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com esta intelecção poderíamos assumir a

A mente de Mark Lilla (I): a autenticidade do nosso papel dentro da criação


divina. A partir da autoconsciência, nossa
inteligência pode ser utilizada para sua vocação ou
autoconsciência da violência contra ela, pois nossa memória intelectual (das
coisas e de sua estrutura que estão dentro de nós)
Por Elton Flaubert (04/10/2017) é a portadora de todas as ideias possíveis sobre o
universo que habitamos.

Lilla padece do mesmo problema da A importância da autoconsciência é o tema


ideologia em Daniel Bell, seu mentor. fundamental de Mark Lilla em A mente imprudente.
No âmbito intelectual, ou seja, entre aqueles que
pretendem se arriscar enunciando como as coisas
são, foram ou deveriam ser, a mente imprudente é
aquela que se deixa tomar por suas paixões,
esquecendo-se desse processo de autoconsciência
que revela o mal dentro de si mesmo, terminando
por justificar a violência. Para o autor, a história
intelectual do século XX é a história dos intelectuais
apaixonados por si mesmos, sem a devida disciplina
interior que a política e o poder obrigam.
No entanto, se Lilla aborda um tema
fundamental, a postura dos intelectuais, e, ainda
mais importante, o papel da autoconsciência da
violência, realiza o seu intento de maneira
superficial. Ao final, sentimos que há uma
mensagem preciosa a ser comunicada, porém ainda
imatura, por aparecer como sugestão
pretensamente pluralista e não-ideológica, mas que
apenas oculta a raiz de sua violência. Como
perceberemos ao final, o próprio Lilla não teria sido
um imprudente? Não teria ele se deixado levar por
suas paixões e impressões?

Para compreender o empreendimento do autor


americano, comecemos com suas influências.
“A mente imprudente: Os intelectuais na Formando em Ciência Política na Universidade de
atividade política”, de Mark Lilla (Record, Michigan em 1978, Lilla teve seu grande ponto de
2017, 196 páginas) inflexão quando foi para Harvard realizar o mestrado
durante os anos 1980. Lá, conheceu e trabalhou
1. com o sociólogo Daniel Bell, que se tornaria seu
modelo de intelectual e a quem dedica o presente
A confissão é o encontro do homem consigo livro. Nesta mesma época, foi editor da revista The
mesmo diante da Verdade, o momento “onde sou o Public Interest, fundada por Bell e Irving Kristol.
que sou”. Esta reflexão de Santo Agostinho nos Todavia, tanto aluno quanto mestre foram
navega para o encontro inadiável entre minhas abandonando a revista devido à influência crescente
paixões e a consciência que tenho delas. A do “neoconservadorismo” em Kristol e na sua linha
confissão é a intelecção do espírito, a descoberta – de publicação.
diante do que está acima de nós e nos sustenta – de De origem judaica, Daniel Bell tinha se
nossas maldades, fraquezas etc. Para Agostinho, só encantando com o marxismo em sua juventude,
abandonando-o chocado com a maneira como sua ele, as ideologias e sua era estariam no fim, não
ortodoxia levava à violência. A partir de então, Bell porque a perspectiva materialista do tempo está
procurou pensar o político a partir de seus sendo negada pela autoconsciência dos indivíduos,
problemas internos e dentro de uma pluralidade de mas porque agora a autonomia do indivíduo
princípios. Ele se definia como “socialista em estendeu-se a tal ponto que nenhum “coletivismo” o
economia, liberal em política, conservador em contempla mais, levando-a à institucionalização da
cultura”. Todavia, se Bell encontrava respostas de inteligência plural. Essa nova sociedade tinha como
várias matrizes para os problemas políticos que elementos a passagem da fábrica para o comércio,
formulava, nunca chegou a pensar a sério nas raízes o aumento da importância da ciência para a
da mente ideológica. Como resposta à ortodoxia, economia e o surgimento de uma elite técnica de
defendia um pluralismo que juntava vários princípios especialistas.
