superveniente e independente retira a mácula da ilicitude, de forma que a ilicitude se
encontra em estado de notória fragilidade diante o tênue liame entre a prova ilícita e sua
derivada lícita. Trata-se de exceção proveniente do caso Wong Sun v. US de 1963, situação
em que indivíduo preso ilegalmente veio a confessar a prática delitiva após ser solto.

d) Exceção da boa-fé: reconhecida pela Suprema Corte americana no precedente Leon


v. US. de 1984, esta exceção considera que a ilicitude probatória deseja desestimular
violações a direitos fundamentais, geralmente praticados por agentes estatais, de forma
que eventual situação de erro por parte dos funcionário incumbidos da persecução penal
evitaria o reconhecimento da ilicitude da prova, pela ausência de dolo e por estes
acreditarem que seguiam a legalidade dos atos praticados. Se o agente somente poderia
34 ZILLI, Marcos. O pomar e as pragas. Boletim do IBCCRIM, ano 16, n. 188, jul. 2008.
35 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo por artigo. São Paulo:
Método, 2008. Página 171.
36 GOMES FILHO. Provas. Op. Cit. Página 269.

116
Aspectos Basilares da Teoria Geral da Prova no Processo Penal

crer na validade e sem ciência de que mantinha sua postura fora dos parâmetros legais,
a exceção da boa-fé afastaria os efeitos da ilicitude. Além de inverificável no plano
empírico, o Código de Processo Penal não abriga seu acolhimento em nosso
ordenamento, sendo que serviria como subterfúgio para adoção de expedientes ilícitos.

Em suma, via de regra, a prova derivada sofrerá os efeitos da ilicitude contidos em sua
fonte originária. No entanto, com a regulamentação advinda com a Lei nº 11.690/08, foram
introduzidas exceções em nosso ordenamento jurídico, especificamente, da Fonte
Independente e da Descoberta Inevitável. Sem qualquer problemática, não paira sinal de
inconstitucionalidade na Limitação da Fonte Independente, embora, a inexistência de liame
causal entre a prova ilícita e lícita torna discutível se poderia ser considerada como
consequente.

Por seu turno, a Limitação da Descoberta Inevitável apresenta constitucionalidade


questionável e sua adequação a garantia da inadmissibilidade de provas ilícitas exige a
presença concreta de elementos fáticos incontestáveis que demonstrem a irrefutabilidade
do curso causal hipotético. Utilizar conceitos abertos e abstratos, como “trâmites típicos e
de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal” na qualidade de parâmetro de
inevitabilidade, sem que exista uma ritualística expressa delimitadora do procedimento
investigatório, termina por flexibilizar demasiadamente a garantia do não acolhimento da
prova ilícita.

Pontuando
• Introdução

• Breve análise dos sistemas processuais e os modos de construção do convencimento

• Delineamentos básicos sobre as diferentes terminologias e mecanismos de prova no


processo penal

117
Pontuando

• Principiologia probatória pós filtragem constitucional

• Presunção de inocência como norma de tratamento, norma probatória e norma de juízo

• Sistemas de valoração das provas

• Do tratamento da prova ilícita no Processo Penal brasileiro

Glossário
Prova: “o que demonstra que uma afirmação ou fato são verdadeiros; evidência”. Fonte:
Minidicionário Houaiss, 2008, p. 612

Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA Questão 2 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

O ritual judiciário, atrelado a concepção de O conceito de prova se encontra permanen-


crime-pecado, carrega em si um simbolismo: temente vinculado ao de atividade voltada

a) Sagrado para:

b) Profano a) Obter o convencimento psicológico do


julgador
c) Liberal
b) Obter o convencimento psicológico do
d) Moderno acusador
e) Atual c) Obter o convencimento psicológico da parte

118
Verificação de Leitura

d) Obter o convencimento psicológico do Questão 5 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

inquisidor
Além da figura do Juiz inquisidor é caracte-
e) Obter o convencimento do corpo social que rística do sistema inquisitório:
clama por justiça
a) A ambição pela ausência da verdade
Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA b) A presença da igreja sagrada

Funda o sistema acusatório o: c) A luta pela liberdade processual

a) Princípio inquisitório d) A busca da liberdade

b) Princípio inquisitivo e) A busca da verdade real

c) Princípio persuasivo

d) Princípio dispositivo

e) Princípio intuitivo

Questão 4 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

Funda o sistema inquisitório:

a) A ampla defesa

b) Da plenitude de defesa

c) O princípio inquisitivo

d) O contraditório pleno

e) A dignidade humana

119
Referências
ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do Processo Penal. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1973.

BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2012.

CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal à luz da Constituição. Bauru: Edipro, 1999.

COUTINHO, Jacinto Nelson Miranda. Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal
Brasileiro. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre: Nota Dez Editora, n.1, 2001.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Vocabulário do Processo Civil, 2ª ed.São Paulo: Malheiros


Editores. 2014.

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal constitucional, 6ª ed.rev., atual. e ampl. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal, 2ª Edição. Tradução: Ana Paula
Zomer et al. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2006.

GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a Constituição Federal
e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014.

_______________________. Reformas (?) do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008.

GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 1997.

____________________________. Notas sobre a terminologia da prova (reflexos no processo


penal brasileiro). In.: Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover.
Coordenadores: YAR-SHELL, Flávio Luiz e MORAES, Maurício Zanóide de. DPJ. São Paulo. 2005.

_______________________________. Provas. Lei 11.690, de 09.06.2008. In. ASSIS MOURA, Ma-


ria Thereza Rocha de (Coord.). As reformas no processo penal. As novas leis de 2008 e os projetos
de reforma. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

KHALED JR, Salah Hassan. A Busca da Verdade no Processo Penal: Para Além da Ambição Inqui-
sitorial. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

LOPES Jr. Aury. Direito Processual Penal – 9ª ed., ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.

120
Referências

MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo
por artigo. São Paulo: Método, 2008.

MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de inocência no processo penal brasileiro: análise de
sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, 17ª ed.rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2013.

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório – A conformidade constitucional das leis processuais penais,
4ª edição. Editora Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2006.

SILVA, Germano Marques da. Curso de Processo Penal. II. 2. Editora Verbo. Lisboa. 1999.

VIEIRA, Renato Stanziola. Agente infiltrado – estudo comparativo dos sistemas processuais penais
português e brasileiro (ou a imprescindibilidade da tipicidade processual como requisito da admissi-
bilidade dos meios de pesquisa em processo penal). In.: Revista Brasileira de Ciências Criminais nº
87. Volume 18. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2010.

ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2003.

__________________________. O pomar e as pragas. Boletim do IBCCRIM, ano 16, n.


188, jul. 2008.

Gabarito
Questão 1

Resposta: Alternativa A.

Resolução: Em evidente (demasiado) apego à um pensamento vetusto que negava a


separação entre “crime-pecado”, o ritual judiciário prossegue eivado do simbolismo “sagrado”.

121
Gabarito

Questão 2

Resposta: Alternativa A.

Resolução: O conceito de prova se encontra permanentemente vinculado ao de atividade


voltada para obter o convencimento psicológico do julgador, pois inegável que o juiz
“escolhe” entre as versões surgidas de sua valoração dos elementos fáticos apresentados
através das provas.

Questão 3

Resposta: Alternativa D.

Resolução: O Princípio dispositivo (funda o Sistema acusatório): a gestão probatória fica


adstrita às partes e o juiz mantém seu papel de espectador.

Questão 4

Resposta: Alternativa C.

Resolução: Princípio inquisitivo (funda o Sistema inquisitório): o juiz assume a gestão da


prova.

Questão 5

Resposta: Alternativa E.

Resolução: A característica essencial do Sistema inquisitório é a figura do juiz inquisidor,


marcada pela iniciativa probatória e que afeta o regime legal das provas. Por sua vez, surge
também nesse modelo a ambição pela “verdade real”, culminando com a supremacia
alucinante do julgador-investigador, destoado de limites neste sistema processual.

122
123
TEMA 06
Medidas Cautelares Pessoais e
Reais no Processo Penal

124
LEGENDA seções
DE ÍCONES

Início

Vamos
pensar

Glossário

Pontuando

Verificação
de leitura

Referências

Gabarito

125
Tema 06
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no
Processo Penal
Danilo Dias Ticami

Mestrando em Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da USP. Pós Graduado em


Direito Penal e Processo Penal Pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós Graduado
em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra/IBCCRIM.

Objetivo

Prezado aluno da Pós de Ciências Penais. O objetivo desta aula é abordar os pontos
relevantes das medidas cautelares pessoais e reais à luz dos princípios constitucionais de
1988 na perspectiva de um processo penal contemporâneo.

Resumo da Aula

O texto que segue fará uma breve análise das medidas cautelares pessoais e reais no
processo penal passando por pontos como as características peculiares das medidas
cautelares e os princípios reitores destas medidas no âmbito do processo penal brasileiro.

Introdução

Não restam dúvidas de que a história do processo penal é marcada por movimentos
pendulares, com alternância de prevalência entre duas posições antagônicas: ora predominam
ideias de segurança social e eficiência repressiva e, em outros momentos, pensamentos de
proteção ao imputado e resguardo de suas garantias fundamentais assumem maior
importância. Essa dicotomia costuma ser representada pelo confronto entre Eficiência e
Garantismo, cuja disputa busca atingir um modelo equilibrado, de proteção dos direitos e

126
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo Penal

garantias fundamentais do cidadão e que igualmente


Links possibilite o exercício regular da persecução penal
para apuração dos fatos e punição dos autores de
Para mais informações ver: <http://
www.ibccrim.org.br> infrações penais1.

Apesar do equilíbrio ser uma singela meta a ser


buscada, uma vez que o processo penal sofre influência das vicissitudes das ideologias e
pensamentos do sistema político de sua época, não se pode perder essa diretriz de vista, pois
o distanciamento do ponto médio entre a proteção à liberdade e a segurança da sociedade
pode resultar nos extremos de um hipergarantismo ou de uma repressão a todo custo.

Neste ponto, a temática das medidas cautelares se revela uma das maiores tensões no
processo penal, tendo em vista que a imposição de qualquer espécie de cerceamento
preliminar a direito fundamental de um indivíduo sempre se mostra em choque com a
presunção de inocência, assegurada constitucionalmente (Art. 5º, inciso LVII, CF). Com
efeito, o reconhecimento da presunção de inocência em um ordenamento jurídico, enquanto
norma de tratamento, impõe que o imputado seja considerado como inocente até o transito
em julgado de decisão penal condenatória, sendo que nenhum efeito deletério decorrente
da sanção pode ser previamente aplicado2. Não obstante, há situações em que a liberdade
irrestrita do cidadão precisa ser restringida para que a tutela de outros bens jurídicos seja
resguardada e que possibilite a escorreita tramitação da persecução penal.

1 São dois os direitos fundamentais do indivíduo que interessam especialmente ao processo criminal: o direito à liberdade e o
direito à segurança, ambos previstos no caput do art. 5º da CF. Como decorrência deles, os indivíduos têm direito a que o
Estado atue positivamente no sentido de estruturar órgãos e criar procedimentos que, ao mesmo tempo, lhes provenham
segurança e lhes garantam a liberdade. Dessa ótica, o procedimento a ser instituído, para ser obtido um resultado justo, deve
proporcionar a efetivação dos direitos à segurança e à liberdade dos indivíduos (FERNANDES, An-tonio Scarance. Reflexões
sobre as Noções de Eficiência e de Garantismo no Processo Penal. In: FERNANDES, Antonio
Scarance; ALMEIDA, José Raul Gavião de; MORAES, Maurício Zanoide de (Coord.). Sigilo no Processo Penal:
Eficiência e Garantismo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 9).
2 “Este princípio fundamental de civilidade representa o fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos
inocentes, ainda que ao custo da impunidade de algum culpado. (...)Disso decorre – se é verdade que os direitos do cidadão
são ameaçados não só pelos delitos mas também pelas penas arbitrárias – que a presunção de inocência não é apenas uma
garantia de liberdade e de verdade, mas também uma garantia de segurança ou, se quisermos, de defesa social: da
específica “segurança” fornecida pelo Estado de direito e expressa pela confiança dos cidadãos na justiça, e daquela
específica “defesa” destes contra o arbítrio punitivo. Por isso, o sinal inconfundível da perda de legitimidade política da
jurisdição, como também de sua involução irracional e autoritária, é o temor que a justiça incute nos cidadãos. Toda vez que
um imputado inocente tem razão de temer um juiz, quer dizer que isto está fora da lógica do Estado de direito: o medo e
mesmo só a desconfiança ou a não segurança do inocente assinalam a falência da função mesma da jurisdição penal e a
ruptura dos valores políticos que a legitimam”. (FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garan-tismo Penal, 2ª Edição.
Tradução: Ana Paula Zomer et al. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2006. p. 506).

127
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo
Penal

Entretanto, ainda com a filtragem constitucional imposta ao texto processual penal pós 1988, a
práxis de matriz inquisitória guiada pelo animus de encarceramento massivo termina por
aniquilar tornando a exceção em regra. Apesar da dificuldade no equilíbrio entre a eficiência da
persecução penal e o resguardo absoluto dos direitos e garantias individuais, o ordenamento
jurídico processual penal democrático constitui a barreira intransponível de proteção das
liberdades do cidadão e deve funcionar como especial limitador de arbitrariedades do Estado.
Assim, as flexibilizações a garantia da presunção de inocência não podem ocorrer de forma
incoerente, mas sempre com objetivo de proteção a dignidade da pessoa humana.

Basicamente, existem duas modalidades de medidas cautelares no processo penal brasileiro:

• Medidas cautelares pessoais: formada pela prisão preventiva (arts. 312 a 325, CPP),
prisão temporária (prevista na Lei nº 7.960/89) e as medidas cautelares alternativas à
prisão (arts. 319 a 320, CPP);

• Medidas cautelares reais: pelo Código de Processo Penal, há o sequestro de bens


imóveis (arts. 125 a 131), sequestro de bens móveis (art. 132), especialização e registro em
hipoteca legal (arts. 134 a 135), arresto de bens imóveis anterior ao registro e
especialização da hipoteca legal (art. 136) e o arresto subsidiário de bens móveis (art. 137).

Devido a profundidade da matéria, impossível de ser esgotada apenas no pequeno texto,


vamos tratar especialmente dos princípios reitores das medidas cautelares no âmbito do
processo penal e seu regramento no seio do Código de Processo Penal e legislação esparsa.

1. Características Peculiares às Medidas Cautelares no Processo


Penal

Antes de iniciar o estudo detalhado da principiologia das medidas cautelares processuais


penais, se mostra necessário romper com a tradicional intromissão dos institutos processuais
civis no processo penal. Conforme enfatizado pela moderna doutrina processual penal
brasileira3, a transmissão automática das categorias próprias do processo civil ao processo
penal se mostra inadequada e incorreta. Sobretudo, ao verificar as especificidades do processo

3 Por todos: LOPES Jr. Aury. Direito Processual Penal – 9ª ed., ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.

128
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo Penal

penal, a implantação do pensamento processual civil nas medidas cautelares de natureza


processual penal contribui para a constatação da disparidade entre estes dois âmbitos.

1.1. Da impropriedade dos termos Fumus Boni Iuris e Periculum in


Mora no Processo Penal
Devido a sua natureza instrumental, as medidas cautelares processuais penais almejam
garantir o regular desenvolvimento da persecução penal, permitindo que, ao final, se afastada a
presunção de inocência e verificada a culpabilidade do imputado, seja aplicada a sanção
cominada em lei. Portanto, as cautelares possuem uma característica de instrumentalidade
hipotética, observado que em juízo de cognição sumária, formado antes do derradeiro
provimento jurisdicional, o juiz se encontra impossibilidade de decidir com certeza, mas faz um
juízo de probabilidade para verificar se existe base para uma hipotética condenação. Logo, as
medidas cautelares são instrumentos destinados à tutela do processo.

Assim, o objeto das medidas cautelares processuais penais distancia-se dos tradicionais
fumus boni iuris e periculum in mora do processo civil. Basicamente, ao verificar se a
necessidade de uma prisão cautelar, o juiz avalia se existe probabilidade de condenação ao
final do processo, uma vez que o imputado, aparentemente, cometeu determinada conduta
tipificada penalmente. Desta forma, não se apura “fumaça do bom direito”, mas se o
imputado pode ter praticado um crime, ou seja, um fato que é a antítese do direito. Desta
forma, há impropriedade semântica e jurídica, afinal, o requisito essencial para a aplicação
da constrição provisória não é possível existência do direito da acusação alegado, mas sim
se há fato passível de punição penal. Por isso, uma vez que se busca avaliar a
probabilidade de ocorrência de um delito, com a prova da materialidade do crime e indícios
suficientes de autoria, o termo correto será “fumus comissi delicti”4.
Por outro lado, também se apresenta equivocada a utilização do termo “periculum in mora” nas
medidas cautelares processuais penais, pois, a valoração do risco a ser feita leva em
consideração outros fatores. No processo civil, a demora na prestação jurisdicional definitiva
pode ocasionar fundado receio de que o patrimônio do acusado seja dilapidado ou perca

4 Neste sentido: LOPES Jr., Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas
cautelares diversas: Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011. p. 8.

129
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo
Penal

seu valor. Embora este raciocínio seja adequado às medidas cautelares reais, nas medidas
constritivas pessoais o risco assume outra feição, pois o fator determinante não será o
tempo e sim o eventual cenário de perigo gerado pelo imputado e que pode prejudicar a
persecução penal, como frustração da aplicação da lei penal (fuga) ou criação de
dificuldades para a coleta do material probatório.

Como se percebe, o tempo não influencia na valoração da criação do risco à persecução


penal, mas sim possível estranho comportamento do imputado e que possa ensejar, de
forma fundada e racional, a suspeita de que há risco ao regular desenvolvimento do
processo. Em outros termos, o perigo deriva da situação de liberdade do imputado e não do
decurso do tempo transcorrido durante a marcha processual. Por esta razão, no processo
penal deve ser constatado o fundamento do “periculum libertatis”.

A inexplicável demasiada adoção das categorias e institutos inatos do processo civil apenas
proporciona confusão no processo penal, enquanto suas singularidades tornam inviável
este transplante.

1.2. Da Inexistência de um Processo Penal Cautelar


Diferente do processo civil, também não se pode falar em “ação cautelar” no processo
penal, pois inexiste um “processo cautelar”, autônomo a ação principal 5. Não se nega que o
processo penal pode ser de conhecimento ou de execução, mas se mostra impossível falar
em processo penal cautelar.

No processo penal, a tutela cautelar não depende do exercício de uma ação cautelar, que
ensejaria em um processo cautelar. Simplesmente, há medidas cautelares, com base
procedimental própria e sem necessidade de processo autônomo. Assim, as prisões cautelares
ou medidas cautelares reais são incidentes que podem surgir até antes do processo

5 Em posição diversa da defendida: NICOLITT, André Luiz. Lei nº 12.403/2011: o novo processo penal cautelar, a prisão e as
demais medidas cautelares. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. Entretanto, o autor, apesar de concordar com a Teoria
Geral do Processo e advogar pela existência de um Processo Penal Cautelar, atenta quanto a necessidade de cuidado
na reprodução de conceitos e categorias típicas do processo civil inadequadas ao processo penal (Op. Cit.. p. 9).

130
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo Penal

de conhecimento, em que não há exercício de uma ação específica, que poderá gerar um
processo penal cautelar autônomo ao processo de conhecimento6.

1.3. Da Legalidade das Medidas Cautelares Penais e a Vedação ao


Poder Geral de Cautela
A intervenção estatal nas liberdades públicas do cidadão não pode ocorrer sem
parâmetros restritivos, de forma que a obediência ao Princípio da Legalidade figura como
indispensável para coibir arbitrariedades. Este axioma basilar da Teoria do Garantismo
Penal proposto por Luigi Ferrajoli e que fundamenta a imposição das medidas cautelares
processuais penais impede a adoção de cautelares atípicas, isto é, não previstas
legalmente. Consequentemente, o poder geral de cautela do juiz, por meio do qual o juiz
pode impor restrições provisórias não dispostas na legislação ordinária, previsto no art. 798
do Código de Processo Civil se encontra vedado em matéria criminal.

Entretanto, até o advento da Lei nº 12.403/11, o sistema cautelar pátrio era extremamente
precário e forçava o juiz optar obrigatoriamente entre a aplicação da prisão cautelar ou a
liberdade provisória. No ensejo de suprir essa lacuna legal, a jurisprudência passou a
admitir a utilização, analógica, do poder geral de cautela, estabelecendo severas restrições,
tais como a apreensão do passaporte e dever de informar viagens etc.

Vislumbra-se que o intento pretoriano afrontava o princípio da Legalidade, limite intransponível


para restrição de um direito fundamental7. Ademais, no processo penal, forma é garantia, de
forma que a legalidade serve de natural mecanismo de contenção ao poder e garantia para o
cidadão. Por este motivo, a ausência de previsão legal não acarreta em automática adoção
irregular de institutos supostamente análogos para infligir cerceamento de direitos

6 Nesta esteira: BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2012. p. 710. TUCCI, Rogério
Lauria. Teoria do Direito Processual Penal: jurisdição, ação e processo penal (estudo sistemático). São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais. 2002. pp.106-108.
7 “As prisões cautelares são apenas aquelas previstas em lei e nas hipóteses estritas que a lei autoriza. Há, pois, um princípio
de taxatividade das medidas cautelares pessoais, que implica admitir somente aquelas medidas previstas no ordenamento
jurídico. A vedação das medidas cautelares atípicas no processo penal sempre esteve ligada à ideia de legalidade da
persecução penal. Ou seja, as medidas cautelares processuais penais são somente aquelas previstas em lei e nas hipóteses
estritas que a lei as autoriza, vigorando um princípio de taxatividade das medidas cautelares. Somente assim será possível
evitar a arbitrariedade e o casuísmo, dando-se total transparência às “regras do jogo”. (BADARÓ.
Op. Cit. p. 708).

131
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo
Penal

fundamentais, ainda mais sem qualquer fórmula ou procedimento fixado anteriormente, em


franca desobediência a tipicidade processual8.

Vale ressaltar que o descabimento dos poderes gerais de cautela também era constatável na
sistemática pretérita a reforma legislativa de 2011, enquanto a aplicação do Princípio da
Legalidade para imposição de medidas cautelares processuais penais decorria do devido
processo legal, previsto constitucionalmente (art. 5º, inciso LIV, CF). De forma expressa, o art.
7º da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica,
incorporado em nosso ordenamento jurídico pelo Decreto nº 678/1992), em seu item 2 prevê
que “ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições
previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados-partes u pelas leis de acordo
com elas promulgadas”. Por sua vez, como as normas da Convenção Americana de Direitos
Humanos tem status supralegal em nosso ordenamento jurídico e, portanto, acima do Código
de Processo Civil, o poder geral de cautela trazido no art. 798 deste diploma não poderia ser
aplicado no processo penal como limitador do direito de locomoção.

Mas, a Lei 12.403/11 ampliou o rol de medidas cautelares alternativas (arts. 319 e 320,
CPP), retirando o juiz do retrógrado sistema binário datado de 1941, de forma que o
sistema polimorfo vigente rompeu com o histórico de ilegalidade anteriormente instaurado9.

8 No processo penal, não existem medidas cautelares inominadas e também pouco possui o juiz criminal um poder
geral de cautela. No processo penal, forma é garantia. Logo, não há espaço para “poderes gerais”, pois todo poder é
estrita-mente vinculado a limites e à forma legal. O processo penal é um instrumento limitador do poder punitivo estatal,
de modo que ele somente pode ser exercido e legitimado a partir do estrito respeito às regras do devido processo. E,
nesse con-texto, o Princípio da Legalidade é fundante de todas as atividades desenvolvidas, posto que o
dueprocessoflaw estrutura-se a partir da legalidade e emana daí seu poder”. (LOPES Jr., O novo regime jurídico da
prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas. Op. Cit. p. 11).
9 Não obstante, transcorrido quatro anos desde sua entrada, constata-se que os objetivos da legislação não foram atin-
gidos, pois a cultura e a mentalidade inquisitória dos operadores do direito permanece inalterada e inalterável.

132
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo Penal

2. Princípios Reitores das Medidas Cautelares no Âmbito do


Processo Penal Brasileiro

2.1. Princípio da Reserva Jurisdicional e da Fundamentação das


Decisões
Basicamente, qualquer forma de restrição cautelar da liberdade apenas possuirá
aderência constitucional quando for decretada por ordem judicial fundamentada. Desta
forma, a prisão em flagrante se torna uma medida pré-cautelar, uma mera detenção que
pode ser realizada por qualquer pessoa do povo ou autoridade policial (art. 301, CPP),
enquanto seu controle jurisdicional apenas ocorre ao final, sendo que ao juiz restará apenas
as opções de relaxar a prisão ilegal, aplicar a prisão preventiva ou medida cautelar
alternativa à prisão ou conceder liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 310, CPP).

