No começo, eram os nova classe de caracteres, como A, E,
pictogramas. A escrita era feita com o P, B, T, S, L, R, etc. Esta é, na teoria, desenho das coisas, representando as a lógica do desenvolvimento do palavras usadas para designar essas alfabeto. Mas na prática, as coisas coisas. não aconteceram de modo tão A palavra “olho” podia ser @, perfeito, nem a escrita apareceu ao “casa” podia ser =. mesmo tempo em todos os povos, o que torna essa história ainda mais Os nomes dos caracteres eram fascinante. os nomes das próprias coisas. Essa escrita, chamada ideográfica, era fácil Os sistemas silábicos do Oriente de ser entendida em muitas línguas. Médio vieram da escrita Suméria Com o passar do tempo, no entanto, (iniciada por volta de 3200 a.C.), que viu-se que havia um grande se transformou em cuneiforme com o problema: os símbolos eram muito domínio da civilização acadiana numerosos, assim como a relação de (2000 a 600 a.C.). Os dois pólos mais coisas a serem representadas, que se importantes de irradiação dessa tornavam cada vez mais complexas. escrita foram as civilizações Os pictogramas cederam lugar, babilônica e assíria da Mesopotâmia. então, aos silabários, sinais Os acadianos, assim como os representando os sons das sílabas. egípcios, falavam uma língua Mudou o ponto de partida da escrita, semítica, ramo ao qual pertencem que passou do significado para o som hoje o árabe e o hebraico. das palavras, de ideográfica a Um breve exame dessas línguas fonográfica. Com isso, houve uma mostra que, nelas as palavras tem redução enorme no número de uma formação muito especial, se caracteres necessários à composição comparadas às de outros ramos, de palavras. como o anglo-germânico e o E uma outra modificação neolatino. Nestes, as palavras importante ocorreu: os nomes dos apresentam uma idéia central, caracteres foram perdendo a relação marcada pela raiz, e idéias de conotação com as coisas adicionais, marcadas por “sufixos” e representadas e adquirindo “prefixos”. Assim a palavra significado próprio. Porém, o melhor “ilegalmente” tem a raiz “ileg”, que tipo de caractere para representar os traz a idéia principal, referente a “lei”, sons ainda era o silábico, que trazia o prefixo “i”, que implica uma muitas redundâncias. Se existiam negativa, e os sufixos “al”, que indica “letras” como PA, BA, TA, AS, LA, RA uma qualidade, e “mente”, que se ou PE, BE, TE, SE, LE, RE, podia-se refere a um estado ou modo. simplificar mais ainda e formar uma Nas línguas semíticas, as A Origem do Alfabeto Luiz Carlos Cagliari
palavras trazem a idéia central na que os silabários cuneiformes eram
combinação de três consoantes. muito práticos (com poucos Assim, no árabe, à seqüência KTB é caracteres escrevia-se qualquer atribuída a idéia central de algo palavra) mas que a escrita egípcia relativo a “escrita”. Outras idéias tinha uma forma gráfica mais adicionais são acrescentadas através atraente para ser escrita e lida, útil da inserção de vogais diferentes junto sobretudo nas necessidades do dia-a- às consoantes, formando-se, desse dia. modo, novas palavras. Por exemplo, Surgiu, então, uma escrita com katab significa “ele escreveu” kaatib caracteres egípcios para línguas do significa “escritor”; kitab significa Oriente Médio. Como eram línguas “livro”. As vogais eram facilmente que estavam sendo escritas pela recuperáveis na leitura, através do primeira vez; nada mais conveniente contexto. do que unir as vantagens gráficas dos A solução parecia satisfatória, caracteres egípcios às vantagens uma vez que, nas línguas semíticas, o funcionais da escrita cuneiforme que, sistema fonológico apresenta apenas há muito, já abandonara a maioria três fonemas vocálicos: I, U, A. dos caracteres ideográficos em favor Outras qualidades vocálicas eram de um silabário com poucos facilmente detectáveis a partir de caracteres. regras tão simples quanto a que, em Os documentos mais antigos português, identifica o som do É que nos chegaram dessa