presentes nas ideologias clássicas: reformismo
econômico para um Estado de bem-estar, Lilla não é um conservador em cultura, nem se
formalismo jurídico e democracia liberal, e defesa define a partir de vários princípios, mas é um
dos valores e das tradições que teriam propiciado descendente do legado liberal e iluminista. Mesmo
essa vida virtuosa. Ele buscava juntar três princípios assim, ele acredita que este legado não funciona
comuns a três diferentes ideologias presentes no como uma ideologia, mas antes enquanto substrato
mundo anglo-saxão, ao invés de compreender a do pluralismo formal tanto metodológico quanto
forma, a essência, de toda e qualquer ideologia. Se político. Os erros de interpretação sobre a natureza
tivesse feito o segundo, poderia ter percebido que da ideologia vistos em Bell estão presentes também
toda ideologia é um fragmento da realidade tornado em Lilla. Em Mente imprudente, percebemos um
num princípio que coloca o sentido da vida no autor ciente da sua responsabilidade pública e da
tempo, num futuro carregado da expectativa de autoconsciência como uma disciplina interior; no
superar o entremeio, e que é este elemento entanto, ainda assim, enredado numa perspectiva
essencial da ideologia e não só a ortodoxia que de que a prudência é a profecia de uma ideologia
torna nublada a dignidade da política e impede a pluralista, liberal e iluminista, ainda que nem sempre
verdadeira busca por soluções reais. apareça deste modo.
Os caminhos intelectuais de Lilla passam
Esse problema é facilmente percebido num dos também pelo interesse em Isaiah Berlin e pelos
seus livros clássicos – The end of ideology. “anti-iluministas”. Seu primeiro livro deixa claro essa
Publicado em 1960, Bell chama de ideologias aquele marca – G.B. Vico: the making of an anti-modern.
conjunto específico que nasceu após a Revolução Berlin acreditava que os autores anti-liberais lhe
Francesa (socialismo, liberalismo, conservadorismo davam melhor embasamento para defender os
etc.) e sugere como superação dele uma nova valores liberais. A partir desta perspectiva, Lilla
ideologia (que ele não denomina assim): estuda um Vico “anti-moderno” que lhe abre um
tecnocrática, imaterial, específica e não mais horizonte de perspectiva para o pluralismo. Como
universal. A política “pós-industrial” seria racional e Berlin e Bell, Lilla acredita que o apego ao dogma
tecnocrática, com um grupo de especialistas agindo levou ao totalitarismo. Uma postura saudável seria
sobre problemas específicos. Ou seja, no lugar das um ceticismo que reconheça a pluralidade dos
ideologias do século XIX, uma nova ideologia que objetivos humanos e a flexibilidade de nossa
não recebia este nome: a ideologia da tecnocracia e natureza. Aqui, como Berlin e Bell, há um erro sobre
do indivíduo autônomo e independente das ideias de a natureza do dogma. O dogma religioso é o que
caserna. garante estabilidade, a ordem que fundou, além de
O papel do intelectual não seria defender as administrar a violência. As ideologias são
ideologias à moda antiga, mas agir – a partir dessa dogmáticas enquanto má imitação dessa presença
pluralidade – para resolver problemas concretos. do todo na experiência do sagrado. O problema das
Com esse tipo de pluralismo formal, Bell acreditava ideologias é tornar imanente a (re)ligação do
superar as ideologias, mas era um ledo engano de sagrado, ao fundar-se num fragmento de verdade
quem desconhecia a essência mesma da que se torna um princípio universal.
temporalidade de toda e qualquer ideologia. Para
Contra o dogma, Lilla compartilha – com Bell – enquanto estar-no-mundo que restaura essa
que o papel do intelectual é estar atento para a autenticidade escondida pela metafísica ocidental.
pluralidade e as nuances do mundo. A grande Para Heidegger, o nazismo é o desdobramento das
inquietação de Bell durante toda sua vida era coisas no tempo.
entender por que os intelectuais tinham apoiado e Esta relação é uma boa aposta, mas foi limitada
justificado as piores tiranias do século XX. Para isto, por Lilla, pois este não se aprofunda na relação entre
inspirando-se na sociologia de Max Weber, percebia consciência e experiência. O erro de Heidegger
na ideologia aspectos próprios da teologia e do aparece como uma imprudência ao tentar
imaginário religioso. É precisamente esta trilha que transformar sua filosofia em atividade política, dando
caminha Lilla. Lançado originalmente em 2001, A um ar político-teológico ao nazismo. Todavia,
mente imprudente é uma tentativa de descobrir por poderíamos identificar aquilo que o nazismo
que e como os intelectuais justificaram – e mesmo representa, a nostalgia dos mitos, dentro da própria
produziram – barbáries. especulação heideggeriana – não se tratando esta
Para isto, toma como pressuposto A mente cativa integração de uma barreira que foi ultrapassada ao
de Czeslaw Milosz, que mostra como as tiranias do ingressar na atividade política sem o devido cuidado,
século XX capturavam o espírito humano a partir de mas a própria essência do seu pensamento. A
suas ilusões psicológicas. Isto ocorre quando o negação do Ser na transcendência funda o conceito
intelectual se deixa levar por suas paixões, enrijece de dasein como radicalização da sua historicidade.
