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Charles Breaux

JORNADA
QUMO À
CONSCIÊNCIA
Os Chakras, o Tantra e a Psicologia Junguiana

Pensamento
JORNADA
RUMO À
CONãCIÊNCIA
Os Chakras, o T antra c a Psicologia Junguiana

Charles Breaux
Tanto na psicologia tântricacomo na jun­
guiana, as práticas espirituais e os métodos te­
rapêuticos estão vitalmente associados a uma
participação consciente na vida ordinária. Am­
bas as psicologias valorizam as etapas da trans­
formação alquímica da consciência humana. O
tantra simboliza a nossa metamorfose num sis­
tema de chakras que se abrem à medida que
despertamos progressivamente para as várias
dimensões da psique. Da perspectiva junguiana,
os temas universais presentes nas inumeráveis
histórias de heróis e de heroínas, de deuses e
deusas, evidentes no mundo todo, são dramatizações dos estágios de desenvol­
vimento do nosso crescimento na direção da consciência.
Neste livro, Charles Breaux, um terapeuta junguiano, ajuda a assentar
os alicerces para uma compreensão psicológica prática dos chakras. Para che­
gar a este objetivo, ele desenvolveu o conceito histórico e filosófico do Tan­
tra, o solo natal do sistema dos chakras, e demonstra o quanto o Tantra e a ps
cologia junguiana se completam.
O tema principal de Jornada Rumo à Consciência 6 a relação do Tai
tra com o nosso mundo interior e com a vida em geral. O Tantra compreei
de que as forças vitais do cosmos não são diferentes das do corpo e da mei
te. Seu interesse maior 6 a total aceitação de ambas e a transformação da nos­
sa consciência daí resultante.

E D IT O R A PE N SA M E N T O
CHARLES BREAUX

JORNADA RUMO À CONSCIÊNCIA


Os Chakras, o Tantra e a
Psicologia Junguiana

Tradução
EUCLIDES LUIZ CALLONI
CLEUSA M. WOSGRAU

E D IT O R A P E N S A M E N T O
S äo P a u lo
Sumário

Introdução 9
1. Raízes Tântricas e Relevância 19
2. A Caverna dos Antigos 54
3. Sua M orada Especial 74
4. O reino do Resplendor 93
5. O Reino do Som Sagrado 114
6. A Grande Purificação 134
7. O Oceano de Néctar 168
8. A Praia Além 202
Glossário 243
Bibliografia 250
IN TRO D U ÇÃ O

Adquiri meu prim eiro livro sobre ioga quando ainda adolescente.
Nele havia a figura de um ioguc em m editação com sete lótus ao longo
de sua coluna. O autor m encionava uma m isteriosa força (Kundalini)
que sobe através dos lótus (chakras), e falava dc animais e divindades
estranhas que supostam ente habitam nesses vários chakras. Essas
imagens exóticas intrigaram -me, parecendo evocar lembranças antigas
que eu não podia recordar. M inha mente racional ficava cism ando sobre
o sentido deste estranho “ioga” oriental. Na escola, com ecei a ler
literatura teosófica. O livro de Lcadbeater sobre os chakras, embora
muito interessante, ainda me deixava confuso sobre a utilidade do
conhecimento dos chakras para mim.
Muitos anos se passaram , e as informações sobre os chakras são
lugar-comum nos círculos da Nova Era, mas não menos confusas. Vários
autores e professores, em bora convincentem ente dogm áticos, polemizam
sobre o significado c as funções dos chakras. Por exemplo, há muitas
discrepâncias entre as com binações de órgãos, glândulas endócrinas,
notas musicais, cores e os significados atribuídos aos chakras, para não
m encionar as num erosas panacéias para equilibrá-los e purificá-los.
Neste livro quero ajudar a assentar os alicerces para uma com ­
preensão psicológica prática dos chakras. Para chegar a este objetivo,
desenvolverei o contexto histórico e filosófico do Tantra, o solo natal do
sistema dos chakras, e demonstrarei o quanto o Tantra e a psicologia
junguiana se com plem entam . Para com eçar, gostaria de expor breve­
mente algum as dc m inhas experiências e conhecimentos.

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Depois de concluir meus estudos na faculdade, onde estudei psi­
cologia, filosofia, e religiões do mundo inteiro, meu idealismo juvenil
convenceu-me a ir em busca da iluminação — a única meta digna. Tor­
nei-me um asceta moderno. Um período de três anos de reclusão c m e­
ditação intensa resultou na experiência do despertar da Kundalini. Por
vários dias e noites, uma dor ardente queimava no interior de minha pelve
c meu baixo-ventre. Em seguida ela subiu através da coluna até o topo
de minha cabeça, deixando-me num estado de êxtase por diversas sem a­
nas. Eu esperava ser transformado numa espécie de ser “iluminado” mági­
co; em vez disso, deparei-m e apenas com o início de uma jornada incrível.
Este primeiro encontro com a kundalini estimulou a abertura das
habilidades de clarividência e cura. Aproximadamente um ano mais
tarde, problem as digestivos graves, incuráveis com tratamento médico,
forçaram-me a em pregar essas habilidades para curar a mim mesmo. Em
seguida, com ecei a trabalhar com outros e posteriormente passei a dar
aulas sobre consciência psíquica e cura. Nesse período, efetuei vários
experimentos com métodos destinados a um trabalho com os chakras.
Meus conhecim entos de psicologia ajudaram-me a organizar e inter­
pretar as impressões psíquicas que via na aura e nos chakras. Descobri
que a psicologia junguiana era especialmente pertinente.
Num dia abençoado, um amigo apresentou-me ao Tantra tibetano.
Foi-me perm itido participar de uma pequena cerim ônia privada dos
alunos mais adiantados de Gyalwa Karmapa, a 16* encarnação do chefe
da linhagem Kagyu do Budismo tibetano. Nessa cerimônia, Karmapa
colocou uma coroa preta sobre a sua cabeça e transmitiu uma poderosa
força espiritual. Tive um a experiência muito profunda e fui inspirado a
seguir Karm apa ao longo da Costa Oeste recebendo instruções e
iniciações. Nos anos que se seguiram, estudei com outros vários lamas
e participei de vários retiros de meditação. À medida que me apro­
fundava no estudo do Tantra, percebi que muitos dos métodos que havia
desenvolvido intuitivam ente para trabalhar com os chakras eram muito
semelhantes ao Tantra.
No verão de 1981, fui uma vez mais abraçado pela deusa
Kundalini. Por um período de vários meses, tive numerosos encontros

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com ela e experimentei uma série de iniciações tântricas durante a
meditação. Também revivi várias vidas com o iogue e com o lama, o que
me propiciou maior discernimento do Tantra e do meu fascínio por ele.
Essencialm ente, o Tantra diz respeito à nossa relação com a
natureza primordial do cosmos. Com o ele é cristalizado, ou por outra,
obscurecido, no corpo-m ente-alm a? Como somos transformados quando
ele se liberta de sua armadilha pela tendência a formar um sentido
individual de identidade? Somos, nós e ele, a mesma coisa? Como
encontram os respostas para estas questões? O Buda Gautama atou seis
nós num lenço de seda c perguntou a um discípulo como eles poderiam
ser desfeitos. Fazendo os seis nós, Buda estava m ostrando como nossas
identidades individuais estão entrelaçadas pelos nós do ego em cada um
dos seis chakras inferiores. Ele ensinou que devemos desatá-los na
ordem inversa daquela em que foram atados.
Há um a crença comum que sustenta que o despertar da Kundalini,
que ocorre à medida que os nós são liberados, é sinônimo da obtenção
da iluminação. Devo dizer que não é assim tão simples. Na verdade, se
não som os diligentes em integrar a em ergência crescente dos conteúdos
inconscientes e os padrões cármicos, podem os muito bem ser impie­
dosam ente lançados num pesadelo vivo, real.
Cari Jung, em Aspects o f the Feminine, aconselha-nos a não
despertar os cães porque a perigosa jornada ao inconsciente não é útil
nem necessária até que sejamos levados a ela por necessidade. Ele diz
que o m edo de nosso lado interior é às vezes saudável porque, uma vez
que entrem os em seus mistérios, os padrões científicos e morais do
nosso mundo “conhecido” se dissolvem sobre nossos pés. Também
mostra o quão profundamente enraizado está esse medo do mundo
interior, sugerindo que ele fez com que a mente prim itiva criasse idéias
e práticas religiosas e atribuísse poder ao xamã e ao sacerdote para
proteger-nos contra ele.1

(1) Carl Jung, Aspects o f the Feminine, Bollingen Series (Princeton, NJ:
Princeton University Press, 1982), p. 92.

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Embora o antigo sistema do Tantra provenha das mesmas
profundezas históricas da psique, suas conclusões e práticas são únicas.
A relação do Tantra com o nosso m undo interior — e com a vida em
g e ra l__é o tema principal deste livro; por ora, mencionarei apenas que
o Tantra compreende que as forças vitais do cosmos não são diferentes
das do corpo e da mente. Seu interesse m aior é uma total aceitação de
ambas e a transformação da nossa consciência daí resultante.
Pode-se prontamente com parar esta orientação com a psicologia
junguiana. Do ponto de vista desta, estamos envolvidos num processo
progressivo de realização denominado individuação. Através desse
processo, nós, com o unidades individuais de vida e de consciência,
expandimos gradualm ente nosso cam po de referência para abarcar os
reinos pessoal e individual do inconsciente.
A individuação ocorre através das experiências em nosso mundo
dos sonhos e dos eventos da nossa vida diária; na verdade, o mundo
exterior é considerado pelos junguianos um a tela em branco sobre a qual
são projetadas as imagens do inconsciente. Com o na perspectiva
tântrica, nossas vidas são vistas com o sonhos despertos, o representar
espontâneo de temas arquetípicos — mitos etemos.
A vida vive por nosso intermédio; a aceitação dela, como é, desde
sua banalidade até sua sublim idade, é a base para o nosso desenvol­
vimento psicológico e também espiritual. Daí que na psicologia tântrica
ou na junguiana as práticas espirituais e os métodos terapêuticos estão
vitalmente associados a um a participação consciente na vida ordinária.
Ambas as psicologias valorizam as etapas da transformação alquí-
mica da consciência humana. O Tantra simboliza a nossa metamorfose
num sistema de chakras que se abrem à medida que despertamos
progressivamente para as várias dim ensões da psique. Em cada um
desses sete chakras, divindades e outros símbolos retratam os conteúdos
e suas funções encontrados em cada nível. Da perspectiva junguiana, os
temas universais presentes nas inumeráveis histórias de heróis e
heroínas, deuses e deusas, evidentes no mundo todo, são dramatizações
dos estágios de desenvolvimento de nosso crescimento na direção da
consciência.

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Em The Origins and History o f C onsciousness* o analista
junguiano Erich Neumann m ostra como nós, como indivíduos, per­
corremos os mesmos estágios dc desenvolvim ento por que evoluiu a
humanidade coletivam ente. Projetadas na m itologia do mundo, essas
fases arquetípicas com eçam e terminam com imagens da serpente que
devora a própria cauda (Uroboros). Os estágios interm ediários incluem:
a Criação do M undo, a Grande Mãe, a Separação dos Pais Terrestres,
O Nascim ento e as Provações do Herói, O Exterm ínio do Dragão, O
Resgate e Romance com a Donzela Cativa, e a Transform ação e
Divinização do Herói. No texto que segue, relacionarei esses estágios
arquetípicos com os sete chakras.
As práticas tântricas e a psicologia junguiana coincidem e
aperfeiçoam -se m utuam ente em muitos aspectos. A psicologia ocidental
é devedora de um enorm e apreço, e na verdade dc aprendizado, aos
m uitos milhares de anos de pesquisa tântrica nos dom ínios transpessoais
da psique. O Tantra, por sua vez, beneficia-se do conhecimento prático
dos aspectos mais contem porâneos e pessoais dos processos psicológicos
ocidentais.
Há muitas diferentes seitas e uma com ucópia de ensinam entos no
Tantra hindu e budista. Usufruí principalm ente o Tantra tibetano devido
as m inhas experiências iniciais com o mesm o e porque ele ainda está
muito vivo em nossa época. Dele extraí o que sinto ser o mais
fundamental e apresento esta essência, quando possível, por meio da
psicologia junguiana.
A linguagem do Tantra é visionária, rica em sím bolos e metáforas
produzidas espontaneam ente nas meditações de antigos iogues. Em
m uitos casos é m elhor deixar que elas se comuniquem com o seu ser
interior em vez de tentar uma tradução para a mente racional; por isso
incluí uma prática de meditação no final de cada capítulo, usando

(*) Publicado com o nome de História da origem da consciência pela Ed.


Cultrix, São Paulo, 1990.

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divindades e procedimentos lântricos tibetanos. Este é o melhor modo
de transmitir o que o Tantra é realmente.
Embora extraído diretamente da experiência com a fonte original,
quero deixar claro que o que apresento aqui não deve ser considerado
Budismo tibetano ortodoxo. Exponho um modo pelo qual o método
tântrico pode integrar-se com abordagens ocidentais contemporâneas
relacionados com a cura e com o desenvolvim ento do corpo e da mente.
Ao expor a perspectiva fundamental do Tantra tibetano, retirei muito
dos seus adom os culturais. No The Torch o f Certainty, Jamgon Kongtrul
mostra como nossa mente ocidental tem dificuldade para apreender
plenamente o fundo cultural da tradição tibetana. Ele conclui que é
inadequado e desnecessário impô-lo a nós. Tudo o que se requer é uma
apresentação das “obras básicas da m ente” relacionadas com os
ensinamentos.2
À prim eira vista, a doutrina tântrica poderia ser considerada uma
mitologia ou superstição extravagante por aqueles de nós que estamos
saturados de racionalism o ocidental. Sem estudar a psicologia junguiana
ou a mitologia, são poucos os que podem apreciar as verdades
psicológicas prim orosamente entrançadas no tecido dos ensinamentos
tântricos. Para a pessoa média, portanto, os ensinamentos essenciais são
mais bem explanados em termos fáceis de apreender e de aceitar. Há
necessidade de uma síntese, de um ponto de encontro, entre a
abordagem tântrica e nossa perspectiva científica ocidental.
Felizmente, este ponto de encontro está bastante bem estabelecido;
a evidência científica de eventos parapsicológicos é hoje considerável.
A telepatia, a clarividência, a reencarnação, a aura e mesmo a existência
e as emanações dos chakras foram todas cientificamente pesquisadas e
até certo ponto verificadas.3 As semelhanças entre a perspectiva

(2) Jamgon Kongtrul, The Torch o f Certainty (Boston: Shambhala, 1986),


pp. 12-3.
(3) Uma referência recomendável é Hands o f Light, de Barbara Ann Brennan
(NY. Bantam, 1987). [Mãos de luz — Um guia para a cura através do campo de
energia humana, Editora Pensamento, 1990.]

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mundana do místico e as do físico moderno também foram exploradas.
É neste terreno intermediário que reúno os dois sistemas do Tantra
tibetano e da psicologia junguiana.
O ponto seguinte que tive de enfrentar ao apresentar os
ensinamentos tântricos foi pessoal: fiz votos de não revelar muitos
dos ensinam entos que recebi. Trabalhei esta questão não discutindo aqui
quaisquer métodos que não tenham sido publicados em outras
obras e com partilhando as verdades intuitivas de minhas experiências
pessoais.
Não há dúvida de que os métodos tântricos expostos neste livro
serão mais eficientes quando reforçados por um lama no seu devido
contexto. Todavia, devido ao seu significado arquetípico, sinto que as
visualizações apresentadas nos capítulos iniciais podem ser úteis a
qualquer praticante sério. Entretanto, as técnicas mais avançadas, bre­
vemente delineadas nos capítulos 6 a 8, não devem ser experimentadas
sem a direção de um instrutor competente.
Um terapeuta junguiano e um lam a tibetano desempenham uma
tarefa semelhante para seus respectivos clientes e alunos. Ambos são
veteranos na jom ada interior que nos guia através dos perigos e
armadilhas, se cooperam os em nossa busca da cura e da inteireza. Há
muitos valiosos livros de auto-ajuda psicológica, mas não podemos
comparar a ajuda que esses nos dão à assistência proporcionada por um
terapeuta competente. Assim também este livro não substitui um ins­
trutor de Tantra genuíno. Se você se sente atraído pelos ensinamentos
e práticas tibetanos, eu o estim ulo insistentem ente a procurar um dos
m uitos centros Dharm a do mundo ocidental.
As práticas da tradição tibetana foram escritas por homens, com a
intenção de serem utilizadas prim eiram ente por homens. Nas meditações
que aqui apresento, foi feita a tentativa de equilibrar as perspectivas
masculina e feminina. Por conseguinte, algum as das visualizações e dos
procedimentos apresentados foram alterados para abranger as mulheres.
Apesar disso, em algum as meditações, pedir-se-á a um homem que se
identifique com uma divindade feminina; em outros casos, uma mulher
deverá visualizar-se com o uma divindade masculina.

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Há numerosas discrepâncias menores nas diferentes seitas e
tradições entre divindades c práticas meditativas; não estam os aqui
tratando de um a realidade científica rígida e precisa, mas da natureza
camaleônica vital da psique. Tentei, portanto, demonstrar os princípios
essenciais do método tântrico. Se você decidir experim entar os métodos
que descrevo, por favor considere-os símbolos e ferramentas que podem
guiá-lo às suas próprias experiências interiores. Deixe que se trans­
formem em realidade viva através das forças arquetípicas e do instrutor
que existe dentro de você mesm o (a Mente búdica ou, em termos
junguianos, o Self) que eles são capazes de evocar.
Para concluir, desejo apresentar um fato no qual tenho um
interesse pessoal. Uma jovem m ulher que estivera vivendo no ashram de
um muito conhecido “guru das m assas” veio a mim sofrendo de graves
dores na região lombar e de inflam ação nos órgãos genitais. Ela
permanecera estritamente casta enquanto praticava Ioga Kundalini por
diversas horas diárias seguindo as instruções do seu mentor. D iploma­
ticamente, tentei dizer-lhe que talvez seus problemas físicos estivessem
relacionados com questões emocionais. Quando sugeri métodos tera­
pêuticos que a ajudassem a integrar algumas dessas questões, ela se tor­
nou muito defensiva e confidenciou que não necessitava de tratar desse
assunto porque sua prática espiritual e seu instrutor cuidariam disso.
Custou-me muito acreditar no fato de que, enquanto seu instrutor
a encorajava a continuar a ativar a Kundalini, ela desesperadamente a
impedia de subir através do seu segundo e terceiro chakras, porque “não
desejava tratar desse assunto”. Aproximadamente seis meses mais tarde,
porém, no próprio ashram, a represa rompeu-se e ela foi entregue aos
cuidados de um sanatório psiquiátrico.
Ao longo dos anos testemunhei exem plos semelhantes de pessoas
que, por pura força de vontade e idealism o religioso, ignoram suas
responsabilidades psicológicas, ao mesmo tempo em que seguem em
busca de algum a panacéia espiritual. Muitos desses bem-intencionados
“esquizofrênicos espirituais” estiveram sendo cortejados pelo hoje
carismático e com freqüência autoproclam ado guru comum. ’
A abertura espiritual ocorre som ente por meio do livre fluxo da

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energia prim ordial do cosm os através do corpo e da m ente. Isso pode
acontecer de modo gradual ou em irrupções dramáticas, dependendo de
variáveis como o grau de abertura ocorrido em vidas anteriores e o nível
de resistência psicológica na vida atual. Pessoalmente, acredito que é
mais prudente e seguro trabalhar na remoção de bloqueios psicológicos
(o que significa que você antes deve dar-se conta de que eles estão aí
e desejar trabalhar sobre eles) do que fazer uso de técnicas para forçar
o despertar da kundalini.
A iluminação é uma fruição da maturidade psicológica, c sua
habilidade para crescer e desenvolver-se psicologicam ente não pode ser
isolada do atendim ento de suas necessidades físicas. Estes três aspectos
de você mesmo não estão separados, mas constituem parte de um
continuum. Esta não é necessariam ente uma idéia nova, mas é muito
importante.
Em outras palavras, o ego-self é o veículo pelo qual você se
desenvolve. O Buda G autama usou esta metáfora: o ego-self é como
uma jangada que o conduz através do rio da vida. Sem ela não se pode
atravessar, mas quando alcançam os a praia oposta, ela não é mais
necessária: na verdade, seria muito incômodo tentar arrastá-la à medida
que você escala os picos sublimes da consciência.
O formato deste livro com eça no chakra-raiz e segue o caminho
do seu continuum físico-psicológico-espiritual através dos chakras,
considerados nesta perspectiva como estágios progressivos da evolução
da psique. Este cam inho nem sempre alcança os cumes; freqüentem ente
desce a gargantas profundas, às vezes se move ao longo de correntes de
água, através de vales, desertos e altos picos do seu ser interior. Sua
direção nem sem pre parecerá clara à medida que você se aventura na
região agreste interior.
Quando você dá um passo para fora de sua própria som bra, você
entra na luz interior. É então que você percebe que de sob todos os
medos, desejos, sofrim entos e preconceitos do ego-self irrompe o
impulso básico a lem brar sua natureza essencial. Este é o mesmo
processo progressivo, sem em bargo de como você possa denominá-lo.
Embora aproxim ando-se deste processo misterioso vindos de ex­

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tremidades opostas do espectro histórico e de lados opostos da Terra,
tanto o Tantra quanto a psicologia junguiana aspiram a penetrá-lo e a
criar condições necessárias no corpo e na m ente para que a trans­
formação espiritual possa ocorrer.

18
Capítulo Primeiro

RAÍZES TÂNTRICAS E RELEVÂNCIA

Ninguém conhece a idade do Tantra. Os mais antigos textos


publicados são hindus, com data de 500 d.C. O primeiro texto budista
apareceu em tom o de 600 d.C., mas há ensinam entos anteriores não
publicados que foram transm itidos diretam ente do instrutor para o aluno
por muitas centenas de anos. As raízes do Tantra, entretanto, inserem-
se na história rem ota da cultura indiana. O Tantra hindu e budista
formam os troncos principais de uma árvore que se desenvolveu a partir
de cultos e tradições orais longínquos, troncos esses que se ramificaram
ao Nepal, ao Tibete, à M ongólia, à China, ao Japão, ao Cam boja, a Java,
ao Oriente Próxim o e, mais recentem ente, ao mundo ocidental.
A serena civilização da índia antiga perm itiu que o Tantra bro­
tasse das profundezas férteis d a mente psicológica e florescesse em
alguns dos mais devotados pensadores espirituais do mundo. Alguns dos
seus mitos e rituais são tão antigos como o período Paleolítico (por volta
de 20000 a.C ). No complexo da caverna pré-histórica de Pech-Merle,
na França, por exemplo, há uma câm ara com emblemas femininos que,
como informa Philip Rawson, são muito semelhantes aos que ainda hoje
são venerados nos santuários indianos.1

(1) Philip Rawson, Tantra: The Indian Cult o f Ecstasy (Nova York: Avon
1973), p. 7.

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Nas culturas pré-históricas, o poder criador do cosmos geralmente
era adorado como a Deusa Mãe; a cultura hindu prim itiva não constituía
exceção. Representada em vários artefatos indianos, ela é freqüente­
mente associada com anim ais, cujos valores sagrados e cultuais eram
relacionados com a força e virilidade sexual.
A ênfase dada à fertilidade não se restringia a imagens de deusas
e de animais. Havia figuras çnasculinas sentadas em posturas de ioga,
tendo à cabeça uma peça adornada com chifres e brandindo pênis eretos.
Falos eretos entalhados em pedra, alguns de até 61 centímetros de com ­
primento, também demonstravam essa primitiva adoração pelos poderes
geradores da natureza.
O deus Shiva, que por fim tornou-se uma divindade maior no Tan-
tra hindu, sem dúvida era um desdobramento desses cultos hindus. Shi­
va freqüentemente é representado como um deus com chifres dos em ­
blemas indianos, sentado em postura de ioga com o pênis ereto. Seu
símbolo universal é um falo ereto (o linga), e seu veículo é o touro
Nandi.
Na índia antiga, a única e maior mudança drástica social foi a
invasão dos indo-curopeus (arianos) em tomo de 1500 a.C. Os arianos
levaram com eles um panteão de deuses celestes, um grupo de
sacerdotes que entoavam hinos e cumpriam rituais e uma substância
psicoativa cham ada soma, que induzia a estados de êxtase e propiciava
poderes mágicos. Os arianos constituíam uma cultura guerreira e
patriarcal. Eles acreditavam que podiam controlar os deuses por meio de
seus rituais e poderes mágicos. No decorrer do tempo, seus rituais
tomaram-se simulações complexas para todo o cosmos, e o sacerdócio
tomou-se uma hierarquia poderosa.
A adoração de deusas locais, proveniente de cultos hindus mais
antigos, continuou a florescer independentemente dessa tradição védica.
Muitos cultos populares se formaram em tom o de diferentes deusas e
modos de adoração. Como toda a vida animal provém do ventre da
fêmea, o universo era visto miticamente como procedendo da deusa. É
ela que incorpora a consciência no mundo da m atéria e dos sentidos e,
cm contrapartida, a libera. Por conseqüência, um a mulher em quem a

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deusa se realizava era sum am ente reverenciada, e a relação sexual ritual
com ela constituía uma iniciação nos mistérios.
Essas práticas cultuais eram bem contrárias às tradições védicas
ortodoxas. Enquanto no Tantra a energia sexual era adorada e desfrutada
com o meio de unir-se aos processos cósmicos, as tradições védicas eram
favoráveis a um acúm ulo repressivo do poder sexual sagrado. As
disciplinas ascéticas estavam relacionadas com a posição social; para o
sacerdote ou para a pessoa investida de autoridade, o armazenamento
desse poder sagrado era muito importante pois im aginava-se que enchia
seu corpo com energia espiritual, pelo que se supunha que poderes
mágicos fossem adquiridos.
Por volta do século V a.C., houve muitas mudanças políticas e
econôm icas na cultura ariana. Práticas religiosas populares, por longo
tempo oprim idas pela tradição védica, em ergiram e com binaram-se com
novos sistem as de pensamento. Esses sistemas enfatizavam o esforço
pessoal mais do que o dogm a e baseavam -se na experiência de
instrutores que dem onstravam pelo exemplo os frutos de suas práticas
espirituais. É por isso que grandes mestres com o M ahavira, fundador do
movimento Jaina, e Siddhartha Gautama, fundador do Budismo, atraí­
ram m uitos buscadores fervorosos.
Nos séculos que se seguiram, a tradição védica imitou muitos dos
métodos de m editação, divindades e elem entos filosóficos dessas reli­
giões populares. O que hoje se conhece com o ioga é resultado dessa
síntese.
O sistema iogue consistia numa disciplina pela qual o corpo, a
mente e os sentidos podiam vincular-se à natureza espiritual. Um estado
de superconsciência era assim atingido, fazendo com que a distinção
entre o self e o Self (vivenciado como consciência universal pura) se
dissolvesse.
No sistem a iogue, divindades pessoais populares substituíam
Brahma, o deus védico supremo e impessoal, que representava o
Absoluto além de todo o nome e toda a forma. Shiva e Vishnu, por
exem plo, tom aram -se deuses personalizados e centros de sistemas
iogues que incorporaram práticas tântricas antigas. Esses iogas tor-

21
naram-se o veículo para o que nos referiremos com o Tantra hindu.
O Budismo foi outro produto significativo da renascença religiosa
nessa época na índia. Siddhartha Gautama, um jovem príncipe que seria
mais tarde renomado com o o Buda, abandonou sua família e herança
real para sair em busca de uma vida espiritual. Ele viajou pela índia
estudando com diferentes mestres e seitas, eventualmente rejeitando
seus métodos austeros e sua metafísica cheia de sutilezas para, finalmen­
te, instituir o Caminho do Meio. Seus ensinamentos práticos passaram
a constituir o cânon da Escola do Budismo Hinayana (o Pequeno V eí­
culo), pelos discípulos que o sucederam. Aproximadamente 500 anos
mais tarde, uma doutrina muito difundida tom ou-se conhecida como
Escola do Budismo M ahayana (o Grande Veículo). Nas diversas cente­
nas de anos que se seguiram , m ais e mais elementos tântricos foram
integrados ao Budismo.
O Tantra budista evoluiu secretamente e/ou lentamente por quase
um milênio, florescendo em sua glória plena entre os séculos VIII e XII.
Em justaposição às grandes universidades budistas ortodoxas, o Tantra
budista propagou-se através de sábios excêntricos. Os mais famosos
dentre eles eram itinerantes cabeludos, que ridicularizavam as tradições
monásticas rígidas e as convenções estreitas do sistem a de castas hindu
e se dedicavam à prática da “Sabedoria Excêntrica”. Esses Mahasiddhas
— iogues com grandes (m aha) poderes (siddhas) — desfrutavam suas
experiências místicas ao mesmo tempo em que se entretiam com o
esporte da realidade mundana. Ensinavam pelo exem plo, mais do que
pelo intelecto. A liberdade existencial de suas vidas com freqüência
dava lugar a comportamentos e eventos que fragmentavam as estruturas
rígidas da mente dos discípulos com metáforas vigorosas e bizarras.
Na época dos M ahasiddhas, a índia estava sendo invadida pelos
exércitos islâmicos. Pelo século XII, o Budismo havia sido erradicado
do solo indiano pelos militantes muçulmanos. A essa altura, o Budismo
tântrico já havia sido transplantado para o Tibete com sucesso.
Ao ser levado para o Tibete, o Budismo tântrico defrontou-se
com a religião nativa Bon, uma antiga tradição xamânica. Há histórias
muito expressivas que mostram com o iogues poderosos domesticaram

22
com seus poderes m ágicos dem ônios amedrontadores da velha religião
Bon. Depois de subjugados, esses demônios tom aram -se guardiões dos
ensinamentos budistas e foram incorporados ao panteão budista das
divindades de meditação.
O Tantra hindu continua vivo através de m iríades de cultos
populares e obscuros, mas nunca constituiu uma instituição definida. A
tradição tibetana, por seu turno, desenvolveu sua própria forma de
teocracia e estabeleceu uma instituição sem elhante à da Igreja
Católica. Desde 749 d.C., quando o sábio indiano Padm a Sambhava
introduziu os Tantras budistas no Tibete, os ensinam entos foram pre­
servados e aperfeiçoados por uma linhagem de lamas iluminados que
retom am de um período de vida após outro. Lamas clarividentes es­
pecialmente treinados localizam esses m estres reencam ados e orien-
tam-nos para mosteiros num a idade ainda precoce. Freqüente­
mente, esses lamas especiais deixam uma carta indicando o tempo e o
lugar exatos de sua encarnação seguinte. Este é um exem plo da preci­
são das técnicas tibetanas e evidencia que seu poder foi essencial­
mente mantido.
O Tantra budista veio recentem ente para o O cidente e está com
rapidez se enraizando na mente de buscadores fervorosos. Isto na
verdade foi previsto pelo grande iogue Padma Sam bhava, que afirmou
que os ensinam entos do Budism o chegariam à terra do Homem V er­
melho quando o povo tibetano fosse dispersado com o formigas, o
pássaro de ferro voasse e os cavalos corressem sobre rodas. Devido à
invasão com unista no Tibete, esta profecia de Padm a Sambhava, feita
no século VIII, está se tom ando realidade. Os principais centros do
Budismo tibetano estão agora em lugares como o N aropa Institute, no
Colorado, e o N yingm a Institute, na Califórnia. O Tantra tibetano está
se mesclando com nossas visões ocidentais do desenvolvim ento e da
cura da psique humana. Am bas as disciplinas estão sendo mudadas e
enriquecidas com esse intercâmbio.
A palavra tantra deriva da raiz sânscrita tan, que significa
“continuar, multiplicar, expandir”. Na índia antiga, era usada com o
significado de “entrelaçar”. O s iogues tomaram-na de em préstim o para

23
descrever a natureza entrelaçada do mundo e de nossas ações, a
continuidade de causa e efeito e a interdependência essencial de tudo o
que existe. Os ensinamentos e textos que se tom aram conhecidos como
Tantra baseiam-se numa experiência mística que entrelaça a mente do
praticante no tecido desconexo da Realidade Absoluta.
No cerne do Tantra está a experiência de uma energia divina no
interior do ser humano, energia essa que pode ser despertada. O corpo
físico 6 considerado o locus dessa energia e, por isso, o foco da prática
ritual. Os iogues antigos davam o nome de Kundalini a essa força
interior. É possível que seu papel ativo no desenvolvim ento do Tantra
remonte a épocas pré-históricas, pois o exem plo de uma prática sem e­
lhante foi encontrado num a tribo primitiva da África. Num docum en­
tário cinematográfico realizado por um grupo de pesquisa de Harvard,
a dança cerimonial dos IKung mostra homens da floresta dançando
horas a fio para aquecer um a força psíquica cham ada n\um. O n\um sobe
da base da espinha até o crânio produzindo um estado de transe. Os
IKung acreditam que o n\um é uma energia sobrenatural que os cura.
No Tantra, o organism o humano é vivenciado como um mi­
crocosmo do cosmos. Os praticantes tântricos envolvem-se com a
transformação da consciência dc modo que possam dar-se conta da
natureza ilusória do seu sentido comum de identidade e vivcnciar
diretamente sua unidade essencial com o macrocosmo.
No interior do corpo e da mente, há centros importantes dc energia
psíquica cham ados chakras, em que habitam divindades específicas,
com suas forças psicológicas e espirituais únicas. Esses centros, e suas
respectivas divindades, formam a base de um complexo sistema de
mitos e rituais.
Além do papel central do sistema de chakras e da evocação do
poder primordial da criação em rituais de m editação, o Tantra também
apresenta outras características significativas. A que mais se sobressai é
a visualização das várias divindades. O praticante aprende a entoar
mantras sagrados, a assum ir posturas corporais e a identificar-se com
várias divindades em m editação enquanto experim enta o estado de
consciência celestial das mesmas.

24
O utra diferença im portante entre o Tantra e a m aioria das tradições
espirituais é sua experiência não-teísta da Realidade Absoluta. Embora
o Tantra faça uso de deuses e deusas para sim bolizar várias forças
espirituais e estados superiores de consciência, o cosm os é visto como
um ato de criação progressiva surgindo de um vazio parecido com um
ventre prenhe de potencial ilimitado. Esse grande vazio é associado à
consciência pura e sua qualidade espacial é o fundamento imutável de
onde emergem todos os fenômenos. Embora a m aioria das religiões
conceba um ser suprem o, “ D eus”, que cria, governa e, portanto, está
separado do universo, a Realidade Absoluta no Tantra é percebida na
meditação com o um estado intrínseco do Ser e da Consciência.
A maioria dos cam inhos espirituais propõe o afastamento do
mundano na tentativa de transcender o mundo. Valores dualistas como
luz e escuridão, espiritual e material, bem e mal estão nos seus
fundamentos. O Tantra vê as mesmas forças cósm icas que criam o
mundo existindo dentro de nós; não há separação, não há bem e mal.
As forças que se cristalizam no m undo material são as mesmas forças
cósm icas sublimes, que podem retom ar ao seu estado prístino. O Tantra,
portanto, abraça tudo o que é humano dentro de nós. A energia do sexo,
da em oção, do pensam ento, e toda a ação é transm utada por meios
hábeis cm sua essência genérica.
O Tantra, por conseqüência, freqüentemente tem sido considerado
um caminho de mão esquerda (considerado tabu e perigoso) devido ao
seu aspecto não-convencional. M as por milhares de anos ele explorou as
muitas dimensões da psique humana. Do seu sólido fundamento de
magia compassiva, m itologia e sublimação ritual da sexualidade hu­
mana, o Tantra intuiu uma psicologia holística que abarca campos de
interesse com o astronom ia-astrologia, medicina, m atem ática c alqui-
mia-química. Embora expressas num a linguagem m itológica, as intui-
ções do Tantra sobre a natureza do cosm os na verdade têm uma
semelhança surpreendente com a física moderna.
Ao longo de toda a sua história, o Tantra sofreu m uita oposição c
exílio nas m ãos da sociedade ortodoxa. Mas seu espírito sobreviveu
vividamente e logo se adaptou a novos ambientes. O Tantra criou essa

25
animosidade confrontando as tendências esquizóides básicas das tra­
dições sociais e religiosas na tentativa de livrar seus seguidores da
neurose coletiva que as tradições convencionais produzem.
Acima de tudo, o Tantra é um caminho de ação. Mais do que um
conjunto rígido de racionalizações sobre questões espirituais, ele
constitui uma coleção de métodos que podem levar-nos a um estado de
realização interior. É um m odo de estar no processo de auto-rcalização.
Seu objetivo é sim plesm ente ser. O caminho é sem fim. Em níveis
superiores de aperfeiçoam ento, o Tantra é uma m aneira espontânea de
ser plenamente consciente ao mesmo tempo em que vive serenamente
no ventre da criação.
O Tantra não se limita a nenhum “ ism o” ou seita, nem é
necessariamente uma religião. Como um conjunto de métodos empíricos
e experimentais ele é tão válido e oportuno hoje com o em qualquer
período de sua longa história.

Tantra Hindu

Apresentando este contexto filosófico e histórico, examinemos


mais detalhadamente os princípios e elementos básicos do Tantra. O
Tantra hindu com põe-se de metáforas e símbolos herdados diretamente
de cultos antigos. Iniciarem os com este aspecto, antes de estudar como
essas metáforas e sím bolos foram integrados ao Budismo.
Numa das formas do Tantra hindu, a Realidade Absoluta
(consciência original) é personificada como Shiva. Os iogues antigos
imaginavam o corpo do cosmos como o amante de Shiva. Shiva tem
muitos nomes para expressar suas várias formas, m as geralmente é
conhecida como Shakti. A o dar forma ao informe e ao limitar o infinito,
ela é chamada M aya Shakti. A palavra maya provém da raiz sânscrita
ma, que significa m edir, formar, mostrar. Através de sua imaginação
divina, Maya Shakti conjura a grande ilusão do universo velando a
consciência pura em m uitas camadas de matéria. Essa aparição (maya)
não significa que o mundo não existe, mas sua natureza verdadeira fica
escondida devido às nossas mentes confusas. (Veja fig. 1, p. 28.)

26
Shakii é também venerada com o a reveladora da verdade
e a Grande Libertadora. Tudo o que ela traz à existência temporal algum
dia retornará à sua essência original. Essa função da deusa é
personificada pela temível Kali. Para a pessoa egocentrada apegada ao
m undo material, ela é uma colérica e terrível deusa da destruição. Para
o iogue que busca a libertação da ilusão e do sofrim ento da identidade
do ego, ela é uma salvadora.
A simbologia sexual de Shiva e Shakti com o am antes aponta para
a sua interdependência. Embora aparentem ente separados, eles
constituem de fato dois aspectos com plem entares de uma única unidade;
um não pode existir sem o outro. Esta divindade suprem a bissexual é,
assim , concom itantem cnte tem poral e infinita. Shiva é o todo ilimitado;
Shakti é a convergência progressiva de partes que permanentemente
constituem o todo. Shiva é transcendente e imutável; Shakti é fenomenal
e mutávei.
Em seu Tantra, the Indian Cult o fE cstasy, Philip Rawson descreve
a visão tântrica do cosm os com o uma leia entretecida de vibrações, ou
ressonâncias sutis. Originando-se na mais rarefeita “substância” da
criação, esses padrões vibratórios se envolvem e se fundem até
solidificar-se. O som -substância genérico provém do ornamento lilintan-
te do tornozelo de Shakti no seu ato de dançar. À medida que os ritmos
de sua dança se ampliam em com plexidade e paixão, o tecido do
universo é urdido em sete cam adas principais de densidade.2 Os sete
chakras (centros principais de energia ao longo da espinha) do micro­
cosm o humano estão correlacionados com essa divisão sétupla do
macrocosmo.
O sétimo chakra, no topo da cabeça, representa a união original de
Shiva e Shakti. No sexto chakra, no centro da cabeça, Shakti se separou
de Shiva e criou o dom ínio da mente (manas). Os cinco chakras
restantes, localizados desde o pescoço até a pélvis, representam
cristalizações progressivas, sim bolizadas pelos cinco elementos: éter, ar,

(2) Rawson, Tantra, p. 196.

27
Fig. 1. Mahamaya: a Shakti
Suprema emergindo do linga de
Shiva. Do Icons of Buddhist and
Brahmanical Sculptures in the
Dacca Museum, porNalini Kunta
Bhattasali, M.A. Publicado por
Rai S. N. Bhadra Bahadus, Dacca
Museum Committee, 1929.
fogo, água e terra. Cada estágio é mais denso, à medida que se contrai
a partir do elem ento anterior, até que a solidez do elem ento terra se
forme. (Veja fig. 2, p. 30.)
Depois de Shakti ter criado o mundo, ela é im aginada hibernando
nas profundezas do universo material. Segundo Joseph Campbell, a
palavra sânscrita kundalin significa “aquilo que é enrolado ou cspiralado
por natureza” e refere-se aos padrões espiralados de energia encontrados
cm todo o mundo natural, desde a molécula do DNA até a forma das
galáxias. Q uando sc acrescenta a terminação longa /. ela se tom a
kundalini, nom e fem inino que significa “serpente”.3 Uma serpente
costuma ficar enrolada c, com o uma mola, pode liberar sua energia
potencial quando ataca. A mente mitológica do Tantra compilou todos
esses fatores e os personificou em Kundalini Shakti, o adormecido poder
primordial da natureza. No holograma do corpo-m ente, ela repousa no
elemento terra, no prim eiro chakra, localizado na base da pelve.
O fluxo involutivo da Kundalini subindo até o sétimo chakra
divide-se em três canais no sexto chakra. Veja fig. 3. Na pessoa normal,
a Kundalini flui pelos canais esquerdo e direito, suprindo todos os
órgãos dos sentidos e as faculdades de consciência que mantêm a ilusão
do mundo. Enquanto Kundalini permanece nesse estado, nossa vida é
dominada pelas forças ccgas dos instintos, dos desejos e dos conceitos
do self-ego. Essa energia divina pode ser retirada desses mecanismos do
corpo-mente e dirigida ao canal central. Quando isso ocorre, a Deusa
Serpente desperta. Subindo através da psique, ela desvela-se em cada
chakra para m anifestar níveis de consciência cada vez mais elevados.
Por fim nossa consciência é libertada das limitações do invólucro
corporal e passa a com partilhar do prazer divino do intercurso sexual de
Shiva e Shakti. Esta é a Grande Bem -aventurança c Sabedoria que o
Tantra diz ser o fundam ento do ser c a meta m aior a ser atingida.

(3) Joseph Campbell, The Mythic Image (Princeton, NJ: Princeton Univer
sity Press, 1974), p. 331.

29
7.
SAHASRARA-
PADMA
C en tro da co ro a 3.
Sílaba- semente: OM MANIPURA
Plexo solar
No sistema tibetano,
Elemento: fogo
concebido como um
Sílaba-sementc: RAM
só centro
Cor: vermelha
h d a b slo ri
Forma: triângulo in­
6.
vertido
AJNA
Entre as sobrancelhas
S íla b a -s e m e n tc : A 2.
breve SVADHISTHANA
Centro do abdômen
(quatro dedos abaixo
do umbigo)
Elemento: água
5. Sflaba-scmcnic: VAM
VISUDDHA Cor: branca
Centro da garganta Forma: lua cresccntc
Elemento: éter, Combinados no siste­
com o substrato dc ma tibetano com o no­
som (sabda). me de Sang-Na (gsan-
Sflaba-scmcnte: HAM gnas)
Cor: branca
Forma: círculo
1.
MULADHARA
Centro da raiz (no
períneo)
4. Sua força primordial
ANAHATA latente e representada
Centro do coração pela serpente, Kunda-
Elemento: ar (movi­ lini, enrolada cm tom o
mento) do linga no centro do
Sílaba-sementc: YAM Yoni triangular
Cor: azul-cinza Elemento: terra
Fonma: triângulos en­ Sílaba-sementc: LAM
trelaçados Cor: amarela
Forma: quadrado

Fig. 2. Chakras no sistema hindu. No Tantra tibetano, o primeiro e segundo chakras


são combinados, o mesmo acontecendo com o sexto c o sétimo. Ilustração extraída
do Foundations of'1 ibetan Mysticism, por Lama Govinda, publicado por Samuel
Weiser, York Bcach, ME c Rider & Co., Londres, reproduzido com pennissão dos
editores. [Ver Fundamentos do misticismo tibetano, Editora Pensamento, SP.]

30
A linguagem e sim bologia da união sexual são usadas aqui para
indicar o êxtase místico que os iogues antigos experim entavam como
resultados de suas práticas. Na mente m itológica desses iogues, a
energia sexual do microcosmo ligava-os diretam ente aos poderes
criadores do macrocosmo. A energia sexual era sagrada e desfrutada
num ritual denom inado Chakrapuja. Este ritual se realizava em círculo,
com o(a) instrutor(a) e seu ou sua consorte sentados ao centro. Os casais
participantes usufruíam de cinco substâncias, representando os cinco
elementos. Essas substâncias consistiam de vinho, carne, peixe, um
afrodisíaco feito de grãos tostados e o intercurso sexual.
Através desse disciplinado ritual, os participantes transmutavam
inclinações de paixão e gratificação sensual aprendendo a ver a deusa
em todas as coisas. O intercurso sexual era utilizado para despertar a
Kundalini enquanto os casais se identificavam com Shakti e Shiva.
Havia variações desse ritual em que um único iogue se unia com um

Fig. 3. Ida, Pingala e Sushumna. Ida e Pingala são energias involulivas secundárias
cspiraladas em tomo do canal evolutivo primário central, Sushumna. No Tantra
budista. Ida c Pingala são visualizadas correndo paralelamente ao canal central. Os
três canais convergem no primeiro chakra, cm que a Kundalini pcrmanecc
adormecida ate ser despertada.

31
número simbólico de consortes para representar vários eventos
cósmicos. Esses rituais antigos serviram de inspiração para meditações
interiores complexas c para a iconografia sexual simbólica de sistemas
tântricos posteriores.
Outra prática hindu, o Ioga Kundalini, envolvia uma rica
m iscelânea mitológica de sím bolos, animais, e uma m istura de
divindades pré-arianas e vcdicas que eram visualizados nos vários
chakras durante os rituais de meditação. O movimento da deusa
Kundalini supostam ente varia à medida que ascende pelos diferentes
chakras. Nos diagramas hindus dos chakras, diversos animais sim ­
bolizam esses movimentos e são considerados o veículo da divindade
principal de cada chakra.
A energia Kundalini também assume um padrão específico de fre­
qüência em cada chakra. Esses padrões são representados na simbologia
indiana pelos m antras-sementes (semente: bijá) no centro do diagrama
de cada lótus. O núm ero de pétalas também se refere literalmente à
freqüência vibratória de cada chakra. O chakra inferior, por exemplo,
tem quatro pétalas, que representam a baixa vibração do mundo
material. Na outra extrem idade do espectro, o chakra coronário tem mil
pétalas, que simbolizam a alta faixa vibratória dos reinos transcendentes.
O Ioga Kundalini tem início no primeiro chakra, estimulando a
adorm ecida Kundalini pela visualização do lótus do primeiro chakra na
base da pelve. O mantra-semente (LAM) é im aginado no centro desse
lótus enquanto é recitado, em silêncio ou em voz alta. A partir da forma
radiante do mantra-semente, todos os elementos simbólicos contidos no
lótus emergem em ordem seqüencial. Cada divindade e respectivo
símbolo são então contemplados e a seguir redirecionados ao mantra-
semente. O próprio m antra-sem ente é então imaginado a elevar-se até o
lótus do segundo chakra, onde é absorvido pelo mantra-semente deste.
O segundo chakra é visualizado abaixo do umbigo. À medida que
o mantra-semente desse centro é entoado, todos os elementos do
segundo chakra emergem c a meditação é feita sobre eles. Ao terminar,
esses conteúdos são rcorientados para o mantra-sem ente, que por sua vez
sobe ao terceiro chakra no plexo solar.

32
Esse procedim ento é repetido até o sétimo chakra, ocasião em que
a consciência do iogue ingressa no vazio celestial da consciência pura.
Como uma chama que arde onde não há brisa, o meditante empenha-se
em focalizar sua consciência nesse estado.
O ritual da meditação term ina pela recriação do corpo-mente.
Iniciando pelo sétimo chakra e descendo através do corpo, cada chakra
é visualizado descendo do mais alto para o imediatam ente inferior.
O conhecim ento c a prática do Ioga Kundalini passou de
mestre a discípulo desde a antiguidade. Embora essa transmissão tenha
ocorrido, em parte, através de várias formas de sexo ritualizado na
corrente principal de antigas práticas tântricas hindus, ela também
aconteceu por uma prática cham ada Shaktipat. A pessoa que desper­
tou essa energia cósmica pode transmiti-la a outra de várias maneiras:
pelo toque, por transmissão de pensam ento, por cânticos sacros, ou
simplesmente olhando nos olhos do discípulo. Sem mencionar suas
orientações sensatas e a revelação de métodos e conhecimento, o m es­
tre é importante no cam inho do Tantra porque ele ou ela tem essa
habilidade de estimular e, com segurança, conduzir o despertar da for­
ça Kundalini.
Quando a Kundalini é ativada, seu fluxo ampliado põe em
movimento conteúdos inconscientes, que podem então inundar a
consciência. Resistir a qualquer dessas ocorrências pode ser perigoso,
visto que essa energia pode ficar presa ou sua circulação ser
desordenada nos canais dos corpos sutis. Poderiam então ocorrer graves
desequilíbrios físicos ou psicológicos.
A fim de preparar o iogue para esses encontros intensos com o
inconsciente, havia diferentes níveis, ou tipos, de ioga. O Hatha Ioga
reforçava e purificava o corpo físico. O Bakti Ioga harmonizava a
natureza emocional com a devoção e as aspirações espirituais. O Raja
Ioga treinava a mente e a alim entava com verdades filosóficas. Todos
esses níveis levaram ao M ahayoga, às vezes conhecido como
Siddhayoga, que se relacionava com o despertar da Kundalini. Muitos
anos de treinamento árduo eram passados tradicionalmente com um
mestre; este encarnava a energia desperta da Kundalini.

