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TEOLOGIA
DA FAMÍLIA E DO MATRIMÔNIO
Setembro de 2009
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Na época patriarcal podemos identificar uma praxe bastante bem definida com respeito ao
Matrimônio, seguindo tradições contidas no Código de Hamurabi (1700 a.C ). O
matrimônio se situa dentro de um contexto de família patriarcal. A fecundidade é um
grande valor. A descendência se conta por linha masculina garantindo a perpetuidade da
raça e da família. A herança se transmite por linha masculina. Segundo o Código Hamurabi,
o homem tem uma esposa e só pode tomar uma segunda esposa se a primeira for estéril,
mas assim mesmo ele perde tal direito se a esposa lhe dá uma escrava como concubina.
Esse caso se vê bem nítido em Abraão com Sara e Agar (Gn. 16. Is). Jacó já tem duas
esposas que lhe dão duas concubinas para se aumentar a descendência (Gn 29, 15-30).
Esaú tem três esposas.
O amor conjugal, em nível de esposos. embora durante muito tempo empanado por outros
valores considerados maiores, como a descendência, e obstáculo por questões culturais,
como a hegemonia do homem sobre a mulher que é literalmente comprada, não obstante
tudo isso, vemos crescer no pós-exílio, com a monogamia, a exaltação do amor entre os
esposos. (A própria Lei mosaica protege o primeiro amor: o marido, ao se casar pela
primeira vez, tem um ano livre de incumbências publicas ‘para que possa dar alegria à
mulher que tomou’ (Dt. 24.5). Ao mesmo tempo, a esterilidade de alguns casais desperta
um questionamento profundo sobre o real valor dessa circunstância de vida concreta; ali
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embora considerando uma desgraça não ter filhos, valoriza-se a união entre os esposos.
Assim Elcano, futuro pai de Samuel, diz a Ana que se queixava de não ter filhos: “Por
acaso não sou eu melhor para ti do que dez filhos” (1Sam. l,5ss).
Na vida familiar, notamos uma pesada carga cultural que sobrecarrega a mulher. O ideal
de esposa e mãe é aquela que serve ao marido com sua beleza e muitos trabalhos. mostra-
se infatigável, fiel, caridosa e prestativa, podendo o marido se gloriar dela ‘nas portas da
cidade’ (veja Prov. 31, 10-31- Veja também Sir. 26). O adultério é culturalmente
insuportável e, consequentemente, não admitido em nível sócio-religioso. Já o Dt. 22.22-
24 o pune com a pena de morte para ambas as partes. Entretanto, nem sempre tal pena
se aplicará. A mulher adúltera,porém, em qualquer hipótese deverá ser repudiada, publica
ou secretamente. (Em Malaq. 2,16 encontramos a expressão “odeio o repudio, diz o
Senhor”. Trata-se de um divórcio com mulher israelita a fim de se casar com urna infiel
pagã.- não se trata portanto de condenação profética do divorcio pura e simplesmente).
De resto, não existem maiores preocupações quanto a problemas como a limitação da
natalidade, aborto, etc O contexto sociocultural é bem outro.
Não obstante o Matrimônio se regular por contrato e a mulher ser praticamente um objeto
de compra. o Amor conjugal é explicitamente conhecido pelo israelita. Vários termos
(hesed. ‘emunah. qine’ah) expressam o sentimento profundo do homem para com a
mulher e sua correspondência (veja Malaq. 2,14 Ez. 16,8ss). Não existe o termo
“matrimônio” ou algo correspondente no Antigo Testamento que deixe ideia de algo
institucionalizado.
Oséias é o primeiro a abertamente utilizar tal simbologia. O profeta toma uma prostituta
que lhe dá filhos da prostituição, significando Javé que toma o povo pecador de Israel
como seu povo. O profeta continua a amar a prostituta, embora ela adúltera, resgata-a e
a toma por mulher (o que é paradoxal para a mentalidade da época). Deus persegue a
esposa infiel com seu Amor, Leva-la-á a recordar, na decepção de seus amantes, o amor
antigo que Ele tem por ela e que ainda lhe é fiel (2,9) Deus a conduz ao deserto e lhe fala
no coração (2,18), e tudo se resolve, pois ela se converte para Ele, sendo conduzida a
novas núpcias, desta vez definitivas (2,21-22). Estaria ai superada a idéia do matrimônio
simplesmente direcionado para a fertilidade e perpetuação da descendência? Parece que
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em termos explícitos e culturais não se possa dizer isso, pois a intenção não era referir o
conteúdo do matrimônio. Entretanto, através de Oséias se reforça sem dúvida um
elemento novo a ser desenvolvido. A partir dele os livros proféticos parecem perder o
receio de envolver a Aliança de Javé no simbolismo de sexualidade e amor conjugal.
Jerusalém sintetizando o povo fiel, ela é a esposa de Javé (Ez. 16,53-63. 23. 1ss. Is 54,4-
8. 62.3-5. Jr. 3).
— o Cântico dos Cânticos é também no Antigo Testamento uma explícita e longa referência
ao amor conjugal e nupcial. Existem, porém, divergências de opiniões e de interpretação
entre os exegetas a seu respeito. Trata-se de uma alegoria ao Amor de Deus para com
seu Povo, ou simplesmente seria a celebração do amor humano como legitimo e inscrito
pelo Criador no Homem segundo a beleza da criação.
1.4. Leitura teológica do Amor Conjugal: Gênesis 1 -2
Contexto do Gênesis: no que diz respeito à sexualidade e matrimônio,é interessante notar
que a história de Israel se formou no meio a civilizações pagãs que sacralizavam a
sexualidade, o amor, o matrimônio e a procriação através de mitos e deuses. Temos assim
Istar na Mesopotâmia, Astarte em Canaã, Afrodite na Grécia, Vênus em Roma. Segundo
os mitos, forças divinas presidem o uso do sexo e garantem a fecundidade. Houve até
ritos de prostituição sagrada. O Gênesis, por sua vez, dessacraliza o matrimônio e o sexo:
Javé não tem esposa nem sexo. Diante do Deus de Israel não há lugar para ritos sexuais.
Javé confere ao próprio homem o poder de gerar, criando-o em duas modalidades macho
e fêmea. Assim a sexualidade e sua força generativa estão a altura do homem A fertilidade
é considerada sinal de bênção e amizade de Deus.
Leitura do Gênesis: Sabemos que existem preconceitos já formados quanto ao conteúdo
do Gênesis sobre sexualidade e matrimônio. É um chavão recorrer ao Gênesis vendo nele
apenas a citação “crescei e multiplicai”. Alguns autores procuram ver também ali um
argumento para a monogamia, junto com a prova de que o Matrimônio tem como
finalidade exclusiva à procriação. Na verdade, porém, encontramos em Gênesis duas
fontes diversas uma da outra para narrar a criação do homem e interpretar a mútua
atração entre o homem e a mulher: Gn. 1.26-28; 2,18-24. Nas nuances do conteúdo
desses relatos podemos ver elementos muito importantes para uma compreensão atual
do Matrimônio.
FONTE JAVISTA:
Segundo a tradição rabínica, seguida pelo Cristianismo, Moisés é o autor de todo o
Pentateuco. Alguns radicais, como Filo e Josefo, chegaram a declarar que teria escrito
acerca da própria morte (Dt 34.5). Mas o Talmude reconhece ter Josué escrito este trecho.