nova escrita aberto em “belo”, “bela”, e o do Ê foram descobertos em 1904-1905 fechado em “Beleza”. pelo arqueólogo britânico Flinders O sistema de representação Petrie, em Serabq el Khadin, no consonantal dos semitas durou Sinai. Essas inscrições, chamadas de milênios: só a escrita egípcia durou proto-sinaíticas, datavam de cerca de três mil anos. É claro que os sistemas 1500 a.C. e foram estudadas de escrita não usam apenas um minuciosamente pelo grande procedimento de representação. A egiptólogo, também britânico, Alan própria escrita egípcia, basicamente Gardiner, que demonstrou sua do tipo consonantal, utilizava ligação com os hieróglifos egípcios. A também símbolos ideográficos, escrita proto-sinaítica certamente determinativos semânticos e influenciou o que veio depois, mas fonéticos. faltam-nos documentos para estabelecer as pontes nos tempos e lugares corretos. O ALFABETO SEMÍTICO No outro extremo do Oriente Os semitas das grandes Médio os fenícios tinham na escrita civilizações estavam satisfeitos com um instrumento importante de sua seus sistemas de escrita. De um lado, atividade comercial ao redor do no nordeste da África, predominava o Mediterrâneo. Se, por um lado, sistema egípcio, e do outro, na quando viajavam valia a pena seguir Mesopotâmia, o sistema cuneiforme. cultura dos ricos egípcios, assírios e Acontece, porém, que entre esses babilônicos, em casa a nova escrita dois pólos de civilização viviam povos era mais prática e, portanto, mais que não estavam comprometidos útil. Ao que tudo indica, a escrita demais com essas culturas, mas que fenícia já estava estabelecida no eram grandes comerciantes no século XIII a.C., época dos Mediterrâneo. Eles logo perceberam documentos mais antigos. Os mais 2 A Origem do Alfabeto Luiz Carlos Cagliari
importantes são as inscrições do passou, por sua vez, a ser o nome da
sarcófago do rei Ahiirâm de Biblos, letra. Esse procedimento estendeu-se que datam de cerca de 1300 a.C., e a todas as palavras da relação, os da pedra Moabita, do rei Mesa, surgindo deste modo o alfabeto. que datam de 842 a.C. O novo sistema de escrita assim No século XI a.C., o sistema constituído, além de escrever só utilizado na escrita fenícia já tinha consoantes, tomou-se uma forma de passado por várias modificações e se escrita puramente fonética. Agora, fixado numa forma definitiva, com 22 para escrever, era preciso decompor letras apenas. Ela está na origem de as sílabas em seus elementos muitas outras escritas, como a árabe, consonantais e vocálicos, registrando a hebraica, a aramaica, a tamúdica, a com os novos caracteres apenas os púnica (de Cartago) e, sobretudo, a elementos consonantais. Um escrita grega, da qual se derivou a princípio acrofônico era a chave para latina, origem do alfabeto que hoje decifrar e escrever o alfabeto: bastava usamos. saber o nome das letras, reconhecer o Os semitas do Oriente Médio som consonantal e usar o caracter puseram em prática aquela idéia de correspondente para escrever as formar uma escrita com poucos consoantes que iam sendo detectadas caracteres e com formas gráficas de nas palavras a serem escritas. fácil desenho. Para isto, fizeram uma A idéia parecia boa demais e de lista de palavras, de tal modo que fato iria servir de modelo, muitos cada uma delas começasse pelo som séculos depois, para que os lingüistas de uma consoante diferente, e sua criassem os alfabetos fonéticos e sucessão representasse toas as pudessem registrar e ler os sons de consoantes. Além disso, o significado todas as línguas do mundo, mesmo dessas palavras deva se associar daqueles que nunca tinham sido diretamente a hieróglifos egípcios que escritas. Porém do ponto de vista do pudessem ser usados para uso, como veremos adiante, esse representar os sons iniciais. A novo sistema encontrou um primeira palavra da lista era aleph obstáculo intransponível na variação (boi) e para representá-la foi dialetal da fala das pessoas. Teve escolhido o hieróglifo