33
Tantra Budista

Há muita controvérsia entre budistas c hindus acerca da origem do


Tantra. Alguns eruditos sustentam que o Tantra budista evoluiu a partir
do Tantra hindu, retornando a ele posteriormente. Os budistas acreditam
naturalmente que o seu Tantra teve origem com Buda Gautama, o que
pode muito bem ser verdade se considerarmos que ele passou tempo
considerável perambulando pelas terras santas da índia colhendo
experiências de vários mestres c métodos. As primeiras escrituras
budistas indicam que G autam a tinha pelo menos certa familiaridade com
o conhecimento dos chakras e do fogo interior. É muito possível que ele
tenha sido instruído nas artes tântricas antigas e as tenha revisado e
reinterpretado posteriormente.
É também possível que alguns dos mais elaborados métodos de
meditação tântrica não tenham sido introduzidos no cânon budista senão
vários séculos depois da sua morte. Com o advento do Mahayana, uma
forma de budismo mais liberal e difundida, a palavra Buda passou a
indicar mais o potencial da Mente Iluminada inerente a todos nós do
que a identificar Gautam a, o Buda. Nesse sentido, vários iogues budistas
“despertos” (Buda significa “aquele que despertou”) podem ter
integrado elementos tântricos, ou podem ter criado espontaneamente
certos procedimentos de meditação que passaram a fazer parte da
doutrina tântrica do Budismo. Buda, isto é, a M ente Iluminada, teria
sido naturalmente considerado a fonte de sua inspiração.
Encontramos no Tantra budista muitos símbolos, divindades,
rituais e práticas de m editação que existem no Tantra hindu, mas seus
significados são am iúde bem diferentes. O Tantra budista contém ainda
três aspectos fundamentais que, segundo os budistas, fazem com que o
seu Tantra seja superior ao hindu: a renúncia, a atitude iluminada e a
filosofia correta.
Renúncia, como aqui é entendida, significa abandonar a crença na
identidade individual. Buda percebeu que um indivíduo é constituído de
cinco elementos de apego (skandhas): forma, sensações, cognição (ou
relação), artifícios mentais com volição, e consciência. O que se deno­

34
mina o se lf não são senão esses cinco elem entos que receberam forma
devido aos eventos e desejos passados. Diferentem ente do Tantra hindu,
que postula um self (Atman) eterno, o Buda G autam a deu-se conta de
que não há um self independente ou eterno existindo separadamente
desse conjunto de agregados. Nossa crença num self assim é a causa-raiz
de todo o nosso sofrimento, conform e diz o budista.
A atitude ilum inada refere-se ao ideal do Bodhisattva, que muda
a razão para alcançar a iluminação: daquele que lhe proporciona
proveito pessoal para o de com paixão por todos os seres.
A filosofia correta baseia-se na com preensão do vazio essencial da
realidade. Todos os fenômenos são transitórios, vazios de existência
absoluta e dependentes de outros fenômenos tem porais. A origem de
todos os fenômenos a partir de outros fatores transitórios, e não de uma
entidade única independente ou absoluta (como Deus), foi no Budismo
cham ada de origem dependente. A Realidade A bsoluta é o Vazio, a não-
existência imutável e indefinível em que tudo com eça e termina.
A existência contínua de qualquer pessoa (isto é, conjunto de
agregados) é o resultado da ignorância c do desejo. Ignorar a
impermanência de toda a existência conduz ao desejo da continuação da
identidade individual. O desejo faz o am álgam a do conjunto de
agregados e nos motiva a obter satisfação daquilo que é inerentemente
impermanente. Tais tentativas sempre levam ao desapontamento e a
várias formas de sofrimento. No Budismo, a libertação acontece quando
a ignorância e o apego acabam. Aquilo de que som os libertados é a
percepção ilusória do mundo e a convicção de que existimos como um
cgo-self independente.
Porque a capacidade de uma unidade de consciência presa ao ego
é finita, virtualm ente e impossível perceber o Vazio de modo direto. Por
isso, o Tantra budista dirige o aluno através de um desdobramento
gradual. A prim eira etapa (Kriyatantra) enfatiza as nossas ações, que são
formalizadas em rituais simbólicos. Esta prim eira etapa também se
concentra na purificação do corpo-mcnte. A segunda etapa (Caryatantra)
dedica-se à com preensão das implicações das atividades da Kriyatantra.
Ela procura harmonizar as ações rituais exteriores com a consciência

35
cultivada na meditação. O Ioga tântrico continua esse desenvolvimento
da compreensão, enfatizando as práticas interiores. Isso leva à etapa
final do M ahayogatantra. Este Tantra acentua a importância de uma
compreensão profunda da natureza vazia da realidade, um modo de ação
espontâneo e um estado contínuo de equilíbrio meditativo que une a
ambos.
O Livro Tibetano dos M o n o s (o Bardo Thõdol) é um dos
fundamentos do sistem a tântrico budista. Sob a figura de uma
experiência de morte, ele delineia metaforicam ente as dimensões da
psique e o caminho da libertação. A cosmologia do Livro Tibetano dos
M ortos baseia-se cm cinco Budas primordiais. Esses cinco Budas
essenciais correlacionam-se aos cinco elementos cósmicos (ligados aos
skandhas ou elem entos de apego já mencionados) e, conseqüentemente,
aos cinco chakras do mapa do corpo psíquico do Budismo tibetano.
As cinco energias da sabedoria irradiam a partir do Vazio e
subdividem-se para possibilitar todas as criações mentais. Quando o
processo é revertido na meditação, a sabedoria dessas cinco energias
conquista as ilusões de nossa percepção m undana da realidade. Daí
também serem conhecidas como “conquistadoras”, porque não só criam
a “ aparência” do m undo em nossa mente, mas ainda a dissipam com
a sua energia de sabedoria.
Para uma adaptação do esquem a dos cinco Budas primordiais, os
budistas às vezes combinam as funções do prim eiro e segundo chakras
e do sexto e sétimo chakras, e na prática só os quatro chakras superiores
são utilizados. Cada um dos cinco Budas representa um tipo de
percepção ilusória (relacionada com um chakra particular) e também a
energia da sabedoria que lhe serve de antídoto.
Cada um dos cinco chakras do sistema budista expressa diferentes
aspectos da mente. A energia vital (prana) tem relação tanto com a
respiração quanto com a mente. Isto significa que qualquer estado
mental terá um tipo correspondente de prana, com freqüência refletido
o modo de respirar. M ente e prana são, portanto, inseparáveis na ação.
prana de cada chakra é estimulado pela m editação e por técnicas
respiratórias. Como resultado, emoções reprim idas e vários estados

36
mentais inconscientes são trazidos à consciência. A finalidade de
controlar o prana é purgá-lo de suas aberrações mentais e emocionais,
dirigindo-o para o canal central, onde esse ar vital alim entará o fogo
interior. Rem ovendo a energia vital das ilusões do ego, o elemento
mental e emocional de cada chakra é purificado e transformado em sua
energia original da sabedoria. Como no sistem a hindu, isso leva ao
reverso da gênese, isto é, os cinco estados elem entares da “ mente-
matéria” são progressivam ente rarefeitos.
Dumo (o equivalente budista para kundalini) é um termo que
denota uma m ulher feroz que aniquila todos os desejos e paixões. Várias
visualizações e exercícios respiratórios (também a energia sexual pode
ser usada para ajudar na produção do fogo interior, quer com um
consorte hábil ou por visualização) transformam o corpo-m ente num
canal desobstruído para o fogo Dumo. O ioguc então está capacitado a
dirigir o fluxo dessa energia. Os iniciados demonstram sua habilidade
passando por testes específicos. Por exem plo, pode-se pedir-lhes que
meditem na neve vestidos com roupas encharcadas. Se forem
competentes, podem secar realmente suas vestes e perm anecer
aquecidos no frio mais gélido!4
Os cinco Budas prim ordiais, como emanações m edulares do Vazio,
são considerados os progenitores das cinco famílias de deuses e deusas
que constituem o panteão budista. Assim, um a diversidade de divin­
dades é apresentada em diagram as de m editação (mandalas) usados para
indicar certos princípios espirituais e suas interações cm diferentes
etapas da integração psíquica. Em algumas m andalas, os Budas prim or­
diais são representados em união com parceiras fem ininas. Isto sim ­
boliza as cinco energias criadoras interagindo com suas cinco energias
complementares da sabedoria. Outras divindades circundam os Budas
em mandalas destinadas a iniciações específicas.
Divindades coléricas ilustram o mundo das cinco sabedorias,
ofuscadas pelas paixões e ilusões dos seres sencientes que ainda estão

(4) Não assumo a responsabilidade por qualquer leitor que, sem treinamen
adequado, tente fazer essa experiência.

37
Mahakala é uma v m to b id itta T adly*ndade colérica que serve como protetora.
Shiva. Da coleção thanka de Sergei D .ÏÏoff Re ^ ° dc
Ulakoff- Reproduzida com permissão.
sob o domínio da ignorância. As expressões ferozes e os dentes cerrados
dessas divindades dem onstram o poder e a força necessários para lutar
contra o ego e suas ilusões (veja fig. 4, p. 38). Suas arm as sâo usadas
para elim inar com pletam ente os obstáculos, e os cadáveres sob seus pés
são as paixões que elas exterm inaram . Em níveis avançados do Tantra
tibetano, o poder dessas divindades coléricas é usado para subjugar as
regiões inferiores da psique e propiciar a iniciação a estados mais
elevados de energia da sabedoria.
No Tantra budista, a fêm ea tem correlação com a sabedoria e é
cham ada de Prajna, em vez de Shakti, como no Tantra hindu. O macho
está relacionado com os m eios aptos. Por conseguinte, o deus e a deusa
em enlace sexual representam a união da sabedoria-intuição com os
meios aptos.
Os deuses c as deusas do panteão budista podem ser visualizados
na meditação com o m entores e guardiões. Por exem plo, para um homem
estimulado ou excitado pela beleza de uma m ulher, um a bela deusa
insinuante é utilizada para transm utar suas sensações românticas. Uma
deusa assim é cham ada de dakini. O termo dakini quer dizer literalmente
á que vai pelos céus”, ou a que se move pelo céu. Geralmente
aparecendo com o uma deusa, serena ou colérica, é também vivenciada
como as várias forças (relacionadas com as cinco famílias de Budas) que
estão em jogo em todos os fenômenos. O iogue com eça por visualizá-
la na meditação diária. Em seguida, ele pode unir-se a ela no enlace
sexual enquanto recita seu canto sagrado. Essa form a de meditação é,
sem dúvida, um meio muito poderoso de entrar cm contato e de integrar
o aspecto feminino da psique (a anima). Do m esm o modo, uma
praticante faz uso de uma divindade m asculina na m editação para se
relacionar com o seu lado masculino (animus).
Exceção feita aos cinco Budas prim ordiais, o Tantra budista
originalmente não deu forma antropom órfica à não-m anifestada Rea­
lidade Última. No século X, todavia, um a forma de deus monoteísta foi
introduzida no m osteiro Nalanda, na índia. Em bora sob a imagem de um
deus monoteísta, o Adibuddha (Buda Primeiro ou Buda Supremo) não
cria o universo, nem é dele separado. Transcendendo a dualidade de

39
forma e não-form a, ele paradoxalmente é a unidade de ambas e o
progenitor dos cinco Budas. Como o Buda-Mentc primordial, o
Adibuddha é adorado como o “guru-raiz” dos ensinamentos tântricos.
Diferentes seitas têm representações variadas do Adibuddha; na seita
que me é mais familiar, ele dá origem ao nome Vajradhara (aquele que
empunha o cetro de vajra, que sim boliza o poder diamantino in­
destrutível do Vazio). Ele aparece sob várias formas ferozes
acompanhado de um a consorte (Ioguine Vajra) como divindade central
em várias práticas de meditação tântrica avançada.
Às vezes Vajradhara é representado na postura yabyum (enlace
sexual tântrico) com Prajnaparamita (veja fig. 5, p. 41). Como re­
presentação antropom órfica do texto M ahayana do mesmo nome,
Prajnaparamita representa a “Sabedoria da Praia Longínqua”. Segundo
a lenda, Buda escondeu esse livro de sabedoria transcendental num rei­
no celestial, até que a humanidade estivesse preparada para seus pro­
fundos ensinamentos. Diz-se que um sábio indiano de nome Nagarjuna
recuperou essa escritura no século II, e a adoração de Prajnaparamita
tomou-se então muito popular.
As escrituras Prajnaparamita desenvolveram a base filosófica dos
ensinamentos sobre a natureza vazia da Realidade Absoluta c
constituíam o ponto alto da doutrina Mahayana. Como uma deusa,
Prajnaparamita é o vazio que perm eia todas as coisas — o “vazio” que
espontaneamente dá nascim ento a toda a criação. Assim, pela Escola
Mahayana de Budism o ela era considerada a mãe de todos os Budas,
porque é através dela, consciência original vazia com o o espaço, que um
Buda é dado à luz. Sua união tântrica com Vajradhara expressa
simbolicamente a integração dos “meios aptos” tântricos com a prática
Mahayana de m editação profunda sobre o Vazio.
No decorrer da prática, o estudante do Budismo tântrico inicia
refugiando-se no Buda (a mente iluminada). O Dharma (doutrina
budista) e a Sangha (comunidade dos praticantes budistas) são também
reverenciados. Um lama (literalmente considerado uma encarnação da
Mente búdica) então designa uma divindade protetora do panteão
tântrico com base nas necessidades individuais do aluno. Se uma mulher

40
h , 5.

«»rm lccãn Hn
com permissão artista.
do artista,
tem muita raiva reprimida, pode ser-lhe dada uma divindade colérica.
Como um rem édio homeopático, a m editação sobre uma divindade
colérica purgará a raiva do corpo-mente da mulher. Em outras cir­
cunstâncias, certos atributos podem ser obtidos da divindade protetora.
Para um homem luxuriosamenie aferrado à beleza da mulher, pode scr
utilizada uma bela deusa para transm utar aquelas sensações em amor
mais sublime.
Tendo com preendido as qualidades incorporadas na divindade, o
lama fortalece o aluno a fim de que realize várias meditações ao longo
da iniciação de m odo que os potenciais no interior da sua mente sejam
ativados. M uitos anos de práticas preliminares geralmente são exigidos
antes que um aluno esteja preparado para ser iniciado na mandala de
uma divindade tântrica superior.

Tantra e Psicologia Junguiana

Embora a psicologia ocidental tenha ignorado nossas inclinações


espirituais ou, pior, as tenha julgado patológicas, há uma tendência
crescente para a pesquisa dos domínios parapsicológicos e transpessoais
da psique. Cari Jung foi um pioneiro importante nesta investigação de
uma compreensão mais profunda da natureza do eu interior. Rompendo
com orientações terapêuticas convencionais, ele foi além das
preocupações com patologias e sintomas e orientou seus estudos na
direção do numinoso. Aventurando-se no território cheio de tabus do
misterioso e do “divino”, sua psicoterapia desenvolveu-se num processo
e guiar as pessoas além dos limites estreitos da identidade do ego e
na busca da totalidade inerente a elas. Suas descobertas constituem uma
ponte va íosa entre o Tantra c as formas transpessoais contemporâneas
a psicologia ocidental. Antes de atravessar essa ponte, consideremos o
abismo que separa o Tantra da psicologia ocidental.
A psicologia ocidental tem tradicionalmente um enfoque voltado
ao tratamento da doença mental. Um tratamento bem-sucedido é ava-
ado pela habilidade da pessoa de funcionar “norm almente” em nossa
strutura social. O Tantra, por sua vez, concentra-se no desenvolvimento

42
ualidades que transcendem uma m era adaptação a normas e
f ictivos sociais e volta sua atenção para a cura da causa principal do
sofrimento hum ano — a ilusão da identidade do ego. Além disso, o
conceito de self na psicologia ocidental apóia-se basicamente na
identidade do ego. No Tantra, o self tem parâm etros muito mais amplos,
incluindo a continuidade de uma vida a outra, isto é, a reencamação.
Jung descreve o ego com o um com plexo de fatores psíquicos e
uma consciência geral do corpo que atrai conteúdos do inconsciente e
do mundo exterior com o qual se identifica.5 Existindo apenas na
superfície de nós mesmos, este self vê o m undo em termos de “Eu” e
de “não-Eu” e, assim, não pode abarcar a experiência dos estados
transpessoais de consciência. Numa perspectiva egocentrada, a
possibilidade de existir num estado em que esta separação se desfaça,
e em que a fam iliar natureza do “Eu” deixe de ser concreta, é
inimaginável, sendo otim ista, e am edrontadora, sendo pessimista. Essa
identidade do ego não pode confiar na sua sobrevivência à morte e nem
nos dramáticos períodos de transformação. E le está firmemente aferrado
ao seu estado presente pelo seu instinto de sobrevivência.
Com o M artin W illson refere no seu Rebirth and the Western
Buddhist, no Tantra a crença na continuidade do fluxo m ental de uma
vida para outra constitui a base para a com preensão da condição humana
e é fundam ental para as doutrinas do carm a e da libertação.6 O carma
é a m ecânica mesma da continuidade e a libertação significa
literalmente a cessação da roda da morte e do renascimento
involuntários. Atualmente há provas científicas convincentes a favor da
doutrina da reencarnação. A pesquisa do dr. Ian Stevenson da
Universidade da Virgínia, publicada em Twenty Cases o f Suggestive

(5) Carl Jung, Analytical Psychology: Its Theory and Practice. (Nova York:
Vintage, 1968), p. 10. . _
(6) Martin Willson, Rebirth and the Western Buddhist (Londrcs: Wisd
Publications, 1987), pp. 9-10.

43
Reincarnation,■> é talvez a que esteja mais bem documentada De
qualquer modo, é necessáno boa vontade para considerar -í ™
e as implicações da reencamação a fim d e T ^ - ^
aspectos essenciais da orientação tântrica. apreender os
O passo seguinte é a concordância w K « „
quando empregamos as palavras “consciência” e “n ^ Ü“6™ 8 dizer
significado na psicologia ocidental c por demais « 2 ° ’ *** SCU
para nossos propósitos presentes Na n • > nebuloso e inadequado
a percepção « t e é
chamado de “inconscieme". Alem disso ' „d 0 s,mPl“ ">enle
combinação de estruturas conscientes o in , d,scussáo sobre qual
Por exemplo, há inúmeros psicólogos que s u s t e T “ C° nStÍtUÍ 3 PS' que-
mais é do que um conjunto de atfvirtaH 1 que a psique nada
Embora .ivesse Z X * + *
consciência em algum as culturas o r i e n I L S , * # rPr° fundidade d*
visão da consciência ocidental comum rn 1V3S’ g sintetizou a
do mundo exterior e de orientação no ° ^ Pr0dut0 da P ^ cep ção
consciência provavelm ente se localizava no c T T 0 ' ^ qUC a
a possibilidade de que fosse a evolução de u m 1 CSpeCUlava sobre
pele de nossos rem otos ancestrais8 o L ■ g d° S semidos da
implica a inexistência da consciência ° 0CIdenla, de c°nsciência
E possível que a c o n ic i ê n c t T ° e g O C o cé^ b ro .
nosso sistema nervoso c e n S ^ T Z T ' de
desenvolvendo como um lótus n a s c ir in ^ J f S' St° ma ncrvoso *
florescer na “L uz”? É possível a„P 0 un,verso material para
qualidades em c o n ^ ^ X V T * * K" ha
o ego e com os c S c £ bt f° « '* i ° n a d a

z t z i : T £ : : : t . * * 1'
^ considerada o próprio £ 2 " *

■csvllc VA: University P r r a r f H«twarm : m (Charlot-

44
[sjo Tantra encontramos um a descrição de cinco corpos principais
da consciência. O mais sublime, o corpo da bem -aventurança (Ana-
damayakosa no Tantra, Buda no Budismo), é a parte de nós mesmos
enraizada na dimensão infinita e eterna da consciência original. O
conceito de espírito é a nossa tradução mais próxim a para esse nível
mais sublim e da psique.
O corpo sutil seguinte (Vijnanamayakosa, ou Vignanam no
Budismo) é sem elhante à nossa noção ocidental de alma. Ele é a sede
da consciência individual e contém as faculdades potenciais da intuição
c sabedoria espirituais.
O terceiro corpo sutil (M anomayakosa no Tantra hindu, Kama
Manas e Kama Rupa no Budismo) incorpora nossa natureza emocional
e intelectual. Estes dois elem entos da psique funcionam integralmente
para criar a personalidade. Quando visto através da clarividência, este
corpo sutil é cham ado de aura e, às vezes, é m encionado como corpo
astral e mental, respectivamente.
O quarto corpo (Pranayamakosa), com um ente cham ado de corpo
etérico, é constituído de energia vital. Esse corpo vital leva a força da
vida para o interior, e em todas as partes, do quinto veículo da cons­
ciência, o corpo físico (Annamayakosa no Tantra hindu e Sthula
Sarira no budista).
Apesar de existirem em dimensões diferenies, cada um desses
envoltórios da consciência é interpenetrado por aquele que lhe é inte­
rior. Sete vórtices de energia psíquica — os chakras — atra­
vessam esses corpos sutis e desempenham um papel importante em sua
integração.
A palavra sânscrita chakra significa roda. Um clarividente vê os
chakras com o redemoinhos de energia afunilada no interior do corpo
etérico. Esses centros etéricos, em contrapartida, relacionam -se com as
glândulas endócrinas e com os principais gânglios nervosos do corpo
físico. O s chakras traduzem comunicações de todos os níveis da psique
em estím ulos eletroquímicos do sistema nervoso e das glândulas en­
dócrinas. Reciprocam ente, traduzem o estím ulo de nosso self corpóreo
na linguagem de consciência dos vários corpos sutis. Os chakras, por-

45
tanto, contêm o espectro todo da consciência, desde o mais prim itivo
(com base no instintivo e sensitivo) ao mais sublime.
As práticas tântricas destinam-se a desenvolver todos estes níveis
Quando o corpo de consciência mais sublim e se integra plenamente, nós
nos tomamos um Buda (aquele que despertou). No Tantra hindu
denomina-se essa experiência de Samadhi. Em sânscrito, sam significa
união, e adhi, Senhor; assim, Samadhi significa união com o Senhor.

O Self é o Senhor do self


e sua meta.
(Dharmapala)

Usarei as palavras psique e corpo-mente indistintamente para


conotar a soma desses corpos de consciência, incluindo naturalmente o
sistema dos chakras. Comecemos por com parar a visão da psique
segundo o Tantra e segundo Jung, objetivando desenvolver o modelo de
trabalho que usaremos no decorrer do livro todo. De modo s“ nte
àquele das escrituras mdianas, Jung reconhecia uma função trans
cendente na ps.que e chamou-a de S e lf Para ele este Self é idêntico às
.magens de Deus e à origem delas. Através do que Jung chamou de

inconscientes), o S elf se tom a assim


mais iiaça° progrcssiva
e mais d° sEm
consciente. c° mtermos
eúd° s
religiosos de acordo com Aniela Jaffé em O mito do Significado o
processo de individuação foi chamado por Jung de “a realizarão h
divino no homem” ’ g realização do

(o Z T :fcatz
de C.G. Jung,S * YmCultrix,
Editora Pens”in' ,mx1989.]
São Paulo, p-?9-
46
de Jung é primariamente conhecido de modo indireto através de sonhos
/ d e outras expressões simbólicas.
Outra diferença im portante é que o conceito junguiano do Self
■ niica algo que é eterno e todavia fenom ênico, qualidades con­
tr a d itó r ia s na perspectiva budista. Embora tentando abranger o m isténo
* uniâ0 dos opostos, o Self junguiano permanece no remo da
“esseidade” , apesar de Jung caracterizá-lo com o uma função trans­
c e n d e n te , um símbolo de união e um princípio totalizador, do mesmo
modo que ele luta para conceituar sua intuição do que denominou
“nleroma” no seu Seven Serm ons to lhe Dead. Neste estado de pleroma,
jung vislumbrou o que os budistas chamam de Vazio, onde n to -
existência é o mesmo que plenitude” e “am bos, pensar e ser, cessam
porque o que é absoluto não tem qualidade.10 M as alguns dos atributos
nUe ele confere ao Self traem seu discernim ento intuitivo.
Para pesquisar estas expressões do Self, Jung iniciou um estudo da
psique em várias culturas e descobriu padrões universais a que deu o
nome de arquétipos. Ele concluiu que essas forças psíquicas as­
semelham-se ao código genético do corpo físico; elas predeterminam
estruturalmente a anatom ia e a função da psique. A menos que
perturbadas por trauma pessoal, elas guiam o curso do desenvolvimento
individual. Aparecendo em sonhos, na fantasia, na arte, no mito e na
religião, a até mesm o no pensam ento científico, os arquétipos delineiam
a totalidade da experiência humana.
A decorrência natural foi que Jung compreendeu que os domimos
normalmente inconscientes da psique consistem tanto de aspectos
universais com o pessoais. Ele percebeu que nossas identidades
individuais são formadas a partir desse reservatório transpessoal que
designou de inconsciente coletivo. Esta dim ensão interior é de

(10) Carl Jung, “Septem Scrmones ad Mortuos", in Memories, Dreams.


Reflections (Nova York: Random House. 1965). p. 397. [Ver O* M m m * aos
mortos cm Jung e a gnose, Ed. Cultrix, São Paulo, 1990.]

47
proporções oceânicas, e suas correntes e ondas onipotentes cercam as
praias do espaço e tempo que definem a ilha do ego-self. Seus ho­
rizontes se contraem até o tempo imemorial e se expandem até cões
futuros. De suas profundidades emergem todos os elementos, instintos,
desejos, tendências conceituais e aspirações transcendentais ou espiri­
tuais que sempre existiram, ou provavelm ente sempre existirão, lan­
çados às praias da consciência humana. Sob a forma de imagens
primitivas (arquétipos), essas estruturas psíquicas, com suas expressões
dualísticas inerentes (bom e mau, luz e escuridão etc.), provêem a
armação para o “estofo” das camadas pessoais da psique.
Radmila M oacanin, em J u n g ’s Psychology and Tibetan Buddhism
mostra como o inconsciente coletivo de Jung pode ser comparado com
o que os budistas chamam de “consciência depositada” (Alaya-
Vijnana).1 Do mesmo modo que o inconsciente coletivo de Jung inclui
todo o potencial e experiência humanos, o Alaya-Vijnana é concebido
como uma espécie de “M ente Universal”. Lam a Govinda, em Creative
Meditation and M ulti-Dimensional Consciousness, descreve essa
consciência depositada como contendo formas primordiais que
abrangem o espectro todo das qualidades humanas, das dem oníacas às
w 35’, ! ?>Ue aSCCndem a outros "íveis de consciência quando
estimuladas por associações.12
Continuando a integrar a visão de Jung e do Tantra sobre a psique
veja se voce pode im aginar os sete chakras desdobrando-se a partir das
profundezas do inconsciente coletivo e subindo pelos níveis do
onsciente pessoal e da consciência do ego. Funções e imagens
arquetiptcas cspccfficas sâo e x p r e s s a„av és de cada c h a t o T m

(U ndres' , w S mil“[, t ,10aCanir1, J m s 's '& * * * > > a r t Tibetan B rtjhism

ciousntís (W h c o n . C°™'

48
■ n,o os sele chakras formam a matriz psíquica em que a forma
conjuniu,
'„ ir a do corpo-m ente é enada.
Esta m atriz genérica tom a-se mais caracteristicam ente definida
,flndo várias experiências, e nossas reações a elas, são estabelecidas
recessos do inconsciente pessoal. O inconsciente pessoal percebe c
1 sobre a em oção/inform ação de um m odo literal, arm azenando-a e
riirigindo o com portam ento mais ou menos com o um com putador pelo
sistema nervoso autônom o. A memória de tudo o que nos aconteceu,
incluindo vidas passadas, está contida aqui. E, com o um a interface
entre a estrutura espaço-tem poral do ego e a dim ensionalidade de níveis
mais profundos da psique, o inconsciente pessoal pode também ser um
recipiente seletor de conteúdos futuros da consciência do ego.
Em geral, o inconsciente pessoal tem a tendência de fixar-sc nos
padrões emocionais e estruturas de crenças que nele produzem uma forte
impressão. M uitos medos e com portamentos autoconudos brotam desse
condicionam ento inconsciente. Estes efeitos no nível pessoal do
inconsciente obscurecem as funções positivas dos arquétipos e fazem
com que nos fixemos em certas imagens arquetípicas, ou que nos
tomemos vulneráveis ao seu aspecto mais negro.
Em term os tântricos, o impacto de experiências passadas, desejos
e ações (incluindo ações mentais) estão depositados como sementes
cármicas no corpo-m ente. Se essas sementes não forem extirpadas,
continuarão a produzir seu amargo fruto, a despeito dos esforços
conscientes para detê-las. Cada chakra contém um núm ero qualquer de
padrões-sementes de experiências passadas — relacionados com
motivos arquetípicos - que definem os parâm etros inconscientes do
ego-self. Denominados de obscurecim entos no Tantra budista, esses
padrões-sementes (Samskaras) eclipsam a energia da sabedoria agindo
através de um chakra determinado e constituem obstáculos imensos à
realização de nossa natureza búdica. _ _
Em seguida, os chakras em ergem para a esfera da consciência do
ego. A mente racional é capaz de funções m ais com plexas do que o
inconsciente pessoal; ela pode raciocinar tanto indutiva quanto
dedutivamente. Pode também reprim ir desejos e lembranças que não

49
quer reconhecer. Assim, ela goza de certa autonomia relativam ente aos
domínios inconscientes pessoais e transpessoais. Todavia, para manter a
desesperada ilusão de sua sabedoria, ela está sujeita à racionalização.
Em cada um dos chakras, podemos então nos deparar com imagens
distorcidas da realidade que o self consciente utiliza para pôr em ordem,
e talvez manipular, o mundo interior e exterior para conform á-lo a seus
desejos c preconceitos.
O self racional pode ser bastante obstinado, mas e também de
relativamente fácil reeducação. A leitura de um livro como este pode ser
suficiente para convencer a mente racional de sua necessidade de alterar
atitudes e idéias. Infelizmente, a desprogram ação e reeducação do
inconsciente pessoal requer muito mais habilidade e tempo. Mas, a
menos que esta tarefa seja cum prida com êxito, desejos conscientes de
mudar mostrar-se-ão ineficientes na grande maioria das vezes. Em
condições favoráveis, as mentes inconscientes racional e pessoal devem
harmonizar seus esforços e sintonizar-se com os níveis mais profundos
do inconsciente coletivo.
Cada chakra pode ser visualizado com o a lente de um projetor de
shdes em que certas funções genéricas da psique são reveladas Por
exemplo, o tema do primeiro chakra é a sobrevivência e o bem-estar do
corpo físico; ele está associado ao nível mais prim itivo ou instintivo da
psique. O carretel de slides do primeiro chakra conteria, portanto
imagens arqueup.cas personalizadas desse nível retratando uma
orientação bem -ajustada, uma história despojada e traumática, ou uma
curiosa mistura de ambos.
A soma das “coleções de slides" em todos os chakras cria a ilusão
da nossa idenüdade individual. Essas coleções de slides podem ser

seiKarán ^ ° ^ agrCgad° S (° S SkandhaS de for™ .


budistas VOhÇã° mental 6 consciência) que- em termos
Dudistas, compõem o sentido do cgo-self.

roJ ™ CUltUra atUal’ n0ssas “coleÇões de slides" estão abar-


egóico é d r a Z r ^ ^ Clamam nossa alcnÇâo enquanto o self
góico é dramaticamente alienado das fontes de alimentação espiritual
interior profundo da psique. Vivemos num mundo sintético divorcia-

50
. natureza inierior e exterior. Como o filho pródigo, esquecemos
verdadeira herança e o propósito da nossa jornada rumo à
nossa

C° nSCQuando iniciamos essa jornada, ou conscientemente ou por pressão


• tf»rior defrontam o-nos com coisas subjacentes às nossas aparências
“civilizadas” que prontam ente gostaríamos de evitar. Daí que o processo
He individuação, na terapia junguiana — bem como a prática tântrica de
transformação dos aspectos ilusórios do ego-self cm suas energias da
sabedoria — com freqüência é muito doloroso.
Entrar em contato com o poder primordial dos arquétipos pode
também ser terrível ao ego-self, e Jung mantinha um saudável respeito
nor seus potenciais “incontroláveis”. As lendas tântricas estão cheias de
apelos milagrosos para o despertar da Kundalini, ou o fogo Dumo.
Entretanto, o mero despertar deste poder não significa garantia
automática de perfeição espiritual. Esse poder prim ordial na verdade
pode ser nocivo, ativando conteúdos inconscientes que causariam
desequilíbrios psicológicos graves se não forem assim ilados com muito
cuidado. Os tibetanos dizem que ativar o fogo é com o colocar uma
cobra num bambu oco; ela tem apenas uma entre duas escolhas, sair por
cima ou por baixo.
O trabalho, então, com eça com uma aproximação afetiva e uma
purificação de conteúdos irrelevantes ou auto-inibidores do inconsciente
pessoal. Antes de desprogram ar o inconsciente, freqüentemente é
necessário nos tom arm os cientes das influências iniciais. Reexpe-
rimentar essas influências dissolve suas formações em ocionais/con­
ceituais cristalizadas alojadas em algum chakra em particular.
Para com preender o inconsciente e com unicar-se com ele, c

(13) Para informações adicionais sobre reprogramação da mente incons­


ciente, recomendo vivamente Software for the Mind, de Emmett i
(Berkeley, CA: Celestial Arts, 1987.)

51
importante perceber que ele 6 energizado por dinâmicas emocionais e
“pensa” em termos de imagens e símbolos. As qualidades metafóricas
dos sonhos e a mitologia ilustram isto muito bem.
Outro aspecto importante a considerar é que este nível da psique
normalmente não faz distinção entre “realidade” e imaginação O uso da
hipnose, imaginação ativa, trabalho com sonhos e simbologia dirigida
demonstram como a mente inconsciente pode ser aberta c mudada
através de metáforas e visualizações. De fato, empresas de anúncios
estão faturando milhões de dólares por ano explorando técnicas de
comunicação subliminar.
No Tantra- a meditação produz freqüências de onda cerebral alfa
e beta que nos permitem o acesso a áreas da psique exteriores às funções
racionais normais. E nesses níveis sublim inares que as imagens e
atividades ntuais do Tantra operam sua magia. Podem-se considerar as
divindades tam neas com o versões culturais ataviadas dos arquétipos
ímcmonais. Além do poder das profundezas numinosas da psique que
eles contem, podem também ser vivenciados como baterias de energia
psíquica carregadas com as poderosas meditações de iogues tântricos
praticadas durante bem m ais de um m ilhar de anos. Esse potencial é
aberto c usado para transformar o corpo-mente num S c ú . o
punficado para forças transpessoais em práticas tântricas.
De modo sem elhante, o objetivo da terapia junguiana não é

domccorpo-mente.
do Pó r em
nénteaoO processo 38fU"ÇÕeSglobali^oras
tem início com um abrandamento gradual

peío dB ,cSÕ mt>d,° q"e “ “ “ “ “ rep" " 'i<1“ a o

^ p ^ T ^ r cienK m n sfo ™ a ° e s °
Em seus métodos terapêuticos, Jung buscava um enfoque

indivíduo r S ã .“ d íÜ T - Ele ” * * * 3 Sins“ <“=


do caminhn x f f . ,rcção Iíltenor de seu próprio paciente ao longo

iSÍSi CO
q m° "Na‘U
™ f
O Self possui a sabedoria e o desígnio de conduzir-nos

52
V cea verdadeira natureza, bastando apenas que abandonemos nossa
à nos** ^

reSÍST m e r r t e nrapÍa junguiana e muitos dos seus métodos e


nfeitos constituem rem iniscências de práticas tântricas antigas O fato
T l u n g ver na mandala uma expressão do Self, o valor do trabalho com
c manifestações sim bólicas da psique através do trabalho com o sonho
f a imaginação ativa, o apreço pela reconciliação dos opostos na psique
ímacho e fêm ea, consciente c inconsciente, etc.) e a purificação dos
conteúdos do inconsciente pessbal para ter acesso ao mana dos
arquétipos, todas essas questões podem ser facilmente relacionadas com
a prática do Tantra.
Embora o Tantra seja um sistema mais radical para a trans­
figuração do corpo-mente, as corajosas investigações e a profunda
intuição de Jung proporcionam aos nossos ocidentais alguns conceitos
muito úteis para que com ecem os a com preender a sabedoria dos
símbolos, os m itos e rituais da meditação tântrica.
Do mesm o modo que o processo de individuação, o caminho o
Tantra exige coragem , honestidade, desejo de mudar e liberdade
disciplinada. A humildade e a concentração nas prioridades necessarias
para trilhar este caminho não são facilmente adquiridas, nem m anudas,
em nossos tem pos atuais. Os budistas, entretanto, nos advertem de que
entrar no cam inho do Tantra sem o necessário com prom etimento é como
tentar obter m anteiga a partir da água.
Antes de prosseguir na transmissão de alguns topicos expe­
rimentais da psicologia junguiana e do Tantra tibetano, demonstrados
nas funções dos chakras, há um pensamento que sera util conservar.
Embora apresentadas aqui em ordem seqüencial, as realidades interiores
da psique são mais bem com preendidas em termos das qualidades de
espaço e tempo dos sonhos. Cada chakra está incrustado nas profundezas
transpessoais da psique; os arquétipos e as etapas correspon ente
desenvolvimento não necessariam ente emergem dentro dos estr
limites do tem po linear; eles podem subir à superfície a qualquer
momento, vindos de qualquer profundidade.
Bon voyagel

53
Capítulo Segundo

A CAVERNA DOS ANTIGOS

Na estrutura pélvica, da base da coluna aos genitais, localiza-se


uma região cham ada de ovo dc Brahma, no Tantra hindu. Em alguns
mitos hindus, Brahma é o deus da criação, e o ovo de Brahma pode ser
relacionado com o tema arquetípico do ovo do mundo. Encontrado
universalmente na mitologia, o ventre primai, ou o ovo do mundo, é um
sím bolo com um para a totalidade original de que toda a vida procede.
O primeiro chakra, denom inado Muladhara (suporte da raiz) no
Tantra hindu, localiza-se no ceniro desse ovo. Ele é especialm ente
importante na meditação porque a força criadora do cosmos jaz
adorm ecida aí na forma m ítica da Deusa Serpente K undaüni. A imagem
da serpente evoca um rico mosaico de símbolos ligados à terra fértil, à
sabedoria eterna e aos poderes regeneradores das camadas mais p r o ­
fundas da psique.
No interior do lótus do chakra-raiz, que tem quatro pétalas v e r­
melhas, há um quadrado amarelo que representa o elemento terra.
Dentro dele há um elefante branco com sete trornbas. Veja fig. 6, p. 56.
Na índia, é pensamento com um que os elefantes brancos atraem seus
parentes celestiais, as nuvens. Esses elefantes celestiais trazem a chuva,
que faz com que a M ãe Terra seja fértil e abundante. Os elefantes
portanto propiciam bênçãos terrenas e boa sorte.
No T an tra budista, o sistema de chakras é com parado a um
templo sagrado com cinco pavimentos. Cada nível do templo contém

54
um trono e uma m andala dc um dos cinco Budas Primordiais. O
primeiro chakra, no andar térreo, é sim bolizado por um quadrado
am arelo c relacionado com o elem ento terra. Lam a Govinda, em Foun-
dations o f Tibetan M ysticism , diz que os budistas associam o elemento
terra com o dom ínio da lei cárm ica porque ele constitui o plano em que
as sem entes de nossas ações am adurecem. Ele é também o domínio da
escravidão a se formar, a qual é qualificada pelas forças da rigidez e
inércia.1 O Buda Primordial Amoghasiddhi está sentado no trono do
primeiro chakra. Veja fig. 7, p. 57. Em bora com um ente seja relacionado
com o elem ento ar e a cor verde, é sua Sabedoria que Tudo-Realiza
(livre do carma, ou atividade espontânea derivada da compreensão da
inseparabilidade entre o Vazio e a aparência da realidade fcnomênica)
que pode melhor transform ar as forças do corpo-m ente que operam no
primeiro chakra. A paixão ilusória de A m oghasiddhi é o ciúme ou a
inveja baseada no medo ou na ansiedade quanto à possibilidade de
falharmos cm atingir nossos objetivos, ou que outros possam conseguir
mais do que nós.
Em geral, a função prim eira do chakra-raiz é traduzir a força vital
em necessidades c atividades de sobrevivência do organism o físico. Os
sentimentos de segurança e confiança no m undo físico instilam em nós
a crença necessária para a expressão positiva do chakra-raiz. Sem esta
sensação de sentir-se seguro no corpo c no am biente físico, um medo
profundo solapa todos os outros níveis dc consciência.
À parte as influências de vidas passadas, os elem entos pessoais no
prim eiro chakra são prim ariam ente derivados de experiências pré-natais
e de nascimento. Os ambientes de origem e o am biente familiar seguem-
se naturalm ente com o fatores importantes na determ inação da base de
nossa orientação no mundo. Os psicólogos geralm ente concordam que
aprendemos mais em nosso primeiro ano de vida do que durante todos
os demais. Se nosso am biente pré-natal e inicial satisfez nossas

(1) Lama Govinda, Foundations o f Tibetan Mysticism (York Beach, M


Samuel Weiser, 1974; e Londres: Rider & Co., 1974), p. 181. [Fundamentos do
misticismo tibetano. Editora Pensamento, São Paulo, 1989.]

55
Fig. 6. Muladhara. O primeiro chakra tem quatro pétalas carmins que simbolizam
os quatro tipos de bem-aventurança experimentados quando a Kundalini desperta.
No interior do lótus encontra-se um quadrado amarelo, mandala que representa o
elemento terra. Dentro do quadrado vemos o mantra-semente LAM, que invoca a
primitiva divindade Indra. O elefante branco é o veículo de Indra c um sinal de
prosperidade. Vemos também um triângulo invertido, o yoni, que representa os
genitais femininos e o poder feminino de criação. Dentro dele a Kundalini é
mostrada enrolada três vezes c meia em tomo do linga.

necessidades de alimento, aquecimento, sentido de pertencer e proteção,


então se estabeleceu um a confiança em nosso am biente extemo. Por
outro lado, se o ambiente do ventre e do início da infância foram
emocionalm ente frios, de desamparo e perturbados, então as impressões
no prim eiro chakra interpretam o mundo e os seres humanos como
ameaçadores ou estranhos.
Geralm ente é difícil trazer à luz as influências do primeiro chakra
porque foram programadas durante o desenvolvim ento fetal e prim eira
infância, períodos essencialm ente pré-conscientes. A aceitação incons-

56
Fig. 7. Amoghasiddhi c o Senhor do chakra-raiz e encama a Sabedoria Todo-
abrangenie. Sua cor é o verde e ele rege o elemento ar. Sua mão direita está elevada
no Mudrá Abhaya, lançando a benção do deslemor. A ilustração é a Estampa 7 do
Foundalions o f Tibetan Mysticism, de Lama Govinda (publicado em 1974 por
Samuel Weiser, York Beach, Maine.e Rider & Co., Londres) e reproduzida com
permissão dos editores.
ciente “daquilo que sempre foi” e o medo de cortar nossas raízes
psicológicas trabalham contra a reconstrução da realidade neste nível
fundamental.
Os aspectos arquctípicos do primeiro chakra estão enraizados nas
regiões mais primitivas da psique, ligando-nos com o tempo em que
existíamos numa relação instintiva com a Mãe Natureza. Veja fig. 8.
Nessa era pré-conscicnte estávam os unidos aos processos inconscientes
da natureza. Erich Neumann, em The Origins and H istory o f
Consciousness, mostra com o esta fase inicial dc desenvolvimento,
revivida na infância (em acréscimo ao ovo do mundo), com freqüência
é simbolizada com motivos circulares que remetem para nossa
totalidade original — eles são sem começo e sem fim, autocontidos c

Fig. 8. Uroboros. Um dragão mordendo sua própria cauda, um símbolo medieval


para as qualidades autocontidas e integralizadoras da psique. De um desenho
francês do século XIII.

58
eternos. Nesse estado pré-consciente, a identidade do ego ainda não
dividia a psique c o m undo em dois.2
Neumann também menciona que desde que lomos expelidos do
ventre do inconsciente, ansiamos por retom ar ao Paraíso Perdido, o
estado de ausência total da dor e do prazer conscientes e ações
responsáveis. O mito do Jardim do Éden dram atiza nosso medo e
relutância em em ergir com o seres conscientes, e conseqüentemente
separados. O estado inconsciente parecia ser nossa condição natural.
Despertar exigiu grande esforço e a consciência dolorosa da dualidade.3
É aqui no chakra-raiz, portanto, que encontram os nosso primeiro
obstáculo ao desenvolvimento da consciência, a inércia e o abraço
apertado do inconsciente. Freud era fascinado por essa tendência
regressiva na psique e cham ou-a de desejo de morrer. P or ironia —
porque os opostos vivem lado a lado muito confortavelm ente neste nível
da psique — , as forças de autoform ação e sobrevivência são também
geradas aqui nos instintos do primeiro chakra.
Na sim bologia tântrica, o primeiro chakra encarna as qualidades do
elem ento terra, com o a solidez e a inércia. Na vida diária, o primeiro
chakra abrange aspectos com o estes: relacionam ento com o nosso corpo
físico e os cuidados com ele (nutrição, exercícios c satisfação dos
sentidos), modo de ganhar a vida e manter nossa segurança, atitude com
relação ao dinheiro e com a qualidade de nosso am biente físico, o
relacionam ento com o mundo sensual e as posses materiais e a capa­
cidade de confiar e de nos sentirmos seguros no plano físico. Em acrés­
cimo às m arcas de fam ília e am bientais desta vida, as condições e os
traumas vivenciados em vidas passadas podem afetar o fluxo de energia
psíquica pelo prim eiro chakra e a conseqüente visão da realidade física.
Freqüentem ente, traumas ou danos graves no corpo físico em

(2) Erich Neumann, The Origins and History o f Consciousness, BoUingcn


Series, Vol. XLII (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1954), p. 8. [História
da Origem da Consciência, Editora Cultrix, São Paulo, 1990.]
(3) Neumann, The Origins and History o f Consciousness, pp. 114-16, 280.

59
encarnações anteriores poderão manifestar-se com o sintomas correlatos
nesta vida, ou provocar medos e comportamentos inconscientes
desajustados.

Estar no Corpo

“Permaneça no seu corpo” e “fique ligado” são frases populares


hoje. O que significam e com o se relacionam com o primeiro chakra?
Num sentido literal, o corpo é uma escultura viva de você mesmo. À
parte a herança genética e as imagens corporais recebidas na infância,
o corpo é moldado pelas mudanças no estado psicológico. Pensamentos
e sentim entos com o energia psíquica na aura afetam o corpo físico
através dos centros nervosos e das glândulas cndócrinas, alterando sua
estrutura e função aparentes. Alguns exemplos disto: as drásticas
mudanças físicas na aparência, vistas com toda a clareza em pessoas
sujeitas a múltiplas personalidades, c a força sobre-humana experi­
mentada em situações de em ergência ou sob hipnose.
No nível celular, os processos que mantêm um corpo inicgral e
saudável constantemente são desintegrados por uma luta entre ações,
emoções e conceitos. Por exemplo, quando emoções são detonadas
(excitação sexual, choro, raiva), a energia com eça a fluir do corpo
emocional para o físico, preparando-o para a ação. O ego diz “ Não!” e
a ação é reprimida. “Não” significa contração no corpo — os músculos
se enrijecem, a respiração tom a-se superficial e o corpo congela-se no
conflito.
A maioria de nós cresce com esses padrões de tensão crônica. Em
resposta à emoção não expressa, o corpo se contrai à m edida que se
tom a mais e mais distanciado da mente consciente. Esta repressão da
consciência no corpo protege-nos das sensações inaceitáveis, mas
também reduz a vitalidade e as sensações agradáveis. Q uanto mais esta
situação é considerada normal, tanto mais abandonado fica o corpo.
Privamo-nos do que precisam os para nos desenvolver e crescer de forma
saudável, e nos indagamos por que não nos sentim os energizados
fisicamente.

60
A onda contem porânea de técnicas de trabalho corporal demonstra
claram ente as qualidades protéicas do corpo. Em oções bloqueadas e
tensões interiores podem ser liberadas e o corpo pode tom ar-se livre,
solto e saudável, em alguns casos alterando drasticam ente sua aparência
e estrutura. Além da liberação da dor bloqueada e de emoções frias,
pode ser restabelecida a habilidade de experim entar o prazer no corpo.
Nossos corpos são animais. Precisam de exercício, de boa
alim entação e de um am biente acolhedor; também necessitam do toque
am oroso e da intimidade. O toque é uma necessidade básica. Para o
bebê, ele é tão importante quanto o alimento. Os bebês que não são
afagados e locados podem tom ar-se indiferentes, perder o apetite,
definhar e mesmo morrer.
Os adultos podem dar-se conta de que estão procurando satisfazer
a necessidade de tocar e ser tocados através da interação sexual.
Esquecemos que o toque não precisa necessariam ente ser associado à
sexualidade e podemos assim limitar seriamente nossas oportunidades
de receber e dar nutrição.
Por outro lado, o impulso instintivo para o acasalamento e a
reprodução também está associado ao prim eiro chakra. Por isso, ele
muitas vezes é chamado de chakra do sexo. O sexo, entretanto, não
pertence a um só chakra, visto que a energia sexual (isto é, a libido,
Kundalini) flui através de cada chakra. Veremos com o esta energia é
transformada, assumindo qualidades diferentes em cada chakra.
A natureza da energia sexual no prim eiro chakra é explicada
graficam ente por Dane Rudhyar, em Occult Preparations fo r a New
Age. Ela está ligada a propósitos bioculturais; é uma compulsão
funcional e instintiva enraizada no inconsciente coletivo. Ele nos
oferece a imagem de um homem lavrando a terra, encontrando
satisfação na liberação m uscular e no trabalho fértil, e compara-o à
conservação da natureza-terrosa da mulher para dar origem ao fruto.4

(4) Dane Rudhyar, Occult Preparations for a New Age (Wheaton, I


Theosophical Publishing House, 1975), pp. 144-45. [Preparações ocultas para
uma nova era, Editora Pensamento, São Paulo, 1991.]

61
O impulso à reprodução — que dom ina a energia sexual no pri­
m eiro chakra — pode também ser visto como uma projeção da identi­
dade individual em objetos físicos. Investindo energia psíquica nos
filhos, criações artísticas e posses materiais, ritualisticam ente tentamos
assegurar a solidez e continuidade de nosso sentido de self. Instintiva­
mente, procuramos um sentido de pertencer e segurança no mundo físi­
co. Com o o cachorro que defende seu território, nos ligamos deses­
peradam ente ao sentido de “m eu” que projetam os nesses objetos.
Em The Mythic Im age, Joseph Campbell com para a natureza da
Kundalini neste nível da psique a dragões m itológicos inclinados a
acum ular e proteger coisas. Eles quase sempre acumulam coisas que
nem sequer podem usar — geralmente donzelas formosas e tesouros. E
todavia se agarram a elas e as defendem de modo que seus valores
básicos nunca são percebidos.5
Na tradição m itológica, o herói (consciência do ego) ao final deve
encontrar e vencer esse dragão para resgatar a donzela e apossar-se do
tesouro. Na lenda tântrica da deusa Kundalini, temos a valiosa energia
vital sendo mantida prisioneira pelos instintos inconscientes no primeiro
chakra. Como o herói mitológico, o iogue tântrico deve libertar a Kun­
dalini para que ela possa ascender através dos chakras e revelar todos
os seus tesouros de consciência. Ambos, o herói e o iogue, devem descer
às entranhas da terra e enfrentar as forças das trevas para realizar aque­
las qualidades que dão origem a um sentido superior e plenitude de vida.
O corpo físico é um veículo; ele precisa ser m antido, e suas poten­
cialidades, realizadas. Um corpo saudável é o primeiro passo para as vas­
tas dimensões da consciência além da mente ordinária. No Tantra tibeta-
no, o corpo não é visto com o uma coisa fixa; ele é a expressão de uma
encarnação contínua. Quem somos, o que estam os pensando e sentindo
e atividades inconscientes são materializadas a cada momento. Alterações
na psique mobilizam forças que se manifestam concretamente no corpo.

(5) Joseph Campbell, The Mythic Image, Bollingen Series, Vol. C (P


ceton, NJ: Princeton University Press, 1981), p. 341.

62
A Instalação de Bases

Com um prim eiro chakra fechado ou traumatizado, o self


consciente está desligado do corpo e, portanto, inconsciente de suas
necessidades. Em geral, usamos a expressão “no espaço” para descrever
esse estado de desligam ento do corpo. Nessa condição de falta de base,
a vida é vivida com o uma luta e a pessoa se sente incapaz de enfrentar
a realidade. Por outro lado, “ um sentido de presença” é uma expressão
usada para descrever o fato de se estar dinam icam ente atento ao corpo.
O utra maneira de considerar a instalação de bases é comparar o
self a um rádio receptor sensível que requer um fio de terra para
dim inuir a eletricidade estática. Quando estam os instalados, a energia
psíquica flui dos níveis m ais sutis da psique para o corpo físico. Isso
ajuda-nos a resistir às influências do ambiente. Se o prim eiro chakra está
bloqueado, o circuito é incom pleto e o cam po da aura fica muito
enfraquecido. Nesse estado, ficamos ansiosos e mais facilmente
influenciados pelos pensam entos e emoções dos outros.
As partículas de onda que oscilam no espaço para criar a aparên­
cia da dim ensão física vibram numa certa freqüência eletrom agnética
(7,8 Hz). É possível, através do prim eiro chakra, e na verdade vitalm en­
te necessário, criar uma afinidade com a pulsação do campo terrestre.
Estar contido nele é outra m aneira de explicar o term o instalar as bases.
Os processos biológicos funcionam m elhor dentro das freqüências
eletrom agnéticas naturais da terra. Variações dessas freqüências naturais
causam tensão nos sistemas biológicos, eventualm ente levando à
degeneração de órgãos e tecidos. Além da poluição do ar, da água e dos
alimentos, a crescente poluição eletrom agnética da nossa sociedade
tecnológica está se tornando um perigo para a saúde. Rádio, TV,
microondas, linhas de alta tensão e aparelhos eletrodom ésticos, para
m encionar alguns, são fontes de distúrbio no cam po eletrom agnético do
corpo. Vibrações caóticas na aura ou uma superabundância de fre­
qüência de ondas cerebrais beta (ligadas à mente racional e a estados de
preocupação, de medo, etc.) também perturbam o campo eletro­
m agnético do corpo.

63
Na maioria das pessoas, a energia psíquica está freneticamente
dispersa pelos corpos mental c emocional. Raram ente ha paz e clareza.
A mente está sempre ocupada, pulando de uma seqüência de
pensamentos a outra, de uma preocupação, problema ou esquema a
outro. O corpo em ocional geralmente é jogado com o um pequeno barco
num mar encapelado, e o organism o físico existe dentro dessa aura de
vibrações caóticas. Ele é continuamente forçado a responder a estímulos
conflitantes que produzem impacto no sistem a nervoso e nos sistemas
glandulares a partir desses vários níveis da psique.
Quando a aura e o corpo físico relaxam em ressonância com o
campo magnético terrestre, as tranqüilas freqüências de onda cerebral
alfa e beta são produzidas naturalmente e uma profunda sensação de paz
prevalece. O campo m agnético do corpo é novamente alimentado e
abraçado pelo cam po geomagnético-mãe. Sentimo-nos seguros e
protegidos. Biofeedback, meditação e auto-hipnose são algumas das
técnicas que podem ser utilizadas para relaxar o corpo-mcnte em
ressonância com o cam po magnético da terra.
Consideremos outra perspectiva para am pliar um pouco mais as
conotações da experiência de instalação de bases. O Jardim do Éden não
era um lugar, mas um estado de consciência: com eçamos nossa jornada
sendo expulsos da nossa relação inconsciente e instintiva com a Mãe
Natureza. Como é exem plificado pela vida das pessoas espiritualmente
realizadas, podemos retom ar ao jardim conscientemente. Uma vez
completado o desdobram ento da consciência, voltam os à nossa unidade
original. Tom ando-nos o todo que vive através da parte, vivenciamos
íntima e conscientem ente nossa “participação” no organismo cósmico.
Sua totalidade vive em nós; ele é a nossa vida.

A Matriz Parental

Fisicamente, som os concebidos pela união biológica de mãe e pai.


Psicologicamente, nascemos da Grande Polaridade. Atrás da máscara da
mãe e do pai pessoais estáo os dois arquétipos prim ordiais da Grande
Mãe e Grande Pai. C om o bebês, buscamos a nutrição e a orientação

64
inerentes a esses progenitores psicológicos através da relação com
nossos pais biológicos.
Na infância, com param os instintivamente nossos pais objetivos
com os arquétipos parentais “ ideais” intem os. A necessidade fun­
damental de nos relacionarm os com a Grande Mãe e Pai c de sermos
alim entados, protegidos e guiados por eles m uita vezes foi frustrada
dolorosamente pelas inadequações de nossos pais biológicos. Com o
resultado, nos sentim os carentes e crescem os desconfiados e mesmo
ressentidos com nossos pais biológicos, e com freqüência com o mundo
que eles representam.
Os com plexos em ocionais que as crianças desenvolvem e os
valores psicológicos absorvidos do ambiente parental criam barreiras ao
crescimento. A menos que sejam superadas, essas barreiras afetam a
base de todo o processo de desenvolvimento.
C ada um, no nível m ais profundo, precisa sentir-se amado e
amparado por seus pais. Quando sentimos que esse am or nos foi negado,
tentamos preencher o vazio de várias maneiras. Ou somos impelidos por
essa privação ou controlados por defesas com pensatórias. Uma relação
saudável com os arquétipos da M ãe e do Pai está enterrada no nosso
íntimo — sob camadas de dor e defesas. É importante revelar essas
camadas de trauma. Terapias catárticas, com o R enascim ento e trabalho
de corpo profundo, im aginação ativa, trabalho junguiano com sonhos e
vários tratam entos psicanalíticos ortodoxos constituem alguns métodos
para ter acesso a esses fatores inconscientes e liberá-los. A prática
budista da m editação intuitiva, que será discutida em capítulo posterior,
é outro m odo efetivo de peneirar nessas profundezas da psique.
Através dessas escavações, podemos peneirar nas camadas de
energia psíquica que existem sob nossas reações às influências paren­
tais. À m edida que desenterram os esses fatores escondidos e pas­
samos a tom ar posse de nossos sentimentos e projeções, co­
meçamos a sentir com paixão por nós mesmos e pelos nossos pais.
Estamos então menos inclinados a censurá-los e m ais dispostos a abrir-
nos às suas dádivas de am or e lealdade, não im porta quão
pequenas e im perfeitas sejam. Só então podemos com eçar a criar raízes

65
nos níveis mais profundos da psique para sorver o alimento da Grande
Mãe e Pai.
Na bolota dorm ita o carvalho todo. De modo semelhante, a pola­
ridade da Grande Mãe e Pai contém todo o potencial para o de­
senvolvimento da consciência. Seu desdobram ento está na dependência
de nossa relação diferenciada com esses arquétipos, que são projetados
primeiramente nos pais biológicos e depois nos deuses e deusas que se
tomam nossos pais espirituais.