Segundo uma tradição, aceita pelos pais da Igreja (apesar de reconhecerem a autoria
mosaica), os rolos foram perdidos devido a um incêndio, e foram totalmente reescritos
mediante inspiração do Espírito Santo por Esdras. Esta tradição está apoiada em um
escrito apócrifo – 4 Esdras 14.21,22:
“Porque a tua lei foi queimada, de modo que ninguém sabe as coisas que foram feitas
ou serão feitas por ti. Se tenho achado graça diante de ti, envia o Espírito Santo a
mim, e escreverei tudo que tem acontecido no mundo desde o princípio, as coisas que
foram escritas na tua lei, afim de que homens possam ser capazes de encontrar o
caminho, e a fim de que aqueles que desejam viver nos últimos dias possam viver”
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Já nos primórdios da era cristã, alguns começaram a duvidar da autoria mosaica, tais como
os nazarenos e os ebionitas. Mas as primeiras argumentações de peso começaram na
Idade Média, com pensadores tais como Ibn Ezra. Isto prosseguiu na Idade Moderna, com
Baruque Espinosa, Carlstadt e Andreas Masius.
A Teoria Documentária, segundo a qual várias fontes foram unidas para formar o
Pentateuco – tornando-o um livro de vários autores – começou a ser delineada em 1753
pelo professor de Medicina em Paris, Jean Astruc. Observando a freqüência com que
aparecem os nomes divinos Elohim e Yahweh, elaborou a tese de que foram usados dois
documentos para a redação do Pentateuco.
Esta idéia evoluiu no final do século XIX para a “hipótese Graf-Wellhausen”, elaborada por
Julius Wellhausen e Karl H. Graf, segundo a qual o Pentateuco era o resultado de quatro
documentos: Javista (J, cerca de 950 a.C.), Eloísta (E, século VIII a.C.), Deuteronomista
(D, século VII a.C.) e Sacerdotal (P, século V a.C.). Desde então, esta hipótese tem servido
de base para a crítica literária do Antigo Testamento. Hoje, ela está bastante elaborada, e
muitas das vezes cada um desses documentos ou fontes é subdividido em documentos
e/ou fontes menores. Vale salientar que muitos aceitam uma fonte G (do alemão
Grundlage, “fundamento”), onde as tradições J e E estão de tal forma fundidas que é
impossível separá-las. Isto seria indicado pelo uso feito em muitas passagens da
combinação Yahweh Elohim – cerca de 417 vezes.
Inicialmente, era tida como a fonte que utilizava exclusivamente o nome Yahweh. Hoje,
essa tradição é assim conhecida pela preferência que dá em utilizar o nome Yahweh (Javé).
Deste modo, muitas passagens que sequer utilizam o Tetragrama Sagrado são reputadas
javistas, como o longo trecho de Gn 42 - 47. Ainda segundo esta tradição, o nome divino
Yahweh é utilizado desde os tempos pré-diluvianos (Gn 4.26). Desconhece então a suposta
revelação deste nome divino, feita somente na época de Moisés (Êx 3.14,15).
O estilo javista é vívido e colorido, numa forma cheia de imagens e com um modo de
narrar realmente magistral. Combina simplicidade com grandeza; tradições simples e
agrupamentos de tradições, solidez de enredo e depuração de estilo, economia de
expressão e controle emocional. Prima pela explicação de etimologias: o homem (Adam)
assim é denominado por ter sido formado do pó da terra (adamah); a mulher (ishah) por
que foi tomado do homem (ish); a torre de Babel por que ali o Senhor confundiu (balal) a
língua de toda a terra; e assim por diante.
Teologicamente, não está tão preocupado com uma declaração religiosa formal; antes, ela
dá uma resposta profunda aos graves problemas que se apresentam a todo o homem, e
as expressões humanas de que se serve para falar de Deus (antropomorfismo) encobrem
um senso muito elevado do divino, destacando a proximidade de Deus e o seu íntimo
relacionamento com o homem. Como prólogo à história dos antepassados de Israel, ela
colocou um sumário da história da humanidade desde a criação do primeiro casal. Desta
forma, ressalta a continuidade do propósito de Deus desde a criação, passando pelos
patriarcas até o papel de Israel como seu povo. Exalta os grandes patriarcas, mas não
esconde os erros destes, trazendo um retrato humano bastante realista: a embriaguez de
Noé (Gn 9.18 – 27); a mentira de Abraão em contar que Sara era sua irmã, e não esposa
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(Gn 12.10 – 20); os enganos de Jacó, como em Gn 27; a violência de Moisés (Êx 2.11 –
23).
Esta tradição teve origem em Judá e talvez tenha sido escrita no reinado de Salomão,
entre 950 e 850 a.C. O autor é desconhecido, mas provavelmente recebeu apoio
governamental para elaborar uma espécie de “epopéia nacional”, como uma exaltação
nacionalista do jovem reino de Davi e Salomão. Este ímpeto nacionalista leva o javista,
por exemplo, a ignorar que Abraão tenha sido guiado por Deus a Canaã, e evita utilizar o
nome cananeu El para Deus. A situação política no reinado salomônico era propícia: paz,
prosperidade, e o reino na sua máxima expansão. Observe o texto de 1 Reis 3.20 – 28:
“Eram, pois, os de Judá e Israel muitos, como a areia que está ao pé do mar em multidão,
comendo, e bebendo, e alegrando-se. E dominava Salomão sobre todos os reinos desde
o rio Eufrates até à terra dos filisteus, e até ao termo do Egito; os quais traziam presentes
e serviram a Salomão todos os dias da sua vida. Era, pois, o provimento de Salomão, cada
dia, trinta coros de flor de farinha e sessenta coros de farinha; dez vacas gordas, e vinte
vacas de pasto, e cem carneiros, afora os veados, e as cabras monteses, e os corços, e as
aves cevadas. Porque dominava sobre tudo quanto havia da banda de cá do rio Eufrates,
de Tifsa até Gaza, sobre todos os reis da banda de cá do rio; e tinha paz de todas as
bandas em roda dele. Judá e Israel habitavam seguros, cada um debaixo da sua videira
e debaixo da sua figueira, desde Dã até Berseba, todos os dias de Salomão. Tinha também
Salomão quarenta mil estrebarias de cavalos para os seus carros e doze mil cavaleiros.
Proviam, pois, estes provedores, cada um no seu mês, ao rei Salomão e a todos quantos
se chegavam à mesa do rei Salomão: coisa nenhuma deixavam faltar. E traziam a cevada
e a palha para os cavalos e para os ginetes, para o lugar onde estava cada um, segundo
o seu cargo”
A fonte javista está distribuída pelos livros de Gênesis, Êxodo e Números. Alguns alegam
que Deuteronômio 34 e determinadas partes de Josué, Juízes e Samuel também
receberam influência javista. No conjunto de textos que lhe são atribuídos, distingue-se
às vezes uma corrente paralela que tem a mesma origem, mas que reflete concepções por
vezes mais arcaicas e por vezes diferentes, designadas pelas siglas J I (javista primitiva),
L (javista leiga) ou N (javista nômade).
Gn. 2,18-24. Esse relato é o mais antigo dos dois, remontando ao século X antes de Cristo.
Ele se distingue por seu conteúdo fortemente personalista durante muito tempo esquecido:
- Supondo a existência da união matrimonial e da família (“. ..deixará Pai e Mãe”) o
relato javista pretende basicamente explicar a forte inclinação que existe entre o homem
e a mulher
- A explicação dada pelo relato não se funda no instinto de procriação (note-se bem
isso!), mas sim na verificação de que o homem e a mulher são partes complementares
(“costela” - “ossos de meus ossos”). Ambos são companheiros destinados a formarem
urna unidade perfeita, destinados a formarem uma só carne.
- A concepção cultural de hegemonia masculina leva o autor à colocação de Eva como
procedente de Adão, o que seria provavelmente invertido se a cultura fosse matriarcal.