sua compreensão no dogma e trata a política como Inspirado pelo romantismo alemão do início do
teologia. A política-teológica funciona para legitimar século XIX e por Nietzsche, Heidegger volta-se para
os dogmas ideológicos como valores instauradores. os mitos como modo poético da existência[1]. Ele
E, na prática, essa instauração é sempre violenta. A propõe uma reintrodução das forças naturais que
falta de autoconsciência dessas paixões e a falta de haviam sido abandonadas pelo cristianismo. Sua
abertura para a pluralidade seriam os responsáveis maneira de filosofar, seu significado, estavam em
por esta “queda” dos intelectuais. Então, Lilla busca dessa reorientação poética da existência
pretende mostrar este caminho – em diferentes enquanto abandono de si mesmo diante do mundo.
perspectivas – tal como percorrido por seis A filosofia de Heidegger é toda ela baseada no
intelectuais: Heidegger, Carl Schmitt, Walter retorno do mito, que era também o significado do
Benjamin, Alexandre Kojève, Michel Foucault e nazismo. Embora seja negação da vida liberal e de
Jacques Derrida. Em comum, o percurso das sua racionalidade, ele o é porque estas coisas são
mesmas etapas: 1) ato de pensar, 2) pensamento consequência – de alguma maneira – da derrota do
especulativo, 3) criação de dogmas e paixão pelo paganismo e fruto da ética cristã. O verdadeiro
que se especulou, 4) atividade política como inimigo de Heidegger era o Deus onto-teo-lógico da
correção ou ordenação/instauração através destes metafísica tradicional e do cristianismo.
dogmas, 5) política como teologia, 6) violência. Esta relação aparece no livro de Lilla sempre
Em Heidegger, a imprudência na defesa do muito limitada por uma decisão, um descuido, um
nazismo e os maus atos praticados enquanto reitor desvario apaixonado. O erro de Heidegger aparece
na Universidade de Friburgo são evidentes. Lilla dá como negação da vida liberal (p. 38), sem suas
preferência a questões biográficas e ao magnetismo raízes mais profundas. Além disso, Lilla reflete
que exercia em Karl Jaspers e Hannah Arendt. Ele equivocadamente no final sobre a separação entre
destaca a paixão no ato de filosofar como centro do filosofia e atividade política (p.46/47). A filosofia não
pensamento especulativo de Heidegger, e relaciona é uma gaveta separada de outras na existência, um
a falta de mediação desta com seu embarque na domínio próprio sem ligações com o todo. O próprio
política nazista, devido ao apelo regenerativo e por raciocínio especulativo de Heidegger o indicava ao
autenticidade desta. Mesmo com seu brilhantismo, o nazismo e à sua defesa. A imprudência de
filósofo alemão foi alertado por Jaspers e Arendt, Heidegger foi menos por ter entrado na atividade
mas nada lhe demovia. Aqui, Lilla aposta numa política sem a devida responsabilidade, e mais por
relação entre o Ser que só se revela no tempo e o uma ilusão espiritual, por ter se perdido na própria
nazismo enquanto dasein, ou seja, o nazismo arrogância, nas ilusões de uma restauração irruptiva
enquanto descoberta do homem como ente, da vida.
O segundo personagem de Lilla é outro defensor nunca tenha demonstrado nenhum grande interesse
do nazismo: Carl Schmitt. Mais do que Heidegger, em intelectuais como Georges Bernanos que,
este chegou a ser usado pelo regime para justificar enquanto refletia em sua obra a experiência da crise
sua ascensão ao poder. Como o primeiro, Schmitt é moderna, negou e denunciou as barbáries da
um antiliberal, mas a sua crítica não é moral, ao ditadura franquista, justamente por ser um
contrário do que pensa Lilla (p.57), mas trata dos intelectual que não tentava trazer o reino dos céus
perigos da dissimulação da natureza do poder. para o vale de lágrimas dos homens. Apesar dessas
limitações, Lilla vai traçando de maneira consistente
Contra esta dissimulação, Schmitt volta às a tragédia das paixões e das esperanças
“razões de estado” hobbesianas para entender o depositadas na política como instauradora ou
que mantém a ordem e o que ameaça a soberania. restauradora de um novo mundo.
