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MINHA VIDA,

MINHA HISTÓRIA
Nair Lila Z. da Silva

Revisão de Texto
Professora Monserrate

Organização
Professora Maéle Cardoso

2005
Vó Lila
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MEUS ANCESTRAIS

Meus Avós Paternos


Osvaldo Zöelfeld, nascido na Alemanha
Maria Zöelfeld, nascida na Alemanha

Meus Avós Maternos


Alberto Bartinlzque, nascido na Polônia
Maria Bartinlzque, nascida na Polônia

Pai
Gustavo João Zöelfeld, nascido em Paranaguá

Mãe
Julia Bartinlzque Zöelfeld, nascida em Blumenau

Filhos (irmãos)
Maria Lucia Zöelfeld, nascida em Corupá
Nair Lila Zöelfeld, nascida em Corupá
Henrique Zöelfeld, nascido em S. Francisco do Sul

Filha de Nair
Nanci Juliana da Silva, nascida em Joinville

Neto de Nair
Jean Pierre da Silva, nascido em Joinville

Esposo
João da Silva, nascido em Itajaí

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Minha História

Eu nasci no dia 26 de março de 1922 em uma


cidadezinha que era chamada Hansa Humboldt,
atualmente conhecida como Corupá. Ao nascer, meus
pais deram-me o nome de Nair.
Contarei sobre minha infância, conforme
mamãe contava para mim. Ela dizia que eu era muito
bonitinha, loirinha, de cabelos cacheados e olhos
azuis da cor do céu; mamãe e papai chamavam-me
de Lila, nome do qual gosto muito.
Pouco antes do meu nascimento, meus pais
moravam em São Francisco do Sul; meu tio Silvestre,
que também era meu padrinho, era chefe de trem e
todos os dias ele fazia o trânsito entre Corupá e São
Francisco. Depois que nasci, meu padrinho trazia
todos os dias um litro de leite para mim e, quando eu
ia ao encontro dele, ele me trazia no colo. Quando eu
tinha um ano e nove meses, deu uma epidemia de
uma febre muito grande. A febre não pegou só em
mim, mas sim em várias crianças; e era febre que não
baixava. Como naquele tempo não existiam remédios
antitérmicos e não tinha médicos em São Francisco, a
minha mãe tinha que vir a Joinville onde só havia um
médico na rua Princesa Isabel — Doutor Baqueman.
Da estação da estrada de ferro até lá, tinha que ir a
pé. Ele falou para a minha mãe que a febre que eu
tinha chamava-se meningite e isto significava que a
cura seria só por Deus, porque não tinha remédios
para essa doença, só banho de água morna e fria para
a febre poder baixar. A mãe voltou chorando para a

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casa e depois ela me contava que eu fiquei em cima
de uma cama uns cinco anos sem poder sentar e sem
andar. A mamãe não agüentava de tanto sofrimento, a
vida era difícil, ela costurava e fazia pães para os
operários da construção da estrada de ferro. Eram três
filhos pequenos: a Maria Lucia, o Henrique e eu.
Minha mãe já não sabia mais o que fazer. Eu, doente,
nem sentava, a vida toda só em cima da cama que
nem um neném, a mãe estava desesperada, foi ao
quintal, ficou de joelhos e rezou pedindo ajuda ao Bom
Jesus do Parati. Ao falar com Deus, ela disse :
— Meu Deus, entrego minha filha ao Senhor.
Se ela nunca sentar e não puder andar, Deus poderia
levá-la.
Ela tinha medo de morrer e me deixar ficar
sofrendo. Deus e Bom Jesus não quiseram assim.
Minha mãe voltou para casa e continuou a luta de
dona de casa. Um dia, a mãe foi à venda e comprou
uma caixa de madeira e me colocou encostada na
caixa para levar ao sol e, para surpresa de mamãe,
eu não caí nem para trás e nem para a frente. A mãe
saiu para a rua e chorava de alegria. Chamou as
vizinhas, todas diziam que era um milagre porque a
Lila não caiu e todas elas rezaram um terço pelo
milagre. Daí para a frente, a mãe começou a sentar-
me e comecei a segurar nas coisas e a andar. Eu era
sequinha, magrinha e, quando chegou o dia seis de
agosto que é o dia da festa de Bom Jesus, a mãe me
levou para pagar promessa. Ela me vestia de anjo
todo ano, quando era realizada essa linda festa.
Lembro que, da primeira vez, choveu muito e que

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tinha que trocar de roupa atrás da igreja. Desde esse
dia, eu comecei a viver e a enxergar a vida.
Daqui pra frente eu contarei a minha vida até
agora. Minha mãezinha contou que meu pai era
ferroviário e trabalhava em São Francisco e foi
transferido para Hanza, hoje Corupá, e morava em
frente da estação; ali era ponto de trem que chegava
de todos os lugares. Naquele tempo não havia
estrada de rodagem, só havia trem. Um ano depois,
novamente meu pai foi transferido para Curitiba, onde
levava-se um dia inteiro para chegar. Ele foi
conduzindo o trem, pois ele era o maquinista. O trem
era chamado misto, de passageiros e de carga; levava
quatro vagões de passageiros, dois de primeira e dois
de segunda classe. O trem ia de Curitiba a Paranaguá;
víamos paisagens lindas, maravilhosas! Na viagem
tem uma estação com nome “Véu da Noiva”, em
homenagem a uma cascata com este nome que fica
ao lado. Tudo é muito lindo! Após essa estação tem
uma ponte enorme chamada “Ponte de São João” e,
mais em frente, o “Viaduto do Carvalho”, junto ao “Pico
do Diabo”. Neste trecho, o trem passa cravado na
pedra e, ao olhar para baixo, avistamos um precipício.
Ao descer da serra, chegávamos à estação de
Morretes, onde encontravam-se todos os tipos de
frutas. Sempre que passávamos pela Ponte de São
João, meu pai jogava um pedaço de lenha e nós
ficávamos olhando ela cair. Nesse local onde a lenha
caía havia uma cruz representando a memória do
Barão de Serro Azul que, pelo que diziam, foi jogado
lá.

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Chegando em Paranaguá, linda cidade
marítima, sempre ia até a Igreja que fica junto ao
porto. A padroeira da cidade é Nossa Senhora do
Rocio, que concedeu muitos milagres. Em Paranaguá
morava uma tia, muito querida, chamada Maria Selter
Zöelfeld, irmã de meu pai— um amor de tia.
Um médico em Curitiba recomendou que eu
tomasse vários banhos de mar para fortalecer meus
ossos e nervos e ficar mais forte. Por isso, eu ia todos
os dias até Paranaguá com meu pai. A praia ficava ao
lado da casa de minha tia, que me levava ao mar
todas as manhãs e tardes para eu tomar banho.
Naquele tempo, não existiam ônibus mas sim
bondinhos que eram tocados por burros; a passagem
custava um tostão. Era muito gostoso andar de bonde.
Um dia, eu e minha tia estávamos indo à cidade e
aconteceu um fato que não dá para esquecer: uns
estudantes de Curitiba estavam em Paranaguá e
tinham que voltar de trem à tarde. Eles estavam no
bondinho e, em uma curva que dava para o mar, os
burrinhos que puxavam o bonde não queriam mais
andar. Os estudantes tentaram de várias maneiras e
os burros nem se mexiam, então eles pediram para os
passageiros descerem do bonde e empurraram o
bondinho para o mar. Eles saíram correndo para a
estação de trem e, com isso, eu e minha tia nos
divertimos muito nesse dia.
Nessa época, eu praticamente morava com
minha tia em Paranaguá, por causa do mar; meu pai
me visitava todos os dias. Na casa da tia morava um
senhor conhecido como vovô Tito. Antes do almoço,
vovô Tito preparava um copo com uma colher de vinho

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tinto, água e açúcar. Ele me chamava e dizia que eu
era muito fraquinha e aquilo era um fortificante para “a
Lila ficar mais forte”. Não dá para esquecer que meu
pai ia todos os dias me ver. Isso tudo estava
acontecendo quando estava para arrebentar a
revolução, em 1.930. Meu pai esteve na casa da tia e
disse que ia me levar para casa e, quando chegamos
em Curitiba, a revolução tinha começado. Foi um Deus
nos acuda, um barulhão! Isto foi no tempo de Getúlio
Vargas; foi terrível. À noite tínhamos que ficar no
escuro, era blecaute. Mas depois tudo passou. Anos
mais tarde, a gente morava na rua Sete de Setembro,
em frente da rodoviária. Depois fomos morar na Vila
Capanema e fui estudar no colégio Cajuru. Lá fiz
minha primeira comunhão, junto com minhas
amiguinhas; nós brincávamos muito de boneca. Uma
vez, então, nós falamos com a freira, que era nossa
professora, que queríamos que o padre batizasse
nossas bonecas. A irmã falou com o padre Maurício e
ele falou que batizava, só que tinha que ser no
domingo, depois das duas horas da tarde. Lá fomos
nós, as cinco meninas, cada uma com sua boneca e
com a madrinha delas também. A da minha se
chamava Alice. A minha boneca, então, foi batizada de
Alice, em homenagem a sua madrinha. Lembro que o
padre perguntava nome por nome de cada uma na
hora do batismo. Hoje, a minha boneca tem 72 anos,
ainda conservada, porque foi a minha querida tia
Maria Selter Zöelfeld quem me deu.
Naquele tempo, quando nós morávamos em
Hansa, hoje Corupá, e meu pai novamente foi
transferido para Joinville, nós ficamos muito tempo na

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casa de meus avós, enquanto o meu pai estava
arrumando uma casa para morarmos em Joinville.
Meu pai, que era muito afetivo, era maquinista; fazia
as manobras do trem, levava vagões de madeira para
serem transportados de lancha e vagões de trigo até o
moinho, para depois serem transportados a São
Francisco. Finalmente, o meu pai conseguiu a casa e
fomos morar na rua Anita Garibaldi.
Passou um bom tempo e meu pai resolveu
fazer uma casa em terra da estrada de ferro. O terreno
ficava bem no final do triângulo, onde nós todos
tínhamos de trabalhar, arrumando o terreno. E como
nós éramos felizes naquele tempo! Tinha um
negociante com nome de Wagner — ainda hoje existe
essa venda na rua Anita Garibaldi. Esse senhor
financiou toda madeira — tudo da madeireira Leper —
e assim foi construída a casa. Ela tinha uma grande
varanda que era muito linda, sempre cheia de
folhagem. Minha mãe não me criou como se eu fosse
doente e assim, como se nada eu tivesse, tinha que
trabalhar, fazer tudo: lavar roupa, buscar água do
poço, capinar, serrar lenha com uma traçadeira (que
era uma espécie de serrote comprido). A lenha era
apoiada sobre um cavalete para ser serrada. Enfim,
tudo era maravilhoso, nunca escutei a mãe falar: “não
faça isso porque você é doente”.
Deus foi muito bom, me deu meu bom juízo
com o qual consegui fazer de tudo, sem sair de casa
para aprender a fazer crochê, tricô,
pintar, fazer flores... Fazia muitas flores e ganhava
meu dinheirinho costurando para fora; sempre tinha
meu salário e até hoje estou nessa profissão. Minha

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mãe me colocou na escola, no grupo Joaquim
Santiago, que ficava na rua Inácio Bastos, perto da
Igreja Coração de Jesus. Fiquei lá um ano e meio; a
escola fechou pelo motivo que foi construído o grupo
Rui Barbosa, mas ficava longe para eu ir e foi preciso
eu sair. Chorei muito, mas meus pais não podiam
pagar colégio. Mas o que fazer, naquele tempo não
tinha rádio nem nada, eu pensava o que fazer para
poder aprender um pouco mais — nem revistas
tínhamos. Quando aparecia papel embrulhando
compras, eu pegava tudo para poder copiar e ficava
escrevendo. Naquele tempo era com giz na lousa que
se escrevia, porque para escrever com tinta não dava,
porque não tinha papel; então, escrevia na lousa e
assim aprendi muito. Eu só tinha ido à escola um ano
e meio mas a minha vontade de aprender era grande.
Então, com a graça de Deus, aprendi para poder me
defender. Mas como eu seria feliz se pudesse
aprender mais na escola! Tinha uma senhora
chamada Isaura que era zeladora e, na hora da igreja,
na parte da manhã quando tocava o sino, ela me
chamava e dava sempre alguma coisa para comer, às
vezes era chuchu no feijão. A dona Isaura achava que
eu era muito magrinha e fraquinha, ela tinha dois filhos
lindos que trabalhavam na estação ferroviária. Que
Deus a tenha em um bom lugar!
Um dia, eu e mais umas cinco amiguinhas
voltávamos da escola; nós já estávamos na estação —
era no pátio da estação que nós morávamos.
Uma delas, com o nome Maria, começou a caçoar do
meu defeito e eu disse para ela parar “senão eu vou te
bater com a lousa” e ela ainda assim não parou. Eu