6- Existe outro grupo de afirmações de Jesus que propõe o discipulado como uma vivência
do Reino de Deus acima dos laços familiares.É muito conhecida a expressão: “Se alguém
vem a mim e não odeia pai e mãe, mulher, filhos, irmãos, irmãs e até a própria vida, não
pode ser meu discípulo” (Lc 1 4,26-27.cfr.Mt. 10, 37-38). A expressão semita “odiar”
mostra a radicalidade com que se deve priorizar o discipulado. Neste mesmo sentido, há
outras passagens que passam despercebidas, mas que se referem a relações familiares.
Por exemplo, a expressão “deixe que os mortos enterrem seus mortos” (Mt 8,21-22, Lc
9,54-60) diz respeito diretamente a vínculos familiares enterrar um morto significava a
obrigação, pelos laços de sangue, de vingar a morte de seus parentes nos casos de litígio.
Obviamente, Jesus está aqui se contrapondo aos laços familiares em torno da vingança
(Veja também Lc. 9,6 1-62)
7 - Deve também ficar muito claro que no ensinamento de Jesus, o Reino de Deus
se realiza para alem dos laços familiares. Em torno da parábola do Grande Banquete,
devese notar que entre as desculpas para não se participar no Reino de Deus, Jesus coloca
o ‘casei-me, e por esta razão não posso ir.”Ao mesmo tempo em que seu ensinamento é
este: 'Quando deres um almoço ou um jantar não convides os
Amigos, nem os irmãos, nem os parentes, nem os vizinhos ricos (.. . mas) chama pobres,
estropiados. coxos, cegos” (Lc 14,12-24)
Diante desses elementos, a reflexão teológica atual ressalta alguns pontos interessantes
que vale a pena notar aqui:
a) A pergunta feita pelos fariseus teria sido um fato real? Muitos exegetas negam,
observando que para o judeu o repúdio era um ponto pacifico desde que instituído pela lei
mosaica. O relato traduz então provavelmente a reflexão da comunidade judeu-cristã
sobre o divorcio a partir dos ensinamentos de Jesus. (Observe-se ainda nessa questão
redacional que a citação de Gn 2,24 segue a tradução dos LXX. (“os dois serão uma só
carne...”).
b) Jesus, diante do mandamento mosaico, lembra que foi devido à dureza dos
corações que Moisés teve que regulamentar a questão para coibir abusos piores Ora, a
norma evangélica que Ele vem propor visa superar também tais abusos que são
inaceitáveis no Reino de Deus.
c) A ordem ou disposição da criação mostra a evidencia do ideal a ser vivido pelos
esposos: formar uma só carne. A frase “o que Deus uniu o homem não separe” é um
reforço ao vínculo de tal união, pois querer institucionalizar a separação seria uma
intromissão na ação criadora de Deus.
d) Estando a sós com os discípulos, volta-se ao assunto. Isso significa que o conteúdo
proposto só pode ser entendido por aquele que tem fé e está de coração aberto para o
Reino de Deus.
e) Na resposta dada aos discípulos é interessante observar detalhes que vão além de
um contexto histórico de Jesus, deixando portanto a probabilidade maior de ser reflexão
da comunidade de Marcos sobre o tema. Nota-se ali:
1. Supõe-se que a mulher também possa dar o repúdio: ora isto contradiz a concepção
hebraica vigente e só é mais consoante com a concepção romano-helenista:
2. Fala-se também em segundo casamento: “se repudiar e se casar com outro”: mas
a argumentação de Jesus por si é contra a própria separação e repúdio, independente de
novo casamento: isso parece confirmar a situação da comunidade diante de casos
concretos. Essas observações são importantes para entendermos também mais adiante a
cláusula de Mateus.
5. Interpretação divorcista: Esta interpretação bem antiga foi adotada por ortodoxos
e por várias Igrejas protestantes, mas teve também dentro da Igreja católica no Cardeal
Caetano (1540) o seu primeiro defensor. Entende-se que o texto de Mateus realmente
permite o divórcio no caso de infidelidade, possibilitando nesse caso novo matrimônio.
Admite-se que a clausula refletisse a mentalidade judaica fiel à opinião rigorosa de
Shammai. Caetano insiste em subordinar, mesmo nesse caso, toda a questão da
dissolução concreta de cada casamento à decisão da Igreja. Esta opinião escapa de
problemas textuais, mas necessita sem dúvida de uma explicação que a harmonize com
as demais exigências do Evangelho.
segundo casamento.
- No entender de Paulo, o amor conjugal deve ser santificado pelo ágape cristão
(Amor Pascal), pelo que ele insiste (Col. 3,9; Ef 5, 25) a que os maridos amem suas
esposas como Crista amou a Igreja.
- As relações conjugais, para quem tem o dom para o Matrimônio são um dever
mútuo entre os cônjuges: caso contrário eles incorrem na fornicação (vv 2-4). Nos vv.3-
5, Paulo chama a atenção até contra um rigorismo ascético que separasse os cônjuges
das relações. Poderia assim subentrar uma tentação de incontinência. Paulo ressalta que
no Matrimônio os cônjuges se fazem doação um para o outro de modo que o cônjuge deve
deixar que o outro dele disponha inteiramente (v 4).
- A “concessão” mencionada no v.6 se refere certamente aos períodos de
abstinência. Paulo reconhece ali que a abstinência não é para os casados, pois o dom deles
é diverso do dom do celibato. Então, para evitar mal entendido de que ele estivesse
insinuando ou indiretamente impondo abstinência, ele ressalta que a abstinência é feita
como concessão, e não como insinuação e muito menos imposição. (Inácio de Antioquia
insistirá também na virgindade como um “carisma” - Carta a Policarpo c 5,2)
- Nos vv 8-9, Paulo mantém a opinião diante dos solteiros e viúvas de que o melhor
seria permanecerem assim. A impressão ali é de que Paulo entenda o matrimônio como
uma fraqueza diante da concupiscência. Mas tal impressão é falsa. pois ele atribuiu
explicitamente isso à diversidade de vocações ou dom de Deus’ (v 7). Veremos mais
adiante, por outro lado, que a vivência concreta mostrará a Paulo inclusive a
inconveniência de se forçar a vida na direção do celibato, quanto a pessoas que não tem
o dom para isso. Paulo mesmo dirá a 1 Tim. 5,14 desejar que as viúvas jovens se casem
de novo.
VV. 10-16: Divórcio e casamentos mistos
Paulo distingue aqui os “casados” e os “outros” . Os primeiros são os casados cristãos, e
os “outros” são casais mistos cristão-pagão. Ele ressalta a proibição do divórcio,
expressamente tanto para o marido como para a esposa, como um mandamento do
Senhor. É curioso, porém, que quanto ao segundo casamento a proibição seja feita
explicitamente só quanto à mulher. Foi um desejo de ressaltar só a questão da mulher
divorciada, ou haveria certa tolerância quanto ao recasamento de homens divorciados?
Essa questão tem razão de ser diante do posicionamento da Igreja dos primeiros séculos
frente ao divórcio.
VV 12-16. Sobre os casamentos mistos, Paulo se vê na obrigação de fazer uma
interpretação própria, pois ele não conhece nenhum “mandamento do Senhor” a respeito.
Concretamente ele não recusa a união matrimonial entre o cristão e o pagão, desde que
vivam em paz. O pressuposto é facilmente perceptível, a união homem mulher é por si
algo que remonta à ordem da criação. Assim, um casamento, mesmo realizado antes da
conversão, não contradiz a salvação em Cristo e, por isso, deve ser continuado. Não só o
marido ou esposa (lado pagão) mas os próprios filhos participam da santidade que o
cônjuge cristão traz para tal matrimônio. Mas, há uma questão.