E a categoria antitética essencial para o
acontecimento de experiências de poder é o par 2.
amigo/inimigo. Não se trata de um conceito, de uma
faculdade intelectiva, mas de uma categoria Walter Benjamin é o seu terceiro personagem.
universal que permite as experiências de poder. Aqui, a relação entre messianismo e política é ainda
Este não pode funcionar sem sua manutenção, e mais evidente. No seu “testamento intelectual”,
não pode existir sem ser objeto de cobiça. Porém, as Teses sobre o conceito de história, ele começa
se este par antitético possibilita a existência do com a união entre teologia e materialismo. Mais uma
poder e as suas experiências, não oferece vez, Lilla mostra alguma dificuldade na ligação entre
necessariamente uma qualidade moral interna ao consciência e experiência, lamentando que
próprio poder, como queria Maquiavel, Hobbes ou Benjamin tenha secularizado suas preocupações ao
Carl Schmitt. Saber como o poder funciona não trazer seus problemas teológicos para resolução no
exige um reconhecimento de uma moral interna, ou campo político. No entanto, é preciso observar esta
seja, não obriga a um reconhecimento de que a questão mais de perto.
única moral do poder é continuar funcionando, Na juventude, Benjamin participou de um
sendo suas razões imanentes. movimento de renovação educacional, inspirado por
Kant, Platão, Nietzsche e Wyneken. Seu texto de
A imprudência de Schmitt e sua defesa do 1913, A metafísica da juventude, busca um “estado
nazismo não são apenas produtos de sua entrada de alerta” permanente para a função do crítico. Uma
na atividade política ou devido às críticas certeiras espera que está atenta para a irrupção do momento
ao liberalismo (p.61/62), mas ocorrem porque ele da redenção, a porta pela qual o Messias possa
pretende dar como resposta à sociedade liberal um entrar a qualquer momento. Espera do crítico, que
tipo de política restauradora, uma nova experiência pode se encontrar com o espírito metafísico a
do poder tal como ele é, que só poderia justificar a qualquer momento. Momento de redenção, não
violência em nome das “razões de estado” contra os progressão imanente. O lugar do crítico é o lugar da
perigos do ocultamento. Como Heidegger, Schmitt experiência, sempre em espera atenta; e não o do
quer responder ao “descarrilamento” liberal com progresso, sempre pensando em termos de avanço
política, transformando-a em teologia, sem perceber contínuo.
sua crise espiritual. Ele entendia como poucos os Este estado de alerta diante do rapto espiritual da
perigos da cultura liberal, do formalismo, da sociedade burguesa leva ao desejo de Benjamin de
secularização, mas até o final da vida continuou recuperar a dimensão sagrada da linguagem. A
depositando as esperanças em respostas políticas experiência autêntica que busca Benjamin contra o
que pudessem parar o deserto liberal e suas ruínas. formalismo liberal só pode existir a partir da
A política foi saturada por suas esperanças transcendência. E a recuperação do sagrado em
messiânicas, e o resultado só poderia ser trágico. Benjamin sempre esteve acompanhada da tentativa
de encontrar uma nova metafísica na linguagem,
Lilla percebe bem esse caráter messiânico da como revelação doutra temporalidade. A linguagem
política em Schmitt, mas associa a imprudência à era vista como espaço anterior à “servidão
crítica à natureza do liberalismo. Talvez por isto Lilla terminológica”, o primeiro lugar da experiência
autêntica. Estes dois conceitos (experiência e pelo fato da essência destas se comunicarem ao
linguagem), juntos, irão se articular na formação da homem através da linguagem geral. É por isto que
teoria das ideias, na sua tese sobre o drama barroco ele pode transformar tais essências em conceitos: a
alemão. forma-homem vira o conceito de homem. Assim, o
homem se comunica através da linguagem humana
Em 1916, Benjamin escreve Sobre a linguagem porque a linguagem em geral se comunica a ele. E,
em geral e sobre a linguagem humana, onde através da sua própria linguagem, o homem
desenvolve as bases de uma nova filosofia da comunica sua essência, em sua capacidade
linguagem. Ele pretende expor uma teoria de nomeadora: mímesis do gesto divino. Gesto
linguagem que está além da vivência humana e que messiânico de redenção no nome. Mais do que um
abrange todo o Ser. Contra as teorias que destacam mero instrumento cognitivo, o nome comunica o
o caráter convencional, ou meramente comunicativo profano com o divino: “No nome, a essência
da linguagem, para Benjamin existe um estado espiritual do homem transmite-se a Deus”.