O princípio da reserva jurisdicional se encontra na previsão de exigência do devido


processo legal(art. 5º, inciso LIV, CF) para que ocorra a privação do gozo da liberdade de
locomoção em decorrência de sanção penal imposta por decisão judicial transitada em
julgado (nullapoenasineiudicio). Em sintonia, o art. 5º, inciso LXI da Constituição Federal
prevê que ninguém será preso senão em flagrante ou por ordem escrita e fundamentada de
autoridade judiciária competente. Em conjugação ao previsto constitucionalmente, o art. 283
do Código de Processo Penal dispõe em sentido semelhante. Igualmente, a previsão do art.
282, §2º do mesmo diploma legal preconiza que as medidas cautelares serão decretadas
pelo agente judicial.

No caso da prisão em flagrante, o juiz recebe a comunicação após a detenção e ao final da


lavratura do auto de prisão em flagrante pela autoridade policial, momento que todas as peças
são encaminhadas10. Percebe-se que a prisão em flagrante, enquanto pré-cautela, não

10 Como a implantação das audiências de custódia ainda não é uma realidade em nível nacional, mas apenas em alguns
estados, não faremos análise de sua necessidade neste texto, apesar de seu crescimento. No entanto, trata-se de apre-
sentação imediata do preso em flagrante a autoridade judiciária competente logo após a lavratura do auto. Tem seu fun-
damento no direito de audiência e aplicação do preceituado no art. 7º, 5 do Decreto nº 678/1992 (Convenção Americana de
Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica). Para maiores esclarecimentos acerca de sua implantação, ver:
AMARAL, Cláudio do Prado. Da audiência de custódia em São Paulo. In.: Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais, v. 269, abril/2015. PAIVA, Caio e LOPES Jr., Aury. Audiência de custódia e a imediata apresentação do preso ao
juiz: rumo à evolução civilizatória do processo penal. In.: Revista Liberdades, n. 17, dezembro/2014.

133
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo
Penal

tem condão para manter o sujeito preso cautelarmente, sendo que incumbe ao juiz impor a
prisão preventiva ou outras medidas cautelares eventualmente requeridas.

Devido a potencialidade lesiva proveniente da restrição de um direito fundamental, a


intervenção de um órgão imparcial se mostra imprescindível, especialmente para o controle
de legalidade e preservação dos direitos e garantias fundamentais do imputado. Desta
forma, exigência da jurisdicionalidade somente encontra fundamento se considerado o juiz
como garantidor dos direitos individuais do cidadão.

No entanto, a reserva jurisdicional restaria inócua se a decisão não fosse fundamentada,


nos termos do art. 93, inciso IX da Carta Magna de 1988. Conforme os dispositivos
mencionados acima, a decisão judicial, além de ser escrita, deve sempre ser
fundamentada, com justificação fática e jurídica, devidamente racionalizada e com suporte
no breve acervo probatório trazido, de forma que permita seu controle interno e externo11.

Assim, não basta meras suposições destoadas do suporte de provas e indícios levados ao
conhecimento judicial, mas, na hipótese de aplicação das medidas cautelares, o
decisiumdeve justificar racionalmente a existência do requisito do fumus comissi delicti e a
presença do fundamento do periculum libertatis. Neste aspecto, ponderações
empiricamente indemonstráveis, como a reiteração de prática criminosa ou risco de fuga do
distrito da culpa ou considerações genéricas e abstratas sobre a gravidade do delito não
possuem o condão de legitimar o encarceramento provisório de qualquer indivíduo12.

11 “Fundamentar uma decisão é explicar e justificar, racionalmente, a motivação fática e jurídica do convencimento, em
determinado sentido. Não só a exteriorização escritural e pública do convencimento do magistrado possui relevância
constitucional, mas também o grau de aceitabilidade produzido nos agentes envolvidos no caso penal, bem como na
comunidade jurídica. Isso possibilita o entendimento de decisium pelos sujeitos e pelas partes, propiciando a impugna-
ção adequada e plena. Não é suficiente uma mera declaração de conhecimento acerca do conteúdo dos autos, e nem
uma simples emissão volitiva, mas a demonstração argumentativa (ratiodicendi) dos pressupostos fáticos e jurídicos da
prisão”. (GIACOMOLLI, Nereu José. Prisão, liberdade e as cautelares alternativas ao cárcere. São Paulo: Marcial Pons,
2013. p. 15).
12 “A existência do crime e dos indícios suficientes de autoria (fumus comissi delicti), bem como o perigo ou o risco de
o indiciado, flagrando ou imputado permanecer solto (periculum libertatis), exigem um suporte em motivos de fato, em
circunstâncias atuais e concretas, capazes de atender aos requisitos autorizadores. Meras possibilidades afastam os
requisitos legais, na medida em que são os fatos concretos que motivam as medidas cautelares. Assim, a restrição da
liberdade, seja pela prisão ou pela aplicação de outras medidas cautelares, encontram adequação constitucional
quando tiverem por suporte circunstâncias fáticas congruentes com a motivação jurídica, emergente dos autos, da
situação pro-cedimental ou processual e não de meras suposições ou conjecturas.” (Idem. p.17)

134
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo Penal

2.2. Princípio do Contraditório


Em um primeiro momento, indicar a existência de uma relação dialética, baseada na
ação e reação de tese e antítese das partes nas medidas cautelares pode parecer estranho
e inapropriado. Entretanto, a legitimidade da constrição cautelar de um direito fundamental
precisa de um espaço de fala do imputado.

Em síntese, o contraditório (assegurado no art. 5º, inciso LV, CF) se realiza através da
ciência dos atos praticados no âmbito dos autos da persecução penal e a possibilidade de
resistência. Nos casos de medidas cautelares processuais penais que devem ser aplicadas
sem o conhecimento anterior do imputado, sob pena de perda da sua eficácia, por certo não
se mostra possível o contraditório prévio (p.ex.: prisão preventiva ou temporária).
Entretanto, nada impede que ocorra na modalidade diferida, ou seja, concessão de ciência
da imputação preliminar, as razões que levaram a imposição da medida cautelar e a
oportunidade para se defender, mas após a prisão provisória, p. ex. Portanto, há
possibilidade de coexistência, desde que seja compatível com a medida a ser tomada.

Desta forma, o art. 282, §3º do Código de Processo Penal prevê que “ressalvados os casos
de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida
cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia de
requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo”. Inicialmente,
percebe-se que a redação fala em “intimação da parte contrária”, sendo que o melhor seria
“imputado” ou “indiciado”, pois ainda não se tem notícia do sujeito passivo da investigação
ou ação penal requerer a prisão cautelar dos membros do órgão de acusação...

Por seu turno, o conteúdo do dispositivo também não aponta quais atos poderão ser exercidos
pelo imputado, uma vez intimado e ciente da possível aplicação da medida cautelar. Não há
previsão de audiência ou resposta escrita, de maneira que permaneceu desregulamentada a
forma de reação e resistência. Por analogia, poderia ser aplicado o art. 185 do Código de
Processo Civil e dar prazo razoável de resposta para o imputado apresentar as razões para
afastamento da cautelar requerida pela acusação. Igualmente, poderia ser realizada audiência
e, com a presença do indiciado, ocorrer debates entre acusação e defesa perante

135
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo
Penal

o julgador que, ao final, decidiria acerca da pertinência e viabilidade da medida cautelar


requerida13.

Em que pese esta fase de exercício do contraditório não parecer acertada na hipótese de
aplicação das prisões cautelares, boa parte das medidas cautelares do art. 319 do Código
de Processo Penal comportariam a instauração do contraditório, como a entrega do
passaporte ou suspensão do exercício da função. Quanto as medidas cautelares reais, o
risco de dilapidação do patrimônio em algumas ocasiões poderia ensejar na justificada
ausência de contraditório prévio, mas manutenção do contraditório diferido.

2.3. Provisionalidade ou Situacionalidade


Levando em consideração que em um Estado democrático de Direito, a liberdade é a regra
e sua restrição é exceção, as prisões cautelares e as demais medidas somente encontram
fundamento enquanto perdurar a situação fática que indica existência do requisito do fumus
comissi delicti e do fundamento do periculum libertatis. Desta forma, desaparecido esse
cenário, não há razão para prorrogar a imposição da medida cautelar processual penal.

Se cessada a situação que levou a aplicação das medidas cautelares, mas houver sua
manutenção, então restará patente o desprezo pela provisionalidade e, consequentemente,
a prisão será ilegal, pela falta de fundamento que a legitime e também a indevida
apropriação do tempo do imputado.

Neste sentido, o art. 282, §4º e §5º do Código de Processo Penal dispõe acerca da
alteração de cenário que justifica a substituição da medida cautelar ou seu afastamento. Em
outros termos, a prisão preventiva ou as medidas cautelares alternativas poderão ser
revogadas ou substituídas, a qualquer tempo, durante toda persecução penal, desde que
desapareçam os motivos que a legitimam, assim como poderão ser novamente impostas,
desde que apareça o periculum libertatis.

13 No sentido da possibilidade de audiência: “Pensamos que o ideal seria o juiz, à luz do pedido de adoção de alguma
medida cautelar, intimar o imputado para uma audiência, onde sob a égide da oralidade se efetivaria o contraditório e o
direito de defesa, na medida em que o acusador sustentaria os motivos de seu pedido e o réu, de outro lado, argumen-
taria sobre a falta de necessidade da medida (seja por fragilidade do fumus comissi delicti ou do periculum libertatis).
Tal medida é muito importante e contribui para a melhor decisão do juiz”. (LOPES Jr. O novo regime...Op. Cit. p. 16).

136
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo Penal

Ademais, com o rol de medidas cautelares diversas da prisão do art. 319 do Código de
Processo Penal, o mero surgimento de nova situação fática não implica necessariamente
na automática decretação da prisão cautelar, ainda que ocorra descumprimento de medida
cautelar anteriormente aplicada. Com efeito, o juiz está autorizado a substituir as medidas
cautelares conforme a situação exigir, assim como poderá cumular várias ou mesmo
revogar, no todo ou em parte.

Entretanto, algumas críticas devem ser tecidas quanto a redação do §4º do art. 282 do
Código de Processo Penal. Há plena possibilidade da atuação de ofício do julgador, durante
toda persecução penal, inclusive durante a fase de investigação preliminar, ou seja, antes
de formada a opinio delicti do órgão de acusação para decretar as medidas cautelares
prisionais ou alternativas. Em um sistema processual penal acusatório, a inércia da
jurisdição para manutenção da imparcialidade do juiz é fundamental para a escorreita
prestação jurisdicional. Entretanto, em uma cega confiança aos agentes judiciais, a reforma
implementada em 2011 manteve essa figura incompatível com o princípio acusatório.

2.4. Da duração Razoável da Medida Cautelar (Provisoriedade)


Distinto do princípio da provisionalidade, a provisoriedade da medida cautelar está
atrelada ao tempo de duração da constrição na esfera de direitos do particular atingido.
Enquanto a provisionalidade está apoiada na mudança da situação fática, a provisoriedade
impõe que a medida cautelar tenha curta duração (sobretudo quando se tratar de prisão
preventiva ou temporária) e não pode assumir contornos de antecipação de pena,
repudiada no âmbito processual penal.

Com a Emenda Constitucional 45/2004, o direito a duração razoável do processo foi


introduzido em nosso ordenamento jurídico constitucional (art. 5º, inciso LVIII, CF), apesar
de ser inferido do princípio do devido processo legal (art. 5º, inciso LIV, CF). Igualmente,
havia previsão expressa no art. 8º, 1 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto
de São José da Costa Rica – Decreto nº 678/1992).

137
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo
Penal

No entanto, no sistema cautelar brasileiro, reina a indeterminação quanto ao tempo de


duração da prisão provisória. Basicamente, a prisão cautelar é mantida até alteração da
situação fática que ocasione a cessação do periculum libertatis.

Com exceção da prisão temporária, cujos prazos estão fixados na Lei nº 7960/8914, a prisão
preventiva e as demais medidas cautelares processuais penais não possuem prazo máximo
fixado em lei.

Sem muito sucesso, a jurisprudência tentou construir limites globais a partir da soma de prazos
que compõem o procedimento aplicável ao caso15. No caso dos processos submetidos ao
procedimento ordinário, se somados os prazos previstos na legislação, o processo deve ser
julgado em 81 dias, de forma que se o imputado estivesse ainda preso cautelarmente, haveria
“excesso de prazo”. Por seu turno, a contagem global no rito especial do júri, por exemplo, seria
de 90 dias para encerramento da primeira fase. Estes marcos podem ser utilizados para avaliar
se houve excesso de prazo para prisão preventiva, entretanto são prazos destoados de sanção,
de forma que terminaram por sofrer deformação e variados motivos passaram a ser admitidos
para justificar o excesso: demora causada pela defesa, complexidade do caso, número de
acusados e de testemunhas, comportamento da defesa, expedição de cartas precatórias etc. A
criação jurisprudencial sofreu restrições do Superior Tribunal de Justiça, com as súmulas 21 e
52. O primeiro enunciado estabeleceu que pronunciado o acusado, não haveria de se falar em
excesso de prazo, enquanto o segundo dispôs que também não haveria abuso se a fase
instrutória tiver encerrado.

Entretanto, estes posicionamentos merecem críticas, pois ambos, por pura discricionariedade
judicial, fixam marcos processuais sem qualquer preocupação com a racionalidade. Enquanto a
Súmula 21 desconsidera a segunda fase do procedimento do júri, a Súmula 52 considera que a
duração razoável do processo será considerada até o fim da instrução. Nos dois casos,

14 A prisão temporária tem duração de cinco dias, prorrogáveis por igual período, salvo no caso dos crimes hediondos
(30 dias prorrogáveis por mais 30 dias – art. 2º e 3º da Lei nº 8.072/90).
15 “Portanto, diante da inexistência de um prazo de duração da prisão preventiva e das demais medidas cautelares, há
que ser observado o prazo previsto à prática dos atos processuais referentes ao réu preso, estabelecidos legalmente
para cada situação processual. O constrangimento ilegal há que ser verificado na sua individualidade (cumprimento do
prazo à prática do respectivo ato) e também na perspectiva de término do processo num prazo razoável, em sua totali-
dade, sempre consideradas as peculiaridades do caso”. (GIACOMOLLI. Op. Cit. p. 35).

138
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo Penal

o encurtamento do termo final figura ilegal e verdadeira burla ao direito de ser julgado em
prazo razoável.

Por esta razão, a melhor solução para extirpar a complexidade dos prazos de duração das
medidas cautelares processuais penais seria a fixação legal de marcos que permitissem o
controle de excessos. Caso contrário, a indeterminação ocasionará os abusos vislumbrados
diariamente16.

2.5. Da Prisão Cautelar como Extrema Ratio


A excepcionalidade da prisão cautelar decorre da lógica estruturação de nosso ordenamento
jurídico. Observado que a Carta Magna de 1988 estabelece um Estado democrático de Direito
(art. 1º, CF), cujo um dos fundamentos é a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF),
com um elenco de direitos e garantias fundamentais, em que se inclui a previsão de que a
presunção de inocência de qualquer cidadão somente será afastada após transito em julgado
de sentença penal condenatória (art. 5º, inciso LVII, CF), impedindo que os danosos efeitos
desta decisão atinjam o status libertatisantes do desfecho, não deixa dúvida de que a prisão
seja o método de cerceamento preventivo da liberdade menos recomendável.

Por esta razão, o art. 282, §6º do Código de Processo Penal coloca a prisão preventiva
como cabível apenas quando nenhuma outra medida cautelar prevista no art. 319 do
mesmo diploma seja aplicável. Desta forma, apenas quando restar demonstrado que não se
trata de caso de manter o sujeito em liberdade sem nenhuma forma de constrição, o
julgador deverá sempre sopesar a necessidade e adequação das medidas cautelares e
caso nenhuma outra menos invasiva possa tutelar o objeto do processo com exceção do
cerceamento da liberdade de locomoção, a prisão preventiva estará legitimada.

16 “A tortura que o mau funcionamento da Justiça brasileira gera (para muitas pessoas) é totalmente absurda. Já é chegado o
momento de introduzirmos no nosso ordenamento jurídico algo semelhante ao que se faz no Paraguai: o tempo máximo para
julgar um preso lá é de três anos. Depois disso o processo é extinto. O Estado não pode se apossar ilegalmente do tempo do
cidadão preso, por mais que tenha praticado um crime aberrante. (...) A demora no julgamento ou mesmo a perduração
excessiva de qualquer medida cautelar constitui a Justiça em mora (em atraso). Isso viola a dignidade da pessoa, sobretudo
se está presa, incrementa a estigmatização, faz desaparecer provas, gera impunidade e escancara a sua lentidão, com a
consequente perda de confiança em sua capacidade de gerenciar conflitos penais”. (GOMES, Luiz Flávio. Prisão e medidas
cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. GOMES, Luiz Flávio e MARQUES, Ivan Luís (coord.), 3ª ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. pp. 65-66).

139
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo
Penal

2.6. Da Proporcionalidade nas Medidas Cautelares Processuais


Penais
No plano constitucional, a força normativa da proporcionalidade condiciona a imposição de
qualquer medida cerceadora de direitos fundamentais.Em que pese as divergências
doutrinárias acerca da aplicação da proporcionalidade no processo penal 17, sua utilização se
mostra indispensável no campo das medidas cautelares, pois dependendo de como
empregada, pode ser o sustentáculo da presunção de inocência ou escusa para sua violação.

Conforme explorado no início deste trabalho, as medidas cautelares possuem o arriscado


encargo de impor restrições a direitos fundamentais antes da condenação do indivíduo, com
o escopo de resguardar o objeto do processo. Neste ponto, a proporcionalidade servirá
como método para nortear a atividade do juiz, uma vez que possibilita ponderar a gravidade
da medida a ser decretada com a finalidade almejada, partindo do fumus comissi delicti e
periculum libertatisno caso concreto.

Mas, obviamente, um juízo de razoabilidade estrito, isto é, o mero sopesamento entre os bens
jurídicos envolvidos não constituem parâmetro seguro para o jurisdicionado, tendo em vista que
ficaria ao subjetivismo do julgador. Assim, para sua utilização, deve ser analisado se a restrição
requerida passa pelos pressupostos e requisitos da proporcionalidade. Inicialmente, existe o
pressuposto formal (legalidade) e pressuposto material (justificação teleológica). O primeiro
exige que a medida restritiva esteja prevista em lei, conferindo legitimidade democrática e
previsibilidade quanto a atuação do Estado e sua capacidade de interferência nos direitos
fundamentais dos cidadãos, enquanto o segundo demanda que qualquer constrição de direito
fundamental tenha uma finalidade legítima, de acordo com os valores protegidos pela
Constituição Federal. Posteriormente, a medida cautelar ainda deve satisfazer a requisitos
extrínsecos (jurisdicionalidade e motivação) e intrínsecos (adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito). Os requisitos extrínsecos foram estudados neste texto,

17 Impossível tratar acerca das celeumas que envolvem a proporcionalidade no processo penal no presente trabalho. Sobre o
tema: CUELLAR SERRANO, Nicolas Gonzalez. Proporcionalidad y derechosfundamentalesenelproceso penal. Madrid: Colex.
1990. PACHECO, DenilsonFeitoza. O princípio da proporcionalidade no direito processual penal brasileiro.
Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2007. Apesar de não tratar especificamente do assunto, mas com profunda análise sobre
a proporcionalidade no processo penal: ZANOIDE DE MORAES, Maurício. Presunção de inocência no processo penal
brasileiro: análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lu-
men Juris, 2010. pp. 297-368.

140
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo Penal

como os princípios da reserva jurisdicional e o dever de fundamentação das decisões. Os


intrínsecos, porém, merecem maior atenção neste momento.

Na análise da adequação (ou idoneidade) da medida cautelar, esta deve ser apta para
alcançar as finalidades buscadas, isto é, se o objeto do processo pode ser resguardado
com a utilização daquela medida cautelar. Por sua vez, a necessidade impõe que seja
adotada a medida restritiva menos danosa aos direitos fundamentais, enquanto a
proporcionalidade em sentido estrito exige uma ponderação entre os interesses envolvidos
para que se avalie se, no caso concreto, a restrição guarda proporcionalidade com os
interesses que o Estado busca proteger.

Em uma tentativa tímida, o art. 282 do Código de Processo Penal apresenta alguns dos
requisitos intrínsecos da proporcionalidade. O art. 282, inciso I do Código de Processo Penal
dispõe que as medidas cautelares serão aplicadas com observância da “necessidade para
aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente
previstos, para evitar a prática de infrações penais”, enquanto o inciso II ordena que seja
observada a “adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições
pessoais do indiciado ou acusado”. Constata-se que o legislador inverteu a denominação dos
requisitos, apesar do conteúdo seguir os comandos da proporcionalidade, uma vez que
primeiro é avaliado se há medidas cautelares que podem atingir as finalidades desejadas e,
posteriormente, é escolhida aquela que menos lesiona os direitos fundamentais do imputado.

Quanto a proporcionalidade em sentido estrito, o sopesamento de interesses pode ser


constatado no art. 283, §1º e no art. 313, inciso I do Código de Processo Penal. No primeiro
dispositivo, as medidas cautelares não podem ser aplicadas quando a imputação for de
crime não punido com pena privativa de liberdade, uma vez que a restrição provisória
poderia ser mais gravosa do que o provimento final condenatório. Por seu turno, o segundo
dispositivo estabelece que a prisão preventiva somente será aplicada para crimes punidos
com pena privativa de liberdade superior a quatro anos. Com efeito, uma condenação em
delito sancionado com pena abaixo deste patamar levaria, em regra, a substituição por
pena restritiva de direitos e, novamente, a cautelar seria mais danosa que o provimento
jurisdicional final em hipótese de condenação.

141
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo
Penal

Entretanto, o desconhecimento da correta aplicação da proporcionalidade no âmbito do


processo penal culmina com a adoção de um instrumento perigoso aos direitos
fundamentais, pois serve como baliza para prevalência dos métodos restritivos,
dependendo dos valores tutelados, tais como a supremacia do interesse público (entendido
como a persecução penal implacável e a todo custo).

Vamos Pensar
Elabore uma resenha crítica que aponte a correta leitura do princípio da proporcionalidade. Para isso,
ver: SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais e Proporcionalidade: Notas a respeito dos limites e
possibilidades da aplicação das categorias da proibição de excesso e de insuficiência em matéria
criminal. in: Criminologia e sistemas jurídico-penais contemporâneos. Ruth Maria Chittó Gauer (Org.). 2
ed., rev. e ampl. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012.

Conclusão

O sistema processual penal cautelar ainda sofre de algumas debilidades, apesar da


reforma implementada em 2011. Todavia, a gênese do problema permanece na
mentalidade inquisitória dos operadores do direito, de forma que se fomenta o
encarceramento massivo e descontrolado, pois o domínio do corpo do imputado (visto como
objeto de provas e não sujeito de direitos, como deveria) ainda é entendido como
necessário para que a persecução penal atinja seus objetivos de “defesa social”.

Por esta razão, o afastamento das categorias processuais civis e a formação de


umaprincipiologia própria e em sintonia com os diplomas constitucionais e convencionais é
essencial para a sobrevivência de um modelo de processo penal democrático.

Sobretudo, no campo das medidas cautelares pro-


cessuais penais, a necessária aderência constitucio- Saiba Mais
nal e o desprendimento da Teoria Geral do Proces-so MORAES, Maurício Zanoide de.
Presunção de Inocência no Processo
decorrem da necessária criação de um sistema
Penal brasileiro: análise de sua
cautelar de feição conservativa, comprometido com a estrutura normativa para a elaboração
legislativa e para a decisão judicial.
presunção de inocência, a maximização dos di-reitos Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
fundamentais do indivíduo e com objetivo único

142
Medidas Cautelares Pessoais e Reais no Processo Penal

de servir como instrumento a serviço do processo. Em outras palavras, não se pode


conceber a manutenção de uma estrutura cautelar que não busca o resguardo provisório do
objeto do processo, mas a antecipação parcial ou total dos efeitos da condenação.

Por fim, a conservação de determinado estado de fato por meio das medidas cautelares
deve ser lastreada em material probatório idôneo e não em meras conjecturas
empiricamente indemonstráveis, tais como “risco de reiteração criminosa” ou a garantia da
ordem pública. A criação de cláusulas abertas e de impossível refutação técnicapertence a
sistemática inquisitório, cuja matriz de pensamento se encontra distante da índole
acusatória do nosso processo penal constitucional.