“Privilégio Paulino”: Paulo supõe, ou melhor, certamente enfrenta situações em que o
cônjuge pagão cria dificuldades de convivência conjugal. Ele entende que então ali se deva
abrir unia exceção à indissolubilidade do Matrimônio (vv 15—16). Se o cônjuge pagão
insistir na separação, separa-se,. e o cônjuge cristão está livre. Paulo não fala
explicitamente em segundo casamento, mas sempre se entendeu que isso seja possível,
contanto que desta vez se faça no Senhor’ (v 30), isto é, com um parceiro cristão. Esta
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permissão de divórcio para uniões mistas entrou na Igreja com o titulo de “privilégio
Paulino”.
A motivação de tal permissão vai no V 15c: “foi para viver em paz que Deus vos (nos)
chamou”. Parece estar aí uma subordinação do vinculo institucional ao bem das pessoas.
O V 16 traduz ainda uma preocupação do cônjuge cristão: talvez se mantendo unido ao
cônjuge pagão a qualquer preço, um dia ele poderá se converter para a fé. Mas Paulo
replica como você tem certeza disso? VV. 17-24: lmportância da Vocação Cristã
Paulo insiste em que as condições humanas - até mesmo a escravatura – são situações
muito relativas diante do Reino. Por si não há necessidade de mudança de condições
humanas de existência (cfr. circuncisão), desde que elas não se oponham à vivência da
vocação cristã. Ressalta assim a supremacia da Vocação Cristã que dá sentido a todas as
formas de vida humana.
VV. 25-38: Virgindade e celibato
Aqui se trata ao que parece de uma questão levantada pelos Corintios: convém que os
solteiros se casem ou não? Respondendo a isso, Paulo declara que não conhece “preceito
do Senhor” sobre o assunto. Ele expõe então sua própria opinião, sem mandar. Sua opinião
é que o melhor é não casar. A motivação que ele traz é de que os casados submetem-se
a muitas preocupações e encargos da vida familiar e ficam divididos entre atender às
necessidades do cônjuge e satisfazer o Senhor. Devem cuidar de tantas coisas do mundo.
Subjacente a esta sua opinião está a idéia da iminência da escatologia e a transitoriedade
do objeto de tantas preocupações e ocupações na vida conjugal e social. A harmonização
desse texto de Paulo com Ef. 5 ‘ em que se recomenda aos esposos viverem o amor pascal
de Jesus para com a Igreja, não é de todo fácil. De qualquer forma, porém, Paulo acha
que a vida celibatária é mais desembaraçada para que a pessoa possa buscar o que é o
definitivo, deixando em segundo plano “a figura desse mundo que passa” (v.31).
Nos vv. 36-58 há uma questão especial. A interpretação clássica (S.João Crisóstomo) vê
ali o problema de um pai diante da conveniência ou não de fazer casar sua filha virgem.
Muito mais harmoniosa, porém, é a interpretação que entende ali outra questão de fundo:
a tentativa introduzida de casais cristãos viverem em ritmo de voto de
castidadevirgindade. Assim a questão proposta a Paulo é se pecam ou não ao romper com
tal voto, ou propósito. Paulo diz que não pecam, vivam o casamento plenamente. embora
ele não esconda sua opinião de que o melhor seria manter a virgindade.
VV. 39-40: Segundo casamento e viuvez
Paulo não esconde aqui sua opinião de que para as viúvas o melhor seria não se casar de
novo. É interessante, porém que em 1Tim. 5, 14 Paulo diz: “Desejo que as jovens viúvas
se casem, criem filhos, dirijam sua casa...”. Parece que a evolução das coisas mostrou os
inconvenientes de um celibato mal vivido. Ou talvez também o fato de que as viúvas
formassem um grupo com privilégios e deveres especiais (c* 1Tim. 5,9). mas deveres
estes que as mais jovens não conseguiam cumprir.
2.6 “Mistério grande” - Ef. 5, 21-33
Nesse conhecido texto de Efésios, Paulo faz, em síntese, uma aproximação entre o mistério
profundo do Amor pascal de Cristo para a Igreja e o amor entre os esposos. A finalidade
de sua comparação é uma proposta moral: Maridos, amai como Cristo amou a lgreja.
Vejamos seu conteúdo:
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redenção de Cristo, sua união com a Igreja. Ora, esta realidade não se destina só a motivar
a vivência do matrimônio, mas faz do próprio matrimônio um (protótipo, melhor:) símbolo-
figura da Aliança e do Amor pascal de Jesus. O matrimônio se toma, portanto, um
sacramento do grande sacramento. Mas vai ai certamente uma transposição de enfoque.
pois em Paulo esta última perspectiva aparece no Maximo indiretamente.
Concluindo esta visão do matrimônio dentro da Escritura. podemos perceber que a tônica
principal é dada para a vivência da união matrimonial segundo a Aliança. Como instituição,
o Matrimônio é abundantemente refontizado, não em uma sacralização e motivação que
lhe sejam externas, mas sim na própria ordem criacional em que a pessoa humana foi
constituída. De resto, esse lado institucional é deixado às culturas para que estas lhe dêem
ulterior configuração concreta. No Novo Testamento é bastante evidente a preocupação
mais por uma vivência cristã dos casados, do que por uma definição ou delineamento do
matrimônio como um sacramento cristão. Esta vivência é fortemente motivada, exigindo
um amor mútuo, como o próprio Cristo amou a sua Igreja com Amor pascal: exigindo unia
fidelidade que ultrapassa qualquer codificação e legislação humana. E, ao mesmo tempo,
como é a vivência que está acima da instituição, encontramos também a instituição
matrimonial a serviço das pessoas: sobre o que encontramos talvez no ‘Privilegio Paulino’
e na ‘cláusula de Mateus’ duas aplicações bem concretas.
Nos dez primeiros séculos da vida da Igreja a “benção eclesial para o matrimônio não foi
obrigatória. Encontramos decretos papais prescrevendo algo nesse sentido apenas no
século IV quando se trata de núpcias de clérigos menores, as quais deviam ser celebradas
com a participação de um sacerdote.
3 1.3 Celebração e cultura. Os primeiros séculos do cristianismo conhecem
fundamentalmente os costumes orientais e romanos de celebração do Matrimônio. A partir
do séc. V. com as invasões bárbaras, o cristianismo entra em culturas bem diversas que
expressam de variadas formas a celebração de um Matrimônio.
Entre os povos germânicos, a teoria matrimonial fundada no “consentimento dos noivos
(direito romano) é fora de uso. A esposa é comprada pelo esposo, pagando-se algo ao
tutor da virgem (pai., tutor). A questão se resolve entre as famílias em duas etapas
pagamento do dote (noivado) e “entrega da noiva’ (casamento). Só depois de muitos
séculos, por influência do direito romano, entrará entre os germânicos a celebração por
mútuo consentimento.
Entre os francos, os costumes são substancialmente os mesmos que os dos saxões. Além
disso, tia época merovíngia, os soberanos tem o poder de noivar duas pessoas por sua
autoridade. O caráter público do Matrimônio é um pressuposto bem acentuado.
Entre celtas e saxões a mulher é quase literalmente comprada. Pelo séc.Vlll, como a
compra da esposa é algo que distoa com o cristianismo, deu-se outra conotação ao
pagamento do dote, remuneração ao pai/tutor da virgem pelo trabalho que este teve em
sua educação e formação. Entre os celtas e anglo-saxões apenas no séc. Xl se admite
certo direito de a mulher dar assentimento em se casar com o noivo determinado.