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peguei a lousa e dei com força na cabeça dela e a
lousa e o quadro ficaram presos no pescoço dela. Eu
fui para casa com medo, nem queria comer. Minha
mãe perguntou o que tinha acontecido, eu não tive
coragem de contar. Lavei a louça e limpei a cozinha,
subi para o sótão, que tinha dois quartos, e fiquei a
olhar pela janela. Tinha certeza que a mãe da menina
viria falar com a minha mãe. Foi o que aconteceu: ela
veio e trouxe a filha junto. As mães conversaram e
depois a mãe da menina a chamou e perguntou “por
que você fez isso?”. A minha mãe chamou-me e
também perguntou:
—Por que você fez isto ?
Eu falei o motivo: ela estar caçoando de meu
defeito; nessa hora eu já estava chorando. A mãe da
menina deu uma surra nela e minha mãe também me
deu uns tabefes. A mãe da menina fez ela pedir
desculpas e fez abraçar-me e ficamos de bem. Estes
foram casos que marcaram a minha vida.
O tempo foi passando, fui percebendo que eu
era muito alegre; os nossos vizinhos gostavam muito
de mim e eu deles. Quando acontecia alguma coisa,
eles chamavam a Lila; se morria um “anjinho”, era
para eu fazer a coroinha para ele ser enterrado com
ela. Eu era convidada a batizar, ser madrinha. O
primeiro afilhado foi de uma moça vizinha, muito
querida, chamada Maria. O marido dela era o senhor
Jorge. Eles eram casados há poucos anos; o menino
era filho deles e deram o nome de Jurandir. Eu fiquei
muito feliz porque era meu primeiro afilhado. O
padrinho foi o irmão do pai; ele era um moço muito
bonito por nome de Luís. Ele dizia que gostava de

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mim, mas eu não sabia o que era gostar. Se era para
namorar comigo, eu não queria...
Bem, o meu afilhado, Jurandir Correa, era um
afilhado muito querido. Ele estudou com muito
sacrifício; desde que terminou o primário ele foi para a
Tupy e está lá até hoje. Ele se formou em
Engenharia.
Os pais dele tiveram onze filhos. O pai era
pedreiro da estrada de ferro, meu compadre. O
querido Jurandir arrumou uma namorada por nome de
Rizoleta, com a qual ia se casar. Ele me pediu para
fazer um enxoval para ela e eu confeccionei também
o vestido e, no lugar do buquê, eu fiz um longo rosário
de flores muito lindo; até o padre ficou encantado com
o rosário. Foi mais lindo ainda no dia em que o
Jurandir e a noiva vieram buscar as roupas. Ele disse:
— Madrinha, a senhora fique pronta que eu
quero entrar na igreja com a senhora e com o
padrinho João.
Eu chorei e disse: “como vou entrar na igreja se
a tua madrinha é paraplégica?” Então o Jurandir falou
para mim:
— Madrinha, quem entrou a primeira vez
comigo na igreja foi a senhora, e a senhora já era
assim!
Eu chorei muito de emoção mas lá fui eu fazer a
vontade de meu afilhado. Passaram-se os anos e até
hoje sempre nas festas de Natal, Ano Novo e no meu
aniversário ele e a mulher vêm me cumprimentar. Isto
é maravilhoso, conservamos amizade até hoje, como
em toda família. Veja como Deus é bom! Sempre
tenho amizade e muito carinho de todos.

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Bem, vou contar de uma vez em que eu queria
ganhar dinheiro. Foi quando tive idéia de fazer
sapatinhos de bebê para vender, mas como estava
sem condições, tive que pensar no que fazer para
comprar lã. Então, eu peguei o estojo da máquina com
que meu pai trabalhava para fazer limpeza das
máquinas. Ele usava fios de lã; eu catei os fios e os
primeiros sapatinhos saíram. Precisava consegui
vendê-los e fazer o que eu queria: que desse para
comprar um novelo de lã. Fiz e vendi, aí comecei a
ganhar dinheiro. Não parei por aí. A minha mãe tinha
uma máquina de costura daquelas de mão. Eu
pegava roupas velhas, cortava e costurava. Passou
algum tempo e a mãe comprou uma máquina de
costura Singer e, para quem comprava, eles davam
aulas de bordado. Minha mãe trazia tarefa pra fazer
em casa, eu ficava de olho como ela fazia. Quando ela
saía para o centro com a minha irmã, eu aproveitava
para bordar a máquina, que ficava em frente à janela
que dava para a linha do trem. Assim, quando elas
aparecessem, dava tempo de guardar tudo. Mas um
dia eu, muito distraída, deixei a hora passar e não deu
tempo de guardar tudo, e ainda quebrei a agulha. Corri
para o quintal para fazer a tarefa que a mãe mandou
que eu fizesse, que era capinar o quintal. Só que
depois que descobriram o que eu fazia, quando elas
saíam trancavam a máquina; eu não aceitava isso,
sempre queria aprender mais.
Eu queria aprender bem a costurar e falei com uma
pessoa que foi minha professora, dona Rosa. Ela falou
que me ensinava, mas nesse tempo eu estava
precisando arrumar os meus dentes, meu pai disse:

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— Vá a Corupá e fique em casa do seu tio
Julio (irmão do meu pai). O tio disse que eu podia ficar
o tempo que precisasse. Eles tinham quatro filhos, três
moças e um menino; eles só falavam em alemão. Lá
arrumei os dentes no dentista chamado Quezena. Ao
terminar o tratamento, falei para meu tio que eu queria
aprender a costurar, então, ele falou: vou dar uma
bicicleta para você. A costureira ficava longe, perto da
igreja Coração de Jesus, voltei feliz para casa. Agora
só faltava aprender e, para isso, ia para a quadra da
Estação onde ficavam filas de vagões vazios em seis
linhas. Eu ia com a bicicleta, isto sempre aos
sábados, porque a turma não trabalhava, e eu me
segurava nos vagões até me soltar com a bicicleta;
aprendi fácil.
Mas as situações mudaram de rumo: nos
éramos três, Maria Lucia, Mauro Henrique e eu. Meu
pai falou para minha mãe que tinha negócios da
estrada de ferro a tratar em Curitiba. Eu aproveitei e
pedi que ele falasse do meu desejo de aprender a
costurar com a minha tia. Se ela soubesse de alguém
que costurasse para fora, perto da casa dela, me
avisasse; a minha tia falou que tinha uma costureira,
sim. Minha mãe foi falar com a costureira. Ela se
chamava Dona Helena. Ela falou que me ensinava.
Ela tinha um atelier na cidade e costurava em casa,
que era na frente da casa da minha tia. A costureira
falou:
— Pode mandar sua filha que eu a ensino a
costurar.
Minha mãe voltou e me contou a novidade e eu
fiquei muito feliz, papai disse:

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— A Lila vai de ônibus, porque o trem leva o dia
inteiro para chegar lá.
Naquela época, a estrada era de barro, levava
umas cinco horas esse percurso. Para complicar,
demorou mais porque chovia muito. Eu estava
sentada e um senhor de meia idade me perguntou:
— Para onde você vai?
— Para Curitiba.
Foi só o que conversamos. Quando chegou a
Vossoroca, ele me perguntou se eu queria tomar café
e eu agradeci e disse que tinha levado lanche.
Chegamos em Curitiba às onze e meia da noite;
eu estava morrendo de medo que os meus primos não
estivessem a me esperar na parada do ônibus, na
Praça Tiradentes. Todos saíram do ônibus, eu fiquei
até que o primo Pedro apareceu, fiquei feliz. Aquele
senhor falou ao meu primo que estava preocupado
comigo. Eles eram amigos de trabalho, por
coincidência. Isto aconteceu no dia 13 de fevereiro,
então foi se realizando o meu sonho de poder
trabalhar.
Fiquei quatro meses na casa da minha tia para
aprender bem o corte e costura. Os meus tios e minha
prima foram muitos bons para mim. A mãe foi me
buscar ao final desse tempo; voltamos de trem: um dia
inteiro que levava de Curitiba até em casa. Voltei feliz
e comecei a trabalhar. Podiam as freguesas trazer
figurino e pedir pra fazer o que elas queriam que eu
fazia. Naquele tempo, aqui em Joinville não tinha
quem fizesse vestido de noiva. Eu gostava muito de
fazê-los; comecei a ganhar meu dinheiro para poder
me vestir e outras coisas que precisasse. Assim,

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quando aparecia um convite para viajar e passear, se
não tivesse dinheiro não ia; a mãe me ensinou a
trabalhar e ter meu dinheiro para poder me defender.
Eu gostava de fazer meus vestidos sozinha, bem
bonitos; era meu prazer vestir-me bem e minha mãe
nunca disse: não faça por motivo de seu defeito.
Fui levando a vida. Apesar de que nem tudo
deu como eu queria para a minha vida: ser professora
era um sonho que nunca se realizou. Meus pais não
podiam pagar o colégio. Esse foi um sonho que foi por
água baixo.
Mas outras aventuras aconteceram. Um dia, fui
a um salão de beleza para arrumar os cabelos; ele
ficava em frente ao Hospital São José. A dona Rosa,
que era dona do salão, falou que queria vender o
salão e eu já fiquei entusiasmada, fazendo planos. Ela
disse que se vendesse ensinava o ofício em seis
meses e deixava tudo como estava. Eu logo perguntei
sobre o preço e ela disse que tudo sairia por dois mil
réis — esta era a moeda da época.
Voltei para casa e comentei com a minha mãe
sobre a proposta daquela senhora. Ela disse para eu
falar com papai, mas que deixasse ele almoçar
primeiro. O pai chegou e disse:
— O que a galinha choca tem que está feliz?
(Ele falou assim porque o permanente que eu tinha
feito nos cabelos, lá no salão da dona Rosa, me
deixou toda arrepiada).
Depois que o pai almoçou a mãe disse:
— Lila, fale agora, conte para o papai.
Depois de me escutar ele disse:

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— Minha filha, como você quer que eu compre
um salão se esta casa que estou fazendo vai custar
dois mil réis?
Eu não tinha noção do valor do dinheiro; o meu
pai chorou, foi mais um sonho que se foi.
Com a ajuda de Deus, eu fui sempre feliz e com
muita força de vontade e um bom juízo. Era muito
alegre, gostava de cantar. Eles me chamavam de
“canarinha”. Nas noites de luar eu sentava na escada
da varanda e ficava cantando naquela quadra da
estação que ficava no triângulo. Lá tinha uma
comunidade de umas vinte famílias ferroviárias que ali
moravam.
Naquele tempo, não tinha luz elétrica nem água
encanada. Havia um poço para todas as famílias;
quando o poço secava, a máquina da estação ia lá no
triângulo e todos enchiam os baldes para poderem ter
água.
O pai também levava lenha e, quando ele
voltava para casa, sempre trazia nas costas uns paus,
porque os fogões, assim como o forno de assar, não
eram como hoje, pois precisavam da lenha.
Num belo dia de sol maravilhoso, todo mundo
começou a escutar um ronco estranho vindo de cima.
Meu irmão subiu em um palanque e gritava para
do céu: “lá vem uma baleia pelo ar”. Todo mundo
correu para ver o que, na verdade, era um lindo
zepelim. Ele era a coisa mais linda de se ver! Nós não
sabíamos o que era, mas a vizinha que era alemã, a
senhora Chuma, disse que era o zepelim. Ele
comunicava-se com eles; diziam que era enorme

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dentro dele, tinha de tudo, como navio de passageiro.
Isto foi em 1937, aqui em Joinville.
Naquela ocasião, ainda não tinha avião que
aterrissava no campo, era só hidroavião que pousava
na água. Eu conheci um em Paranaguá. Num verão,
minha prima Erna Föelfeld Silter me levou de barco
até a Panair, que era a plataforma onde ele parava.O
hidroavião era lindo, como os que a gente vê em
filmes.
Aqueles eram tempos onde tudo era tudo
lindo e bom, era tudo feito com muito respeito, e muito
simples também. O movimento das pessoas era todo
por trem, não existiam estradas de rodagem. O
Linguado não tinha sido entulhado ainda. Havia só
uma ponte de ferro; depois é que fizeram o entulho
como ainda hoje está o Canal do Linguado.
Naquele tempo não tinha muita diversão para
nós que morávamos na estação ferroviária. O único
divertimento que tinha era mesmo a chegada do trem
de passageiros que chegava às oito e meia da noite.
Eu e minhas amigas gostávamos de ver a chegada do
trem, mas nossas mães nos acompanhavam nisto. Às
vezes, nos finais de semanas, ficávamos na
plataforma ao lado do trem e o pessoal que quisesse
passar pela plataforma para pagar teria que passar
perto de nós. Tínhamos muitos amigos. Aos domingos
íamos para apreciar a chegada do trem e para
paquerar. Muitos namoros começaram ali e até
casamentos aconteceram. Para escrever todos os
nomes das pessoas é muita coisa, só digo que os
pais eram todos ferroviários. Assim, eu também tinha
que paquerar os ferroviários. Mas, para falar a

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verdade, eu tinha era medo e não vergonha que
alguém falassem para mim:
— Você não se enxerga?
Eu ficaria muito magoada se ouvisse isto, então
ficava na minha, e isto me deixava muito triste.
Quando eles falavam em namorar, eu dizia a eles que
eu nunca ia casar enquanto tivesse os meus pais
vivos. Eu ficaria com eles que eram pais maravilhosos
para mim. Realmente, eu nunca fiz nada para deixar
os meus pais tristes, assim foi a minha vida.
Quando o Natal chegava era uma alegria,
vinham as minhas primas de Curitiba, jantávamos com
os amigos; mas eles queriam ir ao baile. Eu nunca
queria ir, mas se eu não fosse eles também não iriam.
Naquele tempo, as moças não podiam ir sozinhas ao
baile, os pais tinham que acompanhá-las. Uma vez,
tivemos que convencer dona Maria Chaves a nos
levar porque as duas filhas dela iam junto conosco.
Para isso, foi preciso pedir ao senhor Chaves para ele
deixar a sua mulher nos levar. Os bailes sempre
começavam às nove horas da noite. O baile era no
salão Fluminense; era um bom clube, ficava no Itaum
e nós tínhamos que ir pelos trilhos da estrada de ferro.
Para minha surpresa, naquele dia o meu irmão, que
era meu amigo, falou com o mestre da linha, meu
compadre, que era para ele emprestar o velocípede da
Ferroviária para nos levar até o clube. No velocípede
só podiam ir cinco pessoas; eu fui com as outras
quatro pessoas e o resto foi a pé. Tínhamos que ir à
estação para perguntar ao telegrafista se não tinha
trem para vir; se tivesse, tínhamos que tirar o