Pontuando
• Introdução

• Características peculiares às medidas cautelares no processo penal

• Princípios reitores das medidas cautelares no âmbito do processo penal brasileiro

• Conclusão

Glossário
Cerceamento: “impor limite; restringir”. Fonte: Minidicionário Houaiss, 2008, p. 149

143
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

De plano, pode-se dizer que as medidas São medidas cautelares reais :


cautelares no processo penal entram em
a) As medidas cautelares alternativas à prisão
co-lisão com:
b) O sequestro de bens imóveis, o sequestro
a) O devido processo de bens móveis, a especialização e registro
b) A presunção de inocência em hipoteca legal

c) Os princípios constitucionais c) A especialização da hipoteca legal e o ar-


resto subsidiário de bens móveis
d) A dignidade humana
d) A busca e apreensão e o arresto de bens
e) A CF/88 imóveis anterior ao registro

e) O sequestro de bens imóveis, o sequestro de


Questão 2 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
bens móveis, a especialização e registro em
São medidas cautelares pessoais: hipoteca legal, o arresto de bens imóveis
anterior ao registro e especialização da hipote-
a) As medidas cautelares alternativas à prisão
ca legal e o arresto subsidiário de bens móveis
b) A prisão temporária e a prisão preventiva
Questão 4 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
c) A prisão preventiva, a prisão temporária e
as medidas cautelares alternativas à prisão Com relação ao fumus boni iuris e o pericu-
d) Somente a prisão preventiva lum in mora devem as medidas cautelares:

e) Somente a prisão temporária a) Obedecerem a mesma lógica

b) Obedecerem a mesma sistemática

c) Ligarem-se, sendo estes institutos do pro-


cesso civil

d) Aproximarem-se, sendo estes institutos do


processo civil

e) Distanciarem-se, sendo estes institutos do


processo civil

144
Verificação de Leitura

Questão 5 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

Ampliou o rol de medidas cautelares


alterna-tivas a prisão a:

a) Lei 12.403/11

b) Lei 12.403/12

c) Lei 12.403/13

d) Lei 12.403/14

e) Lei 12.403/15

Referências
AMARAL, Cláudio do Prado. Da audiência de custódia em São Paulo. In.: Boletim do Instituto Brasi-
leiro de Ciências Criminais, v. 269, abril/2015.

BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2012.

CUELLAR SERRANO, Nicolas Gonzalez. Proporcionalidad y derechos fundamentales en el


proceso penal. Madrid: Colex. 1990.

FERNANDES, Antonio Scarance. Reflexões sobre as Noções de Eficiência e de Garantismo no


Pro-cesso Penal. In: FERNANDES, AntonioScarance; ALMEIDA, José Raul Gavião de; ZANOIDE
DE MORAES, Maurício (Coord.). Sigilo no Processo Penal: Eficiência e Garantismo. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008. pp.9-28.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal, 2ª Edição. Tradução: Ana Paula
Zomer et al. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2006.

GIACOMOLLI, Nereu José. Prisão, liberdade e as cautelares alternativas ao cárcere. São Paulo:
Marcial Pons, 2013.

145
Referências

GOMES, Luiz Flávio. Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de
2011. GOMES, Luiz Flávio e MARQUES, Ivan Luís (coord.), 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribu-nais, 2012.

LOPES Jr. Aury. Direito Processual Penal – 9ª ed., ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.

____________. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas caute-
lares diversas: Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

NICOLITT, André Luiz. Lei nº 12.403/2011: o novo processo penal cautelar, a prisão e as demais
medidas cautelares. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

PACHECO, DenilsonFeitoza. O princípio da proporcionalidade no direito processual penal


brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2007.

PAIVA, Caio e LOPES Jr., Aury. Audiência de custódia e a imediata apresentação do preso ao juiz:
rumo à evolução civilizatória do processo penal. In.: Revista Liberdades, n. 17, dezembro/2014.

TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal: jurisdição, ação e processo penal (estu-
do sistemático). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2002.

ZANOIDE DE MORAES, Maurício. Presunção de inocência no processo penal brasileiro: análise de


sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010.

146
Gabarito
Questão 1

Resposta: Alternativa B.

Resolução: A temática das medidas cautelares se revela uma das maiores tensões no
processo penal, tendo em vista que a imposição de qualquer espécie de cerceamento
preliminar a direito fundamental de um indivíduo sempre se mostra em choque com a
presunção de inocência, assegurada constitucionalmente (Art. 5º, inciso LVII, CF).

Questão 2

Resposta: Alternativa C.

Resolução: Medidas cautelares pessoais: formada pela prisão preventiva (arts. 312 a 325,
CPP), prisão temporária (prevista na Lei nº 7.960/89) e as medidas cautelares alternativas à
prisão (arts. 319 a 320, CPP).

Questão 3

Resposta: Alternativa E.

Resolução: Medidas cautelares reais: pelo Código de Processo Penal, há o sequestro de


bens imóveis (arts. 125 a 131), sequestro de bens móveis (art. 132), especialização e
registro em hipoteca legal (arts. 134 a 135), arresto de bens imóveis anterior ao registro e
especialização da hipoteca legal (art. 136) e o arresto subsidiário de bens móveis (art. 137).

Questão 4

Resposta: Alternativa E.

Resolução: O objeto das medidas cautelares processuais penais deve distanciar-se dos
tradicionais fumus boni iuris e periculum in mora do processo civil.

147
Gabarito

Questão 5

Resposta: Alternativa A.

Resolução: A Lei 12.403/11 ampliou o rol de medidas cautelares alternativas (arts. 319 e
320, CPP), retirando o juiz do retrógrado sistema binário datado de 1941, de forma que o
sistema polimorfo vigente rompeu com o histórico de ilegalidade anteriormente instaurado.

148
149
TEMA 07
Tribunal do Júri

150
LEGENDA seções
DE ÍCONES

Início

Vamos
pensar

Glossário

Pontuando

Verificação
de leitura

Referências

Gabarito

151
Tema 07
Tribunal do Júri
André Nascimento

Mestrando em direito penal na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor de


direito penal e processual penal nos curso de pós-graduação da UniFMU-SP e UNIT-SE. Pós-
graduado em direito penal econômico e europeu pela Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra. Assistente jurídico no TJSP. Contato: prof.andrenascimento@gmail.com

Objetivo

Prezado aluno da Pós de Ciências Penais. O objetivo do presente texto é apresentar as


características do Tribunal do Júri, instituição esta prevista constitucionalmente em nosso
país e, também por conta disso, essencial no estudo das Ciências Penais.

Resumo da Aula

A presente aula abordará questões de extremo relevo atinentes ao Tribunal do Júri tais
como, competência, soberania dos veredictos, sigilo das votações, plenitude de defesa e,
além disso, pormenorizará tanto o procedimento da primeira fase quanto a preparação para
julgamento em plenário e demais detalhes do instituto em comento.

1. Introdução

O Tribunal do Júri talvez seja a maneira mais antiga de se exercer a jurisdição nos
moldes como hoje conhecemos. Se a justiça hoje chamada de comum teve importantes
modificações ao longo da história, o júri parece ainda carregar características próprias de
seus primeiros modelos conhecidos.

Independentemente do estabelecimento do momento histórico em que ocorreu o primeiro


julgamento nos moldes que hoje denominamos Tribunal do Júri, o traço marcante que
predomina ao longo do tempo é o julgamento de uma pessoa por seus iguais, pessoas
comuns do povo, normalmente não vinculados a um poder.

152
Tribunal do Júri

Saiba Mais
FELIX, Yuri; LOPES JR., Aury. ; FISCHER, Douglas; OLIVEIRA, E. Pacelli de; MENDES, Gilmar F.;
STRECK, Lênio. L.; GOMES, Luiz. Flávio. ; FUX, Luiz; GRECO, Rogério; et all. O Supremo Tribunal
Federal e os crimes hediondos: Breves notas na perspectiva dos deveres de proteção estatal. In:
Vilva-na Damiani Zanellato. (Org.). A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Temas relevantes.
Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013, v. 01.

Embora a origem seja difusa, parece haver consenso quanto ao ápice de seu
desenvolvimento ter sido na Grã-Bretanha, que o exportou para os países em que vigora o
direito consuetudinário, como os Estados Unidos da América, hoje grande referência sobre
o tema especialmente pela profusão cinematográfica de seu modelo de julgamento.

No Brasil o Tribunal do Júri tem como primeiro diploma legal a Lei de 18 de Julho de 1822.
Sua existência foi mantida pela primeira Constituição Brasileira, de 1824, e por quase todas
as que lhe sucederam, inclusive na atual, de 1988.

2. Previsão Constitucional

A Constituição da República de 5 de outubro


de 1988, em seu art. 5º, inciso XXXVIII, reconhece a
instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
Links
Para mais informações ver:
assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das
<http://www.ibccrim.org.br>
votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência
para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Interessante notar que a Constituição foi muito técnica ao dizer que não criava ou instituía o
Júri, mas que reconhecia sua existência, assegurando-lhe a legitimidade perante a nova
ordem constitucional então criada, determinando que sua organização será na forma da lei
que, contudo, deverá obedecer quatro mandamentos prévios, que serão tratados na ordem
inversa do texto.

153
Tribunal do Júri

2.1 Competência
A Constituição da República prevê o que a doutrina chamada de competência mínima do
Tribunal do Júri. Mínima porque poderá ser aumentada por qualquer lei infraconstitucional
ou posteriormente modificação da própria constitucional, e nem reduzida pelo poder
constituinte derivado.

Serão julgados pelo Tribunal do Júri, portanto, no mínimo, os crimes dolosos contra a vida,
hoje previstos nos arts. 121 (homicídio), 122 (induzimento, instigação ou auxílio a suicídio),
123 (infanticídio) e 124 a 129 (aborto), e –em regra– todos aqueles que forem conexos ao
crime conta a vida.

O Código de Processo Penal traz o seguinte regramento em relação à competência do


Tribunal do Júri:
Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de
organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.
§ 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts.
121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código
Penal, consumados ou tentados.
§ 2º Se, iniciado o processo perante um juiz, houver desclassificação para
infração da competência de outro, a este será remetido o processo, salvo se
mais graduada for a jurisdição do primeiro, que, em tal caso, terá sua
competência prorrogada.
§ 3º Se o juiz da pronúncia desclassificar a infração para outra atribuída à
competência de juiz singular, observar-se-á o disposto no art. 410; mas, se a
desclassificação for feita pelo próprio Tribunal do Júri, a seu presidente caberá
proferir a sentença (art. 492, § 2º)

Quando, contudo, houver previsão de Foro por Prerrogativa de Função na própria


Constitucional Federal, como no caso de homicídio praticado pelo Presidente da República,
por exemplo, prevalecerá essa regra específica em detrimento da genérica do Júri. Esse
entendimento é consolidado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que, inclusive,
editou recentemente a Súmula Vinculante 45, originada da Súmula 721, com a seguinte
redação: “A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por
prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual”.

154
Tribunal do Júri

Também há a exclusão pessoal da competência do Tribunal do Júri no caso do homicídio


do Presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo
Tribunal Federal. Esse delito segundo o art. 29 da Lei 7.170/83 será crime contra a
segurança nacional e, portanto, de competência do juiz federal singular.

Registre-se que, levando em consideração o critério do bem jurídico tutelado, tendo em


vista que o latrocínio (art. 159, § 3º, do Código Penal) é crime contra a patrimônio, a
competência para julgamento não será do Tribunal do Júri, conforme Súmula 603 do
Supremo Tribunal Federal: “a competência para o processo e julgamento de latrocínio é do
juiz singular e não do Tribunal do Júri”. Igualmente, levando em consideração o dolo do
autor do delito, o crime de genocídio (art. 1º da Lei 2.889/56) será julgado pelo juiz singular.

Também não serão julgados pelo Tribunal do Júri os crimes praticados por militar da ativa
contra militar da ativa, cuja competência será da Justiça Militar e aqueles praticados por civil
contra militar das Forçar Armadas que esteja em serviço:
“Habeas corpus. Constitucional. Penal militar. Processual penal militar. Crime
doloso praticado por civil contra a vida de militar da aeronáutica em serviço:
competência da justiça militar para processamento e julgamento da ação penal: art.
9º, inc. III, alínea d, do Código Penal Militar: constitucionalidade. Precedentes.
Habeas corpus denegado. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no
sentido de ser constitucional o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de
militar em serviço pela justiça castrense, sem a submissão destes crimes ao
Tribunal do Júri, nos termos do o art. 9º, inc. III, “d”, do Código Penal Militar.
Habeas corpus denegado.” (STF, 1ª T., HC 91.003, rel. Min. Cármen Lúcia, j.
22.05.2007, DJe 072 de 02.08.2007)

Por fim, não serão julgados pelo Tribunal do Júri os crimes contra a vida praticados na
forma da Lei 12.432/2011, também chamada de Lei do Abate, conforme atual redação do
art. 9º, parágrafo único do Código Penal Militar.

2.2 A Soberania dos Veredictos


Para assegurar que em matéria de fato o Tribunal do Júri tenha a decisão final, prevê a
Constituição Federal que seus veredictos terão soberania.

Apesar da imprecisão técnica apontada por alguns doutrinadores, tendo em vista ser a
soberania um conceito de direito internacional, a previsão Constitucional tem o importante

155
Tribunal do Júri

sentido de limitar a atuação dos membros do Poder Judiciário em relação ao conteúdo da


matéria submetida a julgamento pelos jurados. São as principais decorrências dessa previsão
as limitações à linguagem utilizada pelos órgãos do Poder Judiciário na análise dos casos de
competência do júri e a limitação do efeito devolutivo da apelação nesses crimes.

2.3 O Sigilo das Votações


Conceito mais amplo que o sigilo do voto, o sigilo das votações abrange não só o conteúdo
do voto do jurado, mas o procedimento de votação. Para tanto, há previsão no art. 485 do
Código de Processo Penal que a votação será realizada em sala especial na qual terão acesso
somente os próprios jurados, o juiz presidente, o órgão do Ministério Público, o assistente e o
querelante, se houver, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça.

2.4 A Plenitude de Defesa


Levando em consideração as peculiaridades
do Tribunal do Júri, preferiu o constituinte
Saiba Mais
Para pontos ligados a plenitude de defesa
garantir em seus julgamentos a plenitude de nos crimes hediondos ver: FRANCO, Alber-
defesa, conceito mais abrangente do que a to Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes
Hediondos. 7º ed. rev. atual. e ampl. São
amplitude de defesa, já assegurada a todos os Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
acusados pelo art. 5º, inciso LV.

Costuma-se incluir dentre as garantias próprias da plenitude de defesa a possibilidade da


defesa do acusado em plenário não precisar ser limitada a aspectos técnico-jurídicos, podendo
socorrer-se de razões de ordem emocional ou mesmo social que serão sopesadas pelos
jurados quando do seu veredicto. De outro lado, conforme prevê o art. 497, inciso V, do Código
de Processo Penal, será uma das atribuições do juiz presidente do Tribunal do Júri dissolver o
Conselho de Sentença e nomear novo Defensor ao acusado que considerar indefeso.

Também faz parte da ideia de plenitude de defesa uma maior autonomia da autodefesa
realizada pelo acusado em seu interrogatório. Nesses termos, reconhece a jurisprudência a
ocorrência de nulidade quando uma tese sustentada pelo acusado em seu interrogatório
deixa de ser apresentada aos jurados na forma de quesito, mesmo que essa tese não tenha

156
Tribunal do Júri

sido repetido pela defesa técnica. No caso, por exemplo, do acusado sustentar a legítima e
a defesa técnica argumentar com a inexigibilidade de conduta diversa, as duas teses
deverão ser objeto de quesitos aos jurados.

3. Procedimento da Primeira Fase

Até o momento do recebimento da denúncia não há diferença substancial entre os


procedimentos comuns e o procedimento dos crimes da competência do Tribunal do Júri.

De acordo com o art. 406 do Código de Processo Penal, o juiz ao receber a denúncia ou
queixa determinará a citação do acusado para responder por escrito a acusação no prazo
de dez dias. Esse prazo será contado do efetivo cumprimento do mandado ou do
comparecimento em juízo do acusado ou de defensor constituído, caso a citação seja
inválida ou realizada por edital, e não da juntada do mandado nos autos do processo.

Tanto a inicial acusatória quanto a resposta defensiva poderão arrolar até oito testemunhas
para serem ouvidas na primeira fase do procedimento do júri. Na resposta, além de arrolar as
testemunhas e requerer, quando necessário a intimação delas, e especificar as provas que
quer produzir em juízo, o defensor do acusado poderá arguir preliminar e alegar tudo que
interesse a sua defesa. Pode, também, oferecer documentos e justificações. Esse também será
o movimento para a propositura de exceções, que serão processadas em separado seguindo o
regramento próprio contido nos arts. 95 a 112 do Código de Processo Penal.

Caso não seja apresentada resposta no prazo de dez dias, o juiz nomeará defensor para
que o faça, também em dez dias. Apresentada a defesa, caso haja preliminares e
documento, ouvirá a acusação em cinco dias.

Apresentada essa manifestação acusatória quando for o caso, deverá o juiz se manifestar
sobre as preliminares e documentos apresentados, para que se dê sequencia ao procedimento.
Após, o juiz determinará a oitiva das testemunhas e as realização das diligências requeridas
pelas partes. Para tanto, designada dia e hora para a realização de audiência de instrução.

Nesse ato, serão tomadas as declarações do ofendido, se possível. Após, serão inquiridas das
testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nessa ordem. Em seguida, se for o caso,

157
Tribunal do Júri

serão colhidos os esclarecimento dos peritos, desde que tenha havido prévio requerimento
por qualquer das partes, procedendo-se em sequencia às acareações e ao reconhecimento
de pessoas e coisas. Ao fim, será interrogado o acusado, se estiver presente.

Em regra essa audiência será una, isto é, todos os seus atos serão concentrados num
único ato concentrado.

Encerrada a instrução serão realizado os debates. As alegações serão em regra orais,


concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de vinte
minutos, prorrogáveis por mais dez. Caso haja mais de um acusado, o tempo para a
acusação e defesa de cada um deles será individual. Ao assistente do Ministério Público
serão concedidos dez minutos após a manifestação do órgão acusatório, tempo que, se
utilizado, será acrescido ao tempo da defesa.

Interessante registrar que o art. 412 do Código de Processo Penal prevê que todo esse
procedimento será concluído no prazo máximo de noventa dias. Embora louvável a
previsão legal, infelizmente a realidade têm demonstrado a completa relativização desse
prazo. Mesmo nos casos de réu preso tal prazo é descumprido costumeiramente.

Após, se for o caso, será observado o art. 384 do Código de Processo Penal1. Encerrados
os debates o juiz proferirá a decisão imediatamente na audiência ou em até dez dias. Essa
decisão poderá adotar uma de quatro hipóteses:

3.1 Pronúncia
Quando o juiz singular se convencer da materialidade do fato e da existência de indícios
suficientes de autoria ou de participação pronunciaria fundamentadamente o acusado. A
decisão de pronúncia, assim, é aquela na qual o juiz reconhece a verossimilhança da
imputação apresentada pela acusação e determina a submissão do acusado a julgamento
pelo Tribunal do Júri.

1 Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de
prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público
deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo
em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente. (Redação dada pela Lei nº
11.719, de 2008).

158
Aula 07 | Tribunal do Júri

Cabe registrar que o art. 413 do Código de Processo Penal exige a certeza da
materialidade delitiva, consubstanciado no exame de corpo de delito, direto ou indireto (cf.
art. 158 do CPP). De outro lado, em relação a autoria não se exige certeza conclusiva sobre
a autoria, mas que haja indícios suficientes.

Essa previsão se coaduna com a própria ideia de soberania dos veredictos. Descaberia o juiz
singular apontar a certeza da autoria em relação ao acusado sob pena de imiscuir-se no papel
dos jurados a quem é atribuído a competência constitucional para decidir sobre o mérito.

Nesse sentido, o próprio § 1º do art. 413 do Código de Processo Penal determinar que a
fundamentação da decisão de pronúncia será limitada a indicação da materialidade do fato
e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo declarar o
dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias
qualificadoras e as causas de aumento de pena. Há, portanto, uma limitação ao conteúdo
dessa decisão. Como aponta Aury Lopes Jr.2:
“Como toda decisão judicial, deve ser fundamentada. Contudo, por se tratar de
uma decisão provisória, em atípico procedimento bifásico, no qual o órgão
competente para o julgamento é o Tribunal do Júri (e não o juiz presidente, que
profere a pronúncia), a decisão é bastante peculiar. Não pode o juiz condenar
previamente o réu, pois não é ele o competente para o julgamento. Por outro lado,
especial cuidado deve ter o julgador na fundamentação, para não contaminar os
jurados, que são facilmente influenciáveis pelas decisões proferidas por um juiz
profissional e, mais ainda, por aquelas proferidas pelos tribunais”.

Nesse ato deverá o juiz, ainda, decidir sobre as medidas cautelares, podendo sempre de
maneira motivada determina a manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida
restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a
necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas.

Essa decisão será recorrível por meio de recurso em sentido estrito, sendo possível, assim,
a despronúncia quando o juiz exercer o juízo de retratação. Também se fala em
despronúncia quando o Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal reformar a decisão
de pronúncia de primeiro grau.

2 Direito Processual Penal. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1051-edição digital.

159
Tribunal do Júri

A intimação da decisão de pronúncia será feita pessoalmente ao acusado, ao defensor


nomeado e ao Ministério Público e pela imprensa oficial ao defensor constituído, ao
querelante e ao assistente do Ministério Público. Será intimado por edital o acusado solto
que não for encontrado.

Preclusa a decisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao juiz presidente do


Tribunal do Júri.

3.2 Impronúncia
Ao contrário, caso o juiz não se convença da materialidade do delito ou da existência de
indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz deverá impronunciar o réu. Nesse
caso poderá, a qualquer tempo, desde que não tenha ocorrido a extinção da punibilidade do
acusado, ser oferecida nova denúncia ou queixa contra o acusado, desde haja prova nova,
considerada aquela materialmente nova, ou seja, que não existia ou era conhecida quando
da decisão de impronúncia.

Registre-se que não há um juízo de certeza sobre a inexistência do crime ou sobre a não
atuação do acusado na infração, hipóteses em que será caso da absolvição sumária.

Essa decisão será recorrível por apelação, conforme art. 416 do Código de Processo Penal.

3.3 Absolvição sumária


Nos termos do art. 415 do Código de Processo Penal, o juiz poderá, desde logo,
absolver o acusado quando provada a inexistência do fato, provado não ser ele autor ou
participe do fato, provado que o fato não constitui infração penal ou, ainda, demonstrar-se a
incidência de causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Nesse último caso,
contudo, quando a hipótese de isenção de pena for a inimputabilidade, somente será
proferida neste momento a decisão absolutória quando esta for a única tese defensiva.
Assim, caso além da inimputabilidade a defesa tenha como argumento a legítima defesa,
deverá o feito ser submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri.

160
Tribunal do Júri

Contra essa decisão caberá apelação, pois será uma decisão terminativa (art. 416 do CPP).

3.4 Desclassificação
Finalmente, quando o juiz se convencer da existência de crime diverso daqueles contra a
vida e não for competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja.

Essa decisão será recorrível por recurso em sentido estrito.

4. A preparação para julgamento em plenário

Em sequencia, ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará a


intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante e do defensor, para, no prazo de
cinco dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário. Diferentemente da
primeira fase, em plenário somente poderão ser arroladas cinco testemunhas por cada parte.

Na mesma oportunidade as partes poderão juntar documentos e requerer diligência.

Após deliberar sobre os requerimentos de provas a serem produzidas ou exibidas no


plenário do júri e adotar as providências devidas, o juiz presidente ordenará as diligências
necessárias para sanar qualquer nulidade ou esclarecer fato que interesse ao julgamento
da causa e fará relatório sucinto do processo, determinando sua inclusão em pauta da
reunião do Tribunal do Júri. Aqui, como na decisão de pronúncia, deverá o juiz tomar
cuidado com o excesso de linguagem.

5. Desaforamento

Uma vez pronto o processo para julgamento perante o Tribunal do Júri, pode ocorrer,
excepcionalmente, hipótese que recomende o desaforamento do plenário. Nesse sentido, de
acordo com o art. 427 do Código de Processo Penal, se for necessário para atender ao
interesse da ordem pública ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança
pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do
querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar

161
Tribunal do Júri

o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam
aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.

Note-se que somente ao Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal é permitido o


desaforamento. Mesmo o juiz deverá requerer diretamente ao Tribunal que o faça. Importante,
contudo, que ao menos que o pedido de desaforamento seja realizado pela defesa, ela sempre
será ouvida antes da decisão. Esse o teor da Súmula 712 do Supremo Tribunal Federal 3.

O pedido de desaforamento será distribuído imediatamente e terá preferência de julgamento na


Câmara ou Turma competente e, sendo relevantes os motivos alegados, o Relator sorteado ou
prevento para julgamento poderá determinar a imediata suspensão do julgamento pelo júri

Após, será ouvido o juiz presidente, quando a medida não tiver sido por ele solicitada.

Há, ainda, outra hipótese em que se poderá realizar o desaforamento, prevista no art. 428
do Código de Processo Penal. Será a hipótese em que em razão do excesso de serviço o
julgamento não possa ser realizado no prazo de seis meses, contado do trânsito em julgado
da decisão de pronúncia. Para a contagem desse prazo, contudo, não se computará o
tempo de adiamentos, diligências ou incidentes de interesse da defesa.

Importante registrar, contudo, que não havendo excesso de serviço ou existência de


processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de
apreciação pelo Tribunal do Júri, o acusado poderá requerer ao Tribunal que determine a
imediata realização do julgamento ao invés do desaforamento.