original em que Deus cria as coisas, nomeando-as,
uma linguagem em geral, “edênica”, que também A linguagem nos leva à contemplação de Deus,
podemos chamar de “adamítica”. Mas se a e a sua instauração tem um caráter mágico que se
linguagem apresenta a essência espiritual, ela não torna pálido na filosofia burguesa, que a entende
se confunde com a própria. A linguagem comunica como mera representação. Essa tentativa de
a essência linguística das coisas, e é ela mesma realocar a imaginação e os sonhos serve para
parte desta essência que se comunica (a essência redimir e não para contabilizar, e culmina numa
linguística). A essência linguística da coisa é a sua teoria do conhecimento basicamente platônica na
linguagem. Em síntese, “aquilo que numa essência obra-magna de Benjamin, Origem do drama trágico
espiritual é comunicável é a sua linguagem”. Sendo alemão. Para o autor, as ideias (a forma) têm origem
assim, a linguagem é a essência linguística, a parte (Ursprung). Mas, diferente da gênese, que designa
da essência espiritual que torna possível esta se o começo de um processo, a origem é um salto, não
comunicar. É bom notar que, se a essência espiritual uma linha: “algo que emerge do vir-a-ser e da
se apresenta imediatamente na linguagem, as duas extinção”. A origem não é aquilo que origina um
não se confundem, e a primeira não se apresenta processo causal que vai se desenrolando, um
em sua totalidade na segunda. encadeamento de fatos; mas sim uma cristalização
da história, que interrompe um dado momento, um
Os monstros que habitam em nós salto fora do fluxo histórico, para dentro do Ser. A
ideia, originada, emerge do devir histórico, mas está
além dele, é essência, é intemporal. A origem está
A linguagem é um médium, lugar onde se no tempo, mas ao mesmo tempo está fora dele. Ela
comunica a essência linguística das coisas. Assim, é o estado de suspensão onde os fenômenos
o que vai interessar a Benjamin não é o conteúdo encontram as ideias. A origem é justamente o
expresso na língua, mas o que nela se manifesta, ou momento onde as ideias se apresentam e entram
seja, a imediaticidade da dimensão espiritual que em repouso, e por isto, mesmo que aluda à
nela se expressa. Daí seu “caráter mágico”: cronologia histórica, ela não se altera
manifestação imediata daquilo que é comunicável temporalmente. A origem é também enteléquia[2].
na essência espiritual. E a essência linguística do Pois, no encontro do mundo histórico com o plano
homem é o fato dele designar as coisas, é o ato de das ideias, esta alcança sua plenitude, a totalidade.
dar nome às coisas que lhe aproxima de Deus. Por Noutros termos, o que Benjamin quer destacar é
isso, a linguagem em geral não visa mediar a presença da forma, da durabilidade, do intemporal,
conteúdos, nem tem como perspectiva objetos no meio do mundo histórico dos fenômenos, que
exteriores a ela. sem isto é amorfo. Por outro lado, o mundo das
Enquanto isto, a linguagem humana é ideias só pode ser apresentado rodeado pelos
nomeadora, permitindo que a essência espiritual se fatos. A origem é a categoria histórica e estrutural
comunique em palavras. Mas esta linguagem que permite às ideias serem plenamente,
designadora não é a linguagem em geral. O homem ascendendo à totalidade e apresentando a verdade,
só consegue se comunicar, e dar nomes às coisas,
ao mesmo tempo, fornecendo-lhe o conteúdo dos Há um grande engano de Lilla neste tema, pois a
fenômenos. A relação entre forma e fenômeno não revolução benjaminiana não é política, nem
é causal, porque um não leva necessariamente ao pragmática ou material, mas uma interrupção
outro, mas constitui-se internamente. Para tal, o miraculosa da história mundana, que é
originário, que não pertence ao mundo histórico dos um continuum de destruição e ruínas desde a queda
fenômenos, apresenta-se a partir de uma dupla adamítica. Por isto, Benjamin não se dedicou à
visão simultânea: como pré-história (reprodução) e política na prática, nem em seus escritos. O
como pós-história (incompletude) das ideias. As pensamento dele com certeza conjugava
ideias, originadas na história, são também messianismo e revolução, mas esta não era política.