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velocípede dos trilhos. Foi tudo muito bom. Deu tudo
certo.
Ao chegarmos ao salão, Dona Maria, com todas
as moças, arrastou umas mesas para que todos
ficássemos juntas, e aí começou o baile. A orquestra
era muito boa, e todos saíram para dançar, só eu
fiquei. De repente, um moço muito bonito viu que eu
fiquei sem par e veio até mim para convidar-me para
dançar; eu falei que não dançava muito bem. Ele disse
que me ensinava, pedi desculpas e disse não. Eu não
ia falar a ele qual o motivo de eu não saber dançar.
Dona Maria disse que isto era porque eu estava
muito bonita. Eu estava bem vestida, com um vestido
branco todo bordado. Até aí ele não dançou, quando
chegou a meia noite, era o baile de Ano Novo, ele veio
cumprimentar-me e falou :
— Desejo-lhe muitas felicidades, a você e a suas
amigas.
Ele elogiou-me pela minha beleza. Quando foi lá
pelas três horas, a Dona Maria disse:
— Lila, vamos embora porque a orquestra não
pára, é só bis, e suas amigas não param de dançar.
Quando fomos para a porta, ele, o tal moço, notou
que eu era paraplégica e veio ao meu
encontro e falou, todo pesaroso, se eu já ia embora.
Ele disse que ainda era cedo para ir (imagine, eram
três horas da madrugada!) e também disse que eu não
podia ir embora sem perdoá-lo. Eu ri e disse que não
era Deus para perdoar, mas ele insistiu dizendo:
— Quando cheguei ao salão e vi aquela linda
moça disse ao meu colega: ninguém vai tirar ela para
dançar. Eu é que vou dançar com ela. Fui convidá-la a

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dançar e tu disseste que não dançaria. Voltei e falei
com eles que se ela dançasse com outra pessoa eu
acabaria com o baile. Eu falei: ‘’Se ela dançar, eu
acabo com o baile.’’ Eu peço que me perdoe por eu ter
falado assim.
Naquele tempo, não podia “dar balaio”; por que
uma moça vem ao baile e não dança?! É melhor ficar
em casa.
Eu falei a ele: ‘’Se você dançasse com uma de
minhas amigas elas iriam dizer o motivo de eu não
dançar”. Pediu-me mil desculpas e convidou-me para
domingo ir ao matinê. Eu falei:
— Pode esperar que eu vou. Me espere no
Cine Palácio.
Só que antigamente as nossas mães não
deixavam sair assim tão fácil. Eu pedi e a minha mãe
disse que não, porque eu já havia saído no dia
anterior. Foi pena! O moço era de Porto Alegre, ele
era lindo! O nome dele era Alberto. Essa foi mais uma
lembrança que marcou a minha vida.
Eu até que andava bem, apesar do meu defeito.
Era bem magrinha e fazia meus próprios vestidos, eu
gostava de fazê-los bem bonitos. Sempre que
terminava um vestido, ia ao fotógrafo, que ficava na
frente da Catedral, marido de uma amiga de minha
irmã, Dona Érica. Certo dia, fiz um lindo vestido azul e
lá fui eu tirar uma foto. Foi uma foto postal, ela ficou
muito bonita; o fotógrafo a colocou na vitrine da loja. Aí
foi uma confusão, uns foram perguntar ao fotógrafo se
aquela foto era de uma pessoa tirada da revista ou se
era de uma artista. Ele falou que a pessoa da foto era
conhecida e de uma família maravilhosa. Eles

21
pediram a foto. Ele falou que nunca poderia fazer isso.
Passando um tempo, eu voltei lá e o fotógrafo disse:
— Lila, levei um susto, a tua foto que estava na
vitrine desapareceu! Eu acho que roubaram. E o que
fazer?
Vejam como muita coisa aconteceu comigo. Eu
sempre era convidada para festas de casamento, lá na
Corveta do irmão do meu cunhado. Numa dessas
vezes, fomos de carroça. Eu tinha, naquele tempo,
conhecido um moço que morava em São João de
Itaperiu. Ficamos amigos, ele estava servindo o
Exército e, de vez em quando, nos encontrávamos na
estação. Para surpresa, lá no casamento da Idazina vi
que ele era seu primo e estava lá. O nome do moço
era Emanoel Silveira. O casamento estava lindo e
novamente nos encontramos na festa do Senhor Bom
Jesus de Araquari. Depois veio a Guerra e os moços
soldados tiveram que ir para a luta. Ele foi convocado
para ir também. Realizou-se um grande desfile na Rua
do Príncipe para os que iriam para a guerra. Os pais
foram dispensados para despedida da família e, como
ele não tinha parentes em Joinville, foi a minha casa
despedir-se de nós. Chegou a chorar na hora da
partida, que estava marcada para as quinze horas. A
banda do batalhão estava a tocar. Foi muito triste,
todos choravam. Dava pena, pois o Emanoel não tinha
parentes, ele disse:
— Nair, aqui você representa a minha família;
diga aos outros que gosto muito deles e de você
também.
Ele levou o meu endereço e a minha foto. Primeiro
eles foram a Caçapava, em São Paulo, e depois para

22
o Rio de Janeiro; finalmente, para a Itália. Foram de
navio e ele escrevia cartas para mim e para a família
dele. Os irmãos vinham buscar em minha casa as
cartas para eles. Passando os anos, a Guerra acabou.
Eles iam voltar, meu pai, por trabalhar na estação,
veio avisar que o trem especial com os pracinhas
estava voltando. E lá fomos todos nós para ver a
chegada, que era para as sete horas da noite. Para
minha surpresa, o Emanuel chegou gordo e forte e
falou:
— Nair, você é maravilhosa. Você foi a última
que vi ao partir e a primeira que, ao voltar, encontro. E
agradeço a você e a Deus por dar-me esta grande
alegria.
Nós nos abraçamos e choramos de alegria por
ele ter voltado com saúde. Ele estava em minha casa
e ficamos muito amigos.
Outros fatos se passaram em minha vida, outras
surpresas aconteceram também. Eu era muito alegre
e estava sempre feliz. Duas de minhas amigas iam se
casar em São Francisco. Uma era a Áurea Pacheco e
a outra era a Anazilda; elas me convidaram para
ajudar a fazer os doces do casamento. Meus pais
eram os padrinhos do filho Moisés. Eu falei para minha
mãe se podia ir e ela disse para eu falar com meu pai.
Ela também falou que se eu tivesse dinheiro tudo bem,
porque a passagem ele não pagaria. Meu pai, sendo
rodoviário, não pagava. Então, lá fui eu com a Mazilda
que veio buscar-me e, depois do casamento, fui para a
casa da Áurea Pacheco, que casaria no sábado.
Fizemos os doces, porque naquele tempo não tinha
doces para comprar, só fazendo em casa. Mais uma

23
surpresa aconteceu após o casamento da Áurea.
Como era domingo, a irmã da Áurea, a Maria
Pacheco, falou:
—Lila, vai ter uma domingueira no salão do
Gustavo.
Ela fez de tudo para eu ir junto, mas eu não
queria, ela falou que se eu não fosse ela também não
poderia ir. Então resolvi ir. De Paulas até a cidade nós
tínhamos que ir de canoa e tinha que passar por um
lugar que chamavam de Rabo Azedo. A Maria falou:
Lila, se a canoa virar, você segura forte na
beirada da canoa. A minha mãe e a mãe da Maria já
estavam ao lado do salão, em casa das filhas do
Senhor Pacheco Branco. Lá fomos nós ao Salão do
Gustavo, isto em São Francisco. Estavam todos a
dançar e não levou tempo um moço veio e convidou-
me para dançar. Era uma valsa. Falei a ele que eu não
dançava; ele não acreditou, foi para o Porto e ficou a
olhar-me. Quando estava para terminar a festa, a
Maria veio e disse:
— Como vamos embora se não tem carro para
nos levar?
Eu perguntei se o trole não poderia nos levar.
Ela disse que o dono já havia desencilhado os
cavalos. Eu perguntei onde ele estava e ela falou:
— Foi aquele que te convidou para dançar. Sai
de perto de mim que eu vou dar uma olhada para ele
e, quando ele estiver conversando, você chega e
pergunta como nós iremos embora. Eu arrumo para
ele nos levar à praia dos Paulas.
Mas nem deu tempo, foi só uma olhada para ele
e já veio para perto dela. Nesse momento, eu voltei e

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fiz de conta que não sabia que ele era o dono do trole,
então eu disse:
— Maria, e o dono do trole onde está?
— Ele está na sua frente.
Aí eu disse:
— Você nos leva para casa?
Ele disse que levava só se eu sentasse na
frente. Eu respondi que sim e perguntei qual era o seu
nome, ele falou Antonio Chei. Ele encilhou os cavalos
e lá fomos para a casa de Seu Pacheco. Ao
chegarmos em casa, ele foi convidado para comer e
beber, pois ainda era festa do casamento. Estávamos
comendo e bebendo quando o Antonio me perguntou
qual era a cidade em que eu morava. Conversamos
muito e me perguntou quando eu ia voltar. Eu disse
que na terça-feira. Ele falou que na segunda-feira ele
viria para conversarmos melhor. Para mim estava tudo
bem. Mas depois que ele se foi, ficou combinado que
na segunda-feira, com o trem das sete, nós iríamos
embora. O moço ficou na saudade; ele falou ao
Senhor Pacheco:
— Que pena, gostei muito da Nair Lila, vou lhe
mandar uma carta. Recebi, mas não respondi.
Um belo dia ele veio pessoalmente pedir-me para
namorar com ele, mas como eu não pensava em
namorar nem em casar — eu tinha medo — respondi
que não queria. Eu lhe disse:
— Olha, Antônio, você arrume outra que te
faça feliz.
Mas ele disse que era a mim que ele queria.
Falei para ele que se o destino mudasse, poderíamos
nos reencontrar um dia e sermos felizes. Como já falei

25
antes, naquele tempo eu pensava em “como poderia
namorar se um dia ele poderia me dizer algo que me
deixasse triste?”. Um dia, fui convidada para ir a São
Francisco em uma festa de Nossa Senhora das
Graças. Fomos eu e minha amiga Belinha, ficamos na
casa da família Malaquia. À noite, nós fomos para a
novena que era na praça; nós tínhamos hora para
voltar e, como estava uma noite de luar muito linda —
e eu adoro, sou apaixonada por noite de luar—
quando estávamos voltando eu tropecei e caí. Fiquei
de joelhos e comecei a dizer poesias e cantar para a
lua. Vinha voltando uma turma de moços e eles
falaram:
— Olha, caiu uma artista do céu.
Todos ficaram a bater palmas e a agradecer-
me.
Bem, em primeiro lugar, eu gosto muito de mim
e gosto muito de Deus. Sem ele nada somos. Gosto
muito também de meu aniversário. Uma vez, minha
mãe, à noitinha, foi à casa da vizinha e falou para eu
não ir. Eu fiquei na janela que dava para o quintal da
dona Belica e vi duas meninas a rir com a lamparina
acesa. No outro dia era meu aniversário e, quando
chegou a tarde, as duas filhas da vizinha, Célia e
Lélia, apareceram como uma caixinha. Eu perguntei o
que estava dentro da caixa, mas elas mandaram abrir.
Ao abrir, levei um susto, pois era um sapo. A turma ria
que não podia mais; desde esse tempo eu fiquei
resolvida a não mais abrir pacotes. Todos os meus
aniversários são uma festa. Uma vez, eu ganhei um
lindo pacote e não queria abri-lo. Mas a turma insistiu:
“Abra! abra!”. Lá estava um montão de cigarras secas

26
e, no meio delas, um lindo vidro de perfume. Perguntei
por que das cigarras e o Osmar falou:
— Você é como as cigarras que vivem a cantar.
Sempre foi uma surpresa atrás da outra, nós
subíamos na máquina da estrada de ferro em que o
pai trabalhava. Quando chegava o final do ano, era
Natal e era tempo de Reada. A turma da comunidade
saía a cantar na porta das casas e, ao chegar o Ano
Novo, o meu pai ficava a esperar com a máquina a
funcionar e todos íamos para a estação a tocar o sino
e a máquina a apitar e as crianças batendo com
tampas de panelas. Cada família fazia um doce ou
pão, era a festa com o maior respeito e alegria. Dona
Belica dizia:
— Vamos fazer reada da melancia! Ela fazia os
versos e íamos a cantar na porta do mestre de linha,
que era o Abílio, com uma vela acesa para poder
enxergar. “Aqui estamos em vossa casa a cantar, se
não der a melancia nós na roça vamos roubar”. Ele
voltava e, ao abrir a porta, víamos uma mesa cheia de
melancias e caranguejos. Era muito divertido! Quando
era tempo de fogueira, no dia de Santo Antonio e de
São João, a mulherada fazia a fogueira. Os homens
faziam a de São Paulo e de São Pedro. Todos se
juntavam e faziam pinhão, pipoca, batata doce, o
tradicional quentão, que não faltava. No triângulo tinha
uma oficina de construção de vagões de estrada de
ferro; do outro lado era o começo da Hanzl. Ali, os
operários eram todos russos e era terra batida. Nesse
lugar, a turma dançava ao som de um acordeon e de
um violão. Era muito bom, nós éramos muito felizes!