6. Procedimento de Segunda Fase

O Tribunal do Júri se reunirá para as sessões de instrução e julgamento nos períodos e


na forma estabelecida pela lei local de organização judiciária local.

Com a reforma do Código de Processo Penal de 2008 deixou de ser necessário o


comparecimento do acusado solto para que seja realizada a sessão de julgamento. Considera-
se, assim, que caso não compareça está exercendo seu direito constitucional ao silêncio e,

3 “É nula a decisão que determina o desaforamento de processo da competência do júri sem audiência da defesa”.

162
Tribunal do Júri

assim, o julgamento se realizará normalmente. Se preso o acusado, contudo, a lei


determina o adiamento do julgamento em caso de não comparecimento do réu. A doutrina,
contudo, afirma que poderá o réu preso, se desejar, manifestar previamente sua vontade de
não ser levado ao plenário, hipótese na qual será realizado o julgamento sem sua presença.

Apregoada a sessão de julgamento, o juiz presidente esclarecerá sobre os impedimentos, a


suspeição e as incompatibilidades constantes dos arts. 448 e 449 do Código de Processo
Penal e, após, advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se
entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo.

A seguir, será iniciado o sorteio dos jurados para


compor o Conselho de Sentença. Dentre os vinte e Vamos Pensar
cinco jurados convocados para a sessão, somente Elabore um texto que reflita a respeito da
se procederá ao julgamento se no mínimo quinze composição do Conselho de Sentença e
da instituição do Tribunal do Júri em ou-
comparecerem. Dentre os presentes, serão tros países. Para isso ver: DEU, Teresa
sorteados sete que formarão o Conselho de Armenta. Sistemas Procesales Penales.
Marcial Pons. Madrid: 2012.
Sentença.

Será permitido às partes, contudo, a recusa dos jurados sorteados. Até três recusas
poderão ser imotivadas, sendo ilimitado o número de recursas motivadas (quando
presentes os impedimentos dos arts. 448 e 449 do CPP, por exemplo).

Prestado o compromisso pelos jurados, será iniciada a instrução plenária quando o juiz
presidente, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor do acusado
tomarão, sucessiva e diretamente, as declarações do ofendido, se possível, e inquirirão as
testemunhas arroladas pela acusação. Para a inquirição das testemunhas arroladas pela
defesa, o defensor do acusado formulará as perguntas antes do Ministério Público e do
assistente, mantidos no mais a ordem e os critérios estabelecidos neste artigo. Até os
jurados, juízes de fato, poderão formular perguntas ao ofendido e às testemunhas, mas o
farão por intermédio do juiz presidente.

Após, as partes e os jurados poderão requerer acareações, reconhecimento de pessoas e


coisas e esclarecimento dos peritos, bem como a leitura de peças que se refiram,

163
Tribunal do Júri

exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares, antecipadas


ou não repetíveis.

A seguir, se estiver presente, será o acusado interrogado. O Ministério Público, o assistente, o


querelante e o defensor, nessa ordem, poderão formular, diretamente, perguntas ao acusado.

Em obediência à Súmula Vinculante 11 do STF e ao art. 474, § 3º, do Código de Processo


Penal, não serão utilizadas algemas no acusado durante o período em que permanecer no
plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das
testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.

Encerrada a instrução, será concedida a palavra ao Ministério Público, que fará a acusação,
nos limites da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação,
sustentando, se for o caso, a existência de circunstância agravante. O assistente falará
depois do Ministério Público.

Tratando-se de ação penal de iniciativa privada, falará em primeiro lugar o querelante e, em


seguida, o Ministério Público, salvo se este houver retomado a titularidade da ação, na
forma do art. 29 deste Código.

Terminada a acusação, terá a palavra a defesa. Após, a acusação poderá replicar e a


defesa treplicar, sendo admitida a reinquirição de testemunha já ouvida em plenário.

O tempo destinado tanto à acusação quando à defesa será de uma hora e meia para cada,
e de uma hora para a réplica e outro tanto para a tréplica. Se houver mais de um acusador
ou mais de um defensor, combinarão entre si a distribuição do tempo, que, na falta de
acordo, será dividido pelo juiz presidente, de forma a não exceder o determinado neste
artigo. Entretanto, se houver mais de um acusado, o tempo para a acusação e a defesa
será acrescido de uma hora e elevado ao dobro o da réplica e da tréplica.

Durante os debates nenhuma das partes poderá, sob pena de nulidade, fazer referências:
à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou
à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou
prejudiquem o acusado ou ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta
de requerimento, em seu prejuízo.

164
Tribunal do Júri

Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto


que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de três dias úteis, dando-
se ciência à outra parte, para evitar qualquer tipo de surpresa a qualquer das partes.

Após, os jurados serão levados à sala especial onde serão questionados sobre a matéria de
fato e se o acusado deve ser absolvido. Os quesitos serão redigidos em proposições
afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com
suficiente clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o juiz presidente levará em
conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a
acusação, do interrogatório e das alegações das partes.

Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: (a) a materialidade do


fato; (b) a autoria ou participação; (c) se o acusado deve ser absolvido; (d) se existe causa
de diminuição de pena alegada pela defesa; (e) se existe circunstância qualificadora ou
causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que
julgaram admissível a acusação.

A resposta negativa, de mais três jurados, aos quesitos de materialidade (a) ou autoria e
participação (b) encerra a votação e implica a absolvição do acusado. Respondidos esses
quesitos afirmativamente por mais de três, será formulado quesito com a seguinte redação:
O jurado absolve o acusado? (cf. art. 483, § 2º, do CPP).

Decidindo os jurados pela condenação, o julgamento prossegue, devendo ser formulados


quesitos sobre eventual causa de diminuição de pena alegada pela defesa e circunstância
qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia ou em decisões
posteriores que julgaram admissível a acusação.

Sustentada a tese de ocorrência do crime na sua forma tentada ou havendo divergência


sobre a tipificação do delito, sendo este da competência do Tribunal do Júri, o juiz formulará
quesito acerca destas questões, para ser respondido após o segundo quesito.

Se houver mais de um crime ou mais de um acusado, os quesitos serão formulados em séries


distintas. Após, o juiz presidente lerá os quesitos e indagará das partes se têm requerimento ou
reclamação a fazer, devendo qualquer deles, bem como a decisão, constar da ata.

165
Tribunal do Júri

Todas essas decisões do Tribunal do Júri serão tomadas por maioria de votos.

Encerrada a votação, o juiz presidente proferirá sentença. Se condenatória fixará a pena-base,


considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates, imporá os
aumentos ou diminuições da pena, em atenção às causas admitidas pelo júri, mandará o acusado
recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão
preventiva e estabelecerá os efeitos genéricos e específicos da condenação. Se absolutória a
sentença mandará colocar em liberdade o acusado se por outro motivo não estiver preso, revogará
as medidas restritivas provisoriamente decretadas e, no caso da absolvição imprópria, determinará
a imposição ao acusado da medida de segurança cabível.

Se houver desclassificação da infração para outra, de competência do juiz singular, ao


presidente do Tribunal do Júri caberá proferir sentença em seguida, aplicando-se, quando o
delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como infração penal de menor
potencial ofensivo, o disposto nos arts. 69 e seguintes da Lei 9.099/95. Em caso de
desclassificação, o crime conexo que não seja doloso contra a vida será julgado pelo juiz
presidente do Tribunal do Júri, podendo, igualmente, aplicar-se os benefícios da Lei dos
Juizados Especiais Criminais.

Essa sentença, seja condenatória ou absolutória, será lida em plenário pelo presidente
antes de encerrada a sessão de instrução e julgamento

7. Recursos

Conforme antes registrado, em observância à previsão constitucional da soberania dos


veredictos, o efeito devolutivo da apelação será limitado nos casos de julgamento pelo
Tribunal do Júri. Prevê o art. 593 do Código de Processo Penal que caberá apelação no
prazo de cinco dias das decisões do Tribunal do Júri quando: a) ocorrer nulidade posterior à
pronúncia; b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos
jurados; c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de
segurança; ou d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.

Na hipótese da alínea b, quando a sentença do juiz presidente for contrária à lei expressa ou
divergir das respostas dos jurados aos quesitos, o tribunal se limitará a realizar a retificação

166
Tribunal do Júri

da decisão. Igualmente, se houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da


medida de segurança o Tribunal, se der provimento ao apelo, retificará a aplicação da pena
ou da medida de segurança.

Em se tratando de apelação por nulidade posterior à pronúncia, caso dê provimento ao recurso


o Tribunal se limitará a determina a submissão do acusado a novo julgamento pelo Tribunal do
Júri. Igual procedimento será tomado na hipótese da apelação motivada por decisão
manifestamente contrária à prova dos autos. Nesse último caso, contudo, o provimento do
recurso será idôneo para sujeitar o réu a novo julgamento por uma única vez, não se admitindo,
pelo mesmo motivo, segunda apelação. Afinal, caso a decisão dos jurados seja revertida o
Tribunal não poderia dizer que agora, novamente a decisão seria manifestamente contrária à
prova dos autos, por uma questão de lógica. No outro sentido, caso mantida o veredicto
anteriormente considerado manifestamente contrário à prova dos autos prevalece o
entendimento do Tribunal do Júri, competente constitucionalmente para tanto.

8. Revisão Criminal

Persiste certo ruído na doutrina sobre o cabimento da revisão criminal para os casos
julgados pelo Tribunal do Júri. Há quem defenda ser vedado ao Tribunal de Justiça ou
Tribunal Regional Federal modificar o conteúdo das decisões do Tribunal do Júri por meio
da revisão criminal, pois estar-se-ia violando a previsão constitucional da soberania dos
veredictos do último.

Contudo, prevalece atualmente na doutrina e na jurisprudência o entendimento de ser


cabível a revisão criminal mesmo nos casos julgados definitivamente pelo Júri, sob o
argumento de que sendo a previsão constitucional do Júri uma garantia do cidadão, seria
incongruente que uma garantia sua lhe prejudicasse a ponto de evitar a revisão de seu
julgamento através de revisão, cujo julgamento só lhe pode ser benigno. Assim, a ideia
predominante é de que sendo tanto o julgamento pelo júri quanto a possibilidade de revisão
criminal direitos dos acusados, podem conviver pacificamente.

Questão final diz respeito ao alcance dessa revisão criminal. Significa dizer: ao dar provimento
a revisão o Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal se limitaria a determinar a

167
Tribunal do Júri

realização de novo júri, limite máximo possível através da apelação, ou poderia diretamente
alterar a classificação da infração ou absolver o réu? De acordo com Aury Lopes Jr.4:
“Nenhum óbice existe para que o tribunal possa alterar a classificação da
infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo nas decisões
proferidas pelo Tribunal do Júri, de modo que a soberania das decisões do júri
deve ceder diante do interesse maior de corrigir uma decisão injusta.
Esclarecemos que o tribunal, julgando a revisão, poderá absolver o autor sem a
necessidade de novo júri,12 que somente ocorrerá quando houver a anulação
do processo, em que todo ou parte do processo deverá ser repetido”.

Pontuando
• Introdução

• Previsão constitucional

• Competência

• A soberania dos veredictos

• O sigilo das votações

• A plenitude de defesa

• Procedimento da primeira fase

• Pronúncia/Impronúncia

• Absolvição sumária/Desclassificação

• A preparação para julgamento em plenário

• Desaforamento

4 Direito Processual Penal. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1390-edição digital.

168
Pontuando

• Procedimento de segunda fase

• Recursos

• Revisão criminal

Glossário
Infanticídio: “assassinato de criança”. Fonte: Minidicionário Houaiss, 2008, p. 420. Obs.:
No direito brasileiro é o caso em que a mãe, logo após dar à luz, tira a vida de seu filho.

Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA Questão 2 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

No art. 5º, inciso XXXVIII da Constituição da Na instituição do Júri é assegurado(a):


República de 5 de outubro de 1988 é a) A plenitude de defesa
reconhecido(a):
b) A ampla defesa
a) A ampla defesa
c) O direito ao recurso
b) A instituição do júri
d) O direito a apelação
c) O contraditório
e) A ampliação de sua competência
d) O sigilo das votações

e) A competência dos crimes dolosos

169
Verificação de Leitura

Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA Questão 5 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

Na instituição do Júri é assegurado(a): É competência do Tribunal do Júri o julga-

a) A ampla defesa mento dos(as):

b) O direito de defesa ampla a) Crimes dolosos

c) O devido processo b) Crimes culposos contra a vida

d) O devido processo do rito c) Crimes dolosos contra a vida

e) O sigilo das votações d) Crimes dolosos contra a dignidade

e) Crimes de latrocínio
Questão 4 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

É característica constitucionalmente
intrínseca ao Tribunal do Júri:

a) A soberania dos veredictos

b) A duração razoável da pena

c) O protesto por novo Júri

d) O contraditório diferido

e) A dignidade procedimental

170
Referências
FELIX, Yuri; LOPES JR., Aury. ; FISCHER, Douglas; OLIVEIRA, E. Pacelli de; MENDES, Gilmar F.;
STRECK, Lênio. L.; GOMES, Luiz. Flávio. ; FUX, Luiz; GRECO, Rogério; et all. O Supremo Tribunal
Federal e os crimes hediondos: Breves notas na perspectiva dos deveres de proteção estatal. In:
Vilvana Damiani Zanellato. (Org.). A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Temas
relevantes. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013, v. 01.

FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7º ed. rev. atual. e ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 11ª ed. São Paulo: Saraiva. Edição Digital.

Gabarito
Questão 1

Resposta: Alternativa B.

Resolução: A Constituição da República de 5 de outubro de 1988, em seu art. 5º, inciso


XXXVIII, reconhece a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a
competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Questão 2

Resposta: Alternativa A.

Resolução: A Constituição da República de 5 de outubro de 1988, em seu art. 5º, inciso


XXXVIII, reconhece a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a
competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

171
Gabarito

Questão 3

Resposta: Alternativa E.

Resolução: A Constituição da República de 5 de outubro de 1988, em seu art. 5º, inciso


XXXVIII, reconhece a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a
competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Questão 4

Resposta: Alternativa A.

Resolução: A Constituição da República de 5 de outubro de 1988, em seu art. 5º, inciso


XXXVIII, reconhece a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a
competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Questão 5

Resposta: Alternativa C.

Resolução: Serão julgados pelo Tribunal do Júri, portanto, no mínimo, os crimes dolosos
contra a vida, hoje previstos nos arts. 121 (homicídio), 122 (induzimento, instigação ou
auxílio a suicídio), 123 (infanticídio) e 124 a 129 (aborto), e – em regra – todos aqueles que
forem conexos ao crime conta a vida.

172
173
TEMA 08
Teoria Geral dos Recursos
no Processo Penal

174
LEGENDA seções
DE ÍCONES

Início

Vamos
pensar

Glossário

Pontuando

Verificação
de leitura

Referências

Gabarito

175
Tema 08
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal
Alessandro Maciel Lopes

Mestre do Programa de Pós-graduação em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade


Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Especialista em Direito Processual Penal pela
Escola Paulista da Magistratura. Delegado de Polícia Federal e Professor de Processo
Penal na URCAMP.

Renata Matarazzo Lopes

Especialista em Direito Processual Civil. Advogada.

Objetivo

Prezado aluno da Pós de Ciências Penais. O objetivo da presente aula é fazer com que
você fique totalmente apto em debater os pontos referentes aos recursos no direito
processual penal brasileiro.

Resumo da Aula

A presente aula após trazer em seu texto a introdução, o conceito e as características,


aponta a natureza jurídica dos recursos e pontos como o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição
e as regras específicas do sistema recursal. Em seguida apresenta a extensão subjetiva dos
efeitos dos recursos e conclui com a apresentação de Cases a respeito da matéria.

1. Introdução, Conceito e Características

O sistema recursal consiste na possibilidade de revisão de decisões judiciais não


transitadas em julgado. A doutrina elenca como argumentos fundamentais a existência da
falibilidade a que está sujeito o ser humano ao aplicar ou interpretar a lei, bem como a
garantia de uma maior confiabilidade de todo o sistema jurídico ao possibilitar a parte
prejudicada obter a revisão da situação posta sob exame.

176
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal

Essa garantia de revisão das decisões judiciais é de extrema importância, primeiro porque
falhas podem ocorrer no julgamento e, segundo porque estando o direito do Estado de punir
intimamente ligado ao direito de liberdade do indivíduo, a ratificação ou correção daquilo
outrora decidido legitima de forma mais patente o poder punitivo estatal.

O recurso nada mais é do que o instrumento processual adequado e necessário que a parte
dispõe para que seja reavaliada a solução dada a determinado caso concreto. Isso garante
ao jurisdicionado uma maior confiabilidade no sistema já que o ser humano não é infalível.

AURI LOPES JR. afirma que recurso vincula-se à ideia de ser um meio processual através
do qual a parte que sofreu o gravame solicita a modificação, no todo ou em parte, ou a
anulação de uma decisão judicial ainda não transitada em julgado, no mesmo processo em
que ela foi proferida1.

ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO e ANTONIO


SCARANCE FERNANDES2 conceituam o recurso como o meio voluntário de impugnação
de decisões, utilizado antes da preclusão e na mesma relação jurídica processual, apto a
propiciar a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão.

Dos conceitos acima trazidos extraímos algumas lições básicas sobre o recurso:

a) é direito da parte que se instaura mediante sua provocação, portanto, é ato voluntário;

b) a decisão não pode ter transitado em julgado;

c) há necessidade de prejuízo para sua viabilidade;

d) a apreciação da decisão será feita, em regra, por um órgão colegiado;

e) o inconformismo pode ser total ou parcial; e

f) é processado no contexto da relação jurídica processual já existente.

1 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1166.
2 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no Pro-
cesso Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 33

177
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal

No tocante a característica da voluntariedade na interposição dos recursos, deve-se fazer


uma importante ressalva, qual seja, a previsão legal do chamado recurso obrigatório ou
recurso de ofício ou simplesmente reexame necessário.

Há determinadas hipóteses que a lei prevê (artigos 574 e 746 do CPP) a necessidade de
revisão da decisão judicial, independentemente da interposição de recurso pelas partes,
como condição ao trânsito em julgado da mesma.
Saiba Mais
A doutrina critica a terminologia utilizada pelo Código
de Processo Penal ao dispor que em determinadas
Para uma abordagem constitucional
hipóteses os recursos serão interpostos de ofício pelo ver: FERNANDES, Antonio Scarance.
Processo penal constitucional. 6 ed.,
juiz. Isso porque o juiz não é parte no processo, não rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista
sofre qualquer tipo de prejuízo e não “recorre” do seu dos Tribunais, 2010.
próprio julgado, não podendo ser considerado
um verdadeiro recurso no seu sentido substancial e material, mas sim uma imposição legal da
submissão da decisão ao duplo grau de jurisdição obrigatório em determinadas situações.

Há quem sustente que o recurso de ofício estaria revogado pela Constituição Federal (CF),
pois seria incompatível com o artigo 129, inciso I daquela, na medida em que sendo o
recurso um desdobramento do direito de ação e sendo esta exclusiva do Ministério Público,
seria a iniciativa recursal privativa do Ministério Público e, excepcionalmente, do assistente
de acusação nos casos de inércia do órgão e ocorrendo a absolvição sumária do réu.

2. Natureza Jurídica

Como dito alhures o direito de recorrer não instaura uma nova ordem jurídica processual.
Em sendo assim, para a maioria da doutrina o poder de recorrer decorre do próprio direito
de ação.

Daí concentra-se a maior diferença entre os recursos a as ações autônomas de


impugnação como o Habeas Corpus, Mandado de Segurança e a Revisão Criminal.
Enquanto nos recursos se processam no decorrer de uma relação jurídica processual já
existente, não inovando na ordem jurídica, as ações autônomas de impugnação iniciam
uma nova relação jurídica processual.

178
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal

Leciona LOPES JR. que o poder de recorrer não constitui um novum iudicium mas sim um
desdobramento da pretensão acusatória ou de defesa, sendo um desdobramento do
processo existente3.

3. Princípio do Duplo Grau de Jurisdição

A estrutura normativa configurada na Constituição Federal de 1988 consagra o Princípio


do Duplo Grau de Jurisdição, o qual está implicitamente inserido no ordenamento jurídico
brasileiro, garantindo ao prejudicado por decisão judicial, que esta seja em regra revista por
um órgão jurisdicional superior.

Muito embora não previsto expressamente na Carta de 1988, encontra-se consagrado no artigo
8º, item 2, letra “h” da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da
Costa Rica), introduzido no direito brasileiro pelo Decreto 678/1992, estabelecendo como
garantia mínima ao cidadão acusado de delito o direito de recorrer a juiz ou tribunal superior.

Por força do artigo 5º, §§ 1ºe 2º da CF, os direitos previstos no Pacto de São José da Costa
Rica se aplicam de imediato e integram o rol de direitos e garantias fundamentais e, por essa
razão, o direito ao duplo grau de jurisdição assumiu uma importância ímpar no direito brasileiro.

Por sua vez a Emenda Constitucional 45 de 8.12.2004 (EC 45/2004)) introduziu o § 3º ao artigo
5º, da CF, garantindo um status constitucional aos direitos previstos em tratados internacionais
internalizados no direito brasileiro mediante aprovação em dois turnos em cada Casa do
Congresso Nacional, com um quórum específico de 3/5 dos respectivos membros.

Como o Pacto de São José da Costa Rica foi incorporado antes da EC 45/2004 e, portanto,
não se submeteu ao processo legislativo para sua equiparação à Emenda Constitucional,
adquiriu na escala normativa o status de norma
supralegal, conforme decidiu o STF (HC Link
87.585/TO), ou seja, está acima das leis ordinárias,
Para educação em direitos humanos
mas abaixo da Constituição. ver: <http://vladimirherzog.org>

3 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1166.

179
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal

Não resta dúvida que o princípio do duplo grau é um direito fundamental do cidadão
consagrado na Constituição. O problema surge quando o indivíduo submetido a julgamento
tem foro por prerrogativa de função e é julgado originalmente pelos tribunais. Nesses casos
estaria sendo desrespeitado o princípio do duplo grau? Um deputado federal que comete
um delito e é julgado pelo STF não terá a sua disposição a mesma gama de recursos que
um cidadão julgado em primeira instância. Isso ofenderia o princípio do duplo grau?

Muito já se discutiu sobre o assunto e a maioria dos doutrinadores entende que a própria
Constituição Federal pode excepcionar o princípio do duplo grau e é isso que ocorre em
determinadas situações como na hipótese de indivíduos com foro por prerrogativa de
função. O fato do Pacto de São José da Costa Rica prever expressamente este princípio e
estando ele implicitamente consagrado no sistema jurídico brasileiro não impede que a
Carta de 1988 suprima ou limite esse direito em determinadas situações.

3.1 Regras Específicas do Sistema Recursal

3.1.1 Unirrecorribilidade
O artigo 593, § 4º, do CPP estabelece que “quando cabível a apelação, não poderá ser
usado o recurso em sentido estrito, ainda que somente parte da decisão se recorra”.

Referida regra determina que em face de uma determinada decisão caberá apenas um
único tipo de recurso, não sendo possível a adoção de vários mecanismos de combate ao
julgado, com exceção dos recursos especial e extraordinário que devem ser interpostos no
mesmo momento processual, pois o acórdão pode violar simultaneamente dispositivo da
constituição federal e de lei federal.

Desta forma, se determinada decisão comporta apelação, mesmo que haja matérias
impugnáveis por recurso em sentido estrito, a parte deve interpor a apelação, como ocorre
no caso de não concessão do sursis. Da decisão que nega o benefício cabe recurso em
sentido estrito. Porém, caso essa negativa seja determinada na sentença, caberá apelação
desta matéria e não recurso em sentido estrito.

180
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal

3.1.2 Fungibilidade

A fungibilidade recursal está prevista no artigo 579 do CPP4 e significa o processamento


e conhecimento de um recurso por outro. Ou seja, caso a parte interponha o recurso errado
este poderá ser aceito como correto, desde que não haja a má-fé do recorrente.

Não obstante ser um conceito aberto e indeterminado, a má-fé caracteriza-se como um


procedimento doloso da parte impugnante com o propósito de angariar alguma vantagem
de ordem processual.

Segundo a jurisprudência dos tribunais a má-fé é presumida quando 1) não for observado o
prazo previsto em lei para o recurso adequado e 2) o erro na interposição for considerado
erro grosseiro. O erro grosseiro caracteriza-se por um equívoco injustificável, restando
nitidamente o desconhecimento da parte acerca da legislação processual aplicável em
determinada situação, sobre a qual não exista dúvida ou controvérsia. Portanto, a
fungibilidade não visa resguardar a parte do erro do profissional, mas sim evitar que a
divergência jurisprudencial quanto ao recurso correto lhe cause prejuízo.