Leitura Psíquica do Chakra-Raiz

Um exemplo de uma leitura psíquica do prim eiro chakra servirá


para resum ir muitos dos tópicos que discutim os até aqui:

Clarividcntemente, focalizando a atenção no seu primeiro chakra,


sinto tensão. Dessa energia constrita recebo uma impressão de medo,
timidez e suspeita. Num nível mais profundo, estou consciente de
sentimentos de raiva.
Sintonizando mais cuidadosamente esses sentimentos, começam a
aparecer imagens. Focalizando uma delas, vejo um feto no ventre durante
o trabalho de parto. Ele luta pela vida contra a relutância da mãe cm dar
à luz. A mãe não quer a criança; ela é infeliz com o marido; sua vida é
uma luta. Todas essas forças projetam-se contra o bebê enquanto ele luta
pelo seu direito de nascer e de viver. Por fim a mãe c narcotizada e o
nascimento é forçado. Com o coração palpitando e o medo percorrendo
suas veias, o bebê é jogado num ambiente claro, frio, e carregado
desajeitadamente, levado e deixado sozinho.
Outra' imagem surge agora. Frustrada e ressentida, a mãe está se
recusando a cuidar das necessidades físicas da criança — alimentá-la,
trocar as fraldas, etc. A criança se sente abandonada e indesejada. A
repetida experiência de fome, que continua não atendida pela mãe, instila
no corpo da criança uma sensação de medo e desconfiança.
Agora vejo a mãe tratando a criança com hostilidade, dando vazão
à raiva contra a sua própria vida. A criança se contrai de medo desses
ataques; incapaz de compreender e de proteger a si mesma, ela se sente

66
impoiente. O corpo da criança se retrai e enrijece contra a repetida e
arbitrária hostilidade.
Em outra imagem, a mãe está imersa em pensamentos. Planeja
abandonar o marido. Está torturada com relação à criança; pensa que
machucaria o pai se levasse a criança, e isso a agrada. Mas ela não quer
a criança realmente e se alegra imaginando o pai tendo de trocar fraldas,
etc. Está cheia de maldade e vingança. A criança está mergulhada nesse
ambiente de ódio c sente a separação iminente e o abandono. Sem
compreender todas as causas e circunstâncias, a criança se identifica
inconscientemente com esse caos de sentimentos.

Poderíam os continuar observando o relacionamento do pai com a


criança e com a mãe, seu senso de responsabilidade ou sua atitude com
relação ao seu trabalho. Todos esses fatores teriam algum a influência no
relacionam ento da criança com o mundo físico. Todavia, a leitura acim a
é suficiente para ilustrar com o as marcas psíquicas influenciam o
prim eiro chakra. Você pode imaginar com o elas podem afetar o
desenvolvim ento da criança e suas experiências de vida posteriores!
Precisamos nos livrar da “personalidade” de nossos pais, em vez
de ficar culpando-os por não serem tudo o que queríam os que fossem.
As pessoas que ainda estão “ zangadas com a m am ãe” não devem tra­
balhar com a Kundalini, pois poderiam ficar subm ersas pela raiva por­
que o ego ainda está fixado num estágio de desenvolvim ento infantil frus­
trado. Precisam os purificar as auto-im agens que adotamos no espelho
das ações e atitudes parentais e tom arm o-nos pessoas por direito próprio.

Dirigindo-se ao Refúgio

Depois de m editar sobre a situação humana, Buda G autama


concluiu que a vida é condicionada pelo sofrim ento. Toda a vida está
em fluxo, e tentar estabelecer algo sólido e perm anente leva ao
sofrimento. Estar apegado a como gostaríamos que as coisas fossem e
ter aversão a como as coisas são constituem a causa de todo esse
sofrimento. N a raiz do apego e da aversão está o fenômeno da
identidade do ego. Quando despertou do sonho desta identidade do ego,

67
Buda começou a ensinar que podemos superar as causas do sofrimento
pela compreensão correta, pensamento correto, palavra correta, ação
correta, meio de subsistência correto, esforço correto, atenção correta e
concentração correta.
O caminho budista com eça com o refugiar-se. No cenário tra­
dicional, um lama inicia um novo aluno num a cerimônia de refúgio.
Dirigir-se ao refúgio é um modo simbólico de reconhecer que estamos
alienados do verdadeiro self e que nos confiamos à orientação da M ente
Desperta dentro de nós.
No Budismo tântrico, o refugiar-se tem significados mais espe­
cíficos. Quando os canais psíquicos do corpo estão purificados, eles se
tomam um Corpo de Emanação da Mente búdica. O ar vital ou energia
psíquica que flui através desses canais, quando depurado, é um Corpo
de Alegria. E os fluidos sexuais purificados são um Corpo de Verdade.
Quando reconhecemos esses três elementos com o os Três Corpos da
Mente Desperta, nos refugiamos no vajra (vajra significa “como o
diamante”, ou indestrutível).
Depois da cerim ônia de refúgio inicial, o praticante começa cada
sessão de meditação com uma visualização do refúgio. Antes de co­
meçar a meditar, o fator mais importante é a nossa atitude. Uma com ­
preensão correta do refúgio baseia-se em fé no desdobramento de nossa
verdadeira natureza. Junto com a convicção, precisamos de lucidez;
meditamos para atingir o estado de Buda. Fé, clareza e resolução para
manter-nos concentrados na meta e os meios de alcançar a m eta __esses
aspectos formam a base do refúgio e a atitude apropriada para a
meditação.
Há no Tibete um ditado que diz: “Dirigir a mente é como arrear
um excelente cavalo para poder dom á-lo.”4 O corpo, a palavra e a
mente, como um cavalo selvagem, contêm energias poderosas que
podem ser arreadas para um trabalho construtivo. Podemos aprender a
dirigir essas forças na nossa meditação matinal.

(6) Lama Thubten Yeshe, Wisdom-Energy (Honolulu: Conch Press, 197


p. 74. [/t energia da sabedoria. Editora Pensamento, São Paulo, 1987.]

68
Os budistas de todas as seitas diariam ente rendem culto à Tríplice
Gema — o Buda (a M ente Desperta), o Dharma (os ensinamentos) e a
Sangha (a comunidade dos praticantes budistas). Os seguidores do
Vajrayana (Budismo tântrico) também prestam homenagem ao seu guru,
que personifica a linhagem de mestres que rem onta ao próprio Buda. O
praticante invoca essas quatro m anifestações concretas da Mente
Iluminada para obter orientação e amparo em suas meditações diárias.
A meditação a seguir é um a versão da visualização do refúgio
adaptada ao nosso propósito neste livro. Ela foi com binada com o passo
inicial para o domínio da m editação, cham ado samatha. A palavra
tibeiana para samatha é zhignas, e significa m orar na paz. Ela se refere
ao desenvolvim ento da atenção, que livra a mente das distrações dos
pensamentos. Estas duas práticas são o suporte-raiz do Tantra tibetano.

Meditação do Buda Shakyamuni

Com ece colocando seu corpo num a postura de m editação. Relaxe


c concentre sua consciência na respiração. D eixe que a respiração seja
com pleta, contínua e sem esforço. Talvez você queira regular a
respiração repetindo silenciosam ente o m antra do Buda Shakyamuni:
OM TA YA THA MUNI MUNI M AHAM UNYE SVAHA (ascetismo ou
controle, grande ascetism o, assim seja). Utilizando uma contagem de
quatro para a inspiração e expiração, recite OM TA YA THA na
inspiração, MUNI MUNI na expiração, M AHAM UNYE na inspiração
seguinte e S VA-HA na últim a expiração. É também útil estar consciente
do seu prim eiro chakra; sinta-o descontraindo, abrindo e instruindo-o à
medida que você se concentra na respiração e no mantra.
Enquanto você vai relaxando mais e m ais, com ece a visualizar
Shakyamuni sentado à sua frente. (Veja a fig. 9, p. 70.) Imagine-o
m editando sob a árvore bodhi, onde, depois de peram bular em busca do
cam inho da libertação por m uitos anos, ele jurou perm anecer em
meditação até que alcançasse a iluminação. Sua com pleição é dourada
e usa vestes monásticas da cor do açafrão. Em sua mão esquerda segura
uma taça cheia do néctar que destrói os quatro obstáculos que Buda já

69
Fig 9. Buda Shakyamuni. Uma divindade cm meditação utilizada na cerimônia de
e fu g .o s^ b o l.zan d o o eo m p ro m isso d e ale an çaram e tad ailu m in ação .D aco Ie ção
thanka de Serge, Diakoff. Reproduzida com permissão
superou: o sofrim ento de nossos agregados, o dem ônio da morte, nossa
mente inquieta e indom ável e o demônio do desejo. Sua mão direita toca
a terra porque, quando o Senhor Buda se sentou sob a árvore bodhi, a
tentadora M ara Kam a D eva veio perturbá-lo. Ela tentou dissuadi-lo de
sua meta de ilum inação mas, apesar dos m eios que usou, Buda
perm aneceu imóvel em sua meditação. Tocando-a, pediu à terra que
testemunhasse que ele não estava perturbado pela tentadora. A terra
tremeu e sacudiu seis vezes em resposta; daí o significado do Mudrá do
Toque-da-Terra.
A seguir, olhe fixam ente para a face de Buda, sinta a profundidade
da sua tranqüilidade. E então perceba quão imóvel e relaxado está o seu
corpo. Como uma pedra, seu corpo repousa solidam ente sobre o solo.
Contemple o Guru Buda Shakyamuni com o um ser plenamente
iluminado, de infinita com paixão, paciência e conhecim ento para
conduzir todos os seres do sofrim ento ao cam inho da libertação.
Rogando que lhe conceda sua sabedoria e com paixão, reze com suas
próprias palavras para que sejam removidos da sua mente e do seu
coração todos os obstáculos. Em seguida, prom eta refrear aquelas ações
de corpo, palavra e mente que podem tom ar-se em pecilhos no caminho
da iluminação. E, finalm ente, reze para que você desperte para a
Natureza Búdica para benefício de todos os seres sensíveis.
Visualize um OM branco na sua testa, um AH vermelho na sua
garganta e um HUM azul no seu coração. Os raios de luz provenientes
dessas três sílabas constituem a essência e o poder da Sabedoria e
C om paixão do corpo, palavra e m ente sagrados de Buda,
respectivamente. À medida que a luz branca do OM brilha no seu sexto
chakra, todas as energias negativas no corpo são purificadas. À medida
que a luz vermelha do AH brilha no seu quinto chakra, todas as
impurezas da palavra são depuradas. A luz azul do HUM clarifica todas
as ilusões de sua M ente-Coração.7 (Veja fig. 10.)

(7) Para informações adicionais sobre a prática do Refúgio, reporte-se


Khctsun Sangpo Rinbochay, Tarüric Practice inNying-Mapa (Ithaca, NY: Snow
Lion, 1982).

71
Fig. 10. OM AH HUNG. Mantras-scmentes visualizados nos chakras frontal,
lanngco e cardíaco para purificar o corpo, a fala e a mente.
Depois de receber esse fortalecimento de Shakyamuni, sinta-se
mergulhando mais e mais no estado de meditação. Mais e mais, até
atingir a profundeza da concentração de Buda. À medida que isso
acontece, a imagem de Buda se dissolve em você. Você é transformado
em Buda sentado sob a árvora bodhi na postura da M udrá do Toque-da-
Terra. Seu corpo está estável e fixo como uma rocha e você absorvido
em serena meditação. Perm itindo que sua consciência desça como um
peso enorm e à base da sua pelve, sinta-se continuando a descer a níveis
mais e mais profundos de paz interior enquanto você simplesmente
permanece atento à respiração que entra e sai de suas narinas.
Se quaisquer pensam entos errantes surgirem , suavemente leve de
volta sua consciência a essa imagem de você mesmo e continue a
focalizar a sua respiração.
À m edida que continua a se concentrar, você pode imaginar que
está descendo através das profundezas do seu self interior. Do tumulto
da superfície da sua mente, você desce às profundezas calm as do mar
da consciência interior. Enquanto continua a respirar e a relaxar, você
se aprofunda mais e mais nesse mar de consciência, onde calmamente
fixa a sua m orada num maravilhoso e sereno estado de meditação.
Permaneça nessa paz pelo tempo que desejar.
Antes de sair da m editação, repasse m entalm ente o dia que está à
sua frente, vendo-se nesse calm o e claro estado de consciência. Ao ver­
se cm situações específicas, escolha alguns aspectos dessas situações
como lembretes. Veja a si mesmo tom ando-se consciente desses
lembretes c se lembrando deste estado de tranqüilidade e do seu
compromisso com o estado de Buda. Ao repassar esse dia à sua frente,
veja-se e sinta-se agindo com o um Buda.

73
Capítulo Terceiro

SUA MORADA ESPECIAL

O diagrama hindu para o segundo chakra tem seis pétalas ver­


melhas. No interior do seu lótus há uma lua crescente — luminosa,
branca, fria e receptiva — que simboliza o elem ento água. Dentro da lua
crescente encontram os M akara, o monstro dos abismos que vive no
fundo do mar.
O nome sânscrito para o segundo chakra é Svadhisthana, signifi­
cando “sua morada especial” (ou lugar de prazer). É interessante, c
significativo, que os iogues antigos associassem o segundo chakra com
o domínio especial da deusa serpente, visto que seu aparecimento aqui
revela m uitos elem entos m itológicos da Grande Mãe. Retratada com
qualidades proem inentem ente amorosas, geradoras, dominadoras e às
vezes cruéis, a Grande Mãe está ligada a cultos de fertilidade e a orgias
sexuais, bem com o a imagens que representam as forças inimigas do
inconsciente. Todos esses fatores são encontrados na mitologia hindu do
segundo chakra. (Veja fig. 11, p. 75.)
O segundo chakra está localizado entre o umbigo e o osso pubiano.
Psicologicamente, ele se relaciona com os estágios pré-racional e de
sonho da consciência, cm que nenhuma identidade estável se estabele­
ceu ainda. Em The Origins and H istory o f Consciousness, Neumann diz
que essa etapa do desenvolvim ento está sim bolizada no mundo da m ito­
logia pelos jovens deuses da fertilidade. Não possuindo forças heróicas,
eles são impotentes e sofrem um destino coletivo nas mãos da Grande

74
Deusa Mãe. Os cultos da fertilidade, em que o m acho ritual às vezes era
sacrificado, constituíam dram atizações típicas dessa cam ada da psique.1
No processo de abertura do segundo chakra, portanto, podemos nos
defrontar com medos profundamente arraigados e sentimentos sexuais
am bivalentes à medida que alguns desses elementos arcaicos do in­
consciente coletivo se tomam mais perceptíveis em nossa vida pessoal.
Durante os prim eiros anos da infância, passam os por um estágio
muito semelhante ao período histórico relacionado com a m itologia da

Fig. 1 1 .0 segundo chakra, Svadhislhana. No interior do lótus de seis pétalas


vermelhas vê-se uma lua crescente branca simbolizando o elemento água. O
mantra-semenie VAM invoca a antiga divindade Varuna, o Senhor do Mar. O
veículo de Varuna é Makara, um monstro que vive no fundo do mar.

(1) Erich Neumann, The Origins and History o f Consciousness. Bolling


Series, Vol. XLII (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1954), pp. 39-102.
Grande Mãe. Vimos no primeiro chakra que, como bebês, aprendemos
idealmente a confiar no mundo quando nossas necessidades de
sobrevivência são atendidas no período pré-natal e nos primeiros anos
de vida. Depois dessa época, começamos a nos diferenciar da mãe e do
ambiente. Assim fazendo, sentimos nosso desam paro e impotência.
Nossa dependência em relação à mãe liga-se naturalmente com nossa
sobrevivência de um modo novo — sobreviver é ser amado, ser amável.
Isto nos dá uma certa intuição quanto à ansiedade e à incrível “carga”
que carregamos conosco em nossos relacionamentos presentes e a
devastadora insegurança que resulta da rejeição e da solidão.
No nível de desenvolvimento do segundo chakra, despertamos para
a consciência das sensações. Nossa consciência da sensação relaciona-
se primariamente com reações prazerosas e dolorosas ao mundo. Uma
pessoa fixada num segundo chakra inconsciente está preocupada, por­
tanto, com reações de prazer e dor. Isto leva a uma entrega a expe­
riências prazerosas e a uma compulsão para evitar as experiências
desagradáveis. Esta motivação difere daquela da mera sobrevivência
encontrada no primeiro' chakra, mas é uma fonte de ansiedade igual. O
sentido do sclf aqui no segundo chakra é, por isso, definido pela
totalidade de objetos, pessoas e situações que nos fazem sentir seguros
emocionalmente ou que estão associados ao prazer. Ou, num sentido
negativo, por aquelas coisas que estão ligadas à dor c à insegurança.
Há dois modos básicos de lidar com o segundo chakra em termos
de energia sexual associada ao prazer e à dor. Um é continuar a deixar
que essa energia flua pelo segundo chakra enquanto liberamos medos e
desilusões passados e expectativas românticas. Um tratamento mais
extremado, recomendado por muitas tradições espirituais, consiste em
evitar experiências sexuais. Embora a abstinência seja benéfica em
certas ocasiões, no final todas as velhas cicatrizes e medos terão de ser
curados de modo que as “águas da vida” possam fluir pelo segundo
chakra e para todos os níveis da psique.
Carregando a conotação de sexualidade, a energia psíquica do
segundo chakra desempenha um papel importante no magnetismo que
atrai macho e fêmea. Este magnetismo está intim amente ligado à pro­

76
jeção dos arquétipos de anim us e anima, term os junguianos equivalentes
às contrapartes m asculina e feminina da psique.
O segundo chakra tem também uma relação especial com o corpo
etérico. Com o um cam po de força de energias vitais, o corpo eterico é
uma interface entre o corpo físico c os corpos sutis. Coçrentes de força
vital passam por ele e para o corpo físico em m iríades de torrentes
impetuosas. Essas torrentes tem um efeito nutritivo e purificador, e estão
relacionadas com o baço e os sistemas linfático e urinário. Seus cursos
são mapeados e m anipulados por métodos com o a Terapia da Polari­
dade, a Acupuntura e as técnicas de meditação taoísta e tântrica. O livre
fluxo dessas correntes é essencial para a saúde e para a vitalidade do
corpo físico.
O corpo etérico é um meio que recebe im pressões que reverberam
em resposta a em oções no mundo astral. O segundo chakra desem penha
um papel fundamental na tradução desses impulsos para o sistema
nervoso. Não só nossos sentimentos são sentidos no segundo chakra,
mas também são recebidas as forças em ocionais do ambiente. Essa
sensibilidade pode ser muito confusa c perturbada, em especial quando
funciona abaixo do nível de consciência, com o acontece normalmente.
Porque a mente racional não se sente confortável com os
sentimentos dolorosos ou muito fortes, o segundo chakra com freqüência
é bloqueado. Desejos sexuais e românticos, solidão, sentim entos de vul­
nerabilidade, desespero, o anseio de sentir-se am ado e emocionalm ente
seguro e o ressentim ento e raiva por ser desprovido dessas necessidades,
são alguns dos sentim entos comuns encontrados no segundo chakra
quando seus conteúdos sobem à superfície da consciência.
Q uando o segundo chakra se contrai defensivam ente, não temos
contato com os nossos sentimentos. A liberação das energias reprimidas
levará a um aumento notável de vitalidade e saúde, devido ao fun­
cionam ento m elhorado do corpo etérico. A capacidade para o sen
timento e a intim idade também será aperfeiçoada.
No Tantra, o chakra sacro está relacionado com o elem ento água.
A água é freqüentem ente sím bolo do inconsciente. Quando as forças
impessoais do inconsciente fluem através da psique, a frágil indivi­

77
dualidade do ego-self em desenvolvimento se contrai de medo ao
defrontar-sè com essas correntes profundas e misteriosas. Forças in­
conscientes comprimem a minúscula ilha de consciência do cgo-self
com a onipotência de movimentos ondulantes, e às vezes como ondas
agitadas. As unidades tribal e familiar criam santuários a partir desse
vasto oceano de forças inconscientes, enquanto o mito e o ritual
domesticam o seu poder.
Para obter segurança emocional, geralmente tentamos controlar as
forças impessoais do inconsciente. A energia sexual, por exemplo, é
amiúde associada à possessividade c ao ciúm e à medida que tentamos
dominá-la. No aspecto positivo, os poderes do inconsciente profundo
podem ser transformadores. A energia sexual também inclui o potencial
de transformação experim entado na fusão com outro ser e, cm última
instância, nos níveis transpessoais da psique.
A saúde e a totalidade do segundo chakra relacionam-se com o
estabelecimento de uma identidade emocional positiva. Quando nossas
experiências passadas e as impressões no segundo chakra nos dizem que
somos amados e amáveis, c quando aceitamos nossos sentimentos e sen­
timos que os outros também os respeitam, somos capazes de dar c rece­
ber apoio emocional livremente. Por outro lado, se nosso sentido de se­
gurança emocional foi traumatizado, podemos ser inconscientemente
dominados por uma de suas reações gerais: nossa consciência dos
sentimentos e a habilidade de receber alimento emocional de outros es­
tão inibidas por mecanismos de defesa, ou somos impelidos por neces­
sidades emocionais que fazem com que nos com prom etamos em excesso
no sentido de alim entar nosso apego à aprovação e ao apoio dos outros.

Lidando com os Sentimentos

A percepção dos sentimentos foi o primeiro passo que demos para


fora da caverna instintiva do inconsciente. Com o uma evolução da
função do sistema nervoso, a percepção do sentim ento aperfeiçoou nossa
sensibilidade para as influências positivas e negativas do ambiente.

78
C o n scien te ou inconscientem ente, ela ainda atua com o m otivação
su b jacen te para o m odo com o reagim os ao nosso m eio am biente.
Embora sentimentos e emoções estejam muito interligados, os
sentim entos pertencem mais ao domínio do receptivo e impressionável
segundo chakra. As emoções são a expressão da nossa resposta aos
sentim entos e se relacionam mais com o terceiro chakra. Usando uma
analogia simples, imagine um lago tranqüilo. Quando o vento sopra cm
sua superfície, o lago “sente”. As impressões do vento na água criam as
ondas. Essas ondas por fim se quebram na praia, expressando a força
que as criou.
No corpo astral, os estím ulos dão origem a ondulações de im ­
pressões e de sentimentos. Um mecanismo pré-consciente julga esses
sentimentos como agradáveis ou dolorosos à medida que filtra essa
informação através de uma série de associações. Respostas químicas,
neuromusculares e talvez verbais são então lançadas, se não forem
reprimidas, nas praias da consciência através dos corpos físico e cterico.
Os sentimentos têm significados específicos, mas freqüentemente
nós os racionalizamos. Aprendemos a ajustar nossos sentimentos aos cos­
tumes sociais ou às repressões do meio em que vivemos. Em conse­
qüência disso, perdemos contato com os nossos verdadeiros sentimentos.
As crianças dão expressão aos sentim entos naturalmente. Quantas
vezes não vimos uma criança manifestar algum sentimento de maneira
absolutamente franca embaraçando um adulto, que então a repreendeu?
Como crianças, éramos indefesos à dor e à repressão infligidas pelos
adultos e pela estrutura social. Depois, fomos forçados a nos proteger
afastando-nos da nossa percepção. Perdemo-nos em nossas defesas e
papéis aprovados socialmente. A barreira entre a realidade defensiva e
o mundo de nossos sentimentos reais teve início há muito tempo; ela
pode ser enorme.
Nossos egos defensivos freqüentemente consideram os sentimentos
problemáticos, algo a ser superado ou controlado. Infelizmente, os
sentimentos nunca são extintos de uma vez e para sempre. Sentimentos
dolorosos podem ocorrer a qualquer momento; eles só são toleráveis
quando aprendemos a senti-los e a liberá-los no tempo apropriado.

79
A m enos que sejam reconhecidos e aceitos, os sentim entos não
podem ser liberados. E les são com o cursos d ’água; se não há resistência,
a ág u a flui livrem ente, sem esforço. A resistência cria um a rep resa que
transform a num charco a água que corre livre ou, com o au m en to do
volum e e da pressão, num a força agressiva c destruidora. É a nossa
resistência aos sentim entos e o m edo de serm os rejeitados por
com partilhá-los que transform am o seu poder num a força am eaçad o ra
dentro de nós.
A s causas principais para a separação e alienação ex perim entadas
no segundo chakra são as defesas e o idealism o em que nos refugiam os
para ev itar que nos tornem os vulneráveis aos nossos sentim entos. À
m edida que o segundo chakra se abre, a capacidade de sentir tanto a dor
com o o prazer é aperfeiçoada. E ssa natureza am b iv alen te dos
sentim entos faz com que seja tarefa difícil e corajosa o reto m o além das
barreiras de nossas defesas através da história de lem branças traum áticas
para recuperar o se lf sentim ental e sua capacidade de se to m a r íntim o.
Isso é feito de m odo m ais ad equado num am biente acolhedor, ou
profissionalm ente ou com outros que realizam um trabalho sem elhante.
L em brar os sonhos e rever os sentim entos neles experim entados é um a
introdução excelente ao m undo dos sentim entos internos.

A consonância

A consonância psíquica é um fenôm eno relacionado com o


segundo chakra que freqüentem ente confunde nossas experiências com
os sentim entos. A analogia de um tím pano que vibra em consonância
com as vibrações de um a m úsica próxim a é um a boa m aneira de
d em o n strar com o o corpo astral, que ex iste num a atm osfera com m uitas
freqüências de energia em ocional, vibra com as forças psíquicas
am bientais. À m edida que essas forças interagem com o corpo astral,
elas reproduzem — em graus diversos — padrões de en erg ia
sem elhantes existentes no interior d esse corpo.
E ste é um m odo de com preender com o nos tom am os program ados
pelas influências psíquicas do nosso am biente inicial. Q uando ainda

80
bebes, ao despertar para o nosso sentido de self, entram os no domínio
puramente consciente do segundo chakra. Receptivos e vulneráveis,
entramos em consonância psíquica com o am biente emocional de nossos
pais e da cultura vigente. Subseqüentemente, a vulnerabilidade a várias
forças emocionais no plano astral se relaciona com padrões que se
estabelecem firm emente cm nosso corpo emocional. Ressoamos mais
prontamente às forças em ocionais externas que se assem elham a esses
padrões estabelecidos. Por exemplo, se no passado passam os pela
experiência traumática de sermos julgados, pode ocorrer consonância
psíquica ao sermos julgados por outra pessoa. Podemos nos sentir muito
estranhos na presença dessa pessoa. Podemos até representar projeções
negativas, comportando-nos de um modo não normal para nós, sob a
influência desses antigos sentimentos.
Outro aspecto da consonância psíquica está associado à psicologia
tribal. Esta é um a forma de identificação coletiva proveniente de
sociedades prim itivas, mas ainda ativa no segundo chakra no nível da
psique, quando inconscientem ente formávamos uma “unidade” com os
outros membros da nossa tribo ou clã. Em vez de termos um a identidade
individual, a vida era vivida no grupo e em função do mesmo. Quando
entram os em consonância psíquica com outra pessoa cm nossa vida
atual, ainda podemos estar agindo inconscientemente a partir dessa
cam ada primitiva.
A consonância psíquica costum a ser confundida com amor ou
atenção para com o outro, mas as reações de sim patia geralm ente se
baseiam numa identificação inconsciente com a outra pessoa. Mais do
que agir com com paixão ou em patia, respondemos com o se o trauma ou
problem a da outra pessoa estivesse acontecendo conosco. Nessas
respostas consonantes, inadvertidam ente podemos tentar assumir a
responsabilidade pelos sentim entos do outro, ou podemos agir como se
os sentimentos da outra pessoa fossem verdadeiramente nossos. Ou, de
outro modo, podem os estar tão desesperadamente necessitados de
intimidade, que assum im os os sentim entos do outro na tentativa de nos
sentirmos próximos.
É suficiente dizer que podem os nos ver enredados num a variedade

81
dc estados em ocionais confusos baseados na dinâm ica da consonância
psíquica. A determ inação de assum ir responsabilidade por inseguranças
e sentim entos, com binada com os instrum entos de autopercepção
apresentados neste livro proporcionarão ao leitor os m eios de m itigar a
m aioria dos efeitos da consonância psíquica.

O Companheiro Interior

À medida que a energia sexual (libido ou Kundalini) sobe a partir


do primeiro chakra, ela assume novas conotações. No segundo chakra,
a energia sexual c utilizada na tentativa dc superar o profundo sentido
dc solidão, e um tipo com pulsivo de “am or” pode impelir-nos a procurar
a união com outra pessoa. Agindo desse nível da psique, não
compartilhamos com os outros sem m otivos ulteriores! Embora incons­
cientemente, usamos o nosso “bem -am ado” na tentativa de preencher
um anseio profundo de nos unirmos com a nossa “outra m etade”. Esse
amante-fantasm a aparece como uma imagem misteriosamente ilusória c
incrivelmente sedutora dc um com panheiro ideal projetado das
profundezas numinosas da psique.
Para uma melhor com preensão da dinâm ica entre o self cons­
ciente e esse companheiro interior, vamos nos referir uma vez mais à
psicologia junguiana. Embora haja diferenças básicas entre macho c
fêmea, todos temos traços masculinos e femininos. Biologicamente,
temos tanto genes masculinos quanto femininos, sendo os dominantes os
responsáveis pelas nossas diferenças fisiológicas. Psicologicamente,
temos em nós ambos os sexos, de novo com a predominância dc um ou
outro. À m ulher interior do homem, Jung deu o nome de anima (eros,
alma), o homem interior da mulher é cham ado de animus (mente,
espírito).
De acordo com Irene Clarem ont dc Castillejo cm Knowing
Woman, o self consciente da mulher está harmonizado com instintos,
emoções e mtuições. Geralmente, sua consciência c mais abrangente e
penetrante do que a do homem. Ela tem a tendência de aceitar ou dc

82
rejeitar as co isas in lo iu m } A m ulher, portanto, precisa aprender a
co n cen trar sua consciência. O anim tis a ajuda a torn ar claro o propósito
c o sig n ificad o da vida.
Q uan d o o anim us perm anece inconsciente, o que aco n tece ate um
nível relativ am ente elev ad o de m aturidade psicológica, su as q ualidades
não podem ser utilizadas de m odo construtivo p ela m ulher. Preso no
inconsciente, ele age de m aneira autônom a, dom inando perio d icam en te
a m u lh er e levando-a a agir da m aneira m ais irritante. N esses m om entos,
ela p ode se to m ar irrazoável c propensa a discussões, colo can d o outras
p essoas em situação difícil com suas acusações inadequadas. E screvendo
sobre o anim us cm A specis o f lhe Feminine, Jung disse que ele consiste
p rin cip alm ente em opin iõ es m ais do que em verdades logicam ente
d ed u zid as.3
Em contraste com as qualidades receptivas c doadoras de vida da
identidade b ásica da m ulher, o sclf consciente do hom em e ag ressiv o e
im pelido a desenvolver o dom ínio sobre as forças vitais. Suas
p redileções heróicas instigam -no a ir em busca de suas co n q u istas a
p en etrar nos m istérios da N atureza. M as porque seu racionalism o está
focalizado cm fatos objetivos, ele precisa da m ulher que ex iste no seu
íntim o (a anim a) para sondar suas realidades interiores. E la é a m usa que
o inspira. Ela revela seus sentim entos, capacidade p ara o relacionam ento
e, portanto, para o am or, p ara a im aginação criadora e para o sentido de
b eleza. C om o o hom em den tro da m ulher, a anim a é poten cialm en te o
guia do hom em para sua n atureza interior e m ais elev ad a e é a
com panheira procurada q u e o consola, quando de seu retorno ao lar
d epois de suas proezas.
O hom em norm alm ente reprim e a sua m ulher interior porque se
sente pouco confortável com o dom ínio irracional do instinto e da
em oção. N ão obtendo o seu devido respeito, ela o assalta com estados

(2) Irene Claremont dc Caslillejo, Knowing Woman (Nova York: Harper &
Row, 1973), p. 77.
(3)Carl Jung, Aspects o f the Feminine (Princeton, NJ: Princcton Univer­
sity Press, 1982), p. 172.

83
de espírito misteriosos e indulgências vãs. Um homem controlado pela
anima pode ser tão sedutor e temperamental como qualquer mulher. Ou
um homem assim pode ser irremediavelm ente dominado pela mulher
sobre quem projeta sua anima negativa.
Embora anima e animus sejam arquétipos, como indivíduos temos
uma interpretação pessoal de suas características particulares. O animus
fundamenta-se no Pai e inclui a totalidade dos valores patriarcais. A
anima baseia-se na Mãe , com memórias inconscientes dos tempos
matriarcais. Alem de nossas experiências pessoais cm relação a essas
duas fontes primárias, todos os valores sociais e nossas impressões do
sexo oposto (incluindo influências de vidas passadas) são responsáveis
pelas nossas versões individuais da m ulher interior ou do homem
interior.
A anim a e o animus agem com o catalisadores para o rela­
cionamento quando mutuamente projetados em pessoas do sexo oposto.
Pelo caminho das relações, esses guias interiores potencialmente nos
conduzem à totalidade que procuramos em nós mesmos. Os “m ales do
amor que marcam o começo de relacionam entos românticos são cau­
sados pela carga numinosa da anim a e do animus. Além de ficarmos
inebriados com essa irrupção de sentimentos romântico-scxuais, também
ficamos enlevados pelas qualidades idealizadas projetadas sobre nós
pelo nosso novo amor. Gostamos de acreditar nessas coisas a respeito de
nós mesmos até que se torne claro que a outra pessoa não está
apaixonada por nós, mas pela fantasia que ela espera que preenchamos.
Quando a tela sobre a qual projetamos nossos companheiros ideais fica
desgastada pelo uso e abuso da relação diária, perm ite que vejamos a
outra pessoa. Podemos então sentir-nos feridos e enganados; é então que
devemos voltar nosso olhar para o outro dentro de nós.
Nossos companheiros internos também têm seus traços negativos.
Seu mau gênio pode destruir a nossa capacidade de ter relacionamentos
significativos. Por exemplo, uma mulher pode ter uma longa série de
relacionamentos que confirmam sua convicção de que os homens
existem para dominá-la, em vez de com preender que seu verdadeiro
conflito está nos aspectos negativos e dominadores de sua própria

84
masculinidade. Ela continuará lutando e culpando os homens da sua vida
devido ao seu sentido de opressão e inutilidade. Em conseqüência, será
impelida a solapar e desvalorizar os homens à medida que luta para dar
sustentação à sua auto-estim a e ao seu sentido de poder pessoal. A
hostilidade gerada pela posse de um animus negativo 6 bem diferente da
força e clareza de uma mulher que integrou o seu lado masculino.
Quando um homem é possuído pelo seu lado feminino negativo,
ele pode tom ar-se melancólico, insignificante ou excessivamente
meticuloso, etc. Ele pode projetar a causa desses sentimentos numa
mulher, acusando-a de fazê-lo sentir-se assim. Quando identificado com
a mulher negativa dentro dele, pode sentir-se impotente e incapaz de
enfrentar as dificuldades da vida. Para realizar suas ambições, talvez
ache que deva recorrer a ardis ou trapaças.
A raiva e o ressentim ento que o homem sente como resultado do
desapontamento causado pela mulher cm quem depositou a projeção
idealizada da sua anim a é um golpe cruel. De modo semelhante, se uma
mulher não assume a responsabilidade por se aproximar afetivamente do
seu lado masculino, ela sem pre será capaz de achar alguma fraqueza,
medo ou imperfeição num homem para destruir a fantasia que construiu
de um herói que deveria preencher todas as suas exigências e
expectativas. A desconfiança e a desesperança geradas por essas
experiências constituem uma base fraca para futuros relacionamentos e
para a tarefa do desenvolvim ento psicológico.
Há quatro seres envolvidos numa relação romântica, duas pessoas
e suas contrapartes interiores. É melhor relacionar-se com esses
parceiros inconscientes com o respeito que merecem, pois quanto mais
inconscientes permanecem, mais autônomos e poderosos se tomam. Não
podemos reprimi-los ou controlá-los sem conseqüências desastrosas.
Os sonhos oferecem um a revelação excelente sobre a natureza do
parceiro interior. Podemos aprender muito prestando particular atenção
aos personagens do sexo oposto c ao nosso relacionamento com eles nos
sonhos. Manter um diário em que registramos os sonhos de anima e
animus é uma boa m aneira de passar a conhecer melhor nossos
companheiros interiores. A reflexão sobre os principais temas de

85
relações românticas passadas também irá revelar várias facetas da nossa
natureza contra-sexual.
Há um significado simbólico profundo contido nas imagens
projetadas no objeto de nossos desejos sexuais. Integrar os conteúdos
inconscientes personificados nessas imagens é um passo importante para
o nosso desenvolvimento pessoal.

Sexualidade Tântrica

Em que você pensa durante o ato sexual? O que você sente? O que
acontece no seu corpo? Por que você pratica o sexo? A diferença entre
sexualidade normal e sexo tântrico está nas respostas a essas perguntas.
A média das relações sexuais é, em sua maior parte, baseada na
paixão física e nas emoções românticas. Nossa entrega à excitação
sexual, ao romance e ao sentido de segurança emocional experimentados
nessas relações com freqüência nos submete a uma variedade de
resultados desagradáveis. Além disso, muito da nossa energia vital pode
ser desperdiçado cm favores sem importância, senão reconhecidamente
neuróticos, sem uma motivação consciente.
Através dos meios hábeis do Tantra, podemos dirigir a força da
libido c do am or para dom ínios de expressão mais sutis e recom ­
pensadores. Pela sexualidade tântrica aprendem os a retirar nossos
apegos pessoais das forças em jogo entre um homem e uma mulher. Para
o homem, sua consorte não é mais a sua com panheira, mas a Deusa —
personificação da sabedoria-intuição da M ente Iluminada. Para a
mulher, o consorte é a Divindade — personificação dos meios hábeis
para se alcançar a iluminação. As várias forças impessoais simbolizadas
nas divindades tântricas tom am -nos suscetíveis aos aspectos incons­
cientes do nosso self contra-sexual e aptos para o ato de adoração.
Num cenário tradicional, há quatro estágios principais nesse pro­
cesso. O primeiro é para os que (não sendo monjas ou monges) ainda
são controlados por desejos românticos. Nessa fase, estamos livres para
ter relações sexuais com pessoas não experientes no Tantra, na medida

86
cm que nos identificam os, e a nossos parceiros, com divind ad es plenas
de com paixão.
O estágio seguinte é para os que têm apegos rem anescentes, mas
que adquiriram m aior reconhecim ento da tarefa do desdobram ento
espiritual. É im portante então que se pratique o ioga sexual apenas com
pessoas qu e estejam no m esm o nível de com preensão. Sc estam os
estudando com um lam a, ele pode escolher um a consorte m ais hábil ou
avançada n a p rática tântrica. N esse contexto, com eçam o s a utilizar
várias técnicas de respiração, m usculares e visuais do ioga sexual para
abrir certos canais psíquicos e estim ular a energia K undalini.
N o terceiro estágio são praticadas m editações com divindades cm
enlace sexual. Isto por fim leva ao quarto estágio, em q u e a necessidade
de objetos d e adoração é superada.
N o ato sexual norm al, a respiração, o pulsar do co ração , a m ente
e as glân d u las sexuais são excitadas — tudo isso lendo em vista apenas
o orgasm o. No sexo tânirico, aprende-se a articular essas funções; cm
vez d e desperdiçá-las, perm ite-se que as energias biopsíq u icas co n s­
truam o co rpo-m ente e ressoem por todo ele.
U m a respiração lenta e plena é usada para perm anecer “ ligado” c
alerta du ran te a m editação sexual. H arm onizar a respiração com a do
parceiro — um inspira enquanto o outro expira — cria um elo de
energia psíq uica c estabelece um ritm o tranqüilo.
O hom em tam bém usa m étodos que im pedem o orgasm o. À parte
a extensão óbvia de d uração do ato sexual através da retenção da
ejaculação pelo hom em , há nisso benefícios biológicos c vitais. O sêm en
e um nutriente m uito concentrado, que contém horm ônios, m inerais e
am inoácidos. D iz-se que um a ejaculação equivale, em v alo r nutricional,
a duas refeições. D aí que um hom em doente ou fraco dev e precaver-se
contra o orgasm o, enquanto o hom em saudável deve ser cu id ad o so para
não esgotar seu d epósito de energia vital.
A pesar de as secreções sexuais da m ulher tam bém conterem
nutrientes poderosos, sua perda não é tão séria com o a do hom em . D aí
que sua n ecessidade de ev itar o orgasm o não tem a m esm a im portância
biológica; a bem da verdade, o orgasm o fem inino é estim u lad o nos

87
rituais sexuais tântricos e taoístas. Sua essência feminina é considerada
portadora de um efeito vitalizador sobre o ato sexual, nutrindo a
circulação de energias psíquicas através dos corpos sutis unidos dos dois
praticantes. Em termos teóricos, sua essência é inexaurível e nutre a
energia masculina, que se esgota facilmente.
A estimulação sexual libera hormônios considerados muito
benéficos para todo o organismo. Iogues antigos descobriram que se
pode reciclar a energia vital e esses preciosos nutrientes através de todo
o corpo-mente com técnicas utilizadas no ioga sexual.
Na atividade sexual normal, as emissões da próstata e da vesícula
seminal são expelidas durante a ejaculação. No Sexual Energy Ecsiasy,
os autores afirmam que, com métodos que impedem a ejaculação, essas
secreções são retidas na uretra e lentamente absorvidas pelo sistema
linfático para recircular por todo o corpo.4
Acrescentam também uma advertência: as técnicas de bloqueio da
emissão natural do sêmen depois da contração das glândulas sexuais,
tensionando os músculos do reto ou com prim indo o perínco com os
dedos e logo abaixo da raiz do pênis, podem fazer com que os fluidos
sexuais retomem para a bexiga e impedir que a próstata se esgote. Como
prática freqüente, isso pode causar congestão e, portanto, enfermidade
nesses órgãos. Pelas mesmas razões, o homem com energia sexual forte
pode achar prejudicial reprim ir regularm ente essas secreções.5
Os antigos chineses, ao mesmo tempo que estimulavam o homem
a fazer sexo o quanto possível, advertiam contra a ejaculação nos meses
de inverno, mas nada objetavam quanto a isso durante a primavera,
quando a onda de energia sexual é mais forte. Em nossos ciclos pessoais
de energia, pode não ser prejudicial mas até saudável, liberar fluidos
sexuais durante os períodos de excesso de energia.

(4) David Alan Ramsdalc e Ellen Jo Dorfman, Sexual Energy Ecsiasy (Play a
Del Ray, CA: Peak Skill, 1985), p. 197.
(5) Raxnsdale e Dorfman, Sexual Energy Ecstasy, p. 198.

88
Em geral, é aconselhável que o homem perm aneça calmo e evite
passar o “ponto sem retom o”, o ponto em que as glândulas sexuais
começam a ter espasmos. Isto permite que os fluidos sexuais escorram
lenta e gradualm ente e sejam absorvidos. O segredo aqui é concentrar-
se na identificação com a divindade e com o estado de consciência
meditativa (a qual se aperfeiçoa à medida que você desperta a força
Kundalini c entra cm níveis mais profundos de reconhecimento dos
estados de consciência simbolizados pelas divindades) enquanto deixa
que a mulher assum a o papel sexual ativo.
A energia vital expandida em atividades sexuais é também de
interesse do Tantra. A quantidade de energia que pode ser ativada por
meios sexuais pode ser mais bem dem onstrada lembrando o tempo em
que você ia para a cam a tão exausto que parecia desmoronar. Então, se
ficava sexualm ente estim ulado, a situação de cansaço de repente podia
ser alterada. À medida que a energia sexual com eçava a fluir pelo seu
corpo, você recebia novo vigor com uma vitalidade que o sustentava
durante todo o período do ato sexual. O iogue tântrico considera essa
força vital muito preciosa.
Há um a ligação muito forte entre a mente c as energias vitais
estimuladas pelo sexo. Por exemplo, um dia, enquanto meditava, tive
uma experiência muito detalhada da relação objetiva entre ambas.
Minha mente com eçou a vaguear até deter-se na contem plação da beleza
física de uma mulher que eu havia conhecido recentem ente. Uma coisa
levou a outra e, subitam ente, percebi que estava sentado em meditação
com uma ereção. M inha mente havia dirigido minhas energias vitais ao
órgão sexual. De maneira semelhante, as forças vitais geralmente
dispersas em atividades sexuais podem ser dirigidas para circular em
funções mais elevadas da psique. Esse uso das forças sexuais tem
também um efeito muito saudável sobre o corpo, circulando vitalidade
por todo o organismo biopsíquico de modo sem elhante ao da
Acupuntura ou da Terapia da Polaridade.

Entrando pelo nervo mediano no Centro do Umbigo, a partir da


região sexual, a força vital move-se pelo meio de outros centros nervosos.

89
Tomando-sc a energia de Fogo da energia da Sabedoria, ela sobe e
peneira por iodos os canais nervosos, desfazendo iodos os "nós"
psíquicos... (Seis Doutrinas de Naropa)-6

Os ritos sexuais tâniricos usam muitos símbolos e procedimentos


para criar um sentido do sagrado. O rito sexual também é realizado num
tempo propício. Um desses períodos é a Lua nova. A conjunção do Sol
e da Lua nos céus é considerada um tempo apropriado para reverenciar
a harmonização das forças solar e lunar no corpo-mente.
Para pessoas com bastante experiência em meditação, pode não
haver necessidade de um ritual preestabelecido. A sensibilidade mútua
c um reconhecimento intuitivo do desdobram ento orgânico das energias
sutis podem servir como guias. Para outros, um banho ritual, unção com
óleos aromáticos, luz de vela ou fogo, m úsica para meditação e uma
serie combinada de visualizações e técnicas respiratórias podem ajudar
a criar a atm osfera para a união. Para dar início a essa prática, sugiro
uma técnica sexual simples:

Comece com a mulher deitada em decúbito dorsal e o homem


deitado sobre seu lado esquerdo, à direita da mulher. Depois de
harmonizar suas respirações, a mulher levanta as pernas, trazendo os
joelhos ao peito. Isto permite que o homem a penetre suavemente. A
seguir ela baixa as pernas e as entrelaça no companheiro.
Enquanto continuam a respirar juntos, sinta o calor da união sexual
subindo pela espinha a cada inspiração. Com cada expiração, sinta o
néctar branco como leite no centro da cabeça, dissolvido pelo fogo
sexual, percorrendo todos os chakras. Permaneça um tempo sentindo a
felicidade criada por este néctar enquanto ele satura e se derrama nas
correntes nervosas sutis de cada chakra.

(6) Nik Douglas c Penny Slinger, Sexual Secrets (Rochester, VT: Des
Books, 1979), p. 300. Você pode encontrar este material em outros lugares, visto
que as Seis doutrinas de Naropa e um texto antigo, mas os leitores podem achar esta
referência útil.

90
A mulher desejará saber com o contrair e fortalecer os músculos da
vagina. Contraindo esses m úsculos em torno do pênis bem dentro dela,
um grande prazer é produzido. As contrações rítmicas dela devem ser
suficientes para que o homem mantenha a ereção, e assim qualquer
outro movimento é mínimo. Ela pode começar por isolar esses músculos
enquanto urina; os músculos que lhe permitem interromper o fluxo da
urina são os mesmos que ela precisará desenvolver. Introduzindo um
dedo, ou outro objeto adequado na vagina e constringindo-o, ela pode
aprender a articular e fortalecer esses músculos.
O homem também pode contrair os músculos que fazem com que
seu pênis intumesça e mover-se ligeiramente dentro da yoni dela. Cada
parceiro pode contrair durante suas respectivas inalações, imaginando
que estão sorvendo o fogo sexual do lugar de união espinha acima.
Depois de aproxim adam ente meia hora desse enlace tântrico, é
possível sentir ondas de energia que podem provocar contrações
espontâneas e sensações agradáveis por todo o corpo. Relaxe c desfrute-
as; abra seu corpo à bem-aventurança.

Meditação do Consorte
A meditação a seguir não é tradicional, mas considero-a muito útil
para estabelecer o contato e a integração entre anima e animus. Ela
também é útil para desenvolver a atividade passiva necessária aos níveis
de meditação mais avançados.
Comece por colocar-se num estado de serenidade interior. A
seguir, deixe que a imagem de um a pessoa do sexo oposto apareça na
sua visão mental. Não perm ita que a mente racional interfira enquanto
você focaliza sua atenção indivisa em cada detalhe, movimento e
sentimento associado às várias atividades e transformações desse
companheiro interior.
As experiências que você tiver durante esta meditação podem
incluir o espectro todo das expressões possíveis da parte contra-sexual
do seu se!f. Simplesmente estando presente com o testemunha, você será
introduzido em muitas facetas do seu companheiro interior. Entregue-se

91
completamente ao deus ou deusa sob qualquer forma que essa divindade
se lhe manifeste.
No fim da meditação, se os episódios não contêm uma experiência
sexual, você pode escolher uma das formas cm que o deus ou deusa lhe
aparece e imaginar em detalhes uma experiência sexual tântrica. Mais
uma vez, deixe-se guiar pelo seu consorte. Os sentimentos de inteireza
e amor gerados nessa meditação podem ser continuados na vida diária
imaginando que seu consorte o acom panha ao longo do dia e agindo
como se isso fosse real. Ao ir para a cama à noite, pode imaginar que
ele está ao seu lado. Adormeça sentindo o am or que você compartilha.
Pela manhã, comece o dia saudando o seu consorte, etc. Quando
aprender algumas outras m editações deste livro, você poderá imaginar
que seu consorte se transforma nas várias divindades nelas usadas.
Depois dessa meditação inicial, você poderá desejar escolher
épocas específicas para realizar a meditação do consorte. O período de
Lua nova ou cheia, ou mesmo as quatro fases da Lua são uma boa
sugestão. É também uma boa idéia m anter um diário das experiências
mais profundas que você tiver na meditação.

92
Capítulo Quarto

O REINO DO RESPLENDOR

No Tantra hindu, o icrcciro chakra sc relaciona com o clemcnlo


fogo, c seu nome sânscrilo, M anipura, significa “brilhante como uma
jóia” . Ele sc com põe de dez pétalas, da “cor de nuvens carregadas”. No
interior do lótus está a m andala Ágni, um triângulo invertido vermelho
que simboli/.a o elem ento fogo. Dentro dele há um carneiro, represen­
tando as qualidades desagradáveis da mente racional impelida pelo
desejo. (Veja fig. 12, p. 94.)
O terceiro chakra é o segundo andar do templo sagrado budista.
Porque os budistas combinam o primeiro c o segundo chakras, o terceiro
chakra é relacionado ao elem ento água. A água é sim bolizada por um
círculo branco. Lama Govinda, cm Fundamentos do m isticismo libeiano,
esclarece que as qualidades assimiladoras do elem ento água eslão re­
lacionadas com os aspectos assimiladorcs do terceiro chakra através da
idéia de que ele transforma elem entos grosseiros cm fatores psíquicos c
absorve conteúdos inconscientes c forças im ateriais.1
O Buda primordial Ratnasambhava, personificação da função
psíquica do julgam ento do sentim ento, está sentado no trono no terceiro
chakra. (Veja lig. 13, p. 96.) Embora ele normalmente seja associado ao

(1) Lama Govinda, Foundations o f Tibetan Mysticism (York Bcach, ME


Samuel Weiser, 1974; c Londrcs: Rider & Co., 1974), p. 179.

93
elemento terra e à cor amarela, sua Sabedoria de Igualdade pode
ü-ansformar nossos julgamentos de sentim ento centrado no ego numa
identidade de sentimento universal baseada na unidade interior de todas
as coisas. Daí que, através de uma experiência emocional profunda de
altruísmo, podemos desenvolver uma percepção analítica e uma
sabedoria discriminadora sem sacrificar nossa ligação com a Grande
Unidade. As paixões obscuras de Ratnasam bhava são o orgulho e o
egoísmo.

Fig. 12. O terceiro chakra, Manipura. No interior do lótus de dez pétalas


encontramos a mandala Agni, um triângulo vermelho invertido. O mantra-sementè
RAM invoca o deus do fogo sacrificial. Agni. O veículo de Ágni é um carneiro.