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Certa época, eu e minha amiga Dirce fomos a
Corupá para uma festa de São José, dia 19 de março.
Ficamos em casa de Dona Guilhermina, mãe da
amiga Mena. No Domingo, fomos para a festa; éramos
cinco e a festa era atrás da igreja, em frente ao
convento. Sentamos num banco e ali ficamos a
apreciar a festa. Passando o tempo, a amiga falou:
— Olha Lila, aquele moço não tira os olhos de
você. E eu que já tinha percebido, nada falei. Era um
lindo loiro. Elas falaram:
— Ele é professor. Mandou a moça que estava
a vender a rifa a me entregar uma rifa. Eu recusei,
então ele mandou doce e refresco para nós. As
amigas falaram que eu tinha sorte, porque ele até
aquela hora não tinha namorado com ninguém. Eu
pedi para as amigas para irmos embora porque estava
sem jeito, eu pensei: ao sairmos, ele vai notar o meu
defeito e notar qual o motivo que eu não olhava para
ele.
Bem, no outro dia tivemos que voltar e pegar o
trem para Joinville, que passava em Corupá, às seis
da tarde. Nossa amiga foi à estação conosco. Ela foi
embora quando viu que um moço vinha falar comigo.
E não deu outra, ele chegou e se apresentou:
— Sou Edevarde Dias Fernandes, sou de
Florianópolis estou fazendo estágio aqui.
Ele queria saber meu nome, eu falei e não deu
mais para conversar, o trem estava de partida. Lá foi
ele, mas passando uma semana recebi uma linda
carta pedindo para namorar comigo e vir em minha
casa. Eu respondi tudo a ele e disse o de
sempre: “arrume outra que lhe faça feliz, porque não

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quero que seja infeliz.” Eu tinha em mim a certeza que
nunca iria me casar. Mandei a carta e passando dois
dias veio a resposta. Foi outra linda carta a qual está
gravada em minha memória. Ele escreveu dizendo:
“Meu Deus, como uma moça tão linda, tão alegre e
feliz, pode ser tão cruel para com ela mesma?! Você
faz uma injustiça tão grande com você mesma! Mas
olha, Nair, eu não estou preocupado com o defeito
mas sim com a pessoa que é você. Para mim, estará
eternamente em meu coração, pronto para um dia
casar-me contigo. Sempre terei a sua imagem em meu
coração. Mesmo assim, fico a esperar que um dia
mudes de idéia e ficarei a esperar-te. Deus a proteja.
Edevarde Dias Fernandes.” Ele foi transferido de
Corupá para Xanxerê. Eu pedi a ele que não mais me
escrevesse porque eu iria a Porto União, minha irmã
estava morando lá, e não sabia quando voltaria. E
desejei que ele fosse feliz.
E a vida continuou, eu costurava para todas
minhas amigas e então resolvi dar aula de corte e
costura à tarde e à noite. Fazia os vestidos de noiva
que eu adorava fazer. Como já disse antes, naquele
tempo não tinha para comprar pronto aqui. A turma
das aulas da noite começava às sete horas indo até as
nove horas. Eu adorava; tinha meia hora para
conversarmos e para rirmos, depois voltávamos à
tarefa normalmente. Tinha um português, era um
mestre de linha, que tinha muitos filhos. Um deles, que
chamávamos de Zeca Português, vinha sempre para
perturbar as moças. Ele sempre tinha alguma coisa
para contar. Um dia ele falou:
— Ó Lila, tem novidade para você!

29
Eu e a turma ficamos curiosas. Então fale,
Zeca, nós estamos curiosas.
— Olha Lila, chegou um moço de fora, viu você
e está apaixonado.
— Eu não conheço!
— Mas ele te conhece e falou que vai namorar-
te e é para casar!
Eu disse para gozar com a turma:
— É com este que vou casar!
E ficou nisto. Passou o tempo, mas acho que
Zeca alguma coisa falou para ele. Não sei quanto
tempo passou, eu e a amiga Dirce sempre íamos às
novenas. No mês de maio sempre tinha novena na
Catedral; no fim do mês sempre tinha Coração de
Nossa Senhora. Eu e ela, quando nossas mães
deixavam, não perdíamos; mas tinha hora para voltar.
Minha amiga Dirce estava gostando de um moço
chamado Edgar Dunzer e, para poder vê-lo, tinha que
ir à novena. Bem, quando estávamos no ônibus, a
amiga, como já conhecia certo moço, disse:
— Estás bem sentada? Então prepara-te,
disfarça e olhe para trás que o Edgar está sentado
com ele (o tal que o Zeca falou) e ele está usando
uma capa de chuva.
Outra noite, o Zeca apareceu em minha casa e
começou a falar sobre o moço. Então eu disse:
— Olha, vai você e ele para o inferno. Você
está louco, e não mais me aparece aqui que não
quero saber.
Mas o destino é que manda em nós. Passando
um tempo, nós fomos visitar uma amiga em frente à

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estação, a Rozinha Chelque e, como o trem estava
atrasado, a mãe disse:
— Não fique esperando pelo pai, porque ele
tem que esperar o trem chegar; às vezes ele tinha que
tirar vagões especiais. Para surpresa nossa, quando
íamos indo dois moços surgiram. Eram João e Edgar e
nos alcançaram. Eles começaram a falar e nós íamos
respondendo; eles também moravam na quadra da
estação, na madeireira do Leper, e lá eles
trabalhavam.
Indo para casa, a mãe que estava esperando a
nossa volta avistou e logo notou que alguém nos
acompanhava, então falou:
— Venham já para casa.
Então lá fui eu para a minha e Dirce para a
dela. Antes, os dois perguntaram o que iríamos fazer
no sábado, Dirce falou:
— Nós vamos ao cinema.
Mas a mãe nunca que deixaria irmos sozinhas
ao cinema. Bem, quando chegou sábado, Dirce pediu
à mãe dela e eu pedi para a minha para deixar-nos ver
o trem chegar. Ficamos felizes, pois deixaram a gente
ir. Bem, sentamos nas escadas de nossas varandas
de onde dava para ver lá na madeireira. Eles estavam
lá, pois os dois fumavam. Dava para ver pelo cigarro
aceso e depois não mais vimos. Então decidimos ir e,
ao descer para a ponte e pegar os trilhos, para a
nossa surpresa lá estavam os dois. Nós morávamos
no triângulo, onde a máquina fazia a volta. João e
Edgar conversavam, a conversa não demorou muito
tempo, a minha mãe veio à varanda e falou braba:
— Se querem namorar é para entrar!

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E com tudo isso os dois foram embora e a Dirce
também. Passou um tempo eles apareceram
novamente e foi quando eu falei ao João:
— O que você quer aqui?
Ele disse:
— Quero namorar você.
— Ah, você quer namorar? Pois bem, eu não
sirvo para ser babá de ninguém. Se for assim, pode
seguir seu caminho.
Então ele falou:
— Olha Lila, se fosse para fazer isso, nunca
que eu iria te procurar.
— Olha bem para mim e veja como eu sou.
Graças a Deus, não tenho medo de trabalho nenhum,
pois minha mãe me criou e me ensinou a fazer de
tudo. Mas pense bem, porque até hoje não tive
namorado que trouxesse em casa. Olha,
tenho muito medo de sofrer!
— Isto não vai acontecer, porque eu já gosto
muito de você, disse ele. Escolhi você para ser minha
noiva.
Foi quando minha mãe falou para entrarmos
para conversar melhor. Foi aí que ele começou a
freqüentar nossa casa, mas era só aos sábados, das
sete às dez e aos domingos, das três às dez. Na hora
do jantar ele ia embora e voltava somente às sete
horas e ficava até as nove, porque segunda é dia de
trabalho. Nas quartas, era somente das sete às nove;
esse horário era sagrado. Na casa da Dirce era a
mesma coisa. E fomos namorando, começamos em
junho. Outro ano ia chegar. Na Páscoa tinha muita

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costura a fazer; quando chegou sábado de Aleluia
estava uma linda noite de luar eu falei:
— Que noite mais linda!
João disse:
— Quer noivar hoje? Já estou com as alianças
aqui.
Então eu perguntei:
— É isso mesmo que você quer?
— Estou esperando que você me aceite como
seu noivo.
— Então vamos entrar.
Estávamos na varanda da casa, então
entramos, meu pai e minha mãe estavam na sala de
jantar. João falou com meu pai e minha mãe e ficamos
noivos.
O tempo foi passando, minha irmã era casada,
já tinha dois filhos e foram morar em Porto União da
Vitória e lá eles ganharam dois filhos. Os primeiros
eram a Valbete e o Antonio; os gêmeos Maria Cristina
e Mario Gustavo vieram depois. Meu irmão também
era casado e tinha uma filha chamada Jandira. Eu e
Dirce começamos a namorar no mesmo dia mas,
como o Edgar Dunzer já estava viúvo e tinha dois
filhos, precisava casar logo. Então resolveram casar
no dia vinte e seis de março, que é dia de meu
aniversário. Eu tive que entrar em ação para fazer o
vestido da noiva o qual ficou lindo. Fui cedo para
arrumar a noiva que também morava na quadra da
estação de ferro, em cima do morro. A casa existe até
hoje. Eu deveria voltar cedo mas acabei ficando. Meu
noivo viria almoçar em minha casa no domingo.
Naquele tempo não era como hoje em dia, namoram e

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já passam o dia e até dormem, mas o que fazer? Isto
é a vida moderna! Só duas vezes meu noivo João
almoçou em nossa casa e aí foi falado para
marcarmos a data do casamento; então foi marcado
para dezessete de dezembro. Foi aí que começou a
minha luta. Com a ajuda de minha mãe, começamos a
fazer enxoval. Eu já tinha algumas coisas, pois sempre
vivia fazendo. E, como eu costurava, não tinha graça
eu mandar fazer o meu vestido de noiva. Como eu não
queria que ninguém o visse, comecei a fazer
escondido. Eu comecei primeiro a fazer as flores do
buquê, que fiz de camélias de cetim e pequenas
florzinhas; ele ficou lindo. Fiz as flores para enfeitar o
vestido, mas tudo era feito em segredo, para que
ninguém visse. Depois fiz a coroa, que era arranjo
para a cabeça. Aí, fiz o meu vestido — e tudo
escondido das freguesas e amigas. Elas perguntavam
quem ia fazer o meu vestido, eu dizia que era a minha
cunhada que também era costureira. Um dia, eu
perguntei para o meu noivo:
— Puxa vida, você marcou o dia do casamento
mas não disse onde vamos morar.
João falou:
— Você não quer morar aqui com a sua mãe?
— Você é louco! Se é para casar e para ficar
morando aqui, então pegue a sua aliança e vai ser
feliz.
— Se fizer casa não dá para comprar nada.
Não vai dar para fazer uma casa grande.
— Faça uma casa pequena, que seja cercada e
coberta. Eu não quero mais nada, só uma casa.