que era o então que sofrer uma modificação desenho de uma cabeça de boi. básica, justamente no aspecto que A segunda palavra foi beth parecia mais promissor, a (casa), que ficou associada ao representação fonética dos sons da hieróglifo que representava uma fala. casa. Obviamente, em egípcio, esses Formas derivadas da escrita hieróglifos estavam associados as fenícia foram encontradas em muitas mesmas idéias mas não aos mesmos regiões do Mediterrâneo. Documentos sons. Por exemplo “casa” em egípcio é provenientes da Espanha (El Pendo), per e não beth. da França (Glozel), de Portugal Feita a tabela com os caracteres, (Alvão), da Itália e até da Iugoslávia os significados e os nomes, estava têm inscrições (não decifradas) em criado o alfabeto. Agora, o hieróglifo caracteres cuja forma gráfica lembra egípcio que representava “casa” e que de perto a escrita fenícia. Em outros era associado às consoantes PR, lugares, como na Líbia, na passou a ser o caracter que Mesopotâmia, na Turquia e na representava apenas o som de “B” Grécia, a escrita fenícia foi adaptada inicial da palavra beth, a qual às línguas locais e passou a ter um 3 A Origem do Alfabeto Luiz Carlos Cagliari
amplo uso social. letras inventadas baseavam-se no
estilo gráfico das já existentes. O ALFABETO GREGO O alfabeto grego passou mesmo a ter letras para mais de um Segundo Heródoto, um fenício segmento fonético das sílabas, como chamado Cadmos, que viveu de 1350 ζ = [dz], ξ =[ts], χ = [ks], Ψ [ps]. É a 1209 a.C., instalou-se na Boécia, curioso notar que o grego arcaico onde fundou Tebas e começou a começou distinguindo a aspiração de escrever grego com 16 caracteres sua não-ocorrência através de fenícios. Conta-se também que, dígrafos, escrevendo ΘΤ para [th] e durante a guerra de Tróia, surgiram somente depois a letra Θ passou a quatro novas letras, introduzidas por representar sozinha o som [th], Palamedes. O alfabeto grego teria ficando a letra Τ para representar [t]. sido completado pelo poeta A distinção entre κ e χ diferenciava Simônides de Ceos (556-468 a.C.) [k] e [kh]. Sutilezas fonéticas também com mais quatro letras. É difícil surgiram nas vogais, com letras distinguir a história da lenda. diferentes para as breves ε τ ο e as O fato de colocar letras longas η ω. representando consoantes e vogais, O documento mais antigo que umas ao lado das outras, compondo as sílabas, deu ao sistema de escrita temos é a inscrição no vaso Dipylon o verdadeiro alfabeto. É por isso que (entre os séculos IX e X a.C.). Outros muitos estudiosos dizem que o exemplos são as inscrições de alfabeto propriamente dito foi Yehimelek, Tera, Melos e Creta. inventado pelos gregos. Esta Somente no século IV a.C. foram afirmação dá ênfase à função das uniformizados os diferentes usos das letras na representação dos letras num alfabeto de 24 letras, com segmentos das sílabas e deixa de uma ortografia estabelecida, lado, de certo modo, a própria formando a escrita do grego clássico. natureza das letras, tal qual existia As marcas de acento e alguns na escrita semítica. São duas sinais de pontuação, acompanhando concepções diferentes do que é uma a escrita das palavras, foram escrita alfabética. introduzidas por Aristófanes de No esforço para adaptar à sua Bizâncio (250-180 a.C.) e pelo grande língua o sistema de escrita já Aristarco. O documento mais antigo estabelecido para os fenícios, os com essas marcas é o papiro gregos seguiram o mesmo princípio Bacchylides, que data do século I acrofônico da escrita fenícia. a.C., mas os sinais diacríticos só se Começaram adaptando os nomes das tornariam obrigatórios na escrita a letras lendo-os à moda grega. Assim, partir do século IX de nossa era. O ale passou a se chamar alfa, beth tipo atual dos caracteres gregos foi passou a se chamar beta, e assim lançado em 1660 por Wetstein na por diante. O conjunto das letras Antuérpia. recebeu um nome composto pela Os antigos costumavam escrever soma das duas primeiras, ou seja, as palavras sem separação, alfabeto. Algumas letras dos fenícios emendando umas nas outras. Para representavam sons inexistentes em evitar ambigüidades, ou grego. Passaram então, a representar simplesmente destacar palavras, sons que existiam em grego mas não usavam um ponto separando-as. Os nas línguas semíticas. As novas semitas escreviam em geral da direita 4 A Origem do Alfabeto Luiz Carlos Cagliari