LOPES JR. critica essa posição da jurisprudência afirmando haver uma limitação excessiva
na aplicação da fungibilidade. Para ele,
“quem acredita honestamente que é um recurso, quando na verdade é outro, orienta-se
pelo prazo do recurso que crê ser o correto, por elementar! Portanto, além de o art. 579
não exigir a interposição no prazo do recurso correto para aplicação da fungibilidade, a
má-fé deve ser demonstrada e nunca presumida. Deve-se considerar o agir intencional,
doloso, destinado a burlar o sistema recursal.”5

3.2.3 Motivação dos recursos


A motivação do recurso é elemento necessário e essencial à garantia da ampla defesa e
do contraditório no processo.

4 Art. 579. Salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro.
Parágrafo único. Se o juiz, desde logo, reconhecer a impropriedade do recurso interposto pela parte, mandará
processá--lo de acordo com o rito do recurso cabível.
5 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1185.

181
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal

Muito embora o artigo 601 do CPP6 admita a remessa do recurso ao Tribunal ad quem com
as razões ou sem elas, os tribunais vêm determinando a baixa dos autos em diligência e o
consequente retorno dos autos à comarca de origem para a apresentação das razões
recursais, inclusive com a possibilidade de nomeação de defensor dativo caso a parte não
tenha um constituído.

Na realidade essa previsão normativa do artigo 601 do CPP deve ser analisada em
consonância com a Constituição Federal, garantindo ao jurisdicionado o respeito a ampla
defesa e ao contraditório, pois sem as razões a parte adversa não poderá exercer
amplamente seu direito de contra-arrazoar o recurso.

3.2.4 Proibição da Reformatioin Pejus


O artigo 617 do CPP determina que o tribunal, câmara ou turma não poderá agravar a
pena do réu caso somente ele tenha apelado da sentença7.

Trata-se da proibição da reformatioin pejus, ou seja, em razão de um recurso exclusivo da


defesa é vedado que no novo julgamento a situação do réu seja prejudicada. Se o
Ministério Público recorrer da decisão, o tribunal poderá acolher, denegar ou manter a
decisão e, ainda, mesmo que não haja recurso da defesa, poderá, de ofício, melhorar a
situação do réu. O que não se admite é uma reforma para pior.

Importante mencionar que a análise da ocorrência ou não da reformatio in pejus não se


restringe ao montante da pena aplicada, devendo ser analisado também os outros efeitos
da condenação (cf. STF. 2ª Turma. HC121089/AP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
2.12.2014).

É permitido o reconhecimento de ofício de nulidades processuais que beneficiem o réu, mas


em contrapartida é nula a decisão que acolhe contra o réu nulidade não arguida no recurso
da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício, conforme Súmula 160 do STF.

6 Art. 601. Findos os prazos para razões, os autos serão remetidos à instância superior, com as razões ou sem elas, no
prazo de 5 (cinco) dias, salvo no caso do art. 603, segunda parte, em que o prazo será de trinta dias.
7 Art. 617. O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for
aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença.

182
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal

Não se admite também a reformatio in pejus indireta, que ocorre no seguinte caso: o
tribunal anula uma decisão e determina que outra seja proferida em seu lugar. Por sua vez
o juiz de 1ª instância ao prolatar nova decisão não poderá piorar a situação do réu. Se no
primeiro julgamento o réu foi condenado a 5 anos de reclusão, não poderá no segundo
julgamento ser condenado a 6 anos. Denomina-se indireta porque não foi o Tribunal que
diretamente causou a piora na situação do réu.

3.2.5 (In)Disponibilidade dos Recursos


A questão da (in)disponibilidade dos recursos está intimamente ligada ao tipo de ação
penal existente no sistema processual jurídico brasileiro.

Como regra a ação penal é de natureza pública e de titularidade do Ministério Público, o


qual tem a prerrogativa da persecutio criminis, vigorando o princípio da indisponibilidade.

O órgão do MP tem a liberdade de avaliar se irá ou não recorrer de determinada decisão,


mas, caso interposto o recurso, há prescrição legal no artigo 576, do CPP, vedando a sua
desistência após a interposição.

A desistência não se confunde com a renúncia. Enquanto a desistência é manifestação de


vontade da parte posterior a interposição do recurso, a renúncia é anterior à apresentação
do mesmo.

O MP também não pode renunciar expressamente ao direito de recorrer, mas apenas


tacitamente, quando deixa transcorrer in albis o prazo recursal.

A mesma regra não se aplica a ação penal de iniciativa privada na qual vigora o princípio da
disponibilidade, podendo o querelante desistir do recurso interposto a qualquer momento,
ou mesmo renunciar ao seu direito, arcando com as custas processuais.

O acusado também poderá desistir do recurso, mas haverá necessidade do consenso de seu
defensor. Caso um desista e o outro não consinta prevalecerá o recurso, como garantia da
ampla defesa. Esta, a exegese que se extrai das Súmulas 705 e 708 do STF, respectivamente:
“a renúncia do réu ao direito de apelação, manifestada sem a assistência do defensor, não
impede o conhecimento da apelação por este interposta” e “é nulo o julgamento da apelação

183
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal

se, após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor, o réu não foi
previamente intimado a constituir outro”. Não obstante os enunciados se referirem à
renúncia é pacífica sua aplicação nas hipóteses de desistência.

Vamos Pensar
Elabore uma resenha crítica que conjugue risco e garantias processuais. Indica-se: GLOECKNER, Ri-
cardo Jacobsen. Risco e Processo Penal: Uma análise a partir dos direitos fundamentais do acusado.
Salvador: JusPodivm, 2009.

3.2.6 Extensão Subjetiva dos Efeitos dos recursos


O artigo 580 do CPP prevê:

Art. 580. No caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão do
recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de
caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros.

Muito embora vários autores denominem Efeito Extensivo dos Recursos, preferimos adotar
a nomenclatura deste instituto elencada por LOPES JR. Com técnica, salienta que não se
trata propriamente de um efeito dos recursos, senão de uma extensão para outros réus que
não recorreram (por isso, uma extensão subjetiva), dos efeitos dos recursos, ou seja, dos
efeitos da decisão proferida no julgamento do recurso.8

O fundamento desta norma está relacionado a unidade de tratamento para réus que se
encontram na mesma situação jurídica processual, ou seja, um mesmo fato objetivamente
considerado deve ser tratado da mesma maneira, evitando-se decisões antagônicas,
preservando a isonomia entre os indivíduos.

A extensão dos efeitos da decisão para outros réus é uma situação excepcional já que um réu
que não recorreu da decisão será beneficiado. Não é irrestrita e ilimitada, sendo aplicável
apenas nas hipóteses em que o provimento do recurso se deu por motivos não pessoais do
recorrente, como, por exemplo, a inexistência material do fato e atipicidade da conduta. O

8 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1195.

184
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal

acolhimento do apelo por razões pessoais, como o acolhimento de uma atenuante, não se
estende aos demais réus.

Convém destacar que não basta que os réus estejam sendo processados no mesmo
processo, é necessário que haja o concurso de agentes, ou seja, que todos sejam
imputados pelo mesmo crime.

A extensão subjetiva dos efeitos do recurso certamente não se dará quando o Ministério
Público recorrer da decisão apenas no tocante a um corréu, não se estendendo o
acolhimento deste recurso aos demais acusados.

Compete ao próprio Tribunal que julga o recurso do corréu recorrente estender o efeito
benéfico da decisão ao outro corréu que não recorreu. Caso isso não seja feito a parte
poderá opor embargos declaratórios a fim de que seja feita essa extensão.

Apesar de tal regra estar disciplinada no Capítulo Recursos no CPP é também aplicável a
outras vias impugnativas como o habeas corpus, mandado de segurança e revisão criminal.

4. Concretização

4.1 Voluntariedade
O artigo 574, caput, do CPP afirma que os recursos serão voluntários, exceto nos casos
de reexame necessário. Em sendo assim, compete única e exclusivamente a parte
sucumbente a decisão acerca da necessidade ou não de interposição de recurso. Seja para
acusação ou defesa a regra é a mesma.

Não obstante predominar o entendimento que o direito ao recurso não é obrigatório, mas
sim uma faculdade da parte frente ao provimento condenatório ou mesmo no caso de sua
defesa ser conduzida por um defensor dativo ou defensor público, essa regra não é
absoluta haja vista os casos de recursos de ofício mencionados no item 1 supra.

Como o provimento jurisdicional condenatório restringe o direito de liberdade do acusado,


NEREU JOSÉ GIACOMOLLI defende que a voluntariedade não seria um limite aceitável,

185
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal

devendo a legislação brasileira dar efetividade ao duplo pronunciamento. Afirma que é a


estratégia defensiva de não utilização do duplo pronunciamento que há de manifestar-se
nos autos, mas não a vontade em recorrer9.

4.1.2 Reapreciação de toda a matéria pro reo


Em matéria recursal a regra é que o Tribunal poderá apreciar toda a matéria favorável ao
réu, independentemente de impugnação, exceto nos casos nos quais a própria lei restringe
tal direito, como ocorre nos recursos de fundamentação vinculada (recurso especial e
recurso extraordinário) ou nos embargos de divergência (se restringem ao objeto da
divergência). Mas mesmo nesses casos as nulidades absolutas podem ser reconhecidas a
qualquer tempo, ainda que a parte recorrente não as alegue e assim pode fazer o tribunal
ex officio, desde que a favor do réu.

Contudo, como dito linhas atrás, caso somente a defesa recorra é vedado ao tribunal piorar
a situação do recorrente, sendo vedada a reformatio in pejus direta e indireta. Por outro
lado, admite-se a reformatio in mellius, na qual o recurso da acusação acaba beneficiando o
acusado, admitida em razão do princípio da ampla defesa consagrado no artigo 5º, inciso
LV, da CF).

A impugnação da decisão condenatória está limitada aos requisitos de admissibilidade do


recurso mas propicia, diferentemente do recurso da acusação, a devolução total da matéria
a apreciação do órgão ad quem.10

4.1.3 Contraditório recursal


O contraditório é uma das garantias fundamentais do cidadão consagrada no artigo 5º,
inciso LV, da CF, devendo estar presente durante todo o trâmite processual, de forma a

9 GIACOMOLLI, Nereu José. O Devido Processo Penal. Abordagem Conforme a Constituição Federal e o Pacto de
São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014. p. 295.
10 GIACOMOLLI, Nereu José. O Devido Processo Penal. Abordagem Conforme a Constituição Federal e o Pacto de
São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014. p. 296.

186
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal

garantir a cientificação de todos os atos e fatos ocorridos no curso do processo, permitindo


a condução “ao direito de audiência e alegações mútuas das partes na forma dialética”11.

Portanto, durante toda a fase recursal o contraditório deve estar presente, inclusive nas razões
e contrarrazões, não obstante a previsão constante nos artigos 589 e 601 do CPP 12. A falta de
ciência da defesa sobre o parecer do MP nos Tribunais ofende o contraditório recursal.

O direito ao contraditório guarda estreita e nítida relação com a garantia da ampla defesa,
sendo muitas vezes difícil de estabelecer uma linha tênue de separação entre ambos.

5. Cases

No atual cenário jurídico contemporâneo o ordenamento jurídico brasileiro também


compreende o conjunto de normas internacionais internalizadas e efetivadas no nosso
sistema. Por isso trazemos à baila alguns casos julgados por Cortes Internacionais
relacionadas a matéria ventilada nesse trabalho.

5.1 Tribunal Europeu de Direitos Humanos


O Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) foi criado pela Convenção Europeia
dos Direitos do Homem e tem por finalidade apreciar as queixas por violação aos direitos e
liberdades do cidadão, garantidos pela referida Convenção, se aquele que se queixa tiver
esgotado todos os meios existentes em seu país para remediar a sua violação.

No Caso Gómez Vásquez vs. Espanha, de 2000, o TEDH considerou violado o direito de
Cesário Gómez Vázqueza um recurso efetivo. Isso porque Gómez foi condenado por
tentativa de homicídio a 12 anos de prisão, porém não houve qualquer possibilidade de
revisão total da condenação, tendo-lhe sido restringido o direito de rever os aspectos
formais e legais da condenação.

11 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2013. p230.
12 Art. 589. Com a resposta do recorrido ou sem ela, será o recurso concluso ao juiz, que, dentro de dois dias, reformará ou
sustentará o seu despacho, mandando instruir o recurso com os traslados que Ihe parecerem necessários.
Art. 601. Findos os prazos para razões, os autos serão remetidos à instância superior, com as razões ou sem elas, no
prazo de 5 (cinco) dias, salvo no caso do art. 603, segunda parte, em que o prazo será de trinta dias.

187
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal

Desta forma, o TEDH entendeu que houve violação as garantias previstas na referida
Convenção, pois de acordo com seu entendimento o direito ao recurso deve abranger a
possibilidade de reapreciação do substrato fático bem como da sanção criminal imposta ao
acusado.

5.2 Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)


A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) é o órgão jurisdicional responsável
pela garantia e aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos no sistema
interamericano de Direitos Humanos.

O principal tratado do sistema interamericano é a Convenção Americana de Direitos


Humanos (Pacto de São José da Costa Risca) de 1969.

Trataremos do caso Mohamed vs. Argentina (2012) apresentado pela Comissão


interamericana à CIDH em virtude de violações a diversas garantias previstas no Pacto de
São José da Costa Rica.

Neste caso, emblemático Mohamed respondeu a processo por homicídio culposo por
acidente de trânsito (atropelamento), sendo absolvido em primeira instância e, após recurso
do MP, condenado a 3 anos de prisão e oito anos de inabilitação para dirigir qualquer
veículo automotor.

Segundo a legislação argentina, dessa decisão caberia apenas recurso extraordinário, o


qual somente permitiria a revisão de questões constitucionais e de arbitrariedade manifesta,
não contemplando mais qualquer a revisão de fatos e provas.

Note-se que como Mohamed foi absolvido na primeira Instância e condenado na segunda e,
portanto, não houve oportunidade de uma reapreciação dos fatos e provas, os quais só
foram avaliados em grau de recurso, em vista da absolvição em primeiro grau. Sustentavam
os defensores de Mohamed que não foi respeitado o artigo 8.2, h, do Pacto de São José da
Costa Rica.

188
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal

Ao julgar o caso a Corte destacou que “a garantia a um recurso efetivo constitui um dos
pilares básicos, não só da Convenção Americana, como do próprio Estado de Direito, em
uma sociedade democrática, no sentido da Convenção”13.Também afirmou que o escopo
do referido artigo 8º não será alcançado se os condenados em razão de reforma de
sentença absolutória não tiverem a oportunidade de combate-la de forma ampla. Asseverou
também que o direito de recorrer de uma decisão condenatória é “uma garantia do indivíduo
frente ao Estado e não somente um guia que orienta o desenho dos sistemas de
impugnação nos ordenamentos jurídicos dos Estados Partes da Convenção”14.

Em resumo, a CIDH considerou que o sistema recursal argentino não garantiu ao cidadão
um mecanismo eficaz de revisão, não cumprindo o escopo da norma convencional, qual
seja, a garantia de um meio idôneo de correção de decisões equivocadas, a partir de uma
nova apreciação da situação fático-probatória consubstanciada no processo penal. Por essa
razão, julgou violados: a) o artigo 2º do Pacto de São José da Costa Rica, o qual determina
ao Estado Parte a adaptação de sua legislação interna para garantir os direitos inerentes ao
Pacto e b) o artigo 8.2, h do Pacto.

5.3 O “Mensalão”
O caso do julgamento da Ação Penal 470 (Mensalão) foi levado pela defesa de um dos
condenados (José Dirceu de Oliveira e Silva)à Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH), sob argumento de que o Estado Brasileiro desrespeitou o Pacto de São José da Costa
Rica, ao negar o direito fundamental ao duplo grau de jurisdição previsto no artigo 8.2, h.

A defesa de Dirceu assevera que a denúncia foi oferecida diretamente no Supremo Tribunal
Federal (STF), última instância e naquele momento não ocupava nenhuma espécie de
cargo ou função pública que justificasse o processamento do caso pelo STF.

Por essa razão pretende o reconhecimento da violação de seu direito pelo Estado Brasileiro e a
recomendação de realização de novo julgamento, observando o duplo grau de jurisdição e

13 GIACOMOLLI, Nereu José. O Devido Processo Penal. Abordagem Conforme a Constituição Federal e o Pacto de
São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014. p. 305.
14 GIACOMOLLI, Nereu José. O Devido Processo Penal. Abordagem Conforme a Constituição Federal e o Pacto de
São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014. p.305.

189
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal

a consequente adequação do ordenamento jurídico de modo a assegurar a todos os


cidadãos o exercício da mencionada garantia.

Se a Comissão entender que de fato o Estado Brasileiro quebrou as regras de direito


internacional poderá ingressar com uma ação na CIDH para que o caso seja submetido a
julgamento.

Este caso ainda está pendente de análise e certamente será um precedente importante,
que certamente refletirá no sistema recursal previsto no processo penal brasileiro.

Pontuando
• Introdução, Conceito e Características

• Natureza Jurídica

• Princípio do Duplo Grau de Jurisdição

• Regras Específicas do Sistema Recursal

• Unirrecorribilidade

• Fungibilidade

• Motivação dos recursos

• Proibição da Reformatioin Pejus

• (In)Disponibilidade dos Recursos

• Extensão Subjetiva dos Efeitos dos recursos

• Concretização

190
Teoria Geral dos Recursos no Processo Penal

• Voluntariedade

• Reapreciação de toda a matéria pro reo

• Contraditório recursal

• Cases

• Tribunal Europeu de Direitos Humanos

• Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)

• O “Mensalão”

Glossário
Efeitos: “aquilo que é produzido por uma causa; resultado, consequência”. Fonte:
Minidicionário Houaiss, 2008, p. 269.

191
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

O sistema recursal consiste na possibilidade: Pode-se afirmar que o direito de recorrer


de-corre:
a) De revisão de decisões judiciais transitadas
em julgado a) Do direito de ação
b) De revisão de decisões judiciais não transi- b) Do direito de defesa e apelação
tadas em julgado
c) Do devido processo estatal
c) De revisão de decisões judiciais passadas
d) Do sistema em tese
em julgado
e) Do direito processual civil exclusivamente
d) De revisão de decisões judiciais lato sensu

e) De exercer a plenitude de defesa Questão 4 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

Questão 2 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA


Afirma-se que o habeas corpus é uma:

É característica ligada aos recursos: a) Ação autônoma procedimental

b) Ação autônoma processual


a) Que a decisão tenha transitado em julgado
c) Ação autônoma recursal
b) A apreciação da decisão será feita, em re-
gra, por um órgão colegiado d) Ação autônoma de impugnação
c) É necessário no mínimo três partes proces- e) Ação autônoma constitucional recursal
suais

d) Não necessita capacidade postulatória Questão 5 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

e) Irrecorribilidade A Revisão Criminal é:

a) Recurso

b) Meio de defesa

c) Recurso lato sensu


d) Ação autônoma de impugnação

e) Ação Rescisória

192
Referências
CORDERO, Franco. Procedimiento Penal. Santa Fé de Bogotá: Temis, 2000.

GIACOMOLLI, Nereu José. O Devido Processo Penal. Abordagem Conforme a Constituição


Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014.

GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio


Scarance. Recursos no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2013.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2002.

Gabarito
Questão 1

Resposta: Alternativa B.

Resolução: O sistema recursal consiste na possibilidade de revisão de decisões judiciais


não transitadas em julgado.

Questão 2

Resposta: Alternativa B.

Resolução: A apreciação da decisão será feita, em regra, por um órgão colegiado.

193
Gabarito

Questão 3

Resposta: Alternativa A.

Resolução: O direito de recorrer não instaura uma nova ordem jurídica processual. Em sendo
assim, para a maioria da doutrina o poder de recorrer decorre do próprio direito de ação.

Questão 4

Resposta: Alternativa D.

Resolução: São ações autônomas de impugnação o Habeas Corpus, o Mandado de


Segurança e a Revisão Criminal.

Questão 5

Resposta: Alternativa D.

Resolução: São ações autônomas de impugnação o Habeas Corpus, o Mandado de


Segurança e a Revisão Criminal.

194
195
TEMA 09
A Execução do Outro – A Presença
de Vida que Ainda Pulsa na
Aplicação da Pena

196
LEGENDA seções
DE ÍCONES

Início

Vamos
pensar

Glossário

Pontuando

Verificação
de leitura

Referências

Gabarito

197
Tema 09
A Execução do Outro – A Presença de Vida
que Ainda Pulsa na Aplicação da Pena
Juliano Gomes de Carvalho

Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul -
PUCRS. Coordenador do Observatório da Violência e Direitos Humanos da ULBRA de
Guaíba. Professor da Universidade Luterana do Brasil – Guaíba.

Afinal, o senhor morreu, ou não? – Sim, respondeu o caçador. O senhor pode


bem ver que sim. Faz tempo, muitos, muitíssimos anos, que eu caí de um
precipício na Floresta Negra1.
V.M.: é o bem debaixo. No chão, né, no caso. Bem embaixo. Então eu durmo no
sarcófago mas bem no começo que eu cheguei eu dormia no meio, na pedra né?
Na cela. Mas agora eu comprei um sarcófago pra mim e eu durmo no sarcófago2.

Visto que mesmo em sua caminhada temporal o homem contradiz o mundo com sua insistência
em metabolizar oxigênio e permanecer vivo, mesmo que nas sombras, carece de uma
identidade liberta. Os sansidentité3, estas quase sombras que por mais que busquem um lugar,
um tempo, insistem em um não lugar, talvez aí seja seu sítio definido pela racionalidade da
razão que não alimenta4, a razão ardilosa com suas habilidades de manter o novo distante e
inacessível é a condição de sua existência, que sobrevive por sua competência em encarar as
questões plurais resumindo a multiplicidade à unidade5. Assim, facilitamos o uso de técnicas
jurídicas na aplicação de modelos frios, métodos de execução mecânicos e como uma
máquina, desumano, pois visa-se apenas um objeto de punição, não mais um homem. Porém,
estas vozes insistem em existir frustrando as tentativas de expurgar a humanidade do mundo
jurídico. Perturbações que nos desafiam a lidar com excessos

1 KAFKA, Franz. Contos, fábulas e aforismos. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1993, p. 24-25.
2 Cf. CARVALHO, Juliano Gomes de. A benvinda angústia do desvelar: ensinamentos das sombras do cárcere. In:
Anais do IV Congresso Internacional de Ciências Criminais, PUCRS, Porto Alegre, 2013.
3 LEVINAS, Emmanuel. Humanismo do outro homem .4a. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012, p. 89-109.
4 SOUZA, Ricardo Timm de. Levinas e a ancestralidade do Mal: Por uma crítica da violência biopolítica. Porto alegre:
EDIPUCRS, 2012, p. 28.
5 SOUZA, Ricardo Timm de. Em Torno à Diferença, Aventuras da Alteridade na Complexidade da Cultura Contem-
porânea. p. 25.

198
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena

procedimentais em penas cada vez mais duras e ao mesmo tempo brandas demais para a
vingança dos homens puros e bem intencionados, estes sim, perigosos. Executamos o
homem ou um objeto onde depositamos nossos medos? É nesta trilha que propomos uma
aproximação dos alvos finais de nossas execuções, sejam sociais ou procedimentais em
um mundo jurídico que nega o Outro.
Saiba Mais
Assim, muito mais do que o seu corpo habita a
anonimidade6, o som que ultrapassa as fronteiras Para mais detalhes ver: ESPOSITO, Ro-
berto. Bios: biopolítica e filosofia. Trad. M.
do seu corpo é alvo da violência biopolítica que o Freitas da Costa. Lisboa: Edições 70, 2010.
posiciona apenas ruidosamente no abismo que
separa o infinito do Outro. Sem uma percepção
desta gesticulação, seguimos com a liberdade que não liberta, mas longe de uma
“esperança de libertação”7, e que apenas nos conduz ao inevitável e definitivo do dito. “A
passagem do preconceito à violência que é sua expressão final corresponde à passagem
do sonho de imutabilidade ao delírio”8que manifesta-se pelo desafio do Outro que resiste,
que testemunha o insuportável, se dá pela morte do sonho de homogeneidade frustrada
pela permanência insistente do diferente.

A comunicação que é aceita como oriunda do cárcere se submete ao que se pode narrar sem
muitas explicações, longe da “arte narrativa”9, as histórias evitam interpretações, carregam
todas as explicações possíveis para que se solidifique apenas o que se pode controlar. Desta
maneira, vale ressaltar a importância de um novo olhar/escuta dos testemunhos como
expressões provenientes do ambiente carcerário, não para aplicar um novo método e re-velar
outro velar, mas antes de uma tentativa de entender a linguagem, saber de antemão que as
definições são indefinidas em seu nascedouro, “o sentido gira em torno do dito e do calado” 10,

6 SOUZA, Ricardo Timm de. Levinas e a ancestralidade do Mal: Por uma crítica da violência biopolítica. Porto alegre:
EDIPUCRS, 2012. p. 13.
7 SOUZA, Ricardo Timm de. Levinas e a ancestralidade do Mal: Por uma crítica da violência biopolítica. Porto alegre:
EDIPUCRS, 2012. p. 26.
8 SOUZA, Ricardo Timm deEm Torno à Diferença, Aventuras da Alteridade na Complexidade da Cultura
Contemporânea. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2008. p. 44.
9 BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: Ensaiossobre literature e história da cultura. Obrasescolhidas vol-
ume I. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet, 3a.edição, EditoraBrasiliense, 1987. p. 219.
a
10 WARAT, Luis Alberto. O direito e sualinguagem. 2 . ediçãoaumentada, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto alegre,
1995. p. 65.