Localizado no plexo solar, o terceiro chakra provê a energia vital


ao pancreas e ao fígado, que governam a assim ilação e o metabolismo
da energia proveniente do alimento. Além do fogo da digestão, o
terceiro chakra é também animado pelo fogo do desejo e pelo poder das
emoções. Por isso, durante o processo de limpeza e abertura do terceiro

94
chakra, problemas digestivos podem coincidir com períodos dramáticos
de instabilidade emocional, à medida que emoções reprimidas são
liberadas. Deslizes do poder e do ego são produtos de um terceiro chakra
estimulado, mas defensivo e sem desenvolvimento. Um sentido sadio de
auto-estima e poder pessoal assinalam um terceiro chakra satisfato­
riamente desperto.
O terceiro chakra também está associado ao estágio mitológico do
herói e ao desenvolvimento da consciência do ego. Como um centro de
consciência, o ego tom a-se uma força integradora suficientem ente forte
para reunir os elementos difusos dos mundos interior e exterior e digeri-
los num sentido de identidade. À medida que o ego se estabiliza, sua
capacidade de assimilar os conteúdos da mente inconsciente aumenta, e
maior quantidade de energia psíquica tom a-se-lhe disponível. O ego
transforma essa energia em poder para controlar seu mundo individual,
fazer escolhas conscientes e resistir às dem andas do inconsciente.
Assim, o ego obtém uma certa vontade sobre a vida instintiva do corpo
e da emoção e uma capacidade para manipular o am biente exterior.
Como um centro de poder, o terceiro chakra regula o fluxo de
energias vitais através do corpo. Quando este chakra está bloqueado, de
forma crônica ou temporária, devido a uma luta pelo poder, sentimo-nos
fisicamente letárgicos e possivelm ente também deprim idos e irritadiços.
Tomando-nos conscientes das energias psíquicas em luta no terceiro
chakra, superando nosso m edo do conflito e assum indo o comando,
podemos recobrar nosso poder. Esses sintomas se dissipam e um sentido
claro de fortalecimento tem probabilidade de prevalecer à medida que
o livre fluxo de energia psíquica pelo terceiro chakra ativa os arquétipos
mitológicos do herói.
A abertura do terceiro chakra também pode resultar no
desenvolvim ento de certas habilidades ligadas à PES* e de
clarividência. Podemos abandonar o corpo físico e ter experiência
consciente no mundo astral, e os sonhos também são lembrados mais

(*) PES = Percepção extra-sensorial (N.T.).

95
Igualdade S T ! ° tCrCC‘r° Chakra C^ o n i f i c a a Sabedoria da
Se
se àfreme r , ° amard° * rUgC 0 clcmcnt°
a frcmc, comapalmavoltadapara ^rra. Sua mio direita estende-
noM udr, “

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Samuel Weiser. York i L e ï ï Z e e'm dT r'/c o ™
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permissão dos editores. " rcs) e rcPr°duzida com
facilmente. Todavia, as informações psíquicas recebidas por esses
modos de percepção podem ser confundidas com desejos subjetivos do
interior do corpo astral, e assim elas nem sem pre constituem fontes
confiáveis de orientação.
No terceiro chakra, encontram os o desejo ou impulso de irromper
das profundezas das influências inconscientes e coletivas numa tentativa
pioneira de descobrir nossa própria identidade. Esse aspecto
individualista do terceiro chakra pode m ostrar-se uma fonte de
insegurança quando, de fato, nos separa dos dem ais e dos padrões
familiares antigos. Outro perigo com este uso da vontade feito ao modo
do deus M arte é que ele naturalm ente está m atizado com o desejo
centrado em si mesmo e com portando-se com o um “cabeça dura” (como
um carneiro).
A expressão pessoal pode ser usada positivam ente para canalizar
emoções e servir como veículo de autodescoberta, ou pode levar a uma
megalomania quando tentamos validar nosso sentido de self. O poder
que recebem os de outros na forma de atenção ou de adulação é utilizado
para aum entar o amor-próprio. As relações sexuais, quando baseadas
nesse aspecto do terceiro chakra, podem ser vistas como uma
representação e um a cilada do ego. Características como a arrogância,
a pomposidade e as cenas m elodramáticas também estão associadas a
ele. Por outro lado, o encanto, o calor, a generosidade e uma boa
disposição podem irradiar a partir dos aspectos mais magnânimos do
terceiro chakra.
Se não trouxermos as m anifestações relacionadas com as funções
psicológicas do terceiro chakra à consciência e as resolvermos, nossas
relações com os outros serão vivenciadas na base da submissão versus
dominação. Vemos os demais não com o com panheiros, mas como
inferiores ou superiores. Alfred Adler, que cunhou o term o complexo de
inferioridade, fundou um a escola de psicologia baseada nesse aspecto do
terceiro chakra.
A dler observou muitos dos seus clientes preocupados com
m anifestações de auto-estim a, adequação, com petição e dominação; ele
também percebeu que o ato sexual pode ser realizado nesses termos.

97
Adler acertou no alvo dos sentimentos infantis de inadequação e
inferioridade como fonte da nossa necessidade de desenvolver atitudes
compensadoras de superioridade. Isto é verdade, sem dúvida, mas na
minha experiência, apesar da idade, essas tendências parecem correr à
solta nesse reino do resplendor.

Sombra e Persona

Sombra é um termo junguiano para os aspectos da psique


reprimidos pelo ego. A o crescer, escondemos dos outros muitos aspectos
de nós mesmos para sermos amados e aceitos. A sombra oculta
permanece imatura, mas tem um desejo inato de reconhecim ento e de
aprovação consciente. Outro aspecto da sombra pode estar relacionado
com vidas passadas, nas quais representamos algumas das nossas
características socialm ente negativas ou inaceitáveis. Infelizmente a
sombra, como a pessoa repugnante dos filmes de terror que foi
trancafiada num sótão por toda a vida, com freqüência nos amedronta;
preferiríamos m antê-la trancada ou esquecê-la.
Por ser inconsciente, a som bra é mais comumente tida com o uma
projeção sobre outra pessoa, em geral uma pessoa do mesmo sexo. As
características contra as quais reagimos numa pessoa que não nos agrada
são bons reflexos da parte desprezada de nós mesmos. Uma segunda
saída para a sombra está nos sonhos cm que somos perseguidos ou
atacados por animais, ou por um integrante hostil ou repulsivo do
mesmo sexo. Uma terceira manifestação é reagir em ocionalmente num
grau inapropriado a uma dada situação.
É inútil em preender tentativas de encobrir a som bra com
comportamentos do ego socialmente aceitáveis. Para fazer as pazes com
a sombra, é necessário parar de julgá-la e de reprimi-la. O ego final­
mente terá necessidade de aceitar todos os ressentimentos, carências
agressões, inseguranças, vontade de poder e desejos infantis contidos na
sombra. Se não o fizer, grande quantidade de energia psíquica per­
manecerá presa em subpersonalidades conflitantes que dão corpo a esses

98
conteúdos reprimidos. Quanto mais eles forem abafados, tanto mais as
suboersonalidades terão liberdade para devastar a vida do self
consciente. Em casos extrem os, a negação persistente do lado negauvo
da som bra resulta no que clinicam ente se denom ina complexo

PMC°S o m en te quando recebemos o choque da visão de nós mesmos


como realm ente somos, e não de como desejam os ou pretendemos ser,
é que a jornada para a nossa individualidade essencial pode começar.
Encarar a som bra requer humildade. A confiança é também um fator
importante. Se acreditam os que a sombra não destruirá nossa vida caso
a libertem os, mais facilmente podemos integrá-la em vez de continuar
a projetá-la nos outros.
A som bra também pode conter qualidades positivas que ficaram
sem desenvolvim ento porque a auto-imagem é m odesta ou tímida em
demasia. Pode não ter havido suporte ou estrutura de referência no nosso
ambiente inicial para o desenvolvim ento de algumas dessas qualidades
potenciais. .
Uma sim ples observação da m itologia revelará algum as variações
da função potencial da sombra. No mito, a sombra m uitas vezes é
representada como um animal ou com panheiro muito peculiar que salva
o herói de um fim prem aturo visando seus instintos. Em outros casos,
vemos o herói combatendo um inimigo brutal cuja m aldade proposital
enigmaticamente provê justo o que o herói precisa. Esses temas míticos
ilustram com o a sombra realmente contém elem entos ausentes que são
valiosos ao ego.
Enquanto a sombra constitui o aspecto de nós mesmos condenado
ao inconsciente, a persona é a máscara que o ego usa para se apresentar
ao mundo exterior. Nos sonhos, por exem plo, a persona pode ser
representada por um disfarce ou traje. Com o crianças, criamos ou
adotamos imagens que nos proporcionaram aceitação cultural e parental.
A persona reflete, portanto, a identificação do ego com padrões
parentais e sociais.
Pode-se também considerar a persona com o as ciladas usadas pelo
ego para justificar a nossa existência. Ao crescer, m uitos de nós

99
experimentamos algum tipo de privação emocional e por isso não
desenvolvemos um sentido forte de auto-estima. Como adultos, man­
temos escondida essa insegurança básica. Os mecanismos de defesa
usados para lidar tanto com a dor emocional como com uma existência
injustificada são algumas das mãos desesperadas que modelam as
máscaras que usamos. Infelizmente, essa postura defensiva do ego nos
enrijece, e passamos a agir de acordo com certos padrões que nem
sempre conduzem à satisfação de nossas necessidades.
Como crianças, muitos de nós logo aprendem os que era inútil pe­
dir diretamente o que queríamos; por isso, tomamos a decisão de parar
de expressar nossos senü mentos e necessidades, recorremos à
manifestação da nossa raiva ou nos tom am os manipuladores. Como
adultos, em conseqüência, temos uma história de necessidades e de
desejos emocionais não atendidos que nos acompanha no rela­
cionamento com os outros. Sem nos comunicarmos com clareza, com
freqüência projetamos um grande número de expectativas e exigên­
cias em nossas relações, apenas para sentir sempre outra vez a
dor e confusão do passado. Consumidos pela raiva e pela dor quando
nossas expectativas não são atendidas, contamos com mecanismos de
defesa psicológicos para nos conter. Freqüentemente, fazemos exi­
gências como se esperássemos não ser atendidos, o que nos inibe ainda
mais ou faz com que sejamos por demais exigentes. Estes, naturalmente,
não são os modos mais positivos ou eficientes de conseguir o resultado
desejado.
À medida que distanciamos nosso senso de identidade do poder de
obter dos outros o que queremos, podemos aprender que temos para
conosco mesmos a responsabilidade de pelo menos reconhecer, se não
expressar, os sentimentos e desejos. É mais importante nos expressarmos
honesta e diretamente do que influenciar e manipular os outros. Pela
expressão, dissipamos a carga emocional e podemos aprender a dirigi-
la da maneira mais positiva. Compartilhando o que é sentido, em vez de
fazer exigências, descobrimos que é muito mais fácil dar vazão às
próprias reações e defesas e não sermos dominados por elas. Agindo
como pais benevolentes e sensatos de nossos desejos e emoções,

100
podemos amorosamente dar-lhes ouvidos e orientá-los com firmeza, em
vez de enfrentá-los e reprimi-los.
Outra ramificação da dinâm ica entre sombra e persona são os
juízos que fazemos dos outros. Num esforço de defender nosso sentido
de auto-estim a — nossas brilhantes e resplandecentes máscaras —
encontramos freqüentemente defeitos nos outros antes que eles possam
ver nossa sombra. Todos temos necessidade de nos sentirmos bem
conosco mesmos. Se não nos sentimos aceitos e reconhecidos, nos
tomamos amargos e cínicos. Sentimos ciúme dos outros e podemos
passar a vida toda preocupados em apontar todas as maneiras pelas quais
os outros não merecem receber o que sentim os que nos falta.
Do mesmo modo que as convenções sociais podem prender-nos
numa ordem rígida, parte da nossa auto-imagem estrita (persona) po­
de dominar nossa criatividade e individualidade. Em Análise Tran­
sacional, este aspecto é chamado de “pai punidor”, porque é a parte de
nós que se tornou exatamente como a nossa mãe e o nosso pai. Essa
parte está sem pre dizendo o que devemos e o que não devemos fazer,
e punindo-nos quando não obedecemos. Por meio de uma revolução
psicológica, a criança interior pode ser libertada para explorar e se
desenvolver.
A sombra tem uma relação contrária à energia investida na
persona. Uma persona muito desenvolvida arrasta a sombra para regiões
mais profundas do inconsciente, onde ela se tom a mais perigosa. Crimes
horríveis com etidos cm nome do Estado ou da Igreja são exemplos de
uma persona muito desenvolvida. No outro lado do espectro, uma
persona pouco desenvolvida faz com que seja difícil viver no mundo
social. Automaticamente, nos alienamos se formos incapazes de aceitar
qualquer dos papéis ou regras da sociedade. Em qualquer dos extremos,
somos inibidos na realização e manifestação da nossa individualidade.
Quando expressadas conscientemente, sombra e persona são
instrumentos essenciais para a autodescoberta e funcionamento no
mundo. Uma tarefa importante do ego-self nessa etapa de desen­
volvimento consiste em integrar as qualidades da sombra e da persona,
sem se identificar com elas.

101
Sexo, Amor e Poder

Visto que a auto-estima e o sentido de poder pessoal estão


diretamente ligados ao sentir-se amado e aceito, a maioria das pessoas
depende de outros para se sentir valorizada. Quando a necessidade é
grande, comprometemo-nos com nós mesmos a obter am or e aceitação
Embora isso pareça funcionar por algum tempo, é quase certo que a
longo prazo trará ressentimentos. Quanto m aior a necessidade e quanto
maior o poder que damos à pessoa que supre a necessidade, mais
subservientes e impotentes nos sentimos.
A necessidade de auto-estima e de um sentido de adequação
precisa ser atendida. Ao contrário de jogos de poder, isto pode significar
cavar fundo na doutrinação parental e cultural. Por exemplo, poderíamos
começar voltando nossos olhos para a programação inicial referente à
identidade sexual. Superar o profundo sentimento de culpa e de
vergonha talvez experimentado no conflito entre o nosso desejo sexual
emergente e nossos tabus sexuais e sociais particulares é obviamente
importante. Foi o sexo algo obsceno? Muitos de nós crescemos com a
atitude de que, por alguma razão misteriosa, nossa identidade sexual era
algo de que nos envergonhávamos e que Unhamos de esconder.
De modo ainda mais restrito, pode haver laços de caráter sexual ou
emocional insidiosos, geralmente com o genitor do sexo oposto. Pode
ocorrer que os pais nunca nos tenham permitido expressar nossa
identidade sexual. Um a mãe pode inconscientemente não desejar
afastar-se de seu filho e de modo disfarçado impedir que outra mulher
o tire dela. Um pai pode cobiçar sua filha, reprimindo seus fortes
sentimentos de amor sexual pelo apego cium ento a ela e inibindo o seu
amadurecimento.
Libertando-nos dessas limitações, podem os ficar livres para ex­
pressar toda a energia da sexualidade de um modo positivo. É gostoso
celebrar a vitalidade da vida através de relações sexuais. A m ar com
dignidade propicia uma certa auto-estima que nos possibilita sentir e
expressar o amor ainda mais plenamente.
Outro fator importante a considerar é a educação do ego rela-

102
tivamcnie à sua relação com a força impessoal do am or. O poder do ego
c uma espada de dois gumes; precisamos manejá-la com habilidade. Por
um lado, estam os em débito com a vida por esculpir uma identidade
individual e consciente a partir da m atéria-prim a do inconsciente
coletivo. Ironicam ente, de posse de um sentido de self bem definido,
somos obrigados a sacrificá-lo e também a sacrificar suas exigências de
poder para entrar numa ordem superior de existência consciente. Não
vivemos apenas pela espada; se não a puserm os de lado no tempo
oportuno, ela se voltará contra nós.
Amor e poder são antagônicos; a abundância de um diminui o
outro. O poder do ego, seu desejo de controlar e de possuir, impede a
abertura e a entrega que o am or exige. O am or é universal divino
e, no entanto, o ego quer possuí-lo, quer tê-lo quando, como e com
quem assim o desejar. Mas quando o ego brande sua espada para
conquistar o amor, ele sempre se frustra. A menos que sacrifique sua
vontade de poder, o ego não pode penetrar no m istério que é o amor e
continuar sua jornada aos reinos mais sublim es da consciência.

As Emoções e o Mundo Astral


As respostas do sentim ento que estudam os no segundo chakra são
expressas com o emoções. As cargas em ocionais se manifestam a partir
do corpo astral, através dos chakras, dos principais gânglios nervosos e
das glândulas endócrinas, afetando as secreções horm onais, a circulação,
a pressão sangüínea, a respiração, o açúcar no sangue e a excitação
neuromuscular. Numa pessoa prim itiva, as em oções se expressam
instantaneamente. Com a evolução do sistem a nervoso, o reflexo
emocional insüntivo é retardado e pode ser m udado m ediante uma
intervenção consciente. Isso significa que impomos nossa vontade sobre
os impulsos inconscientes do corpo e im pom os algum afastamento e
controle sobre os efeitos irracionais das emoções.
Os ensinam entos metafísicos freqüentemente fazem referência ao
mundo das em oções com o plano astral. A visão tântrica do universo
também nos m ostra um núm ero de dim ensões existentes em diferentes

103
freqüências. C om o as várias freqüências no especiro eletrom agnético
podem existir sim ultaneam ente no m esm o lugar sem interferir um a na
outra, assim pode acontecer com os m undos físico e astral. É raro
estarm os diretam ente conscientes da região astral, em b o ra seja esse o
lugar para onde vam os em nossos sonhos e sua energia se m anifeste em
nossa vida com o em oções. Em seu livro Journeys Out o f thc Body,
baseado em 12 anos de projeção astral, R obert M onroe descreve
lucidam ente o plano astral com o um a realidade form ada pelos desejos
e m edos que norm alm ente são reprim idos na nossa vida física. Por
exem plo, ele relata com o seus m edos eram m ais fortes qu e seus desejos
sexuais, que em si m esm os eram “obstáculos trem en d o s”. E xplica
tam bém com o, até que fosse capaz de disciplinar essas em oções
grosseiras, estava fadado a vagar pelas áreas m ais desag rad áv eis do
m undo astral, habitado por “personalidades fragm entadas” e por outros
“seres anim ados” .2
E xperiências fora do corpo, quer no estado de sonho ou cm outros
estados alterados de co nsciência, m ostram -nos q u e as em oções e desejos
têm vida própria no corpo astral, acim a e além da conexão com o
organism o físico.
E m bora todos tenham os um corpo astral, o nível do seu d esen ­
volvim ento e a nossa habilidade em utilizá-lo difere m uito. Há re la ­
tivam ente poucas pessoas que podem usar de m odo consciente o corpo
astral com o um veículo independente, separado do físico. A pesar d e às
vezes estarm os conscientes no plano astral du ran te o sonho, a m aioria
das pessoas não m antém essa consciência ao despertar. O grau de
co n sciência astral é desconhecido para a m ente racional o rientada pelo
físico. P orque as crianças ainda não aprenderam a fazer um a separação
clara entre o m undo interior e o exterior, elas têm m aio r probabilidade
de lem brar suas experiências astrais. Há, todavia, ocasiões em que
podem os acordar com a sensação peculiar de ter tido um son h o

(2) Robert A. Monroe, Journeys Out o f the Body (Nova York: Doublc
1971), pp. 77-8.

104
extraordinariam ente vívido. A esses dam os o nome de sonhos lúcidos,
e são assinalados pela estranha sensação de que estamos “acordados”.
Daremos maior aprofundamento ao sonho lúcido no capítulo 6.
Astral significa “com o estrela”. As qualidades luminosas do corpo
emocional é que inspiraram o termo astral. Os m atizes iridescentes
percebidos pela clarividência na aura de uma pessoa, através da qual o
amor e a sabedoria espirituais irradiam, são verdadeiram ente uma beleza
para contemplar. A superfície do corpo astral assem elha-se aos vapores
do gelo seco; a névoa lum inosa parece espiralar, subir e novamente
retom ar. Emoções específicas parecem mover-se em porções do corpo
astral que se relacionam com áreas apropriadas do corpo e com os
chakras. Emoções primitivas relativas à sobrevivência do corpo tendem
a gravitar junto à base da aura, abaixo do primeiro chakra. Sensações
sexuais, inveja e insegurança emocional consolidam -se próximo do
segundo chakra. A raiva e a arrogância se juntam perto do terceiro
chakra; amor ou pesar, em torno do quarto chakra, e assim por diante.
Emoções repentinas ou fortes podem sobrepor-se temporariamente ao
corpo astral. Depois de passarem , a freqüência vibratória normal e os
matizes de cor retomam.
Gravitando cm tom o de seus padrões característicos particulares,
o corpo astral altera-se e transform a-se na variedade de estados
em ocionais que experimentamos. Ele é também grandemente afetado
por hábitos físicos e por atitudes mentais. Viver em condições de sujeira,
subm eter o corpo físico ao álcool, às drogas, a certos tipos de música,
ao fumo, à poluição e a grande quantidade de alim entação animal irão
afetar o corpo astral adversam ente devido às contrapartes astrais desses
elementos.
O corpo astral é particularm ente suscetível a impressões oriundas
da mente. Formas na m atéria astral podem ser clarividentemente vistas
a em ergir e dissolver-se em resposta a correntes de pensamentos.
Pensamentos fortes podem criar formas astrais que parecem adquirir
vida própria. Essas formas podem projetar-se no m undo astral, povoando
o am biente adjacente e afetando outras pessoas. Pensamentos negativos
podem criar monstros astrais com capacidade de devorar a alegria e o

105
am or em nossa vida. Confrontá-los e familiarizar-se com eles pode ser
uma tarefa hercúlea.
Além da integração da sombra, aprendendo a expressar os
sentimentos e com unicando claramente nossos desejos, várias coisas
podem ser feitas para m udar c aumentar o nível de vibração no corpo
astral. O corpo físico pode ser purificado e exorcizado. Alimentar-se
com produtos saudáveis e não-tóxicos desenvolve as partes cor­
respondentes do corpo astral. Exercícios e esportes são expressões
eficazes para a energia emocional represada.
O entusiasm o e a alegria exercem um efeito purificador e
animador sobre o corpo astral. Surfar, esquiar, velejar, andar a cavalo
e uma animada partida de tênis ou futebol produzem uma sensação de
vitalidade e excitação que representa uma alternativa aos padrões
emocionais negativos e oportunidade para desenvolver um suprimento
de experiências emocionais positivas. Tocar um instrumento musical ou
cantar proporciona tanto uma vazão catártica como modos de expressão
criativa para as emoções. Esforços criativos, como dançar, costurar, ou
fazer um trabalho artístico, motivam a expressão emocional e produzem
sentimentos de satisfação e de realização. Ouvir m úsica inspiradora e
Passear em meio à grandiosidade da natureza também purificam o corpo
astral e dão-lhe novo ânimo. Uma consciência aguda dos processos de
pensamento habituais oferece igualmente uma oportunidade para
melhorar as forças mentais que influenciam o corpo astral.
De uma perspectiva tântrica, limitar-se a representar emoções é,
com freqüência, do mesmo modo que reprimi-las, uma maneira de tentar
livrar-se delas. A transmutação das em oções em sua energia de
sabedoria correspondente acontece, primeiro, pela aceitação das
emoções com o elas são, não querendo mudá-las ou tentando livrar-se
delas. Para fazer isso, precisam os aprender a deixar de julgar as emoções
como boas ou más e vivenciá-las tais como são. Desassociando-as do
ponto de referência do ego, podemos tomar consciência da sua energia
grosseira. Em Cutting Through Spiritual Materialism, Chogyam Trungpa
com para a mudança das em oções à vitória sobre os demônios alcançada
pelo grande iogue M ilarepa. Quando estava meditando cm sua caverna,

106
M ilarepa tcvc de enfrentar uma m ultidão de dem ônios. Por mais que
fizesse para livrar-se deles, eles continuaram a persegui-lo ate que ele
parou de tratá-los como seres maus. Ao aceitar sua presença, eles se
transformaram cm dakinis, espíritos femininos que representam as
energias geradoras de vida.3

As Leis do Carma

Todos os pensamentos, emoções e ações geram padrões de energia


no corpo-mcnte. Esses padrões são com o sementes. Eles produzirão
bons ou maus frutos, dependendo da natureza do ímpeto original. Os
ensinam entos orientais sobre o carm a (palavra sânscrita que significa
“ação”) sugerem que todas as condições da vida presente foram
determ inadas por ações passadas. De modo sem elhante, as circuns­
tâncias futuras são criadas pelas ações presentes. Num retiro de
m editação, o professor Gocnka, de Vipassana, narrou esta antiga história
budista para demonstrar com o o carma funciona:

Certo dia, um rico comerciante aproximou-se de Buda c ofereceu-lhe uma


grande soma em dinheiro para celebrar um ritual pelo seu falecido pai. Os
sacerdotes brahmin celebravam costumeiramentc esse ritual por uma
pessoa morta para livrar sua alma de lodo o seu carma negativo. Sabendo
que isso era um empreendimento fútil, Buda estava relutante em atender
a esse pedido. Percebeu todavia que o homem era sincero c respondeu
que, se o comerciante estivesse disposto a ajudar, ele realizaria a
cerimônia. Buda pediu ao homem que colocasse algumas pedras brancas
e um pouco de ghee (manteiga clarificada) num vaso de ccramica e o
depositasse no rio. A seguir, Buda instruiu-o para quebrar o vaso com
uma vara. O comerciante seguiu essas instruções e retomou no dia

(3) Chogyam Trungpa, Cutting Through Spiritual Materialism (Bost


Shambhala, 1973), p. 241. [Além do materialismo espiritual. Editora Cultrix, São
Paulo, 1986.]

107
seguinte. Buda perguntou-lhe o que aconteceu quando quebrou o vaso. O
comerciante relatou que as pedras foram ao fundo e a manteiga ficou
flutuando na superfície. Buda então salientou que as leis do carma são
exatamente como as leis naturais que fizeram com que as pedras
afundassem e a manteiga flutuasse. Esclareceu ao comerciante que o peso
do carma de seu pai fará com que certas situações se apresentem na sua
vida seguinte a despeito de qualquer cerimônia que ele, Buda, pudesse
realizar.

O conceito de carm a é inseparável do sentido de identidade


individual. A criação do carma depende de um self que pratica ações.
Como a com binação de todas as experiências, emoções e pensamentos
passados que estruturaram de maneira única nossa psique, o carm a é a
mesma m atéria e a cola de nossa identidade individual. Nós não temos
carma; nós somos o carma!
O carm a é a força que impele a alma para encarnar vida após vida.
E o fio de continuidade que entrelaça a complexa textura de padrões
gerada e regerada pelas nossas ações e reações, de uma existência após
outra. Através da história, com freqüência amam os e odiamos as
mesmas pessoas. Estam os literalmente revivendo antigos romances e
inimizades. Se não com as mesmas pessoas, pelo menos com pessoas
parecidas que atraímos devido às nossas predisposições cármicas.
Carma não é destino. Em cada vida temos oportunidades de
desligar-nos de nossos apegos e aversões, de curar as feridas e
animosidades e de mudar os padrões causais da psique. Embora
colhamos o que está semeado, temos a liberdade de semear novas e
melhores sementes, que produzirão frutos diferentes.
Diversamente da tradição cristã, que nos ensina a orar a um Ser
Supremo para salvar-nos de nossos pecados, no Tantra a redenção está
em nossas próprias mãos. Na verdade, não há conceito de pecado no
Budismo; há somente insensatez baseada na ignorância. A sabedoria traz
intuição com relação aos efeitos de nossas ações; daí que somos menos
propensos a praticar maus atos. Se os cometemos, estam os condenando
a nós próprios. Não é o Ser Supremo que nos está punindo, ou uma força

108
maligna exterior que nos está desviando do caminho; somos nós
mesmos. Esta é uma perspectiva mais saudável, que nos dá forças.
Os budistas sustentam que há dez maneiras de criar carma
negativo: três associadas ao corpo, quatro à palavra c três à mente. As
ações corporais incluem: m atar ou infligir dano físico, roubar ou
apossar-se daquilo que não foi dado livremente e má conduta sexual
(comportam ento sexual im próprio para qualquer das partes). As da
palavra são: mentir, caluniar, fazer uso de linguagem obscena e fazer
intrigas. As ações negativas da mente são: ter má vontade com relação
aos outros e a nós mesmos, ter inveja das posses ou características dos
outros e manter uma visão incorreta com respeito a si mesmo e à
natureza da realidade. Em síntese, o que quer que prejudique outra
pessoa ou nós próprios produz carm a negativo.
Por outro lado, o carm a bom é criado por ações que de fato trazem
benefício a nós e aos outros. Os frutos dessas ações são chamados
“m éritos”. Como o carm a negativo, os efeitos do m érito são duradouros.
Por isso, os budistas incentivam a obtenção de m éritos para compensar
os resultados do carm a negativo. Os ensinamentos hindus, por sua vez,
enfatizam o não-apego aos frutos de nossas ações. Praticar ações
m eritórias apenas para evitar a am eaça do mau carm a pode reforçar os
aspectos manipuladores e autocentrados do ego.
A m édia das pessoas está presa numa grossa teia de carm a de vidas
passadas. Trabalhar esses padrões cármicos necessita de muitas
existências. Uma atitude de aceitação ajuda enorm em ente. Com a crença
de que tudo o que nos acontece é manifestação direta de ações passadas,
a energia não é desperdiçada na luta ou no ressentimento contra outros
(ou contra a vida em si) por aquilo que criamos. Esta aceitação ajuda-
nos a concentrar-nos na realização de coisas m ais favoráveis para a
nossa saúde e bem-estar.
As funções de causa e efeito do carm a não se conformam
necessariam ente a idéias de tempo linear ou cronológico. Os frutos do
carm a só amadurecem em condições apropriadas. À medida que
progredimos no trabalho espiritual (orgulhosos talvez de nosso mérito
acumulado), podemos dar de frente com situações cárm icas de muitos

109
períodos diferentes da vida de nossa alma. A duração da fruição desses
carmas baseia-se em muitas variáveis: grupos de certas almas
encarnando juntas, certas condições sociais e carm as coletivos, o nível
de nossa compreensão espiritual, e assim por diante. Portanto, não
importa quão distantes estejamos no caminho espiritual; precisamos
estar sempre prontos a aceitar e a neutralizar carmas antigos.
Os budistas falam de três venenos da mente: a ignorância (a
perspectiva egocentrada), a raiva (incluindo todas as formas de aversão)
e a luxúria (todas as formas de desejo). Esses três venenos são
considerados a causa-raiz de todo o carm a negativo. Não ceder aos
desejos e às ações prejudiciais que criam carm a negativo é a melhor
maneira de preveni-lo, mas isso nem sempre é possível ou seguro.
Reprimir esses venenos sem extirpar suas fontes localizadas nas
profundezas da psique pode causar distúrbios graves no corpo-mente.
Por exemplo, John Blofeld, em Tantric M ysticism o fT ib e t, relata como
alguns monges, que prefeririam morrer a quebrar seus votos de
castidade, desenvolveram desordens nervosas significativas/ Nossa
própria Igreja Cristã também tem sua cota de clero neurótico que passou
a beber ou a praticar atos de perversão. É mais prudente ceder aos
desejos perm anecendo atento ao ato, à motivação subjacente que o
provoca e às suas conseqüências. Usando de intuição, o propósito
subjacente ao com portam ento freqüentemente pode ser integrado,
dissipando a compulsão.
Quando deixamos de acreditar em nós mesmos como unidades de
consciência separadas, descobrim os que realmente não há um alguém
que faz, não há uma vontade individual e, assim, não há criação de
carma. É para essa finalidade que os ensinamentos sobre o carma são
dirigidos, em última análise, na tradição tântrica.

(4) John Blofeld, Tantric Mysticism o f Tibet (Nova York: E.P. Dutton,
1970), p. 80.

110
Meditação Intuitiva

A concentração pode ser considerada um sim ples ato de descansar


a atenção num objeto ao mesmo tempo em que se põe de lado tudo o
mais. Na m editação profunda, este pôr de lado eventualm ente se estende
à respiração e ao corpo, causando uma dim inuição geral do seu
metabolismo. Na verdade, a diminuição espontânea do ritmo respiratório
é uma boa medida da profundidade da meditação. Essa tranqüilidade da
mente e das funções psicológicas promove estados de transe de­
nominados jhanas. Esses estados constituem um passo importante, mas
não a meta da m editação. De fato, eles às vezes constituem obstáculo
a um progresso m aior porque, embora possamos bloquear a atividade
mental, nossa atenção pode tomar-se embotada. Em uma palestra em
Nova York, Kalu Rinpoche admitiu que, “na pior das hipóteses, a m e­
ditação tranquilizadora é com o um animal em hibernação”. Idealmente,
a meditação tranqüilizadora é como uma “rodovia pavim entada em que
trafegamos para chegar a níveis mais avançados de meditação tântrica .
O passo seguinte na meditação budista é um aumento da clareza
c sensibilidade da consciência. A prática m editativa que nos ajuda a
fazer isto 6 cham ada de Vipassana. A palavra tibetana para Vipassana,
!hag lhong, significa “visão penetrante”. Quando a atenção penetra na
mente inconsciente para observar a série de eventos menlais que criam
os fenômenos que inquestionavelmente assum im os como sendo o “eu”,
demos um grande passo para nos libertarmos dos seus liames.
No início precisamos praticar a Vipassana aplicando uma con­
centração total no cortejo de eventos que ocorrem no teatro do corpo-
mente. Com distanciam ento e atenção focalizada, podemos afinal apren­
der a captar os pensam entos exatamente quando começam a emergir,
observar suas transformações e associações e acom panhá-los quando
passam para a esteira do pensamento seguinte. Com essa acuidade, a
insidiosa corrente de eventos mentais que leva ao processo de
identificação pode ser seguida e interrompida.
Comece refugiando-se e entrando num profundo estado de medi­
tação tranqüila. A seguir, transfira sua atenção da respiração para as sen-

111
saçõcs do corpo c para os pensam entos que flutuam pela mente. Se per­
ceber que sua atenção se desviou para alguma dessas sensações ou pen­
samentos, traga-a delicadam ente de volta para uma observação relaxada.
Quando o foco da m editação intuitiva é o corpo, é útil dirigir sua
atenção através dele numa seqüência ordenada. Você pode começar, por
exem plo, colocando a atenção nas áreas superficiais de sua cabeça e a
seguir dirigi-la ao pescoço, ombros, braços, parte superior das costas,
parte inferior das costas, nádegas, parte posterior externa das coxas,
barriga das pernas e pés. Fazendo o retom o, com ece pelas canelas, parte
anterior interna das coxas, órgãos sexuais, baixo-ventre, abdômen, peito,
pescoço, etc.
Depois de alguns dias ou pouco mais, você pode começar a dirigir
a sua atenção através do corpo em planos diversos — da parte anterior
para a posterior, de cima para baixo — estando atento a todas as áreas
e órgãos internos. Simplesm ente preste atenção às várias sensações
com o calor e frio, tensão, dor, comichão, etc. Concentrar assim a
atenção no corpo pode provocar várias sensações e lembranças
associadas na consciência a partes específicas do corpo. M antenha-se
calmo, continue a respirar e observe esses fenômenos à medida que a
sua energia bloqueada é liberada. Sim plesm ente, deixe acontecer.
Num ambiente tradicional, esse tipo de m editação é praticado
intercaladam ente com curtas caminhadas e descansos desde o
am anhecer até tarde da noite, por períodos de dez dias, noventa dias, ou
mesmo por mais tempo. Reservar todo um final de semana para um
retiro pode ser uma m aneira fácil de dar início a esta prática, se períodos
mais longos não forem possíveis.
Você também pode usar a aura e os chakras como objetos de
meditação intuitiva. Com ece imaginando o contorno geral da aura ao
seu redor. Ela se acum ula principalm ente na frente, mais para um lado,
contraída atrás de você? Qual o seu sentimento quando você a observa
pela primeira vez? A seguir, dirija sua atenção m etodicamente através
da aura desde o topo até a base. Preste atenção às cores, às imagens, às
sensações. Você sente a energia de mais alguém na sua aura? O que essa
pessoa estará fazendo aí?

112
Agora, colocando sua atenção cm cada um dos sctc chakras,
observe se ele está tenso ou relaxado. Que outras sensações ou
impressões você experimenta?
Um outro enfoque e observar os pensam entos que surgem na sua
mente. Enquanto observa este cortejo interior de criação mental, preste
atenção se os pensam entos são principalmente visuais ou auditivos.
Você apenas vê figuras em sua mente ou fala consigo mesmo? Você tem
ambas, imagens e vozes? Se assim for, você tem imagens antes e a
seguir fala consigo sobre elas, ou fala antes e depois tem imagens? Uma
vez que isto esteja claro, você pode im aginar que sua atenção e o espaço
cm que as imagens ou sons estão acontecendo. Por fim, você desejará
chegar à intuição a respeito da natureza ilusória da identidade do self:
quem está meditando?5
Como a sensação do “eu” surge? Como o eu se distingue dos
estímulos internos e externos? A sensação do eu deve ser idêntica aos
mecanismos sensoriais ou distinta deles. Ao observar suas várias funções
sensoriais, procure ver se uma delas (ou todas elas com binadas) e o eu.
Sc você conclui que essa função c distinta dos mecanismos, então, onde
ela está?

(5) Para maiores informações sobre a meditação intuitiva, ver Amadco So


Leris, Tranquilily and Insight (Boston: Shambhala, 1986).

113
Capítulo Quinto

O REINO DO SOM SAGRADO

Anahata, o nome sânscrito dado ao quarto ehakra, significa li­


teralmente “não batido”. O term o refere-se à vibração sutil que é a
energia criadora do Vazio. Ele é entoado como a sílaba sagrada OM , e
diz-se que é ouvido interiorm ente em meditação quando a Kundalini
subiu ao ehakra cardíaco. Em geral, o quarto ehakra é também m en­
cionado como ehakra cardíaco, definindo sua posição no corpo e su­
gerindo sua associação com a fonte de inspiração espiritual e o amor
altruísta.
O quarto ehakra tem 12 pétalas vermelhas brilhantes. Dentro delas
encontramos dois triângulos de cor cinza interligados. Juntos, eles
compõem a m andala Vayu, que representa a relação harmoniosa entre
as forças masculina e fem inina do cosmos. No interior da mandala
Vayu, que também sim boliza o elem ento ar, há um antílope. Conhecido
pela sua velocidade, o antílope é um bom veículo para o antigo deus do
vento, Vayu. (Veja fig. 14, p. 115.)
No Tantra budista, o elem ento fogo é associado com o centro do
coração. Seu símbolo é um triângulo vermelho apontando para cima.
Lama G ovinda sustenta que este fogo não é físico, mas psíquico. Ele é
o fogo da devoção religiosa e da inspiração. Ele afirm a ainda que o
centro do coração é a sede da m ente intuitiva e dos sentimentos trans-
mutados (am or e com paixão divinos), e que é um foco primário na

114
meditação porque está onde o universal é realizado na experiência
hum ana.1
O Buda primordial Aksobhya c o senhor do chakra cardíaco. Ele
encarna a sabedoria radiante. (Veja fig. 15, p. 117.) Sua Sabedoria
Radiante dissipa a ilusão da separatividade das coisas e reflete sua
Vacuidade inata. Suas paixões sombrias são o ódio e a aversão.
O fogo alquím ico da devoção c compaixão religiosas transformará
afinal nosso sentido de identidade pessoal. Como a fênix, o ego será

Fig. 14. O quarto chakra, Anahaia. O chakra cardíaco tem 12 pétalas vermelhas
brilhantes. Dentro da mandala do ar, dois triângulos interligados, encontramos o
mantra-semente YAM, que invoca o deus do vento, Vayu. O veículo de Vayu c um
antílope.

(1) Lama Govinda, Foundations o f Tibetan Mysticism (York Beach, M


Samuel Weiser, 1974; e Londres: Rider & Co., 1974), p. 179.

115
consum ido e transform ado. Isto pode ser traum ático, resultando m uitas
vezes num a grave crise de identidade. T odavia, a abertura do chakra
cardíaco eventualm ente g era um a form a de identidade m ais abrangente,
cm que a individualidade e a universalidade com eçam a se fundir.
Q uando o chakra cardíaco desperta, o aum ento do seu nível vi-
bracional altera o corpo astral, infundindo-lhe a m ais sublim e energia
dos céus interiores. A brir o coração tam bém dá início a um a relação
íntim a com o m istério da vida. C ada passo leva-nos a um a união m ais
profunda com o desconhecido, o potencial infinito esco n d id o em cada
m om ento, e a beleza, perfeição e m em ória distante de reinos sublim es.
Em Journeys Out o f The B ody, R obert M onroe descreve ex p e­
riências de êxtase no plano astral que dem onstram alguns desses fe­
nôm enos relacionados com o chakra cardíaco. D epois de se deslocar por
reinos de em oção grosseira do plano astral, ele visitou regiões mais
belas. R o bert M onroe relata ter sido inundado por um “ A m biente P er­
feito ” em que experim entou um estado de pura paz c em oção intensa.
Ao reto m ar ao seu se lf racional norm al, sentiu um a profunda nostalgia
daquele lugar a que ele sabia pertencer e onde d everia ter ficado para
sem pre.2
T alvez vocc reconheça este sublim e estado em ocional. V ocê pode
tê-lo ex p erim entado ao ficar sozinho num a m ontanha, cercado pela
m ajestade do céu e pela paisagem distante. Ou pode ter sido num a
floresta p rofunda, silenciosa — você se viu no interior de um a catedral
de árvores altivas, enquanto raios de luz iridescentes se projetavam
com o deuses através da riqueza das som bras. O u talvez isso tenha
ocorrido enquanto fazia am or — tudo parecia tão perfeito, tão
m aravilhoso, tão extraordinário.
Q uando o centro do coração se abre com pletam ente, sente-se um
desejo ardente de que todos os seres desfrutem do am or e da bem -

(2) Robert A. Monroe, Journeys Out of the Body (Nova York: Doubleday,
1971), pp. 77-8.

116
Fig. 15. Aksobhya é o senhor do chakra cardíaco e personifica a Sabedoria
Radiante. Sua cor é o branco c ele rege o elemento água. Como o Buda Shakya-
muni, Aksobhya expõe o Mudrá do Toque-da-Terra, o mudrá-testemunha. Es­
tampa 4 do Foundations o f Tibelan Mysticism, de Lama Govinda (publicado
cm 1974 por Samuel Wciscr, York Beach, ME, c Ridcr & Co., Londres),
reproduzido com permissão dos editores.
avcnturança disponíveis neste nível de consciência. Na tradição budista,
este impulso é expresso como o voto de a ;,idar todos os seres sencicntes
a atingir a iluminação. A pessoa que cumpre este voto tom a-se um
Bodhisattva.
Todas as formas de amor rom ântico são motivadas por essa busca
de união com a fonte de amor. É uma grande desventura que essa busca
seja direcionada para fora e que a fonte seja confundida como sendo
uma pessoa que está fora de nós. O resultado traumático dessas
projeções frustradas é uma aguda sensibilidade à ansiedade abrasadora
que experim entam os por estarm os divorciados do verdadeiro Sclf e do
seu reino de am or universal.
À medida que o chakra cardíaco com eça a desabrochar, com
freqüência ele traz um m estre que serve com o encarnação deste nível de
consciência. Ele também pode abrir-nos à com unicação consciente com
a hierarquia espiritual de seres que guiam as alm as neste planeta.
Podemos, em contrapartida, atuar no coração de um grupo que trabalha
para guiar a evolução terrestre.
Atualmente, as energias do chakra cardíaco estão se tom ando mais
ativas à medida que evoluím os coletivam ente para além dos estágios de
consciência relacionados com os três chakras inferiores. Um problema
nesta transição, tão predom inante no movimento Nova Era, é a tentativa
de viver no coração sem lidar com as repressões e os impulsos do ego
nos chakras inferiores. Se, por exem plo, estamos zangados, arrogantes,
desesperados, ou em ocionalm ente inseguros, o am or não flui livremente.
Uma decisão forçada para ser amável não é a m esma coisa que o jorrar
espontâneo do am or sentido em profundidade.
A confusão surge também entre o amor rom ântico e o amor
altruísta. O am or rom ântico é associado à projeção da anima e do
animus e ao desejo de uma relação perfeita. O rom ance é um ideal.
Porque ele quer que a outra pessoa satisfaça uma com pulsão inoportuna
para sentir-se completo ou seguro, o amor rom ântico não é estranho a
ousadias manipuladoras.
O am or altruísta, por outro lado, é uma em patia e compaixão que
nos capacita a agir de um a maneira profundam ente zelosa. Ele é uma

118
aceitação incondicional da vida e dos outros. Há uma profundidade de
com preensão e de sabedoria nesse amor, que só advém de um profundo
sofrimento e de uma intensa experiência de vida. Não se trata de
projeção ou de uma form a de controle, m as de uma abertura e entrega
muito sincera ao que existe. Podem os experim entar desapontamentos,
mas nunca seremos abatidos se permanecermos abertos ao nosso
potencial por existir neste estado de amor.
Quando a energia psíquica flui através do centro do coração, ela
tem a capacidade de transform ar e neutralizar a energia negativa. Nós
podemos não só neutralizar a nossa própria energia, m as podemos
aprender a harm onizar a energia de outras pessoas. Essa habilidade de
transformar energia no chakra cardíaco é usada na cura espiritual e
psíquica. Deve-se tom ar cuidado, entretanto, para não usar este bálsamo
de cura para encobrir, ou deixar de tratar, as regiões mais obscuras de
nós mesmos.
Poderíam os pensar que a abertura do chakra do coração
proporciona apenas paz e amor. Sem levar em conta o confronto com
nossas dores e com o medo reprim ido de sermos vulneráveis, muitas,
dificuldades surgem quando o coração se tom a receptivo. O centro do
coração invoca forças intensas da alma e dos reinos espirituais
interiores. As atividades, ou a m era presença, de um a pessoa com um
centro do coração jovem pode estim ular intensas reações defensivas cm
outras, à medida que a vibração do am or penetra nas barreiras e estimula
à ressonância o am or que perm aneceu enterrado sob incalculável dor e
sofrimento. Em Esoteric Healing, Alice Bailey assinala que as
incertezas que acompanham a abertura do chakra cardíaco são algumas
das mais típicas e problemáticas experim entadas no cam inho espiritual.
Estas incluem reações de outras pessoas que variam desde a devoção
primitiva até o ódio extrem ado, causando m uita confusão e perturbação
para o aspirante.3

(3) Alice Bailey, Esoteric Healing (Nova York: Lucis Publishing C


1977), pp. 123-24.

119
Com o passar do tempo, aprendemos a não nos identificar com
essas reações e a afastar nossos apegos c expectativas pessoais desse
amor universal. Com compaixão e paciência, permitimos que outros
aceitem ou rejeitem as forças de amor no chakra cardíaco.

O Matrimônio Alquímico

A conquista de um dragão ou monstro pelo herói para libertar a


donzela c um tema comum na mitologia. Alguns heróis familiares são:
São Jorge, que extermina um dragão; Tescu, que mata o minotauro para
resgatar Ariadne do labirinto de Creta; e Perseu, que corta a cabeça da
górgona M edusa e derrota um dragão para libertar Andrômeda. O
romance subseqüente entre o herói e a donzela em desgraça simboliza
a integração dos aspectos fecundos, intuitivos e mesmo místicos do
inconsciente relacionados com o chakra cardíaco.
Em História da origem da consciência, Neumann mostra como, na
mitologia, a fêmea resgatada não está mais ligada à todo-poderosa e
devoradora imagem da Grande Mãe. Liberada de sua dominação, a
donzela é uma mulher vulnerável com a qual o herói (símbolo do ego)
pode unir-se.4 O herói freqüentemente tem de rebelar-se contra os
valores convencionais (patriarcais) para realizar seus feitos heróicos.
Esses rnitos obviamente registram uma perspectiva masculina. Do ponto
de vista da mulher, a integração bem-sucedida do seu lado masculino
(animus) dota-a das forças heróicas necessárias para sua descida ao
inconsciente. Com essa força, ela enfrenta os aspectos opressivos da
Grande Mãe ou do Grande Pai (dependendo das várias versões míticas),
para liberar sua feminilidade essencial. Em qualquer dos casos, o
conseqüente casamento do herói com a donzela representa um estágio
psicológico importante, uma individuação das forças coletivas e a

(4) Erich Neumann, The Origins and History o f Consciousness, Bollin


Scries, Vol. XLI1 (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1970), pp. 195-200.

120
Fig. 16. ConiunctioSive. Diagrama do matrimônio místico da Lua e do Sol adapta­
do do texto alquímico Rosarium Philosophorus.
integração da anim a e do anim us de modo que ambos os indivíduos
possam crescer.
As imagens arquctípicas dessa união atuam dinam icam ente por
trás do am or romântico. Infelizmente, é raro com preenderm os o
significado dessas imagens quando vamos à procura do cavaleiro de
armadura reluzente ou da princesa encantada. Para com preender melhor
este ponto, voltemos brevem ente à tradição alquímica que floresceu na
Europa medieval.
Este obscuro sistema, que apresenta uma forte semelhança com o
Tantra, representava a transform ação da psique através de uma serie de
rituais, alegorias e contem plações. O estágio principal dessa trans­
formação era simbolizado pelo M atrimônio Alquímico. O termo usado
para este matrimônio m ístico, coniunctio, era usado para significar tanto
o mistério das com binações químicas como o casamento do místico com
Deus. A alquim ia era, basicam ente, uma forma de im aginação ativa, a
arte de com unicar-se com conteúdos inconscientes através de sua
projeção na realidade objetiva. Os textos e diagramas, usados pelos
alquimistas na busca de sua transformação metafórica dos vários metais
e substâncias, mostram um rei e uma rainha (Sol e Lua) em várias
atividades conduzentes à sua coniunctio. Encontramos uma boa
descrição dessas atividades no texto alquímico Rosarium Philosophorus.
Num desses diagram as vemos o Rei e a Rainha num abraço sexual
enquanto o espírito das profundezas se levanta para absorvê-los. (Veja
fig. 16, à p. 121.) Nesse m om ento de enlace aparece o maior dos
prodígios; na bem-aventurança de sua união nupcial, eles se fundem um
no outro e se dissolvem. T om am -se um, como se fossem um só corpo.
O resultado dessa união é um filho mais refulgente e esplêndido que
seus pais — ele excede em brilho o Sol e a Lua.5
O texto segue lem brando-nos que o Sol e a Lua são dois vapores
que surgem da m atéria-prima como o fogo aum enta dentro do

(5) Para maiores informações, ver Carl Jung, Psychology o f theTransfere


(Princeton, NJ: Princeton University Press, 1966), pp. 85-6.

122
alambique. Por isso, não nos defrontam os aqui com um a mera relação
sexual, mas sim com uma união de ordem superior.
Com o aprendem os no segundo chakra, a tendência a essa união
mística dá vida a encontros rom ânticos e dá um novo ímpeto à projeção
da anim a e do animus. Isso freqüentem ente leva à dor e à confusão
porque a síntese não ocorre entre duas pesssoas. Cada pessoa tem a
oportunidade, na maioria das vezes m alcom preendida e, portanto,
perdida, de reconhecer sua totalidade inata e o estado de am or inerente
a ela, que foi projetado no amado. Apesar de os relacionamentos
humanos servirem de veículos para essa experiência subjetiva, o
M atrimônio Alquímico é um evento intrapsíquico.
No Tantra tibetano, o termo Bodhicitta é usado para descrever os
efeitos dessa união interior. Vejamos como os tibetanos trabalham com
vistas ao seu desenvolvimento.

Geração da Grande Compaixão

Em sânscrito, Bodhi significa consciência ilum inada ou desperta;


citta tem dupla conotação, referindo-se tanto à mente com o ao coração.
Bodhicitta, portanto, significa M ente e Coração Ilum inados que se
manifestam quando a Grande Com paixão e experim entada. No coração
do Tantra budista, há práticas e ensinam entos baseados na intenção de
m anifestar Bodhicitta.
A Grande Compaixão existe, em form a de sem ente, em todos nós.
Os ensinam entos tibetanos acentuam a im portância d o comprome­
timento no início da germinação desse m inúsculo grão de compaixão.
Votos de renúncia a todas as formas de atividade, físicas e psíquicas,
que causam dano deliberado a outras pessoas e a nós m esmos são um
dos modos de expressar esse compromisso. Todos os pensamentos de
fracasso ou negatividade, por exem plo, são vistos com o imorais porque
implicam a negação da nossa própria natureza búdica.
Q uando nossa pequena semente de com paixão desabrocha, faz-se
necessária um a grande paciência para sofrer nossas muitas imperfeições
sem perder a coragem e a intenção. Levará tempo para que a semente

123
da compaixão produza o fruto divino do Bodhicitta. Enquanto isso,
dúvida, desânimo, letargia e sentimentos semelhantes devem ser vistos
como oportunidades para exercitar a compaixão e o comprometimento.
Um zelo e uma fé firmes c inexauríveis no poder da compaixão são os
maiores aliados neste em preendim ento.
O Tantra tibetano sugere então que meditemos sobre o nosso
sofrimento. Somos encorajados a olhar honestamente para a nossa vida
e sentir a dor da doença, das tragédias rom ânticas, dos traumas
emocionais, dos medos, do sentido da falta de significado, das perdas
materiais e assim por diante. Tudo está em transição, movendo-se
através de ciclos interm ináveis de nascimento e morte. Experimentamos
a dor como resultado de nossas tentativas de manter uma situação
permanente ou estável na esteira da natureza fluida do mundo.
Apegando-nos à noção da consciência do ego e lutando compulsiva-
mente para satisfazer-lhe os desejos, andamos aos trambolhos através de
numerosas existências, ignorantes da nossa herança espiritual, temendo
a dor dilaccrante da mudança c da perda e defendendo-nos dela.
Uma vez que, através das defesas e do orgulho do nosso ego,
olhamos para a imanência c profundidade de nossas próprias tribulações,
podemos verdadeiramente abrir o coração para o sofrimento de nossos
pais, amigos, conhecidos e inim igos — e para a carga de sofrimento em
todo o mundo.
Visto de uma direção, sentim os pesar à medida que conceitos,
vínculos emocionais, posses e identidades são arrancados. Se deixarmos
fluir e olharmos ao redor, entretanto, veremos que o fluxo da vida está
sempre apresentando novos e misteriosos horizontes. A beleza e
renovação da criação emergem continuamente.
Veja se você consegue se lembrar da sua infância por um
momento. Talvez, como eu, você visse o mundo em considerável
confusão. Eu não podia com preender por que todos eram tão infelizes.
Lembro-me de jurar ardentem ente que eu seria feliz quando crescesse.
Dentro de cada um de nós repousa a habilidade para conhecer e
experim entar a felicidade. É nesta parte de nós mesmos que a Grande
Bem-aventurança de B odhicitta jaz enterrada sob sofrimentos em o­

124
cionais inenarráveis e sob desordens mentais. Para encorajar este
crescim ento, os lamas tibetanos sugerem a meditação com o se tivés­
semos atingido o estado de perfeição de um Buda.
Uma atitude importante para se tornar alguém que está desperto
(um Buda) é a im parcialidade — isto é, ver familiares e amigos na
mesma luz que inimigòs e estranhos. Todos são seres que sofrem e
anseiam por paz e felicidade. Através da visualização, podem os começar
a desenvolver a im parcialidade vendo todos os seres encontrando seu
caminho para a paz interior.
Enquanto cm meditação sobre a libertação de todos os seres das
fadigas do mundo, podemos dedicar nossa vida à remoção do peso da
ignorância e do sofrimento. Este não é um esforço superficial ou
idealista, mas um profundo desejo do coração resultante de um lampejo
obtido na meditação. É uma tarefa corajosa, que requer grande
integridade. Essa parte ativa da compaixão é a mais im portante, ainda
que dependa de passos anteriores.
Alim entando outras pessoas com am or divino e verdade, somos
autom aticam ente transportados para além das limitações da realidade
pessoal auto-orientada. Seres como Cristo ou Buda são janelas abertas
para as profundezas espirituais de todos nós. O serviço desses seres
demonstra forças espirituais para aqueles ainda atados ao mundo egóico
da ilusão e do sofrimento. O esplendor que brilha através deles desperta-
nos dos sonhos terrenos, assim com o cada ato de com paixão sincera em
nossa vida clareia o m undo à nossa volta.
Havia uma vez um monge tão feio e deformado que, quando
passava mendigando de porta em porta, as pessoas o mandavam embora.
Às vezes ele se sentia rejeitado, tinha pensamentos am argos e retirava-
se para a floresta. Buda, com sua onisciência, observou o apuro desse
monge e manifestou-se num corpo que era mais grotesco que o dele.
Quando o m onge viu aquela criatura infeliz saindo da floresta, ficou
tomado de compaixão. Essa com paixão foi tão profunda que o monge
alcançou a iluminação.
O utra atitude im portante para a geração da Grande Com paixão é
tom ar-se mais atento a todas as formas de desejo e aos padrões mentais

125
e emocionais negativos. No últim o capítulo, com eçamos a observar o
estado comum de caos dentro da mente. Imagine quanta energia psí­
quica precisamos para alim entar todos esses mecanismos mentais e
emocionais. A seguir, imagine a energia vital adicional necessária para
ativar o corpo físico para responder a todos esses estímulos interiores,
e você terá um a idéia de quanta energia nós literalm ente jogam os fora.
Ao mesmo tempo, essas forças caprichosas continuamente nos
empurram para o labirinto do carma.
Uma vez liberadas essas energias psíquicas dos complexos, defesas
e compulsões fortes, as práticas tântricas podem dirigi-las espinha acima
até o chakra da coroa. Essa reversão da energia psíquica abre o lótus das
mil pétalas, inundando o corpo com o “néctar da bem -aventurança
criadora”. No Tantra hindu, esse néctar é associado m iticamente ao
sêmen transcendental liberado através da união extática da Kundalini
Shakti com seu am ante divino, Shiva.
Poderia haver algum a base científica para este néctar da bem-
aventurança criadora? Em seu livro, Biology, H elena Curtis relata que
os cientistas especularam em 1972 que o corpo é capaz de produzir
narcóticos. Em 1975, ficou provado que, sob certas circunstâncias, o
corpo produz narcóticos endógenos (mais tarde cham ados endorfinas).
Quatro dessas endorfinas foram analisadas quimicamente; duas delas são
encontradas no tecido cerebral e funcionam para inibir impulsos
nervosos. As outras duas são liberadas, como hormônios, da glândula
pituitária (associada com o chakra da coroa). Um desses hormônios
pituitários é 48 vezes mais forte que a morfina quando diretam ente
injetado no cérebro. Esses narcóticos, ficou provado, são gerados pela
meditação, pela corrida de longa distância, por tratamentos de
acupuntura analgésica e pelo sentimento de amor.6
A Grande Bem -aventurança (Bodhicitta) é sim bolizada no Tantra
tibetano pela divindade V ajrasattva em abraço sexual meditativo com

(6) Helena Curtis, Biology (Nova York: Worth Publishers, 1968), p. 162.