para a esquerda. Os gregos um sistema de escrita útil para uma
começaram a escrever na forma sociedade com tanta variação dentro bustrofedom (em grego, “caminho do de uma mesma língua. Mas a escrita boi”), compondo uma linha da acabou sendo salva pela ortografia. esquerda para a direita e a seguinte Com a introdução da noção de da direita para a esquerda, ortografia na escrita alfabética, as invertendo a direção dos caracteres, e palavras passaram a ser escrita assim sucessivamente a cada nova apenas de uma forma e foi possível linha. neutralizar as variantes dialetais. Obviamente, a ortografia de uma UM IMPASSE NA ESCRITA língua depende, basicamente, do seu ALFABÉTICA prestígio. A língua passa a ter uma ortografia mais regular e estável Alguns dos povos semitas, como quando surge uma obra clássica os egípcios, os assírios e os modelar. Foi o que aconteceu com o babilônicos, tinham uma grande grego antigo e, muitos anos depois, civilização e contaram com sistema com as línguas derivadas do grego e de escrita próprios e bem do latim. estabelecidos. Outros povos menores, que viviam no Oriente Médio, passaram a escrever somente depois O ALFABETO ROMANO do surgimento da escrita alfabética. A Os etruscos instalaram-se no adaptação do sistema existente a centro da Itália por volta do ano 1000 essas línguas ágrafas procurava a.C. Uma das poucas coisas que se manter as funções das letras, com conhece deste povo é sua escrita, variações locais na forma gráfica de baseada no alfabeto grego. Por volta alguns caracteres, mas sem grandes de 700 a.C., os etruscos começaram modificações, como as que ocorreram a escrever, adaptando à sua língua o entre os gregos. alfabeto grego de 21 caracteres que, Em ambos os casos, entretanto, com o tempo, chegou a ter 26 letras. os usuários da escrita tiveram que O documento mais antigo que enfrentar o sério problema dos deixaram é o Cippus Perusianus, do dialetos. As diferenças dialetais da século V a.C. língua grega podiam ser reunidas em Aos etruscos sucederam os grandes grupos: o arcádio, da romanos. Roma foi fundada em 753 Arcádia e de Chipre; o eólio da a.C. e desde sempre manteve Tessália, Beócia e do Norte; o Jônico, vínculos com os gregos. A República da Ática; e o dórico, do Peloponeso Romana começou em 509 a.C. e, em (exceto Árcadia) e Creta. Por sua 451 a.C., foi escrita a Lei das Doze importância histórica e cultural, o Tábuas. A mais antiga inscrição dialeto ático, próprio de Atenas, conhecida em latim foi feita em prevaleceu e passou a ser conhecido bustrofedom e gravada na “Pedra como koiné, ou seja, “língua Preta” do Fórum Romano, por volta comum”. Posteriormente, a palavra do ano 600 a.C. koiné passou a representar apenas a linguagem do povo, por oposição à da Dos 26 caracteres etruscos, os elite. romanos passaram a usar apenas 21 letras. Algumas sofreram Diante de tal diversidade modificações na forma gráfica e, lingüística, o alfabeto parecia fadado sobretudo, no valor fonético. Depois a desaparecer, pois já não podia ser que houve uma mudança fonética 5 A Origem do Alfabeto Luiz Carlos Cagliari
significativa no latim, distinguindo Com o objetivo de seguir o