199
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena

em seu não visível, e desde que tentam encerrar, é neste sentido, mais uma prisão, agora
científica do inconceituável Outro.

Em testemunhos contraditórios frente ao dedicado à massa carcerária verificamos que


momentos de manifestação são geralmente usados para reforçar a ideia de que são
rebeldes e indisciplinados em suas reivindicações por condições básicas. Em uma
dimensão mais acolhedora, sabedores de que, sentindo apenas fragmentos de sua
condição oprimida na pequena sala sem janelas, sujeitos a um verão intenso e ao suor que
dificultava a conversa, encontramos em variadas formas de condutas frente acerteza de
expio a qualquer resistência, o ato testemunhal de rebeldia que ali se mostra calado, enfim
procura território para contaminar o discurso justificador,da manutenção da ordem através
de constantes ilegalidades11. Permitir o cárcere dizer é o desafio que testemunhos propõem
quando acolhidos nos estudos criminológicos.

Juliano: E, como é a cada vez que chega um, se já tá lotado?

V.M.: Ah, a gente dorme meio amontoado, né, é meio úmido também por causa...

Juliano: Olha, nós dois nessa sala e olha o calorão que a gente tá, né?!

V.M.: Bá! Deus o livre!

Juliano: Eu fico imaginando agora um lugar que é um pouco maior do que isso aqui.

V.M.: A gente fica, a gente fica oprimido mesmo. Não é fácil. Ontem mesmo nem água tinha.

Juliano: Ontem não tinha água?

V.M.: Não tinha água...

Juliano: O dia todo?

V.M.: O dia todo praticamente. Praticamente o dia e a noite. Aí aconteceu que a gurizada
chutavam as porta, né, assim...

11 CARVALHO, Salo de.Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p.191.

200
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena

Juliano: Chutaram as portas.

V.M.: Chutaram as porta, né, aí foi onde eles arrumaram a água, porque a gente tava sem
água, né, tava sem toma.

Juliano: E tu acha que se não tivessem chutado as portas não tinha vindo água?

V.M.: Eu acho que não, porque o tempo todo que não tinham feito isso a água não tinha...
Depois que aconteceu isso não faltou mais água.

Juliano: E estava quente ontem, né?!

V.M.: Tava...12

O corpo conflitante que nega a descrição solitária, mas que abraça sua narrativa acolhedora
é, em seu testemunho13, a sobra da lógica do dito, onde talvez a palavra sobra acabe
sendo mais uma limitação de definição, pois o que escapa ao dito tende a ser
imensuravelmente maior que o quebra-cabeças a ser decifrado de um discurso14. Escutar
algo de quem precisa enfrentar métodos de supressão de sua identidade cotidianamente,
requer uma aproximação, um mergulho nas sombras, pois é na possibilidade de perceber a
dor inútil do outro em uma relação de alteridade que temos alguma capacidade de encontro.
Ainda sem buscar saber a dor do outro, saber que não sei, saber que o Outro é mais do que
as limitações de meu eu. A penumbra do desencanto abre-se como em um convite ao
testemunho em suas expressões, “receptáculo a acolher o novo – a desarticulação da
linearidade criou a zona de sombras necessária para que a luz não ofusque o poder das
palavras”15. As sombras acabam possibilitando vislumbrar o que era encoberto pela luz
focada em um ponto fixo, a ser mostrado intensamente, cegante, a amplitude de um
olhar/escuta que aceita o nebuloso, surpreendentemente se abre ao inevitável trauma do
encontro, um novo som, mesmo que no som ausente, nunca mudo.

12 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 167.
13 CASTOR, M. M. Bartolomé Ruiz. A sacralidade da vidanaexceçãosoberana, a testemunha e sualinguagem.(Re)
leitu-rasbiopolíticas da obra de Giorgio Agamben.In: CadernosIHU n. 39, ano 10, 2012. p. 32-50.
14 SOUZA, Ricardo Timm de. Razões Plurais Itinerário da racionalidade ética no século XX: Adorno, Bergson, Derrida,
Levinas, Rosenzweig. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p. 74.
15 SOUZA, Ricardo Timm de.“Escrevercomoatoético”, in: Letras de Hoje, PUCRS, 2013. (OUTRO) TEXTO– Ricardo
Timm de Souza. p. 224.

201
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena

Ao buscar dados em um grupo de detentos questionamos a função estigmatizante de uma


sociedade de controle e seus medos. Para isto, o primeiro passo foi diminuir, ao menos
fisicamente, a distância entre os interlocutores. Sabedores de que a adição destas vozes ao
debate sobre execução penal nos traz grande contribuição, temos, em propostas de
pesquisas de campo, mais uma oportunidade de rompermos com o afastamento de
algumas estruturas de violência, que não se encontram nas boas intenções bem
planejadas, mas no centro das relações humanas pré-fabricadas antes mesmo de sua
construção científica16. O respeito aos direitos humanos precisa ser mais do que
possibilidade, mas objetivo do ator jurídico em todas suas decisões, sendo responsabilizado
pela ilegalidade de exposição consciente do cidadão aos tratos desumanos das instituições.
A omissão de agentes públicos em tutelar direitos fundamentais quando insere pessoas em
ambiente degradante deve ser entendido como ilegal, pois não deve fazer acordos para dar
sobrevida aos depósitos humanos, relativizando o que de mais precioso devemos
resguardar17, permitindo aos que estão sob os abusos do Estado e seu desprezo do
homem como valor18, ter como legítimo o direito de um dizer transformador.

Durante nossas incursões no mundo prisional, compartilhamos situações de abandono que


sensibilizaram todos os envolvidos neste estudo, porém, inseridos nesse problema estão os
mecanismos que nos conduzem ao comportamento excludente que possibilita esta legião de
cidadãos em uma condição metafórica de apátridas que, apesar de possuírem muito pouco de
uma proteção do Estado fora do mundo prisional, quando inseridos nele, potencializam os
fatores excludentes, a insistência de sua expressão e seus reflexos que servem de propulsor
para o banimento a uma situação de estrangeiro e, consequentemente, uma negação de direito
de resistência frente aos atos abusivos, pela resistência da voz que insiste.

Juliano: A gente têm mais alguns minutos pra conversar, então fica a vontade se tu quiser
dizer alguma coisa. O que acha que poderia melhorar aqui no presídio? O que tu acha que
poderia ficar melhor?

16 SOUZA, Ricardo Timm de. Razões Plurais Itinerário da racionalidade ética no século XX: Adorno, Bergson, Derrida,
Levinas, Rosenzweig. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p. 133.
17 CARVALHO, Salo de.Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 209. 18

CARVALHO, Salo de.Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 157.

202
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena

M.V.: A assistência poderia ser melhor. Juliano: Que tipo de assistência?

M.V.: Assistência médica. A gente fica muito abandonado aqui. Eles poderiam fazer alguma
coisa por nós, dar assistência, arrumar um advogado. Ninguém corre pelo cara que tá aqui
dentro, se não é a família do cara correndo na rua, o cara é esquecido aqui dentro, só
lembram de dar paulada de vez em quando.

Juliano: De vez em quando acontece?

M.V.: Sim.

Juliano: Todo mundo sabe que a polícia faz isso, mas por que você acha que eles fazem isso?

M.V.: Não sei. Não é porque nós estamo preso que não temo nossos direito. Eles querem
tira nosso direito.

Juliano: Aí eles vão lá e fazem isso?

M.V.: Isso. Pegam um ou dois e quebram para os outro ficarem quieto. Se fosse assim.

Juliano: Pegam pra exemplo?

M.V.: Isso. Pegam um ou dois pra exemplo pra o resto se acalmar.19

As reclamações pretendidas pela população prisional acabam por ter nas rebeliões o último
passo para uma tentativa de pressionar o judiciário, instituições ou a sociedade na obtenção,
geralmente frustrada, de alguma garantia de direitos negados. Seja por injustiças, maus tratos,
superlotação, entre outras, todas claramente em uma situação de resistir ao tratamento
desumano através de sua expressão, arriscam tudo para que sua voz tenha mais amplitude,
tentam bradar que ali existem pessoas e querem uma condição de vida 20 ao menos. Apesar de
possuírem causas legítimas, as rebeliões são tratadas como insubordinações e passíveis de
punições criminais e administrativas, inviabilizando a resistência frente às ilegalidades.
Reconhecer o direito de resistência onde o Estado supostamente não entra, mas está

19 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 137.
20 CARVALHO, Salo de.Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 222.

203
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena

presente com todo seu poder apenas para reforçar o sucesso da exclusão, é um assunto de
tamanha relevância que acaba se mostrando surpreendentemente raro em pesquisas, visto que
durante todo o estudo junto aos apenados, nenhum motivo de revolta apresentado pelos
internos mostrou-se irreal ou injustificado. Assim, no caminho de fazer o cárcere ser escutado,
seguimos os objetivos em entrada em um ambiente prisional para tornar sensível a todos, quem
não cansa de dizer o(in)suportável no sistema prisional atual21. Os relatos dos internos
fornecem informações obtidas também em outras instituições e independente do quanto maior
é a escala populacional, a falta de proteção aos seus residentes é imposta como algo inerente
aos mecanismos punitivos que direcionados a objetos e não a homens se configura.

A insistência do imprevisível, do novo como portador do desconforto incansável do que me


nega, invade pela linguagem de um território indomável, estrangeiro por repelir as
conceituações mortais. Esta voz estrangeira, justamente por não possuir um local dominado
completamente, usa seu próprio chão inventado, em um ato de desobediência ao modelo
disponível dado. Por ser o lugar da revolta, tem a liberdade do desordeiro que eleva o
sentido de sua linguagem em um solo errante. A voz que não se cala é o que não cede ao
descrito, mas tem na narrativa, suas pausas, seus intervalos. O voz que desafia não
submete-se ao modelo lógico onde as regras das coisas fazem o sentido, pois a ideia, esta
vai sem sentido, rebelde e humana.

A abertura em direção ao som perturbador do testemunho dentro de uma casa prisional é


portadora de inegável potência de entregar as primárias dificuldades inerentes ao
funcionamento carcerário para além dos seus estabelecimentos físicos, mas atinente ao
seu próprio sentido, pois, ao quebrar a rotina alicerçada em procedimentos regrados pelo
controle e pela contenção dos sujeitos, acaba por denunciar a inabilidade de se lidar com os
detentos como realmente sujeitos de direitos e portadores de alguma fala. Desta maneira,
vale trazer o excerto a seguir, onde o detento vindo do Presídio Central de Porto Alegre,
demonstra a incapacidade cotidiana da prisão em lidar com o mínimo de respeito às
manifestações humanas em um ambiente de cárcere, uma fala que não tem espaço, mas
que encontra-se viva e pronta para mostrar mais do que os frios muros pretendem exibir,
este em lágrimas, algo inaceitável em outro momento.

21 FOUCAULT Michel. Ditos e Escritos IV: Estratégias, Poder-Saber. Organização e seleção de textos de Manoel
Barros da Motta. Tradução de Vera Lucia Avellar Ribeiro. 2ª ed.. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p. 35.

204
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena

Juliano: E, o que é mais complicado lá (Presídio Central de Porto Alegre), assim... É violência,
ou...

R.C.N.: É aquilo né?! São coisas que acontecem dentro da cadeia que tu viu e, tu te faz que
não viu, né?! Passa despercebido. É muita coisa errada né cara! O cara tem que procurar
anda na linha pra não acontece o mesmo....

Juliano: Então tu acha que por saber que tu não ia ficar a vida inteira ali conseguiu deixar a
mente mais tranquila?

R.C.N.: Sim. Consegui, né, cara. Eu sempre tive em mente assim, bom uma hora eu saio
daqui, né?! Eu não matei ninguém, eu não feri ninguém. Não, cometi nenhum bárbara
(nenhum crime bárbaro) pra passa a vida inteira aqui....

R.C.N.: Bah! Cara, olha, eu vô te fala pra ti, cara, eu acho que aquele dia foi o pior dia da
minha vida. É porque, porque no caso eu tenho dois filhos, né?! E o segundo não
caminhava ainda, né?! Daí, depois que veio essa condena aí. Bah, mas cada vez que ele
vinha me visita lá eu chorava, né cara...

R.C.N.: Não tenho vergonha de fala, é meu filho, é meu sangue.22

Um estudo sobre o homem frente a todos os efeitos punitivos que lhe são impostos, mesmo
antes de sua prisão, é esperado em gráficos e índices pelos agentes, funcionários e,
geralmente, por todos em contato com uma instituição prisional. O que é dito sobre a clientela
prisional é conhecido, previsível e massificado. Sua voz não deve possuir força de modificação
de algo que todos já sabem, mas tem um alvo bem claro quando possibilitado o diálogo, como
antecipadamente observou Gilles Deleuze “pero, a pesar de ladiversidad, aparecen una serie
de reivindicaciones precisas que yano se dirigen a laadministración penitenciaria sino
directamente al poder, y convocan al pueblo” 23. Este controle que distancia o que é dito e o que
estes querem dizer é funcional e parte de diferentes setores da sociedade, mas

22 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 109.
23 DELEUZE, Gilles. La Isla Desierta y OtrosTextos: textos y entrevistas (1953-1974). Ediciónpreparadapor David Lapou-
jade.Versióncastellana de José Luis Pardo. Valencia: Pre-Textos, 2005. Lo que los presosesperan de nosotros..., p. 263.

205
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena

esta violência que nega o outro na posição de outro24 tem a característica de partir de um
ponto individual que detém o poder de decisão, esta decisão não admite a posição do outro,
para desta maneira, em sua situação de impessoa25 esteja muda e incapaz de resistir ou de
existir. Como no trecho a seguir, onde mesmo, quando um interno tenta comportar-se de
maneira que demonstre submissão ao cárcere, apresentando-se voluntariamente a fim de
reverter uma situação, recebe uma resposta punitiva padrão e massificada, pois, o
retrospecto pacífico no interior da instituição não conta a seu favor, reforçando a violência e
mostrando a falta de consideração frente a qualquer valor apreciável em relação ao que um
detento pode expressar, pois todo preso é visto como um ser violento e mentiroso:

M.V.: Deu laudo favorável, até abriu meu regime, prô aberto. E como deu esse problema,
que eu, temi pela minha vida, né, da minha integridade física, desviei da minha rota, que eu
fui pra casa da minha mulher, me consideraram como foragido. Mas eu me apresentei, me
entreguei. Eu não fugi.

Juliano: Mas assim, tu saiu e o cara te seguiu?


M.V.: Eu estava aqui dentro, daí eu desci a lomba e quando eu virei à esquina apareceu
essa moto freando e eu já senti e entrei no pátio e fui à Presidente Vargas, ali eu já desci e
fui pra minha casa.

Juliano: E tu pra a casa da tua mulher?

M.V.: Fui. Ai ela queria chamar a brigada, e eu falei que não, senão iam me levar para a
delegacia e explicar tudo, falá quem é o cara, aí eu não ia “caguetá” o cara, esta é como a
gente fala na cadeia. Ai eu matei no peito e disse que me apresentava no outro dia.


Juliano: E tu acha que se falasse quem era o cara as coisas iam piorar?


M.V.: Sim, eles iam chamar o cara, trazer para o fechado e eu ia ficar de cagueta. Mas
deixa assim, então, ai eu matei no peito, é otros 500, eu e ele, né, na rua outro dia encontro
o cara e ia bater de frente... Mas no outro dia me entreguei.

24 SOUZA, Ricardo Timm de.Em Torno à Diferença, Aventuras da Alteridade na Complexidade da Cultura
Contemporâ-nea. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2008. p. 32.
25 ORWELL, George. 1984. Tradução de Wilson Velloso. 29a. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005. p. 76.

206
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena

Juliano: E no mesmo dia voltou pra cá?

M.V.: não. Eu sai daqui era 19h45min. A palestra do N.A. era das 20h30min às 21h30min.
Aí eu cheguei outro dia aqui.

Juliano: No outro dia de manhã?

M.V.: Sim. No outro dia antes da conferência. Daí eles fizeram conferência. Eu fui no fórum,
sexta-feira, 10 de junho, e ela, a Juíza estava numa palestra não sei aonde. Aí peguei um
taxi e me apresentei aqui e aí fecharam o meu regime, me deram castigo.26

Continuamos a verificar as limitações da linguagem, que é selecionada para a manutenção do


que conhecemos, e negar o que dedica uma visão múltipla do outro, diante da injustiça de
julgar alguém que não conhece seus direitos por estarem em outra língua, em uma lei que não
foi feita para se inserida efetivamente em sua vida, desde sua inscrição mais característica que
é a linguagem. Sua primeira exclusão se realiza pela não inclusão no mais básico dos
ordenamentos que caracteriza um cidadão, o respeito não do cidadão pelas suas leis, mas do
respeito das leis ao cidadão que a ela está sujeito, ou seja, uma vida banidada ordem. As
questões referentes ao que o interno é exposto no cárcere é parte de uma luta diária entre a
insistência vital de ser e o domínio mortal da prisão em todos os sentidos em sua vida. Assim,
violar direitos humanos no interior de uma instituição prisional refere-se não apenas aos fatores
físicos e higiênicos, resistir aos reflexos do cárcere e continuar mentalmente capacitado de
projetar algo privado em uma voz sonhadora ainda particular fora do controle mais profundo é
comemorado pelo interno. Estar bem, apesar das grades, é uma vitória.

Mesmo fora dos muros feitos de tijolos de uma prisão, fabricamos barreiras para que
“apagando a força transformadora de nosso imaginário, negando-nos a sonhar
criativamente o futuro e amarrando com versões estereotipadas o devir cometa de nossa
própria sensibilidade”27 para produzir uma impagável dívida de sonhos perdidos enquanto
deveríamos proteger a vida. Essa que a cada novo muro perde sua capacidade de sentir as
inquietações em cumplicidade de testemunho vivo.

26 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 114.
27 WARAT, Luis Alberto. Introduçãogeralaodireito III: o direitonãoestudadopelateoriajurídicamoderna. Porto Alegre,
Ser-gio Antonio Fabris Editor, 1997. p. 45.

207
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena

A recusa em aceitar que a composição humana seja mais do que seu conceito impede que seja
valorado seu valor de expressão, nem ao menos, justificar as decisões e comandos impostos
pela instituição em sua execução ocupa lugar em uma rotina que repele a pluralidade, desta
maneira, acaba por colocar homens e mulheres em uma condição infantilizada de frágeis e
vulneráveis, afetando a própria imagem de cidadão como podemos ver na seguinte fala:

Juliano: (risos) Tá certo... E, assim, o que acha que falta para vocês aqui? O que vocês
esperam de uma prisão, e o que a prisão não oferece?


H.M.: Eu acho que eles deveriam dar mais oportunidade, eles são muito “precário” aqui!
Eles são muito de... Puxa o saco de umas, irem contra as outras... Então isso é tri errado da
parte deles! Eles não deixam tu te explica, eles não deixam tu fala nada, sabe? O dia que
eles me tiraram da cozinha, não deixaram eu fala nada, só mandaram me desliga e pronto.
Não deixaram eu me explica, não deixaram eu fala nada! Pronto! Então se não vê, não tem
uma prova? Tem várias pessoas aqui que não gostam de mim, de mulher, porque tem uns
recalque! Tem uns recalque aqui, sabe? Não é... Aí tem uma e chega pra guarda e fala uma
coisinha. Aí chega outra e fala outra coisinha, entendeu? Tem essas “ladaia”. Aí eles não vê
as coisas e fazem sem ter certeza de nada!

Juliano: Aham. E se mesmo assim se tu tentar fala alguma coisa?


H.M.: É difícil! Não adianta porque eles não dão bola! Eles acham que a gente tá sempre
mentindo! Eles nunca acreditam em nada!

Juliano: Aham...

H.M.: Pode sentá, explicá, mas não. É mentira!28

O relato anterior, de uma interna que ocupa uma das duas celas destinadas à mulheres, nos
conta como são conduzidas as comunicações com as autoridades na prisão, as indefinições
sobre regras sevem para mostrar a segurança que um sistema policial autoritário utiliza ao
cometer ilegalidades. Como bem nos alerta Derrida, “nunca se sabe com quem

28 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 125.

208
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena

estamos tratando, e esta é a definição da polícia singularmente do Estado, cujos limites


são, no fundo indetermináveis”29. Permitir uma ausência de limites entre a violência justa e
injusta é característica estrutural da prisão em função da sua contradição constitutiva. Ainda
percebemos que um poder policial sem limites tem a característica inflacionária de sua
violência em diversos locais, tendendo controlar a maior parcela possível de nossas vidas.
Porém, essas ilegalidades apresentadas por um poder autoritário tem sua origem no fato de
que “a polícia é o Estado”30, e sendo revestida de uma posição, em que não se pode atacar
sem inserir-se uma batalha declarada à manutenção da ordem e da coisa pública.
Reconhecer o direito de resistência aos cidadãos submetidos ao tratamento abusivo do
Estado31 é de fundamental importância rumo à busca de alguma proteção aos direitos
humanos, pois se os instrumentos legais se mostram impotentes, em sua falta, é legítimo
resistir aos atos tirânicos, dando condições para que a expressão vinda de seu interior ter
direito de perturbar e recusar o controle do seu discurso que apenas mostra sua intensidade
quando escutamos sua não presença, na sua falta, “pois de todo modo a linguagem nunca
é somente comunicação do comunicável, mas é, ao mesmo tempo, símbolo do não-
comunicável”32. Portanto, é fora do visível da resistência que o perigo do outro se mostra
incansável, em prontidão para exceder a definição imposta.

A ausência como momento necessário para sentir é o importante esquecimento da lembrança,


a palavra que carrega o dizer precisa do esquecimento, para que a primeira palavra dita seja
uma renovação constante, riscada pelo tempo, enfim com poder de narrar a experiência de
lembrar. A cada momento em que o silêncio apresenta-se como linguagem pulsante coloca
tudo em questão. Abrir mão da trilha segura e abraçar também as incertezas dos meios da
experiência é a liberdade de encontrar a novidade, como a arte, “é experiência, porque é uma
pesquisa, não indeterminada mas determinada por sua indeterminação” 33. Escrever

29 DERRIDA, Jacques. Força de lei: o fundamento místico da autoridade. Tradução de Leyla Perone-Moisés. 2a. ed.
São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 98.
30 DERRIDA, Jacques. Força de lei:o fundamento místico da autoridade. Tradução de Leyla Perone-Moisés. 2a. ed.
São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 99.
31 CARVALHO, Salo de.Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 236.
32 BENJAMIN, Walter. Escritossobremito e linguagem (1915-1921). Org Janne Marie Gagnebin, trad. Susana
KampffLages e Ernani Chaves.Editora 34, p. 72.
33 BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Rio de Janeiro: Roocco, 2011. p. 91.

209
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena

como um ato de entrega que beira a irresponsabilidade, onde o sentido flutua fora da um
possível conceito e adia sua decisão, com a responsabilidade de abrir-se ao sentido
apenas, mas não de decidi-lo. O sombrio e suas sombras nos permitem um sentir que
escapa ao olhar, pupila que agora ajusta-se ao ambiente, que mostra pela ausência, sem
um foco de luz direcionado que o ofusque, o olhar é livre. A escrita inteira “é o desfazer-se
de suas silhuetas bem delineadas”34. As entranhas, os desejos e os inomináveis do homem
não estão expostos sob a luz que nos faz cerrar os olhos, mas sim em suas profundezas,
em seu abismo silencioso, a superficialidade de um discurso coerente não admite a
pluralidade das ideias e sua desordem. Onde as questões habitam, não existe trégua, “ela
própria faz parte do tempo, ela o fustiga à maneira insistente do próprio tempo” 35. O tempo
que se busca e se experimenta na profunda questão.

Os estudos sobre as penas impostas e de como são cumpridas, justamente em momentos


em que a questão humana se mostra presente, trazem consigo um caráter rebelde, traz
consigo um tom de desobediência. Visto que o mundo jurídico tende a lidar com as
execuções de maneira técnica, limpa e asséptica, a ousadia em lidar com as questões
humanas antecipa um terreno ousado e perigoso ao debate.

Assim, o conceito como tentativa de dominação da verdade acaba por ruir frente ao novo que
resiste em uma escuta do cárcere, esta tentativa de verdade dominada sente medo de uma
dimensão de real não domesticada. A conceituação não suporta-se, pois “a progressão
dialética é sempre também um recurso àquilo que se tornou vítima do conceito progressivo: o
progresso na concreção do conceito é a sua autocorreção”36. Portanto é no trauma de sentir a
novidade que não se anuncia e apenas chega como negação, um tropeço que obriga uma mais
apropriada abertura de pupila em um caminhar à beira do abismo, em perigo.