126
sua consorte, Vajra Dignidade. Vajra é o termo sânscrito usado para a
qualidade diam antina indestrutível e prístina da Consciência do Ser.
Espírito é, provavelmente, o conceito ocidental mais aproximado. Para
perceber essa condição prístina, nossa mente deve estar aberta e, por
isso, livre de todas as elaborações mentais. O potencial para este estado
de claridade é cham ado sattva, traduzido literalmente por essência.
Vajrasattva e sua consorte são a personificação da pureza de
consciência que traz o bem -aventurado despertar do Ser na sua natureza
essencial prístina e indestrutível. Sua união gera a jnana ambrosia, ou
sabedoria visualizada com o não-substância leitosa, a qual jorra de seus
corações e genitais para prem iar-nos com a Grande Bem-aventurança
quando os invocamos em meditação. A analogia de sua união sexual
expressa o sentido de fusão que experimentamos quando transcendemos
os parâmetros do objeto/sujeito para dissolver-nos na Grande Bem-
aventurança. Uma vez atingido, esse nível de consciência preenche
todas as formas de ligação com o am or e a compaixão divinos.

Ioga da Purificação
e da Bem-aventurança

Os maiores obstáculos com que nos defrontamos na aquisição da


mais plena realização da com paixão são as ações físicas autodestrutivas
e a aura de nossas forças mentais e emocionais negativas. Na tradição
tântrica tibetana, há uma prática de meditação especialm ente destinada
a purificar esses estados obscuros. E la é chamada de Ioga de Vajrasattva
e envolve os quatro poderes seguintes, elaborados por John Blofeld em
The Tam ric M ysticism o f Tibet:

1. O Poder de “Ajuda” — é um poder protetor que resulta d


aspiração a entrar no caminho que conduz ao desenvolvimento de
Bodhicitta (compaixão). Reconhecendo o nível de consciência
personificado na forma do Bodhisattva Vajrasattva e refugiando-nos neste
arquétipo, somos "abençoados” e fortalecidos pela energia psíquica nele
corpori ficada.

127
2. O Poder de Superar o Carma Malfazejo — é o poder da integridade
resultante de um genuíno c profundo remorso pelas más ações e padrões
negativos passados.
3. O Poder de Refrear o Mau Comportamento — é o poder da intenção
de abster-se das más ações e dos padrões negativos no futuro através da
profunda percepção de um carma infeliz que eles produzem e de como
obscurecem, como nuvens, a habilidade de banhar-nos na tepidez solar de
Bodhicitta.
4. O Poder do Antídoto — é o poder do perdão c da compaixão que
resulta das práticas de meditação Vajrasattva.7

A meditação Vajrasattva é realizada como um exercício preliminar


pelos neófitos tântricos. Mais tarde ela é usada como um meio de
purificação e iniciação no nível de consciência Vajrasattva. Como um
rito prelim inar, o Mantra de Cem Sílabas de Vajrasattva é repetido
muitas vezes (totalizando ao final umas cem mil repetições num período
de dois anos), e Vajrasattva é visualizado sozinho. Nas práticas mais
avançadas, Vajrasattva 6 visualizado com sua consorte. Há muitas
variações da meditação Vajrasattva nas várias seitas do Budismo
tibetano; a meditação que segue é composta de alguns dos elementos
preliminares e avançados dessas várias escolas.
Antes de com eçar a meditação V ajrasattva, os iogues tibetanos
analisam suas más ações pessoais e qualidades desfavoráveis. Assim,
depois de realizar a meditação Refúgio, devem os com eçar a contemplar
nossas muitas maneiras de agir sem a com paixão de um Buda. Depois
disso, podemos afirmar nosso desejo de praticar o amor por nós mesmos
e a honestidade necessários para purificar essas manchas. Confiando-nos
sinceramente à meta de gerar Bodhicilta (com paixão), nós então
meditamos como segue:

(7) John Blofeld, The Tantric Mysticism o f Tibet (Nova York: Du


1970), pp. 160-61.

128
Meditação Vajrasattva
Na infinita expansão do claro céu azul, um lótus branco de oito
pétalas aparece acima da nossa cabeça no topo da aura. Sobre o lótus,
Vajrasattva senta-se abraçado pela Deusa Vajra Dignidade. Seus corpos
são brancos e transparentes. Sendo insubstanciais com o o luar, emitem
um resplendor imensurável. Am bas as divindades estão adornadas com
pedras preciosas (a natureza da m ente de Buda) e suas vestes são de seda
preciosa. Ele segura um sino vajra de prata em sua mão esquerda, e na
direita um cetro vajra dourado. (Juntos, o sino e o cetro representam os
princípios fem inino e masculino associados à sabedoria e à compaixão.)
Seus braços estão cruzados por trás de sua consorte. A mão esquerda da
deusa segura um crânio (imperm anência), e em sua direita há uma faca
vajra (mente discriminadora).
No centro de seus chakras cardíacos, que brilham como a lua
cheia, vibra a sílaba azul-elétrico HUM. Ela espalha sua luz
incandescente por todo o universo. Esta luz penetra os corações de todos
os seres iluminados, que em contrapartida focalizam sua divina com­
paixão de volta cm Vajrasattva e sua consorte. (Veja fig. 17, p. 130.)
Agora, reze com suas próprias palavras a V ajrasattva e Vajra
Dignidade para ser purificado. A seguir, visualize um raio de luar
líquido jorrando do m antra-sem ente HUM em seus corações e do local
de sua união sexual. Ele cai com o um a cachoeira pela haste do lótus e
para dentro do topo de sua aura. Q uando o topo de sua aura começa a
preencher-se com seu néctar gerador de bem -aventurança, imagine que
ele força toda a ncgatividade e escuridão a escoar-se para fora de sua
aura através de um orifício em sua base (associado com o primeiro
chakra). De m aneira sem elhante à que você moveu a atenção através da
aura durante a meditação intuitiva, conscientize-se do modo cómo o
néctar gerador de bem-aventurança substitui as várias áreas densas e
escuras da sua aura. Quanto mais você praticar esta meditação, tanto
mais cuidadoso você deverá ser para assegurar-se de que essas áreas
obscurecidas estão sendo realm ente liberadas e substituídas por
Bodhicitta.

129
Fig. 17. Vajrasattva e sua consorte Vajra Dignidade. Vajrasattva é às vezes
considerado um reflexo do Dhyani Buda Aksobya; em algumas seitas, é também
venerado como a expressão ativa de Adibuddha Vajradhara. No Ioga das Purifi­
cações, Vajrasattva e sua consorte produzem ajnana ambrosia, o néctar gerador de
bem-aventurança, que purifica a mente do meditante de modo que a essência do
Vazio possa ser percebida. Pintura contemporânea de Àge Delbanco, reproduzida
com a permissão do artista.
A seguir, visualize o néctar branco entrando no chakra da coroa no
topo de sua cabeça. Sinta-o preenchendo o seu corpo do mesmo modo
que preencheu a sua aura. De novo, quanto mais você praticar, mais
preciso se tom ará na visualização do néctar purificando o corpo. Num
determ inado ponto, você vai querer passar algum tempo limpando cada
órgão do seu corpo. Quando você se tom ar consciente das tensões,
lembranças e atitudes alojadas em cada órgão e as liberar, veja e sinta
cada um sendo saturado por esse néctar gerador de bem-aventurança.
Talvez você deseje passar pelo menos uma sessão focalizando cada
órgão no contexto da m editação normal.
Para com pletar esta parte da m editação, imagine o néctar fluindo
para baixo na sua espinha e se derram ando de cada chakra. Focalize
cada chakra em seqüência, com eçando pelo da coroa. Enquanto repete
o mantra com pleto sinta cada chakra relaxando e sendo purificado pela
corrente do néctar.
A medida que o néctar se derrama por todo o seu corpo e aura,
todas as suas indefinições e doenças são expelidas através dos seus
poros, dos orifícios inferiores e da base da sua aura para um buraco no
chão. M uitas substâncias escuras e deterioradas emergem e se escoam
para a terra onde o Senhor da M orte espera com a boca escancarada.
Tendo este satisfeito o seu apetite, você está aliviado de suas substâncias
nocivas. (V eja figura 18, p. 132.)
A gora você está brilhando como um cristal transparente, cheio da
bem -aventurança inexaurível do néctar leitoso de Bodhicitta. Com a
força da sua devoção, Vajrasattva se dissolve dentro de você e sua
consorte está sentada no seu colo. (Como mulher, você pode inverter
estes papéis. Pode também visualizar seu consorte como uma
encarnação da sua anim a ou animus. Constatei que isso aumenta
consideravelm ente a intensidade em ocional desta prática.)
OM VAJRASATTVA HUNG — agora com ece a recitar este
mantra.
Seu corpo é como um arco-íris, manifesto em bora vazio. Como o
reflexo num espelho, você é visível mas essencialm ente vazio de
substância. Do seu chakra cardíaco irradia-se um a luz brilhante. No

131
Fig. 18. Yama e Yami, o Senhor dos Mortos e sua irmã, uma versão budista do deus
da morte hindu. Enquanto o deus hindu cavalga um búfalo, aversão tibetana mostra
uma cabeça de búfalo. A ilustração é um detalhe de um thanka Avalokiteshvara, do
século XIX, da Escola Menri do Tibete Central. Da coleção thanka de Sergei
Diakoff, aqui reproduzida com permissão.
ccniro da radiação do seu coração vibra a sílaba azul-elétrico HUM.
Dela, raios brilhantes de luz irradiam para todos os reinos imensuráveis
purificando todos os seres.
Continue por bastante tempo contem plando seus pais, amigos c
inimigos banhados no néctar gerador de bem-aventurança que flui do
seu coração. Veja cada uma dessas pessoas sendo preenchida com
Bodhicitta e por ele transformada. Finalmente, você pode visualizar o
planeta inteiro sendo purificado e transformado.
Agora você tem uma alternativa viável para as reações emocionais
negativas e para os padrões de pensam ento que norm alm ente percorrem
o seu corpo-m ente. Com a atenção adquirida na m editação intuitiva e a
compaixão que está cultivando na prática Vajrasattva, você pode
começar a transform ar essas forças negativas.
Antes de com pletar a meditação Vajrasattva, preveja os diversos
eventos que você imagina que acontecerão no decorrer do dia. Escolha
algum objeto ou experiência que possa lembrar-lhe seu compromisso de
ser um Bodhisattva. Visualize-se nesses vários am bientes, agindo como
se você fosse Vajrasattva ou Vajra Dignidade.
Quando terminar a sessão, imagine seu corpo dissolvendo-se no
HUM. O HUM encolhe-se até desaparecer no Vazio, onde você perma­
nece em equilíbrio m editativo, livre de todos os pensam entos e concei­
tos, por tanto tempo quanto puder. Term inada a m editação, ofereça os
méritos da sua meditação em benefício de todos os seres sencientes.
Q uando tiver um sonho em que todo tipo de coisas impuras estão
sendo expelidas de você, o seu Ioga de Purificação está produzindo um
bom efeito.8

(8) Para informações mais detalhadas da prática Vajrasattva, você pode l


Tantric Practice in Nying-Mapa, de Khets un Sangpo Rinbochay (Ithaca, NY:
Snow Lion, 1982), ou The Tantric Mysticism o f Tibet, de John Blofeld (NY:
Dutton, 1970).

133
Capítulo Sexto

A GRANDE PURIFICAÇÃO

O nome sânscrito para o quinto chakra é Visudha que significa


limpo ou purificado. Seu elemento é o éter — a substância espacial a
partir da qual os outros quatro elementos se cristalizam. No interior de
seu lótus de 16 pétalas encontramos a mandala Akasa, um triângulo
invertido ou yoni, o qual representa os poderes femininos da criação.
Dentro da m andala Akasa, há outro elefante branco com uma das suas
sete trombas elevada no ar, talvez anunciando nosso triunfo sobre as
forças instintivas dos chakras inferiores. (Veja fig. 19, p. 135.)
No Tantra Budista, o chakra da garganta está associado ao
elemento ar e é simbolizado por uma lua crescente verde. O ar é aqui
relacionado com o movimento e o vento e, segundo Lam a Govinda, ele
não apenas representa as qualidades vitais da respiração, mas a origem
de todos os sons e vibrações espirituais. Dessas vibrações provêm os
atributos específicos de todas as coisas e, por conseqüência, todas as
formas de conhecimento discrim inativo.1
Amitabha, o Buda Promordial, cuja energia de sabedoria é
Sabedoria Discriminadora, por essa razão senta-se no trono do quinto
chakra. Sua paixão obscurccedora é a ganância. (Veja fig. 20, p. 136.)

(1) Lama Govinda, Foundations o f Tibetan Mysticism (York Beach,


Samuel Weiser, 1974; e Londres: Rider & Co., 1974), p. 183.

134
Fig. 19. O quinto chakraé Visudha. No interior do lótus de 16 pétalas vermelhas
esfumaçadas encontramos a mandala Akasa, um círculo branco representando o
elemento éter. Ela está no interior do Trikona, um triângulo invertido simbolizando
o poder feminino da criação. O mantra-semente para o elemento éter é HAM.

Localizado na garganta, o quinto chakra funciona como um ccntro


de com unicação. Como um painel telefônico, o chakra laríngco é o
mediador entre as cham adas de entrada e saída do sistema nervoso.
Quando a com unicação é maior do que o circuito neurológico pode
suportar, ou quando há conflito entre estímulos mentais e emocionais,
o circuito fica sobrecarregado e o corpo responde com tensão no
pescoço e nos ombros.
Q uando um a constelação de dor e confusão se formou ao redor do
corpo emocional ou físico durante um tempo considerável, e como o
corpo mental e o cérebro aprenderam a desligar ou a reprimir estímulos
que ativam os padrões de mem ória associados aos traumas originais, a
mente pode tom ar-se com pletam ente divorciada da realidade física

135
Fig. 20. Amitabha é o senhor do quinto ehakra e personifica a Sabedoria Discrimi-
nadora. Sua cor é o vermelho e seu elemento, o fogo. Suas mãos repousam cm seu
regaço no Mudrá Dhyana (meditação). Estampa 3 do Foundalions of Tibetan
Mysticism, de Lama Govinda (publicado em 1974por Samuel Weiser, York Beach,
Maine, e Rider & Co., Londres). Reproduzido aqui com permissão dos editores.
(psicose). Constrições menos graves resultam de sentim entos e de comu­
nicações não expressados. Uma análise clarividente do quinto chakra
revela seguidam ente a necessidade de expressar em oções reprimidas. A
dificuldade de organizar pensam entos e de expressá-los, verbalm ente ou
por escrito, também indica constrição no quinto chakra.
A oração, no seu sentido verdadeiro, é uma forma de com unicação
entre a personalidade e outras dim ensões da psique. O rações são formas
de pensam ento que podem ser preenchidas com inform ação de níveis
mais profundos da psique e de seres espirituais nos planos interiores. A
partir da percepção da condição em pobrecida do ego, rezamos para
obter orientação. A m aioria das pessoas compreende mal a oração e a
interpreta com o um pedido — ou cm muitos casos, com o uma exigência
— de que “ D eus” atenda seus desejos.
A oração é mais bem com preendida como um meio de pedir o
melhor da parte superior da nossa natureza. É um meio de tornar-se
vulnerável a forças inspiradoras, de criar um recipiente para receber a
chuva da graça que cai das dimensões espirituais interiores. O analista
junguiano John Sanford, em Healing and Wholeness, m enciona que a
oração é um instinto e, psicologicam ente falando, um meio de orientar
o cgo-self para o Self. Ele diz ainda que os resultados positivos da
oração não estão relacionados com as nossas crenças pessoais sobre
Deus; o importante é que nos dirijam os ao “Poder Superior” , não
importa o conceito que tenham os.2
Poderíam os dizer talvez que a correlação contem porânea com o
mau uso da oração é o em prego de afirmações. Há hoje m uitos ensi­
namentos diferentes que encorajam uma repetição deliberada de
declarações positivas ou idealizadas. Um efeito desastroso que tenho
testemunhado neste uso de afirm ações é uma polarização entre ideais
conscientes e sistemas de crenças inconscientes c program ação emo-

(2) John A. Sanford, Healing and Wholeness (Nova York: Paulisl Pre
1977), p. 133.

137
cional. Sc falhamos em revelar, aceitar am orosamente e efetivamente
mudar as impressões inconscientes, as táticas vigorosas do ego-self
criam tensão e resistência no inconsciente, podendo levar a uma cisão
perigosa entre as mentes consciente e inconsciente.
Um dos temas do quinto chakra é a comunicação. No rela­
cionamento entre o self inconsciente e consciente, precisamos com eçar
a pensar em tçrmos de um a m em brana permeável que possibilite um
intercâmbio mútuo. Do lado consciente, precisamos ouvir o inconsciente
pessoal de modo que possamos com preender “de onde está vindo”. Com
essa compreensão, podemos excluir o programa inadequado. Apagando
esses velhos programas e substituindo-os por parâmetros de crescimento
aperfeiçoados, temos condições de ter acesso à orientação do
inconsciente coletivo. Essa m em brana, finalmente, irá dissolver-se assim
que a identidade do ego se fundir com o Ser transpessoal do Self.
Estamos criando continuam ente o nosso mundo particular com
desejos, pensam entos c preconceitos. Quanto mais evoluímos em
consciência, tanto mais nossa realidade individual se alinha c se unifica
com o todo da existência. Não 6 que nos tornamos melhores em criar
nossa realidade, mas mudamos nosso ponto de vista. Mudar de lado, do
ego ao Cosm os, é a maior das afirmações.
O quinto chakra também está associado à clariaudiência ou
telepatia mental, com unicação psíquica com outras pessoas ou com seres
desencarnados. Outras experiências clariaudientes incluem ouvir c
compreender sons interiores. Por exemplo, algumas pessoas expe­
rimentam a energia psíquica com o tons clariaudientes ao fazerem
leituras psíquicas ou trabalhos de cura. Compositores e músicos também
têm elevada habilidade clariaudiente. Eles freqüentem ente escrevem ou
improvisam música que ouvem com o ouvido interior.
O princípio da m úsica interior — o conhecim ento de que o som
carrega um significado e estrutura a energia psíquica — fundamenta o
uso de mantras c cânticos sagrados. Certos sons interiores musicais c
vocais têm habilidade de mudar e de afetar os padrões de energia no
corpo etérico e em outros corpos sutis. Quando usados apropriadamente,
esses sons podem m anifestar situações c alterar formas físicas. A m ú­

138
sica pode ser usada na cura, e os mantras e cânticos podem abrir canais
psíquicos e criar estados de consciência psicológicos e espirituais
específicos.
O poder da voz está à nossa disposição na vida diária, embora
raramente o valorizemos e o desenvolvam os. Por exem plo, após anos de
trabalho com clientes, Milton Erickson, um renomado hipnoterapeuta,
era capaz de transm itir uma sugestão hipnótica sem induzir ao transe.
Em poucas palavras habilmente com unicadas, ele podia reverter padrões
neuróticos profundam ente estabelecidos e transform ar completamente a
vida de uma pessoa. Um ser com grande poder espiritual, ou alguém
especialm ente treinado na arte de usar a voz humana, pode produzir
efeitos miraculosos. O quinto chakra e a voz podem também expressar
a intenção ou o propósito criador de camadas profundas da psique e,
através da mediunidade, de entidades espirituais.
A voz contém grande quantidade de informações sobre uma
pessoa. Qualidades emocionais são prontamente discernidas no som c na
inflexão. Atitudes, posturas psicológicas e orientação mental também
são claram ente evidentes em padrões de fala e vocabulário. A medicina
oriental reconhece esta relação e considera a análise da voz uma parte
importante do diagnóstico.
Uma maneira de nos tom arm os mais eficazes na vida é nos
comunicarm os mais claramente. Quase sempre damos mensagens
dúbias. Ao pedir algo verbalmente, pensamos ou sentimos: “Eu não
mereço isto” , ou “ De qualquer modo, não me darão isto” . Diga o que
você quer dizer c peça claram ente o que deseja. Talvez o segredo da
verdadeira com unicação repouse na habilidade de ouvir — tanto a nós
mesmos quanto aos outros.
O quinto chakra também está relacionado com as dem ais funções
mundanas do corpo mental. Esta mente inferior é o aspecto prático e
lógico dos processos mentais. É este nível da mente que categoriza fatos
e calcula algarismos. Ao gerar conceitos e estruturas, ele dá
representação simbólica aos estados subjetivos de consciência, criando
uma linguagem pela qual esses estados podem ser objetivados e
comunicados.

139
A intuição pragmática (a intuição relacionada com as coisas
práticas) é outra faculdade associada ao quinto chakra. Por exemplo,
quando o telefone toca, nossa intuição pragmática pode nos dizer quem
está chamando. Ela também pode informar-nos sobre considerações
mundanas, tais como se devemos ir à praia num dia que parece estar
muito frio ou ventoso, ou que carro devemos comprar.
O quinto chakra assinala a passagem da consciência para o
domínio da consciência reflexiva. Além dos modos instintivos, rea-
cionais e habituais da atividade mental, o nível reflexivo oferece ao ego-
self novas dimensões de pensamento abstrato e maiores poderes para
controlar ou dirigir deliberadam ente os eventos e processos da vida.

O Mantra da Compaixão

O uso de mantras nas disciplinas religiosas orientais é uma


aplicação muito poderosa e articulada do poder do som e do princípio
que está por trás das afirmações. Os m anuas constituem sons simbólicos
que ativam forças espirituais da psique. Várias sílabas-sementes e
combinações de sílabas evocam estados psíquicos específicos através de
seus padrões e. medidas de vibração. Um dos mantras mais amplamente
conhecidos é OM MANI PADM E HUM. Muitos lamas tibetanos
consideram-no o mais im portante dos mantras. É o mantra do Bo-
dhisattva Avalokiteshvara e galvaniza a sabedoria e o poder da
compaixão. O mantra e a visualização do Bodhisattva da compaixão
constituem um meio para conclam ar e focalizar esta força do nível
transpessoal da psique.
Analisando o mantra de Avalokiteshvara, Lama Govinda, em
Fundamentos do misticismo tibetano, explica que OM simboliza a
origem e a soma de todos os sons do universo. Como nota tônica do
cosmos, ele representa a harmonia das esferas e é considerado o som
supremo ou sagrado. MANI PADM E significa a jóia no lótus, ou o
Vazio dentro da manifestação. Ele expressa o equilíbrio de todos os
pares de opostos e a divindade essencial em cada um de nós. HUM é
uma palavra de poder que rem ove os véus da consciência presa ao ego.

140
Enquanto OM representa a ascensão à universalidade, HUM é a descida
do universal para a consciência.3
G ovinda esclarece também que o significado de um mantra como
OM MANI PADM E HUM não pode ser esgotado na análise de suas
partes com ponentes, especialm ente numa breve descrição. Diz-se que
este grande mantra contém a síntese viva das cinco sabedorias
(associadas aos cinco Budas Dhyani). Portanto, ele reúne e concentra as
verdades fundamentais do Tantra tibetano.4
De acordo com a lenda, Avalokiteshvara, o Bodhisattva da
Compaixão, dos reinos celestiais de paz, olhava para o sofrimento e
confusão nos mundos da ilusão. Tão pleno estava de intensa compaixão,
que seus pensamentos, gerando o desejo de libertar todos os seres,
fizeram sua cabeça explodir em inúmeras cabeças. De seu corpo
saltaram centenas de mãos protetoras. Em cada palm a apareceu um
olho. Assim , a com paixão de um Bodhisattva não é um a em oção cega,
mas am or com binado com sabedoria; a sabedoria da unidade interior de
toda a vida levando à capacidade de sentir o sofrimento do mundo e dos
outros como se fosse nosso. (Veja figura 21, p. 142.)
John Blofeld, em M antras, Palavras Sagradas de Poder, conta
uma bela história chinesa típica dos contos narrados para dem onstrar o
poder do mantra de Avalokiteshvara. Um guerreiro cruel, fugindo de
uma batalha, refugiou-se num pequeno eremitério onde viviam apenas
um jovem servidor e um lama idoso. Depois de forçá-los a encher os
alforjes com objetos valiosos do templo, exigiu que lhe preparassem
uma cam a na sala do santuário. Ali ele adormeceu perto da estátua de
Kuan Yin (um a versão chinesa de Avalokiteshvara). O velho lama,
sentindo grande compaixão pelo seu genioso visitante e sua insensatez,
sentou-se próximo a ele e em sussurro entoou o mantra OM MANI
PADM E HUM durante toda a noite.

(3) Govinda, Foundations o f Tibetan Mysticism, p. 213.


(4) Govinda, Foundations o f Tibetan Mysticism, p. 223.

141
Fig. 21. Avalokiteshvara. Nesta representação, ele tem quatro braços e uma face e
personifica a Grande Compaixão (Karuna) da Mente Iluminada. OM MANI
PADME HUM é o seu mantra. Da coleção thanka de Sergei Diakoff, aqui
reproduzida com permissão.
O guerreiro teve m uitos sonhos em que gozava de m uita felicidade
em vidas anteriores com outras pessoas que eram bondosas e amáveis
com ele. Cada um desses sonhos agradáveis era seguido por outro em
que as pessoas que haviam cuidado dele eram suas vítimas na vida
presente. Nesses sonhos ele sofria a dor dilacerante de matar, decapitar
ou de qualquer outro m odo torturar e m altratar essas pessoas que haviam
sido tão bondosas com ele.
Ele acordou encharcado de suor c cheio de remorso. Lançou-se por
terra ante a estátua de Kuan Yin e bateu sua cabeça na laje. Quando o
lama lhe serviu o desjejum , o guerreiro curvou-se diante dele e implorou
para ser aceito com o discípulo.
O lama não o aceitou, dizendo que a vida m onástica não fora feita
para ele. Disse-lhe que continuasse seu caminho, encorajando-o a usar
sua força e qualquer riqueza que pudçsse adquirir a favor do bem-estar
dos oprim idos, pois qualquer um poderia ter sido sua m ãe, seu pai ou
um bom am igo numa vida anterior.
Surpreso pela semelhança entre as palavras do lam a e sua noite de
sonhos, o guerreiro im plorou ao lama que lhe desse algum a coisa em
que se apoiar em sua vida dali por diante. O lama disse-lhe que não ha­
via nada m ais forte que o poder da compaixão. Se a sua coragem va­
cilasse devido ao peso de seu mau carm a, ele deveria deixar o poder do
mantra OM MANI PADM E HUM dar-lhe a força para não ceder à
crueldade.
Depois de, envergonhadam ente, devolver os pertences do templo,
ele partiu. Conta-se que alguns de seus antigos subordinados certa vez
o reconheceram trabalhando com o alm ocreve num a com unidade de
monges num rem oto m osteiro no cum e oriental do W u T ’ia.5

(5) John Blofeld. Mantras, Sacred Words o f Power (Londres: Unw


Hyman, 1977), pp. 34-35. [Mantras, palavras sagradas de poder, Editora Cultrix,
São Paulo, 1987. Págs. 53-5.)

143
Ioga do Sonho

Os sonhos têm embaraçado a mente consciente ao longo de toda


a história — e a com unidade científica moderna não é exccção. Várias
escolas de psicoterapia têm suas próprias explicações e técnicas para
analisar e decifrar os sonhos. Culturas antigas entendiam que o sonho
levava a pessoa a mundos sobrenaturais onde viviam deuses e demônios.
Considerava-se m uita tolice m enosprezar as ordens dos deuses en­
contrados no mundo dos sonhos. Em algumas culturas havia lugares e
rituais sagrados que as pessoas podiam utilizar para invocar esses deuses
em tempos de necessidade. Por exem plo, havia aproximadamente 400
templos de sonho na Grécia antiga. As pessoas podiam dormir no templo
para obter orientação ou cura dos deuses ou deusas que ali moravam.
Uma prática semelhante existia no antigo Egito.
Muitos sonhos são reflexos dos céus interiores nos reservatórios da
nossa psique pessoal. Na nossa consciência diária, organizamos eventos
e percepções dentro da estrutura do espaço e tempo tridimensional que
nos é familiar. Nossa experiência racional é ainda m ais limitada por
padrões conceituais culturais e pessoais. A psique m ais ampla não
conhece essas limitações. É por isso que é tão difícil compreender os
eventos e símbolos que irradiam a partir desses reinos. Apesar disso,
algum dia talvez concordem os com as tribos aborígines que acreditam
que o tempo de sonho é mais im portante que a vida de vigília. Eles
acreditam que a vida, como a conhecem os, é um evento que está sendo
sonhado por Algo Mais.
Os sonhos são uma grande fonte de discernimento e cura; eles
transferem informação de um para outro entre os vários níveis de nossos
eus interiores. Experiências do m undo exterior são digeridas nos sonhos,
e neles também são m etabolizados eventos e processos que acontecem
em todas as dimensões da psique. Nossos sonhos têm um impacto sobre
a nossa vida de vigília muito m aior do que imaginamos.
A psique mais am pla estende-se sobre o passado e o futuro. Os
sonhos, por conseguinte, são com postos por uma incrível integração de
informação e experiência — orientação espiritual, pré-cognição, expe­

144
riências fora do corpo, telepatia com seres encarnados e desencarnados,
dram as arquetípicos, inspiração, auto-reflexão, humor, fantasias selva­
gens, recordações de vidas passadas e da infância, desejos, medos,
com pensações, processos corporais, “ruído” no sistem a nervoso e, como
Jung dizia, “sabe o céu o que m ais”. Isto tudo é dram atizado em
símbolos e metáforas — alguns dos quais talvez nunca sejam entendidos
pela mente racional — que galvanizam certos fatores psicológicos e
criam, ou nos arrastam para, as várias espécies de eventos físicos que
encontram os em nossa vida de vigília.
A médium Jane Roberts, em The Nature o f the Psyche, canalizou
idéias de Seth sobre com o podem os testem unhar a criação de eventos
externos pela psique no estado de sonho. Seth usa a m etáfora do oceano
formando ondas para mostrar com o as operações interiores da psique
respingam para o dom ínio de nossa consciência desperta. Ele propõe
que, pela criação dos eventos, a psique experim enta sua própria
realidade, do mesmo modo que, falando, ouvimos nossa própria voz.6
Seth explica com o o ego-self também tem influência na con­
formação do seu próprio destino. Seus padrões em ocionais, preconceitos
e hábitos, em vários graus, ressoam com apenas um pequeno número de
predileções da psique mais ampla. É através dessas predileções que
alguns eventos se manifestam, enquanto outros continuam sendo meras
probabilidades.7
Para com eçar a explorar o estado de sonho, precisam os nos
aperfeiçoar para lem brar os sonhos. Um pequeno travesseiro cheio de
artem ísia estim ula a recordação dos sonhos, o mesm o acontecendo com
algum as gotas de um a tintura feita da erva tom ada antes de dormir. O
com plexo vitam ínico B também tem sido recom endado para melhorar a
lem brança do sonho. Ao adorm ecer, anteveja as aventuras que o
esperam na terra dos sonhos e program e-se para lem brar-se delas.

(6) Jane Roberts, The Nature o f the Psyche (Englewodd Cliffs, NJ: Prentice
Hall, 1979), p. 130.
(7) Roberts, The Nature o f the Psyche, pp. 136-41.

145
Quando acordar, em qualquer momento da noite ou pela manhã,
permaneça deitado com os olhos fechados e reviva tantos eventos de
sonho quantos possa lembrar. Não se preocupe com a seqüência. Ao
repassar as imagens várias vezes, você perceberá que é capaz de lembrar
mais e mais detalhes e cenas. Nesse estágio, concentre-se apenas nos
sentimentos das imagens. Grave esses sentimentos e imagens cuida­
dosamente numa fita ou num diário, sem tentar analisá-los ainda.
Acostume-se a reviver esses sonhos do mesmo modo que uma criança
ouve uma história. Deixe que o significado dessas histórias emerja
espontaneam ente, em vez de interpretá-lo com a razão.
O problema da m aioria dos m étodos psicanalíticos que lidam com
sonhos é que eles envolvem apenas o ego-consciente. Como vimos, o
sonho é um domínio experimental além do mundo do ego; seu
significado verdadeiro freqüentemente se perde quando reduzido à
estrutura referencial do ego. A participação direta no sonho é, pois, um
enfoque mais adiantado.
Você pode ter tido a experiência de “acordar” num sonho. Para sua
surpresa, você podia raciocinar e talvez até agir deliberadamente, após
compreender que estava sonhando. Estes sonhos lúcidos podem parecer
tão reais com o a vida normal, ou nos causar m edo quando não
conseguimos reconhecer as circunstâncias. Porque os sonhos lúcidos se
parecem muito com a lembrança de eventos reais, eles foram rejeitados
pelos cientistas até pesquisas recentes na Universidade de Stanford. O
pesquisador de sonhos de Stanford, Dr. Stephen L a Berge, elaborou um
método pelo qual pessoas que têm sonhos lúcidos podem enviar
mensagens para o mundo extem o enquanto dormem. Quando essas
pessoas se tomam conscientes do sonho, movem os olhos de uma
maneira pré-combinada (padrões de ondas cerebrais provam que elas
estão dormindo).8
Na prática do Ioga do Sonho, iogues tântricos concentram a mente
meditativa nos sonhos. Uma das proposições básicas dos budistas

(8) Stephen La Berge, Lucid Dreaming (Nova York: Ballantine, 1985),


p. 80.

146
tibetanos é que a encarnação é um ocasião auspiciosa, uma oportunidade
a ser valorizada e usada diligentem ente; o estado de sonho não é
exceção. De acordo com esses ensinamentos, as conseqüências mais
sérias dos pensam entos e ações são as condições que eles criam na
psique. Os ensinam entos tibetanos atribuem im portância considerável à
mente inconsciente. Eles reconhecem que a m anifestação desses
aspectos mais esotéricos da psique é limitada por papéis, condições
sociais e os m ecanism os de defesa da vida diária. O valor do estado de
sonho está no fato de ficarmos livres dessas restrições. A atenção à
conduta tanto quanto à Gestalt ambiental do estado de sonho oferece-
nos, portanto, uma excelente oportunidade de autoconhecimento.
O ioga do sonho é essencialm ente uma extensão da disciplina
budista da M editação Intuitiva. Se praticada na vida diária, essa atenção
poderá ser com maior facilidade introduzida nos domínios noturnos da
consciência. Na tradição tibetana, há inúmeras técnicas utilizadas no
ioga do sonho.
D urante o dia é im portante manter um forte desejo de reconhecer
o estado de sonho. Por isso é proveitoso morar num lugar solitário e
serenar a mente, durante o dia, de modo que possa haver maior
continuidade da consciência dium a para a notuma. Para m aior reforço
dessa intenção, som os orientados a praticar a observação de experiências
de vigília com o se fossem sonhos.
M anter a consciência ao adorm ecer é outra habilidade importante
que devem os dominar. Para que isso aconteça, a tradição tântrica dispõe
de diversas variações da técnica: aqui apresentamos um a variação
simples. Visualize um AH verm elho brilhante no canal central do seu
chakra laríngeo ao entrar nos reinos noturnos. M antenha uma cons­
ciência aguçada dele. Ignorando as divagações errantes da mente, traga
à lembrança as qualidades ilusórias da existência fenomênica. Depois de
uma prática consistente, você finalm ente estará apto a perm anecer
atento enquanto passa pela região de imagens hipnogógicas para entrar
no mundo dos sonhos.
No sono profundo, o ar vital (prana) acumula-se no chakra
cardíaco e no chakra da raiz. Quando o ar vital se move em direção aos

147
chakras laríngeo e sacral, o sonho aparece. Quando esse ar sobe aos
chakras do plexo solar e da cabeça, nós acordamos. Concentrar-se no
centro da garganta, portanto, faz com que o prana do centro do coração
fique mais fraco, de modo que o sono será mais leve e a consciência
mais clara. Os sonhos produzidos pela focalização no chakra laríngeo
supostamente perduram por mais tempo, motivo pelo qual podemos
praticar o ioga do sonho por um tempo mais longo.
Outro fator relacionado com a qualidade da consciência durante o
sono está ligado à quantidade de ar que flui pela narina esquerda ou
direita. D eitar sobre o lado direito ao adormecer favorece a passagem de
mais ar pela narina direita, o que por sua vez ativa o hemisfério
esquerdo do cérebro, estimulando as qualidades racionais do hemisfério
esquerdo e aumentando nossa habilidade de “despertar” durante o
sonho.9
E também útil dorm ir por pequenos períodos de tempo. Cada vez
que você acordar, reveja se estava ou não consciente enquanto dormia.
Volte a'do rm ir enquanto revê quaisquer sonhos que possa lembrar com
a atenção focalizada na sua visualização do chakra laríngeo. Você pode
também dizer a si mesmo: “Acordarei em meus sonhos.” Repita isso
várias vezes com convicção.
Na pesquisa de La Berge em Stanford, descobriu-se que os sonhos
mais lúcidos ocorrem durante os períodos REM (m ovim ento rápido dos
olhos) e que a freqüência e duração do sono REM aum enta na parte final
do sono noturno. As primeiras horas da manhã, após um bom sono, são
portanto as mais propícias para a prática do ioga do sonho.
Em determ inado ponto de sua prática, você acordará no sonho. De
repente você compreenderá: “Isto é um sonho! Estou sonhando!” Em
Journey to Ixtlan, obra de Carlos Castafieda sobre suas experiências com
o feiticeiro Don Juan, Carlos foi instruído a lembrar-se de olhar para as

(9) Para maiores informações sobre o ioga do sonho, ver Charles Mu


Esoteric Teachings o f Tibetan Tantra (York Beach, ME: Samuel Weiser, 1961),
pp. 200-20.

148
mãos quando ficasse lúcido durante um sonho. Don Juan estava lhe
m ostrando um a maneira de “estabilizar seu corpo de sonho”.10 Depois
de conseguir acordar num sonho, a próxima tarefa é permanecer
consciente.
Um dos problemas que La Berge encontrou em sua pesquisa foi
que com freqüência temos a tendência de acordar fisicam ente quando o
sonho lúcido começa, em especial quando o conteúdo emocional é
am eaçador ou intenso.
O conflito emocional costum a ser a causa do término prematuro de
um sonho lúcido. Por exemplo, sonhos lúcidos seguidam ente se rela­
cionam com experiências sexuais. Se um a pessoa é sexualm ente inibida,
em geral ela interromperá um sonho lúcido de conteúdo sexual na
origem , acordando em vez de perm itir conscientem ente a experiência.
Em L ucid Dreaming, La Berge explica que, para superar esse obstáculo,
é útil m udar nossa atitude consciente para ficarmos menos inibidos.11
Algumas pessoas se tomam muito envolvidas em ocionalmente, o
que pode fazer com que percam a objetividade ou se identifiquem com
o sonho em si. Em ambos os casos, o distanciam ento emocional é
im portante. A solução de La Berge é simples: “Não entre em pânico!
Perm aneça calm o”.12
Depois de aprender a perm anecer despertos num sonho, os
ensinam entos tibetanos nos encorajam a exercitar nossa vontade para
alterar a experiência do sonho. Depois de se tomarem peritos em alterar
o conteúdo do sonho, os iogues tibetanos transformam-se em divindades
m editativas e transportam-se para suas m oradas-mandala. No plano
astral, os blocos principais do edifício da realidade são configurações
mentais e emocionais. Pela transform ação de objetos e eventos do
sonho, com preendem os a insubstancialidade essencial desses aspectos de
nós mesmos.

(10) Carlos Castaneda, Journey to Ixtlan (Nova York: Pocket Books, 1975).
(11) La Berge, Lucid Dreaming, pp. 118-20.
(12) La Berge, Lucid Dreaming, pp. 118.

149
Em L ucid Dreaming, La Bcrge compartilha uma de suas ex­
periências para ilustrar os efeitos terapêuticos de transformação do
ambiente do sonho. Sonhando que estava em meio a um tumulto na sala
de aula, um grandalhão com o rosto marcado pela varíola mantinha-o
fortemente agarrado, e ele tentava escapar. Quando percebeu que estava
sonhando, lembrou que cm situações semelhantes havia aprendido a
parar de lutar. Então compreendeu que a batalha era um sonho e que o
conflito estava dentro dele mesmo. Teve então uma consciência lúcida
de que o valentão repulsivo era uma personificação de alguma coisa que
ele estava negando dentro de si mesmo. Com preendeu também que a
harmonia interior só prevaleceria pela aceitação do que quer que o
bárbaro representasse. Sua prim eira tentativa para sentir amor pelo seu
ogre falhou, e sucumbiu à aversão pelo valentão. Ele tentou ignorar suas
reações viscerais e procurou am or em seu coração. Quando fez isto,
olhou o bárbaro nos olhos e palavras de aceitação jorraram de sua boca.
O ogre diluiu-se dentro dele e o tumulto desapareceu. O sonho terminou
nesse ponto e La Berge acordou sentindo-se m aravilhosamente calm o.13
Lem bre-se de que a nossa mente é realmente um mundo de sonho
também. N ossa experiência de vigília, como um sonho, não é uma
realidade sólida ou absoluta, mas essencialmente metafórica. Represen­
tamos externam ente nossos dramas psicológicos com co-autores com
quem estam os ligados pelo carm a ou com quem pelo menos com ­
partilhamos uma ressonância cármica. Como no estado de sonho, não
precisamos sofrer com nossas interpretações desses eventos — estamos
livres para alterar nossa percepção deles e a resposta que lhes damos.
Até nos tom arm os Budas (despertos), é útil lem brar que estamos
sonhando.
A prática do ioga do sonho é finalmente usada para penetrar nos
estados superiores de consciência. Transformar-nos em várias divin­
dades, de m aneira semelhante às nossas práticas de meditação, e con­

(13) La Bcrge, Lucid Dreaming, pp. 12-3.

150
centrar-nos intensam ente em seus estados de contem plação na Luz Clara
do Vazio é a meta do Ioga do Sonho.
Recebi orientação espiritual, encontrei divindades tântricas, e
usufruí muitas experiências m ísticas no plano astral durante o sonho. Eu
gostaria de com partilhar um a dessas experiências agora e de mencionar
várias outras no decorrer deste livro.
Num sonho lúcido, fui certa vez levado por um guia espiritual
numa viagem através da m inha coluna. Vi com o o mundo se apresenta
em cada chakra. Experim entei cada nível de consciência e percebi como
ele é condicionado por im agens e programas a ele associados. Através
do chakra coronário, aventurei-m e às regiões radiantes e, por fim, fui
absorvido por uma m aravilhosa luz branca-dourada. Só muitos anos
mais tarde voltei a viver esse nível de consciência na meditação.

Morte, Transfiguração e Renascimento

Estreitam ente relacionado com a prática do ioga do sonho, O Livro


Tibeiano dos M ortos treina um iogue para reconhecer a Luz Clara do
Vazio no momento da morte e, assim , obter a libertação. Antes de es­
tudar o estado pós-morte e as práticas de meditação que nos prepararam
para fazer o melhor uso dele, uma vez mais vamos tratar da psicologia
junguiana para explorar a ocorrência universal da iniciação à morte.
N a evolução do ego-self a consciência se consolida num a estrutura
individual, m as temporal. Há, todavia, um impulso inerente em nós para
transcender esta limitação. Antes que isto aconteça, o velho self deve
morrer. A transfiguração do “eu” que acontece nesse estágio é
relacionada universalm ente com uma iniciação à morte no mito e na
religião. No mito, a morte do herói leva ao renascim ento (ressurreição)
de um deus ou ser imortal. A morte, ressurreição e ascensão de Jesus
é um exem plo perfeito de com o esse mito freqüentemente é projetado
em heróis religiosos.
No antigo culto egípcio a Osíris, encontramos outro bom exemplo
de iniciação através de uma experiência de morte. N a esteira do mito de
Osíris, que descreve como ele se uniu ao deus-sol Rá para tornar-se

151
imortal através da morte, neófitos eram colocados num sarcófago por
alguns dias. Durante este tempo eles passavam por muitos testes nos
planos interiores. Se fosse bem sucedido (na verdade, alguns nunca
voltavam a seus corpos), o iniciado retom ava com conhecim entos de
além da morte.
No The Psychology o f the Transference, Jung ponderou que a
transfiguração do cgo-self representada no diagrama alquímico do
Rosarium Philosophorum segue-se à coniunclio a que nos referimos ao
falar do chakra cardíaco.
Morte: Aqui o Rei e a Rainha jazem mortos. Em grande aflição,
a alma é apressada a partir. (R osarium )14 Tendo-se fundido num único
corpo, o casal divino é colocado num ataúde. (Veja fig. 22, p. 153.)
Também mencionado com o “putrefação” em textos alquímicos, este
estágio simboliza o estado de dissolução em que os agregados que
compõem o ego-self são desfeitos. No aspecto sombrio desta fase
psicológica, podemos sofrer uma desilusão com o aparente vazio da
vida. Se não compreendemos esse processo de degeneração, podemos ir
tolamente em busca dos padrões do velho ego. Ou, se o anseio pela
transformação foi desvirtuado, poderem os surpreender-nos ponderando
sobre o suicídio.
Um desejo de morrer poder surgir quando o cam inho para a
individuação é bloqueado por atitudes do ego-self. Impulsos suicidas,
neste caso, são comunicações sim bólicas do inconsciente de que atitudes
que permanecem no caminho da nossa transformação espiritual devem
m orrer.’ Além do pré-conhccim ento, ou mesmo da assistência
psicológica ou espiritual, isso requer uma boa dose de coragem. O
processo de “ morrer” é terrível para o ego-self; o nascimento da

(14) Citado de Carl Jung, The Psychology of lhe Transference (Prince


NJ: Princeton University Press, 1966), p. 95. Há também várias publicações sobre
alquimia que vocc pode explorar visto que hoje o interesse por esse assunto está
aumentando novamente.

152
Fig. 22. Animae Exiraclio Vel. Representação extraída do texto alquímico Rosa­
rium Philosophorum, retratando a morte c a purificação (pulreficalion per au) dos
corpos unificados da Lua e do Sol enquanto a alma se eleva.
identidade transpessoal que se segue é inimaginável ou, no máximo,
duvidoso para o self agonizante.
O terapeuta junguiano John Sanford, em Healing and Wholeness,
diz que a iniciação à m orte também pode ocorrer sob a aparência de
uma doença debilitante. Ele m enciona que nosso relacionam ento com as
forças arquetípicas nesse nível da psique é uma questão delicada. Estas
impressionantes representações, com o os deuses e deusas de religiões
antigas, são muito temperamentais. Se os ignoramos ou os desres­
peitamos, podemos incorrer em sua ira. Assim, quaisquer desordens
psicológicas misteriosas ou doenças físicas forçam o self consciente a
um período de retirada c de incubação. Esse tipo de doença pode
dissolver a estrutura cristalizada do ego, possibilitando que novos
aspectos da psique surjam durante a convalescença.
Sanford prossegue dando exem plos de como a doença pode servir
como iniciação na vida de curadores primitivos. Os xamãs são chamados
freqüentem ente a seguir sua vocação através de uma doença iniciática.
Durante uma crise psicológica intensa ou doença física, o futuro xamã
(masculino ou feminino) passa pela experiência de ser levado pelos
demônios da doença e da morte. Um retom o à saúde ocorre somente
depois que a pessoa aceita a com unicação do mundo dos espíritos com
relação ao tipo de vida que deverá seguir.15
Jung também constatou que o m istério da iniciação à morte pode
ser representado num sonho. Em Aion, ele apresentou o seguinte
exemplo: um jovem sonha que está subindo uma montanha. No topo, ele
vê um altar e um sarcófago com um a estátua dele mesmo sobre o altar.
Um sacerdote encoberto por um véu, carregando um báculo com um
disco em form a de sol vivo, aproxim a-se dele. De repente, ele percebe
que está morto. Sente privação e m edo em vez da sensação de conquista
que sentia ao subir a montanha. Assim que se banha nos raios aquecidos
do disco-sol, entretanto, sente-se rejuvenescido e forte.

(15) Sanford, Healing and Wholeness, pp. 64-5.

154
Jung m enciona que esse sonho mostra a diferença entre a iniciação
e o mito do herói. O ato de subir a m ontanha é como um teste de força
associado ao desejo de adquirir a consciência do ego na fase heróica. O
jovem paciente pensou que a terapia poderia ser um empreendimento
heróico. A cena do sonho junto ao altar corrigiu esta suposição errônea.
Vendo-se a si mesmo morto c sepultado, o sonho ensinou que ele devia
sujeitar-se a um poder m aior do que ele mesmo. Som ente através de sua
iniciação à morte e dessa subm issão ele poderia experim entar o
renascim ento.16
No Tantra tibetano, a m orte — no seu sentido m ais literal — é
usada com o uma iniciação. O Livro Tibetano dos M ortos (Bardo-
Thõdol, ou Livro da Liberação pela Escuta no Plano Pós-Morte)
poeticamente descreve como, após termos deixado o corpo pela morte,
permanecem os por algum tempo nos reinos interiores (Bardo, lite­
ralmente, “estado interm ediário”) e encontramos várias divindades
pacíficas e iracundas. Se podemos nos identificar com a Luz Clara do
Vazio e m antem os a consciência de que tudo o que experim entam os é
ilusão, então conseguim os a libertação. Se não formos capazes de fazer
isso, seremos controlados por forças cárm icas que, a seu tempo, nos
farão retom ar a outro corpo físico.
Há três fases, ou estados Bardo, pelas quais passam os depois da
morte em nosso retom o a outra encarnação. De acordo com Joseph
Cam pbell, em The M ythic Im age, o primeiro estágio, “Estado
Intermediário do M om ento da M orte” (Bardo C hikhai), relaciona-se
com os estados de consciência do sexto c sétimo chakras despertos.
Depois do momento da morte, podem os não perceber que nos separamos
do corpo. Em nossa confusão, ou mesmo em nosso sono-transe,
normalmente não reconhecem os a Luz Clara do Vazio e nem
permanecem os em sua pureza sem sermos distraídos por pensamentos.

(16) Carl Jung, Aion, Bollingen Series, Vol. IX (Princeton, NJ: Princet
University Press, 1959), p. 194.