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E foi quando ele saiu para procurar terreno.
Mas como minha irmã e cunhado foram morar em
Porto União, eles tinham um terreno que estavam
pagando e, como eles iam perder o que pagaram,
resolveram vender. Meu pai ficou com o terreno, então
eu entrei com a minha proposta, falei para meu pai e
minha mãe venderem o terreno para mim, o pai ficou
bravo e disse:
— Lila, você está ficando louca!
Assim ficou e, um dia, um senhor, seu Paruca,
procurou o pai e falou:
— Eu quero comprar o terreno.
Eu estava junto e disse ao pai que queria para
mim, seu Paruca ficou brabo e perguntou:
— Pra que você quer o terreno ?
Então eu perguntei:
— Pra que o senhor quer?
— Eu tenho duas filhas e, quando for para
casarem, poderão fazer casa lá.
E meu pai falou:
— Pode ser, mais tarde.
E assim ficou. Nesse meio tempo, meu noivo
estava à procura de terreno. Como ele não sabia o
que eu estava arrumando, um dia João falou:
— Amanhã, sábado, nós vamos ver o terreno.
— Acho que não vou mais precisar, pois estou
fazendo negócio com o terreno do meu pai.
Depois falamos com meu pai e minha mãe. Meu
pai precisava fazer um documento no cartório;
perguntei por que, ele disse o motivo. Assim tudo
estava certo, tínhamos que pagar depois que
casássemos. Fomos para ver o terreno e, como o rio

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passava no meio dele, teria que mudar o rio para o
lado, no fundo do quintal. Foi combinado um mutirão
para cortar o rio. Os irmãos do João — Pedro e José
— e meu irmão Quico, os sobrinhos e amigos
trabalharam muito. Então, foi feita a mudança do rio;
ele agora já não passava pelo meio do terreno, ficou
bom. Agora era só começar a casa, mas como não
tínhamos dinheiro, eu resolvi entrar em ação. Eu tinha
muitos afilhados, resolvi falar com o primeiro
compadre. Ele era mestre de linha, cuidava da
arrumação da estrada de ferro e do pessoal da turma
até Corupá. Lá fui eu, todos moravam na quadra da
estação de ferro. Cheguei e perguntei:
— O compadre está? Eu quero falar com ele.
Assim o meu compadre perguntou:
— O que a senhorita Lila quer?
Eu falei:
— Eu estou precisando de ajuda para começar
a fazer uma casa.
— Olha, comadre, quem faz casa é porque vai
casar!
— Acho que sim, se der para fazer uma
pequena casa vamos casar e, como o senhor trabalha
com muito material e eu vou precisar de cal, cimento,
pedra e de tudo o que puder...
Ele, brincando, falou:
— Onde eu coloco tudo o que a “senhora”
pede?
— Pode pôr ao lado da rua Santa Catarina, que
pegarei com uma carroça para puxar para o terreno.
Fiquei feliz por ter ganhado alguma coisa;
agradeci muito por tudo que ganhei. E, como tinha

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muitos compadres, lá fui falar com o compadre
Mendes, que era carpinteiro e poderia armar a casa.
Cheguei e falei:
— O senhor quer fazer uma casa para mim?
Ele falou:
— Eu não sei fazer casa, eu só faço rancho.
— É isso mesmo que eu quero, Senhor
Mendes.
Depois de muita conversa ele falou que iria
fazer. Falei para ele que podia fazer tipo bangalô, ele
falou que não sabia fazer. Foi quando eu chamei a
afilhada, Jurema, e pedi para trazer uma caixa de
fósforos. Ela perguntou por que, mas eu apenas
peguei a caixa e comecei a montar uma cobertura
como a de uma casa tipo bangalô. Ele disse:
— Fale com o seu noivo e coloque a madeira
no espaço do triângulo que eu começarei a fazer a
armação.
Como o noivo trabalhava na madeireira Leper,
que ficava na estação, foi feita a armação. Depois, era
preciso transportar de carroça para o terreno. Foi feito
mais um mutirão para poder levantar a casa que foi
cercada e coberta. Aí, mais uma vez, tive que apelar
para outro compadre. Lá fui eu pedir mais um favor
para o compadre Zezinho, que era pedreiro, para fazer
um fogão a lenha. Se não fossem os meus queridos
compadres, talvez a casa não tivesse saído; e que
Deus os recompense e ajude. Assim ficou a casa, sem
janela só uma porta, o assoalho sem cepilhar, sem luz,
sem água. Naquele tempo dava muita enchente. A rua
antigamente era a Rua da Raia Corrida de Cavalo —
hoje chama-se Presidente Wenceslau Brás. A frente

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era toda cercada com cascalho, depois que
resolveram lotear e vender lotes. Lá não tinha ônibus,
tínhamos que andar a pé ou de bicicleta. Venda só
tinha uma: “Casa Nova”, que era pequena e junto ao
Salão de Baile. Nos dias em que tinha baile, eles
soltavam muitos foguetes para anunciar que iria ter
baile, que começava às oito da noite.
Bem, vamos para o preparo para o casamento.
Fui para arrumar a casa, mas arrumar o quê? Não
tinha móveis, só uma cama com colchão de
palha que a mãe comprou. Eu tive que rasgar a palha,
foram três sacos para encher o colchão. Na sala
coloquei os bancos que meu irmão e João fizeram e
coloquei a caixa de enfeites como toalhinhas. Eu já
tinha muita folhagem, assim enfeitei e ficou
bonito. Eu nem estava preocupada pelos móveis, eu
só queria ter uma casa, que era o principal. Foi
marcado o casamento para o dia dezessete de
dezembro; o meu pai e a minha mãe me chamaram e
perguntaram:
— Lila, vai querer festa em teu casamento?
Eu perguntei:
— Por quê?
— Se você quer festa vocês vão pagar o terreno. Se
não quiser só vão pagar a escritura. Porque quando a
minha irmã casou a festa durou três dias.
Eu falei:
— Negócio fechado.
Foi uma boa. A escritura foi feita no cartório; eu
e meu noivo gastamos muito, porque a casa estava
para terminar. Era muita coisa que faltava, mas o que
faltava mesmo era o dinheiro para poder acabar. No

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dia marcado para o casamento foi quando terminei o
meu vestido, ficou muito lindo. A mãe preparou um
bom almoço, gostoso, para os padrinhos. Eles eram
meu irmão e a minha cunhada para a igreja e, para o
civil, seu Mique e dona Rosa. Para o noivo, foi o irmão
dele com a noiva e seu Artur Martins e a esposa. O
casamento estava marcado para as cinco horas da
tarde. Às seis horas da manhã tínhamos que ir à
missa para nos confessar e comungar, para depois
poder casar na Igreja Coração de Jesus. Amanheceu
um lindo dia, chegou a hora de arrumar-me; naquele
tempo o casamento civil era feito em casa. Minha
amiga perguntou se precisava de ajuda. Eu falei que
se precisasse eu a chamava, mas na verdade queria
me arrumar sozinha. Quando abri a porta do quarto,
todos estavam na sala à espera, foi uma surpresa
para todos, e todos falaram:
— Como você está linda!
Então começou a cerimônia, foi quando
dissemos o “sim” perante o escrivão. Bem, chegou a
hora de irmos para a igreja, foi muito lindo. De minha
casa para chegar a pegar o carro tinha que andar pelo
trilho da estrada de ferro, que era um triângulo, e
passar mais seis trilhos para chegar na madeireira.
Eu, de braço com meu irmão, ouço alguma coisa ao
chegar à linha; fiquei surpresa e perguntei o que era
aquilo.
Imaginem só! Os vizinhos da Anita Garibaldi
que me conheciam estavam lá e eu, sorrindo,
abanava para todos. Era muita felicidade! E surpresa
para eles também, pois nunca tinham visto uma moça
defeituosa casando. Bem, ao chegar à igreja foi mais

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lindo ainda! A igreja estava cheia com as minhas
amigas, freguesas, as afilhadas que conheciam o
pessoal da estação, telegrafista, duas daminhas, uma
sobrinha, Valbete e Jurema — as duas muito lindas,
Enfim, no altar o padre colocou um banco todo coberto
de renda para nos ajoelhamos e foi dito o “sim”.
Recebemos os comprimentos na igreja e fomos para o
fotógrafo que ficava em frente à Catedral. Ele nos fez
rir muito e, assim, voltamos para casa. Lá tinha uma
festinha que durou até as três horas da madrugada.
Bem, chegou a hora de deixar a casa de meus pais e
acompanhar meu noivo. Foi aí que comecei a pensar
e a ficar triste... Ter que deixar a casa de meus pais
não sabendo o que poderia acontecer e acompanhar
um homem! Olhei para trás e chorei. Mas tinha que
enfrentar a vida. Naquele tempo não tinha táxi, mas
tinha um convidado que tinha carro e falou que nos
levava para casa, na Presidente Wenceslau Brás.
Aproveitamos para trazer os presentes. A rua era só
barro e vala e, como não tinha luz na rua nem na
casa, o João ao pegar um estojo com as minhas
bijuterias deixou abrir e tudo foi ao chão. Então, foi a
luz de uma vela que nos ajudou a ajuntar tudo. Ao
entrarmos em nossa casa com a vela foi romântico e
lindo.
No domingo, já à tarde, recebemos visita. E aí
foi a luta: a casa só estava cercada, sem forro nem
assoalho; era madeira bruta, sem janela de vidro, sem
luz, sem água, sem banheiro, enfim faltava tudo. Na
segunda feira, o marido já tinha que ir para o trabalho,
porque ele pertencia ao sindicato e tinha que
trabalhar. Para buscar água, um vizinho tinha um poço

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e dava água — só para beber. Para buscar mais água
era lá onde hoje é a Sociedade Floresta. Tinha que
passar nos fundos do terreno e lá tinha quatro pés de
jabuticaba. Embaixo deles tinha um poço de água, só
cavado, e essa água era só para lavar. Como o rio
passava ao lado e ao meio do terreno, João fez uma
caixa de madeira e um rancho para lavar a roupa e, à
noite, cercava com cobertor para poder tomar banho.
Isso tudo foi maravilhoso, eu adorava.
Bem, era preciso cepilhar o assoalho. Então,
emprestei o cepilhador de um meu compadre para eu
trabalhar com ele no assoalho, às tardes, quando meu
marido ia para o trabalho. Uma tarde, não tranquei a
porta e, quando olhei, ali estavam as vizinhas Araci
com duas filhas e Dona Ondina com suas filhas. Elas
falaram:
— Deixe de ser boba!
Mas não deixei. Outro dia fiz uma tranca de
madeira e tranquei a porta. Elas vieram mas a porta
estava trancada, elas chamaram:
— Deixa disso e venha conversar!
Eu pensei: o que eu tenho para conversar?
Mais triste foi para terminar o serviço, porque faltava
tudo: luz, água, janela e banheiro. Meu marido
trabalhava na madeireira da Leper e deu uma crise de
falta de serviço. João pertencia ao sindicato e ele
ficava lá das seis da manhã ao meio dia e depois até
às seis da tarde, para ver se era chamado, mas nada
de serviço. Quando foi para casar, meu pai e minha
mãe me chamaram e falaram: Vocês vão casar, mas
vão arcar com as responsabilidades de vocês. Não
queremos saber de nada de bom nem de ruim, vocês

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é que devem resolver tudo. Nesta altura não podia
reclamar de nada, a gente pensa que vai casar e não
precisa mais costurar e, como eu costurava desde os
quinze anos, quando foi para casar dispensei as
minhas freguesas porque ia casar. Assim, caí do
cavalo bem caído. Eu falei com meu marido: você vai
falar com a mãe para ela emprestar a máquina de
costura, que era tocada a mão, para poder arrumar as
suas roupas. A mãe falou:
— Leva, mas a Lila tem que costurar para nós.
Eu é que fazia toda a roupa do pai dela que era
uniforme, paletó e tudo mais”.
Foi quando chamei as minhas freguesas de
volta para poder costurar e ganhar um pouco, para
que nos pudéssemos passar a viver melhor. Bem, até
uma vizinha, para ter certeza que eu costurava
mesmo, trouxe uma boneca grande para fazer um
vestido de boneca. Eu fiquei a pedir a Deus o que eu
devia fazer. Foi quando Deus disse: faça. E fiz o tal do
vestido para a boneca. A minha mãe soube de nosso
problema e começou a nos ajudar. Ela fazia pão e
tudo mais e repartia conosco. Minha vizinha também
contribuía.
O tempo foi passando, começamos a criar
galinhas, marrecos e tudo mais. E, para surpresa
minha, descobri que estava grávida. A minha gravidez
foi muito boa, nunca precisei ir ao médico, sempre
trabalhando. Fui fazer o enxoval esperando que logo
chegasse o dia de ganhar o bebê. Meu irmão estava
reformando a casa e pediu ao meu marido para
ajudar. Quando ele saía do serviço, e como era só o
trilho da estrada de ferro que separava as casas da

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mãe e a do mano, a minha mãe falou: venham para a
nossa casa. E nós fomos, para João poder ajudar o
meu irmão. Quando estava chegando o dia, como
naquele tempo não tinha maternidade, a parteira que
atendia a minha irmã e todos por ali foi me examinar.
Ela me disse: é para noite. Mas se passaram três dias
e ela falou que era preciso chamar o médico. Foi
chamado o Doutor Condeixa, ele aplicou uma injeção
e falou que era para madrugada; e nada. Quando ele
voltou novamente falou que ia me levar para o
Hospital para ser feita a Cesariana. E assim foi feito.
Nasceu uma linda menina. Era um domingo, dia vinte
e cinco de fevereiro de mil novecentos de cinqüenta e
um. O Doutor perguntou:
— Qual vai ser o nome dela?
Eu falei:
— Vai se chamar Nanci Juliana.
Ele falou:
— Que nome mais lindo, de onde você tirou?
Eu respondi:
— Eu gosto muito de Francisco Alves, ele que
canta essa valsa, “Nanci”. Eu sempre dizia que se um
dia eu casasse e tivesse uma filha teria o nome de
Nanci.
Minha filha cresceu com muita saúde, graças a
Deus. Ela mamou até um ano e meio. Quando ela ia
dormir, lá do quarto, ela falava:
— Mãe, durmo?
Eu falava:
— Durma!
Ela perguntava:
— Fecho o olhinho?

