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Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 23, FCHLA 03, p. 27-42, Curitiba, out. 2001
28 Arte, ensino e procedimentos de criação
Resumo
Este ensaio aborda aspectos do ensino da Arte. A questão fundamental é: o que é possível ensinar em Artes
Visuais? Se é possível ensinar técnicas, diferentes tipos de leitura de imagens, teorias estéticas e críticas, história
da arte; tentar ensinar criatividade ou descobrir o discurso pessoal de cada um dos estudantes de arte é outro
problema. As dificuldades situam-se entorno do processo de criação. Compreende-se que é possível ensinar
ou atuar apenas sobre uma parte desse processo complexo, na parte consciente, nomeada “procedimentos de
criação”. Alguns “procedimentos de criação” são apresentados e relacionados à concepção de poética em
Luigi Pareyson.
Palavras-chave: ensino da arte, processo de criação, procedimentos de criação, partes conscientes e inconsci-
entes da produção artística.
Abstract
This essay is about some aspects of the teaching of art. The fundamental quest is: what is feasible to teach in
Visual Art? Whether it is possible to teach techniques, different kinds of images readings, aesthetic and critical
theories, and art history; trying to teach creativity or to find out the personal discourse of each student of art is
another problem. The difficulties occur around the creation process. I believe that it is possible to teach or act
upon a part of this complex process only, upon the conscious part that I called “create procedures”. In this
study, some “create procedures” are present and related to Luigi Pareyson’s concept of poetics.
Key words: art taught, creation process, creation procedures, conscious and unconscious parts of art production.
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1. Um pouco de história sobre o criar refizeram os trajetos e negaram a tal “pureza” infantil
São inúmeros os teóricos e artistas que, durante todo acompanhados por Duborgel e Darras na França.
o século XX, pensaram os processos de criação artís- Ainda nos EUA, Gardner, estudando as “Mentes que
tica. Vygotsky, compreendendo a humana impossibi- criam”, denominado “inteligências” as diferentes apti-
lidade de “criar” do nada e associando a criatividade dões humanas e tratando dos modos possíveis de
ao conhecimento, às referências. Lowenfeld e tantos ampliá-las, desenvolvê-las. Mais recentemente todas as
outros norte-americanos acompanhando e buscando pesquisas no âmbito das teorias cognitivas que, não
entender a propagada criatividade infantil (já negada raro, cotejam a nossa mente e suas redes de neurônios
na então União Soviética pelo agora divulgado hipertextuais aos mecanismos de um computador
Vygotsky). Paul Torrance apresentando os fatores de (Pinker, Damásio).
personalidade facilitadores da ação criativa. Rollo May O núcleo da discussão sobre Processo de Criação
com a teoria do insight criativo. Carl Rogers com o seu talvez se mantenha nas mãos dos estudiosos da Psica-
heureka dos indivíduos possuidores de autonomia in- nálise. Não para psicanalisar algumas obras como ten-
terna. Herbert Read e Gombrich na Inglaterra deba- tou Freud sem a costumeira luminosidade, mas para
tendo o direto e os defeitos da liberdade criadora da compreender os processos criadores. Silvano Arieti,
criança. Picasso e Dubuffet buscando, no seu próprio ainda na década de 70 do século XX parece apresen-
trabalho artístico, a espontaneidade infantil, o incons- tar a chave do problema usando a velha fórmula de
ciente criador. Aqui no Brasil, Augusto Rodrigues e Freud para os processos de pensamento. Reconhece,
Mário de Andrade propondo espaços criadores às então, como reconhecera Vygostky já na década de
crianças e atentos a essa produção. Fayga Ostrowa tra- 30, ainda que apartado do diálogo pelo distanciamento
balhando com a Teoria da Gestalt (da Forma), já anun- político-ideológico, que a criação verdadeira e intenci-
ciada por Mário Pedrosa, mas sempre convicta da onal porque tarefa de sujeitos adultos, requer conheci-
poderosa e redentora espontaneidade criativa infantil mento. Então, mesmo em arte, há o que ensinar.
a ser preservada a qualquer custo. Mais recentemente
as pesquisas desapaixonadas do Grupo Zero nos Es- 2. Sobre o processo de criação
tados Unidos (Zero, de começar do zero, sem o en- “Criativo” é atributo inerente ao produto artístico. O
cantamento anterior pela infância ingênua e pura), que filófoso italiano Luigi Pareyson prefere o termo
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“inventivo”. Diz que a arte é um tal fazer que, enquanto Afinal, o que ocorre nas mentes desses inventores
faz, inventa o por fazer e o modo de fazer. (Pareyson, 1997, das Artes Visuais? Denomina-se Processo de Criação,
p.26) Se, na música ou na poesia a arte se faz pela os caminhos percorridos pelo sujeito (autor/fazedor
(inovadora) combinação dos códigos, dos signos de arte) até a conclusão de sua obra (o produto artísti-
musicais e lingüísticos, nas artes plásticas e visuais é a co). Há mais de um século Freud já nos fazia entender
possibilidade da ausência de códigos ou da criação de que há, em nossas mentes, um espaço do obscuro, do
novos códigos que as qualificam. Trata-se de um dis- inarticulado, representações e afetos guardados em de-
curso sem códigos prévios, que se organiza na sua sordem no sótão ou porão da nossa morada, que o
sintaxe enquanto estrutura, enquanto “ícone”1 . Uma esforço artístico (do artista) busca lançar luzes, articular.