155
Deste modo, para os não instruídos, este primeiro estágio do pós-vida
conduz à segunda fase.
O Bardo Choyid, ou “Estado Intermediário de Experiência da
Realidade”, relaciona-se com as funções psicológicas do quinto chakra.
Acordando no segundo estágio e com preendendo que morremos,
ficamos intimidados pela luminosidade da luz radiante das Cinco
Energias da Sabedoria (os cinco Budas Dhyani) c retomamos à luz
opaca das alucinações da nossa mente. O que pensamos e fizemos
enquanto estávamos no corpo inunda a nossa consciência em numerosas
experiências semelhantes a um sonho. Os ensinamentos tibetanos
repetidamente nos lembram, entretanto, que o que vemos neste estágio
é uma projeção do nosso próprio conteúdo mental. A prática do ioga do
sonho é obviamente uma boa preparação para o conhecimento e a
concentração necessários neste momento.
O último estágio, “Estado Intermediário de Busca do Renas­
cim ento” (Bardo Sidpa), tem dois subestágios que correspondem à
consciência do quarto chakra c dos chakras três, dois e um .17 Os budistas
sustentam que inicialmente desfrutam os de visões agradáveis e colhe­
mos os frutos de nossos impulsos e aspirações da nossa natureza
superior. Assim que essas forças se esgotam, descemos pelos reinos
interiores, onde surgem visões nascidas da nossa natureza inferior.
Embora estas nos apavorem , som os inseparáveis delas c não podemos
escapar.
A medida que as experiências se tomam mais concupiscentes e
sensuais, sentimos um desejo irresistível pela vida da carne. Desse
modo, o apego à realidade que conhecemos e nossas predileções
cármicas arrastam-nos ao terceiro estágio da vida após a morte, a vida
intra-uterina.
O propósito do Bardo Thõdol é ensinar-nos a nos vincular à visão
da Luz Clara do Vazio no prim eiro estágio. Se conseguimos fazer isto,

(17) Joseph Campbell, The Mythic Image, Bollingen Scries, Vol. C (Prin
ton, NJ: Princeton University Press, 1974), p. 394.

156
então apenas precisam os encontrar as experiências m ais espirituais do
primeiro estágio antes de passarm os a outros reinos da existência ou
escolhermos o renascimento com o um Buda sem quebrar a continuidade
da consciência.
Se não conseguim os obter a libertação no prim eiro estágio, então
começamos a descer pelos seis reinos da existência. O panteão de
divindades encontradas nesses vários domínios (no Bardo Thõdol)
representam as forças universais ativas nos diferentes níveis da psique.
Seu aparecim ento na m itologia do estado pós-morte sim boliza os
estágios e forças que ocorrem no cam inho do desenvolvim ento psíquico.
Se somos incapazes de m anter a Luz Clara no primeiro estágio,
ainda podem os obter a libertação refugiando-nos nos cinco Budas
Dhyani, que aparecem um após outro no segundo Bardo. Abandonando
as ilusões da nossa mente, seus vários elementos podem ser
transformados na Energia da Sabedoria de cada um dos cinco Budas
Dhyani. Com preendendo que as formas temporais do corpo-mentc não
são o que som os, despertam os para a Eterna Luz Clara do Vazio e
experim entam os o Dharm akaya (corpo da verdade).
Se não formos libertados até esse momento, devido às forças
pertinazes da mente inconsciente que nos têm controlado por muitas
vidas — e que ainda agora nos impelem a descer aos níveis inferiores
— , então, no sexto dia, os cinco Budas Dhyani e suas consortes e
servidores aparecem sim ultaneam ente. (Veja fig. 23, p. 158.)
Se, entretanto, falham os em nos manter unidos à Luz Clara e
continuamos a ser indulgentes com as ilusões da nossa mente, no sétimo
dia aparecem os M antenedores do Conhecimento (Vidyadharas). Essas
cinco divindades e seus consortes manifestam-se com um a hoste de
dakinis e seus servidores, conjunto este que com põe a m andala dos
Mantenedores do Conhecim ento. Se compreendemos que esses mestres
espirituais vieram para guiar-nos ao “Reino Puro do Espaço” c
focalizamos a mente em suas cinco luzes coloridas, então a Libertação
pode ser alcançada.
Não concluindo esta etapa, as divindades acim a transformam-se
cm 58 divindades sugadoras de sangue. Esta mandala das divindades

157
Fig. 23. A Grande Mandaladas Divindades Pacíficas. Esta mandala retrata os cinco
Budas Dhyani aparecendo com suas consortes e é usada em conjunto com as
práticas de meditação associadas ao Livro tibetano dos mortos. Ilustração do
Livro tibetano dos mortos, de W.Y. Evans-Wcntz. Copyright 1960 de W.Y. Evans-
Wcntz. Reproduzida por gentil permissão de Oxford University Press, Nova York
e Londres.
iracundas (veja fig. 24, p. 160) representa as forças m entais necessárias
para vencer as ilusões e paixões do ego-self. A pessoa comum muito
provavelmente continuará a cair nos reinos inferiores, tentando escapar
dessas divindades am edrontadoras. Mas um iogue tântrico, tendo-as vi­
sualizado na m editação, reconhece-as c funde-se com elas. Assimilando
seus atributos, a Libertação é finalmente alcançada pelo iogue.
O Bardo Thõdol baseia-se na prem issa de que através dos portais
da morte entram os nos mesmos reinos de consciência que atingim os cm
estados avançados de meditação. Se mantivermos um alto nível de clari­
dade e propósito no momento da morte, teremos a oportunidade de ju n ­
tar-nos à comunidade daquelas alm as iluminadas que Foram Além
(Tathagatas).
Jung ficou fascinado pelo Bardo Thõdol e escreveu em seu
Comentário Psicológico à edição de Evans-W entz que estava fortemente
inspirado pelas suas intuições profundas sobre a natureza da psique
humana. Ele revela que nossa psicologia ocidental tem explorado apenas
o mais inferior dos três níveis da psique, que corresponde aos estados
pós-morte. A ciência ocidental, portanto, tem as duas regiões restantes
mais sutis para descobrir.18

Cortando Apegos

A partir do quinto chakra, o caminho da libertação é muito ín­


greme. Com o um alpinista, precisam os de equipam ento apropriado para
a escalada. De acordo com o Tantra budista, há três provisões
importantes para esta jornada: o motivo iluminado da compaixão (que
estudamos no capítulo anterior), a visão correta da vacuidade (que
estudaremos m ais adiante) e renúncia à mente.

(18) Carl Jung, “Comentário Psicológico”, in The Tibetan Book o f t


Dead, W.Y. Evans-Wentz, org. (Nova York & Londres: Oxford University
Press, 1960), pp. xxxvi, xiii-xliii. [O livro tibetano dos mortos, Editora Pensa­
mento, São Paulo, 1985, p. xxxv.]

159
Fig. 24. A Grande Mandala das Divindades Mantenedoras do Conhecimento e
Iracundas. Esta mandala contém as manifestações coléricas dos cinco Budas
Dhyani, usadas nas práticas de meditação associadas ao Livro tibetano dos mortos.
Ilustração do Livro tibetano dos mortos, de W.Y. Evans-Wentz. Copyright 1960 de
W.Y. Evans-Wentz. Repnodúzido por gentil permissão da Oxford University
Press, Nova York e Londres.
Para muitos de nós, a palavra renúncia traz associações negativas,
talvez figuras de monges ou monjas vivendo vidas austeras. Mas o ato
de renúncia budista não é a prática de negar objetos ou desejos; é
abandonar a crença no ego-self.
Nosso apego ao ego-self, com posto pelas ilusórias ramificações
das cinco energias da sabedoria, mantém-nos presos ao mundo da ilusão
chamado Samsara no Tantra. Em sânscrito, Samsara significa lite­
ralmente “circular”. Refere-se ao círculo da existência (a roda de
nascimento e morte). O Sam sara algum as vezes é erroneamente
considerado uma situação objetiva da qual precisamos fugir. Numa
palestra na Califórnia, o Lama Yeshe relatou a seguinte história sobre
o criado de um lama altam ente respeitado.
Um dia esse servo começou a usar o hábito de monge. Quando
enviado em missão a outro lama, este perguntou-lhe sobre o seu
progresso espiritual. O criado respondeu que acabara de trans­
cender o Samsara. O lama ficou muito curioso e suplicou-lhe
que lhe revelasse o método que propiciaria tão alto nível de realiza­
ção. O criado respondeu, ao acaso, que simplesmente despira suas
roupas de leigo.
M udar nossa condição física (roupas de m onge ou vida em
mosteiro) não nos retira da roda da morte e do nascimento, assim como
da prisão cárm ica dentro da mente.

Meditação Chõd

Para aperfeiçoar a renúncia, os iogues tântricos cumprem um ritual


chamado Chõd, que literalmente significa “cortar”. Nessa prática, o
iogue corta seu apego ao corpo e ao ego por meio de uma oferenda
sacrificial do corpo. O Chõd era executado tradicionalm ente na hora do
crepúsculo, cm lugares remotos ou assustadores, tais como cemitérios,
e muito provavelm ente evoluiu de um rito pré-budista de sacrifícios ao
demônio. Tsultrim Allione, em seu livro Women ofW isdom , conta como
se julgava que as oferendas feitas nessa hora e nesses lugares saciavam

161
os fantasmas famintos de m odo que não afligissem pessoas inocentes.19
O ritual da meditação é acom panhado por um pequeno tambor, um sino,
pela voz humana e por uma com eta feita de um osso da coxa humana.
Os sons resultantes são muito sinistros, produzindo vibrações específicas
no corpo.
A prática Chõd está fundamentada no conhecim ento de que sob a
turbulência do ego-self existe a M ente búdica em sua bem-avcnturança
inerente. Se pudermos cortar as tendências do ego-self, a Mente búdica
emerge naturalm ente.20
Comece, como de costume, com a meditação do Refúgio. Ao
alcançar um estado de tranqüilidade, visualize o canal central que
percorre o eixo do seu corpo desde o topo da cabeça até a base da pelve.
Esse canal é oco, com a dim ensão aproximada do seu dedo mínimo e
a cor translúcida de uma cham a azul. Dentro dele, na altura do plexo
solar, encontra-se uma pequena bola de luz. Ao inspirar, sinta o ar vital
sendo aspirado para os canais direito e esquerdo (de cor vermelha e
branca) desde as narinas até o primeiro chakra. Aí o ar vital entra no
canal central e é forçado para cim a durante a expiração. Isso ventila a
bola de luz, tom ando-a mais e mais quente a cada respiração. Repita o
mantra OM AH HUNG; as primeiras duas sílabas enquanto inspira e a
última enquanto expira.
No topo da bola de luz, uma feroz deusa negra está em pé apoiada
na perna esquerda (fig. 25. p. 163). Ela está nua, exceto por poucos
ornamentos de osso e um colar de crânios humanos. Seus órgãos genitais
são claram ente visíveis, vermelhos, inchados e úmidos. A cabeça de um
javali projeta-se do lado direito de sua cabeça e sua perna direita está

(19)Tsultrim Allione, Women o f Wisdom (Londres: Arkana, 1986), pp.


145-49.
(20) Para maiores informações sobre a prática Chõd, reporte-se a Khetsun
Sangpo Rinbochay, Tantric Practice in Nying-Mapa (Ithaca, NY: Snow Lion,
1982), pp. 161-66.

162
Fig. 25. Vajra Varahi é uma das principais dakinis tântricas e uma expressão de
Vajra Yoguine. Ela é utilizada na meditação para despertar a Kundalini (Fogo
Dumo) e no Ritual Chõd, que está baseado na filosofia das escrituras do Prajna
Paramita. Às vezes ela é mencionada como a "Sementeira de Diamante” e tem a
cabeça de um javali projetando-se do lado direito de sua cabeça, simbolizando a
integração dos aspectos inconscientes da psique enraizados nos instintos animais.
Da Coleção Avery Brundage, Museu de Arte Asiática de São Francisco, Golden
Gate Park, São Francisco, CA. Reproduzido com permissão.
levantada numa postura de dança. Em sua mão direita levantada,
equilibrada para golpear, ela segura uma faca. Sua lâmina em forma de
lua crescente tem a ponta em gancho. Essa faca era usada para tirar a
pele de cadáveres nos cem itérios da índia. O cabo de sua faca é um vajra
(cetro tântrico) que sim boliza a energia diam antina do Vazio.
Postada sobre seu coração, sua mão esquerda segura uma boina
cheia de sangue. Aqui, a boina representa a sua vagina. Como o sêmen
branco de divindades m asculinas, o sangue é a sua essência espiritual.
Há um bastão que repousa na curvatura do seu cotovelo esquerdo.
O tridente no alto do bastão representa a transform ação dos três venenos
da mente: desejo, aversão e ignorância. Sob o tridente há um vajra duplo
e três cabeças austeras, que representam os três corpos (Kayas) da Mente
búdica. O primeiro crânio é velho e seco. É o Dharmakaya, o
transcendente Corpo da Verdade. Em bora vazio, ele contém todo o seu
potencial. O segundo crânio, com algumas semanas de idade, é o
Sambogakaya. Este é como um corpo astral que as divindades tântricas
usam para se manifestar a iogues avançados. A terceira cabeça,
recentem ente cortada, é o Nirmanakaya, personificação física da Mente
búdica.
A medida que você continua a projetar os ares vitais para cima, no
canal central, a bola de luz e a Dakini Negra (Vajra Varahi, a
Sementeira de Diamante) sobem lentamente no interior do canal.
Quando elas atravessam o topo da sua cabeça, sua consciência funde-se
com elas. Olhando atento para o seu corpo anterior, você pode ver que
é muito grande. Como a Dakini Negra, você se agacha e corta o topo
da sua cabeça, logo acim a dos olhos. A seguir, coloca esse crânio
invertido sobre os três crânios enormes à sua frente. A bola de luz, que
se transformou na flamejante sílaba tibetana a, arde intensamente sob o
crânio. (Veja fig. 26, p. 165.) Isto faz com que o crânio se expanda até
que fique suficientemente grande para receber o restante do cadáver
dentro dele.
Agora comece a retalhar as outras partes do seu corpo e coloque
pedaço por pedaço dentro do crânio-caldeirão. Preste atenção a
quaisquer sentimentos ou lembranças que possam surgir à medida que

164
Fig. 26. A sílaba tibctana a c o manlra-semenie invertido HAM. A sílaba tibetana
a se relaciona com o poder gerador da criação e é visualizada como chama ardente
no chakra-raiz em práticas que envolvem o despertar da Kundalini. O mantra-
semente HAM é visualizado de cabeça para baixo no chakra coronário. Quando o
calor do fogo interior derrete sua essencia-semente como se fora neve, seu néctar
embebe de bem-aventurança o corpo da pessoa que medita.
você corta as diferentes partes do seu corpo. Enquanto o corpo se
dissolve e ferve, visualize as impurezas surgindo na superfície e
transbordando para dentro da boca de demônios selvagens. Ao mesmo
tempo, o calor eleva-se sob a form a de vapor para o branco e frio
mantra-semente HAM (fig. 26), que está pendurado de boca para baixo
sobre o caldeirão. Como neve, seu néctar funde-se para se misturar com
a essência clarificada do seu cadáver.
No lado do caldeirão oposto a você, linhagens de adeptos e mestres
tântricos sentam-se sobre alm ofadas em semicírculo. Bodhisattvas e
Protetores do Dharma sentam-se atrás deles. Além destes, estão todos os
seus inimigos e pessoas com quem você tem algum débito. Sobre todos
eles, no espaço, os Cinco Budas Dhyani e suas consortes, dispostos cm
mandala, brilham sobre você. A partir do centro da mandala de quatro
pétalas, brilha a luz azul da Pura Sabedoria Absoluta de Vairocana.
Debaixo dele, emana a luz branca da Sabedoria Radiante de Aksobya.
À esquerda do centro, irradia a luz amarela da Sabedoria da Igualdade
de Ratnasambhava. No topo, cintila a luz verm elha da Sabedoria
Discriminadora de Amitabha. E à direita do centro brilha a luz verde da
Sabedoria Todo-realizadora de Amoghasiddhi.
Começando com os Cinco Budas e suas consortes, veja todos os
seres presentes participando da oferta do néctar do crânio. Embora todos
absorvam o néctar em grande quantidade, ele nunca diminui. Os cinco
casais de Budas absorvem o néctar através dos raios de luz que brilham
a partir de seus corpos. Os dem ais convidados são servidos por
numerosas dakinis azuis, brancas, amarelas, vermelhas e verdes, que
tiram néctar do imenso crânio cm conchas e oferecem a eles em seus
próprios crânios, que carregam na mão esquerda.
Quando todos foram servidos, você agita o néctar fervente c ele se
evapora em grandes nuvens. Estas se elevam sobre belos raios de luz e
arco-íris que preenchem todo o espaço. As nuvens então deixam cair
uma chuva suave de bênçãos, presenteando todos os seres sencientes de
todos os reinos. Todos esses seres são curados -e todas as suas
necessidades satisfeitas.
Depois disso, tudo se dissolve no Vazio. A última coisa a se

166
dissolver no Vazio é a leira verm elha flamejante a. Continue meditando
na vacuidade celestial do V azio enquanto você puder desfrutá-lo. Antes
de sair da m editação, ofereça m entalmente seus pertences mais
apreciados para proveito de todos os seres sencientes. Então sinta como
os Cinco Budas Dhyani e suas consortes estão satisfeitos com suas
oferendas. Em troca, eles lhe darão seus poderes espirituais para ajudá-
lo a rem over todas as suas obscuridades e defeitos remanescentes.

167
Capítulo Sétimo

O OCEANO DE NÉCTAR

O nome sânscrito para o sexto chakra é Ajna, que significa


“comando do alto”. O diagram a hindu mostra duas pétalas de lótus
ligadas a um disco lunar, considerado este como um reservatório para
o néctar que goteja do lótus de mil pétalas no topo da cabeça. O sexto
chakra comum ente é conhecido com o o oceano de néctar.
No interior do disco lunar encontramos um triângulo invertido,
símbolo dos órgãos genitais femininos, com um linga dentro dele. Há
dois outros chakras que contêm essa combinação de yoni e linga: o
chakra-raiz e o cardíaco. É nesses três chakras que o poder da Kundali-
ni está concentrado. Também mencionadas como “nódulos”, essas três
concentrações estão associadas com os corpos físico, emocional c
mental. (V eja fig. 27, à p. 169.)
O sexto chakra se localiza no centro da cabeça. Está associado à
faculdade da percepção e relacionado com o cérebro anterior e o córtex
cerebral. Estes, por sua vez, estão divididos em hem isférios direito e
esquerdo e nos dois modos básicos de percepção — intuitivo e racional,
respectivamente.
O hem isfério esquerdo está envolvido predominantemente com
processos conceituais lógicos, lineares e analíticos, com o a matemática.
Geralmente visto com o o hem isfério mais masculino, ele governa o lado
direito do corpo.

168
Fig. 27. O sexto chakra, Ajna, icm duas pétalas. Elas eslão unidas pela mandala
Candra, associada ao oceano de néctar que goteja do chakra da coroa e também aos
seis estágios de samadhi ou iluminação. Dentro do triângulo invertido, no interior
da mandala Candra, está o mantra-semente OM, representando o espírito mais
íntimo, associado à Mente pura ou Buddhi. Acima do mantra-semente OM está um
nadi c um bindu dourado, os quais, quando acrescentados ao OM, criam o mantra
Pranava. Este mantra expressa a relação entre o vazio c os fatores genéricos da
criação.
O hemisfério direilo é responsável principalm ente pela orientação
no espaço — por exemplo, o reconhecimento de padrões visuais com ­
plexos — e governa o lado esquerdo do corpo, tido com o mais receptivo
e feminino. Este hemisfério relaciona-se com a nossa aptidão para a arte
e a música, com o reconhecimento e a expressão da emoção e o
despertar de estados místicos ou intuitivos.
Os dois canais psíquicos sutis primários, que se originam no sexto
chakra e descem ao longo da coluna vertebral, podem ser associados às
funções dos hemisférios esquerdo e direito do cérebro. Um desses canais
está associado ao Sol e representa a força do dia. As energias solares são
consideradas centrífugas e movimentam a nossa consciência cm direção
à percepção racional. O outro canal está relacionado com a Lua e com
as energias da noite. Seu m ovimento centrípeto leva-nos à mente incons­
ciente em que experimentamos os poderes regeneradores c unificadores
da psique.
Observando o sexto chakra psiquicamente, percebe-se uma pers­
pectiva anterior/posterior mais do que um corte esquerdo/direito. A parte
frontal, perto da testa e das sobrancelhas, correlaciona-se com as
funções intelectuais e assertivas da consciência. A porção próxima do
centro da cabeça é mais receptiva e intuitiva.
As pessoas que vivem “racionalmente” — sempre pensando e
esquematizando — mostram uma grande quantidade de energia psíquica
na região da testa. Na verdade, a energia freqüentemente se distribui
pelas sobrancelhas à medida que as forças do intelecto procuram
controlar o mundo. Essas pessoas são surpreendidas em seus próprios
pensamentos e perdem o contato com “o que é”. Não sendo receptivas
à entrada do ambiente externo e intemo, elas parecem ter uma
necessidade neurótica de criar e seguir padrões conceituais rígidos, o
que lhes dá uma sensação de segurança e conhecimento. Daí que passam
o tempo criando suas próprias imagens mentais do m undo e impondo-
as à realidade.
As pessoas que têm como foco o centro da cabeça são mais
receptivas às informações em ocionais e intuitivas. Em lugar de tentar
manipular a vida para ajustá-la a idéias preconcebidas, elas intuem a

170
natureza inerente do universo. Contudo, sem a influência equilibradora
das faculdades racionais, esses tipos podem ter dificuldade de funcio­
namento dentro dos parâmetros racionais do nosso mundo mundano.
Idealm ente, o intelecto e a intuição se complementam. No mundo
moderno, todavia, a ênfase excessiva dada à atividade do cérebro
esquerdo tem perturbado esse equilíbrio. Quando o hem isfério direito é
desenvolvido e usado, habilidades intuitivas latentes abrem novas
perspectivas e a consciência do “eu” tem lampejos de sua unidade
essencial com tudo o que é. A percepção psíquica também é estimulada.
Às vezes o sexto chakra é cham ado de terceiro olho devido ao seu
potencial de clarividência, a habilidade de perceber as energias sutis dos
reinos não-físicos. Todos nós tem os este potencial. De fato, em várias
culturas antigas estas habilidades eram corriqueiras. Ver auras, ver os
chakras, o futuro, vidas passadas ou seres desencarnados, todas são
habilidades a que temos acesso com um sexto chakra desperto.
P erceb er a diversidade dos sentidos psíquicos facilita a
compreensão de como dois videntes podem dizer coisas muito diferentes
sobre a m esm a pessoa. A percepção psíquica é mais subjetiva do que
muitos sensitivos gostariam de admitir. Uma coisa é ver algo
claramente; outra, interpretá-la. Por exem plo, se você pedir a várias
pessoas que analisem uma pintura e relatem o que viram, você obterá
descrições diferentes. Na percepção psíquica, a informação é traduzida
pelo sistem a de crença e de preconcepções da psique. Mesmo
informações obtidas por meio de um transe mediúnico profundo, embora
ofuscando o intelecto e os padrões conscientes, são filtradas pelo
subconsciente. O grau de distorção resultante dessa filtragem por certo
varia de pessoa para pessoa.
A filtragem e a coloração da informação recebida são exemplos
dos perigos envolvidos com o uso de poderes psíquicos antes de alguém
ser um “canal lím pido”. Sem desejar fazer isso conscientemente,
algumas pessoas usam essas habilidades para m anipular outras e para
expandir seu próprio sentido de importância. Eis por que muitas
tradições espirituais advertem enfaticam ente contra a concentração no
desenvolvimento de poderes psíquicos.

171
Num nível mais mundano, nós também freqüentemente usamos
mal o poder inerente à percepção. Queremos com preender o que está
acontecendo ao nosso redor, ou para exercer controle sobre ele ou como
uma forma de proteção. Observando com o objetivo de controlar,
colocamo-nos fora da experiência da vida real.
Por outro lado, pessoas com o sexto chakra bloqueado não querem
ver. Elas freqüentemente se rebelam contra perspectivas da vida que
lhes foram impostas tanto por seus pais como pela estrutura social. Ou,
devido a associações traumáticas e dolorosas, se recusam a ver vários
aspectos da existência humana. N ão é raro encontrar a visão física
dessas pessoas prejudicadas por essas atitudes.
Sendo um crítico da vida, não a aceitando, querendo mudá-la ou
controlá-la, colocamo-nos numa posição de luta contra ela. Se, cm vez
disso, pudermos observá-la de uma posição neutra, poderemos chegar à
paz com o mundo. Quando, ao pôr-do-sol, nos sentamos e contem ­
plamos os campos e as árvores, observando as cores mudarem no céu,
ouvindo os pássaros e sentindo a calma que nos cerca, não estamos
tentando controlar nada por estarm os perceptivos. Krishnamurti cham a
isto de “percepção sem escolha”.
A visualização pode parecer contraditória quando se cultiva a
percepção sem direito • de opção, mas em níveis superiores de
consciência não há necessidade de um conflito entre a percepção sem
escolha e o uso criativo de faculdades mentais. Shakti Gawain, no seu
livro Creative Visualization, usa uma metáfora que talvez seja útil aqui.
Ela compara a vida a um rio e diz que a maioria de nós se agarra à
margem porque tem medo de “ir com a correnteza”. Uma vez que
aprendamos a confiar em que o rio nos levará para a frente sem perigo,
podemos relaxar e fluir com a correnteza. Sentindo-nos confortáveis
com isto, podemos então com eçar a antever como podemos ir com a
correnteza para m elhor evitar os obstáculos.1

(1) Shakti Gawain, Creative Visualization (Mill Valley, CA: Whatev


Publishing, 1978) p. 44. [Visualização criativa, Editora Pensamento, São Paulo,
1990.]

172
Não é o que vemos mas o modo com o vemos que determ ina a
nossa experiência. Numa velha história hindu, uma pessoa vê uma corda
no chão, no escuro e im agina tratar-se de um a cobra. Seu
comportamento subseqüente baseia-se por com pleto em sua fantasia. Do
mesmo modo, nossa experiência da realidade é quase inteiramente
baseada na projeção psicológica. Estamos presos às ilusões do ego e à
sua experiência sam sárica, e não vemos a natureza absoluta do mundo.
Não seria benéfico, portanto, desenvolver um método mais iluminado de
“visualizar o m undo”?
Você pode imaginar-se com o uma pessoa mais relaxada e aberta,
fluindo entre as margens do aqui-e-agora enquanto perm anece ligado à
sua fonte? Pode você ver-se simplesmente sendo perccptivo e
apreciando a beleza e o mistério que se desvela, ou observando as cenas
mais desagradáveis sem reação ou identificação, à medida que segue o
sinuoso curso da vida? Você pode visualizar-se como um Buda?
Habitando serenam ente na Luz Clara, cujo brilho você percebe através
do fluxo dos fenómenos efêmeros, você está unido à esseidade da vida
e à Bem-aventurança e Com paixão que emanam do coração do Vazio.

A Mente e o Corpo
Mental

Q uando estamos atentos a algo, é a mente que tom a esse algo


consciente e lhe dá significado. A mente, todavia, não e consciência. E
um veículo da consciência c, com o o corpo, tem lorm a c funções. Ela
pode ser desenvolvida e usada de forma apropriada, ou pode ser lesada
e tornar-se enfermiça.
A mente também pode ser com parada a um espelho. Através dela
não conhecem os as coisas em si mesmas, mas apenas pelos efeitos nela
produzidos. Esse espelhamento está sujeito a distorções. Nossa
experiência do mundo c resultado das funções da mente. Somos,
portanto, vítimas da sua estrutura, de seus padrões conceituais e modos
de atração.

173
Antes de considerar o modo como os budistas vccm a mente,
vamos exam inar suas várias facetas levando em conta a anatomia do
corpo mental e suas relações com o sistema nervoso c o cérebro. A
ciência m oderna tem sido frustrada na tentativa de compreender o
pensamento e a consciência porque a fonte desses fenômenos está no
corpo mental, e não nos processos eletroquímicos do tecido nervoso. Eu
gostaria de sugerir que o sistema nervoso nada mais é que a “ instalação
elétrica” que transporta os sinais dos e para os órgãos físicos da
consciência. Não é a mente que está no corpo físico ou no cérebro, o
corpo e o cérebro é que estão na mente, ou corpo mental, o qual, como
o corpo astral, mas numa freqüência mais alta, envolve o corpo físico.
O cérebro e o sistema nervoso são um biocomputador magnífico
cujo sistem a de sinais é elétrico e químico. As várias funções do cérebro
são operadas por uma com plicada rede de neurônios. Quase todos os
neurônios recebem entradas de muitas centenas, às vezes milhares, de
outros neurônios. O sistem a nervoso central inteiro (o cérebro e a
medula espinhal) consiste em bilhões de neurônios. A informação
sensorial atua como entrada de dados no biocom putador, o qual, por sua
vez, processa os dados e envia os sinais aos neurônios motores para
operar m úsculos e glândulas. J. H. W alle, em seu artigo “The
Organization o f the Brain”, afirma que esse biocom putador central é
composto por cerca de 99,98% de neurônios cerebrais.2
As funções intem as desse biocomputador ainda não se revelaram
ao olho inquiridor da ciência moderna. O que integra e regula as
complexas operações desse incrível biocomputador? Poderia ser o corpo
mental via corpo etérico e chakras?
Embora reconhecidamente especulativas, aqui estão algumas
hipóteses de pesquisa que desenvolvi em meu trabalho como terapeuta.
Quando, através da clarividência, vejo o corpo m ental, ele aparece como

(2) J. H. Walle e N. & M. Feirtag, “The Organization of the Brain", in


Scientific American, Setembro de 1979, Vol. 241, p. 97.

174
uma grande abóbada com um raio de nove a 20 pés envolvendo o corpo
físico. A dim ensão e o brilho do corpo mental estão aparentemente
relacionados com o desenvolvim ento das faculdades mentais. Um nú­
cleo com cerca de um pé de diâm etro estende-se do topo à base através
do seu eixo. C om o o sistema nervoso central, este núcleo tem a função
de intercam biar comunicações. Ele está ligado aos bancos de memória
que emitem raios, gravando c analisando vários estím ulos internos e
externos e respondendo a eles. Partes específicas do corpo mental
referem-se a posições nos corpos astral, etérico e físico, os quais estão
integrados através das funções m ultidim ensionais dos chakras. A infor­
mação relacionada com qualquer aspecto particular do corpo-m entc é
arm azenada na área correspondente do corpo mental.
A função de análise decom põe autom aticam ente todas as infor­
mações contidas no corpo mental à medida que este registra os estímulos
e responde a eles. Este processo nem sempre é lógico ou benéfico, como
facilmente o dem onstra uma compreensão básica dos fenômenos psi­
cológicos de associação. O processo de associação é fundamentalmente
mecânico e, com o um computador, as capacidades e saídas dependem
da natureza da sua programação.
No cérebro, aprendizagem e m em ória estão relacionadas com o
uso repetido de certos condutos neurológicos. De modo semelhante, no
corpo mental, impressões fortes ou preferidas e padrões associados
constituem disposições mentais aprendidas e perpetuadas. Essas respos­
tas, atitudes e configurações conceituais estruturadas são relativamente
concretas no que concerne à substância do plano mental.
Nosso sentido de identidade e nossa construção individual da
realidade estão alicerçados nessas estruturas mentais. Embora útil, a
principal dificuldade com essas construções é que elas geralm ente nos
impedem de expandir os horizontes da nossa percepção. Com o qualquer
aparelho de esquadrinham ento, o ego registra apenas aquelas entradas
que podem ser relacionadas com a inform ação já arm azenada nos ban­
cos de memória. Experiências estranhas entram no corpo mental e não
encontram program a ou modelo com que possam se associar. Elas não
são espelhadas na mente, não podem ser aceitas na construção da

175
realidade existente e, por isso, permanecem ininteligíveis. Tais expe­
riências ou criam confusão ou são ignoradas por completo, de modo
especial quando representam uma am eaça às realidades conceituais
existentes.
Para com pletar nosso modelo, voltemos à fenomenologia da mente
desenvolvida pelos budistas. Os antigos budistas registraram suas
intuições sobre a natureza da mente em escritos que receberam o nome
de Abhidharma. O Abhidharma inclui percepções dos sentidos, em o­
ções, processos mentais com plexos, transe e estados místicos de
consciência.
A realidade fcnom ênica é concebida pelos budistas como sendo
inseparável do fluxo subjetivo de sensações, percepções, emoções e
atividades mentais. A mente está continuamente sintetizando imagens e
conceitos que ela crê ser a realidade. O Abhidharma exam ina o modo
como a mente faz isso e quais os elementos que ela utiliza para construir
essa “realidade”.
Pode-se considerar os elem entos mentais usados pela mente mais
como fatos do que como coisas. Esses elem entos são forças ou ten­
dências da m ente, em sânscrito chamadas de sarvantranga — literal­
mente, “que vai a todo lugar”. H á cinco elementos mentais essenciais
intimaimente relacionados com as cinco Energias da Sabedoria dos
Budas Dhyani.
O prim eiro desses cinco elementos é chamado sparsa, “estabelecer
relação ou contato”. Sparsa descreve as relações entre os objetos, os
órgãos dos sentidos e a consciência que está atenta à experiência.
Somente a com binação de todos esses três fatores criam a nossa
experiência “real”, porque nem o objeto externo nem o observador pode
ser experim entado independentemente. Este campo unificado, ou
avaliação ou existência gestáltica, significa que não apenas os objetos
nos afetam , mas que também a nossa percepção deles os afeta. A física
modema descobriu muito recentem ente esse antigo princípio budista.
O evento mental que acom panha a relação com um objeto é o
vedana, ou sensação tonal. Ele está relacionado com as sensações-
julgamentos do segundo chakra. As sensações-julgamentos criam valo-

176
res subjetivos de aceitação ou rejeição de experiências. Essas respostas
geralmente são programadas a partir de experiências anteriores de prazer
ou dor. Elas também podem ser influenciadas por condicionamentos
sociais passados ou presentes. À medida que a intensidade da sensação
aumenta, ela se torna um efeito, alterando e direcionando o corpo-mente
para a ação apropriada.
O terceiro processo mental dá sentido aos dados de entrada. Esse
processo cham a-se samjna. O aspecto principal do sam jna é conhecer
por associação, e está estreitam ente ligado à função do ego e, portanto,
à socialização. Qualquer pensam ento na mente im plica a existência de
alguém agindo ou pensando. Essa função de conceituação da mente
pode ser usada em qualquer nível de experiência, do mais mundano ao
mais sublime.
Antes da ação, ocorre um processo mental para galvanizar a
mente. Essa função dinâmica cham a-se ceiana, traduzida com o volição.
Por mais sutil que ela possa ser, quando a mente se detém num objeto
ou pensam ento, isto é um ato de volição — houve uma decisão de
focalizar o objeto da atenção. Há algum a razão ou m otivo por trás
daquilo a que prestamos atenção. Os budistas também se referem a essa
força cetana com o a “m ente-m acaco”, porque ela está sem pre pulando
de uma coisa para outra. Agora você está bem ciente desta irrequieta
força cetana. Quando, nos capítulos precedentes, você experimentou
fazer as meditações, deve ter observado a tendência de a mente ser
arrastada de um a idéia ou lembrança para outra e de ser afetada pela
atenção da nossa entrada sensorial. A mente parece ter mesmo uma
mente própria! Essa é a força cetana.
Com o com plemento da força cetana, temos a manaskara, traduzida
como “concentração” ou “aplicação”. A mente corre selvagem, a menos
que seja domada. Há dois aspectos dessa força de concentração. O
primeiro é o samadhi, a capacidade de estabilizar a m ente num único
objeto de pensam ento e, segundo, o prajna, a capacidade de manter uma
atenção precisa ou intensificada.
O sam adhi normalmente é associado a um estado profundo de
meditação, em bora também possa denotar um estado de concentração

177
intenso porém descontraído. Esse estado dissolve toda separação que
possa existir entre nós c qualquer atividade em que possamos estar
envolvidos. Quando um artista está pintando, por exemplo, ele está
completamente absorto no seu trabalho. Nesse estado de sintonização
com o que estamos fazendo, todos os cinco processos mentais estão
operando em harmonia.
O prajna é um elemento mental muito respeitado. Ele nos
proporciona a capacidade de um a compreensão precisa de todos os
outros eventos mentais. Por isso é considerado a mãe da sabedoria. O
prajna também tem duas qualidades: a primeira é discriminadora,
capacitando-nos a articular os outros eventos mentais; a segunda
qualidade e a da valoração. Não só podemos ter muita clareza em nossa
percepção das experiências, mas podemos ainda avaliar as qualidades
singulares inerentes à sua com posição assim que se formam na matriz
de nossos eventos mentais. Há certa beleza nessa fusão da atenção com
esse misterioso fluxo de eventos. E há jovialidade e brilho no olhar
quando esse aspecto da sabedoria sorri de dentro de nós.
Walt Andcrson, em Open Secrets, dá a conhecer uma metáfora que
ouviu de um mestre budista. A mente pode ser comparada a um bando
de aves que revoam em formação mudando constantemente de forma e
direção. Quando começamos a observar a mente, ela se move de um
lado para outro como essas aves. Às vezes somos o observador, às vezes
o bando de pássaros. Quando aprendermos a ser ambas as coisas ao
mesmo tempo, teremos desenvolvido o prajna, o “poder da atenção
simultânea”, como é chamado algumas vezes.3
Quando estudamos os eventos da mente, tom am o-nos cônscios do
seu movimento incessante, um caleidoscópio de imagens compostas de
padrões intrincados de processos mentais, preconceitos, sensações-
julgamentos, lembranças, associações, tudo mudando muito rapida­
mente. Através da auto-observação começamos a ver como muitos de

(3) Walt Anderson, Open Secrets (Nova York: Penguin, 1979), p. 50.

178
nossos problemas originam -sc dc interpretações errôneas, de projeções,
de desejos e dc aversões. Tudo isso surge nos processos dos eventos
mentais, nenhum dos quais está envolvido com a Realidade Absoluta.

A Mente Búdica

Conta-se que, quando Buda atingiu a iluminação, perguntaram-lhe


o que havia obtido. Ele respondeu com um sorriso: “ Nada.”
Na m editação profunda, a mente tom a-se concentrada e
observadora e podemos ver com o todos os fenômenos mentais são
processos vazios. Neles, não há “self” a ser encontrado. Quando temos
uma percepção profunda do vazio do self e do vazio dc todos os
fenômenos, essa percepção subjuga o nosso desejo de aderir a qualquer
objeto ou condição mental.
Na última seção eu disse que a mente é como um espelho; no
entanto, se procurarm os por esse espelho não o acharemos. Ele é
transparente, claro, um a percepção lúcida que permite que as coisas se
reflitam nele mas, quando o objeto é removido, a mente em si é
invisível. A natureza absoluta da Mente pode ser experimentada
diretamente como o estado supremo da consciência, mas não pode ser
conceitualizada ou com preendida intelectualmente. Os budistas referem-
se a ela com o o Dharmakaya, que significa o corpo da verdade, ou o
corpo sem forma de Buda (a personificação da Mente Iluminada).
A meditação, em últim a instância, leva à condição dc “ não
mente”, um estado além da dualidade inerente às atividades mentais
normais, para experim entar a pura lucidez da M ente Iluminada. Há
quatro métodos básicos para viabilizar o alto nível dc concentração
necessário a esse esforço. Esses métodos são: o uso do mantra, a
visualização, a respiração e a postura.
A palavra mantra vem do nome sânscrito manas, que significa
mente, c da raiz verbal tra, proteger. Os mantras protegem a mente dos
pensamentos instáveis. Mantras são forças cósmicas personificadas na
estrutura do som. Cada m antra contém vibrações com poderes
específicos. A repetição de um mantra produz certos ritmos c padrões

179
de energia psíquica nos corpos sutis, ritmos e padrões esses que
desfazem bloqueios c abrem caminho para a energia Kundalini.
Intimamente ligados aos mantras estão os yantras, os quais
personificam forças cósm icas em diagramas geom étricos ou circula­
res. Cada yantra tom a visível os padrões de força ouvidos no man-
tra. (Veja fig. 28.) A visualização de yantras concentra e focaliza a
mente na meditação. Os yantras, também cham ados mandalas, são
compostos por configurações gráficas abstratas ou por figuras de
divindades colocadas em composições geométricas. Identificar-se in­
teiramente com o yantra é compreender, ou libertar, as forças inerentes
que cada form a denota.
Os yantras ou mandalas não são exclusivos da tradição tântrica;
eles são facilmente associados a projeções arquetípicas de dimensões

Fig. 28. O Shri Yantra representa o cosmos criado pelo equilíbrio dos princípios
masculino e feminino, aqui simbolizados pelas várias combinações de triângulos
que apontam para cima e para baixo.

180
transpessoais da psique encontradas em todo o mundo. Jung percebeu
que seus pacientes espontaneamente desenhavam padrões de m andala/
yantra e sonhavam com eles, especialm ente quando todas as funções de
cura ou de criação do Self estavam ativas. Ele também notou que essas
expressões do Self são evidentes em muitas culturas através do curso da
história.
Tam bém intim amente associado à entoação de mantras e à vi­
sualização de yantras e divindades está o uso de posturas específicas do
corpo, cham adas mudrás. As mudrás estão funcionalmente relacionadas
com certos estados de consciência e com o m ovim ento de energias
psíquicas pelo corpo. Enquanto alguns desses gestos da m ão e do corpo
são sim bólicos, não é raro pessoas perceberem seus corpos movendo-se
espontaneam ente em mudrás específicas no m om ento em que ex­
perimentam o despertar de forças espirituais. Quem quer que tenha
passado por essa experiência pode prontam ente testem unhar que as
forças com o que m agnéticas que modelam o corpo durante esses
encontros intensos com energias psíquicas poderosas não são gestos
simbólicos. São expressões literais dessas forças.
Uma m udrá de meditação muito comum é a posição de lótus ou
posição vajra, a mudrá do Buda Dhyani Varicona. As m ãos repousam
no regaço um a sobre a outra. Para o homem, a direita sobre a esquerda;
para a mulher, a esquerda sobre a direita. As pernas se dobram de
maneira que as solas dos pés fiquem voltadas para cim a. Nessa posição,
a energia recircula através dc todo o corpo, em vez de perder-se pelos
membros. Essa posição é muito estável, e a coluna fica perfeitamente
ereta, perm itindo um fluxo livre do ar vital através dos principais canais
de energia ao longo da espinha. Esta mudrá propicia paz e tranqüilidade
e representa um equilíbrio harm onioso de energias.
Exercícios de respiração, em sânscrito cham ados pranayama, são
também usados para aquietar e concentrar a mente. A respiração está
diretamente relacionada com estados emocionais e m entais. Quando
estamos am edrontados ou com raiva, a respiração é rápida. Quando em
estado de choque ou co ncentrados, a respiração pode parar.
Inversamente, a respiração pode ser usada para controlar ou alterar

181
estados emocionais e mentais. Um padrão de respiração lento, profundo
e regular tem um efeito muito calmante e tranqüilizador sobre o corpo-
mente. Algumas formas de meditação baseiam-se quase que exclu­
sivamente nesse método simples. Usando a respiração como objeto de
concentração, a mente é acalm ada e conduzida à meditação. Técnicas
respiratórias mais com plicadas são usadas em conjunto com visua­
lizações elaboradas para circular o ar vital (a respiração) e dirigi-lo ao
canal central.
A palavra sânscrita prana com freqüência é traduzida sim ­
plesmente como respiração. Na verdade, ela conota uma força vital
rarefeita que permeia e sustenta todas as formas manifestas. Ayama
significa expansão ou retenção. Pranayama, portanto, significa expansão
ou retenção da força vital, de form a que o corpo-m ente possa ser
vitalizado no seu potencial mais elevado.
Um fenômeno básico associado ao sistema nervoso é importante
aqui. O sim ples fato de dirigir a atenção a uma área específica do corpo
estimulará o sistema nervoso nessa região. A concentração intensa
envolvida na prática da m editação sobre os chakras e os exercícios
respiratórios especiais do Tantra estimulam o sistem a nervoso. A
localização dos chakras no corpo etérico coincide com os principais
nervos e gânglios ao longo da coluna. Do tamanho da medula espinhal,
esse canal pode transmitir uma carga neurológica tremenda. Porque a
concentração repetida nos chakras ativa condutos neurológicos, a
habilidade e preferência da medula espinhal para propagar cargas
elétricas de grande magnitude é aumentada.
O Tantra sustenta que alguns dos principais canais psíquicos do
corpo etérico são equivalentes sutis do sistema nervoso. Diz-se que o
prana flui através desses canais. Um fluxo ampliado de corrente elétrica
é, portanto, resultado do prana em movimento através dos canais sutis
do corpo etérico. À medida que abrim os esses canais e aprendemos a
dirigir a força prânica através deles, alteramos gradualm ente a anatomia
e a capacidade dos corpos sutil e físico.
Acredita-se que o prana entra no corpo através dos chakras do
corpo etérico. A doutrina tântrica delineia cinco classificações distintas

182
dos ares vitais, correspondendo à m odificação do prana de acordo com
sua localização e função nos chakras. Duas delas representam o foco
principal das técnicas respiratórias. Apana, a respiração para baixo, está
localizada no prim eiro chakra, e prana, o ar vital principal, está
relacionado com o centro do coração. O prana é m anipulado para fluir
para baixo, vitalizando a energia prim ordial latente da Kundalini e
promovendo a subida do apana. Invertendo seus cam inhos Usuais e
juntando-os no terceiro chakra, uma grande quantidade de calor psíquico
é gerada. Esse fogo interior é usado para abrir o canal central.
Entre as m uitas mandalas e yantras do Tantra, o corpo-m ente é a
mais im portante. Com põem -no os ritm os e forças que se movem através
de toda a criação. Ele é, portanto, um sím bolo potente do cosm os. Seus
poderes e segredos são revelados pela liberação e harmonização do fluxo
da força vital através dos chakras. Pelo uso preciso da postura do corpo,
do mantra, do controle da respiração e da visualização, podemos
focalizar e purificar o corpo-m ente, criando condições favoráveis para
que a luz C lara da M ente búdica inunde o canal central e penetre na
nossa consciência com o a luz do Sol num quarto escuro.

O Ioga da Divindade

O ioga da Divindade é uma técnica muito eficiente para


transformar a m ente finita em M ente búdica. Este aspecto do Tantra é
tão positivo que se diz que leva à ilum inação em uma só vida. Para
praticá-lo corretam ente, precisamos estar antes na posse de três
princípios: 1) renúncia, a determ inação de desprender-se da identidade
do ego e de sua visão do mundo; 2) compaixão, o desejo ardente de
tom ar-se um Buda em favor de todos os seres sencientes; e 3) a visão
correta, a consciência profunda de que todos os fenômenos são
temporais e destituídos de existência inerente. Já discutim os os dois
primeiros princípios; vam os considerar agora o terceiro.
A palavra sânscrita para Vazio (Shunyata) significa literalmente
vacuidade, mas tem um a conotação m ais sutil quando usada na filosofia
budista. O conceito de vazio relaciona-se à experiência, com preendida

183
na meditação, de que não há princípio permanente nas coisas. Não existe
substância independente e irredutível a partir da qual as coisas são
feitas; portanto, nada existe de e por si mesmo. Todas as coisas são
compostas por outros elem entos temporais, que surgem continuamente,
combinando-se e desaparecendo do e para o grande nada do Vazio.
Quando olhamos para o m undo físico, vemos normalmente as
formas delim itadas dos objetos, mais do que o campo em que esses
objetos aparecem. Do m esm o modo, os pensamentos predominam na
mente, c o espaço em que ocorrem é ignorado. O Vazio é como o espaço
negativo no qual as coisas existem. Todavia, longe de ser um estado
vazio ou negativo, é um estado muito positivo, um estado que contém
um potencial infinito. Essa abertura é onipresente e pressuposta por todo
o objeto. Todas as coisas extraem dele sua forma e só existem em
relação a ele.
O Vazio é a Realidade últim a e sem forma. É um mistério
indefinível, em que o fluxo incessante da realidade fenomênica existe.
Compreendê-Lo como a verdadeira natureza de si mesmo é tom ar-se um
Buda; não com preendê-Lo é perm anecer no estado de existência cíclica
e na ilusão.
Através de um estado elevado de atenção, o Vazio é expe­
rimentado como consciência pura. Há um tremendo sentido de liberdade
nesse estado, uma sensação de ter ido além. A natureza essencial da
mente é com o o espaço; é toda permeante. Em sua instrução
Mahamudrá, o iogue M ahasiddhi Tilopa diz-nos para permanecermos
silenciosos e relaxados, para ficarmos quietos e deixar que o som
reverbere com o um eco vazio. Quando formos capazes de manter a
mente cm silêncio, então veremos o fim de todos os mundos. A
compaixão e a renúncia são o portal e o caminho para o Tantra tibetano;
a meditação profunda sobre o Vazio é a morada da tranqüilidade.
Através do ioga da Divindade unimo-nos à mente da divindade que
habita neste lar sereno. Para com eçar, precisamos aprender a destilar os
cinco agregados essenciais da mente (skandhas). A palavra sânscrita
skandha significa carregar ou “sustentar”. Como aprendemos no
estudo do Abhidharma, os cinco skandhas (elementos mentais) dão

184
suporte às ilusões da realidade do nosso ego. Quando esses elementos
da mente são transform ados em sua natureza prim itiva, as sombras da
mente finita são purificadas pela claridade transparente da Mente
búdica.
O verbo sânscrito nirva significa literalmente “extinguir . Sua
conotação, quando usado no Tantra, refere-se a um fogo que se extingue
porque o com bustível se esgotou. Quando os cinco skandhas são
transmutados, não há mais combustível para o ego mental. A consciên­
cia é então purificada das m áculas que obscureciam o seu vácuo
essencial. Em sânscrito, esse estado de consciência cham a-se jnana.
Tanto a palavra jnana com o prajna contêm a raiz jn a , ligada aos
potenciais cognitivos da consciência. O prefixo pra significa elevar ou
“intensificar”. Portanto, prajna refere-se a uma intensificação das facul­
dades cognitivas. A consciência é assim purificada de suas obscuridades,
e a claridade transparente do Vazio é percebida. Jnana refere-se à
natureza prim ordial da M ente búdica. Enquanto o Vazio é um objeto
percebido pela qualidade prajna, jnana preexiste a uma dualidade entre
sujeito c objeto. Jnana é a coisa em si, não-dual, da prístina Consciência
do Vazio personificada cm Vajradhara, o Adhibuddha.
Vajradhara é venerado com o o guru raiz, porque Ele e a forma que
a Mente búdica assume para ensinar o Tantra. Prajnaparam ita, consorte
de Vajradhara, representa a cognição cm seu estado mais sublime
(prajna) vivenciando Sabedoria Transcendente (param ita). Ela perso­
nifica a Sabedoria da Praia Além, a consciência que nos transporta
através do oceano da existência cíclica.
Um ritual de m editação diária, cham ado guru puja, é praticado
para que você se transforme no estado elevado de uma personificação
de Vajradhara e Prajnaparam ita. Este é um exem plo do ioga da
Divindade. Há vários m étodos tântricos budistas superiores mais
complicados que se baseiam num a divindade particular e em sua hoste
de auxiliares. Essas divindades com o Hevajra, Chakrasambhara,
Guhyasamaja e Kalachakra têm, todas elas, suas próprias mandalas e
métodos diferentes de trabalhar com os chakras e canais sutis, e até
mesmo diferentes descrições dos mesmos.

185
As diferenças nos vários sistemas lântricos podem provavelmente
ser explicadas pela distância no tempo e no espaço que os separa. Assim
como os motivos universais encontrados no mundo da mitologia
manifestam características individuais de várias culturas, também os
elementos arquetípicos dos rituais tântricos aparecem como expressão
única nas diferentes seitas.
Devido à natureza m ística e simbólica desses sistemas, não é
apropriado julgar qual deles é o mais correto, ou mesmo desejável. A
menos que você esteja sendo guiado por um mestre ligado a um método
em particular, é melhor aproxim ar-se desses assuntos com a mente
aberta. Por isso, tem sido minha intenção apresentar princípios básicos
c encorajá-lo a estar alerta à sua própria intuição. Por exemplo, minhas
experiências com o despertar do Fogo Interior não se adaptaram ao
“dogm a” dos ensinamentos em que fui iniciado.
Os budistas dizem que introduzir a mente cm práticas tântricas
elevadas de ioga da Divindade sem antes prepará-la é com o jogar uma
pedra na água; ela não absorverá nada. Tradicionalmente, além das
meditações Refúgio, Intuitiva, Vajrasattva e Chõd, o estudante também
executa 100 mil prostrações e oferendas de m andala ao guru-raiz
Vajradhara e a toda a linhagem de mestres budistas. O valor dessas
práticas preliminares não pode ser suficientemente enfatizado. Elas são
a razão primeira da eficácia do m étodo tântrico.
As práticas tântricas superiores apresentam-se em estágios: o
estágio de geração, em que imaginamos o movimento do ar vital atra­
vés dos canais e a nós mesmos como a divindade em sua
mandala; e o estágio de realização, em que o ar vital realmente entra e
se dissolve no canal central e nos tomam os uma encarnação literal da
divindade.
Daniel Cozort, em Highest Yoga Tantra, ira ta da importância do
“orgulho divino” no estágio de geração. É como uma forma de auto-
hipnose em que acreditam os ser, e agimos como se fôssemos, a
divindade em meditação. Pelo cultivo dessa auto-imagem divina, não
apenas em meditação mas em todas as atividades de cada dia, ficamos
protegidos da nossa percepção ordinária do mundo. O “eu” criado neste

186
ioga da Divindade baseia-se na nossa com preensão do vazio e é um
antídoto poderoso contra as ilusões comuns do ego-self.4
Q uando o ar vital entra no canal central, a pressão da inalação e
da exalação e a quantidade de ar que se move em cada narina são iguais.
Em níveis mais avançados de prática, a respiração torna-se mais lenta
e, afinal, parece parar. Com a manipulação do ar vital, também somos
instruídos a usar a união sexual (com um consorte ou visualizado) para
unir sua bem -aventurança com a nossa contem plação do vazio. A união
dos dois produz as condições necessárias para que a M ente búdica seja
compreendida.
O exem plo de m editação que segue é com posto de práticas
tântricas superiores, incluindo uma breve guru puja para Vajradhara, os
Quatro Reforços Tântricos, uma técnica respiratória cham ada R espi­
ração do Vaso, visualização do ar vital e dos canais de energia sutil,
trabalho com o Fogo Interior e um a form a condensada do Tantra de Shri
Chakrasambhara. Deve-se observar que essas diferentes práticas tradi­
cionalm ente não são com binadas desta maneira. Esta sim ulação apenas
ilustra os com plexos elementos envolvidos nos m étodos tântricos
superiores.

