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Mestre em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ, Doutor em Literatura Comparada pela UERJ e PhD
candidate em Romance Linguistics and Literatures, pela University of California, Los Angeles. Atualmente é
Procientista da UERJ e Subchefe do Departamento de Teoria da Comunicação da mesma universidade,
desempenhando as funções de professor do Mestrado em Comunicação Social, onde coordena a linha de
pesquisa "Novas Tecnologias e Cultura". Possui diversos artigos publicados em periódicos nacionais e
estrangeiros sobre temas de comunicação e cultura e literatura comparada. É membro da Modern Languages
Association e do International Center for Borges’ Studies.
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daquilo que ainda escapa ao desejo de digitalização do real, ao impulso de fuga da matéria
tão característico dos discursos da cultura informática. No momento em que penso e
escrevo estas palavras, sinto a matéria de meu corpo em confronto com a matéria da
máquina que uso para registrar materialmente minhas idéias. O texto, por certo, é ainda
imaterial, existindo apenas nos bits e bytes do computador. Contudo, eu já o imagino em
sua forma final: no papel por meio do qual novos corpos e materialidades virão entrar em
acordo em atos de leitura. Desse modo, sinto na ponta dos meus dedos em interação com o
teclado o sinal da inevitável ancoragem física da minha subjetividade. E o texto que
produzo almeja ser igualmente uma expressão dessa afirmação inquestionável do material.
Nas linhas que seguem sugiro, portanto, pensar o corpo como fortaleza final
da matéria; como aquilo que resiste ao mito da digitalização e ao cartesianismo informático.
Contra as fantasias dos epígonos do espiritualismo tecnológico, como Hans Moravec, para
quem a consciência humana poderá prescindir em futuro próximo das limitações corporais 2 ,
este ensaio se apresenta, assim, como uma fenomenologia do corpo-obstáculo. Esse corpo
é um local de múltiplos afetos e inscrições, com certeza. Como na colônia penal imaginada
por Kafka, o corpo deste texto será atravessado por forças que o modelam, que desenham
na sua superfície sem que se tenha necessariamente consciência de tais inscrições.
Contudo, diferentemente do que sucede no conto, o corpo aqui resiste ao aparato singular
(eigentümlicher Apparat) das tecnologias 3 . Sofre suas inscrições, mas não desaparece nem
se entrega por inteiro. Ele pode ser pensado, assim, como um local de combate contra as
tendências imaterializantes do imaginário dominante acerca das tecnologias do digital.
2
Em seu livro mais conhecido, Mind Children: the Future of Robot and Human
Intelligence, Moravec sonha com um futuro próximo quando, por meio da tecnologia, se tornará possível
transferir (download) a consciência humana para o computador. Cf. Hayles (1999: 1).
3
“Es ist ein eigentümlicher Apparat” (‘é um aparato singular’): assim se inicia o discurso
do comandante ao explorador curioso a respeito do funcionamento da máquina na colônia penal. Cf. “In der
Strafkolonie”, em Kafka, F. (1995: 100).
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Sobre o conceito de “homem pneumático” e sobre o impulso de descorporificação na
cibercultura, ver também meu artigo “A Tecnoreligião e o Sujeito Pneumático no Imaginário da
Cibercultura”, a ser publicado brevemente na edição 2004 da Agenda do Milênio Unesco/Universidade
Cândido Mendes.
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Sobre o possível retorno da religiosidade, é possível citar diversos trabalhos recentes:
Vattimo (1996), Moreira e Zicman (1994), Crespi (1999), Maffesoli (1990).
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incorpora” (1996: 8). O que Waite chama de “Nietzsche’s Corps/e” traduz-se, assim, na
noção de que uma filosofia toma corpo, se concretifica e engendra conseqüências materiais,
inclusive no mundo da vida cotidiana (ou, como prefere Waite, da “espetacular tecnocultura
da vida cotidiana”). Não surpreende que o corpo, com todos os seus vetores de
materialidade, venha se converter em principal vítima de um imaginário de
desmaterialização. Como afirma Deborah Lupton,“na cultura do computador, a
corporalidade é representada freqüentemente como uma barreira desafortunada à interação
com os prazeres da computação” (in Bell & Kennedy, 2002: 479)
E não é apenas nos excessos das fantasias da digitalização que o corpo, com
sua materialidade, tende a desaparecer. Alguns discursos que buscam descrever a
experiência mais ordinária da comunicação mediada por computador também não hesitam
6
“No pecado original, onde antes havia sido apalpada a eterna pureza do nome, eleva-se a
pureza mais rigorosa da palavra que julga, do juízo (Urteils)”. Cf. “Über Sprache überhaupt und über die
Sprache dês Menschen”, in Aufsätze, Essays, Vorträge (Gesammelte Schriften, Band II-1), 1991, p. 153.
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MUDs: “multi user domains”, salas virtuais de interação online por meio de jogos
textuais.
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A metáfora é retomada por Andoni Alonso e Iñaki Arzoz, mas dessa vez
com teor crítico. Contra os discursos “tecno-herméticos” da cibercultura, os autores
elaboram um panfleto visando desconstruir, com muito bom humor e ironia, os mitos dessa
nueva ciudad de Dios. Ali, a fantasia do corpo virtual é referida a toda uma tradição
imaginária de libertação das amarras corporais, que vai dos ancestrais animismos até as
viagens astrais de místico sueco Emannuel Swedenborg (Alonso & Arzoz, 2002: 146-154).
Como muitas outras metáforas do discurso cibercultural, também a imagem do corpo
digital torna-se perigosa quando esquece seu estatuto metafórico e é tratada como uma
realidade, atual ou possível (e desejável).
Referências
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hermetismo. Madrid: Siruela, 2002.
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