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Eu respondia:
— Fecha!
Então eu saia da máquina de costura e dava
um beijinho e cobria ela. Era um anjo bom que eu
tinha, um doce de menina. E chegou o dia de ir para a
escola; ia toda feliz com seu uniforme azul e branco,
era um galeguinha linda, estudava no grupo João
Colin. Estava chegando o dia dela começar a ir para a
doutrina, para fazer a primeira comunhão. Era um ano
de doutrina; minha mãe e meu pai eram os padrinhos
de Nanci. A minha mãe deu o vestido de primeira
comunhão. Eu e João fizemos uma festinha com um
bom almoço. Para mim, foi o dia mais feliz de nossas
vidas: o dia da primeira comunhão da nossa filha!
Nanci terminou a quarta série e foi estudar na escola
Rui Barbosa; ela também estudou na escola do
Senhor Nelson Miranda, fez datilografia e Comércio.
Terminou e foi procurar emprego. O primeiro, foi na
casa Edgar Alem e, mais tarde, como a venda ia
fechar, mandaram ela embora. Mas logo ela
conseguiu outro.
A vida foi passando, sempre trabalhando; eu
costurava e nós criávamos porcos, galinhas, marrecos
e perus; eram uns setenta animais. Quando uma filha
do Boce, a Sema, ia casar, vendi treze marrecos.
Nanci vendia verduras para a vizinhança: alface,
repolho e tudo que tinha. Era até divertido ver tudo o
que a gente fazia!
Quando Nanci ia fazer quinze anos fizemos
uma festinha, eu e minha irmã. Ela me ajudou a fazer
o bolo, que foi em forma de um leque. Só convidamos

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amiguinhas, umas quinze; ela estava feliz junto com
as amigas.
Assim, foram passando os anos. Ela sabia
bordar, fazia crochê e bordava na máquina, fazia
chinelo e sapato para vender. Ela tinha quatro vestidos
de crochê que ela mesma tinha feito!
O que atrapalhava naquela época eram as
enchentes. A gente sofria muito com elas. Era muito
trabalho: acabava de limpar uma e vinha outra. A
minha cozinha ficava sempre cheia de água. Um dia,
meu pai estava lá em casa, porque a mãe estava no
hospital, e deu uma enchente muito grande. O pai
ficou apavorado, ele disse que queria limpar tudo
aquilo no meio da noite. Eu disse a ele que amanhã
iria fazer isso: “Vamos dormir, que amanhã eu limpo”,
eu disse. E fiz que ia dormir, depois eu voltei para
fazer a limpeza. Era só lama que ficava na cozinha e
banheiro; ficava tudo dentro da água. O fogão que era
a lenha, geladeira, armário, enfim, tudo ficava imundo.
Isto era constante, assim era a minha vida.
Passando mais uns anos, meu marido já
poderia se aposentar por insalubridade. Quando ele
deu entrada nos papéis, começou o conflito: ele
começou a beber e não mais parou. Sofri muito, era
dia e noite que não parava mais. Ele não aceitava
mais nada, ele não trabalhava mais, a minha luta
dobrou, o que ele recebia não dava porque era só
para a bebida e cigarro. Ele não mais comia, só bebia,
foi ficando cada vez pior e não dava para passar. O
salário dele era só um, eu tinha que fazer milagre, foi
ficando cada vez pior. A filha queria levá-lo ao médico,
ele ficava brabo e mandava que ela se fosse. Para ele

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ir ao médico foi preciso a filha falar com meu afilhado
Jurandir. Foi quando ele veio visitar o padrinho; falou
para ele, que estava de cama:
— Olha, o senhor fique pronto porque às duas
horas da tarde eu venho buscar o senhor e levar ao
médico.
Meu marido brigou muito mas foi e teve que ser
internado no hospital São José, onde ele faleceu. Foi
muito triste, porque o esteio da minha casa caiu. Ele
era uma pessoa muito trabalhadora, sempre em
serviço muito pesado, mas como Deus é bom, deu-me
muita força e tive que tocar a vida. Com o passar do
tempo, a vida mudou. Minha filha, que estava
trabalhando, encontrou um homem de quem gostou. O
resultado foi que Nanci teve um filho muito lindo e foi
criado por nós: a mãe, Nanci, e nós, os avós. Quando
o avô morreu, o menino tinha sete anos; o nome dele
é Jean Pierre da Silva. Passando anos, o Jean
estudava e fez um curso de informática e não tinha
nem quatorze anos quando teve que ir trabalhar para
poder ajudar em casa. Mas foi muito bom, graças a
Deus. É um bom neto, hoje já está casado com Tânia,
com a qual tem três filhas: Eduarda Juliana, Carolina e
Maria Clara; uma tem dez anos, a outra tem sete e a
outra tem dois.
Bem, a minha filha sofreu muito dos nervos,
sempre estava em tratamento em Curitiba, onde ficava
sempre em casa de nossa tia Olga. Eles gostavam
muito dela, tinha uma prima e elas se davam muito
bem. Era ela que sempre acompanhava a Nanci para
ir ao médico. A Nanci trabalhava no escritório de
contabilidade que ficava ao lado de casa; junto com

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ela trabalhavam também muitas amigas. O escritório
era do Nelson, contabilista. Depois teve que se afastar
do trabalho por causa da hipertensão. Ficou pelo
I.N.P.S encostada. Depois disso, foi passear um
pouco onde temos sobrinhos, em São José. Ela
aproveitou a Lurdes, que trabalhava na Center Carro,
e a levou para fazer todos os exames. Mas nada
adiantou, a Nanci estava internada há um bom tempo,
estava sempre em tratamento e com depressão, mas
nunca deixou de trabalhar. Era muito trabalhadora,
sabia fazer de tudo. Era muito linda e honesta, ela era
meu braço forte. Eu sempre dizia isso, e agradecia a
Deus por me dar uma filha para que, na minha velhice,
tivesse quem cuidasse de mim.
Mas, enfim, foi tudo diferente. As coisas não
acontecem como nós queremos e sim como está tudo
traçado na nossa vida. Foi em um domingo, o filho de
Nanci tinha que viajar para São Paulo para prestar
serviço. Ele pediu a mãe para levá-lo à rodoviária e
voltar. Ela tinha comprado um chevetinho para
passear um pouco. Estava tudo bem até quando
chegou segunda feira e a minha filha Nanci levantou,
tomou café e disse para mim:
— Mãe, vou lavar as paredes da casa por fora.
Eu disse:
— Deixe para lavar mais no final do ano (era
julho), que vai estar mais quente, porque tem muita
cerração. Ela aceitou, arrumou a casa, eu fiz o
almoço, ela limpou a cozinha e foi fazer os trabalhos
que ela bordava. Ela fazia muito chinelo para vender.
Quando era pelas cinco da tarde eu disse:
— Nanci, vai comprar banana e pão para fritar.

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Ela foi com a netinha, ainda conversou com as
amigas. Eu perguntei:
— Queres que eu frite?
Ela falou:
— Deixa que eu frito.
Então aprontou e me chamou:
— Mãe vem que está pronto!
Tomamos café eu, Nanci e a neta dela, que era
a vida dela de tanto que ela gostava. Eu fui para a
máquina de costura, a filha foi para o trabalho dela na
sala e, quando eram oito e meia, eu falei para Nanci:
— Vou deitar-me porque me deu uma gripe muito
forte, com tosse.
— A filha perguntou:
— Mãe, tomou o seu remédio?
— O meu remédio é um pouco de cachaça com
café quente, eu disse.
Tomei e fiquei quentinha, a tosse passou mas
não dormi. Eu escutei um pisar forte de Nanci, mas
não perguntei o que foi e, logo em seguida, do quarto
de Nanci veio um barulhão forte. Como eu estava
com a cadeira de rodas do outro lado da cama, eu fui
de joelhos ao quarto dela. Ela estava caída e
levantava o braço. Chamei: Nanci, Nanci, minha filha!
Ela não atendeu. Eu fui pegar a cadeira de rodas e
pedir socorro, mas não me ouviram. Outra vez pedi
socorro para as vizinhas, todas correram, foram
chamados os socorros e não vieram, porque estavam
atendendo outros. Meus vizinhos chamaram táxi e a
levaram para o hospital. Quando eram três da
madrugada, ela foi levada para o Regional. O médico
constatou derrame cerebral, a pressão subiu para

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trinta e não houve recursos. Nanci ficou lá seis dias e,
quando foi domingo, dia três de agosto, a minha filha
partiu para a eternidade. Foi muito triste, o filho de
Nanci estava em São Paulo a trabalho e o Seu Paulo,
que trabalhava com Jean, telefonou e disse a Jean
para voltar que a mãe dele estava internada. Na
terça-feira o filho de Nanci voltou. Mas ele pensava
que a mãe não estava tão mal, o Senhor Paulo o levou
até o hospital e, ao chegar, encontrou a mãe mal. Ele
chamou pela mãe três vezes e Nanci não dava sinal
de vida. E foi aí que o filho caiu em desespero, voltou
para casa arrasado. Ele falou: o que será de mim sem
a minha mãe! Foi muito triste quando domingo ele e a
mulher foram ao hospital, como todos os dias eles
iam, e às três da tarde ela partiu, não resistiu. A Nanci
Juliana, meu Deus! Como foi triste o meu desespero e
do neto Jean! A dor de perder a única filha que eu
tinha! Eu fiquei desesperada, achei que não iria
agüentar. Mas Deus é maravilhoso, nos dá forças para
poder sobreviver. Pude contar com a turma da igreja
Messiânica, que ia todos os dias em minha casa;
todos foram muito admiráveis, não me abandonaram.
Sequer fiquei um dia sem receber atenção deles e dos
meus vizinhos, que amo de coração. Os parentes
também, os sobrinhos, apesar deles morarem longe,
não mediram esforços e estavam ao meu lado para
dar-me força e coragem, para mim e para o meu neto.
O tempo ensina a gente a aceitar as provações da
vida. Estavámos em uma situação delicada, mas veio
a ajuda de uma sobrinha que mora em Curitiba; foi ela
quem nos socorreu. A sobrinha e afilhada, Tânia Mara
da Silva, tem um coração de ouro; eu agradeço a

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todas e todos que me socorreram. O meu muito
obrigada, e que Deus os abençoe e faça feliz cada
um. Todos bem merecem que eu os ame muito. .
Passando um tempo, o meu neto veio do
trabalho e disse:
— Vó, eu estou com um problema.
Eu falei:
— Você é um homem, resolva sozinho.
Ele falou:
— Mas desta vez a senhora é que tem que
resolver.
Eu falei:
— Você tem mulher, deve resolver com ela.
Então fale o que é.
— Um senhor que trabalha em Itararé convidou-
me para trabalhar lá. Esse senhor falou: "eu vou viajar
e quando eu voltar me dê a resposta".
Eu falei ao Jean para falar com sua mulher e
depois falar com seu sogro, para ver o que eles iam
dizer.
O neto falou que só queria a minha resposta,
porque só iria se eu fosse junto. Mas eu disse que
não iria, apesar dele dizer que não iria aceitar a
proposta de mudança. Mas a proposta era melhor do
que estar trabalhando aqui. Ele sempre iria prestar
serviço lá. Pedi a Deus para ajudar, para ele resolver.
Eu via que ele andava triste; ele perguntou:
— O que a vó resolveu?
Eu disse a ele que iria, mas depois que fizesse
um ano da morte de Nanci. Isto porque a Igreja
Messiânica cultua os que partem com um culto
especial lá no Salão Sagrado. Em um ano eu teria que

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ir em Guarapiranga, para assistir a esse culto especial.
E assim foi feito: todos nós fomos assistir ao culto pela
alma de Nanci Juliana. O Jean ficou contente de eu
resolver ir junto com eles para morar em Itararé, mas
foi só para animar ele. O neto falou:
— Vó, eu vou e trabalho um mês e depois eu
venho buscar a mudança.
E assim ele fez. Depois desse tempo, veio com
o caminhão para levar a mudança e a mulher. A Tânia
já estava com a mudança pronta, era só carregar. Ele
me perguntou:
— Está pronta, vó?
Falei a ele:
— Estou, é só isto! Para que levar tudo se
vocês já têm tudo?
E assim fomos; os meus vizinhos não queriam
que eu fosse para ficar e lá. Eu fiquei só um mês.
Não via a hora de voltar para meu cantinho, que foi
construído com muito sacrifício, muito amor e muito
carinho. Depois eles eram jovens, tinham que
enfrentar a vida sozinhos. Não devia tirar a liberdade
deles para, mais tarde, darem valor à vida, que é
maravilhosa. A vida bem vivida!
Passaram-se anos; já faz três anos que eles
lá estão, em Itararé. Eles gostam muito de lá. E eu
aqui, em minha casa, junto com Deus que sempre
está comigo. Junto com minhas vizinhas, amigas e a
minha prima Dalva. O esposo dela que é o Jozenir e
a filha, Vanessa. Eles sempre estão em contato
comigo por telefone, para saber se eu preciso de
algum favor. Eles estão sempre prontos para me
atender e, quando eles vão a Piçarras visitar a mãe e

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a tia Leoni, sempre me levam, são maravilhosos.
Estando junto com eles, não se pode ficar triste: é um
casal maravilhoso, eu adoro eles. Eles não acreditam
que já estou a pagar meu funeral; essa é uma causa
muito certa, mas tudo bem! Que Deus dê muitos anos
de vida para eles e para todos que me querem bem.
Ao meu lado moram muitos moradores; já passaram
seis famílias por aqui. O Senhor Paruca, Senhor
Poleza, Dona Mina, Senhor Elédio e a Marcia, Cida e
Jali e Senhor Amauri e Dona Marina, Elizete, Claudia.
Eles eram um amor de bondade. Os filhos se casaram
e formaram famílias; vieram as filhas e os filhos
deles, que são como meu netos queridos, e fazem de
tudo para me ver feliz. Mais para frente, mora Dona
Edite que também tem os filhos. Quando eu precisava
deles, eu colocava um pano de prato em cima de uma
porta; da casa deles dava para ver o pano e eles
corriam para ver o que eu queria.
A Dona Edite com o filho Betinho é que são os
padrinhos do Jean Pierre. Ela tem uma filha que é um
amor e que está morando nos Estados Unidos;
sentimos muitas saudades dela. Os meus sobrinhos,
que são filhos da minha irmã, moram em São José
dos Campos. Quando eles fizeram uma churrascada,
pelo motivo da partida para os Estados Unidos do
jovem Rafael e esposa, para fazer surpresa para ele,
inventaram de buscar a tia Lila, “para ficar a festa
mais linda”. Isto tudo foi feito pelo Senhor Gustavo,
que fez acontecer o encontro de todos os sobrinhos e
filhos deles. Todos são um amor de bondade e me
querem bem como eu os amo. O Senhor Antonio tem
quatro filhos. A Soraia fez um grande almoço e jantar