O Tantra de Shri Chakrasambhara

Chakrasam bhara é uma expressão iracunda de Vajradhara usada


num ritual de m editação para obter a iniciação na Grande Bem-aven-
turança. Sambhara significa literalm ente “coleção” ou “juram ento”. A
m andala de Chakrasambhara (que inclui cerca de 62 dividandes) repre­
senta a Suprem a Bem-aventurança. Porque o Tantra de Shri Cha­
krasambhara tem o poder de libertar-nos da roda da existência cíclica,
ele é realizado numa vasta área de crem ação que sim boliza o fim da
existência mundana. Diz-se que V ajradhara passou este Tantra ao guru

(4) Daniel Cozort, Highest Yoga Tantra (Ithaca, NY: Snow Lion, 1986
p. 117.

187
celestial e Bodhisattva Vajrapani, o qual, por sua vez, deu-o ao
budista indiano santo, Saraha. Ele passou de mestre a mestre desde
os tempos antigos, incluindo mestres veneráveis, como Tilopa e Naropa.

Na vasta extensão do céu, há um trono dourado sustentado por oito


leões (simbolizando o destem or e a vitória sobre os poderes detestáveis).
Sobre esse trono está um lótus absolutam ente branco (inviolado pelo
mal), em que a Lua e o Sol descansam como almofadas (respec­
tivamente, a dispersão de toda a escuridão da ignorância espiritual e a
emanação da luz da consciência transcendente). Aqui, sentado na
posição de lótus, Vajradhara segura o cetro e o sino (sabedoria e
compaixão) na mão esquerda e direita, que se cruzam em frente ao
coração. Seu corpo é da cor do azul do céu da meia-noite e está
adom ado com jóias e seda celestial. Ele está resplandecente de luz e
aureolado pelo arco-íris de cinco cores dos Buda Dhyani que partiram
para a Bem-aventurança. (Veja fig. 29.)
Agrupados abaixo de Vajradhara, estão todos os gurus que foram
discípulos do Guru-Raiz Vajradhara. À esquerda está o Buda Sha-
kyamuni na forma em que aparece na meditação do Refúgio. Acima de
Vajradhara, senta-se Prajnaparamita (fig. 30, p. 190). Seu corpo é da cor
do azul-claro do céu diurno. Suas mãos se encontram na frente do
coração na mudrá do “elo de expansão”, significando coroação ou
casamento entre o acima e o abaixo. Uma haste de lótus, presa na mão
esquerda, levanta-se para apoiar um livro sagrado que contém os
ensinamentos sobre o Vazio. À direita de Vajradhara estão os
Bodhisattvas Tara (fig. 31, p. 191) e Avalokiteshvara, que representam
a com unidade inteira dos praticantes budistas.
Reconhecem os a linhagem dos m estres iluminados e solicitamos
suas bênçãos e assistência. Eles então se dissolvem no Guru-Raiz,
Vajradhara, que os incorpora. A seguir Shakyamuni, Prajnaparamita,
Avalokiteshvara e Tara se dissolvem em Vajradhara. Você pode orar
com suas próprias palavras ao G uru-Raiz para que ele abençoe o seu
fluxo mental, purificando-o de suas máculas. Orações tradicionais aju­
dam no desenvolvimento da Grande Compaixão, da renúncia sincera e

188
Fig. 29. Vajradhara é considerado o Buda Supremo (Adibuddha) por duas das
principais seitas do Budismo libetano. Ele é venerado como o Gum-Raiz e como
a forma que a Mente búdica assume para transmitir os ensinamentos tântricos.
Pintura contemporânea de Àge Delbanco, reproduzida com permissão do artista.
Fig. 30. Prajna Paramita é a divinização da escritura budista do mesmo nome. Ela
personifica a Sabedoria Transcendente e por isso é considerada a "Mãe de todos os
Budas . Algumas seitas do Budismo tibctano identificam-na como consorte de
Vajradhara, o Buda Supremo. Da coleção Avery Brundage, Museu de Arte Asiá­
tica de São Francisco, Golden Gate Park, São Francisco, CA. Reproduzida com
permissão.
Fig. 31. Tara é uma das mais populares deusas do Tibete; há dela 21 expres­
sões diferentes. A lenda diz que Tara nasceu de uma lágrima que caiu do
olho do Buda da Compaixão (Avalokiteshvara) quando ele olhou para a
humanidade e sentiu todo o seu sofrimento. Com a inocência e a pureza de
uma adolescente de 16 anos. Tara prometeu libertar todos os seres sencientes.
Seu nome tibetano, Dolma, significa libertadora. Da coleção thanka de Sergei
Diakoff, reproduzida com permissão.
da correta visão da vacuidade. Finalmente, solicitamos permissão para
praticar os dois estágios tântricos de geração e realização.
Vajradhara então lhe tom ará propícios os quatro reforços tântricos.
Do branco OM no seu sexto chakra, a luz derram a-se sobre a pequena
gota de luz no canal central em seu próprio sexto chakra. O Vaso da
Iniciação é oferecido, purificando e corrigindo os canais de energia sutil
em seu corpo. Isto o revigora para realizar os estágios de desen­
volvimento das práticas tântricas superiores e planta a semente que
desabrochará num Corpo de Emanação de um Buda (Nirmanakaya).
Receber esses reforços perm itir-lhe-á refletir sobre a importância e
potencial criador do seu corpo físico. Quando purificado, ele será o
veículo da Mente búdica.
A seguir, a luz verm elha do AH do seu chakra laríngeo irradia e
ativa a gota de luz do seu chakra da garganta (no canal central). O ar
vital que, entre outras coisas, gera a palavra, é assim purificado — a
Iniciação Secreta. Isso o revigora para que use o m antra corretamente,
levando-o a m editar sobre os sistemas de energia sutil do corpo, e planta
a semente para o desenvolvim ento de um Corpo Ilusório de um Buda
(Sambhogakaya). Esse corpo é mais permanente do que a forma
temporal que você possui agora; ele sobreviverá à morte física. Esse
reforço também transforma seus modos de comunicação interna e
externa. Assim como algum as pessoas falam desatentamente sobre
coisas essencialmente insignificantes, também suas mentes estão taga­
relando sem parar. O uso do m antra é comunicação num nível diferente.
Ele cria uma relação com verdades superiores e protege sua mente de
sua divagação neurótica habitual.
Agora, a luz azul do HUM do chakra cardíaco de Vajradhara brilha
em seu chakra do coração. A gota de luz do canal central é ativada à
medida que você recebe o Reforço da Sabedoria. Isso o capacita a
engajar-se na prática da esseidade não-dual e planta a semente para o
Corpo da Verdade de um Buda (o Dharmakaya). As pessoas
normalmente criam conceitos e imagens mentais para representar ou
rotular eventos e, então, confundem esses rótulos e imagens com a
realidade que representam. Essas “visões errôneas”, e a predileção por

192
criá-las, são interrom pidas pela M ente Vajra através desse reforço. Além
disso, os ventos que se movem pelos canais sutis são purificados. A
transformação de desejos mundanos na Grande Bem -aventurança é
potencializada e você se transform a num receptáculo para essa
beatitude.
O Reforço da Palavra integra as outras três iniciações. Por isso
você deverá visualizar os raios branco, vermelho e azul dirigindo seu
brilho para os três chakras superiores. Isso purifica a base subjacente de
todas as obstruções à onisciência. Você é assim transformado num
repositório para a Suprem a Perfeição. Quando esta iniciação é orientada
por um lama, você recebe perm issão para praticar M ahamudrá (que será
analisado no próxim o capítulo).
Vajradhara é a personificação da unidade do Vazio básico do qual
emanam as cinco Energias da Sabedoria. Por meio do ioga do guru, você
está unindo o seu corpo, a sua fala e a sua mente com ele a fim de
fundir-se cm seu Estado de Ser.5 Neste ponto, você deverá visualizar a
si mesmo transform ando-se em Vajradhara. A medida que sua mente
entra em concentração focalizada sobre o Vazio, você se dissolve na Luz
Clara.
Quando você não conseguir m ais perm anecer neste delicado
equilíbrio de ausência de pensam ento, sua mente aparecerá na forma de
uma lua crescente, branca, com traços de vermelho. Abaixo dela, no
espaço, visualize um disco solar no centro de um lótus de oito pétalas.
Há outro círculo em torno deste; ele tem um lótus azul de oito pétalas
e é a Mandala da Mente. Fora deste, outro círculo contém um lótus
vermelho de oito pétalas, a M andala da Palavra. Em volta deste está a
Mandala do Corpo, branca, com oito pétalas.

(5) Para maiores informações sobre o ioga do guru e os Quatro Reforç


Tântricos, reporte-se a The Mahamudra: Eliminating the Darkness o f Ignorance,
do Nono Karmapa, Wang-Ch’ug Dorje, traduzido e editado por Alexander Berzin
(Dharamsala, índia: Library of Tibetan Works and Archives, 1978), pp. 17-20.

193
Formando um santuário, tudo isto está circundado por um imenso
templo quadrado (fig. 32 p. 195). Suas paredes são feitas de cinco
materiais preciosos: no nível da base, uma substância negra semelhante
ao ônix; sobre esta, conchas brancas; a seguir, ouro, rubis e, finalmente,
esmeraldas. Um telhado de estilo chinês apóia-sc sobre esses materiais.
Cada parede tem uma entrada e um pequeno pórtico sustentado por
pilares. Uma cornija de quatro níveis, de cor azul no portão leste, verde
no norte, vermelho no oeste e am arelo no sul, repousa sobre esses
pilares. Circundando o templo, há uma parede de chamas, o fogo
resplandecente da Sabedoria Transcendental.
Em itindo raios alem desse templo, há oito Grandes Campos de
Cremação. Cada um deles tem uma grande árvore, um rio, um fogo e
um santuário; sobre cada um deles paira também uma grande nuvem.
Este cem itério imenso existe no topo do Monte Meru, o ponto mais alto
imaginável do mundo.
Os seguintes devatas habitam nos oito cem itérios; o Indra,
amarelo, sobre seu elefante segurando um raio-trovão; o Yaksha, am are­
lo, sobre um cavalo segurando uma clava; o Varuna, branco, sobre
Makara com seu focinho; o Yama, azul, sobre um búfalo segurando uma
lança; o Ágni, vermelho, com quatro braços, cavalgando uma cabra; o
Rakshasa, negro, segurando uma espada e um crânio c montado num
cadáver revivido; o Marut, verde, empunhando um estandarte c
cavalgando um veado, c o Vang-Dan, branco, m ontado num boi com um
raio-trovão de três pontas. Todos esses devatas estão acompanhados de
suas consortes e olham fixamente para você, que agora aparece como
Devata-chefc no centro dos círculos concêntricos da m andala quádrupla.
Como Chakrasam bhara (fig. 33, p. 197), você deve visualizar o seu
corpo com o um azul-celeste translúcido e profundo maculado com as
cinzas dos cam pos de cremação. Você tem uma face e dois braços
cruzados diante do seu coração abraçando sua consorte, Ioguine Vajra.
(Chakrasambhara também aparece com 16 braços e quatro faces.) Em
suas mãos, você segura um cetro vajra e um sino. Para significar que
adquiriu a medida colmada de méritos, seu cabelo está amarrado em nó
no alto da cabeça. Está enfeitado com uma pedra preciosa que concede

194
Fig. 32. Mandala Chakrasambhara. Esta é a mandala visualizada no Tantra
Chakrasambhara, uma das práticas tântricas mais esotéricas e elevadas. Ela mostra
o lótus central de oito pctalas, as quatro dakinis em seus pontos cardeais c, no
interior, os dcvatas principais, Chakrasambhara e loguine Vajra. Fora desse es­
paço, as très mandatas do corpo, da palavra e da mente. Um templo localizado en­
tre oito campos de cremação circunda todo o conjunto. Da coleção Avery Brun-
dage, Museu de Arte Asiática de São Francisco, Golden Gate Park, São Fran­
cisco, Califórnia. Usado com permissão.
todos os desejos àqueles que oram a você. Uma lua crescente repousa
no lado esquerdo do nó; isto mostra que você atingiu o nível mais
elevado de consciência. No topo do nó, há um cetro vajra multicolorido
de quatro pontas que denota que suas ações servem a todos os seres.
Você usa ainda uma coroa de cinco crânios secos porque consumou as
cinco sabedorias dos Budas Dhyani. Um colar de 50 cabeças austeras
representa as letras do alfabeto sagrado. Para m ostrar que a deusa-
demônio do desejo foi dom inada, você franze as sobrancelhas e mostra
suas presas. Você também usa uma pele de tigre folgada, para
demonstrar seu desprezo heróico pela crença na realidade da matéria e
da mente.
Você está sério, enérgico, inflexível e inspira temor; todavia, você
é com passivo e está sem pre pronto a salvar as alm as errantes subjugadas
por paixões e pensamentos irrequietos. Para dem onstrar que ainda existe
no mundo dos seres sencientes, você pisa com a perna direita esticada
sobre o corpo vermelho macérrimo da deusa do tempo. Sua perna
esquerda, curvada, descansa sobre uma figura negra para lembrar a todos
os seres que evitem doutrinas extremadas, com o a doutrina de que o
Nirvana é a única realidade.
Seu corpo é viril e gracioso quando você abraça Ioguine Vajra. Ela
é vermelha, a cor da paixão e do am or intenso, porque ama todos os
seres. Ela o agarra ardentem ente, contudo é tão sensível ao seu menor
m ovimento que você mal pode sentir o seu toque. E la tem dois braços;
o esquerdo o abraça e segura um recipiente em form a de crânio cheio
com o seu sangue. Ela então concede a sua essência — a Suprema Bem-
aventurança. Sua mão direita segura a faca vajra, com a qual corta todos
os pensamentos discursivos e desejos obscurecedores. Para mostrar que
desatou o nó que segura todas as coisas quando aparecem, seu cabelo
pende longo e solto. E la está nua, expondo a verdade do seu ser livre
de todos os véus do desejo e dos conceitos errôneos. Ela tem três olhos,
está coroada com cinco crânios secos e usa cinco enfeites de ossos. Suas
pernas estão entrelaçadas na altura dos quadris. Sua união sexual com
você faz com que os dois se tomem inseparáveis da unidade da
Sabedoria e Bem -aventurança Supremas.

196
Fig. 33. Chakrasambhara e Ioguine Vajra. Chakrasambhara é uma forma iracunda
do Adibuddha, Vajradhara, usada em métodos tântricos avançados. Sua consorte,
loguine Vajra, é uma das principais deusas do Tantra tibctano. Ela está associada
à vacuidade, que é a matriz de onde emerge toda a criação, sendo portanto
considerada a "Mãe da Criação". Pintura contemporânea feita por Àge Delbanco,
reproduzida com permissão do artista.
Nas quatro pétalas de lótus das quatro direções cardeais da
mandala interior que circunda os dois, quatro jovens dakinis nuas com
longos cabelos revoltos estão cm pé com a perna direita esticada. Cada
uma tem uma face, três olhos, estão coroadas com cinco crânios secos,
usam colares de 50 cabeças secas e presas projetando-se de sorrisos
sensuais. Nas duas mãos direitas elas seguram um a faca curvada e um
pequeno tam bor de duas faces. Nas mãos esquerdas, seguram um
recipiente cm forma de crânio e um bastão. Cada dakini tem na lesta um
OM branco sobre um disco lunar, na garganta um AH vermelho num
lótus e no coração um HUM azul dentro de um disco solar. A dakini
negra posiciona-se na pétala oriental, a dakini verde na pétala ao norte,
a dakini vermelha está sobre a pétala ocidental e sobre a pétala ao sul
está a dakini amarela.
Sobre as pétalas de lótus dos quatro pontos intermediários da bús­
sola estão quatro umas feitas de metais preciosos. Elas estão cheias com
as águas da sabedoria. Sobre elas estão crânios cheios com os cinco nécta­
res, compondo assim o Chakra (roda) da Suprem a Bem-aventurança.
Além deste ponto, estão as três m andalas da mente, da pa­
lavra e do corpo. Em cada uma das oito pétalas de lótus cm todas as
mandalas, deuses e deusas se abraçam. As divindades masculinas têm
quatro braços. Duas de suas mãos seguram um cetro vajra e um sino
cruzados às cosias de suas consortes, que eles abraçam. A outra mão
direita segura um tam bor e a m ão esquerda, um bastão. As divindades
femininas se parecem todas com Ioguine Vajra nos adornos e na postura.
Todos esses deuses e deusas estão plenos da Suprem a Bem-aventurança.
As três mandalas exteriores representam os três corpos da Mente
búdica. A mandala branca, m ais exterior, é o Corpo da Manifestação. A
m andala verm elha da palavra é o corpo de Emanação. E a mandala azul
mais interior da mente é o Corpo da Verdade. Todos os casais divinos
que habitam essas m andalas representam coisas que acontecem no
Caminho da Libertação, como os impulsos benéficos e os estados
alcançados por esses meios.
Tendo criado uma imagem vívida das três mandalas e de suas
respectivas divindades, você deverá repetir o m antra OM AH HUM. À

198
medida que entoa cada síiaba, os pares de suas respectivas mandalas são
ativados. Ao entoar OM , concentre-se na mandala exterior do corpo; ao
entoar AH, concentre-se na mandala vermelha da palavra; ao entoar
HUM, fique atento à m andala azul da mente.
Repita esse processo três vezes. Ao final de cada repetição,
concentre-se nas quatro dakinis da mandala central e no abraço do seu
consorte. A bem-aventurança gerada pelos pares nas m andalas exteriores
será focalizada em você e em sua consorte. Isso leva o a vermelho de
seu primeiro chakra a aquecer e zumbir. Seu calor surge para dissolver
o ponto de luz no Thig-Le da cabeça. Ele então com eça a zum bir e a
gotejar néctar. O néctar branco gotejante mistura-se com o calor
vermelho que surge no chakra cardíaco.
No Tantra pensa-se que a bem -aventurança é gerada na
extremidade inferior do canal central durante a relação sexual pelo
aquecimento da letra a. Quando esse calor sobe pelo canal central,
dissolve a HAM invertida no centro da cabeça. O néctar que provém
dele goteja produzindo sensações sexuais prazerosas.
O canal central, que corre para cim a através de todos os chakras
como um eixo, de um azul transparente (algumas fontes descrevem-no
como azul-claro com coloração vermelha) e do tam anho do dedo
mínimo, é retratado expressivam ente. Na sua extrem idade mais inferior
(o primeiro chakra), a sílaba-sem ente a (fig. 26, p. 165) é visualizada,
fina com o um cabelo, uma polegada de altura e tão verm elha como um
filamento incandescente. Esse a está transbordante m isteriosam ente de
energia vital e produz um som semelhante ao de um fio esticado que
vibra com o vento.
Na outra extrem idade do canal central está o sexto chakra; a
sílaba-semente HAM (fig. 26) é visualizada, branca como a luz e
preenchida com o néctar de Bodhicitta. Ela produz um zumbido
semelhante ao de um enxam e de abelhas.
Para aum entar o calor do a, é usada uma técnica de respiração
chamada Respiração do Vaso. Durante a inalação, o ar é visualizado
entrando pelas narinas e enchendo os canais direito e esquerdo com o se
fossem balões. Depois de com pletar a inalação, o abdômen se dilata

199
(fazendo o corpo parecer um vaso), enquanto o ar é absorvido e forçado
para baixo. Isso em purra o ar para fora dos dois canais e para dentro do
canal central na sua extrem idade inferior. O m úsculo esfíncter é então
contraído para prender o ar no canal central e forçá-lo para cima. Essa
postura deve ser m antida p elo tempo que você puder reter
confortavelmente sua respiração, enquanto im agina o a incandescendo
cada vez mais e produzindo sua vibração.
Durante a exalação, a língua de fogo de um calor elétrico abrasa-
se para dissolver o Thig-Le (o ponto branco-neve sob a sílaba-semcnte
invertida HAM). Isso faz com que o néctar gerador da bem-aventurança
goteje no líquido que sobe pelo canal central. Quando esse elixir chega
ao nível de cada chakra, dissolve as obstruções e escoa para fora através
de condutos de energia sutil que dele partem. Várias espécies de bem-
aventurança são assim experim entadas.6
A morte é simulada recolhendo e dissolvendo o ar vital de cada
chakra. No momento da morte, os nós psíquicos de cada chakra são
relaxados e os ares vitais entram espontaneamente no canal central. Isso
provoca o aparecimento da Luz Clara do Vazio. Em meditação, somos
capazes de perm anecer focalizados nela e não somos arrastados para as
alucinações cármicas do segundo estado Bardo. Podemos, portanto,
obter um corpo sutil constituído pelos ares vitais e pela mente da
divindade da meditação. Isto nos leva à nossa m anifestação final como
um Buda, em vez de encarnar sem pre de novo num a existência formada
carmicam ente no mundo fenomênico.
Todos os conteúdos da m andala devem ser mantidos simultanea­
m ente na sua consciência, e você deve meditar sobre si mesmo como o
Vazio em que tudo está contido. A unidade essencial que permeia esse
microcosmo é a sua verdadeira natureza. Enquanto reflete, você deve
repetir estes mantras:

(6) Para maiores informações sobre a Respiração do Vaso e o Ioga do C


reporte-se a The Esoteric Teachings o f Tibetan Tantra, traduzido por Charles
Muses do original chinês de Chang Chen Chi (York Beach, ME: Samuel Weiser,
1961), pp. 173-200.

200
OM SHUNYATA JNANA VAJRA SVABHAVA ATMAKOHAM
(Eu sou o Vazio. Sou a Sabedoria de Vajra.)
OM V AJRA SH U D D H A SARVA DHA RM A VAJRA
SHUDDHOHAM
(Eu sou pura Vacuidade. Ela é a natureza verdadeira de todas as
coisas.)

Para com pletar a m editação, imagine um lótus branco de oito


pétalas no seu terceiro chakra. No centro desse lótus, sentado num disco
lunar, está Vajrasattva e sua com panheira, Vajra Dignidade. Eles estão
na mesma postura que você adotou para meditar sobre eles no chakra
cardíaco, no capítulo 5. Do HUM azul em seus corações, raios de luz
de um azul-elétrico irradiam em todas as direções através de todas as
mandalas. Com o o campo m agnético de um ímã que atrai a limalha de
ferro, esses raios azuis atraem todos os conteúdos da sua visualização e
os devolvem para você. A seguir, sua consorte é absorvida no seu corpo
e você, por sua vez, recolhe-se cm Vajrasattva. C om o Vajrasattva, você
absorve sua consorte em si m esmo e recolhe-se na sílaba HUM azul no
seu coração. A sílaba HUM é então absorvida pelo pequeno ponto de luz
(bindu) que está acima dela. E, finalm ente, o ponto de luz extingue-se
aos poucos no Vazio com o o sal se dissolve na água.7
Ao deixar a m editação para começar as atividades diárias, você
deve imaginar-se com o sendo Chakrasam bhara ou Ioguine Vajra. Ao
comer, você faz oferendas a você mesmo como um a divindade. Ao ir
à toalete, você expele as obscuridades do mundo dos séres sencientes
através do seu poder divino. A o abrir uma porta, você ilumina o
caminho para a libertação de todos os seres sencientes. Desse modo você
deve pensar e agir com o se de fato fosse o Devata a cada instante.

(7) Esta versão resumida foi parafraseada de Sri Chakra Sambhara Tantra,
editado por Kazi Dawa Sandup (Londres: Luzac & Co., e Calcutá: Thatcher, Spink
& Co., 1919).

201
Capítulo Oitavo

A PRAIA ALÉM

O chakra da coroa é chamado Sahasrara, em sânscrito. É o lótus


de mil pétalas. As pétalas desse lótus estão pendentes para recobrir o
Portal do Ser — a fontanela anterior (o ponto mais mole na cabeça do
bebê). Esse ponto mole começa a endurecer por volta dos seis meses de
idade, supostam ente cortando nossa conexão com o mundo espiritual.
Antigos iogues desenvolveram práticas para reabri-lo. Diz-se que, se
alguém puder deixar o corpo conscientem ente através desse Portal do
Ser na hora da morte, im pulsionado pelo seu últim o suspiro, a libertação
do ciclo da morte e renascim ento involuntário é obtida.
Sobre as pétalas do lótus estão as 50 letras do alfabeto sânscrito
(repetidas 20 vezes, para totalizar mil). Essas letras circundam o Sa­
hasrara da direita para a esquerda e têm origem nas linhas do Triângulo
Supremo (Kamakala), a raiz de lodo o som no centro deste Lótus
Supremo. O triângulo forma simbolicamente o corpo do “som” pri­
mordial imanifestado do qual deriva o universo. Os raios emitidos por
esse lótus luminoso, semelhantes aos raios da Lua, são considerados o
néctar da imortalidade. (V eja fig. 34, à p. 203.)
No Tantra budista, o chakra da coroa é sim bolizado por uma gota
de luz azul flamejante (Thig-Le), representando o elemento éter. A
qualidade da consciência prístina, assem elhada ao espaço, aqui no nível
do topo do templo sagrado, é presidida por Vairocana, o Buda Primor-

202
dial que representa a Sabedoria da Lei Universal. Suas paixões obscure-
cedoras são a ilusão e a ignorância. (Veja fig. 35, p. 205.)

Fig. 34. Sahasrara, o chakra coronário, o lótus de mil pétalas, mais alvo que a Lua
cheia c matizado com as cores do Sol da manhã. Seus raios são o néctar da
imortalidade e sobre suas pétalas estão as 50 letras do alfabeto sânscrito (repetidas
20 vezes para totalizar mil). No centro desse lótus está o triângulo supremo,
Kamakala, o "som" primordial imanifestado da criação. Os textos hindus variam
consideravelmente na descrição do complexo simbolismo ligado a este que é o mais
sublime dos chakras. Seus segredos são aprendidos na meditação.

De nossa perspectiva psicológica, idéias relativas a “Deus”, ao


mundo espiritual e à nossa relação com eles norm alm ente são encon­
tradas neste chakra. Esses conceitos podem originar-se de existências
anteriores ou de doutrinação religiosa na vida presente. E les nos cegam
ao despertar intuitivo do chakra da coroa. Com freqüência estreitamente
vigiadas pelo ego, essas crenças sagradas na verdade são difíceis de
questionar. Não obstante, questionam entos devem ser feitos se queremos
sondar o mistério e a verdadeira natureza do Self.

203
O chakra da coroa também se relaciona com o nível de percepção
de nossa alma. Ele está associado à mediunidade e nos dá acesso às
regiões mais sublimes das dimensões interiores e aos seres espirituais
que as habitam.
A forma manifestada do universo (incluindo os vários planos in­
teriores) é semelhante ao corpo do planeta. Assim como espécies di­
ferentes de animais e vegetais vivem em diferentes condições geográ­
ficas e climáticas, uma variedade de seres “não-hum anos” existe em
outras dimensões. O reino Deva, por exemplo, inclui um grupo de
espíritos da natureza que trabalha em conjunto com os reinos mineral e
vegetal. Talvez o resultado mais notório do trabalho com espíritos da
natureza, hoje, seja o desenvolvimento dos incríveis jardins na
comunidade de Findhom , na Escócia. Em culturas antigas, os rituais
eram realmente usados com o meio de com unicação e trabalho com
espíritos da natureza.
Intimamente ligados aos espíritos da natureza estão os elementais,
freqüentemente associados às forças do vento, da água, do fogo e da
terra em vários sistemas primitivos e xamânicos. Os livros de Carlos
Castafíeda, por exemplo, estão cheios de relatos de seus encontros com
esses “aliados” durante seu aprendizado com o feiticeiro yaqui, Don
Juan. O Tantra tibetano não desconhece esses elementais. Por exemplo,
o ritual Chõd, realizado no capítulo sexto, originalmente era um meio
de invocar a ajuda dessas estranhas criaturas desencarnadas que povoam
os reinos inferiores do plano astral e de se com unicar com elas.
Antes de prosseguir na discussão sobre os seres que existem nos
níveis mais espirituais dos planos interiores, eu gostaria de esclarecer
uma pequena questão. Até agora, no texto, apresentei o ponto de vista
budista de que todos os fenômenos são ilusórios e dependentes da
percepção subjetiva (o que naturalm ente se ajusta de modo muito
confortável à teoria junguiana dos arquétipos e à m aneira como estes são
projetados na experiência exterior). Mais adiante, neste capítulo,
esclarecerei estas posições. Por agora deixem -m e dizer que esses seres
“não-físicos” não são menos reais do que nós. Eles também têm uma
realidade objetiva relativa e temporariam ente condicionada.

204
Fig. 35. Vairocana é o Buda Dhyani, senhor do chakra da coroa. Ele personifica a
Sabedoria Dharmadhatu. Sua cor é o azul e seu elemento, o éter. Ele expõe a mudrá
Dharmachakra, ou do Ensinamento. Estampa 1 do Foundations o f Tibetan Mysti­
cism, de Lama Govinda (publicado em 1974 por Samuel Weiser, York Beach,
Maine, e Rider & Co., Londres) reproduzida com permissão dos editores.
Cada alm a tem pelo menos um tutor espiritual, em geral conhecido
como Guia Espiritual. Penso que a maioria das pessoas tem vários
desses mestres e que recebem os novos mestres à medida que evoluímos.
Embora os guias espirituais possam fazer sugestões à alma, é de livre
escolha e responsabilidade da alm a seguir a orientação oferecida. Porque
o ego-self norm alm ente está tão divorciado da percepção da nossa alma,
os guias espirituais são mais influentes no período intermediário das
existências, quando nos é dado tempo para refletir sobre as lições
passadas e fazer planos para a vida seguinte. Os guias trabalham muito
próximo de nós nesses períodos.
De minhas experiências com regressões a vidas passadas e a
períodos entre vidas, as pessoas identificadas prim ariam ente como o
ego-self podem até mesm o não compreender que estão mortas e
continuar dormitando em alucinações fantasiosas no estado de pós-
morte. Para essas pessoas, as leis do carma trabalham automaticamente
e elas são arrastadas ao renascim ento sem muita informação sobre o
processo. Seus guias aparecem com o em sonhos; qualquer orientação
dada pode ou não ser reconhecida.
Poderemos aprender com nossos guias até o grau em que
estivermos conscientes no nível da alma depois da m orte, tanto quanto
o estivemos durante a encarnação. Esses guias também podem ser
responsáveis por certos lampejos intuitivos e eventos auspiciosos cm
nossas vidas. Períodos regulares de meditação e de atenção aos sonhos
aumentarão a receptividade a essa orientação interior, que é muito sutil
e que com freqüência nos aconselha de maneira oposta aos desejos e
exigências do ego.
Concluindo, o nível de consciência do chakra coronário é o ponto
central em que tem origem a teia da nossa identidade individual. Ele é,
portanto, o lugar onde ela se reconstitui, desem baraçando a rede de
imagens que compuseram a nossa noção de self.
Além da forma, além do pensamento, além dos conceitos do ser
e do não-ser, a consciência m ergulha no oceano insondável da Luz Clara
do Vazio através dp Portal do Ser no chakra da coroa. À medida que
integramos essa experiência de pico, começamos a nos identificar com

206
o lodo-que-vive-através-de-suas-m iríadcs-de-partes; o corpo-m ente indi­
vidual tom a-se um hologram a consciente do universo. N ada mais resta
a fazer senüo “Ser”, permitindo que o fluxo da criação passe através do
desobstruído.
Neste ponto, o “com plexo da alm a” tom a-se imortal, no sentido de
que com partilha de sua Natureza Absoluta. Tom ando-nos um a paradoxal
expressão individual do Tudo o que existe, entram os numa vida de
serviço às forças cósmicas c aos outros seres que as dirigem e de
cooperação com elas.

A Alma e sua Jornada

Nossa alm a é com o mera centelha de partículas de ondas


subatômicas na matriz cósmica. Entretanto, da nossa perspectiva terrena,
essa centelha parece etem a. De fato, é uma suposição comum que a
alma é imortal, imutável e perfeita. Nós projetam os no conceito de alma
alguns dos atributos do nosso corpo mais sublim e, a Bem-aventurança
ou corpo búdico. M as mesmo esse corpo não é um a entidade ou coisa;
é um estado de “Estar Consciente da Bem-aventurança” . Como tal, é
inseparável do que é etem o e imutável. Mas a parte de nós mesmos que
é ativa nos reinos fenomênicos, aquela parte que sobrevive à morte e
transmigra (a alma) não é imortal nem imutável. Os budistas sim ­
plesmente a vêem com o um corpo de tendências m entais. Ela nasce,
evolui e finalmente passa por algum a experiência de morte-renas-
cimento do tipo “cósm ico”.
Algumas alm as começam seu crescimento e aprendizado muito
antes de vir à Terra. Elas vêm aqui por várias razões. Para encarnar no
mundo físico, a alm a assume os corpos que lhe são necessários: o
mental, o emocional, o etérico e o físico. Estes são os seus veículos
durante sua perm anência tem porária aqui. N a m orte, há uma
desintegração gradual desses corpos assim que a alm a volta a se recolher
em si mesma.
A alm a cresce em consciência por meio de experiências em todas

207
as suas existências. Essas aventuras acumuladas no plano terrestre não
apenas lhe permitem crescer em compreensão, mas ainda representam
um importante papel na determ inação de condições de existências
futuras. Se o sétim o chakra está fechado, a sabedoria acumulada e o
propósito da alma perm anecem inconscientes para a personalidade
encarnada. Por outro lado, um sétimo chakra aberto tom a um canal de
comunicação entre a alm a e a personalidade. Outras existências e uma
ampla perspectiva dos vários elementos que definem nossa indivi­
dualidade tom am -se m anifestos. Quando o nível de consciência da alma
começa a despertar no corpo-mente, as pessoas das vidas passadas são
facilmente reconhecidas e podemos trabalhar mais depressa qualquer
carma que tenhamos com elas.
A alm a pode ser com parada com o Sol e suas várias encarnações
podem ser vistas como planetas. Da sua coordenada espaço-tempo, cada
personalidade vê as outras existências tanto à frente com atrás em suas
órbitas. Mas a alm a, num determ inado nível de desenvolvimento, pode
experimentar essas muitas existências, de sua perspectiva central ou de
outra dimensão, com o se ocorressem simultaneamente. Nos estágios
finais da jornada da alm a no plano terrestre, o equilíbrio dos fatores
psíquicos que abarcam todas as existências é posto em foco mais
claramente. Eles podem ser vistos como uma m andala em que a cor e
o significado de todos os fatores desenhados se inter-relacionam para
criar a com posição total.
A alm a é condicionada pelos seus conceitos de realidade, mas no
final precisará abandonar os apegos aos dramas e conceitos que
compuseram sua visão de mundo. Através de m iríades de encarnações,
as almas descobrem mais e mais de sua sabedoria inata. Depois de
muitos experim entos, e com a benevolente tutela dos guias espirituais,
elas desvelam gradualm ente sua verdadeira natureza de Estar Consciente
da Bem-aventurança.
Embora um tanto extenso, quero compartilhar o seguinte excerto
de uma leitura psíquica, porque constitui um excelente exemplo de
alguns dos experim entos pelos quais a alma passa na buscá de sua
natureza espiritual.

208
Vejo que seu desejo de se desenvolver espiritualmente é muito puro
e sincero. Antes você alcançou aspectos superiores de consciência, sendo
um eremita e dirigindo toda a atenção para o seu interior. É muito difícil
para você estar numa forma física. Você é muito sensível e considera as
condições deste mundo repulsivas.
Para ser espiritual, você sente que deve separar-se do mundo. É isto
o que o está impedindo de concretizar seu aprendizado agora. Você pre­
cisa compreender que pode ser tão espiritual no mundo como afastado dele.
Consideremos agora algumas de suas existências passadas para dar-
lhe uma melhor compreensão do desenvolvimento desses temas. A
primeira que estou vendo é uma vida como um santo homem hindu. Vejo
duas épocas, uma no scculo IX c outra no XI. Aparentemente você repetiu
o mesmo padrão, duas vezes consecutivas.
Observando sua vida no século IX, vejo-o como criança numa
família de dez filhos. Seus pais são comerciantes razoavelmente ricos. A
medida que vai crescendo, você ouve narrativas e lendas sobre homens
santos. Você está fascinado e excitado por essas histórias de homens que
vivem nas montanhas, cavalgando tigres e fazendo outras coisas
miraculosas. Como menino, você freqüentemente sonha cm, algum dia,
tomar-se um desses homens santos das montanhas... Vejo-o agora com a
idade de 20 anos, trabalhando nos negócios de seu pai e sentindo-se
aprisionado. O mundo material parece banal, e você se sente entediado
com ele. Você ainda mantém a imagem dos homens santos de sua
infância, e carrega consigo o sonho da transcendência e da libertação.
Você não sabe o que isso tudo significa, mas é alguma coisa mágica que
queima dentro de você. Vejo-o renunciando à sua família c tomando-se
um buscador espiritual andarilho. Vários dos primeiros anos foram muito
difíceis para você, porque estava acostumado a ser muito bem cuidado.
Você quase morre de fome c fica exausto de viajar e caminhar. Passa de
ashram cm ashram, experimentando diferentes mestres. Este processo é
muito decepcionante porque a fantasia que carrega consigo não está sendo
preenchida. Você continua buscando por ela e nunca fica satisfeito.
Vejo que esta busca persiste por dez anos. Você tem um desejo
intenso de descobrir o que é a transcendência. Finalmente, você parte para
as montanhas e toma-se um eremita. Durante esse período, você atinge
um ponto crítico de desilusão extrema; todavia não há para onde voltar-
se. Há uma morte real do ego nisto — rendição total. Vejo mais dois ou

209
três anos de vida nas montanhas dessa maneira. A única coisa que
preenche a sua mente é atingir esse estado de consciência que vocc sente
que lhe é inerente. Você coleta plantas silvestres e come apenas uma
pequena refeição por dia. Você passa a maior parte do tempo em
meditação c está cheio de um ardente desejo de libertação.
Você está com 43 ou 44 anos quando começa a ter experiências de
estado místico de consciência. Nos dez anos seguintes, continua a apro­
fundar-se mais e mais nessas experiências. Vejo-o no final desse período
com barba e cabelos longos e brancos. Você não retoma à civilização.
Morre nas montanhas. Apesar de ter atingido altos níveis de consciência,
há ainda uma parte de você que não está satisfeita. Suas idéias precon­
cebidas são a causa que o levam a crer que ainda não atingiu o último
estágio. Você deixa sua vida neste IX século com traços de insatisfação.
Você reencama, ainda atento à busca da libertação. Desta vez,
escolhe uma família pobre, de modo a não ser desviado pela riqueza ou
pelos confortos da vida. Vejo-o menino pequeno deixando sua família e
indo a um templo. Você implora para ser aceito na vida monástica. Fica
desanimado com os muitos rituais que tem de realizar. Mas permanece no
templo e avança no caminho espiritual bastante rapidamente.
Vejo-o agora jovem no papel de um alto oficial do templo. Mas
ainda há esse saber que arde dentro de você — de alguma forma não c
isso o que está procurando. Você se sente culpado por iludir as pessoas
que vêm ao templo em busca de orientação religiosa.
Por volta dos 30 anos, você toma-se outra vez um buscador errante,
deixando o templo e renunciando à sua posição. Encontra um mestre que
mora numa pequena vila nas montanhas. Você o reconhece como um Ser
Iluminado. Sente-se muito agradecido, porque crê ter encontrado o que
estava procurando. Vejo-o permanecer ali por muitos anos, finalmente
despertando a kundalini. Durante esse tempo, você recebe tudo o que
pode desse mestre e o deixa quando está com 45 anos. Ao partir, você
imagina ir para o Himalaia. Esta metáfora de subir as montanhas
representa a busca de estados de consciência mais rarefeitos e puros. Mais
uma vez você se toma eremita. E, contudo, ainda há alguma coisa que
você está buscando. Você tem um quadro, um conceito, um sentimento
básico de que há algo mais, um sentimento de que não está
compreendendo tudo. Assim, você morre nessa existência na mesma
atitude de busca.

210
Devido a seus preconceitos sobre espiritualidade segundo a tradição
iogue, você está surdo à ajuda de seus guias dos planos interiores. Sua
alma está fixada nos conceitos de libertação e de Brahma (o conceito
hindu da Realidade Absoluta). É como uma pessoa que cresce na tradição
cristã e espera ser levada ao céu por um homem grande que sai das
nuvens. Você morreu com o conceito de alcançar o Nirvana c não ter de
retomar à Terra. Está tão ligado a isto que se passa um longo tempo antes
que recncame novamente: Você simplesmente não quer ouvir seus guias.
O simples pensamento de voltar à Terra lhe é repulsivo. Finalmente,
entretanto, você se convence da necessidade de retomar c reencama no
mundo ocidental numa tentativa de alargar sua perspectiva da vida —
mas, claro, você rapidamente a leva a um mosteiro.
Vejo-o como um monge cristão na Alemanha. Você passa por um
período difícil relacionando seus desejos espirituais com os conceitos da
tradição cristã. Você transfere o conceito de alcançar Brahma ao conceito
cristão de Deus. Isto se transforma num desejo e súplica ardentes a Deus
para salvá-lo. Nesta vida, você é um monge enclausurado; vive uma
existência completamente alienada. Dificilmente se relaciona com qual­
quer dos outros monges c se abstém de quaisquer tarefas que tenham
contato com o público. Passa a maior parle do tempo consigo mesmo,
meditando e copiando escrituras. Está um tanto assustado com o nível de
inteligência de seus colegas monges e com o modo como se aproximam
de Deus. Por outro lado, você se sente embaraçado cm comunicar suas
experiências a eles. Vcjo-o meditando no meio de energias incríveis. As
energias Kundalini que você despertou na vida anterior sobem de você
novamente. Mas na tradição cristã não há meios de compreender o que
está acontecendo dentro dc você. Você se apega à Virgem Maria.
Oferccc-lhe orações como a Mãe Divina c suplica-lhe que o liberte.
Desta vez sua alma está um pouco mais disposta após a sua morte,
c você recebe importantes preleções dc seus guias sobre os benefícios de
trabalhar e servir à humanidade. Eles lhe dizem que é nisso que
encontrará o significado profundo que satisfará c preencherá seus anseios.
Eles o convencem de que seria uma boa idéia tentar este enfoque.
Vejo-o criancinha, o primeiro de uma família. Isso é logo após a
metade do século XV. Seu pai é impressor. Você tem uma vida familiar
bastante normal, bem ajustada. Sinto a atmosfera da Bavária — há uma
qualidade impetuosa em sua mãe c cm seu pai. Como criança, você passa

211
um bocado de tempo às voltas com materiais de impressão e trabalha na
impressora de seu pai. O material impresso nesse período é de caráter
religioso, e você desenvolve um fervor ardente pela leitura. À medida que
cresce, continua a trabalhar com seu pai, mas também o vejo indo a
mosteiros. Você está interessado em reunir materiais para impressão, a
fim de difundir a palavra das escrituras.
Nessa vida você se casa. É difícil para você estar em intimidade
com outra pessoa. Vejo que sua esposa é muito sensível, meiga, suave e
muito dependente de você. Você se sente impelido a tomar conta dela.
Também tem um filho, um menino. Alguns anos depois, você assume os
negócios do seu pai. Assim, eis você, um responsável pai de família e
negociante. Isso pesa consideravelmentes sobre você. É uma pressão
enorme, c seu zelo ardente na impressão de livros religiosos e no tomá-
los acessíveis ao público logo diminui. Você percebe que sua intenção de
inspirar as massas não está sendo concretizada. As pessoas ainda
continuam bebendo e gozando a vida. Assim, você se desilude. A medida
que o tempo passa, você tem outro filho. Sente-se mais e mais
aprisionado. Não há saída para você — está enredado com os negócios.
Não pode de fato ganhar a vida de outra maneira e sente-se com
obrigações com relação à família. Vive infeliz o resto dessa vida c monre
relativamente jovem.
Agora sua alma está imersa na desilusão. Outra vez você se mantém
inacessível aos conselhos de seus guias e é mandado imediatamente de
volta ao mundo envolto em suas frustrações. Você vem à Itália numa
época de muita inquietação política, um período em que houve uma
reforma na Igreja, em que todos os manuais estão sendo queimados.
Vejo-o envolvido nisso. Você quer reformar o mundo e purificar tudo.
Assim, isto foi uma representação de algumas de suas frustrações e
desilusões c da veemência de sua necessidade de buscar pureza espiritual.
Você está totalmente consumido por esse fanatismo. Depois de sua morte
nessa vida, você se parece com um lunático religioso.
Há ódio nessa época, um ódio justificado. Vejo-o entrando em
choques bastante sérios com vários de seus guias. Eles realmente o
desafiam e irrompem cm seu ódio numa tentativa de mantê-lo cm contato
com a essência suave da sua natureza espiritual. O carma dessa vida é
posto de lado por algum tempo, e você é orientado a rccncamar num
corpo feminino. Espera-se que você, agora, desenvolva os aspectos

212
femininos de si mesmo, mas você projeta suas frustrações e desilusões no
seu papel de mulher. Desse modo, você novamente consegue se alienar.
Mais tarde, na sua vida atual, quando começar a trabalhar como mestre,
encontrará algumas das mesmas pessoas com as quais já manteve relações
como sacerdote na Conira-Reforma. A natureza do canna é que você
precisará aprender a se comunicar, a estar com eles de maneira a ajudá-
los em vez de alienar-se e condená-los.

* * *

Enquanto o corpo-m entc c o veículo, a alma é o condutor. Embora


vagamente no início, a alm a funciona através do cgo-sclf cm muitas
existências, crescendo na consciência de si mesma e das dimensões
transpessoais do cosmos. Todos os temas arquetípicos associados aos
chakras são vividos pela alma. O conjunto todo desses padrões de desen­
volvimento pode ser visto como o labirinto através do qual a alm a final­
mente penetra nos mistérios do seu Ser para receber a iniciação final.
Até aqui, associamos a sede de identidade individual ao cgo-self.
Deve agora ser perceptível que o sentido fundamental de separação
surge no nível da alma. Esse “eu” é projetado no “corpo-m ente” pela
alma que o habita por várias encarnações. É apenas nas horas finais da
alma que esse “eu” se tom a mais transparente.

O Arquétipo do Self

Em Aion, Jung identifica o Self com a “ imagem de Deus”. Pelo


menos esse Self não pode ser distinguido da imagem de Deus como Jung
a carateriza. As tendências politeístas das culturas antigas demonstram
a riqueza dos níveis arquetípicos da psique; mas, com o aponta Jung, o
monoteísmo revela o Self.1

(1) Carl Jung, Aion, Bollingen Series, Vol. IX (Princeton, NJ: Princet
University Press, 1959), p. 22.

213
A imagem de Deus, projetada das profundezas espirituais da alma,
foi por ele cham ada de função transcendente porque seu poder nos leva
além do dualism o do nosso ego. Símbolos transformadores emergem do
Self e nos inspiram a buscar nossa totalidade. Com o um rio, somos im ­
pelidos a voltar à nossa fonte. É como se a vida m esm a evoluísse através
de nós, lançando-se sempre para a frente para fundir-se no Oceano
Ilimitado da Consciência do Ser. O fim da nossa jornada está próximo.
Qual é a natureza da transformação que está logo adiante? Com a
finalidade de pôr essa questão em perspectiva, vamos resumir o processo
de individuação de Jung, referindo-nos ao simbolismo religioso da nossa
cultura nativa e ao símbolo de Cristo. Ainda cm Aion, Jung fala de
Cristo como o nosso herói cultural e, apesar de sua realidade histórica,
é ele que ocupa o centro da mandala cristã com o modelo do Self.2
Conta-se que Jesus nasceu na aura de sinais divinos auspiciosos e
seu nome significa “M essias”, ou Salvador, em hebraico. De acordo com
as escrituras hebraicas, foi profetizado que nasceria um salvador na
família da linhagem de Davi, para ser o rei dos judeus. Os hebreus
tinham sofrido opressão, conflito e exílio através de toda a sua história,
que pode ser traçada, remontando ao passado, até Ur e a Caldéia, por
volta de 2000 a.C. Suas escrituras falam de uma votação no contexto de
suas tentativas e fracassos para entrar em acordo com um Deus às vezes
colérico, outras vezes benevolente, Javé. Os profetas do Velho
Testamento antecipavam com satisfação a vinda de um líder que os
reconduziria à virtude e à paz. Jesus foi aclam ado como este rei
espiritual por um número relativamente pequeno de judeus.
Diz-se que, ao ser batizado por João, Jesus foi encoberto pelo
“Espírito Santo” e o “Espírito de Deus” entrou nele. Ele se tornou assim
conhecido como o Cristo (palavra grega que significa “o ungido do
Senhor”, ou “rei por direito divino”) pelos que acreditavam que Jesus
era o Messias esperado.

(2) Jung, Aion, pp. 36-7.

214
O bservando o contexto da vida de Jesus e a natureza do seu
impacto, podem os ver nele uma m etáfora perfeita das provações e
tribulações da consciência do ego e da ação redentora do Self.
Em meio ao tumulto político da opressão romana, em meio às seitas
religiosas conflitantes, às esperanças messiânicas e à agitação revolu­
cionária, Jesus, “o C risto”, aparece com o o mensageiro da paz e da
inteireza interior. (Outro nom e associado a Cristo é Emanuel, “o Deus
interior”.)
A imagem de Cristo é, assim , o arquétipo dos aspectos trans-
pessoais e totalizadores da psique. Em termos psicológicos, Cristo é,
portanto, o m ediador ou modelo do Self em relação ao ego.
O sim bolism o da crucificação, por exem plo, ilustra dram atica­
mente a psicologia da morte do ego e a necessidade de reconciliar o
antagonismo dentro da psique. A realidade transpessoal do Self já não
pode ser evitada e a identidade pessoal é pendurada na cruz, que
representa a quatem idade de opostos integrados em sua convergência
central ou transcendente.
Até que alcancemos esse nível crítico de desenvolvim ento, a
tensão e o dualism o básicos da psique não são tão perceptíveis. Durante
os estágios anteriores do desenvolvim ento do ego, nós nos identificamos
com o ego, que organiza a percepção dos conteúdos psíquicos em
categorias lógicas, ao mesmo tempo em que reprime os elem entos que
ameaçam a sua integridade. Estávamos, porianto, desesperadamente
fixados num lado da polaridade e evitávam os o outro. Jung afirma,
ainda, que sem pre que há uma ênfase na imagem de Cristo, ela estimula
uma ativação sim ultânea da som bra, seu com plem ento inconsciente e,
conseqüentem ente, aumenta a tensão entre as duas.3
É através do am or e da aceitação de todas as partes de nós mesmos
que nossa redenção psicológica se com pleta. E isso é precisamente o que
a imagem de Cristo, como expressão do Self, requer de nós. No mito

(3) Jung, Aion, p. 43.

215
cristão, Cristo é considerado o Filho dc Deus, isto é, a encarnação de
Deus, o qual às vezes é igualado ao puro amor. Psicologicamente, isso
representa a abrangência do Self.
As qualidades transpcssoais do Self procuram ser realizadas dentro
dos limites pessoais da consciência do ego, assim como a consciência
presa ao ego finalmente é levada a entrar no domínio do transpessoal.
A figura lendária de Jesus Cristo é realm ente um m odelo para o tipo de
ser cm que qualquer um pode se transformar quando transfigurado. A
ressurreição e a ascensão são m itos que denotam a transcendência das
condições temporais c pessoais da existência centrada no ego.
Quer falemos de Buda ou de Cristo, há uma transformação radical
que ocorre quando nos rendemos ao Self. Parece que Jung aproximou-
se desses portais, mas, porque a possibilidade de ilum inação não aparece
nos relatos que fez do processo de individuação, podem os concluir que
ele não os ultrapassou. Ele afirm a que a m eta da individuação nunca é
realizada plenamente; a individuação é apenas um processo que leva
rumo à totalidade. Em outras palavras, ela não é um fim, mas o meio
pelo qual acontece o processo de integração transpessoal.
Por fim, Jung considerava o ego um recipiente que cresce
constantem ente para afinal circunscrever e conter uma fonte inesgotável
de expressões simbólicas do Self. Este Self, todavia, permanece
transcendente — uma m eta oculta e inatingível, de acordo com a
analista junguiana Aniela Jaffé, em The M yth o f Meaning.*
Jung sem dúvida aborda aqui um grande mistério, mas ainda que
o self racional não possa assim ilar todo o potencial do Self, há a
possibilidade de manifestação de níveis superiores de consciência em
que o Grande M istério é com preendido plenamente. O êxtase do místico
é um evento muito real que afeta profundam ente o self pessoal. Em sua
autobiografia, The Life o f Teresa o f Jesus, Santa Teresa fala de visões

(4) Aniela Jaffé, The Myth o f Meaning (Nova York, Penguin, 1971), p.
[O mito do significado na obra de C. G. Jung. Editora Cultrix, São Paulo, 1989.]

216
e êxtases que têm um efeito purificador m aravilhoso. Mais deta­
lhadamente, ela diz que esses efeitos são como uma grande cham a que
consome a nossa natureza sensual c todos os desejos da vida. O que
perm anece é uma profunda veneração.5
Fenômenos espirituais extraordinários, com o os comumente as­
sociados aos homens santos do O riente, foram atribuídos a Santa Teresa.
Por exem plo, ela era propensa à levitação, e quando m orreu seu corpo
tinha o perfum e das flores frescas e não se decompôs! Santa Catarina
de Sena também teve êxtases em que seu corpo se erguia no ar e emitia
uma doce fragrância. Nesses estados de transe, ela às vezes verbalizava
uma efusão de diálogos “ inebriados de Deus”. Posteriorm ente ela
com pôs alguns deles, anotados pelos que presenciavam seus êxtases nos
D iálogos divinos. Nesses diálogos ela menciona a visão de coisas
ocultas de Deus que a faziam explodir em suprem o esplendor e ser
transformada na “Sua” providência imensurável. Ela diz que, em bora a
alma fique saciada com essas experiências, ainda continua faminta de
ver Deus na Sua luz e pela Sua luz. É essa luz que mostrou a ela a Sua
verdade e a mais alta e infinita Beleza de Deus que está além de toda
a Beleza e a Sabedoria de Deus que está além de toda a Sabedoria.
Outro exem plo foi o místico Jan Van Ruysbroeck, que se retirou
para a floresta quando o Espírito Santo o moveu a isso. Certa vez, depois
de uma prolongada ausência, vários monges foram procurá-lo. Eles o
acharam sentado sob uma árvore resplandecendo de luz. Ele estava em
êxtase profundo c cercado por uma aura brilhante de Luz Divina.
Ruysbroeck era flam engo, contem porâneo de M eister Eckhart. Foi
um autor fecundo de literatura mística; escapando por pouco da censura
da Igreja, não com partilhou com Eckhart a acusação de herege.
Repetindo Eckhart, Ruysbroek escreveu em The Sparlding Stone que
aqueles que vêem a Deus intuitivam ente transcendem todas as distinções

(5) The Life o f Teresa o f Jesus, citado in The Laughing Man, Vol. 2, N°
Dawn Horse Press, 1981, p. 50.