Suportar a realidade diferente da posta e suportar a temporalidade passa a ser o grande


desafio, pois toda narrativa que nos nega e resiste nosso domínio é conceituada em uma

34 SOUZA, Ricardo Timm de.“Escrever como ato ético”, in: Letras de Hoje, PUCRS, 2013. (OUTRO) TEXTO– Ricardo
Timm de Souza. p. 224.
35 BLANCHOT, Maurice. A conversa infinita: a palavra plural vol. 1; tradução: Aurélio Guerra Neto – São Paulo: Escuta,
2010. p. 41.
36 ADORNO, Theodor. Dialética negativa. Tradução de Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, p. 276.

210
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena

prisão como portadora do medo, um testemunho perigoso. O humanismo definido nas regras
atuais e todos os seus conceitos acabam fracassando em sua função, por um motivo claro de
incapacidade de inserir o múltiplo em uma de-finição limitadora, supor que as complexidades
podem ser compreendidas de maneira simples é mutilar, em um caminho de “obsessiva
redução da multiplicidade à unidade”37. A incapacidade de nomear o outro e concretizar o
conceito para a massa carcerária parte de uma percepção de incapacidade cognitiva. O fato de
nomear o outro e definir como perigo é uma tentativa de domínio absoluto, pois assim, o
detentor de sua definição tem liberdade de utilizá-la como quiser. A escuta do cárcere é acolher
o outro, porém,se conduzida por uma relação de poder completada pela experiência, também
como uma relação de domínio, completar o outro supondo uma capacidade cognitiva de
realmente nomeá-lo pode ser vista como a violência que mutila o testemunho, portanto, a
consciência de nossa incapacidade precisa estar constantemente em consideração. Quando o
testemunho é docilizado pelo dito as dúvidas desaparecem, pois acredito na minha capacidade
total de entende-lo. É no momento em que o outro nega a nomeação, quando diz não ao meu
eu acaba com minha prepotência intelectual. A intenção brutal de dominar o outro passa pela
supressão de sua identidade, assim, a truculência do controle de suas expressões são
buscadas por violências extremas em um ambiente que oferece o véu conveniente para que as
manifestações sejam dificultadas.

Partindo desse pressuposto, relacionamos a incapacidade de aceitar uma definição onde o


diverso seja percebido quando se trata de uma massa carcerária, nesta, a homogeneidade
deve ser primordial para uma rotina controladora, aceitar as facetas humanas é uma
inconveniência evitada a todo custo, uma verdade tão assustadora que merece ser guardada
sob um discurso cristalizado, onde o marginal é possuidor de todo mal. O poder de calar o dizer
desses banidos é de fundamental importância frente a sua surpreendente manifestação de
como os mecanismos de uma instituição total funcionam, tal uma máquina fria, eficiente e
ritmada em perfeito funcionamento para destruir o homem, sua produção em/de massa fabrica
apenas isto, uma massa, indefinida, inaudível para que dela se molde qualquer mal que
desejamos exorcizar. Neste sentido, de destruir o homem, a execução é um sucesso. O relato a
seguir impressiona por sua força a tanto encerrada dentro de cada eu:

37 SOUZA, Ricardo Timm de.Em Torno à Diferença, Aventuras da Alteridade na Complexidade da Cultura
Contemporâ-nea. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2008. p. 25.

211
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena

Juliano: Ahã, e nesse tempo que tu tá aqui, cara, passou por alguma situação complicada,
uma coisa mais difícil, como que foi esse tempo que ficou aqui, tanto da outra vez como
agora? D.S.: Acho que a situação pior é a gente ficar sem a família da gente. Sabê que eles
não vão vim.

Juliano: E porque tu acha que... que tu acredita tanto assim que..., eles não vão vir?

D.S.: Muita coisa errada que a gente faz. (emocionado)

Juliano: Eu te entendo velho, eu te entendo. O troço assim é... E, tu acha que aqui dentro cara,
ali onde tu tá, tem alguma parceria aqui dentro, tem alguém, dá pra ter amigo aqui dentro?

D.S.: Não.

Juliano: Amigo aqui dentro é?

D.S.: No lugar de ter amigo é não confiar em ninguém.

Juliano: Mas isso porque te falaram ou tu já...?

D.S.: Não, tira pra si, tira pra si. Eu fico olhando, tu analisa as pessoas no causo. Vai
quando tu analisa a pessoa. Ninguém é amigo de ninguém. Se tu tem é teu se tu não tem te
ferra. (choro)

Juliano: Tipo assim, esse papo assim, eu sei que tu tá emocionado e, pô, quem tem
coração se emociona, né, cara! Isso é um bom sinal, mostra que o cara tá vivo ainda, né,
tchê?! Tu acha que um papo assim tranquilo, que a gente tá tendo assim aqui, que eu não
vou usar nada disso contra ti, tu poderia ter um papo desses lá dentro da cela?

D.S.: Não. Nunca!

Juliano: Se acontecesse isso (som de choro do interno) lá o que podia acontecer velho?

D.S.: Podiam te “arma uma sacola” e... Podia te acontece um monte de coisa.

Juliano: O que que é “armar sacola”? (usar uma informação pessoal como sua sensibilidade
para agredir psicologicamente e/ou obter vantagem)

212
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena

D.S.: Ah, é, tipo...

Juliano: Tipo briga, coisa assim?

D.S.: Briga ninguém briga, só se falarem mal do teu pessoal, assim, só se falarem mal da
tua família.

Juliano: Ahã, mas tu acha que se tivesse um papo desses podia?

D.S.: Ah, iam começa a se arriar até o ponto que tu tinha que dá um.

Juliano: Ah... Então o cara... tu tem que ser durão o tempo inteiro lá então?

D.S.: Não pode mostrar muito os dente.

Juliano: Quantos tem na tua cela?

D.S.: 20.

Juliano: E daí todo mundo, de repente está triste com alguma coisa, mas todo mundo fica
quieto e não pode desabafar com ninguém?

D.S.: Ninguém pediu pra vim preso, né, aguenta!

Juliano: Mas se a galera fosse parceira um do outro, podia de repente

D.S.: Não tem parceiro, né, cara, não tem parceiro...

Juliano: Tudo fica mais leve, né, cara?

D.S.: O bagulho aqui dentro não existe, teu coração tu tem que deixar lá na rua, aqui dentro
tu não pode te coração nem muita pena de ninguém.38

Ainda assim, as tentativas de encerrar o humano em um conceito, em uma razão, mais que
um fracasso se torna uma violência, pois sua multiplicidade infinita não sustenta qualquer

38 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 87.

213
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena

limitação de unidade sem amputar o que de mais humano há 39. A pesquisa feita diretamente
com homens e mulheres aprisionados, traz à tona as regras impostas por uma sociedade que
nega a potencialidade de conhecermos e aceitar o testemunho modificador, pois esta
capacidade nos torna responsáveis de obtermos êxito em nossas relações frente à alteridade.
Desta maneira, “ser sujeito”40 é ter condições de enfrentar e manter a multiplicidade do outro
em cada outro. Sem um preparo ou intenção de que as diferenças (in)existam entre os
entrevistados, a cada transformação, inevitável no contato direto com os apenados tentando
minimizar a miopia social que existe entre o próprio pesquisador e o pesquisado, as diferenças
e imprevisibilidades, transformam a rotina prisional, causando inconvenientes aos olhos da
administração e de seus agentes, pois a relação com o novo é a relação com o perigo.

Juliano: Não… é interessante isso. Tá e, porque tu acha que chegou esse agente e nos
espiou pela janela?

H.M.: Pra nos espiá! Pra escutá o que a gente tá falando. Eles sabem que eu falo! Eu falo
tudo!

Juliano: Porque é estranho isso, né?!

H.M.: É... Eles têm medo. Eles tem medo das coisas que acontecem errado aqui. É a
mesma coisa quando vem aqueles direitos humanos, aquela coisa, sei lá o que que é isso!
Noooossa! Aí eles ficam apavorado! Eles fazem rango, comida, melhor. Eles pagam. Eles...
Nooossa! Deus o livre, eles ficam bem calminho!

Juliano: E esse, é que assim oh, o trabalho de pesquisa que eu faço, eu participo de um
grupo chamado: Observatório da Violência e dos Direitos Humanos.

H.M.: Aaahhhh!!

Juliano: Eu participo disso. Por isso eu te pergunto, porque eu acredito que eles me
enxergam assim também. Sabe?

39 SOUZA, Ricardo Timm de.Em Torno à Diferença, Aventuras da Alteridade na Complexidade da Cultura
Contemporâ-nea. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2008. p. 27.
40 SOUZA, Ricardo Timm de.Em Torno à Diferença, Aventuras da Alteridade na Complexidade da Cultura Contem-
porânea. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2008. p. 28.

214
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena

H.M.: Ah... Então tá explicado...41

Apesar das dificuldades de uma escuta em instituições totais, busca-se um olhar do outro,
considerando suas diferenças que nos tiram do conforto da certeza, pois apenas assim
tentamos ver algo escondido e precioso no interior dos muros, o testemunho resistente
localizado em um tempo e cultura viva. Seu testemunho mescla nas forças do dizer de cada
um também a impossibilidade de dizer algo, assim, o distanciamento entre o homem e o ser
mudo, fabrica e dá os contornos de um “lugar (in)humano em que o lugar do sujeito é
ocupado pelo enunciado imposto por outros que o conduziram a tal condição”42. Ao
negarmos a condição de testemunha a quem foi violentado o apagamos da história, nada
mais mortal que as mortes de quem não mais vive.

O funcionamento de técnicas totalizantes em uma prisão seguem os caminhos os quais este


aparelho43,que apenas simula um tipo de pensamento, permite com o uso de homens programados
pelo próprio aparelho. Como o automatismo controlador que segue continuamente chamado de
disciplina que ensina quais hábitos e pensamentos são válidos, mas não preocupa-se em questões
abertas sobre os seus motivos, pois é o método programado de produção de não pensantes, de
mais funcionários44. O fracasso em receber/entender a crítica mostra a incapacidade cognitiva de
cada funcionário que foi programado para um raciocínio como fluxo contínuo, o qual é quebrado e
posto em perigo quando, acolhendo abertura crítica pelo testemunho, nos impõe um novo pensar,
uma perturbação. Um saber que destrói a sabedoria. Repelimos o interior de nossa caixa preta45
quando tentamos ser apenas a máquina programada, mas o trauma, o novo, o perigo pode ser a
nossa fome humana recalcada como válvula de escape. Como no excerto a seguir, podemos
observar a

41 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 89.
42 CASTOR, M. M. Bartolomé Ruiz. A sacralidade da vidanaexceçãosoberana, a testemunha e sualinguagem.(Re)
leitu-rasbiopolíticas da obra de Giorgio Agamben. In: CadernosIHU n. 39, ano 10, 2012. p. 42.
43 FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta. Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Apresentação de Norval-
Baitello Junior. São Paulo: Annablume, 2011, p. 43.
44 FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta. Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Apresentação de Norval-
Baitello Junior. São Paulo: Annablume, 2011. p. 43.
45 FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta. Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Apresentação de Norval-
Baitello Junior. São Paulo: Annablume, 2011. p. 78.

215
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena

distância entre as expectativas do apenado e as práticas de controle dentro de uma prisão,


mais do que uma possível agressão física, o medo constante e a total desconsideração de
sua fala define um abandono mais profundo, demonstrado claramente quando reconhece a
ousadia em se expressar livremente e o perigo que isto representa:

M.L.: Porque não tem direito, não tem direito de nada.

Juliano: Tu tá na galeria ou no seguro?

M.L.: No seguro. E aí eu grito da minha cela prus agente: ah escuta quando os direitos
humanos virem... Eles tiram a gente de lá, colocam isto aqui em nóis, as algema, e dão
pauladas em nós. Agora se eles estiverem escutando atrás dessa porta, quando o senhor
sair é até um perigo de eles me darem um monte de pauladas.

Juliano: Isso não vai acontecer.

M.L.: Depois que o senhor tiver dentro do seu carro, lá na rua já não adianta mais nada.

Juliano: Mas eles sabem que eu estou aqui para conversar com vocês e não têm porque
fazer nada com vocês. Eu não quero causar problemas para ti.

M.L.: Por isso que eu estou dizendo, isso é um poblema para mim, eu estou desabafando
pro senhor e o senhor vai lá e “ó” neles. O senhor vai lá e derruba eles. O senhor vai juntá
cada depoimento. O senhor pega de cada presidiário e depois vai unificar todos os casos
que está vendo aqui e vai derruba essa guarda.46

Percebemos em nossas interações o que é conhecido e rotineiro na instituição no que toca os


abusos cotidianos no trato pessoal com os apenados, porém, qualquer reivindicação para que
seja percebida alguma injustiça, será sem dúvida, tratada como um abuso, pois não se
reconhece direito de resistência aos banidos. O desconforto cotidiano dentro do cárcere
potencializa o sofrimento do abandono como um acessório da tortura, saber exatamente como
estes mecanismos operam desafia a capacidade de alteridade de todos, porém, relatos que
carregam uma realidade (in)suportável podem ser mais valiosos quando surpreendem e

46 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 91.

216
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena

mostram que estas pessoas simplesmente não têm meios para protestar contra estes fatores.
São estas vozes, que encontram-se no cárcere, de maneira mais exposta, em estado de vida
nua, apreendida pela instituição, que se mantém em acordos solidários com as forças que
deveriam combater47, que possibilitam a quebra do discurso oficial, pela exposição ao perigo
testemunhal. O ator jurídico, quando luta pelos direitos humanos, enfrenta a dificuldade de,
antes de tudo, que nossa Constituição garante: mostrar que humanos somos todos nós.

O debate encontra obstáculos quanto à distância psicológica produzida entre os estudiosos e


os encarcerados pelo sistema48. Desde níveis legislativos, judiciários e intelectuais vemos
a falta de um olhar frontal ao que temos de mais
importante na questão penitenciária, os seus internos Vamos Pensar
portadores de um testemunho original. Mesmo os
Elabore um breve texto que aponte os
policiais que entram em contato de maneira direta direitos do preso na legislação brasilei-
com estes homens, possuem em sua formação de ra. Recomenda-se como obra de base:
MARCÃO, Renato. Curso de Execução
autoridade, que luta contra o mal, uma distância entre Penal. 13° ed. rev. atual. e ampl. São
sua posição e de seu oponente. Esta imagem abstrata Paulo: Saraiva, 2015.

que as autoridades têm da prisão é


produzida a cada momento onde o palco é preparado para ocultar as ilegalidades cotidianas
quando suas visitas programadas com bastante antecedência às instituições possibilitam uma
imagem muito diferente aos que não querem ver e aos que não querem mostrar:

Juliano: Então tu acha que o problema de tudo é que vocês ficam aqui dentro desamparados?

P.A.S.: É, desamparado. Muito desamparado mesmo. Quando os caras vem na cela,


entendeu? Quando eles vêm de cela em cela, entendeu? Os cara pagam churrasco pra
eles aqui. Isso não tem como acontece, entendeu? Isso não é certo!

Juliano: Como assim? Quando quem vem aqui?

47 AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Tradução de Henrique Burigo. Belo Horizonte:
Edi-tora UFMG, 2002. p. 140.
48 HULSMAN, Louk. Celis, Jacqueline Bernat de.PenasPerdidas. O sistema penal emquestão.O sistema penal em
ques-tão. Tradução de Maria Lúcia Karan. 2a. ed. Rio de Janeiro: Luam Editora, 1997. p. 76.

217
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena

P.A.S.: (risos) Os grandão lá, né, os caras que tem estudo aí, né, vem aí dentro pra ver
como é que é, né, e eles pagam, entendeu? Eles pagam tudo, entendeu? Bá! Eu é que me
estresso, mas, bá! Eles pagam tudo! Isso que é errado, entendeu? Daí quando a pessoa saí
daí eles mudam tudo, entendeu? Botam tudo abaixo!

Juliano: Quer dizer que eles pagam as coisas pra vocês quando o pessoal vem aí?

P.A.S.: É, eles pagam carne. Pagam até galinha assada! Aí quando as pessoas chegam tá
tudo beleza, tudo calminho! Ah.... Nem colchão tem cara, pra dormir!49

Se a lei permite o jogo de véus que encobre as ilegalidades, mais claro fica aos estudiosos que
aventuram-se em ambientes carcerários que nada é encoberto realmente, mas teatralmente
finge-se acreditar no cenário montado. Assim, fica ainda mais evidenciada sua seletividade
frente à população carcerária, onde encontramos depositados cidadãos das classes mais
vulneráveis e consideradas dispensáveis. Serve então para uma gestão de ilegalismos50,
privilegiando a punição de alguns delitos e injustiças,mas por outro lado, exclui ou tolera atos
da classe dominadora, mas com um contorno de meio de domínio apenas, sem considerar a
sociedade como todo. A aproximação com o suposto monstro que reside nas prisões
traumatiza quando nega o discurso imposto à massa, seu testemunho,que retira a segurança
de verificar o conhecido convida ao desvelar do monstro deformado que também sou.

A exposição ao toque assustador do encontro demanda questões de solidariedade que estão


sendo abandonadas pelas relações humanas cada vez mais egoístas em busca de projetos
individualistas. A noção de bem-estar que se deteriorou, hoje, não aceita cuidar das vidas
arruinadas pelo progresso, não preocupa-se em buscar maneiras de interação e garantir a
cidadania dos que ficaram para trás, – “estado de bem-estar? Já não podemos custeá-lo”51 – a
recuperação, ou melhor a integração desses que nos perturbam e continuarão desafiando a
harmonia do mundo ideal dos bons, não fazem parte dos projetos sociais, e apenas com muita

49 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 97.
50 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 35a. ed. RJ: Vozes,
2008. p. 75.
51 BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós modernidade. Tradução de Mauro Gama e Cláudia Marinelli Gama. Rio de
Janeiro: Zahar, 1998. p. 51.

218
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena

resistência se propõe seu recebimento em debates sobre políticas de segurança pública.


Nada mais previsível que esta multidão torne-se o alvo de nossas frustrações, violências e
de todos os perigos da sociedade, reforçando a ideia de que seu lugar é intramuros, porém
percebemos que neste caminho de segregação todo um método violento silencioso, mas
não menos brutal, é praticado por aqueles que querem fazer o bem a qualquer custo.

Se o Estado contava com algum tipo de paz social52, presumindo a total eficácia do pacto
social, o qual é deficiente perante aqueles os quais não estão nele incluídos, já que, o que
foi acordado nada condiz com a realidade do conceito de sociedade, haja vista que uma
sociedade não é verdadeira quando apenas se define amputando alguma parcela.

Portanto, a exclusão social de quem testemunha meu fracasso ético é imposta através de
criminalizações. Mas a pena e seus reflexos deveriam ser apenas um modo político de
impedir uma vingança, um dano reduzido diante do limite punitivo, algo que deveria ser
consideravelmente melhor do que as possibilidades sem a presença destas53. Uma redução
do cidadão ao objeto a ser punido é o contraste visto mesmo com uma fundamentação
jurídica que não nega o objetivo jurídico, apenas o reforça incluindo uma Defesa Social54,
sobretudo onde as normas Constitucionais aparentemente não têm validade, no interior de
uma prisão a morte civil é automática. É sobre esta demarcação cinza que separa quem
consideramos úteis e os refugos, onde é a fronteira que define quem são os diferentes, mas
não a diferença, sendo improvável existir uma fronteira que não cause temor, as que
limitam os úteis dos refugos também é, não apenas literalmente, mas em todos os sentidos,
cinzenta, indefinida e incerta, uma zona de perigo, o lugar do medo55.

Conformar-se com esta situação nebulosa sobre a pena fazer parte da formatação dos presos à
sua experiência na execução penal, suportar a vida em um ambiente desprovido de garantias é
aprender a viver como um não cidadão. Este mundo diferente, criado pelo Estado

52 PEREIRA, Gustavo de Lima. A pátria dos sem pátria: direitos humanos e alteridade. Porto Alegre: Ed. UniRitter,
2011. p. 67.
53 CARVALHO, Salo de.Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 148. 54
CARVALHO, Salo de.Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 151.
55 BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2005. p. 39.

219
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena

onde entre os muros cinza da prisão cria uma legião de excluídos, que, ao não suportar sua
imposição de estigmatização de criminoso, acabam por se inserirem, na maioria das vezes,
no violento conceito de criminoso, em uma pena perpétua, posicionando-se com a nova
função da estigmatização56 deliberada, uma função dupla de punir e também de alertar a
todos o perigo que este representa ao corpo social, uma produção em série de uma “outra
vítima”57, consequência óbvia de um sistema penal que coloca o apenado contra a ordem
social, para a qual será devolvido.

O resgate de um testemunho que tenha força de produção de novo olhar sobre o cárcere e
suas facetas mais importantes, as que ainda pulsam, é o objetivo no trauma da experiência
de pesquisa, onde a importância fundamental é do trilhar, “a experiência é então o método,
não um sistema de regras ou de normas técnicas para supervisionar uma experimentação,
mas o caminho que se está fazendo, o trilhamento da rota(via rupta)”58. Porém, longe de
qualquer sensibilidade, o que obtemos como regra metodológica em ambiente prisional é a
falta de responsabilidade pelo abandono da massa carcerária, que passa pela manutenção
de instituições que não possuem um real compromisso com a garantia dos direitos
fundamentais. Considerando nelas, inicialmente, a impossibilidade de funcionarem livres de
sua mecanicidade mortal que transforma vida em números, toda instituição que não for
eticamente saudável e não conter em seu núcleo a busca de uma relação com seres
humanos, e todo ser vivo, tende a fracassar em sua função existencial, renuncia sua
fidelidade à vida59. Enfim, podemos ver a distância abismal entre uma instituição prisional
que se alicerça em princípios Constitucionais para que seu funcionamento seja possível e o
desrespeito aos seus fundamentos, levando em conta a garantia da dignidade humana em
seu devido valor indisponível, legítimo seria, inclusive, o ato de resistência60.

56 GARLAND, David. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Tradução,
apresentação e notas de André Nascimento. Rio de Janeiro: Revan, 2008. p. 385.
57 HULSMAN, Louk. Celis, Jacqueline Bernat de.HULSMAN, Louk. Celis, Jacqueline Bernat de. Penas Perdidas. O sis-
tema penal em questão. Tradução de Maria Lúcia Karan. 2a. ed. Rio de Janeiro: Luam Editora, 1997. p. 72.
58 DERRIDA, Jacques. Papel-máquina, tradução de Evandro Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2004. p. 332.
59 SOUZA, Ricardo Timm de.Justiça em seus termos– dignidade humana, dignidade do mundo. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010. p. 74.
60 CARVALHO, Salo de.Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p.155.

220
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena

Quando negamos a possibilidade de fala ao outro que testemunha, provocamos “uma segunda
violência contra ele”61 e desta maneira se fabrica uma outra versão legitimadora da violência. A
incapacidade em lidar com o outro acaba por subjugar o reconhecimento de uma manifestação
contrária legítima, novamente, a complexidade humana nos escapa e o “plural” 62 é demasiado
para as relações travestidas de boas intenções, discursos humanistas que matam sorrindo e
escapam ao foco do problema, ver alguém capaz de reivindicar e sentir é o perigo, pois quem
abre-se ao que me obriga rearticular a desordem do outro também escapa, modifica-se, e por
quebrar a ordem, desordenar, testemunha o novo perigoso, flerta com os excessos sombrios.
Em um caminho sem-sentido, contra o sentido do dito, e geralmente sem retorno ao conforto
das certezas, a cada t(r)emor ocorre uma nova esperança. Como podemos ver em mais este
trecho de entrevista sobre a rotina imposta aos internos na instituição, impossibilitados de
resistir à situação, mas em seu testemunho o disparo é ágil e poderoso.

Juliano: Quantos têm na tua cela?

M.B.: Catorze.

Juliano: Quatorze?

M.B.: É, tem quatro mulheres no chão sem espaço. Eu graças a Deus tenho uma cama
porque quando eu troquei de cela tinha três camas, né, tinha sobrando. Então agora tem
quatro mulher no chão. Só que assim, o fedor de xixi, de rato, a quantidade de sujeira que
assim, a gente tinha que varrê pro corredor.

Juliano: Isso na cela?

M.B.: Na cela! É terrível o fedor de podre, porque eu acho que tem muito rato. Os rato
caminham pelo corredor, mais que os guardas e mais que os presos. E fora no pátio! E aí
choveu, viro piscina! Assim oh, de água dentro da cela! Agora eu vô comenta, porque,
imagina se chega a chove com quatro mulher ali? No chão? E, e, mas isso, tá tudo pior que
sardinha. E, pior são os calorão, né, só que isso é a natureza. Só que enquanto a gente tá
lá, com a cela alagada, a parte dos homem tem ar-condicionado (ventiladores bons).

61 CASTOR, M. M. Bartolomé Ruiz. A sacralidade da vidanaexceçãosoberana, a testemunha e sualinguagem.(Re)


leitu-rasbiopolíticas da obra de Giorgio Agamben. In: CadernosIHU n. 39, ano 10, 2012. p. 34.
62 SOUZA, Ricardo Timm de.Em Torno à Diferença, Aventuras da Alteridade na Complexidade da Cultura
Contemporâ-nea. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2008. p. 29.