fonemicamente os sons k e g, a letra princípio acrofônico já mencionado, C, que originariamente representava os romanos modificavam os nomes o g, passou a representar o k; a letra das letras. Se a chave para a K, que representava o k, caiu em decifração das letras está em seus desuso e foi substituída pela letra C. nomes, uma vez perdido totalmente o Para representar, então, o som de g, caráter icônico das formas gráficas, os romanos passaram a anotar a já não se precisava mais de nomes letra C com uma pequena barra com significados especiais para as vertical na parte inferior, no final da letras, como no alfabeto dos semitas. curva, dando origem, assim, à letra Por outro lado, não havia G. A invenção do G foi atribuída a necessidade de adaptar esses nomes Spurius Carvilius Ruga (230 a.C.), Do à língua, como fizeram os gregos. O ipsilon grego, os romanos ficaram mais prático era designar as letras apenas com a forma V, por monossílabos iniciados com o representando um segmento labial som mais representativo de cada consonantal ou vocálico. uma delas. Posteriormente, com a distinção Foi assim que as letras fonêmica entre estas duas passaram a se chamar a, bê, cê, dê, realizações, a letra V ficou para o etc. e o alfabeto passou a ter outro segmento consonantal e a forma nome, em português: “abecê”. Na arredondada U para a vogal. A forma época de varrão (116-27 a.C.), havia grega do Y limitou-se à escrita de duas maneiras de dizer os nomes de palavras de origem grega. Alguns algumas letras: a antiga e uma nova, eruditos e até imperadores, como com um E inicial, seguindo-se o som Cláudio, tentaram inventar letras da consoante, como em EF, EL, EM, para se tornarem famosos, mas EN, ER e ES. nenhuma dessas tentativas deu certo. Os romanos usavam um O ALFABETO ROMANO DEPOIS DO diacrítico chamado apex para marcar LATIM vogais ou consoantes longas A forma misturada de dizer o (geminadas). Tal uso não era, porém, nome das letras em latim passou, obrigatório. Esse diacrítico era um mais tarde, para as línguas acento ou uma vírgula sobre a letra: Í neolatinas, como o português. Essa = ii, S = ss. A partir do século II mudança alterou, em parte, o torna-se mais comum o uso da princípio acrofônico. Posteriormente, compendia, ou seja, da ligadura com a introdução de novas letras, o para unir duas letras, como A+E – princípio acrofônico nem sempre foi Æ, O + E – Œ. respeitado. Assim a letras H, que os As formas gráficas da escrita romanos chamavam de adspiratio, cursiva desenvolvida pelos romanos passou a se chamar agá em alteraram bastante as letras capitais português. Desde sua origem mais de seus monumentos. Documentos remota, ela tem sido usada como com esse tipo de escrita, chamado uma espécie de “curinga”, pugillares, foram encontrados em representando sons diversos ou, mais Pompéia em 1875. Em 1973, muitas freqüentemente, modificando o valor tabuinhas com a mesma forma de fonético da letra anterior e formando escrita foram descobertas no poço de dígrafos. um forte romano em Vindolândia, no A letra W, em Portugal chamada norte da Inglaterra. 6 A Origem do Alfabeto Luiz Carlos Cagliari
de “duplo vê” e no Brasil de “dábliu”, modificar a forma gráfica básica de
já aparece em documentos insulares certas letras para obter novos em 692 e veio, como o nome caracteres e assim representar sons português indica, da escrita de dois que não tinham letras próprias no V. Sua difusão deve-se ao extenso alfabeto romano. O tcheco, por uso que teve em manuscritos da exemplo, incluiu letras como C C; o Alemanha nos séculos XI e XII. No rumeno, T; o norueguês, Æ Ø; o século XVII, passou a representar sueco, Ä Å; o espanhol, Ñ etc. O uso uma consoante diferente, tornando- dos acentos para diferenciar se assim uma letra a mais no qualidades vocálicas diferentes em alfabeto. português vem da influência árabe e A letra J é também uma já aparece no português arcaico. invenção da Idade Média. Surgiu Convém lembrar também que os quando os escribas perceberam que, alfabetos de algumas línguas escrevendo dois ii góticos juntos, deixaram de lado certas letras do pareciam estar escrevendo um H. alfabeto romano. O italiano não Para distinguir os dois casos, o possui as letras J, K, W, X e Y. O segundo I da seqüência passou a ser iorubá não tem as letras C, Q, V e Z. grafado com uma pequena curva Finalmente, as letras do alfabeto virada