intemporais, apresentando-se como “história Lilla tenta observar as consequências da sua
natural”, uma remissão à sua pré e pós-história. imprudência antes na sua vida pessoal do que na
defesa de tiranias. Para Lilla, o erro de Benjamin foi
As ideias originadas são ao mesmo tempo ter trazido a teologia ao secular, mas isto é uma
“restauração e reprodução”, e “incompletas e tremenda ignorância dos interesses benjaminianos.
inacabadas”. Na relação entre os extremos (o A não-política do jovem Benjamin não significava
empírico e a ideia), caminha-se para a totalidade da irracionalismo, como pensa Lilla (p.78), mas um
história. Esta dialética tem duas vias: a estado de alerta para o extraordinário.
repetição/restauração do já ocorrido, o que Essa inquietação entre uma esperança
permaneceu na história; e o inacabado/incompleto messiânica e uma melancolia apocalíptica marcou
futuro. O único e o recorrente se condicionam todo o marxismo ocidental, com sua crença de que
mutuamente, nisto consiste sua dialética imanente. a cultura burguesa arruinou toda autenticidade e
A redenção é esse “princípio esperança” na irrupção sensibilidade, sua inquietação do “estado de alerta”,
do momento histórico que está suspenso e sua tímida esperança de redenção e de um fim
(cristalizado) dentro do Ser. abreviado deste vale de lágrimas. A revolução em
Benjamin é, nas palavras do mesmo, um “salto de
A intenção de Benjamin é resgatar os sonhos e tigre em direção ao passado”, ao passado
as imagens como molduras para a realidade a partir adamítico, imaculado, anterior ao pecado original, e
das alegorias. Há uma enorme influência da crítica não um plano de ação imprudente que justifique a
romântica à sociedade burguesa no marxismo violência. Aqui, há mais relações entre memória e
ocidental. Quando Benjamin encontra-se com a teologia (como sempre notou Paul Ricoeur a
crítica cultural marxista, encanta-se mais com sua respeito do perdão) do que entre teologia e política.
capacidade de oferecer a redenção do que com sua
dogmática. A capitalismo tornou-se uma religião Os erros de Benjamin se concentram menos
tomando o lugar da presença divina. O marxismo é numa falta de autoconsciência da violência e mais
o correspondente filosófico e prático do estado de numa ilusão messiânica que sacraliza o humano
alerta teológico. A revolução é o Messias batendo na dentro do divino a partir do seu imaginário, e acaba
porta para nos salvar das ruínas do progresso, da caindo num desespero apocalíptico sem espaço
concepção burguesa da linguagem, da negação do para a verdadeira redenção, que é transcendente.
caráter mágico e das semelhanças extrassensíveis. Seus problemas são mais espirituais e culturais do
que de ação política propriamente. De minha parte,
As esperanças messiânicas de Benjamin fluem quando era um leitor inveterado de Benjamin, lá pelo
do romantismo, da crítica kantiana, de sua final da década passada, ele me inspirou mais a
apropriação do transcendente em Platão, para o negar o relativismo liberal, a quebrar minha
enlace prático e material, os freios de emergência resistência ante o sagrado (junto com o desespero
puxados pela revolução messiânica. As teses são natural de quem chega a isto longe da misericórdia
uma denúncia do caráter terminativo da divina) e a perder qualquer tipo de esperança numa
racionalidade burguesa, uma religião própria que revolução – política ou não.
nega toda autenticidade, e do qual o totalitarismo é
um dos seus produtos. O desespero pessoal de Benjamin é mais fruto
de uma perversão da imaginação apocalíptica
(perversão que certamente é compartilhada por discursos (p.136). Entretanto, ele não era estúpido a
Schmitt e Heidegger, de outras maneiras) do que tal ponto, e sabia que o significado de sua ação era
uma mistura entre teologia e política secular como o testemunho de uma vida vivida numa “experiência-
pensa Lilla (p.97). Mas, ao contrário de Schmitt e limite”. Foucault compreendia perfeitamente bem o
Heidegger, Benjamin nunca depositou suas poucas que tinha e foi coerente com sua entrega às “forças
esperanças sobrantes na política, ou na política naturais”, vivendo no fim a celebração de uma vida
destrutiva do legado liberal; antes, denunciou suas entregue a Dioniso, tal como idealizara Nietzsche.