1 4. Liturgia consolidada mas não obrigatória: Do séc.IV ao séc. XI, nasce e se
enriquece e se define unia liturgia nupcial. mas sem implicâncias jurídicas quanto a
validade do Matrimônio celebrado. A primeira prova de celebração religiosa do Matrimônio
remonta à igreja de Roma no tempo de S. Dámaso papa (366-384) e é referida pelo
Ambrosiaster. No séc.V, S.Paulino de Nola refere a ampliação desse rito de modo a
constituir uma cerimônia completa na igreja. Na metade do séc. V passa-se a falar também
de celebração de missa na ocasião de um Matrimônio celebrado. Entretanto, isto se faz
particularmente na igreja de Roma. Esse modo não era estendido às demais igrejas, nem
como obrigação, nem como costume. Ao contrário, a cerimônia era sempre negada,
mesmo em Roma, para o caso de segundas núpcias e para pessoas de conduta não
exemplar.
reis e crescimento do poder dos senhores feudais, ou então, ao menos pessoas de grande
influência. O cuidado moral e pastoral sobre o Matrimônio cristão levava também a uma
cura jurídica sobre o mesmo.
Essa jurisdição porém se interessava principalmente em determinar e decidir sobre
impedimentos e validade de Matrimônios celebrados. Para isso, era também necessário
fazer forte empenho para que os Matrimônios fossem celebrados publicamente. Sabe-se
da interferência de muitos bispos na decisão sobre questões matrimoniais no século XII,
mas os documentos não são suficientes para revelar um posicionamento universal da
Igreja nesse sentido. Sabe-se que em algumas regiões a autoridade civil conservou
(senhor feudal leigo) sem jurisdição até o século XIII.
A insistência sobre uma celebração pública e religiosa do Matrimônio gerou uma praxe no
século XII, funcionando da seguinte forma: a) em público, na frente da Igreja, o sacerdote
pede o consentimento dos esposos no casamento. b) os pais ali acertam a questão do
dote e entregam a filha:
c) bênção nupcial com entrega do anel.
d) entrada na Igreja com celebração da missa mais ósculo da paz aos noivos;
e) frequente o costume de se levar os noivos em procissão até sua casa, dando-se bênção
sobre o leito nupcial.
Entretanto as variações de tempo e de regiões permitem a continuação e o reconhecimento
de que sejam válidos mesmo os casamentos celebrados não oficialmente. São chamados
“clandestinos”, mas considerados Matrimônios válidos até pelo Concilio de Trento, que em
1563, regulamenta dai para a frente a questão através do decreto “Tametsi”.
conquista eclesial. Entretanto, diante de seu esvaziamento, devemos lembrar que por si
ela não seria indispensável para se falar do Matrimônio como sacramento (cfr. * Decreto
Tametsi). Ela se coloca como uma exigência ao mesmo tempo razoável, espontânea, mas
finalmente também positiva e jurídica da comunidade eclesial.
c) É verdade que, diante dos pedidos concretos para a celebração de um casamento,
a vida cristã não pode ser avaliada simplesmente pela participação ou não na eucaristia
dominical. Muitas vezes a ignorância religiosa se conjuga com uma vida honesta, cheia de
justiça e mesmo de expressões religiosas ao nível do que a pessoa esta à altura de
compreender. Por outro lado, é preciso considerar que atualmente, mesmo os casais que
não estão dispostos a assumir e se comprometer com uma vivência cristã do matrimônio
em nível de sacramento, mesmo esses casais se vêem de certa forma pressionados a
pedirem a cerimônia religiosa, não simplesmente por uma pressão sócio-religiosa, mas
por falta de outras opções de celebração a nível social. Vemos que a evolução da
celebração transpôs de um nível familiar leigo para um clima religioso e hierárquico as
expressões que fazem inicial a vida conjugal. Hoje, estamos colhendo frutos dessa
transposição,. consolidada em um largo período de expressões religiosas amplamente
aceitas na sociedade. Hoje avançamos dentro da dessacralização e secularização. É preciso
muitas vezes grande paciência pastoral que não nos deixe desanimar em buscarmos o
ideal nesse ponto, mesmo percebendo que a prática ainda está muito distante. Uma
grande iniciativa, embora insuficiente, para atender a tudo o que falta nesse campo, são
os cursos de noivos.
2 1 O divórcio e culturas - O divórcio não era problema para a mentalidade não cristã da
época as comunidades eclesiais primitivas. Especialmente os pagãos romanos, mas não
só estes, incluíam em seus costumes a possibilidade do divórcio. De modo geral, nas
diversas culturas, este podia ocorrer:
a) por repúdio - com variação de causas para isso, entre estas porém o adultério é a
causa mais forte.
b) por mútuo consentimento (ou cessando a “affectio coniugalis” segundo a
mentalidade romana de basear o Matrimônio sobre contrato a se fazer ou desfazer pelas
duas partes). Divorciar-se significa a liberdade para se casar de novo e é impensável uma
exigência de que a pessoa fique só ao se separar. A legislação romana tendia inclusive a
condicionar o divórcio ao recasamento da mulher. Em Mt 5,32 percebe-se o
reconhecimento de semelhante condicionamento social; “Todo aquele que repudiar sua
mulher.. faz com que ela adultere”.
A mentalidade cristã inaugura uma visão nova em que a fidelidade emerge como um valor
que vai além do aspecto contratual e dos motivos para o repúdio: apela-se para uma
ordem estabelecida pelo Criador que lesa o casal a se tomar uma só carne. Entretanto, a
preocupação cristã não é fazer do Matrimônio uma nova instituição. Tratase simplesmente
de trazer uma nova vivência para o Matrimônio vigente. Por isso as legislações civis sobre
o Matrimônio continuam sendo referência para a instituição matrimonial também para o
cristão. A Igreja não se preocupa em ter seu estatuto matrimonial institucionalizado.
Com isso não aprova. (por força da fidelidade cristã) que os cristãos recorram à lei civil
para se divorciarem e recasarem. Fazer isso implica em infidelidade-pecado, que exige
penitência e reconciliação. Mas, constituído esse novo Matrimônio civil, crestamento ilícito
e pecaminoso, ele é considerado para todos os efeitos como válido, e não se insiste em
separação e volta ao Matrimônio anterior, mesmo quando se faz a penitência e
25
- Ao contrario, são considerados adúlteros: homem que recasa após repudiar esposa
sem motivo justo; homem que se casa com mulher repudiada-abandonada com ou sem
motivo; mulher que recasa após repúdio do marido sem motivo; mulher que recasa depois
de repudiada justa ou injustamente; mulher que recasa após abandonar marido adultero,
mulher que se casa com quem repudiou outra sem motivo.
No Concílio de Arles (314). Cânon 10 se diz: “Sobre aqueles que surpreendem suas
esposas em adultério, e ainda jovens não podem casar, enquanto possível, dê-se a eles o
conselho de não se casarem de novo enquanto viverem suas esposas embora adúlteras”
(apud Hamel 22). Isto mostra ao mesmo tempo a tendência de se salvar o valor cristão
da fidelidade e do perdão, em uma situação em que se percebe que o peso da cultura
diminui muito a capacidade pessoal do marido traído de assumir tal fidelidade. Em resumo,
até ao séc. V. o adultério da esposa permite ao marido que este se divorcie e se case
novamente, sendo isso tolerado pela comunidade.