52
naquela ocasião. Ela já aqui esteve com o seu lindo
filho a me visitar; estivemos na festa da Fenachope;
ela gostou muito. Tem também o Tonho, que também
sempre vem me visitar e me deixa muito feliz. Para eu
voltar para casa, o Zé fez uma surpresa. Eu perguntei
quem iria me levar para casa, o Zé falou:
— Não se preocupe que está tudo resolvido.
E, para a minha surpresa, ao voltar ele disse:
—Tia, amanhã às três horas nós vamos para
Joinville de avião.
Eu sempre pensava que um dia ainda iria
andar de avião antes de morrer. Foi o que
aconteceu; o Zé veio me trazer de avião! Saímos
de São José às doze horas, teria que estar em
Cumbica às duas para partir às três. Eu não
acreditava e perguntei ao Zé quando pegaríamos
o avião. De São Paulo a Joinville só leva uma hora
e quarenta minutos. E que viagem maravilhosa!
Nunca poderei pagar tudo o que o Zé fez por esta
velha tia Lila. Eu o amo muito e rezo a Deus que o
proteja para sempre e que seja feliz junto com
todos de sua família. Todos são uns doces de
bondade para com a tia Lila.
Ao entrar no avião eu perguntei: quando
vamos entrar? o Zé disse:
— Tia, já estamos no avião.
Que viagem inesquecível! Já ao chegarmos a
Joinville meus amigos lá estavam esperando; o Jean
com a família estava lá também. Isto era meu sonho,
isto tudo aconteceu, foi meu sobrinho que teve a
idéia. Eu não quis acreditar, fiquei muito feliz, pois
esse sempre foi meu sonho, mas só ficava em sonho.

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Agora seria realidade e fiquei muito feliz de voltar para
Joinville. Isto é que é felicidade! Quando bate a
saudade nesses queridos parentes, eles vêm nos
visitar. Tem também a Maria Julia do Roberto, que
mora em Ponta Grossa e não mede distância e vem
me ver também. Tem os sobrinhos da parte de meu
marido, todos me querem bem. A Tânia é sobrinha e
afilhada e foi a que me ajudou muito quando a minha
filha partiu. Ela que ajudou com o funeral. Só Deus é
que poderá ajudar para que ela tenha muita saúde e
para que seja feliz junto com a mãe, Olga, e os
irmãos. Eu amo todos, apesar de eu estar em uma
cadeira de rodas.
Em um Natal, um sobrinho, Tide, e o Roberto
compraram um presentão, me chamaram e disseram:
— Tia Lila, este é seu presente, agora poderá
sentar e passear.
Eu comecei a chorar eles falaram:
— Se continuar a chorar, nós vamos devolver.
Eu falei:
— Eu estou chorando de alegria de poder sair
e andar um pouco.
Eu agradeço a Deus e a eles que sempre
pensam em me fazer feliz. Eu, apesar de estar em
uma cadeira de rodas, sou muito feliz assim como sou
e Deus sempre está comigo. Tenho o amor de minhas
amigas e de todos os parentes. Eu conservo
amizades desde o tempo de menina, por isso sou
feliz.
Sabem, eu gosto muito de mim mesma. Sei
que para gostar dos outros temos que gostar de nós
mesmos. E lá veio março, mês que eu gosto porque é

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mês de meu aniversário e, como disse antes, como
eu gosto muito de mim eu adoro meu aniversário, isto
desde criança. Pensei e pedi a Deus para me ajudar
a fazer alguém feliz nessa época. Eu ia fazer
aniversário, convidei umas setenta amigas para um
festinha, mas disse que elas não levassem presente
e, sim, um quilo de alimento não perecível. Foi feito
no Casa Grande, um restaurante aconchegante e em
um lugar bonito. Um dia depois da festa, os alimentos
foram levados para a Igreja Coração de Jesus, para
serem doados em cestas básicas. Foi gratificante, a
turma fez uma homenagem e, para surpresa, até o
jornal A Notícia lá esteve. A repórter, fazendo
entrevista, perguntou qual era o motivo daquele ato.
Eu falei: “meu coração é que pede, eu sei que não
vou matar a fome de todos, mas vou amenizar um
pouco”. Outro dia saiu a foto com a entrevista no
jornal, falando dos setenta e oito anos da Vó Lila.
Quando fiz setenta e nove anos, a festa foi feita
em casa, com todas as amigas, netos, bisnetos e
Tânia. E assim foi quando eu ia fazer setenta anos:
minha filha Nanci transformou a casa em uma floresta
cheia de cartas. Uma falava assim:
“Mãe e Vó: este é um dia lindo porque é o dia
de seu aniversário. Esperamos que se repita
inúmeras vezes em sua vida, irradiando cada vez
mais amor.” Outra carta: “Mãe, a você que pensa em
tudo e em cada um de uma forma muito especial,
desejamos um aniversário muito especial, marcante e
feliz. Que ela faça parte da sua coleção de Gratas
Lembranças. 26-03-92”.
“Mas nada neste mundo é comparado a você, a

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pureza, a beleza do seu amor me eleva e, por isso,
muito mais eu te amo. Sua filha Nanci Juliana e neto
Jean Pierre.”
“Mãe, vou te dar uma flor para ajudar a enfeitar
ainda mais um dia tão bonito como o dia de seu
aniversário. Jean Pierre 26-03-92. Felicidades.
Parabéns pelos seus setenta anos, vó Lila.”
Ganhei uma corbelha com setenta rosas
vermelhas e com um café da manhã. Isto tudo foi
surpresa de meus sobrinhos que moram em São José
dos Campos, em São Paulo. Um deles que é o
Anacleto, o Nego — todos tinham apelido; ele é
casado com Milene e têm três filhos. Nego e Milene
vieram me buscar para passar uns dias com eles. Lá
moram quatro sobrinhos. O Antônio tem quatro filhos
que são um amor de pessoas; tem o Gustavo, que
tem quatro filhos, o Mario Cristóvão tem dois filhos, as
esposas deles são todas um amor de bondade. O
Nego e Milene combinaram com todos irmãos e
sobrinhos que já são casados e resolveram fazer um
linda churrascada em homenagem à tia Lila. O Nego
com a filha combinaram e me levaram ao Super
Shopping e lá me deixaram e depois foram buscar.
Voltando, começou a festa com filmadora, com violão
e muita cantoria. E lá estava a tia Lila a cantar junto. A
festa foi pela madrugada; a boa vizinhança de Milene
pensou que ninguém tinha tomado banho e resolveu
jogar um balde de água pelo muro para todos
tomarem banho. Foi muito divertido. Domingo fui para
casa do Mario, que é o mano da Nadir. À noite fomos
para casa da Soraia e Fernando, fizeram festa com
muita pizza e vinho. Era maravilhoso estar em

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companhia deles. Foi ótimo! Passando dois dias, o
Mario me levou para a casa do Senhor Antônio. Fiquei
dois dias lá em companhia deles. O filho de Lucas era
muito preocupado com a tia Lila. Depois voltei para
casa do Zé e Lurdes. Eles já estavam a minha espera
em frente à casa. Mal deu tempo deu de entrar e ele
já pegou a cadeira comigo e saiu pela rua afora, foi
até o bar que ele freqüenta e chamou a turma para
me apresentar “esta aqui é a tia Lila”. E fez
propaganda do que eu faço e sobre o vinho que eu
gosto. Ao chegar em casa, estavam a esposa, filhos e
genros, todos são uma turma que eu adoro, só devo
agradecer a Deus por eles. Quando parti de lá onde
eu estive, pedi a Deus que os protegesse e que
vivessem felizes para sempre com toda a família .
Passando um tempo, era a semana de
preparação de Natal. Tive muito trabalho e muita
visita também. Vieram me cumprimentar e presentear;
o meu afilhado Jurandir não pôde vir, mas a esposa
dele veio, a Rizoleta. Ela trouxe um dos filhos, são
três, todos me chamam de madrinha e não me
abandonam, assim como os meus vizinhos, que são
todos maravilhosos, eu os adoro. Mas também, já faz
cinqüenta e um anos que eu aqui moro! Se meu
marido estivesse vivo, faríamos bodas de ouro.
Infelizmente, faz vinte e dois anos que ele partiu para
outro mundo. Fiquei preocupada com o neto que mora
em Itararé: ele telefonou e falou que tinha batido o
carro quando voltava da festa da firma. Assim, ele não
sabia se daria para vir passar o Natal em minha
companhia, com a família, pela falta de passagem.
Preparei um jantar, fiquei a esperar sozinha, eu

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rezava e pedia a Deus: “Não me deixe passar o Natal
sozinha”, porque só o que resta da família é esse neto
que minha filha deixou. Para minha alegria, tenho
muitos sobrinhos, só que todos moram longe e fui
jantar sozinha. Mas não consegui, fiquei vendo TV.
Já ia deitar-me, era muito tarde, foi quando as
meninas bateram na porta. O meu coração ficou feliz.
Agradeço a Deus por não me deixar passar o Natal
sozinha.
Passando o Natal, fomos passar a noite de Ano
Novo na praia de Navegantes. Lá mora uma sobrinha
que é a Tânia do Jairo; ela tem um filho, o Tiago, ele é
um amor de menino, jóia de bondade. A mãe da
Tânia, que é minha cunhada, também estava lá, todos
estavam lá. Mas ao chegar, fiquei muito triste de
encontrar a Tânia muito doente que dava pena. Ela
era muito forte, cheia de vida, muito alegre. Tive que
fazer de conta que nada ela tinha. Passamos a noite
de Ano Novo em companhia de todos. Fizeram uma
ceia muito gostosa, foi muito bom; nós todos
estávamos juntos. O Senhor Jairo, marido da Tânia,
não estava lá porque era político e era posse dos
governos. Mas, à meia noite, ele telefonou para todos
e falou também comigo: “Ah tia, como é bom que a
senhora aí está para fazer a Tânia um pouco mais
feliz”. Ela é sobrinha e afilhada. Foi muito bom nós
todos juntos. No outro dia, depois do almoço,
voltamos e passamos em Piçarras, em casa de uma
prima, Leoni, onde fomos muito bem recebidos.
Tomamos um bom café e voltamos.
Tudo isto devo ao meu neto que é maravilhoso,
muito bom. Deus o fez vir ao mundo para cuidar desta

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avó que tanto precisa de ajuda. Eles moram em
Itararé, uma cidadezinha de São Paulo. Como já disse
antes, faz dois anos que moram lá, e eu lá estive por
três vezes. O neto vem me buscar e me trazer de
volta. Sempre temos que passar em Ponta Grossa.
Ele quer que eu more perto dele mas eu não
acostumo lá; aqui é a minha vida, todas as vizinhas
são muito boas de coração. Com a ajuda de Deus
aqui moro meio século de vida, com a companhia dos
vizinhos. Tenho minha casa, que eu e meu marido
João lutamos com muito sacrifício para construir.
Infelizmente, ele já morreu e aqui fiquei eu a lutar com
muita dificuldade. Mas a gente tendo Deus em nosso
coração tudo se torna mais fácil.
Eu tenho muitos netinhos emprestados que eu
amo muito e também tenho duas bisnetas, que são
filhas do meu neto: Eduarda Juliana e Carolina. São
umas bonequinhas!
Ao lado de minha casa tem uma vizinha, muito
querida, a Dona Mariana. O Roberto Carlos vinha
para Joinville fazer um belo show que seria no Centro
de Eventos Cau Hansen. Dona Mariana me convidou
para ir com ela, eu disse que não por causa da
dificuldade de ir com a cadeira de rodas. “Não é
trabalho nenhum”, disse ela. E lá fui eu. Ao chegar, a
polícia tirou a cadeira do carro e levou-me rampa
acima. Agradeci a eles pelo belo trabalho, entramos
no teatro. Um senhor que cuidava do local disse para
entrarmos onde ficavam as cadeiras. Veio outro
senhor e falou: a senhora pode ir até em frente ao
palco. A Mariana ficou sentada ao meu lado. O
Roberto Carlos começou a cantar, foi até a meia noite

59
e meia. Um lindo espetáculo! Ao terminar, Roberto
Carlos chamou-me para ir até o camarim dele. Lá fui
eu com a vizinha, ele nos beijou e conversou, pediu
para que rezássemos pela Maria Rita. Tiramos foto
junto com ele nos abraçando, foi maravilhoso! As
moças diziam: “Eu quero ser a senhora”, quando a
polícia pegou na cadeira para pôr em cima do palco.
Eu pensava: eu quero ser vocês, para poder andar.
Mas Deus é quem sabe, nós temos que aceitar as
provações que ele nos manda.
Em setembro, meu neto Jean Pierre ia fazer
aniversário; ele queria que eu fosse para Itararé
passar com eles e lá fui eu. A Tânia preparou uma
surpresa para ele ficar feliz. Estava muito bom, fiquei
duas semanas e pedi para trazer-me de volta, não me
costumo lá. Voltei para a minha casa que é meu
paraíso, com Deus e meus vizinhos que são minha
família, todos muito bons.
Nós temos aqui muita festa, como a
Fenachope. Eu tenho uma amiga, Cristina, que há
quatro anos me visita e faz convite para me levar à
festa. E eu é que não posso dizer não! Ela vem me
buscar, me leva para jantar e para a festa do Chope,
às vezes embaixo de chuva. Ela não quer saber, anda
por lá empurrando a minha cadeira, bem feliz. Isto é
que é ser uma pessoa de bom coração! Quando é
madrugada, me leva de volta. Isto acontece todos os
anos e, mais ainda, ela vem passar em nossa rua
com o caminhão da Fenachope, com as moças e os
moços em trajes típicos, com gaiteiro e barril de
chope. Pára em frente à minha casa, descem e
dançam, enquanto ficam a tomar chope bem gelado.