ruínas e a violência desta política que assistimos
hoje. Seu maior erro não é fruto de uma Essa incompreensão de Lilla, junto com certas
“imprudência na atividade política”, na junção entre lamentações pela “mosca” da ilusão ter lhe picado
religião e política, mas antes num embevecimento em 1968, nos leva a outra questão: Foucault é o
dos sonhos de mundanidade, numa confusão ponto de emergência de uma nova esquerda liberal.
terrível que tornava o sagrado escravo do homem Seu conceito de biopoder refere-se aos poderes do
ensimesmado, não permitindo a compreensão do Estado moderno em atuar, regular, subjugar e
pecado e a dimensão da misericórdia. Seu produzir subjetividades a partir dos corpos. Este
desespero espiritual é prova disso. alerta sobre a “institucionalização” da resistência
nos leva a teóricos liberais como Hayek, por
3. exemplo. Aqui, há o encontro entre Foucault e Lilla.
Foucault destaca em especial a seguinte questão:
Em Kojève e Derrida, Lilla segue as mesmas governamos demais. As revoltas de 1968 tinham
trilhas da incapacidade dos intelectuais em ter mostrado para Foucault que seu lema por mais
autoconsciência de sua violência, mas é em Michel liberdade individual (donde veio a luta pelo direito ao
Foucault que temos mais uma característica aborto, casamento gay e outros mais) era uma luta
marcante do seu livro. Com Foucault, Lilla é mais por mais liberdade individual, e não nos moldes da
brando e associa algumas das temeridades do luta de classes marxista. Foucault interessava-se
filósofo à sua marginalização na vida intelectual então por outros tipos de opressão – dos loucos,
francesa. Lilla acredita que há uma ruptura em 1968, gays, presos etc. A opressão não era mais entre um
quando o francês abandona a Tunísia e vem se patrão e um operário mediado pela mais-valia, mas
inteirar da insurgência estudantil. É como se opressão do homem para com sua mulher, da
existisse uma virada política, uma virada da sociedade para com os gays, dos brancos para com
especulação para a atividade política imprudente. os negros, da sociedade para com os loucos. E
Uma tese equivocada, pois há – sem dúvida – uma Hayek era, então, um teórico proeminente da
ligação entre suas obras pré-68 e sua atuação. Não liberdade individual. O biopoder ia além da disciplina
há um desvio ou ruptura, mas a consecução de sua e controlava os corpos, não só a partir das
proposta e daquilo que cultivou em sua instituições. Era preciso governar menos e liberar
personalidade. mais. Essa é hoje a síntese das lutas culturais do
que se chama esquerda.
A influência de Nietzsche e Heidegger levou cedo
à celebração da “experiência-limite” em Foucault, o Lilla argumenta que a grande imprudência de
que viveu na prática em clubes de sadomasoquismo Foucault foi ter trazido suas concepções para a
ou repassando Aids de maneira consciente até o fim atividade política, levando-o a apoiar a Revolução
da sua vida. A “experiência-limite” transgride os Iraniana. Todavia, seu pensamento leva muito mais
limites da normatividade, dos discursos de poder, e longe do que este apoio, tal como a revolução
instaura uma resistência, (re)atribui à vida sua força- sexual, a vida como um conceito político, o aborto
vital. Lilla argumenta como se o problema de etc. Lilla, como defensor intransigente do aborto e
Foucault fosse ter tirado seus pensamentos da sua instauração em qualquer época da gestação,
nietzschianos da biblioteca (p.130) e partido para um tal como Foucault, não seria responsável direto pela
“despertar de consciência” na vida política. Lilla morte de milhões de fetos nas últimas décadas e de
ainda acredita que Foucault repassava sua doença suas consequências para o espírito das mães? Em
por não conseguir mais distinguir a realidade dos qual lugar estaria escondida a autoconsciência da
violência de Lilla? Aqui, mais uma vez, seu temporalidade que reconhece o seu ser? Não teria
argumento se mostra medíocre, ao reduzir os ele sucumbido à filotirania ao não seguir os passos
problemas ao antiliberalismo, sem enxergar que de Berlin em levar a sério a crítica não liberal que