217
e são transfigurados por uma luz inata com a qual estão unidos e através
da qual vêem.6
Poderia essa luz inata — ou o resplandecente Espírito Santo da
graça de Deus — relatada por esses místicos cristãos, ser realmente a
Luz Clara do Vazio? Quando lemos os relatos dos místicos das várias
tradições espirituais, a referência mais comum a Deus que encontramos
é a de uma luz celestial perene. É necessário, ou mesmo útil, sobrepor
uma imagem de Deus a essa experiência do Absoluto? Em The Blissful
Life, Robcrt Powell conta a história de um santo hindu moderno, Shri
Nisargadatta Maharaj, que afirm a ter viste Deus e nada saber sobre
coisas religiosas normais. Vendo o mundo como uma ilusão criada numa
tela de cinem a, ele sabe que a luz (a consciência pura) é que ilumina
a projeção das imagens sem pre em mudança. Ele não leva em
consideração a idéia de um Deus exterior, porque com preendeu que “Eu
sou Isso” (a luz da consciência pura).7

Essência da Sabedoria que Foi Além

A teoria do Vazio foi exposta de várias maneiras no desen­


volvimento do Budismo. O seguinte Sutra do Coração, supostamente
pregado por Buda (500 a.C.), é o exem plo de um enfoque não-racional
ou devocional.

Assim cu ouvi. Certa vez o Abençoado residia cm Rajagriha, no


Pico do Abutre, com uma grande assembléia de monges e Bodhisaltvas.
Nessa época, o Abençoado estava totalmente absorto na concentração que
analisa todos os fenômenos, chamada “Iluminação Profunda”.

(6) O material acima mencionado foi discutido num artigo do The Laughing
Man, Vol. 2, N8 2, Dawn Horse Press, 1981, p. 46, 61 -2.
(7) Robert Powell, The Blissful Life (Durham, NC: Acom Press, 1984), p. 27.

218
Na mesma cpoca, o Nobre Avalokitcshvara... contemplava a prática
profunda da Sabedoria que foi Além, analisando os cinco agregados,
vazios por natureza.
Então, por inspiração de Buda, o venerável Shariputra falou ao
Nobre Avalokitcshvara... dizendo: “Como podem os de boa família
aprender a identificar os que querem seguir a prática profunda da
Sabedoria que foi Além?”
Assim falou, e o Nobre Avalokitcshvara... replicou ao venerável
Shariputra: “Ó Shariputra, qualquer filho ou filha de boa família que
deseje seguir a prática profunda da Sabedoria que foi Além deve
considerá-la deste modo: analisando os cinco agregados, vazios por
natureza.
“A forma é vazia, o vazio é forma. O vazio não é outra coisa senão
forma, a forma não é outra coisa senão vazio. Do mesmo modo, sensação,
reconhecimento, formações cármicas c consciência, tudo é vazio.
Portanto, Shariputra, todos os fenômenos são vazios, sem características.
Eles são não-nascidos c incessantes; não são impuros nem livres de
impureza. Não diminuem nem aumentam.
“Portanto, Shariputra, no vazio não há forma, nem sensação, nem
reconhecimento, nem formações cármicas, nem consciência; não há olho,
nem ouvido, nem nariz, nem língua, nem corpo, nem mente. ...Não há
ignorância, nem destruição da ignorância. Não há nada disso ao longo do
caminho: não há velhice e morte, nem destruição da velhice e da morte.
Assim, não há sofrimento, nem causa de sofrimento, nem cessação do
sofrimento e nem caminho. Não há sabedoria, nem realização e nem não-
realização.
“Portanto, Shariputra, porque não há realização, todos os
Bodhisattvas aderem à Sabedoria que Foi Além, e, porque não há
obscuridade da mente, eles não têm medo. Indo totalmente além da
falsidade, eles vão além dos limites da tristeza. Todos os Budas que
habitam nos três tempos, por confiar na Sabedoria que foi Além
despertam plena e claramente para a insuperável, para a mais perfeita e
completa iluminação...
“Ó Shariputra, é assim que um Bodhisattva Mahasattva deve
aprender a profunda Sabedoria que foi Além.”
Então o Abençoado levantou-se da concentração c louvou o nobre
Avalokitcshvara... dizendo: “Muito bom, muito bom, ó filho de boa famí-

219
lia. É exatamente assim. A profunda Sabedoria que foi Além deve ser
praticada exatamente como você falou, e Aqueles que Assim Fizerem
rejubilar-se-ão...”8

Em Tibetan Yoga and Secrel Doctrines, W. Y. Evans-W entz suge­


re que a Doutrina do Vazio é uma revisão dos ensinam entos hindus de
Maya (a Grande Ilusão) feita pelos grandes filósofos budistas que
inspiraram a forma M ahayana do Budismo. Ele também menciona que
cm geral, acredita-se que Buda ensinou esotericam enie a Prajna-
Paramita (a Sabedoria que Foi Além) cerca de 600 anos antes para seus
discípulos mais adiantados.9 Apesar disso, os ensinamentos sobre o
Vazio só foram divulgados esotericamenie depois do século II d.C.
Conta-se que o filósofo budista Nagarjuna recebeu esses
ensinamentos num reino celeste, onde se supõe que o Buda Gautama
tê-los-ia escondido, e articulou uma dialética negativa (a filosofia
Madhyamika) para provar logicam ente a teoria do Vazio. Mais tarde, os
iogues M ahasiddha (aproximadamente 700-1000 d.C., no apogeu do
Budismo tântrico indiano) reagiram existencialm ente aos métodos
analíticos dos Sutras M ahayana para praticar métodos tântricos viven-
ciais. A lógica filosófica dos Sutras e as técnicas vivenciais dos Tantras
foram assim aglutinadas num corpo dc ensinamentos conhecido como
Mahamudrá.
Em níveis avançados de meditação, a Luz Clara do Vazio gera um
estado de consciência que chega aos extremos da bem -aventurança. E s­
se êxtase transcende qualquer outro prazer e é, portanto, “grande”
(maha). Uma vez experim entados a Bem-Aventurança e o Plenum do
Vazio, jam ais poderemos esquecê-los: essa experiência fica selada
(mudrá) na nossa mente, o que explica o significado do Grande Selo ou
Mahamudrá.

(8) O Sutra do Coração.


(9) W.Y. Evans-Wentz, Tibetan Yoga and Secrel Doctrines (Oxford:
Oxford University Press, 1958), pp. 344, 349. [-4 ioga tibetana e as doutrinas
secretas. Editora Pensamento, São Paulo, 1987.]

220
O Primeiro Pachem Lama, em The Great Seal o f Voidness, apre­
senta uma etim ologia oculta para o termo tibetano que corresponde a
M ahamudrá, Chaggya Chenpo. Chag refere-se a Vazio, Gya é libertação
do samsara e Chenpo significa a grande unificação entre a compreensão
do Vazio e a libertação da visão do m undo de ilusão (samsara). Ele
também sugere outro significado para M ahamudrá. Mudrá significa pré-
requisito necessário; Maha significa grande compreensão. Daí não haver
técnica para a obtenção da ilum inação sem uma com preensão profunda
do V azio.10
Os métodos dos Sutras começam com uma análise filosófica do
Vazio e prosseguem com técnicas de m editação para aquietar a mente.
Uma vez controlada e fixada, a mente é usada na meditação para provar
a com preensão filosófica do Vazio através de um a intuição penetrante
na própria natureza da mente. M étodos tântricos enfatizam a purificação
das forças psíquicas nos chakras que sustentam as funções do ego mental
e sua articulação no canal central de energia ao longo da espinha.
Quando a mente está purgada de suas obscuridades fcnom cnicas, a Luz
Clara da verdadeira natureza da mente brilha espontaneamente.
Para conseguir o Grande Selo, M ahamudrá, a mente deve estar
preparada. A parte m ais difícil e im portante do cuidado de um jardim ,
por exem plo, é a preparação inicial do solo. Da m esm a forma, a mente
deve estar pronta para receber as sementes da sabedoria proporcionados
pelos ensinam entos M ahamudrá. Se não for treinada de modo apro­
priado, ela pode confundir as idéias sobre o Vazio com a experiência em
si, ou nutrir concepções errôneas niilistas. Para com eçar, vamos tentar
com preender com o a m ente cria a “visão errada” do mundo.
Os budistas sustentam que a nossa percepção do mundo é uma
alucinação coletiva desenvolvida desde o com eço da história da
consciência. Essa ilusão foi criada por um processo m ental chamado
“rotulação”, no qual a mente racional percebe um grupo de fatores con-

(10) Primeiro Pachem Lama, The Great Seal o f Voidness (Dharamsal


índia: Library of Tibctan Works and Archives, 1975), p. 7.

221
vergcntcs c os organiza seletivamente num objeto. Um nome, ou rótulo,
c então atribuído ao objeto, e ele assume o status de “realidade”. A m en­
te na verdade cria a sua própria realidade através da interpretação do
fluxo constante de forças e substâncias à medida que aparecem, para as­
sumir formas particulares em segmentos isolados dc espaço e tempo. E s­
sa realidade nada mais é do que uma coleção de imagens ou conceitos
mentais.
Os budistas ilustram o modo como somos levados a essa alu­
cinação com a metáfora dc uma tenda iluminada internamente pela luz
de uma centena de lamparinas. Estando fora da tenda, não percebemos
se uma dessas lamparinas se apaga ou se outra é acesa. Do mesmo
modo, a ilusão coletiva do mundo continua, imperceptivelmente afetada
pelas mortes e renascimentos individuais.
O objetivo principal da com preensão penetrante do Budismo
tânirico é minar a “visão ordinária”. Esta é uma tarefa muito tediosa e
difícil. Não apenas a mente foi educada nessa visão, como tem uma
propensão inata para criar esse ponto de vista ilusório.
A falta de “ vida própria” é também um conceito importante para
a compreensão do significado do vazio. Ter vida própria significa existir
independentemente de qualquer fator condicionante. Mas nada no
mundo fenomcnico existe independentemente das partes que o compõem
e do rótulo que a mente colocou na aparência do conjunto dos elementos
transitórios. Mas a nossa visão comum da realidade está baseada por
inteiro na ilusão de que as pessoas e coisas têm vida própria ou
independente. Por exemplo, um carro não tem vida própria. Quando
removemos todas as partes mecânicas que em conjunto o compõem, não
há mais carro. “Carro” é apenas um rótulo, um conceito da mente
projetado na aparência de um conjunto singular de componentes.
Toda a fortaleza da consciência do ego está construída na visão
comum da realidade exterior e numa crença igualmente obtida num
sentido de self independente e concreto. Nosso sentido de “eu” é uma
suposição inquestionável a priori. Entretanto, trata-se de um mero rótulo
— o “eu” tem vida própria. Quando buscamos por este “eu” na
meditação, não há onde encontrá-lo.

222
Outro aspecto im portante da obtenção de uma “visão correta” é a
com preensão de que as “coisas” que são rotuladas em nossos conceitos
convencionais da realidade têm certas qualidades. Essas qualidades
podem ser experim entadas em sua nudez quando rem ovem os nossas
preconcepções sobre o que constitui um objeto. Fenôm enos empíricos
têm um a existência objetiva relativa que não contradiz o seu vazio
essencial. E de fato o vazio das coisas (a falta de vida própria) que
permite ao mundo fenomênico desdobrar-se e mudar; essas qualidades
multiformes seriam destruídas se seus elementos tivessem uma exis­
tência independente e permanecessem fixos em suas naturezas.
O Vazio depende, portanto, da aparência do mundo fenomênico.
Na mente, a aparência (da realidade dos objetos) é inseparável da
natureza vazia da consciência prístina, da mesma forma que o reflexo
da Lua na água é inseparável da superfície irradiante da água. Além
disso, não podemos m edir e definir realmente o Vazio; palavras como
essência ou espírito são as mais próxim as a que podem os chegar, mas
elas ainda implicam “alguma coisa”. Edwin Bem baum , em The Way to
Shambhala, propõe a seguinte metáfora: é com o um claro e indestrutível
vazio — com o um diamante cintilante — que encontram os no âmago
de nós mesmos e que penetra em todas as coisas. Ele diz ainda que,
quando experim entam os essa realidade, as coisas não desaparecem; elas
se tom am translúcidas, com o lanternas de papel encerado, iluminadas
pela Luz Clara do Vazio.11
O niilismo pode ser considerado um repúdio à autenticidade das
experiências e, portanto, uma negação de qualquer significado ou valor
associado. As implicações negativas do niilismo conduzem à deses­
perança e à futilidade. Embora a teoria do Vazio sugira que a busca do
significado no mundo fenomênico é principalm ente uma tentativa
egoísta de validar a nossa existência, ela não encoraja uma visão
pessimista da existência. Chogyam Trungpa, cm Cutting Through

(11) Edwin Bembaum, The Way to Shambhala (Nova York: Doublcday,


Anchor, 1980), pp. 108-09.

223
Spiritual M aterialism, diz que, em vez de querer encontrar uma grande
profundidade nos eventos e coisas, precisamos com preender que as
coisas são simplesmente o que são.12
Ele continua contando a história de com o alguns dos arhats
(literalmente, “os vitoriosos”, isto é, discípulos avançados de Buda)
morreram de ataque cardíaco quando Buda lhes comunicou os primeiros
ensinamentos sobre o Vazio.13 Esses discípulos aparentemente tinham
experimentado a fusão no espaço na m editação, mas ainda estavam se
relacionando com o espaço com o “alguma coisa”. Ainda estavam
envolvidos numa experiência dualista de sujeito e objeto. O impacto da
teoria do Vazio, que implica estar “em lugar nenhum ” e experimentar
“coisa nenhum a”, foi devastador para o seu sentido de realidade.
Nagarjuna aprofundou as implicações da teoria do Vazio propondo
que nem sequer podemos com eçar a considerar a natureza da realidade.
Fazer isso exigiria uma abordagem dualista — um observador separado
da realidade, que pode perccbê-la, defini-la e nomeá-la. O conceito de
tathata (a coisa em si) tomou-se assim associado à teoria do Vazio. O
mundo fenomênico sim plesm ente é. O processo pelo qual ele aparece e
desaparece simplesmente é. O vazio do espaço e o vazio da qualidade
radiante da consciência prístina simplesmente é.
Mesmo que concordemos que a realidade é um mistério, estamos
afirmando que ela é “alguma coisa”. Trungpa mostra que a crença em
qualquer filosofia ou religião, do ponto de vista dos ensinamentos
Madhyamika, de Nagarjuna, é meramente um processo de projeção de
um rótulo sobre o mistério. Além disso, continua ele, como não há
ninguém para perceber a realidade e nenhum conceito resultante dessa
percepção, as coisas e eventos surgem em sua essência na vastidão da
consciência lúcida, essencial.14

(12) Chogyam Trungpa, Cutting Through Spiritual Materialism (Boston:


Shambhala, 1973), p. 189.
(13) Trungpa, Cutting Through Spiritual Materialism, p. 190.
(14) Trungpa, Cutting Through Spiritual Materialism, pp. 194, 196.

224
Num contexto mais moderno, as im plicações da T eoria do Vazio
são demonstradas na Teoria do Cam po Unificado de Einstein. As
descobertas da física contem porânea enfatizam que uma existência
separada, independente, é uma impossibilidade. Não há limites rígidos
na grande matriz de energias multidim ensionais que é o universo.
Quando abandonamos nossa insistência nos limites ilusórios criados pela
mente racional, a energia infinita de “tudo-o-que-existe não encontra
obstáculos ao se mover através do corpo-mente. Livres das construções
mentais da estrutura seqüencial de tempo e espaço, consideram os massa,
energia e consciência com o um cam po unificado.
A Luz Clara do Vazio não muda e não depende de nenhum a causa.
Como um espelho, ela não é afetada por nenhuma forma que nela se
reflita. No Tantra budista, a manutenção da claridade do Vazio em nossa
experiência diária é sim bolizada pelo peixe. No livro M aslers o f
M ahamudra, Keilh Dowman descreve com o o peixe nada sem esforço,
sem piscar e, aparentem ente, sem nunca dormir. Além disso, os peixes
não ficam molhados; eles estáo na água mas não são da água.15 Para os
antigos iogues, o peixe era uma metáfora para o modo com o podemos
estar no mundo fenomênico um a vez que nos tom emos budas.
Dowman ilustra um dos últimos obstáculos do caminho na
biografia do M ahasiddha Kanhapa — o meditador que compreende a
Luz Clara do Vazio na meditação, mas cuja com preensão se perde ao
se envolver nos dramas da existência diária.16 A prática do M ahamudra
implica a transferência da experiência do Vazio para as atividades
diárias. A vida em si é o cam inho. Cada obstáculo, cada problema ou
desejo é uma oportunidade para libertar o ego apegado e para dar-se
conta de que não há separação entre as aparências e o Vazio. Por si
mesma, sem esforço, a vida apresenta todas as experiências e situações
que mostram quando precisam os soltar as amarras de nossos

(15) Keith Dowman, Masters o f Mahamudra (Albany, NY: State University


of New York Press, 1985), p. 78.
(16) Dowman, Masters of Mahamudra, pp. 123-29.

225
pensamentos discursivos, de nossa aversões e desejos. Não importa qual
seja o evento — sensação ou orientação conceituai — tudo é
oportunidade para praticar o Mahamudrá. Renunciando a todos os
desejos e elaborações conceituais relacionados com as ações do passado,
do presente e do futuro e desenvolvendo um estado ininterrupto de
equilíbrio meditativo através do fantástico sonho da vida, finalmente
integramos o estado primordial do Estar Consciente da Bcm-aventurança
na nossa existência diária.
Pelo progresso na com preensão do fluxo da consciência através
dos chakras, obtivemos algum conhecimento de nossas predisposições
instintivas, da ocorrência de sentimentos e dc emoções e das tendências
da nossa mente. Estamos agora num ponto em que podemos expe­
rim entar o vazio desses fenômenos — não há sclf inerente a esses
eventos. Com a renúncia à ilusão da identidade do self, nossa expe­
riência do mundo é alterada radicalmente. Deixando dc ser escravizados
pelo ego, assumimos um modo de agir espontâneo, não mais dirigido
pelo self. A vida torna-se admiravelm ente simples; há apenas uma
resposta a qualquer coisa que ela coloque cm nosso caminho —
aceitação e compaixão incondicionais.

O Presente da Dakini

Tive as experiências que relato a seguir pouco tempo depois de


minha iniciação no Budismo tibetano. Nessa época, meu conhecimento
das várias divindades e das práticas mais avançadas era muito limitado.
Eu não estava sob a orientação pessoal de nenhum guia ou mestre,
apesar de ter sido aceito por Karmapa e ter recebido alguns
ensinamentos e iniciações menos importantes. Os eventos que seguem
ocorreram de forma totalmente espontânea. (Eu poderia acrescentar que
esta não foi a minha prim eira experiência com a Kundalini. Cerca de
dez anos antes, eu havia sido inspirado a viver nas florestas como um
iogue. Durante esse tem po, tive minha experiência inicial com o
despertar da Kundalini.) Vários anos depois que os eventos que vou
relatar ocorreram , participei dc um retiro M aham udrá e fui iniciado em

226
prálicas tântricas superiores. Apesar de ter tido as experiências abaixo
registradas e também as iniciações e instruções M aham udrá, não sinto
que possa escrever sobre esses estágios finais do cam inho tântrico com
uma autoridade genuína; se pudesse, penso que não seriam de grande
valor para você. Por essa razão, decido concluir com o diário do meu
relacionamento com a dakini que me iniciou na com preensão sim ­
bolizada nas prálicas tântricas mais elevadas, na esperança de levar o
leitor a procurar a única fonte viável de conhecim ento — sua própria
experiência.
Enquanto a tradição tântrica enfatiza o relacionam ento com um
guru encarnado, o folclore tântrico contém muitas lendas de iogues que
receberam iniciações das dakinis que lhes apareceram em sonhos, na
meditação ou sob a forma de uma m ulher encarnada. A pesquisa
moderna também indica que a Kundalini pode despertar espon­
taneamente fora de uma relação entre discípulo e m estre — na maioria
dos casos, presumo, devido a existências anteriores em que ela havia
sido desenvolvida. Ou, em outras situações, as forças arquetípicas em
jogo podem estar tentando contato por iniciativa própria.
Ao revelar este trecho do meu diário de m editação, espero
transmitir o valor intrínseco dos símbolos e experiências como eles
ocorreram naturalm ente. Assim fazendo, espero convencer o leitor de
que essas divindades, isto é, suas qualidades de consciência, realmente
existem nas dim ensões mais sublim es da psique.

8 de março, 1980

Um espírito feminino veio a mim hoje enquanto eu meditava. Ela


pediu que eu m editasse regularm ente e me abstivesse de contatos
sexuais durante vários meses; em troca, ela me ajudaria na minha prática
espiritual. Para minha surpresa, ela sentou-se sobre mim na posição
tântrica yabyum. Senti uma imensa troca de energia psíquica,
especialmente nos canais esquerdo e direito (Ida e Pingala) ao longo da
espinha. Esta experiência profunda de ressonância entre nós inspirou-me

227
a reflelir sobre as antigas práticas sexuais do Tantra. Isso levou-me à
lembrança espontânea de um a vida como professora tântrica na índia
antiga. Depois dessa experiência de meditação, fiquei muito intrigado c
fui deixado num estado de expectativa.

9 de março

Hoje a dakini começou a meditação traçando um círculo cm volta


de mim no assoalho. Dentro do círculo ela desenhou uma estrela de seis
pontas (dois triângulos entrelaçados). Ela então assum iu a posição
yabyum e eu comecei a sentir uma vigorosa sensação de concentração.
Também percebi uma concentração de energia no meu primeiro chakra
e então notei que minha “consorte” estava sugando energia de seus
canais esquerdo e direito e direcionando-a para o seu primeiro chakra.
Isso estava criando um vazio no meu sistema de energia que puxava a
energia para o meu prim eiro chakra.
Novamente fiquei m aravilhado com a ressonância que houve entre
nós. Era com o se duas vozes cantassem em harmonia: a mistura das duas
energias criava algo que é mais do que a soma de suas partes. Senti uma
profunda paz e um equilíbrio total no meu cam po de energia. (A
mandala dos dois triângulos entrelaçados era a única chave que tinha
para atribuir uma identidade à dakini que estava me instruindo. Essa é
a mandala da deusa Vajra Vahari, a deusa associada ao fogo Dumo do
Tantra tibetano. (Veja fig. 36, p. 229.)

10 de março

Hoje m inha guia sentou-se à minha frente e m inha atenção foi


atraída novam ente para o prim eiro chakra. Percebi que os canais
esquerdo e direito que lá se encontram estavam maiores. Então o lugar
onde eles se encontram pareceu se abrir e eles viraram para cima, como
duas serpentes, para entrar no canal central. Depois de cerca de quinze

228
Fig. 36. Mandaladc Vajra Vahari. Nessa mandala de meditação, Vajra Vahari está
cercada por quatro dakinis. Todas estão numa postura de dança e parecem idênticas
a Vajra Vahari, exceção feita ao colar e aos ornamentos em suas facas vajra, o que
identifica cada uma com uma das cinco famílias dc Budas. Vajra Vahari emana do
ventre cósmico, simbolizado por um triângulo invertido. Sua cor é o vermelho c ela
está radiante de bem-aventurança; a energia primordial com a qual está relacionada
é o fogo interior (Dumo). Da colcção thanka, de Scrgci Diakoff, reproduzida com
permissão.
minutos, senti uma energia densa começando a mover-se para cim a no
canal central. A imagem de um tubo de vidro sendo enchido com um
líquido dourado veio à m inha mente. Quando o líquido dourado chegou
ao nível do meu terceiro chakra, ele estava im pedido de continuar a
subir por uma substância densa e escura. Depois que a pressão aum en­
tou, a energia densa foi em purrada para cima c eu a senti correndo pelo
meu tórax e braços. Continuando a subir, o líquido dourado foi expelido
pelo topo de minha cabeça. Tornei-m e uma fonte de luz dourada.
M inha guia então veio e sentou-se na posição yabyum. Isso fez
com que o fluxo de energia no canal central aumentasse. Havia a
sensação de grande calor e am or quando nos sentam os abraçados sob
esse chuveiro de energia dourada. Também tive a sensação estranha de
estar sendo aberto de dentro para fora. Camada por cam ada parecia ser
retirada, revelando vastos horizontes de espaço interior. Finalmente,
tudo foi retirado e nada restou, nem eu, nem guia, nada, exceto uma
brilhante luz dourada. Não faço idéia de quanto tempo permaneci nesse
estado. Regressando, senti-me com o um Buda irradiando luz em todas
as direções.

11 de março

A meditação recomeçou hoje com o desenho do círculo e dos


triângulos entrelaçados. Quando minha guia assumiu a posição yabyum,
ela me disse para visualizar-me com o Vajrasattva. Quando o fiz, tive um
lampejo vívido de uma iniciação que recebi de Gongpo Tsedam
Rinpoche e senti a mesma expansibilidade que tivera naquela época.
Essa expansão continuou até que meu corpo tomou as dimensões do
cosmos. Havia espirais dentro de espirais de energia dentro de mim.
Planetas espiralavam em volta do Sol que, por sua vez espiralava em
volta do centro da galáxia, a qual movia-se através do espaço do meu
corpo cósmico. Havia duas espirais principais de energia movendo-se
para cim a e para baixo ao longo da minha espinha. Elas eram táo
poderosas que todo o meu corpo girava.

230
Senti então a unificação de forças que fluíam de um lado para
outro desde o chakra da coroa até o prim eiro chakra. Isso resultou numa
concentração de forças no chakra do coração. Tive a sensação como de
milhões de sóis irradiando ondas de com paixão e de amor. Isso foi
am pliado pela grande energia que eu estava recebendo da união com
minha consorte. Senti que éram os o coração da criação e que todas as
polaridades da vida emanavam de nós.
Tive a profunda sensação de que tudo estava contido dentro de
mim. Minha guia disse-m e que o yabyum de Vajrasattva era todo-
abrangente, que ele é o estado que antecede a entrada no Vazio. Ela
então m e levou para dentro do Vazio. O intenso m ovim ento de energias
dentro de mim estabilizou-se, e uma luz branca brilhante irrompeu em
minha consciência. Senti como se fosse explodir e houve uma dolorosa
pressão no meu sexto chakra. Isso durou pouco tempo. Depois, senti
uma profunda paz, enquanto um som agudo ecoava pelos meus chakras
superiores. Uma tepidez surgiu dentro de mim e com ecei a chorar.
Sentimentos poderosos de amor estavam brotando de meu interior mais
profundo — os sentimentos que eu havia buscado nos meus relacio­
namentos. Eu estava imerso em gratidão quando percebi que este amor
é “m eu” ou, realmente, eu sou ele! Este am or jam ais pode ser tirado.

12 de março

Hoje minha guia começou desenhando uma estrela de seis pomas


em baixo de mim. Senti que minha aura estava sendo selada e alicerçada
no interior dessa mandala enquanto a guia sentava-se à minha frente.
Comecei a sentir uma sensação no meu corpo etérico, começando na
minha pélvis e movendo-se através do meu estôm ago e do meu tórax.
A frente do meu tronco eu sentia com o se estivesse sendo esticada e
aberta. Essa sensação m oveu-se para cim a e sobre a m inha cabeça e, a
seguir, para baixo, através do meu pescoço, dos ombros e da parte
superior da espinha. A o mover-se para baixo através da região lombar,
senti que alguns bloqueios estavam sendo abertos. A força então moveu-

231
se para minhas pernas, para abrir a energia com prim ida nos meus
joelhos. Depois que a força circulou pelos meus pés e de volta à pélvis,
meu corpo etérico com eçou a pulsar com luz.
Minha guia veio sentar-se na posição yabyum. Percebi que os
canais esquerdo e direito pareciam ainda mais am plos hoje. Enquanto
focalizava isso, percebi que a guia havia realmente fundido seu sistema
de energia sutil com o meu. Quando o fluxo da Kundalini subiu pelo
canal central, ele me parecia muito mais poderoso hoje, e me movi
muito rapidamente para o Vazio. A pressão em meus chakras superiores
era mais intensa e a luz me pareceu mais ofuscante.
Até o final da m editação, toda essa intensidade estava concentrada
no meu chakra laríngeo. M inha guia disse-me telepaticamente que o
meu chakra da garganta estava sendo programado para desenvolver
novos circuitos neurológicos no meu sistema nervoso.

13 de março

Esta manhã, minha guia começou ficando em pé na minha frente


e drenando alguma energia escura do meu corpo astral. Eu podia ver um
remoinho de energia astral no nível do segundo chakra, cerca de dois pés
à minha frente. Ela puxou o funil desse remoinho para a beira d a minha
aura, onde ele se dissipou. M inha guia continuou de pé na minha frente,
e eu podia sentir algo acontecendo no meu corpo astral. Ela me disse
que estava colocando uma imagem de Vajrasattva na minha aura;
visualizando-me como esse Buda, ela estava purificando o meu corpo
astral. Ela então me pediu para assumir a identidade de Vajradhara e,
quando o fiz, a vibração de m inha aura tom ou-se mais intensa. Senti
uma grande alegria e uma profunda sensação de paz. Senti-m e confiante
e triunfante — exaltado. Senti de novo a pressão em meus chakras
superiores; a pressão tom ou-se tão forte que foi ficando cada vez mais
difícil respirar (minha respiração realmente parecia parar diversas ve­
zes). Ao final da sessão, hoje, a energia estava tâo espessa, embora con­
tinuasse clara, que achei que meu corpo havia se transformado em cristal.

232
14 de março

Por cerca de uma hora e meia, m inha guia e eu sentamos na


posição yabium concentrando-nos no primeiro chakra. T ive dificuldade
para perm anecer concentrado na intensificação da Kundalini nesse
ponto. Ao final da sessão, entretanto, eu estava virtualm ente vibrando de
energia.
A dakini me informou telepaticam ente que m inhas experiências na
tradição tibetana haviam criado um veículo de consciência mais perfeito
do que em qualquer outra vida, e que eu estava me reunindo com ele
agora. Isso fez com que me lembrasse da m inha prim eira leitura
psíquica. O sensitivo disse-m e que eu atingira a ilum inação numa vida
passada com o lam a tibetano. Isto na ocasião confundiu-m e, pois eu não
podia me im aginar como um iluminado numa vida anterior, se estava
em tal confusão na presente. Eu tinha a idéia de que quando se alcança
a iluminação, não se tem mais a necessidade de retom ar. Compreendi
claramente então que em cada vida refazemos m uitos de nossos passos
no caminho espiritual. Ainda que possamos ter feito algum avanço na
vida, não obstante temos muitos padrões cárm icos que precisam scr
desenvolvidos para que possam exaurir-sc. Podem os ter vidas
posteriores nas quais nossos níveis mais amplos de realização não
tenham plena expressão na m edida em que esses padrões estão atuando
dificultando o autoconhecim ento. A vida nem sem pre se passa nos altos
do Himalaia! Há também a probabilidade de subseqüente abuso do
poder e conhecim ento com vistas ao auto-engrandecim ento, o que cria
mais carm a e o fortalece.

16 de março

Q uando m inha guia assumiu a posição yabyum no início da sessão,


ela intensificou novamente o fluxo de energia dos canais direito e
esquerdo para o canal central. Depois de uma hora mais o u menos, uma
força purificadora retom ou pelos canais direito c esquerdo para

233
encontrar-se no sexto chakra. Isso fez com que uma brilhante luz
dourada se irradiasse do sexto chakra. Essa luz moveu-se para baixo
através dos canais direito e esquerdo, aumentando a força através deles
e para dentro do canal central.
Pelo resto da sessão, senti novos níveis de energia percorrendo
velozmente o canal central. Eu estava arrebatado, numa bem-aven-
turança extasiada, abraçando minha consorte. Essas dimensões de
consciência estiveram dentro de mim o tempo todo. Esse é o estado a
que sempre aspirei. R etom ar a essa felicidade tranqüila é como um
sonho que se tom ou realidade. Estou muito grato por receber esta graça.

17 de março

Hoje a sessão com eçou com o sempre, com m inha guia assumindo
a posição yabyum. Durante cerca de quinze minutos ela criou um vazio
no seu canal central para estim ular a energia no meu canal central. Logo
apareceu um rio de luz branca-dourada fluindo do prim eiro até o sétimo
chakra. Esse rio de luz continuou aumentando em volume e velocidade.
De repente, o rio estancou e nível após nível de dimensões de luz
começaram a surgir do âm ago do canal central. Eu resvalava ocasio­
nalmente para estados hipnagógicos e linha visões, mas era capaz de
puxar-me de volta para manter a claridade do Vazio. Sinio-me ator­
doado, meus ouvidos estão zumbindo e há um a alta vibração zunindo
através do meu corpo.

18 de março

A sessão de hoje foi virtualmente a m esma de ontem, exceto que


antes de entrar no Vazio m inha guia trouxe-me a imagem de Manjusri.
Na mão direita ele em punha um a espada que sim boliza a claridade que
quebra a ilusão do samsara. Na m ão esquerda ele segura o Dharma, livro
que contém a sabedoria dos estados de consciência superiores atingidos

234
durante a meditação. M inha guia instruiu-me a contem plar a qualidade
de aparência da realidade comum. Eu estava mais uma vez mergulhado
no oceano infinito de luz e paz.
Fui deixado com uma verdade: a liberdade obtida com o corte dos
apegos do ego é sinônim o de prosperidade! “Q uando perdemos a nós
mesmos, ganham os a Fonte de tudo.”

19 de março

Hoje, quando o rio de luz dourada fluiu para o canal central, minha
cabeça caiu espontaneam ente para a frente; meu queixo pressionou meu
tórax. Isto represou o fluxo do rio, que se tom ou tranqüilo c silencioso.
Depois de certo tem po, m inha cabeça se ergueu e entrei no Vazio. A
imagem translúcida de um Buda primordial (m ais tarde identifiquei-o
como sendo o Buda Dhyani Vairocana) apareceu, e eu me identifiquei
com sua consciência m editativa, o que me proporcionou uma profunda
solenidade; um a serenidade muito mais profunda do que as palavras paz
e tranqüilidade podem exprimir. Eu me sentia no fundo de um oceano
de sossego; o m undo m anifesto parecia tão distante que sua superfície
estava totalmente “ fora da mente e da visão”.

20 de março

Esta manhã, as coisas começaram como de costum e, mas logo


tomaram um curso interessante. M inha consorte parecia estar delibe­
radamente despertando sensações sexuais em mim . Eu estava chocado,
mas tinha aprendido a confiar nessas experiências. De fato, tive uma
ereção quando sua bela form a etérica dançou eroticam ente diante de
mim. Sensações sexuais muitos fortes me inundaram quando ela veio
para unir-se a mim na postura yabyum. Repentinam ente, tive uma forte
reação: senti-m e desconfortável com a intensidade das sensações sexuais
— “Preferiria estar m editando no Vazio!” (Uma bela frase de pára-

235
choque.) A essa percepção, a energia sexual diminuiu. Compreendi que
minha guia estava me encorajando a tomar uma decisão importante. Se
a energia em que eu estava sendo iniciado fosse liberada para alimentar
velhos padrões rom ântico-scxuais, eu seria escravizado por eles. M os­
traram-me com o isso, de fato, tinha acontecido num a vida passada e
como esses apegos tinham-me afetado nessa vida. Compreendi isso, mas
havia ainda uma parte de mim que argumentava: “Não é um a mulher
com a qual eu poderia partilhar a sexualidade tântrica?”
Uma coisa muito interessante aconteceu depois que concordei em
soltar meus apegos. Meu prim eiro chakra parecia ser uma vagina, e
havia um grande pênis crescendo dentro dela. Ele aum entou de tamanho
até chegar ao chakra da coroa. Isto foi acompanhado por fortes
sensações físicas e por uma poderosa sensação da força do linga. A
metáfora yoni-linga evocou um intenso sentimento de satisfação e de
auto-suficiência. Depois de cerca de dez m inutos de fruição desse
estado, o linga com eçou a se expandir até o infinito. Novamente eu
estava dissolvido no Vazio.

21 se março

Na sessão de hoje, minha guia concentrou-se no meu corpo mental.


Tive imagens da minha mente como um chip de com putador que estava
sendo ligado à m ente-com putador cósmica. Quando isso aconteceu, uma
vibração de freqüência muito alta e uma luz resplendente moveu-se do
topo do meu corpo mental para baixo, até o meu chakra da coroa. A
vibração e a luz se concentraram no sexto chakra, e senti que minha
cabeça ia explodir. Quando m inha consciência se difundiu na mente
universal, mergulhou no mar infinito da consciência da luz. Dessa
perspectiva, vi ondas interm ináveis de vida ondulando em direção às
praias dos mundos fenomênicos. Vi mundos inumeráveis sendo criados
e destruídos por essas ondas. O sem-significado essencial dessas
pulsações cósm icas inspiravam -m e uma grande alegria e uma sensação
de libertação. Eu realm ente não sei por quê.

236
22 de março

Hoje meu corpo mental sentiu-se grande e pesado, como um


grande sino de bronze. No topo dele, tive uma visão de minha alma
sentada na posição de Vajradhara. Esse Buda parecia em anar do âmago
do espaço — o mais profundo Self. Senti-me ilimitado e sereno, en­
quanto m inha consciência era trazida de volta a este nível.

23 de março

M inha guia começou pedindo-m e para rever o que eu tinha


experim entado ontem. Quando o fiz, uma quantidade enorm e de energia
psíquica jorrou através de chakra da coroa para o meu sexto e o meu
quinto chakras. Pensei que estava sendo dotado do poder de manifestar
esses níveis de consciência em minha vida. Quando essas forças se
moveram para o centro do meu coração, fui inundado com paz c com
uma clara sensação de harmonia. Apesar da intensidade das formas
psíquicas, continuei a m ergulhar mais e mais profundam ente nessa paz.
Saindo da m editação, estou novamente cheio de gratidão.

24 de março

Hoje m inha guia começou fazendo algum a cura e equilibrando


todos os meus chakras e corpos sutis. Em seguida, sugeriu que eu me
visse com o Vajradhara. Quando o fiz, senti sua claridade espalhar-se por
todos os níveis de meu ser. Meu corpo etérico parecia eletrizado. Meu
corpo astral estava impregnado de entusiasm o e fervor. Meu corpo
mental cintilava com o uma estrela. Ela então disse-m e para meditar
sobre Vajradhara, o que despertou em mim algum as fortes sensações
negativas. O otim ism o juvenil e a positividade de V ajradhara desafiaram
minha resistência a estar aqui na Terra. Achei muito difícil abraçar a
poluição psíquica e material do nosso mundo. Eu era muito pouco

237
tolerante em relação à ganância, à violência, c à exploração que opri­
mem o globo. Hoje tive uma clara intuição: se eu pudesse me manter
focalizado no estado de consciência de Vajradhara, eu não seria afetado
por essas forças ambientais. De fato, isso poderia ser a coisa mais
benéfica que eu poderia fazer pelo resto do mundo. Vajradhara é “o
mantenedor do Vajra”, o poder do indestrutível Vazio. Permanecendo no
estado de consciência de Vajradhara, e não sucumbindo ao fluxo
constante de sensações de julgam ento e pensamentos negativos, eu
poderia ser uma unidade receptora e transmissora da vibração de
Vajradhara nesta dimensão.

25 de março

M inha guia começou a sessão de hoje sintonizando e clareando


meus chakras e corpos sutis. Ela então sentou-se à minha frente em
meditação profunda e projetou a imagem de Vajradhara no meu sexto
chakra. Meditei sobre essa imagem durante toda a sessão. Percebi que,
se todas as minhas ações se originassem nesse nível, minha vida seria
automaticam ente dirigida pelo poder criador do cosmos. Enquanto
meditava em Vajradhara, senti que meu corpo mental estava sendo
programado para funcionar a partir da perspectiva de Vajradhara.

26 de março

Minha guia chegou, sentou-se à minha frente e entrou em


meditação profunda. Ela irradiava luz, e eu entrei em ressonância com
ela. Isto levou-me imediatamente para o Vazio.
Durante este último m ês tenho tido sonhos especiais. Hoje, ao final
da m editação, lembrei de um sonho que tive a noite passada no qual
havia um fluxo de energia saindo de minhas mãos quando entrei numa
nova dim ensão de consciência. Relem brando a experiência do sonho, vi­
me transportado para uma vida passada. Eu era um eremita sentado

238
numa caverna na índia, absorvido em meditação. Ao entrar mais pro­
fundamente nessa vida, vi que ela foi vivida em serenidade e harmonia
com a natureza.
Em justaposição à serenidade que experim entei hoje, estou agu­
damente consciente da ansiedade e tensão que carrego no meu corpo
atual. Vi hoje quão m aravilhoso seria viver sem elas.

27 de março

Esta m anhã minha guia dissolveu-se no Vazio logo depois de se


sentar à m inha frente para meditar. Fui deixado a contem plar o Vazio
em que vivemos. Submergi mais e m ais profundam ente nesse Vazio até
sentir que estava de novo no fundo do oceano. Não importa quão
tumultuada é a superfície da vida; as profundezas do Vazio são sempre
calmas. Estou tendo um a idéia mais clara de como seria a vida vivida
a partir das profundezas desta “m orada serena”.

28 de março

Hoje m inha guia assumiu a posição yabyum e elevou a força


Kundalini novam ente. Quando me tom ei consciente da pressão no sexto
chakra, lembrei-m e de um sonho da noite anterior. N o sonho, a
Kundalini havia subido pelo canal central e transpassado as pétalas do
sexto chakra para revelar um a jóia que cintilava com a luz de um
diamante. Senti que algum grande segredo havia sido revelado — o
significado do m antra OM M ANI PA D M E HUM. No sonho, eu tentava
dizer isso às pessoas porque tinha medo de esquecer essa verdade.
Próxim o ao fim da sessão, tive uma imagem espontânea da porta
de uma fornalha ardente sendo aberta e o fogo da Kundalini me quei­
mou com o um fogo devastador. Assim que as cham as diminuíram
gradualmente, um a paz desceu sobre mim. Outra vez sentimentos de
gratidão jorraram do meu íntimo.

239
29 de março

No começo da sessão, fui surpreendido por um a aura de cerimônia.


Ao focalizar minha atenção nos planos interiores, tom ei-m e consciente
de cerca de cem monges tibetanos. Eles estavam cantando, e pareceu
que a atm osfera estava impregnada de incenso. De repente, me vi
revivendo um sonho da noite anterior. Eu estava caminhando numa
plataforma que havia sido pintada para parecer que não estava lá. Eu
tinha medo de pisar nela, mas era impelido a fazê-lo. Em seguida, notei
que um fio elétrico de alta tensão corria através da plataforma. Eu não
podia ver muito bem e estava com medo de pisar nele porque não queria
ser eletrocutado. Eu estava me vendo no sonho. Eu parecia um ser
angelical vestindo um longo roupão branco. Quando saltei sobre o fio,
passei para outra dimensão e meu campo de visão apareceu como se eu
estivesse olhando através de um caleidoscópio. Estar em todos esses
lugares ao m esm o tempo confundiu-me. Eu não sabia onde estava. Meus
conceitos norm ais de espaço e tempo era inúteis. O lhando “para baixo”,
vi uma imagem m ovendo-se na minha direção. Quando chegou mais
perto, eu a vi como uma divindade tibetana. Tive um a sensação estranha
de já tê-la visto antes, mas não a reconheci. Lem bro que tentei segurar
a imagem da divindade ante mim, mas ela finalmente desapareceu.
Na meditação a m esm a divindade tom ou a aparecer. Como os
monges continuassem a cantar, minha guia disse-m e para contemplar
aquela divindade. Eu estava muito impressionado com o seu poder, que
parecia personificar o poder do Tantra. Seu corpo foi consumido numa
espiral de cham as e ela afastou-se dinam icam ente sobre sua perna
direita. Senti seu fogo queimando em mim; era uma energia transfor­
madora. O canto dos monges tom ou-se mais intenso. Comecei a pensar
que estava sendo iniciado. Tive a impressão de que era algo que tinha
que ver com o ensino, que. eu estava sendo habilitado para ensinar o
Tantra. Desconfiei desses pensamentos; suspeitei que meu ego estava
sendo tentado novamente. M ais tarde descobri que essa divindade era
Vajrapani. Uma das implicações da iniciação Vajrapani é o potencial
para propagar as sementes de realização quando esta desabrocha em nós.

240
Fig. 37. Vajrapani é retratada na iconografia tântrica como um Bodhisattva ro­
deado de chamas, simbolizando a sabedoria que destrói todos os obstáculos.
Ele usa jóias de um Bodhisattva e um cinto de serpente. Sua forma vigorosa
pisa à direita numa casca de semente de uma flor de lótus. A flor e as se­
mentes do lótus se desenvolvem nesse mesmo tempo. Este e um símbolo tân-
trico tanto para a unidade como para a multiplicidade e para a relação sincrô-
nica de causa e efeito. Pintura contemporânea de Àge Delbanco, reproduzida
com permissão do artista.
Sete anos mais tarde, ao concluir este manuscrito, ainda continuo
atento, cuidando para que as sem entes dessas experiências interiores
floresçam em minha vida exterior. Olhando para trás, parece que a
intensidade do fogo interior purgou-m e no meu mais profundo âmago.
Seis meses depois da mais incrível experiência de pico, o entulho
começou a ser vomitado em minha vida extem a. Estes últimos sete anos
têm sido um dram a intenso após outro; os padrões cármicos mais
profundos e negros dentro de mim têm sido estim ulados implacavel­
mente pelo poder da Kundalini.
Em bora os laços do carma e do ego ainda se estendam para
prender-me, a liberdade a que o cam inho tântrico conduz tom a-se mais
evidente a cada dia. M inha convicção e saber crescem , enquanto meu
orgulho e defesa se consomem. No entanto, de quando em quando, me
pergunto se a necessidade de deixar acontecer nunca cessará. Mas sei
que não; o cam inho tântrico é sem fim; não há lugar para estar, nenhum
lugar de onde vir, ninguém a ser e nada a tomar-se. E sta é a essência
da Sabedoria que Foi Além.

242
GLOSSÁRIO DE TERMOS
JUNGUIANOS

Anim a: o aspecto feminino da psique do homem.

Anim us: o aspecto m asculino da psique da mulher.

A rquétipo: imagens ou configurações nas profundezas coletivas da


psique, que definem os parâm etros da identidade pessoal.

Inconsciente coletivo: a totalidade dos elementos transpessoais incons­


cientes da psique.

Individuação: uma expansão gradual dos limites da identidade pessoal


conducente à integração de um núm ero cada vez m aior de fatores
pessoais e transpessoais reprimidos. Um sentido de totalidade e
plenitude é atingido por esse processo.

Self, a esfera toda de fatores arquetípicos e transpessoais da psique


atuando como uma força unificadora ou transcendental.

Sombra', os aspectos da psique inaceitáveis pela sociedade e rejeitados


pela própria pessoa que podem atuar com o subpersonalidades
autônom as abaixo do nível normal de percepção do ego-self.

243
GLOSSÁRIO DE TERMOS
TÂNTRICOS

Abhidharma: ram o metafísico e filosófico da doutrina budista.

Arhat: literalmente “o vitorioso”, termo usado no budismo Hinayana


para indicar o praticante que deixa a roda de nascimento e morte
ao entrar no nirvana.

Bardo: literalmente “um estado interm ediário”, geralm ente aplicado ao


período entre a morte e o renascimento.

Bija-M antra: sílaba primordial que denota um a força cósmica ou


psíquica específica, usada em mantras e visualizações.

Bindu: (Thig-Le, em tibetano): literalm ente “ponto”, denotando pontos


potentes de vacuidade ou essência primordial.

Bodhicitta: “M ente e Coração Ilum inados” de um Buda. M etafori­


camente visualizado com o um néctar branco-leitoso gerador de
bem-aventurança. Geralm ente entendido com o uma atitude de
compaixão e m otivação para atingir a iluminação visando o
benefício de todos os seres sencientes.

244
Bodhisattva: pessoa que se esm era para gerar Bodhicitta e faz voto de
uma vida de serviço abnegado, inclusive renunciando ao nirvana
até que todos os seres atinjam a iluminação.

Buddha: tanto a pessoa de Gautama, fundador do Budismo, como qual­


quer ser desperto.

Chakra: “roda”, termo usado para descrever os centros principais de


energia psíquica ao longo da coluna.

D akini: “a que vai pelo céu”, espírito feminino que revela conhe­
cim entos secretos.

Dharma: os ensinam entos integrados de Buda Gautama, ou lei


universal.

Dharmakaya: o corpo celestial da Mente-Buda.

Gelupa: uma das principais seitas do Budismo tibetano.

Guru: “Portador de Luz”, i.é., mestre.

Heruka: qualquer expressão iracunda da Mente-Buda usada como uma


divindade em práticas tântricas avançadas.

Hinayana: “Pequeno Veículo”, a forma original do Budismo propagada


pelos discípulos de Buda Gautama.

Ida: o canal psíquico secundário feminino ao longo da espinha.

Jina: conquistador, nome dado aos cinco Budas prim ordiais porque sua
sabedoria dissipa as ilusões do ego-mente.

Jnana: o estado cognitivo inato no Vazio, c portanto a quintessência da


Sabedoria.

245
Kargyu: uma das principais seitas do Budismo tibetano.

Karma: literalmente “ação”, referindo-se à relação de causa e efeito


entre nossas ações mentais, emocionais e físicas e seus resultados
em nossas vidas.

Klesa: obscuridade cármica causada pelo desejo ou ilusão que funciona


como um obstáculo no cam inho da iluminação.

Lama: m onge ou mestre budista tibetano possuidor do conhecimento


excelso da doutrina c prática do Budismo e/ou do Tantra.

M adhyam ika: escola de filosofia que serviu com o precursora da


divulgada doutrina do Budismo M ahayana, baseada na teoria do
Vazio e iniciada pelo sábio Nagarjuna no século II d.C.

M ahamudrá: literalmente “o grande gesto”. O Grande Selo ou símbolo


que aponta em direção à m eta mais elevada do caminho tântrico,
que é a união da intuição perfeita com o Vazio e a Libertação.

M ahayana’. “Grande Veículo”, em justaposição ao Hinayana, ou “Pe­


queno Veículo”. Uma doutrina mais difundida que se caracteriza
por basear-se no Juram ento Bodhisattva, num grande panteão de
divindades, meditação sobre o Vazio, c a importância do guru com
relação à palavra da escritura.

Mandala\ o círculo divino usado na meditação e que representa forças


psíquicas ou cósmicas específicas. Para Jung, as mandalas são a
expressão do Sclf, o aspecto curador e globalizador da psique.

246
M antra: canto sagrado que produz certos efeitos psíquicos. Cada
divindade tem seu próprio mantra, usado para invocar suas
qualidades na meditação.

Maya: a grande aparição do m undo fenomenico, associada ao poder


feminino de criação no Tantra hindu.

Mudrá: gesto que simboliza a qualidade de uma divindade particular.

Nada: canal sutil de energia psíquica do corpo-mente.

Nirmanakaya: um Buda encarnado.

Nirvana: “extinguir ou expirar”, a liberação do sofrim ento causado pelas


ilusões do self egóico.

Nyingmapa: a principal seita do Budismo tibetano.

Pingala: o canal de energia psíquica secundário m asculino ao longo da


coluna.

Prana: a energia psíquica associada à respiração, relacionada com


diferentes chakras e estados da mente, que circula nos canais sutis
do corpo-mente.

Prajna: consciência intensificada, associada às divindades femininas no


Tantra budista.

Sarnadhi: literalmente, “união com o Senhor”, estado profundo de


meditação cm que a natureza de Vazio da realidade é plenamente
compreendida; o termo 6 sinônimo de iluminação.

Sambogakaya: corpo astral ou ilusório da M ente búdica. A forma que


as divindades meditativas assumem durante a meditação ou ioga
do sonho.

247
Samsara: estado de existência cíclica condicionado pela ignorância e
sofrim ento do self egóico.

Siddhi: obtenção de poderes ou habilidades, tanto mundanos quanto


espirituais.

Shunyata: “ vazio”. No uso tântrico, denota a natureza de Vazio da


realidade.

Sushumna: canal psíquico principal ou central ao longo da coluna


através do qual a Kundalini sobe.

Tanira: antigo verbo significando “entrelaçar” e im plicando o contínuo


urdir das forças cósmicas m asculinas e femininas que criam o teci­
do da realidade. Como um corpo de ensinam entos, o Tantra em ­
prega um panteão de divindades e seus rituais de meditação
específicos.

Tathata: a “coisa em si”, ou elementos precisos que compõem qualquer


fenômeno; em outro nível, os atributos principais da existência,
isto é, do Vazio.

Thig-Le: veja Bindu.

T ulku: um a reencarnação reconhecida de um ser ilum inado,


teoricam ente uma em anação da Mente búdica.

Vajra: indissolúvel ou indestrutível e prístino, como um diamante, usado


para sim bolizar o Vazio.

Vajrayana: a escola tântrica do Budismo Mahayana.

Yabyum: literalm ente “Pai-M ãe”, referindo-se às divindades masculinas


e fem ininas em abraço sexual tântrico e sim bolizando a união da
Sabedoria e da Compaixão.

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Yantra: um diagram a sim bólico que invoca uma divindade específica.

Yidam: qualquer divindade m asculina ou feminina usada como objeto de


m editação.

Yoga: litcramenie, “união”, im plicando a ligação do m undano com o


divino no corpo-mente. Em geral, inclui vários métodos físicos e
mentais em pregados para estim ular essa união.

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