imagem em totalidade. Uma possibilidade, então, de Nos anos 70 do século recém encerrado, Silvano
inovação total, no material utilizado na construção, na Arieti, psicanalista norte-americano, indicava dois es-
técnica de uso desse material, nas relações estabelecidas tágios diferenciados no conjunto de atos que com-
entre material, técnica, e articulação de formas e figu- põem o Processo de Criação (Arieti, 1976). Referia-se,
ras do discurso. É pela diferenciação (criadora), que é então, a todo e qualquer ato de criação em qualquer
garantida a autonomia e a particularidade do discurso área do conhecimento humano, das ciências às artes.
do sujeito que o engendrou. É pela identidade e pela Revendo Freud, retomava como movimento de arti-
indissociabilidade autor-obra que se caracteriza o pro- culação mental: 1) o Processo Primário, mais intuitivo,
duto artístico. Se, a Arte Pop (e o Dadaísmo anterior- primitivo, de domínio inconsciente (o sótão em de-
mente) e a Ciberarte promoveram e possibilitam o sordem), e 2) o Processo Secundário, mais consciente
uso de códigos culturais: os quadrinhos dos Comics, o e racional, onde o fazedor/criador elabora os conhe-
uso iconoclasta de históricas e consagradas imagens cimentos técnicos e teóricos adquiridos. Diz ainda Arieti,
de obras de arte; o sentido buscado nesse uso está que é na interação e no imbricamento desses dois pro-
constantemente proposto para além da simples iden- cessos - o primário e o secundário - que ocorre a “sín-
tificação do código, que passa a ser outro, ou pano de tese mágica”, isto é, a concepção final do produto
fundo, tela opaca de uma nova semiose. inovador. (Einstein, por exemplo, nos legou relatos
1 Ver para isso: WALTER-BENSE, Elisabeth. A teoria geral dos signos. São Paulo: Perspectiva, 2000. P.16 e ss.
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criatividade. É este fator que faz integrar aos procedi- viabilizam a construção no espaço bidimensional e/
mentos de ensino em Artes Visuais, ações que se está ou tridimensional de sinais que representem a nature-
nomeando PROCEDIMENTOS DE CRIAÇÃO. za, artefatos, cenas, sentimentos, invenções, transfor-
PROCEDIMENTOS DE CRIAÇÃO são ações mações, criações dos sujeitos nas áreas gráfica e
propostas pelo professor, para colocar o aluno em con- pictórica das Artes Plásticas e Visuais.
tato direto com coisas, fatos ou fenômenos que possi- Para tanto, atribui-se à palavra DESENHO uma
bilitem uma experiência transformadora, inventiva. conotação ampla, indicando qualquer ação
Luigi Pareyson (Pareyson, 1997, p.15 e ss) denomi- modificadora e criadora de ruídos no silêncio do es-
na POÉTICA, o “caráter programático e operativo” paço plástico/visual.
de um determinado programa de arte que traduz em Os PROCEDIMENTOS DE CRIAÇÃO estão
“ normas ou modos operativos um determinado gosto arrolados em função de dois aspectos
pessoal ou histórico”. Pareyson relembra que, especi- interdependentes: o objeto visual real ou imaginário
almente no século XX, grupos de artistas plásticos de- desencadeador do exercício plástico (que passa a no-
clararam em Manifestos, as suas Poéticas, isto é, as mear o item), e o tipo de ação envolvida no exercício
suas intenções ao produzir arte e o seu MODO, a proposto (que subdivide o item).
metodologia empregada nessa produção. Assim, de-
nomina Poética o caráter operativo da arte e os mo- 3.1. Construção plástica a partir da natureza e
dos de produção, além da expressão de um dos artefatos
determinado “ideal de arte”. Exercícios que partem da materialidade de determi-
PROCEDIMENTOS DE CRIAÇÃO entrela- nado objeto.
çam-se ao conceito de Poética em Pareyson, no que se 3.1.1. Desenho de Observação Clássica - dado o objeto
refere as indicações de ações (modos operativos) para para observação, compete aos alunos repro-
a obtenção de determinado produto “artístico”. duzi-lo em detalhes, respeitando perspectivas,
Passa-se, então, a arrolar, ainda que de modo relações de proporção e de volume (luz e som-
incipiente2 , PROCEDIMENTOS DE CRIAÇÃO que bra).
2 Esta pesquisa teve início nos anos 90, com alunos da disciplina de “Metodologia do ensino de arte” da Universidade Federal de Uberlândia
– MG, na época sob responsabilidade desta pesquisadora.
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das pressupõem, sempre, o ensino formal de Artes tes últimos, geralmente, apenas um determinado tipo
Visuais nos seus diferentes níveis. São conhecidas e ne- de procedimento de criação é trabalhado (aquele pra-
cessárias as diferenças entre o ensino formal, “acadê- ticado pelo artista que ensina) e compete ao aluno, em
mico”, e aquele praticado de modo não-formal ou sua livre mas interessada escolha, selecionar aquele cur-
informal nos ateliês de artistas ou ateliês “livres”. Nes- so/professor que lhe parecer mais adequado.
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