ambos, liberalismo e antiliberalismo, bebem nas relacionava a sociedade liberal ao totalitarismo? Não
mesmas fontes do materialismo político, e que a seria o nosso generoso intelectual responsável pela
própria cultura liberal é artífice de uma promissora barbárie que assistimos na cultura liberal, enquanto
tirania. perversão da ética cristã e fundadora de uma nova
teologia muito mais agressiva, pois integrada à vida
Ainda assim, Lilla conclui seu livro com um belo social e tornando oculta sua violência? Suas ideias
epílogo: “A sedução de Siracusa”. Lilla afirma que a não justificariam um novo tipo de tirania,
autoconsciência de Platão e Sócrates são o remédio representada pela cultura liberal? Não seria o nosso
contra a filotirania dos intelectuais do século XX, autor também uma mente ideológica apaixonada,
pois os gregos tinham consciência da origem mas que não se reconhece enquanto tal? Não teria
psicológica da violência humana (p.182). Lilla problemas em separar uma ideologia e sua moral
percebe corretamente que o “rei-filósofo” de Platão política de uma religião com consequências morais
não é um projeto utópico, mas um aviso de alerta sobre a política? Não seria desonesto e imprudente
para os que tentam transmutar a verdade dos julgar autores sem maiores cuidados e melhores
filósofos em política teológica. Inspirado nas explicações? Suas ironias contra religiosos e
advertências de Sócrates, Lilla clama por um conservadores não seriam fruto de paixões não-
exercício de autocontrole, uma espécie de mediadas? Lilla não teria sucumbido por falta de
autoconsciência de suas próprias paixões e de sua autoconsciência e disciplina?
violência, para escapar da filotirania (p.181). Esse
desvelo pedagógico é necessário para não cair na Estas perguntas e suas respostas ficarão mais
tentação de apoiar a violência em nome doutra claras na segunda parte deste ensaio, quando sair
realidade. no Brasil The shipwrecked mind: on political
reaction, o best-seller de Lilla lançado ano passado,
Todavia, todo o livro padece do mesmo problema que muitos usaram para explicar a ascensão de
da ideologia em Daniel Bell. É como se a filotirania Trump. Por ironia do destino, por confissão talvez
fosse causada pela mente apaixonada por si mesma não refletida, logo após lançar um livro sobre a
através do dogma, repetindo o imaginário “mente naufragada”, Lilla escreveu, em 2017,
religioso/filosófico na política, quando na verdade nostalgicamente outro livro (The once and future
sua raiz está numa temporalidade da qual o liberal: after identity politics) sobre o liberalismo do
pluralismo liberal também padece. As ideologias New Deal, criando mil mitos a respeito de sua
pegam uma parte da estrutura do real, a tomam universalidade, apartando-a das políticas de
como princípios materiais, e planejam (e aceleram) identidade de hoje, na esperança de reformar a
o futuro. O problema psicológico da filotirania não esquerda americana e adiantar seu futuro utópico
está precisamente no dogma, na ortodoxia, na carregado de expectativas. Seria Lilla, então, uma
religião, mas antes nesta perversão instaurada pela mente naufragada dentro da esquerda liberal e
temporalidade materialista que encontra o sentido americana? Teria ele sucumbido às suas próprias
da vida no tempo e não no eterno. Como Lilla não paixões ideológicas? Outro texto, de 2009, “The
percebe esta dimensão, sua denúncia em certa limits of liberalism“, nos ajudará na resposta.
medida ganha ares ideológicos, e o autor se enreda
nas paixões do seu tribunal da prudência.
As paixões políticas de Lilla passaram a ter NOTAS
salvo-conduto diante de si próprio, por se [1] Sobre este assunto, há um ótimo artigo de
reconhecer como parte do legado liberal e iluminista, Miguel Baptista Pereira: O Regresso do Mito no
pluralista por excelência. No entanto, sua atuação Diálogo entre E. Cassirer e M. Heidegger.
pública e política também não seria temerosa? Não [2] Do grego “Entelekheia”: essência da alma.
teria ele escapado dessa autoconsciência por se Ser plenamente realizado, não mais potência.
achar detentor da moderação a partir da

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