para a esquerda, originando- romano foram assumindo estilos se assim a letra J. O pingo do J diferentes, com a produção de livros começou a aparecer no século XIV, manuscritos e, sobretudo, depois do tornando essa letra mais fácil de ser surgimento das tipografias (1456). A reconhecida na escrita gótica. Foi forma gráfica das letras foi se Louis Meigret quem colocou no modificando criando-se, assim, novos alfabeto francês o J como letra alfabetos. A escrita monumental independente, em 1542. A escrita romana deu origem às letras de minúscula passou a ter a barra forma maiúsculas e a escrita vertical do t aumentada, cortando a carolíngia deu origem às letras de barra horizontal, em 1467. forma minúsculas, no século IX. No O alfabeto inglês antigo tinha século XII, surgiram as letras góticas duas letras novas, o thorn ð e o (ou pretas) e as escritas cursivas winn þ. A letra winn veio do alfabeto caligráficas. rúnico, também derivado do romano, Folheando-se, hoje, uma página e apareceu pela primeira vez num de jornal ou de revista, constatamos documento do ano de 811. A letra C uma infinidade de alfabetos. Mas o representava o som inicial da palavra princípio alfabético permanece child, escrita cild. A letra S passou a constante: a ortografia define o valor ter duas formas gráficas: ƒ e S, e as funcional das letras, mesmo quando duas formas amalgamadas aparecem o aspecto gráfico vai gerando novos na escrita alemã fracture como ß. A alfabetos que, por serem usados para letra Ç surgiu na península Ibérica, transcrever uma mesma língua e quando as línguas neolatinas valerem como substitutos do alfabeto começavam a ser escritas, para romano primitivo (letras de forma representar o mesmo som grafado maiúsculas), são, para nós, simples pelos antigos ingleses com as letras variantes de um mesmo alfabeto. Na thorn e wynn. A forma gráfica mais verdade, no mundo de escrita em que antiga do Ç era um C com um vivemos, lidamos com inúmeros pequeno Z subscrito. alfabetos, além de contarmos, ainda, Algumas línguas procuraram com caracteres não alfabéticos, como os pictogramas modernos, a escrita 7 A Origem do Alfabeto Luiz Carlos Cagliari
ideográfica dos números, das uma parte do sistema de escrita que
abreviaturas, siglas, logotipos e usamos, mas as letras ainda são a inúmeras marcas e sinais que parte mais importante deste sistema. completam o nosso sistema de escrita. O alfabeto, hoje, é apenas
LETRAS, DO EGITO AOS NOSSOS DIAS.
Os caracteres egípcios deram origem à escrita semítica. Observe, no quando a
seguir, que o nome da letra semítica coincide com o significado do hieróglifo egípcio. O alfabeto grego formou-se a partir do sistema fenício, uma ramificação da escrita semítica, que funcionou como modelo gráfico. Alguns caracteres fenícios, entretanto, passaram a representar vogais no alfabeto grego, perdendo seu valor consonantal de origem (as línguas semíticas grafavam apenas as consoantes das palavras). Pode-se dizer que os gregos, ao introduzirem vogais no sistema de escrita, desenvolveram o primeiro alfabeto moderno. O abecedário romano, empregado até hoje, derivou do alfabeto grego. Inicialmente existiam apenas as letras capitais (maiúsculas). As minúsculas correspondentes surgiram na Idade Média. Seu uso cursivo, com ligaduras entre as letras, modificou bastante sua forma gráfica.
1 Luiz Carlos Cagliari é Mestre em Lingüística pela Universidade Estadual de
Campinas- UNICAMP e doutor em Fonética pela Universidade de Edimburgo, Escócia. Em 1982, obteve o título de Doutor Livre Docente em Fonética e Fonologia e, em 1990, o de Professor Titular de Fonética e Fonologia, ambos pela UNICAMP. Tendo desenvolvido pesquisas na School of Oriental and African Studies, Universidade de Londres, e no Museu Britânico, atualmente trabalha no Departamento de Lingüística da UNICAMP. Autor de vários artigos sobre aspectos da fonética no português brasileiro, tem dois livros publicados no Brasil sobre o tema da alfabetização. 8