2.3 Uma discriminação das Mulheres: Nos primeiros séculos da Igreja não se escapou de
uma discriminação em que os direitos da mulher ao recasamento ficaram em franca
desigualdade com os direitos do homem. Sem dúvida o machismo da cultura tem sua
grande responsabilidade sobre esse fato. Esta discriminação é de certa forma
reequacionada no séc. V por influxo de Santo Agostinho. No Ocidente. estende-se aos
homens o rigor imposto às mulheres, isto é, nem homens nem mulheres ficam livres para
outros casamentos devido à infidelidade conjugal. E no Oriente, ao contrário. estende-se
às mulheres o privilégio concedido aos homens Mantiveram-se então duas tradições no
seio da Igreja a respeito da indissolubilidade do Matrimônio diante do adultério, e o próprio
Concilio de Trento terá uma formulação respeitosa dessas tradições, ao falar da
indissolubilidade do casamento.
2.4. Reconciliação de divorciados na Igreja Primitiva:Como se portou a Igreja
Primitiva diante dos divorciados que recasaram ilicitamente. Eles eram aceitos na
comunidade? Sob quais condições? A questão seria bem moderna. Concretamente temos
muitos casamentos fracassados, seguidos de um recasamento.
26
Os documentos de que hoje dispomos não permitem suficiente clareza sobre a atitude da
Igreja antes do séc. III quanto à reconciliação de divorciados recasados ilicitamente. Mas
a partir do séc. III percebemos que há uma tendência rigorista (montanistas com
Tertuliano) e outra oposta que é indulgente (Papa Cornélio - Cipriano). Para os
montanistas a questão e vital pois entendem que a Igreja deve reunir apenas os puros e
santos. Para o Papa, tudo se trata de uma questão pastoral, a serviço da qual o rigor e a
benignidade devem se colocar. Com isso, o Papa Cornélio insiste na reconciliação de
adúlteros e recasados. O Concilio de Nicéia
(ano 325-Cânone 8) manda que os cátaros (seita cristã politeísta, herética), se quiserem
entrar na comunhão com a Igreja. aceitem a comunhão com os recasados. Esses são não
só os casais de segundas núpcias por viuvez, mas principalmente por recasamento após
divórcio. A readmissão de divorciados recasados, na comunidade, através da reconciliação
foi ponto certamente defendido na Igreja Primitiva, não obstante a oposição dos
montanistas e cátaros. Mas sob quais condições se fazia tal reconciliação? O sistema de
penitência oficial impunha rigorosa satisfação para tais pecados. Nesse ponto duas
tradições se mantiveram: No Oriente, concluídas as obras de rigorosa penitência. a
reconciliação se fazia sem deixar nenhum interdito nos reconciliados. permitindo-lhes
então manter vida conjugal normal. No Ocidente, a tendência para uma intransigência que
mantém a indissolubilidade do primeiro casamento ganhou grande força com os
“Interditos” que restam para os que são reconciliados, pelo que, mesmo continuando
casados ficavam proibidos de manterem relações sexuais etc. Isso contribuiu muito para
se fechar cada vez mais uma compreensão maior no campo pastoral, para os casamentos
fracassados, ou para os fracassos em matéria de Matrimônio.
3.1. J.Paulo II. Familiaris Consortio, nn. 83—84 “Separados e divorciados sem segunda
união"
A solidão e outras dificuldades são muitas vezes herança para o cônjuge separado,
especialmente se inocente. Em tal caso, a comunidade eclesial deve ajudá-lo mais que
nunca; demonstrar-lhe estima, solidariedade, compreensão e ajuda concreta de modo que
lhe seja possível conservar a fidelidade mesmo na situação difícil em que se encontra;
ajudá-lo a cultivar a exigência do perdão própria do amor cristão e a disponibilidade para
retomar eventualmente a vida conjugal anterior.
Análogo é o caso do cônjuge que foi vítima de divórcio, mas que - conhecendo bem a
indissolubilidade do vínculo matrimonial válido - não se deixa arrastar para uma nova
união, empenhando-se, ao contrário, unicamente no cumprimento dos deveres familiares
e na responsabilidade da vida cristã. Em tal caso, o seu exemplo de fidelidade e de
coerência cristã assume um valor particular de testemunho diante do mundo e da Igreja,
tornando mais necessária ainda, da parte desta, uma ação contínua de amor e de ajuda,
sem algum obstáculo à admissão aos sacramentos.
84. A experiência quotidiana mostra, infelizmente, que quem recorreu ao divórcio tem
normalmente em vista a passagem a uma nova união, obviamente não com o rito religioso
27
católico. Pois que se trata de uma praga que vai, juntamente com as outras, afetando
sempre mais largamente mesmo os ambientes católicos, o problema deve ser enfrentado
com urgência inadiável. Os Padres Sinodais estudaram-no expressamente. A Igreja, com
efeito, instituída para conduzir à salvação todos os homens e sobretudo os batizados, não
pode abandonar aqueles que - unidos já pelo vínculo matrimonial sacramental -
procuraram passar a novas núpcias. Por isso, esforçar-se-á infatigavelmente por oferecer-
lhes os meios de salvação.
Saibam os pastores que, por amor à verdade, estão obrigados a discernir bem as
situações. Há, na realidade, diferença entre aqueles que sinceramente se esforçaram por
salvar o primeiro matrimônio e foram injustamente abandonados e aqueles que por sua
grave culpa destruíram um matrimônio canonicamente válido. Há ainda aqueles que
contraíram uma segunda união em vista da educação dos filhos, e, às vezes, estão
subjetivamente certos em consciência de que o precedente matrimônio irreparavelmente
destruído nunca tinha sido válido.
Juntamente com o Sínodo exorto vivamente os pastores e a inteira comunidade dos fiéis
a ajudar os divorciados, promovendo com caridade solícita que eles não se considerem
separados da Igreja, podendo, e melhor devendo, enquanto batizados, participar na sua
vida. Sejam exortados a ouvir a Palavra de Deus, a frequentar o Sacrifício da Missa, a
perseverar na oração, a incrementar as obras de caridade e as iniciativas da comunidade
em favor da justiça, a educar os filhos na fé cristã, a cultivar o espírito e as obras de
penitência para assim implorarem, dia a dia, a graça de Deus. Reze por eles a Igreja,
encoraje-os, mostre-se mãe misericordiosa e sustente-os na fé e na esperança.
A Igreja, contudo, reafirma a sua práxis, fundada na Sagrada Escritura, de não admitir à
comunhão eucarística os divorciados que contraíram nova união. Não podem ser
admitidos, do momento em que o seu estado e condições de vida contradizem
objetivamente aquela união de amor entre Cristo e a Igreja, significada e atuada na
Eucaristia. Há, além disso, um outro peculiar motivo pastoral: se admitissem estas pessoas
à Eucaristia, os fiéis seriam induzidos em erro e confusão acerca da doutrina da Igreja
sobre a indissolubilidade do matrimônio.
Agindo de tal maneira, a Igreja professa a própria fidelidade a Cristo e à sua verdade; ao
mesmo tempo comporta-se com espírito materno para com estes seus filhos,
28
especialmente para com aqueles que sem culpa, foram abandonados pelo legítimo
cônjuge.
Com firme confiança ela vê que, mesmo aqueles que se afastaram do mandamento do
Senhor e vivem agora nesse estado, poderão obter de Deus a graça da conversão e da
salvação, se perseverarem na oração, na penitência e na caridade.
Os sem-família
85. Desejo ainda acrescentar uma palavra para uma categoria de pessoas que, pela
situação concreta em que se encontram - e muitas vezes não por sua vontade deliberada
- eu considero particularmente junto do Coração de Cristo e dignas do afeto e da solicitude
da Igreja e dos pastores.