221
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena

Juliano: Como? A troco de que?

M.B.: ar-condicionado. Aí, às vezes, é horrível, eu até brinco “ai, socorro, a gente vai morre
afogado aqui!”. E eles não queriam que botasse água, mas tava fedendo a xixi! Mas assim,
oh, uma água amarelão, chegava tá laranja! Água que escorria da lâmpada assim! E, os
cara com ar-condicionado? Aí, às vezes eu brinco “se cada cara tem uma verba pra tá
preso, eu quero o troco! Eu quero o troco!”. Porque tipo, comida, pelo menos naquela sala
ali a gente não pega. Por que é muito ruim, então, é isso. É o que, às vezes, eu digo pra
minha mãe “errei tem que pagá, vamopagá, mas tem coisas que não dá pra suporta”. Tipo,
hoje, chove, a gente fica no meio de uma piscina, numa água podre.63

Aceitar as condições degradantes sem reclamar faz parte de um adestramento do interno rumo
à docilidade que deve ser produzida, escapar do adestramento prisional é uma tarefa
considerada difícil e dedica grande capacidade pessoal, pois não existe apoio algum da
instituição para que a vida dos seus moradores melhore, mas, por outro lado, sua piora será
usada para negar benefícios, aplicar punições em caso de revolta, e justificar o caráter de
irrecuperabilidadede suas personalidades maléficas. É somente em uma situação coletiva, por
uma nova organização social por acordos informais e externos ao direito que jogam com as
relações de poder64ou pela rebelião, estes presos podem conseguir evitar, ou apenas mostrar
que não se sujeitam ao “adestramento”65 proposto pelo cárcere. Sobreviver ao período de
pena, seja qual for, demanda um constante exercício de subjugação e subserviência66, pois,
sem essa conduta submissa, terá muita dificuldade em esconder-se na massa, e reivindicar voz
é aceitar os riscos identificar-se na multidão e o que isto acarreta.

A disciplina que tenta adestrar os internos, tendo sucesso ou não, ignora as dificuldades
cotidianas em sua vida pós cárcere, a difícil retomada de sua condição social é outro problema
causado ou ampliado, diante da falta de apoio para enfrentar os desafios em liberdade, o

63 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 155.
64 FOUCAULT, Michel. “Soberania e Disciplina”. In: Microfísica do poder. Rio de Janeiro: EdiçõesGraal, 1979, p. 182.
65 FOUCAULT, Michel. Ditos e Escritos IV: Estratégias, Poder-Saber. Organização e seleção de textos de Manoel
Barros da Motta. Tradução de Vera Lucia Avellar Ribeiro. 2ª ed.. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p. 137.
66 WOLFF, Maria Palma. Antologia de Vidas e Histórias na Prisão: Emergência eInjunção de Controle Social. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 125.

222
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena

medo de reincidir é presente e mesmo em momentos de exame com equipes técnicas é


percebido uma visão maniqueísta, baseada em um olhar de anormalidade e patologia 67.
Seu testemunho vivo sobre as questões sociais pertencentes ao mundo ignorado pelo
direito faz com que as avaliações sejam perpetradas como se as oportunidades e vontades
incluíssem as mesmas chances de execução daquele que o avalia em uma desconexão
conveniente que evita a responsabilidade do cárcere por estes danos. Essas atividades
previstas durante o cumprimento da pena, buscam uma previsão futura de não delinquência
e a emissão do parecer técnico tem como fundamentação a probabilidade futura, algo que
não deveria ser motivo de negação de direitos68. Porém, ao escutar esses internos, sem o
compromisso de passar no exame, as falas se tornaram reais e de acordo com as
possibilidades que a prisão coloca à sua disposição.

Independente do tamanho de uma prisão, seus hóspedes são possuidores de


características esperadas pela seletividade das leis penais, alvos desde que, deslocados da
posição consumista que permite sua locomoção entre os cidadãos, recebem o tratamento
apropriado aos refugos humanos, os passivos irritantes do Estado, seu depósito é bem
conhecido. Mas no cárcere fazem com que seus produtos tenham ainda menores chances
de resistirem aos abusos tirânicos minuciosamente planejados contra sua reinserção em
liberdade. Pois, se a prisão funciona como uma bem azeitada máquina, é importante saber
o que significa esta produção.

As reclamações pretendidas pela população prisional, como vimos anteriormente, acabam por
ter nas desobediências/rebeliões o último passo para uma tentativa expressão que ultrapasse
os limites impostos. As características de um testemunho impregnado de humanidade em
momentos limites como as reivindicações carcerárias possuem em seus silêncios o que de
mais precioso podemos encontrar para o debate sobre estas instituições, pois é justamente
sobre o limite do homem que se trata. A relação entre a presença e ausência testemunhal pode
propor uma possibilidade de visibilidade do invisível, tocável do intocável que a “experiência do
estar-no-mundo sempre expõe o corpo, sua potência ou sua vulnerabilidade, a seu outro,

67 WOLFF, Maria Palma. Antologia de Vidas e Histórias na Prisão: Emergência e Injunção de Controle Social. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005. p.176.
68 CARVALHO, Salo de.Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 184.

223
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena

ao que não é ele, quer ele sofra com isto, quer se regozije, ou ambos, de uma só vez”69.
Como podemos ver em mais este relato onde a opção mais segura para alguns, acaba por
silenciar-se, pois resistir e expressar-se é sempre uma proposta de perigo ao que não se
quer ver/sentir:

Juliano: E, e daí assim, e aqui dentro cara, alguma das vezes que tu passou por aqui, tu viu
algum tipo de violência psicológica ou física com alguém, contigo ou alguma situação meio
perigosa assim?

D.S.: Aqui não, mas lá pra cima, em Rio Grande, eu vi bastante.

Juliano: É? Tipo o que assim?

D.S.: Tu vê gente saindo morta em manta.

Juliano: Sendo morta?

D.S.: Morta! Morta! Não, tem. Um cara falo uns bagulho da mulher do outro e o outro chamo
o cara na facada. Depois passa no corredor com 40, 60 homem, só os pingo de sangue
escorrendo da manta. Que que eles vão fazer? Tu só pode fica quieto. Não é contigo, nem
te mete.

Juliano: Mas e a guarda não cuida para que não haja? Porque tu tem que ta protegido!

D.S.: Rio Grande não é assim meu, lá eles atiram no corredor e deu! Muleque caiu e deu.70

O dizer que não se submete ao caminho lógico e asséptico, onde as impurezas humanas
não entram, é a sobra que se tenta expurgar quando a ilusão de verdade absoluta toma o
centro do discurso jurídico, mas a sobra pode ser justamente o outro que me traumatiza em
seu silêncio. Apesar de ainda tratarmos o que escapa, o refugo como descartável. Podemos
quebrar o entendimento de uma visão sobre esses sujeitos como “redundantes”71, pois a

69 DERRIDA, Jacques. Papel-máquina, tradução de EvandroNascimento. São Paulo: EstaçãoLiberdade, 2004. p. 352.
70 CARVALHO, Juliano Gomes de.O escândalo do testemunho: histórias de vidas no PresídioEstadual de Camaquã,
Guaíba: Sobmedida, 2013. p. 172.
71 BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2005. p. 20.

224
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena

mordaça do testemunho é aplicada e justificada pela negação de encontro que ocorre fora do
dito. É através do que é considerado descartável, e de que dele nada precisamos, mais do que
isto, além de não serem mais necessários, viveremos melhores e mais produtivamente sem
eles, desta maneira, não sendo reconhecida uma razão para sua existência, nem uma atitude
reivindicadora para tal será tolerada do grupo a ser excluído. Nem um discurso racional deveria
sucumbir o indivíduo, mesmo que revestido de boas intenções, nos tempos atuais precisamos
de uma reconsideração dos sentidos para entender a igualdade e assim conseguirmos olhar e
escutar quem abandonamos, por egoísmo e por incapacidade de entender o humano múltiplo e
diverso. Só assim poderemos escutar o que não queremos, conhecer o que essas vozes
querem dizer. Em momentos, em que percebemos a destruição do homem proporcionada pela
punição imposta pela prisão e seus mecanismos, a questão central deste estudo salta aos
olhos e nos convoca. Para quem serve estes silêncios? O que eles gritam?Portanto, sentir as
incapacidades de expressão, é o local de toque mais sensível e dolorido, pois a presença de
quem me toca em um ambiente sombrio e velado ocorre pela ausência, mas uma ausência que
é potente e angustiada72.

Sob o ruído da massa carcerária, existe a manutenção da monotonia autoritária que se


instala no cárcere pela instituição, pois cada movimento do interno é observado e
controlado da maneira mais intensa possível por regras injustificáveis de todo tipo,
principalmente pelo controle do tempo que impede a menor chance de autonomia e fuga da
inércia, assim, percebemos que “estar preso significa ser tratado como criança: a
administração assume o papel de pai autoritário, que não permite ao filho o mais leve sinal
de independência e autonomia”73, fazendo com que os abusos ocorram de maneira ainda
mais atroz, pois partem daqueles que ocupam o papel primeiro de proteger e escutar os
que estão impotentes no interior destes muros.

Uma fala livre, sem a marca estereotipada de que o apenado é sempre um mentiroso com
objetivos obscuros, é impossibilitada, o silêncio é punido, pois, para justificar uma disciplina
brutal, precisa-se de que a mesma brutalidade seja reconhecida em sua vítima. Ainda que

72 Cf. CARVALHO, Juliano Gomes de. A benvinda angústia do desvelar: ensinamentos das sombras do cárcere.
a
73 LEMGRUBER, Julita. Cemitério dos vivos: análisesociológica de umaprisão de mulheres. 2 . ed. Rio de Janeiro: Fo-
rense, 1999, p. 48.

225
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena

no comportamento visto como normal, por mais chocante que possa parecer, a marca de
monstro seja bem imposta, ainda que por meios brutais.

O relato de quem sofre os abusos da tortura sofre com a impossibilidade de testemunhar o


que é indizível, mas “a impotência do torturado de dizer seu sofrimento torna seu
testemunho mais potente”74, se estivermos dispostos a escutar também seu silêncio.
Podemos ver também a previsível prática institucionalizada de tortura na busca de
confissões quando investigações superficiais ou inexistentes precisam ser justificadas a
qualquer custo. A relação de herói e inimigo se manifesta brutalmente como o justiceiro que
extermina o mal, porém, apenas o replica e mantém as coisas em seus devidos lugares em
uma função gestora daquilo que é punível e útil.

Porquanto, o que se define em relação aos fatores que influenciam a pureza social definida
pela capacidade de colocar e manter as coisas em lugares determinados através de
estratégias segregacionistas, para que a ordem seja mantida e sua mescla não acabe por
poluir outros ambientes, é válida quando percebemos as barreiras entre mundos fabricados
para repelirem-se. Um conceito de pureza acaba definindo o lugar dos excluídos, que
encaram a difícil situação de resistir ao que tenta limitar algo fluido e com vontades próprias
como pessoas e seus pensamentos, e que, sem surpresas entram em choque com o que
controla sua mobilidade75. A inevitabilidade de uma afronta a estas barreiras, quando
falamos de grupos sociais, é inevitável, e nesse contato o conflito se instala. Percebe-se um
tratamento dedicado a uma certa higienização social, lidando com a clientela prisional como
se uma assepsia fosse requerida para ser merecedor da tolerância dos dominantes.

Dominar parece ser a única via possível da lógica controladora do cárcere, mas as nuances
humanas resistem, sua força reside algum lugar que, por não submeter-se a qualquer lógica
metodológica disciplinar, estão vivas em diferentes pulsações, vivas em silêncio e na
ausência, no consumado que está sempre para acontecer, exigência nunca satisfeita diante
da impossibilidade de confirmação por qualquer lembrança “já que ele ultrapassa toda

74 CASTOR, M. M. Bartolomé Ruiz. A sacralidade da vidanaexceçãosoberana, a testemunha e sualinguagem.(Re)


leitu-rasbiopolíticas da obra de Giorgio Agamben. In: CadernosIHU n. 39, ano 10, 2012. p. 45.
75 BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós modernidade. Tradução de Mauro Gama e Cláudia Marinelli Gama. Rio de
Janeiro: Zahar, 1998. p. 15.

226
A Execução do Outro – A Presença de Vida que Ainda Pulsa na Aplicação
da Pena

memória e que somente o esquecimento acha-se à sua medida, o imenso esquecimento que
leva a palavra”76. A potência de um testemunho choca quando a possibilidade de escuta é
percebida, o silêncio que grita transforma-se em um murmúrio carregado de mesma força, os
intervalos, sempre presentes, nos oferecem o toque do segredo, “o segredo não é somente
algo, um conteúdo que se deveria ocultar ou guardar em seu íntimo. Outrem é secreto porque é
outro”, assim cabe ao posicionamento ético respeitar os avanços.

O judiciário desconsidera as testemunhas, pois não suportam sua ocupação entre suas
técnicas formais, assim impõem a violência de lidar apenas com sua própria retórica excluindo
racionalmente quem julga. A falta de informações sobre a execução da pena se apresenta
como uma das principais fontes dos desesperos dos internos. Como aceitar a angústia do
abandono de anos até que alguém o escute, pois requerer uma presença, um valor de fala em
um ambiente hostil é visto como um ato de rebeldia, enfim essas pessoas ficam ao tempo

patológico, escravos de uma máquina cruel.

A garantia de direitos humanos, abordado ao caminho de


Links
um trabalho que tenta confrontar os testemunhos de uma
exclusão social, no seu estado de vida nua previsível, Para mais informações ver:
como se mostra a população de nossos modernos porões <http://www.ibccrim.org.br>

arcaicos das prisões. Diante da angustiante incapacidade


de lidarmos com situações éticas frente ao outro, mostrou-se como urgente a “reconsideração
radical do sentido do humano enquanto agir e se constituir subjetivamente pelo encontro com a
Alteridade”77, pois é com a contribuição do testemunho das vítimas de uma violência que reduz
o humano para uma constituição meramente biológica, que faz desses destruídos e incapazes
dar um relato encerrado no dito, mas que, justamente por isto, são valiosos sem uma escuta
nova, como “testemunhas integrais”78, aqueles que não mais falam a violência sofrida, já são o
grito silencioso de seu humano mutilado. Estes que aos poucos perdem a capacidade de
testemunhar e medir sua vida frente aos atos sofridos, nos faz de grande

76 BLANCHOT, Maurice. A experiência limite, vol. 2. Tradução João Moura Jr. – São Paulo: Escuta, 2007, p. 195.
77 SOUZA, Ricardo Timm de.Levinas e a ancestralidade do Mal: Por uma crítica da violência biopolítica. Porto alegre:
EDIPUCRS, 2012. p. 79.
78 AGAMBEN, Giorgio O queresta de Awschwitz: o arquivo e a testemunha. Tradução de Severino J. Assmann. São
Paulo: Boitempo, 2008, p. 55.

227
A Execução do Outro – A Presença de Vida que
Ainda Pulsa na Aplicação da Pena

importância. O testemunho de quem foi marcado pela história com a mais pesada pena,
respeitando não apenas sua condição de ser um produtor de conhecimento, mas de ter
visto o que ninguém quer ver. É frente o desafio do “acontecimento, sendo linguagem, não
pode ser reduzido à linguagem”79, que devemos distorcer as verdades cristalizadas e
encontrarmos o outro.

O domínio sobre as falas e de expressões do cárcere recebem tratamento ativo de abandono,


não pode ser abandonada ao seu próprio caminho, pois o suposto desinteresse mostra-se
como um ordenado combate ao perigoso ruído prisional, assim demandando extremo cuidado
frente aos depositados em prisões. A prisão, como sinônimo de receptáculo dos indesejáveis, é
verificada constantemente, porém, em algumas falas, este aspecto desafia o pesquisador
quando dispõe lugar ao outro em uma relação mais ampla nos momentos de fala. Uma posição
de imigrante ilegal, deportado ao país de ninguém, ou ao cemitério dos vivos, como os próprios
internos definem a prisão durante os encontros, acaba se configurando como angústia sempre
carregada, o reflexo não previsto ao ângulo dado e posto. A norma legal não terá condições de
contemplar todos, e sabedora de sua incapacidade, presta-se a estabelecer limites para sua
aplicação, pois, é apenas possível exercer sua força de lei criando categorias de excluídos e
marginalizados, aqueles que devem viver longe, fora de limites, fornecendo assim um
apropriado ambiente nebuloso para “despejo dos que foram excluídos, reciclados em refugo
humano”80, a lei acaba ocupando-se apenas do seu apátrida na intenção de que este
permaneça fora de circulação nos domínios que ela mesma circunscreveu. Como se os
enviados ao ambiente carcerário não fossem assunto seu, como se para esses não houvesse
lei e que sua condição contenha o pressuposto de “ausência de lei que se aplique a ela” 81.

79 CASTOR, M. M. Bartolomé Ruiz. A sacralidade da vidanaexceçãosoberana, a testemunha e sualinguagem. (Re)


leitu-rasbiopolíticas da obra de Giorgio Agamben. In: CadernosIHU n. 39, ano 10, 2012. p. 45.
80 BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2005. p. 43.
81 BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2005. p. 43.

228
Pontuando
• Ser desumanizado

• Objeto de punição

• Apátrida

• Sociedade do Controle

• Direitos Humanos

• Linguagem - banimento - dominação

• Testemunho e massa carcerária

Glossário
Apátridas: “que(m) perdeu sua nacionalidade de origem e não adquiriu outra; que(m) está
oficialmente sem pátria”. Fonte: Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. 3° ed., 2008,
p. 51.

229
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA c) uma visão realista e pragmática

Na contemporaneidade, o sistema punitivo d) um estímulo ressocializador


promove: e) uma visão utilitarista
a) a promoção da cidadania
Questão 4 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
b) a aplicação dos direitos humanos
Quando se busca, de forma empírica, dados
c) o bem estar social
em grupos de detentos questiona-se:
d) a ressocialização
a) a função estigmatizante de uma sociedade
e) a aplicação de modelos frios e métodos de de controle e seus medos
execução mecânicos
b) a função ressocializante de uma sociedade
de controle e seus medos
Questão 2 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
c) a função acolhedora de uma sociedade de
Os indivíduos que integram a massa carce- controle e seus medos
rária, quando reivindicam seus direitos são d) a função construtiva de uma sociedade de
apontados como: controle e seus medos

a) presos diferenciados e) a função ética de uma sociedade de


contro-le e seus medos
b) humanistas

c) rebeldes e indisciplinados Questão 5 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

d) lideranças Os agentes públicos devem ter o respeito


e) educados e indisciplinados aos direitos humanos como:
a) uma utopia
Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
b) mais do que possibilidade, mas objetivo do
Na perspectiva do sistema prisional, pode-se ator jurídico em todas suas decisões

dizer que os estudos criminológicos permitem: c) um sentimento de vida


a) o cárcere dizer e ser escutado d) mais do que impossibilidade, mas objetivo
do ator jurídico em todas suas decisões
b) nenhum significativo avanço
e) mais do que possibilidade, mas objetivo do
ator jurídico na maioria de suas decisões

230
Referências
ADORNO, Theodor. Dialética negativa. Tradução de Marco Antonio Casanova. Rio de Ja-
neiro: Jorge Zahar, 2009.

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Tradução de Henrique
Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

__________________.O queresta de Awschwitz: o arquivo e a testemunha. Tradução de


Severino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008.

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós modernidade. Tradução de Mauro Gama e Cláudia


Marinelli Gama. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

_________________. Vidas desperdiçadas. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da
cultura. Obras escolhidas volume I. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet, 3a.edição, Editora
Brasiliense, 1987.

_________________. Escritos sobre mito e linguagem (1915-1921). Org Janne Marie Gag-
nebin, trad. Susana KampffLages e Ernani Chaves.Editora 34.

BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.

___________________. A conversa infinita: a palavra plural vol. 1; tradução: Aurélio Guerra


Neto – São Paulo: Escuta, 2010

CARVALHO, Juliano Gomes de. O escândalo do testemunho: histórias de vidas no Presí-


dioEstadual de Camaquã, Guaíba: Sobmedida, 2013.

__________________________.A benvinda angústia do desvelar: ensinamentos das som-


bras do cárcere. In: Anais do IV Congresso Internacional de Ciências Criminais, PUCRS,
Porto Alegre, 2013.

CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.

CASTOR, M. M. Bartolomé Ruiz. A sacralidade da vida na exceção soberana, a testemunha


e sua linguagem.(Re) leiturasbiopolíticas da obra de Giorgio Agamben. In: CadernosIHU n.
39, ano 10, 2012.

231
Referências

DELEUZE, Gilles. La Isla Desierta y OtrosTextos: textos y entrevistas (1953-1974). Edición


preparada por David Lapouja de.Versión castellana de José Luis Pardo. Valencia: Pre-Tex-
tos, 2005. Lo que los presos esperan de nosotros...

DERRIDA, Jacques. Força de lei: o fundamento místico da autoridade. Tradução de Leyla


Perone-Moisés. 2a. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.
________________. Papel-máquina, tradução de Evandro Nascimento. São Paulo: Estação
Liberdade, 2004.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta. Ensaios para uma futura filosofia da fotografia.
Apresentação de Norval Baitello Junior. São Paulo: Annablume, 2011.

FOUCAULT Michel. Ditos e Escritos IV: Estratégias, Poder-Saber. Organização e seleção


de textos de Manoel Barros da Motta. Tradução de Vera Lucia Avellar Ribeiro. 2ª ed.. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2010.

_________________. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete.


35a. ed. RJ: Vozes, 2008.
_________________. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: EdiçõesGraal, 1979.

GARLAND, David. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea.


Tradução, apresentação e notas de André Nascimento. Rio de Janeiro: Revan, 2008.

HULSMAN, Louk. Celis, Jacqueline Bernat de. Penas Perdidas. O sistema penal em
questão. O sistema penal em questão. Tradução de Maria Lúcia Karan. 2a. ed. Rio de
Janeiro: Luam Editora, 1997.

KAFKA, Franz. Contos, fábulas e aforismos. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira,
1993.

LEMGRUBER, Julita. Cemitério dos vivos: análise sociológica de uma prisão de mulheres.
2º. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
LEVINAS, Emmanuel. Humanismo do outro homem. 4a. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

ORWELL, George. 1984. Tradução de Wilson Velloso. 29a. ed. São Paulo: Companhia Edit-
ora Nacional, 2005.

232
Referências

PEREIRA, Gustavo de Lima. A pátria dos sem pátria: direitos humanos e alteridade. Porto
Alegre: Ed. UniRitter, 2011.

SOUZA, Ricardo Timm de. Levinas e a ancestralidade do Mal: Por uma crítica da violência
biopolítica. Porto alegre: EDIPUCRS, 2012.

______________________. Em Torno à Diferença, Aventuras da Alteridade na Complexi-


dade da Cultura Contemporânea.

______________________. Razões Plurais Itinerário da racionalidade ética no século XX:


Adorno, Bergson, Derrida, Levinas, Rosenzweig. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.

______________________. Justiça em seus termos – dignidade humana, dignidade do


mun-do. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

______________________. “Escrever como ato ético”, in: Letras de Hoje, PUCRS, 2013.
(OUTRO) TEXTO– Ricardo Timm de Souza
WARAT, Luis Alberto. O direito e sua linguagem. 2º. edição aumentada, Sergio Antonio Fa-
bris Editor, Porto alegre, 1995.

______________________. Introdução geral ao direito III: o direito não estudado pela teoria
jurídica moderna. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1997.

WOLFF, Maria Palma. Antologia de Vidas e Histórias na Prisão: Emergência e Injunção de


Controle Social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

233
Gabarito
Questão 1

Resposta: Alternativa E.

Resolução: Facilitamos o uso de técnicas jurídicas na aplicação de modelos frios, métodos


de execução mecânicos e como uma máquina, desumano, pois visa-se apenas um objeto
de punição, não mais um homem.

Questão 2

Resposta: Alternativa C.

Resolução: Em testemunhos contraditórios frente ao dedicado à massa carcerária


verificamos que momentos de manifestação são geralmente usados para reforçar a ideia de
que são rebeldes e indisciplinados em suas reivindicações por condições básicas.

Questão 3

Resposta: Alternativa A.

Resolução: Permitir o cárcere dizer é o desafio que testemunhos propõem quando


acolhidos nos estudos criminológicos.

Questão 4

Resposta: Alternativa A.

Resolução: Ao buscar dados em um grupo de detentos questionamos a função


estigmatizante de uma sociedade de controle e seus medos.

234
Gabarito

Questão 5

Resposta: Alternativa B.

Resolução: O respeito aos direitos humanos precisa ser mais do que possibilidade, mas
objetivo do ator jurídico em todas suas decisões, sendo responsabilizado pela ilegalidade
de exposição consciente do cidadão aos tratos desumanos das instituições.

235

Potrebbero piacerti anche