60
O que é uma maravilha é quando juntam as vizinhas,
tomam chope juntas. Isso é muito lindo, porque eu
adoro tudo isso. Uma sobrinha, que é a Soraia, filha
do Antonio, também tomou parte da festa. Ela estava
me visitando e gostou muito. Ela mora em São José
dos campos, em São Paulo; a festa ficou mais linda
ainda porque ela estava com o filhinho, que é um
amor. Isto é felicidade e eu devo tudo isto a Deus que,
a cada dia, me faz mais feliz. A vida é linda para ser
vivida com muito amor e paz.
Nós, em Joinville, temos o lar Abdon Batista
que recolhe crianças abandonadas. Mais um ano de
vida: meus setenta e nove anos estavam chegando.
Resolvi fazer a Páscoa para as crianças; pedi a uma
amiga para ir até o lar para falar com a diretora. E lá
foi a Nenê em meu lugar, falou com a Irmã. Ela
aceitou, mas disse não poderia ficar nem uma criança
sem cesta de coelhinho e que eram oitenta e oito
crianças. Foi quando eu pedi para as amigas que, em
vez de presente, trouxessem uma cesta de páscoa. E
assim foi feito: consegui noventa e oito cestinhas! A
festa foi feita no Planeta Festa, um lugar próprio para
festas. A minha casa era só coelhinhos de Páscoa,
porque faltavam uns dias para ser o dia da Páscoa.
Com ajuda de uma linda menina, Roberta, resolvemos
deixar tudo arrumadinho lá. Quando faltavam dois
dias para a Páscoa, pedi para as amigas Dona Mima,
Maria, Ede e um lindo moço que tem um coração de
ouro que tinha uma caminhonete, para levar, com
ajuda da Roberta, as cestinhas. Ao chegarmos, as
crianças estavam a cantar uma música do coelhinho;
era preciso ver a alegria em cada rostinho. Umas

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falavam que nunca ganharam uma cesta de páscoa,
outras falaram a repórter da Notícia, que lá estava. A
gente tinha que chorar ao ver aqueles olhinhos a
brilhar de felicidade. A repórter me perguntou porque
eu fiz isto tudo, falei que era a maneira mais fácil de
fazer alguém feliz, porque eu gosto muito de crianças.
Se eu pudesse, faria muito mais porque é muito fácil
fazer alguém feliz.
Ao completar oitenta anos, resolvi fazer a festa
em casa. Encomendei alguns doces e eu e a Tânia
fizemos o que faltava. A Tânia resolveu enfeitar a
casa com muitos balões e não faltaram as velhas
amigas e vizinhas que nunca esquecem da amiga
Lila.
Até esse tempo, o neto com a família estava
ainda em Itararé e depois o Jean resolveu voltar para
Joinville. A família ficou um mês sem ele, pois ficou
trabalhando lá mais um mês. Mas, graças a Deus,
está trabalhando. Quando eles foram embora, só
tinham duas filhas e agora são três: veio mais uma
que é a Maria Clara, que é loirinha, é um lindo anjo.
Mas aconteceu uma coisa triste em minha vida. No
dia de Natal, a Tânia com as filhas foram almoçar com
os pais dela. O Jean não quis me deixar sozinha,
ficou comigo e, como fomos convidados para almoçar
em casa de uma prima em Piçarras, eu não queria ir,
mas o Jean disse: “vamos vó”, então fomos. Ao
chegar lá estava chovendo, almoçamos, o Jean e
Taquara foram dormir. Ao chegar lá pelas cinco da
tarde eu perguntei ao Jean:
—Você vai ficar por aqui?
Ele disse:

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— Não, vó, vamos embora mais tarde.
Eu fui ao banheiro. Ao sair, fui pegar a cadeira
de rodas e, ao subir, minha mão escapou e caí em
cima de um ferro. Eu só gritei: quebrei a perna! Todos
correram a socorrer, pedi que trouxessem gelo e
vinagre para passar a dor. Voltamos para casa,
chamamos o Sempre Salva, deram injeção e falaram
que talvez não tivesse quebrado. Foram passando os
dias. Quando foi dia de Ano Novo, fui ao banheiro e
não mais pude levantar. Pedi socorro, mas
infelizmente não tinha ninguém em casa. Chamei por
Deus, chorando de dor e disse a Deus: “O Senhor
fala, chama-me que eu te ajudo”. Neste momento, as
vizinhas chegaram e tiraram-me do banheiro e foi
chamado o Sempre Salva. Eles vieram e viram que
era grave, me levaram para o hospital São José. No
momento que iam levar-me, a Tânia, esposa do Jean,
já estava lá. Ele chegou e ficou em choque ao ver a
vó ser levada para o hospital. A Paula acompanhou-
me e lá fiquei para fazer os exames. Fiquei na
enfermaria onde todos ficam até resolver ir para o
quarto. A Dalva e a Irma passaram a noite sentadas
em uma cadeira; assim foram duas noites, para
depois levarem-me para o quarto. Lá fiquei quinze
dias, elas se revezaram; à tarde a Tânia é que ficava,
o Jean ficava das sete até a Dalva ou a Irma chegar.
Fiquei em tratamento com a perna para cima, foi um
sufoco. Dei muito trabalho, tive que ficar com a tala
dois meses em cima da cadeira de rodas e, como o
Jean e a Tânia estavam construindo, todos estavam
aqui comigo. Graças a Deus, tudo passou e voltou ao
normal. A casa deles está pronta, ficou muito boa. Até

63
a Eduarda Juliana já fez a primeira Comunhão com
onze anos; ela ficou muito linda! Olha como Deus é
bom: deu-me vida para chegar a ver minha bisneta
receber a primeira Eucaristia. Só devo agradecer por
esta felicidade e agradecer a todos, às minhas
vizinhas, também aos sobrinhos que não mediram
distância para me visitar. Obrigada a todos! Deus os
abençoe com muita saúde!

E aqui termino deixando muitas histórias para


trás e pedindo a Deus que não me deixe sofrer. Parto
deixando o meu abraço a todos que me querem bem.
Obrigada, meu Deus, por me fazer feliz!

“Isto que é amor de verdade e que Deus os


abençoe e faça todos muito felizes. Eu amo a
todas e todos.”

Lila Nair Zoelfeld da Silva


21-12-03

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CARTAS

Meu querido Neto


Jean Pierre da Silva

Jean, quando sua vó partir, peço-lhe que não


deixe o desânimo te abater. Onde eu estiver, vou
sempre pedir a Deus que te acompanhe em todos os
momentos de sua vida. Seja sempre este homem de
cabeça erguida para tudo e para todos falarem: “olha
como o Jean perdeu tudo mas não perdeu o caráter
na vida. É um homem de fibra!” Eu e Deus vamos
junto com sua mãe que sempre foi uma heroína para
ajudar-te. Que sejas sempre feliz. Como foi bom você
ter casado e ter uma mulher para dar-te muita alegria
e tens três lindas filhinhas, que são alegria da casa.
São os canarinhos da casa que é teu lar. Elas vão
precisar muito de vocês. O tempo passa muito
depressa, logo ficarão moças e casarão e virão
netinhos que farão vocês muito felizes. Aí já estarás
mais velho, será maravilhoso ver os netinhos a correr
pela casa. Olha, a vó também perdeu tudo: mãe, pai,
padrinho, irmã, marido e a querida filha, querido Jean,
mas não perdeu a fé e nem a coragem de viver. Lutei
muito mas valeu a pena, tua mãe me deu um neto
que sempre foi minha vida e alegria. Vocês se amem
e se respeitem sempre, com muita fé em Deus que
Ele não nos abandona, porque a vida é linda. Jean,
deixo tudo para você. Saiba aproveitar, não jogue
tudo fora. Foi com muito sacrifício que conseguimos
tudo. Levante a cabeça e vá em frente que a vida é

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maravilhosa junto com Deus. Jean, eu te agradeço
tudo que você fez pela sua avó, dando amor, carinho
e atenção. Foi tudo muito bom, assim como as
meninas. Que alegria que dão para a bisa!
Jean querido, eu parto desta vida mais feliz
porque sei que vais lutar e vencer sempre. Quando
triste estiveres, procure ir à igreja conversar com
Deus, será muito bom. Lá eu estarei, se Deus deixar.
Respeite e ame seus vizinhos porque eles todos
sempre davam força para a sua vó. Eu amo vocês
com todo carinho. Deus abençoe a todos: Jean
Pierre, Eduarda Juliana, Caroline, Maria Clara e
Tânia.
Vó Lila

Joinville 28-03-99

Nair Zöelfeld da Silva.

Esta é uma das mensagens que minhas


netinhas enviaram para mim:

Joinville, 29 de Novembro de 1991

Vó Lila

Vó Lila, você é tão pura quanto imagina. Você


é uma pessoa muito importante para nós, você é tão
bonita, você é inteligente, você é a vó mais querida do

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mundo. Nós te amamos muito. Vó, você tira todo
mundo da solidão e tristeza, você me fez rir no dia
que estava triste, você é tão querida o quanto
imagino, você tem um coração de ouro, você ajuda
todo mundo, você é maravilhosa, você tem olho tão
lindo e meu coração não tem palavras para dizer
como é você, só uma vida vivida vale a pena.
Te amamos muito.
De seus netos,

Maéle Cardoso
Jamila Cardoso
Daniela Correa
Caroline Correa
Amanda Correa
Majorie Cardoso Braga
Elédio Cardoso Filho
Mauro Rodrigo Cardoso Braga

Joinville, 29 de agosto de 2001

Vó Lila

Sou jovem, estou começando a viver,


conhecerei muitos lugares, muitas pessoas, passarei
por diversos caminhos, mas uma certeza eu tenho:
nunca encontrarei pessoa mais maravilhosa que você.
Tens tantas qualidades, vovó! A começar pelos
olhos azuis mais lindos que eu já vi. Esses olhos que
irradiam amor, consolo, esperança, alegria e força.
Olhar seus olhos é uma verdadeira terapia!

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Próximo aos belos olhos encontramos um
divino sorriso que encanta, acolhe e transmite toda
paz que existe em você.
Não podemos esquecer da SABEDORIA,
cultivada através das milhares de experiências boas,
ruins, alegres, difíceis que já viveste.
E seu coração! Ah, seu coração não tem
tamanho, é um coração tão grande e tão bom que, às
vezes, não é compreendido pelos homens; mas Deus
entende bem e se orgulha muito do coração da minha
vovó.
Vó Lila, é impossível não te amar! Apesar de
eu ter pouco tempo para te ver, você faz parte dos
meus pensamentos e das minhas orações. Vó, és um
pedaço de mim, você contribuiu muito para a minha
formação enquanto pessoa, ser humano; você faz
parte da minha história, és inesquecível. Agradeço a
Deus por ele ter colocado você no meu caminho, pois
és exemplo de vida, força, amor, fé, esperança...
Vó Lila, depois do sonho que tive com você,
descobri o que estava muito claro: a minha vó Lila é
um ANJO! Isso mesmo, vovó, não és uma pessoa
qualquer, que nasce, cresce e morre; és um ANJO,
com todas as qualidades que os anjos têm. Por isso
és tão forte, vovó!
Vó Lila, eu te amo muito, obrigada por fazer
parte da minha vida. Me perdoe por todos os instantes
em que não pude estar presente.
Mil beijos para A VOVÓ MAIS ESPECIAL DO
MUNDO!
Com carinho,
Maele Cardoso

69
Joinville, 9 de março de 2004

Querida Maéle

Suas alunas do Programa Educacional Viver e


Aprender foram uns anjos que Deus colocou na terra.
Gostaria de plantar uma árvore e colocar todos
os nomes desses anjos junto ao da linda professora
Maéle e cuidar para que essa árvore nunca seque,
para a felicidade de todos. E também para que,
depois que os anos se passarem, todos se lembrem
da história da Vó Lila, que foi muito feliz nesse tempo.
Não tem dinheiro que pague pelo amor de
vocês! Só Deus, que tudo vê, vai recompensar e
abençoar vocês, junto com a minha querida Maéle
Cardoso.

Nair Lila Zöelfeld da Silva

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FOTOS

Aniversário de 70 anos com sua filha Nanci e seu neto


Jean

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Com suas bisnetas Carolina e Eduarda

73
Sua 1ª comunhão com seu irmão Quico (1930)

74
Casamento

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Netos do coração(crianças da vizinhança) em seu

No show de Roberto Carlos

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