Infelizmente há no mundo muitíssimas pessoas que não podem referir-se de modo algum
ao que poderia definir-se em sentido próprio uma família. Grandes sectores da
humanidade vivem em condições de enorme pobreza, em que a promiscuidade, a carência
de habitações, a irregularidade e instabilidade das relações, a falta extrema de cultura não
permitem praticamente poder falar de verdadeira família. Há outras pessoas que, por
motivos diversos, ficaram sós no mundo. Também para todos estes há um «bom anúncio
da família».
Àqueles que não têm uma família natural, é preciso abrir ainda mais as portas da grande
família que é a Igreja, concretizada na família diocesana e paroquial, nas comunidades
eclesiais de base ou nos movimentos apostólicos. Ninguém está privado da família neste
mundo: a Igreja é casa e família para todos, especialmente para quantos estão
«cansados e oprimidos»(181).
4. Sacramentalidade do Matrimônio
Trata-se de ver aqui a evolução teológica pela qual hoje podemos dizer que o Matrimônio
é um sacramento. Mas o que isso significa? Em que consiste tal sacramentalidade?
Conceitos de sacramentalidade: Vimos que a tradição bíblica vê a natural união entre o
homem e a mulher como figura para se entender a Aliança Javé+Povo. Paulo faz o
processo inverso, assumindo o mistério Cristo como motivação moral para se viver a união
matrimonial. Mas para dai se afirmar a ‘sacramentalidade' do matrimônio há uma história
de séculos. Vejamos algumas poucas coisas a respeito.
Os Santos Padres têm certa dificuldade em assumir a própria união matrimonial como
sacramento devido a preconceitos contra a sexualidade. De modo geral, entendem que
Jesus, nas Bodas de Cana, abençoou o Matrimônio e o inseriu no plano da redenção. Mas
as referências patrísticas se colocam mais em um sentido de ‘pastoral familiar’,isto é, de
incentivo da boa vivência cristã no Matrimônio e na família. Mais para frente veremos os
códigos morais que eles propõem. Mas de modo geral, eles procuram dar motivações para
29
que a união entre os esposos ganhe sua força no amor pascal de Jesus. Assim, Tertuliano
fala do casal: “Onde dois ou mais se reúnem, ali está o Cristo”, atribuindo à família como
autêntico lugar de vida cristã. Orígenes vê o Matrimônio como um DOM DIVINO pelo fato
de ter sido instituído pelo Deus Criador. A referência de Paulo aos Efésios é entendida
corretamente com relação ao Mistério Cristo-lgreja e como motivação moral e não
institucional para o Matrimônio.
Santo Agostinho se ocupa mais com Ef. 5,.21-23. Ele define o Matrimônio como
“sacramento” em dois sentidos:
a) enquanto cria obrigações sagradas, ou seja, é algo de indissolúvel (é sacramento
porque é indissolúvel, é indissolúvel porque é sacramento):
b) como símbolo sagrado da união Cristo-lgreja. Mas Agostinho não sublinha a
simbologia do Matrimônio como se fará posteriormente. Ele vê o Matrimônio como bonum
prolis (idéia que domina a união homem-mulher). bonum lidei (exigência de fidelidade
recíproca, excluindo imoralidades) bonum sacramenti (exigência de indissolubilidade
mesmo em caso de adultério).
Séculos XII-XIII: A concepção agostiniana exerce forte influência nos séculos que seguem.
Mas é na Escolástica que o Matrimônio vai receber unia formulação sacramentaria mais
delineada. Ali o Matrimônio não é mais tomado só como um símbolo ou figura, mas o
Matrimônio enquanto se diz “sacramento” é entendido como símbolo eficaz que produz
algo de objetivo e gera vínculo indissolúvel. Assim, se os Santos Padres (SSPP) diziam que
o Matrimônio não podia ser licitamente dissolvido, os escolásticos diziam simplesmente
que era impossível dissolvê-lo. Para os SSPP o Matrimônio ‘natural' é um “sacramento”
latente e indistinto que quando celebrado entre os cristãos se toma “sacramento” explícito
e claro. Para os escolásticos, o Matrimônio religioso (sacramento) produz de fato algo de
místico nas núpcias, e portanto algo mais, embora a base continue sendo o Matrimônio
natural.
3.2. O que constitui o Matrimônio como sacramento?
Do século X em diante, quando a Igreja assume jurisdição sobre os casos matrimoniais
fica mais claro também em nível eclesial que a realidade é complexa: o que constituí o
Matrimônio válido entre o homem e a mulher? Não basta afirmar a indissolubilidade: o que
é indissolúvel e a partir de quando? Essas questões, embora definidas juridicamente, hoje,
continuam mesmo atualmente a incomodar.
As tradições sobre conceitos de constituição do Matrimônio eram variadas. Segundos os
romanos: consentimento; saxões, francos, celtas, godos: entrega da noiva após
pagamento do dote. Além disso havia também a idéia de que o Matrimônio só se consuma
na coabitação e assim a “domum ductio’ (procissão com os noivos recém casados até sua
casa) era entre gregos, romanos e bárbaros uni elemento comum de consumação do
Matrimônio. Na Idade Média, essas idéias servirão de base para se definir o constitutivo
do Matrimônio.
No século XI, o tipo de Matrimônio romano por “consentimento” passa a ser refletido
espontaneamente por teólogos longobardos, germanos e francos: mas ao mesmo tempo
eles mantém a convicção de que a indissolubilidade do Matrimônio só nasce com a primeira
coabitação. Dai a questão: o que faz o Matrimônio sacramento:
O consentimento ou a coabitação? Acrescente-se ainda a idéia vigente de que a finalidade
primordial do Matrimônio é procriar. Assim os SSPP achavam que não havia verdadeiro
30
vida cristã talvez tenha sido decisiva, pois mesmo sem ser portador de graça, é sinal de
um mistério mais sublime. Assim no século XI é acentuada a idéia de que a
sacramentalidade do Matrimônio está no fato de ele ser sinal (sacramentum signum). A
este se acrescenta a ideia agostiniana de sacramento no sentido de indissolubilidade
(sacranientum-vinculurn). Desta forma, no Decreto de Graciano (1140) o Matrimônio é
sacramento porque simboliza “Cristo-Igreja” e porque é indissolúvel. Mas não significa
graça de Deus.
Como sinal eficaz de salvação, o sacramento do Matrimônio teve e dificuldades iniciais
para ser aceito. Os canonistas temiam associar eficácia de graça ao contrato matrimonial,
que era comprometido com fortes aspectos econômicos como doação do dote etc. Parecia
simonia. Os teólogos diziam ainda a graça é obra de Deus, enquanto o Matrimônio (mútuo
consentimento é obra dos homens). A dificuldade cultural era também envolvente, como
considerar fonte de graças algo estreitamente ligado a relações sexuais?
Uma primeira ideia de graça sacramental foi a de ser “remédio para a concupiscência”
contra os males da sexual causados pelo pecado original. Apenas Hugo de S.Vitor afirma
um especial efeito espiritual no Matrimônio cristão, a saber, a íntima comunhão de graça
com Deus em Cristo, por meio do qual o amor humano é inserido na caridade. Mas esse
pensamento de Hugo de S.Vitor não é
associado á eficácia sacramental do Matrimônio. No século XIII (1220-45) com
Guilherme d’Auxerne. C.D’Auverne, Alexandre de Ales e outros passa-se a atribuir ao
Matrimônio-Sacramento o ser “sinal e causa de graça”. Há grandes discussões: graça
dispositiva? aumento da caridade? graça funcional? Santo Tomás sintetiza. Chega até
Trento: Matrimônio é sinal (Aliança Cristo-Igreja), é vinculo, é procriador e ali se tem a
graça para a vivência concreta. 4. O Matrimônio no Concilio de Trento
O Sacramento do Matrimônio foi tratado na Vigésima Quarta Sessão do Concílio de Trento
em 1563. Os Cânones de Trento naturalmente devem ser entendidos dentro de seu
contexto de responder as divergentes doutrinas ou pontos de vista dos reformadores.
Assim não está aqui uma exposição do pensamento da Igreja da época sobre o Matrimônio,
mas uma tomada de posição sobre determinados pontos que são negados ou afirmados
diversamente. Assim também o as. (“anathema sit”) proferido não significa
necessariamente uma definição doutrinal, mas um posicionamento que visa salvar a
unidade da Igreja ameaçada. Mesmo assim, as formulações são fruto de muita discussão
e se apresentam cautelosas. Note-se por exemplo o Cânone 7 sobe a indissolubilidade.
Por respeito a Igrejas orientais que permitem o divórcio nos casos de adultério, Trento
adota uma fórmula indireta: “se alguém disser que a Igreja erra ao ter ensinado e
ensinar”... vejam alguns dos cânones:
1. SE ALGUEM DISSER que o Matrimônio não é verdadeira e propriamente um dos sete
sacramentos da Lei Evangélica, instituído pelo Cristo Senhor, mas inventado pelos homens
na Igreja, nem confere graça, as. (anathenia sit)
2- que é licito ao cristão ter ao mesmo tempo mais mulheres e que isso não é proibido
por nenhuma lei divina, a.s.
3.. que somente os graus de consanguinidade e afinidade referidos no Levitico (18,6)
possam impedir de se contrair um Matrimônio e dirimir um contrato: e que a Igreja não
pode dispensar muitos deles ou constituir outros que impeçam ou dirimam, a ,s.
Importante em Trento é o DECRETO ‘TAMETSI’. Por ele, Trento reconhece até então a
validade dos Matrimônios clandestinamente celebrados, mas para evitar os graves males
e pecados que deles derivam, fica determinado que só são válidos os Matrimônios
32
Formal canônico
5.1.1- O Mistério de Cristo acima das instituições. Seria um engano querer entender o
sacramento do Matrimônio como algo simplesmente institucional. A sacramentalidade está
reposta sobre o Mistério de Cristo que supera (não quer dizer que prescinde) as instituições
e envolve por dentro a vida e vivência das pessoas. Por isso mesmo, toda a
sacramentalidade do Matrimônio se liga ao ESPIRITO NOVO que o ilumina e conduz sua
vivência. Fundamentalmente o Espírito de Jesus envolve a vivência conjugal do cristão,
comprometendo-se com o Mistério da Aliança em dois sentidos: a) enquanto a Aliança
(Amor pascal) é força-motivo de vivência conjugal; b) enquanto no Matrimônio se figura
a Aliança.
5.1.2 Sacramento e vida. Umas das tentações, quando se fala de sacramento, é entendê-
lo desligado da existência, como algo que vem de fora e leva a pessoa humana para fora
do que ela é. Entretanto, é muito importante entender o Matrimônio como sacramento de
um modo em que se perceba o quanto ele emerge, envolve e transforma a própria vida
real humana. Podemos entender que na inclinação sexual entre o homem e a mulher existe
uma existencial proclamação do Deus—Amor, que deixou no Homem criado a marca de
sua divindade. A fé descobre e põe em relevo de forma maravilhosa o que já esta latente
no Matrimônio criacional (Gn 2,24). O Matrimônio lança as pessoas, casal e filhos, em
um contexto de suma, uma vida de amor. Isto quer dizer que na própria estrutura do
Matrimônio criacional pode ser percebida uma existência de vida de deus (união, doação,
amor). Aos olhos da fé, portanto, todo Matrimônio é visto como mistério de Deus e
exigindo vivência de Deus.
Em Cristo, essa realidade humana adquire a força e a evidência de sacramento, pois o
Mistério de Cristo proclama e realiza abertamente (Revelação) o vigor da vivência de Deus
33
em termos humanos: união. doação. Amor. Por isso mesmo, o Matrimônio que por si
(ordem criacional) exige doação—amor—união (ser uma só carne, ter filhos), uma vez
mergulhado de alguma forma no mistério de Cristo, através da Fé (implícita ou explicita)
se torna um sacramento da Aliança. A fé garante que a união conjugal remonta ao Deus
Amor que assim fez o homem, e por isso este encontra na Aliança motivo de vivência do
Amor conjugal, a qual vivência se torna por sua vez, expressão (figura enquanto certa
realização) da própria Aliança.
Neste sentido, o sacramento emerge da vida do homem e se verifica na medida em que
ele assume a Sua própria vida com Espírito Novo. Aqui a vida do casal família adquire
também uma dimensão escatológica, pois está vivendo a Aliança que é o definitivo da vida
para o homem. A passagem da discussão de Jesus com os saduceus sobre o casamento
na eternidade (Mt 22,23-33) é muitas vezes parcialmente entendida. A resposta de Jesus:
“Estais enganados, desconhecendo as Escrituras e o poder de Deus. Com efeito, na
ressurreição, nem eles se casam e nem elas se dão em casamento, mas são todos como
os anjos no céu”: essa resposta vem de encontro à precariedade de compreensão do
Matrimônio e da ressurreição, como se esta não conseguisse também (poder de Deus) o
Matrimônio a plenitude. A união matrimonial, segunda a Escritura, não pode estar
desvinculada daquela profunda e misteriosa união escatológica a que todos somos
chamados (Jo 17, 11.22-23). Na escatologia, o Matrimônio será então superado, não
enquanto ele seria agora mesquinho e passageiro, mas enquanto é levado a sua plenitude.
Ali não só “os dois serão uma só carne”, mas todos seremos uma só carne: “pois fomos
todos batizados num só Espírito para ser um só corpo” (1Cor. 12, 13). Vivendo a União,
construímos em nós a Escatologia.
5 1 3- Matrimônio Sacramento vivenciado
Sabemos que por muitas razões há diversos níveis de vivência do próprio cristianismo. De
modo geral podemos dizer que quanto mais claramente (explicitamente) se buscar no
Amor Pascal de Cristo a força e a motivação para a vivência do Matrimônio, tanto mais
explicito se torna o Matrimônio como sacramento.
Estamos também habituados a falar em sacramento em termos de graça. Como poderia
ser entendida então a graça sacramental do Matrimônio-Sacramento? Dois aspectos
parecem importantes aqui: a) um é entender a santificação do próprio casal, e sua família.
na medida em que a vivência conjugal é imbuída pelo Espírito da Aliança: a ação do Espírito
impulsiona o casal nos detalhes de sua vida , transformando a vida conjugal mistério de
salvação: e b) outro é entender o Matrimônio intimamente inserido na lgreja, onde ele não
só participa da caridade eclesial. como ele também se torna sinal de graça, exemplo de
Aliança, testemunho para os irmãos.
5.2 Celebração do Sacramento
E fundamental distinguir inicialmente a celebração-vivência e a celebração- momento. O
projeto de viver o Matrimônio na força da Aliança e do Amor Pascal de Jesus conduz
naturalmente o cristão à celebração—momento em nível eclesial. Sintetizando o sentido
da celebração-momento podemos dizer que: - ela é um momento forte em que se celebra
um PROJETO DE VIDA: o casal assume viver o amor matrimonial em dimensão de Aliança
e do Amor pascal de Jesus.
Percebe-se que tal celebração-momento supõe ou sintetiza um processo de vida que pode
ser, e deve ser desdobrado. O importante é que ela mostre a estreita ligação do
sacramento do Matrimônio com o GRANDE SACRAMENTO que é MISTÉRIO DE CRISTO e
de sua IGREJA.
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